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A FACE BELA DAS COISAS
Obra publicada pelo Programa “CATALÃO EM PROSA E VERSO”,
instituído pelo Município de Catalão através do Decreto nº 1.978, de
30 de abril de 2008, alterado pelo Decreto, nº 1.433, de 24 de maio de
2010, sendo que a seleção dos trabalhos a serem publicados fica sob
a responsabilidade da Academia Catalana de Letras.
A Academia Catalana de Letras foi fundada no ano de 1973, por
Cornélio Ramos e segundo seu criador, com a preciosa e determinada
colaboração de Monsenhor Primo Vieira e Júlio Pinto de Melo. A
Primeira Diretoria – Fundadora, ficou assim constituída: eleita em
18 de junho de 1973 – empossada em 20 de agosto de 1973.
Presidente: Cornélio Ramos
Vice-Presidente: Jamil Sebba
Secretário: Júlio Pinto de Melo
Tesoureiro: Antônio Miguel Jorge Chaud
Atual Diretoria da Academia Catalana de Letras:
Presidente: JORCÉ Antônio SILVÉRIO de Mesquita
Vice-Presidente: EDSON DEMOCH
Secretário: IVAN Luís CORRÊA da Silva
Tesoureiro: MARCOS BUENO
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Copyright @ 2012 Ivan Corrêa
Coordenação Editorial:
Prefeitura Municipal de Catalão
Fundação Cultural de Catalão Professora Maria das Dores Campos
Academia Catalana de Letras
Projeto Gráfico/Diagramação:
James Cruvinel Junior
Capa:
James Cruvinel Junior
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Rua Delermano Pereira, 376
B. N. Sra. de Fátima - CEP: 75.709-282
Catalão-GO
2012
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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Mensagem do autor:
No meu quarto trabalho literário apresento este livro que
tenta demonstrar, através da poesia, um pouco do árduo processo
criativo dos autores. Tento revelar de onde se extrai a poesia, ainda,
que imatura: em qual objeto, imagem ou situação estaria ela inerte
à espera para ser resgatada e apresentada aos leitores, e, se de
qualidade, firmar-se no tempo.
Quando na virgem lauda do papel começa a surgirem traços
e rabiscos, e, destes abrolharem significados, mensagens, enredos e
emoções: eis que se dá, então, a mágica criação poética, que nem
mesmo os autores sabem, em certas ocasiões, onde colheram e/ou
recolheram o verso.
No poema “Delator da poesia”, fica evidenciado o momento
da captura da poesia que estava, ainda, invisível e camuflada nas
ocasiões e/ou coisas materiais ou imateriais:
“A poesia, quando quer,
ganha corpo e passeia
nos lugares e nas coisas mais improváveis...
...Outro dia, ela teve uma ideia genial:
fingiu-se de assanhaço;
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e num azul maravilhoso
veio se fartar no meu quintal.
E lá se foi à derradeira papaia
amadurada do meu pomar!
... Noutra manhã ela chegou borboleta.
veio enfeitada de cores e trazia uma paz indescritível.
Brincou e beijou em todas as flores do meu jardim.
Uma das minhas azaleias ficou apaixonada por ela.
…Noutra tarde, ela veio chuva.
Dançou linda nos vidros da janela!
Parecia que nem era ela de
tão voluptuosa que estava.
Mas eu a reconheço bem.
Sei que era ela que brincava na vidraça.
Ela que dançava sensual na minha janela;
depois, tomada de acanhamento,
Disfarçou-se pelo chão
e esvaeceu silenciosa.”
No poema “Choro e poesia”, outra vez evidenciase onde pode se encontrar e captar poesia:
“Notei quando a poesia
escorria dos seus olhos.
Outros olhavam e viam
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lágrimas. Divisei versos!
... Na hora que poesia caía do seu
olhar nem queria que cessasse
o choro. Queria que chorasse...
Para que se eternizasse poesia!”
Em “tercetos II e IX”, e na poesia “A minha
mão”, brinquei com a dificuldade de se fazer poesia, tem dia que
não germina, mesmo que nos esforcemos, ou se nasce, vem sem
perfume e nenhum brilho:
“NASCITURO - (tercetos II)
O poema rebelde
fez careta para o poeta
e fugiu em disparada...
DEDICAÇÃO (de poeta) – tercetos IX
Com a esferográfica na mão
torno um samurai e venço guerras.
E nasce verso do suor e da abnegação.
A minha mão...
A minha mão não aprendeu
a tecer versos para a posteridade...”
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Tem muito mais neste livro, espero que a cada ocasião que
alguém o folhear, consiga tirar alguma coisa útil ou agradável de ler.
Rogo que o aprecie sem moderação, porque: “Há crimes piores do
que queimar livros. Um deles é não lê-los.” Joseph Brodsky (19401996).
A todos uma boa leitura, e espero, sinceramente, que
tenham bom entretenimento!
Ivan Corrêa.
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Agradecimentos:
A Maria da Glória Rosa Sampaio, amiga especial e
companheira de Academia de Letras. Minha parenta letrada, sempre
de bom humor e disposta a cooperar com o Programa “Catalão em
Prosa e Verso”.
Pela correção ortográfica deste livro sou para sempre
grato e somente entre nós, confesso: se erros persistiram, a culpa
é unicamente minha, que depois de efetuada a correção, nem sei
quantas vezes alterei os originais.
Ao Guillermo Leonidas Castro Moya, que degusta
literatura como quem sorve um apetitoso vinho chileno. Outro
esteio do Programa de publicação de Obras Literárias do Município
de Catalão e da Academia Catalana de Letras.
A minha esposa e filhas, por aturar-me nos dias e noites em
que permaneço mergulhado nas letras e/ou nos filmes, sem delas
cuidarem o quanto são merecedoras.
E, aos meus poucos e fiéis leitores.
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SUMÁRIO I (POESIAS)
Velhos poetas...
15
O delator da poesia
19
Vida que segue...
23
Choro e poesia
25
Quem te rouba o fôlego…
27
Sou de Catalão
29
Dias vivos...
31
Filhos e temores...
33
Ah! O amor...
35
Um poema meio do além...
39
Ciúmes ou zelos...
43
Boca que beija outono
45
Um pássaro, uma manhã...
47
Êxtase…
49
Não posso dizer 51
que sou poeta...
51
Coisa pequena...
53
Os olhos que me espiam
55
Solidão a dois...
57
A face bela das coisas...
59
eu amo, tu amas...
61
Atrevidamente...63
Poeminha...65
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Ontem...
67
Sobre poetas e poesias...
71
Quando amo...
73
A minha mão...
75
O poder da palavra...
77
Pisando estrelas...
79
Limites81
Repleto de nada…
83
Outra vez, outro adeus...
85
Ausências... 87
Poema do amor 89
Amar com amor 91
Ainda será poesia? 93
Coisas de poeta
95
Ouso um poema
97
Perfume de riso...
99
Digitais da alma
101
Apenas amor 103
Aquele olhar
105
Miragens
107
Teu sorriso
109
De onde eu venho...
111
Noites de amor
113
Você por perto
115
Ninguém é de ninguém
117
Caminhada...119
Cultivo de versos
121
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Tempos idos
Ontem choveu poesia
A lua e o poeta
Agora é tarde
Vestígios de poesia
Meu jeito poeta
Se eu fosse mesmo um poeta...
Sabor de poesia
Hebdômada
123
125
127
129
131
133
135
137
139
SUMÁRIO II (TERCETOS)
Tercetos – I:
Tercetos – II
Tercetos - III
Tercetos – IV
Tercetos – V
Tercetos - VI
Tercetos – VII
Tercetos - VIII
Tercetos - IX
Tercetos - X
28
37
66
74
80
92
100
108
110
124
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Velhos poetas...
“É no devaneio que somos livres.”
(Gaston Bachelard)
Pelos acessos das minhas veias
corre sangue dos velhos poetas.
Navegam na desgraça dos meus
desacertos os meus taciturnos
parceiros e vagantes das letras.
Entre um braço e outro, um poema
que presta e outro torto que infesta!
Corre também por aqui
um ranço de cama suja;
coisa de velho rabugento
que tem horror a sabão e banho.
Pelos acessos das minhas veias
corre sangue dos velhos poetas
e um riacho de manhas e manias...
Neste emaranhado de vias
líquidas, se misturam os que
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se adoravam e os que se odiavam...
De súbito, o poema toma a pena
das mãos hesitantes do velho
poeta e sai correndo a brincar
de pique – esconde, não volta jamais.
Fica um velho a tremer
sem saber o que fazer com
a sombra do poema nas mãos...
