Desventuras das nações mais favorecidas.indd
Transcription
Desventuras das nações mais favorecidas.indd
desventuras das nações mais favorecidas Egos em conflito, ambições desmedidas e as grandes confusões do Sistema Multilateral de Comércio ministério das relações exteriores fundação alexandre de gusmão A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo, Sala 1 70170-900 Brasília, DF Telefones: (61) 3411-6033/6034/6847 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br paul blustein Desventuras das Nações mais Favorecidas Egos em conflito, ambições desmedidas e as grandes confusões do Sistema Multilateral de Comércio tradução: teresa dias carneiro revisão de tradução: sérgio rodrigues dos santos andré Yuji pinheiro uema Brasília, 2011 Copyright © 2009 de Paul Blustein Título original: Misadventures of the Most Favored Nations Publicado originalmente nos Estados Unidos por Public Affairs, membro do Perseus Books Group, 2009. Direitos adquiridos para tradução e publicação no Brasil pela Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro sem prévia autorização por escrito, exceto no caso de breves citações incorporadas a artigos e resenhas. Para maiores informações, favor contatar PublicAffairs, 250 West 57th Street, Suite 1321, Nova York, NY 10107. Equipe Técnica: Henrique da Silveira Sardinha Pinto Filho André Yuji Pinheiro Uema Fernanda Antunes Siqueira Fernanda Leal Wanderley Juliana Corrêa de Freitas Luiza Castello Branco Pereira da Silva Pablo de Rezende Saturnino Braga Programação Visual e Diagramação: Juliana Orem Elaboração do Índice Remissivo : Fátima Ganim Impresso no Brasil 2011 B62d Blustein, Paul. Desventuras das nações mais favorecidas / Paul Blustein.– Brasília : FUNAG, 2010. 500 p. ISBN: 978.85.7631.298-7 1. Relações Internacionais. 2. Comércio internacional. 3. Organização Mundial do Comércio (OMC). I. Título. CDU: 327 Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei n° 10.994, de 14/12/2004. Para Yoshie Sumário Prefácio, 9 Nota e Agradecimentos do Autor, 23 Capítulo 1 Sr. Black, compareça à recepção, 31 Capítulo 2 A Organização Intergaláctica do Comércio, 51 Capítulo 3 O Mal-Estar da OMC, 81 Capítulo 4 Perdidos em Seattle, 103 Capítulo 5 Apenas notas 10, 137 Capítulo 6 Removendo a Mancha, 171 Capítulo 7 A Insurreição do Resto, 199 Capítulo 8 Joias e Piratas, 233 Capítulo 9 Sua Santidade, o Papa Bob, 253 Capítulo 10 Um Chicken McNugget, 287 Capítulo 11 Peter e Susan – feitos um para o outro, 317 Capítulo 12 Mesmo as exceções têm exceções, 349 Capítulo 13 Fracasso, 367 Capítulo 14 Se pelo menos houvesse um jeito melhor, 387 Notas, 411 Índice Remissivo, 475 Prefácio INTRODUÇÃO Diplomatas e negociadores comerciais tratam com reservas as recorrentes tentativas de elaboração de relatos sobre áreas de sua competência direta, sejam eles de natureza jornalística ou acadêmica. De uma maneira geral, a leitura desses relatos evidencia ao negociador pecados e insuficiências em vários aspectos. Tais pecados são mais óbvios nos casos de relatos pontuais e jornalísticos, mais preocupados com o frescor e o apelo da matéria do que com a precisão dos fatos, seus fundamentos e sequência lógica. Os textos finais tendem a pouco ou nada agregar às informações que já são de domínio público ou do próprio negociador; simplificar exageradamente a realidade; conter numerosas imprecisões e erros conceituais ou factuais; ignorar as complexidades de um processo negociador sempre sujeito a variados estímulos de natureza política, institucional, comercial, social e mesmo pessoal. Nas raras vezes em que o relato consegue ser tanto preciso quanto abrangente, incorre no pecado capital de tornar-se monótono e desinteressante. Logo, não foi sem alguma hesitação com que comecei a ler “As Desventuras das Nações Mais Favorecidas” de Paul Blustein. Tendo participado de virtualmente todas as reuniões ministeriais da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde sua criação, com exceção de Cancún, 9 embaixador roberto azevêdo ademais de ter atuado nos últimos anos como negociador brasileiro para a Rodada Doha, confesso que tinha sérias dúvidas se, ao menos de minha perspectiva, haveria alguma coisa nova ou interessante a ser relatada sobre aquelas negociações. Além disso, parecia-me difícil imaginar que o grande público viesse a se interessar sobre as entranhas de tema tão árido e complexo como as negociações comerciais multilaterais da OMC. Na verdade, tomei coragem para iniciar a leitura por conhecer Paul já há algum tempo, sobretudo no contexto das entrevistas que manteve para elaboração do livro. Foram exatamente as numerosas, criteriosas, meticulosas e insistentes indagações de sua parte que me aguçaram a curiosidade. Queria saber como fizera uso de tantas informações, a maior parte delas assentadas nas detalhadas anotações que mantive sobre boa parte das reuniões relatadas no livro. Sabia da qualidade dos textos de Paul, do amplo acesso que dispunha a muitos dos personagens da Rodada e de sua invejável rede de contatos. Sabia também que vários outros colegas negociadores haviam sido por ele contatados. Assim como eu, todos ficaram muito impressionados com o grau de interesse de Blustein pelos detalhes e minúcias dos acontecimentos, sempre com particular atenção à precisão e cronologia dos fatos, anotando as exatas palavras empregadas pelos atores centrais nas reuniões de especial interesse. Contrariando minha experiência pregressa com obras de natureza similar, tive imenso prazer com a leitura do livro. O texto é abrangente, conciso, preciso e informativo. Mas o toque especial está na forma como a leitura transcorre de maneira fluida e, sobretudo, cativante. É combinação imbatível, capaz de gratificar, em vários planos, os diversos tipos de leitores; do perito ao leigo em temas comerciais. A COMPLEXIDADE DAS NEGOCIAÇÕES Talvez um dos principais desafios de Blustein na obra em apreço tenha sido como capturar, de forma inteligível e interessante, a complexidade das negociações comerciais multilaterais. A teoria e a prática das relações internacionais ensinam que, mesmo em um modelo muito simplificado de negociações bilaterais, as tratativas comerciais constituem, no mínimo, “jogo em dois níveis”, ou seja, os negociadores são forçados a negociar tanto no plano doméstico como com seus parceiros estrangeiros. Em contraste com os postulados 10 prefácio econômicos ortodoxos, nas negociações comerciais, os possíveis ganhos da liberalização, por exemplo em termos de eficiência na alocação de recursos, são vistos como “concessões”. Isso porque essas negociações resultam em ondas de impacto que se distribuem de forma assimétrica – e com frequência antagônica – entre produtores e consumidores das duas partes negociadoras. Esse fenômeno faz com que se devote tanto ou mais esforço para sensibilizar os diferentes setores domésticos do que para convencer o outro país a fazer movimentos. Ao longo das conversações, os negociadores estão empenhados em montar suas respectivas “coalizões ganhadoras”: aquelas em que a soma dos “ganhos possíveis” despertam interesse em segmentos dos produtores e consumidores domésticos capazes de sobrepujar os segmentos mais sensibilizados pela soma das “perdas prováveis”. A forma com que são arquitetadas essas “coalizões ganhadoras” é que, em larga medida, determinará a existência ou não de áreas de interseção nos objetivos negociadores dos dois lados. Expectativas de ganhos e perdas são quase sempre criadas nesse processo inicial e tendem a “perseguir” o negociador ao longo das tratativas. No caso de uma Rodada multilateral de negociações em que participam agora 154 países membros da OMC, as complicações crescem em escala exponencial. Se no caso de um acordo bilateral imperam incertezas sobre a existência das condições necessárias e suficientes para a conclusão exitosa da negociação, em um quadro com número muito maior de atores as permutações são quase infinitas. Os governos instruem seus negociadores à luz de seus respectivos ciclos políticos e econômicos, em uma dinâmica de aproximações sucessivas ditadas, em sua maior parte, pelo acaso. Capturar essa interação de forças e variáveis de forma coerente e inteligível é obstáculo que Blustein bem supera em seu livro. O leitor perceberá a forma como expectativas são criadas nas etapas iniciais do jogo, bem como a maneira em que elas pautam o espaço de manobra das etapas avançadas das negociações. O livro evidencia o desafio da recalibragem e as consequências de quando esse esforço fracassa, bem como a necessidade da transição entre a fase de formar as “coalizões ganhadoras” e a etapa de “vender” internamente os resultados da negociação, sempre mais modestos que os inicialmente almejados. Parece ser uma matriz complexa e de difícil manejo, e é. Por isso, essas negociações são demoradas, difíceis e dependem do consenso 11 embaixador roberto azevêdo (ou pelo menos não objeção) dos 154 países, que respondem às forças contraditórias de seus próprios subsetores domésticos. Não sem razão, cada uma das rodadas de negociação do sistema GATT1- OMC durou mais do que a rodada anterior, conforme nos lembra Blustein. PERSONALIDADES Blustein captura a complexidade das negociações em vários planos. As detalhadas e minuciosas entrevistas que manteve com pessoas diretamente ligadas às negociações, presentes nos encontros decisivos, permitiram que o autor chegasse mesmo ao plano da dinâmica pessoal entre as autoridades mais relevantes do processo. Essa química entre os negociadores é, não raro, subestimada por observadores externos. A experiência e a literatura especializada em parâmetros de negociação evidenciam que parte relevante dessa complexa matriz de fatores que influenciam o rumo das negociações encontra-se na esfera das atuações dos vários negociadores, tanto de forma individual quanto coletiva. Abundam os exemplos de países que participam de determinados círculos decisórios, menos em razão de seu peso específico ou circunstância política, e mais em função da capacidade pessoal de seu representante em contribuir na busca de convergências. Essa faceta não está perdida no livro; pelo contrário, é um de seus pontos fortes. Blustein demonstra bem como as personalidades podem fazer a diferença quando se trata, por exemplo, de demonstrar liderança entre os demais negociadores, de transformar uma ideia-força em realidade, de ter trânsito e influência em seu governo e público interno, etc. Da mesma forma, Blustein sublinha situações em que traços, projetos e ambições pessoais menos favoráveis ao ambiente negociador também conduzem a erros de percepção, atritos desnecessários e equívocos cheios de consequência. Afinidades e conflitos entre egos são bem retratados. A esse respeito são particularmente ilustrativas as descrições de momentos críticos da Rodada, como as circunstâncias de seu lançamento pós 11 de setembro, o acirramento de atritos em períodos pré-eleitorais, a maior interação pessoal nos pequenos grupos decisórios com não mais Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade), assinado em 1947. 1 12 prefácio que cinco a sete delegações. Blustein ilustra, por exemplo, com profusão de detalhes, como a mudança dos titulares dos cargos foi por vezes suficiente para alterar, de forma bem acentuada, a dinâmica de relações bilaterais ou de todo um grupo. O fato de que algumas das apreciações do autor possam vir a suscitar opiniões divergentes entre pessoas que acompanharam as negociações não retira o mérito da abordagem, sempre cuidadosamente assentada em relatos dos que testemunharam de perto partes críticas do processo. DIPLOMACIA PÚBLICA Igualmente, sobressai no texto de Blustein a relevância da diplomacia pública e da capacidade de arregimentar apoios entre o público, os interesses estabelecidos e o novo ator de crescente importância nas negociações comerciais – as organizações não governamentais. A capacidade de imprimir um spin nas notícias emanadas da negociação, de modo a fazer predominar uma interpretação favorável às posições do negociador, ilustra bem como a negociação ocorre não apenas nas reuniões a portas fechadas, mas também na batalha pela conquista da opinião pública. Nesse sentido, artigos, entrevistas, todos os instrumentos de pressão e de propagação de percepções são arregimentados em uma batalha abrangente e sem quartel para fazer predominar uma determinada “narrativa” do processo de negociações em que se consolide uma noção de justeza, coerência e equidade das posições negociadoras. As experiências relatadas no livro oferecem ao leitor uma razoável ideia de como lidar com o que chamo de “dilema do negociador”. Esse dilema se apresenta com grande nitidez na diplomacia pública em contexto negociador. Ao passar uma mensagem aos órgãos de imprensa sobre aspectos da negociação, o negociador depara-se com alternativas contraditórias. Caso opte por traçar uma apreciação favorável das propostas sobre a mesa, a posterior “vendagem” interna de eventual acordo fica facilitada. Sua posição, no entanto, fica fragilizada diante dos demais negociadores. Afinal, como criticar, entre quatro paredes, ofertas que, de público, reconheceu valor? Em contraste, caso opte por criticar essas mesmas propostas, fica legitimada sua atitude firme na mesa de negociações. Por outro lado, será posteriormente desafiante 13 embaixador roberto azevêdo justificar acordo com base em parâmetros que, de público, reconheceu serem inadequados para o interesse nacional. Como em todo dilema, as alternativas são, por definição, insatisfatórias, como o leitor constatará. VALOR SISTÊMICO DA OMC Blustein alerta os leitores para os perigos da não conclusão da Rodada. Trata-se, na verdade, de situação até mesmo paradoxal. Tamanhos são os interesses e os esforços mobilizados para a rodada de negociações comerciais, ao longo de já uma década, que a hipótese de fracasso parece mesmo absurda. Não obstante, as probabilidades de um impasse insuperável entre os principais países negociadores são bem apreciáveis. A falta de desfecho positivo para a Rodada colocará em cheque a credibilidade de todo o sistema multilateral da OMC, fator de difícil mensuração, especialmente sob uma perspectiva estritamente monetária. No caso das negociações comerciais, mais do que os ganhos em termos de cortes tarifários, a geração e a preservação dos fluxos de comércio resultam também da própria evolução das disciplinas e atividades do sistema multilateral. Em outras palavras, mesmo que os eventuais ganhos com rebaixas tarifárias na Rodada sejam mais modestos que os propalados por várias entidades internacionais no início das conversações, ainda assim a manutenção e o fortalecimento das disciplinas do sistema representariam ganhos concretos e substanciais, embora raramente computados, quer por analistas e acadêmicos, quer pelas várias coalizões do setor privado que influenciam os respectivos governos na tomada de decisões. Esse ponto ficou ainda mais evidente com a crise econômico-financeira de 2008-2009 em que ecos da Grande Depressão dos anos 30 se fizeram sentir. Conforme reconheceram os relatórios do Secretariado da OMC na análise das medidas adotadas pelos países para combater os efeitos da crise, houve uma “derrapagem” com a imposição de medidas de protecionismo disfarçado nos programas de estímulo. Bem ilustram esse fenômeno o aumento das medidas de defesa comercial – direitos antidumping sobretudo – , as conhecidas cláusulas do tipo “Buy National” e a reintrodução de subsídios à exportação de produtos agrícolas. Com isso, voltaram à mente os contornos das políticas protecionistas da década 14 prefácio de 30, hoje reconhecidas como responsáveis pelo aprofundamento da Grande Depressão e das dificuldades em sua superação. Muitos atribuem às disciplinas da OMC a relativa moderação das medidas protecionistas pós crise de 2008. Afinal, medidas como as adotadas nos anos 30 seriam hoje patente violação dos acordos multilaterais assinados pelos Membros da OMC, acarretando aos infratores elevado ônus político e, em um segundo momento, mesmo financeiro. Após configurada a crise financeira, em fins de 2008, o Órgão de Revisão de Políticas Comerciais da OMC (Trade Policy Review Body) prontamente iniciou reuniões regulares para exercício de “transparência” com foco em medidas restritivas adotadas pelos Membros da Organização. Apesar de não ter efeitos jurídicos ou de impor obrigações aos Membros, esse exercício de “name and shame” parece ter ajudado a sensibilizar os respectivos públicos internos para as consequências políticas e jurídicas de atitudes protecionistas. Na pior das hipóteses, os Membros estavam conscientes de que nada estava fora do alcance do radar da OMC e, portanto, dos demais parceiros comerciais. As delegações se preparavam para aquelas reuniões com informações e esclarecimentos enviados de suas respectivas capitais, dinâmica que muito ajudou na contenção dos ânimos protecionistas no plano doméstico. A IMPORTÂNCIA DAS RODADAS PARA O SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO Como visto acima, além das rebaixas tarifárias – sejam elas unilaterais ou fruto de negociações pluri ou multilaterais – a evolução das disciplinas da OMC tem importância crítica para a abertura, ou mesmo preservação, de fluxos de comércio. Essas disciplinas evoluem em várias vertentes. À semelhança de Estados, a OMC desenvolve suas atividades com base em três pilares, de certa forma comparáveis aos tradicionais poderes executivo, legislativo e judiciário. Por se tratar de uma organização impulsionada por seus membros (Member-driven), o trabalho quotidiano leva à evolução das regras por meio da experiência extraída da implementação dos acordos nas várias áreas sob jurisdição da OMC. Essa atividade quotidiana poderia equivaler ao poder executivo. Aqui, as práticas dos membros são submetidas ao crivo dos vários órgãos especializados da OMC. A troca de informações e de experiências não 15 embaixador roberto azevêdo raro leva o sistema multilateral a “aceitar” ou “rejeitar” determinadas práticas comerciais ou interpretações dos acordos do GATT/OMC. É uma evolução “suave” das disciplinas, sem efeitos jurídicos inequívocos, ademais de muito lenta e incremental. O conjunto de regras também evolui a partir da jurisprudência emanada dos painéis de peritos e do Órgão de Apelação. São determinações que, a rigor, têm efeitos jurídicos estritamente aplicáveis às partes do litígio e apenas no que se refere àquele caso específico. Na prática, porém, o sistema de solução de controvérsias da OMC vem evoluindo na linha do “common law”, em que as conclusões do Órgão de Apelação e dos próprios painéis, ainda que em grau bem menor no caso destes, são invocadas para balizar litígios posteriores. Essas conclusões tendem a consolidar “interpretações” dos acordos multilaterais de forma a dar previsibilidade e a preencher aparentes lacunas dos textos legais da OMC. É uma evolução mais inequívoca das disciplinas. Ainda que também gradual, é capaz de propiciar avanços importantes, com consequências jurídicas, desde que contidos ou delimitados pelos textos legais negociados entre os Membros. Uma vez firmada uma interpretação de determinado dispositivo, alterações em sua abrangência ou efeitos jurídicos apenas seriam possíveis, na prática, com sua renegociação. Se os dois primeiros tipos de aperfeiçoamento de regras são de natureza gradual e incremental, os verdadeiros saltos qualitativos das disciplinas somente podem ocorrer pela via negociadora, na qual os Membros da Organização se põem de acordo a respeito de novas regras e de novos níveis de compromisso. Por esta via – a do “poder legislativo” – as disciplinas podem evoluir, tanto nas obrigações e direitos específicos de áreas preexistentes, quanto em áreas completamente novas. Na Rodada Uruguai, por exemplo, foram incorporadas aos textos legais do sistema multilateral de comércio disciplinas em setores antes não regulamentados como, por exemplo, comércio de serviços e propriedade intelectual. Outras áreas, como a de defesa comercial, tiveram suas disciplinas aprofundadas, chegando a resultar em acordos específicos como os de antidumping, de salvaguardas e de subsídios e direitos compensatórios. Nesse sentido, as rodadas de negociação correspondem ao ápice do processo de construção do direito 16 prefácio internacional comercial, em que esclarecem-se zonas sombrias de entendimento dos acordos, aprofundam-se regras, criam-se procedimentos e expandem-se jurisdições. Todos esses aspectos se reforçam mutuamente e habilitam o revigoramento do sistema multilateral. É comum a analogia de que esse sistema opera como uma bicicleta, em que o equilíbrio apenas é mantido pedalando-se sem cessar. Assim, é relevante o alerta de Paul Blustein para possíveis consequências negativas que adviriam da não conclusão da Rodada e por isso há tanta criatividade na busca de novos caminhos que permitam às “Nações Mais Favorecidas” encontrar atalhos para se colocarem de acordo com respeito ao aprofundamento do sistema multilateral de comércio. Parar de pedalar coloca em risco a credibilidade e a sustentabilidade do sistema. Não há saída fácil para esse dilema. Os obstáculos são muitos e de naturezas diversas. Em parte, em função dos êxitos anteriores, não há mais resultados “fáceis” (low-hanging fruits). Todos os temas pendentes envolvem áreas em que os interesses afetados suscitam sensibilidades firmemente ancoradas nos legislativos nacionais, como é o caso da agricultura nos mercados desenvolvidos e nos países em desenvolvimento importadores líquidos de alimentos, e não se pode esperar que seja possível superar com facilidade essa barreira. Além disso, parte significativa das dificuldades decorre justamente do êxito da OMC em seus primeiros quinze anos de vida. Os negociadores sabem que estão contratando obrigações e compromissos que, se descumpridos, podem resultar em sanções comerciais aprovadas pelo mecanismo de solução de controvérsias. Aprovação de regras dessa natureza, por consenso, entre mais de 150 países, é exercício prolongado que exige firme vontade política e relativa sincronia de ciclos políticos entre todos os principais negociadores. O BRASIL E A RODADA Mesmo que a perspectiva do autor seja naturalmente mais voltada para os Estados Unidos, chamará a atenção do leitor brasileiro a importante e central presença do País e de seus negociadores ao longo de toda a narrativa. Em particular, Paul Blustein captura de modo muito 17 embaixador roberto azevêdo apropriado a evolução ocorrida no centro dos processos mais exclusivos de tomada de decisão com a substituição do antigo QUAD (Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Japão) por uma configuração em que os principais países em desenvolvimento – o Brasil dentre eles – ocupam posição de destaque. Esse desdobramento guarda relação não apenas com a competência dos negociadores brasileiros, circunstância sempre enfatizada pelo autor, mas também pelo fato de que o Brasil posicionou-se como ator relevante em todos os principais temas em discussão. Em se tratando de uma Rodada do Desenvolvimento, poucos temas seriam tão centrais quanto agricultura, setor do qual retiram sua sobrevivência a grande maioria dos habitantes menos favorecidos do planeta. O êxito da agricultura nacional, cuja extraordinária capacidade produtiva levou o Brasil ao posto de terceiro maior exportador agrícola do mundo, foi fator essencial para conferir peso específico à voz do País, permitindo-lhe alçar-se à posição de ator-chave. Igualmente, merece destaque a política de alianças do País, em particular ao coordenar o G-20 2 agrícola, agrupamento que permitiu ampliar o impacto das percepções dos países em desenvolvimento sobre a reforma da agricultura dos países desenvolvidos. Grupo heterogêneo (composto tanto por potências exportadoras quanto por grandes importadores líquidos de alimentos) e representativo (integrado por países grandes e pequenos dos três continentes do Sul: Américas, África e Ásia), alterou por completo a dinâmica negociadora na área agrícola. Foi o propositor dos principais conceitos e estruturas de negociação hoje presentes no projeto de modalidades para agricultura. Da mesma forma, graças às suas políticas na área de distribuição de medicamentos contra HIV-Aids, o Brasil credenciou-se a participar em posição de destaque da redação da Declaração Ministerial sobre TRIPS e Saúde Pública. Igualmente, por força da recente expansão acelerada de sua economia e de seu importante mercado interno, cujo poder aquisitivo vem se elevando marcadamente desde o lançamento da Rodada, o Brasil passou a Não confundir com o G-20 do sistema financeiro, que ganhou maior visibilidade após a eclosão da crise financeira internacional em 2008. O G-20 agrícola foi criado, em 2003, na preparação para a reunião ministerial da OMC em Cancún. 2 18 prefácio ser um dos alvos centrais da ambição dos desenvolvidos em termos de acesso a mercados de produtos manufaturados e de serviços. Por fim, um capítulo inteiro é dedicado à questão do algodão, com destaque para o litígio que o Brasil iniciou contra os Estados Unidos e seus impactos sobre a Rodada. O papel desempenhado pelo algodão na dinâmica negociadora foi essencial em várias vertentes. Acirrou os ânimos e elevou as tensões entre os países africanos e os Estados Unidos durante a reunião ministerial de Cancún; contribuiu significativamente para o aperfeiçoamento das disciplinas multilaterais sobre agricultura; e, finalmente, evidenciou as dificuldades norte-americanas em dar cumprimento aos resultados do contencioso e em se colocar de acordo com os termos da Declaração Ministerial de Hong Kong, que determinava, para o algodão, cortes de subsídios e de tarifas mais acelerados e profundos que os previstos nas regras gerais que viessem a ser negociadas para os demais produtos agrícolas. Adicionalmente, o relato trata de modo acurado as dificuldades de implementação de resultados de contenciosos na OMC, fato ilustrado, no caso do algodão, pelo recente acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, em que o último compromete-se, inter alia, a pagar compensações financeiras enquanto não colocar suas práticas em conformidade com as regras da OMC. A SITUAÇÃO ATUAL Um dos grandes desafios da chamada Agenda de Doha para o Desenvolvimento seria como trazer a dimensão do desenvolvimento para o centro das negociações como forma de sanar o reconhecido “development deficit” emanado das Rodadas anteriores. Ainda que esse diagnóstico seja evidente, o mesmo não se pode dizer dos remédios possíveis. O fato é que o mundo em desenvolvimento é bastante fragmentado, não apenas em termos de patamar de desenvolvimento, mas também em função dos modelos políticos e econômicos implementados pelos vários países. Não se pode falar, portanto, de uma concepção unívoca de desenvolvimento, fazendo com que cada um dos atores o entenda de modo diferenciado, mais adaptado às suas circunstâncias e especificidades. 19 embaixador roberto azevêdo Com afortunada escolha, o autor, em seu subtítulo, sugere que uma das causas do fracasso em se fechar a Rodada teriam sido “ambições desmedidas” por parte, sobretudo, dos atores centrais. No contexto da obra, também fica claro o fato de que muitos superestimaram os benefícios da Rodada para o desenvolvimento. No entanto, de modo geral, ao longo do processo negociador, os países em desenvolvimento souberam adaptar-se ao rebaixamento da ambição e passaram a encarar, com realismo, o fato de que a Rodada não seria uma “bala de prata” que permitiria superar todos os obstáculos e desafios comerciais no rumo do desenvolvimento. Com isso, foram obrigados a hierarquizar prioridades e a definir os resultados negociadores de seu maior interesse, temperando-os de acordo com as possibilidades de seus parceiros. Tratava-se, na verdade, de aceitar o que é inevitável em qualquer processo negociador, ou seja, ao cabo de um processo de barganhas multilaterais, ganha-se menos e concede-se mais do que o inicialmente cogitado. O importante é obter resultado que signifique, em seu conjunto, balanço positivo e equilibrado, e que ofereça, para todas as partes, atrativos capazes de mobilizar apoio doméstico ao pacote final. Em resumo, o resultado perfeito para alguns é também o resultado impossível para outros. Estranhamente, conforme perpassa todo o livro, esse processo de buscar um arranjo pragmático entre ambição e limitações concretas não transcorreu a contento em parceiros comerciais vitais para o processo negociador. Seja por questões econômicas conjunturais ou estruturais de ordem interna, seja por carência de vontade política ou ausência de lideranças, permanece o fato de que, no afã de ganhar o voto de confiança dos interlocutores domésticos, foram mantidas infladas as expectativas de ganhos comerciais, com promessas de resultados claramente inatingíveis no mundo real das negociações. Assim, Blustein descortina, com especial clareza, esse processo que se consolidou no período por que se estendeu a Ministerial de julho de 2008, quando a convergência de percepções dos interesses domésticos agrícolas e industriais, nos EUA em particular, inibe a busca de soluções que busquem o consenso. São conclusões e percepções que permanecem válidas para o momento atual das negociações. 20 prefácio Blustein, ao longo de sua obra, desvenda facetas nem sempre óbvias do processo negociador em frentes múltiplas e com atenção a detalhes nos vários planos superpostos. O livro nos brinda leitura fluida e prazerosa, em que compartilhamos das mazelas e dilemas defrontados pelos negociadores. Enquanto isso, em Genebra, as nações mais favorecidas seguem com suas desventuras. Roberto Azevêdo Embaixador Representante Permanente do Brasil junto à OMC e demais Organismos Econômicos Sediados em Genebra Abril de 2011 21 Nota e Agradecimentos do Autor Após escrever dois livros sobre o Fundo Monetário Internacional e, agora, este sobre a Organização Mundial do Comércio, suponho que posso reivindicar ser o primeiro autor do mundo a fazer relatos dos bastidores de instituições econômicas internacionais meio obscuras com siglas de três iniciais. Essa especialidade, admito, foi um gosto adquirido. Mas, no processo de cobrir a pauta de comércio como parte de meu trabalho no jornal Washington Post, fui-me convencendo aos poucos de que a OMC, assim como o FMI, é uma instituição tremendamente importante, que merece uma dissecação jornalística meticulosa, e de que, por trás dos altos e baixos da Rodada Doha, residem muitos dramas de importância individual e coletiva. Além disso, percebi que a OMC oferece um prisma ideal que ilustra muitas das vantagens e desvantagens da globalização, já que esse órgão de comércio é supostamente o elemento mais essencial na cola que mantém a economia globalizada junta. Então, quando o Post ofereceu um generoso incentivo financeiro à aposentadoria para funcionários antigos em 2006, aceitei e comecei a trabalhar neste livro como jornalista residente no Programa de Economia e Desenvolvimento Global, na Brookings Institution, a convite benevolente de Lael Brainard, a diretora do programa. Excetuando-se a Antártida, que ainda está para surgir como grande potência na OMC, viajei a todos os continentes do mundo no processo 23 paul blustein de reunir material para o livro. Ao longo do caminho, beneficiei-me enormemente da gentileza de amigos, desconhecidos e fontes, que ajudaram a tornar minhas viagens ao mesmo tempo produtivas e memoráveis. Só para dar alguns exemplos: em meus esforços para me pôr na pele dos agricultores franceses, hospedei-me na casa do meu velho amigo Blair Pethel, que abandonou o jornalismo para começar uma nova e surpreendente vida como produtor de vinho na Borgonha. Não só Blair me recebeu em sua maravilhosa casa do século XVII, na cidadezinha de Beaune, como também me arrumou entrevistas com seus vizinhos agricultores, atuando como intérprete. Para entender melhor a história de Kamal Nath, o ministro do Comércio indiano, peguei uma carona no jato particular de Nath numa visita de fim de semana ao distrito pobre que ele representa no Parlamento, quando, então, viajamos pelos vilarejos vizinhos em seu helicóptero e onde – talvez na experiência mais inesquecível contada na minha pesquisa – quase fiquei espremido, várias vezes, entre multidões de seus frenéticos correligionários. Em Livingstone, na Zâmbia, onde me aventurei em busca de um exemplo de como os negócios em países em desenvolvimento são com frequência frustrados por problemas logísticos em mercados globais, Ron Parbhoo sacrificou sua costumeira partida de golfe dos domingos para me encontrar para uma entrevista às margens do Rio Zambezi, com nuvens de névoa vindas das Cataratas Vitória que ressurgem ali por perto. E Anastasia Carayanides e Chelsey Martin, da Embaixada da Austrália em Washington, conseguiram que eu fosse incluído no Programa de Visitantes da Mídia Internacional da Austrália, uma turnê pelo país feita por grupos de jornalistas, o que possibilitou encontrar-me com políticos australianos que eu precisava entrevistar, bem como com funcionários públicos da área de comércio Ásia-Pacífico numa reunião em Cairns. Por via de regra, não aceito essas viagens financiadas por governos, mas me senti à vontade para fazer uma exceção para os australianos. Apesar de muito envolvidos em negociações-chave da OMC, as autoridades governamentais australianas não pareciam ser alvos importantes nem de elogios nem de ataques neste livro. Quando embarquei no projeto, já tinha algum material em meus arquivos de cobertura de algumas reuniões da OMC e de histórias que tinha escrito sobre controvérsias relacionadas com comércio. Porém, 24 notas e agradecimentos do autor para reunir as informações que constituem a essência do livro era preciso fazer entrevistas com mais de 150 pessoas, inclusive ex-funcionários e funcionários atuais do Secretariado da OMC, ex-negociadores e negociadores atuais da área de comércio de vários países-membros da OMC, lobistas, congressistas e representantes de organizações não governamentais. Também entrevistei dezenas de agricultores, trabalhadores e homens de negócios de vários países para ajudar a ilustrar conceitos abstratos e questões complexas sobre comércio com exemplos tirados da vida real. Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que se dispuseram a ajudar a tornar meu livro o mais exato e abrangente possível, principalmente o número substancial de pessoas que passou por várias entrevistas e respondeu às minhas dúvidas. A esse respeito, devo um agradecimento especial a Keith Rockwell, o porta-voz da OMC, por facilitar o meu acesso a muitos de seus colegas em Genebra e por encorajá-los a se abrirem comigo. Ao final deste projeto, Keith tinha se tornado um grande amigo. Com umas poucas exceções, regras de obtenção de informações extraoficiais se aplicaram às entrevistas realizadas com políticos, negociadores e outras fontes versadas nos acontecimentos-chave, o que significava que eu poderia usar as informações, mas não poderia citar os entrevistados ou identificá-los como fontes, a menos que obtivesse permissão para isso. Muitas fontes ficaram relutantes, o que é compreensível, quanto a serem citadas em assuntos delicados, em parte porque alguns dos políticos mais eminentes envolvidos continuam a ocupar cargos importantes. Na medida do possível, citei o nome do entrevistado, mas os leitores mais acostumados com as regras de sigilo entenderão que, em determinados casos, isso se mostrou impraticável e espero que aceitem minha garantia de que material apresentado sem citar fontes foi cuidadosamente pesquisado e comprovado. Obviamente tive de continuar atento para não aceitar relatos de eventos que servissem a interesses próprios e busquei fazer uma verificação cruzada das informações com o máximo de fontes possível. Uma lista de entrevistados aparece na seção de “Notas” no final do livro, inclusive os citados abertamente mais os entrevistados que solicitaram sigilo, mas que depois deram permissão para serem citados como fontes para o livro. 25 paul blustein Vários entrevistados cederam anotações tomadas em reuniões importantes de que tinham participado, às vezes deixando-me dar uma espiada nas anotações sozinho, às vezes lendo com cuidado seus garranchos, por saber que só eles seriam capazes de decifrá-los. Sou imensamente grato a essas pessoas, que, por motivos óbvios, não serão nomeadas, por me possibilitarem escrever uma narrativa mais substancial. Elas reconheceram que, dado o intervalo tolerável entre a publicação do livro e os eventos em questão, pouco prejuízo acarretaria a divulgação de suas informações e que a defesa da exatidão histórica seria garantida pela possibilidade de me basear nos registros contemporâneos em vez de nas memórias nebulosas e, por vezes, seletivas, das partes interessadas. Em sua maioria, quando as pessoas são citadas por terem feito declarações em reuniões a portas fechadas, suas palavras saíram diretamente de anotações tomadas por participantes, a menos que especificadas de outra forma na narrativa ou na seção de “Notas”. Em algumas ocasiões, simplesmente citei pessoas como tendo feito declarações baseadas em informações recolhidas de entrevistas, porque as lembranças dos que estavam presentes são tão vívidas e as informações foram corroboradas por outras fontes. Mas, em geral, quando não dispunha de anotações, transcrições, apontamentos ou outras fontes de informação contemporâneas, parafraseei o que as pessoas disseram em vez de pôr suas observações entre aspas. Por ser um cidadão norte-americano residente em Washington, queria me certificar de que tinha captado um quadro justo e equilibrado dos acontecimentos que estava narrando a partir de fontes outras que não negociadores de comércio norte-americanos bem próximos. Esta foi a razão principal para minhas muitas viagens que, além da França, Índia, Zâmbia e Austrália, incluíram Brasil, África do Sul, Pequim, Tóquio, Bruxelas, Amsterdã e Londres – e, é claro, várias visitas a Genebra. Apesar de limitações de espaço não me permitirem entrar em detalhes, também gostaria de agradecer às pessoas a seguir pela ajuda habilidosa e demonstrações variadas de calor humano em relação à parte internacional de minhas pesquisas: Sukhmani Singh, Inderjit Singh Jaijee, Karuna Javaji, Mitra Kalita, Ch. Sathyam, Ameet Nivsarkar, Sudhanva Sundaraman, Col. S. V. Ramachandran, Ed Luce, Bart Fisher, Cora Wong, Brian Wu, Joe Nkole, Tim Carrington, Bob Liebenthal, John Fynn, Paulo Sotero, Cristiano Romero, Gabriela Antunes, Alessandro Pietro, Pedro 26 notas e agradecimentos do autor de Camargo Neto, Andréa Ferrari, Elza Sapucaia, George Firmeza, Ron Sandrey, Nick Vink, Mohammad Karaan, Jayne Ferguson, Jane Smith, Neil Smail e Darrell Morris. Minha decisão de ingressar no Programa de Economia e Desenvolvimento Global da Brookings foi um golpe de sorte. Lael Brainard tomou providências generosas quanto às minhas acomodações na Brookings e também ofereceu sábios conselhos sobre minha abordagem no livro. Sua equipe, incluindo Raji Jagadeesan, Anne Smith, Ann DeFabio Doyle, Sun Kordel, Amy Wong e Yamillett Fuentes forneceram um apoio tremendamente útil em suas variadas áreas de conhecimento. Foi um prazer trabalhar com meus colegas no “Global”. A Brookings é sempre um ambiente incrivelmente estimulante e acolhedor. Meus amigos jornalistas com frequência me perguntam como consigo, financeiramente falando, escrever livros sobre esse tipo de assunto, já que as perspectivas de chegar à lista dos mais vendidos ou fechar um contrato de adaptação para o cinema são, falemos com franqueza, ínfimas. A resposta é que eu não conseguiria me virar sem a ajuda benevolente de fundações que têm por objetivo informar ao público sobre debates quanto a questões de importâncias relevância mundial. A Fundação Smith Richardson, que financiou meus dois livros anteriores, alocou um grande apoio financeiro a este também, assim como a Fundação William e Flora Hewlett. Gostaria de expressar minha profunda gratidão a essas duas fundações, principalmente a Allan Song, da Smith Richardson e a Ann Tutwiler, que orientou o meu projeto na Hewlett antes de sair para trabalhar para o governo Obama. Al, de outra feita, forneceu conselhos incisivos, quando eu estava redigindo a minha proposta, que ajudaram muito a focar minha abordagem ao assunto todo. Ann, que é especialista em comércio, agricultura e desenvolvimento, deu uma orientação muito útil durante todo o projeto sobre questões de maior ou menor escopo. Nos meses finais, fui obrigado a solicitar recursos adicionais porque as negociações da Rodada Doha estavam se arrastando muito mais do que eu imaginara de início e, nesse momento, a Hewlett concedeu-me uma verba suplementar, juntamente com o German Marshall Fund (GMF) dos Estados Unidos, possibilitando que eu terminasse o livro de forma apropriada. A Joe Guinan, Nicola Lightner e seus colegas no GMF, meus profundos agradecimentos, não apenas pela verba, mas também pelos muitos insights que me ajudaram a dar conta de todo o material. 27 paul blustein I. M. “Mac” Destler, cuja obra American Trade Politics estabelece um referencial alto para quem quer que tente escrever sobre a história do comércio, leu vários dos meus capítulos iniciais e me ajudou a evitar cometer gafes embaraçosas em letras impressas. Isto posto, só me resta acrescentar que sou inteiramente responsável por quaisquer erros e omissões que restarem. Vários outros acadêmicos e advogados especializados em comércio a quem consultei estão incluídos na lista de entrevistados. Seria omisso se deixasse de mencionar as muitas pessoas que me auxiliaram de outras formas em vários momentos, inclusive Eric Schnapper, Jason Sykes, Daniel Pruzin, Philippe Ries, Jerry Hagstrom, Ann Hornaday e Laine Kaplowitz. Será que existe no mundo um editor que tenha um jeito mais gentil do que Clive Priddle de induzir o autor a fazer melhorias em um texto já muito burilado? Imagino que não. Clive, que editou um de meus livros anteriores, foi a razão principal para mais uma vez querer que a PublicAffairs fosse minha editora. Fico feliz de ter tomado essa decisão, pois preciso de um editor que tenha opiniões fortes, mas seja ao mesmo tempo afável, e Clive faz isso como ninguém. Kathy Delfosse fez um excelente trabalho de revisão, propondo mudanças com expressões elegantes que eu não teria sido capaz de produzir sozinho em muitas passagens difíceis. E Tom Wells elaborou um índice remissivo meticuloso. Foi uma honra ter minha obra incluída nos “bons livros sobre coisas que importam” que a PublicAffairs publica, e por essa publicação saúdo todos os meus amigos na PublicAffairs, dentre os quais se incluem a editora Susan Weinberg, o fundador e editor-chefe Peter Osnos, a editora executiva Melissa Raymond, a publicitária Tessa Shanks e o editor-adjunto Niki Papadopoulos. Por fim, meus familiares: agradeço a minha filha, Nina, por ir fazer intercâmbio de um ano em Bolonha, e a meu filho, Nathan, por ter feito o mesmo em Viena, porque isso me deu um incentivo a mais para viajar para Genebra para fazer a pesquisa, feliz por saber que poderia combinar minhas viagens de trabalho com visitas a meus filhos de quem sentia tantas saudades. Também agradeço a meus filhos Dan e Jack, agora com oito e nove anos, respectivamente, por tomarem conta da mãe deles durante minhas viagens. Isso, é claro, me leva a falar da minha mulher, Yoshie: quando uma pessoa se dedica com tanto afinco e por tanto tempo como me dediquei a este livro, sem contar as ausências prolongadas que 28 notas e agradecimentos do autor isso acarreta, acaba-se contraindo uma dívida substancial para com seu companheiro de vida. Dedicar este livro a Yoshie é um pequeno gesto de reconhecimento por isso e apreciação por outras tantas coisas. Como ela bem sabe, seu apoio e seus sacrifícios são apenas uma parte dos motivos por que tanto a estimo. 29 Capítulo 1 Sr. Black, compareça à recepção A possibilidade de morrer nas mãos de terroristas pesava sobre as três dúzias de passageiros do governo americano que estavam viajando de avião em direção à Doha, no Catar, no dia 7 de novembro de 2001, para um encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Menos de dois meses haviam se passado desde os ataques do 11 de setembro em Nova York e Washington, e os nervos estavam à flor da pele por causa dos esporos de antrax enviados pelo correio, responsáveis pela morte de carteiros, algumas semanas antes. A maioria dos passageiros eram funcionários do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (Office of the U.S. Trade Representative), que não estavam acostumados a viajar em meio a tanto luxo: o avião que os levava ao Catar era um jato oficial, em geral reservado para VIPs, como o secretário de Estado ou o secretário de Defesa, com assentos aveludados e uma área privada especial para a autoridade ministerial, que, nesse caso, era Robert Zoellick, o representante de Comércio. No entanto, essas eram circunstâncias extraordinárias. Zoellick e sua equipe estavam voando para uma zona de guerra, que o Oriente Médio de repente se tornara, já que o combate no Afeganistão começara havia pouco. Muitos de seus colegas, aos quais fora oferecida a oportunidade de ficar nos EUA, se assim o desejassem, tinham optado por não comparecer à reunião da OMC. A OMC ganhara destaque dois 31 paul blustein anos antes, quando sua reunião geral, em Seattle, Washington, foi perturbada por ferrenhos protestos antiglobalização. Havia temores de que a reunião em Doha proporcionaria um alvo irresistível para fanáticos muçulmanos. Orientações confidenciais recebidas pelos negociadores comerciais norte-americanos em Washington, D.C., sobre as ameaças em potencial no Catar, fizeram com que alguns ficassem tão assustados a ponto de sair das reuniões de instruções em lágrimas. Os especialistas em segurança que conduziam tais reuniões informaram aos participantes que, embora todas as precauções possíveis estivessem previstas para proteger a reunião, as informações recebidas pelas fontes de inteligência indicavam que um habilidoso terrorista da Al Qaeda estaria à solta no Catar. Os oficiais de segurança também advertiam estarem preocupados com mísseis autopropulsores sendo usados para abater aviões transportando negociadores de comércio para o Emirado do Golfo Pérsico. Muitos dos negociadores comerciais norte-americanos que haviam decidido ir a Doha adotaram uma atitude fatalista. “Lembro-me de pensar, nos dias anteriores à viagem, que talvez tivesse chegado a minha hora. Talvez eu morra”, disse Joseph Papovich, representante adjunto de Comércio. Olhando para fora da janela do avião, ao se aproximarem do Catar, os funcionários ficaram amedrontados ao ver aviões militares dos Estados Unidos voando ao lado. Isso não foi nada, comparado ao susto que tiveram na aterrissagem. Quase meia hora antes de pousar, um terrorista, armado com uma AK-47 e colete à prova de balas, atacou a base militar catariana, onde estavam chegando, e que era usada por aviões de guerra americanos. Apesar de o terrorista ter sido morto, e depois as autoridades catarianas o terem considerado um homem mentalmente instável que agia sozinho, as forças de segurança em terra estavam em dúvida, naquele momento, se ele havia agido em conjunto com outros ou se ataques adicionais eram iminentes. Por tudo isso, os passageiros do avião foram levados aos ônibus rapidamente. Ali, foram informados do incidente por ruidosos oficiais de segurança, que mais pareciam sargentos, instruindo-os sobre o que aconteceria se os ônibus fossem atacados a caminho do hotel: outro ônibus se aproximaria pela lateral e os passageiros deveriam engatinhar pelo chão até a porta, deixando todas as pastas para trás, e entrar no segundo ônibus o mais rápido possível. 32 sr. black, compareça à recepção “Se eu disser ‘no chão’, vocês se abaixarão!”, berrou um segurança a espantados negociadores comerciais em um dos ônibus. “Todo mundo captou?” “Sim”, um dos passageiros murmurou, “principalmente o meu esfíncter”. Durante o longo percurso ao hotel, localizado na capital, Doha, recorda-se Jeffrey Bader, um dos negociadores, “havia um silêncio mortal durante todo o trajeto. Apenas um silêncio mortal”. Além do grupo do governo norte-americano, muitos dos outros participantes da reunião da OMC – 2.600 delegados oficiais, 800 jornalistas e 400 representantes de empresas e organizações não governamentais (ONGs) – também estavam se preparando para o perigo em Doha. O Japão estava enviando uma equipe médica para seus negociadores de comércio e Taiwan estava providenciando máscaras de gás e antibióticos para combater o antrax para a sua delegação de 33 membros. Quanto aos burocratas da sede da OMC, em Genebra, vários se recusaram a ir. Entre os que foram, alguns insistiram em obter – ao que a OMC atendeu – uma cobertura de seguro de vida especial, para que pelo menos suas famílias ficassem garantidas em caso de morte. De fato, muito se pensou, nas semanas anteriores à reunião, em transferi-la para Cingapura ou qualquer outro local aparentemente mais seguro. A ideia foi afastada pelo vice-presidente Richard Cheney, depois de receber um telefonema do emir do Catar, um aliado importante dos Estados Unidos, categórico, ao insistir em sediar a reunião conforme planejado. Só chegar a Doha já tinha sido uma aventura. Agora os delegados, representando os 142 países-membros da OMC, enfrentavam uma tarefa imensa e difícil enquanto se acomodavam para a reunião, programada para durar cinco dias. A missão deles era decidir se, e em que termos, iriam lançar uma “rodada”, ou seja, uma série de negociações, que ocorreriam por vários anos, visando chegar a um acordo para diminuir as barreiras comerciais e reformar as regras do sistema de comércio internacional. O sistema havia passado por oito destas rodadas durante a era pós-Segunda Guerra Mundial; a mais recente, a Rodada Uruguai, durou de 1986 a 1994, e a anterior a esta, a Rodada Tóquio, durou de 1973 a 1979. Houve uma grande concordância em Doha de que a prioridade de quaisquer novas negociações tinha de ser conceder mais dos benefícios da globalização aos países em desenvolvimento, em especial aos 2,8 bilhões de pessoas no mundo em desenvolvimento que ainda estavam 33 paul blustein lutando para sobreviver com menos de dois dólares por dia. A questão principal antes da reunião – e isto era controverso – era quais assuntos e objetivos específicos deveriam ser tratados nas discussões. Durante as semanas e os meses anteriores à reunião, foram abundantes as exortações sobre a importância de se chegar a um acordo para lançar uma rodada. Em parte, isto refletiu a necessidade de demonstrar solidariedade internacional após o 11 de setembro. Uma rodada de negociações comerciais, observou o jornal Financial Times, “é considerada cada vez mais essencial, tanto por razões simbólicas e psicológicas quanto por razões econômicas”, pois isso “emitiria um sinal político poderoso da determinação dos países para uma causa comum em face à adversidade”. Outros diziam que um acordo em Doha poderia ajudar a evitar uma recessão global. Ninguém menos do que o presidente do Conselho do FED, o Banco Central norte-americano, Alan Greenspan, disse a uma comissão do Senado que uma rodada bem-sucedida poderia “aumentar, de maneira significativa, o crescimento econômico mundial”. Porém, a ênfase principal estava na necessidade de trabalhar em um pacto significativo para que os países menos avançados do sistema internacional tivessem maiores oportunidades de auferir benefícios. Mike Moore, diretor-geral da OMC, enfatizou a importância do desafio em um discurso feito no dia 9 de outubro: “O comércio é um mecanismo-chave para o crescimento, mas, atualmente, os produtos dos países em desenvolvimento enfrentam muitos obstáculos nos mercados dos países ricos”, disse Moore. “Ao abrir estes mercados, podemos ajudar a retirar milhões de pessoas da pobreza. E a maneira mais eficiente de alcançar essas aberturas de mercado é por meio do lançamento de uma nova rodada”. Sentimentos semelhantes foram expressos pela Oxfam – organização não governamental de combate à pobreza – que, apesar de ter uma visão diferente de Moore sobre como uma rodada deveria prosseguir, disse, em um documento de briefing: “A melhoria no acesso aos mercados do Norte ajudariam a criar oportunidades de emprego em países em desenvolvimento e a se chegar a uma distribuição mais justa da riqueza mundial. O comércio é muito mais importante do que ajuda, sob esse aspecto”. Distribuir os benefícios da globalização aos menos afortunados do mundo, argumentavam muitos líderes mundiais, já não é mais apenas um imperativo moral. Os ataques do 11 de setembro acrescentaram uma 34 sr. black, compareça à recepção dimensão crucial de segurança internacional, tornando ainda mais urgente o êxito em Doha. “O terrorismo e o ódio se enraízam mais fundo em solo pobre”, escreveu Pierre Pettigrew, ministro do Comércio do Canadá, num texto em defesa de uma nova rodada. “O desenvolvimento econômico e social nas nações mais pobres do mundo ajudará a erodir a desesperança que pode alimentar o ódio”. Zoellick proferiu discursos e escreveu textos em defesa com argumentos parecidos. Muitas vezes citadas, tanto por representantes oficiais como por comentaristas, foram as projeções feitas pelo Banco Mundial do grau em que os pobres deveriam se beneficiar. “O Banco Mundial estima que, na próxima década e meia, uma maior liberalização do comércio poderia retirar 320 milhões de pessoas da pobreza”, afirmou em seu editorial o jornal Chicago Tribune. “Trata-se de um objetivo valioso para o Catar – e uma arma potente na guerra contra o terrorismo”. Contudo, lançar uma rodada não seria fácil. Dois anos antes, os membros da OMC fracassaram, de maneira espetacular, em fazê-lo na reunião ministerial, em Seattle. A reunião chegou ao fim, sem acordos, em meio a discórdias sobre muitas das mesmas questões que dividiram nações em Doha, em especial regras sobre comércio de produtos agrícolas e propostas para expandir a jurisdição da OMC sobre novas áreas, como compras governamentais. Além disso, a OMC funciona por consenso. Em teoria, ao menos, qualquer país-membro possui o direito de impedir que um texto seja aprovado, que uma pauta de negociações seja estabelecida ou que um pacto entre em vigor. Isso significa que, em qualquer acordo a que a organização chegue, cada país precisa ganhar mais em concessões dos outros do que desistir de concessões feitas. Assim sendo, o processo é, muitas vezes, comparado, de forma apropriada, a um enorme jogo de xadrez multidimensional. Os assuntos de segurança constituíram uma distração permanente ao dar-se início à reunião em meio a um ferrenho debate. Policiais catarianos carregando armas e militares vestindo roupas camufladas roxas protegiam quilômetros de ruas em torno do Sheraton Resort and Convention Hotel, onde a reunião estava ocorrendo e, a cada posto de entrada, as credenciais eram verificadas e as bolsas passavam por uma revista detalhada. Nos hotéis, oficiais de segurança, que portavam o tradicional turbante kaffiyeh e thobes (vestes brancas tradicionais), manejavam detectores de metal e patrulhavam os corredores o tempo todo. Trabalhando na proteção 35 paul blustein especial à delegação norte-americana estavam cerca de quinze agentes do Serviço de Investigação Criminal Naval (NCIS, que mais tarde ficou famoso num seriado de TV sobre suas façanhas) e um pelotão de fuzileiros navais das Equipes de Segurança Antiterrorismo da Frota (FAST, comandos treinados para uma ação rápida em casos de crises de segurança em instalações do governo norte-americano no exterior). Eles se vestiam à paisana – alguns de terno, outros de camisa polo e calça – para evitar uma presença muito ostensiva, e se recusavam a dizer a qual agência do governo norte-americano pertenciam (Só consegui descobrir muito tempo depois). Ainda assim, por sua juventude, por seu comportamento e pelo corte de cabelo, era óbvio que se tratava de fuzileiros navais. Ninguém se preocupava em tocar no assunto, especialmente em razão da maneira brusca como vasculhavam todos os objetos utilizados pelos repórteres, até mesmo blocos de papel e embalagens de chiclete, antes de dar permissão para entrar nas conferências de imprensa conduzidas por autoridades governamentais norte-americanas. Aos cidadãos americanos que participavam da reunião, incluindo jornalistas como eu, foi dada uma senha – “Sr. Black, compareça à recepção” – que, se anunciada pelo sistema de som do hotel, significaria que algum tipo de ameaça terrorista estava se materializando. Deveríamos nos reunir na piscina do hotel para uma evacuação por helicóptero até os navios da Marinha norte-americana que patrulhavam a certa distância da costa. Em um episódio de tirar o fôlego, o sistema de alto-falantes do Ritz-Carlton, onde a delegação norte-americana estava hospedada, anunciou as palavras “Temos um comunicado...” e depois nada mais foi dito. A muitos americanos também foram entregues celulares especiais para uso em casos de emergência. As vans que transportavam Zoellick e outros representantes oficiais norte-americanos entre o Ritz e o Sheraton – um trajeto de cerca de dez minutos – também eram acompanhadas por outro veículo lotado de guarda-costas, que se movia para frente e para trás na rua, em zigue-zague, ao redor do veículo que estava protegendo. O humor negro ajudou a diminuir o estresse. Após um tumulto nos corredores do centro de convenções, Zoellick disse a um assistente: “Apenas lembre-se do que Dennis Ross (veterano negociador no Oriente Médio) me disse: se escutar ‘Allah-u-akhbar’, jogue-se no chão”. 36 sr. black, compareça à recepção A tensão subiu muito quando os delegados viram as notícias, no dia 12 de novembro, de que um avião da American Airlines havia caído de bico num bairro de Nova York, logo após decolar do Aeroporto Internacional Kennedy. Caminhando pelo corredor, com um segurança de tamanho considerável que o seguia para todos os lados, Zoellick ficou sitiado por repórteres que perguntavam se a queda teria alguma relação com terroristas (tudo não passou de um acidente). Uma jornalista chinesa particularmente agressiva tentou burlar a segurança. Ao ver que o caminho estava bloqueado por um guarda catariano, ela o chutou na canela – fazendo que o revólver dele caísse de seu thobe e deslizasse pelo chão. Pensando que a arma pertencia à mulher e que ela talvez estivesse atacando Zoellick, os seguranças a agarraram e empurraram para um elevador próximo, enquanto os outros se lançavam sobre o revólver. “O trabalho de vocês é horrível”, disse Zoellick com ironia para um dos guardas, o agente especial do NCIS, Ed Winslow, depois de ter recuperado a pose. “Não senhor”, respondeu Winslow, “o seu é que é”. Em algum momento no início da conferência, Zoellick foi informado por um assessor de segurança de que dados do serviço de inteligência indicavam que o homem responsável pelos bombardeios ao U.S.S. Cole, em 2000, estava vindo para Doha de avião. Zoellick ordenou ao seu assessor que garantisse a prisão desse indivíduo no aeroporto e, nos dois dias seguintes, perguntou-lhe várias vezes o que havia acontecido com o terrorista. “Por fim, ele me contou que o haviam rastreado até Beirute, mas não acreditavam que tivesse vindo”, lembra-se Zoellick. “E o final da história foi que eles entraram no apartamento dele, mas acabou-se verificando, no fim das contas, que era o cara errado”. A batalha sobre os termos da declaração da OMC era tão intensa que, em 13 de novembro, o quinto e, supostamente, último dia, o prazo final oficial de meia-noite chegou e se foi sem uma decisão a respeito de lançar uma rodada ou não, pois Zoellick e seus congêneres de outros 22 países passaram toda a noite em negociações presididas pelo diretor-geral Moore. Mesmo depois de amanhecer, mais discussões em que havia muitas questões importantes em jogo continuaram no dia 14, devido a uma séria ameaça feita pelo governo indiano, que nunca havia gostado da ideia de uma rodada, de retirar seu apoio ao consenso. Finalmente, com 20 horas de atraso, veio o anúncio oficial de que a OMC estava lançando a “Agenda de Desenvolvimento de Doha” ou, como seria conhecida popularmente, a Rodada Doha. Os países-membros 37 paul blustein prometeram chegar a um acordo ambicioso, no final de 2004, acordo este que criaria uma ampla liberalização do comércio, com foco central em reformar regras que tinham sido aplicadas contra países em desenvolvimento durante anos. Em particular, seria esperado que o acordo final estabelecesse novas regras para a agricultura, que havia recebido pouca atenção nas negociações de comércio mundiais, embora a população mais pobre dos países em desenvolvimento ganhe seu sustento em áreas rurais. A declaração anunciada pela OMC vislumbrava que o acordo pudesse alcançar uma “melhora substancial no acesso ao mercado” para produtos agrícolas e também prometia “reduções substanciais” nos subsídios que os países ricos pagam a seus agricultores, já que o generoso apoio governamental a esses agricultores lhes dava uma injusta vantagem competitiva, nos mercados globais, contra seus congêneres dos países pobres. As notícias suscitaram reações jubilosas por parte de líderes e comentaristas proeminentes. Saudando a importância em potencial da rodada na guerra contra o terror, o jornal Los Angeles Times, em um editorial intitulado “O papel pacificador do comércio”, opinou: “Um comércio mais livre será um impulso para as nações pobres, como o novo aliado dos Estados Unidos, o Paquistão, que depende fortemente das exportações. Há uma ampla evidência de que as nações que aumentam o comércio criam novos empregos e reduzem a pobreza. Quando há mais dinheiro para a construção de escolas e para a prestação de serviços médicos, oferecendo a esperança de uma vida melhor, as tentações à violência e ao terror diminuem”. Igualmente efusiva foi a declaração feita pelo presidente George W. Bush, que, apesar de elogiar os benefícios em potencial para os trabalhadores e agricultores americanos, disse: “A decisão de hoje dá nova esperança aos países em desenvolvimento do mundo... Ela reflete nosso entendimento de que uma nova rodada de comércio pode dar aos países em desenvolvimento maior acesso aos mercados globais e melhorar as vidas de milhões que hoje vivem na pobreza”. [*] A globalização se move aos trancos e barrancos, andando, algumas vezes, três passos para frente, e em outras, dois para trás; às vezes, 38 sr. black, compareça à recepção a galope, às vezes, engatinhando. Ela sofreu uma queda calamitosa no outono de 2008, já que os problemas decorrentes de empréstimos imobiliários irresponsáveis nos Estados Unidos levaram os mercados financeiros à falência, não apenas em Wall Street, mas também na Europa, Ásia e América Latina. A implosão refletiu disfunções maciças no lado financeiro da globalização, ou seja, o movimento transnacional de dinheiro sob a forma de empréstimos, ações e compras de títulos mobiliários, operações com derivativos e muitos outros fluxos, que atingiu níveis anteriormente inimagináveis nas últimas duas décadas. A rápida globalização financeira há muito tempo é objeto de ceticismo e fonte de preocupação entre economistas. Muito antes da crise, diversos especialistas apontavam, alarmados, para as somas titânicas de dinheiro que atravessavam fronteiras, continentes e oceanos, devido ao risco elevado de bolhas e pânicos, e expressavam falta de confiança na habilidade das instituições internacionais para administrar o sistema financeiro global de maneira eficiente. Os leitores do meu livro anterior estão conscientes de que simpatizo com esses céticos, preocupados e desconfiados. Meus livros sobre as crises financeiras do final da década de 90 e a crise argentina, na virada do século XXI, mostravam uma visão sombria da maneira como a globalização financeira se desenvolveu. O assunto deste livro é uma faceta diferente da globalização: o sistema de comércio, que envolve o movimento internacional de bens e serviços, em vez de instrumentos financeiros. A crença nos benefícios do comércio globalizado reúne um consenso muito mais amplo entre os economistas em comparação aos alegados benefícios das finanças globalizadas. É certo que haverá discordâncias gritantes sobre o tamanho dos ganhos provenientes do comércio, o impacto do comércio sobre a desigualdade e a velocidade com a qual os países em desenvolvimento deveriam liberalizar, entre outros temas controversos. Além disso, o sistema possui muitos erros que precisam ser corrigidos. Essa era, inicialmente, a lógica da Rodada Doha. Contudo, entre as pessoas sensíveis e bem informadas, ninguém nega que, no conjunto, a expansão do comércio tem sido uma força a impulsionar o crescimento e a elevação dos padrões de vida. É amplo o consenso de que haveria um desastre na hipótese de uma reversão substancial na abertura dos mercados, sobretudo se isso ocorresse sob a forma de um surto de protecionismo, tal como se viu na década de 30, quando os Estados Unidos elevaram 39 paul blustein fortemente suas tarifas com a infame Lei Smoot-Hawley, disparando um ciclo mundial de retaliações e contrarretaliações. Também é consenso geral que, para administrar a liberalização do comércio e para solucionar disputas, um sistema multilateral é muito superior a alternativas como acordos regionais ou bilaterais entre países. O sistema internacional de comércio corre o risco de se juntar ao sistema financeiro em crise. Essa é a principal mensagem deste livro. A história de como o sistema chegou a esse estado perigoso se desdobrará nos capítulos a seguir. Sete anos de negociações se seguiram ao encontro da OMC em Doha, resultando em um acordo que abrange nada mais do que um esboço esquemático de acordo final. Durante esse período, as pomposas ambições expressas em 2001 para um acordo comercial que reduzisse a pobreza tornaram-se quase que risivelmente implausíveis. Em várias oportunidades, as reuniões dos principais negociadores terminaram em clima de tamanha divergência e amargor que colocaram em sérias dúvidas a viabilidade da Rodada Doha. Os governos dos países mais importantes se curvaram à influência dos grupos de interesse nacionais preocupados em sofrer prejuízos. Assim, as negociações se moveram aos poucos em direção a um acordo diluído que, apesar de alguns elementos benéficos, estava longe de ser considerado como algo maravilhoso para os pobres. Se, de um lado, os negociadores concordavam com a ideia de uma redução brusca das tarifas, de outro, insistiam em tantas exceções e brechas que os cortes estimados sobre o fluxo real de comércio, até 2008, teriam sido mínimos. Mesmo nas negociações ocorridas naquele ano, os esforços de redução tarifária deixaram muito a desejar. A briga se arrastou por tanto tempo que, nesse ínterim, surgiram várias outras controvérsias comerciais, deixando a rodada vulnerável a críticas de que estava em descompasso com as grandes transformações em andamento na economia global. À medida que a rodada sofria sucessivas derrotas e suas deficiências ficavam cada vez mais evidentes, ela se tornou alvo de chacota, o que se refletiu em perda de credibilidade da OMC e de seu papel como juiz do comércio internacional. A incapacidade dos membros da OMC de fazer jus à promessa de Doha de promover maior equidade nas regras do comércio internacional é lamentável. Após a crise do mercado financeiro, as implicações de um cenário de ausência de acordo tornaram-se muito mais calamitosas. 40 sr. black, compareça à recepção A crise acentuou significativamente o perigo de que os governos do mundo todo recorram ao protecionismo. Antes da crise, era fácil descartar preocupações com a possibilidade de que alguns países se voltassem para dentro e travassem guerras comerciais, como fizeram na década de 1930. Enquanto a economia global estivesse crescendo rapidamente, a ideia de que os formuladores de políticas repetiriam os erros da era da Grande Depressão protegendo suas economias da concorrência estrangeira parecia absurda. Com a crise, esses temores parecem muito menos artificiais, na medida em que forças recessivas se espalham para todas as regiões mais importantes do mundo. Ainda não está claro, enquanto este livro está sendo finalizado, quantos milhões de pessoas perderão seus empregos, quantas empresas fecharão as portas e quantas comunidades enfrentarão a bancarrota. Mas o impacto fatalmente intensificará a pressão sobre os políticos para que aumentem as barreiras comerciais. É improvável que a reação violenta contra o capitalismo ilimitado, que até agora visava principalmente ao sistema que rege os fluxos monetários, poupe o sistema que governa os fluxos internacionais de bens e serviços. As evidências, desde o final de 2008, não são nada reconfortantes. A conferência em Washington, D.C., do grupo das 20 maiores economias (G-20), ocorrida em 15 de novembro de 2008, fez uma promessa de restringir medidas protecionistas durante 12 meses. No entanto, poucas semanas mais tarde, muitas das vinte potências haviam tomado medidas que restringiriam importações ou discriminariam bens estrangeiros de várias maneiras. A Rússia aumentou de maneira significativa suas tarifas sobre carros usados, aço, carne suína e aves. A Índia impôs tributos mais altos sobre o ferro e o aço importados e proibiu importações de brinquedos chineses. A Argentina impôs exigências de licenciamento sobre peças de carros importados, têxteis, televisões, sapatos e outros produtos. A Indonésia adotou regulamentos limitando a importação de vestuário, eletrônicos, sapatos, brinquedos e alimentos, restringindo os embarques a cinco portos específicos e exigindo uma inspeção minuciosa de todos os contêineres pela alfândega notoriamente lenta do país (O governo indonésio alegou que as medidas eram necessárias para combater o contrabando, mas as providências vieram após o intenso lobby da indústria e dos sindicatos, que exigiram respostas à crise econômica com base em políticas de autossuficiência). 41 paul blustein As nações mais ricas tenderam a favorecer abordagens mais sutis que não envolvessem o aumento direto de barreiras nas fronteiras. O gigantesco pacote de estímulo econômico aprovado pelo Congresso dos EUA, em fevereiro de 2009, incluía dispositivos de incentivo à aquisição de produtos e utilização de serviços norte-americanos (Buy American), assegurando que os projetos de infraestrutura financiados pela lei usariam, em sua grande parte, ferro, aço e bens manufaturados, produzidos nos Estados Unidos. Outras nações abastadas seguiram o exemplo, com suas próprias leis, do tipo “compre produtos nacionais”, em programas de gastos públicos. Essa mesma política foi aplicada depois que Washington começou a oferecer empréstimos subsidiados para salvar a General Motors e a Chrysler, que discriminavam contra fabricantes de automóveis estrangeiros instalados no mercado norte-americano. Os governos de pelo menos dez países apressaram-se a ajudar seus próprios fabricantes de automóveis e alguns (em particular a França) usaram pressões políticas para evitar que as empresas despedissem trabalhadores em suas matrizes no país ou aumentassem as contratações em suas filiais no exterior. Os formuladores de políticas sentiram, de maneira compreensível, que não tinham escolha, a não ser aceitar medidas como essas, em vista da profundidade da crise econômica e do rancor dos eleitores em relação aos volumosos pacotes governamentais de resgate de grandes instituições financeiras. Supostamente, a maioria dessas políticas pode ser extinta depois da recuperação das economias. Porém, sua adoção cria a impressão geral de que, agora, os mercados de todo o mundo estão manipulados a favor de produtores nacionais, o que poderia minar ainda mais o apoio ao livre comércio e levar à criação de barreiras ainda mais altas e duradouras. Até agora, as medidas protecionistas e semiprotecionistas que as nações tomaram não são suficientemente sérias e abrangentes a ponto de serem consideradas como epidêmicas. É bem possível que a recessão econômica global seja suficientemente suave, e que os formuladores de políticas sejam suficientemente firmes, de modo a evitar a irrupção de uma epidemia. Nem o presidente Barack Obama, nem os seus consultores econômicos têm uma postura anticomércio. Mas lembre-se de que foi o presidente Bush, supostamente um defensor fervoroso do livre comércio, que sucumbiu às exigências do setor siderúrgico por aumento de tarifas em 2002. Se a crise piorar de maneira significativa nos próximos meses, 42 sr. black, compareça à recepção até mesmo políticos bem intencionados poderão curvar-se a apelos semelhantes por proteção da concorrência externa. Ao perpetuar repetidamente as divergências, retardando o processo negociador de Doha, e ao permitir que o acordo esboçado ficasse tão diluído, os membros da OMC deixaram escapar a oportunidade de criar um seguro contra o protecionismo. Se um acordo ambicioso tivesse sido alcançado – principalmente se isso tivesse acontecido, digamos, em 2006 –, os impulsos protecionistas teriam sido contidos mais facilmente porque os termos do acordo poderiam ter incluído novas restrições à capacidade de os países aumentarem suas tarifas. Não que um acordo desse tipo pudesse ter evitado qualquer tipo de nacionalismo econômico – ele não teria impedido algumas das políticas que muitos países adotaram desde o outono de 2008, como pressionar os bancos a emprestar dentro do país, em vez de ao exterior, ou prestar ajuda financeira só para fabricantes de automóveis nacionais. Mas poderia ter reduzido os problemas resultantes do tipo tradicional de protecionismo que ainda ameaça causar danos de longo prazo ao sistema de comércio. O mais importante é que as vicissitudes da Rodada Doha, aliadas ao ambiente econômico atual, trazem implicações preocupantes para a saúde do sistema de comércio multilateral no longo prazo. Mesmo que os governos possam conter as forças inspiradas na lei Smoot-Hawley, os acontecimentos até o momento lançam uma dúvida inquietante em relação à capacidade de a OMC manter seu status como o órgão que define as regras centrais do comércio internacional. A OMC é uma fonte de grande perplexidade mesmo para leigos bem informados. Espero que este livro ajude a desmistificá-la. Nas imaginações exaltadas dos militantes antiglobalização, esse órgão de comércio exerce poder semelhante ao que se atribuía à Comissão Trilateral, vinte anos atrás: um conluio sombrio da classe governante, com a ajuda de tecnocratas, forçando as massas do mundo todo a engolir a contragosto os caprichos das empresas multinacionais. Críticos mais bem informados reconhecem que a OMC é, como as Nações Unidas, uma reunião de governos mundiais dedicada à elaboração de regras por meio de acordos entre seus membros. Ainda assim, os críticos acusam a organização de ser uma instituição dissimulada e antidemocrática que tem o poder, em nome do livre comércio, de se intrometer em leis e regulamentos que normalmente pertencem à alçada de estados soberanos 43 paul blustein (um exemplo notável foi a decisão de um tribunal da OMC em 2006 contra as restrições da União Europeia ao cultivo de produtos agrícolas geneticamente modificados. Admiradores da OMC replicam que ela é a principal mantenedora dos princípios da liberalização que ajudaram a alimentar a expansão econômica global durante a maior parte das seis últimas décadas. Como este livro mostrará, há alguma validade na caracterização tanto dos críticos quanto dos defensores da OMC. Contudo, o ponto principal a ser lembrado é o seguinte: apesar de suas falhas, a OMC é um pilar crucial de estabilidade na economia global. Tímida em seus quinze anos de idade, ela é a expressão atual do sistema multilateral estabelecido após a Segunda Guerra Mundial para evitar o retrocesso para as políticas comerciais da década de 1930. As regras da OMC mantêm a proibição de barreiras às importações por parte de seus países-membros (hoje em número de 153) e os membros submetem suas controvérsias comerciais à decisão dos tribunais da OMC, ao invés de travar batalhas comerciais com retaliações infindáveis. Esse acordo evita que as controvérsias relativas ao comércio se tornem desnecessariamente destrutivas, assim como qualquer sistema baseado nos princípios de direito ajuda a conter tendências à lei da selva. Além disso, a OMC é a guardiã do princípio da “nação mais favorecida”, sob o qual os países-membros prometem tratar os produtos dos outros de forma não discriminatória. O princípio é uma proteção valiosa contra blocos comerciais, a exemplo daqueles que, durante a década de 1930, contribuíram para acirrar rivalidades entre as grandes potências. Em suma, a OMC é a guardiã suprema dos mercados mundiais abertos. A capacidade de a OMC continuar a desempenhar essas funções está ameaçada por causa da desilusão com a Rodada Doha, que fez com que o órgão de comércio pareça cada vez mais irrelevante e ineficaz. Sua predominância como instituição definidora de regras sofreu duros golpes nos últimos anos por conta de uma proliferação de negociações bilaterais e regionais de comércio. Mais de duzentos acordos desse tipo estão atualmente em vigor, abrangendo desde o grande e famoso Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA) até acordos pequenos e obscuros como o acordo de livre comércio Cingapura-Jordânia. Os governos estão cada vez mais tentados a encarar esses pactos como substitutos razoáveis para o multilateralismo, principalmente quando 44 sr. black, compareça à recepção se aprofunda o ceticismo quanto à possibilidade de concluir novas negociações significativas na OMC. Apesar de a OMC não correr o risco de desabar de um dia para o outro, há o perigo de que sua autoridade fique erodida até o ponto em que os países-membros comecem a fugir de seus compromissos e ignorar as decisões de seus tribunais. Um cenário bem plausível é que a aparente incapacidade da OMC de fechar acordos levará os países a recorrer cada vez mais a litígios – abrindo processos uns contra os outros – em vez de tentar negociar. Os tribunais da OMC seriam então forçados a proferir sentenças sobre contenciosos de natureza politicamente sensível. A mudança climática, por exemplo, é um tema particularmente cheio de riscos a esse respeito. Formuladores norte-americanos e europeus influentes estão propondo leis para controlar emissão de gases de efeito estufa envolvendo a aplicação de tarifas sobre mercadorias de países estrangeiros que não estejam reduzindo suas emissões. Os produtos chineses e indianos são os alvos mais prováveis dessas tarifas. Não há clareza quanto à legalidade desses tipos de tarifas à luz das regras da OMC. Então imagine o furor que irromperia se a OMC decidisse contra elas, dizendo que o comércio deve ter prioridade sobre a salvação do planeta. Alternativamente, imagine o furor se a OMC determinasse que essas tarifas são legais e os chineses decidissem reagir impondo seus próprios impostos sobre mercadorias americanas e europeias com base no raciocínio de que são os países ocidentais os maiores culpados pelo problema da mudança climática desde o início. Esse é só um exemplo do tipo de situação que poderia precipitar o surgimento de guerras comerciais e o colapso do sistema que ajudou a manter o protecionismo represado. Os americanos podem supor que sofreriam menos danos do que os cidadãos de outras nações se a OMC se desintegrasse e, de um ponto de vista estritamente comercial, eles teriam razão. A magnitude do mercado norte-americano significa que os EUA sempre terão grandes parceiros com quem negociar em termos adequados para eles. As nações que seriam mais afetadas são as mais pobres, as menores e as mais vulneráveis, para quem a OMC oferece proteção contra a intimidação pelos ricos. É exatamente por isso que, de uma perspectiva de longo prazo, minar a OMC prejudicaria sobremaneira os interesses dos EUA. Os ataques do 11 de setembro mostraram a importância de tomar todas as medidas práticas para trazer as nações pobres para o centro das articulações econômicas. 45 paul blustein Os países pobres correm um grave risco de se tornarem paraísos para terroristas e de constituir outras ameaças aos Estados Unidos, inclusive a difusão de armas e doenças, porque seus governos são com frequência incapazes de se opor – ou não querem se opor – a tais problemas. Evitar que eles se tornem mais marginalizados do que já são deveria ser uma prioridade máxima para Washington e, apesar de uma OMC saudável não ser suficiente para alcançar essa meta, ela é essencial. [*] Para mostrar como e por que o sistema de comércio multilateral chegou à atual situação calamitosa, este livro narra os principais acontecimentos que ocorreram no sistema ao longo da última década. É um relato desanimador para os que acreditam no poder da globalização de elevar o padrão de vida dos habitantes de todo o mundo. Ele inclui a narração detalhada da mortificação da OMC em Seattle em 1999 porque, embora essa reunião da organização não faça parte da Rodada Doha, a história por trás da “Batalha de Seattle” é essencial para entender os desdobramentos subsequentes. A narrativa abrange o lançamento triunfante da rodada em Doha em 2001 e o vívido colapso da reunião ministerial de setembro de 2003 em Cancún, no México, que expôs a profundidade da disputa entre países ricos e países em desenvolvimento. A ação passa, em seguida, para a reunião de 2004 em Genebra, na qual os membros da OMC pareceram imprimir um novo impulso à rodada, negociando intensamente para a adoção de um acordo-quadro (framework). Desse ponto em diante, a história consiste em sucessivas decepções: a reunião ministerial de Hong Kong em 2005, que quase fracassou em produzir um acordo sobre um conjunto modesto de medidas; esgotamentos das negociações em Genebra em meados de 2006 e, em Potsdam, Alemanha, em junho de 2007 e, finalmente, o clímax emocionalmente extenuante – a reunião de ministros de julho de 2008 que fracassou após nove dias, a mais longa da história da organização. Essa série de altos e baixos constitui uma longa saga. Ela envolve questões econômicas complexas, bem como um elenco numeroso e cambiante de protagonistas. Os leitores conhecerão quatro representantes de Comércio dos Estados Unidos (Charlene Barshefsky, Bob Zoellick, Rob Portman e Susan Schwab), três diretores-gerais da OMC (Mike 46 sr. black, compareça à recepção Moore, Supachai Panitchpakdi e Pascal Lamy), dois negociadores brasileiros importantes com o mesmo prenome (Celso Lafer e Celso Amorim) e dois outros atores principais chamados Kamal (Yousef Hussain Kamal, o ministro catariano que presidiu a reunião em Doha, e Kamal Nath, que se tornou ministro da Indústria e Comércio da Índia em 2004). Ao longo desse período, várias coalizões de países abrirão caminho até o palco – o Like Minded Group (Grupo de países em desenvolvimento com posições afins), o Grupo Africano, o G-20, o G-33 e daí em diante. À medida que a narrativa vai avançando, é importante não perder de vista as mudanças em relação a quem está dentro e quem está fora. Nesse caso, “dentro” se refere ao círculo de poder interno da OMC, o pequeno grupo de países que tem prioridade na decisão sobre os elementos principais de uma negociação antes de submeter seus termos ao conjunto de membros da OMC para ver se é possível chegar a um consenso. As variações na composição desse grupo são reveladoras das mudanças em andamento na distribuição de poder na economia global. Em um ponto da narrativa, o círculo interno consiste nos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá – o grupo seleto de nações ricas e industrializadas conhecido como QUAD. Porém, posteriormente, a composição do círculo interno muda para incluir alguns dos dínamos econômicos do mundo em desenvolvimento, países cujas grandes dimensões e cujo rápido crescimento os capacitou a abrir caminho à força até a mesa de negociações. Nesse ponto, o grupo fica conhecido pelo nome de Cinco Partes Interessadas (Five Interested Parties – FIPs) – Os Estados Unidos, a União Europeia, o Brasil, a Índia e a Austrália –, seguido por várias mutações conhecidas como G-6, G-4 e G-7, este último incluindo a China. Cada marco importante coberto por este livro terá sua própria dinâmica singular, seus próprios pontos de discórdia, seus próprios dramas, seus próprios conjuntos de protagonistas, opositores, participantes enfurecidos e bodes expiatórios. Os aficionados pelo tema, familiarizados com os formuladores de políticas proeminentes, podem se deleitar ao ler sobre suas confrontações em altos decibéis, confusões logísticas, melodramas na madrugada, afrontas mordazes e desalentos chorosos. Porém, além de revelar anedotas deliciosas, examinar as reviravoltas da rodada serve a um propósito esclarecedor. A natureza inelutável das rodadas de comércio multilateral é que são efetivamente 47 paul blustein longas, carregadas de questões que afetam as vidas de milhões, mas que são frequentemente áridas e técnicas. Além disso, esses temas são negociados por uma multiplicidade de pessoas cujo mandato tende a ser mais curto do que as próprias negociações. Só mesmo percorrendo os bastidores, examinando pontos de inflexão importantes em todo o seu sangrento esplendor, é possível perceber adequadamente o quão caótico, aleatório, incontrolável e disfuncional pode ser o processo de uma rodada. É preciso enxergar além da desordem, dos tropeços, dos rompantes, das ameaças e dos blefes para elucidar a dificuldade de concluir com êxito tal empreitada. Um dos motivos que justificam a importância de explorar esses eventos é responsabilizar os representantes oficiais e seus governos pelos papéis que desempenham na negociação. Os infortúnios da Rodada Doha derivam em certa medida das falhas de indivíduos. As páginas deste livro estão repletas de choques de personalidade, excessos ególatras, mesquinharias e equívocos estratégicos – incluindo alguns erros de cálculo de formuladores de políticas famosos por seu brilhantismo, principalmente Bob Zoellick (atual presidente do Banco Mundial) e Pascal Lamy (ex-comissário de Comércio europeu, hoje diretor-geral da OMC). Um dos piores erros, olhando em retrospecto, foi levantar expectativas irrealistas no início sobre o impacto que a política comercial sozinha poderia ter sobre a redução da pobreza. Porém, outro motivo-chave para esmiuçar a perda de rumo da rodada é expor os problemas mais profundos e mais sistêmicos que estão no cerne da situação difícil em que se encontra a OMC. Será que outro grupo de negociadores, não importa o quão inteligentes e bem intencionados fossem, teria feito melhor, dado o modo como funciona a OMC? Ou será que o próprio sistema tornou-se fatalmente falho? Será que ele é capaz de lidar com as realidades do início do século XXI? Entende-se que a Rodada Doha marca o final de uma era. Dada a experiência dos últimos sete anos, pode ser que as nações do mundo nunca mais tentem lançar-se numa rodada de comércio multilateral gigantesca. No entanto, ainda não está claro se existem alternativas viáveis para resolver as inúmeras questões que o sistema multilateral de comércio ainda enfrenta. Para mencionar apenas duas dessas questões: a recente crise de alimentos ressaltou o problema de países que interrompem suas exportações de grãos para mercados mundiais e a mudança climática 48 sr. black, compareça à recepção levanta questões espinhosas sobre como impor um regime internacional de redução de emissões de carbono sem violar as regras atuais da OMC. Uma rodada na qual todos os membros da OMC fazem concessões em algumas áreas para extrair ganhos em outras pode ser a única maneira de resolver essas questões de modo satisfatório. Eis um pensamento realmente assustador: o destino de mercados globais abertos pode depender de mais décadas de Rodada Doha – no seu melhor estilo caótico, descontrolado e disfuncional. Essa perspectiva é ainda mais perturbadora devido a duas das tendências fundamentais que surgem claramente do épico de Doha. A primeira é o que Fareed Zakaria chamou de “a insurreição do resto”, referindo-se ao rápido crescimento e à influência cada vez maior do Brasil, Índia, China, Egito, África do Sul e outros grandes países em desenvolvimento. Seus avanços tornaram o sistema multilateral de comércio muito mais difícil de administrar. Já foi o tempo em que todas as decisões importantes eram tomadas por um punhado de países mais ricos, como foi o caso nas décadas passadas. Hoje, não apenas a OMC tem mais membros do que nunca, como tem um número maior de membros importantes e mais membros que querem desempenhar um papel de relevo no mundo de comércio cada vez mais livre ao qual se associaram. A dispersão do comércio mundial entre um número maior de países com níveis muito diferentes de desenvolvimento é bem-vinda, por motivos óbvios. Contudo, numa instituição que funciona por consenso, forjar decisões ficou imensamente mais complicado. O segundo fator que pode ser ainda mais incapacitante para a OMC é uma mudança no contexto (zeitgeist) da globalização – uma mudança que precedeu a recente crise de confiança nos mercados globais e que foi, de certa forma, a sua precursora. Em meados da década de 1990, após o final da Rodada Uruguai, o economista Ernest Preeg intitulou seu livro sobre a rodada Traders in a Brave New World [comerciantes num admirável mundo novo] refletindo atitudes prevalecentes numa época em que o capitalismo ascendia em todo o mundo e os países estavam ansiosos para liberalizar suas economias. Um título adequado para um livro sobre a Rodada Doha seria Traders in a Frightened New World [comerciantes num mundo novo aterrorizado]. Espalhada por toda a narrativa de Doha está a prova de que a globalização foi tão longe e tão rápida que seu avanço pode estar 49 paul blustein alcançando algum limite natural, pelo menos no médio prazo. Talvez o sinal mais contundente seja o desconforto com a aceleração do ritmo da integração econômica provocada pelo surgimento da China como uma usina de exportações. Como poderá ser visto no Capítulo 11, o fator “medo da China” teve um nítido impacto sobre a rodada, tornando os países em desenvolvimento ainda mais cautelosos em relação a uma maior abertura de suas economias. Ao mesmo tempo, erodiu-se a fé nas propriedades supostamente mágicas que os cortes de tarifas e outras ações de redução de barreiras comerciais teriam sobre o crescimento econômico. Essa descrença não é despropositada, como veremos no Capítulo 10, que relembra as severas revisões para baixo feitas nas estimativas do Banco Mundial dos benefícios econômicos da rodada. Por essas três razões, e outras, muitos membros da OMC se refrearam em tomar as medidas necessárias para viabilizar a conclusão de um acordo. Uma forma de ver essa mudança segundo o contexto da época (zeitgeist) é perceber o sistema multilateral de comércio como a vítima de seu próprio sucesso. Como muitos observadores apontaram, houve tanta abertura de mercados nas últimas décadas que já não há mais fruto fácil de ser colhido; as barreiras que permanecem são as mais politicamente intratáveis. Além disso, as conquistas das rodadas comerciais passadas proporcionaram às empresas multinacionais grande parte do acesso a mercados estrangeiros que elas desejavam. Consequentemente, elas não são mais tão vigorosas em pressionar seus governos para fechar acordos, de forma que as forças políticas opostas à liberalização acabam ganhando vantagem. O passado do sistema, inclusive a criação da OMC e os eventos que levaram a isso, é o tema do Capítulo 2. Não há dúvida de que o tamanho dos passos dados durante esse período ajuda a explicar as adversidades atuais do sistema. Mas isso não serve de consolação. Os capítulos seguintes mostrarão os responsáveis pelo comércio mundial vagueando de uma desventura para outra. Será aflitivo contemplar a magnitude das conquistas que agora se veem ameaçadas. 