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REVISTA LEPA TEXTOS DE ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO VOL. I, 2013 REVISTA LEPA TEXTOS DE ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO VOL. I, 2013 LEPA – Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA/ RS. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA Reitor: Prof. Felipe Martins Müller Vice-Reitor: Prof. Dalvan José Reinert CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS Diretor: Prof. Dr. Rogério Ferrer Koff Vice-Diretor: Prof. Dr. Mauri Leodir Löbler DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA Chefe Depto: Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad Subchefe: Prof. Dr. Carlos Henrique Armani LABORATÓRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS Coordenador: Prof. Dr. Saul Eduardo Seiguer Milder EDITORIA – Revista LEPA Editor Responsável: Prof. Dr. Saul Eduardo Seiguer Milder Conselho Editorial: Prof. Dr. Saul Eduardo Seiguer Milder (UFSM) Ms. Angelo Inácio Pohl (UFSM) Dr. Rossano Lopez Bastos (IPHAN) Prof. Drª. Neli Galarce Machado (UNIVATES) Ms. Lucio Lemes (ACC) Prof. Dr. Júlio Ricardo Quevedo dos Santos (UFSM) Profª. Drª. Denise de Souza Saad (UFSM) Prof. Dr. Átila Augusto Stock da Rosa (UFSM) Secretaria Editorial: Luciana Messeder Ballardo Editoração e Projeto Gráfico: Luciana Messeder Ballardo Revisão Eva Carmem Ribas Pohl Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores Rua Floriano Peixoto, 1184, anexo ao prédio da Antiga Reitoria, Centro – Santa Maria, RS CEP 97015-372 Fone/fax:(55) 3220 9240 e-mail: [email protected] Revista LEPA : Textos de Arqueologia e Patrimônio [recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de História, Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas. – Vol. 1, (2013)- . – Santa Maria, 2013-____. Anual ISSN 2318-1303 Disponível em: http://www.ufsm.br/lepa/revista/index.html 1. Arqueologia - Periódico. 2. Patrimônio - Periódico. I. Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas. CDU 902 Ficha catalográfica elaborada por Fernando Leipnitz CRB-10/1958 Biblioteca Central da UFSM Sumário EDITORIAL ................................................................................................................................................. 07 PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS PATRÍCIA SCHNEIDER ..................................................................................................................................... 08 PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1997/2011 EVA CARMEM RIBAS POHL............................................................................................................................ 30 PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU HELOISA HELENA FERNANDES GONÇALVES DA COSTA E LUCIANA SILVEIRA CARDOSO ......... 42 A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO ANGELO INÁCIO POHL .................................................................................................................................... 52 REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL MUSEÓLOGO APÓS A CRIAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS ELANE SANTOS GONÇAVES E LUCIANA OLIVEIRA MESSEDER BALLARDO .................................... 63 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE QUARAÍ/R.S. LUCIO LEMES E BRUNO GATO DA SILVA................................................................................................... 71 NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO MARJORI PACHECO DIAS ............................................................................................................................. 103 HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA SAUL EDUARDO SEIGUER MILDER ............................................................................................................ 112 EDITORIAL O primeiro número da Revista procura trazer estudos concernentes as duas temáticas centrais da publicação, Patrimônio e Arqueologia. Composto por oito artigos, com contribuições de autores reconhecidos em suas áreas de pesquisa, como a museóloga Heloísa Helena e o arqueólogo Saul Milder, profissionais e mestres atuantes, como o historiador Angelo Pohl e o arqueólogo Lúcio Lemes, e jovens pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria como Marjori Pacheco Dias e Bruno Gato da Silva. Quatro artigos dedicam-se à temática do Patrimônio. O primeiro deles, de autoria de Patrícia Schneider, aborda a valorização do patrimônio arqueológico pré-colonial nas instituições de três municípios da região do Vale do Taquari/RS. A autora apresenta neste texto, o diagnóstico dos objetos pertencentes à cultura material pré-colonial nestes lugares de memória e, também, busca apontar se existe alguma presença de tratamento diferenciado em relação aos materiais históricos. O segundo artigo, de Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso, propõe-nos pensar a ampliação das possibilidades de ação e a interação entre patrimônio cultural e gestão museológica, utilizando como estudo de caso o Museu Antropológico Diretor Pestana e as políticas de gestão a serem exercidas. O terceiro desses artigos, de autoria de Eva Carmem Ribas Pohl, trata da divulgação dos resultados das pesquisas arqueológicas realizadas no Município de Quaraí, ainda restritos ao meio acadêmico, através de obra paradidática, objetivando a difusão do patrimônio local. O último artigo concernente à temática do patrimônio cultural, de autoria de Elane Santos Gonçalves e Luciana Oliveira Messeder Ballardo, trata de um conjunto de reflexões inéditas sobre o museólogo e suas práticas em instituições museológicas, após a criação da Política Nacional de Museus. Este primeiro exemplar da Revista LEPA apresenta ainda quatro artigos de Arqueologia. O primeiro deles, do mestre Angelo Ignácio Pohl, apresenta um debate sobre o conceito de estilo na etnoarqueologia, e a contribuição para a interpretação da variedade de artefatos no registro arqueológico. O segundo artigo traz os dados relativos às pesquisas arqueológicas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, usando as prerrogativas do fator geo como referência para a pesquisa arqueológica, de autoria do Lúcio Lemes e de Bruno Gato da Silva. O terceiro artigo, de um campo de estudos arqueológicos ainda pouco explorado no Brasil, relacionado à curadoria de acervos arqueológicos, apresenta métodos curatoriais aplicados às peças arqueológicas desde a coleta em campo até a inserção destes no acervo no Laboratório pela equipe do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria (LEPA-UFSM) desde 2012. O último artigo, de autoria de Saul Eduardo Seiguer Milder, apresenta um histórico do Projeto Paleoindígena, voltado ao estudo de caçadores-coletores antigos, elaborado pelo arqueólogo Eurico Miller, incluindo a apresentação do conteúdo das fontes primárias encontradas Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul. PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉCOLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS Patrícia Schneider* RESUMO O presente trabalho trata da valorização do patrimônio arqueológico pré-colonial, lotado nas instituições de preservação, guarda e exposição de três municípios da região do Vale do Taquari/RS. Os três municípios selecionados para a pesquisa são Arvorezinha, Lajeado e Taquari e as instituições são, respectivamente, Museu Municipal de Arvorezinha, Museu Histórico Bruno Born e Casa Costa e Silva. O objetivo principal da pesquisa foi diagnosticar o espaço e tratamento dispensado à cultura material pré-colonial nestes lugares de memória e verificar se recebem um tratamento diferenciado em relação aos materiais históricos. O trabalho foi realizado por meio de levantamento de dados em pesquisa de campo, com preenchimento de uma Ficha Diagnóstico, previamente elaborada. O resultado a que se chegou é que nas instituições pesquisadas o material encontra-se desprestigiado em contraponto aos materiais históricos, não estando devidamente contextualizado, sendo visto como objeto de curiosidade, excentricidade, sem relação com a comunidade que os expõe. Palavras-chave: acervo arqueológico; lugares de memória; patrimônio. ABSTRACT This study handles over the appreciation of the pre-colonial archaeological heritage, placed in institutions of preservation, guard and exposition of three towns in Vale do Taquari/RS region. The three selected towns are Arvorezinha, Lajeado e Taquari and the institutions are, respectively, the Museu Municipal de Arvorezinha; Museu Histórico Bruno Born and Casa Costa e Silva. The main purpose of the present research was to diagnose the space and the treatment dispensed to pre-colonial material culture in these places of remembrance and to verify if they receive a different treatment in relation to historical materials. The study was accomplished through data collection, based on field research method, with the filling out of a diagnosis form, previously elaborated. The result achieved suggests that, in the institutions researched, the archaeological materials are discredited, in opposition to the historical ones, and they aren't correctly contextualized, being observed as curious and eccentric objects, without any relation to the local community. Key Words: archaeological collections; places of remembrance; heritage * Coordenadora do Centro de Memória, Documentação e Pesquisa da Univates, Mestre em Patrimônio Cultural pela UFSM, graduada em Licenciatura em História pela Univates. 9 Patrícia Schneider INTRODUZINDO O TEMA O estudo visou apresentar e discutir o tratamento dispensado à cultura material précolonial nos três museus municipais selecionados para esse trabalho, na região do Vale do Taquari/RS. O interesse em escrever sobre o tema surgiu durante as diversas visitas realizadas aos municípios do Vale do Taquari/RS. Durante as visitas às instituições municipais de preservação do patrimônio local e regional, algumas situações eram diagnosticadas. Em alguns casos, quando os responsáveis por esses locais eram questionados quanto à presença de materiais arqueológicos, respondiam não possuir no acervo da instituição este tipo de material, o que era refutado quando se andava pelos espaços da instituição e se encontrava alguns exemplares. Essa resposta demonstrava o desconhecimento não só quanto ao acervo que possuem, mas também quanto à pré-história regional. Outra situação em resposta a mesma pergunta, era ser direcionado a um pequeno espaço, onde escondido entre diversos materiais históricos, o material arqueológico précolonial era apresentado, com a colocação de que se possuía sim esse tipo de material e que estava ali, “no cantinho”. Encontrou-se também situações inusitadas, como a pintura do material pré-colonial, como que para embelezá-lo, permitindo assim que esses materiais pudessem ser equiparados à cultura material histórica, essa sim considerada importante. Comum em todas as instituições visitadas foi a falta de informações adequadas expostas juntamente com os materiais e sobre eles. As peças continham somente dados do doador, ano de doação e estavam identificadas genericamente como pertencentes a grupos indígenas que se localizavam no território do então município no passado. Ao que parece, mais importante que a peça em si e sua contextualização histórica, era o nome do doador. Desse modo, analisar o espaço destinado à cultura material arqueológica pré-colonial nos três lugares de memória1 dos municípios do Vale do Taquari/RS, por meio de um levantamento em forma de diagnóstico, tentou-se entender qual a relação desses materiais com a comunidade contemporânea que os expõe nestas instituições públicas, e questionar qual o laço de identidade, se é que existe, com a cultura pretérita regional. O levantamento de dados considerou se o espaço público de guarda de acervo 1 A expressão “Lugares de Memória” foi criada em 1993, por Pierre Nora. Maior detalhamento ao longo do texto. Fonte: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. N° 10, 1993.p.7-28. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 10 histórico selecionado era legalmente constituído com pelo menos Lei ou Decreto de Criação e se no seu acervo possuía material arqueológico pré-colonial. No caso específico dos três locais de estudo, visou identificar seu perfil, historicizar sua trajetória, fazer o inventário total do acervo, quantificação e detalhamento do material pré-colonial, o lugar que esses ocupam no espaço expositivo, as divisões do espaço para exposição, sendo o diagnóstico complementado com registro fotográfico dos espaços e do acervo. Como estudo de caso, foi desenvolvida pesquisa de campo nos seguintes Lugares de Memória do Vale do Taquari/RS: Museu do município de Arvorezinha - Museu Municipal de Arvorezinha; Museu do município de Lajeado - Museu Histórico Bruno Born; Museu do município de Taquari - Casa Costa e Silva (Figura 01). Figura 01 – Mapa de localização dos três municípios com instituições selecionadas como objeto de estudo para esse trabalho. Fonte: Adaptado de Eckerdt, 2005, p.23. 01 Imag. Color.; 1640x2564. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 11 Patrícia Schneider A seleção dos lugares de memória a serem analisados foi feita por meio de critérios relacionados à ocupação humana da região do Vale do Taquari/RS, pois seguindo o proposto por Kreutz (2008, p.103), é possível identificar três áreas distintas de ocupação humana e marcadas geograficamente na região do Vale do Taquari/RS. “A primeira, a região de planalto, situada ao norte do Vale do Taquari/RS. A segunda, que abrange grande extensão territorial, a região intermediária e, por último, localizada ao sul, uma região baixa”. Estas três áreas irão propiciar ocupações de grupos distintos, tanto no período préhistórico quanto histórico. Consequentemente, a cultura material produzida por eles será também diversa, influenciada tanto pelo meio quanto pela cultura específica de cada grupo. São esses elementos que vão posteriormente compor o acervo dos “lugares de memória” municipais, recebendo por parte de seus organizadores tratamentos diferentes, principalmente devido à identificação com uma história específica. O presente trabalho pode ser considerado o primeiro na área desenvolvido na região do Vale do Taquari/RS. Os 36 (trinta e seis) municípios que compõem politicamente a região do Vale do Taquari/RS, possuem, seja uma casa de cultura, museu ou algum espaço destinado à guarda de material pré-colonial ou histórico, que façam referência ou sejam originários do respectivo município. No entanto, em uma análise preliminar, pode-se considerar que o material pré-colonial existente nestes espaços não recebe um tratamento adequado, diferente dos demais, sendo vistos como objetos de curiosidade, sem laços de identidade com a comunidade onde o acervo está inserido. Deste modo, tendo como resultado a apresentação destes três estudos de caso e as discussões a respeito da arqueologia, patrimônio e museologia, este trabalho pretende auxiliar os municípios em um tratamento adequado para com a cultura material pré-colonial da região e em especial aos espaços de preservação visitados. Também contribuirá para que as histórias municipais visualizadas nestes espaços expositivos, retrocedam para a sua pré-história, assim contribuindo para que a comunidade regional passe a valorizar o patrimônio arqueológico dos grupos pretéritos da região, e não apenas os materiais que representam a imigração europeia. Que um novo olhar para com os materiais pré-históricos nos lugares de memórias regionais seja possível. O projeto de pesquisa arqueológica na região do Vale do Taquari é desenvolvido desde Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 12 2000 e coordenado pela arqueóloga Drª. Neli Teresinha Galarce Machado, com apoio do Centro Universitário Univates, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS, sendo regido por Portaria Ministerial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. A CONFIGURAÇÃO ATUAL DO VALE DO TAQUARI/RS A área em estudo localiza-se na região geopolítica denominada "Vale do Taquari", sita na região central do estado do Rio Grande do Sul. Distante cerca de 150 quilômetros de Porto Alegre, com 4.821,1 Km² de área (1,71 da área do estado) e 327.822 habitantes (3,07% do estado – Censo Demográfico 2010), a região situa-se às margens do rio Taquari e afluentes, com um total de 36 municípios (BDR, 2011). Para o entendimento de região, usa-se o conceito trabalhado por Reichel (2006) em que este: ... está originalmente relacionado à maneira como a geografia crítica o desenvolveu a partir dos anos 1950. Para ela, uma região se organiza a partir da relação que o homem estabelece com a natureza, principalmente através do seu trabalho, resultando dessa troca espaços geográficos, dotados de especificidades naturais, econômicas e humanas. (...) A história, destaca que as relações sociais, fundamentadas nas experiências vividas, nas ideias e nos sentimentos que os homens desenvolvem entre si, bem como a cultura por eles produzida, são igualmente importantes para configurar um espaço delimitado ou, em outras palavras, para definir uma região (REICHEL, 2006, p.44). É nesta configuração e na formação do contingente populacional da região do Vale do Taquari/RS e posteriormente influenciados pelas emancipações que se constituem as identidades locais. O PROCESSO DE OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO EM ESTUDO A região em estudo, assim como todo o território nacional, é ocupada sistematicamente desde o período conhecido como pré-colonial. Segundo as pesquisas2 arqueológicas, realizadas de forma mais sistematizada na região do Vale do Taquari/RS a 2 Projeto de pesquisa arqueológica na região do Vale do Taquari, desenvolvido desde 2000 e coordenado pela arqueóloga Drª. Neli Teresinha Galarce Machado com apoio do Centro Universitário Univates, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS, sendo regido por Portaria Ministerial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 13 Patrícia Schneider partir de 2000, identificou-se a ocupação por grupos humanos pretéritos como de caçadorescoletores e, em momento posterior, por horticultores3. As pesquisas arqueológicas comprovam, por meio da análise da cultura material encontrada e pelos ambientes ocupados e pesquisados, que os grupos indígenas pretéritos habitavam efetivamente a região e deixaram os vestígios de seu cotidiano. Trata-se de uma “parafernália doméstica”, contemplando fragmentos das vasilhas cerâmicas, materiais líticos e restos de sua alimentação, além da transformação no ambiente ocupado e as influências perceptíveis na contemporaneidade na vida da população local, como traços culturais, cultura, culinária e origem de alguns vocábulos. São esses objetos testemunhos de um tempo e modo de vida que vão formar as coleções pré-históricas dos museus municipais, quando estes são constituídos. (KREUTZ, 2008; SCHNEIDER, 2008; FIEGENBAUM, 2006). Já no período de colonização do Vale do Taquari/RS, século XVIII e XIX, este passa a receber emigrantes europeus (portugueses, alemães e italianos) e africanos, que se fixam tanto nas áreas de planícies (sul), quanto nas áreas de planalto (norte). Sabe-se que o ambiente altera-se naturalmente, porém a ação humana modifica e acelera este processo. Deste modo, pode-se afirmar que todos os grupos que ocuparam a região do Vale, alteraram significativamente a paisagem encontrada por eles (KREUTZ, 2008). É preciso ter em conta que estes povoadores acima citados, independente de sua condição social, deixaram heranças em vários aspectos. No caso dos portugueses, percebe-se sua marca na arquitetura e no cultivo do trigo vindo em suas bagagens. Os africanos, nas lutas, danças e culinária. Ambos os grupos foram responsáveis pela formação dos primeiros núcleos urbanos e/ou rurais, porém sua importância histórica muitas vezes é desprezada em virtude da grande leva de imigrantes alemães e italianos que vieram posteriormente, principalmente a partir de 1850, e que deixaram marcas aparentemente mais fortes, na formação do Vale do Taquari (CARVALHO, 2002). A população indígena, da região do Vale do Taquari, não escapou às consequências do contato com o homem branco colonizador, tanto com os portugueses e espanhóis quanto com os imigrantes alemães e italianos. Seguindo os padrões do que ocorreu em diversas regiões do 3 Para um aprofundamento quanto à ocupação humana pré-histórica do Vale do Taquari/RS, sugere-se consultar os seguintes trabalhos: KREUTZ, Marcos Rogério. O contexto ambiental e as primeiras ocupações humanas no Vale do Taquari Rio Grande do Sul. 2008. 128f. Dissertação (Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2008; FIEGENBAUM, Jones. Um assentamento Tupiguarani no Vale do Taquari/RS. 2009, 219f. Dissertação (Mestrado em História) – Unisinos, São Leopoldo, 2009. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 14 Brasil, o indígena local, foi mercadoria de alto valor, foi escravo e expulso dos “Lugares” (Nogueira, 2003) em que tinha raízes, ou melhor, vínculos de identidade (HERRLEIN JR, 1998). Na região, nota-se que há “quase que a completa ausência” indígena na formação étnica da população local, resultado da forte imigração alemã e italiana. Esta imigração ocorreu em período que na região a população indígena encontrava-se praticamente dizimada. Os grupos remanescentes são novamente expulsos dos locais que habitam, por imigrantes que recebem estes lotes de terras consideradas devolutas, e são empurrados para locais cada vez mais distantes. Também é preciso levar em conta que os grupos de imigrantes vêm com uma cultura fortemente arraigada, num contexto, nos seus países de origem de formação do espírito nacionalista, onde a miscigenação não é vista com bons olhos. E isso se reflete também nos Museus municipais onde há uma clara supremacia das peças históricas em relação aos testemunhos do período pré-colonial (HERRLEIN JR, 1998). Em relação aos locais onde esses diferentes grupos humanos vão viver, é possível identificar por meio do trabalho realizado por Kreutz (2008), como já exposto acima, que há três locais distintos, cada qual com características geográficas específicas da região do Vale do Taquari/RS para estas ocupações. A região de planalto, situada ao norte do Vale do Taquari/RS, uma segunda, que abrange grande extensão territorial, denominada de região intermediária e, outra localizada ao sul, uma região baixa. Segundo Kreutz (2008), É possível concluir que o ambiente foi um fator determinante para a colonização do Vale do Taquari/RS para as populações pré-coloniais e para os imigrantes europeus. As populações alteraram e manipularam o ambiente, criando condições sócioambientais que permanecem até hoje. Cada um dos grupos re-criou o seu meio. Observa-se que os caçadores-coletores, que construíram as casas subterrâneas, adaptaram-se a uma região de planalto, num ambiente mais frio. Já os horticultores, utilizaram as planícies ao longo dos rios e arroios, plantando suas roças nas várzeas e vivendo nos locais mais altos. O imigrante europeu utilizou a mesma área dos horticultores, porém a sua instalação foi bem mais impactante do que dos grupos anteriores. Ele ampliou a área para o cultivo e construção de suas estruturas residenciais, cortou a mata para utilizá-la como fonte de energia. Hoje, em 2008, as encostas dos morros são utilizadas para a construção das estruturas de criação de animais (avicultura e suinocultura) (2008, p. 120). Kreutz (2008) também considera que quando se compara, por exemplo, os sistemas de assentamentos dos horticultores Guarani, do século VI, com os dos imigrantes europeus, portugueses, espanhóis, alemães e italianos, dos séculos XVIII e XIX, nota-se que todos os grupos buscaram e escolheram conforme sua base econômica principal – a horticultura e a VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 15 Patrícia Schneider agricultura – locais com características e disponibilidade de recursos naturais similares, como margens de rios e arroios, com floresta e com bioma favorável à diversidade animal e vegetal. A breve contextualização histórica realizada acima é necessária para entender o comportamento da população atual da região em relação aos seus espaços de memória, pois ao se considerar que todo “Lugar”, conforme Nogueira (2003), é todo o espaço vivido experienciado, e que este contribui para a determinação da identidade dos indivíduos e dos grupos, os quais acabam criando laços afetivos com ele e com as representações materiais da sua história. Bourdieu (1989) apud Pesavento (1980) coloca que: A luta pela definição da identidade regional ou étnica, a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhe são correlativos, como o sotaque, é um caso particular das lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo (BOURDIEU, 1989, apud PESAVENTO, 1980, p.389-390). Neste sentido, acrescento o abordado por Neves (2000), que considera o passado como a base da memória e a memória como um agente capaz de preservar e até mesmo de parar o tempo, pois através dela os acontecimentos nunca morrem e que a memória e a história são suportes da identidade dos indivíduos e também da sociedade. A principal relação entre a memória e a história com o sujeito é ter uma função social, de conscientizar o sujeito do seu papel no processo histórico e fazer com que esta consciência seja permanentemente instigada. Deste modo, identifica “os lugares da memória” como fundamentais na função de amparar a identidade coletiva, impedindo que o presente siga em direção ao futuro, sem um elo com o passado (NEVES, 2000, p.112). No âmbito dos museus, entendidos como importantes “lugares de memória” onde os objetos em sua maioria são de suporte tridimensional, o elo com o passado, a relação de identidades e a evocação das memórias é feita a partir desses objetos/documentos. Após estas considerações, espera-se que se consiga ver que o museu é espaço de elo entre o homem e o real. Cada vez mais são possíveis novas formas de museus, mas o fundamental é que todos nascem para atender as necessidades sociais e só tem sentido se assim for. Essa alteração só foi possível com a reflexão desencadeada com sua longa trajetória, onde se incorporou as noções de identidade, territorialidade e se tirou o foco dos Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 16 objetos transferindo-o para a comunidade. Surge uma nova visão para o tratamento que se dá aos lugares de memória, desprendendo-se de velhos conceitos e generalizações, indo em busca do princípio básico a que se destinam estes locais, a função social (BELLAIGUE, 1992). ANALISANDO OS TRÊS LOCAIS DE ESTUDO Os três Museus municipais, analisados segundo o Estatuto de Museus (2009), não se enquadrariam como Museus, apesar de serem reconhecidos pela comunidade como instituições desta natureza e serem criados para este fim. O Museu de Arvorezinha deve ser analisado de forma diferenciada, por estar passando por ampla reformulação no momento da pesquisa e não estar aberto ao público. Já os Museus de Lajeado e Taquari, apesar de possuírem espaços maiores e as salas estarem divididas por temáticas, e também serem reconhecidos pela comunidade como Museus, estão longe de serem multidisciplinares e cumprirem todas as funções estabelecidas para instituições com este fim. Podem-se considerar os três museus municipais como salas de exposição, com peças descontextualizadas e supremacia dos objetos históricos e sem controle de acervo por meio de livro tombo. Este quando há, não está completo. Lajeado e Taquari estavam atualizando ou registrando o acervo no respectivo livro, mas é preciso levar em consideração que são instituições com mais de 20 anos de existência e este controle deveria existir desde o início de suas atividades. Os três museus analisados possuem em seu acervo material pré-colonial, no entanto este acervo em todos os casos encontra-se desprestigiado e descontextualizado. No Museu de Arvorezinha, foi encontrada somente uma peça lítica, localizada na sala onde o acervo encontra-se depositado para posterior reformulação, não estando este objeto identificado como acervo pré-colonial. No Museu de Lajeado, o material pré-colonial no total de 19 peças, está todo em exposição, com informações inadequadas sobre o acervo e descontextualizado junto ao acervo histórico na sala denominada “sala do trabalho”. No Museu de Taquari, o acervo no total de 05 peças está também todo em exposição e descontextualizado e assim como em Arvorezinha, não está identificado como pré-colonial. As três instituições possuem profissionais qualificados ou que estão se qualificando VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 17 Patrícia Schneider para atuarem adequadamente nestes espaços. Porém, a sua atuação esbarra na falta de condições oferecida pelos administradores, ou Prefeitura, como estagiários, orçamento próprio e espaço adequado e único para o Museu. Uma estrutura para colocarem em prática as exigências atuais da área da museologia. Um dado muito importante é que os museus de Arvorezinha, Lajeado e Taquari, não possuem Plano Museológico. A falta desse instrumento dificulta a ação dessas instituições, pois é por meio dele, que se define claramente a missão desses espaços e principalmente as formas de aquisição e descarte do acervo, uma das maiores dificuldades enfrentadas por estas instituições. O Plano Museológico serve como um guia para o dia a dia do museu e impede que se criem situações que continuem entulhando os museus com peças que não se enquadram, ou não têm relação com a missão do mesmo. Taquari estava elaborando seu Plano Museológico. Os três museus visitados, mesmo tendo como objetivo retratar de forma geral toda história dos municípios em que estão inseridos, apresentam uma clara supremacia das peças do período pós-colonização europeia. Esta situação demonstra duas questões. Uma, a identificação da comunidade contemporânea com uma história coletiva específica que quer ver representada nestas instituições, que reflete justamente a falta de relação e/ou identificação com o passado pré-colonial regional e outra o despreparo em lidar com o acervo pré-colonial. O desconhecimento em identificar, contextualizar e dar significado a este acervo auxilia no desprestígio desse e que se contrapõe a facilidade em trabalhar com o acervo histórico, do qual possuem um maior domínio. Apesar de esses municípios terem sido colonizados por grupos distintos no período histórico, a relação com os testemunhos do passado pré-colonial é a mesma. Não há relação, identificação e apropriação para a patrimonialização desse acervo. Outro ponto de destaque na análise das instituições visitadas é que, mesmo tendo se emancipado há muito tempo, somente na década de 1980 é que instituem seus museus. Taquari institui seu museu em 1985, Lajeado em 1982 e Arvorezinha em 1980. Taquari é o município mãe da região do Vale do Taquari, tendo sua emancipação em 1849. Lajeado emancipa-se em 1891 e Arvorezinha em 1959. Conforme Santos (2004), estes municípios seguiram uma tendência mundial e de outras regiões do Brasil, onde nas últimas quatro décadas do século XX, foram criados cerca dos 82% dos museus existentes, sendo que a maior parte deles é criada na década de 1980. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 18 Isto, segundo o mesmo autor, ocorre devido a uma demanda local de preservação, uma necessidade de preservação das memórias locais. Outro fator é a mudança no olhar para com os museus que passam a atrair investimentos e visitantes, abrindo novas portas ao turismo. É preciso também levar em consideração o processo histórico de cada região, mas as políticas locais influenciadas pelo contexto nacional de valorização dessas instituições têm papel fundamental para a criação desses novos espaços. Destaca-se, ainda, o museu como forma de registro da atuação de determinado executivo nos municípios, que ficam perpetuados na história de cada instituição, sem, no entanto, terem estrutura adequada para cumprirem seu papel. Esses museus municipais são criados pelas esferas políticas, de “cima para baixo” e não criados com a participação das comunidades, por isso também a dificuldade de se criarem laços entre ambos. No entanto, é preciso destacar que em nenhum museu visitado do Vale do Taquari/RS, há um museólogo responsável. Os profissionais que atuam nestes espaços são ligados à área de História e buscam sua qualificação junto ao Sistema Estadual de Museus e/ou outros cursos de extensão. Outro fator é que os três espaços visitados refletem ainda os primórdios das instituições museais. São gabinetes de curiosidades, aglomerado de peças descontextualizadas e apesar de os profissionais que atuam saberem o ideal de museu e buscarem sua adequação, esbarram nas estruturas administrativas, onde a cultura está longe de ser prioridade. O orçamento da cultura nos lugares aos quais os museus estão ligados volta-se muito mais à promoção de eventos, como festas, teatros e shows, do que a readequação dos museus e qualificação destes espaços e seus profissionais. O que ocasiona esta situação de desprestígio não é somente o escasso orçamento e a escolha de prioridades, mas o despreparo dos administradores municipais, aqui englobando executivo e legislativo. É preciso fazer com que os administradores não vejam os museus somente como espaços de propaganda política e produtos de turismo, mas como locais de preservação e referência da história e da identidade da comunidade. E mais do que isso, que o acervo do museu e o museu em si sejam entendidos como patrimônio deste município. Pois agir visando somente a um fim econômico, mesmo que indireto por meio do turismo, é não valorizar as reais funções do museu. Turismo e patrimônio podem e devem andar juntos, mas não um sendo usado somente como meio para se atingir o outro. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 19 Patrícia Schneider Para se chegar a este fim, considerado ideal, de espaço de pesquisa, referência e preservação, é preciso educar tanto a comunidade quanto seus representantes. Cabe às novas gestões, seguindo as políticas nacionais da cultura que seguem uma tendência crescente de valorização dessa temática, principalmente após década de 1980, a tarefa de readequarem esses espaços, com apoio das legislações específicas sobre o assunto, garantido assim a valorização da diversidade do acervo que possuem, e não de apenas um segmento. PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL DO PRESENTE PARA O FUTURO O acervo arqueológico pré-colonial é visto como patrimônio nacional desde as primeiras legislações sobre esta temática. Tessitore (2003, p.11), já colocava que: ... a experiência humana, em sua imensa diversidade, tem produzido e acumulado um grande número de registros que a testemunham e indicam os caminhos trilhados, possibilitando o seu conhecimento e reavaliação. Esse conhecimento é essencial para que cada pessoa, segmento social ou instituição construa sua identidade e defina sua atuação, individual ou coletiva, na sociedade em que vive. E o material pré-colonial é exatamente isto, testemunho que indica o caminho trilhado pela humanidade e que possibilita seu conhecimento e reavaliação. Por isso a necessidade de sua preservação, conjuntamente com os outros testemunhos, tanto materiais quanto imateriais. É preciso considerar que a subjetividade humana não nos permite somente preservar determinado tipo de testemunho, pois no futuro o que vai ser considerado patrimônio pode ser algo totalmente diferente das tendências contemporâneas. Deste modo, apoiar a preservação de múltiplos acervos, patrimônios e instituições é fundamental, desde que com objetivos claros e seguindo metodologias adequadas. Segundo Silva (2008b), o conceito de patrimônio está intimamente relacionado ao legado que herdamos do passado e que transmitimos a gerações futuras. Todas as manifestações materiais de cultura, frutos das ações humanas, têm sua existência física num espaço e num determinado período de tempo. Algumas manifestações materiais acabam por desaparecer, esgotadas na sua funcionalidade e significado. Outras, no entanto sobrevivem aos seus criadores, acumulando-se a outras expressões materiais. Por meio da própria dinâmica da existência, destes objetos e pela sua permanência no Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 20 tempo, eles são reformulados e reinterpretados no presente. Assim: ... aquilo que é ou não é patrimônio, depende do que, para um determinado coletivo humano e num determinado lapso de tempo, se considera socialmente digno de ser legado a gerações futuras. Trata-se de um processo simbólico de legitimação social e cultural de determinados objetos que conferem a um grupo um sentimento coletivo de identidade. (...) É através desta identidade passado-presente que nos reconhecemos coletivamente como iguais, que nos identificamos com os restantes elementos de nosso grupo e que nos diferenciamos dos demais. O passado dá-nos um sentido de identidade, de pertença e faz-nos conscientes da nossa continuidade como pessoas através do tempo. A nossa memória coletiva modelada pelo passar do tempo não é mais de que uma viagem através da história, revisitada e materializada no presente pelo legado material, símbolos particulares que reforçam o sentimento coletivo de identidade e que alimentam no ser humano a reconfortante sensação de permanência no tempo (SILVA, 2008b, p?). Em relação ao patrimônio pré-colonial, o laço de identificação com a comunidade contemporânea é tênue. Não há o sentimento de pertença e a legitimação em busca de um sentimento de identidade coletiva. Este sentimento seria mais forte ou fácil de adquirir pelos descendentes desses grupos que produziram esses objetos e que se encontram nos museus, mas eles não frequentam estes espaços. Como já exposto, estes objetos despertam na comunidade que visita os museus, um sentimento de curiosidade e de autoafirmação de um passado que não lhes pertence e que reforça, em outro sentido a identificação mais acentuada com seu passado europeu. Neste contexto, os materiais pré-coloniais apresentam uma característica comum, que os une nestes lugares de memória, a “estratigrafia do abandono”, que os “sufoca e fossiliza, enquanto manifestação da nossa memória cultural. Esta estratigrafia do abandono é responsável pelo esquecimento das fontes arqueológicas e pela sua inserção no terreno das memórias exiladas” (BRUNO, 1999, p.23). Em outras palavras, isto implica dizer que as coleções arqueológicas quando inseridas no contexto dos acervos museológicos se mostram pouco articuladas com outros conjuntos patrimoniais, o que revela então camadas de relações que foram estabelecidas para com estes artefatos e evidencia um processo que destaca o isolamento e o esquecimento dos objetos arqueológicos enquanto elementos constituintes das memórias locais, regionais ou nacionais – daí porque serem memórias exiladas. De uma maneira mais ampla, podemos enxergar a formação dessa estratificação a partir do período vinculado à obra colonizadora, desde esta época já pode ser percebida uma estrutura que arregimentou valores e definiu objetos e objetivos nas terras conquistadas, incitando assim um desapego ao passado nativo. Um exemplo disto pode ser notado na subjugação da oralidade e da “artefatualidade” nativas em favor das letras e da cultura material europeia (SILVA, 2008a, p.15). Outro fator envolvido nesse processo é que, segundo Silva (2008a), mesmo havendo um avanço nas pesquisas arqueológicas no país, seus resultados não foram usados para a VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 21 Patrícia Schneider construção da identidade nacional. Assim, o desconhecimento sobre o passado e a herança desses grupos contribuiu para seu desprestígio. Além de que, em alguns casos, a associação ao elemento indígena dificulta o reconhecimento dos bens arqueológicos como parte integrante do nosso patrimônio. A postura dos profissionais que trabalham com arqueologia, em relação aos acervos museais, também auxilia na manutenção desse distanciamento, tendo em vista que para alguns “as coleções arqueológicas presentes em museus não são consideradas patrimônio arqueológico, isto porque para vários pesquisadores o conceito de patrimônio arqueológico está restrito ao que é encontrado nos sítios arqueológicos e que é, portanto, passível de escavação” (SILVA, 2008a, p.17). Como já abordado anteriormente, o patrimônio arqueológico esteve presente desde os primórdios das discussões sobre o patrimônio nacional e esteve também sempre presente nas coleções/acervos dos primeiros museus brasileiros. Deste modo, não há como discutir somente arqueologia e não falar do campo da museologia. A interação entre esses dois campos é fundamental e denominada de Musealização da Arqueologia, na qual: ... a Arqueologia evidencia facetas das sociedades, descobre peculiaridades de um passado às vezes esquecido e faz aflorar os indicadores da memória, mas não tem potencialidades efetivas de comunicar-se em larga escala com a sociedade presente. Já a Museologia se estrutura como área do conhecimento especifica para viabilizar essa comunicação, mas depende, evidentemente, da produção de conhecimento próprio às áreas que estudam os indicadores da memória, como é o caso da arqueologia (BRUNO, 1999, p.130). Os museus e exposições deveriam ser um meio a mais de desmistificar o passado précolonial. Arqueologia e museologia trabalhando juntas para evitar o tratamento inadequado destas coleções. Muito antes de a arqueologia institucionalizar-se, era para estas instituições que as pessoas levavam suas doações e mesmo carente de informações são registros testemunhos que não devem ser ignorados ou excluídos do processo de construção do cenário de ocupação pré-colonial. É preciso chamar a atenção para estes acervos que os museus possuem, para seu potencial, e para que sejam valorizados como fonte de informação. Se a criação de museus brasileiros no século XIX representa de certa forma o nascimento da arqueologia enquanto ciência no país, este momento também pode ser visto como um condicionante a mais no quadro de desprestígio das coleções arqueológicas em relação a outros elementos, ligados às ciências naturais ou a etnografia. Se por um lado demonstra um olhar naturalista para os bens arqueológicos, por outro, define o papel de Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 22 coadjuvante que as coleções referentes ao passado pré-colonial têm ocupado no cenário museológico nacional (SILVA, 2008a; BRUNO, 1999). Os museus normalmente são marcados pela forte presença da administração pública, o que ocorre também nos três espaços visitados neste estudo. A presença e influência da administração pública trazem à tona e procura deixar em evidência uma identidade regionalizada e local que valoriza aspectos do passado que estão firmemente atrelados em uma historiografia factual. As exposições e forma de distribuição dos objetos no espaço museal demonstram exatamente isto, e é neste processo que as fontes arqueológicas, apesar de serem expressivas e até conhecidas, acabam por ocupar espaços diminutos (SILVA, 2008a). Sendo assim, é preciso que ainda haja transformações no campo dos museus, pois apesar de todas por quais passou ao longo do século XX, “sua multiplicação em diversos países do mundo e, principalmente, a abrangência praticamente ilimitada de objetos que engloba indicam que ele é um dos lugares-chave para se entender as sociedades modernas e a forma pela qual elas se fazem representar” (BREFE, 1998, p.135 apud SILVA, 2008a, p.39). Dessa forma, será possível modificar a visão dos brasileiros em não se relacionar com os bens arqueológicos como parte de suas memórias, o que é também causa, ou efeito, do fato de que “a produção em arqueologia tem ficado, em geral, circunscrita à divulgação e conhecimento entre pares” (BRUNO, 2005, p.237) Outro fator que relegou ao acervo arqueológico um papel coadjuvante nos espaços museais foi que diversas universidades abrigaram ou criaram instituições arqueológicas. E este envolvimento com a universidade ou pelo mundo universitário, que academizou o estudo do passado pré-colonial, negou ao museu também instituição de pesquisa, condições e credibilidade de desenvolver este trabalho (BRUNO, 1999). Segundo Cândido (2004, apud Silva, 2008a), o dilema de explicar o resultado das pesquisas arqueológicas ao público em geral tem sido uma preocupação que integra debates recentes na arqueologia. Assim, neste sentido, a arqueologia se integra a museologia, visando devolver à sociedade o conhecimento produzido a partir do trabalho arqueológico. Dessa maneira, podemos dizer que na contemporaneidade tanto a museologia quanto a arqueologia têm percebido que o patrimônio só passa a ser uma herança quando as pessoas passam a apropriá-lo na sua realidade cotidiana, dessa apropriação e da consciência acerca desta herança é que resulta em última instância a preservação do patrimônio. [...] Contudo, ressalta-se o fato de que, uma vez os objetos estando em um museu, eles adquirem novas significações, seja por meio de um discurso construído, ou através das características que envolvem o gerenciamento destes (SILVA, 2008a, p.52-52). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 23 Patrícia Schneider Sendo assim, fica evidenciado onde e quando essas fontes são ou não convertidas em referência cultural, e também onde ocorre a formação das conjunturas que configuram a estratigrafia do abandono. “Isto é, surgem situações em meio às quais o patrimônio arqueológico fica isolado e sem se articular com outros conjuntos patrimoniais, ou seja, não proporciona informações e não contribui para a formação das identidades” (SILVA, 2008a, p.150). Segundo Arévalo (2010, p.6-7), fazendo uso do que foi dito por Nora (1993): ... os lugares de memória são espaços criados pelo indivíduo contemporâneo diante da crise dos paradigmas modernos, e que com esses espaços se identificam, se unificam e se reconhecem agentes de seu tempo, isto é, a tão desejada volta dos sujeitos: "a atomização de uma memória geral em memória privada dá à lei da lembrança um intenso poder de coerção interior. Ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade. Esse pertencimento, em troca, o engaja inteiramente”. O exposto acima é uma questão crucial para a identificação de quem é herdeiro do patrimônio nos Lugares de memória, pois só será preservado se houver apropriação desses espaços pela sociedade, visando a construção e fortalecimento de suas identidades. Isto demonstra que, mais do que a necessidade de manutenção de um local é preciso que haja mobilização em torno dele e apropriação pelos grupos sociais do seu entorno e seus visitantes, para que por meio deste espaço possam continuar a trilhar seu caminho na sua constante busca de auto legitimação para a ação política. Assim, segundo Arévalo (2010, p.11-12), a sociedade busca e usa os lugares de memória como uma ferramenta para tornar-se agente de seu tempo. No entanto, para Nora, os lugares de memória são essencialmente meios, meio de acesso a uma memória, que não é memória, é história, porque está reconstituída através de vestígios e, mais importante, uma memória que é reivindicada e não espontânea, como queria Hallbwachs. Essa memória não é mais construída no grupo, mas para o grupo pela história, para que este possa nela encontrar elementos que legitimem sua ação política no presente. Com o apresentado acima, é possível responder de certa forma e nunca generalizando, que o acervo arqueológico nos três Lugares de Memória do Vale do Taquari, é patrimônio para os agentes históricos do futuro que diferente dos do presente, por meio da readequação dos espaços museais e das políticas e ações de educação patrimonial, serão capazes de se apropriar deste patrimônio. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 24 Estas colocações são fundamentais para refletir sobre o papel dos museus em geral, mas principalmente dos três museus municipais analisados, que estão longe de possuir esta interação e interdisciplinaridade, capaz de fazer os museus serem realmente espaços de ligação identitária, educação, pesquisa, patrimônio e sentimento, sendo então por meio deles possível despertar a apropriação, neste caso em relação principalmente ao acervo arqueológico pré-colonial, pelas comunidades e agentes do presente e não só do futuro. CONCLUSÃO A região geopolítica do Vale do Taquari, assim como todo o território nacional, passou por um longo processo de ocupação humana e transformação do seu ambiente. Cada grupo humano no seu tempo deixou marcas, tanto em aspectos físicos e materiais quanto imateriais. As populações pré-coloniais deixaram, por exemplo, evidências de sua passagem por meio dos objetos de uso cotidiano encontrados por toda região. Os colonizadores europeus que desde o século XVII começam a passar pelo que se tornaria a região do Vale do Taquari, também deixaram marcas de sua passagem, porém é a partir da efetivação da ocupação, por meio de sesmarias e, posteriormente, com a vinda dos imigrantes, principalmente alemães e italianos, que as transformações ficam mais evidentes. Os costumes, estilo de construção das moradias, os utensílios domésticos e de trabalho, são características marcantes na região. E cada uma das três instituições selecionadas localiza-se em um município que representa um grupo diferente que ocupou a região foco de estudo. O município de Arvorezinha, na região norte do Vale do Taquari, com características da região de Serra, apresenta possibilidades da ocupação pré-colonial por grupos de caçadores e coletores, os construtores das casas subterrâneas, bem como em período posterior nas margens das pequenas planícies de grupos horticultores. Já a partir do século XIX, a colonização efetiva-se pelos imigrantes italianos. O município de Lajeado, que se localiza em uma região intermediária ou central do Vale do Taquari, geograficamente falando, apresenta extensas planícies características da depressão central do Estado e morros de baixa altitude, mas também semelhanças com a região da Serra. No período pré-colonial, seu território foi intensamente ocupado pelos grupos horticultores e no período colonial, principalmente no século XIX, por imigrantes alemães. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 25 Patrícia Schneider O município de Taquari, ao sul do Vale do Taquari, representado por extensas planícies, possibilitou a ocupação dos grupos horticultores, bem como no período colonial, foi a porta de entrada para os portugueses, cujas características predominam no município. Esta configuração geográfica e de ocupação populacional criou uma característica identitária para o Vale do Taquari, onde há a supervalorização do período colonial e das heranças desse contexto. Percebe-se a negação do passado nativo e escravo em contraponto ao passado imigrante, visto como precursor do progresso e desenvolvimento. Interessante lembrar que esse desprestígio em relação ao acervo pré-colonial é também fruto do ensino formal de história, que continua apresentando a pré-história como uma etapa do processo evolutivo da humanidade. E isso se reflete, no espaço expositivo dos museus municipais, lugares de memória, nos quais os objetos testemunhos do passado imigrante estão melhor contextualizados em relação às evidencias do período pré-colonial, tidas como objetos de curiosidade e exóticas. Os três municípios citados constituíram seus Lugares de Memória, seus Museus, na década de 1980, impulsionados pelo contexto nacional de valorização da cultura por meio dessas instituições. A instalação desses museus, apesar de seguir a tendência regional e nacional, ficou marcada pela inadequação desses espaços, que foram criados sem estrutura e condições de cumprirem seu papel. Foram atitudes administrativas que usaram estas instituições como marca de governo, como se cada município tivesse que ter um museu e sua criação bastasse, mesmo sem a base para seu adequado funcionamento. Essas atitudes legaram para o tempo presente instituições que necessitam ocupar seu tempo readequando-se, consertando erros passados. Em vez de seguirem novas tendências, estão sempre um passo atrás. O principal objetivo desse trabalho foi identificar o tratamento dispensado ao patrimônio arqueológico nos três museus municipais selecionados. Pode-se inferir que, o que acontece nessas três instituições visitadas reflete o que ocorre nos demais museus do Vale do Taquari, no entanto essa afirmação só poderá ser comprovada com a verificação em cada espaço museal existente. Destaco que os problemas diagnosticados e apresentados nesta dissertação não devem ser vistos somente como críticas negativas, mas como um instrumento para fundamentar as ações e políticas futuras de reformulação e readequação destes espaços. Reforço que assim como os problemas não foram causados por somente uma pessoa, mas sim influenciados pelo Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO “ADORMECIDO”: ACERVO ARQUEOLÓGICO PRÉ-COLONIAL NOS MUSEUS MUNICIPAIS DO VALE DO TAQUARI, RS 26 contexto e pelas esferas públicas superiores, as transformações também não serão possíveis por iniciativas individuais. É necessário engajamento na busca pela qualificação. Sabe-se que nem sempre é possível propiciar a participação em cursos e oficinas para a equipe que atua nos Museus, pois isto demanda a ausência do local de trabalho. Deste modo, a contratação de assessoria técnica, que se desloca até a instituição, supre esta carência. Como tem acontecido em outros setores da sociedade, a parceria com as instituições de ensino, que possuem profissionais com experiência na área apresenta-se como uma saída, que traz resultados satisfatórios para ambos os lados e é estimulada pelo próprio Estatuto de Museus (11.904/2009). Um dos caminhos nesse sentido é a realização de um diagnóstico completo sobre sua instituição, para identificar os problemas e buscar soluções. Esse passo é a base para a construção do Plano Museológico do Museu que, além de ser uma exigência legal, como já exposto, é o guia para o dia a dia desses espaços. Outro fator importante nos Museus é o cadastro e o constante contato com os órgãos regulamentadores, como o Sistema Estadual de Museus e o Sistema Brasileiro de Museus, que dão subsídios para o bom funcionamento das instituições, além de oferecerem cursos de capacitação. Porém, a participação em cursos e oficinas não deve girar somente em torno daqueles que tratam das questões práticas de conservação e exposição, mas permitir o aprofundamento ao conhecimento sobre o acervo existente nas instituições. Neste sentido, uma sugestão é participar de palestras, por exemplo, sobre a pré-história e história regional, possibilitando a contextualização adequada do acervo em exposição, levando-se em consideração as especificidades regionais, pois, tão importante quanto identificar a peça, é dar sentido a ela. Outro exemplo é a participação em atividades de Educação Patrimonial, que visam preparar as pessoas para o entendimento das possibilidades de conhecimento por meio dos diferentes patrimônios, incluindo os acervos que estão nos Museus. A educação para o patrimônio não se restringe às equipes que trabalham nos museus, mas a toda a comunidade e seus representantes políticos. As administrações públicas, juntamente com suas secretarias de cultura e os museus municipais, podem e devem buscar via Sistema Estadual de Museus ou em parceria com outras instituições, sejam elas de ensino ou congêneres, a readequação de seus Lugares de Memória. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 27 Patrícia Schneider Percebeu-se com este trabalho, que o patrimônio existente nesses museus precisa ser valorizado não só pelas equipes que trabalham nessas instituições, visando a disseminação do conhecimento do passado regional pré-colonial e a construção de uma identidade regional ligada a esse passado, que o valorize enquanto seu, mas também pelos pesquisadores da arqueologia, que podem e devem usar estes testemunhos como fontes de informação para a construção do cenário de ocupação pré-colonial e não só os resultantes das escavações. Os testemunhos tanto de escavação quanto de doações, mesmo sem muitas informações, podem se complementar. Se não houver transformação no olhar dos arqueólogos e mudanças na metodologia de trabalho aplicadas nessas instituições, seguindo as novas tendências da museologia, o patrimônio arqueológico permanecerá adormecido nesses espaços e a comunidade não será capaz de se apropriar deles. É preciso melhorar o preparo das equipes, que atuam nestes espaços para lidar com a tipologia do acervo existente, que foi legado pelo recebimento descontrolado e inadequado de doações. O profissional que atua, deve saber trabalhar igualmente com a diversidade de testemunhos e consequentemente de grupos representados, para comunicar e educar, sem desprestigiar um em relação ao outro. Assim, pode-se inferir que permanecendo o tratamento existente, o patrimônio arqueológico só será realmente apropriado no futuro, quando as ações de educação para o patrimônio, que visam demonstrar e valorizar a diversidade cultural tiverem efeito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHLERT, Lucildo; GEDOZ, Sirlei Teresinha. 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Com o intuito de mudar essa realidade, os trabalhos realizados serão compilados e transformados em uma obra paradidática, que terá ampla divulgação, pretendendo atingir a um público maior e diversificado, com o incentivo da Prefeitura Municipal do Município de Quaraí. Palavras-chave: patrimônio cultural, memória, Projeto Salamanca. ABSTRACT This text presents the work carried to the achievement of the Archaeological Project in the Municipality of Quaraí/RS - Projeto Salamanca, developed by the Laboratory for Archaeological Studies and Research of the Federal University of Santa Maria (LEPA / UFSM) in the town of Quaraí in the State of Rio Grande do Sul, in the region of the border with Uruguay. The results of the research that covers various aspects of the region, as traces of domestic activities, metals, prehistoric tools, among other components inherent to archaeological studies, but are still restricted to academia. Aiming to change this realitythe work carried out will be compiled and converted into a work paradidactics that have wide dissemination in order to reach a larger audience and diverse, with the encouragement of the City Municipality Quaraí. Key-words: cultural heritage, memory, Projeto Salamanca. * Mestranda do Programa de Pós Graduação Profissional em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria(UFSM). 31 Eva Carmem Ribas Pohl INTRODUÇÃO O Projeto Arqueológico no Município de Quaraí/RS – Projeto Salamanca1 foi implementado no ano de 1996 pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria (LEPA/UFSM) e procura analisar a região quaraiense sob o viés arqueológico, através de dois prismas. No tocante à arqueologia pré-histórica, está voltado para a pesquisa dos sítios de caçadores-coletores, analisando em detalhes a cultura material resgatada nos sítios arqueológicos existentes na área, buscando entender a ocupação da região por esses grupos. No contexto da arqueologia histórica, o Projeto Salamanca visa estudar os sítios arqueológicos do período histórico, especificamente as estâncias localizadas na fronteira Brasil/Uruguai, utilizando como principal fonte de pesquisa a cultura material resgatada – metais e louças, por exemplo - e as estruturas construtivas remanescentes. Considerando-se que a Arqueologia possui “o objetivo primordial de entender e explicar uma sociedade através de elementos materiais, produto de suas atividades e das relações destes elementos entre si e com o seu meio ambiente” (ALBUQUERQUE, 1993)2, a análise dos vestígios materiais resgatados buscou não apenas uma análise quantitativa e aspectos técnicos dos materiais arqueológicos, mas traçar um panorama do cotidiano dos moradores do local a partir do que foi encontrado. Ao incorporar novas fontes como a cultura material, cria-se a possibilidade de aproximar o indivíduo comum dos bens culturais, tecendo as relações sociais a partir do dia a dia. No caso específico das estâncias, os vestígios materiais possibilitam novas versões, distintas das consagradas pela historiografia tradicional, assim como explorar aspectos como a desigualdade, a hierarquia, o cotidiano e o poder aquisitivo dos indivíduos a partir da materialidade. Através da cultura material é possível investigar esses aspectos de forma mais concreta do que a gerada pelas fontes documentais escritas. Esses trabalhos, realizados por vários pesquisadores do LEPA desde 1996 até o ano de 2011, trouxeram à tona importantes informações sobre o modo de vida dos moradores da 1 Esse projeto encontra-se em andamento, devidamente registrado e autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Atualmente sob vigência da Portaria nº 4/Anexo II, de 26 de Janeiro de 2011 e Processo Administrativo nº 01512.000129/1996-35. 2 ALBUQUERQUE, Marcos. Arqueologia histórica, arquitetura e restauração. CLIO – Série Arqueológica, Revista do Curso de Mestrado em História da UFPE. Recife, 1 (8): 131 – 151, 1993. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1996/2011 32 região pesquisada. De grande relevância para os estudos historiográficos, foram defendidos perante à comunidade acadêmica em forma de artigos, monografias e dissertações de mestrado. O conhecimento gerado, no entanto, ficou restrito a esse espaço, sem que a comunidade na qual se insere o referido projeto tenha recebido as informações. Para que se concretize a divulgação das pesquisas realizadas, os conhecimentos obtidos serão organizados em uma obra paradidática, financiada pela Prefeitura Municipal do Município de Quaraí/RS, que receberá ampla divulgação. O PROJETO SALAMANCA E A MEMÓRIA As pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria (LEPA-UFSM) buscam resgatar detalhes que elucidem ao cotidiano dos moradores das estâncias de Quaraí, RS, fronteira com Artigas, no Uruguai, que pertencem à memória do município onde se localiza, especialmente a Estância Velha do Jarau3, sítio histórico de grande importância na região, testemunho de acontecimentos relevantes para a história do Rio Grande do Sul e do Brasil. No campo das ciências sociais e das ciências humanas as análises sobre “memória” sempre se mostraram presentes, mas foi somente a partir da década de 1970 que se acentuou uma grande tendência historiográfica interessada em estudar grupos em seus espaços de mudanças socioculturais. Afinal, a “memória é um dos suportes essenciais para o encontrar-se dos sujeitos coletivos, isto é, para a definição dos laços de identidade”. (FÉLIX, 2004). Na tentativa de, a partir do conceito de memória, forjar um diálogo entre os resultados das pesquisas científicas com as informações selecionadas para a produção de ensaios destinados à sociedade em geral, tornou-se fundamental o retorno às ideias de Maurice Halbwachs que, em 1925, elaborou uma espécie de “sociologia da memória coletiva”. (CARNALHAL, 2006). Otimizada pelo processo de globalização, a memória atualmente é parte do que molda o homem que procura compreender seu tempo, seu passado, construindo um patrimônio cultural próprio de cada segmento social. Em um segundo momento, também aí se insere a 3 As terras onde foi construída a estância pertenceram a vários proprietários, porém quem estabelece o complexo estancieiro é Bento Manoel Ribeiro em 1828. Bento Manoel Ribeiro foi um militar brasileiro, importante personalidade de diversas campanhas militares da História do Brasil, como a Guerra da Cisplatina (Guerra del Brasil) e Guerra dos Farrapos. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 33 Eva Carmem Ribas Pohl luta empreendida pelos diversos movimentos sociais, no intuito de alargar o conceito de cidadania no interior da sociedade e nas relações de poder que permeiam a atividade humana. Ambas as situações se preocupam com a questão da identidade, seja ela de minorias, seja do ponto de vista da nação (CARNALHAL, 2006). Daí o discurso de “memória” alcançar tamanho significado nos dias de hoje. A busca e o resguardo da memória, na atualidade, estão voltados para todos os grupos sociais e não apenas aqueles contemplados pela historiografia oficial, que privilegiava a elite, fazendo um recorte da sociedade, ignorando as classes que considerava coadjuvantes. Conforme Nora (1993): “Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução”. A identidade, portanto, está em constante formação, uma vez que está atrelada à memória. Para alguns teóricos, que definem a memória como fenômeno social coletivo, uma das principais características é a sua dupla natureza, pois além de ser um conjunto de lembranças e de imagens, pode ser também considerada um conjunto de representações associadas a valores e normas de comportamento, que irão compor um patrimônio cultural. Ao dissertar sobre “memória e identidade”, Tedesco (2004) expõe que, através do acúmulo de lembranças é que a memória constrói valores e ideias que irão moldar a personalidade de uma pessoa, e que, neste segmento, a memória é o componente essencial para a identidade do indivíduo e sua integração social. É necessário lembrar ainda que a lembrança do indivíduo se forma com o contato com outros, no âmbito de relações formais ou informais, mediante comunicações linguísticas ou culturais diversificadas. Conforme Tedesco (2004), cientistas sociais brasileiros, tais como Pesavento e Ianni, reconhecem que todas as sociedades ao longo do tempo construíram para si um elaborado sistema de representações e ideias coletivas e, através destas, construíram sua identidade. Tal sistema acaba por articular todo um complexo imaginário social, que inclui uma visão de si mesmas sobre o passado, a construção de personagens símbolos com a atribuição de valores a estes, características e hábitos delimitados por uma determinada região. A memória tem o poder de reproduzir, traduzir o passado e transformar o presente; ela permite as falas e imagens, (re) faz perguntas, salvando algo que se passou. Ela incorpora a cultura na vida cotidiana, mediada pelo trabalho, natureza, vividos, percebidos e concebidos. Desta forma, ela nos permite perceber a subjetividade sobre os fatos, tempos e as simbologias. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1996/2011 34 A precariedade da divulgação dos resultados das pesquisas junto ao público não acadêmico pode se tornar um fator impeditivo do surgimento de processos de discussão dessas verdades, pela população diretamente abrangida na área na qual são realizados os estudos científicos. Quando o trabalho científico fica restrito a um pequeno grupo que o realiza e dele se apropria, os demais componentes da comunidade abrangida ficam excluídos desse processo, restringindo, assim, uma expansão desse conhecimento. É através da divulgação de novas informações científicas, que poderão vir a afetar a memória construída e compartilhada até aquele momento4, que acabam surgindo novos bens simbólicos, que se originam as novas representações, adaptações e localizações, que algumas vezes acabam, inclusive, alterando significados originais da memória no espaço social. Em geral, esses resultados da pesquisa científica ao interagirem com o público não acadêmico poderão até produzir uma relação simbólica com o tempo, representadas pela memória familiar ou da coletividade. Concordando com Halbwachs (2004), é possível verificar que as lembranças são reconstruídas pelos grupos sociais, tornando-se fenômenos sociais. Daí a importância do pesquisador, principalmente no campo da Arqueologia, estar atento e saber (re) conhecer os símbolos e as suas significações no tempo, seu intercâmbio, seu processo de disseminação e a forma de como é construída a dimensão social das memórias coletivas; assim como a importância da divulgação de seu trabalho de pesquisa numa abrangência que atinja além dos limites da academia. A PESQUISA SOB DIVERSOS ASPECTOS Os trabalhos realizados na Estância Velha do Jarau5, no Sítio do Areal e no Saladeiro São Carlos, no denominado Projeto Salamanca são abrangentes, sendo que cada um aborda 4 Recentemente a equipe do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (LEPA) fez importante descoberta arqueológica no município de Quaraí. Conforme Martins (2012) “Um artefato de 8 centímetros de comprimento e 3,5 centímetros de espessura, encontrado nas ruínas da Fazenda Santa Clara, em Quaraí, na Fronteira Oeste Gaúcha, pode mudar o entendimento histórico e arqueológico sobre a ocupação humana nas Américas”. É uma descoberta que remete ao período glacial (14.920 anos atrás) e suscita discussões a respeito de uma verdade já consagrada, a de que a ocupação da América iniciou pela América do Norte. 5 A Estância Velha do Jarau é um espaço de memória por definição. É o cenário, o pano de fundo da Lenda de Simões Lopes Neto (1998), localizada muito próxima ao Cerro do Jarau, lar do ente fantástico da lenda, a Teiniaguá e acaba adquirindo ares míticos, tanto pela lenda, quanto pelos feitos dos indivíduos históricos relacionados a ela, como o militar Bento Manoel Ribeiro. Representa um espaço temporal diretamente ligado à construção dos limites nacionais. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 35 Eva Carmem Ribas Pohl um aspecto distinto, possibilitando uma visão bastante esclarecedora sobre o local. A partir de suas leituras, tem-se a possibilidade de recriar uma história que vai sendo contada através de vestígios deixados pelos indivíduos que habitaram esse espaço no passado. Em Aspectos da Cultura Material e Espacialidade na Estância Velha do Jarau (18281905). Um Estudo de Caso em Arqueologia Histórica Rural (GOMES, 2001) estuda o sítio arqueológico a partir de seu funcionamento, de como viviam seus habitantes através da disposição e finalidade das estruturas que formavam um complexo de edificações onde se desenvolviam atividades domésticas e de cunho econômico. Percebe-se, então, que a Estância funcionava como uma microssociedade complexa. Esse estudo permitiu caracterizar o sítio arqueológico RS Q-17 e apresentar as alterações ocorridas no local através dos tempos, no decorrer de um processo histórico inacabado, pois ainda continua em desenvolvimento. Os vestígios encontrados, devidamente analisados, levaram a importantes conclusões. Esses vestígios juntos são como um quebracabeças, que formam um todo revelador. Santi, no estudo desenvolvido em 2004, denominado Estabelecimento de Estâncias: Estratégia Imposta Pela Coroa Luso-Brasileira na Fixação dos Limites da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul centra seu trabalho na consolidação dos limites do Estado Nacional Brasileiro, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul com o Uruguai na primeira metade do século XIX (1801-1850 – com ênfase na região de Quaraí), a partir da apropriação e posse das terras devolutas permitidas pela Coroa Portuguesa através do regime de doação de sesmarias, o que resultou na fixação de estâncias, realizando, assim, o interesse da Coroa Luso-Brasileira em fixar esses limites. O período abordado, primeira metade do século XIX, foi um período fértil em disputas internas no Rio Grande do Sul, assim como em disputas externas como a Guerra Cisplatina e a Revolução Farroupilha. Em virtude desses fatos, as populações que aqui se instalaram adaptaram-se à realidade guerreira. Dessa forma, dentro deste espaço rural e fronteiriço definem-se e aprofundam-se algumas relações que sobrepassam ao controle do Estado. As tentativas de impor regras à prática de doações de terras parecem não ter sido respeitadas. Com a chegada da família real e a declaração da Independência muitas mudanças ocorrem. O Estado, na figura de D. João VI, passa a se interessar pelas limitações das fronteiras do Brasil, providenciando e instalando reforços que se definem como postos Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1996/2011 36 militares ou até mesmo simples estâncias. A fixação de pessoas a terra no universo rural torna-se necessária devido às tentativas de domínio espanhol pela fronteira. O latifúndio era a forma de propriedade permitida pela Coroa Portuguesa, servindo à elite militar e sendo amplamente defendida por ela. Surgiram, então, as estâncias. Há autores como Aurélio Porto e Décio Freitas que mencionam a sua existência já no século XVII, no Rio Grande do Sul. Esse estudo mostra as diversas fases por que passou a questão de terras, as formas de obtê-la, até a criação da Lei de Terras e Migração, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que proibiu a posse, tolerando as existentes até a sua promulgação. Conforme essa lei, a partir de então a única forma legal de se adquirir terras no Brasil passou a ser a compra devidamente registrada. Com isso, a Coroa praticamente forçou uma definição de fronteira. A pesquisa de Santi mostra o papel imprescindível do estabelecimento das estâncias para a questão das fronteiras. A Estância Velha do Jarau e o Contexto Fronteiriço: os Lugares e as Louças no Espaço Doméstico (TOLEDO, 2008), mostra o estudo realizado no sítio histórico localizado na fronteira com Artigas, no Uruguai, enfatizando o estudo das louças e seu uso no cotidiano dos moradores do local. No desenvolvimento do trabalho é possível conhecer detalhes sobre os moradores do local e o papel exercido por eles na defesa da fronteira. Entre Maneco Pedroso, o primeiro dono, e Bento Manoel Ribeiro, seu mais ilustre proprietário, há um espaço de tempo – entre 1816, quando o primeiro morreu, e 1828, quando o segundo ocupou as terras – do qual não há registro, sem que seja possível determinar quem foi o proprietário. Nos anos subsequentes a Estância teve outros donos, ocorrendo o seu abandono entre os anos de 1905 e 1907. Destruída por um incêndio, a sede foi reconstruída posteriormente por Olympio Giudice com o nome de Estância Nova do Jarau. Estudar as louças, o espaço doméstico, é uma forma de entender um espaço amplamente estudado e divulgado até então a partir de seu caráter bélico, de local de lutas pelo estabelecimento das fronteiras, como um espaço em que havia convívio doméstico, com uma organização familiar. Na Estância Velha do Jarau foram encontradas louças inglesas com variadas decorações. Não foi possível reconstituir as peças, devido ao fato de que estavam muito fragmentadas, em pequenos pedaços. Apesar disso, as análises dos fragmentos revelaram alguns detalhes sobre os moradores do local, como a falta de luxo, percebida na não utilização de conjuntos completos para o chá ou o jantar e a questão da hierarquia social: VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 37 Eva Carmem Ribas Pohl louças para o uso dos proprietários da estância, diferenciando-os dos peões, escravos e soldados (em época de guerra). O contexto pré-histórico foi analisado no ano de 2008 e publicado com a denominação de O Sítio do Areal e a Região do Rincão do Inferno: A Variabilidade Gestual e o Modelo Locacional para a Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul (LEMES, 2008). Nesse trabalho, o autor apresenta uma análise de uma coleção de materiais líticos lascados que foram recuperados em 1999, pelo LEPA, em Quaraí, região oeste do Rio Grande do Sul, a partir do estudo dos quais se projetaram hipóteses do primitivo povoamento da região, de como era essa sociedade e como eram usados os materiais encontrados. Esses materiais aparecem no estudo através de fotos em que os detalhes são analisados, bem como é explicado o provável uso de cada artefato, de forma a se perceber que as sociedades pré-históricas apresentavam organização e que usavam diversas ferramentas em seu cotidiano. O estudo O Cotidiano Através da Cultura Material: Os Metais da Estância Velha do Jarau (THOMASI, 2009) aponta informações relevantes ao entendimento da importância da Estância Velha do Jarau e dos objetos aí encontrados, destacando que o ar lendário em que está envolvida faz da estância algo muito específico, o que se reflete na bibliografia existente sobre o local. Seu estabelecimento aos pés do Cerro do Jarau foi estratégico, pois o cerro serviu de posto de observação avançado para a Estância. Sendo uma propriedade de fronteira e pertencente a grandes chefes militares, constitui-se em verdadeiro forte de defesa. A possibilidade de observar o trânsito de tropas inimigas de maneira segura através do cerro foi considerada por aqueles que se estabeleceram no lugar. Na cultura material do sítio é possível encontrar muitos vestígios que ajudam a elucidar o cotidiano do local, os hábitos e costumes das pessoas que o habitaram, especialmente, no caso da pesquisa em questão, os metais. Entre os objetos (ou partes deles) encontrados estão: fragmento de arado, tesoura de tosquia, ferradura de mula, chave de alambrador (que fazem parte do cotidiano produtivo da Estância), botão com brasão uruguaio em alto-relevo (vestimenta), cartuchos de fuzil Lefaucheaux (que remetem à questão de defesa), garfos, colheres (espaço doméstico) etc. Cada objeto encontrado carrega em si uma parte da história da Estância Velha do Jarau e de seus habitantes. A Pesquisa Arqueológica em Quarai/RS: Uma Contribuição à Identificação do Patrimônio Local (TOLEDO, 2010) é uma revisão das pesquisas arqueológicas realizadas em Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1996/2011 38 Quaraí/RS, pertencentes ao Projeto Salamanca, com o objetivo de caracterizar o município de Quaraí como um território patrimonial, cujos estudos devem ser divulgados de forma sistemática à comunidade científica e regional, pois o município tem grande potencial arqueológico e histórico. É uma síntese dos trabalhos realizados até a data, com reflexões sobre a identificação do patrimônio local através das pesquisas no sítio do Areal, Saladeiro São Carlos e Novo Quaraí e Estância Velha do Jarau. Conforme a autora, “esse trabalho pode ser considerado o passo inicial para que atividades de Educação Patrimonial na região sejam desenvolvidas de forma sistemática e permanente em escolas, museus e espaços de memória e cultura”. A Educação Patrimonial é o caminho para que a população se inteire da potencialidade arqueológica e histórica do local onde vive e aprenda a compreender e preservar uma memória que é de todos. Em Confins Meridionais. Famílias de elite e sociedade agrária na fronteira sul do Brasil encontra-se uma inovadora análise da elite proprietária na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, centrada no estudo, não dos indivíduos, mas das principais famílias e suas estratégias de reprodução econômica e social, com destaque na partilha do poder e no controle militar sobre a fronteira. O estudo desfaz alguns estereótipos sobre a população pobre, os peões, vistos pela historiografia oficial como homens sem vínculos familiares ou com um local determinado. Mostra essa parte da população como inserida em núcleos de pequenos produtores, portanto, não poderiam ser errantes. O trabalho mais recente do Projeto Salamanca, Ar Livre e Carne em Abundância. Um Estudo Histórico-Cultural do Gaúcho e sua Alimentação no Século XIX (NOBRE, (2011), buscou identificar, analisar e interpretar a arqueofauna existente no sítio arqueológico RS-Q17 – Estância Velha do Jarau, de forma quantitativa e qualitativa, e conhecer o modo de consumo da carne bovina, concluindo que a dieta alimentar dos habitantes do sítio arqueológico em questão tinha como um de seus elementos a carne bovina, que era consumida de diversas formas, ou seja, preparada em diferentes tipos de pratos, fritos, cozidos ou assados. Salienta, também, que o churrasco, apesar do que afirma a tradição, não era uma alimentação diária e constante. Outros alimentos, como os vegetais, acompanhavam as carnes ou, às vezes, havia o consumo de alimentos em separado, como a canjica de vinho, entre outros. Havia também o consumo de carne de caça, como a perdiz e o tatu. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 39 Eva Carmem Ribas Pohl Antes da constituição das propriedades privadas, o gado era abundante nos campos e acessível a quem o desejasse, o que, provavelmente, fez com que a base da alimentação fosse a carne, ou, talvez, fosse a dieta única. Até o início do século XIX, qualquer um poderia laçar, carnear e comer apenas a parte que lhe interessasse, deixando o restante no campo. É importante salientar que, na época, o gaúcho era nômade, vivia mudando. Essa facilidade (gado em abundância) acabou quando foram distribuídas as sesmarias, as estâncias fundadas e cercadas. O gaúcho anteriormente sem parada, passou a ser peão de estância e o gado abatido, melhor aproveitado, sendo consumido de outras formas, em cozidos, guizados ou fritos. Essa nova realidade modificou os hábitos de consumo e alimentação. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conjunto desses trabalhos revelam diferentes faces dos locais pesquisados, proporcionando que se tirem conclusões importantes para se recriar um período de vida de uma pequena comunidade (aquela que habitou os locais estudados), do qual só restaram vestígios, muitas vezes mínimos. O trabalho arqueológico, minuciosamente realizado, seguiu as normas propostas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico Nacional) e a legislação que zela pela preservação do patrimônio. A arqueologia tem o compromisso de conservar o patrimônio material, cuidando desde a preservação até a divulgação dos resultados obtidos em pesquisas para a comunidade acadêmica e a comunidade em geral. Muitos materiais encontrados, especialmente os metais, estavam em adiantado estado de degradação, exigindo um esforço maior na elaboração de formas eficazes para a sua análise e preservação. As técnicas e métodos de preservação foram desenvolvidas por vários arqueólogos e, conforme Thomasi (2009) as técnicas são adaptadas a cada sítio e realidade que se apresenta ao pesquisador. Um sítio arqueológico representa parte do passado, e o passado faz parte do presente, que se constitui da forma como é a partir das raízes plantadas. Portanto, os sítios arqueológicos são parte da história passada e presente das pessoas, formando a memória coletiva e, sendo assim, torna-se necessária a sua preservação e estudo. Os indivíduos se identificam como pertencentes a uma ou outra cultura, a um ou outro seguimento da sociedade; dessa forma, é objetivo primordial da arqueologia preservar o patrimônio Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PROJETO SALAMANCA: AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ/RS – 1996/2011 40 arqueológico, estudá-lo e apresentá-lo ao público, salvaguardando parte dessa identidade cultural. Destarte, o patrimônio cultural, sendo considerado por determinado conjunto social como sua cultura própria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos, não abarca apenas os monumentos históricos, como foi por bastante tempo considerado, mas também o desenho urbanístico e outros bens físicos, e a experiência vivida condensada em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos (CANCLINI, 1990, p. 99). O estudo da cultura material encontrada na fronteira Brasil/Uruguai contribui para a construção do conhecimento da história do Estado do Rio Grande do Sul, assim como para reconstruir com maior plausibilidade aspectos da vida cotidiana dos ocupantes da região Oeste, desde os primórdios do povoamento humano até etapas históricas mais atuais. Além disso, a pesquisa arqueológica realizada na região registra e preserva informações que não têm garantia de permanência e que existem de forma inconsistente em registros escritos. A qualquer momento, novos vestígios podem trazer outras informações que irão acrescentar, afirmar ou desfazer conclusões já obtidas, conforme aconteceu recentemente com a descoberta de 180 artefatos nas ruínas da Fazenda Santa Clara, em Quaraí, pertencentes a um grupo de caçadores coletores. Essa descoberta trouxe novas informações e incógnitas a respeito da ocupação humana na América. Afinal, de acordo com Nora (1993) “A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Marcos. Arqueologia Histórica, Arquitetura e Restauração. CLIO Série Arqueológica, Revista do Curso de Mestrado em História da UFPE. Recife, 1 (8): 131151, 1993. CANCLINI, Néstor Garcia. O patrimônio cultural e a construção imaginária nacional. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 23. Rio de Janeiro, 1990. CARNALHAL, Juliana Pinto. Maurice Halbwachs e a questão da memória. 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Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa* Luciana Silveira Cardoso** RESUMO O presente artigo traz à discussão a contribuição da disciplina “Patrimônio, História e Memória em Museus” para o desenvolvimento e aporte teórico do projeto “Museu como instrumento de Gestão do Patrimônio Cultural: Desenvolvimento do Plano Museológico no Museu Antropológico Diretor Pestana” (MADP), apresentado ao Programa de Pós Graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria/RS. A partir dos conceitos trabalhados em sala buscou-se novos olhares sobre o tema da pesquisa, bem como a ampliação das possibilidades de ação e a interação entre patrimônio cultural e gestão museológica. Sempre considerando o Museu Antropológico Diretor Pestana e as políticas de gestão a serem exercidas. Palavras-chave: Patrimônio Cultural, Gestão Museológica, Museu Antropológico Diretor Pestana. ABSTRACT This article presents a contribution to the discussion of the discipline "Heritage, History and Memory in Museums" for the development and theoretical project "Museum as an instrument of Cultural Heritage Management: Plan Development Museológico the Anthropological Museum Director Pestana" (MADP) presented to Vocational Graduate Program in Cultural Heritage Federal University of Santa Maria / RS. From the concepts used in the classroom we sought new perspectives on the topic of research, as well as the expansion of the possibilities of action and interaction between cultural heritage and museum management. Always considering the Anthropological Museum Director Pestana and management policies to be exercised. Key-words: Patrimônio Cultural, Gestão Museológica, Museu Antropológico Diretor Pestana. * Universidade Federal da Bahia(UFBA), Doutora em Sociologia pela Université du Québec à Montréal. Museu Antropológico Diretor Pestana, Bacharel em Museologia pela Universidade Federal de Pelotas(UFPel) e Mestranda do Programa de Pós Graduação Profissional em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria(UFSM). ** 43 Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso INTRODUÇÃO É importante observar que muitas são as ações desenvolvidas em favor da preservação de patrimônio, entretanto, torna-se fundamental entender e reconhecer que o patrimônio é muito mais do que uma edificação e/ou um fato histórico. De acordo com Luporini (2000), nos dias atuais pensar o patrimônio é reconhecer as mudanças na conceituação do termo, que passa de patrimônio histórico para patrimônio cultural e direciona as ações de preservação considerando não só o edificado, mas também os saberes, os fazeres, as manifestações, etc. Entendemos que para haver uma real preservação do patrimônio cultural é necessário que se projetem ações mais ajustadas às novas realidades sociais. Neste sentido, apresenta-se a necessidade de criar e atualizar nossas instituições museais, para que trabalhem com a memória social e o patrimônio cultural, e tornem-se espaços relevantes para a cidadania. Concordamos com Santos (2002): A Museologia e o Museu têm uma importância central no contexto de reconstrução das nações, na busca de um mundo livre e equitativo. Para tanto, torna-se necessária a formulação de novas diretrizes, à luz dos conhecimentos historicamente acumulados, no sentido de utilizar o patrimônio cultural como um referencial para o exercício da cidadania e desenvolvimento social, por meio do processo educativo. (SANTOS, 2002, págs. 38 e 39) Percebemos ser necessário que se busque, para que possamos cumprir com sucesso o objetivo proposto acima, a preservação do patrimônio considerando os fenômenos sociais de acordo com sua dinâmica real, ou seja, considerando, sobretudo, os grupos sociais envolvidos nos processos e as diversidades culturais, pois assim exerceremos com propriedade o “fazer museológico”, sempre reconhecendo a cultura como um processo. E é neste sentido, considerando os processos culturais e percebendo a necessidade do fazer museológico, que entram em voga as questões relacionadas à gestão museológica. Entendemos que não basta criar ou melhorar as instituições de caráter museológico. Tal ação deve ser acompanhada de uma política de gestão efetiva que reconheça as necessidades dos espaços de memória, bem como auxilie no desenvolvimento de políticas de preservação relacionadas aos acervos, segurança, documentação, difusão, estrutura física, educação e, sobretudo, de reconhecimento e utilização da instituição por parte da sociedade, aceitando aquele espaço como seu, tanto para usufruir quanto para salvaguardar. A gestão eficaz do museu é uma responsabilidade que envolve todos os recursos e as atividades museológicas e todo o pessoal. É um elemento necessário no desenvolvimento e progresso do museu. Sem gestão própria, um museu não pode providenciar a preservação e a utilização adequada do acervo, nem pode manter e apoiar uma exposição e um programa educativo eficaz. Sem uma gestão qualificada, Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU 44 pode perder-se o interesse e a confiança pública e o reconhecimento e valor do museu, como instituição ao serviço da sociedade, pode ser posto em perigo. Necessita de ser uma reflexão a um alto nível de desenvolvimento social com pessoal com várias competências educativas e de tomadas de decisão. (Edson, 2004, pg.145) A nosso ver, concordando com Edson (2004), o papel fundamental das políticas de gestão é apoiar a organização da instituição, para que seja possível alcançar resultados consistentes e assim a Missão institucional seja articulada e cumprida. Defendemos que a gestão museológica é a ferramenta necessária para que os museus se reconheçam, e consigam cumprir com excelência suas diretrizes básicas enquanto espaços destinados à salvaguarda e preservação das memórias e, consequentemente, das identidades sociais. Indo ao encontro dos aspectos apresentados e defendidos, está a responsabilidade do Museu Antropológico Diretor Pestana – MADP de ser um local referência para a sociedade ali representada, ou seja, um patrimônio cultural local, além da questão de ausência de políticas efetivas de gestão no museu referido. DESENVOLVIMENTO – o projeto Inaugurado em 1961 e tendo como objetivo representar “O homem, na sua evolução dentro do seu meio ambiente, como membro ativo da comunidade” (Fischer, 1962, p.02), o Museu Antropológico Diretor Pestana se constitui em uma instituição museológica que se apresenta, perante a comunidade Ijuiense e da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como um espaço destinado a guarda dos artefatos que representavam a sociedade, bem como um local de estudos e pesquisas. Segundo Mário Osório Marques (1961), o Museu foi fundado para: ...proceder um levantamento, de todos os setores do município e da região. Estudaremos nossa história: as origens e desenvolvimento desta região.... aqueles esforços, aqueles sacrifícios iniciais, todo o heroísmo que se expendeu, tudo que deve ser recordado, é necessário que nada se perca... para que tenhamos tradição, para que nossa vida tenha continuidade. (MARQUES, 1961) É neste sentido, reconhecendo a relevância desta instituição para a salvaguarda dos objetos, documentos e relatos da comunidade da Região Noroeste do RS, que se entende a necessidade de elaborar e efetuar políticas direcionadas para a gestão do Museu. Tendo sido aberto ao público em 25 de maio de 1961, por iniciativa do Centro de Estudos e Pesquisas Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, o Museu VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 45 Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso Antropológico Diretor Pestana estava responsável por várias tipologias de objetos, bem como documentos referentes ao município de Ijuí e da Faculdade mantenedora. Seu acervo inicialmente foi constituído pela doação de material arqueológico coletado na região pelo Dr. Martin Fischer, um dos fundadores do Museu, sendo acrescido por doações da comunidade ijuiense. Os cidadãos foram incentivados pelo Programa Radiofônico “Nossas Coisas Nossa Gente” a participarem do projeto dos fundadores da instituição, que ia ao ar semanalmente. Atualmente, o Museu é mantido pela Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – FIDENE, estando situado em prédio próprio com área de 1.600m², sendo 491m² destes ocupado pela Exposição de Longa Duração. A mesma retrata desde a caminhada do Índio, primeiro habitante da Região, seguido do Caboclo e do Negro, até aspectos das diferentes atividades desenvolvidas a partir da fundação e colonização do município pelos 19 grupos étnicos que se instalaram, apresentando ainda atividades agrícolas, comunicação, transporte, indústria, comércio, prestação de serviços, lazer, educação, religião e moradia, concluindo com um espaço reservado às manifestações culturais presentes atualmente. Além do acervo em exposição, que é cerca de dez por cento da totalidade de objetos musealizados, o Museu é responsável pela salvaguarda de documentos bibliográficos, iconográficos, filmográficos, sonoros e textuais que estão classificados sob normas arquivísticas e pertencem, de acordo com sua entrada, a um dos arquivos, sendo os mesmos: Arquivo Ijuí, Arquivo Sindicalismo, Arquivo Cooperativismo, Arquivo Regional e Arquivo Kaingang, Guarani e Xeta, além do Arquivo FIDENE – arquivo institucional. Podemos dizer que o Museu Antropológico Diretor Pestana tem sido, desde a sua criação, um local de experimentação. Afinal, destacou-se como a primeira instituição da Região Noroeste que iniciou o processo de salvaguarda, em espaço único, de todos os documentos referentes à história e memória da sociedade local e regional, também por ser parceiro da 4ª Região Museológica do Estado do Rio Grande do Sul e desenvolver atividades em parceria com o Sistema Estadual de Museus. Entretanto, algumas atividades técnicas específicas foram sendo deixadas à margem das demais demandas, o que gerou para o Museu grandes problemas no que tange ao alto reconhecimento de sua Visão e Missão. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU 46 Embora seja reconhecida pela comunidade como um local de guarda e comunicação, a instituição desconhece suas necessidades e potencialidades, e por tal motivo acaba não conseguindo assumir uma diretriz para o desenvolvimento de suas demandas, muitas vezes optando pelo abandono de certa atividade, sem ao menos avaliar as influências que podem ser geradas a partir de tal ação. Ao observar tal realidade e, através do conhecimento empírico conhecer as enfermidades geradas pela falta de diretrizes, é possível notar o quanto as teorias e práticas museológicas estão unidas e dependem uma da outra para o desenvolvimento de uma ação efetiva, sendo possível perceber também que hoje a elaboração de uma política de gestão 1 museológica é, sem dúvida, a ferramenta necessária para reconhecer as necessidades e apontar as soluções a curto e longo prazo. Além disto, é importante citar que o MADP, assim como os demais Museus Brasileiros, deve adequar-se à Lei 11.904, de janeiro de 2009, que Institui o Estatuto dos Museus. Dentre os vários apontamentos estão os Artigos 44, 45, 46 e 47, que direcionam e afirmam a necessidade de que as instituições elaborem e implementem o Plano Museológico. Art. 44. É dever dos museus elaborar e implementar o Plano Museológico. Art. 45. O Plano Museológico é compreendido como ferramenta básica de planejamento estratégico, de sentido global e integrador, indispensável para a identificação da vocação da instituição museológica para a definição, o ordenamento e a priorização dos objetivos e das ações de cada uma de suas áreas de funcionamento, bem como fundamenta a criação ou a fusão de museus, constituindo instrumento fundamental para a sistematização do trabalho interno e para a atuação dos museus na sociedade. Art. 46. O Plano Museológico do museu definirá sua missão básica e sua função específica na sociedade e poderá contemplar os seguintes itens, dentre outros: I – o diagnóstico participativo da instituição, podendo ser realizado com o concurso de colaboradores externos; II – a identificação dos espaços, bem como dos conjuntos patrimoniais sob a guarda dos museus; III – a identificação dos públicos a quem se destina o trabalho dos museus; IV – detalhamento dos Programas: a) Institucional; b) de Gestão de Pessoas; c) de Acervos; d) de Exposições; e) Educativo e Cultural; f) de Pesquisa; g) Arquitetônico-urbanístico; h) de Segurança; i) de Financiamento e Fomento; 1 Utilizamos tal expressão pois, além do Plano Museológico os Museus necessitam, para um efetivo processo de gestão, de outros documentos, tais quais: Regimento Interno e Organograma. Documentos estes que o MADP já desenvolveu e baseia-se para realização de suas atividades. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 47 Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso j) de Comunicação. § 1o Na consolidação do Plano Museológico, deve-se levar em conta o caráter interdisciplinar dos Programas. § 2o O Plano Museológico será elaborado, preferencialmente, de forma participativa, envolvendo o conjunto dos funcionários dos museus, além de especialistas, parceiros sociais, usuários e consultores externos, levadas em conta suas especificidades. § 3o O Plano Museológico deverá ser avaliado permanentemente e revisado pela instituição com periodicidade definida em seu regimento. Art. 47. Os projetos componentes dos Programas do Plano Museológico caracterizar-se-ão pela exequibilidade, adequação às especificações dos distintos Programas, apresentação de cronograma de execução, a explicitação da metodologia adotada, a descrição das ações planejadas e a implantação de um sistema de avaliação permanente. Todos os apontamentos citados anteriormente, somados ao fato de tal projeto e tema ainda não terem sido trabalhados junto ao Programa de Pós Graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural impulsionaram a necessidade e oportunidade de executar tal ação. Afinal, busca-se, além de trazer à discussão as questões relacionadas à gestão dos museus, a possibilidade de desenvolver um projeto pioneiro na Região, bem como a entrega de um produto que possa ser efetivado, a curto prazo, pelo Museu. REFLEXÕES Desde 1985, com a Declaração do México, se abre o debate e adota-se o conceito de Patrimônio Cultural que, segundo o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS: É tudo o que, para determinado conjunto social, interessa proteger por ser considerado como cultura própria, o que é base de sua identidade, o que o faz distinto de outros grupos, incluindo não somente monumentos ou outros bens de caráter físico, mas a experiência vivida, que se condensa na linguagem, nos conhecimentos, nas tradições, nos modos de usar bens e espaços. (ICOMOS 2) Neste sentido temos a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural da UNESCO em 1972, e em 1988 a Constituição Federal Brasileira que através do Artigo 216, constitui os bens culturais brasileiros, de natureza material e imaterial. Podemos dizer que a preocupação em conhecer os artefatos que fazem parte da história e da memória do povo é de suma importância para que a sociedade se reconheça e faça parte das políticas culturais, além de ter sido grande incentivadora para a criação de espaços de memória - Museus. 2 http://www.icomos.org.br/001_001.html - acessado no dia 28/04/2013, às 21h42min. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU 48 Entendemos que os processos de regulamentação direcionados ao patrimônio cultural são o embrião das ações de preservação do patrimônio, afinal, é necessário conhecer o patrimônio, e isto só se dá através do desenvolvimento de pesquisas e inventários. Indo ao encontro deste apontamento, temos todo um conjunto de ações em nível nacional que corroboram nosso pensamento, dentre elas a criação do Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); a implementação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) e a Lei 3.551 de 4 de agosto de 2000 que institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial. Além das regulamentações, temos a ampliação do conceito de Museu e da responsabilidade do mesmo para com o Patrimônio. Se no século XVIII os Museus firmam-se como espaços de contemplação e aprendizado, direcionado para pessoas mais “instruídas”, no século XIX, influenciados pela Revolução Francesa3, apresentam-se as políticas de nacionalização das coleções dos Museus, o que gera, no século XX, os chamados Museus da Nação, com o intuito de congregar a história dos heróis e feitos nacionais. Proposta esta que se valida no Brasil, passando assim o estado a atuar como vetor das ações de preservação do patrimônio entre as décadas de 20 e 50 do século XX. Este período de valorização da história dos heróis nacionais foi de suma importância para o fazer museológico e para a noção de patrimônio cultural, pois se percebeu que os hábitos, costumes, modos de fazer e até mesmo os artefatos materiais de parte da população estavam sendo esquecidos. Ficando, no final do período, o questionamento: O que é o patrimônio cultural nacional? Observa-se, porém, uma mudança de paradigma, o que se constitui em um novo modo de ver os Museus. Em 1972 surge uma nova proposta para o campo museológico. É a chamada Nova Museologia, que se expressa publica e internacionalmente na Mesa Redonda de Santiago do Chile. Este movimento afirma a função Social do Museu e o caráter global de suas intervenções, e é corroborado em 1984 pela Declaração de Quebec que traz Princípios de Base para uma Nova Museologia. 3 Movimento social e político ocorrido na França no final do século XVIII que teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar um Estado democrático que representasse e assegurasse os direitos de todos os cidadãos. In: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/especial/home_rev_francesa.htm VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 49 Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso A chamada Nova Museologia tem a intenção de estimular os museus a se afastarem de uma postura elitista, enfim, busca tornar a ação museológica mais abrangente, enfatizando a necessidade da interação entre o Museu e a sociedade, ou seja, “contribuir para a transformação de uma realidade não dominada pela comunidade num recurso útil para seu desenvolvimento, tanto presente quanto futuro”(Varine, s.a). Se no começo do século XX os Museus são gerenciados pelo estado e seguem diretrizes de gestão direcionadas para a chamada “história oficial”, o final do século XX e o século XXI apresentam-se como um marco para os processos de gestão compartilhada do patrimônio. É neste viés que estão as políticas de gestão museológica, afinal existe a necessidade de implementar e disseminar a Nova Museologia e para isso é importante criar diretrizes para padronizar e melhor conhecer e quantificar as ações. Neste momento temos a criação dos cursos de Museologia, com os currículos totalmente embasados nesta Museologia Social, e a criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) ligado ao Ministério da Cultura e responsável por “promover e assegurar a implementação de políticas públicas para o setor museológico, com vistas em contribuir para a organização, gestão e desenvolvimento de instituições museológicas e seus acervos” (Lei 11.906, art. 1º) sempre em consonância com o Sistema Brasileiro de Museus. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os apontamentos feitos na introdução deste artigo constituem uma reflexão teórica a respeito da forma como, enquanto profissional de Museu, entendemos e vemos as instituições museológicas. Entretanto, é importante ressaltar que tais percepções, embora reconhecidas, estavam afastadas do projeto apresentado ao Programa de Mestrado, tendo em vista o caráter mais técnico e direcionado do projeto apresentado. Porém, ao assistirmos a disciplina Patrimônio, História e Memória em Museus, tais conceitos vieram a discussão, despertando o interesse em refletir a respeito dos conceitos de memória e identidade relacionados aos conceitos de patrimônio cultural e gestão museológica, que já haviam sido trabalhado quando da apresentação do projeto de seleção. Entretanto, essas novas relações conceituais acabam tornando-se ponto de partida para que se aprofunde o estudo e a avaliação dos mesmos em relação aos novos conceitos que Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio PATRIMÔNIO E GESTÃO – COISAS DE MUSEU 50 serão trabalhados na dissertação, sendo os mesmos: Museu, Gestão e Plano Museológico. Afinal é impossível, ao pensarmos o Museu, não nos depararmos com o seu reconhecimento enquanto “lugar de memória”, “templo das Musas”, entre outros. Conceitos com os quais o MADP, enquanto Museu corroborado nas ações da Nova Museologia, não quer e, a nosso ver, não deve estar relacionado. Além das considerações já apontadas, é importante citar o desenvolvimento das políticas voltadas ao patrimônio e aos Museus, assunto tratado no item Reflexões deste artigo, isto porque o MADP, mesmo não aplicando nenhum tipo de ação de gestão, considera tais transformações de extrema importância para que se defina que tipo de Museu teremos e faremos para as próximas gerações. E esta será a diretriz a ser seguida pela pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FISCHER, Martin. O Comunitário, nº 01, p.02 – Suplemento do Jornal Correio Serrano de 1º de Setembro de 1962. MARQUES, Mário Osório. Museu e História. Cadernos do Museu nº 11. Ijuí. Editora UNIJUÍ, 1981, 67 páginas. EDSON, Gary. Gestão do Museu. In: Como Gerir um Museu: Manual Prático. ICOM, 2004. ________________. Museologia: Roteiros Práticos – Segurança em Museus. Ed. da USP, 2003. VARINE, Hugues de. Repensando o conceito de museu. In: GJESTRUM, John Aage; MAURE, Mare. Okosmuseumboka. Noruega: s/e. 1988. p33. LE GOFF, Jacques. 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Jul 2013/Jun2014. 51 Heloísa Helena Fernandes Gonçalves da Costa e Luciana Silveira Cardoso Mesa Redonda de Santiago do Chile – 1972 Declaração de Quebec – 1984 Carta do México – 1985 Carta de Atenas – 1931 Carta de Veneza – 1964 Carta de Machu Picchu – 1977 INTERNET http://www.icomos.org.br/001_001.html - acessado no dia 28/04/2013, às 21h42min. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/especial/home_rev_francesa.htm - acessado no dia 29/04/2013, às 23h. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO Angelo Inácio Pohl* RESUMO Esse artigo apresenta um breve panorama do debate existente na etnoarqueologia sobre a questão do conceito de estilo, especificamente nesse caso, o estilo iconológico e o estilo isocréstico, e sua aplicação na interpretação da variedade de artefatos no registro arqueológico, pois, há um bom tempo, se fazem presentes discussões entre arqueólogos e etnoarqueólogos sobre esse assunto. É possível afirmar que tais diferenças ainda deverão perdurar por um razoável lapso de tempo, devido à profundidade das divergências e a ampla possibilidade de interpretações existentes. Palavras-chave: Etnoarqueologia, Estilo Arqueologia. ABSTRACT This article presents a brief overview of the existing debate on the issue in ethnoarchaeology the concept of style, specifically in this case, the iconological style and isocrestic style _, and its application in the interpretation of the variety of artifacts in the archaeological record, because for a long time, are present discussions among archaeologists and ethnoarchaeologists on this subject. It can be argued that such differences should still last a reasonable period of time due to the depth of the divergences and the existence of broad possibility of interpretations. Key-words: Ethnoarchaeology, Style, Archeology. Atualmente, é possível constatar um intenso debate a respeito da etnoarqueologia, no tocante à questão do conceito de estilo e sua aplicabilidade para a interpretação da variabilidade artefatual no registro arqueológico, pois este provoca, há um bom tempo, tensas e animadas discussões entre arqueólogos e etnoarqueólogos (Sackett, 1991). * Especialista em Arqueologia, em História do Brasil, em Pensamento Político Brasileiro e Mestre em Integração Latino-Americana. 53 Angelo Inácio Pohl Pode-se dizer que ainda se está muito distante de uma convergência entre o conceito de estilo e sua aplicação para a ciência arqueológica, devido à ampla gama de interpretações que o tema pode gerar (David & Kramer, 2001; Hegemon, 1998). Afinal, para David & Kramer seria: (...) the concept and functions of style should have been the subject of intense debate in Anglo-American archaeological and ethnoarchaeological literature since 1977, a seminal year in which James Sackett proposed a general model to style and Martin Wobst that style is a mode of information exchange; (...) Lechtman introduced the notion of technological style, and Ian Hodder (...) published the first of his essays on the material culture of the tribes of the Baringo district in Kenya” (David & Kramer, 2001, 169)1. Conforme os citados autores, uma característica oriunda deste debate tem sido a criação de vários tipos de conceitos de estilos e com pouquíssimos pontos em comum, pois “(...) the study of style forces archaelogists to wresthe white complex social concepts” (Hegemon, 1998, p. 266). Ainda, conforme Hegemon, estilo envolve escolhas dentre várias alternativas e o que caracterizaria a sua especificidade e sua singularidade e que possui alguns pontos básicos em comum dentre vários autores é que estilo é peculiar em um tempo e em um lugar (Sackett, 1990; Wiessner, 1991; Carr, 1995; Roe, 1995). Contudo, apesar de haver convergências dos conceitos de escolhas, particularidade espacial e temporal, percebe-se uma distância entre as abordagens dos autores citados, pois estilo pode significar delimitação de fronteiras étnicas, etnicidade, identidade coletiva, entre outras. Pode-se também argumentar que estas divergências a respeito do conceito de estilo estão focadas nos pressupostos teórico-metodológicos que os autores assumem, porém, acredita-se que, para a melhor compreensão e elucidação dessa situação, é importante trabalhar-se com o significado com o qual o autor se identifica, dentro deste grupo apresentado. É possível verificar que, um dos principais problemas que atingem os pesquisadores que enfocam a variabilidade estilística como um processo da dinâmica cultural, insere-se na divergência entre as pesquisas em sociedades vivas (etnoarqueologia) (Wiessner, 1991; Dietler & Herbich, 1989) e as pesquisas das sociedades extintas, focando os estudos de estilo 1 (...) o conceito e as funções do estilo deveriam ter sido o assunto de intenso debate no contexto angloamericano arqueológico e da literatura da etnoarqueologia desde 1977, um ano seminal no qual James Sackett propôs um modelo geral e Martin Wobst nomeou que estilo é um modo de troca de informação; (...) Lechtman introduziu a noção de estilo tecnológico, e Ian Hodder (...) publicou a primeira das composições dele da cultura material das tribos do distrito de Baringo no Quênia. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO 54 apenas na cultura material (Sackett, 1982). Para David & Kramer, a resposta seria: “(...) is in fact always constructed by the observer, who may will misinterpret a message, or read meaning into formal variation when none was intended by the marker (...)” (David & Kramer, 2001, p. 173)2. Desta forma, fica explícita a maneira com que os pesquisadores abordam a noção de estilo, ou seja, própria a sua realidade teórica e epistemológica. Outro embate que existe entre pesquisadores do conceito “estilo” diz respeito à dicotomia ou à unidade entre estilo e função, no qual Binford (1989) é adepto da dicotomia e Sackett (1977, 1991) é o fiel defensor da unidade. Estas duas escolas, lideradas pelos seus respectivos pesquisadores, irão criar pontos de vista altamente incongruentes entre eles. Para Binford, o estilo será visto como um acessório da manufatura, com sendo adjunto e remetendo ao simbólico. Para Sackett, o estilo é subjacente e inerente a todos os aspectos técnicos da produção. A seguir, uma breve apresentação destes dois conceitos que foram definidos por Sackett (1982) como sendo estilo iconológico e estilo isocréstico. A ESCOLA ICONOLÓGICA Pode-se dizer que a escola iconológica é dependente do processualismo e busca compreender a variabilidade estilística somente a partir dos aspectos simbólicos, ou seja, como algo adjunto, não demonstrando nenhuma forma adaptacional, esta indispensável para demonstrar como ocorrem as mudanças no passado, conforme Binford. Para esse autor, o artefato terá um estilo apenas para socializar um simbolismo e criar uma certa identidade grupal, construindo assim um estilo ativo, no qual o artesão produzirá intencionalmente características estilísticas para diferenciá-los enquanto representação grupal ou individual, mas com nenhum valor utilitário e funcional. Com isso, para Binford (1989) o estilo não está presente nos aspectos funcionais do artefato. Dunnel (1978) irá demonstrar que estilo é altamente dicotômico a função, pois para ele “Style denotes those forms that do not have detectable selective values. Function is manifist as those forms that directly affect the Darwinian fitness of the populations in which they 2 (...) é construído na realidade sempre pelo observador que pode interpretar mal uma mensagem, ou o significado erudito em variação formal quando não era planejado pelo observador (...) VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 55 Angelo Inácio Pohl occur” (Dunnel, 1978, 199)3. Contudo, Binford (1989) explicará as relevâncias dos aspectos funcionais para compreender a variabilidade entre os assentamentos e não os aspectos estilísticos, pois estes não demonstram valores de adaptabilidade e são vistos apenas como valores adjuntos. Acredita-se que, para uma melhor compreensão e entendimento dos pressupostos de Binford (1989), deve-se ter em mente que a variabilidade funcional dos artefatos está inserida nos aspectos tecno-econômico, sócio-técnico e ideo-técnico; contudo a funcionalidade só é percebida em contextos primários. Este pesquisador procurou demonstrar que o estilo está nos três aspectos, porém, sem ter participação na forma e na função dos artefatos. Binford (1989) enfatiza que a variabilidade só é apreendida a partir dos aspectos adaptativos e não a partir de escolhas culturais como propõe Sackett, pois, cultura, para Binford é: Culture is makind's extrasomatic means of adaptation, and seeing it only as a conservative, stability-fostering phenomenon does not help us to understand its variability or its changes. Functional variability for me always has implications, and the contexts of selection can be expected to crosscut and frequently to vary independently of the “ social identities” of the actors and, more importanly, may actually be a causal agent in ethnogenesis (BINFORD, 1989, 62)4. Fica claro em grande parte dos textos desse autor, que a dinâmica cultural vivenciada pelos grupos da pré-história está intimamente relacionada à visão extra-somática ao ambiente (em todos os seus aspectos, inclusive cultural) e também na formulação de leis para compreender os seus respectivos assentamentos. Ele dirige a sua atenção para a formação do registro arqueológico e demonstra mudanças vividas por grupos da pré-história que fogem da habitual “readaptação”, e enfrentam novas transformações climáticas, por exemplo, e consequentemente produzem artefatos formalmente distintos e pertencentes a uma mesma cultura arqueológica, que não são constatadas pela escola isocréstica: 3 Estilo denota essas formas que não têm valores seletivos. Função é manifestada como essas formas que diretamente afetam a aptidão Darwiniana das populações nas quais eles acontecem. 4 Cultura significa o extrassomático ou adaptação, e só vendo isto como um observador é que a estabilidadecomo um fenômeno não nos ajuda a entender sua variabilidade ou suas mudanças. Variabilidade funcional para mim sempre tem implicações, e podem ser esperados os contextos de seleção e frequentemente variar independentemente das "identidades sociais" dos atores e, mais importante, pode ser de fato um agente causal da ethnogenesis. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO 56 It appears much more likely that the “isochrestic” variability in scraper design is varying whit changing organizational contexts of persons responding differentially to the dynamics of their environment. In this instance I think a very strong case can be made for isochrestic variability in Sackett's sence being not the result of ethnic choices but representing functional variability in the organizational dynamics of a single cultural system. This position was not drawn because of an irrational choice made by me as to the nature of style (BINFORD, 1989, 60)5. Portanto, como visto acima, o autor justifica a incapacidade dos modelos estilísticos para compreender os contextos primários ou organizacionais e seus aspectos funcionais que ocorreram no passado. Binford (1989), em resposta à escola isocréstica de Sackett, irá questionar como os adeptos desta corrente interpretam e reconhecem as alternativas escolhidas pelos artesãos, criticando assim, o fulcro de pesquisa desta escola, ou seja, o ensino-aprendizagem. Para Binford, nunca se encontrariam respostas para tais perguntas, pois a variabilidade artefatual, percebida pelo arqueólogo no registro arqueológico, na maioria das vezes não é determinada por mudanças culturais, mas por respostas extra-somáticas. Portanto, fica evidente que Binford não consegue romper com os pressupostos teóricos do processualismo e busca interpretar o estilo apenas como uma forma adjunta, pois para o autor o registro arqueológico apenas pode ser abordado por aspectos funcionais, adaptativos e ecológicos e ainda quanto às escolhas tão priorizadas por Sackett: “For Sackett, functional variability appears irrelevant to understanding cultural variability and, more importanly, variability as presented to us in archaeological record (...)”(Binford, 1989, 63)6. Por conseguinte, deve-se levar em consideração (conforme Binford), a capacidade de organização cultural diante de novas situações ambientais, o que é descartado pelo isocretismo de Sackett e que, apenas assim será possível atestar e compreender a dinâmica cultural do passado. 