Dentro dele ainda tem conservado
o poema mais venerado que
por rebeldia não quer nascer.
Pelos acessos das minhas veias
corre sangue dos velhos poetas.
O sono tempera o sonho e no
horizonte da mente ele flerta
(em vão) com o seu poema mais renitente.
Além, pela madrugada, encontra
desgovernado o poema pelos becos.
Mas, quando intimamente lhe dá as mãos,
sai cambaleante a zombar do pobre, o poema.
O homem, antes falante
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e dominante das letras,
sabe que agora não passa
de um velho já velho demais,
que perde o controle das rédeas
quando tenta domar as palavras...
Sem medo ele compreende
que vem chegando do além
um sono profundo que tem
cheiro de sepulcro e
gosto de eternidade...
Sabe também que deu vida
a vocábulos antes mais
mortos que a própria morte!
Enfileirou uns aos outros,
reinventou outros tantos
e criou poesias e poemas...
Mesmo que vez ou outra
alguns lhe escapam
para brincar de pique - esconde
pelos vãos da mente fatigada...
Pelos acessos das minhas veias
corre sangue dos velhos poetas...
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O delator da poesia
A poesia, quando quer,
ganha corpo e passeia
nos lugares e nas coisas mais improváveis.
Oculta nela um segredo
retido a sete chaves;
que por acaso,
outro dia, descobri:
ela sabe se tornar invisível.
Na maioria das vezes ela é perceptível.
Mas, quando quer ou necessita,
sabe ser discreta, faz-se de muda.
Nestes dias e nestas ocasiões,
somente seres especiais a avista,
quando de seus excursionismos materiais.
Quando se materializa ela é coisas e não vocábulos.
Ganha forma, as mais diversas, e cores espetaculares!
A poesia possui uma magia fascinante.
Pena que consegue encantar poucos.
E em tão raros momentos!
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Outro dia, ela teve uma ideia genial:
fingiu-se de assanhaço;
e num azul maravilhoso
veio se fartar no meu quintal.
E lá se foi à derradeira papaia
amadurada do meu pomar!
Noutra ocasião, olha que danada, ela veio canto!
E o canarinho amareleja com ouro na testa,
fez festa no meu telhado.
E tudo ficou enfeitiçado.
Mas somente eu sabia
que era a poesia
que brincava de encantar!
Noutra manhã ela chegou borboleta.
veio enfeitada de cores e trazia uma paz indescritível.
Brincou e beijou em todas as flores do meu jardim.
Uma das minhas azaleias ficou apaixonada por ela.
Graciosa voltou na manhã seguinte e na outra;
Parece até que vinha somente para encontrar
comigo no jardim de casa. Notei isso nela!
Noutra tarde, ela veio chuva.
Dançou linda nos vidros da janela!
Parecia que nem era ela de
tão voluptuosa que estava.
Mas eu a reconheço bem.
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Sei que era ela que brincava na vidraça.
Ela que dançava sensual na minha janela;
depois, tomada de acanhamento,
Disfarçou-se pelo chão
e esvaeceu silenciosa.
Numa noite dessas, ela se ergueu e se escondeu na lua!
A noite se fez viva e única!
Ela se exibia, desvairadamente...
Pela fresta da minha janela eu a via artista
e o espetáculo tornou a melhor das festas.
Era para mim que ela se mostrava, somente para mim!
Creio que já temos um caso de amor, coisa meio secreta.
Apenas eu é que sabia
que era a poesia,
que meio nua, se exibia
no alto da lua, naquela noite mágica!
Meu Deus!
Hoje ela veio loucura!
Somente agora é que compreendi.
Ela encarnou-se em mim e me fez seu delator.
Um judas moderno; mas o mesmo infiel de sempre!
Agora, qualquer um saberá distinguir a poesia por aí.
Por mais discreta que ela venha nas suas incursões noturnas
será vista, isto, por força e graça deste ser descuidado e distraído.
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Vida que segue...
“Mesmo abstêmio, o poeta costuma ser um anjo
bêbado.”
(Paulo Mendes Campos)
Na quentura branda do ventre maternal,
onde tudo é perfeição, serenidade.
A vida se tece, faz-se o milagre.
E arde, cresce, acende.
Toma forma, ganha feição.
Torna pele, vasos, tecidos. Pessoas!
Depois de desatadas na loucura dos tempos tortos,
vai vencendo os dias, reinventando as noites.
Rostos expostos à mercê dos sóis.
Arde o desgosto, prendem-se
a respiração, mas prosseguem...
Gastando pele, entupindo veias, atrofiando vasos!
Inventam-se outras trilhas, vêm novas amarguras,
vira água salgada o pouco do doce que existia.
Ventos fortes enfraquecem sonhos.
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Arde o ânimo da esperança infinda.
Metade fenece, outra metade cresce.
Gente fraca ficando forte, mirando o Norte!
Na quentura de outro ventre uma nova semente
rebenta sequenciando encanto e milagre.
De novo é canto, festejo, dança.
Arde o olho do pai com o choro virginal.
É Deus de novo tecendo vida, fazendo mágica:
é pele, artérias, tecidos, risos. Alma imaculada!
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Choro e poesia
“O essencial, em poesia, não é o Amor, a Vida,
Deus e outras maiúsculas, mas a própria poesia.”
(Mário de Andrade)
Notei quando a poesia
escorria dos seus olhos.
Outros olhavam e viam
lágrimas. Divisei versos!
Se fosse neve, abrasaria.
Se fosse lobo, devoraria.
Mas era verso, era poesia
que do seu olhar escorria.
Após, nas asas de uma águia
ergueu-se e no céu se diluía.
corporatura que se desfazia.
Choro que caía, se consumia.
Poesia é um rastro na neve.
É um pássaro e é um canto;
um choro, um riso, prantos.
É um nada, às vezes, tudo!
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Poesia, além de letra é figura.
É poesia o que seu olho quer
que seja. Verso pinga do olho,
brota do choro. Poesia é ouro!
Na hora que poesia caía do seu
olhar nem queria que cessasse
o choro. Queria que chorasse...
Para que se eternizasse poesia!
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Quem te rouba o fôlego…
Quem te ama e faz aparecer o sono
naquelas noites longas e frias de outono?
quem segreda coisas aveludadas no teu ouvido?
Quem alisa o teu corpo e te faz lembrar
das minhas palmas? Quem agora te rouba o
fôlego e te alouca, quem, depois, te traz a calma?
Quem te determina que soltes teus cabelos
para que sobre as tuas ancas mais te enfeitem?
Quem te vê como a mais esmerada tela que existe?
Quem nem te censura quando mentes
sobre as coisas mais fúteis que dizes? Quem
se mantém desperto para apenas te velar o sono?
Quem sente tua falta como a maior que existe?
Quem te quer por perto a todo instante?
Quem te pergunta quando vais voltar?
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Quem não sendo poeta te faz um poema,
mesmo que seja apenas para lhe tirar um riso?
Quem te ama mesmo não sendo o teu dono?
Tercetos – I:
HOMEM CHORA?
Uns pingos (frios?)
e teimosos choram
sobre meus brios!
PERIFERIA
Vê como é comum
a minha rua: casas tortas,
sem portas... E todos em jejum!
MELANCOLIA
Vida cinza –
Poema em preto e branco
não sabe avivar manhãs!
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Sou de Catalão
“O poeta canta a si mesmo porque de si mesmo é
diverso.” (Mario Quintana)
Sou de Catalão.
Por isso, essa mistura
de boiada e minério
nessa cara de forte!
Brotei no campo
como brota o arroz,
mãos grossas de calo
seguraram-me primeiro.
Agora, essa textura
fina das minhas
mãos abanam
uns risos falsos
por isso,
queria recrescer
naquela casa simples
cercada de pés de milho
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e tornar-me outro,
com casca dura
e espinhos que
repelissem gente cínica.
Entre os paus-a-pique
incinerar insaciáveis
barbeiros chaguentos
para poder sobreviver
depois dizer
que nessas veias
corre sangue poeta
de tantas gerações.
Sou de Catalão sim,
por isso, essa mistura
de boiada e minério
com cara de bravo!
Por isso, é que peço
uma chuva branda
para poder germinar
outros tantos de mim.
E que em cada quintal,
toda manhã, abrolhasse
poesia com folhas bem
verdes, fortes e orvalhadas!
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Dias vivos...
Nem tente saber quem sou.
Se arriscar perderá até de ti mesma.
Agora sou dia, estou claro,
mas quando ecoar os sinos
já será outro tempo,
E eu? Outro ser!
Há dias intensos e acesos
entrecortados por noites frias.
Nessas horas serei escuridão.
