SERÕES GRAMMATICAES Pedro António Mendes, Ruy Barbosa
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SERÕES GRAMMATICAES Pedro António Mendes, Ruy Barbosa
SERÕES GRAMMATICAES 279 Pedro António Mendes, Ruy Barbosa, Zacharias de Góes e Vasconcellos; Rua do Ouvidor, Rua Nova das Princesas. Os nomes appellativos ou communs ou são propriamente communs, ou nomes de matéria: os primeiros designam objectos que se podem contar, como mesa, livro, homem, flor. Esses nomes presuppõem sempre a ideia de indivíduos; os nomes de matéria significam objectos formados de u m a mesma matéria, os quaes se não podem contar; esses não presuppõem, como os primeiros, a ideia de indivíduos. Taes são os vocábulos agua, leite, vinho, ar, trigo, centei capim, farinha. C o m effeito, podemos dizer duas mesas; três, quatro mesas; dois, três, quatro, etc. livros; dois, três, homens; duas, três, etc. flores; mas não se diz: duas aguas, três aguas, dois leites, dois vinhos, dois centeios, três, farinhas, etc.; nesses nomes ou a ideia de indivíduos não existe ou é de todo obscurecida. Aqui a espécie indicada por cada u m desses últimos nomes não se compõe de indivíduos; exprime sim u m todo, que se nos apresenta com o caracter de homogeneidade, tendo cada uma de suas partes o mesmo nome. Os nomes communs dislinguem-sc ainda quanto á sua significação em concretos, abstractos, syntheticos ou genéricos, collectivos e verbaes. Os nomes concretos designam objectos realmente existentes, que impressionam os nossos sentidos: Livro, arvore, flor, pedra, fructo. Os abstractos designam objectos que se representam em nosso espirito como realmente existentes: Virtude, sabedoria, prudência, bondade, justiça. Os nomes syntheticos ou genéricos são nomes geraes, de pessò.as_ou, coisas, que nem designam u m individuo, nem u m a pura e mesma qualidade; mas u m conjuncto de qualidades ou attributos, applicados aos indivíduos de modo vago e indeterminado; Isto, isso, aquillo, tudo, nada, ai, algo, que ulgucm. ninguém, outrem, fulano, sicrano, o bello, o justo, 280 LEXICOLOGIA o injusto, o doce, o amargo, o verdadeiro, o falso, o sublim em certos modos de dizer os vocábulos o e tal. ((Folgarei sabel-o para assim viver em mais quietação» (M. A. de Miranda). «Declara elle mesmo que Santarém foi a sua pátria, como o fora de seu pai» (F. Alex. Lobo). Não faças tal; não ha tal; o bello e o sublime do quadro; o justo e o injusto, o doce e o amargo, o verdadeiro e o fals são coisas diversas. O mesmo valor funccional tem o vocábulo o, quando se lhe segue o adjectivo conjunctivo que em sentenças ou phrases como as seguintes: não sei o que dizes; é erróneo o que sustentas. Collectivo chama-se o nome que, estando no singular, indica u m a collecção de indivíduos da mesma espécie: U m bando de pássaros; u m cardume de peixes; u m a cáfila de camellos; u m golpe de gente; u m a quadrilha de salteadores; u m a manga de populares; uma pinha de curiosos; u m rebanho de ovelhas; u m a nuvem de gafanhotos; u m a recova de bestas; u m a renque de columnas, de palmeiras; esquadrão, batalhão, exercito, esquadra, frota, senado, congresso, synodo, cabido, concl gente. O collectivo ou é geral, ou partitivo: geral, quando a col cção por elle indicada é inteira, completa, total: «Acodiu todo o campo ao arrecife o mataram cinco dos nossos» (Souza). «Esta casta de gente toma ao revez a sentença, dos provérbios» (Bern.). E partitivo o collectivo, quando, ao contrario, é parcial incompleta a collecção por elle indicada : «Dos mouros pereceu a maior parte, uns no contlicto; os mais na retirada» (.1. Freire). «Um grande troço dos moradores, cortados do temor e do ferro, desampararam o campo» (Idem). 281 SERÕES GRAMMATICAES Appellatit os verbaes dizem-se os que se derivam dos verbos. Taes são os seguintes: andas, andadura, estima, estafa, leva, lei ada. sollu. liga. laco, laçada, vela, VÍgia. paga, pega. pi com/ira. venda, choro, entrosa, tangeres, tocares, touca, toucado, tapada, abra, aberta, merca, dura, pisa, pisada, pesca, pescada, pegada, passada, tunda, sova, tosquia, apanha, apara, assento, assentada, quebra, quebrada, queima, idas c rim/as, comes e bebes, dares c tomares, cerca, cerco, cercado, corrida, fugida, entrada, escuta, partida, sahida, subida, deixa, deita, descida, degola, esfrega, emenda, viso, mira, ris/a, corro, corra, corrida, etc. Quanto á sua forma distinguem-se os nomes e m simples e compostos. Simples são os que constam de u m a só palavra ou sle u m só elemento grammatical; c o m o flor, arvore, fructo, homem, rirtu.de. Compostos c h a m a m - s e os appellativos que se c o m p õ e m de dois ou mais elementos grammaticaes, já unidos e intimamente combinados, já simplesmente juxtapostos, Taes são os nomes: Vera-cruz, frueta-pão, pão-de-ló, mãosrotas, tudo- nada, bernlevi, malmequer, bcija-jlor, sacca-rolhas, quebra- esquinas, troca-tintas, Dota jogo, trincu-pintos, manja-leguas, ru/hacoilo, vai-te-a-ellc. agua-vai. Qualquer palavra, seja qual for a categoria a que pertença. podo ser empregada c o m o substantivo ou n o m e para exprimir a palavra m e s m a independentemente de sua. significação. Nesse caso diz-sc a palavra considerada materialmente: «Ella é pronome; me, te, são variações dos pronomes eu e tu; mas é u m a conjuncção; ah! é u m a interjeição; hoje, hontem são advérbios; áfinaforça, á viva força, á voga arrancado são locuções adverbiadas.» II Das flexões dos substantivos: género, numero c grau Flexão dos substantivos é a propriedade que têm estes de exprimir por u m a modificação c m sua terminação diversos aspectos ou variações aeeidentaes e m seu sentido. 36 282 LEXICOLOGIA Esses accidentes ou flexões reduzem-se a três: género, numero e grau. Todas as palavras variáveis se dizem palavras deflexão. a) Do género Género é a propriedade que têm os nomes de representar o sexos e em algumas linguas a ausência dos sexos. Os géneros, pelo menos os dos seres animados, têm o seu fundamento na distineção dos seres relativamente á sexualidade. E como segundo os sexos todos os animaes naturalmente se dividem em animaes machos e fêmeas, nas linguas só deviam ter género os nomes que indicassem animaes, correspondendo o género masculino ao sexo masculino e o feminino ao sexo feminino; todos os mais nomes dos seres, que não entrassem na classe dos animaes, não deviam ter género, isto é, deviam ser do género neutro. O arbítrio, porem, nem sempre seguiu na maior parte dos idiomas o caminho que, com tanta segurança e previdência, a natureza apontava e ensinava ao h o m e m na escolha e instituição dos géneros, de sorte que rara é a lingua em que analogias falsas, inconsistentes, apparentes e mais ou menos remotas não venham substituir os avisos que, neste ponto de linguagem, tão sabiamente ministrava ao h o m e m essa prudente conduetora. E m nossa lingua só se conhecem dois géneros: o masculino e o feminino; dando-se por analogia ou convenção ora um, ora outro destes dois géneros ao nome das coisas inanimadas. No latim e no grego, alem do masculino e feminino, ha o género neutro; esse possuem-no igualmente o inglez e o allemão. C o m o desdouro e decadência do latim, foi o género neutro pouco e pouco desapparecendo; o povo romano foi perdendo a consciência das razões porventura delicadas e subtis de mais para seu espirito grosseiro e rude, as quaes o forçavam a dar a certos nomes já o género masculino, já o neutro. SERÕES GRAMMATICAES 283 Não desapparcceu, porem, esle ultimo s e m deixarem nossa língua e nas oriundas da m e s m a fonte vestígios inequívocos de sua existência. Nas expressões isto, isso, aquillo, tudo, o sublime, o bello, o justo, o honesto, o licito, o illicito, o útil, o agradável, na palavra ai, ainda tão usada na clausula forense e ai não disse, nos vocábulos algo (alguma coisa), tal, o (isto, isso), e na ôxptessão um e outro e m referencia a dois substantivos de géneros differentes, colhem-sc evidentes resquícios do género neutro. aEu devia lhe si vida e ò reino; elle um <• outro me tirou» (Jac Freire). No francez também se reputa como indicio do género neutro o pronome il que acompanha os verbos im pessoaes: il pleut. ilfátil, il grele, il brttine; a expressão quelque chose; as palavras ce, cela, substituindo u m a oração ou expressão c certos adjectivos usados adverbiadamente, de que servem de exemplos as expressões parler haut, parler fort, eh,inter juste, elmntcr bas. Quando o género é o signal ou a expressão do sexo real dos seres, chama-se lógico, natural ou real; chama-se, porem, grammatical, convencional ou fictício, quando ó a expressão do sexo fictício. E o género, portanto, conhecido pela significação ou pela terminação: Homem, eão, leão, mulher, leoa, Pairo. Maria, Olívia, costureira, pombo, rola conhecem-se pela significação; são, porem, conhecidos pela terminação os géneros das palavras livro, mesa, lápis, tinteiro, tábua, papel, lição, caderno; o género destes é convencional onfictício;o daquelles, real ou natural. São communs de dois os nomes que c o m u m a só terminação designam u m ser animado, masculino ou feminino, c o m o o martyr. a martyr; ojoven, ajoven; o interprete, a interprete; o cliente, a cliente; o infante, a infante; o refém, a refém. 284 LEXICOLOGIA Dizem-se epicenos, promíscuos ou sobrecommuns os nomos ou substantivos que, com a mesma terminação e debaixo de u m só género, masculino ou feminino, se applicam a ambos os sexos, como rouxinol, coruja, cobra, mosca, formiga, corv perdiz, onça, jacaré, crocodilo, victima, criança, teste Neste ultimo caso, se são irracionaes os seres que os nomes designam, empregam-se os adjectivos macho e fêmea para distinguir os sexos, dizendo-se o rouxinol macho, o rouxinol fêmea; a cobra macha, a cobra fêmea; a onça maeha, a onça fêmea ; ou então, substantivando-se as palavras macho e fêmea, se diz : o macho da cobra, a fêmea da cobra; o macho da onça, a fêmea da onça; o macho do f acare, a fêmea do jacaré, etc. Do mesmo modo os Latinos, para denotarem os sexos, ou appunham ao epiceno u m adjectivo com u m a terminação correspondente ao sexo que queriam indicar, dizendo por exemplo elephanttis gravida, ou faziam-no seguir das palavras maseulu ou femina, dizendo vulpes maseulus, elephanttis femina. Os nomes que indicam repteis, peixes, insectos e outro animaes inferiores da escala zoológica são epicenos; o que não occorre com os quadrúpedes e aves, dos quaes alguns apresentam as duas formas designativas do macho e da fêmea, outros u m a só forma para os dois géneros. São cio género masculino os nomes ou substantivos que significam seres machos, ou sejam próprios ou appellativos, já de homens, como Pedro, António, José, Eduardo; já de brutos, como Bucéphalo, o cavallo de Alexandre, Incitatus, o cavallo de Calligula, Rossinante, o de D. Quixote, Pégaso, o das Musas; já cie ministérios, ofíicios, profissões e títulos próprios de homens, como: lavrador, ferreiro, ourives,pinto estatuário, bispo, arcebispo, cardeal, senador, deputad Do mesmo género são os nomes de anjos, deuses falsos, ventos, rios, montes, serras, mares, meses, porque se costu representar sob a forma de homens: «S. Miguel, Lúcifer, Satanás, Júpiter, Saturno, Marte, o Norte, Sul, Leste, Oes Sudoeste, Nordeste, Noroeste, Sueste, Euro, Austro, Aquil a serra dos Andes, dos Órgãos, do Espinhaço, Vesúvio, Etna, SERÕES GRAMMATICAES 285 dura. Sinai, Horeb, Mediterrâneo, Pacifico, Amazonas, Tejo, Tocantins, Punis, Madeira, Tibre, Euphrates, Nilo, Janeiro, Fevereiro, Março, etc. Diz-se. porem, a Serra da Canastra, a Serra da Iblapaba, a Serra da Mantiqueira. São femininos os nomes ou substantivos que designam seres fcmeas,ou sejam próprios ou appellativos, já de mulheres, como