Pública17.07.11

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Pública17.07.11
Pública 17.07.11
Despimos a Zara
Reportagem de Luís Villalobos
e Adriano Miranda, na Corunha
Itália Uma crise séria que parece comédia Futebol A surpresa de Jorge Humberto
quando o Inter de Milão telefonou Beleza Como a dieta Dunkan atrai milhões de fiéis
sumário
Fixos
8 A Pública recomenda
34 Itália
63 Nós no mundo
Píxel roubado
Ricardo Garcia
10 Coordenadas
65 Porque sim
16 Zoom
Deveres
Daniel Sampaio
Armazém global
Ana Gomes Ferreira
Viver melhor
18 Pergunta-Resposta
52 O design nosso de cada dia
Teresa Messeder: “O ioga ajuda a combater
a violência nas escolas”
Cláudia Sobral e Carlos Ramos
Garrafas de gás CoMet
Frederico Duarte
64 Tarot
Luís Francisco
53 Insólitos
Maya
53 Consultório
66 Inquérito
Economia prática: deduções fiscais
João Ramos de Almeida
Zita Martins, astrobióloga
Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José
Diogo Quintela
54 Beleza
Capa
A dieta que anda na boca de toda a gente
Maria Antónia Ascensão
20 Reportagem
56 Cozinha
a
O Verão traz frutos do mar
Hugo Campos
O império da Zara na hora da sucessão
Luís Villalobos e Adriano Miranda, na Corunha
a No roupeiro da H&M
Joana Amaral Cardoso
Temas
40 China
Que lugar é este? Por que estás aqui?
Larissa Rosso e Ricky Carioti, em Washington
46 Futebol
O telefonema que mudou a vida
de Jorge Humberto
Tiago Pimentel
Só para a
Moody’s,
Berlusconi
não é lixo
60 Miúdos
Colecção Cherub: espiões sub-18
Rita Pimenta
Por Jorge Almeida
Fernandes
Crónicas
6 É muito isto
Já sentem um rating a doer
José Diogo Quintela e Mariana Soares
12 A nuvem de calças
46
Ideias naturais de Verão
Rui Cardoso Martins
14 Repórter à solta
A ilha de Tavira
Paulo Moura
56
CAPA ADRIANO MIRANDA
Directora Bárbara Reis
Editora Margarida Santos Lopes [email protected]
Subeditora Joana Amaral Cardoso [email protected]
Produtora Maria Antónia Ascensão [email protected]
Copydesk Rita Pimenta Design Mark Porter
Directora de Arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho, Carla Noronha,
Mariana Soares Email [email protected]
ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO PÚBLICO
DO DIA 17/07/11 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
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CONSTRUÇÃO PERFEITA
Satellite R800 perfeito
no todo e nas partes
Cada um dos componentes do novo Satellite R800
foi criado, desenhado e construído com uma atenção
aos pormenores sem precedentes. O resultado
é uma extraordinária combinação de velocidade,
robustez e mobilidade.
O novo Satellite R800 da Toshiba é incrivelmente leve,
rápido e resistente e inclui várias opções de cores
e dimensões de ecrã.
Saiba mais em www.toshiba.pt/r800
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crónica é muito isto
Já sentem um rating a doer
José Diogo Quintela
Bastava a
Moody’s
descontar para
a Segurança
Social, para
saber que, mal
se atrasasse
um dia, estava
logo a pagar
juros
6 • 17 Julho 2011 • Pública
ada como um ataque de revolta
para arrebitar o país. O que nos falta em
dinheiro sobra-nos em indignação. A quantidade
de indignação é tal que, neste momento, os
portugueses se podem dar ao luxo de se dividir
em grupos e dirigir a indignação para vários
alvos. Há os indignados com as agências de rating.
Depois, os indignados com os que só agora estão
indignados com as agências de rating. Há também
os indignados com os que estão indignados com
as agências de rating. E os indignados por haver
tanta indignação. Eu, depois de me inteirar, optei
por um nicho muito específico e escolhi indignarme com o facto de contratarmos agências de
rating para nos avaliarem.
Considero uma vergonha pagar-se a uma
agência para nos dizer que o Estado
português não é bom pagador, quando
qualquer contribuinte ao acaso pode
perfeitamente fazê-lo de graça. O
que a Moody’s diz com recurso a
letras, um cidadão a quem o Estado
deve dinheiro dirá com manguitos.
É igualmente eficaz para apontar
caloteiros. Admito que seja uma
linguagem menos técnica e mais
colorida, mas o vernáculo
suporta-se bem, se a
alternativa custar dinheiro.
Só que o provincianismo
português gosta
sempre mais do que é
estrangeiro. Se a Moody’s
se chamasse Silva’s
ninguém ligava ao que
dizia.
O que a Moody’s não desconfia
é que até há uma forma segura de
garantir que o Estado português
pague as suas dívidas. É colocar
o Estado português a cobrá-las.
Bastava a Moody’s descontar para a
Segurança Social, para saber que, mal
se atrasasse um dia, estava logo a pagar
MARIANA SOARES
N
juros. A Segurança Social é implacável. O que,
face ao dinheiro que tem investido em dívida
portuguesa, é giríssimo. Estou curioso para ver
como é que vai cobrar. É um choque de titãs. De
um lado, Super-Calote, escorregadio como uma
enguia mergulhada num balde de vaselina, do
outro, a Mega Cobradora, cujo superpoder são os
superjuros de mora. A Marvel que faça um filme.
Claro que os portugueses sempre souberam
que o Estado não é de se fiar. Este charivari
repentino por parte de quem sempre esteve
calado é porque agora nos classificaram a dívida
como “lixo”. Enquanto fomos só “restos do
jantar”, daqueles que pomos num tupperware
e guardamos no frigorífico à espera de um dia
em que tenhamos pouca vontade de cozinhar,
tudo bem. Agora, “lixo” é que não. “Lixo” é
muito ofensivo para um português, que antes de
“lixo” ainda considera a hipótese “transformar
em pisa-papéis”, “guardar na arrecadação” ou
“embrulhar e oferecer à cunhada no Natal”. É
compreensível que tenha havido
um clamor de indignação,
transversal a toda a sociedade.
Um grito de revolta, uma
espécie de 25 de Abril contra
as agências de rating, só que
mais abrangente. Cavaco
Silva, por exemplo, não
participou na revolução
dos cravos, mas é
um dos líderes desta
revolução dos cravas. a
Humorista
[email protected]
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a pública recomenda
Marco Vaza
Mário Lopes
Festivais há
muitos, este
é Milhões
O homem do
braço de ouro
Não é fácil para um atleta
profissional aceitar a
sua própria decadência.
Kenny Powers era o jogador
de basebol com o braço de
ouro, mas deixaram de o
querer quando perdeu o seu
único talento. Perdeu tudo,
os contratos milionários, os
patrocínios, as mulheres e a
vida de excessos. A única coisa
que lhe restou foi o jet ski, a
que se agarra com tanta força
como à perspectiva de voltar
a ser grande. Mas nunca vai
voltar a ser. Vai ter de viver
com o irmão mais velho, ser
professor de Educação Física
no seu antigo liceu e tentar
rentabilizar o seu reduzido
star power em coisas como
engatar mulheres em bares
e servir de porta-voz num
stand de carros. Powers é uma
genial criação cómica do actor
Danny McBride (que também
é um dos argumentistas), um
bronco cheio de si próprio que
não tem bom coração nem
características redentoras, a
tentar sobreviver no mundo
real em que ele não é o rei.
Eastbound and Down
DVD 1.ª temporada, HBO
amazon.co.uk, €12,5
Rita Pimenta
Lucinda Canelas
Golfinho Parade
em Setúbal
Ícones do estilo
Até 30 de Setembro, na
Doca dos Pescadores, em
Setúbal, podem ser vistos os
20 trabalhos vencedores do
concurso Golfinho Parade,
promovido pela câmara
municipal da cidade. A escolha
fez-se entre 341 participações.
Todos os desenhos a concurso
estão expostos na Casa da Baía
(Av. Luísa Todi, 468). Réplicas
em resina do roaz-corvineiro
(à escala real, com 2,5 metros
de comprimento), muitas
delas pintadas por jovens em
conjunto com professores,
estão apropriadamente
dispostas junto ao rio
Sado. Com sorte, além das
esculturas, pode ser que
consiga avistar alguns golfinhos
de verdade. Lindos.
Golfinho Parade
oca dos
do Pescadores,
Setúbal, Doca
até
Setembro
té 30 de Setemb
Festivais há muitos, mas
não haverá nenhum como
o Milhões de Festa. Foi
erguido por gente barcelense
que gosta de tomar as coisas
em mãos e é o ideal para quem
acha que, menos patrocinador,
mais patrocinador, mais praia,
menos cimento, os festivais estão
a tornar-se todos iguais. Temos
um cartaz apelativo, facção
indie, que inclui as regressadas
Electrelane, os Liars, Anti Pop
Consortium, Vivian Girls ou
El Guincho, e temos o resto: o
ambiente não corrompido pelas
necessidades comerciais, os
bilhetes a preços acessíveis, a
reunião de pessoal que está lá
mesmo para ver os concertos e
a sensação de que está a nascer
ali qualquer coisa de importante
e que é bonito participar. Ah,
e um dos palcos tem uma
piscina em frente. Isso mesmo,
smo,
ver concertos
enquanto se
bebe um gin tónico
mergulhado na água. Que
podemos pedir mais?
Milhões de Festa
Barcelos, 22 a 24 de Julho,
lho,
bilhete para um dia 25€,
€,
bilhete para três dias 50€
0€
Fábrica de estrelas, é certo.
Mas também fábrica de
deuses. Na idade de ouro da
indústria cinematográfica
norte-americana (1920-1960)
os estúdios controlavam até ao
mais ínfimo pormenor a vida
dos seus actores. Glamour of
the Gods: Hollywood Portraits, a
exposição que está na National
Portrait Gallery de Londres
até 23 de Outubro, apresenta
70 fotografias que ajudaram a
transformar Clark Gable, Rock
Hudson, Marlon Brando, Greta
Garbo, Joan Crawford e Audrey
Hepburn em ícones do estilo.
A colecção, com imagens de
George Hurrell, Laszlo Willinger
ou Davis Boulton, pertence à
Fundação John Kobal e inclui
muitos inéditos e provas vintage.
Glamour of the Gods:
Hollywood Portraits
Londres, National Portrait
Gallery, até 23 de Outubro
LEON NEAL/AFP
frases
Carta ao Comité
de Cultura, Media
e Desporto, em resposta
a um pedido de audiência
sobre escutas ilegais
no Reino Unido
Infelizmente, não estarei
disponível para participar
na sessão que agendaram
para terça-feira; mas estou
preparado para prestar
declarações no âmbito do
inquérito público liderado
por um juiz.
13 Julho 2011
Rupert Murdoch
Magnata de media, patrão
do extinto News of the World
8 • 17 Julho 2011 • Pública
Sobre o grupo dono
do News of the World
Para o melhor ou o pior,
a News Corporation é um
reflexo do meu pensamento,
do meu carácter e dos meus
valores.
Janeiro 2008
A propósito da gestão
do seu império
Tento manter-me ao corrente de
todos os detalhes. E olho para
o nosso produto diariamente.
Isso não significa que
intervenha, mas ocasionalmente
é importante demonstrar
capacidade para o fazer. Mostra
que compreendo exactamente o
que se passa.
2006
Numa conferência
do Festival Internacional
de Televisão de Edimburgo
Muito do que é descrito como
programação de qualidade
na televisão britânica não é
mais do que um reflexo da
reduzida elite que a controla e
que sempre pensou que os seus
gostos são sinónimo
de qualidade.
1989
Tel.: 218 951 382
coordenadas
o mundo
televisão regresso da série “Dallas”
Duas décadas depois da exibição do episódio final de
Dallas, uma nova série desta soap opera recebeu agora
luz verde para ser realizada. Durante 13 anos, as vidas
tumultuosas de uma família de ricaços ligados à indústria
do petróleo no Texas atraiu audiências mundiais —
incluindo Portugal. O remake vai centrar-se numa geração
de primos beligerantes, mas três dos actores da série
original regressam aos seus papéis principais: Larry
Hagman volta a ser o vilão JR Ewing; Linda Gray será a
sua mulher, Sue-Ellen; e Patrick Duffy será Bobby, o irmão
mais novo de JR.
JEAN AYISSI/AFP
dança morreu
Roland Petit
ambiente mais
bicicletas nas ruas
de Castelo Branco
Ter 20 por cento de Castelo
Branco a andar de bicicleta,
dentro de dez anos, é a ambição
de um projecto, em curso, de
investigadores da Escola Superior
de Tecnologia da cidade. Estudos
já realizados concluem que
52 por cento das deslocações
urbanas diárias são feitas em
carro próprio, valor que dispara
para 73 por cento nas viagens
entre casa e escola.
saúde evitar a água
de fontanários e bicas
O Instituto Ricardo Jorge concluiu
que “a grande maioria das bicas
e fontanários não possui água
de qualidade adequada para
consumo humano”. O instituto
analisou 41 fontes em Sintra, mas
defende que o risco para a saúde
pública é extensível a milhares de
nascentes espalhadas pelo país.
Gulbenkian prémio
para Fernando Pádua
a
e M.ª Amélia Ferreira
a
A acção pedagógica e o
investimento na formação
de estudantes levaram a
Fundação Gulbenkian a atribuir
ao cardiologista Fernando Pádua
e à professora da Faculdade de
Medicina da Universidade do
Porto Maria Amélia Ferreira o
Prémio Gulbenkian de Educação
2011. O valor de 50 mil euros será
partilhado por ambos.
cinema filme com
Maria de Medeiros
premiado em Praga
Holidays by the Sea, um filme
de Pascal Rabaté com a actriz
portuguesa Maria de Medeiros
num dos principais papéis,
recebeu o prémio de melhor
realização no festival
ema de
Internacional de Cinema
Praga. O prémio de melhor
ita
filme foi para o israelita
h
Restoration, de Joseph
Madmony.
ciência a surpreendente descoberta de
12 vulcões submarinos
Investigadores do British Antarctic Survey embarcaram
no navio oceanográfico RRS James Clark Ross para mapear
o fundo do mar junto às remotas ilhas Sandwich do
Sul, no Oceano Antárctico, durante duas missões, em
2007 e 2010. Para sua surpresa, descobriram 12 vulcões
submarinos, numa área com cerca de 600 quilómetros de
extensão e 150 quilómetros de largura.
futebol quase metade da população do
mundo viu o Mundial de 2010
A transmissão do C
Campeonato do Mundo de 2010
chegou a 3,2 mil m
milhões de pessoas em todo o mundo,
um número que rrepresenta 46,4 por cento da
população mundial
mun
— e uma subida de 8 por cento
in
face a 2006, informou
a FIFA.
DA
por cá
O MIRAN
Porto Santo, Portugal. 33º 02’ 75’’N / 16º 37’ 65’’O
ADRIAN
GPS Pedro Cunha
O coreógrafo francês
Roland Petit — com
Maurice Béjart, um
dos mais aplaudidos
da segunda metade do
século XX — morreu
em Genebra, aos 87 anos, de leucemia. Ao longo de
sete décadas de carreira — 16 dos quais como bailarino
do Ballet da Ópera de Paris —, Petit fundou várias
companhias e criou mais de cem obras, sempre
inspiradas em Zizi Jeanmaire, também ela bailarina e sua
companheira de vida. Ainda que a esmagadora maioria
das suas criações não tenha entrado para o reportório
internacional, Petit é um autor de referência. Uma das
suas reconhecidas peças, Carmen (1949), originalmente
dançada por ele e por Zizi, é um marco da história da
dança francesa, sexualmente explícita para a época. Le
Jeune Homme et la Mort, considerada a sua obra-prima,
chocou o público ao encenar o suicídio do protagonista
num intenso pas-de-deux que foi brilhantemente dançado
pela sua musa e por estrelas como Jean Babilée, Mikhail
Baryshnikov e Rudolf Nureyev.
números
69
CARTOONARTSINTERNACIONAL: WWW.NYTSYN.COM/CARTOONS
Nos últimos dez anos, o
Estado brasileiro acumulou
mais de 60 mil crimes
não resolvidos, segundo
uma investigação do
Departamento de Defesa
Pública do Rio de Janeiro.
39
A Organização Mundial de
Saúde colocou Portugal no
quinto lugar de uma lista de
53 países que pior tratam
os seus idosos, com 39
por cento dos mais velhos
vítimas de violência.
GUSTAU NACARINO/REUTERS
palavras
moscatel
Mou versus Pep,
a luta vai começar
José Mourinho chamou ao lugar de treinador do Real Madrid
o ponto mais alto da carreira de qualquer técnico. Isso foi
quando chegou, há um ano. Uma época passou e esse lugar
parece um pesadelo. Tudo culpa do Barcelona, o bicho-papão
do futebol mundial que ganha tudo. Esta história é anterior
à chegada do técnico português a Madrid, remonta a Junho
de 2009, quando os catalães sucederam aos madridistas
como campeões de Espanha. Desde aí, o Real já gastou 399,5
milhões em jogadores e treinadores para conseguir fazer
frente ao Barça. Nada feito, ou melhor apenas uma Taça
do Rei conquistada. Pouco para tanto investimento e uma
ferida aberta no orgulho blanco. Mou parte para a segunda
oportunidade, Pep está à espera no seu canto. E estamos
todos a postos para ver o combate. O Real já arrancou, o Barça
começa amanhã a pré-temporada. A luta vai começar.
Como adjectivo ou como
substantivo, “moscatel” é sempre
doce. “Adjectivo designativo de
uma casta de uva muito saborosa
e aromática” ou “determinado
tipo de uva de bago ovalado e
suco muito doce”, escrevem os
dicionários de língua portuguesa.
Supõe-se que o nome resulte do
cruzamento italiano de moscato e
moscadello. O melhor do mundo
(Reserva 2006, Venâncio Costa
Lima) é da Quinta do Anjo, já que
venceu há pouco a competição
Muscats du Monde, em
Montpellier. Finalmente uma boa
notícia sobre (e para) Portugal.
Ninguém usou a expressão
“Margem Sul” (talvez destinada
apenas às más notícias).
Aprofundando na botânica, fica
a saber-se que há moscatel-tinto
ou preto, moscatel-do-douro,
roxo, branco. E que “moscatel
de Setúbal” pode ser designado
como “moscatel-de-jesus”.
Significa ainda “variedade de
figo, maçã, laranja e pêra-deverão”. Há um registo (na
gíria) que fala em “moscatel”
como algo “que tem moscas”,
mas preferimos os conceitos
saborosos. Recuperemos até
o que já escrevemos algures:
se o vinho é o néctar dos
deuses, o moscatel só pode
ser o das deusas. Tchim
tchim! Rita Pimenta
12
A maior seca desde há 60
anos está a pôr em risco
as vidas de 12 milhões de
pessoas, sobretudo na
Somália, Quénia, Etiópia,
Uganda e Djibuti, alertam
ONG no terreno.
54
Se tivessem de escolher
entre Nicolas Sarkozy e
Dominique Strauss-Kahn
(DSK) nas próxima eleições
presidenciais, 54 por cento
dos franceses preferiam
votar no antigo directorgeral do FMI, conclui uma
sondagem BVA — a primeira
desde que DSK foi detido, em
Maio, em Nova Iorque por
suspeita de violação de uma
empregada de hotel.
MIKE SEGAR/REUTERS
Citizen Rupe
crónica a nuvem de calças
Ideias naturais de Verão
Rui Cardoso Martins
V
No teleférico
aberto, voando
pela fossa dos
leões e dos
seus ossos,
pensei na
quantidade de
espécies que
nos passam
ao lado
ês a árvore, não vês a floresta, ou vês a
floresta e não vês a árvore, há formas de, por
assim dizer, cortar pela raiz uma conversa.
Experiência curiosa no Jardim Zoológico de
Lisboa, há dias, ao passear com crianças:
ficámos mais tempo a olhar para um arbusto
do que para os bebés de rinoceronte, tigre
branco e orangotango. O arbusto, escuro e
sem graça, está numa gaiola que diz turaco-decrista-vermelha. Nas grades, a fotografia de um
bonequinho pintado em camadas contraditórias
de tinta, azul-violáceo na cauda, escarlate na
ponta das asas, verde no busto, muito branco de
cara, olhitos pretos redondos, o minúsculo bico
amarelo-grão-de-milho. E na cabeça o chapéu
vermelho, igual a um barrete frígio, a Revolução
Francesa, a República Portuguesa em versão
pássaro tropical, em suma, mais um maravilhoso
disparate da Natureza e as crianças
— tão fofinho...
— tão giro...
o que será verdade se fores mesmo assim,
mas onde estás, onde te meteste turaco-decrista-vermelha? E subimos às grades, o que é
proibido, e pesquisámos o perímetro, onde se
meteu ele, vê desse lado que eu vejo deste, até
que, ao parar os olhos no centro do arbusto,
surgiu do nada o capuchinho vermelho, os olhos
de baga, a pintura de palhaço...
— Está ali!