50 Capítulo 2 A Organização Intergaláctica do Comércio Em uma agitada manhã de dezembro no final de 2006, uma fila de sedans escuros – na maior parte Mercedes-Benz, com alguns poucos BMWs, Volvos e Lexus – serpentearam por uma avenida em formato de “U” e pararam em frente à sede da OMC, no Centro William Rappard, uma imponente edificação em estilo italiano, batizada com o nome de um diplomata suíço, às margens do Lago Genebra. Como em muitos dias ensolarados em Genebra, os picos nevados dos Alpes podiam ser avistados resplandecentes à distância por qualquer pessoa que decidisse caminhar pelo parque às margens do lago, nos fundos do prédio. Mas os passageiros das limusines – embaixadores enviados à OMC por seus países-membros – não pararam para admirar a paisagem. Os guardas de segurança às vezes gritavam com os motoristas para fazer a fila andar, pois mais de uma centena de veículos estavam chegando. Os diplomatas, então, desceram rapidamente dos carros e atravessaram uma pequena ponte a passos largos até um prédio moderno, passaram pela porta e entraram numa câmara semicircular grande, a Salle du Conseil (Sala do Conselho), com um teto alto com claraboia que permite que a luz natural penetre na sala. Alguns conversavam com colegas ao tomar assento nas mesas de seus países, cada uma delas equipada com uma placa exibindo o nome do país, um microfone e fones de ouvido para acompanhar a interpretação simultânea. A maioria dos embaixadores eram homens 51 paul blustein de terno escuro, apesar de haver um número razoável de mulheres, e poucos usavam vestimentas da terra natal ou de grupos étnicos, como o embaixador da Índia com seu turbante azul brilhante. Este é o Conselho Geral, o órgão principal de tomada de decisões da OMC, que se reúne em sessões formais cinco vezes por ano e só é superado em importância pelas conferências ministeriais. As reuniões do Conselho normalmente são fechadas para jornalistas (depois, os porta-vozes da OMC enviam relatórios resumidos sobre os trabalhos e atas são publicadas). Apesar de ser desejável que as sessões fossem abertas ao escrutínio público, os jornalistas de Genebra consideram uma dádiva que elas sejam fechadas, já que as discussões tendem a ser tediosas. Com certeza foi esse o caso nesse dia de dezembro, quando o ponto alto foi um relatório de Pascal Lamy, o diretor-geral, sobre a situação da Rodada Doha. “O fracasso pode estar dobrando a esquina, mas não precisamos passar por ela”, disse Lamy aos embaixadores, que, em resposta, se pronunciaram prometendo que seus países ou grupos de países aliados “continuariam a se engajar nas negociações de forma construtiva”, “permaneceriam comprometidos com um resultado ambicioso e pró-desenvolvimento” e “estariam prontos para encontrar um meio termo”, apesar de reiterarem suas posições de longa data sobre as questões mais contenciosas em jogo. A arrumação de assentos é digna de nota, mas, de certa forma, inadequada. Lamy estava numa posição de destaque, num grande tablado na frente da sala, juntamente com vários outros membros seniores do Secretariado da OMC (o quadro de funcionários públicos civis internacionais que trabalham no Centro William Rappard), enquanto os embaixadores estavam sentados na parte de baixo. Desse contexto, pode-se chegar a uma conclusão equivocada: a OMC tem uma burocracia poderosa, tal qual outras organizações econômicas internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Na verdade, o Secretariado é constituído apenas por 630 pessoas, em comparação com 2.600 no FMI e mais de 10.000 no Banco Mundial. E, apesar de os funcionários do Secretariado exercerem alguma influência sobre decisões-chave por meio do aconselhamento técnico e profissional que dão a vários conselhos e comitês, a OMC é muito mais uma organização movida pelos membros, isto é, controlada pelos países que pertencem a ela. Em nítido contraste com o FMI e o Banco Mundial, em que os votos 52 a organização intergaláctica do comércio dos países são ponderados de acordo com o tamanho de suas economias, cada país tem um voto na OMC. Isso não significa que, digamos, Botsuana Peru ou Sri Lanka tenha tanta influência quanto os Estados Unidos – longe disso – mas que a forte tradição de tomar decisões por consenso resulta numa distribuição de poder mais igualitária entre os países-membros do que se verifica em outras instituições. Não surpreende que o processo de tomada de decisão da OMC seja de longe o mais pesado de todos. “Temos 144 freios de mão e um acelerador”, escreveu Mike Moore, que atuou como diretor-geral de 1999 a 2002. “Às vezes, parece mais com um daqueles filmes antigos do Gordo e o Magro, com o carro fora de controle e o volante se soltando nas mãos. É como tentar dirigir um parlamento sem partidos, sem orientação partidária, sem relator, sem limitação de tempo de discurso e sem sistema de votação majoritária. É consenso por exaustão”. Por outro lado, a disposição de assentos do Conselho Geral é emblemática de algo significativo: o poder da OMC como uma instituição que, sob aspectos relevantes, é maior do que o do FMI ou do Banco Mundial. Enquanto o Fundo e o Banco exercem controles sobre os países em desenvolvimento a quem emprestam, a OMC os aplica também às nações industrializadas, inclusive aos Estados Unidos. Se um país pequeno e pobre achar que um país grande e rico está violando as regras da OMC, ele pode levar o infrator a comparecer perante um tribunal para obter uma reparação. E se o tribunal achar que o país grande é culpado da acusação, o ofensor terá de mudar de comportamento ou, ao recusar-se a fazê-lo, aceitar algum tipo de sanção econômica por parte do país prejudicado (como veremos no Capítulo 8, os países-membros mais importantes gozam de inúmeras vantagens no sistema de tribunais, mas a questão é que também são responsabilizados por isso). Além disso, a OMC estende suas regras amplamente sobre os arranjos econômicos domésticos de seus países-membros de uma forma inigualável por outros órgãos internacionais. Um exemplo é o código da OMC relativo a padrões de avaliação de higiene e condições sanitárias de produtos animais e vegetais importados, que pode afetar a regulação dos países-membros sobre inocuidade e segurança dos alimentos. Outro exemplo são as regras da OMC sobre direitos de propriedade intelectual, que podem moldar a forma como os países-membros protegem patentes. Outro 53 paul blustein ainda é o acordo sobre serviços, que influencia a regulação de bancos e telecomunicações pelos países. A profundidade e o escopo dessas regras ajudam a explicar o fundamento lógico para a tomada de decisões por consenso: como as regras afetam todos os membros, elas devem ser acordadas por todos os membros. Por fim, a OMC confere a seus países-membros um dos direitos mais importantes – talvez o direito mais importante – concedido por uma organização internacional, isto é, o tratamento de nação mais favorecida. Esse direito significa que cada membro deverá receber todas as vantagens comerciais concedidas aos outros. Suas mercadorias não receberão tratamento menos favorável do que as dos outros membros e ele gozará de forte proteção contra sanções comerciais arbitrárias e inconstantes. Um benefício extraordinário que faz com que a maioria dos países queira ser admitida para obter esse direito e exercer influência na elaboração das regras. Na verdade, os formuladores de políticas comerciais dos países em desenvolvimento que queiram aprender como usar o sistema em benefício de suas nações vêm ao Centro William Rappard todos os anos para assistir a cursos sobre os princípios básicos e o funcionamento da OMC. Frequentei um desses cursos e descobri que o material didático, além de dar uma boa introdução ao assunto, leva a uma compreensão profunda daquilo que faz a OMC funcionar e o que não. [*] A aluna do Sudão tinha uma echarpe amarela cobrindo a cabeça e estava mexendo num celular. O aluno de Bangladesh estava usando jeans, tênis e camisa polo. Das Bahamas, vinha um negro com aparência distinta, cabelo grisalho, usando camisa social azul com colarinho branco. Na sua frente, estava sentada uma mulher catariana de vestido preto e echarpe vermelha debruada de dourado. A maioria dos outros alunos – da Indonésia, Eritreia, Cazaquistão, Paraguai e cerca de vinte outros países – usava terno. Tinham de trinta a quarenta e tantos anos e o mais velho, cerca de 55 anos. Ocupavam cargos governamentais burocráticos de nível médio a superior: um deles era “chefe adjunto da OMC e do Departamento de Relações com a União Europeia” de seu país, outro era “negociador-chefe do Ministério do Comércio” e outro ainda 54 a organização intergaláctica do comércio era “diretor adjunto da Divisão de Relações Econômicas e de Comércio Exterior”. Tinham sido convidados a vir a Genebra para fazer esse curso com duração de três meses, com a OMC arcando com as despesas de transporte, alimentação e acomodações por meio de um fundo financiado por nações doadoras. A ideia é ajudar esses formuladores de políticas a superar uma das maiores desvantagens que seus países enfrentam como membros da OMC: reunir a expertise técnica necessária para participar com eficácia de uma organização na qual os gigantes, principalmente os Estados Unidos e a União Europeia, têm equipes maiores, equipamentos melhores, conhecimento mais aprofundado e mais experiência para participar desse jogo. Logo no início do curso, os alunos passam um dia revisando a teoria econômica básica do comércio. Para refrescar a memória dos que sabem economia e ensinar os que não têm muito conhecimento, os alunos examinam o princípio – aceito como válido por economistas de todo o espectro ideológico – de que o comércio entre duas nações elevará o padrão de vida geral nas duas. Eles aprendem que, apesar de o comércio impor custos sobre um país na forma de empregos perdidos para a concorrência estrangeira, lucros maiores advirão, por várias razões: importações de baixo custo ajudam a reduzir os preços ao consumidor; os exportadores aumentam a produção ao obter acesso a mercados externos; as empresas ficam mais eficientes em resposta à pressão competitiva vinda de fora. Com o auxílio de gráficos de oferta e demanda simples do tipo usado em universidades no mundo todo, a turma estuda os efeitos das barreiras mais comuns ao comércio – tarifas (impostos cobrados na fronteira sobre mercadorias importadas) e quotas (restrições à quantidade que pode ser importada de uma determinada mercadoria). Um país que usa essas barreiras para restringir a concorrência estrangeira pode ajudar seus produtores internos a se manterem no negócio, poupando assim alguns empregos, o que pode gerar receita para o governo. Porém, os consumidores terão de pagar tão mais caro pelas mercadorias submetidas a tais restrições, resultando em diminuição da eficiência econômica, que o impacto geral será um “prejuízo líquido”, como demonstrado pelo material de estudo. A aula de teoria também relembra rapidamente os grandes pensadores dos últimos séculos cujas obras levaram a maioria dos economistas a aceitar como questão de fé as virtudes do livre comércio entre os países. O 55 paul blustein mais original desses pensadores, é claro, foi Adam Smith, cujo livro datado de 1776, A riqueza das nações, desacreditou a teoria do mercantilismo – a crença, amplamente aceita entre as elites dominantes da Europa nos séculos XVI, XVII e XVIII de que as exportações proporcionam a um país os principais benefícios do comércio e que as importações (principalmente importações de manufaturados) tendem a ser prejudiciais para a sua economia. Smith combateu o mercantilismo, argumentando que a economia de uma nação ganha força com a liberalização do comércio, possibilitando a importação de mercadorias mais baratas do exterior. Assim como os indivíduos operam mais eficientemente quando se especializam em produzir o que fazem de melhor – “o alfaiate não tenta fazer seus próprios sapatos, mas compra do sapateiro. O sapateiro não tenta fazer suas próprias roupas, mas emprega o alfaiate” –, os países agem da mesma forma, defendeu Smith. “No sistema mercantilista”, escreveu ele, “o interesse do consumidor é quase sempre sacrificado ao do produtor e ele parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim e o objeto essenciais de toda a indústria e o comércio”. Porém, apesar de Adam Smith parecer ser a inspiração orientadora para a OMC, o curso para representantes oficiais de países em desenvolvimento mostra o quão enganosa é essa impressão. O dia dedicado à aula sobre teoria do comércio é apenas uma ínfima parcela do curso de três meses e esse fato fala muito sobre a sistemática que permeia o processo de tomada de decisão da OMC. Muito mais tempo do curso é destinado a ensinar aos alunos as habilidades práticas necessárias para ser eficaz em negociações da OMC, o que significa, em certo sentido, introduzi-los na arte do mercantilismo intransigente. Os interesses especiais que cercam os ministérios de comércio do mundo todo são tipicamente de exportadores buscando oportunidades para vendas no exterior e de indústrias domésticas (juntamente com seus sindicatos) buscando proteção contra importações. Consumidores comuns são ouvidos raramente, se é que são em alguma ocasião, e tendem a ser fracamente organizados, de qualquer forma. Assim, para o negociador de comércio típico, as exportações são “ganhos” e as importações, “perdas”, o contrário do que pensava Adam Smith. Uma ilustração perfeita disso surge no ponto alto do curso da OMC – uma rodada de comércio global simulada conduzida pelos alunos. Estes são divididos em equipes representando quatro países fictícios, chamados 56 a organização intergaláctica do comércio Alba, Vanin, Medatia e Tristat, e, a partir de segunda-feira de manhã, começam a negociar, com instruções de que precisam chegar a uma negociação de consenso até as 16h da quinta-feira seguinte. “Os participantes às vezes brigam, gritam e perdem a cabeça”, diz Jean-Daniel Rey, que supervisiona o curso. “Às vezes se encontram no hotel ou fazem almoços de negociações ou negociam até a meia-noite. Ao final, estão exaustos. O objetivo é criar uma atmosfera semelhante ao tipo de atmosfera que enfrentarão em negociações reais”. Cada um dos países fictícios tem um tipo diferente de economia e níveis diferentes de proteção para suas indústrias manufatureiras e agrícolas. Alba e Tristat são ricos, Medatia é um país em desenvolvimento em rápido crescimento e Vanin é pobre. Para simplificar, os participantes negociam muito menos questões do que o fariam em negociações reais da OMC, apesar de haver muito a discutir – regras sobre subsídios governamentais, além dos níveis tarifários que cada país mantém sobre trinta produtos diferentes, inclusive grãos, frutas, carne bovina, laticínios, cobre, estanho, carvão, fertilizantes, produtos farmacêuticos, tintas, aquecedores, aparelhos de ar-condicionado, lâmpadas, semicondutores, máquinas de fax, camisetas de algodão e tapetes. As equipes podem se reunir em negociações bilaterais se quiserem (uma reunião da equipe de Alba só com a de Tristat, por exemplo) e formar alianças, ou todas as quatro podem se encontrar juntas. “Não lhes ensinamos a negociar”, diz Rey. “A questão é entender o processo – os riscos, dificuldades e habilidades exigidos”. A parte reveladora são as instruções secretas que cada equipe recebe do “Conselho de Ministros” de seu país. Rey não divulgaria os detalhes das instruções porque isso estragaria o exercício para futuros participantes. Mas a ideia básica é que se supõe que cada equipe obterá o máximo de acesso possível a exportações mais competitivas de seu país nos mercados dos outros países, abrindo mão, ao mesmo tempo, do mínimo acesso possível em seu próprio mercado. Suponha, por exemplo, que Medatia seja altamente competitiva em têxteis e vestuário. As instruções para a equipe de Medatia seriam visar uma redução de 50% em média nas tarifas que Alba e Tristat mantêm sobre camisetas e tapetes. Mas, além desse tipo de meta “ofensiva”, as instruções contêm metas “defensivas” também – limites sobre as concessões que cada equipe ofereceria aos outros países na forma de tarifas mais baixas. O 57 paul blustein “ministro do Comércio” de Alba poderia ser instruído a resistir fortemente a qualquer corte significativo nas tarifas sobre grãos e carne bovina em razão da influência política dos agricultores de Alba, por exemplo, ou o ministro do Comércio de Tristat poderia ser advertido a proteger a indústria química de seu país oferecendo não mais do que um corte de 15% em suas tarifas nesse setor. No final, quando os participantes chegam a um consenso na negociação, o resultado global serão barreiras mais baixas nos quatro países, porque cada equipe dará algum acesso a seu próprio mercado em troca da obtenção de mais acesso aos mercados dos outros. Em determinados casos, uma equipe pode não resistir a um corte em suas próprias tarifas. Negociadores de um país podem concordar sem dificuldades em baixar os impostos sobre maquinário e fertilizantes, por exemplo, sem encarar isso como uma concessão, porque ter acesso a esses produtos mais baratos supostamente ajudaria fábricas e agricultores a ficarem mais competitivos. Porém, como nas negociações da OMC da vida real, cada país está fundamentalmente interessado em objetivos mercantilistas – maximização de lucros em termos de exportações e minimização de seus “prejuízos” pelo lado das importações. Portanto, a OMC é uma mistura peculiar: poder e impotência, livre comércio e mercantilismo. Como ela consegue algum resultado? Assim como em muitas instituições internacionais contemporâneas, a história tem suas origens em meados da década de 1940. [*] Ainda extraordinariamente dinâmico para um homem nascido em 1918 – mesmo com noventa e poucos anos, estava viajando para Genebra para atuar como jurado em casos de litígio na OMC – Julio Lacarte tem muitas histórias para contar. Sua carreira de diplomata e funcionário civil internacional fez com que ele tenha tido contato com Indira Gandhi, Konrad Adenauer e Che Guevara, entre outros ilustres. Foi para o exílio, saindo de seu Uruguai natal durante a ditadura militar, que começou na década de 1970. Em sua infância em Nova York, viu Babe Ruth jogar beisebol. Mas Lacarte faz jus à sua fama por outro motivo, pelo menos para quem ele encontra no Centro William Rappard: ele participou da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, em Havana, 58 a organização intergaláctica do comércio Cuba, que começou em novembro de 1947 e produziu um instrumento de constituição em março seguinte. No mundo do comércio multilateral, isso faz dele um fundador. Na conferência de Havana, “houve um debate tremendo”, lembra-se Lacarte. “Mas todos tinham um só objetivo. Estávamos poucos anos após o final da Segunda Guerra e todos estavam muito conscientes do mundo do pós-guerra que queríamos construir”. Os artífices da ordem do pós-guerra já tinham as Nações Unidas pronta e funcionando e outra de suas criações, o Banco Mundial, estava começando a emprestar dinheiro para reconstruir economias destroçadas pela guerra. Também recém-criado era o FMI, cujo objetivo principal era a promoção da estabilidade financeira global. Agora, voltando-se para o comércio, os artífices estavam prestes a dar outro passo importante rumo a seu objetivo de evitar a recorrência de eventos que tinham engendrado e aprofundado a Grande Depressão. Ainda estava fresca a memória da Lei de Tarifas Smoot-Hawley e de outras políticas protecionistas responsáveis pela criação de um clima desastroso para o comércio na década de 1930. Assinada pelo presidente Herbert Hoover em 1930, a Lei Smoot-Hawley foi aprovada pelo Congresso em resposta a pedidos de muitos fabricantes e agricultores americanos, a despeito da oposição de muitos economistas. A legislação elevava as tarifas de importação de produtos estrangeiros a uma média de 55% do valor de mercadorias tributáveis – os mais altos níveis em pelo menos um século. Isso praticamente assegurava que o preço das mercadorias importadas seria elevado a níveis impossíveis de pagar. Em rápida reação, os parceiros comerciais dos EUA, que já tinham começado a elevar suas próprias barreiras, erigiram seus próprios muros protetores. As tarifas francesas sobre alimentos pularam de 19% em 1927 para 53% em 1931. No mesmo período, as da Alemanha passaram de 27% para 82%, as da Itália de 24% para 66% e as da Áustria de 16% para 59%. Para se certificar de que Washington pagaria um preço alto pela Lei Smoot-Hawley, os franceses, alemães e italianos também impuseram impostos bem superiores a 50% para automóveis, a joia da Coroa da indústria norte-americana. México, Argentina, Japão e muitos outros países seguiram o mesmo caminho. Mesmo a Grã-Bretanha, a nação pioneira do livre comércio em meados do século XIX, diminuindo seus 59 paul blustein impostos primeiro sobre o milho e depois sobre outros produtos, reverteu a rota no início de 1932, promulgando uma tarifa geral. O Canadá, maior destino das exportações dos Estados Unidos, impôs tarifas rígidas sobre produtos importantes que respondiam por cerca de 30% das mercadorias norte-americanas despachadas através da fronteira do norte dos EUA e reduziu impostos sobre mercadorias provenientes da Comunidade Britânica. Uma “guerra de ovos” iniciada entre os dois países proporciona uma ilustração clássica de como um aumento de tarifa provoca outro. O aumento causado pela Lei Smoot-Hawley nas tarifas americanas sobre ovos causou uma queda brusca na quantidade de ovos canadenses comprados pelos americanos. Esse aumento instigou uma elevação retaliatória na tarifa enfrentada pelos produtores americanos de ovos no Canadá de três para dez centavos de dólar a dúzia. O desfecho foi que as exportações de ovos dos EUA para o Canadá, antes um mercado lucrativo para agricultores norte-americanos, minguaram quase a zero. Essas políticas não causaram a Depressão. O maior culpado disso foi o crédito apertado do Banco Central norte-americano. E não devemos esquecer que antes, durante a maior parte do século XIX e início do século XX, as tarifas de importação haviam sido bastante elevadas em muitos países industriais, principalmente nos EUA. Apesar de alguns economistas sustentarem que a irrupção de protecionismo intensificou severamente a crise econômica, até isso é motivo de discussão. Pode-se atribuir a queda de 40% no comércio mundial entre 1929 e 1932 muito mais ao colapso na demanda mundial do que às tarifas de importação mais altas. Mas, como barreiras comerciais rígidas permaneceram em vigor por vários anos e se mostraram difíceis de remover, as economias do mundo enfrentaram dificuldades ao lutar para gerar recuperações – quanto a isso, há consenso geral entre os historiadores econômicos. Igualmente desafortunadas foram as consequências geopolíticas, que ajudaram a alimentar o conflito entre os países. As principais potências estabeleceram acordos comerciais especiais com seus aliados próximos e colônias, dividindo o mundo em blocos ao usar uma combinação de alocações burocráticas, controles monetários e tarifas preferenciais. O padrão de comércio do Japão nos dá um exemplo ilustrativo, senão extremo: a parcela das importações do Japão vindas da Coreia, Formosa e Manchúria dobraram para 40,6% durante o período de 1929 a 1938, enquanto que a parcela de suas exportações indo para esses lugares 60 a organização intergaláctica do comércio pularam de 12% para 55%. Um padrão semelhante surgiu do Reino Unido com sua “Commonwealth”, a França com suas colônias e a Alemanha com seus amigos na Europa oriental e meridional, além da América Latina. Esta foi a ruína sobre a qual Lacarte e seus colegas foram obrigados a se estruturar. Para reparar o dano e minimizar o perigo de futuras guerras comerciais, eles buscaram criar uma instituição multilateral que, ao mesmo tempo, abriria mercados e limitaria a capacidade de os governos restringirem importações no futuro. Sob o novo sistema, as tarifas seriam reduzidas e também “consolidadas”, isto é, os países prometeriam nunca elevá-las acima de determinados níveis. Cada nação especificou números precisos para as consolidações tarifárias que manteria sobre cada mercadoria a ser coberta, o que incluía autopeças, ácidos, arame farpado, caixas registradoras, frutas, cola, joias, bebidas alcoólicas, sabão, aço, tratores e dezenas de outros produtos. Na base do sistema figurava o compromisso de todas as nações participantes de cumprir determinados princípios fundamentais. O primeiro, e mais importante, era que as nações que aderissem ao novo acordo estenderiam o tratamento de Nação Mais Favorecida (NMF) umas às outras, isto é, elas teriam que tratar os produtos de todos os participantes de maneira não discriminatória. Se, digamos, os Estados Unidos fixassem sua tarifa sobre caixas registradoras vindas da Grã-Bretanha em 15%, teriam de impor o mesmo imposto sobre caixas registradoras vindas da França, Austrália ou Uruguai. (Algumas exceções foram permitidas, principalmente em relação a medidas de segurança nacional, áreas de livre comércio e países que desejassem dar um tratamento especialmente favorável a mercadorias vindas de suas colônias e ex-colônias). Os países de fora do sistema – a União Soviética era o exemplo principal – não gozariam dessas proteções e as tarifas sobre suas mercadorias seriam fixadas em qualquer nível. Porém, para os participantes, o tratamento de NMF era, ao mesmo tempo, um direito e uma responsabilidade. E os participantes também concordaram com outro princípio-chave, o tratamento nacional, o que significava que eles tinham de tratar de forma igual as mercadorias importadas e as produzidas no país, pelo menos depois que as mercadorias estrangeiras entrassem em seus mercados. Em outras palavras, apesar de um país poder impor 61 paul blustein impostos sobre importações, ele não poderia impor leis e regulamentos sobre mercadorias estrangeiras diferentes dos aplicáveis a mercadorias produzidas internamente. O sistema finalmente implementado não foi nem de perto tão robusto quanto os fundadores esperavam que fosse. Um plano aprovado em Havana para uma instituição forte, intitulada Organização Internacional do Comércio (OIC), teve sua concretização interrompida quando o Congresso norte-americano, por suspeitas então crescentes em relação a organizações mundiais, recusou-se a aprová-lo. O que sobreviveu a essa controvérsia foi um acordo mais esquemático, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), assinado por vinte e três países em 1948. O GATT foi um conjunto de regras, não uma organização, de forma que os países participantes não poderiam reclamar o status oficial de “membros”. Foram descritos como “partes contratantes” (um termo que vinha sempre em letras maiúsculas nos documentos oficiais) e, quando o GATT atuava, nunca o fazia em seu próprio nome, mas sim, no das “PARTES CONTRATANTES”. Não obstante, o GATT, cuja Secretaria estabeleceu sede em Genebra, cumpriu muitas das metas-chave que os fundadores tinham vislumbrado, inclusive no que se refere aos cultuados princípios de NMF e de tratamento nacional. Isso significava que o mundo não comunista tinha se engajado numa grande marcha rumo a um comércio internacional mais aberto. Foi aqui, nessa grande marcha, que o livre comércio e o mercantilismo se uniram num tipo de convergência harmônica: os países concordaram em baixar suas barreiras sob a condição de que os parceiros comerciais baixariam as suas também. Governos que poderiam de outra forma resistir a cortes de tarifas por medo de ofender indústrias domésticas poderosas ficaram inclinados a unir-se a exercícios de liberalização comercial entre os países porque seus exportadores estavam ávidos por acesso a mercados estrangeiros, o que, por sua vez, possibilitou mobilizar maiorias políticas em prol de um comércio mais livre. A grande marcha pareceu às vezes mais com uma difícil caminhada, pois consistiu em uma série de rodadas que envolviam negociações longas e árduas. Apesar de o GATT ter elaborado procedimentos de votação, na prática, o consenso era necessário, e mais países foram se juntando ao longo dos anos. O acordo inicial do GATT reduziu as tarifas dos vinte e três participantes em quase 20%. Depois, seguiram-se quatro rodadas nas 62 a organização intergaláctica do comércio décadas de 1940, 1950 e início da década de 1960, que baixaram as tarifas um pouco mais. Nesse período, os Estados Unidos fizeram a maior parte da liberalização comercial de modo a ajudar a recuperação das economias de seus aliados da Guerra Fria. De 1964 a 1967, os países participantes – agora em número de 62 – negociaram a Rodada Kennedy, batizada com o nome do presidente dos Estados Unidos que havia desempenhado um papel importante no seu lançamento. Essa negociação reduziu tarifas sobre produtos manufaturados em mais 35%. Na Rodada Tóquio, negociada de 1973 a 1979 entre cerca de cem países, as tarifas industriais foram cortadas mais uma vez, em cerca de um terço. Além disso, essa rodada incluiu vários acordos visando evitar que os países fizessem uso de práticas desleais para bloquear importações e que concedessem vantagens às suas exportações. Os acordos foram considerados necessários porque vários países estavam subsidiando seus exportadores, impondo requisitos de licenciamentos onerosos sobre importadores e supostamente usando regulamentos referentes a saúde, segurança e meio ambiente de forma discriminatória contra produtos estrangeiros. No entanto, apenas um número relativamente pequeno das partes contratantes assinou esses acordos. Os países eram livres para escolher, ao estilo à la carte, os códigos aos quais subscreveriam. A grande marcha não foi apenas lenta e árdua . Ela evitou quase por completo passar por determinadas áreas importantes do terreno. Como preço político por concordar com os cortes de tarifas da Rodada Kennedy, os Estados Unidos insistiram em proteger sua indústria têxtil e de vestuário, que era uma força dominante nos estados do sul e controlava membros poderosos do Congresso oriundos dessa região. Começando no final da década de 1950 com limites sobre importações de artigos de algodão fabricados no Japão, Washington foi aos poucos estendendo essas restrições a roupas, tecidos, toalhas, lençóis e todo tipo de outros produtos têxteis – lã, algodão, poliéster, nylon – vindos de outros países. O resultado foi uma exceção massiva aos princípios do GATT, na medida em que os países ricos estabeleceram um sistema de quotas que limitava suas importações vindas de determinadas nações. O sistema especificava, por exemplo, o valor máximo de travesseiros que o Paquistão poderia expedir para o mercado norte-americano ou quantos pares de meias de algodão poderiam entrar nos EUA vindos de 63 paul blustein Honduras ou a quantidade de lenços feitos de fibras artificiais que Hong Kong poderia exportar para a Europa. A agricultura também ficou de fora das regras do GATT, inicialmente por causa de um pedido dos Estados Unidos na década de 1950 e mais tarde por causa da insistência da Comunidade Europeia em proteger seus agricultores. Ademais, à medida que as barreiras foram caindo em relação à maioria dos produtos manufaturados, alguns setores prejudicados seriamente pelas importações – a indústria siderúrgica norte-americana sendo o caso mais patente – fizeram um uso eficaz de dispositivos legais especiais que ajudaram a afastar os concorrentes estrangeiros, pelo menos temporariamente. Esses dispositivos incluíam leis antidumping, que dão direito a um governo de impor altas tarifas sobre importações vendidas a preços deslealmente baixos, e leis de “salvaguardas”, que permitem a imposição de impostos para proteger uma indústria doméstica ameaçada por um repentino surto de importações. E ainda havia os países em desenvolvimento. Muitos deles adotaram a “política Greta Garbo” – uma referência à atriz sueca conhecida pela frase “Quero ficar sozinha”. As décadas de 1950, 1960 e 1970 foram o apogeu do Movimento de Países Não Alinhados, do Grupo dos 77, e de outras coalizões do terceiro mundo. Depois de finalmente desbancar o colonialismo ocidental, esses países visavam alcançar independência econômica em relação às potências industrializadas, com base em um modelo de desenvolvimento impulsionado pelo Estado e calcado na resistência à invasão de empresas multinacionais americanas e europeias. Seus líderes – Jawaharlal Nehru da Índia, Gamal Abdel Nasser do Egito, Sukarno da Indonésia, Kenneth Kaunda de Zâmbia – nacionalizaram indústrias e imitaram algumas estratégias ao estilo soviético, como planos quinquenais, evitando, ao mesmo tempo, colocar-se sob o controle de Moscou. Eles não liberalizavam seus regimes de comércio na mesma medida em que os países ricos estavam fazendo. Insistiam no tratamento “especial”, “diferenciado” e “mais favorável” que os isentava, em grande parte, de reduções de tarifas adotadas pelas nações industrializadas nas negociações do GATT. Seguindo a teoria da substituição de importações, especialmente popular na América Latina, apoiavam indústrias nacionais para fabricação de produtos para consumo local, resguardando-as atrás de altos muros protetores dos ventos gelados da concorrência estrangeira. 64 a organização intergaláctica do comércio Nesses países, as tarifas eram tão exorbitantes para quase todos os itens manufaturados internamente que os preços desses produtos eram em geral o dobro ou o triplo do nível mundial. Os países ricos permitiram que isso continuasse assim, mesmo ao baixarem suas próprias barreiras. Também permitiram que países de baixa renda se excluíssem de muitos dos códigos individuais do GATT e de outras obrigações. Eles fizeram isso em parte porque queriam evitar que os países em desenvolvimento se juntassem ao bloco comunista e em parte porque os mercados dos países em desenvolvimento da América Latina, África e Ásia não pareciam, de qualquer forma, muito lucrativos de seu ponto de vista. Ao se livrarem das regras do sistema, os países em desenvolvimento podiam muito bem definir suas próprias trajetórias econômicas, mas pagaram um preço. Sempre que chegava a hora de escrever as regras, eles normalmente ficavam do lado de fora da sala – de uma sala em particular. [*] Os olhos de Arif Hussain brilham quando ele se lembra da Sala Verde (Green Room). Um ex-funcionário civil indiano que entrou para o Secretariado do GATT em 1984, Hussain até guardou os móveis antigos da Sala Verde numa salinha em frente a seu escritório no Centro William Rappard. A sala foi batizada pela cor de mau gosto (“verde cor de vômito de bode”, como descreve um dos ex-colegas de Hussain) do papel de parede e do tecido de forração que ornava suas paredes e cadeiras. Era a sala de conferências do diretor-geral, que ficou famosa nos círculos ligados ao comércio como o local de reunião para representantes de um grupo seleto de países poderosos, normalmente cerca de vinte, a convite de Arthur Dunkel, diretor-geral de 1980 a 1993. “Havia um monte de fumaça de charuto e cigarro no ar”, recorda-se Hussain. “Os negociadores debatiam documentos e minutas, tudo regado a vinho e sanduíches à vontade”. A ideia era criar um ambiente adequado para se chegar a acordos que pudessem ser vendidos a todos os países participantes do GATT. Apesar de a Sala Verde hoje não ser mais verde – ela foi elegantemente decorada com lambris nas paredes, quadros de arte moderna e uma mesa oval de madeira polida –, nem a tradição nem o termo desapareceram com o tempo. “Salas verdes” são com frequência 65 paul blustein organizadas sob os auspícios da OMC – o termo aparecerá várias vezes neste livro – e consistem em pequenos grupos de negociadores que tentam estabelecer compromissos importantes num formato de tamanho administrável antes que todos os membros da OMC os analisem. “Clube de cavalheiros ingleses” é a expressão que veteranos como Hussain com frequência usam para descrever a atmosfera dos velhos tempos no Centro William Rappard, para onde o GATT se mudou em 1977. Sob um acordo tácito, o diretor-geral era sempre um europeu, tipicamente um diplomata refinado. Era um tempo mais simples, em que países em desenvolvimento ficavam bem satisfeitos em deixar que países mais ricos tomassem a dianteira nas rodadas comerciais, desde que, é claro, as nações em desenvolvimento pudessem preservar seu tratamento especial e diferenciado. “Não obedeça, porém tampouco faça objeções”, era o princípio que seguiam. Embora o Brasil e a Índia fossem normalmente incluídos nas salas verdes por causa da posição de liderança que ocupam no mundo em desenvolvimento, o objetivo principal de ambos era garantir que ficassem de modo geral dispensados de quaisquer regras que os ricos inventassem. De fato, a maior parte das decisões mais importantes tomadas em quase toda a história do GATT foi produto de acordos discutidos exaustivamente entre as duas maiores economias, os Estados Unidos e a União Europeia (anteriormente conhecida como Comunidade Europeia).1 Outros países industrializados participaram de reuniões-chave, principalmente o Japão e o Canadá, cujos ministros do Comércio se encontravam periodicamente com os de Washington e Bruxelas, formando o QUAD, um tipo de comitê diretor para o sistema multilateral de comércio. Contudo, um discurso proferido por Pascal Lamy durante seu mandato como comissário de Comércio europeu descreve, com um toque de exagero, a dominação pelos americanos e europeus: “Nos velhos tempos, conseguir que uma nova Rodada fosse lançada e de fato acordada era simplesmente uma questão de alinhar os objetivos da União Europeia Os países-membros da Comunidade Europeia eram “partes contratantes” do GATT e, como membros da União Europeia, ainda fazem parte da OMC. Mas como cederam o controle de grande parte de suas políticas comerciais para a Comissão Europeia (o órgão executivo do bloco), eles têm sido representados em Genebra e em quase todas as reuniões do GATT e da OMC por autoridades da comissão. Os países-membros exercem influência sobre o comissário de Comércio por meio do Conselho de Ministros e de outras instituições. 1 66 a organização intergaláctica do comércio e dos EUA. Bastava evitar alguma rixa aqui e ali sobre agricultura, obter a anuência do resto do mundo e pegar o próximo voo de volta para casa”. Por mais que o sistema do GATT tenha sido construído de maneira pouco sólida e às pressas, ele resultou numa dissolução gradual de muitos obstáculos ao comércio. As tarifas médias impostas por nações industrializadas sobre produtos manufaturados despencaram de 35% para 6,5% até meados de 1980 em consequência dos acordos do GATT. Os economistas em geral creditam essa tendência ao fornecimento de uma plataforma sólida para o crescimento do comércio internacional que ajudou a aumentar a produtividade e revigorar economias no mundo livre durante a segunda metade do século XX. Contudo, em meados da década de 1980, o sistema do GATT estava em sérios apuros, perdendo credibilidade e sendo cada vez mais visto como ineficiente – com toda razão. Imagine um tribunal em que uma pessoa pudesse ser acusada de um crime e considerada culpada, mas que pudesse, antes de ser mandada para a prisão, levantar-se e anunciar: “Estou exercendo o meu direito de anular o veredito”, e sair andando livremente. O sistema de solução de controvérsias do GATT às vezes funcionava assim. Se, digamos, a República da Freedonia acreditasse que suas exportações estavam enfrentando obstáculos desleais no Reino da Sylvania, ela poderia encaminhar o caso a um tribunal de peritos em direito comercial especialmente selecionados. E, se o tribunal concordasse que Sylvania estava infringindo as regras do GATT, poderia ordenar que Sylvania mudasse suas práticas ou enfrentasse uma punição, punição esta que normalmente consistia em permitir que Freedonia aumentasse tarifas a níveis punitivos sobre alguns produtos de Sylvania. Mas uma brecha estranha permitia que os países se esquivassem desse mecanismo. A decisão do tribunal poderia ser subvertida se apenas um membro do GATT – inclusive o país infrator – apresentasse uma dissensão. De fato, um país acusado como Sylvania poderia evitar que o caso fosse sequer levado a audiência, porque o consenso total entre os participantes do GATT era necessário a cada passo do processo, inclusive a nomeação do tribunal, a decisão do tribunal e a imposição de sanções. Essas regras com frequência levavam a atrasos absurdamente longos, nos quais os países se recusavam por meses, ou até anos, a permitir que processos contra eles prosseguissem. 67 paul blustein O GATT era então de muitas formas inofensivo e esse fato ajudou a inflamar o sentimento protecionista em Washington, principalmente à medida que aumentava, no final das décadas de 1970 e 1980, a ansiedade acerca do aparente declínio na competitividade dos EUA. O elevado déficit comercial norte-americano, a suposta invencibilidade da pujante indústria japonesa e a pirataria crescente de filmes e discos americanos convenceram muitos políticos e comentaristas de que as práticas desleais de estrangeiros estavam dificultando as condições de concorrência para as empresas e trabalhadores norte-americanos. Os falcões do comércio argumentavam que a América tinha que resolver a situação por sua própria conta, porque o GATT era incapaz de remediar o problema. Legisladores de ambas as partes se alinharam por trás da legislação, aprovada em 1988, que endureceu os requisitos para o representante de Comércio dos EUA impor sanções sobre países que fizessem uso de práticas “injustificáveis e desarrazoadas” contra as exportações norte-americanas. A Lei de Comércio de 1988, assinada pelo presidente Ronald Reagan, fez parte de um movimento crescente para uma abordagem unilateral para tratar controvérsias que solapou o próprio âmago dos princípios sobre os quais o GATT tinha sido construído. O mesmo aconteceu com os acordos assinados durante aquela década nos quais o Japão prometeu limitar suas exportações de automóveis e de determinados produtos para os Estados Unidos – negociações que eram oficialmente intituladas “restrições voluntárias a exportações”, mesmo que fosse óbvio que a participação de Tóquio era o resultado involuntário de ameaças feitas pelo Congresso no sentido de impor tarifas protecionistas. O compromisso de Washington com o multilateralismo pareceu desvanecer-se ainda mais com a conclusão, também em 1988, do acordo de livre comércio dos EUA com o Canadá, seguido logo depois pela abertura de negociações por um acordo semelhante com o México. “O GATT está morto”, proclamou Lester Thurow, diretor da Escola Sloan de Administração do M.I.T. em 1989. O escárnio em relação à instituição ganhou vida nova quando os Estados Unidos caíram em recessão no início da década de 1990. Laura D’Andrea Tyson, economista formada pela Universidade da Califórnia em Berkeley, que se tornaria a primeira consultora-chefe para assuntos econômicos do presidente William J. “Bill” Clinton, publicou um livro em 1992 declarando que “em sua forma atual, [o GATT] é quase totalmente irrelevante” para 68 a organização intergaláctica do comércio as preocupações comerciais mais prementes dos Estados Unidos; ela defendia uma política que “às vezes envolveria um unilateralismo agressivo”. Para os debilitados defensores do multilateralismo, a salvação vinha sob a forma de uma ideia, concebida por um americano, mas que enfrentaria resistência de seu governo até o último momento. [*] John Jackson reconheceu no livro que escreveu em 1990 que estava apresentando sua proposta “sob o risco... de parecer irrealista ou ‘idealista’ demais”. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, Jackson se interessara pelo GATT na década de 1960 e passara alguns meses trabalhando no Secretariado em Genebra. Depois de escrever um famoso tratado sobre direito do comércio internacional, ele chamou atenção do governo Nixon, que almejava tê-lo como consultor jurídico geral do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. “Definitivamente não sou republicano”, disse Jackson, “e eles me perguntaram se eu tinha aderido a algum abaixo-assinado contra a Guerra do Vietnã em Michigan. Para falar a verdade, eu tinha sim. Portanto, num primeiro momento, assumir o cargo estava fora de cogitação. Mas, depois da eleição de 1972, eles decidiram me sondar de novo e consegui o cargo”. Muito preocupado com os problemas que via ameaçando o GATT, Jackson causou muito alarde no retorno à academia no final da década de 1970, ao assinar um artigo intitulado The Crumbling Institutions of the Liberal Trade System [O esfacelamento das instituições do sistema liberal de comércio]. Cerca de doze anos depois, teve a oportunidade de desempenhar um papel importante na solução. Grandes mudanças estavam a caminho. Ministros do Comércio de 72 países tinham se reunido em setembro de 1986 no balneário uruguaio de Punta Del Este. Lá tinham lançado a Rodada Uruguai, que visava não apenas reduzir as barreiras comerciais, mas também expandir o escopo do pacto para novas áreas, em particular, serviços, agricultura e proteção da propriedade intelectual. Como defensor do multilateralismo, Jackson queria que a rodada tivesse sucesso, mas temia que ela causasse ainda mais problemas para o GATT, que já estava repleto de códigos e tratados específicos sobre questões que iam de aeronaves civis a subsídios e 69 paul blustein a licenciamento de importações. Então, no livro de 1990, ele propôs substituir o “arcabouço fraco” do GATT por uma “instituição que poderia ser chamada por vários nomes, que eu designaria (para simplificar) de Organização Mundial do Comércio (OMC)”. Além de proporcionar uma superestrutura que pudesse coordenar todos os vários acordos, a nova organização vislumbrada por Jackson teria um sistema mais forte de solução de controvérsias, acabando com os vetos impostos pelas partes perdedoras. O ministro do Comércio canadense, John Crosbie, ficou animadíssimo com a ideia e propôs formalmente que a OMC fosse criada como parte de um acordo final da Rodada Uruguai. Os europeus também ficaram entusiasmados. Anteriormente tinham se posicionado firmemente contra a ideia de mudar o sistema de solução de controvérsias, mas agora queriam uma nova organização global forte, na esperança de que ela impedisse os Estados Unidos de seguir no caminho do unilateralismo. Bruxelas tinha a grande preocupação de que o nome fosse “Organização Multilateral de Comércio” – ou “OMC”. Presidindo o comitê de negociadores que estavam analisando essas questões institucionais – num realce à sua condição de fundador – estava Julio Lacarte, do Uruguai. Os Estados Unidos estavam cautelosos. Formuladores de políticas do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos temiam incitar o mesmo tipo de oposição no Congresso que tinha levado a OIC à ruína quarenta anos antes. Afinal, uma organização mais robusta armada com um rígido mecanismo de imposição de regras poderia restringir a liberdade de ação de Washington em matéria de comércio e provavelmente suscitaria novas críticas por parte de pessoas preocupadas com a erosão da soberania norte-americana. Mesmo assim, os negociadores norte-americanos defendiam um sistema internacional mais forte para solução de controvérsias e achavam que poderiam usar a proposta de OMC como moeda de troca na Rodada Uruguai – em outras palavras, concordariam com ela sob a condição de receber concessões em outras áreas. Nos bastidores, prolongavam-se os debates sobre o melhor nome. “Havia muitas piadas, porque não gostávamos do nome ‘Organização Multilateral de Comércio’”, lembra-se Rufus Yerxa, representante adjunto de Comércio dos Estados Unidos no governo Clinton. O pessoal dizia: “Vamos chamá-la de Organização Cósmica de Comércio. Não, Organização Intergaláctica de Comércio!”. 70 a organização intergaláctica do comércio Uma grande barganha estava se formando. Apesar de estarem levando anos para chegar a um desfecho – as negociações da Rodada Uruguai eram um verdadeiro atoleiro –, as linhas mestras do acordo começaram a tomar uma forma clara no início da década de 1990, graças, em parte, a uma proposta ousada apresentada em 1991 pelo diretor-geral Arthur Dunkel num lance para vencer o impasse. Os Estados Unidos e outras nações ricas, inclusive as da Europa, queriam muito modernizar as regras do comércio internacional estendendo-as a setores em que o mercado estava crescendo rápido, como serviços, e áreas em que os conflitos estavam aumentando – direitos de propriedade intelectual em particular. Algumas das empresas ocidentais mais dinâmicas eram líderes mundiais em ramos como produtos farmacêuticos, bancos e cinema e seus governos esperavam obter novas proteções para operações no exterior dessas empresas. Washington também estava ávido por obter maiores oportunidades de exportação para agricultores norte-americanos altamente competitivos. Os europeus queriam, entre outras coisas, a “OMC”. Nesse ínterim, uma mudança de paradigma no mundo todo estava atraindo como nunca os países em desenvolvimento para as negociações. O comunismo tinha desmoronado, com a Rússia e muitos de seus satélites acolhendo livres mercados. A ascensão espantosa das economias dos “tigres” asiáticos – Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura – também estava transformando modos de pensar. Muitos países em desenvolvimento estavam abandonando seus antigos modelos baseados em forte controle governamental e na substituição de importações, que pareciam deixá-los atolados em estagnação econômica, e estavam reduzindo unilateralmente barreiras comerciais na esperança de que mercados mundiais lhes trouxessem salvação. O Brasil, por exemplo, reduziu suas tarifas médias de 57,5% em 1987 para 13% em 1993 e a Argentina cortou suas tarifas médias de 40% para cerca de 9% (apesar de ambas as nações terem mantido tarifas consolidadas muito mais elevadas – isto é, os tetos que eram legalmente obrigados a honrar sob os compromissos do GATT). Esses países queriam novas regras vantajosas nas áreas de comércio de seu interesse e estavam prontos a barganhar para obtê-las. No topo das prioridades dos países em desenvolvimento estavam os dois setores que as nações ricas tinham retirado do sistema do GATT – 71 paul blustein agricultura e têxteis. Agricultores e fabricantes de roupas da América Latina, Ásia e África podiam vender mais barato que seus rivais do mundo industrializado. Assim sendo, seus governos buscavam um fim para os enormes obstáculos que os impediam de ter total acesso a mercados dos países ricos, em particular as complicadas quotas que limitavam suas exportações de têxteis. A situação chegou a um ponto decisivo em meados de dezembro de 1993. Era potencialmente o maior acordo comercial da história, sendo o destino da proposta de John Jackson apenas uma das questões pesando na balança. Todo mundo sabia que Peter Sutherland, o vigoroso político e advogado irlandês que tinha se tornado diretor-geral do GATT em julho, estava falando sério ao fixar 15 de dezembro como data limite, “impreterivelmente”, para concluir as negociações. “Chega de prorrogações”, advertiu Sutherland. Desta vez, a Rodada Uruguai seria declarada morta se os negociadores fracassassem novamente em fazer os acordos necessários. Com a aproximação de um cenário de “fim de jogo” (endgame), isto é, do momento decisivo do processo negociador, todos os olhos se fixaram sobre dois homens que tinham uma coisa em comum – a origem judaica lituana – e quase mais nada. Magro, quase descarnado, Mickey Kantor, que era representante de Comércio dos Estados Unidos, fala com um leve sotaque do Tennessee (ele é natural de Nashville) e ganhou renome como advogado inflexível de Los Angeles e político democrata atuante na mesa de negociações. Sua corpulenta contraparte da Comissão Europeia, Sir Leon Brittan, tinha propensão a adotar um tom filosófico em seu belo sotaque britânico ao falar de assuntos complexos – uma habilidade que o conservador Sir Leon tinha adquirido em seus dias como presidente do Grêmio Estudantil em Cambridge. Seus predecessores já tinham avançado na resolução de alguns assuntos espinhosos, principalmente ao fechar um acordo agrícola no final de 1992 no qual os europeus concordaram em restringir subsídios para exportações de produtos agrícolas. Porém, como normalmente acontece em grandes negociações, muitas concessões foram guardadas para o final, fazendo com que várias questões continuassem pendentes. Nos três primeiros dias de dezembro de 1993, Kantor e Brittan chegaram com esforço a um pacto em Bruxelas que refinava os termos do acordo agrícola e depois viajaram de avião para Genebra para continuar a lidar com outras questões. 72 a organização intergaláctica do comércio Os hotéis em Genebra foram ficando cada vez mais lotados de negociadores e lobistas à medida que a data limite de 15 de dezembro se aproximava. Os serviços de limusines e táxis da cidade funcionavam sem parar e os restaurantes mais sofisticados serviam quantidades substanciais de fondue para multidões em jantares caros. Um acordo de tirar o fôlego estava em jogo. Dessa vez, os cortes de tarifas sobre produtos manufaturados eram só uma pequena parte do pacote. Mas havia, sim, algumas reduções pesadas nas tarifas. As nações industrializadas eram encorajadas a reduzir seus impostos de importação em dois quintos, até chegar a uma média de 3,8%. Porém, outros elementos eram bem mais importantes. Os países ricos ganhariam um novo sistema completo de regras para proteger patentes e direitos autorais no mundo todo, além de regras aplicáveis ao comércio internacional no pujante setor de serviços. Os países em desenvolvimento obteriam a eliminação de quotas de têxteis por um prazo de dez anos e tarifas e subsídios agrícolas finalmente ficariam sujeitos a limites no mundo todo. O pacote incluía vantagens demandadas também por outros participantes, como regras que regem os direitos de países imporem tarifas antidumping e uma interdição a restrições “voluntárias” a exportações. O Japão e a Coreia do Sul, que tinham se recusado resolutamente a abrir seus mercados de arroz, por fim, sucumbiram, no início de dezembro, à pressão de Washington e concordaram em permitir uma quantidade muito limitada de importações. Tumultos irromperam em Seul e o primeiro-ministro foi forçado a renunciar ao prometer que 1% do mercado coreano de arroz, subindo ao longo do tempo para 4%, seria aberto a estrangeiros. Como se não fosse o bastante, o resultado das negociações consistiria em um “pacote único” (single undertaking). Em outras palavras, em vez da abordagem à la carte usada na Rodada Tóquio, quando países poderiam escolher quais dos vários códigos gostariam de aceitar, todos os países participantes da Rodada Uruguai teriam de aceitar o acordo na íntegra (apesar de que os países em desenvolvimento teriam de novo um tratamento mais leniente, como cortes menores de tarifas e períodos de transição mais longos do que os países ricos). De fato, todas as nações-membros se vinculariam a acordos anteriores do GATT, inclusive quase todos os que eram antes opcionais. Assim, as regras passaram a ser aplicadas a todos os países, abrangendo questões como as leis e 73 paul blustein os regulamentos que os governos poderiam impor em relação à saúde, segurança e meio ambiente – a ideia era coibir o uso discriminatório do poder governamental contra importações. Um tema bastante contencioso ainda ameaçava arruinar as negociações. Os europeus insistiam em proteger sua indústria cinematográfica doméstica mantendo limites estritos sobre o número de filmes estrangeiros transmitidos em suas redes de televisão. O presidente Clinton tinha prometido a chefões de Hollywood – entre eles alguns dos maiores doadores de sua campanha – que ele daria prioridade máxima ao objetivo de fazer com que a Europa desistisse desses limites. O poderoso presidente da Associação de Cinema da América (Motion Pictures Association of America – MPAA), Jack Valenti, levou um pequeno exército de residentes de Hollywood para Genebra, demonstrando o quão empenhada a indústria cinematográfica norte-americana estava nessa questão. O confronto final se desenrolou do outro lado da rua do Centro William Rappard, na missão norte-americana, onde Kantor e Brittan – já exaustos dos muitos dias e noites de debates praticamente ininterruptos – continuaram varando a noite até a madrugada de 14 de dezembro. No andar de cima, estavam Valenti e seus confrades da indústria do cinema, que se reuniam constantemente com os negociadores norte-americanos, instando-os a assumir uma postura rígida. Porém, com o governo francês radicalmente oposto às demandas norte-americanas, Sir Leon recusou-se a ir além de ceder em alguns poucos pontos de menor importância. Um Kantor pálido e abatido se reuniu com a equipe negociadora dos EUA por volta de 4h da manhã de 14 de dezembro para dizer-lhes que tinha sido “emparedado” e que, com apenas um dia sobrando antes que o machado caísse sobre a Rodada Uruguai, ele teria de telefonar para o presidente para saber o que fazer. Expulsou os outros da sala e ligou para Clinton em Boston. “Disse-lhe: ‘Na minha opinião, essa história de cinema não é tão importante assim, porque Hollywood vai dominar o mercado mundial de qualquer forma, independentemente dos regulamentos dos europeus”, recorda-se Kantor, acrescentando que Clinton concordou, mas solicitou-lhe que telefonasse para Lew Wasserman, que dirigia o estúdio Music Corporation of America (MCA) e, aos oitenta anos, era o poderoso chefão da indústria cinematográfica. “Então”, continuou Kantor: 74 a organização intergaláctica do comércio Telefonei para Lew, por volta de 19h em Los Angeles. Contei-lhe o que estava acontecendo. Ele me disse: “Mickey, esse não é o maior acordo comercial de todos os tempos?” Respondi: “É, sim”. Ele replicou: “É do interesse do nosso país?”. Respondi: “É, sim”. Ele disse: “Essa coisa [de cinema] não importa. Vamos dominar esse mercado de qualquer jeito. Eles não podem nos manter afastados da Europa. A tecnologia [como as fitas de vídeo] tornará impossível para eles fazerem isso”. Então ele disse: “Vá com Deus”. No dia seguinte, às 19h35, o som do martelo de mogno batido pelo diretor-geral Sutherland marcou o fim das negociações da Rodada Uruguai, suscitando comemorações e abraços entre os representantes das 117 nações participantes. Mas o que houve com a proposta de John Jackson? Ela tinha sido resolvida naquela manhã, a última questão tratada nas conversações, tendo os Estados Unidos aceitado a ideia sob a condição de que o nome da organização fosse “Organização Mundial do Comércio”. Essa definição chegou tão tarde que o texto divulgado à imprensa continha o nome preferido dos europeus, assim como as reportagens sobre o acordo nos mais importantes jornais do mundo. O New York Times publicou em sua edição de 15 de dezembro de 1993: “Uma nova agência internacional, a Organização Multilateral de Comércio, substituirá o GATT”. [*] Quem sabe um dia os historiadores olharão em retrospecto para o Primeiro Dia do Ano de 1995 como sendo o zênite da globalização econômica. Nesse dia, diante de flashes de câmeras fotográficas e filmagens de videoteipes, foi retirada a placa ostentando as palavras “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio” na entrada do Centro William Rappard. Em seu lugar, foi posta uma placa com a inscrição “WTO/OMC”, as siglas referentes a World Trade Organization/Organisation Mondiale du Commerce, o nome do órgão em inglês e francês. A cerimônia ocorreu numa época em que o princípio da liberalização comercial entre nações estava em alta no mundo inteiro, tal como evidenciado por uma série de rápidos eventos ocorridos durante um período notável pouco antes da mudança de placas em Genebra. 75 paul blustein Três semanas antes, em Miami, Flórida, acontecera o que Clinton chamou de “um momento mágico” – a Cúpula das Américas, reunindo líderes de 34 países do Hemisfério Ocidental. O astro da salsa Tito Puente, cantores de reggae da Jamaica, o saxofonista Kenny G, o Grande Balé Folclórico do México e percussionistas brasileiros tocando pandeiros encantaram os participantes da conferência e os 4.000 VIPs que assistiram a uma queima de fogos de artifício. Para os chefes de Estado, houve um jantar de gala num iate de duzentos pés que navegava pela Baía Biscayne. O espetáculo celebrava o pacto dos líderes em torno da meta de 2005 de criar uma zona de livre comércio estendendo-se do Ártico canadense até a Terra do Fogo. A ideia era efetivamente ampliar a NAFTA que, após ser aprovado no Congresso em meio a acalorados debates em 1993, tinha eliminado a maior parte das barreiras comerciais entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. Cerca de um mês antes da Cúpula das Américas, em meados de novembro de 1994, ocorrera uma reunião do fórum de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC, na sigla em inglês) em Bogor, na Indonésia, em que Clinton e 17 outros líderes pousaram para fotos usando camisas de batik em tons variados de marrom, preto, bege e ocre. Essa conferência emitiu uma declaração prometendo alcançar “livre comércio e investimentos na Ásia e no Pacífico” até 2020. As promessas feitas em ambas as conferências – a do Hemisfério Ocidental e a da Ásia e do Pacífico – podiam ser consideradas como retórica vazia ou mero simbolismo. Não obstante, eram um sinal espantoso de avanço contínuo do capitalismo ao redor do mundo após a queda do Muro de Berlim. A importância das declarações não estava em seus pontos específicos, porque as implicações dependiam fundamentalmente de decisões de seguimento que ainda estavam pendentes. Elas não vinculavam legalmente os signatários a quase nada. Um comércio completamente livre em regiões tão vastas era uma meta tão ambiciosa que colocava em questão sua própria credibilidade. Já em Bogor, os japoneses, juntamente com os sul-coreanos e os taiwaneses, sugeriram tranquilamente que o “escopo” do plano da Ásia e do Pacífico teria de ser limitado em futuras reuniões, uma forma indireta de dizer que estavam determinados a excluir o arroz e outros produtos agrícolas sensíveis de novas ameaças de penetração de importações. Mesmo assim, essas declarações representaram 76 a organização intergaláctica do comércio um marco no avanço inexorável dos livres mercados que ganhara força nos últimos seis anos. Era espantoso que entre seus signatários estivessem países – incluindo a China, ainda nominalmente uma nação comunista – que tinham sido líderes do Movimento dos Países Não Alinhados e outras alianças do terceiro mundo opostas a empresas multinacionais. Os defensores da globalização estavam obviamente em grande vantagem naquela época. Os acordos de livre comércio propostos provocaram um pouco de desconforto mesmo entre vários defensores do livre-cambismo. Não era claro qual impacto esses planos teriam sobre o princípio de não discriminação entre membros da OMC. Mas o sistema multilateral estava se fortalecendo imensamente. A comemoração da nova placa de bronze na entrada do Centro William Rappard ofuscou em importância as duas reuniões regionais. A novata OMC não apenas tinha regras que cobriam muito mais áreas e setores do que o GATT, a exemplo de agricultura, propriedade intelectual, serviços e padrões de saúde, como também tinha dentes muito mais afiados. Graças às novas regras da Rodada Uruguai relativas à solução de controvérsias, países culpados de violar regras de comércio internacional não podiam mais bloquear a criação de comitês ou painéis de arbitragem para julgar esses casos ou vetar decisões adotadas contra eles. Em troca pela renúncia ao direito de rejeitar decisões que consideravam errôneas, os países poderiam recorrer a um recém-estabelecido Órgão de Apelação, composto por sete membros, e cujas decisões seriam finais e irrecorríveis. Na verdade, a OMC não poderia forçar seus membros – que são nações soberanas – a fazer o que quer que fosse. Um membro considerado em infração das regras da OMC poderia recusar-se a mudar suas leis e práticas ofensivas. Mas o custo do desafio poderia ser economicamente doloroso, dado o direito dos reclamantes vitoriosos de impor medidas retaliatórias contra os infratores. Isso seria equivalente a renunciar à soberania? Essa questão surgiu durante o debate no Congresso dos EUA, em 1994, sobre a ratificação da Rodada Uruguai. Em resposta, os defensores da nova organização argumentaram que a renúncia a direitos soberanos nessas circunstâncias não era maior do que, digamos, nos tratados que proíbem testes de armas nucleares. Assim como com a maioria dos tratados e acordos internacionais, os Estados Unidos estavam concordando com limitações 77 paul blustein ao seu comportamento, em troca de que outros países concordassem em fazer o mesmo. Esse argumento ajudou a garantir a aprovação no Congresso. A OMC estava lubrificando os trilhos sobre os quais o trem da globalização vinha ganhando impulso. E mais ainda estava por vir. Na segunda metade da década de 1990, grupos de membros da OMC se juntaram para concluir acordos que liberalizavam o comércio ainda mais em três setores específicos – tecnologia da informação, telecomunicações e serviços financeiros. Esses chamados acordos plurilaterais não foram assinados por todos os membros da OMC, apenas 29 nações aderiram inicialmente ao Acordo sobre Tecnologia da Informação, por exemplo, um número que mais tarde cresceu para setenta. Porém, os signatários eram responsáveis por um grande volume de negócios nos setores cobertos e prometiam estender o tratamento em bases de Nação Mais Favorecida (NMF) a todos os outros. Por exemplo, sob o acordo de tecnologia da informação, os países participantes concordaram em reduzir suas tarifas a zero sobre chips de computadores, máquinas de fax, processadores de texto e a uma ampla gama de produtos de alta tecnologia. Além disso, concordaram em estender o mesmo tratamento de tarifa zero aos produtos de qualquer membro da OMC, quer ele tivesse assinado o acordo ou não. Pouco tempo após esses acordos, ocorreu uma das guinadas mais expansivas de todos os tempos para o sistema global de comércio – o acordo assinado pela China que a colocou no caminho para o ingresso na OMC. Associar-se à OMC é muito mais complicado do que simplesmente mandar um formulário de candidatura e pagar uma taxa. Para ser admitido, um país tem de negociar bilateralmente com qualquer membro da OMC que queira obter alguma mudança no regime de comércio do novo membro em potencial. Todas as mudanças acordadas são estendidas a todos os demais membros de acordo com o princípio da NMF. Para a China, esse processo tendia a ser transformador, porque os Estados Unidos, mais do que qualquer outro membro da OMC, exigiam uma transformação de cima abaixo da economia chinesa. A estrutura econômica do país ainda guardava muitas das características do planejamento central comunista – empresas estatais que forneciam benefícios para toda a vida a milhões de trabalhadores; um sistema bancário burocrático e lento criado para financiar essas empresas; e 78 a organização intergaláctica do comércio interferência pesada do governo e autoridades do partido com poder de restringir severamente oportunidades para estrangeiros quando isso se adequava a seus interesses. Sob Zhu Rongji, o visionário modernizador da China que se tornou primeiro-ministro em 1998, Pequim deixou claro que estava preparada para desmantelar grande parte do antigo aparato a fim de conseguir se filiar à OMC. Os chineses tinham bons motivos: ao serem admitidos na OMC, poderiam libertar-se da ameaça de ação unilateral contra suas exportações. Poderiam também assegurar-se de que os Estados Unidos e outros países teriam de levar suas reclamações contra a China aos tribunais da OMC, em vez de simplesmente ameaçar Pequim com tarifas. Negociações prolongadas e ásperas foram necessárias, porque os chineses sentiam que os Estados Unidos estavam tirando vantagem da situação para forçar demandas extremas sobre eles. Mas, em novembro de 1999, a representante de Comércio dos Estados Unidos, Charlene Barshefsky, e uma equipe chefiada por Zhu chegaram a um acordo. Alguns dos pontos altos do acordo dão uma ideia da magnitude do esforço feito pela China para garantir seu lugar na OMC: Pequim tinha de reduzir suas tarifas-limite sobre bens industrializados a uma média de cerca de 9% até 2005 – nível equivalente a menos de um terço dos valores comparáveis para o Brasil, Argentina, Índia e Indonésia. A maioria das quotas e exigências de licenciamento que restringiam importações seria eliminada e, no setor automotivo, em que as tarifas sobre automóveis chegavam a 100%, o imposto cairia para 25% em seis anos. Quanto à agricultura, as tarifas médias seriam cortadas para 15% e, para algumas mercadorias, principalmente trigo, a tarifa chegaria a quase zero para uma quantidade significativa de importações. Em outra concessão importante, os representantes governamentais chineses concordaram que, num prazo de três anos, concederiam a empresas estrangeiras plenos direitos de comercializar e distribuir produtos dentro do país, encerrando o sistema de distribuição controlada pelo Estado que há muito limitava a capacidade de multinacionais venderem produtos fabricados no exterior para consumidores chineses. No segmento de serviços, a China assumiu compromissos de abertura de mercado em mais setores do que a maioria dos membros da OMC. Bancos estrangeiros e companhias de seguros não ficariam mais restritos a operar em áreas muito limitadas. Pequim também concordou em aceitar a concorrência em seu sistema 79 paul blustein de telecomunicações, alterando substancialmente um regime regulatório que protegia o monopólio nacional. O “M” de “OMC” tinha uma base muito mais firme agora que a China estava prestes a ser admitida. A ausência do país mais populoso da Terra do quadro de membros da OMC diminuíra seu status como instituição global. Esse problema estava para ser corrigido. O avanço do expresso da globalização, no entanto, não prosseguiria sem encontrar barreiras. Um retrocesso se aproximava. 80 Capítulo 3 O Mal-Estar da OMC Todo ano, Genebra sedia uma grande feira de comércio e turismo. Em maio de 1998, um dos convidados foi o representante oficial de desenvolvimento econômico junto ao Porto de Seattle, Don Lorentz, que veio ajudar a promover a cidade como destino para convenções. Por coincidência, ele recebeu uma dica promissora sobre uma boa oportunidade para sua cidade. A indicação veio numa recepção na casa do embaixador dos EUA na OMC, que confidenciou a Lorentz que o presidente Clinton ia convidar o órgão de comércio para realizar sua próxima grande reunião ministerial nos Estados Unidos. Na qualidade de cidade muito envolvida com comércio, Seattle era uma óbvia candidata a abrigar a reunião. Satisfeito por ter recebido essa informação, Lorentz viajou de volta para casa imediatamente após o evento, em meados de maio. Se ele tivesse ficado mais um ou dois dias e visto o que estava prestes a acontecer em Genebra, teria amainado seu entusiasmo com uma advertência a seus colegas em Seattle de que essa enigmática organização estava atraindo problemas feito um imã. Uma série de manifestações quase sempre violentas abalou Genebra de 16 a 19 de maio. Entoando o bordão “A OMC mata as pessoas. Matem a OMC”, uma multidão de cerca de 5.000 pessoas se reuniu nas ruas da cidade, com alguns grupos se engajando em atos violentos que 81 paul blustein envolveram quebra de janelas, grafitagem com spray e lançamento de bombas de tinta. O carro que pertencia ao embaixador jamaicano foi virado. Os protestos visavam estragar as celebrações do quinquagésimo aniversário do sistema multilateral de comércio. Para marcar a ocasião, a OMC estava recebendo uma reunião de líderes de todas as partes do mundo, inclusive Clinton. O objetivo principal era fazer um balanço geral do funcionamento do sistema nesse meio século, na esperança de que isso levasse as nações-membros da OMC a aspirações ainda mais elevadas. No tocante aos incentivadores do sistema, homenagem, e não protesto, estava na ordem do dia nesse Jubileu de Ouro. Numa coluna intitulada Why Liberalization Won [Por que a liberalização venceu], Martin Wolf do jornal Financial Times citava estatísticas impressionantes para enfatizar o papel que o comércio global tinha desempenhado em cinco décadas de prosperidade no pós-guerra: as exportações mundiais de bens e serviços tinham crescido dezesseis vezes desde 1950, chegando a um total anual de US$6,5 trilhões. No mesmo período, o volume total da produção mundial tinha aumentado seis vezes. “O comércio fez a produção aumentar de forma consistente”, concluiu Wolf. Apesar de os cortes de tarifas não serem a única causa – mudanças tecnológicas tinham ajudado também, reduzindo nitidamente o custo de viagens aéreas e ligações telefônicas –, “a crescente percepção dos benefícios da abertura do comércio” tinham transformado políticas nacionais, escreveu Wolf. Na Ásia especialmente, “os resultados foram impressionantes”, continuou ele, notando como o padrão de vida das pessoas comuns tinha melhorado rapidamente em quatro países recém-industrializados da região (Cingapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan). Em 1965, a renda per capita nesses países era em média 20% do nível de nações de renda alta. Em 1995, esse valor passou para 70%. “Esse caminho foi seguido por outros países – Chile, Indonésia, Malásia e Tailândia, e depois a China”, observou Wolf. Porém, para os militantes nas ruas de Genebra e outros que viam o capitalismo como explorador dos fracos e destruidor da natureza, a OMC, com três anos e meio de criação, constituía um alvo perfeito. Os mesmos pontos fortes que seus admiradores apreciavam – escopo mais amplo, imposição de regras mais rígidas – estavam suscitando a hostilidade de pessoas que a viam como um instrumento pelo qual empresas gigantescas 82 o mal-estar da omc estavam expandindo sua dominação da economia global. Essa percepção, de fato, tinha alguma base. Barreiras comerciais mais baixas significavam que as multinacionais gozavam de mais liberdade para realizar seus negócios onde desejassem, em qualquer lugar do mundo, e algumas regras da OMC inquestionavelmente fortaleciam o poder das multinacionais – um exemplo perfeito eram as novas garantias de direitos de propriedade intelectual, que protegiam, de possíveis imitadores, grandes empresas nas áreas de produtos farmacêuticos, software e entretenimento. Na Europa, lugar de origem do Movimento Verde, a antipatia pela OMC estava enraizada em preocupações referentes ao meio ambiente e à saúde pública. Os defensores dos livres mercados há muito argumentavam que o comércio é, em geral, benéfico para o meio ambiente porque impulsiona o crescimento e melhora o padrão de vida, dando às nações os meios para controlar a poluição. Porém, os Verdes podiam perceber, com razão, alguns conflitos sérios entre metas de comércio e meio ambiente, principalmente nos casos em que o dano ao ecossistema se espalha de um país para outro – por exemplo, a destruição de florestas, a ocorrência de chuva ácida ou a extinção de espécies animais. Os Verdes temiam que a OMC pudesse frustrar esforços para combater essas doenças ambientais, porque a única abordagem eficaz poderia envolver a imposição de sanções comerciais a nações que se engajassem em políticas ambientalmente irresponsáveis – e não estava nada claro se essas sanções eram permissíveis sob as regras da OMC. A segurança dos alimentos era outra questão que acirrava os ânimos em relação ao comércio na Europa, cujos consumidores eram conhecidos por serem avessos a elementos artificiais em sua dieta. Ao avaliar os riscos para a saúde de aditivos nos alimentos, os governos europeus queriam fazer uso do “princípio da precaução”, pelo qual poderiam proteger o público de produtos que eles suspeitavam oferecer risco mesmo sem nenhuma comprovação científica. Mas essa política já tinha enfrentado dificuldades num tribunal da OMC na época dos protestos ocorridos em Genebra em 1998. De fato, essa controvérsia foi um dos fatores que atiçou a raiva dos manifestantes. A questão era a carne, especificamente carne bovina tratada com hormônios para estimular o crescimento. A União Europeia tinha banido a carne bovina tratada com hormônios em 1989. Essa medida foi questionada na OMC tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Canadá, 83 paul blustein cujos pecuaristas usavam hormônios em seu gado há anos. Washington e Ottawa mencionaram o enorme consenso prevalecente entre especialistas de que não havia comprovação científica de riscos na carne bovina tratada com hormônios e disseram que a política da União Europeia violava as regras da OMC, exigindo comprovação científica em caso de regulamentos que excedessem padrões internacionalmente aceitos. A decisão da OMC em 1997 contra a proibição da União Europeia à carne tratada com hormônios enfureceu os ativistas que defendiam a segurança dos alimentos. Por que, perguntavam eles, a União Europeia não deveria ter permissão para avaliar riscos à saúde com base nas normas sociais de seus cidadãos, que defendiam o princípio da precaução? Na verdade, a União Europeia manteve a prerrogativa de basear suas políticas nesse princípio e a interdição de Bruxelas à carne bovina tratada com hormônios permaneceu em vigor – um exemplo clássico do fato de que a OMC não pode forçar um governo a mudar suas políticas. No entanto, a decisão da OMC ainda causava indignação e o preço de desafiá-la seria muito alto (mais tarde, depois que o caso foi totalmente litigado, Washington recebeu autorização da OMC para impor tarifas de 100% sobre mais de US$100 milhões em produtos europeus, como foie gras e roquefort franceses). Os europeus ficaram ainda mais contrariados com a perspectiva de que o caso dos hormônios seria apenas a primeira de uma série de contestações da OMC às regras de saúde e segurança da União Europeia, inclusive às relativas a alimentos geneticamente modificados. Além do caso da carne com hormônios, havia decisões da OMC que pareciam quase ridiculamente maléficas por causa de sua aparente insensibilidade em relação ao destino de algumas das criaturas mais estimadas da natureza – as tartarugas marinhas e os golfinhos. O caso das tartarugas marinhas foi decidido apenas cinco semanas antes das festividades do quinquagésimo aniversário em maio de 1998. Dessa vez, os Estados Unidos estavam do lado dos vigilantes do meio ambiente. Na pauta, estava uma lei norte-americana que visava salvar esses répteis, que se encontravam sob ameaça de extinção por causa das milhares de mortes causadas por afogamento ao serem aprisionadas, por acidente, em redes de pesca de camarão. De acordo com a lei norte-americana, o camarão vendido no mercado americano só poderia vir de países cujos barcos usassem redes especiais aparelhadas com dispositivos de exclusão de tartarugas – DETs (‘turtle excluder devices – TEDs’)” – que são basicamente grades de 84 o mal-estar da omc metal que mantêm as tartarugas afastadas das redes de pesca de camarão. A lei foi objeto de questionamento na OMC, por parte da Tailândia, Malásia, Índia e Paquistão, com base na alegação que, de acordo com regras tradicionais do sistema global de comércio, os Estados Unidos não tinham direito de impor seus padrões de produção sobre outras nações. O argumento se baseava em um sólido princípio: se um país começar a insistir que produtos importados têm de ser produzidos de determinadas formas, as condições por ele impostas (segurança no local de trabalho? discriminação entre sexos?) poderiam facilmente tornar-se pretextos para o protecionismo. Contudo, ativistas ambientais naturalmente se opuseram quando um painel de árbitros da OMC concordou com os reclamantes asiáticos. A partir de agora, as tartarugas marinhas se uniriam aos golfinhos numa causa célebre do movimento antiglobalização. Isso porque, num caso semelhante, alguns anos antes, um painel de árbitros do GATT declarara ilegal uma lei dos EUA que bania a importação de atum de países que não impediam que golfinhos ficassem presos em redes de atum.1 Nos Estados Unidos, os infortúnios dos animais marinhos nos tribunais de comércio estavam causando comoção. Porém, um desconforto ainda maior em relação ao sistema de comércio vinha ganhando força por um motivo diferente. [*] Em termos de descrição do mundo dickensiano no qual muitos operários vivem em países de baixa renda, nada se compara ao artigo publicado no jornal Chicago Tribune em 1994, que abria com a história de Winarti, uma mulher indonésia de 23 anos de idade. Ela vivia num “bolsão industrial coberto de lixo” fora de Jacarta, a capital da Indonésia, contava o artigo, num “casebre de concreto de um cômodo, com paredes 1 Os Estados Unidos entraram com um recurso no caso dos camarões e tartarugas e uma decisão do Órgão de Apelação da OMC alguns meses depois aliviou substancialmente o impacto da decisão adotada pelo painel. O Órgão de Apelação reconheceu que os membros da OMC tinham interesses legítimos na proteção de tartarugas marinhas e outras espécies ameaçadas de extinção usando medidas tais como a exigência do dispositivo de exclusão de tartarugas. Mas a decisão do órgão considerou que a implementação da política norte-americana ainda era discriminatória e, portanto, tecnicamente violava as regras da OMC. Em consequência, as tartarugas marinhas permaneceram como um símbolo poderoso da insatisfação dos ambientalistas com a OMC. 85 paul blustein nuas e ásperas, iluminadas por uma única lâmpada pendurada no teto”. Por mais degradante que fosse sua vida, ficaria ainda pior, porque alguns meses antes ela tinha sido demitida do emprego de costureira de confecções para a GAP, nos Estados Unidos, que lhe pagava US$1,75 por dia (o salário mínimo na Indonésia na época) mais 75 centavos de dólar por dia por hora-extra. Seu crime: ter comparecido a uma reunião para informar-se sobre direitos trabalhistas. Quando os gerentes da fábrica descobriram, puseram-na no olho da rua. Isso não era, de forma alguma, incomum para os trabalhadores asiáticos que produziam as mercadorias expostas nas prateleiras das lojas americanas. Segundo a matéria, “os patrões normalmente fazem pouco caso das normas governamentais sobre salários mínimos e turnos máximos de trabalho” na Indonésia e países vizinhos e “os regulamentos concernentes à saúde e segurança ou são inexistentes ou são desobedecidos”. Casos como o de Winarti estavam ajudando a estimular o movimento “contra condições sub-humanas de trabalho” nas universidades americanas, em que alunos boicotavam roupas e sapatos fabricados por empresas que supostamente maltratavam seus empregados. E, ao mesmo tempo em que a consciência do público ia aumentando, em meados da década de 1990, acerca das condições de trabalho no terceiro mundo, crescia o respaldo político ao argumento de que as regras comerciais tinham de exigir que os países impusessem padrões rígidos sobre o meio ambiente e os direitos trabalhistas. Para os sindicatos norte-americanos, essa era uma reivindicação unificadora numa época em que operários americanos estavam perdendo seus empregos em grande quantidade para potências industriais de rápido crescimento na Ásia e América Latina. Os sindicatos nunca tinham conseguido impor seu ponto de vista abertamente protecionista de que trabalhadores americanos deveriam ser poupados da concorrência de países cujos trabalhadores ganham muito menos do que os americanos. Um argumento mais sólido consistia em questionar se era justo competir com países que suprimiam direitos trabalhistas básicos, como o direito de se organizar e fazer dissídios coletivos, e onde empresas eram essencialmente livres para poluir de uma maneira que as fábricas norte-americanas não podiam. Entre os líderes do movimento trabalhista e seus aliados democratas no Congresso, o novo lema era “concorrência predatória” ou “corrida para o fundo do poço” (race to the bottom). Alegava-se que, conforme 86 o mal-estar da omc a produção crescesse nos países com menores custos trabalhistas e regulamentos mais frouxos, o padrão de vida e a qualidade do meio ambiente em todas as partes do globo seriam puxados para baixo de forma gradual, mas inexorável. Eles advertiam que, em meio à concorrência maníaca para atrair e manter investimentos geradores de empregos, os governos não teriam alternativa senão sucumbir à pressão de multinacionais para fazer vista grossa quando os direitos dos trabalhadores não fossem cumpridos ou as regras antipoluição não fossem observadas. A forma de evitar que isso acontecesse, a seu ver, não era deter a globalização, que era inevitável, mas mudar suas regras de maneira que todas as nações do sistema de comércio sofressem sanções caso deixassem de manter padrões razoáveis de proteção ao meio ambiente e aos direitos trabalhistas. Países como Guatemala, Sri Lanka ou China podem pagar a seus trabalhadores bem menos do que os americanos ganham, mas precisam garantir que os trabalhadores tenham o direito de formar sindicatos e fazer greve, por exemplo. Países que não fizessem isso não teriam livre acesso ao mercado americano para vender seus produtos. Como Alan Reutner, diretor legislativo do sindicato Trabalhadores Automotivos Unidos (“United Auto Workers – UAW”), disse em 1997: “Não estamos afirmando que todos os países devem ter o nosso salário mínimo atual. Mas não queremos assistir a uma corrida para o fundo do poço, uma concorrência baseada em quem pode ter menores salários ou piores condições de saúde e padrões ambientais”. A insistência dos sindicatos em favor da inclusão de proteções trabalhistas fortes nas regras de comércio foi a principal razão para a rejeição pelo Congresso, em 1997 e 1998, da legislação que teria dado ao presidente autoridade para negociar novos acordos comerciais. Isso foi um revés terrível para o governo Clinton. Na época do evento comemorativo do quinquagésimo aniversário da OMC, em maio de 1998, esses argumentos dos sindicatos começaram a aparecer com frequência cada vez maior nos discursos de Clinton à medida que o presidente norte-americano ia sentindo o calor das críticas a seus movimentos em prol da dissolução de barreiras comerciais. Ao dirigir-se aos líderes reunidos em Genebra, Clinton enalteceu as realizações do sistema multilateral, mas também fez uma eloquente advertência do crescente desencanto de seu país. “Precisamos nos esforçar mais para garantir que a vigorosa concorrência econômica 87 paul blustein entre nações nunca se torne uma corrida para o fundo do poço”, disse ele. “Deveríamos nivelar por cima, não por baixo. Sem uma estratégia desse tipo, não poderemos construir o apoio necessário do público para a expansão contínua do comércio. Os trabalhadores só assumirão os riscos de um mercado internacional livre se tiverem confiança de que o sistema funcionará a seu favor”. No entanto, como os defensores do livre comércio se esforçavam em ressaltar, evidências históricas sugerem que os teóricos da corrida para o fundo do poço estava no caminho errado. A primeira “perdedora” da corrida, afinal de contas, foi a Grã-Bretanha, pátria das fábricas dickensianas originais, que tinham seus tecidos de algodão cortados e costurados por pessoas da camada social mais desesperada do país, principalmente mulheres de regiões rurais e crianças de asilos de pobres. Tirar empregos dos ingleses no início da década de 1900 era facílimo em Massachusetts e New Hampshire, onde milhares de moças vindas da Nova Inglaterra e do interior do Canadá desgastavam-se numa labuta repetitiva, quase sempre por mais de 72 horas semanais. Mais tarde, a indústria se deslocaria para os estados do sul para explorar as meninas das fazendas (e muitas eram de fato meninas, de treze anos ou menos), dispostas a trabalhar por metade do salário pago no norte. Nesse meio tempo, na década de 1930, milhões de mulheres japonesas, vivendo em cortiços exíguos e trabalhando doze horas por dia por muito menos do que suas colegas americanas, estavam fabricando grande parte dos produtos de algodão do mundo. E, apesar de a indústria do Japão ter renascido após a Segunda Guerra Mundial – expandindo-se para os setores de calçados, brinquedos e outros produtos, ela se tornou presa fácil da concorrência de Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan nas décadas de 1960 e 1970. Nessa corrida – cujos “ganhadores” mais recentes são a China, o Vietnã e as nações da América Central –, cada “derrota” foi, sem dúvida, angustiante para os operários demitidos. Mas isso era simplesmente uma parte do processo de modernização desses países e de diversificação de suas economias industriais, pois seu poder de compra criou demanda por novos produtos e serviços, levando, por seu turno, à criação de novos empregos. Além dos ataques e contra-ataques do debate, os defensores dos padrões trabalhistas e ambientais enfrentavam um problema embaraçoso: os países em desenvolvimento eram veementemente opostos à ideia de 88 o mal-estar da omc incorporar tais padrões às regras do sistema de comércio. Formuladores de políticas em Brasília, Nova Delhi, Cairo, Pretória e outras capitais estavam profundamente céticos em relação a expressões de preocupação que emanavam de Washington sobre os direitos de trabalhadores em fábricas do terceiro mundo e a necessidade de proteger a água e o ar em seus países. Havia uma quase unanimidade na suspeita de que os países ricos usariam os direitos dos trabalhadores como pretexto para privar as nações pobres de sua vantagem competitiva principal – baixos salários. Os padrões trabalhistas e ambientais, temiam eles, impediriam suas economias de galgar os degraus do desenvolvimento tal como tinham feito os países de alta renda. Consequentemente, rejeitaram todos os esforços do governo Clinton no sentido de suscitar a questão trabalhista como tópico de discussão na OMC, afirmando que o fórum apropriado era a Organização Internacional do Trabalho (que não tem o mesmo poder de imposição de regras da OMC). Típico foi o comentário de Veerendra Kumar, ministro do Trabalho da Índia, que disse em uma conferência em 1997 que “o espectro crescente do neoprotecionismo invocado em nome de padrões trabalhistas... precisa ser reconhecido como tal, encarado com preocupação e combatido com todo vigor”. De qualquer forma, os representantes governamentais de países em desenvolvimento tinham suas próprias queixas contra o sistema multilateral de comércio, consideradas muito mais justificáveis do que as reclamações dos Verdes e dos sindicatos de nações ricas. Eles tinham aderido à Rodada Uruguai, em meio ao fervor capitalista de meados da década de 1990. Agora alguns deles estavam se perguntando se tinham embarcado numa canoa furada. [*] A transcrição do acordo básico da Rodada Uruguai ocupou 424 páginas de texto. As listas de compromissos de reduções tarifárias e outras obrigações assumidas pelos membros da OMC para a enorme variedade de produtos comercializados em mercados mundiais se estendiam por mais 22.000 páginas. Isso porque, para a maioria dos países, cada tipo de produto tem sua própria “linha tarifária” com especificações detalhadas. Basta dar uma olhada na lista tarifária dos EUA para se ter uma ideia da complexidade envolvida. A variedade de impostos que a 89 paul blustein alfândega norte-americana aplicava para carne de aves ocupava uma página inteira e incluía uma tarifa sobre galinhas vivas de 0,9 centavos de dólar por ave, outra tarifa sobre carne de frango fresca, resfriada ou congelada não cortada em pedaços de 8,8 centavos de dólar por quilo, outra tarifa sobre “cortes e vísceras, frescos ou resfriados” de 17,6 centavos de dólar por quilo; um imposto de 15 centavos de dólar por quilo sobre carne de peru “não cortada em pedaços, fresca ou resfriada”, e daí em diante. Os impostos norte-americanos sobre luvas variavam de zero a 23,5% do preço de importação, dependendo se eram feitas de algodão, fibras sintéticas ou “pelo de animal”, se estavam “impregnadas, pintadas ou cobertas de plástico ou borracha” e, ainda, de acordo com a combinação desses materiais (por exemplo, tarifas diferentes aplicadas a luvas “contendo 50% ou mais de seu peso em algodão, fibras feitas manualmente ou outras fibras têxteis” versus aquelas “contendo mais de 50% de seu peso fabricado em plástico ou borracha”). As tarifas variavam também segundo o tipo da luva, isto é, se eram luvas de hóquei, esqui, snowmobile, ou outros tipos. Escondidas em meio ao texto hermético do acordo, diversas surpresas desagradáveis para os países de baixa renda foram se revelando nos anos seguintes à conclusão da Rodada Uruguai. As concessões que eles achavam ter extraído dos ricos pareciam cada vez mais inalcançáveis, enquanto que as obrigações que tinham aceitado tornaram-se cada vez mais difíceis de suportar. O acordo para proteger patentes e direitos autorais estava se mostrando muito mais oneroso do que o esperado para um grande número de países em desenvolvimento. O estabelecimento de escritórios nacionais de patentes já representava uma obrigação excessivamente cara em alguns casos, assim como os custos de cumprimento de outros códigos da Rodada Uruguai, como os que visavam impedir que os regulamentos de saúde e segurança restringissem injustamente as importações. “A Argentina gastou mais de US$80 milhões para atingir níveis mais elevados de padrões sanitários para vegetais e animais. A Hungria gastou mais de US$40 milhões só para melhorar o padrão sanitário de seus frigoríficos. O México gastou mais de US$30 milhões para atualizar leis e mecanismos de supervisão de direitos de propriedade intelectual”. Esses exemplos, retirados de um relatório do Banco Mundial publicado em 1999, ilustravam os altos gastos que os países em desenvolvimento estavam 90 o mal-estar da omc enfrentando para cumprir as obrigações da OMC. Ao estimar que o custo para muitos governos chegaria a pelo menos US$30 milhões, o relatório observava que tal soma era mais do que a ajuda ao desenvolvimento que alguns dos países mais pobres recebiam anualmente. E o que os países em desenvolvimento estavam recebendo em troca? Eles também tinham muitas queixas a esse respeito, especialmente em relação ao ritmo dolorosamente lento da eliminação do sistema de quotas que tinha limitado suas exportações de roupas para países ricos. A Rodada Uruguai exigia que os Estados Unidos e a União Europeia acabassem com esse sistema em uma série de etapas ao longo de dez anos, mas Washington e Bruxelas estavam explorando todas as brechas legais que podiam para manter seus mercados protegidos o máximo possível. Quase quatro anos após a entrada em vigor da Rodada Uruguai, os Estados Unidos tinham acabado com apenas duas das suas 750 quotas e a União Europeia tinha eliminado apenas 14 de suas 219 quotas, reclamou Nestor Osorio, o embaixador colombiano, numa declaração ao Conselho Geral em outubro de 1998. Acima e além dessa questão de prazos, residia uma verdade mais fundamental e que era motivo de remorso: mesmo depois que todas as regras da Rodada Uruguai forem implementadas, muitos dos produtos que os países em desenvolvimento tinham maior interesse em exportar ainda estariam sujeitos a fortes barreiras e distorções, graças às políticas dos países ricos. Um relatório feito pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) em 1999 ressaltou alguns dos exemplos mais flagrantes: os Estados Unidos impunham tarifas que iam de 38% a 58% sobre tênis esportivos e sapatos de borracha e de plástico; no Japão, o imposto sobre alguns sapatos de couro alcançava até 140%. As tarifas americanas sobre a maioria das roupas de tecidos sintéticos, lã e algodão iam de 14% a 32%. Em nenhuma outra área esse problema se mostraria mais acentuado do que na agricultura. Apesar da Rodada Uruguai, a agricultura permaneceria como o último grande bastião de protecionismo. [*] Como a maioria de seus vizinhos, Joseph Nyambe e sua família vivem em barracos com paredes de barro e telhado de sapê, espalhados 91 paul blustein numa clareira a cerca de duas horas de viagem da capital de Zâmbia, Lusaca. Com 49 anos, baixa estatura, barba cerrada, expressão gentil e uma voz suave e ressonante, Nyambe tem oito filhos e, apesar de cinco deles frequentarem escola, os três mais velhos pararam de ir depois do nono ano. A família se alimenta principalmente de nshima, a base da alimentação zambiana, uma mistura de milho que eles mesmos cultivam e ovos fornecidos pelas vinte galinhas que Nyambe possui. Vários de seus filhos dormem no chão poeirento de seu barraco; os mais sortudos dormem em caminhas encardidas. O único sinal de luxo é uma televisão movida à bateria, que só pega um canal. Como meio de transporte, a família dispõe de três bicicletas. A principal fonte de renda de Nyambe é o algodão, que ele e os filhos mais velhos plantam, cultivam e colhem manualmente em cerca de dois a três acres de terra, usando ferramentas manuais simples como enxadas, apesar de eventualmente alugarem um boi para puxar o arado quando o trabalho fica muito duro. “Tempos atrás, meus pais tinham gado”, contou-me ele, “mas não temos mais. Os bois morreram de doença”. O total de sua receita na safra mais recente foi de US$210 do algodão e cerca de US$160 de outras culturas, como feijão. Em países em desenvolvimento, quase metade da população vive em áreas rurais e trabalha em atividades agrícolas, como faz a família de Nyambe. Além disso, uma parte muito grande dos habitantes das áreas rurais em nações de baixa renda sobrevive com menos de um dólar por dia. As áreas agrícolas são o lar de cerca de 70% dos pobres do mundo. Assim sendo, a saúde da agricultura em países em desenvolvimento é de importância fundamental para o objetivo de reduzir a pobreza mundial. No entanto, enormes programas governamentais em países de alta renda funcionam em desfavor dos pobres das áreas rurais em países de baixa renda basicamente de duas formas. Em primeiro lugar, as nações ricas dão subsídios generosos a muitos de seus agricultores, que podem estimular a superprodução a ponto de criar abundância excessiva de determinadas culturas nos mercados mundiais, deprimindo assim os preços que os camponeses da África, América Latina e Ásia obtêm na época da colheita. Em segundo lugar, os países de alta renda restringem importações de muitos produtos agrícolas, limitando assim a capacidade de agricultores de países pobres venderem suas mercadorias no exterior. 92 o mal-estar da omc O nível esquálido da renda de Nyambe se deve, pelo menos em parte, a um programa governamental dos EUA pelo qual Washington paga a plantadores de algodão norte-americanos bilhões de dólares em subsídios cada vez que o preço do algodão cai abaixo de determinados níveis. Os agricultores americanos, que cultivam algodão usando máquinas enormes e caras, sabem que obterão certa quantidade de dinheiro por seu algodão, independentemente do que acontecer aos preços, de modo que acabam produzindo muito mais do que produziriam de outra forma. O excedente é vendido em mercados mundiais e – isso é a lei econômica básica de oferta e demanda – ajuda a reduzir o preço recebido por agricultores como Nyambe. É impossível determinar o valor exato da “supressão de preço” causada pelos subsídios ao algodão norte-americano. Embora o nível de supressão varie a cada ano, alguns estudos a estimam em até 30%. Nyambe não tem muito conhecimento sobre mercados mundiais de algodão, mas sabe muito bem que sua vida melhoraria – de forma significativa, sob seu ponto de vista – se conseguisse um preço melhor por sua safra de algodão. Mesmo se sua renda aumentasse apenas o suficiente para igualar, digamos, o custo de uma refeição num restaurante da moda nos Estados Unidos, isso faria uma grande diferença para alguém que não ganha mais do que algumas centenas de dólares em um ano inteiro. “Poderia pagar a mensalidade da escola dos meus filhos”, reflete ele. Ou seja, aqueles que ainda estão na escola poderiam se formar em vez de aumentarem as estatísticas de evasão escolar. “Poderia comprar uns animais. E pagar pelos remédios de que precisamos”. A milhares de milhas de distância, no Vale do Paraíba no Brasil, a cerca de duas horas da megalópole de São Paulo, Jorge Benedito de Assis se recorda como é viver nas condições de Nyambe. Trabalhador rural de 42 anos com cabelo negro viçoso, vestido com boné, camiseta amarela e botas de borracha, Benedito se lembra de sua infância num casebre de barro, sem água corrente nem eletricidade, onde a família cozinhava num fogão a lenha dentro de casa, enfumaçando tudo. Hoje leva uma vida bem melhor, graças a um emprego numa fazenda de gado leiteiro, onde ele e um de seus filhos acordam às 4h30 da manhã para ordenhar vacas manualmente e trabalhar longas jornadas – que chegam a doze horas por dia – alimentando o gado, fazendo limpeza e realizando outros trabalhos árduos. O pagamento que ele e seu filho recebem é cerca de US$6.000 por ano, um valor invejável para os padrões brasileiros. Sua 93 paul blustein casa de alvenaria, que ele ocupa sem pagar aluguel, tem teto de zinco, mas é arrumada e mobiliada com camas de madeira bem feitas, geladeira, duas TVs, um aparelho de DVD, um fogão a gás e uma máquina de lavar. Com o olhar perdido na direção de um lago perto de sua casa, com palmeiras balançando sob uma brisa refrescante, diz ele: “se todas as crianças brasileiras pudessem viver assim, não teríamos tanta violência”. Este é o problema: as barreiras comerciais em países ricos, principalmente nos EUA e na Europa, limitam o número de crianças brasileiras que poderiam viver como a família de Benedito. O Brasil é uma das nações mais abençoadas do mundo para a agricultura, com abundância de chuvas e centenas de milhões de acres de terras férteis para plantio e pasto. O setor agrícola em expansão no país ajudou a dar emprego a pessoas que, de outra forma, viveriam em favelas oprimidas pelo crime. No entanto, as tarifas e quotas que os países de alta renda aplicam sobre os produtos agrícolas brasileiros mais formidavelmente competitivos, principalmente açúcar, carne bovina e suco de laranja, se traduzem numa demanda reduzida por essas mercadorias. Da mesma maneira, no setor de laticínios em que Benedito trabalha, o Brasil tem capacidade para se tornar um grande exportador de leite em pó, mas os mercados americanos e europeus são essencialmente fechados. “Muita gente que mora nos subúrbios das grandes cidades quer voltar para trabalhar no campo”, diz João das Mercês Almeida, proprietário de outra fazenda de leite no Vale do Paraíba. “Mas não temos condições de contratá-los”. A mundos de distância da Zâmbia e do Brasil, tanto em termos geográficos quanto em outros, estão os agricultores que se beneficiam de subsídios e barreiras de países ricos. Eles recebem benefícios governamentais em quantidades que seus concorrentes de países de baixa renda nem conseguem imaginar. [*] A poucas milhas de distância dos muros da cidade medieval de Beaune, na região francesa da Borgonha, encontra-se a fazenda de Olivier Cretin. A paisagem de seus campos abrange montanhas de elevação suave, gado pastando e o campanário de uma igreja do século XV. Com 38 anos recém-feitos, cabelo despenteado e jeito de garotão, Cretin me 94 o mal-estar da omc mostrou orgulhoso um galpão grande, construído por seu pai há quarenta anos, que abriga suas noventa vacas Montbeliard, cujo leite é fornecido à empresa francesa Danone para fazer iogurte. Ele insiste que trabalha duro, porque as vacas têm de ser ligadas a máquinas de ordenha duas vezes por dia. Ele também é dono de terras, num total de 395 acres, quase todos plantados com trigo e outros cereais. Passou quinze anos sem férias por causa da necessidade de tomar conta das vacas. Para aliviar a carga de trabalho, contratou, então, um ajudante alguns anos atrás. “Agora posso viver”, diz ele, lembrando-se dos dias de folga passados na Inglaterra e na Tunísia. “Os agricultores de hoje não são como os nossos pais – para eles, a felicidade era morar numa fazenda. Hoje queremos mandar os filhos para a escola, tirar férias e ter tempo para o lazer”. Para ajudá-lo nesse sentido, existe o apoio financeiro que ele ganha da União Europeia. Em 2006, recebeu cerca de US$57.000 em verbas governamentais, mais o lucro bruto da fazenda na faixa de US$55.750. Além disso, sua fazenda se beneficia de tarifas de importação da União Europeia que ajudam a impulsionar os preços dos produtos que vende – a tarifa média para laticínios é de aproximadamente 38% e, para carne bovina, em torno de 76%. O sistema que sustenta fazendas como a de Cretin foi criado em 1962 como parte do acordo por meio do qual seis países – França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo – estavam formando o mercado comum que acabaria eliminando barreiras econômicas entre a maioria das nações da Europa. A Alemanha Ocidental, a potência industrial que mais crescia no continente, queria mercados para seus produtos manufaturados e a França desejava, em troca, um sistema que assegurasse a sobrevivência de seus agricultores. O resultado foi a Política Agrícola Comum (PAC), que recentemente absorveu mais de 40% do orçamento da União Europeia (tendo os agricultores franceses como os maiores beneficiários). Ao mesmo tempo, as tarifas aplicadas sobre produtos agrícolas estrangeiros exportados para a Europa resultavam em um aumento de mais de US$600 por ano nos gastos da família média europeia com alimentação. Ao ser perguntado por que os agricultores devem receber tal tratamento, Cretin faz eco à justificativa com frequência apresentada por políticos franceses: “Nós, agricultores, cuidamos do campo”, diz ele. “A França tem uma bela imagem. E se não tivessem agricultores 95 paul blustein para preservá-la, vocês teriam de pagar alguém para fazer esse trabalho”. Além disso, continua, ele tem de cumprir com vários regulamentos ambientais, de saúde e de bem-estar dos animais. Em seus campos de trigo, é obrigado a manter nitratos bem longe dos rios da redondeza. Seu gado todo tem etiquetas penduradas nas orelhas informando onde as vacas e bois nasceram, quem são seus pais e que vacinas tomaram, e inspetores da cooperativa de laticínios à qual Cretin está associado verificam cada vaca uma vez por mês e fazem visitas ainda mais frequentes para tirar amostras de leite das máquinas de ordenha para testar a higiene. Pode-se, no entanto, cuidar do campo de formas mais eficientes do que subsidiando agricultores. Críticos da PAC europeia ressaltam que a maior parte do dinheiro foi para grandes fazendas, inclusive muitas delas na França, com vastos campos de cereais, beterraba e colza que não são mais pitorescas do que as encontradas, digamos, nas planícies da Dakota do Norte. Nos últimos anos, mais que 70% dos subsídios foram para as 20% maiores fazendas da União Europeia, muitas delas de propriedade de grandes empresas. Os ativistas que fazem campanha por transparência total no pagamento de subsídios da União Europeia reuniram dados diversos mostrando que alguns dos maiores receptores incluem a empresa irlandesa de agronegócio Greencore, que produz refeições dos Vigilantes do Peso e outros alimentos especiais e ganhou US$112 milhões em 2008, uma gigante francesa da carne de frango chamada Doux, que ceifou US$85 milhões no mesmo ano. Entre os ricos e famosos cujas empresas também receberam enormes subsídios, no montante de dezenas de milhares e até centenas de milhares de dólares por ano, estão a rainha Elizabeth, o príncipe Charles, o magnata da mídia Sir Anthony O’Reilly e Michael O’Leary, presidente da Ryanair. Apesar de Cretin não mencionar o assunto, outra justificativa muito citada para o apoio do governo aos agricultores europeus é o que alguns chamam de “soberania gastronômica” – o desejo entre pessoas comuns, principalmente na França, de preservar a cultura alimentar que valoriza ingredientes frescos e locais. Esse sentimento se manifesta de maneira vívida todos os anos no Salão Internacional da Agricultura, uma exposição anual em Paris, visitada normalmente por mais de meio milhão de pessoas que vêm admirar e provar produtos dentre os mais sofisticados dos agricultores franceses – salsichas, presuntos, foie gras, terrines, queijos, vinhos – e participar da competição por medalhas entre vacas, 96 o mal-estar da omc cavalos, porcos, ovelhas, cabras, coelhos e outros animais criados com todo cuidado. Mas os políticos também acorrem com todo entusiasmo ao Salão, para saborear ostensivamente iguarias e afagar animais, em sua ânsia de demonstrar apoio ao poderoso bloco agrícola da nação – e esse zelo, provavelmente mais do que qualquer outro fator, explica por que a Europa protege seu setor agrícola. Os principais sindicatos de agricultores da França são militantes, por vezes a ponto de beirar a violência, e o setor está excessivamente representado no Senado, onde membros são eleitos indiretamente por representantes oficiais locais, muitos deles de comunidades rurais. A influência do lobby da agricultura aumentou exponencialmente quando Jacques Chirac, ex-ministro da Agricultura, foi eleito presidente da França em 1995. Chirac era um paladino fervoroso dos agricultores, tendo construído sua base política como deputado a partir do eleitorado rural de Corrèze, a cidade natal de sua família. Para esses políticos, é inútil sugerir, como fazem alguns economistas, que os governos europeus poderiam adaptar a cultura alimentar de seus cidadãos abrindo os mercados do continente e deixando os consumidores escolherem, com base em rótulos claros, entre alimentos locais caros e importados baratos. Por mais elegante que essa solução seja em termos econômicos, ela não encontra adeptos em lugares como Corrèze. É claro que a França não é, de forma alguma, o único país da União Europeia com uma forte posição pró-agricultores. Ela quase sempre conta com o apoio, em questões agrícolas, da Irlanda, da Dinamarca, da Grécia e de outros países no Conselho de Ministros, um órgão legislativo chave da União. E a União Europeia não é, tampouco, o governo mais extravagante ao dispensar favores a agricultores. Em relação à receita de agricultores, vários outros países concedem apoio maior, inclusive o Japão, a Coreia do Sul, a Suíça e a Noruega. Porém, o programa agrícola da União Europeia é, de longe, o maior em termos econômicos absolutos, seguido pelo esquema dos Estados Unidos, o outro peso-pesado em agricultura do mundo rico. Pilotando uma colheitadeira de milho de seis fileiras, no valor de US$180.000, por seus vastos milharais, John Phipps, de Chrisman, Illinois, oferece uma ilustração clássica da generosidade do programa agrícola norte-americano. Phipps foi um dos agricultores descritos numa série de artigos no Washington Post sobre o pagamento de subsídios, com um enfoque bastante pertinente porque os subsídios são um fator muito 97 paul blustein maior de sustentação da agricultura norte-americana do que as barreiras às importações. Com algumas exceções, em especial as tarifas e quotas extremamente restritivas que limitam importações de açúcar, suco de laranja congelado e alguns laticínios, as barreiras norte-americanas a produtos agrícolas vindos do exterior são relativamente baixas, pelo menos em comparação com as da Europa e do Japão. No entanto, os subsídios pagos a muitos agricultores norte-americanos são tão grotescamente altos que mesmo alguns dos beneficiários os consideram excessivos. Entre eles está Phipps, de 58 anos, da sexta geração de fazendeiros na sua família, treinado em engenharia, que extrai grandes safras de seus campos usando tecnologia de ponta no gerenciamento de sua colheita, inclusive rastreamento computadorizado do número exato de sacas que está colhendo, acre por acre, fileira por fileira. Ele recebeu US$120.000 em cheques do governo em 2005 – uma soma “embaraçosa”, como ele mesmo define. “Meu governo está dizendo basicamente que sou incompetente e que preciso de ajuda”, completa ele. Os defensores dos programas de subsídios dos EUA, de modo geral, argumentam que eles são essenciais para proteger pequenas propriedades familiares, que sobrevivem com dificuldade. Mas o caso de Phipps dá uma boa ideia do verdadeiro destino que é dado a esse dinheiro. O meio milhão de dólares que ele ganhou bruto em 2005 com suas safras de milho e soja o colocou na categoria de “propriedade familiar grande” (definida como tendo mais de US$250.000 de renda). Tais propriedades respondem por apenas 7% de todas as propriedades, mas recebem mais de 54% dos subsídios federais. Seus proprietários têm renda familiar média mais de três vezes superior à renda familiar do americano médio. Inútil dizer que milhares de agricultores americanos são muito mais favoráveis aos subsídios federais do que Phipps, assim como muitos de seus vizinhos na América rural: vendedores de máquinas, operadores de instalações de armazenagem e até empregados de restaurantes que dependem de um setor agrícola saudável para ganhar dinheiro. Eles fazem seus desejos serem ouvidos por meio de um dos lobbies mais organizados de Washington, liderado pela American Farm Bureau Federation (Federação norte-americana de entidades agrícolas), que abrange cerca de 2.800 organizações rurais municipais, além de secretarias estaduais de agricultura. Durante a década de 1990, o Farm Bureau era muito a favor 98 o mal-estar da omc do livre comércio, com base na teoria de que os agricultores e fazendeiros norte-americanos só poderiam prosperar se os mercados externos fossem mais abertos. Nos últimos anos, a entidade atenuou seu entusiasmo, mostrando menos interesse na busca de mercados para exportação se isso significasse sacrificar subsídios. Os preços das terras rurais quase sempre refletem o valor dos subsídios, o que torna os agricultores ainda mais relutantes em aceitar um enxugamento nos programas de subsídios, porque isso se traduziria numa redução no valor de suas propriedades. Graças, em parte, ao Farm Bureau e, em parte, a associações que representam plantadores de certos tipos de culturas agrícolas e criadores de gado, os legisladores com eleitorados rurais de alguma relevância estão cada vez mais arduamente conscientes das graves consequências políticas previstas para quem quer que vote contra os programas agrícolas. Empresas e entidades do agronegócio contribuem generosamente para campanhas políticas e não é coincidência que os grupos de commodities que canalizam a maior parte do dinheiro para políticos – açúcar, laticínios, algodão e arroz – consigam mais apoio do Tio Sam. Os comitês de agricultura do Senado e da Câmara, que redigem a lei agrícola dos EUA (Farm Bill), compõem-se, em sua quase totalidade, de membros de áreas rurais (congressistas de grandes cidades não estão exatamente fazendo fila para trabalhar nesses comitês). A fim de angariar apoio de seus confrades da cidade para seus projetos de lei do setor agrícola, os membros dos comitês agrícolas incluem o financiamento de programas de nutrição popular, principalmente tíquetes para aquisição de alimentos. Tudo isso explica como os programas de subsídios continuaram a existir apesar das intensas críticas ao seu orçamento bilionário e ao custo ambiental que geram ao encorajar os agricultores a encharcar o solo de pesticidas e fertilizantes. Se considerarmos os programas europeu e norte-americano juntos, não surpreende que a agricultura claramente leve o prêmio por ter o comércio mais distorcido do mundo. Apesar de as tarifas sobre produtos manufaturados serem hoje em média inferiores a 4%, o número comparável para produtos agrícolas era recentemente superior a 60% (incluindo impostos que os países de baixa renda cobram sobre produtos uns dos outros). Além disso, só na agricultura os governos têm permissão sob as regras da OMC de fornecer subsídios às exportações, isto é, pagamentos que vão especificamente para produtores que enviam seus 99 paul blustein produtos para o exterior. Em outros setores, subsídios às exportações foram, há muito tempo, banidos por constituírem uma prática comercial desleal, que reduz a capacidade de produtores externos de permanecerem economicamente viáveis. A Rodada Uruguai supostamente iria tornar a agricultura muito mais parecida com outros setores. Ela realmente impôs alguns tetos para subsídios às exportações, mas, logo depois que os resultados da rodada entraram em vigor, seu efeito insignificante sobre o comércio agrícola tornou-se evidente. “Como pode um acordo de comércio com reformas tão importantes resultar em tão pouca liberalização?”, perguntou um estudo de 1996 realizado por Dale Hathaway, do Centro Nacional para Políticas Alimentares e Agrícolas, e Merlinda Ingco, do Banco Mundial. “O problema são os detalhes”. Além de subordinar a agricultura a regras multilaterais pela primeira vez, a rodada determinou um corte médio de 36% nas tarifas agrícolas para países ricos, com um corte mínimo de 15%. Isso soa bem pesado, mas, no mundo do comércio, “cortes” nem sempre são o que se espera (um ponto a que voltarei muitas vezes neste livro). Um corte médio, afinal de contas, pode significar muita coisa. Uma maneira de um país poder alcançar um corte médio de 36% num setor é reduzir todas as tarifas sobre todos os produtos nesse setor em 36%. Mas outra forma é selecionar alguns produtos, quase sem tocar nas tarifas sobre os produtos que o país mais quer proteger e afetando muito as tarifas sobre os produtos que não interessam ao país. Suponha, por exemplo, que os pecuaristas estejam desesperados por manter os impostos de 80% sobre a carne bovina que ajuda a restringir a concorrência externa, mas ninguém está nem aí para a tarifa de 2% sobre mangas, porque o clima do país não é adequado ao cultivo de frutas tropicais. A tarifa sobre mangas pode ser zerada, obtendo crédito para cortar esta em 100%, e a tarifa sobre carne bovina pode ser cortada na percentagem mínima. Assim, o corte médio para esses dois produtos fica próximo de 50%. Na Rodada Uruguai, esquemas semelhantes foram multiplicados ao longo de centenas de linhas tarifárias e isso, juntamente com outras práticas, levou Hathaway e Ingco a concluir: “Determinados negociadores, defensores da Rodada e autoridades governamentais retrataram o acordo como uma reforma radical no comércio agrícola mundial e um passo 100 o mal-estar da omc significativo rumo à liberalização. A análise detalhada do acordo sugere que se trata de bem menos que isso”. [*] O sistema global de comércio, e a OMC em particular, teve, portanto, várias razões para descontentamento à medida que o novo sistema tomava forma na segunda metade da década de 1990. Os Verdes europeus, os sindicalistas americanos, os agricultores do terceiro mundo e os negociadores comerciais, todos eles tinham muito do que reclamar. Para eles, e outros insatisfeitos, um alvo irresistível se apresentava à medida que a ideia de fazer a reunião da OMC em Seattle, surgida tão casualmente em maio de 1998, foi se consubstanciando. 