Maria, Elisa, Helena, Francisca, Elvira, já de brutos, como Issa (cadela de Publio Romano), Estricta (cadela de Acteon), novilha, ovelha, égua, vacca; já de ministérios ollicios, profissões e títulos que são concernentes a mulheres, como: abbadessa, avó, tecedeiro. cosi uretra, modista, lava deira, engommadeira. São igualmente femininos todos os nomes que exprimem seres (pie são representados pela esculptura, poesia mi pintura sob a forma de mulheres, como as deusas e creações do paganismo: Juno, Vénus, Minerva; as musas, como Melpomenes, Euterpe, Thalia, Terpsichore, Urânio; as parcas; Clotho, Lachesis, Atropos; as fúrias: Megera, Tisiphone ; a< nymphas, como: as Nereidas, as Tágides, as Drgades, Egeria. Arethusa; as partes do mundo: Europa, Ásia, Africa, America, Oceania; as sciencias e artes liberaes, como a theologia, a philosophia. a sociologia, a grammatica, a pintura, a poesia : as virtudes e os vícios: a ira, a cólera, a gula, o temperança, a jus a caridade, a fortaleza, a inveja, a soberbo. Os nomes próprios de paizes, regiões, cidades, villas, ilhas, praças não têm propriamente género: são de u m ou outro. conforme é masculino ou feminino o c o m m u m ou appellativo que elles individuam, a classe ou espécie a que pertencem ou a terminação masculina ou feminina em que lindam: A denodada Itaparica, isto é, <t denodada villa, hoje cidade de Ita piarica; a industriosa Londres, isto é, a industriosa cidade Londres; a sabia Allemanha, a poderosa Inglaterra, o vasto Brazil, a progressiva America do Norte, a artística Itália, Irei la Suissa, o glorioso Portugal, a irrequieta França, o fresco Chypre, toda Lisboa, toda a Bahia, a linda Gnido, afor mosa Veneza, o bella Paris, o Havre, o Egypto, o Cairo, o -• 286 LEXICOLOGIA Hellesponto, o Japão, dando-se-lhes o género masculino ou feminino, conforme se subentende o appellativo ilha, paiz ou cidade que designa a classe a que pertencem, ou se attenta na sua terminação ou na etymologia e m que se filiam. A alguns desses nomes ciavam os nossos clássicos, ora u m género, ora outro, dizendo Eernão de Oliveira: um Paris, um Londres; Freire: a illustre Diu; Castanheda: outro Diu; Camões: a soberba Ormuz; Corte Real: . . . Ormuz. . . e tom de\\e posse; Camões: Tangerepopuloso o a dura Arsila; Leão' Santarém é tomado. Embora femininos, quando precedidos do vocábulo francez tout, dão os francezes o género masculino aos nomes de cidades, dizendo: tout Rome, tout Bahia, tout Babylone, to Smyrne, tout Marseille, subentendendo, cm taes casos, o nome peuple (povo), como se dissessem tout le petiple de Rome, de Smyrne, de Marseille, etc. Os nomes que designam navios, vasos de guerra ou mercantes, fragatas, brigues, corvetas, biates, etc., são masculinos ou femininos, conforme o nome appellativo que por elles é individuado. Assim é que se diz a Nicteroy, isto é, a fragata Nicteroy; a Meduza, isto é, a fragata Meduza ; o Minas Geraes, isto é, o vaso de guerra Minas Geraes; o Riachuelo, isto é, o couraçad Riachuelo; o Bahia, isto é, o crusador Bahia; o Araguaya) isto é, o paquete Araguaya; a Gustavo Sampaio, isto é, a torpe deira Gustavo Sampaio; o Pirajá, isto é, o brigue Pirajá; o Guararapes, isto é, o patacho Guararapes; o Silva Jardim, is é, o hiate Silva Jardim. Os nomes que designam arvores, dores e fructos são masculinos ou femininos, conforme a terminação, sendo o nome do fructo em geral do mesmo género que a arvore que o produz: A pereira, a pêra; o limoeiro, o limão; o cafeseiro, o caf limeira, a lima ; a romeira, a romã; o coqueiro, o coco; a m gueira, a manga; o genipapeiro, o genipapo; a pitangueira, pitanga; o jasmin, o cravo, ojunquilho, a margarida, a açuce o jacintho, a rosa, a bonina, o cravo. SERÕES GRAMMATICAES 287 1 )c fructos que são de género differente do género da arvore que os produz temos cm portuguez, entre outros, o nome figo. falso fructo da figueira. Algumas vezes o nome do fructo, que é do mesmo género (pie o da arvore, não tem relação alguma etymologica com o substantivo que o designa: Aseitona, fructo da oliveira; uva. fructo da videira; bolota, fructo do carvalho. São masculinos ou femininos, conforme a terminação, os nomes que indicam pedras preciosas: o rubi, o topasto. o diamante, o onyx, a esmeralda, a ágatha, a turqueza, a cal* edonia, a saphíra, a opala, a amethysta, a turmalina, etc. São masculinos os nomes que designam as lettras do alphabeto e todos os que são materialmente considerados : o A, o M, os ll\ os 00; este /! está mal feito; pôr os pontos nos ii; gosta muito do S; o Zé mais doca1 que o S; não gostava Voltaire dos II //aspirados. São do género feminino os nomes em a, oriundos quasi todos da primeira declinação latina, cujos substantivos eram igualmente femininos nessa lingua: A hora, a rosa, a junta, a casa, a pluma, a penna, a mesa, a roda, a renda, a canna, a vela, etc. Exceptuam-se os nomes dia, cometa, poema, planeta, systema, theorema,problema, dilemma, epichirêma. anathema, dogma, thema, emblema, diadema, enigma, diploma, schisma, proyramma, lelegramma, diagramma, drama, estratagema, ehrisma (oleo santo), clima. Alguns desses substantivos eram primitivamente do género feminino. Passa o mesmo com os terminados em a agudo, quasi todos de origem indígena ou procedentes de linguas orientaes: Chá, manná. ingá, tafetá, maracá. maracujá, juá. arará, cará, etc. Dos terminados em e agudo ou não. uns são masculinos, como: dente, dote, folie, choque, bule, bote, corte, cré, pe orbe, gole, golpe, polé, leite, lume, pé, cume, limite, leq açude, azeite, aríete, corpete, pote, porte, collete, colc fuste, embuste, martinete. molhe; outros femininos, taes os 288 LEXICOLOGIA seguintes: ave, trave, sede, sede, rede, parede, haste, m neve, febre, pelle, gengibre, carte, ralé, libré, serie, tolice e todos os terminados em ade, ice, e ie: caridade, l dade, bobice, sandice, meiguice, fofice, espécie, prog effigie. São masculinos os nomes terminados e m o, accentuados ou não, cm i e-ouLJ^; Filho, modo, livra, canto, rancho, fum chino, dó, nó, pó, gilò, mocó, tripoli, alcali, bistori, sapoti, nebri, siri, javali, buriti, anda, peru, angu, bam beija, saga, teiii, umbu, cururà e grande nutnefO de vocábul de origem indígena. O vocábulo tribu, masculino até o século 17, faz excepção a esta regra. Diz-se: a tribu dos Tupinambás e não o tribu dos Tttpinambás, como se clizia outr'ora. Corre o mesmo com os vocábulos avó, encho, mó e virago, que são do género feminino. Aos substantivos/«7/m, teiró dão os nossos escriptores ora o género masculino, que é o mais geral, ora o feminino. São masculinos os nomes terminados em ai. cl, il, ol, ul, er, ir,or, ur: Portal, poial, arraial,parreiral, hospital avental, dedal, tendal, sal, mal, capimsal, cafesal, ar tonel, burel, painel, arrátel, sável, pastel; alcantil, mandil, ardil, funil, barril, anil, buril, carril, fuzil; sol, anzol, crisol, cerol, bemol, lençol; sul, azul, pa altar, solar, par; talher, prazer; elixir, emir, nadir, vizir; amor, licor, condor, labor, bolor, andor, fervor vigor; catur. Exceptuam-se os nomes cal, pastoral, cathedral, mora decretai, mulher, colher, cor, dor, flor, que são feminino Do género masculino são igualmente os substantivos terminados em im, om. um: Fim, marfim, motim, talim, cupim, capim, gergelim, trancelim, camarim, estopim, fortim; do som, tom, trom; atum, anum, jejum, bodum, fartum. São masculinos os nomes acabados em ão, se não têm por procedência substantivos latinos da terceira declinação, terminados no nominativo em io e do: sabão, sermão, grão, coraçã feijão, verão, siphão, trovão. SERÕES GRAMMATICAES 289 (>s terminados cm ão, quando fòr augmentativa essa terminação, são sempre do género masculino, ainda que sejam femininos os seu9 primitivos '.portão, carão, caixão, marque zão, ttlbliáo. Aos nomes em ão que se derivam de nomes latinos, que formam o nominativo em io ou do, dá-se o género feminino; taes são os substantivos região, união, opinião, execução, acção, legião, poção, resolução, instituição, solidão, len mansidão, servidão, derivados dos nomes latinos regionem, unionem, opinionem, exeeutionem, actionem, legionem, potionem, resolutionem, institutionem, solitudinem, lentitudi mansitetiulinem. sercitudinem. Pertencem ao género feminino os nomes em agem, igem, ugem: Imagem, viagem, aragem, plumagem, linguagem, bagagem, roupagem, homenagem, passagem, coragem, paragem. villanagem, visagem, frescagem, lavagem, equipagem, sondagem, voragem, rapinagem, forragem, linhagem; impigem, jbligem, vertigem; ferrugem, pennugem. babugem, rabugem. Selvagem, porem, é do género c o m m u m e pagem, sempre masculino pelo seu sentido ou significação. Entre os nossos clássicos não raro se encontram no género masculino os nomes em agem, e ainda hoje em dia ao vocábulo portuguez personagem se da u m ou outro género, dizendo-se um personagem ou uma personagem. A maior parte dos vocábulos correspondentes a esses nomes dão os francezes, ao imerso do que praticamos, o género masculino, dizendo: le courage, le passage, an grand avantuge. un beati mirage, tendo por origem os vocábulos portuguezes e os francezes o mesmo sulfixo atiçam. Os substantivos acabados no portuguez em eu. correspondentes aos latinos, terminados do mesmo modo. são masculinos, sendo no latim neutros ou masculinos: Tentamen, regimen, gérmen, certamen, dictamen, liehen. Substantivos ha em portuguez que têm duas formas: u m a em o para o género masculino; outra em a para o feminino. Taes são os seguintes: cozinheiro, cozinheira; sobrinho, r, 290 LEXICOLOGIA sobrinha; enteado, enteada; raposo, raposa; padeiro, padei estalajadeiro, estalajadeira; gato, gata; neto, nela; vel velha; rendeiro, rendeira; alem de muitos nomes próprios em o, que têm os seus correspondentes no feminino e m a: António, Antónia; Andrelino, Andrelina; Florêncio, Florencia; Estephanio, Estephania. Exccptuam-se os nomes avô e diácono, que se dizem no feminino avó e diaeoniza. Dos terminados em ão uns ha que perdem o ofinale conservam no feminino o a nasal: orphão, orphã; irmão, irmã; christão, christã; catalão, catalã;pagão, pagã; aldeão, a outros m u d a m a desinência ão em ôa: leão, leoa; ermitão, ermitôa; pavão, pavòa; Leirião, Leiriõa; leitão, leitôa; pa patroa; hortelão, horteloa; outros,finalmente,m u d a m a termi nação masculina em ona: mulherão, mulherona; resmungão, resmungona; mocetão, mocetona; mandrião, mandriona; chorão, chorona. São excepções os nomes barão, cão, ladrão, sultão, que fazem no feminino baroneza, cadela, ladra, sultana. Os nomes acabados em l, r, z, quando têm duas formas, tomam u m a para indicar o feminino: Espanhol, Espanhola; zagal, zagaia; credor, credora; devedor, devedora; caçad caçadora ; feitor, feitora; freguez, fregueza ; maltez, ma São excepções os vocábulos rapaz ('), motor, actor, impe rador, embaixador, prior, cantor, que fazem no feminino rapariga; motora ou motriz; actora ou actriz; imperatriz embaixadora ou embaixatriz; prioeza ou priora; cantora, cantarina ou cantatriz. No que toca aos nomes terminados em or, consideravam os nossos escriptores essa terminação c o m m u m aos dois géneros. Assim é que na lição dos nossos clássicos até o século 16 se nos deparam os exemplos seguintes: (1) Para o feminino do ca/m: também se encontra, conforme affirma Gonçalves Vianna, a íonna raptxsa; e coroo forma masculina de rapariga, raparigo. 