— Ali onde?
— Ali, ali!
— Ali, ali onde, ah!
... ali estava o pássaro. No mais denso do
arbusto, como gosta de ficar nas florestas de
Angola, macho e fêmea aos saltos para bicar
frutos, a chocar os ovos à vez (as crias dependem
dos pais muito tempo) sem mudar de sítio ou
conhecer mais mundo, fui feito para isso, um
turaco com 40 centímetros de belas penas,
fofinho e escondido para sempre se não me
apanharem para gaiola de zoo e me deixarem
para aqui só. Se estou com a minha fêmea,
defendemos o território em conjunto e antes
12 • 17 Julho 2011 • Pública
de fazermos filhos ela alimenta-me a mim e eu
a ela, bico no bico, e mostramos as penas mais
bonitas. Prazer em conhecer-vos, de qualquer
modo. Poucos têm paciência, passam, não
me descobrem e seguem para espécies mais
populares e dadas ao espectáculo como os
golfinhos e os macacos.
Mais tarde, no teleférico aberto, voando
pela fossa dos leões e dos seus ossos, pensei
na quantidade de espécies que nos passam ao
lado. Até as que vivem no país, não é preciso ir
à África dos pássaros e símios ou à Indonésia
dos dragões gigantes de saliva venenosa
(também há no zoo, à hora de regressarem à
cela do reptilário, os tratadores tocam com
a chave no vidro e eles correm atrás das suas
línguas bifurcadas, destilando bactérias). Uma
inquietação infantil num mundo de prioridades
económicas, de urgências financeiras, mas
penso nas espécies que vivem nos nossos
campos e que nunca vimos nem sabemos
que existem. Abro o livro Portugal Natural
(ed. Edideco) e descubro, por exemplo, que
existe o musaranho-de-dentes-brancos. Que
par estranho faria ele com o nosso turacode-crista-vermelho, que cartaz de feira... O
musaranho tem personalidade controversa:
minúsculos (o mamífero mais pequeno do
mundo, o musaranho-anão, pesa dois gramas),
são muito agressivos, nervosos e barulhentos.
Andam aos guinchos, principalmente entre
machos, e comem tudo o que podem. Mas
caçam sozinhos num estardalhaço, o que só
pensava admissível em grupo, empurrando
as presas para os companheiros, como se faz
nas batidas. Talvez contem com a audição das
minhocas, mas que dizer das aranhas? Com isto
anunciam-se aos predadores, a coruja, a gineta,
o gato selvagem (os domésticos não aguentam o
almíscar segregado pela glândula no rabo). Ao
contrário dos ratos, que não têm caninos, estes
musaranhos têm dentição completa, mas de
fora, o que lhes dá um ar carnavalesco e, bom...,
fofinho.
Já vi o discreto turaco-de-crista-vermelha, mas
nunca vi o musaranho-de-dentes-brancos, que
vive num cagarim. Caçar aos gritos e mesmo
assim sobreviver. O musaranho é um animal que
fica bem em Portugal. a
Escritor
[email protected]
crónica repórter à solta
A ilha de Tavira
Paulo Moura
L
Na escuridão,
era como se
não existissem
paredes
e lonas e
estivéssemos
todos juntos
num mesmo
sussurro
evantei-me bem cedo.
Desempoeirei uma velha mochila do tempo da
guerra do Iraque, um saco-cama do Afeganistão
e uma cadeira desdobrável que se destinava a
um casebre em ruínas que um dia arrendei no
Alentejo. Comprei uma tenda de 35 euros, meti
tudo no carro e conduzi para sul.
Sozinho, atravessei o Tejo, cruzei as planícies
de milho, flores roxas e feno de veludo cor de
âmbar. Vi o céu crescer à minha frente como
uma escarpa a rachar para o abismo. Entrei
no Algarve, rumei a leste, pela Via do Infante.
Passei Faro, Olhão, a Fuzeta, cheguei a Tavira,
segui as setas que indicavam a ilha. Estacionei o
carro, meti a tralha às costas e apanhei o barco.
Caminhei até ao parque de campismo, registeime, montei a tenda, dirigi-me à praia nudista.
Despi-me, entrei na água tépida e verde, nadei
duas horas. Estendi-me na areia, caminhei à
beira-mar até ao fim da ilha e voltei, regressei ao
parque para tomar duche. Jantei peixe grelhado
num restaurante da praia. Observei as crianças
brincando nos puffs vermelhos dispersos nas
dunas. As barbichas dos pescadores, a pele
esturricada dos banheiros. E as mãos das
mulheres sozinhas. O modo ágil e intenso como
tocam nos telemóveis, como enviam mensagens.
Os casais felizes trocando gestos cúmplices e
tácitos, supérfluos. Bebi uma caipirinha no bar
do parque de campismo.
Perto da meia-noite fui outra vez à praia.
Havia um luar intenso reflectido no mar como
uma mancha de mercúrio. Um rapaz trouxe a
namorada para fazer experiências fotográficas
com a luz. Sentou-a um pouco curvada na
areia cálida de forma a que o rosto dela ficasse
totalmente iluminado pela chama lunar, depois
de refractada pela água. O seu rosto pueril e
grave, vibrando com o cosmos.
À noite, na tenda, esperei pelo silêncio.
Quando todos tinham já recolhido aos seus
sacos-cama, às suas esteiras, aos seus colchões
insufláveis, o burburinho da intimidade
14 • 17 Julho 2011 • Pública
ocupou o espaço comum. Ouvia-se tudo. As
conversas, os risos, os movimentos, os restolhar
das roupas, os gemidos do sexo. A tosse e
até a respiração. Quem estava acompanhado
talvez não notasse, mas, para um campista
sozinho, a presença das pessoas tornava-se
contígua e tangível. Constrangedora de início.
Depois natural. Na escuridão, era como se
não existissem paredes e lonas e estivéssemos
todos juntos num mesmo sussurro, num transe
tranquilo. Adormeci.
Acordei em sobressalto. A tenda estremecia
violentamente, e parecia estar prestes a ser
arrancada do chão. O espaço entre o interior
e o tecto duplo enchia-se como um balão,
os panos drapejavam, o chão elevava-se nas
extremidades, dobrava-se, enrolava-se sobre o
meu corpo.
Segurei-me e tentei adormecer de novo, mas a
ventania estava cada vez mais forte. Ouvia-se o
seu sibilar estridente nos pinheiros. O perigo era
real. As espias saltaram, as lonas enfunavam-se
como velas. Rebolei até à entrada. Pensei sair,
para voltar a enterrar as estacas das espias. Mas
o facto era que não havia estacas suficientes.
A merda da barraca era mal feita. Porque
comprara eu uma tenda de 35 euros?
Além disso eu não podia sair, porque era o
meu peso no interior da tenda que a mantinha
no lugar. Mais nada a segurava. Não era contra
a tenda que o vento lutava, mas contra mim.
Contra o lastro da minha presença. Por isso
não tive outro remédio senão resistir. Agarrarme ao chão, concentrar-me na própria força da
gravidade, na minha capacidade de a absorver.
Se eu abandonasse o meu lugar, num ápice tudo
desapareceria. a
Jornalista
[email protected]
zoom
Armazém
global
No ebay podemos comprar e vender seja o que
for, onde quer que seja. Há quem o use para
escoar o que já não quer ou usa. Há quem navegue nele à procura de tesourinhos escondidos. Alguns usam-no para “lamber montras”.
Outros como meio de negócio. O ebay é o armazém global.
Está dividido em áreas. Da roupa aos telemóveis, das jóias às antiguidades, está lá tudo.
Há que ter cautelas porque há marcas que têm
muita contrafacção; a Chanel, a Hermès, a Vuitton, por exemplo. Há que conhecer um pouco
os produtos quando se quer comprar nomes;
Eames, Miller, Horner.
Na arte, e se não estivermos à espera de encontrar o Vermeer desaparecido por cem euros, é-se um bocadinho mais livre, desde que
se consiga “fintar” os antiquários que andam
“à pesca” de tudo o que vale a pena para revenderem nas suas lojas.
O que propomos hoje, além de experimentar
a navegação ebay, é uma manteigueira Art Deco
em metal e vidro. Está à venda no ebay britânico (palavras-chave: art deco butter dish) com
uma base de licitação de €45. Não esquecer que
acrescem os gastos de envio, neste caso mais
€16 euros. a A.G.F.
[email protected]
www.ebay.co.uk
16 • 17 Julho 2011 • Pública
pergunta resposta
Teresa Messeder
O ioga ajuda a combater a vio l
Estudou e deu aulas de pintura a crianças, mas
também ioga. Em Paris, nos anos 1970, descobriu
que podia juntar as duas coisas. Trouxe as técnicas
aplicadas ao ensino para Portugal e, aos 68 anos,
continua a ensiná-las a professores e educadores.
Texto Cláudia Sobral Fotografia Carlos Ramos
Quais são as vantagens de introduzir o ioga
na sala de aula?
As vantagens do ioga na educação são muitas,
não só para os alunos — ajudam-nos a relaxar, a
concentrar-se, a trabalhar a memória e a descontracção —, mas também ajudam os professores.
Conhecendo estas técnicas e os seus alunos, o
professor pode, por exemplo, quando eles estão
muito cansados, fazer uma pausa de dois ou três
minutos para um relaxamento. Eles gostam muito e pedem até. Outras técnicas que podem ser
utilizadas são de acolhimento de alunos, técnicas
para se aquecerem quando têm frio, de memorização, de concentração, outras que os ajudam
a libertar a tensão que têm antes de um teste ou
de um exame. É tão variado… São exercícios que
se podem fazer na sala de aula. Eles podem estar nas carteiras. São exercícios adaptados (com
os pequeninos, são dados de uma forma muito
lúdica, tendo cuidado com o crescimento). O
trabalho que fazemos no Recherche sur le Yoga
dans l’Éducation [RYE] é para levar o aluno a
recentrar-se — as crianças andam muito dispersas
e têm a necessidade de se reencontrar.
Os resultados são visíveis?
Os resultados estão muitíssimo comprovados.
A primeira experiência, pela professora de ioga
e inglês Micheline Flak, foi em 1973, e até 1978
chamou-lhes “técnicas de bem-estar”, que tiveram muito sucesso. Foi esse sucesso que levou à
fundação do RYE em 1978. São até os outros professores que pedem aos colegas para lhes ensinarem as técnicas. Ou então os próprios alunos,
que vão às aulas de professores que utilizam estas técnicas, depois pedem. Os professores têm
de ser, pelo menos, praticantes de ioga, porque
ninguém pode dar uma coisa que não conhece.
Isto é uma pedagogia, não é uma receita.
Conheceu as técnicas em Paris, nos anos 1970.
Por que decidiu trazê-las para Portugal?
Estava em Paris e a directora da minha escola convidou a professora Micheline Flak para
uma sessão de ioga nidra, uma técnica de relaxamento profundo com que ela trabalhava. Eu
18 • 17 Julho 2011 • Pública
fiquei tão seduzida por essa técnica e por essa
professora que fui ter com ela. Estava a estagiar
no Museu das Artes Decorativas com crianças
e a fazer formação de ioga. Depois acabei por
trabalhar com crianças no ioga. Assisti, em Paris,
ao nascimento do RYE, em 1978. Desenhei-lhes o
logótipo, os cartazes e estive muito ligada, desde o início, a este movimento. Voltei, em 1983,
para Portugal. No início, houve uma tentativa
de uma professora que tinha ido a um estágio
internacional [de introduzir estas técnicas] e
vieram cá dois formadores franceses. Mas não
teve continuidade. Também em 2001 vieram cá
duas formadoras e não teve continuidade. Em
2007, arranquei com a primeira formação, tive
30 inscrições e gente em lista de espera.
Quantos professores portugueses recorrem
a estas técnicas?
Em Portugal, temos 53 sócios. Nem todos têm diploma, porque para se ter um diploma é preciso
fazer-se um estágio internacional [de formação
às técnicas de ioga na escola que, desde 2000, se
realiza a cada dois anos num país diferente]. Este
ano é cá [em Ofir, entre 23 a 29 de Julho].
O objectivo do RYE Portugal é que venham a
ser usadas de uma forma mais abrangente?
O objectivo é ir dando resposta àquilo que é
preciso. Penso que pelos benefícios que estas
técnias têm trazido só há vantagem em que elas
se divulguem o mais possível. Para que possam
ajudar os alunos a sentirem-se melhor, a aprenderem com alegria, a anularem todas estas tendências de violência nas escolas — porque a violência é criada pela enorme tensão em que os
alunos vivem.
Curiosamente, as técnicas do RYE estão agora
a chegar à Índia...
A professora Micheline Flak tem corrido o mundo inteiro. Também tem ido a Bangalore e a Calcutá fazer cursos do RYE. Diz que agora quer dar
à Índia aquilo que a Índia lhe deu. a
[email protected]
o lência nas escolas
Pública • 17 Julho 2011 • 19
O império
da Zara na hora
da sucessão
Em Arteixo, perto da Corunha, milhares de pessoas
trabalham na sede da Inditex para que nada falhe na
concepção e entrega do vestuário em 78 países. Cada
montra é aqui estudada ao pormenor, tal como a
exposição da roupa nas lojas. Uma viagem ao interior
do maior grupo de vestuário do mundo, numa altura
em que o seu fundador, Amancio Ortega, passa a
presidência para Pablo Isla.
Luís Villalobos (texto) e Adriano Miranda
(fotografia), na Corunha
capa
E
sta é a única loja Zara
que não tem clientes.
E não é suposto que os
haja. De resto, é em tudo igual às outras cerca
de 1600 que existem no
mundo.
Um outro detalhe: a
roupa está muito mais
arrumada, e não é por
acaso: é aqui, nesta loja-piloto, que uma equipa testa a forma como as novas peças que irão
chegar a 78 países devem estar expostas e em
que zona. Se devem estar penduradas ou dobradas, logo à entrada ou mais a meio, qual o
alinhamento de cores e que peças de roupa
fazem mais sentido lado a lado.
É como se a loja fosse uma tela e a equipa,
formada por uma dezena de funcionários da
Inditex, o grupo que detém a Zara, estivesse a
pintar um quadro em constante mudança. A base para novos acrescentos ou substituições são
as peças concebidas pela equipa de designers
e comerciais, que estão a poucos minutos a pé
de distância da loja-piloto, tal como 11 fábricas
e um enorme complexo de logística. Podíamos
chamar a este local a casa da Zara, mas é muito
mais do que isso. É o coração e o cérebro da
espanhola Inditex, porque é aqui, na zona industrial de Sabón, em Arteixo, perto do mar e a
15 minutos de carro da Corunha, que está a sede
do maior grupo de vendas de vestuário a nível
mundial, fundado por Amancio Ortega.
Um local onde, até há pouco tempo, os jornalistas não entravam, mas que se vai abrindo
à curiosidade de quem tenta perceber como
funciona o império Inditex, que detém também a Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka,
Stradivarius, Oysho, Uterqüe, Kiddy’s Class e
Zara Home (as lojas outlet Leftie’s são vistas
pelo grupo como parte da Zara e não como
insígnia autónoma).
De todas elas, a Zara ainda é a principal marca do grupo, com um peso da ordem dos 60
por cento nas receitas globais. No ano fiscal que
terminou a 31 de Janeiro, as vendas subiram 13
por cento, para os 12,5 mil milhões de euros, e
os lucros cresceram 32 por cento, para os 1,73
mil milhões.
É a cadeia com maior número de lojas e a
primeira a entrar em novos mercados. E foi
através dela que Ortega revolucionou o mundo
do pronto-a-vestir, com uma renovação constante de roupas nas lojas, a preços acessíveis.
Uma fórmula que, ainda hoje, é o segredo do
sucesso da Inditex, aplicada a partir de Arteixo
ao resto das operações do grupo, seja em Portugal, China, Rússia, Arábia Saudita, México ou
Austrália, para dar apenas alguns exemplos.
Para o grupo, as lojas são a peça-chave da
estratégia, que se assume como um círculo,
não vicioso, mas virtuoso. São elas, ou os seus
clientes, que fornecem as informações às cerca
de 350 pessoas que, entre designers (a maioria, perto de 260) e comerciais da Zara, de
várias nacionalidades, ocupam um enorme
espaço de trabalho aberto com mais de 40
mil metros quadrados. Por ser hora do almoço, há menos pessoas, e os tons brancos do
espaço repleto de secretárias (uma das quais
costuma ser ocupada pelo próprio Ortega) são
quebrados pela visão constante de roupa de
várias cores, tamanhos e feitios, seja no chão,
em móveis ou carrinhos de compras.
22 • 17 Julho 2011 • Pública
É como se fosse uma desarrumação ordenada, própria de um processo criativo disciplinado. E é aqui, neste mesmo espaço, que o insucesso ou o sucesso de uma determinada peça
de roupa nas lojas serve como principal fonte
de inspiração do desenho de uma outra que
estará à venda nas próximas três semanas.
O modelo do cliente
Se uma peça não se vende, aprende-se com o
erro, como o facto de não vestir bem ou de a cor
não agradar, e tenta-se evitá-lo. Se se vende, o
designer, que acompanha o impacto das suas
criações, utiliza informações como o padrão ou
o tipo de tecido para dar origem a outro modelo,
que irá surgir como seu substituto. Ou, então,
utiliza-se uma outra fonte de ideias: aquilo que
os clientes procuraram mas não encontraram,
como a mesma peça em outro tecido ou tom.
Nesse caso, os dados são mais qualitativos
do que quantitativos. Imagine que entra numa loja e pergunta a um funcionário se existe
aquele modelo noutra cor, noutro tecido ou
com outro padrão. No universo Zara cabe aos
empregados reportar o feedback dos clientes
ao encarregado da loja. Este depois assinala ao
director da insígnia ou directamente ao comercial em Arteixo, encarregue da Zara no país em
causa, que partilha e verifica a informação com
os comerciais de outros países.
A partir daqui, percebe-se se há ou não algo
para explorar em conjunto com os designers,
de modo a conseguir ter o que o cliente anseia.
Uma espécie de central de informações que faz
com que a sua opinião, e de outros clientes,
possa determinar o que, em breve, chegará às
lojas de forma extremamente veloz.
A cada duas vezes por semana, as lojas da
Zara recebem novas peças e reposição de vestuário, o que não só evita que muitas pessoas
andem todas vestidas de igual, como serve de
atractivo aos clientes e induz o sentimento de
que a decisão de compra tem de ser tomada no
imediato, já que as produções da mesma peça
são, por norma, limitadas (com excepção para
o itens tidos como básicos, ou seja, que raramente passam de moda). Se a empresa explica
que são as lojas a principal fonte de inspiração
e que se produz ao longo do ano a partir do
que o que cliente quer, em vez de lhe dizer o
que deve comprar, a Zara é ainda assim muitas
vezes vista como sendo exímia nas cópias das
tendências de design de autor.
Uma ideia que, segundo Jesús Echevarría, o
ex-jornalista de 48 anos que assumiu há sete anos
o cargo de director-geral de comunicação e relações institucionais do grupo, não só está errada
como “desvaloriza o que é feito pelos designers”
da casa. Outras inspirações há além das lojas, certamente, mas o responsável pela visita guiada da
Pública à sede da Inditex nega qualquer tipo de
cópias, contrapondo que as ideias tanto podem
vir de filmes que induzem a novas combinações,
como de viagens a Tóquio, mais concretamente
ao bairro de Shibuya/Harajuku, Meca das novas
tendências marcadas pelos jovens japoneses.
Em Arteixo, diz Echevarría, “há um processo de
criação permanente”, acrescentando que, além
disso, “hoje as tendências são universais”.
José Luis Nueno, professor na escola de negócios espanhola IESE e autor de um estudo aprofundado sobre a Inditex, afirma à Pública que,
no mundo da moda, “todos olham para todos”.
A inspiração sempre teve como ponto de partida
Em 2009, havia 217
ateliers de costura
e 184 fábricas
em Portugal que
abasteciam o grupo
galego
A Inditex recorre à
subcontratação para fabricar ou
coser as roupas, apostando em
mercados de proximidade, como
Portugal e Marrocos
as grandes tendências e os designers mais vanguardistas, para depois produzir e massificar o
produto final, acrescenta. “A Zara apenas adapta
o que está mais ‘quente’. Arrisca pouco e produz
o que de facto se vende”, sustenta.
Algo que a empresa certamente não faz,
ao contrário de concorrentes directos como
a H&M, é recorrer a nomes conhecidos para
lançar colecções especiais, como Alber Elbaz
(da Lanvin) ou o italiano Roberto Cavalli.
“Não funcionamos com grandes nomes, mas
sim com uma equipa de trabalho. Um designer
renuncia ao nome, mas está constantemente a
desenhar e vê as pessoas a usar” o que criou,
diz Echevarría. Isso também faz, refere, com
que a empresa tenha “estruturas muito mais
horizontais”, o que leva a maior capacidade de
decisão, embora em articulação com o departamento comercial.