101 Capítulo 4 Perdidos em Seattle “Amor, amor”, cantou uma voz de mulher num alto-falante para despertar campistas que tinham dormido numa fazenda perto de Cascade Mountain, no Estado de Washington. “Aconchegue-se, meu amor”. Nas atividades do dia, haveria sessões de treinamento em “alpinismo urbano”, que envolviam escalar prédios altos para pendurar faixas, e “técnicas de ação direta”, que incluíam acorrentar pessoas umas às outras em locais públicos. Era meados de setembro de 1999 e cerca de 160 ativistas estavam participando do Globalize This! Action Camp, com duração de uma semana. Os participantes estavam aperfeiçoando suas habilidades de desobediência civil, que pretendiam colocar em prática dois meses e meio depois em Seattle, onde a OMC ia realizar sua terceira reunião ministerial, com o presidente Clinton ocupando papel de destaque. Dirigidos pela Ruckus Society (Sociedade do Motim), um grupo especializado em “comunicação de guerrilha”, os participantes também incluíam membros da Rainforest Action Network (Rede de Ação pelas Florestas) e duas mulheres, de 77 e 68 anos, pertencentes ao grupo Raging Grannies (“Vovós Raivosas”). Eles ensaiaram situações que poderiam surgir, como confrontações com a polícia, realizaram workshops sobre protesto não violento e estudaram cuidadosamente mapas do centro de Seattle. E encorajavam-se, de mãos dadas, em círculo, gritando palavras de ordem: 103 paul blustein “Estou aqui para pôr meu corpo na frente da máquina e pará-la. Estou aqui para fincar uma estaca no coração da OMC!”. Naquele momento, parecia fantasioso imaginar que esse bando de malucos e seus simpatizantes acabariam festejando no final da reunião da OMC. Só em seus sonhos poderiam eles conceber as proporções épicas do fracasso que a OMC sofreria em Seattle, com autoridades das nações mais poderosas do mundo admitindo, sombrios, sob o olhar atento da mídia do mundo inteiro, que a reunião tinha deixado de atingir sua meta declarada de lançamento de uma nova rodada de comércio. Nos anos que se passaram desde então, dois relatos nitidamente conflitantes têm sido apresentados para explicar o resultado da reunião de Seattle. Um é o da doutrina da Esquerda, que atribui o resultado de Seattle, em grande medida, ao extraordinário amálgama de estudantes, sindicalistas, ambientalistas, grupos religiosos, ativistas de direitos humanos, defensores dos direitos dos animais, monges tibetanos e veteranos grisalhos dos anos 1960, que se aglomeraram nas ruas da cidade. Em contraste, especialistas e funcionários governamentais da área de comércio que participaram da reunião descartaram, de forma quase unânime, as alegações de vitória dos manifestantes como conversa fiada de sonhadores românticos. Segundo essa narrativa, as manifestações, apesar de tumultuadas, não passaram de uma distração. A reunião terminou como terminou por causa de divisões internas entre países-membros da OMC, e não por causa dos protestos do lado de fora do centro de convenções. Sem dúvida, as forças em ação em Seattle foram muito além de manifestações de rua, tais como correntes humanas, barricadas e gás lacrimogêneo. No entanto, um exame mais atento da conferência também revela que os manifestantes desempenharam um papel maior no seu resultado do que seus detratores gostam de admitir. Assim, o relato deste livro sobre o evento dedicará grande atenção às manifestações. As evidências sugerem que elas contribuíram significativamente para o revés humilhante da OMC – com consequências importantes e duradouras dali em diante. Após ter sido tão sacudida publicamente em Seattle, a OMC seria ainda mais compelida a desfazer o dano em sua reunião seguinte, em Doha, dois anos mais tarde, concentrando sua pauta no tema amplamente popular de garantir oportunidades para os pobres do mundo. 104 perdidos em seattle Os manifestantes abrangiam uma grande variedade de grupos independentes e suas queixas contra a OMC eram numerosas e difusas. Mas se uma pessoa poderia ser identificada como a maior centelha intelectual do movimento, esta pessoa era Lori Wallach. Formada em 1990 pela Faculdade de Direito de Harvard, Wallach tinha evitado a tentação de aceitar empregos bem pagos em escritórios de advocacia para se juntar à Public Citizen, uma organização liderada pelo ativista Ralph Nader, na qual ela formou e dirigiu uma unidade chamada Global Trade Watch (Obsevatório do Comércio Global). Toda a gama de queixas feitas pela Esquerda sobre a OMC foi resumida num livro do qual ela foi coautora, publicado em 1999 e intitulado Whose Trade Organization? [Organização de Comércio de Quem?]. A OMC, segundo o livro, é a promotora de um sistema que “beneficia multinacionais enormes e as minorias ricas tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento” e onde “o comércio mundial é mais importante do que tudo – democracia, saúde pública, igualdade de oportunidades, meio ambiente, segurança alimentar e etc”. Para provar, o livro relata o caso “camarão/tartarugas marinhas”, o caso “atum/golfinhos” e o caso “hormônios na carne”, além de vários outros. O livro descarta de maneira leviana as principais defesas da OMC contra essas acusações. Parece que Wallach não ficou impressionada que a organização seja uma reunião de governos nacionais, a maioria democraticamente eleitos, e que suas regras acordadas possam assim merecer alguma legitimidade. Tampouco mostrou muita consideração pela insistência da OMC de que suas regras – longe de interferirem nos direitos dos países de estabelecerem padrões ambientais e de segurança estritos – simplesmente exigem que os padrões sejam aplicados igualmente a produtos nacionais e estrangeiros. Basta olhar, argumentou ela, para as regras da OMC referentes às medidas que os países usam para proteger seus alimentos e áreas agrícolas contra ameaças à saúde, pesticidas e perigos semelhantes. Essas regras “efetivamente enfraquecem o Princípio da Precaução, segundo o qual substâncias potencialmente perigosas devem ser comprovadamente seguras antes de serem postas no mercado”, diz o livro. “Os governos baseiam-se nesse princípio para proteger o público e o meio ambiente de potenciais riscos à saúde, particularmente na ausência de certeza científica”. Lamentavelmente os 105 paul blustein tribunais da OMC tinham “consistentemente” decidido contra governos que tomaram tais medidas de proteção. Em outras palavras, Wallach não estava terrivelmente preocupada com a possibilidade de que funcionários governamentais excessivamente zelosos, instigados por poderosos grupos de interesse domésticos, pudessem estar usando a segurança como uma desculpa para impedir o acesso de produtos importados, ainda que as empresas multinacionais reclamem de que essas coisas acontecem o tempo todo. Em sua opinião, os julgamentos sobre tais questões não têm de ser feitos por órgãos distantes como a OMC porque “o efeito disso é restringir a capacidade das legislaturas nacionais de agir em prol do interesse público, privando os cidadãos comuns de seus direitos civis. Cidadãos estes, aliás, que têm muito mais capacidade de se fazerem ouvir em âmbito nacional do que em fóruns internacionais”. Michael Dolan, assessor de Wallach, atuava como uma espécie de marechal de campo para os manifestantes. Descrito pelo Washington Post como “uma mistura de Lênin com Woody Allen”, Dolan, aos 44 anos, viajou para Seattle alguns dias após o anúncio feito em 25 de janeiro de 1999 de que a cidade abrigaria a reunião da OMC no final do ano e montou um escritório numa região comercial do centro da cidade, ao lado de uma loja da Harley-Davidson. Dolan era mestre em organização e mobilização, tendo sido treinado nessas habilidades na década de 1980 pela United Farm Workers. Em pouco tempo, ele já demonstrava sua habilidade como coordenador e intermediário em meio aos grupos que, apesar da grande disparidade de estilos de vida e prioridades, compartilhavam uma aversão pela OMC e pelo capitalismo internacional. Na primavera de 1999, Dolan se reuniu com dezenas de pessoas de seções locais da AFL-CIO (American Federation of Labour – Confederation of Industrial Organizations)1, do Teamsters (sindicato dos trabalhadores do transporte de cargas) e outros grandes grupos sindicalistas, bem como de organizações ambientais e religiosas. Os sindicatos logo decidiram realizar uma grande marcha em 30 de novembro, data de abertura da reunião de quatro dias da OMC. Durante esses meses no início de 1999, Dolan também esteve em contato com várias organizações ativistas, principalmente da Costa N. do T. - Federação Trabalhista Americana – Confederação das Organizações da Indústria. 1 106 perdidos em seattle Oeste, tais como a Ruckus Society (Sociedade do Motim) e Art and Revolution (Arte e Revolução), um grupo com sede na Califórnia cujo líder, David Solnit, era conhecido por seus bonecos gigantes. Esses grupos fundiram-se sob um nome comum, o Direct Action Network – DAN [Rede de Ação Direta], e estabeleceram em julho um objetivo bem definido. Eles cercariam o Centro de Convenções localizado no centro de Seattle, usando táticas não violentas, com o objetivo de pôr fim à reunião da OMC em 30 de novembro. Eles sabiam que este era o dia programado para a marcha sindicalista e reconheceram que seu radicalismo poderia alienar alguns elementos tradicionalistas do movimento sindicalista. Usando Dolan como homem de ligação, Solnit o chamou para ver se os sindicatos iriam fazer objeção a esse cronograma. Dolan deixou uma mensagem com um de seus contatos do sindicato, a quem ele se lembra de contar: “O pessoal da Direct Action quer fazer algo na manhã da terça-feira dia trinta [de novembro]... se você tiver uma objeção séria, eles precisam saber logo”. Como nenhuma resposta a essa mensagem chegou nesse dia, Dolan disse a Solnit que os sindicatos tinham aparentemente dado a sua benção “tácita”. Não foi exatamente isso que aconteceu. Na semana seguinte, um representante do sindicato telefonou para registrar sua oposição. Dolan disse-lhe, porém, que era tarde demais. Segundo seu relato do episódio: “É muito interessante que essa ligação não atendida e essa falta de comunicação” tenham ocorrido, permitindo assim que a marcha sindicalista e o protesto de ativistas acontecessem no mesmo dia. Muito interessante, de fato, como veremos. No final do verão, a Internet estava zunindo. “Dez mil pessoas convergirão para Seattle e transformarão a cidade num festival de resistência”, declarou uma mensagem postada pela Direct Action Network em 6 de setembro. “Estamos planejando uma ação em larga escala, bem organizada e com alta visibilidade para FECHAR a Organização Mundial do Comércio na terça-feira, 30 de novembro”. Os manifestantes, independentemente da correção ou da teimosia de suas crenças, tinham muita coisa a seu favor. Eles estavam desafiando um órgão que, no decorrer de 1999, mostraria um incrível grau de desorganização, falta de preparo e ressentimento entre seus membros. 107 paul blustein [*] As relações, antes amáveis, entre os embaixadores da OMC estavam abaladas. Os jantares em Genebra frequentados por diplomatas envolvidos com comércio tornaram-se eventos tensos, em que os convidados se esforçavam para manter a conversa focada só em amenidades. Instaurou-se uma atmosfera de “Espião contra Espião”, com os colaboradores das missões de certos países verificando placas de carros para descobrir quem estava se encontrando com quem. Assim era a vida da OMC durante os primeiros meses de 1999, quando o órgão de comércio foi arrebatado por uma corrida eleitoral amarga e irascível. Tratava-se de decidir quem sucederia Renato Ruggiero, um italiano, como diretor-geral, quando seu mandato de quatro anos expirasse na primavera. Os países em desenvolvimento tinham se irritado durante anos com a tradição segundo a qual o cargo era reservado a um europeu, e agora queriam alguém de suas próprias fileiras. Apesar da falta de poder formal, e quase sempre açoitado pelas pressões dos países-membros, o diretor-geral pode exercer uma influência considerável sobre o processo decisório da OMC, principalmente porque ele (o cargo sempre fora ocupado por homens) pode desempenhar um papel importante na superação de impasses quando as negociações empacam. O diretor-geral também supervisiona, com frequência, a redação dos textos submetidos à análise dos membros em situações cruciais. O principal candidato dos países em desenvolvimento era Supachai Panitchpakdi, o vice-primeiro-ministro e ministro do Comércio da Tailândia, um tecnocrata gentil cujas credenciais incluíam um doutorado na Netherlands School of Economics (Escola de Economia dos Países Baixos), em Roterdã. Dois outros candidatos – um do Marrocos, outro do Canadá – desistiram na primavera de 1999, quando ficou claro que estavam bem atrás de Supachai nas votações preliminares informais entre países-membros. Mas Mike Moore, político neozelandês, insistiu com tenacidade, graças, em grande parte, ao apoio dos Estados Unidos. Moore era bem diferente de sujeitos do tipo “clube dos cavalheiros ingleses” que tinham dado o tom no Centro William Rappard no passado. Grosseiro, briguento e impiedoso, ele pontuava suas declarações com coloquialismos regionais neozelandeses – “Vamos com tudo” era um de seus favoritos – e, até falantes nativos de inglês, com frequência 108 perdidos em seattle tinham dificuldade em entender seu sotaque carregado. Quando o clima pesou, ele se mostrou capaz de apresentar uma retórica sublime e até inspiradora. O problema, como ele mesmo sempre reconhecia, era seu estilo “contraestimulante”, de modo que quanto mais seus colaboradores implorassem para que ele falasse de forma mais clara, mais sua maneira de se expressar tendia a ficar bruta e populista. Nascido em 1949, Moore cresceu em uma família de agricultores pobres, leais ao Partido Trabalhista da Nova Zelândia. Deixou a escola aos catorze anos para trabalhar em um abatedouro. Nunca frequentou uma faculdade, tendo sido tipógrafo, assistente social e representante sindical. Compensou sua falta de polidez e educação formal com um prodigioso autodidatismo, lendo livros de economia com uma voracidade especial ao embarcar na carreira de político, o que lhe rendeu uma cadeira no Parlamento aos 23 anos de idade. Com base em suas leituras e sua observação do mundo real, “chegou à conclusão de que a concorrência é um agente purificador”, que ajuda a livrar as economias da podridão e da corrupção, dizia ele. Então, quando o Partido Trabalhista ganhou a eleição nacional em 1984 e Moore se tornou ministro do Comércio, ele liderou a luta para abrir a economia altamente protegida da Nova Zelândia, incluindo a venda de indústrias nacionalizadas e a abolição de subsídios agrícolas. Embora as reformas tenham gerado prosperidade no longo prazo, elas suscitaram uma oposição furiosa no início. Em 1990, Moore liderou o partido numa eleição – ficando apenas oito semanas como primeiro-ministro até que seu governo perdesse o poder. Tendo feito muitos inimigos, parecia que sua carreira na política da Nova Zelândia havia chegado ao fim, mas percebeu uma chance de reavivá-la quando a competição para o cargo de diretor-geral da OMC se avizinhou. Aplicou a poupança de uma vida inteira na campanha, viajando mundo afora para adular formuladores de políticas comerciais, dormindo, com grande frequência, em aviões e hotéis baratos (o governo da Nova Zelândia contribuiu com recursos também, como é comum no caso de candidatos a esse tipo de cargo). “Falei para a minha mulher: Vamos gastar tudo, mas manter a casa”, lembra-se Moore. Funcionários públicos americanos decidiram apoiá-lo porque, como membro do Partido Trabalhista, era simpatizante do argumento do governo Clinton em relação a padrões trabalhistas nas regras de comércio, ao passo que Supachai interessava aos países em desenvolvimento por 109 paul blustein conta de sua oposição a esses padrões. Com o endosso de Washington, Moore ganhou não apenas a vantagem do lobby dos EUA em favor do seu nome em capitais no mundo todo, mas também uma formidável estrategista de primeira linha na pessoa de Rita Hayes, a embaixadora norte-americana na OMC. Tratava-se de uma operadora astuta cujo estilo combinava a arrogância com o charme sulista (ela vem de uma família importante da Carolina do Sul). “Na missão norte-americana, costumávamos chamá-la de ‘a bela do inferno’ (the belle from hell)”, recorda-se Andrew Stoler, seu ex-adjunto. “Ela estava conduzindo uma campanha muito difícil [em favor de Moore] e tenho de admitir que eu fazia parte dela”. Conforme a corrida foi esquentando, ambos os lados melindraram-se com o que julgavam ser golpes baixos contra seus candidatos. Quando Moore afirmou que não ia ficar rodando de Mercedes por aí, nem fazer tráfico de influência porque “esse não é o jeito ‘Kiwi’ (neo-zelandês) de ser”, os correligionários de Supachai entenderam isso como uma sugestão velada de que os asiáticos eram normalmente corruptos. O grupo favorável a Moore, nesse ínterim, se agitou com a circulação, em Genebra, de artigos da imprensa neozelandesa sobre sua pretensa grosseria. “Ter Moore no cargo seria uma desgraça – uma causa de constrangimento nacional”, queixou-se um colunista. Uma fonte mais profunda de animosidade era a suspeita de que haveria trapaças na condução do pleito e na contagem dos votos. A escolha de um diretor-geral, como todas as decisões da OMC, deve ocorrer por consenso. Assim, o processo objetivava, em primeiro lugar, determinar qual candidato obteria uma liderança clara no número de endossos de países-membros para, em seguida, buscar o consenso em torno da concessão do cargo a essa pessoa. A votação, no entanto, era uma questão obscura, conduzida em “confessionários” em que os embaixadores dos países se encontravam a sós ou falavam no telefone com Ali Mchumo, que era presidente do Conselho Geral e embaixador da Tanzânia. Mchumo anunciava periodicamente contagens de votos sem divulgar as preferências que cada país manifestara individualmente. Em janeiro de 1999, quando quatro candidatos ainda estavam no páreo, Supachai assumiu a liderança com 40 votos e Moore ficou para trás, em quarto lugar, com 13 votos. Dois meses depois, Supachai ainda estava bem na dianteira. Entretanto, em ambos os casos, Moore tinha a maioria 110 perdidos em seattle dos votos de melhor segunda opção. Isso mostrava, como afirmavam seus defensores, que ele era provavelmente o candidato mais aceitável para os membros como um todo, devendo, portanto, permanecer no páreo. Para irritação do grupo que apoiava Supachai, Mchumo acatou esse argumento e deixou a campanha correr. O tanzaniano se tornou alvo de críticas de que ele estava se deixando manipular pela “bela do inferno” da América. Os gritos de “Falta” ficaram mais estridentes à medida que a corrida foi se intensificando e as táticas de campanha foram se tornando mais questionáveis. O grupo favorável a Moore conseguiu angariar algumas adesões, principalmente porque Supachai sempre se revelava tão suave, tímido e carente de qualidades de liderança que mesmo alguns de seus defensores começaram a se perguntar se ele seria adequado para o cargo. Outro fator eram as maquinações de bastidores. Conseguir o voto da França foi uma tacada especialmente gloriosa para Moore, porque Supachai parecera estar prestes a obter o apoio da União Europeia inteira, para depois vê-lo escapar entre seus dedos. Como isso aconteceu? “Fizemos um acordo”, confirmou Stoler, referindo-se a um entendimento pelo qual Moore escolheria um francês como um dos diretores-gerais adjuntos. Os ânimos acalorados atingiram o auge no início de maio quando Mchumo anunciou no Conselho Geral que Moore tinha assumido a liderança nos confessionários, com 62 votos a 59. “Esse processo está acabado para o Dr. Supachai”, disse ele, porque o prazo “final” de 30 de abril se esgotara. Defensores enraivecidos do tailandês, que estavam contando com muito mais votos, rejeitaram o chamamento de formar unanimidade em torno de Moore e pediram que ou Supachai fosse declarado o candidato do consenso ou que uma votação aberta fosse realizada. Os Estados Unidos se opuseram frontalmente a participar da votação, alegando que isso representaria um precedente terrível. Porém, para além da importância de preservar o princípio do consenso, Stoler admitiu que a outra razão para a objeção norte-americana foi a de que “teríamos perdido numa votação direta”. Nas seis semanas seguintes, à medida que os dois lados seguiram fazendo acusações mútuas de má-fé, a OMC ficou paralisada, sem diretor-geral. Ruggiero rejeitara os pedidos para permanecer em bases temporárias. Manifestações antiamericanas explodiram em Bangcoc. 111 paul blustein Então, em meados de junho, o telefone tocou no escritório de Surin Pitsuwan, o ministro das Relações Exteriores da Tailândia. A pessoa que ligava manifestou grande preocupação de que quanto mais a competição mortífera continuasse, maior seria o risco de causar um dano permanente à OMC. Essa pessoa era a secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, que contou a seu colega tailandês que estava ligando de um avião, segundo um relato que o ministro das Relações Exteriores publicou três anos depois. Albright disse que, a menos que Supachai estivesse preparado para recuar, tanto ele quanto Moore “estariam perdidos”, e o cargo iria para algum novo candidato. Surin a confrontou, ressaltando que qualquer novo candidato “seria o símbolo da divisão... e do fracasso”, e perguntou: “A senhora tem certeza de que isso seria bom para alguém?” Seu relato continua assim: Houve uma longa pausa de novo. Por fim, [Albright] reagiu com um tom mais conciliatório: “Então o que vamos fazer, Surin?”. [Surin] aproveitou a oportunidade e fez uma sugestão ousada. “Em vez de um diretor-geral por quatro anos, por que não pensamos em seis anos divididos entre os dois?”. “Parece interessante”, disse ela. Para encurtar a história, foi assim que o conflito ficou resolvido, apesar de demorar até o final de julho para refinar os detalhes. Moore ocuparia o cargo primeiro, começando em 1º de setembro de 1999, sendo em seguida sucedido por Supachai por mais três anos. O acordo suscitou críticas intensas porque parecia provável que ele deixaria os dois homens enfraquecidos antes mesmo de assumirem suas responsabilidades. O diretor-geral depende de uma combinação de habilidade política e persuasão moral para aproximar os países, de forma que a eficácia no cargo exige apoio e boa vontade dos membros. Nenhum dos dois homens parecia ter essas qualidades em abundância. O mais importante é que o choque entre os dois lados tinha consumido enormes quantidades de tempo e energia dos formuladores de políticas comerciais, prejudicando a capacidade de os membros da OMC se prepararem para a reunião ministerial seguinte, em novembro. 112 perdidos em seattle [*] Rodada do Milênio... Rodada Seattle... Rodada do Desenvolvimento... Rodada Clinton? Essa questão de nomenclatura tinha considerável interesse para o Escritório do Representante de Comércio dos EUA durante o período anterior à reunião de Seattle. A missão norte-americana à OMC “recebeu um monte de mensagens vindas de Washington”, lembra-se Andy Stoler. “Eles queriam saber: como as rodadas anteriores foram batizadas?”. As mensagens refletiam a ambivalência do governo Clinton em relação à reunião em Seattle, onde o principal item da pauta era se uma nova rodada deveria ser lançada. Por um lado, os principais estrategistas da Casa Branca estavam cada vez mais preocupados com a possibilidade de que a questão do comércio se tornaria um problema político para os candidatos democratas em 2000, principalmente para o vice-presidente Albert Gore. Um fator importante por trás da preocupante erosão no apoio das fileiras do partido era a atuação de Clinton nos temas comerciais, com destaque ao impulso agressivo que ele dera ao NAFTA e à Rodada Uruguai. Por outro lado, alguns setores da economia norte-americana, principalmente o agrícola, estavam ansiosos por negociações para liberalizar ainda mais os mercados globais. Grupos de agricultores norte-americanos estavam loucos para capitalizar sobre a competitividade geralmente superior das propriedades agrícolas dos Estados Unidos em relação aos estabelecimentos rurais de dimensões bem menores da Europa e do Japão. Além disso, iniciar a nova rodada em Seattle, argumentaram alguns funcionários governamentais, não apenas permitiria às políticas de Clinton aproveitarem o bom momento, como também daria mais brilho a seu legado, principalmente se as negociações fossem batizadas com o seu nome. Um memorando confidencial redigido em agosto de 1998 por funcionários do Departamento de Estado enfatizava: “Devemos aproveitar o fato de que” a OMC se reuniria nos Estados Unidos “e propor uma nova rodada de negociações globais de comércio – a Rodada Clinton”. Um problema com essa ideia era que a maioria das rodadas tinha sido batizada com o nome do local em que foram lançadas (Tóquio e Uruguai, por exemplo). Esse método era naturalmente preferido pelas autoridades municipais de Seattle, que promoviam, com grande animação, o nome 113 paul blustein “Rodada Seattle”. Mas duas rodadas anteriores tinham sido batizadas com o nome de americanos que tinham desempenhado um papel-chave na sua criação (Douglas Dillon e John F. Kennedy) – daí as perguntas formuladas à missão norte-americana em Genebra. O paladino de uma nova rodada, defendendo a causa com seu pendor por expressões de impacto, era Sir Leon Brittan, cujo mandato como comissário europeu de Comércio estava para se encerrar em 1999. Seu nome preferido para a rodada, “Rodada do Milênio”, foi exposto com destaque no site de seu departamento (rompendo as fileiras europeias estava Clare Short, a ministra do Desenvolvimento britânica, que propôs “Rodada do Desenvolvimento”). Uma rodada completa, argumentou Sir Leon, incluiria não apenas agricultura, serviços e outros tópicos deixados de lado na Rodada Uruguai, mas também uma ampla gama de temas, em particular quatro deles conhecidos como “temas de Cingapura”, porque tinham sido propostos, pela primeira vez, numa conferência da OMC realizada em 1996 na cidade-estado do Sudeste Asiático: (1) investimentos; (2) concorrência; (3) compras governamentais; e, (4) facilitação do comércio (que envolvia principalmente reduzir a burocracia e os atrasos de mercadorias estrangeiras nos portos e outros locais de entrada de importações). Não obstante a terminologia pouco esclarecedora, as questões de Cingapura tinham potencial para aumentarem o poder da OMC ao permitir que a organização impusesse regras sobre aspectos da globalização que, até então, não tinham sido objeto de nenhuma regulamentação em nível internacional. O tema de investimentos era o mais importante – e controverso – na lista de prioridades de Sir Leon e outros entusiastas dos temas de Cingapura. Toda vez que uma empresa multinacional põe dinheiro numa nova fábrica ou ponto de distribuição no exterior, o país escolhido para sediar a operação pode exigir que ela forme uma associação (joint venture) com uma empresa local ou que exporte uma determinada percentagem de sua produção. Os investimentos destinados a certas áreas, como televisão ou radiodifusão, companhias aéreas ou corretagem de valores, podem ser fortemente restringidos ou até mesmo barrados. Essas práticas podiam influenciar em grande medida os padrões de comércio, da mesma forma que uma tarifa de importação qualquer. Portanto, por que não deveria haver regras internacionais regendo essas práticas para tornar o mundo 114 perdidos em seattle um lugar mais previsível e estável? Uma ideia próxima a essa era a de estabelecer regras da OMC sobre concorrência. Com muita frequência, as empresas que tentam fazer negócios no exterior se veem prejudicadas pela ação de monopólios em países cujos governos simplesmente fazem vista grossa diante da conduta abusiva de poderosos magnatas locais. Compras governamentais era outra área que supostamente necessitava de regras internacionais. Isso porque empresas multinacionais que tentavam ganhar contratos de governos estrangeiros com frequência perdiam para empresários locais bem relacionados com as elites políticas. Por fim, as regras internacionais para facilitação do comércio poderiam gerar lucros significativos porque os procedimentos alfandegários de muitos países, principalmente no mundo em desenvolvimento, faziam com que os produtos ficassem presos nos armazéns portuários durante dias ou até semanas – uma dádiva para agentes alfandegários, mas para ninguém mais. A pessoa mais cética em relação à proposta de uma nova rodada era a mulher que iria presidir a reunião em Seattle, na qualidade de ministra do Comércio do país anfitrião. Como aluna da Universidade de Wisconsin no final da década de 1960 e início da de 1970, Charlene Barshefsky dificilmente poderia ter imaginado a série de eventos que um dia iriam catapultá-la a esse papel. Ativista em manifestações contra a Guerra do Vietnã, ela tinha vislumbrado seguir seus irmãos mais velhos na carreira universitária, uma escolha que muito agradaria a seus pais imigrantes, que valorizavam títulos acadêmicos. Mas as perspectivas de emprego para os PhDs eram pouco promissoras, então Barshefsky formou-se em Direito e aceitou uma oferta do famoso escritório de advocacia de Washington, D.C., Steptoe and Johnson. O direito comercial nem era sua área de especialização, como ficou evidente quando, num almoço ao qual compareceu depois de entrar para o escritório, o sócio principal perguntou se ela estaria interessada em trabalhar em um caso de dumping. Sem saber que dumping significava a entrada de produtos estrangeiros no mercado norte-americano a preços deslealmente baixos, Barshefsky supôs que estava sendo indicada para representar uma sociedade que estava se desfazendo de lixo tóxico de forma inadequada. Ela recusou, dizendo que não queria se opor a interesses ambientais. Assim foi a estreia de uma carreira estelar na advocacia. Nos 18 anos que passou na Steptoe, Barshefsky subiu ao cargo de diretora 115 paul blustein da divisão internacional do escritório, representando tanto empresas estrangeiras quanto nacionais em disputas comerciais. Sua reputação atraiu a atenção do novo governo Clinton, que, em 1993, ofereceu-lhe o cargo de representante adjunta de Comércio dos Estados Unidos para cuidar da Ásia e América Latina. Apesar de dividida diante da perspectiva de assumir um trabalho mais estressante e menos lucrativo como negociadora de comércio – nesse momento, já tinha duas filhas, de 9 e 4 anos –, Barshefsky aceitou o cargo. Com seus olhos escuros brilhando por baixo de um cabelo castanho curtinho, disparando seus argumentos – e ameaças – em parágrafos densos e ordenados, fez fama de durona, logo recebendo o apelido de Stonewall [Muro de pedra] de seus colegas da administração Clinton, pela maneira inflexível com a qual lidava com interlocutores estrangeiros, principalmente os japoneses. Depois ganhou uma promoção a representante de Comércio dos Estados Unidos quando o cargo ficou vago em 1996. Anunciando sua nomeação para o posto, Clinton descreveu-a como uma mulher que “trouxe lágrimas aos olhos” de líderes estrangeiros. Barshefsky tinha uma relação sabidamente conflituosa com Sir Leon – era sempre difícil presenciar a tensão entre os dois, lembram os assessores – e a ânsia de Brittan por uma nova rodada de comércio era só uma das posições, por ele assumidas, que provocavam uma reação adversa na representante de Comércio dos Estados Unidos. Desde o início, ela tinha dúvidas sobre as propostas de lançar uma rodada, segundo as recordações dela própria e de outros colegas, porque, em suas viagens pelo mundo, tinha encontrado muitos países em desenvolvimento despreparados para adotar novas obrigações internacionais logo depois da Rodada Uruguai. De fato, a posição assumida pela maioria dos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina era essa, porque só tinham conseguido migalhas da Rodada Uruguai, enquanto que as nações ricas tinham obtido grandes ganhos. Portanto, era bem provável que uma nova rodada produzisse o mesmo resultado. Se conversações sobre comércio tivessem de acontecer, o foco principal deveria ser a revisão daqueles aspectos da Rodada Uruguai que estavam se revelando mais desagradáveis, afirmavam os funcionários governamentais desses países. Eles estavam pedindo uma prorrogação do prazo para cumprirem as novas regras sobre proteção de patentes e padrões sanitários, por exemplo, e 116 perdidos em seattle uma abertura mais rápida dos mercados de produtos têxteis dos países ricos. “Existem problemas fundamentais” em várias partes do acordo, disse Mounir Zahran, embaixador do Egito na OMC, ao Conselho Geral em 1998, “e se eles não forem tratados adequadamente, ficaria muito difícil convencer nosso público da justificativa de maiores compromissos de liberalização”. Uma turma de detratores assumiu uma postura particularmente dura contra tudo que cheirasse a expansão do poder da OMC – principalmente a proposta de inclusão das questões de Cingapura como parte da nova rodada. Autodenominando-se Like Minded Group [Grupo de Países em Desenvolvimento com Posições Afins], seus membros incluíam a Índia, a Malásia, o Paquistão, a Tanzânia, a República Dominicana e um punhado de outras nações em desenvolvimento. Sua retórica quase sempre estridente, conjurando imagens dos ricos esmagando os pobres, causava desagrado entre os americanos e outros formuladores de políticas orientados para o livre mercado em Genebra. Esses encaravam o bloco como um retrocesso às décadas iniciais do pós-guerra, quando empresas multinacionais eram rechaçadas no Terceiro Mundo como agentes do imperialismo econômico. Mas ao se opor à criação de novas regras da OMC em áreas como investimentos e concorrência, o Like Minded Group encontrava respaldo em vários economistas respeitáveis que questionavam se a OMC tinha de se meter a estabelecer sua autoridade sobre assuntos que se relacionavam com comércio apenas de forma tangencial. A grande questão, à medida que os preparativos para Seattle começavam a entrar em pleno vapor, era se os Estados Unidos sofreriam perdas na nova rodada, em vista do seu status de superpotência e do seu papel de anfitrião da conferência. Alguns dos colegas de Barshefsky compartilhavam suas preocupações sobre a sensatez de tentar lançar uma nova rodada, mas foram forçados a recuar, porque outros colegas do governo, principalmente os do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional, insistiam em ir adiante. Eles esperavam chegar a um acordo em Seattle para que uma nova rodada incluísse alguma discussão sobre direitos trabalhistas – o que seria uma vantagem política para a Casa Branca – e achavam que os países em desenvolvimento provavelmente seriam convencidos. “O argumento deles contra mim era: ‘Você não poderá ter certeza se não tentar’”, lembra-se Barshefsky, 117 paul blustein reconhecendo que, depois que a decisão de apoiar a rodada foi tomada, ela se tornou “uma entusiasta do assunto até o fim”, uma posição da qual mais tarde se arrependeu. Conclusão: quase quatrocentos colchetes. Colchetes, “[ ]”, é a pontuação usada num documento jurídico para denotar palavras, expressões, frases e parágrafos acerca dos quais os signatários ainda não se puseram de acordo. E, à medida que as discussões sobre a declaração que a OMC emitiria em Seattle prosseguiam, em meados de 1999, muito pouca concordância era esperada sobre a redação que muitos países estavam propondo. Os europeus queriam uma garantia para lançar uma nova rodada que incluísse os temas de Cingapura – um anátema para os países em desenvolvimento. Os Estados Unidos, a Austrália e os grandes exportadores agrícolas da América Latina queriam que a pauta de negociações incluísse propostas que abririam significativamente os mercados agrícolas e eliminariam determinados subsídios ao setor – um anátema para os europeus, japoneses, coreanos, noruegueses e suíços. Outro grupo de países, liderado pelo Japão, queria que a rodada considerasse regras restringindo a capacidade de os países imporem impostos antidumping – um anátema para os Estados Unidos. Os americanos queriam que a OMC começasse a tratar da questão dos direitos trabalhistas, pelo menos criando um grupo de trabalho para estudar a relação comércio-trabalho – um anátema para os países em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento queriam mudar alguns dos termos da Rodada Uruguai – um anátema para os americanos, europeus e japoneses. Em teoria, essas vastas diferenças de posições poderiam ter sido resolvidas em Seattle, onde os membros da OMC teriam de discutir apenas um mandato para a rodada, não as regras definitivas que regeriam todos os aspectos de comércio mundial. Cada ator ou grupo de atores principais tinha questões que gostaria de incluir na pauta e uma negociação poderia ter sido realizada para iniciar conversações, com todas as partes retendo seus direitos de impulsionar uma barganha muito difícil. Porém, a tarefa revelou-se ainda mais desafiadora por causa do texto redigido em Genebra, em novembro, e enviado para os ministros do Comércio analisarem na reunião de Seattle. Quase todos os parágrafos do documento de 32 páginas estavam repletos de colchetes. Isto significava 118 perdidos em seattle que, na reunião de quatro dias, os ministros teriam um enorme número de controvérsias para resolver. Um exemplo: [Partindo das atividades do Grupo de Trabalho sobre Transparência em Compras Governamentais [e dos elementos contido no relatório do Grupo de Trabalho para a inclusão em um acordo apropriado], ocorrerão negociações para chegar a um acordo sobre transparência nas compras governamentais de bens e serviços [para adoção na Quarta Sessão da Conferência Ministerial]. [Negociações do Acordo levarão em consideração a situação especial dos países em desenvolvimento e ser-lhes-á concedida a devida flexibilidade]. [[Após essa reunião, negociações] [Negociações] devem ocorrer visando adotar um acordo multilateral para reduzir obstáculos de acesso a mercados na área de compras governamentais.] Em circunstâncias normais, o diretor-geral e seus assistentes assumiriam o controle de um texto desse tipo e o tornariam mais adequado para negociações numa reunião ministerial curta. Mas isso não estava em jogo, graças, em grande parte, à batalha entre Moore e Supachai. Moore, que assumiu o comando no início de setembro, sequer tinha assistentes a postos uma semana antes da reunião de Seattle, e o próprio diretor-geral era ainda uma fonte de profundo ressentimento entre os países da OMC que tinham apoiado seu adversário. Assim, ninguém enfrentou os embaixadores incisivos em Genebra que estavam o tempo todo insistindo em inserir sua redação preferida nos colchetes. Em público, Barshefsky confessou estar tranquila quanto às perspectivas para a reunião ministerial. “No final, tudo dará certo porque tem de dar certo”, disse ela em 26 de novembro, quatro dias antes do início programado da reunião de Seattle. “Todo mundo sabe que o fracasso não é uma opção”. Ela não mencionou que, poucas semanas antes, estava tão preocupada com a reunião que pediu a sua chefe de gabinete, Nancy LeaMond, para perguntar ao Departamento de Estado se o governo dos EUA teria algum prejuízo caso as reservas dos quartos de hotel dos delegados fossem canceladas. Em sua incapacidade de se organizar, a OMC combinava bem com a cidade de Seattle. 119 paul blustein [*] Um violento choque estava reservado para um grupo de autoridades da cidade de Seattle que se reuniram com uma delegação visitante da OMC em 12 de novembro de 1998. Por mais ansiosos e esperançosos que estivessem em relação à escolha de sua cidade para sediar a reunião ministerial, ficaram estupefatos quando a equipe da OMC descreveu a violência que tomara de assalto a reunião em Genebra em maio de 1998. “Todos dissemos: ‘Uau!’”, lembrou-se Kathy Paxton, da Secretaria de Turismo e Convenções do Condado de King em Seattle. “Era a primeira vez que ouvíamos falar disso”. Porém, segundo o relato de Paxton, após se recuperarem da surpresa que tiveram ao saber dos tumultos em Genebra, os policiais de Seattle presentes na reunião ficaram impassíveis, reagindo às informações com afirmações do tipo: “Bem, já lidamos com manifestações antes”. E outras autoridades de Seattle adotaram uma atitude blasé semelhante, que se manteve depois da decisão formal de escolha da cidade, no final de janeiro de 1999, para abrigar a reunião da OMC. Os tumultos pelos quais os militantes europeus eram conhecidos pareciam inimagináveis na tranquila Seattle, que se orgulhava de sua longa tradição de ativismo social praticado pacificamente. Numa reunião no conselho municipal realizada em 29 de março de 1999, Ed Joiner, chefe adjunto de polícia que fora designado para fiscalizar a segurança para a reunião da OMC, acalmou os ânimos. “Entendemos que houve demonstrações em Genebra”, disse ele, mas “temos um histórico de sermos capazes de lidar de forma muito eficiente com líderes de manifestantes e permitir que eles conduzam seu evento de forma a lhes dar a cobertura necessária para reivindicar o que quiserem, mas evitar situações envolvendo danos à propriedade ou qualquer tipo de manifestação de confronto”. Essa confiança – “complacência” talvez seja a palavra certa – continuou a dominar o pensamento das autoridades de Seattle mesmo quando sinais inquietantes de que as demonstrações da OMC seriam muito mais violentas do que a cidade já vira começaram a vir à tona durante o final do verão e início do outono. O Globalize This! Action Camp conseguiu muita cobertura da mídia, como aconteceu com a promessa solene da Direct Action Network de acabar com a reunião 120 perdidos em seattle da OMC. Um relatório confidencial do FBI que circulou em agências encarregadas da aplicação da lei em 17 de novembro declarou, em letras em negrito, “A ameaça de atividade criminal violenta ou destrutiva – incluindo atos de desobediência civil individuais ou em grupo – é considerada uma possibilidade clara”. A polícia e outros órgãos municipais não estavam de forma alguma omissos em relação ao assunto. Em fevereiro, para coordenar o planejamento de segurança, tinham criado uma comissão que incluía representantes da polícia de Seattle e do Condado de King, do FBI e do Serviço Secreto, entre outras autoridades. O departamento de polícia treinou oficiais em técnicas de gerenciamento de multidões, comprou suprimentos de spray de pimenta e máscaras de gás e criou um “esquadrão volante” com a responsabilidade específica de prender pessoas engajadas em destruição de propriedades e outras atividades ilegais. Porém, os planejadores do departamento também tomaram muitas decisões de que se arrependeriam mais tarde. Rejeitaram as ideias de montar barricadas e cercas ou de circundar a área da reunião da OMC com uma demonstração maciça de força. Apesar de o departamento ter contatado agências encarregadas da aplicação da lei para garantir que policiais extras fossem disponibilizados se necessário, não investiu recursos nem se deu ao trabalho de fazer um treinamento conjunto com esses policiais. A polícia de Seattle tampouco providenciou comida e abrigo para eles. E os planejadores cortaram várias vezes o número de policiais designados para realizar prisões. O tom foi dado no alto escalão do governo de Seattle pelo prefeito Paul Schell, um afável advogado e ex-reitor de universidade, que sempre comentava ter participado de protestos nos anos 60. Schell não queria que a cidade se transformasse num acampamento armado e sempre enfatizava que os manifestantes tinham de ter liberdade, pressupondo que fariam barulho, mas não confusão. A imagem mental que fazia do evento, como expressa na “mensagem de Schell” – uma carta que enviou aos residentes da cidade dentro e fora do governo municipal – foi que “nossos restaurantes e ruas ficarão cheios de gente do mundo todo. Questões de importância mundial serão tratadas nos salões de conferência e locais públicos... (e os muitos visitantes trarão algo em torno de US$11 milhões de negócios para a cidade)”. 121 paul blustein “Não podemos saber o que irá acontecer”, declarou sua porta-voz, Vivian Philipps, à imprensa duas semanas antes da reunião. “Mas estamos preparados”. [*] Preparados? Ah, não estavam não, como o chefe de polícia de Seattle, Norm Stamper, constatou horrorizado logo cedo em 30 de novembro, a data oficial de início da reunião da OMC. De pé, na chuva fria, viu dez policiais buscando conter uma multidão de manifestantes que estava tentando penetrar na garagem do subsolo do Hotel Sheraton, onde muitos delegados da reunião da OMC estavam alojados. Nesse momento, escreveu Stamper mais tarde, “percebi, pela primeira vez, que não tínhamos nem de longe policiais suficientes para fazer o trabalho”. A polícia não só estava despreparada em número, mas também em destreza. Logo às 2h da madrugada, um grupo de manifestantes tinha começado a se juntar e, às 7h30, o maior dos grupos, que tinha se reunido num parque perto do famoso Pike Place Market, começou a marchar em direção a leste para o Centro de Comércio e Convenções do Estado de Washington, onde a OMC estava programada para se reunir. Outra falange aproximou-se, vinda da direção oposta, ainda outra surgiu do norte e uma quarta, do sul. Assumiram o controle dos cruzamentos mais importantes ao longo do caminho, acorrentando-se uns aos outros e a objetos, deitando no chão, puxando latões de lixo para o meio da rua e, em alguns casos, tocando fogo. Só dois pelotões de policiais, com cerca de 45 homens cada, estavam de prontidão às 6h e os dois últimos pelotões só chegaram às 9h. Mesmo com força total, só 290 policiais de Seattle, mais 50 extras da Patrulha Rodoviária Estadual que vigiavam a avenida principal do centro da cidade, não foram suficientes para conter uma multidão de vários milhares de pessoas. Como o próprio relatório pós-ação do departamento do polícia reconheceu: “Essa ação de protesto bem coordenada, que ocorreu cedo esta manhã, com grupos convergindo de várias direções, logo ultrapassou a capacidade da polícia de manter livre o acesso ao Centro de Convenções e fazer detenções ao mesmo tempo”. Os grupos que estavam executando esse golpe de mestre tático eram conhecidos como Lesbian Avengers [Vingadoras Lésbicas], Bananarchy Movement [Movimento Bananarquia] e STARC Naked [STARC Nua], 122 perdidos em seattle cuja sigla significava “aliança estudantil para reformar empresas”. Estes eram grupos com afinidades, o que significava que seus seguidores estavam comprometidos em trabalhar juntos durante os protestos, com cada membro responsável por certas tarefas, como dar atendimento médico e fornecer alimentos. Cantando e dançando ao som do bater de tambores, muitos estavam fantasiados, principalmente de tartaruga. A grande maioria estava firme no apoio à promessa da Direct Action Network de evitar a violência contra pessoas e bens. Contudo, havia na multidão um grupo de jovens vestidos de preto – algumas estimativas falam em dúzias, outras em centenas – que se identificaram como anarquistas e proclamaram que a pilhagem de prédios e outros atos desse tipo eram uma ação justificável contra um sistema inerentemente explorador, baseado nos direitos de propriedade privada. Por volta de 8h da manhã, estavam quebrando janelas de lojas e escritórios, pichando edifício (uma das pichações dizia “Fodam-se as Putas da OMC”), jogando objetos na polícia e confrontando agressivamente os poucos delegados da OMC que se aventuravam para o lado de fora. Lutando para manter o centro de convenções e hotéis a salvo de invasões pelos manifestantes, a polícia desbaratou o “esquadrão volante” que pretendia usar para fazer detenções, porque precisavam de cada policial disponível para proteger os prédios mais estratégicos. Os delegados receberam a ordem de ficar em seus hotéis, forçando o cancelamento da cerimônia de abertura, marcada para as 10h. O mais exasperante, tanto para policiais quanto para civis, foi que a escassez de mão de obra impediu que a polícia interviesse contra atos descarados de pilhagem e vandalismo. Em alguns casos, fileiras de policiais com coletes à prova de balas tiveram de se postar impotentes em entradas de hotéis, enquanto as pilhagens continuavam a olhos vistos. Alguns manifestantes gritavam a frase de não violência “Vocês não têm vergonha?”, para os anarquistas, e até se colocaram na frente de prédios alvos de vandalismo. Apesar de os manifestantes não violentos estarem, em sua maioria, prontos para enfrentar detenções por bloquear os cruzamentos e entradas de prédios – nas reuniões de preparação, os líderes da Direct Action Network tinham até mesmo pedido à polícia que facilitasse as prisões –, os policiais não tinham nem de longe a capacidade de conduzir tantas ações ao mesmo tempo. Além disso, apesar de uma prisão improvisada ter sido montada num navio de guerra abandonado fora da cidade, 123 paul blustein lamentavelmente ela também estava equipada com poucos homens. Então, em vez de prender manifestantes que se recusavam a atender as ordens de se mexer – apenas 68 foram presos em 30 de novembro –, a polícia começou a jogar gás por volta das 10h e, conforme a violência foi se intensificando, recorreram a cassetetes e balas de borracha. O resultado previsível foi um fortalecimento da militância da multidão. Um artigo no jornal Seattle Times disse: “Quanto mais os policiais lançavam gás, mais os manifestantes ficavam ousados e continuavam a voltar para a cena”. Observando, com desânimo, a confusão embaixo de uma janela do Hotel Westin e assistindo pela televisão também, estavam a secretária de Estado Albright e a representante de Comércio dos EUA Barshefsky. Era esperado que elas estivessem na cerimônia de abertura, na qual Albright seria a palestrante inicial. Segundo pessoas que estavam lá, Albright vociferava que era, em suas próprias palavras, “prisioneira num hotel em meu próprio país”, telefonava para todos de quem conseguia se lembrar para ajudar a restaurar a ordem, inclusive a procuradora-geral Janet Reno e o governador de Washington Gary Locke, exigindo uma ação imediata. Seu confinamento, e o da maioria dos outros delegados, continuou durante horas, com o caos piorando com a chegada da tarde, quando a marcha dos sindicatos convergiu para o centro da cidade. Sindicalistas, estimados em 20.000 a 50.000 pessoas, tinham passado a manhã num estádio ouvindo discursos e depois começaram a marchar ao meio-dia numa caminhada oficialmente autorizada de cinco quilômetros que supostamente passaria perto do centro da cidade, antes de dobrar para pontos de dispersão. A polícia esperava que a marcha retirasse manifestantes da parte central da cidade, dando-lhe a chance de estabelecer um perímetro em torno do Centro de Convenções. Em vez disso, conforme a marcha foi se aproximando do centro da cidade, muitos deles se aventuraram para a zona de conflito, onde alguns foram pegos em batalhas com a polícia. Steve Williamson, secretário-executivo do Conselho Trabalhista do Condado de King, que foi muito atingido pela liberação de gases junto com um amigo, se lembrou mais tarde de que dar-se conta da dimensão da violência “é uma coisa que mexe com a gente... realmente tivemos uma confrontação séria com o governo”. Este foi o momento da consequência do “telefonema perdido” e da “falta de comunicação” que Michael Dolan tinha vivenciado 124 perdidos em seattle alguns meses antes, quando estava tentando coordenar a concatenação da marcha sindicalista e do plano dos ativistas para protestos mais militantes. A marcha e os protestos estavam agora no estágio de mútuo reforço. Esse desdobramento estava sendo observado na TV com grave alarme no centro de comando no Quartel-General da Polícia de Seattle, onde os oficiais mais graduados de órgãos encarregados da aplicação da lei e do governo local estavam abrigados. Tradicionalistas radicais estavam exigindo uma reação mais forte aos manifestantes do que o prefeito Schell e o chefe de Polícia Stamper estavam inclinados a impor. Dave Reichert, o xerife do Condado de King, estava “apoplético e seu sangue fervia cada vez que Schell abria a boca”, segundo o relato de Stamper. O Serviço Secreto estava questionando se o presidente Clinton, que estava programado para chegar essa tarde, deveria ser autorizado a fazê-lo. Um pouco antes das 15h, o governador Locke – que fora fustigado pelo telefonema de Albright – chegou para informar a Schell que ele queria convocar a Guarda Nacional e declarar estado de emergência. Apesar de as autoridades de Seattle terem antes rejeitado as propostas para fazer isso, a situação envolvendo a marcha sindicalista forçou-os a voltar atrás. Schell emitiu a declaração de emergência, que incluía a imposição de toque de recolher e a criação de um perímetro em torno da sede da reunião da OMC. A mudança na tática do prefeito de tolerância para o castigo não evitou que a violência continuasse varando a noite. Multidões enfrentaram a polícia com pedaços de entulho, pedras, rolamentos de aço e garrafas, recebendo disparos de gás lacrimogêneo, granadas de concussão e balas de borracha em resposta. Os policiais conseguiram limpar a área do centro da cidade e levar os manifestantes para outro bairro, onde se estava pondo fogo no lixo e as lixeiras estavam sendo puxadas para o meio da rua. Alguns conflitos ainda estavam ocorrendo quando o avião Força Área 1 aterrissou à 1h30 da manhã. O presidente tinha tentando bancar o pacificador naquele dia, condenando publicamente os atos criminosos e, ao mesmo tempo, defendendo os direitos dos manifestantes de serem ouvidos. Mas o que os delegados não sabiam, incluindo Barshefsky, é que Clinton já tinha lançado seu próprio dispositivo incendiário na confusão. 125 paul blustein [*] Um clima soturno prevaleceu na manhã do dia seguinte, 1º de dezembro, conforme os ministros de Comércio e outros delegados começaram a se reunir às 9h, no Centro de Convenções. Estavam aliviados de ver que podiam pelo menos atravessar as ruas do centro a salvo, graças a uma “zona neutra” que mantinha a maioria das pessoas sem credenciais longe da entrada de uma área cercada por cordão de isolamento de aproximadamente 50 quadras, patrulhada por um contingente policial reforçado, tanques e cerca de 300 soldados da Guarda Nacional. Porém, muitos ministros e delegados, principalmente os de países desenvolvidos, estavam enchendo os ouvidos dos representantes governamentais americanos com o assédio que tinha sofrido no dia anterior. “Vocês imaginam o tipo de crítica que sofreríamos se o embaixador norte-americano fosse atacado em nosso país?”, perguntou Federico Cuello Camilo, embaixador na OMC da República Dominicana, cujo ministro do Comércio tinha sido agredido pelos manifestantes, além de ter sido atingido por gás lacrimogêneo. Falando em nome do governo dos EUA, em sua posição de presidente da reunião, Barshefsky se desculpou em sessão plenária pela quebra da ordem, culpando as “ações irresponsáveis de uma pequena minoria”. Depois disse como a reunião iria se desenrolar nos três dias restantes antes de seu encerramento previsto para sexta-feira, 3 de dezembro. Cinco grupos de trabalho tentariam chegar a um acordo sobre os aspectos mais contenciosos da pauta proposta para uma nova rodada – agricultura, acesso a mercados, as questões de Cingapura, questões sistêmicas (processos de tomada de decisão da OMC) e implementação e regras (principalmente antidumping e ajustes na Rodada Uruguai). Os grupos, para os quais todos os países-membros poderiam enviar representantes, seriam chefiados por ministros dos países da OMC chamados de Friends of the Chair [Amigos da Presidência], uma inovação concebida pelo diretor-geral Moore na esperança de que ministros influentes conseguissem persuadir seus colegas para um consenso. Se tudo corresse bem, cada um dos grupos de trabalho redigiria textos que fossem amplamente aceitáveis e estes seriam incorporados a uma declaração global que seria submetida a todos os membros, com base no entendimento usual em conversações de comércio multilateral de que nada estava acordado até que tudo estivesse 126 perdidos em seattle acordado. Barshefsky exortou os ministros a negociar em vez de reiterar posições antigas e associou a seu pedido uma advertência: o fracasso no alcance de um acordo nos grupos de trabalho a obrigaria a convocar uma reunião de sala verde (Green Room) – uma reunião de ministros a partir de um seleto grupo de países, cuja decisão coletiva seria apresentada ao resto dos 135 países numa base de “pegar ou largar”. Além de aborrecidos com os protestos, os delegados estavam irritados com questões logísticas. Muitos estavam encontrando dificuldade em obter credenciais. Uma acústica ruim prejudicava as reuniões dos grupos de trabalho, que estavam se reunindo em um amplo salão de exposições, separados uns dos outros por divisórias de tecido, “de forma que tudo que era dito num lugar era ouvido em toda parte”, lembra-se Roderick Abbott, um dos principais negociadores da União Europeia na área de comércio. No meio da quarta-feira, mais um motivo de irritação para os ministros: eles tinham de ficar numa longa fila para passar por detectores de metal no caminho para o almoço, porque estava previsto um discurso de Clinton. No entanto, esses incômodos não eram nada, comparados com a raiva que estava se avolumando em relação ao teor da mensagem de Clinton. O jornal Seattle Post-Intelligencer daquela manhã dizia que o presidente estava assumindo uma posição mais agressiva do que antes em relação à questão dos padrões trabalhistas. Até aquele momento, os representantes governamentais norte-americanos vinham assegurando a outros países que não estavam tentando nada além do estabelecimento de uma comissão da OMC sobre a relação entre trabalho e comércio. Ofereciam também garantias de que essa comissão meramente estudaria questões como trabalho infantil e não pretendia dar o primeiro passo rumo a um sistema de sanções contra nações que estivessem descumprindo padrões internacionais. Mas Clinton estava reduzindo essas garantias a cacos, dizendo aos jornais, numa entrevista por telefone, enquanto estava em São Francisco, a caminho de Seattle: O que temos de fazer primeiro é adotar a posição dos Estados Unidos de ter um grupo de trabalho sobre padrões trabalhistas dentro da OMC e depois esse grupo de trabalho desenvolveria padrões básicos, que fariam parte de todo acordo de comércio e, em última instância, favoreceriam um sistema no qual seriam introduzidas sanções por violação de qualquer dispositivo de um acordo de comércio. 127 paul blustein Os negociadores norte-americanos não faziam ideia de que o presidente se afastaria tanto da posição inicial deles. Barshefsky estava tão ocupada com outras obrigações naquela manhã que só tomou conhecimento da entrevista de Clinton no almoço dos ministros, quando se sentou ao lado de Pascal Lamy, substituto de Sir Leon Brittain como comissário europeu de Comércio há algumas semanas. Lamy entregou-lhe um exemplar da edição do Post-Intelligencer e, como ambos se lembram do episódio, ela empalideceu e disse com voz entrecortada que era a primeira vez que via aquilo. As observações de Clinton, sabiam eles, atiçariam os mais sombrios temores, no mundo em desenvolvimento, de que Washington tinha uma agenda secreta para um regime rígido de direitos trabalhistas. As nações da Ásia, América Latina e África já suspeitavam que os Estados Unidos trairiam seus princípios de livre comércio usando padrões trabalhistas para extinguir a vantagem de baixos salários que constituía a principal esperança dos países pobres de competir nos mercados internacionais. O presidente tinha óbvias motivações políticas para se mover nessa direção, tendo em vista seu desejo de ajudar o vice-presidente Gore a garantir a lealdade de sindicatos. Quando, finalmente, chegou, Clinton se empenhou em fazer um discurso visando reduzir a resistência aos padrões trabalhistas. “Reconheço abertamente que, se tivéssemos certo tipo de regra, os protecionistas de países ricos usariam expedientes como diferenças salariais para manter os países pobres na pobreza”, disse ele, mas “podemos encontrar um meio... de escrever essas regras”, de forma a evitar esse resultado. Os ministros de países em desenvolvimento ficaram impermeáveis a essas palavras, assim como a uma operação de contenção de danos que os funcionários da Casa Branca tentaram realizar naquela tarde para minimizar as palavras de Clinton, considerando-as menos significativas do que ele tinha realmente dito. Ex-colaboradores de Clinton se lembram dele sendo sabatinado sobre a questão dos padrões trabalhistas e alguns deles concordam que a razão da toda a sua franqueza era política. De sua parte, Barshefsky se recorda de Clinton perguntando mais tarde, nesse mesmo dia em que fez o seu discurso em Seattle, sobre como estava andando o esforço de amolecer os países em desenvolvimento. “Nada bem”, disse ela, provocando uma resposta enigmática do presidente: “Não tive a intenção de estabelecer políticas nessa área”. 128 perdidos em seattle O prefeito Schell e o chefe de polícia Stamper viviam um verdadeiro inferno: enfrentavam críticas por sua falta de firmeza inicial em relação aos protestos e à brutalidade da reação após a situação ter fugido ao controle. Naquela quarta-feira, estavam conseguindo manter ruas do centro da cidade trafegáveis, depois de terem criado o perímetro em torno da área da reunião da OMC e aumentado dramaticamente o contingente de policiais para fazer detenções. Então a pergunta óbvia era, por que não tinham feito isso na véspera? “Se eu tivesse... negado aos manifestantes a oportunidade de se fazerem ouvir, teríamos sido severamente criticados por negar o direito à liberdade de expressão e talvez por provocar uma violência ainda mais séria”, disse o prefeito à imprensa. Essas respostas, contudo, não refutaram, de maneira satisfatória, as críticas de que o prefeito deveria ter designado um número maior de policiais para prender tanto manifestantes violentos quanto militantes que protestavam pacificamente. Os ataques ao prefeito e à polícia se aprofundaram na tarde de quarta-feira quando uma manifestação de cinco horas surgiu e quando um vídeo de TV mostrou um policial chutando a virilha de um homem que nem oferecia resistência. Notícias de que policiais de fora da cidade não dispunham de dormitórios e refeições adequados expuseram o planejamento desleixado da prefeitura. O tumulto diminuiu na quinta-feira, 2 de dezembro, com manifestações atraindo menos gente. Mas novos insultos foram dirigidos aos representantes municipais pelos comerciantes locais, que estavam sofrendo milhões de dólares em prejuízos em vez de estarem colhendo os frutos da bonança de vendas que lhes fora prometido. “Há muita raiva e frustração”, disse o diretor de marketing da Associação dos Comerciantes do Centro de Seattle ao jornal Seattle Times, acrescentando que o grupo estava considerando abrir processo contra o município. Raiva e frustração estavam na ordem do dia no Centro de Convenções também, enquanto os grupos de trabalho lutavam, quase sempre sem sucesso, para eliminar os colchetes do texto a fim de chegar a um acordo sobre o escopo das negociações que uma nova rodada abrangeria em cada área determinada. O grupo mais fragmentado era aquele responsável pelas relações entre comércio e trabalho. Esse grupo não tinha sido incluído nos cinco grupos originais anunciados por Barshefsky e se reuniu na quinta-feira, penúltimo dia da reunião, tendo obviamente os Estados Unidos como seu 129 paul blustein principal patrocinador. O grupo se reuniu por longos quarenta minutos antes que o encontro fosse encerrado por falta de acordo. “Houve muita gritaria”, recorda-se a presidente, Anabel González, vice-ministra do Comércio da Costa Rica. “Foi a reunião mais contenciosa que já vi”. Exaltados pela entrevista de Clinton aos jornais, os representantes de países em desenvolvimento confessaram que nunca teriam aceitado a proposta norte-americana de um fórum sobre trabalho na OMC. Um delegado paquistanês afirmou que González não tinha nem mesmo o direito de convocar a reunião. González pediu aos delegados interessados que se reunissem com ela em grupos menores e informais, que mais tarde começaram a considerar versões mais suavizadas da proposta norte-americana. O único grupo de trabalho a produzir um texto foi o de agricultura, chefiado pelo ministro do Comércio de Cingapura, George Yeo. Ele utilizou uma linguagem astutamente vaga para ajudar a reduzir as diferenças entre negociadores dos EUA e da União Europeia em relação ao rumo que as negociações sobre comércio de produtos agrícolas tomariam numa nova rodada. Numa passagem clássica por sua imprecisão, o texto dizia que a rodada visaria “reduções substanciais de subsídios à exportação... na direção de uma eliminação progressiva de todas as formas de subsídios às exportações” – dizeres que poderiam ser interpretados como uma promessa implícita de corte desses subsídios até chegar a zero ou meramente uma promessa de caminhar um pouco em direção a essa meta. A única esperança prática de chegar a um acordo numa declaração feita na sexta-feira à noite era começar a organizar uma reunião de sala verde com um número administrável de ministros. Foi esse o rumo que Barshefsky tomou na tarde de quinta-feira. Ela marcou 18h como prazo final para os grupos de trabalho e declarou que se não tivessem avançado suficientemente até essa hora, “reservo-me plenamente o direito de usar um processo mais exclusivo para chegar a um resultado final”. Nesse momento, um ressentimento cozido em fogo brando começou a ferver. Os delegados vindos dos países mais pobres da África, do Caribe e da América Latina já estavam agastados com a maneira como a reunião estava sendo conduzida e a perspectiva da sala verde deu-lhes novas razões para concluir que os trabalhos constituíam um retrocesso ao estilo 130 perdidos em seattle do antigo GATT, de acordos confortavelmente costurados entre a elite. Uma sessão plenária formal acabou numa cacofonia de vaias e socos na mesa por parte dos delegados de países pobres. É bom observar que sua militância diferia dos protestos dos manifestantes. Os representantes governamentais de países em desenvolvimento em geral não aceitavam de forma alguma a imposição de padrões trabalhistas e ambientais estritos defendidos pelos manifestantes de rua. Mas compartilhavam a hostilidade dos manifestantes em relação às potências que estavam liderando a reunião, ainda mais pela arbitrariedade pela qual os países pobres eram excluídos da sala verde. Suas reivindicações eram provavelmente exageradas. Eles haviam tido permissão para designar representantes para a maioria dos grupos de trabalho e obtido a garantia de que a sala verde incluiria vários representantes africanos. Porém, tinham uma queixa legítima: qualquer acordo na sala verde que surgisse na sexta-feira os confrontaria com uma decisão apressada sobre a aprovação ou não de uma declaração ministerial longa e complicada e lhes daria pouco tempo, se é que teriam algum, para consultar os governos de seus países. Esses países logo passaram a fazer uso do pouco poder que tinham: a ameaça de bloquear o consenso. Em declaração emitida na quinta-feira bem tarde, um grupo de países pobres da América Latina e do Caribe disse: “Estamos particularmente preocupados com as intenções declaradas de produzir um texto ministerial a qualquer custo... Já que as condições de transparência, abertura e participação... não existem, não nos juntaremos ao consenso exigido para atingir os objetivos desta conferência ministerial”. Uma declaração feita pelo Grupo Africano continha palavras semelhantes. A reunião de Seattle agora estava se movendo rapidamente para o desastre. [*] Inúmeros fatores estavam em jogo para diminuir a probabilidade de que a OMC tivesse êxito em Seattle. A maioria não tinha a ver com os protestos. Eles incluíam a luta divisora pelo cargo de diretor-geral, as desavenças sobre o que uma nova rodada acarretaria, a enorme quantidade de colchetes nas versões preliminares dos textos, a desorganização logística que atormentava a conferência e a controvérsia 131 paul blustein em relação às observações de Clinton sobre padrões trabalhistas. Talvez a perspectiva de um acordo tivesse sido nula desde sempre, como alguns manifestantes e observadores alegavam. Porém, pode-se argumentar de forma plausível que, na sexta-feira, 3 de dezembro, ainda permanecia viva uma oportunidade de algum tipo de acordo e que os eventos do dia produziram a verdadeira causa mortis da reunião, inseparável dos protestos. O dia começou com altos níveis de estresse e exaustão, quando 25 ministros de países-chave fizeram uma reunião de sala verde pela manhã em torno de uma grande mesa quadrada no sexto andar do Centro de Convenções. Os principais negociadores dos EUA e da União Europeia tinham ficado acordados a noite inteira discutindo sobre agricultura. Embora essas conversas parecessem prestes a chegar a uma ruptura, por volta de 4h30 da madrugada o comissário europeu de Comércio, Lamy, tinha saído para consultar os ministros da Agricultura e do Comércio de países-membros da União Europeia e não tinha voltado depois de várias horas, o que indicava que estava enfrentando forte resistência. Fora da sala verde, ministros das nações deixadas de fora se viram na posição embaraçosa de não ter nada para fazer a não ser comer pizza, fumar, assistir aos protestos pela TV e se enfurecer com sua incapacidade de influenciar, ou mesmo de ficar sabendo o que estava acontecendo lá dentro. Quando Barshefsky fez um intervalo e pediu para ser substituída na presidência da reunião, passando a responsabilidade para o ministro do Comércio canadense Pierre Pettigrew, um dos colegas do ministro brincou: “Você bem que está parecendo o maestro da orquestra a bordo do Titanic”. Ansioso por evitar o fiasco, no seu primeiro grande teste como diretor-geral, Moore iniciou um esforço para obter a única coisa que seria possível para salvar a reunião – uma prorrogação. Reuniões anteriores sobre comércio internacional tinham, algumas vezes, alcançado o consenso com a prorrogação das discussões além do tempo regulamentar, e Moore acreditava que Seattle podia ser mais um desses casos. Muitas horas tinham sido consumidas com agricultura, negando a chance de se resolver tópicos contenciosos como práticas antidumping e os temas de Cingapura. Tempo extra era a única esperança para tratar desses assuntos e oferecia a única esperança de superar outro problema – a determinação das nações africanas, latino-americanas e caribenhas de rejeitar qualquer 132 perdidos em seattle acordo concluído a portas fechadas sem que elas tivessem a oportunidade de consultar seus países. O homem designado por Moore para tentar obter uma prorrogação no Centro de Convenções foi Andy Stoler, o ex-número 2 da missão norte-americana junto à OMC, que tinha acabado de se tornar diretor-geral adjunto da organização. Como o americano mais antigo na liderança da OMC, Stoler tinha a responsabilidade de fazer a ligação com o prefeito Schell. A resposta do prefeito: Saia daqui. Não só Schell se recusou a permitir que os delegados da OMC permanecessem após o prazo final programado, recorda-se Stoler, como “nos falou que iria suspender a proteção policial do Centro de Convenções” – uma ameaça perturbadora, porque as manifestações continuavam até esse dia, com 500 manifestantes conseguindo fugir da marcha sindicalista e ir para o Hotel Westin, onde muitos se acorrentaram às portas. “A razão era que o Centro de Convenções ficava localizado no meio da área comercial do centro da cidade e esta era a semana após o feriado de Ação de Graças, com todos os comerciantes dizendo ‘Seu imbecil, estamos perdendo milhões de dólares por sua causa’”, disse Stoler. “Ele me disse: ‘Estou com toda a área comercial do centro da cidade fechada por causa da sua reunião!’ Finalmente negociei um trato com ele, que foi: ‘Se você conseguir manter a polícia aqui até 1h da manhã, garanto que terminaremos à meia-noite’”.2 Outro boato que correu naqueles dias dizia que a reunião não poderia ser prorrogada porque o Centro de Convenções tinha de ser esvaziado para abrigar um congresso de oftalmologia, marcado meses antes. Vários artigos de jornal da época, assim como algumas retrospectivas sobre a conferência ministerial de Seattle escritas por economistas e outros analistas, citaram o congresso de oftalmologia como sendo o problema. Porém, a Academia Americana de Optometria, o grupo em questão, só começou as inscrições para a tal convenção na quarta-feira da semana seguinte, cinco dias depois. Assim, o principal motivo da incapacidade da OMC em obter uma prorrogação parece ter sido aquele citado por Stoler. Indagado sobre o relato de Stoler, Schell disse que não se lembra da conversa, mas admite que ela pode ter acontecido. Também disse que não tinha conhecimento do congresso de oftalmologia. “Lembro que estávamos ansiosos para mandar [a OMC] embora”, disse ele, citando “forças de segurança exaustas e comerciantes varejistas muito insatisfeitos”. 2 133 paul blustein Os protestos arruinaram a maior parte do primeiro dia da reunião e agora estavam sendo responsabilizados por privar a OMC de um dia extra, que se mostrara desesperadamente necessário. Se esse dia extra ajudaria, nunca se saberá. Barshefsky e alguns outros funcionários do governo Clinton sustentaram publicamente que a situação chegou a um impasse quando a União Europeia retirou sua aprovação ao texto sobre agricultura. Muitos outros recusaram essa versão dos eventos como uma tentativa de evitar a culpa. Eles diziam que a União Europeia se dispunha a ser flexível desde que suas concessões na agricultura fossem compensadas com ganhos em outras áreas. “Se um entendimento tivesse sido alcançado em outros assuntos, teríamos obtido um acordo em agricultura”, disse um ex-colega de Barshefsky. Em outras palavras, o tempo extra poderia ter feito alguma diferença, um ponto de vista que várias pessoas da equipe dos EUA compartilharam naquela sexta-feira fatídica. Sem nenhuma esperança de que o tempo adicional fosse se materializar, Moore se reuniu na tarde de sexta-feira com cinco ministros dos mais importantes – Lamy, da União Europeia, Yeo, de Cingapura, e mais seus colegas do Egito, África do Sul e Brasil. Concluíram que era necessário dissolver a reunião imediatamente e da forma mais ordenada possível, para minimizar o dano à OMC. O ministro brasileiro, Luiz Felipe Lampreia, procurou um amigo, Richard Fisher, que era o adjunto de Barshefsky. “Disse ao Richard: ‘Encerre logo a conferência. Convença Charlene de que não há mais chance’”, recorda-se Lampreia. Essa mensagem chegou a Barshefsky, que, segundo o relato de Fisher, desanimada disse-lhe: “Ok, Richard, passe a mensagem às tropas”. Com rufar de tambores e soprar de cornetas, os manifestantes saíram correndo pelas ruas quando se espalhou o rumor do que estava acontecendo. Às 10h30, Barshefsky oficialmente suspendeu a reunião, dizendo aos delegados reunidos: “talvez seja melhor darmos um tempo”. A OMC tinha feridas profundas para cuidar. Mesmo seus protagonistas estavam estarrecidos com suas deficiências. Lamy a chamou de organização “medieval”, dizendo aos repórteres, no dia 4 de dezembro, que “ela terá de ser reavaliada e talvez reconstruída”. Uma figura-chave já estava começando a pensar sobre como contornar os problemas na reunião seguinte. 134 perdidos em seattle [*] Mesmo para seus padrões habituais, Mike Moore estava num humor extraordinariamente enérgico e irreverente quando se reuniu com membros importantes do Secretariado da OMC no início de janeiro de 2000. Recém-chegados dos feriados de final de ano, os funcionários da OMC ainda estavam se recuperando do fiasco em Seattle. Tinham esperanças de que o passar do tempo possibilitaria que a organização começasse a curar as fissuras entre os Estados-membros e amainar as paixões que tinham se inflamado. Afinal de contas, mesmo que uma nova rodada não pudesse ser lançada, os membros tinham muito trabalho pela frente, na forma de um “programa de trabalho pré-definido”. Tratava-se de um mandato resultante da Rodada Uruguai no sentido de começar negociações em 2000 sobre comércio em agricultura e serviços. Mas Moore, que sabia que a próxima reunião ministerial marcada para 2001 seria sua última como diretor-geral, nem pensava em diminuir o ritmo de trabalho, voltando aos padrões normais de procedimento da organização. “Essa porra desse show tem de continuar”, disse Moore a um grupo estarrecido reunido na sala de conferências, segundo as lembranças dos participantes. “Não vamos, de jeito nenhum, ser percebidos como abelhas zumbindo em torno dessa porra de programa de trabalho. Temos que nos repaginar!”. Mas que tipo de repaginação daria à OMC uma nova vida? Quais os problemas do sistema multilateral de comércio de que deveria tratar? O tema dos direitos trabalhistas estava fora de cogitação. Seattle tinha provado que qualquer esforço para inserir dispositivos sobre direitos trabalhistas nas regras da OMC enfrentaria uma rejeição violenta por parte dos países em desenvolvimento. As questões ambientais de grande interesse especialmente para os europeus também teriam de ser tratadas com cautela. As nações em desenvolvimento encaravam grande parte da pauta dos verdes como resultante de impulsos protecionistas. Havia, porém, um conceito muito mais promissor – desenvolvimento. Ao abrigar-se sob esse manto, a OMC poderia atrair o apoio tanto da Esquerda, simpática às queixas dos países em desenvolvimento, quanto da Direita, que queria encorajar as nações pobres a encarar o comércio como sua verdadeira salvação ao invés de vê-lo apenas como um instrumento de ajuda. Tornar a redução da pobreza uma prioridade 135 paul blustein central também ajudaria a vencer a resistência de grupos como o Like Minded Group a uma nova rodada. “Depois de Seattle, consegui vislumbrar como o acordo podia ser alcançado”, escreveu Moore mais tarde em um de seus livros. “Eu sabia que precisávamos ter uma agenda de desenvolvimento que atendesse às necessidades dos países pobres”. 136 Capítulo 5 Apenas notas 10 Num reino no deserto em que é proibida a entrada de bebidas alcoólicas e as mulheres se cobrem com véus, mesmo o manifestante mais ousado pensaria duas vezes antes de atacar e virar uma viatura da polícia, depredar um McDonald’s ou simplesmente bloquear um cruzamento. Foi justamente na capital de um país como esse que a OMC decidiu, em 23 de janeiro de 2001, realizar alguns meses depois, naquele mesmo ano, sua reunião ministerial. Uma península do tamanho de Connecticut, rica em petróleo, com cerca de 120.000 habitantes, o Catar tinha um código islâmico tradicional que regia a conduta pessoal e impunha punições rígidas para críticas à monarquia. Dificilmente seria um lugar hospitaleiro para organizações do tipo da Ruckus Society fazerem manifestações violentas e formarem correntes humanas. A decisão de realizar a reunião em Doha suscitou reclamações de ativistas ambientais e de direitos humanos e trabalhistas. Eles citavam um relatório do Departamento de Estado dos EUA que declarava que o governo catariano “limita severamente a liberdade de reunião”. Em resposta, o porta-voz da OMC, Keith Rockwell, disse que o plano surgira em parte por conta da escassez de outras cidades dispostas a serem anfitriãs depois de Seattle. As autoridades governamentais do Catar, acrescentou ele, “nos deram garantias de que protestos pacíficos podem ser realizados, desde que seja obtida autorização”. 137 paul blustein De fato, o Catar estava bem mais aberto politicamente do que alguns outros países islâmicos. Seu governante, o xeique Hamad bin Khalifa al-Thani, criara a rede de televisão Al-Jazeera, que colocava no ar algumas das transmissões mais livres e irresponsáveis do mundo árabe, e também realizara as primeiras eleições do país, para um conselho consultivo municipal. No fundo, contudo, o Catar permanecia um reino feudal e havia outras razões que explicavam por que o clima na reunião em Doha certamente diferiria bastante do de Seattle. Apenas 4.400 acomodações em hotel estavam disponíveis – insuficientes para receber os milhares de delegados, jornalistas e funcionários da OMC esperados. Os catarianos prometeram permitir a estadia de navios de cruzeiro no porto de Doha e alugar mansões para acomodar os excedentes previstos. Mas só restariam cerca de mil acomodações para os representantes da ONGs – um obstáculo e tanto para quem tivesse esperanças de lançar um protesto decente. A OMC claramente queria que sua reunião ministerial de 2001, programada para acontecer de 9 a 13 de novembro, fosse a anti-Seattle. Escolher Doha foi uma dentre várias providências que seus líderes tomariam com esse fim. Nos preparativos da reunião de Doha, Mike Moore visitou a África seis vezes num esforço de convencer os formuladores de políticas do continente de que suas opiniões seriam levadas mais em conta do que tinham sido em Seattle. O diretor-geral transmitiu a mesma mensagem a países pobres demais para manter missões em Genebra, em reuniões realizadas para seus representantes em Bruxelas e Londres. O mais importante, para explicar o motivo do lançamento de uma rodada em Doha, foi que ele enfatizou repetidas vezes que esta deveria ser chamada de “uma verdadeira rodada de desenvolvimento”, com o propósito principal de atender às necessidades de países pobres. “A maneira mais certa de fazer mais para ajudar os pobres é continuar a abrir mercados. Uma nova rodada de negociações de comércio multilateral traria enormes benefícios”, declarou ele num discurso na London School of Economics em junho de 2000 e incitou a plateia a “aprender com o exemplo dos países em desenvolvimento que estão tentando eliminar o atraso em relação ao nível de desenvolvimento atingido pelos ricos”: Vejam o exemplo da Coreia do Sul. Há trinta anos, era um país tão pobre quanto Gana, agora, é tão rico quanto Portugal. Ou pensem na China, 138 apenas notas 10 onde 100 milhões de pessoas escaparam da pobreza extrema na última década. O que esses países afortunados têm em comum? Abertura para o comércio. Ele usou quase as mesmas palavras em discursos feitos em outros locais no mundo todo, observando, ao mesmo tempo, que o comércio não resolveria sozinho o problema da pobreza em países sofrendo com guerras e governos corruptos. Em outro pronunciamento em março de 2001, afirmou: Pessoas de bom senso podem especular sobre o tamanho exato dos lucros decorrentes da nova rodada. Porém, a mensagem básica de estudo após estudo é clara: uma nova rodada traz enormes benefícios a todas as partes do mundo. Por exemplo, um estudo feito pelo Instituto Tinbergen estima que os países em desenvolvimento ganhariam US$ 155 bilhões por ano com uma maior liberalização do comércio. Isso representa três vezes mais do que os US$ 43 bilhões que recebem a título de ajuda externa ao desenvolvimento. As exortações de Moore para uma rodada de desenvolvimento tocaram num ponto sensível entre muitos formuladores, especialistas e comentaristas, e fizeram com que ele realmente acreditasse no que estava dizendo. Mesmo antes da reunião ministerial de Seattle, Moore apoiou propostas por uma rodada que tivesse ênfase no desenvolvimento. “Não era uma ideia nova, mas Mike sentiu que algum tipo de abordagem transformadora era necessária, disse Evan Rogerson, um conterrâneo neozelandês que ocupava uma posição elevada no Secretariado da OMC. “Para Mike, não era um exercício de marketing cínico”. Porém, algumas questões expressivas foram deixadas sem resposta: o que exatamente resultaria dessa rodada? Isso queria dizer que os países em desenvolvimento deveriam ter mais acesso a mercados de países ricos ou também implicaria que deveriam baixar suas próprias barreiras e, em caso positivo, em que condições? E o mais fundamental: será que existiam evidências realmente indiscutíveis de que a liberalização do comércio geraria um crescimento assombroso no mundo em desenvolvimento? 139 paul blustein [*] Para os defensores de mercados abertos no mundo todo, uma das armas intelectuais mais potentes de que dispunham era o trabalho de um economista com um nome que vinha bem a calhar: David Dollar. De fato, seus estudos eram citados frequentemente nos discursos de Moore. Dollar, funcionário graduado do Departamento de Pesquisa do Banco Mundial, era, entre os economistas, um dos maiores defensores do livre comércio e investimento em países em desenvolvimento. Os dados que ele apresentava indicavam que as mais prósperas nações em desenvolvimento eram as que tinham feito os maiores esforços para entrar no comércio internacional, enquanto que as mais estagnadas eram as que não tinham se esforçado muito para se integrar à economia global. Dollar começou a formular suas ideias sobre o assunto quando estava trabalhando no Vietnã como consultor do Banco Mundial, na primeira metade da década de 1990. Homem barbado e efusivo, formado pela Universidade Dartmouth em história e língua chinesa e doutorado em economia pela Universidade de Nova York, ele se maravilhava com a maneira com a qual a economia do Vietnã – quase totalmente fechada para o comércio e investimento durante o governo comunista de linha dura – tinha começado a sair da pobreza ao se abrir ao comércio após a Guerra Fria. “Agora você tem cybercafés em Hanói, eles mandam alunos para estudar no exterior e vi a vida das pessoas melhorar de forma impressionante”, contou Dollar quando o entrevistei em 2001. “O que eu via não batia com as queixas que se ouve do pessoal do movimento antiglobalização. Então me pareceu uma boa ideia olhar sistematicamente para a questão”. De volta à sede do Banco Mundial em Washington, Dollar escreveu vários artigos, sendo o mais notável publicado na primavera de 2001. Apesar de os economistas, há muito tempo, virem exaltando as virtudes do comércio e ligando-o ao crescimento econômico e à redução da pobreza, esse estudo, de Dollar em coautoria com seu colega Aart Kraay, examinou a relação de uma forma mais rigorosa. O estudo começou dividindo cerca de setenta países em desenvolvimento em dois grupos – os que embarcaram na globalização durante a década de 1980 e de 1990 e os que resistiram a ela. Os 140 apenas notas 10 “globalizadores” foram definidos como países que tinham aumentado suas importações e exportações como parcela de seu produto interno bruto (PIB) e que mais tinham reduzido suas tarifas médias durante o período em questão. Eles incluíam China, Malásia, México, Índia, Tailândia, Argentina, Filipinas e Hungria. Os “não globalizadores”, em que o comércio como uma percentagem do PIB declinara e as tarifas tinham sido menos reduzidas, incluíam Burma, Paquistão e vários países da África Subsaariana. Os resultados eram impressionantes: os globalizadores tinham aumentado seus índices de crescimento econômico médio de 2,9% ao ano na década de 1970 para 3,5% na década de 1980 e 5,0% na década de 1990. Os países que não estavam no grupo globalizante viram o crescimento declinar de 3,3% ao ano na década de 1970 para 0,8% na década de 1980, recuperando para 1,4% na década de 1990. Com o passar dos anos, o efeito cumulativo dessa disparidade nos índices de crescimento teve um impacto muito grande nos padrões de vida. Além disso, os hiatos entre as pessoas com renda mais alta e mais baixa permaneceram razoavelmente constantes nos países globalizantes, gerando um benefício óbvio para os pobres. “Considerem dois países relativamente semelhantes – Paquistão e Bangladesh”, disse Dollar, introduzindo o seu assunto. No Paquistão, observou ele, o comércio tinha caído de cerca de metade do PIB duas décadas antes para 35% do PIB nos anos mais recentes e, até 2001, a economia foi ficando estagnada. Bangladesh, apesar de ainda muito pobre, tinha se beneficiado com um crescimento relativamente robusto durante o mesmo período, quando o comércio subiu de 14% para 28% do PIB e as tarifas despencaram de 93% para 26%. Caso encerrado, se a pesquisa de Dollar for considerada em seu valor de face. Os países pobres que buscavam a prosperidade deveriam pular no vagão do livre comércio. Mas Dollar iria sofrer críticas formuladas por um bastião da teoria econômica dominante. Na Escola de Políticas Públicas John F. Kennedy da Universidade de Harvard, o economista especializado em comércio Dani Rodrik estava dedicando tempo e energia substanciais para analisar o trabalho de Dollar. Seus ataques aos argumentos do funcionário do Banco Mundial o levaram para a linha de frente do que se pode chamar de escola de ceticismo sobre livre comércio. Seus confrontos por vezes 141 paul blustein pareceram eivados de animosidade, apesar dos protestos de que suas diferenças eram profissionais e não pessoais. “Completamente sem sentido” foi o veredito de Rodrik a respeito das conclusões de Dollar quando o visitei em seu escritório, bem próximo a Harvard Square. “Na melhor das hipóteses, a pesquisa de David Dollar não é útil e, na pior, é prejudicial, já que conclusões sobre políticas a serem adotadas serão derivadas dela”. Rodrik, um homem de fala mansa, foi criado em Istambul – até hoje é torcedor fanático do time de futebol nacional da Turquia – e tinha vindo para Harvard para “se aventurar”, mais tarde obtendo o título de Ph.D. em economia em Princeton. Ele me garantiu que compartilha a visão de que as nações se beneficiam de forma geral, no longo prazo, do engajamento no comércio e da redução de barreiras comerciais. Mas reclamava que entusiastas como Dollar tinham feito “afirmações realmente extravagantes” sobre os benefícios do livre comércio, “criando expectativas que não podem ser alcançadas”. Em artigos acadêmicos, Rodrik questionou a metodologia usada por Dollar em seu trabalho, argumentando que ele confundiu causas e efeitos. Pedi-lhe que explicasse, em linguagem para leigo, as complicadas equações e tabelas de dados que tinha desenvolvido em seu ataque ao economista do Banco Mundial. “Ele disse que aumentar sua participação no comércio mundial é bom para você”, replicou Rodrik. “Bem, os formuladores de políticas não possuem instrumentos para incrementar o comércio. É como dizer: ‘melhore sua tecnologia’. Sei que melhorar minha tecnologia é bom para mim. A pergunta aos países que exitosamente aumentaram sua participação no comércio mundial é: que políticas eles adotaram?”. Ele citou a China como um bom exemplo: “A China vem se globalizando? Se por globalização você quer dizer aumentar o comércio e o investimento estrangeiro, não há dúvida, a China tem sido um dos países mais globalizantes do mundo”, disse Rodrik. “Mas se você fizer a pergunta: ‘A China liberalizou sua política de comércio rapidamente, da forma que o Banco Mundial aconselha?’, a resposta seria não. A China liberalizou, mas o fez de forma extremamente gradual. A maior parte da liberalização ocorreu cerca de uma década depois do período de alto crescimento iniciado em 1978”. 