Desventuras das nações mais favorecidas.indd

Transcription

Desventuras das nações mais favorecidas.indd
desventuras das
nações mais favorecidas
Egos em conflito, ambições
desmedidas e as grandes
confusões do Sistema
Multilateral de Comércio
ministério das relações exteriores
fundação alexandre de gusmão
A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao
Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações
sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é
promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais
e para a política externa brasileira.
Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo, Sala 1
70170-900 Brasília, DF
Telefones: (61) 3411-6033/6034/6847
Fax: (61) 3411-9125
Site: www.funag.gov.br
paul blustein
Desventuras das Nações mais Favorecidas
Egos em conflito, ambições desmedidas e as
grandes confusões do Sistema Multilateral de
Comércio
tradução:
teresa dias carneiro
revisão de tradução:
sérgio rodrigues dos santos
andré Yuji pinheiro uema
Brasília, 2011
Copyright © 2009 de Paul Blustein
Título original: Misadventures of the Most Favored Nations
Publicado originalmente nos Estados Unidos por
Public Affairs, membro do Perseus Books Group, 2009.
Direitos adquiridos para tradução e publicação no Brasil pela
Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG
Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro
sem prévia autorização por escrito, exceto no caso de breves citações incorporadas
a artigos e resenhas. Para maiores informações, favor contatar
PublicAffairs, 250 West 57th Street, Suite 1321, Nova York, NY 10107.
Equipe Técnica:
Henrique da Silveira Sardinha Pinto Filho
André Yuji Pinheiro Uema
Fernanda Antunes Siqueira
Fernanda Leal Wanderley
Juliana Corrêa de Freitas
Luiza Castello Branco Pereira da Silva
Pablo de Rezende Saturnino Braga
Programação Visual e Diagramação:
Juliana Orem
Elaboração do Índice Remissivo :
Fátima Ganim
Impresso no Brasil 2011
B62d
Blustein, Paul.
Desventuras das nações mais favorecidas / Paul
Blustein.– Brasília : FUNAG, 2010.
500 p.
ISBN: 978.85.7631.298-7
1. Relações Internacionais. 2. Comércio
internacional. 3. Organização Mundial do Comércio
(OMC). I. Título.
CDU: 327
Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei
n° 10.994, de 14/12/2004.
Para Yoshie
Sumário
Prefácio, 9
Nota e Agradecimentos do Autor, 23
Capítulo 1
Sr. Black, compareça à recepção, 31
Capítulo 2
A Organização Intergaláctica do Comércio, 51
Capítulo 3
O Mal-Estar da OMC, 81
Capítulo 4
Perdidos em Seattle, 103
Capítulo 5
Apenas notas 10, 137
Capítulo 6
Removendo a Mancha, 171
Capítulo 7
A Insurreição do Resto, 199
Capítulo 8
Joias e Piratas, 233
Capítulo 9
Sua Santidade, o Papa Bob, 253
Capítulo 10
Um Chicken McNugget, 287
Capítulo 11
Peter e Susan – feitos um para o outro, 317
Capítulo 12
Mesmo as exceções têm exceções, 349
Capítulo 13
Fracasso, 367
Capítulo 14
Se pelo menos houvesse um jeito melhor, 387
Notas, 411
Índice Remissivo, 475
Prefácio
INTRODUÇÃO
Diplomatas e negociadores comerciais tratam com reservas as
recorrentes tentativas de elaboração de relatos sobre áreas de sua
competência direta, sejam eles de natureza jornalística ou acadêmica.
De uma maneira geral, a leitura desses relatos evidencia ao negociador
pecados e insuficiências em vários aspectos. Tais pecados são mais
óbvios nos casos de relatos pontuais e jornalísticos, mais preocupados
com o frescor e o apelo da matéria do que com a precisão dos fatos, seus
fundamentos e sequência lógica. Os textos finais tendem a pouco ou nada
agregar às informações que já são de domínio público ou do próprio
negociador; simplificar exageradamente a realidade; conter numerosas
imprecisões e erros conceituais ou factuais; ignorar as complexidades de
um processo negociador sempre sujeito a variados estímulos de natureza
política, institucional, comercial, social e mesmo pessoal. Nas raras vezes
em que o relato consegue ser tanto preciso quanto abrangente, incorre
no pecado capital de tornar-se monótono e desinteressante.
Logo, não foi sem alguma hesitação com que comecei a ler “As
Desventuras das Nações Mais Favorecidas” de Paul Blustein. Tendo
participado de virtualmente todas as reuniões ministeriais da Organização
Mundial do Comércio (OMC) desde sua criação, com exceção de Cancún,
9
embaixador roberto azevêdo
ademais de ter atuado nos últimos anos como negociador brasileiro para
a Rodada Doha, confesso que tinha sérias dúvidas se, ao menos de minha
perspectiva, haveria alguma coisa nova ou interessante a ser relatada
sobre aquelas negociações. Além disso, parecia-me difícil imaginar que
o grande público viesse a se interessar sobre as entranhas de tema tão
árido e complexo como as negociações comerciais multilaterais da OMC.
Na verdade, tomei coragem para iniciar a leitura por conhecer Paul
já há algum tempo, sobretudo no contexto das entrevistas que manteve
para elaboração do livro. Foram exatamente as numerosas, criteriosas,
meticulosas e insistentes indagações de sua parte que me aguçaram a
curiosidade. Queria saber como fizera uso de tantas informações, a maior
parte delas assentadas nas detalhadas anotações que mantive sobre boa
parte das reuniões relatadas no livro. Sabia da qualidade dos textos de
Paul, do amplo acesso que dispunha a muitos dos personagens da Rodada
e de sua invejável rede de contatos. Sabia também que vários outros
colegas negociadores haviam sido por ele contatados. Assim como eu,
todos ficaram muito impressionados com o grau de interesse de Blustein
pelos detalhes e minúcias dos acontecimentos, sempre com particular
atenção à precisão e cronologia dos fatos, anotando as exatas palavras
empregadas pelos atores centrais nas reuniões de especial interesse.
Contrariando minha experiência pregressa com obras de natureza
similar, tive imenso prazer com a leitura do livro. O texto é abrangente,
conciso, preciso e informativo. Mas o toque especial está na forma
como a leitura transcorre de maneira fluida e, sobretudo, cativante. É
combinação imbatível, capaz de gratificar, em vários planos, os diversos
tipos de leitores; do perito ao leigo em temas comerciais.
A COMPLEXIDADE DAS NEGOCIAÇÕES
Talvez um dos principais desafios de Blustein na obra em apreço tenha
sido como capturar, de forma inteligível e interessante, a complexidade
das negociações comerciais multilaterais.
A teoria e a prática das relações internacionais ensinam que,
mesmo em um modelo muito simplificado de negociações bilaterais, as
tratativas comerciais constituem, no mínimo, “jogo em dois níveis”, ou
seja, os negociadores são forçados a negociar tanto no plano doméstico
como com seus parceiros estrangeiros. Em contraste com os postulados
10
prefácio
econômicos ortodoxos, nas negociações comerciais, os possíveis ganhos
da liberalização, por exemplo em termos de eficiência na alocação de
recursos, são vistos como “concessões”. Isso porque essas negociações
resultam em ondas de impacto que se distribuem de forma assimétrica – e
com frequência antagônica – entre produtores e consumidores das duas
partes negociadoras. Esse fenômeno faz com que se devote tanto ou mais
esforço para sensibilizar os diferentes setores domésticos do que para
convencer o outro país a fazer movimentos. Ao longo das conversações,
os negociadores estão empenhados em montar suas respectivas “coalizões
ganhadoras”: aquelas em que a soma dos “ganhos possíveis” despertam
interesse em segmentos dos produtores e consumidores domésticos
capazes de sobrepujar os segmentos mais sensibilizados pela soma das
“perdas prováveis”. A forma com que são arquitetadas essas “coalizões
ganhadoras” é que, em larga medida, determinará a existência ou não
de áreas de interseção nos objetivos negociadores dos dois lados.
Expectativas de ganhos e perdas são quase sempre criadas nesse processo
inicial e tendem a “perseguir” o negociador ao longo das tratativas.
No caso de uma Rodada multilateral de negociações em que
participam agora 154 países membros da OMC, as complicações crescem
em escala exponencial. Se no caso de um acordo bilateral imperam
incertezas sobre a existência das condições necessárias e suficientes
para a conclusão exitosa da negociação, em um quadro com número
muito maior de atores as permutações são quase infinitas. Os governos
instruem seus negociadores à luz de seus respectivos ciclos políticos e
econômicos, em uma dinâmica de aproximações sucessivas ditadas, em
sua maior parte, pelo acaso.
Capturar essa interação de forças e variáveis de forma coerente e
inteligível é obstáculo que Blustein bem supera em seu livro. O leitor
perceberá a forma como expectativas são criadas nas etapas iniciais do
jogo, bem como a maneira em que elas pautam o espaço de manobra
das etapas avançadas das negociações. O livro evidencia o desafio da
recalibragem e as consequências de quando esse esforço fracassa, bem
como a necessidade da transição entre a fase de formar as “coalizões
ganhadoras” e a etapa de “vender” internamente os resultados da
negociação, sempre mais modestos que os inicialmente almejados.
Parece ser uma matriz complexa e de difícil manejo, e é. Por isso,
essas negociações são demoradas, difíceis e dependem do consenso
11
embaixador roberto azevêdo
(ou pelo menos não objeção) dos 154 países, que respondem às forças
contraditórias de seus próprios subsetores domésticos. Não sem razão,
cada uma das rodadas de negociação do sistema GATT1- OMC durou
mais do que a rodada anterior, conforme nos lembra Blustein.
PERSONALIDADES
Blustein captura a complexidade das negociações em vários planos.
As detalhadas e minuciosas entrevistas que manteve com pessoas
diretamente ligadas às negociações, presentes nos encontros decisivos,
permitiram que o autor chegasse mesmo ao plano da dinâmica pessoal
entre as autoridades mais relevantes do processo. Essa química entre os
negociadores é, não raro, subestimada por observadores externos.
A experiência e a literatura especializada em parâmetros de
negociação evidenciam que parte relevante dessa complexa matriz
de fatores que influenciam o rumo das negociações encontra-se na
esfera das atuações dos vários negociadores, tanto de forma individual
quanto coletiva. Abundam os exemplos de países que participam de
determinados círculos decisórios, menos em razão de seu peso específico
ou circunstância política, e mais em função da capacidade pessoal de
seu representante em contribuir na busca de convergências. Essa faceta
não está perdida no livro; pelo contrário, é um de seus pontos fortes.
Blustein demonstra bem como as personalidades podem fazer a diferença
quando se trata, por exemplo, de demonstrar liderança entre os demais
negociadores, de transformar uma ideia-força em realidade, de ter trânsito
e influência em seu governo e público interno, etc. Da mesma forma,
Blustein sublinha situações em que traços, projetos e ambições pessoais
menos favoráveis ao ambiente negociador também conduzem a erros de
percepção, atritos desnecessários e equívocos cheios de consequência.
Afinidades e conflitos entre egos são bem retratados.
A esse respeito são particularmente ilustrativas as descrições de
momentos críticos da Rodada, como as circunstâncias de seu lançamento
pós 11 de setembro, o acirramento de atritos em períodos pré-eleitorais,
a maior interação pessoal nos pequenos grupos decisórios com não mais
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade), assinado em
1947.
1
12
prefácio
que cinco a sete delegações. Blustein ilustra, por exemplo, com profusão
de detalhes, como a mudança dos titulares dos cargos foi por vezes
suficiente para alterar, de forma bem acentuada, a dinâmica de relações
bilaterais ou de todo um grupo. O fato de que algumas das apreciações
do autor possam vir a suscitar opiniões divergentes entre pessoas que
acompanharam as negociações não retira o mérito da abordagem, sempre
cuidadosamente assentada em relatos dos que testemunharam de perto
partes críticas do processo.
DIPLOMACIA PÚBLICA
Igualmente, sobressai no texto de Blustein a relevância da diplomacia
pública e da capacidade de arregimentar apoios entre o público, os
interesses estabelecidos e o novo ator de crescente importância nas
negociações comerciais – as organizações não governamentais. A
capacidade de imprimir um spin nas notícias emanadas da negociação,
de modo a fazer predominar uma interpretação favorável às posições
do negociador, ilustra bem como a negociação ocorre não apenas nas
reuniões a portas fechadas, mas também na batalha pela conquista da
opinião pública. Nesse sentido, artigos, entrevistas, todos os instrumentos
de pressão e de propagação de percepções são arregimentados em uma
batalha abrangente e sem quartel para fazer predominar uma determinada
“narrativa” do processo de negociações em que se consolide uma noção
de justeza, coerência e equidade das posições negociadoras.
As experiências relatadas no livro oferecem ao leitor uma razoável
ideia de como lidar com o que chamo de “dilema do negociador”. Esse
dilema se apresenta com grande nitidez na diplomacia pública em
contexto negociador. Ao passar uma mensagem aos órgãos de imprensa
sobre aspectos da negociação, o negociador depara-se com alternativas
contraditórias. Caso opte por traçar uma apreciação favorável das
propostas sobre a mesa, a posterior “vendagem” interna de eventual
acordo fica facilitada. Sua posição, no entanto, fica fragilizada diante
dos demais negociadores. Afinal, como criticar, entre quatro paredes,
ofertas que, de público, reconheceu valor? Em contraste, caso opte por
criticar essas mesmas propostas, fica legitimada sua atitude firme na
mesa de negociações. Por outro lado, será posteriormente desafiante
13
embaixador roberto azevêdo
justificar acordo com base em parâmetros que, de público, reconheceu
serem inadequados para o interesse nacional. Como em todo dilema, as
alternativas são, por definição, insatisfatórias, como o leitor constatará.
VALOR SISTÊMICO DA OMC
Blustein alerta os leitores para os perigos da não conclusão da
Rodada. Trata-se, na verdade, de situação até mesmo paradoxal.
Tamanhos são os interesses e os esforços mobilizados para a rodada de
negociações comerciais, ao longo de já uma década, que a hipótese de
fracasso parece mesmo absurda. Não obstante, as probabilidades de um
impasse insuperável entre os principais países negociadores são bem
apreciáveis. A falta de desfecho positivo para a Rodada colocará em
cheque a credibilidade de todo o sistema multilateral da OMC, fator
de difícil mensuração, especialmente sob uma perspectiva estritamente
monetária.
No caso das negociações comerciais, mais do que os ganhos em
termos de cortes tarifários, a geração e a preservação dos fluxos de
comércio resultam também da própria evolução das disciplinas e
atividades do sistema multilateral. Em outras palavras, mesmo que
os eventuais ganhos com rebaixas tarifárias na Rodada sejam mais
modestos que os propalados por várias entidades internacionais no início
das conversações, ainda assim a manutenção e o fortalecimento das
disciplinas do sistema representariam ganhos concretos e substanciais,
embora raramente computados, quer por analistas e acadêmicos, quer
pelas várias coalizões do setor privado que influenciam os respectivos
governos na tomada de decisões.
Esse ponto ficou ainda mais evidente com a crise econômico-financeira de 2008-2009 em que ecos da Grande Depressão dos anos 30
se fizeram sentir. Conforme reconheceram os relatórios do Secretariado
da OMC na análise das medidas adotadas pelos países para combater os
efeitos da crise, houve uma “derrapagem” com a imposição de medidas
de protecionismo disfarçado nos programas de estímulo. Bem ilustram
esse fenômeno o aumento das medidas de defesa comercial – direitos
antidumping sobretudo – , as conhecidas cláusulas do tipo “Buy National”
e a reintrodução de subsídios à exportação de produtos agrícolas. Com
isso, voltaram à mente os contornos das políticas protecionistas da década
14
prefácio
de 30, hoje reconhecidas como responsáveis pelo aprofundamento da
Grande Depressão e das dificuldades em sua superação.
Muitos atribuem às disciplinas da OMC a relativa moderação
das medidas protecionistas pós crise de 2008. Afinal, medidas como
as adotadas nos anos 30 seriam hoje patente violação dos acordos
multilaterais assinados pelos Membros da OMC, acarretando aos
infratores elevado ônus político e, em um segundo momento, mesmo
financeiro. Após configurada a crise financeira, em fins de 2008, o Órgão
de Revisão de Políticas Comerciais da OMC (Trade Policy Review Body)
prontamente iniciou reuniões regulares para exercício de “transparência”
com foco em medidas restritivas adotadas pelos Membros da Organização.
Apesar de não ter efeitos jurídicos ou de impor obrigações aos Membros,
esse exercício de “name and shame” parece ter ajudado a sensibilizar os
respectivos públicos internos para as consequências políticas e jurídicas
de atitudes protecionistas. Na pior das hipóteses, os Membros estavam
conscientes de que nada estava fora do alcance do radar da OMC e,
portanto, dos demais parceiros comerciais. As delegações se preparavam
para aquelas reuniões com informações e esclarecimentos enviados de
suas respectivas capitais, dinâmica que muito ajudou na contenção dos
ânimos protecionistas no plano doméstico.
A IMPORTÂNCIA DAS RODADAS PARA O SISTEMA
MULTILATERAL DE COMÉRCIO
Como visto acima, além das rebaixas tarifárias – sejam elas unilaterais
ou fruto de negociações pluri ou multilaterais – a evolução das disciplinas
da OMC tem importância crítica para a abertura, ou mesmo preservação,
de fluxos de comércio. Essas disciplinas evoluem em várias vertentes.
À semelhança de Estados, a OMC desenvolve suas atividades
com base em três pilares, de certa forma comparáveis aos tradicionais
poderes executivo, legislativo e judiciário. Por se tratar de uma
organização impulsionada por seus membros (Member-driven), o trabalho
quotidiano leva à evolução das regras por meio da experiência extraída
da implementação dos acordos nas várias áreas sob jurisdição da OMC.
Essa atividade quotidiana poderia equivaler ao poder executivo. Aqui,
as práticas dos membros são submetidas ao crivo dos vários órgãos
especializados da OMC. A troca de informações e de experiências não
15
embaixador roberto azevêdo
raro leva o sistema multilateral a “aceitar” ou “rejeitar” determinadas
práticas comerciais ou interpretações dos acordos do GATT/OMC. É
uma evolução “suave” das disciplinas, sem efeitos jurídicos inequívocos,
ademais de muito lenta e incremental.
O conjunto de regras também evolui a partir da jurisprudência
emanada dos painéis de peritos e do Órgão de Apelação. São
determinações que, a rigor, têm efeitos jurídicos estritamente aplicáveis
às partes do litígio e apenas no que se refere àquele caso específico.
Na prática, porém, o sistema de solução de controvérsias da OMC
vem evoluindo na linha do “common law”, em que as conclusões do
Órgão de Apelação e dos próprios painéis, ainda que em grau bem
menor no caso destes, são invocadas para balizar litígios posteriores.
Essas conclusões tendem a consolidar “interpretações” dos acordos
multilaterais de forma a dar previsibilidade e a preencher aparentes
lacunas dos textos legais da OMC. É uma evolução mais inequívoca
das disciplinas. Ainda que também gradual, é capaz de propiciar
avanços importantes, com consequências jurídicas, desde que contidos
ou delimitados pelos textos legais negociados entre os Membros. Uma
vez firmada uma interpretação de determinado dispositivo, alterações
em sua abrangência ou efeitos jurídicos apenas seriam possíveis, na
prática, com sua renegociação.
Se os dois primeiros tipos de aperfeiçoamento de regras são de
natureza gradual e incremental, os verdadeiros saltos qualitativos
das disciplinas somente podem ocorrer pela via negociadora, na
qual os Membros da Organização se põem de acordo a respeito de
novas regras e de novos níveis de compromisso. Por esta via – a
do “poder legislativo” – as disciplinas podem evoluir, tanto nas
obrigações e direitos específicos de áreas preexistentes, quanto
em áreas completamente novas. Na Rodada Uruguai, por exemplo,
foram incorporadas aos textos legais do sistema multilateral de
comércio disciplinas em setores antes não regulamentados como,
por exemplo, comércio de serviços e propriedade intelectual.
Outras áreas, como a de defesa comercial, tiveram suas disciplinas
aprofundadas, chegando a resultar em acordos específicos como
os de antidumping, de salvaguardas e de subsídios e direitos
compensatórios. Nesse sentido, as rodadas de negociação
correspondem ao ápice do processo de construção do direito
16
prefácio
internacional comercial, em que esclarecem-se zonas sombrias
de entendimento dos acordos, aprofundam-se regras, criam-se
procedimentos e expandem-se jurisdições. Todos esses aspectos
se reforçam mutuamente e habilitam o revigoramento do sistema
multilateral. É comum a analogia de que esse sistema opera como
uma bicicleta, em que o equilíbrio apenas é mantido pedalando-se
sem cessar.
Assim, é relevante o alerta de Paul Blustein para possíveis
consequências negativas que adviriam da não conclusão da Rodada e
por isso há tanta criatividade na busca de novos caminhos que permitam
às “Nações Mais Favorecidas” encontrar atalhos para se colocarem
de acordo com respeito ao aprofundamento do sistema multilateral
de comércio. Parar de pedalar coloca em risco a credibilidade e a
sustentabilidade do sistema.
Não há saída fácil para esse dilema. Os obstáculos são muitos e de
naturezas diversas. Em parte, em função dos êxitos anteriores, não há
mais resultados “fáceis” (low-hanging fruits). Todos os temas pendentes
envolvem áreas em que os interesses afetados suscitam sensibilidades
firmemente ancoradas nos legislativos nacionais, como é o caso da
agricultura nos mercados desenvolvidos e nos países em desenvolvimento
importadores líquidos de alimentos, e não se pode esperar que seja
possível superar com facilidade essa barreira. Além disso, parte
significativa das dificuldades decorre justamente do êxito da OMC em
seus primeiros quinze anos de vida. Os negociadores sabem que estão
contratando obrigações e compromissos que, se descumpridos, podem
resultar em sanções comerciais aprovadas pelo mecanismo de solução de
controvérsias. Aprovação de regras dessa natureza, por consenso, entre
mais de 150 países, é exercício prolongado que exige firme vontade
política e relativa sincronia de ciclos políticos entre todos os principais
negociadores.
O BRASIL E A RODADA
Mesmo que a perspectiva do autor seja naturalmente mais voltada
para os Estados Unidos, chamará a atenção do leitor brasileiro a
importante e central presença do País e de seus negociadores ao longo
de toda a narrativa. Em particular, Paul Blustein captura de modo muito
17
embaixador roberto azevêdo
apropriado a evolução ocorrida no centro dos processos mais exclusivos
de tomada de decisão com a substituição do antigo QUAD (Estados
Unidos, União Europeia, Canadá e Japão) por uma configuração em que
os principais países em desenvolvimento – o Brasil dentre eles – ocupam
posição de destaque.
Esse desdobramento guarda relação não apenas com a
competência dos negociadores brasileiros, circunstância sempre
enfatizada pelo autor, mas também pelo fato de que o Brasil
posicionou-se como ator relevante em todos os principais temas
em discussão. Em se tratando de uma Rodada do Desenvolvimento,
poucos temas seriam tão centrais quanto agricultura, setor do qual
retiram sua sobrevivência a grande maioria dos habitantes menos
favorecidos do planeta. O êxito da agricultura nacional, cuja
extraordinária capacidade produtiva levou o Brasil ao posto de
terceiro maior exportador agrícola do mundo, foi fator essencial
para conferir peso específico à voz do País, permitindo-lhe alçar-se
à posição de ator-chave. Igualmente, merece destaque a política
de alianças do País, em particular ao coordenar o G-20 2 agrícola,
agrupamento que permitiu ampliar o impacto das percepções dos
países em desenvolvimento sobre a reforma da agricultura dos
países desenvolvidos. Grupo heterogêneo (composto tanto por
potências exportadoras quanto por grandes importadores líquidos
de alimentos) e representativo (integrado por países grandes e
pequenos dos três continentes do Sul: Américas, África e Ásia),
alterou por completo a dinâmica negociadora na área agrícola. Foi
o propositor dos principais conceitos e estruturas de negociação
hoje presentes no projeto de modalidades para agricultura.
Da mesma forma, graças às suas políticas na área de
distribuição de medicamentos contra HIV-Aids, o Brasil
credenciou-se a participar em posição de destaque da redação da
Declaração Ministerial sobre TRIPS e Saúde Pública. Igualmente,
por força da recente expansão acelerada de sua economia e de seu
importante mercado interno, cujo poder aquisitivo vem se elevando
marcadamente desde o lançamento da Rodada, o Brasil passou a
Não confundir com o G-20 do sistema financeiro, que ganhou maior visibilidade após a
eclosão da crise financeira internacional em 2008. O G-20 agrícola foi criado, em 2003, na
preparação para a reunião ministerial da OMC em Cancún.
2
18
prefácio
ser um dos alvos centrais da ambição dos desenvolvidos em termos
de acesso a mercados de produtos manufaturados e de serviços.
Por fim, um capítulo inteiro é dedicado à questão do algodão,
com destaque para o litígio que o Brasil iniciou contra os Estados
Unidos e seus impactos sobre a Rodada. O papel desempenhado
pelo algodão na dinâmica negociadora foi essencial em várias
vertentes. Acirrou os ânimos e elevou as tensões entre os países
africanos e os Estados Unidos durante a reunião ministerial de
Cancún; contribuiu significativamente para o aperfeiçoamento
das disciplinas multilaterais sobre agricultura; e, finalmente,
evidenciou as dificuldades norte-americanas em dar cumprimento
aos resultados do contencioso e em se colocar de acordo com os
termos da Declaração Ministerial de Hong Kong, que determinava,
para o algodão, cortes de subsídios e de tarifas mais acelerados
e profundos que os previstos nas regras gerais que viessem a ser
negociadas para os demais produtos agrícolas. Adicionalmente, o
relato trata de modo acurado as dificuldades de implementação
de resultados de contenciosos na OMC, fato ilustrado, no caso
do algodão, pelo recente acordo bilateral entre Brasil e Estados
Unidos, em que o último compromete-se, inter alia, a pagar
compensações financeiras enquanto não colocar suas práticas em
conformidade com as regras da OMC.
A SITUAÇÃO ATUAL
Um dos grandes desafios da chamada Agenda de Doha para o
Desenvolvimento seria como trazer a dimensão do desenvolvimento
para o centro das negociações como forma de sanar o reconhecido
“development deficit” emanado das Rodadas anteriores. Ainda que
esse diagnóstico seja evidente, o mesmo não se pode dizer dos
remédios possíveis. O fato é que o mundo em desenvolvimento
é bastante fragmentado, não apenas em termos de patamar de
desenvolvimento, mas também em função dos modelos políticos e
econômicos implementados pelos vários países. Não se pode falar,
portanto, de uma concepção unívoca de desenvolvimento, fazendo
com que cada um dos atores o entenda de modo diferenciado, mais
adaptado às suas circunstâncias e especificidades.
19
embaixador roberto azevêdo
Com afortunada escolha, o autor, em seu subtítulo, sugere
que uma das causas do fracasso em se fechar a Rodada teriam
sido “ambições desmedidas” por parte, sobretudo, dos atores
centrais. No contexto da obra, também fica claro o fato de
que muitos superestimaram os benefícios da Rodada para o
desenvolvimento. No entanto, de modo geral, ao longo do processo
negociador, os países em desenvolvimento souberam adaptar-se ao
rebaixamento da ambição e passaram a encarar, com realismo, o
fato de que a Rodada não seria uma “bala de prata” que permitiria
superar todos os obstáculos e desafios comerciais no rumo do
desenvolvimento. Com isso, foram obrigados a hierarquizar
prioridades e a definir os resultados negociadores de seu maior
interesse, temperando-os de acordo com as possibilidades de seus
parceiros. Tratava-se, na verdade, de aceitar o que é inevitável em
qualquer processo negociador, ou seja, ao cabo de um processo
de barganhas multilaterais, ganha-se menos e concede-se mais do
que o inicialmente cogitado. O importante é obter resultado que
signifique, em seu conjunto, balanço positivo e equilibrado, e que
ofereça, para todas as partes, atrativos capazes de mobilizar apoio
doméstico ao pacote final. Em resumo, o resultado perfeito para
alguns é também o resultado impossível para outros.
Estranhamente, conforme perpassa todo o livro, esse processo
de buscar um arranjo pragmático entre ambição e limitações
concretas não transcorreu a contento em parceiros comerciais
vitais para o processo negociador. Seja por questões econômicas
conjunturais ou estruturais de ordem interna, seja por carência
de vontade política ou ausência de lideranças, permanece o fato
de que, no afã de ganhar o voto de confiança dos interlocutores
domésticos, foram mantidas infladas as expectativas de ganhos
comerciais, com promessas de resultados claramente inatingíveis
no mundo real das negociações. Assim, Blustein descortina, com
especial clareza, esse processo que se consolidou no período
por que se estendeu a Ministerial de julho de 2008, quando a
convergência de percepções dos interesses domésticos agrícolas e
industriais, nos EUA em particular, inibe a busca de soluções que
busquem o consenso. São conclusões e percepções que permanecem
válidas para o momento atual das negociações.
20
prefácio
Blustein, ao longo de sua obra, desvenda facetas nem sempre
óbvias do processo negociador em frentes múltiplas e com atenção
a detalhes nos vários planos superpostos. O livro nos brinda leitura
fluida e prazerosa, em que compartilhamos das mazelas e dilemas
defrontados pelos negociadores. Enquanto isso, em Genebra, as
nações mais favorecidas seguem com suas desventuras.
Roberto Azevêdo
Embaixador
Representante Permanente do Brasil junto à OMC
e demais Organismos Econômicos Sediados em Genebra
Abril de 2011
21
Nota e Agradecimentos do Autor
Após escrever dois livros sobre o Fundo Monetário Internacional e,
agora, este sobre a Organização Mundial do Comércio, suponho que posso
reivindicar ser o primeiro autor do mundo a fazer relatos dos bastidores
de instituições econômicas internacionais meio obscuras com siglas de
três iniciais. Essa especialidade, admito, foi um gosto adquirido. Mas, no
processo de cobrir a pauta de comércio como parte de meu trabalho no
jornal Washington Post, fui-me convencendo aos poucos de que a OMC,
assim como o FMI, é uma instituição tremendamente importante, que
merece uma dissecação jornalística meticulosa, e de que, por trás dos
altos e baixos da Rodada Doha, residem muitos dramas de importância
individual e coletiva. Além disso, percebi que a OMC oferece um prisma
ideal que ilustra muitas das vantagens e desvantagens da globalização,
já que esse órgão de comércio é supostamente o elemento mais essencial
na cola que mantém a economia globalizada junta. Então, quando o
Post ofereceu um generoso incentivo financeiro à aposentadoria para
funcionários antigos em 2006, aceitei e comecei a trabalhar neste livro
como jornalista residente no Programa de Economia e Desenvolvimento
Global, na Brookings Institution, a convite benevolente de Lael Brainard,
a diretora do programa.
Excetuando-se a Antártida, que ainda está para surgir como grande
potência na OMC, viajei a todos os continentes do mundo no processo
23
paul blustein
de reunir material para o livro. Ao longo do caminho, beneficiei-me
enormemente da gentileza de amigos, desconhecidos e fontes, que
ajudaram a tornar minhas viagens ao mesmo tempo produtivas e
memoráveis.
Só para dar alguns exemplos: em meus esforços para me pôr na pele
dos agricultores franceses, hospedei-me na casa do meu velho amigo
Blair Pethel, que abandonou o jornalismo para começar uma nova e
surpreendente vida como produtor de vinho na Borgonha. Não só Blair
me recebeu em sua maravilhosa casa do século XVII, na cidadezinha
de Beaune, como também me arrumou entrevistas com seus vizinhos
agricultores, atuando como intérprete. Para entender melhor a história
de Kamal Nath, o ministro do Comércio indiano, peguei uma carona
no jato particular de Nath numa visita de fim de semana ao distrito
pobre que ele representa no Parlamento, quando, então, viajamos pelos
vilarejos vizinhos em seu helicóptero e onde – talvez na experiência
mais inesquecível contada na minha pesquisa – quase fiquei espremido,
várias vezes, entre multidões de seus frenéticos correligionários. Em
Livingstone, na Zâmbia, onde me aventurei em busca de um exemplo
de como os negócios em países em desenvolvimento são com frequência
frustrados por problemas logísticos em mercados globais, Ron Parbhoo
sacrificou sua costumeira partida de golfe dos domingos para me
encontrar para uma entrevista às margens do Rio Zambezi, com nuvens
de névoa vindas das Cataratas Vitória que ressurgem ali por perto. E
Anastasia Carayanides e Chelsey Martin, da Embaixada da Austrália
em Washington, conseguiram que eu fosse incluído no Programa de
Visitantes da Mídia Internacional da Austrália, uma turnê pelo país feita
por grupos de jornalistas, o que possibilitou encontrar-me com políticos
australianos que eu precisava entrevistar, bem como com funcionários
públicos da área de comércio Ásia-Pacífico numa reunião em Cairns.
Por via de regra, não aceito essas viagens financiadas por governos, mas
me senti à vontade para fazer uma exceção para os australianos. Apesar
de muito envolvidos em negociações-chave da OMC, as autoridades
governamentais australianas não pareciam ser alvos importantes nem
de elogios nem de ataques neste livro.
Quando embarquei no projeto, já tinha algum material em meus
arquivos de cobertura de algumas reuniões da OMC e de histórias que
tinha escrito sobre controvérsias relacionadas com comércio. Porém,
24
notas e agradecimentos do autor
para reunir as informações que constituem a essência do livro era preciso
fazer entrevistas com mais de 150 pessoas, inclusive ex-funcionários
e funcionários atuais do Secretariado da OMC, ex-negociadores e
negociadores atuais da área de comércio de vários países-membros
da OMC, lobistas, congressistas e representantes de organizações
não governamentais. Também entrevistei dezenas de agricultores,
trabalhadores e homens de negócios de vários países para ajudar a ilustrar
conceitos abstratos e questões complexas sobre comércio com exemplos
tirados da vida real.
Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que se dispuseram
a ajudar a tornar meu livro o mais exato e abrangente possível,
principalmente o número substancial de pessoas que passou por várias
entrevistas e respondeu às minhas dúvidas. A esse respeito, devo um
agradecimento especial a Keith Rockwell, o porta-voz da OMC, por
facilitar o meu acesso a muitos de seus colegas em Genebra e por
encorajá-los a se abrirem comigo. Ao final deste projeto, Keith tinha se
tornado um grande amigo.
Com umas poucas exceções, regras de obtenção de informações
extraoficiais se aplicaram às entrevistas realizadas com políticos,
negociadores e outras fontes versadas nos acontecimentos-chave, o
que significava que eu poderia usar as informações, mas não poderia
citar os entrevistados ou identificá-los como fontes, a menos que
obtivesse permissão para isso. Muitas fontes ficaram relutantes, o que é
compreensível, quanto a serem citadas em assuntos delicados, em parte
porque alguns dos políticos mais eminentes envolvidos continuam a
ocupar cargos importantes. Na medida do possível, citei o nome do
entrevistado, mas os leitores mais acostumados com as regras de sigilo
entenderão que, em determinados casos, isso se mostrou impraticável
e espero que aceitem minha garantia de que material apresentado sem
citar fontes foi cuidadosamente pesquisado e comprovado. Obviamente
tive de continuar atento para não aceitar relatos de eventos que servissem
a interesses próprios e busquei fazer uma verificação cruzada das
informações com o máximo de fontes possível.
Uma lista de entrevistados aparece na seção de “Notas” no final
do livro, inclusive os citados abertamente mais os entrevistados que
solicitaram sigilo, mas que depois deram permissão para serem citados
como fontes para o livro.
25
paul blustein
Vários entrevistados cederam anotações tomadas em reuniões
importantes de que tinham participado, às vezes deixando-me dar
uma espiada nas anotações sozinho, às vezes lendo com cuidado seus
garranchos, por saber que só eles seriam capazes de decifrá-los. Sou
imensamente grato a essas pessoas, que, por motivos óbvios, não serão
nomeadas, por me possibilitarem escrever uma narrativa mais substancial.
Elas reconheceram que, dado o intervalo tolerável entre a publicação do
livro e os eventos em questão, pouco prejuízo acarretaria a divulgação de
suas informações e que a defesa da exatidão histórica seria garantida pela
possibilidade de me basear nos registros contemporâneos em vez de nas
memórias nebulosas e, por vezes, seletivas, das partes interessadas. Em
sua maioria, quando as pessoas são citadas por terem feito declarações
em reuniões a portas fechadas, suas palavras saíram diretamente de
anotações tomadas por participantes, a menos que especificadas de
outra forma na narrativa ou na seção de “Notas”. Em algumas ocasiões,
simplesmente citei pessoas como tendo feito declarações baseadas
em informações recolhidas de entrevistas, porque as lembranças
dos que estavam presentes são tão vívidas e as informações foram
corroboradas por outras fontes. Mas, em geral, quando não dispunha de
anotações, transcrições, apontamentos ou outras fontes de informação
contemporâneas, parafraseei o que as pessoas disseram em vez de pôr
suas observações entre aspas.
Por ser um cidadão norte-americano residente em Washington,
queria me certificar de que tinha captado um quadro justo e equilibrado
dos acontecimentos que estava narrando a partir de fontes outras que
não negociadores de comércio norte-americanos bem próximos. Esta
foi a razão principal para minhas muitas viagens que, além da França,
Índia, Zâmbia e Austrália, incluíram Brasil, África do Sul, Pequim,
Tóquio, Bruxelas, Amsterdã e Londres – e, é claro, várias visitas a
Genebra. Apesar de limitações de espaço não me permitirem entrar em
detalhes, também gostaria de agradecer às pessoas a seguir pela ajuda
habilidosa e demonstrações variadas de calor humano em relação à parte
internacional de minhas pesquisas: Sukhmani Singh, Inderjit Singh Jaijee,
Karuna Javaji, Mitra Kalita, Ch. Sathyam, Ameet Nivsarkar, Sudhanva
Sundaraman, Col. S. V. Ramachandran, Ed Luce, Bart Fisher, Cora Wong,
Brian Wu, Joe Nkole, Tim Carrington, Bob Liebenthal, John Fynn, Paulo
Sotero, Cristiano Romero, Gabriela Antunes, Alessandro Pietro, Pedro
26
notas e agradecimentos do autor
de Camargo Neto, Andréa Ferrari, Elza Sapucaia, George Firmeza, Ron
Sandrey, Nick Vink, Mohammad Karaan, Jayne Ferguson, Jane Smith,
Neil Smail e Darrell Morris.
Minha decisão de ingressar no Programa de Economia e
Desenvolvimento Global da Brookings foi um golpe de sorte. Lael
Brainard tomou providências generosas quanto às minhas acomodações
na Brookings e também ofereceu sábios conselhos sobre minha
abordagem no livro. Sua equipe, incluindo Raji Jagadeesan, Anne
Smith, Ann DeFabio Doyle, Sun Kordel, Amy Wong e Yamillett Fuentes
forneceram um apoio tremendamente útil em suas variadas áreas de
conhecimento. Foi um prazer trabalhar com meus colegas no “Global”. A
Brookings é sempre um ambiente incrivelmente estimulante e acolhedor.
Meus amigos jornalistas com frequência me perguntam como consigo,
financeiramente falando, escrever livros sobre esse tipo de assunto, já
que as perspectivas de chegar à lista dos mais vendidos ou fechar um
contrato de adaptação para o cinema são, falemos com franqueza, ínfimas.
A resposta é que eu não conseguiria me virar sem a ajuda benevolente
de fundações que têm por objetivo informar ao público sobre debates
quanto a questões de importâncias relevância mundial. A Fundação
Smith Richardson, que financiou meus dois livros anteriores, alocou um
grande apoio financeiro a este também, assim como a Fundação William
e Flora Hewlett. Gostaria de expressar minha profunda gratidão a essas
duas fundações, principalmente a Allan Song, da Smith Richardson e a
Ann Tutwiler, que orientou o meu projeto na Hewlett antes de sair para
trabalhar para o governo Obama. Al, de outra feita, forneceu conselhos
incisivos, quando eu estava redigindo a minha proposta, que ajudaram
muito a focar minha abordagem ao assunto todo. Ann, que é especialista
em comércio, agricultura e desenvolvimento, deu uma orientação muito
útil durante todo o projeto sobre questões de maior ou menor escopo.
Nos meses finais, fui obrigado a solicitar recursos adicionais porque as
negociações da Rodada Doha estavam se arrastando muito mais do que
eu imaginara de início e, nesse momento, a Hewlett concedeu-me uma
verba suplementar, juntamente com o German Marshall Fund (GMF)
dos Estados Unidos, possibilitando que eu terminasse o livro de forma
apropriada. A Joe Guinan, Nicola Lightner e seus colegas no GMF, meus
profundos agradecimentos, não apenas pela verba, mas também pelos
muitos insights que me ajudaram a dar conta de todo o material.
27
paul blustein
I. M. “Mac” Destler, cuja obra American Trade Politics estabelece
um referencial alto para quem quer que tente escrever sobre a história
do comércio, leu vários dos meus capítulos iniciais e me ajudou a
evitar cometer gafes embaraçosas em letras impressas. Isto posto, só
me resta acrescentar que sou inteiramente responsável por quaisquer
erros e omissões que restarem. Vários outros acadêmicos e advogados
especializados em comércio a quem consultei estão incluídos na lista de
entrevistados. Seria omisso se deixasse de mencionar as muitas pessoas
que me auxiliaram de outras formas em vários momentos, inclusive Eric
Schnapper, Jason Sykes, Daniel Pruzin, Philippe Ries, Jerry Hagstrom,
Ann Hornaday e Laine Kaplowitz.
Será que existe no mundo um editor que tenha um jeito mais gentil
do que Clive Priddle de induzir o autor a fazer melhorias em um texto
já muito burilado? Imagino que não. Clive, que editou um de meus
livros anteriores, foi a razão principal para mais uma vez querer que
a PublicAffairs fosse minha editora. Fico feliz de ter tomado essa
decisão, pois preciso de um editor que tenha opiniões fortes, mas
seja ao mesmo tempo afável, e Clive faz isso como ninguém. Kathy
Delfosse fez um excelente trabalho de revisão, propondo mudanças com
expressões elegantes que eu não teria sido capaz de produzir sozinho em
muitas passagens difíceis. E Tom Wells elaborou um índice remissivo
meticuloso. Foi uma honra ter minha obra incluída nos “bons livros sobre
coisas que importam” que a PublicAffairs publica, e por essa publicação
saúdo todos os meus amigos na PublicAffairs, dentre os quais se incluem
a editora Susan Weinberg, o fundador e editor-chefe Peter Osnos, a
editora executiva Melissa Raymond, a publicitária Tessa Shanks e o
editor-adjunto Niki Papadopoulos.
Por fim, meus familiares: agradeço a minha filha, Nina, por ir fazer
intercâmbio de um ano em Bolonha, e a meu filho, Nathan, por ter feito
o mesmo em Viena, porque isso me deu um incentivo a mais para viajar
para Genebra para fazer a pesquisa, feliz por saber que poderia combinar
minhas viagens de trabalho com visitas a meus filhos de quem sentia
tantas saudades. Também agradeço a meus filhos Dan e Jack, agora com
oito e nove anos, respectivamente, por tomarem conta da mãe deles
durante minhas viagens. Isso, é claro, me leva a falar da minha mulher,
Yoshie: quando uma pessoa se dedica com tanto afinco e por tanto tempo
como me dediquei a este livro, sem contar as ausências prolongadas que
28
notas e agradecimentos do autor
isso acarreta, acaba-se contraindo uma dívida substancial para com seu
companheiro de vida. Dedicar este livro a Yoshie é um pequeno gesto de
reconhecimento por isso e apreciação por outras tantas coisas. Como ela
bem sabe, seu apoio e seus sacrifícios são apenas uma parte dos motivos
por que tanto a estimo.
29
Capítulo 1
Sr. Black, compareça à recepção
A possibilidade de morrer nas mãos de terroristas pesava sobre as
três dúzias de passageiros do governo americano que estavam viajando
de avião em direção à Doha, no Catar, no dia 7 de novembro de 2001,
para um encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Menos
de dois meses haviam se passado desde os ataques do 11 de setembro em
Nova York e Washington, e os nervos estavam à flor da pele por causa
dos esporos de antrax enviados pelo correio, responsáveis pela morte
de carteiros, algumas semanas antes. A maioria dos passageiros eram
funcionários do Escritório do Representante de Comércio dos Estados
Unidos (Office of the U.S. Trade Representative), que não estavam
acostumados a viajar em meio a tanto luxo: o avião que os levava ao
Catar era um jato oficial, em geral reservado para VIPs, como o secretário
de Estado ou o secretário de Defesa, com assentos aveludados e uma
área privada especial para a autoridade ministerial, que, nesse caso, era
Robert Zoellick, o representante de Comércio. No entanto, essas eram
circunstâncias extraordinárias. Zoellick e sua equipe estavam voando
para uma zona de guerra, que o Oriente Médio de repente se tornara, já
que o combate no Afeganistão começara havia pouco.
Muitos de seus colegas, aos quais fora oferecida a oportunidade
de ficar nos EUA, se assim o desejassem, tinham optado por não
comparecer à reunião da OMC. A OMC ganhara destaque dois
31
paul blustein
anos antes, quando sua reunião geral, em Seattle, Washington, foi
perturbada por ferrenhos protestos antiglobalização. Havia temores
de que a reunião em Doha proporcionaria um alvo irresistível para
fanáticos muçulmanos. Orientações confidenciais recebidas pelos
negociadores comerciais norte-americanos em Washington, D.C.,
sobre as ameaças em potencial no Catar, fizeram com que alguns
ficassem tão assustados a ponto de sair das reuniões de instruções em
lágrimas. Os especialistas em segurança que conduziam tais reuniões
informaram aos participantes que, embora todas as precauções
possíveis estivessem previstas para proteger a reunião, as informações
recebidas pelas fontes de inteligência indicavam que um habilidoso
terrorista da Al Qaeda estaria à solta no Catar. Os oficiais de segurança
também advertiam estarem preocupados com mísseis autopropulsores
sendo usados para abater aviões transportando negociadores de
comércio para o Emirado do Golfo Pérsico. Muitos dos negociadores
comerciais norte-americanos que haviam decidido ir a Doha adotaram
uma atitude fatalista. “Lembro-me de pensar, nos dias anteriores à
viagem, que talvez tivesse chegado a minha hora. Talvez eu morra”,
disse Joseph Papovich, representante adjunto de Comércio.
Olhando para fora da janela do avião, ao se aproximarem do
Catar, os funcionários ficaram amedrontados ao ver aviões militares
dos Estados Unidos voando ao lado. Isso não foi nada, comparado ao
susto que tiveram na aterrissagem. Quase meia hora antes de pousar,
um terrorista, armado com uma AK-47 e colete à prova de balas, atacou
a base militar catariana, onde estavam chegando, e que era usada por
aviões de guerra americanos. Apesar de o terrorista ter sido morto,
e depois as autoridades catarianas o terem considerado um homem
mentalmente instável que agia sozinho, as forças de segurança em terra
estavam em dúvida, naquele momento, se ele havia agido em conjunto
com outros ou se ataques adicionais eram iminentes. Por tudo isso, os
passageiros do avião foram levados aos ônibus rapidamente. Ali, foram
informados do incidente por ruidosos oficiais de segurança, que mais
pareciam sargentos, instruindo-os sobre o que aconteceria se os ônibus
fossem atacados a caminho do hotel: outro ônibus se aproximaria pela
lateral e os passageiros deveriam engatinhar pelo chão até a porta,
deixando todas as pastas para trás, e entrar no segundo ônibus o mais
rápido possível.
32
sr. black, compareça à recepção
“Se eu disser ‘no chão’, vocês se abaixarão!”, berrou um segurança
a espantados negociadores comerciais em um dos ônibus. “Todo mundo
captou?”
“Sim”, um dos passageiros murmurou, “principalmente o meu
esfíncter”. Durante o longo percurso ao hotel, localizado na capital,
Doha, recorda-se Jeffrey Bader, um dos negociadores, “havia um silêncio
mortal durante todo o trajeto. Apenas um silêncio mortal”.
Além do grupo do governo norte-americano, muitos dos outros
participantes da reunião da OMC – 2.600 delegados oficiais, 800
jornalistas e 400 representantes de empresas e organizações não
governamentais (ONGs) – também estavam se preparando para o
perigo em Doha. O Japão estava enviando uma equipe médica para seus
negociadores de comércio e Taiwan estava providenciando máscaras de
gás e antibióticos para combater o antrax para a sua delegação de 33
membros. Quanto aos burocratas da sede da OMC, em Genebra, vários
se recusaram a ir. Entre os que foram, alguns insistiram em obter – ao
que a OMC atendeu – uma cobertura de seguro de vida especial, para que
pelo menos suas famílias ficassem garantidas em caso de morte. De fato,
muito se pensou, nas semanas anteriores à reunião, em transferi-la para
Cingapura ou qualquer outro local aparentemente mais seguro. A ideia
foi afastada pelo vice-presidente Richard Cheney, depois de receber um
telefonema do emir do Catar, um aliado importante dos Estados Unidos,
categórico, ao insistir em sediar a reunião conforme planejado.
Só chegar a Doha já tinha sido uma aventura. Agora os delegados,
representando os 142 países-membros da OMC, enfrentavam uma tarefa
imensa e difícil enquanto se acomodavam para a reunião, programada
para durar cinco dias. A missão deles era decidir se, e em que termos, iriam
lançar uma “rodada”, ou seja, uma série de negociações, que ocorreriam
por vários anos, visando chegar a um acordo para diminuir as barreiras
comerciais e reformar as regras do sistema de comércio internacional. O
sistema havia passado por oito destas rodadas durante a era pós-Segunda
Guerra Mundial; a mais recente, a Rodada Uruguai, durou de 1986 a
1994, e a anterior a esta, a Rodada Tóquio, durou de 1973 a 1979.
Houve uma grande concordância em Doha de que a prioridade de
quaisquer novas negociações tinha de ser conceder mais dos benefícios
da globalização aos países em desenvolvimento, em especial aos 2,8
bilhões de pessoas no mundo em desenvolvimento que ainda estavam
33
paul blustein
lutando para sobreviver com menos de dois dólares por dia. A questão
principal antes da reunião – e isto era controverso – era quais assuntos e
objetivos específicos deveriam ser tratados nas discussões.
Durante as semanas e os meses anteriores à reunião, foram
abundantes as exortações sobre a importância de se chegar a um
acordo para lançar uma rodada. Em parte, isto refletiu a necessidade
de demonstrar solidariedade internacional após o 11 de setembro. Uma
rodada de negociações comerciais, observou o jornal Financial Times,
“é considerada cada vez mais essencial, tanto por razões simbólicas e
psicológicas quanto por razões econômicas”, pois isso “emitiria um sinal
político poderoso da determinação dos países para uma causa comum
em face à adversidade”. Outros diziam que um acordo em Doha poderia
ajudar a evitar uma recessão global. Ninguém menos do que o presidente
do Conselho do FED, o Banco Central norte-americano, Alan Greenspan,
disse a uma comissão do Senado que uma rodada bem-sucedida poderia
“aumentar, de maneira significativa, o crescimento econômico mundial”.
Porém, a ênfase principal estava na necessidade de trabalhar em
um pacto significativo para que os países menos avançados do sistema
internacional tivessem maiores oportunidades de auferir benefícios.
Mike Moore, diretor-geral da OMC, enfatizou a importância do
desafio em um discurso feito no dia 9 de outubro: “O comércio é um
mecanismo-chave para o crescimento, mas, atualmente, os produtos
dos países em desenvolvimento enfrentam muitos obstáculos nos
mercados dos países ricos”, disse Moore. “Ao abrir estes mercados,
podemos ajudar a retirar milhões de pessoas da pobreza. E a maneira
mais eficiente de alcançar essas aberturas de mercado é por meio do
lançamento de uma nova rodada”. Sentimentos semelhantes foram
expressos pela Oxfam – organização não governamental de combate
à pobreza – que, apesar de ter uma visão diferente de Moore sobre
como uma rodada deveria prosseguir, disse, em um documento de
briefing: “A melhoria no acesso aos mercados do Norte ajudariam a
criar oportunidades de emprego em países em desenvolvimento e a se
chegar a uma distribuição mais justa da riqueza mundial. O comércio
é muito mais importante do que ajuda, sob esse aspecto”.
Distribuir os benefícios da globalização aos menos afortunados do
mundo, argumentavam muitos líderes mundiais, já não é mais apenas
um imperativo moral. Os ataques do 11 de setembro acrescentaram uma
34
sr. black, compareça à recepção
dimensão crucial de segurança internacional, tornando ainda mais urgente
o êxito em Doha. “O terrorismo e o ódio se enraízam mais fundo em solo
pobre”, escreveu Pierre Pettigrew, ministro do Comércio do Canadá, num
texto em defesa de uma nova rodada. “O desenvolvimento econômico e
social nas nações mais pobres do mundo ajudará a erodir a desesperança
que pode alimentar o ódio”. Zoellick proferiu discursos e escreveu textos
em defesa com argumentos parecidos. Muitas vezes citadas, tanto por
representantes oficiais como por comentaristas, foram as projeções
feitas pelo Banco Mundial do grau em que os pobres deveriam se
beneficiar. “O Banco Mundial estima que, na próxima década e meia,
uma maior liberalização do comércio poderia retirar 320 milhões de
pessoas da pobreza”, afirmou em seu editorial o jornal Chicago Tribune.
“Trata-se de um objetivo valioso para o Catar – e uma arma potente na
guerra contra o terrorismo”.
Contudo, lançar uma rodada não seria fácil. Dois anos antes, os
membros da OMC fracassaram, de maneira espetacular, em fazê-lo na
reunião ministerial, em Seattle. A reunião chegou ao fim, sem acordos,
em meio a discórdias sobre muitas das mesmas questões que dividiram
nações em Doha, em especial regras sobre comércio de produtos agrícolas
e propostas para expandir a jurisdição da OMC sobre novas áreas, como
compras governamentais. Além disso, a OMC funciona por consenso. Em
teoria, ao menos, qualquer país-membro possui o direito de impedir que
um texto seja aprovado, que uma pauta de negociações seja estabelecida
ou que um pacto entre em vigor. Isso significa que, em qualquer acordo a
que a organização chegue, cada país precisa ganhar mais em concessões
dos outros do que desistir de concessões feitas. Assim sendo, o processo
é, muitas vezes, comparado, de forma apropriada, a um enorme jogo de
xadrez multidimensional.
Os assuntos de segurança constituíram uma distração permanente ao
dar-se início à reunião em meio a um ferrenho debate. Policiais catarianos
carregando armas e militares vestindo roupas camufladas roxas protegiam
quilômetros de ruas em torno do Sheraton Resort and Convention Hotel,
onde a reunião estava ocorrendo e, a cada posto de entrada, as credenciais
eram verificadas e as bolsas passavam por uma revista detalhada. Nos
hotéis, oficiais de segurança, que portavam o tradicional turbante kaffiyeh
e thobes (vestes brancas tradicionais), manejavam detectores de metal
e patrulhavam os corredores o tempo todo. Trabalhando na proteção
35
paul blustein
especial à delegação norte-americana estavam cerca de quinze agentes
do Serviço de Investigação Criminal Naval (NCIS, que mais tarde ficou
famoso num seriado de TV sobre suas façanhas) e um pelotão de fuzileiros
navais das Equipes de Segurança Antiterrorismo da Frota (FAST,
comandos treinados para uma ação rápida em casos de crises de segurança
em instalações do governo norte-americano no exterior). Eles se vestiam
à paisana – alguns de terno, outros de camisa polo e calça – para evitar
uma presença muito ostensiva, e se recusavam a dizer a qual agência
do governo norte-americano pertenciam (Só consegui descobrir muito
tempo depois). Ainda assim, por sua juventude, por seu comportamento
e pelo corte de cabelo, era óbvio que se tratava de fuzileiros navais.
Ninguém se preocupava em tocar no assunto, especialmente em razão
da maneira brusca como vasculhavam todos os objetos utilizados pelos
repórteres, até mesmo blocos de papel e embalagens de chiclete, antes
de dar permissão para entrar nas conferências de imprensa conduzidas
por autoridades governamentais norte-americanas.
Aos cidadãos americanos que participavam da reunião,
incluindo jornalistas como eu, foi dada uma senha – “Sr. Black,
compareça à recepção” – que, se anunciada pelo sistema de som
do hotel, significaria que algum tipo de ameaça terrorista estava se
materializando. Deveríamos nos reunir na piscina do hotel para uma
evacuação por helicóptero até os navios da Marinha norte-americana
que patrulhavam a certa distância da costa. Em um episódio de
tirar o fôlego, o sistema de alto-falantes do Ritz-Carlton, onde a
delegação norte-americana estava hospedada, anunciou as palavras
“Temos um comunicado...” e depois nada mais foi dito. A muitos
americanos também foram entregues celulares especiais para uso em
casos de emergência. As vans que transportavam Zoellick e outros
representantes oficiais norte-americanos entre o Ritz e o Sheraton –
um trajeto de cerca de dez minutos – também eram acompanhadas
por outro veículo lotado de guarda-costas, que se movia para frente
e para trás na rua, em zigue-zague, ao redor do veículo que estava
protegendo. O humor negro ajudou a diminuir o estresse. Após um
tumulto nos corredores do centro de convenções, Zoellick disse a
um assistente: “Apenas lembre-se do que Dennis Ross (veterano
negociador no Oriente Médio) me disse: se escutar ‘Allah-u-akhbar’,
jogue-se no chão”.
36
sr. black, compareça à recepção
A tensão subiu muito quando os delegados viram as notícias, no
dia 12 de novembro, de que um avião da American Airlines havia caído
de bico num bairro de Nova York, logo após decolar do Aeroporto
Internacional Kennedy. Caminhando pelo corredor, com um segurança
de tamanho considerável que o seguia para todos os lados, Zoellick
ficou sitiado por repórteres que perguntavam se a queda teria alguma
relação com terroristas (tudo não passou de um acidente). Uma jornalista
chinesa particularmente agressiva tentou burlar a segurança. Ao ver que
o caminho estava bloqueado por um guarda catariano, ela o chutou na
canela – fazendo que o revólver dele caísse de seu thobe e deslizasse
pelo chão. Pensando que a arma pertencia à mulher e que ela talvez
estivesse atacando Zoellick, os seguranças a agarraram e empurraram
para um elevador próximo, enquanto os outros se lançavam sobre o
revólver. “O trabalho de vocês é horrível”, disse Zoellick com ironia para
um dos guardas, o agente especial do NCIS, Ed Winslow, depois de ter
recuperado a pose. “Não senhor”, respondeu Winslow, “o seu é que é”.
Em algum momento no início da conferência, Zoellick foi informado por
um assessor de segurança de que dados do serviço de inteligência indicavam
que o homem responsável pelos bombardeios ao U.S.S. Cole, em 2000, estava
vindo para Doha de avião. Zoellick ordenou ao seu assessor que garantisse a
prisão desse indivíduo no aeroporto e, nos dois dias seguintes, perguntou-lhe
várias vezes o que havia acontecido com o terrorista. “Por fim, ele me contou
que o haviam rastreado até Beirute, mas não acreditavam que tivesse vindo”,
lembra-se Zoellick. “E o final da história foi que eles entraram no apartamento
dele, mas acabou-se verificando, no fim das contas, que era o cara errado”.
A batalha sobre os termos da declaração da OMC era tão intensa que,
em 13 de novembro, o quinto e, supostamente, último dia, o prazo final
oficial de meia-noite chegou e se foi sem uma decisão a respeito de lançar
uma rodada ou não, pois Zoellick e seus congêneres de outros 22 países
passaram toda a noite em negociações presididas pelo diretor-geral Moore.
Mesmo depois de amanhecer, mais discussões em que havia muitas questões
importantes em jogo continuaram no dia 14, devido a uma séria ameaça feita
pelo governo indiano, que nunca havia gostado da ideia de uma rodada, de
retirar seu apoio ao consenso.
Finalmente, com 20 horas de atraso, veio o anúncio oficial de que
a OMC estava lançando a “Agenda de Desenvolvimento de Doha” ou,
como seria conhecida popularmente, a Rodada Doha. Os países-membros
37
paul blustein
prometeram chegar a um acordo ambicioso, no final de 2004, acordo
este que criaria uma ampla liberalização do comércio, com foco
central em reformar regras que tinham sido aplicadas contra países
em desenvolvimento durante anos. Em particular, seria esperado que
o acordo final estabelecesse novas regras para a agricultura, que havia
recebido pouca atenção nas negociações de comércio mundiais, embora
a população mais pobre dos países em desenvolvimento ganhe seu
sustento em áreas rurais. A declaração anunciada pela OMC vislumbrava
que o acordo pudesse alcançar uma “melhora substancial no acesso
ao mercado” para produtos agrícolas e também prometia “reduções
substanciais” nos subsídios que os países ricos pagam a seus agricultores,
já que o generoso apoio governamental a esses agricultores lhes dava
uma injusta vantagem competitiva, nos mercados globais, contra seus
congêneres dos países pobres.
As notícias suscitaram reações jubilosas por parte de líderes e
comentaristas proeminentes. Saudando a importância em potencial da
rodada na guerra contra o terror, o jornal Los Angeles Times, em um
editorial intitulado “O papel pacificador do comércio”, opinou: “Um
comércio mais livre será um impulso para as nações pobres, como o novo
aliado dos Estados Unidos, o Paquistão, que depende fortemente das
exportações. Há uma ampla evidência de que as nações que aumentam
o comércio criam novos empregos e reduzem a pobreza. Quando há
mais dinheiro para a construção de escolas e para a prestação de serviços
médicos, oferecendo a esperança de uma vida melhor, as tentações à
violência e ao terror diminuem”. Igualmente efusiva foi a declaração feita
pelo presidente George W. Bush, que, apesar de elogiar os benefícios
em potencial para os trabalhadores e agricultores americanos, disse: “A
decisão de hoje dá nova esperança aos países em desenvolvimento do
mundo... Ela reflete nosso entendimento de que uma nova rodada de
comércio pode dar aos países em desenvolvimento maior acesso aos
mercados globais e melhorar as vidas de milhões que hoje vivem na
pobreza”.
[*]
A globalização se move aos trancos e barrancos, andando, algumas
vezes, três passos para frente, e em outras, dois para trás; às vezes,
38
sr. black, compareça à recepção
a galope, às vezes, engatinhando. Ela sofreu uma queda calamitosa
no outono de 2008, já que os problemas decorrentes de empréstimos
imobiliários irresponsáveis nos Estados Unidos levaram os mercados
financeiros à falência, não apenas em Wall Street, mas também na
Europa, Ásia e América Latina. A implosão refletiu disfunções maciças
no lado financeiro da globalização, ou seja, o movimento transnacional
de dinheiro sob a forma de empréstimos, ações e compras de títulos
mobiliários, operações com derivativos e muitos outros fluxos, que
atingiu níveis anteriormente inimagináveis nas últimas duas décadas. A
rápida globalização financeira há muito tempo é objeto de ceticismo e
fonte de preocupação entre economistas. Muito antes da crise, diversos
especialistas apontavam, alarmados, para as somas titânicas de dinheiro
que atravessavam fronteiras, continentes e oceanos, devido ao risco
elevado de bolhas e pânicos, e expressavam falta de confiança na
habilidade das instituições internacionais para administrar o sistema
financeiro global de maneira eficiente. Os leitores do meu livro anterior
estão conscientes de que simpatizo com esses céticos, preocupados e
desconfiados. Meus livros sobre as crises financeiras do final da década
de 90 e a crise argentina, na virada do século XXI, mostravam uma visão
sombria da maneira como a globalização financeira se desenvolveu.
O assunto deste livro é uma faceta diferente da globalização: o
sistema de comércio, que envolve o movimento internacional de bens e
serviços, em vez de instrumentos financeiros. A crença nos benefícios
do comércio globalizado reúne um consenso muito mais amplo entre
os economistas em comparação aos alegados benefícios das finanças
globalizadas. É certo que haverá discordâncias gritantes sobre o tamanho
dos ganhos provenientes do comércio, o impacto do comércio sobre a
desigualdade e a velocidade com a qual os países em desenvolvimento
deveriam liberalizar, entre outros temas controversos. Além disso,
o sistema possui muitos erros que precisam ser corrigidos. Essa era,
inicialmente, a lógica da Rodada Doha. Contudo, entre as pessoas
sensíveis e bem informadas, ninguém nega que, no conjunto, a expansão
do comércio tem sido uma força a impulsionar o crescimento e a elevação
dos padrões de vida. É amplo o consenso de que haveria um desastre
na hipótese de uma reversão substancial na abertura dos mercados,
sobretudo se isso ocorresse sob a forma de um surto de protecionismo,
tal como se viu na década de 30, quando os Estados Unidos elevaram
39
paul blustein
fortemente suas tarifas com a infame Lei Smoot-Hawley, disparando um
ciclo mundial de retaliações e contrarretaliações. Também é consenso
geral que, para administrar a liberalização do comércio e para solucionar
disputas, um sistema multilateral é muito superior a alternativas como
acordos regionais ou bilaterais entre países.
O sistema internacional de comércio corre o risco de se juntar ao
sistema financeiro em crise. Essa é a principal mensagem deste livro. A
história de como o sistema chegou a esse estado perigoso se desdobrará
nos capítulos a seguir.
Sete anos de negociações se seguiram ao encontro da OMC em
Doha, resultando em um acordo que abrange nada mais do que um
esboço esquemático de acordo final. Durante esse período, as pomposas
ambições expressas em 2001 para um acordo comercial que reduzisse
a pobreza tornaram-se quase que risivelmente implausíveis. Em várias
oportunidades, as reuniões dos principais negociadores terminaram
em clima de tamanha divergência e amargor que colocaram em sérias
dúvidas a viabilidade da Rodada Doha. Os governos dos países mais
importantes se curvaram à influência dos grupos de interesse nacionais
preocupados em sofrer prejuízos. Assim, as negociações se moveram aos
poucos em direção a um acordo diluído que, apesar de alguns elementos
benéficos, estava longe de ser considerado como algo maravilhoso para
os pobres. Se, de um lado, os negociadores concordavam com a ideia de
uma redução brusca das tarifas, de outro, insistiam em tantas exceções
e brechas que os cortes estimados sobre o fluxo real de comércio, até
2008, teriam sido mínimos. Mesmo nas negociações ocorridas naquele
ano, os esforços de redução tarifária deixaram muito a desejar. A briga
se arrastou por tanto tempo que, nesse ínterim, surgiram várias outras
controvérsias comerciais, deixando a rodada vulnerável a críticas de que
estava em descompasso com as grandes transformações em andamento
na economia global. À medida que a rodada sofria sucessivas derrotas
e suas deficiências ficavam cada vez mais evidentes, ela se tornou alvo
de chacota, o que se refletiu em perda de credibilidade da OMC e de seu
papel como juiz do comércio internacional.
A incapacidade dos membros da OMC de fazer jus à promessa de
Doha de promover maior equidade nas regras do comércio internacional
é lamentável. Após a crise do mercado financeiro, as implicações de um
cenário de ausência de acordo tornaram-se muito mais calamitosas.
40
sr. black, compareça à recepção
A crise acentuou significativamente o perigo de que os governos
do mundo todo recorram ao protecionismo. Antes da crise, era fácil
descartar preocupações com a possibilidade de que alguns países se
voltassem para dentro e travassem guerras comerciais, como fizeram
na década de 1930. Enquanto a economia global estivesse crescendo
rapidamente, a ideia de que os formuladores de políticas repetiriam
os erros da era da Grande Depressão protegendo suas economias da
concorrência estrangeira parecia absurda. Com a crise, esses temores
parecem muito menos artificiais, na medida em que forças recessivas se
espalham para todas as regiões mais importantes do mundo. Ainda não
está claro, enquanto este livro está sendo finalizado, quantos milhões de
pessoas perderão seus empregos, quantas empresas fecharão as portas e
quantas comunidades enfrentarão a bancarrota. Mas o impacto fatalmente
intensificará a pressão sobre os políticos para que aumentem as barreiras
comerciais. É improvável que a reação violenta contra o capitalismo
ilimitado, que até agora visava principalmente ao sistema que rege os
fluxos monetários, poupe o sistema que governa os fluxos internacionais
de bens e serviços.
As evidências, desde o final de 2008, não são nada reconfortantes. A
conferência em Washington, D.C., do grupo das 20 maiores economias
(G-20), ocorrida em 15 de novembro de 2008, fez uma promessa de
restringir medidas protecionistas durante 12 meses. No entanto, poucas
semanas mais tarde, muitas das vinte potências haviam tomado medidas
que restringiriam importações ou discriminariam bens estrangeiros de
várias maneiras. A Rússia aumentou de maneira significativa suas tarifas
sobre carros usados, aço, carne suína e aves. A Índia impôs tributos
mais altos sobre o ferro e o aço importados e proibiu importações de
brinquedos chineses. A Argentina impôs exigências de licenciamento
sobre peças de carros importados, têxteis, televisões, sapatos e outros
produtos. A Indonésia adotou regulamentos limitando a importação de
vestuário, eletrônicos, sapatos, brinquedos e alimentos, restringindo os
embarques a cinco portos específicos e exigindo uma inspeção minuciosa
de todos os contêineres pela alfândega notoriamente lenta do país (O
governo indonésio alegou que as medidas eram necessárias para combater
o contrabando, mas as providências vieram após o intenso lobby da
indústria e dos sindicatos, que exigiram respostas à crise econômica com
base em políticas de autossuficiência).
41
paul blustein
As nações mais ricas tenderam a favorecer abordagens mais sutis
que não envolvessem o aumento direto de barreiras nas fronteiras. O
gigantesco pacote de estímulo econômico aprovado pelo Congresso dos
EUA, em fevereiro de 2009, incluía dispositivos de incentivo à aquisição
de produtos e utilização de serviços norte-americanos (Buy American),
assegurando que os projetos de infraestrutura financiados pela lei usariam,
em sua grande parte, ferro, aço e bens manufaturados, produzidos nos
Estados Unidos. Outras nações abastadas seguiram o exemplo, com suas
próprias leis, do tipo “compre produtos nacionais”, em programas de
gastos públicos. Essa mesma política foi aplicada depois que Washington
começou a oferecer empréstimos subsidiados para salvar a General
Motors e a Chrysler, que discriminavam contra fabricantes de automóveis
estrangeiros instalados no mercado norte-americano. Os governos de pelo
menos dez países apressaram-se a ajudar seus próprios fabricantes de
automóveis e alguns (em particular a França) usaram pressões políticas
para evitar que as empresas despedissem trabalhadores em suas matrizes
no país ou aumentassem as contratações em suas filiais no exterior.
Os formuladores de políticas sentiram, de maneira compreensível,
que não tinham escolha, a não ser aceitar medidas como essas, em
vista da profundidade da crise econômica e do rancor dos eleitores em
relação aos volumosos pacotes governamentais de resgate de grandes
instituições financeiras. Supostamente, a maioria dessas políticas pode
ser extinta depois da recuperação das economias. Porém, sua adoção cria
a impressão geral de que, agora, os mercados de todo o mundo estão
manipulados a favor de produtores nacionais, o que poderia minar ainda
mais o apoio ao livre comércio e levar à criação de barreiras ainda mais
altas e duradouras.
Até agora, as medidas protecionistas e semiprotecionistas que as
nações tomaram não são suficientemente sérias e abrangentes a ponto
de serem consideradas como epidêmicas. É bem possível que a recessão
econômica global seja suficientemente suave, e que os formuladores de
políticas sejam suficientemente firmes, de modo a evitar a irrupção de
uma epidemia. Nem o presidente Barack Obama, nem os seus consultores
econômicos têm uma postura anticomércio. Mas lembre-se de que foi o
presidente Bush, supostamente um defensor fervoroso do livre comércio,
que sucumbiu às exigências do setor siderúrgico por aumento de tarifas
em 2002. Se a crise piorar de maneira significativa nos próximos meses,
42
sr. black, compareça à recepção
até mesmo políticos bem intencionados poderão curvar-se a apelos
semelhantes por proteção da concorrência externa.
Ao perpetuar repetidamente as divergências, retardando o processo
negociador de Doha, e ao permitir que o acordo esboçado ficasse tão
diluído, os membros da OMC deixaram escapar a oportunidade de criar
um seguro contra o protecionismo. Se um acordo ambicioso tivesse sido
alcançado – principalmente se isso tivesse acontecido, digamos, em 2006 –,
os impulsos protecionistas teriam sido contidos mais facilmente porque
os termos do acordo poderiam ter incluído novas restrições à capacidade
de os países aumentarem suas tarifas. Não que um acordo desse tipo
pudesse ter evitado qualquer tipo de nacionalismo econômico – ele não
teria impedido algumas das políticas que muitos países adotaram desde
o outono de 2008, como pressionar os bancos a emprestar dentro do país,
em vez de ao exterior, ou prestar ajuda financeira só para fabricantes de
automóveis nacionais. Mas poderia ter reduzido os problemas resultantes
do tipo tradicional de protecionismo que ainda ameaça causar danos de
longo prazo ao sistema de comércio.
O mais importante é que as vicissitudes da Rodada Doha, aliadas
ao ambiente econômico atual, trazem implicações preocupantes para a
saúde do sistema de comércio multilateral no longo prazo. Mesmo que
os governos possam conter as forças inspiradas na lei Smoot-Hawley,
os acontecimentos até o momento lançam uma dúvida inquietante em
relação à capacidade de a OMC manter seu status como o órgão que
define as regras centrais do comércio internacional.
A OMC é uma fonte de grande perplexidade mesmo para leigos
bem informados. Espero que este livro ajude a desmistificá-la. Nas
imaginações exaltadas dos militantes antiglobalização, esse órgão
de comércio exerce poder semelhante ao que se atribuía à Comissão
Trilateral, vinte anos atrás: um conluio sombrio da classe governante,
com a ajuda de tecnocratas, forçando as massas do mundo todo a engolir
a contragosto os caprichos das empresas multinacionais. Críticos mais
bem informados reconhecem que a OMC é, como as Nações Unidas,
uma reunião de governos mundiais dedicada à elaboração de regras por
meio de acordos entre seus membros. Ainda assim, os críticos acusam
a organização de ser uma instituição dissimulada e antidemocrática que
tem o poder, em nome do livre comércio, de se intrometer em leis e
regulamentos que normalmente pertencem à alçada de estados soberanos
43
paul blustein
(um exemplo notável foi a decisão de um tribunal da OMC em 2006
contra as restrições da União Europeia ao cultivo de produtos agrícolas
geneticamente modificados. Admiradores da OMC replicam que ela é
a principal mantenedora dos princípios da liberalização que ajudaram a
alimentar a expansão econômica global durante a maior parte das seis
últimas décadas.
Como este livro mostrará, há alguma validade na caracterização tanto
dos críticos quanto dos defensores da OMC. Contudo, o ponto principal
a ser lembrado é o seguinte: apesar de suas falhas, a OMC é um pilar
crucial de estabilidade na economia global. Tímida em seus quinze anos
de idade, ela é a expressão atual do sistema multilateral estabelecido
após a Segunda Guerra Mundial para evitar o retrocesso para as políticas
comerciais da década de 1930. As regras da OMC mantêm a proibição
de barreiras às importações por parte de seus países-membros (hoje em
número de 153) e os membros submetem suas controvérsias comerciais
à decisão dos tribunais da OMC, ao invés de travar batalhas comerciais
com retaliações infindáveis. Esse acordo evita que as controvérsias
relativas ao comércio se tornem desnecessariamente destrutivas, assim
como qualquer sistema baseado nos princípios de direito ajuda a conter
tendências à lei da selva. Além disso, a OMC é a guardiã do princípio
da “nação mais favorecida”, sob o qual os países-membros prometem
tratar os produtos dos outros de forma não discriminatória. O princípio
é uma proteção valiosa contra blocos comerciais, a exemplo daqueles
que, durante a década de 1930, contribuíram para acirrar rivalidades
entre as grandes potências. Em suma, a OMC é a guardiã suprema dos
mercados mundiais abertos.
A capacidade de a OMC continuar a desempenhar essas funções
está ameaçada por causa da desilusão com a Rodada Doha, que fez com
que o órgão de comércio pareça cada vez mais irrelevante e ineficaz.
Sua predominância como instituição definidora de regras sofreu duros
golpes nos últimos anos por conta de uma proliferação de negociações
bilaterais e regionais de comércio. Mais de duzentos acordos desse tipo
estão atualmente em vigor, abrangendo desde o grande e famoso Acordo
de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA) até acordos pequenos
e obscuros como o acordo de livre comércio Cingapura-Jordânia. Os
governos estão cada vez mais tentados a encarar esses pactos como
substitutos razoáveis para o multilateralismo, principalmente quando
44
sr. black, compareça à recepção
se aprofunda o ceticismo quanto à possibilidade de concluir novas
negociações significativas na OMC. Apesar de a OMC não correr o risco
de desabar de um dia para o outro, há o perigo de que sua autoridade
fique erodida até o ponto em que os países-membros comecem a fugir
de seus compromissos e ignorar as decisões de seus tribunais.
Um cenário bem plausível é que a aparente incapacidade da OMC de
fechar acordos levará os países a recorrer cada vez mais a litígios – abrindo
processos uns contra os outros – em vez de tentar negociar. Os tribunais
da OMC seriam então forçados a proferir sentenças sobre contenciosos
de natureza politicamente sensível. A mudança climática, por exemplo,
é um tema particularmente cheio de riscos a esse respeito. Formuladores
norte-americanos e europeus influentes estão propondo leis para controlar
emissão de gases de efeito estufa envolvendo a aplicação de tarifas sobre
mercadorias de países estrangeiros que não estejam reduzindo suas
emissões. Os produtos chineses e indianos são os alvos mais prováveis
dessas tarifas. Não há clareza quanto à legalidade desses tipos de tarifas
à luz das regras da OMC. Então imagine o furor que irromperia se a
OMC decidisse contra elas, dizendo que o comércio deve ter prioridade
sobre a salvação do planeta. Alternativamente, imagine o furor se a
OMC determinasse que essas tarifas são legais e os chineses decidissem
reagir impondo seus próprios impostos sobre mercadorias americanas
e europeias com base no raciocínio de que são os países ocidentais os
maiores culpados pelo problema da mudança climática desde o início.
Esse é só um exemplo do tipo de situação que poderia precipitar o
surgimento de guerras comerciais e o colapso do sistema que ajudou a
manter o protecionismo represado.
Os americanos podem supor que sofreriam menos danos do que os
cidadãos de outras nações se a OMC se desintegrasse e, de um ponto de
vista estritamente comercial, eles teriam razão. A magnitude do mercado
norte-americano significa que os EUA sempre terão grandes parceiros
com quem negociar em termos adequados para eles. As nações que seriam
mais afetadas são as mais pobres, as menores e as mais vulneráveis,
para quem a OMC oferece proteção contra a intimidação pelos ricos. É
exatamente por isso que, de uma perspectiva de longo prazo, minar a
OMC prejudicaria sobremaneira os interesses dos EUA. Os ataques do 11
de setembro mostraram a importância de tomar todas as medidas práticas
para trazer as nações pobres para o centro das articulações econômicas.
45
paul blustein
Os países pobres correm um grave risco de se tornarem paraísos para
terroristas e de constituir outras ameaças aos Estados Unidos, inclusive
a difusão de armas e doenças, porque seus governos são com frequência
incapazes de se opor – ou não querem se opor – a tais problemas. Evitar
que eles se tornem mais marginalizados do que já são deveria ser uma
prioridade máxima para Washington e, apesar de uma OMC saudável
não ser suficiente para alcançar essa meta, ela é essencial.
[*]
Para mostrar como e por que o sistema de comércio multilateral
chegou à atual situação calamitosa, este livro narra os principais
acontecimentos que ocorreram no sistema ao longo da última década. É
um relato desanimador para os que acreditam no poder da globalização
de elevar o padrão de vida dos habitantes de todo o mundo. Ele inclui a
narração detalhada da mortificação da OMC em Seattle em 1999 porque,
embora essa reunião da organização não faça parte da Rodada Doha,
a história por trás da “Batalha de Seattle” é essencial para entender
os desdobramentos subsequentes. A narrativa abrange o lançamento
triunfante da rodada em Doha em 2001 e o vívido colapso da reunião
ministerial de setembro de 2003 em Cancún, no México, que expôs a
profundidade da disputa entre países ricos e países em desenvolvimento.
A ação passa, em seguida, para a reunião de 2004 em Genebra, na
qual os membros da OMC pareceram imprimir um novo impulso à
rodada, negociando intensamente para a adoção de um acordo-quadro
(framework). Desse ponto em diante, a história consiste em sucessivas
decepções: a reunião ministerial de Hong Kong em 2005, que quase
fracassou em produzir um acordo sobre um conjunto modesto de
medidas; esgotamentos das negociações em Genebra em meados de 2006
e, em Potsdam, Alemanha, em junho de 2007 e, finalmente, o clímax
emocionalmente extenuante – a reunião de ministros de julho de 2008
que fracassou após nove dias, a mais longa da história da organização.
Essa série de altos e baixos constitui uma longa saga. Ela envolve
questões econômicas complexas, bem como um elenco numeroso e
cambiante de protagonistas. Os leitores conhecerão quatro representantes
de Comércio dos Estados Unidos (Charlene Barshefsky, Bob Zoellick,
Rob Portman e Susan Schwab), três diretores-gerais da OMC (Mike
46
sr. black, compareça à recepção
Moore, Supachai Panitchpakdi e Pascal Lamy), dois negociadores
brasileiros importantes com o mesmo prenome (Celso Lafer e Celso
Amorim) e dois outros atores principais chamados Kamal (Yousef
Hussain Kamal, o ministro catariano que presidiu a reunião em Doha, e
Kamal Nath, que se tornou ministro da Indústria e Comércio da Índia em
2004). Ao longo desse período, várias coalizões de países abrirão caminho
até o palco – o Like Minded Group (Grupo de países em desenvolvimento
com posições afins), o Grupo Africano, o G-20, o G-33 e daí em diante.
À medida que a narrativa vai avançando, é importante não perder
de vista as mudanças em relação a quem está dentro e quem está fora.
Nesse caso, “dentro” se refere ao círculo de poder interno da OMC,
o pequeno grupo de países que tem prioridade na decisão sobre os
elementos principais de uma negociação antes de submeter seus termos
ao conjunto de membros da OMC para ver se é possível chegar a um
consenso. As variações na composição desse grupo são reveladoras das
mudanças em andamento na distribuição de poder na economia global.
Em um ponto da narrativa, o círculo interno consiste nos Estados Unidos,
União Europeia, Japão e Canadá – o grupo seleto de nações ricas e
industrializadas conhecido como QUAD. Porém, posteriormente, a
composição do círculo interno muda para incluir alguns dos dínamos
econômicos do mundo em desenvolvimento, países cujas grandes
dimensões e cujo rápido crescimento os capacitou a abrir caminho à
força até a mesa de negociações. Nesse ponto, o grupo fica conhecido
pelo nome de Cinco Partes Interessadas (Five Interested Parties –
FIPs) – Os Estados Unidos, a União Europeia, o Brasil, a Índia e a
Austrália –, seguido por várias mutações conhecidas como G-6, G-4 e
G-7, este último incluindo a China.
Cada marco importante coberto por este livro terá sua própria
dinâmica singular, seus próprios pontos de discórdia, seus próprios
dramas, seus próprios conjuntos de protagonistas, opositores,
participantes enfurecidos e bodes expiatórios. Os aficionados pelo tema,
familiarizados com os formuladores de políticas proeminentes, podem
se deleitar ao ler sobre suas confrontações em altos decibéis, confusões
logísticas, melodramas na madrugada, afrontas mordazes e desalentos
chorosos. Porém, além de revelar anedotas deliciosas, examinar as
reviravoltas da rodada serve a um propósito esclarecedor. A natureza
inelutável das rodadas de comércio multilateral é que são efetivamente
47
paul blustein
longas, carregadas de questões que afetam as vidas de milhões, mas
que são frequentemente áridas e técnicas. Além disso, esses temas são
negociados por uma multiplicidade de pessoas cujo mandato tende a ser
mais curto do que as próprias negociações. Só mesmo percorrendo os
bastidores, examinando pontos de inflexão importantes em todo o seu
sangrento esplendor, é possível perceber adequadamente o quão caótico,
aleatório, incontrolável e disfuncional pode ser o processo de uma rodada.
É preciso enxergar além da desordem, dos tropeços, dos rompantes, das
ameaças e dos blefes para elucidar a dificuldade de concluir com êxito
tal empreitada.
Um dos motivos que justificam a importância de explorar esses
eventos é responsabilizar os representantes oficiais e seus governos pelos
papéis que desempenham na negociação. Os infortúnios da Rodada Doha
derivam em certa medida das falhas de indivíduos. As páginas deste
livro estão repletas de choques de personalidade, excessos ególatras,
mesquinharias e equívocos estratégicos – incluindo alguns erros de
cálculo de formuladores de políticas famosos por seu brilhantismo,
principalmente Bob Zoellick (atual presidente do Banco Mundial) e
Pascal Lamy (ex-comissário de Comércio europeu, hoje diretor-geral
da OMC). Um dos piores erros, olhando em retrospecto, foi levantar
expectativas irrealistas no início sobre o impacto que a política comercial
sozinha poderia ter sobre a redução da pobreza.
Porém, outro motivo-chave para esmiuçar a perda de rumo da rodada
é expor os problemas mais profundos e mais sistêmicos que estão no
cerne da situação difícil em que se encontra a OMC. Será que outro grupo
de negociadores, não importa o quão inteligentes e bem intencionados
fossem, teria feito melhor, dado o modo como funciona a OMC? Ou será
que o próprio sistema tornou-se fatalmente falho? Será que ele é capaz
de lidar com as realidades do início do século XXI?
Entende-se que a Rodada Doha marca o final de uma era. Dada a
experiência dos últimos sete anos, pode ser que as nações do mundo nunca
mais tentem lançar-se numa rodada de comércio multilateral gigantesca.
No entanto, ainda não está claro se existem alternativas viáveis para
resolver as inúmeras questões que o sistema multilateral de comércio
ainda enfrenta. Para mencionar apenas duas dessas questões: a recente
crise de alimentos ressaltou o problema de países que interrompem suas
exportações de grãos para mercados mundiais e a mudança climática
48
sr. black, compareça à recepção
levanta questões espinhosas sobre como impor um regime internacional
de redução de emissões de carbono sem violar as regras atuais da OMC.
Uma rodada na qual todos os membros da OMC fazem concessões em
algumas áreas para extrair ganhos em outras pode ser a única maneira
de resolver essas questões de modo satisfatório. Eis um pensamento
realmente assustador: o destino de mercados globais abertos pode
depender de mais décadas de Rodada Doha – no seu melhor estilo caótico,
descontrolado e disfuncional.
Essa perspectiva é ainda mais perturbadora devido a duas das
tendências fundamentais que surgem claramente do épico de Doha. A
primeira é o que Fareed Zakaria chamou de “a insurreição do resto”,
referindo-se ao rápido crescimento e à influência cada vez maior do
Brasil, Índia, China, Egito, África do Sul e outros grandes países em
desenvolvimento. Seus avanços tornaram o sistema multilateral de
comércio muito mais difícil de administrar. Já foi o tempo em que todas
as decisões importantes eram tomadas por um punhado de países mais
ricos, como foi o caso nas décadas passadas. Hoje, não apenas a OMC tem
mais membros do que nunca, como tem um número maior de membros
importantes e mais membros que querem desempenhar um papel de
relevo no mundo de comércio cada vez mais livre ao qual se associaram.
A dispersão do comércio mundial entre um número maior de países com
níveis muito diferentes de desenvolvimento é bem-vinda, por motivos
óbvios. Contudo, numa instituição que funciona por consenso, forjar
decisões ficou imensamente mais complicado.
O segundo fator que pode ser ainda mais incapacitante para a OMC
é uma mudança no contexto (zeitgeist) da globalização – uma mudança
que precedeu a recente crise de confiança nos mercados globais e que
foi, de certa forma, a sua precursora.
Em meados da década de 1990, após o final da Rodada Uruguai, o
economista Ernest Preeg intitulou seu livro sobre a rodada Traders in a
Brave New World [comerciantes num admirável mundo novo] refletindo
atitudes prevalecentes numa época em que o capitalismo ascendia
em todo o mundo e os países estavam ansiosos para liberalizar suas
economias. Um título adequado para um livro sobre a Rodada Doha seria
Traders in a Frightened New World [comerciantes num mundo novo
aterrorizado]. Espalhada por toda a narrativa de Doha está a prova de
que a globalização foi tão longe e tão rápida que seu avanço pode estar
49
paul blustein
alcançando algum limite natural, pelo menos no médio prazo. Talvez o
sinal mais contundente seja o desconforto com a aceleração do ritmo da
integração econômica provocada pelo surgimento da China como uma
usina de exportações. Como poderá ser visto no Capítulo 11, o fator
“medo da China” teve um nítido impacto sobre a rodada, tornando os
países em desenvolvimento ainda mais cautelosos em relação a uma
maior abertura de suas economias. Ao mesmo tempo, erodiu-se a fé nas
propriedades supostamente mágicas que os cortes de tarifas e outras
ações de redução de barreiras comerciais teriam sobre o crescimento
econômico. Essa descrença não é despropositada, como veremos no
Capítulo 10, que relembra as severas revisões para baixo feitas nas
estimativas do Banco Mundial dos benefícios econômicos da rodada. Por
essas três razões, e outras, muitos membros da OMC se refrearam em
tomar as medidas necessárias para viabilizar a conclusão de um acordo.
Uma forma de ver essa mudança segundo o contexto da época
(zeitgeist) é perceber o sistema multilateral de comércio como a vítima de
seu próprio sucesso. Como muitos observadores apontaram, houve tanta
abertura de mercados nas últimas décadas que já não há mais fruto fácil
de ser colhido; as barreiras que permanecem são as mais politicamente
intratáveis. Além disso, as conquistas das rodadas comerciais passadas
proporcionaram às empresas multinacionais grande parte do acesso a
mercados estrangeiros que elas desejavam. Consequentemente, elas
não são mais tão vigorosas em pressionar seus governos para fechar
acordos, de forma que as forças políticas opostas à liberalização acabam
ganhando vantagem.
O passado do sistema, inclusive a criação da OMC e os eventos que
levaram a isso, é o tema do Capítulo 2. Não há dúvida de que o tamanho
dos passos dados durante esse período ajuda a explicar as adversidades
atuais do sistema. Mas isso não serve de consolação. Os capítulos
seguintes mostrarão os responsáveis pelo comércio mundial vagueando
de uma desventura para outra. Será aflitivo contemplar a magnitude das
conquistas que agora se veem ameaçadas.
50
Capítulo 2
A Organização Intergaláctica do Comércio
Em uma agitada manhã de dezembro no final de 2006, uma fila de
sedans escuros – na maior parte Mercedes-Benz, com alguns poucos
BMWs, Volvos e Lexus – serpentearam por uma avenida em formato de
“U” e pararam em frente à sede da OMC, no Centro William Rappard,
uma imponente edificação em estilo italiano, batizada com o nome de
um diplomata suíço, às margens do Lago Genebra. Como em muitos
dias ensolarados em Genebra, os picos nevados dos Alpes podiam ser
avistados resplandecentes à distância por qualquer pessoa que decidisse
caminhar pelo parque às margens do lago, nos fundos do prédio. Mas
os passageiros das limusines – embaixadores enviados à OMC por seus
países-membros – não pararam para admirar a paisagem. Os guardas de
segurança às vezes gritavam com os motoristas para fazer a fila andar,
pois mais de uma centena de veículos estavam chegando. Os diplomatas,
então, desceram rapidamente dos carros e atravessaram uma pequena
ponte a passos largos até um prédio moderno, passaram pela porta e
entraram numa câmara semicircular grande, a Salle du Conseil (Sala do
Conselho), com um teto alto com claraboia que permite que a luz natural
penetre na sala. Alguns conversavam com colegas ao tomar assento nas
mesas de seus países, cada uma delas equipada com uma placa exibindo
o nome do país, um microfone e fones de ouvido para acompanhar a
interpretação simultânea. A maioria dos embaixadores eram homens
51
paul blustein
de terno escuro, apesar de haver um número razoável de mulheres, e
poucos usavam vestimentas da terra natal ou de grupos étnicos, como
o embaixador da Índia com seu turbante azul brilhante.
Este é o Conselho Geral, o órgão principal de tomada de decisões
da OMC, que se reúne em sessões formais cinco vezes por ano e só é
superado em importância pelas conferências ministeriais. As reuniões
do Conselho normalmente são fechadas para jornalistas (depois, os
porta-vozes da OMC enviam relatórios resumidos sobre os trabalhos
e atas são publicadas). Apesar de ser desejável que as sessões fossem
abertas ao escrutínio público, os jornalistas de Genebra consideram
uma dádiva que elas sejam fechadas, já que as discussões tendem a ser
tediosas. Com certeza foi esse o caso nesse dia de dezembro, quando
o ponto alto foi um relatório de Pascal Lamy, o diretor-geral, sobre a
situação da Rodada Doha. “O fracasso pode estar dobrando a esquina,
mas não precisamos passar por ela”, disse Lamy aos embaixadores,
que, em resposta, se pronunciaram prometendo que seus países ou
grupos de países aliados “continuariam a se engajar nas negociações de
forma construtiva”, “permaneceriam comprometidos com um resultado
ambicioso e pró-desenvolvimento” e “estariam prontos para encontrar
um meio termo”, apesar de reiterarem suas posições de longa data sobre
as questões mais contenciosas em jogo.
A arrumação de assentos é digna de nota, mas, de certa forma,
inadequada. Lamy estava numa posição de destaque, num grande tablado
na frente da sala, juntamente com vários outros membros seniores
do Secretariado da OMC (o quadro de funcionários públicos civis
internacionais que trabalham no Centro William Rappard), enquanto
os embaixadores estavam sentados na parte de baixo. Desse contexto,
pode-se chegar a uma conclusão equivocada: a OMC tem uma burocracia
poderosa, tal qual outras organizações econômicas internacionais como
o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Na verdade,
o Secretariado é constituído apenas por 630 pessoas, em comparação
com 2.600 no FMI e mais de 10.000 no Banco Mundial. E, apesar de
os funcionários do Secretariado exercerem alguma influência sobre
decisões-chave por meio do aconselhamento técnico e profissional que
dão a vários conselhos e comitês, a OMC é muito mais uma organização
movida pelos membros, isto é, controlada pelos países que pertencem a
ela. Em nítido contraste com o FMI e o Banco Mundial, em que os votos
52
a organização intergaláctica do comércio
dos países são ponderados de acordo com o tamanho de suas economias,
cada país tem um voto na OMC. Isso não significa que, digamos, Botsuana
Peru ou Sri Lanka tenha tanta influência quanto os Estados Unidos – longe
disso – mas que a forte tradição de tomar decisões por consenso resulta
numa distribuição de poder mais igualitária entre os países-membros do
que se verifica em outras instituições. Não surpreende que o processo
de tomada de decisão da OMC seja de longe o mais pesado de todos.
“Temos 144 freios de mão e um acelerador”, escreveu Mike Moore,
que atuou como diretor-geral de 1999 a 2002. “Às vezes, parece mais
com um daqueles filmes antigos do Gordo e o Magro, com o carro fora
de controle e o volante se soltando nas mãos. É como tentar dirigir um
parlamento sem partidos, sem orientação partidária, sem relator, sem
limitação de tempo de discurso e sem sistema de votação majoritária. É
consenso por exaustão”.
Por outro lado, a disposição de assentos do Conselho Geral é
emblemática de algo significativo: o poder da OMC como uma instituição
que, sob aspectos relevantes, é maior do que o do FMI ou do Banco
Mundial.
Enquanto o Fundo e o Banco exercem controles sobre os países em
desenvolvimento a quem emprestam, a OMC os aplica também às nações
industrializadas, inclusive aos Estados Unidos. Se um país pequeno e
pobre achar que um país grande e rico está violando as regras da OMC,
ele pode levar o infrator a comparecer perante um tribunal para obter uma
reparação. E se o tribunal achar que o país grande é culpado da acusação,
o ofensor terá de mudar de comportamento ou, ao recusar-se a fazê-lo,
aceitar algum tipo de sanção econômica por parte do país prejudicado
(como veremos no Capítulo 8, os países-membros mais importantes
gozam de inúmeras vantagens no sistema de tribunais, mas a questão é que
também são responsabilizados por isso). Além disso, a OMC estende
suas regras amplamente sobre os arranjos econômicos domésticos
de seus países-membros de uma forma inigualável por outros órgãos
internacionais. Um exemplo é o código da OMC relativo a padrões
de avaliação de higiene e condições sanitárias de produtos animais e
vegetais importados, que pode afetar a regulação dos países-membros
sobre inocuidade e segurança dos alimentos. Outro exemplo são as
regras da OMC sobre direitos de propriedade intelectual, que podem
moldar a forma como os países-membros protegem patentes. Outro
53
paul blustein
ainda é o acordo sobre serviços, que influencia a regulação de bancos e
telecomunicações pelos países. A profundidade e o escopo dessas regras
ajudam a explicar o fundamento lógico para a tomada de decisões por
consenso: como as regras afetam todos os membros, elas devem ser
acordadas por todos os membros.
Por fim, a OMC confere a seus países-membros um dos direitos
mais importantes – talvez o direito mais importante – concedido por
uma organização internacional, isto é, o tratamento de nação mais
favorecida. Esse direito significa que cada membro deverá receber todas
as vantagens comerciais concedidas aos outros. Suas mercadorias não
receberão tratamento menos favorável do que as dos outros membros
e ele gozará de forte proteção contra sanções comerciais arbitrárias e
inconstantes. Um benefício extraordinário que faz com que a maioria
dos países queira ser admitida para obter esse direito e exercer influência
na elaboração das regras.
Na verdade, os formuladores de políticas comerciais dos países
em desenvolvimento que queiram aprender como usar o sistema em
benefício de suas nações vêm ao Centro William Rappard todos os anos
para assistir a cursos sobre os princípios básicos e o funcionamento da
OMC. Frequentei um desses cursos e descobri que o material didático,
além de dar uma boa introdução ao assunto, leva a uma compreensão
profunda daquilo que faz a OMC funcionar e o que não.
[*]
A aluna do Sudão tinha uma echarpe amarela cobrindo a cabeça
e estava mexendo num celular. O aluno de Bangladesh estava usando
jeans, tênis e camisa polo. Das Bahamas, vinha um negro com aparência
distinta, cabelo grisalho, usando camisa social azul com colarinho
branco. Na sua frente, estava sentada uma mulher catariana de vestido
preto e echarpe vermelha debruada de dourado. A maioria dos outros
alunos – da Indonésia, Eritreia, Cazaquistão, Paraguai e cerca de vinte
outros países – usava terno. Tinham de trinta a quarenta e tantos anos
e o mais velho, cerca de 55 anos. Ocupavam cargos governamentais
burocráticos de nível médio a superior: um deles era “chefe adjunto da
OMC e do Departamento de Relações com a União Europeia” de seu país,
outro era “negociador-chefe do Ministério do Comércio” e outro ainda
54
a organização intergaláctica do comércio
era “diretor adjunto da Divisão de Relações Econômicas e de Comércio
Exterior”. Tinham sido convidados a vir a Genebra para fazer esse curso
com duração de três meses, com a OMC arcando com as despesas de
transporte, alimentação e acomodações por meio de um fundo financiado
por nações doadoras. A ideia é ajudar esses formuladores de políticas a
superar uma das maiores desvantagens que seus países enfrentam como
membros da OMC: reunir a expertise técnica necessária para participar
com eficácia de uma organização na qual os gigantes, principalmente os
Estados Unidos e a União Europeia, têm equipes maiores, equipamentos
melhores, conhecimento mais aprofundado e mais experiência para
participar desse jogo.
Logo no início do curso, os alunos passam um dia revisando a
teoria econômica básica do comércio. Para refrescar a memória dos
que sabem economia e ensinar os que não têm muito conhecimento,
os alunos examinam o princípio – aceito como válido por economistas
de todo o espectro ideológico – de que o comércio entre duas nações
elevará o padrão de vida geral nas duas. Eles aprendem que, apesar de
o comércio impor custos sobre um país na forma de empregos perdidos
para a concorrência estrangeira, lucros maiores advirão, por várias razões:
importações de baixo custo ajudam a reduzir os preços ao consumidor; os
exportadores aumentam a produção ao obter acesso a mercados externos;
as empresas ficam mais eficientes em resposta à pressão competitiva
vinda de fora. Com o auxílio de gráficos de oferta e demanda simples do
tipo usado em universidades no mundo todo, a turma estuda os efeitos
das barreiras mais comuns ao comércio – tarifas (impostos cobrados na
fronteira sobre mercadorias importadas) e quotas (restrições à quantidade
que pode ser importada de uma determinada mercadoria). Um país que
usa essas barreiras para restringir a concorrência estrangeira pode ajudar
seus produtores internos a se manterem no negócio, poupando assim
alguns empregos, o que pode gerar receita para o governo. Porém, os
consumidores terão de pagar tão mais caro pelas mercadorias submetidas
a tais restrições, resultando em diminuição da eficiência econômica, que
o impacto geral será um “prejuízo líquido”, como demonstrado pelo
material de estudo.
A aula de teoria também relembra rapidamente os grandes pensadores
dos últimos séculos cujas obras levaram a maioria dos economistas a
aceitar como questão de fé as virtudes do livre comércio entre os países. O
55
paul blustein
mais original desses pensadores, é claro, foi Adam Smith, cujo livro datado
de 1776, A riqueza das nações, desacreditou a teoria do mercantilismo – a
crença, amplamente aceita entre as elites dominantes da Europa nos séculos
XVI, XVII e XVIII de que as exportações proporcionam a um país os
principais benefícios do comércio e que as importações (principalmente
importações de manufaturados) tendem a ser prejudiciais para a sua
economia. Smith combateu o mercantilismo, argumentando que a
economia de uma nação ganha força com a liberalização do comércio,
possibilitando a importação de mercadorias mais baratas do exterior.
Assim como os indivíduos operam mais eficientemente quando se
especializam em produzir o que fazem de melhor – “o alfaiate não tenta
fazer seus próprios sapatos, mas compra do sapateiro. O sapateiro não
tenta fazer suas próprias roupas, mas emprega o alfaiate” –, os países
agem da mesma forma, defendeu Smith. “No sistema mercantilista”,
escreveu ele, “o interesse do consumidor é quase sempre sacrificado ao
do produtor e ele parece considerar a produção, e não o consumo, como
o fim e o objeto essenciais de toda a indústria e o comércio”.
Porém, apesar de Adam Smith parecer ser a inspiração orientadora
para a OMC, o curso para representantes oficiais de países em
desenvolvimento mostra o quão enganosa é essa impressão. O dia
dedicado à aula sobre teoria do comércio é apenas uma ínfima parcela do
curso de três meses e esse fato fala muito sobre a sistemática que permeia
o processo de tomada de decisão da OMC. Muito mais tempo do curso
é destinado a ensinar aos alunos as habilidades práticas necessárias para
ser eficaz em negociações da OMC, o que significa, em certo sentido,
introduzi-los na arte do mercantilismo intransigente. Os interesses
especiais que cercam os ministérios de comércio do mundo todo são
tipicamente de exportadores buscando oportunidades para vendas no
exterior e de indústrias domésticas (juntamente com seus sindicatos)
buscando proteção contra importações. Consumidores comuns são
ouvidos raramente, se é que são em alguma ocasião, e tendem a ser
fracamente organizados, de qualquer forma. Assim, para o negociador de
comércio típico, as exportações são “ganhos” e as importações, “perdas”,
o contrário do que pensava Adam Smith.
Uma ilustração perfeita disso surge no ponto alto do curso da OMC –
uma rodada de comércio global simulada conduzida pelos alunos. Estes são
divididos em equipes representando quatro países fictícios, chamados
56
a organização intergaláctica do comércio
Alba, Vanin, Medatia e Tristat, e, a partir de segunda-feira de manhã, começam
a negociar, com instruções de que precisam chegar a uma negociação de
consenso até as 16h da quinta-feira seguinte. “Os participantes às vezes
brigam, gritam e perdem a cabeça”, diz Jean-Daniel Rey, que supervisiona o
curso. “Às vezes se encontram no hotel ou fazem almoços de negociações ou
negociam até a meia-noite. Ao final, estão exaustos. O objetivo é criar uma
atmosfera semelhante ao tipo de atmosfera que enfrentarão em negociações
reais”.
Cada um dos países fictícios tem um tipo diferente de economia
e níveis diferentes de proteção para suas indústrias manufatureiras e
agrícolas. Alba e Tristat são ricos, Medatia é um país em desenvolvimento
em rápido crescimento e Vanin é pobre. Para simplificar, os participantes
negociam muito menos questões do que o fariam em negociações reais
da OMC, apesar de haver muito a discutir – regras sobre subsídios
governamentais, além dos níveis tarifários que cada país mantém sobre
trinta produtos diferentes, inclusive grãos, frutas, carne bovina, laticínios,
cobre, estanho, carvão, fertilizantes, produtos farmacêuticos, tintas,
aquecedores, aparelhos de ar-condicionado, lâmpadas, semicondutores,
máquinas de fax, camisetas de algodão e tapetes. As equipes podem se
reunir em negociações bilaterais se quiserem (uma reunião da equipe
de Alba só com a de Tristat, por exemplo) e formar alianças, ou todas
as quatro podem se encontrar juntas. “Não lhes ensinamos a negociar”,
diz Rey. “A questão é entender o processo – os riscos, dificuldades e
habilidades exigidos”.
A parte reveladora são as instruções secretas que cada equipe
recebe do “Conselho de Ministros” de seu país. Rey não divulgaria os
detalhes das instruções porque isso estragaria o exercício para futuros
participantes. Mas a ideia básica é que se supõe que cada equipe obterá
o máximo de acesso possível a exportações mais competitivas de seu
país nos mercados dos outros países, abrindo mão, ao mesmo tempo,
do mínimo acesso possível em seu próprio mercado. Suponha, por
exemplo, que Medatia seja altamente competitiva em têxteis e vestuário.
As instruções para a equipe de Medatia seriam visar uma redução de
50% em média nas tarifas que Alba e Tristat mantêm sobre camisetas e
tapetes. Mas, além desse tipo de meta “ofensiva”, as instruções contêm
metas “defensivas” também – limites sobre as concessões que cada
equipe ofereceria aos outros países na forma de tarifas mais baixas. O
57
paul blustein
“ministro do Comércio” de Alba poderia ser instruído a resistir fortemente
a qualquer corte significativo nas tarifas sobre grãos e carne bovina em
razão da influência política dos agricultores de Alba, por exemplo, ou
o ministro do Comércio de Tristat poderia ser advertido a proteger a
indústria química de seu país oferecendo não mais do que um corte de
15% em suas tarifas nesse setor.
No final, quando os participantes chegam a um consenso na
negociação, o resultado global serão barreiras mais baixas nos quatro
países, porque cada equipe dará algum acesso a seu próprio mercado
em troca da obtenção de mais acesso aos mercados dos outros. Em
determinados casos, uma equipe pode não resistir a um corte em
suas próprias tarifas. Negociadores de um país podem concordar sem
dificuldades em baixar os impostos sobre maquinário e fertilizantes, por
exemplo, sem encarar isso como uma concessão, porque ter acesso a esses
produtos mais baratos supostamente ajudaria fábricas e agricultores a
ficarem mais competitivos. Porém, como nas negociações da OMC da
vida real, cada país está fundamentalmente interessado em objetivos
mercantilistas – maximização de lucros em termos de exportações e
minimização de seus “prejuízos” pelo lado das importações.
Portanto, a OMC é uma mistura peculiar: poder e impotência, livre
comércio e mercantilismo. Como ela consegue algum resultado? Assim
como em muitas instituições internacionais contemporâneas, a história
tem suas origens em meados da década de 1940.
[*]
Ainda extraordinariamente dinâmico para um homem nascido em
1918 – mesmo com noventa e poucos anos, estava viajando para Genebra
para atuar como jurado em casos de litígio na OMC – Julio Lacarte tem
muitas histórias para contar. Sua carreira de diplomata e funcionário
civil internacional fez com que ele tenha tido contato com Indira Gandhi,
Konrad Adenauer e Che Guevara, entre outros ilustres. Foi para o exílio,
saindo de seu Uruguai natal durante a ditadura militar, que começou na
década de 1970. Em sua infância em Nova York, viu Babe Ruth jogar
beisebol. Mas Lacarte faz jus à sua fama por outro motivo, pelo menos
para quem ele encontra no Centro William Rappard: ele participou da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, em Havana,
58
a organização intergaláctica do comércio
Cuba, que começou em novembro de 1947 e produziu um instrumento
de constituição em março seguinte. No mundo do comércio multilateral,
isso faz dele um fundador.
Na conferência de Havana, “houve um debate tremendo”, lembra-se
Lacarte. “Mas todos tinham um só objetivo. Estávamos poucos anos após
o final da Segunda Guerra e todos estavam muito conscientes do mundo
do pós-guerra que queríamos construir”. Os artífices da ordem do
pós-guerra já tinham as Nações Unidas pronta e funcionando e outra
de suas criações, o Banco Mundial, estava começando a emprestar
dinheiro para reconstruir economias destroçadas pela guerra. Também
recém-criado era o FMI, cujo objetivo principal era a promoção da
estabilidade financeira global. Agora, voltando-se para o comércio,
os artífices estavam prestes a dar outro passo importante rumo a seu
objetivo de evitar a recorrência de eventos que tinham engendrado
e aprofundado a Grande Depressão. Ainda estava fresca a memória
da Lei de Tarifas Smoot-Hawley e de outras políticas protecionistas
responsáveis pela criação de um clima desastroso para o comércio na
década de 1930.
Assinada pelo presidente Herbert Hoover em 1930, a Lei
Smoot-Hawley foi aprovada pelo Congresso em resposta a pedidos
de muitos fabricantes e agricultores americanos, a despeito da
oposição de muitos economistas. A legislação elevava as tarifas de
importação de produtos estrangeiros a uma média de 55% do valor
de mercadorias tributáveis – os mais altos níveis em pelo menos um
século. Isso praticamente assegurava que o preço das mercadorias
importadas seria elevado a níveis impossíveis de pagar. Em rápida
reação, os parceiros comerciais dos EUA, que já tinham começado a
elevar suas próprias barreiras, erigiram seus próprios muros protetores.
As tarifas francesas sobre alimentos pularam de 19% em 1927 para 53%
em 1931. No mesmo período, as da Alemanha passaram de 27% para
82%, as da Itália de 24% para 66% e as da Áustria de 16% para 59%.
Para se certificar de que Washington pagaria um preço alto pela Lei
Smoot-Hawley, os franceses, alemães e italianos também impuseram
impostos bem superiores a 50% para automóveis, a joia da Coroa da
indústria norte-americana. México, Argentina, Japão e muitos outros
países seguiram o mesmo caminho. Mesmo a Grã-Bretanha, a nação
pioneira do livre comércio em meados do século XIX, diminuindo seus
59
paul blustein
impostos primeiro sobre o milho e depois sobre outros produtos, reverteu
a rota no início de 1932, promulgando uma tarifa geral.
O Canadá, maior destino das exportações dos Estados Unidos, impôs
tarifas rígidas sobre produtos importantes que respondiam por cerca de
30% das mercadorias norte-americanas despachadas através da fronteira
do norte dos EUA e reduziu impostos sobre mercadorias provenientes
da Comunidade Britânica. Uma “guerra de ovos” iniciada entre os dois
países proporciona uma ilustração clássica de como um aumento de tarifa
provoca outro. O aumento causado pela Lei Smoot-Hawley nas tarifas
americanas sobre ovos causou uma queda brusca na quantidade de ovos
canadenses comprados pelos americanos. Esse aumento instigou uma
elevação retaliatória na tarifa enfrentada pelos produtores americanos de
ovos no Canadá de três para dez centavos de dólar a dúzia. O desfecho foi
que as exportações de ovos dos EUA para o Canadá, antes um mercado
lucrativo para agricultores norte-americanos, minguaram quase a zero.
Essas políticas não causaram a Depressão. O maior culpado disso
foi o crédito apertado do Banco Central norte-americano. E não devemos
esquecer que antes, durante a maior parte do século XIX e início do
século XX, as tarifas de importação haviam sido bastante elevadas em
muitos países industriais, principalmente nos EUA. Apesar de alguns
economistas sustentarem que a irrupção de protecionismo intensificou
severamente a crise econômica, até isso é motivo de discussão. Pode-se
atribuir a queda de 40% no comércio mundial entre 1929 e 1932 muito
mais ao colapso na demanda mundial do que às tarifas de importação
mais altas. Mas, como barreiras comerciais rígidas permaneceram em
vigor por vários anos e se mostraram difíceis de remover, as economias
do mundo enfrentaram dificuldades ao lutar para gerar recuperações –
quanto a isso, há consenso geral entre os historiadores econômicos.
Igualmente desafortunadas foram as consequências geopolíticas, que
ajudaram a alimentar o conflito entre os países. As principais potências
estabeleceram acordos comerciais especiais com seus aliados próximos
e colônias, dividindo o mundo em blocos ao usar uma combinação de
alocações burocráticas, controles monetários e tarifas preferenciais.
O padrão de comércio do Japão nos dá um exemplo ilustrativo, senão
extremo: a parcela das importações do Japão vindas da Coreia, Formosa
e Manchúria dobraram para 40,6% durante o período de 1929 a 1938,
enquanto que a parcela de suas exportações indo para esses lugares
60
a organização intergaláctica do comércio
pularam de 12% para 55%. Um padrão semelhante surgiu do Reino
Unido com sua “Commonwealth”, a França com suas colônias e a
Alemanha com seus amigos na Europa oriental e meridional, além da
América Latina.
Esta foi a ruína sobre a qual Lacarte e seus colegas foram
obrigados a se estruturar. Para reparar o dano e minimizar o perigo
de futuras guerras comerciais, eles buscaram criar uma instituição
multilateral que, ao mesmo tempo, abriria mercados e limitaria a
capacidade de os governos restringirem importações no futuro. Sob
o novo sistema, as tarifas seriam reduzidas e também “consolidadas”,
isto é, os países prometeriam nunca elevá-las acima de determinados
níveis. Cada nação especificou números precisos para as consolidações
tarifárias que manteria sobre cada mercadoria a ser coberta, o que
incluía autopeças, ácidos, arame farpado, caixas registradoras,
frutas, cola, joias, bebidas alcoólicas, sabão, aço, tratores e dezenas
de outros produtos. Na base do sistema figurava o compromisso de
todas as nações participantes de cumprir determinados princípios
fundamentais. O primeiro, e mais importante, era que as nações que
aderissem ao novo acordo estenderiam o tratamento de Nação Mais
Favorecida (NMF) umas às outras, isto é, elas teriam que tratar os
produtos de todos os participantes de maneira não discriminatória.
Se, digamos, os Estados Unidos fixassem sua tarifa sobre caixas
registradoras vindas da Grã-Bretanha em 15%, teriam de impor o
mesmo imposto sobre caixas registradoras vindas da França, Austrália
ou Uruguai. (Algumas exceções foram permitidas, principalmente em
relação a medidas de segurança nacional, áreas de livre comércio e
países que desejassem dar um tratamento especialmente favorável
a mercadorias vindas de suas colônias e ex-colônias). Os países de
fora do sistema – a União Soviética era o exemplo principal – não
gozariam dessas proteções e as tarifas sobre suas mercadorias seriam
fixadas em qualquer nível. Porém, para os participantes, o tratamento
de NMF era, ao mesmo tempo, um direito e uma responsabilidade.
E os participantes também concordaram com outro princípio-chave,
o tratamento nacional, o que significava que eles tinham de tratar
de forma igual as mercadorias importadas e as produzidas no país,
pelo menos depois que as mercadorias estrangeiras entrassem em
seus mercados. Em outras palavras, apesar de um país poder impor
61
paul blustein
impostos sobre importações, ele não poderia impor leis e regulamentos
sobre mercadorias estrangeiras diferentes dos aplicáveis a mercadorias
produzidas internamente.
O sistema finalmente implementado não foi nem de perto tão robusto
quanto os fundadores esperavam que fosse. Um plano aprovado em
Havana para uma instituição forte, intitulada Organização Internacional do
Comércio (OIC), teve sua concretização interrompida quando o Congresso
norte-americano, por suspeitas então crescentes em relação a organizações
mundiais, recusou-se a aprová-lo. O que sobreviveu a essa controvérsia foi
um acordo mais esquemático, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT), assinado por vinte e três países em 1948. O GATT foi um conjunto
de regras, não uma organização, de forma que os países participantes não
poderiam reclamar o status oficial de “membros”. Foram descritos como
“partes contratantes” (um termo que vinha sempre em letras maiúsculas
nos documentos oficiais) e, quando o GATT atuava, nunca o fazia em seu
próprio nome, mas sim, no das “PARTES CONTRATANTES”.
Não obstante, o GATT, cuja Secretaria estabeleceu sede em Genebra,
cumpriu muitas das metas-chave que os fundadores tinham vislumbrado,
inclusive no que se refere aos cultuados princípios de NMF e de tratamento
nacional. Isso significava que o mundo não comunista tinha se engajado
numa grande marcha rumo a um comércio internacional mais aberto.
Foi aqui, nessa grande marcha, que o livre comércio e o mercantilismo
se uniram num tipo de convergência harmônica: os países concordaram
em baixar suas barreiras sob a condição de que os parceiros comerciais
baixariam as suas também. Governos que poderiam de outra forma resistir
a cortes de tarifas por medo de ofender indústrias domésticas poderosas
ficaram inclinados a unir-se a exercícios de liberalização comercial entre
os países porque seus exportadores estavam ávidos por acesso a mercados
estrangeiros, o que, por sua vez, possibilitou mobilizar maiorias políticas
em prol de um comércio mais livre.
A grande marcha pareceu às vezes mais com uma difícil caminhada,
pois consistiu em uma série de rodadas que envolviam negociações longas
e árduas. Apesar de o GATT ter elaborado procedimentos de votação,
na prática, o consenso era necessário, e mais países foram se juntando
ao longo dos anos.
O acordo inicial do GATT reduziu as tarifas dos vinte e três
participantes em quase 20%. Depois, seguiram-se quatro rodadas nas
62
a organização intergaláctica do comércio
décadas de 1940, 1950 e início da década de 1960, que baixaram as
tarifas um pouco mais. Nesse período, os Estados Unidos fizeram a
maior parte da liberalização comercial de modo a ajudar a recuperação
das economias de seus aliados da Guerra Fria. De 1964 a 1967, os
países participantes – agora em número de 62 – negociaram a Rodada
Kennedy, batizada com o nome do presidente dos Estados Unidos que
havia desempenhado um papel importante no seu lançamento. Essa
negociação reduziu tarifas sobre produtos manufaturados em mais
35%. Na Rodada Tóquio, negociada de 1973 a 1979 entre cerca de cem
países, as tarifas industriais foram cortadas mais uma vez, em cerca
de um terço. Além disso, essa rodada incluiu vários acordos visando
evitar que os países fizessem uso de práticas desleais para bloquear
importações e que concedessem vantagens às suas exportações.
Os acordos foram considerados necessários porque vários países
estavam subsidiando seus exportadores, impondo requisitos de
licenciamentos onerosos sobre importadores e supostamente usando
regulamentos referentes a saúde, segurança e meio ambiente de forma
discriminatória contra produtos estrangeiros. No entanto, apenas um
número relativamente pequeno das partes contratantes assinou esses
acordos. Os países eram livres para escolher, ao estilo à la carte, os
códigos aos quais subscreveriam.
A grande marcha não foi apenas lenta e árdua . Ela evitou quase por
completo passar por determinadas áreas importantes do terreno.
Como preço político por concordar com os cortes de tarifas da
Rodada Kennedy, os Estados Unidos insistiram em proteger sua indústria
têxtil e de vestuário, que era uma força dominante nos estados do sul
e controlava membros poderosos do Congresso oriundos dessa região.
Começando no final da década de 1950 com limites sobre importações
de artigos de algodão fabricados no Japão, Washington foi aos poucos
estendendo essas restrições a roupas, tecidos, toalhas, lençóis e todo
tipo de outros produtos têxteis – lã, algodão, poliéster, nylon – vindos
de outros países. O resultado foi uma exceção massiva aos princípios do
GATT, na medida em que os países ricos estabeleceram um sistema de
quotas que limitava suas importações vindas de determinadas nações.
O sistema especificava, por exemplo, o valor máximo de travesseiros
que o Paquistão poderia expedir para o mercado norte-americano ou
quantos pares de meias de algodão poderiam entrar nos EUA vindos de
63
paul blustein
Honduras ou a quantidade de lenços feitos de fibras artificiais que Hong
Kong poderia exportar para a Europa.
A agricultura também ficou de fora das regras do GATT, inicialmente
por causa de um pedido dos Estados Unidos na década de 1950 e mais
tarde por causa da insistência da Comunidade Europeia em proteger seus
agricultores. Ademais, à medida que as barreiras foram caindo em relação
à maioria dos produtos manufaturados, alguns setores prejudicados
seriamente pelas importações – a indústria siderúrgica norte-americana
sendo o caso mais patente – fizeram um uso eficaz de dispositivos legais
especiais que ajudaram a afastar os concorrentes estrangeiros, pelo menos
temporariamente. Esses dispositivos incluíam leis antidumping, que dão
direito a um governo de impor altas tarifas sobre importações vendidas
a preços deslealmente baixos, e leis de “salvaguardas”, que permitem a
imposição de impostos para proteger uma indústria doméstica ameaçada
por um repentino surto de importações.
E ainda havia os países em desenvolvimento. Muitos deles adotaram
a “política Greta Garbo” – uma referência à atriz sueca conhecida pela
frase “Quero ficar sozinha”.
As décadas de 1950, 1960 e 1970 foram o apogeu do Movimento
de Países Não Alinhados, do Grupo dos 77, e de outras coalizões
do terceiro mundo. Depois de finalmente desbancar o colonialismo
ocidental, esses países visavam alcançar independência econômica
em relação às potências industrializadas, com base em um modelo de
desenvolvimento impulsionado pelo Estado e calcado na resistência
à invasão de empresas multinacionais americanas e europeias. Seus
líderes – Jawaharlal Nehru da Índia, Gamal Abdel Nasser do Egito,
Sukarno da Indonésia, Kenneth Kaunda de Zâmbia – nacionalizaram
indústrias e imitaram algumas estratégias ao estilo soviético, como planos
quinquenais, evitando, ao mesmo tempo, colocar-se sob o controle de
Moscou. Eles não liberalizavam seus regimes de comércio na mesma
medida em que os países ricos estavam fazendo. Insistiam no tratamento
“especial”, “diferenciado” e “mais favorável” que os isentava, em grande
parte, de reduções de tarifas adotadas pelas nações industrializadas nas
negociações do GATT. Seguindo a teoria da substituição de importações,
especialmente popular na América Latina, apoiavam indústrias nacionais
para fabricação de produtos para consumo local, resguardando-as atrás
de altos muros protetores dos ventos gelados da concorrência estrangeira.
64
a organização intergaláctica do comércio
Nesses países, as tarifas eram tão exorbitantes para quase todos os itens
manufaturados internamente que os preços desses produtos eram em
geral o dobro ou o triplo do nível mundial.
Os países ricos permitiram que isso continuasse assim, mesmo ao
baixarem suas próprias barreiras. Também permitiram que países de
baixa renda se excluíssem de muitos dos códigos individuais do GATT
e de outras obrigações. Eles fizeram isso em parte porque queriam evitar
que os países em desenvolvimento se juntassem ao bloco comunista e em
parte porque os mercados dos países em desenvolvimento da América
Latina, África e Ásia não pareciam, de qualquer forma, muito lucrativos
de seu ponto de vista.
Ao se livrarem das regras do sistema, os países em desenvolvimento
podiam muito bem definir suas próprias trajetórias econômicas, mas
pagaram um preço. Sempre que chegava a hora de escrever as regras, eles
normalmente ficavam do lado de fora da sala – de uma sala em particular.
[*]
Os olhos de Arif Hussain brilham quando ele se lembra da Sala
Verde (Green Room). Um ex-funcionário civil indiano que entrou para o
Secretariado do GATT em 1984, Hussain até guardou os móveis antigos
da Sala Verde numa salinha em frente a seu escritório no Centro William
Rappard. A sala foi batizada pela cor de mau gosto (“verde cor de vômito
de bode”, como descreve um dos ex-colegas de Hussain) do papel de
parede e do tecido de forração que ornava suas paredes e cadeiras. Era
a sala de conferências do diretor-geral, que ficou famosa nos círculos
ligados ao comércio como o local de reunião para representantes de um
grupo seleto de países poderosos, normalmente cerca de vinte, a convite
de Arthur Dunkel, diretor-geral de 1980 a 1993.
“Havia um monte de fumaça de charuto e cigarro no ar”, recorda-se
Hussain. “Os negociadores debatiam documentos e minutas, tudo regado
a vinho e sanduíches à vontade”. A ideia era criar um ambiente adequado
para se chegar a acordos que pudessem ser vendidos a todos os países
participantes do GATT. Apesar de a Sala Verde hoje não ser mais verde –
ela foi elegantemente decorada com lambris nas paredes, quadros de arte
moderna e uma mesa oval de madeira polida –, nem a tradição nem o
termo desapareceram com o tempo. “Salas verdes” são com frequência
65
paul blustein
organizadas sob os auspícios da OMC – o termo aparecerá várias vezes
neste livro – e consistem em pequenos grupos de negociadores que
tentam estabelecer compromissos importantes num formato de tamanho
administrável antes que todos os membros da OMC os analisem.
“Clube de cavalheiros ingleses” é a expressão que veteranos como
Hussain com frequência usam para descrever a atmosfera dos velhos
tempos no Centro William Rappard, para onde o GATT se mudou em
1977. Sob um acordo tácito, o diretor-geral era sempre um europeu,
tipicamente um diplomata refinado. Era um tempo mais simples, em
que países em desenvolvimento ficavam bem satisfeitos em deixar que
países mais ricos tomassem a dianteira nas rodadas comerciais, desde
que, é claro, as nações em desenvolvimento pudessem preservar seu
tratamento especial e diferenciado. “Não obedeça, porém tampouco
faça objeções”, era o princípio que seguiam. Embora o Brasil e a Índia
fossem normalmente incluídos nas salas verdes por causa da posição
de liderança que ocupam no mundo em desenvolvimento, o objetivo
principal de ambos era garantir que ficassem de modo geral dispensados
de quaisquer regras que os ricos inventassem.
De fato, a maior parte das decisões mais importantes tomadas
em quase toda a história do GATT foi produto de acordos discutidos
exaustivamente entre as duas maiores economias, os Estados Unidos
e a União Europeia (anteriormente conhecida como Comunidade
Europeia).1 Outros países industrializados participaram de reuniões-chave, principalmente o Japão e o Canadá, cujos ministros do Comércio
se encontravam periodicamente com os de Washington e Bruxelas,
formando o QUAD, um tipo de comitê diretor para o sistema multilateral
de comércio. Contudo, um discurso proferido por Pascal Lamy durante
seu mandato como comissário de Comércio europeu descreve, com um
toque de exagero, a dominação pelos americanos e europeus: “Nos velhos
tempos, conseguir que uma nova Rodada fosse lançada e de fato acordada
era simplesmente uma questão de alinhar os objetivos da União Europeia
Os países-membros da Comunidade Europeia eram “partes contratantes” do GATT e, como
membros da União Europeia, ainda fazem parte da OMC. Mas como cederam o controle de
grande parte de suas políticas comerciais para a Comissão Europeia (o órgão executivo do
bloco), eles têm sido representados em Genebra e em quase todas as reuniões do GATT e da
OMC por autoridades da comissão. Os países-membros exercem influência sobre o comissário
de Comércio por meio do Conselho de Ministros e de outras instituições.
1
66
a organização intergaláctica do comércio
e dos EUA. Bastava evitar alguma rixa aqui e ali sobre agricultura, obter
a anuência do resto do mundo e pegar o próximo voo de volta para casa”.
Por mais que o sistema do GATT tenha sido construído de maneira
pouco sólida e às pressas, ele resultou numa dissolução gradual de
muitos obstáculos ao comércio. As tarifas médias impostas por nações
industrializadas sobre produtos manufaturados despencaram de 35%
para 6,5% até meados de 1980 em consequência dos acordos do GATT.
Os economistas em geral creditam essa tendência ao fornecimento de
uma plataforma sólida para o crescimento do comércio internacional que
ajudou a aumentar a produtividade e revigorar economias no mundo livre
durante a segunda metade do século XX.
Contudo, em meados da década de 1980, o sistema do GATT estava
em sérios apuros, perdendo credibilidade e sendo cada vez mais visto
como ineficiente – com toda razão.
Imagine um tribunal em que uma pessoa pudesse ser acusada de um
crime e considerada culpada, mas que pudesse, antes de ser mandada
para a prisão, levantar-se e anunciar: “Estou exercendo o meu direito
de anular o veredito”, e sair andando livremente. O sistema de solução
de controvérsias do GATT às vezes funcionava assim. Se, digamos,
a República da Freedonia acreditasse que suas exportações estavam
enfrentando obstáculos desleais no Reino da Sylvania, ela poderia
encaminhar o caso a um tribunal de peritos em direito comercial
especialmente selecionados. E, se o tribunal concordasse que Sylvania
estava infringindo as regras do GATT, poderia ordenar que Sylvania
mudasse suas práticas ou enfrentasse uma punição, punição esta que
normalmente consistia em permitir que Freedonia aumentasse tarifas
a níveis punitivos sobre alguns produtos de Sylvania. Mas uma brecha
estranha permitia que os países se esquivassem desse mecanismo. A
decisão do tribunal poderia ser subvertida se apenas um membro do
GATT – inclusive o país infrator – apresentasse uma dissensão. De fato,
um país acusado como Sylvania poderia evitar que o caso fosse sequer
levado a audiência, porque o consenso total entre os participantes do
GATT era necessário a cada passo do processo, inclusive a nomeação
do tribunal, a decisão do tribunal e a imposição de sanções. Essas regras
com frequência levavam a atrasos absurdamente longos, nos quais os
países se recusavam por meses, ou até anos, a permitir que processos
contra eles prosseguissem.