Pirilampos estrelas em mim.
Se há sol nos dias vivos,
há noites que falta lua!
Nem tente saber quem sou...
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Filhos e temores...
“Alguém me reconhece num retrato de menino. Não
sou eu: é minha antiga paz.”
(Roberval Pereyr)
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
Falsas bonecas feitas em fábricas! Melhor fosse ter lhe
dado um poema especial, surgido do âmago deste ser!
Eu, que pra você, mesmo que estivesse maltrapilho e
imundo, sempre aos seus olhos fui um rei admirável...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
Você era esperta demais para ganhar presentes fúteis.
Sempre foi à frente do seu tempo, sempre viva e fina!
Eu, que mesmo fora dos padrões fui sempre o pai mais
lindo da terra, o mais inteligente e perfeito. O modelo...
Agora tenho tido muitas noites cheias de nada! É que
pelas minhas veias correm saudades diluídas e rubras,
fazendo-me em pedaços... Tenho vivido muitas noites
plenas de vazio. É que você cresceu e tem me fugido
pelos vãos dos dedos, minha menina tornou-se grande...
Tenho tido muitas noites apinhadas de nada, busco no
vácuo o bebê que corria pela casa, que enchia de alegria
todos os momentos de ócio, quem me conhece jura que
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não choro nunca, pobres diabos iludidos pela face rude
que carrego. Choro de saudade de um tempo que se foi...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
Uma não ia jamais entender a outra. A vida que corria
nos seus olhos não se daria com a face fria da boneca.
Seu brinquedo colorido certamente perderia o brilho,
ficaria jogado pelo chão da casa, perdido num canto...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
Vai que por um momento você se distraísse e deixasse
de olhar para mim com aqueles olhos felizes. Aí seria
eu que arrasaria o brinquedo, com medo de perder um
segundo da sua existência, muitos me chamariam tolo...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
É que nunca tive tempo para frivolidades e tentei fazer
de você uma dama de verdade, desde cedo. Não percebi
que era uma criança e teria que viver como tal. Cresceu
depressa demais; mas, será sempre a vida do meu corpo...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas.
Meu amor era grande para gastar com brindes práticos.
Queria apenas vê-la passeando pelos caminhos da casa,
sem se apegar a um brinquedo; perda de tempo e vida
olhando olhos que não brilham, olhos que se desbotam...
Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas...
Eu é que queria sempre ser o alvo dos seus cuidados e
mimos, o centro da sua atenção por toda a eternidade!
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Ah! O amor...
“Faz a tua ausência para que alguém sinta a tua falta.
Mas não prolongue demais para que esse alguém não
sinta que pode viver sem você.” (Flóra Cavalcanti).
Não sei bem se
o amor salva
ou nos aprisiona
ao ser amado.
Sei que o amor
perece na rotina,
renasce somente
do arrojo dos amantes.
Se não amarmos
não existiremos bem:
então, vistamos todos
de ousadia e apreciemos
o amor. Este todo-poderoso!
Somente sei bem que
o amor vale a pena:
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ou o céu do amor
ou nada de real
valor na vida.
Amar morno não vale.
Ou alcançamos o paraíso
ou feneçamos no precipício.
Assim mesmo: oito ou oitenta!
Do amor não se sabe bem
em hora nenhuma na vida:
quem disse que soube,
jamais amou de fato,
nem lambiscou
fiapos do amor.
Não sei bem se
o amor salva
ou nos aprisiona
ao ser amado.
Mas quando for amor
saber-se-á sempre:
sempre será diferente
de tudo de antes e antes...
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Tercetos – II
SEPARAÇÃO
Hoje esmaguei amor.
Amanhã saudade vai
chover dentro de mim.
NASCITURO
O poema rebelde
fez careta para o poeta
e fugiu em disparada...
PÁSSARO CANTOR
Canta, voa, revoa,
gira, canta, encanta.
Pássaro curtindo garoa.
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Um poema meio do além...
“Se a íntima angústia de cada um se lesse escrita na
cara, muitos dos que inspiram inveja só fariam pena.”
(Metastásio, Pietro)
Quando vir a noite, um tanto perdido sem nada a fazer,
quero um pássaro noturno a sobrevoar a minha janela:
feito uma alma penada, querendo reza, pedindo prece.
Quero assim: igual alguém batendo, feito um clamor,
e, na mudez da alta noite, me fingindo de outro morto,
aqui dentro, no conforto das sombras, asilado da vida!
Qual poeta, outro louco, cantaria em verso ou prosa a
visita de uma alma já sem seu corpo na própria porta?
Quem adoraria outro ser na sombra fosca e na poesia
eternizaria esta visita? - Eu, também vindo de outras
épocas, outros campos e de outros santos, além disso,
meio eterno, de outro inverno; sei, nos daremos bem!
Não pensem que vou tremer com seu grasnido, nem
que aclararei o escuro que eu adoro e que sou parte;
Sou da noite, também tenho a alma daquele pássaro,
que com insistência de um louco fica a observar-me,
e, parado e contemplativo passo a ser parte do que
para outros seria desdita, mas para mim tão natural!
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Nem sei bem o padre-nosso ou uma salve rainha, nem
sei também se quero rezar; quem sabe, orando aquele
pássaro voando, sumiria e me restaria apenas o vazio.
Quero-o implorando, igual aos feios de face rogando
beleza; de ouvidos moucos finjo nem lhe dar atenção.
Coitado! É mesmo uma alma penada, ainda penando!
Nas trevas da noite o que era para ser assustador,
deixa-me arrebatado. Assim o miserável pássaro
terá que encontrar noutra casa, outro ser que lhe
atenda a penúria de oração; porque, eu, na minha
condição de louco, quero ser é seu parceiro, quero,
noutra noite, ser ave noturna a bicar nas vidraças!
Nem que seja para ser ignorado, que outro me deixe
perdido a bater asas em vão, mas que seja uma alma
competente e na mais pesada das noites que o vento
maldito repita ao longe meus ais, e nada me distraia
da minha sina de visitante maldito, nem que seja um
grito, nas noites, almejo tirar dos insones incrédulos...
Talvez esta psicopatia de poeta, seja a solidão e a dor
e eu deva ser expiatório, tenha de ser tolerante a mais
bizarra das cenas e tenha que ser parte desta magnífica
feiura noturna que me encanta, e este rejeitado pássaro
sejam parte deste enredo imperfeito que me prende todo;
Talvez, eu me consuma nesta delinquência deslumbrada!
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Ivan Corrêa
Talvez este pássaro seja os descartados pela perfeição
mundana, talvez se debruce no parapeito e se entregue
aos castigos pelos seus malfazejos, quem sabe a utopia
da madrugada não me arranque o fôlego ou me roube as
palavras, quem sabe este poema já não tenha sido escrito
e outro no amanhã o reconte, ainda que de forma inédita!
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Ciúmes ou zelos...
“Há sempre um copo de mar para um homem navegar.”
(Jorge de Lima)
O que tenho para contigo
não é ciúme. Tenho zelos.
Tento conter não consigo.
Eu tenho é sede de posse.
Meu amor, tu tens abrigo
neste peito. Tu governas.
Afeto e paz é que persigo.
Este amor é coisa de pele.
Nosso lance é bem antigo,
veio de outra encarnação.
Este amor parece castigo,
deixa-me louco, preso a ti.
Se estás longe vejo perigo
em tudo e em todos, zelos?
Quiçá. O ciúme é inimigo.
Só desejo estar ao teu lado.
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Teus carinhos eu mendigo
em todas as noites longas;
só não te amarei no jazigo
se a morte me levar antes.
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Ivan Corrêa
Boca que beija outono
“O verso é feito do ar que se respira.”
(Dante Milano)
Nas noites altas
o amor cavalga
no lombo dos sonhos.
Uma boca que beija
o outono da janela,
beija eu, beija ele, beija ela.
Nas madrugadas mudas
até os frios e apáticos
se mostram intensos.
É que a lua surda
desanda a brilhar
sobre os lençóis da cama.
É que pela fresta ela
também quer acariciar
uns corpos terrestres...
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Depois, ruborizada,
se esconde por entre
as nuvens de algodão.
Em outra noite qualquer,
se fingindo outra mulher,
brilhará noutras camas.
Mas, para os incautos poetas
ela se mostra sempre dama,
uma deusa acima de nós!
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Ivan Corrêa
Um pássaro, uma manhã...
“Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!”
(Alberto Caeiro)
Um pássaro madrugador confessou nos meus ouvidos
que hoje o dia estará com uma feição espetacular.
- Sussurrou e saiu voando em disparada!