142 apenas notas 10 Quanto à Coreia do Sul: “A gente sempre ouve dizer que, sem os mercados globais, a Coreia não teria ido a lugar nenhum, e isso está certo. A explosão das exportações coreanas não teve nada de milagroso”, disse Rodrik. “Mas será que a Coreia seguiu o tipo de políticas que achamos hoje ser mais indicadas à rápida integração na economia global? Não, a Coreia começou a crescer rapidamente na década de 1960 e foi só na segunda metade da década de 1980 que começou a levar a sério a liberalização de importações. Eles fizeram coisas que hoje são ilegais segundo as regras da OMC – por exemplo, restrições quantitativas [sobre importações], engenharia reversa [de produtos tecnologicamente avançados] e subsídios à exportação”. Nesse meio tempo, alguns outros países que abriram seus mercados continuam a ser fracassos irremediáveis – sendo um exemplo clássico o Haiti, que baixou suas barreiras extensivamente em meados da década de 1990. “A conclusão... [é que] não há modelo único de transição bem-sucedida para uma trajetória de alto crescimento”, escreveu Rodrik num trabalho acadêmico de 2001. Em vez de se apressar em abrir o próprio mercado e atender às muitas exigências para se tornar membro da OMC – como adesão às regras de propriedade intelectual –, os países em desenvolvimento fariam melhor se seguissem suas próprias estratégias de crescimento, argumentou ele. Talvez isso signifique seguir as políticas de países do Leste da Ásia que, como a Coreia, protegeram suas indústrias por um tempo antes de abrir seus mercados. “A conclusão apropriada não é que a proteção ao comércio seja inerentemente preferível à liberalização do comércio. Há poucas evidências nos últimos 50 anos de que as economias voltadas para dentro vivenciem um crescimento econômico sistematicamente mais rápido do que as abertas”, escreveu ele. “Mas os benefícios da abertura do comércio são, hoje em dia, alardeados de forma exagerada”. Fazer afirmações extravagantes, criar expectativas que não podem ser alcançadas, prometer benefícios na redução de barreiras ao comércio que não podem ser atingidos – essas preocupações que Rodrik estava levantando voltariam para assombrar a “rodada de desenvolvimento” um pouco mais a frente. Porém, Dollar tinha outro fã poderoso que, como Moore, citava com frequência o trabalho do Banco Mundial em seus discursos. Era o principal definidor de políticas do país líder da OMC e, como Moore, estava ansioso para ver o lançamento da rodada Doha. 143 paul blustein [*] A maioria das pessoas, quando nomeadas para cargos ministeriais por um presidente recém-eleito, tende a desfrutar um pouco do brilho, da atenção da mídia na fase em que ainda estão recebendo mensagens de congratulações. Não foi o caso de Bob Zoellick, cuja disciplina incansável inspira admiração em alguns grupos e aversão em outros. Em 11 de janeiro de 2001, quando o presidente eleito George W. Bush anunciou que tinha escolhido Zoellick para ser representante de Comércio dos Estados Unidos, este homem de 47 anos, natural de Illinois, mergulhou em suas novas responsabilidades quase tão logo as coletivas de imprensa findaram. “Ele era insaciável, em termos do número de reuniões que queria fazer”, lembra-se Faryar Shirzad, chefe da equipe de transição que supervisionava o órgão de comércio. “Ele tinha uma lista de 40 pessoas e saía telefonando para todas elas. Não tinha nenhum membro do Congresso ou personalidade importante com interesses no assunto que ele não quisesse encontrar”. Esse era o comportamento típico de um homem com “um currículo tão impressionante que poderia ser confundido com uma paródia de pessoa que supera todas as expectativas em suas realizações”, como o Washington Post o definiu. Membro da sociedade Phi Beta Kappa e formado pela Faculdade Swarthmore, com graduação em Direito por Harvard e mestrado na Escola Kennedy da universidade, Zoellick entrou para o Departamento do Tesouro dos EUA em 1985, quando o segundo mandato de Ronald Reagan estava se iniciando. Prontamente se tornou um dos principais assistentes – e astuto aprendiz – do Secretário do Tesouro James Baker, o ardiloso texano que, numa série de postos seniores, vinha fascinando o establishment de Washington com sua eficiência em manipular as alavancas do poder. Zoellick foi com Baker para o Departamento de Estado durante o governo de George H. W. Bush, trabalhando como subsecretário para assuntos econômicos e depois para a Casa Branca, onde foi chefe de gabinete adjunto. Famoso por sempre ser o participante mais bem preparado em reuniões – ele desempenhava bem esse papel, com seus óculos de leitura e seu bigode louro avermelhado cuidadosamente aparado, acentuando a intensidade de seu estilo. Sua reputação de hábil estrategista cresceu conforme foi mergulhando nas negociações da Rodada Uruguai e do NAFTA, representando os Estados 144 apenas notas 10 Unidos no planejamento de duas reuniões de cúpula dos líderes do G-7 e desempenhando um papel de liderança nas conversações referentes à reunificação da Alemanha. Ele claramente ambicionava voltar ao serviço público durante os anos Clinton, quando trabalhou como executivo na Federal National Mortgage Association e ocupou postos acadêmicos. Aderiu à campanha presidencial de George W. Bush como consultor de política externa, granjeando a estima do candidato ao viajar para a Flórida, imediatamente após a eleição de novembro de 2000, e ajudando a contra-arrestar o esforço dos democratas em garantir os votos eleitorais acaloradamente questionados nesse estado. Zoellick levou ao pé da letra as lições básicas que Baker se notabilizara por colocar em prática: em Washington, sucesso gera sucesso, impulso gera impulso. O formulador de políticas que alcançou uma meta (digamos, vencer uma votação no Congresso sobre impostos) seria visto como eficiente, um realizador, um fazedor, e assim teria sucesso no alcance de outras metas (digamos, vencer a votação sobre projetos de lei orçamentária) e seria considerado mais formidável ainda ao assumir tarefas ainda maiores no futuro. Ele observou que, na área de comércio, o mesmo se aplicava. Por exemplo, a vitória de Bill Clinton na questão do NAFTA no Congresso levou a um aumento de sua popularidade, porque, apesar de todos os atritos que marcaram o debate, o sucesso também gerou respeito. Essa abordagem foi essencial para a estratégia que Zoellick trouxe para o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. Desde o início, manifestou sua determinação de dar uma contribuição importante ao cargo, construindo um sucesso após o outro, como lembram ex-assistentes. Como Matt Niemeyer, funcionário graduado em seu escritório de relações com o Congresso, tão bem explicou: “Desde o primeiro dia no cargo olhou para o último, fazendo-se a pergunta: ‘O que vou realizar?’ Então todo dia era o dia mais importante, toda semana era a semana mais importante... Para Bob, não existe nove, só dez. Nove? É uma nota ruim”. Assim sendo, a lista de objetivos de Zoellick, lida na audiência, diante do Congresso, em março de 2001, incluía negociações de comércio de todos os tipos. Ele mal podia disfarçar o desdém que tinha pelas cifras de comércio do governo Clinton na segunda metade da década de 1990, quando “a administração submeteu-se à vontade dos novos isolacionistas econômicos” e se mostrou “temerosa de ficar malquista entre o eleitorado 145 paul blustein político protecionista”, como escreveu num artigo na Foreign Affairs. Culpava os defensores de Clinton pelo que chamava de “a mancha de Seattle” e disse que o item número um de sua pauta era lançar uma nova rodada da OMC. Em outras palavras, teria êxito onde seu antecessor tinha falhado. E ele não se ateria à OMC. Sua estratégia era também negociar em nível regional, sendo o objetivo principal a Área de Livre Comércio das Américas. No plano bilateral, o objetivo era celebrar pactos de livre comércio com os países mais desejosos de receber empresas americanas. “Liberalização competitiva” foi o termo que usou para sua abordagem, o que significava, como ele explicou na audiência de março de 2001: “Estamos dispostos a abrir se eles abrirem. Mas, se os outros forem muito lentos, vamos seguir sem eles”. Os hábitos de trabalho de Zoellick atestam seu rigor e sua fome de realização. Quando marcava uma reunião com um ministro de comércio visitante ou comparecia diante de um comitê no Capitólio, isolava-se durante horas ou mesmo dias em seu escritório, relendo materiais de reuniões preparatórias e, com frequência, devolvendo memorandos com as margens cheias de perguntas e instruções de acompanhamento em sua caligrafia pequena e nítida. Quase todas as manhãs em que estava em Washington, se reunia na sala de conferências com seus assessores políticos às 8h15 da manhã, seguido por uma reunião às 8h40 com os representes de comércio adjuntos, responsáveis por questões, países e regiões específicas. Os funcionários logo descobriram que para evitar uma bronca era melhor que tivessem algo de substancial para dizer ou evitassem abrir a boca; que, ao responder a alguma solicitação de Zoellick era melhor ir direto ao ponto e que era melhor dar uma olhada nos jornais mais importantes toda manhã, caso ele perguntasse sobre uma matéria que ele tinha lido relativa à sua área. “Principalmente nas segundas-feiras, ele vinha com uma folha toda escrita, cheia da sua letra pequena, e lá tinha todos esses itens – Doha, o Acordo de Livre Comércio de Cingapura, o que quer que fosse – e para cada um deles, ele dizia: ‘Eis o que vamos fazer’ ou ‘Eis o que é preciso saber’”, disse John Veroneau, que era o homem de Zoellick para assuntos legislativos e, mais tarde, consultor jurídico geral. “Era fácil ver que ele passava boa parte do fim de semana pensando nessas questões. O cara levava tudo muito a sério” (tão a sério que as 146 apenas notas 10 reuniões de segunda-feira eram um lembrete extra, para os funcionários assoberbados com responsabilidades e cuidados infantis, que Zoellick e sua esposa não tinham filhos). Em contraste com a maioria dos membros do gabinete, que ficam normalmente satisfeitos em se esquivar de perguntas nas audiências do Congresso alegando ignorância e prometendo enviar uma resposta mais abalizada depois, Zoellick queria ser capaz de responder a todas as indagações possíveis, mesmo sobre as minúcias que os legisladores sempre perguntam sobre problemas na área de comércio. Isso pode significar lidar com coisas como os prováveis problemas de um parlamentar de Dakota do Norte com o Conselho Canadense do Trigo (Canadian Wheat Board), por exemplo, ou os pedidos de um parlamentar do Oregon para obter proteção contra as framboesas chilenas ou ainda o desejo de um parlamentar do Arkansas de barrar as importações de bagre vietnamita. Essa solicitude em relação ao Capitólio estava baseada em parte no reconhecimento de Zoellick de que o Congresso é altamente influente na política comercial, muito mais do que em outras questões. A Constituição dos EUA dá ao Poder Legislativo autoridade sobre temas de comércio exterior e os legisladores são notoriamente sensíveis às reclamações de eleitorados bem organizados dentro de seus distritos sobre o prejuízo causado pelas importações ou a injustiça de práticas estrangeiras. Para concluir acordos comerciais, o Poder Executivo tem de garantir a adoção de uma legislação autorizando-o a negociar com base em garantias de que as negociações estarão sujeitas a um voto de sim ou não no Congresso, sem emendas. Assim, Zoellick sabia que servir ao Congresso era uma parte importante da função. No entanto, apesar de trabalhar arduamente para isso, quase sempre o fazia de forma inepta, pela simples razão de que adular legisladores exige o tipo de habilidades interpessoais que lhe faltavam. As respostas detalhadas a suas questões específicas em audiências às vezes pareciam fazê-los se eriçar, porque não gostavam de ficar expostos ou constrangidos. Ele até chegou a alienar alguns dos republicanos no Senado, seus aliados políticos mais naturais. Em uma reunião a portas fechadas, o senador Phil Gramm, um republicano do Texas, se enfureceu em reação ao que entendeu como sendo uma rejeição de Zoellick às suas preocupações acerca da forma como certos dispositivos legislativos podem afetar a soberania dos EUA. Também irritante, pelo menos para algumas pessoas, era a inclinação de 147 paul blustein Zoellick a mencionar os nomes dos poderosos com quem ele convivia. Numa coletiva de imprensa, por exemplo, quando perguntado sobre as chances da Rússia de entrar na OMC, começou sua resposta assim: “Em 1989, estava com o pai do presidente Bush na lancha-cruzeiro Belknap, na verdade um pouco antes da reunião com o presidente Gorbachev em Malta”, e continuou descrevendo como a questão foi discutida na reunião. Não pôde resistir a acrescentar poucos minutos depois: “De fato, no verão de 2000, tive uma conversa interessante com o [ministro da Defesa] Sergei Ivanov...”. Zoellick mais se destacava por ter uma agenda clara e direta, muito mais do que os outros membros do gabinete, bem como no conhecimento de como fazê-la avançar. Seguindo uma das fórmulas de sucesso da escola de Baker, logo ele estaria lançando iniciativas e fazendo pronunciamentos por conta própria, se adiantando à Casa Branca e a outros departamentos que pudessem, de outra forma, retardá-lo com manobras burocráticas entre as diferentes agências governamentais. Ele só relatava suas providências à Casa Branca quando absolutamente necessário, com base na teoria de que Bush era um ferrenho defensor do livre comércio e não tinha muito tempo para dedicar aos detalhes, dadas as suas prioridades. Ao mesmo tempo, as relações pessoais de Zoellick com Bush sempre pareceram tensas para outros funcionários do governo. Isso porque às vezes ele atropelava o presidente, bancando o “sabe-tudo” nas reuniões no Salão Oval, trazendo à tona a inclinação de Bush de pôr sabichões em seu devido lugar. Um ex-funcionário se recorda de um episódio no qual Bush estava reunido com um grupo de presidentes da América Central na Casa Branca e, ao apresentar seu representante de Comércio, ironizou: “Zoellick não está sendo muito duro com vocês, não é? O pessoal que trabalha por aqui não gosta muito dele não”. De fato, muitos dos subordinados de Zoellick de nível alto ou médio o consideravam insuportável. Parece que ele logo decidia quais funcionários seriam úteis para ele e quais não seriam e o tratamento que dedicava aos inúteis causava estresse mesmo entre seus fãs, sendo que um deles descreveu o clima, principalmente durante o primeiro ano, como “um culto stalinista ao medo”, gerando alta rotatividade de funcionários. Trabalhar para Zoellick significava passar regularmente em média de doze a quinze horas no escritório, ter insônia na noite de domingo, temendo a possibilidade de ser ridicularizado na reunião de segunda-feira de manhã, 148 apenas notas 10 ficar tentando adivinhar se o humor dele estaria sombrio demais para ousar tocar num assunto que pudesse provocar um longo e veemente discurso. “Parece que ele estava sempre de mau humor”, disse um de seus subordinados (que, como outros que não têm uma boa opinião sobre Zoellick, insistiu em se manter no anonimato). “Lembro-me de me pegar pensando: ‘Se isso é tão doloroso e desagradável para você, por que está fazendo esse trabalho?’ Sei que ele, no fundo, tinha prazer no que fazia, mas sempre parecia infeliz”. Por outro lado, para os que ganhavam sua estima, trabalhar para Zoellick era muito recompensador, principalmente porque sua natureza exigente e rigorosa suscitava o melhor em cada um. “Se ele o respeitasse, lhe daria uma tremenda autoridade”, disse Jeffrey Bader, ex-representante adjunto de Comércio dos EUA para a China. “Para quem era bom de verdade, não poderia haver chefe melhor”. Jason Hafemeister, que trabalhou no Escritório do Representante de Comércio dos EUA como negociador sênior em questões agrícolas, concorda: “Do ponto de vista dos funcionários do Escritório, eles se viam como um cavalo de corrida e imaginavam como seria ter um jóquei realmente bom no lombo. Era assim trabalhar para Zoellick. Ele dava a chance de o pessoal produzir o máximo”. Matt Niemeyer, o chefe de relacionamento com o Congresso, acrescenta: “A mesma pressão que ele colocava em si mesmo, também impunha aos outros. Sentia-me bem com isso, pois sou competitivo. E Bob também era”. Ao fazer a pesquisa para esse livro, escutei de alguns dos ex-subordinados de Zoellick que ganhar seu respeito foi o ponto alto de suas carreiras. Na área de comércio, um homem em particular inspirou o respeito de Zoellick. Sua colaboração se mostraria essencial para alguns dos pontos mais altos e mais baixos da política comercial nos primeiro anos do século XXI. Esse homem também foi um incentivador do lançamento da rodada Doha. [*] Pascal Lamy, comissário europeu de Comércio, teve uma longa história com Zoellick. Eles se conheceram no final da década de 1980 e trabalharam juntos no planejamento das reuniões de cúpula do G-7, com Zoellick representando os Estados Unidos e Lamy, um francês seis 149 paul blustein anos mais velho do que ele, representando a Comunidade Europeia. Logo descobriram que tinham muito em comum e uma obsessão compartilhada por corridas de longa distância. Além disso, Lamy era, como Zoellick, produto das escolas mais prestigiosas de seu país, formado pela universidade que treina a elite do serviço público da França, a École Nationale d’Administration, graduado em segundo lugar na turma dos que se especializaram em economia. Também se gabava de um currículo excepcional e tinha fama de workaholic, mestre nos detalhes e chefe autoritário. Sob muitos aspectos, o foco preciso que os dois homens tinham para o alcance de seus objetivos na política internacional fazia deles almas gêmeas. Uma área na qual diferiam era na formação política. Membro antigo do Partido Socialista, Lamy iniciou sua carreira numa época em que os esquerdistas franceses estavam ficando cada vez mais hostis em relação aos Estados Unidos e a seu modelo capitalista. Mas, apesar de se manter fiel aos preceitos básicos do partido, tendia para a liberalização econômica e, na qualidade de representante oficial sênior no Ministério da Economia e Fazenda da França, defendia as políticas de mercado ao estilo americano. Participava do círculo de amigos do ministro da Economia Jacques Delors e, quando Delors se tornou presidente da Comissão Europeia em 1985, Lamy foi com ele para o edifício Berlaymont em Bruxelas, a sede da comissão, como chefe de gabinete. Lá, sua inclinação para impor friamente a vontade de Delors sobre os chefes e servidores civis do departamento rendeu-lhe os apelidos de “Exocet” e “Fera do Berlaymont”. Ele e Zoellick permaneceram em contato durante a década de 1990, quando ambos entraram para instituições financeiras, Zoellick na Fannie Mae e Lamy no banco francês Credit Lyonnais, onde, como segundo no comando, ajudou a privatizar o banco. Mais tarde, encontraram-se de novo, porque a nomeação de Zoellick como representante de Comércio dos Estados Unidos veio pouco mais de um ano depois que Lamy fora designado comissário europeu de Comércio. Os vínculos entre os dois formuladores de políticas mais racionais de seu tempo logo se tornaram uma lenda nos círculos de comércio, principalmente depois que resolveram um conflito transatlântico relativo a bananas, já apodrecido pelo tempo, numa conversa por telefone que varou a noite, dois meses depois que Zoellick assumiu o cargo. As reportagens da mídia contavam que os dois, com 150 apenas notas 10 frequência, passavam duas ou três horas no telefone discutindo questões comerciais e observavam que Zoellick já tinha visitado a família de Lamy em suas casas em Paris e Bruxelas e que Lamy era um dos poucos convidados que Zoellick e sua mulher tinham recebido em sua casa em Washington. Além da compatibilidade, ambos se assemelhavam no estilo de vida ascético. Católico praticante, Lamy mantém uma dieta espartana, pois acredita que isso ajuda na concentração e no condicionamento físico. Evita refeições que combinem gordura com açúcar ou proteína com carboidratos, então, apesar de às vezes comer muito queijo numa refeição ou um pouco de fruta, nunca come os dois juntos e, apesar de comer massa ou carne numa refeição, ou come um ou outro. Seu almoço, nos dias de semana, a menos que tenha um compromisso, quase sempre consiste de pão integral e banana, consumidos na sua mesa de trabalho. Seu único vício conhecido são os charutos, ao qual se entrega no Berlaymont apesar da proibição de fumar no prédio. Um de seus ex-assistentes se lembra: “Ninguém ousaria chamar-lhe atenção por isso; bem, com certeza eu não chamaria”. Apesar de sua alardeada intimidade, os encontros entre Zoellick e Lamy tendiam a ser extremamente profissionais e pouco calorosos, segundo assistentes de ambos. Os e-mails que trocavam curiosamente eram repletos de referências a assuntos pessoais, como família, e quando se encontravam pessoalmente quase sempre dispensavam saudações amigáveis, para poder entrar direto nos assuntos importantes que tinham a tratar. Contudo, a confiança e a compreensão mútua que desenvolveram marcaram um passo à frente na relação comercial entre os EUA e a União Europeia, principalmente em comparação com a antipatia que caracterizou as relações entre Charlene Barshefsky e Sir Leon Brittan. As potenciais implicações para a OMC eram enormes, já que as duas economias eram responsáveis por cerca de 40% da produção global. Ambos acreditavam que manter a civilidade transatlântica era essencial, não só para minimizar os choques entre Washington e Bruxelas sobre disputas bilaterais, mas também para maximizar as chances de alcançar o progresso em estágio global numa rodada de comércio multilateral. É certo que ainda estavam divididos a respeito de algumas questões importantes sobre a pauta da nova rodada, as quais tinham dividido Washington e Bruxelas em 1999. Apesar de ser politicamente essencial para Lamy limitar a abertura dos mercados agrícolas europeus, Zoellick 151 paul blustein ressaltava incansavelmente a necessidade da redução de barreiras no comércio agrícola. “Quanto a mais os americanos conseguem comer?” era uma de suas frases favoritas, usada para enfatizar a importância e obter maior acesso a mercados estrangeiros para agricultores norte-americanos, que obtêm quase um quarto de sua receita bruta das exportações. Essa era uma questão na qual teve de bater pesado para sobrepujar a preocupação entre grupos de agricultores e seus representantes no Congresso de que seus interesses seriam sacrificados ao longo das negociações na OMC. O presidente e os membros da alta hierarquia da Comissão de Agricultura da Câmara estavam ameaçando usar sua influência para bloquear a autorização do Congresso a novos acordos de comércio. Zoellick se opôs a isso, prometendo que os agricultores americanos ganhariam muito. “A maior vantagem para a agricultura está na rodada global da OMC”, disse aos repórteres. Quanto a Lamy, ele continuava a fomentar a ideia favorita da União Europeia, as questões de Cingapura (que, conforme explicado no Capítulo 4, expandiriam a jurisdição da OMC nas áreas de investimento, políticas de concorrência, compras governamentais e facilitação de comércio). Os formuladores de políticas norte-americanos sempre tinham feito objeções a elas. O que era ainda mais problemático do ponto de vista de Washington era a determinação de Lamy no sentido de incluir na pauta de negociações várias questões ambientais de especial interesse para os Verdes da Europa. Uma delas envolvia levar as regras da OMC mais em direção do princípio da precaução, uma vez que os formuladores de políticas da União Europeia continuavam a tentar obter validação para se amparar nesse princípio no tratamento de questões como carne bovina tratada com hormônios. No mínimo, Lamy queria um acordo de que os países pudessem usar o princípio da precaução na proteção da saúde pública se estivesse baseado em informações científicas pertinentes, mesmo que essas informações não necessariamente refletissem as visões de uma maioria de cientistas. Outro importante objetivo europeu era permitir que os países impusessem sanções econômicas uns sobre os outros por violar acordos ambientais internacionais, como os que envolvem tráfico de espécies em perigo de extinção. Porém, o desejo mútuo de Zoellick e Lamy de amenizar essas divergências em prol do sucesso em Doha estava muito em evidência quando o comissário europeu de Comércio europeu visitou 152 apenas notas 10 Washington em meados de julho de 2001. Exibindo um nível de camaradagem que teria sido impensável entre seus predecessores, os dois homens escreveram um editorial em conjunto para o Washington Post prometendo colaborar para o lançamento da rodada. Também apareceram juntos no National Press Club, onde Zoellick explicou: “Pascal e eu já tínhamos decidido que, se os Estados Unidos e a União Europeia não trabalhassem em parceria, uma nova rodada não aconteceria”. Revelaram planos que tinham acordado para melhorar as perspectivas de um resultado positivo em Doha, como explicou Lamy: “Chegamos a uma boa convergência de posições, mesmo que não concordemos com todos os pequenos detalhes da pauta”. Para mostrar que estavam decididos, Zoellick anunciou que os Estados Unidos “não seriam uma pedra no caminho” dos esforços da União Europeia de incluir o mais controverso dos temas de Cingapura – investimentos –na pauta da rodada e indicou que Washington, apesar de manter sua posição básica, estava aberta a uma postura mais flexível para expandir as conversações de modo a incluir outras questões de interesse para Bruxelas. “Uma lição importante que nós e outros países aprendemos com o fracasso de Seattle foi evitar tentativas de pré-negociar os detalhes e os resultados de uma negociação”, disse ele. Zoellick contou à plateia do Press Club que quem tinha mais a perder com tudo isso eram os pobres do mundo todo. “Eis a conclusão”, disse ele. “Os Estados Unidos e a União Europeia estão trabalhando juntos para tentar lançar uma nova rodada mundial com foco em crescimento e desenvolvimento. Os Estados Unidos acreditam que uma das melhores maneiras de combater a pobreza global é por meio da expansão de oportunidades de comércio no mundo todo”. Se pelo menos os pobres vissem as coisas do mesmo jeito... O maior problema que a reunião em Doha enfrentava é que eles não viam. Ou, pelo menos, seus governos não, como um “Teste de Realidade” logo deixaria claro. O Teste de Realidade foi o nome de uma sessão especial do Conselho Geral, com duração de dois dias, que Mike Moore convocou no final de julho de 2001. O diretor-geral acreditava que as mentes das nações-membros tinham que estar voltadas para a necessidade de chegar a um acordo sobre a maioria das questões importantes da pauta da nova rodada, de forma que uma primeira versão de declaração ministerial coerente 153 paul blustein estivesse pronta quando os ministros começassem a se reunir em Doha em novembro. Só restavam cinquenta dias úteis em Genebra, lembrou Moore aos embaixadores, já que o tradicional recesso de agosto tinha que ser descontado. Em vez de reagir como o diretor-geral esperava, muitos países em desenvolvimento decidiram enfatizar uma realidade diferente – a de que os supostos beneficiários não estavam interessados na rodada. O representante da Índia zombou da ideia de uma nova rodada por sua probabilidade de piorar “assimetrias e desequilíbrios” da Rodada Uruguai. O embaixador da Malásia descreveu a situação como de “quatro D’s – desapontadora, desmoralizadora, desencorajadora e, às vezes, depressiva”, acrescentando que as nações ricas estavam se arriscando a ter uma “Seattle II”. Lembramos que esses dois países eram membros proeminentes do Like Minded Group [Grupo de Países em Desenvolvimento com Posições Afins], que, em 1999, tinha sido o mais militante dos grupos de oposição a uma nova rodada. Apesar de alguns países em desenvolvimento, como o México e o Brasil, defenderem uma rodada, a maioria deles era fervorosamente contra manter conversações em relação às questões de Cingapura, convencidos de que as regras da OMC sobre assuntos como investimento dariam poder excessivo a multinacionais e privariam os governos da capacidade de desenvolver suas economias como considerassem adequado. Outra razão importante para sua hostilidade em relação à nova rodada foi a pressão da União Europeia sobre o tema do meio ambiente. O Like Minded Group e seus aliados temiam que a pauta oculta fosse promover o “protecionismo verde”, em que a União Europeia e outros governos usariam padrões claramente rígidos para bloquear a importação de alimentos produzidos em nações pobres. O fato de os Estados Unidos terem abandonado seus esforços de incluir direitos trabalhistas na pauta era motivo de alívio para os países em desenvolvimento. O governo Bush não era muito fã de sindicatos. Mas o resumo e o teor da posição do Like Minded Group era que os problemas herdados da Rodada Uruguai deveriam ser corrigidos antes que uma nova rodada começasse. Os representantes de muitas nações africanas, que pertenciam a outros blocos, concordaram. “A maioria de nós não está pronta para uma rodada, nem em termos psicológicos, materiais, nem técnicos”, disse Iddi Simba, o ministro tanzaniano da Indústria e 154 apenas notas 10 Comércio, numa reunião de 49 países menos desenvolvidos da OMC, no final de julho. No Teste de Realidade, Moore usou uma retórica sombria ao enfatizar os perigos de se desperdiçar o tempo restante até a reunião em Doha. Uma segunda falha consecutiva, contou ele aos embaixadores, “certamente nos condenaria a um longo período de irrelevância”. Ele também advertiu que as nações-membros tinham que estar prontas para uma intensa barganha em setembro. Setembro, é claro, mudaria a dinâmica de uma forma que nenhum dos presentes poderia sequer imaginar. [*] Na manhã do dia 11, a nuvem de fumaça que se levantou do Pentágono era claramente visível para os ocupantes do Winder Building, onde o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos está localizado, a cerca de uma quadra da Casa Branca. Isso, mais os boatos generalizados de que havia um número muito maior de aviões com os quais se havia perdido contato, além dos quatro que tinham sido sequestrados, ajudou a incitar os funcionários do Winder a evacuar o prédio e ir para casa, como a maioria das pessoas que trabalhava no centro de Washington estava fazendo. Para se certificar de que todos tinham ido embora, M. B. Oglesby Jr., chefe de gabinete, percorreu todos os andares e concluiu satisfeito que todas as salas estavam vazias. Isto é, todas, menos uma. Próximo ao meio-dia, Oglesby entrou no escritório de Zoellick e descobriu que ele ainda estava trabalhando, a despeito da advertência do Serviço Secreto de que fosse embora imediatamente. “Levante o traseiro daí agora”, Oglesby se lembra de ter dito a Zoellick, que respondeu mencionando a proximidade do Winder Building com a Casa Branca. “Acho que estou no lugar mais seguro que poderia estar”, protestou Zoellick, mas concordou, por fim, que seu motorista o levasse para casa. No dia seguinte, começou a reunião com a equipe no horário de sempre. Não é que Zoellick não tenha percebido as implicações do 11 de setembro para a sua pauta. Justo o contrário. Ele era um homem que, afinal de contas, tinha passado a maior parte de sua carreira trabalhando nas conexões entre política externa e economia e logo estaria elaborando 155 paul blustein argumentos buscando ressaltar a consistência dessas conexões. Os ataques terroristas, sustentou ele, ofereciam um novo fundamento lógico convincente de como o comércio – e, em particular, a OMC – poderia servir aos interesses de segurança da América, bem como aos seus interesses comerciais. “A liderança da América no comércio pode construir uma coalizão de países que valorizam a liberdade sob todos os seus aspectos”, escreveu ele num editorial no Washington Post, publicado em 20 de setembro. “Mercados abertos são vitais para as nações em desenvolvimento, muitas delas democracias frágeis que se amparam na economia internacional para superar a pobreza e criar oportunidades; precisamos de respostas para os que buscam esperança econômica para se opor a ameaças internas aos nossos valores comuns”. O artigo enraiveceu os democratas no Capitólio, que acusaram Zoellick de explorar o 11 de setembro para promover uma agenda partidária, porque incluía um apelo ao Congresso para aprovação da autoridade governamental para negociar novos acordos de comércio. Incansável, Zoellick manteve um fluxo constante de declarações públicas durante semanas desde então, exortando tanto americanos quanto estrangeiros a reconhecerem o comércio como um elemento importante na guerra contra o terror. Em seu discurso de 30 de outubro, a apenas uma semana e meia da reunião da OMC, disse: A América e o mundo foram atacados por uma rede de terroristas, mestres na destruição, mas fracassados na construção. Servem à intolerância e repudiam a imparcialidade... A economia de mercado internacional – da qual o comércio e a OMC são partes vitais – oferece um antídoto a essa atitude violenta de rejeição. O comércio se refere a mais do que à eficiência econômica. Ele reflete um sistema de valores: imparcialidade, troca pacífica, oportunidade, inclusão e integração, ganhos mútuos por meio do intercâmbio, liberdade de escolha, respeito à diferença, governança por meio de regras acordadas e uma esperança de melhoria para todos os povos e lugares. Assim sendo... Ao promover a agenda de temas da OMC, principalmente a nova negociação para liberalizar o comércio global, essas 142 nações podem se opor à revoltante atitude destrutiva do terrorismo. Sob esse aspecto, ao dar nova força à causa deles, Osama Bin Laden fez um favor – inadvertido, é claro – aos que buscavam lançar uma nova 156 apenas notas 10 rodada em Doha. Como observado no Capítulo 1, outros formuladores e comentaristas também fizeram do 11 de setembro um motivo especialmente forte para que os participantes da conferência ministerial de Doha se unissem. O clima em relação à reunião de Doha mudou de diversas outras formas após os ataques terroristas. O Paquistão e a Malásia, ambos membros muçulmanos proeminentes do Like Minded Group, começaram a suavizar sua oposição a uma nova rodada, temendo parecer muito discordantes de Washington. Vários estudos sobre o impacto potencial de uma rodada também contribuíram para a causa em questão. Eles foram usados para apoiar reivindicações de que um incitamento maior à liberalização do comércio, em primeiro lugar, ajudaria a neutralizar a tendência recessiva da econômica global causada pelos ataques e, em segundo, daria um impulso crucial à meta, agora urgente, de diminuição da pobreza. De longe, o estudo mais amplamente citado era o do Banco Mundial, que estimou que a renda mundial aumentaria em US$30 bilhões ao ano até 2015 – com dois terços desse valor indo para nações pobres – se todas as barreiras fossem removidas, subsídios eliminados e ajuda fornecida aos países em desenvolvimento para aproveitarem suas novas oportunidades. Nesse estudo, o Banco Mundial observava que era lógico esperar que os países pobres ganhassem proporcionalmente mais, já que as barreiras de comércio existentes os atingiam de forma muito pior do que aos ricos. “O indivíduo pobre médio que vende mercadorias a mercados globalizados enfrenta barreiras cerca de duas vezes maiores do que o trabalhador típico de países industrializados”, disse o banco, acrescentando que parte do problema eram as próprias tarifas altas dos países em desenvolvimento, que desencorajavam o comércio entre eles. Porém, o 11 de setembro também apresentou novas complicações à OMC. Num mundo em que ninguém sabia onde os terroristas atacariam na próxima vez, onde envelopes contendo antrax circulavam pelo correio e onde os militares norte-americanos bombardeavam o Afeganistão, de repente o Catar não parecia um lugar muito seguro para se fazer uma reunião. [*] Duas semanas depois dos ataques, George Yeo, o ministro do Comércio de Cingapura, recebeu um telefonema de um dos assistentes de Zoellick, que fez uma pergunta desconfortável: dadas as preocupações 157 paul blustein que estavam surgindo entre os membros da OMC sobre os riscos de ir para Doha, como Cingapura se sentiria diante da ideia de abrigar a reunião ministerial, se fosse necessário mudar de local? A cidade-estado tinha abrigado a primeira reunião ministerial da OMC em 1996 e Yeo se lembra de fazer uma piadinha: “Que bom! Assim não vamos ter de receber a OMC nos próximos cem anos”. Só que o pedido era para ser levado a sério “e sabíamos o quanto isso era importante para a OMC, então engoli em seco e disse: ‘Preciso discutir o assunto com o primeiro-ministro’”, disse Yeo. Apesar de preocupadas com a possibilidade de que Cingapura já fosse um alvo potencial da Al Qaeda, as autoridades do país concordaram em se oferecer para realizar a reunião com a condição de que a honra de presidi-la continuasse a ser do Catar, que o número de participantes fosse reduzido de forma significativa e que o governo pudesse restringir a entrada de membros de ONGs para evitar que problemas do tipo dos que aconteceram em Seattle voltassem a ocorrer. Por trás do pedido, estava o medo de Zoellick de manter Doha como local da reunião. A questão não era a sua segurança pessoal, mas as chances de sucesso da conferência. Zoellick se preocupava com a possibilidade de os países-membros da OMC não enviarem delegações para Doha e com a possibilidade de um incidente de último instante vir a forçar o cancelamento da reunião. Assim sendo, Zoellick começou a insinuar, no final de setembro, que talvez a reunião tivesse que ser mudada, dizendo numa palestra em Washington que, “a essa altura”, os Estados Unidos eram “obrigados a seguir adiante para lançar a rodada em Doha”, mas que “obviamente, o primeiro imperativo é a segurança”. A informação de que Cingapura estava sendo analisada como possibilidade começou a vazar. De fato, o governo de Cingapura estava se preparando para a eventualidade gastando vários milhões de dólares com equipamento de segurança, disse Yeo, apesar de que “precisaríamos de parte desse equipamento de qualquer forma”. A questão do local foi o tópico principal de uma reunião preparatória de 21 ministros de comércio em Cingapura, nos dias 13 e 14 de outubro, quando o ministro catariano, Yousef Hussain Kamal, garantiu a seus colegas que seu governo tinha controle completo da situação de segurança. Só que não conseguiu convencê-los. Muitos dos participantes tinham a esperança de que o governo do Catar pudesse ser persuadido a retirar voluntariamente sua 158 apenas notas 10 candidatura como país-anfitrião. Zoellick estava claramente inclinando-se para uma mudança, sem dizê-lo com todas as palavras. Falou numa coletiva de imprensa, em 15 de outubro: “É ponto pacífico que temos de prosseguir com essa reunião ministerial, seja num local ou em outro”. Os catarianos, que tinham gastado US$30 milhões em preparativos para a reunião ministerial, reagiram à altura. Fizeram gestões diplomáticas junto a membros-chave da OMC declarando que mudar o local seria visto como “uma medida contra países muçulmanos, principalmente numa conjuntura tão repleta de tentativas de demonizar o Islã e ligá-lo ao terrorismo”. Mesmo assim, as nações-membros continuaram a pressionar Moore a usar suas prerrogativas de diretor-geral para fazer com que os catarianos voltassem atrás. Moore viajou para o Catar em 20 de outubro para dar pessoalmente as más notícias de que não parecia possível poder realizar a reunião em Doha, conforme planejado. Ao descer do avião, foi saudado por uma comissão de boas-vindas formada por autoridades catarianas sorridentes e, segundo seu chefe de gabinete, Patrick Low, os sorrisos fizeram com que murmurasse: “Isso prova que eles não queriam a porcaria da reunião desde o início”. Mas os catarianos estavam sorrindo por um motivo diferente. Como explicaram, seu papel de anfitriões tinha ficado finalmente decidido, com a confirmação do presidente Bush, que tinha declarado publicamente naquele dia, durante uma viagem ao exterior, que a reunião seria em Doha. O que causou essa reviravolta? O emir do Catar telefonara para o vice-presidente Dick Cheney, que conhecia bem, e apresentara argumentos persuasivos. O que foi dito, nenhum dos dois revelou. Mas fui informado por fontes confiáveis que o emir, em termos levemente velados, usou como alavanca a base aérea em seu país, que o Pentágono via como uma vantagem crucial na guerra ao terror. As palavras de Sua Alteza Real ao vice-presidente foram algo assim: “Se o Catar é suficientemente seguro para abrigar aviões militares do EUA, por que não o seria para sediar uma reunião da OMC?”. [*] Inaceitável”. “Impossível de consentir”. “Minha delegação está profundamente preocupada”. Estas foram algumas das frases ditas pelos 159 paul blustein embaixadores de países pobres na reunião do Conselho Geral em 31 de outubro, uma semana e meia antes da abertura programada da reunião ministerial de Doha. Eles estavam em pé de guerra porque achavam que suas opiniões estavam sendo simplesmente ignoradas, no que parecia ser mais uma contradição com a ideia de que o desenvolvimento seria a meta prioritária da nova rodada. O alvo principal de descontentamento era Stuart Harbinson, representante permanente de Hong Kong em Genebra, que era presidente do conselho. Um homem careca, de rosto amigável, óculos com aro de metal e atitude conciliatória de servidor civil britânico, Harbinson fora encarregado de redigir uma minuta de declaração para os ministros analisarem em Doha. Ter uma primeira versão preliminar da declaração com o mínimo possível de pontos de divergência fazia parte dos esforços de Moore para evitar a repetição de Seattle. Esses esforços tiveram o apoio de quase todos os membros. Ao pedir a opinião de países-membros sobre o que gostariam de ver no texto, Harbinson ouvira de um embaixador após o outro que ele deveria adotar uma abordagem bem diferente do longo compêndio que tinha contribuído para o fracasso em Seattle. Durante o verão, ao compilar suas versões anteriores de minutas de declaração ministerial, Harbinson fora aplaudido por países em desenvolvimento por buscar ouvir a opinião do máximo possível de membros em reuniões particulares sobre o que o texto deveria dizer e por ouvir atentamente suas preocupações. Apesar de muitos países pobres levantarem objeções às minutas anteriores, em geral apreciaram o processo que Harbinson usara. O novo texto de Harbinson só continha 11 páginas, cerca de um terço da extensão do de Seattle. Mas, desta vez, para o corpo diplomático de Genebra, foi um choque: o texto não tinha nenhum colchete! Ao evitar a infestação de colchetes pela qual o documento de Seattle ficara famoso, o presidente do conselho estava caindo no extremo oposto. É claro que esperava que em Doha os ministros fizessem algumas mudanças nessa primeira versão. Na introdução, escreveu: “Não se pretende que qualquer parte desta minuta seja acordada neste estágio”. Mas, juntamente com Moore, decidira que seria melhor apresentar um texto “limpo”, representando sua melhor aposta de alcance de um consenso sobre todas as questões, porque, se uma seção contivesse colchetes exibindo diferentes opiniões, surgiriam pedidos de abordagem semelhante em outras seções, gerando de novo o inferno dos colchetes. 160 apenas notas 10 Sob muitos aspectos, o texto era um modelo de talento artístico diplomático, lançando em termos amplos a agenda negociadora de forma a evitar qualquer delineamento preciso do resultado que pudesse alienar um país-membro ou grupo. O documento até fugia do termo “rodada”, adotando a expressão “programa de trabalho”, imaginando que o Like Minded Group e outros países em desenvolvimento achariam mais fácil de engolir e identificava claramente os grupos de países que mais se beneficiariam: “A maioria dos membros da OMC são países em desenvolvimento”, dizia o texto. “Estamos tentando colocar suas necessidades e interesses no âmago no programa de trabalho adotado nesta declaração”. Esse “programa de trabalho”, é claro, teria a maior parte dos elementos esperados numa rodada – negociações sobre subsídios agrícolas, acesso a mercados tanto de bens agrícolas quanto manufaturados e comércio de serviços, além de uma variedade de outros tópicos relativos ao comércio, de interesse para muitos dos membros da OMC. Como a Rodada Uruguai seria um “pacote único” (single undertaking), sendo que nada estaria acordado até que tudo fosse acordado. Nos assuntos mais delicados, Harbinson usou uma fraseologia cuidadosamente burilada visando reduzir os abismos nas posições entre países-membros. Um exemplo foi a linguagem usada em relação a subsídios à exportação na agricultura. Muitos países, inclusive os Estados Unidos, consideravam imperativo que as negociações resultassem na eliminação desse tipo específico de subsídio, concedido, principalmente, pela União Europeia a seus agricultores para produtos vendidos em mercados externos. Os europeus, naturalmente, permaneciam sob pressão de seus agricultores para manter os pagamentos, pelo menos em alguma proporção. Num lance para convencer todas as partes a aceitar a ideia, o texto de Harbinson declarava que um objetivo das negociações na agricultura seria “reduções, com vistas à sua eliminação gradativa, de todas as formas de subsídios à exportação”. Em outra parte do texto, Harbinson tentava encontrar um meio termo entre a demanda da União Europeia de que as negociações incluíssem os temas de Cingapura e a oposição dos países em desenvolvimento à ideia de se criar regras na OMC sobre esses temas, particularmente investimentos e concorrência. Seu texto não indicava com todas as letras que as negociações começariam por essas questões, mas também não dizia o contrário. Afirmava que discussões 161 paul blustein preliminares sobre “esclarecimentos” ocorreriam depois de Doha e que, na reunião ministerial seguinte, seria tomada uma “decisão” sobre “modalidades de negociações” nessas áreas. Ao aceitar essa linguagem, os europeus poderiam alegar que as negociações iriam começar e que a reunião ministerial subsequente trataria exatamente dessas modalidades, enquanto que países como Índia e Malásia poderiam alegar que a questão de negociar ou não essas questões seriamente tinha sido adiada por pelo menos dois anos. Não obstante todo o trabalho investido por Harbinson na articulação da linguagem do texto, os países em desenvolvimento ficaram aborrecidos, e não foram os únicos. O embaixador da União Europeia, Carlo Trojan, enfatizou que, com relação à questão que Bruxelas considerava como o ponto nevrálgico em potencial, o texto dava à Europa “tão pouca atenção... que beirava a indecência”. Referia-se ao pedido da União Europeia por negociações para estabelecer regras claras sobre questões ambientais. Quanto a isso, o texto só vislumbrava uma continuação de discussões por uma comissão, que relataria à OMC, em 2003, se as negociações deveriam ocorrer. Quanto aos Estados Unidos, o “banho de água fria”, contido no texto, estava na referência a negociações sobre novas regras para procedimentos antidumping, um problema potencialmente sério para Zoellick, porque alguns membros do Congresso se mostravam inflexíveis na oposição a qualquer tipo de tratamento desse assunto. O coro de lamentações poderia ser encarado como um doce prelúdio musical, pois mostrava, como descreveu Moore, que o texto tinha um “equilíbrio de infelicidades”, refletindo a natureza da barganha que teria de ser discutida em Doha. Mas esse episódio serve como uma evidência para sustentar a tese defendida pelos críticos que veem a OMC como uma oligarquia, que apenas finge operar segundo princípios democráticos. Sim, cada país pode ter um voto, e sim, o consenso pode ser exigido, mas, na realidade, diziam os críticos, um sistema não transparente e improvisado para definição de importantes questões processuais significa que países fracos quase sempre se veem obrigados a aceitar termos ditados pelos mais fortes. Os textos são redigidos por pessoas que tendem a ser simpáticas às visões das nações mais poderosas e os documentos são apresentados aos membros como base única de negociação. Embora, do ponto de vista técnico, a linguagem possa ser alterada de todas as formas imagináveis, na prática, modificações significativas são muito 162 apenas notas 10 difíceis de ter êxito, principalmente para pequenos países no calor de uma reunião ministerial. Fazer isso pode exigir bloquear o consenso, uma medida temerária para qualquer país, dado o opróbrio que pode gerar. Ao eliminar os colchetes em favor de uma linguagem de compromisso, Harbinson estava efetivamente descartando os argumentos que os países em desenvolvimento vinham levantando há semanas, como afirmavam seus representantes. Em momentos como esse, a OMC se vê diante da difícil tarefa de garantir um delicado equilíbrio. Democracia e inclusão são metas desejáveis, assim como a eficiência em tomar decisões. O diretor-geral e o presidente do Conselho Geral, ambos eleitos pelos membros, tinham chegado a uma redação do texto após extensas consultas. Como fazer para aumentar a legitimidade do processo sem comprometer o avanço das negociações? Apoiado por Moore, Harbinson fincou pé, declarando que o texto tal qual escrito era a melhor esperança de sucesso em Doha. Mesmo assim, os dois homens concordaram com algumas medidas adicionais por insistência da Índia, do Zimbábue e de outros descontentes. Enviaram uma carta formal para Kamal, o ministro do Comércio catariano, que iria presidir a reunião em Doha, enfatizando que o texto “claramente” ainda não tinha sido acordado. A carta também ressaltava algumas das principais diferenças entre os membros da OMC. Havia uma questão que era contenciosa demais para ser tratada da mesma forma que as outras. O tema foi inserido em um anexo ao texto principal e, nesse caso, Harbinson inseriu duas opiniões distintas entre colchetes. Ele tinha sido advertido para nem tentar redigir uma linguagem de compromisso sem colchetes, a menos que quisesse arruinar todos os preparativos para Doha. Esse assunto não era só uma questão de dólares e centavos, era um caso de vida ou morte. [*] Um futuro horripilante e provavelmente curto estava diante de Vuyani Jacobs, da Cidade do Cabo, na África do Sul, no início de 2001, quando a AIDS atacou violentamente seu corpo de 31 anos de idade. Sofrendo com os efeitos de uma meningite bacteriana e de uma tuberculose, o ex-bancário se recorda de ser afligido por uma “diarreia ininterrupta. Estava perdendo todo o cabelo. Nem conseguia me lembrar do meu 163 paul blustein telefone”. Sua namorada morrera três anos antes, acrescenta ele, com “diarreia, meningite, aftas na boca e candidíase. Pensava que ia morrer da mesma maneira”. Porém, a sorte virou a favor de Jacobs. Ele fazia parte da pequena minoria de vítimas de AIDS, na África do Sul, que conseguiram tomar a versão genérica, fabricada no Brasil, da droga AZT, que custa mais de US$10.000 por ano para um fornecimento individual nos Estados Unidos, mas apenas cerca de US$550 por ano por paciente num programa administrado pela organização Médicos Sem Fronteiras. Quando o conheci, poucos meses depois de ter espantado a morte, Jacobs estava cheio de energia e falando com animação sobre sua carga viral indetectável. Seu peso, que tinha caído abaixo de 36kg, tinha subido para mais de 63kg, sua barba tinha voltado a crescer e estava distribuindo currículos na esperança de achar emprego. “Sinto-me como se tivesse dezoito anos de novo”, disse ele. A recuperação, semelhante à de Lázaro, de vítimas de AIDS como Jacobs, que tinham conseguido tratamento – e a desgraça de milhões de outros indivíduos não tão afortunados – estava no cerne de um difícil dilema que a reunião de Doha iria enfrentar: onde termina o direito de uma empresa de gerar lucros e começa o de um pobre de obter um remédio que salvará sua vida? Essas perguntas não diziam respeito aos diplomatas envolvidos com comércio em Genebra no tempo em que as regras de comércio globais se referiam em sua maior parte a tarifas. Porém, essa situação mudou quando a Rodada Uruguai lançou a recém-criada OMC no campo da proteção à propriedade intelectual, com a inclusão na rodada do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS). A proteção de patentes e direitos autorais requer um equilíbrio inerentemente difícil. Se for permitido que as pessoas copiem filmes, livros e produtos farmacêuticos a seu bel prazer, os incentivos para empresas serem criativas e inovadoras são eliminados. Se as proteções contra a cópia desses produtos forem excessivas, as recompensas financeiras vão para inventores, artistas, autores, pesquisadores e grandes empresas, sem beneficiar a sociedade. O equilíbrio é ainda mais difícil em nível internacional, porque os países pobres geralmente têm menos a perder na proteção de propriedade intelectual do que os ricos, fonte 164 apenas notas 10 principal de inovação tecnológica e criação artística. Quando cidadãos da África, América Latina ou países asiáticos em desenvolvimento têm de parar de comprar cópias piratas e pagar mais por um DVD de Hollywood, um software do Vale do Silício ou um remédio americano de marca, uma transferência de renda ocorre dos pobres para os ricos (num estudo, o Banco Mundial estimou que as empresas norte-americanas passaram a receber US$19 bilhões a mais por ano em royalties como resultado do acordo TRIPS, com a maior parte do dinheiro vindo de países em desenvolvimento, importadores líquidos de propriedade intelectual). Isso não quer dizer que os países em desenvolvimento não ganhem nada com uma forte proteção à propriedade intelectual: fica mais fácil conseguir investimentos do exterior, atrair novas tecnologias e estimular a inovação no país se os investidores e criadores estiverem confiantes da proteção ao trabalho deles. Mas os ganhos talvez não sejam grandes o bastante para compensar as perdas e com certeza nem cheguem perto dos ganhos dos países onde os produtos em questão são criados e os lucros recolhidos. De fato, esse cálculo de custos e benefícios levou os Estados Unidos a desprezarem direitos de propriedade intelectual de outros países nos estágios iniciais de seu desenvolvimento. Durante a maior parte do século XIX, Washington não deu proteção de direitos autorais a livros estrangeiros, até que um mercado externo desenvolvido para livros americanos obrigou os EUA a assinarem convenções internacionais de direitos autorais. Mais recentemente, o milagre japonês das décadas de 1960 e 1970, e o milagre sul-coreano que se seguiu, mostrou como os países poderiam galgar degraus na escada do desenvolvimento copiando tecnologia estrangeira sob sistemas de patentes frouxos. O Acordo sobre TRIPS representou, então, um grande salto para o sistema multilateral de comércio. Exigiu que todos os membros da OMC protegessem patentes durante vinte anos e impusessem suas leis de patentes com vigor, apesar de permitir períodos de transição antes que os países em desenvolvimento fossem obrigados a cumprir essas leis, com períodos mais longos para os países mais pobres do mundo. A questão era controversa mesmo entre os economistas que se posicionavam como os mais fervorosos defensores do livre comércio. Alguns aplaudiram a medida como sendo uma adaptação necessária de regras globais a uma nova realidade de comércio, à medida que aumentava o volume de mercadorias comercializadas internacionalmente com altos níveis de 165 paul blustein conteúdo criativo fácil de copiar. Outros denunciaram a medida como sendo um abuso do sistema de comércio, alegando que a propriedade intelectual é uma questão separada do comércio. Esses críticos temiam que a transformação da OMC em um órgão de imposição de direitos de patentes arriscava jogar a instituição ladeira abaixo, com grupos de interesse pedindo que ela impusesse todos os outros tipos de direitos – direitos trabalhistas sendo o exemplo óbvio. Não demorou muito para a controvérsia se espalhar para além do domínio dos teóricos e formuladores de políticas de comércio, e isso não poderia ter acontecido num clima mais exaltado. A África do Sul, que tinha acabado de pôr fim ao apartheid, em 1994, estava lutando sob o governo do presidente Nelson Mandela para lidar com um grande número de pessoas infectadas pelo vírus da AIDS na África. A AIDS não estava só matando milhões de pessoas no continente; ela estava arrasando economias nacionais inteiras com trabalhadores doentes e crianças afastadas da escola. O governo Mandela promulgou uma lei, no final de 1997, que visava obter versões genéricas baratas de medicamentos poderosos de combate à AIDS, protegidos por patentes. Isso poderia ser feito de duas maneiras. Uma forma era o licenciamento compulsório, no qual um governo autoriza que empresas locais fabriquem cópias de remédios patenteados (normalmente com o pagamento de uma taxa negociada ao detentor da patente). A outra era a importação paralela, na qual é concedido aos importadores o direito de obter medicamentos de qualquer fonte, independentemente da aprovação do detentor da patente. O que tudo isso tem a ver com a OMC? Supostamente, não muito. O Acordo sobre TRIPS continha dispositivos que davam aos membros da OMC flexibilidades que pareciam dar conta de situações como a da África do Sul. Eles permitiam que os governos emitissem licenças compulsórias para lidar com “emergências nacionais ou outras circunstâncias de extrema urgência”, ainda que impusesse restrições severas ao exercício desse direito. No entanto, as companhias farmacêuticas instauraram processo num tribunal sul-africano contra o governo, alegando que a lei violava seus direitos de propriedade, bem como o Acordo sobre TRIPS. A indústria farmacêutica estava temerosa de que o precedente aberto pelos sul-africanos se espalhasse por todo o mundo em desenvolvimento, minando os direitos de patente e criando vários riscos para os fabricantes 166 apenas notas 10 de medicamentos nos mercados de seus países ricos (por exemplo, a importação de drogas contrabandeadas para os Estados Unidos e a Europa). Os funcionários dessas empresas, citando uma cifra de US$500 milhões como custo de pesquisa e desenvolvimento necessário para trazer um medicamento ao mercado, advertiram para o risco de um impacto potencialmente deletério de desestimular as empresas a buscarem cura para doenças mortais. Além disso, argumentava a indústria farmacêutica, o problema real nos países pobres não era o preço dos medicamentos, mas a baixa qualidade de seus sistemas de saúde, nos quais os doentes tinham dificuldade de encontrar médicos que prescrevessem e aplicassem os remédios de forma apropriada. O governo Clinton, que tinha apoiado indústrias voltadas para a proteção de propriedade intelectual no passado (Hollywood, por exemplo), apoiou a indústria farmacêutica, colocando a África do Sul numa “lista negra” de países que poderiam enfrentar sanções por violar direitos de patentes. Washington pressionou o Brasil e a Tailândia por motivos semelhantes e a Casa Branca despachou o vice-presidente Gore para a África do Sul a fim de tentar mediar a disputa. Nesse ponto, o tema tornou-se mais controverso do que nunca, unindo os ativistas de direitos humanos pela causa da AIDS, que passaram a atacar o alvo mais vulnerável do governo. “A cobiça de Gore mata! A cobiça de Gore mata!”. Assim gritava um grupo de manifestantes após o anúncio do vice-presidente em junho de 1999 em sua cidade natal de Carthage, no Tennessee, de que se lançaria candidato à presidência. Manifestações barulhentas continuaram em outras aparições de Gore e logo o governo Clinton, reconsiderando a situação, recuou de sua posição de enfrentamento com a África do Sul. As companhias farmacêuticas, também afetadas pela gritaria geral do público, começaram voluntariamente a baixar os preços que cobravam dos africanos pelos remédios de combate à AIDS. Quando George Bush foi empossado, Zoellick anunciou que seu governo também assumiria uma postura relativamente tolerante em relação ao uso, por países pobres, de medicamentos genéricos de combate à AIDS, dizendo que os Estados Unidos, “compatíveis com nosso esforço geral para proteger o investimento em propriedade intelectual na América”, estavam preparados para “trabalhar junto com os países que desenvolvem sérios programas para prevenir e tratar essa terrível doença”. 167 paul blustein Os países em desenvolvimento e os ativistas ainda não estavam apaziguados. Eles temiam novos ataques jurídicos de nações ricas e da indústria farmacêutica visando restringir os direitos dos governos de obter genéricos baratos. Em vista disso, passaram a exigir uma declaração explícita de que esses direitos poderiam ser invocados por todos os membros da OMC em todo tipo de emergências de saúde – não só os países africanos subsaarianos, e não só em relação à AIDS. O líder dessa iniciativa foi o Brasil, que tinha criado um programa de combate à AIDS considerado modelo para o mundo em desenvolvimento. O governo brasileiro deu tratamento gratuito a todos que fossem HIV positivos, com base em genéricos fabricados no país e num sistema de clínicas espalhados por todo o país. O programa reduziu drasticamente o índice de novas infecções e de mortes relacionadas com a AIDS. À medida que trabalho de redação da minuta de declaração ministerial de Doha foi se intensificando no final de 2001, o Brasil e seus aliados se uniram pela demanda de uma declaração especial sobre a questão dos medicamentos. A frase crucial que eles queriam que a OMC endossasse dizia o seguinte: “Nada no Acordo sobre TRIPS impedirá que os Membros tomem medidas para proteger a saúde pública”. Já era de se esperar que fabricantes de medicamentos desdenhassem essa proposta. “Maluquice”, foi como Harvey Bale, diretor-geral da Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticos, descreveu a questão numa coletiva de imprensa em 1º de novembro. Esses termos vagos, advertiram os porta-vozes das companhias farmacêuticas, constituíam um ataque frontal ao Acordo sobre TRIPS e significavam que qualquer país poderia alegar, de maneira casual, um motivo de saúde pública para copiar qualquer medicamento que quisesse. Os Estados Unidos, assim como outros membros da OMC, incluindo a Suíça, o Japão e a União Europeia, concordaram que o grupo liderado pelo Brasil estava indo longe demais. Para que o “destrutivismo revoltante do terrorismo” pudesse ser contra-arrestado com uma reunião exitosa em Doha, um lado ou o outro do debate sobre TRIPS teria de ceder – e muito. [*] Preparativos extraordinários estavam em curso para garantir a segurança da reunião em Doha. Os nomes de todos os empregados 168 apenas notas 10 dos hotéis, muitos dos quais eram funcionários convidados de outros países do Oriente Médio e da África do Sul, foram minuciosamente investigados. Qualquer um que fosse considerado suspeito recebia dispensa para tirar alguns dias de folga durante a reunião da OMC. Câmeras foram instaladas em locais estratégicos numa operação de vigilância extensiva. A Marinha dos EUA despachou um Grupo de Prontidão Anfíbio – uma frota incluindo um navio semelhante a um pequeno porta-aviões equipado com vários helicópteros e aviões Harrier, mais um contingente de fuzileiros navais – para patrulhar as águas até onde o horizonte alcançasse. Para minimizar o perigo de um ataque de míssil ao avião do governo que transportava a delegação dos EUA, a rota do voo foi modificada em relação à rota normalmente seguida pelos aviões de carreira. Além disso, foram traçados planos de deslocamento de tropas para as áreas que seriam sobrevoadas pelo avião. Na supervisão dessas providências, estava Doug Melvin, ex-comandante das Forças Especiais que era chefe de segurança do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. Melvin coletou muitas informações vindas da CIA e de outras fontes sobre possíveis ataques à reunião e, já tendo feito uma viagem a Doha antes do 11 de setembro, visitou a cidade de novo em outubro, quando foi fazer mergulho submarino no porto para ver o que poderia ser feito para rechaçar um ataque vindo do mar. De volta a Washington, realizou reuniões de informação com pessoas que poderiam ser enviadas para Doha, inclusive funcionários do governo, membros do Congresso e suas equipes, lobistas e líderes de ONGs. Essas medidas foram muito sensatas, porque, embora os palestrantes ocultassem as fontes e métodos por trás dos fatos que tinham reunido, foram bem específicos acerca dos potenciais problemas, como a suspeita do terrorista (referido no Capítulo 1), que se temia estar à solta no Catar. Os palestrantes deram garantias de que todos os cidadãos norte-americanos teriam acesso a máscaras de gás, equipamento de comunicação por rádio, antibióticos e antídotos para venenos químicos. Num primeiro momento, disseram que esse equipamento seria entregue a cada indivíduo, mas essa decisão foi modificada mais tarde, mantendo-se os equipamentos ao largo da costa em navios da marinha, capazes de transportá-los rapidamente para o local da reunião. 169 paul blustein O perigo de que a reunião pudesse fracassar por causa de ameaças externas – de terroristas ou manifestantes – tinha sido atenuado de forma significativa. O resto estava agora nas mãos dos membros da OMC. 170 Capítulo 6 Removendo a Mancha O último trecho da longa viagem de Geoffrey Gamble à reunião da OMC em novembro de 2001 foi um voo de Dubai para Doha. O jovem árabe sentado ao seu lado no avião suava muito e comportava-se de forma nervosa. Muito desconfiado, Gamble, diretor de assuntos governamentais internacionais da Dupont Company, decidiu ficar a postos para agir. Levantou-se para ir ao banheiro, levando seus fones de ouvido, que tinha apertado em volta da mão. “Pensei: ‘se ele fizer qualquer movimento, eu o agarro e o enforco!’”, lembra-se Gamble. “Então voltei para o meu lugar. Ele me olhou firme, inclinou-se e disse: ‘Sua braguilha está aberta’”. No final das contas, o homem acabou se revelando muito divertido, diz Gamble, acrescentando: “O nível de estresse naquela época estava muito alto”. Representantes de empresas como Gamble são figuras sempre presentes nas reuniões de comércio internacional e, como anteriormente visto, no exemplo da indústria do cinema na Rodada Uruguai, estão sempre ávidos para pressionar a fim de obter vantagens, principalmente dos funcionários de seus próprios governos, apesar de, com frequência, dos representantes de outras nações também. As atividades dos empresários vindos dos Estados Unidos, que são normalmente os mais numerosos, se parecem muito com o que os lobistas fazem no Capitólio. Apesar de sua entrada não ser permitida nas salas onde ocorrem as negociações 171 paul blustein formais, eles esperam do lado de fora, correndo atrás dos negociadores nos intervalos e, se necessário, exercitando sua musculatura política, em algumas ocasiões telefonando para membros influentes do Congresso para exercerem pressão sobre a equipe norte-americana. O nível de estresse de Gamble começou a diminuir depois que ele passou pela segurança rigorosa para chegar ao recém-construído Ritz-Carlton, onde a maioria dos participantes americanos estava hospedada. “Nunca tinha ficado num hotel daqueles”, disse ele, lembrando-se do enorme candelabro do saguão, das louças com metais dourados nos banheiros e dos funcionários solícitos, a maioria parecendo ser europeus ou canadenses. Além disso, teve a satisfação de descobrir que, como todos os negociadores norte-americanos estavam hospedados lá também – e muitos de seus colegas do setor privado tinham ficado em casa –, seria fácil marcar reuniões e entrar em contato com pessoas que ele precisava ver. Pouco tempo depois, Gamble já estava envolvido, de maneira premente, nos temas das negociações da OMC, deixando para trás as preocupações com a segurança. Essa reação parecia quase universal entre os lobistas, delegados, jornalistas e outros participantes dos Estados Unidos, assim como de outros países. Apesar das constantes revistas de bolsas e controle por detectores de metais tornarem impossível esquecer o perigo de um ataque terrorista, a maioria dos participantes mergulhou no trabalho no principal local da reunião da OMC, o Sheraton Doha, um hotel altíssimo em forma de pirâmide, que abrigava um centro de conferências. Os corredores estavam lotados de pessoas de todas as nacionalidades imagináveis, alguns correndo para reuniões, outros se reunindo secretamente com colegas, folheando relatórios, falando alto no celular ou se aprumando diante de câmeras de TV. Os grupos de ambientalistas e sindicalistas que tinham liderado os protestos em Seattle estavam notoriamente ausentes. Junto com outras ONGs, arrumavam cadeiras e mesas numa estrutura semelhante a uma tenda atrás do Sheraton, bem longe das principais salas de reuniões que os catarianos tinham designado para seu uso. Só uma pessoa de cada grupo tinha conseguido um visto de entrada, o que a OMC atribuía à falta de espaço no hotel. Num esforço disciplinado e desesperado para mostrar que não podiam ser totalmente intimidados, alguns ativistas encenaram uma demonstração na hora em que os delegados oficiais começaram a 172 removendo a mancha fazer fila para entrar na sessão de abertura. Falaram palavras de ordem e acenaram com pequenos cartazes feitos às pressas, acusando a OMC de ser antidemocrática e tendenciosa em favor dos ricos. A liderança da OMC e os anfitriões catarianos estavam fazendo o máximo para conferir um sentido de unidade aos trabalhos. Na sessão inaugural, ocorrida na noite de sexta-feira, 9 de novembro, num grande auditório com telas de vídeo no teto mostrando imagens dos oradores, Mike Moore lembrou aos delegados o que estava em jogo, usando sua dicção mais elegante e evitando gírias da Nova Zelândia. “A economia mundial precisa de sinais de confiança em mercados abertos e de compromisso com a cooperação internacional. Esse é o tipo de sinal que será emitido se chegarmos a um acordo aqui”, disse o diretor-geral. “Essa conferência iniciará o próximo estágio no desenvolvimento do sistema de comércio, cujo foco tem de ser a mais plena integração do mundo em desenvolvimento”. Na manhã seguinte, na primeira fase de discussões da reunião, os delegados foram oficialmente informados de como as coisas funcionariam nos quatro dias antes do prazo final de meia-noite de terça-feira, 13 de novembro, quando a reunião iria se concluir. Como em Seattle, seis grupos de trabalho se reuniriam para discutir os temas objeto de maior divergência entre os membros da OMC, com o objetivo de chegar a um texto de consenso. Cada grupo seria chefiado por um “amigo do presidente” – isto é, um ministro de comércio considerado confiável e digno de crédito por Moore – e os países-membros foram convidados a enviar representantes a qualquer um dos grupos. Uma diferença, desta vez, era que os grupos não teriam problemas acústicos e outros problemas logísticos do mesmo tipo dos que os tinham afligido em Seattle. Todos os participantes foram unânimes na opinião de que as instalações em que a reunião seria realizada no Sheraton, em Doha, eram de primeira classe. Logo depois que essa sessão organizacional começou, no entanto, aconteceu um episódio engraçado que expôs as tensões entre as principais potências e alguns dos principais países em desenvolvimento. Yousef Hussain Kamal, o ministro catariano, estava presidindo a sessão, com Moore a seu lado, quando a “bandeira” da Índia subiu, isto é, a placa do país foi virada, indicando o desejo do seu ministro, Murasoli Maran, de tomar a palavra. Isso, suspeitou Moore, podia significar problema, dadas as posições dos indianos sobre as questões antes da reunião, 173 paul blustein e ele sussurrou para Kamal que os indianos provavelmente queriam levantar algum ponto exasperador a respeito do procedimento. “Então não lhes daremos tempo”, replicou Kamal, uma conversa que, de forma embaraçosa, foi ouvida por todos no salão, porque Kamal tinha se esquecido de desligar o microfone. Uma onda de risadas estridentes se seguiu a esse esforço desajeitado de suprimir vozes dissidentes. Havia bons motivos para acreditar que Maran surgiria como o desmancha-prazeres. [*] O ministro Maran, de 67 anos, era um homem baixo com um bigode fino e longas costeletas que o faziam parecer “um vilão cômico de um filme de bangue-bangue de quinta categoria”, conforme descrito num jornal indiano. Já tendo sofrido um ataque cardíaco grave, sua aparência era muito frágil (ele só viveria mais dois anos após a reunião em Doha). Ocupava o cargo de ministro do Comércio e Indústria por força do papel de liderança num dos partidos da coalizão do governo, o DMK, uma agremiação regional cuja sede se localizava num Estado no sul da Índia chamado Tamil Nadu e que fora fundada em oposição à longa dominação da nação por brâmanes do norte, falantes de híndi. Os tâmiles têm sua própria língua e a resistência ao ensino do híndi nas escolas da região era um dos princípios do partido. Essa causa tinha chamado a atenção de Maran em 1965. Como muitos tâmiles, ele só tinha um prenome, mas um de seus primeiros empregos foi como editor de um órgão político-partidário chamado Murasoli, o que significava “rufar de tambores”. Acabou conhecido como Murasoli Maran. O país que ele representava, a despeito de seus largos passos rumo ao status de potência econômica moderna, há muito nutria uma profunda antipatia pelo sistema global de comércio. O comércio internacional estava associado à dominação colonial dos ingleses, cujas práticas vergonhosas incluíam o uso de tarifas e outras restrições para manter a Índia como produtora de algodão cru para as fábricas da Grã-Bretanha, ao mesmo tempo que impediam os indianos de desenvolverem sua própria indústria têxtil concorrente. Um dos principais apelos do movimento de independência era swadeshi, ou “autonomia”. O primeiro governo da nação independente, chefiado por Jawaharlal Nehru, deu prioridade 174 removendo a mancha máxima ao alcance da autossuficiência nos bens manufaturados e restrição de importações ao mínimo necessário. A Índia era a líder do G-77, a coalizão de países em desenvolvimento que lutou muito nas décadas de 1960, 1970 e 1980 para preservar seus direitos de proteger suas economias por meio de tarifas, quotas e restrições a investimentos. Até a década de 1990, o setor privado indiano estava sujeito a limitações estritas sobre investimentos estrangeiros e colaboração com empresas estrangeiras. Qualquer firma que tentasse estabelecer uma empresa industrial de larga escala tinha de obter uma licença do governo, o que, é claro, limitava a concorrência. As tarifas da Índia se classificavam entre as mais elevadas do mundo, chegando ao auge em 1988 numa média de 120% a 140%. O resultado de todas essas políticas foi uma máquina industrial de competitividade pateticamente pobre porque, com o grande mercado interno quase todo para elas, as empresas indianas tinham pouco incentivo para atender aos padrões mundiais necessários para exportar seus produtos. Muitas dessas políticas passaram por extensas reformas no início da década de 1990. Isso aconteceu em parte por causa de uma crise econômica e em parte por causa da queda da União Soviética, que pôs em questão o próprio modelo indiano. O governo descartou as exigências de que as empresas obtivessem licenças para investimentos privados, exceto em dezoito setores-chave. As autoridades também reduziram muitas das tarifas mais altas e a lista de importações sujeitas a quotas e outras restrições. Porém, o mercado indiano continuou sendo um dos mais protegidos do mundo. Empresas estatais monopolistas controlavam as importações e exportações da maioria dos produtos agrícolas, inclusive dos dois mais importantes: arroz e trigo. Em maio de 2001, o Ministério do Comércio e Indústria criou uma sala de operações para monitorar uma lista de 300 bens de consumo “sensíveis”, inclusive carros, chá e lápis, com o objetivo de se proteger contra danos causados por importações. Os predecessores de Maran no cargo há muito tinham se posicionado nas negociações da OMC como paladinos do nacionalismo indiano contra estrangeiros. Sendo proveniente de um partido na coalizão governante, Maran teve um prazer especial em assumir esse papel. Seu congênere egípcio, Youssef Boutros-Ghali, se lembra de ter sido solicitado, “porque supostamente eu era seu amigo do terceiro mundo”, a persuadir Maran a ser cooperativo em Doha – em vão. “Maran me disse: ‘Olha, na política 175 paul blustein interna na Índia, é de meu interesse político que essa coisa fracasse’. Ele falou isso explicitamente”, disse Boutros-Ghali. De fato, dezenas de milhares de indianos, a maioria agricultores, fizeram manifestações em Nova Délhi, em 6 de novembro de 2001, pedindo que o governo rejeitasse novas negociações na OMC. Na reta final para a reunião, Maran tinha lançado ameaças verbais sobre a determinação da Índia de resistir à pressão de países ricos, chamando a OMC de “mal necessário”. Após sua chegada em Doha, ele não deu sinais de que abrandaria sua retórica. Pelo contrário, parecia se comprazer em espicaçar Zoellick. Contou aos repórteres que concordava com a avaliação de que os negociadores norte-americanos estavam explorando o 11 de setembro em seu esforço para lançar uma nova rodada. “Eles querem bater enquanto o ferro ainda está quente”, disse irritado. Ele estava na lista de ministros com quem Zoellick manteve reuniões bilaterais em Doha – os ministros em geral tentam realizar o máximo possível de reuniões desse tipo, em parte como cortesia diplomática, em parte para melhorar o clima da negociação. Em seus encontros, apesar de cordiais, eles não avançaram muito nas questões que os dividiam. Isso ajudou a cristalizar a estratégia de Zoellick em Doha: ele isolaria os indianos como sendo os únicos a se oporem a um consenso apoiado por todos os outros membros da OMC. Após sair da reunião com Maran, Zoellick contou a um assistente que não conseguiria chegar a um acordo com o ministro indiano. Ele planejava alinhar todos os outros países, para que Maran enfrentasse uma “escolha binária”, posicionando-se a favor ou contra a rodada. Para fazer isso, Zoellick teria de começar a convencer outros países, o que significaria fechar acordos com eles a respeito de questões de grande suscetibilidade política nos EUA. Tendo o texto de Harbinson como ponto de partida – a primeira versão da declaração tinha sido decretada como base para a negociação na reunião –, Zoellick começou a ver se conseguia fechar alguns acordos. Não estava pensando no modelo comum para grandes negociações internacionais, que é esperar até o último minuto e só então se comprometer. Ele queria se mover o mais rápido possível, na esperança de criar um impulso que levaria a mais impulso, um sucesso que engendrasse outro sucesso. Em uma reunião ministerial marcada para durar apenas cinco dias, não havia tempo a perder. 176 removendo a mancha [*] No avião governamental americano que se dirigia a Doha, etiquetas com nomes designavam os assentos nos quais os passageiros iriam se sentar. Todos tinham uma etiqueta com seu nome, exceto Grant Aldonas, subsecretário de comércio internacional do Departamento de Comércio. Na sua etiqueta estava escrito “Otário”. Um homem grande e sociável, com uma voz retumbante, cabelo louro e olhos azuis, Aldonas foi designado por Zoellick para negociar a questão antidumping na reunião da OMC. Daí o apelido “otário”, pois como Aldonas, um ex-funcionário do primeiro time da Comissão de Finanças do Senado, bem sabia, a questão antidumping era o assunto mais delicado que a equipe norte-americana teria de enfrentar em Doha. As leis americanas sobre antidumping e direitos compensatórios, que visavam proteger a indústria doméstica contra os produtos importados vendidos a preços deslealmente baixos, gozam do apreço dos membros do Congresso, que as defendem com unhas e dentes como sendo essenciais para garantir a igualdade de condições entre concorrentes. De que outra forma, indagam os políticos americanos, podem as empresas americanas combater concorrentes estrangeiros que às vezes vendem seus produtos abaixo do custo de produção ou abaixo do preço de venda em seus próprios mercados internos? Ou que tiram vantagem de subsídios ocultos sob a forma de empréstimos de bancos estatais? É por isso que as leis permitem que as indústrias norte-americanas apresentem queixas ao Departamento de Comércio, que – após uma investigação – pode determinar que devam ser cobrados impostos sobre importações ofensivas, objetivando o aumento de seu preço no mercado norte-americano até chegar a um nível “justo”. Porém, as leis norte-americanas são menosprezadas por governos estrangeiros, que veem americanos supostamente defensores do livre comércio usando essas medidas como uma forma disfarçada de protecionismo. Muitos economistas concordam com essa visão. Basta pensar no caso das massas. Qualquer pessoa que já tenha empurrado um carrinho pelos corredores de um supermercado americano conhece a marca De Cecco, um produto importado italiano vendido em embalagens azuis, com a figura de uma camponesa segurando feixes de trigo. E qualquer um que já tenha comparado preços de massas sabe 177 paul blustein que essa marca custa até o dobro de muitas outras. Porém, em resposta a uma queixa apresentada pelos fabricantes de massas dos EUA contra massas vindas da Itália e da Turquia, o Departamento de Comércio achou, em 1996, que a De Cecco era uma das marcas sendo vendidas “abaixo do valor justo de mercado” e fixou a “margem de dumping” da empresa em 47%. Isso significa que a De Cecco teria de pagar impostos próximos a essa percentagem sobre o valor das massas que exportasse para os Estados Unidos. A história de casos antidumping nos Estados Unidos está repleta de resultados igualmente bizarros, em que os produtores estrangeiros são punidos com impostos estratosféricos. Parte do problema é a própria lei. Apesar de ser sensato proibir que as empresas vendam produtos “abaixo do custo” – principalmente se uma empresa dominante estiver usando fixação de preços predatórios para retirar os concorrentes do mercado e estabelecer um monopólio, – a questão é: como os custos deveriam ser medidos? Um método é usar o custo médio de todos os itens produzidos, outro é usar o custo de produção do último item (custo “marginal”, no jargão dos economistas). Basta dizer que as regras são muito mais rígidas contra os dumpers estrangeiros do que contra as empresas nacionais acusadas de fixação de preços predatórios. E também tem a forma como a lei é administrada. Os funcionários do Departamento de Comércio dispõem de grande autonomia na interpretação das regras e muitas provas sugerem que eles sistematicamente tendem a favorecer empresas norte-americanas alegando princípios de livre mercado. Nos casos de dumping as empresas estrangeiras podem ser “postas de molho” se deixarem de fornecer ao Departamento de Comércio em curto prazo respostas suficientemente completas para a imensa gama de perguntas do departamento sobre suas operações (foi assim que a De Cecco arrumou tanto problema: o Departamento de Comércio considerou que os dados da empresa não tinham sido apresentados de forma apropriada, não eram consistentes e não poderiam ser verificados com facilidade). As leis norte-americanas estavam sob ataque, em Doha, por vários países, liderados pelo Japão, Coreia do Sul e Chile, que insistiam que a nova rodada tinha de incluir negociações sobre novas regras da OMC visando evitar o tipo de abuso que achavam que Washington estava cometendo. Eles ressaltavam que a reunião ministerial de Seattle tinha 178 removendo a mancha fracassado em parte por causa da raiva causada entre os membros da OMC pela atitude impositiva assumida pelos Estados Unidos na questão do dumping. Eles ocupavam uma posição vantajosa no campo de batalha de Doha porque o texto de Harbinson refletia a posição básica deles, declarando que os membros da OMC “concordariam com negociações que visassem o esclarecimento” e a melhoria das regras globais restringindo as maneiras pelas quais os países poderiam usar leis antidumping. A tarefa de Aldonas era neutralizar esse ataque e mudar a linguagem do texto. “Isso vai ser um desastre”, advertiu um importante funcionário do Congresso aos negociadores norte-americanos antes que eles partissem para Doha e, com certeza, havia a possibilidade de o resultado ser mesmo esse. Os principais legisladores vindos de ambos os países tinham deixado claro o ano todo que não queriam nem mesmo que o governo Bush concordasse em negociar sobre antidumping. Se Zoellick fizesse concessões nesse tema, permitindo que o texto ficasse basicamente como estava, o Congresso muito provavelmente se recusaria a conceder ao governo a autoridade de que ele precisava para concluir quaisquer acordos de comércio. Isso estragaria a agenda de comércio de Zoellick – a nova rodada da OMC e tudo o mais – antes mesmo que começasse. Havia uma saída, que poderia ser intitulada da seguinte forma: “o problema não somos nós, mas eles”. Muitos países estrangeiros, como a Índia, a África do Sul e a Argentina, tinham promulgado suas próprias leis antidumping e as estavam usando com desenvoltura – em vários casos, considerando empresas norte-americanas como culpadas de dumping, para consternação das empresas envolvidas. Na verdade, os Estados Unidos foram o segundo alvo mais citado em queixas de dumping entre 1990 e 2000, com 195 processos instaurados no mundo todo, só perdendo para os 341 processos da China. Então, o objetivo de Aldonas era um acordo que vislumbrasse negociações sobre leis antidumping, com a condição de que alguns novos termos fossem usados para indicar que as conversações enfocariam falhas nas práticas de outros países, em vez de apenas nas práticas americanas. A esperança do governo era que o Congresso não fizesse objeções veementes a negociações desse tipo. A primeira tentativa do “otário” para construir esse compromisso se mostrou infrutífera. Em uma reunião de 11 de novembro do grupo de 179 paul blustein trabalho que tratava da questão, Aldonas tentou persuadir os japoneses, os coreanos e os chilenos para que aceitassem mudanças no texto que deslocassem um pouco o seu foco para as leis antidumping de outros países. “Precisamos de maior transparência e de adotar procedimentos apropriados em vista de todos os novos usuários dessas leis”, declarou ele, de acordo com as anotações da reunião. Também ressaltou a necessidade de evitar uma revolta no Congresso, observando que Zoellick tinha assegurado os legisladores da determinação de Washington em “manter medidas eficazes para lidar com práticas que distorcem o comércio”, uma referência a subsídios ocultos que beneficiam algumas empresas estrangeiras. Essa postura foi recebida de forma indiferente por parte de seus congêneres, que percebiam o real objetivo do governo Bush, isto é, garantir que as negociações não afetassem as leis antidumping dos EUA. O Chile “não deseja, de forma alguma, qualquer mudança no texto [de Harbinson]”, disse Alejandro Jara, o embaixador chileno na OMC, seguido do embaixador japonês, que considerou o texto “apenas o mínimo” para Tóquio. No intervalo entre as reuniões, Aldonas analisou com cuidado vários textos alternativos, frase a frase, e rejeitou todos. Estava na hora de dar uma volta do lado de fora e retornar com uma nova abordagem. Aldonas fez exatamente isso com Stephen Jacobs, outro funcionário do Departamento de Comércio que trabalhava em questões antidumping. Durante a caminhada, se confrontaram com a realidade de que só conseguiriam obter pequenas mudanças no texto – o bastante para que pudessem contar, de forma plausível, aos membros do Congresso que as negociações antidumping não seriam só sobre as leis norte-americanas. Temos talvez três palavras, temos que ressaltá-las, disse Jacobs a Aldonas, e propôs uma solução que talvez pudesse angariar o consenso em Doha e, ao mesmo tempo, garantir ao governo cobertura suficiente no Capitólio. Sua ideia era inserir duas frases. Uma declararia que as negociações “preservariam os instrumentos e objetivos” de regras antidumping existentes. A outra afirmaria que as negociações incluiriam propostas para novas “disciplinas sobre práticas comerciais distorcivas”. Mesmo essas pequenas propostas foram consideradas excessivas pelos demais países, que já começaram a suspeitar de que algo não estava cheirando bem. 180 removendo a mancha Doo iu imi? O que quer dizer isso, perguntaram-se os japoneses, cuja língua é tão diferente do inglês que até mesmo burocratas formados pelas mais prestigiosas universidades americanas têm dificuldade com as nuances do idioma. Talvez, pensaram eles, a redação proposta pelos EUA seja projetada para criar uma brecha gigantesca que os americanos usariam para evitar negociações referentes às suas leis antidumping. Como se recorda Yoichi Suzuki, membro da equipe japonesa: “Tínhamos algumas lembranças amargas de textos redigidos, no GATT e na OMC, achando que o texto em inglês estava bastante bom, para descobrir logo depois que havia interpretações diferentes”. Assim, os dois lados estavam num beco sem saída. A inutilidade da continuação das negociações entre negociadores de nível inferior ficou evidente para Aladonas, que disse a Zoellick: “Cheguei o mais longe que podia”. Se o impasse tinha de ser resolvido, teria de ser de ministro do Comércio para ministro do Comércio. O estereótipo de ministro japonês é um político que chefia um ministério por alguns meses, período em que cumpre fielmente as orientações de diretrizes dos burocratas com alta qualificação e experiência, que ocupam a maioria dos cargos do poder executivo no governo. Felizmente para Zoellick, Takeo Hiranuma, que comandava o Ministério da Economia, Comércio e Indústria, estava disposto a desafiar esse estereótipo em Doha. Hiranuma desejava um acordo e, vencendo as reservas de seus burocratas, concluiu, após se reunir com Zoellick, que os americanos estavam apenas querendo inserir linguagem suficientemente evasiva no texto antidumping para minimizar o dano político em seu país. Da mesma forma, os ministros coreanos e chilenos aceitaram as modestas mudanças no texto. Agora que um acordo estava próximo na questão antidumping, Zoellick não queria retardar a divulgação da notícia. Esperava que as vitórias se sucedessem e que, de forma semelhante, a sua flexibilidade gerasse flexibilidade nos outros. Em tom bem-humorado, na abertura da assembleia geral de ministros, na segunda-feira, 12 de novembro, anunciou que os Estados Unidos tinham finalmente baixado a guarda e se proposto a negociar a questão antidumping. “Entendo que há 143 países que concordam com esse texto e um que discorda”, disse ele. “E, apesar do fato de que todos vocês estão do lado errado, vou fazer um acordo”. Já era de se prever que fortes defensores das leis antidumping de Washington ficariam aborrecidos. Bill Klinefelter, diretor legislativo do 181 paul blustein sindicato do setor siderúrgico United Steelworkers, que tinha vindo a Doha para tentar resistir ao tipo de concessão que Zoellick tinha feito, observou que qualquer movimento na direção do enfraquecimento das leis antidumping seria extremamente impopular em estados como Ohio, Pensilvânia e Virgínia Ocidental. “Haverá consequências políticas”, previu ele de forma solene. Mas, nos corredores do Sheraton, esse desdobramento gerou um burburinho positivo. “Essa é uma mudança importante que pode ajudar a abrir portas... em outros setores”, relatou Bridges Daily Update, um informativo que acompanha de perto as reuniões ministeriais da OMC. Ainda mais eletrizantes eram os rumores do que os Estados Unidos estavam prestes a fazer em um tema ainda mais importante. [*] Antes de chegar a Doha, Shannon Herzfeld comparecera aos briefings sobre os riscos de segurança. Mas não tinha como ela ficar em casa, pois era a principal representante em Washington da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA), que estava se preparando para agir na questão do acordo TRIPS. “Eu realmente tinha de estar lá. A indústria farmacêutica estava tão vulnerável”, disse Herzfeld. Depois de chegar, acrescentou ela, não se preocupou muito com a sua segurança, exceto por um momento terrível, que ocorreu durante uma reunião com colegas do ramo num quarto de hotel de um funcionário sênior dos EUA. Ela chegou até a varanda para atender uma chamada do seu chefe no telefone celular, sem saber que as varandas tinham sido declaradas zona fora dos limites de proteção por motivos de segurança. Ouvindo um barulho, ela avistou dois guardas catarianos, em posição de tiro, apontando suas armas para ela. “Pensei, eles vão atirar em mim na droga da varanda!”, lembra-se Herzfeld, acrescentando que balbuciou uma desculpa para o chefe e voltou correndo para o quarto onde estava acontecendo a reunião. Como essa história sugere, a indústria farmacêutica estava pressionando os negociadores norte-americanos à medida que as negociações do acordo TRIPS iam prosseguindo. A principal prioridade da indústria era evitar uma declaração que retrocedesse em relação às proteções que haviam sido estabelecidas à propriedade intelectual na 182 removendo a mancha Rodada Uruguai. As companhias farmacêuticas reconheciam que o acordo TRIPS continha uma exceção, permitindo aos governos com questões emergenciais na área de saúde pública tomassem medidas que comprometessem os direitos de titulares de patentes. As perguntas eram: de que tamanho seria a exceção e como ela seria empregada? Ela se aplicaria apenas a epidemias ou também a questões de saúde pública menos urgentes? Muito ansiosas com a criação de precedentes legais que pudessem minar o valor de patentes de medicamentos no mundo todo, muitas das principais empresas do ramo se preparavam para uma batalha em torno de um parágrafo-chave numa declaração especial sobre o acordo TRIPS que se esperava como um dos resultados da reunião ministerial. Duas versões muito diferentes do parágrafo estavam na mesa de negociações. A indústria farmacêutica estava determinada a bloquear a primeira versão, chamada de “Opção 1”, porque indicava que os países em desenvolvimento teriam ampla autoridade para quebrar patentes usando licenças compulsórias, importação paralela e outros instrumentos desse tipo. Defendido pela África, América Latina e Ásia Meridional, o parágrafo dizia o seguinte: Nada no acordo TRIPS impedirá que alguns membros tomem medidas para proteger a saúde pública. Assim sendo, ao mesmo tempo em que reiteramos nosso compromisso com o Acordo TRIPS, afirmamos que o acordo será interpretado e implementado em apoio ao direito dos membros da OMC de proteger a saúde pública e, em particular, garantir o acesso a remédios para todos. Muito mais aceitável para a indústria era a “Opção 2”, criada para manter a quebra de patentes pelos países em desenvolvimento dentro de limites cuidadosamente circunscritos. Defendido pelos Estados Unidos, a União Europeia, a Suíça e outras nações ricas, o parágrafo dizia o que segue: Afirmamos a capacidade de um membro de usar, integralmente, os dispositivos contidos no acordo TRIPS que permitem flexibilidade para tratar de crises na área de saúde pública, tais como HIV/AIDS e outras pandemias. Com esse propósito, um membro está apto a tomar as medidas necessárias para tratar dessas crises de saúde pública, 183 paul blustein em particular garantir o acesso a medicamentos a um preço razoável. Concordamos ainda que essa declaração não aumenta nem diminui os direitos e obrigações dos membros estipulados no acordo TRIPS. Porém, Zoellick, apesar de apoiar publicamente a Opção 2, também estava deixando claro para seus assistentes que queria um acordo com os países em desenvolvimento, o mais rápido possível. Esta era uma questão delicada, como lhes disse ele. O fracasso na sua resolução poderia representar o fracasso da reunião ministerial. Da mesma forma, um acordo antecipado mostraria aos países em desenvolvimento que o sucesso era possível. O resultado pressionaria outros membros da OMC a fazer concessões. Além disso, os países em desenvolvimento teriam um incentivo gigantesco para aceitar um acordo geral na reunião ministerial, porque, se a conferência inteira fracassasse, qualquer acordo TRIPS que tivesse sido realizado se tornaria inoperante. Nada poderia ser acordado até que tudo estivesse acordado. Felizmente para Zoellick, a indústria farmacêutica não estava unida em sua posição de rejeição. Apesar de muitas empresas quererem refutar qualquer coisa que se assemelhasse à Opção 1 – a Pfizer Corporation, cujo diretor-presidente presidia a PhRMA, era categoricamente contra –, também havia algumas mais flexíveis, como a Merck & Company, cujo diretor-presidente era Raymond Gilmartin. A Merck achava que a indústria farmacêutica estava se arriscando a ficar muito mal vista se parecesse colocar os direitos de propriedade intelectual acima das necessidades dos pobres e doentes, segundo Thomas Bombelles, que representava a Merck na reunião em Doha. Apesar de outras companhias farmacêuticas temerem que dar uma mão nessa questão levaria ao resto do mundo querer o braço inteiro, “nossa posição era que se não déssemos uma mão, perderíamos tudo”, disse Bombelles. Assim sendo, o homem que Zoellick designou como seu negociador-chefe do TRIPS, o subsecretário de Estado Alan Larson, partiu com instruções para ser flexível quando participasse como representante-chefe dos EUA no pequeno grupo de trabalho de negociadores dedicado ao assunto. Seu principal adversário era, como ele, um diplomata veterano – Celso Amorim, embaixador do Brasil na OMC, que naturalmente tomou a liderança das forças de países em desenvolvimento devido ao amplamente admirado programa de HIV/AIDS de seu país, bem como suas habilidades de exímio negociador. 184 removendo a mancha As conversações, que ocorreram numa das salas de conferências do Sheraton, não foram nada fáceis. Horas e horas foram gastas discutindo expressões como “tem de”, “pode”, “será” e “deve” em uma das frases. Cada um dos lados estava sob intensa pressão para se manter firme. Os negociadores vindos de países em desenvolvimento eram assediados por representantes de grupos como Médicos Sem Fronteiras, Third World Network e ACT UP (AIDS Coalition to Unleash Power), uma organização de militantes homossexuais e lésbicas. Não apenas Larson teve de continuar em constante contato com Herzfeld e outros lobistas da indústria farmacêutica que estavam em Doha, mas também estava instruído por Zoellick a falar diretamente com presidentes das companhias farmacêuticas em teleconferências, “e alguns deles tinham reservas muito sérias” sobre o texto que estava sendo considerado como um compromisso, recorda-se Larson. As preocupações dos executivos não eram surpreendentes, porque esse texto – trabalhado por Larson e Amorim – era essencialmente a Opção 1 com algumas das expressões mais extremas um pouco suavizadas. Em vez da proposição muito forte “Nada no acordo TRIPS impedirá que alguns membros tomem medidas para proteger a saúde pública”, a versão de compromisso dizia “Concordamos que o acordo TRIPS não evita e não deve evitar que os membros tomem medidas para proteger a saúde pública”. E, em vez de dizer que o acordo deveria ser interpretado para “garantir o acesso a remédios para todos”, a palavra “promover” substituiria “garantir”. Mas a integridade básica da Opção 1 tinha sobrevivido. Apertos de mãos se seguiram a essa versão levemente alterada da Opção 1. Então, de repente, pareceu que o acordo estava indo por água abaixo. Uma carta fazendo graves objeções ao compromisso chegou por fax a Doha, assinada por Alan Homer, o presidente da PhRMA. Amorim recebeu a notícia desagradável de Ernesto Derbez, o ministro da Economia do México, que presidira o grupo de trabalho, de que alguns dos membros que defendiam a Opção 2 queriam reabrir a discussão. “De jeito nenhum”, foi a resposta de Amorim. O acordo estava fechado. A isso, Derbez respondeu que Amorim não era ministro. Ele não tinha plena autoridade para falar pelo governo brasileiro. Nesse momento, Amorim e seus colegas ficaram numa situação difícil. Eles sabiam que 185 paul blustein tinham de manter uma ameaça verossímil de bloquear a reunião de Doha se o texto fosse suavizado ainda mais. Eles tinham dúvidas quanto ao total apoio do chefe da delegação, o ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, um professor de direito internacional amante dos cachimbos e ex-embaixador na OMC. Mas ele tinha um ás na manga, porque outro membro, muito mais militante, da equipe de ministros do Brasil também estava em Doha – José Serra, ministro da Saúde, o principal artífice do programa brasileiro de tratamento de HIV/AIDS. A equipe de Amorim saiu freneticamente à procura de Serra, que estava num passeio e voltou correndo para o Sheraton. O ministro da Saúde defendeu Amorim com unhas e dentes. Xeque-mate. As forças que defendiam a Opção 2 foram derrotadas e o texto foi divulgado na segunda-feira, 12 de novembro, levantando esperanças significativas de que, no resto do dia, antes do prazo final oficial, as concessões se sucederiam em outras questões acaloradamente discutidas. Os termos do acordo suscitaram entusiasmo entre os negociadores de países em desenvolvimento e a maioria dos representantes de ONGs. “Há seis meses, isso era impensável”, contou Paulo Teixeira, o consultor sênior sobre AIDS no Brasil, ao Wall Street Journal e, numa matéria que escrevi para o Washington Post, James Love, que estava representando um grupo apoiado por Ralph Nader, exclamou exultante: “Será que a OMC está se transformando na Assembleia Geral das Nações Unidas? Não é mais o playground dos ricos e poderosos?”