67
paul blustein
O GATT era então de muitas formas inofensivo e esse fato ajudou
a inflamar o sentimento protecionista em Washington, principalmente à
medida que aumentava, no final das décadas de 1970 e 1980, a ansiedade
acerca do aparente declínio na competitividade dos EUA. O elevado
déficit comercial norte-americano, a suposta invencibilidade da pujante
indústria japonesa e a pirataria crescente de filmes e discos americanos
convenceram muitos políticos e comentaristas de que as práticas desleais
de estrangeiros estavam dificultando as condições de concorrência para
as empresas e trabalhadores norte-americanos. Os falcões do comércio
argumentavam que a América tinha que resolver a situação por sua própria
conta, porque o GATT era incapaz de remediar o problema. Legisladores
de ambas as partes se alinharam por trás da legislação, aprovada em
1988, que endureceu os requisitos para o representante de Comércio
dos EUA impor sanções sobre países que fizessem uso de práticas
“injustificáveis e desarrazoadas” contra as exportações norte-americanas.
A Lei de Comércio de 1988, assinada pelo presidente Ronald Reagan,
fez parte de um movimento crescente para uma abordagem unilateral
para tratar controvérsias que solapou o próprio âmago dos princípios
sobre os quais o GATT tinha sido construído. O mesmo aconteceu com
os acordos assinados durante aquela década nos quais o Japão prometeu
limitar suas exportações de automóveis e de determinados produtos
para os Estados Unidos – negociações que eram oficialmente intituladas
“restrições voluntárias a exportações”, mesmo que fosse óbvio que a
participação de Tóquio era o resultado involuntário de ameaças feitas pelo
Congresso no sentido de impor tarifas protecionistas. O compromisso de
Washington com o multilateralismo pareceu desvanecer-se ainda mais
com a conclusão, também em 1988, do acordo de livre comércio dos
EUA com o Canadá, seguido logo depois pela abertura de negociações
por um acordo semelhante com o México.
“O GATT está morto”, proclamou Lester Thurow, diretor da Escola
Sloan de Administração do M.I.T. em 1989. O escárnio em relação à
instituição ganhou vida nova quando os Estados Unidos caíram em
recessão no início da década de 1990. Laura D’Andrea Tyson, economista
formada pela Universidade da Califórnia em Berkeley, que se tornaria
a primeira consultora-chefe para assuntos econômicos do presidente
William J. “Bill” Clinton, publicou um livro em 1992 declarando que
“em sua forma atual, [o GATT] é quase totalmente irrelevante” para
68
a organização intergaláctica do comércio
as preocupações comerciais mais prementes dos Estados Unidos; ela
defendia uma política que “às vezes envolveria um unilateralismo
agressivo”.
Para os debilitados defensores do multilateralismo, a salvação
vinha sob a forma de uma ideia, concebida por um americano, mas que
enfrentaria resistência de seu governo até o último momento.
[*]
John Jackson reconheceu no livro que escreveu em 1990 que
estava apresentando sua proposta “sob o risco... de parecer irrealista ou
‘idealista’ demais”. Professor da Faculdade de Direito da Universidade
de Michigan, Jackson se interessara pelo GATT na década de 1960 e
passara alguns meses trabalhando no Secretariado em Genebra. Depois
de escrever um famoso tratado sobre direito do comércio internacional,
ele chamou atenção do governo Nixon, que almejava tê-lo como consultor
jurídico geral do Escritório do Representante de Comércio dos Estados
Unidos. “Definitivamente não sou republicano”, disse Jackson, “e eles me
perguntaram se eu tinha aderido a algum abaixo-assinado contra a Guerra
do Vietnã em Michigan. Para falar a verdade, eu tinha sim. Portanto,
num primeiro momento, assumir o cargo estava fora de cogitação. Mas,
depois da eleição de 1972, eles decidiram me sondar de novo e consegui o
cargo”. Muito preocupado com os problemas que via ameaçando o GATT,
Jackson causou muito alarde no retorno à academia no final da década
de 1970, ao assinar um artigo intitulado The Crumbling Institutions of
the Liberal Trade System [O esfacelamento das instituições do sistema
liberal de comércio]. Cerca de doze anos depois, teve a oportunidade de
desempenhar um papel importante na solução.
Grandes mudanças estavam a caminho. Ministros do Comércio de
72 países tinham se reunido em setembro de 1986 no balneário uruguaio
de Punta Del Este. Lá tinham lançado a Rodada Uruguai, que visava não
apenas reduzir as barreiras comerciais, mas também expandir o escopo
do pacto para novas áreas, em particular, serviços, agricultura e proteção
da propriedade intelectual. Como defensor do multilateralismo, Jackson
queria que a rodada tivesse sucesso, mas temia que ela causasse ainda
mais problemas para o GATT, que já estava repleto de códigos e tratados
específicos sobre questões que iam de aeronaves civis a subsídios e
69
paul blustein
a licenciamento de importações. Então, no livro de 1990, ele propôs
substituir o “arcabouço fraco” do GATT por uma “instituição que poderia
ser chamada por vários nomes, que eu designaria (para simplificar) de
Organização Mundial do Comércio (OMC)”. Além de proporcionar uma
superestrutura que pudesse coordenar todos os vários acordos, a nova
organização vislumbrada por Jackson teria um sistema mais forte de
solução de controvérsias, acabando com os vetos impostos pelas partes
perdedoras.
O ministro do Comércio canadense, John Crosbie, ficou animadíssimo
com a ideia e propôs formalmente que a OMC fosse criada como parte
de um acordo final da Rodada Uruguai. Os europeus também ficaram
entusiasmados. Anteriormente tinham se posicionado firmemente contra a
ideia de mudar o sistema de solução de controvérsias, mas agora queriam
uma nova organização global forte, na esperança de que ela impedisse os
Estados Unidos de seguir no caminho do unilateralismo. Bruxelas tinha
a grande preocupação de que o nome fosse “Organização Multilateral
de Comércio” – ou “OMC”. Presidindo o comitê de negociadores que
estavam analisando essas questões institucionais – num realce à sua
condição de fundador – estava Julio Lacarte, do Uruguai.
Os Estados Unidos estavam cautelosos. Formuladores de políticas
do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos
temiam incitar o mesmo tipo de oposição no Congresso que tinha
levado a OIC à ruína quarenta anos antes. Afinal, uma organização
mais robusta armada com um rígido mecanismo de imposição de regras
poderia restringir a liberdade de ação de Washington em matéria de
comércio e provavelmente suscitaria novas críticas por parte de pessoas
preocupadas com a erosão da soberania norte-americana. Mesmo assim,
os negociadores norte-americanos defendiam um sistema internacional
mais forte para solução de controvérsias e achavam que poderiam usar a
proposta de OMC como moeda de troca na Rodada Uruguai – em outras
palavras, concordariam com ela sob a condição de receber concessões
em outras áreas. Nos bastidores, prolongavam-se os debates sobre o
melhor nome. “Havia muitas piadas, porque não gostávamos do nome
‘Organização Multilateral de Comércio’”, lembra-se Rufus Yerxa,
representante adjunto de Comércio dos Estados Unidos no governo
Clinton. O pessoal dizia: “Vamos chamá-la de Organização Cósmica de
Comércio. Não, Organização Intergaláctica de Comércio!”.
70
a organização intergaláctica do comércio
Uma grande barganha estava se formando. Apesar de estarem levando
anos para chegar a um desfecho – as negociações da Rodada Uruguai
eram um verdadeiro atoleiro –, as linhas mestras do acordo começaram
a tomar uma forma clara no início da década de 1990, graças, em parte,
a uma proposta ousada apresentada em 1991 pelo diretor-geral Arthur
Dunkel num lance para vencer o impasse.
Os Estados Unidos e outras nações ricas, inclusive as da Europa,
queriam muito modernizar as regras do comércio internacional
estendendo-as a setores em que o mercado estava crescendo rápido, como
serviços, e áreas em que os conflitos estavam aumentando – direitos de
propriedade intelectual em particular. Algumas das empresas ocidentais
mais dinâmicas eram líderes mundiais em ramos como produtos
farmacêuticos, bancos e cinema e seus governos esperavam obter novas
proteções para operações no exterior dessas empresas. Washington
também estava ávido por obter maiores oportunidades de exportação
para agricultores norte-americanos altamente competitivos. Os europeus
queriam, entre outras coisas, a “OMC”.
Nesse ínterim, uma mudança de paradigma no mundo todo estava
atraindo como nunca os países em desenvolvimento para as negociações.
O comunismo tinha desmoronado, com a Rússia e muitos de seus satélites
acolhendo livres mercados. A ascensão espantosa das economias dos
“tigres” asiáticos – Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura –
também estava transformando modos de pensar. Muitos países em
desenvolvimento estavam abandonando seus antigos modelos baseados
em forte controle governamental e na substituição de importações,
que pareciam deixá-los atolados em estagnação econômica, e estavam
reduzindo unilateralmente barreiras comerciais na esperança de que
mercados mundiais lhes trouxessem salvação. O Brasil, por exemplo,
reduziu suas tarifas médias de 57,5% em 1987 para 13% em 1993 e a
Argentina cortou suas tarifas médias de 40% para cerca de 9% (apesar
de ambas as nações terem mantido tarifas consolidadas muito mais
elevadas – isto é, os tetos que eram legalmente obrigados a honrar sob os
compromissos do GATT). Esses países queriam novas regras vantajosas
nas áreas de comércio de seu interesse e estavam prontos a barganhar
para obtê-las.
No topo das prioridades dos países em desenvolvimento estavam os
dois setores que as nações ricas tinham retirado do sistema do GATT –
71
paul blustein
agricultura e têxteis. Agricultores e fabricantes de roupas da América
Latina, Ásia e África podiam vender mais barato que seus rivais do mundo
industrializado. Assim sendo, seus governos buscavam um fim para os
enormes obstáculos que os impediam de ter total acesso a mercados dos
países ricos, em particular as complicadas quotas que limitavam suas
exportações de têxteis.
A situação chegou a um ponto decisivo em meados de dezembro
de 1993. Era potencialmente o maior acordo comercial da história,
sendo o destino da proposta de John Jackson apenas uma das questões
pesando na balança. Todo mundo sabia que Peter Sutherland, o vigoroso
político e advogado irlandês que tinha se tornado diretor-geral do GATT
em julho, estava falando sério ao fixar 15 de dezembro como data
limite, “impreterivelmente”, para concluir as negociações. “Chega de
prorrogações”, advertiu Sutherland. Desta vez, a Rodada Uruguai seria
declarada morta se os negociadores fracassassem novamente em fazer
os acordos necessários. Com a aproximação de um cenário de “fim de
jogo” (endgame), isto é, do momento decisivo do processo negociador,
todos os olhos se fixaram sobre dois homens que tinham uma coisa em
comum – a origem judaica lituana – e quase mais nada.
Magro, quase descarnado, Mickey Kantor, que era representante de
Comércio dos Estados Unidos, fala com um leve sotaque do Tennessee
(ele é natural de Nashville) e ganhou renome como advogado inflexível
de Los Angeles e político democrata atuante na mesa de negociações.
Sua corpulenta contraparte da Comissão Europeia, Sir Leon Brittan, tinha
propensão a adotar um tom filosófico em seu belo sotaque britânico ao
falar de assuntos complexos – uma habilidade que o conservador Sir
Leon tinha adquirido em seus dias como presidente do Grêmio Estudantil
em Cambridge. Seus predecessores já tinham avançado na resolução de
alguns assuntos espinhosos, principalmente ao fechar um acordo agrícola
no final de 1992 no qual os europeus concordaram em restringir subsídios
para exportações de produtos agrícolas. Porém, como normalmente
acontece em grandes negociações, muitas concessões foram guardadas
para o final, fazendo com que várias questões continuassem pendentes.
Nos três primeiros dias de dezembro de 1993, Kantor e Brittan chegaram
com esforço a um pacto em Bruxelas que refinava os termos do acordo
agrícola e depois viajaram de avião para Genebra para continuar a lidar
com outras questões.
72
a organização intergaláctica do comércio
Os hotéis em Genebra foram ficando cada vez mais lotados de
negociadores e lobistas à medida que a data limite de 15 de dezembro se
aproximava. Os serviços de limusines e táxis da cidade funcionavam sem
parar e os restaurantes mais sofisticados serviam quantidades substanciais
de fondue para multidões em jantares caros. Um acordo de tirar o fôlego
estava em jogo.
Dessa vez, os cortes de tarifas sobre produtos manufaturados eram só
uma pequena parte do pacote. Mas havia, sim, algumas reduções pesadas
nas tarifas. As nações industrializadas eram encorajadas a reduzir seus
impostos de importação em dois quintos, até chegar a uma média de
3,8%. Porém, outros elementos eram bem mais importantes. Os países
ricos ganhariam um novo sistema completo de regras para proteger
patentes e direitos autorais no mundo todo, além de regras aplicáveis
ao comércio internacional no pujante setor de serviços. Os países em
desenvolvimento obteriam a eliminação de quotas de têxteis por um prazo
de dez anos e tarifas e subsídios agrícolas finalmente ficariam sujeitos a
limites no mundo todo. O pacote incluía vantagens demandadas também
por outros participantes, como regras que regem os direitos de países
imporem tarifas antidumping e uma interdição a restrições “voluntárias”
a exportações. O Japão e a Coreia do Sul, que tinham se recusado
resolutamente a abrir seus mercados de arroz, por fim, sucumbiram, no
início de dezembro, à pressão de Washington e concordaram em permitir
uma quantidade muito limitada de importações. Tumultos irromperam
em Seul e o primeiro-ministro foi forçado a renunciar ao prometer que
1% do mercado coreano de arroz, subindo ao longo do tempo para 4%,
seria aberto a estrangeiros.
Como se não fosse o bastante, o resultado das negociações consistiria
em um “pacote único” (single undertaking). Em outras palavras, em
vez da abordagem à la carte usada na Rodada Tóquio, quando países
poderiam escolher quais dos vários códigos gostariam de aceitar, todos
os países participantes da Rodada Uruguai teriam de aceitar o acordo
na íntegra (apesar de que os países em desenvolvimento teriam de novo
um tratamento mais leniente, como cortes menores de tarifas e períodos
de transição mais longos do que os países ricos). De fato, todas as
nações-membros se vinculariam a acordos anteriores do GATT, inclusive
quase todos os que eram antes opcionais. Assim, as regras passaram
a ser aplicadas a todos os países, abrangendo questões como as leis e
73
paul blustein
os regulamentos que os governos poderiam impor em relação à saúde,
segurança e meio ambiente – a ideia era coibir o uso discriminatório do
poder governamental contra importações.
Um tema bastante contencioso ainda ameaçava arruinar as
negociações. Os europeus insistiam em proteger sua indústria
cinematográfica doméstica mantendo limites estritos sobre o número de
filmes estrangeiros transmitidos em suas redes de televisão. O presidente
Clinton tinha prometido a chefões de Hollywood – entre eles alguns dos
maiores doadores de sua campanha – que ele daria prioridade máxima ao
objetivo de fazer com que a Europa desistisse desses limites. O poderoso
presidente da Associação de Cinema da América (Motion Pictures
Association of America – MPAA), Jack Valenti, levou um pequeno
exército de residentes de Hollywood para Genebra, demonstrando o
quão empenhada a indústria cinematográfica norte-americana estava
nessa questão.
O confronto final se desenrolou do outro lado da rua do Centro William
Rappard, na missão norte-americana, onde Kantor e Brittan – já exaustos
dos muitos dias e noites de debates praticamente ininterruptos – continuaram
varando a noite até a madrugada de 14 de dezembro. No andar de cima,
estavam Valenti e seus confrades da indústria do cinema, que se reuniam
constantemente com os negociadores norte-americanos, instando-os a
assumir uma postura rígida. Porém, com o governo francês radicalmente
oposto às demandas norte-americanas, Sir Leon recusou-se a ir além de
ceder em alguns poucos pontos de menor importância.
Um Kantor pálido e abatido se reuniu com a equipe negociadora
dos EUA por volta de 4h da manhã de 14 de dezembro para dizer-lhes
que tinha sido “emparedado” e que, com apenas um dia sobrando antes
que o machado caísse sobre a Rodada Uruguai, ele teria de telefonar
para o presidente para saber o que fazer. Expulsou os outros da sala
e ligou para Clinton em Boston. “Disse-lhe: ‘Na minha opinião, essa
história de cinema não é tão importante assim, porque Hollywood vai
dominar o mercado mundial de qualquer forma, independentemente
dos regulamentos dos europeus”, recorda-se Kantor, acrescentando
que Clinton concordou, mas solicitou-lhe que telefonasse para Lew
Wasserman, que dirigia o estúdio Music Corporation of America (MCA)
e, aos oitenta anos, era o poderoso chefão da indústria cinematográfica.
“Então”, continuou Kantor:
74
a organização intergaláctica do comércio
Telefonei para Lew, por volta de 19h em Los Angeles. Contei-lhe o que
estava acontecendo. Ele me disse: “Mickey, esse não é o maior acordo
comercial de todos os tempos?” Respondi: “É, sim”. Ele replicou: “É do
interesse do nosso país?”. Respondi: “É, sim”. Ele disse: “Essa coisa [de
cinema] não importa. Vamos dominar esse mercado de qualquer jeito.
Eles não podem nos manter afastados da Europa. A tecnologia [como
as fitas de vídeo] tornará impossível para eles fazerem isso”. Então ele
disse: “Vá com Deus”.
No dia seguinte, às 19h35, o som do martelo de mogno batido
pelo diretor-geral Sutherland marcou o fim das negociações da Rodada
Uruguai, suscitando comemorações e abraços entre os representantes
das 117 nações participantes.
Mas o que houve com a proposta de John Jackson? Ela tinha sido
resolvida naquela manhã, a última questão tratada nas conversações,
tendo os Estados Unidos aceitado a ideia sob a condição de que o nome da
organização fosse “Organização Mundial do Comércio”. Essa definição
chegou tão tarde que o texto divulgado à imprensa continha o nome
preferido dos europeus, assim como as reportagens sobre o acordo nos
mais importantes jornais do mundo. O New York Times publicou em sua
edição de 15 de dezembro de 1993: “Uma nova agência internacional, a
Organização Multilateral de Comércio, substituirá o GATT”.
[*]
Quem sabe um dia os historiadores olharão em retrospecto para
o Primeiro Dia do Ano de 1995 como sendo o zênite da globalização
econômica. Nesse dia, diante de flashes de câmeras fotográficas e filmagens
de videoteipes, foi retirada a placa ostentando as palavras “Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio” na entrada do Centro William Rappard. Em
seu lugar, foi posta uma placa com a inscrição “WTO/OMC”, as siglas
referentes a World Trade Organization/Organisation Mondiale du
Commerce, o nome do órgão em inglês e francês.
A cerimônia ocorreu numa época em que o princípio da liberalização
comercial entre nações estava em alta no mundo inteiro, tal como
evidenciado por uma série de rápidos eventos ocorridos durante um
período notável pouco antes da mudança de placas em Genebra.
75
paul blustein
Três semanas antes, em Miami, Flórida, acontecera o que Clinton
chamou de “um momento mágico” – a Cúpula das Américas, reunindo
líderes de 34 países do Hemisfério Ocidental. O astro da salsa Tito Puente,
cantores de reggae da Jamaica, o saxofonista Kenny G, o Grande Balé
Folclórico do México e percussionistas brasileiros tocando pandeiros
encantaram os participantes da conferência e os 4.000 VIPs que assistiram
a uma queima de fogos de artifício. Para os chefes de Estado, houve um
jantar de gala num iate de duzentos pés que navegava pela Baía Biscayne.
O espetáculo celebrava o pacto dos líderes em torno da meta de 2005 de
criar uma zona de livre comércio estendendo-se do Ártico canadense até
a Terra do Fogo. A ideia era efetivamente ampliar a NAFTA que, após
ser aprovado no Congresso em meio a acalorados debates em 1993,
tinha eliminado a maior parte das barreiras comerciais entre os Estados
Unidos, o Canadá e o México.
Cerca de um mês antes da Cúpula das Américas, em meados de
novembro de 1994, ocorrera uma reunião do fórum de Cooperação
Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC, na sigla em inglês) em Bogor,
na Indonésia, em que Clinton e 17 outros líderes pousaram para fotos
usando camisas de batik em tons variados de marrom, preto, bege e ocre.
Essa conferência emitiu uma declaração prometendo alcançar “livre
comércio e investimentos na Ásia e no Pacífico” até 2020.
As promessas feitas em ambas as conferências – a do Hemisfério
Ocidental e a da Ásia e do Pacífico – podiam ser consideradas como
retórica vazia ou mero simbolismo. Não obstante, eram um sinal
espantoso de avanço contínuo do capitalismo ao redor do mundo
após a queda do Muro de Berlim. A importância das declarações não
estava em seus pontos específicos, porque as implicações dependiam
fundamentalmente de decisões de seguimento que ainda estavam
pendentes. Elas não vinculavam legalmente os signatários a quase
nada. Um comércio completamente livre em regiões tão vastas era uma
meta tão ambiciosa que colocava em questão sua própria credibilidade.
Já em Bogor, os japoneses, juntamente com os sul-coreanos e os
taiwaneses, sugeriram tranquilamente que o “escopo” do plano da
Ásia e do Pacífico teria de ser limitado em futuras reuniões, uma
forma indireta de dizer que estavam determinados a excluir o arroz e
outros produtos agrícolas sensíveis de novas ameaças de penetração
de importações. Mesmo assim, essas declarações representaram
76
a organização intergaláctica do comércio
um marco no avanço inexorável dos livres mercados que ganhara
força nos últimos seis anos. Era espantoso que entre seus signatários
estivessem países – incluindo a China, ainda nominalmente uma nação
comunista – que tinham sido líderes do Movimento dos Países Não
Alinhados e outras alianças do terceiro mundo opostas a empresas
multinacionais.
Os defensores da globalização estavam obviamente em grande
vantagem naquela época. Os acordos de livre comércio propostos
provocaram um pouco de desconforto mesmo entre vários defensores do
livre-cambismo. Não era claro qual impacto esses planos teriam sobre o
princípio de não discriminação entre membros da OMC. Mas o sistema
multilateral estava se fortalecendo imensamente. A comemoração da
nova placa de bronze na entrada do Centro William Rappard ofuscou
em importância as duas reuniões regionais.
A novata OMC não apenas tinha regras que cobriam muito mais
áreas e setores do que o GATT, a exemplo de agricultura, propriedade
intelectual, serviços e padrões de saúde, como também tinha dentes
muito mais afiados. Graças às novas regras da Rodada Uruguai relativas
à solução de controvérsias, países culpados de violar regras de comércio
internacional não podiam mais bloquear a criação de comitês ou painéis de
arbitragem para julgar esses casos ou vetar decisões adotadas contra eles.
Em troca pela renúncia ao direito de rejeitar decisões que consideravam
errôneas, os países poderiam recorrer a um recém-estabelecido Órgão
de Apelação, composto por sete membros, e cujas decisões seriam finais
e irrecorríveis. Na verdade, a OMC não poderia forçar seus membros –
que são nações soberanas – a fazer o que quer que fosse. Um membro
considerado em infração das regras da OMC poderia recusar-se a
mudar suas leis e práticas ofensivas. Mas o custo do desafio poderia ser
economicamente doloroso, dado o direito dos reclamantes vitoriosos de
impor medidas retaliatórias contra os infratores.
Isso seria equivalente a renunciar à soberania? Essa questão surgiu
durante o debate no Congresso dos EUA, em 1994, sobre a ratificação
da Rodada Uruguai. Em resposta, os defensores da nova organização
argumentaram que a renúncia a direitos soberanos nessas circunstâncias
não era maior do que, digamos, nos tratados que proíbem testes de
armas nucleares. Assim como com a maioria dos tratados e acordos
internacionais, os Estados Unidos estavam concordando com limitações
77
paul blustein
ao seu comportamento, em troca de que outros países concordassem
em fazer o mesmo. Esse argumento ajudou a garantir a aprovação no
Congresso.
A OMC estava lubrificando os trilhos sobre os quais o trem da
globalização vinha ganhando impulso. E mais ainda estava por vir.
Na segunda metade da década de 1990, grupos de membros da OMC
se juntaram para concluir acordos que liberalizavam o comércio ainda mais
em três setores específicos – tecnologia da informação, telecomunicações
e serviços financeiros. Esses chamados acordos plurilaterais não foram
assinados por todos os membros da OMC, apenas 29 nações aderiram
inicialmente ao Acordo sobre Tecnologia da Informação, por exemplo, um
número que mais tarde cresceu para setenta. Porém, os signatários eram
responsáveis por um grande volume de negócios nos setores cobertos e
prometiam estender o tratamento em bases de Nação Mais Favorecida
(NMF) a todos os outros. Por exemplo, sob o acordo de tecnologia da
informação, os países participantes concordaram em reduzir suas tarifas
a zero sobre chips de computadores, máquinas de fax, processadores de
texto e a uma ampla gama de produtos de alta tecnologia. Além disso,
concordaram em estender o mesmo tratamento de tarifa zero aos produtos
de qualquer membro da OMC, quer ele tivesse assinado o acordo ou não.
Pouco tempo após esses acordos, ocorreu uma das guinadas mais
expansivas de todos os tempos para o sistema global de comércio – o
acordo assinado pela China que a colocou no caminho para o ingresso
na OMC.
Associar-se à OMC é muito mais complicado do que simplesmente
mandar um formulário de candidatura e pagar uma taxa. Para ser
admitido, um país tem de negociar bilateralmente com qualquer membro
da OMC que queira obter alguma mudança no regime de comércio
do novo membro em potencial. Todas as mudanças acordadas são
estendidas a todos os demais membros de acordo com o princípio da
NMF. Para a China, esse processo tendia a ser transformador, porque
os Estados Unidos, mais do que qualquer outro membro da OMC,
exigiam uma transformação de cima abaixo da economia chinesa. A
estrutura econômica do país ainda guardava muitas das características
do planejamento central comunista – empresas estatais que forneciam
benefícios para toda a vida a milhões de trabalhadores; um sistema
bancário burocrático e lento criado para financiar essas empresas; e
78
a organização intergaláctica do comércio
interferência pesada do governo e autoridades do partido com poder de
restringir severamente oportunidades para estrangeiros quando isso se
adequava a seus interesses. Sob Zhu Rongji, o visionário modernizador
da China que se tornou primeiro-ministro em 1998, Pequim deixou claro
que estava preparada para desmantelar grande parte do antigo aparato
a fim de conseguir se filiar à OMC. Os chineses tinham bons motivos:
ao serem admitidos na OMC, poderiam libertar-se da ameaça de ação
unilateral contra suas exportações. Poderiam também assegurar-se de
que os Estados Unidos e outros países teriam de levar suas reclamações
contra a China aos tribunais da OMC, em vez de simplesmente ameaçar
Pequim com tarifas.
Negociações prolongadas e ásperas foram necessárias, porque os
chineses sentiam que os Estados Unidos estavam tirando vantagem da
situação para forçar demandas extremas sobre eles. Mas, em novembro
de 1999, a representante de Comércio dos Estados Unidos, Charlene
Barshefsky, e uma equipe chefiada por Zhu chegaram a um acordo.
Alguns dos pontos altos do acordo dão uma ideia da magnitude do
esforço feito pela China para garantir seu lugar na OMC: Pequim tinha
de reduzir suas tarifas-limite sobre bens industrializados a uma média de
cerca de 9% até 2005 – nível equivalente a menos de um terço dos valores
comparáveis para o Brasil, Argentina, Índia e Indonésia. A maioria das
quotas e exigências de licenciamento que restringiam importações seria
eliminada e, no setor automotivo, em que as tarifas sobre automóveis
chegavam a 100%, o imposto cairia para 25% em seis anos. Quanto à
agricultura, as tarifas médias seriam cortadas para 15% e, para algumas
mercadorias, principalmente trigo, a tarifa chegaria a quase zero para
uma quantidade significativa de importações. Em outra concessão
importante, os representantes governamentais chineses concordaram
que, num prazo de três anos, concederiam a empresas estrangeiras plenos
direitos de comercializar e distribuir produtos dentro do país, encerrando
o sistema de distribuição controlada pelo Estado que há muito limitava
a capacidade de multinacionais venderem produtos fabricados no
exterior para consumidores chineses. No segmento de serviços, a China
assumiu compromissos de abertura de mercado em mais setores do que
a maioria dos membros da OMC. Bancos estrangeiros e companhias de
seguros não ficariam mais restritos a operar em áreas muito limitadas.
Pequim também concordou em aceitar a concorrência em seu sistema
79
paul blustein
de telecomunicações, alterando substancialmente um regime regulatório
que protegia o monopólio nacional.
O “M” de “OMC” tinha uma base muito mais firme agora que a China
estava prestes a ser admitida. A ausência do país mais populoso da Terra
do quadro de membros da OMC diminuíra seu status como instituição
global. Esse problema estava para ser corrigido.
O avanço do expresso da globalização, no entanto, não prosseguiria
sem encontrar barreiras. Um retrocesso se aproximava.
80
Capítulo 3
O Mal-Estar da OMC
Todo ano, Genebra sedia uma grande feira de comércio e turismo.
Em maio de 1998, um dos convidados foi o representante oficial de
desenvolvimento econômico junto ao Porto de Seattle, Don Lorentz,
que veio ajudar a promover a cidade como destino para convenções.
Por coincidência, ele recebeu uma dica promissora sobre uma boa
oportunidade para sua cidade. A indicação veio numa recepção na casa
do embaixador dos EUA na OMC, que confidenciou a Lorentz que o
presidente Clinton ia convidar o órgão de comércio para realizar sua
próxima grande reunião ministerial nos Estados Unidos. Na qualidade de
cidade muito envolvida com comércio, Seattle era uma óbvia candidata
a abrigar a reunião.
Satisfeito por ter recebido essa informação, Lorentz viajou de volta
para casa imediatamente após o evento, em meados de maio. Se ele tivesse
ficado mais um ou dois dias e visto o que estava prestes a acontecer em
Genebra, teria amainado seu entusiasmo com uma advertência a seus
colegas em Seattle de que essa enigmática organização estava atraindo
problemas feito um imã.
Uma série de manifestações quase sempre violentas abalou Genebra
de 16 a 19 de maio. Entoando o bordão “A OMC mata as pessoas.
Matem a OMC”, uma multidão de cerca de 5.000 pessoas se reuniu nas
ruas da cidade, com alguns grupos se engajando em atos violentos que
81
paul blustein
envolveram quebra de janelas, grafitagem com spray e lançamento de
bombas de tinta. O carro que pertencia ao embaixador jamaicano foi
virado.
Os protestos visavam estragar as celebrações do quinquagésimo
aniversário do sistema multilateral de comércio. Para marcar a ocasião,
a OMC estava recebendo uma reunião de líderes de todas as partes do
mundo, inclusive Clinton. O objetivo principal era fazer um balanço geral
do funcionamento do sistema nesse meio século, na esperança de que isso
levasse as nações-membros da OMC a aspirações ainda mais elevadas.
No tocante aos incentivadores do sistema, homenagem, e não
protesto, estava na ordem do dia nesse Jubileu de Ouro. Numa coluna
intitulada Why Liberalization Won [Por que a liberalização venceu],
Martin Wolf do jornal Financial Times citava estatísticas impressionantes
para enfatizar o papel que o comércio global tinha desempenhado em
cinco décadas de prosperidade no pós-guerra: as exportações mundiais
de bens e serviços tinham crescido dezesseis vezes desde 1950, chegando
a um total anual de US$6,5 trilhões. No mesmo período, o volume total
da produção mundial tinha aumentado seis vezes. “O comércio fez a
produção aumentar de forma consistente”, concluiu Wolf. Apesar de
os cortes de tarifas não serem a única causa – mudanças tecnológicas
tinham ajudado também, reduzindo nitidamente o custo de viagens
aéreas e ligações telefônicas –, “a crescente percepção dos benefícios da
abertura do comércio” tinham transformado políticas nacionais, escreveu
Wolf. Na Ásia especialmente, “os resultados foram impressionantes”,
continuou ele, notando como o padrão de vida das pessoas comuns
tinha melhorado rapidamente em quatro países recém-industrializados
da região (Cingapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan). Em 1965,
a renda per capita nesses países era em média 20% do nível de nações
de renda alta. Em 1995, esse valor passou para 70%. “Esse caminho
foi seguido por outros países – Chile, Indonésia, Malásia e Tailândia, e
depois a China”, observou Wolf.
Porém, para os militantes nas ruas de Genebra e outros que viam o
capitalismo como explorador dos fracos e destruidor da natureza, a OMC,
com três anos e meio de criação, constituía um alvo perfeito. Os mesmos
pontos fortes que seus admiradores apreciavam – escopo mais amplo,
imposição de regras mais rígidas – estavam suscitando a hostilidade de
pessoas que a viam como um instrumento pelo qual empresas gigantescas
82
o mal-estar da omc
estavam expandindo sua dominação da economia global. Essa percepção,
de fato, tinha alguma base. Barreiras comerciais mais baixas significavam
que as multinacionais gozavam de mais liberdade para realizar seus
negócios onde desejassem, em qualquer lugar do mundo, e algumas regras
da OMC inquestionavelmente fortaleciam o poder das multinacionais –
um exemplo perfeito eram as novas garantias de direitos de propriedade
intelectual, que protegiam, de possíveis imitadores, grandes empresas
nas áreas de produtos farmacêuticos, software e entretenimento.
Na Europa, lugar de origem do Movimento Verde, a antipatia pela
OMC estava enraizada em preocupações referentes ao meio ambiente e à
saúde pública. Os defensores dos livres mercados há muito argumentavam
que o comércio é, em geral, benéfico para o meio ambiente porque
impulsiona o crescimento e melhora o padrão de vida, dando às nações
os meios para controlar a poluição. Porém, os Verdes podiam perceber,
com razão, alguns conflitos sérios entre metas de comércio e meio
ambiente, principalmente nos casos em que o dano ao ecossistema se
espalha de um país para outro – por exemplo, a destruição de florestas,
a ocorrência de chuva ácida ou a extinção de espécies animais. Os
Verdes temiam que a OMC pudesse frustrar esforços para combater
essas doenças ambientais, porque a única abordagem eficaz poderia
envolver a imposição de sanções comerciais a nações que se engajassem
em políticas ambientalmente irresponsáveis – e não estava nada claro se
essas sanções eram permissíveis sob as regras da OMC.
A segurança dos alimentos era outra questão que acirrava os ânimos
em relação ao comércio na Europa, cujos consumidores eram conhecidos
por serem avessos a elementos artificiais em sua dieta. Ao avaliar os riscos
para a saúde de aditivos nos alimentos, os governos europeus queriam
fazer uso do “princípio da precaução”, pelo qual poderiam proteger o
público de produtos que eles suspeitavam oferecer risco mesmo sem
nenhuma comprovação científica. Mas essa política já tinha enfrentado
dificuldades num tribunal da OMC na época dos protestos ocorridos
em Genebra em 1998. De fato, essa controvérsia foi um dos fatores que
atiçou a raiva dos manifestantes.
A questão era a carne, especificamente carne bovina tratada com
hormônios para estimular o crescimento. A União Europeia tinha
banido a carne bovina tratada com hormônios em 1989. Essa medida foi
questionada na OMC tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Canadá,
83
paul blustein
cujos pecuaristas usavam hormônios em seu gado há anos. Washington e
Ottawa mencionaram o enorme consenso prevalecente entre especialistas
de que não havia comprovação científica de riscos na carne bovina
tratada com hormônios e disseram que a política da União Europeia
violava as regras da OMC, exigindo comprovação científica em caso
de regulamentos que excedessem padrões internacionalmente aceitos.
A decisão da OMC em 1997 contra a proibição da União Europeia
à carne tratada com hormônios enfureceu os ativistas que defendiam a
segurança dos alimentos. Por que, perguntavam eles, a União Europeia
não deveria ter permissão para avaliar riscos à saúde com base nas normas
sociais de seus cidadãos, que defendiam o princípio da precaução? Na
verdade, a União Europeia manteve a prerrogativa de basear suas políticas
nesse princípio e a interdição de Bruxelas à carne bovina tratada com
hormônios permaneceu em vigor – um exemplo clássico do fato de que
a OMC não pode forçar um governo a mudar suas políticas. No entanto, a
decisão da OMC ainda causava indignação e o preço de desafiá-la seria muito
alto (mais tarde, depois que o caso foi totalmente litigado, Washington recebeu
autorização da OMC para impor tarifas de 100% sobre mais de US$100
milhões em produtos europeus, como foie gras e roquefort franceses).
Os europeus ficaram ainda mais contrariados com a perspectiva de que o
caso dos hormônios seria apenas a primeira de uma série de contestações
da OMC às regras de saúde e segurança da União Europeia, inclusive às
relativas a alimentos geneticamente modificados.
Além do caso da carne com hormônios, havia decisões da OMC
que pareciam quase ridiculamente maléficas por causa de sua aparente
insensibilidade em relação ao destino de algumas das criaturas mais
estimadas da natureza – as tartarugas marinhas e os golfinhos.
O caso das tartarugas marinhas foi decidido apenas cinco semanas antes
das festividades do quinquagésimo aniversário em maio de 1998. Dessa vez,
os Estados Unidos estavam do lado dos vigilantes do meio ambiente. Na
pauta, estava uma lei norte-americana que visava salvar esses répteis, que
se encontravam sob ameaça de extinção por causa das milhares de mortes
causadas por afogamento ao serem aprisionadas, por acidente, em redes de
pesca de camarão. De acordo com a lei norte-americana, o camarão vendido
no mercado americano só poderia vir de países cujos barcos usassem redes
especiais aparelhadas com dispositivos de exclusão de tartarugas – DETs
(‘turtle excluder devices – TEDs’)” – que são basicamente grades de
84
o mal-estar da omc
metal que mantêm as tartarugas afastadas das redes de pesca de camarão.
A lei foi objeto de questionamento na OMC, por parte da Tailândia,
Malásia, Índia e Paquistão, com base na alegação que, de acordo com
regras tradicionais do sistema global de comércio, os Estados Unidos não
tinham direito de impor seus padrões de produção sobre outras nações.
O argumento se baseava em um sólido princípio: se um país começar a
insistir que produtos importados têm de ser produzidos de determinadas
formas, as condições por ele impostas (segurança no local de trabalho?
discriminação entre sexos?) poderiam facilmente tornar-se pretextos
para o protecionismo. Contudo, ativistas ambientais naturalmente se
opuseram quando um painel de árbitros da OMC concordou com os
reclamantes asiáticos. A partir de agora, as tartarugas marinhas se uniriam
aos golfinhos numa causa célebre do movimento antiglobalização. Isso
porque, num caso semelhante, alguns anos antes, um painel de árbitros
do GATT declarara ilegal uma lei dos EUA que bania a importação de
atum de países que não impediam que golfinhos ficassem presos em
redes de atum.1
Nos Estados Unidos, os infortúnios dos animais marinhos nos
tribunais de comércio estavam causando comoção. Porém, um desconforto
ainda maior em relação ao sistema de comércio vinha ganhando força
por um motivo diferente.
[*]
Em termos de descrição do mundo dickensiano no qual muitos
operários vivem em países de baixa renda, nada se compara ao artigo
publicado no jornal Chicago Tribune em 1994, que abria com a história
de Winarti, uma mulher indonésia de 23 anos de idade. Ela vivia num
“bolsão industrial coberto de lixo” fora de Jacarta, a capital da Indonésia,
contava o artigo, num “casebre de concreto de um cômodo, com paredes
1
Os Estados Unidos entraram com um recurso no caso dos camarões e tartarugas e uma decisão
do Órgão de Apelação da OMC alguns meses depois aliviou substancialmente o impacto da
decisão adotada pelo painel. O Órgão de Apelação reconheceu que os membros da OMC tinham
interesses legítimos na proteção de tartarugas marinhas e outras espécies ameaçadas de extinção
usando medidas tais como a exigência do dispositivo de exclusão de tartarugas. Mas a decisão
do órgão considerou que a implementação da política norte-americana ainda era discriminatória
e, portanto, tecnicamente violava as regras da OMC. Em consequência, as tartarugas marinhas
permaneceram como um símbolo poderoso da insatisfação dos ambientalistas com a OMC.
85
paul blustein
nuas e ásperas, iluminadas por uma única lâmpada pendurada no teto”.
Por mais degradante que fosse sua vida, ficaria ainda pior, porque
alguns meses antes ela tinha sido demitida do emprego de costureira de
confecções para a GAP, nos Estados Unidos, que lhe pagava US$1,75 por
dia (o salário mínimo na Indonésia na época) mais 75 centavos de dólar
por dia por hora-extra. Seu crime: ter comparecido a uma reunião para
informar-se sobre direitos trabalhistas. Quando os gerentes da fábrica
descobriram, puseram-na no olho da rua. Isso não era, de forma alguma,
incomum para os trabalhadores asiáticos que produziam as mercadorias
expostas nas prateleiras das lojas americanas. Segundo a matéria, “os
patrões normalmente fazem pouco caso das normas governamentais sobre
salários mínimos e turnos máximos de trabalho” na Indonésia e países
vizinhos e “os regulamentos concernentes à saúde e segurança ou são
inexistentes ou são desobedecidos”.
Casos como o de Winarti estavam ajudando a estimular o movimento
“contra condições sub-humanas de trabalho” nas universidades
americanas, em que alunos boicotavam roupas e sapatos fabricados por
empresas que supostamente maltratavam seus empregados. E, ao mesmo
tempo em que a consciência do público ia aumentando, em meados da
década de 1990, acerca das condições de trabalho no terceiro mundo,
crescia o respaldo político ao argumento de que as regras comerciais
tinham de exigir que os países impusessem padrões rígidos sobre o meio
ambiente e os direitos trabalhistas. Para os sindicatos norte-americanos,
essa era uma reivindicação unificadora numa época em que operários
americanos estavam perdendo seus empregos em grande quantidade para
potências industriais de rápido crescimento na Ásia e América Latina. Os
sindicatos nunca tinham conseguido impor seu ponto de vista abertamente
protecionista de que trabalhadores americanos deveriam ser poupados
da concorrência de países cujos trabalhadores ganham muito menos do
que os americanos. Um argumento mais sólido consistia em questionar
se era justo competir com países que suprimiam direitos trabalhistas
básicos, como o direito de se organizar e fazer dissídios coletivos, e onde
empresas eram essencialmente livres para poluir de uma maneira que as
fábricas norte-americanas não podiam.
Entre os líderes do movimento trabalhista e seus aliados democratas
no Congresso, o novo lema era “concorrência predatória” ou “corrida
para o fundo do poço” (race to the bottom). Alegava-se que, conforme
86
o mal-estar da omc
a produção crescesse nos países com menores custos trabalhistas e
regulamentos mais frouxos, o padrão de vida e a qualidade do meio
ambiente em todas as partes do globo seriam puxados para baixo
de forma gradual, mas inexorável. Eles advertiam que, em meio à
concorrência maníaca para atrair e manter investimentos geradores
de empregos, os governos não teriam alternativa senão sucumbir à
pressão de multinacionais para fazer vista grossa quando os direitos
dos trabalhadores não fossem cumpridos ou as regras antipoluição não
fossem observadas. A forma de evitar que isso acontecesse, a seu ver,
não era deter a globalização, que era inevitável, mas mudar suas regras
de maneira que todas as nações do sistema de comércio sofressem
sanções caso deixassem de manter padrões razoáveis de proteção ao
meio ambiente e aos direitos trabalhistas. Países como Guatemala, Sri
Lanka ou China podem pagar a seus trabalhadores bem menos do que os
americanos ganham, mas precisam garantir que os trabalhadores tenham
o direito de formar sindicatos e fazer greve, por exemplo. Países que
não fizessem isso não teriam livre acesso ao mercado americano para
vender seus produtos. Como Alan Reutner, diretor legislativo do sindicato
Trabalhadores Automotivos Unidos (“United Auto Workers – UAW”),
disse em 1997: “Não estamos afirmando que todos os países devem ter
o nosso salário mínimo atual. Mas não queremos assistir a uma corrida
para o fundo do poço, uma concorrência baseada em quem pode ter
menores salários ou piores condições de saúde e padrões ambientais”. A
insistência dos sindicatos em favor da inclusão de proteções trabalhistas
fortes nas regras de comércio foi a principal razão para a rejeição pelo
Congresso, em 1997 e 1998, da legislação que teria dado ao presidente
autoridade para negociar novos acordos comerciais. Isso foi um revés
terrível para o governo Clinton.
Na época do evento comemorativo do quinquagésimo aniversário
da OMC, em maio de 1998, esses argumentos dos sindicatos começaram
a aparecer com frequência cada vez maior nos discursos de Clinton à
medida que o presidente norte-americano ia sentindo o calor das críticas
a seus movimentos em prol da dissolução de barreiras comerciais.
Ao dirigir-se aos líderes reunidos em Genebra, Clinton enalteceu as
realizações do sistema multilateral, mas também fez uma eloquente
advertência do crescente desencanto de seu país. “Precisamos nos
esforçar mais para garantir que a vigorosa concorrência econômica
87
paul blustein
entre nações nunca se torne uma corrida para o fundo do poço”, disse
ele. “Deveríamos nivelar por cima, não por baixo. Sem uma estratégia
desse tipo, não poderemos construir o apoio necessário do público para
a expansão contínua do comércio. Os trabalhadores só assumirão os
riscos de um mercado internacional livre se tiverem confiança de que o
sistema funcionará a seu favor”.
No entanto, como os defensores do livre comércio se esforçavam
em ressaltar, evidências históricas sugerem que os teóricos da corrida
para o fundo do poço estava no caminho errado.
A primeira “perdedora” da corrida, afinal de contas, foi a Grã-Bretanha,
pátria das fábricas dickensianas originais, que tinham seus tecidos de algodão
cortados e costurados por pessoas da camada social mais desesperada do país,
principalmente mulheres de regiões rurais e crianças de asilos de pobres.
Tirar empregos dos ingleses no início da década de 1900 era facílimo
em Massachusetts e New Hampshire, onde milhares de moças vindas
da Nova Inglaterra e do interior do Canadá desgastavam-se numa labuta
repetitiva, quase sempre por mais de 72 horas semanais. Mais tarde, a
indústria se deslocaria para os estados do sul para explorar as meninas
das fazendas (e muitas eram de fato meninas, de treze anos ou menos),
dispostas a trabalhar por metade do salário pago no norte. Nesse meio
tempo, na década de 1930, milhões de mulheres japonesas, vivendo
em cortiços exíguos e trabalhando doze horas por dia por muito menos
do que suas colegas americanas, estavam fabricando grande parte dos
produtos de algodão do mundo. E, apesar de a indústria do Japão ter
renascido após a Segunda Guerra Mundial – expandindo-se para os
setores de calçados, brinquedos e outros produtos, ela se tornou presa
fácil da concorrência de Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan nas décadas
de 1960 e 1970. Nessa corrida – cujos “ganhadores” mais recentes são
a China, o Vietnã e as nações da América Central –, cada “derrota”
foi, sem dúvida, angustiante para os operários demitidos. Mas isso era
simplesmente uma parte do processo de modernização desses países e de
diversificação de suas economias industriais, pois seu poder de compra
criou demanda por novos produtos e serviços, levando, por seu turno, à
criação de novos empregos.
Além dos ataques e contra-ataques do debate, os defensores dos
padrões trabalhistas e ambientais enfrentavam um problema embaraçoso:
os países em desenvolvimento eram veementemente opostos à ideia de
88
o mal-estar da omc
incorporar tais padrões às regras do sistema de comércio. Formuladores
de políticas em Brasília, Nova Delhi, Cairo, Pretória e outras capitais
estavam profundamente céticos em relação a expressões de preocupação
que emanavam de Washington sobre os direitos de trabalhadores em
fábricas do terceiro mundo e a necessidade de proteger a água e o ar em
seus países. Havia uma quase unanimidade na suspeita de que os países
ricos usariam os direitos dos trabalhadores como pretexto para privar as
nações pobres de sua vantagem competitiva principal – baixos salários.
Os padrões trabalhistas e ambientais, temiam eles, impediriam suas
economias de galgar os degraus do desenvolvimento tal como tinham
feito os países de alta renda. Consequentemente, rejeitaram todos os
esforços do governo Clinton no sentido de suscitar a questão trabalhista
como tópico de discussão na OMC, afirmando que o fórum apropriado
era a Organização Internacional do Trabalho (que não tem o mesmo poder
de imposição de regras da OMC). Típico foi o comentário de Veerendra
Kumar, ministro do Trabalho da Índia, que disse em uma conferência em
1997 que “o espectro crescente do neoprotecionismo invocado em nome
de padrões trabalhistas... precisa ser reconhecido como tal, encarado com
preocupação e combatido com todo vigor”.
De qualquer forma, os representantes governamentais de países
em desenvolvimento tinham suas próprias queixas contra o sistema
multilateral de comércio, consideradas muito mais justificáveis do que
as reclamações dos Verdes e dos sindicatos de nações ricas. Eles tinham
aderido à Rodada Uruguai, em meio ao fervor capitalista de meados da
década de 1990. Agora alguns deles estavam se perguntando se tinham
embarcado numa canoa furada.
[*]
A transcrição do acordo básico da Rodada Uruguai ocupou 424
páginas de texto. As listas de compromissos de reduções tarifárias e outras
obrigações assumidas pelos membros da OMC para a enorme variedade
de produtos comercializados em mercados mundiais se estendiam por
mais 22.000 páginas. Isso porque, para a maioria dos países, cada
tipo de produto tem sua própria “linha tarifária” com especificações
detalhadas. Basta dar uma olhada na lista tarifária dos EUA para se ter
uma ideia da complexidade envolvida. A variedade de impostos que a
89
paul blustein
alfândega norte-americana aplicava para carne de aves ocupava uma
página inteira e incluía uma tarifa sobre galinhas vivas de 0,9 centavos
de dólar por ave, outra tarifa sobre carne de frango fresca, resfriada ou
congelada não cortada em pedaços de 8,8 centavos de dólar por quilo,
outra tarifa sobre “cortes e vísceras, frescos ou resfriados” de 17,6
centavos de dólar por quilo; um imposto de 15 centavos de dólar por
quilo sobre carne de peru “não cortada em pedaços, fresca ou resfriada”,
e daí em diante. Os impostos norte-americanos sobre luvas variavam
de zero a 23,5% do preço de importação, dependendo se eram feitas de
algodão, fibras sintéticas ou “pelo de animal”, se estavam “impregnadas,
pintadas ou cobertas de plástico ou borracha” e, ainda, de acordo com a
combinação desses materiais (por exemplo, tarifas diferentes aplicadas
a luvas “contendo 50% ou mais de seu peso em algodão, fibras feitas
manualmente ou outras fibras têxteis” versus aquelas “contendo mais de
50% de seu peso fabricado em plástico ou borracha”). As tarifas variavam
também segundo o tipo da luva, isto é, se eram luvas de hóquei, esqui,
snowmobile, ou outros tipos.
Escondidas em meio ao texto hermético do acordo, diversas surpresas
desagradáveis para os países de baixa renda foram se revelando nos
anos seguintes à conclusão da Rodada Uruguai. As concessões que eles
achavam ter extraído dos ricos pareciam cada vez mais inalcançáveis,
enquanto que as obrigações que tinham aceitado tornaram-se cada vez
mais difíceis de suportar.
O acordo para proteger patentes e direitos autorais estava se mostrando
muito mais oneroso do que o esperado para um grande número de países
em desenvolvimento. O estabelecimento de escritórios nacionais de
patentes já representava uma obrigação excessivamente cara em alguns
casos, assim como os custos de cumprimento de outros códigos da Rodada
Uruguai, como os que visavam impedir que os regulamentos de saúde
e segurança restringissem injustamente as importações. “A Argentina
gastou mais de US$80 milhões para atingir níveis mais elevados de
padrões sanitários para vegetais e animais. A Hungria gastou mais de
US$40 milhões só para melhorar o padrão sanitário de seus frigoríficos. O
México gastou mais de US$30 milhões para atualizar leis e mecanismos
de supervisão de direitos de propriedade intelectual”. Esses exemplos,
retirados de um relatório do Banco Mundial publicado em 1999,
ilustravam os altos gastos que os países em desenvolvimento estavam
90
o mal-estar da omc
enfrentando para cumprir as obrigações da OMC. Ao estimar que o custo
para muitos governos chegaria a pelo menos US$30 milhões, o relatório
observava que tal soma era mais do que a ajuda ao desenvolvimento que
alguns dos países mais pobres recebiam anualmente.
E o que os países em desenvolvimento estavam recebendo em troca?
Eles também tinham muitas queixas a esse respeito, especialmente em
relação ao ritmo dolorosamente lento da eliminação do sistema de quotas
que tinha limitado suas exportações de roupas para países ricos. A Rodada
Uruguai exigia que os Estados Unidos e a União Europeia acabassem
com esse sistema em uma série de etapas ao longo de dez anos, mas
Washington e Bruxelas estavam explorando todas as brechas legais que
podiam para manter seus mercados protegidos o máximo possível. Quase
quatro anos após a entrada em vigor da Rodada Uruguai, os Estados
Unidos tinham acabado com apenas duas das suas 750 quotas e a União
Europeia tinha eliminado apenas 14 de suas 219 quotas, reclamou Nestor
Osorio, o embaixador colombiano, numa declaração ao Conselho Geral
em outubro de 1998.
Acima e além dessa questão de prazos, residia uma verdade mais
fundamental e que era motivo de remorso: mesmo depois que todas as
regras da Rodada Uruguai forem implementadas, muitos dos produtos que
os países em desenvolvimento tinham maior interesse em exportar ainda
estariam sujeitos a fortes barreiras e distorções, graças às políticas dos
países ricos. Um relatório feito pela Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) em 1999 ressaltou alguns dos
exemplos mais flagrantes: os Estados Unidos impunham tarifas que iam
de 38% a 58% sobre tênis esportivos e sapatos de borracha e de plástico;
no Japão, o imposto sobre alguns sapatos de couro alcançava até 140%.
As tarifas americanas sobre a maioria das roupas de tecidos sintéticos,
lã e algodão iam de 14% a 32%.
Em nenhuma outra área esse problema se mostraria mais acentuado
do que na agricultura. Apesar da Rodada Uruguai, a agricultura
permaneceria como o último grande bastião de protecionismo.
[*]
Como a maioria de seus vizinhos, Joseph Nyambe e sua família
vivem em barracos com paredes de barro e telhado de sapê, espalhados
91
paul blustein
numa clareira a cerca de duas horas de viagem da capital de Zâmbia,
Lusaca. Com 49 anos, baixa estatura, barba cerrada, expressão gentil e
uma voz suave e ressonante, Nyambe tem oito filhos e, apesar de cinco
deles frequentarem escola, os três mais velhos pararam de ir depois do
nono ano. A família se alimenta principalmente de nshima, a base da
alimentação zambiana, uma mistura de milho que eles mesmos cultivam
e ovos fornecidos pelas vinte galinhas que Nyambe possui. Vários de
seus filhos dormem no chão poeirento de seu barraco; os mais sortudos
dormem em caminhas encardidas. O único sinal de luxo é uma televisão
movida à bateria, que só pega um canal. Como meio de transporte, a
família dispõe de três bicicletas.
A principal fonte de renda de Nyambe é o algodão, que ele e os filhos
mais velhos plantam, cultivam e colhem manualmente em cerca de dois
a três acres de terra, usando ferramentas manuais simples como enxadas,
apesar de eventualmente alugarem um boi para puxar o arado quando
o trabalho fica muito duro. “Tempos atrás, meus pais tinham gado”,
contou-me ele, “mas não temos mais. Os bois morreram de doença”. O
total de sua receita na safra mais recente foi de US$210 do algodão e
cerca de US$160 de outras culturas, como feijão.
Em países em desenvolvimento, quase metade da população vive
em áreas rurais e trabalha em atividades agrícolas, como faz a família
de Nyambe. Além disso, uma parte muito grande dos habitantes
das áreas rurais em nações de baixa renda sobrevive com menos de
um dólar por dia. As áreas agrícolas são o lar de cerca de 70% dos
pobres do mundo. Assim sendo, a saúde da agricultura em países em
desenvolvimento é de importância fundamental para o objetivo de
reduzir a pobreza mundial.
No entanto, enormes programas governamentais em países de alta
renda funcionam em desfavor dos pobres das áreas rurais em países de
baixa renda basicamente de duas formas. Em primeiro lugar, as nações
ricas dão subsídios generosos a muitos de seus agricultores, que podem
estimular a superprodução a ponto de criar abundância excessiva de
determinadas culturas nos mercados mundiais, deprimindo assim os
preços que os camponeses da África, América Latina e Ásia obtêm na
época da colheita. Em segundo lugar, os países de alta renda restringem
importações de muitos produtos agrícolas, limitando assim a capacidade
de agricultores de países pobres venderem suas mercadorias no exterior.
92
o mal-estar da omc
O nível esquálido da renda de Nyambe se deve, pelo menos em parte,
a um programa governamental dos EUA pelo qual Washington paga a
plantadores de algodão norte-americanos bilhões de dólares em subsídios
cada vez que o preço do algodão cai abaixo de determinados níveis. Os
agricultores americanos, que cultivam algodão usando máquinas enormes
e caras, sabem que obterão certa quantidade de dinheiro por seu algodão,
independentemente do que acontecer aos preços, de modo que acabam
produzindo muito mais do que produziriam de outra forma. O excedente
é vendido em mercados mundiais e – isso é a lei econômica básica de
oferta e demanda – ajuda a reduzir o preço recebido por agricultores como
Nyambe. É impossível determinar o valor exato da “supressão de preço”
causada pelos subsídios ao algodão norte-americano. Embora o nível de
supressão varie a cada ano, alguns estudos a estimam em até 30%.
Nyambe não tem muito conhecimento sobre mercados mundiais
de algodão, mas sabe muito bem que sua vida melhoraria – de forma
significativa, sob seu ponto de vista – se conseguisse um preço melhor por
sua safra de algodão. Mesmo se sua renda aumentasse apenas o suficiente
para igualar, digamos, o custo de uma refeição num restaurante da moda
nos Estados Unidos, isso faria uma grande diferença para alguém que
não ganha mais do que algumas centenas de dólares em um ano inteiro.
“Poderia pagar a mensalidade da escola dos meus filhos”, reflete ele.
Ou seja, aqueles que ainda estão na escola poderiam se formar em vez
de aumentarem as estatísticas de evasão escolar. “Poderia comprar uns
animais. E pagar pelos remédios de que precisamos”.
A milhares de milhas de distância, no Vale do Paraíba no Brasil, a
cerca de duas horas da megalópole de São Paulo, Jorge Benedito de Assis
se recorda como é viver nas condições de Nyambe. Trabalhador rural de
42 anos com cabelo negro viçoso, vestido com boné, camiseta amarela
e botas de borracha, Benedito se lembra de sua infância num casebre
de barro, sem água corrente nem eletricidade, onde a família cozinhava
num fogão a lenha dentro de casa, enfumaçando tudo. Hoje leva uma
vida bem melhor, graças a um emprego numa fazenda de gado leiteiro,
onde ele e um de seus filhos acordam às 4h30 da manhã para ordenhar
vacas manualmente e trabalhar longas jornadas – que chegam a doze
horas por dia – alimentando o gado, fazendo limpeza e realizando outros
trabalhos árduos. O pagamento que ele e seu filho recebem é cerca de
US$6.000 por ano, um valor invejável para os padrões brasileiros. Sua
93
paul blustein
casa de alvenaria, que ele ocupa sem pagar aluguel, tem teto de zinco,
mas é arrumada e mobiliada com camas de madeira bem feitas, geladeira,
duas TVs, um aparelho de DVD, um fogão a gás e uma máquina de
lavar. Com o olhar perdido na direção de um lago perto de sua casa, com
palmeiras balançando sob uma brisa refrescante, diz ele: “se todas as
crianças brasileiras pudessem viver assim, não teríamos tanta violência”.
Este é o problema: as barreiras comerciais em países ricos,
principalmente nos EUA e na Europa, limitam o número de crianças
brasileiras que poderiam viver como a família de Benedito. O Brasil
é uma das nações mais abençoadas do mundo para a agricultura, com
abundância de chuvas e centenas de milhões de acres de terras férteis
para plantio e pasto. O setor agrícola em expansão no país ajudou a dar
emprego a pessoas que, de outra forma, viveriam em favelas oprimidas
pelo crime. No entanto, as tarifas e quotas que os países de alta renda
aplicam sobre os produtos agrícolas brasileiros mais formidavelmente
competitivos, principalmente açúcar, carne bovina e suco de laranja, se
traduzem numa demanda reduzida por essas mercadorias. Da mesma
maneira, no setor de laticínios em que Benedito trabalha, o Brasil tem
capacidade para se tornar um grande exportador de leite em pó, mas os
mercados americanos e europeus são essencialmente fechados. “Muita
gente que mora nos subúrbios das grandes cidades quer voltar para
trabalhar no campo”, diz João das Mercês Almeida, proprietário de
outra fazenda de leite no Vale do Paraíba. “Mas não temos condições
de contratá-los”.
A mundos de distância da Zâmbia e do Brasil, tanto em termos
geográficos quanto em outros, estão os agricultores que se beneficiam
de subsídios e barreiras de países ricos. Eles recebem benefícios
governamentais em quantidades que seus concorrentes de países de baixa
renda nem conseguem imaginar.
[*]
A poucas milhas de distância dos muros da cidade medieval de
Beaune, na região francesa da Borgonha, encontra-se a fazenda de Olivier
Cretin. A paisagem de seus campos abrange montanhas de elevação
suave, gado pastando e o campanário de uma igreja do século XV. Com
38 anos recém-feitos, cabelo despenteado e jeito de garotão, Cretin me
94
o mal-estar da omc
mostrou orgulhoso um galpão grande, construído por seu pai há quarenta
anos, que abriga suas noventa vacas Montbeliard, cujo leite é fornecido à
empresa francesa Danone para fazer iogurte. Ele insiste que trabalha duro,
porque as vacas têm de ser ligadas a máquinas de ordenha duas vezes por
dia. Ele também é dono de terras, num total de 395 acres, quase todos
plantados com trigo e outros cereais. Passou quinze anos sem férias por
causa da necessidade de tomar conta das vacas. Para aliviar a carga de
trabalho, contratou, então, um ajudante alguns anos atrás. “Agora posso
viver”, diz ele, lembrando-se dos dias de folga passados na Inglaterra e
na Tunísia. “Os agricultores de hoje não são como os nossos pais – para
eles, a felicidade era morar numa fazenda. Hoje queremos mandar os
filhos para a escola, tirar férias e ter tempo para o lazer”.
Para ajudá-lo nesse sentido, existe o apoio financeiro que ele ganha
da União Europeia. Em 2006, recebeu cerca de US$57.000 em verbas
governamentais, mais o lucro bruto da fazenda na faixa de US$55.750.
Além disso, sua fazenda se beneficia de tarifas de importação da União
Europeia que ajudam a impulsionar os preços dos produtos que vende – a
tarifa média para laticínios é de aproximadamente 38% e, para carne
bovina, em torno de 76%.
O sistema que sustenta fazendas como a de Cretin foi criado em
1962 como parte do acordo por meio do qual seis países – França,
Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo –
estavam formando o mercado comum que acabaria eliminando barreiras
econômicas entre a maioria das nações da Europa. A Alemanha
Ocidental, a potência industrial que mais crescia no continente, queria
mercados para seus produtos manufaturados e a França desejava, em
troca, um sistema que assegurasse a sobrevivência de seus agricultores.
O resultado foi a Política Agrícola Comum (PAC), que recentemente
absorveu mais de 40% do orçamento da União Europeia (tendo os
agricultores franceses como os maiores beneficiários). Ao mesmo tempo,
as tarifas aplicadas sobre produtos agrícolas estrangeiros exportados para
a Europa resultavam em um aumento de mais de US$600 por ano nos
gastos da família média europeia com alimentação.
Ao ser perguntado por que os agricultores devem receber tal
tratamento, Cretin faz eco à justificativa com frequência apresentada
por políticos franceses: “Nós, agricultores, cuidamos do campo”, diz
ele. “A França tem uma bela imagem. E se não tivessem agricultores
95
paul blustein
para preservá-la, vocês teriam de pagar alguém para fazer esse trabalho”.
Além disso, continua, ele tem de cumprir com vários regulamentos
ambientais, de saúde e de bem-estar dos animais. Em seus campos de
trigo, é obrigado a manter nitratos bem longe dos rios da redondeza. Seu
gado todo tem etiquetas penduradas nas orelhas informando onde as vacas
e bois nasceram, quem são seus pais e que vacinas tomaram, e inspetores
da cooperativa de laticínios à qual Cretin está associado verificam cada
vaca uma vez por mês e fazem visitas ainda mais frequentes para tirar
amostras de leite das máquinas de ordenha para testar a higiene.
Pode-se, no entanto, cuidar do campo de formas mais eficientes do
que subsidiando agricultores. Críticos da PAC europeia ressaltam que
a maior parte do dinheiro foi para grandes fazendas, inclusive muitas
delas na França, com vastos campos de cereais, beterraba e colza que
não são mais pitorescas do que as encontradas, digamos, nas planícies
da Dakota do Norte. Nos últimos anos, mais que 70% dos subsídios
foram para as 20% maiores fazendas da União Europeia, muitas delas
de propriedade de grandes empresas. Os ativistas que fazem campanha
por transparência total no pagamento de subsídios da União Europeia
reuniram dados diversos mostrando que alguns dos maiores receptores
incluem a empresa irlandesa de agronegócio Greencore, que produz
refeições dos Vigilantes do Peso e outros alimentos especiais e ganhou
US$112 milhões em 2008, uma gigante francesa da carne de frango
chamada Doux, que ceifou US$85 milhões no mesmo ano. Entre os ricos
e famosos cujas empresas também receberam enormes subsídios, no
montante de dezenas de milhares e até centenas de milhares de dólares
por ano, estão a rainha Elizabeth, o príncipe Charles, o magnata da mídia
Sir Anthony O’Reilly e Michael O’Leary, presidente da Ryanair.
Apesar de Cretin não mencionar o assunto, outra justificativa
muito citada para o apoio do governo aos agricultores europeus é o que
alguns chamam de “soberania gastronômica” – o desejo entre pessoas
comuns, principalmente na França, de preservar a cultura alimentar que
valoriza ingredientes frescos e locais. Esse sentimento se manifesta de
maneira vívida todos os anos no Salão Internacional da Agricultura, uma
exposição anual em Paris, visitada normalmente por mais de meio milhão
de pessoas que vêm admirar e provar produtos dentre os mais sofisticados
dos agricultores franceses – salsichas, presuntos, foie gras, terrines,
queijos, vinhos – e participar da competição por medalhas entre vacas,
96
o mal-estar da omc
cavalos, porcos, ovelhas, cabras, coelhos e outros animais criados com
todo cuidado. Mas os políticos também acorrem com todo entusiasmo
ao Salão, para saborear ostensivamente iguarias e afagar animais, em sua
ânsia de demonstrar apoio ao poderoso bloco agrícola da nação – e esse
zelo, provavelmente mais do que qualquer outro fator, explica por que a
Europa protege seu setor agrícola. Os principais sindicatos de agricultores
da França são militantes, por vezes a ponto de beirar a violência, e o
setor está excessivamente representado no Senado, onde membros são
eleitos indiretamente por representantes oficiais locais, muitos deles
de comunidades rurais. A influência do lobby da agricultura aumentou
exponencialmente quando Jacques Chirac, ex-ministro da Agricultura, foi
eleito presidente da França em 1995. Chirac era um paladino fervoroso
dos agricultores, tendo construído sua base política como deputado a
partir do eleitorado rural de Corrèze, a cidade natal de sua família.
Para esses políticos, é inútil sugerir, como fazem alguns economistas,
que os governos europeus poderiam adaptar a cultura alimentar de seus
cidadãos abrindo os mercados do continente e deixando os consumidores
escolherem, com base em rótulos claros, entre alimentos locais caros e
importados baratos. Por mais elegante que essa solução seja em termos
econômicos, ela não encontra adeptos em lugares como Corrèze.
É claro que a França não é, de forma alguma, o único país da União
Europeia com uma forte posição pró-agricultores. Ela quase sempre
conta com o apoio, em questões agrícolas, da Irlanda, da Dinamarca, da
Grécia e de outros países no Conselho de Ministros, um órgão legislativo
chave da União. E a União Europeia não é, tampouco, o governo mais
extravagante ao dispensar favores a agricultores. Em relação à receita
de agricultores, vários outros países concedem apoio maior, inclusive o
Japão, a Coreia do Sul, a Suíça e a Noruega. Porém, o programa agrícola
da União Europeia é, de longe, o maior em termos econômicos absolutos,
seguido pelo esquema dos Estados Unidos, o outro peso-pesado em
agricultura do mundo rico.
Pilotando uma colheitadeira de milho de seis fileiras, no valor de
US$180.000, por seus vastos milharais, John Phipps, de Chrisman,
Illinois, oferece uma ilustração clássica da generosidade do programa
agrícola norte-americano. Phipps foi um dos agricultores descritos numa
série de artigos no Washington Post sobre o pagamento de subsídios, com
um enfoque bastante pertinente porque os subsídios são um fator muito
97
paul blustein
maior de sustentação da agricultura norte-americana do que as barreiras
às importações. Com algumas exceções, em especial as tarifas e quotas
extremamente restritivas que limitam importações de açúcar, suco de
laranja congelado e alguns laticínios, as barreiras norte-americanas
a produtos agrícolas vindos do exterior são relativamente baixas,
pelo menos em comparação com as da Europa e do Japão. No entanto,
os subsídios pagos a muitos agricultores norte-americanos são tão
grotescamente altos que mesmo alguns dos beneficiários os consideram
excessivos.
Entre eles está Phipps, de 58 anos, da sexta geração de fazendeiros
na sua família, treinado em engenharia, que extrai grandes safras de seus
campos usando tecnologia de ponta no gerenciamento de sua colheita,
inclusive rastreamento computadorizado do número exato de sacas que
está colhendo, acre por acre, fileira por fileira. Ele recebeu US$120.000
em cheques do governo em 2005 – uma soma “embaraçosa”, como
ele mesmo define. “Meu governo está dizendo basicamente que sou
incompetente e que preciso de ajuda”, completa ele.
Os defensores dos programas de subsídios dos EUA, de modo geral,
argumentam que eles são essenciais para proteger pequenas propriedades
familiares, que sobrevivem com dificuldade. Mas o caso de Phipps dá
uma boa ideia do verdadeiro destino que é dado a esse dinheiro. O meio
milhão de dólares que ele ganhou bruto em 2005 com suas safras de
milho e soja o colocou na categoria de “propriedade familiar grande”
(definida como tendo mais de US$250.000 de renda). Tais propriedades
respondem por apenas 7% de todas as propriedades, mas recebem mais
de 54% dos subsídios federais. Seus proprietários têm renda familiar
média mais de três vezes superior à renda familiar do americano médio.
Inútil dizer que milhares de agricultores americanos são muito mais
favoráveis aos subsídios federais do que Phipps, assim como muitos de
seus vizinhos na América rural: vendedores de máquinas, operadores
de instalações de armazenagem e até empregados de restaurantes que
dependem de um setor agrícola saudável para ganhar dinheiro. Eles fazem
seus desejos serem ouvidos por meio de um dos lobbies mais organizados
de Washington, liderado pela American Farm Bureau Federation
(Federação norte-americana de entidades agrícolas), que abrange cerca
de 2.800 organizações rurais municipais, além de secretarias estaduais de
agricultura. Durante a década de 1990, o Farm Bureau era muito a favor
98
o mal-estar da omc
do livre comércio, com base na teoria de que os agricultores e fazendeiros
norte-americanos só poderiam prosperar se os mercados externos fossem
mais abertos. Nos últimos anos, a entidade atenuou seu entusiasmo,
mostrando menos interesse na busca de mercados para exportação se
isso significasse sacrificar subsídios. Os preços das terras rurais quase
sempre refletem o valor dos subsídios, o que torna os agricultores ainda
mais relutantes em aceitar um enxugamento nos programas de subsídios,
porque isso se traduziria numa redução no valor de suas propriedades.
Graças, em parte, ao Farm Bureau e, em parte, a associações que
representam plantadores de certos tipos de culturas agrícolas e criadores
de gado, os legisladores com eleitorados rurais de alguma relevância
estão cada vez mais arduamente conscientes das graves consequências
políticas previstas para quem quer que vote contra os programas agrícolas.
Empresas e entidades do agronegócio contribuem generosamente para
campanhas políticas e não é coincidência que os grupos de commodities
que canalizam a maior parte do dinheiro para políticos – açúcar, laticínios,
algodão e arroz – consigam mais apoio do Tio Sam. Os comitês de
agricultura do Senado e da Câmara, que redigem a lei agrícola dos EUA
(Farm Bill), compõem-se, em sua quase totalidade, de membros de áreas
rurais (congressistas de grandes cidades não estão exatamente fazendo fila
para trabalhar nesses comitês). A fim de angariar apoio de seus confrades
da cidade para seus projetos de lei do setor agrícola, os membros dos
comitês agrícolas incluem o financiamento de programas de nutrição
popular, principalmente tíquetes para aquisição de alimentos. Tudo isso
explica como os programas de subsídios continuaram a existir apesar
das intensas críticas ao seu orçamento bilionário e ao custo ambiental
que geram ao encorajar os agricultores a encharcar o solo de pesticidas
e fertilizantes.
Se considerarmos os programas europeu e norte-americano juntos,
não surpreende que a agricultura claramente leve o prêmio por ter
o comércio mais distorcido do mundo. Apesar de as tarifas sobre
produtos manufaturados serem hoje em média inferiores a 4%, o número
comparável para produtos agrícolas era recentemente superior a 60%
(incluindo impostos que os países de baixa renda cobram sobre produtos
uns dos outros). Além disso, só na agricultura os governos têm permissão
sob as regras da OMC de fornecer subsídios às exportações, isto é,
pagamentos que vão especificamente para produtores que enviam seus
99
paul blustein
produtos para o exterior. Em outros setores, subsídios às exportações
foram, há muito tempo, banidos por constituírem uma prática comercial
desleal, que reduz a capacidade de produtores externos de permanecerem
economicamente viáveis.
A Rodada Uruguai supostamente iria tornar a agricultura muito
mais parecida com outros setores. Ela realmente impôs alguns tetos para
subsídios às exportações, mas, logo depois que os resultados da rodada
entraram em vigor, seu efeito insignificante sobre o comércio agrícola
tornou-se evidente. “Como pode um acordo de comércio com reformas
tão importantes resultar em tão pouca liberalização?”, perguntou um
estudo de 1996 realizado por Dale Hathaway, do Centro Nacional para
Políticas Alimentares e Agrícolas, e Merlinda Ingco, do Banco Mundial.
“O problema são os detalhes”.
Além de subordinar a agricultura a regras multilaterais pela
primeira vez, a rodada determinou um corte médio de 36% nas tarifas
agrícolas para países ricos, com um corte mínimo de 15%. Isso soa
bem pesado, mas, no mundo do comércio, “cortes” nem sempre são
o que se espera (um ponto a que voltarei muitas vezes neste livro).
Um corte médio, afinal de contas, pode significar muita coisa. Uma
maneira de um país poder alcançar um corte médio de 36% num
setor é reduzir todas as tarifas sobre todos os produtos nesse setor
em 36%. Mas outra forma é selecionar alguns produtos, quase sem
tocar nas tarifas sobre os produtos que o país mais quer proteger e
afetando muito as tarifas sobre os produtos que não interessam ao país.
Suponha, por exemplo, que os pecuaristas estejam desesperados por
manter os impostos de 80% sobre a carne bovina que ajuda a restringir
a concorrência externa, mas ninguém está nem aí para a tarifa de
2% sobre mangas, porque o clima do país não é adequado ao cultivo
de frutas tropicais. A tarifa sobre mangas pode ser zerada, obtendo
crédito para cortar esta em 100%, e a tarifa sobre carne bovina pode
ser cortada na percentagem mínima. Assim, o corte médio para esses
dois produtos fica próximo de 50%.
Na Rodada Uruguai, esquemas semelhantes foram multiplicados
ao longo de centenas de linhas tarifárias e isso, juntamente com outras
práticas, levou Hathaway e Ingco a concluir: “Determinados negociadores,
defensores da Rodada e autoridades governamentais retrataram o acordo
como uma reforma radical no comércio agrícola mundial e um passo
100
o mal-estar da omc
significativo rumo à liberalização. A análise detalhada do acordo sugere
que se trata de bem menos que isso”.
[*]
O sistema global de comércio, e a OMC em particular, teve,
portanto, várias razões para descontentamento à medida que o novo
sistema tomava forma na segunda metade da década de 1990. Os Verdes
europeus, os sindicalistas americanos, os agricultores do terceiro mundo
e os negociadores comerciais, todos eles tinham muito do que reclamar.
Para eles, e outros insatisfeitos, um alvo irresistível se apresentava à
medida que a ideia de fazer a reunião da OMC em Seattle, surgida tão
casualmente em maio de 1998, foi se consubstanciando.
101
Capítulo 4
Perdidos em Seattle
“Amor, amor”, cantou uma voz de mulher num alto-falante para
despertar campistas que tinham dormido numa fazenda perto de Cascade
Mountain, no Estado de Washington. “Aconchegue-se, meu amor”. Nas
atividades do dia, haveria sessões de treinamento em “alpinismo urbano”,
que envolviam escalar prédios altos para pendurar faixas, e “técnicas de
ação direta”, que incluíam acorrentar pessoas umas às outras em locais
públicos.
Era meados de setembro de 1999 e cerca de 160 ativistas estavam
participando do Globalize This! Action Camp, com duração de uma
semana. Os participantes estavam aperfeiçoando suas habilidades de
desobediência civil, que pretendiam colocar em prática dois meses e meio
depois em Seattle, onde a OMC ia realizar sua terceira reunião ministerial,
com o presidente Clinton ocupando papel de destaque. Dirigidos pela
Ruckus Society (Sociedade do Motim), um grupo especializado em
“comunicação de guerrilha”, os participantes também incluíam membros
da Rainforest Action Network (Rede de Ação pelas Florestas) e duas
mulheres, de 77 e 68 anos, pertencentes ao grupo Raging Grannies
(“Vovós Raivosas”). Eles ensaiaram situações que poderiam surgir, como
confrontações com a polícia, realizaram workshops sobre protesto não
violento e estudaram cuidadosamente mapas do centro de Seattle. E
encorajavam-se, de mãos dadas, em círculo, gritando palavras de ordem:
103
paul blustein
“Estou aqui para pôr meu corpo na frente da máquina e pará-la. Estou
aqui para fincar uma estaca no coração da OMC!”.
Naquele momento, parecia fantasioso imaginar que esse bando de
malucos e seus simpatizantes acabariam festejando no final da reunião da
OMC. Só em seus sonhos poderiam eles conceber as proporções épicas
do fracasso que a OMC sofreria em Seattle, com autoridades das nações
mais poderosas do mundo admitindo, sombrios, sob o olhar atento da
mídia do mundo inteiro, que a reunião tinha deixado de atingir sua meta
declarada de lançamento de uma nova rodada de comércio.
Nos anos que se passaram desde então, dois relatos nitidamente
conflitantes têm sido apresentados para explicar o resultado da reunião
de Seattle. Um é o da doutrina da Esquerda, que atribui o resultado de
Seattle, em grande medida, ao extraordinário amálgama de estudantes,
sindicalistas, ambientalistas, grupos religiosos, ativistas de direitos
humanos, defensores dos direitos dos animais, monges tibetanos e
veteranos grisalhos dos anos 1960, que se aglomeraram nas ruas da
cidade. Em contraste, especialistas e funcionários governamentais
da área de comércio que participaram da reunião descartaram, de
forma quase unânime, as alegações de vitória dos manifestantes como
conversa fiada de sonhadores românticos. Segundo essa narrativa, as
manifestações, apesar de tumultuadas, não passaram de uma distração.
A reunião terminou como terminou por causa de divisões internas entre
países-membros da OMC, e não por causa dos protestos do lado de fora
do centro de convenções.
Sem dúvida, as forças em ação em Seattle foram muito além de
manifestações de rua, tais como correntes humanas, barricadas e gás
lacrimogêneo. No entanto, um exame mais atento da conferência
também revela que os manifestantes desempenharam um papel maior no
seu resultado do que seus detratores gostam de admitir. Assim, o relato
deste livro sobre o evento dedicará grande atenção às manifestações.
As evidências sugerem que elas contribuíram significativamente para
o revés humilhante da OMC – com consequências importantes e
duradouras dali em diante. Após ter sido tão sacudida publicamente
em Seattle, a OMC seria ainda mais compelida a desfazer o dano em
sua reunião seguinte, em Doha, dois anos mais tarde, concentrando sua
pauta no tema amplamente popular de garantir oportunidades para os
pobres do mundo.
104
perdidos em seattle
Os manifestantes abrangiam uma grande variedade de grupos
independentes e suas queixas contra a OMC eram numerosas e
difusas. Mas se uma pessoa poderia ser identificada como a maior
centelha intelectual do movimento, esta pessoa era Lori Wallach.
Formada em 1990 pela Faculdade de Direito de Harvard, Wallach
tinha evitado a tentação de aceitar empregos bem pagos em escritórios
de advocacia para se juntar à Public Citizen, uma organização
liderada pelo ativista Ralph Nader, na qual ela formou e dirigiu uma
unidade chamada Global Trade Watch (Obsevatório do Comércio
Global). Toda a gama de queixas feitas pela Esquerda sobre a OMC
foi resumida num livro do qual ela foi coautora, publicado em 1999
e intitulado Whose Trade Organization? [Organização de Comércio
de Quem?]. A OMC, segundo o livro, é a promotora de um sistema
que “beneficia multinacionais enormes e as minorias ricas tanto nos
países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento” e onde
“o comércio mundial é mais importante do que tudo – democracia,
saúde pública, igualdade de oportunidades, meio ambiente, segurança
alimentar e etc”. Para provar, o livro relata o caso “camarão/tartarugas
marinhas”, o caso “atum/golfinhos” e o caso “hormônios na carne”,
além de vários outros.
O livro descarta de maneira leviana as principais defesas da OMC
contra essas acusações. Parece que Wallach não ficou impressionada
que a organização seja uma reunião de governos nacionais, a maioria
democraticamente eleitos, e que suas regras acordadas possam assim
merecer alguma legitimidade. Tampouco mostrou muita consideração
pela insistência da OMC de que suas regras – longe de interferirem nos
direitos dos países de estabelecerem padrões ambientais e de segurança
estritos – simplesmente exigem que os padrões sejam aplicados
igualmente a produtos nacionais e estrangeiros. Basta olhar, argumentou
ela, para as regras da OMC referentes às medidas que os países usam
para proteger seus alimentos e áreas agrícolas contra ameaças à saúde,
pesticidas e perigos semelhantes. Essas regras “efetivamente enfraquecem
o Princípio da Precaução, segundo o qual substâncias potencialmente
perigosas devem ser comprovadamente seguras antes de serem postas
no mercado”, diz o livro. “Os governos baseiam-se nesse princípio
para proteger o público e o meio ambiente de potenciais riscos à saúde,
particularmente na ausência de certeza científica”. Lamentavelmente os
105
paul blustein
tribunais da OMC tinham “consistentemente” decidido contra governos
que tomaram tais medidas de proteção.
Em outras palavras, Wallach não estava terrivelmente preocupada
com a possibilidade de que funcionários governamentais excessivamente
zelosos, instigados por poderosos grupos de interesse domésticos,
pudessem estar usando a segurança como uma desculpa para impedir o
acesso de produtos importados, ainda que as empresas multinacionais
reclamem de que essas coisas acontecem o tempo todo. Em sua opinião,
os julgamentos sobre tais questões não têm de ser feitos por órgãos
distantes como a OMC porque “o efeito disso é restringir a capacidade
das legislaturas nacionais de agir em prol do interesse público, privando
os cidadãos comuns de seus direitos civis. Cidadãos estes, aliás, que têm
muito mais capacidade de se fazerem ouvir em âmbito nacional do que
em fóruns internacionais”.
Michael Dolan, assessor de Wallach, atuava como uma espécie de
marechal de campo para os manifestantes. Descrito pelo Washington Post
como “uma mistura de Lênin com Woody Allen”, Dolan, aos 44 anos,
viajou para Seattle alguns dias após o anúncio feito em 25 de janeiro
de 1999 de que a cidade abrigaria a reunião da OMC no final do ano e
montou um escritório numa região comercial do centro da cidade, ao
lado de uma loja da Harley-Davidson.
Dolan era mestre em organização e mobilização, tendo sido treinado
nessas habilidades na década de 1980 pela United Farm Workers. Em
pouco tempo, ele já demonstrava sua habilidade como coordenador e
intermediário em meio aos grupos que, apesar da grande disparidade
de estilos de vida e prioridades, compartilhavam uma aversão pela
OMC e pelo capitalismo internacional. Na primavera de 1999, Dolan se
reuniu com dezenas de pessoas de seções locais da AFL-CIO (American
Federation of Labour – Confederation of Industrial Organizations)1, do
Teamsters (sindicato dos trabalhadores do transporte de cargas) e outros
grandes grupos sindicalistas, bem como de organizações ambientais e
religiosas. Os sindicatos logo decidiram realizar uma grande marcha em
30 de novembro, data de abertura da reunião de quatro dias da OMC.
Durante esses meses no início de 1999, Dolan também esteve em
contato com várias organizações ativistas, principalmente da Costa
N. do T. - Federação Trabalhista Americana – Confederação das Organizações da Indústria.
1
106
perdidos em seattle
Oeste, tais como a Ruckus Society (Sociedade do Motim) e Art and
Revolution (Arte e Revolução), um grupo com sede na Califórnia
cujo líder, David Solnit, era conhecido por seus bonecos gigantes.
Esses grupos fundiram-se sob um nome comum, o Direct Action
Network – DAN [Rede de Ação Direta], e estabeleceram em julho
um objetivo bem definido. Eles cercariam o Centro de Convenções
localizado no centro de Seattle, usando táticas não violentas, com
o objetivo de pôr fim à reunião da OMC em 30 de novembro. Eles
sabiam que este era o dia programado para a marcha sindicalista e
reconheceram que seu radicalismo poderia alienar alguns elementos
tradicionalistas do movimento sindicalista. Usando Dolan como
homem de ligação, Solnit o chamou para ver se os sindicatos iriam
fazer objeção a esse cronograma.
Dolan deixou uma mensagem com um de seus contatos do sindicato,
a quem ele se lembra de contar: “O pessoal da Direct Action quer fazer
algo na manhã da terça-feira dia trinta [de novembro]... se você tiver
uma objeção séria, eles precisam saber logo”. Como nenhuma resposta a
essa mensagem chegou nesse dia, Dolan disse a Solnit que os sindicatos
tinham aparentemente dado a sua benção “tácita”. Não foi exatamente
isso que aconteceu. Na semana seguinte, um representante do sindicato
telefonou para registrar sua oposição. Dolan disse-lhe, porém, que era
tarde demais. Segundo seu relato do episódio: “É muito interessante
que essa ligação não atendida e essa falta de comunicação” tenham
ocorrido, permitindo assim que a marcha sindicalista e o protesto de
ativistas acontecessem no mesmo dia. Muito interessante, de fato,
como veremos.
No final do verão, a Internet estava zunindo. “Dez mil pessoas
convergirão para Seattle e transformarão a cidade num festival de
resistência”, declarou uma mensagem postada pela Direct Action
Network em 6 de setembro. “Estamos planejando uma ação em larga
escala, bem organizada e com alta visibilidade para FECHAR a
Organização Mundial do Comércio na terça-feira, 30 de novembro”.
Os manifestantes, independentemente da correção ou da teimosia
de suas crenças, tinham muita coisa a seu favor. Eles estavam
desafiando um órgão que, no decorrer de 1999, mostraria um incrível
grau de desorganização, falta de preparo e ressentimento entre seus
membros.
107
paul blustein
[*]
As relações, antes amáveis, entre os embaixadores da OMC estavam
abaladas. Os jantares em Genebra frequentados por diplomatas envolvidos
com comércio tornaram-se eventos tensos, em que os convidados se
esforçavam para manter a conversa focada só em amenidades. Instaurou-se
uma atmosfera de “Espião contra Espião”, com os colaboradores das missões
de certos países verificando placas de carros para descobrir quem estava
se encontrando com quem.
Assim era a vida da OMC durante os primeiros meses de 1999,
quando o órgão de comércio foi arrebatado por uma corrida eleitoral
amarga e irascível. Tratava-se de decidir quem sucederia Renato
Ruggiero, um italiano, como diretor-geral, quando seu mandato de quatro
anos expirasse na primavera. Os países em desenvolvimento tinham se
irritado durante anos com a tradição segundo a qual o cargo era reservado
a um europeu, e agora queriam alguém de suas próprias fileiras. Apesar da
falta de poder formal, e quase sempre açoitado pelas pressões dos países-membros, o diretor-geral pode exercer uma influência considerável sobre
o processo decisório da OMC, principalmente porque ele (o cargo sempre
fora ocupado por homens) pode desempenhar um papel importante na
superação de impasses quando as negociações empacam. O diretor-geral
também supervisiona, com frequência, a redação dos textos submetidos
à análise dos membros em situações cruciais.
O principal candidato dos países em desenvolvimento era Supachai
Panitchpakdi, o vice-primeiro-ministro e ministro do Comércio da
Tailândia, um tecnocrata gentil cujas credenciais incluíam um doutorado
na Netherlands School of Economics (Escola de Economia dos Países
Baixos), em Roterdã. Dois outros candidatos – um do Marrocos, outro
do Canadá – desistiram na primavera de 1999, quando ficou claro que
estavam bem atrás de Supachai nas votações preliminares informais
entre países-membros. Mas Mike Moore, político neozelandês, insistiu
com tenacidade, graças, em grande parte, ao apoio dos Estados Unidos.
Moore era bem diferente de sujeitos do tipo “clube dos cavalheiros
ingleses” que tinham dado o tom no Centro William Rappard no passado.
Grosseiro, briguento e impiedoso, ele pontuava suas declarações com
coloquialismos regionais neozelandeses – “Vamos com tudo” era um
de seus favoritos – e, até falantes nativos de inglês, com frequência
108
perdidos em seattle
tinham dificuldade em entender seu sotaque carregado. Quando o clima
pesou, ele se mostrou capaz de apresentar uma retórica sublime e até
inspiradora. O problema, como ele mesmo sempre reconhecia, era seu
estilo “contraestimulante”, de modo que quanto mais seus colaboradores
implorassem para que ele falasse de forma mais clara, mais sua maneira
de se expressar tendia a ficar bruta e populista.
Nascido em 1949, Moore cresceu em uma família de agricultores
pobres, leais ao Partido Trabalhista da Nova Zelândia. Deixou a escola
aos catorze anos para trabalhar em um abatedouro. Nunca frequentou
uma faculdade, tendo sido tipógrafo, assistente social e representante
sindical. Compensou sua falta de polidez e educação formal com um
prodigioso autodidatismo, lendo livros de economia com uma voracidade
especial ao embarcar na carreira de político, o que lhe rendeu uma cadeira
no Parlamento aos 23 anos de idade. Com base em suas leituras e sua
observação do mundo real, “chegou à conclusão de que a concorrência
é um agente purificador”, que ajuda a livrar as economias da podridão
e da corrupção, dizia ele. Então, quando o Partido Trabalhista ganhou
a eleição nacional em 1984 e Moore se tornou ministro do Comércio,
ele liderou a luta para abrir a economia altamente protegida da Nova
Zelândia, incluindo a venda de indústrias nacionalizadas e a abolição de
subsídios agrícolas. Embora as reformas tenham gerado prosperidade no
longo prazo, elas suscitaram uma oposição furiosa no início. Em 1990,
Moore liderou o partido numa eleição – ficando apenas oito semanas
como primeiro-ministro até que seu governo perdesse o poder. Tendo feito
muitos inimigos, parecia que sua carreira na política da Nova Zelândia
havia chegado ao fim, mas percebeu uma chance de reavivá-la quando a
competição para o cargo de diretor-geral da OMC se avizinhou. Aplicou
a poupança de uma vida inteira na campanha, viajando mundo afora para
adular formuladores de políticas comerciais, dormindo, com grande
frequência, em aviões e hotéis baratos (o governo da Nova Zelândia
contribuiu com recursos também, como é comum no caso de candidatos
a esse tipo de cargo). “Falei para a minha mulher: Vamos gastar tudo,
mas manter a casa”, lembra-se Moore.
Funcionários públicos americanos decidiram apoiá-lo porque, como
membro do Partido Trabalhista, era simpatizante do argumento do
governo Clinton em relação a padrões trabalhistas nas regras de comércio,
ao passo que Supachai interessava aos países em desenvolvimento por
109
paul blustein
conta de sua oposição a esses padrões. Com o endosso de Washington,
Moore ganhou não apenas a vantagem do lobby dos EUA em favor do
seu nome em capitais no mundo todo, mas também uma formidável
estrategista de primeira linha na pessoa de Rita Hayes, a embaixadora
norte-americana na OMC. Tratava-se de uma operadora astuta cujo
estilo combinava a arrogância com o charme sulista (ela vem de uma
família importante da Carolina do Sul). “Na missão norte-americana,
costumávamos chamá-la de ‘a bela do inferno’ (the belle from hell)”,
recorda-se Andrew Stoler, seu ex-adjunto. “Ela estava conduzindo uma
campanha muito difícil [em favor de Moore] e tenho de admitir que eu
fazia parte dela”.
Conforme a corrida foi esquentando, ambos os lados melindraram-se
com o que julgavam ser golpes baixos contra seus candidatos. Quando
Moore afirmou que não ia ficar rodando de Mercedes por aí, nem fazer
tráfico de influência porque “esse não é o jeito ‘Kiwi’ (neo-zelandês)
de ser”, os correligionários de Supachai entenderam isso como uma
sugestão velada de que os asiáticos eram normalmente corruptos. O grupo
favorável a Moore, nesse ínterim, se agitou com a circulação, em Genebra,
de artigos da imprensa neozelandesa sobre sua pretensa grosseria. “Ter
Moore no cargo seria uma desgraça – uma causa de constrangimento
nacional”, queixou-se um colunista.
Uma fonte mais profunda de animosidade era a suspeita de que
haveria trapaças na condução do pleito e na contagem dos votos. A
escolha de um diretor-geral, como todas as decisões da OMC, deve
ocorrer por consenso. Assim, o processo objetivava, em primeiro lugar,
determinar qual candidato obteria uma liderança clara no número de
endossos de países-membros para, em seguida, buscar o consenso
em torno da concessão do cargo a essa pessoa. A votação, no entanto,
era uma questão obscura, conduzida em “confessionários” em que os
embaixadores dos países se encontravam a sós ou falavam no telefone
com Ali Mchumo, que era presidente do Conselho Geral e embaixador
da Tanzânia. Mchumo anunciava periodicamente contagens de votos
sem divulgar as preferências que cada país manifestara individualmente.
Em janeiro de 1999, quando quatro candidatos ainda estavam no páreo,
Supachai assumiu a liderança com 40 votos e Moore ficou para trás, em
quarto lugar, com 13 votos. Dois meses depois, Supachai ainda estava
bem na dianteira. Entretanto, em ambos os casos, Moore tinha a maioria
110
perdidos em seattle
dos votos de melhor segunda opção. Isso mostrava, como afirmavam seus
defensores, que ele era provavelmente o candidato mais aceitável para os
membros como um todo, devendo, portanto, permanecer no páreo. Para
irritação do grupo que apoiava Supachai, Mchumo acatou esse argumento
e deixou a campanha correr. O tanzaniano se tornou alvo de críticas de
que ele estava se deixando manipular pela “bela do inferno” da América.
Os gritos de “Falta” ficaram mais estridentes à medida que a corrida
foi se intensificando e as táticas de campanha foram se tornando mais
questionáveis. O grupo favorável a Moore conseguiu angariar algumas
adesões, principalmente porque Supachai sempre se revelava tão suave,
tímido e carente de qualidades de liderança que mesmo alguns de seus
defensores começaram a se perguntar se ele seria adequado para o
cargo. Outro fator eram as maquinações de bastidores. Conseguir o voto
da França foi uma tacada especialmente gloriosa para Moore, porque
Supachai parecera estar prestes a obter o apoio da União Europeia
inteira, para depois vê-lo escapar entre seus dedos. Como isso aconteceu?
“Fizemos um acordo”, confirmou Stoler, referindo-se a um entendimento
pelo qual Moore escolheria um francês como um dos diretores-gerais
adjuntos.
Os ânimos acalorados atingiram o auge no início de maio
quando Mchumo anunciou no Conselho Geral que Moore tinha
assumido a liderança nos confessionários, com 62 votos a 59.
“Esse processo está acabado para o Dr. Supachai”, disse ele,
porque o prazo “final” de 30 de abril se esgotara. Defensores
enraivecidos do tailandês, que estavam contando com muito mais
votos, rejeitaram o chamamento de formar unanimidade em torno
de Moore e pediram que ou Supachai fosse declarado o candidato
do consenso ou que uma votação aberta fosse realizada. Os Estados
Unidos se opuseram frontalmente a participar da votação, alegando
que isso representaria um precedente terrível. Porém, para além da
importância de preservar o princípio do consenso, Stoler admitiu
que a outra razão para a objeção norte-americana foi a de que
“teríamos perdido numa votação direta”.
Nas seis semanas seguintes, à medida que os dois lados seguiram
fazendo acusações mútuas de má-fé, a OMC ficou paralisada, sem
diretor-geral. Ruggiero rejeitara os pedidos para permanecer em bases
temporárias. Manifestações antiamericanas explodiram em Bangcoc.
111
paul blustein
Então, em meados de junho, o telefone tocou no escritório de
Surin Pitsuwan, o ministro das Relações Exteriores da Tailândia.
A pessoa que ligava manifestou grande preocupação de que quanto
mais a competição mortífera continuasse, maior seria o risco de
causar um dano permanente à OMC. Essa pessoa era a secretária
de Estado dos EUA, Madeleine Albright, que contou a seu colega
tailandês que estava ligando de um avião, segundo um relato que o
ministro das Relações Exteriores publicou três anos depois. Albright
disse que, a menos que Supachai estivesse preparado para recuar,
tanto ele quanto Moore “estariam perdidos”, e o cargo iria para
algum novo candidato.
Surin a confrontou, ressaltando que qualquer novo candidato
“seria o símbolo da divisão... e do fracasso”, e perguntou: “A senhora
tem certeza de que isso seria bom para alguém?” Seu relato continua
assim:
Houve uma longa pausa de novo. Por fim, [Albright] reagiu com um
tom mais conciliatório: “Então o que vamos fazer, Surin?”.
[Surin] aproveitou a oportunidade e fez uma sugestão ousada. “Em
vez de um diretor-geral por quatro anos, por que não pensamos em
seis anos divididos entre os dois?”.
“Parece interessante”, disse ela.
Para encurtar a história, foi assim que o conflito ficou resolvido,
apesar de demorar até o final de julho para refinar os detalhes.
Moore ocuparia o cargo primeiro, começando em 1º de setembro de
1999, sendo em seguida sucedido por Supachai por mais três anos.
O acordo suscitou críticas intensas porque parecia provável que ele
deixaria os dois homens enfraquecidos antes mesmo de assumirem
suas responsabilidades. O diretor-geral depende de uma combinação
de habilidade política e persuasão moral para aproximar os países, de
forma que a eficácia no cargo exige apoio e boa vontade dos membros.
Nenhum dos dois homens parecia ter essas qualidades em abundância.
O mais importante é que o choque entre os dois lados tinha
consumido enormes quantidades de tempo e energia dos formuladores
de políticas comerciais, prejudicando a capacidade de os membros da
OMC se prepararem para a reunião ministerial seguinte, em novembro.
112
perdidos em seattle
[*]
Rodada do Milênio... Rodada Seattle... Rodada do Desenvolvimento...
Rodada Clinton? Essa questão de nomenclatura tinha considerável
interesse para o Escritório do Representante de Comércio dos EUA
durante o período anterior à reunião de Seattle. A missão norte-americana
à OMC “recebeu um monte de mensagens vindas de Washington”,
lembra-se Andy Stoler. “Eles queriam saber: como as rodadas anteriores
foram batizadas?”.
As mensagens refletiam a ambivalência do governo Clinton em relação
à reunião em Seattle, onde o principal item da pauta era se uma nova
rodada deveria ser lançada. Por um lado, os principais estrategistas da Casa
Branca estavam cada vez mais preocupados com a possibilidade de que a
questão do comércio se tornaria um problema político para os candidatos
democratas em 2000, principalmente para o vice-presidente Albert Gore.
Um fator importante por trás da preocupante erosão no apoio das fileiras
do partido era a atuação de Clinton nos temas comerciais, com destaque
ao impulso agressivo que ele dera ao NAFTA e à Rodada Uruguai.
Por outro lado, alguns setores da economia norte-americana,
principalmente o agrícola, estavam ansiosos por negociações
para liberalizar ainda mais os mercados globais. Grupos de
agricultores norte-americanos estavam loucos para capitalizar sobre
a competitividade geralmente superior das propriedades agrícolas dos
Estados Unidos em relação aos estabelecimentos rurais de dimensões
bem menores da Europa e do Japão. Além disso, iniciar a nova rodada em
Seattle, argumentaram alguns funcionários governamentais, não apenas
permitiria às políticas de Clinton aproveitarem o bom momento, como
também daria mais brilho a seu legado, principalmente se as negociações
fossem batizadas com o seu nome. Um memorando confidencial redigido
em agosto de 1998 por funcionários do Departamento de Estado
enfatizava: “Devemos aproveitar o fato de que” a OMC se reuniria nos
Estados Unidos “e propor uma nova rodada de negociações globais de
comércio – a Rodada Clinton”.
Um problema com essa ideia era que a maioria das rodadas tinha sido
batizada com o nome do local em que foram lançadas (Tóquio e Uruguai,
por exemplo). Esse método era naturalmente preferido pelas autoridades
municipais de Seattle, que promoviam, com grande animação, o nome
113
paul blustein
“Rodada Seattle”. Mas duas rodadas anteriores tinham sido batizadas
com o nome de americanos que tinham desempenhado um papel-chave
na sua criação (Douglas Dillon e John F. Kennedy) – daí as perguntas
formuladas à missão norte-americana em Genebra.
O paladino de uma nova rodada, defendendo a causa com seu
pendor por expressões de impacto, era Sir Leon Brittan, cujo mandato
como comissário europeu de Comércio estava para se encerrar em
1999. Seu nome preferido para a rodada, “Rodada do Milênio”, foi
exposto com destaque no site de seu departamento (rompendo as fileiras
europeias estava Clare Short, a ministra do Desenvolvimento britânica,
que propôs “Rodada do Desenvolvimento”). Uma rodada completa,
argumentou Sir Leon, incluiria não apenas agricultura, serviços e
outros tópicos deixados de lado na Rodada Uruguai, mas também
uma ampla gama de temas, em particular quatro deles conhecidos
como “temas de Cingapura”, porque tinham sido propostos, pela
primeira vez, numa conferência da OMC realizada em 1996 na cidade-estado do Sudeste Asiático: (1) investimentos; (2) concorrência; (3)
compras governamentais; e, (4) facilitação do comércio (que envolvia
principalmente reduzir a burocracia e os atrasos de mercadorias
estrangeiras nos portos e outros locais de entrada de importações).
Não obstante a terminologia pouco esclarecedora, as questões de
Cingapura tinham potencial para aumentarem o poder da OMC ao permitir
que a organização impusesse regras sobre aspectos da globalização que,
até então, não tinham sido objeto de nenhuma regulamentação em nível
internacional.
O tema de investimentos era o mais importante – e controverso –
na lista de prioridades de Sir Leon e outros entusiastas dos temas de
Cingapura. Toda vez que uma empresa multinacional põe dinheiro numa
nova fábrica ou ponto de distribuição no exterior, o país escolhido para
sediar a operação pode exigir que ela forme uma associação (joint venture)
com uma empresa local ou que exporte uma determinada percentagem de
sua produção. Os investimentos destinados a certas áreas, como televisão
ou radiodifusão, companhias aéreas ou corretagem de valores, podem ser
fortemente restringidos ou até mesmo barrados. Essas práticas podiam
influenciar em grande medida os padrões de comércio, da mesma forma
que uma tarifa de importação qualquer. Portanto, por que não deveria
haver regras internacionais regendo essas práticas para tornar o mundo
114
perdidos em seattle
um lugar mais previsível e estável? Uma ideia próxima a essa era a de
estabelecer regras da OMC sobre concorrência. Com muita frequência,
as empresas que tentam fazer negócios no exterior se veem prejudicadas
pela ação de monopólios em países cujos governos simplesmente fazem
vista grossa diante da conduta abusiva de poderosos magnatas locais.
Compras governamentais era outra área que supostamente necessitava de
regras internacionais. Isso porque empresas multinacionais que tentavam
ganhar contratos de governos estrangeiros com frequência perdiam para
empresários locais bem relacionados com as elites políticas. Por fim,
as regras internacionais para facilitação do comércio poderiam gerar
lucros significativos porque os procedimentos alfandegários de muitos
países, principalmente no mundo em desenvolvimento, faziam com que
os produtos ficassem presos nos armazéns portuários durante dias ou até
semanas – uma dádiva para agentes alfandegários, mas para ninguém
mais.
A pessoa mais cética em relação à proposta de uma nova rodada era
a mulher que iria presidir a reunião em Seattle, na qualidade de ministra
do Comércio do país anfitrião.
Como aluna da Universidade de Wisconsin no final da década de 1960
e início da de 1970, Charlene Barshefsky dificilmente poderia ter imaginado
a série de eventos que um dia iriam catapultá-la a esse papel. Ativista em
manifestações contra a Guerra do Vietnã, ela tinha vislumbrado seguir
seus irmãos mais velhos na carreira universitária, uma escolha que muito
agradaria a seus pais imigrantes, que valorizavam títulos acadêmicos.
Mas as perspectivas de emprego para os PhDs eram pouco promissoras,
então Barshefsky formou-se em Direito e aceitou uma oferta do famoso
escritório de advocacia de Washington, D.C., Steptoe and Johnson. O
direito comercial nem era sua área de especialização, como ficou evidente
quando, num almoço ao qual compareceu depois de entrar para o escritório,
o sócio principal perguntou se ela estaria interessada em trabalhar em
um caso de dumping. Sem saber que dumping significava a entrada de
produtos estrangeiros no mercado norte-americano a preços deslealmente
baixos, Barshefsky supôs que estava sendo indicada para representar uma
sociedade que estava se desfazendo de lixo tóxico de forma inadequada.
Ela recusou, dizendo que não queria se opor a interesses ambientais.
Assim foi a estreia de uma carreira estelar na advocacia. Nos 18
anos que passou na Steptoe, Barshefsky subiu ao cargo de diretora
115
paul blustein
da divisão internacional do escritório, representando tanto empresas
estrangeiras quanto nacionais em disputas comerciais. Sua reputação
atraiu a atenção do novo governo Clinton, que, em 1993, ofereceu-lhe
o cargo de representante adjunta de Comércio dos Estados Unidos
para cuidar da Ásia e América Latina. Apesar de dividida diante da
perspectiva de assumir um trabalho mais estressante e menos lucrativo
como negociadora de comércio – nesse momento, já tinha duas filhas,
de 9 e 4 anos –, Barshefsky aceitou o cargo. Com seus olhos escuros
brilhando por baixo de um cabelo castanho curtinho, disparando seus
argumentos – e ameaças – em parágrafos densos e ordenados, fez fama
de durona, logo recebendo o apelido de Stonewall [Muro de pedra]
de seus colegas da administração Clinton, pela maneira inflexível
com a qual lidava com interlocutores estrangeiros, principalmente os
japoneses. Depois ganhou uma promoção a representante de Comércio
dos Estados Unidos quando o cargo ficou vago em 1996. Anunciando
sua nomeação para o posto, Clinton descreveu-a como uma mulher que
“trouxe lágrimas aos olhos” de líderes estrangeiros.
Barshefsky tinha uma relação sabidamente conflituosa com Sir
Leon – era sempre difícil presenciar a tensão entre os dois, lembram os
assessores – e a ânsia de Brittan por uma nova rodada de comércio era
só uma das posições, por ele assumidas, que provocavam uma reação
adversa na representante de Comércio dos Estados Unidos. Desde
o início, ela tinha dúvidas sobre as propostas de lançar uma rodada,
segundo as recordações dela própria e de outros colegas, porque, em suas
viagens pelo mundo, tinha encontrado muitos países em desenvolvimento
despreparados para adotar novas obrigações internacionais logo depois
da Rodada Uruguai.
De fato, a posição assumida pela maioria dos países em
desenvolvimento da Ásia, África e América Latina era essa, porque só
tinham conseguido migalhas da Rodada Uruguai, enquanto que as nações
ricas tinham obtido grandes ganhos. Portanto, era bem provável que
uma nova rodada produzisse o mesmo resultado. Se conversações sobre
comércio tivessem de acontecer, o foco principal deveria ser a revisão
daqueles aspectos da Rodada Uruguai que estavam se revelando mais
desagradáveis, afirmavam os funcionários governamentais desses países.
Eles estavam pedindo uma prorrogação do prazo para cumprirem as novas
regras sobre proteção de patentes e padrões sanitários, por exemplo, e
116
perdidos em seattle
uma abertura mais rápida dos mercados de produtos têxteis dos países
ricos. “Existem problemas fundamentais” em várias partes do acordo,
disse Mounir Zahran, embaixador do Egito na OMC, ao Conselho Geral
em 1998, “e se eles não forem tratados adequadamente, ficaria muito
difícil convencer nosso público da justificativa de maiores compromissos
de liberalização”.
Uma turma de detratores assumiu uma postura particularmente dura
contra tudo que cheirasse a expansão do poder da OMC – principalmente
a proposta de inclusão das questões de Cingapura como parte da nova
rodada. Autodenominando-se Like Minded Group [Grupo de Países
em Desenvolvimento com Posições Afins], seus membros incluíam a
Índia, a Malásia, o Paquistão, a Tanzânia, a República Dominicana e
um punhado de outras nações em desenvolvimento. Sua retórica quase
sempre estridente, conjurando imagens dos ricos esmagando os pobres,
causava desagrado entre os americanos e outros formuladores de políticas
orientados para o livre mercado em Genebra. Esses encaravam o bloco
como um retrocesso às décadas iniciais do pós-guerra, quando empresas
multinacionais eram rechaçadas no Terceiro Mundo como agentes do
imperialismo econômico. Mas ao se opor à criação de novas regras
da OMC em áreas como investimentos e concorrência, o Like Minded
Group encontrava respaldo em vários economistas respeitáveis que
questionavam se a OMC tinha de se meter a estabelecer sua autoridade
sobre assuntos que se relacionavam com comércio apenas de forma
tangencial.
A grande questão, à medida que os preparativos para Seattle
começavam a entrar em pleno vapor, era se os Estados Unidos sofreriam
perdas na nova rodada, em vista do seu status de superpotência e do seu
papel de anfitrião da conferência. Alguns dos colegas de Barshefsky
compartilhavam suas preocupações sobre a sensatez de tentar lançar
uma nova rodada, mas foram forçados a recuar, porque outros colegas do
governo, principalmente os do Departamento de Estado e do Conselho
de Segurança Nacional, insistiam em ir adiante. Eles esperavam chegar
a um acordo em Seattle para que uma nova rodada incluísse alguma
discussão sobre direitos trabalhistas – o que seria uma vantagem política
para a Casa Branca – e achavam que os países em desenvolvimento
provavelmente seriam convencidos. “O argumento deles contra mim
era: ‘Você não poderá ter certeza se não tentar’”, lembra-se Barshefsky,
117
paul blustein
reconhecendo que, depois que a decisão de apoiar a rodada foi tomada,
ela se tornou “uma entusiasta do assunto até o fim”, uma posição da qual
mais tarde se arrependeu.
Conclusão: quase quatrocentos colchetes.
Colchetes, “[ ]”, é a pontuação usada num documento jurídico para
denotar palavras, expressões, frases e parágrafos acerca dos quais os
signatários ainda não se puseram de acordo. E, à medida que as discussões
sobre a declaração que a OMC emitiria em Seattle prosseguiam, em
meados de 1999, muito pouca concordância era esperada sobre a redação
que muitos países estavam propondo.
Os europeus queriam uma garantia para lançar uma nova rodada
que incluísse os temas de Cingapura – um anátema para os países em
desenvolvimento. Os Estados Unidos, a Austrália e os grandes exportadores
agrícolas da América Latina queriam que a pauta de negociações incluísse
propostas que abririam significativamente os mercados agrícolas e
eliminariam determinados subsídios ao setor – um anátema para os
europeus, japoneses, coreanos, noruegueses e suíços. Outro grupo de países,
liderado pelo Japão, queria que a rodada considerasse regras restringindo
a capacidade de os países imporem impostos antidumping – um anátema
para os Estados Unidos. Os americanos queriam que a OMC começasse
a tratar da questão dos direitos trabalhistas, pelo menos criando um grupo
de trabalho para estudar a relação comércio-trabalho – um anátema para os
países em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento queriam mudar
alguns dos termos da Rodada Uruguai – um anátema para os americanos,
europeus e japoneses.
Em teoria, essas vastas diferenças de posições poderiam ter sido
resolvidas em Seattle, onde os membros da OMC teriam de discutir
apenas um mandato para a rodada, não as regras definitivas que
regeriam todos os aspectos de comércio mundial. Cada ator ou grupo
de atores principais tinha questões que gostaria de incluir na pauta e
uma negociação poderia ter sido realizada para iniciar conversações,
com todas as partes retendo seus direitos de impulsionar uma barganha
muito difícil.
Porém, a tarefa revelou-se ainda mais desafiadora por causa do texto
redigido em Genebra, em novembro, e enviado para os ministros do
Comércio analisarem na reunião de Seattle. Quase todos os parágrafos do
documento de 32 páginas estavam repletos de colchetes. Isto significava
118
perdidos em seattle
que, na reunião de quatro dias, os ministros teriam um enorme número
de controvérsias para resolver. Um exemplo:
[Partindo das atividades do Grupo de Trabalho sobre Transparência
em Compras Governamentais [e dos elementos contido no relatório
do Grupo de Trabalho para a inclusão em um acordo apropriado],
ocorrerão negociações para chegar a um acordo sobre transparência
nas compras governamentais de bens e serviços [para adoção na Quarta
Sessão da Conferência Ministerial]. [Negociações do Acordo levarão
em consideração a situação especial dos países em desenvolvimento
e ser-lhes-á concedida a devida flexibilidade]. [[Após essa reunião,
negociações] [Negociações] devem ocorrer visando adotar um acordo
multilateral para reduzir obstáculos de acesso a mercados na área de
compras governamentais.]
Em circunstâncias normais, o diretor-geral e seus assistentes
assumiriam o controle de um texto desse tipo e o tornariam mais
adequado para negociações numa reunião ministerial curta. Mas isso
não estava em jogo, graças, em grande parte, à batalha entre Moore
e Supachai. Moore, que assumiu o comando no início de setembro,
sequer tinha assistentes a postos uma semana antes da reunião de
Seattle, e o próprio diretor-geral era ainda uma fonte de profundo
ressentimento entre os países da OMC que tinham apoiado seu
adversário. Assim, ninguém enfrentou os embaixadores incisivos em
Genebra que estavam o tempo todo insistindo em inserir sua redação
preferida nos colchetes.
Em público, Barshefsky confessou estar tranquila quanto às
perspectivas para a reunião ministerial. “No final, tudo dará certo porque
tem de dar certo”, disse ela em 26 de novembro, quatro dias antes do início
programado da reunião de Seattle. “Todo mundo sabe que o fracasso não
é uma opção”. Ela não mencionou que, poucas semanas antes, estava
tão preocupada com a reunião que pediu a sua chefe de gabinete, Nancy
LeaMond, para perguntar ao Departamento de Estado se o governo dos
EUA teria algum prejuízo caso as reservas dos quartos de hotel dos
delegados fossem canceladas.
Em sua incapacidade de se organizar, a OMC combinava bem com
a cidade de Seattle.
119
paul blustein
[*]
Um violento choque estava reservado para um grupo de autoridades
da cidade de Seattle que se reuniram com uma delegação visitante da
OMC em 12 de novembro de 1998. Por mais ansiosos e esperançosos
que estivessem em relação à escolha de sua cidade para sediar a reunião
ministerial, ficaram estupefatos quando a equipe da OMC descreveu a
violência que tomara de assalto a reunião em Genebra em maio de 1998.
“Todos dissemos: ‘Uau!’”, lembrou-se Kathy Paxton, da Secretaria
de Turismo e Convenções do Condado de King em Seattle. “Era a
primeira vez que ouvíamos falar disso”.
Porém, segundo o relato de Paxton, após se recuperarem da
surpresa que tiveram ao saber dos tumultos em Genebra, os policiais
de Seattle presentes na reunião ficaram impassíveis, reagindo
às informações com afirmações do tipo: “Bem, já lidamos com
manifestações antes”. E outras autoridades de Seattle adotaram uma
atitude blasé semelhante, que se manteve depois da decisão formal
de escolha da cidade, no final de janeiro de 1999, para abrigar a
reunião da OMC. Os tumultos pelos quais os militantes europeus
eram conhecidos pareciam inimagináveis na tranquila Seattle, que
se orgulhava de sua longa tradição de ativismo social praticado
pacificamente. Numa reunião no conselho municipal realizada em
29 de março de 1999, Ed Joiner, chefe adjunto de polícia que fora
designado para fiscalizar a segurança para a reunião da OMC, acalmou
os ânimos. “Entendemos que houve demonstrações em Genebra”,
disse ele, mas “temos um histórico de sermos capazes de lidar de
forma muito eficiente com líderes de manifestantes e permitir que
eles conduzam seu evento de forma a lhes dar a cobertura necessária
para reivindicar o que quiserem, mas evitar situações envolvendo
danos à propriedade ou qualquer tipo de manifestação de confronto”.
Essa confiança – “complacência” talvez seja a palavra certa –
continuou a dominar o pensamento das autoridades de Seattle mesmo
quando sinais inquietantes de que as demonstrações da OMC seriam
muito mais violentas do que a cidade já vira começaram a vir à tona
durante o final do verão e início do outono. O Globalize This! Action
Camp conseguiu muita cobertura da mídia, como aconteceu com a
promessa solene da Direct Action Network de acabar com a reunião
120
perdidos em seattle
da OMC. Um relatório confidencial do FBI que circulou em agências
encarregadas da aplicação da lei em 17 de novembro declarou, em
letras em negrito, “A ameaça de atividade criminal violenta ou
destrutiva – incluindo atos de desobediência civil individuais ou em
grupo – é considerada uma possibilidade clara”.
A polícia e outros órgãos municipais não estavam de forma
alguma omissos em relação ao assunto. Em fevereiro, para coordenar
o planejamento de segurança, tinham criado uma comissão que incluía
representantes da polícia de Seattle e do Condado de King, do FBI
e do Serviço Secreto, entre outras autoridades. O departamento de
polícia treinou oficiais em técnicas de gerenciamento de multidões,
comprou suprimentos de spray de pimenta e máscaras de gás e criou
um “esquadrão volante” com a responsabilidade específica de prender
pessoas engajadas em destruição de propriedades e outras atividades
ilegais.
Porém, os planejadores do departamento também tomaram muitas
decisões de que se arrependeriam mais tarde. Rejeitaram as ideias de
montar barricadas e cercas ou de circundar a área da reunião da OMC
com uma demonstração maciça de força. Apesar de o departamento ter
contatado agências encarregadas da aplicação da lei para garantir que
policiais extras fossem disponibilizados se necessário, não investiu
recursos nem se deu ao trabalho de fazer um treinamento conjunto com
esses policiais. A polícia de Seattle tampouco providenciou comida e
abrigo para eles. E os planejadores cortaram várias vezes o número de
policiais designados para realizar prisões.
O tom foi dado no alto escalão do governo de Seattle pelo prefeito
Paul Schell, um afável advogado e ex-reitor de universidade, que sempre
comentava ter participado de protestos nos anos 60. Schell não queria
que a cidade se transformasse num acampamento armado e sempre
enfatizava que os manifestantes tinham de ter liberdade, pressupondo que
fariam barulho, mas não confusão. A imagem mental que fazia do evento,
como expressa na “mensagem de Schell” – uma carta que enviou aos
residentes da cidade dentro e fora do governo municipal – foi que “nossos
restaurantes e ruas ficarão cheios de gente do mundo todo. Questões de
importância mundial serão tratadas nos salões de conferência e locais
públicos... (e os muitos visitantes trarão algo em torno de US$11 milhões
de negócios para a cidade)”.
121
paul blustein
“Não podemos saber o que irá acontecer”, declarou sua
porta-voz, Vivian Philipps, à imprensa duas semanas antes da
reunião. “Mas estamos preparados”.
[*]
Preparados? Ah, não estavam não, como o chefe de polícia de
Seattle, Norm Stamper, constatou horrorizado logo cedo em 30 de
novembro, a data oficial de início da reunião da OMC. De pé, na chuva
fria, viu dez policiais buscando conter uma multidão de manifestantes
que estava tentando penetrar na garagem do subsolo do Hotel Sheraton,
onde muitos delegados da reunião da OMC estavam alojados. Nesse
momento, escreveu Stamper mais tarde, “percebi, pela primeira vez, que
não tínhamos nem de longe policiais suficientes para fazer o trabalho”.
A polícia não só estava despreparada em número, mas também em
destreza. Logo às 2h da madrugada, um grupo de manifestantes tinha
começado a se juntar e, às 7h30, o maior dos grupos, que tinha se reunido
num parque perto do famoso Pike Place Market, começou a marchar
em direção a leste para o Centro de Comércio e Convenções do Estado
de Washington, onde a OMC estava programada para se reunir. Outra
falange aproximou-se, vinda da direção oposta, ainda outra surgiu do
norte e uma quarta, do sul. Assumiram o controle dos cruzamentos mais
importantes ao longo do caminho, acorrentando-se uns aos outros e a
objetos, deitando no chão, puxando latões de lixo para o meio da rua
e, em alguns casos, tocando fogo. Só dois pelotões de policiais, com
cerca de 45 homens cada, estavam de prontidão às 6h e os dois últimos
pelotões só chegaram às 9h. Mesmo com força total, só 290 policiais de
Seattle, mais 50 extras da Patrulha Rodoviária Estadual que vigiavam a
avenida principal do centro da cidade, não foram suficientes para conter
uma multidão de vários milhares de pessoas. Como o próprio relatório
pós-ação do departamento do polícia reconheceu: “Essa ação de protesto
bem coordenada, que ocorreu cedo esta manhã, com grupos convergindo de
várias direções, logo ultrapassou a capacidade da polícia de manter livre
o acesso ao Centro de Convenções e fazer detenções ao mesmo tempo”.
Os grupos que estavam executando esse golpe de mestre tático eram
conhecidos como Lesbian Avengers [Vingadoras Lésbicas], Bananarchy
Movement [Movimento Bananarquia] e STARC Naked [STARC Nua],
122
perdidos em seattle
cuja sigla significava “aliança estudantil para reformar empresas”. Estes
eram grupos com afinidades, o que significava que seus seguidores
estavam comprometidos em trabalhar juntos durante os protestos, com
cada membro responsável por certas tarefas, como dar atendimento
médico e fornecer alimentos. Cantando e dançando ao som do bater
de tambores, muitos estavam fantasiados, principalmente de tartaruga.
A grande maioria estava firme no apoio à promessa da Direct Action
Network de evitar a violência contra pessoas e bens. Contudo, havia na
multidão um grupo de jovens vestidos de preto – algumas estimativas
falam em dúzias, outras em centenas – que se identificaram como
anarquistas e proclamaram que a pilhagem de prédios e outros atos
desse tipo eram uma ação justificável contra um sistema inerentemente
explorador, baseado nos direitos de propriedade privada. Por volta de
8h da manhã, estavam quebrando janelas de lojas e escritórios, pichando
edifício (uma das pichações dizia “Fodam-se as Putas da OMC”), jogando
objetos na polícia e confrontando agressivamente os poucos delegados
da OMC que se aventuravam para o lado de fora.
Lutando para manter o centro de convenções e hotéis a salvo
de invasões pelos manifestantes, a polícia desbaratou o “esquadrão
volante” que pretendia usar para fazer detenções, porque precisavam
de cada policial disponível para proteger os prédios mais estratégicos.
Os delegados receberam a ordem de ficar em seus hotéis, forçando o
cancelamento da cerimônia de abertura, marcada para as 10h. O mais
exasperante, tanto para policiais quanto para civis, foi que a escassez de
mão de obra impediu que a polícia interviesse contra atos descarados de
pilhagem e vandalismo. Em alguns casos, fileiras de policiais com coletes
à prova de balas tiveram de se postar impotentes em entradas de hotéis,
enquanto as pilhagens continuavam a olhos vistos. Alguns manifestantes
gritavam a frase de não violência “Vocês não têm vergonha?”, para os
anarquistas, e até se colocaram na frente de prédios alvos de vandalismo.
Apesar de os manifestantes não violentos estarem, em sua maioria,
prontos para enfrentar detenções por bloquear os cruzamentos e entradas
de prédios – nas reuniões de preparação, os líderes da Direct Action
Network tinham até mesmo pedido à polícia que facilitasse as prisões –,
os policiais não tinham nem de longe a capacidade de conduzir tantas
ações ao mesmo tempo. Além disso, apesar de uma prisão improvisada
ter sido montada num navio de guerra abandonado fora da cidade,
123
paul blustein
lamentavelmente ela também estava equipada com poucos homens.
Então, em vez de prender manifestantes que se recusavam a atender as
ordens de se mexer – apenas 68 foram presos em 30 de novembro –, a
polícia começou a jogar gás por volta das 10h e, conforme a violência
foi se intensificando, recorreram a cassetetes e balas de borracha. O
resultado previsível foi um fortalecimento da militância da multidão.
Um artigo no jornal Seattle Times disse: “Quanto mais os policiais
lançavam gás, mais os manifestantes ficavam ousados e continuavam
a voltar para a cena”.
Observando, com desânimo, a confusão embaixo de uma janela do
Hotel Westin e assistindo pela televisão também, estavam a secretária
de Estado Albright e a representante de Comércio dos EUA Barshefsky.
Era esperado que elas estivessem na cerimônia de abertura, na qual
Albright seria a palestrante inicial. Segundo pessoas que estavam lá,
Albright vociferava que era, em suas próprias palavras, “prisioneira num
hotel em meu próprio país”, telefonava para todos de quem conseguia se
lembrar para ajudar a restaurar a ordem, inclusive a procuradora-geral
Janet Reno e o governador de Washington Gary Locke, exigindo uma
ação imediata. Seu confinamento, e o da maioria dos outros delegados,
continuou durante horas, com o caos piorando com a chegada da tarde,
quando a marcha dos sindicatos convergiu para o centro da cidade.
Sindicalistas, estimados em 20.000 a 50.000 pessoas, tinham
passado a manhã num estádio ouvindo discursos e depois começaram a
marchar ao meio-dia numa caminhada oficialmente autorizada de cinco
quilômetros que supostamente passaria perto do centro da cidade, antes
de dobrar para pontos de dispersão. A polícia esperava que a marcha
retirasse manifestantes da parte central da cidade, dando-lhe a chance
de estabelecer um perímetro em torno do Centro de Convenções. Em
vez disso, conforme a marcha foi se aproximando do centro da cidade,
muitos deles se aventuraram para a zona de conflito, onde alguns foram
pegos em batalhas com a polícia. Steve Williamson, secretário-executivo
do Conselho Trabalhista do Condado de King, que foi muito atingido
pela liberação de gases junto com um amigo, se lembrou mais tarde de
que dar-se conta da dimensão da violência “é uma coisa que mexe com
a gente... realmente tivemos uma confrontação séria com o governo”.
Este foi o momento da consequência do “telefonema perdido”
e da “falta de comunicação” que Michael Dolan tinha vivenciado
124
perdidos em seattle
alguns meses antes, quando estava tentando coordenar a concatenação
da marcha sindicalista e do plano dos ativistas para protestos mais
militantes. A marcha e os protestos estavam agora no estágio de mútuo
reforço.
Esse desdobramento estava sendo observado na TV com grave alarme
no centro de comando no Quartel-General da Polícia de Seattle, onde
os oficiais mais graduados de órgãos encarregados da aplicação da lei e
do governo local estavam abrigados. Tradicionalistas radicais estavam
exigindo uma reação mais forte aos manifestantes do que o prefeito
Schell e o chefe de Polícia Stamper estavam inclinados a impor. Dave
Reichert, o xerife do Condado de King, estava “apoplético e seu sangue
fervia cada vez que Schell abria a boca”, segundo o relato de Stamper. O
Serviço Secreto estava questionando se o presidente Clinton, que estava
programado para chegar essa tarde, deveria ser autorizado a fazê-lo.
Um pouco antes das 15h, o governador Locke – que fora fustigado pelo
telefonema de Albright – chegou para informar a Schell que ele queria
convocar a Guarda Nacional e declarar estado de emergência. Apesar de
as autoridades de Seattle terem antes rejeitado as propostas para fazer
isso, a situação envolvendo a marcha sindicalista forçou-os a voltar
atrás. Schell emitiu a declaração de emergência, que incluía a imposição
de toque de recolher e a criação de um perímetro em torno da sede da
reunião da OMC.
A mudança na tática do prefeito de tolerância para o castigo
não evitou que a violência continuasse varando a noite. Multidões
enfrentaram a polícia com pedaços de entulho, pedras, rolamentos de
aço e garrafas, recebendo disparos de gás lacrimogêneo, granadas de
concussão e balas de borracha em resposta. Os policiais conseguiram
limpar a área do centro da cidade e levar os manifestantes para outro
bairro, onde se estava pondo fogo no lixo e as lixeiras estavam sendo
puxadas para o meio da rua.
Alguns conflitos ainda estavam ocorrendo quando o avião Força
Área 1 aterrissou à 1h30 da manhã. O presidente tinha tentando bancar
o pacificador naquele dia, condenando publicamente os atos criminosos
e, ao mesmo tempo, defendendo os direitos dos manifestantes de serem
ouvidos. Mas o que os delegados não sabiam, incluindo Barshefsky,
é que Clinton já tinha lançado seu próprio dispositivo incendiário na
confusão.
125
paul blustein
[*]
Um clima soturno prevaleceu na manhã do dia seguinte, 1º de
dezembro, conforme os ministros de Comércio e outros delegados
começaram a se reunir às 9h, no Centro de Convenções. Estavam
aliviados de ver que podiam pelo menos atravessar as ruas do centro a
salvo, graças a uma “zona neutra” que mantinha a maioria das pessoas
sem credenciais longe da entrada de uma área cercada por cordão
de isolamento de aproximadamente 50 quadras, patrulhada por um
contingente policial reforçado, tanques e cerca de 300 soldados da Guarda
Nacional. Porém, muitos ministros e delegados, principalmente os de
países desenvolvidos, estavam enchendo os ouvidos dos representantes
governamentais americanos com o assédio que tinha sofrido no dia
anterior. “Vocês imaginam o tipo de crítica que sofreríamos se o
embaixador norte-americano fosse atacado em nosso país?”, perguntou
Federico Cuello Camilo, embaixador na OMC da República Dominicana,
cujo ministro do Comércio tinha sido agredido pelos manifestantes, além
de ter sido atingido por gás lacrimogêneo.