Surpreendentemente, não fiquei espantado com o fato,
maravilhado, descobri que somente eu ouvia pássaros...
- Isto, já faria o dia esplêndido!
É comum se fartarem no meu quintal e no meu jardim...
Aninham-se e se amam nas palmeiras e samambaias;
- mas, daí a segredar nos meus ouvidos!
Deve ser porque chegou a primavera e vão pintar tudo
com cores magníficas, deve ser porque é lei se alegrar.
- Na primavera, não se salva a tristeza!
Um raro lilás, um amarelo vibrante e um rubro sangue
sobrepuseram o verde do jardim pondo vida em tudo...
- o que se pintou, de fato, foi o meu olhar!
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Parecendo um raio, talhou pelas flores um louco pássaro,
abriu o bico e cantou como nunca! Até ele se contemplou.
- Fiz-me de morto e apreciei a vida!
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Ivan Corrêa
Êxtase…
Há tantos poemas secos lançados ao mundo
que se fossem levados a sério
secariam mares!
Não sinto aroma nesses poemas nublados:
sombras em noites sem lua,
clamores abafados!
Afogo meus lábios nas sublimes poesias:
arranco sóis ocultos das linhas,
faço luzir meu refúgio!
Enxugo as lágrimas nos bons poemas
e nos versos de seda-pura
embriago-me de êxtase!
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Ivan Corrêa
Não posso dizer
que sou poeta...
Não posso dizer que sou poeta...
Faltam-me verbos e aptidão!
Mas tenho tantos vocábulos
a fervilhar na minha mente!
Não posso dizer que sou poeta...
Sou de uma carne que pulsa
poesias; sou uma jura de
amor perdida no tempo!
Não posso dizer que sou poeta...
Sou os acordes belos que os
dedos tiram das cordas;
sou os elos da conexão!
Não posso dizer que sou poeta...
Sou a invisível teia da aranha
a espera da presa distraída;
sou a árdua luta da criação!
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Não posso dizer que sou poeta...
Não sei adornar as elocuções,
nem tenho uma irracional
angústia presa no peito!
Não posso dizer que sou poeta...
Não me assento sereno, frente
a uma virgem lauda de papel
a espera que o verso se crie!
Não posso dizer que sou poeta...
Não tenho em mim o tempo
insano dos amantes; nem
tenho sonhos de altivez!
Não posso dizer que sou poeta...
Mas a flecha do destino que
indica os escolhidos quase
que se deteve em mim!
Mas não posso dizer, ainda,
que já estou poeta!
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Coisa pequena...
“Um poeta não pode dizer nada sobre a poesia. Isso fica
para os críticos e professores.”
(García Lorca)
Minha poesia transporta o peso
da minha pena...
Meus versos, vermes que cursam
no recinto da cena
e este poeta trôpego
o mais fraco de uma centena
insiste em enfileirar palavras
numa ordem nada serena,
o que resta é coisa pequena!
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Ivan Corrêa
Os olhos que me espiam
Se formos aquilo que sentimos
sou poesia; verso metrificado.
Sou planície, sou bicho solto...
Depois sou a manhã raiando,
sol fraco no horizonte,
sereno na folha verde...
Tem horas que sou rima teimosa
que não quer sair do ventre,
depois o pássaro no além...
A seguir sou o homem rude
que só pensa trabalho,
louco atrás de justiça!
Quem me vê não me decifra.
Sou muitos em um ou ninguém.
Depende dos olhos que me espiam!
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Ivan Corrêa
Solidão a dois...
Quando dois que se gostam
assentam-se na varanda;
e o silêncio, indelicado,
põe-se ao lado...
Coitados!
Cansado,
esquiva
o amor.
É como se a varanda, antes enorme,
agora não coubesse mais o casal;
ficam mudos, perdidos,
só o silêncio balbucia...
Enlouquecidos!
Entristecidos,
não são mais
parceiros.
A noite chega e os olhares se enegrecem.
É como se somente a ela pertencessem;
ficam distraídos e peregrinam-se
soltos na imensidão da noite.
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Tudo agora significa
autoflagelação;
tudo fica sem
gosto e sal...
Aquilo que de forte parecia um sol,
hoje se contorce buscando vida;
percebem que se consumirá,
exaurir-se-á como a noite.
É amor que ficou frio...
Ninguém teve dolo.
Coisas da vida,
tudo acaba!
Acabou.
Ponto
final.
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A face bela das coisas...
“Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.”
(Emílio Moura)
Abro-te o peito para que
arrebate de dentro de mim
a carta de amor que te escrevi;
mas por me faltar a audácia dos
jovens amantes, jamais te enviei!
Sou assim mesmo:
é de mim que chove a calma,
daqui é que choram os violinos,
minhas letras são anzóis e pescam
o que eu quero e preciso para viver!
Palavras escorrem de mim,
outros as apanham e degustam.
Alguns descobrem o sabor; outros as arrazoam sem
sal, com gosto de nada.
São pescadores que pescam sem a isca!
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Versos e palavras são folhas
caídas que vagam sem donos.
Frutas amadurecidas que sobram
da ceia das aves e tingem de carmim
o chão da trilha que marcha os apáticos!
Arranca a carta de amor
que jaz inerte dentro de mim.
Mas não a consumas toda, aprecia-a.
Se por mim nunca tiveras afeição, quem
sabe surja antes que do papel as letras fujam!
Aproveita agora o doce
dessas palavras de amor.
São elas de outros tempos.
Hoje já não seriam perfeitas assim:
a face bela das coisas não é eterna!
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eu amo, tu amas...
“O poeta não inventa. Ele escuta.”
(Jean Cocteau)
eu parto
tu foges
ele chama
nós perdemos
vós exasperais
eles sucumbem
eu ignoro
tu sofres
ele clama
nós choremos
vós sobejais
eles padecem
eu cumpro
tu sabes
ele inflama
nós vencemos
vós venerais
eles fenecem!
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Atrevidamente...
“Sou náufrago de mim/ E invento minhas ilhas.”
(Myriam Fraga)
E esse céu sombrio
que tinge de negro
a transparência
da minha janela...
- Se eu não o chamei
como é que chega assim:
atrevidamente sem cerimônia?
- Esse negrume nasce é de mim,
eu é que estou no reflexo além dos vidros!
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Poeminha...
O poema
quando é forte e real,
queima as vistas
do pobre mortal
que o arrostar...
Coloque-o
contra a parede
que ele mostra
tudo o que tem
nas entrelinhas...
Não dê moral
ao poema;
faça-o perceber
que quem sabe
dele são os olhos
que o desvestem.
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Depois, perpetre
um charminho,
que ninguém é tolo
de cerrar um livro
brigado com um poema!
Tercetos - III
LUA BRANCA
Ontem fiz um poema
da lua na poça da rua.
Ninguém apreciou o tema.
BRIGAS
Esmagou a rosa na mão.
Chora flor entre os dedos,
no chão pingam segredos!
MONTROS DA NOITE
Calei. Nos cantos desta
noite cantam os grilos.
Choram meus pupilos!
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Ontem...
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Hoje, não derreto mais queijo
na chapa do fogão a lenha;
nem “quento” fogo nas frias
manhãs de junho, no rabo da fornalha;
não como mais carne de lata, nem vejo
meu pai caçar perdiz com a cartucheira.
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Hoje não ouço mais modas
caipiras no toca-discos sonata;
não pego pequi no campo, nem
pesco lobó no ribeirão, não ando
mais a cavalo, nem sei mais jogar
o laço, nem ouço o canário trilar…
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
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passou em um minuto.
Não vejo mais briga de boi,
nem ouço bezerro berrando.
Nunca mais vi córrego cheio,
nem raposa pegando galinha.
Não vejo mais pica-pau, nem rolinha
fogo-apagou, nem assanhaço na papaieira...
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Não bebo mais leite com
farinha de milho, não me lembro
mais do doce que o melado tem.
Não como mais carambola, romã,
jabuticaba, cajá-manga, nem amora.
Nunca mais me banhei no poço azul...
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Nunca mais vi forno de barro,
broa de milho, biscoito frito na
banha, pele de porco sapecado,
farofa de tatu, traíra frita, pelota
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de tamanduá, rapadura, linguiça
de porco caipira, mel de abelha jataí!
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Meu Deus do céu! Cadê o
canto do galo de manhã cedo?
Cadê meu pai no curral tirando
o leite, cadê meu cão que nadava
comigo no ribeirão; cadê aquele tempo
que eu ainda trago preso no meu coração?
Ontem eu tinha cinco anos...
E tudo o que era bom
passou em um minuto.
Agora já estou meio velho
e nem me lembro mais como
eu rezava uma salve-rainha...