. Também reveladora foi a expressão cabisbaixa no rosto de Harvey Bale da Federação Internacional das Sociedades e Fabricantes Farmacêuticos. Quando o encontrei no saguão do Sheraton, eles estavam prevendo, de forma implacável, que a linguagem “ambiciosa” sobre proteção de direitos de propriedade intelectual afetaria adversamente a inovação médica. “Se eu for um diretor de Pesquisa e Desenvolvimento e estiver pensando em investir US$500 milhões no desenvolvimento de um medicamento de combate à AIDS ou ao câncer, vou ser muito cauteloso”, disse ele. “Se um presidente de empresa me perguntar: ‘O que esse texto quer dizer?’, vou responder: ‘Não faço a menor ideia’”. O texto deixou para depois uma questão jurídica espinhosa referente a como os países pobres da África Subsaariana, que não conseguiam fabricar seus próprios medicamentos, poderiam se beneficiar do 186 removendo a mancha licenciamento compulsório. Logo os executivos de alguma empresa iriam reclamar – um esforço aparente para minimizar o dano a seus direitos legais – que o texto tinha pouca importância prática porque simplesmente confirmava o que já estava no acordo TRIPS. Mas, quaisquer que fossem suas implicações legais precisas, a declaração reassegurava aos países em desenvolvimento que eles tinham obtido um grau apreciável de proteção contra a possibilidade de que seus programas de medicamentos genéricos fossem questionados em casos de solução de controvérsias na OMC. Os obstáculos políticos para instaurar um caso desse tipo seriam mais altos do que nunca. Até aqui, tudo bem para a estratégia de Zoellick de construir uma coalizão em Doha em favor do lançamento de uma rodada. Ele tinha acordos assegurados sobre duas das questões mais contenciosas de Washington – antidumping e TRIPS –, então as vibrações estavam ficando maiores e melhores. Mas nada estaria acordado até que tudo estivesse acordado. E uma boa parte ainda estava para ser fechada. “É assim que a coisa fica quando está prestes a funcionar”, contou-me Keith Rockwell, o porta-voz da OMC, na tarde do dia 12. “Mas isso não quer dizer que vai funcionar”. [*] O guarda-costas de Pascal Lamy, um irlandês truculento chamado Val Flynn, se certificava de que, onde quer que o comissário europeu de Comércio fosse, no centro de conferência do Sheraton em Doha, haveria pão integral e bananas à vontade para o chefe comer. Como era seu costume em eventos de grande pressão, Lamy se restringia à dieta que considerava melhor para ajudá-lo a pensar com clareza. Precisava ter certeza de que sua concentração estaria no auge, pois, à medida que a reunião em Doha foi se encaminhando para o final, com as questões antidumping e do acordo TRIPS solucionadas, a União Europeia entrou na berlinda. Os europeus estavam em sua agitação habitual em relação à agricultura. Ministros do Comércio e Agricultura de todos os então quinze países-membros estavam em Doha e alguns deles – sendo a França a que mais fazia barulho – estavam dificultando mais as coisas para Lamy em relação às concessões que eram demandadas de Bruxelas sobre questões 187 paul blustein relativas ao comércio agrícola. Apesar de esses países-membros não poderem impedir legalmente que o comissário fizesse concessões sobre certas questões no estágio de lançamento de uma rodada, poderiam tentar bloquear isso no momento da conclusão, e eles queriam pressionar mais ainda do que tinham feito antes. Já era ruim demais, pensavam eles, que o texto de Harbinson comprometesse a OMC com negociações visando a “melhorias substanciais no acesso a mercados” para produtos agrícolas e “reduções substanciais” em subsídios agrícolas em geral. Esses dizeres estavam sujeitos a interpretação. Muito menos ambígua e mais questionável era a linguagem segundo a qual a nova rodada tencionaria reduzir, “visando a terminar gradualmente”, subsídios à exportação, dos quais os agricultores da União Europeia receberam vários bilhões de dólares especificamente para safras vendidas no exterior. Esmurrando a mesa numa reunião do Conselho de Ministros, François Huwart, o ministro do Comércio francês, declarou que Paris não aceitaria a implicação do texto de que tais subsídios teriam que ser eliminados. Outros formuladores de políticas europeus, apesar de resignados com a inevitabilidade de desistir da agricultura, estavam inflexíveis em exigir que Bruxelas fosse compensada com ganhos em outras áreas – a saber, os temas de Cingapura e o meio ambiente. O problema era que muitas nações em desenvolvimento estavam igualmente determinadas a negar à União Europeia qualquer prêmio desse tipo. Essa era a situação que enfrentavam 23 ministros que tinham sido convidados para uma reunião ministerial de “sala verde” do tipo “mate ou morra”, começando às 7h da noite de terça-feira, 13 de novembro. Nesse momento, estava claro que a conferência não ia terminar até o prazo final oficial de meia-noite. Todos os tipos de truques tinham sido empreendidos para convencer os delegados de que o prazo final era inadiável, inclusive frequentes lembretes de que o mês sagrado do Ramadã estava para começar e avisos tinham sido afixados na sala de imprensa pelos catarianos de que, até o meio-dia de quarta-feira, os repórteres tinham que esvaziar as instalações. Esses esforços tinham falhado na tentativa de induzir todas as partes a um consenso sobre todos os pontos, de modo que acabou sendo necessário que Moore tentasse obter, como tinha feito em Seattle, um dia extra de tempo para a reunião. A esperança era que a reunião ministerial de “sala verde” chegasse a um acordo sobre um texto completo que pudesse ser apresentado a todos os 188 removendo a mancha membros o mais cedo possível na quarta-feira. Desta vez, o diretor-geral achou os anfitriões da OMC muito mais fáceis de conciliar do que tinham sido as autoridades municipais de Seattle: Kamal, do Catar, concordou em permitir que os delegados permanecessem no centro de convenções. Todavia, a prorrogação não poderia durar muito, porque alguns ministros vindos de países em desenvolvimento estavam começando a ir embora para pegar seus voos confirmados de volta para casa. Era importante evitar que o número de participantes minguasse demais, causando embaraço para todos. Kamal propôs uma solução para o problema num piscar de olhos. “Disse ele: ‘Vou mandar fechar o aeroporto. Vamos dizer que foi terrorismo’”, lembra-se Moore, que respondeu que tal providência “não seria necessária”. A dificuldade da União Europeia em chegar a uma conclusão a respeito de agricultura não era a única razão a explicar por que a reunião ministerial se arrastava por mais tempo do que o esperado. Os trabalhos tinham quase sido paralisados na terça-feira devido a uma manobra de dezenas de países pobres da África, Caribe e ilhas do Pacífico. Eles estavam efetivamente sequestrando a reunião, ameaçando bloquear o consenso, a menos que obtivessem uma única coisa que queriam. Como ex-colônias europeias, esses países durante muito tempo tinham gozado de uma situação de isenção de tarifas no acesso ao mercado da União Europeia para muitos de seus produtos. Para manter esse acordo – que tecnicamente infringia as regras da OMC –, eles precisavam que os membros da OMC aprovassem, de tempos em tempos, autorizações (waivers) para esse desvio das regras da organização. Com a expiração da antiga autorização, uma nova estava sob análise no Conselho Geral. Não se supunha que a questão surgisse na reunião ministerial de Doha, mas as ex-colônias, temerosas de suas chances de alcançar a sua meta, decidiram que era melhor levantar o assunto enquanto tinham o trunfo de serem capazes de prejudicar a nova rodada. Essa postura provocou uma reação furiosa de outros países, principalmente Tailândia, Filipinas, Equador, Honduras e Panamá: argumentaram que alguns de seus produtos mais competitivos, principalmente bananas e atum enlatado, estavam sofrendo concorrência desleal no mercado europeu em função das preferências dadas às ex-colônias. Eles também ameaçavam bloquear o consenso, a menos que seus problemas fossem discutidos. Para muitos formuladores de políticas, toda essa agitação era 189 paul blustein fonte de exasperação, mas não havia como evitá-la e foram necessárias conversações prolongadas para resolver a questão. “Para onde quer que você olhasse, havia pessoas tentando extorquir vantagens do sistema”, relembra Andy Stoler, então diretor-geral adjunto da OMC, que tentou convencer um dos líderes das ex-colônias, a embaixadora na OMC do Quênia Amina Mohamed, que a questão deveria ser adiada até depois que todos voltassem para Genebra. “Eu disse: ‘Entenda bem, embaixadora, não é possível discutir um assunto desses num espaço de dois dias’”, recorda-se Stoler. “E ela respondeu: ‘Bem, então, vocês não vão conseguir lançar uma nova rodada’. Ela é muito simpática e de fala mansa, mas era claro que não estava de brincadeira e utilizaria seu poder ao máximo para atingir seu objetivo”. Esse jogo de ameaças e contra-ameaças ainda estava sendo jogado na noite de terça-feira, quando os ministros convidados a participar da reunião começaram a chegar, passando por um corredor vigiado por policiais catarianos usando turbantes do tipo kaffiyeh e agentes de segurança americanos murmurando nos microfones de suas lapelas. Zoellick chegou trazendo um suprimento de sanduíches. Ele e os outros se reuniram numa sala de conferência sem janelas, com paredes cinza e uma mesa retangular, em torno da qual havia lugares para Austrália, Botsuana, Brasil, Canadá, Chile, Egito, União Europeia, Guatemala, Hong Kong, Índia, Japão, Quênia, Malásia, México, Nigéria, Paquistão, Catar, Cingapura, África do Sul, Suíça, Tanzânia, Estados Unidos e Zâmbia. Vários dos participantes estavam representando grupos de países, como o Grupo Africano e o Grupo dos Países de Menor Desenvolvimento Relativo. Um esquema de comunicação regular foi planejado entre os que estavam dentro e seus partidários do lado de fora. Dessa forma, aqueles que não tinham sido convidados não se sentiriam tão excluídos quanto em Seattle. A reunião começou com pedidos de Moore e Kamal para que todos os participantes se esforçassem ao máximo para o sucesso daquela reunião ministerial. Empilhadas na frente do diretor-geral estavam pastas de plástico referentes a cada uma das principais questões que ainda não tinham sido tratadas. Logo ficou claro que poucos assuntos poderiam ser resolvidos com rapidez. Lamy mandou uma mensagem para os países-membros da União Europeia: “Ainda vai demorar muito. Vão para a cama. Se for necessário, eu mando chamá-los. Assim que tivermos um 190 removendo a mancha resultado, sem dúvida no início da madrugada, vamos nos reunir e eu lhes informarei”. De fato, xícaras de café vazias estavam espalhadas sobre a mesa e o relógio já passava das duas da manhã, quando Moore – depois de ter posto várias pastas na pilha do “acordado” – finalmente levou a discussão para os assuntos mais complicados, isto é, agricultura, meio ambiente e os temas de Cingapura. Lamy pediu a palavra, ciente de que, como escreveu mais tarde, a “hora da verdade” chegara para ele. O comissário da União Europeia sabia que alguns países em desenvolvimento ficariam contentes em deixar a reunião fracassar se conseguissem pôr a culpa nele. “Não vamos ficar dizendo: ‘O problema é a Europa’”, implorou ele. Em vez disso, o grupo deveria encontrar soluções. Ele assegurou que estava pronto para fazer um esforço para acomodar demandas em agricultura, desde que recebesse ajuda em outros assuntos. Então ele esperava saber primeiro até onde o grupo poderia avançar em assuntos outros que não a agricultura. Esse foi um teste supremo para os talentos de Zoellick e Lamy. E, sob todos os aspectos, estavam em sua melhor forma, agindo de comum acordo de um jeito que outros ministros jamais tinham visto acontecer entre Washington e Bruxelas. Durante toda a reunião ministerial, a dupla colheu os frutos das longas horas gastas na discussão de estratégias comuns nos meses anteriores. Não que eles não discordassem em determinados pontos ou que não pressionassem um ao outro quando achavam que era vantajoso fazer isso, mas seu desejo compartilhado de ver o lançamento da rodada em Doha era tão ardente que, para evitar o isolamento irremediável da União Europeia em uma questão, Zoellick sempre exortava os outros ministros a facilitarem as coisas para Lamy. Este fazia o mesmo em relação a seu colega americano. Zoellick, por exemplo, dizia frases do tipo “Temos de pensar em Pascal porque ele vai dar um belo empurrão na questão da agricultura, então precisamos fazer algo por ele nos temas de Cingapura”, segundo as recordações de pessoas que estavam presentes. Em um estado de espírito parecido, Lamy usava de sua influência para aliviar a pressão sobre Zoellick, com pedidos como “Este é um assunto particularmente sensível para Bob. Os americanos não conseguiram muito em matéria de acesso a mercados. Então não vamos pressioná-los demais na questão do antidumping”. 191 paul blustein Essa dinâmica estava muito em evidência quando Moore mudou a discussão da reunião ministerial de “sala verde” para a questão ambiental. Nesse assunto, a União Europeia estava praticamente sozinha. Os países em desenvolvimento não tinham afastado suas preocupações de que, se a nova rodada incluísse negociações sobre o meio ambiente, o resultado seria mais protecionismo, principalmente se os Verdes da Europa conseguissem tornar o princípio da precaução um padrão aceitável para julgar a segurança de alimentos e de outros produtos. O governo Bush tinha a mesma preocupação e Washington nutria receios em relação à insistência de Bruxelas de que a nova rodada tratasse dos vínculos entre as regras da OMC e os acordos internacionais sobre meio ambiente. Os europeus, afinal de contas, estavam interessados em se certificar de que os acordos ambientais fossem obedecidos, prevendo-se tarifas punitivas como uma sanção em potencial para os países que os descumprissem. A equipe de Bush, que rejeitara o mais importante acordo ambiental de todos – o Protocolo de Quioto sobre o aquecimento global –, dificilmente favoreceria a possibilidade de que a abordagem europeia fosse usada para penalizar as mercadorias americanas. Diante do impasse a que chegou o debate nas horas que antecederam o alvorecer na quarta-feira, Zoellick jogou uma corda salva-vidas para Lamy. Ele tinha exortado sua equipe a usar uma linguagem de compromisso e agora estava pronto para colocá-la sobre a mesa de negociações. Os Estados Unidos estavam preparados para aceitar negociações sobre meio ambiente, disse ele, sob determinadas condições. A União Europeia teria de assumir um compromisso por escrito voltado para restringir a possibilidade de que a Europa usasse o princípio da precaução para justificar barreiras comerciais protecionistas. Mais importante ainda do que isso, Zoellick queria uma linguagem explícita no texto que iria, na prática, proteger determinados países de sofrer sanções aplicadas com base em acordos ambientais de que não fossem parte, sendo os Estados Unidos o exemplo mais proeminente de país que não ratificou o Protocolo de Quioto. A proposta de Zoellick estava longe do que os Verdes da Europa esperavam. Ela arriscava dar aos países um incentivo extra para ficar de fora de acordos ambientais como Quioto porque assegurava aos dissidentes desses acordos uma camada de proteção legal contra sanções. Mas Lamy, reconhecendo que isso era o máximo que iria conseguir, 192 removendo a mancha concordou. Da mesma forma, aceitou a linguagem de compromisso que Harbinson tinha usado na redação do texto em relação a investimentos e outros temas de Cingapura, apesar de não ser, nem de longe, tão forte quanto Bruxelas teria preferido. Mesmo assim, vencer as objeções dos países em desenvolvimento não era fácil. Muitos deles ainda estavam insatisfeitos em relação a permitir quaisquer negociações da OMC sobre essas questões. “Parecia que as coisas estavam indo por água abaixo”, lembra-se Stoler, “e Mike Moore estava torcendo as mãos e coçando a cabeça. Ele disse: ‘Não tem jeito, temos que fazer isso. Todos precisamos engolir algum sapo. Não podemos nos dar ao luxo de ter dois fracassos. Dois fracassos é mais do que o sistema pode aguentar’”. Essa opinião foi fortemente apoiada por dois dos mais respeitados ministros vindos de países em desenvolvimento, Celso Lafer, do Brasil, e Alec Erwin, da África do Sul. Exortações dos dois e de outros sobre a importância do êxito da reunião ajudaram a fazer com que a discussão ultrapassasse seus momentos mais difíceis. Às 5h da manhã, a maior de todas as questões – agricultura – entrou em pauta. A discussão começou de forma pouco promissora: Franz Fischler, o comissário europeu de Agricultura, disse que sentia muito ter de repetir mais uma vez que, para Bruxelas, o texto sob análise era inaceitável, pois indicava que as negociações sobre subsídios para exportações terminariam com sua eliminação. Lamy, então, disse ao grupo que estava fazendo jus à sua promessa de ser flexível em relação ao tema do comércio agrícola, já que tinha obtido um resultado razoavelmente favorável em relação aos outros assuntos. Ele disse que aceitaria a adaptação de uma pequena parte do texto. Queria que as palavras “sem prejulgar o resultado das negociações” fossem inseridas nas frases que explicitassem os objetivos da nova rodada na agricultura. Esses dizeres ficaram quase sem sentido, eles só faziam ressaltar o óbvio, isto é, que a agenda de negociações para a rodada não poderia determinar de antemão como as conversações resultariam. Seu objetivo era dar a Lamy um pouco de cobertura política em relação à França e a outros países europeus de linha dura em matéria agrícola que estavam aborrecidos com a perspectiva de abrir mão de muita coisa tão cedo. Com o dia raiando, Moore, ansioso por fechar o pacote de negociações e divulgar os resultados para todos os membros, disse aos participantes 193 paul blustein da reunião: “Bem, senhoras e senhores, acho que tudo isso constitui um excelente resultado”. Kamal assentiu com um “bravo”, dizendo que graças a seu trabalho, “a Reunião de Cúpula de Doha vai ser um grande sucesso”. Porém, ao saírem andando pelos corredores do Sheraton soturnamente vazios, às 6h da manhã, Lamy se lembra de ter pensado: “O otimismo é, sem dúvida alguma, um pouco forçado”. O trabalho artesanal realizado na reunião ministerial ainda teria de passar pelo escrutínio de muitas delegações que não tinham sido incluídas, muitas das quais teriam que consultar suas capitais antes de dar sua aprovação. Nesse momento, Lamy avaliou as chances em cerca de 50% de que o pacote fosse aceito na sessão plenária prevista para mais tarde naquela manhã. Ainda seria preciso, como Zoellick previra, confrontar um ministro com uma “escolha binária”. [*] A expressão na face de Matthew Baldwin, um dos principais assistentes de Lamy, mostrou ao comissário europeu que algo estava errado. O telefone celular de Baldwin tinha tocado, enquanto Lamy conduzia, às 10h, uma reunião do Conselho de Ministros da União Europeia para informá-los sobre os resultados da reunião ministerial que terminara poucas horas antes, na quarta-feira, 14 de novembro. Em resposta ao olhar inquisitivo de Lamy, Baldwin se aproximou dele e explicou: a Índia estava rejeitando o texto negociado. Moore e Kamal queriam vê-lo imediatamente. Maran, da Índia, tinha impressionado poucas pessoas em Doha, se é que impressionara alguém, com a forma brusca como tratava as questões. Em termos intelectuais, ele não chegava aos pés de Zoellick ou Lamy. Na verdade, suas invectivas, às vezes divagadoras e desconexas, passaram a impressão de confusão para muitos. Mas tinha angariado respeito por sua energia evidente. Apesar de precisar de apoio físico de seus assistentes para ficar de pé, tinha estado presente durante toda a provação extenuante das longas reuniões. Em entrevista posterior com um jornalista indiano, Maran vangloriou-se: “Muitos deles queriam que eu desistisse, pensando que iam me exaurir e me forçar a ir dormir, enquanto finalizavam 194 removendo a mancha a declaração”, e se lembra de ter dito a Zoellick: “Meu coração vai bem. Está no lugar certo”. Maran tinha participado da reunião ministerial a noite toda e, apesar de outros participantes pensarem que ele tinha concordado com o pacote aprovado pelo grupo, ele agora estava deixando bem claro que a Índia não aderiria ao consenso. O texto, afirmava ele, tinha sido alterado em relação ao que ele supunha ser o seu significado. Sua maior queixa era em relação aos temas de Cingapura. Ele não queria negociações que pudessem expandir o papel da OMC em investimentos, concorrência, compras governamentais ou facilitação do comércio. Ele sequer queria apoiar a linguagem de compromisso do texto de Harbinson, que era ambígua quanto à possibilidade de as negociações começarem imediatamente nas áreas de investimentos e concorrência ou se tal decisão seria adiada até a reunião ministerial de 2003. Com a reunião de Doha já se estendendo em demasia e diante do desejo de todos os delegados participantes, exceto a Índia, de aprovar o texto como declaração oficial da OMC, a pressão sobre Maran para ceder vinha de todos os cantos imagináveis. Muitos dos que buscavam convencê-lo invocaram a importância da solidariedade internacional depois do 11 de setembro, apesar de o ministro indiano já ter manifestado seu desdém por essa linha de raciocínio. Negociadores quenianos enfatizaram a ele que um fracasso em Doha impediria que o novo acordo TRIPS entrasse em vigor. Alguns chefes de Estado telefonaram para o primeiro-ministro indiano, Atal Bihari Vajpayee. Duvida-se que isso tenha adiantado muito, porque, se Nova Délhi tivesse tentado deter Maran, ele poderia ter renunciado e, assim, aumentar dramaticamente sua estatura política, segundo os funcionários indianos membros de sua equipe. Moore e Kamal decidiram tomar as rédeas da situação. Chamaram Maran a uma pequena sala de conferências, recusando-se a admitir outros representantes indianos e fecharam a porta. O diretor-geral implorou a Maran que considerasse os perigos que o sistema de comércio internacional estava enfrentando e, quando essa abordagem pareceu não estar funcionando, o ministro catariano tentou uma abordagem diferente, de acordo com os presentes. “Sua Alteza o emir ficaria muito desgostoso se essa conferência não for um sucesso”, disse Kamal, acrescentando: “O senhor sabe quantos indianos trabalham neste país?”. 195 paul blustein Nesse ínterim, outros ministros estavam chegando para reuniões agendadas entre todos os membros e, como a recusa da Índia em aderir ao consenso significava que não haveria nada a tratar nesse ponto, era necessário manter os ministros ocupados para que a reunião não se desintegrasse, fazendo com que mais gente partisse para as lojas ou o aeroporto. O ministro Hiranuma do Japão proferiu um longo discurso sobre nada em particular por solicitação do Secretariado da OMC e Pierre Pettigrew do Canadá manteve a plateia entretida com uma lenga-lenga por um tempo ainda mais longo. Depois de terminar algumas observações em inglês, Pettigrew fez comentários semelhantes em francês, apesar de intérpretes terem fornecido traduções simultâneas de seu primeiro discurso enfadonho. Então exibiu sua fluência na terceira língua oficial da OMC, o espanhol, repetindo suas opiniões todas de novo. “Captei a mensagem de que era preciso ocupar um pouco mais do tempo, enquanto alguns de meus colegas estavam falando com Maran”, recorda-se Pettigrew. “Todo mundo estava rindo, porque era muito óbvio o que estava se passando. Eu só estava ganhando tempo”. A escolha binária à qual Maran se confrontava era a seguinte: ele podia estragar a reunião e deixar que a Índia levasse a culpa ou poderia aceitar uma oferta para salvar a própria cara. Essa segunda possibilidade consistia em uma proposta, redigida de manhã, às pressas, pelos membros do Secretariado, em relação ao procedimento para tratar das negociações sobre os temas de Cingapura. Nessa proposta, essas negociações teriam início após a reunião ministerial de 2003 somente se um “consenso explícito” dos membros da OMC apoiasse a ideia. Exatamente o que isso queria dizer não era claro. Como, afinal de contas, um “consenso explícito” diferiria de um consenso comum? Alguns negociadores indianos sentiam que a declaração era substancialmente sem sentido. Mas a oferta era que as palavras “consenso explícito” seriam inseridas no texto de Doha e uma declaração especial seria emitida na Conferência Ministerial de Doha. Maran permaneceu ressentido e recalcitrante durante esse assédio a ele e preocupado com a reação política na Índia se ele tivesse de ceder. No final, de acordo com vários funcionários indianos, foi o embaixador de seu país na OMC, Srinivasan Narayanan, que o convenceu a desistir dessa oposição. Mesmo que a Índia não tivesse conseguido tudo o que queria em Doha, ela tinha assegurado o alcance de algumas metas 196 removendo a mancha importantes, disse-lhe Narayanan – sendo a declaração do acordo TRIPS a mais proeminente, bem como uma promessa de negociar algumas mudanças nas obrigações da Rodada Uruguai. Se a Índia continuasse a bloquear o consenso, ela perderia tudo o que tinha ganhado. A batalha em torno dos temas de Cingapura poderia ficar para depois, na reunião ministerial prevista para dali a dois anos, argumentou Narayanan. Por fim, numa reunião que começou às 6h da tarde, o texto revisado, comprometendo os membros da OMC com uma nova rodada, foi apresentado numa reunião com todos os ministros. Os esclarecimentos concedidos aos indianos em relação às questões de Cingapura foram lidos em voz alta. Isso provocou em Maran um rancoroso, mas afirmativo “A Índia apoia o texto”. O texto lançou uma nova rodada, então como deveria ser chamada? Como diretor-geral, Moore tinha a prerrogativa de escolher o nome. Ele tinha se refreado em anunciá-lo até o último minuto porque acreditava que precisava usar o nome como um elemento de barganha. De uma coisa estava certo: a palavra “desenvolvimento” tinha de ser incluída, para garantir aos países pobres que suas necessidades seriam discutidas e para lembrar sempre os países ricos da meta abrangente que se esperava que as negociações alcançassem. Outra coisa: a palavra “rodada” tinha que ser substituída por um termo que fosse mais politicamente palatável, mesmo que a palavra “rodada” fosse ser comumente usada em ambientes não oficiais. Além disso, decidiu Moore, os catarianos teriam a honra de dar o nome, devido à sua bem-sucedida recepção à reunião em tempos difíceis. “Mandei mensagens para Kamal, dizendo: ‘Como vamos chamar isso? A Agenda do Desenvolvimento do Catar?’”, lembra-se Moore. “A que ele respondeu: ‘Não! Chame de Doha! Os falantes de inglês não conseguem pronunciar Catar’”. Foi assim que ficou decidido. Oficialmente, a reunião ministerial estava lançando a Agenda do Desenvolvimento de Doha. O anúncio do nome por Moore pegou os americanos de surpresa. Alguns deles queixaram-se de que pôr “desenvolvimento” no nome reforçaria a atitude entre os países mais militantes do terceiro mundo de que eles não deveriam ser chamados a contribuir com nada. Mas eles não puderam fazer nada quanto a isso, enquanto Kamal lia as seguintes palavras: “Gostaria de propor que a conferência ministerial adotasse a declaração 197 paul blustein ministerial redigida... Posso considerar que os membros são favoráveis?”. Fez uma pausa e depois disse: “Aprovado”. Aplausos reverberaram no salão de reuniões. Zoellick se levantou para apertar a mão de Lamy, recebendo aplausos ainda mais altos. Os membros da delegação indiana, com rostos sem expressão, ficaram sentados com os braços cruzados. “Removemos a mancha de Seattle”, proclamou um Zoellick triunfante à imprensa. Era bem verdade. Essa foi a recompensa pelo enorme esforço que tinha sido tornar a reunião ministerial de 2001 diferente da de 1999. Protestos tinham sido evitados. O terreno tinha sido preparado com grande antecedência para a realização da reunião. Os países em desenvolvimento se sentiam mais envolvidos no processo de tomada de decisões. Os Estados Unidos e a União Europeia tinham colaborado primorosamente e tinham dado suas cartadas com comprovada habilidade. Porém, essa proeza não constituía a conclusão das conversações. Era só o começo. Inserir a palavra “desenvolvimento” no nome da rodada e lançar uma retórica congratulatória sobre como os pobres do mundo todo poderiam ansiar por um sistema de comércio muito mais benéfico não resolviam o problema. A OMC agora tinha que cumprir a promessa feita em Doha. E, mesmo antes disso, teria de explicar o que uma “rodada de desenvolvimento” queria dizer – se ela acarretaria a liberalização por países em desenvolvimento ou apenas concessões por países ricos em benefício dos menos afortunados. Esses desafios eram só um dos problemas na cabeça dos que subiram a bordo do avião que transportava Zoellick e sua equipe de volta a Washington. Eles sabiam que só poderiam respirar aliviados quando a aeronave saísse do alcance de mísseis superfície-ar. Jeffrey Bader, que se sentou próximo ao oficial de segurança Doug Melvin, se lembra de que Melvin lhe disse que ficaria mais tranquilo quando atingisse uma altitude superior a 5.000 metros. “Fiquei olhando o altímetro o tempo todo enquanto subíamos”, disse Bader. 198 Capítulo 7 A Insurreição do Resto Era para ser um grand finale para a OMC e para os seus dois membros mais poderosos. Era isso que indicava o parágrafo 45 da Declaração de Doha, que afirmava: “As negociações... serão concluídas o mais tardar em 1º de janeiro de 2005”. Acontece que essa data limite para a conclusão da Rodada Doha cairia bem perto da época em que Bob Zoellick e Pascal Lamy estariam deixando seus cargos. O mandato de cinco anos de Lamy como comissário europeu de Comércio estava previsto para se encerrar no final de 2004 e, supondo que Zoellick ficaria no cargo de representante de Comércio dos Estados Unidos até o final do primeiro mandato do presidente Bush, ele mudaria de emprego igualmente por volta dessa época. Portanto, se tudo corresse conforme planejado, durante seus respectivos mandatos, os dois ministros do Comércio conduziriam tanto o lançamento quanto a conclusão de uma rodada multilateral de comércio. A despeito do alto grau de ambição dessa empreitada, eles evidentemente se consideravam bem preparados – e até mesmo indispensáveis – para realizá-la. Perguntei a Zoellick sobre isso em uma entrevista em 2002 e, apesar de cuidadoso ao observar que, no seu trabalho, cumpria ordens do presidente, reconheceu: “Não foi por coincidência que pressionamos em Doha pelo prazo limite de 2005”. Contudo, a expectativa de uma rodada rápida foi logo por água abaixo. 199 paul blustein As condições que tinham contribuído tanto para a unidade entre os membros da OMC em Doha mostraram-se fugazes. A situação, no final de 2001, quando o mundo estava se recuperando dos ataques terroristas e os governos estavam fortemente inclinados a fazer demonstrações de solidariedade, começou a ficar mais inflexível em 2002 e 2003. A simpatia pelos Estados Unidos começava a se dissipar em meio à raiva provocada pela política arrogante do governo Bush em relação a questões como mudança do clima. Os preparativos para a invasão do Iraque aprofundaram ainda mais as divisões entre as nações. Todos esses fatores complicaram o desafio que os membros da OMC enfrentaram ao começar a trabalhar na primeira das metas mais importantes da rodada – um acordo sobre “modalidades”. Esse jargão burocratês é tão vexatório que mesmo antigos especialistas em comércio, ao usá-lo em conversas com não especialistas, sempre hesitarão, adotando um tom de desculpas ao pronunciar a palavra com clareza exagerada ou movendo dois dedos de cada mão imitando aspas. Na verdade, o conceito é razoavelmente simples e captá-lo é importante para entender o impasse em que a Rodada Doha se encontra hoje, porque foi em uma negociação de modalidades que a OMC gastou a maior parte dos últimos seis anos, fracassando várias vezes. Para produzir um acordo de comércio significativo, os membros da OMC precisavam tornar muito mais específicos os princípios que tinham adotado em Doha. Na agricultura, por exemplo, a Declaração de Doha abriu espaço para uma ampla gama de possibilidades. Seu mandato para “reduções substanciais” em subsídios agrícolas e “melhorias substanciais no acesso a mercados” para produtos agrícolas poderia estar sujeito a interpretações díspares. Os negociadores vindos de celeiros agrícolas como o Brasil e a Austrália obviamente entenderiam o significado da palavra “substancial” de forma muito diferente de seus congêneres representando, digamos, a União Europeia, o Japão e a Coreia do Sul. Foi aí que as modalidades entraram em cena. Os cortes nas tarifas e subsídios seriam muito profundos – talvez, da ordem de 70% a 80% – ou relativamente superficiais, na faixa de 20% a 30%? Os cortes seriam baseados em médias, permitindo que cada país pudesse decidir que tarifa ou subsídio seria cortado desde que a redução média alcançasse determinado número? Se fosse assim, qual seria o número médio? Ou, ao contrário, a fórmula seria “progressiva”, de maneira que as tarifas e 200 a insurreição do resto subsídios mais altos sofressem maiores cortes? E se a progressividade fosse a opção, qual a magnitude dos cortes para os mais altos, para os mais altos seguintes e assim por diante? Os cortes seriam aplicados para todos os itens ou haveria exceções? E se fossem permitidas exceções, quantas poderiam ser feitas, que tipo de produtos poderiam estar envolvidos e como eles seriam tratados? Eles seriam totalmente poupados de cortes ou apenas parcialmente, e, nesse último caso, em que proporção? Para produzir um acordo completo sobre modalidades, essas perguntas teriam de ser respondidas tanto para produtos agrícolas quanto para manufaturados. Não que essas questões fossem as únicas em jogo na rodada. A Declaração de Doha também invocava negociações sobre regras relativas a direitos antidumping, subsídios governamentais para pesca, a liberalização do comércio de serviços e a eliminação de impostos sobre exportações vindas dos países mais pobres do mundo, entre outros. Porém, uma negociação sobre modalidades seria o elemento definidor da rodada e abriria caminho para a resolução das demais questões. A expectativa era de que a conclusão de um pacto sobre modalidades ocorresse no início de 2003, o que deixaria aos negociadores tempo suficiente para definir e esclarecer uma ampla gama de dados necessários para complementar essas modalidades até a data final da rodada. Conforme especificado no cronograma acordado em Doha, os membros arregaçariam as mangas e apresentariam propostas realistas para negociação em 2002 e, na conferência ministerial seguinte, programada para acontecer em Cancún, no México, em setembro de 2003, a rodada ganharia impulso rumo à linha de chegada, com as modalidades todas resolvidas. Ah, Cancún! Praias de areia branca, águas azul-turquesa, palmeiras ao vento, comida e bebida à vontade. Em um ambiente tão agradável, como seria possível imaginar uma reunião da OMC que não fosse harmoniosa? [*] O aclamado romance Killer Angels conta a história da Batalha de Gettysburg na visão dos participantes. Um aficionado pela Guerra Civil, Zoellick enviou exemplares do livro para Lamy e para alguns dos principais negociadores comerciais da União Europeia antes de uma 201 paul blustein excursão ao campo de batalha da Pensilvânia que ele programou em maio de 2002 para os europeus, em visita aos Estados Unidos, e seus próprios assessores principais. Na manhã do dia 3 de maio, Zoellick e Lamy fizeram uma corrida de cerca de uma hora até Little Round Top, palco de um dos enfrentamentos mais cruciais da luta. O grupo todo fez um passeio no campo de batalha, guiado por um oficial militar aposentado. Alguns dos europeus reviravam os olhos a cada vez que Zoellick corrigia o guia a respeito de algum detalhe sem importância da batalha, e no qual ninguém tinha interesse. “Ele dizia coisas do tipo: ‘Desculpe-me, mas não teria sido, na verdade, a Quinta Brigada de Nova York a responsável pelo ataque?’”, lembrou um dos presentes rindo. Apesar do comportamento de sabe-tudo do representante de Comércio dos Estados Unidos, tanto os europeus quanto os americanos presentes consideraram que o encontro foi construtivo, porque o local lhes permitiu relaxar mais facilmente do que se estivessem num ambiente urbano e porque passaram um bom tempo se informando a respeito de seus respectivos sistemas políticos. Para Zoellick, o lugar apresentava outra vantagem – transmitia uma sensação de passagem do tempo. “Quando vou a campos de batalha, vejo as coisas sob certa perspectiva”, contou-me ele algumas semanas depois. “Você percebe o significado da vida e da morte, em comparação com outros tipos de disputas”. A excursão foi necessária porque esses “outros tipos de disputas” estavam, de fato, atrapalhando a relação de Washington com Bruxelas e com muitos outros parceiros comerciais dos EUA. O governo Bush, apesar de toda a sua retórica de apoio ao livre comércio, não estava seguindo à risca seus princípios declarados e foi acusado, em 2002, de adotar uma atitude tão arrogante no comércio quanto em sua política de guerra ao terror. Em março, atendendo pedidos de ajuda das usinas siderúrgicas norte-americanas e de seus sindicatos, o governo impusera tarifas altas na faixa de 30% sobre aço importado, com base em regras de “salvaguardas”, as quais permitem que os países aumentem seus impostos ao sofrerem uma inundação repentina de importações. A União Europeia, juntamente com vários outros países, denunciou a ação americana como sendo uma grave infração às regras e, enquanto reclamava com a OMC, também ameaçou retaliar imediatamente com sanções contra produtos norte-americanos. Zoellick vociferou que tal providência infringiria os princípios da OMC. 202 a insurreição do resto Lamy insistiu firmemente em que uma pronta retaliação era permitida nesse caso (no ano seguinte, um comitê de arbitragem da OMC considerou ilegais as tarifas sobre o aço e os EUA retrocederam). Outro fator de exasperação na primavera de 2002 para os europeus – e para outros governos no mundo inteiro – foi a iminente aprovação, no Congresso, da nova lei agrícola dos Estados Unidos, que aumentaria drasticamente subsídios federais para os agricultores americanos. Os projetos de leis agrícolas estipulam a política dos EUA nesse setor por um período de cinco anos. Redigido em grande parte pelo presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Larry Combest, o projeto continha uma ampla gama de produtos financiados pelo contribuinte para os agricultores norte-americanos. O projeto de lei não apenas dava continuidade aos pagamentos que os agricultores já estavam recebendo, como também estabelecia novos subsídios para produtores de lentilha, ervilha e grão-de-bico. Também incluía novos “pagamentos contracíclicos”, para garantir que, caso os preços da safra caíssem abaixo de determinadas metas – US$2,63 por alqueire de milho, por exemplo, e US$3,92 por alqueire de trigo –, os agricultores recebessem mais dinheiro. O governo, apesar de preferir uma abordagem mais orientada para o mercado, não demonstrava capacidade de enfrentar o lobby dos agricultores no Capitólio, e Bush – ansioso por manter a base rural do Partido Republicano nas eleições seguintes para o Congresso – prometera sancionar a lei. Os Estados Unidos ainda estavam em posição de liderança nos estágios iniciais das negociações em Doha. Zoellick revelou propostas sobre agricultura que previam uma significativa liberalização do mercado e propôs a eliminação completa das tarifas no mundo todo sobre bens de consumo e produtos industrializados até 2015. Porém, o projeto de lei agrícola enfraqueceu os esforços dos EUA de se posicionarem como defensores do livre mercado, principalmente na agricultura. Segundo o ministro do Comércio australiano Warren Truss, o projeto de lei enviou “um sinal estarrecedor para o mundo”. Os negociadores comerciais norte-americanos tentaram minimizar o dano, ressaltando a suas contrapartes em outros países que, independentemente do projeto de lei agrícola, os Estados Unidos estavam prontos para fazer um acordo em Doha no qual os subsídios agrícolas e tarifas sofreriam grandes cortes no mundo todo. O projeto de lei agrícola de 2002, observaram eles, só seria aplicado até 203 paul blustein 2007, quando então novas regras da OMC, a serem acordadas na Rodada Doha, moldariam a política agrícola norte-americana. Porém, a lei era, no mínimo, um grave problema de relações públicas para os americanos, porque oferecia aos membros mais protecionistas da OMC uma base para justificar suas posições. Recordando esse período, Jason Hafemeister, um dos negociadores agrícolas mais importantes de Zoellick, disse: “Passamos o ano todo, depois que a lei foi aprovada, viajando pelo mundo, explicando para as pessoas: ‘Não é tão ruim quanto vocês estão pensando e, de qualquer forma, quando negociarmos na Rodada Doha, tudo estará sobre a mesa’. Mas isso foi explorado pelas pessoas, de forma cínica ou sincera. Tornou-se parte do discurso convencional dizer que os EUA não tinham uma postura séria em relação à reforma”. Por que o governo Bush estava cedendo a pressões de interesses domésticos como aço e agricultura? O oportunismo político era parte do motivo. Mas era possível elaborar uma explicação razoável, com base no argumento de livre comércio, de que a lei agrícola, as tarifas do aço e outras concessões desse tipo constituíam um mal necessário, justificável porque serviam a um grande propósito. Era preciso domesticar a fera do Congresso, senão toda a agenda de Zoellick sofreria reveses no Capitólio. [*] “Autoridade de Promoção Comercial” (Trade Promotion Authority) é – falando francamente – um nome pouco inspirado e confuso para uma lei importante. A julgar apenas por sua denominação, pareceria mais um projeto de lei para financiar a venda de produtos norte-americanos a compradores estrangeiros. Porém, encontrar uma alternativa adequada tinha se mostrado impossível para Zoellick e sua equipe. Eles tinham pensado na possibilidade de “Autoridade de Negociação Comercial” (Trade Negotiating Authority), que era a combinação de palavras mais apropriada para o que tinham em mente. Essa opção, infelizmente, tinha um problema insolúvel – suas iniciais, “TNA”. Como poderia o governo garantir a aprovação de um projeto de lei que provavelmente seria ridicularizado pela oposição como sendo abreviação de tits and ass (peitos e bunda)? Portanto, ficaram mesmo com a denominação “Autoridade de Promoção Comercial” para a lei que se fazia necessária ao governo 204 a insurreição do resto antes que seu ambicioso representante de Comércio pudesse negociar o conjunto de acordos vislumbrados por ele. Até a presidência de Bush, esses projetos de lei tinham sido apelidados de autoridade “de via rápida” (fast track authority). Zoellick queria desvencilhar-se dessa nomenclatura antiga, em parte por causa das dificuldades em aprovar projetos de lei “de via rápida” no segundo mandato de Clinton e, em parte, porque o mandato evocava imagens do povo americano sendo pressionado a aceitar acordos comerciais goela abaixo. Independentemente do nome, o objetivo desses projetos de lei era o mesmo – garantir aos negociadores norte-americanos o necessário apoio no Congresso para fechar acordos com parceiros comerciais. Dada a autoridade constitucional do Congresso em relação à política comercial dos EUA, os legisladores precisam fazer mais do que simplesmente autorizar o executivo a conduzir negociações; eles também têm de fornecer garantias de que não refutarão quaisquer acordos negociados pelo executivo e submetidos à aprovação no Capitólio. Na ausência dessas garantias, nenhum negociador comercial estrangeiro em sã consciência barganharia seriamente com seus congêneres norte-americanos por receio de que o pacto resultante corresse o risco de sofrer todo tipo de alteração por parte de membros do Congresso ávidos por proteger setores e interesses específicos. Assim, a Autoridade de Promoção Comercial, mais conhecida como “de via rápida”, garante que, por um período limitado (a maioria das versões do projeto de lei especificava cinco anos), os acordos comerciais obtidos pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos seriam analisados pelo Congresso de acordo com procedimentos legislativos especiais. Os legisladores se comprometem a realizar uma votação única, sem permissão para fazer alterações ao texto do acordo. O governo Bush enfrentou obstáculos desanimadores para obter a aprovação da Autoridade de Promoção Comercial, principalmente na Câmara. Apesar de os republicanos deterem maioria de doze votos na Câmara, todos os projetos de lei importantes, desde o NAFTA, tinham enfrentado a oposição de pelo menos cinquenta deputados republicanos. E os deputados democratas eram, em geral, ainda mais hostis em relação a pactos comerciais, conforme evidenciado pela recusa de muitos de suas bancadas em apoiar os projetos de lei “de via rápida” no final da década de 1990. Tudo isso refletia o desgaste do consenso 205 paul blustein bipartidário que tinha possibilitado a aprovação de acordos comerciais pelo Congresso nas décadas anteriores (a Rodada Tóquio, por exemplo, foi aprovada na Câmara por 395 a 7 e no Senado por 90 a 4. Mesmo a Rodada Uruguai obteve aprovação com uma margem confortável de 288 a 146 na Câmara e de 76 a 24 no Senado). A vontade dos legisladores de votar a favor de acordos comerciais vinha se reduzindo de maneira constante, graças às demissões de trabalhadores, ao encolhimento das empresas e ao crescente déficit comercial dos EUA, que subira a níveis recordes após a crise financeira asiática de 1997-1998, quando a desvalorização cambial reduziu o custo de mercadorias da Coreia do Sul, Indonésia e outros países que sofriam com esse problema. Os parlamentares contrários ao livre comércio em ambos os partidos estavam indiferentes diante da insistência de economistas de renome no sentido de que a maior parte do desemprego era atribuível ao avanço tecnológico e a outros fatores alheios ao comércio, que a maior abertura para produtos estrangeiros ainda beneficiava a economia norte-americana, e que o déficit comercial decorria, em grande parte, do baixo índice de poupança dos EUA, e não de suas reduzidas barreiras às importações. Mesmo entre os legisladores que não eram instintivamente contrários ao livre comércio, muitos tendiam a votar favoravelmente sob a condição de que os termos atendessem aos interesses mais poderosos de seus respectivos partidos. Os Democratas, portanto, exigiam que o projeto de lei da Autoridade de Promoção do Comercial orientasse os negociadores norte-americanos a incluir padrões trabalhistas e ambientais em negociações comerciais, padrões que seriam rígidos e cuja observância pudesse ser garantida com o uso de sanções. Os republicanos defensores do livre comércio eram terminantemente contrários a isso, alegando que as propostas democratas poderiam levar ao protecionismo e que responsabilizar os Estados Unidos por esses padrões trabalhistas e ambientais poderia forçar Washington a tornar suas próprias leis mais pró-sindicatos e pró-meio ambiente (e, portanto, afirmavam eles, mais desfavoráveis às empresas). Do ponto de vista de Zoellick – que estava ansioso para conseguir aprovar o projeto de lei de modo a dar prosseguimento à sua agenda de negociações –, o dilema era sério: embora a inclusão de dispositivos trabalhistas e ambientais mais fortes pudesse levar 206 a insurreição do resto alguns democratas da Câmara a votar favoravelmente, um número igual de legisladores republicanos poderia, pelos mesmos motivos, ser empurrado para a oposição. Houve gritos e lamúrias na Câmara quando, numa votação que causou suspense até o último minuto, em 6 de dezembro de 2001, a Autoridade de Promoção Comercial recebeu seu primeiro grande impulso. O projeto de lei continha dispositivos trabalhistas e ambientais, ainda que não suficientemente rígidos para satisfazer a maioria dos democratas. Quando o prazo normal de votação de quinze minutos expirou, os oponentes superaram os defensores por vários votos. Então, os líderes republicanos mantiveram a votação aberta por mais vinte minutos para persuadir alguns de seus companheiros de partido a mudar de lado. Enquanto os democratas torciam para que o martelo fosse batido, os líderes republicanos conseguiram, por fim, o voto necessário do último indeciso, Jim DeMint, da Carolina do Sul, prometendo-lhe conceder, em troca, um benefício para as indústrias têxteis de sua região. Para isso, seria necessário burlar algumas regras importantes de um acordo comercial que o governo Clinton assinara com países caribenhos pobres. O placar final foi de 215 a 214, com apenas 21 democratas a favor. Ao defender o “toma-lá-dá-cá” parlamentar, Zoellick teria afirmado que isso foi “necessário para alcançar um objetivo mais elevado”. Esse foi o tipo de barganha faustiana que o governo também teve de fazer nos casos mencionados anteriormente das tarifas do aço e do projeto de lei agrícola, porque a Autoridade de Promoção Comercial continuou a enfrentar dificuldades no Capitólio nos meses seguintes. Durante esse período, os legisladores usaram sua influência com habilidade para extrair mais concessões da Casa Branca, sabendo que o governo não poderia dar-se ao luxo de sofrer deserções em sua tênue maioria na Câmara. O Senado só aprovou sua versão do projeto de lei em maio de 2002 e a versão reconciliada dos projetos de lei das duas Casas foi finalmente aprovada na Câmara às 3h30 da manhã de 27 de julho, por 215 a 212. Apesar de ter pagado um preço, pelo menos agora Zoellick dispunha da autoridade para fazer acordos comerciais. Autoridade esta que seus predecessores não tinham exercido desde 1994. Ele não perderia tempo em usá-la com característico entusiasmo. 207 paul blustein [*] Os ministros de Comércio e outras autoridades de alto escalão de 25 países estavam boquiabertos. A virulência com que Bob Zoellick se dirigia à ministra de Relações Exteriores japonesa, Yoriko Kawaguchi, e a dois de seus colegas de gabinete era muito mais contundente do que a maioria deles já ouvira em uma reunião internacional de alto nível. De acordo com anotações do encontro, Zoellick concluiu uma crítica da posição japonesa com o seguinte discurso bombástico: “Façam o favor de começar a assumir responsabilidades. Voltem para casa e pensem nisso! Ou então desistam de comparecer a essas reuniões. Vocês só servem para atrapalhar!”. O desabafo ocorreu numa reunião ministerial de formato restrito (chamada miniministerial) em Montreal no final de julho de 2003, convocada antes da reunião da OMC a ser realizada em Cancún. As reuniões miniministeriais foram realizadas em diversos lugares a cada dois meses antes de Cancún, com participantes vindos de cerca de 24 países, incluindo as nações mais poderosas da OMC, mas também uns poucos representantes de nações mais pobres e menores, em um esquema do tipo sala verde. A ideia era que os ministros se conhecessem, se inteirassem um pouco mais das posições de seus parceiros e começassem negociações preliminares sobre as grandes questões com as quais se defrontariam na reunião ministerial, na esperança de reduzir suficientemente as diferenças para viabilizar o consenso. Como o desabafo de Zoellick bem mostrou, esse processo de “conhecer-se melhor” poderia gerar surpresas desagradáveis. Por mais descortês que tenha sido, sua ira era compreensível. Entre os países que mais haviam se beneficiado do sistema multilateral de comércio, o Japão com certeza estava no topo, devido ao papel importantíssimo que as exportações desempenharam no seu milagre econômico no pós-guerra. Porém, Tóquio parecia irremediavelmente incapaz de contribuir para o sucesso das negociações comerciais demonstrando flexibilidade em questões importantes, principalmente na agricultura, em razão da forte influência política que os agricultores japoneses exerciam sobre Partido Liberal Democrata, detentor do governo. Nas miniministeriais, os representantes japoneses limitavam-se a ler pontos de conversação redigidos pelos poderosos burocratas de seus ministérios, cheios de sentimentos elevados sobre a necessidade do progresso, mas destituídos de concessões significativas que ajudassem 208 a insurreição do resto a fazer avançar as negociações. Zoellick reclamava a sós com seus assessores que, sempre que as reuniões chegavam ao ponto de produzir algum avanço importante, uma intervenção pomposa de um ministro japonês colocava tudo a perder. A postura do Japão era só um sintoma de um problema muito mais profundo que os ministros de Montreal enfrentavam: faltando apenas seis semanas para a reunião em Cancún, a Rodada Doha não estava chegando a lugar algum, principalmente em sua questão maior, a agricultura. Mesmo Stuart Harbinson, cujo texto fizera maravilhas na reunião em Doha, parecia ter perdido seu encanto. Ele enfrentou uma barreira de hostilidades em relação à minuta do texto sobre comércio agrícola que apresentara no início de 2003 para servir como esboço de um acordo sobre modalidades até o prazo de 31 de março. Com a chegada do meio do ano, os negociadores começaram a duvidar, cada vez mais, de que houvesse condições para concordar sobre modalidades até a reunião de Cancún, programada para começar em 9 de setembro. Era esse o estado de coisas em Montreal, quando uma decisão fatídica teria de ser tomada. As maiores discordâncias de Zoellick no que dizia respeito à agricultura não envolviam os japoneses, mas o seu cher ami, Lamy. Não havia nada de novo em relação a esse cisma no sistema internacional de comércio. Os Estados Unidos quase sempre haviam ficado na “ofensiva” no comércio agrícola, pressionando por barreiras mais baixas (exceto em alguns setores que lhes eram caros, como o açúcar), enquanto que a União Europeia ficava quase invariavelmente na “defensiva”. Mas, como Zoellick e Lamy sempre enfatizavam, a chance de se chegar a um acordo mais amplo entre todos os membros da OMC seria nula, a menos que as duas superpotências do comércio mundial chegassem a algum tipo de conciliação. Apesar de um entendimento entre EUA e União Europeia não ser suficiente para garantir um pacto mais amplo na OMC, ele era necessário. Lamy chegou a Montreal com poder de barganha fortalecido. Várias semanas antes, os quinze ministros da Agricultura da União Europeia tinham aceitado uma grande reforma da Política Agrícola Comum (PAC). Era uma transformação, há muito adiada, de um programa conhecido por induzir os agricultores europeus à superprodução desenfreada, resultando em excedentes denominados pelos críticos 209 paul blustein como “montanhas de manteiga” e “lagos de vinho”. Reconhecendo que o escoamento desses excedentes nos mercados mundiais corria o risco de se tornar ilegal em consequência das negociações de Doha, o comissário de Agricultura da União Europeia, Franz Fischler, pressionou com êxito pela modificação do programa, de maneira que o apoio governamental à agricultura fosse “desvinculado” da produção. Em vez de premiar os agricultores por cada tonelada de grãos produzida ou cabeça de gado criada, propiciando-lhes assim um incentivo para a superprodução, o novo sistema criaria garantias básicas para suas receitas, sob a forma de incentivos fixos proporcionais à extensão da terra. Em troca, os agricultores teriam de administrar suas terras de forma responsável e zelar pela segurança dos alimentos e pelo bem-estar animal. Os formuladores de políticas europeus estavam tão orgulhosos da reforma da PAC que a alardearam como sendo sua contribuição para as negociações agrícolas na Rodada Doha. Quando o acordo foi anunciado, Fischler o definiu com as seguintes palavras: “Fizemos o nosso dever de casa. Agora é a vez dos outros fazerem o seu”. Porém, por mais importante que a reforma da PAC tenha sido, outros membros da OMC não consideravam que a União Europeia tivesse avançado o suficiente na liberalização de seus mercados agrícolas. Sob certos aspectos, a reforma apresentava uma série de brechas, por insistência francesa. Além disso, apesar de a União Europeia mudar a forma como despenderia seu orçamento agrícola, não mudaria seu montante, que totalizava 43 bilhões de euros (cerca de US$ 50 bilhões em 2003). Mais importante ainda era o fato de que Bruxelas mantivera inalteradas suas elevadas tarifas sobre importações de produtos agrícolas. Nesse particular, as discordâncias com Washington eram mais severas. Os Estados Unidos pressionavam os membros da OMC a fazerem cortes mais profundos nas tarifas agrícolas, com base em uma fórmula muito progressiva segundo a qual as maiores tarifas seriam cortadas muito mais do que as que já eram baixas. A União Europeia, fortemente apoiada pelo Japão, insistia que as tarifas sofressem um corte médio de 36% – uma fórmula simples e clara, mas que (conforme observado no Capítulo 3) produzira poucas mudanças no acesso a mercados quando fora usada na Rodada Uruguai, porque permitira que os países deixassem intocadas suas tarifas sobre alguns produtos importantes. 210 a insurreição do resto A discussão em Montreal começou de forma cáustica com Alec Erwin, o experiente ministro do Comércio sul-africano, indagando sobre a União Europeia e o Japão parecerem estar fincando pé em suas posições: “O que ganhamos com mais negociações?”. A abordagem da União Europeia e do Japão implicava “nenhuma abertura” em produtos agrícolas, disse ele. Portanto, nas questões em que Bruxelas e Tóquio se interessavam, perguntava ele: “De que adianta os países em desenvolvimento fazerem concessões?”. Depois de muitas idas e vindas, Luis Ernesto Derbez, o ministro das Relações Exteriores mexicano, lançou um apelo para chegarem a um meio termo. “Vamos enfrentar a realidade”, disse ele. Embora a posição da União Europeia e do Japão fosse radicalmente negativa, a proposta dos EUA de cortes radicais de tarifas também era irreal, pois uma abordagem desse tipo era politicamente intragável para Bruxelas, Tóquio e outras capitais. “Qual é o meio termo?”, perguntou ele. “É nisso que deveríamos nos concentrar”. Um momento crítico ocorreu quando Lamy pôs uma ideia em discussão. “Há um desafio claro para os EUA e para nós mesmos de fazer avançar o processo”, disse ele. “Sugiro que a União Europeia e os EUA tentem produzir um texto” que contenha propostas amplas sobre as questões agrícolas mais importantes, inclusive uma mistura das propostas tarifárias dos dois lados. Então ficou decidido: os americanos e os europeus tentariam fechar um acordo sobre agricultura e sua proposta serviria de base para a negociação em Cancún. Apesar de lançado como um exercício de liderança, este era um plano arriscado, porque cheirava aos velhos e maus tempos do GATT, quando Washington e Bruxelas decidiam acordos entre si e depois os apresentavam para o resto do mundo como um fato consumado. Lamy prometeu evitar um comportamento autoritário desta vez e a sugestão foi bem acolhida pelos outros. Zoellick disse que se sentia “confortável com a ideia de Pascal” embora “as diferenças entre eles ainda sejam muito nítidas”. Carlos Pérez del Castillo, o uruguaio que presidia o Conselho Geral, disse que esperava receber o texto Estados Unidos-União Europeia até 11 de agosto. “Ninguém deseja uma Seattle – Parte 2”, disse ele. Examinar em retrospecto os detalhes da reunião de Montreal constitui um exercício esclarecedor porque o acordo agrícola entre EUA e União Europeia de 2003 acabaria sendo visto como um dos equívocos mais 211 paul blustein colossais das negociações da Rodada Doha. Ao justificar sua decisão de redigir um texto em conjunto, os negociadores americanos e europeus mais tarde sustentariam que os outros países tinham praticamente implorado para que eles o fizessem. Porém, como bem demonstrado pelas anotações da reunião de Montreal, foi Lamy que apresentou a proposta. Ele e Zoellick merecem muito da culpa pelos eventos que ocorreriam em seguida. [*] O barulho das descargas de vaso sanitário era perfeitamente audível durante uma teleconferência internacional entre os principais negociadores dos EUA e da União Europeia, ocorrida no início de agosto de 2003. Pode-se dizer, em retrospecto, que esse som constituía um acompanhamento musical bem adequado. A teleconferência estava programada para durar noventa minutos, mas acabou durando dez horas, tempo necessário para finalizar os detalhes do texto conjunto sobre agricultura que os americanos e europeus tinham prometido apresentar ao resto dos membros da OMC. A chamada levou tanto tempo que o telefone celular de um dos negociadores europeus esquentou a ponto de ele não aguentar mais segurá-lo e ter de colocá-lo em cima da mesa com o viva-voz acionado. Muitos dos principais participantes, em viagem de férias de verão, estavam ligando de suas casas de veraneio ou de outros pontos turísticos em locais diversos, inclusive do sul da França e do interior da Itália. É por isso que as descargas eram ouvidas ao fundo. Quando os participantes tinham de ir ao banheiro, deixavam os aparelhos ligados com medo de perderem o lugar na conferência (a identidade de quem estava dando descarga permanecia um mistério para os demais). Outros ruídos na linha distraíam as pessoas, como o latido do cão de um dos europeus. O resultado desse telefonema, um documento de três páginas acordado pelos dois lados, foi divulgado no dia 13 de agosto em uma apresentação no Centro William Rappard por Peter Carl, responsável pela Direção Geral de Comércio da União Europeia, e Allen Johnson, o negociador-chefe norte-americano na área de agricultura. Eles enfatizaram que suas propostas eram só isso – propostas – que ainda 212 a insurreição do resto teriam de ser negociadas com outros membros da OMC. Mas o texto foi chocante, no sentido negativo da palavra. Ao analisarem as três páginas, os negociadores de países em desenvolvimento chegaram a uma conclusão unânime: o que lhes estava sendo solicitado era a redução de suas barreiras comerciais ao mesmo tempo em que os Estados Unidos e a União Europeia tencionavam manter grande parte de seus subsídios. Isso significava que os agricultores pobres ficariam expostos mais do nunca à concorrência de importações subsidiadas. Em vez de oferecerem um texto que pudesse ser usado como base para a negociação em Cancún entre todos os membros da OMC, Washington e Bruxelas estavam sobretudo demonstrando preocupação com as suscetibilidades de seus próprios lobbies agrícolas. De fato, alguns elementos-chave do texto faziamno parecer uma negociação perversa, na qual as grandes potências concediam uma à outra permissão para realizar práticas que todos os demais consideravam ofensivas. Para a União Europeia, a vantagem especial no documento era que os subsídios para exportação sobreviveriam, pelo menos em parte. Livrar o mundo totalmente desse tipo de subsídios era um objetivo de longo prazo de ambos os países, dado o efeito altamente distorcivo dos US$ 4 bilhões que os agricultores europeus recebiam para cultivar produtos destinados à venda em mercados estrangeiros. A Declaração de Doha tinha deixado implícito que os subsídios à exportação seriam eliminados, exigindo “reduções com vistas à eliminação gradativa [dos subsídios]”. Mas o documento dos Estados Unidos e da União Europeia afirmava que os subsídios à exportação seriam zerados somente para determinados “produtos de interesse particular de países em desenvolvimento”, não especificados (as próprias reformas agrícolas da União Europeia restringiriam subsídios à exportação de alguma forma, ainda que não totalmente). Ao mesmo tempo, os lobbies agrícolas americanos ganharam sua própria mordomia: um dispositivo no texto que evitaria cortes profundos em um dos principais programas de subsídios da recém-aprovada lei agrícola. Esse era um esquema que os críticos dos subsídios agrícolas denunciaram como “mudança de caixas” e eles ficavam ainda mais exasperados diante da dificuldade em explicá-lo. Isso requeria alguns esclarecimentos sobre o mundo caleidoscópico das “caixas” da OMC. 213 paul blustein Amarela, verde e azul – essas eram as cores das caixas em questão, que a OMC usa como método de classificação para avaliar sistemas de subsídios com base em seu impacto sobre o comércio. Os pagamentos da “caixa amarela” são os piores, pois premiam os agricultores que produzirem mais, estimulando a superprodução. Os pagamentos da “caixa verde” são os mais benignos, pois recompensam os agricultores por, digamos, protegerem o meio ambiente, sem vínculo com o volume de produção. Os pagamentos da “caixa azul” são intermediários. Na condição de país que provê largos subsídios, os Estados Unidos queriam contabilizar o mínimo possível de seus pagamentos agrícolas na caixa amarela, porque estes subsídios seriam mais vulneráveis a cortes mais drásticos na Rodada Doha. Com base no texto dos Estados Unidos e União Europeia, Washington poderia contabilizar seu novo programa de pagamentos contracíclicos na caixa azul, em vez da caixa amarela. Negociadores dos EUA insistiam que o programa merecia inclusão na caixa azul, embora funcionários de outros países discordassem fortemente, argumentando que o programa tinha um efeito sobre os mercados agrícolas mundiais tão ruim quanto a maioria dos outros subsídios. Tão logo o texto dos Estados Unidos e da União Europeia foi apresentado, iniciou-se um levante entre os países em desenvolvimento no Centro William Rappard. Luiz Felipe de Seixas Corrêa, embaixador do Brasil na OMC, abordou seu colega indiano, K. M. Chandrasekhar, para apresentar uma ideia audaciosa. Propôs formar uma aliança de países em desenvolvimento que se uniriam em oposição ao tratamento proposto pelos americanos e europeus para o tema agrícola. Apesar de serem amigos, o embaixador indiano fitou o brasileiro com um ar interrogativo – uma reação natural, dada a vasta disparidade entre os setores agrícolas de seus dois países. As propriedades agrícolas indianas têm em média 1,4 hectares e normalmente baseiam-se em métodos primitivos de cultivo, intensivos em mão de obra. Não poderiam ser mais diferentes dos campos de soja, milho, algodão e das pastagens de criação de gado que se estendem a perder de vista no cerrado brasileiro, uma faixa de terra com milhares de quilômetros de extensão no interior do país, onde uma produção altamente mecanizada é a regra. Por volta de 2003, o Brasil, que já era o maior exportador mundial de açúcar, café 214 a insurreição do resto e suco de laranja também estava ultrapassando os Estados Unidos como o maior exportador de soja. “O embaixador indiano disse: ‘Os interesses do Brasil estão na ofensiva. Os da Índia são defensivos. Como podemos trabalhar juntos?’”, lembra Rajesh Aggarwal, conselheiro da missão indiana. “E a resposta foi: ‘Não se preocupe. Vamos descobrir uma maneira e vamos todos lutar juntos’”. Até esse momento, os indianos tinham, de modo geral, colaborado com a União Europeia em relação à agricultura porque ambos os governos estavam ansiosos para manter a proteção a seus agricultores. Contudo, o texto dos Estados Unidos e da União Europeia convenceu os indianos de que precisavam de novos aliados e Chandrasekhar rapidamente obteve a permissão de Nova Délhi para somar forças com os brasileiros. Em poucos dias, os dois embaixadores arregimentaram outros colegas – da Argentina, da África do Sul, da Tailândia, da China e de uma dezena de outros países – que, após obterem o aval de suas capitais, concordaram em aderir ao novo grupo. Assim, surgiu um novo fenômeno que, a partir de então, alteraria o equilíbrio de forças na OMC. A aliança se autodenominou G-20*, ainda que seu número flutuasse acima e abaixo desse limite à medida que os países entravam e saíam do Grupo. Sua criação suscitou apreensão e menosprezo entre os funcionários dos países ricos, que não faziam ideia do que eles tinham desencadeado, em parte porque não conseguiam perceber o que os membros do G-20 tinham em comum além do desejo de se reunirem em uma frente unida contra os poderosos do mundo. Segundo a opinião dos formuladores de políticas comerciais dos EUA e da União Europeia, os líderes do G-20 estavam quase que deliberadamente tendo uma reação exagerada ao texto dos Estados Unidos e da União Europeia sobre agricultura. No final das contas, o texto tinha cumprido uma promessa de Zoellick e Lamy de propor uma harmonização de suas respectivas fórmulas de corte de tarifas agrícolas. Com relação a subsídios, embora o texto sequer tivesse chegado perto da redução almejada pelos países em desenvolvimento, a intenção era a de que servisse como base de negociação, deixando claramente aberta Este G-20 não deve ser confundido com o grupo de mesmo nome, composto por países ricos e mercados emergentes, que se destacou no final de 2008 em meio à crise financeira. * 215 paul blustein a possibilidade de que grandes barganhas entre os membros da OMC pudessem levar a um resultado melhor. Se os países em desenvolvimento tivessem estudado o texto com a mente aberta, argumentavam os negociadores norte-americanos, teriam percebido que a ideia era sinalizar algum avanço em direção às modificações desejadas, deixando claro que eventuais resultados conclusivos só poderiam ser alcançados por meio de negociações plenamente multilaterais. Por exemplo, disse Allen Johnson, “pensamos que as pessoas haviam entendido que realmente temos que eliminar os subsídios às exportações”, embora o texto não mencione isso. “Tanto quanto qualquer outro país-membro, achamos que isso é essencial”. Porém, os americanos e europeus não conseguiram desfazer o dano que haviam causado, reforçando a impressão de que sua prioridade principal era apaziguar seus agricultores. À medida que a reunião de Cancún foi se aproximando, o G-20 continuou a ganhar impulso e novos membros, reforçando previsões de um choque titânico entre nações ricas e pobres. Alguns sinais de esperança surgiram antes de Cancún. Em 28 de agosto de 2003, uma grande fonte de divergência e tensão se dissipou quando os embaixadores da OMC em Genebra anunciaram um acordo divisor de águas sobre acesso a medicamentos com base nas regras do Acordo sobre TRIPS. A negociação resolveu uma questão que fora postergada na reunião de Doha e que dizia respeito às condições sob as quais os países com indústrias de medicamentos genéricos poderiam exportar esses remédios para nações pobres. A batalha sobre essa questão ameaçava afundar a reunião ministerial, tendo os Estados Unidos se posicionado contra todos os demais membros da OMC. Os negociadores dos EUA avaliavam que o compromisso geraria enorme boa vontade, evitando, assim, que Cancún se tornasse uma nova Seattle. A reunião tinha outros pontos a seu favor, inclusive um bom esquema de segurança para proteger as delegações dos milhares de manifestantes que planejavam comparecer ao evento. O centro de convenções onde a OMC faria sua reunião situava-se num longo terreno arenoso e uma cerca com 2,5 metros de altura seria construída ao seu redor. Além disso, os objetivos da reunião tinham sido bem definidos durante o verão. Supachai Panitchpakdi que, no ano anterior, sucedera Mike Morre no cargo de diretor-geral, havia deixado de lado negociações que visassem a um acordo sobre modalidades. Em vez disso, expressava esperanças de 216 a insurreição do resto dar novos passos que poderiam dar um sopro de vida à rodada – metas modestas que tinham maiores possibilidades de reunir consenso. Todavia, aos poucos começava a surgir outro problema que pegaria os negociadores norte-americanos de surpresa. [*] Nicholas Imboden é um defensor improvável dos agricultores africanos pobres. Ele é o ex-negociador-chefe de comércio para a Suíça, um dos países mais protecionistas do mundo em matéria agrícola. Porém, no início de 2003, Imboden, então diretor de uma ONG sediada em Genebra, foi a uma reunião com representantes governamentais de países da África Ocidental com a missão de ajudá-los a traçar uma estratégia para a Rodada Doha. Imboden fora enviado por vários governos europeus, inclusive os da Suíça e França. Ele sugeriu que, dado o seu limitado peso político, os africanos deveriam evitar a tentação de produzir impacto em todas as questões. Ao invés disso, deveriam escolher um produto agrícola a respeito do qual tivessem uma queixa real, e fazer um tumulto a respeito. “O que acham do algodão?”, lembra-se ele de perguntar. Era uma boa pergunta. Os preços do algodão tinham caído 50% desde meados da década de 1990, situando-se em 42 centavos por libra. Essa queda criou um problema devastador para a África Ocidental, onde o algodão é um produto agrícola importante, responsável por dois terços da receita de exportação de Burkina Faso e cerca de metade da do Benin. O programa agrícola norte-americano do algodão obviamente levava muita culpa nisso. Apesar da queda brusca de preços e do custo mais alto de produção nos Estados Unidos, os produtores de algodão americanos continuavam a produzir quantidades crescentes das macias bolinhas brancas – cerca de 40% a mais em 2001 do que em 1998. A maior parte dessa produção era exportada. Aparentemente, essa tendência continuaria, pois o algodão tinha conseguido uma barganha particularmente generosa no projeto de lei agrícola de 2002 nos EUA, garantindo uma quantia de subsídios por hectare superior até mesmo aos montantes previstos para o milho, ou a soja. O caso dos 10 milhões de africanos que dependiam do algodão ganhou carga emocional com a publicação, em 2002, de um relatório 217 paul blustein da ONG britânica Oxfam intitulado “Cultivando a Pobreza”. “Os preços do algodão estão baixos demais para manter nossas crianças na escola ou para comprar comida e remédios”, disse um pequeno produtor de algodão de Burkina Faso citado no relatório. “Outra safra como essa vai destruir a nossa comunidade”. O relatório observava que Burkina Faso é um dos produtores de algodão de mais baixo custo do mundo, com o plantio, a semeadura e a colheita feitos manualmente. A despeito disso, seus produtores consideravam quase impossível concorrer com os 25.000 produtores americanos de algodão subsidiado. Igualmente contundente foi o artigo publicado no Wall Street Journal em 2002 contrastando a vida de Mody Sangare, um agricultor do Mali que prepara a terra de seu campo de algodão com um arado de uma lâmina puxado a boi, com a de Kenneth Hood, um dos quatro irmãos que administra uma plantação de algodão de mais de 40km2 no delta do Mississipi e proprietário de uma colheitadeira de US$ 125.000 com ar-condicionado. Na qualidade de presidente do Conselho Nacional do Algodão, Hood tinha sido a primeira pessoa a apertar a mão do presidente Bush após a assinatura da lei agrícola de 2002 em uma cerimônia na Casa Branca. Em defesa do programa de subsídios – que, em 2001, desembolsou a quantia de US$ 750.000 a título de auxílio às atividades agrícolas operadas por sua família –, ele declarou o seguinte ao Journal: “Talvez os agricultores na África é que não devessem produzir algodão. O delta do Mississipi precisa de produtores de algodão e eles não conseguem existir sem subsídios”. Até a reunião com Imboden, no início de 2003, com os embaixadores da África Ocidental, o tema do algodão tinha passado praticamente despercebido nas negociações de Doha. As propostas formais circuladas pelas nações da África Ocidental na fase inicial das negociações mencionavam o assunto apenas por alto. Imboden incitou-os a formar uma coalizão com vistas a obter concessões de países ricos para o algodão, destacando-as como seu principal “ganho” na rodada. Os africanos estavam nervosos. “A decisão não foi fácil”, lembra-se Samuel Amehou, embaixador do Benin na OMC. “A preocupação que algumas pessoas tinham era: ‘Os americanos e europeus poderão ficar zangados e encerrar a concessão de cooperação [ajuda] a nós.’ Então, era muito importante convencer essas pessoas do contrário, ou seja, de que a OMC é um lugar onde todo mundo pode defender seus interesses econômicos”. 218 a insurreição do resto Os africanos finalmente saíram a campo em abril de 2003. Os quatro países com maior dependência do algodão – Benin, Burkina Faso, Mali e Chade – apresentaram uma proposta na Rodada Doha sugerindo que os membros da OMC acordassem a eliminação gradativa dos subsídios ao algodão ao longo de um prazo de três anos. Além disso, propunham que lhes fosse concedida uma indenização de US$ 250 milhões ao ano pelo impacto de subsídios concedidos no passado sobre suas receitas de exportações. Em junho, Imboden esquentou o debate ao organizar um evento incomum – um discurso de Blaise Compaoré, presidente de Burkina Faso, ao Conselho Geral. Alguns residentes de Genebra não podiam deixar de perceber que a comitiva que acompanhava o presidente desse país pobre viajava com muito luxo, ostentando roupas de costureiros famosos e joias caras. Porém, o discurso atraiu alguma atenção da mídia, dando aos africanos a confiança de que, se tivessem uma mensagem importante a transmitir, suas vozes seriam ouvidas. Compaoré declarou: Nossos países não estão pedindo caridade, nem tratamento preferencial ou ajuda adicional. Solicitamos apenas que, em conformidade com os princípios básicos da OMC, a regra do livre mercado seja aplicada. Nossos produtores estão prontos para enfrentar a concorrência no mercado mundial de algodão, desde que ele não seja distorcido por subsídios. Era muito injusto atribuir todos os problemas que pesavam sobre os ombros dos produtores de algodão da África Ocidental a subsídios. Especialistas em desenvolvimento há muito já tinham identificado outras razões para a pobreza que afligia os produtores de algodão do país de Compaoré e de seus vizinhos, inclusive monopólios públicos e privados, tabelamento de preços e o comportamento inescrupuloso de atravessadores. Mas não havia como negar a hipocrisia descarada de países ricos, em especial dos Estados Unidos, ao alardear a retórica do livre mercado e, ao mesmo tempo, defender subsídios. Nesse caso específico, tais subsídios eram destinados, sobretudo, a produtores de algodão do Sul dos EUA, em sua maioria brancos, o que suscitava lembranças desagradáveis sobre a maneira com que os africanos haviam sido tratados nos EUA. 219 paul blustein O crescente rancor africano em relação ao algodão somava-se à militância do G-20 em relação ao tema agrícola de modo geral. O palco estava montado para um grande confronto Norte-Sul em Cancún. [*] Bob Zoellick não queria reunir-se com o G-20. Na verdade, recusou logo de início. Estava convencido de que se tratava de uma aliança artificial que não duraria muito, dados os interesses conflitantes de seus líderes – principalmente Brasil e Índia – e não queria elevar o status do Grupo concedendo-lhe uma reunião especial. Via o G-20 como uma encarnação moderna do G-77, a aliança contra o livre mercado formada entre os países em desenvolvimento décadas atrás. Zoellick e seus assistentes estavam usando todas as formas de pressão para evitar que os países se unissem. As pressões mais comuns envolviam alertas de que o ingresso no G-20 eliminaria qualquer chance de o país celebrar um acordo de livre comércio com os EUA. Todavia, quando a reunião ministerial da OMC em Cancún foi aberta, em 9 de setembro de 2003, Zoellick se viu diante de um ponto de vista diferente de um homem que não poderia ignorar – George Yeo, o ministro do Comércio de Cingapura. Yeo foi designado para dirigir as negociações sobre agricultura em Cancún, tal como fizera nas duas reuniões ministeriais anteriores. Ao chegar a Cancún, ficou espantado com a força que esse novo aglomerado de países em desenvolvimento estava projetando. Há um novo triângulo de poder na OMC, concluiu Yeo – os Estados Unidos, a União Europeia e o G-20. Ele disse a Zoellick que não seria possível coordenar uma negociação sobre agricultura sem que o próprio Zoellick interagisse com esse grupo. A contragosto, o representante de Comércio dos Estados Unidos concordou. No segundo dia da reunião ministerial, um Zoellick radiante entrou no anfiteatro no centro de convenções de Cancún lotado de representantes governamentais do G-20 vindos da América Latina, da Ásia e da África. Parecia uma cena de protesto dos anos 60, lembram os participantes. Os negociadores dos países em desenvolvimento estavam acomodados sobre mesas e sentados no chão e em qualquer outro lugar que pudessem achar vazio. Eles tinham acabado de ser descobertos pela mídia do mundo inteiro, espantada com sua representatividade e sentido de unidade. 220 a insurreição do resto Agora, com as câmeras de TV e os microfones deixados para trás, preparavam-se para o confronto particular com o Homem, o chefão da instituição, o representante da classe governante. Zoellick se sentou, com uma garrafa d’água sobre a mesa à sua frente, e abriu a reunião, como sempre faz, com a pergunta: “O que vocês têm em mente?”. Os líderes do G-20 – tendo Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores brasileiro, e Arun Jaitley, o ministro do Comércio indiano, como porta-vozes principais – apresentaram as condições que, segundo eles, eram necessárias para o sucesso da Rodada Doha. De modo geral, pediam reduções mais drásticas nos subsídios agrícolas do que os Estados Unidos e a União Europeia estavam dispostos a aceitar. Especificamente, insistiam em cortes muito ambiciosos em subsídios de caixa amarela, aqueles com maior impacto sobre o comércio, por estimularem os agricultores a superproduzir. Em relação aos subsídios da caixa verde – considerados como os mais brandos, a exemplo dos pagamentos pela conservação do meio ambiente –, queriam tetos para os valores que cada país poderia gastar, e ainda critérios mais estritos para a determinação dos tipos de subsídios que seriam elegíveis. Defendiam a eliminação da caixa azul, bloqueando, assim, o plano dos EUA de categorizar seu programa de pagamentos contracíclicos de forma a protegê-lo de cortes radicais. Queriam, ainda, um prazo definido para a eliminação dos subsídios agrícolas. Zoellick, que vinha tomando nota e dando goles ocasionais na sua garrafa d’água ao escutar as apresentações, esperou até que eles parassem de falar. Depois, convidou-os a continuar. “Terminamos”, disse Amorim. Mas Zoellick, com uma cortesia exagerada beirando o sarcasmo, os incitou a continuar a falar. Um silêncio constrangedor se seguiu. “Vocês acabam de desfiar uma longa lista das coisas que querem”, disse Zoellick. “Mas isso é uma negociação. Vocês não me disseram o que estão dispostos a dar. Estou esperando por essa parte da apresentação”. Seguiu-se um período de silêncio e Zoellick disse acreditar que a discussão estava terminada. Levantou-se e foi embora. Este era Zoellick em sua faceta mais confiante, ou arrogante, dependendo do ponto de vista. Participantes do G-20 admitiram timidamente, ao relembrar o episódio, que estavam despreparados para 221 paul blustein o desafio que ele havia lançado. Mas era um desafio que eles teriam de aceitar, se quisessem ser mais do que um agrupamento efêmero de obstrucionistas. Eram, em sua maioria, países de renda média, em processo de rápido avanço econômico, ansiosos por desempenhar papéis cada vez mais expressivos no palco mundial. As palavras de Zoellick constituíam um lembrete desconfortável das demandas feitas a esses países no sentido de oferecerem contribuições compatíveis com sua crescente importância no sistema internacional. Estavam resolutamente determinados a ficarem unidos, usando sua solidariedade para aumentar o impacto no âmbito comercial. As perguntas eram: por quanto tempo permaneceriam uma força coesiva? E como usariam seu poder? As respostas dependiam em grande parte de Amorim, um homem de cabelos grisalhos e barba cuidadosamente aparada, que no passado trabalhara como assistente de diretor de cinema e falava com orgulho de seus tempos de juventude como estudante esquerdista. Ser ministro das Relações Exteriores, e ser oriundo do Brasil, a força coesiva central do G-20, explicavam apenas parcialmente por que ele acabaria se tornando o líder natural do grupo. Sobressaíra-se nas fileiras do serviço diplomático de seu país, um dos mais rigorosos do mundo, com um conhecimento inegável sobre comércio. Provavelmente não havia ministro do Comércio na face da Terra que soubesse mais sobre os detalhes do funcionamento da OMC. Amante do cinema – um de seus filmes favoritos na juventude foi As vinhas da ira, sobre injustiça social e pobreza –, Amorim ingressara no Ministério das Relações Exteriores em meados da década de 1960, quando o Brasil acabava de sucumbir a um regime militar. Em 1979, conseguiu dar vazão a seu interesse por cinema assumindo o cargo de presidente da Embrafilme, a empresa cinematográfica estatal, que o pôs em apuros ao aprovar o financiamento para um filme sobre a tortura aos adversários do regime militar. Foi punido com a indicação para um posto diplomático menor na Europa, mas de lá começou uma longa marcha para o topo, incluindo dois períodos como representante do Brasil no sistema multilateral de comércio – a primeira, durante os anos do GATT, de 1991 e 1993, e, a segunda, na OMC, de 1999 a 2001. Essa experiência em Genebra o colocou em posição de destaque para o cargo de ministro das Relações Exteriores, posição que ocupara brevemente em meados da década de 1990, e que voltaria a ocupar a 222 a insurreição do resto partir de 2003, já que o ministério leva o tema do comércio muito a sério. É um dos poucos ministérios das Relações Exteriores onde o comércio é parte do portfólio (os dois predecessores de Amorim tinham servido, ambos, como embaixadores no GATT ou na OMC antes de se tornarem ministros). Apesar de toda sua experiência diplomática, Amorim tinha um temperamento volátil e, em reuniões, mostrava uma tendência perturbadora de demonstrar discordância com outros oradores jogando as mãos para cima, revirando os olhos e se virando para os colegas e sussurrando. Em suma, trata-se de um homem de personalidade forte com quem poucos se dispõem a começar uma briga. Ele e seu governo estavam, é claro, fazendo uma opção mais política do que puramente econômica ao alinhar-se com a Índia, sua parceira na liderança do G-20. Embora brasileiros e indianos compartilhassem um objetivo econômico – eliminar os subsídios nos países ricos – encontravam-se em polos opostos na questão da abertura de mercados agrícolas globais. Contudo, o Brasil tinha ambições mais ousadas do que a obtenção de oportunidades adicionais de exportações para seus agricultores. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo brasileiro passou a fazer uma aposta corajosa na liderança do mundo em desenvolvimento, uma meta com a qual Amorim, na qualidade de ministro das Relações Exteriores, tinha satisfação em colaborar. O país há muito vinha nutrindo ambições por um assento no Conselho de Segurança da ONU. Além disso, Lula, ex-líder sindical e chefe do Partido dos Trabalhadores, de tendência esquerdista, tinha outro motivo para elevar o perfil diplomático de Brasília. Desde sua posse, em 2002, fora obrigado a dar prosseguimento à política econômica ortodoxa de seu predecessor para afastar uma crise financeira. Isso significava que tinha de encontrar outros meios para satisfazer a base esquerdista de seu partido. Uma das maneiras de se fazer isso foi o Brasil chefiar uma coalizão que confrontaria os países mais ricos do mundo. O G-20, cujos membros representavam mais da metade da população mundial, era o veículo perfeito. Em Cancún, o G-20 era a estrela da festa e os repórteres se acotovelavam nas conferências de imprensa do Grupo para descobrir qual seria seu próximo ato de insurreição. Seus líderes não conseguiam disfarçar o entusiasmo que sentiam. “Este é um verdadeiro momento histórico”, exultou Alec Erwin da África do Sul, “em que conseguimos unificar as posições de diferentes economias”. 223 paul blustein Até mesmo para os países em desenvolvimento que não faziam parte do G-20, esse sentimento era contagiante no balneário mexicano. [*] À época da reunião de Cancún, fazia um ano que Supachai era diretor-geral e era evidente que o cargo estava além de sua capacidade. É certo que tivera uma formação muito mais sofisticada do que Mike Moore e tinha um temperamento muito mais fácil também. Enquanto Moore era meio “de lua”, o que enlouquecia os funcionários do Secretariado, Supachai estava sempre de bom humor. Estava sempre disposto a conversas amenas sobre xadrez, botânica ou vinhos, assuntos de que era profundo conhecedor, e, em suas muitas viagens ao exterior, fazia questão de passar o máximo de tempo possível em museus. Porém, faltavam a Supachai algumas qualidades indispensáveis ao exercício do cargo, tais como iniciativa e capacidade de mobilização. Normalmente um diretor-geral desempenha um papel crucial em uma conferência ministerial, dirigindo a discussão em reuniões do tipo sala verde e outras reuniões importantes. Porém, no caso de Cancún, o presidente da conferência, o chanceler Luis Ernesto Derbez, do México, se sentiu obrigado a assumir a maioria dessas responsabilidades ele mesmo. Uma das admiráveis qualidades de Supachai era ser capaz de sujeitar seu ego a causas maiores. Tinha um profundo senso de obrigação e assumia com boa vontade tarefas ingratas, do tipo que não necessariamente o faziam se destacar. Foi exatamente o que fez em Cancún, quando concordou em agir como facilitador na busca de uma solução para um tema que outros acreditavam ser insolúvel – o algodão. Em 10 de setembro, o primeiro dia da reunião ministerial, assumiu uma posição surpreendentemente forte sobre o assunto, afirmando em um discurso aos ministros que, apesar de não costumar intervir em debates, a proposta apresentada pelos quatro países africanos produtores de algodão (Benin, Mali, Burkina Faso e Chade) tinha “forte mérito moral e econômico”. Observou que os quatro “não estão pedindo um tratamento especial, mas uma solução baseada em um sistema multilateral de comércio justo”. No dia seguinte, anunciou que aceitara um pedido de Derbez para dirigir o pequeno grupo de trabalho que negociaria o tema do algodão. Ninguém quis assumir essa tarefa, mas Supachai a aceitou, 224 a insurreição do resto em parte porque alguém tinha que fazê-lo e, em parte, como suspeitavam alguns dos funcionários do Secretariado, porque se sentia lisonjeado por ter sido finalmente convidado para fazer algo de significativo. A equipe dos EUA em Cancún estava extremamente irritada por se ver acuada em relação ao algodão. Zoellick e seus assistentes estavam cientes de que um dos principais instigadores dos Cotton Four era um europeu (Nicholas Imboden). Assim, aos olhos de Washington, o furor em relação ao algodão afigurava-se como uma tentativa de fazer os Estados Unidos parecerem o bandido na questão da agricultura, desviando a atenção dos inúmeros pecados da política agrícola europeia. As demandas dos países africanos, pensavam os americanos, eram ridículas. A indenização que os Cotton Four queriam para remediar os problemas causados por subsídios concedidos pelos EUA significaria colocar milhões de dólares nas mãos de alguns dos governos mais corruptos do planeta, com pouca probabilidade de que os benefícios chegassem de fato aos agricultores pobres. E o outro principal objetivo dos africanos, a redução gradativa a zero dos subsídios ao algodão antes mesmo que um acordo geral em Doha fosse alcançado, seria totalmente inaceitável no Capitólio. Apesar de os americanos perceberem que qualquer acordo final em Doha teria de incluir cortes importantes em seu programa de subsídios ao algodão, isso precisava ser compensado por vitórias em outros setores de modo a que pudessem arregimentar número suficiente de votos favoráveis de parlamentares no Congresso para aprovar o pacote. Uma eliminação unilateral do programa de subsídios simplesmente não teria apoio. Porém, em sua posição defensiva, os americanos reagiram a esse desafio de uma forma incrivelmente pouco habilidosa. Ao serem tomados de surpresa pelo enorme destaque dedicado pela mídia ao tema do algodão, buscaram minimizar qualquer possibilidade de crise política apresentando aos negociadores do Cotton Four um pacote criado às pressas com medidas paliativas. Com isso, conseguiram apenas agravar ainda mais a situação. “Lembro-me de olhar para os africanos quando ouvi a expressão ‘diversificação’ pela primeira vez”, disse Joseph Glauber, então economista-chefe adjunto do Departamento de Agricultura dos EUA. “Passei um tempo no Mali no Peace Corps, de modo que tinha um interesse especial na reação deles. Recordo-me de ter pensado: ‘Isso não está nada bom’”. 225 paul blustein Diversificação era o tema principal de um plano que Zoellick e a secretária de Agricultura Ann Veneman apresentaram aos africanos em reuniões nos dias 9 e 10 de setembro. A ideia básica era que a África Ocidental precisava exportar algo mais do que algodão cru e os Estados Unidos estavam prontos para ajudá-los a galgar a cadeia de agregação de valor, desenvolvendo a capacidade de fabricar fibras e vestuário de algodão, com o auxílio de empréstimos do Banco Mundial. Em certo sentido, o plano baseava-se numa lógica impecável, segundo a qual a solução dos problemas desses países extremamente pobres passava pela criação de uma base industrial doméstica. Mas os africanos, com lógica igualmente irrepreensível, encaravam esse plano como uma manobra para desviar a atenção do tema dos subsídios. Eles sabiam que a verba do auxílio – que eles já estavam obtendo com fartura – não transformaria seus países em gigantes manufatureiros de uma hora para outra. Continuaram, portanto, a insistir em suas demandas. Os americanos enfrentavam um cenário de pesadelo: eles temiam ser confrontados mais tarde na reunião com um texto que, ao incorporar a maioria das posições africanas em relação ao algodão, colocaria Washington na constrangedora posição de ter de bloquear o consenso. Determinado a impedir que Supachai redigisse um texto que fosse nessa direção, Zoellick fez de tudo para pressionar o diretor-geral. Em uma reunião privada, repreendeu Supachai por passar dos limites ao demonstrar condescendência pelos africanos. “Meu Congresso chamou minha atenção para o fato de que você está tomando partido nesse assunto. Você não é mais visto como alguém neutro”, esbravejou ele, segundo anotações da reunião. Advertiu Supachai a não redigir o texto com “uma linguagem que vá além do que posso conceder”, e descreveu o pedido de indenização africano como “extorsão financeira”. O desafortunado diretor-geral protestou: “Não consigo entender por que você acha que sou parcial”. E assegurou a Zoellick: “Não tentarei pressioná-lo de forma alguma”. O resultado foi uma vitória total dos EUA – na verdade, uma vitória de Pirro. A divulgação de uma nova versão do texto da reunião ministerial ao meio-dia de sábado, 13 de setembro, mostrou que Supachai tinha dado a Zoellick quase tudo que este queria em relação ao algodão. Segundo o texto, os subsídios para os cotonicultores norte-americanos 226 a insurreição do resto só seriam cortados como parte de um acordo geral em Doha. O texto também reproduzia os termos da proposta dos EUA ao sugerir que a OMC trabalhasse com os países doadores de ajuda financeira ao desenvolvimento com vistas a “direcionar com eficácia os programas e recursos existentes para a diversificação das economias em que o algodão seja responsável por uma parcela significativa do PIB”. Mesmo alguns dos negociadores norte-americanos se lembram de ficar preocupados ao ver que o texto era, como um deles mais tarde definiu, “um tapa na cara” dos Cotton Four, o que só faria aumentar o sentimento de vitimização que acometia os países em desenvolvimento. As palavras de um delegado africano, reproduzidas naquele dia no Bridges Daily Update, resumiram bem a reação dos países em desenvolvimento: “Estamos acostumados com miséria, fome e doença. Agora temos a OMC contra nós também”. Ao mesmo tempo, outra disputa que vinha fervilhando há muito tempo estava prestes a transbordar, tal como evidenciado pela expressão “consenso explícito”, impressa nos cordões que seguravam os crachás de identificação de muitos delegados de países em desenvolvimento. Os cordões eram um símbolo de provocação, uma advertência de que os países em desenvolvimento pretendiam assumir uma postura combativa nos temas de Cingapura. A expressão gravada neles era um lembrete da decisão tomada no último dia da conferência de Doha, quando a OMC tinha prometido à Índia que nenhuma negociação prosseguiria sobre qualquer um dos temas de Cingapura se não houvesse plena unanimidade entre os países-membros. A União Europeia ainda estava liderando o esforço para garantir que a rodada incluísse esses temas, que muitos outros em Cancún consideravam como uma causa irremediavelmente perdida. Apesar das modestas metas inicialmente fixadas para Cancún, as expectativas de fracasso foram crescendo nitidamente até sábado à noite, véspera do último dia da reunião. Ministros de países em desenvolvimento fizeram discursos rancorosos e, por vezes, militantes em uma sessão plenária naquela noite. “Estamos mergulhados em uma sensação de profunda decepção com o fato de que a dimensão do desenvolvimento vislumbrada no Programa de Trabalho de Doha durou pouco”, disse Arun Jaitley da Índia. Na esperança de que uma reunião de sala verde programada para o dia seguinte se mostrasse frutífera, um pequeno grupo de ministros 227 paul blustein reuniu-se para discutir estratégia. Nessa reunião, que durou até as 4h da manhã, Lamy disse a seus colegas que, com muita relutância, ofereceria no dia seguinte uma solução de compromisso para os temas de Cingapura. Tarde demais. [*] “Melhor se preparar para ficar mais um dia”, foi o que disseram aos delegados dos EUA quando, por volta das 8h30 da manhã de domingo, 14 de setembro, teve início a sessão final prevista no programa da conferência de Cancún. Mal podiam eles imaginar quão rapidamente os acontecimentos acabariam se precipitando numa direção totalmente diferente. Derbez, do México, presidia a sessão de sala verde. Apesar de Supachai estar sentado ao lado dele, o diretor-geral permaneceu calado durante quase toda a reunião. Antes, no mesmo dia, indo direto ao ponto, Derbez deixara bem claro que não toleraria embromação e retórica. Quando o ministro japonês diligentemente recitou a posição de Tóquio, a reação do presidente foi mortificante: “Realmente não espero que o senhor fique repetindo o que todos já sabem”, disse Derbez. “Não é para isso que estamos nesta sala. Deixe-me relembrar-lhes que a conferência ministerial terminará às 4h da tarde de hoje”. Tendo em vista que vários dos ministros dos 32 países participantes da reunião estavam lá como representantes de grupos numerosos – Jacob Nkate de Botsuana, por exemplo, estava representando o Grupo dos 90, uma aliança de países em desenvolvimento reunindo as menores e mais pobres ex-colônias europeias –, Derbez recordou-lhes suas responsabilidades no sentido de consultar e manter informados os que estavam ausentes da sala verde. O primeiro item da agenda, anunciou Derbez, seriam os temas de Cingapura, “pois está claro que não há possibilidade de consenso em relação a eles”. Imediatamente em seguida, os participantes começaram a insistir para que Lamy deixasse de fora pelo menos um dos quatro temas. Era inaceitável, diziam eles, que a União Europeia tivesse negociações sobre investimento e concorrência e compras governamentais e facilitação de comércio. “Se os proponentes insistirem em tratar os quatro temas como um pacote, partirei no voo de 3h da tarde”, disse Rafidah Aziz, a acerba ministra do Comércio da Malásia, 228 a insurreição do resto que dirigiu a seguinte pergunta a Lamy: “Você está pronto para abrir mão de alguma coisa?”