Falando em nome do governo dos EUA, em sua posição de presidente
da reunião, Barshefsky se desculpou em sessão plenária pela quebra da
ordem, culpando as “ações irresponsáveis de uma pequena minoria”.
Depois disse como a reunião iria se desenrolar nos três dias restantes
antes de seu encerramento previsto para sexta-feira, 3 de dezembro. Cinco
grupos de trabalho tentariam chegar a um acordo sobre os aspectos mais
contenciosos da pauta proposta para uma nova rodada – agricultura, acesso
a mercados, as questões de Cingapura, questões sistêmicas (processos de
tomada de decisão da OMC) e implementação e regras (principalmente
antidumping e ajustes na Rodada Uruguai). Os grupos, para os quais todos
os países-membros poderiam enviar representantes, seriam chefiados
por ministros dos países da OMC chamados de Friends of the Chair
[Amigos da Presidência], uma inovação concebida pelo diretor-geral
Moore na esperança de que ministros influentes conseguissem persuadir
seus colegas para um consenso. Se tudo corresse bem, cada um dos
grupos de trabalho redigiria textos que fossem amplamente aceitáveis e
estes seriam incorporados a uma declaração global que seria submetida a
todos os membros, com base no entendimento usual em conversações de
comércio multilateral de que nada estava acordado até que tudo estivesse
126
perdidos em seattle
acordado. Barshefsky exortou os ministros a negociar em vez de reiterar
posições antigas e associou a seu pedido uma advertência: o fracasso no
alcance de um acordo nos grupos de trabalho a obrigaria a convocar uma
reunião de sala verde (Green Room) – uma reunião de ministros a partir
de um seleto grupo de países, cuja decisão coletiva seria apresentada ao
resto dos 135 países numa base de “pegar ou largar”.
Além de aborrecidos com os protestos, os delegados estavam irritados
com questões logísticas. Muitos estavam encontrando dificuldade em
obter credenciais. Uma acústica ruim prejudicava as reuniões dos grupos
de trabalho, que estavam se reunindo em um amplo salão de exposições,
separados uns dos outros por divisórias de tecido, “de forma que tudo que
era dito num lugar era ouvido em toda parte”, lembra-se Roderick Abbott,
um dos principais negociadores da União Europeia na área de comércio.
No meio da quarta-feira, mais um motivo de irritação para os ministros:
eles tinham de ficar numa longa fila para passar por detectores de metal no
caminho para o almoço, porque estava previsto um discurso de Clinton.
No entanto, esses incômodos não eram nada, comparados com a
raiva que estava se avolumando em relação ao teor da mensagem de
Clinton. O jornal Seattle Post-Intelligencer daquela manhã dizia que o
presidente estava assumindo uma posição mais agressiva do que antes
em relação à questão dos padrões trabalhistas. Até aquele momento, os
representantes governamentais norte-americanos vinham assegurando a
outros países que não estavam tentando nada além do estabelecimento
de uma comissão da OMC sobre a relação entre trabalho e comércio.
Ofereciam também garantias de que essa comissão meramente estudaria
questões como trabalho infantil e não pretendia dar o primeiro passo rumo
a um sistema de sanções contra nações que estivessem descumprindo
padrões internacionais. Mas Clinton estava reduzindo essas garantias a
cacos, dizendo aos jornais, numa entrevista por telefone, enquanto estava
em São Francisco, a caminho de Seattle:
O que temos de fazer primeiro é adotar a posição dos Estados Unidos de
ter um grupo de trabalho sobre padrões trabalhistas dentro da OMC e
depois esse grupo de trabalho desenvolveria padrões básicos, que fariam
parte de todo acordo de comércio e, em última instância, favoreceriam
um sistema no qual seriam introduzidas sanções por violação de qualquer
dispositivo de um acordo de comércio.
127
paul blustein
Os negociadores norte-americanos não faziam ideia de que o presidente
se afastaria tanto da posição inicial deles. Barshefsky estava tão ocupada
com outras obrigações naquela manhã que só tomou conhecimento da
entrevista de Clinton no almoço dos ministros, quando se sentou ao lado
de Pascal Lamy, substituto de Sir Leon Brittain como comissário europeu
de Comércio há algumas semanas. Lamy entregou-lhe um exemplar da
edição do Post-Intelligencer e, como ambos se lembram do episódio, ela
empalideceu e disse com voz entrecortada que era a primeira vez que
via aquilo.
As observações de Clinton, sabiam eles, atiçariam os mais sombrios
temores, no mundo em desenvolvimento, de que Washington tinha uma
agenda secreta para um regime rígido de direitos trabalhistas. As nações
da Ásia, América Latina e África já suspeitavam que os Estados Unidos
trairiam seus princípios de livre comércio usando padrões trabalhistas
para extinguir a vantagem de baixos salários que constituía a principal
esperança dos países pobres de competir nos mercados internacionais. O
presidente tinha óbvias motivações políticas para se mover nessa direção,
tendo em vista seu desejo de ajudar o vice-presidente Gore a garantir a
lealdade de sindicatos.
Quando, finalmente, chegou, Clinton se empenhou em fazer um
discurso visando reduzir a resistência aos padrões trabalhistas. “Reconheço
abertamente que, se tivéssemos certo tipo de regra, os protecionistas de
países ricos usariam expedientes como diferenças salariais para manter
os países pobres na pobreza”, disse ele, mas “podemos encontrar um
meio... de escrever essas regras”, de forma a evitar esse resultado.
Os ministros de países em desenvolvimento ficaram impermeáveis a
essas palavras, assim como a uma operação de contenção de danos que
os funcionários da Casa Branca tentaram realizar naquela tarde para
minimizar as palavras de Clinton, considerando-as menos significativas
do que ele tinha realmente dito. Ex-colaboradores de Clinton se lembram
dele sendo sabatinado sobre a questão dos padrões trabalhistas e alguns
deles concordam que a razão da toda a sua franqueza era política. De sua
parte, Barshefsky se recorda de Clinton perguntando mais tarde, nesse
mesmo dia em que fez o seu discurso em Seattle, sobre como estava
andando o esforço de amolecer os países em desenvolvimento. “Nada
bem”, disse ela, provocando uma resposta enigmática do presidente:
“Não tive a intenção de estabelecer políticas nessa área”.
128
perdidos em seattle
O prefeito Schell e o chefe de polícia Stamper viviam um verdadeiro
inferno: enfrentavam críticas por sua falta de firmeza inicial em relação
aos protestos e à brutalidade da reação após a situação ter fugido ao
controle. Naquela quarta-feira, estavam conseguindo manter ruas do
centro da cidade trafegáveis, depois de terem criado o perímetro em torno
da área da reunião da OMC e aumentado dramaticamente o contingente
de policiais para fazer detenções. Então a pergunta óbvia era, por que não
tinham feito isso na véspera? “Se eu tivesse... negado aos manifestantes a
oportunidade de se fazerem ouvir, teríamos sido severamente criticados
por negar o direito à liberdade de expressão e talvez por provocar uma
violência ainda mais séria”, disse o prefeito à imprensa. Essas respostas,
contudo, não refutaram, de maneira satisfatória, as críticas de que
o prefeito deveria ter designado um número maior de policiais para
prender tanto manifestantes violentos quanto militantes que protestavam
pacificamente. Os ataques ao prefeito e à polícia se aprofundaram na
tarde de quarta-feira quando uma manifestação de cinco horas surgiu e
quando um vídeo de TV mostrou um policial chutando a virilha de um
homem que nem oferecia resistência. Notícias de que policiais de fora da
cidade não dispunham de dormitórios e refeições adequados expuseram
o planejamento desleixado da prefeitura.
O tumulto diminuiu na quinta-feira, 2 de dezembro, com
manifestações atraindo menos gente. Mas novos insultos foram dirigidos
aos representantes municipais pelos comerciantes locais, que estavam
sofrendo milhões de dólares em prejuízos em vez de estarem colhendo os
frutos da bonança de vendas que lhes fora prometido. “Há muita raiva e
frustração”, disse o diretor de marketing da Associação dos Comerciantes
do Centro de Seattle ao jornal Seattle Times, acrescentando que o grupo
estava considerando abrir processo contra o município.
Raiva e frustração estavam na ordem do dia no Centro de Convenções
também, enquanto os grupos de trabalho lutavam, quase sempre sem
sucesso, para eliminar os colchetes do texto a fim de chegar a um acordo
sobre o escopo das negociações que uma nova rodada abrangeria em
cada área determinada.
O grupo mais fragmentado era aquele responsável pelas relações
entre comércio e trabalho. Esse grupo não tinha sido incluído nos cinco
grupos originais anunciados por Barshefsky e se reuniu na quinta-feira,
penúltimo dia da reunião, tendo obviamente os Estados Unidos como seu
129
paul blustein
principal patrocinador. O grupo se reuniu por longos quarenta minutos
antes que o encontro fosse encerrado por falta de acordo. “Houve muita
gritaria”, recorda-se a presidente, Anabel González, vice-ministra do
Comércio da Costa Rica. “Foi a reunião mais contenciosa que já vi”.
Exaltados pela entrevista de Clinton aos jornais, os representantes de
países em desenvolvimento confessaram que nunca teriam aceitado a
proposta norte-americana de um fórum sobre trabalho na OMC. Um
delegado paquistanês afirmou que González não tinha nem mesmo o
direito de convocar a reunião. González pediu aos delegados interessados
que se reunissem com ela em grupos menores e informais, que mais
tarde começaram a considerar versões mais suavizadas da proposta
norte-americana.
O único grupo de trabalho a produzir um texto foi o de agricultura,
chefiado pelo ministro do Comércio de Cingapura, George Yeo. Ele
utilizou uma linguagem astutamente vaga para ajudar a reduzir as
diferenças entre negociadores dos EUA e da União Europeia em
relação ao rumo que as negociações sobre comércio de produtos
agrícolas tomariam numa nova rodada. Numa passagem clássica por sua
imprecisão, o texto dizia que a rodada visaria “reduções substanciais de
subsídios à exportação... na direção de uma eliminação progressiva de
todas as formas de subsídios às exportações” – dizeres que poderiam ser
interpretados como uma promessa implícita de corte desses subsídios
até chegar a zero ou meramente uma promessa de caminhar um pouco
em direção a essa meta.
A única esperança prática de chegar a um acordo numa declaração
feita na sexta-feira à noite era começar a organizar uma reunião de sala
verde com um número administrável de ministros. Foi esse o rumo que
Barshefsky tomou na tarde de quinta-feira. Ela marcou 18h como prazo
final para os grupos de trabalho e declarou que se não tivessem avançado
suficientemente até essa hora, “reservo-me plenamente o direito de usar
um processo mais exclusivo para chegar a um resultado final”.
Nesse momento, um ressentimento cozido em fogo brando começou
a ferver.
Os delegados vindos dos países mais pobres da África, do Caribe e
da América Latina já estavam agastados com a maneira como a reunião
estava sendo conduzida e a perspectiva da sala verde deu-lhes novas
razões para concluir que os trabalhos constituíam um retrocesso ao estilo
130
perdidos em seattle
do antigo GATT, de acordos confortavelmente costurados entre a elite.
Uma sessão plenária formal acabou numa cacofonia de vaias e socos na
mesa por parte dos delegados de países pobres. É bom observar que sua
militância diferia dos protestos dos manifestantes. Os representantes
governamentais de países em desenvolvimento em geral não aceitavam
de forma alguma a imposição de padrões trabalhistas e ambientais estritos
defendidos pelos manifestantes de rua. Mas compartilhavam a hostilidade
dos manifestantes em relação às potências que estavam liderando a
reunião, ainda mais pela arbitrariedade pela qual os países pobres
eram excluídos da sala verde. Suas reivindicações eram provavelmente
exageradas. Eles haviam tido permissão para designar representantes
para a maioria dos grupos de trabalho e obtido a garantia de que a sala
verde incluiria vários representantes africanos. Porém, tinham uma queixa
legítima: qualquer acordo na sala verde que surgisse na sexta-feira os
confrontaria com uma decisão apressada sobre a aprovação ou não de
uma declaração ministerial longa e complicada e lhes daria pouco tempo,
se é que teriam algum, para consultar os governos de seus países.
Esses países logo passaram a fazer uso do pouco poder que
tinham: a ameaça de bloquear o consenso. Em declaração emitida
na quinta-feira bem tarde, um grupo de países pobres da América
Latina e do Caribe disse: “Estamos particularmente preocupados
com as intenções declaradas de produzir um texto ministerial a
qualquer custo... Já que as condições de transparência, abertura
e participação... não existem, não nos juntaremos ao consenso
exigido para atingir os objetivos desta conferência ministerial”. Uma
declaração feita pelo Grupo Africano continha palavras semelhantes.
A reunião de Seattle agora estava se movendo rapidamente para o
desastre.
[*]
Inúmeros fatores estavam em jogo para diminuir a probabilidade
de que a OMC tivesse êxito em Seattle. A maioria não tinha a ver
com os protestos. Eles incluíam a luta divisora pelo cargo de diretor-geral, as desavenças sobre o que uma nova rodada acarretaria, a
enorme quantidade de colchetes nas versões preliminares dos textos, a
desorganização logística que atormentava a conferência e a controvérsia
131
paul blustein
em relação às observações de Clinton sobre padrões trabalhistas. Talvez
a perspectiva de um acordo tivesse sido nula desde sempre, como alguns
manifestantes e observadores alegavam. Porém, pode-se argumentar de
forma plausível que, na sexta-feira, 3 de dezembro, ainda permanecia
viva uma oportunidade de algum tipo de acordo e que os eventos do
dia produziram a verdadeira causa mortis da reunião, inseparável dos
protestos.
O dia começou com altos níveis de estresse e exaustão, quando 25
ministros de países-chave fizeram uma reunião de sala verde pela manhã
em torno de uma grande mesa quadrada no sexto andar do Centro de
Convenções. Os principais negociadores dos EUA e da União Europeia
tinham ficado acordados a noite inteira discutindo sobre agricultura.
Embora essas conversas parecessem prestes a chegar a uma ruptura, por
volta de 4h30 da madrugada o comissário europeu de Comércio, Lamy,
tinha saído para consultar os ministros da Agricultura e do Comércio de
países-membros da União Europeia e não tinha voltado depois de várias
horas, o que indicava que estava enfrentando forte resistência. Fora da
sala verde, ministros das nações deixadas de fora se viram na posição
embaraçosa de não ter nada para fazer a não ser comer pizza, fumar,
assistir aos protestos pela TV e se enfurecer com sua incapacidade de
influenciar, ou mesmo de ficar sabendo o que estava acontecendo lá
dentro. Quando Barshefsky fez um intervalo e pediu para ser substituída
na presidência da reunião, passando a responsabilidade para o ministro
do Comércio canadense Pierre Pettigrew, um dos colegas do ministro
brincou: “Você bem que está parecendo o maestro da orquestra a bordo
do Titanic”.
Ansioso por evitar o fiasco, no seu primeiro grande teste como
diretor-geral, Moore iniciou um esforço para obter a única coisa que seria
possível para salvar a reunião – uma prorrogação. Reuniões anteriores
sobre comércio internacional tinham, algumas vezes, alcançado o
consenso com a prorrogação das discussões além do tempo regulamentar,
e Moore acreditava que Seattle podia ser mais um desses casos. Muitas
horas tinham sido consumidas com agricultura, negando a chance de se
resolver tópicos contenciosos como práticas antidumping e os temas de
Cingapura. Tempo extra era a única esperança para tratar desses assuntos
e oferecia a única esperança de superar outro problema – a determinação
das nações africanas, latino-americanas e caribenhas de rejeitar qualquer
132
perdidos em seattle
acordo concluído a portas fechadas sem que elas tivessem a oportunidade
de consultar seus países.
O homem designado por Moore para tentar obter uma prorrogação no
Centro de Convenções foi Andy Stoler, o ex-número 2 da missão norte-americana junto à OMC, que tinha acabado de se tornar diretor-geral
adjunto da organização. Como o americano mais antigo na liderança da
OMC, Stoler tinha a responsabilidade de fazer a ligação com o prefeito
Schell.
A resposta do prefeito: Saia daqui.
Não só Schell se recusou a permitir que os delegados da OMC
permanecessem após o prazo final programado, recorda-se Stoler,
como “nos falou que iria suspender a proteção policial do Centro de
Convenções” – uma ameaça perturbadora, porque as manifestações
continuavam até esse dia, com 500 manifestantes conseguindo fugir da
marcha sindicalista e ir para o Hotel Westin, onde muitos se acorrentaram
às portas. “A razão era que o Centro de Convenções ficava localizado
no meio da área comercial do centro da cidade e esta era a semana após
o feriado de Ação de Graças, com todos os comerciantes dizendo ‘Seu
imbecil, estamos perdendo milhões de dólares por sua causa’”, disse
Stoler. “Ele me disse: ‘Estou com toda a área comercial do centro da
cidade fechada por causa da sua reunião!’ Finalmente negociei um trato
com ele, que foi: ‘Se você conseguir manter a polícia aqui até 1h da
manhã, garanto que terminaremos à meia-noite’”.2
Outro boato que correu naqueles dias dizia que a reunião não poderia ser prorrogada
porque o Centro de Convenções tinha de ser esvaziado para abrigar um congresso
de oftalmologia, marcado meses antes. Vários artigos de jornal da época, assim
como algumas retrospectivas sobre a conferência ministerial de Seattle escritas por
economistas e outros analistas, citaram o congresso de oftalmologia como sendo o
problema. Porém, a Academia Americana de Optometria, o grupo em questão, só
começou as inscrições para a tal convenção na quarta-feira da semana seguinte, cinco
dias depois.
Assim, o principal motivo da incapacidade da OMC em obter uma prorrogação parece
ter sido aquele citado por Stoler. Indagado sobre o relato de Stoler, Schell disse que
não se lembra da conversa, mas admite que ela pode ter acontecido. Também disse
que não tinha conhecimento do congresso de oftalmologia. “Lembro que estávamos
ansiosos para mandar [a OMC] embora”, disse ele, citando “forças de segurança
exaustas e comerciantes varejistas muito insatisfeitos”.
2
133
paul blustein
Os protestos arruinaram a maior parte do primeiro dia da reunião
e agora estavam sendo responsabilizados por privar a OMC de um dia
extra, que se mostrara desesperadamente necessário. Se esse dia extra
ajudaria, nunca se saberá. Barshefsky e alguns outros funcionários do
governo Clinton sustentaram publicamente que a situação chegou a um
impasse quando a União Europeia retirou sua aprovação ao texto sobre
agricultura. Muitos outros recusaram essa versão dos eventos como
uma tentativa de evitar a culpa. Eles diziam que a União Europeia se
dispunha a ser flexível desde que suas concessões na agricultura fossem
compensadas com ganhos em outras áreas. “Se um entendimento tivesse
sido alcançado em outros assuntos, teríamos obtido um acordo em
agricultura”, disse um ex-colega de Barshefsky. Em outras palavras, o
tempo extra poderia ter feito alguma diferença, um ponto de vista que
várias pessoas da equipe dos EUA compartilharam naquela sexta-feira
fatídica.
Sem nenhuma esperança de que o tempo adicional fosse se
materializar, Moore se reuniu na tarde de sexta-feira com cinco
ministros dos mais importantes – Lamy, da União Europeia, Yeo,
de Cingapura, e mais seus colegas do Egito, África do Sul e Brasil.
Concluíram que era necessário dissolver a reunião imediatamente
e da forma mais ordenada possível, para minimizar o dano à OMC.
O ministro brasileiro, Luiz Felipe Lampreia, procurou um amigo,
Richard Fisher, que era o adjunto de Barshefsky. “Disse ao Richard:
‘Encerre logo a conferência. Convença Charlene de que não há mais
chance’”, recorda-se Lampreia. Essa mensagem chegou a Barshefsky,
que, segundo o relato de Fisher, desanimada disse-lhe: “Ok, Richard,
passe a mensagem às tropas”.
Com rufar de tambores e soprar de cornetas, os manifestantes
saíram correndo pelas ruas quando se espalhou o rumor do que estava
acontecendo. Às 10h30, Barshefsky oficialmente suspendeu a reunião,
dizendo aos delegados reunidos: “talvez seja melhor darmos um tempo”.
A OMC tinha feridas profundas para cuidar. Mesmo seus
protagonistas estavam estarrecidos com suas deficiências. Lamy a
chamou de organização “medieval”, dizendo aos repórteres, no dia 4 de
dezembro, que “ela terá de ser reavaliada e talvez reconstruída”. Uma
figura-chave já estava começando a pensar sobre como contornar os
problemas na reunião seguinte.
134
perdidos em seattle
[*]
Mesmo para seus padrões habituais, Mike Moore estava num
humor extraordinariamente enérgico e irreverente quando se reuniu com
membros importantes do Secretariado da OMC no início de janeiro de
2000. Recém-chegados dos feriados de final de ano, os funcionários
da OMC ainda estavam se recuperando do fiasco em Seattle. Tinham
esperanças de que o passar do tempo possibilitaria que a organização
começasse a curar as fissuras entre os Estados-membros e amainar as
paixões que tinham se inflamado. Afinal de contas, mesmo que uma nova
rodada não pudesse ser lançada, os membros tinham muito trabalho pela
frente, na forma de um “programa de trabalho pré-definido”. Tratava-se
de um mandato resultante da Rodada Uruguai no sentido de começar
negociações em 2000 sobre comércio em agricultura e serviços. Mas
Moore, que sabia que a próxima reunião ministerial marcada para 2001
seria sua última como diretor-geral, nem pensava em diminuir o ritmo de
trabalho, voltando aos padrões normais de procedimento da organização.
“Essa porra desse show tem de continuar”, disse Moore a um grupo
estarrecido reunido na sala de conferências, segundo as lembranças
dos participantes. “Não vamos, de jeito nenhum, ser percebidos como
abelhas zumbindo em torno dessa porra de programa de trabalho. Temos
que nos repaginar!”.
Mas que tipo de repaginação daria à OMC uma nova vida? Quais
os problemas do sistema multilateral de comércio de que deveria tratar?
O tema dos direitos trabalhistas estava fora de cogitação. Seattle tinha
provado que qualquer esforço para inserir dispositivos sobre direitos
trabalhistas nas regras da OMC enfrentaria uma rejeição violenta por
parte dos países em desenvolvimento. As questões ambientais de grande
interesse especialmente para os europeus também teriam de ser tratadas
com cautela. As nações em desenvolvimento encaravam grande parte da
pauta dos verdes como resultante de impulsos protecionistas.
Havia, porém, um conceito muito mais promissor – desenvolvimento.
Ao abrigar-se sob esse manto, a OMC poderia atrair o apoio tanto
da Esquerda, simpática às queixas dos países em desenvolvimento,
quanto da Direita, que queria encorajar as nações pobres a encarar o
comércio como sua verdadeira salvação ao invés de vê-lo apenas como
um instrumento de ajuda. Tornar a redução da pobreza uma prioridade
135
paul blustein
central também ajudaria a vencer a resistência de grupos como o Like
Minded Group a uma nova rodada.
“Depois de Seattle, consegui vislumbrar como o acordo podia ser
alcançado”, escreveu Moore mais tarde em um de seus livros. “Eu sabia
que precisávamos ter uma agenda de desenvolvimento que atendesse às
necessidades dos países pobres”.
136
Capítulo 5
Apenas notas 10
Num reino no deserto em que é proibida a entrada de bebidas
alcoólicas e as mulheres se cobrem com véus, mesmo o manifestante mais
ousado pensaria duas vezes antes de atacar e virar uma viatura da polícia,
depredar um McDonald’s ou simplesmente bloquear um cruzamento. Foi
justamente na capital de um país como esse que a OMC decidiu, em 23
de janeiro de 2001, realizar alguns meses depois, naquele mesmo ano,
sua reunião ministerial. Uma península do tamanho de Connecticut, rica
em petróleo, com cerca de 120.000 habitantes, o Catar tinha um código
islâmico tradicional que regia a conduta pessoal e impunha punições
rígidas para críticas à monarquia. Dificilmente seria um lugar hospitaleiro
para organizações do tipo da Ruckus Society fazerem manifestações
violentas e formarem correntes humanas.
A decisão de realizar a reunião em Doha suscitou reclamações de
ativistas ambientais e de direitos humanos e trabalhistas. Eles citavam
um relatório do Departamento de Estado dos EUA que declarava que
o governo catariano “limita severamente a liberdade de reunião”. Em
resposta, o porta-voz da OMC, Keith Rockwell, disse que o plano surgira
em parte por conta da escassez de outras cidades dispostas a serem
anfitriãs depois de Seattle. As autoridades governamentais do Catar,
acrescentou ele, “nos deram garantias de que protestos pacíficos podem
ser realizados, desde que seja obtida autorização”.
137
paul blustein
De fato, o Catar estava bem mais aberto politicamente do que alguns outros
países islâmicos. Seu governante, o xeique Hamad bin Khalifa al-Thani, criara
a rede de televisão Al-Jazeera, que colocava no ar algumas das transmissões
mais livres e irresponsáveis do mundo árabe, e também realizara as primeiras
eleições do país, para um conselho consultivo municipal. No fundo, contudo,
o Catar permanecia um reino feudal e havia outras razões que explicavam por
que o clima na reunião em Doha certamente diferiria bastante do de Seattle.
Apenas 4.400 acomodações em hotel estavam disponíveis – insuficientes para
receber os milhares de delegados, jornalistas e funcionários da OMC esperados.
Os catarianos prometeram permitir a estadia de navios de cruzeiro no porto
de Doha e alugar mansões para acomodar os excedentes previstos. Mas só
restariam cerca de mil acomodações para os representantes da ONGs – um
obstáculo e tanto para quem tivesse esperanças de lançar um protesto decente.
A OMC claramente queria que sua reunião ministerial de 2001,
programada para acontecer de 9 a 13 de novembro, fosse a anti-Seattle.
Escolher Doha foi uma dentre várias providências que seus líderes
tomariam com esse fim.
Nos preparativos da reunião de Doha, Mike Moore visitou a África
seis vezes num esforço de convencer os formuladores de políticas do
continente de que suas opiniões seriam levadas mais em conta do que
tinham sido em Seattle. O diretor-geral transmitiu a mesma mensagem
a países pobres demais para manter missões em Genebra, em reuniões
realizadas para seus representantes em Bruxelas e Londres.
O mais importante, para explicar o motivo do lançamento de uma
rodada em Doha, foi que ele enfatizou repetidas vezes que esta deveria
ser chamada de “uma verdadeira rodada de desenvolvimento”, com o
propósito principal de atender às necessidades de países pobres. “A
maneira mais certa de fazer mais para ajudar os pobres é continuar
a abrir mercados. Uma nova rodada de negociações de comércio
multilateral traria enormes benefícios”, declarou ele num discurso na
London School of Economics em junho de 2000 e incitou a plateia a
“aprender com o exemplo dos países em desenvolvimento que estão
tentando eliminar o atraso em relação ao nível de desenvolvimento
atingido pelos ricos”:
Vejam o exemplo da Coreia do Sul. Há trinta anos, era um país tão pobre
quanto Gana, agora, é tão rico quanto Portugal. Ou pensem na China,
138
apenas notas
10
onde 100 milhões de pessoas escaparam da pobreza extrema na última
década. O que esses países afortunados têm em comum? Abertura para
o comércio.
Ele usou quase as mesmas palavras em discursos feitos em outros
locais no mundo todo, observando, ao mesmo tempo, que o comércio
não resolveria sozinho o problema da pobreza em países sofrendo com
guerras e governos corruptos. Em outro pronunciamento em março de
2001, afirmou:
Pessoas de bom senso podem especular sobre o tamanho exato dos lucros
decorrentes da nova rodada. Porém, a mensagem básica de estudo após
estudo é clara: uma nova rodada traz enormes benefícios a todas as
partes do mundo. Por exemplo, um estudo feito pelo Instituto Tinbergen
estima que os países em desenvolvimento ganhariam US$ 155 bilhões por
ano com uma maior liberalização do comércio. Isso representa três vezes
mais do que os US$ 43 bilhões que recebem a título de ajuda externa ao
desenvolvimento.
As exortações de Moore para uma rodada de desenvolvimento
tocaram num ponto sensível entre muitos formuladores, especialistas
e comentaristas, e fizeram com que ele realmente acreditasse no
que estava dizendo. Mesmo antes da reunião ministerial de Seattle,
Moore apoiou propostas por uma rodada que tivesse ênfase no
desenvolvimento. “Não era uma ideia nova, mas Mike sentiu que
algum tipo de abordagem transformadora era necessária, disse Evan
Rogerson, um conterrâneo neozelandês que ocupava uma posição
elevada no Secretariado da OMC. “Para Mike, não era um exercício
de marketing cínico”.
Porém, algumas questões expressivas foram deixadas sem resposta:
o que exatamente resultaria dessa rodada? Isso queria dizer que os países
em desenvolvimento deveriam ter mais acesso a mercados de países
ricos ou também implicaria que deveriam baixar suas próprias barreiras
e, em caso positivo, em que condições? E o mais fundamental: será
que existiam evidências realmente indiscutíveis de que a liberalização
do comércio geraria um crescimento assombroso no mundo em
desenvolvimento?
139
paul blustein
[*]
Para os defensores de mercados abertos no mundo todo, uma das
armas intelectuais mais potentes de que dispunham era o trabalho de um
economista com um nome que vinha bem a calhar: David Dollar. De
fato, seus estudos eram citados frequentemente nos discursos de Moore.
Dollar, funcionário graduado do Departamento de Pesquisa do
Banco Mundial, era, entre os economistas, um dos maiores defensores
do livre comércio e investimento em países em desenvolvimento. Os
dados que ele apresentava indicavam que as mais prósperas nações em
desenvolvimento eram as que tinham feito os maiores esforços para entrar
no comércio internacional, enquanto que as mais estagnadas eram as
que não tinham se esforçado muito para se integrar à economia global.
Dollar começou a formular suas ideias sobre o assunto quando estava
trabalhando no Vietnã como consultor do Banco Mundial, na primeira
metade da década de 1990. Homem barbado e efusivo, formado pela
Universidade Dartmouth em história e língua chinesa e doutorado em
economia pela Universidade de Nova York, ele se maravilhava com a
maneira com a qual a economia do Vietnã – quase totalmente fechada
para o comércio e investimento durante o governo comunista de linha
dura – tinha começado a sair da pobreza ao se abrir ao comércio após
a Guerra Fria.
“Agora você tem cybercafés em Hanói, eles mandam alunos
para estudar no exterior e vi a vida das pessoas melhorar de forma
impressionante”, contou Dollar quando o entrevistei em 2001. “O que
eu via não batia com as queixas que se ouve do pessoal do movimento
antiglobalização. Então me pareceu uma boa ideia olhar sistematicamente
para a questão”.
De volta à sede do Banco Mundial em Washington, Dollar escreveu
vários artigos, sendo o mais notável publicado na primavera de 2001.
Apesar de os economistas, há muito tempo, virem exaltando as virtudes
do comércio e ligando-o ao crescimento econômico e à redução da
pobreza, esse estudo, de Dollar em coautoria com seu colega Aart Kraay,
examinou a relação de uma forma mais rigorosa.
O estudo começou dividindo cerca de setenta países em
desenvolvimento em dois grupos – os que embarcaram na globalização
durante a década de 1980 e de 1990 e os que resistiram a ela. Os
140
apenas notas
10
“globalizadores” foram definidos como países que tinham aumentado
suas importações e exportações como parcela de seu produto interno
bruto (PIB) e que mais tinham reduzido suas tarifas médias durante
o período em questão. Eles incluíam China, Malásia, México, Índia,
Tailândia, Argentina, Filipinas e Hungria. Os “não globalizadores”, em
que o comércio como uma percentagem do PIB declinara e as tarifas
tinham sido menos reduzidas, incluíam Burma, Paquistão e vários países
da África Subsaariana.
Os resultados eram impressionantes: os globalizadores tinham
aumentado seus índices de crescimento econômico médio de 2,9% ao
ano na década de 1970 para 3,5% na década de 1980 e 5,0% na década
de 1990. Os países que não estavam no grupo globalizante viram o
crescimento declinar de 3,3% ao ano na década de 1970 para 0,8%
na década de 1980, recuperando para 1,4% na década de 1990. Com
o passar dos anos, o efeito cumulativo dessa disparidade nos índices
de crescimento teve um impacto muito grande nos padrões de vida.
Além disso, os hiatos entre as pessoas com renda mais alta e mais baixa
permaneceram razoavelmente constantes nos países globalizantes,
gerando um benefício óbvio para os pobres.
“Considerem dois países relativamente semelhantes – Paquistão e
Bangladesh”, disse Dollar, introduzindo o seu assunto. No Paquistão,
observou ele, o comércio tinha caído de cerca de metade do PIB duas
décadas antes para 35% do PIB nos anos mais recentes e, até 2001, a
economia foi ficando estagnada. Bangladesh, apesar de ainda muito
pobre, tinha se beneficiado com um crescimento relativamente robusto
durante o mesmo período, quando o comércio subiu de 14% para 28%
do PIB e as tarifas despencaram de 93% para 26%.
Caso encerrado, se a pesquisa de Dollar for considerada em seu valor
de face. Os países pobres que buscavam a prosperidade deveriam pular
no vagão do livre comércio. Mas Dollar iria sofrer críticas formuladas
por um bastião da teoria econômica dominante.
Na Escola de Políticas Públicas John F. Kennedy da Universidade
de Harvard, o economista especializado em comércio Dani Rodrik
estava dedicando tempo e energia substanciais para analisar o trabalho
de Dollar. Seus ataques aos argumentos do funcionário do Banco
Mundial o levaram para a linha de frente do que se pode chamar de
escola de ceticismo sobre livre comércio. Seus confrontos por vezes
141
paul blustein
pareceram eivados de animosidade, apesar dos protestos de que suas
diferenças eram profissionais e não pessoais. “Completamente sem
sentido” foi o veredito de Rodrik a respeito das conclusões de Dollar
quando o visitei em seu escritório, bem próximo a Harvard Square.
“Na melhor das hipóteses, a pesquisa de David Dollar não é útil e, na
pior, é prejudicial, já que conclusões sobre políticas a serem adotadas
serão derivadas dela”.
Rodrik, um homem de fala mansa, foi criado em Istambul – até
hoje é torcedor fanático do time de futebol nacional da Turquia – e tinha
vindo para Harvard para “se aventurar”, mais tarde obtendo o título de
Ph.D. em economia em Princeton. Ele me garantiu que compartilha a
visão de que as nações se beneficiam de forma geral, no longo prazo,
do engajamento no comércio e da redução de barreiras comerciais.
Mas reclamava que entusiastas como Dollar tinham feito “afirmações
realmente extravagantes” sobre os benefícios do livre comércio, “criando
expectativas que não podem ser alcançadas”.
Em artigos acadêmicos, Rodrik questionou a metodologia usada
por Dollar em seu trabalho, argumentando que ele confundiu causas e
efeitos. Pedi-lhe que explicasse, em linguagem para leigo, as complicadas
equações e tabelas de dados que tinha desenvolvido em seu ataque ao
economista do Banco Mundial.
“Ele disse que aumentar sua participação no comércio mundial
é bom para você”, replicou Rodrik. “Bem, os formuladores de
políticas não possuem instrumentos para incrementar o comércio.
É como dizer: ‘melhore sua tecnologia’. Sei que melhorar minha
tecnologia é bom para mim. A pergunta aos países que exitosamente
aumentaram sua participação no comércio mundial é: que políticas
eles adotaram?”.
Ele citou a China como um bom exemplo: “A China vem se
globalizando? Se por globalização você quer dizer aumentar o comércio
e o investimento estrangeiro, não há dúvida, a China tem sido um dos
países mais globalizantes do mundo”, disse Rodrik. “Mas se você fizer a
pergunta: ‘A China liberalizou sua política de comércio rapidamente, da
forma que o Banco Mundial aconselha?’, a resposta seria não. A China
liberalizou, mas o fez de forma extremamente gradual. A maior parte
da liberalização ocorreu cerca de uma década depois do período de alto
crescimento iniciado em 1978”.
142
apenas notas
10
Quanto à Coreia do Sul: “A gente sempre ouve dizer que, sem os
mercados globais, a Coreia não teria ido a lugar nenhum, e isso está certo.
A explosão das exportações coreanas não teve nada de milagroso”, disse
Rodrik. “Mas será que a Coreia seguiu o tipo de políticas que achamos
hoje ser mais indicadas à rápida integração na economia global? Não,
a Coreia começou a crescer rapidamente na década de 1960 e foi só
na segunda metade da década de 1980 que começou a levar a sério a
liberalização de importações. Eles fizeram coisas que hoje são ilegais
segundo as regras da OMC – por exemplo, restrições quantitativas
[sobre importações], engenharia reversa [de produtos tecnologicamente
avançados] e subsídios à exportação”. Nesse meio tempo, alguns
outros países que abriram seus mercados continuam a ser fracassos
irremediáveis – sendo um exemplo clássico o Haiti, que baixou suas
barreiras extensivamente em meados da década de 1990.
“A conclusão... [é que] não há modelo único de transição bem-sucedida
para uma trajetória de alto crescimento”, escreveu Rodrik num trabalho
acadêmico de 2001. Em vez de se apressar em abrir o próprio mercado
e atender às muitas exigências para se tornar membro da OMC – como
adesão às regras de propriedade intelectual –, os países em desenvolvimento
fariam melhor se seguissem suas próprias estratégias de crescimento,
argumentou ele. Talvez isso signifique seguir as políticas de países do
Leste da Ásia que, como a Coreia, protegeram suas indústrias por um
tempo antes de abrir seus mercados. “A conclusão apropriada não é que
a proteção ao comércio seja inerentemente preferível à liberalização
do comércio. Há poucas evidências nos últimos 50 anos de que as
economias voltadas para dentro vivenciem um crescimento econômico
sistematicamente mais rápido do que as abertas”, escreveu ele. “Mas
os benefícios da abertura do comércio são, hoje em dia, alardeados de
forma exagerada”.
Fazer afirmações extravagantes, criar expectativas que não podem
ser alcançadas, prometer benefícios na redução de barreiras ao comércio
que não podem ser atingidos – essas preocupações que Rodrik estava
levantando voltariam para assombrar a “rodada de desenvolvimento” um
pouco mais a frente. Porém, Dollar tinha outro fã poderoso que, como
Moore, citava com frequência o trabalho do Banco Mundial em seus
discursos. Era o principal definidor de políticas do país líder da OMC
e, como Moore, estava ansioso para ver o lançamento da rodada Doha.
143
paul blustein
[*]
A maioria das pessoas, quando nomeadas para cargos ministeriais
por um presidente recém-eleito, tende a desfrutar um pouco do brilho,
da atenção da mídia na fase em que ainda estão recebendo mensagens de
congratulações. Não foi o caso de Bob Zoellick, cuja disciplina incansável
inspira admiração em alguns grupos e aversão em outros. Em 11 de
janeiro de 2001, quando o presidente eleito George W. Bush anunciou
que tinha escolhido Zoellick para ser representante de Comércio dos
Estados Unidos, este homem de 47 anos, natural de Illinois, mergulhou
em suas novas responsabilidades quase tão logo as coletivas de imprensa
findaram. “Ele era insaciável, em termos do número de reuniões que
queria fazer”, lembra-se Faryar Shirzad, chefe da equipe de transição
que supervisionava o órgão de comércio. “Ele tinha uma lista de 40
pessoas e saía telefonando para todas elas. Não tinha nenhum membro
do Congresso ou personalidade importante com interesses no assunto
que ele não quisesse encontrar”.
Esse era o comportamento típico de um homem com “um currículo
tão impressionante que poderia ser confundido com uma paródia de
pessoa que supera todas as expectativas em suas realizações”, como
o Washington Post o definiu. Membro da sociedade Phi Beta Kappa
e formado pela Faculdade Swarthmore, com graduação em Direito
por Harvard e mestrado na Escola Kennedy da universidade, Zoellick
entrou para o Departamento do Tesouro dos EUA em 1985, quando o
segundo mandato de Ronald Reagan estava se iniciando. Prontamente se
tornou um dos principais assistentes – e astuto aprendiz – do Secretário
do Tesouro James Baker, o ardiloso texano que, numa série de postos
seniores, vinha fascinando o establishment de Washington com sua
eficiência em manipular as alavancas do poder. Zoellick foi com Baker
para o Departamento de Estado durante o governo de George H. W. Bush,
trabalhando como subsecretário para assuntos econômicos e depois para a
Casa Branca, onde foi chefe de gabinete adjunto. Famoso por sempre ser
o participante mais bem preparado em reuniões – ele desempenhava bem
esse papel, com seus óculos de leitura e seu bigode louro avermelhado
cuidadosamente aparado, acentuando a intensidade de seu estilo. Sua
reputação de hábil estrategista cresceu conforme foi mergulhando nas
negociações da Rodada Uruguai e do NAFTA, representando os Estados
144
apenas notas
10
Unidos no planejamento de duas reuniões de cúpula dos líderes do G-7
e desempenhando um papel de liderança nas conversações referentes à
reunificação da Alemanha. Ele claramente ambicionava voltar ao serviço
público durante os anos Clinton, quando trabalhou como executivo na
Federal National Mortgage Association e ocupou postos acadêmicos.
Aderiu à campanha presidencial de George W. Bush como consultor
de política externa, granjeando a estima do candidato ao viajar para a
Flórida, imediatamente após a eleição de novembro de 2000, e ajudando
a contra-arrestar o esforço dos democratas em garantir os votos eleitorais
acaloradamente questionados nesse estado.
Zoellick levou ao pé da letra as lições básicas que Baker se
notabilizara por colocar em prática: em Washington, sucesso gera sucesso,
impulso gera impulso. O formulador de políticas que alcançou uma meta
(digamos, vencer uma votação no Congresso sobre impostos) seria visto
como eficiente, um realizador, um fazedor, e assim teria sucesso no
alcance de outras metas (digamos, vencer a votação sobre projetos de
lei orçamentária) e seria considerado mais formidável ainda ao assumir
tarefas ainda maiores no futuro. Ele observou que, na área de comércio,
o mesmo se aplicava. Por exemplo, a vitória de Bill Clinton na questão
do NAFTA no Congresso levou a um aumento de sua popularidade,
porque, apesar de todos os atritos que marcaram o debate, o sucesso
também gerou respeito. Essa abordagem foi essencial para a estratégia
que Zoellick trouxe para o Escritório do Representante de Comércio
dos Estados Unidos. Desde o início, manifestou sua determinação de
dar uma contribuição importante ao cargo, construindo um sucesso
após o outro, como lembram ex-assistentes. Como Matt Niemeyer,
funcionário graduado em seu escritório de relações com o Congresso,
tão bem explicou: “Desde o primeiro dia no cargo olhou para o último,
fazendo-se a pergunta: ‘O que vou realizar?’ Então todo dia era o dia
mais importante, toda semana era a semana mais importante... Para Bob,
não existe nove, só dez. Nove? É uma nota ruim”.
Assim sendo, a lista de objetivos de Zoellick, lida na audiência, diante
do Congresso, em março de 2001, incluía negociações de comércio de
todos os tipos. Ele mal podia disfarçar o desdém que tinha pelas cifras
de comércio do governo Clinton na segunda metade da década de 1990,
quando “a administração submeteu-se à vontade dos novos isolacionistas
econômicos” e se mostrou “temerosa de ficar malquista entre o eleitorado
145
paul blustein
político protecionista”, como escreveu num artigo na Foreign Affairs.
Culpava os defensores de Clinton pelo que chamava de “a mancha de
Seattle” e disse que o item número um de sua pauta era lançar uma nova
rodada da OMC. Em outras palavras, teria êxito onde seu antecessor
tinha falhado.
E ele não se ateria à OMC. Sua estratégia era também negociar em
nível regional, sendo o objetivo principal a Área de Livre Comércio das
Américas. No plano bilateral, o objetivo era celebrar pactos de livre
comércio com os países mais desejosos de receber empresas americanas.
“Liberalização competitiva” foi o termo que usou para sua abordagem,
o que significava, como ele explicou na audiência de março de 2001:
“Estamos dispostos a abrir se eles abrirem. Mas, se os outros forem muito
lentos, vamos seguir sem eles”.
Os hábitos de trabalho de Zoellick atestam seu rigor e sua fome de
realização. Quando marcava uma reunião com um ministro de comércio
visitante ou comparecia diante de um comitê no Capitólio, isolava-se
durante horas ou mesmo dias em seu escritório, relendo materiais de
reuniões preparatórias e, com frequência, devolvendo memorandos com
as margens cheias de perguntas e instruções de acompanhamento em
sua caligrafia pequena e nítida. Quase todas as manhãs em que estava
em Washington, se reunia na sala de conferências com seus assessores
políticos às 8h15 da manhã, seguido por uma reunião às 8h40 com os
representes de comércio adjuntos, responsáveis por questões, países e
regiões específicas. Os funcionários logo descobriram que para evitar
uma bronca era melhor que tivessem algo de substancial para dizer ou
evitassem abrir a boca; que, ao responder a alguma solicitação de Zoellick
era melhor ir direto ao ponto e que era melhor dar uma olhada nos jornais
mais importantes toda manhã, caso ele perguntasse sobre uma matéria
que ele tinha lido relativa à sua área.
“Principalmente nas segundas-feiras, ele vinha com uma folha toda
escrita, cheia da sua letra pequena, e lá tinha todos esses itens – Doha,
o Acordo de Livre Comércio de Cingapura, o que quer que fosse – e
para cada um deles, ele dizia: ‘Eis o que vamos fazer’ ou ‘Eis o que
é preciso saber’”, disse John Veroneau, que era o homem de Zoellick
para assuntos legislativos e, mais tarde, consultor jurídico geral.
“Era fácil ver que ele passava boa parte do fim de semana pensando
nessas questões. O cara levava tudo muito a sério” (tão a sério que as
146
apenas notas
10
reuniões de segunda-feira eram um lembrete extra, para os funcionários
assoberbados com responsabilidades e cuidados infantis, que Zoellick
e sua esposa não tinham filhos). Em contraste com a maioria dos
membros do gabinete, que ficam normalmente satisfeitos em se esquivar
de perguntas nas audiências do Congresso alegando ignorância e
prometendo enviar uma resposta mais abalizada depois, Zoellick queria
ser capaz de responder a todas as indagações possíveis, mesmo sobre as
minúcias que os legisladores sempre perguntam sobre problemas na área
de comércio. Isso pode significar lidar com coisas como os prováveis
problemas de um parlamentar de Dakota do Norte com o Conselho
Canadense do Trigo (Canadian Wheat Board), por exemplo, ou os
pedidos de um parlamentar do Oregon para obter proteção contra as
framboesas chilenas ou ainda o desejo de um parlamentar do Arkansas
de barrar as importações de bagre vietnamita.
Essa solicitude em relação ao Capitólio estava baseada em parte no
reconhecimento de Zoellick de que o Congresso é altamente influente na
política comercial, muito mais do que em outras questões. A Constituição
dos EUA dá ao Poder Legislativo autoridade sobre temas de comércio
exterior e os legisladores são notoriamente sensíveis às reclamações de
eleitorados bem organizados dentro de seus distritos sobre o prejuízo
causado pelas importações ou a injustiça de práticas estrangeiras.
Para concluir acordos comerciais, o Poder Executivo tem de garantir
a adoção de uma legislação autorizando-o a negociar com base em
garantias de que as negociações estarão sujeitas a um voto de sim ou
não no Congresso, sem emendas. Assim, Zoellick sabia que servir ao
Congresso era uma parte importante da função. No entanto, apesar de
trabalhar arduamente para isso, quase sempre o fazia de forma inepta,
pela simples razão de que adular legisladores exige o tipo de habilidades
interpessoais que lhe faltavam. As respostas detalhadas a suas questões
específicas em audiências às vezes pareciam fazê-los se eriçar, porque
não gostavam de ficar expostos ou constrangidos. Ele até chegou a
alienar alguns dos republicanos no Senado, seus aliados políticos mais
naturais. Em uma reunião a portas fechadas, o senador Phil Gramm, um
republicano do Texas, se enfureceu em reação ao que entendeu como
sendo uma rejeição de Zoellick às suas preocupações acerca da forma
como certos dispositivos legislativos podem afetar a soberania dos EUA.
Também irritante, pelo menos para algumas pessoas, era a inclinação de
147
paul blustein
Zoellick a mencionar os nomes dos poderosos com quem ele convivia.
Numa coletiva de imprensa, por exemplo, quando perguntado sobre as
chances da Rússia de entrar na OMC, começou sua resposta assim: “Em
1989, estava com o pai do presidente Bush na lancha-cruzeiro Belknap,
na verdade um pouco antes da reunião com o presidente Gorbachev
em Malta”, e continuou descrevendo como a questão foi discutida na
reunião. Não pôde resistir a acrescentar poucos minutos depois: “De
fato, no verão de 2000, tive uma conversa interessante com o [ministro
da Defesa] Sergei Ivanov...”.
Zoellick mais se destacava por ter uma agenda clara e direta, muito
mais do que os outros membros do gabinete, bem como no conhecimento
de como fazê-la avançar. Seguindo uma das fórmulas de sucesso da escola
de Baker, logo ele estaria lançando iniciativas e fazendo pronunciamentos
por conta própria, se adiantando à Casa Branca e a outros departamentos
que pudessem, de outra forma, retardá-lo com manobras burocráticas
entre as diferentes agências governamentais. Ele só relatava suas
providências à Casa Branca quando absolutamente necessário, com base
na teoria de que Bush era um ferrenho defensor do livre comércio e não
tinha muito tempo para dedicar aos detalhes, dadas as suas prioridades.
Ao mesmo tempo, as relações pessoais de Zoellick com Bush sempre
pareceram tensas para outros funcionários do governo. Isso porque às
vezes ele atropelava o presidente, bancando o “sabe-tudo” nas reuniões
no Salão Oval, trazendo à tona a inclinação de Bush de pôr sabichões em
seu devido lugar. Um ex-funcionário se recorda de um episódio no qual
Bush estava reunido com um grupo de presidentes da América Central
na Casa Branca e, ao apresentar seu representante de Comércio, ironizou:
“Zoellick não está sendo muito duro com vocês, não é? O pessoal que
trabalha por aqui não gosta muito dele não”.
De fato, muitos dos subordinados de Zoellick de nível alto ou
médio o consideravam insuportável. Parece que ele logo decidia quais
funcionários seriam úteis para ele e quais não seriam e o tratamento que
dedicava aos inúteis causava estresse mesmo entre seus fãs, sendo que
um deles descreveu o clima, principalmente durante o primeiro ano, como
“um culto stalinista ao medo”, gerando alta rotatividade de funcionários.
Trabalhar para Zoellick significava passar regularmente em média de doze
a quinze horas no escritório, ter insônia na noite de domingo, temendo a
possibilidade de ser ridicularizado na reunião de segunda-feira de manhã,
148
apenas notas
10
ficar tentando adivinhar se o humor dele estaria sombrio demais para
ousar tocar num assunto que pudesse provocar um longo e veemente
discurso. “Parece que ele estava sempre de mau humor”, disse um de
seus subordinados (que, como outros que não têm uma boa opinião sobre
Zoellick, insistiu em se manter no anonimato). “Lembro-me de me pegar
pensando: ‘Se isso é tão doloroso e desagradável para você, por que está
fazendo esse trabalho?’ Sei que ele, no fundo, tinha prazer no que fazia,
mas sempre parecia infeliz”.
Por outro lado, para os que ganhavam sua estima, trabalhar para
Zoellick era muito recompensador, principalmente porque sua natureza
exigente e rigorosa suscitava o melhor em cada um. “Se ele o respeitasse,
lhe daria uma tremenda autoridade”, disse Jeffrey Bader, ex-representante
adjunto de Comércio dos EUA para a China. “Para quem era bom de
verdade, não poderia haver chefe melhor”. Jason Hafemeister, que
trabalhou no Escritório do Representante de Comércio dos EUA como
negociador sênior em questões agrícolas, concorda: “Do ponto de vista
dos funcionários do Escritório, eles se viam como um cavalo de corrida
e imaginavam como seria ter um jóquei realmente bom no lombo. Era
assim trabalhar para Zoellick. Ele dava a chance de o pessoal produzir o
máximo”. Matt Niemeyer, o chefe de relacionamento com o Congresso,
acrescenta: “A mesma pressão que ele colocava em si mesmo, também
impunha aos outros. Sentia-me bem com isso, pois sou competitivo. E
Bob também era”. Ao fazer a pesquisa para esse livro, escutei de alguns
dos ex-subordinados de Zoellick que ganhar seu respeito foi o ponto
alto de suas carreiras.
Na área de comércio, um homem em particular inspirou o respeito
de Zoellick. Sua colaboração se mostraria essencial para alguns dos
pontos mais altos e mais baixos da política comercial nos primeiro anos
do século XXI. Esse homem também foi um incentivador do lançamento
da rodada Doha.
[*]
Pascal Lamy, comissário europeu de Comércio, teve uma longa
história com Zoellick. Eles se conheceram no final da década de 1980
e trabalharam juntos no planejamento das reuniões de cúpula do G-7,
com Zoellick representando os Estados Unidos e Lamy, um francês seis
149
paul blustein
anos mais velho do que ele, representando a Comunidade Europeia.
Logo descobriram que tinham muito em comum e uma obsessão
compartilhada por corridas de longa distância. Além disso, Lamy era,
como Zoellick, produto das escolas mais prestigiosas de seu país, formado
pela universidade que treina a elite do serviço público da França, a École
Nationale d’Administration, graduado em segundo lugar na turma dos
que se especializaram em economia. Também se gabava de um currículo
excepcional e tinha fama de workaholic, mestre nos detalhes e chefe
autoritário. Sob muitos aspectos, o foco preciso que os dois homens
tinham para o alcance de seus objetivos na política internacional fazia
deles almas gêmeas.
Uma área na qual diferiam era na formação política. Membro
antigo do Partido Socialista, Lamy iniciou sua carreira numa época em
que os esquerdistas franceses estavam ficando cada vez mais hostis em
relação aos Estados Unidos e a seu modelo capitalista. Mas, apesar de se
manter fiel aos preceitos básicos do partido, tendia para a liberalização
econômica e, na qualidade de representante oficial sênior no Ministério da
Economia e Fazenda da França, defendia as políticas de mercado ao estilo
americano. Participava do círculo de amigos do ministro da Economia
Jacques Delors e, quando Delors se tornou presidente da Comissão
Europeia em 1985, Lamy foi com ele para o edifício Berlaymont em
Bruxelas, a sede da comissão, como chefe de gabinete. Lá, sua inclinação
para impor friamente a vontade de Delors sobre os chefes e servidores
civis do departamento rendeu-lhe os apelidos de “Exocet” e “Fera do
Berlaymont”.
Ele e Zoellick permaneceram em contato durante a década de 1990,
quando ambos entraram para instituições financeiras, Zoellick na Fannie Mae
e Lamy no banco francês Credit Lyonnais, onde, como segundo no comando,
ajudou a privatizar o banco. Mais tarde, encontraram-se de novo, porque
a nomeação de Zoellick como representante de Comércio dos Estados
Unidos veio pouco mais de um ano depois que Lamy fora designado
comissário europeu de Comércio. Os vínculos entre os dois formuladores
de políticas mais racionais de seu tempo logo se tornaram uma lenda
nos círculos de comércio, principalmente depois que resolveram um
conflito transatlântico relativo a bananas, já apodrecido pelo tempo, numa
conversa por telefone que varou a noite, dois meses depois que Zoellick
assumiu o cargo. As reportagens da mídia contavam que os dois, com
150
apenas notas
10
frequência, passavam duas ou três horas no telefone discutindo questões
comerciais e observavam que Zoellick já tinha visitado a família de
Lamy em suas casas em Paris e Bruxelas e que Lamy era um dos poucos
convidados que Zoellick e sua mulher tinham recebido em sua casa em
Washington. Além da compatibilidade, ambos se assemelhavam no estilo
de vida ascético. Católico praticante, Lamy mantém uma dieta espartana,
pois acredita que isso ajuda na concentração e no condicionamento
físico. Evita refeições que combinem gordura com açúcar ou proteína
com carboidratos, então, apesar de às vezes comer muito queijo numa
refeição ou um pouco de fruta, nunca come os dois juntos e, apesar
de comer massa ou carne numa refeição, ou come um ou outro. Seu
almoço, nos dias de semana, a menos que tenha um compromisso,
quase sempre consiste de pão integral e banana, consumidos na sua
mesa de trabalho. Seu único vício conhecido são os charutos, ao qual
se entrega no Berlaymont apesar da proibição de fumar no prédio. Um
de seus ex-assistentes se lembra: “Ninguém ousaria chamar-lhe atenção
por isso; bem, com certeza eu não chamaria”.
Apesar de sua alardeada intimidade, os encontros entre Zoellick
e Lamy tendiam a ser extremamente profissionais e pouco calorosos,
segundo assistentes de ambos. Os e-mails que trocavam curiosamente
eram repletos de referências a assuntos pessoais, como família, e quando
se encontravam pessoalmente quase sempre dispensavam saudações
amigáveis, para poder entrar direto nos assuntos importantes que tinham
a tratar. Contudo, a confiança e a compreensão mútua que desenvolveram
marcaram um passo à frente na relação comercial entre os EUA e a
União Europeia, principalmente em comparação com a antipatia que
caracterizou as relações entre Charlene Barshefsky e Sir Leon Brittan.
As potenciais implicações para a OMC eram enormes, já que as duas
economias eram responsáveis por cerca de 40% da produção global.
Ambos acreditavam que manter a civilidade transatlântica era essencial,
não só para minimizar os choques entre Washington e Bruxelas sobre
disputas bilaterais, mas também para maximizar as chances de alcançar
o progresso em estágio global numa rodada de comércio multilateral.
É certo que ainda estavam divididos a respeito de algumas questões
importantes sobre a pauta da nova rodada, as quais tinham dividido
Washington e Bruxelas em 1999. Apesar de ser politicamente essencial
para Lamy limitar a abertura dos mercados agrícolas europeus, Zoellick
151
paul blustein
ressaltava incansavelmente a necessidade da redução de barreiras no
comércio agrícola. “Quanto a mais os americanos conseguem comer?” era
uma de suas frases favoritas, usada para enfatizar a importância e obter
maior acesso a mercados estrangeiros para agricultores norte-americanos,
que obtêm quase um quarto de sua receita bruta das exportações. Essa era
uma questão na qual teve de bater pesado para sobrepujar a preocupação
entre grupos de agricultores e seus representantes no Congresso de que
seus interesses seriam sacrificados ao longo das negociações na OMC. O
presidente e os membros da alta hierarquia da Comissão de Agricultura
da Câmara estavam ameaçando usar sua influência para bloquear a
autorização do Congresso a novos acordos de comércio. Zoellick se opôs
a isso, prometendo que os agricultores americanos ganhariam muito.
“A maior vantagem para a agricultura está na rodada global da OMC”,
disse aos repórteres.
Quanto a Lamy, ele continuava a fomentar a ideia favorita da União
Europeia, as questões de Cingapura (que, conforme explicado no Capítulo
4, expandiriam a jurisdição da OMC nas áreas de investimento, políticas
de concorrência, compras governamentais e facilitação de comércio).
Os formuladores de políticas norte-americanos sempre tinham feito
objeções a elas. O que era ainda mais problemático do ponto de vista de
Washington era a determinação de Lamy no sentido de incluir na pauta
de negociações várias questões ambientais de especial interesse para os
Verdes da Europa. Uma delas envolvia levar as regras da OMC mais
em direção do princípio da precaução, uma vez que os formuladores de
políticas da União Europeia continuavam a tentar obter validação para
se amparar nesse princípio no tratamento de questões como carne bovina
tratada com hormônios. No mínimo, Lamy queria um acordo de que os
países pudessem usar o princípio da precaução na proteção da saúde
pública se estivesse baseado em informações científicas pertinentes,
mesmo que essas informações não necessariamente refletissem as
visões de uma maioria de cientistas. Outro importante objetivo europeu
era permitir que os países impusessem sanções econômicas uns sobre
os outros por violar acordos ambientais internacionais, como os que
envolvem tráfico de espécies em perigo de extinção.
Porém, o desejo mútuo de Zoellick e Lamy de amenizar
essas divergências em prol do sucesso em Doha estava muito em
evidência quando o comissário europeu de Comércio europeu visitou
152
apenas notas
10
Washington em meados de julho de 2001. Exibindo um nível de
camaradagem que teria sido impensável entre seus predecessores, os
dois homens escreveram um editorial em conjunto para o Washington
Post prometendo colaborar para o lançamento da rodada. Também
apareceram juntos no National Press Club, onde Zoellick explicou:
“Pascal e eu já tínhamos decidido que, se os Estados Unidos e a
União Europeia não trabalhassem em parceria, uma nova rodada não
aconteceria”. Revelaram planos que tinham acordado para melhorar
as perspectivas de um resultado positivo em Doha, como explicou
Lamy: “Chegamos a uma boa convergência de posições, mesmo que não
concordemos com todos os pequenos detalhes da pauta”. Para mostrar
que estavam decididos, Zoellick anunciou que os Estados Unidos “não
seriam uma pedra no caminho” dos esforços da União Europeia de incluir
o mais controverso dos temas de Cingapura – investimentos –na pauta da
rodada e indicou que Washington, apesar de manter sua posição básica,
estava aberta a uma postura mais flexível para expandir as conversações
de modo a incluir outras questões de interesse para Bruxelas. “Uma
lição importante que nós e outros países aprendemos com o fracasso de
Seattle foi evitar tentativas de pré-negociar os detalhes e os resultados
de uma negociação”, disse ele.
Zoellick contou à plateia do Press Club que quem tinha mais a perder
com tudo isso eram os pobres do mundo todo. “Eis a conclusão”, disse
ele. “Os Estados Unidos e a União Europeia estão trabalhando juntos
para tentar lançar uma nova rodada mundial com foco em crescimento e
desenvolvimento. Os Estados Unidos acreditam que uma das melhores
maneiras de combater a pobreza global é por meio da expansão de
oportunidades de comércio no mundo todo”.
Se pelo menos os pobres vissem as coisas do mesmo jeito... O maior
problema que a reunião em Doha enfrentava é que eles não viam. Ou,
pelo menos, seus governos não, como um “Teste de Realidade” logo
deixaria claro.
O Teste de Realidade foi o nome de uma sessão especial do Conselho
Geral, com duração de dois dias, que Mike Moore convocou no final
de julho de 2001. O diretor-geral acreditava que as mentes das nações-membros tinham que estar voltadas para a necessidade de chegar a um
acordo sobre a maioria das questões importantes da pauta da nova rodada,
de forma que uma primeira versão de declaração ministerial coerente
153
paul blustein
estivesse pronta quando os ministros começassem a se reunir em Doha
em novembro. Só restavam cinquenta dias úteis em Genebra, lembrou
Moore aos embaixadores, já que o tradicional recesso de agosto tinha
que ser descontado.
Em vez de reagir como o diretor-geral esperava, muitos países
em desenvolvimento decidiram enfatizar uma realidade diferente – a
de que os supostos beneficiários não estavam interessados na rodada.
O representante da Índia zombou da ideia de uma nova rodada por
sua probabilidade de piorar “assimetrias e desequilíbrios” da Rodada
Uruguai. O embaixador da Malásia descreveu a situação como de “quatro
D’s – desapontadora, desmoralizadora, desencorajadora e, às vezes,
depressiva”, acrescentando que as nações ricas estavam se arriscando a
ter uma “Seattle II”.
Lembramos que esses dois países eram membros proeminentes do
Like Minded Group [Grupo de Países em Desenvolvimento com Posições
Afins], que, em 1999, tinha sido o mais militante dos grupos de oposição
a uma nova rodada. Apesar de alguns países em desenvolvimento,
como o México e o Brasil, defenderem uma rodada, a maioria deles era
fervorosamente contra manter conversações em relação às questões de
Cingapura, convencidos de que as regras da OMC sobre assuntos como
investimento dariam poder excessivo a multinacionais e privariam
os governos da capacidade de desenvolver suas economias como
considerassem adequado. Outra razão importante para sua hostilidade
em relação à nova rodada foi a pressão da União Europeia sobre o tema
do meio ambiente. O Like Minded Group e seus aliados temiam que a
pauta oculta fosse promover o “protecionismo verde”, em que a União
Europeia e outros governos usariam padrões claramente rígidos para
bloquear a importação de alimentos produzidos em nações pobres. O
fato de os Estados Unidos terem abandonado seus esforços de incluir
direitos trabalhistas na pauta era motivo de alívio para os países em
desenvolvimento. O governo Bush não era muito fã de sindicatos. Mas o
resumo e o teor da posição do Like Minded Group era que os problemas
herdados da Rodada Uruguai deveriam ser corrigidos antes que uma
nova rodada começasse. Os representantes de muitas nações africanas,
que pertenciam a outros blocos, concordaram. “A maioria de nós não
está pronta para uma rodada, nem em termos psicológicos, materiais,
nem técnicos”, disse Iddi Simba, o ministro tanzaniano da Indústria e
154
apenas notas
10
Comércio, numa reunião de 49 países menos desenvolvidos da OMC,
no final de julho.
No Teste de Realidade, Moore usou uma retórica sombria ao
enfatizar os perigos de se desperdiçar o tempo restante até a reunião em
Doha. Uma segunda falha consecutiva, contou ele aos embaixadores,
“certamente nos condenaria a um longo período de irrelevância”. Ele
também advertiu que as nações-membros tinham que estar prontas para
uma intensa barganha em setembro.
Setembro, é claro, mudaria a dinâmica de uma forma que nenhum
dos presentes poderia sequer imaginar.
[*]
Na manhã do dia 11, a nuvem de fumaça que se levantou do
Pentágono era claramente visível para os ocupantes do Winder Building,
onde o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos
está localizado, a cerca de uma quadra da Casa Branca. Isso, mais os
boatos generalizados de que havia um número muito maior de aviões
com os quais se havia perdido contato, além dos quatro que tinham sido
sequestrados, ajudou a incitar os funcionários do Winder a evacuar o
prédio e ir para casa, como a maioria das pessoas que trabalhava no centro
de Washington estava fazendo. Para se certificar de que todos tinham
ido embora, M. B. Oglesby Jr., chefe de gabinete, percorreu todos os
andares e concluiu satisfeito que todas as salas estavam vazias. Isto é,
todas, menos uma.
Próximo ao meio-dia, Oglesby entrou no escritório de Zoellick e
descobriu que ele ainda estava trabalhando, a despeito da advertência do
Serviço Secreto de que fosse embora imediatamente. “Levante o traseiro
daí agora”, Oglesby se lembra de ter dito a Zoellick, que respondeu
mencionando a proximidade do Winder Building com a Casa Branca.
“Acho que estou no lugar mais seguro que poderia estar”, protestou
Zoellick, mas concordou, por fim, que seu motorista o levasse para casa.
No dia seguinte, começou a reunião com a equipe no horário de sempre.
Não é que Zoellick não tenha percebido as implicações do 11 de
setembro para a sua pauta. Justo o contrário. Ele era um homem que,
afinal de contas, tinha passado a maior parte de sua carreira trabalhando
nas conexões entre política externa e economia e logo estaria elaborando
155
paul blustein
argumentos buscando ressaltar a consistência dessas conexões. Os
ataques terroristas, sustentou ele, ofereciam um novo fundamento lógico
convincente de como o comércio – e, em particular, a OMC – poderia
servir aos interesses de segurança da América, bem como aos seus
interesses comerciais. “A liderança da América no comércio pode
construir uma coalizão de países que valorizam a liberdade sob todos os
seus aspectos”, escreveu ele num editorial no Washington Post, publicado
em 20 de setembro. “Mercados abertos são vitais para as nações em
desenvolvimento, muitas delas democracias frágeis que se amparam na
economia internacional para superar a pobreza e criar oportunidades;
precisamos de respostas para os que buscam esperança econômica para se
opor a ameaças internas aos nossos valores comuns”. O artigo enraiveceu
os democratas no Capitólio, que acusaram Zoellick de explorar o 11 de
setembro para promover uma agenda partidária, porque incluía um apelo
ao Congresso para aprovação da autoridade governamental para negociar
novos acordos de comércio. Incansável, Zoellick manteve um fluxo
constante de declarações públicas durante semanas desde então, exortando
tanto americanos quanto estrangeiros a reconhecerem o comércio como
um elemento importante na guerra contra o terror. Em seu discurso de 30
de outubro, a apenas uma semana e meia da reunião da OMC, disse:
A América e o mundo foram atacados por uma rede de terroristas, mestres
na destruição, mas fracassados na construção. Servem à intolerância e
repudiam a imparcialidade...
A economia de mercado internacional – da qual o comércio e a OMC são
partes vitais – oferece um antídoto a essa atitude violenta de rejeição. O
comércio se refere a mais do que à eficiência econômica. Ele reflete um
sistema de valores: imparcialidade, troca pacífica, oportunidade, inclusão
e integração, ganhos mútuos por meio do intercâmbio, liberdade de
escolha, respeito à diferença, governança por meio de regras acordadas
e uma esperança de melhoria para todos os povos e lugares.
Assim sendo... Ao promover a agenda de temas da OMC, principalmente
a nova negociação para liberalizar o comércio global, essas 142 nações
podem se opor à revoltante atitude destrutiva do terrorismo.
Sob esse aspecto, ao dar nova força à causa deles, Osama Bin Laden
fez um favor – inadvertido, é claro – aos que buscavam lançar uma nova
156
apenas notas
10
rodada em Doha. Como observado no Capítulo 1, outros formuladores e
comentaristas também fizeram do 11 de setembro um motivo especialmente
forte para que os participantes da conferência ministerial de Doha se unissem.
O clima em relação à reunião de Doha mudou de diversas outras formas após
os ataques terroristas. O Paquistão e a Malásia, ambos membros muçulmanos
proeminentes do Like Minded Group, começaram a suavizar sua oposição
a uma nova rodada, temendo parecer muito discordantes de Washington.
Vários estudos sobre o impacto potencial de uma rodada também
contribuíram para a causa em questão. Eles foram usados para apoiar
reivindicações de que um incitamento maior à liberalização do comércio,
em primeiro lugar, ajudaria a neutralizar a tendência recessiva da
econômica global causada pelos ataques e, em segundo, daria um
impulso crucial à meta, agora urgente, de diminuição da pobreza. De
longe, o estudo mais amplamente citado era o do Banco Mundial, que
estimou que a renda mundial aumentaria em US$30 bilhões ao ano até
2015 – com dois terços desse valor indo para nações pobres – se todas as
barreiras fossem removidas, subsídios eliminados e ajuda fornecida aos
países em desenvolvimento para aproveitarem suas novas oportunidades.
Nesse estudo, o Banco Mundial observava que era lógico esperar que os
países pobres ganhassem proporcionalmente mais, já que as barreiras de
comércio existentes os atingiam de forma muito pior do que aos ricos. “O
indivíduo pobre médio que vende mercadorias a mercados globalizados
enfrenta barreiras cerca de duas vezes maiores do que o trabalhador típico
de países industrializados”, disse o banco, acrescentando que parte do
problema eram as próprias tarifas altas dos países em desenvolvimento,
que desencorajavam o comércio entre eles.
Porém, o 11 de setembro também apresentou novas complicações à
OMC. Num mundo em que ninguém sabia onde os terroristas atacariam na
próxima vez, onde envelopes contendo antrax circulavam pelo correio e onde
os militares norte-americanos bombardeavam o Afeganistão, de repente o
Catar não parecia um lugar muito seguro para se fazer uma reunião.
[*]
Duas semanas depois dos ataques, George Yeo, o ministro do
Comércio de Cingapura, recebeu um telefonema de um dos assistentes
de Zoellick, que fez uma pergunta desconfortável: dadas as preocupações
157
paul blustein
que estavam surgindo entre os membros da OMC sobre os riscos de ir
para Doha, como Cingapura se sentiria diante da ideia de abrigar a reunião
ministerial, se fosse necessário mudar de local?
A cidade-estado tinha abrigado a primeira reunião ministerial da
OMC em 1996 e Yeo se lembra de fazer uma piadinha: “Que bom!
Assim não vamos ter de receber a OMC nos próximos cem anos”. Só
que o pedido era para ser levado a sério “e sabíamos o quanto isso era
importante para a OMC, então engoli em seco e disse: ‘Preciso discutir
o assunto com o primeiro-ministro’”, disse Yeo. Apesar de preocupadas
com a possibilidade de que Cingapura já fosse um alvo potencial da Al
Qaeda, as autoridades do país concordaram em se oferecer para realizar
a reunião com a condição de que a honra de presidi-la continuasse a
ser do Catar, que o número de participantes fosse reduzido de forma
significativa e que o governo pudesse restringir a entrada de membros
de ONGs para evitar que problemas do tipo dos que aconteceram em
Seattle voltassem a ocorrer.
Por trás do pedido, estava o medo de Zoellick de manter Doha
como local da reunião. A questão não era a sua segurança pessoal, mas
as chances de sucesso da conferência. Zoellick se preocupava com a
possibilidade de os países-membros da OMC não enviarem delegações
para Doha e com a possibilidade de um incidente de último instante vir
a forçar o cancelamento da reunião.
Assim sendo, Zoellick começou a insinuar, no final de setembro,
que talvez a reunião tivesse que ser mudada, dizendo numa palestra em
Washington que, “a essa altura”, os Estados Unidos eram “obrigados a
seguir adiante para lançar a rodada em Doha”, mas que “obviamente, o
primeiro imperativo é a segurança”. A informação de que Cingapura estava
sendo analisada como possibilidade começou a vazar. De fato, o governo
de Cingapura estava se preparando para a eventualidade gastando vários
milhões de dólares com equipamento de segurança, disse Yeo, apesar de
que “precisaríamos de parte desse equipamento de qualquer forma”. A
questão do local foi o tópico principal de uma reunião preparatória de 21
ministros de comércio em Cingapura, nos dias 13 e 14 de outubro, quando
o ministro catariano, Yousef Hussain Kamal, garantiu a seus colegas que
seu governo tinha controle completo da situação de segurança. Só que não
conseguiu convencê-los. Muitos dos participantes tinham a esperança de
que o governo do Catar pudesse ser persuadido a retirar voluntariamente sua
158
apenas notas
10
candidatura como país-anfitrião. Zoellick estava claramente inclinando-se
para uma mudança, sem dizê-lo com todas as palavras. Falou numa coletiva
de imprensa, em 15 de outubro: “É ponto pacífico que temos de prosseguir
com essa reunião ministerial, seja num local ou em outro”.
Os catarianos, que tinham gastado US$30 milhões em preparativos
para a reunião ministerial, reagiram à altura. Fizeram gestões diplomáticas
junto a membros-chave da OMC declarando que mudar o local seria visto
como “uma medida contra países muçulmanos, principalmente numa
conjuntura tão repleta de tentativas de demonizar o Islã e ligá-lo ao
terrorismo”. Mesmo assim, as nações-membros continuaram a pressionar
Moore a usar suas prerrogativas de diretor-geral para fazer com que os
catarianos voltassem atrás.
Moore viajou para o Catar em 20 de outubro para dar pessoalmente
as más notícias de que não parecia possível poder realizar a reunião em
Doha, conforme planejado. Ao descer do avião, foi saudado por uma
comissão de boas-vindas formada por autoridades catarianas sorridentes
e, segundo seu chefe de gabinete, Patrick Low, os sorrisos fizeram
com que murmurasse: “Isso prova que eles não queriam a porcaria da
reunião desde o início”. Mas os catarianos estavam sorrindo por um
motivo diferente. Como explicaram, seu papel de anfitriões tinha ficado
finalmente decidido, com a confirmação do presidente Bush, que tinha
declarado publicamente naquele dia, durante uma viagem ao exterior,
que a reunião seria em Doha.
O que causou essa reviravolta? O emir do Catar telefonara para o vice-presidente Dick Cheney, que conhecia bem, e apresentara argumentos
persuasivos. O que foi dito, nenhum dos dois revelou. Mas fui informado
por fontes confiáveis que o emir, em termos levemente velados, usou
como alavanca a base aérea em seu país, que o Pentágono via como uma
vantagem crucial na guerra ao terror. As palavras de Sua Alteza Real ao
vice-presidente foram algo assim: “Se o Catar é suficientemente seguro
para abrigar aviões militares do EUA, por que não o seria para sediar
uma reunião da OMC?”.
[*]
Inaceitável”. “Impossível de consentir”. “Minha delegação está
profundamente preocupada”. Estas foram algumas das frases ditas pelos
159
paul blustein
embaixadores de países pobres na reunião do Conselho Geral em 31 de
outubro, uma semana e meia antes da abertura programada da reunião
ministerial de Doha. Eles estavam em pé de guerra porque achavam que
suas opiniões estavam sendo simplesmente ignoradas, no que parecia
ser mais uma contradição com a ideia de que o desenvolvimento seria a
meta prioritária da nova rodada.
O alvo principal de descontentamento era Stuart Harbinson,
representante permanente de Hong Kong em Genebra, que era presidente
do conselho. Um homem careca, de rosto amigável, óculos com aro de
metal e atitude conciliatória de servidor civil britânico, Harbinson fora
encarregado de redigir uma minuta de declaração para os ministros
analisarem em Doha. Ter uma primeira versão preliminar da declaração
com o mínimo possível de pontos de divergência fazia parte dos esforços
de Moore para evitar a repetição de Seattle. Esses esforços tiveram o apoio
de quase todos os membros. Ao pedir a opinião de países-membros sobre
o que gostariam de ver no texto, Harbinson ouvira de um embaixador após
o outro que ele deveria adotar uma abordagem bem diferente do longo
compêndio que tinha contribuído para o fracasso em Seattle. Durante
o verão, ao compilar suas versões anteriores de minutas de declaração
ministerial, Harbinson fora aplaudido por países em desenvolvimento
por buscar ouvir a opinião do máximo possível de membros em reuniões
particulares sobre o que o texto deveria dizer e por ouvir atentamente suas
preocupações. Apesar de muitos países pobres levantarem objeções às
minutas anteriores, em geral apreciaram o processo que Harbinson usara.
O novo texto de Harbinson só continha 11 páginas, cerca de um terço
da extensão do de Seattle. Mas, desta vez, para o corpo diplomático de
Genebra, foi um choque: o texto não tinha nenhum colchete!
Ao evitar a infestação de colchetes pela qual o documento de Seattle
ficara famoso, o presidente do conselho estava caindo no extremo oposto.
É claro que esperava que em Doha os ministros fizessem algumas
mudanças nessa primeira versão. Na introdução, escreveu: “Não se
pretende que qualquer parte desta minuta seja acordada neste estágio”.
Mas, juntamente com Moore, decidira que seria melhor apresentar
um texto “limpo”, representando sua melhor aposta de alcance de um
consenso sobre todas as questões, porque, se uma seção contivesse
colchetes exibindo diferentes opiniões, surgiriam pedidos de abordagem
semelhante em outras seções, gerando de novo o inferno dos colchetes.
160
apenas notas
10
Sob muitos aspectos, o texto era um modelo de talento artístico
diplomático, lançando em termos amplos a agenda negociadora de
forma a evitar qualquer delineamento preciso do resultado que pudesse
alienar um país-membro ou grupo. O documento até fugia do termo
“rodada”, adotando a expressão “programa de trabalho”, imaginando
que o Like Minded Group e outros países em desenvolvimento achariam
mais fácil de engolir e identificava claramente os grupos de países que
mais se beneficiariam: “A maioria dos membros da OMC são países
em desenvolvimento”, dizia o texto. “Estamos tentando colocar suas
necessidades e interesses no âmago no programa de trabalho adotado
nesta declaração”. Esse “programa de trabalho”, é claro, teria a maior
parte dos elementos esperados numa rodada – negociações sobre
subsídios agrícolas, acesso a mercados tanto de bens agrícolas quanto
manufaturados e comércio de serviços, além de uma variedade de outros
tópicos relativos ao comércio, de interesse para muitos dos membros
da OMC. Como a Rodada Uruguai seria um “pacote único” (single
undertaking), sendo que nada estaria acordado até que tudo fosse
acordado. Nos assuntos mais delicados, Harbinson usou uma fraseologia
cuidadosamente burilada visando reduzir os abismos nas posições entre
países-membros.
Um exemplo foi a linguagem usada em relação a subsídios à
exportação na agricultura. Muitos países, inclusive os Estados Unidos,
consideravam imperativo que as negociações resultassem na eliminação
desse tipo específico de subsídio, concedido, principalmente, pela União
Europeia a seus agricultores para produtos vendidos em mercados
externos. Os europeus, naturalmente, permaneciam sob pressão de seus
agricultores para manter os pagamentos, pelo menos em alguma proporção.
Num lance para convencer todas as partes a aceitar a ideia, o texto de
Harbinson declarava que um objetivo das negociações na agricultura
seria “reduções, com vistas à sua eliminação gradativa, de todas as
formas de subsídios à exportação”. Em outra parte do texto, Harbinson
tentava encontrar um meio termo entre a demanda da União Europeia
de que as negociações incluíssem os temas de Cingapura e a oposição
dos países em desenvolvimento à ideia de se criar regras na OMC sobre
esses temas, particularmente investimentos e concorrência. Seu texto não
indicava com todas as letras que as negociações começariam por essas
questões, mas também não dizia o contrário. Afirmava que discussões
161
paul blustein
preliminares sobre “esclarecimentos” ocorreriam depois de Doha e
que, na reunião ministerial seguinte, seria tomada uma “decisão” sobre
“modalidades de negociações” nessas áreas. Ao aceitar essa linguagem,
os europeus poderiam alegar que as negociações iriam começar e que a
reunião ministerial subsequente trataria exatamente dessas modalidades,
enquanto que países como Índia e Malásia poderiam alegar que a questão
de negociar ou não essas questões seriamente tinha sido adiada por pelo
menos dois anos.
Não obstante todo o trabalho investido por Harbinson na articulação
da linguagem do texto, os países em desenvolvimento ficaram aborrecidos,
e não foram os únicos. O embaixador da União Europeia, Carlo Trojan,
enfatizou que, com relação à questão que Bruxelas considerava como o
ponto nevrálgico em potencial, o texto dava à Europa “tão pouca atenção...
que beirava a indecência”. Referia-se ao pedido da União Europeia por
negociações para estabelecer regras claras sobre questões ambientais.
Quanto a isso, o texto só vislumbrava uma continuação de discussões
por uma comissão, que relataria à OMC, em 2003, se as negociações
deveriam ocorrer. Quanto aos Estados Unidos, o “banho de água fria”,
contido no texto, estava na referência a negociações sobre novas regras
para procedimentos antidumping, um problema potencialmente sério para
Zoellick, porque alguns membros do Congresso se mostravam inflexíveis
na oposição a qualquer tipo de tratamento desse assunto.
O coro de lamentações poderia ser encarado como um doce prelúdio
musical, pois mostrava, como descreveu Moore, que o texto tinha um
“equilíbrio de infelicidades”, refletindo a natureza da barganha que teria
de ser discutida em Doha. Mas esse episódio serve como uma evidência
para sustentar a tese defendida pelos críticos que veem a OMC como
uma oligarquia, que apenas finge operar segundo princípios democráticos.
Sim, cada país pode ter um voto, e sim, o consenso pode ser exigido,
mas, na realidade, diziam os críticos, um sistema não transparente e
improvisado para definição de importantes questões processuais significa
que países fracos quase sempre se veem obrigados a aceitar termos ditados
pelos mais fortes. Os textos são redigidos por pessoas que tendem a ser
simpáticas às visões das nações mais poderosas e os documentos são
apresentados aos membros como base única de negociação. Embora,
do ponto de vista técnico, a linguagem possa ser alterada de todas as
formas imagináveis, na prática, modificações significativas são muito
162
apenas notas
10
difíceis de ter êxito, principalmente para pequenos países no calor de
uma reunião ministerial. Fazer isso pode exigir bloquear o consenso, uma
medida temerária para qualquer país, dado o opróbrio que pode gerar.
Ao eliminar os colchetes em favor de uma linguagem de compromisso,
Harbinson estava efetivamente descartando os argumentos que os países
em desenvolvimento vinham levantando há semanas, como afirmavam
seus representantes.
Em momentos como esse, a OMC se vê diante da difícil tarefa
de garantir um delicado equilíbrio. Democracia e inclusão são metas
desejáveis, assim como a eficiência em tomar decisões. O diretor-geral
e o presidente do Conselho Geral, ambos eleitos pelos membros, tinham
chegado a uma redação do texto após extensas consultas. Como fazer
para aumentar a legitimidade do processo sem comprometer o avanço das
negociações? Apoiado por Moore, Harbinson fincou pé, declarando que o
texto tal qual escrito era a melhor esperança de sucesso em Doha. Mesmo
assim, os dois homens concordaram com algumas medidas adicionais por
insistência da Índia, do Zimbábue e de outros descontentes. Enviaram
uma carta formal para Kamal, o ministro do Comércio catariano, que
iria presidir a reunião em Doha, enfatizando que o texto “claramente”
ainda não tinha sido acordado. A carta também ressaltava algumas das
principais diferenças entre os membros da OMC.
Havia uma questão que era contenciosa demais para ser tratada da
mesma forma que as outras. O tema foi inserido em um anexo ao texto
principal e, nesse caso, Harbinson inseriu duas opiniões distintas entre
colchetes. Ele tinha sido advertido para nem tentar redigir uma linguagem
de compromisso sem colchetes, a menos que quisesse arruinar todos os
preparativos para Doha. Esse assunto não era só uma questão de dólares
e centavos, era um caso de vida ou morte.
[*]
Um futuro horripilante e provavelmente curto estava diante de Vuyani
Jacobs, da Cidade do Cabo, na África do Sul, no início de 2001, quando
a AIDS atacou violentamente seu corpo de 31 anos de idade. Sofrendo
com os efeitos de uma meningite bacteriana e de uma tuberculose, o
ex-bancário se recorda de ser afligido por uma “diarreia ininterrupta.
Estava perdendo todo o cabelo. Nem conseguia me lembrar do meu
163
paul blustein
telefone”. Sua namorada morrera três anos antes, acrescenta ele, com
“diarreia, meningite, aftas na boca e candidíase. Pensava que ia morrer
da mesma maneira”.
Porém, a sorte virou a favor de Jacobs. Ele fazia parte da pequena
minoria de vítimas de AIDS, na África do Sul, que conseguiram tomar
a versão genérica, fabricada no Brasil, da droga AZT, que custa mais
de US$10.000 por ano para um fornecimento individual nos Estados
Unidos, mas apenas cerca de US$550 por ano por paciente num
programa administrado pela organização Médicos Sem Fronteiras.
Quando o conheci, poucos meses depois de ter espantado a morte, Jacobs
estava cheio de energia e falando com animação sobre sua carga viral
indetectável. Seu peso, que tinha caído abaixo de 36kg, tinha subido para
mais de 63kg, sua barba tinha voltado a crescer e estava distribuindo
currículos na esperança de achar emprego. “Sinto-me como se tivesse
dezoito anos de novo”, disse ele.
A recuperação, semelhante à de Lázaro, de vítimas de AIDS como
Jacobs, que tinham conseguido tratamento – e a desgraça de milhões de
outros indivíduos não tão afortunados – estava no cerne de um difícil
dilema que a reunião de Doha iria enfrentar: onde termina o direito
de uma empresa de gerar lucros e começa o de um pobre de obter um
remédio que salvará sua vida?
Essas perguntas não diziam respeito aos diplomatas envolvidos com
comércio em Genebra no tempo em que as regras de comércio globais
se referiam em sua maior parte a tarifas. Porém, essa situação mudou
quando a Rodada Uruguai lançou a recém-criada OMC no campo da
proteção à propriedade intelectual, com a inclusão na rodada do Acordo
sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (TRIPS).
A proteção de patentes e direitos autorais requer um equilíbrio
inerentemente difícil. Se for permitido que as pessoas copiem filmes,
livros e produtos farmacêuticos a seu bel prazer, os incentivos para
empresas serem criativas e inovadoras são eliminados. Se as proteções
contra a cópia desses produtos forem excessivas, as recompensas
financeiras vão para inventores, artistas, autores, pesquisadores e grandes
empresas, sem beneficiar a sociedade. O equilíbrio é ainda mais difícil
em nível internacional, porque os países pobres geralmente têm menos
a perder na proteção de propriedade intelectual do que os ricos, fonte
164
apenas notas
10
principal de inovação tecnológica e criação artística. Quando cidadãos da
África, América Latina ou países asiáticos em desenvolvimento têm de
parar de comprar cópias piratas e pagar mais por um DVD de Hollywood,
um software do Vale do Silício ou um remédio americano de marca, uma
transferência de renda ocorre dos pobres para os ricos (num estudo, o
Banco Mundial estimou que as empresas norte-americanas passaram
a receber US$19 bilhões a mais por ano em royalties como resultado
do acordo TRIPS, com a maior parte do dinheiro vindo de países em
desenvolvimento, importadores líquidos de propriedade intelectual).
Isso não quer dizer que os países em desenvolvimento não ganhem
nada com uma forte proteção à propriedade intelectual: fica mais fácil
conseguir investimentos do exterior, atrair novas tecnologias e estimular
a inovação no país se os investidores e criadores estiverem confiantes da
proteção ao trabalho deles. Mas os ganhos talvez não sejam grandes o
bastante para compensar as perdas e com certeza nem cheguem perto dos
ganhos dos países onde os produtos em questão são criados e os lucros
recolhidos. De fato, esse cálculo de custos e benefícios levou os Estados
Unidos a desprezarem direitos de propriedade intelectual de outros países
nos estágios iniciais de seu desenvolvimento. Durante a maior parte do
século XIX, Washington não deu proteção de direitos autorais a livros
estrangeiros, até que um mercado externo desenvolvido para livros
americanos obrigou os EUA a assinarem convenções internacionais de
direitos autorais. Mais recentemente, o milagre japonês das décadas de
1960 e 1970, e o milagre sul-coreano que se seguiu, mostrou como os
países poderiam galgar degraus na escada do desenvolvimento copiando
tecnologia estrangeira sob sistemas de patentes frouxos.
O Acordo sobre TRIPS representou, então, um grande salto para
o sistema multilateral de comércio. Exigiu que todos os membros da
OMC protegessem patentes durante vinte anos e impusessem suas leis de
patentes com vigor, apesar de permitir períodos de transição antes que os
países em desenvolvimento fossem obrigados a cumprir essas leis, com
períodos mais longos para os países mais pobres do mundo. A questão
era controversa mesmo entre os economistas que se posicionavam como
os mais fervorosos defensores do livre comércio. Alguns aplaudiram a
medida como sendo uma adaptação necessária de regras globais a uma
nova realidade de comércio, à medida que aumentava o volume de
mercadorias comercializadas internacionalmente com altos níveis de
165
paul blustein
conteúdo criativo fácil de copiar. Outros denunciaram a medida como
sendo um abuso do sistema de comércio, alegando que a propriedade
intelectual é uma questão separada do comércio. Esses críticos temiam
que a transformação da OMC em um órgão de imposição de direitos
de patentes arriscava jogar a instituição ladeira abaixo, com grupos de
interesse pedindo que ela impusesse todos os outros tipos de direitos –
direitos trabalhistas sendo o exemplo óbvio.
Não demorou muito para a controvérsia se espalhar para além do
domínio dos teóricos e formuladores de políticas de comércio, e isso não
poderia ter acontecido num clima mais exaltado.
A África do Sul, que tinha acabado de pôr fim ao apartheid, em 1994,
estava lutando sob o governo do presidente Nelson Mandela para lidar
com um grande número de pessoas infectadas pelo vírus da AIDS na
África. A AIDS não estava só matando milhões de pessoas no continente;
ela estava arrasando economias nacionais inteiras com trabalhadores
doentes e crianças afastadas da escola. O governo Mandela promulgou
uma lei, no final de 1997, que visava obter versões genéricas baratas de
medicamentos poderosos de combate à AIDS, protegidos por patentes.
Isso poderia ser feito de duas maneiras. Uma forma era o licenciamento
compulsório, no qual um governo autoriza que empresas locais fabriquem
cópias de remédios patenteados (normalmente com o pagamento de uma
taxa negociada ao detentor da patente). A outra era a importação paralela,
na qual é concedido aos importadores o direito de obter medicamentos de
qualquer fonte, independentemente da aprovação do detentor da patente.
O que tudo isso tem a ver com a OMC? Supostamente, não muito. O
Acordo sobre TRIPS continha dispositivos que davam aos membros da
OMC flexibilidades que pareciam dar conta de situações como a da África
do Sul. Eles permitiam que os governos emitissem licenças compulsórias
para lidar com “emergências nacionais ou outras circunstâncias de
extrema urgência”, ainda que impusesse restrições severas ao exercício
desse direito.
No entanto, as companhias farmacêuticas instauraram processo
num tribunal sul-africano contra o governo, alegando que a lei violava
seus direitos de propriedade, bem como o Acordo sobre TRIPS. A
indústria farmacêutica estava temerosa de que o precedente aberto pelos
sul-africanos se espalhasse por todo o mundo em desenvolvimento,
minando os direitos de patente e criando vários riscos para os fabricantes
166
apenas notas
10
de medicamentos nos mercados de seus países ricos (por exemplo,
a importação de drogas contrabandeadas para os Estados Unidos e
a Europa). Os funcionários dessas empresas, citando uma cifra de
US$500 milhões como custo de pesquisa e desenvolvimento necessário
para trazer um medicamento ao mercado, advertiram para o risco de
um impacto potencialmente deletério de desestimular as empresas
a buscarem cura para doenças mortais. Além disso, argumentava a
indústria farmacêutica, o problema real nos países pobres não era o
preço dos medicamentos, mas a baixa qualidade de seus sistemas de
saúde, nos quais os doentes tinham dificuldade de encontrar médicos
que prescrevessem e aplicassem os remédios de forma apropriada. O
governo Clinton, que tinha apoiado indústrias voltadas para a proteção
de propriedade intelectual no passado (Hollywood, por exemplo),
apoiou a indústria farmacêutica, colocando a África do Sul numa “lista
negra” de países que poderiam enfrentar sanções por violar direitos de
patentes. Washington pressionou o Brasil e a Tailândia por motivos
semelhantes e a Casa Branca despachou o vice-presidente Gore para a
África do Sul a fim de tentar mediar a disputa.
Nesse ponto, o tema tornou-se mais controverso do que nunca, unindo
os ativistas de direitos humanos pela causa da AIDS, que passaram a
atacar o alvo mais vulnerável do governo.
“A cobiça de Gore mata! A cobiça de Gore mata!”. Assim gritava um
grupo de manifestantes após o anúncio do vice-presidente em junho de
1999 em sua cidade natal de Carthage, no Tennessee, de que se lançaria
candidato à presidência. Manifestações barulhentas continuaram em
outras aparições de Gore e logo o governo Clinton, reconsiderando a
situação, recuou de sua posição de enfrentamento com a África do Sul.
As companhias farmacêuticas, também afetadas pela gritaria geral do
público, começaram voluntariamente a baixar os preços que cobravam
dos africanos pelos remédios de combate à AIDS. Quando George Bush
foi empossado, Zoellick anunciou que seu governo também assumiria
uma postura relativamente tolerante em relação ao uso, por países
pobres, de medicamentos genéricos de combate à AIDS, dizendo que
os Estados Unidos, “compatíveis com nosso esforço geral para proteger
o investimento em propriedade intelectual na América”, estavam
preparados para “trabalhar junto com os países que desenvolvem sérios
programas para prevenir e tratar essa terrível doença”.
167
paul blustein
Os países em desenvolvimento e os ativistas ainda não estavam
apaziguados. Eles temiam novos ataques jurídicos de nações ricas e
da indústria farmacêutica visando restringir os direitos dos governos
de obter genéricos baratos. Em vista disso, passaram a exigir uma
declaração explícita de que esses direitos poderiam ser invocados por
todos os membros da OMC em todo tipo de emergências de saúde – não
só os países africanos subsaarianos, e não só em relação à AIDS. O líder
dessa iniciativa foi o Brasil, que tinha criado um programa de combate
à AIDS considerado modelo para o mundo em desenvolvimento. O
governo brasileiro deu tratamento gratuito a todos que fossem HIV
positivos, com base em genéricos fabricados no país e num sistema de
clínicas espalhados por todo o país. O programa reduziu drasticamente
o índice de novas infecções e de mortes relacionadas com a AIDS.
À medida que trabalho de redação da minuta de declaração
ministerial de Doha foi se intensificando no final de 2001, o Brasil e
seus aliados se uniram pela demanda de uma declaração especial sobre a
questão dos medicamentos. A frase crucial que eles queriam que a OMC
endossasse dizia o seguinte: “Nada no Acordo sobre TRIPS impedirá
que os Membros tomem medidas para proteger a saúde pública”.
Já era de se esperar que fabricantes de medicamentos desdenhassem essa
proposta. “Maluquice”, foi como Harvey Bale, diretor-geral da Federação
Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticos, descreveu a
questão numa coletiva de imprensa em 1º de novembro. Esses termos vagos,
advertiram os porta-vozes das companhias farmacêuticas, constituíam um
ataque frontal ao Acordo sobre TRIPS e significavam que qualquer país
poderia alegar, de maneira casual, um motivo de saúde pública para copiar
qualquer medicamento que quisesse. Os Estados Unidos, assim como
outros membros da OMC, incluindo a Suíça, o Japão e a União Europeia,
concordaram que o grupo liderado pelo Brasil estava indo longe demais.
Para que o “destrutivismo revoltante do terrorismo” pudesse ser
contra-arrestado com uma reunião exitosa em Doha, um lado ou o
outro do debate sobre TRIPS teria de ceder – e muito.
[*]
Preparativos extraordinários estavam em curso para garantir a
segurança da reunião em Doha. Os nomes de todos os empregados
168
apenas notas
10
dos hotéis, muitos dos quais eram funcionários convidados de outros
países do Oriente Médio e da África do Sul, foram minuciosamente
investigados. Qualquer um que fosse considerado suspeito recebia
dispensa para tirar alguns dias de folga durante a reunião da OMC.
Câmeras foram instaladas em locais estratégicos numa operação de
vigilância extensiva. A Marinha dos EUA despachou um Grupo de
Prontidão Anfíbio – uma frota incluindo um navio semelhante a um
pequeno porta-aviões equipado com vários helicópteros e aviões
Harrier, mais um contingente de fuzileiros navais – para patrulhar as
águas até onde o horizonte alcançasse. Para minimizar o perigo de um
ataque de míssil ao avião do governo que transportava a delegação
dos EUA, a rota do voo foi modificada em relação à rota normalmente
seguida pelos aviões de carreira. Além disso, foram traçados planos
de deslocamento de tropas para as áreas que seriam sobrevoadas pelo
avião.
Na supervisão dessas providências, estava Doug Melvin, ex-comandante das Forças Especiais que era chefe de segurança do
Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. Melvin
coletou muitas informações vindas da CIA e de outras fontes sobre
possíveis ataques à reunião e, já tendo feito uma viagem a Doha antes
do 11 de setembro, visitou a cidade de novo em outubro, quando foi
fazer mergulho submarino no porto para ver o que poderia ser feito
para rechaçar um ataque vindo do mar. De volta a Washington, realizou
reuniões de informação com pessoas que poderiam ser enviadas para
Doha, inclusive funcionários do governo, membros do Congresso e
suas equipes, lobistas e líderes de ONGs. Essas medidas foram muito
sensatas, porque, embora os palestrantes ocultassem as fontes e métodos
por trás dos fatos que tinham reunido, foram bem específicos acerca
dos potenciais problemas, como a suspeita do terrorista (referido no
Capítulo 1), que se temia estar à solta no Catar. Os palestrantes deram
garantias de que todos os cidadãos norte-americanos teriam acesso a
máscaras de gás, equipamento de comunicação por rádio, antibióticos
e antídotos para venenos químicos. Num primeiro momento, disseram
que esse equipamento seria entregue a cada indivíduo, mas essa decisão
foi modificada mais tarde, mantendo-se os equipamentos ao largo da
costa em navios da marinha, capazes de transportá-los rapidamente
para o local da reunião.
169
paul blustein
O perigo de que a reunião pudesse fracassar por causa de ameaças
externas – de terroristas ou manifestantes – tinha sido atenuado de forma
significativa. O resto estava agora nas mãos dos membros da OMC.
170
Capítulo 6
Removendo a Mancha
O último trecho da longa viagem de Geoffrey Gamble à reunião da
OMC em novembro de 2001 foi um voo de Dubai para Doha. O jovem
árabe sentado ao seu lado no avião suava muito e comportava-se de forma
nervosa. Muito desconfiado, Gamble, diretor de assuntos governamentais
internacionais da Dupont Company, decidiu ficar a postos para agir.
Levantou-se para ir ao banheiro, levando seus fones de ouvido, que tinha
apertado em volta da mão. “Pensei: ‘se ele fizer qualquer movimento, eu o
agarro e o enforco!’”, lembra-se Gamble. “Então voltei para o meu lugar.
Ele me olhou firme, inclinou-se e disse: ‘Sua braguilha está aberta’”.
No final das contas, o homem acabou se revelando muito divertido,
diz Gamble, acrescentando: “O nível de estresse naquela época estava
muito alto”.
Representantes de empresas como Gamble são figuras sempre
presentes nas reuniões de comércio internacional e, como anteriormente
visto, no exemplo da indústria do cinema na Rodada Uruguai, estão
sempre ávidos para pressionar a fim de obter vantagens, principalmente
dos funcionários de seus próprios governos, apesar de, com frequência, dos
representantes de outras nações também. As atividades dos empresários
vindos dos Estados Unidos, que são normalmente os mais numerosos,
se parecem muito com o que os lobistas fazem no Capitólio. Apesar de
sua entrada não ser permitida nas salas onde ocorrem as negociações
171
paul blustein
formais, eles esperam do lado de fora, correndo atrás dos negociadores
nos intervalos e, se necessário, exercitando sua musculatura política, em
algumas ocasiões telefonando para membros influentes do Congresso
para exercerem pressão sobre a equipe norte-americana.
O nível de estresse de Gamble começou a diminuir depois que ele
passou pela segurança rigorosa para chegar ao recém-construído Ritz-Carlton, onde a maioria dos participantes americanos estava hospedada.
“Nunca tinha ficado num hotel daqueles”, disse ele, lembrando-se
do enorme candelabro do saguão, das louças com metais dourados
nos banheiros e dos funcionários solícitos, a maioria parecendo ser
europeus ou canadenses. Além disso, teve a satisfação de descobrir que,
como todos os negociadores norte-americanos estavam hospedados lá
também – e muitos de seus colegas do setor privado tinham ficado em
casa –, seria fácil marcar reuniões e entrar em contato com pessoas que
ele precisava ver. Pouco tempo depois, Gamble já estava envolvido, de
maneira premente, nos temas das negociações da OMC, deixando para
trás as preocupações com a segurança.
Essa reação parecia quase universal entre os lobistas, delegados,
jornalistas e outros participantes dos Estados Unidos, assim como de
outros países. Apesar das constantes revistas de bolsas e controle por
detectores de metais tornarem impossível esquecer o perigo de um ataque
terrorista, a maioria dos participantes mergulhou no trabalho no principal
local da reunião da OMC, o Sheraton Doha, um hotel altíssimo em forma
de pirâmide, que abrigava um centro de conferências. Os corredores
estavam lotados de pessoas de todas as nacionalidades imagináveis,
alguns correndo para reuniões, outros se reunindo secretamente com
colegas, folheando relatórios, falando alto no celular ou se aprumando
diante de câmeras de TV.
Os grupos de ambientalistas e sindicalistas que tinham liderado os
protestos em Seattle estavam notoriamente ausentes. Junto com outras
ONGs, arrumavam cadeiras e mesas numa estrutura semelhante a uma
tenda atrás do Sheraton, bem longe das principais salas de reuniões que os
catarianos tinham designado para seu uso. Só uma pessoa de cada grupo
tinha conseguido um visto de entrada, o que a OMC atribuía à falta de
espaço no hotel. Num esforço disciplinado e desesperado para mostrar
que não podiam ser totalmente intimidados, alguns ativistas encenaram
uma demonstração na hora em que os delegados oficiais começaram a
172
removendo a mancha
fazer fila para entrar na sessão de abertura. Falaram palavras de ordem
e acenaram com pequenos cartazes feitos às pressas, acusando a OMC
de ser antidemocrática e tendenciosa em favor dos ricos.
A liderança da OMC e os anfitriões catarianos estavam fazendo o
máximo para conferir um sentido de unidade aos trabalhos. Na sessão
inaugural, ocorrida na noite de sexta-feira, 9 de novembro, num grande
auditório com telas de vídeo no teto mostrando imagens dos oradores,
Mike Moore lembrou aos delegados o que estava em jogo, usando sua
dicção mais elegante e evitando gírias da Nova Zelândia. “A economia
mundial precisa de sinais de confiança em mercados abertos e de
compromisso com a cooperação internacional. Esse é o tipo de sinal
que será emitido se chegarmos a um acordo aqui”, disse o diretor-geral.
“Essa conferência iniciará o próximo estágio no desenvolvimento do
sistema de comércio, cujo foco tem de ser a mais plena integração do
mundo em desenvolvimento”.
Na manhã seguinte, na primeira fase de discussões da reunião, os
delegados foram oficialmente informados de como as coisas funcionariam
nos quatro dias antes do prazo final de meia-noite de terça-feira, 13 de
novembro, quando a reunião iria se concluir. Como em Seattle, seis
grupos de trabalho se reuniriam para discutir os temas objeto de maior
divergência entre os membros da OMC, com o objetivo de chegar a
um texto de consenso. Cada grupo seria chefiado por um “amigo do
presidente” – isto é, um ministro de comércio considerado confiável e
digno de crédito por Moore – e os países-membros foram convidados a
enviar representantes a qualquer um dos grupos. Uma diferença, desta
vez, era que os grupos não teriam problemas acústicos e outros problemas
logísticos do mesmo tipo dos que os tinham afligido em Seattle. Todos os
participantes foram unânimes na opinião de que as instalações em que a
reunião seria realizada no Sheraton, em Doha, eram de primeira classe.
Logo depois que essa sessão organizacional começou, no entanto,
aconteceu um episódio engraçado que expôs as tensões entre as principais
potências e alguns dos principais países em desenvolvimento. Yousef
Hussain Kamal, o ministro catariano, estava presidindo a sessão, com
Moore a seu lado, quando a “bandeira” da Índia subiu, isto é, a placa
do país foi virada, indicando o desejo do seu ministro, Murasoli Maran,
de tomar a palavra. Isso, suspeitou Moore, podia significar problema,
dadas as posições dos indianos sobre as questões antes da reunião,
173
paul blustein
e ele sussurrou para Kamal que os indianos provavelmente queriam
levantar algum ponto exasperador a respeito do procedimento. “Então
não lhes daremos tempo”, replicou Kamal, uma conversa que, de forma
embaraçosa, foi ouvida por todos no salão, porque Kamal tinha se
esquecido de desligar o microfone. Uma onda de risadas estridentes se
seguiu a esse esforço desajeitado de suprimir vozes dissidentes.
Havia bons motivos para acreditar que Maran surgiria como o
desmancha-prazeres.
[*]
O ministro Maran, de 67 anos, era um homem baixo com um bigode
fino e longas costeletas que o faziam parecer “um vilão cômico de um
filme de bangue-bangue de quinta categoria”, conforme descrito num
jornal indiano. Já tendo sofrido um ataque cardíaco grave, sua aparência
era muito frágil (ele só viveria mais dois anos após a reunião em Doha).
Ocupava o cargo de ministro do Comércio e Indústria por força do papel
de liderança num dos partidos da coalizão do governo, o DMK, uma
agremiação regional cuja sede se localizava num Estado no sul da Índia
chamado Tamil Nadu e que fora fundada em oposição à longa dominação
da nação por brâmanes do norte, falantes de híndi. Os tâmiles têm sua
própria língua e a resistência ao ensino do híndi nas escolas da região
era um dos princípios do partido. Essa causa tinha chamado a atenção
de Maran em 1965. Como muitos tâmiles, ele só tinha um prenome, mas
um de seus primeiros empregos foi como editor de um órgão político-partidário chamado Murasoli, o que significava “rufar de tambores”.
Acabou conhecido como Murasoli Maran.
O país que ele representava, a despeito de seus largos passos rumo
ao status de potência econômica moderna, há muito nutria uma profunda
antipatia pelo sistema global de comércio. O comércio internacional
estava associado à dominação colonial dos ingleses, cujas práticas
vergonhosas incluíam o uso de tarifas e outras restrições para manter a
Índia como produtora de algodão cru para as fábricas da Grã-Bretanha, ao
mesmo tempo que impediam os indianos de desenvolverem sua própria
indústria têxtil concorrente. Um dos principais apelos do movimento
de independência era swadeshi, ou “autonomia”. O primeiro governo
da nação independente, chefiado por Jawaharlal Nehru, deu prioridade
174
removendo a mancha
máxima ao alcance da autossuficiência nos bens manufaturados e
restrição de importações ao mínimo necessário. A Índia era a líder do
G-77, a coalizão de países em desenvolvimento que lutou muito nas
décadas de 1960, 1970 e 1980 para preservar seus direitos de proteger
suas economias por meio de tarifas, quotas e restrições a investimentos.
Até a década de 1990, o setor privado indiano estava sujeito a limitações
estritas sobre investimentos estrangeiros e colaboração com empresas
estrangeiras. Qualquer firma que tentasse estabelecer uma empresa
industrial de larga escala tinha de obter uma licença do governo, o que, é
claro, limitava a concorrência. As tarifas da Índia se classificavam entre
as mais elevadas do mundo, chegando ao auge em 1988 numa média
de 120% a 140%. O resultado de todas essas políticas foi uma máquina
industrial de competitividade pateticamente pobre porque, com o grande
mercado interno quase todo para elas, as empresas indianas tinham pouco
incentivo para atender aos padrões mundiais necessários para exportar
seus produtos.
Muitas dessas políticas passaram por extensas reformas no início
da década de 1990. Isso aconteceu em parte por causa de uma crise
econômica e em parte por causa da queda da União Soviética, que pôs
em questão o próprio modelo indiano. O governo descartou as exigências
de que as empresas obtivessem licenças para investimentos privados,
exceto em dezoito setores-chave. As autoridades também reduziram
muitas das tarifas mais altas e a lista de importações sujeitas a quotas e
outras restrições. Porém, o mercado indiano continuou sendo um dos mais
protegidos do mundo. Empresas estatais monopolistas controlavam as
importações e exportações da maioria dos produtos agrícolas, inclusive
dos dois mais importantes: arroz e trigo. Em maio de 2001, o Ministério
do Comércio e Indústria criou uma sala de operações para monitorar uma
lista de 300 bens de consumo “sensíveis”, inclusive carros, chá e lápis,
com o objetivo de se proteger contra danos causados por importações.
Os predecessores de Maran no cargo há muito tinham se posicionado
nas negociações da OMC como paladinos do nacionalismo indiano contra
estrangeiros. Sendo proveniente de um partido na coalizão governante,
Maran teve um prazer especial em assumir esse papel. Seu congênere
egípcio, Youssef Boutros-Ghali, se lembra de ter sido solicitado, “porque
supostamente eu era seu amigo do terceiro mundo”, a persuadir Maran a
ser cooperativo em Doha – em vão. “Maran me disse: ‘Olha, na política
175
paul blustein
interna na Índia, é de meu interesse político que essa coisa fracasse’.
Ele falou isso explicitamente”, disse Boutros-Ghali. De fato, dezenas
de milhares de indianos, a maioria agricultores, fizeram manifestações
em Nova Délhi, em 6 de novembro de 2001, pedindo que o governo
rejeitasse novas negociações na OMC.
Na reta final para a reunião, Maran tinha lançado ameaças verbais
sobre a determinação da Índia de resistir à pressão de países ricos,
chamando a OMC de “mal necessário”. Após sua chegada em Doha,
ele não deu sinais de que abrandaria sua retórica. Pelo contrário,
parecia se comprazer em espicaçar Zoellick. Contou aos repórteres que
concordava com a avaliação de que os negociadores norte-americanos
estavam explorando o 11 de setembro em seu esforço para lançar uma
nova rodada. “Eles querem bater enquanto o ferro ainda está quente”,
disse irritado.
Ele estava na lista de ministros com quem Zoellick manteve reuniões
bilaterais em Doha – os ministros em geral tentam realizar o máximo
possível de reuniões desse tipo, em parte como cortesia diplomática, em
parte para melhorar o clima da negociação. Em seus encontros, apesar
de cordiais, eles não avançaram muito nas questões que os dividiam.
Isso ajudou a cristalizar a estratégia de Zoellick em Doha: ele isolaria
os indianos como sendo os únicos a se oporem a um consenso apoiado
por todos os outros membros da OMC. Após sair da reunião com Maran,
Zoellick contou a um assistente que não conseguiria chegar a um acordo
com o ministro indiano. Ele planejava alinhar todos os outros países,
para que Maran enfrentasse uma “escolha binária”, posicionando-se a
favor ou contra a rodada.
Para fazer isso, Zoellick teria de começar a convencer outros países, o
que significaria fechar acordos com eles a respeito de questões de grande
suscetibilidade política nos EUA. Tendo o texto de Harbinson como ponto
de partida – a primeira versão da declaração tinha sido decretada como
base para a negociação na reunião –, Zoellick começou a ver se conseguia
fechar alguns acordos. Não estava pensando no modelo comum para
grandes negociações internacionais, que é esperar até o último minuto e
só então se comprometer. Ele queria se mover o mais rápido possível, na
esperança de criar um impulso que levaria a mais impulso, um sucesso
que engendrasse outro sucesso. Em uma reunião ministerial marcada
para durar apenas cinco dias, não havia tempo a perder.
176
removendo a mancha
[*]
No avião governamental americano que se dirigia a Doha, etiquetas
com nomes designavam os assentos nos quais os passageiros iriam se
sentar. Todos tinham uma etiqueta com seu nome, exceto Grant Aldonas,
subsecretário de comércio internacional do Departamento de Comércio.
Na sua etiqueta estava escrito “Otário”.
Um homem grande e sociável, com uma voz retumbante, cabelo
louro e olhos azuis, Aldonas foi designado por Zoellick para negociar a
questão antidumping na reunião da OMC. Daí o apelido “otário”, pois
como Aldonas, um ex-funcionário do primeiro time da Comissão de
Finanças do Senado, bem sabia, a questão antidumping era o assunto
mais delicado que a equipe norte-americana teria de enfrentar em Doha.
As leis americanas sobre antidumping e direitos compensatórios, que
visavam proteger a indústria doméstica contra os produtos importados
vendidos a preços deslealmente baixos, gozam do apreço dos membros
do Congresso, que as defendem com unhas e dentes como sendo
essenciais para garantir a igualdade de condições entre concorrentes. De
que outra forma, indagam os políticos americanos, podem as empresas
americanas combater concorrentes estrangeiros que às vezes vendem
seus produtos abaixo do custo de produção ou abaixo do preço de
venda em seus próprios mercados internos? Ou que tiram vantagem
de subsídios ocultos sob a forma de empréstimos de bancos estatais?
É por isso que as leis permitem que as indústrias norte-americanas
apresentem queixas ao Departamento de Comércio, que – após uma
investigação – pode determinar que devam ser cobrados impostos sobre
importações ofensivas, objetivando o aumento de seu preço no mercado
norte-americano até chegar a um nível “justo”.
Porém, as leis norte-americanas são menosprezadas por governos
estrangeiros, que veem americanos supostamente defensores do
livre comércio usando essas medidas como uma forma disfarçada de
protecionismo. Muitos economistas concordam com essa visão.
Basta pensar no caso das massas. Qualquer pessoa que já tenha
empurrado um carrinho pelos corredores de um supermercado americano
conhece a marca De Cecco, um produto importado italiano vendido em
embalagens azuis, com a figura de uma camponesa segurando feixes
de trigo. E qualquer um que já tenha comparado preços de massas sabe
177
paul blustein
que essa marca custa até o dobro de muitas outras. Porém, em resposta
a uma queixa apresentada pelos fabricantes de massas dos EUA contra
massas vindas da Itália e da Turquia, o Departamento de Comércio
achou, em 1996, que a De Cecco era uma das marcas sendo vendidas
“abaixo do valor justo de mercado” e fixou a “margem de dumping” da
empresa em 47%. Isso significa que a De Cecco teria de pagar impostos
próximos a essa percentagem sobre o valor das massas que exportasse
para os Estados Unidos.
A história de casos antidumping nos Estados Unidos está repleta de
resultados igualmente bizarros, em que os produtores estrangeiros são
punidos com impostos estratosféricos. Parte do problema é a própria lei.
Apesar de ser sensato proibir que as empresas vendam produtos “abaixo
do custo” – principalmente se uma empresa dominante estiver usando
fixação de preços predatórios para retirar os concorrentes do mercado e
estabelecer um monopólio, – a questão é: como os custos deveriam ser
medidos? Um método é usar o custo médio de todos os itens produzidos,
outro é usar o custo de produção do último item (custo “marginal”, no
jargão dos economistas). Basta dizer que as regras são muito mais rígidas
contra os dumpers estrangeiros do que contra as empresas nacionais
acusadas de fixação de preços predatórios.
E também tem a forma como a lei é administrada. Os funcionários do
Departamento de Comércio dispõem de grande autonomia na interpretação
das regras e muitas provas sugerem que eles sistematicamente tendem
a favorecer empresas norte-americanas alegando princípios de livre
mercado. Nos casos de dumping as empresas estrangeiras podem ser
“postas de molho” se deixarem de fornecer ao Departamento de Comércio
em curto prazo respostas suficientemente completas para a imensa
gama de perguntas do departamento sobre suas operações (foi assim
que a De Cecco arrumou tanto problema: o Departamento de Comércio
considerou que os dados da empresa não tinham sido apresentados de
forma apropriada, não eram consistentes e não poderiam ser verificados
com facilidade).
As leis norte-americanas estavam sob ataque, em Doha, por vários
países, liderados pelo Japão, Coreia do Sul e Chile, que insistiam que a
nova rodada tinha de incluir negociações sobre novas regras da OMC
visando evitar o tipo de abuso que achavam que Washington estava
cometendo. Eles ressaltavam que a reunião ministerial de Seattle tinha
178
removendo a mancha
fracassado em parte por causa da raiva causada entre os membros
da OMC pela atitude impositiva assumida pelos Estados Unidos na
questão do dumping. Eles ocupavam uma posição vantajosa no campo
de batalha de Doha porque o texto de Harbinson refletia a posição
básica deles, declarando que os membros da OMC “concordariam com
negociações que visassem o esclarecimento” e a melhoria das regras
globais restringindo as maneiras pelas quais os países poderiam usar leis
antidumping. A tarefa de Aldonas era neutralizar esse ataque e mudar a
linguagem do texto.
“Isso vai ser um desastre”, advertiu um importante funcionário do
Congresso aos negociadores norte-americanos antes que eles partissem para
Doha e, com certeza, havia a possibilidade de o resultado ser mesmo esse.
Os principais legisladores vindos de ambos os países tinham deixado claro
o ano todo que não queriam nem mesmo que o governo Bush concordasse
em negociar sobre antidumping. Se Zoellick fizesse concessões nesse tema,
permitindo que o texto ficasse basicamente como estava, o Congresso
muito provavelmente se recusaria a conceder ao governo a autoridade
de que ele precisava para concluir quaisquer acordos de comércio. Isso
estragaria a agenda de comércio de Zoellick – a nova rodada da OMC e
tudo o mais – antes mesmo que começasse.
Havia uma saída, que poderia ser intitulada da seguinte forma: “o
problema não somos nós, mas eles”.
Muitos países estrangeiros, como a Índia, a África do Sul e a
Argentina, tinham promulgado suas próprias leis antidumping e as
estavam usando com desenvoltura – em vários casos, considerando
empresas norte-americanas como culpadas de dumping, para
consternação das empresas envolvidas. Na verdade, os Estados Unidos
foram o segundo alvo mais citado em queixas de dumping entre 1990 e
2000, com 195 processos instaurados no mundo todo, só perdendo para
os 341 processos da China. Então, o objetivo de Aldonas era um acordo
que vislumbrasse negociações sobre leis antidumping, com a condição de
que alguns novos termos fossem usados para indicar que as conversações
enfocariam falhas nas práticas de outros países, em vez de apenas nas
práticas americanas. A esperança do governo era que o Congresso não
fizesse objeções veementes a negociações desse tipo.
A primeira tentativa do “otário” para construir esse compromisso
se mostrou infrutífera. Em uma reunião de 11 de novembro do grupo de
179
paul blustein
trabalho que tratava da questão, Aldonas tentou persuadir os japoneses,
os coreanos e os chilenos para que aceitassem mudanças no texto que
deslocassem um pouco o seu foco para as leis antidumping de outros
países. “Precisamos de maior transparência e de adotar procedimentos
apropriados em vista de todos os novos usuários dessas leis”, declarou ele,
de acordo com as anotações da reunião. Também ressaltou a necessidade
de evitar uma revolta no Congresso, observando que Zoellick tinha
assegurado os legisladores da determinação de Washington em “manter
medidas eficazes para lidar com práticas que distorcem o comércio”,
uma referência a subsídios ocultos que beneficiam algumas empresas
estrangeiras.
Essa postura foi recebida de forma indiferente por parte de seus
congêneres, que percebiam o real objetivo do governo Bush, isto é,
garantir que as negociações não afetassem as leis antidumping dos
EUA. O Chile “não deseja, de forma alguma, qualquer mudança no
texto [de Harbinson]”, disse Alejandro Jara, o embaixador chileno
na OMC, seguido do embaixador japonês, que considerou o texto
“apenas o mínimo” para Tóquio. No intervalo entre as reuniões,
Aldonas analisou com cuidado vários textos alternativos, frase a
frase, e rejeitou todos.
Estava na hora de dar uma volta do lado de fora e retornar com uma
nova abordagem. Aldonas fez exatamente isso com Stephen Jacobs,
outro funcionário do Departamento de Comércio que trabalhava em
questões antidumping. Durante a caminhada, se confrontaram com a
realidade de que só conseguiriam obter pequenas mudanças no texto – o
bastante para que pudessem contar, de forma plausível, aos membros do
Congresso que as negociações antidumping não seriam só sobre as leis
norte-americanas. Temos talvez três palavras, temos que ressaltá-las, disse
Jacobs a Aldonas, e propôs uma solução que talvez pudesse angariar o
consenso em Doha e, ao mesmo tempo, garantir ao governo cobertura
suficiente no Capitólio. Sua ideia era inserir duas frases. Uma declararia
que as negociações “preservariam os instrumentos e objetivos” de regras
antidumping existentes. A outra afirmaria que as negociações incluiriam
propostas para novas “disciplinas sobre práticas comerciais distorcivas”.
Mesmo essas pequenas propostas foram consideradas excessivas
pelos demais países, que já começaram a suspeitar de que algo não estava
cheirando bem.
180
removendo a mancha
Doo iu imi? O que quer dizer isso, perguntaram-se os japoneses,
cuja língua é tão diferente do inglês que até mesmo burocratas formados
pelas mais prestigiosas universidades americanas têm dificuldade com
as nuances do idioma. Talvez, pensaram eles, a redação proposta pelos
EUA seja projetada para criar uma brecha gigantesca que os americanos
usariam para evitar negociações referentes às suas leis antidumping.
Como se recorda Yoichi Suzuki, membro da equipe japonesa: “Tínhamos
algumas lembranças amargas de textos redigidos, no GATT e na OMC,
achando que o texto em inglês estava bastante bom, para descobrir logo
depois que havia interpretações diferentes”.
Assim, os dois lados estavam num beco sem saída. A inutilidade da
continuação das negociações entre negociadores de nível inferior ficou
evidente para Aladonas, que disse a Zoellick: “Cheguei o mais longe que
podia”. Se o impasse tinha de ser resolvido, teria de ser de ministro do
Comércio para ministro do Comércio.
O estereótipo de ministro japonês é um político que chefia um ministério
por alguns meses, período em que cumpre fielmente as orientações de
diretrizes dos burocratas com alta qualificação e experiência, que ocupam
a maioria dos cargos do poder executivo no governo. Felizmente para
Zoellick, Takeo Hiranuma, que comandava o Ministério da Economia,
Comércio e Indústria, estava disposto a desafiar esse estereótipo em Doha.
Hiranuma desejava um acordo e, vencendo as reservas de seus burocratas,
concluiu, após se reunir com Zoellick, que os americanos estavam apenas
querendo inserir linguagem suficientemente evasiva no texto antidumping
para minimizar o dano político em seu país. Da mesma forma, os ministros
coreanos e chilenos aceitaram as modestas mudanças no texto.
Agora que um acordo estava próximo na questão antidumping,
Zoellick não queria retardar a divulgação da notícia. Esperava que as
vitórias se sucedessem e que, de forma semelhante, a sua flexibilidade
gerasse flexibilidade nos outros. Em tom bem-humorado, na abertura
da assembleia geral de ministros, na segunda-feira, 12 de novembro,
anunciou que os Estados Unidos tinham finalmente baixado a guarda e se
proposto a negociar a questão antidumping. “Entendo que há 143 países
que concordam com esse texto e um que discorda”, disse ele. “E, apesar
do fato de que todos vocês estão do lado errado, vou fazer um acordo”.
Já era de se prever que fortes defensores das leis antidumping de
Washington ficariam aborrecidos. Bill Klinefelter, diretor legislativo do
181
paul blustein
sindicato do setor siderúrgico United Steelworkers, que tinha vindo a
Doha para tentar resistir ao tipo de concessão que Zoellick tinha feito,
observou que qualquer movimento na direção do enfraquecimento das
leis antidumping seria extremamente impopular em estados como Ohio,
Pensilvânia e Virgínia Ocidental. “Haverá consequências políticas”,
previu ele de forma solene. Mas, nos corredores do Sheraton, esse
desdobramento gerou um burburinho positivo. “Essa é uma mudança
importante que pode ajudar a abrir portas... em outros setores”, relatou
Bridges Daily Update, um informativo que acompanha de perto as
reuniões ministeriais da OMC.
Ainda mais eletrizantes eram os rumores do que os Estados Unidos
estavam prestes a fazer em um tema ainda mais importante.
[*]
Antes de chegar a Doha, Shannon Herzfeld comparecera aos briefings
sobre os riscos de segurança. Mas não tinha como ela ficar em casa, pois
era a principal representante em Washington da Pharmaceutical Research
and Manufacturers of America (PhRMA), que estava se preparando
para agir na questão do acordo TRIPS. “Eu realmente tinha de estar
lá. A indústria farmacêutica estava tão vulnerável”, disse Herzfeld.
Depois de chegar, acrescentou ela, não se preocupou muito com a sua
segurança, exceto por um momento terrível, que ocorreu durante uma
reunião com colegas do ramo num quarto de hotel de um funcionário
sênior dos EUA. Ela chegou até a varanda para atender uma chamada
do seu chefe no telefone celular, sem saber que as varandas tinham sido
declaradas zona fora dos limites de proteção por motivos de segurança.
Ouvindo um barulho, ela avistou dois guardas catarianos, em posição de
tiro, apontando suas armas para ela. “Pensei, eles vão atirar em mim na
droga da varanda!”, lembra-se Herzfeld, acrescentando que balbuciou
uma desculpa para o chefe e voltou correndo para o quarto onde estava
acontecendo a reunião.
Como essa história sugere, a indústria farmacêutica estava
pressionando os negociadores norte-americanos à medida que as
negociações do acordo TRIPS iam prosseguindo. A principal prioridade
da indústria era evitar uma declaração que retrocedesse em relação às
proteções que haviam sido estabelecidas à propriedade intelectual na
182
removendo a mancha
Rodada Uruguai. As companhias farmacêuticas reconheciam que o
acordo TRIPS continha uma exceção, permitindo aos governos com
questões emergenciais na área de saúde pública tomassem medidas
que comprometessem os direitos de titulares de patentes. As perguntas
eram: de que tamanho seria a exceção e como ela seria empregada? Ela
se aplicaria apenas a epidemias ou também a questões de saúde pública
menos urgentes? Muito ansiosas com a criação de precedentes legais que
pudessem minar o valor de patentes de medicamentos no mundo todo,
muitas das principais empresas do ramo se preparavam para uma batalha
em torno de um parágrafo-chave numa declaração especial sobre o acordo
TRIPS que se esperava como um dos resultados da reunião ministerial.
Duas versões muito diferentes do parágrafo estavam na mesa de
negociações. A indústria farmacêutica estava determinada a bloquear a
primeira versão, chamada de “Opção 1”, porque indicava que os países
em desenvolvimento teriam ampla autoridade para quebrar patentes
usando licenças compulsórias, importação paralela e outros instrumentos
desse tipo. Defendido pela África, América Latina e Ásia Meridional, o
parágrafo dizia o seguinte:
Nada no acordo TRIPS impedirá que alguns membros tomem medidas
para proteger a saúde pública. Assim sendo, ao mesmo tempo em que
reiteramos nosso compromisso com o Acordo TRIPS, afirmamos que
o acordo será interpretado e implementado em apoio ao direito dos
membros da OMC de proteger a saúde pública e, em particular, garantir
o acesso a remédios para todos.
Muito mais aceitável para a indústria era a “Opção 2”, criada para
manter a quebra de patentes pelos países em desenvolvimento dentro de
limites cuidadosamente circunscritos. Defendido pelos Estados Unidos,
a União Europeia, a Suíça e outras nações ricas, o parágrafo dizia o que
segue:
Afirmamos a capacidade de um membro de usar, integralmente, os
dispositivos contidos no acordo TRIPS que permitem flexibilidade
para tratar de crises na área de saúde pública, tais como HIV/AIDS e
outras pandemias. Com esse propósito, um membro está apto a tomar
as medidas necessárias para tratar dessas crises de saúde pública,
183
paul blustein
em particular garantir o acesso a medicamentos a um preço razoável.
Concordamos ainda que essa declaração não aumenta nem diminui os
direitos e obrigações dos membros estipulados no acordo TRIPS.
Porém, Zoellick, apesar de apoiar publicamente a Opção 2, também
estava deixando claro para seus assistentes que queria um acordo com os
países em desenvolvimento, o mais rápido possível. Esta era uma questão
delicada, como lhes disse ele. O fracasso na sua resolução poderia representar
o fracasso da reunião ministerial. Da mesma forma, um acordo antecipado
mostraria aos países em desenvolvimento que o sucesso era possível. O
resultado pressionaria outros membros da OMC a fazer concessões. Além
disso, os países em desenvolvimento teriam um incentivo gigantesco para
aceitar um acordo geral na reunião ministerial, porque, se a conferência inteira
fracassasse, qualquer acordo TRIPS que tivesse sido realizado se tornaria
inoperante. Nada poderia ser acordado até que tudo estivesse acordado.