291 SERÕES GRAMMATICAES «Eu -mi má ledor (fallava uma mulher) de lettra tirada» (J. Ferreira). « A mentira, autor de toda a maldade» (Idem). « Bom pacificador de arruidos está esta » (Idem). » Prínceza,filhade David, divina caçador» (Arraes). Originariamente também ao vocábulo portuguez só se clava u m a terminação, dizcndo-se, c o m o (1. de Rezende c Barros: linguagem portuguez, lingua portuguez. Vários substantivos conhece a lingua portugueza, que experimentam outras modificações para indicar a differença genérica, sendo c m alguns o vocábulo masculino morphologicamente diverso do feminino. Taes são os seguintes: Infante, infanta; conde, condessa; manpiez, martjueza; duque, duqueza; ubhade, abbadessa; papa, papiza ou papeza; poeta, poetiza; heróe, heroina; réu, ré-; sacerdote, sacerdotiza; frade,freira; diácono, diaconisa; monge, monja; czar ou tzar, czar ina OU tzarina; alcaide, alcaidessa; prophéta. prophetiza ; rei. rainha ; dom, dona; príncipe, prínceza; cônsul, consulcza; homem, mulher; padre, madre; compadre, comadre; pai, mãi; genro, nora; padrasto, madrasta; cavallo, égua; carneiro, ovelha; bode, cabra; veado, cerva ou corça ; zangão, abelha. Alguns substantivos ha (pie são masculinos ou femininos, conforme a accepção e m que se tomam. Assim, no sentido de valores, fundos monetários, é masculina a palavra capital: O capital desta sociedade; não tenho capital para esse emprehendimento; no sentido, porem, de cidade principal de um paiz ou estado ê do género feminino : Lisboa é a capital de Portugal; Paris, a capital da França: a capital do Império russo é S. Petersburgo. A palavra cabeça no sentido de parte do corpo ê do género feminino: Este menino tem uma cabeça bem conformada e extensivamente: a cabeça da comarca, do districto, etc. N o sentido de chefe, principal motor, é ordinariamente masculina: Foram presos todos os cabeças da revolução; os cabeças da sedição, da conspiração. 292 LEXICOLOGIA N ó sentido de divisão na unidade da Igreja è do género masculino a palavra scisma; Os scismas dos protestantes; designando apprehensão errónea, pensamento, opinião mal fundada, que não assenta na verdade, é do género feminino: Metteu-se-lhe esta scisma nos cascos. Lente no sentido de professor cathedratico é masculino ou feminino, conforme se diz de h o m e m ou mulher; na accepção de vidro de augmento 6 feminino: Os lentes da Faculdade de Medicina; uma professora, lente do Instituto Normal; ê um lente do Gymnasio Nacional, da Escola Polytechnica; com uma boa lente observa-se bem este objecto; uma lente biconvexa; uma lente plano-convexa. Espia no sentido de pessoa que espia é masculino ou feminino; no sentido de corda, cabo (termo marítimo) ó feminino': Foram aprisionados dois espias; rebentott-se a espia e foi garrando a nau. Corre o mesmo relativamente aos nomes atalaia, charamela, caixa, sanfonina, guia, lingua, trompa, trombeta, clarineta, são femininos no sentido de coisas, acções, instrumentos e masculinos, quando se falia de certos misteres ou ofícios pertencentes ao homem ou do h o m e m mesmo que os exerce. Ha em nossa lingua certos nomes a que dão inclifferentemente os escriptores ora u m género, ora outro. Taes são : Hélice, grude, emphase,personagem, cataclysma, larynge, pharynge, derma, parentheses, apostema, aneurisma diabetes, esphynge, guarda-rottpa, guarda-lo iça, gramma, emboras, hosannas, alcyone, renque. A distineção dos nomes pelo género real, já o dissemos, nol-a suggere a natureza, imprimindo nos seres certas differencas segundo a sexualidade. Conta, outrosim, o vocabulário portuguez certos substantivos que, sem nomearem seres animados, têm, todavia, u m a terminação differente para cada género.Esses nomes significam em substancia a mesma ideia nas duas formas que revestem; os toques differenciaes que os separam reduzein-sc a que a forma feminina indica a ideia de modo mais geral, mais exten- SERÕES GRAMMATICAES 293 siva o vagamente considerada; a forma masculina, porem, apresenta a ideia de maneira mais particular, mais comprehensiva, mais individuada, c o m o u m a parle do todo indicado pela fornia feminina, c o m o u m a applicação, u m a realização do que é significado por essa forma. Não será difficil colher os laços mais ou menos analógicos que prendem este facto á distineção natural dos seres conforme a sexualidade: lobrigando-se aqui, porque nos exprimamos assim, uns longes dessa separação maturai. D o facto idiomático a que alludimos servem de exemplos os seguintes vocábulos: cima e cimo;pingaepingo; pêndula e pêndulo; barca Q barco; barreira e barreiro; tolda e toldo; pereira e pereiro; cesta e cesto; peru c pêro ; /meara e púcaro; troca o troco ; estofa e estofo; borda c bordo; canastra c canastro; regueira e regueiro; rio c rio;(jorrae gorro; ecrã e ceco; zorra e zorro; manta o manto; fossa e fosso; valia e vallo; madeira e madeiro; baga e trigo; boda e iiorlo; encosta e encosto; horta e hflrto; jarra e jarro; cerca c cerco; calda e caldo; folha e folho; rica e rico; casca e cisco; cova e covo; grita e grito; saiu e suio; lenho e lenho, rama e ramo ; fructo efructo; bacia e baci); cabeça e cabeço ; cepa e cepo; caldeira C caldeiro; caneca e eniu-eo; talei/pi e to leigo; giga cgf/o; poça c poço; paga e pago; sacca e sacco; sapata e sapato; chinella e clunello; cinta e cinto; tacha e tacho; tamanca e tamanco; moda e modo; chuço e chuço; porto eporto; ribeira e ribeiro; ctinthurn e ennthoro; bunda e bundo; veia e veio; trilho e trilho ; carreira e carreiro. Nesses n o m e s o ponto principal e fundamental de sua significação, a ideia matriz ê a exprimida pelo feminino; no feminino está o typo ou unidade da distineção genérica ; não ê o masculino que explica o feminino; ê, sim, este que explica o primeiro. Assim, sacco é u m a espécie de sacca; porto, u m a especis> dii porto; troco, unia espécie de troca; pêro. u m a espécie de peru; cinto, u m a espécie de cinta, etc. Desenvolvendo essa correnteza de ideias, assim se enuncia Lafaye e m seu Diccionario dos Synonymos: 294 LEXICOLOGIA « E m cada espécie animal a fêmea contem e produz o macho, como na linguagem o feminino comprebende o masculino. De seu lado o macho distingue-se por sua individualidade; os caracteres da espécie brilham só nelle ou nelle o fazem com maior intensidade». Em relação aos géneros de notável copia de substantivos de nossa lingua, como de todas as linguas românicas e de vários idiomas pertencentes a outros grupos, releva notar que é esse um dos assumptos grammaticaes em que com mais força e intensidade pro rompe o arbitrário e o inconsistente. Se, no que toca á espécie humana e aos animaes mais próximos do homem, parece indubitável que foi a differença dos sevos que trouxe ás linguas românicas a distineção dos géneros, não se nos patenteia isso com o mesmo grau e com o mesmo caracter de evidencia na lingua matriz e nos idiomas seus derivados, quando se trata dos nomes de seres inanimados, havendo linguas como o latim, o grego, o inglez e o allemão, onde se contam três géneros: o masculino, o jeminino e o neutro; outras, como a portugueza, a franceza, a espanhola e a italiana, em que se distinguem dois: o masculino e o jeminino, tendo todas na epoca romana perdido o terceiro género ou género neutro; outras, finalmente, como vários idiomas africanos, em que, segundo nos affirma a philologia, é muito maior o numero dos géneros, não havendo accórdo e correspondência entre o género grammatical e o lógico, dando-se o género neutro até a nomes de pessoas. No antigo inglez mesmo, por exemplo, em vez do género feminino, como nos parecia inculcar a lógica, dava-se o género neutro ao nome wij (mulher casada, esposa) e o masculino em vez do Jeminino ao substantivo wifmann ( mulher em geral). No allemão dá-se o género neutro ao vocábulo weib (mulher) e a todos os diminutivos em elien e lein, bem que sejam concernentes a nomes de pessoas; taes são os substantivos diminutivos màdchen (menino); hundchen (cãosinho); sôhnlein (filhinho); mútterchen (mãisinha); briiderlein (irmãosi váterehen (paisinho); schwesterlein (irmansinha). Por isso é que George Marsh sustenta haver muitas razões para acreditar que o género grammatical era originariamente independente do sexo. ( ') (1) Títere are manij i-easons, however, Jor believing that grammatical gender nas originally wholly intlepemlcnt of SPX. SERÕES GRAMMATICAES 295 Dominado pela observação dos mesmos phenomenos linguisticos é que Sayce | '), que considera o género um phenomeno puramente accidental da linguagem, desenvolvendo a theoria de Bleek sobre a génese do género, perfilha com elle a ideia de que o masculino, q Jeminino e o neutro não eram em seus primórdios senão pronomes differentes, sendo cada um delles apropriado a u m a classe de substantivos que o uso havia amalgamado com os mesmos suffixos pronominaes ou com suffixos alliados. Segundo Darmesteter (a), «essa distineção de géneros não corresponde a nenhuma ideia lógica. Nos idiomas romanos os géneros não servem ordinariamente senão de quadros em que a língua distribuea totalidade de seus substantivos, deixando-se guiar mais ou menos obscuramente por analogias exteriores, terminações, suffixos e algumas vezes razões vagas e contradictorias. E m limitado numero do casos, para os nomes de pessoas e algumas vezes de animaes, si género é determinado pela ideia de sexo, e isso mesmo desprezo da etymologia.» b) Do numero Alem dos accidenles ou flexões, por que passam os nomes para exprimir o género, offerocem estes a.flexãodo numero e dò grau. A essas flexões se ajuntam na lingua latina as flexões dos casos, cujo todo systematico se chama declinação. N o latim ha. cinco series de terminações ou flexões, que constituem as cinco declinações dessa lingua. São seis os casos e m latim: 1." O nominativo (do latim nominare — nomear) representa o n o m e c o m o o sujeito de (pie se falia. 2." O genitivo (do verbo latino gignere, genitum, da terceira conjugação: gerar, produzir) exprime o caso que produz, que gera os outros, de que nascem os outros. 3.° O dativo ou attributivo (de darc, datam, da primeira conjugação latina, dar, attribuir) representa o n o m e c o m o significando o objecto a que se dá, a que se atlribue alguma coisa. 4.° O aceusativo (do verbo latino aceusare, aceusatum, da primeira conjugação. si i Príncipe» de philologie comparée, pag. 194. (2) Ar-.n.' Darmesteter— Cours de grammaire historique. 296 LEXICOLOGIA accasar) representa o nome como indicando o objecto que soffre a acção do verbo. 5.° O vocativo (de vocare, vocatum, verbo latino da primeira conjugação, chamar) designa o nome como representando a pessoa ou coisa a que se dirige a palavra. 6." O ablativo (de auferre, ablatum, tirar) designa a ideia de afastamento, separação. De todos esses casos as linguas modernas,filiadasno latim, só conservaram o caso chamado regime, correspondente ao aceusativo latino, bem que cm todos os idiomas românicos transpareçam, a trechos, vestígios das outrasflexõescasuaes latinas, cuja destruição lhes impuzeram e forçaram suas tendências analyticas. * # * Numero do substantivo é a flexão por meio da qual exprime este a unidade ou pluralidade. Na lingua portugueza e nas outras linguas românicas só se conhecem dois números: o singular e o plural. O latim também só conhece esses dois números. N o grego, porem, á excepção do dialecto eólio, alem desses dois números, distingue-se o dual,que se emprega, quando se falia de dois objectos que andam sempre junetos ou considerados como taes, c de que offerece indicio a lingua latina no seu vocábulo ambo. Nos pronomes recíprocos inglezes each other eone another entrevê-se, segundo Henry S\vect('), u m vestígio da distineção entre o dual e o plural; sendo o primeiro desses pronomes indicio do dual; o segundo, indicio do plural. No latim e no grego faz-sc a distineção dos números por desinências particulares a cada declinação. No allemão, afora esse modo de distineção dos dois números, ha muitas vezes o enfraquecimento ou adoçamento do radical ou parte thematica do vocábulo. No italiano ê a mudança da vogal final que estabelece a distineção. (1) A Neic Englhli Grammar. 