. Por fim, Lamy se pronunciou, dizendo que, embora necessitasse da aprovação dos ministros de Comércio europeus, estava, na verdade, preparado para negociar. “Encontramo-nos agora em uma situação na qual as negociações sobre os quatro temas é impossível”, reconheceu ele, acrescentando: “Vamos discutir uma ou duas áreas e deixar de lado outras que sejam difíceis demais”. Sua flexibilidade suscitou a aprovação de Mark Vaile, o ministro australiano, que disse: “Temos aqui uma concessão significativa sobre a mesa”. Então, o grupo teve de decidir, em um curto espaço de tempo, quais dos quatro temas seriam mantidos na pauta e quais seriam descartados – uma outra questão sobre a qual discordavam. “Por que você esperou dois anos para fazer isso?”, perguntou Rafidah a Lamy. Uma profusão de propostas partiu dos ministros. Zoellick insistiu em manter compras governamentais e facilitação do comércio. Lamy preferia manter concorrência e facilitação do comércio, assim como Rafidah, que advertiu que a Malásia nunca aceitaria negociações sobre compras governamentais (o país tem um programa visando dar preferência em contratos governamentais a empresas de cidadãos locais, principalmente da maioria étnica malaia). À medida que a manhã foi se esvaindo, a confusão passou a reinar acerca dos temas a serem mantidos e descartados. “Precisamos ter clareza sobre quais temas estamos falando”, pediu Nkate de Botsuana. Por volta de 1h da tarde, Derbez suspendeu a reunião para o almoço, pedindo-lhes que se reunissem com seus respectivos grupos e voltassem às 2h15, prontos para tratar das negociações sobre agricultura, “ou será o fim”. A opção preferida acabou sendo “o fim”, pelo menos para muitas delegações. Delegados de países africanos já se encontravam em pé de guerra quando seu representante na sala verde, Nkate, chegou pedindo orientações sobre como proceder. Graças, em grande parte, ao texto sobre algodão, que ONGs e outras instituições vinham denunciando como sendo uma fraude, os colegas de Nkate deixaram claro que não havia clima para concessões. “Quando alguém disse: ‘Devíamos considerar um ou dois dos temas de Cingapura’, as pessoas ligaram seus microfones dizendo ‘Não! Não! Não!’, relembra Dipak Patel, ministro do Comércio 229 paul blustein de Zâmbia. “Foi muito contestatório. Nós literalmente os fizemos calar a boca”. Youssef Boutros-Ghali, ministro do Comércio egípcio, que também tinha estado na sala verde, tentou acalmar seus companheiros africanos, dizendo-lhes que Lamy oferecera uma concessão importante. “Não faz sentido bloquearmos o processo todo porque somos os maiores beneficiários do sistema multilateral”, lembra-se de ter dito Boutros-Ghali. “Mas a vontade [de confrontar os ricos] era forte demais”. A sala verde voltou a se reunir às 2h25. Lá, a mensagem enviada pelos países pobres que Nkate representava não poderia ter sido mais chocante: “Não podemos negociar nenhum tema de Cingapura”, declarou Nkate. Bandeiras foram levantadas por toda a sala, com vários ministros implorando para que o presidente lhes desse a palavra. Os sul-coreanos disseram que assumiriam a posição justamente contrária da dos africanos – isto é, continuariam a demandar negociações sobre todos os quatro temas de Cingapura. Yeo, de Cingapura, pedindo calma, sugeriu que talvez a discussão na sala verde devesse prosseguir para o tema de agricultura, imaginando que algum eventual avanço nesse debate pudesse ao menos viabilizar a discussão dos demais assuntos. Mas Derbez rejeitou a ideia. “Minha função como presidente da conferência está acabada”, disse ele. “Não há possibilidade de chegar a um acordo. Não há razão para prolongar essa discussão ainda mais ou tratar de outro assunto. Vocês todos podem pegar o avião de volta para casa”. O final tinha sido tão inesperado e repentino que levou alguns minutos para que o significado das palavras fosse assimilado. Derbez acabara de anunciar que a reunião tinha fracassado? Apenas dois anos depois de terem removido a mancha de Seattle em Doha, haveria uma nova mancha em Cancún? Arancha González, porta-voz de Lamy, estava tendo seu primeiro almoço tranquilo em muitos dias quando recebeu uma ligação do comissário de Comércio da União Europeia no seu celular. “Ele disse: ‘Você pode vir aqui? Terminamos’”, lembra-se Arancha. “Eu disse: ‘Terminaram por hoje?’. Ao que ele respondeu: ‘Não, terminamos a conferência.’ Não podia acreditar, então disse: ‘O quê?!’”. Suas lembranças indicam que os funcionários da União Europeia ficaram chocados com o resultado. Sabiam que, na medida em que o consenso fora inviabilizado pelos temas de Cingapura, os europeus seriam 230 a insurreição do resto apontados como os principais culpados pelo fracasso da conferência. Imediatamente, começaram a suspeitar de um complô: Derbez, concluíram eles, suspendera prematuramente a reunião, por injunção dos americanos. Ele podia ter dado prosseguimento às discussões, com alguma chance de sucesso, passando para o tema seguinte da agenda, referente à negociação agrícola. O motivo de não ter feito isso, concluíram os europeus, era o interesse de Washington em evitar que a reunião fracassasse em torno do tema do algodão, pois, nessa hipótese, eles é que seriam considerados culpados. Havia pelo menos algum indício dessa teoria. Zoellick admite que, logo antes da pausa na reunião, mandou um bilhete para Derbez dizendo: “Acho que não vamos chegar a lugar algum”. Mas Zoellick sustenta que não escreveu o bilhete com a intenção de se esquivar de um confronto sobre o algodão. Escreveu-o porque estava realmente convencido de que não havia possibilidade de se chegar a um consenso. “As pessoas não estavam lá para resolver os problemas”, disse ele. Só queriam criar polêmica. Acredito que, às vezes, é melhor partir para o efeito de choque. Em alguns casos, numa negociação, é preciso dizer: ‘Você foi longe demais. Vamos parar por aqui’”. Sua raiva, na época, ficou clara na declaração que deu à imprensa após a reunião: Muitos países pensaram que não haveria nenhum custo na negociação, que poderiam apresentar qualquer assunto, argumentar e não oferecer nem dar [disse Zoellick]. E agora terão de enfrentar a fria realidade dessa estratégia: voltar para casa de mãos vazias. Não foi um bom resultado para ninguém. É justo acusar muitos negociadores de países em desenvolvimento de terem optado por uma postura de confrontação em Cancún. Isso ficou patente diante do clima de alegria e triunfo que tomou conta das delegações africanas no final da reunião, quando imagens de televisão mostraram alguns deles levantando punhos cerrados. Ficou igualmente evidente pelo comportamento de membros de ONGs que tinham exortado os africanos a assumirem posições inflexíveis e que dançaram pelos corredores do centro de convenções para comemorar seu êxito, cantando “O dinheiro não pode comprar o mundo” (Money can’t buy the world), com base na melodia da canção dos Beatles intitulada “Can’t Buy Me 231 paul blustein Love”. A incapacidade do G-20 de responder à pergunta de Zoellick sobre a contribuição que eles estariam dispostos a fazer era uma evidência a mais. Embora os países em desenvolvimento tivessem sido hábeis em bloquear propostas promovidas pelos ricos, tinham demonstrado pouca capacidade, se é que tinham demonstrado alguma, de fazer as barganhas necessárias para transformar o sistema multilateral de comércio da maneira como desejavam. Porém, a alocação de responsabilidades pelo desfecho de Cancún é uma questão de perspectiva. Os Estados Unidos mostraram uma enorme falta de sensibilidade em relação ao algodão. A União Europeia esperou tempo demais para sinalizar alguma flexibilidade sobre os temas de Cingapura. De modo geral, tanto Washington quanto Bruxelas prejudicaram seriamente as discussões sobre agricultura com sua atuação inepta. Vistas em conjunto, essas posições tinham dado aos países em desenvolvimento a sensação de que todo o discurso dos ricos sobre a rodada do desenvolvimento era apenas retórica vazia, que não encontrava eco nas ações concretas desses países. A nova lei agrícola dos EUA tinha acentuado essa impressão. A função legislativa, ou de definição de regras, da OMC chegara a um ponto de impasse. Havia motivos para esperança, pois a formação do G-20 significava que os países em desenvolvimento tinham agora um veículo para expressar melhor suas posições. O grupo tinha potencial para transformar o modo como as negociações da OMC funcionavam, propiciando aos novos atores papéis centrais no palco principal. Ainda assim, muitos dos personagens mais importantes tiveram dificuldade de perceber essa possibilidade na época. “Eu disse em Seattle que a organização era medieval, mas agora ando pensando que talvez neolítica seja uma palavra mais apropriada”, escreveu Lamy em um artigo poucos dias depois de Cancún. Nesse ínterim, outra parte da engrenagem da OMC – o sistema judicial – avançava a passos largos. E estava prestes a dar mais um soco no nariz dos Estados Unidos. 232 Capítulo 8 Joias e Piratas Estava aberta a sessão do tribunal. Na manhã de 7 de outubro de 2003, três juízes assumiram seus lugares em mesas sobre um tablado na parte frontal da Sala E do Centro William Rappard, uma longa sala retangular com uma vista esplêndida para o Lago Genebra e os Alpes. Abaixo deles encontravam-se advogados e testemunhas prestes a apresentar seu depoimento em um dos casos mais importantes jamais trazidos à apreciação do tribunal da OMC. Este não era um tribunal comum. Por uma razão: os juízes – ou membros do painel, como a OMC prefere chamá-los – não são juristas em tempo integral. Um deles era o ex-ministro das Relações Exteriores polonês, outro era um funcionário do Ministério das Relações Exteriores chileno especializado em questões de comércio e o terceiro era um advogado australiano. Tinham vindo a Genebra especificamente para julgar um único caso que lhes fora apresentado. Além disso, as sessões eram fechadas ao público. E talvez o mais importante, as partes envolvidas no processo não eram pessoas físicas ou jurídicas, mas governos soberanos – mais especificamente os Estados Unidos e o Brasil. Como na maioria dos casos da OMC, as apresentações naquele dia tendiam a ser curtas e técnicas, com exceção de uma testemunha, que animou os trabalhos com seu jeito singelo e objetivo. 233 paul blustein A testemunha, um fazendeiro brasileiro, tinha um problema: ele não parecia brasileiro, nem falava português. Seu nome era Christopher Ward e, por ter sido criado na Nova Zelândia, falava inglês com o sotaque carregado dos habitantes daquele país. Ele começou explicando ao painel: “Pelo meu sotaque vocês não vão acreditar, mas posso garantir que sou brasileiro, com três filhos brasileiros e uma esposa brasileira, e tenho uma propriedade agrícola no Brasil há mais de vinte anos”. Depois de ter explicado com detalhes a sua nacionalidade, Ward prosseguiu apresentando um testemunho impressionante sobre a questão central do caso – a queixa do Brasil de que os subsídios norte-americanos ao algodão violavam as regras da OMC, porque estavam deprimindo os preços mundiais do produto e afetando seriamente a subsistência de agricultores brasileiros. Embora Ward não fosse pobre como os produtores africanos de algodão apresentados anteriormente neste livro, tinha uma história contundente para contar sobre o impacto causado pelos subsídios dos EUA. Explicou com toda paciência ao painel as razões pelas quais, sob as leis normais da economia, sua produção algodoeira tinha que ser altamente lucrativa. No estado do Mato Grosso, onde sua fazenda está localizada, as condições climáticas e o solo “são ideais para a produção de algodão”, disse ele observando que, devido a chuvas regulares, não era necessário fazer irrigação. Assim sendo, ele podia produzir “algodão de alta qualidade com elevadas taxas de produtividade por hectare”, alcançando resultados mais do que duas vezes e meia superiores ao nível médio de produtividade verificado nos EUA. “Mas mesmo com essa alta produtividade e a excelente qualidade de nossa terra”, disse ele, “não conseguimos recuperar todos os nossos custos variáveis de produção durante as safras de 2000-2001 e 2001-2002”, devido aos baixos preços mundiais. De fato, prosseguiu, os baixos preços recebidos por ele e seus vizinhos no Mato Grosso tinham “levado muitos produtores a desistirem de seus planos de expandir a produção de algodão, a reduzirem sua área plantada, ou mesmo a abandonarem totalmente o plantio”. Esse fragmento do caso DS267, “Subsídios ao Algodão” (Subsidies on Upland Cotton), dá uma ideia do funcionamento do sistema que é frequentemente descrito como a “joia da coroa” da OMC – seu mecanismo para lidar com conflitos entre países-membros. Assim como os governos dispõem de tribunais que interpretam as leis aprovadas pelo legislativo, a OMC tem seu Entendimento sobre Solução de Controvérsias. Trata-se 234 joias e piratas de um sistema por meio do qual a instituição determina se uma nação está violando, ou não, os princípios basilares do comércio tais como o princípio da Nação Mais Favorecida, ou se está deixando de cumprir compromissos aceitos nos acordos da OMC ou desrespeitando regras promulgadas em conferências ministeriais. É “claramente o sistema de solução de controvérsias mais poderoso em nível internacional hoje existente ou que talvez jamais tenha existido na história do mundo”, como uma vez disse John Jackson, o professor de direito que primeiro propôs a criação da OMC. O impacto do Entendimento sobre Solução de Controvérsias sobre o sistema multilateral de comércio se estende muito além das decisões emitidas em casos específicos, pois sua própria existência ajuda a desfazer as tensões que inevitavelmente surgem no comércio entre as nações. Quando os políticos e cidadãos de um país estão em pé de guerra com as práticas de comércio de outro país, levar o caso à OMC pode ajudar a baixar a temperatura política. Em vez de atacar com sanções unilaterais, que podem muito bem provocar retaliação e contrarretaliação, o ministro do Comércio de um país pode convocar uma coletiva de imprensa e anunciar com plena razão que seu governo levará o litígio a Genebra, visando obter justiça contra o infrator. As partes prejudicadas podem sentir-se amparadas ao saber que seu caso foi levado a um órgão imparcial para adjudicação e que esse órgão dispõe de métodos poderosos para impor suas decisões. É certo que existem limites para esse poder. Lembre-se que, apesar de todos os poderes lendários da OMC, uma nação considerada em infração às regras não é obrigada a modificar suas práticas prejudiciais. A parte culpada pode exercer seu poder soberano de manter essas políticas em vigor. Nesses casos, a influência da OMC ocorre por meio da concessão ao país vencedor do direito legal de retaliar contra o perdedor – o que normalmente significa impor altos tributos sobre alguns dos produtos do perdedor, de forma a puni-lo. Às vezes, a mera ameaça dessas sanções ajuda a pressionar o país perdedor a aceitar o veredito da OMC. Um exemplo clássico foi a controvérsia sobre o aço em 2002 (mencionada no Capítulo 7), na qual a União Europeia e vários outros governos obtiveram uma decisão da OMC de que as tarifas do governo Bush sobre aço importado eram ilegais. Nesse caso, autoridades de Bruxelas deixaram claro que, se chegasse a hora da retaliação, eles aplicariam tarifas de até 235 paul blustein 100% sobre as exportações dos EUA originárias de estados politicamente importantes – principalmente frutas cítricas da Flórida, têxteis e móveis da Carolina do Norte e do Sul e maquinário agrícola do Meio-Oeste. O governo Bush, diante da perspectiva de sofrer danos eleitorais na Flórida e em outros estados em 2004, pôs fim às tarifas sobre o aço no final de 2003. Na maioria dos casos, essas ameaças não são necessárias, porque, no mais das vezes, os países aceitam o veredito emitido contra eles. Na época do GATT, o sistema tendia a ser “orientado para a diplomacia”, tendo por objetivo principal viabilizar uma solução negociada entre os litigantes. Tratava-se de um método bastante inconsistente fazer justiça que, em vista de sua incapacidade em impor suas decisões, mostrou-se por fim inadequado para conter as tensões comerciais. Com a criação da OMC, surgiu um sistema muito mais “orientado para regras” e “baseado em sanções”. Estava fundado na teoria de que os países tinham de ser encorajados a resolver suas diferenças, concedendo-lhes o tempo necessário para esse fim. Porém, caso não conseguissem, uma decisão seria proferida a respeito de quem estava certo e de quem estava errado, sustentada pela possibilidade de punição contra infratores. A versão do sistema incorporado pela OMC trazia várias inovações cruciais, sendo a mais importante delas a “automaticidade”. Isso significava que as decisões não poderiam mais ser derrubadas pelos vetos da parte perdedora. Outra inovação foi a criação do Órgão de Apelação, que dava aos países a chance de recorrer a uma instância superior, composta por juristas profissionais. Uma terceira era um cronograma de prazos mais curtos para a tramitação dos casos. Tudo isso é o que diferencia a OMC de outras instituições internacionais e lhe confere uma capacidade especial de equilibrar de forma mais igualitária as nações do mundo na balança da justiça. “Países ricos e pobres têm direitos iguais de questionar uns aos outros nos procedimentos de solução de controvérsias da OMC”, anuncia a página da OMC na Internet. Como este capítulo mostrará, essa alegação é, de certa forma, enganadora; a joia da coroa tem algumas imperfeições por baixo de sua superfície reluzente. O sistema por vezes funcionou em benefício dos objetivos mercantis dos Estados Unidos. Washington apresentou várias dezenas de processos, às vezes obtendo ganhos significativos em termos comerciais para as empresas norte-americanas. Uma decisão de 1998 236 joias e piratas contra os impostos japoneses sobre bebidas alcoólicas, por exemplo, forçou Tóquio a retirar seus tributos discriminatórios, resultando em um aumento de 18% nas exportações de uísque dos EUA para o mercado japonês no ano seguinte. Mais recentemente, em um caso apresentado pelos Estados Unidos, União Europeia e Canadá, considerou-se que a China estava violando as regras da OMC ao exigir que os fabricantes de automóveis estabelecidos em seu território comprassem componentes de fornecedores locais. Porém, o processo do algodão representa um ótimo exemplo da capacidade do sistema de colocar os dois litigantes em pé de igualdade, pelo menos em certa medida. E como se tratava do tema dos subsídios – um dos principais motivos de discórdia na Rodada Doha – o caso também teria um impacto importante sobre as negociações. [*] Há muito tempo, Pedro de Camargo Neto ansiava por uma disputa contra os programas de subsídios agrícolas de países ricos. A oportunidade finalmente surgiu em 2000, quando o ministro da Agricultura do Brasil o convidou para o cargo de vice-ministro. Camargo vinha de uma família de criadores de gado e produtores de açúcar. Apesar de ter trabalhado durante muitos anos como engenheiro, mudou de ramo profissional em 1990, para se tornar presidente de um dos mais influentes grupos de lobby agrícola do Brasil. Os fazendeiros membros da organização com frequência se queixavam a ele sobre a pressão que sofriam da concorrência de produtos agrícolas estrangeiros subsidiados, sendo a soja americana um dos principais exemplos. Então, depois de ser alçado a um alto posto no governo, Camargo empenhou-se a fazer algo a esse respeito. Ele se apegou à ideia de usar o sistema de solução de controvérsias da OMC e, de início, resolveu apresentar uma queixa contra o programa da soja dos Estados Unidos. Uma de suas primeiras providências foi contratar Sidley Austin, um escritório de advocacia localizado em Chicago. Apenas quatro escritórios tratam de casos da OMC em bases regulares. Todos são americanos e Sidley era o maior no ramo. Apesar de o escritório estar sediado nos Estados Unidos, seus advogados localizados em Genebra trabalhavam com satisfação para outros países em processos contra Washington. 237 paul blustein O primeiro conselho recebido dos advogados da Sidley não foi o que Camargo queria ouvir: não havia muita possibilidade de vencer um processo contra subsídios à soja, pois o Brasil teria de demonstrar os danos sofridos por seus agricultores. Seria difícil comprovar tais danos em vista dos fortes aumentos dos preços internacionais da soja. Porém, um economista do Ministério da Agricultura ressaltou que o algodão seria um caso mais fácil e Camargo procurou aproveitar essa oportunidade, considerando-a como uma arma perfeita. Seus congêneres no Ministério das Relações Exteriores, principal órgão responsável pela política comercial, não tinham tanta certeza disso. Eles queriam assegurar-se de que as bases do caso eram inequívocas. Havia muitas maneiras de o caso dar errado para o Brasil e, se os Estados Unidos ganhassem, Washington se sentiria mais livre do que nunca para expandir seus programas de subsídios. Porém, Camargo não se sentiu dissuadido com a dificuldade. Fez pressão para o caso ir adiante e, após estudos cuidadosos das implicações jurídicas, o Ministério das Relações Exteriores acabou concordando com a ideia. Em meados de 2003, o governo apresentou suas primeiras petições ao painel. “Este é um caso envolvendo princípios econômicos básicos de oferta e demanda”, disseram os brasileiros. “É um caso sobre algodão sendo produzido e exportado em excesso por agricultores norte-americanos que produzem a um alto custo... Trata-se de um caso sobre equidade”. Em seu contra-argumento, o governo dos EUA sustentou que seus principais programas de subsídios ao algodão não afetavam o comércio global e, portanto, não violavam nenhuma regra da OMC. Os cheques governamentais recebidos pelos cotonicultores americanos, em sua maior parte, não tinham qualquer relação com a quantidade de algodão produzido à época desses pagamentos, afirmavam os advogados norte-americanos. Os pagamentos dependiam da produção passada de algodão e da extensão das terras plantadas. Portanto, os programas não poderiam estar induzindo à superprodução. Os brasileiros, no entanto, tinham um trunfo. Não apenas haviam contratado advogados de primeira categoria, como também recorreram aos serviços de um economista agrícola americano altamente respeitado. Como a maioria dos acadêmicos, Daniel Sumner não é favorável a subsídios agrícolas em geral, pois vê pouca lógica em proteger agricultores das forças do mercado e acredita que algumas das metas 238 joias e piratas desses subsídios – preservar comunidades rurais, por exemplo – poderiam ser alcançadas de forma mais eficaz por meio de outros programas. Professor simpático e de fala mansa da Universidade da Califórnia – Davis, Sumner tinha trabalhado como secretário adjunto para assuntos econômicos no Departamento de Agricultura durante o governo de George H. W. Bush. No caso do algodão, elaborou um estudo para os brasileiros cheio de equações e símbolos matemáticos, com base em dados do Departamento de Agricultura. A parte mais impressionante do estudo era uma estimativa mostrando a magnitude do papel desempenhado pelos subsídios nos mercados mundiais no período 1999-2002. Se nenhum subsídio tivesse sido dado durante esse período, concluiu Sumner, os 25.000 produtores de algodão dos Estados Unidos teriam exportado um volume de algodão cerca de 41% menor, o que teria aumentado o preço mundial em aproximadamente 12,6%. Os grupos agrícolas americanos acusaram Sumner de traição por aceitar dezenas de milhares de dólares em honorários para trabalhar para o Brasil e alguns de seus dirigentes prometeram dar-lhe uma lição cortando o financiamento de outros trabalhos acadêmicos dele. “Ele uniu forças com o inimigo para arrasar com o nosso programa agrícola”, disse Don Cameron, vice-presidente da Associação de Produtores de Algodão da Califórnia. Cameron disse que um ato desse tipo era “antiético”, porque Sumner era funcionário do sistema de universidades públicas da Califórnia, e acrescentou de maneira ameaçadora: “Vamos direcionar para outras universidades os projetos de pesquisas em que ele esteve envolvido no passado”. Essa não foi uma promessa vazia e evidentemente irritou o diretor da faculdade de agricultura de Sumner que, embora reconhecesse seu direito de expressar suas opiniões, questionou sua decisão de aceitar trabalhar contra os interesses dos agricultores norte-americanos. No entanto, Sumner não se arrependeu. “Só estou tentando fazer o melhor estudo econômico possível e incorporá-lo ao sistema”, contou-me ele. Ao equiparar as ameaças dos agricultores a tentativas de manipular testemunhas, eles disse em meio a risos: “Mas isso é a Máfia, ou o quê?”. A vingança veio em abril de 2004, quando o painel da OMC decidiu quase todas as questões do caso em favor do Brasil. A decisão atemorizou as comunidades agrícolas norte-americanas porque a grande pergunta agora era quantos outros programas agrícolas financiados por Washington estariam ameaçados. “Isso 239 paul blustein tem consequências potencialmente extraordinárias sobre a atividade econômica da América rural”, disse o senador Kent Conrad de Dakota do Norte após a divulgação da decisão. Não muito tempo depois, o Brasil ganhou outro caso contra subsídios, desta vez vencendo a União Europeia em um processo referente às suas mordomias aos produtores de açúcar. O Órgão de Apelação da OMC manteve a decisão sobre o algodão e os representantes governamentais brasileiros, alegando que seu país tinha sofrido US$3 bilhões em prejuízos decorrentes de subsídios norte-americanos, advertiram que exerceriam o direito de retaliar com um valor equivalente contra os Estados Unidos, a menos que Washington mudasse seu programa de apoio ao algodão. A justiça triunfara. A superpoderosa América tinha sido forçada a se submeter à decisão da OMC, meses depois de ter sido contrariada na mesa de negociações em Cancún. Aqui havia novas evidências de que, mesmo que a globalização continuasse a avançar em ritmo acelerado, as potências ocidentais não mais teriam a capacidade de controlá-la como antes. Será que a decisão também deveria levar à conclusão de que o sistema de solução de controvérsias da OMC é um processo eficaz, que atende ao princípio de justiça para todos? Vamos com calma. O caso do algodão ainda não está totalmente resolvido. O sistema tem muitas qualidades louváveis, mas também apresenta alguns aspectos altamente controversos e alguns profundamente problemáticos para aqueles que se preocupam com a igualdade entre países ricos e pobres. [*] “Não usamos togas. Não usamos perucas. Não portamos os peitilhos brancos frequentemente usados por juristas em outros tribunais internacionais”. Assim escreveu James Bacchus, um ex-congressista norte-americano da Flórida, nas memórias de seus anos passados em Genebra como membro do Órgão de Apelação, para o qual foi selecionado quando este foi estabelecido pela primeira vez em 1995. Embora o Órgão de Apelação seja semelhante em função a uma corte suprema, Bacchus e seus colegas sequer ocupavam cargos formais. Em vez de se referirem a si mesmos como “juízes”, se autodenominavam simplesmente “membros do Órgão de Apelação”. 240 joias e piratas Os seis outros membros selecionados junto com Bacchus vinham do Egito, da Alemanha, do Japão, da Nova Zelândia, das Filipinas e do Uruguai. Todos tinham sido indicados pelo governo de seus países, selecionados por um comitê de embaixadores seniores da OMC e aprovados pelos membros da instituição (o mandato de um membro do Órgão de Apelação é de quatro anos, com a possibilidade de ser renovado uma vez). Embora seus membros venham de culturas muito diferentes e a despeito do fato de algumas de suas decisões suscitarem críticas, o Órgão de Apelação estabeleceu uma sólida reputação por sua integridade e independência. Os membros realizam suas deliberações ao redor de uma mesa numa sala do terceiro andar do Centro William Rappard. Ali, eles reexaminam decisões do painel em textos com centenas de páginas de extensão e, ao decidir se as aprovam, modificam ou rejeitam, travam debates e se reúnem durante dias e, às vezes, semanas, em sessões de redação de seus pareceres. Segundo Bacchus, o processo exige ficar sentado por “longas horas, dia após dia, penetrando no significado das palavras do tratado da OMC e dissecando a lógica da interpretação dessas palavras”. O alto conceito que se tem do Órgão de Apelação é especialmente importante porque a mesma percepção nem sempre se estende aos painéis que emitem as decisões iniciais nos casos da OMC. Os membros do painel quase sempre fazem malabarismos para conciliar seus empregos regulares com o exame de milhares de páginas de evidências e relatórios (os embaixadores na OMC, por exemplo, às vezes trabalham paralelamente como membros de painéis). Embora os potenciais membros de um painel sejam sugeridos pela equipe do Secretariado a partir de uma lista permanente de candidatos experientes em assuntos comerciais, ambas as partes em um litígio têm de concordar com essas nomeações. É muito comum que uma das partes exerça seu direito de veto aos nomes indicados. Portanto, as pessoas que acabam trabalhando nos painéis às vezes estão longe de terem sido a primeira opção. Quando as partes em litígio não conseguem chegar a um acordo sobre a composição do painel, o diretor-geral faz as nomeações. A dificuldade de encontrar pessoas altamente qualificadas para integrar painéis, no entanto, perde importância em comparação com alguns dos outros problemas do sistema de solução de controvérsias. 241 paul blustein Em primeiro lugar, ele não é um modelo de transparência. Como foi que tomei conhecimento dos detalhes do depoimento de Christopher Ward no caso do algodão? Desculpe, mas não posso contar. A fonte que me passou essa informação me fez prometer que não revelaria seu nome, pois, de acordo com as regras da OMC, essa informação não é para ser divulgada, mesmo quando for inócua. Embora as decisões finais dos painéis sejam tornadas públicas, assim como as decisões do Órgão de Apelação, as audiências, depoimentos e documentos apresentados pelas partes em litígio são confidenciais, a menos que um lado ou outro voluntariamente publique a documentação apresentada*. É a isso que os críticos da OMC se referem quando atacam os chamados “tribunais secretos”. Ao justificar essas práticas, vários governos de países-membros da OMC afirmam que o material apresentado em seus casos contêm informações empresariais sigilosas. Também argumentam que as controvérsias que contrapõem um governo soberano a outro são mais adequadamente tratadas a portas fechadas de modo a estimular soluções negociadas. A ideia de que os painéis da OMC tratam de questões que afetam o público e que, portanto, deveriam ser abertas à sua vigilância aparentemente não os convence. Isso é ruim porque muitas informações sobre casos da OMC vazam de alguma forma e, ao manter o sigilo sobre os trabalhos dos painéis, a organização apenas perpetua seu estereótipo de instituição sinistra e antidemocrática. Ainda pior é a combinação existente no sistema entre morosidade e ausência de retroatividade. Imagine um julgamento extremamente lento de um réu processado por roubar bancos e que, durante o julgamento, continua a roubá-los até o dia do veredito, alegando que não está infringindo nenhuma regra. Então, quando o tribunal decide que roubo a bancos é de fato ilegal e se prepara para calcular os prejuízos, o réu se levanta abruptamente e diz: “Concordo em parar de roubar bancos”. Tal promessa permite que ele fique impune, sem nem mesmo ter de devolver o dinheiro roubado durante o período do julgamento. As audiências em painéis para solução de controvérsias da OMC podem ser abertas ao público se ambas as partes concordarem em renunciar ao sigilo. A primeira vez que uma renúncia foi concedida ocorreu em agosto de 2005, em um litígio entre a União Europeia e os Estados Unidos. * 242 joias e piratas O sistema de solução de controvérsias da OMC funciona assim. Não é tão ruim quanto o sistema do GATT, porque não permite que o réu imponha um veto à decisão. Um país que a OMC considere culpado por violar as regras tem de mudar suas políticas de forma a cumprir a decisão ou aceitar punição. Porém, os casos, com frequência levam três longos anos para chegarem ao final, desde a etapa do painel até o processo de apelação, e o infrator pode continuar com suas práticas na impunidade até a data da decisão final, sem medo de sofrer quaisquer consequências pelos atos praticados até então. Mais uma vez a controvérsia de 2002 em relação ao aço é ilustrativa. Embora a Casa Branca tenha eliminado as tarifas que a OMC considerou ilegais, ela o fez somente após os produtores de aço norte-americanos terem gozado de doze meses de proteção. Será que os governos por vezes infringem deliberadamente e de forma irresponsável as regras da OMC, tranquilos por saberem que o pior que pode lhes pode ocorrer é perder uma causa e ter de pagar advogados? Eis o que Gary Horlick, um dos maiores advogados especializados em comércio de Washington, disse: Prudência, diplomacia e regras de sigilo para com o cliente me impedem de dar nome aos bois, mas todo membro importante da OMC conscientemente já praticou atos em violação às regras da OMC, supondo que poderia lidar com a questão por meio de litígio, protelando a medida por pelo menos 3 anos. Se alguém duvida disso, está sonhando. Ainda mais fundamental é a seguinte pergunta: os países pobres realmente têm alguma chance de ter acesso à justiça em casos de solução de controvérsias na OMC? Observando as estatísticas, as nações em desenvolvimento tem se comportado como se estivessem diante de uma oportunidade verdadeira de obter justiça, pois participaram de pouco mais da metade de todos os casos da OMC no período 2001-2006. Contudo, esses processos são iniciados principalmente por nações relativamente grandes e de crescimento acelerado. Os países em desenvolvimento com maior número de abertura de processos têm sido o Brasil, a Índia, a Argentina, a Tailândia e o Chile. É importante para um país como o Brasil ter a capacidade de derrotar os Estados Unidos. Porém, ainda mais importante e revelador é o que acontece quando um país realmente pequeno ingressa com 243 paul blustein uma queixa contra uma das maiores potências. Isso ocorreu quase que simultaneamente ao caso do algodão, quando os Estados Unidos foram enredados em outro caso envolvendo um dos menores membros da OMC. [*] Preso em uma cela, torturado pela visão das luzes distantes dos hotéis e cassinos de Las Vegas Strip, Jay Cohen não conseguia parar de pensar em como dar um troco ao governo que o tinha posto atrás das grades. Ele sonhava com um tipo de vingança muito singular. O crime pelo qual Cohen estava preso foi o de ter dirigido um site de jogos de azar na Internet localizado na nação caribenha de Antigua e Barbuda e que recebia apostas de americanos. Pouco tempo antes de começar a cumprir sua pena, Cohen ficou sabendo que as medidas tomadas pelo governo federal dos EUA para reprimir apostas pela Internet podiam estar violando as regras do comércio internacional. Assim sendo, ele desempenhou um papel central no sentido de encorajar Antigua e Barbuda a entrar com uma queixa na OMC. “Isso ajudou a me manter animado”, disse ele. Nunca antes uma nação tão pequena – 69.000 pessoas vivem em Antigua e Barbuda – tinha iniciado um contencioso na OMC contra os Estados Unidos. Era este o plano de vingança de Cohen. A principal superpotência mundial capitularia diante de um país cuja população total caberia confortavelmente dentro do estádio Rose Bowl. Seria possível isso acontecer? O caso DS285, “Apostas em Jogos de Azar” (Gambling), revela muito a respeito dos pontos fortes e fracos do sistema de solução de controvérsias da OMC. Independentemente da opinião das pessoas sobre jogos de azar, essa saga peculiar tem muito a dizer a qualquer um que goste de ver Washington ser merecidamente castigado por seus atos. Mas o caso também mostra que os “Davi’s” do sistema de comércio mundial precisam de regras mais favoráveis se suas controvérsias contra os “Golias” tiverem de ser resolvidas em termos que a maioria das pessoas consideraria justos. Estabelecer precedentes globais não era o que Cohen tinha em mente ao deixar seu emprego, no final de 1996, como corretor na Bolsa de Valores do Pacífico e se mudar para Antigua com dois amigos. “Vida boa”, lembra ele com ar tristonho. Apostar em jogos de azar era legalmente 244 joias e piratas permitido em Antigua, então Cohen e seus amigos imaginaram que não haveria nenhum problema se eles abrissem um negócio que aceitasse apostas esportivas de pessoas nos Estados Unidos por telefone ou pela Internet. Entre jogos de golfe e viagens de pescaria, criaram a World Sports Exchange Limited [Bolsa Mundial de Esportes Ltda.), uma das várias dezenas de balcões de apostas que floresciam em Antigua e em outros lugares. Sua meta era ganhar uma fatia dos bilhões de dólares que os americanos apostavam ilegalmente em partidas de futebol profissional e em outros eventos esportivos. O dinheiro logo começou a entrar à medida que os apostadores foram apresentando seus lances iniciais, enviando cheques ou debitando seus cartões de crédito, no entendimento de que, cada vez que perdessem, o valor seria deduzido de suas contas ou enviado por cheque pelo correio. O governo de Antigua estava encantado, porque o ramo se tornou o segundo maior empregador do país depois do turismo e porque as empresas pagavam impostos para funcionar lá. O governo dos EUA não partilhava desse entusiasmo. Funcionários do Departamento de Justiça consideravam uma ficção legal o argumento de que as apostas ocorriam em locais onde eram permitidas fora do alcance da jurisdição dos EUA. Os membros do Congresso, juntamente com procuradores gerais de diferentes estados, estavam ficando preocupados com a possibilidade de que o acesso fácil a apostas pela Internet contribuísse para aumentar o vício em jogos de azar, atraindo apostadores menores de idade que não podem frequentar cassinos. Então, as agências governamentais de repressão ao crime ameaçaram processar estações de rádio e televisão, além de editores, que divulgavam anúncios em sites de apostas na Internet. Além disso, reguladores do setor financeiro convenceram muitos bancos a pararem de processar pagamentos em cartões de crédito para esses sites. A medida mais drástica de todas foi que oficiais federais prometeram processar pessoas como Cohen por violarem a lei da década de 1960 que proibia o uso de linhas telefônicas para apostas. “Você pode ir para o exterior e se esconder, mas não pode ficar conectado se esconder”, advertiu Janet Reno, a procuradora-geral na época. Cohen, indiciado em março de 1998, voltou de livre e espontânea vontade aos Estados Unidos para se defender das acusações, com base no pressuposto de que, como ele mesmo disse, “Nenhum juiz vai comprar essa briga”, porque, a seu ver, os Estados Unidos estavam equivocados ao tentar ditar o que é 245 paul blustein legal e ilegal em Antigua. Porém, um júri o condenou, o juiz sentenciou 21 meses de prisão e a Suprema Corte se recusou a aceitar seu recurso. Então surgiu do nada uma chance para reverter o quadro, pouco antes de Cohen começar a cumprir sua pena. Uma carta estranha e desconexa chegou à sua caixa postal, enviada por um remetente que tinha visto a publicidade em torno do caso, sugerindo que a posição do governo dos EUA deixava o país vulnerável a uma queixa movida na OMC. Cohen se recorda de ter telefonado a um amigo advogado dos tempos da Universidade de California-Berkeley e dizer: “Verifique se isso tem fundamento”. O amigo, Bob Blumenfeld, e seu sócio, Mark Mendel, não eram grandes juristas especializados em comércio como os da Sidney Austin, que representaram o Brasil no caso do algodão (Upland Cotton). Bem ao contrário: Mendel-Blumenfeld era um escritório de advocacia modesto de El Paso, Texas, que tratava de questões sobre valores mobiliários e outros assuntos corporativos. Porém, depois de pesquisar os argumentos apresentados na carta, os advogados logo concordaram que a posição dos EUA estava em discordância com os compromissos assumidos junto à OMC, porque, na parte relativa a comércio de serviços dos acordos da Rodada Uruguai, os negociadores dos EUA tinham incluído o mercado americano de “serviços culturais, esportivos e de entretenimento” em sua lista das áreas que seriam abertas a estrangeiros. Mendel pegou um avião para Antigua, em janeiro de 2003, na esperança de persuadir o governo a instaurar um processo. Nesse ponto, uma das maiores injustiças do sistema da OMC veio à tona. Um dos motivos pelos quais países pequenos raramente iniciam contenciosos na OMC é sua falta de recursos e de conhecimento jurídico. Essa circunstância os coloca em enorme desvantagem em relação a nações com ministérios do comércio de grandes proporções e com funcionários experientes. Os representantes governamentais de Antigua avaliaram que custaria cerca de US$ 1 milhão para levar o processo até o fim de forma adequada – o que não era uma soma pouco importante para um governo cujo orçamento total era inferior a US$ 150 milhões por ano. O país sequer tinha um representante trabalhando em regime de tempo integral na sede da OMC, em Genebra, e o diplomata cujas responsabilidades incluíam a OMC – Sir Ronald Saunders, então embaixador de Antigua na Grã-Bretanha – lembrou: “Estava bem cético” 246 joias e piratas em relação a iniciar o processo, principalmente devido à influência e experiência do adversário em controvérsias comerciais. Contudo, as autoridades de Antigua estavam aborrecidas com a política dos EUA, que contribuía para a contração do setor de apostas pela Internet do país. Então, o governo autorizou levar o caso adiante – desde que o setor arcasse com as despesas dos honorários advocatícios (vale notar que, nesse contexto, uma solução desse tipo não funcionaria para, digamos, os produtores de algodão de Burkina Faso). “Temos ou não o dever para com nossos cidadãos de proteger seus empregos?”, perguntou Sir Ronald. O resultado inicial chegou em 24 de março de 2004 – “o pior dia da minha vida profissional”, lembra John Veroneau, então consultor jurídico geral do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. Sua tarefa desagradável foi ter de informar Bob Zoellick que os Estados Unidos tinham perdido o processo. A decisão do painel da OMC, composto por três membros, constituiu uma vitória tão ampla para Antigua, que todos já previam uma provável reversão de suas conclusões pelo Órgão de Apelação. A decisão do painel veio apesar da insistência de Washington de que nunca tivera a intenção de incluir jogos de azar quando concordou em abrir o mercado de “serviços culturais, esportivos e de entretenimento”. O painel tampouco deu ouvidos a outro argumento aparentemente forte apresentado pelos EUA, conhecido como a defesa “da ordem pública e da moral”, o que significa, em essência, que os membros da OMC têm o direito de proibir bens e serviços que possam prejudicar a integridade de seu tecido social (um exemplo clássico é a proibição de bebidas alcoólicas em países muçulmanos). A defesa estava segura de que ganharia na instância de apelação. Havia, todavia, um contrassenso na posição americana: o governo dos EUA estava tolerando apostas pela Internet em corridas de cavalos e, em alguns estados, em loterias e outros jogos. Vários sites americanos, conhecidos pelos nomes de Youbet.com e Xpressbet.com, permitiam que os usuários apostassem em corridas de leste a oeste dos Estados Unidos. Isso era hipocrisia óbvia, argumentaram os antiguanos, sustentando que a posição dos EUA violava o princípio inabalável da OMC de tratamento nacional. O princípio, como observado antes neste livro, essencialmente exige que um governo trate bens e serviços estrangeiros da mesma forma que trata os nacionais. Para proibir importações de bebidas alcoólicas, 247 paul blustein por exemplo, um país muçulmano tem de proibir a indústria nacional de bebidas também. Da mesma forma, reclamavam os antiguanos, os Estados Unidos só podem proibir seus cidadãos de usarem sites de apostas no exterior se proibirem igualmente os sites americanos. Porém, o Congresso se recusara a promulgar uma proibição abrangente, em parte porque o politicamente influente setor de corridas de cavalos depende de apostas feitas por telefone e pela Internet. Portanto, se os Estados Unidos tolerassem uma quantidade limitada de práticas viciosas enquanto proibiam o fornecedor estrangeiro de fazer o mesmo, estariam violando as regras da OMC. Esse argumento convenceu totalmente o Órgão de Apelação, que decidiu em abril de 2005 que Washington tinha de proibir todas as formas de apostas pela Internet, inclusive em corridas de cavalos, ou Antigua ganharia a causa. Parecia que os sonhos de vingança de Jay Cohen estavam realmente prestes a serem realizados. Mas, nesse ponto, outra grande injustiça no sistema da OMC estava entrando em ação. Quando um governo como a União Europeia ganha um processo e ameaça retaliar, como Bruxelas fez na controvérsia sobre o aço, o país condenado é obrigado a reconsiderar suas medidas infratoras, por causa do tamanho do mercado europeu. A eficácia dessa ameaça é muito mais questionável para nações do tamanho de Antigua. O perigo de perder exportações para o mercado antiguano dificilmente chamaria a atenção nos círculos empresariais dos EUA. Em outras palavras, a capacidade de impor uma punição aos oponentes e obrigá-los a cumprir as decisões da OMC é reservada aos razoavelmente ricos e razoavelmente grandes. Países em desenvolvimento podem ganhar processos contra adversários abastados na OMC, mas isso não necessariamente significa que possuem o poder para atingir seus objetivos. Ou será que possuem? De todas as reviravoltas bizarras nesse caso, a mais dramática ainda estava por vir – a transformação de Antigua em Pirata do Caribe. [*] Vamos pular rapidamente para a primavera de 2009, quando este livro está sendo terminado. Apesar de Antigua ter obtido uma decisão da OMC a seu favor em 2004 e outra vitória em instância de apelação 248 joias e piratas em 2005, ainda não estava satisfeita, tanto em relação a uma mudança da política norte-americana quanto a um claro direito de impor severas punições aos Estados Unidos. E o mesmo acontece com o Brasil no processo do algodão. No caso das apostas pela Internet, Washington foi capaz de usar uma série de manobras legais para manter os antiguanos amarrados a um litígio infindável. Durante certo tempo, o governo Bush, usando um pretexto dos mais inconsistentes, argumentou que os Estados Unidos tinham cumprido a decisão da OMC**. Os antiguanos, frustrados, retornaram para OMC a fim de obter uma decisão no sentido de que Washington ainda não estava cumprindo a decisão anterior. Novamente, Antigua venceu, mas só após muitos meses de luta. O governo dos EUA lançou mão de outra manobra para manter os antiguanos em suspenso, cujos detalhes complexos não nos interessam aqui. Basta dizer que até mesmo membros do Congresso execraram a tática como sendo um mau precedente que poderia minar o respeito internacional pela OMC. Durante todo esse tempo, os antiguanos ostentaram um novo tipo de arma, nunca antes usada em uma controvérsia na OMC, causando embaraço para grandes empresas norte-americanas. Imagine uma fábrica em Antigua produzindo uma quantidade equivalente a milhões de dólares em versões pirata de DVDs, CDs ou software americanos, com total apoio das autoridades antiguanas. Normalmente isso violaria as regras de propriedade intelectual da OMC. Mas os antiguanos pediram à OMC o direito de fazer algo desse gênero, envolvendo uma técnica chamada de “retaliação cruzada”. O raciocínio é o de que, tendo em vista que a elevação das tarifas antiguanas sobre produtos americanos não é um meio eficaz de punir Washington, Antigua deveria ter o direito de prejudicar os direitos dos EUA em outras áreas dos acordos da OMC. O governo primeiro tentou garantir uma legislação “esclarecendo” que todas as formas de apostas online são ilegais nos Estados Unidos. Mas o setor de corridas de cavalos bloqueou essa legislação no Capitólio. Em sua tentativa seguinte de alegar que estava cumprindo a regra da OMC, a administração citou um testemunho de abril de 2006, dado por um oficial do Departamento de Justiça, afirmando que todas as apostas pela Internet feitas por ligações interestaduais violam leis em vigor. Essa afirmação era novidade para a indústria de corridas de cavalos e pareceu ter pouco efeito sobre o setor de apostas, que continuou a funcionar sem sofrer processos. ** 249 paul blustein Há uma ironia deliciosa nessa situação, porque haviam sido os Estados Unidos os principais defensores do direito à retaliação cruzada. Washington insistiu durante a Rodada Uruguai que, se fosse para assegurar capacidade efetiva de proteger a propriedade intelectual de empresas americanas, deveria ser permitido que eles impusessem tarifas às mercadorias de países considerados culpados por permitir a pirataria de filmes, medicamentos e outros produtos americanos. Agora tinham trocado de lugar. Um pouco antes do Natal de 2007, um painel da OMC concordou que Antigua tinha o direito de aplicar retaliação cruzada. Mas se esse direito ainda valia alguma coisa não estava claro. Em certo sentido, o painel disse que Antigua tinha o direito a apenas US$ 21 milhões em retaliação. Esse foi o valor estimado pelo painel para os prejuízos antiguanos causados pelas políticas ilegais norte-americanas. Isso deixou os especialistas refletindo sobre como deveriam ser calculados esses US$ 21 milhões na aplicação da retaliação cruzada. O valor estaria baseado em custos de produção dos produtos pirateados ou no valor de mercado das versões legais dos produtos sendo copiados? Uma dúvida ainda mais importante referia-se ao direito de Antigua de exportar o material pirateado. Funcionários governamentais dos EUA sustentaram enfaticamente que qualquer pirataria feita por Antigua deveria ficar restrita a produtos vendidos no pequeno mercado doméstico de Antigua. Neste momento, os antiguanos estão aguardando uma resposta para essa situação ambígua, esperando que um presidente democrata e um Congresso democrata tenham mais boa vontade de negociar uma solução satisfatória. Nesse ínterim, de volta à Sala E, outra audiência estava sendo realizada sobre o caso do algodão em 3 de março de 2009. A questão que estava em jogo, desta vez, era se esse caso também terminaria com a concessão de uma licença para cometer pirataria – uma pirataria gigantesca, a ser praticada pelo Brasil. [*] Quem estava apresentando o argumento brasileiro nesse dia era Roberto Azevedo, o embaixador do país na OMC. “Já se passou muito, muito tempo” desde as primeiras audiências em 2003, observou Azevedo aos membros do painel, que contava com um economista irlandês, um 250 joias e piratas funcionário do governo mexicano e o mesmo advogado australiano que tinha trabalhado no painel de 2003. “Este é o quinto procedimento na OMC [da mesma disputa] ao longo de um período de mais de seis anos”. Como as observações do embaixador sugeriam, até mesmo o Brasil, embora dotado de um mercado muito maior do que o de Antigua, também tinha enfrentado muitas frustrações em seus esforços para obter suas justas reparações após a vitória histórica sobre os subsídios ao algodão. Os Estados Unidos tomaram algumas medidas para resolver o problema em resposta à decisão da OMC em 2004. O Congresso eliminou uma das partes mais afrontosas da política do algodão dos EUA, um programa que pagava às indústrias têxteis norte-americanas para comprar algodão produzido nos EUA. Mas legisladores e autoridades governamentais do governo dos EUA insistiram que outros subsídios ao algodão ainda maiores teriam de ser negociados na Rodada Doha em vez de ficarem sujeitos a litígios. A disputa retornou ao tribunal da OMC onde, em repetidas ocasiões, os juízes decidiram que Washington estava em situação de descumprimento de suas obrigações. Os americanos conseguiram ainda prolongar os trabalhos argumentando que as condições do mercado internacional de algodão tinham mudado drasticamente com o passar dos anos. O resultado dessa etapa da disputa foi igualmente a favor do Brasil, mas somente após certo tempo. Então, por fim, na manhã daquele dia de março, na Sala E, o caso estava chegando ao ponto de decidir que tipos de medidas o Brasil seria autorizado a adotar em retaliação, inclusive se o país deveria, como Antigua, ganhar o direito de aplicar retaliação cruzada. Os advogados americanos argumentaram que Brasília não deveria ser autorizada a fazer muita coisa – os prejuízos causados pelos subsídios ao algodão não eram tão grandes, sustentavam os americanos, e, em todo caso, dado o tamanho e a diversidade de sua economia, o Brasil poderia facilmente “infligir importantes perdas econômicas” a Washington usando o método tradicional de elevar tarifas sobre exportações norte-americanas. Esse argumento “ignora completamente a questão central”, segundo a declaração de Azevedo ao painel. “A realidade é que os Estados Unidos não podem ocultar o fato de que esta não é uma disputa entre iguais – não chega nem perto disso”. Ele observou que a economia dos EUA é “algo em torno de dez vezes maior do que a do Brasil” e que as exportações para o Brasil representam apenas cerca de 1,7% das exportações totais 251 paul blustein dos EUA. Isso significava que Brasília exerceria pouca influência sobre Washington ao elevar tarifas. Na verdade, esse tipo de medida apenas prejudicaria a economia brasileira, porque a maior parte dos produtos americanos que entram no Brasil são muito necessários ao país, como maquinário e componentes industriais e agrícolas. “Sua decisão nesse processo terá uma incidência direta sobre a saúde do sistema multilateral de comércio”, concluiu Azevedo. “A credibilidade desse sistema está em jogo”, pois, ao conceder ao Brasil o direito de aplicar retaliação cruzada, “os senhores estariam sinalizando que o sistema de observância de regras da OMC não funciona apenas em favor dos países desenvolvidos”. Uma decisão era esperada no verão de 2009, data muito próxima da publicação desse livro, impossibilitando a sua inclusão aqui. [*] Tanto os casos relativos ao algodão (Upland Cotton) quanto aos jogos de azar (Gambling) podem se arrastar por anos ainda. Eles devem ser vistos a partir de uma perspectiva adequada. Essas controvérsias são altamente esclarecedoras porque mostram que países em desenvolvimento podem enfrentar uma batalha injusta para obter o cumprimento de decisões da OMC proferidas em seu favor. Mas esses casos não são representativos. Sob muitos aspectos, os países ricos cumprem de maneira relativamente rápida as decisões da OMC emitidas contra eles em processos instaurados por países em desenvolvimento. Um dos primeiros casos da OMC, por exemplo, envolveu uma queixa apresentada pela Costa Rica contra os Estados Unidos em relação a quotas de roupas íntimas. Quando Washington perdeu, modificou prontamente suas políticas de modo a cumprir a decisão. Em suma, os defeitos do Entendimento sobre Solução de Controvérsias não podem obscurecer suas virtudes consideráveis. Ele fomenta a estabilidade e, em certa medida, funciona como um grande equalizador. Talvez, mais importante ainda seja o fato de que esta parte da OMC dedicada à solução de controvérsias confere à instituição toda a credibilidade que lhe faltava na época do GATT. E o mecanismo de solução de controvérsias funciona com um grau relativamente alto de eficácia. Negociações comerciais, às quais nossa narrativa agora retorna, constituem uma questão inteiramente diferente. 252 Capítulo 9 Sua Santidade, o Papa Bob A expressão “Jack está de volta” significava que Bob Zoellick estava num humor especialmente nefasto. Seus assessores cunharam a expressão após ouvirem-no vociferar “That guy doesn’t know jack shit!” [Esse cara não sabe porcaria nenhuma!]. Assim, quando seu temperamento exaltado parecia estar se apoderando dele, o pessoal do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos dizia que “Jack” tinha voltado. A expressão vinha sendo usada com frequência no outono de 2003, logo depois da conferência de Cancún. “Cara, o Jack voltou com tudo naquela época”, recorda-se um dos ex-assistentes de Zoellick, com um arrepio. Motivos não faltavam. Cancún pusera em risco toda a agenda de Zoellick. Com a Rodada Doha empacada, sua esperança de alcançar um êxito após o outro, culminando com a conclusão das negociações em 2005, parecia mais remota. Além disso, segundo rumores prevalecentes, haveria pouca novidade na área de comércio em 2004 por causa da eleição presidencial. Os democratas com certeza bloqueariam quaisquer movimentos do governo Bush que pudessem colocar em risco os empregos dos americanos devido ao comércio globalizado, e os republicanos resistiriam bravamente a quaisquer concessões dos EUA em relação ao comércio agrícola que pudessem custar-lhes votos nas áreas rurais. Portanto, os avanços na liberalização dos mercados teriam de esperar. 253 paul blustein Qualquer pessoa que conhecesse Zoellick sabia que ele não desistiria durante o último ano do primeiro mandato de Bush. Depois de ter ridicularizado a equipe de Clinton por não ter conseguido agir de acordo com sua retórica de livre comércio no final da década de 1990, Zoellick estava determinado a garantir que ele e o presidente a quem servia produziriam um resultado bastante diferente. Contudo, em sua determinação em deixar uma marca, adotou políticas que induziram o sistema global de comércio a uma direção perturbadora, mesmo para aqueles que se mostravam favoráveis à sua meta global de liberalização do comércio. Um artigo que escreveu para o jornal Financial Times em 22 de setembro de 2003, poucos dias após a reunião, refletia sua frustração em relação aos acontecimentos ocorridos em Cancún. Zoellick culpava seus adversários – o Brasil era mencionado cinco vezes – por terem incentivado uma “cultura de protesto que definia vitória em termos de atos políticos em vez de resultados econômicos”. Deixou claro que recompensaria países colaborativos e puniria os que se recusassem a cooperar, intensificando sua estratégia de “liberalização competitiva”, isto é, de promover negociações comerciais em vários níveis: A principal divisão em Cancún foi entre os países do grupo dos que “podem fazer” e aqueles do grupo dos que “não querem fazer”. Por dois anos, os EUA promoveram a abertura de mercados globais, em nosso hemisfério, e com sub-regiões ou países individuais. Enquanto os membros da OMC pensam no futuro, os EUA não ficarão esperando. Seguiremos em direção ao livre comércio com os países que “podem fazer”. Em outras palavras, o mercado norte-americano de 300 milhões de ávidos consumidores seria usado, ao mesmo tempo, como incentivo e punição. Os países que partilhavam do entusiasmo de Washington por um comércio mais livre obteriam acesso preferencial a esse mercado por meio da assinatura de acordos bilaterais e regionais, eliminando a maior parte das barreiras comerciais entre eles e os Estados Unidos. Nesse meio tempo, as nações relutantes ficariam em desvantagem, pois seus produtos sujeitos a tarifas que Washington mantinha em bases de Nação Mais Favorecida para os membros da OMC. Por fim, eles reconheceriam 254 sua santidade, o papa bob que tinham um interesse próprio em juntar seu vagão ao trem conduzido pelos EUA. No final, esses acordos acabariam funcionando como peças que comporiam blocos constitutivos de acordos mais amplos que, em última análise, abrangeriam o mundo todo. É claro que acordos bilaterais e regionais de livre comércio não eram novidade. A União Europeia era a pioneira dos acordos regionais e seu sucesso tinha inspirado várias imitações, inclusive o NAFTA, o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e o acordo de comércio entre membros da Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Tailândia, Indonésia, Malásia, Cingapura, Filipinas e várias outras)*. Os acordos bilaterais antigos incluíam aqueles firmados entre os Estados Unidos e Israel, em 1985, entre o Canadá e o Chile, em 1996, entre o México e o Chile, em 1999 e entre a União Europeia e o México, em 2000. A União Europeia também assinou vários acordos durante a década de 1990 com países vizinhos, como a Noruega e a Islândia, e com algumas nações candidatas a ingressar na União Europeia, incluindo a Bulgária, a Polônia e as Repúblicas Tcheca e Eslovaca. De fato, Zoellick citava com frequência esses acordos como justificativa para o agressivo esforço norte-americano de negociação de acordos de livre comércio, alegando que Washington precisava compensar o atraso em relação a seus concorrentes. Essa tendência ganhou grande impulso depois que Zoellick obteve, em 2002, a autoridade legislativa de que precisava e começou rapidamente a expandir o conjunto de acordos de livre comércio de Washington. No outono de 2003, fechou dois acordos bilaterais iniciados durante os anos Clinton – com Chile e Cingapura. Além disso, iniciou negociações com Austrália, Marrocos e cinco países da América Central (Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica) mais a República Dominicana. Também começou a explorar negociações semelhantes com a Tailândia, Bahrein, Colômbia, Peru e um grupo de nações do sul da África. Na opinião de Zoellick, esses pactos ofereciam uma série de vantagens. Propiciavam a Washington uma oportunidade de extrair A União Europeia e o Mercosul são uniões aduaneiras, que se distinguem de áreas de livre comércio como o NAFTA. Em uma união aduaneira, as nações-membros não apenas reduzem ou eliminam tarifas de comércio entre si, como também mantêm tarifas externas comuns sobre mercadorias produzidas fora da união. Em uma área de livre comércio, os membros não possuem tarifas externas comuns. * 255 paul blustein maiores concessões de parceiros dispostos a negociar do que conseguiria no contexto da OMC. Isso porque essas negociações não envolviam apenas eliminação total de tarifas para uma ampla gama de produtos, mas incluíam igualmente certos benefícios para a atuação de companhias americanas que iam além das regras da OMC. Em particular, essas negociações normalmente continham dispositivos protegendo os direitos de investidores e prestadores de serviços dos EUA, além de regras mais rígidas sobre direitos de propriedade intelectual do que as da OMC. Ao manter o foco do debate doméstico nos EUA concentrado mais no livre comércio do que na contenção de iniciativas protecionistas, os acordos bilaterais também possibilitavam que o poder executivo ficasse na “ofensiva” em relação ao Congresso. Igualmente importantes para Zoellick eram as sinergias entre esses acordos e os objetivos da política externa dos Estados Unidos. Os acordos com o Marrocos e o Bahrein, por exemplo, ajudariam a estimular, no mundo islâmico, reformas orientadas para o livre mercado e para a prevalência do estado de direito ao estilo americano, servindo como modelo para outras nações muçulmanas. Além disso, os acordos forneciam uma nova raison d’être para o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos. “Embora a OMC fosse a opção correta, e apesar de termos obtido alguns êxitos na organização, graças a Deus Bob Zoellick também fez os acordos de livre comércio”, disse Allen Johnson, ex-negociador-chefe de Agricultura. “Se a OMC e a Área de Livre Comércio das Américas fossem os únicos temas da minha agenda de trabalho, creio que provavelmente teria pensado em me matar”. Matt Niemeyer, na época chefe de relações com o Congresso do gabinete de Zoellick, faz eco a esse sentimento, dizendo que os acordos bilaterais “exauriram os representantes adjuntos de Comércio dos Estados Unidos, mas eles adoravam as vitórias. Isto porque, uma vez concluído um acordo, eles podiam pendurar um troféu na parede”, o que, é claro, melhoraria suas perspectivas de emprego quando estivessem prontos para ingressar no setor privado. Contudo, à medida que Zoellick ia concluindo acordos e iniciando novas negociações, aumentavam os receios e dúvidas: será que esses “troféus na parede” eram só isso – troféus – para fazer com que a agenda comercial do governo (e seu representante de Comércio) parecesse mais ativa, agressiva e bem-sucedida? E mesmo que acordos bilaterais normalmente fossem considerados como promotores da “globalização”, 256 sua santidade, o papa bob será que eles realmente ajudavam a causa da globalização? Ou será que causavam mais mal do que bem a essa causa? [*] Grant Aldonas se lembra perfeitamente do dia em que descobriu que os Estados Unidos estavam lançando negociações de um acordo de livre comércio com o Marrocos, porque tanto ele quanto seu chefe, o secretário de Comércio Donald Evans, leram sobre isso num jornal. Na condição de subsecretário de comércio para comércio internacional, Aldonas preferia ter sido informado com antecedência, para que pudesse expressar suas reservas. Dentro do governo, Aldonas era uma das poucas vozes dissonantes da opção preferencial de Zoellick por acordos bilaterais. Ele ouvia comentários de seus amigos republicanos no Capitólio de que o grande número de acordos estava erodindo o apoio ao comércio no Congresso. Para os legisladores de ambos os partidos, apoiar frequentemente acordos comerciais significava dar munição a seus adversários na próxima eleição. Portanto, Aldonas não conseguiu deixar de se indagar qual grande propósito estaria por trás das negociações e renegociações de acordos bilaterais de Zoellick. Uma coisa teria sido se Washington estivesse lançando negociações com grandes economias, mas eliminar barreiras comerciais com nações ou blocos de grande porte era politicamente muito complicado. A União Europeia, por exemplo, não era favorável a expor totalmente seu mercado agrícola à concorrência norte-americana. O Canadá e o México, que eram mercados importantes para exportadores norte-americanos por causa de sua proximidade, já faziam parte do NAFTA. Isso deixava Zoellick com um conjunto heterogêneo de parceiros disponíveis para negociações bilaterais, dotados, em sua maioria, de mercados relativamente insignificantes e de interesse limitado para os exportadores americanos. A Austrália, uma das maiores economias com as quais Zoellick estava negociando, já era relativamente aberta. “Fomos ignorados”, disse Aldonas dando de ombros. Outros, fora do governo, tinham objeções mais fundamentais, isto é, que Zoellick, em seu zelo ao negociar acordos, estava subvertendo os princípios do multilateralismo. Essa crítica vinha principalmente dos economistas acadêmicos, liderados por Jagdish Bhagwati, da 257 paul blustein Universidade de Columbia, e Ross Garnaut, da Universidade Nacional Australiana. Eles figuravam entre os defensores mais famosos e ardentes do livre comércio, mas ficaram horrorizados com os acordos bilaterais que Zoellick tentava concluir. Sim, reconheciam eles, os artífices do GATT tinham incluído dispositivos especiais permitindo acordos de livre comércio. “Mas isso ignora a questão central. Não há prova de que os redatores do GATT tivessem em mente uma epidemia de acordos de livre comércio que se espalhariam mais rapidamente do que uma grave síndrome respiratória aguda”, escreveram Bhagwati e Garnaut em um artigo de julho de 2003, opondo-se ao pacto entre EUA e Austrália. O problema, afirmavam eles com impaciência, “tornou-se sistêmico”. Culpavam o governo Bush por popularizar o bilateralismo nos ministérios de comércio do mundo todo, notando que “centenas de acordos de livre comércio tornaram-se mais prováveis de se concretizar desde que a Austrália reagiu pela primeira vez à nova abordagem da equipe de Bush aos acordos de livre comércio no final de 2000”. A “epidemia” a que se referiam se espalhava porque cada acordo de livre comércio que era lançado – ou que era cogitado – tendia a gerar mais acordos. Quando formuladores de políticas viam seus homólogos em países vizinhos negociando-os, concluíam, com frequência, que era melhor entrarem para o clube sob pena de se verem cercados por blocos comerciais dos quais estariam excluídos. Assim, até mesmo países que outrora tinham sido os mais ferrenhos defensores do multilateralismo estavam se apegando à ideia dos acordos bilaterais. Os gigantes comerciais do norte da Ásia – Japão, Coreia do Sul e China – há muito rejeitavam todos os acordos que não fossem multilaterais. Porém, em 2002, o Japão assinou um pacto com Cingapura e iniciou negociações com a Malásia e vários outros parceiros comerciais. “No passado, nas décadas de 1980 e início da década de 1990, não estávamos interessados em acordos de livre comércio, mas, desde então, começamos a ficar rodeados por esses grupos, na Europa e nos Estados Unidos”, explicou Noboru Hatakeyama, presidente da Organização Japonesa de Comércio Exterior (JETRO, na sigla em inglês), ao jornal New York Times. A Coreia do Sul, para não ser sobrepujada por seu rival, logo buscaria unir-se ao Chile e ao bloco do Sudeste Asiático, assim como à China. A Austrália, cujo único acordo anterior tinha sido com a Nova Zelândia na década de 1960, 258 sua santidade, o papa bob assinou tratados com Cingapura em 2002 e com a Tailândia em 2003. Cingapura articulou-se com a Índia logo após os indianos terem feito o mesmo com a Tailândia. O valor de muitos desses acordos era mais simbólico do que substantivo. Em geral, excetuavam determinados setores politicamente sensíveis, sobretudo a agricultura, e assim aumentavam somente de forma marginal oportunidades de comércio entre os países participantes. Porém, cada um deles acrescentava mais um fio ao que Bhagwati chamava de “prato de espaguete” do comércio global. Todos esses acordos incluíam um conjunto de regras complexas para se certificar de que mercadorias que recebiam isenção fiscal estavam habilitadas a receber esse tratamento. O NAFTA, por exemplo, tem cerca de 200 páginas de regras definindo a maneira pela qual produtos podem ser qualificados como norte-americanos. Na ausência dessas regras, nada impediria que um fabricante de camisas do Vietnã, por exemplo, exportasse suas camisas para o México, costurando etiquetas de “Fabricado no México” e as vendesse nos Estados Unidos com isenção de impostos. E o que exatamente qualificaria as camisas fabricadas no México como mexicanas? A costura, o tecido ou o fio, ou será que todos os três requisitos seriam necessários? Acrescentando ainda mais massa ao prato de espaguete estava uma profusão de acordos de mão única, ou unilaterais, nos quais nações ricas dão tratamento especial a alguns dos produtos fabricados em países pobres. Entre os exemplos está o tratamento preferencial que a União Europeia concede às importações de suas ex-colônias. O dano potencial causado ao multilateralismo por acordos de livre comércio extrapola em muito a complexidade adicional que esses pactos engendram. Negociações bilaterais e regionais podem minar a autoridade da OMC, relegando-a ao status de ator menor no estabelecimento das regras de comércio. No mínimo, tais acordos corroem o princípio de Nação Mais Favorecida ao promover a discriminação entre membros da OMC. Afinal de contas, toda vez que dois sorridentes ministros de comércio se colocam diante de câmeras de televisão para se cumprimentarem e anunciar a conclusão de um acordo de livre comércio, um aspecto nefasto do acordo quase invariavelmente deixa de ser ressaltado – o impacto sobre países que estão de fora, perdendo algumas oportunidades de comércio que de outra forma teriam. 259 paul blustein Então surge o problema que os economistas denominam “erosão de preferências”. Cada novo acordo de livre comércio ou acordo preferencial cria grupos que combatem a liberalização mundial porque seu acesso especial a um mercado lucrativo perde valor quando seus concorrentes de outros países ganham o mesmo tratamento de baixas tarifas. Consequentemente, os acordos bilaterais e outros acordos desse tipo podem facilmente tornar-se obstáculos em vez de tijolos para a construção de pactos globais. A todas essas objeções, Zoellick consistentemente argumentou que seus críticos eram idealistas e ingênuos inveterados. Em sua opinião, os acordos bilaterais não eram hostis ao multilateralismo. Pelo contrário: eram essenciais para o sucesso da OMC. “A capacidade de poder dizer: ‘Fazemos acordos bilaterais’ é muito importante quando você está tentando negociar um acordo da OMC”, disse ele. “Esses acadêmicos nunca se sentaram em salas de negociação nem negociaram com o Congresso. Acredito no sistema multilateral e nos mercados livres no mundo inteiro. Mas também sei como usar o poder nacional. Os acordos bilaterais têm sido um meio útil de exercer influência. Eles também têm seus próprios benefícios”. Não há dúvida de que alguns países podem ficar intimidados com ameaças de que os Estados Unidos forjarão acordos bilaterais com outras nações. Mas quantos? Como as tarifas dos EUA já são baixas de modo geral, a perspectiva de serem excluídos da lista de parceiros de livre comércio de Washington não é necessariamente aterrorizante para formuladores de políticas em todas as capitais. Poucas semanas após Cancún, os limites da estratégia de liberalização competitiva ficaram totalmente evidentes. [*] Concluir a Área de Livre Comércio das Américas era uma das prioridades da política comercial de George W. Bush. Como político texano que tinha feito campanha sobre a importância de os Estados Unidos aprofundarem seus laços com os vizinhos do sul, o presidente estava pessoalmente engajado na proposta de criar uma expansão do NAFTA que abrangeria o Hemisfério Ocidental. A grande chance de seu governo fazer avançar o acordo surgiu no encontro realizado em 260 sua santidade, o papa bob Miami em novembro de 2003, reunindo representantes de 34 nações da América do Norte, América Latina e Caribe, com Zoellick à frente da delegação dos EUA. Tal como em outros acordos de livre comércio que Washington tinha lançado, o governo Bush insistia em tornar o acordo abrangente – “o padrão ouro”, como os negociadores dos EUA gostavam de chamar. Isso significava que a negociação incluiria regras garantindo que todas as nações-membros concederiam maior acesso para investimentos e serviços das empresas de cada um dos demais países. Além disso, proveriam extensa proteção aos direitos de propriedade intelectual dessas empresas. Essa visão norte-americana da área de livre comércio era apoiada por vários países influentes do hemisfério, principalmente o Canadá, o Chile e a Costa Rica. Infelizmente para Zoellick, um dos países que mais lhe dera trabalho em Cancún estava liderando a resistência à abordagem dos EUA. O presidente brasileiro Lula da Silva fora eleito com uma plataforma de campanha que retratava a integração hemisférica de maneira quase oposta à ideia de Bush, isto é, afirmando que o pacto de comércio regional equivaleria a uma “anexação” da América Latina pelos EUA. Como a maior nação latino-americana, o Brasil tinha poucos escrúpulos em rejeitar a visão abrangente que Washington tinha da negociação e os brasileiros poderiam se confortar com o apoio recebido da Argentina, a segunda maior potência da América do Sul. Outrora solidamente pró-Estados Unidos, a Argentina estava se recuperando de uma crise econômica escorchante que deixara seus formuladores muito menos encantados do que antes com o modelo capitalista norte-americano. Os governos desses países assumiram a atitude de que a única Área de Livre Comércio das Américas, da qual poderiam participar, seria uma área reduzida a seu essencial – cortes de tarifas para mercadorias comercializadas entre suas nações-membros. Isso era inaceitável para Washington. Não obstante seu poder supostamente temível, Zoellick não poderia forçar os brasileiros e os argentinos a se submeterem. As advertências do represente americano de comércio no sentido de que os Estados Unidos concluiriam acordos de livre comércio com seus vizinhos não conseguiram demover nem o Brasil nem a Argentina de sua posição. Martín Redrado, então secretário de Comércio da Argentina, se recorda de 261 paul blustein minimizar preocupações de que exportadores de outras nações da América Latina tivessem um melhor grau de acesso ao mercado norte-americano do que os exportadores argentinos. “Nesse ponto, a União Europeia é nosso mercado número 1, seguida do Brasil e da Ásia, incluindo o Japão, e em quarto lugar o NAFTA, isto é, principalmente os Estados Unidos”, disse Redrado. “Disse a Zoellick e aos outros negociadores: ‘Não é uma questão de ideologia. Fiz minha formação como economista nos Estados Unidos. Quero relações mais próximas com os Estados Unidos. Mas estou defendendo os interesses do meu país”. A fim de evitar outro fracasso parecido com Cancún – somente dois meses após a referida conferência da OMC – Zoellick tinha de trabalhar com Celso Amorim para produzir um acordo que preservasse as aparências, atenuando as discordâncias entre ambos. A reunião de Miami terminou com uma promessa de continuar construindo da Área de Livre Comércio das Américas, mas não foi muito além disso. Os países do hemisfério podiam integrar-se de forma total ou parcial. Os detalhes seriam deixados para futuras negociações. Ninguém se convenceu quando, na coletiva de imprensa ao final da reunião, os ministros presentes afirmaram que seu encontro fora um sucesso. Em caráter privado, os negociadores norte-americanos admitiram que os planos para a área de livre comércio haviam naufragado porque os principais participantes sequer conseguiam encontrar um denominador comum em torno dos pontos mais básicos. Desde então, o pacto hemisférico permaneceu moribundo. De uma forma ou de outra, a “liberalização competitiva” havia fracassado. Países grandes, dotados de amplos mercados, tinham se recusado a serem intimidados por esse artifício. Zoellick não admitiria isso sob nenhuma hipótese. Impávido, ele anunciou planos em Miami para mais negociações de acordos bilaterais. Colômbia, Peru, Panamá, Equador e Bolívia se juntaram à lista já longa de potenciais parceiros de livre comércio dos Estados Unidos. O “prato de espaguete” seria complementado com porções de penne, farfalle e capellini. A essa altura, Zoellick fez algo completamente inesperado. Depois de ter aparentemente trabalhado para destroçar o sistema multilateral, empenhou-se em dar-lhe um novo sopro de vida. [*] 262 sua santidade, o papa bob Negociações multilaterais de comércio seguem, com frequência, um padrão de morte e ressurreição segundo o qual um fracasso de grande visibilidade tende a forçar os negociadores a uma convergência na reunião seguinte. A morte ocorrera em Seattle. Doha representara a ressurreição. A morte aparecera novamente em Cancún. Agora a questão era saber quem, se é que havia alguém, iria desempenhar o papel de ressuscitador. A resposta veio numa carta, datada de 11 de janeiro de 2004, endereçada aos ministros do comércio de todos os países-membros da OMC, e que começava com as seguintes palavras: “Feliz Ano Novo! Espero que vocês estejam bem”. A carta exortava os países a avançar de maneira significativa na Rodada Doha, nos meses seguintes, e apresentava algumas ideias nesse sentido. Era o tipo de iniciativa que o diretor-geral da OMC poderia ter lançado, mas o titular desse cargo, Supachai Panitchpakdi, não demonstrava o dinamismo necessário para mobilizar os membros. Na verdade, o autor da carta era Zoellick. Convencido de que os Estados Unidos tinham de exercer a liderança e confiante em sua habilidade de fazer as coisas acontecerem, o representante de Comércio dos Estados Unidos estava pronto para entrar em campo. Zoellick escreveu: Eis a minha avaliação franca: há um interesse geral em fazer avançar a Agenda de Desenvolvimento de Doha. Há inclusive a percepção de que nossos embates em Cancún podem ter criado alguns fundamentos úteis. Porém, há dúvidas sobre como devemos reengajar-nos produtivamente para que possamos tomar as decisões necessárias. Não quero que 2004 seja um ano perdido para as negociações da OMC. Isso era uma surpresa porque, tal como observado no jornal Financial Times, que deu em primeira mão a notícia da iniciativa de Zoellick, “com as eleições presidenciais nos EUA se aproximando em novembro, muitos membros da OMC já haviam se resignado a avançar pouco neste ano”. Contudo, aqui estava o representante de Comércio dos Estados Unidos, nomeado pelo homem que era candidato à reeleição, declarando, em poucas palavras, que estava disposto a assumir alguns riscos políticos desde que, é claro, seus homólogos aceitassem fazer o mesmo. A atitude de Zoellick era igualmente surpreendente diante do enfático desagrado que expressara após Cancún com relação à paralisia 263 paul blustein da OMC, conferindo prioridade à via bilateral e regional. Mas Zoellick era acima de tudo um formulador de políticas ativo, desejoso de divulgar realizações em matéria de liberalização comercial. Algum movimento nas negociações de Doha parecia possível. Os assessores de Zoellick para temas agrícolas aconselhavam-no que os lobbies desse setor nos EUA estavam muito mais interessados em um pacto mundial do que nos acordos bilaterais contemplados por Washington. Em sua carta de sete páginas, Zoellick fazia alguns gestos conciliadores aos países em desenvolvimento. O dado importante é que a carta se afastava do documento dos Estados Unidos e da União Europeia sobre agricultura que tanto exasperara os países pobres antes de Cancún. Ainda que o documento tenha vislumbrado a possibilidade de preservação de alguns subsídios à exportação para produtos agrícolas, Zoellick escreveu em sua carta que não havia jeito de concluir a Rodada Doha “a menos que tenhamos um acordo para eliminar subsídios à exportação até uma data determinada”. Como o término dos subsídios à exportação em sua maior parte implicaria sacrifícios para a União Europeia, ele disse que Washington estaria propenso a oferecer algumas concessões correlatas em troca. Tratava-se, principalmente, de modificar a política agrícola dos EUA de forma a eliminar programas de efeito equiparável ao de subsídios à exportação, tais como créditos para exportação financiados pelo governo federal. Ele também indicava disposição de fazer algumas concessões no tema do algodão (a essa altura, ainda faltavam quatro meses para a decisão do painel da OMC no caso aberto pelo Brasil). Era uma iniciativa corajosa e, tal como em outras ocasiões, Zoellick não se preocupou em discutir cuidadosamente seu plano com a Casa Branca antes de lançá-lo. Julgava ter sido indiretamente estimulado por Bush quando, após Cancún, o presidente perguntou em uma reunião ministerial como ele planejava reavivar a rodada. Isso foi o suficiente para deixá-lo à vontade para concluir sua carta enfatizando novamente que 2004 deveria ser “um ano que supere as expectativas e leve à conclusão da Agenda de Desenvolvimento de Doha”. Mas havia um assunto que não podia prescindir de uma consulta de Zoellick à Casa Branca – um avião – porque, depois do envio da carta, o representante de Comércio dos Estados Unidos partiu, em fevereiro, para uma viagem de duas semanas ao redor do mundo para se encontrar com seus companheiros ministros de comércio e promover sua ideia de 264 sua santidade, o papa bob produzir avanços na Rodada Doha em 2004. O périplo de 32.000 milhas tornou-o o mais viajado membro do gabinete ministerial, incluindo o secretário de Estado Colin Powell. Fez escalas no Japão, China, Cingapura, Paquistão, Índia, África do Sul, Quênia, Suíça e França. Em 13 de fevereiro, durante sua parada em Cingapura, revelou seu plano para o ano: os membros da OMC realizariam uma grande reunião em Genebra durante o verão – não uma conferência ministerial completa, mas uma reunião a que alguns ministros compareceriam e outros países seriam representados por seus embaixadores. “Nossa meta”, disse ele, “seria, se possível, tentar fazer nesse verão o que não conseguimos fazer em Cancún”. Para esse fim, seria necessário criar um novo processo que viabilizasse avanços nas negociações. Zoellick seguiu o exemplo do famoso estrategista militar chinês Sun Tzu, que aconselhou: “Mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda”. Ele sequer quisera se reunir com o G-20 em Cancún, mas agora teria de aceitar o inevitável. Acolheria os líderes do grupo na composição da nova elite de poder na OMC. [*] Celso Amorim se encontrava em uma reunião na Argentina em janeiro de 2004 quando recebeu um telefonema de Zoellick. O ministro das Relações Exteriores brasileiro achou que o motivo da conversa seria um assunto enfadonho – a Área de Livre Comércio das Américas. Para sua surpresa, esse tema ocupou apenas alguns minutos. “O resto da conversa foi sobre como deveríamos retomar as negociações da OMC”, lembra-se Amorim. “Zoellick me disse: ‘Tenho pensado sobre vários países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, que possam liderar o jogo’”. O sistema multilateral de comércio sempre foi regido por um esquema de “círculos concêntricos”, no qual pequenos grupos de nações primeiro tentam chegar a acordos que são então passados adiante para a análise de grupos mais amplos, com a exigência de consenso de todos os membros. Tal como observado no Capítulo 2, a “panelinha” mais exclusiva durante a maior parte do período do GATT foi o Quad, formado pelos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá. Seus quatro ministros do Comércio se reuniam periodicamente em vários locais ao 265 paul blustein redor do mundo para discutir temas importantes do sistema multilateral, enquanto repórteres acampavam do lado de fora esperando a possível divulgação de uma decisão conjunta que presumivelmente exerceria grande influência sobre a política comercial global. Ninguém poderia afirmar que esse grupo autodesignado era democrático; a principal justificativa para sua existência era que um acordo entre seus membros representava o primeiro passo necessário para a adoção de qualquer política formal, dado seu papel predominante nos fluxos de comércio nos setores (principalmente o manufatureiro) que eram objeto das regras em negociação. O Quad continuou a se reunir durante os primeiros anos da existência da OMC, mas foi sendo gradualmente ofuscado com a evolução da Rodada Doha. O fato de sua composição contar exclusivamente com países ricos tornou-o mais anacrônico do que nunca num momento marcado pelo crescimento sem precedentes da importância e da assertividade econômica dos grandes países em desenvolvimento. Além disso, a inclusão dos japoneses era obviamente motivo de antagonismo no que se referia a Zoellick. O substituto do Quad, pensava ele, precisava ser, em termos gerais, do mesmo tamanho que antes, mas os novos participantes a serem incluídos ao lado dos EUA e da União Europeia teriam de refletir as mudanças em curso na economia global. Quem seria cortado e quem seria mantido? Essa distinção era importante, porque, embora os integrantes do círculo interno não possam forçar seus acordos goela abaixo dos de fora, eles poderiam impor aos demais o ônus de rejeitá-lo. Avanços e recuos se seguiram durante meses. O Brasil, na condição de líder do G-20, era uma opção óbvia. A União Europeia queria a inclusão da Índia porque compartilhava sua posição defensiva em tarifas agrícolas. Zoellick, de forma semelhante, insistiu em trazer um aliado na questão agrícola, isto é, a Austrália, que liderava a coalizão de países exportadores agrícolas. Japão e Canadá ficaram de fora, com protestos especialmente veementes dos japoneses. Um funcionário brasileiro de alto nível se lembra de que Tóquio enviou uma autoridade de alto escalão a Brasília “implorando para que o país fosse admitido”. O esforço foi inútil, dada a pouca consideração de Zoellick pelas contribuições anteriores do Japão. 266 sua santidade, o papa bob Em maio de 2004, a versão atualizada e ligeiramente expandida do Quad, que se autodenominou as “Cinco Partes Interessadas” (Five Interested Parties), já estava se reunindo com frequência. O grupo consistia de funcionários de vários níveis dos ministérios de comércio dos EUA, da União Europeia, do Brasil, da Índia e da Austrália. Propuseram-se negociar as linhas mestras de um acordo sobre agricultura para apresentação ao resto dos membros da OMC. Dispunham de um prazo relativamente curto para fazer isso, porque naquele mês foram anunciados planos para a reunião ministerial da OMC que fora sugerida anteriormente por Zoellick. A reunião seria realizada em Genebra, no final de julho, com o objetivo de produzir um acordo-quadro (framework), para guiar o resto das negociações de Doha. “O vulcão da OMC está soltando fumaça de novo”, declarou Lamy em tom triunfal, em 14 de maio, quando foram divulgados os planos para a reunião ministerial. O comissário europeu de Comércio tinha feito a sua parte para reativar o vulcão. Poucos dias antes, oferecera várias concessões substanciais para ajudar a criar condições auspiciosas para a reunião seguinte em Genebra. Em 10 de maio, sob ferrenhas objeções da França, Lamy anunciou, em conjunto com o comissário de Agricultura Franz Fischler, que Bruxelas poderia concordar com a eliminação total de subsídios às exportações como um componente crucial da Rodada Doha. A União Europeia já tinha cortado esses subsídios em dois terços desde o início da década de 1990, reduzindo-os para cerca de US$ 4 bilhões, e Fischler disse: “Desde que consigamos uma negociação equilibrada... estamos prontos para pôr todos os subsídios na mesa”. Lamy anunciou concessões adicionais. Disse que a União Europeia estava finalmente desistindo de suas demandas de que a rodada incluísse negociações sobre os temas de Cingapura menos aceitáveis para os países em desenvolvimento, isto é, investimento, concorrência e compras governamentais (a única questão que permaneceria na agenda era a facilitação de comércio, muito menos controversa do que as outras). Essa concessão removeu um grande obstáculo às negociações. Além disso, Lamy propôs uma “rodada grátis” para os países mais pobres da OMC, particularmente os que se qualificavam como países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs), localizados, em sua maioria, na África Subsaariana e no Caribe. Uma rodada grátis significava que essas 267 paul blustein nações ficariam isentas da obrigação de abrir seus próprios mercados além de seus compromissos atuais com a OMC, apesar de se beneficiarem de medidas de abertura tomadas pelos países mais ricos. Nem todos os membros da OMC ficaram agradecidos pelos sacrifícios de Lamy. Os defensores dos temas de Cingapura, como os japoneses e os sul-coreanos, ficaram insatisfeitos por serem abandonados pela União Europeia. Igualmente contrariados ficaram os representantes de alguns países em desenvolvimento que não eram pobres o suficiente para serem incluídos na oferta da “rodada grátis”. “Dizer que alguns membros não têm de fazer nada é uma abordagem errada”, murmurou Youssef Boutros-Ghali, ministro do Comércio do Egito. Porém, Lamy conseguiu o que queria, reforçando a percepção de que ele, assim como Zoellick, ainda era uma força poderosa na OMC. De fato, as Cinco Partes Interessadas gabavam-se da vasta experiência e conhecimento dos ministros participantes do grupo. Zoellick estava no quarto ano de seu mandato e Lamy no quinto, assim como Mark Vaile da Austrália. Amorim, por sua vez, poderia igualar ou mesmo ultrapassar os demais no domínio dos temas. Embora não fosse um ministro tão antigo quanto os outros, podia recorrer à experiência adquirida em Genebra como embaixador do Brasil na OMC. Todavia, as Cinco Partes Interessadas também incluíam um recém-chegado. Nesse grupo, ele se destacava. Ninguém o confundiria com um tecnocrata do comércio. E era fácil prever que, mais cedo ou mais tarde, ele teria sérios desentendimentos com o representante de Comércio dos Estados Unidos, fosse quem fosse. [*] “Kamal Nath”, berrou um jovem, agitando o punho para o céu no meio de uma estrada de terra batida, cercado por uma multidão de trabalhadores castigados pelo sol e com longas barbas e turbantes, senhoras de sári com os pulsos cobertos de joias e meninos de solidéus. A resposta proferida aos brados pela multidão – “Zindabad!” – é a palavra em híndi para “viva”. O brado foi repetido ao som hipnótico de tambores, enquanto um bando de adolescentes vestidos em cores vivas dançava em êxtase. “Kamal Nath! Zindabad! Kamal Nath! Zindabad!”. 