Felizmente para Zoellick, a indústria farmacêutica não estava unida
em sua posição de rejeição. Apesar de muitas empresas quererem refutar
qualquer coisa que se assemelhasse à Opção 1 – a Pfizer Corporation, cujo
diretor-presidente presidia a PhRMA, era categoricamente contra –, também
havia algumas mais flexíveis, como a Merck & Company, cujo diretor-presidente era Raymond Gilmartin. A Merck achava que a indústria
farmacêutica estava se arriscando a ficar muito mal vista se parecesse
colocar os direitos de propriedade intelectual acima das necessidades
dos pobres e doentes, segundo Thomas Bombelles, que representava a
Merck na reunião em Doha. Apesar de outras companhias farmacêuticas
temerem que dar uma mão nessa questão levaria ao resto do mundo
querer o braço inteiro, “nossa posição era que se não déssemos uma mão,
perderíamos tudo”, disse Bombelles.
Assim sendo, o homem que Zoellick designou como seu negociador-chefe do TRIPS, o subsecretário de Estado Alan Larson, partiu com
instruções para ser flexível quando participasse como representante-chefe dos
EUA no pequeno grupo de trabalho de negociadores dedicado ao assunto. Seu
principal adversário era, como ele, um diplomata veterano – Celso Amorim,
embaixador do Brasil na OMC, que naturalmente tomou a liderança das
forças de países em desenvolvimento devido ao amplamente admirado
programa de HIV/AIDS de seu país, bem como suas habilidades de
exímio negociador.
184
removendo a mancha
As conversações, que ocorreram numa das salas de conferências do
Sheraton, não foram nada fáceis. Horas e horas foram gastas discutindo
expressões como “tem de”, “pode”, “será” e “deve” em uma das
frases. Cada um dos lados estava sob intensa pressão para se manter
firme. Os negociadores vindos de países em desenvolvimento eram
assediados por representantes de grupos como Médicos Sem Fronteiras,
Third World Network e ACT UP (AIDS Coalition to Unleash Power),
uma organização de militantes homossexuais e lésbicas. Não apenas
Larson teve de continuar em constante contato com Herzfeld e outros
lobistas da indústria farmacêutica que estavam em Doha, mas também
estava instruído por Zoellick a falar diretamente com presidentes das
companhias farmacêuticas em teleconferências, “e alguns deles tinham
reservas muito sérias” sobre o texto que estava sendo considerado como
um compromisso, recorda-se Larson.
As preocupações dos executivos não eram surpreendentes, porque
esse texto – trabalhado por Larson e Amorim – era essencialmente
a Opção 1 com algumas das expressões mais extremas um pouco
suavizadas. Em vez da proposição muito forte “Nada no acordo TRIPS
impedirá que alguns membros tomem medidas para proteger a saúde
pública”, a versão de compromisso dizia “Concordamos que o acordo
TRIPS não evita e não deve evitar que os membros tomem medidas para
proteger a saúde pública”. E, em vez de dizer que o acordo deveria ser
interpretado para “garantir o acesso a remédios para todos”, a palavra
“promover” substituiria “garantir”. Mas a integridade básica da Opção 1
tinha sobrevivido.
Apertos de mãos se seguiram a essa versão levemente alterada da
Opção 1. Então, de repente, pareceu que o acordo estava indo por água
abaixo. Uma carta fazendo graves objeções ao compromisso chegou
por fax a Doha, assinada por Alan Homer, o presidente da PhRMA.
Amorim recebeu a notícia desagradável de Ernesto Derbez, o ministro da
Economia do México, que presidira o grupo de trabalho, de que alguns
dos membros que defendiam a Opção 2 queriam reabrir a discussão.
“De jeito nenhum”, foi a resposta de Amorim. O acordo estava
fechado.
A isso, Derbez respondeu que Amorim não era ministro. Ele não
tinha plena autoridade para falar pelo governo brasileiro. Nesse momento,
Amorim e seus colegas ficaram numa situação difícil. Eles sabiam que
185
paul blustein
tinham de manter uma ameaça verossímil de bloquear a reunião de Doha
se o texto fosse suavizado ainda mais. Eles tinham dúvidas quanto ao
total apoio do chefe da delegação, o ministro das Relações Exteriores
Celso Lafer, um professor de direito internacional amante dos cachimbos
e ex-embaixador na OMC. Mas ele tinha um ás na manga, porque outro
membro, muito mais militante, da equipe de ministros do Brasil também
estava em Doha – José Serra, ministro da Saúde, o principal artífice do
programa brasileiro de tratamento de HIV/AIDS. A equipe de Amorim
saiu freneticamente à procura de Serra, que estava num passeio e voltou
correndo para o Sheraton. O ministro da Saúde defendeu Amorim com
unhas e dentes.
Xeque-mate. As forças que defendiam a Opção 2 foram derrotadas
e o texto foi divulgado na segunda-feira, 12 de novembro, levantando
esperanças significativas de que, no resto do dia, antes do prazo final
oficial, as concessões se sucederiam em outras questões acaloradamente
discutidas.
Os termos do acordo suscitaram entusiasmo entre os negociadores
de países em desenvolvimento e a maioria dos representantes de ONGs.
“Há seis meses, isso era impensável”, contou Paulo Teixeira, o consultor
sênior sobre AIDS no Brasil, ao Wall Street Journal e, numa matéria que
escrevi para o Washington Post, James Love, que estava representando
um grupo apoiado por Ralph Nader, exclamou exultante: “Será que a
OMC está se transformando na Assembleia Geral das Nações Unidas?
Não é mais o playground dos ricos e poderosos?”. Também reveladora
foi a expressão cabisbaixa no rosto de Harvey Bale da Federação
Internacional das Sociedades e Fabricantes Farmacêuticos. Quando
o encontrei no saguão do Sheraton, eles estavam prevendo, de forma
implacável, que a linguagem “ambiciosa” sobre proteção de direitos de
propriedade intelectual afetaria adversamente a inovação médica. “Se
eu for um diretor de Pesquisa e Desenvolvimento e estiver pensando em
investir US$500 milhões no desenvolvimento de um medicamento de
combate à AIDS ou ao câncer, vou ser muito cauteloso”, disse ele. “Se
um presidente de empresa me perguntar: ‘O que esse texto quer dizer?’,
vou responder: ‘Não faço a menor ideia’”.
O texto deixou para depois uma questão jurídica espinhosa referente
a como os países pobres da África Subsaariana, que não conseguiam
fabricar seus próprios medicamentos, poderiam se beneficiar do
186
removendo a mancha
licenciamento compulsório. Logo os executivos de alguma empresa iriam
reclamar – um esforço aparente para minimizar o dano a seus direitos
legais – que o texto tinha pouca importância prática porque simplesmente
confirmava o que já estava no acordo TRIPS. Mas, quaisquer que fossem
suas implicações legais precisas, a declaração reassegurava aos países
em desenvolvimento que eles tinham obtido um grau apreciável de
proteção contra a possibilidade de que seus programas de medicamentos
genéricos fossem questionados em casos de solução de controvérsias na
OMC. Os obstáculos políticos para instaurar um caso desse tipo seriam
mais altos do que nunca.
Até aqui, tudo bem para a estratégia de Zoellick de construir uma
coalizão em Doha em favor do lançamento de uma rodada. Ele tinha
acordos assegurados sobre duas das questões mais contenciosas de
Washington – antidumping e TRIPS –, então as vibrações estavam ficando
maiores e melhores. Mas nada estaria acordado até que tudo estivesse
acordado. E uma boa parte ainda estava para ser fechada.
“É assim que a coisa fica quando está prestes a funcionar”, contou-me
Keith Rockwell, o porta-voz da OMC, na tarde do dia 12. “Mas isso não
quer dizer que vai funcionar”.
[*]
O guarda-costas de Pascal Lamy, um irlandês truculento chamado
Val Flynn, se certificava de que, onde quer que o comissário europeu
de Comércio fosse, no centro de conferência do Sheraton em Doha,
haveria pão integral e bananas à vontade para o chefe comer. Como era
seu costume em eventos de grande pressão, Lamy se restringia à dieta
que considerava melhor para ajudá-lo a pensar com clareza. Precisava
ter certeza de que sua concentração estaria no auge, pois, à medida que
a reunião em Doha foi se encaminhando para o final, com as questões
antidumping e do acordo TRIPS solucionadas, a União Europeia entrou
na berlinda.
Os europeus estavam em sua agitação habitual em relação à
agricultura. Ministros do Comércio e Agricultura de todos os então quinze
países-membros estavam em Doha e alguns deles – sendo a França a que
mais fazia barulho – estavam dificultando mais as coisas para Lamy em
relação às concessões que eram demandadas de Bruxelas sobre questões
187
paul blustein
relativas ao comércio agrícola. Apesar de esses países-membros não
poderem impedir legalmente que o comissário fizesse concessões sobre
certas questões no estágio de lançamento de uma rodada, poderiam tentar
bloquear isso no momento da conclusão, e eles queriam pressionar mais
ainda do que tinham feito antes. Já era ruim demais, pensavam eles,
que o texto de Harbinson comprometesse a OMC com negociações
visando a “melhorias substanciais no acesso a mercados” para produtos
agrícolas e “reduções substanciais” em subsídios agrícolas em geral.
Esses dizeres estavam sujeitos a interpretação. Muito menos ambígua
e mais questionável era a linguagem segundo a qual a nova rodada
tencionaria reduzir, “visando a terminar gradualmente”, subsídios à
exportação, dos quais os agricultores da União Europeia receberam vários
bilhões de dólares especificamente para safras vendidas no exterior.
Esmurrando a mesa numa reunião do Conselho de Ministros, François
Huwart, o ministro do Comércio francês, declarou que Paris não aceitaria
a implicação do texto de que tais subsídios teriam que ser eliminados.
Outros formuladores de políticas europeus, apesar de resignados com a
inevitabilidade de desistir da agricultura, estavam inflexíveis em exigir
que Bruxelas fosse compensada com ganhos em outras áreas – a saber,
os temas de Cingapura e o meio ambiente. O problema era que muitas
nações em desenvolvimento estavam igualmente determinadas a negar
à União Europeia qualquer prêmio desse tipo.
Essa era a situação que enfrentavam 23 ministros que tinham sido
convidados para uma reunião ministerial de “sala verde” do tipo “mate
ou morra”, começando às 7h da noite de terça-feira, 13 de novembro.
Nesse momento, estava claro que a conferência não ia terminar até
o prazo final oficial de meia-noite. Todos os tipos de truques tinham
sido empreendidos para convencer os delegados de que o prazo final
era inadiável, inclusive frequentes lembretes de que o mês sagrado do
Ramadã estava para começar e avisos tinham sido afixados na sala de
imprensa pelos catarianos de que, até o meio-dia de quarta-feira, os
repórteres tinham que esvaziar as instalações. Esses esforços tinham
falhado na tentativa de induzir todas as partes a um consenso sobre todos
os pontos, de modo que acabou sendo necessário que Moore tentasse
obter, como tinha feito em Seattle, um dia extra de tempo para a reunião.
A esperança era que a reunião ministerial de “sala verde” chegasse a um
acordo sobre um texto completo que pudesse ser apresentado a todos os
188
removendo a mancha
membros o mais cedo possível na quarta-feira. Desta vez, o diretor-geral
achou os anfitriões da OMC muito mais fáceis de conciliar do que tinham
sido as autoridades municipais de Seattle: Kamal, do Catar, concordou
em permitir que os delegados permanecessem no centro de convenções.
Todavia, a prorrogação não poderia durar muito, porque alguns ministros
vindos de países em desenvolvimento estavam começando a ir embora
para pegar seus voos confirmados de volta para casa. Era importante evitar
que o número de participantes minguasse demais, causando embaraço
para todos. Kamal propôs uma solução para o problema num piscar de
olhos. “Disse ele: ‘Vou mandar fechar o aeroporto. Vamos dizer que foi
terrorismo’”, lembra-se Moore, que respondeu que tal providência “não
seria necessária”.
A dificuldade da União Europeia em chegar a uma conclusão a
respeito de agricultura não era a única razão a explicar por que a reunião
ministerial se arrastava por mais tempo do que o esperado. Os trabalhos
tinham quase sido paralisados na terça-feira devido a uma manobra de
dezenas de países pobres da África, Caribe e ilhas do Pacífico. Eles
estavam efetivamente sequestrando a reunião, ameaçando bloquear o
consenso, a menos que obtivessem uma única coisa que queriam.
Como ex-colônias europeias, esses países durante muito tempo
tinham gozado de uma situação de isenção de tarifas no acesso ao
mercado da União Europeia para muitos de seus produtos. Para manter
esse acordo – que tecnicamente infringia as regras da OMC –, eles
precisavam que os membros da OMC aprovassem, de tempos em tempos,
autorizações (waivers) para esse desvio das regras da organização. Com a
expiração da antiga autorização, uma nova estava sob análise no Conselho
Geral. Não se supunha que a questão surgisse na reunião ministerial
de Doha, mas as ex-colônias, temerosas de suas chances de alcançar
a sua meta, decidiram que era melhor levantar o assunto enquanto
tinham o trunfo de serem capazes de prejudicar a nova rodada. Essa
postura provocou uma reação furiosa de outros países, principalmente
Tailândia, Filipinas, Equador, Honduras e Panamá: argumentaram que
alguns de seus produtos mais competitivos, principalmente bananas
e atum enlatado, estavam sofrendo concorrência desleal no mercado
europeu em função das preferências dadas às ex-colônias. Eles também
ameaçavam bloquear o consenso, a menos que seus problemas fossem
discutidos. Para muitos formuladores de políticas, toda essa agitação era
189
paul blustein
fonte de exasperação, mas não havia como evitá-la e foram necessárias
conversações prolongadas para resolver a questão.
“Para onde quer que você olhasse, havia pessoas tentando extorquir
vantagens do sistema”, relembra Andy Stoler, então diretor-geral adjunto
da OMC, que tentou convencer um dos líderes das ex-colônias, a
embaixadora na OMC do Quênia Amina Mohamed, que a questão deveria
ser adiada até depois que todos voltassem para Genebra. “Eu disse:
‘Entenda bem, embaixadora, não é possível discutir um assunto desses
num espaço de dois dias’”, recorda-se Stoler. “E ela respondeu: ‘Bem,
então, vocês não vão conseguir lançar uma nova rodada’. Ela é muito
simpática e de fala mansa, mas era claro que não estava de brincadeira
e utilizaria seu poder ao máximo para atingir seu objetivo”.
Esse jogo de ameaças e contra-ameaças ainda estava sendo jogado
na noite de terça-feira, quando os ministros convidados a participar
da reunião começaram a chegar, passando por um corredor vigiado
por policiais catarianos usando turbantes do tipo kaffiyeh e agentes de
segurança americanos murmurando nos microfones de suas lapelas.
Zoellick chegou trazendo um suprimento de sanduíches. Ele e os outros
se reuniram numa sala de conferência sem janelas, com paredes cinza
e uma mesa retangular, em torno da qual havia lugares para Austrália,
Botsuana, Brasil, Canadá, Chile, Egito, União Europeia, Guatemala,
Hong Kong, Índia, Japão, Quênia, Malásia, México, Nigéria, Paquistão,
Catar, Cingapura, África do Sul, Suíça, Tanzânia, Estados Unidos e
Zâmbia. Vários dos participantes estavam representando grupos de países,
como o Grupo Africano e o Grupo dos Países de Menor Desenvolvimento
Relativo. Um esquema de comunicação regular foi planejado entre os
que estavam dentro e seus partidários do lado de fora. Dessa forma,
aqueles que não tinham sido convidados não se sentiriam tão excluídos
quanto em Seattle.
A reunião começou com pedidos de Moore e Kamal para que todos
os participantes se esforçassem ao máximo para o sucesso daquela
reunião ministerial. Empilhadas na frente do diretor-geral estavam pastas
de plástico referentes a cada uma das principais questões que ainda não
tinham sido tratadas. Logo ficou claro que poucos assuntos poderiam ser
resolvidos com rapidez. Lamy mandou uma mensagem para os países-membros da União Europeia: “Ainda vai demorar muito. Vão para a
cama. Se for necessário, eu mando chamá-los. Assim que tivermos um
190
removendo a mancha
resultado, sem dúvida no início da madrugada, vamos nos reunir e eu
lhes informarei”.
De fato, xícaras de café vazias estavam espalhadas sobre a mesa e
o relógio já passava das duas da manhã, quando Moore – depois de ter
posto várias pastas na pilha do “acordado” – finalmente levou a discussão
para os assuntos mais complicados, isto é, agricultura, meio ambiente
e os temas de Cingapura. Lamy pediu a palavra, ciente de que, como
escreveu mais tarde, a “hora da verdade” chegara para ele.
O comissário da União Europeia sabia que alguns países em
desenvolvimento ficariam contentes em deixar a reunião fracassar se
conseguissem pôr a culpa nele. “Não vamos ficar dizendo: ‘O problema
é a Europa’”, implorou ele. Em vez disso, o grupo deveria encontrar
soluções. Ele assegurou que estava pronto para fazer um esforço para
acomodar demandas em agricultura, desde que recebesse ajuda em outros
assuntos. Então ele esperava saber primeiro até onde o grupo poderia
avançar em assuntos outros que não a agricultura.
Esse foi um teste supremo para os talentos de Zoellick e Lamy.
E, sob todos os aspectos, estavam em sua melhor forma, agindo de
comum acordo de um jeito que outros ministros jamais tinham visto
acontecer entre Washington e Bruxelas. Durante toda a reunião
ministerial, a dupla colheu os frutos das longas horas gastas na
discussão de estratégias comuns nos meses anteriores. Não que eles
não discordassem em determinados pontos ou que não pressionassem
um ao outro quando achavam que era vantajoso fazer isso, mas seu
desejo compartilhado de ver o lançamento da rodada em Doha era tão
ardente que, para evitar o isolamento irremediável da União Europeia
em uma questão, Zoellick sempre exortava os outros ministros a
facilitarem as coisas para Lamy. Este fazia o mesmo em relação a
seu colega americano. Zoellick, por exemplo, dizia frases do tipo
“Temos de pensar em Pascal porque ele vai dar um belo empurrão
na questão da agricultura, então precisamos fazer algo por ele nos
temas de Cingapura”, segundo as recordações de pessoas que estavam
presentes. Em um estado de espírito parecido, Lamy usava de sua
influência para aliviar a pressão sobre Zoellick, com pedidos como
“Este é um assunto particularmente sensível para Bob. Os americanos
não conseguiram muito em matéria de acesso a mercados. Então não
vamos pressioná-los demais na questão do antidumping”.
191
paul blustein
Essa dinâmica estava muito em evidência quando Moore mudou a
discussão da reunião ministerial de “sala verde” para a questão ambiental.
Nesse assunto, a União Europeia estava praticamente sozinha. Os países
em desenvolvimento não tinham afastado suas preocupações de que, se
a nova rodada incluísse negociações sobre o meio ambiente, o resultado
seria mais protecionismo, principalmente se os Verdes da Europa
conseguissem tornar o princípio da precaução um padrão aceitável para
julgar a segurança de alimentos e de outros produtos. O governo Bush
tinha a mesma preocupação e Washington nutria receios em relação à
insistência de Bruxelas de que a nova rodada tratasse dos vínculos entre
as regras da OMC e os acordos internacionais sobre meio ambiente. Os
europeus, afinal de contas, estavam interessados em se certificar de que
os acordos ambientais fossem obedecidos, prevendo-se tarifas punitivas
como uma sanção em potencial para os países que os descumprissem.
A equipe de Bush, que rejeitara o mais importante acordo ambiental de
todos – o Protocolo de Quioto sobre o aquecimento global –, dificilmente
favoreceria a possibilidade de que a abordagem europeia fosse usada
para penalizar as mercadorias americanas.
Diante do impasse a que chegou o debate nas horas que antecederam
o alvorecer na quarta-feira, Zoellick jogou uma corda salva-vidas
para Lamy. Ele tinha exortado sua equipe a usar uma linguagem de
compromisso e agora estava pronto para colocá-la sobre a mesa de
negociações. Os Estados Unidos estavam preparados para aceitar
negociações sobre meio ambiente, disse ele, sob determinadas condições.
A União Europeia teria de assumir um compromisso por escrito voltado
para restringir a possibilidade de que a Europa usasse o princípio da
precaução para justificar barreiras comerciais protecionistas. Mais
importante ainda do que isso, Zoellick queria uma linguagem explícita
no texto que iria, na prática, proteger determinados países de sofrer
sanções aplicadas com base em acordos ambientais de que não fossem
parte, sendo os Estados Unidos o exemplo mais proeminente de país que
não ratificou o Protocolo de Quioto.
A proposta de Zoellick estava longe do que os Verdes da Europa
esperavam. Ela arriscava dar aos países um incentivo extra para ficar
de fora de acordos ambientais como Quioto porque assegurava aos
dissidentes desses acordos uma camada de proteção legal contra sanções.
Mas Lamy, reconhecendo que isso era o máximo que iria conseguir,
192
removendo a mancha
concordou. Da mesma forma, aceitou a linguagem de compromisso que
Harbinson tinha usado na redação do texto em relação a investimentos
e outros temas de Cingapura, apesar de não ser, nem de longe, tão forte
quanto Bruxelas teria preferido. Mesmo assim, vencer as objeções dos
países em desenvolvimento não era fácil. Muitos deles ainda estavam
insatisfeitos em relação a permitir quaisquer negociações da OMC sobre
essas questões.
“Parecia que as coisas estavam indo por água abaixo”, lembra-se
Stoler, “e Mike Moore estava torcendo as mãos e coçando a cabeça. Ele
disse: ‘Não tem jeito, temos que fazer isso. Todos precisamos engolir
algum sapo. Não podemos nos dar ao luxo de ter dois fracassos. Dois
fracassos é mais do que o sistema pode aguentar’”. Essa opinião foi
fortemente apoiada por dois dos mais respeitados ministros vindos de
países em desenvolvimento, Celso Lafer, do Brasil, e Alec Erwin, da
África do Sul. Exortações dos dois e de outros sobre a importância do
êxito da reunião ajudaram a fazer com que a discussão ultrapassasse seus
momentos mais difíceis.
Às 5h da manhã, a maior de todas as questões – agricultura – entrou
em pauta. A discussão começou de forma pouco promissora: Franz
Fischler, o comissário europeu de Agricultura, disse que sentia muito
ter de repetir mais uma vez que, para Bruxelas, o texto sob análise
era inaceitável, pois indicava que as negociações sobre subsídios para
exportações terminariam com sua eliminação. Lamy, então, disse
ao grupo que estava fazendo jus à sua promessa de ser flexível em
relação ao tema do comércio agrícola, já que tinha obtido um resultado
razoavelmente favorável em relação aos outros assuntos. Ele disse que
aceitaria a adaptação de uma pequena parte do texto. Queria que as
palavras “sem prejulgar o resultado das negociações” fossem inseridas
nas frases que explicitassem os objetivos da nova rodada na agricultura.
Esses dizeres ficaram quase sem sentido, eles só faziam ressaltar o
óbvio, isto é, que a agenda de negociações para a rodada não poderia
determinar de antemão como as conversações resultariam. Seu objetivo
era dar a Lamy um pouco de cobertura política em relação à França e a
outros países europeus de linha dura em matéria agrícola que estavam
aborrecidos com a perspectiva de abrir mão de muita coisa tão cedo.
Com o dia raiando, Moore, ansioso por fechar o pacote de negociações
e divulgar os resultados para todos os membros, disse aos participantes
193
paul blustein
da reunião: “Bem, senhoras e senhores, acho que tudo isso constitui
um excelente resultado”. Kamal assentiu com um “bravo”, dizendo que
graças a seu trabalho, “a Reunião de Cúpula de Doha vai ser um grande
sucesso”.
Porém, ao saírem andando pelos corredores do Sheraton soturnamente
vazios, às 6h da manhã, Lamy se lembra de ter pensado: “O otimismo é,
sem dúvida alguma, um pouco forçado”. O trabalho artesanal realizado
na reunião ministerial ainda teria de passar pelo escrutínio de muitas
delegações que não tinham sido incluídas, muitas das quais teriam que
consultar suas capitais antes de dar sua aprovação. Nesse momento,
Lamy avaliou as chances em cerca de 50% de que o pacote fosse aceito
na sessão plenária prevista para mais tarde naquela manhã.
Ainda seria preciso, como Zoellick previra, confrontar um ministro
com uma “escolha binária”.
[*]
A expressão na face de Matthew Baldwin, um dos principais
assistentes de Lamy, mostrou ao comissário europeu que algo estava
errado. O telefone celular de Baldwin tinha tocado, enquanto Lamy
conduzia, às 10h, uma reunião do Conselho de Ministros da União
Europeia para informá-los sobre os resultados da reunião ministerial
que terminara poucas horas antes, na quarta-feira, 14 de novembro. Em
resposta ao olhar inquisitivo de Lamy, Baldwin se aproximou dele e
explicou: a Índia estava rejeitando o texto negociado. Moore e Kamal
queriam vê-lo imediatamente.
Maran, da Índia, tinha impressionado poucas pessoas em Doha,
se é que impressionara alguém, com a forma brusca como tratava
as questões. Em termos intelectuais, ele não chegava aos pés de
Zoellick ou Lamy. Na verdade, suas invectivas, às vezes divagadoras
e desconexas, passaram a impressão de confusão para muitos.
Mas tinha angariado respeito por sua energia evidente. Apesar de
precisar de apoio físico de seus assistentes para ficar de pé, tinha
estado presente durante toda a provação extenuante das longas
reuniões. Em entrevista posterior com um jornalista indiano, Maran
vangloriou-se: “Muitos deles queriam que eu desistisse, pensando
que iam me exaurir e me forçar a ir dormir, enquanto finalizavam
194
removendo a mancha
a declaração”, e se lembra de ter dito a Zoellick: “Meu coração vai
bem. Está no lugar certo”.
Maran tinha participado da reunião ministerial a noite toda e, apesar
de outros participantes pensarem que ele tinha concordado com o pacote
aprovado pelo grupo, ele agora estava deixando bem claro que a Índia não
aderiria ao consenso. O texto, afirmava ele, tinha sido alterado em relação
ao que ele supunha ser o seu significado. Sua maior queixa era em relação
aos temas de Cingapura. Ele não queria negociações que pudessem
expandir o papel da OMC em investimentos, concorrência, compras
governamentais ou facilitação do comércio. Ele sequer queria apoiar
a linguagem de compromisso do texto de Harbinson, que era ambígua
quanto à possibilidade de as negociações começarem imediatamente nas
áreas de investimentos e concorrência ou se tal decisão seria adiada até
a reunião ministerial de 2003.
Com a reunião de Doha já se estendendo em demasia e diante do
desejo de todos os delegados participantes, exceto a Índia, de aprovar
o texto como declaração oficial da OMC, a pressão sobre Maran para
ceder vinha de todos os cantos imagináveis. Muitos dos que buscavam
convencê-lo invocaram a importância da solidariedade internacional
depois do 11 de setembro, apesar de o ministro indiano já ter manifestado
seu desdém por essa linha de raciocínio. Negociadores quenianos
enfatizaram a ele que um fracasso em Doha impediria que o novo acordo
TRIPS entrasse em vigor. Alguns chefes de Estado telefonaram para o
primeiro-ministro indiano, Atal Bihari Vajpayee. Duvida-se que isso tenha
adiantado muito, porque, se Nova Délhi tivesse tentado deter Maran, ele
poderia ter renunciado e, assim, aumentar dramaticamente sua estatura
política, segundo os funcionários indianos membros de sua equipe.
Moore e Kamal decidiram tomar as rédeas da situação. Chamaram
Maran a uma pequena sala de conferências, recusando-se a admitir
outros representantes indianos e fecharam a porta. O diretor-geral
implorou a Maran que considerasse os perigos que o sistema de comércio
internacional estava enfrentando e, quando essa abordagem pareceu não
estar funcionando, o ministro catariano tentou uma abordagem diferente,
de acordo com os presentes.
“Sua Alteza o emir ficaria muito desgostoso se essa conferência não
for um sucesso”, disse Kamal, acrescentando: “O senhor sabe quantos
indianos trabalham neste país?”.
195
paul blustein
Nesse ínterim, outros ministros estavam chegando para reuniões
agendadas entre todos os membros e, como a recusa da Índia em aderir
ao consenso significava que não haveria nada a tratar nesse ponto, era
necessário manter os ministros ocupados para que a reunião não se
desintegrasse, fazendo com que mais gente partisse para as lojas ou o
aeroporto. O ministro Hiranuma do Japão proferiu um longo discurso
sobre nada em particular por solicitação do Secretariado da OMC e
Pierre Pettigrew do Canadá manteve a plateia entretida com uma lenga-lenga por um tempo ainda mais longo. Depois de terminar algumas
observações em inglês, Pettigrew fez comentários semelhantes em
francês, apesar de intérpretes terem fornecido traduções simultâneas de
seu primeiro discurso enfadonho. Então exibiu sua fluência na terceira
língua oficial da OMC, o espanhol, repetindo suas opiniões todas de
novo. “Captei a mensagem de que era preciso ocupar um pouco mais do
tempo, enquanto alguns de meus colegas estavam falando com Maran”,
recorda-se Pettigrew. “Todo mundo estava rindo, porque era muito óbvio
o que estava se passando. Eu só estava ganhando tempo”.
A escolha binária à qual Maran se confrontava era a seguinte: ele
podia estragar a reunião e deixar que a Índia levasse a culpa ou poderia
aceitar uma oferta para salvar a própria cara. Essa segunda possibilidade
consistia em uma proposta, redigida de manhã, às pressas, pelos membros
do Secretariado, em relação ao procedimento para tratar das negociações
sobre os temas de Cingapura. Nessa proposta, essas negociações teriam
início após a reunião ministerial de 2003 somente se um “consenso
explícito” dos membros da OMC apoiasse a ideia. Exatamente o que
isso queria dizer não era claro. Como, afinal de contas, um “consenso
explícito” diferiria de um consenso comum? Alguns negociadores
indianos sentiam que a declaração era substancialmente sem sentido.
Mas a oferta era que as palavras “consenso explícito” seriam inseridas
no texto de Doha e uma declaração especial seria emitida na Conferência
Ministerial de Doha.
Maran permaneceu ressentido e recalcitrante durante esse assédio a
ele e preocupado com a reação política na Índia se ele tivesse de ceder.
No final, de acordo com vários funcionários indianos, foi o embaixador
de seu país na OMC, Srinivasan Narayanan, que o convenceu a desistir
dessa oposição. Mesmo que a Índia não tivesse conseguido tudo o
que queria em Doha, ela tinha assegurado o alcance de algumas metas
196
removendo a mancha
importantes, disse-lhe Narayanan – sendo a declaração do acordo TRIPS
a mais proeminente, bem como uma promessa de negociar algumas
mudanças nas obrigações da Rodada Uruguai. Se a Índia continuasse a
bloquear o consenso, ela perderia tudo o que tinha ganhado. A batalha
em torno dos temas de Cingapura poderia ficar para depois, na reunião
ministerial prevista para dali a dois anos, argumentou Narayanan.
Por fim, numa reunião que começou às 6h da tarde, o texto revisado,
comprometendo os membros da OMC com uma nova rodada, foi
apresentado numa reunião com todos os ministros. Os esclarecimentos
concedidos aos indianos em relação às questões de Cingapura foram lidos
em voz alta. Isso provocou em Maran um rancoroso, mas afirmativo “A
Índia apoia o texto”.
O texto lançou uma nova rodada, então como deveria ser chamada?
Como diretor-geral, Moore tinha a prerrogativa de escolher o nome. Ele
tinha se refreado em anunciá-lo até o último minuto porque acreditava
que precisava usar o nome como um elemento de barganha. De uma
coisa estava certo: a palavra “desenvolvimento” tinha de ser incluída,
para garantir aos países pobres que suas necessidades seriam discutidas e
para lembrar sempre os países ricos da meta abrangente que se esperava
que as negociações alcançassem. Outra coisa: a palavra “rodada” tinha
que ser substituída por um termo que fosse mais politicamente palatável,
mesmo que a palavra “rodada” fosse ser comumente usada em ambientes
não oficiais. Além disso, decidiu Moore, os catarianos teriam a honra de
dar o nome, devido à sua bem-sucedida recepção à reunião em tempos
difíceis.
“Mandei mensagens para Kamal, dizendo: ‘Como vamos chamar
isso? A Agenda do Desenvolvimento do Catar?’”, lembra-se Moore. “A
que ele respondeu: ‘Não! Chame de Doha! Os falantes de inglês não
conseguem pronunciar Catar’”.
Foi assim que ficou decidido. Oficialmente, a reunião ministerial
estava lançando a Agenda do Desenvolvimento de Doha. O anúncio
do nome por Moore pegou os americanos de surpresa. Alguns deles
queixaram-se de que pôr “desenvolvimento” no nome reforçaria a
atitude entre os países mais militantes do terceiro mundo de que eles não
deveriam ser chamados a contribuir com nada. Mas eles não puderam
fazer nada quanto a isso, enquanto Kamal lia as seguintes palavras:
“Gostaria de propor que a conferência ministerial adotasse a declaração
197
paul blustein
ministerial redigida... Posso considerar que os membros são favoráveis?”.
Fez uma pausa e depois disse: “Aprovado”.
Aplausos reverberaram no salão de reuniões. Zoellick se levantou
para apertar a mão de Lamy, recebendo aplausos ainda mais altos. Os
membros da delegação indiana, com rostos sem expressão, ficaram
sentados com os braços cruzados.
“Removemos a mancha de Seattle”, proclamou um Zoellick
triunfante à imprensa.
Era bem verdade. Essa foi a recompensa pelo enorme esforço que
tinha sido tornar a reunião ministerial de 2001 diferente da de 1999.
Protestos tinham sido evitados. O terreno tinha sido preparado com grande
antecedência para a realização da reunião. Os países em desenvolvimento
se sentiam mais envolvidos no processo de tomada de decisões. Os
Estados Unidos e a União Europeia tinham colaborado primorosamente
e tinham dado suas cartadas com comprovada habilidade.
Porém, essa proeza não constituía a conclusão das conversações. Era
só o começo. Inserir a palavra “desenvolvimento” no nome da rodada
e lançar uma retórica congratulatória sobre como os pobres do mundo
todo poderiam ansiar por um sistema de comércio muito mais benéfico
não resolviam o problema. A OMC agora tinha que cumprir a promessa
feita em Doha. E, mesmo antes disso, teria de explicar o que uma “rodada
de desenvolvimento” queria dizer – se ela acarretaria a liberalização por
países em desenvolvimento ou apenas concessões por países ricos em
benefício dos menos afortunados.
Esses desafios eram só um dos problemas na cabeça dos que subiram
a bordo do avião que transportava Zoellick e sua equipe de volta a
Washington. Eles sabiam que só poderiam respirar aliviados quando a
aeronave saísse do alcance de mísseis superfície-ar.
Jeffrey Bader, que se sentou próximo ao oficial de segurança Doug
Melvin, se lembra de que Melvin lhe disse que ficaria mais tranquilo
quando atingisse uma altitude superior a 5.000 metros.
“Fiquei olhando o altímetro o tempo todo enquanto subíamos”,
disse Bader.
198
Capítulo 7
A Insurreição do Resto
Era para ser um grand finale para a OMC e para os seus dois membros
mais poderosos. Era isso que indicava o parágrafo 45 da Declaração de
Doha, que afirmava: “As negociações... serão concluídas o mais tardar
em 1º de janeiro de 2005”.
Acontece que essa data limite para a conclusão da Rodada Doha cairia
bem perto da época em que Bob Zoellick e Pascal Lamy estariam deixando
seus cargos. O mandato de cinco anos de Lamy como comissário europeu
de Comércio estava previsto para se encerrar no final de 2004 e, supondo
que Zoellick ficaria no cargo de representante de Comércio dos Estados
Unidos até o final do primeiro mandato do presidente Bush, ele mudaria
de emprego igualmente por volta dessa época. Portanto, se tudo corresse
conforme planejado, durante seus respectivos mandatos, os dois ministros
do Comércio conduziriam tanto o lançamento quanto a conclusão de uma
rodada multilateral de comércio. A despeito do alto grau de ambição dessa
empreitada, eles evidentemente se consideravam bem preparados – e até
mesmo indispensáveis – para realizá-la. Perguntei a Zoellick sobre isso
em uma entrevista em 2002 e, apesar de cuidadoso ao observar que, no
seu trabalho, cumpria ordens do presidente, reconheceu: “Não foi por
coincidência que pressionamos em Doha pelo prazo limite de 2005”.
Contudo, a expectativa de uma rodada rápida foi logo por água
abaixo.
199
paul blustein
As condições que tinham contribuído tanto para a unidade entre os
membros da OMC em Doha mostraram-se fugazes. A situação, no final
de 2001, quando o mundo estava se recuperando dos ataques terroristas
e os governos estavam fortemente inclinados a fazer demonstrações
de solidariedade, começou a ficar mais inflexível em 2002 e 2003. A
simpatia pelos Estados Unidos começava a se dissipar em meio à raiva
provocada pela política arrogante do governo Bush em relação a questões
como mudança do clima. Os preparativos para a invasão do Iraque
aprofundaram ainda mais as divisões entre as nações.
Todos esses fatores complicaram o desafio que os membros da
OMC enfrentaram ao começar a trabalhar na primeira das metas mais
importantes da rodada – um acordo sobre “modalidades”. Esse jargão
burocratês é tão vexatório que mesmo antigos especialistas em comércio,
ao usá-lo em conversas com não especialistas, sempre hesitarão, adotando
um tom de desculpas ao pronunciar a palavra com clareza exagerada ou
movendo dois dedos de cada mão imitando aspas. Na verdade, o conceito
é razoavelmente simples e captá-lo é importante para entender o impasse
em que a Rodada Doha se encontra hoje, porque foi em uma negociação
de modalidades que a OMC gastou a maior parte dos últimos seis anos,
fracassando várias vezes.
Para produzir um acordo de comércio significativo, os membros da
OMC precisavam tornar muito mais específicos os princípios que tinham
adotado em Doha. Na agricultura, por exemplo, a Declaração de Doha
abriu espaço para uma ampla gama de possibilidades. Seu mandato para
“reduções substanciais” em subsídios agrícolas e “melhorias substanciais
no acesso a mercados” para produtos agrícolas poderia estar sujeito a
interpretações díspares. Os negociadores vindos de celeiros agrícolas
como o Brasil e a Austrália obviamente entenderiam o significado da
palavra “substancial” de forma muito diferente de seus congêneres
representando, digamos, a União Europeia, o Japão e a Coreia do Sul.
Foi aí que as modalidades entraram em cena. Os cortes nas tarifas
e subsídios seriam muito profundos – talvez, da ordem de 70% a 80% –
ou relativamente superficiais, na faixa de 20% a 30%? Os cortes seriam
baseados em médias, permitindo que cada país pudesse decidir que
tarifa ou subsídio seria cortado desde que a redução média alcançasse
determinado número? Se fosse assim, qual seria o número médio? Ou,
ao contrário, a fórmula seria “progressiva”, de maneira que as tarifas e
200
a insurreição do resto
subsídios mais altos sofressem maiores cortes? E se a progressividade
fosse a opção, qual a magnitude dos cortes para os mais altos, para os mais
altos seguintes e assim por diante? Os cortes seriam aplicados para todos
os itens ou haveria exceções? E se fossem permitidas exceções, quantas
poderiam ser feitas, que tipo de produtos poderiam estar envolvidos e
como eles seriam tratados? Eles seriam totalmente poupados de cortes
ou apenas parcialmente, e, nesse último caso, em que proporção?
Para produzir um acordo completo sobre modalidades, essas
perguntas teriam de ser respondidas tanto para produtos agrícolas quanto
para manufaturados. Não que essas questões fossem as únicas em jogo
na rodada. A Declaração de Doha também invocava negociações sobre
regras relativas a direitos antidumping, subsídios governamentais para
pesca, a liberalização do comércio de serviços e a eliminação de impostos
sobre exportações vindas dos países mais pobres do mundo, entre outros.
Porém, uma negociação sobre modalidades seria o elemento definidor da
rodada e abriria caminho para a resolução das demais questões.
A expectativa era de que a conclusão de um pacto sobre modalidades
ocorresse no início de 2003, o que deixaria aos negociadores tempo
suficiente para definir e esclarecer uma ampla gama de dados necessários
para complementar essas modalidades até a data final da rodada.
Conforme especificado no cronograma acordado em Doha, os membros
arregaçariam as mangas e apresentariam propostas realistas para
negociação em 2002 e, na conferência ministerial seguinte, programada
para acontecer em Cancún, no México, em setembro de 2003, a rodada
ganharia impulso rumo à linha de chegada, com as modalidades todas
resolvidas.
Ah, Cancún! Praias de areia branca, águas azul-turquesa, palmeiras
ao vento, comida e bebida à vontade. Em um ambiente tão agradável,
como seria possível imaginar uma reunião da OMC que não fosse
harmoniosa?
[*]
O aclamado romance Killer Angels conta a história da Batalha
de Gettysburg na visão dos participantes. Um aficionado pela Guerra
Civil, Zoellick enviou exemplares do livro para Lamy e para alguns dos
principais negociadores comerciais da União Europeia antes de uma
201
paul blustein
excursão ao campo de batalha da Pensilvânia que ele programou em maio
de 2002 para os europeus, em visita aos Estados Unidos, e seus próprios
assessores principais. Na manhã do dia 3 de maio, Zoellick e Lamy
fizeram uma corrida de cerca de uma hora até Little Round Top, palco
de um dos enfrentamentos mais cruciais da luta. O grupo todo fez um
passeio no campo de batalha, guiado por um oficial militar aposentado.
Alguns dos europeus reviravam os olhos a cada vez que Zoellick corrigia
o guia a respeito de algum detalhe sem importância da batalha, e no qual
ninguém tinha interesse. “Ele dizia coisas do tipo: ‘Desculpe-me, mas
não teria sido, na verdade, a Quinta Brigada de Nova York a responsável
pelo ataque?’”, lembrou um dos presentes rindo.
Apesar do comportamento de sabe-tudo do representante de
Comércio dos Estados Unidos, tanto os europeus quanto os americanos
presentes consideraram que o encontro foi construtivo, porque o local
lhes permitiu relaxar mais facilmente do que se estivessem num ambiente
urbano e porque passaram um bom tempo se informando a respeito de
seus respectivos sistemas políticos. Para Zoellick, o lugar apresentava
outra vantagem – transmitia uma sensação de passagem do tempo.
“Quando vou a campos de batalha, vejo as coisas sob certa perspectiva”,
contou-me ele algumas semanas depois. “Você percebe o significado da
vida e da morte, em comparação com outros tipos de disputas”.
A excursão foi necessária porque esses “outros tipos de disputas”
estavam, de fato, atrapalhando a relação de Washington com Bruxelas
e com muitos outros parceiros comerciais dos EUA. O governo Bush,
apesar de toda a sua retórica de apoio ao livre comércio, não estava
seguindo à risca seus princípios declarados e foi acusado, em 2002, de
adotar uma atitude tão arrogante no comércio quanto em sua política de
guerra ao terror.
Em março, atendendo pedidos de ajuda das usinas siderúrgicas norte-americanas e de seus sindicatos, o governo impusera tarifas altas na faixa
de 30% sobre aço importado, com base em regras de “salvaguardas”, as
quais permitem que os países aumentem seus impostos ao sofrerem uma
inundação repentina de importações. A União Europeia, juntamente com
vários outros países, denunciou a ação americana como sendo uma grave
infração às regras e, enquanto reclamava com a OMC, também ameaçou
retaliar imediatamente com sanções contra produtos norte-americanos.
Zoellick vociferou que tal providência infringiria os princípios da OMC.
202
a insurreição do resto
Lamy insistiu firmemente em que uma pronta retaliação era permitida
nesse caso (no ano seguinte, um comitê de arbitragem da OMC considerou
ilegais as tarifas sobre o aço e os EUA retrocederam).
Outro fator de exasperação na primavera de 2002 para os
europeus – e para outros governos no mundo inteiro – foi a iminente
aprovação, no Congresso, da nova lei agrícola dos Estados Unidos,
que aumentaria drasticamente subsídios federais para os agricultores
americanos. Os projetos de leis agrícolas estipulam a política dos EUA
nesse setor por um período de cinco anos. Redigido em grande parte
pelo presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Larry Combest,
o projeto continha uma ampla gama de produtos financiados pelo
contribuinte para os agricultores norte-americanos. O projeto de lei não
apenas dava continuidade aos pagamentos que os agricultores já estavam
recebendo, como também estabelecia novos subsídios para produtores
de lentilha, ervilha e grão-de-bico. Também incluía novos “pagamentos
contracíclicos”, para garantir que, caso os preços da safra caíssem abaixo
de determinadas metas – US$2,63 por alqueire de milho, por exemplo,
e US$3,92 por alqueire de trigo –, os agricultores recebessem mais
dinheiro. O governo, apesar de preferir uma abordagem mais orientada
para o mercado, não demonstrava capacidade de enfrentar o lobby dos
agricultores no Capitólio, e Bush – ansioso por manter a base rural do
Partido Republicano nas eleições seguintes para o Congresso – prometera
sancionar a lei.
Os Estados Unidos ainda estavam em posição de liderança nos
estágios iniciais das negociações em Doha. Zoellick revelou propostas
sobre agricultura que previam uma significativa liberalização do mercado
e propôs a eliminação completa das tarifas no mundo todo sobre bens
de consumo e produtos industrializados até 2015. Porém, o projeto de
lei agrícola enfraqueceu os esforços dos EUA de se posicionarem como
defensores do livre mercado, principalmente na agricultura. Segundo o
ministro do Comércio australiano Warren Truss, o projeto de lei enviou
“um sinal estarrecedor para o mundo”. Os negociadores comerciais norte-americanos tentaram minimizar o dano, ressaltando a suas contrapartes
em outros países que, independentemente do projeto de lei agrícola, os
Estados Unidos estavam prontos para fazer um acordo em Doha no qual
os subsídios agrícolas e tarifas sofreriam grandes cortes no mundo todo.
O projeto de lei agrícola de 2002, observaram eles, só seria aplicado até
203
paul blustein
2007, quando então novas regras da OMC, a serem acordadas na Rodada
Doha, moldariam a política agrícola norte-americana. Porém, a lei era,
no mínimo, um grave problema de relações públicas para os americanos,
porque oferecia aos membros mais protecionistas da OMC uma base para
justificar suas posições. Recordando esse período, Jason Hafemeister,
um dos negociadores agrícolas mais importantes de Zoellick, disse:
“Passamos o ano todo, depois que a lei foi aprovada, viajando pelo
mundo, explicando para as pessoas: ‘Não é tão ruim quanto vocês estão
pensando e, de qualquer forma, quando negociarmos na Rodada Doha,
tudo estará sobre a mesa’. Mas isso foi explorado pelas pessoas, de forma
cínica ou sincera. Tornou-se parte do discurso convencional dizer que os
EUA não tinham uma postura séria em relação à reforma”.
Por que o governo Bush estava cedendo a pressões de interesses
domésticos como aço e agricultura? O oportunismo político era parte do
motivo. Mas era possível elaborar uma explicação razoável, com base
no argumento de livre comércio, de que a lei agrícola, as tarifas do aço e
outras concessões desse tipo constituíam um mal necessário, justificável
porque serviam a um grande propósito. Era preciso domesticar a fera do
Congresso, senão toda a agenda de Zoellick sofreria reveses no Capitólio.
[*]
“Autoridade de Promoção Comercial” (Trade Promotion Authority)
é – falando francamente – um nome pouco inspirado e confuso para uma
lei importante. A julgar apenas por sua denominação, pareceria mais
um projeto de lei para financiar a venda de produtos norte-americanos a
compradores estrangeiros. Porém, encontrar uma alternativa adequada
tinha se mostrado impossível para Zoellick e sua equipe. Eles tinham
pensado na possibilidade de “Autoridade de Negociação Comercial”
(Trade Negotiating Authority), que era a combinação de palavras mais
apropriada para o que tinham em mente. Essa opção, infelizmente,
tinha um problema insolúvel – suas iniciais, “TNA”. Como poderia o
governo garantir a aprovação de um projeto de lei que provavelmente
seria ridicularizado pela oposição como sendo abreviação de tits and
ass (peitos e bunda)?
Portanto, ficaram mesmo com a denominação “Autoridade de
Promoção Comercial” para a lei que se fazia necessária ao governo
204
a insurreição do resto
antes que seu ambicioso representante de Comércio pudesse negociar o
conjunto de acordos vislumbrados por ele. Até a presidência de Bush,
esses projetos de lei tinham sido apelidados de autoridade “de via rápida”
(fast track authority). Zoellick queria desvencilhar-se dessa nomenclatura
antiga, em parte por causa das dificuldades em aprovar projetos de lei
“de via rápida” no segundo mandato de Clinton e, em parte, porque o
mandato evocava imagens do povo americano sendo pressionado a aceitar
acordos comerciais goela abaixo.
Independentemente do nome, o objetivo desses projetos de lei era o
mesmo – garantir aos negociadores norte-americanos o necessário apoio
no Congresso para fechar acordos com parceiros comerciais. Dada a
autoridade constitucional do Congresso em relação à política comercial
dos EUA, os legisladores precisam fazer mais do que simplesmente
autorizar o executivo a conduzir negociações; eles também têm de
fornecer garantias de que não refutarão quaisquer acordos negociados
pelo executivo e submetidos à aprovação no Capitólio. Na ausência dessas
garantias, nenhum negociador comercial estrangeiro em sã consciência
barganharia seriamente com seus congêneres norte-americanos por
receio de que o pacto resultante corresse o risco de sofrer todo tipo de
alteração por parte de membros do Congresso ávidos por proteger setores
e interesses específicos. Assim, a Autoridade de Promoção Comercial,
mais conhecida como “de via rápida”, garante que, por um período
limitado (a maioria das versões do projeto de lei especificava cinco
anos), os acordos comerciais obtidos pelo Escritório do Representante
de Comércio dos Estados Unidos seriam analisados pelo Congresso de
acordo com procedimentos legislativos especiais. Os legisladores se
comprometem a realizar uma votação única, sem permissão para fazer
alterações ao texto do acordo.
O governo Bush enfrentou obstáculos desanimadores para obter a
aprovação da Autoridade de Promoção Comercial, principalmente na
Câmara. Apesar de os republicanos deterem maioria de doze votos na
Câmara, todos os projetos de lei importantes, desde o NAFTA, tinham
enfrentado a oposição de pelo menos cinquenta deputados republicanos.
E os deputados democratas eram, em geral, ainda mais hostis em
relação a pactos comerciais, conforme evidenciado pela recusa de
muitos de suas bancadas em apoiar os projetos de lei “de via rápida”
no final da década de 1990. Tudo isso refletia o desgaste do consenso
205
paul blustein
bipartidário que tinha possibilitado a aprovação de acordos comerciais
pelo Congresso nas décadas anteriores (a Rodada Tóquio, por exemplo,
foi aprovada na Câmara por 395 a 7 e no Senado por 90 a 4. Mesmo a
Rodada Uruguai obteve aprovação com uma margem confortável de 288
a 146 na Câmara e de 76 a 24 no Senado). A vontade dos legisladores
de votar a favor de acordos comerciais vinha se reduzindo de maneira
constante, graças às demissões de trabalhadores, ao encolhimento
das empresas e ao crescente déficit comercial dos EUA, que subira a
níveis recordes após a crise financeira asiática de 1997-1998, quando
a desvalorização cambial reduziu o custo de mercadorias da Coreia
do Sul, Indonésia e outros países que sofriam com esse problema.
Os parlamentares contrários ao livre comércio em ambos os partidos
estavam indiferentes diante da insistência de economistas de renome
no sentido de que a maior parte do desemprego era atribuível ao
avanço tecnológico e a outros fatores alheios ao comércio, que a maior
abertura para produtos estrangeiros ainda beneficiava a economia norte-americana, e que o déficit comercial decorria, em grande parte, do
baixo índice de poupança dos EUA, e não de suas reduzidas barreiras
às importações.
Mesmo entre os legisladores que não eram instintivamente
contrários ao livre comércio, muitos tendiam a votar favoravelmente
sob a condição de que os termos atendessem aos interesses mais
poderosos de seus respectivos partidos. Os Democratas, portanto,
exigiam que o projeto de lei da Autoridade de Promoção do
Comercial orientasse os negociadores norte-americanos a incluir
padrões trabalhistas e ambientais em negociações comerciais,
padrões que seriam rígidos e cuja observância pudesse ser garantida
com o uso de sanções. Os republicanos defensores do livre comércio
eram terminantemente contrários a isso, alegando que as propostas
democratas poderiam levar ao protecionismo e que responsabilizar os
Estados Unidos por esses padrões trabalhistas e ambientais poderia
forçar Washington a tornar suas próprias leis mais pró-sindicatos e
pró-meio ambiente (e, portanto, afirmavam eles, mais desfavoráveis
às empresas). Do ponto de vista de Zoellick – que estava ansioso para
conseguir aprovar o projeto de lei de modo a dar prosseguimento à
sua agenda de negociações –, o dilema era sério: embora a inclusão
de dispositivos trabalhistas e ambientais mais fortes pudesse levar
206
a insurreição do resto
alguns democratas da Câmara a votar favoravelmente, um número
igual de legisladores republicanos poderia, pelos mesmos motivos,
ser empurrado para a oposição.
Houve gritos e lamúrias na Câmara quando, numa votação
que causou suspense até o último minuto, em 6 de dezembro de
2001, a Autoridade de Promoção Comercial recebeu seu primeiro
grande impulso. O projeto de lei continha dispositivos trabalhistas
e ambientais, ainda que não suficientemente rígidos para satisfazer
a maioria dos democratas. Quando o prazo normal de votação de
quinze minutos expirou, os oponentes superaram os defensores
por vários votos. Então, os líderes republicanos mantiveram a
votação aberta por mais vinte minutos para persuadir alguns de seus
companheiros de partido a mudar de lado. Enquanto os democratas
torciam para que o martelo fosse batido, os líderes republicanos
conseguiram, por fim, o voto necessário do último indeciso, Jim
DeMint, da Carolina do Sul, prometendo-lhe conceder, em troca,
um benefício para as indústrias têxteis de sua região. Para isso,
seria necessário burlar algumas regras importantes de um acordo
comercial que o governo Clinton assinara com países caribenhos
pobres. O placar final foi de 215 a 214, com apenas 21 democratas
a favor. Ao defender o “toma-lá-dá-cá” parlamentar, Zoellick teria
afirmado que isso foi “necessário para alcançar um objetivo mais
elevado”.
Esse foi o tipo de barganha faustiana que o governo também teve de
fazer nos casos mencionados anteriormente das tarifas do aço e do projeto
de lei agrícola, porque a Autoridade de Promoção Comercial continuou
a enfrentar dificuldades no Capitólio nos meses seguintes. Durante esse
período, os legisladores usaram sua influência com habilidade para extrair
mais concessões da Casa Branca, sabendo que o governo não poderia
dar-se ao luxo de sofrer deserções em sua tênue maioria na Câmara. O
Senado só aprovou sua versão do projeto de lei em maio de 2002 e a
versão reconciliada dos projetos de lei das duas Casas foi finalmente
aprovada na Câmara às 3h30 da manhã de 27 de julho, por 215 a 212.
Apesar de ter pagado um preço, pelo menos agora Zoellick dispunha
da autoridade para fazer acordos comerciais. Autoridade esta que seus
predecessores não tinham exercido desde 1994. Ele não perderia tempo
em usá-la com característico entusiasmo.
207
paul blustein
[*]
Os ministros de Comércio e outras autoridades de alto escalão de 25
países estavam boquiabertos. A virulência com que Bob Zoellick se dirigia
à ministra de Relações Exteriores japonesa, Yoriko Kawaguchi, e a dois
de seus colegas de gabinete era muito mais contundente do que a maioria
deles já ouvira em uma reunião internacional de alto nível. De acordo com
anotações do encontro, Zoellick concluiu uma crítica da posição japonesa
com o seguinte discurso bombástico: “Façam o favor de começar a assumir
responsabilidades. Voltem para casa e pensem nisso! Ou então desistam de
comparecer a essas reuniões. Vocês só servem para atrapalhar!”.
O desabafo ocorreu numa reunião ministerial de formato restrito (chamada
miniministerial) em Montreal no final de julho de 2003, convocada antes da
reunião da OMC a ser realizada em Cancún. As reuniões miniministeriais
foram realizadas em diversos lugares a cada dois meses antes de Cancún,
com participantes vindos de cerca de 24 países, incluindo as nações mais
poderosas da OMC, mas também uns poucos representantes de nações mais
pobres e menores, em um esquema do tipo sala verde. A ideia era que os
ministros se conhecessem, se inteirassem um pouco mais das posições de seus
parceiros e começassem negociações preliminares sobre as grandes questões
com as quais se defrontariam na reunião ministerial, na esperança de reduzir
suficientemente as diferenças para viabilizar o consenso. Como o desabafo de
Zoellick bem mostrou, esse processo de “conhecer-se melhor” poderia gerar
surpresas desagradáveis.
Por mais descortês que tenha sido, sua ira era compreensível. Entre os
países que mais haviam se beneficiado do sistema multilateral de comércio,
o Japão com certeza estava no topo, devido ao papel importantíssimo que
as exportações desempenharam no seu milagre econômico no pós-guerra.
Porém, Tóquio parecia irremediavelmente incapaz de contribuir para
o sucesso das negociações comerciais demonstrando flexibilidade
em questões importantes, principalmente na agricultura, em razão
da forte influência política que os agricultores japoneses exerciam
sobre Partido Liberal Democrata, detentor do governo. Nas
miniministeriais, os representantes japoneses limitavam-se a ler
pontos de conversação redigidos pelos poderosos burocratas de seus
ministérios, cheios de sentimentos elevados sobre a necessidade do
progresso, mas destituídos de concessões significativas que ajudassem
208
a insurreição do resto
a fazer avançar as negociações. Zoellick reclamava a sós com seus
assessores que, sempre que as reuniões chegavam ao ponto de produzir
algum avanço importante, uma intervenção pomposa de um ministro
japonês colocava tudo a perder.
A postura do Japão era só um sintoma de um problema muito mais
profundo que os ministros de Montreal enfrentavam: faltando apenas seis
semanas para a reunião em Cancún, a Rodada Doha não estava chegando
a lugar algum, principalmente em sua questão maior, a agricultura.
Mesmo Stuart Harbinson, cujo texto fizera maravilhas na reunião em
Doha, parecia ter perdido seu encanto. Ele enfrentou uma barreira de
hostilidades em relação à minuta do texto sobre comércio agrícola que
apresentara no início de 2003 para servir como esboço de um acordo
sobre modalidades até o prazo de 31 de março. Com a chegada do meio
do ano, os negociadores começaram a duvidar, cada vez mais, de que
houvesse condições para concordar sobre modalidades até a reunião de
Cancún, programada para começar em 9 de setembro.
Era esse o estado de coisas em Montreal, quando uma decisão fatídica
teria de ser tomada.
As maiores discordâncias de Zoellick no que dizia respeito à
agricultura não envolviam os japoneses, mas o seu cher ami, Lamy. Não
havia nada de novo em relação a esse cisma no sistema internacional de
comércio. Os Estados Unidos quase sempre haviam ficado na “ofensiva”
no comércio agrícola, pressionando por barreiras mais baixas (exceto
em alguns setores que lhes eram caros, como o açúcar), enquanto que a
União Europeia ficava quase invariavelmente na “defensiva”. Mas, como
Zoellick e Lamy sempre enfatizavam, a chance de se chegar a um acordo
mais amplo entre todos os membros da OMC seria nula, a menos que as
duas superpotências do comércio mundial chegassem a algum tipo de
conciliação. Apesar de um entendimento entre EUA e União Europeia
não ser suficiente para garantir um pacto mais amplo na OMC, ele era
necessário.
Lamy chegou a Montreal com poder de barganha fortalecido. Várias
semanas antes, os quinze ministros da Agricultura da União Europeia
tinham aceitado uma grande reforma da Política Agrícola Comum
(PAC). Era uma transformação, há muito adiada, de um programa
conhecido por induzir os agricultores europeus à superprodução
desenfreada, resultando em excedentes denominados pelos críticos
209
paul blustein
como “montanhas de manteiga” e “lagos de vinho”. Reconhecendo
que o escoamento desses excedentes nos mercados mundiais corria o
risco de se tornar ilegal em consequência das negociações de Doha,
o comissário de Agricultura da União Europeia, Franz Fischler,
pressionou com êxito pela modificação do programa, de maneira que o
apoio governamental à agricultura fosse “desvinculado” da produção.
Em vez de premiar os agricultores por cada tonelada de grãos produzida
ou cabeça de gado criada, propiciando-lhes assim um incentivo para
a superprodução, o novo sistema criaria garantias básicas para suas
receitas, sob a forma de incentivos fixos proporcionais à extensão da
terra. Em troca, os agricultores teriam de administrar suas terras de
forma responsável e zelar pela segurança dos alimentos e pelo bem-estar
animal. Os formuladores de políticas europeus estavam tão orgulhosos
da reforma da PAC que a alardearam como sendo sua contribuição
para as negociações agrícolas na Rodada Doha. Quando o acordo foi
anunciado, Fischler o definiu com as seguintes palavras: “Fizemos o
nosso dever de casa. Agora é a vez dos outros fazerem o seu”.
Porém, por mais importante que a reforma da PAC tenha sido, outros
membros da OMC não consideravam que a União Europeia tivesse
avançado o suficiente na liberalização de seus mercados agrícolas.
Sob certos aspectos, a reforma apresentava uma série de brechas, por
insistência francesa. Além disso, apesar de a União Europeia mudar
a forma como despenderia seu orçamento agrícola, não mudaria seu
montante, que totalizava 43 bilhões de euros (cerca de US$ 50 bilhões
em 2003).
Mais importante ainda era o fato de que Bruxelas mantivera
inalteradas suas elevadas tarifas sobre importações de produtos agrícolas.
Nesse particular, as discordâncias com Washington eram mais severas.
Os Estados Unidos pressionavam os membros da OMC a fazerem cortes
mais profundos nas tarifas agrícolas, com base em uma fórmula muito
progressiva segundo a qual as maiores tarifas seriam cortadas muito mais
do que as que já eram baixas. A União Europeia, fortemente apoiada pelo
Japão, insistia que as tarifas sofressem um corte médio de 36% – uma
fórmula simples e clara, mas que (conforme observado no Capítulo 3)
produzira poucas mudanças no acesso a mercados quando fora usada na
Rodada Uruguai, porque permitira que os países deixassem intocadas
suas tarifas sobre alguns produtos importantes.
210
a insurreição do resto
A discussão em Montreal começou de forma cáustica com Alec Erwin,
o experiente ministro do Comércio sul-africano, indagando sobre a União
Europeia e o Japão parecerem estar fincando pé em suas posições: “O
que ganhamos com mais negociações?”. A abordagem da União Europeia
e do Japão implicava “nenhuma abertura” em produtos agrícolas, disse
ele. Portanto, nas questões em que Bruxelas e Tóquio se interessavam,
perguntava ele: “De que adianta os países em desenvolvimento fazerem
concessões?”. Depois de muitas idas e vindas, Luis Ernesto Derbez,
o ministro das Relações Exteriores mexicano, lançou um apelo para
chegarem a um meio termo. “Vamos enfrentar a realidade”, disse ele.
Embora a posição da União Europeia e do Japão fosse radicalmente
negativa, a proposta dos EUA de cortes radicais de tarifas também era
irreal, pois uma abordagem desse tipo era politicamente intragável para
Bruxelas, Tóquio e outras capitais. “Qual é o meio termo?”, perguntou
ele. “É nisso que deveríamos nos concentrar”.
Um momento crítico ocorreu quando Lamy pôs uma ideia em
discussão. “Há um desafio claro para os EUA e para nós mesmos de
fazer avançar o processo”, disse ele. “Sugiro que a União Europeia e os
EUA tentem produzir um texto” que contenha propostas amplas sobre as
questões agrícolas mais importantes, inclusive uma mistura das propostas
tarifárias dos dois lados.
Então ficou decidido: os americanos e os europeus tentariam
fechar um acordo sobre agricultura e sua proposta serviria de base
para a negociação em Cancún. Apesar de lançado como um exercício
de liderança, este era um plano arriscado, porque cheirava aos velhos
e maus tempos do GATT, quando Washington e Bruxelas decidiam
acordos entre si e depois os apresentavam para o resto do mundo
como um fato consumado. Lamy prometeu evitar um comportamento
autoritário desta vez e a sugestão foi bem acolhida pelos outros. Zoellick
disse que se sentia “confortável com a ideia de Pascal” embora “as
diferenças entre eles ainda sejam muito nítidas”. Carlos Pérez del
Castillo, o uruguaio que presidia o Conselho Geral, disse que esperava
receber o texto Estados Unidos-União Europeia até 11 de agosto.
“Ninguém deseja uma Seattle – Parte 2”, disse ele.
Examinar em retrospecto os detalhes da reunião de Montreal constitui
um exercício esclarecedor porque o acordo agrícola entre EUA e União
Europeia de 2003 acabaria sendo visto como um dos equívocos mais
211
paul blustein
colossais das negociações da Rodada Doha. Ao justificar sua decisão de
redigir um texto em conjunto, os negociadores americanos e europeus
mais tarde sustentariam que os outros países tinham praticamente
implorado para que eles o fizessem. Porém, como bem demonstrado pelas
anotações da reunião de Montreal, foi Lamy que apresentou a proposta.
Ele e Zoellick merecem muito da culpa pelos eventos que ocorreriam
em seguida.
[*]
O barulho das descargas de vaso sanitário era perfeitamente
audível durante uma teleconferência internacional entre os principais
negociadores dos EUA e da União Europeia, ocorrida no início de agosto
de 2003. Pode-se dizer, em retrospecto, que esse som constituía um
acompanhamento musical bem adequado.
A teleconferência estava programada para durar noventa minutos,
mas acabou durando dez horas, tempo necessário para finalizar os
detalhes do texto conjunto sobre agricultura que os americanos e europeus
tinham prometido apresentar ao resto dos membros da OMC. A chamada
levou tanto tempo que o telefone celular de um dos negociadores europeus
esquentou a ponto de ele não aguentar mais segurá-lo e ter de colocá-lo
em cima da mesa com o viva-voz acionado.
Muitos dos principais participantes, em viagem de férias de
verão, estavam ligando de suas casas de veraneio ou de outros pontos
turísticos em locais diversos, inclusive do sul da França e do interior da
Itália. É por isso que as descargas eram ouvidas ao fundo. Quando os
participantes tinham de ir ao banheiro, deixavam os aparelhos ligados
com medo de perderem o lugar na conferência (a identidade de quem
estava dando descarga permanecia um mistério para os demais). Outros
ruídos na linha distraíam as pessoas, como o latido do cão de um dos
europeus.
O resultado desse telefonema, um documento de três páginas
acordado pelos dois lados, foi divulgado no dia 13 de agosto em uma
apresentação no Centro William Rappard por Peter Carl, responsável
pela Direção Geral de Comércio da União Europeia, e Allen Johnson,
o negociador-chefe norte-americano na área de agricultura. Eles
enfatizaram que suas propostas eram só isso – propostas – que ainda
212
a insurreição do resto
teriam de ser negociadas com outros membros da OMC. Mas o texto foi
chocante, no sentido negativo da palavra.
Ao analisarem as três páginas, os negociadores de países em
desenvolvimento chegaram a uma conclusão unânime: o que lhes
estava sendo solicitado era a redução de suas barreiras comerciais
ao mesmo tempo em que os Estados Unidos e a União Europeia
tencionavam manter grande parte de seus subsídios. Isso significava que
os agricultores pobres ficariam expostos mais do nunca à concorrência
de importações subsidiadas. Em vez de oferecerem um texto que
pudesse ser usado como base para a negociação em Cancún entre
todos os membros da OMC, Washington e Bruxelas estavam sobretudo
demonstrando preocupação com as suscetibilidades de seus próprios
lobbies agrícolas. De fato, alguns elementos-chave do texto faziamno parecer uma negociação perversa, na qual as grandes potências
concediam uma à outra permissão para realizar práticas que todos os
demais consideravam ofensivas.
Para a União Europeia, a vantagem especial no documento era
que os subsídios para exportação sobreviveriam, pelo menos em parte.
Livrar o mundo totalmente desse tipo de subsídios era um objetivo de
longo prazo de ambos os países, dado o efeito altamente distorcivo
dos US$ 4 bilhões que os agricultores europeus recebiam para cultivar
produtos destinados à venda em mercados estrangeiros. A Declaração
de Doha tinha deixado implícito que os subsídios à exportação seriam
eliminados, exigindo “reduções com vistas à eliminação gradativa
[dos subsídios]”. Mas o documento dos Estados Unidos e da União
Europeia afirmava que os subsídios à exportação seriam zerados somente
para determinados “produtos de interesse particular de países em
desenvolvimento”, não especificados (as próprias reformas agrícolas da
União Europeia restringiriam subsídios à exportação de alguma forma,
ainda que não totalmente).
Ao mesmo tempo, os lobbies agrícolas americanos ganharam sua
própria mordomia: um dispositivo no texto que evitaria cortes profundos
em um dos principais programas de subsídios da recém-aprovada lei
agrícola. Esse era um esquema que os críticos dos subsídios agrícolas
denunciaram como “mudança de caixas” e eles ficavam ainda mais
exasperados diante da dificuldade em explicá-lo. Isso requeria alguns
esclarecimentos sobre o mundo caleidoscópico das “caixas” da OMC.
213
paul blustein
Amarela, verde e azul – essas eram as cores das caixas em questão,
que a OMC usa como método de classificação para avaliar sistemas de
subsídios com base em seu impacto sobre o comércio. Os pagamentos
da “caixa amarela” são os piores, pois premiam os agricultores que
produzirem mais, estimulando a superprodução. Os pagamentos da
“caixa verde” são os mais benignos, pois recompensam os agricultores
por, digamos, protegerem o meio ambiente, sem vínculo com o volume
de produção. Os pagamentos da “caixa azul” são intermediários. Na
condição de país que provê largos subsídios, os Estados Unidos queriam
contabilizar o mínimo possível de seus pagamentos agrícolas na caixa
amarela, porque estes subsídios seriam mais vulneráveis a cortes mais
drásticos na Rodada Doha. Com base no texto dos Estados Unidos e
União Europeia, Washington poderia contabilizar seu novo programa
de pagamentos contracíclicos na caixa azul, em vez da caixa amarela.
Negociadores dos EUA insistiam que o programa merecia inclusão
na caixa azul, embora funcionários de outros países discordassem
fortemente, argumentando que o programa tinha um efeito sobre os
mercados agrícolas mundiais tão ruim quanto a maioria dos outros
subsídios.
Tão logo o texto dos Estados Unidos e da União Europeia foi
apresentado, iniciou-se um levante entre os países em desenvolvimento
no Centro William Rappard.
Luiz Felipe de Seixas Corrêa, embaixador do Brasil na OMC, abordou
seu colega indiano, K. M. Chandrasekhar, para apresentar uma ideia
audaciosa. Propôs formar uma aliança de países em desenvolvimento
que se uniriam em oposição ao tratamento proposto pelos americanos e
europeus para o tema agrícola.
Apesar de serem amigos, o embaixador indiano fitou o brasileiro
com um ar interrogativo – uma reação natural, dada a vasta disparidade
entre os setores agrícolas de seus dois países. As propriedades agrícolas
indianas têm em média 1,4 hectares e normalmente baseiam-se em
métodos primitivos de cultivo, intensivos em mão de obra. Não poderiam
ser mais diferentes dos campos de soja, milho, algodão e das pastagens de
criação de gado que se estendem a perder de vista no cerrado brasileiro,
uma faixa de terra com milhares de quilômetros de extensão no interior
do país, onde uma produção altamente mecanizada é a regra. Por volta
de 2003, o Brasil, que já era o maior exportador mundial de açúcar, café
214
a insurreição do resto
e suco de laranja também estava ultrapassando os Estados Unidos como
o maior exportador de soja.
“O embaixador indiano disse: ‘Os interesses do Brasil estão na
ofensiva. Os da Índia são defensivos. Como podemos trabalhar juntos?’”,
lembra Rajesh Aggarwal, conselheiro da missão indiana. “E a resposta
foi: ‘Não se preocupe. Vamos descobrir uma maneira e vamos todos
lutar juntos’”.
Até esse momento, os indianos tinham, de modo geral, colaborado
com a União Europeia em relação à agricultura porque ambos os governos
estavam ansiosos para manter a proteção a seus agricultores. Contudo, o
texto dos Estados Unidos e da União Europeia convenceu os indianos de
que precisavam de novos aliados e Chandrasekhar rapidamente obteve
a permissão de Nova Délhi para somar forças com os brasileiros. Em
poucos dias, os dois embaixadores arregimentaram outros colegas – da
Argentina, da África do Sul, da Tailândia, da China e de uma dezena de
outros países – que, após obterem o aval de suas capitais, concordaram
em aderir ao novo grupo.
Assim, surgiu um novo fenômeno que, a partir de então, alteraria o
equilíbrio de forças na OMC. A aliança se autodenominou G-20*, ainda
que seu número flutuasse acima e abaixo desse limite à medida que os
países entravam e saíam do Grupo. Sua criação suscitou apreensão e
menosprezo entre os funcionários dos países ricos, que não faziam ideia
do que eles tinham desencadeado, em parte porque não conseguiam
perceber o que os membros do G-20 tinham em comum além do desejo
de se reunirem em uma frente unida contra os poderosos do mundo.
Segundo a opinião dos formuladores de políticas comerciais dos
EUA e da União Europeia, os líderes do G-20 estavam quase que
deliberadamente tendo uma reação exagerada ao texto dos Estados
Unidos e da União Europeia sobre agricultura. No final das contas, o
texto tinha cumprido uma promessa de Zoellick e Lamy de propor uma
harmonização de suas respectivas fórmulas de corte de tarifas agrícolas.
Com relação a subsídios, embora o texto sequer tivesse chegado perto
da redução almejada pelos países em desenvolvimento, a intenção era a
de que servisse como base de negociação, deixando claramente aberta
Este G-20 não deve ser confundido com o grupo de mesmo nome, composto por países ricos
e mercados emergentes, que se destacou no final de 2008 em meio à crise financeira.
*
215
paul blustein
a possibilidade de que grandes barganhas entre os membros da OMC
pudessem levar a um resultado melhor. Se os países em desenvolvimento
tivessem estudado o texto com a mente aberta, argumentavam os
negociadores norte-americanos, teriam percebido que a ideia era sinalizar
algum avanço em direção às modificações desejadas, deixando claro
que eventuais resultados conclusivos só poderiam ser alcançados por
meio de negociações plenamente multilaterais. Por exemplo, disse Allen
Johnson, “pensamos que as pessoas haviam entendido que realmente
temos que eliminar os subsídios às exportações”, embora o texto não
mencione isso. “Tanto quanto qualquer outro país-membro, achamos
que isso é essencial”. Porém, os americanos e europeus não conseguiram
desfazer o dano que haviam causado, reforçando a impressão de que
sua prioridade principal era apaziguar seus agricultores. À medida que
a reunião de Cancún foi se aproximando, o G-20 continuou a ganhar
impulso e novos membros, reforçando previsões de um choque titânico
entre nações ricas e pobres.
Alguns sinais de esperança surgiram antes de Cancún. Em 28 de
agosto de 2003, uma grande fonte de divergência e tensão se dissipou
quando os embaixadores da OMC em Genebra anunciaram um acordo
divisor de águas sobre acesso a medicamentos com base nas regras do
Acordo sobre TRIPS. A negociação resolveu uma questão que fora
postergada na reunião de Doha e que dizia respeito às condições sob
as quais os países com indústrias de medicamentos genéricos poderiam
exportar esses remédios para nações pobres. A batalha sobre essa questão
ameaçava afundar a reunião ministerial, tendo os Estados Unidos se
posicionado contra todos os demais membros da OMC. Os negociadores
dos EUA avaliavam que o compromisso geraria enorme boa vontade,
evitando, assim, que Cancún se tornasse uma nova Seattle.
A reunião tinha outros pontos a seu favor, inclusive um bom esquema
de segurança para proteger as delegações dos milhares de manifestantes
que planejavam comparecer ao evento. O centro de convenções onde
a OMC faria sua reunião situava-se num longo terreno arenoso e uma
cerca com 2,5 metros de altura seria construída ao seu redor. Além disso,
os objetivos da reunião tinham sido bem definidos durante o verão.
Supachai Panitchpakdi que, no ano anterior, sucedera Mike Morre no
cargo de diretor-geral, havia deixado de lado negociações que visassem
a um acordo sobre modalidades. Em vez disso, expressava esperanças de
216
a insurreição do resto
dar novos passos que poderiam dar um sopro de vida à rodada – metas
modestas que tinham maiores possibilidades de reunir consenso.
Todavia, aos poucos começava a surgir outro problema que pegaria
os negociadores norte-americanos de surpresa.
[*]
Nicholas Imboden é um defensor improvável dos agricultores
africanos pobres. Ele é o ex-negociador-chefe de comércio para a Suíça,
um dos países mais protecionistas do mundo em matéria agrícola. Porém,
no início de 2003, Imboden, então diretor de uma ONG sediada em
Genebra, foi a uma reunião com representantes governamentais de países
da África Ocidental com a missão de ajudá-los a traçar uma estratégia
para a Rodada Doha. Imboden fora enviado por vários governos europeus,
inclusive os da Suíça e França. Ele sugeriu que, dado o seu limitado peso
político, os africanos deveriam evitar a tentação de produzir impacto em
todas as questões. Ao invés disso, deveriam escolher um produto agrícola
a respeito do qual tivessem uma queixa real, e fazer um tumulto a respeito.
“O que acham do algodão?”, lembra-se ele de perguntar.
Era uma boa pergunta.
Os preços do algodão tinham caído 50% desde meados da década
de 1990, situando-se em 42 centavos por libra. Essa queda criou um
problema devastador para a África Ocidental, onde o algodão é um
produto agrícola importante, responsável por dois terços da receita de
exportação de Burkina Faso e cerca de metade da do Benin. O programa
agrícola norte-americano do algodão obviamente levava muita culpa
nisso. Apesar da queda brusca de preços e do custo mais alto de produção
nos Estados Unidos, os produtores de algodão americanos continuavam
a produzir quantidades crescentes das macias bolinhas brancas – cerca
de 40% a mais em 2001 do que em 1998. A maior parte dessa produção
era exportada. Aparentemente, essa tendência continuaria, pois o algodão
tinha conseguido uma barganha particularmente generosa no projeto de
lei agrícola de 2002 nos EUA, garantindo uma quantia de subsídios por
hectare superior até mesmo aos montantes previstos para o milho, ou a
soja.
O caso dos 10 milhões de africanos que dependiam do algodão
ganhou carga emocional com a publicação, em 2002, de um relatório
217
paul blustein
da ONG britânica Oxfam intitulado “Cultivando a Pobreza”. “Os preços
do algodão estão baixos demais para manter nossas crianças na escola
ou para comprar comida e remédios”, disse um pequeno produtor de
algodão de Burkina Faso citado no relatório. “Outra safra como essa vai
destruir a nossa comunidade”. O relatório observava que Burkina Faso
é um dos produtores de algodão de mais baixo custo do mundo, com o
plantio, a semeadura e a colheita feitos manualmente. A despeito disso,
seus produtores consideravam quase impossível concorrer com os 25.000
produtores americanos de algodão subsidiado. Igualmente contundente
foi o artigo publicado no Wall Street Journal em 2002 contrastando a
vida de Mody Sangare, um agricultor do Mali que prepara a terra de seu
campo de algodão com um arado de uma lâmina puxado a boi, com a
de Kenneth Hood, um dos quatro irmãos que administra uma plantação
de algodão de mais de 40km2 no delta do Mississipi e proprietário de
uma colheitadeira de US$ 125.000 com ar-condicionado. Na qualidade
de presidente do Conselho Nacional do Algodão, Hood tinha sido a
primeira pessoa a apertar a mão do presidente Bush após a assinatura
da lei agrícola de 2002 em uma cerimônia na Casa Branca. Em defesa
do programa de subsídios – que, em 2001, desembolsou a quantia de
US$ 750.000 a título de auxílio às atividades agrícolas operadas por sua
família –, ele declarou o seguinte ao Journal: “Talvez os agricultores na
África é que não devessem produzir algodão. O delta do Mississipi precisa
de produtores de algodão e eles não conseguem existir sem subsídios”.
Até a reunião com Imboden, no início de 2003, com os embaixadores
da África Ocidental, o tema do algodão tinha passado praticamente
despercebido nas negociações de Doha. As propostas formais circuladas
pelas nações da África Ocidental na fase inicial das negociações
mencionavam o assunto apenas por alto. Imboden incitou-os a formar
uma coalizão com vistas a obter concessões de países ricos para o algodão,
destacando-as como seu principal “ganho” na rodada. Os africanos
estavam nervosos.
“A decisão não foi fácil”, lembra-se Samuel Amehou, embaixador
do Benin na OMC. “A preocupação que algumas pessoas tinham era: ‘Os
americanos e europeus poderão ficar zangados e encerrar a concessão
de cooperação [ajuda] a nós.’ Então, era muito importante convencer
essas pessoas do contrário, ou seja, de que a OMC é um lugar onde todo
mundo pode defender seus interesses econômicos”.
218
a insurreição do resto
Os africanos finalmente saíram a campo em abril de 2003. Os quatro
países com maior dependência do algodão – Benin, Burkina Faso, Mali
e Chade – apresentaram uma proposta na Rodada Doha sugerindo que
os membros da OMC acordassem a eliminação gradativa dos subsídios
ao algodão ao longo de um prazo de três anos. Além disso, propunham
que lhes fosse concedida uma indenização de US$ 250 milhões ao ano
pelo impacto de subsídios concedidos no passado sobre suas receitas
de exportações. Em junho, Imboden esquentou o debate ao organizar
um evento incomum – um discurso de Blaise Compaoré, presidente
de Burkina Faso, ao Conselho Geral. Alguns residentes de Genebra
não podiam deixar de perceber que a comitiva que acompanhava o
presidente desse país pobre viajava com muito luxo, ostentando roupas
de costureiros famosos e joias caras. Porém, o discurso atraiu alguma
atenção da mídia, dando aos africanos a confiança de que, se tivessem
uma mensagem importante a transmitir, suas vozes seriam ouvidas.
Compaoré declarou:
Nossos países não estão pedindo caridade, nem tratamento preferencial
ou ajuda adicional. Solicitamos apenas que, em conformidade com os
princípios básicos da OMC, a regra do livre mercado seja aplicada.
Nossos produtores estão prontos para enfrentar a concorrência no
mercado mundial de algodão, desde que ele não seja distorcido por
subsídios.
Era muito injusto atribuir todos os problemas que pesavam sobre
os ombros dos produtores de algodão da África Ocidental a subsídios.
Especialistas em desenvolvimento há muito já tinham identificado
outras razões para a pobreza que afligia os produtores de algodão do
país de Compaoré e de seus vizinhos, inclusive monopólios públicos
e privados, tabelamento de preços e o comportamento inescrupuloso
de atravessadores. Mas não havia como negar a hipocrisia descarada
de países ricos, em especial dos Estados Unidos, ao alardear a retórica
do livre mercado e, ao mesmo tempo, defender subsídios. Nesse caso
específico, tais subsídios eram destinados, sobretudo, a produtores de
algodão do Sul dos EUA, em sua maioria brancos, o que suscitava
lembranças desagradáveis sobre a maneira com que os africanos haviam
sido tratados nos EUA.
219
paul blustein
O crescente rancor africano em relação ao algodão somava-se à
militância do G-20 em relação ao tema agrícola de modo geral. O palco
estava montado para um grande confronto Norte-Sul em Cancún.
[*]
Bob Zoellick não queria reunir-se com o G-20. Na verdade, recusou
logo de início. Estava convencido de que se tratava de uma aliança
artificial que não duraria muito, dados os interesses conflitantes de seus
líderes – principalmente Brasil e Índia – e não queria elevar o status do
Grupo concedendo-lhe uma reunião especial. Via o G-20 como uma
encarnação moderna do G-77, a aliança contra o livre mercado formada
entre os países em desenvolvimento décadas atrás. Zoellick e seus
assistentes estavam usando todas as formas de pressão para evitar que
os países se unissem. As pressões mais comuns envolviam alertas de que
o ingresso no G-20 eliminaria qualquer chance de o país celebrar um
acordo de livre comércio com os EUA.
Todavia, quando a reunião ministerial da OMC em Cancún foi
aberta, em 9 de setembro de 2003, Zoellick se viu diante de um ponto
de vista diferente de um homem que não poderia ignorar – George Yeo,
o ministro do Comércio de Cingapura. Yeo foi designado para dirigir
as negociações sobre agricultura em Cancún, tal como fizera nas duas
reuniões ministeriais anteriores. Ao chegar a Cancún, ficou espantado
com a força que esse novo aglomerado de países em desenvolvimento
estava projetando. Há um novo triângulo de poder na OMC, concluiu
Yeo – os Estados Unidos, a União Europeia e o G-20. Ele disse a Zoellick
que não seria possível coordenar uma negociação sobre agricultura sem
que o próprio Zoellick interagisse com esse grupo. A contragosto, o
representante de Comércio dos Estados Unidos concordou.
No segundo dia da reunião ministerial, um Zoellick radiante entrou
no anfiteatro no centro de convenções de Cancún lotado de representantes
governamentais do G-20 vindos da América Latina, da Ásia e da África.
Parecia uma cena de protesto dos anos 60, lembram os participantes. Os
negociadores dos países em desenvolvimento estavam acomodados sobre
mesas e sentados no chão e em qualquer outro lugar que pudessem achar
vazio. Eles tinham acabado de ser descobertos pela mídia do mundo
inteiro, espantada com sua representatividade e sentido de unidade.
220
a insurreição do resto
Agora, com as câmeras de TV e os microfones deixados para trás,
preparavam-se para o confronto particular com o Homem, o chefão da
instituição, o representante da classe governante.
Zoellick se sentou, com uma garrafa d’água sobre a mesa à sua frente,
e abriu a reunião, como sempre faz, com a pergunta: “O que vocês têm
em mente?”.
Os líderes do G-20 – tendo Celso Amorim, ministro das Relações
Exteriores brasileiro, e Arun Jaitley, o ministro do Comércio indiano,
como porta-vozes principais – apresentaram as condições que, segundo
eles, eram necessárias para o sucesso da Rodada Doha. De modo
geral, pediam reduções mais drásticas nos subsídios agrícolas do que
os Estados Unidos e a União Europeia estavam dispostos a aceitar.
Especificamente, insistiam em cortes muito ambiciosos em subsídios
de caixa amarela, aqueles com maior impacto sobre o comércio, por
estimularem os agricultores a superproduzir. Em relação aos subsídios
da caixa verde – considerados como os mais brandos, a exemplo dos
pagamentos pela conservação do meio ambiente –, queriam tetos para os
valores que cada país poderia gastar, e ainda critérios mais estritos para
a determinação dos tipos de subsídios que seriam elegíveis. Defendiam
a eliminação da caixa azul, bloqueando, assim, o plano dos EUA de
categorizar seu programa de pagamentos contracíclicos de forma a
protegê-lo de cortes radicais. Queriam, ainda, um prazo definido para a
eliminação dos subsídios agrícolas.
Zoellick, que vinha tomando nota e dando goles ocasionais na sua
garrafa d’água ao escutar as apresentações, esperou até que eles parassem
de falar. Depois, convidou-os a continuar.
“Terminamos”, disse Amorim. Mas Zoellick, com uma cortesia
exagerada beirando o sarcasmo, os incitou a continuar a falar. Um silêncio
constrangedor se seguiu.
“Vocês acabam de desfiar uma longa lista das coisas que querem”,
disse Zoellick. “Mas isso é uma negociação. Vocês não me disseram o que
estão dispostos a dar. Estou esperando por essa parte da apresentação”.
Seguiu-se um período de silêncio e Zoellick disse acreditar que a
discussão estava terminada. Levantou-se e foi embora.
Este era Zoellick em sua faceta mais confiante, ou arrogante,
dependendo do ponto de vista. Participantes do G-20 admitiram
timidamente, ao relembrar o episódio, que estavam despreparados para
221
paul blustein
o desafio que ele havia lançado. Mas era um desafio que eles teriam
de aceitar, se quisessem ser mais do que um agrupamento efêmero
de obstrucionistas. Eram, em sua maioria, países de renda média, em
processo de rápido avanço econômico, ansiosos por desempenhar papéis
cada vez mais expressivos no palco mundial. As palavras de Zoellick
constituíam um lembrete desconfortável das demandas feitas a esses
países no sentido de oferecerem contribuições compatíveis com sua
crescente importância no sistema internacional. Estavam resolutamente
determinados a ficarem unidos, usando sua solidariedade para aumentar
o impacto no âmbito comercial. As perguntas eram: por quanto tempo
permaneceriam uma força coesiva? E como usariam seu poder?
As respostas dependiam em grande parte de Amorim, um homem
de cabelos grisalhos e barba cuidadosamente aparada, que no passado
trabalhara como assistente de diretor de cinema e falava com orgulho de
seus tempos de juventude como estudante esquerdista. Ser ministro das
Relações Exteriores, e ser oriundo do Brasil, a força coesiva central do
G-20, explicavam apenas parcialmente por que ele acabaria se tornando o
líder natural do grupo. Sobressaíra-se nas fileiras do serviço diplomático
de seu país, um dos mais rigorosos do mundo, com um conhecimento
inegável sobre comércio. Provavelmente não havia ministro do Comércio
na face da Terra que soubesse mais sobre os detalhes do funcionamento
da OMC.
Amante do cinema – um de seus filmes favoritos na juventude foi
As vinhas da ira, sobre injustiça social e pobreza –, Amorim ingressara
no Ministério das Relações Exteriores em meados da década de 1960,
quando o Brasil acabava de sucumbir a um regime militar. Em 1979,
conseguiu dar vazão a seu interesse por cinema assumindo o cargo
de presidente da Embrafilme, a empresa cinematográfica estatal, que
o pôs em apuros ao aprovar o financiamento para um filme sobre a
tortura aos adversários do regime militar. Foi punido com a indicação
para um posto diplomático menor na Europa, mas de lá começou uma
longa marcha para o topo, incluindo dois períodos como representante
do Brasil no sistema multilateral de comércio – a primeira, durante
os anos do GATT, de 1991 e 1993, e, a segunda, na OMC, de 1999 a
2001. Essa experiência em Genebra o colocou em posição de destaque
para o cargo de ministro das Relações Exteriores, posição que ocupara
brevemente em meados da década de 1990, e que voltaria a ocupar a
222
a insurreição do resto
partir de 2003, já que o ministério leva o tema do comércio muito a sério.
É um dos poucos ministérios das Relações Exteriores onde o comércio
é parte do portfólio (os dois predecessores de Amorim tinham servido,
ambos, como embaixadores no GATT ou na OMC antes de se tornarem
ministros). Apesar de toda sua experiência diplomática, Amorim tinha
um temperamento volátil e, em reuniões, mostrava uma tendência
perturbadora de demonstrar discordância com outros oradores jogando
as mãos para cima, revirando os olhos e se virando para os colegas e
sussurrando. Em suma, trata-se de um homem de personalidade forte
com quem poucos se dispõem a começar uma briga.
Ele e seu governo estavam, é claro, fazendo uma opção mais política
do que puramente econômica ao alinhar-se com a Índia, sua parceira
na liderança do G-20. Embora brasileiros e indianos compartilhassem
um objetivo econômico – eliminar os subsídios nos países ricos –
encontravam-se em polos opostos na questão da abertura de mercados
agrícolas globais. Contudo, o Brasil tinha ambições mais ousadas do
que a obtenção de oportunidades adicionais de exportações para seus
agricultores. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo
brasileiro passou a fazer uma aposta corajosa na liderança do mundo
em desenvolvimento, uma meta com a qual Amorim, na qualidade
de ministro das Relações Exteriores, tinha satisfação em colaborar. O
país há muito vinha nutrindo ambições por um assento no Conselho
de Segurança da ONU. Além disso, Lula, ex-líder sindical e chefe do
Partido dos Trabalhadores, de tendência esquerdista, tinha outro motivo
para elevar o perfil diplomático de Brasília. Desde sua posse, em 2002,
fora obrigado a dar prosseguimento à política econômica ortodoxa de
seu predecessor para afastar uma crise financeira. Isso significava que
tinha de encontrar outros meios para satisfazer a base esquerdista de
seu partido. Uma das maneiras de se fazer isso foi o Brasil chefiar uma
coalizão que confrontaria os países mais ricos do mundo.
O G-20, cujos membros representavam mais da metade da população
mundial, era o veículo perfeito. Em Cancún, o G-20 era a estrela da
festa e os repórteres se acotovelavam nas conferências de imprensa do
Grupo para descobrir qual seria seu próximo ato de insurreição. Seus
líderes não conseguiam disfarçar o entusiasmo que sentiam. “Este é um
verdadeiro momento histórico”, exultou Alec Erwin da África do Sul,
“em que conseguimos unificar as posições de diferentes economias”.
223
paul blustein
Até mesmo para os países em desenvolvimento que não faziam parte
do G-20, esse sentimento era contagiante no balneário mexicano.
[*]
À época da reunião de Cancún, fazia um ano que Supachai era diretor-geral e era evidente que o cargo estava além de sua capacidade. É certo
que tivera uma formação muito mais sofisticada do que Mike Moore
e tinha um temperamento muito mais fácil também. Enquanto Moore
era meio “de lua”, o que enlouquecia os funcionários do Secretariado,
Supachai estava sempre de bom humor. Estava sempre disposto a
conversas amenas sobre xadrez, botânica ou vinhos, assuntos de que era
profundo conhecedor, e, em suas muitas viagens ao exterior, fazia questão
de passar o máximo de tempo possível em museus. Porém, faltavam a
Supachai algumas qualidades indispensáveis ao exercício do cargo, tais
como iniciativa e capacidade de mobilização. Normalmente um diretor-geral desempenha um papel crucial em uma conferência ministerial,
dirigindo a discussão em reuniões do tipo sala verde e outras reuniões
importantes. Porém, no caso de Cancún, o presidente da conferência, o
chanceler Luis Ernesto Derbez, do México, se sentiu obrigado a assumir
a maioria dessas responsabilidades ele mesmo.
Uma das admiráveis qualidades de Supachai era ser capaz de
sujeitar seu ego a causas maiores. Tinha um profundo senso de
obrigação e assumia com boa vontade tarefas ingratas, do tipo que não
necessariamente o faziam se destacar. Foi exatamente o que fez em
Cancún, quando concordou em agir como facilitador na busca de uma
solução para um tema que outros acreditavam ser insolúvel – o algodão.
Em 10 de setembro, o primeiro dia da reunião ministerial, assumiu uma
posição surpreendentemente forte sobre o assunto, afirmando em um
discurso aos ministros que, apesar de não costumar intervir em debates,
a proposta apresentada pelos quatro países africanos produtores de
algodão (Benin, Mali, Burkina Faso e Chade) tinha “forte mérito moral e
econômico”. Observou que os quatro “não estão pedindo um tratamento
especial, mas uma solução baseada em um sistema multilateral de
comércio justo”. No dia seguinte, anunciou que aceitara um pedido de
Derbez para dirigir o pequeno grupo de trabalho que negociaria o tema
do algodão. Ninguém quis assumir essa tarefa, mas Supachai a aceitou,
224
a insurreição do resto
em parte porque alguém tinha que fazê-lo e, em parte, como suspeitavam
alguns dos funcionários do Secretariado, porque se sentia lisonjeado por
ter sido finalmente convidado para fazer algo de significativo.
A equipe dos EUA em Cancún estava extremamente irritada por se ver
acuada em relação ao algodão. Zoellick e seus assistentes estavam cientes
de que um dos principais instigadores dos Cotton Four era um europeu
(Nicholas Imboden). Assim, aos olhos de Washington, o furor em relação
ao algodão afigurava-se como uma tentativa de fazer os Estados Unidos
parecerem o bandido na questão da agricultura, desviando a atenção
dos inúmeros pecados da política agrícola europeia. As demandas dos
países africanos, pensavam os americanos, eram ridículas. A indenização
que os Cotton Four queriam para remediar os problemas causados por
subsídios concedidos pelos EUA significaria colocar milhões de dólares
nas mãos de alguns dos governos mais corruptos do planeta, com pouca
probabilidade de que os benefícios chegassem de fato aos agricultores
pobres. E o outro principal objetivo dos africanos, a redução gradativa
a zero dos subsídios ao algodão antes mesmo que um acordo geral em
Doha fosse alcançado, seria totalmente inaceitável no Capitólio. Apesar
de os americanos perceberem que qualquer acordo final em Doha teria
de incluir cortes importantes em seu programa de subsídios ao algodão,
isso precisava ser compensado por vitórias em outros setores de modo
a que pudessem arregimentar número suficiente de votos favoráveis de
parlamentares no Congresso para aprovar o pacote. Uma eliminação
unilateral do programa de subsídios simplesmente não teria apoio.
Porém, em sua posição defensiva, os americanos reagiram a esse
desafio de uma forma incrivelmente pouco habilidosa. Ao serem tomados
de surpresa pelo enorme destaque dedicado pela mídia ao tema do
algodão, buscaram minimizar qualquer possibilidade de crise política
apresentando aos negociadores do Cotton Four um pacote criado às
pressas com medidas paliativas. Com isso, conseguiram apenas agravar
ainda mais a situação.
“Lembro-me de olhar para os africanos quando ouvi a expressão
‘diversificação’ pela primeira vez”, disse Joseph Glauber, então
economista-chefe adjunto do Departamento de Agricultura dos EUA.
“Passei um tempo no Mali no Peace Corps, de modo que tinha um
interesse especial na reação deles. Recordo-me de ter pensado: ‘Isso
não está nada bom’”.
225
paul blustein
Diversificação era o tema principal de um plano que Zoellick e a
secretária de Agricultura Ann Veneman apresentaram aos africanos em
reuniões nos dias 9 e 10 de setembro. A ideia básica era que a África
Ocidental precisava exportar algo mais do que algodão cru e os Estados
Unidos estavam prontos para ajudá-los a galgar a cadeia de agregação
de valor, desenvolvendo a capacidade de fabricar fibras e vestuário de
algodão, com o auxílio de empréstimos do Banco Mundial. Em certo
sentido, o plano baseava-se numa lógica impecável, segundo a qual a
solução dos problemas desses países extremamente pobres passava pela
criação de uma base industrial doméstica. Mas os africanos, com lógica
igualmente irrepreensível, encaravam esse plano como uma manobra
para desviar a atenção do tema dos subsídios. Eles sabiam que a verba do
auxílio – que eles já estavam obtendo com fartura – não transformaria seus
países em gigantes manufatureiros de uma hora para outra. Continuaram,
portanto, a insistir em suas demandas.
Os americanos enfrentavam um cenário de pesadelo: eles temiam
ser confrontados mais tarde na reunião com um texto que, ao incorporar
a maioria das posições africanas em relação ao algodão, colocaria
Washington na constrangedora posição de ter de bloquear o consenso.
Determinado a impedir que Supachai redigisse um texto que fosse
nessa direção, Zoellick fez de tudo para pressionar o diretor-geral. Em
uma reunião privada, repreendeu Supachai por passar dos limites ao
demonstrar condescendência pelos africanos. “Meu Congresso chamou
minha atenção para o fato de que você está tomando partido nesse assunto.
Você não é mais visto como alguém neutro”, esbravejou ele, segundo
anotações da reunião. Advertiu Supachai a não redigir o texto com “uma
linguagem que vá além do que posso conceder”, e descreveu o pedido
de indenização africano como “extorsão financeira”. O desafortunado
diretor-geral protestou: “Não consigo entender por que você acha que
sou parcial”. E assegurou a Zoellick: “Não tentarei pressioná-lo de forma
alguma”.
O resultado foi uma vitória total dos EUA – na verdade, uma vitória
de Pirro.
A divulgação de uma nova versão do texto da reunião ministerial
ao meio-dia de sábado, 13 de setembro, mostrou que Supachai tinha
dado a Zoellick quase tudo que este queria em relação ao algodão.
Segundo o texto, os subsídios para os cotonicultores norte-americanos
226
a insurreição do resto
só seriam cortados como parte de um acordo geral em Doha. O texto
também reproduzia os termos da proposta dos EUA ao sugerir que
a OMC trabalhasse com os países doadores de ajuda financeira ao
desenvolvimento com vistas a “direcionar com eficácia os programas e
recursos existentes para a diversificação das economias em que o algodão
seja responsável por uma parcela significativa do PIB”. Mesmo alguns
dos negociadores norte-americanos se lembram de ficar preocupados ao
ver que o texto era, como um deles mais tarde definiu, “um tapa na cara”
dos Cotton Four, o que só faria aumentar o sentimento de vitimização que
acometia os países em desenvolvimento. As palavras de um delegado
africano, reproduzidas naquele dia no Bridges Daily Update, resumiram
bem a reação dos países em desenvolvimento: “Estamos acostumados
com miséria, fome e doença. Agora temos a OMC contra nós também”.
Ao mesmo tempo, outra disputa que vinha fervilhando há muito
tempo estava prestes a transbordar, tal como evidenciado pela expressão
“consenso explícito”, impressa nos cordões que seguravam os crachás
de identificação de muitos delegados de países em desenvolvimento. Os
cordões eram um símbolo de provocação, uma advertência de que os
países em desenvolvimento pretendiam assumir uma postura combativa
nos temas de Cingapura. A expressão gravada neles era um lembrete da
decisão tomada no último dia da conferência de Doha, quando a OMC
tinha prometido à Índia que nenhuma negociação prosseguiria sobre
qualquer um dos temas de Cingapura se não houvesse plena unanimidade
entre os países-membros. A União Europeia ainda estava liderando o
esforço para garantir que a rodada incluísse esses temas, que muitos
outros em Cancún consideravam como uma causa irremediavelmente
perdida.
Apesar das modestas metas inicialmente fixadas para Cancún,
as expectativas de fracasso foram crescendo nitidamente até sábado
à noite, véspera do último dia da reunião. Ministros de países em
desenvolvimento fizeram discursos rancorosos e, por vezes, militantes
em uma sessão plenária naquela noite. “Estamos mergulhados em
uma sensação de profunda decepção com o fato de que a dimensão do
desenvolvimento vislumbrada no Programa de Trabalho de Doha durou
pouco”, disse Arun Jaitley da Índia.
Na esperança de que uma reunião de sala verde programada para
o dia seguinte se mostrasse frutífera, um pequeno grupo de ministros
227
paul blustein
reuniu-se para discutir estratégia. Nessa reunião, que durou até as 4h da
manhã, Lamy disse a seus colegas que, com muita relutância, ofereceria
no dia seguinte uma solução de compromisso para os temas de Cingapura.
Tarde demais.
[*]
“Melhor se preparar para ficar mais um dia”, foi o que disseram aos
delegados dos EUA quando, por volta das 8h30 da manhã de domingo,
14 de setembro, teve início a sessão final prevista no programa da
conferência de Cancún. Mal podiam eles imaginar quão rapidamente
os acontecimentos acabariam se precipitando numa direção totalmente
diferente.
Derbez, do México, presidia a sessão de sala verde. Apesar de
Supachai estar sentado ao lado dele, o diretor-geral permaneceu calado
durante quase toda a reunião. Antes, no mesmo dia, indo direto ao ponto,
Derbez deixara bem claro que não toleraria embromação e retórica.
Quando o ministro japonês diligentemente recitou a posição de Tóquio,
a reação do presidente foi mortificante: “Realmente não espero que o
senhor fique repetindo o que todos já sabem”, disse Derbez. “Não é para
isso que estamos nesta sala. Deixe-me relembrar-lhes que a conferência
ministerial terminará às 4h da tarde de hoje”. Tendo em vista que vários
dos ministros dos 32 países participantes da reunião estavam lá como
representantes de grupos numerosos – Jacob Nkate de Botsuana, por
exemplo, estava representando o Grupo dos 90, uma aliança de países
em desenvolvimento reunindo as menores e mais pobres ex-colônias
europeias –, Derbez recordou-lhes suas responsabilidades no sentido de
consultar e manter informados os que estavam ausentes da sala verde.
O primeiro item da agenda, anunciou Derbez, seriam os temas
de Cingapura, “pois está claro que não há possibilidade de consenso
em relação a eles”. Imediatamente em seguida, os participantes
começaram a insistir para que Lamy deixasse de fora pelo menos um
dos quatro temas. Era inaceitável, diziam eles, que a União Europeia
tivesse negociações sobre investimento e concorrência e compras
governamentais e facilitação de comércio. “Se os proponentes insistirem
em tratar os quatro temas como um pacote, partirei no voo de 3h da
tarde”, disse Rafidah Aziz, a acerba ministra do Comércio da Malásia,
228
a insurreição do resto
que dirigiu a seguinte pergunta a Lamy: “Você está pronto para abrir
mão de alguma coisa?”.
Por fim, Lamy se pronunciou, dizendo que, embora necessitasse
da aprovação dos ministros de Comércio europeus, estava, na verdade,
preparado para negociar. “Encontramo-nos agora em uma situação na
qual as negociações sobre os quatro temas é impossível”, reconheceu
ele, acrescentando: “Vamos discutir uma ou duas áreas e deixar de lado
outras que sejam difíceis demais”. Sua flexibilidade suscitou a aprovação
de Mark Vaile, o ministro australiano, que disse: “Temos aqui uma
concessão significativa sobre a mesa”.
Então, o grupo teve de decidir, em um curto espaço de tempo, quais
dos quatro temas seriam mantidos na pauta e quais seriam descartados –
uma outra questão sobre a qual discordavam. “Por que você esperou dois
anos para fazer isso?”, perguntou Rafidah a Lamy.
Uma profusão de propostas partiu dos ministros. Zoellick insistiu
em manter compras governamentais e facilitação do comércio. Lamy
preferia manter concorrência e facilitação do comércio, assim como
Rafidah, que advertiu que a Malásia nunca aceitaria negociações
sobre compras governamentais (o país tem um programa visando dar
preferência em contratos governamentais a empresas de cidadãos locais,
principalmente da maioria étnica malaia). À medida que a manhã foi se
esvaindo, a confusão passou a reinar acerca dos temas a serem mantidos e
descartados. “Precisamos ter clareza sobre quais temas estamos falando”,
pediu Nkate de Botsuana.
Por volta de 1h da tarde, Derbez suspendeu a reunião para o almoço,
pedindo-lhes que se reunissem com seus respectivos grupos e voltassem
às 2h15, prontos para tratar das negociações sobre agricultura, “ou será
o fim”. A opção preferida acabou sendo “o fim”, pelo menos para muitas
delegações.
Delegados de países africanos já se encontravam em pé de guerra
quando seu representante na sala verde, Nkate, chegou pedindo
orientações sobre como proceder. Graças, em grande parte, ao texto sobre
algodão, que ONGs e outras instituições vinham denunciando como
sendo uma fraude, os colegas de Nkate deixaram claro que não havia
clima para concessões. “Quando alguém disse: ‘Devíamos considerar um
ou dois dos temas de Cingapura’, as pessoas ligaram seus microfones
dizendo ‘Não! Não! Não!’, relembra Dipak Patel, ministro do Comércio
229
paul blustein
de Zâmbia. “Foi muito contestatório. Nós literalmente os fizemos calar
a boca”. Youssef Boutros-Ghali, ministro do Comércio egípcio, que
também tinha estado na sala verde, tentou acalmar seus companheiros
africanos, dizendo-lhes que Lamy oferecera uma concessão importante.
“Não faz sentido bloquearmos o processo todo porque somos os maiores
beneficiários do sistema multilateral”, lembra-se de ter dito Boutros-Ghali. “Mas a vontade [de confrontar os ricos] era forte demais”.
A sala verde voltou a se reunir às 2h25. Lá, a mensagem enviada
pelos países pobres que Nkate representava não poderia ter sido mais
chocante: “Não podemos negociar nenhum tema de Cingapura”,
declarou Nkate. Bandeiras foram levantadas por toda a sala, com vários
ministros implorando para que o presidente lhes desse a palavra. Os
sul-coreanos disseram que assumiriam a posição justamente contrária
da dos africanos – isto é, continuariam a demandar negociações sobre
todos os quatro temas de Cingapura. Yeo, de Cingapura, pedindo calma,
sugeriu que talvez a discussão na sala verde devesse prosseguir para
o tema de agricultura, imaginando que algum eventual avanço nesse
debate pudesse ao menos viabilizar a discussão dos demais assuntos.
Mas Derbez rejeitou a ideia.
“Minha função como presidente da conferência está acabada”, disse
ele. “Não há possibilidade de chegar a um acordo. Não há razão para
prolongar essa discussão ainda mais ou tratar de outro assunto. Vocês
todos podem pegar o avião de volta para casa”.
O final tinha sido tão inesperado e repentino que levou alguns
minutos para que o significado das palavras fosse assimilado. Derbez
acabara de anunciar que a reunião tinha fracassado? Apenas dois anos
depois de terem removido a mancha de Seattle em Doha, haveria uma
nova mancha em Cancún?
Arancha González, porta-voz de Lamy, estava tendo seu primeiro
almoço tranquilo em muitos dias quando recebeu uma ligação do
comissário de Comércio da União Europeia no seu celular. “Ele disse:
‘Você pode vir aqui? Terminamos’”, lembra-se Arancha. “Eu disse:
‘Terminaram por hoje?’. Ao que ele respondeu: ‘Não, terminamos a
conferência.’ Não podia acreditar, então disse: ‘O quê?!’”.
Suas lembranças indicam que os funcionários da União Europeia
ficaram chocados com o resultado. Sabiam que, na medida em que o
consenso fora inviabilizado pelos temas de Cingapura, os europeus seriam
230
a insurreição do resto
apontados como os principais culpados pelo fracasso da conferência.
Imediatamente, começaram a suspeitar de um complô: Derbez,
concluíram eles, suspendera prematuramente a reunião, por injunção
dos americanos. Ele podia ter dado prosseguimento às discussões, com
alguma chance de sucesso, passando para o tema seguinte da agenda,
referente à negociação agrícola. O motivo de não ter feito isso, concluíram
os europeus, era o interesse de Washington em evitar que a reunião
fracassasse em torno do tema do algodão, pois, nessa hipótese, eles é
que seriam considerados culpados.
Havia pelo menos algum indício dessa teoria. Zoellick admite que,
logo antes da pausa na reunião, mandou um bilhete para Derbez dizendo:
“Acho que não vamos chegar a lugar algum”. Mas Zoellick sustenta que
não escreveu o bilhete com a intenção de se esquivar de um confronto
sobre o algodão. Escreveu-o porque estava realmente convencido de
que não havia possibilidade de se chegar a um consenso. “As pessoas
não estavam lá para resolver os problemas”, disse ele. Só queriam
criar polêmica. Acredito que, às vezes, é melhor partir para o efeito de
choque. Em alguns casos, numa negociação, é preciso dizer: ‘Você foi
longe demais. Vamos parar por aqui’”. Sua raiva, na época, ficou clara
na declaração que deu à imprensa após a reunião:
Muitos países pensaram que não haveria nenhum custo na negociação,
que poderiam apresentar qualquer assunto, argumentar e não oferecer
nem dar [disse Zoellick]. E agora terão de enfrentar a fria realidade
dessa estratégia: voltar para casa de mãos vazias. Não foi um bom
resultado para ninguém.
É justo acusar muitos negociadores de países em desenvolvimento
de terem optado por uma postura de confrontação em Cancún. Isso
ficou patente diante do clima de alegria e triunfo que tomou conta das
delegações africanas no final da reunião, quando imagens de televisão
mostraram alguns deles levantando punhos cerrados. Ficou igualmente
evidente pelo comportamento de membros de ONGs que tinham exortado
os africanos a assumirem posições inflexíveis e que dançaram pelos
corredores do centro de convenções para comemorar seu êxito, cantando
“O dinheiro não pode comprar o mundo” (Money can’t buy the world),
com base na melodia da canção dos Beatles intitulada “Can’t Buy Me
231
paul blustein
Love”. A incapacidade do G-20 de responder à pergunta de Zoellick sobre
a contribuição que eles estariam dispostos a fazer era uma evidência a
mais. Embora os países em desenvolvimento tivessem sido hábeis em
bloquear propostas promovidas pelos ricos, tinham demonstrado pouca
capacidade, se é que tinham demonstrado alguma, de fazer as barganhas
necessárias para transformar o sistema multilateral de comércio da
maneira como desejavam.
Porém, a alocação de responsabilidades pelo desfecho de Cancún
é uma questão de perspectiva. Os Estados Unidos mostraram uma
enorme falta de sensibilidade em relação ao algodão. A União Europeia
esperou tempo demais para sinalizar alguma flexibilidade sobre os
temas de Cingapura. De modo geral, tanto Washington quanto Bruxelas
prejudicaram seriamente as discussões sobre agricultura com sua atuação
inepta. Vistas em conjunto, essas posições tinham dado aos países em
desenvolvimento a sensação de que todo o discurso dos ricos sobre a
rodada do desenvolvimento era apenas retórica vazia, que não encontrava
eco nas ações concretas desses países. A nova lei agrícola dos EUA tinha
acentuado essa impressão.
A função legislativa, ou de definição de regras, da OMC chegara a
um ponto de impasse. Havia motivos para esperança, pois a formação
do G-20 significava que os países em desenvolvimento tinham agora um
veículo para expressar melhor suas posições. O grupo tinha potencial
para transformar o modo como as negociações da OMC funcionavam,
propiciando aos novos atores papéis centrais no palco principal. Ainda
assim, muitos dos personagens mais importantes tiveram dificuldade
de perceber essa possibilidade na época. “Eu disse em Seattle que a
organização era medieval, mas agora ando pensando que talvez neolítica
seja uma palavra mais apropriada”, escreveu Lamy em um artigo poucos
dias depois de Cancún.
Nesse ínterim, outra parte da engrenagem da OMC – o sistema
judicial – avançava a passos largos. E estava prestes a dar mais um soco
no nariz dos Estados Unidos.
232
Capítulo 8
Joias e Piratas
Estava aberta a sessão do tribunal.
Na manhã de 7 de outubro de 2003, três juízes assumiram seus lugares
em mesas sobre um tablado na parte frontal da Sala E do Centro William
Rappard, uma longa sala retangular com uma vista esplêndida para o
Lago Genebra e os Alpes. Abaixo deles encontravam-se advogados e
testemunhas prestes a apresentar seu depoimento em um dos casos mais
importantes jamais trazidos à apreciação do tribunal da OMC.
Este não era um tribunal comum. Por uma razão: os juízes –
ou membros do painel, como a OMC prefere chamá-los – não são
juristas em tempo integral. Um deles era o ex-ministro das Relações
Exteriores polonês, outro era um funcionário do Ministério das Relações
Exteriores chileno especializado em questões de comércio e o terceiro
era um advogado australiano. Tinham vindo a Genebra especificamente
para julgar um único caso que lhes fora apresentado. Além disso, as
sessões eram fechadas ao público. E talvez o mais importante, as
partes envolvidas no processo não eram pessoas físicas ou jurídicas,
mas governos soberanos – mais especificamente os Estados Unidos e
o Brasil.
Como na maioria dos casos da OMC, as apresentações naquele dia
tendiam a ser curtas e técnicas, com exceção de uma testemunha, que
animou os trabalhos com seu jeito singelo e objetivo.
233
paul blustein
A testemunha, um fazendeiro brasileiro, tinha um problema: ele não
parecia brasileiro, nem falava português. Seu nome era Christopher Ward
e, por ter sido criado na Nova Zelândia, falava inglês com o sotaque
carregado dos habitantes daquele país. Ele começou explicando ao painel:
“Pelo meu sotaque vocês não vão acreditar, mas posso garantir que sou
brasileiro, com três filhos brasileiros e uma esposa brasileira, e tenho
uma propriedade agrícola no Brasil há mais de vinte anos”.
Depois de ter explicado com detalhes a sua nacionalidade, Ward
prosseguiu apresentando um testemunho impressionante sobre a questão
central do caso – a queixa do Brasil de que os subsídios norte-americanos
ao algodão violavam as regras da OMC, porque estavam deprimindo
os preços mundiais do produto e afetando seriamente a subsistência de
agricultores brasileiros. Embora Ward não fosse pobre como os produtores
africanos de algodão apresentados anteriormente neste livro, tinha uma
história contundente para contar sobre o impacto causado pelos subsídios
dos EUA. Explicou com toda paciência ao painel as razões pelas quais,
sob as leis normais da economia, sua produção algodoeira tinha que ser
altamente lucrativa. No estado do Mato Grosso, onde sua fazenda está
localizada, as condições climáticas e o solo “são ideais para a produção
de algodão”, disse ele observando que, devido a chuvas regulares, não
era necessário fazer irrigação. Assim sendo, ele podia produzir “algodão
de alta qualidade com elevadas taxas de produtividade por hectare”,
alcançando resultados mais do que duas vezes e meia superiores ao nível
médio de produtividade verificado nos EUA. “Mas mesmo com essa alta
produtividade e a excelente qualidade de nossa terra”, disse ele, “não
conseguimos recuperar todos os nossos custos variáveis de produção
durante as safras de 2000-2001 e 2001-2002”, devido aos baixos preços
mundiais. De fato, prosseguiu, os baixos preços recebidos por ele e seus
vizinhos no Mato Grosso tinham “levado muitos produtores a desistirem
de seus planos de expandir a produção de algodão, a reduzirem sua área
plantada, ou mesmo a abandonarem totalmente o plantio”.
Esse fragmento do caso DS267, “Subsídios ao Algodão” (Subsidies
on Upland Cotton), dá uma ideia do funcionamento do sistema que é
frequentemente descrito como a “joia da coroa” da OMC – seu mecanismo
para lidar com conflitos entre países-membros. Assim como os governos
dispõem de tribunais que interpretam as leis aprovadas pelo legislativo,
a OMC tem seu Entendimento sobre Solução de Controvérsias. Trata-se
234
joias e piratas
de um sistema por meio do qual a instituição determina se uma nação
está violando, ou não, os princípios basilares do comércio tais como o
princípio da Nação Mais Favorecida, ou se está deixando de cumprir
compromissos aceitos nos acordos da OMC ou desrespeitando regras
promulgadas em conferências ministeriais. É “claramente o sistema
de solução de controvérsias mais poderoso em nível internacional hoje
existente ou que talvez jamais tenha existido na história do mundo”,
como uma vez disse John Jackson, o professor de direito que primeiro
propôs a criação da OMC.
O impacto do Entendimento sobre Solução de Controvérsias sobre
o sistema multilateral de comércio se estende muito além das decisões
emitidas em casos específicos, pois sua própria existência ajuda a desfazer
as tensões que inevitavelmente surgem no comércio entre as nações.
Quando os políticos e cidadãos de um país estão em pé de guerra com
as práticas de comércio de outro país, levar o caso à OMC pode ajudar a
baixar a temperatura política. Em vez de atacar com sanções unilaterais,
que podem muito bem provocar retaliação e contrarretaliação, o ministro
do Comércio de um país pode convocar uma coletiva de imprensa e
anunciar com plena razão que seu governo levará o litígio a Genebra,
visando obter justiça contra o infrator. As partes prejudicadas podem
sentir-se amparadas ao saber que seu caso foi levado a um órgão imparcial
para adjudicação e que esse órgão dispõe de métodos poderosos para
impor suas decisões.
É certo que existem limites para esse poder. Lembre-se que, apesar de
todos os poderes lendários da OMC, uma nação considerada em infração
às regras não é obrigada a modificar suas práticas prejudiciais. A parte
culpada pode exercer seu poder soberano de manter essas políticas em
vigor. Nesses casos, a influência da OMC ocorre por meio da concessão
ao país vencedor do direito legal de retaliar contra o perdedor – o que
normalmente significa impor altos tributos sobre alguns dos produtos do
perdedor, de forma a puni-lo. Às vezes, a mera ameaça dessas sanções
ajuda a pressionar o país perdedor a aceitar o veredito da OMC. Um
exemplo clássico foi a controvérsia sobre o aço em 2002 (mencionada no
Capítulo 7), na qual a União Europeia e vários outros governos obtiveram
uma decisão da OMC de que as tarifas do governo Bush sobre aço
importado eram ilegais. Nesse caso, autoridades de Bruxelas deixaram
claro que, se chegasse a hora da retaliação, eles aplicariam tarifas de até
235
paul blustein
100% sobre as exportações dos EUA originárias de estados politicamente
importantes – principalmente frutas cítricas da Flórida, têxteis e móveis
da Carolina do Norte e do Sul e maquinário agrícola do Meio-Oeste. O
governo Bush, diante da perspectiva de sofrer danos eleitorais na Flórida
e em outros estados em 2004, pôs fim às tarifas sobre o aço no final de
2003. Na maioria dos casos, essas ameaças não são necessárias, porque,
no mais das vezes, os países aceitam o veredito emitido contra eles.
Na época do GATT, o sistema tendia a ser “orientado para a
diplomacia”, tendo por objetivo principal viabilizar uma solução
negociada entre os litigantes. Tratava-se de um método bastante
inconsistente fazer justiça que, em vista de sua incapacidade em impor
suas decisões, mostrou-se por fim inadequado para conter as tensões
comerciais. Com a criação da OMC, surgiu um sistema muito mais
“orientado para regras” e “baseado em sanções”. Estava fundado na teoria
de que os países tinham de ser encorajados a resolver suas diferenças,
concedendo-lhes o tempo necessário para esse fim. Porém, caso não
conseguissem, uma decisão seria proferida a respeito de quem estava
certo e de quem estava errado, sustentada pela possibilidade de punição
contra infratores. A versão do sistema incorporado pela OMC trazia várias
inovações cruciais, sendo a mais importante delas a “automaticidade”.
Isso significava que as decisões não poderiam mais ser derrubadas
pelos vetos da parte perdedora. Outra inovação foi a criação do Órgão
de Apelação, que dava aos países a chance de recorrer a uma instância
superior, composta por juristas profissionais. Uma terceira era um
cronograma de prazos mais curtos para a tramitação dos casos.
Tudo isso é o que diferencia a OMC de outras instituições
internacionais e lhe confere uma capacidade especial de equilibrar de
forma mais igualitária as nações do mundo na balança da justiça. “Países
ricos e pobres têm direitos iguais de questionar uns aos outros nos
procedimentos de solução de controvérsias da OMC”, anuncia a página
da OMC na Internet. Como este capítulo mostrará, essa alegação é, de
certa forma, enganadora; a joia da coroa tem algumas imperfeições por
baixo de sua superfície reluzente.
O sistema por vezes funcionou em benefício dos objetivos
mercantis dos Estados Unidos. Washington apresentou várias dezenas
de processos, às vezes obtendo ganhos significativos em termos
comerciais para as empresas norte-americanas. Uma decisão de 1998
236
joias e piratas
contra os impostos japoneses sobre bebidas alcoólicas, por exemplo,
forçou Tóquio a retirar seus tributos discriminatórios, resultando em um
aumento de 18% nas exportações de uísque dos EUA para o mercado
japonês no ano seguinte. Mais recentemente, em um caso apresentado
pelos Estados Unidos, União Europeia e Canadá, considerou-se que a
China estava violando as regras da OMC ao exigir que os fabricantes de
automóveis estabelecidos em seu território comprassem componentes
de fornecedores locais.
Porém, o processo do algodão representa um ótimo exemplo da
capacidade do sistema de colocar os dois litigantes em pé de igualdade,
pelo menos em certa medida. E como se tratava do tema dos subsídios –
um dos principais motivos de discórdia na Rodada Doha – o caso também
teria um impacto importante sobre as negociações.
[*]
Há muito tempo, Pedro de Camargo Neto ansiava por uma disputa
contra os programas de subsídios agrícolas de países ricos. A oportunidade
finalmente surgiu em 2000, quando o ministro da Agricultura do Brasil
o convidou para o cargo de vice-ministro.
Camargo vinha de uma família de criadores de gado e produtores de
açúcar. Apesar de ter trabalhado durante muitos anos como engenheiro,
mudou de ramo profissional em 1990, para se tornar presidente de um
dos mais influentes grupos de lobby agrícola do Brasil. Os fazendeiros
membros da organização com frequência se queixavam a ele sobre a
pressão que sofriam da concorrência de produtos agrícolas estrangeiros
subsidiados, sendo a soja americana um dos principais exemplos. Então,
depois de ser alçado a um alto posto no governo, Camargo empenhou-se
a fazer algo a esse respeito. Ele se apegou à ideia de usar o sistema de
solução de controvérsias da OMC e, de início, resolveu apresentar uma
queixa contra o programa da soja dos Estados Unidos.
Uma de suas primeiras providências foi contratar Sidley Austin, um
escritório de advocacia localizado em Chicago. Apenas quatro escritórios
tratam de casos da OMC em bases regulares. Todos são americanos e
Sidley era o maior no ramo. Apesar de o escritório estar sediado nos
Estados Unidos, seus advogados localizados em Genebra trabalhavam
com satisfação para outros países em processos contra Washington.
237
paul blustein
O primeiro conselho recebido dos advogados da Sidley não foi o
que Camargo queria ouvir: não havia muita possibilidade de vencer um
processo contra subsídios à soja, pois o Brasil teria de demonstrar os
danos sofridos por seus agricultores. Seria difícil comprovar tais danos
em vista dos fortes aumentos dos preços internacionais da soja. Porém,
um economista do Ministério da Agricultura ressaltou que o algodão seria
um caso mais fácil e Camargo procurou aproveitar essa oportunidade,
considerando-a como uma arma perfeita.
Seus congêneres no Ministério das Relações Exteriores, principal
órgão responsável pela política comercial, não tinham tanta certeza disso.
Eles queriam assegurar-se de que as bases do caso eram inequívocas.
Havia muitas maneiras de o caso dar errado para o Brasil e, se os Estados
Unidos ganhassem, Washington se sentiria mais livre do que nunca
para expandir seus programas de subsídios. Porém, Camargo não se
sentiu dissuadido com a dificuldade. Fez pressão para o caso ir adiante
e, após estudos cuidadosos das implicações jurídicas, o Ministério das
Relações Exteriores acabou concordando com a ideia. Em meados de
2003, o governo apresentou suas primeiras petições ao painel. “Este é um
caso envolvendo princípios econômicos básicos de oferta e demanda”,
disseram os brasileiros. “É um caso sobre algodão sendo produzido e
exportado em excesso por agricultores norte-americanos que produzem
a um alto custo... Trata-se de um caso sobre equidade”.
Em seu contra-argumento, o governo dos EUA sustentou que seus
principais programas de subsídios ao algodão não afetavam o comércio
global e, portanto, não violavam nenhuma regra da OMC. Os cheques
governamentais recebidos pelos cotonicultores americanos, em sua
maior parte, não tinham qualquer relação com a quantidade de algodão
produzido à época desses pagamentos, afirmavam os advogados norte-americanos. Os pagamentos dependiam da produção passada de algodão
e da extensão das terras plantadas. Portanto, os programas não poderiam
estar induzindo à superprodução.
Os brasileiros, no entanto, tinham um trunfo. Não apenas haviam
contratado advogados de primeira categoria, como também recorreram
aos serviços de um economista agrícola americano altamente respeitado.
Como a maioria dos acadêmicos, Daniel Sumner não é favorável
a subsídios agrícolas em geral, pois vê pouca lógica em proteger
agricultores das forças do mercado e acredita que algumas das metas
238
joias e piratas
desses subsídios – preservar comunidades rurais, por exemplo – poderiam
ser alcançadas de forma mais eficaz por meio de outros programas.
Professor simpático e de fala mansa da Universidade da Califórnia –
Davis, Sumner tinha trabalhado como secretário adjunto para assuntos
econômicos no Departamento de Agricultura durante o governo de
George H. W. Bush. No caso do algodão, elaborou um estudo para os
brasileiros cheio de equações e símbolos matemáticos, com base em dados
do Departamento de Agricultura. A parte mais impressionante do estudo
era uma estimativa mostrando a magnitude do papel desempenhado pelos
subsídios nos mercados mundiais no período 1999-2002. Se nenhum
subsídio tivesse sido dado durante esse período, concluiu Sumner, os
25.000 produtores de algodão dos Estados Unidos teriam exportado um
volume de algodão cerca de 41% menor, o que teria aumentado o preço
mundial em aproximadamente 12,6%.
Os grupos agrícolas americanos acusaram Sumner de traição por
aceitar dezenas de milhares de dólares em honorários para trabalhar
para o Brasil e alguns de seus dirigentes prometeram dar-lhe uma lição
cortando o financiamento de outros trabalhos acadêmicos dele. “Ele uniu
forças com o inimigo para arrasar com o nosso programa agrícola”, disse
Don Cameron, vice-presidente da Associação de Produtores de Algodão
da Califórnia. Cameron disse que um ato desse tipo era “antiético”,
porque Sumner era funcionário do sistema de universidades públicas da
Califórnia, e acrescentou de maneira ameaçadora: “Vamos direcionar para
outras universidades os projetos de pesquisas em que ele esteve envolvido
no passado”. Essa não foi uma promessa vazia e evidentemente irritou o
diretor da faculdade de agricultura de Sumner que, embora reconhecesse
seu direito de expressar suas opiniões, questionou sua decisão de aceitar
trabalhar contra os interesses dos agricultores norte-americanos. No
entanto, Sumner não se arrependeu. “Só estou tentando fazer o melhor
estudo econômico possível e incorporá-lo ao sistema”, contou-me ele.
Ao equiparar as ameaças dos agricultores a tentativas de manipular
testemunhas, eles disse em meio a risos: “Mas isso é a Máfia, ou o quê?”.
A vingança veio em abril de 2004, quando o painel da OMC decidiu
quase todas as questões do caso em favor do Brasil.
A decisão atemorizou as comunidades agrícolas norte-americanas
porque a grande pergunta agora era quantos outros programas
agrícolas financiados por Washington estariam ameaçados. “Isso
239
paul blustein
tem consequências potencialmente extraordinárias sobre a atividade
econômica da América rural”, disse o senador Kent Conrad de Dakota
do Norte após a divulgação da decisão. Não muito tempo depois, o
Brasil ganhou outro caso contra subsídios, desta vez vencendo a União
Europeia em um processo referente às suas mordomias aos produtores
de açúcar. O Órgão de Apelação da OMC manteve a decisão sobre o
algodão e os representantes governamentais brasileiros, alegando que seu
país tinha sofrido US$3 bilhões em prejuízos decorrentes de subsídios
norte-americanos, advertiram que exerceriam o direito de retaliar com
um valor equivalente contra os Estados Unidos, a menos que Washington
mudasse seu programa de apoio ao algodão.