297 SERÕES GRAMMATICAES E m nossa lingua, no espanhol e no francez é, e m geral, o 8 a nota ou marca do plural dos nomes. O s substantivos terminados no singular e m vogal t o m a m u m s, passando ao [durai: Casa, casas; rosa, rosas; livro, livros; tope, topes; buriti, buritis; anda, andas; bambu, bambus; pó, ]>ós; ilhó, ilhós. Se tenriinaretn e m consoante, t o m a m no plural a terminação es: Ar, ares; colher, colheres; ether, etheres; emir, emires; cor, cores; paz, pazes; paiz, países; calar, catares; cruz, cruzes ; obuz, obuzes. (Is terminados c m ai, ol, til m u d a m a consoantefinale m es: Sul, saes; anzol, anzoes; prol, proes; pharol, pharoes; azul, uzues; tafitl, tafttes. Exccptuam-se os substantivos mal, que faz no plural males; real, reaes (no sentido de antiga moeda portugueza); e réis (no sentido do unidade monetária das moedas portuguezas); cal, cales (significando cal de moinho). Cal no senlido depedra calcarea, calcinada não tem [durai. Cônsul, procônsul e vice-cônsul fazem no plural cônsules, procônsules e viee-consules. Os substantivos terminados e m il longo m u d a m no plural o / c m *.' Fuzil, fuzis;funil, funis; ara/T, urdis. Os terminados e m il, breve e cl. breve ou longo, m u d a m a terminação do singular e m eis, passando ao [durai: Fóssil, jbsseis; sável, sáveis; docel, dóceis; painel, painéis; arrátel, arráteis; papel, papeis; ministrei, ministreis; projéctil, projecteis. Se terminarem no singular e m m. m u d a m no plural o m em //s: Bem, bens; som, sons; atam, atuns; tom, tons; homem. homens; nuvem, nuvens ; jejum, jejuns. Os terminados e m s não solíreui mudança alguma, passando para o plural: Pires, ourives, alferes, arraes, cães, fazem no plural pires, ourives, alferes, arraes, cães. O plural archaico desses quatro últimos nomes era: ottrivezes, alferezes, arraezes, caezes. Fazem excepção os nomes simples (drogas, ingredientes), 38 298 LEXICOLOGIA calis, que também se escrevem simplice, cálice, que fa simpliees, cálices c a palavra Deus, que no sentido de Deus d paganismo faz no plural Deuses. Alguns nomes terminados em ex, ix nada têm de irregulares no plural, por se formar esse numero da forma singular ice com que mais ordinariamente são esses nomes orthographados. Assim índex ou índice, codex ou códice, appendix ou appendice modelam o seu plural pela segunda forma que têm no singular, fazendo: índices, códices, appendices. Os substantivos terminados em ão no singular fazem o plural uns em ãos, outros em ões. outros em ães. E m ãos fazem os nomes seguintes: irmão, accordão, mão, cidadão, Coimbrão, christão, comarcão, lodão, sótão, or grão, corremão, pagão, rabão, ancião, cortesão, medão, v temporçLo, são, chão, golphão, órgão, frangão, orégão, be zangão e todos os acabados em ão, accentuados na penúltima. Fazem em ões os substantivos sermão, lição, feijão, tição acção, petição, eleição, coração, solidão, menção, mel opinião, viração, multidão, belliscão, mourão, caixão, re marquezão, facão, medalhão, grammaticão, moçalhão, dotidarrãoe todos os acabados cm ão. cuja desinência for augmentativa, eos nomes acabados em (Toque tiverem por procedência nomes latinos, terminados no nominativo do singular em ioedo. E esta terminação plural que se applica ao maior numero dos substantivos portuguezes e a que o povo mais c o m m u m mente se affciçôa. Ein ães_ fazem os seguintes: pão, cão, capitão, capellão Allemão, Ç^falão, deão, tabellião, escrivão, massapão, s 1 tão, charlatão, guardião, ermitão. Têm mais de u m a terminação no [durai os substantivos aldeão, villcio, anão, vulcão, alão, peão. tritão, que aldeãos ou aldeões; villãos ou villões ; anãos ou anões; v ou vulcões; alãos, alões ou alães, peões ou peões; tri ou trua.es. T ê m alguns grammalicos procurado a explicação dessas três terminações pluraes, já na lingua latina, já na castelhana. SEUÕES GRAMMATICAES 2!)'.» A terminação portugueza c7o, dizem alguns, é u m a contracção de quatro terminações latinas, pertencentesásegundac terceira declinação, e posto que taes terminações latinas se reduzam e m portuguez a u m a só, passando o n o m e ao plural, segue a terminação portugueza sua forma etymologica correspondente. Essas quatro terminações latinas, a que se liga a portugueza. são anem, anum, onem c udinem. A palavra irmão, por exemplo, que vem do aceusativo latino germunum, da 2." declinação, faz irmãos (de germanos, aceu- sativo plural); ehristão, do aceusativo latino christianum, faz christãos (de christianosj; ratão (de raphanttm) faz no plural rubãos (do aceusativo [durai raphanos). melão, acçãto, tição, religião, sermonem, servitudinem, melonem, Sermão, servidão, procedentes dos aceusativos actionem, titionem, reli- gionem, da;];' declinação, fazem no [durai sermões, servidões, melões, acções, tições, reli/pões. dosaecusativos latinos pluraes sermones, melones, servitudines, acliones, titiones, religiones. Cão (de eanem) faz no [durai cães (de canes); pão (de panem ) faz ])ães ( de punes ). Outros, c o m o Vera e Duarte Nunes, explicam as terminações do plural dos nomes e m ão comparando-as com outras que lhes correspondem no castelhano, estabelecendo as seguintes regras: Quando a terminação portugueza ão corresponder a castelhana an. fará o n o m e o [durai e m ães: Capitão, que corresponde ao castelhano capitan, faz no plural capitães. Se a terminação portugueza tiver c o m o correspondente no castelhano a terminação ano, o n o m e fará seu plural e m ãos: ril/ão. eido,Ião, aldeão, devem, segundo essa regra, ter c o m o pluraes villãos, cidadãos, aldeãos. Se. porem, a terminação portugueza for on no castelhano, lera no sou [durai a terminação õcs: Sermão, opinião, coração, que correspondem ao castelhano sermon. opinion, coraçon, fazem no [durai sermões, opiniões, corações. Se. finalmente, os vocábulos e m (7o forem meramente por- 300 LEXICOLOGIA luguezes sem correspondentes no castelhano, terminarão em ões: pataeão, patacões; folião, foliões. Nada obstante, enconlram-se em portuguez palavras terminadas em ão, cuja terminação plural não é empregada pelo uso de conformidade com as regras e com os preceitos que ahi se vêem estatuídos. A lição constante e assídua dos bons escriptores ensinará de modo seguro o emprego de taes desinências pluraes, em que, por vezes, o uso se nos mostra arbitrário e inconsequente. Os substantivos tomados materialmente e qualquer parte do discurso empregada como substantivo, a que o uso dê em nossa lingua o numero [durai, terá u m s como nota característica desse numero: Os ás, os bés, os més ou emmes, os rés ou erres, os sis ou essis, os vés, os nés ou ennes, os fés ou os quês, os porquês, os prós e os contras, os comes e bebe os dares e tomares, os ais, os itens, os provareis, os cant os tangeres. Vê-se, pois, que, seja qual for o substantivo portuguez, é oso signal ou a marca do numero plural. Essa lettra proveiu-nos do aceusativo plural latino. Com effeito, de todos os casos da declinação latina, o caso regime ou aceusativo é o único cuja existência se nos patenteia clara e distinctamente no estudo do nosso vocabulário; e como em todas as declinações latinas terminava esse cm s no aceusativo plural (horas, muros, arbores,enrrus, res). tornou-se essa let por u m a generalização, a nota característica do numero plural. Não só se nota que no aceusativo plural dos nomes latinos ó que se acha a explicação do s como signal distinctivo do plural dos substantivos ou nomes portuguezes, senão que ê esse o caso etymologico por excellencia, como noutro lugar mais largo mostraremos. Substantivos ha que só se empregam no singular; outros, porem, só se usam no plural. Empregam-sc no singular: 1.° Os nomes próprios: Pedro, José, Maria, Amélia, Thomaz, Olinda. SERÕES G R A M M A T I C A E S 301 Exceptuam-se os nomes próprios, quando, por syncdoche, se convertem em communs ou quando se applicam a dois ou mais indivíduos da mesma familia: Os Camões, os Tácitos, os Romualdos, os Rios Brancos, os Florianos, os Argollos, os Fernandes da Cunha, isto ê, os poetas semelhantes a Camões, os historiadores semelhantes a Tácito, os arcebispos semelhantes a D. Romualdo, os estadistas como o Visconde do Rio franco, os gencracs como Floriano e Argollo, os oradores eloquentes, os políticos de caracter espartano como Fernandes da Cunha. «Os dois Scnccus, OS três Aia!/ tubis, OS deis PlinioS, OS Alliltt/iicri/nt-s e os ('httoes. » «Teve D. João de Castro hunas a i|uem vencer na Ásia; mas não achou Cursios e Livios na Europa, que illustrassem seu n o m e » ( Freire ). «Dai-mo u m rei brando, affavel e prudente, e dar-vos-ei andar rodeado de Fabrieios, Cieeros, Seneeas o Catões» (Paiva). 2.° Os substantivos que exprimem noções abstractas, virtudes, vícios, substancias elementares, metaes, melaloides: A. prudência, & preguiça, a caridade, a temperança, a ociosidade, a fortaleza, o azoto, o carbono, o mercúrio, a prata o ferro, o cobre, a platina, o chumbo, o ouro, o phosphoro, o arsénico, o iodo, o enxofre, ele. Excepto quando figuradamente dizemos: Preciso de um cobres; ganhou naquella empreza muito bons cobres; as praias da coroa; foi o preso posto aferros; h o m e m de duas fés; Pedro pratica muitas caridades; é u m homem de muitas bondades. Tratando-se de virtudes, vícios, de certas disposições, sentimentos e paixões, muito é para notado que. em alguns casos a mesma palavra, empregada no singular ou plural, não designa de todo o ponto a mesma noção ou concepção, mas dois aspectos differentes por ella indicados nos dois números, como tão ao claro nol-o dão a ver os modelos cio bom fallar. Taes são: liberdade e liberdades, caridade e caridades, zelo e selos, amor e amores, mérito e méritos, bondade e 302 LEXICOLOGIA bondades, meninice e meninices, vivacidade e vivaeidades bem e bens, baixeza e baixesas, vaidade e vaidades, amabil dade e amabilidades, franquesa efranqttesas, etc. O singular, em taes casos, mostra u m a disposição permanente, habitual, continua, independente dos efleitos e movimentos que produz exteriormente. O plural apresenta, ao contrario, taes disposições o sentimentos como diversos e múltiplos em suas manifestações, em seus effeitos, sob o que têm de passageiros e accidentaes. A bondade, por exemplo, é a qualidade geral de ser bom physica ou moralmente; as bondades são a mesma bondade considerada e m seus múltiplos effeitos, em suas diversas manifestações; não são u m a virtude, senão virtudes. A caridade é a virtude que nos leva a amar o nosso próximo; as caridades são os effeitos, os accidentes desta virtude. «E o peior é que não só se vê em mis a meninice, senão as meninices que o são do juizo» (Vieira). «Tirarão os cálices c vasos sagrados e applical-os-ão a suas embriaguezas» (Idem). «Se confiardes em homens, achareis em vez da verdade a mentira; em vez da sinceridade, enganos; em paga de benefícios, ingratidões; com promessa de bons officios, maldades ; com bandeira de paz, guerra; com capa de zelo, z;los» (Idem). «Entre as pobrezas e desamparos, entre os aseos e as misérias da gente mais inculta» (Idem). «Não vem cá buscar nosso bem, vem buscar nossos bens» (Idem). «Se quereis a minha graça e as minhas graças, alli as tendes assignadas por mim» (Idem). «Deixando as armas e as armaduras, a liberdade e as liberdades da vida, se vestiu de um habito religioso» (Idem). 3." Os nomes que indicam sciencias e artes: A philosophi a sociologia, a geologia, a lógica, a rhetorica, o desen pintura, a musica, a cirurgia, a carpintaria, a estenograp a politica. SERÕES GRAMMATICAES 303 Exceptua-se o substantivo mathematica, que se diz a mathematica ou as mathematicas. 