Produzir perto de casa
Três semanas é o tempo que uma peça de roupa
demora a chegar às lojas a partir do momen-
to em que recebe luz verde para a sua produção. O protótipo, criado para apreciação final,
desmaterializa-se por momentos num padrão
industrial, que dará origem às reproduções que
os clientes irão comprar.
Para que isso aconteça com a rapidez que caracteriza a Inditex, cerca de 50 por cento dos
produtos são fabricados em Espanha, Portugal
e Marrocos, com destaque para as subcontratações. Em 2009, havia 217 ateliers de costura e 184
fábricas no território nacional que abasteciam o
grupo galego, nomeadamente com produtos de
algodão. As compras a Portugal deverão rondar
os 270 milhões de euros, de acordo com dados
não oficiais. Embora não revele valores, Jesús
Echevarría destaca que “a produção de proximidade, incluindo a que se realiza em Portugal,
é absolutamente indispensável para a estratégia
comercial da Inditex. E, nesse sentido, “a produção em Portugal cresce todos os anos como
consequência do crescimento das várias cadeias
do grupo a nível mundial”.
Esta forma de estar no mercado faz com que
a Inditex recorra menos do que outros grupos
ao abastecimento nos mercados asiáticos, já
que a distância inviabiliza a rápida capacidade
de reacção e flexibilidade. Mesmo assim, cerca
de 35 por cento da produção tem origem em
países como a China, Bangladesh, Vietname
ou Índia, destacando-se os produtos menos
imediatos, como uma simples camisa que não
desaparece ao sabor das estações, ou os que
tenham adereços que requerem elevada mãode-obra e uma minúcia e verdadeira paciência
de chinês para os coser.
Os números dão uma ideia da dimensão do
que é necessário produzir a nível global: por cada
ano, são criados cerca de 30 mil desenhos diferentes, que dão origem a perto de 800 milhões
de peças, espalhadas pelas mais de cinco mil lojas da Inditex (responsáveis pela maioria dos cem
mil postos de trabalho que o grupo assegura).
No caso da Zara, tudo é pensado em Arteixo,
e algumas peças são lançadas nas 11 fábricas
que o grupo detém neste complexo industrial,
incluindo a GOA, que hoje se dedica essen- c
Pública • 17 Julho 2011 • 23
Aos 75 anos,
Amancio Ortega
(página à direita
em baixo) decidiu
passar a gestão
para as mãos de
Pablo Isla (em
cima), que chegou
ao grupo em 2005
Chegadas do exterior, peças de vestuário como os casacos ganham forma em Arteixo
Do centro de logística, saem 150 milhões de roupas por ano para todo o mundo
cialmente ao vestuário para criança.
O nome GOA, visível no topo de um edifício
por quem está na entrada da sede da Inditex,
marcada por uma estrutura envidraçada apelidada de “cubo” e onde se reúne a administração,
passaria despercebido não fosse o caso de ter
sido o início do império de Amancio Ortega.
Em 1963, o empresário, nascido em 1936 filho
de um ferroviário e que começou a sua via profissional aos 14 anos como empregado da camisaria Gala, criou o seu próprio negócio ao abrir
uma pequena fábrica no centro da Corunha.
Era o início da GOA, formada com o seu irmão,
António (entretanto falecido), e com a ajuda
da sua primeira mulher, Rosalía Mera, que conhecera quando eram empregados na loja La
Maja. Nesta fase participaram também a irmã
de Amancio, Josefa, o seu marido, Miguel Jove,
e a mulher de António, Primitiva Renedo.
A componente de retalho só viria a surgir em
1975 e o domínio do processo fabril ajuda a explicar o êxito do grupo. Hoje, a empresa tem
duas estratégias: ou faz ela os cortes nos tecidos
e manda coser no exterior (recorrendo aos ateliers de costura) ou envia o desenho para outras
fábricas produzirem em subcontratação a peça
pretendida. Em qualquer um dos casos, as roupas voltam depois para as mãos da Inditex.
Volta ao mundo em 48 horas
Em Arteixo, não muito distante do local onde
estão os designers e os comerciais, uma dezena
de senhoras com batas verdes estão, à hora do
almoço, a receber uma linha de blazers femininos cor de areia que chegaram do exterior.
Recorrendo ao vapor e a pequenas máquinas,
dão a forma certa à cintura, ombros e mangas,
para depois retocar as golas e alisar o forro com
ferros de engomar. Ao mesmo tempo, estão
também a fazer controlo de qualidade, verificando se há falhas nas costuras. Mãos ágeis
num processo repetitivo e olhares minuciosos
que podem ver passar, num regime por turnos,
sete mil a oito mil blazers por dia. A colocação
dos alarmes serve como sinal silencioso para
indicar que a roupa está pronta para partir, não
ainda para a loja mas para o centro de logística,
através de um carril aéreo.
Na área de logística, que ocupa uma boa parte do meio milhão de metros quadrados detidos
pela Inditex em Arteixo, os blazers cor de areia
perderam-se de vista. Chegaram através de um
túnel que liga as duas infra-estruturas, cortadas
por uma estrada, e estão algures embrulhados
em plástico no meio de muitos milhares de outras peças de roupa, à espera da sua vez de serem chamados para uma Zara. Aqui, estamos
na zona das peças com cabides, a cuja área da
logística pertencem os casacos.
Agora, a prioridade da circulação é dada a
camisas, que seguem em fila divididas por diferentes tipologias, cores e tamanhos numa linha
ordenada e automatizada que se vai aproximando de nós. Mãos invisíveis vão tirando peças
para o lado, de forma suave mas decidida, uma
dança ao ritmo do que as lojas pediram para ser
reposto e das novidades que se decidiu enviar
nesta nova remessa.
Cada ramificação da linha principal vai dar
a uma espécie de varão, conhecido como linear, que por sua vez corresponde a uma loja. E
estas mudam duas vezes por dia. De manhã,
são umas. À tarde, serão outras. Neste momento, estão a ser preparadas as remessas
para países como o Japão e a Rússia, mas uma
pesquisa mais atenta permite perceber que
também Portugal está representado, através
dos Açores e da Madeira. Uma camisa de quadrados onde impera o tom vermelho, para
homem, viajou desde a China até aqui, tal
como uma camisa branca, também a pensar
no sexo masculino, que foi produzida na Índia e transportada até à Corunha. Dentro de
poucas horas vão ser encaixotadas com os cabides postos e remetidas para os arquipélagos
portugueses, a par de outras peças que ainda
estão por chegar.
Noutro andar, o bailado industrial com sonoridade metálica é substituído pelo corrupio de
tapetes rolantes com pás de plástico que espalham a roupa dobrada para dentro de caixotes,
trazidos num movimento de carrossel. Uma
vez recheados, estes são fechados à mão pelos
empregados identificados com batas azuis, que
se chegam a ajoelhar em cima das embalagens
para conseguir acondicionar a roupa, como se
fosse a mala de um mês de viagem. Daqui vão
juntar-se aos seus congéneres dos cabides e expedidos de camião (a maior parte) ou de avião,
conforme a localização geográfica das lojas. No
máximo, as encomendas chegam em 36 horas
à loja mais afastada por estrada, e em 48 horas
por avião aos pontos de venda mais longínquos,
como Sidney, na Austrália. No centro de Arteixo
trabalha-se, por turnos, 24 horas por dia, de
modo a que os prazos sejam cumpridos, expedindo 150 milhões de peças por ano.
Toda a logística está concentrada em Espanha, e é de várias localidades deste país que
saem os produtos finais para as lojas das várias
cadeias do grupo. No caso da Zara, esta tem,
além de Arteixo, centros de distribuição em
Saragoça e Madrid. Nesta última cidade está a
roupa de criança, Saragoça dedica-se à roupa
de mulher e Arteixo à de homem e de mulher.
É, por exemplo, do aeroporto do Porto que
saem as mercadorias expedidas daqui com
destino ao México.
Porto pioneiro
Na loja-piloto da Zara, duas mulheres conversam enquanto ajeitam uma camisa dobrada
num móvel para depois se afastarem de modo
a terem uma melhor perspectiva do seu enquadramento. Receberam as últimas novidades e
estudam a melhor forma de as colocar à venda. Quando acabarem, enviam, através de um
terminal informático, dados e fotografias que
informam as outras lojas do que devem fazer.
Um padrão que ajuda a organizar e harmonizar
a cadeia de vestuário, mas
as que tem
te
também alguma flexibilidade,
bilidade,
já que nem todas as lojas
ojas são
iguais, nomeadamente
e em termos de espaço de venda.
da.
Antes de abrirem ass portas
pela manhã, depois de
e terem
recebido uma das duas
uas
remessas semanais
durante a noite ou
na véspera, os empregados adequam
as indicações recebidas de Arteixo, familiarizam-se com as
novas peças e preparam-se para as vender.
Um processo que tanto
o
ocorre na loja de Melbourne, Austrália, inaugurada no dia 15 de Junho, como na Zara da Rua
Juan Flórez, no centro da Corunha, a primeira
a ser aberta por Ortega em 1975, ou na loja da
Rua de Santa Catarina, no Porto, simbólica por
ter sido a estreia na internacionalização.
Quando se olha para o interior da Zara da
Juan Flórez, verifica-se que Ortega começou a
sua ascensão no retalho com passos prudentes:
o espaço, em forma de ferradura, com duas
entradas e saídas, é pequeno, devendo ter 800
a 900 metros quadrados (cerca de metade do
tamanho médio das lojas), e inicialmente era
ainda menor, tendo ganho alguma área e mudado de aparência desde a sua abertura. Eram,
é verdade, outros tempos, com menor poder
de compra e dinâmica de consumo. Franco
morria nesse ano e a Espanha abriu-se à democracia, entrando depois, tal como Portugal,
na Comunidade Europeia. Mas houve coisas
que não mudaram desde 1975, já que ali ainda
trabalham algumas das empregadas que, sem
o saber, estavam a fazer parte da história da
moda. Hoje, chegam pessoas de vários pontos
de Espanha com curiosidade pelo espaço que
marcou o início da Zara e da Inditex, pedindo
mesmo para tirar fotografias.
O caso da loja do Porto é diferente, já que
poucos são os que sabem que foi aqui, perto
do mercado do Bolhão, que o grupo galego se
estreou fora do mercado espanhol em 1988. Para
que isso acontecesse, teve primeiro que comprar
uma pequena empresa têxtil do Norte, a Marques & Terroso, que registara a marca Zara em
Portugal. E sofreu um pequeno contratempo, já
que a intenção era abrir duas unidades qua- c
Na Zara da Rua Juan
Flórez, a primeira loja
a ser inaugurada em
1975, h
há empregadas
que es
estão lá desde
o início
iníci
capa
se em simultâneo, alargando a sua presença a
Lisboa nesse mesmo ano. A abertura na capital
estava prevista para os Armazéns Grandella,
uma ideia que foi interrompida pelo incêndio
no Chiado.
Vinte e três anos depois, a Inditex Portugal
continua a ser gerida pela mesma pessoa que
abriu a loja na Santa Catarina, Ana Paula Moutela, responsável pelas 289 unidades que o grupo
detém no país (sem contar com a Massimo Dutti,
com mais de 40 lojas e representada no mercado
nacional através do regime de franchising pelo
grupo Regojo). No último ano fiscal, a Inditex
Portugal, excluindo as receitas da Massimo Dutti, teve um volume de vendas de 587 milhões de
euros, mais dois por cento do que no ano anterior. É o país, depois de Espanha, com maior
número global de lojas, embora não seja o que
gera mais receitas. A loja do Porto, apesar da
antiguidade, parece continuar a ter uma função pioneira. O seu interior, dividido em dois
pisos, dá a ideia de ter mais roupa pendurada e
menos peças dobradas do que nas outras Zara,
permitindo uma maior visibilidade do vestuário
e a percepção de mais espaço e capacidade de
mobilidade.
No rés-do-chão, dedicado ao sexo feminino e
onde circulam cerca de 20 mulheres das mais
variadas idades, uma delas acompanhada por
um homem, as duas caixas de pagamento, situadas a meio da loja, têm por cima um ecrã gigante onde passam imagens de modelos numa
passerelle. A música ambiente, parte essencial
do marketing, é envolvente sem ser intrusiva.
Sobe-se ao piso de cima, por umas escadas com
degraus iluminados, e verifica-se que a zona de
homem, que tem à sua esquerda a área infantil,
é uma espécie de reprodução do piso de baixo, mas numa menor escala. Também aqui os
clientes são esmagadoramente do sexo feminino, seja na parte de homem ou na de criança.
Sinal de que, mesmo se as vendas de roupa
masculina já vão tendo um peso expressivo nas
contas da empresa, quem decide as compras
são principalmente as mulheres. Olham, mexem, desarrumam sem preocupação, como se
procurassem algo sem saber muito bem o quê,
tanto passando as mãos pelas camisas como
pelos casacos ou por um par de calças.
Por fim, algumas atravessam a porta da rua
com uma espécie de sensação de missão cumprida, simbolizada pelo saco da Zara que levam na mão. E, sem pensarem nisso de forma
consciente, estão a fazer algo que se diz que o
grupo galego não faz: publicidade. Não investe,
e isso é um facto, em publicidade convencional,
como anúncios na televisão e na imprensa. Mas
cada saco na mão de uma cliente que se passeia
pela rua é uma forma de vender a imagem da
marca. De acordo com o director-geral de comunicação e relações institucionais do grupo, a
Inditex considera que os produtos devem vender por si mesmos, ao estabelecer uma relação
directa com os clientes, correndo-se o risco de
a publicidade transmitir uma ideia errada ou
até de não se perceber se as vendas subiram
por causa das roupas ou por causa de uma determinada campanha. “Preferimos um modelo
mais directo, com menos ruído”, sublinha Jesús
Echevarría. Com isso, a empresa ganha uma
vantagem financeira: o dinheiro que não aplica em publicidade convencional é canalizado
para outros fins, com destaque para as lojas.
Para a Inditex, estas são mesmo o principal
28 • 17 Julho 2011 • Pública
suporte publicitário das várias cadeias do grupo, seja através dos projectos arquitectónicos,
das localizações ou das montras.
Devido à importância que assumem na comunicação dos produtos e atracção dos clientes, também as montras das lojas são pensadas
a nível central em Arteixo. Uma equipa formada
por cerca de uma dezena de especialistas prepara meticulosamente as vitrinas, seleccionando roupas e os materiais que as acompanham.
Neste processo, podem contar com a participação de responsáveis de outros países. E, tal
como no caso da colocação do vestuário no
interior das lojas, as directrizes têm alguma
margem de manobra para serem adaptadas
localmente pelos directores de montras dos
mercados onde o grupo opera. Em Portugal,
existem perto de 20 pessoas a trabalhar neste
departamento, cujos pontos altos são a altura
do Natal, dos saldos e das duas mudanças de
estação (Outono/Inverno e Primavera/Verão),
com uma alteração total das montras. Fora dessas temporadas, fazem-se pequenas alterações
de três em três semanas, de modo a mostrar as
novidades que vão chegando.
Pablo Isla, o sucessor
A 15 de Julho, com o início oficial dos saldos e
ponto de partida para a chegada das primeiras
peças da nova colecção Outono/Inverno, já começou um outro ciclo de renovação nas lojas.
E, na próxima terça-feira, a Inditex inicia também uma nova fase, que marcará o seu futuro.
Sentado numa mesa de madeira com espaço
para oito pessoas, olhando de cima para um
pequeno auditório situado dentro do “cubo”
em Arteixo, Amancio Ortega vai oficializar a
sua substituição por Pablo Isla no âmbito da
assembleia geral do grupo.
Assim, aos 75 anos, o fundador da Zara faz
uma passagem de testemunho, escolhendo um
gestor profissional e afastando, pelo menos para já, a hipótese de dar a liderança a Marta,
a sua terceira filha. Nascida em 1987, Marta é
fruto do casamento com Flora Pérez Marcote,
uma ex-empregada da Zara. É a filha predilecta
de Ortega e começou a trabalhar numa Bershka de Londres em 2007. O empresário teve
anteriormente dois filhos com Rosalía Mera,
que permanece como accionista de relevo da
Inditex, sendo a mulher mais rica de Espanha:
Marcos, que nasceu com uma deficiência mental, e Sandra, a mais velha, mas que, ao contrário de Marta, nunca foi falada como eventual
sucessora do pai.
A decisão, histórica, foi conhecida no início
deste ano, através da divulgação de um comunicado oficial, onde se anunciava que Pablo
Isla, de 47 anos e actual vice-presidente e administrador-delegado, iria sentar-se na cadeira
de presidente da Inditex. Tendo entrado para
o grupo galego em 2005, Isla é apresentado
como um gestor com grande capacidade de
trabalho e profundo conhecimento da forma
como a Inditex funciona.
Licenciado em Direito, casado e pai de três
filhos, o ex-presidente da tabaqueira Altadis
nascido em Madrid e adepto do Real não vai
deixar de contar com a presença de Ortega ao
seu lado. Além de ficar formalmente como administrador não-executivo, aquele que se tornou num dos homens mais ricos do mundo terá
sempre uma palavra a dizer, já que controla a
maioria do capital, detendo 59 por cento das
Nos últimos seis anos,
a empresa duplicou de
tamanho e o valor em
bolsa cresceu cerca de
200 por cento, para 40
mil milhões de euros
As montras, peça essencial da
comunicação da marca, são
preparadas com antecedência por
uma equipa especializada
capa
FILIPE ARRUDA
No roupeiro da H&M
C
hegou ao Porto quando a estrela
portuguesa era pintada de fresco
na constelação da construção
europeia, quando a TSF nascia
como rádio-pirata. A revolução de
1974 ainda nem era adolescente e os
jovens como ela tinham cada vez mais produtos
estrangeiros ao seu alcance. Começava a não ser
preciso ir a Espanha para comprar cosméticos,
iogurtes ou roupas de marcas diferentes das que
existiam em Portugal.
A roupa vinha das boutiques de bairro ou de
renome. Os jovens com mais dinheiro escolhiam a
Benetton, os outros tinham os Por-fí-ri-os, a Fétal,
as camisas floridas da Tinta Fresca ou a eterna
Maconde (depois Macmoda, agora Modalfa). E,
primeiro à Rua de Santa Catarina, no Porto, depois à Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa, a
Zara chegava a Portugal e tudo seria diferente.
Passaram-se mais de 20 anos. A chegada da
Zara a Portugal coincidiu com um momento em
que a esfera de influência da moda se alargou
substancialmente. Tal como um Portugal em
plena integração europeia e sem o acesso mais
fácil a todo o tipo de informação que a Internet
viria a generalizar na década seguinte, a ideia de
“moda” alargou-se a várias áreas de actividade
(desde a alimentação à televisão, passando por
revistas como a Marie Claire ou Elle portuguesas,
nascidas nessa época).
“A sua chegada corresponde a um interesse
muito generalizado pela moda. Quando a Zara
chegou, a moda já era relevante para um grupo
mais pequeno de portugueses e com a Zara esse
tema massificou-se”, recorda Ana Couto, docente
do curso de Design de Moda da Faculdade de
Arquitectura da Universidade de Lisboa. “Antes
havia preços elevados e um certo vazio nas marcas. Muito antes, havia os Por-fí-ri-os, que tinham
um papel semelhante ao da Zara, por causa dos
preços, mas era destinado a uma faixa etária mais
jovem”, recupera ainda a professora, que lecciona Teoria da Moda e Marketing de Moda.
Em 1988, 89, 90, 95, as mulheres só queriam
uma T-shirt que lhes assentasse como a uma mulher e não como se fizessem parte de um vídeo de
Rod Stewart. Os homens só queriam alternativas
às camisas sempre iguais nas lojas das ruas, em
que o dono lhes fazia “uma atenção” no caso de
serem clientes habituais. Os adolescentes, esses,
queriam tudo. “Acho muito mais interessante a
chegada da Benetton a Cascais, muito antes de a
Zara ter chegado a Portugal”, frisa Paulo MoraisAlexandre, docente na Escola Superior de Teatro
e Cinema. “Quando a Zara vem, fá-lo num segmento mais baixo, colocando à disposição um
design interessante por um preço barato. Para os
homens, a diferença que trouxe foi a da qualidade. Para as mulheres, foi a variedade.”
Perdeu-se a hipótese de ter “uma atenção”,
começou o princípio do fim de um tipo de comércio de proximidade e tradicional, ganhou-se
em variedade, em experiência de compras (o modelo Zara em que circulamos sem ser abordados
pelos empregados, mas tendo-os por perto para
responder a qualquer pergunta) e nos preços.
E na rapidez que fez da Zara um sinónimo não
só de básicos como a tal T-shirt branca com c
capa
bom corte, mas também de roupa “na moda”,
em resposta ao que se passa no mundo do design
e cultural. A entrada da marca espanhola em
Portugal foi um sucesso.
Hoje, Ana Couto vê pelos trabalhos de prospecção de mercado que todos os anos pede aos
alunos que “todas as pessoas vestem Zara ou
H&M”. A Zara “conseguiu penetrar em todos
os segmentos de mercado, com alguns benefícios — o acesso a uma grande diversidade de
design apetecível a preços apetecíveis — e prejuízos — incentiva o consumo muito rápido, que
neste momento de mudança de paradigma nos
faz ficar fartos de tanta roupa tão barata, para
consumir de três em três meses”.