A justiça triunfara. A superpoderosa América tinha sido forçada a
se submeter à decisão da OMC, meses depois de ter sido contrariada na
mesa de negociações em Cancún. Aqui havia novas evidências de que,
mesmo que a globalização continuasse a avançar em ritmo acelerado, as
potências ocidentais não mais teriam a capacidade de controlá-la como
antes.
Será que a decisão também deveria levar à conclusão de que o sistema
de solução de controvérsias da OMC é um processo eficaz, que atende
ao princípio de justiça para todos? Vamos com calma. O caso do algodão
ainda não está totalmente resolvido. O sistema tem muitas qualidades
louváveis, mas também apresenta alguns aspectos altamente controversos
e alguns profundamente problemáticos para aqueles que se preocupam
com a igualdade entre países ricos e pobres.
[*]
“Não usamos togas. Não usamos perucas. Não portamos os
peitilhos brancos frequentemente usados por juristas em outros tribunais
internacionais”. Assim escreveu James Bacchus, um ex-congressista
norte-americano da Flórida, nas memórias de seus anos passados em
Genebra como membro do Órgão de Apelação, para o qual foi selecionado
quando este foi estabelecido pela primeira vez em 1995. Embora o Órgão
de Apelação seja semelhante em função a uma corte suprema, Bacchus e
seus colegas sequer ocupavam cargos formais. Em vez de se referirem a
si mesmos como “juízes”, se autodenominavam simplesmente “membros
do Órgão de Apelação”.
240
joias e piratas
Os seis outros membros selecionados junto com Bacchus vinham
do Egito, da Alemanha, do Japão, da Nova Zelândia, das Filipinas
e do Uruguai. Todos tinham sido indicados pelo governo de seus
países, selecionados por um comitê de embaixadores seniores da
OMC e aprovados pelos membros da instituição (o mandato de um
membro do Órgão de Apelação é de quatro anos, com a possibilidade
de ser renovado uma vez). Embora seus membros venham de culturas
muito diferentes e a despeito do fato de algumas de suas decisões
suscitarem críticas, o Órgão de Apelação estabeleceu uma sólida
reputação por sua integridade e independência. Os membros realizam
suas deliberações ao redor de uma mesa numa sala do terceiro andar
do Centro William Rappard. Ali, eles reexaminam decisões do
painel em textos com centenas de páginas de extensão e, ao decidir
se as aprovam, modificam ou rejeitam, travam debates e se reúnem
durante dias e, às vezes, semanas, em sessões de redação de seus
pareceres. Segundo Bacchus, o processo exige ficar sentado por
“longas horas, dia após dia, penetrando no significado das palavras
do tratado da OMC e dissecando a lógica da interpretação dessas
palavras”.
O alto conceito que se tem do Órgão de Apelação é especialmente
importante porque a mesma percepção nem sempre se estende aos painéis
que emitem as decisões iniciais nos casos da OMC. Os membros do painel
quase sempre fazem malabarismos para conciliar seus empregos regulares
com o exame de milhares de páginas de evidências e relatórios (os
embaixadores na OMC, por exemplo, às vezes trabalham paralelamente
como membros de painéis). Embora os potenciais membros de um
painel sejam sugeridos pela equipe do Secretariado a partir de uma lista
permanente de candidatos experientes em assuntos comerciais, ambas
as partes em um litígio têm de concordar com essas nomeações. É
muito comum que uma das partes exerça seu direito de veto aos nomes
indicados. Portanto, as pessoas que acabam trabalhando nos painéis às
vezes estão longe de terem sido a primeira opção. Quando as partes em
litígio não conseguem chegar a um acordo sobre a composição do painel,
o diretor-geral faz as nomeações.
A dificuldade de encontrar pessoas altamente qualificadas para
integrar painéis, no entanto, perde importância em comparação com
alguns dos outros problemas do sistema de solução de controvérsias.
241
paul blustein
Em primeiro lugar, ele não é um modelo de transparência. Como
foi que tomei conhecimento dos detalhes do depoimento de Christopher
Ward no caso do algodão? Desculpe, mas não posso contar. A fonte
que me passou essa informação me fez prometer que não revelaria seu
nome, pois, de acordo com as regras da OMC, essa informação não é
para ser divulgada, mesmo quando for inócua. Embora as decisões finais
dos painéis sejam tornadas públicas, assim como as decisões do Órgão
de Apelação, as audiências, depoimentos e documentos apresentados
pelas partes em litígio são confidenciais, a menos que um lado ou outro
voluntariamente publique a documentação apresentada*. É a isso que
os críticos da OMC se referem quando atacam os chamados “tribunais
secretos”.
Ao justificar essas práticas, vários governos de países-membros
da OMC afirmam que o material apresentado em seus casos contêm
informações empresariais sigilosas. Também argumentam que as
controvérsias que contrapõem um governo soberano a outro são mais
adequadamente tratadas a portas fechadas de modo a estimular soluções
negociadas. A ideia de que os painéis da OMC tratam de questões que
afetam o público e que, portanto, deveriam ser abertas à sua vigilância
aparentemente não os convence. Isso é ruim porque muitas informações
sobre casos da OMC vazam de alguma forma e, ao manter o sigilo sobre
os trabalhos dos painéis, a organização apenas perpetua seu estereótipo
de instituição sinistra e antidemocrática.
Ainda pior é a combinação existente no sistema entre morosidade e
ausência de retroatividade. Imagine um julgamento extremamente lento
de um réu processado por roubar bancos e que, durante o julgamento,
continua a roubá-los até o dia do veredito, alegando que não está
infringindo nenhuma regra. Então, quando o tribunal decide que roubo
a bancos é de fato ilegal e se prepara para calcular os prejuízos, o réu se
levanta abruptamente e diz: “Concordo em parar de roubar bancos”. Tal
promessa permite que ele fique impune, sem nem mesmo ter de devolver
o dinheiro roubado durante o período do julgamento.
As audiências em painéis para solução de controvérsias da OMC podem ser abertas ao público
se ambas as partes concordarem em renunciar ao sigilo. A primeira vez que uma renúncia foi
concedida ocorreu em agosto de 2005, em um litígio entre a União Europeia e os Estados
Unidos.
*
242
joias e piratas
O sistema de solução de controvérsias da OMC funciona assim. Não
é tão ruim quanto o sistema do GATT, porque não permite que o réu
imponha um veto à decisão. Um país que a OMC considere culpado por
violar as regras tem de mudar suas políticas de forma a cumprir a decisão
ou aceitar punição. Porém, os casos, com frequência levam três longos
anos para chegarem ao final, desde a etapa do painel até o processo de
apelação, e o infrator pode continuar com suas práticas na impunidade
até a data da decisão final, sem medo de sofrer quaisquer consequências
pelos atos praticados até então.
Mais uma vez a controvérsia de 2002 em relação ao aço é ilustrativa.
Embora a Casa Branca tenha eliminado as tarifas que a OMC considerou
ilegais, ela o fez somente após os produtores de aço norte-americanos
terem gozado de doze meses de proteção. Será que os governos por vezes
infringem deliberadamente e de forma irresponsável as regras da OMC,
tranquilos por saberem que o pior que pode lhes pode ocorrer é perder
uma causa e ter de pagar advogados? Eis o que Gary Horlick, um dos
maiores advogados especializados em comércio de Washington, disse:
Prudência, diplomacia e regras de sigilo para com o cliente me
impedem de dar nome aos bois, mas todo membro importante da OMC
conscientemente já praticou atos em violação às regras da OMC, supondo
que poderia lidar com a questão por meio de litígio, protelando a medida
por pelo menos 3 anos. Se alguém duvida disso, está sonhando.
Ainda mais fundamental é a seguinte pergunta: os países pobres
realmente têm alguma chance de ter acesso à justiça em casos de solução
de controvérsias na OMC? Observando as estatísticas, as nações em
desenvolvimento tem se comportado como se estivessem diante de uma
oportunidade verdadeira de obter justiça, pois participaram de pouco mais
da metade de todos os casos da OMC no período 2001-2006. Contudo,
esses processos são iniciados principalmente por nações relativamente
grandes e de crescimento acelerado. Os países em desenvolvimento
com maior número de abertura de processos têm sido o Brasil, a Índia,
a Argentina, a Tailândia e o Chile.
É importante para um país como o Brasil ter a capacidade de
derrotar os Estados Unidos. Porém, ainda mais importante e revelador
é o que acontece quando um país realmente pequeno ingressa com
243
paul blustein
uma queixa contra uma das maiores potências. Isso ocorreu quase que
simultaneamente ao caso do algodão, quando os Estados Unidos foram
enredados em outro caso envolvendo um dos menores membros da OMC.
[*]
Preso em uma cela, torturado pela visão das luzes distantes dos hotéis
e cassinos de Las Vegas Strip, Jay Cohen não conseguia parar de pensar
em como dar um troco ao governo que o tinha posto atrás das grades.
Ele sonhava com um tipo de vingança muito singular.
O crime pelo qual Cohen estava preso foi o de ter dirigido um site
de jogos de azar na Internet localizado na nação caribenha de Antigua
e Barbuda e que recebia apostas de americanos. Pouco tempo antes
de começar a cumprir sua pena, Cohen ficou sabendo que as medidas
tomadas pelo governo federal dos EUA para reprimir apostas pela Internet
podiam estar violando as regras do comércio internacional. Assim sendo,
ele desempenhou um papel central no sentido de encorajar Antigua e
Barbuda a entrar com uma queixa na OMC. “Isso ajudou a me manter
animado”, disse ele.
Nunca antes uma nação tão pequena – 69.000 pessoas vivem em
Antigua e Barbuda – tinha iniciado um contencioso na OMC contra os
Estados Unidos. Era este o plano de vingança de Cohen. A principal
superpotência mundial capitularia diante de um país cuja população total
caberia confortavelmente dentro do estádio Rose Bowl. Seria possível
isso acontecer? O caso DS285, “Apostas em Jogos de Azar” (Gambling),
revela muito a respeito dos pontos fortes e fracos do sistema de solução
de controvérsias da OMC. Independentemente da opinião das pessoas
sobre jogos de azar, essa saga peculiar tem muito a dizer a qualquer um
que goste de ver Washington ser merecidamente castigado por seus atos.
Mas o caso também mostra que os “Davi’s” do sistema de comércio
mundial precisam de regras mais favoráveis se suas controvérsias contra
os “Golias” tiverem de ser resolvidas em termos que a maioria das pessoas
consideraria justos.
Estabelecer precedentes globais não era o que Cohen tinha em mente
ao deixar seu emprego, no final de 1996, como corretor na Bolsa de
Valores do Pacífico e se mudar para Antigua com dois amigos. “Vida boa”,
lembra ele com ar tristonho. Apostar em jogos de azar era legalmente
244
joias e piratas
permitido em Antigua, então Cohen e seus amigos imaginaram que não
haveria nenhum problema se eles abrissem um negócio que aceitasse
apostas esportivas de pessoas nos Estados Unidos por telefone ou pela
Internet. Entre jogos de golfe e viagens de pescaria, criaram a World
Sports Exchange Limited [Bolsa Mundial de Esportes Ltda.), uma das
várias dezenas de balcões de apostas que floresciam em Antigua e em
outros lugares. Sua meta era ganhar uma fatia dos bilhões de dólares que
os americanos apostavam ilegalmente em partidas de futebol profissional
e em outros eventos esportivos. O dinheiro logo começou a entrar à
medida que os apostadores foram apresentando seus lances iniciais,
enviando cheques ou debitando seus cartões de crédito, no entendimento
de que, cada vez que perdessem, o valor seria deduzido de suas contas ou
enviado por cheque pelo correio. O governo de Antigua estava encantado,
porque o ramo se tornou o segundo maior empregador do país depois
do turismo e porque as empresas pagavam impostos para funcionar lá.
O governo dos EUA não partilhava desse entusiasmo. Funcionários
do Departamento de Justiça consideravam uma ficção legal o argumento
de que as apostas ocorriam em locais onde eram permitidas fora do
alcance da jurisdição dos EUA. Os membros do Congresso, juntamente
com procuradores gerais de diferentes estados, estavam ficando
preocupados com a possibilidade de que o acesso fácil a apostas pela
Internet contribuísse para aumentar o vício em jogos de azar, atraindo
apostadores menores de idade que não podem frequentar cassinos.
Então, as agências governamentais de repressão ao crime ameaçaram
processar estações de rádio e televisão, além de editores, que divulgavam
anúncios em sites de apostas na Internet. Além disso, reguladores do
setor financeiro convenceram muitos bancos a pararem de processar
pagamentos em cartões de crédito para esses sites.
A medida mais drástica de todas foi que oficiais federais prometeram
processar pessoas como Cohen por violarem a lei da década de 1960
que proibia o uso de linhas telefônicas para apostas. “Você pode ir para
o exterior e se esconder, mas não pode ficar conectado se esconder”,
advertiu Janet Reno, a procuradora-geral na época. Cohen, indiciado
em março de 1998, voltou de livre e espontânea vontade aos Estados
Unidos para se defender das acusações, com base no pressuposto de que,
como ele mesmo disse, “Nenhum juiz vai comprar essa briga”, porque, a
seu ver, os Estados Unidos estavam equivocados ao tentar ditar o que é
245
paul blustein
legal e ilegal em Antigua. Porém, um júri o condenou, o juiz sentenciou
21 meses de prisão e a Suprema Corte se recusou a aceitar seu recurso.
Então surgiu do nada uma chance para reverter o quadro, pouco antes
de Cohen começar a cumprir sua pena. Uma carta estranha e desconexa
chegou à sua caixa postal, enviada por um remetente que tinha visto
a publicidade em torno do caso, sugerindo que a posição do governo
dos EUA deixava o país vulnerável a uma queixa movida na OMC.
Cohen se recorda de ter telefonado a um amigo advogado dos tempos
da Universidade de California-Berkeley e dizer: “Verifique se isso tem
fundamento”.
O amigo, Bob Blumenfeld, e seu sócio, Mark Mendel, não eram
grandes juristas especializados em comércio como os da Sidney Austin,
que representaram o Brasil no caso do algodão (Upland Cotton). Bem ao
contrário: Mendel-Blumenfeld era um escritório de advocacia modesto
de El Paso, Texas, que tratava de questões sobre valores mobiliários e
outros assuntos corporativos. Porém, depois de pesquisar os argumentos
apresentados na carta, os advogados logo concordaram que a posição dos
EUA estava em discordância com os compromissos assumidos junto à
OMC, porque, na parte relativa a comércio de serviços dos acordos da
Rodada Uruguai, os negociadores dos EUA tinham incluído o mercado
americano de “serviços culturais, esportivos e de entretenimento” em
sua lista das áreas que seriam abertas a estrangeiros. Mendel pegou um
avião para Antigua, em janeiro de 2003, na esperança de persuadir o
governo a instaurar um processo.
Nesse ponto, uma das maiores injustiças do sistema da OMC veio
à tona. Um dos motivos pelos quais países pequenos raramente iniciam
contenciosos na OMC é sua falta de recursos e de conhecimento jurídico.
Essa circunstância os coloca em enorme desvantagem em relação a nações
com ministérios do comércio de grandes proporções e com funcionários
experientes. Os representantes governamentais de Antigua avaliaram que
custaria cerca de US$ 1 milhão para levar o processo até o fim de forma
adequada – o que não era uma soma pouco importante para um governo
cujo orçamento total era inferior a US$ 150 milhões por ano.
O país sequer tinha um representante trabalhando em regime de
tempo integral na sede da OMC, em Genebra, e o diplomata cujas
responsabilidades incluíam a OMC – Sir Ronald Saunders, então
embaixador de Antigua na Grã-Bretanha – lembrou: “Estava bem cético”
246
joias e piratas
em relação a iniciar o processo, principalmente devido à influência e
experiência do adversário em controvérsias comerciais. Contudo, as
autoridades de Antigua estavam aborrecidas com a política dos EUA,
que contribuía para a contração do setor de apostas pela Internet do país.
Então, o governo autorizou levar o caso adiante – desde que o setor
arcasse com as despesas dos honorários advocatícios (vale notar que,
nesse contexto, uma solução desse tipo não funcionaria para, digamos,
os produtores de algodão de Burkina Faso). “Temos ou não o dever para
com nossos cidadãos de proteger seus empregos?”, perguntou Sir Ronald.
O resultado inicial chegou em 24 de março de 2004 – “o pior dia da
minha vida profissional”, lembra John Veroneau, então consultor jurídico
geral do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos.
Sua tarefa desagradável foi ter de informar Bob Zoellick que os Estados
Unidos tinham perdido o processo.
A decisão do painel da OMC, composto por três membros, constituiu
uma vitória tão ampla para Antigua, que todos já previam uma provável
reversão de suas conclusões pelo Órgão de Apelação. A decisão do
painel veio apesar da insistência de Washington de que nunca tivera a
intenção de incluir jogos de azar quando concordou em abrir o mercado de
“serviços culturais, esportivos e de entretenimento”. O painel tampouco
deu ouvidos a outro argumento aparentemente forte apresentado pelos
EUA, conhecido como a defesa “da ordem pública e da moral”, o que
significa, em essência, que os membros da OMC têm o direito de proibir
bens e serviços que possam prejudicar a integridade de seu tecido social
(um exemplo clássico é a proibição de bebidas alcoólicas em países
muçulmanos). A defesa estava segura de que ganharia na instância de
apelação.
Havia, todavia, um contrassenso na posição americana: o governo
dos EUA estava tolerando apostas pela Internet em corridas de cavalos
e, em alguns estados, em loterias e outros jogos. Vários sites americanos,
conhecidos pelos nomes de Youbet.com e Xpressbet.com, permitiam que
os usuários apostassem em corridas de leste a oeste dos Estados Unidos.
Isso era hipocrisia óbvia, argumentaram os antiguanos, sustentando que a
posição dos EUA violava o princípio inabalável da OMC de tratamento
nacional. O princípio, como observado antes neste livro, essencialmente
exige que um governo trate bens e serviços estrangeiros da mesma forma
que trata os nacionais. Para proibir importações de bebidas alcoólicas,
247
paul blustein
por exemplo, um país muçulmano tem de proibir a indústria nacional de
bebidas também. Da mesma forma, reclamavam os antiguanos, os Estados
Unidos só podem proibir seus cidadãos de usarem sites de apostas no
exterior se proibirem igualmente os sites americanos. Porém, o Congresso
se recusara a promulgar uma proibição abrangente, em parte porque o
politicamente influente setor de corridas de cavalos depende de apostas
feitas por telefone e pela Internet.
Portanto, se os Estados Unidos tolerassem uma quantidade limitada
de práticas viciosas enquanto proibiam o fornecedor estrangeiro de
fazer o mesmo, estariam violando as regras da OMC. Esse argumento
convenceu totalmente o Órgão de Apelação, que decidiu em abril de
2005 que Washington tinha de proibir todas as formas de apostas pela
Internet, inclusive em corridas de cavalos, ou Antigua ganharia a causa.
Parecia que os sonhos de vingança de Jay Cohen estavam realmente
prestes a serem realizados. Mas, nesse ponto, outra grande injustiça no
sistema da OMC estava entrando em ação. Quando um governo como a
União Europeia ganha um processo e ameaça retaliar, como Bruxelas fez
na controvérsia sobre o aço, o país condenado é obrigado a reconsiderar
suas medidas infratoras, por causa do tamanho do mercado europeu. A
eficácia dessa ameaça é muito mais questionável para nações do tamanho
de Antigua. O perigo de perder exportações para o mercado antiguano
dificilmente chamaria a atenção nos círculos empresariais dos EUA. Em
outras palavras, a capacidade de impor uma punição aos oponentes e
obrigá-los a cumprir as decisões da OMC é reservada aos razoavelmente
ricos e razoavelmente grandes. Países em desenvolvimento podem
ganhar processos contra adversários abastados na OMC, mas isso
não necessariamente significa que possuem o poder para atingir seus
objetivos.
Ou será que possuem? De todas as reviravoltas bizarras nesse caso,
a mais dramática ainda estava por vir – a transformação de Antigua em
Pirata do Caribe.
[*]
Vamos pular rapidamente para a primavera de 2009, quando este
livro está sendo terminado. Apesar de Antigua ter obtido uma decisão
da OMC a seu favor em 2004 e outra vitória em instância de apelação
248
joias e piratas
em 2005, ainda não estava satisfeita, tanto em relação a uma mudança
da política norte-americana quanto a um claro direito de impor severas
punições aos Estados Unidos. E o mesmo acontece com o Brasil no
processo do algodão.
No caso das apostas pela Internet, Washington foi capaz de usar uma
série de manobras legais para manter os antiguanos amarrados a um litígio
infindável. Durante certo tempo, o governo Bush, usando um pretexto dos
mais inconsistentes, argumentou que os Estados Unidos tinham cumprido
a decisão da OMC**. Os antiguanos, frustrados, retornaram para OMC a
fim de obter uma decisão no sentido de que Washington ainda não estava
cumprindo a decisão anterior. Novamente, Antigua venceu, mas só após
muitos meses de luta. O governo dos EUA lançou mão de outra manobra
para manter os antiguanos em suspenso, cujos detalhes complexos não
nos interessam aqui. Basta dizer que até mesmo membros do Congresso
execraram a tática como sendo um mau precedente que poderia minar o
respeito internacional pela OMC.
Durante todo esse tempo, os antiguanos ostentaram um novo tipo
de arma, nunca antes usada em uma controvérsia na OMC, causando
embaraço para grandes empresas norte-americanas.
Imagine uma fábrica em Antigua produzindo uma quantidade
equivalente a milhões de dólares em versões pirata de DVDs, CDs
ou software americanos, com total apoio das autoridades antiguanas.
Normalmente isso violaria as regras de propriedade intelectual da OMC.
Mas os antiguanos pediram à OMC o direito de fazer algo desse gênero,
envolvendo uma técnica chamada de “retaliação cruzada”. O raciocínio
é o de que, tendo em vista que a elevação das tarifas antiguanas sobre
produtos americanos não é um meio eficaz de punir Washington, Antigua
deveria ter o direito de prejudicar os direitos dos EUA em outras áreas
dos acordos da OMC.
O governo primeiro tentou garantir uma legislação “esclarecendo” que todas as formas de
apostas online são ilegais nos Estados Unidos. Mas o setor de corridas de cavalos bloqueou
essa legislação no Capitólio. Em sua tentativa seguinte de alegar que estava cumprindo a
regra da OMC, a administração citou um testemunho de abril de 2006, dado por um oficial
do Departamento de Justiça, afirmando que todas as apostas pela Internet feitas por ligações
interestaduais violam leis em vigor. Essa afirmação era novidade para a indústria de corridas
de cavalos e pareceu ter pouco efeito sobre o setor de apostas, que continuou a funcionar sem
sofrer processos.
**
249
paul blustein
Há uma ironia deliciosa nessa situação, porque haviam sido os
Estados Unidos os principais defensores do direito à retaliação cruzada.
Washington insistiu durante a Rodada Uruguai que, se fosse para
assegurar capacidade efetiva de proteger a propriedade intelectual de
empresas americanas, deveria ser permitido que eles impusessem tarifas
às mercadorias de países considerados culpados por permitir a pirataria
de filmes, medicamentos e outros produtos americanos.
Agora tinham trocado de lugar. Um pouco antes do Natal de 2007,
um painel da OMC concordou que Antigua tinha o direito de aplicar
retaliação cruzada. Mas se esse direito ainda valia alguma coisa não
estava claro. Em certo sentido, o painel disse que Antigua tinha o direito
a apenas US$ 21 milhões em retaliação. Esse foi o valor estimado pelo
painel para os prejuízos antiguanos causados pelas políticas ilegais
norte-americanas. Isso deixou os especialistas refletindo sobre como
deveriam ser calculados esses US$ 21 milhões na aplicação da retaliação
cruzada. O valor estaria baseado em custos de produção dos produtos
pirateados ou no valor de mercado das versões legais dos produtos sendo
copiados? Uma dúvida ainda mais importante referia-se ao direito de
Antigua de exportar o material pirateado. Funcionários governamentais
dos EUA sustentaram enfaticamente que qualquer pirataria feita por
Antigua deveria ficar restrita a produtos vendidos no pequeno mercado
doméstico de Antigua. Neste momento, os antiguanos estão aguardando
uma resposta para essa situação ambígua, esperando que um presidente
democrata e um Congresso democrata tenham mais boa vontade de
negociar uma solução satisfatória.
Nesse ínterim, de volta à Sala E, outra audiência estava sendo
realizada sobre o caso do algodão em 3 de março de 2009. A questão
que estava em jogo, desta vez, era se esse caso também terminaria
com a concessão de uma licença para cometer pirataria – uma pirataria
gigantesca, a ser praticada pelo Brasil.
[*]
Quem estava apresentando o argumento brasileiro nesse dia era
Roberto Azevedo, o embaixador do país na OMC. “Já se passou muito,
muito tempo” desde as primeiras audiências em 2003, observou Azevedo
aos membros do painel, que contava com um economista irlandês, um
250
joias e piratas
funcionário do governo mexicano e o mesmo advogado australiano que
tinha trabalhado no painel de 2003. “Este é o quinto procedimento na
OMC [da mesma disputa] ao longo de um período de mais de seis anos”.
Como as observações do embaixador sugeriam, até mesmo o Brasil,
embora dotado de um mercado muito maior do que o de Antigua,
também tinha enfrentado muitas frustrações em seus esforços para
obter suas justas reparações após a vitória histórica sobre os subsídios
ao algodão. Os Estados Unidos tomaram algumas medidas para resolver
o problema em resposta à decisão da OMC em 2004. O Congresso
eliminou uma das partes mais afrontosas da política do algodão dos EUA,
um programa que pagava às indústrias têxteis norte-americanas para
comprar algodão produzido nos EUA. Mas legisladores e autoridades
governamentais do governo dos EUA insistiram que outros subsídios
ao algodão ainda maiores teriam de ser negociados na Rodada Doha em
vez de ficarem sujeitos a litígios. A disputa retornou ao tribunal da OMC
onde, em repetidas ocasiões, os juízes decidiram que Washington estava
em situação de descumprimento de suas obrigações. Os americanos
conseguiram ainda prolongar os trabalhos argumentando que as condições
do mercado internacional de algodão tinham mudado drasticamente com
o passar dos anos. O resultado dessa etapa da disputa foi igualmente a
favor do Brasil, mas somente após certo tempo.
Então, por fim, na manhã daquele dia de março, na Sala E, o caso
estava chegando ao ponto de decidir que tipos de medidas o Brasil seria
autorizado a adotar em retaliação, inclusive se o país deveria, como
Antigua, ganhar o direito de aplicar retaliação cruzada. Os advogados
americanos argumentaram que Brasília não deveria ser autorizada a
fazer muita coisa – os prejuízos causados pelos subsídios ao algodão não
eram tão grandes, sustentavam os americanos, e, em todo caso, dado o
tamanho e a diversidade de sua economia, o Brasil poderia facilmente
“infligir importantes perdas econômicas” a Washington usando o método
tradicional de elevar tarifas sobre exportações norte-americanas.
Esse argumento “ignora completamente a questão central”, segundo
a declaração de Azevedo ao painel. “A realidade é que os Estados Unidos
não podem ocultar o fato de que esta não é uma disputa entre iguais – não
chega nem perto disso”. Ele observou que a economia dos EUA é “algo
em torno de dez vezes maior do que a do Brasil” e que as exportações
para o Brasil representam apenas cerca de 1,7% das exportações totais
251
paul blustein
dos EUA. Isso significava que Brasília exerceria pouca influência sobre
Washington ao elevar tarifas. Na verdade, esse tipo de medida apenas
prejudicaria a economia brasileira, porque a maior parte dos produtos
americanos que entram no Brasil são muito necessários ao país, como
maquinário e componentes industriais e agrícolas. “Sua decisão nesse
processo terá uma incidência direta sobre a saúde do sistema multilateral
de comércio”, concluiu Azevedo. “A credibilidade desse sistema está em
jogo”, pois, ao conceder ao Brasil o direito de aplicar retaliação cruzada,
“os senhores estariam sinalizando que o sistema de observância de regras
da OMC não funciona apenas em favor dos países desenvolvidos”. Uma
decisão era esperada no verão de 2009, data muito próxima da publicação
desse livro, impossibilitando a sua inclusão aqui.
[*]
Tanto os casos relativos ao algodão (Upland Cotton) quanto aos jogos
de azar (Gambling) podem se arrastar por anos ainda. Eles devem ser vistos
a partir de uma perspectiva adequada. Essas controvérsias são altamente
esclarecedoras porque mostram que países em desenvolvimento podem
enfrentar uma batalha injusta para obter o cumprimento de decisões da
OMC proferidas em seu favor. Mas esses casos não são representativos.
Sob muitos aspectos, os países ricos cumprem de maneira relativamente
rápida as decisões da OMC emitidas contra eles em processos instaurados
por países em desenvolvimento. Um dos primeiros casos da OMC, por
exemplo, envolveu uma queixa apresentada pela Costa Rica contra
os Estados Unidos em relação a quotas de roupas íntimas. Quando
Washington perdeu, modificou prontamente suas políticas de modo a
cumprir a decisão.
Em suma, os defeitos do Entendimento sobre Solução de
Controvérsias não podem obscurecer suas virtudes consideráveis. Ele
fomenta a estabilidade e, em certa medida, funciona como um grande
equalizador. Talvez, mais importante ainda seja o fato de que esta parte
da OMC dedicada à solução de controvérsias confere à instituição toda
a credibilidade que lhe faltava na época do GATT. E o mecanismo de
solução de controvérsias funciona com um grau relativamente alto de
eficácia. Negociações comerciais, às quais nossa narrativa agora retorna,
constituem uma questão inteiramente diferente.
252
Capítulo 9
Sua Santidade, o Papa Bob
A expressão “Jack está de volta” significava que Bob Zoellick estava
num humor especialmente nefasto. Seus assessores cunharam a expressão
após ouvirem-no vociferar “That guy doesn’t know jack shit!” [Esse cara
não sabe porcaria nenhuma!]. Assim, quando seu temperamento exaltado
parecia estar se apoderando dele, o pessoal do Escritório do Representante
de Comércio dos Estados Unidos dizia que “Jack” tinha voltado. A
expressão vinha sendo usada com frequência no outono de 2003, logo
depois da conferência de Cancún. “Cara, o Jack voltou com tudo naquela
época”, recorda-se um dos ex-assistentes de Zoellick, com um arrepio.
Motivos não faltavam. Cancún pusera em risco toda a agenda de
Zoellick. Com a Rodada Doha empacada, sua esperança de alcançar um
êxito após o outro, culminando com a conclusão das negociações em
2005, parecia mais remota. Além disso, segundo rumores prevalecentes,
haveria pouca novidade na área de comércio em 2004 por causa
da eleição presidencial. Os democratas com certeza bloqueariam
quaisquer movimentos do governo Bush que pudessem colocar em
risco os empregos dos americanos devido ao comércio globalizado, e os
republicanos resistiriam bravamente a quaisquer concessões dos EUA
em relação ao comércio agrícola que pudessem custar-lhes votos nas
áreas rurais. Portanto, os avanços na liberalização dos mercados teriam
de esperar.
253
paul blustein
Qualquer pessoa que conhecesse Zoellick sabia que ele não
desistiria durante o último ano do primeiro mandato de Bush. Depois
de ter ridicularizado a equipe de Clinton por não ter conseguido agir de
acordo com sua retórica de livre comércio no final da década de 1990,
Zoellick estava determinado a garantir que ele e o presidente a quem
servia produziriam um resultado bastante diferente. Contudo, em sua
determinação em deixar uma marca, adotou políticas que induziram o
sistema global de comércio a uma direção perturbadora, mesmo para
aqueles que se mostravam favoráveis à sua meta global de liberalização
do comércio.
Um artigo que escreveu para o jornal Financial Times em 22 de
setembro de 2003, poucos dias após a reunião, refletia sua frustração
em relação aos acontecimentos ocorridos em Cancún. Zoellick culpava
seus adversários – o Brasil era mencionado cinco vezes – por terem
incentivado uma “cultura de protesto que definia vitória em termos
de atos políticos em vez de resultados econômicos”. Deixou claro que
recompensaria países colaborativos e puniria os que se recusassem a
cooperar, intensificando sua estratégia de “liberalização competitiva”,
isto é, de promover negociações comerciais em vários níveis:
A principal divisão em Cancún foi entre os países do grupo dos que
“podem fazer” e aqueles do grupo dos que “não querem fazer”. Por
dois anos, os EUA promoveram a abertura de mercados globais, em
nosso hemisfério, e com sub-regiões ou países individuais. Enquanto os
membros da OMC pensam no futuro, os EUA não ficarão esperando.
Seguiremos em direção ao livre comércio com os países que “podem
fazer”.
Em outras palavras, o mercado norte-americano de 300 milhões de
ávidos consumidores seria usado, ao mesmo tempo, como incentivo e
punição. Os países que partilhavam do entusiasmo de Washington por
um comércio mais livre obteriam acesso preferencial a esse mercado por
meio da assinatura de acordos bilaterais e regionais, eliminando a maior
parte das barreiras comerciais entre eles e os Estados Unidos. Nesse
meio tempo, as nações relutantes ficariam em desvantagem, pois seus
produtos sujeitos a tarifas que Washington mantinha em bases de Nação
Mais Favorecida para os membros da OMC. Por fim, eles reconheceriam
254
sua santidade, o papa bob
que tinham um interesse próprio em juntar seu vagão ao trem conduzido
pelos EUA. No final, esses acordos acabariam funcionando como peças
que comporiam blocos constitutivos de acordos mais amplos que, em
última análise, abrangeriam o mundo todo.
É claro que acordos bilaterais e regionais de livre comércio não
eram novidade. A União Europeia era a pioneira dos acordos regionais
e seu sucesso tinha inspirado várias imitações, inclusive o NAFTA, o
Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e o acordo de comércio
entre membros da Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Tailândia,
Indonésia, Malásia, Cingapura, Filipinas e várias outras)*. Os acordos
bilaterais antigos incluíam aqueles firmados entre os Estados Unidos e
Israel, em 1985, entre o Canadá e o Chile, em 1996, entre o México e o
Chile, em 1999 e entre a União Europeia e o México, em 2000. A União
Europeia também assinou vários acordos durante a década de 1990 com
países vizinhos, como a Noruega e a Islândia, e com algumas nações
candidatas a ingressar na União Europeia, incluindo a Bulgária, a Polônia e
as Repúblicas Tcheca e Eslovaca. De fato, Zoellick citava com frequência
esses acordos como justificativa para o agressivo esforço norte-americano
de negociação de acordos de livre comércio, alegando que Washington
precisava compensar o atraso em relação a seus concorrentes.
Essa tendência ganhou grande impulso depois que Zoellick
obteve, em 2002, a autoridade legislativa de que precisava e começou
rapidamente a expandir o conjunto de acordos de livre comércio de
Washington. No outono de 2003, fechou dois acordos bilaterais iniciados
durante os anos Clinton – com Chile e Cingapura. Além disso, iniciou
negociações com Austrália, Marrocos e cinco países da América Central
(Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica) mais
a República Dominicana. Também começou a explorar negociações
semelhantes com a Tailândia, Bahrein, Colômbia, Peru e um grupo de
nações do sul da África.
Na opinião de Zoellick, esses pactos ofereciam uma série de
vantagens. Propiciavam a Washington uma oportunidade de extrair
A União Europeia e o Mercosul são uniões aduaneiras, que se distinguem de áreas de livre
comércio como o NAFTA. Em uma união aduaneira, as nações-membros não apenas reduzem
ou eliminam tarifas de comércio entre si, como também mantêm tarifas externas comuns
sobre mercadorias produzidas fora da união. Em uma área de livre comércio, os membros não
possuem tarifas externas comuns.
*
255
paul blustein
maiores concessões de parceiros dispostos a negociar do que conseguiria
no contexto da OMC. Isso porque essas negociações não envolviam
apenas eliminação total de tarifas para uma ampla gama de produtos,
mas incluíam igualmente certos benefícios para a atuação de companhias
americanas que iam além das regras da OMC. Em particular, essas
negociações normalmente continham dispositivos protegendo os direitos
de investidores e prestadores de serviços dos EUA, além de regras mais
rígidas sobre direitos de propriedade intelectual do que as da OMC.
Ao manter o foco do debate doméstico nos EUA concentrado mais no
livre comércio do que na contenção de iniciativas protecionistas, os
acordos bilaterais também possibilitavam que o poder executivo ficasse
na “ofensiva” em relação ao Congresso. Igualmente importantes para
Zoellick eram as sinergias entre esses acordos e os objetivos da política
externa dos Estados Unidos. Os acordos com o Marrocos e o Bahrein, por
exemplo, ajudariam a estimular, no mundo islâmico, reformas orientadas
para o livre mercado e para a prevalência do estado de direito ao estilo
americano, servindo como modelo para outras nações muçulmanas.
Além disso, os acordos forneciam uma nova raison d’être para o
Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos.
“Embora a OMC fosse a opção correta, e apesar de termos obtido
alguns êxitos na organização, graças a Deus Bob Zoellick também fez os
acordos de livre comércio”, disse Allen Johnson, ex-negociador-chefe de
Agricultura. “Se a OMC e a Área de Livre Comércio das Américas fossem
os únicos temas da minha agenda de trabalho, creio que provavelmente
teria pensado em me matar”. Matt Niemeyer, na época chefe de relações
com o Congresso do gabinete de Zoellick, faz eco a esse sentimento,
dizendo que os acordos bilaterais “exauriram os representantes adjuntos
de Comércio dos Estados Unidos, mas eles adoravam as vitórias. Isto
porque, uma vez concluído um acordo, eles podiam pendurar um troféu
na parede”, o que, é claro, melhoraria suas perspectivas de emprego
quando estivessem prontos para ingressar no setor privado.
Contudo, à medida que Zoellick ia concluindo acordos e iniciando
novas negociações, aumentavam os receios e dúvidas: será que esses
“troféus na parede” eram só isso – troféus – para fazer com que a agenda
comercial do governo (e seu representante de Comércio) parecesse
mais ativa, agressiva e bem-sucedida? E mesmo que acordos bilaterais
normalmente fossem considerados como promotores da “globalização”,
256
sua santidade, o papa bob
será que eles realmente ajudavam a causa da globalização? Ou será que
causavam mais mal do que bem a essa causa?
[*]
Grant Aldonas se lembra perfeitamente do dia em que descobriu
que os Estados Unidos estavam lançando negociações de um acordo
de livre comércio com o Marrocos, porque tanto ele quanto seu chefe,
o secretário de Comércio Donald Evans, leram sobre isso num jornal.
Na condição de subsecretário de comércio para comércio internacional,
Aldonas preferia ter sido informado com antecedência, para que pudesse
expressar suas reservas.
Dentro do governo, Aldonas era uma das poucas vozes dissonantes
da opção preferencial de Zoellick por acordos bilaterais. Ele ouvia
comentários de seus amigos republicanos no Capitólio de que o grande
número de acordos estava erodindo o apoio ao comércio no Congresso.
Para os legisladores de ambos os partidos, apoiar frequentemente acordos
comerciais significava dar munição a seus adversários na próxima eleição.
Portanto, Aldonas não conseguiu deixar de se indagar qual grande
propósito estaria por trás das negociações e renegociações de acordos
bilaterais de Zoellick. Uma coisa teria sido se Washington estivesse
lançando negociações com grandes economias, mas eliminar barreiras
comerciais com nações ou blocos de grande porte era politicamente
muito complicado. A União Europeia, por exemplo, não era favorável a
expor totalmente seu mercado agrícola à concorrência norte-americana.
O Canadá e o México, que eram mercados importantes para exportadores
norte-americanos por causa de sua proximidade, já faziam parte do
NAFTA. Isso deixava Zoellick com um conjunto heterogêneo de parceiros
disponíveis para negociações bilaterais, dotados, em sua maioria, de
mercados relativamente insignificantes e de interesse limitado para os
exportadores americanos. A Austrália, uma das maiores economias com
as quais Zoellick estava negociando, já era relativamente aberta.
“Fomos ignorados”, disse Aldonas dando de ombros.
Outros, fora do governo, tinham objeções mais fundamentais, isto
é, que Zoellick, em seu zelo ao negociar acordos, estava subvertendo
os princípios do multilateralismo. Essa crítica vinha principalmente
dos economistas acadêmicos, liderados por Jagdish Bhagwati, da
257
paul blustein
Universidade de Columbia, e Ross Garnaut, da Universidade Nacional
Australiana. Eles figuravam entre os defensores mais famosos e ardentes
do livre comércio, mas ficaram horrorizados com os acordos bilaterais
que Zoellick tentava concluir. Sim, reconheciam eles, os artífices do
GATT tinham incluído dispositivos especiais permitindo acordos de
livre comércio. “Mas isso ignora a questão central. Não há prova de que
os redatores do GATT tivessem em mente uma epidemia de acordos de
livre comércio que se espalhariam mais rapidamente do que uma grave
síndrome respiratória aguda”, escreveram Bhagwati e Garnaut em um
artigo de julho de 2003, opondo-se ao pacto entre EUA e Austrália. O
problema, afirmavam eles com impaciência, “tornou-se sistêmico”.
Culpavam o governo Bush por popularizar o bilateralismo nos ministérios
de comércio do mundo todo, notando que “centenas de acordos de livre
comércio tornaram-se mais prováveis de se concretizar desde que a
Austrália reagiu pela primeira vez à nova abordagem da equipe de Bush
aos acordos de livre comércio no final de 2000”.
A “epidemia” a que se referiam se espalhava porque cada acordo
de livre comércio que era lançado – ou que era cogitado – tendia a gerar
mais acordos. Quando formuladores de políticas viam seus homólogos
em países vizinhos negociando-os, concluíam, com frequência, que era
melhor entrarem para o clube sob pena de se verem cercados por blocos
comerciais dos quais estariam excluídos.
Assim, até mesmo países que outrora tinham sido os mais ferrenhos
defensores do multilateralismo estavam se apegando à ideia dos
acordos bilaterais. Os gigantes comerciais do norte da Ásia – Japão,
Coreia do Sul e China – há muito rejeitavam todos os acordos que não
fossem multilaterais. Porém, em 2002, o Japão assinou um pacto com
Cingapura e iniciou negociações com a Malásia e vários outros parceiros
comerciais. “No passado, nas décadas de 1980 e início da década de
1990, não estávamos interessados em acordos de livre comércio, mas,
desde então, começamos a ficar rodeados por esses grupos, na Europa
e nos Estados Unidos”, explicou Noboru Hatakeyama, presidente
da Organização Japonesa de Comércio Exterior (JETRO, na sigla
em inglês), ao jornal New York Times. A Coreia do Sul, para não ser
sobrepujada por seu rival, logo buscaria unir-se ao Chile e ao bloco
do Sudeste Asiático, assim como à China. A Austrália, cujo único
acordo anterior tinha sido com a Nova Zelândia na década de 1960,
258
sua santidade, o papa bob
assinou tratados com Cingapura em 2002 e com a Tailândia em 2003.
Cingapura articulou-se com a Índia logo após os indianos terem feito
o mesmo com a Tailândia.
O valor de muitos desses acordos era mais simbólico do que
substantivo. Em geral, excetuavam determinados setores politicamente
sensíveis, sobretudo a agricultura, e assim aumentavam somente de
forma marginal oportunidades de comércio entre os países participantes.
Porém, cada um deles acrescentava mais um fio ao que Bhagwati
chamava de “prato de espaguete” do comércio global. Todos esses
acordos incluíam um conjunto de regras complexas para se certificar
de que mercadorias que recebiam isenção fiscal estavam habilitadas
a receber esse tratamento. O NAFTA, por exemplo, tem cerca de 200
páginas de regras definindo a maneira pela qual produtos podem ser
qualificados como norte-americanos. Na ausência dessas regras, nada
impediria que um fabricante de camisas do Vietnã, por exemplo,
exportasse suas camisas para o México, costurando etiquetas de
“Fabricado no México” e as vendesse nos Estados Unidos com isenção
de impostos. E o que exatamente qualificaria as camisas fabricadas no
México como mexicanas? A costura, o tecido ou o fio, ou será que todos
os três requisitos seriam necessários? Acrescentando ainda mais massa
ao prato de espaguete estava uma profusão de acordos de mão única,
ou unilaterais, nos quais nações ricas dão tratamento especial a alguns
dos produtos fabricados em países pobres. Entre os exemplos está o
tratamento preferencial que a União Europeia concede às importações
de suas ex-colônias.
O dano potencial causado ao multilateralismo por acordos de livre
comércio extrapola em muito a complexidade adicional que esses pactos
engendram. Negociações bilaterais e regionais podem minar a autoridade
da OMC, relegando-a ao status de ator menor no estabelecimento das
regras de comércio. No mínimo, tais acordos corroem o princípio de Nação
Mais Favorecida ao promover a discriminação entre membros da OMC.
Afinal de contas, toda vez que dois sorridentes ministros de comércio
se colocam diante de câmeras de televisão para se cumprimentarem e
anunciar a conclusão de um acordo de livre comércio, um aspecto nefasto
do acordo quase invariavelmente deixa de ser ressaltado – o impacto sobre
países que estão de fora, perdendo algumas oportunidades de comércio
que de outra forma teriam.
259
paul blustein
Então surge o problema que os economistas denominam “erosão
de preferências”. Cada novo acordo de livre comércio ou acordo
preferencial cria grupos que combatem a liberalização mundial porque
seu acesso especial a um mercado lucrativo perde valor quando seus
concorrentes de outros países ganham o mesmo tratamento de baixas
tarifas. Consequentemente, os acordos bilaterais e outros acordos desse
tipo podem facilmente tornar-se obstáculos em vez de tijolos para a
construção de pactos globais.
A todas essas objeções, Zoellick consistentemente argumentou que
seus críticos eram idealistas e ingênuos inveterados. Em sua opinião, os
acordos bilaterais não eram hostis ao multilateralismo. Pelo contrário:
eram essenciais para o sucesso da OMC. “A capacidade de poder dizer:
‘Fazemos acordos bilaterais’ é muito importante quando você está
tentando negociar um acordo da OMC”, disse ele. “Esses acadêmicos
nunca se sentaram em salas de negociação nem negociaram com o
Congresso. Acredito no sistema multilateral e nos mercados livres no
mundo inteiro. Mas também sei como usar o poder nacional. Os acordos
bilaterais têm sido um meio útil de exercer influência. Eles também têm
seus próprios benefícios”.
Não há dúvida de que alguns países podem ficar intimidados com
ameaças de que os Estados Unidos forjarão acordos bilaterais com
outras nações. Mas quantos? Como as tarifas dos EUA já são baixas de
modo geral, a perspectiva de serem excluídos da lista de parceiros de
livre comércio de Washington não é necessariamente aterrorizante para
formuladores de políticas em todas as capitais.
Poucas semanas após Cancún, os limites da estratégia de liberalização
competitiva ficaram totalmente evidentes.
[*]
Concluir a Área de Livre Comércio das Américas era uma das
prioridades da política comercial de George W. Bush. Como político
texano que tinha feito campanha sobre a importância de os Estados
Unidos aprofundarem seus laços com os vizinhos do sul, o presidente
estava pessoalmente engajado na proposta de criar uma expansão do
NAFTA que abrangeria o Hemisfério Ocidental. A grande chance de
seu governo fazer avançar o acordo surgiu no encontro realizado em
260
sua santidade, o papa bob
Miami em novembro de 2003, reunindo representantes de 34 nações da
América do Norte, América Latina e Caribe, com Zoellick à frente da
delegação dos EUA.
Tal como em outros acordos de livre comércio que Washington tinha
lançado, o governo Bush insistia em tornar o acordo abrangente – “o
padrão ouro”, como os negociadores dos EUA gostavam de chamar. Isso
significava que a negociação incluiria regras garantindo que todas as
nações-membros concederiam maior acesso para investimentos e serviços
das empresas de cada um dos demais países. Além disso, proveriam
extensa proteção aos direitos de propriedade intelectual dessas empresas.
Essa visão norte-americana da área de livre comércio era apoiada por
vários países influentes do hemisfério, principalmente o Canadá, o Chile
e a Costa Rica.
Infelizmente para Zoellick, um dos países que mais lhe dera trabalho
em Cancún estava liderando a resistência à abordagem dos EUA. O
presidente brasileiro Lula da Silva fora eleito com uma plataforma de
campanha que retratava a integração hemisférica de maneira quase oposta
à ideia de Bush, isto é, afirmando que o pacto de comércio regional
equivaleria a uma “anexação” da América Latina pelos EUA. Como
a maior nação latino-americana, o Brasil tinha poucos escrúpulos em
rejeitar a visão abrangente que Washington tinha da negociação e os
brasileiros poderiam se confortar com o apoio recebido da Argentina,
a segunda maior potência da América do Sul. Outrora solidamente
pró-Estados Unidos, a Argentina estava se recuperando de uma crise
econômica escorchante que deixara seus formuladores muito menos
encantados do que antes com o modelo capitalista norte-americano.
Os governos desses países assumiram a atitude de que a única Área
de Livre Comércio das Américas, da qual poderiam participar, seria
uma área reduzida a seu essencial – cortes de tarifas para mercadorias
comercializadas entre suas nações-membros. Isso era inaceitável para
Washington.
Não obstante seu poder supostamente temível, Zoellick não poderia
forçar os brasileiros e os argentinos a se submeterem. As advertências
do represente americano de comércio no sentido de que os Estados
Unidos concluiriam acordos de livre comércio com seus vizinhos não
conseguiram demover nem o Brasil nem a Argentina de sua posição.
Martín Redrado, então secretário de Comércio da Argentina, se recorda de
261
paul blustein
minimizar preocupações de que exportadores de outras nações da América
Latina tivessem um melhor grau de acesso ao mercado norte-americano
do que os exportadores argentinos. “Nesse ponto, a União Europeia é
nosso mercado número 1, seguida do Brasil e da Ásia, incluindo o Japão,
e em quarto lugar o NAFTA, isto é, principalmente os Estados Unidos”,
disse Redrado. “Disse a Zoellick e aos outros negociadores: ‘Não é uma
questão de ideologia. Fiz minha formação como economista nos Estados
Unidos. Quero relações mais próximas com os Estados Unidos. Mas
estou defendendo os interesses do meu país”.
A fim de evitar outro fracasso parecido com Cancún – somente
dois meses após a referida conferência da OMC – Zoellick tinha de
trabalhar com Celso Amorim para produzir um acordo que preservasse
as aparências, atenuando as discordâncias entre ambos. A reunião de
Miami terminou com uma promessa de continuar construindo da Área de
Livre Comércio das Américas, mas não foi muito além disso. Os países
do hemisfério podiam integrar-se de forma total ou parcial. Os detalhes
seriam deixados para futuras negociações.
Ninguém se convenceu quando, na coletiva de imprensa ao final
da reunião, os ministros presentes afirmaram que seu encontro fora
um sucesso. Em caráter privado, os negociadores norte-americanos
admitiram que os planos para a área de livre comércio haviam naufragado
porque os principais participantes sequer conseguiam encontrar um
denominador comum em torno dos pontos mais básicos. Desde então, o
pacto hemisférico permaneceu moribundo.
De uma forma ou de outra, a “liberalização competitiva” havia
fracassado. Países grandes, dotados de amplos mercados, tinham se
recusado a serem intimidados por esse artifício. Zoellick não admitiria
isso sob nenhuma hipótese. Impávido, ele anunciou planos em Miami
para mais negociações de acordos bilaterais. Colômbia, Peru, Panamá,
Equador e Bolívia se juntaram à lista já longa de potenciais parceiros
de livre comércio dos Estados Unidos. O “prato de espaguete” seria
complementado com porções de penne, farfalle e capellini.
A essa altura, Zoellick fez algo completamente inesperado. Depois
de ter aparentemente trabalhado para destroçar o sistema multilateral,
empenhou-se em dar-lhe um novo sopro de vida.
[*]
262
sua santidade, o papa bob
Negociações multilaterais de comércio seguem, com frequência, um
padrão de morte e ressurreição segundo o qual um fracasso de grande
visibilidade tende a forçar os negociadores a uma convergência na reunião
seguinte. A morte ocorrera em Seattle. Doha representara a ressurreição.
A morte aparecera novamente em Cancún. Agora a questão era saber
quem, se é que havia alguém, iria desempenhar o papel de ressuscitador.
A resposta veio numa carta, datada de 11 de janeiro de 2004,
endereçada aos ministros do comércio de todos os países-membros da
OMC, e que começava com as seguintes palavras: “Feliz Ano Novo!
Espero que vocês estejam bem”. A carta exortava os países a avançar de
maneira significativa na Rodada Doha, nos meses seguintes, e apresentava
algumas ideias nesse sentido. Era o tipo de iniciativa que o diretor-geral da OMC poderia ter lançado, mas o titular desse cargo, Supachai
Panitchpakdi, não demonstrava o dinamismo necessário para mobilizar
os membros. Na verdade, o autor da carta era Zoellick. Convencido de
que os Estados Unidos tinham de exercer a liderança e confiante em sua
habilidade de fazer as coisas acontecerem, o representante de Comércio
dos Estados Unidos estava pronto para entrar em campo. Zoellick
escreveu:
Eis a minha avaliação franca: há um interesse geral em fazer avançar a
Agenda de Desenvolvimento de Doha. Há inclusive a percepção de que
nossos embates em Cancún podem ter criado alguns fundamentos úteis.
Porém, há dúvidas sobre como devemos reengajar-nos produtivamente
para que possamos tomar as decisões necessárias. Não quero que 2004
seja um ano perdido para as negociações da OMC.
Isso era uma surpresa porque, tal como observado no jornal Financial
Times, que deu em primeira mão a notícia da iniciativa de Zoellick, “com
as eleições presidenciais nos EUA se aproximando em novembro, muitos
membros da OMC já haviam se resignado a avançar pouco neste ano”.
Contudo, aqui estava o representante de Comércio dos Estados Unidos,
nomeado pelo homem que era candidato à reeleição, declarando, em
poucas palavras, que estava disposto a assumir alguns riscos políticos
desde que, é claro, seus homólogos aceitassem fazer o mesmo.
A atitude de Zoellick era igualmente surpreendente diante do
enfático desagrado que expressara após Cancún com relação à paralisia
263
paul blustein
da OMC, conferindo prioridade à via bilateral e regional. Mas Zoellick
era acima de tudo um formulador de políticas ativo, desejoso de divulgar
realizações em matéria de liberalização comercial. Algum movimento
nas negociações de Doha parecia possível. Os assessores de Zoellick
para temas agrícolas aconselhavam-no que os lobbies desse setor nos
EUA estavam muito mais interessados em um pacto mundial do que nos
acordos bilaterais contemplados por Washington.
Em sua carta de sete páginas, Zoellick fazia alguns gestos
conciliadores aos países em desenvolvimento. O dado importante é que a
carta se afastava do documento dos Estados Unidos e da União Europeia
sobre agricultura que tanto exasperara os países pobres antes de Cancún.
Ainda que o documento tenha vislumbrado a possibilidade de preservação
de alguns subsídios à exportação para produtos agrícolas, Zoellick
escreveu em sua carta que não havia jeito de concluir a Rodada Doha “a
menos que tenhamos um acordo para eliminar subsídios à exportação até
uma data determinada”. Como o término dos subsídios à exportação em
sua maior parte implicaria sacrifícios para a União Europeia, ele disse que
Washington estaria propenso a oferecer algumas concessões correlatas
em troca. Tratava-se, principalmente, de modificar a política agrícola dos
EUA de forma a eliminar programas de efeito equiparável ao de subsídios
à exportação, tais como créditos para exportação financiados pelo governo
federal. Ele também indicava disposição de fazer algumas concessões
no tema do algodão (a essa altura, ainda faltavam quatro meses para a
decisão do painel da OMC no caso aberto pelo Brasil).
Era uma iniciativa corajosa e, tal como em outras ocasiões, Zoellick
não se preocupou em discutir cuidadosamente seu plano com a Casa
Branca antes de lançá-lo. Julgava ter sido indiretamente estimulado por
Bush quando, após Cancún, o presidente perguntou em uma reunião
ministerial como ele planejava reavivar a rodada. Isso foi o suficiente para
deixá-lo à vontade para concluir sua carta enfatizando novamente que
2004 deveria ser “um ano que supere as expectativas e leve à conclusão
da Agenda de Desenvolvimento de Doha”.
Mas havia um assunto que não podia prescindir de uma consulta de
Zoellick à Casa Branca – um avião – porque, depois do envio da carta,
o representante de Comércio dos Estados Unidos partiu, em fevereiro,
para uma viagem de duas semanas ao redor do mundo para se encontrar
com seus companheiros ministros de comércio e promover sua ideia de
264
sua santidade, o papa bob
produzir avanços na Rodada Doha em 2004. O périplo de 32.000 milhas
tornou-o o mais viajado membro do gabinete ministerial, incluindo
o secretário de Estado Colin Powell. Fez escalas no Japão, China,
Cingapura, Paquistão, Índia, África do Sul, Quênia, Suíça e França. Em
13 de fevereiro, durante sua parada em Cingapura, revelou seu plano
para o ano: os membros da OMC realizariam uma grande reunião em
Genebra durante o verão – não uma conferência ministerial completa,
mas uma reunião a que alguns ministros compareceriam e outros países
seriam representados por seus embaixadores. “Nossa meta”, disse ele,
“seria, se possível, tentar fazer nesse verão o que não conseguimos fazer
em Cancún”.
Para esse fim, seria necessário criar um novo processo que
viabilizasse avanços nas negociações. Zoellick seguiu o exemplo do
famoso estrategista militar chinês Sun Tzu, que aconselhou: “Mantenha
seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda”. Ele sequer quisera
se reunir com o G-20 em Cancún, mas agora teria de aceitar o inevitável.
Acolheria os líderes do grupo na composição da nova elite de poder na
OMC.
[*]
Celso Amorim se encontrava em uma reunião na Argentina em
janeiro de 2004 quando recebeu um telefonema de Zoellick. O ministro
das Relações Exteriores brasileiro achou que o motivo da conversa seria
um assunto enfadonho – a Área de Livre Comércio das Américas. Para sua
surpresa, esse tema ocupou apenas alguns minutos. “O resto da conversa
foi sobre como deveríamos retomar as negociações da OMC”, lembra-se
Amorim. “Zoellick me disse: ‘Tenho pensado sobre vários países, tanto
desenvolvidos quanto em desenvolvimento, que possam liderar o jogo’”.
O sistema multilateral de comércio sempre foi regido por um
esquema de “círculos concêntricos”, no qual pequenos grupos de nações
primeiro tentam chegar a acordos que são então passados adiante para
a análise de grupos mais amplos, com a exigência de consenso de todos
os membros. Tal como observado no Capítulo 2, a “panelinha” mais
exclusiva durante a maior parte do período do GATT foi o Quad, formado
pelos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá. Seus quatro
ministros do Comércio se reuniam periodicamente em vários locais ao
265
paul blustein
redor do mundo para discutir temas importantes do sistema multilateral,
enquanto repórteres acampavam do lado de fora esperando a possível
divulgação de uma decisão conjunta que presumivelmente exerceria
grande influência sobre a política comercial global. Ninguém poderia
afirmar que esse grupo autodesignado era democrático; a principal
justificativa para sua existência era que um acordo entre seus membros
representava o primeiro passo necessário para a adoção de qualquer
política formal, dado seu papel predominante nos fluxos de comércio
nos setores (principalmente o manufatureiro) que eram objeto das regras
em negociação.
O Quad continuou a se reunir durante os primeiros anos da existência
da OMC, mas foi sendo gradualmente ofuscado com a evolução da
Rodada Doha. O fato de sua composição contar exclusivamente com
países ricos tornou-o mais anacrônico do que nunca num momento
marcado pelo crescimento sem precedentes da importância e da
assertividade econômica dos grandes países em desenvolvimento. Além
disso, a inclusão dos japoneses era obviamente motivo de antagonismo
no que se referia a Zoellick. O substituto do Quad, pensava ele, precisava
ser, em termos gerais, do mesmo tamanho que antes, mas os novos
participantes a serem incluídos ao lado dos EUA e da União Europeia
teriam de refletir as mudanças em curso na economia global.
Quem seria cortado e quem seria mantido? Essa distinção era
importante, porque, embora os integrantes do círculo interno não possam
forçar seus acordos goela abaixo dos de fora, eles poderiam impor aos
demais o ônus de rejeitá-lo.
Avanços e recuos se seguiram durante meses. O Brasil, na condição
de líder do G-20, era uma opção óbvia. A União Europeia queria a
inclusão da Índia porque compartilhava sua posição defensiva em tarifas
agrícolas. Zoellick, de forma semelhante, insistiu em trazer um aliado
na questão agrícola, isto é, a Austrália, que liderava a coalizão de países
exportadores agrícolas. Japão e Canadá ficaram de fora, com protestos
especialmente veementes dos japoneses. Um funcionário brasileiro
de alto nível se lembra de que Tóquio enviou uma autoridade de alto
escalão a Brasília “implorando para que o país fosse admitido”. O esforço
foi inútil, dada a pouca consideração de Zoellick pelas contribuições
anteriores do Japão.
266
sua santidade, o papa bob
Em maio de 2004, a versão atualizada e ligeiramente expandida
do Quad, que se autodenominou as “Cinco Partes Interessadas” (Five
Interested Parties), já estava se reunindo com frequência. O grupo consistia
de funcionários de vários níveis dos ministérios de comércio dos EUA, da
União Europeia, do Brasil, da Índia e da Austrália. Propuseram-se negociar
as linhas mestras de um acordo sobre agricultura para apresentação ao
resto dos membros da OMC. Dispunham de um prazo relativamente
curto para fazer isso, porque naquele mês foram anunciados planos
para a reunião ministerial da OMC que fora sugerida anteriormente por
Zoellick. A reunião seria realizada em Genebra, no final de julho, com o
objetivo de produzir um acordo-quadro (framework), para guiar o resto
das negociações de Doha.
“O vulcão da OMC está soltando fumaça de novo”, declarou Lamy
em tom triunfal, em 14 de maio, quando foram divulgados os planos
para a reunião ministerial.
O comissário europeu de Comércio tinha feito a sua parte para reativar
o vulcão. Poucos dias antes, oferecera várias concessões substanciais para
ajudar a criar condições auspiciosas para a reunião seguinte em Genebra.
Em 10 de maio, sob ferrenhas objeções da França, Lamy anunciou, em
conjunto com o comissário de Agricultura Franz Fischler, que Bruxelas
poderia concordar com a eliminação total de subsídios às exportações
como um componente crucial da Rodada Doha. A União Europeia já
tinha cortado esses subsídios em dois terços desde o início da década de
1990, reduzindo-os para cerca de US$ 4 bilhões, e Fischler disse: “Desde
que consigamos uma negociação equilibrada... estamos prontos para pôr
todos os subsídios na mesa”.
Lamy anunciou concessões adicionais. Disse que a União Europeia
estava finalmente desistindo de suas demandas de que a rodada incluísse
negociações sobre os temas de Cingapura menos aceitáveis para os
países em desenvolvimento, isto é, investimento, concorrência e compras
governamentais (a única questão que permaneceria na agenda era a
facilitação de comércio, muito menos controversa do que as outras).
Essa concessão removeu um grande obstáculo às negociações. Além
disso, Lamy propôs uma “rodada grátis” para os países mais pobres da
OMC, particularmente os que se qualificavam como países de menor
desenvolvimento relativo (PMDRs), localizados, em sua maioria, na
África Subsaariana e no Caribe. Uma rodada grátis significava que essas
267
paul blustein
nações ficariam isentas da obrigação de abrir seus próprios mercados além
de seus compromissos atuais com a OMC, apesar de se beneficiarem de
medidas de abertura tomadas pelos países mais ricos.
Nem todos os membros da OMC ficaram agradecidos pelos
sacrifícios de Lamy. Os defensores dos temas de Cingapura, como
os japoneses e os sul-coreanos, ficaram insatisfeitos por serem
abandonados pela União Europeia. Igualmente contrariados ficaram
os representantes de alguns países em desenvolvimento que não eram
pobres o suficiente para serem incluídos na oferta da “rodada grátis”.
“Dizer que alguns membros não têm de fazer nada é uma abordagem
errada”, murmurou Youssef Boutros-Ghali, ministro do Comércio do
Egito.
Porém, Lamy conseguiu o que queria, reforçando a percepção de
que ele, assim como Zoellick, ainda era uma força poderosa na OMC.
De fato, as Cinco Partes Interessadas gabavam-se da vasta experiência
e conhecimento dos ministros participantes do grupo. Zoellick estava no
quarto ano de seu mandato e Lamy no quinto, assim como Mark Vaile da
Austrália. Amorim, por sua vez, poderia igualar ou mesmo ultrapassar os
demais no domínio dos temas. Embora não fosse um ministro tão antigo
quanto os outros, podia recorrer à experiência adquirida em Genebra
como embaixador do Brasil na OMC.
Todavia, as Cinco Partes Interessadas também incluíam um recém-chegado. Nesse grupo, ele se destacava. Ninguém o confundiria com um
tecnocrata do comércio. E era fácil prever que, mais cedo ou mais tarde,
ele teria sérios desentendimentos com o representante de Comércio dos
Estados Unidos, fosse quem fosse.
[*]
“Kamal Nath”, berrou um jovem, agitando o punho para o céu
no meio de uma estrada de terra batida, cercado por uma multidão
de trabalhadores castigados pelo sol e com longas barbas e turbantes,
senhoras de sári com os pulsos cobertos de joias e meninos de solidéus.
A resposta proferida aos brados pela multidão – “Zindabad!” – é a
palavra em híndi para “viva”. O brado foi repetido ao som hipnótico de
tambores, enquanto um bando de adolescentes vestidos em cores vivas
dançava em êxtase. “Kamal Nath! Zindabad! Kamal Nath! Zindabad!”.
268
sua santidade, o papa bob
Um jipe aberto trazendo Nath, ministro da Indústria e Comércio da
Índia, avançava por uma cidade no pobre distrito da região central da
Índia da qual ele fora representante no Parlamento indiano por quase
trinta anos. À medida que o jipe ia passando por barracos de teto de
zinco e lojas caindo aos pedaços, as pessoas se aglomeravam em torno
do veículo tentando jogar guirlandas de flores sobre a cabeça de Nath,
tocar seus pés (um gesto tradicional de respeito) ou entregar-lhe cartas
pedindo favores. Vestido com o conjunto tradicional de camisa larga e
calça solta chamado de kurta-pyjama, Nath conseguiu percorrer seis
cidades e vilarejos naquele dia, voando de helicóptero. Em cada local, foi
recebido de forma igualmente entusiasmada por multidões que chegavam
a milhares de pessoas.
Como essa cena sugere, Nath é um animal político da cabeça aos pés.
Isso o distinguia bastante de seus colegas das Cinco Partes Interessadas.
O mais perto que Zoellick ou Lamy chegariam de levar massas ao frenesi
seria um sincero aplauso por seus discursos em instituições de pesquisa.
O estilo de Nath na mesa de negociação contrastava nitidamente com o de
seus homólogos. Quase sempre entediado com as discussões, suas mãos
escorregavam a cada dois minutos para o bolso à procura do seu celular
ou do BlackBerry em que vivia mexendo. Quando falava, seus olhos
escuros chamejavam e seu discurso se inflamava em protestos explosivos.
Apesar de sua limitada capacidade para análises lúcidas, Kamal exibia
um longo repertório de frases curtas e incisivas. “Na próxima vez, você
poderia trazer uma foto de um agricultor americano?”, supostamente teria
provocado ele em uma das primeiras reuniões de comércio internacional.
“Nunca vi um de verdade. Só vi conglomerados americanos querendo
fazer-se passar por agricultores”.
De baixa estatura, com seu cabelo preto retinto puxado para trás,
Nath tem uma origem familiar muito privilegiada. Nas viagens que faz
para visitar seu eleitorado, desloca-se em seu jato particular, um Hawker
850 com assentos de couro acolchoados e um sofá. Nos trajetos mais
curtos, usa um helicóptero, também de sua propriedade. No entanto, tem
uma percepção aguda do que o indiano comum quer.
É herdeiro de uma família que construiu um império comercial localizado
em Kolkata (ou Calcutá, como era conhecida anteriormente). Educado na
Doon School, um internato para meninos, tornou-se amigo íntimo do filho
mais novo da primeira-ministra Indira Ghandi – Sanjay – morto aos 33
269
paul blustein
anos em um acidente de avião. Depois de se formar em uma faculdade
jesuíta, Nath ingressou no Partido do Congresso, então no poder, como
colaborador da ala jovem do partido. Lançou sua carreira política em
1980, concorrendo ao Parlamento por Chhindwara, no estado de Madhya
Pradesh, onde sua família possuía muitas terras. No entanto, com sua
população majoritariamente tribal e sua vegetação tropical, a região não
podia ser mais diferente do local onde Nath havia sido criado. “Tive pouco
contato ou experiência direta com a indigência, o desespero e o desamparo
absoluto característicos do meu distrito”, relembra Nath em seu livro
India’s Century [O Século da Índia], notando que “muito poucos” de
seus eleitores eram alfabetizados, apenas uma poucas centenas dos 2.000
vilarejos tinham eletricidade e “até mesmo uma lâmpada a óleo era um
luxo”. Suas perspectivas de vitória ganharam um impulso crucial da Sra.
Gandhi, que era muito popular entre os povos tribais e viajou para a região
para dizer-lhes em um discurso: “Este é o meu terceiro filho. Vocês têm
de fazê-lo ganhar”. Eles atenderam ao seu pedido e Nath rapidamente
aprendeu que a maneira de reforçar sua sorte era usar sua influência para
ampliar o fornecimento de energia elétrica, a construção de estradas, a
instalação de postos de saúde e o suprimento de outras necessidades
básicas para o máximo possível de habitantes de Chhindwara.
Em um país em que eleitores são normalmente avessos aos
políticos da situação, Nath se reelegeu várias vezes, mesmo quando o
Partido do Congresso esteve fora do poder. Como secretário-geral do
partido, desempenhou um papel-chave na eleição de 2004, na qual o
Partido do Congresso arrebatou o controle do governo das mãos dos
Nacionalistas Hindus que estavam no poder. Os políticos do Partido
do Congresso causaram grande dano a seus adversários acusando-os
de ignorar as necessidades da população rural em meio à expansão
do setor de alta tecnologia da Índia. A recompensa de Nath foi sua
nomeação para ministro do Comércio e Indústria, que inclui o tema
das negociações comerciais.
Todos os ministros indianos de comércio normalmente prometem
proteger a agricultura. Nath elevou essa prática ao nível de grande
arte. Compreensivelmente, queria proteger o Partido do Congresso
da mesma acusação – negligenciar a população rural – que tinha
sido usada com efeito devastador contra os Nacionalistas Hindus.
Assim sendo, nas reuniões entre as Cinco Partes Interessadas, Nath
270
sua santidade, o papa bob
tendia a permanecer quieto até que chegasse o momento de discutir a
questão de como os agricultores indianos seriam protegidos de cortes
bruscos nas tarifas. Insistia sempre nas ameaças que enfrentavam
os camponeses da nação, a quem se referia quase invariavelmente
(e de forma hiperbólica) como “os 650 milhões de agricultores de
subsistência”. Frequentemente, lembrava a seus colegas que, para os
agricultores indianos com alto índice de endividamento, o suicídio é
uma saída muito comum. “Para nós, é vida ou morte” era um de seus
refrões mais constantes.
Por trás da preocupação de Nath havia um cálculo puramente
racional. Caso fosse concluída, a Rodada Doha cortaria as tarifas
agrícolas de maneira progressiva – isto é, as tarifas mais altas sofreriam
corte proporcionalmente maior –, de modo a alcançar o máximo de
liberalização nos setores que tinham sido mais protegidos. Os americanos
e outros exportadores agrícolas insistiam nisso e a União Europeia
efetivamente aceitara esse argumento antes de Cancún. A fórmula exata
ainda estava indefinida, mas a pressuposição mais divulgada era de
que as tarifas superiores a, digamos, 50% poderiam ser reduzidos em
cerca de três quartos. Obviamente, isso teria um grande impacto sobre
a Índia caso fosse implementado de maneira estritamente homogênea,
sem exceções. Nova Délhi mantinha barreiras a produtos agrícolas
mais altas do que todos os outros países, com algumas exceções. Seus
impostos sobre produtos agrícolas, que normalmente variavam de 35%
a 50%, eram de duas vezes e meia a seis vezes mais altos do que em
outros grandes países em desenvolvimento como a China, o Brasil ou
a Indonésia. Suas barreiras eram especialmente elevadas nas principais
culturas de primeira necessidade, principalmente o trigo (com uma tarifa
de 50%) e o arroz (87%).
Assim sendo, países defensivos como a Índia reivindicavam que
tal fórmula permitisse um número significativo de exceções, nas quais
as tarifas seriam cortadas muito menos do que o exigido pela fórmula
progressiva. Os membros ricos da OMC, liderados pela União Europeia,
o Japão e a Suíça eram enfáticos em obter exceções para o que chamavam
de “produtos sensíveis”. Esta era uma reverência à realidade política, pois
todos os participantes da negociação percebiam que esses governos não
sobreviveriam facilmente se permitissem uma extensa liberalização para
todos os produtos agrícolas. No Japão e na Coreia, isso significava que
271
paul blustein
produtores de arroz poderiam contar com cortes tarifários relativamente
modestos. Na União Europeia, o mesmo se aplicaria a produtores de
carne bovina e de laticínios. Mesmo os Estados Unidos tinham alguns
produtos, principalmente o açúcar, que gostariam de proteger sob o rótulo
de “sensíveis”. O único senão é que, para cada produto sensível, o país
teria de permitir a importação de uma quantidade adicional a impostos
muito baixos antes que pudesse aplicar suas altas tarifas.
No que dizia respeito a Nath e seus aliados, a exceção para produtos
sensíveis não era o suficiente. Juntamente com outros países do Sul,
inclusive a Indonésia, o Paquistão e a Jamaica, os indianos estavam
insistindo em outro conjunto de exceções para o que chamavam de
“produtos especiais”, isto é, alimentos de primeira necessidade como
trigo e arroz, em sua maior parte produzidos em pequena escala por
agricultores pobres. Essa exceção seria exclusivamente para uso de
países em desenvolvimento e incluiria alguns produtos que não sofreriam
absolutamente nenhum corte tarifário. A lógica principal era que países
com grande número de agricultores vivendo em nível de subsistência,
ou próximo dele, precisam muito de proteção contra as oscilações dos
preços mundiais dos alimentos. Argumentava-se que a “garantia de
sobrevivência” desses agricultores é essencial, isto é, que deveriam ser
protegidos da miséria absoluta a que provavelmente estariam expostos
se fossem forçados a concorrer com importações baratas.
“Estou aqui por uma razão – produtos especiais”, Nath dizia sempre a
seus pares em reuniões das Cinco Partes Interessadas. A rubrica “produtos
especiais” referia-se não apenas à exclusão de um número significativo
de produtos dos cortes de tarifas, mas também à criação de uma brecha
conhecida como “mecanismo de salvaguardas especiais”. Sob esse
mecanismo, os países-membros em desenvolvimento da OMC cujos
agricultores estavam sofrendo com uma inundação de importações de
produtos especiais poderiam aumentar temporariamente as tarifas sobre
esses produtos, inclusive acima dos tetos máximos consolidados.
Essas brechas se transformariam em grandes pontos de divergência
na rodada. A obsessão de Nath por elas pode ser colocada em perspectiva
se pudermos dar uma olhada na vida desses “agricultores de subsistência”
de que ele falava com tanta frequência.
[*]
272
sua santidade, o papa bob
O turbante de Arjan Singh é quadriculado e sua barba branca
tem 20 cm de comprimento. Junto com seus filhos, um deles com
escolaridade até a 4ª série e o outro completamente analfabeto, Singh,
que tem 55 anos, produz trigo em sua pequena propriedade de 1,6
hectare no vilarejo de Gobindpura Jawaharwala no Estado indiano
do Punjab. A casa de Singh tem paredes e chão de cimento, o que a
torna melhor do que muitas das outras casas do vilarejo, mas ainda
assim é muito precária. A cozinha, onde a água é armazenada em potes de
argila, é cheia de moscas. Singh, sua mulher, um de seus filhos e outros
dois parentes dormem no mesmo cômodo, em catres empoeirados. Um
baú sujo e castigado guarda as roupas. Singh deve mais de US$ 1000 a
agiotas, que cobram de 18% a 20% de juros. Essas dívidas levaram 21
agricultores em um vilarejo de 3.000 habitantes a cometerem suicídio
desde 1993, segundo as estatísticas locais.
Singh é um bom exemplo de agricultor de subsistência, na medida em
que sua família consome uma grande parcela de sua própria produção. Em
2007, quando o conheci, ele me contou que, no ano anterior, levara cerca
de duas toneladas do seu trigo para um moinho, onde foi transformado
em farinha que sua mulher usou para fazer chapatis (tipo de pão indiano
feito na chapa) consumidos nas refeições da família.
Os agricultores de subsistência não deveriam precisar de proteção
em relação às importações, tal como observado pelos economistas do
Banco Mundial em suas críticas às políticas agrícolas na Índia e em
outros países em desenvolvimento. Por definição, os agricultores de
subsistência comem o que plantam, indiferentes aos preços. Ao manter
altos impostos sobre grãos importados, o governo indiano só poderia estar
tentando proteger os agricultores ricos. Porém, o caso de Singh mostra
as falácias desse argumento. Ele produz um excedente que é vendido,
representando cerca de metade de sua safra. Segundo economistas
indianos especializados em agricultura, isso é bastante comum entre
os pequenos agricultores de grãos do país. Portanto, esses agricultores
se preocupam, sim, de forma muito intensa, com os preços pagos por
sua safra e os políticos indianos seriam tolos em ignorar esse fato. Em
bases puramente políticas, é difícil culpar uma autoridade governamental
como Nath por tentar limitar a queda dos preços da safra. Se agissem
de outra forma ficariam também expostos a acusações de que estão
fazendo pouco caso do bem-estar dos habitantes dos vilarejos. Cerca
273
paul blustein
de 70% da população indiana de 1,1 bilhão vivem em pequenas cidades
e comparecem às urnas eleitorais em percentuais incrivelmente altos.
Será que o governo da Índia está, de modo geral, agindo corretamente
em relação a seus pobres ao mostrar solicitude para com os produtores
de alimentos de primeira necessidade? A resposta a essa pergunta algo
bem distinto do cálculo político. Um rápido exame de alguns dos fatos
da economia indiana ressalta o que muitos dos especialistas do país
estão cansados de saber: que a simpatia demonstrada pelos políticos em
relação à difícil situação dos agricultores pobres representa o cúmulo
da hipocrisia.
“Fogo amigo” é como Amartya Sen, economista indiano ganhador
do Prêmio Nobel, chama as políticas de combate à pobreza do país. Isso
porque, como no caso de um militar que atira sem querer em sua própria
tropa, o governo de Nova Délhi prejudica irresponsavelmente o próprio
povo que alega estar ajudando. Os altos preços do trigo podem ser uma
dádiva para Arjan Singh, mas não são tanto assim para os indianos pobres
que têm de gastar grande parte de suas despesas diárias com comida.
“O efeito geral dos altos preços dos alimentos é prejudicar muitos dos
membros mais desfavorecidos da sociedade”, escreve Sen, “e, apesar
de ajudarem alguns dos agricultores pobres, o efeito líquido sobre a
distribuição é bastante regressivo”. Dentre os grupos cujo padrão de
vida é mais adversamente afetado, observa ele, estão os moradores de
favelas, trabalhadores imigrantes e artesãos rurais. É certo que a Food
Corporation of India, a gigantesca empresa estatal que controla a maior
parte da comercialização das safras agrícolas no país, distribui gêneros de
primeira necessidade, principalmente trigo e arroz, a preços subsidiados
para as pessoas que vivem na linha de pobreza ou próximas dela. Porém,
em grande parte da nação, esse programa tem sofrido com a corrupção,
pois os produtos de interesse dos cidadãos bem relacionados desaparecem
misteriosamente dos armazéns, ao passo que os consumidores pobres
que chegam às lojas administradas pelo governo encontram as prateleiras
vazias ou abastecidas apenas de grãos muitas vezes impróprios para
consumo por causa de pragas e bichos. Nesse ínterim, quem ganha com
os preços mínimos subsidiados que o governo garante para os produtores
de trigo, arroz e vários outros alimentos de primeira necessidade? Estudos
mostram que grandes propriedades agrícolas – sim, a Índia também tem
propriedades desse tipo, pertencentes a pessoas relativamente ricas –
274
sua santidade, o papa bob
conseguem dez vezes mais benefícios do que os agricultores pobres e
marginais.
A conclusão inescapável à qual quase todas as autoridades respeitáveis
chegam é que, em vez de bajular tanto seus agricultores, o que a Índia
precisa fazer é transferir grande parte deles para atividades não agrícolas.
Manter uma enorme parte da população dependente do cultivo de pedaços
mínimos de terra, principalmente diante da crescente escassez de água, é
uma receita para a estagnação econômica e o descontentamento social.
O país precisa gerar rapidamente fontes de renda alternativas para uma
população que está em vias de ultrapassar a da China até meados do
século XXI.
Em certa medida, o famoso florescente setor de informática da Índia
está ajudando a criar oportunidades de emprego. Esse ramo da economia
não emprega apenas engenheiros, analistas de sistema e operadores de
centrais de atendimento, mas também cria demanda por advogados,
contadores, faxineiros, motoristas, zeladores, guardas de segurança,
copeiras e uma gama incontável de outros tipos de mão de obra. Porém,
o setor de informática tem capacidade para absorver apenas uma fração
da força de trabalho da Índia. Segundo um relatório divulgado em
2007 pela Associação Nacional de Companhias de Software e Serviços
(NASSCOM), o setor emprega cerca de 2,3 milhões de pessoas e dá
emprego indireto a cerca de 5,2 milhões de outros trabalhadores. Uma
fonte de crescimento de empregos muito mais promissora seria a indústria
leve – acessórios, móveis, produtos de metal e outros segmentos de mão
de obra intensiva, mas as leis e os regulamentos indianos sufocaram o
potencial do país nesses setores. Trata-se de mais um exemplo de “fogo
amigo”.
Contudo, permanece o argumento: as considerações políticas que
motivam a postura da Índia no comércio agrícola são muito fortes,
mesmo que a lógica econômica de longo prazo seja absurda. Não se pode
esperar que a Índia faça da noite para o dia a transição de uma economia
em que a parcela majoritária da população depende da agricultura para
uma economia na qual a maioria das pessoas obtenha sua renda do setor
manufatureiro e de serviços. Os Estados Unidos e a Europa fizeram
esse tipo de transição há muito tempo, ao longo de muitas décadas, e
ainda subsidiam pesadamente seus agricultores. Os americanos, mais
do que qualquer outro povo, deveriam entender a pressão que faz com
275
paul blustein
que um político como Nath lute pelo máximo de proteção possível ao
setor agrícola.
“Se os EUA não reduzem seu apoio aos agricultores quando apenas
2% ou 3% da população está empregada nesse setor, como é que se pode
pedir o mesmo de um país em que 60% da população está na agricultura
e quando esta é uma questão de vida ou morte?”, pergunta Ashok Gulati,
um dos principais economistas indianos especializados em agricultura.
Trata-se de um argumento justo, que vale a pena ter presente em
vista do combate em torno dos temas agrícolas que passaria a dominar
a maior parte da Rodada Doha nos anos seguintes. O primeiro passo foi
a ressurreição da rodada em 2004. Esse episódio ilustraria de maneira
definitiva o talento de Bob Zoellick na arte da negociação.
[*]
Ah, que situação vergonhosa: ser um político ambicioso ocupando
um cargo governamental de responsabilidade e viajar uma longa distância
para comparecer a uma reunião internacional e não abrir a boca nas
discussões mais importantes, com jornalistas observando toda essa
constrangedora ociosidade. Esse foi o destino de cerca de duas dúzias
de ministros de países-membros da OMC, que se reuniram em Genebra
durante a semana de 26 de julho de 2004 para uma reunião convocada
por Zoellick, a reunião que supostamente salvaria 2004 de ser um ano
perdido para a Rodada Doha. A maioria dos países estava representada
por seus embaixadores na OMC, mas alguns dos governos mais
importantes tinham enviado seus ministros de comércio na expectativa
de participar de um conclave da maior importância. A meta era que
todos os membros aprovassem um acordo-quadro (framework) para a
rodada até o prazo de meia-noite da sexta-feira, 30 de julho. O espectro
de Cancún assombrava os trabalhos, abundavam as advertências de
negociadores e de comentaristas independentes sobre os perigos de
um desfecho semelhante. “Um segundo fracasso desse tipo minaria
gravemente a confiança na Rodada Doha e até na OMC e no sistema
que ela supervisiona”, escreveu Supachai em um artigo para o jornal
International Herald Tribune.
O problema era que as Cinco Partes Interessadas estavam se
reunindo – com muita frequência – na missão dos EUA porque eles
276
sua santidade, o papa bob
tinham se arrogado a responsabilidade de “orientar” o texto sobre
agricultura. Haveria pouca oportunidade para que os demais tivessem
uma participação ativa enquanto os ministros representando os Estados
Unidos, a União Europeia, o Brasil, a Índia e a Austrália não encontrassem
um denominador comum. Segundo um pronunciamento de Shotaro
Oshima, presidente do Conselho Geral, uma primeira versão do texto seria
divulgada para a análise das delegações na quarta-feira, dia 28. Contudo,
a promessa de um texto na quarta-feira de manhã deu lugar à promessa de
um texto na quarta-feira à noite, seguida por uma nova promessa de um
texto na quinta de manhã, sucedida por ainda outro atraso para quinta à
noite, bem tarde. Consequentemente, o Centro William Rappard acabou
sendo palco de muitas reclamações e críticas sobre a possibilidade de
que tentassem impor um acordo a todos antes que tivessem a chance
de consultar suas capitais. Perguntas grosseiras surgiram: quem esses
sujeitos das Cinco Partes Interessadas pensam que são? E por que estão
demorando tanto tempo, se temos questões tão importantes para decidir?
“É catastrófico”, contou aos repórteres Luzius Wasescha, negociador-chefe da Suíça, acrescentando que as Cinco Partes Interessadas “se
consideram líderes do mundo e não são. Não são capazes nem de
negociar de maneira adequada”. O ministro do Comércio japonês, Shoichi
Nakagawa, contou aos jornalistas de seu país que era “insuportável”
que tanta coisa dependesse de um acordo entre apenas cinco países,
obviamente refletindo o ressentimento de Tóquio por ter sido barrado
do círculo mágico. A fim de apaziguar os descontentes, o prazo final de
sexta-feira à noite foi prorrogado por 24 horas.
Por mais cansativo que fosse para quem estava do lado de fora, nada
se comparava às dificuldades e ao teste de resistência que as Cinco Partes
Interessadas estavam enfrentando. Duas sessões de negociação entre os
cinco países vararam a madrugada, com as demandas de Nath em relação
aos produtos especiais provocando impasse na reunião. Adicionalmente
a essas reuniões, Zoellick ainda foi para um hotel nas redondezas para
uma sessão com ministros dos países da África Ocidental produtores de
algodão, para discutir os subsídios ao produto, que durou até 4h da manhã.
Mesmo depois que o texto foi finalmente materializado na sexta-feira, 30 de julho, o teste de resistência ainda estava longe de acabar.
Obter um “sim” em Genebra seria bem mais difícil do que muitos dos
presentes imaginavam. Mais uma noite inteira de discussões se estendeu
277
paul blustein
pela madrugada de sábado à medida que o debate foi se ampliando para
um círculo concêntrico maior de países em uma reunião de sala verde.
Os acontecimentos daquela noite foram ocultados da imprensa naquele
momento. Mas, olhando em retrospecto para aquelas horas tumultuadas,
muitos diriam mais tarde que a Rodada Doha chegou muito perto de uma
morte prematura.
[*]
Não ajudava muito que o local da reunião de sala verde
estivesse tão quente e abafado. O Centro William Rappard não
era suficientemente refrigerado. As margens do lago de Genebra
normalmente são refrescadas por uma brisa suave no verão, mas não
era isso que se via naquela sexta-feira de noite, quando uma multidão
de cerca de trinta ministros, acompanhados de assessores graduados
e funcionários do Secretariado, atulhavam a sala de conferências do
diretor-geral, desde as 17h. O esforço para proporcionar algum alívio
abrindo as janelas resultou numa invasão de insetos, de modo que
os participantes tiveram de aguentar a situação da melhor maneira
possível desabotoando seus paletós e afrouxando suas gravatas. Para
aqueles que já estavam fumegando de raiva por ter esperado tanto
tempo pelas Cinco Partes Interessadas, o desconforto aumentava
ainda mais sua irritação.
Alguns participantes, como Tim Groser, embaixador da Nova
Zelândia na OMC, foram para a reunião supondo que o debate seria
relativamente ameno e sem incidentes. Homem inteligente, embora seja
visto por alguns de seus colegas como um especialista em autopromoção,
Groser se deleitava com o papel central que lhe tinha sido atribuído:
presidente das negociações agrícolas. Como tal, era o principal autor do
documento que constituía o foco da reunião: o texto sobre agricultura.
Para produzi-lo, tinha se sentado horas a fio com as Cinco Partes
Interessadas, ouvindo com cuidado o entendimento alcançado entre os
americanos, europeus, brasileiros, indianos e australianos e consultando
as delegações de vários outros países, na esperança de que o texto
passasse apenas por poucas modificações na sala verde antes de se tornar
o elemento principal de um novo Acordo-Quadro para a Rodada Doha,
aprovado por todos os membros da OMC.
278
sua santidade, o papa bob
Porém, à medida que a noite foi avançando, ficou cada vez mais claro
que muitos dos participantes da sala verde estavam descontentes com
vários dispositivos do texto, e Supachai, que presidia a reunião, pareceu
incapaz de manter o foco da discussão. Temendo que negociações sérias
nunca começassem e que a estrutura proposta acabasse se desmanchando,
Groser foi ao gabinete do diretor-geral no intervalo por volta de 20h30 e
disse a um pequeno grupo: “Vou ter de assumir as rédeas dessa reunião,
do contrário não vamos chegar a lugar nenhum”.
Groser tinha um plano para tornar a reunião produtiva: ele aplicaria
a “teoria da cueca suada” (uma expressão que aprendera com um
negociador europeu experiente). De forma curta e grossa, essa teoria
explica que às vezes a única maneira de forçar as pessoas a convergirem
é esperar até que estejam tão pegajosas e suarentas que simplesmente
não queiram outra coisa a não ser sair correndo para o chuveiro. O calor
e a umidade na sala pareciam ajudar nesse sentido e, quando a reunião
foi retomada logo depois das 21h, Groser impôs sua autoridade como
novo presidente da reunião. Ele se lembra de dizer ao grupo: “Vocês só
têm de fazer uma coisa esta noite, que é chegar a um texto de consenso.
Se vocês começarem a fazer discursos, vou-me embora e depois vocês
terão de se virar para explicar a seus governos por que deu tudo errado.
Então, vamos repassar o texto item por item”.
Em relação a várias questões fundamentais houve pouca ou nenhuma
discussão, então por fim uma perspectiva realista começou a surgir de que
seria possível avançar além da agenda negociadora acordada em Doha. O
texto produzido pelas Cinco Partes Interessadas continha vários princípios
e conceitos importantes sobre quais tarifas e subsídios seriam cortados,
como seriam cortados e que tipo de exceções seriam permitidas. Isso
ficava muito aquém de um acordo sobre modalidades, pois não estabelecia
números concretos e percentuais específicos. Portanto, os membros da
OMC perceberam que a aceitação de um acordo nessas bases, em 2004,
atrasaria a conclusão da rodada para além do que se estimava um ano
antes. Mesmo assim, o entendimento em consideração daria uma ideia
mais clara do tipo de acordo que eventualmente se alcançaria ao final
da rodada.
Sob alguns aspectos, o texto vislumbrava uma rodada de liberalização
altamente ambiciosa. Para cortar tarifas agrícolas, uma “fórmula de
bandas” (tiered formula) seria usada, com maiores cortes sobre as tarifas
279
paul blustein
mais elevadas**(qual nível de tarifas seria definida como “alta” e em
quanto estas seriam cortadas foram questões deixadas para discussões
futuras). Um tipo semelhante de fórmula de bandas seria aplicado a
subsídios agrícolas, de forma que países com maior volume de pagamentos
governamentais a agricultores cortariam seus programas de subsídios
mais profundamente do que outros países. Subsídios a exportações,
como Lamy tinha concedido de antemão, seriam “eliminados até uma
data final a ser acordada”.
Não estava claro, porém, se o comércio agrícola mundial sofreria uma
reforma de verdade ou se seria apenas uma enganação, porque o texto também
previa várias “flexibilidades” que permitiriam aos países manter intactas
algumas de suas políticas mais importantes. Todos os países-membros
poderiam selecionar “um número apropriado, a ser designado”, de produtos
agrícolas que seriam tratados como “sensíveis” e, assim, ficariam sujeitos a
cortes menos drásticos de tarifas. Além disso, os países em desenvolvimento
obteriam as exceções que os indianos tanto reivindicavam, sobretudo o
direito de designar “um número apropriado de produtos como Produtos
Especiais”, que também ficariam protegidos da liberalização. Embora o
tamanho dessas flexibilidades não fosse especificado, sua inclusão no texto
apontava claramente no sentido contrário das metas dos EUA. Zoellick fora
forçado a aceitá-las em parte porque ele próprio havia lutado com unhas e
dentes para extrair uma concessão dos demais países que limitaria o valor
do corte dos subsídios agrícolas dos EUA – especificamente o programa de
pagamentos contracíclicos de Washington***.
Seria permitido que os países em desenvolvimento cortassem suas tarifas a um percentual
menor do que os ricos, mas também usariam uma fórmula escalonada, de forma que suas tarifas
mais altas seriam cortadas mais do que suas tarifas mais baixas. Os países em desenvolvimento
mais pobres não teriam de cortar tarifa alguma, de acordo com a proposta de Lamy de que
deveriam ter uma “rodada grátis”.
***
Tal como havia sido seu objetivo antes de Cancún, o representante de Comércio dos Estados
Unidos desejava garantir que o programa de pagamentos contracíclicos não fosse contabilizado
na caixa amarela, onde os cortes de subsídios seriam os mais profundos por causa de seus
efeitos particularmente distorcivos sobre os preços. Sua alegação baseava-se no argumento de
que o programa, que indeniza agricultores quando os preços mundiais caem abaixo de níveis
determinados, não vincula pagamentos à produção e deve, portanto, ser contabilizado na caixa
azul, a categoria referente a subsídios menos prejudiciais. Os críticos da posição dos EUA viam
isso como uma cortina de fumaça visando manter relativamente ilesos os gastos de Washington
com subsídios distorcivos.
**
280
sua santidade, o papa bob
O texto incluía também um entendimento sobre algodão, porque,
dessa vez, os negociadores dos EUA pareciam ter aprendido como evitar
propostas que insultariam seus congêneres da África Ocidental. Em vez
de incitar os africanos a diversificarem suas economias, como tinham
feito em Cancún, os americanos tinham tentado uma abordagem mais
persuasiva numa longa sessão negociadora ocorrida em um hotel de
Genebra na noite anterior à reunião de sala verde.
Com base no compromisso resultante dessa reunião, o texto prometia
que o tema do algodão seria “tratado de forma ambiciosa, rápida e
específica, dentro das negociações agrícolas”. Em outras palavras, isso
significava que, uma vez que se fechasse um acordo geral em Doha, os
subsídios ao algodão seriam cortados mais profunda e rapidamente do
que outros subsídios. Além disso, haveria negociações específicas sobre
algodão dentro das negociações agrícolas, de modo a garantir que o tema
recebesse tratamento adequado à medida que a rodada fosse avançando. Os
africanos tinham aceitado essa solução muito a contragosto, pois julgavam
que seus termos não obrigavam Washington a fazer muita coisa. Entendiam,
contudo, que era politicamente impossível forçar o Congresso dos EUA a
aprovar um corte nos subsídios ao algodão na ausência de um acordo mais
amplo que trouxesse ganhos substanciais para os agricultores americanos.
E levaram a sério as advertências dos negociadores americanos sobre as
consequências catastróficas de um eventual fracasso das negociações.
“Não queríamos ser os culpados pelo colapso do sistema multilateral”,
disse Sam Amehou, embaixador do Benin na OMC, um dos principais
negociadores africanos. “Se não houvesse um lugar como a OMC, como vocês
acham que um país como o meu poderia negociar com os Estados Unidos?”.
Em suma, uma porção de questões importantes já havia sido
resolvida quando as negociações pesadas começaram na sala verde sob a
presidência de Groser em 30 de julho. Porém, a noite mal havia começado
e as perspectivas de consenso ainda pareciam frágeis quando a reunião
foi sacudida por uma erupção de palavras chulas: “Vou-me embora, Bob
Zoellick! Você está esculhambando os mercados para todos nós!”.
[*]
O ministro do Comércio canadense Jim Peterson é um jovial
político de carreira de Ontário. Não é o tipo de pessoa que normalmente
281
paul blustein
interromperia uma reunião internacional com uma tirada desse tipo.
Porém, por volta de 21h de 30 de julho – por acaso seu aniversário de
63 anos –, Peterson desfiou um cordão de xingamentos contra Zoellick
enquanto levantava-se de sua cadeira, vestindo o paletó, e se encaminhava
para a porta, numa aparente ameaça de acabar com a reunião de sala
verde e, portanto, com qualquer chance de um acordo naquele momento.
Em jogo nesse conflito, estava uma tradição antiga nas negociações
multilaterais de comércio: ministros que derramam sangue insistem que
outros, em circunstâncias semelhantes, derramem a mesma quantidade
de sangue. O motivo dessa tradição é uma variação do velho adágio que
diz que a desgraça adora companhia. Um ministro que faz uma concessão
potencialmente prejudicial a um dos grupos de interesse de seu país pode
apaziguar esse grupo mostrando que setores correspondentes de outros
países também serão prejudicados.
Nesse caso, o derramamento de sangue tinha começado quando Lamy se
dispôs a eliminar subsídios à exportação de produtos agrícolas como parte de
um acordo em Doha. Para tornar essa concessão mais palatável aos agricultores
europeus, Lamy insistira na condição de que os Estados Unidos mudassem
um programa muito menor, mas análogo, que concede crédito subsidiado
a exportações agrícolas. Embora aceitasse a condição de Lamy, Zoellick
pedia, por sua vez, concessões equiparáveis de outros países com programas
semelhantes de subsídios à exportação de modo a evitar que os agricultores
americanos reclamassem de tratamento injusto. Um desses programas era o
Conselho Canadense do Trigo (Canadian Wheat Board), uma empresa estatal
de comercialização de trigo e cevada do Canadá Ocidental, que há muito tempo
era motivo de atritos entre Washington e Ottawa.
Não havia hipótese de que ele concordasse com esse pedido, disse
Peterson, acrescentando que desmantelar o Conselho do Trigo “seria
suicídio político no Canadá”. Ele criticou Zoellick pelos altos subsídios
agrícolas de Washington dizendo que, por causa deles, o Canadá se via
forçado a tomar essas medidas para proteger seus produtores. Argumentou
que instituições como o Conselho do Trigo não praticavam subsídios à
exportação. A saída de Peterson da sala em meio a um rompante veio em
resposta a uma observação cáustica feita por Zoellick sobre o assunto.
Ao ver Peterson levantar-se da cadeira e vestir o paletó, Zoellick disse,
segundo anotações tomadas na reunião: “Bem, se essa é a sua posição, vou
retirar tudo o que pus sobre a mesa e Pascal também”. Estava ameaçando
282
sua santidade, o papa bob
retirar as concessões feitas pelos EUA e pela União Europeia, o que faria
as negociações voltarem à estaca zero. Somente após Groser implorar para
que Peterson ficasse, com a promessa de que a questão seria resolvida mais
tarde, é que o canadense retornou para a mesa de negociações.
A explosão de Peterson deu o tom para muito do que se seguiu,
pois outros participantes também insistiriam em mudanças ao texto.
Martín Redrado, da Argentina, criticou fortemente uma proposta sobre
restrição ao uso de impostos sobre exportações. Seu país dependia desse
tipo de medida para reorganizar suas finanças em meio à recuperação da
devastadora crise de 2001. A China protestou que sua empresa estatal de
comércio não deveria ficar sujeita ao mesmo tipo de disciplina aplicável
aos demais países porque o objetivo era simplesmente manter estáveis os
preços ao consumidor. E assim por diante. “Suíça e Japão aproveitando
para arrasar ainda mais com tudo”, anotou um assessor em seu bloco
por volta de meia-noite, em referência aos insistentes pedidos daqueles
países por cortes tarifários mais brandos em seus setores agrícolas.
Chegara o momento para outro teste de coragem. “Senhores, estamos
colocando em risco toda a Agenda de Desenvolvimento de Doha”, disse
Groser, e pediu outra pausa à 0h40.
O que aconteceu em seguida foi um momento memorável, descrito mais
tarde por alguns participantes como “uma visita ao papa”, com Zoellick no
papel de pontífice. Acompanhado de seu adjunto para comércio agrícola,
Allen Johnson, o representante de Comércio dos Estados Unidos ocupou
uma sala de recepção no Centro William Rappard, onde recebeu uma série de
visitas de delegações que queriam modificar o texto. Enquanto muitos outros
foram dormir em escritórios próximos ou em sofás no saguão, Zoellick – que
já vinha virando noites em negociações – passou horas a fio nessa sala de
recepção, ouvindo objeções dessas delegações e propondo novas redações
para aplacar suas preocupações. Por vezes, Lamy se juntava a essas discussões
e em certos momentos era a vez de Groser, principalmente para garantir que
os entendimentos obtidos por Zoellick e sua equipe fossem adequadamente
formulados para inserção no texto. Mas era Zoellick que efetivamente dirigia
o espetáculo, apesar de ser, é claro, ele mesmo um participante crucial nas
negociações. Quando chegaram os chineses, foram persuadidos com alterações
ao texto afirmando que as empresas estatais de comércio que “preservassem
a estabilidade dos preços ao consumidor no mercado interno receberiam uma
consideração especial para a manutenção do status de monopólio” no comércio
283
paul blustein
de alimentos. Os indianos, canadenses e outros também obtiveram linguagem
contendo concessões.
Ao raiar da manhã, o “papa” e seus assistentes já tinham redigido cerca
de doze propostas de emenda ao texto, algumas das quais eles sabiam que
seriam controversas. A questão que enfrentavam agora era se apresentariam
essas alterações à sala verde uma a uma, em lotes ou todas juntas, como
um pacote. A decisão foi rápida: as alterações teriam de vir sob a forma de
pacote, no estilo “pegar ou largar” ou a coisa toda desmoronaria novamente.
Groser se lembra de estar “atordoado, operando por puro instinto”,
quando os participantes da sala verde voltaram a se reunir às 6h na manhã
de sábado. “Tenho um texto. Receio que seja um tudo ou nada. Não
pude incorporar todas as mudanças sugeridas”, disse ele. Depois de ler
as alterações propostas, levantou-se para sair da sala, usando um truque
do malabarismo político: “Se vocês não aceitarem esse texto, terão de
assumir a responsabilidade por matar a Rodada Doha”. Com isso, deixou
a sala e rumou para casa em sua motocicleta.
Não era altamente impróprio que um representante de Comércio dos
Estados Unidos assumisse a redação de um texto que seria apresentado
aos membros nesses termos? É claro que era, mas naquela altura, naquelas
circunstâncias, principalmente diante do alívio geral de que a reunião não
tinha desmoronado, ninguém levantaria sérias objeções sobre procedimentos.
Então, o acordo-quadro foi finalizado – embora não nessa manhã. Outro dia
inteiro foi necessário, com mais discussões de sala verde sobre outras áreas
menos controversas da rodada, como tarifas sobre produtos industriais,
seguidas de uma reunião formal do Conselho Geral às 22h, na qual todos
os membros da OMC aprovaram o texto revisado. Foi só às 2h da manhã
de domingo, 1º de agosto, que Zoellick e Lamy apareceram em coletivas de
imprensa para proclamar que a missão estava cumprida.
“Depois da perda de rumo em Cancún, colocamos as negociações da
OMC novamente nos trilhos”, disse Zoellick, ao que Lamy acrescentou:
“Eu disse em Cancún que a OMC estava na UTI. Hoje posso dizer que
ela não apenas teve alta do hospital como está com a saúde perfeita”.
[*]
O contraste com Cancún não poderia ter sido mais completo.
Dessa vez, não houve ministros desfilando na frente das câmeras
284
sua santidade, o papa bob
com punhos levantados e foram poucas as declarações bombásticas
sobre a tirania dos ricos. Em vez disso, a reunião de julho de 2004
que produziu o acordo-quadro terminou com uma série de declarações
mutuamente congratulatórias. Em uma cena particularmente tocante
de proclamação da paz nos momentos finais da sala verde, Peterson
do Canadá disse a seus colegas: “Devemos um agradecimento especial
a duas pessoas: Bob Zoellick e Pascal Lamy”. A atitude positiva
de Peterson com certeza foi influenciada pela linguagem que tinha
conseguido incluir no texto ao tratar de algumas de suas preocupações
sobre o Conselho do Trigo de seu país. Mesmo assim, ele tinha razão
em destacar a atuação de Zoellick e de Lamy. A carta de Zoellick aos
ministros em janeiro daquele ano, sua viagem ao redor do mundo e
a aceitação do papel de “papa” em Genebra foram os pontos altos de
uma demonstração exitosa de como costurar um acordo internacional.
A atitude pró-ativa de Lamy ao oferecer concessões também fora
essencial para o resultado.
As explicações eram inúmeras, mas um fator provavelmente foi
mais importante do que qualquer outro para esse resultado – receio do
que teria acontecido ao sistema multilateral de comércio na hipótese
de um novo fracasso. No final, apesar de suas diferenças profundas em
relação a questões específicas, os representantes dos 147 países-membros
da OMC chegaram ao limite e viram que o abismo no qual poderiam
mergulhar era mais profundo e apavorante do que aquele em que haviam
mergulhado em Cancún. Ficaram temerosos de que a Rodada Doha, e
provavelmente a própria organização, não fosse capaz de aguentar outro
desastre ao estilo de Cancún.
Ao término da reunião na manhã do dia 1° de agosto, deparei-me,
nos degraus do Centro William Rappard, com Celine Charveriat, chefe
do setor de comércio da Oxfam, com base em Genebra. Ela estava com
um ar taciturno, desanimada porque o conselho que tinha dado aos países
africanos de rejeitarem o acordo sobre algodão havia sido ignorado. A
principal razão por que as nações africanas tinham se unido ao consenso,
reconhecia ela, era que os governos do mundo em desenvolvimento têm
fortes motivos para querer manter a OMC viva e em boa saúde. “Mesmo
que países em desenvolvimento pensem que a OMC precisa de uma
reforma radical, eles sabem que exercem mais influência na OMC do
que em acordos bilaterais”, disse-me ela.
285
paul blustein
Agora, passados dois anos e meio desde o seu início, a Rodada Doha
estava chegando a um ponto de convergência em relação às diretrizes
básicas para redução ou eliminação de tarifas, subsídios e outras
distorções. Embora um acordo sobre modalidades ainda constituísse
um enorme desafio para o futuro, a progressividade tinha se fortalecido
como um princípio abrangente.
Contudo, ainda havia motivo para preocupação com essa conquista
e não apenas porque fora costurada em meio a tanta transpiração, tantas
noites em claro e tanta usurpação na redação de textos. O acordo-quadro
criava algumas exceções potencialmente enormes nos cortes de tarifas.
As brechas para produtos sensíveis e produtos especiais na agricultura
eram o preço do “sucesso”, assim como o mecanismo de salvaguardas
especiais projetado para ajudar os países em desenvolvimento a lidarem
com ondas de importações de alimentos de primeira necessidade. Embora
o tamanho dessas brechas ainda não tivesse sido definido, elas conferiam
a todo o esforço a vaga impressão de um helicóptero de Leonardo da
Vinci, com muitas asas, propulsores e estabilizadores extras. Restava
saber se essa engenhoca que a OMC tinha concebido com tanto esforço
valeria a pena quando ela estivesse no ar e voando, se é que realmente
chegaria a alçar voo um dia.
286
Capítulo 10
Um Chicken McNugget
Os presentes que Bob Zoellick e Pascal Lamy trocaram em 18 de outubro
de 2004 eram emblemáticos quanto a seus interesses comuns – jogging,
viagens internacionais e obsessão por comércio. Para Lamy, Zoellick deu um
atlas mundial e um agasalho de corrida com o logotipo da Casa Branca.
Em troca, o comissário europeu de Comércio presenteou seu colega
americano com uma caricatura emoldurada retratando Zoellick cercado
de alguns produtos que tinham sido objeto de controvérsias entre seus
dois governos na OMC, dentre os quais bananas, carne bovina, milho
e aviões.
A dupla dinâmica do comércio se reunia pela última vez como
ministros de Comércio, pois o mandato de Lamy estava chegando ao
fim. Não tinham conseguido o que esperavam, isto é, concluir a Rodada
Doha em 2005. Mesmo assim, achavam que havia motivo para se
felicitarem, pelo menos por terem feito a rodada avançar até o estágio
do acordo-quadro. É claro que a relação deles tinha sido essencial para
isso. Com o final iminente de suas gestões como ministros de Comércio,
os vínculos entre os dois gigantes econômicos mundiais pareciam prestes
a mudar, com consequências potencialmente adversas para o sistema
multilateral de comércio. “Alguns analistas... temem uma deterioração
das relações entre a Europa e os Estados Unidos depois que o Sr. Zoellick
e o Sr. Lamy forem embora”, observou o jornal Wall Street Journal em
287
paul blustein
uma matéria sobre o encontro de outubro. Essas preocupações acabariam
se revelando bem fundamentadas.
Não que Lamy estivesse deixando a área de comércio, muito pelo
contrário. Propusera a si mesmo a meta de suceder ao ineficiente Supachai
Panitchpakdi como diretor-geral da OMC, objetivo alcançado no ano
seguinte. Mas seu cargo em Bruxelas estava sendo ocupado por um tipo
de pessoa muito diferente.
Para substituir Lamy, que ficara conhecido como o “Exocet”,
incansavelmente focado em formulação de políticas e dono de um
estilo de vida tranquilo e abstêmio, seria designado Peter Mandelson,
a quem a imprensa britânica tinha apelidado de “Príncipe das Trevas”
por sua habilidade na arte da manipulação política e cuja vida pessoal
era fonte inesgotável das colunas de fofocas de Londres. “Triângulo
amoroso causa cancelamento de contratos de publicidade” e “Baladeiro
‘exótico’ se destaca em conselho de ministros enfadonho” eram apenas
duas das manchetes publicadas sobre Mandelson. Quantos negociadores
comerciais poderiam se gabar de ter uma cobertura desse tipo?
[*]
Neto de um ilustre líder do Partido Trabalhista, Mandelson nasceu
em 1953, formou-se em Oxford e tornou-se diretor de comunicações
do Partido em 1985. Na época, o partido parecia fadado ao fracasso
eleitoral por causa do poder que os sindicatos e a chamada “Esquerda
Maluca” (Loony Left) exerciam sobre suas políticas.1 Fazendo bom uso
de seu charme insinuante, Mandelson desempenhou um papel crucial na
transformação que levou ao surgimento do “Novo Partido Trabalhista”
(New Labour), seguindo os passos do Partido Democrata dos Estados
Unidos, ao incorporar uma forma mais moderada de progressismo e
adotar posições favoráveis ao mercado e ao Estado Mínimo. Políticas
ideologicamente extremadas como o desarmamento unilateral foram
deixadas de lado e as conferências do partido se transformaram em
N. da T.: Este foi um rótulo pejorativo usado na campanha para as eleições gerais no Reino
Unido, em 1987, e depois tanto pelo Partido Conservador quanto pelos jornais britânicos que
apoiavam este partido. A denominação se referia às políticas e aos atos de algumas autoridades
governamentais municipais e políticos do Partido Trabalhista. O objetivo era atemorizar os
eleitores com visões de extremismo político, sindicalismo e radicalismo de esquerda.
1
288
um chicken mcnugget
exercícios de promoção de imagem, com líderes posando diante de faixas
ornadas com slogans do tipo “Olhando para o Futuro”. Essa abordagem
não fez muito sucesso com a velha guarda do Partido Trabalhista,
cujos membros insultaram Mandelson por seu uso de grupos focais e
sua insistência em que os membros do partido repetissem fielmente as
mensagens publicitárias do partido. Seu fanatismo na defesa dos destinos
do partido rendeu-lhe a fama, merecida ou não, de “marqueteiro político”
sem compromisso com a verdade. Um perfil publicado em 1989 no jornal
The Independent relatou: “Ele agrada aos jornalistas, bajula-os, faz com
que confiem nele, rejeita-os, adapta seu tom ao deles, sério ou jocoso,
amistoso ou distante. Depois, se eles não retratam o partido do jeito que
ele quer, ele os intimida, importuna e persegue”.
Após sua eleição ao Parlamento em 1992, a estrela de Mandelson
continuou a brilhar junto com a de Tony Blair, que contava com
Mandelson entre seus aliados e conselheiros mais próximos. Quando
se tornou primeiro-ministro em 1997, após uma esmagadora vitória
dos trabalhistas que Mandelson ajudou a construir, Blair o pôs no
conselho de ministros. Nomeou-o para a pasta de Indústria e Comércio
em julho de 1998 e continuou a confiar cegamente em seus conselhos
sobre assuntos políticos de grandes e pequenas proporções. Nessa
época, Mandelson era um convidado disputado para recepções e festas
em casas de campo de celebridades londrinas, como a comemoração
do aniversário de cinquenta anos do príncipe Charles, para a qual foi
o único ministro convidado. Além de sua proeminência política e
sagacidade arrogante, outra grande explicação para seu charme era o
que ele uma vez denominou de sua “personalidade exótica”, que incluía
o fato de ser homossexual.
Durante grande parte de sua juventude, Mandelson viveu com um
homem bissexual, cujo filho ele ajudou a criar. Em meados da década
1990, ele estava com outro companheiro, um linguista brasileiro vinte
anos mais jovem do que ele. Nada disso veio a público. Apesar de
reconhecer diante de amigos sua preferência sexual, Mandelson se
esforçava muito para manter esse assunto longe da imprensa. Porém,
no final da década de 1990, ele tinha se tornado um alvo tão fácil de
polêmica, com detratores tanto no velho Partido Trabalhista quanto no
Partido Conservador, que a imprensa não podia evitar criticá-lo. E os
ataques dirigidos a ele pela mídia tornaram-se claramente homofóbicos
289
paul blustein
depois que escândalos o forçaram a renunciar ao cargo de ministro, não
apenas uma vez, mas duas.
Seis meses depois que Mandelson se tornou ministro da Indústria
e Comércio, foi divulgada uma notícia de que, quando era membro do
Parlamento em 1996, ganhando 73 mil libras por ano, tinha recebido um
empréstimo a juros baixos no valor de 627 mil libras de um ex-executivo
e político do Partido Trabalhista para comprar uma residência no bairro
londrino de Notting Hill. Algumas das transações comerciais do mutuante
tinham sido investigadas pelo departamento de Mandelson e, apesar de
o ministro não ter participado da investigação, seus críticos destacaram
o fato de ele não ter divulgado o empréstimo ao assumir o ministério.
De repente, a imprensa passou a receber muitos relatórios alegando
que Mandelson, que vivera modestamente até meados de 1990, tinha
sucumbido ao apego por mordomias compatíveis com seu status recémadquirido de celebridade – não apenas a residência sofisticada como
também o ingresso em um clube privativo e ternos elegantes feitos sob
medida. Rendendo-se ao inevitável, Mandelson renunciou. Menos de um
ano depois, estava de volta ao conselho de ministros de Blair, desta vez
como secretário para a Irlanda do Norte. Porém, em 2001, teve de sair
de novo, devido a alegações de que tinha facilitado a concessão de um
passaporte britânico a um executivo indiano. Ficou isentado da acusação
de ato ilícito nesse caso e permaneceu como um importante conselheiro
de Blair, que lhe ofereceu a oportunidade de redenção ajudando-o a obter
o cargo de comissário europeu de Comércio.
Logo depois que Mandelson assumiu o posto em Bruxelas, ficou
claro que, pelo menos em uma área – na de relações com Zoellick – ele
deixaria muito a desejar em comparação com Lamy. Em uma acalorada
conversa telefônica transatlântica de março de 2005 sobre a controvérsia
relativa a subsídios para a Boeing e a Airbus, os dois homens bateram o
telefone na cara um do outro. Zoellick acusou Mandelson de distorcer os
fatos para a imprensa e de conduzir negociações através da mídia. “Não
era assim que eu negociava com o comissário Lamy”, disse à imprensa
em um acesso de raiva, a que Mandelson respondeu de forma mordaz:
“Bob disse que ele e Lamy conviviam maravilhosamente. Vou me esforçar
ao máximo para me adequar a esse padrão tão elevado”.
Independentemente de quem tenha tido culpa nesse incidente,
Mandelson não precisaria lidar com Zoellick por muito mais tempo, pois
290
um chicken mcnugget
o norte-americano estava de partida para o Departamento de Estado onde
ocuparia o cargo de secretário adjunto no segundo mandato de Bush. E
Zoellick, tal como Lamy, também seria substituído por um indivíduo
muito diferente dele.
Em um momento em que o Congresso dos EUA enfrentava uma
situação de conflito entre os dois principais partidos, Rob Portman, um
deputado republicano de Ohio, era um espécime raro – um parlamentar
que suscitava afeição desmedida de colegas tanto republicanos quanto
democratas. Magro, com cabelos grisalhos e olhos verdes, Portman
era gentil e educado com quem quer que cruzasse o seu caminho, sem
nenhum laivo de pretensão. Sua sociabilidade ficou evidente por ocasião
da coletiva de imprensa em 17 de março em que Bush anunciou sua
intenção de nomear este cidadão de Ohio de 49 anos de idade. Portman
contou como seus três filhos reagiram à notícia: “Sally, que está na 4ª
série, teve de admitir que nunca tinha ouvido falar em representante de
Comércio dos Estados Unidos”, disse ele aos jornalistas, que caíram na
gargalhada. “Apesar disso, Sr. Presidente, ela me disse: ‘Pai, parece um
trabalho bem maneiro’”.
Portman cresceu em um bairro abastado nos arredores de Cincinnati.
Recém-saído de Dartmouth College em 1979, trabalhou como assessor
de George H. W. Bush, que logo depois se tornaria vice-presidente. Este
foi o primeiro dos muitos cargos que fariam de Portman um amigo íntimo
da família Bush. Formou-se em direito pela Universidade de Michigan
e trabalhou muitos anos como advogado especializado em comércio
em Washington. Aderiu à campanha presidencial do velho Bush em
1988, o que lhe rendeu um cargo de consultor jurídico na Casa Branca
e, em seguida, a função de lobista-chefe do presidente. Quando sua mãe
foi diagnosticada com câncer, voltou a Cincinnati para se preparar à
campanha ao Congresso, tendo sido eleito em 1993 para o primeiro de
seis mandatos. Suas relações com o jovem Bush floresceram quando, da
mesma maneira que Zoellick, Portman o auxiliou a preparar-se para o
debate na eleição de 2000, fazendo o papel do vice-presidente Gore nos
ensaios. Também atuou como porta-voz da campanha de Bush durante
o conflito sobre a recontagem dos votos na Flórida. Como legislador,
fez fama de locomotiva parlamentar que se comprazia em conseguir
aprovação de projetos de lei por meio de seu copatrocínio com democratas
moderados. Entre suas realizações estão a lei sobre reforma de pensões
291
paul blustein
e a reorganização do Serviço de Receita Federal (Internal Revenue
Service). Resumindo sua capacidade de desarmar adversários com um
ar de boa-vontade e sinceridade, um perfil publicado no New York Times
em 2003 relatava:
Em entrevistas no Capitólio esta semana, não foi possível encontrar
ninguém que falasse algo de desfavorável sobre o Sr. Portman. O
mais próximo foi um democrata do Ways and Means Committee2 que
insistiu em não ser identificado e depois disse, quase sussurrando,
que o comportamento educado do Sr. Portman escondia uma filosofia
extremamente conservadora. Mas, mesmo esse democrata, disse que
admirava a capacidade do Sr. Portman de dominar tópicos difíceis e
manter relações amistosas com representantes de todos os partidos.
Muitas das pessoas que trabalhavam no escritório do Representante
de Comércio dos Estados Unidos reagiram com alívio à nomeação
de Portman. Eles não teriam mais que ficar tremendo nas reuniões
matinais com medo de serem trucidados. O novo chefe simplesmente
não expressava descontentamento com tanta rispidez. Os negociadores de
outros países também perceberam uma mudança nítida no clima reinante.
“Portman fazia parecer que se importava com você. Era essa a principal
diferença entre ele e Zoellick”, disse um negociador latino-americano
que tratava, com frequência, com os dois homens. “Zoellick sempre agia
como se precisasse de algo e, mesmo quando era flexível, as pessoas de
certa forma sentiam que, ainda assim, estavam sendo passadas para trás.
Portman podia fazer o mesmo gesto, o mesmo tipo de acordo e parecia
uma atitude sincera”.
Porém, por mais agradável que seja relatar a história do Sr. Bom
Moço que produz resultados milagrosos para o sistema global de
comércio, a era Portman não se encaixaria nessa descrição. Na época
em que ele assumiu o cargo e nos anos imediatamente subsequentes,
N. da T.: O Ways and Means Committee é a principal comissão fiscal da Câmara dos Deputados
dos Estados Unidos. Os membros dessa comissão não podem atuar em outras Comissões da
Câmara, apesar de poderem solicitar uma dispensa da liderança congressista de seu partido.
A Comissão tem jurisdição sobre todos os impostos, tarifas e outras medidas de levantamento
de fundos, bem como de vários outros programas, dentre eles Seguro Social, benefícios de
desemprego, assistência temporária a famílias carentes, programas de adoção, etc.
2
292
um chicken mcnugget
os benefícios e os custos da liberalização comercial passaram por uma
grande reavaliação, principalmente no mundo em desenvolvimento.
Além disso, os Estados Unidos e a União Europeia continuaram
avessos a confrontar de forma muito agressiva seus poderosos lobbies
agrícolas. Por essas razões, a história narrada neste capítulo, e nos três
seguintes, é a da Rodada Doha rumo a uma longa e doentia espiral
descendente.
[*]
Quando se tornou representante de Comércio dos Estados Unidos,
Portman sabia que ouviria pedidos para que os Estados Unidos
enxugassem seus subsídios agrícolas. Mas não poderia imaginar que
algumas das cobranças mais radicais nesse sentido viriam de seus colegas
da Casa Branca no governo Bush.
No final do verão de 2005, um debate grassava dentro do governo
sobre o que fazer em relação à Rodada Doha. Aproximava-se um grande
evento com potencial de desencadear novos desdobramentos – a reunião
ministerial da OMC, programada para dezembro, em Hong Kong. Um
dos maiores entrepostos do mundo, Hong Kong era vista como o cenário
perfeito para uma reviravolta na rodada. Em termos ideais, a reunião lá
produziria finalmente um acordo sobre modalidades, a meta que vinha
frustrando a OMC desde 2003. Embora o acordo-quadro tivesse sido
aprovado em 2004, números concretos ainda eram necessários para dar
significado real aos princípios genéricos relativos à maneira como as
tarifas e os subsídios seriam cortados, bem como as exceções que seriam
permitidas.
Contudo, as expectativas de um resultado desse tipo em Hong
Kong não pareciam favoráveis, porque a rodada estava empacada, em
compasso de espera, durante a primeira metade de 2005. O avanço das
negociações se deteve diante de uma batalha de complexidade espantosa
sobre como converter diferentes tipos de tarifas agrícolas (algumas
usando percentagens de preços de importação, outras usando valores
fixos por tonelada) para um parâmetro comum. Se a OMC mais uma vez
fracassasse em chegar a um acordo sobre modalidades em Hong Kong,
o órgão de comércio perderia uma das últimas melhores oportunidades
de concluir a rodada em um prazo razoável.
293
paul blustein
Até aí, o governo Bush concordava: os Estados Unidos teriam
de injetar novo estímulo às negociações em Doha – o equivalente a
um choque de um desfibrilador em um paciente sem pulsação. Os
formuladores da administração Bush sabiam que pouco se podia esperar
dos outros membros da OMC. A pergunta sem resposta era como fazer
isso.
Pressionando por uma abordagem abrangente estava o Conselho
Econômico Nacional da Casa Branca, que coordenava políticas entre
agências econômicas e era dirigido por Allan Hubbard, um amigo
íntimo do presidente. Hubbard e sua equipe queriam que o Escritório do
Representante de Comércio dos Estados Unidos oferecesse a completa
eliminação dos subsídios agrícolas. Seu argumento ganhara força com
uma promessa manifestada pessoalmente por Bush, em um discurso
nas Nações Unidas, no qual afirmou que Washington estava disposto “a
eliminar todos os subsídios e tarifas e outras barreiras para o livre fluxo
de bens e serviços, desde que as outras nações façam o mesmo”. Por que,
perguntava Hubbard, os negociadores comerciais dos EUA não deveriam
expressar uma posição compatível com a retórica do presidente?
Embora fosse um sujeito ponderado, Portman reagiu a essa ideia de
forma negativa e peremptória. “Tive algumas conversas relativamente
acaloradas nos altos escalões e disse que, se quisessem propor isso,
teriam de achar outro representante de Comércio dos Estados Unidos
para fazê-lo”, recorda-se ele.
Com base em sua experiência no Congresso, Portman estava
convencido de que uma proposta de zerar subsídios jamais seria aprovada
nas comissões de agricultura. Uma coisa era inserir essas ideias elevadas
nos discursos presidenciais, outra bem diferente era usá-las como base
para propostas concretas nas negociações da OMC, em que outros países
as ridicularizariam por seu caráter irrealista. A abordagem preferida
de Portman foi a de manter intensas consultas com os membros mais
poderosos das comissões de agricultura, bem como com entidades rurais
do setor privado, com vistas a desenvolver uma proposta que pudesse,
ao mesmo tempo, produzir forte impacto nas negociações de Doha e
assegurar o necessário apoio político no Capitólio para aprovar o acordo
da OMC. Auxiliando-o nesses esforços estava o novo secretário de
Agricultura, Mike Johanns, ex-governador de Nebraska, que fez discursos
advertindo os grupos agrícolas de que as políticas norte-americanas
294
um chicken mcnugget
teriam de passar por grandes mudanças. O sucesso do Brasil em fazer
com que o programa do algodão de Washington fosse declarado ilegal
significava que “o status quo é um risco muito alto para agricultores
americanos”, disse Johanns à Comissão de Agricultura do Senado.
Em vez de esperar que outros subsídios norte-americanos, como o do
arroz, fossem questionados nos tribunais da OMC, seria muito melhor
negociar limites a esses subsídios como parte da rodada, obtendo, em
troca, concessões substanciais, afirmou ele.
O governo finalmente estava pronto para qualquer eventualidade
no início de outubro de 2005. Um ataque relâmpago e cuidadosamente
coordenado de relações públicas anunciou o lançamento de um novo
plano para os EUA. Portman, que ganhara o direito de cuidar dos detalhes
da maneira que achasse mais adequado, viajou a Zurique para fazer uma
apresentação aos colegas ministros do Comércio em 10 de outubro. Além
disso, uma matéria assinada, intitulada “A proposta americana para iniciar
as negociações de comércio de Doha”, foi publicada no Financial Times
nesse mesmo dia. “Nossa iniciativa ambiciosa demonstra seriedade de
propósitos”, declarou ele em uma coletiva de imprensa. “Os Estados
Unidos estão comprometidos a superar o impasse das negociações
agrícolas multilaterais, liberando todo o potencial da Rodada Doha”.
De acordo com o plano, Washington estabeleceria um teto de
US$ 22,6 bilhões para seus gastos gerais com subsídios agrícolas que
distorcem os preços das safras, inclusive uma redução nos tipos mais
questionáveis de subsídios agrícolas – os da caixa amarela, de maior
impacto sobre os preços. O teto de US$ 19,1 bilhões em gastos da caixa
amarela dos EUA seria reduzido em 60%, limitando os desembolsos com
esses subsídios a US$ 7,6 bilhões ao ano. Outros programas agrícolas
norte-americanos seriam igualmente cortados. Todas essas propostas, é
claro, continham várias ressalvas.
Em troca das concessões de Washington, outros países teriam de
tomar suas próprias providências para a liberalização. A União Europeia
e o Japão teriam de cortar seus subsídios em percentuais ainda maiores,
dados os pontos de partida mais altos. O mais importante é que quase
todos os membros da OMC teriam de aceitar sérias reduções em suas
tarifas sobre produtos agrícolas, inclusive um corte espantoso de 90%
nos impostos mais altos aplicados pelos países ricos, prevendo-se cotas
muito limitadas para exceções. Além disso, os países em desenvolvimento
295
paul blustein
teriam de baixar ainda mais suas barreiras contra produtos industriais e
prestadores de serviços estrangeiros.
O pacote estava baseado em um cálculo político realista, na melhor
tradição do mercantilismo da OMC e do GATT. A limitação aos
subsídios agrícolas poderia ser uma política desejável para os Estados
Unidos como um todo, mas era um “sacrifício” que políticos americanos
só aceitariam se a maioria dos lobbies agrícolas tivesse a garantia de
que suas oportunidades de exportação aumentariam. Um produtor de
trigo do Kansas, que normalmente se rebelaria ao ver diminuir as cifras
de seus cheques governamentais, provavelmente aceitaria isso sob a
condição de que sua produção ganhasse melhor acesso a consumidores
europeus ou aos mercados emergentes da Índia e da China. Para
reforçar o argumento em favor de tarifas mais baixas no exterior,
Portman usava também um artifício moral: a pesquisa econômica,
observava ele, mostrava que os países em desenvolvimento ganhariam
mais com barreiras agrícolas reduzidas do que com qualquer outra
ação contemplada na rodada. “Se melhorarmos o acesso a mercados
para agricultura, colheremos maiores benefícios”, escreveu ele em um
editorial no Financial Times.