5 Parece muito mais provável que a variabilidade do "isocretismo" muda contextos organizacionais de pessoas que respondem diferentemente à dinâmica do ambiente deles/delas. Neste exemplo, penso em um caso muito forte onde pode ser na verdade o que Sackett diz que não é o resultado de escolhas étnicas, mas variabilidade funcional representando na dinâmica organizacional de um único sistema cultural. Esta posição não era tirada por causa de uma escolha irracional feita por mim sobre a natureza de estilo. 6 Para Sackett, a variabilidade funcional aparece como irrelevante e entender variabilidade cultural é mais importante do que a variabilidade como apresentado por nós no registro arqueológico (...) VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 57 Angelo Inácio Pohl A ESCOLA ISOCRÉSTICA A escola isocréstica tem como principal expoente teórico o pesquisador James Sackett, que demonstrou em suas pesquisas e, consequentemente em seus resultados, a variabilidade artefatual como resultante estilístico. É possível dizer que a variação (variabilidade) estilística, para Sackett, está presente na escolha da matéria-prima na qual o artefato será produzido, nas técnicas de elaboração, na gama de opções (impostas pela tradição) para produzir instrumentos e também nos atributos para a utilização dos instrumentos e, por último, o descarte ou as estratégias de reciclagem das peças. Portanto, para o autor, estilo é uma maneira peculiar de produzir instrumentos ou artefatos em um determinado tempo e espaço, além de diagnosticar etnicidade. Para Sackett, estilo e função são vistos como indissociáveis, pois “(...) once the efforts of postdepositional alteration have been accountend for share equal responsibility for all formal variability observable in artefacts (...)” (Sackett, 1982, p. 68)7. A partir das perspectivas de Sackett, a variabilidade estilística não se restringe apenas ao resultado morfológico dos artefatos, mas a todas as etapas do processo, na qual uma determinada estratégia de reciclagem de artefatos ofereceria resultados de etnicidade, devido às interações sociais reguladas por tradições culturais e conhecimentos técnicos etc. Neste aspecto, este autor demonstrará a relação entre estilo e função como sendo ativo e passivo. A função está ligada ao resultado ativo, pois atende a um determinado fim; enquanto estilo, diz respeito à passividade e caracterizaria o espaço e o contexto histórico. Porém, como já visto anteriormente, esta dicotomia entre estilo e função para Sackett não é percebida de maneira excludente um do outro e vice-versa. Dentro do modelo isocréstico de Sackett é evidente que estilo representa etnicidade, pois sociedades distintas na maioria das vezes não poderiam fazer escolhas idênticas (esta afirmação remeteria às graduações de fato de Gourhan, nas quais cada cultura possui sua particularização provocando assim a diversidade cultural e étnica), pois as escolhas são reguladas por tradições tecnológicas e culturais que permeiam coletivamente dadas sociedades. 7 (...) uma vez os esforços de alteração de pós-deposional foram inseridos para fazer parte da responsabilidade da variabilidade como um todo formal observável nos artefatos. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO 58 Portanto, Sackett (1982) afirma que os conjuntos de artefatos que despertam uma certa impressão de familiaridade tecnológica representam em um determinado tempo e espaço sinais de identidade étnicas. Style enters the pictures when we see that the artisans of any given fraternity (or soroty) are aware of only a few, and often choose but one, of the isochrestic options potentially available to them performing any given task, and that the choices they make are largely dictated by the techonological traditions within which they have been enculturated as members of the social groups that delineate their ethnicity (Sackett, 1991, 33)8. Conforme este autor, as escolhas técnicas que grupos pré-históricos fazem dentro de sua gama de opções culturais irá ser específica de um horizonte espacial e cronológico, por isso as alternativas estarão inseridas dentro dos conhecimentos técnicos e implicitamente relacionados ao processo cognitivo de ensino-aprendizagem e de saber-fazer; ou seja, o artesão a cada novo problema técnico não produzirá nova maneira de elaborar o artefato, mas buscará soluções dentro das opções dispostas por sua tradição. “Isochrestic variation in material culture that is a socially bounded in this manner is consequently diagnostic or idiomatic of ethnicity, and it is such variation that we perceive as style” (Sackett, 1991, p. 33)9. Sackett afirma que a variabilidade isocréstica está munida de etnicidade, pois todas as escolhas (aqui entendidas em sua acepção mais ampla) são respostas que pertencem à esfera da cultura e, por isso, presentes na vida social. Também em Sackett se verifica que o isocrétismo trabalha com escolhas culturais que resultam em construções de organizações tecnológicas e culturais como fatores diagnósticos, ou seja, tradições culturais e tecnológicas dificilmente se pareceriam entre grupos sem relações sociais de contato, por exemplo. Outro ponto que gerou debates entre estudiosos da variabilidade estilística está focado na discussão entre a intencionalidade do artesão em produzir estilo, apresentando uma discórdia entre Sackett e Wiessner, ou seja, o estilo é passivo ou ativo? 8 Estilo entra nos quadros quando nós vemos que os artesãos de qualquer determinado grupo está atento a apenas em alguns, e frequentemente escolhe mais uma das opções do isocretismo potencialmente disponível para eles executando qualquer determinada tarefa, e que as escolhidas são largamente ditadas pelas tradições tecnológicas dentro das quais eles foram aculturados como sócios dos grupos sociais que delineiam a etnicidade deles/delas (Sackett, 1991). 9 Variação de Isocretismo na cultura material que é socialmente amplo desta maneira, é consequentemente diagnóstico ou idiomático de etnicidade, e é tal variação que nós percebemos como estilo" (Sackett, 1991, 33). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 59 Angelo Inácio Pohl Para Polly Wiessner, que realizou pesquisas procurando compreender as relações intra e inter-grupos a partir dos estudos das pontas de projétil dos SAN do Kalahari, estilo é: “The definition of style that Iwill use here is formal variation in material culture that transmits information about personal and social identity” (Wiessner, 1983, p. 256).10 Assim, fica evidente para Wiessner que o estilo reside apenas na intencionalidade consciente de gerar informação, seja este uma maneira de integração coletiva e grupal ou uma representação individual. Segundo Wiessner, a transmissão da identidade (a partir da constatação da intencionalidade em produzir estilo) e a informação que esta pode significar pode ser medida pelo que a autora chamou de estilo emblêmico e assertivo, surgindo consequentemente uma espécie de diferenciação social intra e inter-grupos, como acima citado. O estilo emblêmico, em Wiessner, será aquele constatado e que reside na cultura material para identificar grupos diferentes e que também irá gerar identidade grupal, na qual o artesão está inserido como sujeito de uma coletividade (sociedade). The first aspect of style I will call emblemic style, that is, formal variation in material culture that has a distinct referent and transmits a clear message to a defined target population (...) about conscious affiliation or identity, such as an emblem or a flag (...) Because it carries a distinct message, emblemic style should undergo strong slection for uniformity and clarity (...), and because it markers and maintains boundaries, it should be distinguishable archaeologically by uniformity within its realm of function (Wiessner, 1983, 257)11. Já o estilo assertivo traz na cultura material a informação sobre a identidade individual do artesão, pois segundo Wiessner: Assertive style is formal variation in material culture which is personally based and which carries information supporting individual identity by separating persons from similar others as well as by giving personal translations of membership in various groups (...) (Wiessner, 1983, 258)12. 10 A definição de estilo que usamos aqui é a variação formal da cultura material, que transmite informação sobre identidade pessoal" e social (Wiessner, 1983, 256). 11 O primeiro aspecto de estilo que eu chamarei de emblêmico nomeia, quer dizer, variação formal da cultura material que tem uma referência distinta e transmite uma mensagem clara a uma população designada definida (...) sobre afiliação consciente ou identidade, como um emblema ou uma bandeira (...) Porque leva uma mensagem distinta, estilo emblêmico deveria sofrer uma forte seleção para uniformidade e claridade (...), e porque isto mantém os limites, deveria ser arqueologicamente distinguível por uniformidade dentro de seu reino da função (Wiessner, 1983, 257) 12 Estilo afirmativo é a variação formal da cultura material que é pessoalmente baseada e que leva informação que se apoia na identidade individual separando as pessoas de outros semelhantes como também dando traduções pessoais de sociedade em vários grupos (...) (Wiessner, 1983, 258). Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A TEORIA ETNOARQUEOLÓGICA: UM DEBATE DO ESTILO 60 Portanto, para a autora, os estilos emblêmico e assertivo podem estar concomitantemente em um mesmo artefato, porém, com representações singulares, seja ele responsável para transmitir informações de fronteiras entre grupos ou sobre a individualidade do artesão. Por fim, é importante explicitar que, conforme as propostas de Sackett, o caráter estilístico não é percebido em uma parte específica do objeto, mas a partir de escolhas que serão demonstradas como sendo sinais de etnicidade. CONCLUSÃO Os significados dos diferentes estilos presentes nos artefatos podem ser atribuídos a inúmeros fatores, e investigados a partir de diferentes escolas analíticas. Fica claro que o entendimento da variação estilística apresentada nos artefatos, consignada no estilo e na função, é função direta da abordagem teórico-metodológica aplicada ao estudo destes materiais. Com base nessa premissa, faz-se presente uma intensa discussão em torno dos conceitos e das aplicações de atributos estilísticos e funcionais adequados à tipologia e à classificação. Os paradigmas de estilo e de suas categorias estão inseridos dentro de inúmeras perspectivas, defendidas por vários autores, tais como: Sackett, 1977; Binford, 1989; Franklin, 1989; Wiessner, 1991, entre outros. Neste âmbito de discussão, os significados da diversidade de estilos apresentam abordagens diferenciadas e, em alguns momentos, conflitantes. Essa variação do estilo no artefato é explicada pela Arqueologia evolutiva como uma transformação, advinda da própria evolução do produto, durante a qual os atributos funcionais ficam submetidos a uma espécie de seleção, em muitos casos dita aleatória, sustentando a concepção de que os estilos são caracterizados a partir de um longo período de variação. No tocante à perspectiva tecnológica, essa variação nos estilos estaria subjacente nas próprias escolhas tecnológicas ou culturais, buscando adequá-los às necessidades de uma determinada sociedade inserida em um certo contexto temporal e espacial. Essa argumentação está embasada em uma percepção tecnológica, na qual o estilo é inerente, não se manifesta claramente, nos processos de produção dos artefatos. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. 61 Angelo Inácio Pohl Com certeza, essas discussões ainda perdurarão por muito tempo, possibilitando a partir das mesmas, a construção do conhecimento a partir de bases consistentes e com diálogo permanente, fundamental para o desenvolvimento da pesquisa científica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, Michael Vannoy. The Mythological Unconscious. Karnac: New York, London, 2001. BATALHA, Guilhermo Bonfil. La teoria del control cultural en estudio de procesos étnicos. In: Arinsana, nº 10, Caracas, 1989. BINFORD, L. R. "Archaeology as anthropology". An archaeological perspective. New York: Seminar Press. P. 20-32, 1972. BINFORD, L. R. Organization and Formation process: Looking at curated technologies. In: Journal of anthropological research. [S. l.: s.n.], cap. 3, p. 255-277, 1979. BINFORD. L. R. Styles of Styles. In: Journal of Anthropological Archaeology. cap. 8, p. 51-67, 1989. CARR, C. Building a Unified Middle-Range Theory of Artifact Design. 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REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL MUSEÓLOGO APÓS A CRIAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS Elane Santos Gonçalves * Luciana Oliveira Messeder Ballardo** RESUMO Este artigo apresenta algumas reflexões, questionamentos e inquietações geradas durante o processo de amadurecimento profissional, relacionadas à relevância do museólogo e de suas práticas em instituições museológicas e ainda, sobre as dificuldades que este profissional encontra no exercício das atividades laborais, mesmo após a criação da Política Nacional de Museus. Palavras-chave: Museólogo, Instituição Museológica, Política Nacional de Museus. ABSTRACT This text presents some thoughts, questions and concerns raised during the ripening professional process related to the relevance of museologist and their practices in museum institutions and also about the difficulties that this work is in the performance of work activities, even after the creation of the Museum National Politics. Key-words: Museologist, Museological Institution, Museum National Politics. * Museóloga da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Bacharel em Museologia pela Universidade Federal da Bahia e especialista em Educação do Ensino Superior com Ênfase em Novas Tecnologias pela Faculdade Batista Brasileira. ** Museóloga da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bacharel em Museologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Patrimônio Cultural (UFSM). Elane Santos Gonçalves e Luciana Oliveira Messeder Ballardo 64 MUSEÓLOGO? PARA QUÊ? Figura 1: Ilustrado por Luciana Messeder. Como pensar um ambiente de trabalho sem um profissional qualificado para o desempenho da função? Como imaginar um hospital sem médicos? Ou pensar uma escola sem professor? Talvez projetar uma oficina sem mecânico? Da mesma maneira é inconcebível uma instituição museológica que, segundo a definição do Estatuto Brasileiro de Museus, corresponde a todas as “instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”, funcionar sem o profissional técnico adequado e qualificado para garantir a preservação do patrimônio. Entregar a curadoria de uma coleção a um profissional desprovido do conhecimento técnico para salvaguardar os objetos, mantê-los conservados e preservados é como se submeter a uma cirurgia em um hospital sem um profissional com conhecimento técnico para efetuar este procedimento. Quem em sã consciência o faria? Até porque “curador” é uma terminologia usada para designar um profissional de diversas áreas científicas (historiador, artista plástico, antropólogo, arqueólogo, etc.), especializado em um determinado tipo de Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 65 REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL MUSEÓLOGO APÓS A CRIAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS acervo ou personalidade. Estes, entretanto, não possuem o estudo técnico para gerir e ou trabalhar na rotina funcional de uma instituição museal. No nosso país, muitos museus vivem essa realidade. Abrem suas portas, muitas vezes, com um funcionário que é responsável por tudo: limpeza, recepção, acervo, comunicação com o público, e em muitos casos, sem o preparo mínimo para o desenvolvimento dessas atividades. Não se deve desmerecer que muitos desses trabalhadores se dediquem, quase sempre, com muito afinco e demonstrem verdadeiro empenho e amor as suas tarefas diárias, muito menos desvalorizar qualquer área de conhecimento específica, mas não se pode esquecer de que lhes falta o preparo e conhecimento necessário para realizar muito mais do que essas atividades, que bravamente efetuam, para manter a instituição aberta ao público. Reconhece-se e enfatiza-se a importância das instituições que se propõem a trabalhar com o patrimônio cultural serem multidisciplinares, abrangendo em seu quadro funcional as especificidades científicas e técnicas que deem conta de explorar o potencial do acervo o máximo possível. Contudo, ainda é recorrente no nosso país considerar os museus como depósito de coisas velhas ou gabinetes de curiosidades, e isso se reflete no quadro de profissionais que trabalham nessas instituições, que em geral não são qualificados para as funções que estão ocupando, além de desmotivados e mal remunerados. Em outros casos, as políticas públicas direcionadas ao patrimônio são pouco funcionais, ineficientes ou inexistentes. Não há uma preocupação nem mesmo com a manutenção dessas instituições, muito menos com a implantação de projetos de desenvolvimento e revitalização. Há ainda outra questão que envolve a falta de interesse interna da instituição de estabelecer mudanças. De muitas maneiras, as políticas internas dificultam o avanço e a implantação do trabalho técnico por acreditar que os recursos são poucos, ou até por hábito em manter as “coisas como sempre foram”. É claro que a ideia apresentada aqui não é cerrar as portas dos museus ou centros culturais por lhes faltarem profissionais, mas sim a conscientização da necessidade da inserção de museólogos nestas instituições. Promover a contratação do museólogo ou dos serviços museológicos (ainda que por consultoria), para o funcionamento mais adequado da instituição e o tratamento mais qualificado do acervo. Os profissionais de museus devem ter uma formação universitária, técnica e profissional apropriada e beneficiar de uma formação contínua, por forma a desempenhar cabalmente o seu papel no funcionamento do museu e na protecção do património. A entidade responsável deve reconhecer a necessidade e o valor de pessoal bem formado e qualificado, facultar formação contínua e actualização de conhecimentos, para assim assegurar a competência do pessoal (ICOM, 2001, p. 7). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Elane Santos Gonçalves e Luciana Oliveira Messeder Ballardo 66 JÁ TEMOS MUSEÓLOGO, OBRIGADO! Figura 2: Ilustrado por Luciana Messeder. Hoje, os profissionais desta área (...) problematizam sobre os distintos níveis para a formação profissional, mas entendem que esta discussão deve ser construtiva e, sobretudo, têm a consciência sobre a responsabilidade que cabe a estes profissionais, no que se refere à manutenção e ampliação do espaço que estas instituições podem ocupar nas diferentes sociedades (BRUNO, 2007, p. 7). Nos últimos dez anos, nosso país tem experimentado um crescimento, tanto em reconhecimento, como em abertura no mercado de trabalho para o profissional museólogo. Nunca houve tantos concursos federais, estaduais e municipais como nessa última década. Isso fica evidente nas primeiras ações do Ministério da Cultura na gestão 2003-2006, ao propor linhas programáticas para uma política nacional voltada para o setor museológico brasileiro. Após um longo e proveitoso debate com a comunidade museológica, o Ministério da Cultura lançou, no mês de maio de 2003, as bases da política do governo federal para o setor, com a apresentação do caderno “Política Nacional de Museus – Memória e Cidadania”. O objetivo da política, disposto no documento, é “promover a valorização, a preservação e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das instituições museológicas existentes e pelo fomento à criação de novos processos de produção e Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 67 REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL MUSEÓLOGO APÓS A CRIAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS institucionalização de memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do país”. Para tanto, a Política Nacional de Museus apresentou sete eixos programáticos, que nortearam as ações desenvolvidas: Gestão e configuração do campo museológico; Democratização e acesso aos bens culturais; Formação e capacitação de recursos humanos; Informatização de museus; Modernização de infraestruturas museológicas; Financiamento e fomento para museus; Aquisição e gerenciamento de acervos museológicos. Além disso, a criação de um Instituto Nacional na área de Museus também é um forte indício de que a instituição e os profissionais da área museológica, sobretudo o museólogo, têm se destacado e adquirido importância no meio técnico, bem como, no acadêmico. Apesar desses avanços em âmbito nacional, ainda hoje existem situações que causam estranheza. A exemplo disso, o Governo do Estado da Bahia ainda realiza a contratação de profissionais da área de museologia por contrato temporário pelo Regime Especial de Direito Administrativo – REDA. Isso é ainda mais atemorizante ao se analisar que o curso de Museologia e o movimento para reconhecimento da profissão, nasceram dos esforços pioneiros no âmbito da Bahia e no Rio de Janeiro. Mesmo os profissionais que conseguem se estabelecer no quadro efetivo de Universidades Públicas, não estão assegurados quanto ao desempenho de suas atividades de competência. Ainda que existam museus nessas autarquias, alguns deles mantêm as portas fechadas para a comunidade e para seus profissionais. A quem interessa não ter os museólogos dentro das instituições museológicas? Por outro lado, a burocracia administrativa também entrava o desenvolvimento das instituições museológicas. Mesmo contando com profissionais competentes, muitos museus permanecem inertes ou com pouca representatividade na comunidade, na maioria dos casos pela visão obtusa da própria gestão, que não permite o desenvolvimento pleno das atividades que envolvem os profissionais técnicos e suas competências. Os profissionais de museu conscienciosos debatem-se entre a inércia da máquina, que não conseguem vencer, e os eventos espasmódicos que são obrigados a promover por determinação de diretores nem sempre aptos a compreender a instituição que administram, alheios que são às disciplinas científicas representadas no museu. E o resultado é que a sociedade se afasta cada vez mais do museu (SUANO, 1993, p. 95). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Elane Santos Gonçalves e Luciana Oliveira Messeder Ballardo 68 Essas palavras nunca foram tão atuais, apesar de terem sido escritas há vinte anos. A razão disso tem sido, muitas vezes, o receio de mudar, não apenas porque o novo assusta, mas porque o novo mostra que o velho ficou muito tempo exposto e desbotou-se, e que o velho, faz muito tempo não atendia as novas necessidades, e ao serem criadas novas propostas, haverá indagações de por que o velho esperou tanto. Há de se admitir que, ultimamente, as gestões nem sempre estão alheias às disciplinas apresentadas na instituição. Hoje, muitas instituições que tratam e abrigam o patrimônio muitas vezes têm sido administradas por profissionais da área, inclusive museólogos, que em alguns casos fazem e desenvolvem bons projetos e parcerias com outras entidades públicas e privadas. É digno de nota também, que mesmo o museólogo estando à frente da instituição não é garantia de uma boa administração, pois nem sempre o bom profissional em sua área é também um bom gestor. Isso se pode entender em diversos âmbitos, primeiro pela falta de habilidade, pois muitas vezes, não foi preparado para essa função, apenas ocupa o lugar, ou por indicação política ou por falta de outra pessoa qualificada para o gerenciamento. Segundo, em muitos casos, o museólogo acostumado a suas atividades técnicas e ao desenvolvimento delas, geralmente adquire uma dificuldade em delegá-las a outro técnico responsável, museólogo também, pertencente ao quadro da instituição museológica, enquanto ocupa o cargo de chefia. E por último, em virtude do hábito adquirido em muitas instituições, principalmente aquelas com histórico de desprovimento de pessoal, de apenas uma pessoa desenvolver diferentes tipos de atividades, acaba por se transformar em uma força centralizadora, criando uma necessidade de acompanhar todos os “pequenos passos” diários da instituição, acarretando não apenas no atraso das atividades a curto, a médio e longo prazo, mas também obstruindo a realização de muitos avanços técnicos e administrativos. É claro que com isso não se pretende a defesa de que as instituições museológicas sejam apenas gerenciadas por Administradores de formação, ou por qualquer outro profissional de área de pesquisa pertinente com a instituição. A discussão não é essa. Independente da formação acadêmica que o gestor tenha, o mais importante é a sua competência em administrar, é a preocupação, não com a satisfação pessoal, mas com o crescimento institucional. É a consciência de que mais do que gerir dinheiro, papéis e objetos, é importante saber administrar a produção, os recursos e, acima de tudo, pessoas. E isso Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 69 REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL MUSEÓLOGO APÓS A CRIAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS depende muito menos da sua formação que das qualidades, capacitação e experiências pessoais adquiridas durante a vida profissional. APONTAMENTOS Na contemporaneidade, os museus são compreendidos como dispositivos estratégicos de aprimoramento dos processos democráticos, de inclusão sociocultural, de educação e de desenvolvimento. Nesse contexto, a construção da política museológica, em paralelo ao processo de criação do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM e do Estatuto de Museus contribui para o fortalecimento e institucionalização do setor museal no Brasil. No entanto, as melhorias observadas na última década, no que tange as políticas museológicas, ainda estão muito longe do potencial a ser desenvolvido, para isso temos que realizar muitas transformações a fim de fortalecermos a instituição museu e demais instituições culturais junto à sociedade e as comunidades onde estão inseridos. Para tanto, é necessário fortalecer a construção de uma agenda política nacional específica para os museus, a partir dos referenciais que norteiam a atual realidade das instituições e profissionais do setor cultural, pautada nas seguintes diretrizes: Construção de uma cultura cidadã; Ampliação do diálogo intercultural; Fortalecimento da institucionalidade cultural; Crescimento da economia da cultura; Alargamento das transversalidades da cultura. Os recursos e investimentos na área de cultura e patrimônio são relevantes, mas não devemos esquecer que sem os profissionais conscienciosos para planejar e dar andamento às atividades técnicas de maneira qualificada, os resultados não serão a contento. É importante que os espaços museais tenham museólogos, ou contratem seu trabalho técnico, mais importante ainda é que os tenha atuando em suas competências sem impedimentos e barreiras, sem dificuldades e obstruções. Apenas dessa maneira ficará evidente a importância do profissional museólogo nas instituições de cunho museal. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Elane Santos Gonçalves e Luciana Oliveira Messeder Ballardo 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRUNO, Cristina. Museus e Patrimônio Universal. V Encontro do ICOM BRASIL. Fórum dos Museus de Pernambuco. Recife, maio de 2007. IBRAM. Guia dos Museus Brasileiros / Instituto Brasileiro de Museus, 2011. IBRAM. Plano Nacional Setorial de Museus – 2010-2020 / MINC/IBRAM, 2010. IBRAM. Museus em Número, volumes I e II / MINC/IBRAM, 2011. ICOM/UNESCO. Código Deontológico para os Museus. Buenos Aires: International Council of Museums, 1986/Barcelona: International Council of Museums, 2001. IPAC/BAHIA. Museus da Bahia: Identidade e Territórios / SECULT/IPAC/DIMUS, 2012. IPHAN. POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS: Programa de Formação e Capacitação em Museologia – Eixo 3 / Ministério da Cultura do Brasil, IPHAN/DEMU, 2005. SUANO, Marlene. A situação atual dos museus: carências e perspectivas. In: O que é museu. Editora brasiliense. São Paulo, 1993. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE QUARAÍ/R.S. Lucio Lemes* Bruno Gato da Silva** RESUMO Neste artigo, são apresentados os dados referentes aos termos físicos como a geologia, a pedologia, a geomorfologia, como também as características vegetacionais da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Também apresentamos os sítios arqueológicos encontrados na área de nossa pesquisa. Para tanto, foi utilizado o Modelo Locacional de Milder (2000), ou seja, através de um modelo preditivo, de antemão, sabe-se o tipo de sítio a ser encontrado. Para tanto, usamos as prerrogativas do fator geo como referência fundamental e indispensável para a pesquisa arqueológica. Palavras chaves: Arqueologia, Dados físicos, Fronteira. ABSTRACT In this text, we present data concerning physical terms as geology, pedology, geomorphology, as well as the characteristics of the vegetation of the western border of Rio Grande do Sul. We also present the archaeological sites found in the area of our research. For this, we used the Locational Model of Milder (2000), through a predictive model, beforehand, we know the type of site to be found, therefore, use the prerogatives of geo factor as a fundamental reference and indispensable for archaeological research. Key-words: Archaeology, Physical Data, Border. O intuito deste artigo é apresentar de uma maneira panorâmica, a paisagem regional do sudoeste do Rio Grande do Sul e, especificamente a microrregião de Quaraí, onde está inserido o sítio do Complexo Areal, objeto deste trabalho. Para isso, utilizaremos uma ampla * Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Mestre em Arqueologia Pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP). ** Acadêmico do 7º semestre do curso de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 72 gama de produção bibliográfica a fim de caracterizar a geologia, a geomorfologia, os recursos hídricos e o grande problema da região que seriam as áreas arenosas desprovidas de vegetação. Quanto à localização regional, o sudoeste do Rio Grande do Sul está mais precisamente entre as latitudes de 29° 00’S e as longitudes de 54° 30 WGr e 58° 45’ WGr. Ainda podemos orientar a região desde o rio Ibicuí, ao norte, até o rio Quaraí, ao sul (fronteira com o Uruguai). Temos a leste o meridiano 54° 30 WGr e a oeste a calha do rio Uruguai (fronteira com a Argentina). Cuesta do Haedo Quaraí. Figura 3. Localização da área pesquisada. A VEGETAÇÃO Milder (2000) afirma que o levantamento da vegetação - realizado pelo Projeto Radam-Brasil (1982) -, vem sofrendo constantes modificações que não chegaram a ser divulgadas amplamente. Mesmo assim, é o melhor levantamento realizado sobre a região em Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 73 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. estudo e para tanto, utilizaremos as referências de sua tese de doutoramento como orientação para a dissertação. A vegetação pleisto-holocênica ainda é uma incógnita para o sudoeste, pode-se dizer que as formas apresentadas seguem hipoteticamente o que salienta Bombin (1976), ou seja, algumas são formas relictuais e que, presentemente, encontram-se em expansão ou retomando nichos roubados pela lavoura mecanizada extensiva (Milder 2000). Milder (2000) acredita que, levando-se em conta a fauna extinta que habitou a região, podem-se considerar as presentes formações com a devida capacidade de suporte para a biomassa pleistocênica. A denominação Estepe foi inicialmente aplicada para definir a vegetação da Zona Holártica, submetida a dois períodos de estacionalidade fisiológica distintos: um provocado pelo frio e outro provocado pela seca. No projeto Radam - Brasil (1982), a vegetação da Campanha foi considerada como homóloga da Estepe dos climas temperados, em função dos parâmetros ecológicos fundamentais. No território sul-brasileiro, a estepe está submetida a um clima de dupla estacionalidade, provocado por um período frio, o inverno, alternado por um período subúmido e quente, o verão. Os terrenos ocupados são os de topografia aplainada, provenientes do derrame basáltico (Juracretáceo no Planalto da Campanha e de sedimentos permianos e triássicos na Depressão do Rio Ibicuí - Rio Negro). Os solos são eutróficos, geralmente cálcicos e, às vezes solódicos, o que é reflexo de um clima pretérito mais frio e árido. Em relação à vegetação campestre da estepe, é caracterizada essencialmente por gramíneos cespitosas (hemicriptófitas) dos gêneros Stipa e Agrostis, gramíneos rizomatosas (geófita) dos gêneros Paspalum e Axonopus, raros gramíneos anuais e oxalidáceas (terófitas), além de leguminosas e compostas (caméfitas). As fanerófitas são representadas por espécies espinhosas e decíduas dos gêneros Acácia, Prosopis, Acanthosyris e outros. Milder (2000) acredita que a estepe reveste terrenos de topografia aplainada e suavemente ondulada, em cotas altimétricas, variando de 50 a 300 m. Quanto ao clima, caracteriza-se por apresentar um período frio com temperaturas médias inferiores a 15ºC, com duração superior a 90 dias, durante os meses de junho, julho e agosto. Neste período, são frequentes as formações de geadas e a penetração de frentes polares com ventos gelados de velocidade moderada (Minuano). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 74 A alternância de períodos quentes e frios, acompanhada de sensíveis variações da pressão atmosférica, confere a estas áreas uma característica climática própria, abrigando massas de ar quente ou frio, independentemente da dinâmica climática zonal. Este fenômeno é observado devido à presença de barreiras montanhosas a norte e a leste, protegendo esta depressão (Campanha Gaúcha) contra a invasão de massas de ar tropicais marítimas e equatoriais. A estepe ocupa, no Planalto da Campanha, solos Litólicos, eutróficos, formados a partir de derrames basálticos do Juracretáceo. Na planície aluvial do rio Uruguai e na Depressão do Rio Ibicuí-Rio Negro, os solos são eutróficos, às vezes cálcicos, pouco profundos, de coloração escura, oriundos de sedimentos quaternários e de rochas sedimentares atribuídas aos períodos Triássico e Permiano, respectivamente. Milder (2000) fala de um ressecamento fisiológico das plantas durante os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, sintoma observado em toda a Região da Estepe. No Planalto da Campanha, nas áreas de solos rasos com presença de afloramentos rochosos, observa-se o início do murchamento da vegetação campestre, mesmo em curtos períodos com ausência de precipitações. Isto se deve à baixa capacidade de retenção de água do solo, dada a pequena profundidade do sistema radicular da vegetação graminosa. ESTEPE PARQUE Representada exclusivamente pela subformação sem floresta de galeria, a Estepe Parque apresenta uma fisionomia clássica de parque, com dois estratos vegetativos distintos: um gramíneo-lenhoso denso e outro arbóreo aberto homogêneo. O estrato gramíneo-lenhoso é formado por gramíneas rizomatosas (geófitas) e cespitosas (hemicriptófitas), com predomínio das espécies Paspalum notatum (gramaforquilha), Axonopus fissifolius (grama-jesuíta), Andropogon lateralis (capim-caninha), Stipa spp. (flechilhas), além de outras. De forma dispersa entre o tapete graminoso, ocorrem representantes das famílias das oxalidáceas e umbelíferas (terófitas), além de verbenáceas, compostas e leguminosas anãs (caméfitas). O estrato arbóreo, com dossel uniforme, é formado quase que exclusivamente pela associação de Prosopis algarobilla (algarrobo) e acácia farnesiana (espinilho, inhanduvá ou nhanduvaí), às vezes com acentuado predomínio da primeira, mas limitada apenas ao vértice do ângulo extremo do sudoeste (Barra do acácia), enquanto a acácia farnesiana possui Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 75 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. dispersão mais ampla. Estas espécies arbóreas, formadoras do Parque, são espinhosas e caducifólias, apresentando um espaçamento regular. O algarrobo apresenta tronco bem definido, mas levemente tortuoso, com casca revestida de súber grosso. O espinilho é um arbusto de 4-6 m de altura, com tronco tortuoso, ramos retorcidos e aculeados. No parque do Espinilho, ocorre a Aspidosperma quebracho-blanco. ESTEPE GRAMÍNEO-LENHOSA (CAMPANHA) A formação gramíneo-lenhosa representa a quase totalidade da região da Estepe no RS. A introdução da pecuária extensiva, a pressão exercida pelo gado e queimadas periódicas têm gerado alterações na estrutura original da vegetação campestre. As gramíneas rizomatosas (geófitas) com adaptações contra o fogo e resistência ao pisoteio do gado, tiveram sua frequência sensivelmente diminuídas. Nos locais de relevo aplainado com drenagem lenta e nas áreas submersas com intensa lotação de gado, predominam as gramíneas rizomatosas (geófitas), principalmente o gênero Paspalum e Axonopus, que formam um tapete graminoso baixo e denso. Nas áreas de relevo suavemente ondulado (coxilhas) não submetidas a um pastoreio excessivo, a cobertura campestre apresenta uma composição florística mais diversificada, ocorrendo ali dois estratos graminosos distintos: um baixo e denso e outro alto e aberto. No Planalto da Campanha, revestindo os pequenos afloramentos de arenito, dominam gramíneas do gênero Aristida, com destaque para a espécie Aristida pallens (barba de bode). Esta espécie tem preferência por ambientes secos e solos degradados. Na Depressão do Rio Ibicuí-Rio Negro, a espécie Erianthus clandestinus (macega-estaladeira) reveste os terrenos úmidos das baixadas até as meias encostas das coxilhas. As compostas têm pequena representatividade na composição florística das formações estépicas, exceção feita às espécies Eupatorium pinnatifidum (chirca) e Baccharis coridifólia (mio-mio). ESTEPE GRAMÍNEO-LENHOSA COM FLORESTA-DE-GALERIA Foram identificadas quatro pequenas áreas correspondentes à subformação com floresta-de-galeria, totalizando uma superfície de 908 km2. Estas áreas estão distribuídas ao longo dos divisores de água, entre os rios Negro, Ibicuí e Quaraí, em relevos ondulados. Esta VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 76 subformação apresenta, além do tapete gramíneo-lenhoso, a rede de drenagem flanqueada por galerias arbóreas. Ao longo das drenagens que apresentam deposições recentes (terraços), periodicamente inundáveis, as galerias arbóreas são descontínuas e abertas, formadas por Erythrina cristagalli (corticeiras), Sebastiania klostzschiana (branquilho), Sebastiana schottiana (sarandi), Salix humboldtiana (salgueiro), Pouteria salicifolia (mata-olho-branco), dentre outras. Acompanhando os cursos de água encaixados, sem deposições recentes, ocorrem fanerófitas xerófitas, características da Estepe, destacando-se Acacia farnesiana (espinilho), Gleditschia amorphoides (coronda), Acanthosyris spinescens (sombra-de-touro), Ruprechtia laxiflora (farinha-seca), Acacia bonariensis (unha-de-gato), Patagonula americana (guajuvira), Luehea divaricata (Açoita-cavalo) e outras. Na região da estepe, o espinilho (Acacia farnesiana) e a cina-cina (Parkinsonia aculeata). CLIMA De acordo com Milder (2000), o clima da região, segundo a classificação de Thornthwaite, é D2q com variável D1q, a primeira no vértice da confluência do rio Quaraí com o Uruguai, e a segunda no vértice do triângulo formado pela confluência do rio Ibirapuitã com o Ibicuí. São estes dois climas considerados úmidos a subúmidos (Oliveira & Ribeiro: 1986). As precipitações são de boa média para a região, média anual com pouca oscilação, com valores entre 1.400 a 1.500 mm anuais. A QUESTÃO GEOLÓGICA Segundo Suertegaray (1998), foi possível identificar, além das formações já conhecidas (Botucatu e Serra Geral), duas outras unidades que podem ser identificadas como: Unidade A: a uma cota de 120 m, em alguns pontos de observação, esta unidade caracteriza-se por apresentar uma coloração avermelhada, recobrindo por vezes topos de colinas e fundos de vales. Constitui-se, pelo levantamento feito, numa unidade fluvial, cuja sequência se expressa pelo contato erosivo nítido com a formação subjacente (Botucatu), seguido de um conglomerado basal com seixos mal classificados e angulosos, envoltos em matriz arenosa, cuja espessura é de 20 cm em média. Sobrepõe-se a este conglomerado um arenito com estratificação cruzada, indicando correntes em canais. A espessura desta camada é de 2,5 m. Finalmente, recobre esta camada uma outra, areno-argilosa, com estratificação paralela pouco pronunciada e espessura de 3 m. O recobrimento mais superficial, que corresponde ao solo, é de cor avermelhada, pouco espesso, sustentando uma cobertura de gramíneas (Suertegary, 1998, p. 43). Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 77 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. I II III IV V Figura 4. Estratigrafia local. Fonte: Suertegaray (1998) e modificada por Lemes (2008). A camada I é formada por solo com cobertura de gramíneas; a camada II é arenito com estratificação paralela; a camada III é arenito com estratificação cruzada; a camada IV é conglomerado basal e a camada V é constituída por arenito Botucatu. A sequência deposicional descrita indica uma variação ambiental, onde nada mais é do que a passagem de um depósito tipicamente fluvial para um depósito de águas calmas. Essa evidência fluvial também é registrada na existência de canais norte-sul. Esses canais que cortam a formação Botucatu indicam retrabalhamento por rebaixamento do nível de uma base local. Através desse processo, a tendência à erosão nesses sedimentos promove a formação de ravinas (sulcos da erosão) que seguem linhas de fraturas, sendo mais intensas nos depósitos mais superficiais. Então, por todas as características já mencionadas, a unidade A é, provavelmente, pleistocênica. Unidade B: esta unidade encontra-se bem representada na altura do Km 20, entre Quaraí e Livramento a uma altitude de 160 m. Caracteriza-se pela ocorrência de depósitos de arenitos pouco consolidados (...) indicando um ambiente de deposição eólica. A espessura desses depósitos é variável. Tudo parece indicar que constituem de depósitos dunários, mais recentes que a unidade anterior (...) a unidade B seja de formação holocênica, constituída provavelmente sob clima seco (...). A presença desses depósitos em diferentes altitudes fortalece a ideia de depósitos eólicos (Suertegary, 1998, p. 44). Segundo Suertegary (1998), os depósitos desta unidade constituem-se de arenito fino a médio, com estruturas acanaladas cruzadas e planas. Praticamente não possuem argila e são frágeis, o que facilita a sua desintegração. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 78 Observamos, portanto, para a região, a seguinte distribuição: arenito de formação Botucatu ocupando áreas mais rebaixadas com cotas entre 100 e 120 m. Depósitos Dunário Foto 1. Exemplo do arenito Botucatu. Foto acervo Lepa/2005. Na formação Serra Geral, o que predomina é o basalto, que aparece em altitudes superiores a 150 m. Esta formação baliza as chamadas janelas de arenito. Em suma, podemos perceber que a Unidade A é constituída de depósitos fluviais que se sobrepõem diretamente ao Botucatu, enquanto a Unidade B é formada por arenitos eólicos e também se encontra a presença de depósitos aluviais. A GEOMORFOLOGIA DA REGIÃO Para uma melhor compreensão da região e para fins deste trabalho, nós optamos pela classificação geomorfológica de Muller (1970), em que o autor individualiza cinco unidades geomorfológicas para o Rio Grande do Sul, a saber: o Escudo, a Depressão Periférica, o Planalto Basáltico, a Cuesta Do Haedo e a Planície Litorânea. Podemos dizer que esta opção tem a intenção de individualizar a Cuesta do Haedo como unidade regional baseada nas Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 79 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. diferenças altimétricas estruturais e de drenagem, o que permite detectar uma configuração própria para a região sudoeste do Rio Grande do Sul. A CUESTA DO HAEDO Segundo Muller (1970), esta região está delimitada ao norte pelo rio Ibicuí e ao sul, já no Uruguai, pelo rio Negro. Estruturalmente, caracteriza-se por constituir um relevo homoclinal dissimétrico com front voltado para leste, cujo reverso suave cai em direção ao Uruguai. Segundo Suertegaray (1998), geologicamente, esta unidade integra-se à província arenito-basáltica com litologias dispostas em sequência, tendo o basalto, nesta região, pouca espessura. Regionalmente, suas feições atuais estão representadas pelas coxilhas do Haedo (Uruguai), Negra, da Cruz e do Caverá, todas localizadas em território brasileiro. Conforme Suertegaray (1998), nestas coxilhas, as altitudes estão em torno de 400 m e, a oeste, diminui progressivamente, chegando na calha do rio Quaraí a 80-100 m. Já ao norte, o rio Ibicuí entalha um percée que constitui-se no elemento individualizador desta unidade para o resto do estado. Podemos acreditar, então, que a Cuesta do Haedo, conforme já argumentado, corresponde a uma sequência homoclinal, caracterizada e sustentada pelas litologias representativas das formações Botucatu e Serra Geral. Segundo Carraro et all (1974), a primeira data do Mesozóico para estas formações era constituída de arenitos feldspáticos finos e médios, grãos subangulares e arredondados, foscos, com estratificação eólica típica, cores rosa e vermelho. Segundo Suertegaray (1998), esta formação corresponde aos depósitos de dunas do paleo deserto do Botucatu e os afloramentos destes depósitos são observados no talus da Cuesta, bem como em algumas áreas do reverso. A formação Serra Geral está representada pelos seus componentes básicos (basalto), que decorrem dos sucessivos derrames de lavas que originaram, no Jurocretáceo, o capeamento basáltico da Bacia do Paraná. Podemos afirmar que, regionalmente, a sequência estratigráfica é: sedimentos paleozóicos recobertos pelos sedimentos mesozóicos (Triássico) e arenitos da formação Botucatu. De acordo com Suertegaray (1998), todos VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 80 estes sedimentos são capeados pelas eruptivas da Serra Geral e são recobertos por sedimentos mais recentes (Cenozóicos). Desta maneira, é a formação Serra Geral que capeia o reverso da Cuesta do Haedo, ocorrendo, nesta região, afloramentos de formação Botucatu, ou como Suertegaray (1998) nomeou de janelas de Botucatu. De acordo com Ab’Saber (1969), a unidade Cuesta do Haedo está associada a uma das grandes fases de aplainamento chamada de Superfície do Cerro da Cadeia, onde as altitudes tem em média 300 m. Segundo Ab’Saber (1969) esta superfície formou o antigo espaço da atual Depressão Periférica e este plano elaborou o atual relevo da região da campanha. É a partir desta superfície que se compreende a fixação do rio Ibicuí para oeste, o que, consequentemente, iniciou seu entalhamento e obrigou seus afluentes a se expandir durante a fase epirogênica que soergueu o conjunto. Foto 2. Típica paisagem da campanha gaúcha. Foto: acervo Lepa/2005. Como Suertegaray (1998) afirma, a Cuesta do Haedo estaria associada a um conjunto homoclinal aplainado pela superfície da cadeia. Seguindo-se a esta fase, há uma nova fase de aplainamento (ou pediplanação) neogênica, que deu origem a superfície da campanha, cuja altitude oscila entre 200 a 140 m. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 81 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Portanto, nestas superfícies da campanha existem testemunhos no reverso mais interiorizado e estes criam, conforme Ab’Saber (1969), um panorama indelével, pois são eles que, a despeito do retrabalhamento por processos morfoclimáticos quaternários, dão ao observador postado no alto da coxilhas uma sensação de horizontes estirados e infindos. A REMOBILIZAÇÃO DOS SOLOS ARENOSOS Conforme Milder (2000), o recobrimento eólico constitui formações superficiais eolicamente trabalhadas e, atualmente, reativadas ou ativas em consequência da atuação dos processos naturais e das atividades antrópicas desenvolvidas nesta área. Foto 3. Exemplo da remobilização (sítio do Areal). Foto: acervo Lepa/2005. De acordo com Milder (2000), os problemas do recobrimento eólico estão circunscritos a Regiões Geomorfológicas, Planícies Costeira Externa e Interna e Planalto da Campanha, relacionados à ocorrência de litologias e sedimentos arenosos remobilizados pelos ventos. As areias remobilizadas são de origem eólica, de antigos desertos mesozóicos (Formação Botucatu), talvez remanejados e estabilizados durante o Cenozóico, e de campos de dunas e planícies eólicas quaternárias fito e pedoestabilizadas ou ativas. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 82 Na região Geomorfológica Planalto da Campanha, a reativação se dá, inicialmente, sobre depósitos eólicos, cujas areias têm sua origem nos arenitos da Formação Botucatu. Milder (2000) afirma que a remobilização pelos ventos se faz, atualmente, a partir das áreas lavradas, caminhos e estradas sem revestimento e das praias e bancos de areias nos rios. Em relação aos problemas de origem agrícola, o repouso dos terrenos degradados levará, naturalmente, à estabilização das areias pela ação da vegetação e dos processos pedogenéticos. Podemos fazer uma síntese da área, de acordo com Souto (1984), que define a formação Botucatu e os aspectos geomorfológicos da região como: → planície fluvial, são designadas aquelas áreas formadas por depósitos deixados pelos rios; → ocupam este ambiente solos característicos ligados ao hidromorfismo; → coxilhas são elevações arredondadas e de pequena altitudes; → as coxilhas tabulares caracterizam-se por topos achatados na derivação sudoeste; → a superfície aplainada inferior é constituída por áreas planas, ou suavemente onduladas provenientes do desgaste geológico da região; → o relevo escalonado traz superfícies provenientes da erosão diferencial nos diversos derrames basálticos. UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO NO MEIO DE UM “DESERTO” Antes de mais nada, é importante esclarecer que os areais da região por nós estudados têm sido frequentemente denominados de “desertos”, e o processo que lhes permite a expansão, de “desertificação”. Neste sentido, a professora Dra. da UFRGS Dirce Suertegaray define estes conceitos mais precisamente em sua tese de doutorado realizada na Universidade de São Paulo sob o título “A trajetória da Natureza. Um estudo geomorfológico sobre os areais de Quarai”, defendida em 1987. Outra referência, também da pesquisadora, por nós utilizada, será seu livro “Deserto Grande do Sul: controvérsias”, publicado em 1998. Conforme Suertegaray (1998), a palavra desertificação é usada para descrever a degradação de vários tipos de formas de vegetação, incluindo as áreas de florestas subúmidas e úmidas que nada têm a ver com desertos, sejam físicos ou biológicos. Corresponde, Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 83 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. portanto, conforme a autora, a um processo antrópico, contrário àquele definido como desertização, onde as extensões da paisagem e formas tipicamente desérticas, de áreas onde isto não ocorria em passado recente. Tal processo está nas margens dos desertos sob médias anuais entre 50 a 300 mm de precipitação. Então, conforme Suertegaray (1998), deserto pode ser entendido sob o ângulo climático, o que, consequentemente, equivaleria à carência de água doce no sistema natural, cuja medida far-se-ia através do estudo comparativo entre precipitação e evaporação. Assim feito, podemos afirmar que a concepção deserto/desertificação, do ponto de vista climático no Rio Grande do Sul, não correspondem a áreas desérticas. Nestas áreas, segundo Suertegaray (1998), embora a vegetação seja estépica, as condições pluviométricas são de elevada umidade (1500 mm). Já a vegetação estépica pode ser assim explicada por Ab’Saber (1971), onde “o Cretáceo Inferior comportou grandes desertos no país (deserto do Botucatu); daí para a frente, porém, houve uma sensível atenuação da aridez”. Isto deu origem, consequentemente, a uma vegetação subdesértica onde: ... a maior parte das coxilhas gaúchas do Uruguai e Rio Grande do Sul estiveram sob a ação de climas secos e parcialmente invadidos por formações xerófilas, com cactáceas. A esse tempo, na área atual das pradarias mistas do Rio Grande do Sul, não existiam florestas de galerias subtropicais. (Ab’Saber, 1977, p.16) No entanto, Milder (2000) questiona a acentuação da aridez da região devido à existência da biota Lujanense na área. Segundo Milder (2000), visualizar aridez para a região não revelaria um absurdo, porém, inferir aridez e eliminação da vegetação é negar a farta documentação existente, pois existem áreas áridas com vegetação ecologicamente adaptada. Milder (2000) buscará subsídios em diversos pesquisadores que encontram, em suas pesquisas de campo, vegetais carbonizados em depósitos no sul do Brasil e que as datas recuem entre 19.000 e 11.000. Poderíamos dizer que as matas de galeria não desapareceram e que as condições ambientais permitiram que estas formações vegetais se abrigassem nos planos aluviais dos cursos de água da região, de acordo com a especificidade e ecologia de cada uma, e quando da ocorrência de câmbios climáticos drásticos Klein (1975) fala sobre possíveis migrações durante estes períodos. Em suma, podemos dizer que a proposta de condições de semi-aridez generalizada para o final do Pleistoceno do Rio Grande do Sul tem sido sistematicamente refutada e nova propostas, como as de Lorscheitter & Romero (1985), Oliveira (1992) e para o Brasil Central Ledru (1993), que falam em clima úmido e frio, têm lançado novas luzes ao conhecimento do clima e ambiente do passado. (Mider, 1994A, p. 54) No entanto, mesmo frente à ocorrência ou não da semi-aridez, as características pluviométricas afastam qualquer possibilidade de desertificação para as áreas com presença VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 84 de areia, pois tais áreas não têm tendência do clima para o ressecamento. Assim, assumiremos a compreensão deste processo enquanto fenômeno de ordem natural e social. Logo abaixo, descreveremos como os grupos de caçadores coletores ocuparam este ambiente descrito acima e quais foram as suas escolhas para melhor explorar os aspectos geológicos e geomorfológicos da região. Para tanto, utilizamos as técnicas do fator geo como um grande auxílio para definir as prerrogativas ambientais. O CONTEXTO REGIONAL: O RINCÃO DO INFERNO E O SÍTIO DO AREAL A seguir, delimitaremos o espaço de nossa pesquisa. Então definimos o Rincão do Inferno, (onde o sítio do Areal está situado) por ser uma região próxima ao rio Ibirapuitã e o arroio Paipasso em Quaraí - RS. Essa área nunca foi objeto de pesquisa arqueológica e um dos fatores que contribuíram para o seu não aproveitamento foi o difícil acesso, o isolamento e os projetos que metodologicamente só prospectavam os grandes rios. A região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul foi foco de pesquisas arqueológicas desde os anos 40. Posteriormente, essa região foi incorporada ao mapa arqueológico do Rio Grande pelo PRONAPA (1965-1970) e, posteriormente, pelo PROPA (1972-1978). Os sítios de caçadores coletores mais antigos não foram atingidos pelas várias incursões feitas em campo, muito embora sejam sítios importantes no contexto platino. A metodologia aplicada pelos arqueólogos vinculados ao PROPA e PRONAPA não reconheciam a interdisciplinaridade inerente à ciência arqueológica, refutando, em parte ou totalmente, o fator geo, que seria a interface entre as ciências da terra e as humanas. No Brasil, todavia, a situação é bem diferente: há pouco o que dizer sobre o estado d' arte das linhas de pesquisas arqueológicas que trabalham com o fator geo - Geoarqueologia e Arqueologia da Paisagem - no país (Morais: 1999). O estudo da Paisagem, como construção social, implica dimensões econômicas e territoriais, tanto quanto seu simbólico. Um tópico principal em tais estudos é reconstruir os modos como os espaços naturais e sociais foram manipulados pelas sociedades passadas. A Arqueologia da paisagem enfoca ambos na interação entre as pessoas e os ambientes deles/delas, como também os modos sociais complexos que as pessoas amoldam os mundos nos quais eles moram. Da mesma forma, explora como a paisagem foi usada como uma metáfora e uma fonte de imagem para a falsificação de identidades culturais, ideológicas e étnicas, ambos no passado distante e no presente. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 85 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Portanto, o presente estudo objetivou estabelecer uma organização territorial tendo como delimitação às pequenas bacias hidrográficas da área escolhida. RESULTADOS DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DOS CAÇADORES COLETORES DA REGIÃO OESTE DO RIO GRANDE DO SUL A abordagem para a localização dos sítios denomina-se Análise de Padrão Locacional com base em UNDR (unidade natural de design do relevo), ou seja, através de um modelo preditivo, de antemão, sabe-se o tipo de sítio a ser encontrado. Essa metodologia foi desenvolvida por Morais (1999) para o Estado de São Paulo, com utilização ampla nos projetos de Salvamento Arqueológico do Rio Paranapanema. Essa mesma metodologia foi adaptada para o Rio Grande do Sul, por Milder (2000), porém, com testes anteriores no Salvamento da UTEU-Uruguaiana, UHEDF - Agudo e projetos acadêmicos. Os parâmetros do modelo locacional que permitem o mapeamento das áreas potencialmente favoráveis ao encontro de sítios arqueológicos, foram fixados a partir de algumas situações de ordem universal, relativas aos padrões de estabelecimento, corroborados por várias situações locais e regionais (Morais: 1999). Reforçam, igualmente, um esquema preditivo a subsidiar o encaminhamento das etapas de reconhecimento geral e de levantamento arqueológico. A definição inicial dos parâmetros do modelo locacional é de grande valia nos processos de levantamento de sítios arqueológicos pré-coloniais, porém, requer uma releitura e reavaliação para que, oportunamente, possam ser incorporadas situações outras relativas ao período de pós-conquista europeia, quando as ordens econômica e social das comunidades indígenas foram bruscamente alteradas. Até o presente estágio da investigação arqueológica, foram definidos os seguintes parâmetros locacionais – compartimentos e ocorrências topomorfológicas – de assentamentos pré-coloniais que subsidiam um modelo preditivo. Esses compartimentos foram adaptados para o RS e denominados como Unidades Naturais de Design do Relevo – UNDR, por Milder (2000). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 86 LIGADOS À FUNÇÃO MORAR (Parâmetros retirados de Morais, 1999). Terraços fluviais: acumulações fluviais com superfícies planas, levemente inclinadas, com diferentes graus de retrabalhamento, alçadas por ruptura de declive em alguns metros com relação ao nível da lâmina da água ou às várzeas recentes, suficientemente extensos para terem suportado, no passado, assentamentos de grupos indígenas (mais frequentemente, caçadores-coletores e, excepcionalmente, horticultores) (Morais: 1999). Topos de interflúvios: lineamentos (espigões) que separam bacias hidrográficas. Existem registros de sítios arqueológicos em alguns trechos mais rebaixados (colos) desses divisores de águas, confirmando serem locais de passagem entre ambientes localmente distintos, envolvendo diferentes bacias hidrográficas. LIGADOS À FUNÇÃO EXTRATIVA Cascalheiras: depósitos de seixos rolados, compondo litologias homogêneas ou diversificadas, acumuladas nos leitos ou nas margens, com elementos de porte utilizável no processo de lascamento para a obtenção de artefatos de pedra lascada. Inclui rochas e minerais de boa fratura conchoidal para o talhe, debitage e retoque ou de dureza suficiente para a percussão (Morais 1999). Diques clásticos: estruturas intrapianas resultantes do depósito de areia fina, provavelmente empapadas de água, nas fissuras da lava vulcânica (rocha basáltica), em fase de resfriamento, na Era Mesozóica. No passado, os diques de arenito silicificado, de excelente fratura conchoidal atraíram grupos de caçadores-coletores que os utilizavam como fonte de matériaprima para o processamento de instrumentos líticos (Morais: 1999). SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EVINDENCIADOS A LOCACIONAL DETERMINADO POR MILDER (2000) PARTIR Sítios em topo de interflúvio Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio DO MODELO 87 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Situa-se no alto de espigões grandes ou pequenos, preferencialmente inseridos no contexto de rebaixamentos verificados em alguns pontos dos divisores de água, denominados colos. Geralmente não há nenhum outro atrativo para o assentamento, exceto a própria situação topomorfológica. A matéria-prima da indústria lítica está inserida no próprio topo, bem como o barro bom para a produção de artefatos de cerâmica. Os processos erosivos no micro-ambiente local superam os deposicionais, acentuando a dispersão das estruturas arqueológicas (Morais 1999). Foto 4. Sítio: 001; Altitude: 316m; UNDR: Topo de interflúvio; UTM: 21J0623671 6594776. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva . Foto 5. Sítio:002; Altitude: 223m; UNDR: Topo de interflúvio ; UTM: 21J0600186 6613298. . Foto 6. Sítio: 006; Altitude: 239m; UNDR:Topo de interflúvio (presença de arenito); UTM: 0566797 6639154. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 88 89 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Foto 7. Sítio: 008; Altitude:248m; UNDR: Topo de interflúvio (afloramento de basalto) preparo/mineração de calcedônia; UTM: 0575912 6643885. Sítios em Terraços Fluviais Associado a afloramentos do substrato basáltico rico em diques clásticos ou cascalheiras marginais, alçado entre, aproximadamente, 2 e 15 m sobre a referência de nível local (que pode ser um córrego ou um rio). O enterramento das estruturas antropogênicas deuse por coluviamento e, principalmente, pelo depósito de aluviões, durante cheias excepcionais. Eventualmente, diques marginais da várzea inferior provocam o aparecimento de brejos alongados, acompanhando o sentido da corrente. Principalmente verifica-se a presença de cascalheiras de litologia diversificada e de bancos de argila, onde se desenvolveram atividades mineratórias; outra fonte de matéria-prima lítica são diques de arenito silicificado, encaixados em grandes matações ou nos afloramentos basálticos circundantes. Via de regra, são detectadas camadas arqueológicas em sequência estratigráfica desde os caçadores-coletores antigos, até as ocupações indígenas coloniais, passando por horticultores pré-históricos (Morais 1999). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva Foto 8. Sítio 007; Altitude: 260m; UNDR: Terraço fluvial (nascente anfiteatro); UTM: 0573427 6643065. Foto 9. Sítio: 009; Altitude: 194m; UNDR: Terraço fluvial; UTM: 0599208 6647256. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 90 91 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Foto 10. Sítio: 011; Altitude: 304m; UNDR:Terraço fluvial (nascente); UTM: 0612153 6608601. Foto 11. Sítio: 012; Altitude: 134m; UNDR:Terraço fluvial; UTM: 0575665 6619743. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva Foto 12. Sítio: 013; Altitude: 147m; UNDR: Terraço fluvial; UTM: 0576353 6621171. Foto 13. Sítio: 016; Altitude: 181m; UNDR: terraço fluvial; UTM: 0572436 6640223. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 92 93 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Cabeceiras de nascentes Planos de declive em anfiteatro, geralmente moldados por erosão remontante, que enquadram nichos de nascentes mananciais. No passado, suportaram, com grande frequência, assentamentos de caçadores-coletores pré-coloniais (Morais 1999). Foto 14. Sítio: 014; Altitude: 181m; UNDR: Nascente, afloramento de arenito; UTM: 0578769 6624450. Pavimentos detríticos Depósitos de materiais bons para o lascamento, de granulometria variada, resultantes do intemperismo mecânico, dispostos em vertentes ou acumulados nas partes basais de declives, na forma de depósitos rudáceos, com elementos utilizáveis no processo de lascamento para a obtenção de artefatos de pedra. Inclui rochas e minerais de boa fratura conchoidal para a debitage e o retoque (Morais 1999). VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva Foto 15. ; Sítio 015; Altitude: 224m; UNDR: Afloramento arenítico; UTM: 0578410 6636060. Foto 16. Sítio: 018; Altitude: 255m; UNDR: afloramento basáltico (com presença de calcedônia); UTM: 0571523 6641900. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 94 95 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Sítio em Cascalheira Neste caso, o sítio arqueológico do tipo “atelier” insere-se em depósitos de cascalheiras com litologia diversificada. Extratos antropogênicos são confusos, em face da hidrodinâmica fluvial. Apesar disso, as cascalheiras constituem um importante marco para a delimitação de territórios de captação de recursos minerais ligados ao processamento da matéria-prima lítica (Morais 1999). Foto 17. Sítio: 003; Altitude: 172m; UNDR: Afloramento/cascalheira; UTM: 21J 0589750 6617295. Arenito Remobilizado Esse arenito se apresenta muito bem silicificado ou metamorfizado quando em contato com o basalto. Em algumas áreas, porém, onde a silicificação foi pobre, esses arenitos cobrem grandes extensões que, atualmente, sofrem o processo de arenização. A remobilização eólica das areias decapa áreas imensas onde aparecem os sítios arqueológicos. Os sítios encontram-se sempre limitados por encostas de arenito Botucatu e nunca estão ausentes as vertentes e drenagens que possibilitavam a mata ciliar, águas, peixes e caça. A matéria-prima para os lascamentos é proveniente de seixos e blocos, que formam verdadeiros pavimentos próximos aos sítios. (Milder; 2000 pg.143) VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 96 Algumas variáveis podem ser consideradas para a localização destes sítios: Encostas ou morros testemunho; Mata ciliar (pretérita); Pavimentos com seixos; Identificação de paleopedonsg Foto 18. Sítio: 004 – Areal-1; Altitude: 183m; UNDR: Paleopedon (áreas arenizadas); UTM: 0573113 6629866. Devido à grande quantidade de material e de sítios nesta área, decidimos realizar mais uma campanha de campo na região. Esta nova pesquisa realizou-se no mês de fevereiro de 2003 e teve todas as suas atividades coordenadas pela professora da USP Dra. Marisa Coutinho Afonso. Então, como resultados desta pesquisa de campo, temos diversas concentrações de materiais arqueológicos, assim como o mapeamento de recursos (matériasprimas) necessários para o sistema de assentamento de um grupo caçador-coletor. A metodologia tomada em campo foi a seguinte: cada concentração de material (lítico e cerâmico) que tivesse relação (estruturas de lascas, por exemplo) e tivesse parcialmente enterrado no paleopedon seria registrado fotograficamente, referenciada a partir do GPS e coletado assistematicamente. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 97 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Sítio Dona Ermelinda Área localizada próxima ao local denominado de sítio do Areal. O local sofre o processo de arenização, tendo, em diversas partes, afloramentos de Arenito Botucatu, cascalheiras e blocos rolados. Foto 19. Antigo fluxo de água e estruturas mapeadas pelo GPS/ Foto acervo Lepa/2003. Monólito Dentro dos limites do sítio do Areal foi evidenciado um bloco de arenito com inscrições rupestres. O monólito está bastante erodido, assim como o local em volta. A presença de material lítico foi evidenciada na área. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva Foto 20. Monólito/bloco testemunho de arenito. Foto acervo Lepa/2005. Foto 21. Gravuras Rupestres. Foto acervo Lepa/2003. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 98 99 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Foto 22. Gravuras Rupestre. Foto acervo Lepa/2003. Quanto aos gravados (inscrições), eles estão situados em um bloco de arenito Botucatu de forma trapezoidal e se encontram esparsos pelas paredes e por partes que se localizam desprendidas no solo. O método de decoração é o alisado, sendo que traços isolados e as paralelas são os elementos mais frequentes. Os petróglifos do sítio Areal enquadram-se ao estilo que foi definido por Ribeiro (1984) com sendo I A (abstratos lineares retilíneos e representativos biomorfos). Não foi registrado nenhum tipo de sobreposição de traços. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva Foto 23. Área do butiazal; próximo ao Areal. Foto acervo Lepa/2003. Foto 24. Cerâmica da tradição Vieira. Foto acervo Lepa/2003. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 100 101 A PAISAGEM REGIONAL DA FRONTEIRA OESTE E O AREAL DE UARAÍ/R.S. Quanto à cerâmica, ela apresenta uma certa homogeneidade e a técnica predominante de montagem é com a produção de placas. Conforme Zimpel Neto (2003), o antiplástico está presente em grande quantidade, chegando a ficar evidente tanto na parede interna quanto externa. Também não apresenta a presença de engobe. CONSIDERAÇÕES GERAIS: AS ESCOLHAS DAS PAISAGENS DOS CAÇADORES COLETORES DO OESTE GAÚCHO Podemos afirmar que áreas com nascentes e afloramentos de arenito silicificado, despertavam certo interesse para os grupos de caçadores-coletores. Essa afirmação reflete as preferências para a ocupação e exploração do potencial destes relevos e exposições de rochas, conforme foi visto a partir dos resultados do modelo locacional com base na UNDR. De acordo com Milder (2000), é necessário fazer a distinção entre as áreas colinosas, pois é fundamental o substrato geológico. As colinas com nascentes que apresentam substrato basáltico unicamente são desprovidas de ocupações pretéritas que indiquem obtenção de matéria-prima. As áreas colinosas que apresentam a conjugação de água e arenito silicificado apresentam certa preferência para ocupações, quer para a obtenção de matéria-prima, quer para outras atividades (acampamento, por exemplo). Quanto aos sítios em afloramento basáltico ou em arenito, devemos adaptar o modelo proposto, ou seja, criar uma nova proposta para classificar este tipo de assentamento inserido na paisagem em estudo, além de reconsiderar os sítios de topos de interflúvio com afloramentos de calcedônia. BIBLIOGRAFIA MILDER S. E. S. (2000) Arqueologia do Sudoeste do Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado apresentado a USP – MAE. MILDER.S.E.S, (1994) A Fase Ibicuí: uma revisão arqueológica, cronológica e estratigráfica. Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Porto Alegre, PUCRS.136 p. MILDER S. E. S. (1993) Considerações sobre paleoambientes no sudoeste do Rio Grande do Sul.In: VI Simpósio Sul Riograndense de Arqueologia, Porto Alegre, p.17-22. MILDER S. E. S. (1993) Uma revisão crítica da Fase Ibicuí. Monografia de Especialização. PUCRS. 30 p. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Lucio Lemes e Bruno Gato da Silva 102 MILDER S. E. S. (1999) Caçadores coletores: a problemática arqueológica e ambiental sobre os primeiros povoadores do Rio Grande do Sul. Revista do CEPA. vo.23, nº 30.1999. UNISC. Santa Cruz. p.7-56. MILDER S. E. S. (1994) Pesquisas arqueológicas na região platina. Revista do Centro de Ciências Sociais e Humanas. UFSM. Santa Maria. v.9, nº7 2-3. MILDER S. E. S (1995) Uma breve análise da Fase arqueológica Ibicuí. Revista do Cepa, Santa Cruz do Sul. v.19, nº 22, p. 37-63. MORAIS,J. L. (1999) Perspectivas geoambientais da arqueologia do Paranapanema Paulista. Tese de Livre Docência, MAE-USP, São Paulo. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO Marjori Pacheco Dias* RESUMO Esse artigo tem por objetivo apresentar métodos curatoriais aplicados às peças arqueológicas desde a coleta em campo até a inserção destes no acervo no Laboratório, descrevendo o acondicionamento, a locomoção do sítio arqueológico para instituição, o registro das informações de campo, a maneira como são tratados os materiais na chegada ao laboratório, conservação e preservação de acordo com os procedimentos de curadoria. Além disso, o trabalho também visa à descrição dos métodos de curadoria e documentação dos materiais encontrados nas intervenções realizadas pela equipe do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria (LEPA-UFSM), estado do Rio Grande do Sul, Brasil desde 2012. Palavras chaves: Métodos, Curadoria, Arqueologia. ABSTRACT This text aims to present curatorial methods applied to archaeological pieces when they are collecting from the field until to their insertion in the collection at the Laboratory, describing the conditioning, locomotion from the archaeological site to the institution, the record of the information field, how they are treated on arrival at the laboratory, conservation and preservation in accordance with the procedures of curation. In addition, the work also aims at the description of the curatorial methods and documentation of the materials found in interventions by the staff of the Laboratory for Archaeological Studies and Research of the Federal University of Santa Maria (LEPA-UFSM), Rio Grande do Sul, Brazil, since 2012. Key-words: Methods, Curation, Archeology. * Pesquisadora de curadoria de acervos arqueológicos no Laboratório de Estudo e Pesquisas Arqueológicas/UFSM e acadêmica do curso de História da Universidade Federal de Santa Maria. Marjori Pacheco Dias 104 Na Arqueologia, sempre que ocorre uma intervenção em campo com coleta de material, não haverá mais possibilidade de voltar à estrutura original. Portanto, é importante ter em mente a importância da preservação em dois aspectos: resguardar as informações sobre os artefatos retirados do sítio arqueológico e a preservação do estado físico dos objetos que foram conservados pelo microclima em que o artefato esteve submetido. Uma vez que se reconhece a relevância da preservação da cultura material, objeto de estudo da Arqueologia, como testemunho das sociedades que viveram muito antes do presente, se evidencia a necessidade de utilizar técnicas para manter estes materiais o mais próximo possível do estado físico original, e também preservar as informações a cerca dos objetos, Assim, a preservação e a conservação se unem à arqueologia para juntas obterem conhecimentos que se perpetuarão. Portanto, este trabalho tem como objetivo apresentar os processos curatoriais que são aplicados ao acervo arqueológico do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria. Será descrito o tratamento minucioso oferecido aos materiais desde o ato da coleta até a inserção na Reserva Técnica ou nas mesas de pesquisas, preservando não apenas os artefatos, mas também todas as informações possíveis relativas ao contexto arqueológico; essa nova tecnologia de curadoria é ainda nova no Brasil, mas já tem demonstrado resultados cada vez mais significativos nas análises dos sítios arqueológicos e nos respectivos materiais encontrados e estudados pelos pesquisadores do LEPA-UFSM. PROCEDIMENTOS DE CAMPO A respeito da coleta dos materiais, certamente há muitas situações diferentes que podem ocorrer com os objetos em campo. Quando se encontra um material em situação mais delicada é necessário empregar alguns cuidados para manter o estado de conservação satisfatório. Para estes artefatos em situações mais sensíveis, utiliza-se como utensílio principal da escavação pincéis de cerdas macias (Figura 1), para que não haja nenhuma alteração na integridade da peça no momento da intervenção. Assim, quando o material estiver sobressalente (sem sedimentos a cobri-lo) retira-se este da quadrícula com o maior cuidado possível. Além disso, no armazenamento e manuseio dos materiais, cada objeto é tratado individualmente. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 105 NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO Figure 1: Procedimento de coleta de campo. Sítio Santa Clara – fevereiro de 2013. Foto: Acervo LEPA. Figure 2: Acondicionamento do material coletado em campo. Sítio Santa Clara – fevereiro de 2013. Foto: Acervo LEPA. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Marjori Pacheco Dias 106 Quanto ao acondicionamento, como já foi destacado anteriormente, uma vez retirado o material do seu contexto arqueológico, é preciso que este esteja sob condições adequadas para que não se danifique. Desta forma, os objetos são acondicionados individualmente em sacos plásticos vedados, de tamanho coerente com o seu estado físico, levando a descrição *MH (Material Histórico) ou *MP-H (Material Pré-Histórico), de acordo com sua classificação (Figura 2). Após esse procedimento, os sacos são envoltos em plástico bolha e postos em containeres. No que tange ao registro das informações, como toda escavação é uma “destruição” do sítio arqueológico, é necessário que se preserve o máximo de informações possíveis da área escavada. Deste modo, o registro das informações é essencial para a compreensão do sítio e dos materiais arqueológicos nele encontrados. São usados para fins de registro: caderno de campo do coordenador de equipe, diários de campo dos escavadores, desenhos estratigráficos de todas as quadrículas e (como as escavações do LEPA seguem o modelo da academia francesa, portanto, pensando o objeto tridimensionalmente para obter a localização exata deste no sítio) também uma tabela contendo o número de campo de cada material, quadricula na qual foi encontrado e seus respectivos “x”, “y” e “z” medidos a partir do ponto zero, onde x= distância, y= largura e z= profundidade, em metros: Número de objeto Quadrícula X Y Z 01 3B 3,55 4,2 - 1,040 02 2C 5,78 3,85 - 0,648 03 2B 2,80 3,32 - 1,070 10,61 1,76 - 1,089 04-1F Números Figurativos No que diz respeito à locomoção sítio – LEPA, uma vez acondicionados os materiais nos containeres, estes são encaixados verticalmente, (de maneira que os mais leves e de objetos mais delicados ficam por cima) e resguardados na carroceria de uma caminhonete S10 que faz o transporte do sítio arqueológico pesquisado até o Laboratório. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 107 NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO CHEGADA AO LABORATÓRIO Chegados os materiais ao Laboratório, são separados de acordo com a sua classificação (se são pré-coloniais separa-se os líticos das cerâmicas, se são coloniais, vidros, louças, metais, etc. são separados), pois recebem os procedimentos de curadoria em momentos diferentes. Após serem separados, os materiais são dispostos na mesa de análises conforme o método de coleta, na ordem: os encontrados por meio de coleta superficial ficam juntos, depois os encontrados em poços testes e, por último, os coletados na escavação. Após a separação, iniciam-se os procedimentos de higienização e marcação das peças. Os procedimentos são diferenciados, segundo a tipologia do material. Os materiais líticos são lavados em água corrente com o auxílio de uma escova de dentes de cerdas macias para a retirada total de sedimentação. Caso o objeto seja muito pequeno, é usada uma peneira de numeração 2 mm do tamanho da pia, evitando assim que o material caia no ralo. A marcação realizada nesses materiais é feita após a aplicação de uma fina camada de verniz nas extremidades da parte inferior do lítico (nunca no talão, bulbo ou região central), com o uso de caneta nankin (tinta chinesa de alta durabilidade) - ponta 0,1 mm - recebendo posteriormente outra camada de verniz para fins de impermeabilidade. Caso os fragmentos de cerâmica pré-colonial estiverem com pouca sujidade utiliza-se pincéis macios para retirar o depositário de mineral composto principalmente de dióxido de silício (areia). Entretanto, se os materiais estiverem com excesso de sedimentos, jatos leves de água podem ser utilizados (com o auxílio de um borrifador) para facilitarem o curador, que com muita minuciosidade retirará a sedimentação com a ponta dos dedos. O tratamento para o ato de marcação é o mesmo oferecido para os materiais líticos, tendo o cuidado de não se aplicar nas laterais (para que não se perca a numeração em caso da peça sofrer reconstituição), nem no lado da decoração. A higienização da cerâmica histórica é feita por meio de lavagem da superfície dos fragmentos, utilizando pincéis ou escovas do tipo para sapato com cerdas macias. Nas laterais pode ser utilizada também uma escova de dente macia para retirar a terra que fica na fratura, auxiliando assim a análise da composição da pasta ou uma futura remontagem. A marcação, por sua vez, no caso das esmaltadas, utiliza-se uma etiqueta adesiva Acid Free com a numeração feita com caneta para nankin. As peças não esmaltadas são VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Marjori Pacheco Dias 108 envernizadas nas extremidades do lado que não apresentar decoração, depois do verniz seco, recebem o número de registro com caneta nankin 0,1 mm e depois são impermeabilizadas com uma camada fina de verniz em cima da marcação. O vidro, em sua higienização, não pode passar pelo processo de lavagem com água, portanto utiliza-se pincel ou escova de cerdas macias, a seco, sem friccionar a peça, principalmente nas áreas frágeis. E, por ser um material translúcido, a marcação dos vidros históricos deve ser feita com caneta para tinta nankin de ponta 0,1 em uma etiqueta adesiva Acid Free transparente, para posterior colagem direta no material, sendo aplicado verniz para impermeabilização do número de registro. Para a limpeza dos metais é usada uma retífica com cerdas de aço, que conserva as informações intrínsecas ao objeto, retirando a sujidade e oxidação da peça. Uma microrretífica pode ser mais eficiente, principalmente na limpeza das reentrâncias do objeto. Pelo fato do material não estar em condições climáticas próprias para salvaguarda, depois de ser higienizado, é aplicada uma cera incolor para que se exclua o contato dos metais com o oxigênio, fazendo com que não volte a enferrujar. Na marcação, enverniza-se uma pequena área nas extremidades e se escreve, no local escolhido, o número de registro com caneta nankin 0,1 mm, preta ou branca, de acordo com a superfície do objeto, impermeabilizando posteriormente com outra camada rasa de verniz. No processo de higienização dos ossos, o acúmulo de sujidade deve ser retirado com uma escova de cerdas macias. Por ser um material orgânico, o osso não pode entrar em contato com a água, pois ele a absorve e cria fungos. Neste caso, a limpeza deve ser feita com algodão umificado por álcool com alta volatilidade. As peças não são expostas à luz solar, nem mesmo no processo de secagem. Para realizar a marcação, escolhe-se a área menos porosa e sem marcas de queima ou facas para então se envernizar as extremidades ou a parte interior do material. Após a envernização, aplica-se o número de registro com caneta nankin 0,1 mm. No caso do material ser muito pequeno ou conter superfícies sem possibilidade de marcação, o material deve ser acondicionado em um saco transparente pequeno zipado, e este receberá a numeração preferencialmente na extremidade esquerda, para que não comprometa a visualização do material. A etapa posterior à higienização e a marcação é a do registro físico, que está subdivido nas três partes. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 109 NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO O registro de peso, que no acervo do LEPA, por haver muitos fragmentos de pequeno porte, todos os materiais arqueológicos têm sua pesagem realizada por meio de uma balança de precisão, para que se obtenha o registro até dos menores objetos. O registro de medidas é realizado em todos os materiais em estágio de inserção na Reserva Técnica do Laboratório, recebendo o procedimento de medida de sua largura, altura, espessura, e se tiverem formato circular, também de seu diâmetro. O registro fotográfico é procedimento efetuado em todos os materiais. São fotografados para fins de reconhecimento dos mesmos no sistema digital de documentação e identificação quando na procura no acervo. Depois de todas as etapas anteriores concluídas, as informações geradas são inseridas na ficha de Registro documental, em banco de dados, criada para registrar os dados referentes aos sítios arqueológicos, incluindo os dados descritivos e fotográficos, para isso, usa-se um subformulário com as informações sobre os dados espaciais e materiais descritivos dos artefatos encontrados juntos, no mesmo contexto arqueológico do sítio e também relativos à entrada na coleção, e, finalmente, um sub-registro inserido no formulário anterior, com as informações físicas de cada objeto individualmente, estes gerados em laboratório. RESULTADOS Observou-se que a metodologia de pesquisa e trabalho técnico aplicado obteve resultados extremamente significativos quanto à organização de materiais, quanto à agilidade para o acesso a informações referentes ao contexto arqueológico e características extrínsecas dos objetos, mas principalmente em relação à preservação e conservação destes materiais. Concomitantemente, o estudo resultou em uma padronização dos procedimentos curatoriais e documentais a serem aplicados no acervo, bem como análises mais aprofundadas dos sítios e de suas respectivas coleções, uma vez que nenhuma informação dos processos aplicados a estes foi perdida. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. Marjori Pacheco Dias 110 CONCLUSÃO Através da inserção destas técnicas (inovadoras ainda no Brasil) no Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal de Santa Maria, foi possível concluir que o uso de novas metodologias e tecnologias modernas possibilitou a conservação do patrimônio arqueológico pertencente à Reserva Técnica do LEPA, mesmo sem muitos recursos financeiros e sem condições climáticas adequadas para atender as especificidades de cada material arqueológico. Durante todo o estudo, procurou-se ter o máximo de preocupação com a integridade dos objetos e com a preservação das informações “pré e pró (venientes)” do mesmo. Importante ressaltar que a pesquisa refere-se às coleções em estágio de inserção no acervo LEPA, e que uma vez inseridos neste, precisam passar por procedimentos de curadoria periodicamente. Assim, há outro trabalho em desenvolvimento no Laboratório que visa, por sua vez, através de um processo retroativo, aplicar essas novas técnicas curatoriais e documentais às peças já inseridas na reserva técnica, com a finalidade de promover a conservação destas (tanto extrínsecas como também as intrínsecas), prolongando suas “vidas úteis” e facilitando o acesso a qualquer informação que o LEPA possua sobre elas. Paralelamente a todos os diferenciais investidos pelo Laboratório, acredita-se ser necessária também uma ação conscientizadora aos pesquisadores do mesmo, como uma “alfabetização patrimonial”, no sentido de ressaltar a relevância de práticas que promovam a conservação e preservação dos artefatos estudados por eles próprios, sem comprometer suas saúdes. Desde o uso de luvas sem pó, pois pode contaminar alguns tipos de materiais e amostras para datações, até a utilização de utensílios de PH neutro para não danificar as peças. Também o uso de artifícios que os protejam da constante exposição a micro-organismos e demais agentes causadores de doenças, tais como: máscara e óculos (para o caso de higienizações ou de manutenção da reserva técnica); jaleco e luvas (uso contínuo), etc. Com o intuito de ter apresentado os procedimentos adotados pelo LEPA, e na estimativa de contribuir ainda para o andamento das pesquisas sobre novos métodos de conservação, documentação e curadoria para outras instituições, conclui-se este trabalho. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 111 NOVOS MÉTODOS CURATORIAIS APLICADOS AOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: DA INTERVENÇÃO AO ACERVO REFERÊNCIAS BASTOS, Rossano Lopes. O papel da Arqueologia na Inclusão Social. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, n. 33, 2007. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Museus de Arqueologia: uma história de conquistadores, abandono e mudanças. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 6, 1996. CALDARELLI, S. B. A Arqueologia como Profissão. In: Anais do IX Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Rio de Janeiro: CDRom, 2000. CALDARELLI, Solange Bezerra. Pesquisa Arqueológica em Projetos de Infra- estrutura. A opção pela preservação. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n.33, 2007. CAMARGO, F. Museu: Aquisição-Documentação. Rio de Janeiro: Livraria Eça Editora, 1986. CATARINA, E. F. da Silva e LIMA, F. H. B. A preservação dos registros documentais de arqueologia. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n.33, 2007. COMERLATO, F. Caderno da Oficina Arqueologia e Preservação. GASPAR, 2004. COSTA, C. A. S. Museologia e Arqueologia – parte 1 – A materialidade de uma relação interdisciplinar. FORTUNA, Carlos; POZZI, Henrique; CÂNDIDO, Manuelina M. Duarte. A Arqueologia na ótica patrimonial: uma proposta para ser discutida pelos arqueólogos brasileiros. In: Canindé, Xingó, n. 1, Dez. 2001. LEAL, A. P. R. Musealização da Arqueologia: Documentação e Gerenciamento no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná, Pelotas: UFPel, 2011. NASCIMENTO, R. A. Documentação Museológica e Comunicação, Maceió: ULHT, 1993. THOMASI, D. I. Arqueologia Histórica: Os Metais da Estância Velha do Jarau. Santa Maria: EDITORA UFSM, 2010. TOLEDO, G. T. A Pesquisa Arqueológica em Quaraí: Uma Contribuição à Identificação do Patrimônio Local. Santa Maria: EDITORA UFSM, 2010. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA Saul Eduardo Seiguer Milder* RESUMO O presente artigo apresenta um histórico da pesquisa realizada pelo arqueólogo Eurico Miller, conhecido como PROPA ou Projeto Paleoindígena, cujo objetivo era o estudo de caçadorescoletores antigos. O trabalho traz o conteúdo de fontes primárias encontradas durante nossa pesquisa no Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, tais como fichas de sítios e relatórios do projeto. Palavras-chave: Arqueologia, Projeto Paleoindígena, documentos primários. ABSTRACT This article presents a historical research conducted by archaeologist Eurico Miller, known as Project PROPA or Paleo-Indian, whose objective was the study of antique hunter-gatherers. In this text, we bring the content of primary sources found during our research at the Archaeological Museum of Rio Grande do Sul, such as chips of sites and project reports. Key Words: Archaeology, Paleo-Indian Project, primary documents. A descoberta de um sítio denominado RS I 50 possibilitou ao arqueólogo Eurico Miller desenvolver, em um período posterior ao PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas), um projeto voltado ao estudo de caçadores-coletores antigos. Na literatura, este projeto é conhecido como PROPA (Miller, 1987) ou Projeto Paleoindígena, e foi patrocinado pelo Instituto Smithsonian-USA e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). No plano de pesquisa elaborado para a FAPERGS (Miller, 1971-1972) o título é bem * Doutor em Arqueologia pela Universidade de São Paulo. Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria. 113 Saul Eduardo Seiguer Milder mais abrangente: Programa de Pesquisas Arqueológicas sobre o Paleoindígena, Paleofauna e Paleoclima do Rio Uruguai, Ibicuí e áreas próximas do Rio Grande do Sul, Brasil. As características apontam para um projeto ou programa de pesquisa multidisciplinar, com concorrência de múltiplas ciências, principalmente as da Terra. A origem do programa reside no achado já mencionado do sítio até então peculiar, durante o terceiro ano do PRONAPA, onde restos de fauna pleistocênica extinta estavam associados a materiais de origem antrópica. O PROPA, então, surgiu não só para estudar estas evidências atípicas, mas também todo um contexto da transição pleisto-holocênica, visando uma reconstituição ambiental regional, a fim de inserir os caçadores-coletores que haviam deixado suas marcas no RS I 50. Estas características especiais foram propostas ao Instituto Smithsonian, que se encarregou de financiar as atividades de campo, as datações e os materiais necessários, bem como providenciar bolsas de pesquisa para os participantes. O quadro de pesquisadores era composto por Eurico Miller (arqueólogo e coordenador), Darcy Clós (paleofauna e paleoclima), Miguel Bombin (ecólogo), Carlos de Paula Couto (paleontólogo) e Hardy Jost (geomorfólogo). O programa deveria estender-se por cinco anos, começando em 1972 e terminando em 1977, porém se estendeu até 1978, com mais um ano de financiamento. A metodologia de campo estava ligada ao pressuposto de que onde fossem encontrados fósseis, também existiriam sítios de caçadores antigos. Desta maneira, os afloramentos foram mapeados, os até então conhecidos, e começaram as sondagens arqueológicas. Devido a esta metodologia todos os sítios arqueológicos antigos estão ligados a localidades com abundância de fósseis de animais extintos, como é o caso do arroio Touro Passo, rio Quaraí, Sanga da Cruz (Lajeado dos fósseis) etc. O autor do programa não deixou mais explícito os detalhes inerentes aos aportes teóricos a serem aplicados para a interpretação dos resultados. Para E. Miller seriam paleoindígenas os sítios com associação de megafauna ou não, com cronologia anterior ao Holoceno, sendo que o conjunto material (pontas específicas) não seria preponderante, pois Miller (1987) menciona a ocorrência de uma Tradição Paleoindígena com ou sem pontas de projétil. A noção de um paleoindígena cronológica ligada diretamente ao meio é mencionada por Miller (1976: p.489). Sua extinção coincide VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 114 com as últimas evidências da megafauna. Quanto a sua economia Miller (op.cit.) diz que a presença de fauna de pequeno e grande porte nos sítios revela sua utilização para a alimentação, sugerindo que o paleoindígena não necessariamente deveria estar ligado a megafauna. Sendo assim, considerase um tanto indefinido o conceito de paleoindígena utilizado por E. Miller, que hora se utiliza de ligações econômicas, hora de ligações cronológicas sem definir claramente o que seria o paleoindígena. Não é usual ou recorrente em artigos apresentar no corpo textual a transcrição de documentos originais, porém acreditamos que a documentação do PROPA e os comentários em rodapé pelo seu valor deveriam compor o forte tom histórico deste texto1. Foram transcritos e analisados nesses trabalhos documentos que estão arquivados no Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul. São fichas de sítios e relatórios produzidos durante o desenvolvimento do Projeto Paleondígena. DOCUMENTAÇÃO PRIMÁRIA Documento 01 Programa de Pesquisas Arqueológicas Sobre o Paleoíndio Paleofauna, Paleoclima, do Rio Uruguai Rio Ibicuí e Áreas Próximas do Rio Grande do Sul, Brasil. Sec-Dac–Marsul-Relatório-Paleoindian Research- Fund. No.Sfc 2-5879 Primeira Fase (1/15/72 A 1/15/73) Responsável: Eurico Theófilo Miller Sec-Dac-MARSUL Programa de Pesquisa Arqueológico sobre Paleoíndio, Paleofauna, Paleoclimatologia, do Rio Uruguai, do Rio Ibicuí e Áreas Próximas do Rio Grande do Sul, Brasil. 1 Quando Eurico T. Miller foi expulso do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, não tendo mais acesso a ele, toda a documentação gráfica ficou disponível. Alguns arqueólogos contemporâneos acreditam que ainda existam mais documentos sobre as pesquisas em poder de Miller. Podemos até dizer que existe uma idéia mítica de arquivos escondidos ou arquivos em código sobre o PROPA e demais trabalhos realizados no MARSUL, quando estava sobre o controle absoluto de Miller. Nós, ao pesquisarmos amplamente a documentação existente e os procedimentos adotados, podemos concluir que toda a documentação do PROPA está disponível devido ao sistema de registro adotado pelo pesquisador. A sua sistemática era elaborar uma ficha de sítio, uma de catálogo e esboçar alguns croquis e fichas de datação do Smithsonian. Mantivemos contato com a Drª. Betty Meggers para sabermos se havia no Smithsonian alguma documentação gráfica do PROPA, sua resposta foi: Unfortunately, this and the other projects were terminated prematurely when Miller was expelled from the MARSUL, with negative implications for the programs that he was conducting in association with the Smithsonian. I do not believe that we have any records not duplicated in the MARSUL archive. However, even if any exist, I cannot supply them. It has always been our policy in collaborating with colleagues in Latin America, that all data are their property and Can be published only with their permission. Desta forma acreditamos que se criou um folclore e opiniões acirradas sobre o trabalho de Eurico T. Miller. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 115 Saul Eduardo Seiguer Milder Apresentado em 30 de outubro de 1971 com revisões em 27 de janeiro de 1972 por: Eurico Theófilo Miller, Arqueólogo, diretor Museu Arqueológico do Estado do Rio Grande do Sul, Caixa Postal 49-Taquara, Rio Grande do Sul. Investigador principal e Arqueólogo: Eurico Th. Miller Coordenador dos estudos geológicos, paleontológicos e geomorfológicos: Dr. Darcy Clós, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil (UFRS). Especialistas e consultores: Prof.ª Paula Couto, Paleontologia, UFRS; Prof. Miguel Bombin,2 ecologia, paleontologia, palinologia, UFRS, Dr. Hardy Jost, geomorfologia, UFRS. Período de pesquisa: Programa coordenado interdisciplinarmente por 4-5 anos dividido em unidades anuais de pesquisas de campo, iniciando-se a primeira fase em 15 de março de 1972 e finalizando em 15 de março de 1973. Relatório Da Primeira Fase De Pesquisas (de 15 de março de 1972 a 15 de março de 1973) Plano de pesquisa - primeira fase Prospecções para localização de sítios adicionais com artefatos Paleoindígenas e com evidências de fauna Pleistocênica, dos rios Ibicuí, Uruguai, Antas e seus tributários, e outros do Rio Grande do Sul, para localizar sítios e possibilitar as escavações, mesmo em áreas cultivadas, ou sob a ação destruidora da erosão, e obtenção de permissões para escavações. Escavações de vários promissores, dos quais foram obtidas datas de carbono-14 antigas, e/ou artefatos líticos lascados e restos de fauna extinta Pleistocênica, existem várias possibilidades: RS-I50; Lajeados Fósseis, Rio Ibicuí. RS-I60; Porto das Laranjeiras, Rio Uruguai. RS-(?): Cerrito Dalpiaz3 (abrigo-sob-rocha) Rio Maquiné. Pesquisas preliminares de apoio ao plano de pesquisa de campo. Levantamento e mapeamento de dados sobre jazidas de fauna pleistocênica4 extinta RS através de bibliografia e informações coletadas. Levantamento e mapeamento 2 3 4 Miguel Bombin foi o único dos pesquisadores do Projeto que publicou alg uns resultados. Os demais ou não chegaram efetivamente a trabalhar no projeto ou não tiveram chance de levar ao prelo seus resultados. A escavação no Cerrito Dalpiaz resultou em uma vasta coleção, porém com datações do Holoceno Recente, em nada tendo a ver com o Paleoindígena da transição pleisto-holocênica. As escavações arqueológicas em locais riquíssimos em restos fósseis podem levar a interpretações equivocadas de associações de materiais arqueológicos e paleontológicos, muitas vezes causados pela ação natural. A identificação correta dos processos taxonômicos podem auxiliar a interpretação de depósitos fósseis. Muitas vezes conjuntos de ossos não apresentam evidências de materiais líticos associados, porém os mesmos podem ter marcas de origem antrópica, devido a atividades de caça e subsequente desmembramento dos animais. Os estudos tafonômicos revelarão sempre coleções ligadas a três tipos de depósitos esqueletais. O primeiro é o deposito geológico, onde se encontram animais geralmente jovens ou velhos que morrem durante trocas climáticas. Os corpos geralmente serão consumidos por carniceiros, microorganismos, cobertos por sedimentos, oxidados, decompostos. Somente uma parcela destas amostras preserva-se pela da mineralização. A acumulação de fósseis em um determinado lugar indicaria um microambiente próprio para a preservação e uma estação do ano adequada para a cobertura sedimentar. Não só os processos geológicos acumulam ossos, mas também os animais carnívoros ou onívoros realizam depósitos de ossos que podem tornar-se fósseis. Geralmente estas coleções são compostas por elementos do pós-crânio de animais jovens ou crânios de animais adultos agigantados. Pode-se salientar, ainda, que alguns carnívoros acumulam ossos em suas tocas ou ninhos para decorá-los ou enfeitá-los, como é o caso dos chacais e raposas. Os ossos acumulados por animais possuem marcas em suas epífises e diáfises, revelando geralmente processos mastigatórios. Em sítios cobertos, como abrigos ou grutas, os arqueólogos podem ser enga nados por depósitos de regurgitamento, feitos por determinados animais que devolvem ao meio um grande número de ossos que não podem ser digeridos. Os sítios de acumulação humana são claros em suas características, pois estão dispersos em um seleto microambiente favorável a sua preservação. A presença de artefatos sempre ajuda a reforçar a natureza do depósito. As características predominantes são o alto índice de fragmentação dos VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 116 das barrancas de rios e afluentes através de fotos aéreas na primeira Divisão de Levantamento do Exército (PA) e mapas adquiridos na primeira DL na escala de 1:50.000. Levantamento de dados climáticos, geológicos, pedológicos e geomorfológicos através de bibliografia. Levantamento de dados arqueológicos sobre o Rio Grande do Sul e Argentina, relacionados ao programa, através de bibliografia5 . Ensaios com barcos a motor, caminhonete e acampamento com objetivo de adquirir-se o equipamento ideal, bem como, obter-se maior rendimento nas pesquisas de campo, segundo as características das áreas a serem pesquisadas. Pesquisa de campo De março a novembro de 1972 as pesquisas de campo foram efetuadas no Rio das Antas e Encosta Nordeste da Serra Geral (Miller). Em dezembro de 1972 pesquisas extensas e intensas na Bacia do Rio Quaraí (Miller).Em janeiro e fevereiro de 1973 pesquisas extensas e intensas principalmente nas bacias dos Rios Icamaquã, Ibicuí (Miller e Bombin). Condições climáticas - índice pluviométrico - influência nas pesquisas de campo A época mais propícia a pesquisa de campo na Região da Campanha (rios Uruguai, Icamaquã ao Quaraí) segundo nossas experiências acumuladas e a classificação climática de Köppen-Cfa. Subtropical com verões secos no verão entre dezembro e março quando raramente ocorrem grandes e prolongadas cheias. Ocorreu, no entanto um alto índice pluviométrico em toda a Região Sul do Brasil e mesmo na área da Campanha do Rio Grande do Sul, normalmente com precipitações anual abaixo de 150 mm,6 prolongando-se por toda a extensão do verão. Nestas circunstâncias os sedimentos Pleistocênicos raramente e por poucas horas ou dias não estiveram encobertos pelas águas. Assim, o desenvolvimento da pesquisa de campo foi intensa e extensamente prejudica em seu objetivo e as diretrizes de estratégia de trabalho completamente alteradas. Os barcos a motor perderem sua finalidade de operação o que seria o exame por águas das barrancas dos rios (aproximadamente 4.000 km), restando assim, pesquisar as nascentes dos rios e tributários numa área bastante reduzida em extensão e possibilidades, operando apenas com uma camioneta e a pé. Esperando pela possibilidade de condições mais favoráveis às pesquisas preestabelecidas permanecemos em atividade. Por ocasião das maiores cheias as pesquisas eram dirigidas aos abrigos sob rocha, zonas arenosas ou rochosas de intensa erosão eólica / ou pluvial. Mão- de-obra Como nestas regiões pastoris a mão-de-obra é escassa e não são feitas outras lidas e quando o é, é raríssima, levamos do litoral os ajudantes necessários, em número de 5 no máximo (dezembro).Eventualmente contávamos com algum guia para os abrigos sob-rocha. Usaram-se informações transeuntes (caminhões) para saber-se das condições dos rios desde o Icamaquã até o Quaraí e quando essas eram duvidosas, o deslocamento era feito sem ajudantes que aguardavam no acampamento. 5 6 ossos, evidências de queima. Os sítios considerados de matança fornecerão ampl as coleções de ossos articulados, ossos axiais, baixa diversidade de espécies, limitada dispersão. Os sítios de habitação apresentarão coleções de ossos totalmente desarticulados, fragmentados, dispersos, ossos apendiculares e alta diversidade de espécies. Algumas chaves no processo de escavação são necessárias para que possa definir claramente o tipo de depósito que está sendo escavado: identificação da matriz sedimentar, orientação do osso, inclinação, dispersão, padrões de agregação de diferentes ossos e diferentes biomassas. As escavações arqueológicas, em locais com amplo registro fóssil pleistocênico pode causar problemas de interpretações e associações, principalmente em sítios arqueológicos do sudoeste do Rio Grande do Sul, onde ocorre um predomínio dos sítios em planícies aluvionares com grandes efeitos de sedimentação diacrônica. Ignoramos se houve as consultas bibliográficas. Se ocorreram, Eurico Th. Miller não utilizou os dados abundantes da arqueologia uruguaia que se referem à linha de frontei ra onde foram identificadas as Industrias Catalanense e Quaraiense. Ainda nos anos setenta muitas pesquisas alavancaram os trabalhos de arqueologia no Uruguai, porém em nenhuma publicação Eurico Th. Miller se refere ao lado oriental do rio Uruguai e sul do rio Quaraí, muitos menos revisa os dados de Schmitz e Brochado para a região. A região normalmente recebe um volume de 1.400 a 1.500 mm anuais, segundo levantamento do Projeto RADAM-Brasil, na seção de Climatologia. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 117 Saul Eduardo Seiguer Milder Finalmente, como acampamento central usou-se a Vila de Manuel Viana junto ao Rio Ibicuí, partindo deste para os extremos da região. Vários locais Pleistocênicos (RS-IJ-60: Porto das Laranjeiras, e outros) não puderam ser atingidos. Resultado da pesquisa de campo Arqueologia De todos os abrigos, até o presente examinado através destes testes, nenhum se equiparou em antigüidade ao sítio: RS-LN: Cerrito Dalpiaz. Nos abrigos sob rocha testados na região da Campanha, municípios de São Borja, São Francisco de Assis, Uruguaiana, Alegrete e Quaraí, nenhuma evidência foi encontrada nem sobre o paleoindígena nem sobre o indígena. Junto ao Rio das Antas foi encontrado mais 2 sítios arqueológicos que parecem assemelhados ao RS-A-12: Barreiro, porém as evidências arqueológicas não são suficientes para esclarecer definitivamente se pertencem à mesma Fase Antas. Após várias tentativas conseguimos reexaminar o sítio RS- I -50: Lajeado dos Fósseis. Uma grande porção (20x50m) da barranca foi erodida pelas cheias dos últimos três anos. Nas buscas por dois (2) dias encontramos mais (?) com evidências de uso e umas lasca de osso fóssil (cervídeo) com incisões antigas. No Rio Quaraí, no sítio RS-Q-7, Passo da Revolta, junto aos restos fósseis (cervídeo?) encontrou-se duas lascas líticas sem evidência de uso7. Teríamos assim dois sítios paleoindígenas associados à fauna extinta: RS-I -50: Lajeado dos Fósseis RS-Q-7: Passo da Revolta No entanto em nossa opinião nenhum dos sítios atualmente disponíveis forneceriam evidências suficientes aos objetivos do programa, não justificando, por ora, extensas escavações, por estarem demais esparsos. O resultado, além de parco, seria caríssimo. Dois sítios, sobre superfície colinosa e erodida, forneceram abundante material lítico lascados (sem pontas de projétil?) de tipologia rústica primitiva e diferenciada das evidências das fases mais recentes (Fase Itaqui). Um localiza - se a 2 km de RS-I-50 e o outro no Cerro do Jarau (Quaraí); no entanto não apresentam associações com restos de fauna pleistocênica. São respectivamente: RS-I-64: Salatiel - 4 RS-Q-10: Cerro do Jarau Com objetivo de comparações de evidências e possíveis relacionamento em seqüências culturais, com o paleoindígena, foram efetuadas 12 coleções junto aos rios e áreas intermediárias. Predominam as coleções com pontas-de-projétil, facas, boleadeiras, raspadores, pedras de funda, etc. Paleontologia Dois sítios paleoindígenas apresentam restos de fauna e flora extinta: RS-I-50: Lajeado dos Fósseis (animal e vegetal) RS-Q-7: Passo da Revolta (animal) Além destes investimentos as seguintes jazidas fossilíferas: Arroio Piraju, vegetal (afl. Ibicuí, São Francisco de Assis). Sanga do Salso, animal e vegetal (afl. Quaraí, Uruguaiana). Passo da Revolta-2, animal (Rio Quaraí, Quaraí). Caiboté, animal (São Gabriel). Ponche Verde, animal (Don Pedrito). Jarau, animal e vegetal (Quaraí). Arroio Chuí, animal (Arroio Chuí, Santa Vitória do Palmar). Foram coletados os restos fósseis animais e amostras vegetais para datação por carbono-14, importante para comparação cronológica entre as jazidas fósseis e, possivelmente com sítios paleoindígenas. As datações poderão servir de índice guia entre a região da Campanha e outras como a do litoral. 7 A datação deste sítio é de 33.600+- 1.500 (SI 2350). Ignoramos porque Eurico Th. Miller não mais menciona a associação de megafauna deste sítio em suas publicações. Recentemente, os ossos fósseis foram localizados pelos paleontólogos da Fundação Zoobotânica que estão tratando de sua ident ificação. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 118 A jazida do Jarau8 forneceu pouco carvão e foi extraído de uma lente (fogueira paleoindígena?) Sem evidências líticas ou ósseas, material carbonizado: capim (?). Os fósseis animais foram encaminhados ao Museu Riograndense de Ciências Naturais9 - SEC- Porto Alegre -RS, onde estão em estudo pelos profs. Paula Couto e Miguel Bombin, que apresentam maiores detalhes no apêndice. Vários locais foram examinados superficialmente e grande número de outros de maneira alguma o foi devido às inundações. Algumas destas jazidas eram totalmente desconhecidas até o presente pelos especialistas e mesmo pelos moradores da região. Visitamos alguns colecionadores de fósseis obtendo uma visão complementar da fauna extinta da Campanha. Climatologia Foram recolhidas algumas amostras de solo fóssil para estudo polínico e efetuadas observações sobre espécimes vegetais atuais que poderiam funcionar como relictos e indicadores climáticos. Maiores detalhes com Bombin no apêndice. Geologia - geomorfologia As jazidas fossilíferas em nascentes de cursos d’água encontram-se em leitos comprimidos em terrenos colinosos fortemente dobrados e declives acentuados e a disposição dos restos fósseis dão a entender que foram rolados e dispersos. Neste exame preliminar observa-se uma semelhança dos sedimentos pleistocênicos desde o Arroio Chuí (litoral) até o Rio Quaraí (Campanha). Mais detalhes com Bombin no apêndice. Pretendemos exames mais competentes e acurados por ocasião das escavações futuras, quando contaremos com a eficiência do Dr. Hardy Jost. Observações: Existem testemunhos consistentes do Paleoindígena na região da Campanha do Rio Grande do Sul - Brasil. As evidências conhecidas ainda são poucas e estão muito dispersas. Os objetivos da primeira fase - outros sítios Paleoindígenas - não foram atingidos sendo necessário ao programa novas tentativas (um ou dois anos) com condições pluviométricas favoráveis. Em 1974 não estaremos restringidos ao verão (nosso presente inverno apresenta-se seco e quente, diverso do normal).Aguardar os resultados de outras pesquisas futuras propostas para delinear as escavações possíveis, segundo os dados a serem obtidos, complementados os já existentes. Relatório de pesquisas Paleo-Indian Research - fund. No. SFC 2-5859 Relatório das despesas da primeira fase do Programa de Pesquisas Arqueológicas sobre o Paleoíndio, Paleofauna, Paleoclimatologia do Rio Uruguai, Rio Ibicuí e Áreas Próximas do Rio Grande do Sul, Brasil. Despesas efetuadas de 15/3/72 a 15/3/1973 1. Pesquisas de campo - equipamento. 1.1-Material permanente 2 (duas) barracas (2x3m) 1 (uma) lona impermeável (7x10m) 2 (duas) lanchas (2,7mx5, 7m). 1 reboque p. lancha (6m) 2 (dois) motores de popa, Johnson, 5,5 e 35 HP. 1 reforma de uma Rural Willis 6 (seis) conjuntos de camas, cobertas, mosquiteiros, etc... 1 (um) conjunto de material de cozinha, panelas, pratos, fogareiro a gás, talheres, etc... Ferramentas para escavações e reparos dos motores. Bibliografia especializada Mapas (72) Tambores plásticos p. combustível (10) Total de equipamento permanente...Cr $ 21.883,27 8 9 As datações para as amostras deste sítio resultaram em 29.800+-1.200 (SI: 2353). Atualmente transformado em Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul e Museu de Ciências Naturais. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 119 Saul Eduardo Seiguer Milder 1.2Material de consumo Papel milimetrado, preservativos, sacos de papel, sacos plásticos, cópias, xerox etc. filmes, slides (35mm) coloridos e brancos e pretos (120mm), revelações, gasolina, óleo, gás, lubrificação, lavagens reparos e manutenção do veículo, das lanchas e motores, reparo da máquina fotográfica, medicamento. Total do material de consumo...Cr $ 9, 020,38. Manutenção em campo dos especialistas e ajudantes e mão-de-obra: Manutenção em geral...Cr $ 1.874,55 Mão- d e - obra...Cr$ 4.627,50 Ajuda de custo...Cr$ 6.000,00 Total do custo do pessoal e manutenção de Campo...Cr$ 12.502,05 2. Pesquisa de laboratório 2.1 Material permanente reforma da rede elétrica, lâmpadas, tomadas:... .Cr$ 1.086,18 2.2 Material de consumo Paleo-Indian Research - fund. No. SFC 2-5859 2.2.1 correspondência 2.2.2.sacos plásticos, sacos de papel, fita durex, papéis etc...Cr$ 1.098,68 Total geral das despesas...Cr$ 44.503.38 Auxílio recebido...Cr$ 44.681,27 Despesas...Cr$ 44.503,38 Saldo...Cr$ 177,89 Documento 02 Plano de Pesquisa Sec-Dac Título: Programa de pesquisas Arqueológicas sobre o Paleoindígena, paleofauna e paleoclima do rio Uruguai, Ibicuí e áreas próximas do Rio Grade do Sul, Brasil. Programa de pesquisas Arqueológicas sobre o Paleoindígena, paleofauna e paleoclima como o título explicita é um programa que abrange vários projetos interdisciplinarmente. Sua origem tem como causas principais: o achado de um sítio arqueológico associado à fauna pleistocênica extinta, em 1968 durante o 3º ano do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. O desconhecimento quase integral de paleo evidências que permitissem a reconstrução concreta da ecologia do pleisto-holoceno. Por proposta do Smithsonian Institution, Eurico Th. Miller elaborou o projeto sob o nome acima citado, tendo como pesquisador principal: Eurico Th. Miller Como arqueólogo: Eurico Th. Miller Como coordenador dos projetos de pesquisa sobre paleofauna e paleoclima: Darcy Clós. Como Paleontólogos e ecólogos: Paula Couto e Miguel Bombin Como geomorfólogo: Hardy Jost. Uma vez aceito o plano do Programa para 05 anos consecutivos pelo Smithsonian Institution, o mesmo teve início, em 1972, devendo perdurar até 1977.As despesas de campo e instrumental necessário para as mesmas foram e estão sendo financiadas pelo S.I. Dentro do Programa, os projetos visam em primeiro a localização de sítios paleoindígenas e paleontológicas intimamente associados ou não. 10 Em segundo e a partir dos sítios localizados efetuar as escavações necessárias para a coleta de todos os testemunhos relativos ao programa. Em 1973, devido à intensa pluviosidade os projetos foram em grande parte prejudicados. Em 1974, com um 10 Novamente Eurico Th. Miller deixa explícita sua metodologia oportunística, pois relaciona os sítios paleoindígenas a sítios paleontológicos de mamíferos. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 120 índice pluviométrico não totalmente prejudicial aos projetos, foram: Arqueológicamente localizados três sítios paleoindígenas em Uruguaiana, sendo que um no arroio Touro Passo11 pelas características qualitativas e quantitativas, está sendo escavado desde 16/02/74 prolongando-se até 31/03/74.12 A monta de evidências já alcançada permite adiantar uma reconstituição bastante exata do meio ambiente paleoindígena. Em 197,5 os trabalhos novamente serão dirigidos para esta área devido à importância dos sítios e os ótimos resultados relativos ao Programa maior de âmbito Pan-americano. Paleontologicamente neste ano de 1974 foram recolhidos testemunhos fósseis13 equivalentes quantitativa e qualitativamente a todas as outras coletas de Pleistoceno superior efetuadas em toda a história paleontológica sul-rio-grandense. Tanto os sítios arqueológicos como os demais foram e estão sendo coletadas amostras de solo para estudo sedimentológico, palinológico, etc. Para aferição climatológica dos períodos em questão. Foram observados os mecanismos geomorfológicos da bacia do arroio Touro Passo juntamente com a fauna malacológica que vem elucidar a origem dos sedimentos onde se encontram os sítios em questão. Relatório de 1974 Sec-Dac MARSUL Parte técnica: 1. Introdução: Dentre os projetos propostos para o programa de trabalhos de campo e laboratório de 1974 foram executados: 1.1.com verbas do IPHAN14 de Cr$ 8.138,90. 1.1.1.Localização e identificação de sítios arqueológicos (amostragem das evidências arqueológicas). 1.2.Com verbas do Smithsonian. 1.2.1.Escavações paleoindígenas no sítio RS I 66 Milton Almeida, dentro do programa de Pesquisas paleoindígenas. 1.3.Análise de Laboratório. 2. Descrição: síntese do programa de trabalho de campo e Laboratório de 1974. 2.1.Foram localizadas, identificadas e efetuadas amostragens das evidências em 21 sítios arqueológicos. 2.1.1.Os 21 sítios compreendem: 8 sítios arqueológicos paleoindígenas e com restos ósseos de megafauna pleistocênica extinta.15 12 sítios arqueológicos pré-cerâmicos do Complexo Itaqui. 1 sítio arqueológico cerâmico da Fase Ibirapuitã Localizam-se as margens do rio Uruguai e afluentes, nos municípios de Uruguaiana, Itaqui, Alegrete e São Francisco de Assis. As amostragens dos sítios paleoindígenas perfazem 2.727 evidências líticas16 e 114 ósseas, e caracteriza-se pela ausência de 11 Esse é o sítio RS I 66, Milton Almeida. As fichas de Catálogo do sítio RS I 66, Milton Almeida, e as próprias anotações de Eurico Th. Miller sobre o pagamento dos operários que trabalhavam no sítio datam 12-05-74 como o último dia de trabalho. 13 Essas coleções estão na sua maioria, perdidas, espalhadas entre a Fundação Zoobotânica e MARSUL sem catálogo ou qualquer referência. Estas evidências poderiam fazer parte dos sítios arqueológicos com megafauna enumerados por Eurico Th. Miller, porém não há referência alguma ligando os fósseis aos sítios ou materiais arqueológicos. Muitos dos fósseis têm a sua procedência indicada pela densa impregnação de CaCO 3, revelando, assim, sua procedência estratigráfica da formação Touro Passo. 14 Miller na sua publicação de 1987, não menciona o financiamento das pesquisas pelo IPHAN. 