Ontem eu tinha cinco anos,
e tudo o que era bom
passou em um minuto!
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Sobre poetas e poesias...
No lago da pluralidade pesco
minha poesia e converto
noite fria em dia de sol!
Eu queria um verso
que mostrasse o futuro
aos olhos de quem o lesse!
Para o poeta a poesia ainda
não grafada, talvez seja sua
única fuga do tédio absoluto!
O poeta saiu à caça da poesia.
Esgueira ela se disfarçou
de rio e iludiu a agonia!
Poeta é o ser encantado que
dá cor à mais desbotada das
palavras, depois se desencanta!
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Poesia só tem valor para as pessoas
se elas nunca tiveram a oportunidade
de se cruzarem com o poeta!
Porque poeta para as pessoas
são uns seres que não existem.
Se andam pelas ruas, poetas não são!
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Quando amo...
“Não chore pelas coisas terem terminado,
sorria por elas terem existido”. (L.E.Boudakian)
Quando amo, piso em estrelas.
São diamantes reluzindo no chão
o fulgor que há por dentro do ser que ama.
Quando amo, as folhas do caminho
são tapetes mágicos postos por Deus para
atenuar as trilhas que antes eu pisava sozinho.
Quando amo, cada canto de pássaro
vira uma sinfonia, cada aurora é um evento.
Vejo estampas finas pintadas nos azulejos brancos.
Quando amo, exponho segredos seculares.
Navego suave o rio de utopia, de margem a margem.
Voo com aquela ave branca naquele azul de céu de poeta.
Quando amo, qualquer arrojo vira poesia boa.
Em toda água diviso um porto; no céu sempre há lua.
Aquela saudade de antes, faço presa numa ilha deserta.
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Tercetos – IV
NEGLIGÊNCIA
Ela não soube cuidar
do verso de amor que
havia no meu olhar!
ESPELHO
Entre as poças da rua
das minhas lembranças
passeia eu, desfila a lua!
AROMA
Quem pensa passar imune
pelo teu mundo, jamais
sentiu teu perfume!
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A minha mão...
“É preciso estar sempre embriagado.
Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.”
(Charles Baudelaire)
A minha mão não aprendeu
a tecer versos para a posteridade.
O sonho da laranjeira sedenta
é que o céu chore chuva;
o meu é que Deus tenha
posto açúcar nesta uva!
Deitarei sem pressa nesta ponta
de primavera; vou-me levantar
somente quando cair sobre
o meu corpo folhas
coradas de outono!
A minha mão não aprendeu, ainda,
a tecer versos para a posteridade!
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O poder da palavra...
“Ai palavras, ai palavras,/ Que estranha
potência a vossa!”
(Cecília Meireles)
A palavra bem escrita
tem na garganta o grito
mais alto que há no infinito...
Basta que os riscos tenham músculos,
basta que se divisem as diferenças,
basta que apresente uma face real…
Quando se lança a palavra
não se tem mais o comando:
é chama que fugiu do controle...
A palavra queima e atraiçoa
até os que bem se dissimulam
para criar as dores que nos matam!
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Ivan Corrêa
Pisando estrelas...
“Mas há nesta lua cheia/ dentro da noite vazia/ um violão
que ponteia/ na memória e silencia.”
(José Chagas)
Caminhei pelas calçadas,
por não poder andar na lua.
Minha vontade pôs estampada
nas poças da minha rua, a linda lua!
Pintou-se, então, de prata
a lama sem graça daquela via.
Na verdade o fulgor foi repousar
nos olhos do único vagante daquela rua!
Perdido no contentamento
daquele céu, na terra do nunca,
pisei no astro brilhante deformando
a beleza que se refestelou na poça imunda!
A seguir deixei que novamente
ganhasse brilho e a forma perfeita,
depois despedi daquela prata na lama
podre, segui caminhando pisando estrelas!
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Tercetos – V
ABANDONADO
Boa noite, amor, onde estiveres!
Daqui ficarei ideando teus encantos.
Antes que ultime de vez os teus haveres.
SOU VÁRIO
Sou múltiplo, sou tantos em um;
(que nem sei mais) qual de mim sou eu.
(Seria tão incomum) não ser mais nenhum?
POETA
Sou jardim de beija-flores...
Sou o néctar, sou os valores.
Sou o remo e sou os remadores!
ACABOU O XORORÔ
Estranho! Você sumiu daqui.
Vivia igual a um bem-te-vi.
Teu galhinho era em mim.
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Limites
Luto com energia
para ver sair do chão
o alicerce dessas meninas.
Hoje ando inclinado a
direita, transporto nos ombros
mais da metade da vida já percorrida,
o que resta, me mantém intenso e de pé.
Esta pele manchada
é exposição demais sob
sol escaldante. Tinha que marchar...
Essas moças para estarem assim,
levaram 2/3 da minha asa,
+ 2/3 das minhas noites,
mas fizeram brilhar intensamente esta casa!
Esses gritos e algazarra, que entediaram
um homem de meia-idade, são carinhos na
minha alma; sopro de brisa no meu semblante.
Casa eternamente renovada, novas caminhadas...
Plantei bem as sementes da vida.
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Livre ouviria o sussurro do mar, o canto
de gaivotas, conheceria novos ambientes...
Mas não teria o choro nostálgico de bebês,
nem o sorriso puro de anjinhos soltos na casa!
Fui sempre o esteio de aroeira
na vida dessas inocentes. Também soube
ser ternura, a palavra dura, mostrei-lhes que
existe o “sim” e o “não”. Soube ensiná-las sobre
limites. Também, que é preciso dar o primeiro passo...
Luto com energia
para hoje ver sair do chão,
o alicerce dessas minhas meninas!
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Ivan Corrêa
Repleto de nada…
“A verdade é feia: temos a arte a fim de
que a verdade não nos mate.” (Friedrich Nietzsche)
Nem na solidão, há solidão, como todos falam.
Aquele pássaro,
naquela gaiola fria, todo dia,
o céu passa à sua frente,
sol ardente aquece o frio
metal daquelas grades!
Do interior da sua clausura
o pássaro cantor vê acenos;
vê o menino que corre
solto na vida todo serelepe.
menino-lobo pisando florestas...
O cantar cheio de vida
faz tremer a solidão;
que agora dança boleros
de Ravel na dura manhã
encouraçada do pássaro.
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O pobre, agora louco,
faz mil viagens em torno
de si mesmo, e se perde
na imensidão do seu mundo
(encantado?) e repleto de nada.
Quantas vezes já me viram preso
numa gaiola imaginária de
grades intransponíveis?
Quantas vezes se desfizeram
sem que muita força eu fizesse?
Mas tudo a seu tempo.
Nem na solidão, há solidão, como todos falam.
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Ivan Corrêa
Outra vez, outro adeus...
“Se eu tombei de amor foi que o peso da dor inventou-se
de aninhar sobre meus ombros.”
(Ivan Corrêa)
Você partiu...
Parece que não voltará.
Partiu sem motivos aparentes;
ou por motivos imaginários, ilusórios.
Sem adeus, sem saudades, sem pesares!
Meu mundo desabou.
Parece que não se erguerá.
Restaram muitas coisas pendentes,
não existiu discussões, nem falatórios.
Apenas o vazio eternal dos nossos azares!
Por onde o desejo fugiu?
Por quem seu corpo palpitará?
Se o calor e a volúpia se fizerem presentes
e não lhe sossegar as mãos e os acessórios,
verás que tomou decisões e rumos irregulares!
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A FACE BELA DAS COISAS
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Ivan Corrêa
Ausências...
Transborda de mim
duas ausências:
numa ela nunca regressa;
noutra ela jamais parte!
Esta distância
de dois próximos:
tão presentes,
tão ausentes!
Ninguém fala
adeus, ou até logo:
e esta chuva fina
chora indiferença!
São dois perfumes
que se anulam:
e a esperança
se desespera!
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Quem sabe amanhã
o sol será ouro e
a chuva cessará
esta ausência de alma!
Quem sabe amanhã
a calma se encorpa
e a ausência na chuva
se dilua e se evapora!
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Ivan Corrêa
Poema do amor
Quem sabe, o amor
é este campo de girassóis;
quem sabe, esta lua que se insinua
neste céu sem cor, que beija os montes!
Um corpo moreno
seria puro sonho ou delírios;
a noite me trás um perfume sensual,
no fundo da alma uma saudade meio doce!
Um vento madrugador
deu-me um beijo na face;
aquela estrela no alto piscou para mim.
Quando se ama nada “ou tudo” faz sentido!