Paulo Morais-Alexandre não é um desses portugueses que a Zara conquistou. Ainda assim lembra, sem saudades, como nos anos a.Z. — antes da
Zara —, o tipo de roupa que se vende hoje nos hipermercados “era um bocado a linha baixa do país
todo. Quando eu era miúdo, nos anos 1960/70, as
pessoas andavam muito mal vestidas, havia, como
se dizia, muitos monos. Hoje há mais colecções,
novas peças a cada semana, há segmentos em que
a roupa [Inditex] é particularmente bonita — é o
caso da roupa infantil. O gosto dos portugueses é
que não melhorou, não há uma cultura do gosto.
Há na rua muitos produtos maus, muitos maus
cortes, má coordenação”.
No início de 2010, a Pública questionou os criadores de moda que desfilam na ModaLisboa sobre a forma como os portugueses se apresentam.
Todos concluíram que as lojas de moda rápida
ajudaram, e muito, à melhoria da imagem dos
portugueses. Ana Couto é igualmente optimista,
mas com reservas: “A Zara educou o gosto das
pessoas, mas essas pessoas quiseram vestir-se
de forma igual, na tendência do momento. E,
assim, a Zara acabou por não cultivar o gosto
mais individual, mais idiossincrático.”
Passadas duas décadas de presença da principal marca de fast fashion do mundo, deste
“triunfo de um homem simples”, como titulava o jornal espanhol El País em Março de 2003,
A ZaraInditex, seguida
pela sueca H&M e pela
norte-americana Gap
são as três grandes
forças actuais do
vestuário mundial
coroando Amancio Ortega como verdadeiro “inventor da moda rápida”, o que fez esta acção
de sensibilização comercial galega em força à
moda portuguesa? “Uma vantagem da chegada
da Zara a Portugal foi que as empresas olharam
para o seu exemplo e tiveram a oportunidade de
mudar a sua filosofia, mesmo noutros sectores.
No vestuário, o melhor exemplo desse salto é
mesmo a Lanidor, que está no mesmo segmento
da Massimo Dutti [também do grupo Inditex],
pela sua aposta no design, que era algo raríssimo
em Portugal”, identifica Paulo Alexandre. No design de autor, a influência não tinha de se fazer
sentir — são outros modelos de negócio e outras
estruturas criativas. Mas, ainda assim, Ana Couto
recorda as palavras do designer Paulo Cássio no
fim da década de 1980: “Para que é que hei-de
ser designer se apareceu a Zara?”
Há outras marcas portuguesas, umas novas,
outras reinventadas, que mostram como as
marcas de moda portuguesas se adaptaram ao
mercado. Por exemplo: Salsa, Fly London, Globe, Ana Sousa, Shop One. Nomes estrangeiros,
nomes próprios, mercados específicos como os
jeans ou a moda low-cost, lojas de rua ou centro
comercial, em nome próprio ou por representantes. Nenhuma, contudo, chega aos calcanhares
das três grandes. A Zara/Inditex, seguida pela
sueca H&M e pela norte-americana Gap são as
três grandes forças actuais do vestuário mundial
e foram as suas linhas múltiplas de distribuição e
produtos de ciclo de vida curta que incentivam a
voltar às suas lojas que criaram este cenário em
que vivemos — fazemos parte de uma grande,
gigantesca zona comercial urbana em que as ruas
“das compras” têm sempre os mesmos letreiros,
estejamos em Beirute, Tóquio ou Madrid.
Como escrevem os docentes do Instituto Francês da Moda na obra Vinte Anos de Sistema de
Moda (IFM, Regard, 2008), cadeias como a Zara e
H&M “moldaram a nova paisagem competitiva”,
caracterizada pela “aceleração das colecções e
pela ascensão do estilo”. Há cada vez mais revistas, blogues e sites dedicados à moda e, leia-se, às
compras e ao hedonismo. O sol (já) nunca se põe
na passerelle, como escreveu há anos o New York
Times sobre a profusão de semanas de moda pelo
mundo, e, como diz Paulo Morais-Alexandre,
com a Zara, já não há só duas estações. Mais
marcas, mais lojas, uma mentalidade (própria de
tempos de abundância) em que a moda rápida
serve o deus da compra impulsiva, inconsequente e potencialmente descartável.
Zara vs. H&M
Passaram-se 20 anos, portanto, e de permeio o
segundo maior retalhista do mundo entrava em
Portugal. O design sueco instalava-se em 2003 na
rua que deveria ter sido da Zara, em pleno edifício dos antigos armazéns Grandella, primeira escolha da Inditex gorada pelo incêndio no Chiado
em 1988. A H&M, concorrente, chegara ao Chiado
lisboeta. E serviu para mostrar como o que faz é
o mesmo que os galegos, mas diferente.
A H&M comunica que se farta: povoou a cidade com anúncios de rua ou imprensa com o
preço da peça de roupa, fundo branco, algumas
supermodelos; tem show-room com colecções,
abertura a entrevistas ou visitas à sede e tem ainda as famosas colecções com nomes célebres da
moda e das artes (de Karl Lagerfeld a Madonna,
passando por bloguistas de nicho). A Zara ignora
tudo isto: é nas lojas que podemos ver algumas
supermodelos em fotografias nas paredes ou
montras. Só.
O resto é passa-a-palavra (para Ana Couto, a
chegada da Zara a Portugal foi a vinda “da tal loja
com coisas muito engraçadas e baratas de que
toda a gente falava”; e assim, constatou a professora de marketing de moda, o seu modus operandi era a “estratégia do boca-a-boca”) e presença
— coisa que quase não tem nas revistas de moda
mais conceituadas. Enquanto a H&M ou parentes
muito baratos e de qualidade duvidosa como a
Primark estão nas Vogues e Elles nacionais e internacionais, a Zara lá vai entrando nos títulos do
sector em Espanha (claro) e pouco mais.
Durante muitos anos, “parte da sua estratégia era fazer modelos e peças muito seguidistas
de marcas de renome e de tendências que indiciavam um certo desrespeito pela propriedade
intelectual de criadores”, recorda Ana Couto.
Hoje “impôs um design Zara; têm melhorado,
são um pouco mais idiossincráticos”.
Paulo Morais-Alexandre e Ana Couto, em entrevistas telefónicas, mostram como esta coisa da
imagem das marcas tem que se lhe diga. Há a percepção, dele, de que a H&M é mais institucional
e astuciosa na forma como se alia aos criadores
famosos para colecções-cápsula; há a visão, dela,
de que “a H&M tem consciência de que a Zara é
uma marca de design e a H&M não — por isso começou a fazer as colecções com designers”.
Nada como ir à fonte ver como trabalha a concorrência da Zara. Chegamos a Estocolmo. Há
uma H&M a cada esquina. Literalmente. Aliás,
a sede da H&M divide-se em dois edifícios — um
numa esquina, outro noutra. A Zara também
ali está, bem perto, talvez numa de poucas ruas
do mundo em que está em minoria — é comum
haver duas ou mais Zara no mesmo quarteirão,
rua ou centro comercial. Chama-se a isso “secar”
os locais da concorrência. Mas a H&M também
o pratica. Jogam o mesmo jogo.
A Zara ganha aos pontos num detalhe, que
não é de somenos importância: o modelo de
negócio da marca espanhola permite-lhe lançar
no mercado 10 mil peças por ano. A H&M ficase pelas quatro mil peças, mais coisa menos
coisa. O tempo que dista entre o fabrico de uma
peça e a sua presença nas lojas é mais longo na
H&M, que nasceu em 1947 — a Zara foi criada
em 1975, Amancio Ortega queria chamar-lhe
Zorba, mas um problema no registo de patentes
obrigou-o a “Zara”.
O modelo da H&M é diferente do da Inditex
logo a começar pelo que é o coração da marca
sueca — esses dois edifícios, no centro de uma
das cidades mais cool do mundo, Meca do design, são o equivalente a Arteixo e à sua declinação decisora Inditex, em Saragoça, baptizada
como The Cube. A H&M (que também detém
outras marcas, como os jeans Cheap Monday,
o design minimalista COS ou a jovem Monki, e
uma linha de cosméticos e de produtos para a
casa) não possui fábricas, apoiando-se em for-
necedores e em mais de 20 centros de produção. A curta visita da Pública permitiu ver uma
sede tipo Ikea, absolutamente escandinava na
sua alvura, brilho e linhas rectas pontuadas por
objectos de cores divertidas; e uma outra mais
caseira, mais antiga, igualmente acolhedora
na sua versão “casa de catálogo nórdico”, em
que a “sala das inspirações”, repleta de livros,
é ladeada pela White Room, sala de moldes e
pela sala de testes de cor, tecidos e padrões. Os
materiais sensíveis ou mesmo sigilosos foram
retirados das paredes de antemão — “vêm aqui
muitos jornalistas, estamos habituados”. Ali não
se ignoram as tendências das passerelles oficiais,
mas as viagens, os livros, os filmes do momento,
“muitas tendências relacionadas com a música,
obviamente”, como indica a directora de design
da H&M à Pública, ou as feiras e os cadernos
de tendência são apresentados como sendo as
principais fontes de inspiração para o trabalho
da equipa de 140 designers.
Ann-Sofie Johansson, a directora de design da
H&M, que começou a trabalhar na marca sueca
um ano antes de a Zara se estrear em Portugal,
esquiva-se aos comentários sobre as marcas
concorrentes, mas lá solta: “Temos os nossos
show-rooms e abrimos as portas para mostrar
as novas colecções, temos uma boa linha de
comunicação com os jornalistas e somos uma
empresa de moda e por isso estamos orgulhosos do que estamos a fazer e sempre que isso
aparece numa revista, melhor.”
Na Zara, não há entrevistas com Amancio Ortega nem grandes incursões pela área de design
em Arteixo (ver texto principal). Em 2001, Cecilia Monllor lançou Zarapólis, um livro sobre
“a história secreta de Amancio Ortega”, como
descrevia o diário madrileno El Mundo. Uma
designer da Inditex, sob anonimato, claro, descrevia a presença de Ortega no trabalho do seu
departamento e a filosofia do grupo: “Se alguém
viaja e traz algo vestido que comprou fora, e não
ofereceu à empresa, o chefe [Ortega] zanga-se e
quase obriga a que o dê, para que as clientes da
Zara também o possam usar ao mesmo tempo.
Colectiviza tudo. Para ele, a exclusividade consiste no facto de o maior número de pessoas ter
acesso ao belo, ao original e ao prático.”
Acesso, uma vez mais, porque é tudo barato,
próximo e apelativo. Amancio Ortega vale 25 mil
milhões de euros graças a um negócio de sapatos, colchas e T-shirts baratas. Embora considere
que as peças Zara “não são de uma qualidade
excepcional”, Paulo Morais-Alexandre postula
que a ideia-Zara é “profundamente democrática” no seu desígnio de “vender roupa barata
com bom design”.
“A Zara é exemplo de uma segunda democratização, que se espalha quase universalmente a
cada três dias, com novas lojas. O mundo uniformizou-se, o que tem um lado perverso — até
macarons há em Lisboa. É fechar um ciclo da
revolução industrial, que começa pela produção
de roupa feita pela máquina. A Zara é a produção
absolutamente maciça, a grande globalização.”
a Joana Amaral Cardoso
[email protected]
A crise é séria mas
parece comédia
34 • 17 Julho 2011 • Pública
Depois de atacar a Grécia, a Irlanda e Portugal, o pânico bateu à porta da Itália.
A estagnação é o principal factor de risco na economia italiana. Mas o “incêndio”
foi ateado pela irresponsabilidade de Berlusconi, que criou um clima de incerteza
política. Combinado com a estagnação, formou uma “tempestade perfeita”.
Texto Jorge Almeida Fernandes
N
o dia 8 de Junho, a Bolsa de
Milão começou a “arder”. Foi
“a sexta-feira negra”. O dia 11 foi
pior e ficou como “a segundafeira negra”, pois não havia
outro adjectivo disponível. Os
acontecimentos são uma mistura de drama e
comédia. O vento começou a mudar com um
telefonema da chanceler alemã, Angela Merkel,
que arrancou Silvio Berlusconi à sonolência.
Fustigados pelo Presidente da República, Giorgio
Napolitano, os políticos reagiram e puseram-se
de acordo. Foi a mais fulminante aprovação de
um plano de saneamento financeiro na história
da República Italiana.
Na quarta-feira, a Moody’s, que na véspera
tinha degradado o ratingg da Irlanda para o nível
de “lixo”, trouxe uma nota de alívio. Disse que
a situação económica italiana é “relativamente
estável”, não há razão fundamental para que
seja contagiada pela crise grega, o Tesouro italiano tem “uma grande margem de manobra”
e, portanto, o pagamento da dívida “é perfeitamente gerível”.
Na quinta-feira, o diário La Stampa fazia o
ponto da situação: “Com o plano de saneamento aprovado pelas câmaras [do Parlamento] a
toda a pressa, passará a borrasca. Mas a Itália
continuará sob observação. Nos mercados
financeiros, tal como na vida quotidiana,
a confiança rapidamente se perde e só
penosamente se reconquista.”
Todas as crises da dívida têm
em comum uma coisa chamada
credibilidade. Não basta à Itália
ter uma situação económica
melhor do que as de Portugal, da Grécia ou da
própria Espanha.
Espanh Confronta-se com um grave
problema — a falta
fa de crescimento. A elevadíssima dívida externa
exte
não foi até agora explosiva
porque é principalmente
princi
detida por italianos.
Mas a estagnaç
estagnação potencia o risco da dívida,
tornando a Itáli
Itália extremamente vulnerável.
O ministro das
d Finanças, Giulio Tremonti,
tinha elaborad
elaborado um plano de saneamento financeiro, visando
visan a redução drástica do défice orçamental
orçamenta até 2014, através de cortes na
despesa e sobretudo
sobre
do aumento das receitas
fiscais. O projecto
projec ia ser apresentado ao Parlamento. A “comé
“comédia italiana” que o envolveu foi
o detonador da “sexta-feira negra”.
O pânico
O pânico na Bolsa
Bo de Milão foi desencadeado
pela incerteza p
política. O Financial Times noticiou com rigor: “O Governo do centro-direita é
o alvo de uma nova
n
ofensiva dos mercados, pois
os investidores temem
t
que a coligação de Silvio
Berlusconi — enfraquecida
en
por escândalos e lutas intestinas — possa
p
perder a determinação de
aplicar um rigoroso
rigo
plano de austeridade.”
As propostas de Tremonti foram criticadas,
como injustas ou como insuficientes, pela
oposição e por diversos economistas. Não é
o que aqui inter
interessa. Berlusconi nunca gostou
da ideia da “austeridade”.
“aus
Toda a sua carreira
assentou em ve
vender promessas. Foi Tremonti
que, sob pressão
pressã da crise grega e do medo de
contágio, lhe forçou
fo
a mão.
A seguir às de
derrotas da aliança de Berlusconi
nas eleições regionais
reg
de Maio e nos referendos
de Junho, o Cavaliere
Cav
deu a entender que era
politicamente prioritário “abrir os cordões à
bolsa”. E, na véspera do pânico na Bolsa de
Milão, deu a entender que o projecto da lei seria
substancialmente alterado — leia-se, esvaziado.
Os “mercados” tomaram nota.
Junho começou com uma sequência fatal.
Berlusconi foi “fulminado” por uma sentença judicial: a sua holding, a Fininvest, deverá
pagar 560 milhões de euros de indemnização
ao seu “inimigo de estimação”, Carlo de Benedetti, devido à disputa do grupo Mondadori
(edição), em 1991. A sentença confirma que,
para se apoderar da Mondadori, Berlusconi
corrompeu um juiz. O crime prescreveu mas
não a responsabilidade civil.
Também Giulio Tremonti viu a sua posição
enfraquecida. O seu conselheiro Marco Milanese foi preso, por um juiz de Nápoles, sob suspeita de participação num “esquema de fraude
fiscal”. Num ajuste de contas, Il Giornale, um
diário propriedade da família Berlusconi, proclamou na primeira página que era Milanese
quem pagava a renda do apartamento de Tremonti em Roma.
O banco de investimento Morgan Stanley
observou num relatório: “Há especulações
nos jornais italianos sobre um novo pico no
conflito entre Silvio Berlusconi e Giulio Tremonti, notícias que veriam o ministro pronto
a apresentar a demissão e o primeiro-ministro
pronto a aceitá-la. Dada a alta reputação de
que goza Tremonti (e a debilidade de Berlusconi perante a comunidade internacional), se a
notícia se confirmar, em nada ajudará a Itália,
sobretudo num momento tão delicado.”
Antes do “elogio” de quarta-feira, a c
TO
NY
AD
CR
DO
CK
O
/C
RB
/V
IS
M
I
Pública • 17 Julho 2011 • 35
itália
Intriga palaciana
A rivalidade entre Tremonti e Berlusconi remonta ao fim do ano passado. O ministro das Finanças foi o esteio do Governo enquanto o Cavaliere se debatia com a mediatização dos seus
escândalos privados. A expulsão, em Julho, de
Gianfranco Fini do partido de Berlusconi — Povo da Liberdade (PdL) — abriu um período de
instabilidade, pois a coligação governamental
perdeu a maioria absoluta.
Dentro do PdL surgiram manobras para procurar uma alternativa ao Cavaliere. O nome de
Tremonti emergiu como a mais forte hipótese.
Tinha a vantagem de ser um bom interlocutor
para o Presidente Napolitano e para a oposição.
E, como “homem da Lombardia”, tinha o apoio
da Liga Norte, de Umberto Bossi.
Berlusconi não o pôde afastar do Governo.
Para tornear a questão, nomeou um sucessor
para a liderança do partido — Angelino Alfano,
ministro da Justiça e autor da lei que lhe assegurou a “blindagem” judicial, lei entretanto
inutilizada pelo Tribunal Constitucional.
“Para a Itália, o risco não deriva de Atenas
mas de si própria e da incapacidade de se defender enquanto sistema”, sintetizou um editorialista. Uma desautorização do ministro das
Finanças pelo chefe do Governo, em clima de
crise, é coisa fatal. “Do ponto de vista nacional,
é um suicídio. Destrói a credibilidade”, escreveu Bill Emmott, antigo director da Economist,
que acompanha de perto a política italiana. “O
aspecto mais crítico da política económica do
país, a rigorosa gestão do défice orçamental,
é posto em séria dúvida.”
Enquanto “a Bolsa ardia”, Berlusconi
amuou com a sentença do caso Mondadori,
fechou-se na sua mansão de Arcore e desapareceu de cena. Só interrompeu o silêncio
na segunda-feira à noite, após o telefonema
de Merkel. Na versão oficial, a chanceler quis
solidarizar-se com a Itália e apoiar decisivamente o plano de saneamento. De facto, a
mensagem foi lida como uma advertência a
Berlusconi, um “firme convite” a não cair na
tentação de esvaziar o plano ou de o meter
na gaveta depois de aprovado.
“É um sinal de quão profunda é a crise actual e de quão limitadas são as opções de uma
Itália, parcialmente sob tutela europeia”, observou o economista Mario Deaglio. A mesma
interpretação é feita por Stefano Folli, editorialista do diário económico Il Sole 24 Ore:
“As palavras politicamente mais impressivas,
dirigidas ao executivo mas, no fundo, ao Parlamento inteiro, vieram da chanceler alemã e
não de um expoente da nossa classe política.
É surpreendente e inquietante.”
Enquanto o Cavaliere se eclipsava, o Presidente Napolitano assumia o controlo da situação, apelando à responsabilidade, à unidade
nacional e ao “espírito bipartidário”. A Itália entrou em “emergência”. A oposição — que tencionava fazer adiar para Setembro a aprovação do
plano Tremonti — comprometeu-se a não fazer
obstrução, assegurando a sua rápida votação
até sexta-feira 15, dia da revelação do resultado
do “exame de stress” aos bancos italianos e
antes da abertura das Bolsas, amanhã.
“Tempestade perfeita”
Tremonti parecia isolado mas explorou rapidamente a mudança do vento. Segundo La Repubblica, teria lançado um ultimato ao partido:
ou dentro de seis meses se aprova um plano de
liberalização e de privatizações, para relançar
o Produto Interno Bruto (PIB), ou bate a porta.
Perante uma assembleia da Associação Bancária Italiana, garantiu que as medidas de rigor
seriam reforçadas. “Tudo o que causou a crise
permanece presente. Nada do que se deveria
fazer foi ainda feito. Faltam novas regras.” Foi
apoiado por Mario Draghi, presidente cessante
do Bankitalia e próximo chefe do Banco Central
Europeu. “Sem mais cortes, serão inevitáveis
novos impostos.” E sublinhou a urgência de
reformas estruturais.
A Itália, escreve Deaglio, encontra-se sob
uma “tempestade perfeita” — simultaneamente
financeira, económica e política. “É ilusório
pensar em tratar uma destas dimensões sem
tratar as outras; e sem ter em conta que, na
realidade, o ataque especulativo que envolve
a dívida pública italiana e a Bolsa italiana poderá ser o ponto alto de um embate mais vasto
entre o euro e o dólar, numa situação de forte
desordem monetária mundial.”