4." Alguns adjectivos empregados substantivadamente: o bello, o sublime, o verdadeiro, o justo, o licito, o illicito, 0 honesto, o agro e o doce, o elevado e escabroso da serra. 5." O s n o m e s que indicam productos animaes ou vegetaes: 0 leite, o mel, a cera, a almecega, o almíscar, o castoreo, a resina, o incenso, a borracha, o benjoim, o cravo, a canella. a liieca, o rnanuéi, a camphora, o milho, o feijão, o arroz, o trigo, o café, a cevada, o centeio, a aveia. Disse, porem, Eernão Mendes, fadando de diversas espécies de trigo, arroz, cevada e milho: «Campinas rasas e grandíssimas de trigos, arrozes, cevadas, milhos e muitos legumes.» (i." Os nomes indefínitOS tudo, nada, isto, isso, aquillo, ai. algo, alguém, outrem, ninguém, quemquer, fulano, sicrano. Os substantivos (pie só se empregam no plural são os seguintes: alviçaras, andas, arredores, cans, fasces, fauce», fastos, annaes, esgares, tregeitos, confins, olheiras, manes, migas, esponsaes, núpcias, exéquias, herpes, idos, nonas, calendas, endoenças, castanhetas, bentinhos, vitualhas, laudes, seitas, matinas, fcrins, viveres, ouros, copas, paus, espadas (naipes ou metaes cie cartas), lemures, parcas, penates, pelhancas, sevícias, lampas, emboras, arras, ferropêas, janeiras, poluinas, antolhos, meças, etc. O s vocábulos parabém e pezame, outrora usados amiúde no singular, hoje e m dia costumam empregar-se no plural. Haja vista ao seguinte passo de Vieira e m suas Cartas; «Vossa senhoria me da o pezame dos achaques com que vivo, e juntamente o parabém da enfermidade com que hei de morrer ». Kmpregam-se sempre no plural os nomes que designam multiplicidade de indivíduos ou objectos: taes são os que indicam classes, famílias botânicas ou zoológicas: .Is leguminosas, as mulvaeeas. os lejndopteros, os dlpteros, os mammiferos. 304 LEXICOLOGIA Diz-se, porem, empregando o singular: o bambit é u m a gramínea; o tamarindo é u m a leguminosa; a mandioca é uma euphorbiacea; a borboleta é u m lepidoptero; porque nest casos é intuito de quem falia designar especialmente u m individuo da classe ou familia. Os substantivos no numero plural conservam o accento phonetico do singular: Rosa, idosas; manada, manadas; epitheto, epithetos. Exceptuam-se as palavras caracter, que faz caracteres, soror (freira confessa), que faz sorores e não sorores. Os sons das vozes de u m vocábulo não soffrem em geral alteração alguma passandoeste para o plural. Isto não obstante, conhece nossa lingua substantivos que têm no singular o penúltimo o grave, os quaes no plural ou m u d a m esta voz grave do singular em o aberto, ou a conservam em ambos os números. Da primeira classe são exemplos os seguintes substantivos: Choco, canhoto, caroço, coro, folho, globo, cachopo, gor horto, molosso, tijolo, iremoço, toco, rogo, corno, corpo destroço, despojo, escolho, fogo, forno, Jorro (de casa, vestes), fosso, jogo, miolo, morno, morto, novo, olho, osso, poço, porco, porto, j)osto, povo, renovo, soccorro, sogro tojo, tordo, torno, (orlo, troço, troco, barroco. Dos que conservam no plural o o grave do singular são exemplos osseguint.es: Abono, aborto, soco, almoço, alvorot arrojo, arrolo, bobo, bodo, bojo, bolo, bolso, boto, ca choro, coco, contorno, enxacoco, trambolho, perdigoto, g lobo, roto, gafanhoto, ceroto, endosso, colosso, fofo, rodo, balofo, esposo, corro, coto, coxo, dobro, enjoo, e estofo, fofo, forro (liberto), ferrolho, pescoço, bioco, g gorro, mono, morro, gosto, goso (substantivo), gordo, marot jorro, lodo, mocho, moço, molho (caldo), mofo, nojo, oco, olmo, peixoto, piloto, pimpolho, piolho, polvo, poldro, raposo, repolho, rolo, roto, roxo, soldo, solho, soro, lodo, tolo, vodo, volvo, zarolho, zorro, xarroco. Vocábulos ha, em summa, em que o penúltimo o ê agudo 303 SERÕES GRAMMATICAES nos dois niimeros. Taes são os seguintes: Abrolho, apodo, tropo. poro. espero, bordo, copo, copto, dolo, dógo, froco, foco, jóto, galeôto, lóro, hissópo; marsóeo, molho (feixe), modo, noto, orço, orlo, topo (choque, encontrão), voto, pólo, collo. Quanto aos substantivos das duas primeiras categorias é principalmente o b o m uso o guia mais seguro na escolha de u m a ou outra forma do plural. Diremos, todavia, que é sempre preferível empregar o o agudo no plural dos substantivos, que já o tiverem na forma feminina, quando para taes substantivos houver u m correspondente do género feminino. Assim ê (pie o n o m e fosso, que no feminino fossa tem agudo o o, faz no plural fossos; torto. que faz no feminino torta com o agudo, faz tortos no plural; porco, porca,porcos; cachopo, cachopa, cio Impôs. Se, pelo contrario, for grave o o no feminino correspondente, o substantivo fará ordinariamente o [durai e m o grave <• não agudo: bodo, boda, bodos; gorro, gorra, gorros; zorro, SÒrra, zorros; raposo, raposa, raposos; môÇÓ, moça, môçOS', bolso, bolsa, bolsos. Nos casos, porem, c m que o n o m e não tem u m feminino correspondente, divide-se o uso no que respeita a escolha de u m a ou outra fornia do [durai. Ossubstantivos puramente latinos ou de origem estrangeira, bem que ainda não naturalizados portuguezes, fazem o [durai seguindo a regra geral : Os améns, os ex-votos, os misereres, os Te-Deums, os factotams. os in-folios, os specimens, os deficits, os benedicites, os solos, os fac-similes, os quiproquós os post-seripiums. os t/i/ettantes, os allegros, os trios, os lord o* budgets, os stocks, os torys, osplacets, os whigs, os atttos-da- fé, os búlldogs, os bills, os breacks, os fandangos, os thalers, os boleros, osjurys, os sombreros, os shillings, os toasts, os beys, os deys, os pachás, os paletots, as ladys, os quidams, os tenders. Todos esses n o m e s terminam no plural e m s e m nossa lingua, bem que e m alguns não seja essa a terminação que lhes dá a língua a que pertencem. Os vocábulos errata, duplicata, agenda, dos pluraes latinos 39 306 LEXICOLOGIA errata, duplicata, agenda, empregados em nossa lingua, são geralmente usados com a nota do plural: erratas, duplicatas, agendas. Corre o mesmo com os adjectivos portuguezes cincoí sete, etc, que, empregados como substantivos, tomam algumas vezes a nota ou signal do plural, bem que já o sejam desse numero: Os cincos, os setes, os noves do baralho. * * * As regras principaes relativas aos substantivos composto podem reduzir-se ás seguintes: Quando o substantivo composto consta de dois substantivos, sendo estes escriptós em u m a só palavra, sem a risca de união entre os elementos componentes, é de ordinário o ultimo desses elementos que toma a nota do plural: Madresilva, madresilvas; pontapé, pontapés; tiracollo, tiracollos; madrepérola, m pérolas; madrépora, madréporas; varapau, varapaus; aguapé aguapés. Se, porem, entre os dois elementos componentes houver a risca de união, cada u m dos dois substantivos que constituem a palavra composta tomará a nota do plural: Chale-manta, chales-mantas; couve-flor, couves-fores; mestre-sala, me salas; mestre-escola, mestres-eseolas; livro-mestre, mestres; banho-maria, banhos-marias ; fructa-pão, frueta pães; guarda-marinha, guardas-marinhas. Quando o substantivo composto constar de u m substantivo ede u m adjectivo, se for o substantivo o primeiro dos elementos componentes, ambos variarão no plural; se, porem, for o adjectivo, será o substantivo só que tomará a nota do plural: Corneta-mór, eornetas-móres; tambor-mór, tambores-mõres capitlo-mór, capitães-móres; guarda-mór, guardas-móres cofre-forte, cofres-fortes; gato-pingado, gatos-pingados cega, cabras-cegas; amor-perfeito, amores-perfeitos; ob prima, obras-primas; vangloria, vanglorias; centopéa, ce péas; gran-mestre, gran-mestres; gran-cruz, gran-cruzes SERÕES GRAMMATICAES 307 grand-offleial, grand-officiaes; salvo-conducto, salvo-conducto t/rtind-almirante, grand-almirantes; gran-besla, gran-bestas; recta-guarda, recta-guardas. D e accórdo com a regra aqui enunciada diz-se primeiranins/as, serpimlunnistas, terceirannistas. juartannistas, et Exceptuam-sc os substantivos compostos seguintes : Canto-chão, lugur-tenente, segunda-Jeira, terça-fcira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, aguardente, gentilhnmem, malfeitor, que fazem no plural canto-chão*, lugar- tenentes, segundas-feiras,terças-feiras, quartas-feiras,quintas feiras, sextas-feiras, aguardentes, gentis-homens, malfeitores. Vieira dizia gentil-homens, c o m o o testifica o seguinte lanço de suas Cartas: « N ã o pareceremos pouco gentil-homens a essa d a m a ». São invariáveis vente-montunha, verdc-tcrra. verde-cré, vcrde-mar, roxo-terra. Quando o n o m e composto contem u m verbo e u m substantivo, ê este ultimo (pie toma a nota do plural: Girasol, girasóes; guardasol, gttardasóes; corremão, corremõos; porta-bandeira, porta-bnndeiras; chupumel, chupameis; lambeprato, lambepratos; gttardaloiça, gttardalotças; guarda/ró. guardapós; ganhapão, ganhapães; tapaolho, tapaolhos; viracasaca, nraeasaeas; fincapé, fincapés; guarda-portão, guarda-portões; mirétolho, miraolhos; guarda-porta, guarda-portns; guardamatto, guarda-mattos; guarda-mão, guarda-mãos; guarda- freio, guarda-freios ; guarda-fto, guarda-fos; gttarda-lama, guarda-lamas; rapapé, rapapés; tirapé, tirapés; passatempo. passatempos; pesa-licor, pesa-licores; quebra-facão, qttebrafaeões; papa-peixe, papa-pei.res; corta-páu, corta-páus; quebrantar, quebra-mares; quebra-cabeça, qucbra-cabeças. São invariáveis papa-moscas, guardalivros, estouraver- gas, tragamouros, guarda-rios, guarda-joias, guarda-quedas, guarda-mancebos, guarda-chaves, quebra-nozes, quebra-es- ipuiitis. papa-juntares, manja-leguas, trinca-pintos, trincanozes, troca-tintas, espalha-brazas, guarda-fêchos, espantalobos, saeca-rolhas. passa-culpas, chornmigas. 308 LEXICOLOGIA D o s compostos de dois verbos uns ha que variam nos dois elementos do que constam; noutros varia só o ultimo elemento componente; noutros, emfim, são invariáveis a m b o s os elementos: Luze-luse, luses-luses; ruge-ruge, ruges-ruges; vaivém, vaivéns; ganha-perde, ganha-perde. Vieira e outros disseram vaes-vens. Disto testemunha o excerpto seguinte: « Q u e m tem acabado a vida, de todos esses vaesvens da fortuna está seguro». (Sermões). Quando na composição do substantivo entra u m elemento variável e outro invariável, só aquelle é que toma o signal do plural: Recemchristão, recemchristãos; semideus, semideuses; antipapa, antipapas; antecâmara, antecâmaras; bemaventu- rança, bemaventuranças; ex-director, ex-directores; sub-chefe, sub-ehefes; sota-piloto, sota-pilotos; dama-entre-verdes,damasentre-verdes; semsaboria, semsaborias; contravento, contraventos; parapeito, parapeitos; entremeio, entremeios; entrecasco, entrecascos; parabém, parabéns; sempreviva, sempre- vivas. Quando o substantivo se compõe de dois substantivos, unidos pela preposição de, só o primeiro é que toma o signal do plural: Pé-de-vento, pés-de-vento; olho-de-boi, olhos-deboi; lingua-de-vacca, linguas-de-vacea; pé-de-cabra, pés-decabra; pão-de-lõ, pães-de-lõ; cabo-de-esquadra, cabos-deesquadra; crista-de-gallo, cristas-de-gallo; pé-de-gallinha, pés-de-gallinha; pé-de-leão, pés-de-leão ; pé-de-lebre, pés-delebre; mão-de-vacca, mãos-de-vaeca; botão-de-oiro, botões-deoiro; coração-de-negro (pedra), corações-de-negro; cravo-de- defuncto, cravos-de-defuncto; beiço-de-lebre, beiços-de-lebre. O sentido não admitte senão o plural nos n o m e s compostos pingos-d'ovo§ (doce), lagrimas-de Vénus (flor), lagrimas-de Job (erva). c ) Do (jráu As flexões graduaes constituem nos substantivos os augmentativo* e diminutivos. Grau do substantivo, portanto, é a modificação particular que SERÕES GRAMMATICAES 309 este soífre e m sua terminação, pela qual se exaggera. augmenta, attenúa, diminue ou deprecia a significação do seu primitivo. Auymentativos são