Nem todos engoliram a alegação dos EUA de que sua proposta era
bem abrangente. A Oxfam liderava os ataques ao plano, chamando-o
de “cortina de fumaça”. Para entender as razões para esse cinismo, é
importante lembrar a diferença crucial entre tarifas “consolidadas” e
“aplicadas”. Tarifas consolidadas são o teto máximo permitido com base
em compromissos que os países celebram em acordos da OMC. Um país
com uma tarifa consolidada de 30% sobre carne bovina, por exemplo, é
legalmente obrigado a manter seus impostos sobre carne bovina nesse
nível ou abaixo dele. As tarifas aplicadas se referem ao nível que os países
realmente aplicam aos produtos importados. Essas tarifas podem ser – e
com frequência são – muito mais baixas do que os níveis consolidados na
OMC. Da mesma forma, com relação a subsídios, os países legalmente
se obrigam a respeitar certos tetos, apesar de seus níveis de gastos reais
serem substancialmente inferiores. As negociações da OMC referem-se
a níveis consolidados, não a níveis aplicados. Um “corte” em tarifas ou
subsídios, em outras palavras, pode não ser exatamente um corte, pelo
menos não conforme mensurado pelos impostos cobrados ou dólares
gastos.
296
um chicken mcnugget
Essa era a base para a principal queixa da Oxfam sobre a proposta
dos EUA. O propalado “corte” em pagamentos da caixa amarela seria a
partir do teto legal de US$ 19,1 bilhões e Washington já estava gastando
consideravelmente menos do que seu valor permissível. Além disso,
outros tipos de gastos eram simplesmente deslocados de uma caixa para
outra. Em consequência, “os Estados Unidos terão de fazer apenas cortes
insignificantes nos subsídios que pagam a seus agricultores”, afirmou
Celine Charveriat, especialista-chefe em comércio do grupo, em um
argumento repetido por alguns membros da OMC.
Negociadores americanos insistiam que os críticos não entendiam
o alcance do impacto do plano sobre os programas agrícolas dos EUA.
O programa de pagamentos contracíclicos, por exemplo, ficaria sujeito
a cortes reais porque Washington estava propondo estabelecer um teto
muito menor para esses tipos de subsídios – US$ 5 bilhões – do que os
US$ 10 bilhões previamente acordados. Esses argumentos eram, pelo
menos, bem persuasivos para os formuladores de políticas de outros
países, que, depois de analisarem a proposta dos EUA, fizeram-lhe um
elogio comedido. “A proposta dos EUA é um bom começo”, disse Mark
Vaile da Austrália.
Quaisquer que fossem os méritos ou deméritos da proposta dos EUA,
sua apresentação mudou a dinâmica da Rodada Doha. Como era mais
ousada e específica do que tudo que jamais fora submetido por qualquer
outro país de peso, ela pôs o ônus sobre outros membros da OMC –
principalmente a União Europeia – de reagir com ofertas próprias.
Nesse contexto, a proposta lançou luz sobre uma questão crucial:
qual seria o grau de ambição da rodada? Um epíteto – “Doha Light” –
estava começando a circular para descrever uma negociação hipotética
envolvendo contribuições mínimas de todos os países, com poucos cortes
significativos nas barreiras comerciais. A rodada merecia esse apelido?
Os entusiastas do livre comércio logo se desapontariam com as respostas.
[*]
O telefonema para ele era uma questão de urgência, disseram a Peter
Mandelson durante uma visita a Genebra poucos dias depois da divulgação
da proposta agrícola dos EUA em 10 de outubro. Do outro lado da linha
estava o gabinete de Dominique de Villepin, primeiro-ministro da França,
297
paul blustein
que queria discutir por que, sob seu ponto de vista, o comissário europeu
de Comércio não deveria oferecer grandes concessões em resposta ao
plano dos EUA.
Mandelson disse que teria prazer em conversar e prometeu tomar
providências para organizar uma reunião. No entanto, isso não bastou. Os
assistentes de Villepin disseram que ele queria conversar imediatamente.
Percebendo a inutilidade de sua atitude evasiva, Mandelson decidiu que
um toque de intrepidez seria adequado. Disse que pegaria um avião para
Paris naquele mesmo dia e se encontraria com o primeiro-ministro à noite.
Depois de sua chegada ao aeroporto, um carro enviado para buscar
Mandelson o deixou no portão dos fundos do Matignon, a mansão que
serve como residência dos primeiros-ministros franceses, uma obra de arte
arquitetônica do século XVIII com arcos e pátios, ornada por tapeçarias
e quadros. Foi encaminhado sem demora ao gabinete de Villepin, onde o
primeiro-ministro, um protegido do presidente Jacques Chirac com porte
aristocrático, informou-lhe que, devido a um compromisso mais tarde
naquela noite, eles só poderiam se reunir por 45 minutos. De qualquer
maneira, disse o primeiro-ministro, a França não apoiaria, sob nenhuma
circunstância, que uma nova oferta agrícola fosse feita pela União
Europeia nesse estágio, dada a fraqueza da proposta dos EUA e a falta
de ofertas de outros membros da OMC. Mandelson contra-argumentou,
explicando por que se sentia compelido a mostrar alguma flexibilidade.
Após 45 minutos, Villepin se levantou para sinalizar que a reunião tinha
chegado ao fim. Disse que, se Mandelson fizesse uma proposta, ela seria
repudiada pelo governo francês. Com isso, Villepin se retirou da sala.
Esse desdobramento não foi bem-vindo, porque Mandelson já estava
sob forte pressão para equiparar, ou pelo menos chegar perto de equiparar,
as concessões postas na mesa pelos Estados Unidos em 10 de outubro.
Em reuniões sucessivas das Cinco Partes Interessadas em meados de
outubro, os colegas de Mandelson vindos dos Estados Unidos, Brasil,
Índia e Austrália o instigaram nesse sentido e, quando ele se esquivou
de seus pedidos, eles o repreenderam publicamente, afirmando que, se
a União Europeia deixasse de oferecer um acesso significativamente
maior aos mercados agrícolas europeus, a reunião de Hong Kong seria
uma nova Cancún.
Quase todos os dedos apontavam para Bruxelas. “A União Europeia
é que está colocando a rodada em perigo”, disse Vaile da Austrália em
298
um chicken mcnugget
uma coletiva de imprensa depois que dois dias de reuniões em Genebra
entre as Cinco Partes Interessadas terminaram, em 20 de outubro, sem
sinal de progresso. Portman falou aos repórteres em uma teleconferência
naquele dia: “A incapacidade de a União Europeia prosseguir com uma
proposta real de acesso aos mercados colocou em risco benefícios de
Doha... Não estou tentando ser melodramático, mas estamos muito
próximos de uma data crucial”, para evitarmos um colapso em Hong
Kong. Até mesmo Charveriat da Oxfam, que não ficara nem um pouco
impressionada com a proposta dos EUA, concordou: “As manobras de
retaguarda dos franceses e outros países-membros da União Europeia
estão minando até mesmo os pífios avanços já alcançados”.
A principal razão para esses ataques foi a insistência de Mandelson
em se aferrar à posição da União Europeia em relação à quantidade de
“produtos sensíveis” que deveriam ficar isentos de cortes abruptos de
tarifas. Bruxelas foi inflexível ao dizer que 8% de suas linhas tarifárias
poderiam ser classificadas como sensíveis – uma situação que, como
dizia Portman, criaria “um buraco grande o suficiente para que um
caminhão passasse por ele”. Isso significava que, para mais de 160
produtos, as tarifas sofreriam cortes apenas modestos. Isso obviamente
incluiria carne bovina e de aves, laticínios, e vários outros produtos,
precisamente os mesmos que os parceiros comerciais da União Europeia
estavam mais ávidos por vender no mercado europeu. Em contraste,
de acordo com a proposta dos EUA, apenas 1% das linhas tarifárias
poderiam ser designadas como sensíveis e o grupo do G-20, de países
em desenvolvimento, apresentara uma proposta na qual a quantidade
desses produtos permitida para países ricos era apenas ligeiramente maior.
Com a União Europeia sob tamanha pressão, Mandelson não tinha
escolha a não ser oferecer algo em resposta à proposta dos EUA. Sozinha,
a França não conseguiria impedi-lo de negociar como quisesse, pois seria
necessária uma maioria qualificada de dois terços dos países-membros da
União Europeia para vencê-lo. Embora os franceses estivessem lutando
com garra, não conseguiriam trazer para o seu lado um número tão grande
de governos europeus. Mas Mandelson se via constrangido por outro
fator de grande importância – o mandato negociador que fora aprovado
pelos países-membros da UE. De acordo com esse mandato, a reforma
de 2003 da Política Agrícola Comum representava o limite máximo do
que Bruxelas poderia aceitar. A teoria era de que uma promessa solene
299
paul blustein
tinha sido feita aos agricultores europeus de que não haveria mudanças
na natureza fundamental dos subsídios governamentais por um período
de dez anos. Na avaliação do governo francês, a posição negociadora
de Mandelson já desrespeitava o mandato em relação à carne bovina,
carne de aves, tomates, açúcar e manteiga. Assim, a elaboração de uma
proposta ainda mais ambiciosa certamente ultrapassaria os limites. À
medida que Mandelson e sua equipe continuaram a trabalhar na nova
proposta, o presidente Chirac aumentou a pressão assumindo uma postura
extraordinariamente dura. Ameaçou em público que Paris poderia usar
seu veto em relação a qualquer acordo negociado na Rodada Doha. “A
França se reserva o direito de não aprovar” qualquer acordo de que não
goste, censurou Chirac em 27 de outubro e essa ameaça era pelo menos
legalmente factível, porque, apesar de Paris ter concedido a Bruxelas
autoridade para negociar, ainda era um membro de pleno direito da OMC,
onde era preciso se chegar a um consenso.
Ao meio-dia em ponto do dia 28 outubro, houve um verdadeiro fogo
cruzado. Monitores de vídeo piscavam nos escritórios dos ministros do
Comércio em Washington, Bruxelas, Brasília, Nova Délhi e Canberra.
As Cinco Partes Interessadas estavam realizando uma videoconferência
na qual a União Europeia apresentaria sua contraproposta. Cada
ministro – Portman, Mandelson, Celso Amorim, Kamal Nath e Vaile –
via um monitor dividido em quatro, com um de seus colegas ocupando
cada quarto da tela.
“Séria e digna de crédito” foram as palavras que Mandelson usou
para introduzir sua proposta aos outros ministros. “Ela vai ao limite
de nossa margem de manobra. Não podemos obter um novo mandato
negociador”, disse ele, acrescentando que era uma oferta para “pegar ou
largar”, ou seja, não haveria uma segunda chance.
Ao explicar os detalhes, notou que os cortes de tarifas para produtos
agrícolas previstos na proposta iriam “significativamente além” dos
cortes da Rodada Uruguai – uma média de 46% para países ricos, em
comparação com os 36% da Rodada Uruguai. Como na proposta dos
EUA, tudo era condicional, os demais membros da OMC teriam de abrir
seus setores industriais e de serviços de forma significativa.
A reação dos outros foi desdenhosa, principalmente porque
Mandelson tinha se agarrado ao pedido da União Europeia de manter 8%
das linhas de tarifas designadas como sensíveis. “Para muitos produtos
300
um chicken mcnugget
brasileiros, a proposta da União Europeia não constituiria acesso real
ao mercado”, afirmou Amorim na videoconferência. Também fez fortes
objeções ao tom de ultimato com que Mandelson fizera sua oferta,
dizendo que “não podia ser apresentada na base do pegar ou largar”.
Vaile se pronunciou “desapontado” e questionou parte da aritmética
da União Europeia, declarando que um cálculo alternativo feito pelos
especialistas em comércio do governo australiano mostrava que a
redução média de tarifas ficaria vários pontos percentuais abaixo do
que Bruxelas estava alegando. Portman pintou o quadro ainda mais
negro dizendo: “Isso não é alcançar o padrão de ‘melhoria substancial
no acesso ao mercado’”. Declarou-se “desestimulado”, dizendo:
“Não posso ir ao Congresso [para aprovação do acordo de Doha] sem
verdadeiros cortes [nas tarifas] para os mercados da União Europeia e
dos países em desenvolvimento”.
Para entender melhor esse negativismo, consideremos a crítica à
proposta da União Europeia que acabou conhecida como o argumento
intitulado “Um Chicken McNugget”. Carne de aves era um dos
produtos que os americanos desejavam exportar em maior quantidade
para a Europa. A tarifa da União Europeia sobre coxas de frango
era de 53% e se, como parecia provável, Bruxelas escolhesse este
como um de seus produtos sensíveis, o imposto sofreria um corte
de apenas 15%, o que reduziria a tarifa para 45% – um nível ainda
proibitivamente alto. De acordo com a proposta de Mandelson, a
União Europeia compensaria esse corte menor na tarifa, permitindo
que outras 10.000 toneladas métricas de frango entrassem em seu
mercado a baixos impostos aduaneiros, mas isso seria equivalente a
apenas 0,02 quilograma per capita, o que, como os especialistas em
comércio do governo dos EUA observaram, era “menos do que um
nugget de frango por pessoa ao ano”.
Diante desse tipo de argumento, Mandelson ficou impassível.
Na videoconferência do dia 28 de outubro, ele contra-atacou seus
adversários, principalmente os americanos, observando: “Já fizemos
reformas [na política agrícola, como a reforma da PAC de 2003]. Vocês
não”. Advertiu ao grupo que eles precisavam “cair na real” e manifestou
a expectativa de que a devida análise da proposta da União Europeia
poderia fazê-los mudar de opinião. “Todos precisam de mais tempo para
refletir e digerir”, disse ele.
301
paul blustein
De fato, houve muita reflexão e digestão, levando a uma conclusão
inescapável: dadas as enormes divergências entre os líderes da OMC, um
grande ajuste de atitudes seria necessário para a reunião de Hong Kong.
[*]
Durante a maior parte da existência da OMC, o corredor do lado de
fora do gabinete do diretor-geral no Centro William Rappard era escuro
e atulhado. Fotos em tamanho grande da época do GATT adornavam
as paredes, comemorando as várias rodadas que haviam ocorrido desde
a década de 1950, com grupos de ministros do Comércio posando
solenemente para a posteridade. Tudo mudou no final de 2005, quando
as fotos foram substituídas por pinturas e esculturas modernas, exibidas
com bom gosto, sob uma iluminação clara. Em vez de ficar mergulhado
em história e tradição, o novo design proporcionou um clima mais aberto
e pujante ao local. A mudança foi devidamente notada pelos membros
do Secretariado: um novo regime começava.
O novo regime era o de Lamy. Sua eleição para o cargo de diretorgeral transcorrera sem os atritos e acusações de jogo duplo que haviam
caracterizado a confusão de 1999. Desta vez, o processo seletivo havia
sido amplamente reconhecido como justo e transparente. Uma comissão
foi encarregada de realizar o escrutínio em três turnos com todas as
delegações. Apesar de toda a mobilização dos países em desenvolvimento
para colocar novamente um representante do grupo no cargo, seus
votos tinham ficado divididos entre candidatos do Brasil, Uruguai e
Ilhas Maurício. Lamy, por sua vez, conseguiu aplacar as preocupações
de que atuaria como agente da União Europeia, ressaltando que, como
comissário europeu de Comércio, tinha com frequência se contraposto
a políticas favorecidas por seu país natal, a França. Foi empossado em
setembro de 2005 em meio a grandes esperanças de que superaria em
muito a Supachai na direção das negociações de Doha.
Porém, a alardeada competência, profundidade de conhecimento e
habilidades de liderança de Lamy representavam muito pouco diante das
arraigadas divisões entre os membros da OMC. Esta era a situação que ele
enfrentou ao presidir uma sombria reunião de ministros na Sala E do Centro
William Rappard em 9 de novembro, poucos dias depois da infrutífera
videoconferência entre os ministros das Cinco Partes Interessadas.
302
um chicken mcnugget
Lamy disse aos ministros na Sala E que seria melhor abandonar a
meta de concluir plenamente as modalidades na reunião de Hong Kong.
Por mais que ele tivesse esperanças de ver Hong Kong – a primeira
conferência ministerial que presidiria – fazer grandes avanços, “manter
esse objetivo, e não alcançá-lo, é arriscado demais para a organização”,
disse ele, uma afirmação desmentida por poucos participantes, se é que
por algum. Amorim, expressando o consenso pessimista, disse: “Não
fizemos progresso algum nas questões principais. O que está na mesa
não serve de base para um acordo”.
Essas palavras chegaram aos ouvidos da imprensa, levando à
conclusão de que as expectativas para Hong Kong estavam sendo
oficialmente diminuídas. O novo objetivo para a reunião era “consolidar”
ganhos obtidos desde o acordo-quadro de julho de 2004 e determinar o
que seria necessário para que as modalidades pudessem ser acordadas
em algum momento no futuro próximo. Representantes governamentais
e negociadores tentaram dar um enfoque positivo nas perspectivas do
processo negociador, enfatizando que permaneciam resolutos na busca de
um acordo significativo na rodada. “Não desistimos; não desistiremos”,
disse Portman aos repórteres.
De Mandelson veio um comentário notável por seu desalento:
“Meu medo é que, ao baixar as expectativas para Hong Kong,
façamos com que a ambição geral pela rodada despenque”, disse
ele. Fazer uma lamentação como essa exigiu certa ousadia, porque
ele desempenhara um papel de protagonista nos eventos que haviam
levado a essa situação. Ele culpava os brasileiros e os indianos por
se recusarem a cortar tarifas industriais, apesar de ter demonstrado
pouca disposição em baixar as barreiras agrícolas europeias como
parte de um acordo mais amplo.
O rebaixamento das expectativas para Hong Kong não era o único
problema rondando a Agenda de Desenvolvimento de Doha. Uma questão
ainda mais existencial estava vindo à tona: será que o acordo eventualmente
concluído na rodada traria algum beneficio para os pobres do mundo?
[*]
Em uma estrada esburacada em Livingstone, na Zâmbia, está
localizada uma empresa de leite longa vida, do tipo que pode ficar por
303
paul blustein
vários meses fora da geladeira. Denominada Finta Danish Dairies, é de
propriedade dos Parbhoos, uma família de empreendedores que imigrou
para a Zâmbia vinda da Índia décadas atrás. Por dentro, a fábrica é
surpreendentemente moderna, com pasteurizadores de aço inoxidável,
usados para aquecer o leite a temperaturas elevadíssimas, junto com
enormes tanques de estocagem, resfriadores, equipamento de embalagem
e até uma máquina para colar canudos nas pequenas caixas Tetra Pak em
que o leite é armazenado quando está pronto para o consumo.
Poder-se-ia pensar que a Finta seria um exportador bem-sucedido.
Afinal de contas, faltam geladeiras nessa parte carente do mundo, o que
faz do leite longa vida um produto supostamente popular nos países
vizinhos. No entanto, as vendas da empresa estão limitadas ao mercado
zambiano, por motivos que não têm nada a ver com tarifas. O problema
é que esta é a África Subsaariana e os desafios logísticos enfrentados
por todos que tentam transportar mercadorias através de fronteiras
internacionais são imensos.
“Poderia haver enormes mercados para nós em Moçambique, na
República Democrática do Congo e em Angola, países que fazem
fronteira com a Zâmbia”, diz Ron Parbhoo, diretor administrativo da
empresa. “Mas infraestrutura é um problema muito grande. Não há
estradas. Não estou falando de ‘estradas ruins’. Não há estradas mesmo”.
A República Democrática do Congo, observa ele, “tem uma população de
60 milhões de habitantes, sem indústria de laticínios, mas não há estradas
indo daqui para lá. A fronteira angolana está a apenas 160 quilômetros,
mas a única maneira de transportarmos o leite até lá seria despachá-lo
por caminhão ou trem para Durban [no leste da África do Sul] e depois
por navio margeando o Cabo da Boa Esperança”. Outro país vizinho,
o Zimbábue, tem uma ótima malha rodoviária, mas o país mergulhou
em um caos político e econômico de tamanha proporção que faltam
divisas para pagar pelas importações. “E combustível no Zimbábue é
inexistente”, acrescenta Brush Parbhoo, irmão de Ron, o diretor técnico
da empresa. “Sem falar no risco que correria um caminhão de 30 toneladas
transportando milhares de dólares em produtos”.
Como esse relato sugere, a Zâmbia, um país sem acesso ao mar,
precisa de muito mais do que a eliminação das barreiras comerciais
estrangeiras para se inserir na economia internacional. De fato, a Zâmbia
goza de acesso livre de impostos para muitas de suas exportações para
304
um chicken mcnugget
os Estados Unidos, a União Europeia e outros mercados de países ricos
sob programas especiais criados em benefício das nações mais pobres do
mundo, tais como a Lei do Crescimento e Oportunidades para a África
(African Growth and Opportunity Act), dos Estados Unidos, e a iniciativa
“Tudo Menos Armas” (Everything but Arms), da União Europeia. Embora
esses programas tenham gerado alguns empregos ligados à exportação
em países como a Zâmbia, eles não ajudaram muito, em parte porque
cada programa tem um conjunto específico de regras complexas para
definir quais produtos podem ser beneficiados com acesso livre de tarifas.
As empresas quase sempre se assustam com a quantidade de papelada
envolvida.
Então, o que a Rodada Doha oferece a países como estes? Será que a
Zâmbia poderia exportar maiores quantidades dos bens que produz se os
outros países reduzissem suas tarifas? Estas são perguntas importantes,
porque, com uma renda anual per capita de US$ 630, a Zâmbia é
exatamente o tipo de país que os delegados em Doha supostamente
tinham em mente quando prometeram colocar as necessidades dos países
em desenvolvimento em primeiro lugar entre as prioridades da rodada.
No final de 2005, algumas respostas desalentadoras começaram a
vir de um lugar inesperado.
[*]
Durante anos, o Banco Mundial tinha sido a fonte das estatísticas
citadas com mais frequência para defender o argumento de que uma
rodada de desenvolvimento geraria uma abundância de oportunidades
para os oprimidos do mundo todo. Na época da conferência de Doha em
2001, a estimativa era que um acordo comercial ambicioso aumentaria
a renda global em US$ 830 bilhões até 2015, sendo que dois terços dos
benefícios iriam para nações em desenvolvimento. Pelas estimativas
do banco, o impacto alçaria 320 milhões de pessoas acima da linha de
pobreza, definida pela renda de dois dólares ao dia. Tal como mencionado
em capítulos anteriores, essas cifras forneceram munição poderosa para
políticos, ministros do Comércio e comentaristas – sendo Bob Zoellick e
Mike Moore os mais proeminentes entre eles – que buscavam incentivar
os membros da OMC a chegar a um acordo. Porém, novas estimativas,
baseadas em dados mais atualizados e mais refinados, que o banco
305
paul blustein
divulgou poucas semanas antes da reunião de 2005, sugeriam que o
impacto seria muito mais modesto.
O “número de destaque” revisado pelo banco era que a renda
global aumentaria apenas US$ 287 bilhões até 2015, com os países em
desenvolvimento se beneficiando somente de 30% desses ganhos, caso
os membros da OMC chegassem a um acordo que eliminasse totalmente
as barreiras ao comércio mundial, isto é, se todos os subsídios agrícolas
fossem eliminados e todas as tarifas fossem reduzidas a zero. Isso
reduziria em 66 milhões o número de pessoas vivendo abaixo de dois
dólares ao dia – uma fração da estimativa anterior. “Esses números são
significativamente mais baixos do que as projeções iniciais do Banco
Mundial”, reconheceu o banco. Além disso, os números baseavam-se na
pressuposição irremediavelmente irrealista de que os membros da OMC
concordariam em remover todas as distorções ao comércio. Partindo de
um cenário mais provável em relação ao resultado das negociações de
Doha, o banco projetava uma redução na pobreza global de somente 12
milhões de pessoas.
O aspecto talvez mais perturbador foi o fato de que as novas
estimativas do banco indicavam que vários países ficariam em situação
pior com um sistema de comércio completamente livre. “Na África
do Norte e no Oriente Médio, bem como na África Subsaariana... há
mais perdas do que ganhos”, declaravam os estudos do banco. Outros
países claramente perdedores seriam o México e Bangladesh. Um dos
motivos era que muitos desses países eram grandes importadores de
alimentos e a eliminação de subsídios agrícolas na verdade prejudicaria
suas economias, observava o banco, porque os gastos na rubrica de
alimentos de suas contas nacionais aumentariam à medida que os Estados
Unidos e outros países ricos parassem de pagar para seus agricultores
superproduzirem.
Vários países seriam beneficiados, principalmente o Brasil e a
Argentina (que seriam capazes de aumentar significativamente suas
exportações agrícolas) e a China (que aumentaria sobremaneira suas
exportações de produtos industriais). Mas os ganhos para muitas outras
nações seriam apenas marginais. A Zâmbia era um exemplo. A eliminação
dos subsídios ao algodão impulsionaria a economia do país e reduziria
seu nível de pobreza. Na medida em que os agricultores zambianos
conseguissem vender algodão a preços mais altos, eles poderiam usar
306
um chicken mcnugget
esse acréscimo de renda para comprar alimentos nutritivos e remédios
para suas famílias. Porém, “é claro que as magnitudes são bem pequenas”,
afirmou o banco em um estudo que projetava um aumento de apenas
1% na renda familiar dos zambianos como resultado do comércio de
algodão sem subsídios.
Críticos da liberalização comercial se apegaram a essas novas
estimativas, usando-as para corroborar seus argumentos. Lori Wallach,
ainda batendo na tecla anti-OMC no Observatório do Comércio Global
do grupo Public Citizen, organizou uma teleconferência para repórteres
com Frank Ackerman, um pesquisador na Universidade Tufts, que
escreveu um artigo intitulado “Os ganhos decrescentes do comércio”.
O artigo dizia:
Que diferença faz dois anos. Nas discussões preparatórias para as
negociações da OMC em Cancún, em 2003, era comum ouvir sobre
as centenas de bilhões de dólares de benefícios que resultariam da
liberalização do comércio. Definições e números exatos variavam, mas
US$ 500 bilhões de benefícios ao mundo em desenvolvimento era um valor
amplamente citado. Em 2005, às vésperas da nova rodada de negociações
em Hong Kong, era difícil encontrar estimativas que chegassem a US$
100 bilhões, e fácil achar cifras bem mais baixas do que esta.
Os economistas do banco, ansiosos por evitar a percepção de
que sua pesquisa desmontava a base racional da liberalização do
comércio global, lutaram para conter o estrago. Repórteres foram
convocados para reuniões no banco, onde eram informados de que a
verdadeira mensagem das novas estimativas era que os membros da
OMC deveriam lutar por um acordo mais abrangente, pois isso geraria
maiores benefícios para os pobres do que uma versão “Doha Light”, que
deixaria a maior parte das barreiras intacta. “Embora seja importante
não superestimar o impacto, é difícil pensar em qualquer outra medida
que os países pudessem adotar em conjunto que tivesse um efeito mais
significativo sobre a pobreza do que uma Rodada Doha vitoriosa”,
disse aos jornalistas Richard Newfarmer, consultor econômico do
departamento de comércio do banco.
As novas projeções eram muito conservadoras, enfatizavam os
funcionários do banco, e não era correto compará-las com as estimativas
307
paul blustein
anteriores porque envolviam pressupostos diferentes. A estimativa feita
em 2001 de um aumento de US$ 830 bilhões na renda global tinha sido
baseada no pressuposto de que barreiras mais baixas gerariam aumentos
de produtividade, estimulando assim o crescimento econômico no mundo
todo. Como os críticos haviam questionado seriamente a precisão desses
pressupostos, o banco adotara uma postura mais prudente, evitando
incorporá-los à sua nova estimativa de US$ 287 bilhões de ganhos
globais. Além disso, nenhuma das estimativas incluía quaisquer ganhos
advindos da liberalização do setor de serviços, uma fonte potencialmente
importante de aumento de produtividade cujos efeitos são muito mais
difíceis de mensurar em relação a cortes de tarifas e subsídios.
É importante manter essas novas estimativas em perspectiva. Elas
certamente não significam que a liberalização comercial de décadas
anteriores tenha sido inútil, mas sugerem que seus resultados foram tão
amplos que acabaram diminuindo os benefícios adicionais resultantes
de novas liberalizações, ao menos no que se refere ao comércio de
mercadorias. As novas estimativas tampouco significavam que a Rodada
Doha não tinha valor. Livrar a economia global de subsídios agrícolas
e baixar as tarifas das nações ricas que bloqueavam a importação de
produtos de nações pobres deixariam o sistema de comércio mais justo
e melhorariam a sorte de milhões de pessoas carentes, mesmo que de
forma modesta. Era de se prever que outros milhões seriam beneficiados
pela redução das tarifas dos países em desenvolvimento. Apesar de
haver uma considerável discordância nesse ponto, principalmente de
países como a Índia, as evidências sugeriam que as populações de baixa
renda ganhariam mais com a redução dos preços das importações –
especialmente de alimentos – do que perderiam.
Porém, não havia como escapar das implicações das novas
descobertas do banco: a instituição que mais defendia a liberalização
em países em desenvolvimento reconhecia que o impacto do comércio
sobre o desenvolvimento era muito mais limitado do que se pensava.
“Algumas dessas cifras são pequenas? É óbvio que são menores do que
gostaríamos”, disse aos repórteres Alan Winters, diretor de pesquisa
do banco. E o motivo não era apenas que o banco tinha usado uma
metodologia conservadora, mas também que o modelo agora adotado
por seus economistas era mais sofisticado e atualizado do que a versão
anterior.
308
um chicken mcnugget
O novo modelo era mais sofisticado porque incorporava o impacto
das preferências comerciais, isto é, o acesso irrestrito de que alguns
países em desenvolvimento já gozavam nos mercados de países ricos
com base em arranjos especiais. Essas nações perderiam benefícios se
todas as barreiras comerciais do mundo desaparecessem. O México, que,
sob o NAFTA, podia exportar mercadorias sem impostos para os Estados
Unidos, constituía um exemplo esclarecedor. Quanto mais Washington
baixasse suas barreiras para todos os países-membros da OMC, mais os
concorrentes do México poderiam ganhar espaço no mercado dos EUA à
custa do México. Assim, os cálculos do banco mostravam que o México
teria prejuízos num cenário de livre comércio global.
O novo modelo estava mais atualizado também porque incorporava
os efeitos de uma das mudanças mais significativas que atingiram
a economia global nos últimos anos – a entrada da China na OMC,
concluída em 2001. O modelo anterior – que levara o banco a estimar em
US$ 830 bilhões os ganhos globais decorrentes de um acordo comercial
abrangente – fora baseado em dados de 1997, inclusive nas tarifas altas
que Pequim aplicava antes de ingressar no órgão de comércio. O novo
modelo já levava em conta os ganhos obtidos com a liberalização da
China. Isso baixou a estimativa geral dos benefícios a serem obtidos
com a liberalização do comércio no mundo todo.
Quais eram, então, as implicações práticas dessa nova análise?
Para o banco, e para outros defensores da liberalização do comércio,
havia evidências recentes da necessidade de cortar radicalmente as tarifas
e não apenas de reduzi-las, se a Rodada Doha quisesse gerar muitos novos
negócios de modo a impulsionar a causa do desenvolvimento. Tal como
mencionado por um dos estudos: “As metas de liberalização da Agenda
de Desenvolvimento de Doha tinham de ser bastante ambiciosas para
que a rodada pudesse ter um impacto mensurável sobre os mercados
mundiais e, consequentemente, sobre a pobreza”.
Além disso, a liberalização teria de ser especialmente abrangente
em uma área-chave, o acesso aos mercados agrícolas, pois o setor seria
responsável por dois terços dos ganhos potenciais em escala global. Tanto
cortes em subsídios agrícolas quanto tarifas mais baixas sobre produtos
manufaturados eram desejáveis, mas essas medidas não afetariam muito
a renda, seja no plano mundial, seja na esfera nacional. O maior valor
econômico, segundo os cálculos do banco, decorria da redução das
309
paul blustein
barreiras ao comércio agrícola. Não apenas as tarifas agrícolas teriam de
ser cortadas significativamente, como também deveria haver o mínimo
de exceções possível para produtos “sensíveis” e “especiais”. “Isentar
[de cortes profundos] até 2% das linhas tarifárias enfraqueceria a rodada”
ceifando a maior parte dos ganhos a serem obtidos com a liberalização
do comércio agrícola, escreveram os economistas do banco.
O banco tinha uma resposta pronta também para o que deveria
ser feito com países, como México, Camarões ou Moçambique, que
aparentemente sofreriam perdas por um motivo ou por outro devido à
liberalização do comércio global: seus prejuízos “poderiam ser facilmente
compensados com ajuda externa adicional” destinada a facilitar
sua adaptação ao novo mundo de barreiras comerciais mais baixas.
Generosos quinhões de “ajuda para o comércio” (aid for trade) também
seriam essenciais para países com problemas, tais como infraestrutura
precária, que os impediriam de tirar vantagem de barreiras mais baixas.
Esses países poderiam avançar na superação da pobreza se recebessem
assistência para construção das estradas e portos de que necessitavam
para levar seus produtos ao mercado.
Porém, outra conclusão poderia ser extraída da pesquisa do
banco, isto é, que uma forte redução das barreiras ao comércio global
proporcionaria ganhos principalmente para poucos países exportadores
grandes e dinâmicos do mundo em desenvolvimento, como o Brasil e
a China, ao passo que as nações mais pobres obteriam muito menos do
que lhes fora indicado inicialmente.
Peter Mandelson, por exemplo, se aferrou a esse argumento em
uma proposta elaborada com o objetivo de atrair os membros da
OMC menos desenvolvidos para o seu lado na batalha sobre as tarifas
agrícolas. A Rodada Doha “deveria beneficiar a todos e não apenas
a uma pequena minoria de exportadores competitivos”, disse ele em
um discurso a um grupo de representantes governamentais de países
pobres em 30 de novembro de 2005, duas semanas antes da reunião de
Hong Kong. Portanto, a melhor abordagem, argumentava o comissário
europeu de Comércio, não era uma redução radical nas barreiras ao
comércio agrícola, como advogavam os americanos, mas uma redução
mais modesta, que ajudaria os países pobres a preservarem o valor do
acesso preferencial de que gozavam em mercados de países ricos sob
vários programas (como a Lei do Crescimento e Oportunidades para a
310
um chicken mcnugget
África, dos EUA). “É bom que vocês saibam”, disse Mandelson, fazendo
uma referência sinistra à proposta que Portman apresentara em 10 de
outubro, “que algumas propostas de cortes tarifários que estão sobre a
mesa destruirão completamente as suas preferências”.
Independentemente de qualquer opinião sobre os novos dados do
banco e da conveniência de uma Rodada Doha ambiciosa, a perspectiva
para Hong Kong era sombria. A conferência não discutiria cortes tarifários
ambiciosos, nem mesmo reduções mais modestas, por causa do medo
de que os membros da OMC fracassassem na tentativa de superar suas
divisões.
[*]
Com uma vista de tirar o fôlego do porto mais fabuloso da Ásia, 52 salas
de reunião, sete restaurantes, auditórios espaçosos e tecnologia audiovisual
de última geração, o Centro de Convenções de Hong Kong oferecia
acomodações magníficas para as delegações dos 149 países-membros da
OMC que lá se reuniram de 13 a 18 de dezembro de 2005. Os anfitriões da
ex-colônia britânica fizeram de tudo para atender a todas as necessidades de
seus visitantes. Uma delegação precisava de celulares? Sem problemas. De
quantos precisariam? Bandejas de dim sum e outras iguarias eram oferecidas
em grandes quantidades do lado de fora das salas de reunião. Apesar de
poucos milhares de manifestantes terem organizado protestos barulhentos,
eles foram contidos por um contingente de 9.000 policiais e por um esquema
detalhado de precauções de segurança.
Da mesma forma, o Secretariado da OMC, chefiado por Lamy,
planejara cuidadosamente todos os detalhes da reunião para se resguardar
de alguns dos problemas que tinham contribuído para falhas em
conferências ministeriais anteriores. Houve muito esforço para garantir
uma comunicação eficaz entre os participantes de sala verde e os que
estavam de fora. O “Pontes Diário de Genebra” (Bridges Daily Update),
um informativo publicado durante as conferências ministeriais, relatou
um resultado animador em sua edição de 14 de dezembro: “Em termos
do processo negociador, as fortes críticas... em relação à inclusão e à
transparência praticamente desapareceram. De um ponto de vista prático,
a maioria dos membros parece ter efetivamente aceitado que as [salas
verdes] são a única maneira realista de se avançar em uma organização
311
paul blustein
entre 149 países, desde que todas as delegações sejam mantidas
informadas do andamento do processo e das discussões”.
A logística, portanto, era ideal. Mas qual seria o grande tema
da reunião? Era este o problema constrangedor que os ministros
enfrentavam, pois, com as expectativas reduzidas quase um mês antes,
eles não estavam mais sob pressão para tirar coelhos da cartola na
Rodada Doha. Por outro lado, tinham de fazer algo para impressionar
as legiões de repórteres de jornais e redes de televisão do mundo todo
que perambulavam pelos corredores. Apesar da escassez de grandes
temas, o resultado foi um dos melodramas mais memoráveis de todas as
conferências ministeriais da OMC. Nesse sentido, Hong Kong revelou
algumas das piores características da OMC – em especial, a tendência
de que suas reuniões acabem se deteriorando em exercícios burocráticos
de reiteração de posições. Na OMC, o triunfo que os ministros exibem
ao extrair concessões é, com frequência, desproporcional aos benefícios
econômicos que angariam, e a teimosia dos que resistem a fazer as
concessões quase sempre conflita com o bom senso econômico.
Foi assim o debate que ocupou o palco principal em Hong Kong: se
era preciso estabelecer uma data específica para a eliminação de subsídios
à exportação e, em caso, afirmativo, para quando seria fixada essa data.
Conforme observado em capítulos anteriores, esses subsídios não são a
forma mais importante de apoio dado aos agricultores – a União Europeia
era praticamente seu único usuário, desembolsando cerca de US$ 4
bilhões ao ano. No entanto, esses subsídios são amplamente considerados
como mais perniciosos e o acordo-quadro de julho de 2004 havia incluído
uma promessa de eliminá-los até uma “data final plausível”.
O resultado foi que Mandelson se viu no papel do monstro de
Frankenstein, e o resto dos membros da OMC no papel da turba do
vilarejo brandindo foices e tochas.
Em uma das primeiras reuniões de sala verde, uma sessão de quatro
horas que começou tarde na noite de quarta-feira, 14 de dezembro,
todos os países presentes exceto a União Europeia e a Suíça endossaram
o prazo final de 2010 para eliminação dos subsídios à exportação. E,
durante os três dias seguintes, à medida que a pressão foi aumentando
sobre Mandelson em sucessivas reuniões de sala verde, ele reagiu com
uma série de rompantes, indo da petulância à explosão de raiva. Em
uma ocasião, jogou os óculos na mesa, em outra, deixou a sala nervoso,
312
um chicken mcnugget
reclamando de ter sido “azucrinado a semana toda”, e, em outra ainda,
vociferou contra Lamy, a quem acusou de abusar de sua posição de
presidente da reunião, tentando enquadrar a posição da União Europeia.
“Você não é mais comissário europeu, Pascal”, disparou Mandelson para
o diretor-geral. Como que para aumentar o desconforto de Mandelson,
Portman suscitava elogios exagerados pela maneira cordial como se
comportava. Em certo momento, durante uma discussão sobre algodão,
o representante de Comércio dos Estados Unidos atravessou a sala verde,
se ajoelhou ao lado de seu colega do Benin e travou uma conversa aos
sussurros – um gesto que derreteu os corações dos observadores.
De início, Mandelson se recusou a considerar qualquer prazo
específico para os subsídios à exportação, apesar de vigorosas súplicas
de outros como Nath, da Índia, que berrava para o comissário europeu
de Comércio, “Quero marcar! Quero marcar!” – acrescentando, para
alegria geral da sala verde, “Mas não com você!” (I want a date! I want
a date! But not with you!).
Mandelson manteve-se irredutível, ressaltando que não estavam lhe
dando um crédito de confiança. Acabou aceitando, muito a contragosto, a
ideia de pôr fim aos subsídios até 2013. Não se tratava de uma concessão
muito significativa, pois Bruxelas já começara a reduzir gradativamente
o uso desses subsídios em setores importantes (grãos, carne bovina e
açúcar), deixando de fora apenas laticínios e dois outros setores para os
quais o prazo final ainda era controverso. A maioria dos países-membros
da União Europeia insistia que 2013 era o prazo mais curto no qual os
subsídios à exportação poderiam ser plenamente abolidos e Mandelson
recusou-se a antecipá-lo.
A batalha chegou ao clímax na noite final, em uma reunião de sala verde
que durou oito horas. Fora do Centro de Convenções, câmeras de televisão
estavam voltadas para centenas de manifestantes que romperam os cordões
de isolamento, abrindo caminho a golpes de varas de bambu e tábuas de
madeira até um prédio em que os delegados estavam reunidos, obrigando
a polícia a usar spray de pimenta, jatos d’água e cassetetes (a maioria dos
manifestantes era de agricultores sul-coreanos. Protestavam novamente
contra a ameaça a sua subsistência que resultaria de qualquer acordo
obrigando seu país a importar mais arroz). Dentro da sala verde, longe
dos olhares curiosos da mídia, outro conflito estava se materializando,
cujo ponto alto – ou ponto baixo – ocorreu quando Amorim, do Brasil,
313
paul blustein
teve uma explosão de raiva tão forte que muitos participantes acharam
que essa conferência ministerial acabaria igualmente em impasse.
Amorim era o líder das forças que exigiam a data final de 2010 para
eliminação dos subsídios à exportação. Ele arriscara seu prestígio, e o do
G-20, na obtenção de um acordo sobre essa questão. Sua fúria aumentou
quando alguns de seus aliados do G-20, inclusive Nath, começaram a
expressar na sala verde a opinião de que talvez 2013 fosse a melhor data
possível, dada a aparente falta de flexibilidade na posição de Mandelson.
Para Amorim, isso equivalia a uma traição de um acordo firme do G-20
em não aceitar nada que não fosse 2010. Enquanto outros ministros
observavam, desalentados, ele saiu pela porta, bufando. “Não estou
preparado para ficar aqui e ver as pessoas, uma a uma, se curvando à
União Europeia!”. Dois de seus assessores, sem saber para onde seu chefe
ia, ou mesmo se voltaria, olharam um para o outro e então, passados
alguns segundos, recolheram os papéis e saíram também. Porém, nesse
momento, um golpe do destino ajudou a reverter a situação.
Logo após deixar a sala verde e seguir para a saída do Centro de
Convenções, Amorim topou com o ministro do Comércio japonês,
Shoichi Nakagawa, que estava comendo uns canapés no saguão. Sem
saber o que tinha acontecido, Nakagawa abordou o ministro brasileiro
para indagá-lo sobre outro assunto. Justo quando Amorim estava tentando
se livrar da conversa, Portman irrompeu pelas portas da sala verde e deu
com ele.
“Literalmente supliquei para que ele voltasse”, recorda-se Portman.
“O Celso é capaz de rompantes teatrais, mas, dessa vez, a frustração era
autêntica”. Usando cada pedacinho de seu charme irresistível, o americano
implorou que Amorim considerasse a possibilidade de um entendimento
e, após cerca de quinze minutos, o brasileiro cedeu, voltando para a sala
verde. Um acordo foi alcançado depois que ele voltou: a União Europeia
teria permissão para manter a data final de 2013, mas com a condição de
que a maior parte dos cortes aos subsídios à exportação ocorresse num
prazo mais curto. Sobre esse episódio, Amorim diria mais tarde que, se
não fosse por Nakagawa tê-lo atrasado, o resultado da reunião de Hong
Kong teria sido bem diferente.
[*]
314
um chicken mcnugget
Os debates em Hong Kong foram tão extensos, e as reuniões vararam
a noite com tanta frequência, que Lamy acabou tendo apenas sete horas
de sono durante os cinco dias da reunião. Quando tudo acabou – depois
que o diretor-geral realizou a coletiva de imprensa de encerramento e
quando os ministros estavam correndo para pegar seus voos no Aeroporto
Chek Lap Kok, e os manifestantes enrolavam suas faixas para voltar para
casa – Guy de Jonquieres do Financial Times redigiu um dos textos mais
engraçados dos anais do jornalismo econômico. Seu artigo, publicado na
edição do Financial Times de 19 de dezembro de 2005, começava assim:
Fico tentado, sem exagero nenhum, a resumir a reunião dos ministros da
Organização Mundial do Comércio em Hong Kong, que terminou ontem,
parafraseando Winston Churchill: raramente na história das negociações
internacionais tantos trabalharam tanto tempo para produzir tão pouco.
Pelo menos a reunião terminou em acordo; quanto a isso, não
foram poucos os ministros a expressarem alívio. O entendimento sobre
subsídios à exportação possibilitara chegar ao consenso em torno de
um texto, evitando um retrocesso na Rodada Doha. O texto continha o
seguinte trecho solene: “Concordamos em intensificar o trabalho sobre
todas as questões pendentes de forma a atender aos objetivos de Doha,
em particular, estamos comprometidos a estabelecer modalidades o mais
tardar em 30 de abril de 2006”. Em outras palavras, tendo falhado mais
uma vez em alcançar essa meta importante, a OMC se redimiu com a
definição de um novo prazo para dali a quatro meses.
É claro que o término dos subsídios à exportação não foi o único
tópico de discussão em Hong Kong. Outros temas de maior importância
potencial também mereceram atenção. As nações ricas anunciaram planos
para acelerar projetos de “ajuda ao comércio”, tais como a construção
de estradas e outras obras de infraestrutura, de modo a que empresas
como a Finta Danish Dairies, da Zâmbia, conseguissem exportar seus
produtos. Contudo, esses compromissos de aumento no volume de ajuda
eram fonte de muito ceticismo, e por um bom motivo: eles consistiam
principalmente de promessas grandiosas de elevação dos gastos em cinco
ou dez anos – o tipo de promessa que tende a ser descumprida, porque
não constitui compromisso legalmente vinculante para os governos
seguintes. Outro desdobramento digno de nota em Hong Kong foi a
315
paul blustein
apresentação de uma iniciativa de os países ricos eliminarem todas as
tarifas e cotas sobre produtos exportados pelas nações mais pobres do
mundo, especificamente os 32 membros da OMC que se encaixam na
classificação de Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDRs).
Mas esse plano foi subvertido por uma série de exceções, principalmente
por causa da recusa dos Estados Unidos em aceitar que o compromisso
fosse aplicado à totalidade dos produtos exportados por esses países. Os
barões da indústria têxtil do sul dos Estados Unidos, que temiam uma
inundação de roupas vindas de países como Bangladesh, flexionaram
seus músculos políticos mais uma vez.
Um grand finale para a reunião de Hong Kong ocorreu dois dias
depois que as delegações tinham voltado para casa.
Mandelson estava sentando à sua mesa de trabalho em Bruxelas
quando recebeu um telefonema do primeiro-ministro Villepin para
congratulá-lo por seu desempenho. A França o felicitava por sua coragem,
por lutar como um leão na questão dos subsídios à exportação, disse
Villepin ao comissário europeu de Comércio. Mandelson respondeu
que agradecia os elogios, mas que não podia garantir que Paris ficaria
sempre tão encantada com seu trabalho no decorrer das negociações.
Villepin disse que sabia disso, mas, mesmo assim, desejava expressar
sua aprovação.
A satisfação que o governo mais protecionista da Europa teve com
o resultado em Hong Kong mostrou como era improvável que a Rodada
Doha resultasse numa transformação das regras e práticas arraigadas que
regem o comércio internacional, principalmente no que diz respeito à
agricultura. Além disso, a rodada estava prestes a sofrer outro duro golpe.
316
Capítulo 11
Peter e Susan – feitos um para o outro
A praia de Copacabana no Rio de Janeiro é, com razão, famosa por
seu cenário pitoresco e Rob Portman adorou correr no calçadão da praia
enquanto esteve na cidade brasileira no final de março de 2006. Este foi
só um dos aspectos positivos de sua viagem ao Rio para comparecer a
uma reunião organizada por Celso Amorim com o objetivo de discutir
o futuro da Rodada Doha. O outro participante foi Peter Mandelson.
Após se reunirem com seus assessores, os três ministros saíram para
um almoço, que foi tão sociável, e tão produtivo, que avançou uma
hora além do previsto. Portman ficara aliviado ao ver que uma relação
amistosa se desenvolvia entre o ministro das Relações Exteriores
brasileiro e o comissário europeu de Comércio depois do confronto
acalorado entre ambos em Hong Kong. “Foi uma daquelas conversas
em que a gente realmente fala um com o outro, em vez de repetir frases
feitas”, recorda-se Mandelson. “Estávamos lá sentados usando o verso
de envelopes, anotando números, avaliando o grau de ambição de cada
um e estabelecendo parâmetros. Não me entenda mal. Não estou dizendo
que estávamos negociando números finais – nada disso. Mas foi um
momento de franqueza e confiança”.
Mais tarde, Mandelson puxou Portman de lado e fez uma pergunta
delicada. Os dois homens concordaram, com entusiasmo, que a conversa
daquele dia suscitara grandes promessas se conseguissem levar adiante
317
paul blustein
as ideias mencionadas. Porém, Mandelson estava ansioso com um
boato que assolava Washington, o qual, temia ele, poderia representar
um grande problema para a rodada. O boato era que Portman, cujo jeito
cativante tinha se mostrado tão eficiente com outros colegas ministros
de Comércio, estava prestes a ser promovido para ocupar um cargo
mais alto. Indagado diretamente se isso era verdade, Portman respondeu
que não, que estava totalmente comprometido com seu trabalho e que
permaneceria firme no cargo.
Na época, o representante de Comércio dos EUA deu uma resposta
honesta. O cargo que, segundo se comentava, seria ocupado por ele era
de secretário do Tesouro e Portman já sabia que não era candidato. Na
verdade, ele estava ajudando a Casa Branca a convencer Henry Paulson,
presidente do Goldman Sachs, a aceitar o posto. Além disso, Portman
adorava trabalhar com comércio, o que fazia há apenas onze meses, e
sabia que, em relação à Rodada Doha, o momento crucial chegaria em
questão de semanas.
A expectativa era de que um acordo sobre modalidades de
negociação para produtos agrícolas e industriais, após novo fracasso em
2005, poderia ser concluído até 30 de abril de 2006. Este era o prazo
definido na declaração de Hong Kong e, embora a importância dessa
promessa formal possa ser minimizada pelo fato de os países-membros
terem descumprido prazos anteriores, desta vez aproximava-se outra
data-limite que não poderia ser ignorada. O projeto de lei da Autoridade
de Promoção Comercial, que o Congresso aprovara em 2002, expiraria
em 30 de junho de 2007 e as chances de renovação pareciam pouco
prováveis por causa da crescente hostilidade no Capitólio em relação
a negociações comerciais. Uma vez terminado o prazo da autorização
congressual, qualquer acordo que o governo Bush viesse a concluir nas
negociações de Doha correria perigo mortal quando fosse apresentado
para aprovação no Capitólio, porque nada garantiria uma votação
majoritária a favor ou contra e o acordo poderia ser desfigurado por
todo tipo de emenda nociva. Conquanto junho de 2007 ainda estivesse
muito longe, os membros da OMC ainda tinham uma quantidade enorme
de trabalho pela frente. Mesmo que um acordo sobre modalidades
estabelecesse fórmulas definindo, de modo geral, a magnitude dos cortes
e isenções em tarifas e subsídios, finalizar um acordo em Doha também
exigiria meses de negociações sobre outras questões, como serviços e
318
peter e susan
– feitos um para o outro
regras antidumping, que também faziam parte da agenda da rodada. Além
disso, redigir e analisar os milhares de páginas de anexos referentes à
enorme quantidade de linhas tarifárias de cada país provavelmente levaria
seis meses. Lamy não poupou esforços para enfatizar isso aos membros
da OMC, buscando transmitir-lhes a urgência de se chegar a um acordo
sobre modalidades logo que possível já em 2006. No final de março, o
diretor-geral advertiu que atrasar o processo até mais tarde naquele ano
seria “um enorme erro coletivo”.
Porém, qualquer progresso que porventura estivesse ocorrendo nas
negociações entrou em compasso de espera depois que Portman regressou
do Rio para Washington e recebeu um telefonema de Joshua Bolten, o
recém-nomeado chefe de gabinete da Casa Branca. Portman ia mesmo
mudar de cargo.
O presidente tinha decidido, disse Bolten, que Portman deveria
assumir a chefia do Escritório de Administração e Orçamento (Office
of Management and Budget), cargo até então ocupado pelo próprio
Bolten. Ainda que lisonjeado, Portman recusou o cargo. Achava que a
Rodada Doha vivia um momento crucial. Além disso, ele conseguira
avançar na negociação de vários acordos bilaterais. No entanto, Bolten,
que já conhecia Portman há anos, respondeu, em tom amigável, que
seu colega talvez não estivesse ouvindo bem. Essa decisão tinha sido
tomada pelo próprio Bush. Embora vários membros do Congresso
estivessem qualificados para o cargo, a Casa Branca não queria correr
o risco de perder assentos republicanos em meio a um ano eleitoral
difícil. O chefe de gabinete lembrou a Portman que, na qualidade de
diretor de orçamento, teria muito mais acesso ao Salão Oval do que no
cargo de representante de Comércio. E Bolten formulou o assunto de
modo a produzir o impacto desejado: O presidente decidiu que você
deveria aceitar. Então Portman cedeu. “Não foi algo que eu tenha
aceitado de início”, disse Portman. “Mas não me foi apresentado como
uma opção sobre a qual eu poderia refletir. Foi assim: ‘O presidente
quer que você aceite’”.
Portman impôs uma condição: a Casa Branca teria de anunciar, no
mesmo dia, sua nomeação e o nome de seu sucessor, de modo a minimizar
qualquer percepção de descontinuidade na política comercial do governo
Bush. Com esse mesmo objetivo, sua forte preferência era que seu
sucessor fosse um de seus assessores. Portman sabia quem ele queria.
319
paul blustein
A representante adjunta de Comércio Susan Schwab estava assistindo
a uma peça de teatro na sexta-feira, 14 de abril, quando recebeu,
durante o intervalo, um telefonema de Portman com algumas notícias
estarrecedoras: a Casa Branca anunciaria, no início da semana seguinte,
que ela o substituiria. Conforme previsto, poucos dias depois, Schwab
estava de pé ao lado do presidente no Rose Garden, com seus pais radiantes
na plateia, quando Bush anunciou que a escolhera para o principal cargo
de comércio do país. Sabendo que a saída de Portman suscitaria críticas
por seu impacto potencialmente negativo sobre a rodada, os assessores
de Bush se certificaram de que, em seu pronunciamento, o presidente
ressaltasse seu compromisso em concluir as negociações e o histórico de
Schwab como negociadora comercial. “Agora ela usará sua experiência
para ajudar a concluir a Rodada Doha e criar novas oportunidades para
os exportadores americanos”, declarou Bush. Mas muitos observadores
perceberam que Bush apenas tentava minimizar o dano. “O fato de
Rob Portman deixar o cargo neste momento crucial... é uma má notícia
para a Rodada Doha”, disse Charles Grassley, o republicano de Iowa
que presidia a Comissão de Finanças do Senado, aos repórteres. Uma
declaração emitida por Mandelson refletiu o sentimento comum entre
negociadores de outros países de que a perda de Portman prejudicaria
significativamente as perspectivas da negociação. “É claro que vamos
nos virar sem ele, mas, neste estágio da rodada, seria mais fácil com ele”,
disse o comissário europeu de Comércio.
Não há dúvida de que Sue Schwab trouxe para o cargo um conjunto
de habilidades que diferiam das de Portman, assim como os pontos fortes
de Portman haviam contrastado com os de Zoellick. Aos 51 anos, ela tinha
passado três décadas trabalhando na área de comércio, aperfeiçoando,
ao longo desses anos, um estilo educado, mas determinado.
O treinamento de Schwab para lidar com pessoas de outros países
começou cedo. Filha de um funcionário do serviço diplomático
norte-americano, ela morara com seus pais em Togo, Nigéria, Serra
Leoa, Tunísia e Tailândia antes de se formar pela Williams College e
fazer mestrado em Stanford. Segundo sua irmã, na infância, Schwab
era “muito motivada e concentrada”. Conta-se na família uma
história de que, certo dia, aos seis anos de idade, ela decidiu tornar-se
nadadora olímpica e foi a uma piscina no Togo para começar a treinar
imediatamente. A mãe teve de resgatá-la quase afogada da água.
320
peter e susan
– feitos um para o outro
No início de sua carreira, criou uma reputação de durona ao
lidar com outros negociadores, a despeito de seu cabelo cor de mel
e de seu temperamento alegre. Começou a trabalhar no Escritório
do Representante de Comércio dos Estados Unidos, em 1977, como
negociadora agrícola júnior e, dois anos depois, foi enviada para a
embaixada dos Estados Unidos em Tóquio, onde teve de lidar com
burocratas japoneses para abrir o mercado local para carne bovina,
sucos de frutas cítricas e equipamentos de telecomunicação americanos.
Sua influência aumentou muito na década de 1980, quando entrou para
a equipe do senador John Danforth, um republicano do Missouri que
presidia a Subcomissão de Comércio Internacional. Danforth confiou-lhe
a enorme responsabilidade de formular leis sobre temas comerciais, e
Schwab ficou conhecida como uma defensora radical de medidas duras
contra as práticas comerciais restritivas do Japão, ainda mais porque
os críticos a acusavam de ser uma protecionista velada (“pragmática
do livre comércio” era como ela se definia). Batalhadora habilidosa
na arte de elaborar projetos de lei, Schwab foi uma das principais
redatoras da lei de comércio de 1988, que aumentou substancialmente a
ameaça de sanções norte-americanas unilaterais contra países acusados
de bloquear “injustificadamente” as exportações norte-americanas.
Durante a administração de Bush pai, ela melhorou ainda mais sua
imagem de defensora das exportações dos EUA, chefiando a agência
do Departamento de Comércio que auxilia empresas norte-americanas
no acesso aos mercados externos. Após uma breve passagem pela
Motorola, Schwab concluiu que daria um rumo melhor a sua carreira
se obtivesse mais credenciais acadêmicas. Então fez um doutorado em
Administração Pública e Comércio Internacional e se tornou diretora
da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland, antes
de retornar ao Escritório do Representante de Comércio dos Estados
Unidos em 2005, como representante adjunta de Portman.
Apesar de uma vida profissional tão cheia de realizações, sua vida
pessoal era uma fonte de angústia. Em 1995, durante um cruzeiro, ela
conheceu e logo depois se casou com um mágico profissional chamado
Curtis Carroll, que, devido à sua profissão e à sua baixa escolaridade,
limitada ao ensino médio, não se encaixava como par adequado para
uma mulher com a carreira e o comportamento de boa moça de Schwab.
Ele era “extremamente engraçado e incrivelmente talentoso”, segundo
321
paul blustein
Schwab, mas também tinha um sério problema, como mais tarde ela
explicou para a revista Fortune:
Curtis se tornou alcoólatra ou talvez já fosse e eu não sabia. Foi ficando
cada vez pior e os últimos dois anos foram bem penosos porque eu fiz
tudo o que todos os cônjuges e parentes de alcoólatras fazem: implorar,
suplicar, ameaçar, tentar ajudar. Mas aí chega um momento em que
você percebe que não há nada que possa fazer. Por mais que você ame
o sujeito, por mais que ele a ame... Ele foi internado em uma clínica de
reabilitação. Entrou e saiu do mesmo jeito, porque, para dizer a verdade,
não se dava conta de quão doente estava.
Depois de um esforço fracassado de reavivar a carreira de Carroll
investindo suas economias em um teatro para apresentações de números
de mágica, o casal se separou. Em vez de buscar a recuperação, Carroll
mergulhou ainda mais fundo no vício e desenvolveu uma cirrose hepática
(ele viria a falecer poucos meses após a nomeação de Schwab para o
cargo de Portman. Mais tarde, Schwab disse ao jornal The New York
Times que tivera “sorte de encontrá-lo” e que “sentia muito a falta dele”).
O cargo de representante de Comércio deu a Schwab bons motivos
para superar a perda. Ela precisou canalizar uma quantidade enorme de
energia para se colocar de pé e partir para a luta, pois embora tivesse sido,
em certo sentido, treinada para o cargo durante toda a sua vida adulta,
regressara ao gabinete havia apenas seis meses e tinha passado muito
pouco tempo desse período dedicada à Rodada Doha. Como assessora de
Portman, trabalhara principalmente em acordos de livre comércio com a
Colômbia e o Peru e em uma controvérsia sobre madeira para construção
com o Canadá. Até então, sua participação nas negociações de Doha se
limitara à reunião de Hong Kong, ocasião na qual expressou ceticismo
sobre a possibilidade de conclusão de um acordo. Depois de examinar
ainda mais detidamente os termos da negociação, chegou à conclusão de
que ela e os outros negociadores de Doha haviam herdado um problema
de grandes proporções em razão dos termos do acordo-quadro de julho de
2004. “O modo como o esse acordo foi definido tornou quase inevitável
que os países se concentrassem em proteger seus interesses defensivos
em vez de perseguirem seu potencial ofensivo”, disse-me ela. “A teoria
era bem clara: as tarifas mais altas sofrem os maiores cortes. Mas, depois
322
peter e susan
– feitos um para o outro
vinham as flexibilidades, isto é, as tais brechas dos produtos sensíveis
e especiais. Por causa delas, você acaba sem saber se suas exportações
terão acesso a algum mercado, qualquer que seja”.
Schwab não tinha a mesma conexão pessoal de Portman com Bush
e não tinha esperanças de se equiparar à capacidade de Portman, como
ex-congressista benquisto, de lidar com o Capitólio. Tampouco tinha o
dom de estabelecer uma relação de empatia instantânea com as pessoas.
Possuía, porém, a tenacidade de uma guerreira veterana na área
de comércio que não tinha medo de dizer não, principalmente quando
sentia que os exportadores norte-americanos estavam sendo preteridos.
Em relação à Rodada Doha, afirmava repetidamente que somente um
acordo ambicioso que abrisse, de forma significativa, mercados no
mundo todo, seria aceitável. Uma versão Doha Light “desperdiçaria
uma oportunidade única”. Com vistas a garantir que ela mantivesse uma
posição dura nas negociações, membros do Congresso se certificaram
de fazê-la compreender que eles insistiriam em um resultado favorável
à geração de novas e abundantes oportunidades de exportação para
os agricultores norte-americanos. “Se o Plano B acabar sendo uma
abordagem minimalista, nem se dê ao trabalho de apresentá-lo a mim”,
advertiu-lhe Chuck Grassley, presidente da Comissão de Finanças, em
sua audiência de confirmação no cargo. Grupos agrícolas também foram
enfáticos acerca de suas expectativas sobre a rodada, as quais remontavam
às promessas feitas por Zoellick a eles em 2001. Para cada dólar que
Washington eliminasse em subsídios, ela tinha de ganhar um dólar de
exportações para eles, tal como asseverava uma carta de 1º de junho de
2006, assinada pelas maiores organizações agrícolas: “Se os negociadores
se virem forçados a redimensionar para baixo” o tamanho do acesso a
mercados para os produtos agrícolas americanos no exterior, sua proposta
de cortar subsídios “terá de ser reduzida na mesma proporção”.
Desse modo, Schwab saiu empunhando impetuosamente a bandeira da
ambição. Sob seu ponto de vista, ela estava seguindo a tradição americana
clássica de pressionar agressivamente para expandir as fronteiras do livre
comércio, com a expectativa de que isso impulsionasse o crescimento e o
desenvolvimento. Sob o ponto de vista de seus parceiros de negociação,
ela estava praticando mercantilismo, tal como haviam feito Portman e
Zoellick, ao tentar garantir que os Estados Unidos fossem fartamente
recompensados por reduzir programas de subsídios que, na verdade,
323
paul blustein
sequer deveriam existir. De qualquer maneira, ela teve de moderar suas
demandas à medida que foi ficando mais claro que não haveria espaço
na Rodada Doha para níveis desmedidos de ambição. O acordo-quadro
era apenas parte do problema. Em se tratando de pedidos para reduzir
as barreiras de comércio, formuladores de políticas de outros países
sempre encontravam argumentos para resistir. Ambição na liberalização
do comércio? Isso tinha muito a cara de 1995.
[*]
De todas as salas do Centro William Rappard, a biblioteca é uma
das mais elegantes, com seu teto entalhado e suas janelas cercadas por
varandas com vista para ao lago. Foi lá que Lamy decidiu organizar
uma importante reunião de sala verde em junho de 2006. A Sala Verde
original (a sala de conferência do diretor-geral) era pequena demais para
a reunião que ele tinha em mente e as outras salas de conferências no
prédio eram, na opinião dele, muito frias. Lamy queria criar um clima
ao mesmo tempo agradável e imponente, na esperança de que isso
ajudasse a baixar as defesas dos trinta e tantos ministros participantes.
Estantes de livros foram afastadas do centro da sala e substituídas
por uma mesa grande e cadeiras. Como a biblioteca não dispõe de
ar-condicionado, um tubo de ventilação foi instalado para bombear ar
fresco de fora para dentro.
O palco estava literalmente sendo armado para o tão esperado acordo
sobre modalidades. Lamy fora forçado a abandonar seu plano de realizar
uma reunião ministerial em abril, graças, em parte, à substituição de
Portman por Schwab, mas estava esperançoso de fazer a Rodada Doha
progredir até o ponto em que pudesse ser concluída antes da expiração
do prazo da Autoridade de Promoção Comercial. Assim, convocou uma
reunião que seria muito semelhante em formato à que criara o acordo-quadro em 2004, isto é, com cerca de doze países representados por
ministros e o resto, por embaixadores. Se essa reunião tivesse sucesso,
ainda haveria tempo, acreditava ele, de terminar a rodada durante os
meses restantes de 2006. Isso permitiria um prazo razoável para que
o Congresso dos EUA apreciasse o acordo com uma votação direta de
aceitação ou rejeição em bloco, em conformidade com os procedimentos
da Autoridade de Promoção Comercial.
324
peter e susan
– feitos um para o outro
Quem dera que demover governos de suas posições fixas fosse tão
fácil quanto arrastar os móveis!
Com vistas a aumentar as chances de um acordo, o novo clube de
elite de ministros, chamado de G-6, reuniu-se com Lamy na sede da
Missão Permanente dos EUA dois dias antes da reunião marcada para 30
de junho na biblioteca. A premissa dessa reunião era que os seis teriam
de chegar a um acordo antes do grupo que se reuniria na biblioteca. O
G-6 era integrado pelos ministros das Cinco Partes Interessadas – os
Estados Unidos, a União Europeia, Brasil, Índia e Austrália – mais o Japão
(os japoneses tinham sido convidados a participar de novo do núcleo
decisório principalmente porque seu ministro do Comércio, Shoichi
Nakagawa, revelara-se um melhor negociador no estilo “pegar ou largar”
do que seus predecessores, que tanto haviam exasperado Zoellick).
Essa era a estreia de Schwab na arena global, e poderia ter sido pior.
Antes todos os dedos estavam apontados para a União Europeia e para
Mandelson em razão do lento progresso da rodada. Agora seria a vez de
os Estados Unidos e sua representante de Comércio novata sentirem o
ambiente pesado.
Os ministros dos demais países estavam extremamente irritados com
os subsídios agrícolas dos EUA, insistindo que Washington oferecesse
cortes mais profundos em seu programa de apoio agrícola em relação
à tão alardeada proposta de outubro de 2005. Eles achavam que, na
qualidade de representante de Comércio recém-empossada, com pouca
influência no Capitólio, Schwab procuraria demonstrar poder adotando
uma atitude linha dura em relação a essas demandas. Mas isso não os
impediu de tentar.
“De que você precisa para poder fazer mais?” Essa pergunta, feita
por Mandelson a Schwab logo de manhã, deu o tom da maior parte da
discussão, em que ela foi repetidamente – e sem êxito – desafiada a
mostrar sinais de boa vontade a fazer concessões.
De forma inteligente, Mandelson se posicionou como aliado do
G-20, que tinha apresentado sua própria proposta. De acordo com o plano
do G-20, os Estados Unidos teriam de estabelecer um teto de US$ 12
bilhões para todos os programas de subsídios agrícolas que distorciam
o comércio, o que estava bem abaixo dos US$ 22,6 bilhões da proposta
de Washington. Para induzir os Estados Unidos a aceitarem um teto
muito mais baixo para subsídios, Mandelson disse que Bruxelas estava
325
paul blustein
preparada para “se aproximar o máximo possível” da proposta do G-20
em relação à questão mais cara aos Estados Unidos – aumento do acesso
a mercados para produtos agrícolas. Isso supostamente significaria um
corte médio de 54% nas tarifas agrícolas europeias, o que era uma redução
consideravelmente mais profunda do que a União Europeia tinha antes
posto na mesa de negociações. Mas só poderiam tomar essa medida,
acrescentou Mandelson, se os Estados Unidos primeiro indicassem
disposição em fazer algo significativo em relação a subsídios.
“O ponto principal é que você terá de melhorar sua oferta de
outubro”, declarou o comissário europeu de Comércio. “Diga-nos do que
você precisa para isso acontecer”. Suas observações foram gentilmente
respondidas por Amorim, do Brasil, e Nath, da Índia.
Schwab, acompanhada do secretário de Agricultura Mike Johanns,
opôs-se dizendo que quaisquer concessões adicionais que pudessem
oferecer sobre subsídios seriam simplesmente embolsadas, de forma que
era responsabilidade dos demais na sala apresentarem seus pedidos para
reduzir barreiras à importação. Ela se agarrou ao argumento dos EUA
de que o melhor parâmetro para se avaliar o grau de êxito da rodada era
o alcance da abertura adicional dos mercados agrícolas mundiais em
vez de cortes em subsídios agrícolas. “Os benefícios da rodada virão
do acesso a mercados”, disse ela, lembrando aos outros os estudos do
Banco Mundial mostrando que baixar barreiras na agricultura em todos
os países daria aos países em desenvolvimento os maiores ganhos.
Ao insistir nesse argumento, o estilo de Schwab fez com que
seus colegas se irritassem ainda mais porque ela se comportava como
uma professora primária passando sermão nos alunos desatentos. Por
vezes, Schwab se esforçava em sublinhar sua formação acadêmica e
seu conhecimento de questões ligadas ao desenvolvimento. Isso era
percebido pelos demais ministros como uma tentativa de encobrir suas
preocupações políticas com o lobby agrícola norte-americano, conferindo
uma conotação altruísta às posições dos EUA.
Ainda assim, eles não conseguiram refutar com eficácia o argumento
principal de Schwab no sentido de que eles simplesmente não estavam
oferecendo nada de muito significativo em matéria de acesso a mercados.
A despeito de todas as indicações de Mandelson sobre nova flexibilidade
na abertura dos mercados agrícolas da Europa, ele apenas sugerira que
poderia aceitar algo perto do percentual de corte tarifário defendido
326
peter e susan
– feitos um para o outro
pelo G-20. Não tinha, de forma alguma, mudado sua posição sobre
as exceções fundamentais, isto é, quantos produtos sensíveis à União
Europeia excluiria de cortes profundos. Os indianos, nesse meio tempo,
concentravam-se numa proposta apresentada por um grupo de países em
desenvolvimento, chamado G-33, que tinha se unido em torno da ideia de
garantir forte proteção a seus agricultores contra a concorrência externa.
De acordo com o plano deles, os países em desenvolvimento teriam uma
exceção especialmente ampla que lhes permitiria designar, como produtos
especiais, até 20% de suas linhas tarifárias. Esse grau de flexibilidade
estarreceu os negociadores norte-americanos, pois eles avaliavam
que isso frustraria qualquer esperança dos agricultores americanos de
aumentar suas exportações para o mundo em desenvolvimento. Segundo
os cálculos do governo dos EUA, apenas 5% das linhas tarifárias seriam
responsáveis por mais de 90% dos produtos agrícolas norte-americanos
importados por muitos dos grandes países em desenvolvimento.
Amorim também refutou o argumento de Schwab em relação à
questão dos subsídios, demonstrando firme solidariedade com as fileiras
do G-20. O ministro brasileiro escarneceu da cifra de US$ 22,6 bilhões
que Washington tinha prometido como teto para seus programas de
subsídios, dizendo: “É difícil aceitar um nível que só foi ultrapassado
duas vezes nos últimos 11 anos”. Porém, Schwab deixou claro que sequer
consideraria a possibilidade de cortes mais profundos nos subsídios.
“Não há nada na oferta de acesso a mercados que esteja sequer
próximo de nossas expectativas”, disse ela. O grupo se viu, assim, num
impasse. Um Lamy desapontado tentou dirigir o debate em direção a
soluções para a situação. “Temos duas opções diante de nós”, disse ele.
“A primeira é uma crise declarada e a outra, uma crise administrada”.
O exercício de redecoração da biblioteca acabou se revelando inútil.
O grupo maior de ministros se reuniu, como previsto, em 30 de junho,
mas a recepção calorosa e acolhedora propiciada pelo local da reunião
não foi suficiente para gerar uma aproximação de posições em razão da
ruptura ocorrida no G-6. Para profunda irritação de muitos ministros, Nath
chegou atrasado ao encontro, dizendo aos outros que estava assistindo
a um jogo da Copa do Mundo de futebol entre Argentina e Alemanha.
Foi uma forma desrespeitosa de transmitir a mensagem de que encarava
a reunião mais ampla como uma perda de tempo. De qualquer maneira,
ele sabia que não haveria resultados importantes.
327
paul blustein
“O resultado dessas discussões é bem claro: não houve progresso e,
portanto, estamos em crise”, disse Lamy em uma coletiva de imprensa.
Mas nem tudo estava perdido, pois se considerava que a crise era
“administrável”. “Ainda acredito que as diferenças e abismos não
são intransponíveis”, disse o diretor-geral, explicando que planejava
empenhar-se em intensos esforços diplomáticos de mediação (shuttle
diplomacy) nas semanas seguintes, na esperança de aproximar as partes
o bastante para se chegar a um acordo no final de julho. Parte dessas
negociações ocorreria em formato de confessionário – reuniões em que
os ministros lhe contariam, em total sigilo, até onde poderiam ir.
Quando os ministros se retiraram do Centro William Rappard, após
uma série de coletivas de imprensa, consegui fazer uma breve entrevista
com Schwab. Ela não questionava o fato de que os Estados Unidos haviam
ficado isolados nas negociações, sofrendo fortes críticas dos demais por
impedir um acordo.
“Liderança é isso, não?”, perguntou ela, sem esperar resposta.
Talvez sim, e, se isolamento significa liderança, Schwab estava
prestes a se ver ainda mais à frente no desfile da OMC.
[*]
Dizer que Schwab e Mandelson não se davam muito bem era, no
mínimo, um eufemismo. Ela disse a colegas, com desagrado, que o
comissário europeu de Comércio parecia muito mais interessado em
moldar sua imagem na mídia do que em chegar a um acordo, a ponto
de, às vezes, parar de prestar atenção nas reuniões enquanto redigia
suas declarações à imprensa. Mandelson, por sua vez, reclamou
com funcionários europeus que Schwab era nervosa, instável e nada
cooperativa, aparentando ser incapaz de superar seu medo de se meter
em dificuldades com o Congresso e com os lobbies do setor privado por
ser condescendente nas negociações.
À medida que começavam os preparativos para mais uma reunião
com vistas a reparar a ruptura que se verificara em junho de 2006, os
dois bateram de frente várias vezes. Compareceram a um encontro de
líderes do G-8 em julho, em São Petersburgo, na Rússia, que emitiu um
comunicado conclamando “um esforço concentrado” para a conclusão da
rodada, a começar por um “acordo sobre modalidades de negociação...
328
peter e susan
– feitos um para o outro
dentro de um mês”. Apesar do apelo dos líderes em favor da cooperação,
a tensão entre Schwab e Mandelson se intensificou assim que entraram em
uma reunião realizada logo em seguida, em Genebra, com um pequeno
grupo de ministros. Um comentário maldoso de Schwab provocou uma
reprimenda de Mandelson de que ele tinha considerado as palavras dela
“inapropriadas”, ao que ela replicou dizendo que queria mostrar para
todo mundo o que ela considerava inapropriado. Nesse ponto, Schwab
distribuiu cópias de um artigo de jornal contendo algumas informações
vazadas das negociações – um vazamento que, sugeria ela, só poderia
ter vindo de Mandelson e seus assessores.
As altercações ficaram ainda piores depois que as negociações de
verdade começaram em 23 de julho, por ocasião de um encontro do G-6
na sede da Missão Permanente dos EUA, no que foi anunciado como um
último esforço para recolocar a rodada nos trilhos em 2006.
A reunião começou com uma repreensão de Lamy. Os demais
membros da OMC não estavam “nada felizes” com a incapacidade
do G-6 em produzir resultados, disse o diretor-geral. Lamentou
informar-lhes que, durante as gestões realizadas por ele nas semanas
anteriores em viagens a diversas capitais, não havia detectado “muita
ação” em seus “confessionários” com representantes dos países-chave
da rodada. “Precisamos melhorar os números”, implorou, e definir
os denominadores comuns, ou “zonas de aterrissagem”, necessários
para viabilizar um acordo.
Ele então propôs iniciar a discussão concentrando-se no tema de
acesso a mercados em agricultura. Isso provou ser uma boa maneira
de continuar as negociações porque os países que haviam resistido por
tanto tempo a abrir seus mercados já começavam a demonstrar alguma
disposição em colaborar com o processo. Nath, que insistira firmemente
para que a Índia tivesse o direito de designar 20% de suas linhas tarifárias
como produtos especiais, assegurou a Schwab: “tenho toda disposição
em negociar os 20%”, embora não tenha dito o quanto estava disposto
a baixar. “A Índia está preparada para negociar números e tratamento”,
disse ele. Mandelson se comprometeu com números mais específicos do
que antes, aceitando um corte médio de 51% nas tarifas agrícolas dos
EUA e indicou que poderia reduzir para algo em torno de 4% ou 5% a
quantidade de produtos que protegeria na categoria de sensíveis. Esse
número era mais próximo de um nível aceitável para Washington.
329
paul blustein
Esses sinais de flexibilidade, no entanto, eram insuficientes para
os americanos, para quem ainda havia muitas perguntas sem resposta a
respeito do alcance da abertura dos mercados externos para as exportações
agrícolas dos EUA. O importante não era o corte médio de tarifas que
Mandelson estava oferecendo, mas sim quais seriam os cortes que se
aplicariam às tarifas mais altas. Quanto aos produtos sensíveis, o que
exatamente aconteceria com esses produtos no caso do mercado europeu?
A União Europeia defendia que, para cada produto definido como sensível,
um determinado volume de tonelagem adicional poderia entrar nos
mercados europeus a tarifas muito baixas. Mas não estava claro em que
medida esse esquema resultaria em aumento de exportações americanas.
As respostas quase sempre vagas e às vezes insatisfatórias que recebiam
para essas perguntas deixaram os negociadores norte-americanos inquietos,
imaginando quanto tempo levariam para analisarem as milhares de páginas
de listas de tarifas para produtos específicos que seriam incorporados a
um acordo final da Rodada Doha. Se essas listas não se traduzissem em
novas oportunidades para os exportadores norte-americanos, haveria muitas
contas a prestar em Washington.
“Precisamos saber agora quais serão as regras [sobre acesso a
mercados]”, protestou Johanns. “Não podemos esperar até ver as listas”.
Da mesma forma, quando Lamy mudou o tema dos debates para
subsídios, a reunião de repente esbarrou num impasse intransponível,
pois Schwab assumiu a mesma postura inflexível de antes. “Não vejo
acesso adicional a mercados”, disse ela. “Por causa disso, não estamos
em posição de fazer mais nada”.
Sua recusa categórica em ceder provocou uma reação furiosa dos
demais. “Você pretende insultar a todos ou isso é apenas um artifício para
esconder o fato de que não pode agir?”, perguntou Mandelson, de acordo
com notas tomadas na reunião. “Podemos entender se não puder ser feito
agora”, prosseguiu o comissário europeu de Comércio, insinuando que a
Casa Branca estava tentando ajudar candidatos republicanos proveniente
de regiões rurais nas eleições de 2006. “Mas você não pode nos culpar.
Isso não tem credibilidade... Trata-se de uma posição ditada pela política
interna. Seja transparente... Isso é vergonhoso. Não sei como devo reagir,
se fico horrorizado ou furioso”.
Outros também se pronunciaram, mas em tom menos ríspido.
“Sempre acreditei em você quando dizia que poderia fazer mais [em
330
peter e susan
– feitos um para o outro
relação a subsídios] quando visse progressos no acesso a mercados”,
disse Amorim. “Os EUA mostraram liderança com sua proposta de 2005.
Agora a União Europeia fez um movimento. Kamal fez um movimento...
Os EUA têm de mostrar liderança”. Até mesmo Nakagawa do Japão, que
praticamente não propusera nada de novo, se disse “estarrecido com os
EUA”. Mas Schwab replicou: “Não vamos negociar com nós mesmos”.
Então foi a vez de Lamy intervir. O diretor-geral deixou claro que
achava que Schwab estava abusando do processo. Apesar de outros terem
feito algumas concessões em temas tão caros aos EUA, ela não fora capaz
de retribuir o gesto durante a discussão sobre o tema mais importante
para eles. “Hoje, há muito mais sobre a mesa do que foi anteriormente
formulado nas negociações”, disse ele a Schwab. “Não é possível que
você não consiga ao menos indicar qual rumo pode seguir. Na verdade,
você deve isso ao grupo”. Contudo, ela não mudou de posição e, após
algumas outras recriminações, a reunião foi suspensa para o jantar.
Foi uma refeição desconfortável, devido a todo o conflito que acabara
de surgir. Enquanto os outros comiam, Schwab reuniu-se com Lamy
para um conversa particular. Ela indicou que poderia oferecer alguma
coisa na questão dos subsídios – um teto de US$ 19 bilhões, abaixo dos
US$ 22,6 bilhões que Washington havia oficialmente proposto. Mas essa
concessão era tão insignificante que o diretor-geral desaconselhou-a a
apresentá-la ao grupo. Naquele momento, os gastos dos Estados Unidos
com subsídios agrícolas situavam-se em torno de US$20 bilhões,
observou Lamy. Portanto, oferecer um corte de apenas US$ 1 bilhão só
faria irritar, ainda mais, seus interlocutores.
O tempo para crises controladas tinha acabado. Uma crise aberta
se instalara.
Lamy declarou a Rodada Doha “suspensa” no dia seguinte em um
pronunciamento severo dirigido aos embaixadores na sala do Conselho
Geral. “Não há vencedores e perdedores nessa assembleia hoje”, disse
ele. “Só perdedores”.
O significado dessa suspensão, e quanto tempo duraria, ninguém
podia ter certeza. Uma coisa estava clara: levaria bastante tempo até
que os ânimos arrefecessem, especialmente a animosidade entre Schwab
e Mandelson. A representante americana de comércio voltou para
Washington furiosa com o tratamento que Mandelson tinha lhe dispensado
na reunião, e também com suas declarações públicas posteriores, nas
331
paul blustein
quais acusava os Estados Unidos de ser o único participante a desrespeitar
o objetivo de se buscar maior flexibilidade que fora acordado no encontro
de São Petersburgo. Ela quase não conseguia esconder sua raiva quando
se encontrou com repórteres, lembrando que tinha procurado Mandelson
ao final da reunião, “mas ele não quis conversa”.
Alguns analistas previram que as negociações permaneceriam
moribundas até depois da eleição para presidente nos EUA, porque só
então haveria alguma chance de o Congresso aprovar uma nova versão
da Autoridade de Promoção Comercial. E quem poderia ter certeza de
que, mesmo nessa hipótese, haveria vontade de continuar? As implicações
potenciais dessa situação foram habilmente retratadas na capa da edição
de 29 de julho da revista The Economist. O título era “O futuro da
globalização”, tendo como ilustração a foto de um barco enferrujado e
adernado perto da margem.
A suspensão deixou uma enorme quantidade de questões pendentes.
Resultara de uma discussão sobre agricultura e, apesar de este ser o
principal tema da rodada, as negociações sequer tinham chegado a
tocar em outro assunto importante da agenda negociadora – produtos
manufaturados, o tópico principal de tantas rodadas no passado. Nessa
área, a globalização também dava sinais de esgotamento.
[*]
Quando Danubia Rodriguez deixou seu vilarejo nas montanhas, em
Honduras, em 1998, para trabalhar em uma fábrica de roupas, sua atitude
demonstrou a barganha implícita que as autoridades governamentais
hondurenhas haviam adotado na esperança de melhorar a sorte de seu
país. Tinham abandonado políticas de desenvolvimento autárquicas e
fechadas para o mundo, transformando sua economia em uma das mais
abertas dentre os países em desenvolvimento, segundo o Banco Mundial.
Investimentos de fabricantes de roupas estrangeiros eram bem-vindos, de
forma que, aos poucos, as exportações de banana, café e camarões foram
sendo substituídas por exportações de roupas e tecidos produzidos pelas
novas fábricas, ou maquilas. O número de trabalhadores nessas fábricas
pulou para 130.000 em 2003, algo substancial em um país de apenas
6,8 milhões de habitantes. Este era, como esperavam as autoridades
governamentais hondurenhas, o início de um ciclo de desenvolvimento e
332
peter e susan
– feitos um para o outro
criação de riqueza cujas virtudes poderiam ser percebidas nos pequenos
progressos alcançados por pessoas como Danubia.
No vilarejo de Las Mangas, onde ela e suas seis irmãs foram criadas,
a vida tinha sido difícil. Para chegar até lá a partir da estrada de terra mais
próxima, era preciso fazer uma caminhada de uma hora morro acima,
por uma trilha pedregosa, e atravessar um riacho. A casa construída
por seu pai, um cafeicultor que nunca frequentou a escola, era de uma
estrutura com paredes de barro, coberta em parte por um telhado de zinco
corrugado e em parte por folhas de coqueiro. O pior aspecto de morar ali,
disse ela, era ter de colher, lavar e secar grãos de café. “Acordávamos às 4h
da manhã e voltávamos às 5h da tarde, na época da colheita”, recorda-se ela,
estremecendo diante da lembrança do enxame de mosquitos que mordiam ela
e suas irmãs enquanto trabalhavam. Ela só estudou até a 6ª série, porque
o vilarejo não tinha escola para as séries mais avançadas.
Em 2004, quando a conheci, Danubia vivia numa cidadezinha
chamada El Progreso, em uma casa construída com blocos de concreto
de cinzas. Apesar de pequena e frágil para os padrões americanos, a
casa dispunha de luxos nunca antes sonhados na vida do vilarejo: um
fogão a gás, água encanada, uma televisão e eletricidade para botá-la
para funcionar e uma alimentação melhor do que somente arroz, feijão e
tortilhas, incluindo porções regulares de carne, peixe e legumes frescos.
Ela foi capaz de comprar esses bens de classe média graças ao salário
de US$ 1,50 por hora que recebia costurando blusas da marca Hanes
em uma maquila da empresa Sara Lee Branded Apparel, cujos negócios
incluíam a linha Hanes. “Foi muito difícil para eu conseguir tudo isso”,
disse Danubia, uma mãe solteira de 24 anos, mostrando a casa.
Porém, agora tinha perdido o emprego que lhe possibilitara elevar
seu padrão de vida. Poucas semanas antes, Sara Lee fechara a maquila,
privando a ela e a 470 de suas colegas de trabalho de suas rendas.
A principal razão, explicaram os representantes da empresa, foi a
concorrência com a China.
Imagine: até mesmo um emprego com salário de fome em Honduras
ficava vulnerável à concorrência desleal com a entrada em funcionamento
da máquina exportadora chinesa. As dificuldades de Danubia enfatizaram
preocupações que vinham se multiplicando rapidamente entre os Estados-membros da OMC, principalmente os países em desenvolvimento: será
que seus fabricantes sobreviveriam em um mundo em que as fábricas
333
paul blustein
chinesas expandiam seu domínio sobre um número cada vez maior de
setores? Será que teriam a chance de se industrializarem antes que a
concorrência chinesa os aniquilasse? Em caso negativo, como o padrão de
vida de seus habitantes poderia melhorar no futuro? Em outras palavras,
será que o sistema de comércio internacional realmente funcionaria,
proporcionando-lhes vantagens?
Não há nada de novo, é claro, com o fato de alguns setores crescerem
em um país e diminuírem em outro. Mas a velocidade com que essas
transformações aconteciam se acelerara incrivelmente nos últimos anos,
em grande parte por causa do êxito da China em transformar dezenas
de milhões de seus camponeses a cada ano em operários remunerados
com baixos salários em fábricas altamente produtivas. Em nenhum outro
lugar isso era mais verdadeiro do que no setor em que Danubia Rodriguez
trabalhava – o primeiro degrau tradicional na escada da industrialização.
No final da década de 1990, Pequim havia desmantelado uma rede
completamente obsoleta de empresas estatais fabricantes de roupas e
tecidos, extinguindo, assim, mais de 1 milhão de empregos. Das cinzas
desse setor, surgiu um novo e vibrante conjunto de empresas privadas
que investiu pesadamente em fábricas de última geração, com avançadas
máquinas de tecelagem e outros equipamentos modernos. Além disso, as
autoridades chinesas investiram outros bilhões de dólares em estradas e
portos que permitiram agilizar o transporte e a entrega de seus produtos
aos clientes americanos do outro lado do Pacífico. Na época em que
Danubia Rodriguez perdeu o emprego, 18 milhões de chineses estavam
trabalhando em fábricas concorrentes, ganhando um salário médio de
cerca de 68 centavos de dólar por hora.
Senti o ritmo acelerado da globalização a todo vapor durante uma
viagem a Honduras, quando, ao tomar uma cerveja no saguão do hotel
onde estava hospedado, conversei com um americano de 52 anos
chamado B. J. Robbins, que trabalhou para a Garan Incorporated, uma
fábrica de roupas para crianças. Com seu forte sotaque sulista, Robbins
me contou sua história, que guardava extraordinária semelhança com a
de Danubia Rodriguez.
Assim como ela, Robbins vinha de uma família de sete filhos (apesar
de seus irmãos serem todos homens) com pais analfabetos e cresceu
trabalhando pesado no campo. “Comecei a colher algodão aos cinco anos
de idade”, disse-me ele, explicando que seus parentes eram os únicos
334
peter e susan
– feitos um para o outro
meeiros brancos na plantação, em Arkansas, onde moravam. Assim como
ela, melhorou de vida ao conseguir emprego numa fábrica de vestuário.
Nesse ponto, no entanto, houve uma grande diferença: enquanto
Danubia trabalhou em maquilas por seis anos antes que elas fossem à
falência por conta da concorrência externa, Robbins havia trabalhado no
ramo durante 34 anos, tendo sido promovido para um cargo de gerente
de nível inferior, o que lhe proporcionou renda suficiente para comprar
uma fazenda no Mississipi e mandar sua mulher, que também trabalhava
numa fábrica de roupas, para fazer faculdade. Muitas das fábricas de
sua empresa na Geórgia, no Alabama e no Mississipi tinham migrado,
cerca de cinco anos antes, para Honduras, El Salvador e Nicarágua, mas
isso após terem estado no Sul dos Estados Unidos tempo suficiente para
impulsionar o desenvolvimento da região. Consternado, Robbins previa
que Honduras estava destinada a sofrer o mesmo destino, só que mais
rapidamente. “É, os empregos daqui vão migrar para outro lugar”, disse
ele. “Exatamente como aconteceu nos Estados Unidos”.
Um grande motivo de preocupação para Honduras – e para muitos
outros países em desenvolvimento – era que, no dia 1º de janeiro de 2005,
as regras da OMC sobre o comércio internacional de têxteis passariam
pela maior revisão em 30 anos. Tal como observado no Capítulo 2, as
indústrias têxteis de países em desenvolvimento tinham sido forçadas
a operar durante décadas sob um sistema complicado de quotas que
estabelecia limites sobre a quantidade de calças, blusas, camisolas, lençóis
e outros produtos que cada país poderia exportar para os Estados Unidos
e a Europa. Eles lutaram, durante a Rodada Uruguai, para acabar com
esse sistema e conseguiram que Washington e Bruxelas concordassem em
eliminar as quotas em dez anos. No entanto, com a aproximação do final
do prazo previsto para o fim das quotas, os governos de todo o mundo
em desenvolvimento estavam pensando melhor, porque o sistema pelo
menos lhes garantia uma parte do mercado mundial, e esse espaço estava
prestes a ser capturado pela China. Em algumas categorias de produtos
para as quais as quotas já haviam sido eliminadas (roupas de bebê,
mantas e artigos de lã, por exemplo), as exportações chinesas para os
Estados Unidos haviam aumentado, em alguns casos até vinte vezes, em
detrimento de exportadores de outros países. Se compradores de empresas
como J. C. Penney ou Banana Republic pudessem comprar qualquer
quantidade de qualquer produto de quem quer que lhes oferecesse o
335
paul blustein
melhor preço, eles tenderiam a fechar negócio com fornecedores chineses.
O Walmart, por exemplo, que vinha comprando roupas em cerca de 63
países sob o sistema de quotas, planejava reduzir para quatro ou cinco
o número de seus países fornecedores, com a China em primeiro lugar.
Assim, dezenas de nações em desenvolvimento estavam se unindo
para enfrentar a ameaça chinesa a suas indústrias de têxteis e vestuário,
de modo a evitar que se tornassem mero local de passagem temporária
para empresas multinacionais em busca de um sítio definitivo para seus
investimentos produtivos. Alguns desses países estavam negociando
acordos comerciais preferenciais com os Estados Unidos. Um exemplo
notável era o Acordo de Livre Comércio da América Central, que daria
aos fabricantes de roupas de Honduras alguma esperança de salvação ao
tornar os produtos têxteis hondurenhos livres de impostos no mercado
norte-americano. Outros países estavam fazendo lobby por medidas que
prorrogassem um pouco mais o sistema de quotas (e teriam um êxito
limitado a esse respeito). Entre eles estava a Turquia, cuja indústria têxtil
perdeu cerca de um décimo de sua força de trabalho em 2005-2006, em
face da concorrência chinesa.
Para a Rodada Doha, o espectro temível da máquina industrial
chinesa apresentava um problema que foi ficando cada vez mais evidente
em 2007, à medida que o foco se ampliou para as negociações sobre
acesso a produtos manufaturados – ou NAMA (nonagricultural market
access), no jargão da OMC (a sigla refere-se a “acesso a mercados de bens
não agrícolas” e, infelizmente, é empregada com tanta frequência pelos
negociadores comerciais, que seu uso neste livro tornou-se inevitável).
Garantir uma negociação ambiciosa em relação a NAMA era
prioridade máxima para os países ricos. Suas tarifas sobre a maioria dos
produtos manufaturados já é muito baixa. Queriam redução significativa
das barreiras nos mercados emergentes naqueles setores em que são
especialmente competitivos, tais como de produtos químicos, maquinário
e equipamentos médicos.
Porém, num momento em que a China atropelava o mundo
fabril como um trator, a ideia de cortar tarifas não tinha muitos
adeptos entre os países em desenvolvimento da América Latina,
África e Ásia. Um novo argumento começou a ganhar força, ou
melhor, um argumento antigo atualizado para a nova realidade:
talvez os países em desenvolvimento precisassem manter barreiras
336
peter e susan
– feitos um para o outro
tarifárias relativamente altas para suas indústrias mais promissoras,
tal como fora feito durante a era de substituição de importações
nos anos 1960 e 1970, porque, do contrário, corriam o risco de ser
dizimadas pelas importações chinesas. Para os seguidores dessa
escola de pensamento (inclusive Dani Rodrik de Harvard, o cético
da globalização apresentado no Capítulo 5), a palavra de ordem era
“espaço para políticas públicas” (policy space). Isso significava que
governos dos países em desenvolvimento precisavam de alguma
margem de manobra para proteger e auxiliar seus produtores em vez
de simplesmente baixar suas tarifas consolidadas, pois conheciam
melhor quais setores e empresas tinham mais potencial para crescer
e prosperar. Na prática, esse argumento equivalia a puxar os freios
da globalização, ao menos nos países em desenvolvimento.
Claro que uma das grandes desvantagens desse tipo de argumento é
que ele oferecia uma cobertura conveniente para o protecionismo puro –
uma desculpa intelectual para formuladores de políticas atenderem aos
interesses especiais de grupos locais poderosos que buscavam manter o
controle sobre o mercado doméstico de seu país. Outro problema era que
poucos países em desenvolvimento tinham se mostrado competentes
no passado para escolher quais setores mereciam receber proteção. Em
um empreendimento particularmente malogrado, o Brasil usara tarifas
altas durante a década de 1970 como parte de um plano, chamado de
“reserva de mercado para a informática”, cujo objetivo era fomentar a
produção nacional de computadores. Os impostos sobre computadores
estrangeiros tornaram-nos tão caros que as empresas brasileiras,
forçadas a comprar computadores nacionais de baixa qualidade, ficaram
atrasadas no desenvolvimento tecnológico do setor de informática, o
que prejudicou a economia como um todo.
Quaisquer que fossem os méritos de seus argumentos, uma coalizão
poderosa de países em desenvolvimento estava rechaçando pedidos de
países ricos para que a rodada incluísse cortes profundos em tarifas
industriais. Autodenominando-se “NAMA-11”, esse grupo, cujos líderes
incluíam Brasil, África do Sul, Argentina, Índia e Egito, insistia que
os países em desenvolvimento deveriam ser autorizados a aplicar aos
cortes tarifários uma fórmula mais branda do que aquela adotada pelos
países ricos. Eles também queriam que o esquema de corte de tarifas
para produtos manufaturados incluísse brechas, ou “flexibilidades”, de
337
paul blustein
forma a que pudessem excluir alguns produtos de cortes ou sujeitá-los
a cortes menores, de uma forma semelhante ao esquema previsto para
tarifas agrícolas.
Alimentando esse movimento, havia outra preocupação com a China,
compartilhada por vários formuladores em países ricos, e que a OMC
parecia impotente para enfrentar.
[*]
Em meados de 2006, com vistas a atender a crescente demanda
externa, 170 trabalhadores da Shanghai Datong Automotive Industrial
Company, debruçados sobre máquinas barulhentas, fabricavam, às
pressas, grande quantidade de pistões para motores de automóveis.
Segundo os gerentes da empresa chinesa, seu sucesso no exterior se
devia à eficiência e aos baixos custos de produção. “Nossa tecnologia é
boa, nossos salários são baixos e os materiais são abundantes”, declarou
Jin Zhangfu, supervisor de produção da fábrica, ao Washington Post.
Porém, nas cidades do interior dos Estados Unidos onde os
fabricantes de autopeças estavam lutando para sobreviver, recorria-se
a um argumento totalmente diferente – a moeda barata da China – para
explicar a competitividade de empresas como a Shanghai Datong.
Wes Smith, presidente da E&E Manufacturing Company de Plymouth,
Michigan, fabricante de cintos de segurança e outros componentes para
automóveis, atribuía as mazelas que assolavam sua empresa às políticas
adotadas por Pequim, no sentido de manter o valor do yuan rigidamente
controlado em um nível que, segundo ele, dava aos fabricantes chineses
uma vantagem desleal. “Não é que estejamos concorrendo com salários de
um dólar por dia”, protestou Smith. “É que eles subsidiam sua produção
com manipulação monetária”.
Nas últimas décadas, a maioria dos outros grandes países do
mundo permitiu que suas moedas flutuassem em valor nos mercados
internacionais. Não a China, que usou um sistema diferente, que se
baseava em controles estritos sobre entradas e saídas de capital. A
partir de 1995, Pequim manteve o yuan estabilizado à taxa de 8,28 por
dólar norte-americano. Apesar de outras moedas começarem a subir
substancialmente em relação ao dólar em 2002, inclusive o euro, a
libra esterlina, o iene japonês e os dólares canadense e australiano, a
338
peter e susan
– feitos um para o outro
taxa de câmbio do yuan em relação ao dólar manteve-se igual. A China
anunciou, em julho de 2005, que elevaria o valor do yuan em cerca
de 2% em relação ao dólar e permitiu gradualmente que sua moeda
flutuasse de acordo com a oferta e a demanda. Mas, no ano seguinte,
Pequim manteve as valorizações em nível mínimo.
As críticas à política monetária chinesa, que haviam começado
a ganhar impulso em 2004, estavam alcançando um estágio novo
e potencialmente explosivo em 2006 à medida que os fabricantes
chineses galgavam os degraus da produção industrial, passando de
roupas, brinquedos e televisões, para produtos como autopeças. O
secretário do Tesouro Henry Paulson pressionava Pequim a mudar sua
política. Membros do Congresso ameaçavam impor tarifas punitivas
sobre produtos chineses e fabricantes norte-americanos exigiam
que Washington instaurasse um processo na OMC contra Pequim
(essa ideia perdeu impulso quando o Escritório do Representante de
Comércio dos Estados Unidos concluiu que um caso desse tipo era
praticamente impossível de ganhar). Embora alguns economistas
considerassem que essa questão era tratada com certo exagero,
outros argumentavam que a taxa de câmbio do yuan estava defasada
a ponto de constituir uma distorção perigosa no comércio global.
Eles citavam o aumento extraordinário das exportações chinesas,
que tinham praticamente triplicado em relação ao nível de 2002, de
cerca de US$ 325 bilhões, e do aumento em seis vezes no superávit
na conta de transações correntes, a maior medida da diferença entre
exportações e importações. Esses aumentos, por sua vez, estavam
contribuindo para o crescimento dos desequilíbrios no comércio global –
o inflado déficit comercial norte-americano e os crescentes superávits
registrados em outros países. Essa situação suscitava preocupações de
alguns economistas em relação à estabilidade da economia mundial.
Funcionários governamentais chineses defendiam seu regime
monetário como uma opção legítima para sua nação ainda em
desenvolvimento. Limitar a quantidade de dinheiro que entrava e saía
do país ajudava-os a manter a estabilidade do yuan e a evitar as crises
financeiras que tinham atingido seus vizinhos asiáticos no final da década
de 1990, uma proeza que rendeu elogios internacionais a Pequim. A
política do câmbio fixo também ajudara a conter a inflação na década
de 1990. Mas, a poucos anos da entrada no século XXI, o yuan estava
339
paul blustein
bem abaixo – numa margem de 20% a 40% – da taxa de câmbio que
muitos economistas consideravam apropriada. Um fator importante
por trás da política cambial chinesa era o receio de que a valorização
do yuan tornasse as exportações menos competitivas, ameaçando os
empregos. “Tradicionalmente, o crescimento chinês é dependente de
exportações e o governo fica muito nervoso com a possibilidade de
mudar isso”, reconheceu He Fan, um economista da Academia Chinesa de
Ciências Sociais de Pequim, no Post. “Haveria desemprego em massa”.
Para os críticos, Pequim estava praticando uma política econômica de
“empobrecimento do vizinho”1, exportando desemprego para o resto do
mundo.
O que tudo isso tem a ver com a Rodada Doha? Nada, e é justamente
esse o problema. As negociações não incluíram o tema da moeda chinesa,
que surgiu após o lançamento da rodada, mas cujos efeitos sobre o
comércio internacional eram tão sérios — se não mais — do que as
outras questões que estavam sendo negociadas.
Como veremos, a questão cambial chinesa não seria o único
problema emergente no sistema multilateral de comércio a ficar de fora
das negociações de Doha. A agenda negociadora fora definida em 2001 e
revisá-la agora exigiria um consenso totalmente novo entre os membros
da OMC. Portanto, se a ideia era retomar a rodada após sua suspensão
em julho de 2006, a agenda existente e acordada determinaria quais
questões estavam em jogo e quais não estavam.
Foi isso que aconteceu no final de 2006. Em novembro daquele
ano, Lamy anunciou que as negociações se encontravam em estado de
“relançamento brando”. Nesse ponto, desaparecera toda a esperança
de concluir a rodada antes da expiração da Autoridade de Promoção
Comercial. Ainda assim, parecia haver uma chance de que os membros
da OMC pudessem produzir o esboço detalhado de um pacote de Doha
que fosse suficientemente atraente para estimular o Congresso a renovar
a autoridade de alguma forma, talvez a tempo de terminar a rodada em
algum momento no final de 2007 ou 2008. Mais uma vez, portanto,
N. do T.: Beggar-thy-neighbour ou beggar-my-neighbour economics (políticas econômicas
de “empobrecimento do vizinho” ou de “salve-se-quem-puder”) é uma expressão utilizada em
economia para descrever políticas que tentam auferir benefícios para um país em prejuízo de
outros. Essas políticas tentam remediar os problemas econômicos em um país por meios que
tendem a piorar os problemas em outros países.
1
340
peter e susan
– feitos um para o outro
as negociações estariam concentradas na busca de um acordo sobre
modalidades para corte de tarifas e subsídios.
A boa notícia era que os membros da OMC estavam mudando o foco
temático, deixando de dedicar quase toda a sua energia à agricultura. A
má notícia – que estavam voltando sua atenção para o NAMA, o que os
conduziria ainda a um novo constrangimento.
[*]
Quando duas pessoas se detestam intensamente, mas são obrigadas
a conviver, às vezes enviam emissários na esperança de estabelecer
algum tipo de relação funcional. Foi assim com Susan Schwab e Peter
Mandelson no outono de 2006. Ambos entendiam o fato, tantas vezes
articulado por seus predecessores, de que a colaboração entre seus
respectivos governos era necessária (mesmo que não fosse suficiente)
para se chegar a um acordo na OMC. O comissário europeu de Comércio
despachou seu chefe de gabinete, Simon Fraser, a Washington para se
encontrar com Tim Keeler, chefe de gabinete de Schwab, e discutir meios
para superar a desconfiança e a animosidade que se desenvolvera entre
os dois ministros durante as reuniões de meados de 2006 em Genebra.
Um dos problemas a resolver era o receio existente entre os americanos
de que Mandelson não estava verdadeiramente interessado num acordo
nas negociações de Doha. Seu objetivo principal seria garantir que
Washington levasse o máximo de culpa pelo impasse. Graças, em parte,
às reuniões entre os chefes de gabinete, essas preocupações foram
minimizadas. Schwab e seus assessores concluíram que Mandelson
realmente desejava um pacto, sobretudo por seu interesse em deixar um
legado positivo. Mas as condições teriam de ser razoavelmente aceitáveis
do ponto de vista europeu. Afinal, suas duas participações à frente de
ministérios britânicos haviam terminado de forma desastrosa. Era mais
do que lógico que ele quisesse que sua gestão em Bruxelas produzisse
uma realização de monta.
Assim foi que, embora os contatos diretos entre Schwab e Mandelson
continuassem limitados, os negociadores seniores de ambos os lados
iniciaram uma série de reuniões visando a resolver algumas das questões
que tinham provocado tanta ira em meados de 2006. O gelo entre os dois
começou a derreter-se paulatinamente, à medida que receberam de seus
341
paul blustein
subordinados relatórios positivos sobre os entendimentos informais que
estavam alcançando em suas reuniões.
Os negociadores europeus foram capazes de oferecer aos norte-americanos maior grau de acesso aos mercados europeus para
produtos importantes para Washington, como carne bovina e de aves.
Isso não significava que os europeus tivessem, subitamente, decidido
eliminar suas barreiras comerciais de uma maneira que fosse elogiada
pelos economistas como uma grande dádiva para os livres mercados
e o crescimento em países em desenvolvimento. Em vez disso, tanto
Washington quanto Bruxelas conseguiram trabalhar em acordos
mutuamente satisfatórios. Esses entendimentos foram chamados de
“acordos sujos” por alguns no Secretariado da OMC, e com razão. Para
cada produto que a União Europeia queria proteger de cortes profundos
de tarifas, usando a exceção para produtos sensíveis, era necessário dar
algum acesso adicional a mercados para esse mesmo produto, sob a forma
de uma quota de importação, isto é, um valor limitado em tonelagem
que seria importado a um imposto muito baixo. Negociadores norte-americanos conseguiram que suas contrapartes da União Europeia se
comprometessem em expandir suficientemente essas quotas nos casos
de produtos em que agricultores americanos fossem muito competitivos.
Assim, Washington poderia ficar satisfeito de saber que os exportadores
agrícolas dos EUA teriam desempenho razoavelmente bom na Europa.
Por mais incompatíveis que esses “acordos sujos” fossem com os
princípios de Adam Smith, eles ajudaram a resolver um problema político
para os negociadores norte-americanos (outros países fecharam acordos
semelhantes usando o mesmo mecanismo).
Os europeus, por sua vez, ficaram moderadamente satisfeitos, ao
ouvir de Joseph Glauber, principal negociador agrícola dos EUA, que
Washington poderia reduzir o teto para seus subsídios agrícolas em
pelo menos dois bilhões de dólares relativamente aos US$ 19 bilhões
que Schwab oferecera antes. Essa redução se devia em parte ao fato de
Glauber ter achado uma maneira de contabilizar um valor substancial
de seguro de safra nos EUA como subsídio tipo “caixa verde” em
vez de subsídios de “caixa amarela”. Embora essa concessão não
acarretasse nenhuma mudança substancial nos programas agrícolas
norte-americanos, isso significava que os Estados Unidos poderiam se
comprometer a reduzir o teto de seus subsídios para um nível inferior
342
peter e susan
– feitos um para o outro
ao que haviam oferecido anteriormente sem provocar uma tempestade
de fogo nos lobbies agrícolas americanos.
Essa aproximação entre Estados Unidos e União Europeia preparou,
em grande medida, o terreno para o início do próximo ato do drama da
Rodada Doha. Para montar o palco e o cenário adequados, é preciso
invocar um evento ocorrido nos dias finais da Segunda Guerra Mundial,
quando o Terceiro Reich desmoronava e o Império Japonês batia em
retirada.
Os amantes da História se lembrarão de que em Potsdam, na
Alemanha, os líderes dos “Três Grandes” – Estados Unidos, Grã-Bretanha
e União Soviética – se reuniram em julho de 1945 para tomar decisões
importantes sobre a divisão e a administração do Estado nazista derrotado
e sobre os termos da rendição do Japão. Essa reunião entre Harry Truman,
Winston Churchill e Joseph Stalin foi realizada no Palácio Cecilienhof,
que outrora abrigara a realeza prussiana.
Truman, Churchill, Stalin: substitua esses nomes por Schwab,
Mandelson, Amorim e Nath. No mesmo local em Potsdam onde os Três
Grandes tinham se encontrado, os ministros representando os Estados
Unidos, a União Europeia, o Brasil e a Índia nas conversações de Doha – o
“G-4”, como se autodenominavam – se reuniram em junho de 2007. As
discussões informais que haviam mantido entre si tinham avançado até
o estágio em que estariam supostamente prontos para concluir o acordo
que não tinham sido capazes de fechar um ano antes. Assim, concordaram
em se encontrar no Cecilienhof, que hoje é um hotel resort, e convidaram
seus colegas do Japão e da Austrália, membros do G-6, para se juntar a
eles na etapa final da reunião de cinco dias.
Truman, Churchill, Stalin: sorte deles nunca terem tido a obrigação
de lidar com o “coeficiente NAMA”.
[*]
A construção do Cecilienhof condiz com seu status de antigo
palácio. O prédio foi projetado no estilo Tudor de uma casa senhorial
rural inglesa, numa construção de tijolinhos e madeirame de carvalho,
chaminés entalhadas e pátios, com belos jardins e trilhas para caminhadas,
para diversão dos hóspedes. Infelizmente, suas acomodações tendem
a ser rústicas. Os ministros de Comércio do G-4 e seus principais
343
paul blustein
assessores ficaram desapontados ao se verem alojados em quartos que,
aparentemente, não tinham sofrido reformas desde a era Truman. Seus
cômodos eram quentes e abafados e o ar-condicionado da sala de reuniões
era barulhento, de modo que os participantes tinham que optar entre ficar
numa temperatura agradável ou ouvirem uns aos outros. No quarto que
alojava um membro do destacamento do Serviço Secreto de Schwab, o
carpete estava tão mofado que ele teve de se abster de fazer sua quota
diária de flexões de braço. O banheiro de Amorim cheirava mal.
O ambiente desconfortável só acentuava as substanciais divisões
entre os participantes, que, embora diferissem da situação anterior em
termos de quem lutava contra quem, não eram menos profundas.
Amorim e Nath ficaram estarrecidos de ver como Schwab e Mandelson
estavam se dando bem. Ela não se portava de maneira prepotente com ele
em relação às tarifas agrícolas europeias, nem Mandelson a sabatinava
sobre a questão dos subsídios. Em vez disso, agiram juntos exercendo
pressão sobre os países em desenvolvimento com relação ao tema de
NAMA. A reunião logo degenerou para um confronto Norte-Sul, com a
presença dos fabricantes ultracompetitivos da China sendo nitidamente
sentida mesmo que nenhum chinês estivesse entre eles.
Em relação aos cortes de tarifas sobre produtos manufaturados,
Amorim declarou: “Não podemos nem pensar em aplicar os números
mencionados pelos Estados Unidos e pela União Europeia”, sob o risco
de “desindustrializar o Brasil” em setores como o automobilístico e o de
autopeças, entre outros. O Brasil precisava manter seu direito de impor
tarifas altas sobre produtos manufaturados de forma a preservar “margem
de manobra em suas políticas para lidar com a China”, disse Amorim,
de acordo com as notas tomadas na reunião.
De fato, o governo brasileiro já estava exercendo “margem de
manobra” em suas políticas ao aumentar tarifas para deter a concorrência
chinesa. Poucas semanas antes, em 25 de abril, o Ministro da Fazenda
brasileiro anunciara planos para aumentar impostos sobre vestuário e
calçados, de 20% até o teto máximo da tarifa consolidada na OMC, de
35%. Essa medida fora adotada em resposta a uma intensa pressão dos
fabricantes de roupas e calçados do país. Eles empregavam 1,6 milhão
de brasileiros e estavam clamando por um alívio nas importações, que
tinham mais do que dobrado nos três anos anteriores, sendo que cerca
de metade desses produtos estrangeiros vinham da China.
344
peter e susan
– feitos um para o outro
O número que Amorim “não poderia nem pensar em aplicar”, isto
é, o número que Schwab e Mandelson defendiam, era um coeficiente
NAMA de 18. A matemática envolvida não precisa ser aprofundada aqui.
Basta dizer o seguinte: quanto mais baixo o coeficiente, mais profundos
os cortes das tarifas; quanto mais alto o coeficiente, mais brandos os
cortes; o coeficiente é equivalente à tarifa máxima permitida. Um país
com um coeficiente de 18 poderia manter tarifas consolidadas de, no
máximo, 18%, por exemplo. Amorim disse que não poderia aceitar um
coeficiente inferior a 30. Nesse nível, o Brasil poderia manter suas tarifas
consolidadas em até 30%.
Nath endossou a posição de Amorim e, na verdade, assumiu uma
postura ainda mais dura sobre o coeficiente. “Vocês querem que a
gente pague pelo lucro de outro”, disse o ministro indiano a Schwab e
a Mandelson, querendo dizer que, ao fazer concessões para apaziguar
os americanos e europeus, os países em desenvolvimento estariam
beneficiando a China.
O ar-condicionado decrépito da sala de reuniões era sucessivamente
ligado e desligado por causa de seu estrondo irritante, enquanto Mandelson
fazia o máximo para deixar claro como a União Europeia achava a
posição brasileira e indiana irracional. “Não avançaremos no acesso aos
mercados agrícolas e nos subsídios se não chegarmos a uma conclusão
sobre NAMA”, disse o comissário europeu de Comércio, acrescentando
que a meta tinha de ser reduzir tarifas consolidadas o suficiente para que
o resultado final ficasse abaixo dos níveis efetivamente aplicados. Com
base em cálculos cuidadosos, afirmou que tarifas aplicadas de países em
desenvolvimento só seriam afetadas se eles adotassem um coeficiente
NAMA de 20 ou menos. Acima desse número, “o acesso aos mercados
é insuficiente”.
Schwab apoiou seu novo aliado em relação à necessidade de cortes
nas tarifas consolidadas que fossem profundos o bastante para atingir
as taxas aplicadas. Se tal providência não fosse tomada logo, disse
ela, as negociações sofreriam uma “espiral decrescente geral” na qual
os membros mais importantes retirariam as concessões oferecidas em
outras áreas, principalmente na agricultura. Referindo-se à declarada boa
vontade de Washington em baixar seu teto de subsídios agrícolas para
US$ 17 bilhões, ela advertiu: “Se o tema de NAMA acabar como uma
ambição frustrada, subiremos nosso teto de subsídios para acima de 17”.
345
paul blustein
Amorim reagiu aos americanos e europeus com um misto de
conciliação e bazófia. Tal como relatou aos jornalistas brasileiros mais
tarde, ele se sentia com se estivesse vivendo uma “Cancún II”, em que os
Estados Unidos e a União Europeia tinham vindo para a reunião com um
entendimento pré-acordado visando minimizar os cortes que teriam de
fazer em subsídios e tarifas agrícolas. Disse que estava disposto a tentar
abordagens “criativas” ao tema de NAMA se obtivesse concessões maiores
de nações ricas em relação à agricultura, mas essas concessões teriam de
superar todas as anteriores, com maiores cortes tarifários por parte da
Europa e ainda mais redução de subsídios por parte dos Estados Unidos.
“Se tivermos de romper as negociações, então que assim seja”, disse
o ministro brasileiro em desafio. “Precisamos de resultados conclusivos”
em acesso a mercados e subsídios agrícolas. A isso, Mandelson replicou:
“Não podemos ir ao máximo das nossas concessões se vocês não puderem
aceitar um coeficiente NAMA inferior a 25”. Não havia como fazer tal
troca. Amorim retorquiu: “Ontem à noite, vocês estavam falando numa
faixa de US$ 15,8 a US$ 16 bilhões [como teto para os subsídios agrícolas
norte-americanos]. Isso implicaria um coeficiente de 30 para nós”.
Não existe relação lógica entre o valor dos subsídios que Washington
poderia dar aos agricultores americanos e o grau de proteção de que os
produtores industriais brasileiros precisavam. Mas é essa a natureza da
barganha na OMC, em que cada ministro é obrigado a registrar mais
vitórias do que fracassos.
Desnecessário continuar descrevendo as idas e vindas da reunião. O
triste desfecho pode ser retratado no breve relato de uma longa odisseia – as
viagens de Warren Truss, ministro de Comércio da Austrália, cuja experiência
foi emblemática para o episódio de Potsdam.
Na esperança de se juntar aos outros ministros na última etapa da
sessão de cinco dias em Potsdam, Truss viajou de Camberra para Sidney,
de lá para Dubai e depois até Berlim, com escala em Frankfurt. Porém,
ao descer do avião na capital alemã em 22 de junho, o terceiro dia de
reunião, foi saudado por um abatido diplomata australiano portador de
más notícias. A reunião já fora por água abaixo. O G-4 acabara de dar
uma coletiva de imprensa, acusando-se uns aos outros.
E mais uma coisa, disse o diplomata, desculpando-se: a bagagem de
Truss tinha se extraviado em Frankfurt. O ministro só recuperaria sua
mala uma semana depois de voltar à Austrália.
346
peter e susan
– feitos um para o outro
[*]
O ciclo de morte e ressurreição começava dar sinais de fadiga. Por
três vezes consecutivas, manchetes estampando as palavras “fracasso” e
“colapso” haviam se seguido à ampla divulgação de reuniões ministeriais
para tratar da Rodada Doha. Desde 2004, os membros da OMC não
conseguiam fechar um acordo que pudessem alardear como um avanço
significativo, e até mesmo o acordo-quadro de 2004 parecia problemático
quando visto em retrocesso.
Não havia motivo para preocupação. Durante dez anos, o comércio
global crescera a uma taxa de quase 6% ao ano. Com ou sem Rodada
Doha, a economia mundial em junho de 2007 estava indo muito bem. O
que poderia perturbar esse estado de graça?
347
Capítulo 12
Mesmo as exceções têm exceções
De início, Pascal Lamy não entendeu a piada quando Susan Schwab
deu-lhe de presente uma cópia do filme Feitiço do Tempo (Groundhog
Day, ou O Dia da Marmota, no título original) durante a reunião que
tiveram em Washington na primavera de 2008. Por ser francês, não
conhecia a comédia de 1993 sobre um homem que se vê vivendo o mesmo
dia – 2 de fevereiro, o Dia da Marmota – várias vezes. Na verdade, Lamy
nunca tinha ouvido falar do feriado nem da celebração piegas realizada em
uma cidadezinha da Pensilvânia, vivida repetidamente pelo protagonista,
e na qual multidões se reúnem para assistir a uma marmota sair de sua
toca. Mas depois que o diretor-geral da OMC assistiu ao filme, conseguiu
perceber o humor por trás do gesto de Schwab.
Afinal de contas, o que poderia ser mais parecido com o Feitiço do
Tempo do que a Rodada Doha?
Da mesma forma que o protagonista do filme tem uma sensação
esmagadora de déjà vu quando acorda de manhã e percebe que viverá
outro 2 de fevereiro quase idêntico ao anterior, Schwab e seus colegas
ministros do Comércio sentiam que tudo se repetia com impressionante
semelhança nos rituais que observavam anualmente nas negociações
de Doha. Desde 2003, cada novo ano começara com exortações para se
chegar a um resultado definitivo na rodada. O processo também adquirira
uma rotina monótona: os ministros do Comércio se reuniriam no início de
349
paul blustein
janeiro no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, normalmente
para um almoço, após o qual fariam declarações solenes afirmando sua
intenção de alcançar êxito naquele ano no acordo sobre modalidades
ou pelo menos algo próximo a isso. O fato de terem fracassado no ano
anterior seria mencionado como uma razão adicional para redobrarem
seus esforços. Em resposta a perguntas de repórteres céticos, os ministros
insistiam que o ano seguinte seria diferente dos anteriores.
Entre observadores da Rodada Doha, os meses iniciais de 2008
suscitaram uma nítida sensação de Feitiço do Tempo. Como sempre,
os ministros se encontraram para almoçar em Davos e, como sempre,
sua retórica soou repetitiva: “Um ano de vai-ou-racha”. “Ano de
necessidade”. “Os próximos dois ou três meses são cruciais”. E, como
sempre, a mídia assinalou o fato de que expressões semelhantes haviam
sido enunciadas em circunstâncias quase iguais nos anos anteriores.
Sob alguns aspectos, as perspectivas para a rodada pareciam mais
sombrias em 2008 do que antes, graças principalmente às forças políticas
nos Estados Unidos. A Autoridade de Promoção Comercial tinha
expirado, e havia pouca chance de que o Congresso – agora nas mãos
dos democratas – a renovasse nesse ano, pois faltavam apenas alguns
meses para a eleição presidencial. A eleição também significava que os
países envolvidos em negociações com Washington não poderiam ter
certeza se o governo seguinte aceitaria um acordo herdado da equipe
Bush. Essa incerteza provocou um natural desestímulo na boa vontade dos
negociadores em fazerem concessões em prol da garantia de um acordo.
Quem estaria disposto a atrair a ira dos grupos de interesse domésticos,
dado o risco de que não haveria nada de positivo para mostrar em troca?
Além disso, o Congresso iria votar mais um dispendioso projeto de lei
agrícola válido para os próximos cinco anos que, a exemplo da versão
de 2002, colocava em questão a vontade política de Washington quanto
à redução de seus programas de subsídios agrícolas.
Porém, havia também motivos para otimismo acerca das perspectivas
da rodada em 2008. A situação de fraqueza do final do governo Bush
significava que a Casa Branca estaria particularmente ávida por chegar
a um acordo, de modo a valorizar o legado do presidente. Os assessores
da Casa Branca estavam exercendo pressão considerável sobre Schwab
para chegar a um acordo, pelo menos sobre modalidades. Os negociadores
norte-americanos não tiveram receio de mencionar a seus homólogos
350
mesmo as exceções têm exceções
de outros países que talvez não houvesse melhor momento para fechar
um acordo do que nos meses anteriores à mudança de governo, pois
ninguém sabia quem seria o novo presidente, muito menos que tipo de
política comercial o novo governo adotaria. O fracasso em se chegar a
um acordo em 2008 implicaria que os membros da OMC teriam de tentar
sua sorte com quem quer que vencesse as eleições para a Casa Branca.
Em outras palavras, perder-se-ia uma oportunidade de ouro para avançar
na negociação com interlocutores americanos que estavam dispostos a
mostrar flexibilidade em algumas das questões mais controversas.
Além disso, uma maneira inteiramente nova de conduzir as
negociações de Doha tinha começado nas semanas anteriores à reunião de
Potsdam, em junho de 2007. Os resultados iniciais dessa nova abordagem
eram promissores. Passados poucos meses desde o início da negociação
sobre modalidades, os negociadores relatavam, com entusiasmo, que
estavam fazendo progressos. Tinham, de fato, avançado mais nesse
período do que nos seis anos anteriores. Quem ousaria pensar que,
depois de ficar paralisada por tanto tempo, a rodada sairia da situação
de Feitiço do Tempo?
Tudo isso aconteceu no contexto de estremecimentos cada vez mais
atordoantes na economia global. No final do verão e início do outono de
2007, a empresa Countrywide Financial, gigante dos empréstimos de
alto risco, quase entrou em falência; desastres em operações de hedge
atingiram um banco francês; mercados de créditos emperraram e o
Merrill Lynch anunciou prejuízos espantosamente elevados. A retração
do mercado mundial de ações em janeiro de 2008 transformou-se numa
debandada geral em março, quando o colapso do banco de investimentos
Bear Stearns resultou na liquidação relâmpago da instituição, com uma
intervenção sem precedentes do governo americano.
O que esses acontecimentos pressagiavam não estava claro. Mas o
bom senso sugeria que esse era um bom momento para reforçar as bases
do sistema global de comércio.
[*]
Crawford Falconer é um diplomata de carreira, especializado em
comércio, de cabelo castanho avermelhado e barba grisalha curta, óculos
retangulares e um senso de humor irreverente. Este último traço de sua
351
paul blustein
personalidade ajudou Falconer, que era embaixador da Nova Zelândia
na OMC, a desempenhar uma missão que assumiu em meados de
2007: articular uma solução de compromisso em agricultura de modo a
garantir o consenso entre os membros da OMC. Este era um desafio que
assumiu como presidente das negociações agrícolas da Rodada Doha
e, no processo de redigir um texto que pudesse satisfazer as posições
divergentes de numerosos países, ele soltava, aqui e ali, comentários de
fina ironia sem perder a elegância.
“Tive de sofrer para escrevê-lo. Então vocês terão de sofrer para
lê-lo. Perdão, não há uma versão resumida e ilustrada”, disse Falconer
aos repórteres no Centro William Rappard, em 17 de julho de 2007,
ao apresentar um documento cheio de expressões do tipo “tetos AMS
específicos para produtos”, “compromissos sobre tarifas de importação
em nível de 6 dígitos” e “níveis de de minimis de acordo com o Artigo
6.4(b)”. Cada vez mais filosófico acerca da dificuldade de se chegar a
um equilíbrio entre argumentos opostos a respeito de subsídios e tarifas
agrícolas, ele gracejou: “Se eu estiver errado, os membros dirão que
estou errado. Mas eles dirão que estou errado de qualquer jeito, mesmo
que esteja certo”.
Falconer era um dos atores principais no que poderia ser chamado
de Rodada Doha 2.0. Os problemas eram os mesmos de antes, mas,
por algum tempo pelo menos, as conversas foram conduzidas ao
largo dos “Senhores do Universo” – os ministros dos países mais
poderosos da OMC, como o G-4 e o G-6. Agora, a responsabilidade
de se alcançar convergência sobre as grandes questões estava
passando dos ministros para os funcionários especializados em
comércio em diversos governos da OMC – gente profundamente
conhecedora dos detalhes técnicos das questões em jogo e cujos
atos passariam despercebidos pela mídia. Esta era uma abordagem
que, na opinião de muitos em Genebra, deveria ter sido aplicada há
bastante tempo. Acreditava-se que Lamy havia perdido um tempo
considerável ao apostar em reuniões com poucos ministros antes que
os fundamentos de um acordo estivessem lançados. Na opinião de
seus críticos, Lamy – devido a todo o brilhantismo e percepção aguda
dos problemas – era apegado demais ao modelo que ele e Zoellick
haviam usado para fechar o acordo-quadro de 2004. Não se esperava
que os ministros resolvessem suas diferenças em razão do caráter
352
mesmo as exceções têm exceções
complexo e multifacetado dos inúmeros problemas não resolvidos
que tinham diante de si. Potsdam também convencera Lamy de que
era inútil insistir nesse modus operandi. É claro que as conversas
entre altos funcionários e embaixadores na OMC não poderiam ir
muito longe. Em algum momento, os ministros precisariam tomar
decisões políticas acerca de pontos espinhosos importantes. Mas,
nesse ínterim, o novo mantra em Genebra, a partir do verão de 2007,
era que a única maneira de se negociar um acordo seria analisando
questão por questão, durante semanas, se necessário. Como Falconer
explicou em sua coletiva de imprensa de julho de 2007: “Vai ser
tedioso, burocrático e difícil. Mas é a única forma de se concluir esse
tipo de negociação. Já se tentou forçar um acordo, mas isso não deu
certo. Tudo o que resta é o estilo detalhado e exaustivo de negociar”.
Com ironia velada, Falconer usou o termo “passeio no bosque” para
descrever as reuniões que teve com um número reduzido de representantes
dos países-membros da OMC, a fim de captar suas opiniões sobre vários
aspectos do acordo agrícola. O termo se referia a um famoso passeio
feito no início da década de 1980 numa floresta fora de Genebra por
negociadores dos Estados Unidos e da União Soviética, durante o
qual foram acertadas as condições de um acordo sobre controle de
armamentos. Na versão de Falconer, os participantes do passeio no bosque
ficavam, em sua maioria, sentados em escritórios. Mas os “passeios” de
Falconer desempenharam um papel tão importante quanto os passeios dos
negociadores norte-americanos e soviéticos. O neozelandês não estava
tentando redigir um texto que fosse o mais economicamente sensato
do ponto de vista do comércio agrícola internacional. Em vez disso,
seu objetivo era construir um texto que facilitasse o consenso, dando a
impressão de que os pontos de vista da maioria dos membros da OMC
haviam sido levados em conta.
Os funcionários da OMC fizeram amplo uso de metáforas para tentar
explicar como o novo processo era melhor do que o antigo. O sapo
estava sendo cozido lentamente em vez de ser jogado numa frigideira
escaldante da qual certamente saltaria. A casa começava a ser construída
a partir das paredes e dos andaimes, de forma que os ministros só seriam
convocados no momento de colocar o teto por cima de tudo. A partida
de futebol estava sendo jogada com trocas coordenadas de passes até a
cara do gol e não com chutes do meio de campo.
353
paul blustein
Igualmente envolvido e desempenhando um papel central nessa
mistura de sapos cozidos, casas em construção e armação de jogadas,
estava Donald Stephenson, o embaixador canadense e presidente das
negociações referentes a outro grande problema na rodada – NAMA.
Stephenson era muito mais conservador em comparação a Falconer.