Para lá da antecipação de medidas programadas para 2013-14 e da adopção de um plano
de privatizações, Deaglio sublinha a urgência
de um novo “pacto social”, repartindo os sacrifícios “entre capital e trabalho”, à imagem do
pacto acordado entre os industriais e as principais confederações sindicais alemãs, “que
contribuíram para o forte relançamento da
economia da Alemanha”.
A aprovação do plano Tremonti abalará os
actuais equilíbrios partidários, designadamente
na maioria, e os equilíbrios parlamentares. Em
plena crise financeira, ninguém ousa propor
THIERRY ROGE/REUTERS
MAX ROSSI/REUTERS
Silvio Berlusconi,
Sergio Marchionne
e Giulio Tremonti
Moody’s passara de “estável” para “negativo” o rating italiano, dado o clima de incerteza política.
AFP
“O resto do mundo
é que mudou, sem
que a classe política
se apercebesse.” A
Itália descobria que
precisava de ser
governada
eleições antecipadas para clarificar a cena política. Para já, a UE e “os mercados” querem um
quadro político estável. Fala-se num “governo
técnico”, que Napolitano poderia incentivar.
Cita-se o nome de Mario Monti, ex-comissário
europeu e presidente da Universidade Bocconi, de Milão. De momento, são especulações e
cenários. Apesar de se ter tornado no primeiro
factor de incerteza política, Berlusconi não irá
voluntariamente para casa.
Desindustrialização
ferir interesses. “A única decisão importante
que este Governo, o quarto Governo de Berlusconi, se deu ao trabalho de tomar foi a decisão
de nada decidir”, explicou em Dezembro de
2010 o economista Tito Boeri. “Há dois anos,
quando a crise financeira abalou o planeta, a
escolha de Berlusconi foi evitar qualquer decisão política destinada a contrariar a Grande
Recessão. Isto contribuiu para a mais importante queda da produção desde o pós-guerra
na Itália e para um declínio acumulado de 6,5
por cento no PIB. Entre os países da OCDE, só
o Japão fez pior.” Não só agravou a queda do
PIB como provocou uma quebra sensível no
rendimento dos italianos.
O caso Fiat é emblemático. Em 2009, a companhia de Turim adquiriu uma parte da Chrysler,
em estado de virtual falência após a crise financeira americana. Hoje, a Fiat é maioritária e as
duas marcas preparam a sua fusão. O desígnio
é transformar a multinacional italiana numa c
GIUSEPPE CACACE/AFP
A razão “estrutural” da vulnerabilidade italiana
é uma taxa de crescimento próxima do zero.
Em Outubro de 2010, El País publicou um artigo
com um título sugestivo: “A década perdida de
Itália e Portugal.” Com base em dados do FMI,
traçava a evolução do PIB de 180 países na primeira década do século. A Itália ocupava o 179.º
lugar na escala do mau desempenho, apenas
superada pelo Haiti e logo abaixo de Portugal.
O PIB italiano aumentou 2,43 por cento entre
2000 e 2010 — o de Portugal cresceu 6,47. Para
2011, a Itália prevê um “salto” de 0,9.
A competitividade continua a baixar. A desindustrialização avança. A capacidade de
poupança, das mais altas da Europa, começa
a declinar. “Ou a Itália se decide a afrontar depressa os verdadeiros problemas, atacando as
situações de renda e cortando as ineficiências,
ou jamais o fará”, adverte o economista Paolo
Annoni. “Um devedor empobrecido é um devedor a quem será cada vez mais difícil pagar.”
Avisava em 2005 o economista Marco Leonardi: “O aumento da produtividade foi mais
alto na Alemanha, enquanto os salários nominais alemães cresceram menos que os italianos,
porque a nossa inflação é superior. Muito mais
insólita e preocupante é a perda de competitividade do nosso país em relação aos vizinhos.”
O quadro continuou a degradar-se. E Berlusconi optou por estratégia de inércia para não
Na quarta-feira chegou
um inesperado
alívio: o elogio da
Moody’s. A Itália já
não é “lixo”
THIERRY ROGE/REUTERS
O pânico na
Bolsa de Milão
foi desencadeado
pela incerteza
política criada
por Berlusconi ao
criticar o plano
de saneamento
Pública • 17 Julho 2011 • 37
itália
A fábula do lixo
lidade, da impotência do Estado — do Governo, das regiões, dos municípios.
A crise de Nápoles expôs — uma vez mais — a
Itália da economia paralela, das “fábricas em
vão de escada”, onde milhares de imigrantes
trabalham sem qualquer protecção ou fiscalização, tutelados pelas máfias, fora de qualquer
lei. Nestas oficinas de Nápoles produz-se, por
exemplo, para a alta-costura italiana, como revelou o jornalista Roberto Saviano, no romance
Gomorra.
Observou então o magazine L’Espresso: “O
nosso país, com os seus clientelismos, a corrupção, a ineficácia do seu aparelho público,
a evasão fiscal, etc., permanece exactamente o
mesmo. O resto do mundo é que mudou, sem
que a classe política se apercebesse.” A Itália
descobria que precisava de ser governada.
Em finais de 2007, a imprensa internacional
redescobriu Nápoles, assim descrita nas primeiras páginas: “A fétida cidade”, “A cidade
do esterco”, “A Camorra reina sobre o lixo”. O
lixo deixara de ser recolhido por já não haver
onde o despejar. O Exército foi chamado para
retirar as montanhas de detritos da proximidade das escolas e hospitais. A reabertura de
velhas lixeiras provocou confrontos entre os
moradores e a polícia.
O problema remonta a 1994, quando teve
de ser decretado o estado de emergência na
cidade. Em 2011 continua agudo. A região de
Nápoles produz mais detritos domésticos do
que aqueles que pode tratar e enterrar. Mas
o quadro é pior. Tornou-se na “esterqueira de
Itália” para onde outras regiões enviam o seu
lixo e não um lixo qualquer: sobretudo resíduos industriais, muitos deles tóxicos e que não
são tratados. Toneladas e toneladas de veneno
foram enterradas ou lançadas ao mar.
Quem organiza este tráfico é a Camorra, a
máfia napolitana. O negócio rendia-lhe anualmente dez mil milhões de euros, um valor
próximo do rendimento do tráfico de cocaína. Os camorristas organizavam deliberadamente o caos, impedindo a recolha de lixo,
para valorizar as lixeiras por si controladas,
muitas delas ilegais. Para lá da catástrofe
sanitária e ecológica, estas crises revelam a
outra Itália, a da malavita, do culto da ilega-
As reformas
ROBERTO SALOMONE/AFP
“companhia global”. Em 2010, o administradordelegado, Sergio Marchionne, lançou o projecto
Fabbrica Italia, que supunha um investimento de
20 mil milhões de euros em Itália até 2014. Em
troca exigia flexibilidade e garantia da governabilidade dos estabelecimentos fabris.
Não se propõe ganhar competitividade baixando salários. Não pensa na China, quer “as
regras alemãs”. Os aumentos de produtividade
traduzir-se-iam em aumentos salariais sustentados. A governabilidade passa por acordos com
os sindicatos sobre turnos e trabalho extraordinário, condição de competitividade. Marchionne não aceita que o ritmo de produção fique
dependente de “greves oportunistas” lançadas
por sindicatos minoritários.
Uma das federações metalúrgicas, a FIOM,
recusou a flexibilidade. Marchionne fez acordos
com as outras federações e submeteu-os a referendo nos vários estabelecimentos — tal como
fizera nos Estados Unidos. A FIOM contestouos em tribunal. O Governo não se mexeu. Sem
garantia de governabilidade, a alternativa da
Fiat será a deslocalização — um passo mais na
desindustrialização e, desta vez, envolvendo o
símbolo máximo da indústria italiana.
“Marchionne constatou que o país está em
declínio”, observa o economista Fabiano Schivardi. “Dispõe de um observatório privilegiado,
podendo confrontar a produtividade do nosso
sistema com a dos outros países que conhece
directamente pelo trabalho.”
Os políticos italianos são especialistas na imaginação de reformas, grandes desígnios longamente debatidos e depois esquecidos. Na
segunda metade do século XX, a instabilidade
política e a relativa fraqueza do Estado — apesar
de parecer tentacular graças a um vasto sector
público — eram compensadas pela dinâmica da
sociedade civil.
Hoje, a sociedade está “deprimida” e reclama reformas, mas o sistema político não
responde. A questão da competividade ou das
reformas do mercado de trabalho são inesgotavelmente debatidas desde os anos 1990,
quando a indústria italiana começou a tomar
consciência do declínio. Pouco foi feito. As
mudanças acontecem “de facto”, à deriva,
consoante a relação de força nas empresas.
A primeira vítima desta paralisia são os jovens
sem emprego. O mesmo se poderia dizer de
questões como o federalismo, a questão meridional, a função pública.
O politólogo Luca Ricolfi publicou em 2007
um curioso livro intitulado A Arte do Não Governo, em que passava em revista a sucessão
das reformas falhadas e as relacionava com o
estilo da política italiana. “Admiráveis artistas
do não governo regem a sorte do país, fingindo
contínua e desesperadamente fazer, decidir,
governar, mas na realidade procurando apenas esconder que estamos parados, imóveis,
vítimas de um cruel encantamento.”
Desta vez será diferente, garantem. Para já,
o plano Tremonti foi aprovado e com medidas
mais duras. Quando a Bolsa “arde”, as coisas
tornam-se sérias. a
[email protected]
A imprensa
internacional
chamou a Nápoles
“cidade fétida” ou
“cidade do esterco”.
As crises do lixo,
que rendem milhões
à Camorra, revelam
a outra Itália, a da
malavita, do culto
da ilegalidade
e da impotência
do Estado
38 • 17 Julho 2011 • Pública
memória
O
casaco gasto e remendado e as
calças pertenceram em tempos
ao contra-revolucionário Liu
Zhuanghuan, que passou
uma década num campo de
trabalhos forçados durante a
cruel Revolução Cultural chinesa. O seu filho
havia sido enviado para o mesmo campo e nunca
fora autorizado a ver o pai. Mas foi aberta uma
excepção: autorizaram-no a identificar o corpo
do pai e a recolher os seus pertences, depois de
Liu se ter suicidado em 1973.
As roupas esfarrapadas de Liu — e o sofrimento humano que elas representam — fazem agora
parte de uma colecção de artefactos, fotografias,
vídeos, livros e documentos governamentais,
em exibição no recentemente alargado Museu
Laogai, em Washington.
O museu tem como objectivo ser uma montra dos abusos dos direitos humanos na China,
particularmente as prisões usadas pelo regime
comunista para punir dissidentes. Foi criado por
Harry Wu, 74 anos, um activista que passou 19
anos em campos de trabalhos forçados.
A história pessoal de Wu — de fome, tortura
e doença — inspirou a sua luta contra um sistema que, segundo a Fundação para a Investigação da Laogai, aprisionou mais de 40 milhões
de pessoas desde 1949. Milhões morreram em
consequência da Laogai ou “reforma através
do trabalho”.
“Eu vi muitas pessoas a morrer”, disse Wu,
actualmente a viver no estado da Virginia, já
como cidadão norte-americano. “Ninguém chorava. O cérebro não funciona. A China montou
o sistema não só para forçar as pessoas a produzir, a gerar lucro para o Governo, mas também
para mudar a mentalidade das pessoas. Mudar
o cérebro. Não há liberdade religiosa, não há
liberdade política.”
Wu estima que três a quatro milhões de pessoas continuam hoje presas por motivos políticos —
números rejeitados pelas autoridades chinesas,
que questionam os motivos de Wu.
“Não tenho conhecimento desses números”,
disse Wang Baodong, porta-voz da embaixada
da China em Washington. “Este museu tem
motivações políticas. É contra a China e contra
o Governo chinês. Ele [Wu] odeia o Governo
chinês.”
Wu estudava Geologia em Pequim e nunca
se envolvera em actividades políticas quando
foi detido, em 1960, sob a acusação, conta, de
ser um “contra-revolucionário de direita”. Foi
forçado a assinar documentos sem os ler e levado para um campo de trabalhos forçados, uma
fábrica de químicos em Pequim. “Não tive hipótese; assinei os documentos”, recorda Wu.
“Ainda hoje não sei o que estava escrito naqueles papéis. Disseram-me: ‘Foste condenado a
prisão perpétua’.”
Duas vezes por dia, todos os dias, tinha de
responder a três perguntas, que estão agora escritas nas paredes negras e vermelhas do museu:
“Quem és tu? Que lugar é este? Por que estás
aqui?” As respostas esperadas eram: “Sou um
criminoso. Isto é Laogai. Estou aqui para me
recuperar através do trabalho.”
Wu refere que trabalhava 12 horas por dia em
quintas e em minas de carvão e de ferro. A comida era escassa, e por vezes tinha de comer raízes,
cobras e sapos. Tentou suicidar-se em duas ocasiões, ao recusar-se a comer quando foi colocado
em isolamento. Chegou a pesar 36 quilos.
c
42 • 17 Julho 2011 • Pública
Página anterior: um mosaico de fotos de campos de prisioneiros numa das paredes
do Museu Laogai, fundado pelo antigo prisioneiro Harry Wu (nesta página)
Pública • 17 Julho 2011 • 43
No cárcere, foi autorizado a escrever uma
carta por mês. Mas não podia dizer muito aos
seus pais e aos sete irmãos. As autoridades
locais liam as cartas e censuravam qualquer
tentativa de descrever a vida real no campo
de trabalhos forçados. Só ao fim de sete anos
teve conhecimento da morte da sua mãe. “Finalmente, em 1979, recebi um documento em
que diziam que tinham conseguido reabilitarme e pude sair em liberdade”, acrescentou Wu.
“Regressei à universidade e fiquei calado.”
Como nos “gulag”
Em 1985, Wu mudou-se para os Estados Unidos, para estudar na Universidade da Califórnia,
em Berkeley. Naturalizou-se norte-americano
e criou a Fundação para a Investigação da Laogai, organização não lucrativa financiada pela
AFL-CIO (a maior federação sindical dos EUA e
do Canadá), para sensibilizar o público para os
campos de trabalhos forçados na China.
Em 1995, Wu regressou à China com uma câmara de filmar dissimulada na mala, para documentar a vida nos campos de trabalho. Foi detido
por dois meses e acusado de tentativa de furtar
segredos de Estado. Condenado a 15 anos de prisão, acabou por ser deportado para os EUA. A
câmara de filmar, um dicionário e o passaporte
norte-americano que levou nesse regresso à China estão agora patentes no Museu Laogai.
O museu — na sua segunda localização — custou
um milhão de dólares (cerca de 715 mil euros) a
desenvolver, desenhar e construir. A maior parte
dessa quantia veio do Fundo de Direitos Humanos da Yahoo! No interior, 48 perfis de vítimas da
Laogai ocupam as paredes do edifício de 195 mil
metros quadrados. Entre eles, o de Liu Xiaobo, o
Nobel da Paz 2010. O seu crime: “Incitamento à
subversão.” Detido em três ocasiões, Liu foi condenado a 11 anos de prisão. Quatro sobreviventes,
incluindo Wu, descrevem a sua vida naqueles tempos. Os visitantes ficam a conhecer uma vasta série de produtos usados nos campos: roupa, calçado, chá, brinquedos, vinho — vendidos em todo o
mundo. Perry Link, professor na Universidade da
Califórnia, em Riverside, e professor emérito de
Estudos Asiáticos na Universidade de Princeton,
espera que o museu sirva para elucidar o mundo,
incluindo os chineses, sobre um sistema prisional
tão terrível quanto os gulag soviéticos.
“Tenho dúvidas de que o Ocidente terá o mesmo tipo de atenção comparando com os gulag”,
disse Link, que conhece Wu há duas décadas.
“Os chineses ainda não estão preparados para
enfrentar esta experiência porque está ainda
muito ligada ao seu orgulho nacional. O crescimento económico e diplomático da China
tornou-os muito orgulhosos. Tanto no caso dos
campos da URSS, como nos campos nazis, as
populações que sofreram fizeram muito mais
pressão para discutir o assunto.”
Wu espera que o museu o ajude a chamar
a atenção dos chineses. “Já ouviram os presidentes Obama, Bush ou Clinton dizerem que a
China tem um regime comunista?”, questiona.
“Os americanos preocupam-se com os direitos
humanos. Não é possível preocuparmo-nos com
os direitos humanos dos americanos e não nos
preocuparmos com os direitos humanos dos
chineses. Não está certo.” a
[email protected]
Exclusivo Pública/ The Washington Post
Tenho dúvidas de que o
Ocidente terá o mesmo tipo de
atenção comparando com os
gulag [soviéticos]. Os chineses
ainda não estão preparados
para enfrentar esta experiência
porque está ainda muito ligada
ao seu orgulho nacional. O
crescimento económico e
diplomático da China tornou-os
muito orgulhosos
À esquerda: o que resta de um casaco do prisioneiro Liu Zhuanghuan; o director do
museu, Harry Wu, mostra as dimensões de uma cela de isolamento onde esteve 11
dias. Em cima: documentos secretos chineses relacionados com os campos
Pública • 17 Julho 2011 • 45
futebol
O telefonema que
mudou a vida de
Jorge Humberto
A primeira transferência de um jogador português para Itália foi há 50 anos,
quando um avançado da Académica foi contratado pelo “colosso” Inter de Milão.
Jorge Humberto só acreditou que era o “mago” Helenio Herrera, então treinador
dos nerazzurri, do outro lado da linha depois de receber em casa um telegrama.
Texto Tiago Pimentel
C
omo tantos outros estudantes
em Coimbra, Jorge Humberto
estava ocupado a preparar-se
para os exames. Mas o estudo foi
subitamente interrompido por
uma chamada que iria mudar
a vida do jovem avançado da Académica e
estudante do 5.º ano de Medicina: do outro
lado da linha alguém se apresentava como
Helenio Herrera, treinador do Inter de Milão.
O propósito da chamada era comunicar-lhe o
interesse da equipa italiana em contratá-lo.
A reacção instintiva foi pensar que se tratava de uma brincadeira. “Está bem, está bem.
Adeus”, despachou Jorge Humberto, desligando de seguida. Mas o telefone voltou a tocar
pouco depois naquela tarde de Junho de 1961.
“Deixa-me estar que estou ocupado com os
meus estudos”, pediu. Perante a insistência
do interlocutor na proposta de transferência
para Itália, decidiu desmascará-lo: “Se é verdade o que o senhor está a dizer, mande um
telegrama para confirmar.”
As razões para não acreditar no convite
eram mais que muitas. Para começar, vinha
“só” de um dos maiores clubes da Europa.
Depois, o facto de o telefonema ser feito pelo
próprio “mago” Helenio Herrera, uma figura
cujo legado ainda hoje perdura. O técnico argentino (a quem José Mourinho foi comparado
durante a sua passagem por Milão) revolucionou o futebol italiano — da preparação física à
táctica, passando pela alimentação dos atletas
46 • 17 Julho 2011 • Pública
ou pelas relações com o presidente — e transformou o Inter num clube ganhador.
“O telegrama chegou daí a uma horita, se
tanto”, recorda Jorge Humberto, em conversa
com a Pública. A admiração foi geral na “república” (casa de estudantes) onde vivia, no número 23 da Rua do Norte, por trás da Sé Velha
de Coimbra. “Nós comíamos à mesma mesa
quando ele recebeu o telegrama do Herrera
a propor a ida para Milão”, lembra Armando
Rocheteau Gomes, companheiro do avançado
da Académica: “Afinal, era verdade. Nem queríamos acreditar.”
Entre 1957 e 1958, Helenio Herrera treinara
o Belenenses. Na mesma altura, Jorge Humberto fazia os primeiros jogos pela equipa de
Coimbra. Mas nada fazia prever o convite para
se juntar ao técnico argentino em Milão. “Isto
não pode ser, como é possível?”, lembra-se de
ter pensado. Jogavam então pelos nerazzurri
nomes como Luis Suárez, Mario Corso, Sandro
Mazzola, Giacinto Facchetti ou Lorenzo Buffon
(pai de Gianluigi Buffon e guarda-redes tal como
este). “Quem sou eu ao pé dessa gente toda?”
“Nunca me tinha passado pela cabeça algum
dia ir jogar num clube estrangeiro”, confessa
Jorge Humberto. Mais ainda quando estava tão
perto de passar para o último ano do curso de
Medicina, a sua verdadeira prioridade. Mas
o convite do Inter não deixava de ser tentador... A condição era que o avançado português fizesse uma prova em Milão, num jogo
particular, antes de ser tomada uma decisão.
“Se tudo correr bem, provavelmente vai haver
uma reviravolta na minha vida”, pensou.