E este poeminha vulgar
que não me contradiz e nem
me deixa mentir; prova que o amor é
este ciclone louco; frenesi no peito da gente!
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Ivan Corrêa
Amar com amor
Ponha uma música para tocar,
eu não careço, meu coração sim.
Ponha um sorriso nesse rosto,
mesmo que seja a contragosto.
Ponha esperança no meu peito,
mesmo que seja falsa, eu aceito.
Ponha de novo amor nesse olhar,
deixe esses olhos me inebriarem.
Ponha loucuras sobre esta cama,
deixe o amor acender sua chama.
Ponha fé nessa história de amor,
amar com amor, não há pecador.
Ponha sonhos lindos na sua noite,
não deixe que a solidão lhe açoite.
Ponha seus beijos na minha boca,
provoca; após, de amor me sufoca.
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Tercetos - VI
DEUS
Sou a fé que te ajoelha,
sou a voz que te aconselha.
Sou a pedra, sou a muralha, sou a telha!
RUA DA FOFOCA
Sou comum, sou qualquer um:
sou do jeito que seus olhos me vêem.
Aceito ser o tema na rua do zunzunzum.
PESCARIA
Quem sabe do fundo do rio
é o peixe quem me pesca!
Usando anzol e isca de alforrio.
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Ivan Corrêa
Ainda será poesia?
Poesia,
seja discreta,
pise suavemente.
Somente ela deve entender,
somente ela pode perceber,
que estou a falar de amor...
Poesia,
sua voz é cativante,
então, fale baixinho.
Pode ser que ela dorme,
deixe-a dormir sossegada.
De manhã, sussurre nos ouvidos dela...
Poesia,
agora fale que é hora,
tome a mão dela e fale.
Quase fale sobre amor,
quase fale de saudade,
deixe que ela se dê conta...
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A FACE BELA DAS COISAS
Poesia,
Se a mão tornar-se trêmula,
se um fado tocar na hora...
Cale-se. Silencie de pronto.
Se um acorde soar pujante,
já será poesia, não fale nada!
Poesia,
Se lhe faltar o ar,
se lhe fugir o chão,
essa é à hora, fale ao coração;
não diretamente, delicadamente,
ela deverá captar o que quiser captar.
Poesia,
depois volte e me arrazoe
abertamente se ainda há amor.
Se será verde minha primavera,
Se terei ar puro nas minhas manhãs...
Se você, Poesia, ainda será poesia, quando anoitecer!
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Ivan Corrêa
Coisas de poeta
Pensem em mim
como alguém que saboreava
poesia e pão no café da manhã;
como alguém que ouvia Ângela
Maria e Nelson Boemia, ao dormir;
como quem se entregava à preguiça
nas canções em espanhol do Nat K. Cole!
Pensem em mim
como alguém que desenhava
poesia na virgem lauda branca;
como alguém que se sentia vivo
ao ouvir o canto dos passarinhos;
como alguém que se dava bem com
os velhos, jovens e com as criancinhas!
Pensem em mim
como alguém que não se dava
bem com o peso e coisas de alma;
como alguém que disfarçava bem
a timidez que pesava nos ombros;
como alguém que sabia esconder a
ternura sem fim que tinha no coração.
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A FACE BELA DAS COISAS
Pensem em mim
como alguém que flertava com
as estrelas, que falava com a lua;
como alguém que sentia a brisa de
cada manhã, que ansiava pelas chuvas;
que sabia demais a coragem de um olhar,
que sabia sempre a hora exata de se calar.
Pensem em mim
como alguém que lidava com
as letras, que buscava sempre
a palavra certa para a ocasião;
como alguém que tentava deixar
este mundo mais terno e colorido.
Como alguém que tentou o tempo
todo, ser poeta de ofício e benefício!
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Ivan Corrêa
Ouso um poema
Ouço palavras
na mudez do vento
que corta na varanda
Ouço palavras
e sei das vontades
que elas guardam
Ouço palavras
e todas suplicam
que eu as engula
Para que depois
eu as restitua
soltas no tempo
Ouço palavras
que mudas e frias
não geram poesias
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Ouço palavras
quentes e loucas,
pena que poucas
Ouço palavras
que por si só
já são poemas
Ouço palavras
e como um louco,
ouso um poema!
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Ivan Corrêa
Perfume de riso...
Quando tenho teu riso leve
parece que a alegria salta do teu rosto
para o meu; tudo se torna um encantamento.
Deixo meus olhos demorarem no teu sorriso,
necessito eternizar esta imagem para meu deleite!
Teu sorriso era tão leve.
Tão leve que se foi com o vento.
Ficou em mim o peso desta saudade
e uma vontade de ter-te aqui novamente,
meiga e pura e com aquele sorriso leve e lindo!
Quando partiste, naquela noite,
teu sorriso caiu no chão e se desfez.
Hoje somente eu o possuo na lembrança.
Nem a ti ele pertence mais como antes pertencia.
Sumiram do teu rosto o riso e todo o encantamento!
Teu sorriso era tão esplêndido
que eu sentia um perfume peculiar de riso.
Somente um riso divinal para ter aquele poder.
Agora chego a ouvir a dor na minha voz de saudade.
Agora chego a perder o anseio de continuar a viver assim!
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Tercetos – VII
BEIJO
Se sua boca toca a minha:
saio do chão, caminho no céu.
Sou um rei no beijo da minha rainha.
PEIXINHOS
Esses peixinhos realçados
pelas mãos de Deus; são pingos
de calma nesse rio pingados!
SEPARAÇÃO (de corpos)
Agonia, desejo, vontade.
Distância que fere e rasga
a carne. E sangra saudade!
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Ivan Corrêa
Digitais da alma
Precisamos muitas vezes na vida
despirmo-nos de nós mesmos; e,
calados, apenas ouvir o que vem
de dentro do nosso ser aquietado!
Às vezes é preciso conversar
acaloradamente com a parte
calma que vive na dormência
dos dias mornos da nossa vida!
Sentar-se ao pé do anjo falso
que carregamos como fardo
ao longo dos anos, e, de dedo
em riste lhe mostrar verdades
há muito reprimidas na nossa
moral de gente sã e acalmada!
Rasgar esta falsa roupa de cetim
que nos adorna e cobre a parte
suja que pesa nos nossos ombros
elegantes no dia-a-dia da vida...
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Depois de um tempo, somente
assim é possível termos uma
noite sossegada; uma faxina
de nós, em nós mesmos, ufa!
Depois leves e com as mãos
perfumadas, nem em sonhos
seremos os mesmos de antes;
e suspiros diferentes surgirão!
E a parte imutável que restará,
esta é você, é a sua essência;
nem você, ou eu, nem ninguém,
se livrará dela, são digitais da alma!
Que sejam limpos os seus rastros,
Que sejam sublimes seus restos,
Que sejam doces os seus haveres,
que sejam, antes de tudo, coisas de
seres humanos humanizados e reais!
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Ivan Corrêa
Apenas amor
Preciso,
com versos perfeitos,
arrombar as portas do seu coração...
Assim,
você já extasiada de poesias,
pediria para eu deixar de compor...
Depois,
ao invés de fazer poemas,
faríamos, por horas seguidas, apenas amor!
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Ivan Corrêa
Aquele olhar
Hoje não sou mais o de antes.
Nem há tanto viço no meu olhar...
Meus cabelos não estão leves como eram.
Agora caminho num outro compasso.
Agora mudo passos, não saio correndo...
Até penso que sei o que faço da minha vida!
Aquele olhar que eu possuía
saiu voando numa manhã verde e sumiu.
Agora dentro de mim
habita um pouco de noite
onde o fantasma do tempo
esforça-se para me assustar...
Atualmente, creio que sei caminhar
sem tropeçar na pedra do caminho...
Eu já não sou mais o de antes e
nem há tanto viço no meu olhar...
Assim, dizem que sou bem melhor. Será?
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Ivan Corrêa
Miragens
Teu vozear não era mais que um sussurro;
embora, de tanto alento que conduzia,
parecia um grito e me dominaria fácil.
Teu perfume era diferente, rico e único,
meio úmido e meio feral, almiscarado!
Era como se ele não te pertencesse...
Teu coração acelerou, poderia ouvir o pulsar.
Era tudo tão real e visível, era puro ardor.
Era fogo e abrasaria os lençóis de cetim!
Era tudo um louco e estranho contentamento.
Sabíamos que a ocasião não nos pertencia.
Parecia alheia, tínhamos outras peles!
Mas eu me havia resgatado de mim mesmo.
Já era um trunfo fenomenal, uma noite
de sonhos e quimeras. Foi real demais!
Refiz o fôlego e parece que ainda sentia
o teu cheiro no escuro deste quarto.