Enquanto o neozelandês podia alardear décadas de experiência em
matéria de comércio, Stephenson passara a maior parte de sua carreira
no Canadian Heritage, o departamento de assuntos culturais do governo
canadense. Porém, sua falta de experiência era compensada por uma
capacidade extraordinária para o trabalho metódico, lógica rigorosa e
paciência para longas reuniões. Também levava muito a sério a reputação
do Canadá na diplomacia internacional de ser um mediador honesto e
um construtor de pontes entre países ricos e pobres. Ao apresentar seu
primeiro texto na mesma coletiva de imprensa de julho de 2007 em
que Falconer mostrou o seu, Stephenson explicou: “Este texto não tem
sustentação própria. Não foi acordado por ninguém... É a minha melhor
avaliação daquilo que poderia constituir um consenso, com base em cerca
de 1.000 horas de escuta dos relatos dos membros”.
Vejam bem: à medida que uma quantidade cada vez maior de
andaimes e paredes foi se erguendo, uma versão plausível da Rodada
Doha começou a tomar forma com um grau de detalhamento que não
se tinha visto até então. De vez em quando, Falconer e Stephenson
apresentavam versões revisadas de seus textos com base nas discussões
que haviam mantido com os negociadores dos países-membros em
Genebra. A cada nova versão do texto, eles reduziam o número de
questões que os ministros não tinham conseguido resolver – algumas
delas tinham sido complexas demais para os Senhores do Universo (um
tema que levou meses para ser esgotado envolvia o método do cálculo do
consumo dos produtos sensíveis – se, por exemplo, os números do volume
de consumo de açúcar deveriam, ou não, incluir produtos processados
como biscoitos e refrigerantes). Claro que algumas das disposições
contidas nos textos haviam sido decididas de antemão – principalmente
a eliminação de subsídios às exportações de produtos agrícolas. Mas
a Rodada Doha 2.0 estava avançando de forma tediosa, burocrática e
difícil, tal como previsto por Falconer.
As coisas não podiam ter sido mais enfadonhas e burocráticas,
por exemplo, do que quando Joe Glauber, o negociador-chefe dos
354
mesmo as exceções têm exceções
EUA para agricultura, tranquilamente mencionou em uma reunião
presidida por Falconer em 19 de setembro de 2007, que os Estados
Unidos poderiam aceitar “como base para negociação” a faixa de
US$ 13 bilhões a US$ 16,4 bilhões proposta no texto como limite
máximo anual para subsídios norte-americanos que causam distorções
nos preços dos produtos agrícolas. Embora esse sinal de flexibilidade
por parte dos EUA não constituísse um compromisso firme de reduzir
subsídios – pois, como sempre, isso dependia de concessões de outros
países –, representava, de qualquer maneira, um movimento adiante.
Os números dessa faixa eram bastante inferiores aos US$ 17 bilhões
que Sue Schwab estipulara anteriormente como sendo o mínimo que
Washington poderia aceitar.
O progresso, no entanto, tinha um preço, tal como ilustrado pelos
comentários de Stephenson em uma de suas coletivas de imprensa. O
normalmente bem-humorado canadense não conseguiu esconder sua
irritação, tão exausto tinha ficado em “gastar centenas de horas estafantes
em consultas com os membros”. O problema, disse ele, era que as
tentativas de se chegar a um meio termo eram como “assobiar e chupar
cana ao mesmo tempo”.
De fato, a proposta de NAMA articulada por Stephenson estava
repleta de brechas e exceções, as quais, por sua vez, apresentavam
suas próprias brechas e exceções. Na opinião de Stephenson, essa era
a única forma de dar conta de um dos temas mais contenciosos da
negociação: se, tal como era do interesse dos países ricos, os países
em desenvolvimento seriam obrigados a abrir substancialmente
seus mercados para importações de produtos industriais ou se esses
países preservariam a prerrogativa de manter suas barreiras em níveis
elevados com vistas a preservar espaço para políticas industriais, ou
por outras razões.
Stephenson começou com um número de compromisso para a fórmula
geral de corte tarifário a ser adotada pelos países em desenvolvimento.
Seu texto de julho de 2007 pedia-lhes que cortassem suas tarifas usando
um coeficiente entre 19% e 23% – isto é, suas tarifas máximas seriam
reduzidas até algum ponto dentro dessa faixa de opções.
Aí veio a parte de chupar cana – o primeiro conjunto de exceções.
De acordo com o plano de Stephenson, os países em desenvolvimento
poderiam isentar 5% de seus produtos manufaturados de quaisquer cortes
355
paul blustein
tarifários. Ou, se eles assim preferissem, poderiam aplicar metade do
corte tarifário geral a 10% de seus produtos*.
Se tudo isso soar muito complicado, não será nada comparado com outros
tipos de exceções que Stephenson se sentiu compelido a incluir. Os países que
pertenciam a determinados acordos regionais de comércio – o MERCOSUL,
no caso da América do Sul, e a União Aduaneira da África Austral (SACU,
na sigla em inglês) – argumentavam que, por motivos técnicos, ficariam
em desvantagem com o plano de Stephenson, de modo que insistiram em
prerrogativas especiais para isentar de cortes tarifários uma quantidade ainda
maior de seus produtos industriais. Outros países em desenvolvimento queriam,
e obtiveram, tratamento especial por diferentes motivos. As nações que haviam
ingressado na OMC nos anos anteriores – China e Taiwan eram exemplos
notáveis – enfatizaram que já haviam sido obrigadas a fazer cortes profundos
em suas tarifas quando se tornaram membros. Com base em argumentos
completamente diferentes, o governo esquerdista da Bolívia defendia total
isenção de cortes para todos os seus produtos porque o país era quase tão pobre
quanto os países de menor desenvolvimento relativo da OMC, os quais seriam
poupados de qualquer compromisso de redução de barreiras.
A orgia de criação de exceções no texto de Stephenson inspirou
uma piada amarga, cujo humor era inteligível apenas aos iniciados
nos mistérios do jargão do comércio. “Qualquer um que leia este
documento... terá de concluir que NAMA significa “nenhum acesso
adicional a mercados” (no additional market access), bufou Peter
Allgeier, embaixador dos EUA na OMC, em reunião com negociadores
de outros países em 27 de maio de 2008.
Foi aí que veio a parte mais complicada – as exceções às exceções.
Os Estados Unidos, com o apoio de outros países-membros ricos,
apresentaram várias propostas que garantiriam acesso aos mercados
de pelo menos alguns grandes países em desenvolvimento. E, mais
importante ainda, Washington pedia que a rodada incluísse acordos
“setoriais” – acordos pelos quais alguns países-chave eliminariam
totalmente suas tarifas, ou as reduziriam a quase zero em determinados
*
Esses números suscitaram críticas acerbas de países em desenvolvimento, que exigiam uma
flexibilidade muito mais ampla para proteger suas indústrias. Assim, em versões posteriores de
seu texto, Stephenson permitiu maiores isenções para países que escolhessem fórmulas mais
rígidas de corte tarifário e isenções menores para países que escolhessem fórmulas menos
rigorosas.
356
mesmo as exceções têm exceções
setores. Os americanos tinham grande interesse em obter esses acordos
para os setores de químicos, maquinário industrial e equipamentos
elétricos. Argumentavam que se o Brasil, a China e a Índia ficassem de
fora desses acordos, os benefícios da Rodada Doha seriam insignificantes
para os exportadores norte-americanos. Mas a ideia gerou uma resistência
firme dos países em desenvolvimento com base na alegação de que
desde a primeira vez que esse assunto fora mencionado na Rodada,
houve um entendimento de que a participação em acordos setoriais seria
estritamente voluntária.
Enquanto em Genebra se assobiava e chupava cana ao mesmo tempo,
presenciava-se, no mundo real, bem longe da atmosfera rarefeita do
Centro William Rappard, uma série de acontecimentos que mudariam
completamente os preceitos econômicos sobre os quais se baseara a
Rodada Doha.
[*]
No Egito, manifestantes incendiaram carros e quebraram janelas e
vitrines. No Haiti, pelo menos cinco pessoas foram mortas e os feridos
lotaram hospitais depois que multidões tomaram as ruas atirando pedras,
saqueando lojas e atacando veículos. Dez mil bangladeshis fizeram um
tumulto em Daca, a capital de seu país. Cidadãos do Iêmen incendiaram
delegacias e bloquearam estradas. Em várias cidades de Burkina Faso,
manifestantes incendiaram prédios do governo. Protestos semelhantes
ocorreram no Senegal, na Mauritânia, nos Camarões, na Costa do Marfim
e em muitos outros países.
Todos esses episódios, ocorridos nos primeiros meses de 2008, foram
motivados pela mesma queixa: os altos preços dos alimentos. O custo do
arroz, um alimento básico para cerca de metade dos habitantes do planeta,
tinha mais do que dobrado em relação ao nível de 2007. Os preços do trigo
tinham quadruplicado desde 2000 e os do milho tinham quase triplicado.
Essas elevações de preços eram provocadas pelo crescente consumo da
classe média em rápida expansão na Ásia e na América Latina. Nessas
regiões, crescera fortemente a demanda por pão, tortilhas e arroz, além
de carne e leite. O milho é insumo para estes dois últimos produtos,
na medida em que é usado na ração de rebanhos bovinos e de plantéis
de aves. Outros fatores foram a elevação dos preços do petróleo, que
357
paul blustein
pressionou o custo do fertilizante, e o programa do etanol nos Estados
Unidos, que desviava milhões de toneladas de milho para a produção de
combustível para automóveis.
A elevação do custo dos alimentos provocou transformações muito
mais importantes nas políticas governamentais do que qualquer mudança
que pudesse resultar da Rodada Doha. Muitos países estavam baixando
suas tarifas para produtos agrícolas – entre eles a Índia, a Indonésia,
a Turquia e o Peru, que reduziram drasticamente seus impostos sobre
produtos como trigo, farinha, soja, cevada e milho. O objetivo dessas
medidas era reduzir os preços dos alimentos aos consumidores mais
pobres, que gastam cerca de 50% a 60% de sua renda com comida.
Nesse ínterim, nos Estados Unidos, os subsídios agrícolas entraram em
declínio – em 2007, o total dos gastos dos EUA fora de apenas US$
8,5 bilhões. Esse movimento obedecia à lógica de funcionamento dos
programas norte-americanos de apoio agrícola em épocas de preços
altos. É claro que essas mudanças não eram obrigatórias, como seriam
num acordo da OMC, de forma que os governos poderiam revertê-las
a qualquer momento. Mas as medidas ressaltavam como, no sétimo
ano da rodada, as condições eram completamente diferentes das que
prevaleciam no primeiro ano. A antiga lógica – de que os agricultores
pobres precisavam desesperadamente dos preços mais altos possíveis
em mercados mundiais mais abertos e livres de subsídios – parecia
lamentavelmente desatualizada.
O novo problema na política de comércio de alimentos era o oposto
das tarifas de importação. Tratava-se dos controles de exportações.
Para manter o máximo possível de cereais e outros produtos agrícolas
disponíveis para consumo da população local, mais de vinte governos
impuseram restrições ou altos impostos sobre exportações. Em
alguns casos, proibiram totalmente as vendas ao exterior, afetando
principalmente produtos como o arroz, o trigo, o milho, o feijão e a carne
bovina. A Argentina, que há muito vinha taxando as exportações de seu
setor agrícola para ajudar a encher os cofres públicos, foi uma das mais
agressivas usuárias desse tipo de medida. Outros que tomaram medidas
semelhantes foram a China, o Egito, a Índia, a Indonésia, o Cazaquistão,
o Paquistão, a Rússia, a Sérvia, a Ucrânia, o Vietnã e a Zâmbia. “Políticas
para esfomear o vizinho” foi um mote repetido várias vezes por Joachim
Von Braun, diretor-geral do International Food Policy Research Institute
358
mesmo as exceções têm exceções
(Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares), porque
esses países exacerbaram a escassez de alimentos em outras partes do
mundo e fizeram com que os preços disparassem mais rapidamente.
A crise detonou um novo debate sobre comércio e agricultura,
reabrindo antigas questões sobre se os alimentos constituem um caso
especial que precisa ser tratado de forma diferente de outros produtos
no comércio internacional. O termo “segurança alimentar” surgiu como
o novo apelo em torno do qual se uniram os céticos do livre mercado.
No que se refere aos alimentos, argumentavam eles, os mercados globais
simplesmente não funcionam, de modo que os governos têm de tomar
medidas para garantir que seus agricultores possam fornecer suprimentos
adequados a suas populações, protegendo seus setores agrícolas seja
com tarifas, seja com subsídios, ou com ambos. No nível da teoria,
esse argumento equivalia à pior espécie do princípio econômico de
desenvolvimento autárquico do Know Nothing1, cuja melhor ilustração é
o fracasso econômico da Coreia do Norte, baseada na filosofia estatal do
juche ou autossuficiência. Dadas as diferenças de índice pluviométrico,
terras aráveis e outros fatores naturais, faz muito sentido para as nações
se especializarem naqueles tipos de alimentos que produzem melhor e
comercializar esses alimentos, ou outros produtos e serviços, em troca
daqueles que não conseguem produzir com tanta facilidade. Mas num
momento em que alguns dos maiores celeiros de alimentos do mundo
restringiam exportações, armazenando suas safras para consumo interno,
os teóricos do livre mercado ficaram na defensiva.
Uma grande barganha, pela qual todos os países concordassem em
seguir os princípios do mercado, poderia ter oferecido uma solução
sensata ao problema. Tal como os economistas Nancy Birdsall e Arvind
Subramanian propuseram em abril de 2008, os países em desenvolvimento
poderiam prometer abster-se de restrições às exportações e os países ricos
poderiam eliminar subsídios aos biocombustíveis, garantindo assim aos
1
N. da T.: O movimento Know Nothing (“Sabe Nada”) foi um movimento político nativista
dos EUA da década de 1850. Começou como uma reação popular ao medo de que as grandes
cidades estivessem sendo inundadas por imigrantes católicos irlandeses a quem consideravam
hostis aos valores americanos. O movimento originou-se em Nova York em 1843, quando
foi denominado American Republican Party. A origem da expressão “Know Nothing” era a
organização semisecreta do partido. Quando um membro era inquirido sobre suas atividades,
ele supostamente respondia, “I know nothing” (“não sei de nada”). Mais contemporaneamente,
refere-se a políticas de fechamento ao exterior.
359
paul blustein
importadores que um volume razoável de suprimentos ficaria disponível
nos mercados mundiais. Ao mesmo tempo, os países importadores de
alimentos prometeriam fixar suas tarifas em níveis permanentemente
baixos, assegurando aos exportadores o acesso a mercados abertos para
o escoamento de sua produção.
Porém, grandes barganhas dessa natureza não eram o que
caracterizava a Rodada Doha. A rodada nunca havia tratado de quotas
ou de impostos sobre exportações, os quais são permitidos pelas
regras da OMC. Embora alguns países dependentes de importação
de alimentos, como o Japão, tivessem sempre defendido a adoção de
regras internacionais contra restrições às exportações, seus pedidos
tinham caído no vazio, em parte por causa da oposição veemente dos
argentinos e de outras nações. A questão não foi sequer mencionada
na agenda adotada em Doha em 2001. Além disso, ao redigir seu texto
sobre agricultura, Falconer inseriu dispositivos muito fracos em relação
a esse tipo de prática.
Além da crise dos alimentos, outras mudanças nas bases econômicas
da rodada começavam a acontecer diante dos negociadores da OMC.
[*]
Em matéria de prazos, Lamy concluiu que não havia mais espaço
para manobras. O recesso do verão setentrional, em agosto, estava
chegando e, depois disso, a campanha presidencial norte-americana
entraria em sua fase mais intensa. Assim, em 25 de junho de 2008, o
diretor-geral começou a espalhar pelo mundo que os ministros estavam
sendo convocados a vir a Genebra dali a um mês, com vistas a lançar
o acordo sobre modalidades na semana de 21 de julho. “Com nuvens
escuras pairando no horizonte econômico a cada dia”, contou ele aos
embaixadores da OMC, “temos de proteger o que pudermos agora”.
Nuvens escuras, de fato. O clima no mercado financeiro, que havia
melhorado durante umas poucas semanas após o resgate do Bear Stearns,
começara a se deteriorar novamente à medida que aumentava a percepção
de que outras desgraças, potencialmente mais graves, atingiriam o sistema
financeiro. O índice Dow Jones despencou para menos de 12.000 no dia
20 de junho, em meio a notícias sobre novos problemas em companhias
360
mesmo as exceções têm exceções
emissoras de títulos de seguros e sobre um dos mais abruptos declínios
mensais de preços de imóveis jamais registrados na história dos EUA.
Ao convocar a reunião ministerial, Lamy admitiu: “Sei que
correremos riscos”. Isso era evidente, a julgar pelo grande número de
tentativas frustradas que haviam precedido o anúncio. Inicialmente, o
diretor-geral tivera a intenção de convocar a reunião ministerial ainda
em 2007, de modo a assegurar que o encontro ocorresse antes do início
do ano eleitoral nos EUA, o que seria arriscado. Mas esse plano não
funcionou. Portanto, já no início de 2008, a mensagem mudou: uma
reunião ministerial seria realizada em meados de março, ou, “no mais
tardar, em 12 de abril”, de acordo com notícias de imprensa vindas de
Genebra. Quando essa tentativa de marcar a reunião também se mostrou
prematura, uma nova data para a conferência ministerial foi fixada para
a semana de 19 de maio. Isso também se revelou demasiado otimista.
Em meados de junho, segundo rumores, Lamy teria avaliado que se os
membros da OMC fizessem um grande esforço para alcançar consenso
em algumas questões-chaves, os ministros poderiam reunir-se na primeira
semana de julho. Mas isso não aconteceu.
O motivo desses repetidos adiamentos não era segredo: havia um
número excessivo de temas sem solução nas negociações conduzidas por
Falconer e Stephenson. A cada tentativa de Lamy de marcar uma data
para a reunião ministerial, maior era a resistência que ele enfrentava,
principalmente de Falconer. O neozelandês continuava a advertir o
diretor-geral de que, a despeito dos avanços no processo negociador, ainda
havia muitos problemas nos textos – isto é, grande número de itens entre
colchetes, relativos a importantes divergências nas posições dos países-membros. Essa era a situação, apesar de todos os esforços e precauções
empreendidos por Lamy para evitar imprevistos que dificultassem a
conclusão de um acordo sobre modalidades em agricultura e NAMA.
Foram negadas solicitações feitas pelos japoneses e outros países para
que os ministros tratassem do tema de antidumping. Esse tema só seria
discutido depois que as modalidades tivessem sido resolvidas. O mesmo
aconteceu com várias outras questões que precisavam ser equacionadas
antes da conclusão da rodada. Os países interessados na liberalização
do comércio de serviços, um assunto potencialmente importante, teriam
de se contentar com uma reunião na qual “sinalizariam” o tamanho da
abertura de mercado que estariam dispostos a negociar na etapa final
361
paul blustein
da rodada. A atenção dos ministros teria de ficar concentrada no tema
das modalidades. A resolução desse assunto não seria suficiente para
concluir a rodada, mas constituiria um enorme passo em direção à linha
de chegada.
Além das dúvidas sobre a possibilidade de se alcançar um acordo na
reunião de julho, a questão mais profunda era se o eventual entendimento
resultante das negociações seria efetivamente relevante.
Para os que tendiam a ver o copo metade cheio – e Lamy era
naturalmente o mais insistente defensor dessa visão – os detalhes contidos
nos textos poderiam ser usados para reforçar o argumento de que a Rodada
Doha superaria, em ambição, até mesmo a Rodada Uruguai. Sobretudo
porque, agora, havia números específicos para reforçar o princípio,
incorporado no acordo-quadro de 2004, de que as tarifas mais altas
sofreriam cortes maiores. No texto de Falconer, os países ricos seriam
obrigados a reduzir mais drasticamente suas tarifas mais elevadas sobre
produtos agrícolas – aquelas superiores a 75% – em algo entre 66% e
73%. Isso significava uma redução muito mais profunda do que fora
contemplado em rodadas anteriores. Quanto ao texto sobre NAMA, um
eventual acordo estabeleceria teto de 9% para as tarifas impostas por
países ricos sobre produtos manufaturados. Isso teria efeito significativo
sobre os altos impostos de importação norte-americanos sobre calçados,
ainda que a redução fosse escalonada ao longo de um período de dez anos.
Porém, o maior grau de especificidade dos textos, na medida em que
haviam conferido maior detalhamento às exceções e brechas, apenas
reforçava os argumentos dos críticos que consideravam o acordo final
pouco significativo (Doha Light). Isso se aplicava não apenas ao texto de
NAMA formulado por Stephenson, cujas frustrações foram mencionadas
anteriormente, mas também à proposta agrícola feita por Falconer. Apenas
para citar um dos exemplos mais importantes, a proposta do neozelandês
previa, em matéria de exceção para produtos especiais, que países em
desenvolvimento evitassem que entre 10% a 18% de seus produtos
agrícolas sofressem cortes significativos (o número exato de produtos
seria negociado pelos ministros). Além disso, teriam a prerrogativa de
designar alguns produtos como “superespeciais”, isentando-os totalmente
de qualquer corte tarifário. Esses produtos “superespeciais” abrangeriam
até 6% das linhas tarifárias de determinado país em desenvolvimento
(aqui também o número exato estava sujeito a negociação). Esse não era
362
mesmo as exceções têm exceções
um assunto trivial, principalmente para os americanos, cujas estimativas
indicavam que um pequeno número de linhas tarifárias já seria suficiente
para excluir os principais produtos agrícolas norte-americanos importados
por muitos dos grandes países em desenvolvimento.
Os países ricos, dotados de setores agrícolas fortemente protegidos,
como o Japão, a Noruega, a Suíça e a Islândia, teriam uma flexibilidade
considerável para manter tarifas superiores a 100% sobre seus produtos
sensíveis. Isso foi uma decepção para os reformistas que um dia haviam
sonhado que a rodada eliminaria todas as tarifas de três dígitos.
Em suma, os críticos não precisavam fazer muito esforço para
encontrar defeitos no pacote que seria discutido pelos ministros na
reunião de julho de 2008. O acordo certamente não produziria o estímulo
econômico necessário para uma redução significativa da pobreza nos
países em desenvolvimento. O pacote poderia, com razão, ser acusado
de contribuir muito pouco para a solução da crise alimentar. E, com
poucas exceções, sequer reduziria significativamente as barreiras
atuais, sobretudo no mundo em desenvolvimento. Isso ficou evidente
em uma análise elaborada pelo Banco Mundial com estimativa da
queda das tarifas médias aplicadas pelos países sobre os produtos
efetivamente importados. Os impostos médios cobrados por países em
desenvolvimento sobre produtos agrícolas cairiam muito pouco. No caso
de produtos manufaturados, suas tarifas médias sofreriam queda de menos
de um ponto percentual. As tarifas médias aplicadas pelos países ricos
sobre produtos agrícolas sofreriam uma queda de 15% para 11% – nada
de muito revolucionário.
Qual seria então o grande objetivo em se concluir um acordo em
julho? Uma análise feita por Patrick Messerlin, professor de economia
do Instituto de Estudos Políticos de Paris, ressaltou o elemento, de longe,
mais valioso, “a verdadeira mina de ouro”, segundo Messerlin.
O pacote introduziria limites a futuras tendências protecionistas
dos países, afirmou Messerlin, na medida em que reduziria as tarifas
consolidadas, isto é, os tetos máximos que os países são legalmente
autorizados a aplicar. É verdade que os cortes previstos no pacote para
as tarifas consolidadas não seriam, em muitos casos, suficientemente
profundos para afetar as taxas efetivamente aplicadas. Porém, quanto
mais baixas forem as tarifas consolidadas, tanto melhor, pois, como
notou Messerlin, sobretudo no caso do setor industrial, “o atual regime
363
paul blustein
global de comércio... é um equilibrista andando numa corda bamba sobre
um abismo”.
A qualquer momento, ressaltou ele, um número considerável de
grandes países poderia elevar suas barreiras de maneira acentuada sem
infringir as regras da OMC. No segmento industrial, “as tarifas médias
poderiam aumentar muito... de 3,8% para 11% na Austrália, de 6,6%
para 10,2% na Coreia, de 6,7% para 35,6% na Indonésia, de 12,5% para
30,8% no Brasil ou de 11,5% para 16,2% na Índia”, escreveu Messerlin.
E esses eram apenas os índices de tarifas médias: “é provável que os
aumentos sejam mais altos no caso daquelas tarifas que já são elevadas
– até 300%! – com efeitos muito mais devastadores para os exportadores
e consumidores domésticos”. Outros países com grandes disparidades
entre suas tarifas consolidadas e aplicadas para produtos manufaturados
incluíam a Argentina, a Malásia, o Paquistão, as Filipinas, a Nigéria, o
Egito e o Bangladesh. O quadro era semelhante na agricultura, mostrava
a análise de Messerlin: a tarifa média aplicada pela Índia a produtos
agrícolas era de 34,4%, mas sua tarifa média consolidada era de 114,2%.
Os números correspondentes no caso da Indonésia eram 8,6% e 47%;
para a América do Sul, 9,2% e 40,8%; para a Malásia, 11,7% e 76,0%;
para o Paquistão, 15,8% e 95,6%.
Isso não era válido para todas as economias. Várias das maiores
economias mundiais – os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão,
o Canadá e a China – têm tarifas consolidadas muito próximas a seus
níveis aplicados. Ainda assim, com a redução do limite máximo das
tarifas potenciais em diversos países ao redor do mundo, o risco de uma
deflagração protecionista ficaria substancialmente diminuído, segundo
Messerlin. “Os benefícios da consolidação”, sustentava ele, “surgem
da eliminação da possibilidade” de que economias emergentes possam
aumentar suas tarifas de uma média de 8% para 28% no caso de produtos
industrializados e de 19% para 66% no caso de produtos agrícolas.
Lamy estruturou esse argumento de forma mais eloquente,
ressaltando, em discursos e em artigos de imprensa o valor de “apólice
de seguro” que teria um acordo. Os benefícios desse seguro somente
estariam disponíveis em algum momento do futuro. Ainda que fosse
possível produzir um acordo na conferência ministerial de julho, as
reduções nas tarifas consolidadas somente começariam a entrar em vigor
após o término da Rodada Doha, e não imediatamente após a conclusão
364
mesmo as exceções têm exceções
de um acordo sobre modalidades. Mesmo depois da finalização da rodada,
os cortes tarifários seriam escalonados ao longo de vários anos.
Na opinião de Lamy, essa era mais uma razão para se avançar a
pleno vapor. Nos dias anteriores à reunião de ministros, os indicadores
financeiros continuaram a se deteriorar. O índice Dow Jones caiu abaixo
de 11.000, ou cerca de 22% em relação a seu patamar mais elevado, e as
agências reguladoras federais tiveram de assumir o controle do IndyMac
Bancorp numa das maiores falências bancárias da história dos EUA. Os
gigantes das hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac entraram em grave
crise, impelindo o governo Bush a elaborar, às pressas, um plano de
resgate para mantê-los em funcionamento.
É possível que, se soubessem que as coisas ficariam ainda piores,
os ministros reunidos em Genebra em julho de 2008 teriam prestado
mais atenção à análise de Messerlin e às súplicas de Lamy. Os ministros
estavam bem informados sobre as ameaças ao sistema multilateral de
comércio e alguns deles chegaram a expressar alguma inquietação.
Porém, isso é o máximo que se pode esperar de ministros do Comércio
quando há interesses nacionais vitais em jogo.
365
Capítulo 13
Fracasso
O dia 24 de julho de 2008, uma quinta-feira, foi o quarto dia da
reunião ministerial convocada por Pascal Lamy na esperança de chegar,
por fim, a um resultado definitivo na Rodada Doha antes da eleição de
um novo presidente dos Estados Unidos. O desfecho ainda era incerto e
o cansaço começava a se instalar. Tarde da noite, no ônibus número 1,
que parte de um ponto em frente ao Centro William Rappard e segue pela
cidade até a estação ferroviária central de Genebra, ouvi um homem de
meia-idade, usando crachá da OMC, falando, desanimado, ao telefone
celular. “A coisa toda irá por água abaixo antes do fim de semana”,
lamentava ele, com um acentuado sotaque britânico, ignorando os demais
passageiros no ônibus. “Estou completamente exausto. Começamos às
5h da manhã e não paramos o dia inteiro. Simplesmente não vejo como
isso tudo pode se resolver”.
Na verdade, ele tinha alguma razão e a reunião sequer chegara à
metade. Ainda havia um tempo considerável pela frente para discussões
acaloradas, participantes se exaltando, esperanças aumentando e
expectativas a serem frustradas.
Naquela quinta-feira, a OMC ainda se encontrava nos estágios
iniciais do mais longo exercício de inutilidade ministerial de sua história.
Quando se considera a modéstia do acordo a ser negociado, o número de
dias que seriam gastos em discussões sobre seus termos e condições e os
367
paul blustein
perigos que pairavam sobre a economia mundial, é difícil imaginar um
quadro mais fiel do estado complicado em que se encontrava o sistema
de comércio global do que os eventos de julho de 2008.
[*]
A segurança sempre fica mais reforçada em torno do Centro William
Rappard durante as reuniões ministeriais, e esta não foi uma exceção.
Tropas policiais estavam postadas diante do portão principal e das portas
do edifício, verificando crachás. O excesso de precaução pode ter sido
compreensível, dados os problemas que haviam prejudicado as reuniões
da OMC no passado. Porém, em julho de 2008, os manifestantes estavam
quase que totalmente ausentes, com exceção de um punhado de veteranos
da Oxfam vestidos de membros ricos da OMC, que montaram uma “mesa
de pôquer” num parque e fingiam “jogar com o futuro dos pobres”.
Considerando o enorme esforço que os ativistas tinham feito para evitar
o lançamento da rodada em Seattle e depois atrapalhar os trabalhos em
Cancún e Hong Kong, parecia estranho que demonstrassem tão pouco
interesse num momento em que as atividades da OMC se aproximavam
de um potencial clímax. Num artigo da Reuters, a porta-voz da Oxfam
Amy Barry explicou: “O fato de que essas negociações estejam se
desenrolando há tanto tempo gerou certa desatenção do resto do mundo”.
Em contraste com os ativistas, os ministros do Comércio estavam
presentes em grande número. Cerca de 70% deles responderam aos
chamados de Lamy. Para administrar o problema de fazer com que se
sentissem úteis na medida do possível, o diretor-geral definiu três círculos
concêntricos.
O círculo mais externo consistia de todos os membros da OMC e se
reunia brevemente todos os dias na sala do Conselho Geral, com alguns
países representados por ministros e outros por embaixadores. O segundo,
consistindo de ministros representando as 35 maiores potências e grupos
de países aliados, se reunia numa sala grande no terceiro andar do Centro
William Rappard. Esses encontros foram chamados de “sala verde”,
dando a entender que esta era ostensivamente a instância principal de
tomada de decisões. Porém, durante os dois primeiros dias, as discussões
da sala verde produziram muito pouco além da reiteração de posições
há muito conhecidas, pois quase todos os participantes queriam falar e,
368
fracasso
quando o faziam, usavam seus preciosos minutos principalmente para
marcar território. Então, no terceiro dia, o diretor-geral anunciou a criação
de um grupo adicional, mais administrável, o “G-7”. A ideia era que,
uma vez que esse grupo tivesse acordado um plano, seus termos seriam
submetidos à sala verde e depois a todos os membros. Os membros do
G-7 incluíam os suspeitos de sempre do G-4 – Susan Schwab, dos EUA;
Peter Mandelson, da União Europeia; Celso Amorim, do Brasil; e Kamal
Nath, da Índia – além de dois novos ministros dos demais países do G-6,
Simon Crean, da Austrália e Akira Amari, do Japão*. A novidade nesse
círculo interno, no entanto, era a participação de um ministro cujo país
nunca tinha estado nessa elite antes – Chen Deming, chefe do ministério
do Comércio da China.
Chen foi o primeiro-ministro chinês a assumir um papel ativo numa
reunião da OMC. Seu predecessor, Bo Xilai, normalmente enviava vice-ministros para representar Pequim, o que tornava impossível, em termos
diplomáticos, incluir seu país em reuniões de sala verde com outros que
ocupavam um cargo ministerial. Chen se sentia mais confiante em fóruns
internacionais. Falava inglês bastante bem e tinha experiência de ter
trabalhado em cidades litorâneas – principalmente Suzhou, da qual fora
prefeito – onde várias empresas estrangeiras estavam localizadas. Também
tinha doutorado em administração e fizera um curso na Universidade
de Nanquim em parceria com a Universidade Johns Hopkins. Os
participantes das reuniões do G-7 logo ficaram impressionados com sua
boa vontade em se engajar nas barganhas da negociação, principalmente
em comparação com os japoneses, mais inflexíveis. Quando Schwab
usou o termo “elefante na sala” para descrever o impacto que a China
estava exercendo nas negociações sobre NAMA, Chen retorquiu poucos
minutos depois: “Se nós somos um elefante, talvez os Estados Unidos
sejam um dinossauro”.
Além de Amari, que era ministro da Economia, Comércio e Indústria, o ministro da Agricultura
japonês, Masatoshi Wakabayashi, também compareceu às reuniões do G-7, mantendo o hábito
arraigado do Japão de enviar tanto o ministro do Comércio quanto o da Agricultura para
esses encontros. Isso era uma fonte de irritação para os outros, porque era preciso designar
um intérprete para cada um. Para ficarem em pé de igualdade com os japoneses, os Estados
Unidos normalmente enviavam seu secretário de Agricultura e a União Europeia normalmente
mandava seu comissário de Agricultura. Em julho de 2008, o subsecretário de Agricultura dos
EUA, Mark Keenum, compareceu, assim como Mariann Fischer Boel, comissária europeia de
Agricultura.
*
369
paul blustein
Contudo, respostas prontas não substituem o progresso efetivo e o
G-7 estava tão empacado em suas primeiras sessões quanto o grupo mais
amplo. Praticamente o único sinal positivo emitido nos estágios iniciais
da reunião ministerial veio dos americanos. Em uma declaração pública
feita em 22 de julho, Susan Schwab se dispôs a estabelecer um teto para
os subsídios agrícolas dos EUA em US$ 15 bilhões ao ano, desde que
outros países importantes respondessem com concessões significativas
próprias. Os negociadores norte-americanos alardeavam isso como um
passo gigantesco, afirmando que um teto baixo para os subsídios teria
sido politicamente impensável dois anos antes. No entanto, a medida
tomada pelos EUA gerou elogios pouco calorosos. Embora evitasse que os
subsídios subissem novamente para os níveis inflados de anos antes, quando
excediam US$ 20 bilhões, o teto proposto ainda permitia que Washington
aumentasse seus gastos em relação aos níveis atuais. De qualquer maneira,
isso não estimulou outros membros do G-7 a mudarem suas posições.
Assim sendo, no quinto dia de reunião – sexta-feira, 25 de julho –,
Lamy estava muito perturbado quando se encontrou com seus assistentes
e conselheiros mais próximos na reunião diária das 8h. Para surpresa de
alguns dos presentes, acostumados com suas exortações otimistas, ele
soou fatalista, pedindo sugestões sobre reformas fundamentais que a
OMC poderia adotar caso a reunião terminasse em fracasso. “Nossas
chances de sucesso são de talvez uns 15%”, disse ele ao grupo, uma
estimativa baseada nas conversas privadas que vinha tendo com os
ministros do G-7 para sondá-los individualmente sobre até onde
pretendiam ir.
Somente um ato ousado, concluiu ele, aumentaria as chances de
um desfecho favorável. Embora o cargo de diretor-geral tivesse pouco
poder formal, Lamy estava pronto para apresentar sua própria proposta –
uma jogada arriscada, porque quando esse tipo de intervenção fracassa,
a credibilidade do diretor-geral é atingida em cheio, reduzindo sua
capacidade de exercer influência no futuro.
Como me explicou mais tarde, “A imagem é como a de um obstetra.
O bebê não sai e a mãe está gritando. Em algum momento, é preciso
fazer uma cesariana. Achei que era o único jeito”.
[*]
370
fracasso
Mais tarde, naquela sexta-feira, ao meio-dia e meia, os ministros do G-7
se reuniram na sala de conferências do diretor-geral, sentados ao redor da mesa
de madeira escura, com assessores em pé observando por trás deles junto da
parede (também estavam presentes intérpretes de chinês e japonês, assim como
vários funcionários do Secretariado). Nath estava usando um galabandh, um
conjunto preto com paletó rente ao pescoço; os demais estavam de terno.
A disposição dos assentos fora levemente modificada pela equipe de Lamy
visando a aumentar, pelos menos um pouco, as chances de harmonia geral:
Amorim e Nath, que frequentemente se sentavam um ao lado do outro como
símbolo da solidariedade do G-20, estavam agora um diante do outro; ao lado
de Nath, no lugar de Amorim, estava Schwab. Como todos eles bem sabiam,
ministros de vários outros países que não tinham sido convidados para essa
roda de eleitos criticavam seu caráter excludente. Passados cinco dias, alguns
dos que tinham ficado de fora estavam enfurecidos, pois eram obrigados a
ficar matando tempo em Genebra, sem nada para fazer.
Folhas de papel foram distribuídas para cada uma das sete delegações.
“Esta”, disse-lhes Lamy, “é a hora da verdade”.
Tratava-se de um documento que eles tinham redigido naquela manhã.
Após seu desempenho soturno na reunião com sua equipe, Lamy tivera uma
sessão de brainstorming com três embaixadores – Crawford Falconer de
Nova Zelândia e Don Stephenson do Canadá, que conheciam, nos mínimos
detalhes, as posições dos países-membros sobre agricultura e NAMA, por
força da presidência dos respectivos grupos negociadores, e Bruce Gosper,
da Austrália, presidente do Conselho Geral. Tinham preparado um conjunto
de propostas que representavam seus melhores palpites quanto a um possível
compromisso dentro dos limites indicados em seus textos. Essas propostas só
poderiam ser aceitas ou rejeitadas como um pacote cujo conteúdo representava
um “equilíbrio de sacrifícios”, distribuindo os lucros e as perdas da forma mais
justa possível entre os principais participantes. Fora escrito no mais árido e
despojado jargão de comércio imaginável. Não tinha título e a primeira linha
dizia: “Corte de 70% no OTDS dos EUA”1.
1
N. do T.: OTDS (Overall Trade Distorting Domestic Support), ou Apoio Interno Distorcivo
Total. Trata-se de um novo conceito criado nas negociações da Rodada Doha com vistas a
superar limitações e lacunas do Acordo sobre Agricultura. Pelo texto original do Acordo, o
apoio governamental aos agricultores era classificado em três categorias, ou “caixas”: “verde”,
“amarela” e “azul”. O apoio “verde” – isento de limites de montante e de compromissos de cortes
em seu volume – consistia em ajudas governamentais que não tinham impacto ou produziam
impacto mínimo sobre o volume da produção agrícola. Esse tipo de apoio incluía medidas como
371
paul blustein
Seis anos, oito meses e onze dias tinham se passado desde o acordo
em Doha sobre a declaração de lançamento da rodada e agora tudo se
resumia a isso. Para os ministros do Comércio, seus assessores e equipes,
uma enorme quantidade de milhas aéreas fora percorrida, quartos de
hotel ocupados, refeições em restaurantes consumidas e outros custos
incorridos, sem que se tivesse chegado sequer a um acordo sobre
modalidades. Será que os pobres do mundo inteiro não estariam em
melhor situação se, em vez de gastar todo esse dinheiro em negociações
para uma rodada de desenvolvimento, os recursos não tivessem sido
simplesmente gastos na forma de ajuda humanitária? Nem pensemos
nisso! Pelo menos as negociações continham alguma promessa de
aperfeiçoamento no equilíbrio e na imparcialidade do sistema multilateral
de comércio. De qualquer maneira, não se resolve o problema da pobreza
mundial com a doação de uns poucos bilhões de dólares a mais. Porém,
a rodada tinha consumido tanto tempo, energia e capital político dos
principais participantes que alguns deles estavam sequiosos por um
acordo. Amorim se destacava entre eles, assim como Mandelson, que
novamente resistia às pressões dos franceses e de outros países-membros
da União Europeia para que adotasse posições mais duras. Em certa
medida, esse grupo incluía Schwab, porque a Casa Branca, consciente
do interesse de Bush em deixar um legado nessa área, contava com ela
para concluir um acordo com base em termos razoavelmente aceitáveis.
Por outro lado, como Lamy bem sabia, havia dois ministros presentes
para quem o custo de “nenhum acordo” era menor do que para os demais,
por causa da antipatia e do forte ceticismo em relação ao comércio por
parte das organizações da sociedade civil em seus países. Schwab era um
deles. O outro era Nath, que alimentava ambições de um dia tornar-se
primeiro-ministro da Índia.
Os ministros e seus assessores foram para salas de reunião
separadas, para discutir o texto em um ambiente reservado. Quando
auxílio à pesquisa agrícola, ao combate a pestes e doenças animais, à infraestrutura de apoio
e aos estoques de segurança alimentar. O apoio mais distorcivo de todos estava agregado nas
medidas “amarelas”, vinculadas aos preços e às quantidades produzidas. Estas medidas ficaram
sujeitas a limites quantitativos e a compromissos de cortes em seu volume. Finalmente, as
medidas “azuis” (vinculadas a áreas fixas de cultivo ou de volume de produção), consideradas
menos distorcivas do que as medidas “amarelas”, estavam isentas de limites quantitativos ou
cortes. O conceito de OTDS agregou as medidas “amarelas” e “azuis” em um novo indicador e as
submeteu a um limite conjunto, sujeito a cortes em seu volume.
372
fracasso
voltaram a se reunir, pouco menos de uma hora depois, cada um deles
levantou os pontos de que discordava. Mandelson afirmou que os
números engendrariam uma redução por demais insignificante nas
barreiras aos produtos manufaturados em países em desenvolvimento
(quando se está ávido por fechar um acordo, é sempre aconselhável
minimizar o valor das concessões oferecidas pelos demais). Os
japoneses disseram que países importadores de produtos agrícolas,
como o Japão, necessitavam ter o direito de manter barreiras sobre
produtos sensíveis. Outros, inclusive Chen e Amorim, se queixaram
de que o teto proposto para subsídios agrícolas norte-americanos era
alto demais, embora o montante de US$ 14,5 bilhões estivesse um
pouco abaixo da última oferta de Washington. Chen também estava
profundamente preocupado com a linguagem referente às propostas para
negociações setoriais, visando cortar tarifas em produtos industriais
específicos. Não estava claro se o texto exigia o envolvimento de
Pequim, o que seria uma infração inaceitável do entendimento anterior
de que a participação nessas negociações seria puramente voluntária.
Ainda assim, havia motivo para esperança de que o texto pudesse
servir de base para um acordo, porque nenhum dos ministros o repudiava
totalmente. Havia apenas uma exceção. “Rejeito tudo”, disse Nath.
A veemência de Nath surpreendeu alguns dos demais ministros.
Todos sabiam que o primeiro-ministro da Índia, o economista e acadêmico
Manmohan Singh, falara ao telefone na véspera com o presidente Bush.
Havia, portanto, altas especulações sobre a possibilidade de que Nova
Délhi suavizasse um pouco suas posições. Mas a reação de Nath ao texto
de Lamy mostrou quão equivocadas eram essas expectativas.
“Não posso pôr em risco a sobrevivência de centenas de milhões de
pessoas”, disse Nath. “Se o governo [indiano] quiser isso, terá de achar
um novo ministro”. Vestindo o paletó, levantou-se para sair em direção
à porta, obrigando Lamy a praticamente pular da cadeira para correr
atrás dele.
“Kamal, por favor, fique e escute os demais”, disse o diretor-geral,
ressaltando que os outros ministros haviam esperado pacientemente
durante bastante tempo para ouvir a posição da Índia (Nath tinha chegado
tarde para a reunião ministerial, pois ficara retido em Nova Délhi por
causa de uma votação importante no Parlamento que ameaçava derrubar
o governo). Em resposta a pedidos semelhantes de outros, Nath voltou
373
paul blustein
para o seu lugar, dizendo que estava fazendo isso “por respeito ao meu
amigo Pascal”, mas que não tinha mais nada a acrescentar. “Meu silêncio
será minha contribuição”, concluiu ele, e, na maior parte das duas
horas seguintes, ficou sentado impassível, mostrando seu descaso pelos
trabalhos, concentrando-se em seu BlackBerry e saindo várias vezes da
sala para pegar comida e se encontrar com quem estava do lado de fora.
Seu pessimismo gerou uma reação incrédula de Schwab. “Nós é
que estamos recuando. Você venceu!”, disse ela ao ministro indiano,
notando que, de acordo com os termos da proposta de Lamy, os produtos
superespeciais dos países em desenvolvimento, que ficariam totalmente
isentos de cortes de tarifas, abrangeriam 5% das linhas tarifárias, um
número muito próximo do que pedira Nova Délhi.
Mas eram outros aspectos do texto que haviam provocado a ira de
Nath. O principal deles era uma frase que dizia: “O gatilho para aplicação
do SSM acima da tarifa consolidada é 140% da base de importações”.
“SSM” é a sigla para “mecanismo de salvaguarda especial”. Tal como
observado no Capítulo 9, esse mecanismo era uma das demandas da Índia,
juntamente com a exceção para produtos especiais. Está baseado numa
ideia incorporada há muito tempo nas regras do comércio internacional
de produtos manufaturados: que os países precisam, às vezes, estabelecer
barreiras ao comércio por um determinado período quando um surto
de importações ameaça suas indústrias, permitindo-lhes tempo para se
ajustar (os impostos que Bush impôs sobre o aço importado em 2002
eram tarifas de salvaguarda desse tipo). Os países ricos tinham obtido
uma salvaguarda especial para seus setores agrícolas alguns anos antes.
As nações em desenvolvimento insistiam que sua agricultura deveria ter
direitos semelhantes. Suponha, por exemplo, que, de repente, começasse
uma onda de importação de maçãs no mercado indiano a ponto de quase
levar os produtores locais à bancarrota. Um SSM permitiria que Nova
Délhi elevasse suas tarifas sobre maçãs acima do nível consolidado de
50% por um tempo limitado.
O problema não era que o SSM tivesse sido eliminado totalmente
do texto de Lamy. Mesmo Schwab e seus aliados (o principal no G-7 era
Crean da Austrália) estavam dispostos a aceitar o mecanismo. O problema
era qual tipo de restrição deveria ser definido para evitar que o uso
abusivo do SSM criasse novas formas de protecionismo. Lançando mão
novamente do exemplo das maçãs, a tarifa de 50% aplicada pela Índia
374
fracasso
sobre a fruta equivale à tarifa consolidada. Portanto, aumentar o imposto
acima desse nível constituiria a quebra do compromisso assumido pela
Índia na rodada anterior (a Rodada Uruguai). Pelo texto de Lamy, seria
permitido que um país adotasse uma medida desse tipo somente no caso
de um surto muito forte de importações – situação que o documento
definia como um aumento de 40% em relação a níveis recentes. Lamy
bem sabia que isso era o mínimo aceitável para americanos e australianos,
cujo argumento era de que, na ausência de uma regra altamente restritiva,
o SSM poderia ser usado para bloquear os fluxos normais de comércio.
Porém, a tentativa de compromisso sobre essa questão, formulada no
texto, era restritiva demais para o gosto de Nath. Ele tinha certeza de que,
ao regressar à Índia, sofreria, juntamente com o Partido do Congresso,
fortes críticas por concordar com algo que seria denunciado como uma
traição aos agricultores. De acordo com a proposta de Lamy, argumentava
ele, o SSM “não pode ser operacionalizado”, porque a capacidade da
Índia de monitorar suas importações de produtos específicos é tão precária
que, no momento em que o governo detectasse um aumento de 40% nas
importações, os agricultores já teriam cometido suicídio em massa.
O drama se intensificou quando Amorim, o mais velho do grupo aos
66 anos, com suas barbas grisalhas e postura de estadista, pronunciou
seu veredito geral sobre o texto de Lamy: “Como um pacote, dá para
engolir”, disse ele, provocando um verdadeiro choque em Nath, que não
podia acreditar que seu velho companheiro de lutas no G-20 lhe estava
retirando o apoio. Finalmente, sobressaíram as contradições inerentes
à aliança Brasil-Índia: os interesses agrícolas ofensivos do Brasil e os
interesses defensivos da Índia no setor, evidentes para todos desde a
formação do G-20 em 2003. Quanto a Amorim, não se podia dizer que
estivesse rompendo a unidade do G-20 ao apoiar a proposta de Lamy. O
principal objetivo do grupo sempre fora obter reduções nos subsídios e nas
barreiras comerciais dos países ricos, e os membros individuais podiam
decidir a seu bel prazer se apoiariam ou não exceções para países em
desenvolvimento, tais como produtos especiais e o SSM. Os interesses
do Brasil naturalmente se concentram no maior acesso a mercados e
Amorim não se oporia a um pacote que gerasse benefícios substanciais
para o setor agrícola de seu país.
À medida que ficou mais claro que Nath era o único participante
do G-7 dizendo não com convicção, a grande pergunta na mente
375
paul blustein
dos participantes da reunião era “o que Schwab deveria fazer?”.
Ela poderia deixar a reunião desmoronar insistindo que, caso Nath
recusasse o texto de Lamy, ela teria de ir embora, fazendo com que
a Índia ficasse com a culpa por arruinar a rodada. Ou então, poderia
anunciar que os Estados Unidos aceitavam o texto, aumentando a
pressão sobre a Índia de modo a viabilizar, por fim, o surgimento
de um acordo. A segunda opção era arriscada, porque desrespeitava
preceitos básicos de estratégia negociadora. A Índia supostamente
embolsaria as concessões expressas no texto e exigiria receber mais
como pagamento por um acordo.
Em uma notável demonstração da intensidade do anseio que a
administração Bush nutria por um acordo, Schwab disse ao G-7: “Como
pacote, posso aceitar essas condições”. Acrescentou, ao mesmo tempo,
algumas ressalvas cruciais, questões que “potencialmente desmanchariam
o acordo”, porque sabia que, aos olhos dos agricultores e produtores norte-americanos, o texto de Lamy sozinho, seria, provavelmente, insuficiente
para promover uma efetiva liberalização dos mercados externos. A China,
em particular, disse ela, teria de concordar em abrir certos setores para
produtos agrícolas e industriais. Mas, no conjunto, defendeu o texto de
Lamy como sendo a única saída e concordou com Amorim, advertindo
que o pacote deveria permanecer intacto ao ser analisado pelo grupo
mais amplo de ministros. “Puxe um fio e o tecido será desfeito”, disse
ela. “Se usarmos esse texto como base, faltará pouco para conseguirmos
fechar essa negociação”.
Enquanto tudo isso estava acontecendo, o humor negro imperava
na sala de imprensa no andar de baixo, onde repórteres do mundo todo
faziam um bolão de apostas sobre o momento em que a reunião seria
oficialmente declarada um fiasco. O tédio reinante foi repentinamente
interrompido no meio da tarde, quando o porta-voz da OMC Keith
Rockwell veio dar notícias da reunião do G-7. A cena parecia uma sala
cheia de familiares esperando notícias de que o parente em coma tinha
morrido, sendo surpreendidos com a notícia de que o paciente estava
consciente, alerta, sentado e tomando uma tigela de sopa.
“Há alguns sinais de progresso muito encorajadores”, disse Rockwell. “Há
um espírito de colaboração e eles decidiram que está na hora de levar isso para
um grupo mais amplo”. Tarde da noite, depois que os 35 ministros da reunião de
sala verde tinham tomado conhecimento do texto de Lamy, Rockwell anunciou
376
fracasso
que o documento havia recebido um “apoio impressionante” (embora não da
parte de todos os participantes, reconheceu ele). E Schwab saiu da reunião para
dizer aos repórteres que, apesar da resistência de “alguns grandes mercados
emergentes” que ameaçavam a rodada, “uma clara maioria de países – tanto
desenvolvidos quanto em desenvolvimento – endossava esse pacote como um
caminho possível para um resultado positivo”.
Tudo isso era verdade até certo ponto. Mas essas avaliações
entusiásticas mascaravam a fragilidade da situação. Uma forma mais
exata de descrever o estado das coisas era que, entre os membros do G-7,
os seis que não rejeitavam o pacote de Lamy concordavam meramente em
continuar discutindo. Além disso, vários desses países tinham problemas
sérios com seu conteúdo, inclusive os americanos.
[*]
Às 10h da manhã do dia seguinte, um sábado, representantes de
empresas e grupos agrícolas americanos se reuniram no saguão do
Presidente Wilson, um dos hotéis de luxo de Genebra, junto com alguns
assessores de membros do Congresso. Sentaram-se em um grande círculo
em torno de uma mesa enquanto turistas, muitos deles mulheres árabes
ricas usando lenços na cabeça e burkas, passeavam pelas redondezas
e tomavam chá (o clima temperado do verão em Genebra atrai muitos
turistas do Oriente Médio). Entre eles estavam líderes e lobistas de
organizações cujo apoio a acordos comerciais sempre fora entusiástico
e, em certos momentos, essencial para a aprovação no Congresso –
principalmente Bob Stallman, presidente do American Farm Bureau
(Confederação Norte-Americana de Agricultura), e Frank Vargo,
vice-presidente para assuntos econômicos internacionais da National
Association of Manufacturers (Associação Nacional de Fabricantes).
Embora esses representantes do setor privado não conseguissem
permissão para entrar no Centro William Rappard sem ter de se submeter
a um procedimento inoportuno de credenciamento a cada vez, haviam
mantido contato bem próximo com a equipe de negociação dos EUA,
graças a e-mails, mensagens de texto e frequentes reuniões no hotel onde
a delegação dos Estados Unidos estava hospedada. Eles tinham recebido
cópias do texto de Lamy em uma reunião na sexta-feira à noite, poucas
horas depois de sua apresentação ao G-7.
377
paul blustein
Não gostaram do que viram. “O melhor que poderia nos acontecer
agora”, disse um lobista agrícola a seus colegas, “seria que a coisa toda
fosse pelos ares”.
Os grupos agrícolas sentiam que o acordo em negociação
simplesmente não lhes propiciaria suficiente acesso adicional a
mercados de forma que as exportações agrícolas dos EUA pudessem
compensar a redução no teto para os subsídios norte-americanos.
Eles entendiam que o pleno impacto de um acordo final em Doha não
estaria claro até que os países-membros da OMC tivessem informado
detalhes de seus cortes de tarifas para produtos individuais, o que
levaria, no mínimo, seis meses. Ainda assim, a desgraça parecia
iminente: mesmo que os exportadores norte-americanos aumentassem
suas vendas em mercados ricos, como a União Europeia, para carne
bovina, suína e alguns outros produtos, eles não ganhariam muito, se
é que obteriam algum, espaço nos mercados emergentes, porque as
exceções concedidas aos países em desenvolvimento eram grandes
demais.
Stallman do Farm Bureau lamentou que as esperanças dos EUA
em matéria de acesso a mercados para produtos agrícolas tivessem
sido “contínua e gradualmente frustradas” no decorrer da rodada. As
primeiras versões de textos de modalidades produzidas logo antes da
reunião, disse ele, não prometiam o bastante, e “ficou pior agora” com
o texto de Lamy. Embora os negociadores norte-americanos tivessem
prometido no passado nunca cruzar determinadas “linhas vermelhas”,
o texto de Lamy acarretou exatamente esse tipo de resultado, observou
Stallman. Em particular, permitia que países em desenvolvimento
isentassem um número substancial de suas linhas tarifárias de quaisquer
cortes e permitiu-lhes usar o SSM para elevar tarifas acima dos níveis
consolidados na OMC. Outros representantes de grupos agrícolas,
principalmente produtores de algodão e arroz, estavam ainda mais
pessimistas.
A agricultura não era o único problema. Vargo, da Associação
Nacional de Fabricantes (NAM), estava igualmente desanimado. Ele
estimava que, de acordo com as fórmulas que os ministros do Comércio
estavam analisando, as tarifas aplicadas para produtos industrializados
cairiam, em média, apenas um décimo em grandes mercados como Brasil,
e mesmo esse resultado levaria cerca de nove anos para se materializar.
378
fracasso
O texto de Lamy “oferece a possibilidade teórica de um resultado
positivo para os produtos manufaturados dos EUA, mas é muito
improvável”, disse Vargo aos demais no hotel Presidente Wilson. A
única esperança, disse ele, “é obter acesso a mercados nas negociações
setoriais” – o termo para os acordos propostos para eliminar tarifas ou,
pelo menos, reduzi-las para próximo de zero, em alguns setores industriais
selecionados. Embora tais negociações estivessem previstas no texto de
Lamy, não estava claro se os grandes países em desenvolvimento – a
China, em particular – seriam obrigados a participar dos acordos setoriais
que Washington desejava, isto é, nos segmentos de produtos químicos
e de maquinário. “Se a China não estiver na lista [de participantes de
setoriais], nem adianta”, disse Vargo. “Não podemos apoiar” o texto de
Lamy nesse caso.
“Era preocupante ouvir o pessoal da agricultura e da NAM dizer:
‘Hum, isso não vale o aborrecimento’”, recorda-se o assessor parlamentar
do Congresso que compareceu à reunião. “Como conseguir que isso seja
aprovado no Congresso?” **.
Aumentava cada vez mais a pressão de legisladores importantes e
seus assessores para que se deixasse morrer a negociação. Numa reunião
com membros da equipe de Schwab mais tarde, no sábado, a questão
foi exposta calmamente por Hayden Milberg, uma assessora do senador
republicano Saxby Chambliss da Geórgia, o segundo membro mais
importante da Comissão de Agricultura do Senado: como ninguém no
setor privado parecia gostar do acordo esboçado no texto de Lamy, ele não
seria aprovado no Congresso. Portanto, o que seria melhor para Schwab?
Retirar-se da mesa de negociações aqui em Genebra ou aceitar um acordo
Os que têm boa memória talvez percebam que os EUA não têm autoridade moral para criticar
os demais países. Os motivos das queixas dos grupos agrícolas e industriais dos EUA sobre
a falta de acesso a mercados referiam-se principalmente a duas exceções que os países em
desenvolvimento haviam obtido em reuniões anteriores – a isenção para produtos especiais
(que foi incorporada no acordo-quadro de julho de 2004) e a possibilidade de que os países
optassem por ficar de fora dos acordos setoriais (acordada na reunião ministerial de Hong
Kong, em 2005). Nas duas reuniões, os Estados Unidos insistiram em exceções específicas
para atender seus próprios interesses. Estas incluíam o dispositivo que isentava de cortes
profundos o programa de pagamentos agrícolas contracíclicos dos EUA e o dispositivo que
dava a Washington a capacidade de excluir seu setor têxtil da concessão de acesso livre de
tarifas e quotas para importações provenientes dos países muito pobres.
**
379
paul blustein
que sofreria uma derrota no Capitólio? Um veto no Congresso não seria
altamente prejudicial para a OMC como instituição? O senador Max
Baucus, um democrata de Montana e presidente do Comitê de Finanças
do Senado, órgão que tem jurisdição sobre legislação de comércio,
transmitiu mensagem semelhante por telefone diretamente a Schwab.
A representante americana de comércio estava bem ciente das
dificuldades políticas que o acordo poderia enfrentar em Washington.
Uma de suas maiores preocupações era o SSM, que poderia teoricamente
permitir que a China aumentasse algumas das tarifas que havia cortado
ao entrar para a para a OMC. A tarifa consolidada chinesa para soja,
por exemplo, era de 3%. Ao invocar o SSM em resposta a um aumento
súbito nas importações, Pequim poderia impor uma tarifa de 18%,
mesmo que por um período limitado. Esse era o tipo de cenário que
certamente causaria um tumulto entre os parlamentares norte-americanos
provenientes de estados agrícolas. Ainda assim, a resposta de Schwab
para essas e outras objeções foi: sejam pacientes. Nas reuniões que se
estenderam pelo fim de semana com o setor privado e em conversas com
Hill, ela notou as advertências que haviam sido manifestadas na reunião do
G-7 sobre “temas que poderiam inviabilizar um acordo” e assegurou-lhes
que estava determinada a obter concessões de outros países sobre essas
questões antes de dar o aval para qualquer coisa.
De fato, seus subordinados já estavam se esforçando para tentar
estabelecer um acordo, na esperança de extrair promessas do país cujo
mercado eles mais cobiçavam.
[*]
A missão da China na OMC está convenientemente localizada um
pouco adiante na mesma rua onde se situa o Centro William Rappard, num
edifício moderno recém-construído nas margens do Lago de Genebra.
Lá, no sábado e no domingo imediatamente seguintes à apresentação do
texto de Lamy, negociadores chineses encontraram seus colegas norteamericanos, inclusive o embaixador junto à OMC, Peter Allgeier, e o
negociador-chefe de agricultura, Joe Glauber.
Talvez nenhum outro país na face da Terra tenha tanto interesse
na preservação do sistema multilateral como a China, devido à sua
dependência das exportações. Poucos países, se é que existe algum,
380
fracasso
teriam tanto a ganhar com a conclusão da Rodada Doha se levarmos
a sério as estimativas do Banco Mundial. Os americanos sabiam que
os formuladores de política chineses desejavam evitar, a quase todo
custo, que seu país fosse a principal causa de um fracasso numa reunião
importante da OMC. Então pensaram que seriam capazes de persuadir
Pequim a fazer algumas concessões, em bases bilaterais, que fossem
além das exigências do texto de Lamy obtendo, dessa forma, um acordo
mais atraente para a indústria e o setor agrícola dos EUA. Porém, os
negociadores norte-americanos também enfrentariam um árduo desafio,
porque os chineses nutriam forte ressentimento desde as negociações de
1999 em relação à sua entrada na OMC. Funcionários governamentais
de Pequim consideraram que os Estados Unidos os forçaram a aceitar
termos excessivamente severos como preço pelo ingresso na organização.
A maior das preocupações dos EUA era o algodão. A equipe norte-americana queria que a China se comprometesse a comprar mais desse
produto dos Estados Unidos. Cientes de que os produtores americanos
de algodão tinham diante de si a perspectiva de uma brusca redução
nos subsídios em qualquer cenário de acordo nas negociações de
Doha, os negociadores norte-americanos esperavam garantir aumentos
significativos em oportunidades de exportação para os agricultores
dos EUA. Assim, eles esperavam ser capazes de, pelo menos, reduzir
a oposição do Conselho Nacional do Algodão, que exercia formidável
influência no Capitólio. Foi dessa forma que a China entrou na história.
Com sua vasta indústria de vestuário, o país é, de longe, o maior
importador mundial de algodão.
Assim sendo, os negociadores dos EUA ansiavam em obter o
compromisso de Pequim no sentido de manter o algodão fora de sua lista
de produtos especiais que ficariam protegidos de cortes profundos nas
tarifas. Ao reduzir substancialmente o imposto de 40% que impõe sobre
a maior parte do algodão que importa, a China supostamente passaria a
comprar dos EUA quantidades muito maiores do produto. Além disso,
argumentavam os EUA, haveria benefícios significativos para os pobres
do mundo porque a medida também aumentaria a demanda por algodão
africano.
A China disse que lamentava, mas também tinha um problema
político com o algodão. Seus cotonicultores, que totalizam cerca de 10
milhões, eram, na maioria, muito pobres e quase todos habitantes da
381
paul blustein
província ocidental de Xinjiang, área dominada por muçulmanos que
fora palco de rebeliões sociais nos últimos anos. Seria temerário tomar
medidas de abertura de mercado que pudessem prejudicar os magros
proventos dessas pessoas. Portanto, Pequim pretendia lançar mão de
suas prerrogativas para escolher o algodão como um de seus produtos
especiais.
Os chineses também rejeitaram os pedidos americanos de que
outros produtos, como trigo e milho, ficassem igualmente fora da lista
de produtos especiais de Pequim. E foram categóricos ao dizer que não
participariam dos acordos setoriais “voluntários” para produtos químicos
e maquinário que os americanos queriam. As indústrias químicas e
de maquinário da China já tinham sofrido profundos cortes de tarifas
poucos anos antes como parte do acordo para o ingresso do país na OMC
e Pequim prometera a essas indústrias que suas barreiras não seriam
reduzidas novamente.
Vencida três vezes, a equipe norte-americana fracassara em seus
esforços de aperfeiçoar o pacote de Lamy com maiores concessões
dos chineses. É possível que o resultado tivesse sido diferente se os
chineses acreditassem que arcariam com a responsabilidade exclusiva
pelo fracasso da reunião. Mas eles sabiam, é claro, que a Índia já estava
assumindo uma posição firme contra a proposta do diretor-geral.
Independentemente do que estivesse por trás do pensamento da
China, qualquer esperança de gerar entusiasmo entre grupos agrícolas
e industriais dos EUA em relação ao texto de Lamy havia se dissipado.
Desde o começo da reunião ministerial até o fim de semana de 26-27 de
julho, os Estados Unidos haviam agido como se estivessem ávidos por
fechar um acordo. Daí em diante, durante os dias restantes da reunião
ministerial, seu comportamento mudaria.
[*]
Para fazer justiça a Akira Amari, ministro do Comércio japonês, é
preciso dizer que sua paciência fora extremamente testada antes de sua
explosão de raiva no meio da noite de segunda-feira, dia 28 de julho.
Amari, que estava aguardando o início de uma reunião do G-7,
ficara de pé do lado de fora do gabinete do diretor-geral por várias horas
enquanto alguns dos outros ministros – Schwab, Mandelson, Amorim
382
fracasso
e Crean – travavam intensas discussões com Lamy. Exasperado com
a impossibilidade de obter uma resposta direta para suas perguntas
sobre o cronograma da reunião, embora já passasse da meia-noite,
Amari deu um pulo quando Lamy surgiu de dentro de seu gabinete
e, batendo em sua pasta para sinalizar indignação, começou a gritar
em japonês, enquanto sua intérprete fazia o possível para traduzir não
apenas suas palavras, mas também sua fúria e seus gestos. Agitando os
braços e contorcendo o rosto diante de um diretor-geral estarrecido, a
intérprete berrou: “Sr. Lamy, sou um ministro do governo japonês de
grande experiência e é intolerável que tenham me feito esperar tanto
tempo!”. A confusão fez com que curiosos esticassem os pescoços para
fora das portas mais próximas, sendo que alguns quase não conseguiam
conter o riso diante da encenação da intérprete.
Como esse episódio sugere, a falta de sono começava a cobrar seu
preço, e a luta para chegar a um compromisso estava produzindo o efeito
contrário, à medida que a reunião – agora em seu oitavo dia – perdia seu
ímpeto. Vários ministros que não faziam parte do G-7 já tinham voltado
para casa, deixando seus embaixadores para representá-los, caso um
acordo se materializasse. A irritação dos participantes que permaneceram
era acentuada, em alguns casos, pela necessidade de mudar de hotel, já
que a maioria tinha feito reserva na expectativa de que a reunião durasse
cinco dias. Mesmo assim, Lamy ainda tentava desesperadamente costurar
algum compromisso, com a ajuda de Mandelson e de Amorim.
O foco principal era chegar a algum acordo sobre o SSM, com
base na teoria de que, enquanto essa questão não fosse solucionada, um
consenso não poderia ser alcançado em outros assuntos. Discordâncias
permaneciam com relação a vários outros temas importantes,
principalmente a redução de barreiras em países em desenvolvimento
sobre produtos manufaturados. Negociadores argentinos, em particular,
tinham fortes objeções aos termos do texto de Lamy sobre essa questão,
afirmando que os setores de vestuário e automotivo de seu país seriam
prejudicados. A África do Sul e a Venezuela igualmente se opunham. Em
outras questões complicadas, como subsídios ao algodão, negociações
substantivas mal haviam começado. Apesar de reconhecer que esses e
outros problemas seriam difíceis de superar, Lamy não via opção, a não
ser dirigir os esforços do G-7 para o entrave do SSM.
383
paul blustein
Porém, a atitude da equipe dos EUA tinha azedado depois do fracasso
de seu esforço, no fim de semana, de obter concessões dos chineses
e Schwab assumiu uma opinião decididamente parcial em relação a
várias propostas de SSM conforme foram surgindo. Um perigo – que
ela tentava evitar – era de que o resto do G-7 se unisse em torno de um
plano que ainda continha sérias falhas do ponto de vista dos EUA. Nesse
caso, Washington poderia ser apontado como o principal culpado pelo
fracasso nas negociações. “Não vou ficar presa nessa armadilha de merda,
Pascal!”, Schwab vociferou com Lamy num certo momento, de acordo
com pessoas que testemunharam o diálogo.
Negociadores norte-americanos passaram a criticar a China, além
da Índia, num gesto que alguns analistas interpretaram como um claro
sinal de que a equipe dos EUA desistira de buscar um acordo. David
Shark, representante adjunto na missão dos EUA junto à OMC, fez uma
declaração surpreendentemente ríspida na sala do Conselho Geral na
manhã de segunda-feira, dizendo que os dois países “haviam colocado
a Rodada Doha, no mais grave risco, em seus quase sete anos de vida”,
porque a Índia havia “imediatamente rejeitado o pacote [de Lamy]” e a
China “o abandonara”. A acusação contra os chineses – de que estavam
voltando atrás em sua palavra – foi repetida várias vezes por funcionários
norte-americanos à imprensa. “A China queria um lugar na mesa dos
mandachuvas”, publicou o International Herald Tribune, citando um
membro anônimo da delegação dos EUA. “Eles conseguiram o que
queriam, concordaram com o texto e agora querem retroceder”.
Os americanos tinham motivos legítimos de se impacientarem com
os chineses, que nada haviam feito em resposta às solicitações dos
EUA durante o fim de semana, a despeito do interesse de Pequim em
que a reunião terminasse de forma satisfatória. Além disso, toda vez
que soluções para o impasse em relação ao SSM eram sugeridas, os
chineses – que são muito sensíveis à “discriminação” contra eles em
acordos internacionais – insistiam em obter termos tão favoráveis quanto
os indianos, o que impossibilitou que se chegasse a um compromisso
satisfatório aos Estados Unidos no tema. Porém, a acusação de que os
chineses haviam “abandonado” o compromisso com o texto de Lamy
é questionada por quase todos os participantes neutros com quem eu
conversei. Os americanos não tinham moral para fazer esse tipo de crítica:
384
fracasso
foram eles que procuraram obter o texto de Lamy e que depois “pularam
fora”, exigindo concessões dos chineses como parte da negociação.
Na terça-feira, 29 de julho, o único sinal de esperança para a reunião
era uma caixa de charutos carregada de um lado para outro por Jean-Luc
Demarty, negociador-chefe de agricultura da União Europeia, que prometia
distribuir os “puros” quando um acordo fosse finalmente fechado. Demarty
fora instruído a fazer uma última tentativa na elaboração de uma solução
de compromisso em torno do SSM. Ele fez o que pôde, usando uma
estrutura complexa de duas bandas, de modo a articular uma abordagem
que atendesse às necessidades concorrentes de americanos, australianos,
indianos e chineses. Mas todos rejeitaram a proposta e, quando Lamy
implorou que eles tentassem novamente usando números diferentes,
Schwab disse não.
“Acabou”, disse ela a Lamy. “Como você quer que eu proceda agora
para suavizar o impacto desse resultado?”.
A notícia foi transmitida pelo Secretariado no meio da tarde às
missões de membros da OMC espalhadas por Genebra e logo uma fileira
de carros abria caminho lentamente pela entrada de automóveis em
formato de U em frente ao Centro William Rappard para desembarcar
ministros e embaixadores. Os trinta e tantos ministros convidados para
a reunião de sala verde foram direto para sua reunião, a fim de obter a
posição oficial de um homem que, até aquele momento, parecia ser uma
das pessoas menos suscetíveis do mundo a perder a compostura em uma
sala cheia de gente.
“A rodada fracassou”, disse-lhes Lamy, com a voz embargada.
Enquanto sua tristeza se espalhava pela sala, o diretor-geral parou para
beber um gole d’água. Recompondo-se, disse: “As diferenças em relação
ao SSM são irreconciliáveis. Tenho duas recomendações: por favor,
evitem entrar no jogo de apontar culpados. A poeira precisa baixar. Mas
não devemos nos iludir. O sistema ficará enfraquecido”.
Palavras pungentes de pesar foram igualmente pronunciadas por
Amorim, que desceu os degraus para o saguão do Centro William Rappard
para falar com os repórteres, com sua expressão fatigada refletindo a
exaustão da maratona de nove dias. “Ouvimos de várias pessoas que
deveríamos preservar o que obtivemos”, disse o ministro brasileiro,
referindo-se ao acordo parcial em torno dos elementos do texto de Lamy.
“Concordo com isso, mas, vocês sabem, isso não está em nosso poder, a
385
paul blustein
vida continua. Temos a crise dos alimentos. Teremos outras crises. Outras
preocupações parecerão maiores do que são hoje”.
[*]
A previsão de Amorim sobre o início de “outras crises” que
ofuscariam o fracasso da reunião da OMC realizou-se com uma
rapidez impressionante. No dia 7 de setembro, o governo dos EUA
anunciou que iniciaria uma intervenção nas instituições financeiras
Fannie Mae e Freddie Mac, que detinham ou garantiam cerca de
metade do mercado de hipotecas dos EUA. Uma semana depois,
Merrill Lynch escapou do colapso vendendo-se para o Bank of
America e o banco Lehman Brothers foi forçado a pedir falência.
Logo depois veio a intervenção federal na gigante dos seguros
AIG e o confisco pelo governo dos ativos do banco Washington
Mutual, conhecido por suas operações especulativas de alto risco.
Os mercados de crédito praticamente pararam de funcionar e os
preços das ações entraram em queda livre a cada dia. A semana de
6 a 10 de outubro foi a pior da história do índice Dow Jones – uma
queda de 22%, que jogou o índice para um nível 40% abaixo de
seu patamar mais alto um ano antes. Conforme a turbulência foi se
espalhando para a Europa e a Ásia, os bancos centrais se uniram
ao Federal Reserve dos EUA na adoção de medidas de emergência
para facilitar o fluxo de crédito. Mas os mercados continuaram a se
retrair com o constante trombetear de notícias chocantes.
As potenciais implicações para o sistema multilateral de comércio
se manifestaram cedo para Fernando de Mateo, embaixador do México
junto à OMC, que entrou com passos firmes na sala do Conselho Geral
no dia 14 de outubro, brandindo uma enorme foto em preto e branco e
em baixa definição mostrando dois homens.
“Eu disse: ‘Sabe quem são estes dois?’”, recorda-se Mateo. “Então
falei: ‘Não são o meu avô e o meu tio. São o senador Smoot e o deputado
Hawley, os verdadeiros culpados pela Grande Depressão. Sr. Presidente,
por favor, ponha esta foto na porta da frente. Peça ao porteiro para não
deixá-los entrar no prédio – nem eles, nem as suas almas’”.
386
Capítulo 14
Se pelo menos houvesse um jeito melhor
O colapso total das negociações sobre comércio internacional é
impensável. Nada que se pareça com isso aconteceu desde a década
de 1930. As rodadas de comércio anteriores tiveram momentos muito
sombrios e, desde o início da década de 1960, cada uma delas levou mais
tempo para terminar do que a rodada precedente. De uma maneira ou de
outra, a Rodada Doha um dia chegará ao fim.
Essas opiniões são bastante arraigadas entre muitos dos especialistas
em comércio e veteranos de Genebra, que já viram inúmeros ministros
de Comércio e diretores-gerais irem e virem e cuja experiência lhes
ensinou que, no final, o interesse próprio das nações do mundo em
preservar o sistema multilateral de comércio sempre prevalece.
Talvez tenham razão. Porém, o risco de que estejam errados desta vez
parece desconfortavelmente alto, sobretudo à medida que as espirais
descendentes da economia global e da ideologia do livre mercado vão
recebendo ataques sem precedentes.
A crise financeira dificultou para os membros da OMC a superação
das diferenças que afundaram a reunião de julho de 2008. Ainda que
a crise tenha aumentado substancialmente o valor de um acordo que
imporia algumas restrições ao protecionismo, a realidade política é que
um colapso econômico constitui um péssimo momento para se vender
uma política de liberalização comercial. O aumento do desemprego e
387
paul blustein
das falências e a queda acentuada do preço de muitos produtos agrícolas
fortaleceram as resistências à ideia de eliminar barreiras comerciais e
subsídios agrícolas (de fato, um colapso nos preços dos laticínios detonou
uma “guerra de subsídios” em meados de 2009, com os Estados Unidos
reintroduzindo subsídios às exportações de produtos como leite em pó e
queijo em retaliação à ajuda oferecida anteriormente pela União Europeia
a seus produtores de leite).
Era desanimador que, depois de mais de sete anos, os membros da
OMC ainda estivessem se desentendendo em relação a uma negociação
que mudaria tão pouco os termos em que o comércio atual se realiza.
Na verdade, a Rodada Uruguai levou oito anos, mas pode-se encontrar
pouco alento nisso. A Rodada Uruguai era abrangente em seu escopo e
seu impacto, mas é difícil fazer a mesma afirmação para qualquer acordo
imaginável na Rodada Doha. Mesmo que os negociadores de Doha
conseguissem se apressar em fechar um acordo nos próximos dois anos,
o abismo entre o resultado e as aspirações iniciais com certeza suscitaria
perguntas sobre o porquê de tanto tempo e esforço exigidos e se a OMC
teria algum futuro como fórum de negociações.
Olhando em retrospecto os acontecimentos contados neste livro, é
difícil encontrar muitos sinais encorajadores de que a OMC possa se sair
muito melhor no futuro. As falhas – Cancún, a suspensão da rodada em
2006, a reunião em Potsdam e os nove dias de julho de 2008 – constituem
apenas parte da justificativa dessa frustrante avaliação. Mesmo quando
os ministros conseguiram obter algum progresso, foi a muito custo. O
acordo-quadro de julho de 2004 dependeu quase que totalmente do pulso
forte de Bob Zoellick no comando da reunião nas horas que antecederam
seu final, depois de várias noites em claro. A reunião ministerial de Hong
Kong escapou por pouco do fiasco quando a saída de Celso Amorim
foi impedida por acaso. Talvez as reuniões de julho de 2004 e de Hong
Kong tivessem terminado em acordos de qualquer forma. Porém, esses
episódios marcaram as armadilhas das rodadas de comércio, que são “uma
terrível maneira de se negociar”, como Patrick Low, economista-chefe da
OMC, expôs numa conferência em Washington na primavera de 2009.
A partir dos pífios avanços feitos na Rodada Doha, pode-se tirar
algumas conclusões sombrias, e não apenas na área de comércio. O
resultado das negociações, até hoje, é um sintoma do que o comentarista
David Brooks oportunamente chama de “globoesclerose”. Se os membros
388
se pelo menos houvesse um jeito melhor
da OMC tivessem chegado a um resultado factível, isso teria demonstrado
algum otimismo de que os principais atores do mundo estão preparados
para atuar no interesse da coletividade global em outras questões para as
quais o multilateralismo oferece, de longe, a solução mais sensata. Essas
questões incluem mudança climática, não proliferação nuclear, escassez
de alimentos, terrorismo e segurança energética, tendo a crise financeira
alongado essa lista de forma considerável. Uma abordagem multilateral é
essencial para gerar uma recuperação econômica equilibrada e sustentável
e para estabelecer um aparato regulatório internacional mais eficaz para
a prevenção de crises futuras.
Pena que a OMC não tenha podido emitir um raio de esperança em
relação às chances de resolver esses outros difíceis desafios. Contudo,
há muitas outras fortes razões para corrigir os percalços do sistema
multilateral de comércio. A economia mundial, tal como a conhecemos,
pode sobreviver – e até ressurgir ainda mais forte – à crise na globalização
financeira. O mesmo não se pode dizer se o sistema de comércio ficar
igualmente debilitado.
[*]
O gabinete de Jennifer Hillman, no Centro William Rappard, não
ostenta quadros, peças de artesanato, bandeiras, símbolos ou outros itens
que indiquem sua cidadania norte-americana. Como um dos sete “juízes”
do Órgão de Apelação da OMC, espera-se que ela mantenha seu local de
trabalho despojado de qualquer coisa que possa ser interpretado como
sugerindo um viés nacional. Portanto, embora alguns trabalhos artísticos
de seus dois filhos em idade escolar adornassem as paredes e fotos de
família estivessem expostas sobre a sua mesa, ela se absteve de expor
lembranças referentes a suas afiliações passadas, como as fotos dela com
Bill Clinton, em cujo governo trabalhou como formuladora de políticas
comerciais de alto escalão em meados da década de 1990.
Essa é só uma das maneiras pelas quais o Sistema de Solução de
Controvérsias mantém sua autoridade. Hillman explica isso, apresentando
escrupulosamente seu principal órgão de julgamento como um árbitro
neutro das regras internacionais, imune a pressões políticas. “A ideia
é ter juízes objetivos”, disse ela, acrescentando que seus seis colegas,
procedentes do Japão, Itália, Brasil, China, África do Sul e Filipinas,
389
paul blustein
adotam a mesma posição em seus gabinetes. “Tento me certificar de
que a aparência combine com o fato de que não estou, de forma alguma,
advogando pelos Estados Unidos ou defendendo suas causas”.
Porém, no dia em que visitei Hillman em Genebra, ela estava
preocupada com a preservação da autoridade da instituição por motivos
que vão muito além da decoração do seu gabinete.
Em meados de dezembro de 2008, apesar do início dos feriados de
fim de ano, um clima de desânimo e resignação pairava sobre o Centro
William Rappard. Alguns dias antes, em 12 de dezembro, Pascal Lamy
anunciara que estava abandonando os planos para uma última reunião
ministerial em 2008. O diretor-geral esperava que, uma vez terminada a
eleição nos EUA, os membros da OMC pudessem chegar a um acordo
sobre modalidades que o novo governo Obama se sentiria obrigado
a aceitar, numa versão semelhante ao entendimento que estivera em
negociação em julho. Com a crise econômica grassando em toda a
sua fúria, ele tinha viajado para Nova Délhi, Washington e outras
capitais num esforço para convencer os formuladores de políticas de
que o mérito do pacote de julho era muito maior do que antes e que
a necessidade de avanço na Rodada Doha era mais patente do que
nunca, agora que o protecionismo começava a aparecer sob muitas
formas mundo afora. Em algum momento no início de dezembro,
foi anunciado, em Genebra, que os ministros seriam convocados,
tendo os líderes do G-20 de países ricos e emergentes endossado a
ideia. Porém, uma série de conversas com os principais participantes
convenceu Lamy de que convocar um encontro só levaria a um novo
revés incapacitante. Os detalhes dessas conversas não precisam ser
explicitados aqui, porque as razões eram essencialmente as mesmas que
as que tinham levado ao fracasso de julho. A Índia mantinha posição
dura em relação ao mecanismo de salvaguarda especial e os chineses
ainda se recusavam a participar de negociações sobre acordos setoriais
em produtos químicos e maquinário. O mais importante era que os
principais grupos do setor privado dos Estados Unidos ainda estavam
insatisfeitos com a quantidade de novas oportunidades de exportações
que obteriam. Contavam com o apoio firme de poderosos membros do
Congresso, que aconselharam publicamente os negociadores comerciais
do governo Bush a não se engajarem em negociações baseadas nos
termos do pacote de julho.
390
se pelo menos houvesse um jeito melhor
Assim como outros no Centro William Rappard, Hillman lamentou
a falta de um acordo, porque acreditava que a redução de tarifas
consolidadas teria proporcionado um seguro útil contra o protecionismo.
Também se preocupava com a possibilidade de que a crise alimentasse
pressões para um aumento nas barreiras comerciais. Contudo, na
qualidade de membro do Órgão de Apelação, podia ver implicações mais
preocupantes e de mais longo prazo para o sistema como um todo. Em
particular, estava focada na questão de se, no futuro, ela e seus colegas
seriam capazes de impor suas decisões. A incapacidade de se chegar a
um acordo nas negociações da Rodada Doha, mesmo com uma pauta
relativamente exígua, observou ela, significava que havia um sério
desequilíbrio entre a muito fraca “vertente negociadora” da OMC e a
área de solução de controvérsias da organização.
“Esta não é uma situação que possa durar por muito tempo”,
disse-me Hillman. “As demais partes da OMC têm de ser tão vibrantes
quanto o sistema de solução de controvérsias. Caso contrário, as pessoas
simplesmente não cumprirão as regras no longo prazo”.
Para entender esse raciocínio, é preciso fazer um pequeno esforço de
reflexão. Imagine um país com um sistema judicial em que o parecer dos
juízes goze de profundo respeito por seu saber e imparcialidade, mas cujo
poder legislativo esteja paralisado por intermináveis disputas políticas
fazendo com que as leis nacionais fiquem cada vez mais desatualizadas.
Suponha, por exemplo, que este país esteja vivendo as primeiras décadas
do século XX, quando os automóveis estavam começando a tomar as
ruas, e os legisladores do país sequer eram capazes de promulgar leis que
regulassem o trânsito de veículos. Nessa terra imaginária, permanecem
em vigor várias leis regendo questões afetas ao transporte a cavalo,
tais como a velocidade com que o corcel do cavaleiro pode galopar por
áreas urbanas, os locais onde os cavalos podem ser amarrados, quais
responsabilidades os donos de cavalos têm com o cuidado dos animais,
entre outros aspectos. Porém, as leis referentes aos limites de velocidade
de carros e semáforos permanecem obscuras. O que acontecerá com
o poder judiciário desse país? Em última análise, suas decisões serão
tratadas com muito menos respeito. As pessoas envolvidas em acidentes
de automóveis instaurarão processos nos tribunais e, se os juízes se
recusarem a emitir decisões argumentando que não há base jurídica
para fazê-lo, as partes prejudicadas em batidas de carro começarão a
391
paul blustein
fazer justiça com as próprias mãos, alegando que todo o sistema jurídico
está irremediavelmente desatualizado. Outra possibilidade é que, se os
tribunais tiverem coragem de emitir decisões, poderão ser acusados de
usurpar o papel do legislativo. De uma forma ou de outra, crescerão as
chances de desobediência em massa a decisões judiciais, à medida que
a percepção do público de que os juízes estão interpretando um conjunto
obsoleto de leis aumentar e que o desrespeito às decisões judiciais no
campo das leis de trânsito se espalhar para outros temas.
Em relação ao sistema multilateral de comércio, a máquina de fazer
regras conseguiu acompanhar razoavelmente as mudanças ocorridas
no comércio, na tecnologia e nas políticas públicas durante a última
parte do século XX. Por exemplo, na Rodada Tóquio, os negociadores
lidaram com problemas envolvendo subsídios e licenças de importação,
porque vários países estavam utilizando tais medidas para bloquear a
concorrência externa. Na Rodada Uruguai, os negociadores trataram da
questão de violações de propriedade intelectual depois que isso se tornou
uma grande fonte de reclamações entre alguns dos setores econômicos
mais avançados dos Estados Unidos. Hoje, porém, as regras da OMC
estão paralisadas na situação prevalecente de meados dos anos 1990.
Quanto mais tempo continuarem assim, maiores serão as chances de que
os países tomem medidas prejudiciais à posição da organização como
juiz e árbitro dessas regras.
As controvérsias sobre novas questões que surgiram nos últimos
anos, com destaque para os temas de manipulação monetária e crise
de alimentos, já geraram preocupações de que as regras da OMC estão
ficando defasadas. Tal como observado no Capítulo 1, a mudança
climática é outra controvérsia que exige atenção urgente da OMC, por
causa do potencial de choques entre as regras da organização e as leis
ambientais que os países estão redigindo, algumas das quais incluem
tarifas sobre importações de produtos com alto conteúdo de carbono.
Hillman teme, principalmente, que ela e seus colegas sejam forçados a
emitir uma sentença num contencioso envolvendo mudança climática
antes que os membros da OMC tenham tempo de acordar novas regras.
“A sensação é que o sistema de solução de controvérsias emitiu
decisões justas e razoáveis, em nível básico”, disse ela. “E o cumprimento
das regras tem sido bom, de modo geral. As pessoas estão solucionando
suas controvérsias comerciais de forma amigável. Não vêm travando
392
se pelo menos houvesse um jeito melhor
guerras comerciais, ou guerras literalmente falando, em relação às
controvérsias que trazem ao conhecimento da OMC. Mas nem toda
questão tem de ser levada à solução de controvérsias. Caso a instituição
não permaneça viável e relevante, os países deixarão de participar [no
sistema de solução de controvérsias] ou de cumprir plenamente [suas
decisões]. Então, é muito importante, sob todos os aspectos, que a OMC
seja forte e funcione bem”.
Ernesto Zedillo, ex-presidente do México e atualmente professor
em Yale, usou um argumento semelhante, só que em linguagem mais
contundente: “A questão relevante”, afirma ele, “não é como a OMC
poderá salvar a Rodada Doha, mas como a Rodada Doha poderá salvar
a OMC”.
[*]
Em quase todo simpósio ou conferência realizado hoje em dia sobre o
sistema global de comércio, alguém na mesa de palestrantes ou na plateia
levantará o argumento de que a Rodada Doha foi um erro desde o início.
Esses críticos normalmente alegam que a reunião ministerial de Doha
nunca teria tido êxito não fosse pelos ataques do 11 de setembro. Alguns
afirmam que as grandes rodadas multilaterais de comércio deveriam
ter terminado com a Rodada Uruguai e outros alegam que concentrar a
rodada no tema do desenvolvimento foi um equívoco, pois essa decisão
se baseou num inflado sentimento de culpa a respeito do impacto do
comércio sobre os pobres. Este livro apresentou amplas evidências para
a discussão de que a rodada, apesar de seu foco em desenvolvimento,
foi principalmente o produto de homens ambiciosos com grande apetite
para realizações – em particular, Mike Moore, que queria se certificar
de que seu mandato de diretor-geral fosse lembrado por algo mais do
que Seattle, e Bob Zoellick, que se deleitava em retratar os seguidores
de Clinton como condutores instáveis da liderança dos EUA.
Isso não quer dizer, no entanto, que a rodada tenha sido mal concebida.
As grandes iniquidades do sistema de comércio precisavam ser corrigidas,
principalmente as que afetavam adversamente os países em desenvolvimento,
e uma rodada oferecia o único meio viável de fazê-lo. Embora a ideia de
criar uma nova imagem para a OMC após Seattle tenha sido um erro
crasso, Moore sentiu-se certamente justificado em sua crença de que
393
paul blustein
o foco no desenvolvimento foi, ao mesmo tempo, um passo adiante,
apropriado para a organização, e uma oportunidade para uma redenção
muito necessária. Por garantir o lançamento da rodada, ele e Zoellick – e
Lamy também – merecem ser condecorados, e não condenados.
Se houve um erro sério na época de Doha, foi promover de forma
exagerada o potencial de combate à pobreza da rodada. A descrição da
rodada como uma provável bonança para o terceiro mundo alimentou
expectativas nos países em desenvolvimento de que quase todas as
concessões viriam dos membros ricos da OMC e que os países do
Sul cederiam pouco ou nada. E, quando as estimativas do Banco
Mundial atualizadas em 2005 mostraram os benefícios projetados como
muito menores do que antes, a credibilidade daqueles que defendiam
enfaticamente um pacote ambicioso de medidas de liberalização de
mercados viu-se diminuída.
É nos eventos ocorridos após a reunião de 2001 que os acusadores
podem encontrar os maiores alvos de suas críticas. O romance policial
de Agatha Christie, Assassinato no Expresso Oriente, em que todos os
suspeitos acabaram sendo culpados, foi, com frequência, comparado,
por bons motivos, à Rodada Doha. As várias partes podem ser acusadas
de cumplicidade nas atribulações da rodada.
Os Estados Unidos têm muita responsabilidade no fracasso, a
começar pela lei agrícola de 2002, que descarrilou a rodada ao levantar
dúvidas sobre a real disposição de Washington para limitar subsídios.
Pode-se dizer o mesmo a respeito da insistência dos EUA em evitar
cortes profundos em seu programa de pagamentos contracíclicos e
da insensibilidade que Zoellick e sua equipe mostraram na questão
do algodão. Esses fatores ajudaram a incitar o recuo dos países em
desenvolvimento em Cancún. A decisão de transferir Rob Portman para
um novo cargo em 2006 enviou um sinal de que o governo Bush via
pouca chance de progresso nas negociações de Doha no futuro previsível.
O ato foi interpretado, com razão, como uma prova de que eram outras
as prioridades do presidente, por mais que os altos funcionários da Casa
Branca protestassem em contrário. De todas as pessoas que poderiam
ter revertido a situação depois disso, Susan Schwab não foi uma delas.
Era justificada sua sensação de que a rodada ia de mal a pior, dada a
forma como as negociações haviam sido estruturadas depois de 2004,
com todas as brechas e exceções obscurecendo os ganhos potenciais para
394
se pelo menos houvesse um jeito melhor
os exportadores americanos. Mas sua relutância instintiva em desafiar
interesses domésticos poderosos contribuiu pouco para o sucesso do
empreendimento.
Quanto à União Europeia, Lamy deu suas próprias contribuições
para o recuo em Cancún com seu envolvimento na proposta agrícola
EUA-União Europeia e por se aferrar até o último minuto a uma posição
inflexível sobre os temas de Cingapura. Durante o mandato de Peter
Mandelson como comissário europeu, o jogo duro que a União Europeia
fez em 2005 na questão do acesso a mercados agrícolas atrasou a rodada
em pelo menos um ano. Ao resistir bravamente a esforços de oferecer
nada mais do que reduções modestas nas tarifas agrícolas europeias, os
franceses e seus aliados em países como a Irlanda também ajudaram a
garantir que as realizações da rodada fossem modestas.
Tal como exposto por muitos negociadores comerciais dos EUA,
o maior problema foi a relutância dos grandes mercados emergentes –
o Brasil em certa medida, a Índia e a China ainda mais – em assumir
responsabilidades globais proporcionais a seu peso econômico e
influência política. Duras críticas lhes foram lançadas em Cancún, quando
Zoellick os ridicularizou por não terem uma resposta a sua indagação
sobre o que ofereceriam em troca pelas demandas que lhe apresentaram.
Ao se articularem no G-20, conseguiram, por fim, apresentar propostas
coerentes e fazer concessões em certa medida. Contudo, o desempenho
geral do G-20 na Rodada Doha não foi de bom augúrio no que se refere
à disposição de seus membros para arcar com o ônus decorrente do status
de grande potência. Os brasileiros, indianos e chineses também quase
sempre tentaram resistir a demandas de abertura de mercado proclamando
a solidariedade do mundo em desenvolvimento e se envolvendo no
manto da defesa dos pobres do mundo, mesmo sabendo muito bem
que os membros da OMC mais pobres não teriam de eliminar barreira
alguma (graças ao acordo da “rodada grátis”). Paradoxalmente, um dos
impulsos mais úteis que os países pobres poderiam receber seria uma
redução de barreiras comerciais pelas grandes potências emergentes
como Brasil, Índia e China, porque o tamanho dos mercados em questão
cresceu muito e se expandiu mais rapidamente do que em outras partes
do mundo. Na reunião de julho de 2008, Amorim, do Brasil, finalmente
rompeu com o espírito de solidariedade do G-20 ao apoiar o pacote do
diretor-geral, apesar de sua rejeição por Nath, da Índia. Mas os chineses,
395
paul blustein
ao se recusarem a ser mais receptivos, deram cobertura aos indianos.
Talvez se Nath tivesse ficado isolado, ele teria sido forçado a assumir
uma postura menos recalcitrante.
A China, mais do que qualquer outro país da OMC, precisa levar
devidamente em conta as consequências de longo prazo que suas posições
negociadoras podem ter para o sistema multilateral de comércio. Uma
pergunta contundente foi feita às autoridades governamentais do país
no outono de 2008, quando Schwab visitou Pequim em meio à irrupção
da crise financeira. “Eu disse aos chineses: ‘Imaginem o que estaria
acontecendo com as exportações chinesas agora se vocês não estivessem
na OMC’”, recorda-se Schwab. Os líderes chineses têm de se fazer essa
pergunta todos os dias.
Mais um ponto em relação à culpa: os países em desenvolvimento,
como um grupo, mais as potências asiáticas, como o Japão, foram
responsáveis por colocar Supachai Panitchpakdi no comando da OMC.
Recatado e inteligente como é, Supachai não foi talhado para o cargo
de diretor-geral, e esse descompasso teve consequências, principalmente
em Cancún. Ainda que a tradição anterior de conceder o posto apenas a
europeus mereça ser corrigida, o mandato de Supachai na OMC deveria
servir como advertência para a tolice de escolher líderes para instituições
internacionais importantes com base na nacionalidade.
Porém, quaisquer que fossem as imperfeições de formuladores de
políticas ou a falta de visão por parte de governos individuais ou grupos
de países, esses fatores só exacerbavam os problemas mais fundamentais
que levaram a rodada a sua infeliz conjuntura atual. A OMC de hoje está
operando num clima político, econômico e diplomático muito diferente
do sistema multilateral de comércio do passado.
Ficaram para trás as circunstâncias da Guerra Fria que levaram o
“clube de cavalheiros ingleses” de potências ricas a negociar acordos
de abertura de mercados entre si sem esperar muito em troca das
nações em desenvolvimento. No lugar do clube encontra-se um mundo
de multipolaridade, com todas as tendências globoescleróticas que
logicamente daí decorrem. Da mesma forma, os arroubos de entusiasmo
pelo capitalismo do período pós-1989 desapareceram completamente.
Foram substituídos por um sentimento difuso de cautela – atribuível, em
grande parte, senão totalmente, ao fenômeno chinês – diante da rapidez
396
se pelo menos houvesse um jeito melhor
com que a globalização cria e aniquila riquezas. A crise financeira de
2008, é claro, só aumentou as fileiras dos desencantados.
Então, para voltar à pergunta feita no Capítulo 1 sobre se a OMC
é capaz de lidar com as realidades do início do século XXI, a resposta
é não, ou talvez, de forma mais condescendente, “definitivamente não
muito bem”. Isso é particularmente triste porque, em meio à desaceleração
econômica global, uma OMC saudável nunca foi tão importante. Como,
então, a Rodada Doha pode salvar a OMC?
[*]
Acabe com o sofrimento da rodada moribunda.
Não, aproveite o que existe para dar vida nova.
Não, mantenha o curso e siga em frente.
Não, tente fazer acordos menores com coalizões de países interessados
Não, passe a negociar acordos bilaterais.
Não, vise a um acordo maior e mais significativo envolvendo as
questões realmente importantes.
Estas são versões breves de uma miríade de propostas que estão
circulando após a reunião de julho de 2008 sobre o que fazer com a
Rodada Doha. A escola do “deixe morrer” argumenta que a rodada se
tornou uma causa perdida e que esforços adicionais para revivê-la só
causariam mais danos à OMC. Os defensores da vida nova com base
no que existe defendem tomar umas poucas medidas na rodada sobre as
quais há pouco desacordo, como a facilitação do comércio, e finalização
de acordos que mostrariam uma OMC capaz de gerar pelo menos algum
progresso. O pessoal que quer manter o curso subscreve a visão de que
o ciclo de morte e ressurreição acontecerá novamente e que valerá a
pena ter esperado.
Os defensores da ideia de passar aos acordos bilaterais argumentam
que estes são a maneira mais rápida de abrir mais mercados e talvez a
única forma prática de fazê-lo. Os que preferem mobilizar coalizões
de interessados esperam repetir o sucesso dos acordos negociados em
bases plurilaterais pelo governo Clinton no final da década de 1990,
no segmento de tecnologia da informação e em outros setores. Nesses
acordos, grupos de países representando a maioria do comércio em
397
paul blustein
determinadas áreas (serviços, por exemplo) concordariam em liberalizar
seus mercados em conjunto nessas áreas, sem se importar se o resto dos
membros da OMC dará algo em troca.
Por fim, há o argumento do “expandir a agenda”, apresentado numa
matéria importante e provocadora publicada na revista Foreign Affairs,
que deixou a comunidade dos especialistas em comércio de Genebra em
estado de agitação nervosa. O artigo acusava os negociadores de Doha
de “terem, como Nero, gastado muito tempo se batendo com questões
menores e ignorado onde estava o incêndio”.
Os autores do artigo foram os economistas Aaditya Mattoo do Banco
Mundial e Arvind Subramanian do Instituto Peterson para a Economia
Internacional (Peterson Institute for International Economics). Citando
a enormidade de mudanças na economia global ocorridas desde 2001,
conclamavam a uma completa repaginação dos assuntos a serem
negociados, porque “Doha distraiu a atenção de outros assuntos de
maior importância”. Por exemplo, escreveram eles, “mesmo à medida
que os preços se elevaram e as barreiras às importações declinaram,
as negociações de Doha continuaram a focar em formas tradicionais
de proteção agrícola, como subsídios à produção, que ficaram menos
relevantes”. Assim sendo, na opinião deles, a rodada deve passar a
negociar tanto barreiras à importação quanto à exportação de produtos
agrícolas, bem como políticas referentes aos biocombustíveis. Também
defendem uma abordagem para lidar com a “subvalorização persistente
e substancial das moedas mais importantes”, sendo o yuan chinês o
exemplo mais óbvio. Em relação à mudança climática, o assunto cada
vez mais falado do uso de sanções comerciais como forma de impor
um esquema de emissões de gases de efeito estufa era outro desafio que
demandava atenção*. Eles propunham acrescentar outras questões na
agenda, a exemplo de energia e regulação financeira.
Sobre mudança climática e algumas outras questões, a OMC teria de trabalhar com outros
órgãos multilaterais, observaram Mattoo e Subramanian. As negociações do órgão de comércio
referentes à legalidade de tarifas sobre carbono estariam subordinadas ao encontro sobre
meio ambiente planejado para acontecer em Copenhague no final de 2009, por exemplo. Em
relação ao tema cambial, a OMC teria de se coordenar com o FMI, com o fundo assumindo a
responsabilidade de avaliar se uma moeda está subavaliada e a OMC autorizando a imposição
de sanções contra países que infringissem as regras.
*
398
se pelo menos houvesse um jeito melhor
Tenho algumas ideias próprias acerca do que fazer. Em primeiro
lugar, existem alguns princípios abrangentes que, a meu ver, deveriam
orientar o debate, qualquer que seja a abordagem específica a ser adotada.
A meta mais importante é garantir a sobrevivência do sistema de
comércio baseado em regras. É insensato dedicar muita energia para abrir
os mercados mais do que já estão. Depois de oito rodadas, o comércio
mundial já está razoavelmente livre. O foco deveria concentrar-se
em evitar que o protecionismo, e o semiprotecionismo, se torne uma
característica duradoura da economia internacional, para que o comércio
globalizado possa ajudar o mundo a se recuperar e a prosperar de novo.
Vale a pena lembrar que um dos efeitos mais perniciosos do protecionismo
na década de 1930 foi que ele perdurou por muitos anos dificultando a
recuperação e o crescimento. Um órgão multilateral de comércio forte,
imbuído de credibilidade no exercício de seus poderes de imposição de
regras, é, sem dúvida, a melhor salvaguarda que o mundo tem contra
um acesso prolongado de protecionismo. Então, em termos concretos, a
prioridade número um da política comercial deve ser apoiar a OMC, por
todas as razões apresentadas ao longo deste livro sobre o papel essencial
que a organização desempenha na promoção da abertura de mercados
no mundo todo.
Uma medida que enviaria uma mensagem simbólica, mas poderosa,
de apoio ao multilateralismo seria declarar uma moratória para todos os
acordos bilaterais e regionais de livre comércio e concordar que, num
futuro previsível, todas as negociações de comércio, de escopo amplo
ou limitado, serão conduzidas sob os auspícios da OMC. Outra medida
seria corrigir as falhas no sistema de solução de controvérsias que põem
os países em desenvolvimento em desvantagem. Voltarei a essas ideias
mais tarde.
O empurrão que a OMC mais precisa é sair do marasmo de Doha.
Sem dúvida, Mattoo e Subramanian estão certos em acusar a rodada
de perder o trem da história em relação às grandes questões surgidas
desde 2001. A rodada também merece descrédito por fazer muito pouco
em relação a seu objetivo inicial de desenvolvimento. Mas abandonar o
foco atual das negociações teria um impacto corrosivo sobre a confiança
na OMC e iria contra os fortes desejos da maioria dos países-membros
em desenvolvimento. Em vez de descartar o atual mandato negociador,
faz mais sentido capitalizar sobre suas virtudes, mesmo que limitadas.
399
paul blustein
A melhor maneira de emprestar uma nova vitalidade à rodada seria
relançá-la como um exercício de antiprotecionismo. Os benefícios da
redução das tarifas consolidadas, na medida em que funcionariam como um
seguro contra o aumento do protecionismo, ajudariam ao menos a prevenir
danos de longo prazo ao comércio mundial. Assim sendo, o acordo futuro
seria reduzido a algo parecido com o pacote de medidas em negociação na
reunião de julho de 2008. As outras partes da rodada – regras antidumping,
subsídios à pesca etc. – teriam de ser tratadas mais tarde, de forma que
essa versão despojada do acordo final pudesse ser aprovada o mais rápido
possível (se um acordo de abertura de mercados de serviços pudesse ser
fechado rapidamente, isso ajudaria a melhorar a atratividade do acordo
em geral; caso contrário, deveria ser adiado).
Devido aos obstáculos que impediram o acordo em julho de 2008,
os termos teriam de ser obviamente alterados em alguma medida. O
representante de Comércio do presidente Obama, Ron Kirk, lançou
uma proposta intrigante, mais diretamente para negociar cronogramas
de redução tarifária para milhares de produtos em jogo, pulando a etapa
intermediária de um acordo de modalidades. A intenção é dar aos grupos
agrícolas e industriais dos EUA uma ideia mais clara do que exatamente
obterão em termos de oportunidades de novas exportações, na esperança
de que pelo menos alguns grupos passem a ser defensores entusiasmados
da rodada.
Nesse ínterim, a agenda negociadora mais abrangente proposta por
Mattoo e Subramanian não deve ser relegada ao esquecimento. Mesmo
com a continuação das negociações da rodada antiprotecionista, os
membros da OMC deveriam começar a esboçar um mandato para uma
nova rodada que envolveria negociações sobre a crise alimentar, a
questão cambial e as regras regendo tarifas de carbono, além de questões
pendentes da Rodada Doha e alguns outros temas.
Espere aí – outra rodada? O economista-chefe da OMC não tinha
sido citado anteriormente neste capítulo dizendo que rodadas são uma
maneira terrível de se negociar?
[*]
Tem de haver um jeito melhor. Esta é uma lição óbvia a ser tirada
deste livro – tanto por seu conteúdo quanto por sua extensão. Depois
400
se pelo menos houvesse um jeito melhor
de terem entendido o que pretendi com minha promessa de contar uma
longa saga de competição desordenada, confusão e disfuncionalidade,
muitos leitores compreensivelmente concluirão (ou terão suas crenças
preexistentes reforçadas) que as rodadas de comércio pertencem à lata
de lixo da história, junto com outros dispositivos outrora úteis como
aparelhos de videocassete e disquetes de computador.
A ideia de grandes rodadas de comércio já foi objeto de muitos
réquiens. Depois das Rodadas Tóquio e Uruguai, negociadores fatigados,
soando como veteranos da Primeira Guerra Mundial voltando da
“guerra para acabar com todas as guerras” opinaram que nunca mais
um empreendimento de tal complexidade deveria ser realizado. Seria
reconfortante acreditar que Doha baixaria a cortina sobre as rodadas de
comércio de uma vez por todas e que o sistema multilateral de comércio
pode muito bem viver sem elas.
É melhor não contar com isso. Os formuladores de políticas
comerciais devem ficar logo sabendo que será preciso se revestir de
coragem diante da inevitabilidade de mais rodadas, porque estas oferecem
uma oportunidade de os países fazerem barganhas envolvendo grandes
conjuntos de temas muitas vezes sem relação uns com os outros. Cortes
em subsídios agrícolas podem ser trocados pela eliminação de quotas
têxteis. A Rodada Doha deve servir de advertência para a importância de
se pensar bem antes de decidir pelo lançamento de uma empreitada desse
tipo. Mas quando várias medidas de grande importância e consequência
têm de ser tomadas no sistema multilateral de comércio, a verdade
inconveniente é que uma rodada provavelmente é a única opção.
É bem possível que Doha marque o fim de uma era para um tipo
específico de rodada, isto é, a rodada que tenha como principal objetivo
a expansão de fronteiras do livre comércio. A mensagem que emanou
de muitos quadrantes durante a Rodada Doha é que o apetite do mundo
por outras grandes doses de globalização se aproximou de seu limite.
Essa atitude não se aplica de maneira generalizada a todos os países e,
em algum ponto no futuro, ela pode mudar para o mundo como um todo.
Mas, pelo menos por enquanto, o foco da próxima rodada de comércio
e talvez de outras no futuro deva ser a preservação, o fortalecimento e a
modernização do sistema multilateral. Embora a liberalização adicional
faça parte do mix, o objetivo principal tem de ser garantir que o mundo
continue a colher os enormes benefícios desse bem público internacional.
401
paul blustein
Doha provavelmente também marcará o fim de uma era para outro
tipo de rodada, isto é, uma rodada em que nada é acordado até que
tudo fique acordado, por todos (o princípio do pacote único, ou single
undertaking, na expressão em inglês). Várias reformas foram propostas
para tornar as negociações da OMC mais eficientes, ainda que o maior
desafio seja conceber mudanças que resolvam mais problemas do que
causem.
Uma ideia muito discutida, por exemplo, é acabar com a tradição
de exigir consenso e instituir uma votação, com base na teoria de que é
absurdo permitir que um único membro da OMC ou um pequeno grupo
de países vete decisões de uma instituição tão importante. É claro que
um sistema de maioria simples seria rejeitado pelos países ricos, então
alguns especialistas propuseram usar regras de votação ponderada, em
que as maiores economias tenham proporcionalmente mais peso do que
as pequenas, como no FMI e no Banco Mundial.
Porém, o princípio do consenso tem um enorme valor para conferir
legitimidade às regras da OMC e isso ajuda igualmente a reforçar a
credibilidade do sistema de solução de controvérsias. Diferentemente do
FMI e do Banco Mundial, que emprestam dinheiro, a OMC faz regras às
quais se espera que todos os membros venham a aderir, inclusive regras
que, com frequência, acarretam modificações de leis e regulamentações
nacionais. Se o princípio do consenso for substituído por votação, um
país que for voto vencido em um tema específico teria uma justificativa
muito maior para desrespeitar uma decisão do tribunal da OMC em
relação ao mesmo tema, alegando que nunca deu consentimento para
que a regra em questão entrasse em vigor.
Uma medida muito mais sensata seria abandonar o princípio
do pacote único (single undertaking) e caminhar em direção a uma
abordagem baseada em coalizões de interessados em determinado
tema. Os membros da OMC podem muito bem conseguir obter alguns
acordos proveitosos que seriam endossados apenas pelos membros
que concordassem em aceitar as obrigações envolvidas, entendendo
que os termos não seriam vinculantes para os demais. Esta não é
uma ideia nova: mesmo antes do final da década de 1990, quando o
governo Clinton negociou seus acordos multilaterais sobre tecnologia
da informação e outros setores, uma parte substancial da Rodada
Tóquio consistiu nesse tipo de pacto. Tal como dito no Capítulo 2, os
402
se pelo menos houvesse um jeito melhor
países poderiam escolher no estilo à la carte se queriam ou não aceitar
determinados dispositivos da Rodada Tóquio. Essa abordagem tem
um grande problema, que acabou conferindo má reputação àquela
rodada: os não participantes pegam carona nos ganhos dos outros,
porque obtêm todos os benefícios do acordo, graças à regra da Nação
Mais Favorecida, apesar de não arcarem com qualquer obrigação. Mas
enquanto esse tipo de iniciativa puder contar com a participação da
“massa crítica” dos membros da OMC, isto é, quase todos os países
que importam em relação a uma questão em particular, os “caroneiros”
podem simplesmente ser ignorados.
Portanto, apesar de reconhecer que as rodadas são de fato uma
maneira terrível de negociar, vou defender a ideia de que está na hora de
lançar uma nova rodada, e não um pacote único dessa vez, pelas razões
a seguir, a começar pelas três da lista de Mattoo e Subramanian:
Moedas: A China deu um péssimo exemplo ao adotar a política
de subvalorização do yuan por tanto tempo (embora o yuan tenha se
valorizado cerca de 20% desde 2005, ainda está subvalorizado em meados
de 2009). O mundo precisa de uma abordagem multilateral efetiva para
lidar com países que usam suas moedas para subsidiar suas exportações
e penalizar importações. Um confronto bilateral entre Washington e
Pequim em relação à questão provavelmente terminaria mal e, em 2006,
formuladores de políticas norte-americanos sabiamente impediram que
a controvérsia escalasse demais. Porém, se a China não mudar suas
práticas ou se outros países adotarem abordagens semelhantes, guerras
comerciais ou cambiais (isto é, ciclos de desvalorizações monetárias
ao estilo “empobreça seu vizinho”) serão bem plausíveis. Está na hora
de estabelecer regras claras para lidar com esse tipo de problema num
fórum multilateral.
Alimentos: É um ultraje que exportadores agrícolas como a Argentina,
que normalmente insistem para que seus parceiros econômicos reduzam
suas barreiras ao comércio de produtos agrícolas, segurem sua produção
em vez de colocá-la nos mercados mundiais durante períodos de escassez.
No momento em que surgir outra grande crise alimentar, o mundo
precisará ter à mão políticas que penalizem os países que adotarem
restrições à exportação de produtos agrícolas (medidas do tipo “deixe-seu-vizinho-passar-fome”).
403
paul blustein
Clima: Jennifer Hillman e seus colegas no Órgão de Apelação não
deveriam ser demandados a tomar decisões importantes sobre a política
ambiental global ao adotar conclusões relativas a tarifas sobre carbono
na ausência de um acordo negociado sobre o assunto (se essa questão
puder ser resolvida por si só, antes da conclusão da rodada, tanto melhor).
Imparcialidade nos tribunais: Vamos fazer com que o sistema de
solução de controvérsias realmente funcione para os países pequenos e até
mesmo para países de tamanho médio que desafiem as superpotências. Foi
dito no Capítulo 8 que Antigua e Brasil – mesmo tendo obtido sentenças
a seu favor contra os Estados Unidos – não conseguiram que Washington
as cumprisse e argumentaram, de forma persuasiva, que, no caso deles,
tarifas punitivas constituíam um método impraticável de retaliação contra
um adversário tão dominante no âmbito econômico. As regras da OMC
deveriam ser modificadas de forma que os países nesse tipo de situação
tenham o claro direito de suspender proteções à propriedade intelectual –
não apenas vendendo, digamos, cópias piratas de DVDs de filmes da Disney
em seus mercados domésticos, mas exportando esses DVDs para o mercado
norte-americano (ou para o mercado de qualquer país considerado culpado
por violação das regras da OMC). Não há dúvida de que Hollywood,
além das indústrias fonográficas, de software e farmacêutica, ficaria
indignada com isso. O favoritismo a essas indústrias deve ser matizado
pela constatação de que elas tiveram enormes ganhos com as regras do
Acordo sobre TRIPS. Diante dos interesses que têm em jogo no sistema,
elas deveriam fazer uma contribuição para melhorar a credibilidade da
solução de controvérsias na OMC.
Então já que estamos nessa linha, vamos tornar a solução de
controvérsias retroativa, de forma que os países possam ser punidos por
violação às regras da OMC que tenham ocorrido antes que um tribunal os
considere culpados. O sistema atual torna fácil demais para os membros
da OMC infringirem as regras, pois eles sabem que o pior que pode lhes
acontecer é serem forçados a eliminar medidas ou práticas irregulares
em algum momento no futuro.
Protecionismo disfarçado: Este termo se refere a políticas adotadas
por muitos países após a crise financeira de 2008 que não envolvem
aumento de tarifas e não necessariamente violam as regras da OMC,
mas discriminam produtos e trabalhadores estrangeiros. Requisitos do
tipo “comprem produtos nacionais” em pacotes de estímulo do governo
404
se pelo menos houvesse um jeito melhor
são um exemplo. Outro é a pressão política exercida sobre companhias
automobilísticas norte-americanas recém-nacionalizadas para deixarem
de terceirizar a produção. Apesar de ser impossível evitar que essas
políticas entrem em vigor agora, é essencial a criação de regras que
restrinjam sua imposição e evitem sua permanência por longos períodos.
Por fim, se as nações do mundo valorizarem de verdade os princípios
estipulados em 1947 por Julio Lacarte e os demais patronos do sistema
multilateral de comércio, há ainda outra coisa que elas precisam fazer.
[*]
Apesar de todo o seu mau humor, Bob Zoellick costumava se gabar,
durante os anos em que servia ao governo Bush, do número de países
ávidos por assinar acordos de livre comércio com os Estados Unidos.
Como era gratificante ver tantos ministros de Comércio fazendo uma
peregrinação até o gabinete de Zoellick e tantos chefes de Estado
dando boas-vindas tão calorosas ao representante de Comércio dos
Estados Unidos em suas viagens ao exterior, na esperança de que
Washington pudesse lhes conferir o status de parceiro de livre comércio.
Naturalmente, Zoellick usava ao máximo a alavancagem resultante,
insistindo que parceiros potenciais tinham de ajustar suas políticas para
se adequar às exigências de Washington ou ele encontraria outros países
mais interessados em participar na competição pela liberalização. Seus
sucessores continuaram suas políticas, negociando acordos com Omã,
Peru, Coreia do Sul, Colômbia e Panamá além dos acordos que Zoellick
assinara com o Chile, Cingapura, Austrália, Marrocos, Barein e cinco
países da América Central mais a República Dominicana. O saldo final
da equipe de Bush foi a conclusão de negociações com dezesseis países.
Esses resultados reforçaram o apoio por parte de muitos formuladores
de políticas e especialistas norte-americanos, na área de comércio, à ideia
de que os Estados Unidos deveriam tentar obter mais acordos bilaterais.
Graças aos acordos da era Bush, os exportadores norte-americanos agora
gozam de tratamento livre de impostos e as multinacionais americanas se
beneficiam de vários direitos que excedem as regras da OMC em todos
os dezesseis países exceto três (Coreia do Sul, Colômbia e Panamá),
cujos pactos ainda aguardam aprovação pelo Congresso. Enquanto isso,
o que as empresas americanas lucraram com as negociações na OMC
405
paul blustein
durante o mesmo período? Nada, é claro, e isso leva inexoravelmente à
conclusão de que, apesar de ser preferível reduzir barreiras comerciais
em nível global, a falta de progresso na Rodada Doha não dá opção aos
Estados Unidos a não ser buscar oportunidades de abertura de mercados
em outros lugares.
E assim continua o canto de sereia dos entusiastas do livre comércio
nos Estados Unidos, para quem qualquer acordo é atraente desde que
as barreiras para produtos, serviços e capitais norte-americanos sejam
significativamente reduzidas em quaisquer países que estejam negociando
com Washington. Impulsos mercantilistas animam com muita frequência
estes supostos adoradores de Adam Smith. É óbvio que eles estão certos
ao dizer que acordos satisfatórios para multinacionais e produtores
agrícolas norte-americanos são muito mais fáceis de obter em termos
bilaterais do que na OMC. Porém, os interesses dos Estados Unidos são
atendidos de maneira precária nesse processo.
Mesmo pelos padrões mercantilistas, os dezesseis pactos de Bush são
café pequeno, dadas as dimensões dos US$ 14,3 trilhões da economia
norte-americana. Considere o acordo EUA-Colômbia, frequentemente
qualificado por seus fomentadores como claramente vantajoso, já que
daria às exportações norte-americanas o mesmo acesso livre de impostos
ao mercado da Colômbia que a maioria dos produtos colombianos já
tem no mercado norte-americano. Os defensores do livre comércio
mais ponderados, em contraste com os mais entusiásticos, sabem que os
argumentos utilizados para justificar o acordo não são, nem de perto, tão
convincentes quanto a propaganda faria supor. É verdade que algumas
empresas norte-americanas aumentariam suas vendas no mercado
colombiano. Mas, mesmo que as exportações norte-americanas para a
Colômbia dobrassem num ano – um cenário totalmente implausível –,
isso resultaria num aumento de menos de 0,07% sobre uma parcela de
1% do produto interno bruto dos EUA.
Olhando para um quadro mais amplo, apenas cerca de 11% das
exportações norte-americanas vão para os dezesseis países envolvidos
nos acordos da era Bush. E isso é só uma ínfima parcela da economia
total; as exportações responderam apenas por cerca de 8% do produto
interno bruto dos EUA no passado recente.
Os interesses dos EUA, tanto na esfera econômica quanto no plano
da segurança, são mais bem atendidos pelo apoio a um sistema que:
406
se pelo menos houvesse um jeito melhor
(1) promova a previsibilidade e a estabilidade no comércio no mundo
inteiro; (2) contenha o protecionismo e as guerras comerciais; e (3)
dê aos países em desenvolvimento a maior oportunidade possível
de participar em termos razoavelmente justos da economia global.
Quaisquer iniciativas hostis a esse sistema – e os acordos bilaterais
são um bom exemplo – devem ser afastadas.
Quando Zoellick fez uso do seu prodigioso talento para lançar a
Rodada Doha em 2001 e para resgatá-la em 2004, seu interesse pessoal em
colecionar resultados exitosos era compatível com o interesse nacional.
Quando ele voltou sua atenção para os acordos bilaterais, acredito que
seus interesses pessoais entraram em conflito com os da nação. Os acordos
bilaterais seriam desejáveis se um argumento convincente pudesse ser
apresentado de que, segundo a teoria da liberalização competitiva, eles
podem servir de base para construção paulatina de acordos multilaterais.
Mas a liberalização competitiva, por mais que Zoellick acreditasse
nisso, acabou sendo uma racionalização elaborada para uma política
que simplesmente não funcionou. Pior ainda foi o grande número de
imitações baratas que ela gerou.
A Estônia tem um pacto com a Armênia. Taiwan tem outro com
a Guatemala. Estes são apenas dois problemas na lista dos acordos
bilaterais e regionais atualmente em vigor. Há também a Parceria
Econômica Transpacífica (Transpacific Economic Partnership), que
elimina barreiras ao comércio entre Chile, Nova Zelândia, Brunei e
Cingapura. E não nos esqueçamos do acordo AELC-SACU1, que liga
a Associação Europeia de Livre Comércio (Islândia, Noruega, Suíça
e Liechtenstein) à União Aduaneira da África Austral (África do Sul,
Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia).
O professor da Universidade de Columbia Jagdish Bhagwati, que
cunhou o termo “prato de espaguete” agora tem uma imagem mais
pungente para ilustrar sua preocupação com os acordos bilaterais. “Cupins
no Sistema de Comércio” (Termites in the Trading System, no original
em inglês) é o nome de um livro que ele escreveu em 2008 – um título
que faz uma analogia bem proposital. Num momento em que o impasse
na Rodada Doha já deixou a OMC enfraquecida, a difusão de acordos
N. da T.: Sigla em inglês referente à União Aduaneira da África Austral (Southern Africa
Customs Union).
1
407
paul blustein
bilaterais e regionais de comércio acentua a situação de risco em que se
encontra a OMC. Vistos individualmente, esses acordos oferecem alguns
benefícios e poucos danos. O problema é que coletivamente podem acabar
deixando inativo e marginalizando o sistema multilateral.
As lamúrias pelo fracasso da reunião ministerial de julho de
2008 ainda estavam reverberando quando alguns dos membros mais
proeminentes da OMC se engajaram em campanhas intensificadas para
forjar acordos de comércio preferenciais (e é este o termo adequado para
eles – “acordos de comércio preferenciais”, ou PTAs). Em 28 de agosto
de 2008, a Índia assinou um PTA com dez nações do Sudeste da Ásia e
um acordo em separado também foi fechado entre esses dez países em
conjunto e a Austrália e a Nova Zelândia. Os australianos não pararam
por aí: acordaram, em princípio, um PTA com a Coreia do Sul e tentaram
acelerar suas negociações, há muito proteladas, com a China. Isso
representou uma reviravolta para o novo primeiro-ministro australiano,
Kevin Rudd, que antes fora um crítico ferrenho dos acordos bilaterais,
tendo mesmo chegado a acusar seu predecessor de contribuir para um
“desbastamento” do multilateralismo ao perseguir tais acordos. Nesse
ínterim, o Canadá também pulou mais ávido do que nunca no vagão dos
PTAs, como mostra este editorial do Toronto Globe and Mail:
Pode levar anos até haver alguma tentativa de se instilar vida nova à
Rodada Doha... Os canadenses que participaram do processo de Doha,
inclusive o ministro do Comércio Michael Fortier, dizem que agora
passarão a negociar acordos bilaterais com países individuais. Esta é
uma sábia decisão e a prioridade maior deveria ser conseguir um acordo
com a União Europeia. O Canadá tem sido um retardatário em negociar
acordos de comércio e investimentos com outros países e precisamos
recuperar o tempo perdido.
Será que essas opiniões estão muito distantes da ideia de que a OMC,
como fórum de negociações de regras de comércio, está acabada? Com
certeza, nem Rudd nem Fortier, nem qualquer um dos funcionários
governamentais de alto escalão envolvidos na mais recente orgia de
PTAs, haviam abandonado todas as esperanças de acordos multilaterais
futuros. Mas, quanto mais PTAs houver, maior a probabilidade de que
políticos questionem por que seus países deveriam se importar em fazer
408
se pelo menos houvesse um jeito melhor
negociações multilaterais ou até mesmo por que precisam da OMC
para alguma coisa. E, a partir daí, não é necessário dar um passo muito
largo para chegar ao ponto em que os países comecem a desrespeitar as
decisões dos painéis da OMC.
Chegou o momento de tratar da infestação de cupins com uma
longa moratória, ou até mesmo com uma interdição total, para novos
PTAs, apresentando essas medidas como elementos fundamentais de
uma nova rodada da OMC. Não estou sugerindo que os PTAs atuais
devam ser cancelados; mesmo que isso fosse legalmente factível, seria
economicamente prejudicial. Em vez disso, o objetivo deveria ser evitar
que a proliferação de PTAs pusesse ainda mais em risco o sistema
multilateral. Em termos ideais, o governo Obama está bem posicionado
para abrir caminho declarando que está renunciando às políticas da
equipe de Bush e cessando todas as negociações bilaterais e regionais.
Mas nada garante que outros países sigam seu exemplo. Porém, para
reverter a dinâmica que Zoellick ajudou a impulsionar, a liderança dos
EUA seria essencial e a tentativa valeria a pena.
A política externa tem de ser levada em consideração, é claro.
Funcionários experientes do Departamento de Estado sabem que é difícil
resistir a apelos de países para iniciar conversações sobre PTAs porque,
quando um chefe de estado visita Washington, com frequência a única
perspectiva de resultado para tais viagens é caminhar rumo a um acordo
bilateral de comércio. Além disso, ainda falta muito para se conseguir
a aprovação dos três acordos bilaterais pendentes (Colômbia, Coreia
do Sul e Panamá) no Congresso. Na verdade, o presidente venezuelano
Hugo Chávez ficaria imensamente satisfeito se o acordo EUA-Colômbia
fracassasse.
Isso não quer dizer, contudo, que Washington tenha de tentar obter
acordos adicionais por razões de política externa. Embora alguns PTAs
gerem dividendos diplomáticos, outros incitam tensões antiamericanas,
porque oponentes dos acordos nos países com quem Washington negocia
frequentemente criticam os EUA por fazer uso de pressões indevidas
nas negociações. Afinal de contas, não existem umas poucas vantagens
de política externa a serem obtidas com a manutenção de um sistema
multilateral de comércio robusto?
Portanto, quando líderes estrangeiros vêm a Washington, não
deveriam ficar ofendidos se o presidente educadamente explicar que
409
paul blustein
os Estados Unidos abandonaram o vício dos PTAs. E talvez, depois de
desistir dos PTAs, os países que desejassem expressar sua amizade mútua
poderiam tentar se encontrar no Facebook para manifestar seu apreço
uns pelos outros.
[*]
No meu livro sobre crises de mercados emergentes no final da
década de 1990, escrevi: “A menos que sejam tomadas medidas para
tornar o sistema mais seguro, as crises futuras podem ser muito mais
desastrosas... a ousadia em reforçar as defesas do sistema é bem-vinda
antes que a catástrofe ocorra novamente”. No meu livro sobre a implosão
econômica argentina de 2001-2002, escrevi: “Isso poderia acontecer
aqui [nos Estados Unidos]. Os americanos que pararem para analisar a
situação da Argentina e tirarem conclusões diferentes estarão se iludindo”.
Menciono essas considerações não para me gabar, nem para
reivindicar para mim qualquer perspicácia especial, mas na esperança de
dar um pouco mais de credibilidade à minha preocupação sobre os riscos
de que o sistema de comércio acabe seguindo o sistema financeiro na
crise. Outros podem ter propostas de políticas muito melhores do que as
apresentadas acima. A perspectiva de uma nova rodada de comércio fará
com que qualquer pessoa sensata se desanime. Mas a questão essencial
é que não se pode permitir que os problemas do sistema se generalizem.
De um jeito ou de outro, as nações mais favorecidas têm de renovar seu
compromisso com o multilateralismo, não só com palavras, mas também
com atos resolutos. Se não o fizerem, suas desventuras poderão estar
apenas começando.
410
Notas
Exceto quando aqui indicado, as informações contidas neste livro
derivaram de entrevistas e de anotações de reuniões que os entrevistados
compartilharam com o autor. Alguns dos entrevistados quiseram ser
citados pelo nome, enquanto outros se sentiram mais confortáveis em
falar abertamente apenas sob a condição de ficarem protegidos pelo manto
do anonimato. Na verdade, muitos quiseram garantir que, de acordo com
as regras de citação de fontes, não seriam mencionados nem de forma
anônima, a menos que dessem permissão para isso.
A seguir, consta uma lista de entrevistados. Às pessoas entrevistadas
com base em regras de anonimato, foi perguntado se dariam permissão
para serem incluídas na lista. Foram entrevistadas cerca de quarenta
pessoas além das relacionadas abaixo. (Isso não inclui as dezenas de
agricultores, executivos, trabalhadores e outros indivíduos entrevistados
para dar exemplos “reais” que esclarecem as questões sobre comércio.)
Os cargos mencionados em alguns casos são atuais, mas, em geral,
se referem às funções ocupadas pelos indivíduos durante o período em
que foram entrevistados. Assim sendo, mais de um cargo poderá ser
mencionado e algumas pessoas são listadas sob duas rubricas diferentes.