Antes, teve de se encher de coragem para
abordar o professor Fernando de Oliveira e
pedir-lhe autorização para adiar o exame de
Patologia Cirúrgica. “Atrevi-me a ir bater à porta
dele antes de ir para Itália”, explica Jorge Humberto, algo quase impensável numa altura em
que professores e estudantes eram separados
por uma enorme distância. “Vá e tenha boa
sorte. Mas esteja cá antes do fim do mês”, disselhe o professor, “com cara séria”.
Amizade com Suárez
É já de Milão que, a 18 de Junho de 1961, Jorge
Humberto envia a Armando Rocheteau Gomes
um postal com uma vista da Piazza della Repubblica. “Já cá estou desde ontem. Viagem
rápida e confortável, jornalistas e fotógrafos à
chegada, instalação no Palace Hotel e descanso
neste momento para o jogo à noite. Esta manhã
recebi a visita do Suárez, que se mostrou muito
simpático. Informei-o das minhas características, falou-me dos restantes colegas e ficámos
amigos. Já ontem à noite eu, ele e o Herrera estivemos a conversar no restaurante do hotel. Diz
à malta que o jogo é contra o Spartak, à noite, e
que lhes mando muitos cumprimentos.”
O teste dificilmente poderia correr melhor. O
Inter conseguiu uma goleada e Jorge Humberto
brilhou. “Meti dois ou três golos, já não sei.”
Três dias depois havia novo encontro, diante
do Santos de Pelé. Mas o avançado português
Bolsa para seis meses
O que fazer? “Resolvemos” — imagine-se —
“abordar o governador da província”, explica. “Ele ia lá à ilha de São Vicente de vez em
quando, e todas as vezes que ele ia lá nós fazíamos-lhe uma visita. Queria ajudar-nos, mas não
havia verba.” Até que surgiu uma possibilidade:
uma bolsa apenas, a dividir pelos três, e por
um período de seis meses. “Abraçámos este
projecto e avançámos”, sublinha.
Estava-se em 1955. Terminados os seis meses
da bolsa, cada um teve de se desenvencilhar
como pôde. Jorge Humberto contou com a ajuda de uma irmã, que era professora primária,
e um subsídio da Académica. “Eu já tinha começado a jogar nos juniores, logo quando cheguei. Acabaram os seis meses e fui ter com os
directores da Académica. Contei-lhes a minha
história. Aquilo foi uma risada que sei lá, não
queriam acreditar”, recorda Jorge Humberto:
“Fui o primeiro júnior a ser subsidiado. Nunca
tinham feito isso. Eles compreenderam a
situação e apostaram em mim.”
Livre das preocupações monetárias, Jorge Humberto
pôde concentrar-se no
futebol. “A minha estreia foi contra o grande rival da Académica,
o União de Coimbra.
Ganhámos 3-0 e eu
meti os três golos. c
TÓNIO FA
LCÃO
Actualmente
com 73 anos, Jorge
Humberto não
esquece
a Académica
FOTO: AN
teve de abdicar do sonho de defrontar aquele
que é por muitos considerado como o melhor
jogador de sempre. Tudo por causa do compromisso, assumido com o professor Fernando
de Oliveira, de estar em Coimbra para fazer o
exame.
“Disse cá para mim: ‘Não, não. Eu, à cautela,
não vou querer tudo na vida. Se isto der resultado, há-de dar. Mas vou-me embora, porque não
quero estragar o que já está feito. A exibição
que eu fiz foi mais do que convincente’”, recorda Jorge Humberto. Os responsáveis do Inter
foram sensíveis aos argumentos do avançado
português e, na véspera do regresso, chamaram-no à sede para lhe entregarem o prémio
do jogo. “Deram-me 120 mil liras, que na altura
eram seis contos. Seis contos era quatro vezes
aquilo que eu recebia na Académica”, diz. “Claro, reuni-me com a minha malta toda, lá em
Coimbra, e fizemos uma festarola.”
Seis anos depois de ter chegado a Coimbra,
Jorge Humberto estava de partida. A sua carreira na Académica começara alguns anos antes.
Ainda estudante do liceu, o jovem avançado “já
jogava à bola” na Académica do Mindelo, em
Cabo Verde, de onde é natural. “Tinha um treinador que era, ao mesmo tempo, o professor de
ginástica do liceu, e que me entusiasmou imenso para vir para Portugal. Disse-me que tinha
condições para poder vingar na Académica e
ao mesmo tempo tirar um curso”, conta.
“Comecei, juntamente com outros dois colegas, a alimentar seriamente a possibilidade
de vir estudar para Portugal. Começámos a explorar hipóteses de subsistência, porque nem
a minha família nem a deles estavam em condições de nos aguentar em Portugal a tirar um
curso”, continua Jorge Humberto.
futebol
Fiquei logo lançado nos juniores e no ano seguinte estava destinado a ser promovido ao
primeiro team”, diz.
Em Maio de 1956, Cândido de Oliveira, treinador da Académica, decidiu dar uma oportunidade a Jorge Humberto numa partida contra
o Olhanense. “As coisas não me correram mal,
mas já quase no fim, numa daquelas bolas compridas que o guarda-redes sai e vou a correr
a ver se ainda consigo lá chegar, estico o pé
e o safado agarrou-mo, torceu-me o joelho e
fiquei arrumado. Fiz uma luxação completa
do joelho esquerdo, julguei que tinha acabado
para o futebol.”
Seguiram-se alguns meses de recuperação,
com o fim do ano lectivo e as férias pelo meio.
No início da nova temporada, Cândido de Oliveira teve uma conversa com o avançado: “Jorge, eu gostava de te pôr já no primeiro team,
mas como tu ainda tens idade vais jogar outra
vez nos juniores. Vais arranjar um bocadinho
mais de calo, recuperar esse joelho como deve
ser, e para o ano, zás!” “Dito e feito”, afirma Jorge Humberto. “No ano seguinte comecei então
a jogar no primeiro team.”
Paralelamente, ia construindo o seu percurso
académico. “Quando fui para Portugal, estive
muito indeciso sobre que curso escolher”, confessa. Após uma inclinação inicial pela Engenharia, acabou por se decidir pela Medicina.
“Depois, nasceu-me a paixão pela obstetrícia. O
Mário Torres, que jogava comigo na Académica,
era já obstetra. E quando ele estava de serviço,
eu — que ainda era aluno de Medicina — ia lá
ver o dia-a-dia dele. Fiz até uma data de partos
sendo apenas aluno de Medicina”, explica Jorge
Humberto, que no entanto acabaria por fazer
a especialidade em Pediatria.
O telefonema de
Helenio Herrera
foi recebido com
desconfiança:
“Se é verdade o
que está a dizer,
mande um
telegrama para
confirmar”
Depois de um
ano com poucas
oportunidades
no Inter, Jorge
Humberto
continuou em
Itália, mas no
Lanerossi Vicenza
48 • 17 Julho 2011 • Pública
“Ecco Humberto”
Mas o curso teve de ser interrompido e, em
Setembro de 1961, rumou a Itália para integrar
o plantel do Inter de Milão. “Era um avançado
explosivo. Tinha uma velocidade espantosa,
uma determinação terrível e um remate fulminante. Era um futebolista de alto nível”,
resume Mário Wilson, companheiro de Jorge
Humberto na Académica. “Ecco Humberto –
Parla quattro lingue e tira con i due piedi” (Eis
Humberto – Fala quatro línguas e chuta com
os dois pés), escreveu um jornal italiano na
altura.
O avançado e estudante de Medicina acabava
de protagonizar a primeira transferência do
futebol português para o calcio. Um negócio
que rendeu uma quantia importante à equipa
de Coimbra: “A Académica pediu 4000 contos
[cerca de 20 mil euros, ao câmbio actual], dos
quais 3000 para ele e mil para a Académica”,
recorda Armando Rocheteau Gomes, que viria
a pertencer à direcção da secção de futebol da
associação.
Porém, Jorge Humberto não foi o primeiro
português a jogar em Itália. Segundo vários
registos, o pioneiro terá sido Francisco dos
Santos, que chegou a Roma em 1906 com uma
bolsa de estudo para frequentar a Academia
de Belas-Artes. Aquele que, mais tarde, viria
a ser o autor do busto da República ou da
estátua do Marquês de Pombal em Lisboa,
jogou na Lazio durante dois anos, para fazer
face às dificuldades financeiras, chegando a
ser capitão da equipa.
As características de Jorge Humberto não
chegaram para que o avançado português se
afirmasse na primeira equipa do Inter. Uma
regra da Liga italiana não permitia que as equipas colocassem ao mesmo tempo em campo
mais do que dois jogadores estrangeiros. E nos
nerazzurri essas vagas estavam ocupadas pelo
espanhol Luis Suárez e pelo britânico Gerry
Hitchens. O clube ainda faria uma tentativa,
frustrada, de naturalização de Jorge Humberto,
com o objectivo de contornar essa regra. Um
assunto que marcou o ex-avançado, que descreve o esquema como uma “fraude”.
Nas competições europeias era diferente, uma
vez que a Taça das Cidades com Feiras (precursora da Taça UEFA, hoje Liga Europa) permitia
que jogassem três estrangeiros. Foi nesta prova
que Humberto viveu os melhores momentos
com a camisola do Inter de Milão: cinco golos
em cinco partidas disputadas — incluindo um
hat-trick diante do Colónia, nos 16 avos-de-final
–, a que se juntaram dois jogos no campeonato
italiano e outro (com um golo) na Taça.
Apesar disso, as recordações são boas: “Vivia num apartamento, um sexto andar na Via
Canonica, 59, que partilhava com o [Bruno]
Bolchi e o guarda-redes Ottavio Bugatti, que
tinha vindo do Nápoles e era o número dois do
Buffon.” De Helenio Herrera, Jorge Humberto
lembra os discursos antes dos jogos. “Ele falava
com um entusiasmo tal que um indivíduo ficava
embevecido a ouvir. Dizia-nos: ‘Tu és capaz!
Não vires a cara.’ E a gente convencia-se de
que era capaz”, lembra.
Ouro antes dos jogos
No Inter, antes de cada jogo, havia um cerimonial. “O presidente Angelo Moratti [pai de
Massimo Moratti, actual líder do clube] ia ao
balneário visitar a equipa uns dez minutos antes. Desejava-nos boa sorte, dizia umas palavrinhas e distribuía a cada um uma libra de
ouro pelo jogo ganho na semana anterior. Se
não tivéssemos ganho, não havia libras, mas
como se ganhava quase sempre...”
Porém, devido à escassa utilização, o avançado português deixa o Inter de Milão no fim
da primeira temporada. “Depois de estar lá um
ano fui para Vicenza, onde joguei no Lanerossi
[nome da empresa têxtil que detinha o clube]”,
conta Jorge Humberto, que mesmo em Itália fez
algumas cadeiras do curso, nas universidades
de Milão e Pádua.
Após dois anos em Vicenza, a aventura italiana chegou ao fim. “Já tinha dito aos dirigentes
que não ia continuar, porque queria voltar a
Portugal para acabar o meu curso”, conta Jorge
Humberto. Ainda se falou na hipótese de ser
vendido aos belgas do Standard de Liège, mas
a vontade do avançado acabou por prevalecer.
“E lá me vim embora. Regressei de carro, um
Peugeot 404 comprado havia um mês e tal, novinho em folha. Carregado com todas as minhas
coisas”, acrescenta.
Em 1964, no regresso de Jorge Humberto, a
Académica ganha ao FC Porto no antigo Estádio
das Antas. Ao lado do agora experiente avançado brilhava uma jovem esperança acabada
de chegar a Coimbra: Manuel António. “Um
A chegada
de Jorge Humberto
a Milão despertou
o interesse da
imprensa italiana,
que o entrevistou
logo no aeroporto
Jorge Humberto fez mais duas épocas na Académica e colocou um ponto final na carreira
de futebolista em 1966, no mesmo ano em que
concluiu os estudos. Passados três anos, foi
chamado para a tropa. Embarcou no paquete
Uíje e foi cumprir o serviço militar em Angola
como alferes miliciano médico. “Estive lá dois
anos”, recorda.
Entre as histórias que o antigo avançado recorda de Angola, há uma particular que remete
directamente para a sua experiência de futebolista. Quando a companhia que Jorge Humberto integrava foi colocada no Leste do país, em
Lucusse — perto da fronteira —, a frequência
dos ataques diminuiu drasticamente, quando
antes era um sítio “permanentemente atacado”. “Porquê? Porque, dizem, estava do outro
lado, na Zâmbia, a companhia ou o batalhão do
Chipenda. Daniel Chipenda, que tinha sido meu
colega no futebol da Académica”, explica.
O tempo que passou em Angola serviu também para ganhar prática médica. “Fiz aquilo
que era possível ser feito”, admite Jorge Humberto, descrevendo vários casos de ferimentos
graves ou partos que teve de ajudar a realizar.
Quando regressa a Coimbra, em 1971, dedica-se
à especialidade. Acaba por escolher Pediatria:
“Aquela que eu sempre quis.” Termina-a em
1975. “Depois tive a sorte de, terminada a especialidade, passados dois anos, abrir o Hospital
Pediátrico [de Coimbra].”
Jorge Humberto fala da Pediatria com entusiasmo e orgulho no trabalho feito. Desde a
equipa que integrou no Pediátrico de Coimbra
— um grupo que “dava cartas” e estava “avançado” na área — ao trabalho desenvolvido depois
em Macau, para onde vai em 1982. Aí, teve como desafio erguer praticamente “do princípio”
uma rede de cuidados pediátricos. O que era
para ser uma estadia de curta duração transformou-se em mais de duas décadas de residência
no território. Recentemente, o ex-avançado da
Académica decidiu regressar a Macau para um
novo desafio profissional.
Meio século depois de ter protagonizado a
primeira transferência de um futebolista português para Itália, o sentimento que Jorge Humberto guarda da sua aventura no calcio é largamente positivo. “Uma rica experiência, que
jamais esquecerei”, escreveu no testemunho
para a obra Académica — História do Futebol.
Mais tarde, outros seguiram-lhe os passos. Mas
coube-lhe a ele o pioneirismo de desbravar o
caminho e dar a conhecer ao futebol italiano a
qualidade dos jogadores portugueses. a
ARCHIVIO RCS QUOTIDIANI
De Angola a Macau
ARCHIVIO RCS QUOTIDIANI
bom amigo, um bom aluno, um bom médico”,
resume o actual director do Instituto Português
de Oncologia de Coimbra.
“Na brincadeira chamávamos-lhe Giorgio
Humbertino”, recorda Manuel António. Sobre a aventura italiana de Humberto, admite
que “não triunfou como esperaria”. “Julgo que
ele não se adaptou bem lá ao futebol. E por
isso é que ele regressa, senão continuaria lá”,
acrescenta Manuel António, concluindo com
um sorriso: “Mas acho que foi melhor para ele
regressar e tirar o curso.”
[email protected]
Pública • 17 Julho 2011 • 49
17 volumes. PVP vol.1: Û3. PVP2 a 17: Û6,90, preo total da colec‹o: Û113,40. Ës teras entre 31 de Maio e 20 de Setembro. Edi‹o limitada ao stock existente.
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no Museu
atŽ 31.12.2011
Esta colec‹o inclui os seguintes t’tulos:
Museu Nacional do Azulejo Pao dos Duques de Bragana Museu Nacional de Soares dos Reis Museu Nacional do Traje & Parque Bot‰nico do Monteiro-Mor Museu Calouste Gulbenkian
Casa Museu Dr. Anast‡cio Gonalves Museu Nacional de Machado de Castro Museu Colec‹o Berardo Museu Nacional do Teatro Museu Nacional de Arte Antiga Pal‡cio Nacional de Sintra
Museu de Arte Contempor‰nea de Serralves Museu Arpad Szenes Vieira da Silva Museu de ƒvora Pal‡cio Nacional de Queluz Pal‡cio Nacional da Ajuda Museu de Artes Decorativas Portuguesas
MARIO ANZUONI/REUTERS
Viver melhor
A dieta das
estrelas e não só
Esta semana explicamos
por que a dieta Dunkan
atrai milhões de seguidores,
entre os quais a actriz
Penélope Cruz e a mãe de
Kate Middleton, e por que
não é recomendada pela
comunidade científica.
Falamos de objectos que
ganharam prémios de
design (as garrafas de gás
CoMet) mas não existem.
Apresentamos deliciosas
receitas com frutos do mar e
“denunciamos” uma escola
britânica de miúdos espiões.
Pública • 17 Julho 2011 • 51
o design nosso de cada dia
Garrafas de
gás CoMet
Texto Frederico Duarte
52 • 17 Julho 2011 • Pública
O
s objectos
encontrados
nesta página
ganharam
prémios de
design, são um
exemplo de inovação nacional
e de parcerias de sucesso entre
universidades e empresas. Mas
não existem.
Trata-se de garrafas
portáteis de GPL (gás de
petróleo liquefeito), também
conhecidas como botijas de
gás butano. Compostas por
um cilindro de aço revestido
a Twintex® (material feito de
fibras de vidro e polipropileno)
e inserido num invólucro de
polietileno ou polipropileno
de alta densidade, pertencem
a uma família de garrafas de
tecnologia compósita que a
empresa de Guimarães AmtrolAlfa tem vindo a desenvolver
desde 2003, em parceria com
o Instituto de Engenharia
Mecânica e Gestão Industrial
da Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto
(FEUP) e o Pólo de Inovação
em Engenharia de Polímeros da
Universidade do Minho.
Quando foi lançada em
2005, a primeira das garrafas
desta família era mais leve,
segura, económica, fácil de
transportar e apelativa que as
botijas tradicionais. Chamavase Pluma. Foi projectada pela
Brandia, que não fez só a garrafa
(desenvolvida no departamento
de design de produto da agência,
então liderado pelo designer
Rui Sampaio de Faria): fez o
produto Pluma. Deu-lhe um
nome, um logótipo, uma razão
de ser, uma história. Contada
numa campanha de lançamento
que associava características
intrínsecas da garrafa — leveza,
formas curvilíneas, cor quente —
a uma certa ideia de sex-appeal:
a Galp, a partir daí chamada
Galp Energia, passou a ter duas
novas embaixadoras: a Pluma e
a “menina do gás”.
Por razões de logística e
mercado, a Galp não substituiu
todas as suas garrafas por
Plumas: elas coexistem hoje
com as velhas botijas de aço e
as garrafas da concorrência.
Mas a Amtrol-Alfa quis dar
continuidade à pesquisa então
começada. É então que Carlos
Aguiar, professor convidado
da FEUP e o mais premiado
designer industrial português,
passa a liderar a equipa que
projectou as garrafas aqui
representadas.
Tendo características técnicas
semelhantes às da Pluma,
elas têm ainda “uma maior
flexibilidade de aplicação
de válvulas diferentes e uma
ergonomia das asas ligeiramente
melhorada”. As suas linhas
dinâmicas também sugerem
serem mais leves do que são
— um elemento de design tão
intangível quanto fundamental.
A sua fácil adaptação a
sistemas de gás engarrafado que
não o português levaram-nas a
outros países e mercados. Desde
à Austrália, onde a empresa
Elgas as vende como garrafas
verdes e pretas “Snap and Go”,
à Venezuela, cuja companhia
estatal PDVSA Gas Comunal as
coloriu com as cores e estrelas
da bandeira nacional. Nas
ilhas Canárias, a Disa deu à sua
nova bombona o nome “nu-b”
e a cor branca, integrando-as
consultório
economia prática
semanticamente no universo
rso da
h e,
cozinha; no resto de Espanha
também, em Portugal, as K6 e
K11 são distribuídas nas cores da
Repsol: azul, laranja e branco.
Como se vêm aqui, estas
garrafas não existem: são os
clientes da Amtrol-Alfa que
as tornam em produtos, as
“fazem existir” para além da
fotografia e segundo as suas
necessidades. Para Aguiar, “a
CoMet é um produto ‘aberto’
da Amtrol-Alfa que permite aos
seus clientes construírem sobre
ela ‘produtos’ com ‘imagens’ e
‘marcas’ próprias.” São portanto
“um produto com a imagem
‘em aberto’”, além de serem
“um work in progress que tem
contaminado outros segmentos
e mercados” como o náutico, os
gases refrigerantes ou mesmo os
grelhadores de exterior (como os
criados pela empresa portuguesa
Silampos, especificamente para
estas garrafas).
Estas garrafas de gás são um
exemplo de como o trabalho de
um designer industrial, apenas
um elo de uma extensa cadeia
de decisões, condicionantes,
mercados e pessoas, é crucial
para o sucesso de qualquer
produto. Mas que não existe no
vazio. Como diz Aguiar, “o nível
de desempenho de um colectivo
é ditado pelo elo mais fraco da
cadeia (como na alta fidelidade),
pelo que bom design numa
equipa fraca não faz milagres,
nem o contrário”. a
[email protected]
Deduções fiscais
insólitos
Holanda Vamos contar
insectos
Biólogos pediram a 250
condutores que limpassem
diariamente a placa de
matrícula dos seus carros e
fizessem contas. O resultado
foi brutal: todos os meses são
“atropelados” nas estradas
holandesas qualquer coisa
como 133 mil milhões de
insectos. E isto, para além
de uma grande porcaria,
representa um rombo
importante na cadeia
alimentar.