268 sua santidade, o papa bob Um jipe aberto trazendo Nath, ministro da Indústria e Comércio da Índia, avançava por uma cidade no pobre distrito da região central da Índia da qual ele fora representante no Parlamento indiano por quase trinta anos. À medida que o jipe ia passando por barracos de teto de zinco e lojas caindo aos pedaços, as pessoas se aglomeravam em torno do veículo tentando jogar guirlandas de flores sobre a cabeça de Nath, tocar seus pés (um gesto tradicional de respeito) ou entregar-lhe cartas pedindo favores. Vestido com o conjunto tradicional de camisa larga e calça solta chamado de kurta-pyjama, Nath conseguiu percorrer seis cidades e vilarejos naquele dia, voando de helicóptero. Em cada local, foi recebido de forma igualmente entusiasmada por multidões que chegavam a milhares de pessoas. Como essa cena sugere, Nath é um animal político da cabeça aos pés. Isso o distinguia bastante de seus colegas das Cinco Partes Interessadas. O mais perto que Zoellick ou Lamy chegariam de levar massas ao frenesi seria um sincero aplauso por seus discursos em instituições de pesquisa. O estilo de Nath na mesa de negociação contrastava nitidamente com o de seus homólogos. Quase sempre entediado com as discussões, suas mãos escorregavam a cada dois minutos para o bolso à procura do seu celular ou do BlackBerry em que vivia mexendo. Quando falava, seus olhos escuros chamejavam e seu discurso se inflamava em protestos explosivos. Apesar de sua limitada capacidade para análises lúcidas, Kamal exibia um longo repertório de frases curtas e incisivas. “Na próxima vez, você poderia trazer uma foto de um agricultor americano?”, supostamente teria provocado ele em uma das primeiras reuniões de comércio internacional. “Nunca vi um de verdade. Só vi conglomerados americanos querendo fazer-se passar por agricultores”. De baixa estatura, com seu cabelo preto retinto puxado para trás, Nath tem uma origem familiar muito privilegiada. Nas viagens que faz para visitar seu eleitorado, desloca-se em seu jato particular, um Hawker 850 com assentos de couro acolchoados e um sofá. Nos trajetos mais curtos, usa um helicóptero, também de sua propriedade. No entanto, tem uma percepção aguda do que o indiano comum quer. É herdeiro de uma família que construiu um império comercial localizado em Kolkata (ou Calcutá, como era conhecida anteriormente). Educado na Doon School, um internato para meninos, tornou-se amigo íntimo do filho mais novo da primeira-ministra Indira Ghandi – Sanjay – morto aos 33 269 paul blustein anos em um acidente de avião. Depois de se formar em uma faculdade jesuíta, Nath ingressou no Partido do Congresso, então no poder, como colaborador da ala jovem do partido. Lançou sua carreira política em 1980, concorrendo ao Parlamento por Chhindwara, no estado de Madhya Pradesh, onde sua família possuía muitas terras. No entanto, com sua população majoritariamente tribal e sua vegetação tropical, a região não podia ser mais diferente do local onde Nath havia sido criado. “Tive pouco contato ou experiência direta com a indigência, o desespero e o desamparo absoluto característicos do meu distrito”, relembra Nath em seu livro India’s Century [O Século da Índia], notando que “muito poucos” de seus eleitores eram alfabetizados, apenas uma poucas centenas dos 2.000 vilarejos tinham eletricidade e “até mesmo uma lâmpada a óleo era um luxo”. Suas perspectivas de vitória ganharam um impulso crucial da Sra. Gandhi, que era muito popular entre os povos tribais e viajou para a região para dizer-lhes em um discurso: “Este é o meu terceiro filho. Vocês têm de fazê-lo ganhar”. Eles atenderam ao seu pedido e Nath rapidamente aprendeu que a maneira de reforçar sua sorte era usar sua influência para ampliar o fornecimento de energia elétrica, a construção de estradas, a instalação de postos de saúde e o suprimento de outras necessidades básicas para o máximo possível de habitantes de Chhindwara. Em um país em que eleitores são normalmente avessos aos políticos da situação, Nath se reelegeu várias vezes, mesmo quando o Partido do Congresso esteve fora do poder. Como secretário-geral do partido, desempenhou um papel-chave na eleição de 2004, na qual o Partido do Congresso arrebatou o controle do governo das mãos dos Nacionalistas Hindus que estavam no poder. Os políticos do Partido do Congresso causaram grande dano a seus adversários acusando-os de ignorar as necessidades da população rural em meio à expansão do setor de alta tecnologia da Índia. A recompensa de Nath foi sua nomeação para ministro do Comércio e Indústria, que inclui o tema das negociações comerciais. Todos os ministros indianos de comércio normalmente prometem proteger a agricultura. Nath elevou essa prática ao nível de grande arte. Compreensivelmente, queria proteger o Partido do Congresso da mesma acusação – negligenciar a população rural – que tinha sido usada com efeito devastador contra os Nacionalistas Hindus. Assim sendo, nas reuniões entre as Cinco Partes Interessadas, Nath 270 sua santidade, o papa bob tendia a permanecer quieto até que chegasse o momento de discutir a questão de como os agricultores indianos seriam protegidos de cortes bruscos nas tarifas. Insistia sempre nas ameaças que enfrentavam os camponeses da nação, a quem se referia quase invariavelmente (e de forma hiperbólica) como “os 650 milhões de agricultores de subsistência”. Frequentemente, lembrava a seus colegas que, para os agricultores indianos com alto índice de endividamento, o suicídio é uma saída muito comum. “Para nós, é vida ou morte” era um de seus refrões mais constantes. Por trás da preocupação de Nath havia um cálculo puramente racional. Caso fosse concluída, a Rodada Doha cortaria as tarifas agrícolas de maneira progressiva – isto é, as tarifas mais altas sofreriam corte proporcionalmente maior –, de modo a alcançar o máximo de liberalização nos setores que tinham sido mais protegidos. Os americanos e outros exportadores agrícolas insistiam nisso e a União Europeia efetivamente aceitara esse argumento antes de Cancún. A fórmula exata ainda estava indefinida, mas a pressuposição mais divulgada era de que as tarifas superiores a, digamos, 50% poderiam ser reduzidos em cerca de três quartos. Obviamente, isso teria um grande impacto sobre a Índia caso fosse implementado de maneira estritamente homogênea, sem exceções. Nova Délhi mantinha barreiras a produtos agrícolas mais altas do que todos os outros países, com algumas exceções. Seus impostos sobre produtos agrícolas, que normalmente variavam de 35% a 50%, eram de duas vezes e meia a seis vezes mais altos do que em outros grandes países em desenvolvimento como a China, o Brasil ou a Indonésia. Suas barreiras eram especialmente elevadas nas principais culturas de primeira necessidade, principalmente o trigo (com uma tarifa de 50%) e o arroz (87%). Assim sendo, países defensivos como a Índia reivindicavam que tal fórmula permitisse um número significativo de exceções, nas quais as tarifas seriam cortadas muito menos do que o exigido pela fórmula progressiva. Os membros ricos da OMC, liderados pela União Europeia, o Japão e a Suíça eram enfáticos em obter exceções para o que chamavam de “produtos sensíveis”. Esta era uma reverência à realidade política, pois todos os participantes da negociação percebiam que esses governos não sobreviveriam facilmente se permitissem uma extensa liberalização para todos os produtos agrícolas. No Japão e na Coreia, isso significava que 271 paul blustein produtores de arroz poderiam contar com cortes tarifários relativamente modestos. Na União Europeia, o mesmo se aplicaria a produtores de carne bovina e de laticínios. Mesmo os Estados Unidos tinham alguns produtos, principalmente o açúcar, que gostariam de proteger sob o rótulo de “sensíveis”. O único senão é que, para cada produto sensível, o país teria de permitir a importação de uma quantidade adicional a impostos muito baixos antes que pudesse aplicar suas altas tarifas. No que dizia respeito a Nath e seus aliados, a exceção para produtos sensíveis não era o suficiente. Juntamente com outros países do Sul, inclusive a Indonésia, o Paquistão e a Jamaica, os indianos estavam insistindo em outro conjunto de exceções para o que chamavam de “produtos especiais”, isto é, alimentos de primeira necessidade como trigo e arroz, em sua maior parte produzidos em pequena escala por agricultores pobres. Essa exceção seria exclusivamente para uso de países em desenvolvimento e incluiria alguns produtos que não sofreriam absolutamente nenhum corte tarifário. A lógica principal era que países com grande número de agricultores vivendo em nível de subsistência, ou próximo dele, precisam muito de proteção contra as oscilações dos preços mundiais dos alimentos. Argumentava-se que a “garantia de sobrevivência” desses agricultores é essencial, isto é, que deveriam ser protegidos da miséria absoluta a que provavelmente estariam expostos se fossem forçados a concorrer com importações baratas. “Estou aqui por uma razão – produtos especiais”, Nath dizia sempre a seus pares em reuniões das Cinco Partes Interessadas. A rubrica “produtos especiais” referia-se não apenas à exclusão de um número significativo de produtos dos cortes de tarifas, mas também à criação de uma brecha conhecida como “mecanismo de salvaguardas especiais”. Sob esse mecanismo, os países-membros em desenvolvimento da OMC cujos agricultores estavam sofrendo com uma inundação de importações de produtos especiais poderiam aumentar temporariamente as tarifas sobre esses produtos, inclusive acima dos tetos máximos consolidados. Essas brechas se transformariam em grandes pontos de divergência na rodada. A obsessão de Nath por elas pode ser colocada em perspectiva se pudermos dar uma olhada na vida desses “agricultores de subsistência” de que ele falava com tanta frequência. [*] 272 sua santidade, o papa bob O turbante de Arjan Singh é quadriculado e sua barba branca tem 20 cm de comprimento. Junto com seus filhos, um deles com escolaridade até a 4ª série e o outro completamente analfabeto, Singh, que tem 55 anos, produz trigo em sua pequena propriedade de 1,6 hectare no vilarejo de Gobindpura Jawaharwala no Estado indiano do Punjab. A casa de Singh tem paredes e chão de cimento, o que a torna melhor do que muitas das outras casas do vilarejo, mas ainda assim é muito precária. A cozinha, onde a água é armazenada em potes de argila, é cheia de moscas. Singh, sua mulher, um de seus filhos e outros dois parentes dormem no mesmo cômodo, em catres empoeirados. Um baú sujo e castigado guarda as roupas. Singh deve mais de US$ 1000 a agiotas, que cobram de 18% a 20% de juros. Essas dívidas levaram 21 agricultores em um vilarejo de 3.000 habitantes a cometerem suicídio desde 1993, segundo as estatísticas locais. Singh é um bom exemplo de agricultor de subsistência, na medida em que sua família consome uma grande parcela de sua própria produção. Em 2007, quando o conheci, ele me contou que, no ano anterior, levara cerca de duas toneladas do seu trigo para um moinho, onde foi transformado em farinha que sua mulher usou para fazer chapatis (tipo de pão indiano feito na chapa) consumidos nas refeições da família. Os agricultores de subsistência não deveriam precisar de proteção em relação às importações, tal como observado pelos economistas do Banco Mundial em suas críticas às políticas agrícolas na Índia e em outros países em desenvolvimento. Por definição, os agricultores de subsistência comem o que plantam, indiferentes aos preços. Ao manter altos impostos sobre grãos importados, o governo indiano só poderia estar tentando proteger os agricultores ricos. Porém, o caso de Singh mostra as falácias desse argumento. Ele produz um excedente que é vendido, representando cerca de metade de sua safra. Segundo economistas indianos especializados em agricultura, isso é bastante comum entre os pequenos agricultores de grãos do país. Portanto, esses agricultores se preocupam, sim, de forma muito intensa, com os preços pagos por sua safra e os políticos indianos seriam tolos em ignorar esse fato. Em bases puramente políticas, é difícil culpar uma autoridade governamental como Nath por tentar limitar a queda dos preços da safra. Se agissem de outra forma ficariam também expostos a acusações de que estão fazendo pouco caso do bem-estar dos habitantes dos vilarejos. Cerca 273 paul blustein de 70% da população indiana de 1,1 bilhão vivem em pequenas cidades e comparecem às urnas eleitorais em percentuais incrivelmente altos. Será que o governo da Índia está, de modo geral, agindo corretamente em relação a seus pobres ao mostrar solicitude para com os produtores de alimentos de primeira necessidade? A resposta a essa pergunta algo bem distinto do cálculo político. Um rápido exame de alguns dos fatos da economia indiana ressalta o que muitos dos especialistas do país estão cansados de saber: que a simpatia demonstrada pelos políticos em relação à difícil situação dos agricultores pobres representa o cúmulo da hipocrisia. “Fogo amigo” é como Amartya Sen, economista indiano ganhador do Prêmio Nobel, chama as políticas de combate à pobreza do país. Isso porque, como no caso de um militar que atira sem querer em sua própria tropa, o governo de Nova Délhi prejudica irresponsavelmente o próprio povo que alega estar ajudando. Os altos preços do trigo podem ser uma dádiva para Arjan Singh, mas não são tanto assim para os indianos pobres que têm de gastar grande parte de suas despesas diárias com comida. “O efeito geral dos altos preços dos alimentos é prejudicar muitos dos membros mais desfavorecidos da sociedade”, escreve Sen, “e, apesar de ajudarem alguns dos agricultores pobres, o efeito líquido sobre a distribuição é bastante regressivo”. Dentre os grupos cujo padrão de vida é mais adversamente afetado, observa ele, estão os moradores de favelas, trabalhadores imigrantes e artesãos rurais. É certo que a Food Corporation of India, a gigantesca empresa estatal que controla a maior parte da comercialização das safras agrícolas no país, distribui gêneros de primeira necessidade, principalmente trigo e arroz, a preços subsidiados para as pessoas que vivem na linha de pobreza ou próximas dela. Porém, em grande parte da nação, esse programa tem sofrido com a corrupção, pois os produtos de interesse dos cidadãos bem relacionados desaparecem misteriosamente dos armazéns, ao passo que os consumidores pobres que chegam às lojas administradas pelo governo encontram as prateleiras vazias ou abastecidas apenas de grãos muitas vezes impróprios para consumo por causa de pragas e bichos. Nesse ínterim, quem ganha com os preços mínimos subsidiados que o governo garante para os produtores de trigo, arroz e vários outros alimentos de primeira necessidade? Estudos mostram que grandes propriedades agrícolas – sim, a Índia também tem propriedades desse tipo, pertencentes a pessoas relativamente ricas – 274 sua santidade, o papa bob conseguem dez vezes mais benefícios do que os agricultores pobres e marginais. A conclusão inescapável à qual quase todas as autoridades respeitáveis chegam é que, em vez de bajular tanto seus agricultores, o que a Índia precisa fazer é transferir grande parte deles para atividades não agrícolas. Manter uma enorme parte da população dependente do cultivo de pedaços mínimos de terra, principalmente diante da crescente escassez de água, é uma receita para a estagnação econômica e o descontentamento social. O país precisa gerar rapidamente fontes de renda alternativas para uma população que está em vias de ultrapassar a da China até meados do século XXI. Em certa medida, o famoso florescente setor de informática da Índia está ajudando a criar oportunidades de emprego. Esse ramo da economia não emprega apenas engenheiros, analistas de sistema e operadores de centrais de atendimento, mas também cria demanda por advogados, contadores, faxineiros, motoristas, zeladores, guardas de segurança, copeiras e uma gama incontável de outros tipos de mão de obra. Porém, o setor de informática tem capacidade para absorver apenas uma fração da força de trabalho da Índia. Segundo um relatório divulgado em 2007 pela Associação Nacional de Companhias de Software e Serviços (NASSCOM), o setor emprega cerca de 2,3 milhões de pessoas e dá emprego indireto a cerca de 5,2 milhões de outros trabalhadores. Uma fonte de crescimento de empregos muito mais promissora seria a indústria leve – acessórios, móveis, produtos de metal e outros segmentos de mão de obra intensiva, mas as leis e os regulamentos indianos sufocaram o potencial do país nesses setores. Trata-se de mais um exemplo de “fogo amigo”. Contudo, permanece o argumento: as considerações políticas que motivam a postura da Índia no comércio agrícola são muito fortes, mesmo que a lógica econômica de longo prazo seja absurda. Não se pode esperar que a Índia faça da noite para o dia a transição de uma economia em que a parcela majoritária da população depende da agricultura para uma economia na qual a maioria das pessoas obtenha sua renda do setor manufatureiro e de serviços. Os Estados Unidos e a Europa fizeram esse tipo de transição há muito tempo, ao longo de muitas décadas, e ainda subsidiam pesadamente seus agricultores. Os americanos, mais do que qualquer outro povo, deveriam entender a pressão que faz com 275 paul blustein que um político como Nath lute pelo máximo de proteção possível ao setor agrícola. “Se os EUA não reduzem seu apoio aos agricultores quando apenas 2% ou 3% da população está empregada nesse setor, como é que se pode pedir o mesmo de um país em que 60% da população está na agricultura e quando esta é uma questão de vida ou morte?”, pergunta Ashok Gulati, um dos principais economistas indianos especializados em agricultura. Trata-se de um argumento justo, que vale a pena ter presente em vista do combate em torno dos temas agrícolas que passaria a dominar a maior parte da Rodada Doha nos anos seguintes. O primeiro passo foi a ressurreição da rodada em 2004. Esse episódio ilustraria de maneira definitiva o talento de Bob Zoellick na arte da negociação. [*] Ah, que situação vergonhosa: ser um político ambicioso ocupando um cargo governamental de responsabilidade e viajar uma longa distância para comparecer a uma reunião internacional e não abrir a boca nas discussões mais importantes, com jornalistas observando toda essa constrangedora ociosidade. Esse foi o destino de cerca de duas dúzias de ministros de países-membros da OMC, que se reuniram em Genebra durante a semana de 26 de julho de 2004 para uma reunião convocada por Zoellick, a reunião que supostamente salvaria 2004 de ser um ano perdido para a Rodada Doha. A maioria dos países estava representada por seus embaixadores na OMC, mas alguns dos governos mais importantes tinham enviado seus ministros de comércio na expectativa de participar de um conclave da maior importância. A meta era que todos os membros aprovassem um acordo-quadro (framework) para a rodada até o prazo de meia-noite da sexta-feira, 30 de julho. O espectro de Cancún assombrava os trabalhos, abundavam as advertências de negociadores e de comentaristas independentes sobre os perigos de um desfecho semelhante. “Um segundo fracasso desse tipo minaria gravemente a confiança na Rodada Doha e até na OMC e no sistema que ela supervisiona”, escreveu Supachai em um artigo para o jornal International Herald Tribune. O problema era que as Cinco Partes Interessadas estavam se reunindo – com muita frequência – na missão dos EUA porque eles 276 sua santidade, o papa bob tinham se arrogado a responsabilidade de “orientar” o texto sobre agricultura. Haveria pouca oportunidade para que os demais tivessem uma participação ativa enquanto os ministros representando os Estados Unidos, a União Europeia, o Brasil, a Índia e a Austrália não encontrassem um denominador comum. Segundo um pronunciamento de Shotaro Oshima, presidente do Conselho Geral, uma primeira versão do texto seria divulgada para a análise das delegações na quarta-feira, dia 28. Contudo, a promessa de um texto na quarta-feira de manhã deu lugar à promessa de um texto na quarta-feira à noite, seguida por uma nova promessa de um texto na quinta de manhã, sucedida por ainda outro atraso para quinta à noite, bem tarde. Consequentemente, o Centro William Rappard acabou sendo palco de muitas reclamações e críticas sobre a possibilidade de que tentassem impor um acordo a todos antes que tivessem a chance de consultar suas capitais. Perguntas grosseiras surgiram: quem esses sujeitos das Cinco Partes Interessadas pensam que são? E por que estão demorando tanto tempo, se temos questões tão importantes para decidir? “É catastrófico”, contou aos repórteres Luzius Wasescha, negociador-chefe da Suíça, acrescentando que as Cinco Partes Interessadas “se consideram líderes do mundo e não são. Não são capazes nem de negociar de maneira adequada”. O ministro do Comércio japonês, Shoichi Nakagawa, contou aos jornalistas de seu país que era “insuportável” que tanta coisa dependesse de um acordo entre apenas cinco países, obviamente refletindo o ressentimento de Tóquio por ter sido barrado do círculo mágico. A fim de apaziguar os descontentes, o prazo final de sexta-feira à noite foi prorrogado por 24 horas. Por mais cansativo que fosse para quem estava do lado de fora, nada se comparava às dificuldades e ao teste de resistência que as Cinco Partes Interessadas estavam enfrentando. Duas sessões de negociação entre os cinco países vararam a madrugada, com as demandas de Nath em relação aos produtos especiais provocando impasse na reunião. Adicionalmente a essas reuniões, Zoellick ainda foi para um hotel nas redondezas para uma sessão com ministros dos países da África Ocidental produtores de algodão, para discutir os subsídios ao produto, que durou até 4h da manhã. Mesmo depois que o texto foi finalmente materializado na sexta-feira, 30 de julho, o teste de resistência ainda estava longe de acabar. Obter um “sim” em Genebra seria bem mais difícil do que muitos dos presentes imaginavam. Mais uma noite inteira de discussões se estendeu 277 paul blustein pela madrugada de sábado à medida que o debate foi se ampliando para um círculo concêntrico maior de países em uma reunião de sala verde. Os acontecimentos daquela noite foram ocultados da imprensa naquele momento. Mas, olhando em retrospecto para aquelas horas tumultuadas, muitos diriam mais tarde que a Rodada Doha chegou muito perto de uma morte prematura. [*] Não ajudava muito que o local da reunião de sala verde estivesse tão quente e abafado. O Centro William Rappard não era suficientemente refrigerado. As margens do lago de Genebra normalmente são refrescadas por uma brisa suave no verão, mas não era isso que se via naquela sexta-feira de noite, quando uma multidão de cerca de trinta ministros, acompanhados de assessores graduados e funcionários do Secretariado, atulhavam a sala de conferências do diretor-geral, desde as 17h. O esforço para proporcionar algum alívio abrindo as janelas resultou numa invasão de insetos, de modo que os participantes tiveram de aguentar a situação da melhor maneira possível desabotoando seus paletós e afrouxando suas gravatas. Para aqueles que já estavam fumegando de raiva por ter esperado tanto tempo pelas Cinco Partes Interessadas, o desconforto aumentava ainda mais sua irritação. Alguns participantes, como Tim Groser, embaixador da Nova Zelândia na OMC, foram para a reunião supondo que o debate seria relativamente ameno e sem incidentes. Homem inteligente, embora seja visto por alguns de seus colegas como um especialista em autopromoção, Groser se deleitava com o papel central que lhe tinha sido atribuído: presidente das negociações agrícolas. Como tal, era o principal autor do documento que constituía o foco da reunião: o texto sobre agricultura. Para produzi-lo, tinha se sentado horas a fio com as Cinco Partes Interessadas, ouvindo com cuidado o entendimento alcançado entre os americanos, europeus, brasileiros, indianos e australianos e consultando as delegações de vários outros países, na esperança de que o texto passasse apenas por poucas modificações na sala verde antes de se tornar o elemento principal de um novo Acordo-Quadro para a Rodada Doha, aprovado por todos os membros da OMC. 278 sua santidade, o papa bob Porém, à medida que a noite foi avançando, ficou cada vez mais claro que muitos dos participantes da sala verde estavam descontentes com vários dispositivos do texto, e Supachai, que presidia a reunião, pareceu incapaz de manter o foco da discussão. Temendo que negociações sérias nunca começassem e que a estrutura proposta acabasse se desmanchando, Groser foi ao gabinete do diretor-geral no intervalo por volta de 20h30 e disse a um pequeno grupo: “Vou ter de assumir as rédeas dessa reunião, do contrário não vamos chegar a lugar nenhum”. Groser tinha um plano para tornar a reunião produtiva: ele aplicaria a “teoria da cueca suada” (uma expressão que aprendera com um negociador europeu experiente). De forma curta e grossa, essa teoria explica que às vezes a única maneira de forçar as pessoas a convergirem é esperar até que estejam tão pegajosas e suarentas que simplesmente não queiram outra coisa a não ser sair correndo para o chuveiro. O calor e a umidade na sala pareciam ajudar nesse sentido e, quando a reunião foi retomada logo depois das 21h, Groser impôs sua autoridade como novo presidente da reunião. Ele se lembra de dizer ao grupo: “Vocês só têm de fazer uma coisa esta noite, que é chegar a um texto de consenso. Se vocês começarem a fazer discursos, vou-me embora e depois vocês terão de se virar para explicar a seus governos por que deu tudo errado. Então, vamos repassar o texto item por item”. Em relação a várias questões fundamentais houve pouca ou nenhuma discussão, então por fim uma perspectiva realista começou a surgir de que seria possível avançar além da agenda negociadora acordada em Doha. O texto produzido pelas Cinco Partes Interessadas continha vários princípios e conceitos importantes sobre quais tarifas e subsídios seriam cortados, como seriam cortados e que tipo de exceções seriam permitidas. Isso ficava muito aquém de um acordo sobre modalidades, pois não estabelecia números concretos e percentuais específicos. Portanto, os membros da OMC perceberam que a aceitação de um acordo nessas bases, em 2004, atrasaria a conclusão da rodada para além do que se estimava um ano antes. Mesmo assim, o entendimento em consideração daria uma ideia mais clara do tipo de acordo que eventualmente se alcançaria ao final da rodada. Sob alguns aspectos, o texto vislumbrava uma rodada de liberalização altamente ambiciosa. Para cortar tarifas agrícolas, uma “fórmula de bandas” (tiered formula) seria usada, com maiores cortes sobre as tarifas 279 paul blustein mais elevadas**(qual nível de tarifas seria definida como “alta” e em quanto estas seriam cortadas foram questões deixadas para discussões futuras). Um tipo semelhante de fórmula de bandas seria aplicado a subsídios agrícolas, de forma que países com maior volume de pagamentos governamentais a agricultores cortariam seus programas de subsídios mais profundamente do que outros países. Subsídios a exportações, como Lamy tinha concedido de antemão, seriam “eliminados até uma data final a ser acordada”. Não estava claro, porém, se o comércio agrícola mundial sofreria uma reforma de verdade ou se seria apenas uma enganação, porque o texto também previa várias “flexibilidades” que permitiriam aos países manter intactas algumas de suas políticas mais importantes. Todos os países-membros poderiam selecionar “um número apropriado, a ser designado”, de produtos agrícolas que seriam tratados como “sensíveis” e, assim, ficariam sujeitos a cortes menos drásticos de tarifas. Além disso, os países em desenvolvimento obteriam as exceções que os indianos tanto reivindicavam, sobretudo o direito de designar “um número apropriado de produtos como Produtos Especiais”, que também ficariam protegidos da liberalização. Embora o tamanho dessas flexibilidades não fosse especificado, sua inclusão no texto apontava claramente no sentido contrário das metas dos EUA. Zoellick fora forçado a aceitá-las em parte porque ele próprio havia lutado com unhas e dentes para extrair uma concessão dos demais países que limitaria o valor do corte dos subsídios agrícolas dos EUA – especificamente o programa de pagamentos contracíclicos de Washington***. Seria permitido que os países em desenvolvimento cortassem suas tarifas a um percentual menor do que os ricos, mas também usariam uma fórmula escalonada, de forma que suas tarifas mais altas seriam cortadas mais do que suas tarifas mais baixas. Os países em desenvolvimento mais pobres não teriam de cortar tarifa alguma, de acordo com a proposta de Lamy de que deveriam ter uma “rodada grátis”. *** Tal como havia sido seu objetivo antes de Cancún, o representante de Comércio dos Estados Unidos desejava garantir que o programa de pagamentos contracíclicos não fosse contabilizado na caixa amarela, onde os cortes de subsídios seriam os mais profundos por causa de seus efeitos particularmente distorcivos sobre os preços. Sua alegação baseava-se no argumento de que o programa, que indeniza agricultores quando os preços mundiais caem abaixo de níveis determinados, não vincula pagamentos à produção e deve, portanto, ser contabilizado na caixa azul, a categoria referente a subsídios menos prejudiciais. Os críticos da posição dos EUA viam isso como uma cortina de fumaça visando manter relativamente ilesos os gastos de Washington com subsídios distorcivos. ** 280 sua santidade, o papa bob O texto incluía também um entendimento sobre algodão, porque, dessa vez, os negociadores dos EUA pareciam ter aprendido como evitar propostas que insultariam seus congêneres da África Ocidental. Em vez de incitar os africanos a diversificarem suas economias, como tinham feito em Cancún, os americanos tinham tentado uma abordagem mais persuasiva numa longa sessão negociadora ocorrida em um hotel de Genebra na noite anterior à reunião de sala verde. Com base no compromisso resultante dessa reunião, o texto prometia que o tema do algodão seria “tratado de forma ambiciosa, rápida e específica, dentro das negociações agrícolas”. Em outras palavras, isso significava que, uma vez que se fechasse um acordo geral em Doha, os subsídios ao algodão seriam cortados mais profunda e rapidamente do que outros subsídios. Além disso, haveria negociações específicas sobre algodão dentro das negociações agrícolas, de modo a garantir que o tema recebesse tratamento adequado à medida que a rodada fosse avançando. Os africanos tinham aceitado essa solução muito a contragosto, pois julgavam que seus termos não obrigavam Washington a fazer muita coisa. Entendiam, contudo, que era politicamente impossível forçar o Congresso dos EUA a aprovar um corte nos subsídios ao algodão na ausência de um acordo mais amplo que trouxesse ganhos substanciais para os agricultores americanos. E levaram a sério as advertências dos negociadores americanos sobre as consequências catastróficas de um eventual fracasso das negociações. “Não queríamos ser os culpados pelo colapso do sistema multilateral”, disse Sam Amehou, embaixador do Benin na OMC, um dos principais negociadores africanos. “Se não houvesse um lugar como a OMC, como vocês acham que um país como o meu poderia negociar com os Estados Unidos?”. Em suma, uma porção de questões importantes já havia sido resolvida quando as negociações pesadas começaram na sala verde sob a presidência de Groser em 30 de julho. Porém, a noite mal havia começado e as perspectivas de consenso ainda pareciam frágeis quando a reunião foi sacudida por uma erupção de palavras chulas: “Vou-me embora, Bob Zoellick! Você está esculhambando os mercados para todos nós!”. [*] O ministro do Comércio canadense Jim Peterson é um jovial político de carreira de Ontário. Não é o tipo de pessoa que normalmente 281 paul blustein interromperia uma reunião internacional com uma tirada desse tipo. Porém, por volta de 21h de 30 de julho – por acaso seu aniversário de 63 anos –, Peterson desfiou um cordão de xingamentos contra Zoellick enquanto levantava-se de sua cadeira, vestindo o paletó, e se encaminhava para a porta, numa aparente ameaça de acabar com a reunião de sala verde e, portanto, com qualquer chance de um acordo naquele momento. Em jogo nesse conflito, estava uma tradição antiga nas negociações multilaterais de comércio: ministros que derramam sangue insistem que outros, em circunstâncias semelhantes, derramem a mesma quantidade de sangue. O motivo dessa tradição é uma variação do velho adágio que diz que a desgraça adora companhia. Um ministro que faz uma concessão potencialmente prejudicial a um dos grupos de interesse de seu país pode apaziguar esse grupo mostrando que setores correspondentes de outros países também serão prejudicados. Nesse caso, o derramamento de sangue tinha começado quando Lamy se dispôs a eliminar subsídios à exportação de produtos agrícolas como parte de um acordo em Doha. Para tornar essa concessão mais palatável aos agricultores europeus, Lamy insistira na condição de que os Estados Unidos mudassem um programa muito menor, mas análogo, que concede crédito subsidiado a exportações agrícolas. Embora aceitasse a condição de Lamy, Zoellick pedia, por sua vez, concessões equiparáveis de outros países com programas semelhantes de subsídios à exportação de modo a evitar que os agricultores americanos reclamassem de tratamento injusto. Um desses programas era o Conselho Canadense do Trigo (Canadian Wheat Board), uma empresa estatal de comercialização de trigo e cevada do Canadá Ocidental, que há muito tempo era motivo de atritos entre Washington e Ottawa. Não havia hipótese de que ele concordasse com esse pedido, disse Peterson, acrescentando que desmantelar o Conselho do Trigo “seria suicídio político no Canadá”. Ele criticou Zoellick pelos altos subsídios agrícolas de Washington dizendo que, por causa deles, o Canadá se via forçado a tomar essas medidas para proteger seus produtores. Argumentou que instituições como o Conselho do Trigo não praticavam subsídios à exportação. A saída de Peterson da sala em meio a um rompante veio em resposta a uma observação cáustica feita por Zoellick sobre o assunto. Ao ver Peterson levantar-se da cadeira e vestir o paletó, Zoellick disse, segundo anotações tomadas na reunião: “Bem, se essa é a sua posição, vou retirar tudo o que pus sobre a mesa e Pascal também”. Estava ameaçando 282 sua santidade, o papa bob retirar as concessões feitas pelos EUA e pela União Europeia, o que faria as negociações voltarem à estaca zero. Somente após Groser implorar para que Peterson ficasse, com a promessa de que a questão seria resolvida mais tarde, é que o canadense retornou para a mesa de negociações. A explosão de Peterson deu o tom para muito do que se seguiu, pois outros participantes também insistiriam em mudanças ao texto. Martín Redrado, da Argentina, criticou fortemente uma proposta sobre restrição ao uso de impostos sobre exportações. Seu país dependia desse tipo de medida para reorganizar suas finanças em meio à recuperação da devastadora crise de 2001. A China protestou que sua empresa estatal de comércio não deveria ficar sujeita ao mesmo tipo de disciplina aplicável aos demais países porque o objetivo era simplesmente manter estáveis os preços ao consumidor. E assim por diante. “Suíça e Japão aproveitando para arrasar ainda mais com tudo”, anotou um assessor em seu bloco por volta de meia-noite, em referência aos insistentes pedidos daqueles países por cortes tarifários mais brandos em seus setores agrícolas. Chegara o momento para outro teste de coragem. “Senhores, estamos colocando em risco toda a Agenda de Desenvolvimento de Doha”, disse Groser, e pediu outra pausa à 0h40. O que aconteceu em seguida foi um momento memorável, descrito mais tarde por alguns participantes como “uma visita ao papa”, com Zoellick no papel de pontífice. Acompanhado de seu adjunto para comércio agrícola, Allen Johnson, o representante de Comércio dos Estados Unidos ocupou uma sala de recepção no Centro William Rappard, onde recebeu uma série de visitas de delegações que queriam modificar o texto. Enquanto muitos outros foram dormir em escritórios próximos ou em sofás no saguão, Zoellick – que já vinha virando noites em negociações – passou horas a fio nessa sala de recepção, ouvindo objeções dessas delegações e propondo novas redações para aplacar suas preocupações. Por vezes, Lamy se juntava a essas discussões e em certos momentos era a vez de Groser, principalmente para garantir que os entendimentos obtidos por Zoellick e sua equipe fossem adequadamente formulados para inserção no texto. Mas era Zoellick que efetivamente dirigia o espetáculo, apesar de ser, é claro, ele mesmo um participante crucial nas negociações. Quando chegaram os chineses, foram persuadidos com alterações ao texto afirmando que as empresas estatais de comércio que “preservassem a estabilidade dos preços ao consumidor no mercado interno receberiam uma consideração especial para a manutenção do status de monopólio” no comércio 283 paul blustein de alimentos. Os indianos, canadenses e outros também obtiveram linguagem contendo concessões. Ao raiar da manhã, o “papa” e seus assistentes já tinham redigido cerca de doze propostas de emenda ao texto, algumas das quais eles sabiam que seriam controversas. A questão que enfrentavam agora era se apresentariam essas alterações à sala verde uma a uma, em lotes ou todas juntas, como um pacote. A decisão foi rápida: as alterações teriam de vir sob a forma de pacote, no estilo “pegar ou largar” ou a coisa toda desmoronaria novamente. Groser se lembra de estar “atordoado, operando por puro instinto”, quando os participantes da sala verde voltaram a se reunir às 6h na manhã de sábado. “Tenho um texto. Receio que seja um tudo ou nada. Não pude incorporar todas as mudanças sugeridas”, disse ele. Depois de ler as alterações propostas, levantou-se para sair da sala, usando um truque do malabarismo político: “Se vocês não aceitarem esse texto, terão de assumir a responsabilidade por matar a Rodada Doha”. Com isso, deixou a sala e rumou para casa em sua motocicleta. Não era altamente impróprio que um representante de Comércio dos Estados Unidos assumisse a redação de um texto que seria apresentado aos membros nesses termos? É claro que era, mas naquela altura, naquelas circunstâncias, principalmente diante do alívio geral de que a reunião não tinha desmoronado, ninguém levantaria sérias objeções sobre procedimentos. Então, o acordo-quadro foi finalizado – embora não nessa manhã. Outro dia inteiro foi necessário, com mais discussões de sala verde sobre outras áreas menos controversas da rodada, como tarifas sobre produtos industriais, seguidas de uma reunião formal do Conselho Geral às 22h, na qual todos os membros da OMC aprovaram o texto revisado. Foi só às 2h da manhã de domingo, 1º de agosto, que Zoellick e Lamy apareceram em coletivas de imprensa para proclamar que a missão estava cumprida. “Depois da perda de rumo em Cancún, colocamos as negociações da OMC novamente nos trilhos”, disse Zoellick, ao que Lamy acrescentou: “Eu disse em Cancún que a OMC estava na UTI. Hoje posso dizer que ela não apenas teve alta do hospital como está com a saúde perfeita”. [*] O contraste com Cancún não poderia ter sido mais completo. Dessa vez, não houve ministros desfilando na frente das câmeras 284 sua santidade, o papa bob com punhos levantados e foram poucas as declarações bombásticas sobre a tirania dos ricos. Em vez disso, a reunião de julho de 2004 que produziu o acordo-quadro terminou com uma série de declarações mutuamente congratulatórias. Em uma cena particularmente tocante de proclamação da paz nos momentos finais da sala verde, Peterson do Canadá disse a seus colegas: “Devemos um agradecimento especial a duas pessoas: Bob Zoellick e Pascal Lamy”. A atitude positiva de Peterson com certeza foi influenciada pela linguagem que tinha conseguido incluir no texto ao tratar de algumas de suas preocupações sobre o Conselho do Trigo de seu país. Mesmo assim, ele tinha razão em destacar a atuação de Zoellick e de Lamy. A carta de Zoellick aos ministros em janeiro daquele ano, sua viagem ao redor do mundo e a aceitação do papel de “papa” em Genebra foram os pontos altos de uma demonstração exitosa de como costurar um acordo internacional. A atitude pró-ativa de Lamy ao oferecer concessões também fora essencial para o resultado. As explicações eram inúmeras, mas um fator provavelmente foi mais importante do que qualquer outro para esse resultado – receio do que teria acontecido ao sistema multilateral de comércio na hipótese de um novo fracasso. No final, apesar de suas diferenças profundas em relação a questões específicas, os representantes dos 147 países-membros da OMC chegaram ao limite e viram que o abismo no qual poderiam mergulhar era mais profundo e apavorante do que aquele em que haviam mergulhado em Cancún. Ficaram temerosos de que a Rodada Doha, e provavelmente a própria organização, não fosse capaz de aguentar outro desastre ao estilo de Cancún. Ao término da reunião na manhã do dia 1° de agosto, deparei-me, nos degraus do Centro William Rappard, com Celine Charveriat, chefe do setor de comércio da Oxfam, com base em Genebra. Ela estava com um ar taciturno, desanimada porque o conselho que tinha dado aos países africanos de rejeitarem o acordo sobre algodão havia sido ignorado. A principal razão por que as nações africanas tinham se unido ao consenso, reconhecia ela, era que os governos do mundo em desenvolvimento têm fortes motivos para querer manter a OMC viva e em boa saúde. “Mesmo que países em desenvolvimento pensem que a OMC precisa de uma reforma radical, eles sabem que exercem mais influência na OMC do que em acordos bilaterais”, disse-me ela. 285 paul blustein Agora, passados dois anos e meio desde o seu início, a Rodada Doha estava chegando a um ponto de convergência em relação às diretrizes básicas para redução ou eliminação de tarifas, subsídios e outras distorções. Embora um acordo sobre modalidades ainda constituísse um enorme desafio para o futuro, a progressividade tinha se fortalecido como um princípio abrangente. Contudo, ainda havia motivo para preocupação com essa conquista e não apenas porque fora costurada em meio a tanta transpiração, tantas noites em claro e tanta usurpação na redação de textos. O acordo-quadro criava algumas exceções potencialmente enormes nos cortes de tarifas. As brechas para produtos sensíveis e produtos especiais na agricultura eram o preço do “sucesso”, assim como o mecanismo de salvaguardas especiais projetado para ajudar os países em desenvolvimento a lidarem com ondas de importações de alimentos de primeira necessidade. Embora o tamanho dessas brechas ainda não tivesse sido definido, elas conferiam a todo o esforço a vaga impressão de um helicóptero de Leonardo da Vinci, com muitas asas, propulsores e estabilizadores extras. Restava saber se essa engenhoca que a OMC tinha concebido com tanto esforço valeria a pena quando ela estivesse no ar e voando, se é que realmente chegaria a alçar voo um dia. 286 Capítulo 10 Um Chicken McNugget Os presentes que Bob Zoellick e Pascal Lamy trocaram em 18 de outubro de 2004 eram emblemáticos quanto a seus interesses comuns – jogging, viagens internacionais e obsessão por comércio. Para Lamy, Zoellick deu um atlas mundial e um agasalho de corrida com o logotipo da Casa Branca. Em troca, o comissário europeu de Comércio presenteou seu colega americano com uma caricatura emoldurada retratando Zoellick cercado de alguns produtos que tinham sido objeto de controvérsias entre seus dois governos na OMC, dentre os quais bananas, carne bovina, milho e aviões. A dupla dinâmica do comércio se reunia pela última vez como ministros de Comércio, pois o mandato de Lamy estava chegando ao fim. Não tinham conseguido o que esperavam, isto é, concluir a Rodada Doha em 2005. Mesmo assim, achavam que havia motivo para se felicitarem, pelo menos por terem feito a rodada avançar até o estágio do acordo-quadro. É claro que a relação deles tinha sido essencial para isso. Com o final iminente de suas gestões como ministros de Comércio, os vínculos entre os dois gigantes econômicos mundiais pareciam prestes a mudar, com consequências potencialmente adversas para o sistema multilateral de comércio. “Alguns analistas... temem uma deterioração das relações entre a Europa e os Estados Unidos depois que o Sr. Zoellick e o Sr. Lamy forem embora”, observou o jornal Wall Street Journal em 287 paul blustein uma matéria sobre o encontro de outubro. Essas preocupações acabariam se revelando bem fundamentadas. Não que Lamy estivesse deixando a área de comércio, muito pelo contrário. Propusera a si mesmo a meta de suceder ao ineficiente Supachai Panitchpakdi como diretor-geral da OMC, objetivo alcançado no ano seguinte. Mas seu cargo em Bruxelas estava sendo ocupado por um tipo de pessoa muito diferente. Para substituir Lamy, que ficara conhecido como o “Exocet”, incansavelmente focado em formulação de políticas e dono de um estilo de vida tranquilo e abstêmio, seria designado Peter Mandelson, a quem a imprensa britânica tinha apelidado de “Príncipe das Trevas” por sua habilidade na arte da manipulação política e cuja vida pessoal era fonte inesgotável das colunas de fofocas de Londres. “Triângulo amoroso causa cancelamento de contratos de publicidade” e “Baladeiro ‘exótico’ se destaca em conselho de ministros enfadonho” eram apenas duas das manchetes publicadas sobre Mandelson. Quantos negociadores comerciais poderiam se gabar de ter uma cobertura desse tipo? [*] Neto de um ilustre líder do Partido Trabalhista, Mandelson nasceu em 1953, formou-se em Oxford e tornou-se diretor de comunicações do Partido em 1985. Na época, o partido parecia fadado ao fracasso eleitoral por causa do poder que os sindicatos e a chamada “Esquerda Maluca” (Loony Left) exerciam sobre suas políticas.1 Fazendo bom uso de seu charme insinuante, Mandelson desempenhou um papel crucial na transformação que levou ao surgimento do “Novo Partido Trabalhista” (New Labour), seguindo os passos do Partido Democrata dos Estados Unidos, ao incorporar uma forma mais moderada de progressismo e adotar posições favoráveis ao mercado e ao Estado Mínimo. Políticas ideologicamente extremadas como o desarmamento unilateral foram deixadas de lado e as conferências do partido se transformaram em N. da T.: Este foi um rótulo pejorativo usado na campanha para as eleições gerais no Reino Unido, em 1987, e depois tanto pelo Partido Conservador quanto pelos jornais britânicos que apoiavam este partido. A denominação se referia às políticas e aos atos de algumas autoridades governamentais municipais e políticos do Partido Trabalhista. O objetivo era atemorizar os eleitores com visões de extremismo político, sindicalismo e radicalismo de esquerda. 1 288 um chicken mcnugget exercícios de promoção de imagem, com líderes posando diante de faixas ornadas com slogans do tipo “Olhando para o Futuro”. Essa abordagem não fez muito sucesso com a velha guarda do Partido Trabalhista, cujos membros insultaram Mandelson por seu uso de grupos focais e sua insistência em que os membros do partido repetissem fielmente as mensagens publicitárias do partido. Seu fanatismo na defesa dos destinos do partido rendeu-lhe a fama, merecida ou não, de “marqueteiro político” sem compromisso com a verdade. Um perfil publicado em 1989 no jornal The Independent relatou: “Ele agrada aos jornalistas, bajula-os, faz com que confiem nele, rejeita-os, adapta seu tom ao deles, sério ou jocoso, amistoso ou distante. Depois, se eles não retratam o partido do jeito que ele quer, ele os intimida, importuna e persegue”. Após sua eleição ao Parlamento em 1992, a estrela de Mandelson continuou a brilhar junto com a de Tony Blair, que contava com Mandelson entre seus aliados e conselheiros mais próximos. Quando se tornou primeiro-ministro em 1997, após uma esmagadora vitória dos trabalhistas que Mandelson ajudou a construir, Blair o pôs no conselho de ministros. Nomeou-o para a pasta de Indústria e Comércio em julho de 1998 e continuou a confiar cegamente em seus conselhos sobre assuntos políticos de grandes e pequenas proporções. Nessa época, Mandelson era um convidado disputado para recepções e festas em casas de campo de celebridades londrinas, como a comemoração do aniversário de cinquenta anos do príncipe Charles, para a qual foi o único ministro convidado. Além de sua proeminência política e sagacidade arrogante, outra grande explicação para seu charme era o que ele uma vez denominou de sua “personalidade exótica”, que incluía o fato de ser homossexual. Durante grande parte de sua juventude, Mandelson viveu com um homem bissexual, cujo filho ele ajudou a criar. Em meados da década 1990, ele estava com outro companheiro, um linguista brasileiro vinte anos mais jovem do que ele. Nada disso veio a público. Apesar de reconhecer diante de amigos sua preferência sexual, Mandelson se esforçava muito para manter esse assunto longe da imprensa. Porém, no final da década de 1990, ele tinha se tornado um alvo tão fácil de polêmica, com detratores tanto no velho Partido Trabalhista quanto no Partido Conservador, que a imprensa não podia evitar criticá-lo. E os ataques dirigidos a ele pela mídia tornaram-se claramente homofóbicos 289 paul blustein depois que escândalos o forçaram a renunciar ao cargo de ministro, não apenas uma vez, mas duas. Seis meses depois que Mandelson se tornou ministro da Indústria e Comércio, foi divulgada uma notícia de que, quando era membro do Parlamento em 1996, ganhando 73 mil libras por ano, tinha recebido um empréstimo a juros baixos no valor de 627 mil libras de um ex-executivo e político do Partido Trabalhista para comprar uma residência no bairro londrino de Notting Hill. Algumas das transações comerciais do mutuante tinham sido investigadas pelo departamento de Mandelson e, apesar de o ministro não ter participado da investigação, seus críticos destacaram o fato de ele não ter divulgado o empréstimo ao assumir o ministério. De repente, a imprensa passou a receber muitos relatórios alegando que Mandelson, que vivera modestamente até meados de 1990, tinha sucumbido ao apego por mordomias compatíveis com seu status recémadquirido de celebridade – não apenas a residência sofisticada como também o ingresso em um clube privativo e ternos elegantes feitos sob medida. Rendendo-se ao inevitável, Mandelson renunciou. Menos de um ano depois, estava de volta ao conselho de ministros de Blair, desta vez como secretário para a Irlanda do Norte. Porém, em 2001, teve de sair de novo, devido a alegações de que tinha facilitado a concessão de um passaporte britânico a um executivo indiano. Ficou isentado da acusação de ato ilícito nesse caso e permaneceu como um importante conselheiro de Blair, que lhe ofereceu a oportunidade de redenção ajudando-o a obter o cargo de comissário europeu de Comércio. Logo depois que Mandelson assumiu o posto em Bruxelas, ficou claro que, pelo menos em uma área – na de relações com Zoellick – ele deixaria muito a desejar em comparação com Lamy. Em uma acalorada conversa telefônica transatlântica de março de 2005 sobre a controvérsia relativa a subsídios para a Boeing e a Airbus, os dois homens bateram o telefone na cara um do outro. Zoellick acusou Mandelson de distorcer os fatos para a imprensa e de conduzir negociações através da mídia. “Não era assim que eu negociava com o comissário Lamy”, disse à imprensa em um acesso de raiva, a que Mandelson respondeu de forma mordaz: “Bob disse que ele e Lamy conviviam maravilhosamente. Vou me esforçar ao máximo para me adequar a esse padrão tão elevado”. Independentemente de quem tenha tido culpa nesse incidente, Mandelson não precisaria lidar com Zoellick por muito mais tempo, pois 290 um chicken mcnugget o norte-americano estava de partida para o Departamento de Estado onde ocuparia o cargo de secretário adjunto no segundo mandato de Bush. E Zoellick, tal como Lamy, também seria substituído por um indivíduo muito diferente dele. Em um momento em que o Congresso dos EUA enfrentava uma situação de conflito entre os dois principais partidos, Rob Portman, um deputado republicano de Ohio, era um espécime raro – um parlamentar que suscitava afeição desmedida de colegas tanto republicanos quanto democratas. Magro, com cabelos grisalhos e olhos verdes, Portman era gentil e educado com quem quer que cruzasse o seu caminho, sem nenhum laivo de pretensão. Sua sociabilidade ficou evidente por ocasião da coletiva de imprensa em 17 de março em que Bush anunciou sua intenção de nomear este cidadão de Ohio de 49 anos de idade. Portman contou como seus três filhos reagiram à notícia: “Sally, que está na 4ª série, teve de admitir que nunca tinha ouvido falar em representante de Comércio dos Estados Unidos”, disse ele aos jornalistas, que caíram na gargalhada. “Apesar disso, Sr. Presidente, ela me disse: ‘Pai, parece um trabalho bem maneiro’”. Portman cresceu em um bairro abastado nos arredores de Cincinnati. Recém-saído de Dartmouth College em 1979, trabalhou como assessor de George H. W. Bush, que logo depois se tornaria vice-presidente. Este foi o primeiro dos muitos cargos que fariam de Portman um amigo íntimo da família Bush. Formou-se em direito pela Universidade de Michigan e trabalhou muitos anos como advogado especializado em comércio em Washington. Aderiu à campanha presidencial do velho Bush em 1988, o que lhe rendeu um cargo de consultor jurídico na Casa Branca e, em seguida, a função de lobista-chefe do presidente. Quando sua mãe foi diagnosticada com câncer, voltou a Cincinnati para se preparar à campanha ao Congresso, tendo sido eleito em 1993 para o primeiro de seis mandatos. Suas relações com o jovem Bush floresceram quando, da mesma maneira que Zoellick, Portman o auxiliou a preparar-se para o debate na eleição de 2000, fazendo o papel do vice-presidente Gore nos ensaios. Também atuou como porta-voz da campanha de Bush durante o conflito sobre a recontagem dos votos na Flórida. Como legislador, fez fama de locomotiva parlamentar que se comprazia em conseguir aprovação de projetos de lei por meio de seu copatrocínio com democratas moderados. Entre suas realizações estão a lei sobre reforma de pensões 291 paul blustein e a reorganização do Serviço de Receita Federal (Internal Revenue Service). Resumindo sua capacidade de desarmar adversários com um ar de boa-vontade e sinceridade, um perfil publicado no New York Times em 2003 relatava: Em entrevistas no Capitólio esta semana, não foi possível encontrar ninguém que falasse algo de desfavorável sobre o Sr. Portman. O mais próximo foi um democrata do Ways and Means Committee2 que insistiu em não ser identificado e depois disse, quase sussurrando, que o comportamento educado do Sr. Portman escondia uma filosofia extremamente conservadora. Mas, mesmo esse democrata, disse que admirava a capacidade do Sr. Portman de dominar tópicos difíceis e manter relações amistosas com representantes de todos os partidos. Muitas das pessoas que trabalhavam no escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos reagiram com alívio à nomeação de Portman. Eles não teriam mais que ficar tremendo nas reuniões matinais com medo de serem trucidados. O novo chefe simplesmente não expressava descontentamento com tanta rispidez. Os negociadores de outros países também perceberam uma mudança nítida no clima reinante. “Portman fazia parecer que se importava com você. Era essa a principal diferença entre ele e Zoellick”, disse um negociador latino-americano que tratava, com frequência, com os dois homens. “Zoellick sempre agia como se precisasse de algo e, mesmo quando era flexível, as pessoas de certa forma sentiam que, ainda assim, estavam sendo passadas para trás. Portman podia fazer o mesmo gesto, o mesmo tipo de acordo e parecia uma atitude sincera”. Porém, por mais agradável que seja relatar a história do Sr. Bom Moço que produz resultados milagrosos para o sistema global de comércio, a era Portman não se encaixaria nessa descrição. Na época em que ele assumiu o cargo e nos anos imediatamente subsequentes, N. da T.: O Ways and Means Committee é a principal comissão fiscal da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos. Os membros dessa comissão não podem atuar em outras Comissões da Câmara, apesar de poderem solicitar uma dispensa da liderança congressista de seu partido. A Comissão tem jurisdição sobre todos os impostos, tarifas e outras medidas de levantamento de fundos, bem como de vários outros programas, dentre eles Seguro Social, benefícios de desemprego, assistência temporária a famílias carentes, programas de adoção, etc. 2 292 um chicken mcnugget os benefícios e os custos da liberalização comercial passaram por uma grande reavaliação, principalmente no mundo em desenvolvimento. Além disso, os Estados Unidos e a União Europeia continuaram avessos a confrontar de forma muito agressiva seus poderosos lobbies agrícolas. Por essas razões, a história narrada neste capítulo, e nos três seguintes, é a da Rodada Doha rumo a uma longa e doentia espiral descendente. [*] Quando se tornou representante de Comércio dos Estados Unidos, Portman sabia que ouviria pedidos para que os Estados Unidos enxugassem seus subsídios agrícolas. Mas não poderia imaginar que algumas das cobranças mais radicais nesse sentido viriam de seus colegas da Casa Branca no governo Bush. No final do verão de 2005, um debate grassava dentro do governo sobre o que fazer em relação à Rodada Doha. Aproximava-se um grande evento com potencial de desencadear novos desdobramentos – a reunião ministerial da OMC, programada para dezembro, em Hong Kong. Um dos maiores entrepostos do mundo, Hong Kong era vista como o cenário perfeito para uma reviravolta na rodada. Em termos ideais, a reunião lá produziria finalmente um acordo sobre modalidades, a meta que vinha frustrando a OMC desde 2003. Embora o acordo-quadro tivesse sido aprovado em 2004, números concretos ainda eram necessários para dar significado real aos princípios genéricos relativos à maneira como as tarifas e os subsídios seriam cortados, bem como as exceções que seriam permitidas. Contudo, as expectativas de um resultado desse tipo em Hong Kong não pareciam favoráveis, porque a rodada estava empacada, em compasso de espera, durante a primeira metade de 2005. O avanço das negociações se deteve diante de uma batalha de complexidade espantosa sobre como converter diferentes tipos de tarifas agrícolas (algumas usando percentagens de preços de importação, outras usando valores fixos por tonelada) para um parâmetro comum. Se a OMC mais uma vez fracassasse em chegar a um acordo sobre modalidades em Hong Kong, o órgão de comércio perderia uma das últimas melhores oportunidades de concluir a rodada em um prazo razoável. 293 paul blustein Até aí, o governo Bush concordava: os Estados Unidos teriam de injetar novo estímulo às negociações em Doha – o equivalente a um choque de um desfibrilador em um paciente sem pulsação. Os formuladores da administração Bush sabiam que pouco se podia esperar dos outros membros da OMC. A pergunta sem resposta era como fazer isso. Pressionando por uma abordagem abrangente estava o Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, que coordenava políticas entre agências econômicas e era dirigido por Allan Hubbard, um amigo íntimo do presidente. Hubbard e sua equipe queriam que o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos oferecesse a completa eliminação dos subsídios agrícolas. Seu argumento ganhara força com uma promessa manifestada pessoalmente por Bush, em um discurso nas Nações Unidas, no qual afirmou que Washington estava disposto “a eliminar todos os subsídios e tarifas e outras barreiras para o livre fluxo de bens e serviços, desde que as outras nações façam o mesmo”. Por que, perguntava Hubbard, os negociadores comerciais dos EUA não deveriam expressar uma posição compatível com a retórica do presidente? Embora fosse um sujeito ponderado, Portman reagiu a essa ideia de forma negativa e peremptória. “Tive algumas conversas relativamente acaloradas nos altos escalões e disse que, se quisessem propor isso, teriam de achar outro representante de Comércio dos Estados Unidos para fazê-lo”, recorda-se ele. Com base em sua experiência no Congresso, Portman estava convencido de que uma proposta de zerar subsídios jamais seria aprovada nas comissões de agricultura. Uma coisa era inserir essas ideias elevadas nos discursos presidenciais, outra bem diferente era usá-las como base para propostas concretas nas negociações da OMC, em que outros países as ridicularizariam por seu caráter irrealista. A abordagem preferida de Portman foi a de manter intensas consultas com os membros mais poderosos das comissões de agricultura, bem como com entidades rurais do setor privado, com vistas a desenvolver uma proposta que pudesse, ao mesmo tempo, produzir forte impacto nas negociações de Doha e assegurar o necessário apoio político no Capitólio para aprovar o acordo da OMC. Auxiliando-o nesses esforços estava o novo secretário de Agricultura, Mike Johanns, ex-governador de Nebraska, que fez discursos advertindo os grupos agrícolas de que as políticas norte-americanas 294 um chicken mcnugget teriam de passar por grandes mudanças. O sucesso do Brasil em fazer com que o programa do algodão de Washington fosse declarado ilegal significava que “o status quo é um risco muito alto para agricultores americanos”, disse Johanns à Comissão de Agricultura do Senado. Em vez de esperar que outros subsídios norte-americanos, como o do arroz, fossem questionados nos tribunais da OMC, seria muito melhor negociar limites a esses subsídios como parte da rodada, obtendo, em troca, concessões substanciais, afirmou ele. O governo finalmente estava pronto para qualquer eventualidade no início de outubro de 2005. Um ataque relâmpago e cuidadosamente coordenado de relações públicas anunciou o lançamento de um novo plano para os EUA. Portman, que ganhara o direito de cuidar dos detalhes da maneira que achasse mais adequado, viajou a Zurique para fazer uma apresentação aos colegas ministros do Comércio em 10 de outubro. Além disso, uma matéria assinada, intitulada “A proposta americana para iniciar as negociações de comércio de Doha”, foi publicada no Financial Times nesse mesmo dia. “Nossa iniciativa ambiciosa demonstra seriedade de propósitos”, declarou ele em uma coletiva de imprensa. “Os Estados Unidos estão comprometidos a superar o impasse das negociações agrícolas multilaterais, liberando todo o potencial da Rodada Doha”. De acordo com o plano, Washington estabeleceria um teto de US$ 22,6 bilhões para seus gastos gerais com subsídios agrícolas que distorcem os preços das safras, inclusive uma redução nos tipos mais questionáveis de subsídios agrícolas – os da caixa amarela, de maior impacto sobre os preços. O teto de US$ 19,1 bilhões em gastos da caixa amarela dos EUA seria reduzido em 60%, limitando os desembolsos com esses subsídios a US$ 7,6 bilhões ao ano. Outros programas agrícolas norte-americanos seriam igualmente cortados. Todas essas propostas, é claro, continham várias ressalvas. Em troca das concessões de Washington, outros países teriam de tomar suas próprias providências para a liberalização. A União Europeia e o Japão teriam de cortar seus subsídios em percentuais ainda maiores, dados os pontos de partida mais altos. O mais importante é que quase todos os membros da OMC teriam de aceitar sérias reduções em suas tarifas sobre produtos agrícolas, inclusive um corte espantoso de 90% nos impostos mais altos aplicados pelos países ricos, prevendo-se cotas muito limitadas para exceções. Além disso, os países em desenvolvimento 295 paul blustein teriam de baixar ainda mais suas barreiras contra produtos industriais e prestadores de serviços estrangeiros. O pacote estava baseado em um cálculo político realista, na melhor tradição do mercantilismo da OMC e do GATT. A limitação aos subsídios agrícolas poderia ser uma política desejável para os Estados Unidos como um todo, mas era um “sacrifício” que políticos americanos só aceitariam se a maioria dos lobbies agrícolas tivesse a garantia de que suas oportunidades de exportação aumentariam. Um produtor de trigo do Kansas, que normalmente se rebelaria ao ver diminuir as cifras de seus cheques governamentais, provavelmente aceitaria isso sob a condição de que sua produção ganhasse melhor acesso a consumidores europeus ou aos mercados emergentes da Índia e da China. Para reforçar o argumento em favor de tarifas mais baixas no exterior, Portman usava também um artifício moral: a pesquisa econômica, observava ele, mostrava que os países em desenvolvimento ganhariam mais com barreiras agrícolas reduzidas do que com qualquer outra ação contemplada na rodada. “Se melhorarmos o acesso a mercados para agricultura, colheremos maiores benefícios”, escreveu ele em um editorial no Financial Times. Nem todos engoliram a alegação dos EUA de que sua proposta era bem abrangente. A Oxfam liderava os ataques ao plano, chamando-o de “cortina de fumaça”. Para entender as razões para esse cinismo, é importante lembrar a diferença crucial entre tarifas “consolidadas” e “aplicadas”. Tarifas consolidadas são o teto máximo permitido com base em compromissos que os países celebram em acordos da OMC. Um país com uma tarifa consolidada de 30% sobre carne bovina, por exemplo, é legalmente obrigado a manter seus impostos sobre carne bovina nesse nível ou abaixo dele. As tarifas aplicadas se referem ao nível que os países realmente aplicam aos produtos importados. Essas tarifas podem ser – e com frequência são – muito mais baixas do que os níveis consolidados na OMC. Da mesma forma, com relação a subsídios, os países legalmente se obrigam a respeitar certos tetos, apesar de seus níveis de gastos reais serem substancialmente inferiores. As negociações da OMC referem-se a níveis consolidados, não a níveis aplicados. Um “corte” em tarifas ou subsídios, em outras palavras, pode não ser exatamente um corte, pelo menos não conforme mensurado pelos impostos cobrados ou dólares gastos. 296 um chicken mcnugget Essa era a base para a principal queixa da Oxfam sobre a proposta dos EUA. O propalado “corte” em pagamentos da caixa amarela seria a partir do teto legal de US$ 19,1 bilhões e Washington já estava gastando consideravelmente menos do que seu valor permissível. Além disso, outros tipos de gastos eram simplesmente deslocados de uma caixa para outra. Em consequência, “os Estados Unidos terão de fazer apenas cortes insignificantes nos subsídios que pagam a seus agricultores”, afirmou Celine Charveriat, especialista-chefe em comércio do grupo, em um argumento repetido por alguns membros da OMC. Negociadores americanos insistiam que os críticos não entendiam o alcance do impacto do plano sobre os programas agrícolas dos EUA. O programa de pagamentos contracíclicos, por exemplo, ficaria sujeito a cortes reais porque Washington estava propondo estabelecer um teto muito menor para esses tipos de subsídios – US$ 5 bilhões – do que os US$ 10 bilhões previamente acordados. Esses argumentos eram, pelo menos, bem persuasivos para os formuladores de políticas de outros países, que, depois de analisarem a proposta dos EUA, fizeram-lhe um elogio comedido. “A proposta dos EUA é um bom começo”, disse Mark Vaile da Austrália. Quaisquer que fossem os méritos ou deméritos da proposta dos EUA, sua apresentação mudou a dinâmica da Rodada Doha. Como era mais ousada e específica do que tudo que jamais fora submetido por qualquer outro país de peso, ela pôs o ônus sobre outros membros da OMC – principalmente a União Europeia – de reagir com ofertas próprias. Nesse contexto, a proposta lançou luz sobre uma questão crucial: qual seria o grau de ambição da rodada? Um epíteto – “Doha Light” – estava começando a circular para descrever uma negociação hipotética envolvendo contribuições mínimas de todos os países, com poucos cortes significativos nas barreiras comerciais. A rodada merecia esse apelido? Os entusiastas do livre comércio logo se desapontariam com as respostas. [*] O telefonema para ele era uma questão de urgência, disseram a Peter Mandelson durante uma visita a Genebra poucos dias depois da divulgação da proposta agrícola dos EUA em 10 de outubro. Do outro lado da linha estava o gabinete de Dominique de Villepin, primeiro-ministro da França, 297 paul blustein que queria discutir por que, sob seu ponto de vista, o comissário europeu de Comércio não deveria oferecer grandes concessões em resposta ao plano dos EUA. Mandelson disse que teria prazer em conversar e prometeu tomar providências para organizar uma reunião. No entanto, isso não bastou. Os assistentes de Villepin disseram que ele queria conversar imediatamente. Percebendo a inutilidade de sua atitude evasiva, Mandelson decidiu que um toque de intrepidez seria adequado. Disse que pegaria um avião para Paris naquele mesmo dia e se encontraria com o primeiro-ministro à noite. Depois de sua chegada ao aeroporto, um carro enviado para buscar Mandelson o deixou no portão dos fundos do Matignon, a mansão que serve como residência dos primeiros-ministros franceses, uma obra de arte arquitetônica do século XVIII com arcos e pátios, ornada por tapeçarias e quadros. Foi encaminhado sem demora ao gabinete de Villepin, onde o primeiro-ministro, um protegido do presidente Jacques Chirac com porte aristocrático, informou-lhe que, devido a um compromisso mais tarde naquela noite, eles só poderiam se reunir por 45 minutos. De qualquer maneira, disse o primeiro-ministro, a França não apoiaria, sob nenhuma circunstância, que uma nova oferta agrícola fosse feita pela União Europeia nesse estágio, dada a fraqueza da proposta dos EUA e a falta de ofertas de outros membros da OMC. Mandelson contra-argumentou, explicando por que se sentia compelido a mostrar alguma flexibilidade. Após 45 minutos, Villepin se levantou para sinalizar que a reunião tinha chegado ao fim. Disse que, se Mandelson fizesse uma proposta, ela seria repudiada pelo governo francês. Com isso, Villepin se retirou da sala. Esse desdobramento não foi bem-vindo, porque Mandelson já estava sob forte pressão para equiparar, ou pelo menos chegar perto de equiparar, as concessões postas na mesa pelos Estados Unidos em 10 de outubro. Em reuniões sucessivas das Cinco Partes Interessadas em meados de outubro, os colegas de Mandelson vindos dos Estados Unidos, Brasil, Índia e Austrália o instigaram nesse sentido e, quando ele se esquivou de seus pedidos, eles o repreenderam publicamente, afirmando que, se a União Europeia deixasse de oferecer um acesso significativamente maior aos mercados agrícolas europeus, a reunião de Hong Kong seria uma nova Cancún. Quase todos os dedos apontavam para Bruxelas. “A União Europeia é que está colocando a rodada em perigo”, disse Vaile da Austrália em 298 um chicken mcnugget uma coletiva de imprensa depois que dois dias de reuniões em Genebra entre as Cinco Partes Interessadas terminaram, em 20 de outubro, sem sinal de progresso. Portman falou aos repórteres em uma teleconferência naquele dia: “A incapacidade de a União Europeia prosseguir com uma proposta real de acesso aos mercados colocou em risco benefícios de Doha... Não estou tentando ser melodramático, mas estamos muito próximos de uma data crucial”, para evitarmos um colapso em Hong Kong. Até mesmo Charveriat da Oxfam, que não ficara nem um pouco impressionada com a proposta dos EUA, concordou: “As manobras de retaguarda dos franceses e outros países-membros da União Europeia estão minando até mesmo os pífios avanços já alcançados”. A principal razão para esses ataques foi a insistência de Mandelson em se aferrar à posição da União Europeia em relação à quantidade de “produtos sensíveis” que deveriam ficar isentos de cortes abruptos de tarifas. Bruxelas foi inflexível ao dizer que 8% de suas linhas tarifárias poderiam ser classificadas como sensíveis – uma situação que, como dizia Portman, criaria “um buraco grande o suficiente para que um caminhão passasse por ele”. Isso significava que, para mais de 160 produtos, as tarifas sofreriam cortes apenas modestos. Isso obviamente incluiria carne bovina e de aves, laticínios, e vários outros produtos, precisamente os mesmos que os parceiros comerciais da União Europeia estavam mais ávidos por vender no mercado europeu. Em contraste, de acordo com a proposta dos EUA, apenas 1% das linhas tarifárias poderiam ser designadas como sensíveis e o grupo do G-20, de países em desenvolvimento, apresentara uma proposta na qual a quantidade desses produtos permitida para países ricos era apenas ligeiramente maior. Com a União Europeia sob tamanha pressão, Mandelson não tinha escolha a não ser oferecer algo em resposta à proposta dos EUA. Sozinha, a França não conseguiria impedi-lo de negociar como quisesse, pois seria necessária uma maioria qualificada de dois terços dos países-membros da União Europeia para vencê-lo. Embora os franceses estivessem lutando com garra, não conseguiriam trazer para o seu lado um número tão grande de governos europeus. Mas Mandelson se via constrangido por outro fator de grande importância – o mandato negociador que fora aprovado pelos países-membros da UE. De acordo com esse mandato, a reforma de 2003 da Política Agrícola Comum representava o limite máximo do que Bruxelas poderia aceitar. A teoria era de que uma promessa solene 299 paul blustein tinha sido feita aos agricultores europeus de que não haveria mudanças na natureza fundamental dos subsídios governamentais por um período de dez anos. Na avaliação do governo francês, a posição negociadora de Mandelson já desrespeitava o mandato em relação à carne bovina, carne de aves, tomates, açúcar e manteiga. Assim, a elaboração de uma proposta ainda mais ambiciosa certamente ultrapassaria os limites. À medida que Mandelson e sua equipe continuaram a trabalhar na nova proposta, o presidente Chirac aumentou a pressão assumindo uma postura extraordinariamente dura. Ameaçou em público que Paris poderia usar seu veto em relação a qualquer acordo negociado na Rodada Doha. “A França se reserva o direito de não aprovar” qualquer acordo de que não goste, censurou Chirac em 27 de outubro e essa ameaça era pelo menos legalmente factível, porque, apesar de Paris ter concedido a Bruxelas autoridade para negociar, ainda era um membro de pleno direito da OMC, onde era preciso se chegar a um consenso. Ao meio-dia em ponto do dia 28 outubro, houve um verdadeiro fogo cruzado. Monitores de vídeo piscavam nos escritórios dos ministros do Comércio em Washington, Bruxelas, Brasília, Nova Délhi e Canberra. As Cinco Partes Interessadas estavam realizando uma videoconferência na qual a União Europeia apresentaria sua contraproposta. Cada ministro – Portman, Mandelson, Celso Amorim, Kamal Nath e Vaile – via um monitor dividido em quatro, com um de seus colegas ocupando cada quarto da tela. “Séria e digna de crédito” foram as palavras que Mandelson usou para introduzir sua proposta aos outros ministros. “Ela vai ao limite de nossa margem de manobra. Não podemos obter um novo mandato negociador”, disse ele, acrescentando que era uma oferta para “pegar ou largar”, ou seja, não haveria uma segunda chance. Ao explicar os detalhes, notou que os cortes de tarifas para produtos agrícolas previstos na proposta iriam “significativamente além” dos cortes da Rodada Uruguai – uma média de 46% para países ricos, em comparação com os 36% da Rodada Uruguai. Como na proposta dos EUA, tudo era condicional, os demais membros da OMC teriam de abrir seus setores industriais e de serviços de forma significativa. A reação dos outros foi desdenhosa, principalmente porque Mandelson tinha se agarrado ao pedido da União Europeia de manter 8% das linhas de tarifas designadas como sensíveis. “Para muitos produtos 300 um chicken mcnugget brasileiros, a proposta da União Europeia não constituiria acesso real ao mercado”, afirmou Amorim na videoconferência. Também fez fortes objeções ao tom de ultimato com que Mandelson fizera sua oferta, dizendo que “não podia ser apresentada na base do pegar ou largar”. Vaile se pronunciou “desapontado” e questionou parte da aritmética da União Europeia, declarando que um cálculo alternativo feito pelos especialistas em comércio do governo australiano mostrava que a redução média de tarifas ficaria vários pontos percentuais abaixo do que Bruxelas estava alegando. Portman pintou o quadro ainda mais negro dizendo: “Isso não é alcançar o padrão de ‘melhoria substancial no acesso ao mercado’”. Declarou-se “desestimulado”, dizendo: “Não posso ir ao Congresso [para aprovação do acordo de Doha] sem verdadeiros cortes [nas tarifas] para os mercados da União Europeia e dos países em desenvolvimento”. Para entender melhor esse negativismo, consideremos a crítica à proposta da União Europeia que acabou conhecida como o argumento intitulado “Um Chicken McNugget”. Carne de aves era um dos produtos que os americanos desejavam exportar em maior quantidade para a Europa. A tarifa da União Europeia sobre coxas de frango era de 53% e se, como parecia provável, Bruxelas escolhesse este como um de seus produtos sensíveis, o imposto sofreria um corte de apenas 15%, o que reduziria a tarifa para 45% – um nível ainda proibitivamente alto. De acordo com a proposta de Mandelson, a União Europeia compensaria esse corte menor na tarifa, permitindo que outras 10.000 toneladas métricas de frango entrassem em seu mercado a baixos impostos aduaneiros, mas isso seria equivalente a apenas 0,02 quilograma per capita, o que, como os especialistas em comércio do governo dos EUA observaram, era “menos do que um nugget de frango por pessoa ao ano”. Diante desse tipo de argumento, Mandelson ficou impassível. Na videoconferência do dia 28 de outubro, ele contra-atacou seus adversários, principalmente os americanos, observando: “Já fizemos reformas [na política agrícola, como a reforma da PAC de 2003]. Vocês não”. Advertiu ao grupo que eles precisavam “cair na real” e manifestou a expectativa de que a devida análise da proposta da União Europeia poderia fazê-los mudar de opinião. “Todos precisam de mais tempo para refletir e digerir”, disse ele. 301 paul blustein De fato, houve muita reflexão e digestão, levando a uma conclusão inescapável: dadas as enormes divergências entre os líderes da OMC, um grande ajuste de atitudes seria necessário para a reunião de Hong Kong. [*] Durante a maior parte da existência da OMC, o corredor do lado de fora do gabinete do diretor-geral no Centro William Rappard era escuro e atulhado. Fotos em tamanho grande da época do GATT adornavam as paredes, comemorando as várias rodadas que haviam ocorrido desde a década de 1950, com grupos de ministros do Comércio posando solenemente para a posteridade. Tudo mudou no final de 2005, quando as fotos foram substituídas por pinturas e esculturas modernas, exibidas com bom gosto, sob uma iluminação clara. Em vez de ficar mergulhado em história e tradição, o novo design proporcionou um clima mais aberto e pujante ao local. A mudança foi devidamente notada pelos membros do Secretariado: um novo regime começava. O novo regime era o de Lamy. Sua eleição para o cargo de diretorgeral transcorrera sem os atritos e acusações de jogo duplo que haviam caracterizado a confusão de 1999. Desta vez, o processo seletivo havia sido amplamente reconhecido como justo e transparente. Uma comissão foi encarregada de realizar o escrutínio em três turnos com todas as delegações. Apesar de toda a mobilização dos países em desenvolvimento para colocar novamente um representante do grupo no cargo, seus votos tinham ficado divididos entre candidatos do Brasil, Uruguai e Ilhas Maurício. Lamy, por sua vez, conseguiu aplacar as preocupações de que atuaria como agente da União Europeia, ressaltando que, como comissário europeu de Comércio, tinha com frequência se contraposto a políticas favorecidas por seu país natal, a França. Foi empossado em setembro de 2005 em meio a grandes esperanças de que superaria em muito a Supachai na direção das negociações de Doha. Porém, a alardeada competência, profundidade de conhecimento e habilidades de liderança de Lamy representavam muito pouco diante das arraigadas divisões entre os membros da OMC. Esta era a situação que ele enfrentou ao presidir uma sombria reunião de ministros na Sala E do Centro William Rappard em 9 de novembro, poucos dias depois da infrutífera videoconferência entre os ministros das Cinco Partes Interessadas. 302 um chicken mcnugget Lamy disse aos ministros na Sala E que seria melhor abandonar a meta de concluir plenamente as modalidades na reunião de Hong Kong. Por mais que ele tivesse esperanças de ver Hong Kong – a primeira conferência ministerial que presidiria – fazer grandes avanços, “manter esse objetivo, e não alcançá-lo, é arriscado demais para a organização”, disse ele, uma afirmação desmentida por poucos participantes, se é que por algum. Amorim, expressando o consenso pessimista, disse: “Não fizemos progresso algum nas questões principais. O que está na mesa não serve de base para um acordo”. Essas palavras chegaram aos ouvidos da imprensa, levando à conclusão de que as expectativas para Hong Kong estavam sendo oficialmente diminuídas. O novo objetivo para a reunião era “consolidar” ganhos obtidos desde o acordo-quadro de julho de 2004 e determinar o que seria necessário para que as modalidades pudessem ser acordadas em algum momento no futuro próximo. Representantes governamentais e negociadores tentaram dar um enfoque positivo nas perspectivas do processo negociador, enfatizando que permaneciam resolutos na busca de um acordo significativo na rodada. “Não desistimos; não desistiremos”, disse Portman aos repórteres. De Mandelson veio um comentário notável por seu desalento: “Meu medo é que, ao baixar as expectativas para Hong Kong, façamos com que a ambição geral pela rodada despenque”, disse ele. Fazer uma lamentação como essa exigiu certa ousadia, porque ele desempenhara um papel de protagonista nos eventos que haviam levado a essa situação. Ele culpava os brasileiros e os indianos por se recusarem a cortar tarifas industriais, apesar de ter demonstrado pouca disposição em baixar as barreiras agrícolas europeias como parte de um acordo mais amplo. O rebaixamento das expectativas para Hong Kong não era o único problema rondando a Agenda de Desenvolvimento de Doha. Uma questão ainda mais existencial estava vindo à tona: será que o acordo eventualmente concluído na rodada traria algum beneficio para os pobres do mundo? [*] Em uma estrada esburacada em Livingstone, na Zâmbia, está localizada uma empresa de leite longa vida, do tipo que pode ficar por 303 paul blustein vários meses fora da geladeira. Denominada Finta Danish Dairies, é de propriedade dos Parbhoos, uma família de empreendedores que imigrou para a Zâmbia vinda da Índia décadas atrás. Por dentro, a fábrica é surpreendentemente moderna, com pasteurizadores de aço inoxidável, usados para aquecer o leite a temperaturas elevadíssimas, junto com enormes tanques de estocagem, resfriadores, equipamento de embalagem e até uma máquina para colar canudos nas pequenas caixas Tetra Pak em que o leite é armazenado quando está pronto para o consumo. Poder-se-ia pensar que a Finta seria um exportador bem-sucedido. Afinal de contas, faltam geladeiras nessa parte carente do mundo, o que faz do leite longa vida um produto supostamente popular nos países vizinhos. No entanto, as vendas da empresa estão limitadas ao mercado zambiano, por motivos que não têm nada a ver com tarifas. O problema é que esta é a África Subsaariana e os desafios logísticos enfrentados por todos que tentam transportar mercadorias através de fronteiras internacionais são imensos. “Poderia haver enormes mercados para nós em Moçambique, na República Democrática do Congo e em Angola, países que fazem fronteira com a Zâmbia”, diz Ron Parbhoo, diretor administrativo da empresa. “Mas infraestrutura é um problema muito grande. Não há estradas. Não estou falando de ‘estradas ruins’. Não há estradas mesmo”. A República Democrática do Congo, observa ele, “tem uma população de 60 milhões de habitantes, sem indústria de laticínios, mas não há estradas indo daqui para lá. A fronteira angolana está a apenas 160 quilômetros, mas a única maneira de transportarmos o leite até lá seria despachá-lo por caminhão ou trem para Durban [no leste da África do Sul] e depois por navio margeando o Cabo da Boa Esperança”. Outro país vizinho, o Zimbábue, tem uma ótima malha rodoviária, mas o país mergulhou em um caos político e econômico de tamanha proporção que faltam divisas para pagar pelas importações. “E combustível no Zimbábue é inexistente”, acrescenta Brush Parbhoo, irmão de Ron, o diretor técnico da empresa. “Sem falar no risco que correria um caminhão de 30 toneladas transportando milhares de dólares em produtos”. Como esse relato sugere, a Zâmbia, um país sem acesso ao mar, precisa de muito mais do que a eliminação das barreiras comerciais estrangeiras para se inserir na economia internacional. De fato, a Zâmbia goza de acesso livre de impostos para muitas de suas exportações para 304 um chicken mcnugget os Estados Unidos, a União Europeia e outros mercados de países ricos sob programas especiais criados em benefício das nações mais pobres do mundo, tais como a Lei do Crescimento e Oportunidades para a África (African Growth and Opportunity Act), dos Estados Unidos, e a iniciativa “Tudo Menos Armas” (Everything but Arms), da União Europeia. Embora esses programas tenham gerado alguns empregos ligados à exportação em países como a Zâmbia, eles não ajudaram muito, em parte porque cada programa tem um conjunto específico de regras complexas para definir quais produtos podem ser beneficiados com acesso livre de tarifas. As empresas quase sempre se assustam com a quantidade de papelada envolvida. Então, o que a Rodada Doha oferece a países como estes? Será que a Zâmbia poderia exportar maiores quantidades dos bens que produz se os outros países reduzissem suas tarifas? Estas são perguntas importantes, porque, com uma renda anual per capita de US$ 630, a Zâmbia é exatamente o tipo de país que os delegados em Doha supostamente tinham em mente quando prometeram colocar as necessidades dos países em desenvolvimento em primeiro lugar entre as prioridades da rodada. No final de 2005, algumas respostas desalentadoras começaram a vir de um lugar inesperado. [*] Durante anos, o Banco Mundial tinha sido a fonte das estatísticas citadas com mais frequência para defender o argumento de que uma rodada de desenvolvimento geraria uma abundância de oportunidades para os oprimidos do mundo todo. Na época da conferência de Doha em 2001, a estimativa era que um acordo comercial ambicioso aumentaria a renda global em US$ 830 bilhões até 2015, sendo que dois terços dos benefícios iriam para nações em desenvolvimento. Pelas estimativas do banco, o impacto alçaria 320 milhões de pessoas acima da linha de pobreza, definida pela renda de dois dólares ao dia. Tal como mencionado em capítulos anteriores, essas cifras forneceram munição poderosa para políticos, ministros do Comércio e comentaristas – sendo Bob Zoellick e Mike Moore os mais proeminentes entre eles – que buscavam incentivar os membros da OMC a chegar a um acordo. Porém, novas estimativas, baseadas em dados mais atualizados e mais refinados, que o banco 305 paul blustein divulgou poucas semanas antes da reunião de 2005, sugeriam que o impacto seria muito mais modesto. O “número de destaque” revisado pelo banco era que a renda global aumentaria apenas US$ 287 bilhões até 2015, com os países em desenvolvimento se beneficiando somente de 30% desses ganhos, caso os membros da OMC chegassem a um acordo que eliminasse totalmente as barreiras ao comércio mundial, isto é, se todos os subsídios agrícolas fossem eliminados e todas as tarifas fossem reduzidas a zero. Isso reduziria em 66 milhões o número de pessoas vivendo abaixo de dois dólares ao dia – uma fração da estimativa anterior. “Esses números são significativamente mais baixos do que as projeções iniciais do Banco Mundial”, reconheceu o banco. Além disso, os números baseavam-se na pressuposição irremediavelmente irrealista de que os membros da OMC concordariam em remover todas as distorções ao comércio. Partindo de um cenário mais provável em relação ao resultado das negociações de Doha, o banco projetava uma redução na pobreza global de somente 12 milhões de pessoas. O aspecto talvez mais perturbador foi o fato de que as novas estimativas do banco indicavam que vários países ficariam em situação pior com um sistema de comércio completamente livre. “Na África do Norte e no Oriente Médio, bem como na África Subsaariana... há mais perdas do que ganhos”, declaravam os estudos do banco. Outros países claramente perdedores seriam o México e Bangladesh. Um dos motivos era que muitos desses países eram grandes importadores de alimentos e a eliminação de subsídios agrícolas na verdade prejudicaria suas economias, observava o banco, porque os gastos na rubrica de alimentos de suas contas nacionais aumentariam à medida que os Estados Unidos e outros países ricos parassem de pagar para seus agricultores superproduzirem. Vários países seriam beneficiados, principalmente o Brasil e a Argentina (que seriam capazes de aumentar significativamente suas exportações agrícolas) e a China (que aumentaria sobremaneira suas exportações de produtos industriais). Mas os ganhos para muitas outras nações seriam apenas marginais. A Zâmbia era um exemplo. A eliminação dos subsídios ao algodão impulsionaria a economia do país e reduziria seu nível de pobreza. Na medida em que os agricultores zambianos conseguissem vender algodão a preços mais altos, eles poderiam usar 306 um chicken mcnugget esse acréscimo de renda para comprar alimentos nutritivos e remédios para suas famílias. Porém, “é claro que as magnitudes são bem pequenas”, afirmou o banco em um estudo que projetava um aumento de apenas 1% na renda familiar dos zambianos como resultado do comércio de algodão sem subsídios. Críticos da liberalização comercial se apegaram a essas novas estimativas, usando-as para corroborar seus argumentos. Lori Wallach, ainda batendo na tecla anti-OMC no Observatório do Comércio Global do grupo Public Citizen, organizou uma teleconferência para repórteres com Frank Ackerman, um pesquisador na Universidade Tufts, que escreveu um artigo intitulado “Os ganhos decrescentes do comércio”. O artigo dizia: Que diferença faz dois anos. Nas discussões preparatórias para as negociações da OMC em Cancún, em 2003, era comum ouvir sobre as centenas de bilhões de dólares de benefícios que resultariam da liberalização do comércio. Definições e números exatos variavam, mas US$ 500 bilhões de benefícios ao mundo em desenvolvimento era um valor amplamente citado. Em 2005, às vésperas da nova rodada de negociações em Hong Kong, era difícil encontrar estimativas que chegassem a US$ 100 bilhões, e fácil achar cifras bem mais baixas do que esta. Os economistas do banco, ansiosos por evitar a percepção de que sua pesquisa desmontava a base racional da liberalização do comércio global, lutaram para conter o estrago. Repórteres foram convocados para reuniões no banco, onde eram informados de que a verdadeira mensagem das novas estimativas era que os membros da OMC deveriam lutar por um acordo mais abrangente, pois isso geraria maiores benefícios para os pobres do que uma versão “Doha Light”, que deixaria a maior parte das barreiras intacta. “Embora seja importante não superestimar o impacto, é difícil pensar em qualquer outra medida que os países pudessem adotar em conjunto que tivesse um efeito mais significativo sobre a pobreza do que uma Rodada Doha vitoriosa”, disse aos jornalistas Richard Newfarmer, consultor econômico do departamento de comércio do banco. As novas projeções eram muito conservadoras, enfatizavam os funcionários do banco, e não era correto compará-las com as estimativas 307 paul blustein anteriores porque envolviam pressupostos diferentes. A estimativa feita em 2001 de um aumento de US$ 830 bilhões na renda global tinha sido baseada no pressuposto de que barreiras mais baixas gerariam aumentos de produtividade, estimulando assim o crescimento econômico no mundo todo. Como os críticos haviam questionado seriamente a precisão desses pressupostos, o banco adotara uma postura mais prudente, evitando incorporá-los à sua nova estimativa de US$ 287 bilhões de ganhos globais. Além disso, nenhuma das estimativas incluía quaisquer ganhos advindos da liberalização do setor de serviços, uma fonte potencialmente importante de aumento de produtividade cujos efeitos são muito mais difíceis de mensurar em relação a cortes de tarifas e subsídios. É importante manter essas novas estimativas em perspectiva. Elas certamente não significam que a liberalização comercial de décadas anteriores tenha sido inútil, mas sugerem que seus resultados foram tão amplos que acabaram diminuindo os benefícios adicionais resultantes de novas liberalizações, ao menos no que se refere ao comércio de mercadorias. As novas estimativas tampouco significavam que a Rodada Doha não tinha valor. Livrar a economia global de subsídios agrícolas e baixar as tarifas das nações ricas que bloqueavam a importação de produtos de nações pobres deixariam o sistema de comércio mais justo e melhorariam a sorte de milhões de pessoas carentes, mesmo que de forma modesta. Era de se prever que outros milhões seriam beneficiados pela redução das tarifas dos países em desenvolvimento. Apesar de haver uma considerável discordância nesse ponto, principalmente de países como a Índia, as evidências sugeriam que as populações de baixa renda ganhariam mais com a redução dos preços das importações – especialmente de alimentos – do que perderiam. Porém, não havia como escapar das implicações das novas descobertas do banco: a instituição que mais defendia a liberalização em países em desenvolvimento reconhecia que o impacto do comércio sobre o desenvolvimento era muito mais limitado do que se pensava. “Algumas dessas cifras são pequenas? É óbvio que são menores do que gostaríamos”, disse aos repórteres Alan Winters, diretor de pesquisa do banco. E o motivo não era apenas que o banco tinha usado uma metodologia conservadora, mas também que o modelo agora adotado por seus economistas era mais sofisticado e atualizado do que a versão anterior. 308 um chicken mcnugget O novo modelo era mais sofisticado porque incorporava o impacto das preferências comerciais, isto é, o acesso irrestrito de que alguns países em desenvolvimento já gozavam nos mercados de países ricos com base em arranjos especiais. Essas nações perderiam benefícios se todas as barreiras comerciais do mundo desaparecessem. O México, que, sob o NAFTA, podia exportar mercadorias sem impostos para os Estados Unidos, constituía um exemplo esclarecedor. Quanto mais Washington baixasse suas barreiras para todos os países-membros da OMC, mais os concorrentes do México poderiam ganhar espaço no mercado dos EUA à custa do México. Assim, os cálculos do banco mostravam que o México teria prejuízos num cenário de livre comércio global. O novo modelo estava mais atualizado também porque incorporava os efeitos de uma das mudanças mais significativas que atingiram a economia global nos últimos anos – a entrada da China na OMC, concluída em 2001. O modelo anterior – que levara o banco a estimar em US$ 830 bilhões os ganhos globais decorrentes de um acordo comercial abrangente – fora baseado em dados de 1997, inclusive nas tarifas altas que Pequim aplicava antes de ingressar no órgão de comércio. O novo modelo já levava em conta os ganhos obtidos com a liberalização da China. Isso baixou a estimativa geral dos benefícios a serem obtidos com a liberalização do comércio no mundo todo. Quais eram, então, as implicações práticas dessa nova análise? Para o banco, e para outros defensores da liberalização do comércio, havia evidências recentes da necessidade de cortar radicalmente as tarifas e não apenas de reduzi-las, se a Rodada Doha quisesse gerar muitos novos negócios de modo a impulsionar a causa do desenvolvimento. Tal como mencionado por um dos estudos: “As metas de liberalização da Agenda de Desenvolvimento de Doha tinham de ser bastante ambiciosas para que a rodada pudesse ter um impacto mensurável sobre os mercados mundiais e, consequentemente, sobre a pobreza”. Além disso, a liberalização teria de ser especialmente abrangente em uma área-chave, o acesso aos mercados agrícolas, pois o setor seria responsável por dois terços dos ganhos potenciais em escala global. Tanto cortes em subsídios agrícolas quanto tarifas mais baixas sobre produtos manufaturados eram desejáveis, mas essas medidas não afetariam muito a renda, seja no plano mundial, seja na esfera nacional. O maior valor econômico, segundo os cálculos do banco, decorria da redução das 309 paul blustein barreiras ao comércio agrícola. Não apenas as tarifas agrícolas teriam de ser cortadas significativamente, como também deveria haver o mínimo de exceções possível para produtos “sensíveis” e “especiais”. “Isentar [de cortes profundos] até 2% das linhas tarifárias enfraqueceria a rodada” ceifando a maior parte dos ganhos a serem obtidos com a liberalização do comércio agrícola, escreveram os economistas do banco. O banco tinha uma resposta pronta também para o que deveria ser feito com países, como México, Camarões ou Moçambique, que aparentemente sofreriam perdas por um motivo ou por outro devido à liberalização do comércio global: seus prejuízos “poderiam ser facilmente compensados com ajuda externa adicional” destinada a facilitar sua adaptação ao novo mundo de barreiras comerciais mais baixas. Generosos quinhões de “ajuda para o comércio” (aid for trade) também seriam essenciais para países com problemas, tais como infraestrutura precária, que os impediriam de tirar vantagem de barreiras mais baixas. Esses países poderiam avançar na superação da pobreza se recebessem assistência para construção das estradas e portos de que necessitavam para levar seus produtos ao mercado. Porém, outra conclusão poderia ser extraída da pesquisa do banco, isto é, que uma forte redução das barreiras ao comércio global proporcionaria ganhos principalmente para poucos países exportadores grandes e dinâmicos do mundo em desenvolvimento, como o Brasil e a China, ao passo que as nações mais pobres obteriam muito menos do que lhes fora indicado inicialmente. Peter Mandelson, por exemplo, se aferrou a esse argumento em uma proposta elaborada com o objetivo de atrair os membros da OMC menos desenvolvidos para o seu lado na batalha sobre as tarifas agrícolas. A Rodada Doha “deveria beneficiar a todos e não apenas a uma pequena minoria de exportadores competitivos”, disse ele em um discurso a um grupo de representantes governamentais de países pobres em 30 de novembro de 2005, duas semanas antes da reunião de Hong Kong. Portanto, a melhor abordagem, argumentava o comissário europeu de Comércio, não era uma redução radical nas barreiras ao comércio agrícola, como advogavam os americanos, mas uma redução mais modesta, que ajudaria os países pobres a preservarem o valor do acesso preferencial de que gozavam em mercados de países ricos sob vários programas (como a Lei do Crescimento e Oportunidades para a 310 um chicken mcnugget África, dos EUA). “É bom que vocês saibam”, disse Mandelson, fazendo uma referência sinistra à proposta que Portman apresentara em 10 de outubro, “que algumas propostas de cortes tarifários que estão sobre a mesa destruirão completamente as suas preferências”. Independentemente de qualquer opinião sobre os novos dados do banco e da conveniência de uma Rodada Doha ambiciosa, a perspectiva para Hong Kong era sombria. A conferência não discutiria cortes tarifários ambiciosos, nem mesmo reduções mais modestas, por causa do medo de que os membros da OMC fracassassem na tentativa de superar suas divisões. [*] Com uma vista de tirar o fôlego do porto mais fabuloso da Ásia, 52 salas de reunião, sete restaurantes, auditórios espaçosos e tecnologia audiovisual de última geração, o Centro de Convenções de Hong Kong oferecia acomodações magníficas para as delegações dos 149 países-membros da OMC que lá se reuniram de 13 a 18 de dezembro de 2005. Os anfitriões da ex-colônia britânica fizeram de tudo para atender a todas as necessidades de seus visitantes. Uma delegação precisava de celulares? Sem problemas. De quantos precisariam? Bandejas de dim sum e outras iguarias eram oferecidas em grandes quantidades do lado de fora das salas de reunião. Apesar de poucos milhares de manifestantes terem organizado protestos barulhentos, eles foram contidos por um contingente de 9.000 policiais e por um esquema detalhado de precauções de segurança. Da mesma forma, o Secretariado da OMC, chefiado por Lamy, planejara cuidadosamente todos os detalhes da reunião para se resguardar de alguns dos problemas que tinham contribuído para falhas em conferências ministeriais anteriores. Houve muito esforço para garantir uma comunicação eficaz entre os participantes de sala verde e os que estavam de fora. O “Pontes Diário de Genebra” (Bridges Daily Update), um informativo publicado durante as conferências ministeriais, relatou um resultado animador em sua edição de 14 de dezembro: “Em termos do processo negociador, as fortes críticas... em relação à inclusão e à transparência praticamente desapareceram. De um ponto de vista prático, a maioria dos membros parece ter efetivamente aceitado que as [salas verdes] são a única maneira realista de se avançar em uma organização 311 paul blustein entre 149 países, desde que todas as delegações sejam mantidas informadas do andamento do processo e das discussões”. A logística, portanto, era ideal. Mas qual seria o grande tema da reunião? Era este o problema constrangedor que os ministros enfrentavam, pois, com as expectativas reduzidas quase um mês antes, eles não estavam mais sob pressão para tirar coelhos da cartola na Rodada Doha. Por outro lado, tinham de fazer algo para impressionar as legiões de repórteres de jornais e redes de televisão do mundo todo que perambulavam pelos corredores. Apesar da escassez de grandes temas, o resultado foi um dos melodramas mais memoráveis de todas as conferências ministeriais da OMC. Nesse sentido, Hong Kong revelou algumas das piores características da OMC – em especial, a tendência de que suas reuniões acabem se deteriorando em exercícios burocráticos de reiteração de posições. Na OMC, o triunfo que os ministros exibem ao extrair concessões é, com frequência, desproporcional aos benefícios econômicos que angariam, e a teimosia dos que resistem a fazer as concessões quase sempre conflita com o bom senso econômico. Foi assim o debate que ocupou o palco principal em Hong Kong: se era preciso estabelecer uma data específica para a eliminação de subsídios à exportação e, em caso, afirmativo, para quando seria fixada essa data. Conforme observado em capítulos anteriores, esses subsídios não são a forma mais importante de apoio dado aos agricultores – a União Europeia era praticamente seu único usuário, desembolsando cerca de US$ 4 bilhões ao ano. No entanto, esses subsídios são amplamente considerados como mais perniciosos e o acordo-quadro de julho de 2004 havia incluído uma promessa de eliminá-los até uma “data final plausível”. O resultado foi que Mandelson se viu no papel do monstro de Frankenstein, e o resto dos membros da OMC no papel da turba do vilarejo brandindo foices e tochas. Em uma das primeiras reuniões de sala verde, uma sessão de quatro horas que começou tarde na noite de quarta-feira, 14 de dezembro, todos os países presentes exceto a União Europeia e a Suíça endossaram o prazo final de 2010 para eliminação dos subsídios à exportação. E, durante os três dias seguintes, à medida que a pressão foi aumentando sobre Mandelson em sucessivas reuniões de sala verde, ele reagiu com uma série de rompantes, indo da petulância à explosão de raiva. Em uma ocasião, jogou os óculos na mesa, em outra, deixou a sala nervoso, 312 um chicken mcnugget reclamando de ter sido “azucrinado a semana toda”, e, em outra ainda, vociferou contra Lamy, a quem acusou de abusar de sua posição de presidente da reunião, tentando enquadrar a posição da União Europeia. “Você não é mais comissário europeu, Pascal”, disparou Mandelson para o diretor-geral. Como que para aumentar o desconforto de Mandelson, Portman suscitava elogios exagerados pela maneira cordial como se comportava. Em certo momento, durante uma discussão sobre algodão, o representante de Comércio dos Estados Unidos atravessou a sala verde, se ajoelhou ao lado de seu colega do Benin e travou uma conversa aos sussurros – um gesto que derreteu os corações dos observadores. De início, Mandelson se recusou a considerar qualquer prazo específico para os subsídios à exportação, apesar de vigorosas súplicas de outros como Nath, da Índia, que berrava para o comissário europeu de Comércio, “Quero marcar! Quero marcar!” – acrescentando, para alegria geral da sala verde, “Mas não com você!” (I want a date! I want a date! But not with you!). Mandelson manteve-se irredutível, ressaltando que não estavam lhe dando um crédito de confiança. Acabou aceitando, muito a contragosto, a ideia de pôr fim aos subsídios até 2013. Não se tratava de uma concessão muito significativa, pois Bruxelas já começara a reduzir gradativamente o uso desses subsídios em setores importantes (grãos, carne bovina e açúcar), deixando de fora apenas laticínios e dois outros setores para os quais o prazo final ainda era controverso. A maioria dos países-membros da União Europeia insistia que 2013 era o prazo mais curto no qual os subsídios à exportação poderiam ser plenamente abolidos e Mandelson recusou-se a antecipá-lo. A batalha chegou ao clímax na noite final, em uma reunião de sala verde que durou oito horas. Fora do Centro de Convenções, câmeras de televisão estavam voltadas para centenas de manifestantes que romperam os cordões de isolamento, abrindo caminho a golpes de varas de bambu e tábuas de madeira até um prédio em que os delegados estavam reunidos, obrigando a polícia a usar spray de pimenta, jatos d’água e cassetetes (a maioria dos manifestantes era de agricultores sul-coreanos. Protestavam novamente contra a ameaça a sua subsistência que resultaria de qualquer acordo obrigando seu país a importar mais arroz). Dentro da sala verde, longe dos olhares curiosos da mídia, outro conflito estava se materializando, cujo ponto alto – ou ponto baixo – ocorreu quando Amorim, do Brasil, 313 paul blustein teve uma explosão de raiva tão forte que muitos participantes acharam que essa conferência ministerial acabaria igualmente em impasse. Amorim era o líder das forças que exigiam a data final de 2010 para eliminação dos subsídios à exportação. Ele arriscara seu prestígio, e o do G-20, na obtenção de um acordo sobre essa questão. Sua fúria aumentou quando alguns de seus aliados do G-20, inclusive Nath, começaram a expressar na sala verde a opinião de que talvez 2013 fosse a melhor data possível, dada a aparente falta de flexibilidade na posição de Mandelson. Para Amorim, isso equivalia a uma traição de um acordo firme do G-20 em não aceitar nada que não fosse 2010. Enquanto outros ministros observavam, desalentados, ele saiu pela porta, bufando. “Não estou preparado para ficar aqui e ver as pessoas, uma a uma, se curvando à União Europeia!”