Feliz fiquei a esperar a luz do dia!
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Tercetos - VIII
SEDE OU FOME?
Veja como o verso pede
outro verso, e outro, e outro...
De certo verso de verso tem sede!
TRETA OU MUTRETA?
Quem foi que disse que poeta
sabe tudo sobre o amor?
- Sabe nada de nada, é tudo treta!
EXAGERADO
Humilha, fere, faça dor.
Talvez mereça mais que isso.
Amar em demasia, perde-se no amor!
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Ivan Corrêa
Teu sorriso
Teu sorriso escapa
mais pelos olhos
verdes
e soltos no vazio da sala.
Presente dos deuses
que puros, liberais, e
alvos,
nos viram dignos.
Dos teus lábios fogem
mais que risos, que de
dourados
tingem o chão da casa.
Teu riso solto nos olhos
e nos teus lábios
rubros
ávidos por beijos,
fez-me entusiasta poeta
neste dia lindo, de um
azul
de paz e desejos!
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Tercetos - IX
DEDICAÇÃO (de poeta)
Com a esferográfica na mão
torno um samurai e venço guerras.
E nasce verso do suor e da abnegação.
NATURALMENTE...
Se for amor o desejo brilha
possante nos olhos dos amantes.
Lei da vida. Lobo segue a matilha!
CASAMENTO
No início, sabor de um fino mel.
Durante, a guerra bate a paz.
No adeus, picadas de cascavel!
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Ivan Corrêa
De onde eu venho...
De onde eu venho...
Promissória não se assina,
a palavra é que determina.
O belo surge a cada manhã,
erva boa, é salsa e a hortelã,
filme passa é na tela do infinito,
ameaça o cão late, rebate no grito!
De onde eu venho...
Os escritos são manuscritos,
não tem brigas nem distritos.
Só se mata para saciar a fome.
E todo homem tem sobrenome,
ninguém fica a remexer no lixo.
Respeita-se a força do crucifixo!
De onde eu venho...
Ouve-se das araras o alarido,
no quintal sabiá canta doído.
Nos bailes dançam abraçados
homens e suas damas, colados.
Ainda se ouve valsas e boleros,
canário, seriema, quero-queros!
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De onde eu venho...
Não se morre de depressão,
não há ocasião para solidão.
Ainda se pisa em terra batida,
Respeita-se pai e mãe querida.
Ainda se cozinha a fogo de lenha,
Lá fora berros e vaca na ordenha!
De onde eu venho...
Tem quermesse, missa, novena,
pomares, praças, rosas, açucena.
Tem jogo de bola e festa de roça,
moça bonita, piada, risos e troça.
Tem moda de viola, sanfona, catira,
tem poeta, poesia, enredo, mentira!
De onde eu venho...
Ainda se respeita os velhinhos,
ainda se sabe nome dos vizinhos.
Ainda empinam pipas os meninos,
ainda dá o de comer aos peregrinos.
A água ainda é limpa e brota na fonte,
ainda se molha o pé da cruz no monte!
De onde eu venho...
Quem conta do novo dia é o canto do galo!
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Ivan Corrêa
Noites de amor
Se a minha noite é com você
não há madrugada fria,
nem mesmice
sobre a cama.
Há, nestas noites de amor,
duas vontades,
dois desejos,
um calor.
Quanto mais fico com você, mais
tenho sede de ficar, se tenho
o seu beijo outra
boca não desejo.
Quanto mais este amor se acalora
mais terno fica o vento que
sopra meus cabelos
quando me levanto.
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De manhã, quando partir pode
levar dos meus olhos o brilho
que deu a eles na
noite que findou.
Mas se na hora do adeus eles ainda
brilharem, podem ser lágrimas
de temor de que não volta
na próxima noite.
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Ivan Corrêa
Você por perto
Hoje tranquei a dor
num baú de pirata e
vou por alegria na cara.
Fomos feitos pra saborear!
Os mistérios das noites
fazem você mais viva e linda.
E não me é dado o direito
de não ser feliz demais...
Com você um sorriso
tem cor, olhar é magia;
mãos desfilam rumos
encantando caminhos...
Com você por perto
a vida é pro que der
e vier; nada é muito;
riso transborda fácil!
Se a lua vier e roubar você,
farei prece de adoração;
chorarei a noite inteira.
Ainda, que chore a noite!
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Mas como bem sei
que não me fugirá,
vamos desfilar ledice
de mãos dadas pelas calçadas...
Hoje tranquei a tristeza
num baú de pirata...
A vida é feita para
saborear momentos!
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Ivan Corrêa
Ninguém é de ninguém
“Em amor, não há último adeus, senão aquele que se não diz.”
Alexandre Dumas
“O olhar indiferente é um perpétuo adeus.”
Malcolm Chazal
“Todos os meus dias são um adeus.”
François Chateaubriand
Ah! Como eu te amei, do meu jeito, mas eu te amei.
Quis tanto ter-te pra sempre. Confesso que a falta
do teu amor me machuca. Confesso que dependo
dos teus beijos. Um velho amor não morre apenas.
Indiferença, talvez, seja pior que um sonoro adeus.
Tenho direito a um olhar de despedida, a um aceno.
Confessa que te maltrata a carência do meu corpo,
Admite que a toda hora tu ainda pensas em mim.
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Eu sei que ninguém é de ninguém, já disse o poeta.
Mas em algumas ocasiões foste minha, sabes bem.
Então, por que isso, do nada, fica a inventar coisas?
Mudar não vou jamais, nem tu mudarás, inda bem.
É assim que adoramos um ao outro, assim seremos.
Então, deixa que fale mais alto o desejo e o apetite.
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Ivan Corrêa
Caminhada...
Um pouco de mim
deixei pelas trilhas em que andei:
sonhos, desgostos, desejos e suor.
Durava uma eternidade
aquelas noites de frio intenso.
Eternizaram em mim
as feridas daquele tempo.
É isto, esta casca dura
que trago sob minhas vestes.
Estas rugas nas minhas faces
não são de agora, não.
Surgiram da poeira dos dias
que passei solto pelas estradas.
Esses caminhos que percorri
sorveram metade da brandura
que havia no meu olhar de homem.
A outra metade trago oculta
até de mim mesmo...
Plantei na poeira dos caminhos
a planta do meu pé descalço.
Plantaram em mim as dores
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de João, Antônio, Manoel e José...
Levo sobre os lombos as dores do mundo.
No barulho angustiante do silêncio,
o que me acalmava era
sentir o vento madrugador
acarinhando o meu rosto.
Na fé do caminhante eram carícias
de Deus num ser solitário e padecedor.
Eu que pensava que ficava pouco a
pouco por aqueles caminhos...
Somente agora percebo que foram
eles que foram ficando em mim.
Cada curva, cada monte, cada chuva
alongada nas noites frias,
lavava meus defeitos e
deixava-me casto de novo.
Sobrevivi às tempestades
e à dureza dos caminhos;
as partes que perdi, de
fato não me pertenciam.
As marcas do tempo
é que me deixaram assim:
de semblante triste e meio rude
ou de semblante rude e meio triste.
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Ivan Corrêa
Cultivo de versos
Cultivo em mim
expressivo campo de versos!
Entre as linhas enfloram
magnólias brancas
em galhos quase
secos e sem folhas.
Flores de cravinas
vermelhas e lindas;
rosas de diversos
entretons, distraídas
e seduzidas pelas
sorvidas dos cuitelinhos...
Cultivo em mim
passivo roseiral de versos!
Os que passam nas barrancas
sem que os olhares desmaiem
rumo aos estrados floridos,
vivos não estão. Caminham
semelhantes a zumbis,
estão mortos e vagam;
nem merecem a magia
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desses alegres colibris
que se fartam de néctar
no meu campo de versos...
Cultivo em mim
atrativo canteiro de versos!
Os beija-flores me tecem uma rima,
a rosa se anima e floresce carmim...
Muda o clima e de cima vem a paz.
Chuva mansa na campina.
Este campo é minha estima,
a lástima de antes, aqui jaz!
Tudo se eterniza, nem
o momento é fugaz!
Cultivo em mim
um (in) produtivo
prado de versos que
foi invadido pelos
cuitelos multicores!
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Ivan Corrêa
Tempos idos
Cravei duas estacas
naquele chão antigo
pensando cercar a dor
que escorria para o rio...
Vi adormecer o pássaro
que brincava de formiga
picando folhas e horário
esperando o frio inverno...
Foi quando me prostrei
à sombra do tempo ido,
fiz florescer lembranças
e troncos de cedros secos...