nomes que, por meio de certas terminações particulares, cxaggeram a ideia significada pelos seus primitivos. Esses n o m e s são empregados e m linguagem familiar e geralmente tomados á m á parto. Ao, as e aço são as terminações augmentativos, soffrendo mais c o m m u n s varias modificações dos phonicas a desinência dos primitivos, antes de tomarem esses as terminações que lhes trazem o sentido augmentativo. Assim de casa se forma o augmentativo casão ou casarão; de chapéu, chapeirão; de cão, canzarrão; de febre, febrão; de fatia, fatacaz; de rapaz, rapagão; de homem, homenzarrão; de dente, dentão; de sábio, sabichâo; de frade, fradalhão; de poeta, jyoetaço ou poetastro; de ministro, ministraço; de estudante, estudantão ou estttdantaço; de truão, truanaz; de ladrão, ladra Vaz ou ladroaço; de santo, santa rrão ou santarraz; de favor, favor aço; de monsenhor, monsenhoraço; de senhor. senhoraço; de velhaco, velhacão, velhaca:; de lobo, loba;; de macho, machaeaz; de paspalho, paspalhão; de carta, cartaz; de cabeça, cabeção; de moça, mocetão ou moçalhão. «Anilava Leonardo as cutiladas com um ruji/inz» (Ferreira «Que m e matem, se m'o não levou aquelle ladravas de Montalvão» (Idem). «Parece-me grande favoraça, de que sou totalmente indigna •> (Bern.). «Elles lhe chamavam daeobão, correspondendo, por escarneo, ao próprio nome, que era Jacob» (Idem). «Representam elles o papel de senhoraços » (Idem). « Preferiu o mocetão de quem anda sempre a fallar-me » (A. (lasl I. Diminutivos são os nomes que, por meio de certas desinências particulares, exprimem altenuação ou diminuição no significado de seus primitivos. Servimo-nos desses nomes para exprimir m i m o . familiari- 310 LEXICOLOGIA dade, compaixão, ternura, carinho ou para depreciar e ridicularizar. O diminutivo e m inho, zinho ê sempre do m e s m o género de seu primitivo; não acontece assim c o m o augmentativo e m ão, que é sempre masculino, embora seja feminino o primitivo que lhe deu origem: a pedra, a pedrinha, a pedrazinha, o pedrão; a casa, a casinha, o casão, o casarão. A s terminações diminutivas são: inho, zinho, ele, ote, ito, illo, ido, eido, eco, ico, ejo, im, acho, ucho, el, ello, elho, i olo, etc: Livrinho, livrozinho, livreco, livrete; pintinho, pinto zinho, pintainho; fontinha, fontezinha, fontainha, fonticulo; rapazinho, rapazito, rapazote, rapazola; salmonete, salmonejo; lugarejo, lugarzinho; quintalejo; animalejo; cãozinho, cãozito; pezinho, pézito; florinha,florzinha,florita, florica; folhinha, folhasinha, folheta; doidete; mocete, moçoila; burrinho, bttrrozinho, burrico, burrito, burriquilo; cintilho; brocadilho; caminha, camilha; cartilha; peitilho; mantilha; camarilha; serrilha; pag ella; par eella; columnello; bacello, bacillo; rodell riacho; vttlgacho; papelucho; bolinholo; saccola; homttnculo; corpúsculo; floseulo; trouxel; canistrel; saqttitel; casulo; ce lula; lóbulo; glóbulo; animalculo ;partícula; espadim; fortim; camarim; flautim; tamborim; lagostim; mamillo; atilho;- velhote; dichote; serrote; frangote; camarote; caixote; perdi- goto; ilhota, ilheta, ilhote, ilhéu; poviléu; abanico; veranico; beberele; saberete. « Chiquinito de eabellinho crespo, mais formoso que todos, vind cá, vinde cá» (Bernardes). «E as mais que o som terribil escutaram Aos peitos os filhinhos apertaram » (Cam.) «Aos montes ensinando e ás hervinhas O nome que no peito escripto tinhas » (Idem ). SERÕES GRAMMATICAES 311 «Está o lascivo e doce passarinho Com o biquinho as pennas ordenando, O verso sem medida, alegre e brando Despedindo no rústico raminho» (Idem). «As roupas recamadas de ouro e tomadas airosamente ein um cintilho de saphiras» (Vieira). «Nem a moça ha de ser estatua nem diabrete» (J. Ferreira). «O dono Ájanellinha escuta ocioso a viração de Deus que lhe está chovendo pão lá de dentro» (A. Castilho). «Das brancas ovelhinha* tiro o leite E mais as finas lãs de que m e visto ; Graças, Marilia liella, Graças á minha estrella!» (Gonzaga). . « Ha umas certas boquinhas gravesinhas e espremidinhas pela doutorice, que são a mais aborrecidinha coisa e a mais pequinha que Deus permitte fazer ás suas creaturas fêmeas» (Garrett). Fazendo riso das modas exaggeradas de seu tempo, assim escreveu Garcia de Rezende: « Agora vemos capinhas Muito curtos pelotinhos, Golpinhos e sapatinhos, Fundas pequenas, mulinhas, Gibõesinhos, barretinhos Estreitas eabeçadinhas, Pequenas nominasinhas, Estreitinhas guarnições, E muitas mais invenções, Pois que tudo são coisinhas». Não é só aos appellativos que se accrescentam desinências diminutivas; estas também se costumam pospor aos nomes próprios na linguagem familiar, no trato doce e affectuoso do lar domestico. 312 LEXICOLOGIA De Anna, por exemplo, formaram-se os diminutivos Anninhas, Annasinha, Nanninha, Annita, Annicota, Annica, Annoca, Anniquita, Nanoca, Nasinha, Naná, Ná; de José forma-se Zézinho, Zézé, Zeca, Jucá, Zusa, Zuzti, Cazuza; de Luiz, Luizito, Luizinho, Lulu, Lula; de Maria, Mariazinha, Marietta, Mariquinha, Mariquita, Maricá, Maricas, Maricota, Maricotinha, Cota, Cotinha, etc; de Isabel, IsabelinhafZabe linha, Betinha; de Pedro, Pedrinho, Pedrito, Pedrota, Piroca, etc; de Carlota, Carlotinha, Lota, Latinha, Lólóta Lóló; de Joaquim, Joaquimzinho, Quinquim, Quinzinho; de Domingos, Dominguihhos, Minguinho, Mingú. « Gonçalinho lhe chamais, não sei se vos tomardes com ell Gonçalão vos parecerá» (G. de Rezende). «Era frei Balthazar muito pequeno de corpo, e por essa razão não conhecido por outro nome senão de frei Balthazarzinho-» (Chr. de S. Domingos). Esses diminutivos formam-se, em geral, ou empregando-se u m a das syllabas do nome próprio, ordinariamente a accentuada, a que se pospõe uma desinência diminutiva, ou dobrando-se qualquer de suas syllabas, ou ainda corrompendo-se inteiramente a phonetica do primitivo e ajunctando-se-lhe uma terminação apropriada, ou, em summa, conforme a regra geral da formação dos diminutivos, pospondo-se ao próprio a desinência diminutiva. Nos diminutivos ha muitas vezes, no estylo familiar, u m requinte na ideia, diminutiva, podendo haver diminutivos de diminutivos de diminutivos. Assim os vocábulos pequenino e pequenito já são diminutivos ; do primeiro forma a nossa lingua os vocábulos pequenininho, j)equenichinho, pequerrucho, pequerrichinh pequenichichinho; do segundo, os diminutivos pequenitinho, pequenitozinho, pequenitote. Esse processo de encarecer assim a ideia dos diminutivos não era alheio do latim, que dizia: cista, cistula, cistella cistellula. 313 SERÕES GRAMMATICAES A maior parte dessas desinências diminutivas conhece-as a lingua latina, que nol-as forneceu. Assim ('que nessa língua se conhecem c o m o diminutivos as terminações ellus, a, um; ollus, a, um; Mus, a um ; ulus, a, um; culus, a, um; e léus, que se exemplificam nos vocábulos latinos seguintes: de ocultis, ocellus; de asinus, asellus; de puera (feminino antigo de puer), pttella; depuelln, puellula; de catena, calella; de opera, opella; de lamina, lamella; de rex, regalas; de servas, servidas; de oppidum, oppidulum; de lana, luntda; de hortus, hortulus; de bactilum, bacillum; de signum, sigillum; de codcx, codicillus; de lápis, lapillus; de pater, paterculus; de mater, matercttla; de frater,fraterculus; de soror, sororcula; de virga, virgula; de rana, ranula; de tígnum, tigellum; de calceus, calceolus; de infans, infan- tulus; de velas, vetulus; de poeta, jioetilla; de litera, literti de canis, canicula; de pulvis, pulvisculus; de fios,flosculus; de pidvinus, pulvillus; de os, osctilum; de ttxor, uxorcula; de cor, corculum; de opus, opuscttlum; cie homo, homtineultts; de venter, ventriculus; de sermo, sermune ulus; de caro, caruncula; de cos, coticula; de nubes, nubecala; de piseis, piseiculus; de rumor, rumusculus; de corona, corolla; de filias, ftliolus; de gloria, gloriola; de eqtttis, equtileus; de hinnus. hinnúlus] de açus, aeuleus; depons,ponticttlus; depugnus,pugellus; de dies, diecttlus; de ingenium, ingeniolum. Os augmentativo* e diminutivos, quando tomados á má parle, c h a m a m - s e pejorativos. Taes são, entre outros, os n o m e s casebre, dentuça, dotttoraço, vulgacho, homunculo, papelucho, talentaço, estudandaço, monsenhor/iço. mestraço, peccadoraço. De m o d o idêntico ciavam os latinos u m sentido pejorativo ao sulfixo diminutivo culus, a, um nas palavras plebceula. mu/ieretila. meretriciila. 0 sentido augmentativo ou diminutivo n e m sempre se conserva e m toda a sua força significativa, de feição que, apezar do sulíixo augmentativo ou diminutivo, se vai e m LO 314 LEXICOLOGIA alguns vocábulos pouco e pouco obliterando a ideia de diminuição ou augmento, de que é elle expressão. No vocábulo agulha, em portuguez, clesappareceu totalmente em nossa lingua o sentido diminutivo, evidente no suffixo do vocábulo latino acicula, diminutivo de açus, donde aquelle procede. Corre o mesmo com a palavra abelha, joelho, ovelha, orelha, golpelha (ant.), que derivam dos diminutivos latinos apiculam, genuculum, oviculam, auriculam, vulpeculam, onde se obliterou de lodo em portuguez o sentido que persiste na lingua matriz. III Da fusão do género neutro latino em masculino c feminino portuguez; mudança do género de alguns substantivos; vestígios em portuguez dos diversos casos da lingua latina. O género neutro latino clesappareceu em portuguez, não o fazendo, porem, como já vimos atraz, sem deixar vestígios manifestos de sua existência. Os nomes neutros latinos tornaram-se em portuguez masculinos ou femininos. Já em algumas inscripções latinas se começava, ainda sob o império, a observar a confusão dos géneros, fazendo-se masculinos nomes que eram do género neutro. Assim é que se encontram, em vez das formas brachium, dorsum, collum, templum, monumentum, vestigium, animal, fatum, metalla, coelum, balneum,judicium, as formas brachius, dorsus, collu templus, monumentus, vestigius, animalem, fatus, metallu coelus, balneus, judicius, donde em nossa lingua se formaram os substantivos braço, dorso, collo, templo, monumento, ves tígio, animal, fado, metal, céu, banho, juízo. Taes exemplos ainda mais frequentes se tornam no latim depois da queda do império. Nessa epoca u m erro ainda mais notável veiu augmentar a perturbação neste ponto da linguagem: confundia-se usual- SERÕES GRAMMATICAES 315 mente o plural dos nomes neutros e m a c o m os substantivos da primeira declinação latina, e m forma que se dizia no latim popular/O/ÍKS'. relas, piras, ormns. vestimentas, ce rasas, lestas, insígnias, mirabilias, c o m o se fossem casos de substantivos da primeira declinação, c m lugar das formas clássicas folia, rela. piro. urmn. vestimenta, cerasa.festa, insígnia, mirobilin. tomando-se aqui erradamente o plural neutro e m a pelo nominativo singular dos nomes da primeira, declinação latina. Dessas formas, introduzidas assim no latim vulgar, por u m erro ou confusão estranha e grosseira, provieram e m nossa língua os substantivos femininos/oZ/ia, vela,pêra, arma. vestimenta, cereja. festa. insi/piia. mararilha . ()s nomes n e m sempre conservam o género com que primitivamente entram para o vocabulário da língua. Assim, alguns ha, c o m o já vimos, c m cujo género é o uso indeciso; outro-. que eram a principio masculinos, fal-os hoje o uso femininos c vlce-versu; a outros, cujo género foi sempre neutro no latim, sanccionou-lhes o uso ora o género masculino, ora o feminino no portuguez. O substantivo arvore, por exemplo, no antigo portuguez era masculino ; o uso actual, entretanto, não lhe dá senão o género feminino. N u m a Écloga, denominada Crisfal de Christov&o Falcão, poeta que floresceu no reinado de D. João 3.", encontra-se o seguinte exemplo desse substantivo empregado como m a s culino : « Em uma frauta tangendo Ao pé de um arvore estava ; Desque da bocca a tirava. De dentro dahna gemendo, E m vez de cantar chorava. » O substantivo fim era a principio do género feminino: hoje não se lhe dá senão o masculino: « Dizem que a fim do mundo ha de ser per fogo » (Barros). • 31G LEXICOLOGIA Este ultimo substantivo sempre do masculino e m o numero plural, em latim, é nesta m e s m a lingua ora masculino, ora feminino no singular, sendo do primeiro desses géneros na maioria dos casos. O mesmo vocábulo era dos dois géneros no velho francez, não se lhe. dando no francez moderno senão o género feminino. O substantivo torrente fizeram-no os clássicos antigos do género masculino; hoje é por todos considerado feminino. Vieira ainda lhe deu o género masculino, dizendo: «Vistes o torrente formado da tempestade de súbito como se despenha impetuoso» (Sermões). O substantivo mar, do latim maré, do género neutro, era no portuguez archaico do género feminino, o que se evidencia nas expressões preamar, baixa-mar; hoje, porem, não se lhe dá, e m nossa lingua, senão o género masculino. Diadema é hoje masculino segundo todos os escriptores modernos. Meira, entretanto, deu-lhe o feminino em vários passos de suas obras, como nol-o attesta o exemplo seguinte: « Se Christo tirara a diadema» Este mesmo escriptor fel-o algumas vezes do género masculino. O uso parece prevalecer relativamente ao género masculino do substantivo phantasma; lambem o empregou Vieira c o m o mesmo género; os outros clássicos, ao contrario, nem sempre lh'o deram, sendo entre elles muito geral o uso do género feminino em relação ao mesmo substantivo. Os latinos sempre lhe deram o género neutro. A palavra phenix fel-a sempre Vieira do género feminino, que é o preferido hoje pelos escriptores de melhor nota; entretanto deram alguns a esse vocábulo o género masculino em portuguez, á semelhança do que occorre no latim e no francez, onde é sempre masculino. Aos vocábulos hélice, grude, personagem dão ora um, ora outro género. SERÕES GRAMMATICAES 317 Cutastrophe, hgperbole, tribu, apostrophe, pyràmide. emphase, periphrase, syncope, que todos fazem hoje femininos, figuram nos escriptores antigos ora com o género masculino, ora com o feminino. (') E m A íeira acha-sc, outrosim, amethisto, em lugar de amethista; saphiro, em lugar de saphíra; espinha, em lugar de espinho, ainda fallando da rosa; como testemunha a expressão: «uma rosa entre as espinhas», que empregou e de que ninguém usará hoje. E m João de Barros encontra-se paradoxa em vez de paradoxo, como o attesta o exemplo seguinte: «Donde se [iode verificar uma paradoxo, que todo o fraco de animo é malicioso cm cautelas.» Do que até aqui temos estudado sobre o género deprehende-se que é este determinado já pelo sentido, já pela terminação, já pela etymologia, jà, em summa, pelo uso, que neste passo é, em alguns casos, sobremodo incoherentc, arbitrário e caprichoso na maior parte dos idiomas. Tinham os latinos a palavra Deus masculina, não só pelo sentido, senão também pela terminação, c a palavra dea, a que deram sempre o feminino, sob o duplo aspecto do sentido e da terminação; entretanto, numa passagem do 2." livro de sua Eneida, deu Virgílio o género feminino ao primeiro desses nomes, no que foi também imitado por Ovidio. Este ultimo escriptor, por sua vez, fez feminina a palavra latina miles na sentença «Et nova miles eram». É conhecida a expressão latina heres primas, heres secundus, ainda fallando de unia mulher. Na expressão moderna «.Le phylloxera vastatrixn (a phylloxera devastadora). com que os francezes designam alatinadamenle o terrível insecto hemiptero, destruidor das vinhas, ha o facto notável do emprego do substantivo essen- (1) Logo lhes fazem huns pyramides mui altíssimos (Barros) nAquello catattrophe admirável» (Vieira) 318 LEXICOLOGIA cialmentc feminino vastatrix, applicado como epitheto ao substantivo phylloxera, que é masculino na lingua franceza. Consoante a mesma correnteza analógica, foi que u m dos nossos mais distinctos pregadores sacros disse, fallando de S. Izabel, rainha de Portugal: Izabel era rei, imitando aquelle passo em que, fallando de Phebes, nympha do séquito de Diana, disse o autor das Metamorphoses; «Miles erat Phoebes» e esfoutros, cm que, tratando das abelhas e das aves (apis, avis, nomes essencialmente femininos), disse Virgílio: «.Rex apttm» e Plinio; «Rex aviam». * * Em alguns vocábulos portuguezes ha indicies ou vestígios manifestos dos vários casos das declinações latinas. Nominativo. Do nominativo acham-se exemplos em muitos nomes próprios ou sobrenomes e em alguns appellativos, de que são [trova os nomes seguintes: Cícero, Afro, Hugo, Latro, Pollio, Varro, Apollo, Júpiter, Vénus, Dido, Jun Deus, Drago, Virgo, Carlos, Luiz, ladro, tredo, bafo, sor soror, serpe, gorgulho, saibo, chantre, neto, drago, l renne, trado, erro, correspondentes aos nominativos latinos: Cícero, Nero, Hugo, Latro, Pollio, Varro, Apollo, Júpit Vénus, Dido, Juno, Deus, Drago, Virgo, Carolas, Luduvicus latro, traditor, vapor, soror, serpens, curculio, sapor nepos, draco, lausperennis, teredo, error. As formas Cicerão, Nerão, Pollião, Varrão, que se acham em alguns dos nossos escriptores antigos, não se prendem ao nominativo, senão aos aceusativos latinos Ciceronem, Neronem, Pollionem, Varronem, que geraram os vocábulos francezes Cicéron, Néron, Pollion, Varron, como os aceusativos Didonem, P lato nem deram nascimento nessa lingua ás formas francezas Didon, Platon. Genitivo. Deste caso podem servir de exemplos os vocábulos seguintes: Legislador, regicídio, infanticídio, homicídio dio, jurisprudência, jurisconsulto, senatusconsulto, ple SERÕES GRAMMATIl Al S 319 ourives, agricultor, agricultura, naufrágio, auspicio, filho- familias, celicola, agrícola, vinícola, vinicultura, piscicultura aurifiee, auriscalpo; de legis, genitivo latino, e lator; regis e caedere (matar), donde o substantivo artificial latino cidium, cidio (assassínio, morte); infanti por infantis e homi por ho minis e caedere; dei e caedere;júris e prudentia;júris e eonsultus; senatus e consultus; plebi por plebes c citum do verbo eieo, eiere (chamar); auri eficem ( substantivo artificial de jácere); agri c cultor; agri e cultura; navis e fragum (substantivo latino artificial de frangere-quebrar); au ou aci por avis e spicio, spicere (ver, olharp. ftlius e famílias (antigo genitivo latino) e m vez de familiae; coeli e colere; piseis e cultura; auri e jacere; auris e scalpere, scalpsi, scalptum (limpar, raspar). P o d e m considerar-se c o m o reminiscências do genitivo latino os nomes patronymicos, designativos hoje de appellidos hereditários de certas familia-. Neste caso estão os nomes seguintes: Antunes, Nunes, Sanches, Martins, Rodrigues, Lopes, Pires, Soares, Bernardes, Alves, Alvares, Muniz, Esteves, Garcez, Munhoz Dias. Fernandes, Mendes. Guedes, e outros. Dativo. 0 dativo exemplifica-se nas palavras devoto de d, o (dativo de Deus, ei) e votam (aceusativo do adjectivo latino votus, a, um: dado, entregue); crucifixo do latim crux, eis (no dativo do singular) e jixum (aceusativo de li cus. a. um, e que significa litteralmente: imagem de Christo pregada ácrttz) e o n o m e próprio Deodato ou Adeodato, que á lettra quer dizer dado a Deus, de datas (participio latino dado) e Deo (dativo do n o m e Deus —a Deus), a que se ajuncta a preposição a, perdendo-se o valor significativo do caso latino, quando e m vez de Deodato se diz Adeodato. Nas variações pronominaes mi (ant.) ou mim, ti, si, que, por analogia, também revestiram as formas tim, sim; lhe. que também apresenta as formas archaicas li, le. notam-se os indícios dos dativos latinos mihi, tibi. sibi, il/i. Aceusativo. E o aceusativo o caso que deu origem á maior 320 LEXICOLOGIA parte dos nomes. As palavras leão, condição, dicção, relig lição, sedição, tição, legião, torrente, serpente, infante, pastor, pintor, condor, sabor, sabão, valor, fal evidentemente dos aceusativos latinos da terceira declinação leonem, eonditionem, dictionem, religionem, lectionem, tionem, titionem, legionem, torrentem, serpentem, trid infantem, pastorem, pictorem, c.ondorem, suporem, sapon valorem, falconem. Pensam alguns que é o ablativo o caso de que se formaram os nomes em portuguez; mas, se attentarmos bem nos nomes neutros imparisyllabos da terceira declinação latina, veremos que, se fosse o ablativo o caso de que se originam os vocábulos. não teriam as formas que têm no portuguez. Assim lado, peito, corpo vêm dos aceusativos latas, pect corpus e não de latere, peclore, corpore, que dariam as form ladre, pectre ou peitre, corpre. Vocativo. C o m o originários do caso a que chamavam os latinos vocativo são raros os nomes. Põem-no todavia em luz as expressões Ave-Maria, SalveRainha, Cantagallo, mira-olho, em que as formas imperativas ave, salve, canta, mira, bem justificam o vocativo dos nomes Maria, Rainha, gallo, olho. Este facto encontra explicação em ter sempre a mesma forma no latim o vocativo e o nominativo em todas as declinações, exceptuados apenas os nomes da segunda declinação, em que, por outra parte, não são poucos os que têm forma idêntica nos dois casos. Demais disso, nos escriptores latinos, ainda fallando dos que melhor escreviam, encontra-se a forma nominativa, tendo exactamente o mesmo valor significativo que o vocativo e vice-versa. Assim é que disse Horácio: «AlmaefiliasMaiae!»; « Vós, o Pompilius sanguis/»; e Tito Livio: «Audi tu, populus Alba nus.'». Nesses casos os nominativos filius, sanguis, populus estão empregados em vez do vocativo, SERÕES GRAMMATK AES 321 Ne.sfoutro, porem, de Virgílio: «Ileuf terra ignota canibus dateproeda Latinis alitibusquejaces» o adjectivo date, vocativo e empregado pelo nominativo datas. Ablativo. Representam o ablativo lodos os advérbios formados com o suffixo mente e muitos outros advérbios e formulas adverbiadas: Piamente, devotamente, secretamente, simuladamente, cedo, tarde, longe, perto, breve, logo, cer presto, como, reverá, de industria, de cadeira, de súbito, repente, de improviso, cx-otftcio, e r-jirofesso, de vistt, hoje. CAPITULO IV Dos pronomes Pronomes são palavras que exprimem determinadamente os seres pela ideia de sua pessoa. Os pronome* pertencem á mesma categoria dos substantivos; estes caracterizam os seres, designando-os pela ideia de sua natureza; aquelles, designando-os pela ideia de sua pessoa. Os pronomes não são outra coisa mais que substant personativos, como lhes chamou Lemare. A maior parte dos grammaticos, levados pelos elementos etvniologicos da palavra pronome (proe oomen, inis — em lugar do nome), o definem uma palavra que se põe em lugar do nome c o consideram como mero substituto do nome ou substantivo. O pronome, è verdade, substituo muitas vezes o nome; mas isso nem sempre o faz, nem constituo o seu caracter principal, senão u m a funeção, que lhe é accessoria, secundaria e accidental. Quando se diz: Pedro estuda muito; tu. António, não trabalhas; elle faz progressos; tu não re adiantas, o pronome el da terceira proposição [iode perfeitamente substituir o nome Pedrodã primeira; mas já não passa o mesmo com referencia ao pronome tu da segunda e quarta: esse não é meramente u m substituto do substantivo António, mas lem por funeção principal denotar que António é a pessoa a quem m e dirijo. n 322 LEXICOLOGIA D o m e s m o m o d o nas proposições: Eu, Eduardo, estado e tu, Emílio, não trabalhas, os pronomes eu e tu não têm por fim unicamente substituir os nomes Eduardo e Emílio; têm sim por objecto indicar principalmente que Eduardo falia c se dirige a Emílio. O pronome tem por funeção principal e característica determinar o ser pela ideia precisa de u m a relação c o