411
paul blustein
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
Secretariado
Michael Moore, Diretor-Geral
Supachai Panitchpakdi, Diretor-Geral
Pascal Lamy, Diretor-Geral (ex-Comissário Europeu de Comércio)
Alejandro Jara, Diretor-Geral Adjunto (ex-embaixador chileno na OMC)
Valentine Rugwabiza, Diretora-Geral Adjunta (ex-embaixadora de Ruanda na OMC)
Harsha Singh, Diretor-Geral Adjunto
Andrew Stoler, Diretor-Geral Adjunto (ex-Representante Permanente Adjunto dos
Estados Unidos na OMC)
Rufus Yerxa, Diretor-Geral Adjunto (ex-Representante Adjunto de Comércio dos EUA)
Arancha González, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral (ex-porta-voz do
comissário europeu de Comércio)
Patrick Low, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral; Diretor, Divisão de Pesquisa
Econômica e Estatística
Arif Hussain, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral (GATT); Diretor, Divisão
de Acessões
Evan Rogerson, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral; Diretor, Divisão do
Conselho Geral do Comitê de Negociações Comerciais
Keith Rockwell, Diretor, Divisão de Informações e Relações Externas
David Hartridge, Diretor, Divisão de Comércio de Serviços
Victor do Prado, Chefe de Gabinete Adjunto, gabinete do Diretor-Geral
Richard Eglin, Diretor, Divisão de Comércio e Finanças
Chiedu Osakwe, Diretor, Divisão de Tarifas Especiais da Agenda de Desenvolvimento
de Doha
Nusrat Nazeer, Diretor Adjunto, Divisão de Informações e Relações Externas
John Hancock, Conselheiro
Jean-Daniel Rey, Conselheiro
Órgão de Apelação
Julio Lacarte, Membro do Órgão de Apelação; delegado na Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Emprego de 1947
Jennifer Hillman, Membro do Órgão de Apelação
412
notas
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos
Mickey Kantor, Representante de Comércio
Charlene Barshefsky, Representante de Comércio
Robert Zoellick, Representante de Comércio
Robert Portman, Representante de Comércio
Susan Schwab, Representante de Comércio
Richard Fischer, Representante de Comércio Adjunto
Rufus Yerxa, Representante de Comércio Adjunto (mais tarde Diretor-Geral Adjunto
da OMC)
Allen Johnson, Negociador-Chefe de Agricultura
Peter Allgeier, Representante de Comércio Adjunto e Embaixador na OMC
John Veroneau, Conselheiro Geral; Representante de Comércio Adjunto
Peter Scher, Negociador Comercial Especial
Ira Shapiro, Conselheiro Geral
Joseph Glauber, Enviado Especial de Agricultura em Doha; também Economista-Chefe,
Departamento de Agricultura
Dorothy Dwoskin, Representante Assistente de Comércio dos EUA para a OMC e
Assuntos Multilaterais
Matt Rohde, Representante Assistente de Comércio dos EUA para a OMC e Assuntos
Multilaterais
Jason Hafemeister, Diretor de Negociações Agrícolas da OMC
Matt Niemeyer, Representante Assistente de Comércio dos EUA para Assuntos com
o Congresso
Jeffrey Bader, Representante Assistente de Comércio
Joseph Papovich, Representante Assistente de Comércio
M. B. Oglesby, Chefe de Gabinete
Tim Keeler, Chefe de Gabinete
Nao Matsukata, Diretor de Planejamento de Políticas
Sean Spicer, Representante Assistente de Comércio, Assuntos com Público e Mídia
Edward Gresser, Principal Assessor para Políticas
Andrew Stoler, Representante Permanente Adjunto na OMC (mais tarde Diretor-Geral
Adjunto da OMC)
David Shark, Representante Permanente Adjunto na OMC
413
paul blustein
Outras agências dos EUA
William Daley, Secretário de Comércio
Stuart Eizenstat, Secretário Adjunto do Tesouro; Subsecretário de Estado para Assuntos
Econômicos
Alan Larson, Subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos
Grant Aldonas, Subsecretário de Comércio para Comércio Internacional
J.B. Penn, Subsecretário de Agricultura
Allan Hubbard, Diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca
Faryar Shirzad, Assistente Adjunto do Presidente para Assuntos Econômicos
Internacionais
Karen Tramontano, Assistente do Presidente
Stephen Jacobs, Secretário Assistente Adjunto de Comércio para Acesso a Mercados
e Observância de Leis
Viji Rangaswami, Equipe da Comissão de Assuntos Fiscais da Câmara dos Deputados
(Ways and Means Comitttee)
Autoridades e funcionários responsáveis pela segurança em Doha
Maureen Quinn, Embaixadora no Catar
Doug Melvin, Diretor de Segurança, escritório do Representante Americano de
Comércio
Ed Winslow, Agente Especial, Serviço de Investigações Criminais Navais
Mark Russ, Agente Especial, Serviço de Investigações Criminais Navais
Cidade de Seattle1
Paul Schell, Prefeito
Em relação à Seattle, o Prefeito Schell é o único indivíduo do governo local e organizações
locais mencionado porque foi a única pessoa entrevistada por mim. Conforme descrito nas
notas do Capítulo 4, consegui obter longas transcrições de entrevistas com outros representantes
oficiais locais, policiais e líderes de manifestações. Essas entrevistas foram conduzidas nos
meses seguintes à reunião de Seattle e as considerei mais esclarecedoras do que qualquer
entrevista que pudesse realizar.
1
414
notas
UNIÃO EUROPEIA
Comissão Europeia
Pascal Lamy, Comissário de Comércio (mais tarde Diretor-Geral da OMC)
Peter Mandelson, Comissário de Comércio
Peter Carl, Diretor-Geral de Comércio
Matthew Baldwin, Chefe de Gabinete Adjunto para o Comissário de Comércio, Chefe
da Unidade para Assuntos de OMC, Diretoria-Geral de Comércio
Roderick Abbott, Diretor-Geral Adjunto de Agricultura
David Roberts, Diretor-Geral Adjunto de Agricultura
João Pacheco, Chefe da Unidade da OMC, Diretoria-Geral de Agricultura
Arancha González, Porta-voz do Comissário Europeu de Comércio (mais tarde Chefe
de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral, OMC)
Anthony Gooch, Porta-voz do Comissário Europeu de Comércio
FRANÇA
Christine Lagarde, Ministra do Comércio
Laurence Dubois-Destrizais, Secretária Assistente Adjunta de Políticas de Comércio e
Investimento, Ministério de Economia, Representante Permanente na OMC
BRASIL
Luiz Lampreia, Ministro das Relações Exteriores
Celso Lafer, Ministro das Relações Exteriores
Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores
Roberto Azevêdo, Subsecretário para Assuntos Econômicos e Tecnológicos, Ministério
das Relações Exteriores
José Graça Lima, Subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e de
Comércio Exterior, Ministério das Relações Exteriores
Antonio Patriota, Representante Permanente Adjunto na OMC; Chefe de Gabinete do
Ministro das Relações Exteriores
Pedro de Camargo Neto, Secretário de Produção e Comércio, Ministério da Agricultura
ÍNDIA
Kamal Nath, Ministro do Comércio e Indústria
G. K. Pillai, Secretário de Comércio
S. N. Menon, Secretário de Comércio
415
paul blustein
Pronab Sen, Assessor Principal, Comissão de Planejamento do Governo
Srinivasan Narayanan, Embaixador na OMC
Ujal Singh Bhatia, Embaixador na OMC
Rajesh Aggarwal, Conselheiro, Missão Indiana na OMC
CHINA
Sun Zhenyu, Embaixador na OMC
JAPÃO
Masakazu Toyoda, Vice-Ministro para Assuntos Internacionais, Ministério da Economia,
Comércio e Indústria
Shotaro Oshima, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral
Yoichi Suzuki, Representante Permanente Adjunto na OMC
AUSTRÁLIA
Tim Fischer, Ministro do Comércio
Geoff Raby, Embaixador na OMC
David Spencer, Embaixador na OMC
Bruce Gosper, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral
CANADÁ
Pierre Pettigrew, Ministro do Comércio Internacional
Jim Peterson, Ministro do Comércio Internacional
Sergio Marchi, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral
Don Stephenson, Embaixador na OMC, Presidente de negociações sobre NAMA
ARGENTINA
Martín Redrado, Secretário de Comércio
BENIN
Samuel Amehou, Embaixador na OMC
CHILE
Alejandro Jara, Embaixador na OMC (mais tarde Diretor-Geral Adjunto da OMC)
COSTA RICA
Anabel González, Vice-Ministra do Comércio
416
notas
EGITO
Youssef Boutros-Ghali, Ministro do Comércio Exterior
HONG KONG, CHINA
Stuart Harbinson, Representante Permanente na OMC, Presidente do Conselho Geral
MÉXICO
Fernando de Mateo, Embaixador na OMC
NOVA ZELÂNDIA
Tim Groser, Embaixador na OMC, Presidente das Negociações Agrícolas
Crawford Falconer, Embaixador na OMC, Presidente das Negociações Agrícolas
RUANDA
Valentine Rugwabiza, Embaixadora na OMC (mais tarde Diretora-Geral Adjunta da
OMC)
CINGAPURA
George Yeo, Ministro do Comércio e Indústria
ÁFRICA DO SUL
Alec Erwin, Ministério do Comércio e Indústria
Rob Davies, Ministro Adjunto do Comércio e Indústria
Xavier Carim, Diretor-Geral Adjunto, Departamento de Comércio e Indústria,
Embaixador na OMC
TANZÂNIA
Ali Mchumo, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral
ZÂMBIA
Dipak Patel, Ministro do Comércio e Indústria
ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS
Celine Charveriat, Oxfam
Nicholas Imboden, IDEAS Centre
Jamie Love, Consumer Project on Technology
Lori Wallach, Public Citizen’s Global Trade Watch
417
paul blustein
SETOR PRIVADO
Thomas Bombelles, Merck
Geoffrey Gamble, DuPont
Shannon Herzfeld, Pharmaceutical Research end Manufacturers of America (PhRMA)
Don Phillips, American Sugar Alliance
Frank Vargo, Associação Nacional de Fabricantes
Aracelia Vila, Schering-Plough
Acadêmicos, economistas e consultores jurídicos
Antoine Bouet, Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares (EUA)
Chad Bown, Universidade de Brandeis e Instituto Brookings (EUA)
Jane Bradley, Centro de Direito da Universidade de Georgetown (EUA)
Jean-Christophe Bureau, Instituto Nacional de Agronomia (França)
Rajesh Chadha, Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Índia)
Ashok Gulati, Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares (Índia)
John Jackson, Centro de Direito da Universidade de Georgetown (EUA)
Marcos Jank, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Brasil)
Simon Lester, WorldTradeLaw.net (EUA)
Will Martin, Banco Mundial
Pratap Mehta, Centro de Pesquisas em Políticas (Índia)
Patrick Messerlin, Sciences Po (França)
Andre Nassar, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Brasil)
Amelia Porges, Sidley Austin (EUA)
Amil Sharma, Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Índia)
Jeffrey Schott, Instituto Peterson de Economia Internacional (EUA)
John Weekes, Sidley Austin (Canadá, baseado em Genebra)
CAPÍTULO 1
SR. BLACK, COMPAREÇA À RECEPÇÃO
32-33
418
As informações sobre a descrição, pelo governo catariano, do homem
que atacou a base aérea, o número de pessoas que viajaram para Doha
e as equipes médicas e equipamentos enviados pelo Japão e Taiwan
foram retiradas de: Helene Cooper, “Air Base Assault Fuels Fears About
WTO” [Ataque a Base Aérea Suscita Receios sobre a OMC], Wall Street
Journal, 8 de novembro de 2001; “Navy Ships Move Toward WTO
notas
34
34
34
34
35
35
37
38
38
Meeting Site” [Navios da Marinha se Deslocam em Direção ao Local
da Reunião da OMC], Agência de Notícias Reuters, 9 de novembro de
2001; e Paul Blustein, “WTO Leader Cautions Against ‘Protectionism’”
[Dirigente da OMC Lança Alerta Contra o Protecionismo], Washington
Post, 10 de novembro de 2001.
O artigo do Financial Times que relata a importância de uma rodada de
comércio por “razões simbólicas e psicológicas” é: Guy de Jonquieres,
“A Round to Steady the Nerves” [Uma Rodada para Acalmar os
Nervos], 22 de outubro de 2001.
O testemunho de Greenspan, presidente do FED, referente ao impacto
econômico potencial de uma rodada veio a público quando de seu
comparecimento, em 20 de setembro de 2001, diante da Comissão
do Senado sobre Assuntos Bancários, de Moradia e Urbanos e está
citado no site da OMC em http://www.wto.org/trade_resources/quotes/
new_round/new_round.htm.
O discurso de Moore está no sítio internet da OMC em http://www.
wto.org/english/news_e/spmm_e/spmm72_e.htm.
O artigo da Oxfam é intitulado “Eight Broken Promises: Why the
WTO Isn’t Working for the World’s Poor” [Oito Promessas Quebradas:
Por que a OMC não está Trabalhando a favor dos Pobres do Mundo],
publicado em outubro de 2001, e está disponível na Internet em http://
www.oxfam.org.uk/resources/policy/trade/downloads/bp09_8broken.
rtf.
O editorial de Pettigrew intitulado “How Trade Will Save the World”
[Como o Comércio Salvará o Mundo], foi publicado no Globe and Mail
em 11 de outubro de 2001.
O editorial do Chicago Tribune intitulado “Trade—A Weapon Against
Terror” [Comércio – Uma Arma contra o Terror], foi publicado em 9
de novembro de 2001.
A Declaração de Doha está no site da OMC em http://www.wto.org/
english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm.
O editorial do Los Angeles Times, “Trade’s Peacemaking Role” [O Papel
do Comércio na Construção da Paz], foi publicado em 15 de novembro
de 2001.
A declaração de Bush pode ser encontrada na Weekly Compilation
of Presidential Documents [Compilação Semanal de Documentos
Presidenciais], na semana de 19 de novembro de 2001.
419
paul blustein
41
Informações referentes a atos protecionistas e semiprotecionistas
realizados pelos países do G-20 depois da conferência de 15 de
novembro de 2008 foram retiradas de um relatório de Elisa Gamberoni
e Richard Newfarmer, “Trade Protection: Incipient but Worrisome
Trends” [Protecionismo Comercial: Tendências Incipientes porém
Preocupantes], World Bank, Trade Notes, no. 37, de 2 de março de 2009;
um relatório escrito pelo Secretariado da OMC, “Report to the TPRB
from the Director-General on the Financial and Economic Crisis and
Trade-Related Developments” [Relatório do Diretor-Geral sobre a Crise
Financeira e Econômica Internacional e Desdobramentos Relacionados
ao Comércio], de 26 de março de 2009; e “The Nuts and Bolts Come
Apart”, Economist, de 26 de março de 2009. Em relação às mudanças
da Indonésia nas políticas aduaneiras, as informações foram extraídas
de John McBeth, “Self-Reliance the Current Refrain” [Auto-suficiência,
o Refrão do Momento], Straits Times, de 20 de dezembro de 2008; e
“Indonesia’s Kadin Calls for Expansion of Import Restrictions” [Kadin,
da Indonésia, Defende Aumento das Restrições às Importações], Asia
Pulse, 22 de dezembro de 2008.
As cifras sobre o número de acordos bilaterais e regionais de comércio
atualmente em operação foram retiradas de pontos do roteiro de um
pronunciamento de Pascal Lamy, “Proliferation of Regional Trade
Agreements ‘Breeding Concern’” [Proliferação de Acordos Regionais
de Comércio Causa Preocupação], de 10 de setembro de 2007, no site
da OMC em http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl67_e.htm.
A elucidação de Zakaria acerca da “ascenção do resto” é feita em seu
livro The Post-American World [O Mundo Pós-Americano] (New York:
W. W. Norton, 2008).
44
49
CAPÍTULO 2
A ORGANIZAÇÃO INTERGALÁCTICA DO COMÉRCIO
52-53
53
420
Informações sobre o número de funcionários do FMI, Banco Mundial
e OMC estão disponíveis em seus respectivos sites, http://www.imf.
org, http://www.worldbank.org, e http://www.wto.org.
A citação de Moore foi retirada de seu livro, A World Without Walls:
Freedom, Development, Free Trade and Global Governance [Um
Mundo Sem Muros: Liberdade, Desenvolvimento, Livre Comércio e
notas
56
58-59
59-60
62-68
Governança Global] (New York: Cambridge University Press, 2003),
p. 110.
A passagem de Adam Smith, “o alfaiate não tenta fazer seus próprios
sapatos...”, foi retirada de An Inquiry into the Natural Causes of the
Wealth of Nations, vol. 1 (London: Methuen, 1922), p. 422. A passagem
“No sistema mercantilista...” foi retirada do vol. 2, p. 159.
As informações sobre a vida de Julio Lacarte foram retiradas de James
Bacchus, Trade and Freedom [Comércio e Liberdade] (London:
Cameron May, 2004), pp. 89–98.
Informações sobre as tarifas Smoot-Hawley e seus impactos foram
retiradas de Douglas A. Irwin, “Multilateral and Bilateral Trade
Policies in the World Trading System: A Historical Perspective”
[Políticas Comerciais Multilaterais e Bilaterais no Sistema Mundial
de Comércio: Uma Perspectiva Histórica”], em New Dimensions in
Regional Integration, ed. Jaime de Melo e Arvind Panagariya (New
York: Cambridge University Press, 1993); Jeffry Frieden, Global
Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century [Capitalismo
Global: Sua Queda e Ascensão no Século Vinte] (New York: W. W.
Norton, 2006); William J. Bernstein, A Splendid Exchange: How Trade
Shaped the World [Um Intercâmbio Esplêndido: Como o Comércio
Formou o Mundo] (New York: Atlantic Monthly Press, 2008); e Edward
Gresser, Freedom from Want: American Liberalism and the Global
Economy [Livre da Escassez: Liberalismo Americano e a Economia
Global] (Brooklyn, NY: Soft Skull Press, 2007).
Informações sobre a criação do GATT e as primeiras rodadas do
sistema do GATT foram extraídas de Amrita Narlikar, The World Trade
Organization: A Very Short Introduction [A Organização Mundial
do Comércio: Uma Introdução Muito Breve] (New York: Oxford
University Press, 2005); I. M. Destler, American Trade Politics [Política
Comercial Americana] (Washington, DC: Institute for International
Economics, 2005); Douglas A. Irwin, “Trade Liberalization: Cordell
Hull and the Case for Optimism” [Liberalização Comercial: Cordell
Hull e a Defesa do Otimismo], texto de trabalho do Conselho sobre
Relações Internacionais, 31 de julho de 2008; Amelia Porges and
Daniel M. Price, “The United States and the GATT/WTO System”
[Os Estados Unidos e o Sistema do GATT/OMC], cap. 80 de The
World Trade Organization: Legal, Economic and Political Analysis [A
421
paul blustein
66
66
67
68
68-69
69-70
422
Organização Mundial do Comércio: Análise Política e Econômica], ed.
P. Macrory, A. Appleton, e M. Plummer (New York: Springer, 2005);
Joseph E. Stiglitz and Andrew Charlton, Free Trade for All: How
Trade Can Promote Development [Livre Comércio para Todos: Como
o Comércio Pode Promover o Desenvolvimento] (New York: Oxford
University Press, 2006); Kent Jones, Who’s Afraid of the WTO? [Quem
Tem Medo da OMC?] (New York: Oxford University Press, 2004); e
“The GATT Years: From Havana to Marrakesh” [Os Anos do GATT:
De Havana a Marraqueche], no site da OMC em http://www.wto.org/
english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact4_e.htm.
A frase “Não obedeça, porém tampouco faça objeções” como
uma caracterização acurada do comportamento dos países em
desenvolvimento no GATT foi originalmente cunhada pelo economista
Richard Baldwin.
O discurso de Lamy está no site da Comissão Europeia em http://trade.
ec.europa.eu/doclib/docs/2005/january/tradoc_121064.pdf.
Informações sobre os problemas do sistema do GATT, principalmente
seu sistema de solução de controvérsias foram retiradas de: Narlikar,
The World Trade Organization [A Organização Mundial do Comércio];
e Claude Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy: The Future of
the World Trade Organization [Livre Comércio, Soberania, Democracia:
O Futuro da Organização Mundial do Comércio] (Washington, DC:
American Enterprise Institute Press, 2001).
A afirmação de Thurow “O GATT está morto” foi muito citada, entre
outros, em: Edward Greenspon, “GATT is Dead, Top Economist Tells
Business, Political Leaders” [O GATT está Morto, Afirma Renomado
Economista a Líderes Políticos e Empresariais], Globe and Mail, 28
de janeiro de 1989.
O livro de Tyson foi Who’s Bashing Whom: Trade Conflict in
High-Technology Industries [Quem Está Criticando Quem: Conflito
Comercial em Setores de Alta Tecnologia] (Washington, DC:
Institute for International Economics, 1992). A citação descrevendo
o GATT como “quase totalmente irrelevante” está na pág. 5, e
a citação exigindo uma política que “às vezes envolveria um
unilateralismo agressivo” está na pág. 13.
O livro de John Jackson propondo a criação da OMC é intitulado
Restructuring the GATT System [Reestruturando o Sistema do GATT]
notas
69-75
71
73-75
(New York: Royal Institute of International Affairs, Council on Foreign
Relations Press, 1990). A citação “sob o risco... de parecer irrealista
ou ‘idealista’ demais” está na pág. 5. Seu artigo “The Crumbling
Institutions of the Liberal Trade System” [As Débeis Instituições do
Sistema Liberal de Comércio] foi publicado no Journal of World Trade
Law 12, no. 13 (março-abril de 1978). A citação retirada de seu livro
descrevendo o GATT como uma “arcabouço fraco” está na pág. 4 e a
citação exigindo a criação de uma “instituição que poderia ser chamada
por vários nomes...” está na pág. 94.
Informações sobre a Rodada Uruguai e sobre o sucesso eventual
da proposta da OMC foram retiradas de: Ernest H. Preeg, Traders
in a Brave New World: The Uruguay Round and the Future of the
International Trading System [Comerciantes em um Admirável Mundo
Novo: A Rodada Uruguai e o Futuro do Sistema Internacional de
Comércio] (Chicago: University of Chicago Press, 1995); John Croome,
Reshaping the World Trading System: A History of the Uruguay Round
[Remodelando o Sistema Mundial de Comércio: Uma História da Rodada
Uruguai] (Geneva: World Trade Organization, 1995); Will Martin
and L. Alan Winters, eds., The Uruguay Round and the Developing
Countries [A Rodada Uruguai e os Países em Desenvolvimento] (New
York: Cambridge University Press, 1996); Narlikar, The World Trade
Organization; Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy; Stiglitz
and Charlton, Free Trade for All; Jeffrey J. Schott, The Uruguay Round:
An Assessment [A Rodada Uruguai: Um Balanço] (Washington, DC:
Institute for International Economics, 1994); e Porges and Price, “The
United States and the GATT/WTO System”.
As informações sobre a mudança de paradigma em favor de mercados
livres em países em desenvolvimento, incluindo o do Brasil, foram
retiradas de Frieden, Global Capitalism, cáp. 18. Os números referentes
a reduções de tarifas da Argentina (que não incluem automóveis,
roupas ou calçados) podem ser encontrados no relatório do FMI,
“Argentina: Recent Economic Developments” [Argentina: Recentes
Desdobramentos Econômicos], abril de 1998, no site do FMI em http://
www.imf.org/external/pubs/ft/scr/1998/cr9838.pdf.
Detalhes sobre os estágios finais da Rodada Uruguai foram retirados
de Larry Elliott and Edward Luce, “Trade Talks Cliff-Hanger Made for
Hollywood” [Negociações Comerciais tornam-se Enredo de Suspense
423
paul blustein
75
75-76
76-77
78
78-79
424
Digno de Holliwood], Manchester Guardian Weekly, 19 de dezembro de
1993; “How the Talkers Finally Got to the Heart of the Matter” [Como os
Negociadores Finalmente Chegaram ao Âmago da Questão], Observer,
19 de dezembro de 1993; e Sarah Lambert, “Week of Fast Footwork,
Beer and Skittles” [Semana de Rápidas Movimentações, Sombra e Água
Fresca], Independent, 15 de dezembro de 1993. A matéria relatando
a constituição da Organização Multilateral de Comércio foi de Keith
Bradsher, “U.S. and Europe Clear the Way for a World Accord on Trade,
Setting Aside Major Disputes” [EUA e Europa Abrem Caminho para
Acordo Global sobre Comércio, Deixando de Lado Grandes Disputas],
15 de dezembro de 1993.
A cerimônia em que a nova placa foi instalada no Centro William
Rappard pode ser vista em vídeo no site da OMC em rtsp://rnd01sea.
streamlogics.com/wto/gatttowto.rm
Detalhes sobre as festividades na Cúpula das Américas podem ser
encontrados em Judy Keen, “Mutuality, Milieu Add Magic in Miami”
[Mutualidade, Ambiente Agregam Mágica em Miami], USA Today, 12
de dezembro de 1994; e Jorge A. Banales, “Summit-Goers Find Trade
in Parties” [Participantes da Cúpula Encontram Comércio nas Festas],
UPI, 11 de dezembro de 1994.
Informações sobre o fórum econômico da Ásia e do Pacífico de 1994,
e suas implicações, podem ser encontradas em Paul Blustein, “Pact
a Milestone in March of Capitalism” [Pacto é Marco na Marcha do
Capitalismo] Washington Post, 16 de novembro de 1994.
Informações sobre acordos de Tecnologia da Informação,
Telecomunicações e Serviços Financeiros podem ser encontradas em
Porges and Price, “The United States and the GATT/WTO System”;
Anne Swardson and Paul Blustein, “Trade Group Reaches Phone
Pact” [Órgão de Comércio Alcança Acordo sobre Telecomunicações],
Washington Post, 16 de fevereiro de 1997; e no site da OMC em http://
www.wto.org/english/tratop_e/inftec_e/inftec_e.htm.
Informações sobre as negociações de ingresso da China à OMC foram
retiradas de Nicholas R. Lardy, Integrating China into the Global
Economy [Integrando a China na Economia Global] (Washington, DC:
Brookings Institution Press, 2002); Paul Blustein, “U.S. Tries to Placate
China on WTO Talks” [Estados Unidos Tentam Aplacar a China nas
Negociações da OMC], Washington Post, 13 de abril de 1999; Blustein,
notas
“Clinton Scrambles to Appease Diverse Critics on China” [Clinton se
Esforça para Apaziguar Críticos Diversos sobre a China], Washington
Post, 15 de abril de 1999; David E. Sanger, “How U.S. and China
Failed to Close Trade Deal” [Como os EUA e a China Fracassaram
em Fechar Acordo Comercial], New York Times, 10 de abril de 1999;
Sanger, “At the Last Hour, Down to the Last Trick, and It Worked” [Na
Última Hora, Até o Último Truque, e Funcionou], New York Times, 17 de
novembro de 1999; John F. Harris and Michael Laris, “‘Roller-Coaster
Ride’ to an Off-Again, On-Again Trade Pact” [Passeio na Montanha
Russa para um Acordo Comercial Instável], Washington Post, 16 de
novembro de 1999; e Helene Cooper, Bob Davis, and Ian Johnson, “To
Brink and Back” [De Volta da Beira do Abismo], Wall Street Journal,
16 de novembro de 1999.
CAPÍTULO 3
O MAL-ESTAR DA OMC
81
81-82
82
83-85
A visita de Don Lorentz a Genebra em maio de 1998 foi relatada
em Susan Gilmore and Alex Fryer, “WTO: Whose Idea Was This?”
[OMC: De Quem Foi Essa Ideia?], Seattle Times, 26 de novembro de
1999; e Kery Murakami, “Geneva Sounded WTO Warning That Went
Unheeded in Seattle” [Genebra Soou Alarme na OMC que Foi Ignorado
em Seattle], Seattle Post-Intelligencer, 10 de março de 2000.
Detalhes dos tumultos ocorridos em Genebra podem ser encontrados
em “High Security for WTO Conference” [Alta Segurança para
Conferência da OMC], Agence France-Presse, 17 de maio de 1998; e
Philip Waller, “Demonstrations Continue as World Leaders Help Mark
Trade Birthday” [Manifestações Continuam enquanto Líderes Mundiais
Ajudam a Celebrar Data Comercial, AP News Service, 19 de maio de
1998.
A coluna de Martin Wolf, “Why Liberalization Won” [Por que a
Liberalização Ganhou], foi publicada no Financial Times, em 18 de
maio de 1998.
As informações sobre a controvérsia acerca do meio ambiente nas
políticas de comércio, inclusive os casos dos “hormônios na carne
bovina” e “dos camarões e das tartarugas” podem ser encontrados em
“Why Greens Should Love Trade” [Por que os Verdes Deveriam Amar
425
paul blustein
85-86
87
87-88
87-88
88
89
89-90
426
o Comércio], Economist, 9 de outubro de 1999; Destler, American
Trade Politics; Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy; Lori
Wallach and Michelle Sforza, Whose Trade Organization? Corporate
Globalization and the Erosion of Democracy [A Quem Pertence
a OMC? Globalização Corporativa e a Erosão da Democracia]
(Washington, DC: Public Citizen Foundation, 1999); Francis Williams
and Guy de Jonquieres, “WTO’s Beef Rulings Give Europe Food for
Thought” [Decisões da OMC sobre Carne Bovina dão à Europa algo
sobre o qual meditar], Financial Times, 13 de fevereiro de 1998; e Guy
de Jonquieres, “One Man’s Meat” [Carne de um Homem], Financial
Times, 15 de abril de 1998.
O artigo do Chicago Tribune de Merrill Goozner foi “Asian Labor:
Wages of Shame” [Trabalho Asiático: Salários da Vergonha], publicado
em 6 de novembro de 1994.
Alan Reuther foi citado em Paul Blustein, “Free Trade vs. Social
Policy” [Livre Comércio versus Política Social], Washington Post, 19
de setembro de 1997.
Um relato detalhado dos esforços de Clinton a partir de 1997 para
garantir uma nova autorização para negociar acordos de comércio e a
rejeição da legislação pelo Congresso pode ser encontrado em Destler,
American Trade Politics, cap. 10.
Uma transcrição do discurso de Clinton está disponível em Federal
Document Clearing House Political Transcripts, 18 de maio de 1998,
disponível em LexisNexis®.
Ao resumir a evidência histórica contra a teoria da “corrida para baixo”,
agradeço a excelente discussão incluída em Pietra Rivoli, The Travels of
a T-Shirt in the Global Economy: An Economist Examines the Markets,
Power, and Politics of World Trade [As Viagens de uma Camiseta na
Economia Global: Uma Economista Examina os Mercados, o Poder, e
a Política do Comércio Mundial] (Hoboken, NJ: Wiley, 2005).
O comentário de Kumar pode ser encontrado em: Ranabir Ray
Choudhury, “Neo-protectionist Policy Jeopardizing Labour Edge”
[Política Neo-protecionista Ameaçando Vantagem Comercial], Business
Line, 10 de dezembro de 1997.
Os documentos da Rodada Uruguai, inclusive as listas de compromissos
de redução tarifária, podem ser encontrados no site do OMC em http://
www.wto.org/english/docs_e/legal_e/legal_e.htm.
notas
90-91
91
91
91-101
93
95-97
O relatório do Banco Mundial referente aos custos incorridos por países
em desenvolvimento está em J. Michael Finger and Philip Schuler,
“Implementation of Uruguay Round Commitments: The Development
Challenge” [A Implementação dos Compromissos da Rodada Uruguai:
O Desafio do Desenvolvimento], texto de trabalho de Pesquisa do
Banco Mundial WPS2215, outubro de 1999. Faz parte do volume
disponível na Internet em http://publications.worldbank.org/catalog/
content-download?revision_id=1526187.
Um relato da declaração dada pelo embaixador colombiano
Nestor Osorio pode ser encontrado em Chakravarthi Raghavan,
“Trade: Beginning the Long Haul to a New Round?” [Comércio:
Iniciando Viagem de Longo Curso rumo a uma Nova Rodada?]
SUNS (South-North Development Monitor, publicado pela Third
World Network), 2 de novembro de 1998.
O relatório da UNCTAD é o “Trade and Development Report 1999”
[Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento], publicado em 9 de
Janeiro de 1999, no site em www.unctad.org/en/docs/tdr1999_en.pdf.
As distorções no comércio agrícola global são discutidas de forma
abrangente em Kimberly Ann Elliott, Delivering on Doha: Farm Trade
and the Poor [Produzindo Resultados em Doha: o Comércio Agrícola
e os Pobres] (Washington, DC: Institute for International Economics,
2006); and Richard Newfarmer, ed., Trade, Doha and Development:
A Window into the Issues [Comércio, Doha e Desenvolvimento: Um
Olhar sobre os Temas] (Washington, DC: World Bank, 2006).
Várias estimativas do impacto que os subsídios ao algodão tiveram
sobre os preços mundiais do algodão são discutidos em John Baffes,
“Cotton and the Developing Countries: Implications for Development”
[O Algodão e os Países em Desenvolvimento: Implicações para o
Desenvolvimento], em Newfarmer, Trade, Doha and Development; em
Nicholas Minot and Lisa Daniels, “Impact of Global Cotton Markets on
Rural Poverty in Benin” [Impacto dos Mercados Globais de Algodão
sobre a Pobreza Rural no Benin], Markets and Structural Studies
Division discussion paper 48, International Food Policy Research
Institute, Washington, DC, novembro de 2002.
Informações sobre Política Agrícola Comum, a influência política de
agricultores europeus, o papel desempenhado pelo presidente Chirac
e a renda dos beneficiários de subsídios europeus estão em: Elliott,
427
paul blustein
97-98
97-101
428
Delivering on Doha; Jack Thurston, “Why Europe Deserves a Better
Farm Policy” [As Razões para uma melhor Política Agrícola para a
Europa], relato de políticas, Centre for European Reform, 2 dezembro de
2005; Martin Arnold, “French Farmers Dig In against Subsidy Reform”
[Agricultores Europeus Resistem Fortemente à Reforma dos Subsídios],
Financial Times, 8 de dezembro de 2005; Economic Intelligence Unit,
“Backing a Wasteful Common Agricultural Policy” [Apoiando uma
Política Agrícola Comum Ineficiente], 30 de junho de 2003, disponível
em www.eiu.com; Roger Thurow and Geoff Winestock, “How an
Addiction to Sugar Subsidies Hurts Development” [Como um Vício em
Subsídios ao Açúcar Prejudica o Desenvolvimento], Wall Street Journal,
16 de setembro de 2002; e Alan Beattie, “Sweetheart Deals” [Acordos
Afetuosos], Financial Times, 26 de julho de 2008. O principal defensor
da transparência nos pagamentos de subsídios da União Europeia é
farmsubsidy.org, cujos dados sobre beneficiários de subsídios podem
ser encontrados em seu site e cujas descobertas foram relatadas nas
seguintes matérias: Heather Stewart, “Farming Giants Reap Most
of EU’s Benefits” [Gigantes do Agronegócio Colhem a Maior Parte
dos Benefícios da UE], Observer, 11 de março de 2007; Colin Coyle,
“Revealed: The Irish Tycoons Milking EU Farm Payments” [Relevado:
Magnatas Irlandeses Mamando nos Pagamentos Agrícolas da UE],
Sunday Times (London), 3 de maio de 2009; e Stephen Castle and
Doreen Carvajal, “Small Elite Reaps Millions in E.U. Farm Subsidies”
[Pequena Elite Amealha Milhões em Subsídios Agrícolas da UE], New
York Times, 8 de maio de 2009. Para um relato das quantias recolhidas
pela família real britânica, veja David Hencke and Rob Evans, “Royal
Farms Get £1m from Taxpayers” [Fazendas da Realeza Recebem 1
milhão de libras dos Contribuintes], Guardian, 23 de março de 2005,
e outras informações na Internet em http://www.freedominfo.org/
features/20050407.htm.
A série de artigos sobre subsídios agrícolas dos EUA no Washington
Post foram escritos por Dan Morgan, Gilbert M. Gaul e Sarah Cohen.
O artigo que citou o caso de John Phipps foi “Federal Subsidies Turn
Farms into Big Business” [Subsídios Federais Transformam Fazendas
em Grandes Empreendimentos], publicado em 21 de dezembro de 2006.
Informações adicionais sobre subsídios norte-americanos e o poder
do lobby de agricultures americanos podem ser achadas em Robert
notas
100
100-101
L. Thompson, “The U.S. Farm Bill and the Doha Negotiations: On
Parallel Tracks or a Collision Course?” [A Lei Agrícola dos EUA e as
Negociações de Doha: Em Rotas Paralelas ou em Rota de Colisão?],
issues brief, International Food and Agricultural Trade Policy Council,
setembro de 2005; Elliott, Delivering on Doha; e Alan Beattie, “Pile-ItHigh Policies Likely to Win the Day”, Financial Times, 9 de outubro
de 2007.
Os números contrastantes para tarifas médias sobre produtos
manufaturados em relação às tarifas sobre produtos agrícolas foram
retirados de: Kym Anderson, Harry de Gorter, and Will Martin, “Market
Access Barriers in Agriculture and Options for Reform” [Barreiras
de Acesso a Mercados em Agricultura e Opções para Reforma], em
Newfarmer, Trade, Doha and Development.
O estudo feito por Dale E. Hathaway e Merlinda D. Ingco, intitulado
“Agricultural Liberalization and the Uruguay Round” [Liberalização
Agrícola e a Rodada Uruguai], pode ser encontrado em Martin and
Winters, The Uruguay Round and the Developing Countries.
CAPÍTULO 4
PERDIDOS EM SEATTLE
Grande parte das informações contidas neste capítulo em relação às
manifestações de Seattle, às demonstrações de grupos de ativistas e à reação
da cidade e do Departamento de Polícia de Seattle foi extraída de vários
relatórios preparados após a reunião pelo Conselho Municipal de Seattle, o
Departamento de Polícia da cidade e a filial local da American Civil Liberties
Union. Também inestimável é o Projeto da História da OMC, um esforço
conjunto de vários programas da Universidade de Washington; o projeto
inclui várias entrevistas com líderes ativistas, inclusive Michael Dolan,
David Solnit e outros. Este material está disponível na Internet em http://
depts.washington.edu/wtohist/index.htm.
Os relatórios incluem o “Relatório da Comissão de Análise de
Responsabilidade em relação à OMC, Conselho Municipal de Seattle”, http://
www.seattle.gov/wtocommittee/currentdocs.htm; Departamento de Polícia
de Seattle, “The Seattle Police Department After Action Report [O Relatório
de Ação da Polícia de Seattle], Conferência Ministerial da Organização
Mundial do Comércio/Seattle, Washington/29 de novembro – 3 de dezembro
429
paul blustein
de 1999”, 4 de abril de 2000, www.seattle.gov/Police/Publications/WTO/
WTO_AAR.pdf; American Civil Liberties Union of Washington [União
Americana das Liberdades Civis de Washington], “Out of Control: Seattle’s
Flawed Response to Protests Against the World Trade Organization” [Fora
de Controle: A Reação Desastrada de Seattle aos Protestos Contra a OMC],
junho de 2000, http://aclu-wa.org/library_files/WTO%20Report%20Web.
pdf; R. M. McCarthy e Associados em conjunto com Robert J. Louden, “An
Independent Review of the 1999 World Trade Organization Conference
Disruptions in Seattle, Washington” [Relatório Independente sobre os
Tumultos da Conferência da OMC em Seattle em 1999], abril de 2000,
http://www.seattle.gov/wtocommittee/WTOpreliminaryReport.pdf; e
Patrick F. Gillham and Gary T. Marx, “Complexity and Irony in Policing
and Protesting: The World Trade Organization in Seattle” [Complexidade e
Ironia no Policiamento e nos Protestos: A Organização Mundial do Comércio
em Seattle], Social Justice 27, no. 2 (2000): 212.
103-104
105-106
105-106
430
O relato do “Globalize This! Action Camp” foi feito com base nas
matérias de: Helene Cooper, “These Recruits Train for a Trade Mission
of a Different Sort” [Esses Recrutas Treinam para um Tipo Diferente
de Missão Comercial], Wall Street Journal, 20 de setembro de 1999; e
David Postman, “Protesting Is Their Trade; World Trade Is Their Target”
[O Ofício Deles é Protestar; O Comércio Mundial é seu Alvo], Seattle
Times, 20 de setembro de 1999.
Informações sobre Wallach podem ser encontradas em: Bob Davis,
“Free-Trade Foe, Stymied on IMF, Shifts to Other Fights” [Inimiga do
Livre Comércio sem Sucesso contra o FMI, Parte para Outras Brigas],
Wall Street Journal, 6 de abril de 1998; e Moisés Naím, “Lori’s War”
[A Guerra de Lori], Foreign Policy, primavera de 2000.
O título completo do livro publicado por Wallach em 1999, em coautoria
com Michelle Sforza, é Whose Trade Organization? Corporate
Globalization and the Erosion of Democracy (Organização Mundial
de Quem? Globalização Corporativa e a Erosão da Democracia].
Uma edição posterior, intitulada Whose Trade Organization? A
Comprehensive Guide to the World Trade Organization [A Quem
Pertence a OMC? Um Guia Abrangente da Organização Mundial do
Comércio], foi escrita em coautoria com Patrick Woodall e publicada
pela New Press em 2004. Na primeira edição, a citação “beneficia
notas
106
106-107
107
107-112
multinacionais enormes...” está na pág. 3; a citação “o comércio
mundial é mais importante do que tudo...” está na pág. 7; as citações
“efetivamente enfraquecem o Princípio da Precaução...” e “Os governos
baseiam-se nesse princípio...” estão na pág. 54 e a citação “o efeito é
restringir a capacidade...” está na pág. 58.
O artigo sobre Michael Dolan é: Steven Pearlstein, “Protest’s Architect
‘Gratified’; D.C.-Based Activist Brought Diverse Groups Together”
[Arquiteto dos Protestos “Gratificado”; Ativista de DC Reuniu Grupos
de Tendências Distintas], Washington Post, 2 de dezembro de 1999.
Informações sobre as interações de Dolan com os sindicatos e com o
grupo Direct Action Network foram retiradas de entrevistas realizadas
pelo Projeto de História da OMC na Universidade de Washington.
A mensagem do Direct Action Network veiculada na Internet em 6 de
setembro de 1999, “Dez mil pessoas convergirão para Seattle...” pode ser
encontrada no relatório da ACLU de Washington, “Out of Control”, p. 27.
Informações sobre a disputa Moore/Supachai foram retiradas de: Frances
Williams, “Race Hots Up to Lead World Trade Body” [Corrida Esquenta
para Dirigir Órgão de Comércio], Financial Times, 21 de Janeiro
de 1999; Daniel Pruzin, “Race Tightens for Top WTO Spot as Poll
Shows Diminished Support for Panitchpakdi” [Corrida Esquenta para
o Posto Máximo da OMC com Pesquisas Revelando Reduzido Apoio
a Panitchpakdi], International Trade Reporter (Bureau of National
Affairs), 3 de março de 1999; Pruzin, “WTO Again Fails to Pick New
Chief” [OMC Fracassa Novamente na Escolha de Novo Dirigente],
International Trade Reporter, 21 de abril de 1999; Williams, “Stalemate
in Vote for WTO Leader” [Impasse na Eleição do Novo Líder da OMC],
Financial Times, 1 de maio de 1999; Williams, “Warning of WTO
Paralysis over Leadership Battle” [Perigo de Paralisia na OMC com
Batalha pela Liderança], Financial Times, 3 de maio de 1999; Bhushan
Bahree, “WTO Deadlock on New Chief Proves Costly” [Impasse da
OMC sobre Novo Dirigente Custa Caro], Wall Street Journal, 4 de
maio de 1999; Frances Williams and Guy de Jonquieres, “Trading
Blows” [Trocando Golpes], Financial Times, 7 de maio de 1999; e
Paul Blustein, “WTO Meets Today to Discuss Plan to End Leadership
Struggle” [OMC se Reúne Hoje para Discutir Plano para Por um Fim
à Luta pela Liderança], Washington Post, 15 de julho de 1999.
431
paul blustein
108-110
110
110
111
112
113
113
114-115
432
Informações sobre Michael Moore foram retiradas de seu livro A World
Without Walls; “The Human Face of Globalization” [A Face Humana da
Globalização], Economist, 28 de agosto de 1999; e Guy de Jonquieres,
“Trading Places” [Trocando as Bolas], Financial Times, 3 de setembro
de 1999.
A citação de Moore “esse não é o jeito ‘Kiwi’ (neo-zelândes) de ser”
é feita em Ted Bardacke and Frances Williams, “WTO Snub Angers
Thais” [Rejeição na OMC Irrita os Tailandeses], Financial Times, 6 de
maio de 1999.
O artigo neozelandês temeroso de que Moore seria “causa de
constrangimento nacional” é de Warren Berryman, “Why Was $920K
Spent Finding Mike Moore a Job?” [Por que se Gastou 920 mil para
Achar um Emprego para Mike Moore?], Independent (New Zealand),
21 de abril de 1999.
A citação de Mchumo na reunião do Conselho Geral é feita em Daniel
Pruzin, “Stalemate over New Leader Continues with Council Meeting’s
Postponement” [Impasse sobre Novo Líder Continua com o Adiamento
da Reunião do Conselho], International Trade Reporter, 5 de maio de
1999.
O relato de Surin dessa conversa com Albright está em Surin Pitsuwan,
“Dr. Supachai’s Long and Winding Road to Geneva” [O Longo e
Tortuoso Caminho do Dr. Supachai para Genebra], Bangkok Post, 25
de agosto de 2002.
O memorando do Departamento de Estado incitando uma proposta
de uma “Rodada Clinton” pode ser encontrado nos papéis de Stuart
Eizenstat, que era Subsecretário de Estado para assuntos econômicos,
agrícolas e empresariais na época em que o memorando foi escrito.
Agradeço ao Sr. Eizenstat por facilitar o meu acesso a esses papéis,
que estão arquivados na Biblioteca do Congresso.
Informações sobre os vários nomes propostos para a rodada podem ser
encontrados em Bob Davis and Helene Cooper, “Round and Round
They Go, to Name New Trade Talks” [Ficam Andando em Círculos em
Busca de um Nome para Novas Negociações Comerciais], Wall Street
Journal, 29 de novembro de 1999.
Uma explicação da lógica dos temas de Cingapura pode ser encontrada
em dois artigos publicados no Economist, “All Free Traders Now?”
[Todos Adeptos do Livre Comércio Agora?], 7 de dezembro de 1996, e
notas
115-116
117
117
118-119
119
120
“Tequila Sunset in Cancún”, 17 de setembro de 2003. Uma explicação
dos argumentos contra elas pode ser encontrada em: Martin Khor,
“Present Problems and Future Shape of the WTO and the Multilateral
Trading System” [Problemas Atuais e Situação Futura da OMC e do
Sistema Multilateral de Comércio], Third World Network briefing paper
2, setembro de 2001.
Informações sobre Barshefsky podem ser encontradas em: Bob Davis
and Jacob Schlesinger, “War of Words” [Guerra de Palavras, provável
trocadilho com título da obra de H.G. Wells, “War of Worlds”] Wall
Street Journal, 9 de fevereiro de 1994; Elsa Walsh, “The Negotiator”
[O Negociador], New Yorker, 18 de março de 1996; David E. Sanger,
“Tough Talker for a Delicate Job” (Negociador Duro para uma Tarefa
Delicada], New York Times, 16 de maio de 1996; Ronald Brownstein,
“Master Deal Maker Faces Test at Home” [Grande Negociador Enfrenta
Teste em Casa], Los Angeles Times, 26 de julho de 1997; e Mark
Suzman, “The First Lady of Trade” [A Primeira Dama do Comércio],
Financial Times, 27 de novembro de 1999.
Informações sobre as opiniões de países em desenvolvimento opostas
a uma rodada em 1999 podem ser encontradas em: Frances Williams,
“WTO Members Square Up for New Round of Discord” [Membros da
OMC se Preparam para uma Nova Rodada de Divergências], Financial
Times, 30 de julho de 1999; e Elizabeth Olson, “Anger on Agenda for
World Trade Meeting”, New York Times, 14 de outubro de 1999.
A declaração do embaixador Mounir Zahran foi relatada em
Chakravarthi Raghavan, “Trade: Beginning the Long Haul to a New
Round?” [Comércio: Iniciando uma Longa Jornada Rumo a um Nova
Rodada?], SUNS, 2 de novembro de 1998.
A primeira versão do texto com vários colchetes pode ser encontrada
no site do Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento
Sustentável, http://ictsd.net/downloads/2008/04/declaration3.pdf.
O comentário de Barshefsky de que “o fracasso não é uma opção”
pode ser encontrado em: John F. Harris, “White House Optimistic on
WTO Summit” [Casa Branca Otimista sobre Conferência da OMC],
Washington Post, 25 de novembro de 1999.
As citações e lembranças de Paxton foram retiradas de uma entrevista
conduzida pela Comissão de Análise de Responsabilidade do Conselho
Municipal de Seattle.
433
paul blustein
120
121
121
122
122
122-125
434
As palavras de Joiner na reunião do conselho municipal foram citadas
no Relatório da Comissão de Análise de Responsabilidade em Relação
à OMC do Conselho Municipal de Seattle.
O relatório do FBI de 17 de novembro de 1999, intitulado “Threat
Update: World Trade Organization Ministerial Meeting, Seattle,
Washington, 30 November - 3 December, 1999” [Atualização de
Ameaça: Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio, 30
de novembro – 3 de dezembro de 1999], foi preparado pela Unidade de
Advertência e Avaliação de Ameaças de Contraterrorismo do gabinete.
Trata-se de um dos documentos disponíveis como parte do relatório da
Comissão de Análise de Responsabilidade.
A “mensagem de Schell” é citada em Norm Stamper, Breaking Rank: A
Top Cop’s Exposé of the Dark Side of American Policing [Rompendo a
Hierarquia: Relato de um Policial de Alto Escalão sobre o Lado Negro
do Policiamento Americano] (New York: Nation Books, 2006), pág.
331.
A citação de Vivian Phillips foi retirada de Stephen H. Dunphy, “We’re
Ready for Anything, Officials Say” [Estamos Pronto para Qualquer
Coisa, Afirmam Autoridades], Seattle Times, 10 de novembro de 1999.
A citação de Stamper “não tínhamos nem de longe policiais suficientes”
foi retirada de seu livro Breaking Rank, pág. 341.
O reconhecimento do Departamento de Polícia aparece em “The Seattle
Police Department After Action Report, World Trade Organization
Ministerial Conference / Seattle, Washington / November 29–December
3, 1999”. Além dos relatórios do conselho municipal, do departamento
de polícia, da ACLU e de outros citados acima, informações sobre os
acontecimentos de 30 de novembro foram retiradas de Rick Anderson,
“Violence Works” [A Violência Funciona], Seattle Weekly, 1 de
dezembro de 1999; Knute Berger, “Not-So-Nice Seattle” [Seattle
Nem Tão Legal Assim], Seattle Weekly, 1 de dezembro de 1999; Mike
Carter, David Postman, Steve Miletich, Susan Gilmore, and James V.
Grimaldi, “Unrest Even at the Top During Riots” [Inquietação Mesmo
nos Altos Escalões durante Tumultos], Seattle Times, 16 de dezembro de
1999; Timothy Egan, “Black Masks Lead to Pointed Fingers in Seattle”
[Máscaras Negras Levam a Recriminações em Seattle], New York Times,
2 de dezembro de 1999; e John Burgess and Steven Pearlstein, “Protests
notas
123
124
124
125
126
126-127
127
128
128
129
Delay WTO Opening” [Protestos Atrasam Abertura da Reunião da
OMC], Washington Post, 1 de dezembro de 1999.
A grafitagem “Fodam-se as Putas da OMC” foi relatada em Rick
Anderson, “Violence Works”, Seattle Weekly, 1 de dezembro de 1999.
O relatório do Seattle Times dizendo que “quanto mais os policiais
lançavam gás, mais os manifestantes ficavam ousados” está no artigo
escrito por Alex Tizon intitulado “Countdown to Chaos in Seattle”
[Contagem Regressiva para o Caos em Seattle], 5 de dezembro de 1999.
A citação de Steve Williamson foi retirada de uma entrevista realizada
pelo Projeto da História da OMC.
A descrição de Reichert como “apoplético...” foi retirada do livro de
Stamper, Breaking Rank, p. 344.
A citação do embaixador da República Dominicana foi retirada de
Evelyn Iritani, “Poor Nations Defy, Derail WTO ‘Club’” [Nações
Pobrem Desafiam, Desestabilizam ‘Clube’ da OMC], Los Angeles
Times, 5 de dezembro de 1999.
A apologia de Barshefsky aos delegados e sua explicação de como a
reunião tinha que ser realizada podem ser encontradas no site da OMC
em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/
about_e/resum01_e.htm.
O artigo de 1 de dezembro de 1999 do Seattle Post-Intelligencer citando
as observações de Clinton acerca dos padrões trabalhistas foi escrito
por Michael Paulson e intitulado “Clinton Says He Will Support Trade
Sanctions for Worker Abuse” [Clinton Afirma que Apoiará Sanções
Comerciais por Abuso de Trabalhadores].
O relato de Lamy da reação de Barshefsky ao artigo do Post-Intelligencer
foi feito no livro L’Europe en première ligne [A Europa em Primeira
Linha] (Paris: Seuil, 2002), pp. 57–58.
As observações de Clinton no almoço foram relatadas em David
E. Sanger, “President Chides World Trade Body in Stormy Seattle”
[Presidente Critica Órgão Mundial de Comércio na Tumultuada Seattle],
New York Times, 2 de dezembro de 1999, assim como a defesa do
prefeito Schell de sua estratégia de imposição da lei.
Além dos vários relatórios citados acima, os acontecimentos nas ruas de
Seattle em 1 de dezembro de 1999 foram relatados em: Mark Suzman,
“Seattle Police Clamp Down on Protesters with Mass Arrests” [Polícia
de Seattle Endurece contra Manifestantes de Seattle Fazendo Prisões
435
paul blustein
129
129-130
130
130-131
13-134
436
em Massa], Financial Times, 2 de dezembro de 1999; e Rene Sanchez,
“Extensive Security Planning Fails Test” [Planejamento Extenso de
Segurança Não Passa no Teste], Washington Post, 2 de dezembro de
1999.
O artigo do Seattle Times relatando a raiva dos comerciantes, “Shoppers
Barred in Retail Core; Downtown Loss Is $4 million” [Consumidores
Barrados nas Lojas de Varejo; Região Central Perde $4 milhões], foi
escrito por Robert T. Nelson, Gordon Black e Lisa Pemberton-Butler
e publicado em 3 de dezembro de 1999.
Um relatório de progresso, e da falta de progresso, dos vários grupos
negociadores pode ser encontrado em 3 de dezembro de 1999, edição
do Bridges Daily Update. O Daily Update é um compêndio de eventos
publicado durante as conferências ministeriais da OMC pelo Centro
Internacional de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, uma ONG
localizada em Genebra (http://ictsd.net/).
O comentário de Barshefsky sobre se reservar “plenamente o direito de
usar um processo mais exclusivo” é relatado em “Charlene Barshefsky
Announces Procedure for Drafting Declaration” [Charlene Anuncia
Procedimento para Redação da Declaração], Inside U.S. Trade, 2 de
dezembro de 1999.
As declarações feitas pelos delegados vindos da África, Caribe e
América Latina são relatadas em “Seattle and the Smaller Countries”
[Seattle e os Países Menores], Business Line, 14 de dezembro de 1999; e
“WTO Impasse Opens Opportunities and Dangers for Africa” [Impasse
da OMC Cria Oportunidades e Desafios para a África], África News,
23 de janeiro de 2000.
Informações sobre os acontecimentos de 3 de dezembro de 1999
podem ser encontradas em: John Burgess, “Green Room’s Closed
Doors Couldn’t Hide Disagreements” [Portas Fechadas da Sala Verde
não Puderam Ocultar Divergências], Washington Post, 5 de dezembro
de 1999; Hal Bernton, “Conference on Trade Concludes in Seattle”
[Termina Conferência sobre Comércio em Seattle], Oregonian, 4
de dezembro de 1999; Daniel Pruzin and Gary G. Yerkey, “Trade
Officials Made Headway Before Talks Stalled in Seattle” [Negociadores
Comerciais Fizeram Progresso antes do Impasse da Negociações em
Seattle], International Trade Reporter, 9 de dezembro de 1999; e Lamy,
L’Europe en première ligne, pp. 64–68.
notas
132
134
134
136
A observação jocosa a Pettigrew sobre ser “o maestro da orquestra a
bordo do Titanic” e a explicação para o fracasso de Seattle dada por
Barshefsky e outros funcionários do governo Clinton – de que a União
Europeia tinha recuado de um acordo sobre agricultura – podem ser
encontradas em: Robert G. Kaiser and John Burgess, “A Seattle Primer:
How Not to Hold WTO Talks” [Uma Introdução a Seattle: Como não
Conduzir Negociações Comerciais], Washington Post, 12 de dezembro
de 1999.
O comentário de Barshefky na sessão de encerramento de que “talvez
seja melhor darmos um tempo” pode ser encontrado no site da OMC
em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/
about_e/resum03_e.htm.
A afirmação de Lamy de que a OMC é uma instituição “medieval”
pode ser encontrada em: Steven Pearlstein, “WTO Negotiators’ Reach
Far Exceeded Grasp of Complexities” [O Alcance dos Negociadores
da OMC Foi muito além de sua Compreensão das Complexidades dos
Temas], Washington Post, 5 de dezembro de 1999.
A afirmação de Moore de que ele conseguia “vislumbrar como o acordo
podia ser alcançado” pode ser encontrada em seu livro A World Without
Walls, p. 112.
CAPÍTULO 5
APENAS NOTAS 10
137-138
138-139
140-141
Um relato da escolha de Doha pela OMC, inclusive a citação de Keith
Rockwell e os protestos citando o relatório do Departamento de Estado,
pode ser encontrado em Paul Blustein, “A Quiet Round in Catar?” [Uma
Rodada Tranquila no Catar?], Washington Post, 30 de janeiro de 2001.
Os discursos de Moore estão no site da OMC em http://www.wto.org/
english/news_e/spmm_e/spmm_e.htm. Evidências de seu apoio a uma
rodada de desenvolvimento antes de Seattle podem ser encontradas em:
Guy de Jonquieres, “Free Trade Under Fire” [Livre Comércio Sob Fogo
Cerrado], Financial Times, 11 de outubro de 1999.
O estudo em coautoria entre Dollar e Kraay é: “Trade, Growth and
Poverty” [Comércio, Crescimento e Pobreza], World Bank Policy
Research working paper 2615, junho de 2001.
437
paul blustein
140-143
143
144
146
144-145
148
149-152
150-152
152
438
A batalha intellectual entre Dollar e Rodrik é relatada em: Paul Blustein,
“Cause, Effect and the Wealth of Nations” [Causa, Efeito e a Riqueza
das Nações], Washington Post, 4 de novembro de 2001.
A referência da monografia em que Rodrik argumentou que “os
benefícios da abertura do comércio são, hoje em dia, alardeados de
forma exagerada” é: The Global Governance of Trade as if Development
Really Mattered [A Governança Global do Comércio como se o
Desenvolvimento Fosse Realmente Importante] (n.p.: Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, outubro de 2001).
O artigo do Washington Post afirmando que o currículo de Zoellick
“poderia ser confundido com uma paródia de pessoa que supera todas as
expectativas em suas realizações” é: Steven Pearlstein, “Bush Selection
Zoellick Is a Free-Trader on a Mission” [Escolhido de Bush, Zoellick é
um Adepto do Livre Comércio com uma Missão], 13 de janeiro de 2001.
Informações sobre Zoellick também podem ser encontradas em Joseph
Kahn, “A Tested Negotiator for Trade” [Um Negociador Experimentado
para o Comércio], New York Times, 12 de janeiro de 2001.
O artigo de Zoellick, Foreign Affairs, publicado na edição de
janeiro-fevereiro de 2000, foi intitulado “A Republican Foreign
Policy” [Uma Política Externa Republicana].
O testemunho de Zoellick foi dado em 7 de março de 2001, diante
da Comissão de Assuntos Fiscais da Câmara. Pode ser encontrado
numa transcrição preparada pela Federal Document Clearing House,
disponível com LexisNexis®.
Os comentários de Zoellick sobre os russos surgiram em sua palestra no
National Press Club com Pascal Lamy em 17 de julho de 2001. Podem
ser encontrados numa transcrição preparada pelo Federal News Service.
Informações sobre Lamy podem ser encontradas em: Guy de Jonquieres,
“Liberal with a Social Mission” [Liberal com uma Missão Social],
Financial Times, 21 de outubro de 1999; “Pascal Lamy”, Economist, 7
de julho de 2001; e sua biografia na Wikipedia, na Internet, em http://
en.wikipedia.org/wiki/Pascal_Lamy.
Informações sobre as ligações entre Zoellick e Lamy podem ser
encontradas em: Paul Blustein, “Trade’s Friendly Warriors” [Guerreiros
Amistosos do Comércio], Washington Post, 28 de maio de 2002.
O comentário de Zoellick “Quanto a mais os americanos conseguem
comer?” pode ser encontrado em: Jerry Hagstrom, “Bush to Meet
notas
152
153
153
153-154
154
155
with Ag Leaders on Trade Authority Plans” [Bush se Encontra com
Líderes Agrícolas para Discutir Planos sobre a Autoridade Comercial],
CongressDaily (National Journal Group), 18 de junho de 2001,
disponível com LexisNexis®. Seu comentário sobre “a maior vantagem
para a agricultura” consta num comunicado a imprensa feito em 18 de
junho de 2001, cuja transcrição foi preparada pela Federal Document
Clearing House, disponível com LexisNexis®.
A posição de Lamy sobre o Princípio da Precaução é citada em “EU
Paper on Precaution Seeks to Allay Fears of Protectionism” [Documento
da UE Tenta Dissipar Receios de Protecionismo], Inside U.S. Trade,
27 de julho de 2001.
O editorial do Washington Post que Zoellick e Lamy escreveram juntos,
“In the Next Round” [Na Próxima Rodada], foi publicado em 17 de
julho de 2001.
Os comentários feitos por Zoellick e Lamy no National Press Club em
17 de julho de 2001 podem ser encontrados numa transcrição preparada
pelo Federal News Service.
Os comentários feitos no Teste de Realidade podem ser encontrados
em “No Progress on Doha Agenda at WTO’s ‘Reality Check’” [Sem
Progresso na Agenda de Doha no Teste de Realidade da OMC], Bridges
Weekly Trade News Digest, 31 de julho de 2001; C. Rammanohar
Reddy, “No Consensus Yet on New WTO Round” [Sem Consenso
ainda sobre Nova Rodada da OMC], Hindu, 1 de agosto de 2001;
Jean-Louis de la Vaissiere, “Opinions Divided on Trade Round Ahead
of Doha WTO Meeting” [Opiniões Divididas sobre Rodada Comercial
às Vésperas da Reunião da OMC em Doha], Agence France-Presse, 31
de julho de 2001; e Elizabeth Olson, “Discord Mars WTO’s Prospects”
[Divergência Obscurece Perspectivas da OMC], New York Times, 31
de julho de 2001.
O comentário de Simba pode ser encontrado em “LDCs Say ‘Not
Ready’ for New Round” [Países de Menor Desenvolvimento Relativo
Dizem “Não Estamos Prontos” para Nova Rodada], Bridges Weekly
Trade Digest, 31 de julho de 2001.
A citação de Moore de que um segundo fracasso “certamente nos
condenaria a um longo período de irrelevância” pode ser encontrada em:
Frances Williams, “WTO Head Tells Members to ‘Get Real’” [Diretor
439
paul blustein
156
156
157
157-158
159
159-160
440
da OMC Diz aos Membros para “Cair na Real”], Financial Times, 31
de julho de 2001.
O editorial de Zoellick de 20 de setembro de 2001 Washington Post foi
intitulado “Countering Terror with Trade” [Combatendo o Terror com
o Comércio].
O discurso de Zoellick de 30 de outubro de 2001 foi feito ao Conselho
de Relações Exteriores em Washington. Uma transcrição foi preparada
pelo Federal News Service.
Alguns dos estudos acadêmicos projetando um grande impacto
econômico decorrente de uma rodada exitosa são citados em: Guy de
Jonquieres, “Dealing in Doha” [Lidando com Doha], Financial Times, 6
de novembro de 2001. O estudo do Banco Mundial, intitulado “Global
Economic Prospects and the Developing Countries 2002” [Perspectivas
Econômicas Globais e Países em Desenvolvimento] foi publicado no
final de 2001 e a citação sobre “O indivíduo pobre médio que vende
mercadorias a mercados globalizados...” está na pág. xii. Pode ser
encontrado na Internet em http://www-wds.worldbank.org/external/
default/WDSContentServer/IW3P/IB/2002/02/16/000094946_02020
20411334/Rendered/PDF/multi0page.pdf.
A primeira insinuação pública de Zoellick de que a reunião de Doha
talvez tivesse de mudar de local pode ser encontrada em Gary G.
Yerkey, “USTR Says ‘Security’ Primary Concern in Planning for
WTO Discussions in Catar” [USTR Afirma que ‘Segunça’ é a Principal
Preocupação no Planejamento de Discussões da OMC no Catar], WTO
Reporter (Bureau of National Affairs), 26 de setembro de 2001.
O comentário de Zoellick de que a conferência ministerial deveria
ser realizada “seja num local ou em outro” pode ser encontrado em:
“Catar Ups Political Ante in Fight to Host Next WTO Ministerial”
[Catar Aumenta a Pressão Política para Sediar a Próxima Ministerial
da OMC], Inside U.S. Trade, 19 de outubro de 2001. As démarches
diplomáticas catarianas foram citadas no mesmo artigo.
Informações sobre os protestos feitos por embaixadores de países em
desenvolvimento em 31 de outubro de 2001, na reunião do Conselho
Geral, e as respostas de Moore and Harbinson podem ser encontradas
em: Fatoumata Jawara and Aileen Kwa, Behind the Scenes at the WTO:
The Real World of International Trade Negotiations [Nos Bastidores
da OMC: O Mundo Real das Negociações Internacionais de Comércio]
notas
160-163
162
163-164
167-168
167
168
(London and New York: Zed Books, in association with Focus on the
Global South, Bangkok, 2004), pp. 70–72.
A primeira versão do texto preparada por Stuart Harbinson está disponível
no site do Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento
Sustentável, em http://ictsd.net/news/wto/archive/doha/resourcesdocuments/.
As reclamações de Trojan sobre a parte referente ao meio ambiente no
texto de Harbinson podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO
Chair Defends Draft Declaration Against Developing Countries’
Criticisms” [Presidente do Conselho Geral da OMC Defende Projeto
de Declaração Perante Países em Desenvolvimento], WTO Reporter,
1 de novembro de 2001.
Informações sobre o programa sul-africano que estava prestando
tratamento a Vuyani Jacobs podem ser encontradas em “Fighting Back”
[Reagindo], Economist, 11 de maio de 2002.
Informações e análise sobre a questão de direitos de propriedade
intellectual, TRIPS e a batalha sobre o problema na África do Sul podem
ser encontradas em Keith E. Maskus, Intellectual Property Rights in
the Global Economy [Direitos de Propriedade Intelectual na Economia
Global] (Washington, DC: Institute for International Economics, 2000);
Narlikar, The World Trade Organization; Helene Cooper, Rachel
Zimmerman, and Laurie McGinley, “AIDS Epidemic Traps Firms in a
Vise” [Epidemia de Aids Coloca Empresas em Difícil Situação], Wall
Street Journal, March 2, 2001; and Wallach and Woodall, Whose Trade
Organization?
O anúncio de Zoellick sobre a política de TRIPS do governo Bush
pode ser encontrado em: Donald G. McNeil Jr., “Bush Keeps Clinton
Policy on Poor Lands’ Need for AIDS Drugs” [Bush Mantém Política
de Clinton sobre Necessidade de Drogas Contra a AIDS para Países
Pobres], New York Times, 22 de fevereiro de 2001.
O uso do termo “maluquice” por Bale para descrever a proposta de
TRIPS de países em desenvolvimento pode ser encontrado em: Daniel
Pruzin, “Global Drug Industry Association Blasts ‘Nutty’ WTO Text
on TRIPS, Public Health” [Entidade Global da Indústria Farmacêutica
Critica Texto ‘Maluco’ da OMC sobre TRIPS, Saúde Pública], WTO
Reporter, 2 novembro de 2001.
441
paul blustein
CAPÍTULO 6
REMOVENDO A MANCHA
173
174
174
174-175
176
177-178
442
O discurso de Moore na sessão inaugural em Doha está no site da OMC
em http://www.wto.org/english/news_e/news01_e/min01_dgstat_
inaugural_session_e.htm.
Um relato do episódio no qual a conversa entre Moore e Kamal foi
acidentalmente ouvida pode ser encontrado em: Jawara and Kwa,
Behind the Scenes at the WTO, pp. 91–92.
O artigo descrevendo Maran como parecendo um “vilão cômico” é:
Sanjaya Baru, “I’m Back with Many Trophies from the Battlefront:
Murasoli Maran” [Voltei do Front de Batalha com Muitos Troféus:
Murasoli Maran], Financial Express, 19 de novembro de 2001.
Informações sobre a relação da Índia com o sistema global de comércio
podem ser encontradas em Edward Luce, In Spite of the Gods: The
Strange Rise of Modern India [Apesar dos Deuses: A Estranha Ascensão
da Índia Moderna] (New York: Doubleday, 2007); T. N. Srinivasan and
Suresh D. Tendulkar, Reintegrating Índia with the World Economy
[Reintegrando a Índia na Economia Global] (Washington, DC: Institute
for International Economics, 2003); e “Trade Policies in South Asia:
An Overview” [Políticas Comerciais no Sul da Ásia: Um Panorama]
World Bank report no. 29949, 7 de setembro de 2004.
A referência de Maran à OMC como um “mal necessário” pode ser
encontrada em Harkaksh Singh Nanda, “India, Down on Doha Draft
Declaration, Threatens to Leave WTO to Protest Agenda” [Índia
contra o Projeto de Declaração de Doha, Ameaça Abandonar OMC
em Protesto contra Agenda], WTO Reporter, 5 de novembro de 2001.
Sua afirmação de que aos Estados Unidos querem “bater enquanto o
ferro ainda está quente” pode ser encontrada em: Daniel Pruzin, “Indian
Commerce Minister Maran Takes Hard Stance in WTO Talks on New
Round” [Ministro Indiano do Comércio Maran Adota Posição Dura
nas Negociações da OMC sobre Nova Rodada], WTO Reporter, 11 de
novembro de 2001.
Um histórico abrangente das leis antidumping dos EUA pode ser
encontrado em: Destler, American Trade Politics. Um relato do caso
da De Cecco e a análise de reclamações estrangeiras contra as leis
antidumping dos EUA podem ser encontrados em: Paul Blustein, “Italy
notas
178
179-180
182
182
182-185
186
186
Loses the Pasta Wars” [Itália Perde Guerras de Massa], Washington
Post, 31 de julho de 1996. Um outro relato da maneira como as leis
antidumping dos EUA são supostamente violadas pode ser encontrado
em: Blustein, “Free Trade’s Muddy Waters” [As Águas Turvas do Livre
Comércio], Washington Post, 13 de julho de 2003, e numa coluna lateral
publicada no mesmo dia, ao lado do artigo “When the U.S. Thinks
Goods Were ‘Dumped,’ He Steps Up” [Quando os EUA Acreditam que
Mercadorias Foram Importadas com Dumping, Ele Entra em Cena].
As cifras mostrando o número de processos antidumping instaurados
contra os Estados Unidos e a China foram relatadas em: Gary G. Yerkey
and Daniel Pruzin, “Accord Possible on Dumping, Subsidies at Doha
WTO Talks; U.S. Shows Flexibility” [Acordo Possível em Dumping,
Subsídios nas Negociações de Doha; EUA Mostram Flexibilidade]
WTO Reporter, 13 de novembro de 2001.
A versão final do dispositivo sobre a questão antidumping que foi por fim
aprovada pelos membros da OMC pode ser encontrada na Declaração
de Doha, parágrafo 28, no site da OMC em http://www.wto.org/english/
thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm.
O comentário de Klinefelter “haverá consequências políticas” foi
retirado das anotações que fiz de uma conversa que tivemos em Doha.
A declaração no Bridges Daily Update de que a posição dos EUA sobre
a questão antidumping refletia uma “mudança importante” foi retirada
da edição de 13 de novembro de 2001.
As opções sob análise referentes a TRIPS na reunião em Doha
estão disponíveis no site do Centro Internacional de Comércio e
Desenvolvimento Sustentável em http://ictsd.net/news/wto/archive/
doha/resources-documents/. A versão definitiva que foi, por fim,
aprovada pelos membros da OMC pode ser encontrada no site da
OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/
mindecl_trips_e.htm.
A citação de Teixeira foi relatada em: Geoff Winestock and Helene
Cooper, “Activists Outmaneuver Drug Makers at WTO” [Ativistas
Vencem Indústria Farmacêutica na OMC], Wall Street Journal, 14 de
novembro de 2001.
A citação de Love foi relatada em: Paul Blustein, “Getting WTO’s
Attention” [Conseguindo a Atenção da OMC], Washington Post, 16
de novembro de 2001.
443
paul blustein
186
187
189
189
190-194
191-194
194-195
197-198
444
A citação de Bale foi relatada em: Paul Blustein, “WTO Agreement
Appears Near” [Acordo na OMC Parece Próximo], Washington Post,
13 de novembro de 2001.
As reclamações feitas por companhias farmacêuticas de que a declaração
sobre TRIPS tinha pouca importância prática foram relatadas em:
Gardiner Harris and Rachel Zimmerman, “Drug Makers Say WTO
Setback Will Not Have Significant Impact” [Indústria Farmacêutica
Afirma que Revés na OMC não Terá Impacto Significativo], Wall Street
Journal, 15 de novembro de 2001.
A conversa entre Moore e Kamal sobre o fechamento do aeroporto é
contada no livro de Moore, A World Without Walls, p. 123.
Informações sobre a controvérsia referente à autorizações (waivers) para
países da África, Caribe e Pacífico podem ser encontradas no Bridges
Daily Update, nas edições de 13 e 14 de 2001.
Um relato esclarecedor da reunião de sala verde que virou a noite é feito
em Lamy, L’Europe en première ligne. A citação sobre a mensagem de
Lamy aos ministros da União Europeia, “ainda vai demorar muito...”,
está nas págs. 155–156. A citação de que “a hora da verdade” tinha
chegado para ele está na pág. 157 e a citação “Não vamos ficar dizendo:
‘O problema é a Europa’” está na pág. 158. As citações de Moore, “Bem,
senhoras e senhores...”, e de Kamal, “Bravo”, estão na pág. 161, assim
como a recordação de Lamy pensar que “o otimismo é, sem dúvida
alguma, um pouco forçado”. O relato da expressão alarmada no rosto
de seu assessor Matthew Baldwin está na pág. 163.
As versões finais dos dispositivos sobre temas de Cingapura, meio
ambiente e agricultura que foram, por fim, aprovadas pelos membros
da OMC podem ser encontradas na Declaração de Doha, disponível
no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/
min01_e/mindecl_e.htm.
As citações de Maran “pensando que iam me exaurir e me forçar a ir
dormir” e “meu coração vai bem” foram retiradas de: Sanjaya Baru, “I’m
Back with Many Trophies from the Battlefront”, Financial Express, 19
de novembro de 2001.
A declaração de Kamal encerrando a reunião foi retirada do site da
OMC em http:// www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/
min01_chair_speaking_e.htm.
notas
198
198
Informações sobre o silêncio impassível da delegação indiana foram
retiradas de: Sanjaya Baru, “I’m Back with Many Trophies from the
Battlefront”, Financial Express, 19 de novembro de 2001.
A citação de Zoellick sobre remover a “mancha” de Seattle foi
amplamente divulgada, entre outros, em: Paul Blustein, “142 Nations
Reach Pact on Trade Negotiations” [142 Países Alcançam Acordo sobre
Negociações Comerciais], Washington Post, 15 de novembro de 2001.
CAPÍTULO 7
A INSURREIÇÃO DO RESTO
199, 202
202-203
203-204
204
As citações de Zoellick sobre o prazo final de 2005 e sobre a sensação
que experimenta em campos de batalha podem ser encontradas em:
Paul Blustein, “Trade’s Friendly Warriors”, Washington Post, 28 de
maio de 2002.
Informações acerca das tarifas sobre o aço e a controvérsia transatlântica
que se seguiu podem ser encontradas em: Paul Blustein, “Trade Partners
Trading Threats; EU, Japan Plan Retaliation for U.S. Tariffs” [Parceiros
Comerciais Trocando Ameaças; UE, Japão Planejam Retaliação Contra
Tarifas dos EUA], Washington Post, 27 de abril de 2002; e Blustein,
“WTO Rejects Steel Tariffs; U.S. Says Decision Will Be Appealed”
[OMC Rejeita Tarifas do Aço; EUA Dizem que Recorrerão da Decisão],
Washington Post, 27 de março de 2003.
Informações sobre o projeto de lei agrícola, incluindo o comentário
de Truss de que o projeto de lei constituía um “sinal estarrecedor”
podem ser encontradas em: Paul Blustein e Dan Morgan, “Showdown
on Subsidies” [A Verdade por detrás dos Subsídios], Washington Post,
2 de maio de 2002; Paul Blustein, “U.S. Farm Bill Finds Few Fans
Abroad” [Lei Agrícola dos EUA Encontra Novos Adeptos no Exterior],
Washington Post, 5 de maio de 2002; Dan Morgan, “Farm Revolution
Stops at Subsidies; Efficiency Fails to Stem Flow of Federal Cash”
[Revolução Agrícola Esbarra nos Subsídios; Eficiência não Consegue
Estancar o Fluxo de Recursos Federais], Washington Post, 3 de outubro
de 2004.
Informações acerca das propostas iniciais de Zoellick sobre produtos
agrícolas e manufaturados podem ser encontradas em: Daniel Pruzin
and Gary Yerkey, “U.S. Proposes Five-Year Timetable for Elimination
445
paul blustein
205-206
207
208-211
209
209-210
446
of Agriculture Subsidies” [EUA Propõe Cronograma de 5 Anos para
Eliminação de Susbídios Agrícolas], WTO Reporter, 5 de junho de
2002; e Paul Blustein, “U.S. Urges Abolition of Tariffs” [EUA Defende
Abolição de Tarifas], Washington Post, 27 de novembro de 2002.
Um histórico e uma explicação abrangentes da legislação de autoridade
“de via rápida” (fast track) e de promoção comercial podem ser
encontrados em Destler, American Trade Politics.
Um relato da votação de 215–214 na Câmara, inclusive a citação de
Zoellick de que um acordo com DeMint era “necessário para alcançar
um objetivo mais elevado”, pode ser encontrado em Juliet Eilperin,
“Trade Bill Passes House by One Vote; Bush Closer to Obtaining More
Negotiating Power” [Lei Comercial Passa na Câmara por Um Voto;
Bush Mais Perto de Obter Maiores Poderes Para Negociar], Washington
Post, 7 de dezembro de 2001.
As citações de participantes na conferência miniministerial, a partir do
ataque de Zoellick aos japoneses e inclusive a discussão sobre planos
para os Estados Unidos e a União Europeia para apresentar uma proposta
conjunta para agricultura, foram retiradas de anotações da reunião
fornecidas por uma fonte confidencial.
Informações sobre o impasse na Rodada Doha em 2003, inclusive a
rejeição do texto agrícola de Harbinson, podem ser encontradas em
Daniel Pruzin, “WTO Members Blast Harbinson Ag Text; Draft to
Serve as ‘Catalyst’ for Future Talks” [Membros da OMC Criticam
Texto Agrícola de Harbinson; Projeto Servirá como ‘Catalisador’ de
Negociações Futuras], WTO Reporter, 19 de fevereiro de 2003; Pruzin,
“Gloomy Harbinson Says WTO Deadline on Agriculture Modalities to
be Missed” [Harbinson Afirma em Tom Melancólico que Prazo da OMC
para Modalidades em Agricultura não Será Cumprido], WTO Reporter,
31 de março de 2003; e “The Doha Squabble” [A Disputa de Doha],
Economist, 29 de março de 2003.
Informações sobre a reforma da PAC pela União Europeia, inclusive a
reclamação de Fischler de que “fizemos o nosso dever de casa”, podem
ser encontradas em: Tobias Buck, Guy de Jonquieres, and Frances
Williams, “Fischler’s Surprise for Europe’s Farmers” [A Surpresa de
Fischler para os Agricultores Europeus], Financial Times, 27 de junho
de 2003; Elliott, Delivering on Doha; Charlotte Denny, “CAP Deal
Looks More Horlicks Than Radical” [Acordo sobre a PAC mais para
notas
211-216
214
214-215
216
216-217
Moderado do que para Radical], Guardian, June 30, 2003; “More Fudge
than Breakthrough” [Mais Barulho do que Real Avanço], Economist,
28 de junho de 2003; Robert Uhlig, “A Bloated Beast That Spawned
Beef Mountains and Wine Lakes” [Um Monstro Inchado que Gerou
Montanhas de Carne e Lagos de Vinho], Daily Telegraph, 27 de junho
de 2003; “Sacred Cows” [Vacas Sagradas], Times (London), 27 de junho
de 2003; e “Drops on Parched Soil” [Pingos sobre Solo Encharcado],
Economist, 5 de julho de 2003.
Informações sobre o texto agrícola EUA-União Europeia podem ser
encontradas em: “U.S., EU Framework Sees Partial Elimination of
Export Subsidies” [Esquema EUA-UE Contempla Eliminação Parcial
de Subsídios à Exportação] , Inside U.S. Trade, 15 de agosto de 2003;
e Guy de Jonquieres, “US-EU Farm Proposal Leaves WTO Members
in a Dilemma”[Proposta Agrícola EUA-UE Coloca Membros da OMC
diante de um Dilema], Financial Times, 15 de agosto de 2003.
O número referente ao tamanho da propriedade agrícola média indiana
foi fornecido por Ashok Gulati, um dos mais importantes economistas
agrícolas do país.
Informações sobre a façanha de rápido crescimento do Brasil na
agricultura podem ser encontradas em: Larry Rohter, “South America
Seeks to Fill the World’s Table” [América do Sul Almeja Alimentar o
Mundo], New York Times, 12 de dezembro de 2004; e Simon Romero,
“Brazil’s Spreading Exports Worry Minnesota Farmers” [Exportações
Crescentes do Brasil Preocupam Agricultores do Minnesota], New York
Times, 22 de junho de 2004.
Informações sobre o acordo de 2003 sobre TRIPS podem ser
encontradas em: Edward Luce and Frances Williams, “WTO Deal on
Cheap Drugs Ends Months of Wrangling” [Acordo da OMC sobre
Medicamentos Baratos Põe Fim a Meses de Discussões], Financial
Times, 28 de agosto de 2003; e Frances Williams, “Drugs Accord Fails
to Heal Rifts in WTO” [Acordo sobre Medicamentos não Consegue
Curar Divergências na OMC], Financial Times, 29 de agosto de 2003.
Informações sobre o planejamento da reunião em Cancún, inclusive
a redução de expectativas de Supachai para a reunião, podem ser
encontradas em: John Authers and Guy de Jonquieres, “With the
Priorities of Member Nations Conflicting Sharply, Agreement May
Prove Elusive at Next Week’s Ministerial Meeting” [Diante do Agudo
447
paul blustein
217-218
218
219
221
221-223
223
224
226-227
448
Conflito entre as Prioridades dos Membros, um Acordo na Reunião de
Maio Pode Revelar-se Difícil], Financial Times, 4 de setembro de 2003.
O título completo do relatório da Oxfam de 2002 é “Cultivating Poverty:
The Impact of US Cotton Subsidies on Africa” [Cultivando a Pobreza:
O Impacto sobre a África dos Subsídios dos EUA ao Algodão], Oxfam
briefing paper 30.
O artigo do Wall Street Journal sobre algodão é: Roger Thurow and
Scott Kilman, “U.S. Subsidies Create Cotton Glut That Hurts Foreign
Cotton Farms” [Subsídios dos EUA ao Algodão criam Excesso de Oferta
que Prejudica Cotonicultores Estrangeiros], 26 de junho de 2002.
O discurso de Compaoré está no site da OMC em http://www.wto.org/
english/news_e/news03_e/tnc_10june03_e.htm.
As demandas do G-20 podem ser encontradas em Bridges Daily Update,
11 de setembro de 2003.
Informações sobre Amorim podem ser encontradas em Carolyn Whelan,
“Brazil’s Top Diplomat Fills Out the Plot Line” [Principal Diplomata
do Brasil se Encaixa Perfeitamente na Trama], International Herald
Tribune, 4 de dezembro de 2004; e Tom Holland, “G-20’s Double Act
Takes Up the Cudgels for Farming Reform” [A Ação Conjunta dos
líderes do G-20 em defesa da Reforma Agrícola], South China Morning
Post, 17 de dezembro de 2005.
A citação de Erwin sobre o “momento histórico” pode ser encontrada em:
Guy de Jonquieres and Frances Williams, “Third World Alliance Hits at
Trade Rules” [Aliança do Terceiro Mundo Ataca Regras Comerciais],
Financial Times, 11 de setembro de 2003.
Os comentários de Supachai sobre o algodão no primeiro dia da
conferência ministerial são citados em: Kate Millar, “African Cotton
Producers Demand End of Subsidies by Rich Countries” [Produtores
Africanos de Algodão Exigem o Fim de Subsídios dos Países Ricos ao
Algodão], Agence France-Presse, 10 de setembro de 2003; e Bridges
Daily Update, 11 de setembro de 2003.
Informações detalhadas sobre a proposta dos EUA sobre algodão e
como ela foi tratada podem ser encontradas em Bridges Daily Update,
edições de 11, 12, 13 e 14 de setembro de 2003.
A citação do delegado africano, “Agora temos a OMC contra nós
também”, foi relatada na edição de 14 de setembro.
notas
227
227 228-231
231
232
O discurso de Jaitley na sessão planária pode ser encontrado no site
da OMC em ww.wto.org/english/theWTO_e/minist_e/min03_e/
statements_e/st7.pdf.
As citações de participantes da sala verde em Cancún foram retiradas
de notas fornecidas por fontes confidenciais.
Informações sobre a cena no final da reunião de Cancún podem ser
encontradas em: Kevin Sullivan, “Rich-Poor Rift Triggers Collapse
of Trade Talks” [Disputa entre Ricos e Pobres Causa Colapso das
Negociações Comerciais], Washington Post, 15 de setembro de 2003;
Guy de Jonquieres and Frances Williams, “Investment Row Causes
WTO Talks to Collapse”, [Divergência sobre o tema de Investimentos
Causa Colapso das Negociações da OMC] Financial Times, 15 de
setembro de 2003; e “The WTO Under Fire” [A OMC Sob Ataque],
Economist, 20 de setembro de 2003.
A declaração raivosa de Zoellick na coletiva de imprensa pode ser
encontrada no artigo de Sullivan no Post.
O artigo de Lamy descrevendo a OMC como “neolítica” é
“Post-Cancún Primer” [Introdução ao Pós-Cancún], Wall Street
Journal, 23 de setembro de 2003.
CAPÍTULO 8
JOIAS E PIRATAS
234
234-235
As citações de Christopher Ward foram retiradas de uma transcrição
confidencial de suas observações no processo DS267 da OMC,
Subsidies on Upland Cotton [Subsídios ao Algodão].
Grande quantidade de informações e análises sobre o sistema de
solução de controvérsias podem ser encontradas em: Merit Janow,
Victoria Donaldson, and Alan Yanovich, eds., The WTO: Governance,
Dispute Settlement and Developing Countries [A OMC: Governança,
Solução0 de Controvérsias e Países em Desenvolvimento] (Huntington,
NY: Júris Publishing, 2008). A citação de Jackson, de que a OMC tem
“claramente o sistema de solução de controvérsias mais poderoso...”,
pode ser encontrada na pág. 388 desse livro. Outras informações podem
ser encontradas em: Narlikar, The World Trade Organization; Barfield,
Free Trade, Sovereignty, Democracy; Robert Z. Lawrence, “The United
States and the WTO Dispute Settlement System”, Council on Foreign
449
paul blustein
235-236
236
237
450
Relations, Council Special Report no. 25, março de 2007; Chad Bown,
Self-Reinforcing Trade: Developing Countries and WTO Dispute
Settlement [Comércio Auto-Sustentado: Países em Desenvolvimento
e o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC] (Washington, DC:
Brookings Institution Press, forthcoming); e Scott Miller, “EU-U.S.
Dispute Puts WTO Court in the Spotlight” [Contencioso EUA-UE
Coloca OMC no Centro das Atenções], Wall Street Journal, 1 de junho
de 2005.
Informações sobre as ameaças da União Europeia durante a
controvérsia sobre o aço para impor tarifas punitivas sobre mercadorias
norte-americanas politicamente sensíveis podem ser encontradas em:
Paul Blustein, “EU Lists Possible Targets for New Tariffs” [UE Cria
Lista de Possíveis Alvos para Novas Tarifas], Washington Post, 20
de abril de 2002; e Mike Allen, “President to Drop Tariffs on Steel”
[Presidente Abandonará Tarifas sobre o Aço], Washington Post, 1 de
dezembro de 2003.
Membros da OMC apresentaram um total de 388 queixas desde
a época da fundação da organização em 1995 até 2008 e somente
em cerca de 10 processos a controvérsia chegou ao estágio em que
a OMC autorizou a retaliação, segundo Brown em seu próximo
livro, Self-Reinforcing Trade. No entanto, uma outra análise de 79
processos que chegaram ao estágio de uma decisão definitiva apresenta
um conjunto de estatísticas de certa forma menos encorajador. De
acordo com essa análise, feita pelos advogados de Washington Gary
Horlick and Judith Coleman, 53 desses processos (67,1%) resultaram
em “cumprimento mais ou menos total”, 19 processos (24,1%)
resultaram em “medidas de cumprimento/cumprimento parcial” e 7
processos (8,9%) resultaram em “descumprimento descarado”. Essa
análise, “A Comment on Compliance with WTO Dispute Settlement
Decisions” [Um Comentário sobre Cumprimento de Decisões da
OMC sobre Solução de Controvérsias], pode ser encontrada em:
Janow, Donaldson, and Yanovich, The WTO: Governance, Dispute
Settlement and Developing Countries, pp. 771–776.
Informações sobre as vitórias dos EUA em casos de solução de
controvérsias podem ser encontradas em “World Trade Organization:
U.S. Experience to Date in Dispute Settlement System” [Organização
Mundial do Comércio: Experiência dos EUA até a Presente Data com
notas
237-240
238-239
239-240
240-241
241-242
243
o Sistema de Solução de Controvérsias], U.S. General Accounting
Office, briefing report to the chairman, Committee on Ways and Means,
House of Representatives, junho de 2000; e Mark Drajem, “China
Must Revamp Auto Component Tax Rules, WTO Says” [China deve
reformular Regras acerca de Tributos sobre Auto-Peças], Bloomberg
News, 18 de julho de 2008.
Informações sobre o caso Upland Cotton foram retiradas de: Ray
A. Goldberg, Robert Lawrence, and Katie Milligan, “Brazil’s WTO
Cotton Case: Negotiation Through Litigation” [O Caso do Brasil sobre
Algodão na OMC: Negociação através do Litígio], Harvard Business
School, caso no. N9–905–405, 1 de novembro de 2004, disponível no
site do Instituto Peterson de Economia Internacional em http://www.
petersoninstitute.org/publications/chapters_preview/3632/05iie3 632.
pdf; “Unpicking Cotton Subsidies” [Destrinchando os Subsídios ao
Algodão], Economist, 30 de abril de 2004; e Paul Blustein, “U.S.
Farmers Get a Lesson in Global Trade”, Washington Post, 28 de abril
de 2004.
Informações sobre o envolvimento de Daniel Sumner no caso do algodão
foram retiradas de: Paul Blustein, “In U.S., Cotton Cries Betrayal” [Nos
EUA, o Setor de Algodão se queixa de Traição], Washington Post, 12
de maio de 2004.
A citação do Senador Conrad pode ser encontrada em: Elizabeth Becker,
“Lawmakers Voice Doom and Gloom on WTO Ruling” [Legisladores
Contrariados e Frustrados com Decisão da OMC], New York Times, 27
de abril.
O estudo biográfico de Bacchus é Trade and Freedom [Comércio e
Liberdade]. Sua citação “Não usamos togas. Não usamos perucas...”
pode ser encontrada na pág. 24 e sua citação “longas horas, dia após
dia...” pode ser encontrada na pág. 39.
Informações sobre a primeira vez em que os trabalhos de um painel
da OMC foram abertos ao público e a controvérsia em torno da
transparência no sistema de solução de controvérsias podem ser
encontradas em: Susan Esserman and Robert Howse, “The Creative
Evolution of World Trade” [A Evolução Criativa do Comércio Mundial],
Financial Times, 23 de agosto de 2005.
A citação de Horlick, “Prudência, diplomacia e regras de sigilo para
com o cliente...”, pode ser encontrada em: Janow, Donaldson, and
451
paul blustein
243
244-248
245
249-252
452
Yanovich, The WTO: Governance, Dispute Settlement and Developing
Countries [A OMC: Governança, Solução de Controvérsias e Países
em Desenvolvimento], p. 826.
Os dados mostrando que os países em desenvolvimento instauraram a
maioria dos processos na OMC em 2001–2006 podem ser encontrados
em Lawrence, “The United States and the WTO Dispute Settlement
System” [Os Estados Unidos e o Sistema de Solução de Controvérsias
da OMC]. O grau em que o Brasil, a Índia e outros países em
desenvolvimento dominam a lista pode ser encontrado em Bown,
Self-Reinforcing Trade.
Informações sobre o caso Gambling [Jogos de Azar] foram, em
grande parte, retiradas de: Paul Blustein, “Against All Odds: Antigua
Beating U.S. in Internet Gambling Case at WTO” [Contra Todas as
Probabilidades: Antigua vencendo EUA no Caso de Jogos de Azar da
Internet na OMC], Washington Post, 4 de agosto de 2006.
A declaração de Reno “Você pode ir para o exterior e se esconder...” pode
ser encontrada numa transcrição do “Weekly U.S. Justice Department
Media Availability”, 5 de março de 1998, compilado pelo Federal News
Service.
Informações sobre os últimos estágios dos casos Gambling e Upland
Cotton podem ser encontradas em Daniel Pruzin, “Antigua Allowed
to Impose $21 Million Annually as Sanctions on U.S. in Gambling
Dispute” [Antigua Autorizado a impor $21 Milhões anualmente em
Sanções contra os EUA na Disputa dos Jogos de Azar], WTO Reporter,
24 de dezembro de 2007; “WTO to Determine Worth of Gambling
Concession” [OMC determinará Valor da Concessão no Caso dos
Jogos de Azar], Bridges, fevereiro de 2008; William Triplett, “Antigua
Threatens to Allow Piracy” [Antigua ameaça permitir Pirataria],
Variety, 18 de março de 2008; “Cotton Dispute Ends in Comprehensive
Victory for Brazil” [Disputa do Algodão termina com Ampla Vitória
para o Brasil], Bridges, agosto de 2008; “U.S., Brazil Spar over Level
of Trade Retaliation, in WTO Cotton Case” [EUA, Brasil, Divergem
sobre Nível de Retaliação Comercial na Disputa do Algodão na OMC],
Inside U.S. Trade, 9 de janeiro de 2009; “Brazil Argues for Expansive
Retaliation Rights in WTO Cotton Case” [Brasil defende Amplos
Direitos de Retaliação de Caso do Algodão na OMC], Inside U.S.
Trade, 30 de janeiro de 2009; e “Brazil Warns of Dire Consequences if
notas
252
Granted Small Award in Cotton Case” [Brasil alerta para Consequências
Negativas se receber Pequeno Montante de Direito de Retaliação no
Caso do Algodão], Inside U.S. Trade, 13 de março de 2009. A declaração
completa de Azevedo na audiência de 3 de março de 2009 pode ser
encontrada no site no Ministério das Relações Exteriores do Brasil em
http://www2.mre.gov.br/cgc/DS267_Arb_22.6_7.10_Brazil’s_Oral_
Statement_as_delivered.pdf.
Informações sobre a queixa da Costa Rica envolvendo as quotas de
roupas íntimas dos EUA podem ser encontradas no site da OMC em
http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/casestudies_e/case12_e.
htm.
CAPÍTULO 9
SUA SANTIDADE, O PAPA BOB
254
254-257
O editorial de 22 de setembro de 2003 de Zoellick no Financial Times
teve como título “Free Trade: America Will Not Wait” [Livre Comércio:
A América não Vai Esperar].
O primeiro e mais influente defensor da liberalização competitiva
foi C. Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson de Economia
Internacional. Um de seus primeiros textos sobre o assunto foi:
“Competitive Liberalization and Global Free Trade: A Vision for the
Early 21st Century”, Institute for International Economics working
paper 96–15, 1996 [Liberalização Competitiva e Livre Comércio
Global: Uma Visão para o Início do Século XXI, documento de
trabalho 96-15 do Instituto de Economia Internacional, 1996]. Outras
informações sobre acordos bilaterais e regionais e sobre a estratégia
de liberalização competitiva de Zoellick foram retiradas de: Daniel
Drezner, U.S. Trade Strategy: Free vs. Fair [Estratégia Comercial dos
EUA: Livre x Justa] (New York: Council on Foreign Relations Press,
2006); Destler, American Trade Politics; Mark Thirwell, The New Terms
of Trade (Alexandria, New South Wales, Australia: Lowy Institute,
Longueville Media, 2006); Jagdish Bhagwati, Termites in the Trading
System: How Preferential Agreements Undermine Free Trade [Cupins
no Sistema de Comércio: Como Acordos Preferenciais Prejudicam o
Livre Comércio] (New York: Oxford University Press, 2008); Michael
M. Phillips, “Trade Aide Plays Latin America, Asia Off Each Other
453
paul blustein
257-258
258
260-262
454
to Win Pacts” [Assessor Comercial Manipula América Latina e Ásia
para obter Acordos], Wall Street Journal, 5 de junho de 2001; Guy de
Jonquieres, “Governments’ Willingness to Use Trade Pacts to Cement
Diplomatic Ties and Forge Alliances Risks Slowing the Momentum
Behind Multilateral Trade Talks” [Tendência dos Governos em Usar
Acordos Comerciais para Consolidar Laços Diplomáticos Ameaça
Reduzir Ímpeto pelas Negociações Comerciais Multilaterais], Financial
Times, 19 de novembro de 2002; Guy de Jonquieres and Victor Mallet,
“Failure at Cancún Prompts Flurry of Trade Deals in Asia” [Fracasso
em Cancún provoca Enxurrada de Acordos Comerciais na Ásia],
Financial Times, 16 de outubro de 2003; e Paul Blustein, “Lowered
Expectations” [Expectativas Reduzidas], Washington Post, 23 de
abril de 2004. Zoellick defendeu sua estratégia em vários discursos e
comparecimentos perante comissões do Congresso, muitos dos quais
podem ser encontrados no site do Representante de Comércio dos
Estados Unidos em http://www.ustr.gov. Um exemplo é seu testemunho
dado em 5 de março de 2003, em http://ustr.gov/assets/Document_
Library/USTR_Testimony/2003/asset_upload_file96_4330.pdf.
O editorial de Bhagwati e Garnaut em oposição ao acordo EUAAustrália é: “Say No to This Free Trade Deal” [Diga Não a Este Acordo
de Livre Comércio], Australian, 11 de julho de 2003.
A citação de Hatakeyama “mas, desde então, começamos a ficar
rodeados por esses grupos” pode ser encontrada em: James Brooke,
“Ready for WTO Talks, and Ready to Deal” [Prontos para Negociações
na OMC, e Prontos para Acordo], New York Times, 9 de novembro de
2001.
Informações sobre a reunião de Miami acerca da Área de Livre
Comércio das Américas foram retiradas de Simon Romero, “Trade
Talks in Miami End Early” [Negociações Comerciais em Miami
terminam Cedo], New York Times, 21 de novembro de 2003; “Business
Derides Miami Declaration for Creating Weak FTAA” [Empresários
Desdenham Declaração de Miami por Criar ALCA Fraca], Inside U.S.
Trade, 21 de novembro de 2003; Paul Blustein, “Free Trade Area of
Americas May Be Limited” [Área de Livre Comércio das Américas
Pode Ficar Limitada], Washington Post, 19 de novembro de 2003; e
“New Doubts About Bush Trade Agenda” [Novas Dúvidas acerca da
notas
260-262
263-264
267-268
268-269
Agenda Comercial de Bush], Washington Post, 22 de novembro de
2003.
A matéria do Financial Times contando o caso da carta de Zoellick foi
de Edward Alden and Lionel Barber, “US Tries to Reactivate Failed
Talks over Trade” [EUA tentam reativar Negociações Fracassadas sobre
Comércio], 12 de janeiro de 2004. A carta de Zoellick foi transcrita na
íntegra pelo Inside U.S. Trade, acompanhando a matéria, “Zoellick
Letter Shows No Concessions but Some Flexibility” [Carta de Zoellick
não Demostra Concessões, mas Alguma Flexibilidade], 16 de janeiro
de 2004.
As observações de Zoellick em Cingapura foram retiradas de suas
observações encontradas no site do Escritório do Representante de
Comércio dos Estados Unidos em http://ustr.gov/assets/Document_
Library/Transcripts/2004/February/asset_upload_file211_5403.pdf.
Informações sobre o anúncio de 14 de maio de 2004 de que a reunião
seria realizada em Genebra em julho, incluindo a citação de Lamy
sobre o “vulcão”, podem ser encontradas em: Guy de Jonquieres,
“Hopes Rising for Restart of Doha World Trade Talks” [Aumentam
as Esperanças de Retomada das Negociações Comerciais de Doha],
Financial Times, 15 de maio de 2004. A citação de Fischler sobre
subsídios à exportação pode ser encontrada em: Paul Blustein, “EU
Offers to End Farm Subsidies” [A UE se dispõe a eliminar Subsídios
Agrícolas], Washington Post, 11 de maio de 2004. Outras informações
sobre as concessões da União Europeia, inclusive os números sobre
subsídios a exportação podem ser encontradas em: Paul Meller, “France
Splits with Europe over Farm Subsidy Plan” [França Diverge da Europa
sobre Plano de Subsídios Agrícolas], New York Times, 11 de maio de
2004. Informações adicionais, inclusive a citação de Boutros-Ghali
sobre a “rodada grátis”, podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “EU
‘Round for Free’ Proposal for Poorest Countries Gets Cool Reception”
[Proposta da UE de ‘Rodada Grátis’ Para os Países Mais Pobres é
Recebida Com Frieza], WTO Reporter, 14 de maio de 2004.
Informações sobre Nath foram retiradas de seu livo India’s Century (New
York: McGraw-Hill, 2008); Priya Sahgal and Rohit Saran, “Kamal’s
Trademark” [A Marca de Kamal], India Today, 26 de setembro de 2004;
Priya Sahgal, “Cabinet Showcases” [Tipos do Gabinete Ministerial],
India Today, 25 de abril de 2004; Yogesh Vajpeyi, “Saheb Keeps
455
paul blustein
271-276
275
456
Seat Warm with Heart, Helicopter” [‘Sahib’ Preserva Sua Posição
com Entusiasmo, Helicóptero], Indian Express, 27 de agosto de
1999; Kenneth J. Cooper, “Indian Politicking in Name Only; Tainted
by Scandal, Ex-Official Stumps for Wife’s Substitute Candidacy”
[Politicagem Indiana apenas no Nome; Manchado por Escândalo,
Ex-Funcionário Trabalha pela Candidatura da Mulher em seu Lugar],
Washington Post, 27 de abril de 1996; e Peter Wonacott, “A Voice for
Developing Nations” [Uma Voz para Nações em Desenvolvimento],
Wall Street Journal, 5 de dezembro de 2005. A citação de Nath “Na
próxima vez, você poderia trazer uma foto de um agricultor americano?”
foi retirada de Priya Saghal, “Cabinet Showcase”, India Today, 25
de abril de 2005. Sua citação “Tive pouco contato...” está nas págs.
14–15 de India’s Century. A citação de Indira Gandhi, “Este é o meu
terceiro filho...”, pode ser encontrada em Sahgal and Saran, “Kamal’s
Trademark”.
Informações sobre tarifas agrícolas da Índia podem ser encontradas em:
“India: Re-energizing the Agricultural Sector to Sustain Growth and
Reduce Poverty” [India: Reenergizando o Setor Agrícola para Sustentar
Crescimento e Reduzir Pobreza], World Bank report no. 27889-IN, 30
de julho de 2004. Outras informações sobre as políticas de combate
a pobreza na Índia foram retiradas de: Luce, In Spite of the Gods;
Srinivasan and Tendulkar, Reintegrating India with the World Economy;
e “Trade Policies in South Asia: An Overview”, World Bank report
no. 29949; veja também “Domestic Agricultural Market Reforms and
Border Trade Liberalization: The Case of India”, National Council for
Applied Economic Research [Reformas do Mercado Agrícola Interno
e Liberalização Comercial na Fronteira: O Caso da Índia, Conselho
Nacional para Pesquisa Econômica Aplicada], Nova Délhi, 2006. A
queixa de Amartya Sen sobre o “fogo amigo” foi retirada de seu livro
The Argumentative Indian: Writings on Indian History, Culture and
Identity [O Indiano Argumentativo: Escritos sobre História, Cultura e
Identidade Indiana] (New York: Picador, 2005); sua citação “O efeito
geral dos altos preços dos alimentos...” está na pág. 215.
O estudo NASSCOM, realizado pela Credit Rating and Information
Services of India Ltd. (CRISIL), uma das maiores empresas de
pesquisa da Índia, foi feito por Subir Gokarn, Dharmakirti Joshi, Vidya
Mahambare, Pooja Mirchandani, Manoj Mohta e Kumar Subramaniam
notas
276
277
279-284
282-284
284
e tem o título de “The Rising Tide: Employment and Output Linkages
of IT-ITES” [A Maré Montante: Relações entre Emprego e Produção],
fevereiro de 2007, disponível na Internet em http://www.nasscom.in/
upload/51269/NASSCOM_CRISIL.pdf.
O editorial de Supachai em International Herald Tribune foi intitulado
“A Chance to Salvage a Doha Trade Deal” [Uma Chance para Salvar
um Acordo sobre Doha] e publicado em 27 de julho de 2004.
Informações sobre os atrasos repetidos que os ministros e outros
sofreram quando as Cinco Partes Interessadas se reuniram em julho
de 2004 podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO Framework
Text Delayed as AG Chair Warns That Text Is ‘Substantially Revised’”
[Acordo-Quadro da OMC Atrasa após Alerta do Presidente das
Negociações Agrícolas de que o Texto Foi ‘Substancialmente Revisto’],
WTO Reporter, 28 de julho de 2004; e Paul Blustein, “Five Powers
Agree at WTO on Farm Talks” [Cinco Potências Chegam a Acordo
em Negociações Agrícolas na OMC], Washington Post, 30 de julho de
2004. A queixa de Wasescha pode ser encontrada em: Guy de Jonquieres
and Frances Williams, “Five Powers Agree Doha Negotiating Position”
[Cinco Potências Acordam Posição Negociadora Sobre Doha], Financial
Times, 30 de julho de 2004. A queixa de Nakagawa pode ser encontrada
em “WTO General Council Head to Present Amended Draft Accord
Thurs” [Presidente do Conselho Geral da OMC Apresentará Minuta
Revisada de Acordo na Quinta-Feira], Japan Economic Newswire, 29
de julho de 2004.
O texto que foi apresentado à Sala Verde bem como o texto final
acordado podem ser encontrados no site da OMC em http://www.wto.
org/english/tratop_e/dda_e/dda_package_july04_e.htm
As citações de participantes da Sala Verde foram retiradas de anotações
da reunião fornecidas por fontes confidenciais.
As citações feitas por Zoellick e Lamy em suas coletivas de imprensa
podem ser encontradas em Paul Blustein, “Accord Reached on Global
Trade” [Alcançado Acordo sobre Comércio Global], Washington Post,
1 de agosto de 2004.
457
paul blustein
CAPÍTULO 10
UM CHICKEN MCNUGGET
287-288
288-290
458
O artigo do Wall Street Journal citando os temores dos analistas sobre
o futuro das relações comerciais entre EUA e União Europeia foi: Scott
Miller, “Trading on a Friendship for EU-U.S. Commerce” [Barganhando
com a Amizade em Prol do Comércio UE-EUA], 18 de outubro de 2004.
As manchetes “Love Triangle Ended Spin Agency Contract” [Triângulo
Amoroso Termina Contrato com Agência de Publicidade] e “‘Exotic’
Party Animal Stands Out from Dull Cabinet Pack” [Festeiro ‘Exótico’ se
Destaca em Meio a Gabinete Tedioso] aparaceram no Times (Londres)
em 27 de janeiro de 2001 e 23 de dezembro de 1998, respectivamente.
As informações sobre Mandelson foram retiradas de: “Evil Genius
of the Labour Party: Peter Mandelson” [Gênio do Mal do Partido
Trabalhista: Peter Mandelson], Independent, 1 de julho de 1989, no
qual a declaração “Ele agrada aos jornalistas, bajula-os...” pode ser
encontrada, bem como das seguintes publicações: uma série de artigos
de Donald Macintyre publicados no Independent durante a semana
de 19 de abril de 1999, excetuando-se uma biografia de Mandelson
que Macintyre escreveu; Macintyre, “The Mandelson Loan: Exotic in
Both His Plumage and Connections” [O Empréstimo de Mandelson:
Exótico em sua Plumagem e em suas Conexões], Independent, 23 de
dezembro de 1998; Colin Brown, “‘Fixers’ in the Shadow of the Red
Rose” [Quebra-Galhos na Sombra da Rosa Vermelha], Independent, 4
de outubro de 1990; Peter Lennon, “Guarding the Good Name of the
Rose” [Preservando o Bom Nome da Rosa], Guardian, 2 de outubro
de 1989; Patrick Wintour, “The Rise of the Red Rinse Conference—
How Peter Mandelson and His Aides Have Subdued the Firebrands
for the Cameras” [A Ascensão da Conferência de Lavagem Vermelha
– Como Peter Mandelson e seus Assessores Matizaram as Tintas para as
Câmeras], Guardian, 6 de outubro de 1990; Wintour, “This Time There
Will Be No Comeback” [Desta vez não haverá regresso], Guardian, 25
de janeiro de 2001; Geoffrey Levy, “It’s a Long Way from Stoneybroke
Cottage” [É um Longo Caminho desde Stonebroke Cottage], Daily Mail,
23 de dezembro de 1998; e T. R. Reid, “As Scandal Brews, Two British
Officials Quit” [Com Surgimento de Escândalo Duas Autoridades
Britânicas Renunciam], Washington Post, 24 de dezembro de 1998.
notas
290
291-293
294
294
295
295-297
Informações sobre o telefonema hostil entre Mandelson e Zoellick,
inclusive suas citações, podem ser encontradas em Edward Alden,
Daniel Dombey, and Raphael Minder, “Zoellick Blasts Mandelson
‘Spin’ on Aircraft Subsidy Dispute” [Zoellick Critica Abordagem de
Mandelson à Disputa sobre Subsídios no Setor Aeronáutico], Financial
Times, 6 de abril de 2005; e Paul Meller, “Accusations Fly in EU-U.S.
Dispute” [Acusações Voam na Disputa UE-EUA] International Herald
Tribune, 7 de abril de 2005.
Informações sobre Portman foram retiradas de Elizabeth Auster, “Ready
for Prime Time” [Pronto para o Horário Nobre], Cleveland Plain Dealer,
20 de março de 2005; e Auster, “Portman Steers GOP on Bipartisan
Course” [Portman Conduz Partido Republicano a uma Trajetória
Bipartidária], Cleveland Plain Dealer, 29 de janeiro de 2001. Outras
informações, inclusive suas palavras quando a nomeação foi anunciada,
podem ser encontradas em Paul Blustein, “Rep. Portman Named Next
U.S. Trade Representative” [Deputado Portman Nomeado Próximo
Representante de Comércio dos EUA] , Washington Post, 18 de março
de 2005. O perfil do New York Times citando a falta de detratores de
Portman está em: David E. Rosenbaum, “Bush Loyalist’s New Role Is
‘Facilitator’ in House” [A Nova Função do Seguidor Leal de Bush na
Câmara de Representantes é de Facilitador], 16 de fevereiro de 2003.
O discurso de Bush nas Nações Unidas em que ele propôs acabar com
todos os subsídios pode ser encontrado em Weekly Compilation of
Presidential Documents, para a semana de 19 de setembro de 2005.
A declaração de Johanns à Comissão de Agricultura do Senado pode ser
encontrada em: “Johanns Signals U.S. Subsidies Must Change in New
Farm Bill” [Johanns Indica que Subsídios dos EUA Devem Mudar na
Nova Lei Agrícola], Inside U.S. Trade, 23 de setembro de 2005.
A declaração de Portman “Nossa iniciativa ambiciosa demonstra
seriedade de propósitos...” pode ser encontrada em “U.S. Offers Plan
on Agriculture for Hong Kong Trade Talks” [EUA Oferece Plano sobre
Agricultura para as Negociações Comerciais em Hong Kong], States
News Service, 10 de outubro de 2005.
Análises da proposta dos EUA de 10 de outubro de 2005, inclusive a
afirmação feita pela Oxfam de que a proposta era “cortina de fumaça”,
podem ser encontradas em “America Tries to Get Things Moving”
[América Tenta Fazer as Coisas Andarem], Economist, 12 de outubro
459
paul blustein
298-299
299
300
300-301
301
302
302-303
303
460
de 2005; e Daniel Pruzin, “U.S. Unveils Ag Subsidy Proposal for
WTO, Would Cut U.S. Amber Box Support by 60%” [EUA Divulgam
Proposta sobre Subsídios Agrícolas na OMC, Cortes na Caixa Amarela
Seriam de 60%], WTO Reporter, 12 de outubro de 2005. As citações
de Charveriat e Vaile podem ser encontradas no artigo de Pruzin.
Os ataques à União Europeia feitos por Vaile, Portman, e Charveriat
depois da reunião de 20 de outubro de 2005 das Cinco Partes
Interessadas podem ser encontrados em Paul Blustein, “Nations Blame
EU for Stalling Trade Talks” [Países Culpam a UE por Obstaculizar
Negociações Comerciais] Washington Post, 21 de outubro de 2005.
A declaração de Portman de que a posição dos EUA sobre produtos
sensíveis criaria “um buraco grande o suficiente para que um caminhão
passasse por ele” pode ser encontrada em: Paul Blustein, “Dispute
over Farm Subsidies Stalls Global Trade Negotiations” [Contencioso
sobre Subsídios Agrícolas emperra Negociações Globais de Comércio],
Washington Post, 16 de outubro de 2005.
A ameaça de Chirac de que “A França se reserva o direito de não
aprovar” um acordo em Doha pode ser encontrada em: “Chirac: France
Reserves Right to Block Deal” [Chirac: França Reserva-se o Direito
de Bloquear Acordo], Associated Press, 27 de outubro de 2005.
As observações feitas por participantes na videoconferência foram
retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial.
A discussão do “Um Chicken Mcnugget” foi extraída do texto intitulado
“Implications of EU Agriculture Market Access Position” [Implicações
da Posição da UE sobre Acesso a Mercados], distribuído aos repórteres,
inclusive o autor, pelo Escritório do Representante Americano de
Comércio.
Informações sobre a eleição de Lamy como diretor-geral e o contraste
com a briga de Moore/Supachai foram retiradas de Elizabeth Becker,
“French Economist to Lead World Trade Organization” [Economista
Francês Dirigirá a Organização Mundial do Comércio], New York Times,
14 de maio de 2005.
As observações de participantes na reunião de 9 de novembro de 2005
foram retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial.
A declaração de Portman “Não desistimos...” pode ser encontrada em:
Daniel Pruzin, “Talks on WTO Ministerial in Disarray as EU, G20
Members Clash over Ag, NAMA” [Discussões sobre Ministerial da
notas
303
304
305-309
307
OMC em Confusão com UE e Membros do G-20 Discordando sobre
Agricultura e NAMA], WTO Reporter, 10 de novembro de 2005.
A queixa de Mandelson sobre a redução de expectativas pode ser
encontrada em: Paul Blustein, “Hope Fades for a Pact Easing Trade
Barriers” [Diminuem as Esperanças para um Acordo que Reduza as
Barreiras Comerciais], Washington Post, 10 de novembro de 2005.
Para o meu relato em relação a Finta Danish Dairies, agradeço a meu
colega Alan Beattie do Financial Times, cujo maravilhoso artigo “Dipak
and the Goliaths” [Dipak e os Golias], publicado em 9 de dezembro de
2005, discutiu alguns dos problemas para a exportação de leite.
As novas estimativas do Banco Mundial foram publicadas em Thomas
W. Hertel and L. Alan Winters, eds., Poverty and the WTO: Impacts of
the Doha Development Agenda [Doha e a OMC: Impactos da Agenda
de Desenvolvimento de Doha] (Washington, DC: Palgrave Macmillan
and the World Bank, 2006), em que as citações “há mais perdas do que
ganhos” (pág. 36) e “as metas de liberalização... tinham de ser bem
ambiciosas” (pág. 3) também podem ser encontradas; e Newfarmer,
Trade, Doha and Development, em que a declaração “alguns desses
números são significativamente mais baixos...” (pág. 59) também
pode ser encontrada. As estimativas divulgadas na época da reunião
em Doha, conforme observado anteriormente, estavam num relatório
de 2001 intitulado “Global Economic Prospects and the Developing
Countries 2002” [Perspectivas Econômicas Globais e os Países em
Desenvolvimento]. As estimativas referentes à Zâmbia podem ser
encontradas no livro de Hertel e Winters, num capítulo escrito por
Jorge F. Balat e Guido G. Porto, “The WTO Doha Round, Cotton
Sector Dynamics, and Poverty Trends in Zambia” [A Rodada Doha da
OMC, A Dinâmica do Setor de Algodão e as Tendêndias da Pobreza
na Zâmbia].
O título completo do texto de Frank Ackerman é “The Shrinking Gains
from Trade: A Critical Assessment of Doha Round Projections”, Global
Development and Environment Institute working paper 05-01, October
2005 [Os Ganhos Decrescentes do Comércio: Uma Avaliação Crítica
das Projeções da Rodada Doha, documento de trabalho nr. 05-01 do
Instituto do Desenvolvimento e do Meio Ambiente Global, outubro de
2005].
461
paul blustein
307-311
310
310-311
311
312
313
315
315
A posição do banco acerca da interpretação correta de seus estudos,
inclusive as citações de Newfarmer e Winters aos repórteres, pode
ser encontrada em: Paul Blustein, “World Bank Reconsiders Trade’s
Benefits to Poor” [Banco Mundial Reconsidera Benefícios do Comércio
para Pobres], Washington Post, 17 de outubro de 2005.
A declaração “isentar [de cortes profundos] até 2% das linhas tarifárias
enfraqueceria a rodada” foi retirada de Newfarmer, Trade, Doha and
Development, p. 43.
A exortação de Mandelson aos representantes governamentais de países
em desenvolvimento pode ser encontrada em “EU Seeks Alliance with
Poor Countries to Preserve High Ag Tariffs” [UE Busca Aliança com
Países Pobres Para Preservar Altas Tarifas Agrícolas], Inside U.S. Trade,
2 de dezembro de 2005.
O relatório do Bridges Daily Update sobre a diminuição de queixas sobre
inclusão e transparência foi publicado na edição de 14 de dezembro de
2005.
O isolamento da União Europeia e da Suíça sobre a questão dos subsídios
a exportação foi relatado pelo Bridges Daily Update na edição de 15
de dezembro de 2005.
Informações sobre tumultos na noite final em Hong Kong podem ser
encontrados em Philip P. Pan and Paul Blustein, “Stormy Times at Trade
Talks” [Tempos Turbulentos nas Negociações Comerciais], Washington
Post, 18 de dezembro de 2005.
O caso memorável de Guy de Jonquieres foi contado em seu artigo,
“Tentative Steps Forward Seen as Better Than None at All” [Avanço
Tentativo Considerado Melhor do que Avanço Nenhum], Financial
Times, 19 de dezembro de 2005.
O texto da conferência ministerial de Hong Kong pode ser encontrado
no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/
min05_e/final_text_e.htm.
CAPÍTULO 11
PETER E SUSAN – FEITOS UM PARA O OUTRO
319
462
A advertência de Lamy contra o adiamento de um acordo sobre
modalidades até o final de 2006 pode ser encontrada em Daniel Pruzin,
“WTO’s Lamy Stresses April Deadline’s Important, Says Delay Is
notas
320
320
320
320-323
‘Recipe for Disaster’” [Lamy da OMC Frisa Importância do Prazo de
Abril, Diz que Atraso é Receita para Desastre], WTO Reporter, 29 de
março de 2006.
A declaração de Bush “Agora ela usará sua experiência...” pode ser
encontrada em Weekly Compilation of Presidential Documents, para a
semana de 24 de abril de 2006.
A declaração de Grassley de que a saída de Portman era “má notícia”
para as negociações de Doha pode ser encontrada em: Gary G. Yerkey,
“President Nominates Schwab as New USTR to Replace Portman,
Who Will Move to OMB” [Presidente Nomeia Schwab Nova USTR
em Substituição a Portman, Que Mudará para o OMB], WTO Reporter,
19 de abril de 2006.
A declaração de Mandelson, “É claro que vamos nos virar sem ele...”,
pode ser encontrada em: Paul Blustein, “Hopes for Trade Talks Dim
After Personnel Switch” [Esperanças para Negociações Comerciais
Ficam Reduzidas Após Mudança de Pessoal], Washington Post, 19 de
abril de 2006.
Informações sobre Schwab foram retiradas de: Bruce Stokes,
“Employing Tough Talk, Schwab Builds Consensus on Trade” [Com
Conversa Dura, Schwab Constrói Consenso no Comércio], National
Journal, 31 de agosto de 1985; Eric Pianin, “Enforcer Behind the
Trade Bill; Economist Schwab Wants the U.S. to Get Tough and Get
Reciprocity” [Economista Schwab Quer Posição Dura dos EUA e
Reciprocidade], Washington Post, 24 de julho de 1987; Paul Blustein,
“Dealt a Difficult Hand, Trade Official Presses On” [Apesar de Revés,
Autoridade de Comércio Segue Pressionando], Washington Post, 13
de junho de 2006; Evan Clark, “Bush Trade Chief Schwab: Persistent,
Persuasive and Pragmatic” [Schwab, a Chefe de Comércio de Bush:
Persistente, Persuasiva e Pragmática], WWD (Women’s Wear Daily), 21
de julho de 2006; Nina Easton, “Can This Woman Save Free Trade?”
[Essa Mulher Conseguirá Salvar o Livre Comércio], Fortune, 26 de
setembro de 2007, em que seus comentários sobre seus esforços de
salvar seu marido falecido podem ser encontrados; e Susan C. Schwab,
“Diplomacy over Drama” [Diplomacia por cima de drama], conforme
contado a Patricia R. Olsen, New York Times, 28 de setembro de
2008, onde seus comentários sobre ele após seu falecimento podem
encontrados.
463
paul blustein
323
323
323
325-327
328
328
328
329-331
331
332
464
O comentário de Schwab de que uma versão Doha Light “desperdiçaria
uma oportunidade única” pode ser encontrado em: Paul Blustein, “Dealt
a Difficult Hand, Trade Official Presses On”, Washington Post, 13 de
junho de 2006.
A repreensão de Grassley de que rejeitaria um “Plano B... abordagem
minimalista...” pode ser encontrada na audiência de confirmação
no Senado de Schwab em 16 de maio de 2006. Uma transcrição da
audiência foi preparada pelo Federal News Service.
Informações sobre a carta dos grupos agrícolas podem ser encontradas
em “Lamy Sets June Meeting, Ag Groups Warn Against More U.S.
Concessions” [Lamy Marca Reunião em Junho, Grupos Agrícolas
Alertam Contra Mais Concessões dos EUA], Inside U.S. Trade, 2 de
junho de 2006. Uma cópia da carta acompanhou o artigo.
Os comentários de participantes na reunião do G-6 foram retirados de
anotações fornecidas por fontes confidenciais.
Os comentários de Lamy na coletiva de imprensa após a reunião “Não
houve progresso e, portanto, estamos em crise...” podem ser encontrados
em: Paul Blustein, “Trade Ministers Give Up on Compromise”,
Washington Post, 2 de julho de 2006.
Os comentários de Schwab “Liderança é isso, não?” podem ser
encontrados em: Paul Blustein, “Trade Deal Looks More Like a Distant
Dream” [Acordo Comercial Parece Mais do que um Sonho Distante],
Washington Post, 4 de julho de 2006.
O comunicado sobre comércio do G-8 em São Petersburgo está
disponível na Internet em http://en.g8russia.ru/docs/16.html.
As observações de participantes da reunião do G-6 de 23 de julho foram
retiradas de anotações fornecidas por fontes confidenciais.
O comentário de Lamy de que “não há vencedores...” pode ser
encontrado em Alan Beattie, “WTO Faces an Uncertain Future as Its
Negotiating System Seizes Up” [OMC Enfrenta Futuro Incerto com
Esgotamento de seu Sistema Negociador], Financial Times, 25 de julho
de 2006.
A observação de Schwab sobre Mandelson de que “ele não quis
conversa” pode ser encontrada em: Paul Blustein, “U.S. Not Giving
Up on Failed WTO Negotiations” [EUA Não Desistem de Negociações
Fracassadas na OMC], Washington Post, 27 de julho de 2006.
notas
332-336
335
338-341
340
344-346
344
346
A história sobre Danubia Rodriguez foi retirada em grande parte de:
Paul Blustein, “Banking on Openness and Proximity to U.S.” [Faturando
com a Abertura e a Proximidade dos EUA], Washington Post, 17 de
novembro de 2004, e de um artigo de prosseguimento escrito por Paul
Blustein e Peter S. Goodman, “A New Pattern Is Cut for Global Textile
Trade; China Likely to Dominate as Quotas Expire” [Um Novo Padrão
Surge no Comércio Global de Têxteis; Provável Domínio da China com
a Expiração das Quotas], Washington Post, 17 de novembro de 2004.
Informações adicionais sobre as dificuldades dos setores manufatureiros
de países em desenvolvimento frente à concorrência chinesa, incluindo a
perda de empregos no setor têxtil da Turquia, podem ser encontradas em
Helen Murphy, Christopher Swann, and Mark Drajem, “China’s Power
Erodes Free-Trade Support in Developing Nations” [Poder da China
Debilita o Apoio ao Livre Comércio nos Países em Desenvolvimento],
Bloomberg News, 2 de abril de 2007.
Informações sobre a suposta manipulação monetária da China, inclusive
detalhes sobre Shanghai Datong e E&E Manufacturing, foram retiradas
de: Paul Blustein e Peter S. Goodman, “China’s Export Engine;
International Competitors Crying Foul over Cheap Currency” [Potência
Exportadora da China; Concorrentes Internacionais Denunciam Cambio
Barato], Washington Post, 13 de setembro de 2006.
Informações sobre o “relançamento brando” de Lamy da rodada podem
ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO Chief Lamy Announces
‘Soft’ Restart to Doha Round Talks” [Dirigente da OMC Lamy Anuncia
Recomeço ‘Suave’ das Negociações da Rodada Doha], WTO Reporter,
17 de novembro de 2006.
As observações de participantes da reunião do G-4 em Potsdam foram
retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial.
Informações sobre a elevação de tarifas pelo Brasil sobre vestuário
e calçados e os motivos disso podem ser encontradas em U.S.
Department of Agriculture GAIN (Global Agriculture Information
Network) report BR7621, na Internet em http://www.fas.usda.gov/
gainfiles/200705/146281089.pdf; e Hong Kong Trade Development
Council, “Business Alert-US”, edição de 10 de maio de 2007, na Internet
em http://info.hktdc.com/alert/us0710g.htm.
Os comentários de Amorim aos jornalistas brasileiros após a reunião
de Potsdam podem ser encontrados em “Brazil’s Amorim Accuses US,
465
paul blustein
347
EU of Making Prior Agreement” [Amorim Acusa EUA e UE de Fechar
Acordo Prévio], Valor Econômico, 22 de junho de 2007 (traduzido do
português).
Os números sobre o crescimento do comércio global desde 1998 podem
ser encontrados no site da OMC em http://www.wto.org/english/
news_e/pres09_e/pr554_e.htm
CAPÍTULO 12
MESMO AS EXCEÇÕES TÊM EXCEÇÕES
350
351
354
354-357
466
Citações de ministros na reunião do Fórum Econômico Mundial no
início de 2008 podem ser encontradas em: Sean O’Grady, “Mandelson
in Call to Rescue World Trade Talks” [Mandelson Faz Apelo para
Resgatar Negociações Comerciais Globais], Independent, 28 de janeiro
de 2008; e Patrick Baert, “WTO Ministers Hope for April Breakthrough”
[Ministros da OMC Esperam Fazer Grande Avanço em Abril], Agence
France-Presse, 26 de janeiro de 2008.
Os comentários de Falconer na coletiva de imprensa de 17 de julho
de 2007 podem ser encontrados no site da OMC em http://www.wto.
org/english/news_e/news07_e/news07_e.htm. Seu texto pode ser
encontrado em http://www.wto.org/english/tratop_e/agric_e/chair_
texts07_e.htm.
As citações de Stephenson da coletiva de imprensa de 17 de julho de
2007 também podem ser encontradas no site da OMC em http://www.
wto.org/english/news_e/news07_e/news07_e.htm
Informações sobre a evolução do texto sobre agricultura podem ser
encontradas no site da OMC em http://www.wto.org/english/tratop_e/
agric_e/negoti_e.htm e as informações acerca da evolução dos textos
sobre NAMA podem ser encontradas em http://www.wto.org/english/
tratop_e/markacc_e/markacc_chair_texts07_e.htm. Outras informações
sobre ambos os textos e a reação a eles podem ser encontradas nos
seguintes artigos no WTO Reporter, todos de autoria de Daniel Pruzin:
“WTO Chairmen Issue Draft Ag, NAMA Texts Outlining Tough
Concessions Needed in Doha” [Presidentes dos Grupos Negociadores
Circulam Projetos de Texto de Agricultura e NAMA Delineando as
Duras Concessões Necessárias em Doha], 18 de julho de 2007; “U.S.
Criticizes Draft NAMA Text, Refutes Developing Nations’ Arguments
notas
354-355
355-356
356
357-360
on Tariffs” [EUA Cri

Similar documents

miolo O SISTEMA DE SOLUÇÃO OMC CORRIGIDO.indd

miolo O SISTEMA DE SOLUÇÃO OMC CORRIGIDO.indd A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidad...

More information