EUA Bebé de 7,2kg
nasce no Texas
O Texas tem fama de
gigantismo e reforçou-a
agora com o nascimento do
“pequeno” JaMichael Brown,
um bebé de 7,2kg a quem a
roupa comprada durante a
gravidez já não serve. Mesmo
as fraldas do hospital são
pequenas. Ninguém confirma,
mas suspeita-se de que as três
irmãs de JaMichael, de 18, 16 e
dez anos, já terão começado a
ir ao ginásio...
Newark Restaurantes
“à prova” de tiroteio
BI
Garrafas de gás CoMet
Design
Carlos Aguiar
Cliente
Amtrol-Alfa
Datas
2003 (início do projecto)
2005 (lançamento primeira
garrafa CoMet Pluma)
2006 (primeira nova CoMet no
mercado — 24L, Bulgária)
2007- 2009 CoMet chegam
às Canárias, Austrália, EUA,
Venezuela e Cabo Verde)
www.amtrol-alfa.com
Um agente policial foi vítima
de tiros disparados de uma
viatura em andamento
enquanto jantava, fora
do horário de serviço,
num estabelecimento de
Newark. As autoridades
locais já responderam: a
partir de agora, os pequenos
restaurantes são obrigados
a ter um guarda armado
durante o horário nocturno.
Talvez fosse mais eficaz
proibi-los de ter janelas... a
Luís Francisco
Num casal divorciado, apenas um dos
ex-cônjuges pode fazer as deduções
fiscais dos seus descendentes através
da Internet: o primeiro que preencher
a declaração fiscal e usar o número
fiscal dos descendentes. A partir daí,
o sistema bloqueia para o segundo. É
este procedimento legal?
Vítor Correia, Guimarães
Pode parecer estranho e até um
pouco deslocado da realidade
dos casais divorciados, quando
ambos os pais cuidam dos seus
filhos comuns e despendem em
conformidade. O certo é que,
segundo a própria Deco, esse
não só é o tratamento legal,
como “é assim que deverá ser
feito em papel”, ou seja, em
declarações fiscais entregues
em papel.
É que, segundo a lei, “só
podem ser deduzidas despesas
dos dependentes incluídos
na respectiva declaração” e
essa possibilidade fica com
quem tem os filhos a cargo.
Em casos de regulação de
poder paternal, em que se
decidiu que os filhos estão
a viver com um dos pais,
“o outro nunca os poderá
declarar como dependentes”.
“Mesmo nos casos de guarda
partilhada, é assim que deverá
ser efectuado: os dependentes
só podem constar de uma
declaração de rendimentos.”
A alteração fiscal foi adoptada
como forma de evitar abusos,
como aqueles casos em os
dois pais apresentavam as
mesmas despesas, para obter
maiores reembolsos. A solução
encontrada foi cortar cerce e
impedir um dos pais de poder
deduzir. A Deco tem recebido
diversos pedidos de informação
de contribuintes habituados à
situação anterior em que era
possível aos dois pais colocarem
despesas de IRS, mesmo se
só um é que tinha o poder
paternal.
O que se pode então fazer?
O gabinete do director-geral
dos impostos não quis dar
resposta às dúvidas da Pública,
mas vários contribuintes
dizem que os serviços fiscais
os aconselham mesmo que
— quando não haja pensão
de alimentos definida — os
ex-cônjuges cheguem a um
acordo no sentido de integrar
na declaração de um deles —
na que for mais favorável — a
totalidade das despesas, feitas
pelos dois pais. Ou que num
ano seria um, no ano seguinte
seria o outro. Se forem dois ou
mais descendentes, de repartir
as despesas de cada filho pelos
dois pais. Ou então arranjar
uma forma de quantificar
quanto valeria a dedução das
despesas feitas pelo ex-cônjuge
que não pode apresentar a
declaração.
Quando haja fixação pelo
tribunal de uma pensão de
alimentos ou algum tipo de
comparticipação de despesas,
a situação está de certa
forma atenuada. A pensão de
alimentos deve ser declarada
como rendimento de quem a
recebe, mas a quantia pode ser
deduzida por quem a pagou.
a João Ramos de Almeida
Envie as suas questões para
[email protected]
Pública • 17 Julho 2011 • 53
ODD ANDERSEN/AFP
beleza
A dieta que anda na
boca de toda gente
Perder peso rapidamente sem renunciar ao prazer de comer
e conseguir manter o peso ao longo da vida é a promessa da
Dunkan. Esta dieta tem ganho milhões de seguidores em todo
o mundo — a mais recente das quais, a mãe da futura rainha de
Inglaterra. A comunidade científica não concorda e alerta para
os perigos que pode provocar na saúde, a médio e longo prazo.
Texto Maria Antónia Ascensão
Carole Middleton (em cima), Jennifer Lopez e Gisele Bündchen (à direita) são algumas das celebridades que aderiram à dieta Dunkan
54 • 17 Julho 2011 • Pública
A dieta Dunkan consiste em
quatro fases: uma de “ataque”,
em que só se podem ingerir
alimentos proteicos (carne,
peixe, marisco, ovos, aves e
lacticínios, numa lista que integra
72 alimentos) e que dura no
máximo dez dias. Depois, entrase na fase da velocidade cruzeiro,
porque se continuam a ingerir
proteínas mas juntam-se verduras
e hortaliça, embora ainda seja
proibida a ingestão de frutos,
massas, milho, arroz ou batata,
até chegar ao peso desejado.
A terceira é a etapa de
transição: manter o peso,
repetindo o cardápio da fase
anterior, mas já com direito a
comer uma pequena porção de
Nenhum destes casos teve o impacto da revelação de Carole Middleos fiéis apesar
ton, que atraiu outros
do do médico
das críticas ao método
nas mais uma
francês. “Esta é apenas
daquelas dietas inventadas
ntadas por um
indivíduo carismático
o que promete
muito e ganha uma infinidade de
seguidores, mas não
o se baseia em
nenhum dado científi
tífico”, afirmou ao New York Times
mes o presidente do Comité Americano
mericano de
Nutrição (Heart Association),
sociation),
Frank Sacks.
nização
No seu site, a Organização
midores
espanhola de Consumidores
e Utilizadores (OCU)
os da
alerta para os perigos
da
dieta Dunkan, baseada
apenas no consumo de
ntradiz
proteínas, o que contradiz
a
as recomendações da
sociedade científica de
ea
endocrinologia sobre
entação
prática de uma alimentação
ma mais
saudável como a forma
ngordar.
correcta para não engordar.
zado
Num estudo realizado
pela Administração
nça
Nacional da Segurança
es)
Social francesa (Anses)
sobre a qualidade
nutricional de váriass
dietas, a de Dunkan
o
foi classificada como
consultam depois de terem feito
a dieta de Dunkan. Quando lhe
dizem que perderam 15 ou mais
quilos, ele pergunta a razão por
que o procuraram, e a maior parte
responde que ganhou mais peso
do que o perdido.
Este regime tão drástico,
principalmente na primeira fase,
não é aconselhado a quem tem
problemas cardíacos ou renais,
sofra de depressão ou graves
problemas de alimentação,
como bulimia ou anorexia,
e a menores de 17 anos em
fase de crescimento. Dunkan
refere como contra-indicações
a possibilidade de boca seca,
mau hálito, problemas renais e
prisão de ventre. Outros clínicos
apontam ainda o agravamento da
osteoporose a longo prazo. a
[email protected]
Foi classificada como
“uma das 15 dietas
mais desequilibradas e
potencialmente arriscada”
ORBIS/VMI
As críticas
“uma das 15 mais desequilibradas
e potencialmente arriscada”.
Do mesmo modo, também a
Associação Dietética Britânica
lhe deu o rótulo de Do-Can’t
Diet. Em França, investigadores
do Institute Pasteur, em Lille,
alertaram que esta dieta provoca
alterações no metabolismo do
organismo, podendo causar
graves distúrbios nutricionais.
Para Phillipe Dunkan, o
verdadeiro risco é a obesidade,
que contribui para um número
crescente de mortes. A sua dieta,
pelo contrário, contribuiu para
que “40 por cento” das pessoas
que a seguiram não voltassem a
ganhar peso.
Arnaud Cocaul, nutricionista
do hospital Salpêtrière, rebateu
aquele argumento, numa
entrevista ao jornal Le Parisien,
dizendo que muitos pacientes o
STEVE EICHNER/CORBIS/VMI
O método
queijo e uma peça de fruta por
dia; além de duas refeições livres
por semana — que podem incluir
doces ou vinho, por exemplo,
ou não fosse uma dieta francesa.
A quarta e última fase é a de
manutenção: nada é proibido,
mas Dunkan apela ao bom senso.
É apenas necessário repetir
a primeira fase uma vez por
semana. Em todas as etapas, o
médico francês sugere a ingestão
mínima diária de 1,5 litros de
líquidos (água, chá ou café) e de
uma a duas colheres de aveia.
Entre as figuras públicas que
abandonaram os conselhos de
Atkins para aderirem aos de
Dunkan, está Jean-Marie le Pen,
antigo líder do partido de extremadireita francesa, e o socialista
François Hollande, aspirante
ao Palácio do Eliseu. Outros são
o campeão olímpico de judo
David Douillet, que afirmou ter
perdido mais de 35 quilos em seis
meses; Penélope Cruz, Jennifer
Lopez ou Giselle Bündchen, que
recuperaram a silhueta num ápice
após a gravidez.
RUNE HELLESTAD/C
D
esde que a mãe de
Kate Middleton,
a futura rainha
de Inglaterra,
disse numa
entrevista ter
aderido à dieta Dunkan, para
garantir uma silhueta invejável
no dia do casamento da filha,
este regime alimentar ganhou
milhares de seguidores. O seu
criador, o médico Pierre Dunkan,
é conhecido nos Estados Unidos
como “dr. Atkins francês” porque
também ele, à semelhança de
Robert C. Atkins, privilegia a
ingestão de proteínas.
Mas há alguns anos que a
comunidade científica americana
critica o facto de a dieta Dunkan
ser uma “versão requentada”
da de Atkins. Em declarações
ao jornal The New York Times, o
médico francês admitiu ter-se
inspirado no método do norteamericano, mas ressalvou que o
erro deste foi permitir o consumo
ilimitado de gorduras. “Atkins foi
uma lenda no seu tempo; agora
está morto.”
Criada há uma década, a dieta
Dunkan rapidamente ganhou
adeptos em França, onde são
apelidados pela imprensa como
“dunkanianos”. A popularidade
de Dunkan é tão grande que,
no último ano, o seu livro Não
Consigo Emagrecer vendeu entre
três milhões e cinco milhões de
exemplares só em França. Está
traduzido em 14 línguas, uma
delas o português. Mais três livros
do mesmo autor integraram a
lista dos cinco best-sellers em
França em 2010.
cozinha
O Verão traz frutos do
Tal como os peixes, os frutos do mar são ricos em cálcio, iodo, fósforo, flúor, cobre,
encontrado nos frutos do mar, é uma “gordura boa”, que diminui o risco de doenças
nervosas, combate também a ansiedade. Têm menos calorias do que as carnes, sendo
Produção e fotografia Hugo Campos
56 • 17 Julho 2011 • Pública
m
c
u
mar
magnésio, potássio e zinco, além de serem fontes de vitaminas A, B e D. O ómega 3,
cardiovasculares e actua na regeneração das células tronco. Como age nas células
uma óptima fonte de proteína magra para ajudar no controlo do peso. E são deliciosos.
Ostras com molho
vinagrete
Ingredientes
1kg de ostras
1/2 cebola
1/4 pimento vermelho
1/4 pimento verde
1/4 tomate sem pele
e sem sementes
1/2 dl de vinho branco
de boa qualidade
Sumo de 1/2 limão
Preparação
Pique muito finamente a
cebola, os pimentos e o
tomate. Misture tudo com o
vinho e o sumo de limão. Abra
as ostras e sirva-as com uma
colher de chá de molho que
preparou.
Vieiras
Ingredientes
2 batatas
2 colher de sopa
de sopa de manteiga
Natas q.b.
6 vieiras
tomate
Manteiga q.b.
Preparação
Asse as batatas, descasqueas e reduza-as a puré.
Adicione a manteiga e natas
em quantidade suficiente
para que fique com uma
consistência cremosa.
Numa frigideira antiaderente,
marque as vieiras, dos dois
lados com um pouco de
manteiga. Sirva as vieiras
com um pouco de puré e
alguns cubinhos de tomate.
Pública • 17 Julho 2011 • 57
cozinha
Amêijoas com massa
Ingredientes
Mexilhão em gelatina de chá
de Príncipe e salicornias*
Ingredientes
Azeite q.b.
1 cebola
2 dentes de alho
1kg de mexilhão
1/4 ramo de coentros
1/2l de chá de Príncipe
4 folhas de gelatina
algumas hastes de salicornias
Preparação
Lave os mexilhões
rapidamente, salteie-os numa
panela com um fio de azeite
para que abram. Pique a
cebola e os dentes de alho e
leve ao lume numa frigideira
antiaderente com um fio de
azeite. Polvilhe com os coentros
picados e adicione o chá de
58 • 17 Julho 2011 • Pública
Príncipe. Triture tudo muito
bem e passe por um passador
de rede. Hidrate as folhas de
gelatina e junte-as ao caldo
quente para que se dissolvam
muito bem. Deite o caldo num
tabuleiro para que fique com
muito pouca espessura. Leve
ao frigorífico a gelatinar. Corte
em tiras e enrole em cada uma
um mexilhão. Decore com
salicornias.
* Plantas que crescem nas
salinas junto ao mar, em zonas
muito salgadas. Têm um sabor
fresco e ligeiramente salgado,
servindo para apaladar.
Produzem-se especialmente na
ria Formosa (Algarve).
1kg de amêijoas
Azeite q.b.
1 colher de sopa
de manteiga
1/2 cebola
2 dentes de alho
1 colher de sobremesa
de colorau
1 malagueta pequena
(opção)
Esparguete
Preparação
Numa panela com um
fio de azeite, abra as
amêijoas rapidamente.
Retire o miolo das conchas
e reserve o caldo. Numa
frigideira, deite um fio
de azeite, a manteiga, a
cebola e os dentes de alho
picados e o colorau (e
uma pequena malagueta
cortada em rodelas finas,
como opção). Salteie
tudo e regue com a água
de cozer as amêijoas.
Adicione o esparguete já
cozido em água com sal.
Por fim, junte as amêijoas,
envolva bem e sirva.
Pública • 17 Julho 2011 • 59
miúdos
Espiões sub-18
Os serviços secretos britânicos (MI5) têm uma ramificação juvenil. Crianças
e jovens são recrutados para missões de combate ao terrorismo e ao tráfico de
droga. São formados na Cherub, a academia imaginada por Robert Muchamore,
autor inglês que esteve recentemente em Lisboa. A Pública “recrutou” dois leitores
de 13 anos para falar com o escritor: Artur Almeida e João Pedro Lucas.
Texto Rita Pimenta
60 • 17 Julho 2011 • Pública
Q
uem nada
soubesse
sobre
Robert
Muchamore
e a sua escola
de espiões
ficaria intrigado por ver um
escritor ladeado por dois
guarda-costas matulões com
uma espécie de anjo ao peito
no stand da Porto Editora da
Feira do Livro de Lisboa. “É uma
estratégia de marketing, para
dar impacte e obrigar as pessoas
a olhar”, justifica o autor. “Mas,
se alguém me atacar, eles
avançam mesmo”, diz divertido,
dirigindo-se aos dois rapazes
que acompanham a Pública
durante o encontro.
Há violência nos seus livros
e é assumida sem culpas: “Eu
tenho de competir com jogos
de vídeo, playstations, muitos
filmes de acção e até com Harry
Potter. Comparativamente, a
violência das minhas histórias
é muito suave.” E lembra que
quando se trata de livros os
pais são sempre muito menos
permissivos do que com outros
produtos, “como se tivéssemos
de pintar o mundo com cores
mais positivas”.
Robert Muchamore diz ainda
que os pais que querem livros
com mundos perfeitos “são os
mesmos que se lamentam muito
porque os filhos não lêem”. E
conclui: “Um mundo cor-derosa e seguro não atrai os mais
novos.”
A avaliar pelo sucesso
da colecção Cherub, talvez
tenha alguma razão. Já está
traduzida para 26 línguas, no
Reino Unido vendeu mais de 3
milhões de livros e em Portugal
já ultrapassou os 100 mil. A
edição portuguesa lançou
recentemente o oitavo título,
Cães Danados. A série começa
com O Recruta, a que se segue O
Traficante, Segurança Máxima, O
Golpe, A Seita, Olho por Olho e A
Queda. No total, mantendo estas
personagens, serão 12 volumes.
O autor continuará a escrever
sobre a escola de espiões sub-18,
mas com novos protagonistas.
“James [personagem principal]
está a ficar demasiado velho
para continuar na Cherub”, diz
o autor, de 39 anos. No primeiro
título, o rapaz tem 11 anos e
no último há-de ter 17. “Ainda
pensei ir escrevendo sempre
sobre o James, mesmo depois de
adulto. Mas desisti, os miúdos
gostam de ter protagonistas
da idade deles.” Então, vai
“renovar o elenco”. Esta nova
versão sairá já em Agosto no
Reino Unido.
Falsos anjos
Cherub, em português, significa
“querubim”. Na religião, é um
anjo da primeira hierarquia,
também pode significar
criança formosa. Na pintura,
representa-se uma criança
com asas. Porquê este nome?
“Em Inglaterra, quando uma
criança é muito bem sucedida,
chamam-lhe ‘pequeno
querubim’. Fiz isto como
uma espécie de brincadeira,
uma ironia. Porque as
crianças da Cherub são todas
malcomportadas. Embora
acabem a praticar o bem.”
À pergunta sobre se é
religioso, responde com firmeza:
“Não, não sou religioso.” E
acrescenta, rindo-se: “Acho
que actualmente em Inglaterra
ninguém é muito religioso.”
Em criança, lia Astérix
e outros heróis de banda
desenhada — “quando gostava
muito, lia-os repetidamente”
— e chegou a pensar que
poderia tornar-se escritor.
“Sempre fui leitor e pensava
em escrever, sim. Mas queria
escrever o livro certo, o
ideal, um que fosse original,
diferente de tudo o que tinha
sido escrito antes.” Começou
a experimentar aos 15/16 anos,
mas só depois da ideia da
Cherub, já aos 30, praticou
uma escrita mais profissional.
“Comecei a trabalhar de uma
forma verdadeiramente séria.
Com uma ideia estruturada
do princípio ao fim. E não a
começar, interromper, desistir,
deixar projectos a meio.”
Antes de ser escritor a tempo
inteiro, foi detective? “Bem,
não fui propriamente detective,
como as editoras gostam de
divulgar. Não naquele sentido
cinematográfico, com uma vida
emocionante. Fiz investigação
privada, digamos assim.”
Especificando melhor,
por insistência da Pública,
tinha trabalhos de dois tipos:
“Ajudava os jornais a investigar
algumas pessoas. Imagine que
alguém se tornou famoso e o
jornalista quer descobrir com
quem andou na faculdade,
conhecer o seu passado e
com quem se relacionava. Aí,
entrava eu. Noutro âmbito,
em casos de morte de pessoas
em que ninguém reclamava
a herança, tentava encontrar
familiares. Fazia perguntas a
algumas pessoas e compilava
dossiers”, esclarece. E suspira:
“Boring.” Tradução livre:
“Uma seca.”
Este foi o seu trabalho
assim que deixou de estudar.
“Não estudei muito, não era
muito bom aluno. Aos 18 anos,
abandonei a escola, não sou
bom exemplo”, diz enquanto
espreita pelo canto do olho
os “ajudantes” da Pública, na
esperança de que Artur e João
Pedro não tenham percebido
bem o que acabou de dizer.
Muchamore é hoje mais
feliz. “Até aos 32/33 anos, eu
precisava de ir trabalhar todos
os dias e não tinha um emprego
muito estimulante. Agora faço
c
algo de que gosto muito, os
Um mundo cor-de-rosa e seguro
não atrai os mais
novos para a
leitura, acredita
Muchamore
Cães Danados foi o título mais
recentemente editado em
Portugal. O oitavo de uma
colecção que começou com
O Recruta e já vendeu por cá
mais de 100 mil exemplares,
segundo a Porto Editora
miúdos
O nome Cherub, que significa
“querubim” (anjo, criança
formosa e bem sucedida), é
irónico. Os espiões começam
por ser miúdos malcomportados
livros têm tido sucesso, ganho
bastante dinheiro, o que me dá
muita liberdade. Estou feliz com
a minha vida.”
Não tem filhos, mas diz
pertencer a “uma família muito
grande, com primos, sobrinhos,
muitas crianças à volta”.
Aliás, começou esta colecção
sugestionado por uma ideia de
um dos sobrinhos. “Quando
a Cherub saiu, ele já tinha 18
anos. Hoje vive na Austrália
com a namorada e não está
propriamente interessado nos
meus livros...”, conta com uma
gargalhada maliciosa.