m o acto da palavra. Quando se procura determinar a natureza de alguma palavra, não é a seu valor ou sentido etymologico, que se deve principalmente mirar, senão á ideia que suggere ao espirito essa [ialavra, á sua funeção principal e característica, ao seu valor psychologico. O põr-se u m a palavra e m lugar de outra não ê coisa que lhe pertença poresscncíaenaturalmente, senãode m o d o accidental. D e feito, atendo-nos á etymologia, se o pronome é simplesmente o substituto do nome, ê a voz ou palavra que se põe e m lugar do nome, c o m o nos inculcam as grammaticas tradicionaes, na. classe dos pronomes devem incluir-se não só todos os nomes considerados metaphoricamente, senão grande numero de adjectivos, já determinativos, já attributivos ou qualificativos, taes os adjectivos meu, teu, seu, nosso, vosso, todos os adjectivos que exprimem nacionalidade e muitos qualificativos, taes os adjectivos mariano, celestial, napoleónico, argênteo, platónico, socrático, aristotélico, marmóreo, áureo, juliano, afonsino, etc. C h a m a m - s e pessoas (de personas, aceusativo plural de persona, a*—papel, personagem) as varias situações ou os vários papeis cios seres relativamente ao acto da palavra. E m relação ao acto da palavra são estas as situações do ser: ou representa elle a pessoa que falia, ou a pessoa a q u e m se falia, ou a de q u e m se falia. A primeira situação recebe o n o m e de primeira pessoa; a ss^gunda, de segunda pessoa; a ultima, de terceira pessoa. A primeira pessoa è, portanto, a que falia; a segunda, áquella c o m q u e m se falia; a terceira, a de q u e m se falia. SERÕES G R A M M A T I C A E S 323 Dos casos da lingua latina as linguas românicas, depois do constituídas, não conservaram nos nomes senão o caso regime. Ainda nos séculos 11, 12 c 13 era conhecida no dialecto romano—lingua d'o'il das províncias septentrionaes da França, a declinação de dois casos: caso sujeito e caso regime, que clesappareceu de todo no século 14. No que, porem, concerne aos pronomes, é evidente a conservação no portuguez e nas linguas românicas do caso sujeito e do caso regime. Os pronomes da primeira pessoa assim se declinam: i Caso sujeito: Eu. , Caso sujeito: Nós. Singular , ' Caso regime: Me, mim, migo. Pintai ' Caso regime: Nos, nosco. (is da segunda pessoa dcclinam-se assim : i Caso sujeito: Tu. Singular . ' Caso regime: Te, il, tigo. , Caso tujeito: \~<is. Plural ' Caso regime: Vos, ooteo. Os da terceira pessoa declinam-sc: / Caso sujeito: Elle, ella ^ Caso sujeito: Elles, ellas. Singular . Plural . ' Caso regime: Se, si, sigo, o, a. ' CJISO regime Se,si,i go, os, a». Eu, tu, elle, ella, elles, ellas, nós, vós, correspondente caso nominativo dos pronomes latinos, chamam-se variações directas; todas as mais variações pronominaes recebem a denominação de obliquas. As variações mim, ti, si, andam sempre acompanhadas de uma preposição, que indica as relações de que são signaes: De mim, para mim, por mim, de ti, por ti, de si, para si, por si. As variações migo, tigo, sigo, nosco, vosco, no uso actual da lingua, vem sempre associadas com a preposição com; Comigo, comtigo, comsigo, comnosco, comvoseo. Dessas variações usaram os escriptores antigos, desacompanhadas da preposição com. dizendo migo, tigo, sigo, á semelhança do (pie occorre no italiano, que emprega as formas: meço, teco, seco, nosco, vosco, sem lhes addicionar a dita preposição, 324 LEXICOLOGIA C o m effeito, o emprego da preposição com antes dessas variações é pleonaslico, por já encerrarem todas a preposição cum e m sua composição. As variações atonas me, te, se, nos, vos, lhe, lhes, empregam-se sem preposição. Essas são proclitieas ou encliticas, conforme se submettem ao accento da palavra que lhes segue ou da que lhes precede: Tito lhe rendeu sempre homenagem; Mareio deuAhe muitos parabéns; na primeira proposição é o lheproclitico e enclitico na segunda. A maioria dos grammaticos antigos e modernos extendem a denominação de pronomes a outras palavras, que collocamos já na categoria cios substantivos, já na dos adjectivos; taes, entre outras, as palavras isto, isso, aquillo, tudo, outrem, qu ninguém, ai, algo, nada, que, o qual, cujo, meu, teu, seu, e esse, aquelle Pensando assim, distinguem entre os pronomes os pessoaes, possessivos, demonstrativos, relativos ou conjunctivos e finitos. A nós parece-nos, porem, que só merecem essa denominação os geralmente chamados pessoaes, a que chamaremos simplesmente pronomes, pela razão de serem esses os únicos que designam determinadamente os seres pela ideia de sua pessoa, sendo redundante o epitheto pessoaes, por isso que todos o são em rigor. Não se nos afigura também lógico considerar a mesma palavra, como o fazem alguns, ora como pronome, ora como adjectivo, segundo se emprega absolutamente ou vem unida a u m substantivo. As palavras este, esse, aquelle, meu, teu, se não m u d a m de natureza nas expressões seguintes: esse m'o alfirmou; esse homem m'o ajfirmoa; meu livro e o teu; teu caracter e o seu; este homem é meu parente; aquelle é-me de todo desconhecido; seucaracter è illibado; estec o seu chapé o seu, aquelle. Até o século 16 e mais raramente depois, uso era entre os nossos clássicos o emprego da variação pronominal atona lhe, SERÕES GRAMMATICAES 325 já para indicar a singularidade ou unidade, já para indicar a pluralidade. São mui frequentes os exemplos desse emprego e m Camões, Lucena, no século 16 e raros nos séculos posteriores. Attcstam-nos isso os seguintes passos : «Aos que tudo põem em fallar, quem faz que não ouve os acama; quem lhe responde, os accende» (Lucena). «Os padres lhe diziam a elles as coisas da fé» (Idem). «Recebendo os companheiros, quiz, por lhe fazer mais mercê, que defendessem alli algumas conclusões» (Idem). «Comendo alegremente perguntavam Pela arábica lingua donde vinham, Quem eram, de que terra, que buscavam, Ou que partes do mar corrido tinham. Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas respostas que convinham: Os portuguezes somos do occidente, Imos buscando as terras do oriente» (Cam.) «Qual parida leoa, fera o brava, Que os filhos, <pic no ninho sós estão, Sentiu que, emquanto pasto lhe buscava, O pastor de Marsilha llfos roubava.» (Idem). «Vinde salvar estes pardaes castiços Mas ah ! poupai-Wie as filhas delicadas » (Bocage). «Aconteee-//ie aqui aos moradores o mesmo que aos pilotos, que nenhum sabe em que altura está» (Vieira). As variações me, te, lhe, lhes, nos, vos, quando se unem ao pronome o, a, os, as, combinam-se do m o d o seguinte: Me 0 Me Me a os m'o m'a m'os Lhes Lhes Lhes 0 a os lh'o lh'a l/i 'os 320 LEXICOLOGIA Me as m'as Lhes as lh 'as Te Te Te Te Lhe Lhe Lhe Lhe 0 t'o t'a Cos 0 nol'o a os as nol'a noVos 0 vol'o a os as voV a 0 lido Nos Nos Nos Nos Vos a os as lh'a VÓS lixos Vos Vos a os as t'as lidas noVas voVos voVas Nenhuma dessas variações atonas pode figurar como palavra inicial no rosto de u m a phrase; assim é que as proposições tão frequentemente ouvidas na bocca do povo me deixe, me parece devem substituir-se pelas phrases portuguezas deixe-me, pareee-me. Conhecem-se, todavia, a expressão popular, imprecativa: «me melem, se eu fizer isso» c a locução interjectiva: t'arrenego ! «a/e melem, se eu percebo o tal conluio» (Cast.) Ambos esses modos de dizer são notados por J. Ribeiro em sua excellente Grammatica Portugueza. Notemos, porem, que na locução interjectiva farrenego!a proclitica se une e agglutina tão intimamente ao verbo, que constituo com elle u m a só palavra. Ao ouvido não sóa o e da proclitica te, senão o som tar, constituindo a primeira syllaba da expressão. O desvio da regra é aqui apenas apparente. Eu faz no plural eus, quando empregado como substantivo: « E m mim ha dois eus, um segundo a carne e outro segundo o espirito» (F. Mendes). Esse vocábulo vindo depois do adjectivo outro é invariável, ainda empregado como complemento. Assim é que se diz em portuguez: nelle terás, nelle verás outro eu e não outro mim. A razão é que em taes casos perde o vocábulo o seu valor pronominal, assumindo o caracter de substantivo. SEUÕES GRAMMATICAES 327 E ainda substantivo o mesmo vocábulo nas expressões o eu. o não CU. Não ( ' • logo para imitar a seguinte sentença de Bernardim Ribeiro : « Após mim não ha outro mim », em vez de «após mim não ha outro eu». A forma pronominal eu não pode ser regida de preposição alguma: quando pelas circumstancias do discurso vier uma preposição precedendo immediatamente a forma pronominal cu, essa preposição não regerá o pronome cu, senão o elemento grammatical que se lhe seguir. É incorrecto, portanto, dizer: «Pedro emprestou-mc dinheiro para mim comprar uma casa», cm lugar de «para cu comprar»; a preposição para não rege aqui o pronome eu, senão a forma verbal infinitiva que se lhe segue. Para exprimir emphalica e distinctamente os pronomes eu, tu, elle, nós, vos, elles, ellas e suas variações Iónicas, costu nossa lingua ajuntar-lhes os adjectivos mesmo,mesma, mesmos, mesmas: «Eu mesmo o vi; tu mesmo o ouviste; elle mesmo o disse; nós mesmos o abandonamos; a ti mesmo elle desobedeceu; a si mesmo elle desconheceu: em tal conjuncção mesmos o censurastes», etc. Os pronomes da primeira e da segunda pessôã não tèm inflexão distincia para exprimir o género, ao passo (pie ó manifesta essa distineção no que respeita aos pronomes da terceira pessoa. Diz-se eu, tu, no singular: nós, vos. no [durai. sendo a mesma flexão singular ou plural c o m m u m aos dois géneros; mas, empregando desinências differentes para indicar a differença dos géneros, dizemos elle, ella, no singular: elles, e/las, no plural. « A razão», diz Stoddart, cm sua excellente Glossology, «é que. sendo suíficientemente conhecidas a primeira c a segunda pessoa como presentes u m a á outra, é supérflua a mudança de terminação para indicar a distineção dos géneros. já bem estabelecida pelas circumstanciasespeciaes dodiscurso; Demonstratio ipsa secam genus ostendit». 328 LEXICOLOGIA Já não corre o mesmo com os pronomes de terceira pessoa: designando esses geralmente pessoas ausentes, têm necessidade de taes distineçõesparaa intelligencia, precisão e clareza do discurso. Todos os pronomes e, mais que iodos, os da primeira e segunda pessoa, são acompanhados do u m a ideia de indicação precisa, externada de ordinário por u m gesto, que traduz materialmente e com viva expressão a ideia da relação por elles significada. Induzido por esse facto foi que aos pronomes deu Darmesteter (') a denominação, que elle m e s m o considera paradoxal, de gestos faltados. E m nenhum ponto da linguagem fallada mais do que neste se manifesta e evidencia tanto o estreito consorcio entre essa e a linguagem dos gestos, que é tanto mais predominante, quanto mais nos approximamos do desenvolvimento inicial da linguagem articulada, que tão pobre, escassa, minguada edeficientede principio devera de ser, e m concerto com as primeiras necessidades da humanidade, encontrando nos gestos naturaes sua explanação, seu complemento e precisão. Essa mesma indicação precisa, esse gesto fallado, segundo a feliz concepção do grammatico já citado, notam-se igualmente nos adjectivos este, esse, aquelle, meu, teu, seu, nosso, v e nos advérbios aqui, ahi, alli, acolá, pela relação que têm com os pronomes da primeira, segunda e terceira pessoa. Donde, porventura, a razão por que não somente são por alguns denominados pronominaes aquelles adjectivos, mas também os mesmos advérbios aqui apontados. * * * Origens latinas —Os pronomes em portuguez e em todas as linguas romanas originam-se dos pronomes latinos correspondentes. (1) A. Darmesletrr. Cours ile Grammaire Historitjuc tle la langue française.
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