15 E. Miller comenta em (1976, p.487): De 1972 a 1974 foram localizados mais 14 (catorze) sítios paleoindígenas contendo restos ósseos de fauna extinta. Todos estes sítios localizam -se nas margens de cursos de água e principalmente confrontes ou próximos a corredeiras, desde afloramentos rochosos ou aglomerados de seixos, estendendo-se, estratigraficamente, à base da camada V (tida pelo autor como o final de um período de clima semi-árido) . 16 Os números apresentados por Eurico Th. Miller, na publicação mencionada no relatório (Miller, 1976), 12 Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 121 Saul Eduardo Seiguer Milder pontas de projétil (veja relatório anexo apresentado no Congresso Internacional de Americanistas-México 1974). As amostragens dos sítios pré-cerâmicos do Complexo Itaqui compreendem 2.038 evidências líticas, assim atribuídas: Artefatos líticos lascados Pontas de projétil (84) Facas bifaciais (71) Raspadores diversos (278) Biséis, retocadores. Talhadores (chopper- chopping-tool) (132) Lâminas com e sem retoques Lascas com e sem retoques Artefatos polidos Boleadeiras (8) Outros Percutores, pedras-bigorna, núcleos, etc... A amostragem do sítio cerâmico da Fase Ibirapuitã compreende 62 evidências distribuídas em: Cacos de cerâmica (8) Pontas de projétil (6) Facas bifaciais (1) Raspadores (14) Lâminas e lascas com ou sem evidências de retoques. Datações absolutas Dos 8 sítios (oito) paleoindígenas foram extraídas amostras de carvão para datação pelo método de C 14 no Smithsonian Institution. 2.3.1.Os novos sítios do complexo Itaqui permitem ampliar, retificar e confirmar os conceitos sobre esta Tradição Cultural exposto no exemplar anexo: Miller-1969 Pesquisas Arqueológicas efetuadas no Oeste do Rio Grande do Sul. In: Programa Nacional de pesquisas arqueológicas. Resultados preliminares do terceiro ano. 196768.Publ. Avulsas Mus. Pa. Emílio Goeldi, Belém, 13:13-30.il. Os novos sítios paleoindígenas permitem uma visão mais detalhada e completa quanto: Sua área de dispersão; Sua extensão temporal (através dos sedimentos do final do Pleistoceno e início do Holoceno); Fauna e flora existentes na época; Maiores detalhes no relatório anexo. 3. Conclusões e publicações 3.1.Possibilidades de destruição e ou impossibilidade de escavações. Várias barragens estão projetadas para futuro próximo no rio Uruguai e afluentes. Dezenas de importantíssimos e insubstituíveis sítios paleoindígenas serão encobertos pelas águas. Faz-se necessário então um Programa de salvamento arqueológico permanente, extenso, intenso com pessoal e verbas suficientes para a extração a tempo das evidências e dados arqueológicos. Programas semelhantes são necessários também para outras áreas como os rios Ibicuí, Jacuí, Jaguarão, etc... Onde no futuro próximo também estão projetadas áreas de inundação por barragens, reflorestamentos, florestamentos, terraplanagens, aterros, etc... 3.2. quanto ao paleoíndio17 e presentes resultados, as notas aqui anexas serão publicadas pelo comitê respectivo do XLI Congresso Internacional de Americanistas-México-1974. somam um total de 2.052 peças líticas e não há menção do número de peças ósseas. Neste ponto Miller aponta ser um trânsfuga conceitual, pois passa a mencionar paleoíndio. Paleoíndio é uma referência a ocupações humanas da América do Norte onde cronologia e ergologia são claramente definidas. 17 VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 122 Documento 03 Relatório-1975 Sec-Dac MARSUL Parte Geral 1. Eurico Theófilo Miller 2. Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (MARSUL) 3. Título do Projeto: Programa de Pesquisas arqueológicas sobre o Paleoíndio, Paleofauna, paleoclima do rio Uruguai, Ibicuí e áreas próximas do RS. 4. Tipo de Bolsa e Auxílio: 4.1.Bolsa: Especial de Pesquisa V (renovação) Processo Antropologia 41/74. 4.2.Auxílio: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 4.3.Auxílio: Smithsonian Research Foundation, Washington D.C.20560-PaleoIndian Research- Fun.SFC 2-5879. 5. Regime de Trabalho: Tempo Integral 6. Período de Vigência: 6.1.Bolsa: 12 meses (março 1975-fevereiro 1976) 6.2.Auxílio: 05 anos (março 1972- fevereiro 1977) Parte Técnica: 7. Introdução Dentre os pontos específicos do plano de pesquisa proposto pelo programa foram executados: 7.1.Localização de mais 06 (seis) sítios paleoindígenas além dos 14 (catorze) identificados em 1974-75 e um (1) sítio localizado em 1967-68, no Rio Grande do Sul. 7.2.Testes estratigráficos e escavações com coleta In situ de evidências arqueológicas (líticas). 7.3.Coleta de amostragens de carvão para as datações absolutas pelo método de C 18 14. 7.4.Limpeza e catalogação das evidências arqueológicas. 8. Descrição: 8.1.Os trabalhos de campo de localização e identificação de sítios paleoindígenas além da área da região da Campanha gaúcha estenderam-se ao nordeste do Estado compreendendo porções do Planalto e da Depressão Central, motivados: Pela presença ou ocorrência fortuita e acidental 19 de restos de megafauna extinta (Osório Irai...).Pela presença, nos patamares de rios e suas barrancas, Sinos etc. de solos assemelhados aos já contatados na Campanha Gaúcha, ou seja, solos que refletem o potencial fluvial, havendo uma sucessão cronológica do Pleistoceno superior com solos formando grosso modo três (3) horizontes estratigráficos principais, sendo que o inferior, raramente não esta encoberto pelas águas fluviais, e se constitui de bancos de seixos rolados e ou de areias grosseiras. O estrato intermediário é constituído de solos argilosos com sucessão brusca para o estrato superior constituído por solos arenosos e humosos. Cada um destes horizontes pode ser, por sua vez, subdividido em vários outros estratos. Por ser o nordeste do Estado a região de maior índice pluviométrico contrastando sensivelmente com a Campanha. Por seu provável maior potencial florístico e faunístico, na época paleoindígena, considerando, como hipóteses de trabalho, como reflexo de provável potencial hídrico superior ao da Campanha dentro do mesmo horizonte temporal, e os possíveis reflexos na presença do paleoíndio na porção nordeste do Estado. 18 Miller em nenhum de seus relatórios apresenta qualquer datação de C 14; isso mantinha também a comunidade científica na expectativa. 19 Miller não explicita o que seria uma ocorrência acidental de megafauna. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 123 Saul Eduardo Seiguer Milder 8.2.Na região da Campanha (Uruguaiana) foram localizados 2 (dois) sítios paleoindígenas: RS I 94-Imbaá-2 situados no horizonte estratigráfico VIII (veja relatório de 1974) RS I 95-Imbaá-3,20 também situado no horizonte estratigráfico VIII. Distando entre si cerca de 2.500 m, se localizam à margem esquerda do rio Uruguai, apresentam dificuldades para escavações prolongadas devido à oscilação do nível pelas cheias. No entanto foi possível extrair uma apreciável amostragem perfazendo 153 peças líticas, compreendendo: 9 núcleos (com destaque de lâminas e lascas), 13 lascas grandes e grossas (sobras de núcleos), 13 lascas médias e finas (50-30mm), 8 lâminas médias finas (50-30mm) 31 lascas pequenas (30-15mm) 65 micro-lascas (10-5mm) Em RS I 94 encontram-se pequenos fragmentos ósseos não identificáveis.96% tem o basalto como matéria-prima. Os retoques intencionais são pouco numerosos e evidentes e mesmos os micro-lascamentos, resultantes do uso, cobrem pequenas porções das arestas (6-15 mm).As lascas são obtidas por percussão direta e indireta em plataformas naturais e raramente preparadas, e quando de modo simples. 8.3.Na região nordeste do Estado foram feitas várias pesquisas de campo nos patamares dos rios: Pelotas (Bom Jesus) Uruguai (Iraí) Antas (Bom Jesus e S. Francisco de Paula) Sinos (Taquara, Igrejinha, Rolante, Santo Antônio). Maquiné (Osório) Como conseqüências: As pesquisas de campo revelaram a existência de horizontes estratigráficos de transição pleistocênica-holocênica em todas as áreas apontadas. Porém os melhores resultados foram obtidos no rio dos Sinos. Cremos que isto se deve apenas pelo maior número de pesquisas de campo aí efetuadas, motivadas pela proximidade ao MARSUL, que permitiu o controle sistemático das enchentes e vazante, principalmente em Taquara, por todo o ano de 1975 (a fora julho -setembro). Nesta região foram localizados 4 (quatro) (sítios arqueológicos paleoindígenas tardios) nas barrancas do rio dos Sinos, que são: RS S 363: Prainha (Taquara) RS S 364: Paredão (Taquara) RS S 365: Pinheirinho (Rolante) RS S 366: Santo Antônio O mais profícuo é o RS S 363 que não só apresenta testemunhos culturais paleoindígenas como uma seriação cronológica (agora representada por cinco níveis distintos que culmina com os restos da época atual) (1848-1975: Passo do Mundo Novo). Do período paleoindígena, especificamente, nestes 4 (quatro) sítios foram recuperados 38 evidências lítica. Por ora estes níveis culturais não apresentaram vestígios ósseos de fauna pleistocênica (somente nos níveis culturais dentro do Holoceno há evidências ósseas). Os líticos compreendem: 4 Talhadores (choppers, chopping-tools) 7 núcleos 3 batedores 9 lascas com evidência de uso 20 Esses sítios depois serão chamados de Imbaá, porém com o número 70 e 71. Não se sabe porque Eurico Th. Miller trocou os números de catálogo dos sítios. Até mesmo nas fichas de datação aparecem determinados números que, posteriormente, nas publicações estão relacionados a outro sítio. Miller trocou as datações ou reorganizou as coleções. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 124 Tipologicamente, os talhadores assemelham-se mais ao pertencente ás fases précerâmicas posteriores, cronologicamente, situadas no nordeste do Estado. Isso parece evidenciar um relacionamento de uma Tradição cultural desde o paleoíndio até a Tradição Taquara,21 possuidora também de implementos cerâmicos. 9. Análise dos resultados: 9.1.Apesar do atual reduzido número de dados auferidos quanto ao paleoíndio no nordeste do RS, há semelhança tipológica dos artefatos paleoindígenas com aqueles líticos pertencentes principalmente á Tradição Antas22 especificamente a Fase Camboatá e á Traição Taquara pertencentes ao horizonte cerâmico. Quanto ás outras fases culturais pré-cerâmicas da região os dados ainda são insuficientes, mesmo para uma análise grosseira. 9.2.No tocante aos resultados obtidos no rio Uruguai com mais dois sítios paleoindígenas, a análise dos valores fornecidos pelos novos subsídios não vem alterar significativamente o quadro já obtido em 1974 (veja relatório 1974).De qualquer modo houve um aumento substancial de dados que influirão nas conclusões finais de 1977. 10.Conclusão e perspectivas de publicação: 10.1.na região da Campanha: Os resultados de 1975 vêm confirmar os obtidos em 1974 quanto: A extensão temporal desde os horizontes estratigráficos IX até o VI (13.000-6.000 A C) Culturalmente pertencem a uma Tradição de lascas e núcleos; Não eram especializados estritamente na caça a megafauna, e pescavam; O hábito de acampar prolongadamente junto aos baixios, principalmente ao longo das corredeiras dos rios os aponta também como coletores de moluscos e peixes. 10.2.No nordeste do Estado, previamente pode-se concluir: Há um philum cultural entre o paleoíndio e o índio pré-cerâmico e cerâmico das tradições Antas e Taquara. Observam-se pequenos acampamentos juntos principalmente a locais lacustres e fluviais; Não é possível afirmar sobre a extensão temporal e espacial destes sítios, porém: Em relação à configuração respectivamente da Campanha e Depressão Central (nordeste) pode-se dizer que dificilmente serão encontradas grandes concentrações de restos líticos paleoindígenas na Depressão Central. A causa seria justamente a não concentração da caça e da coleta devido à homogeneidade ambiental no tocante ao trinômio, água-vegetação-caça, observável na Depressão Central. Oposto se verifica na Campanha: concentrações de sítios arqueológicos paleoindígenas (e mesmo pré-cerâmicos em geral) devido aos campos limpos e matas de galeria, causando as concentrações biológicas e vegetais e animal, ao longo dos rios, grandes e pequenos. 10.3.Atualmente estamos no final do 4º ano deste programa. As publicações serão realizadas a partir do final do 5º ano do mesmo, ou seja, em meados de 1977. 11.Não há bibliografia brasileira ou estrangeira sobre o Paleoíndio no Rio Grande do Sul. O relatório, 1974, foi apresentado no México em 1974 por ocasião do XLI Congresso Internacional de Americanistas. 12.Projetos 12.1.Para 1976-77 estão previstos, devidos os resultados obtidos, três projetos: 1º Pesquisas arqueológicas Paleoindígenas na Campanha (Uruguaiana). 2º Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no nordeste do RS. (as demais páginas do relatório tratam das pesquisas em Rondônia e Mato Grosso). 21 J. Brochado, em comunicação pessoal, diz que Eurico Th. Miller acreditava em uma evolução local de uma tradição cultural com ampla valência temporal, até mesmo em um desenvolvimento da agricultura local, independente dos demais centros agrícolas. 22 J. Brochado em comunicação pessoal, diz que esta tradição não faz parte do PRONAPA e que não aparece na literatura. Talvez fosse uma criação temporária de Miller. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 125 Saul Eduardo Seiguer Milder Documento 04 Relatório 1976 Parte Geral Eurico Theófilo Miller Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (Marsul) Título do Projeto: Pesquisas Arqueológicas nos Sítios Paleoindígenas RS-I-69: Laranjito e RS-I-70: Imbaá23 -1. Tipo de bolsa e auxílios: Bolsa FAPERGS - Especial de Pesquisa - Arqueologia 85/76 Nível -V (Renovação - segundo). Auxílios: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Smithsonian Institution, USA - Paleo-Indian Research - Fund. Número 2-5859 Regime de Trabalho: Especial (integral) Período de Vigência: Bolsa Especial de Pesquisa, meses; março/76 a fevereiro /77. Parte técnica Introdução: as escavações fornecem dados para responder à maioria dos itens inclusos no plano de pesquisa, principalmente no sítio RS-I-69: Laranjito devido a sua maior altimetria em relação ao nível oscilante do Rio Uruguai. Este sítio apresenta o nível paleoindígena superior a, em média, 100 cm positivos. Originalmente o projeto compreendia apenas o sítio RS-I-70: Imbaá -1. Foi ampliado devido às dificuldades acima apontadas. Pouco material arqueológico foi obtido neste sítio, onde uma escavação contínua e sistemática é norteada pelas águas que encobrem fácil e constantemente, por estar, em média, os apenas 50 cm positivos das mesmas. Assim, as escavações arqueológicas foram reguladas pelo Rio Uruguai, ou seja, constante no sítio RS-I-69: Laranjito e, ocasionalmente em RS-I-70: Imbaá. 8-Descrição: Trabalho de Campo e Técnicas. Após determinar as áreas a serem escavadas, em cada sítio arqueológico, estas foram quadriculadas em unidades com dois metros de lado, tendo as mesmas desenvolvidas paralelamente ao Rio Uruguai. Tendo as estacas como referência elaborou-se um mapa topográfico, das áreas a serem escavadas, de cada sítio e das circunvizinhanças; As escavações foram efetuadas em níveis de 1 (?) em 10 centímetros subdividindo a maior parte dos sedimentos naturais. Horizontalmente, ou seja, planimétricamente a escavação acompanhou concordantemente o desenvolvimento da estratigrafia natural, em ambos os sítios. Usou - se preferencialmente o método de escavação por raspagem e incisões de 5 em 5 milímetros, devido à textura e consistência dos sedimentos férteis em evidências arqueológicas. Em RS-I-69: Laranjito foi possível um poço teste o embasamento do arenito metamórfico, que se situou a 150 centímetros abaixo do Rio Uruguai médio, perfazendo ao todo 650 centímetros de profundidade. Constatou-se a existência segura de mais três níveis arqueológicos, representados por restos de carvão e artefatos líticos. Portanto em RS-I69: Laranjito existe pelo menos quatro níveis arqueológicos Paleoindígenas. As evidências tanto arqueológicas como paleontológicas de natureza lítica, óssea e vegetal, amostragens de solo para exame polínico etc., foram devidamente coletados, acondicionados, rotulados, catalogados em campo e, quando os casos, em laboratório foram limpos e novamente catalogadas. As escavações foram acompanhadas por registros fotográficos panorâmicos, estratigráficos, das técnicas empregadas e, das evidências arqueológicas e outras quando de utilidade científica. Paralelamente, foi efetuado o mapeamento das evidências In situ. 23 Confirmam-se aqui as notas anteriores de que Miller trocou a catalogação dos sítios sem explic ações para os financiadores. O sítio mencionado aqui já faz parte, em nosso entendimento, de um subprojeto do PROPA. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 126 9-Análise preliminar dos dados obtidos em campo em RS-I-69: Laranjito e RS-I70: Imbaá -1. Amostragens: foram recuperadas em escavações, 682 evidências líticas em arenito metamórfico, basalto e calcedônia. Compõem-se de pequenos raspadores, talhadores tipo chopper, percutores, pontas de projétil, pré-formas bifaciais, lâminas lascas e grande quantidade de micro lítico e núcleos. Dos mais significativos são os restos ósseos alguns com evidentes sinais de utilização pelo paleoíndio. Restos de sementes e amêndoas carbonizadas em pequena quantidade. Além do que se possui, é possível a coleta de vasta amostragem de restos de ramos, troncos e folhas em leitos fósseis (de canais) de arroios extintos. Pelo mapeamento das evidências, foi possível a determinação de aglomerados e conjuntos líticos que serão analisados em seus conteúdos. Nos cinco níveis arqueológicos Paleoindígenas, quatro em RS-I-69: Laranjito, a espessura dos níveis não ultrapassa a 15cm e os líticos se manifestaram numa faixa de 8cm. Estes horizontes arqueológicos apresentam-se ricos em carvão arqueológico em toda a extensão das escavações. Vários restos de antigos fogões antigos foram localizados e amostragens de carvão foram processadas, pelo Smithsonian Institution, para datação absoluta pelo método de C 14, cujas: Datações, obtidas recentemente, permitem as cinco camadas arqueológicas, uma situação cronológica entre 9.000 e 11.000 anos antes do presente. A matéria-prima lítica utilizada é a mesma encontrada nas proximidades: arenito metamórfico, basalto, calcedônia. Serão feitos estudos relativos aos tipos tanto de artefatos quanto de matéria-prima empregada para averiguar a intencionalidade e ou causalidade preferenciais. Os estudos atuais parecem apontar para um domínio tecnológico suficiente desenvolvido para utilizar qualquer tipo de líticos paralelamente aos preferenciais. Também o osso foi utilizados na confecção de artefatos. Seu reduzido número e causas, ainda não estão esclarecidos, se decorrente do tipo de sítios ou condições pouco propícias à conservação devido à acidez do solo. Não foram encontradas evidências culturais em madeira. Esta matéria-prima se conservou no leito dos arroios fósseis, não sabemos a conservação da mesma nos sítios, onde, somente em estado carbonizado e fragmentado a mesma se faz presente sem assumir a forma de artefato. Neste sentido, especial cuidado é delegado aos maiores fragmentos de carvão. O nível Paleoindígena menos profundo caracteriza - se por uma indústria de bifaces tanto em RS -I- 69: Laranjito como em RS-I-70: Imbaá (pontas de projétil e pré formas bifaciais e facas bifaciais). Conclusões: o estado atual das análises nos permite, apesar de não concluídas, algumas conclusões prévias e parciais. Pode - se dizer com certeza que (em áreas ao longo dos sítios arqueológicos RS-I69: Laranjito e RS-I-70: Imbaá -1) o homem - o Paleoindígena - já habitava as margens do rio Uruguai há pelo menos 11.000 anos atrás. Seus artefatos líticos eram resultantes de uma indústria de bifaces incluindo pontas de projétil, pequenos e médios raspadores. Uma das técnicas empregadas é a percussão direta dura obtida tendo um seixo rolado como percutor. Outra é à pressão utilizada nas pontas de projétil. Em sua alimentação participavam pequenos e grandes animais, alguns extintos atualmente. Pelos restos carbonizados de amêndoas ou sementes, estes Paleoíndios, além de caçadores eram coletores. A localização dos sítios junto a corredeiras (Baixios) afloramentos rochosos e arroios onde abundam moluscos dulciaqüícolas e peixes de toca como o jundiá, cascudo muçum, e outros, permitiria a apreensão e coleta dos mesmos. A antiga localização destes sítios junto à confluência de rio com arroio é comprovada pelos sedimentos flúvio - lacustres que preenchem os leitos fósseis (de canais de) arroios extintos ou desviados. A caracterização das indústrias contidas nos demais níveis arqueológicos Paleoindígenas só será possível com a retomada e ampliação das escavações em RS-I-69: Laranjito, difícil de execução devido sua Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 127 Saul Eduardo Seiguer Milder situação abaixo do nível médio do rio Uruguai e a intensa infiltração das águas através das vertentes. Outras conclusões, dependentes das análises finais, serão apresentadas quando do relatório final deste projeto. Outras ainda dependerão de mais escavações em RS-I70: Imbaá em 77/78, por solicitação e sugestão do especialista em paleoíndio do Smithsonian Institution Dr. Dennys Stanford que apreciou no Marsul, na primeira quinzena de dezembro /76, os resultados arqueológicos dos sítios Paleoindígenas. Também participaram do encontro os Drs. Clifford Evans e Betty Meggers do SI que opinaram pela continuidade dos trabalhos. Documento 05 Relatório Final - 1977 Parte geral Eurico Theófilo Miller Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (Marsul) Título do Projeto: Pesquisas Arqueológicas nos Sítios Paleoindígenas RS-I-69: Laranjito e RS-I-70: Imbaá. Tipo de Bolsa e Auxílio: Bolsa: FAPERGS- Especial de Pesquisa - Arqueologia 85/76 NÍVEL V (Renovação - segunda). Auxílio: Smithsonian Institution, USA - Paleoindian Research - Fund. No. SFC 255879. Regime de Trabalho: Especial (integral). Período de Vigência: Bolsa Especial de Pesquisa, 12 meses: março / 1976 a fevereiro /1977. Parte Técnica Introdução: As escavações e investigações de 76/77 forneceram uma gama de dados satisfatórios, em nível de primeiro projeto, - para responder à maioria dos níveis que compõem o plano de pesquisa, com especial destaque do sítio RS-I-69: Laranjito, devido a sua maior altimetria em relação ao rio Uruguai. RS-I-69: Laranjito apresenta nível arqueológico Paleoindígena superior a, em média, 100 cm positivos. Originalmente o projeto compreendia apenas o sítio RS- I - 70: Imbaá-1. No entanto, devido às dificuldades oriundas - da instabilidade e oscilação das águas do rio Uruguai, o projeto foi ampliado para minimizar o efeito prejudicial das pequenas cheias, conforme comunicado de agosto de 1976. Por estar a apenas 50 cm acima das águas normais e mais sujeito às submersões aquática, pouco material arqueológico foi extraindo deste sítio. Não foram possíveis escavações contínuas e sistemáticas. Assim, as escavações arqueológicas junto ao rio Uruguai, em estratos contendo (?) evidências Paleoindígenas, constituir-se-ão em empreendimentos de difícil execução, como o estão sendo estes dois sítios Arqueológicos, interrompidos pelas cheias, seja de curta ou longa duração, confrontando-se com problemas de ordem científica e econômica principalmente, originados pelas cheias que além da destruição dos estratos geológicos, miscigenam as evidências arqueológicas, nelas contidas. A retomada das escavações, pelos trabalhos extras e períodos de tempo inativos, representam um encargo econômico não previsível e só agora avaliava. Descrição: Trabalho de Campo e Técnicas. As áreas selecionadas para escavações, após a coleta de superfície prioritária, obedeceram à mesma quadriculagem de coleta superficial, tanto em estratos geológicos contendo evidências pré-cerâmicas arcaicas como evidências Paleoindígenas. Foram quadriculadas em unidades com dois metros de lado, com desenvolvimento paralelo a margem do rio Uruguai. Em cada sítio, elaborou-se um mapa topográfico, das áreas a serem escavadas e das circunvizinhanças. As escavações foram desenvolvidas em níveis de 10 em 10 centímetros, subdividindo a maior parte dos estratos naturais. Planimétricamente a escavação VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 128 acompanhou o desenvolvimento da estratigrafia natural, em ambos os sítios arqueológicos.24 A escavação, em ambos, os sítios, foi efetuada por método de raspagem vertical, dissolução dos sedimentos e incisões de 5 em 5 milímetros, devido à variação dos tipos de sedimentos férteis em evidências arqueológicas. No sítio RS-I-69: Laranjito foi possível a escavação de dois poços - teste até o embasamento de arenito Metamórfico, que se situou a 150 centímetros abaixo do rio Uruguai médio, perfazendo ao todo 250 centímetros de profundidade relativa ao barranco atual. Nestes cortes constatou-se a presença segura de mais três níveis arqueológicos Paleoindígenas, representadas por restos de carvão disperso e artefatos líticos (lascas e percutores). Até o presente, portanto, esta constatada um mínimo de quatro níveis Paleoindígenas para RS-I -69: Laranjito. Para RS-I-70: Imbaá -1 só foi possível contatar um nível Paleoindígena. As evidências tanto arqueológicas como Paleontológicas de natureza lítica, óssea e vegetal, amostragens de solo para exame polínico etc; foram devidamente coletados, catalogados, rotulados, acondicionados em campo e, quando os casos, em laboratório, foram novamente limpas e catalogadas na sistemática do Marsul. Os levantamentos e escavações foram acompanhados por registros fotográficos panorâmicos, estratigráficos, das evidências arqueológicas e outras, quando de utilidade científicas diretas e indiretas. Concomitantemente, elaborou - se o mapeamento, In situ, de todas as evidências reconhecíveis, seja de natureza arqueológica ou paleontológica (fito e zôo paleo - evidências), bem como a presença de paleo solos e seu delineamento em relação aos solos atuais. Análise preliminar dos dados obtidos em pesquisa de campo - nos sítios RS-I-69: Laranjito e RS-I-70: Imbaá -1. Amostragens: foram recuperadas em escavações, 898 evidências arqueológicas paleoindígenas líticas em arenito metamórfico, basalto e calcedônia. Compõe-se de pequenos raspadores, talhadores tipo chopper de feitura rústica (para um diagnóstico correto, o número de peças é pequeno), percutores, pontas de projétil, pré-formas bifaciais, lâminas, núcleos e grandes quantidades de lascas e principalmente micro lascas e micro-lâminas resultantes de lascamento, ou melhor, de desbastamento por pressão. Apesar de pouco, os restos ósseos de fauna extinta pleistocênica apresentam, em sua maioria, evidências de utilização pelo paleoíndio, representados por incisões e entalhes. Foram recuperadas algumas sementes e amêndoas todas carbonizadas, junto aos focos de carvão, sugerindo sua utilização alimentar pelo Paleoíndio. Dos mais significativos são restos vegetais/fósseis, representados por troncos, galhos e folhas em leitos fósseis de arroios extintos, atualmente encobertos por sedimentos Holocênicos. Demonstram a ocorrência de mudanças pelo menos geomorfológicas por alterações climáticas. Pelo mapeamento das evidências arqueológicas, verificou - se a existência de várias concentrações ou conjuntos, coincidentes com focos de carvão. Por analogia - 24 Na Formação Touro Passo e demais depósitos fluviais da região, os sedimentos foram depositados em forma de cunha, assim, é impossível escavar planimetricamente sem misturar elementos de camadas litoestratigráficas diferentes, e por consequência, o material arqueológico. A grande interrogação é: quando os estratos litoestratigráficos e antropogênicos não são divisíveis por 10, qual deve ser a atitude do arqueólogo ou o critério para uma subdivisão? Poderemos ainda cogitar quando dentro da litoestratigrafia ocorrem várias ocupações separadas por milênios, porém estando na mesma massa homogênea serão escavadas em níveis artificiais misturando cronologias diferentes e até talvez grupos como economia igual, mas com características étnicas e sociais diferentes. Fica claro que quando trabalhamos com níveis artificiais não estamos interessados em etnicidade ou relações sociais dentro do espaço capsular do sítio arqueológico basta apenas recolher materiais arbitrariamente divididos dentro de uma ótica cartesiana de rigorosos 10 cm. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 129 Saul Eduardo Seiguer Milder conclui - se que as evidências não foram perturbadas ou deslocadas após o abandono do sítio, há mais de dez mil anos atrás.25 Nos cinco níveis arqueológicos paleoindígenas, quatro em RS-I-69: Laranjito, a espessura dos níveis não ultrapassou a 15 centímetros, sempre delimitada por carvão esparso e ou aglomerado. A evidências líticas se manifestaram normalmente numa faixa de oito centímetros. Em RS-I-70: Imbaá -1 ocorrem restos vegetais paleontológicos imediatamente abaixo do nível Paleoindígena, cerca de 15 a 25 centímetros; estão estratificados. Estes níveis ou horizontes arqueológicos apresentam-se ricos em carvão arqueológicos, ultrapassando em todas as dimensões horizontais (vários metros) e verticais (alguns centímetros), a área ocupada pelas evidências líticas. O testemunho de antigos fogões é representado por aglomerados de carvão sobre argila queimada e, conta-se com número elevado; tem aspecto circular não ultrapassando a 100 centímetros de diâmetros. Alguns blocos foram extraídos contendo estes testemunhos e transferidos para o Marsul. Amostras de carvão coletadas - USA, para a obtenção de datações absolutas pelo método de C 14, cujos resultados incluem: Uma série de seis amostras de carvão Paleoindígena, obtidos em 1976/77, permite elaborar uma seqüência cronológica, consiste e concordante coma seqüência estratigráfica, situadas entre 9.000 e 11.000 anos antes do presente (1950). A consistência destas datações foi reforçada e confirmada (e vice - versa) por outras 11datações de outros sítios Paleoindígenas próximos e de mesmas características arqueológicas e geológicas, recentemente datados. A matéria-prima principal é constituída pela lítica na confecção e preparo dos artefatos. É a mesma principalmente encontrada em forma de seixos rolados, formando bancos sobre o leito rochoso do rio, geralmente junto às corredeiras. É constituído preponderantemente por arenito metamórfico, basalto, calcedônia e pequeno quantidade de outras rochas. Os artefatos apontam o seguinte quadro: arenito metamórfico 53%, basalto 36%, calcedônia 9% e para outras 2% ; para RS-I69 e, para RS-I-70 87% basalto, 9% de arenito metamórfico e 4% para a calcedônia, em ambos os sítios foi mais empregada na feitura de pontas de projéteis e pequenos raspadores. A presença de raros artefatos ósseos aponta também a este como matéria-prima pobremente fossilizada, sua conservação não permite uma avaliação segura e integral peças tidas como artefatos. Seu reduzido número e causas, apesar da retomada dos trabalhos de campo, ainda não estão esclarecidos se, decorrentes do tipo de sítio, se pouco utilizada para artefatos, se resultante das condições pouco favoráveis dos estratos para a conservação de substâncias orgânicas perecíveis em ambientes ácido. Não foram encontrados restos de artefatos em madeira; Paleontológicamente há evidências da possibilidade de conservação desta matériaprima, como está demonstrado nos leitos de arroios fósseis. Não se sabe da conservação da madeira dos sítios onde, a mesma está presente em estado 25 Miller demonstra uma tendência de sua época onde tudo que está na superfície é rolado e tudo que esta em camadas estratigráficas está In situ. E Miller ignorava que existem componentes primários, para que se possa considerar uma dimensão geoarqueológica dentro de um determinado estudo. Um dos componentes é a formação do sítio com a ação de pessoas, animais, agentes geomorfoló gicos, sedimentos arqueológicos e biogenéticos. Desta forma, deve-se fazer uma distinção dos materiais: (a) material produzido no sítio pelas pessoas ou animais, sua forma original e sua forma final; (b) materiais que representam alterações bioquímicas; (c) materiais que foram transformados primariamente e compõe um novo sedimento de origem humana e atuação de agentes físicos. Avaliação do processo de arqueosedimentação para elucidar as atividades no assentamento no espaço e no tempo. As modificações ocorridas no material arqueológico antes do soterramento do sítio também devem ser apreciadas: ação da água, gravidade, deflação e remoção humana intencional; modificações pós-deposionais: animais fossadores, organismos subterrâneos, expansão e contração dos sedimentos e alterações bioquímicas. Posteriormente pode ocorrer a destruição do sítio e dispersão dos artefatos causados por: umidade, chuvas, deflação e intervenção humana. A interpretação das evidências como primárias, semiprimárias ou contexto secundário. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 130 carbonizado e fragmentado sem, entretanto apresentarem indícios que sugiram terem participado de algum artefato com mostras de indício de trabalho humano. Neste sentido, especial cuidado é delegado a todo e em especial aos maiores fragmentos de carvão, tanto de animal como vegetal. O nível Paleoindígena menos profundo (6,80-6,90) é o mais rico em restos arqueológicos de natureza lítica apresentando evidências concretas, percentualmente de feitura bifacial. Em ambos os sítios esta característica é observável (pontas de projétil e pré - formas bifaciais) 10. Conclusões preliminares: o estado das análises nos permite apesar de que em nível experimental, algumas conclusões prévias e parciais, por não termos elementos suficientes para delimitar e traçar os contornos ou limites (?) e, dentro deles extrair através das escavações, toda a gama de dados possíveis se necessários e, quem sabe, não previstos pelo inquérito do plano no projeto. Há consistência suficiente, através de datações obtidas em laboratórios criteriosos (C 14) nos Estados Unidos do Norte (USA) e Japão, para poder se afirmar que às margens do Rio Uruguai, em Uruguaiana, o homem, aqui denominado Paleoindígena, já exercia suas atividades quotidianas, tomando posse das terras de onde extraia o necessário para o sustento pelo menos individual. Pelo conjunto de fogões, haveria a constituição de pequenos grupos que formariam pequenas famílias.26Seriam caçadores, coletores, pescadores, pelos restos de artefatos, flora e fauna (terrestre e aquícola). Os restos ósseos atuais, no sentido arqueológico, de fauna pleistocênica, incluem os cervídeos, como os provavelmente abatidos. Apesar de restos ósseos de megafauna extinta, nos estratos arqueológicos e geológicos similares, nestes não há evidências claras de abate e processamento (descarne) pelo Paleoindígena. Seus artefatos líticos mais diagnósticos, os classificados como portadores de uma indústria do tipo bifacial caracterizada por pontas de projétil, pré-forma e facas. Completando o rol de artefatos líticos, temos os não bifaciais como pequenos médios e grandes raspadores, talhadores pequenos tipo chopper, pedra-bigorna, percutores, lâminas, lascas com retoques e evidências de uso. 10.3-Uma das técnicas empregadas é a percussão direta dura obtida tendo um seixo rolado como percutor. Outra é a Pressão utilizada para retocar pontas de projétil, raspadores, facas e talhadores tipo chopper. Com a exceção da indústria contida no estrato superior, indústria de bifaces com pontas de projétil, as demais indústrias ocorridas nos demais estratos (mais antigos atingindo um mínimo de 11.000 anos antes do presente) ainda permanecem uma incógnita, pois, as poucas evidências arqueológicas, constituem-se em alguns percutores sobre seixo rolados e lascas com algumas evidências de uso, além de grânulos de carvão. Assim, a caracterização total dependerá da continuidade das escavações, em sentido horizontal e vertical, prioritariamente à margem do rio e a intensa infiltração das águas através de porejo e vertentes. A localização dos sítios paleoindígenas é coincidente através dos tempos com os demais sítios indígenas, ou seja, junto ás corredeiras (baixios), afloramentos rochosos e arroios, pela abundância de coleta de moluscos e peixes de toca. A antiga localização é junto de arroio e rios são comprovados pelos leitos fósseis de arroios extintos ou desviados, atualmente preenchidos por sedimentos holocênicas. Apesar dos ótimos resultados obtidos quanto aos itens do plano do Projeto, alguns ainda não estão suficientemente entendidos e/ou não estão plenamente aceitos ou convincentes. Estas respostas estão sob sedimentos de até 9 metros de espessura, sendo necessárias mais escavações. Um projeto de salvamento arqueológico foi elaborado e enviado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional e ao Smithsonian Institution que já o aprovou, assegurando a continuidade das pesquisas. 26 O sítio RS I 69, o Laranjito, apresenta os referidos fogões de E. Miller. A cronologia do sítio vai de 9.620 a 10.985 anos antes do presente. Fica muito claro a diacronia dos fogões, portanto não se pode imaginar que os vários fogões sejam contemporâneos e que representem um momento único na ocupação do sítio. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 131 Saul Eduardo Seiguer Milder Documento 06 Apêndice ao Relatório Paleoindian Research-Fund.N. . SFC2-5879 Programa de Pesquisas Arqueológicas sobre o Paleoíndio, Paleofauna, Paleoclima do Rio Uruguai, Rio Ibicuí e áreas próximas do Rio Grande do Sul, Brasil. Relatório de Paleoecologia27 - primeira fase (1/15/72 a1/15/73), Miguel Bombin. Introdução Na organização preliminar do projeto, tinha-se pensado numa estratégia, dividindo as áreas de estudo em quatro compartimentos: Arqueologia, Geologia, Paleontologia e Palinologia. Após os primeiros contatos com os consultores, feitos por nosso intermédio e com preparativos para o trabalho de campo e mesmo após a realização deste (em condições precárias, devido a fatores climáticos, conforme esta explicada no Relatório Miller), ficou evidenciado, ao nosso ver, a necessidade de um remanejamento na filosofia de pesquisa, subdividindo o projeto em apenas dois compartimentos: Arqueologia e Paleoecologia, fundamentado no seguinte: Sendo o fim último das áreas geológica e paleontológica, conclusões convergentes de ordem paleoecológica e cronológica, que sirvam de fundamento às finalidades da Arqueologia, o desenvolvimento de pesquisas paralelas e específicas de geologia e paleontologia, hipertrofiariam estas áreas, com dispersão de recursos: Quase o mesmo se poderia dizer em relação à palinologia, devendo - se abandonar, para cumprir as finalidades precípuas do projeto, o esquema tradicional, ou seja, partir do conhecimento da flora atual, pois, no Rio Grande do Sul, existem muitas lacunas taxonômicas e nada a respeito do pólen e cujo conhecimento, é tarefa para muitos pesquisadores, durante muitos anos. Sugerimos uma metodologia nova, com finalidade exclusivamente paleoecológica, baseada nas associações de famílias, gêneros ou espécies índices e no aspeto global do espectro polínico.(Para maiores detalhes, veja o nosso projeto de pesquisa em palinologia); Ficam simplificadas e mais objetivas a coordenação e execução do projeto. Assim sendo, dentro desta orientação, foi iniciadas a compilação da bibliografia necessária e a elaboração dos objetivos e métodos a serem utilizados. Objetivos da área paleoecológica Em longo prazo - Estabelecer qual o impacto do paleoíndio, sobre a megafauna extinta no Quaternário superior do Rio Grande do Sul, correlacionando, se possível, com fenômeno idêntico em outros pontos da América. Em médio prazo - Através do estudo da composição das populações de grandes mamíferos, dos espectros polínicos e dados geológicos, estabelecer quais condições paleoecológicas, reinantes no Quaternário superior do Rio Grande do Sul, quando da chegada do Homem Antigo na América e durante a sua dispersão. Em curto prazo - formar coleções paleontológicas sistemáticas e acumular evidências de caráter paleoecológico, especialmente através dos métodos sedimentológicos, geomorfológicos e palinológico. Metodologia da área paleoecológica (a curto prazo) 1. Paleontologia - Visitar afloramentos fossilíferos conhecidos e realizar novas prospecções em sedimentos quaternários, para: 1.1. Conhecer as suas potencialidades para o projeto; 1.2.Recolher amostragem para fins taxonômicos e cronológicos 1.3.Localizar possíveis associações megafauna/paleoíndio. 