Presume que os seus leitores
se distribuam da seguinte forma:
60 por cento rapazes e 40 por
cento raparigas. “As raparigas
são mais abertas a ler livros com
rapazes como protagonistas do
que o inverso. Se mostrar a um
rapaz um livro aparentemente
‘para raparigas’, com fadas ou
assim, ele não lhe pega. Elas são
mais descomplexadas.”
Mas é nitidamente em rapazes
que pensa quando escreve?
“Sim, penso neles como
leitores e protagonistas.”
pro
No
entanto, no início, elogiaram
a sua capaci
capacidade de se pôr
no lugar das miúdas e de ser
realista nas atitudes
a
femininas.
“Na altura, e
eu disse que sim,
que tinha pensado
pe
nisso. Mas
não é verdade.
verdad Sinceramente,
não pensei. Foi um daqueles
‘acidentes felizes’.”
fe
Encara a p
possibilidade de
escrever para
par outro públicoalvo como um desafio. “Mas
em termos co
comerciais é como
começar um jogo. Se já somos
associados a uma certa audiência,
é difícil a aceitação
ac
noutra. Dá
muito trab
trabalho e pode afastar
os fãs. Não
Nã digo que nunca o
farei, mas
ma não tenho planos
nesse sentido.”
se
Gosta de Portugal, “mas
não num
nu dia chuvoso como
este”. Teve azar o escritor.
No ano passado,
apanhou um
escaldão na
feira. “Estava um
belo dia de sol,
vieram muitos
fãs e passei muito
tempo ao ar livre
a dar autógrafos e
a conversar com os miúdos. Desta
vez, trouxe protector solar e…”,
diz meio desolado, enquanto cai
uma forte chuvada.
Na data em que a conversa
aconteceu, ainda não estava
disponível o mais recente
título. João Pedro, que já lera os
anteriores, queria saber se James
iria continuar com a mesma
namorada em Cães Danados.
E o autor não sabia a resposta!
Embaraçado, desculpou-se
com o facto de já ter escrito
este volume “há quatro anos
e haver muitas alterações
de personagens e trocas de
relacionamentos”. Mas devia
ter feito o “trabalho de casa”,
mesmo que em tempos não
tenha sido grande aluno.
A Artur interessava saber se
havia mais alguma colecção da
sua autoria. Aqui houve resposta
concreta: “Sim, chama-se
Henderson’s Boys e passa-se na
II Guerra Mundial. Mas não será
traduzida, a editora portuguesa
preferiu apostar só na Cherub.”
Também informou que a BBC
vai transformar os livros em
filme, mas a produção só deve
avançar em 2013.
Foi então a vez de o autor pedir
para fazer algumas perguntas
aos rapazes. “Gosto de conhecer
os interesses deles e de perceber
que outros livros lêem.” Os
“recrutados” pela Pública deram
a conhecer algumas das suas
leituras: Diário de Um Banana,
Harry Potter, Eragon, livros de
acção, Astérix e Tintin. Nada de
mundos cor-de-rosa. a
[email protected]
nós no mundo
Ricardo Garcia
Píxel roubado
R
No
maravilhoso
mundo
electrónico,
qualquer
avaria é
uma porta
aberta ao
desperdício
oubaram-me um píxel. Não
é coisa que se roube. Um minúsculo ponto num
ecrã de computador não trará qualquer maisvalia ao erário de nenhum meliante. Ladrão que
é ladrão vai atrás de itens mais vendáveis. A mim
próprio, já me levaram o dinheiro, a carteira, o
rádio do carro, o próprio carro, por furto ou até
com uma pistola encostada à cabeça — uma forma
extrema de distribuição de renda.
Um píxel não tem valor monetário, mas isto não
significa que não seja um bem precioso. A harmonia
negra do ecrã é essencial para o bem-estar do
cibernauta. No entanto, de uns tempos para cá,
quando ligo o computador, um ponto branco, um
único ponto branco, surge bem no centro da tela.
É apenas um entre os 480 mil píxeis com que o
computador arranca. Um píxel que não funciona.
Enganam-se aqueles que julgam que é um
detalhe de somenos. Por um buraquinho daqueles
passa um caudal sólido de perturbação, ínfimo
na sua quantidade absoluta, mas titânico na
sua capacidade de irritar quem o observa. É
como uma torturante fuga de água gota a gota
ou uma aragem que se esgueira por uma frincha
imperceptível.
Topar com aquele píxel a menos logo de manhã
não é a melhor forma de se começar uma jornada
de trabalho. Mesmo porque, ao sentimento imediata
de perda, sobrevém a sensação de impotência para
resolver o problema ou para deter, julgar e punir
o autor do furto. Vai-se lá saber que gatunagem
electrónica aconteceu lá dentro para extrair do ecrã
as funcionalidades daquele ponto luminoso. Não há
partes mecânicas para substituir, ou olear, ou dar
um jeitinho. No maravilhoso mundo electrónico,
qualquer avaria é uma porta aberta ao desperdício,
e, por um único píxel, um monitor inteiro arrisca-se
a ir para o lixo, a não ser que eu consiga controlar,
quem sabe via psicanálise, o meu exaspero matinal
perante a nova configuração do ecrã.
A sorte não está do meu lado. Depois de perder
um píxel no computador do trabalho, perdi duas
teclas no portátil de casa. Cansadas de serem
massacradas pelos meus dedos, a barra de espaços
e a tecla esquerda das maiúsculas — o shift mais
usado — entraram em greve. Simplesmente
deixaram de funcionar, sem pré-aviso. Se fosse
uma máquina de escrever, das antigas, haveria
maneira de dar a volta ao assunto. A minha Olivetti
Lettera 32, de 1974, desmontei-a e montei-a
inúmeras vezes, até à sua reforma antecipada,
quando chegaram os computadores.
Tentei fazer o mesmo com o portátil e, quando
dei por mim, tinha a barra de espaços numa mão, o
resto do teclado no outro e a certeza de que ambos
nunca mais se juntariam, porque um encaixe de
plástico, de dimensão micrométrica, partira-se na
hora da separação. Do ponto de vista comercial,
a rotura fez todo o sentido, pois obrigou-me a
adquirir um teclado inteiro, com um grau de
redundância de 98 por cento, já que 100 das 102
teclas estavam efectivamente a funcionar.
Para adquirir a peça, fui a uma grande superfície
— dessas que vendem, aos mesmos preços,
os mesmos produtos das grandes superfícies
concorrentes, num aparente cartel socialmente
aceite, dos consumidores aos reguladores. O
atendimento foi simpático e eficaz. Mas a peça
tinha de ser encomendada.
— E quando chega?
— Em 15 a 20 dias úteis.
Ficando tudo dito com o referido prazo, desci
ao esquecido mundo dos pequenos prestadores
de serviços e encontrei uma empresa que em
48 horas pôs-me em casa um teclado novo,
com o qual, aliás, amanho estas linhas. Fiquei
tão satisfeito com a rapidez da solução, que
momentaneamente me esqueci de que, por causa
de duas míseras falhas, tive de gastar 50 euros
num teclado completo.
Resta-me o problema do píxel que me
roubaram. A bem da verdade, ele lá está, só
que sempre iluminado a branco. Mas é como se
não existisse. E assim, mais um equipamento
electrónico se candidata a engrossar as
estatísticas da reciclagem. a
Jornalista
[email protected]
Pública • 17 Julho 2011 • 63
tarot da maya
NUNO SARAIVA
de 17 a 23 de Julho
Virgem
Capricórnio
24 de Agosto a 23 de
Setembro
XVIII A LUA
A Lua recomenda que
pondere bastante e analise
a fundo todas as questões.
Reaja com calma a todas as
situações da vida afectiva.
No plano material, terá
de enfrentar posições
diferentes das suas no campo
profissional. Na saúde,
procure relaxar.
22 de Dezembro a 20 de
Janeiro
II A PAPISA
A Papisa confere bom
entendimento das situações.
Conflitos e erros de
julgamento afectarão o plano
afectivo. No plano material,
terá de dar maior atenção à
vida profissional e financeira.
Na saúde, uma doença pode
manifestar-se.
Balança
Caranguejo
22 de Junho a 23 Julho
A ESTRELA
Esta semana tudo tende a correr pelo melhor para
estes nativos. No plano afectivo, conseguirá atingir
equilíbrio sentimental; manifeste os seus sentimentos
de forma sincera e tranquila. No plano material, não
se iniba de manifestar opiniões. Mesmo em situações
de tensão, sairá favorecido. Na saúde, está em boa
fase, embora deva vigiar os seus rins.
Carneiro
Gémeos
21 de Março a 20 de Abril
V O PAPA
Apesar da influência
tranquilizante do Papa, esta
não é uma semana em que
possa contar com facilidades.
No plano afectivo, terá de
fazer um esforço para dominar
reacções a quente. No plano
material, encontrará vários
obstáculos a projectos e
ideias; faça autocrítica. Na
saúde, tenha uma alimentação
cuidada.
22 de Maio a 21 Junho
X A RODA DA FORTUNA
Esta semana todos os
acontecimentos se sucederão
a um ritmo mais rápido do
que o habitual. No plano
afectivo, momento favorável
ao combate do saudosismo.
No plano material, não
são aconselháveis gestos
autoritários nem a imposição
do seu ponto de vista. Na
saúde, pode contar com um
período de estabilidade.
Touro
Leão
21 de Abril a 21 de Maio
XII O DEPENDURADO
Atravessa uma fase
com obstáculos ao
desenvolvimento. No plano
afectivo, o momento não
é propício a mudanças; é
altura de amadurecer ideias.
No plano material, é natural
que seja confrontado com
imposições ou limitações que
terá de acatar. Enfrentará
algumas fragilidades na saúde.
24 de Julho a 23 de Agosto
VIII A JUSTIÇA
A Justiça requer que seja muito
cumpridor. No plano afectivo,
seja muito sério e sensato
a lidar com sentimentos.
No plano material, poderá
obter respostas que o ajudem
a clarificar a sua situação
profissional. Verifique todos
os movimentos económicos.
Na saúde, a alimentação pode
trazer-lhe transtornos.
64 • 17 Julho 2011 • Pública
24 de Setembro a 22 de
Outubro
III A IMPERATRIZ
Conjuntura de fortes energias
que lhe permitem atingir
objectivos. No plano afectivo,
está sob boas influências
e conseguirá desenvolver
a sua vida sentimental. No
plano material, surgem
novas situações que o
surpreenderão pela positiva.
Na saúde, proteja-se face a
oscilações de temperatura.
Escorpião
23 de Outubro a 22 de
Novembro
XIII A MORTE
Esta semana haverá uma
alteração de planos,
independentemente da sua
vontade. No plano afectivo,
alegrias e surpresas estão-lhe
reservadas. No plano material,
tendência a realizações
importantes, que poderão
servir-lhe de trampolim para
esferas de acção. Previna
estados de doença.
Sagitário
23 de Novembro a 21 de
Dezembro
IIII O IMPERADOR
Neste período, vai mostrarse bastante empenhado em
tratar de questões antigas.
Terá pouco tempo para se
dedicar ao plano afectivo.
Não deve mostrar qualquer
tipo de receio no plano
material, pois o sucesso
está garantido. Na saúde,
tendência a estados de
grande stress.
Aquário
21 de Janeiro a 19 de
Fevereiro
XVI A TORRE
A conjuntura está repleta
de dificuldades. No plano
afectivo, assuntos não
resolvidos criarão situações
de tensão e desordem. No
plano material, o risco da
sua vida afectiva ou estado
emocional podem influenciar
o trabalho de forma negativa.
Preocupe-se mais com a
saúde.
Peixes
20 de Janeiro a 20 de Março
XXII O LOUCO
Semana cheia de mudanças
e desafios. O plano afectivo
tende a ser afectado pelo
seu ritmo de vida. No plano
material, em assuntos
económicos, faça estudos
muito rigorosos e espere
melhor oportunidade para
tomar decisões importantes.
Na saúde, combata posturas
indolentes.
porque sim
Daniel Sampaio
Deveres
A
Na infância,
a educação
para os
valores
começa pelo
despertar da
criança para
sentimentos
que a
aproximem
do outro
palavra “dever” está ausente
na educação de algumas crianças. Os pais de
hoje, em regra atentos e disponíveis, preferem
a explicação exaustiva à simples frase “é o teu
dever”. E como seria importante usar essa
expressão…
A criança nasce na intimidade de uma família.
O sorriso e o choro são a sua única resposta
durante os primeiros meses e, quase sempre,
procuram a resposta de outra pessoa. Pode
chorar quando a mãe a larga e sorrir quando
alguém de fora a consola, mas aos oito meses é
diferente, um estranho pode ser pior. E aos dez
meses a criança já gosta menos de estar ao colo
dos pais e quer explorar o mundo, o que se torna
ainda mais evidente quando começa a andar. E
sabe-se que, desde muito cedo, compreende os
sentimentos dos outros. A educação aí está.
Educar e socializar andam de mãos dadas.
Todos temos sentimentos, “sentimos”, mas
nem sempre o que experienciamos se enquadra
no que os outros sentem ou desejam: se estou
muito agressivo, tenho de pensar como posso
lidar com a minha fúria, em vez de depressa
a descarregar num próximo. A educação para
os valores baseia-se na inteligência emocional
(que permite compreender as emoções) e
no percurso que é necessário fazer entre o
sentimento e a norma, entre o que sentimos e
a acção que (não) praticamos. Não podemos
impedir o que sentimos, mas poderemos ser
capazes de adiar uma resposta, porque assim
“deve” ser.
Na infância, a educação para os valores
começa pelo despertar da criança para
sentimentos que a aproximem do outro, como
a solidariedade, a compaixão, a indignação
perante a injustiça; mas tem de ser coordenada
com os “deveres”, como a higiene, as boas
maneiras à mesa, os cumprimentos aos vizinhos
ou os “deveres escolares”, essa expressão antiga
curiosamente desaparecida nas famílias de hoje.
Quero por tudo isto afirmar que há momentos
em que a explicação, o apelo à compreensão ou
a “compra” (“faz isto porque se o fizeres bem,
terás um bom prémio”) não são adequados ou
eficazes, por isso se deve dizer: “É simplesmente
o teu dever!” (como afirma José António Marina,
que me inspirou para escrever esta crónica).
Se durante a infância a família hesita no
objectivo do cumprimento dos deveres, não será
na adolescência que obterá êxito. São deveres
dos filhos, de acordo com a idade respectiva:
respeitar os pais e educadores, ajudar os
idosos e doentes da família, arrumar o quarto
e colaborar no arranjo das zonas comuns da
casa, fazer sozinhos os “deveres escolares”
e questionar os professores sobre as dúvidas
surgidas, cumprir as horas de levantar e deitar,
passar férias em família (na adolescência tal terá
de ser articulado com umas desejáveis férias
com os amigos), interessar-se pelo mundo e
indignar-se perante o que está mal… e muitos
outros, de acordo com a cultura da família e da
comunidade a que pertençam.
O autoritarismo dos pais, muito frequente
na primeira metade do séc. XX, deu origem,
nalguns casos, aos pais palavrosos de hoje, que
tudo tentam “explicar”. Adolescentes com quem
falo nas escolas contam-me como os pais falam
sem parar em “regras, regras”, ou repetem aos
gritos o comportamento que desejam para os
filhos, muitas vezes sem cuidarem de perceber
como estão apenas em causa os deveres dos
jovens. Na minha consulta, é frequente ouvir
dizer: “Sou adolescente, tenho de aproveitar o
momento, não sei o dia de amanhã, está tudo
tão mal por cá!”; a que os pais respondem
com justificações mais ou menos psicológicas,
envoltas em frases intermináveis. Lembro-me
então dos anos 1960, em que se classificava
o estudante como “jovem trabalhador
intelectual”, no sentido em que o seu dever era
“trabalhar” nos estudos… a
Psiquiatra
[email protected]
Pública • 17 Julho 2011 • 65
inquérito
LAYTON THOMPSON
Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José Diogo Quintela
Que jornal ou revista usaria
para matar um insecto?
Jornais e revistas são tão
século passado! Eu tenho um
iPad para ler as notícias, o que
não dá muito jeito para matar
insectos.
Se fosse jantar com Woody
Allen, onde o levaria?
Levava-o a jantar marisco
e peixe junto ao rio Tejo. E
para sobremesa íamos comer
pastéis de Belém com uma
bica, vinho do Porto ou uma
ginginha de Óbidos.
Zita
Martins
32 anos,
astrobióloga no
Royal Society
University
Research Fellow
no Imperial
College
Com que idade percebeu que
falhou na vida?
Falhar nunca. Como diria
Theodore Roosevelt: “É triste
falhar na vida; porém, mais
triste é não tentar vencer.”
E o que deveria ter pedido?
Fui eu que fiz o almoço e
estava óptimo.
Qual é a diferença entre um
alfacinha e um tripeiro?
Não gosto de bairrismos.
Qual o segundo momento
mais marcante da sua vida?
O melhor ainda está para vir.
Qual a sua qualidade que
mais irrita os seus amigos?
Ser muito exigente comigo.
Sem ser essa mariquice de
morrer a dormir, como é que
preferia morrer?
Feliz.
Qual o seu defeito que mais
os enternece?
Rir-me muito e alto.
Trata de forma diferente as
pessoas feias e as bonitas?
Feias por fora ou por dentro? É
que para estas últimas não dou
hipótese.
Quando está com uma
pessoa deficiente, exagera no
ignorar da deficiência?
Quando estou com alguém
olho para o todo e não apenas
para uma parte.
66 • 17 Julho 2011 • Pública
O que almoçou hoje?
Galinha do campo com alho
picado, tomilho, vinho e
limão, a acompanhar com
batatinhas e castanhas. Isto
tudo assado no forno. De
sobremesa comi framboesas.
Qual o seu pintor favorito da
escola flamenga?
Esta é a pergunta ideal para
quem como eu viveu vários
anos nos Países Baixos. O
meu favorito é Jan van Eyck,
seguido de Rubens.
Agora a sério, alguma vez
encolheu a barriga?
Gosto do meu corpo tal como
é. Não há necessidade de
encolher ou esticar nada.
Com que figura pública se
acha fisicamente parecido?
Curiosamente, sou igualzinha
a mim própria.
Num incêndio em sua casa,
que objecto faria tudo para
salvar?
Não sou agarrada a nenhum
objecto. Os bens materiais são
substituíveis.
Tem números que
memorizou no telemóvel só
para não atender?
Não desperdiço memória(s)
com quem não interessa.
Qual o luxo pré-crise de que
tem saudades?
Nunca fui dada a gastos
supérfluos, e por isso continuo
a ter o mesmo estilo de vida.
Quantas vezes já fez amor a
uma terça-feira?
Em média e tendo em conta o
desvio padrão, fiz tantas como
nos outros dias.
Numa luta entre um tubarão
e um tigre, quem ganha?
Eu pensava que a luta era
entre um tigre e um dragão,
como no filme de Ang Lee.
Quando quer impressionar,
que escritor cita?
Quando quero impressionar,
não cito nenhum escritor.
Apenas falo do meu trabalho.
Se isso foi o suficiente para o
príncipe William dizer: “Wow!
Your work is really cool”, então
é suficiente para impressionar
outras pessoas.
O que é que realmente pensa
dos homens que choram?
Penso que têm as glândulas
lacrimais a funcionar bem.
Tem alguma dívida que não
tenciona pagar?
Não. Como em tudo na
vida, é necessário tomar
responsabilidades e pagar
pelos nossos actos.
Já alguma vez bateu em
alguém com razão?
Quando se agride alguém,
perde-se a razão.
Alguma vez sentiu que
engorda mais facilmente do
que os outros?
Felizmente o meu
metabolismo é do contra e por
isso não tenho tendência para
engordar.
O que faz numa folga num
dia de semana?
Dormir bastante, relaxar
e contactar com a família
e amigos. Se estiver sol,
aproveito para ir passear e
produzir vitamina D.
Este mês contribuiu para a
felicidade de alguém?
Sim.
Este é um dos três melhores
inquéritos a que já
respondeu na vida?
Se não é, para lá caminha... a
*VSLJsqVKLSP]YVZWLYPVKPJPKHKLZLTHUHSnZ8\HY[HZMLPYHZLU[YLKL1\SOVLKL(NVZ[V7=7\UP[mYPV Á7YLsV[V[HSKHJVSLJsqVÁ,KPsqV3PTP[HKHHVZ[VJRL_PZ[LU[L
colecção rotas e percursos.
descubra roma através
do olhar de alIx.
2 volume 20 de julho
RECOMENDADO
PELO
Fugas
*HZ[LYTHUI`1HJX\LZ4HY[PUHUK;OtYuZLKL*OtYPZL`,U]V`HNL,KP[PVUZ\UKtWHY[LTLU[KL7SHJLKLZ,KP[L\YZ(SS9PNO[ZYLZLY]LK
Parta à conquista da roma
histórica de um modo inédito.
neste guia, o reputado autor belga
jacques martin oferece-nos um
novo olhar sobre roma através de
um dos seus personagens mais
emblemáticos: alix.
QUARTA, DIA 20 DE julho
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