Agora é que descobri que
sou capaz de acariciar o
vento e domar sua robustez
com a palma da minha mão...
Cravei estacas de cerne
foi no chão do peito meu,
pingou saudade juvenil
nos pés descalços do tempo!
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A FACE BELA DAS COISAS
Tercetos - X
FLORES
Esse branco, esse roxo, esse luxo...
São pétalas do vergel de Deus?
Ou é profano, coisa de bruxo?
SELVAGERIA
E treme a flor na ramagem.
Lá vem a madame fazer a ceifa.
Quem aqui é a selvagem?
ESCRAVIDÃO
Marcha o cavalo pelo atalho da morte.
aonde do preto velho furtaram a vida.
Nem era boi e foi feito de boi de corte.
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Ivan Corrêa
Ontem choveu poesia
Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado.
Na madrugada me vi todo molhado de verso...
É que pela fenda que eu namoro a lua à noite,
pingou gotas de poesia sobre a minha cama.
Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado.
Eu fiquei ali na esquina da vida contemplando...
Seria o único ser sobre o qual chovia poesias?
É por culpa da fenda que por vacilo não tapei.
Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado.
Por esta chuva nos dorsos senti-me virtuoso...
Extasiado de versos pude ainda curtir o luar,
que vez ou outra faz brilhar o chão do quarto.
Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado.
E na cama, banhado de poesia, remocei vinte
anos. Somente depois foi que eu entendi, que
Deus do céu fizera um show e choveu poesia.
E, de lambuja, quase perpetrou um poeta!
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Ivan Corrêa
A lua e o poeta
A luz da lua que passa pela fresta
da janela do meu quarto, nas noites claras,
encantaria o mais vago e insensível dos humanos...
A distância que há daqui às alturas
fica imperceptível; parecemos tão próximos!
Quando a lua não vem, a noite não me é conveniente...
Parece que ela contempla minha silhueta
através da fraca transparência dessa vidraça.
Fico a sonhar acordado com a sua prateada imensidão...
Pressiono o olhar contra o vidro frio
da minha janela muda, que obstinada e com
ciúmes, quer me fazer crer ser a distância ainda maior...
Mas o que vale é o que sinto de fato.
A distância entre nós nunca esteve menor.
E numa noite dessas sei que me beijará a face rubra.
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Ivan Corrêa
Agora é tarde
Agora é tarde.
Calou-se a voz, perdeu-se a palavra,
derreteu-se a letra, ficou o dito como não dito.
Ficou inaudito. Ficou tudo mal dito, Agora é tarde!
Agora é tarde.
Foi-se o sonho solto na vida, perdeu-se no mundo...
Agora cadê destino que se buscava, cadê abrigo, cadê morada!
Agora não há riso que acalenta, não há mão que afaga; ninguém
consola; ninguém se alegra, não há surpresas, não há caminhos.
Agora é tarde!
Agora é tarde.
Não há pra quem dizer, nem o que dizer, já não há mais nós,
nem há arte em caminhar de mãos dadas pelas calçadas...
Não há inspiração para as poesias, não há destinatários.
Não se prende leitor que não se deleita com os vocábulos;
não há força no olhar, nem há mais olhar, não se vê o belo.
Agora é tarde!
Agora é tarde.
Nada mais é indispensável, nada esta na medida, não há volta,
não há ida, não se ouve mais pelos ares aquela música preferida.
Não se toca mais canção, não se trocam presentes, não se tocam...
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A FACE BELA DAS COISAS
Agora é preciso resguardar-se, agora lembrança é privilégio, logo
saudade sozinha se multiplica, agora nada é que fica para sempre!
Agora é tarde.
Agora é tarde.
Agora se cumpre regras, agora se sepultam sonhos, agora obedece a
razão, agora não se ouve mais coração, agora é hora de emudecer o
verbo, de silenciar a fome, de esfriar o desejo, de nevar o amor...
Agora
é hora de congelar a cama, agora é tarde, muito tarde, olhando se vê
de pronto. Agora é tarde para tudo. Até nunca mais. Já é tudo tarde!
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Ivan Corrêa
Vestígios de poesia
Por onde eu passo
fica no caminho
um vestígio
de poesia.
É que eu respiro
e calço nos pés
poesias em
série.
Elas dizem tudo:
de bem, de mal,
eu mesmo não
digo nada.
O que sai de mim
sem ser poesia
vale migalhas,
puro aleives.
A poesia não falha.
E, se for boa
perpetua-se
e não morre.
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A FACE BELA DAS COISAS
Salva os que têm sede
de palavras exatas,
unidas umas
as outras,
numa ordem meio
louca, nunca antes
concebida num
reles poema.
Isto é a magia que
eterniza na trilha
rastros perenes
de poesias...
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Ivan Corrêa
Meu jeito poeta
Quem arrazoa que me sabe demais;
não sabe nada de nada! É falácia.
Jamais provou do meu veneno,
nem sabe o quanto sei
tornar-me veludo!
Quem arrazoa que me sabe demais;
É que nunca me viu navegando
nas águas das ansiedades;
só assim que se aprende
sobre o balanço do mar!
Quem arrazoa que me sabe demais;
Não sabe que das lesões da vida
carrego as cicatrizes no couro;
nem sabe o peso que tem o
alforje das lembranças!
Quem arrazoa que me sabe demais;
Não sabe do monólogo que travo
na busca da poesia adormecida;
quando nem mesmo sei se é
lícito este encalço repetido!
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Quem arrazoa que me sabe demais;
Nem sabe que as noites alongadas
lavra meu peito e nos sulcos
que ficam brotam a saudade.
A dor é que lhe dá o viço!
Quem arrazoa que me sabe demais;
nem sabe o fascínio que a lua faz
nos meus sentidos com seu
fulgor de prata; nem sabe
sobre o meu jeito poeta!
Quem arrazoa que me sabe demais...
Não sabe nada de nada. É tudo falácia!
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Ivan Corrêa
Se eu fosse mesmo um poeta...
Se eu fosse mesmo um poeta,
poesias surgiriam de mim pelos poros,
leves e desembestadas iguais cachoeiras...
E, eu, de cada uma lambiscaria um pedaço,
e, após, ainda me sobejaria um verso novo e lindo.
Se eu fosse mesmo um poeta,
poemas e poesias se davam comigo
pelas avenidas, vinham rolando iguais a
folhas secas veem no vento, e diriam assim:
é com esse que eu vou. E, viriam e aqui ficariam.
Se eu fosse mesmo um poeta,
meus risos seriam poemas harmoniosos
e meu olhar iluminaria vocábulos comuns,
que tornariam versos na boca de doutos e cultos,
por fim, melodia na noite fria dos cantadores de rua.
Se eu fosse mesmo um poeta,
o orvalho da madrugada se deitaria em mim
e do arco-íris eu seria a oitava cor que cintilaria;
dos meus amores brotariam poesias espetaculares,
que ficariam armazenadas nos corações sentimentais.
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Se eu fosse mesmo um poeta,
aliviaria minha sede de verso na mina
do peito meu, faria da água salgada, fino licor,
e a dor que eu carrego faria esvanecer nos finos
sulcos dessa pena que sofre e se contorce para versejar...
Se eu fosse mesmo um poeta...
não transpiraria assim para criar um poema!
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Ivan Corrêa
Sabor de poesia
Busque para ti
todo verso que
há em mim
para nascer...
Sinta nas carnes
a força atrevida
que há no termo
não proferido!
E zombe do
poema que
insiste em
não nascer.
Corte de faca
o azedume
e a acidez.
Faça com
que o poema
comece a berrar...
Depois feche
os olhos e
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saboreie o
poema que
preparaste
com os teus
temperos e dotes!
Deguste-o
calmamente
que ele libera
todo o sabor
conservado
por séculos.
Este é o prêmio!
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Ivan Corrêa
Hebdômada
Na segunda
eu fico a beira de um ataque de nervos,
terça desfaço de todos os meus acervos,
na quarta enlouqueço e busco de volta,
na quinta esqueço o nome e endereço,
na sexta de contente me entristeço,
no sábado desapareço,
domingo, desobedeço!
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A FACE BELA DAS COISAS
Título
A Face Bela das Coisas
Autor
Ivan Corrêa
Coordenação editorial
Prefeitura Municipal de Catalão
Fundação Maria das Dores Campos
Academia Catalana de Letras
Formato fechado
15,0 x 21,0 cm
Mancha gráfica
11,0 x 17,7 cm
Tipologia
Papel de miolo
Papel de capa
Número de páginas
Edição
Tiragem
Times New Roman 12
Pólen 75 g/m²
Triplex 350 g/m²
140
Primeira
1000 exemplares
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