2. Palinologia - concomitantemente com a prospecção: 2.1.Recolher amostragem nos sedimentos quaternários; 2.2. Estudo de ambientes de sedimentação atuais c/ relação à associação vegetal circunvizinha, para aperfeiçoar o método; 27 O trabalho de Miguel Bombin resultou em uma publicação denominada : Modelo Paleoecológico evolutivo para o neoquaternário da região da Campanha-Oeste do Rio Grande do Sul (Brasil), a Formação Touro Passo, seu conteúdo fossilífero e a pedogênese pós-deposicional. Comunicações do Museu de Ciências PUCRS. Porto Alegre, v. 15, 1976,190p. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 132 2.3.Aplicação do método de seriação palinológica (vide projeto de pesquisa palinológico). 3. Geologia - Durante a prospecção: 3.1.Traçar na medida do possível, as linhas gerais da evolução morfogenética regional; 3.2.Observar as seqüências estratigráficas e a possança dos sedimentos; 3.3.Mapear as bacias sedimentares e as rochas fontes; 3.4.Localizar possíveis fontes de matéria-prima para implementos líticos. 4. No Laboratório: 4.1.Classificar e determinar o ambiente de sedimentação das amostragens recolhidas. Observações sobre a pesquisa de campo na bacia do rio uruguai Observações geológicas Alguma coisa já foi dita no Relatório Miller, como de resto, sobre todos os aspetos da pesquisa de campo. Entretanto, é interessante detalhar alguns pontos importantes: Em todos os tributários do Rio Uruguai examinados (vide Relatório Miller), as barrancas sedimentares, são compostas por depósitos muito recentes, de idade quaternária superior e jazendo diretamente sobre rochas mesozóicas, verificando se, portanto, um grande hiato estratigráfico; Em todas as secções verticais examinadas, há uma seqüência sedimentar muito similar; de forma geral, de baixo para cima: 1. Unidades Litológicas Conglomerados brechas ou arenitos grosseiros, representando um regime de deposição torrencial, apresentam cor predominantemente amarela e passam gradativamente a; Arenitos finos, siltitos a argilitos, de cores geralmente claras, onde predomina o amarelo, o cinza e o cinza esverdeado, depositados num regime de menor energia; Um nível de paleossolo, de cor marrom predominantemente e com concreções calcárias Unidades Edafológicas. Nível de solo atual, geralmente preto. Voltamos a frisar, que esta seqüência é uma síntese geral, havendo variações locais, inclusive na espessura dos horizontes. 2. Observação paleontológica Sobre a localização geográfica dos afloramentos observados, vamos encontrá-la no relatório Miller. 2.1.Podemos dividir os achados fósseis em três categorias: 2.1.1Vegetais fósseis - foram encontrados diversos troncos carbonizados, de enorme valia para datação absoluta, pois além de conterem muito Carbono para exame, são encontrados, em sua grande maioria, na base daquela seqüência sedimentar apresentada acima, ou seja, na unidade I, esta situação estratigráfica, permite estabelecer o limite cronológico inferior do pacote de sedimentos, que contém os fósseis de mamíferos e os artefatos arqueológicos. 2.1.2.Moluscos fósseis - foram encontrados diversos gêneros e espécies de moluscos dulciaqüícolas, na unidade estratigráfica II, demonstrando as condições de deposição. As conchas encontradas estão sendo enviadas ao Prof. J.J Parodiz, do Carnegie Museum, único especialista no assunto; 2.1.3.Mamíferos fósseis - os restos da megafauna mamalógica, são encontrados nas unidades estratigráficas I e II, constituindo-se, geralmente, de peças e fragmentos ósseos isolados, embora não muito rolados, ou até nada rolados. Agora está se fazendo a análise do material, entretanto, durante o manuseio no campo, tivemos uma idéia da natureza da fauna; trata-se, sem dúvida, do horizonte faunístico Lujanense (da Argentina), ou seja, representativo do Pleistoceno mais superior sul - americano, estando de acordo com a datação de radiocarbono para o Glossotherium, encontrado por Miller, em 1968, juntamente com alguns Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 133 Saul Eduardo Seiguer Milder implementos líticos primitivos, no Lajeado dos Fósseis (Rio Ibicuí), com 12.770 + 220 (SI - 802). Observação sobre a pesquisa de campo em santa vitória do palmar Uma rápida prospecção foi realizada na bacia do Arroio Chuí, tendo sido observado, e m síntese: Observações geológicas - o mais interessante, é que se encontra uma semelhança estratigráfica bastante grande com a bacia do Rio Uruguai, com exceção da unidade I, acha-se representado um sedimento fino, cinzento, flúvio - lacustre, correspondendo à unidade II, da bacia do Uruguai, recoberto por um nível de paleossolo, em tudo idêntico ao nível edafoestratigráfico III da bacia do Uruguai, inclusive com concreções calcárias. Finalmente, há também um nível de solo preto, correspondendo à unidade IV do Rio Uruguai. Maiores observações serão feitas a posteriori, inclusive tratando do problema da transgressão pósglacial, que neste caso tem interpretação estratigráfica. Observações paleontológicas - neste local, encontramos uma representação muitíssima mais abundante, qualitativa e quantitativamente da fauna Lujanense; embora tenhamos feito uma prospecção muito rápida e não tenhamos encontrado restos de paleoíndio, até agora, acreditamos ser uma área muito promissora para o projeto, ainda mais tendo em vista as datações de C 14 obtidas (entre 7.000 e 9.000 anos AP. segundo comunicação pessoal de Paula Couto).Os fósseis aparecem no leito do arroio, que foi dragado recentemente e ao nível da água, no sedimento flúvio-lacustre. Esta formação fossilífera estende-se por muitos quilômetros, na Planície Costeira Meridional, inclusive com extensão submarina, na plataforma continental. Andamento das pesquisas palinológicas Até o presente momento, limitamo-nos a testar o método, tanto nos seus aspectos técnicos, como funcionais. Dos métodos de separação experimentados, tem funcionado melhor, acetólise e centrifugação, entretanto, continuamos tentando encontrar um sistema mais prático, para padronizar a pesquisa. Quanto à riqueza polínica, os sedimentos finos, que contém a fauna mamalógica, têm se revelados promissores e a conservação são satisfatórios, podendo prever a viabilidade de aplicação do método. Documento 07 N. do Sítio: I - 72. N. do Corte: Teste 1. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: PALMITO -1 480-520 cm N. de Catálogo: 5160. Situa-se a margem esquerda do rio Uruguai a cerca de 10 km acima de I - 69.O embasamento é de arenito metamórfico conforme é possível observar pelos afloramentos rochosos. A estratigrafia é conforme o modelo Laranjito, apresentando a camada fértil encimada pala camada sete sem evidências arqueológicas. A camada apresenta-se argilosa de cor castanha a cinzento contando algum carvão, alguns núcleos a várias lascas. A vegetação é de campo com mata ciliar e aos fundos uma elevada e extensa coxilha que serve para o plantio de arroz. As evidências líticas compõem apenas um pequeno foco. Não apresenta boas perspectivas para escavação. (veja o desenho). Eurico Th. Miller 09/4/74 VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 134 Documento 08 N. do Sítio: I-71. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Barbosa 0-400cm N. de Catálogo: 5159. Situa-se a margem esquerda do rio Uruguai, acima da confluência com o rio Ibicuí, cerca de 10 km no município de Itaqui. A estratigrafia está incompleta conforme o modelo Laranjito, porém os horizontes principais são os mesmos. Está presente a camada sete sem evidências arqueológicas e abaixo desta camada oito composta de solo argiloso castanho escuro entremeado de extratos areno-argilosos cinza-azulado. Nesta camada transparecia restos de carvão, líticos e ossos de fauna extinta. Foi extraído carvão para datação cerca de 15m. Rio acima encontra - se o estaleiro de motor e bomba de irrigação de arroz. O solo está embebido por óleo e carvão atual. Parece que o sítio se constitui somente neste foco ou conjunto de evidências. Eurico Th. Miller 08/4/74 Documento 09 N. do Sítio: I-70. N. de Corte: teste 3 e 4. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Imbaá-1 620-700cm N. de Catalogo: 5158. Em 1976 pretendeu-se uma escavação de salvamento, porém as constantes cheias não o permitiram, contudo mais dois testes foram efetuados com a coleta de líticos não associados a carvão há 200m rio abaixo dos testes 1 e 2 (1974) e um teste a 5m contra o barranco (em relação á 1974). O resultado foi compensador, pois além de algumas lascas foi escavadas uma ponta-de-projétil com concreções de CaCO3 no nível paleoindígena pela estratigrafia não perturbada. Foi elaborado um segundo desenho estratigráfico. Eurico Th. Miller 25/5/76 Documento 10 N. do Sítio: I-70. N. do Corte: 1 e 2. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Imbaá-1 700- 750cm N. de Catálogo: 5158. Situa-se a margem esquerda do rio Uruguai. O nível paleoindígena está a 710 cm abaixo do topo do barranco, na porção junto às águas. A profundidade dos sedimentos que o encobrem diminuem em direção ao barranco. Está encimado pela camada sete não portadora de evidências arqueológicas. Atualmente existe um arroio em meio ao sítio, não parece pleistocênico pela estratigrafia Estende-se por algumas centenas de metros acompanhando uma extensa corredeira basáltica, confronte a uma ilha. As evidências apresentam-se em conjunto ou núcleos. Grande parte está à mostra devido à erosão fluvial, muito forte neste local e conseqüentemente o sítio está extensa e intensamente obliterado (veja desenho). Foram efetuados dois testes com coleta de evidências líticas e ósseas. Eurico Th. Miller 14/4/74 Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 135 Saul Eduardo Seiguer Milder Documento 11 N. do Sítio: I-66. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Milton Almeida teste a 250 cm N. de Catálogo: 4533. Este sítio situado à margem direita do rio Touro Passo, junto a uma corredeira, em terras de Milton Almeida, foi o primeiro sítio arqueológico do Programa de Pesquisas Paleoindígenas, a apresentar características cronológicas sem dúvida pleistocênicas28, no município de Uruguaiana. As evidências arqueológicas transpareciam na barranca há 250cm abaixo do topo e a 45cm abaixo acima do embasamento basáltico (barranca). Estendia-se em linha horizontal por 6m de extensão. No teste, que abrangeu extensão por 60 cm barranco a dentro e cerca de 30cm acima e abaixo, além do nível citado, nos demais nada se apresentou, ou seja, o material arqueológico formou um estrato com no máximo 15cm de espessura. As evidências compostas de lascas, tendo na maioria raras evidências de uso, préformas de raspadores e talvez facas (?), apresenta incrustações de CaCO 3 ora em forma de concreções ora em figura de radículas. Alguns líticos soltos, acima desta camada, evidenciam as possibilidades de artefatos nas camadas superiores. Estão densamente concretados com CaCO3. Estratigraficamente observa-se as seguintes características: primeiro solo humoso cinza escuro com +- 30cm, segundo solo quase negro argiloso com algum CaCO3 na base e com +- 60 cm, terceiro solo argiloso cinza escuro com abundantes concreções de CaCO3, quarto solo cinza e cinza claro com concreções no topo principalmente, pouco argiloso, quinto solo cinza claro a palha e base avermelhada com contato com seixos e embasamento basáltico, CaCO3 em dissolução e algumas concreções. Eurico Th. Miller 14/01/74 Documento 12 N. do Sítio: I-66. N. do Corte: escavações. Nome do Sítio e Profundidade das Escavações: Milton Almeida, níveis de 0-390 cm. N. de Catálogo: 4534 a 4706. As escavações extensas e intensas deste sítio tiveram início em 17/2/74 com participação de 8 a 14 operários29 de Uruguaiana. Estratificam Para fins arqueológicos nos baseamos na descrição de 14/1/74 contida na ficha I-66: Milton Almeida número 4.533. As evidências escavadas depois de lavadas foram, com etiquetas, postas em sacos de papel e plástico. Sempre que evidente eram inscritas as observações necessárias, nos invólucros, para evitar a confecção de centenas de fichas que iriam se repetir nos detalhes desnecessariamente. Miguel Bombin retirou uma coluna de solo para exames polínicos. Foram executadas medições altimétricas pelo topógrafo Gama do DNER. Executamos a escavação por quadrículas de 2x2 m e de 10 em 10 cm, orientado o nível de acordo com a estratigrafia natural. Os desenhos necessários foram elaborados em papel milimetrado em escala 1:100 a partir de um datum. Maiores detalhes vejam os esboços. Somente na base do sítio junto ao basalto é que se evidenciaram dois fogões e raros restos ósseos na quase 28 O sítio, devido aos componentes litoestratigráficos, poderia indicar uma idade pleisto -holocênica, pois se situava na transição entre a Conglomerática e Lamítica. Os testes de C14 indicam uma data com referencial no holoceno antigo. 29 As fotografias deste sítio, publicadas por Miller (1987), indicam que inúmeros operários trabalharam. O material retirado do sítio na sua grande maioria, era componente geológico do nível Conglomerático, ou seja, tudo o que permanecia na peneira era embalado e guardado, mesmo sendo seixos e clastos, já também definidos por Bombin (1976).Esse é um outro sítio que revela uma ocupação in interrupta até a superfície, negando qualquer período em que ocorreu um abandono da região. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 136 totalidade reduzidos a pequenos fragmentos. Os trabalhos foram encerrados em 12/5 devido ao frio e cansaço dos operários e chuvas. Eurico Th. Miller 14/01 a 12/05/74 Documento 13 N. do Sítio: I-96. N. do Corte: superfície. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Fagundes N. de Catálogo: 5538. Localizado no município de Uruguaiana, Estância Imbaá de José Câmara Fagundes morador na sede a rua Gal. Câmara 2068, fone 441.O sítio é visível somente junto ao rio Uruguai sobre um afloramento rochoso e junto à barranca de 6 a 2 m de altura, constantemente erodida palas cheias. A várzea para plantio de arroz e criação de gado bovino e cavalar é utilizada. Situa-se a 1,5km abaixo da confluência do Uruguai com o Touro Passo. As evidências arqueológicas cobrem um período cronológico do Pré-ponta-de projétil até Tupiguarani (um caco de cerâmica, fase Icamaquã simples) conforme as evidências In situ 30 nas vários estratos da barranca. Os sítios situados próximos do rio e sobre as partes mais baixas do afloramento rochoso, estão cobertos pela pátina de óxido de manganês (cor grafite). Somente duas ponta-de-projétil (flecha), várias facas bifaciais, grande quantidade de raspadores altos e sobre lâminas lembrando os da Ilha Quadrada (Itaqui). Como na maioria dos sítios deste rio, este material compõe-se de evidências de vários estratos distintos e sua análise e interpretação não poderão ser tomados como definitivos. Não existe nenhuma sanga nas proximidades; a situação do sítio justifica-se por ser confronte a uma extensa e suave corredeira que facilita a pesca. Eurico Th. Miller 08/4/76 Documento 14 N. do Sítio: I-68. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Ribeiro 0- 350cm N. de Catálogo: 5155. Este sítio situa-se a margem esquerda do Rio Touro Passo em uma curva fechada do mesmo onde recebe um afluente que seca na estiagem. Está em terras do campo que cobre as coxilhas rasas que constituem a topografia local. O sítio compreende material ósseo, lítico e carvão acumulado em uma cascalheira pleistocênica. Serve para demonstrar o deslocamento e aprofundamento do leito do Touro Passo. Está encoberto por sedimentos argilosos de várias cores contendo CaCO3 dissolvido e em concreções. Parte do sítio já foi erodido e em poucos anos nada mais restará in loco, indo provavelmente formar outra cascalheira. Maiores detalhes vejam croquis e descrição estratigráfica de I-66 e I-69, pois apresenta uma camada ou horizonte estranho aos afluentes do Rio Uruguai onde é comum. Eurico Th. Miller 03/4/74 30 O perfil estratigráfico deste sítio aparentemente não existe, mas ele demonstra que há uma continuidade e sucessão de ocupações humanas regionais, ou seja, não houve uma interrupção ou um abandono da região pelos caçadores ou ceramistas em qualquer período. Essas colocações podem ser observadas em Kern (1991) e Schmitz (1984 e 1985).Mesmo que Eurico Th. Miller tenha essa ideia, a sua própria pesquisa direciona para conclusões diferentes com base nos dados empíricos. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 137 Saul Eduardo Seiguer Milder Documento 15 N. do Sítio: I-67 N. do Corte: teste Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Touro Passo 0- 650 cm N. de Catálogo: 5175 Para introdução veja descrição do I-66. Este sítio situa-se a margem direita do rio Touro Passo. Não há evidências de corredeira natural. Do topo à base da barranca tem-se 630cm de altura. Não se percebe o embasamento rochoso. Por essa razão a estratigrafia no sítio apresenta uma camada cinza azulada aos 600cm de prof. e inexistente em I-66. Esta camada ora argilosa ora arenosa contendo fragmentos ósseos de fauna extinta e carvão. Na camada inferior a esta, há abundância de ramos de arbustos pleistocênicos perfeitamente conservados. Resumidamente doas 400 cm são raros os líticos e preferencialmente situados, ou melhor, presos na camada que contém abundantes concreções de CaCO3. Nos demais aspectos a estratigrafia é a mesma que em I-66. A vegetação é de campo com matas pequenas e ciliares, a topografia é levemente ondulada com afloramentos rochosos no topo das coxilhas. Eurico Miller 01/4/74 Documento 16 N. do Sítio: IJ-67 Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Pessegueiro 560 - 620 e 680 - 750 cm N. de Catálogo: 5162 a 5163 Situa-se a margem esquerda do rio Uruguai, confronte a Ilha Quadrada, município de Itaqui de Itaqui, na fazenda do Pessegueiro. Foram efetuados dois testes 31 (veja o desenho). A estratigrafia difere levemente do modelo Laranjito. As evidências líticas paleoindígenas somam mais de 10 conjuntos com abundâncias de lascas, núcleos raspadores, bifaces, etc. A vegetação é composta de campo e mata ciliar. A área é usada para agropecuária. O sítio é bastante extenso (+- 500 m) junto a uma corredeira e uma escavação intensa e extensa seria desejável e promissora. Eurico Th. Miller 17/4/74 Documento 17 N. do Sítio: I-69. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Laranjito, 0-700cm. N. de Catálogo: 5157. Situa-se a margem esquerda do Rio Uruguai em terras de Antônio Brum de Uruguaiana devido à erosão fluvial e pluvial o sítio em parte desapareceu estando o material lítico paleoindígena misturado com líticos do complexo Itaqui, mais recente. Também pela erosão perto do sítio ainda existente está livre de 600cm de espessura de sedimentos. Uma camada branquicenta e resistente, sem evidências arqueológicas é uma constante no Rio Uruguai e, encimado o material arqueológico pleistocênico o separa do Complexo Uruguai. A datação por C 14 desta camada bem como ela mesma servirá como indicador cronológico, climático e arqueológico para os sítios do Rio Uruguai em suas media e baixa porções. O carvão é abundante e se 31 O registro do MARSUL mostra que foram feitos nove cortes estratigráficos, utilizando -se como critérios níveis artificiais de 50 cm. Os números de catálogos abertos para essa coleção são 5.162 e 5.163 par a os níveis superficiais, e de 6.104 a 6.131, para os cortes e seus respectivos níveis. VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 138 insere dois a quatro cm na camada branquicenta. A estratigrafia. Deste sítio foi tomada como modelo comparativo para os demais sítios. A divisão dos horizontes foi elaborada mais com o fim e sentido arqueológico. Veja os croquis. Um pequeno teste forneceu um material lítico lascado pouco diagnóstico além de presenciar o paleoindígena Eurico Th. Miller 5/4/ 74 Documento 18 N. do Sítio: I-69. N. do Corte: poço teste, escavação. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Laranjito 710-920cm N. de Catálogo: 5559 a 5560. Poço testes para testar arqueológica e estratigraficamente os sedimentos até o embasamento rochoso (veja os desenhos). Com uma abertura de 280b x 150 cm o teste iniciado abaixo das evidências paleoindígenas aos 710 cm de prof. apresentou uma série de estratos alternadamente ora mais argilosos ora mais arenosos de coloração distinta, sendo cinza - azulada os argilosos e ocre a branco os arenosos. As evidências arqueológicas apresentam-se camadas argilosas e em duas arenosas, constituindo-se por carvão, percutores e lascas todos em pequena quantidade, com uma prof. respectiva de 790 -795, 815 -820 e 840- 860 cm abaixo do topo do barranco atual. O corte atingiu até 920 sem apresentar outros indícios arqueológicos. Os níveis mais profundos levam números 5559 e 5560 respectivamente na ordem direta de profundidade. Uma seqüência de amostras de cinco em 5 cm dos estratos de 710 a 920 cm foi embalada em sacos de papel para exame polínico. Eurico Th. Miller 4/6/76 Documento 19 N. do Sítio: I-69. N. do Corte: escavações. Nome do Sítio e Profundidade da Escavação: Laranjito 680-710 cm N. de Catálogo: 5539 a 5558. As escavações iniciaram-se em fevereiro de 76 prolongando-se intermitentemente devido às chuvas e cheias até 4/6/76. Foi efetuada acompanhando a estratigrafia natural abaixo da camada sem evidências arqueológicas de cor branquicenta com CaCO3 em dissolução que leva o número 7 em nosso esquema arqueológico (veja ficha n. 5.157 e croquis).O estrato é levemente ondulado e inclinado para o eixo do rio. O carvão é abundante. As evidências líticas formam focos ou conjuntos. Além do material que está In situ foi coletado material pertencente obviamente (estratigrafia) ao Complexo Itaqui supostamente misturado do paleo ao arcaico. A tipologia do material incluindo ponta-de-projétil pedunculadas e pequenas raspadores e bifaces vieram fornecer uma característica inesperada ao paleoíndio. Foi coletados semente carbonizada e carvão para datação. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio 139 Saul Eduardo Seiguer Milder CONCLUSÃO Durante a realização do trabalho, fomos amadurecendo a ideia de que cada geração de arqueólogos possui suas limitações, mas também a força do pioneirismo. Miller deu uma contribuição fundamental para a Arqueologia do Rio Grande do Sul e do Brasil. Essa contribuição tem de ser vista pela ótica do somatório dos esforços e dos paradigmas. Da força de seu trabalho surgiu a premência da necessidade de uma revisão, pois nada permanece ad infinitum e, portanto a Fase Uruguai deveria ser depurada por um novo enfoque e por um novo exercício arqueológico. É impossível vencer o fosso que separa as gerações, porém é possível diminuir a sua largura e profundidade. Isso é uma questão de filosofia da Ciência. Acreditamos que ao incluirmos em nosso trabalho os relatórios de E. Miller, estamos trazendo à luz uma face até então desconhecida desse pesquisador singular, mas também o modus operandis dos anos 60 e 70. Sabendo disso, podemos então entender o porquê dos resultados. Inerente ao processo científico é a crítica científica, foi o que procuramos fazer o tempo todo neste trabalho. Sim, realizamos o que os historiadores denominam de crítica interna externa da documentação. Quando discutimos as Tradições e Fases arqueológicas, buscamos uma revisão localizada, voltada para caçadores antigos. Poucos são os autores que trabalharam com essa problemática. REFERÊNCIAS BOMBIN, M. , KLAMT, E. Evidências paleoclimáticas em solos do Rio Grande do Sul. Comunicações do Museu de Ciências da PUC/RS, Porto Alegre, 13:1-12. 1974. BOMBIN, M. Afinidade paleoecológica, cronológica e estratigráfica do componente de megamamíferos na biota do Quaternário terminal da Província de Buenos Aires (Argentina), Uruguai e Rio Grande do Sul (Brasil). Comunicações do Museu de Ciências da PUCRS, Porto Alegre, 9:1-28. 1975. BOMBIN,M., BRYAN,A.L. New perspectives on early man in southwestern Rio Grande do Sul,Brazil. In: BRYAN.A. L. Early man in America, from circum-pacific perspective. Canadá: Department of Anthropology (University of Alberta), 1978, v.1, p.301-302. ______.Modelo Paleoecológico evolutivo para o neoquaternário da região da CampanhaOeste do Rio Grande do Sul (Brasil) a Formação Touro Passo, seu conteúdo fossilífero VOL. I, 2013, Santa Maria, RS: Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas Editores. Jul 2013/Jun2014. HISTÓRICO DO PROJETO PALEOINDÍGENA 140 e a pedogênese pós-deposicional. Comunicações do Museu de Ciências PUCRS. Porto Alegre, v.15, 1976, 190 p. ______. Perspectivas para a Palinologia arqueológica no Sul do Brasil. Véritas, Porto Alegre, v. 16, n. 62. 1971. ______.Porque os grandes mamíferos sul americanos se extinguiram. Véritas. Porto Alegre, v.25, 225-332.p 1980. ______.Southeastern South America atmospheric circulation’s patterns in the last 20.000 years. In: American Quaternary Associations Biennial Meeting. nº 6. Orono. Abstracts... Orono..., 1980.p.41-42.1980 MILDER, S.E. S,OLIVEIRA.E. V. Cronologia da seqüência dos eventos climáticos do Quaternário do Oeste do Rio Grande do Sul.(Nota preliminar). Hífen, Uruguaiana, n. 18,p. 55-61,1993. MILDER.S.E.S, A fase Ibicuí: uma revisão arqueológica, cronológica e estratigráfica. Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Porto Alegre, PUCRS.136 p. 1994. ______.Considerações sobre paleoambientes no sudoeste do Rio Grande do Sul. In: VI Simpósio Sul Riograndense de Arqueologia, Porto Alegre,p.17-22,1993. _____.Uma revisão crítica da Fase Ibicuí. Monografia de Especialização. PUCRS. 1993. 30 p. _____.Caçadores coletores: a problemática arqueológica e ambiental sobre os primeiros povoadores do Rio Grande do Sul. Revista do CEPA. v. 23 , nº 30.1999. UNISC. Santa Cruz.p.7-56. _____.Pesquisas arqueológicas na região platina. Revista do Centro de Ciências Sociais e Humanas. UFSM. Santa Maria. v.9, nº7 2-3.1994. _____.Uma breve análise da Fase arqueológica Ibicuí. Revista do Cepa, Santa Cruz do Sul. v.19, nº 22, 1995. p. 37-63. ______Arqueologia do sudoeste do Rio Grande do Sul: uma perspectiva geoarqueológica. Tese de Doutoramento, MAE/USP. São Paulo, 2000. MILLER,E. Th. Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil Ocidental. Estudios Atacamenos, Chile, 8:37-61. 1987. ______.Pesquisas arqueológicas efetuadas no Oeste do Rio Grande do Sul (Campanha e Missões). Publicações avulsas do Museu Emilio Goeldi. Belém, n. 13, p.13-30, 1969. ______.Resultados preliminares das pesquisas paleoindígenas no Rio Grande do Sul. In: Congresso Internacional de Americanistas, vol. III. p. 483-491. México (1974), 1976. Revista LEPA – Textos de Arqueologia e Patrimônio POLÍTICA, COMPOSIÇÃO E NORMAS EDITORIAIS A Revista LEPA é uma publicação do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFSM (LEPA/UFSM) com periodicidade anual, com apenas um número em cada volume, para propagar o conhecimento científico e técnico das áreas de Arqueologia e Patrimônio, publicado em duas sessões: (1) artigos, (2) comunicação de pesquisas de alunos de Iniciação Científica e (3) relatórios e notícias institucionais do LEPA. O periódico também visa publicar textos relacionados à sistematização de acervos arqueológicos e de divulgação do patrimônio material arqueológico através da educação patrimonial, turismo, exposições museológicas e outras formas de comunicação. A finalidade é disseminar o conhecimento e as técnicas que vêm sendo aplicadas na gestão e pesquisa do patrimônio material arqueológico. A política editorial fundamenta-se nas seguintes primícias: • Não há restrições quando a abordagem e a abrangência das temáticas propostas; • O apoio à conscientização da importância da preservação do patrimônio material, os quais são objetos de estudo da Arqueologia; • Difusão de pesquisas de autores brasileiros e estrangeiros e contribuições tangentes à teoria, metodologia, educação, legislação, e questões afins; • Divulgação dos trabalhos de estudantes de iniciação científica; • Apresentação de resultados das pesquisas empreendidas pelo LEPA; • Enfoque nos estudos e pesquisas desenvolvidas no Sul do país; • Ênfase na interdisciplinaridade. DA PERIODICIDADE A Revista terá publicação anual, de forma que cada volume anual corresponderá a um número. DA COMPOSIÇÃO DA EDITORIA A Editoria será constituída por um editor-responsável e dois editores adjuntos, integrantes do corpo docente da Universidade Federal de Santa Maria. São funções da Editoria: -Responder pela execução e administração da Revista; -Convocar, quando necessário, reunião do Conselho Editorial. O Conselho Editorial será composto pelo editor-responsável e por até mais sete (7) integrantes indicados pela Editoria. Compete ao Conselho Editorial: -Colaborar na definição da política editorial; -Expedir, sempre que requisitado, no âmbito de sua competência acadêmica, pareceres científicos em trabalhos enviados para publicação; -Apresentar-se, quando convocado para reuniões da Editoria. O mandato dos membros do Conselho Editorial será de cinco (5) anos, sendo possível sua reestruturação. Caso seja preciso substituir um Conselheiro, deve ser determinado pela Editoria. A Secretaria Editorial será composta por um ou mais membros integrantes da equipe de pesquisadores, técnicos e estagiários do LEPA, indicados pelo editor responsável. Compete à Secretaria Editorial: -Programação e editoração da revista; -Contatos e correspondências por meio eletrônico. DAS NORMAS EDITORIAIS Os textos devem ser apresentados em formato A4 (21,0 x 29,7 cm), digitados em cor preta. Os artigos deverão ser acompanhados de: 3 a 5 palavras-chave e key-words (inglês ou francês); resumo e abstract (inglês ou francês), com até dez linhas. A autoria deverá constar de nome completo, trazendo, em nota de rodapé, as seguintes referências: instituição de origem, titulação e/ou programa de pós-graduação a que está ligado; caso a pesquisa tenha apoio financeiro de alguma instituição, esta deverá ser mencionada na mesma nota de rodapé. Quanto a formatação segue abaixo: Margens a) esquerda: 3 cm; b) direita: 2 cm; c) superior: 3 cm; d) inferior: 2 cm. Fonte a) Texto: Times New Roman, tamanho 12; b) legendas de tabelas e ilustrações (informações adicionais ou explicativas e fonte de origem da tabela ou ilustração): tamanho 10; c) citações longas (mais de três linhas): tamanho 10; d) títulos das partes e/ou capítulos (seção primária) e títulos sem indicativos numéricos: tamanho 14, negrito, letras maiúsculas; e) títulos das seções secundárias, anexos e apêndices: tamanho 12, negrito, caixa-alta, negrito; f) títulos das seções terciárias e sucessivas: tamanho 12, negrito, letras minúsculas, excetuando-se a primeira letra, que deve estar em maiúscula; g) títulos de tabelas e ilustrações: tamanho 12, sem negrito, letras minúsculas, excetuando-se a primeira letra, que deve estar em maiúscula. Espaçamentos a) texto normal: 1,5; b) sumário, listas, citações longas, notas de rodapé e os resumos extensos em vernáculo e em língua estrangeira: espaço simples; c) títulos das seções e subseções: devem ser separados do texto que os precede e que os sucede por dois espaços 1,5; d) referências: espaço simples dentro da mesma referência e dois espaços simples entre uma e outra; e) ilustrações e tabelas: devem ser separadas do texto que as precede e que as sucede por dois espaços 1,5 de seu título; do título até a tabela, por um espaço 1,5; f) da tabela até a fonte, por um espaço simples; da ilustração até o título, por um espaço 1,5; do título da ilustração até sua legenda ou fonte, por um espaço simples; f) legendas e fontes de tabelas e ilustrações com duas linhas ou mais: espaço simples; g) títulos de tabelas e ilustrações: quando o título ocupar mais de uma linha, a entrelinha deve ser simples. Alinhamento Observar os seguintes alinhamentos: a) texto: justificado; b) recuo de primeira linha do parágrafo: 1,25 cm; c) recuo de parágrafo para citação direta com mais de três linhas: 4 cm, partindo da margem esquerda; d) títulos das partes e/ou capítulos (seção primária): centralizados ou alinhados à esquerda; e) títulos sem indicativos numéricos (erratas, resumo, listas, sumário, referências etc.): centralizado; f) títulos das seções secundárias e subseções: à esquerda; g) títulos das tabelas, ilustrações, anexos e apêndices: preferencialmente à esquerda, com parágrafo justificado. h) legendas (fontes e notas) de tabelas e ilustrações: preferencialmente à esquerda, com parágrafo justificado; i) tabelas e ilustrações: centralizadas na página. A formatação dos textos não deve conter tabulação, colunas, numeração de páginas, separação de sílabas hifenizadas. Ilustrações e Tabelas As ilustrações (tabelas, gráficos, lâminas, fotografias, mapas...) devem ser numeradas com algarismos arábicos, com identificação na parte inferior, precedida da palavra designativa (ex.: Figura), seguida de seu número de ordem, de travessão, do título e/ou legenda explicativa e da fonte, se necessário. A ilustração deve ser apresentada após sua citação no texto, dentro do mesmo item ou subitem, o mais próximo possível do trecho a que se refere, conforme o projeto gráfico permita. Se o espaço da página não permitir, a ilustração deve aparecer na página seguinte, mas o texto prossegue, normalmente, no restante da página anterior. Deixa-se um espaço de duas linhas entre o texto e a ilustração. Após a ilustração, o texto se instala duas linhas abaixo da legenda. A chamada da ilustração, no texto, será feita pela indicação da palavra correspondente ao tipo de ilustração (Figura, Quadro, Fotografia, Mapa etc.), seguida do respectivo número. As imagens deverão ser escaneadas em 300 dpi no formato JPG com aproximadamente 5x5 cm e inseridas no corpo do texto. No caso de utilização de tabelas, elas devem ser digitadas seguindo a formatação de Tabela do Word, sem criação manual ou com inserção de colunas. Na identificação de tabelas, devem aparecer os seguintes dados: título, cabeçalho, fonte (caso seja outra que não o próprio trabalho), notas, chamadas. A estrutura da tabela, constituída de traços, é delimitada por linhas. Não se devem delimitar (ou fechar) por traços verticais os extremos da tabela, à direita e à esquerda. Deve-se separar o cabeçalho do conteúdo por linhas simples. Os traços verticais serão usados quando houver dificuldade na leitura de muitos dados. O título da tabela é colocado na parte superior, precedido da palavra Tabela e de seu número de ordem, seguido de travessão. Para quadros, por tratar-se de ilustração, o título Quadro é colocado na parte inferior. As fontes, quando citadas, assim como as notas eventuais, aparecem, nas tabelas, após um espaço simples do fio ou linha de fechamento da tabela; e nos quadros, visto que são ilustrações, após um espaço simples do título do quadro. Tabelas e quadros devem ser centrados na página. Quando uma tabela ou quadro ocupar mais de uma página, deve obedecer aos seguintes critérios: a) não ser delimitada por traço horizontal na parte inferior, a não ser na última página; b) o título, o número e o cabeçalho das tabelas devem ser repetidos em todas as páginas que forem ocupadas pela tabela e, no caso dos quadros, repete-se o cabeçalho do quadro, porém o título, o número, a fonte e as notas serão apresentados somente no final, como nas demais ilustrações; c) as páginas devem ser identificadas com os termos contínua, continuação e conclusão, respectivamente, para a primeira página, as páginas intermediárias e a última página, escritos em letras minúsculas, entre parênteses, acima do cabeçalho, alinhados à margem direita, como exemplificado na seção 1.1. Em razão das dimensões da tabela ou quadro, a impressão poderá ser feita em folha A3, para ser dobrada, posteriormente, ou reduzida mediante fotocópia. Citações e referências bibliográficas As citações devem constar entre aspas, quando constarem na mesma linha (até quatro linhas, inclusive), e, Times New Roman 10, espaçamento simples, com recuo esquerdo (4,0), quando constituírem parágrafo próprio (mais de 5 linhas, inclusive). As referências bibliográficas das mesmas devem constar no corpo do texto, entre parênteses, indicando sobrenome do autor, data de publicação e páginas citadas. As notas inseridas no corpo do texto devem aparecer da seguinte forma: * se forem somente indicações de páginas, a indicação será entre parênteses com: sobrenome do autor, ano: páginas (LOPES, 2000, p. 225) ou em publicações de fontes primárias sobrenome do autor, obra, volume, página. (Homero. Odisséia vv. 509-512); * se forem indicações explicativas, deverão ser numeradas em algarismos arábicos sequenciais e remetidas a notas de rodapé, colocadas ao pé da página de ocorrência e não no fim do texto. A indicação da fonte é composta pelo sobrenome de cada autor ou pelo nome de cada entidade responsável, seguido da data de publicação do documento e da página de citação. Exemplos: No texto: A chamada “pandeclística havia sido a forma particular pela qual o direito romano fora integrado no século XIX na Alemanha em particular.” (LOPES, 2000, p. 225). Na lista de referências: LOPES, J. R. de L. O direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. No texto: Bobbio (1995, p. 30), com muita propriedade, nos lembra, ao comentar esta situação, que “os juristas [...]”. Na lista de referências: BOBBIO, N. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. No texto: De fato, “semelhante equacionamento do problema conteria risco de se considerar a literatura meramente [...]” (JOSSUA; METZ, 1976, p. 3). Na lista de referências: JOSSUA, J. P.; METZ, J. B. Editorial: Teologia e Literatura. Concilium, Petrópolis, v. 115, n. 5, p. 2-5, 1976. No texto: Merriam e Caffarella (1991) observam que a localização de recursos tem um papel crucial no processo de aprendizagem autodirigida. Na lista de referências: MERRIAM, S.; CAFFARELLA, R. Learning in adulthood: a comprehensive guide. San Francisco: Jossey-Bass, 1991. No texto: “Comunidade tem que poder ser intercambiada em qualquer circunstância, sem quaisquer restrições [...]” (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1992, p. 34). Na lista de referências: COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. A união europeia. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 1992. No texto: “O mecanismo proposto para viabilizar esta concepção é o chamado Contrato de Gestão, que conduziria à captação de recursos privados como [...]” (BRASIL, 1995). Na lista de referências: BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF, 1995. Todas as propostas para publicação devem ser enviadas, aos cuidados da: Secretaria Editorial da Revista LEPA. Textos de Arqueologia e Patrimônio. para o seguinte endereço: e-mail: [email protected] REVISTA LEPA Textos de Arqueologia e Patrimônio PUBLICAÇÃO LABORATÓRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS SOBRE ARQUEOLOGIA E PATRIMÔNIO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS – CCSH DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA Rua Floriano Peixoto, 1184, Antiga Reitoria da UFSM. Centro - Santa Maria/RS, CEP 97015-372. Fone: (53) 3220-9240 (LEPA) http://www.ufsm.br/lepa e-mail: [email protected]