. Dois de seus assessores, sem saber para onde seu chefe ia, ou mesmo se voltaria, olharam um para o outro e então, passados alguns segundos, recolheram os papéis e saíram também. Porém, nesse momento, um golpe do destino ajudou a reverter a situação. Logo após deixar a sala verde e seguir para a saída do Centro de Convenções, Amorim topou com o ministro do Comércio japonês, Shoichi Nakagawa, que estava comendo uns canapés no saguão. Sem saber o que tinha acontecido, Nakagawa abordou o ministro brasileiro para indagá-lo sobre outro assunto. Justo quando Amorim estava tentando se livrar da conversa, Portman irrompeu pelas portas da sala verde e deu com ele. “Literalmente supliquei para que ele voltasse”, recorda-se Portman. “O Celso é capaz de rompantes teatrais, mas, dessa vez, a frustração era autêntica”. Usando cada pedacinho de seu charme irresistível, o americano implorou que Amorim considerasse a possibilidade de um entendimento e, após cerca de quinze minutos, o brasileiro cedeu, voltando para a sala verde. Um acordo foi alcançado depois que ele voltou: a União Europeia teria permissão para manter a data final de 2013, mas com a condição de que a maior parte dos cortes aos subsídios à exportação ocorresse num prazo mais curto. Sobre esse episódio, Amorim diria mais tarde que, se não fosse por Nakagawa tê-lo atrasado, o resultado da reunião de Hong Kong teria sido bem diferente. [*] 314 um chicken mcnugget Os debates em Hong Kong foram tão extensos, e as reuniões vararam a noite com tanta frequência, que Lamy acabou tendo apenas sete horas de sono durante os cinco dias da reunião. Quando tudo acabou – depois que o diretor-geral realizou a coletiva de imprensa de encerramento e quando os ministros estavam correndo para pegar seus voos no Aeroporto Chek Lap Kok, e os manifestantes enrolavam suas faixas para voltar para casa – Guy de Jonquieres do Financial Times redigiu um dos textos mais engraçados dos anais do jornalismo econômico. Seu artigo, publicado na edição do Financial Times de 19 de dezembro de 2005, começava assim: Fico tentado, sem exagero nenhum, a resumir a reunião dos ministros da Organização Mundial do Comércio em Hong Kong, que terminou ontem, parafraseando Winston Churchill: raramente na história das negociações internacionais tantos trabalharam tanto tempo para produzir tão pouco. Pelo menos a reunião terminou em acordo; quanto a isso, não foram poucos os ministros a expressarem alívio. O entendimento sobre subsídios à exportação possibilitara chegar ao consenso em torno de um texto, evitando um retrocesso na Rodada Doha. O texto continha o seguinte trecho solene: “Concordamos em intensificar o trabalho sobre todas as questões pendentes de forma a atender aos objetivos de Doha, em particular, estamos comprometidos a estabelecer modalidades o mais tardar em 30 de abril de 2006”. Em outras palavras, tendo falhado mais uma vez em alcançar essa meta importante, a OMC se redimiu com a definição de um novo prazo para dali a quatro meses. É claro que o término dos subsídios à exportação não foi o único tópico de discussão em Hong Kong. Outros temas de maior importância potencial também mereceram atenção. As nações ricas anunciaram planos para acelerar projetos de “ajuda ao comércio”, tais como a construção de estradas e outras obras de infraestrutura, de modo a que empresas como a Finta Danish Dairies, da Zâmbia, conseguissem exportar seus produtos. Contudo, esses compromissos de aumento no volume de ajuda eram fonte de muito ceticismo, e por um bom motivo: eles consistiam principalmente de promessas grandiosas de elevação dos gastos em cinco ou dez anos – o tipo de promessa que tende a ser descumprida, porque não constitui compromisso legalmente vinculante para os governos seguintes. Outro desdobramento digno de nota em Hong Kong foi a 315 paul blustein apresentação de uma iniciativa de os países ricos eliminarem todas as tarifas e cotas sobre produtos exportados pelas nações mais pobres do mundo, especificamente os 32 membros da OMC que se encaixam na classificação de Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDRs). Mas esse plano foi subvertido por uma série de exceções, principalmente por causa da recusa dos Estados Unidos em aceitar que o compromisso fosse aplicado à totalidade dos produtos exportados por esses países. Os barões da indústria têxtil do sul dos Estados Unidos, que temiam uma inundação de roupas vindas de países como Bangladesh, flexionaram seus músculos políticos mais uma vez. Um grand finale para a reunião de Hong Kong ocorreu dois dias depois que as delegações tinham voltado para casa. Mandelson estava sentando à sua mesa de trabalho em Bruxelas quando recebeu um telefonema do primeiro-ministro Villepin para congratulá-lo por seu desempenho. A França o felicitava por sua coragem, por lutar como um leão na questão dos subsídios à exportação, disse Villepin ao comissário europeu de Comércio. Mandelson respondeu que agradecia os elogios, mas que não podia garantir que Paris ficaria sempre tão encantada com seu trabalho no decorrer das negociações. Villepin disse que sabia disso, mas, mesmo assim, desejava expressar sua aprovação. A satisfação que o governo mais protecionista da Europa teve com o resultado em Hong Kong mostrou como era improvável que a Rodada Doha resultasse numa transformação das regras e práticas arraigadas que regem o comércio internacional, principalmente no que diz respeito à agricultura. Além disso, a rodada estava prestes a sofrer outro duro golpe. 316 Capítulo 11 Peter e Susan – feitos um para o outro A praia de Copacabana no Rio de Janeiro é, com razão, famosa por seu cenário pitoresco e Rob Portman adorou correr no calçadão da praia enquanto esteve na cidade brasileira no final de março de 2006. Este foi só um dos aspectos positivos de sua viagem ao Rio para comparecer a uma reunião organizada por Celso Amorim com o objetivo de discutir o futuro da Rodada Doha. O outro participante foi Peter Mandelson. Após se reunirem com seus assessores, os três ministros saíram para um almoço, que foi tão sociável, e tão produtivo, que avançou uma hora além do previsto. Portman ficara aliviado ao ver que uma relação amistosa se desenvolvia entre o ministro das Relações Exteriores brasileiro e o comissário europeu de Comércio depois do confronto acalorado entre ambos em Hong Kong. “Foi uma daquelas conversas em que a gente realmente fala um com o outro, em vez de repetir frases feitas”, recorda-se Mandelson. “Estávamos lá sentados usando o verso de envelopes, anotando números, avaliando o grau de ambição de cada um e estabelecendo parâmetros. Não me entenda mal. Não estou dizendo que estávamos negociando números finais – nada disso. Mas foi um momento de franqueza e confiança”. Mais tarde, Mandelson puxou Portman de lado e fez uma pergunta delicada. Os dois homens concordaram, com entusiasmo, que a conversa daquele dia suscitara grandes promessas se conseguissem levar adiante 317 paul blustein as ideias mencionadas. Porém, Mandelson estava ansioso com um boato que assolava Washington, o qual, temia ele, poderia representar um grande problema para a rodada. O boato era que Portman, cujo jeito cativante tinha se mostrado tão eficiente com outros colegas ministros de Comércio, estava prestes a ser promovido para ocupar um cargo mais alto. Indagado diretamente se isso era verdade, Portman respondeu que não, que estava totalmente comprometido com seu trabalho e que permaneceria firme no cargo. Na época, o representante de Comércio dos EUA deu uma resposta honesta. O cargo que, segundo se comentava, seria ocupado por ele era de secretário do Tesouro e Portman já sabia que não era candidato. Na verdade, ele estava ajudando a Casa Branca a convencer Henry Paulson, presidente do Goldman Sachs, a aceitar o posto. Além disso, Portman adorava trabalhar com comércio, o que fazia há apenas onze meses, e sabia que, em relação à Rodada Doha, o momento crucial chegaria em questão de semanas. A expectativa era de que um acordo sobre modalidades de negociação para produtos agrícolas e industriais, após novo fracasso em 2005, poderia ser concluído até 30 de abril de 2006. Este era o prazo definido na declaração de Hong Kong e, embora a importância dessa promessa formal possa ser minimizada pelo fato de os países-membros terem descumprido prazos anteriores, desta vez aproximava-se outra data-limite que não poderia ser ignorada. O projeto de lei da Autoridade de Promoção Comercial, que o Congresso aprovara em 2002, expiraria em 30 de junho de 2007 e as chances de renovação pareciam pouco prováveis por causa da crescente hostilidade no Capitólio em relação a negociações comerciais. Uma vez terminado o prazo da autorização congressual, qualquer acordo que o governo Bush viesse a concluir nas negociações de Doha correria perigo mortal quando fosse apresentado para aprovação no Capitólio, porque nada garantiria uma votação majoritária a favor ou contra e o acordo poderia ser desfigurado por todo tipo de emenda nociva. Conquanto junho de 2007 ainda estivesse muito longe, os membros da OMC ainda tinham uma quantidade enorme de trabalho pela frente. Mesmo que um acordo sobre modalidades estabelecesse fórmulas definindo, de modo geral, a magnitude dos cortes e isenções em tarifas e subsídios, finalizar um acordo em Doha também exigiria meses de negociações sobre outras questões, como serviços e 318 peter e susan – feitos um para o outro regras antidumping, que também faziam parte da agenda da rodada. Além disso, redigir e analisar os milhares de páginas de anexos referentes à enorme quantidade de linhas tarifárias de cada país provavelmente levaria seis meses. Lamy não poupou esforços para enfatizar isso aos membros da OMC, buscando transmitir-lhes a urgência de se chegar a um acordo sobre modalidades logo que possível já em 2006. No final de março, o diretor-geral advertiu que atrasar o processo até mais tarde naquele ano seria “um enorme erro coletivo”. Porém, qualquer progresso que porventura estivesse ocorrendo nas negociações entrou em compasso de espera depois que Portman regressou do Rio para Washington e recebeu um telefonema de Joshua Bolten, o recém-nomeado chefe de gabinete da Casa Branca. Portman ia mesmo mudar de cargo. O presidente tinha decidido, disse Bolten, que Portman deveria assumir a chefia do Escritório de Administração e Orçamento (Office of Management and Budget), cargo até então ocupado pelo próprio Bolten. Ainda que lisonjeado, Portman recusou o cargo. Achava que a Rodada Doha vivia um momento crucial. Além disso, ele conseguira avançar na negociação de vários acordos bilaterais. No entanto, Bolten, que já conhecia Portman há anos, respondeu, em tom amigável, que seu colega talvez não estivesse ouvindo bem. Essa decisão tinha sido tomada pelo próprio Bush. Embora vários membros do Congresso estivessem qualificados para o cargo, a Casa Branca não queria correr o risco de perder assentos republicanos em meio a um ano eleitoral difícil. O chefe de gabinete lembrou a Portman que, na qualidade de diretor de orçamento, teria muito mais acesso ao Salão Oval do que no cargo de representante de Comércio. E Bolten formulou o assunto de modo a produzir o impacto desejado: O presidente decidiu que você deveria aceitar. Então Portman cedeu. “Não foi algo que eu tenha aceitado de início”, disse Portman. “Mas não me foi apresentado como uma opção sobre a qual eu poderia refletir. Foi assim: ‘O presidente quer que você aceite’”. Portman impôs uma condição: a Casa Branca teria de anunciar, no mesmo dia, sua nomeação e o nome de seu sucessor, de modo a minimizar qualquer percepção de descontinuidade na política comercial do governo Bush. Com esse mesmo objetivo, sua forte preferência era que seu sucessor fosse um de seus assessores. Portman sabia quem ele queria. 319 paul blustein A representante adjunta de Comércio Susan Schwab estava assistindo a uma peça de teatro na sexta-feira, 14 de abril, quando recebeu, durante o intervalo, um telefonema de Portman com algumas notícias estarrecedoras: a Casa Branca anunciaria, no início da semana seguinte, que ela o substituiria. Conforme previsto, poucos dias depois, Schwab estava de pé ao lado do presidente no Rose Garden, com seus pais radiantes na plateia, quando Bush anunciou que a escolhera para o principal cargo de comércio do país. Sabendo que a saída de Portman suscitaria críticas por seu impacto potencialmente negativo sobre a rodada, os assessores de Bush se certificaram de que, em seu pronunciamento, o presidente ressaltasse seu compromisso em concluir as negociações e o histórico de Schwab como negociadora comercial. “Agora ela usará sua experiência para ajudar a concluir a Rodada Doha e criar novas oportunidades para os exportadores americanos”, declarou Bush. Mas muitos observadores perceberam que Bush apenas tentava minimizar o dano. “O fato de Rob Portman deixar o cargo neste momento crucial... é uma má notícia para a Rodada Doha”, disse Charles Grassley, o republicano de Iowa que presidia a Comissão de Finanças do Senado, aos repórteres. Uma declaração emitida por Mandelson refletiu o sentimento comum entre negociadores de outros países de que a perda de Portman prejudicaria significativamente as perspectivas da negociação. “É claro que vamos nos virar sem ele, mas, neste estágio da rodada, seria mais fácil com ele”, disse o comissário europeu de Comércio. Não há dúvida de que Sue Schwab trouxe para o cargo um conjunto de habilidades que diferiam das de Portman, assim como os pontos fortes de Portman haviam contrastado com os de Zoellick. Aos 51 anos, ela tinha passado três décadas trabalhando na área de comércio, aperfeiçoando, ao longo desses anos, um estilo educado, mas determinado. O treinamento de Schwab para lidar com pessoas de outros países começou cedo. Filha de um funcionário do serviço diplomático norte-americano, ela morara com seus pais em Togo, Nigéria, Serra Leoa, Tunísia e Tailândia antes de se formar pela Williams College e fazer mestrado em Stanford. Segundo sua irmã, na infância, Schwab era “muito motivada e concentrada”. Conta-se na família uma história de que, certo dia, aos seis anos de idade, ela decidiu tornar-se nadadora olímpica e foi a uma piscina no Togo para começar a treinar imediatamente. A mãe teve de resgatá-la quase afogada da água. 320 peter e susan – feitos um para o outro No início de sua carreira, criou uma reputação de durona ao lidar com outros negociadores, a despeito de seu cabelo cor de mel e de seu temperamento alegre. Começou a trabalhar no Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos, em 1977, como negociadora agrícola júnior e, dois anos depois, foi enviada para a embaixada dos Estados Unidos em Tóquio, onde teve de lidar com burocratas japoneses para abrir o mercado local para carne bovina, sucos de frutas cítricas e equipamentos de telecomunicação americanos. Sua influência aumentou muito na década de 1980, quando entrou para a equipe do senador John Danforth, um republicano do Missouri que presidia a Subcomissão de Comércio Internacional. Danforth confiou-lhe a enorme responsabilidade de formular leis sobre temas comerciais, e Schwab ficou conhecida como uma defensora radical de medidas duras contra as práticas comerciais restritivas do Japão, ainda mais porque os críticos a acusavam de ser uma protecionista velada (“pragmática do livre comércio” era como ela se definia). Batalhadora habilidosa na arte de elaborar projetos de lei, Schwab foi uma das principais redatoras da lei de comércio de 1988, que aumentou substancialmente a ameaça de sanções norte-americanas unilaterais contra países acusados de bloquear “injustificadamente” as exportações norte-americanas. Durante a administração de Bush pai, ela melhorou ainda mais sua imagem de defensora das exportações dos EUA, chefiando a agência do Departamento de Comércio que auxilia empresas norte-americanas no acesso aos mercados externos. Após uma breve passagem pela Motorola, Schwab concluiu que daria um rumo melhor a sua carreira se obtivesse mais credenciais acadêmicas. Então fez um doutorado em Administração Pública e Comércio Internacional e se tornou diretora da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland, antes de retornar ao Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos em 2005, como representante adjunta de Portman. Apesar de uma vida profissional tão cheia de realizações, sua vida pessoal era uma fonte de angústia. Em 1995, durante um cruzeiro, ela conheceu e logo depois se casou com um mágico profissional chamado Curtis Carroll, que, devido à sua profissão e à sua baixa escolaridade, limitada ao ensino médio, não se encaixava como par adequado para uma mulher com a carreira e o comportamento de boa moça de Schwab. Ele era “extremamente engraçado e incrivelmente talentoso”, segundo 321 paul blustein Schwab, mas também tinha um sério problema, como mais tarde ela explicou para a revista Fortune: Curtis se tornou alcoólatra ou talvez já fosse e eu não sabia. Foi ficando cada vez pior e os últimos dois anos foram bem penosos porque eu fiz tudo o que todos os cônjuges e parentes de alcoólatras fazem: implorar, suplicar, ameaçar, tentar ajudar. Mas aí chega um momento em que você percebe que não há nada que possa fazer. Por mais que você ame o sujeito, por mais que ele a ame... Ele foi internado em uma clínica de reabilitação. Entrou e saiu do mesmo jeito, porque, para dizer a verdade, não se dava conta de quão doente estava. Depois de um esforço fracassado de reavivar a carreira de Carroll investindo suas economias em um teatro para apresentações de números de mágica, o casal se separou. Em vez de buscar a recuperação, Carroll mergulhou ainda mais fundo no vício e desenvolveu uma cirrose hepática (ele viria a falecer poucos meses após a nomeação de Schwab para o cargo de Portman. Mais tarde, Schwab disse ao jornal The New York Times que tivera “sorte de encontrá-lo” e que “sentia muito a falta dele”). O cargo de representante de Comércio deu a Schwab bons motivos para superar a perda. Ela precisou canalizar uma quantidade enorme de energia para se colocar de pé e partir para a luta, pois embora tivesse sido, em certo sentido, treinada para o cargo durante toda a sua vida adulta, regressara ao gabinete havia apenas seis meses e tinha passado muito pouco tempo desse período dedicada à Rodada Doha. Como assessora de Portman, trabalhara principalmente em acordos de livre comércio com a Colômbia e o Peru e em uma controvérsia sobre madeira para construção com o Canadá. Até então, sua participação nas negociações de Doha se limitara à reunião de Hong Kong, ocasião na qual expressou ceticismo sobre a possibilidade de conclusão de um acordo. Depois de examinar ainda mais detidamente os termos da negociação, chegou à conclusão de que ela e os outros negociadores de Doha haviam herdado um problema de grandes proporções em razão dos termos do acordo-quadro de julho de 2004. “O modo como o esse acordo foi definido tornou quase inevitável que os países se concentrassem em proteger seus interesses defensivos em vez de perseguirem seu potencial ofensivo”, disse-me ela. “A teoria era bem clara: as tarifas mais altas sofrem os maiores cortes. Mas, depois 322 peter e susan – feitos um para o outro vinham as flexibilidades, isto é, as tais brechas dos produtos sensíveis e especiais. Por causa delas, você acaba sem saber se suas exportações terão acesso a algum mercado, qualquer que seja”. Schwab não tinha a mesma conexão pessoal de Portman com Bush e não tinha esperanças de se equiparar à capacidade de Portman, como ex-congressista benquisto, de lidar com o Capitólio. Tampouco tinha o dom de estabelecer uma relação de empatia instantânea com as pessoas. Possuía, porém, a tenacidade de uma guerreira veterana na área de comércio que não tinha medo de dizer não, principalmente quando sentia que os exportadores norte-americanos estavam sendo preteridos. Em relação à Rodada Doha, afirmava repetidamente que somente um acordo ambicioso que abrisse, de forma significativa, mercados no mundo todo, seria aceitável. Uma versão Doha Light “desperdiçaria uma oportunidade única”. Com vistas a garantir que ela mantivesse uma posição dura nas negociações, membros do Congresso se certificaram de fazê-la compreender que eles insistiriam em um resultado favorável à geração de novas e abundantes oportunidades de exportação para os agricultores norte-americanos. “Se o Plano B acabar sendo uma abordagem minimalista, nem se dê ao trabalho de apresentá-lo a mim”, advertiu-lhe Chuck Grassley, presidente da Comissão de Finanças, em sua audiência de confirmação no cargo. Grupos agrícolas também foram enfáticos acerca de suas expectativas sobre a rodada, as quais remontavam às promessas feitas por Zoellick a eles em 2001. Para cada dólar que Washington eliminasse em subsídios, ela tinha de ganhar um dólar de exportações para eles, tal como asseverava uma carta de 1º de junho de 2006, assinada pelas maiores organizações agrícolas: “Se os negociadores se virem forçados a redimensionar para baixo” o tamanho do acesso a mercados para os produtos agrícolas americanos no exterior, sua proposta de cortar subsídios “terá de ser reduzida na mesma proporção”. Desse modo, Schwab saiu empunhando impetuosamente a bandeira da ambição. Sob seu ponto de vista, ela estava seguindo a tradição americana clássica de pressionar agressivamente para expandir as fronteiras do livre comércio, com a expectativa de que isso impulsionasse o crescimento e o desenvolvimento. Sob o ponto de vista de seus parceiros de negociação, ela estava praticando mercantilismo, tal como haviam feito Portman e Zoellick, ao tentar garantir que os Estados Unidos fossem fartamente recompensados por reduzir programas de subsídios que, na verdade, 323 paul blustein sequer deveriam existir. De qualquer maneira, ela teve de moderar suas demandas à medida que foi ficando mais claro que não haveria espaço na Rodada Doha para níveis desmedidos de ambição. O acordo-quadro era apenas parte do problema. Em se tratando de pedidos para reduzir as barreiras de comércio, formuladores de políticas de outros países sempre encontravam argumentos para resistir. Ambição na liberalização do comércio? Isso tinha muito a cara de 1995. [*] De todas as salas do Centro William Rappard, a biblioteca é uma das mais elegantes, com seu teto entalhado e suas janelas cercadas por varandas com vista para ao lago. Foi lá que Lamy decidiu organizar uma importante reunião de sala verde em junho de 2006. A Sala Verde original (a sala de conferência do diretor-geral) era pequena demais para a reunião que ele tinha em mente e as outras salas de conferências no prédio eram, na opinião dele, muito frias. Lamy queria criar um clima ao mesmo tempo agradável e imponente, na esperança de que isso ajudasse a baixar as defesas dos trinta e tantos ministros participantes. Estantes de livros foram afastadas do centro da sala e substituídas por uma mesa grande e cadeiras. Como a biblioteca não dispõe de ar-condicionado, um tubo de ventilação foi instalado para bombear ar fresco de fora para dentro. O palco estava literalmente sendo armado para o tão esperado acordo sobre modalidades. Lamy fora forçado a abandonar seu plano de realizar uma reunião ministerial em abril, graças, em parte, à substituição de Portman por Schwab, mas estava esperançoso de fazer a Rodada Doha progredir até o ponto em que pudesse ser concluída antes da expiração do prazo da Autoridade de Promoção Comercial. Assim, convocou uma reunião que seria muito semelhante em formato à que criara o acordo-quadro em 2004, isto é, com cerca de doze países representados por ministros e o resto, por embaixadores. Se essa reunião tivesse sucesso, ainda haveria tempo, acreditava ele, de terminar a rodada durante os meses restantes de 2006. Isso permitiria um prazo razoável para que o Congresso dos EUA apreciasse o acordo com uma votação direta de aceitação ou rejeição em bloco, em conformidade com os procedimentos da Autoridade de Promoção Comercial. 324 peter e susan – feitos um para o outro Quem dera que demover governos de suas posições fixas fosse tão fácil quanto arrastar os móveis! Com vistas a aumentar as chances de um acordo, o novo clube de elite de ministros, chamado de G-6, reuniu-se com Lamy na sede da Missão Permanente dos EUA dois dias antes da reunião marcada para 30 de junho na biblioteca. A premissa dessa reunião era que os seis teriam de chegar a um acordo antes do grupo que se reuniria na biblioteca. O G-6 era integrado pelos ministros das Cinco Partes Interessadas – os Estados Unidos, a União Europeia, Brasil, Índia e Austrália – mais o Japão (os japoneses tinham sido convidados a participar de novo do núcleo decisório principalmente porque seu ministro do Comércio, Shoichi Nakagawa, revelara-se um melhor negociador no estilo “pegar ou largar” do que seus predecessores, que tanto haviam exasperado Zoellick). Essa era a estreia de Schwab na arena global, e poderia ter sido pior. Antes todos os dedos estavam apontados para a União Europeia e para Mandelson em razão do lento progresso da rodada. Agora seria a vez de os Estados Unidos e sua representante de Comércio novata sentirem o ambiente pesado. Os ministros dos demais países estavam extremamente irritados com os subsídios agrícolas dos EUA, insistindo que Washington oferecesse cortes mais profundos em seu programa de apoio agrícola em relação à tão alardeada proposta de outubro de 2005. Eles achavam que, na qualidade de representante de Comércio recém-empossada, com pouca influência no Capitólio, Schwab procuraria demonstrar poder adotando uma atitude linha dura em relação a essas demandas. Mas isso não os impediu de tentar. “De que você precisa para poder fazer mais?” Essa pergunta, feita por Mandelson a Schwab logo de manhã, deu o tom da maior parte da discussão, em que ela foi repetidamente – e sem êxito – desafiada a mostrar sinais de boa vontade a fazer concessões. De forma inteligente, Mandelson se posicionou como aliado do G-20, que tinha apresentado sua própria proposta. De acordo com o plano do G-20, os Estados Unidos teriam de estabelecer um teto de US$ 12 bilhões para todos os programas de subsídios agrícolas que distorciam o comércio, o que estava bem abaixo dos US$ 22,6 bilhões da proposta de Washington. Para induzir os Estados Unidos a aceitarem um teto muito mais baixo para subsídios, Mandelson disse que Bruxelas estava 325 paul blustein preparada para “se aproximar o máximo possível” da proposta do G-20 em relação à questão mais cara aos Estados Unidos – aumento do acesso a mercados para produtos agrícolas. Isso supostamente significaria um corte médio de 54% nas tarifas agrícolas europeias, o que era uma redução consideravelmente mais profunda do que a União Europeia tinha antes posto na mesa de negociações. Mas só poderiam tomar essa medida, acrescentou Mandelson, se os Estados Unidos primeiro indicassem disposição em fazer algo significativo em relação a subsídios. “O ponto principal é que você terá de melhorar sua oferta de outubro”, declarou o comissário europeu de Comércio. “Diga-nos do que você precisa para isso acontecer”. Suas observações foram gentilmente respondidas por Amorim, do Brasil, e Nath, da Índia. Schwab, acompanhada do secretário de Agricultura Mike Johanns, opôs-se dizendo que quaisquer concessões adicionais que pudessem oferecer sobre subsídios seriam simplesmente embolsadas, de forma que era responsabilidade dos demais na sala apresentarem seus pedidos para reduzir barreiras à importação. Ela se agarrou ao argumento dos EUA de que o melhor parâmetro para se avaliar o grau de êxito da rodada era o alcance da abertura adicional dos mercados agrícolas mundiais em vez de cortes em subsídios agrícolas. “Os benefícios da rodada virão do acesso a mercados”, disse ela, lembrando aos outros os estudos do Banco Mundial mostrando que baixar barreiras na agricultura em todos os países daria aos países em desenvolvimento os maiores ganhos. Ao insistir nesse argumento, o estilo de Schwab fez com que seus colegas se irritassem ainda mais porque ela se comportava como uma professora primária passando sermão nos alunos desatentos. Por vezes, Schwab se esforçava em sublinhar sua formação acadêmica e seu conhecimento de questões ligadas ao desenvolvimento. Isso era percebido pelos demais ministros como uma tentativa de encobrir suas preocupações políticas com o lobby agrícola norte-americano, conferindo uma conotação altruísta às posições dos EUA. Ainda assim, eles não conseguiram refutar com eficácia o argumento principal de Schwab no sentido de que eles simplesmente não estavam oferecendo nada de muito significativo em matéria de acesso a mercados. A despeito de todas as indicações de Mandelson sobre nova flexibilidade na abertura dos mercados agrícolas da Europa, ele apenas sugerira que poderia aceitar algo perto do percentual de corte tarifário defendido 326 peter e susan – feitos um para o outro pelo G-20. Não tinha, de forma alguma, mudado sua posição sobre as exceções fundamentais, isto é, quantos produtos sensíveis à União Europeia excluiria de cortes profundos. Os indianos, nesse meio tempo, concentravam-se numa proposta apresentada por um grupo de países em desenvolvimento, chamado G-33, que tinha se unido em torno da ideia de garantir forte proteção a seus agricultores contra a concorrência externa. De acordo com o plano deles, os países em desenvolvimento teriam uma exceção especialmente ampla que lhes permitiria designar, como produtos especiais, até 20% de suas linhas tarifárias. Esse grau de flexibilidade estarreceu os negociadores norte-americanos, pois eles avaliavam que isso frustraria qualquer esperança dos agricultores americanos de aumentar suas exportações para o mundo em desenvolvimento. Segundo os cálculos do governo dos EUA, apenas 5% das linhas tarifárias seriam responsáveis por mais de 90% dos produtos agrícolas norte-americanos importados por muitos dos grandes países em desenvolvimento. Amorim também refutou o argumento de Schwab em relação à questão dos subsídios, demonstrando firme solidariedade com as fileiras do G-20. O ministro brasileiro escarneceu da cifra de US$ 22,6 bilhões que Washington tinha prometido como teto para seus programas de subsídios, dizendo: “É difícil aceitar um nível que só foi ultrapassado duas vezes nos últimos 11 anos”. Porém, Schwab deixou claro que sequer consideraria a possibilidade de cortes mais profundos nos subsídios. “Não há nada na oferta de acesso a mercados que esteja sequer próximo de nossas expectativas”, disse ela. O grupo se viu, assim, num impasse. Um Lamy desapontado tentou dirigir o debate em direção a soluções para a situação. “Temos duas opções diante de nós”, disse ele. “A primeira é uma crise declarada e a outra, uma crise administrada”. O exercício de redecoração da biblioteca acabou se revelando inútil. O grupo maior de ministros se reuniu, como previsto, em 30 de junho, mas a recepção calorosa e acolhedora propiciada pelo local da reunião não foi suficiente para gerar uma aproximação de posições em razão da ruptura ocorrida no G-6. Para profunda irritação de muitos ministros, Nath chegou atrasado ao encontro, dizendo aos outros que estava assistindo a um jogo da Copa do Mundo de futebol entre Argentina e Alemanha. Foi uma forma desrespeitosa de transmitir a mensagem de que encarava a reunião mais ampla como uma perda de tempo. De qualquer maneira, ele sabia que não haveria resultados importantes. 327 paul blustein “O resultado dessas discussões é bem claro: não houve progresso e, portanto, estamos em crise”, disse Lamy em uma coletiva de imprensa. Mas nem tudo estava perdido, pois se considerava que a crise era “administrável”. “Ainda acredito que as diferenças e abismos não são intransponíveis”, disse o diretor-geral, explicando que planejava empenhar-se em intensos esforços diplomáticos de mediação (shuttle diplomacy) nas semanas seguintes, na esperança de aproximar as partes o bastante para se chegar a um acordo no final de julho. Parte dessas negociações ocorreria em formato de confessionário – reuniões em que os ministros lhe contariam, em total sigilo, até onde poderiam ir. Quando os ministros se retiraram do Centro William Rappard, após uma série de coletivas de imprensa, consegui fazer uma breve entrevista com Schwab. Ela não questionava o fato de que os Estados Unidos haviam ficado isolados nas negociações, sofrendo fortes críticas dos demais por impedir um acordo. “Liderança é isso, não?”, perguntou ela, sem esperar resposta. Talvez sim, e, se isolamento significa liderança, Schwab estava prestes a se ver ainda mais à frente no desfile da OMC. [*] Dizer que Schwab e Mandelson não se davam muito bem era, no mínimo, um eufemismo. Ela disse a colegas, com desagrado, que o comissário europeu de Comércio parecia muito mais interessado em moldar sua imagem na mídia do que em chegar a um acordo, a ponto de, às vezes, parar de prestar atenção nas reuniões enquanto redigia suas declarações à imprensa. Mandelson, por sua vez, reclamou com funcionários europeus que Schwab era nervosa, instável e nada cooperativa, aparentando ser incapaz de superar seu medo de se meter em dificuldades com o Congresso e com os lobbies do setor privado por ser condescendente nas negociações. À medida que começavam os preparativos para mais uma reunião com vistas a reparar a ruptura que se verificara em junho de 2006, os dois bateram de frente várias vezes. Compareceram a um encontro de líderes do G-8 em julho, em São Petersburgo, na Rússia, que emitiu um comunicado conclamando “um esforço concentrado” para a conclusão da rodada, a começar por um “acordo sobre modalidades de negociação... 328 peter e susan – feitos um para o outro dentro de um mês”. Apesar do apelo dos líderes em favor da cooperação, a tensão entre Schwab e Mandelson se intensificou assim que entraram em uma reunião realizada logo em seguida, em Genebra, com um pequeno grupo de ministros. Um comentário maldoso de Schwab provocou uma reprimenda de Mandelson de que ele tinha considerado as palavras dela “inapropriadas”, ao que ela replicou dizendo que queria mostrar para todo mundo o que ela considerava inapropriado. Nesse ponto, Schwab distribuiu cópias de um artigo de jornal contendo algumas informações vazadas das negociações – um vazamento que, sugeria ela, só poderia ter vindo de Mandelson e seus assessores. As altercações ficaram ainda piores depois que as negociações de verdade começaram em 23 de julho, por ocasião de um encontro do G-6 na sede da Missão Permanente dos EUA, no que foi anunciado como um último esforço para recolocar a rodada nos trilhos em 2006. A reunião começou com uma repreensão de Lamy. Os demais membros da OMC não estavam “nada felizes” com a incapacidade do G-6 em produzir resultados, disse o diretor-geral. Lamentou informar-lhes que, durante as gestões realizadas por ele nas semanas anteriores em viagens a diversas capitais, não havia detectado “muita ação” em seus “confessionários” com representantes dos países-chave da rodada. “Precisamos melhorar os números”, implorou, e definir os denominadores comuns, ou “zonas de aterrissagem”, necessários para viabilizar um acordo. Ele então propôs iniciar a discussão concentrando-se no tema de acesso a mercados em agricultura. Isso provou ser uma boa maneira de continuar as negociações porque os países que haviam resistido por tanto tempo a abrir seus mercados já começavam a demonstrar alguma disposição em colaborar com o processo. Nath, que insistira firmemente para que a Índia tivesse o direito de designar 20% de suas linhas tarifárias como produtos especiais, assegurou a Schwab: “tenho toda disposição em negociar os 20%”, embora não tenha dito o quanto estava disposto a baixar. “A Índia está preparada para negociar números e tratamento”, disse ele. Mandelson se comprometeu com números mais específicos do que antes, aceitando um corte médio de 51% nas tarifas agrícolas dos EUA e indicou que poderia reduzir para algo em torno de 4% ou 5% a quantidade de produtos que protegeria na categoria de sensíveis. Esse número era mais próximo de um nível aceitável para Washington. 329 paul blustein Esses sinais de flexibilidade, no entanto, eram insuficientes para os americanos, para quem ainda havia muitas perguntas sem resposta a respeito do alcance da abertura dos mercados externos para as exportações agrícolas dos EUA. O importante não era o corte médio de tarifas que Mandelson estava oferecendo, mas sim quais seriam os cortes que se aplicariam às tarifas mais altas. Quanto aos produtos sensíveis, o que exatamente aconteceria com esses produtos no caso do mercado europeu? A União Europeia defendia que, para cada produto definido como sensível, um determinado volume de tonelagem adicional poderia entrar nos mercados europeus a tarifas muito baixas. Mas não estava claro em que medida esse esquema resultaria em aumento de exportações americanas. As respostas quase sempre vagas e às vezes insatisfatórias que recebiam para essas perguntas deixaram os negociadores norte-americanos inquietos, imaginando quanto tempo levariam para analisarem as milhares de páginas de listas de tarifas para produtos específicos que seriam incorporados a um acordo final da Rodada Doha. Se essas listas não se traduzissem em novas oportunidades para os exportadores norte-americanos, haveria muitas contas a prestar em Washington. “Precisamos saber agora quais serão as regras [sobre acesso a mercados]”, protestou Johanns. “Não podemos esperar até ver as listas”. Da mesma forma, quando Lamy mudou o tema dos debates para subsídios, a reunião de repente esbarrou num impasse intransponível, pois Schwab assumiu a mesma postura inflexível de antes. “Não vejo acesso adicional a mercados”, disse ela. “Por causa disso, não estamos em posição de fazer mais nada”. Sua recusa categórica em ceder provocou uma reação furiosa dos demais. “Você pretende insultar a todos ou isso é apenas um artifício para esconder o fato de que não pode agir?”, perguntou Mandelson, de acordo com notas tomadas na reunião. “Podemos entender se não puder ser feito agora”, prosseguiu o comissário europeu de Comércio, insinuando que a Casa Branca estava tentando ajudar candidatos republicanos proveniente de regiões rurais nas eleições de 2006. “Mas você não pode nos culpar. Isso não tem credibilidade... Trata-se de uma posição ditada pela política interna. Seja transparente... Isso é vergonhoso. Não sei como devo reagir, se fico horrorizado ou furioso”. Outros também se pronunciaram, mas em tom menos ríspido. “Sempre acreditei em você quando dizia que poderia fazer mais [em 330 peter e susan – feitos um para o outro relação a subsídios] quando visse progressos no acesso a mercados”, disse Amorim. “Os EUA mostraram liderança com sua proposta de 2005. Agora a União Europeia fez um movimento. Kamal fez um movimento... Os EUA têm de mostrar liderança”. Até mesmo Nakagawa do Japão, que praticamente não propusera nada de novo, se disse “estarrecido com os EUA”. Mas Schwab replicou: “Não vamos negociar com nós mesmos”. Então foi a vez de Lamy intervir. O diretor-geral deixou claro que achava que Schwab estava abusando do processo. Apesar de outros terem feito algumas concessões em temas tão caros aos EUA, ela não fora capaz de retribuir o gesto durante a discussão sobre o tema mais importante para eles. “Hoje, há muito mais sobre a mesa do que foi anteriormente formulado nas negociações”, disse ele a Schwab. “Não é possível que você não consiga ao menos indicar qual rumo pode seguir. Na verdade, você deve isso ao grupo”. Contudo, ela não mudou de posição e, após algumas outras recriminações, a reunião foi suspensa para o jantar. Foi uma refeição desconfortável, devido a todo o conflito que acabara de surgir. Enquanto os outros comiam, Schwab reuniu-se com Lamy para um conversa particular. Ela indicou que poderia oferecer alguma coisa na questão dos subsídios – um teto de US$ 19 bilhões, abaixo dos US$ 22,6 bilhões que Washington havia oficialmente proposto. Mas essa concessão era tão insignificante que o diretor-geral desaconselhou-a a apresentá-la ao grupo. Naquele momento, os gastos dos Estados Unidos com subsídios agrícolas situavam-se em torno de US$20 bilhões, observou Lamy. Portanto, oferecer um corte de apenas US$ 1 bilhão só faria irritar, ainda mais, seus interlocutores. O tempo para crises controladas tinha acabado. Uma crise aberta se instalara. Lamy declarou a Rodada Doha “suspensa” no dia seguinte em um pronunciamento severo dirigido aos embaixadores na sala do Conselho Geral. “Não há vencedores e perdedores nessa assembleia hoje”, disse ele. “Só perdedores”. O significado dessa suspensão, e quanto tempo duraria, ninguém podia ter certeza. Uma coisa estava clara: levaria bastante tempo até que os ânimos arrefecessem, especialmente a animosidade entre Schwab e Mandelson. A representante americana de comércio voltou para Washington furiosa com o tratamento que Mandelson tinha lhe dispensado na reunião, e também com suas declarações públicas posteriores, nas 331 paul blustein quais acusava os Estados Unidos de ser o único participante a desrespeitar o objetivo de se buscar maior flexibilidade que fora acordado no encontro de São Petersburgo. Ela quase não conseguia esconder sua raiva quando se encontrou com repórteres, lembrando que tinha procurado Mandelson ao final da reunião, “mas ele não quis conversa”. Alguns analistas previram que as negociações permaneceriam moribundas até depois da eleição para presidente nos EUA, porque só então haveria alguma chance de o Congresso aprovar uma nova versão da Autoridade de Promoção Comercial. E quem poderia ter certeza de que, mesmo nessa hipótese, haveria vontade de continuar? As implicações potenciais dessa situação foram habilmente retratadas na capa da edição de 29 de julho da revista The Economist. O título era “O futuro da globalização”, tendo como ilustração a foto de um barco enferrujado e adernado perto da margem. A suspensão deixou uma enorme quantidade de questões pendentes. Resultara de uma discussão sobre agricultura e, apesar de este ser o principal tema da rodada, as negociações sequer tinham chegado a tocar em outro assunto importante da agenda negociadora – produtos manufaturados, o tópico principal de tantas rodadas no passado. Nessa área, a globalização também dava sinais de esgotamento. [*] Quando Danubia Rodriguez deixou seu vilarejo nas montanhas, em Honduras, em 1998, para trabalhar em uma fábrica de roupas, sua atitude demonstrou a barganha implícita que as autoridades governamentais hondurenhas haviam adotado na esperança de melhorar a sorte de seu país. Tinham abandonado políticas de desenvolvimento autárquicas e fechadas para o mundo, transformando sua economia em uma das mais abertas dentre os países em desenvolvimento, segundo o Banco Mundial. Investimentos de fabricantes de roupas estrangeiros eram bem-vindos, de forma que, aos poucos, as exportações de banana, café e camarões foram sendo substituídas por exportações de roupas e tecidos produzidos pelas novas fábricas, ou maquilas. O número de trabalhadores nessas fábricas pulou para 130.000 em 2003, algo substancial em um país de apenas 6,8 milhões de habitantes. Este era, como esperavam as autoridades governamentais hondurenhas, o início de um ciclo de desenvolvimento e 332 peter e susan – feitos um para o outro criação de riqueza cujas virtudes poderiam ser percebidas nos pequenos progressos alcançados por pessoas como Danubia. No vilarejo de Las Mangas, onde ela e suas seis irmãs foram criadas, a vida tinha sido difícil. Para chegar até lá a partir da estrada de terra mais próxima, era preciso fazer uma caminhada de uma hora morro acima, por uma trilha pedregosa, e atravessar um riacho. A casa construída por seu pai, um cafeicultor que nunca frequentou a escola, era de uma estrutura com paredes de barro, coberta em parte por um telhado de zinco corrugado e em parte por folhas de coqueiro. O pior aspecto de morar ali, disse ela, era ter de colher, lavar e secar grãos de café. “Acordávamos às 4h da manhã e voltávamos às 5h da tarde, na época da colheita”, recorda-se ela, estremecendo diante da lembrança do enxame de mosquitos que mordiam ela e suas irmãs enquanto trabalhavam. Ela só estudou até a 6ª série, porque o vilarejo não tinha escola para as séries mais avançadas. Em 2004, quando a conheci, Danubia vivia numa cidadezinha chamada El Progreso, em uma casa construída com blocos de concreto de cinzas. Apesar de pequena e frágil para os padrões americanos, a casa dispunha de luxos nunca antes sonhados na vida do vilarejo: um fogão a gás, água encanada, uma televisão e eletricidade para botá-la para funcionar e uma alimentação melhor do que somente arroz, feijão e tortilhas, incluindo porções regulares de carne, peixe e legumes frescos. Ela foi capaz de comprar esses bens de classe média graças ao salário de US$ 1,50 por hora que recebia costurando blusas da marca Hanes em uma maquila da empresa Sara Lee Branded Apparel, cujos negócios incluíam a linha Hanes. “Foi muito difícil para eu conseguir tudo isso”, disse Danubia, uma mãe solteira de 24 anos, mostrando a casa. Porém, agora tinha perdido o emprego que lhe possibilitara elevar seu padrão de vida. Poucas semanas antes, Sara Lee fechara a maquila, privando a ela e a 470 de suas colegas de trabalho de suas rendas. A principal razão, explicaram os representantes da empresa, foi a concorrência com a China. Imagine: até mesmo um emprego com salário de fome em Honduras ficava vulnerável à concorrência desleal com a entrada em funcionamento da máquina exportadora chinesa. As dificuldades de Danubia enfatizaram preocupações que vinham se multiplicando rapidamente entre os Estados-membros da OMC, principalmente os países em desenvolvimento: será que seus fabricantes sobreviveriam em um mundo em que as fábricas 333 paul blustein chinesas expandiam seu domínio sobre um número cada vez maior de setores? Será que teriam a chance de se industrializarem antes que a concorrência chinesa os aniquilasse? Em caso negativo, como o padrão de vida de seus habitantes poderia melhorar no futuro? Em outras palavras, será que o sistema de comércio internacional realmente funcionaria, proporcionando-lhes vantagens? Não há nada de novo, é claro, com o fato de alguns setores crescerem em um país e diminuírem em outro. Mas a velocidade com que essas transformações aconteciam se acelerara incrivelmente nos últimos anos, em grande parte por causa do êxito da China em transformar dezenas de milhões de seus camponeses a cada ano em operários remunerados com baixos salários em fábricas altamente produtivas. Em nenhum outro lugar isso era mais verdadeiro do que no setor em que Danubia Rodriguez trabalhava – o primeiro degrau tradicional na escada da industrialização. No final da década de 1990, Pequim havia desmantelado uma rede completamente obsoleta de empresas estatais fabricantes de roupas e tecidos, extinguindo, assim, mais de 1 milhão de empregos. Das cinzas desse setor, surgiu um novo e vibrante conjunto de empresas privadas que investiu pesadamente em fábricas de última geração, com avançadas máquinas de tecelagem e outros equipamentos modernos. Além disso, as autoridades chinesas investiram outros bilhões de dólares em estradas e portos que permitiram agilizar o transporte e a entrega de seus produtos aos clientes americanos do outro lado do Pacífico. Na época em que Danubia Rodriguez perdeu o emprego, 18 milhões de chineses estavam trabalhando em fábricas concorrentes, ganhando um salário médio de cerca de 68 centavos de dólar por hora. Senti o ritmo acelerado da globalização a todo vapor durante uma viagem a Honduras, quando, ao tomar uma cerveja no saguão do hotel onde estava hospedado, conversei com um americano de 52 anos chamado B. J. Robbins, que trabalhou para a Garan Incorporated, uma fábrica de roupas para crianças. Com seu forte sotaque sulista, Robbins me contou sua história, que guardava extraordinária semelhança com a de Danubia Rodriguez. Assim como ela, Robbins vinha de uma família de sete filhos (apesar de seus irmãos serem todos homens) com pais analfabetos e cresceu trabalhando pesado no campo. “Comecei a colher algodão aos cinco anos de idade”, disse-me ele, explicando que seus parentes eram os únicos 334 peter e susan – feitos um para o outro meeiros brancos na plantação, em Arkansas, onde moravam. Assim como ela, melhorou de vida ao conseguir emprego numa fábrica de vestuário. Nesse ponto, no entanto, houve uma grande diferença: enquanto Danubia trabalhou em maquilas por seis anos antes que elas fossem à falência por conta da concorrência externa, Robbins havia trabalhado no ramo durante 34 anos, tendo sido promovido para um cargo de gerente de nível inferior, o que lhe proporcionou renda suficiente para comprar uma fazenda no Mississipi e mandar sua mulher, que também trabalhava numa fábrica de roupas, para fazer faculdade. Muitas das fábricas de sua empresa na Geórgia, no Alabama e no Mississipi tinham migrado, cerca de cinco anos antes, para Honduras, El Salvador e Nicarágua, mas isso após terem estado no Sul dos Estados Unidos tempo suficiente para impulsionar o desenvolvimento da região. Consternado, Robbins previa que Honduras estava destinada a sofrer o mesmo destino, só que mais rapidamente. “É, os empregos daqui vão migrar para outro lugar”, disse ele. “Exatamente como aconteceu nos Estados Unidos”. Um grande motivo de preocupação para Honduras – e para muitos outros países em desenvolvimento – era que, no dia 1º de janeiro de 2005, as regras da OMC sobre o comércio internacional de têxteis passariam pela maior revisão em 30 anos. Tal como observado no Capítulo 2, as indústrias têxteis de países em desenvolvimento tinham sido forçadas a operar durante décadas sob um sistema complicado de quotas que estabelecia limites sobre a quantidade de calças, blusas, camisolas, lençóis e outros produtos que cada país poderia exportar para os Estados Unidos e a Europa. Eles lutaram, durante a Rodada Uruguai, para acabar com esse sistema e conseguiram que Washington e Bruxelas concordassem em eliminar as quotas em dez anos. No entanto, com a aproximação do final do prazo previsto para o fim das quotas, os governos de todo o mundo em desenvolvimento estavam pensando melhor, porque o sistema pelo menos lhes garantia uma parte do mercado mundial, e esse espaço estava prestes a ser capturado pela China. Em algumas categorias de produtos para as quais as quotas já haviam sido eliminadas (roupas de bebê, mantas e artigos de lã, por exemplo), as exportações chinesas para os Estados Unidos haviam aumentado, em alguns casos até vinte vezes, em detrimento de exportadores de outros países. Se compradores de empresas como J. C. Penney ou Banana Republic pudessem comprar qualquer quantidade de qualquer produto de quem quer que lhes oferecesse o 335 paul blustein melhor preço, eles tenderiam a fechar negócio com fornecedores chineses. O Walmart, por exemplo, que vinha comprando roupas em cerca de 63 países sob o sistema de quotas, planejava reduzir para quatro ou cinco o número de seus países fornecedores, com a China em primeiro lugar. Assim, dezenas de nações em desenvolvimento estavam se unindo para enfrentar a ameaça chinesa a suas indústrias de têxteis e vestuário, de modo a evitar que se tornassem mero local de passagem temporária para empresas multinacionais em busca de um sítio definitivo para seus investimentos produtivos. Alguns desses países estavam negociando acordos comerciais preferenciais com os Estados Unidos. Um exemplo notável era o Acordo de Livre Comércio da América Central, que daria aos fabricantes de roupas de Honduras alguma esperança de salvação ao tornar os produtos têxteis hondurenhos livres de impostos no mercado norte-americano. Outros países estavam fazendo lobby por medidas que prorrogassem um pouco mais o sistema de quotas (e teriam um êxito limitado a esse respeito). Entre eles estava a Turquia, cuja indústria têxtil perdeu cerca de um décimo de sua força de trabalho em 2005-2006, em face da concorrência chinesa. Para a Rodada Doha, o espectro temível da máquina industrial chinesa apresentava um problema que foi ficando cada vez mais evidente em 2007, à medida que o foco se ampliou para as negociações sobre acesso a produtos manufaturados – ou NAMA (nonagricultural market access), no jargão da OMC (a sigla refere-se a “acesso a mercados de bens não agrícolas” e, infelizmente, é empregada com tanta frequência pelos negociadores comerciais, que seu uso neste livro tornou-se inevitável). Garantir uma negociação ambiciosa em relação a NAMA era prioridade máxima para os países ricos. Suas tarifas sobre a maioria dos produtos manufaturados já é muito baixa. Queriam redução significativa das barreiras nos mercados emergentes naqueles setores em que são especialmente competitivos, tais como de produtos químicos, maquinário e equipamentos médicos. Porém, num momento em que a China atropelava o mundo fabril como um trator, a ideia de cortar tarifas não tinha muitos adeptos entre os países em desenvolvimento da América Latina, África e Ásia. Um novo argumento começou a ganhar força, ou melhor, um argumento antigo atualizado para a nova realidade: talvez os países em desenvolvimento precisassem manter barreiras 336 peter e susan – feitos um para o outro tarifárias relativamente altas para suas indústrias mais promissoras, tal como fora feito durante a era de substituição de importações nos anos 1960 e 1970, porque, do contrário, corriam o risco de ser dizimadas pelas importações chinesas. Para os seguidores dessa escola de pensamento (inclusive Dani Rodrik de Harvard, o cético da globalização apresentado no Capítulo 5), a palavra de ordem era “espaço para políticas públicas” (policy space). Isso significava que governos dos países em desenvolvimento precisavam de alguma margem de manobra para proteger e auxiliar seus produtores em vez de simplesmente baixar suas tarifas consolidadas, pois conheciam melhor quais setores e empresas tinham mais potencial para crescer e prosperar. Na prática, esse argumento equivalia a puxar os freios da globalização, ao menos nos países em desenvolvimento. Claro que uma das grandes desvantagens desse tipo de argumento é que ele oferecia uma cobertura conveniente para o protecionismo puro – uma desculpa intelectual para formuladores de políticas atenderem aos interesses especiais de grupos locais poderosos que buscavam manter o controle sobre o mercado doméstico de seu país. Outro problema era que poucos países em desenvolvimento tinham se mostrado competentes no passado para escolher quais setores mereciam receber proteção. Em um empreendimento particularmente malogrado, o Brasil usara tarifas altas durante a década de 1970 como parte de um plano, chamado de “reserva de mercado para a informática”, cujo objetivo era fomentar a produção nacional de computadores. Os impostos sobre computadores estrangeiros tornaram-nos tão caros que as empresas brasileiras, forçadas a comprar computadores nacionais de baixa qualidade, ficaram atrasadas no desenvolvimento tecnológico do setor de informática, o que prejudicou a economia como um todo. Quaisquer que fossem os méritos de seus argumentos, uma coalizão poderosa de países em desenvolvimento estava rechaçando pedidos de países ricos para que a rodada incluísse cortes profundos em tarifas industriais. Autodenominando-se “NAMA-11”, esse grupo, cujos líderes incluíam Brasil, África do Sul, Argentina, Índia e Egito, insistia que os países em desenvolvimento deveriam ser autorizados a aplicar aos cortes tarifários uma fórmula mais branda do que aquela adotada pelos países ricos. Eles também queriam que o esquema de corte de tarifas para produtos manufaturados incluísse brechas, ou “flexibilidades”, de 337 paul blustein forma a que pudessem excluir alguns produtos de cortes ou sujeitá-los a cortes menores, de uma forma semelhante ao esquema previsto para tarifas agrícolas. Alimentando esse movimento, havia outra preocupação com a China, compartilhada por vários formuladores em países ricos, e que a OMC parecia impotente para enfrentar. [*] Em meados de 2006, com vistas a atender a crescente demanda externa, 170 trabalhadores da Shanghai Datong Automotive Industrial Company, debruçados sobre máquinas barulhentas, fabricavam, às pressas, grande quantidade de pistões para motores de automóveis. Segundo os gerentes da empresa chinesa, seu sucesso no exterior se devia à eficiência e aos baixos custos de produção. “Nossa tecnologia é boa, nossos salários são baixos e os materiais são abundantes”, declarou Jin Zhangfu, supervisor de produção da fábrica, ao Washington Post. Porém, nas cidades do interior dos Estados Unidos onde os fabricantes de autopeças estavam lutando para sobreviver, recorria-se a um argumento totalmente diferente – a moeda barata da China – para explicar a competitividade de empresas como a Shanghai Datong. Wes Smith, presidente da E&E Manufacturing Company de Plymouth, Michigan, fabricante de cintos de segurança e outros componentes para automóveis, atribuía as mazelas que assolavam sua empresa às políticas adotadas por Pequim, no sentido de manter o valor do yuan rigidamente controlado em um nível que, segundo ele, dava aos fabricantes chineses uma vantagem desleal. “Não é que estejamos concorrendo com salários de um dólar por dia”, protestou Smith. “É que eles subsidiam sua produção com manipulação monetária”. Nas últimas décadas, a maioria dos outros grandes países do mundo permitiu que suas moedas flutuassem em valor nos mercados internacionais. Não a China, que usou um sistema diferente, que se baseava em controles estritos sobre entradas e saídas de capital. A partir de 1995, Pequim manteve o yuan estabilizado à taxa de 8,28 por dólar norte-americano. Apesar de outras moedas começarem a subir substancialmente em relação ao dólar em 2002, inclusive o euro, a libra esterlina, o iene japonês e os dólares canadense e australiano, a 338 peter e susan – feitos um para o outro taxa de câmbio do yuan em relação ao dólar manteve-se igual. A China anunciou, em julho de 2005, que elevaria o valor do yuan em cerca de 2% em relação ao dólar e permitiu gradualmente que sua moeda flutuasse de acordo com a oferta e a demanda. Mas, no ano seguinte, Pequim manteve as valorizações em nível mínimo. As críticas à política monetária chinesa, que haviam começado a ganhar impulso em 2004, estavam alcançando um estágio novo e potencialmente explosivo em 2006 à medida que os fabricantes chineses galgavam os degraus da produção industrial, passando de roupas, brinquedos e televisões, para produtos como autopeças. O secretário do Tesouro Henry Paulson pressionava Pequim a mudar sua política. Membros do Congresso ameaçavam impor tarifas punitivas sobre produtos chineses e fabricantes norte-americanos exigiam que Washington instaurasse um processo na OMC contra Pequim (essa ideia perdeu impulso quando o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos concluiu que um caso desse tipo era praticamente impossível de ganhar). Embora alguns economistas considerassem que essa questão era tratada com certo exagero, outros argumentavam que a taxa de câmbio do yuan estava defasada a ponto de constituir uma distorção perigosa no comércio global. Eles citavam o aumento extraordinário das exportações chinesas, que tinham praticamente triplicado em relação ao nível de 2002, de cerca de US$ 325 bilhões, e do aumento em seis vezes no superávit na conta de transações correntes, a maior medida da diferença entre exportações e importações. Esses aumentos, por sua vez, estavam contribuindo para o crescimento dos desequilíbrios no comércio global – o inflado déficit comercial norte-americano e os crescentes superávits registrados em outros países. Essa situação suscitava preocupações de alguns economistas em relação à estabilidade da economia mundial. Funcionários governamentais chineses defendiam seu regime monetário como uma opção legítima para sua nação ainda em desenvolvimento. Limitar a quantidade de dinheiro que entrava e saía do país ajudava-os a manter a estabilidade do yuan e a evitar as crises financeiras que tinham atingido seus vizinhos asiáticos no final da década de 1990, uma proeza que rendeu elogios internacionais a Pequim. A política do câmbio fixo também ajudara a conter a inflação na década de 1990. Mas, a poucos anos da entrada no século XXI, o yuan estava 339 paul blustein bem abaixo – numa margem de 20% a 40% – da taxa de câmbio que muitos economistas consideravam apropriada. Um fator importante por trás da política cambial chinesa era o receio de que a valorização do yuan tornasse as exportações menos competitivas, ameaçando os empregos. “Tradicionalmente, o crescimento chinês é dependente de exportações e o governo fica muito nervoso com a possibilidade de mudar isso”, reconheceu He Fan, um economista da Academia Chinesa de Ciências Sociais de Pequim, no Post. “Haveria desemprego em massa”. Para os críticos, Pequim estava praticando uma política econômica de “empobrecimento do vizinho”1, exportando desemprego para o resto do mundo. O que tudo isso tem a ver com a Rodada Doha? Nada, e é justamente esse o problema. As negociações não incluíram o tema da moeda chinesa, que surgiu após o lançamento da rodada, mas cujos efeitos sobre o comércio internacional eram tão sérios — se não mais — do que as outras questões que estavam sendo negociadas. Como veremos, a questão cambial chinesa não seria o único problema emergente no sistema multilateral de comércio a ficar de fora das negociações de Doha. A agenda negociadora fora definida em 2001 e revisá-la agora exigiria um consenso totalmente novo entre os membros da OMC. Portanto, se a ideia era retomar a rodada após sua suspensão em julho de 2006, a agenda existente e acordada determinaria quais questões estavam em jogo e quais não estavam. Foi isso que aconteceu no final de 2006. Em novembro daquele ano, Lamy anunciou que as negociações se encontravam em estado de “relançamento brando”. Nesse ponto, desaparecera toda a esperança de concluir a rodada antes da expiração da Autoridade de Promoção Comercial. Ainda assim, parecia haver uma chance de que os membros da OMC pudessem produzir o esboço detalhado de um pacote de Doha que fosse suficientemente atraente para estimular o Congresso a renovar a autoridade de alguma forma, talvez a tempo de terminar a rodada em algum momento no final de 2007 ou 2008. Mais uma vez, portanto, N. do T.: Beggar-thy-neighbour ou beggar-my-neighbour economics (políticas econômicas de “empobrecimento do vizinho” ou de “salve-se-quem-puder”) é uma expressão utilizada em economia para descrever políticas que tentam auferir benefícios para um país em prejuízo de outros. Essas políticas tentam remediar os problemas econômicos em um país por meios que tendem a piorar os problemas em outros países. 1 340 peter e susan – feitos um para o outro as negociações estariam concentradas na busca de um acordo sobre modalidades para corte de tarifas e subsídios. A boa notícia era que os membros da OMC estavam mudando o foco temático, deixando de dedicar quase toda a sua energia à agricultura. A má notícia – que estavam voltando sua atenção para o NAMA, o que os conduziria ainda a um novo constrangimento. [*] Quando duas pessoas se detestam intensamente, mas são obrigadas a conviver, às vezes enviam emissários na esperança de estabelecer algum tipo de relação funcional. Foi assim com Susan Schwab e Peter Mandelson no outono de 2006. Ambos entendiam o fato, tantas vezes articulado por seus predecessores, de que a colaboração entre seus respectivos governos era necessária (mesmo que não fosse suficiente) para se chegar a um acordo na OMC. O comissário europeu de Comércio despachou seu chefe de gabinete, Simon Fraser, a Washington para se encontrar com Tim Keeler, chefe de gabinete de Schwab, e discutir meios para superar a desconfiança e a animosidade que se desenvolvera entre os dois ministros durante as reuniões de meados de 2006 em Genebra. Um dos problemas a resolver era o receio existente entre os americanos de que Mandelson não estava verdadeiramente interessado num acordo nas negociações de Doha. Seu objetivo principal seria garantir que Washington levasse o máximo de culpa pelo impasse. Graças, em parte, às reuniões entre os chefes de gabinete, essas preocupações foram minimizadas. Schwab e seus assessores concluíram que Mandelson realmente desejava um pacto, sobretudo por seu interesse em deixar um legado positivo. Mas as condições teriam de ser razoavelmente aceitáveis do ponto de vista europeu. Afinal, suas duas participações à frente de ministérios britânicos haviam terminado de forma desastrosa. Era mais do que lógico que ele quisesse que sua gestão em Bruxelas produzisse uma realização de monta. Assim foi que, embora os contatos diretos entre Schwab e Mandelson continuassem limitados, os negociadores seniores de ambos os lados iniciaram uma série de reuniões visando a resolver algumas das questões que tinham provocado tanta ira em meados de 2006. O gelo entre os dois começou a derreter-se paulatinamente, à medida que receberam de seus 341 paul blustein subordinados relatórios positivos sobre os entendimentos informais que estavam alcançando em suas reuniões. Os negociadores europeus foram capazes de oferecer aos norte-americanos maior grau de acesso aos mercados europeus para produtos importantes para Washington, como carne bovina e de aves. Isso não significava que os europeus tivessem, subitamente, decidido eliminar suas barreiras comerciais de uma maneira que fosse elogiada pelos economistas como uma grande dádiva para os livres mercados e o crescimento em países em desenvolvimento. Em vez disso, tanto Washington quanto Bruxelas conseguiram trabalhar em acordos mutuamente satisfatórios. Esses entendimentos foram chamados de “acordos sujos” por alguns no Secretariado da OMC, e com razão. Para cada produto que a União Europeia queria proteger de cortes profundos de tarifas, usando a exceção para produtos sensíveis, era necessário dar algum acesso adicional a mercados para esse mesmo produto, sob a forma de uma quota de importação, isto é, um valor limitado em tonelagem que seria importado a um imposto muito baixo. Negociadores norte-americanos conseguiram que suas contrapartes da União Europeia se comprometessem em expandir suficientemente essas quotas nos casos de produtos em que agricultores americanos fossem muito competitivos. Assim, Washington poderia ficar satisfeito de saber que os exportadores agrícolas dos EUA teriam desempenho razoavelmente bom na Europa. Por mais incompatíveis que esses “acordos sujos” fossem com os princípios de Adam Smith, eles ajudaram a resolver um problema político para os negociadores norte-americanos (outros países fecharam acordos semelhantes usando o mesmo mecanismo). Os europeus, por sua vez, ficaram moderadamente satisfeitos, ao ouvir de Joseph Glauber, principal negociador agrícola dos EUA, que Washington poderia reduzir o teto para seus subsídios agrícolas em pelo menos dois bilhões de dólares relativamente aos US$ 19 bilhões que Schwab oferecera antes. Essa redução se devia em parte ao fato de Glauber ter achado uma maneira de contabilizar um valor substancial de seguro de safra nos EUA como subsídio tipo “caixa verde” em vez de subsídios de “caixa amarela”. Embora essa concessão não acarretasse nenhuma mudança substancial nos programas agrícolas norte-americanos, isso significava que os Estados Unidos poderiam se comprometer a reduzir o teto de seus subsídios para um nível inferior 342 peter e susan – feitos um para o outro ao que haviam oferecido anteriormente sem provocar uma tempestade de fogo nos lobbies agrícolas americanos. Essa aproximação entre Estados Unidos e União Europeia preparou, em grande medida, o terreno para o início do próximo ato do drama da Rodada Doha. Para montar o palco e o cenário adequados, é preciso invocar um evento ocorrido nos dias finais da Segunda Guerra Mundial, quando o Terceiro Reich desmoronava e o Império Japonês batia em retirada. Os amantes da História se lembrarão de que em Potsdam, na Alemanha, os líderes dos “Três Grandes” – Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética – se reuniram em julho de 1945 para tomar decisões importantes sobre a divisão e a administração do Estado nazista derrotado e sobre os termos da rendição do Japão. Essa reunião entre Harry Truman, Winston Churchill e Joseph Stalin foi realizada no Palácio Cecilienhof, que outrora abrigara a realeza prussiana. Truman, Churchill, Stalin: substitua esses nomes por Schwab, Mandelson, Amorim e Nath. No mesmo local em Potsdam onde os Três Grandes tinham se encontrado, os ministros representando os Estados Unidos, a União Europeia, o Brasil e a Índia nas conversações de Doha – o “G-4”, como se autodenominavam – se reuniram em junho de 2007. As discussões informais que haviam mantido entre si tinham avançado até o estágio em que estariam supostamente prontos para concluir o acordo que não tinham sido capazes de fechar um ano antes. Assim, concordaram em se encontrar no Cecilienhof, que hoje é um hotel resort, e convidaram seus colegas do Japão e da Austrália, membros do G-6, para se juntar a eles na etapa final da reunião de cinco dias. Truman, Churchill, Stalin: sorte deles nunca terem tido a obrigação de lidar com o “coeficiente NAMA”. [*] A construção do Cecilienhof condiz com seu status de antigo palácio. O prédio foi projetado no estilo Tudor de uma casa senhorial rural inglesa, numa construção de tijolinhos e madeirame de carvalho, chaminés entalhadas e pátios, com belos jardins e trilhas para caminhadas, para diversão dos hóspedes. Infelizmente, suas acomodações tendem a ser rústicas. Os ministros de Comércio do G-4 e seus principais 343 paul blustein assessores ficaram desapontados ao se verem alojados em quartos que, aparentemente, não tinham sofrido reformas desde a era Truman. Seus cômodos eram quentes e abafados e o ar-condicionado da sala de reuniões era barulhento, de modo que os participantes tinham que optar entre ficar numa temperatura agradável ou ouvirem uns aos outros. No quarto que alojava um membro do destacamento do Serviço Secreto de Schwab, o carpete estava tão mofado que ele teve de se abster de fazer sua quota diária de flexões de braço. O banheiro de Amorim cheirava mal. O ambiente desconfortável só acentuava as substanciais divisões entre os participantes, que, embora diferissem da situação anterior em termos de quem lutava contra quem, não eram menos profundas. Amorim e Nath ficaram estarrecidos de ver como Schwab e Mandelson estavam se dando bem. Ela não se portava de maneira prepotente com ele em relação às tarifas agrícolas europeias, nem Mandelson a sabatinava sobre a questão dos subsídios. Em vez disso, agiram juntos exercendo pressão sobre os países em desenvolvimento com relação ao tema de NAMA. A reunião logo degenerou para um confronto Norte-Sul, com a presença dos fabricantes ultracompetitivos da China sendo nitidamente sentida mesmo que nenhum chinês estivesse entre eles. Em relação aos cortes de tarifas sobre produtos manufaturados, Amorim declarou: “Não podemos nem pensar em aplicar os números mencionados pelos Estados Unidos e pela União Europeia”, sob o risco de “desindustrializar o Brasil” em setores como o automobilístico e o de autopeças, entre outros. O Brasil precisava manter seu direito de impor tarifas altas sobre produtos manufaturados de forma a preservar “margem de manobra em suas políticas para lidar com a China”, disse Amorim, de acordo com as notas tomadas na reunião. De fato, o governo brasileiro já estava exercendo “margem de manobra” em suas políticas ao aumentar tarifas para deter a concorrência chinesa. Poucas semanas antes, em 25 de abril, o Ministro da Fazenda brasileiro anunciara planos para aumentar impostos sobre vestuário e calçados, de 20% até o teto máximo da tarifa consolidada na OMC, de 35%. Essa medida fora adotada em resposta a uma intensa pressão dos fabricantes de roupas e calçados do país. Eles empregavam 1,6 milhão de brasileiros e estavam clamando por um alívio nas importações, que tinham mais do que dobrado nos três anos anteriores, sendo que cerca de metade desses produtos estrangeiros vinham da China. 344 peter e susan – feitos um para o outro O número que Amorim “não poderia nem pensar em aplicar”, isto é, o número que Schwab e Mandelson defendiam, era um coeficiente NAMA de 18. A matemática envolvida não precisa ser aprofundada aqui. Basta dizer o seguinte: quanto mais baixo o coeficiente, mais profundos os cortes das tarifas; quanto mais alto o coeficiente, mais brandos os cortes; o coeficiente é equivalente à tarifa máxima permitida. Um país com um coeficiente de 18 poderia manter tarifas consolidadas de, no máximo, 18%, por exemplo. Amorim disse que não poderia aceitar um coeficiente inferior a 30. Nesse nível, o Brasil poderia manter suas tarifas consolidadas em até 30%. Nath endossou a posição de Amorim e, na verdade, assumiu uma postura ainda mais dura sobre o coeficiente. “Vocês querem que a gente pague pelo lucro de outro”, disse o ministro indiano a Schwab e a Mandelson, querendo dizer que, ao fazer concessões para apaziguar os americanos e europeus, os países em desenvolvimento estariam beneficiando a China. O ar-condicionado decrépito da sala de reuniões era sucessivamente ligado e desligado por causa de seu estrondo irritante, enquanto Mandelson fazia o máximo para deixar claro como a União Europeia achava a posição brasileira e indiana irracional. “Não avançaremos no acesso aos mercados agrícolas e nos subsídios se não chegarmos a uma conclusão sobre NAMA”, disse o comissário europeu de Comércio, acrescentando que a meta tinha de ser reduzir tarifas consolidadas o suficiente para que o resultado final ficasse abaixo dos níveis efetivamente aplicados. Com base em cálculos cuidadosos, afirmou que tarifas aplicadas de países em desenvolvimento só seriam afetadas se eles adotassem um coeficiente NAMA de 20 ou menos. Acima desse número, “o acesso aos mercados é insuficiente”. Schwab apoiou seu novo aliado em relação à necessidade de cortes nas tarifas consolidadas que fossem profundos o bastante para atingir as taxas aplicadas. Se tal providência não fosse tomada logo, disse ela, as negociações sofreriam uma “espiral decrescente geral” na qual os membros mais importantes retirariam as concessões oferecidas em outras áreas, principalmente na agricultura. Referindo-se à declarada boa vontade de Washington em baixar seu teto de subsídios agrícolas para US$ 17 bilhões, ela advertiu: “Se o tema de NAMA acabar como uma ambição frustrada, subiremos nosso teto de subsídios para acima de 17”. 345 paul blustein Amorim reagiu aos americanos e europeus com um misto de conciliação e bazófia. Tal como relatou aos jornalistas brasileiros mais tarde, ele se sentia com se estivesse vivendo uma “Cancún II”, em que os Estados Unidos e a União Europeia tinham vindo para a reunião com um entendimento pré-acordado visando minimizar os cortes que teriam de fazer em subsídios e tarifas agrícolas. Disse que estava disposto a tentar abordagens “criativas” ao tema de NAMA se obtivesse concessões maiores de nações ricas em relação à agricultura, mas essas concessões teriam de superar todas as anteriores, com maiores cortes tarifários por parte da Europa e ainda mais redução de subsídios por parte dos Estados Unidos. “Se tivermos de romper as negociações, então que assim seja”, disse o ministro brasileiro em desafio. “Precisamos de resultados conclusivos” em acesso a mercados e subsídios agrícolas. A isso, Mandelson replicou: “Não podemos ir ao máximo das nossas concessões se vocês não puderem aceitar um coeficiente NAMA inferior a 25”. Não havia como fazer tal troca. Amorim retorquiu: “Ontem à noite, vocês estavam falando numa faixa de US$ 15,8 a US$ 16 bilhões [como teto para os subsídios agrícolas norte-americanos]. Isso implicaria um coeficiente de 30 para nós”. Não existe relação lógica entre o valor dos subsídios que Washington poderia dar aos agricultores americanos e o grau de proteção de que os produtores industriais brasileiros precisavam. Mas é essa a natureza da barganha na OMC, em que cada ministro é obrigado a registrar mais vitórias do que fracassos. Desnecessário continuar descrevendo as idas e vindas da reunião. O triste desfecho pode ser retratado no breve relato de uma longa odisseia – as viagens de Warren Truss, ministro de Comércio da Austrália, cuja experiência foi emblemática para o episódio de Potsdam. Na esperança de se juntar aos outros ministros na última etapa da sessão de cinco dias em Potsdam, Truss viajou de Camberra para Sidney, de lá para Dubai e depois até Berlim, com escala em Frankfurt. Porém, ao descer do avião na capital alemã em 22 de junho, o terceiro dia de reunião, foi saudado por um abatido diplomata australiano portador de más notícias. A reunião já fora por água abaixo. O G-4 acabara de dar uma coletiva de imprensa, acusando-se uns aos outros. E mais uma coisa, disse o diplomata, desculpando-se: a bagagem de Truss tinha se extraviado em Frankfurt. O ministro só recuperaria sua mala uma semana depois de voltar à Austrália. 346 peter e susan – feitos um para o outro [*] O ciclo de morte e ressurreição começava dar sinais de fadiga. Por três vezes consecutivas, manchetes estampando as palavras “fracasso” e “colapso” haviam se seguido à ampla divulgação de reuniões ministeriais para tratar da Rodada Doha. Desde 2004, os membros da OMC não conseguiam fechar um acordo que pudessem alardear como um avanço significativo, e até mesmo o acordo-quadro de 2004 parecia problemático quando visto em retrocesso. Não havia motivo para preocupação. Durante dez anos, o comércio global crescera a uma taxa de quase 6% ao ano. Com ou sem Rodada Doha, a economia mundial em junho de 2007 estava indo muito bem. O que poderia perturbar esse estado de graça? 347 Capítulo 12 Mesmo as exceções têm exceções De início, Pascal Lamy não entendeu a piada quando Susan Schwab deu-lhe de presente uma cópia do filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day, ou O Dia da Marmota, no título original) durante a reunião que tiveram em Washington na primavera de 2008. Por ser francês, não conhecia a comédia de 1993 sobre um homem que se vê vivendo o mesmo dia – 2 de fevereiro, o Dia da Marmota – várias vezes. Na verdade, Lamy nunca tinha ouvido falar do feriado nem da celebração piegas realizada em uma cidadezinha da Pensilvânia, vivida repetidamente pelo protagonista, e na qual multidões se reúnem para assistir a uma marmota sair de sua toca. Mas depois que o diretor-geral da OMC assistiu ao filme, conseguiu perceber o humor por trás do gesto de Schwab. Afinal de contas, o que poderia ser mais parecido com o Feitiço do Tempo do que a Rodada Doha? Da mesma forma que o protagonista do filme tem uma sensação esmagadora de déjà vu quando acorda de manhã e percebe que viverá outro 2 de fevereiro quase idêntico ao anterior, Schwab e seus colegas ministros do Comércio sentiam que tudo se repetia com impressionante semelhança nos rituais que observavam anualmente nas negociações de Doha. Desde 2003, cada novo ano começara com exortações para se chegar a um resultado definitivo na rodada. O processo também adquirira uma rotina monótona: os ministros do Comércio se reuniriam no início de 349 paul blustein janeiro no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, normalmente para um almoço, após o qual fariam declarações solenes afirmando sua intenção de alcançar êxito naquele ano no acordo sobre modalidades ou pelo menos algo próximo a isso. O fato de terem fracassado no ano anterior seria mencionado como uma razão adicional para redobrarem seus esforços. Em resposta a perguntas de repórteres céticos, os ministros insistiam que o ano seguinte seria diferente dos anteriores. Entre observadores da Rodada Doha, os meses iniciais de 2008 suscitaram uma nítida sensação de Feitiço do Tempo. Como sempre, os ministros se encontraram para almoçar em Davos e, como sempre, sua retórica soou repetitiva: “Um ano de vai-ou-racha”. “Ano de necessidade”. “Os próximos dois ou três meses são cruciais”. E, como sempre, a mídia assinalou o fato de que expressões semelhantes haviam sido enunciadas em circunstâncias quase iguais nos anos anteriores. Sob alguns aspectos, as perspectivas para a rodada pareciam mais sombrias em 2008 do que antes, graças principalmente às forças políticas nos Estados Unidos. A Autoridade de Promoção Comercial tinha expirado, e havia pouca chance de que o Congresso – agora nas mãos dos democratas – a renovasse nesse ano, pois faltavam apenas alguns meses para a eleição presidencial. A eleição também significava que os países envolvidos em negociações com Washington não poderiam ter certeza se o governo seguinte aceitaria um acordo herdado da equipe Bush. Essa incerteza provocou um natural desestímulo na boa vontade dos negociadores em fazerem concessões em prol da garantia de um acordo. Quem estaria disposto a atrair a ira dos grupos de interesse domésticos, dado o risco de que não haveria nada de positivo para mostrar em troca? Além disso, o Congresso iria votar mais um dispendioso projeto de lei agrícola válido para os próximos cinco anos que, a exemplo da versão de 2002, colocava em questão a vontade política de Washington quanto à redução de seus programas de subsídios agrícolas. Porém, havia também motivos para otimismo acerca das perspectivas da rodada em 2008. A situação de fraqueza do final do governo Bush significava que a Casa Branca estaria particularmente ávida por chegar a um acordo, de modo a valorizar o legado do presidente. Os assessores da Casa Branca estavam exercendo pressão considerável sobre Schwab para chegar a um acordo, pelo menos sobre modalidades. Os negociadores norte-americanos não tiveram receio de mencionar a seus homólogos 350 mesmo as exceções têm exceções de outros países que talvez não houvesse melhor momento para fechar um acordo do que nos meses anteriores à mudança de governo, pois ninguém sabia quem seria o novo presidente, muito menos que tipo de política comercial o novo governo adotaria. O fracasso em se chegar a um acordo em 2008 implicaria que os membros da OMC teriam de tentar sua sorte com quem quer que vencesse as eleições para a Casa Branca. Em outras palavras, perder-se-ia uma oportunidade de ouro para avançar na negociação com interlocutores americanos que estavam dispostos a mostrar flexibilidade em algumas das questões mais controversas. Além disso, uma maneira inteiramente nova de conduzir as negociações de Doha tinha começado nas semanas anteriores à reunião de Potsdam, em junho de 2007. Os resultados iniciais dessa nova abordagem eram promissores. Passados poucos meses desde o início da negociação sobre modalidades, os negociadores relatavam, com entusiasmo, que estavam fazendo progressos. Tinham, de fato, avançado mais nesse período do que nos seis anos anteriores. Quem ousaria pensar que, depois de ficar paralisada por tanto tempo, a rodada sairia da situação de Feitiço do Tempo? Tudo isso aconteceu no contexto de estremecimentos cada vez mais atordoantes na economia global. No final do verão e início do outono de 2007, a empresa Countrywide Financial, gigante dos empréstimos de alto risco, quase entrou em falência; desastres em operações de hedge atingiram um banco francês; mercados de créditos emperraram e o Merrill Lynch anunciou prejuízos espantosamente elevados. A retração do mercado mundial de ações em janeiro de 2008 transformou-se numa debandada geral em março, quando o colapso do banco de investimentos Bear Stearns resultou na liquidação relâmpago da instituição, com uma intervenção sem precedentes do governo americano. O que esses acontecimentos pressagiavam não estava claro. Mas o bom senso sugeria que esse era um bom momento para reforçar as bases do sistema global de comércio. [*] Crawford Falconer é um diplomata de carreira, especializado em comércio, de cabelo castanho avermelhado e barba grisalha curta, óculos retangulares e um senso de humor irreverente. Este último traço de sua 351 paul blustein personalidade ajudou Falconer, que era embaixador da Nova Zelândia na OMC, a desempenhar uma missão que assumiu em meados de 2007: articular uma solução de compromisso em agricultura de modo a garantir o consenso entre os membros da OMC. Este era um desafio que assumiu como presidente das negociações agrícolas da Rodada Doha e, no processo de redigir um texto que pudesse satisfazer as posições divergentes de numerosos países, ele soltava, aqui e ali, comentários de fina ironia sem perder a elegância. “Tive de sofrer para escrevê-lo. Então vocês terão de sofrer para lê-lo. Perdão, não há uma versão resumida e ilustrada”, disse Falconer aos repórteres no Centro William Rappard, em 17 de julho de 2007, ao apresentar um documento cheio de expressões do tipo “tetos AMS específicos para produtos”, “compromissos sobre tarifas de importação em nível de 6 dígitos” e “níveis de de minimis de acordo com o Artigo 6.4(b)”. Cada vez mais filosófico acerca da dificuldade de se chegar a um equilíbrio entre argumentos opostos a respeito de subsídios e tarifas agrícolas, ele gracejou: “Se eu estiver errado, os membros dirão que estou errado. Mas eles dirão que estou errado de qualquer jeito, mesmo que esteja certo”. Falconer era um dos atores principais no que poderia ser chamado de Rodada Doha 2.0. Os problemas eram os mesmos de antes, mas, por algum tempo pelo menos, as conversas foram conduzidas ao largo dos “Senhores do Universo” – os ministros dos países mais poderosos da OMC, como o G-4 e o G-6. Agora, a responsabilidade de se alcançar convergência sobre as grandes questões estava passando dos ministros para os funcionários especializados em comércio em diversos governos da OMC – gente profundamente conhecedora dos detalhes técnicos das questões em jogo e cujos atos passariam despercebidos pela mídia. Esta era uma abordagem que, na opinião de muitos em Genebra, deveria ter sido aplicada há bastante tempo. Acreditava-se que Lamy havia perdido um tempo considerável ao apostar em reuniões com poucos ministros antes que os fundamentos de um acordo estivessem lançados. Na opinião de seus críticos, Lamy – devido a todo o brilhantismo e percepção aguda dos problemas – era apegado demais ao modelo que ele e Zoellick haviam usado para fechar o acordo-quadro de 2004. Não se esperava que os ministros resolvessem suas diferenças em razão do caráter 352 mesmo as exceções têm exceções complexo e multifacetado dos inúmeros problemas não resolvidos que tinham diante de si. Potsdam também convencera Lamy de que era inútil insistir nesse modus operandi. É claro que as conversas entre altos funcionários e embaixadores na OMC não poderiam ir muito longe. Em algum momento, os ministros precisariam tomar decisões políticas acerca de pontos espinhosos importantes. Mas, nesse ínterim, o novo mantra em Genebra, a partir do verão de 2007, era que a única maneira de se negociar um acordo seria analisando questão por questão, durante semanas, se necessário. Como Falconer explicou em sua coletiva de imprensa de julho de 2007: “Vai ser tedioso, burocrático e difícil. Mas é a única forma de se concluir esse tipo de negociação. Já se tentou forçar um acordo, mas isso não deu certo. Tudo o que resta é o estilo detalhado e exaustivo de negociar”. Com ironia velada, Falconer usou o termo “passeio no bosque” para descrever as reuniões que teve com um número reduzido de representantes dos países-membros da OMC, a fim de captar suas opiniões sobre vários aspectos do acordo agrícola. O termo se referia a um famoso passeio feito no início da década de 1980 numa floresta fora de Genebra por negociadores dos Estados Unidos e da União Soviética, durante o qual foram acertadas as condições de um acordo sobre controle de armamentos. Na versão de Falconer, os participantes do passeio no bosque ficavam, em sua maioria, sentados em escritórios. Mas os “passeios” de Falconer desempenharam um papel tão importante quanto os passeios dos negociadores norte-americanos e soviéticos. O neozelandês não estava tentando redigir um texto que fosse o mais economicamente sensato do ponto de vista do comércio agrícola internacional. Em vez disso, seu objetivo era construir um texto que facilitasse o consenso, dando a impressão de que os pontos de vista da maioria dos membros da OMC haviam sido levados em conta. Os funcionários da OMC fizeram amplo uso de metáforas para tentar explicar como o novo processo era melhor do que o antigo. O sapo estava sendo cozido lentamente em vez de ser jogado numa frigideira escaldante da qual certamente saltaria. A casa começava a ser construída a partir das paredes e dos andaimes, de forma que os ministros só seriam convocados no momento de colocar o teto por cima de tudo. A partida de futebol estava sendo jogada com trocas coordenadas de passes até a cara do gol e não com chutes do meio de campo. 353 paul blustein Igualmente envolvido e desempenhando um papel central nessa mistura de sapos cozidos, casas em construção e armação de jogadas, estava Donald Stephenson, o embaixador canadense e presidente das negociações referentes a outro grande problema na rodada – NAMA. Stephenson era muito mais conservador em comparação a Falconer. Enquanto o neozelandês podia alardear décadas de experiência em matéria de comércio, Stephenson passara a maior parte de sua carreira no Canadian Heritage, o departamento de assuntos culturais do governo canadense. Porém, sua falta de experiência era compensada por uma capacidade extraordinária para o trabalho metódico, lógica rigorosa e paciência para longas reuniões. Também levava muito a sério a reputação do Canadá na diplomacia internacional de ser um mediador honesto e um construtor de pontes entre países ricos e pobres. Ao apresentar seu primeiro texto na mesma coletiva de imprensa de julho de 2007 em que Falconer mostrou o seu, Stephenson explicou: “Este texto não tem sustentação própria. Não foi acordado por ninguém... É a minha melhor avaliação daquilo que poderia constituir um consenso, com base em cerca de 1.000 horas de escuta dos relatos dos membros”. Vejam bem: à medida que uma quantidade cada vez maior de andaimes e paredes foi se erguendo, uma versão plausível da Rodada Doha começou a tomar forma com um grau de detalhamento que não se tinha visto até então. De vez em quando, Falconer e Stephenson apresentavam versões revisadas de seus textos com base nas discussões que haviam mantido com os negociadores dos países-membros em Genebra. A cada nova versão do texto, eles reduziam o número de questões que os ministros não tinham conseguido resolver – algumas delas tinham sido complexas demais para os Senhores do Universo (um tema que levou meses para ser esgotado envolvia o método do cálculo do consumo dos produtos sensíveis – se, por exemplo, os números do volume de consumo de açúcar deveriam, ou não, incluir produtos processados como biscoitos e refrigerantes). Claro que algumas das disposições contidas nos textos haviam sido decididas de antemão – principalmente a eliminação de subsídios às exportações de produtos agrícolas. Mas a Rodada Doha 2.0 estava avançando de forma tediosa, burocrática e difícil, tal como previsto por Falconer. As coisas não podiam ter sido mais enfadonhas e burocráticas, por exemplo, do que quando Joe Glauber, o negociador-chefe dos 354 mesmo as exceções têm exceções EUA para agricultura, tranquilamente mencionou em uma reunião presidida por Falconer em 19 de setembro de 2007, que os Estados Unidos poderiam aceitar “como base para negociação” a faixa de US$ 13 bilhões a US$ 16,4 bilhões proposta no texto como limite máximo anual para subsídios norte-americanos que causam distorções nos preços dos produtos agrícolas. Embora esse sinal de flexibilidade por parte dos EUA não constituísse um compromisso firme de reduzir subsídios – pois, como sempre, isso dependia de concessões de outros países –, representava, de qualquer maneira, um movimento adiante. Os números dessa faixa eram bastante inferiores aos US$ 17 bilhões que Sue Schwab estipulara anteriormente como sendo o mínimo que Washington poderia aceitar. O progresso, no entanto, tinha um preço, tal como ilustrado pelos comentários de Stephenson em uma de suas coletivas de imprensa. O normalmente bem-humorado canadense não conseguiu esconder sua irritação, tão exausto tinha ficado em “gastar centenas de horas estafantes em consultas com os membros”. O problema, disse ele, era que as tentativas de se chegar a um meio termo eram como “assobiar e chupar cana ao mesmo tempo”. De fato, a proposta de NAMA articulada por Stephenson estava repleta de brechas e exceções, as quais, por sua vez, apresentavam suas próprias brechas e exceções. Na opinião de Stephenson, essa era a única forma de dar conta de um dos temas mais contenciosos da negociação: se, tal como era do interesse dos países ricos, os países em desenvolvimento seriam obrigados a abrir substancialmente seus mercados para importações de produtos industriais ou se esses países preservariam a prerrogativa de manter suas barreiras em níveis elevados com vistas a preservar espaço para políticas industriais, ou por outras razões. Stephenson começou com um número de compromisso para a fórmula geral de corte tarifário a ser adotada pelos países em desenvolvimento. Seu texto de julho de 2007 pedia-lhes que cortassem suas tarifas usando um coeficiente entre 19% e 23% – isto é, suas tarifas máximas seriam reduzidas até algum ponto dentro dessa faixa de opções. Aí veio a parte de chupar cana – o primeiro conjunto de exceções. De acordo com o plano de Stephenson, os países em desenvolvimento poderiam isentar 5% de seus produtos manufaturados de quaisquer cortes 355 paul blustein tarifários. Ou, se eles assim preferissem, poderiam aplicar metade do corte tarifário geral a 10% de seus produtos*. Se tudo isso soar muito complicado, não será nada comparado com outros tipos de exceções que Stephenson se sentiu compelido a incluir. Os países que pertenciam a determinados acordos regionais de comércio – o MERCOSUL, no caso da América do Sul, e a União Aduaneira da África Austral (SACU, na sigla em inglês) – argumentavam que, por motivos técnicos, ficariam em desvantagem com o plano de Stephenson, de modo que insistiram em prerrogativas especiais para isentar de cortes tarifários uma quantidade ainda maior de seus produtos industriais. Outros países em desenvolvimento queriam, e obtiveram, tratamento especial por diferentes motivos. As nações que haviam ingressado na OMC nos anos anteriores – China e Taiwan eram exemplos notáveis – enfatizaram que já haviam sido obrigadas a fazer cortes profundos em suas tarifas quando se tornaram membros. Com base em argumentos completamente diferentes, o governo esquerdista da Bolívia defendia total isenção de cortes para todos os seus produtos porque o país era quase tão pobre quanto os países de menor desenvolvimento relativo da OMC, os quais seriam poupados de qualquer compromisso de redução de barreiras. A orgia de criação de exceções no texto de Stephenson inspirou uma piada amarga, cujo humor era inteligível apenas aos iniciados nos mistérios do jargão do comércio. “Qualquer um que leia este documento... terá de concluir que NAMA significa “nenhum acesso adicional a mercados” (no additional market access), bufou Peter Allgeier, embaixador dos EUA na OMC, em reunião com negociadores de outros países em 27 de maio de 2008. Foi aí que veio a parte mais complicada – as exceções às exceções. Os Estados Unidos, com o apoio de outros países-membros ricos, apresentaram várias propostas que garantiriam acesso aos mercados de pelo menos alguns grandes países em desenvolvimento. E, mais importante ainda, Washington pedia que a rodada incluísse acordos “setoriais” – acordos pelos quais alguns países-chave eliminariam totalmente suas tarifas, ou as reduziriam a quase zero em determinados * Esses números suscitaram críticas acerbas de países em desenvolvimento, que exigiam uma flexibilidade muito mais ampla para proteger suas indústrias. Assim, em versões posteriores de seu texto, Stephenson permitiu maiores isenções para países que escolhessem fórmulas mais rígidas de corte tarifário e isenções menores para países que escolhessem fórmulas menos rigorosas. 356 mesmo as exceções têm exceções setores. Os americanos tinham grande interesse em obter esses acordos para os setores de químicos, maquinário industrial e equipamentos elétricos. Argumentavam que se o Brasil, a China e a Índia ficassem de fora desses acordos, os benefícios da Rodada Doha seriam insignificantes para os exportadores norte-americanos. Mas a ideia gerou uma resistência firme dos países em desenvolvimento com base na alegação de que desde a primeira vez que esse assunto fora mencionado na Rodada, houve um entendimento de que a participação em acordos setoriais seria estritamente voluntária. Enquanto em Genebra se assobiava e chupava cana ao mesmo tempo, presenciava-se, no mundo real, bem longe da atmosfera rarefeita do Centro William Rappard, uma série de acontecimentos que mudariam completamente os preceitos econômicos sobre os quais se baseara a Rodada Doha. [*] No Egito, manifestantes incendiaram carros e quebraram janelas e vitrines. No Haiti, pelo menos cinco pessoas foram mortas e os feridos lotaram hospitais depois que multidões tomaram as ruas atirando pedras, saqueando lojas e atacando veículos. Dez mil bangladeshis fizeram um tumulto em Daca, a capital de seu país. Cidadãos do Iêmen incendiaram delegacias e bloquearam estradas. Em várias cidades de Burkina Faso, manifestantes incendiaram prédios do governo. Protestos semelhantes ocorreram no Senegal, na Mauritânia, nos Camarões, na Costa do Marfim e em muitos outros países. Todos esses episódios, ocorridos nos primeiros meses de 2008, foram motivados pela mesma queixa: os altos preços dos alimentos. O custo do arroz, um alimento básico para cerca de metade dos habitantes do planeta, tinha mais do que dobrado em relação ao nível de 2007. Os preços do trigo tinham quadruplicado desde 2000 e os do milho tinham quase triplicado. Essas elevações de preços eram provocadas pelo crescente consumo da classe média em rápida expansão na Ásia e na América Latina. Nessas regiões, crescera fortemente a demanda por pão, tortilhas e arroz, além de carne e leite. O milho é insumo para estes dois últimos produtos, na medida em que é usado na ração de rebanhos bovinos e de plantéis de aves. Outros fatores foram a elevação dos preços do petróleo, que 357 paul blustein pressionou o custo do fertilizante, e o programa do etanol nos Estados Unidos, que desviava milhões de toneladas de milho para a produção de combustível para automóveis. A elevação do custo dos alimentos provocou transformações muito mais importantes nas políticas governamentais do que qualquer mudança que pudesse resultar da Rodada Doha. Muitos países estavam baixando suas tarifas para produtos agrícolas – entre eles a Índia, a Indonésia, a Turquia e o Peru, que reduziram drasticamente seus impostos sobre produtos como trigo, farinha, soja, cevada e milho. O objetivo dessas medidas era reduzir os preços dos alimentos aos consumidores mais pobres, que gastam cerca de 50% a 60% de sua renda com comida. Nesse ínterim, nos Estados Unidos, os subsídios agrícolas entraram em declínio – em 2007, o total dos gastos dos EUA fora de apenas US$ 8,5 bilhões. Esse movimento obedecia à lógica de funcionamento dos programas norte-americanos de apoio agrícola em épocas de preços altos. É claro que essas mudanças não eram obrigatórias, como seriam num acordo da OMC, de forma que os governos poderiam revertê-las a qualquer momento. Mas as medidas ressaltavam como, no sétimo ano da rodada, as condições eram completamente diferentes das que prevaleciam no primeiro ano. A antiga lógica – de que os agricultores pobres precisavam desesperadamente dos preços mais altos possíveis em mercados mundiais mais abertos e livres de subsídios – parecia lamentavelmente desatualizada. O novo problema na política de comércio de alimentos era o oposto das tarifas de importação. Tratava-se dos controles de exportações. Para manter o máximo possível de cereais e outros produtos agrícolas disponíveis para consumo da população local, mais de vinte governos impuseram restrições ou altos impostos sobre exportações. Em alguns casos, proibiram totalmente as vendas ao exterior, afetando principalmente produtos como o arroz, o trigo, o milho, o feijão e a carne bovina. A Argentina, que há muito vinha taxando as exportações de seu setor agrícola para ajudar a encher os cofres públicos, foi uma das mais agressivas usuárias desse tipo de medida. Outros que tomaram medidas semelhantes foram a China, o Egito, a Índia, a Indonésia, o Cazaquistão, o Paquistão, a Rússia, a Sérvia, a Ucrânia, o Vietnã e a Zâmbia. “Políticas para esfomear o vizinho” foi um mote repetido várias vezes por Joachim Von Braun, diretor-geral do International Food Policy Research Institute 358 mesmo as exceções têm exceções (Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares), porque esses países exacerbaram a escassez de alimentos em outras partes do mundo e fizeram com que os preços disparassem mais rapidamente. A crise detonou um novo debate sobre comércio e agricultura, reabrindo antigas questões sobre se os alimentos constituem um caso especial que precisa ser tratado de forma diferente de outros produtos no comércio internacional. O termo “segurança alimentar” surgiu como o novo apelo em torno do qual se uniram os céticos do livre mercado. No que se refere aos alimentos, argumentavam eles, os mercados globais simplesmente não funcionam, de modo que os governos têm de tomar medidas para garantir que seus agricultores possam fornecer suprimentos adequados a suas populações, protegendo seus setores agrícolas seja com tarifas, seja com subsídios, ou com ambos. No nível da teoria, esse argumento equivalia à pior espécie do princípio econômico de desenvolvimento autárquico do Know Nothing1, cuja melhor ilustração é o fracasso econômico da Coreia do Norte, baseada na filosofia estatal do juche ou autossuficiência. Dadas as diferenças de índice pluviométrico, terras aráveis e outros fatores naturais, faz muito sentido para as nações se especializarem naqueles tipos de alimentos que produzem melhor e comercializar esses alimentos, ou outros produtos e serviços, em troca daqueles que não conseguem produzir com tanta facilidade. Mas num momento em que alguns dos maiores celeiros de alimentos do mundo restringiam exportações, armazenando suas safras para consumo interno, os teóricos do livre mercado ficaram na defensiva. Uma grande barganha, pela qual todos os países concordassem em seguir os princípios do mercado, poderia ter oferecido uma solução sensata ao problema. Tal como os economistas Nancy Birdsall e Arvind Subramanian propuseram em abril de 2008, os países em desenvolvimento poderiam prometer abster-se de restrições às exportações e os países ricos poderiam eliminar subsídios aos biocombustíveis, garantindo assim aos 1 N. da T.: O movimento Know Nothing (“Sabe Nada”) foi um movimento político nativista dos EUA da década de 1850. Começou como uma reação popular ao medo de que as grandes cidades estivessem sendo inundadas por imigrantes católicos irlandeses a quem consideravam hostis aos valores americanos. O movimento originou-se em Nova York em 1843, quando foi denominado American Republican Party. A origem da expressão “Know Nothing” era a organização semisecreta do partido. Quando um membro era inquirido sobre suas atividades, ele supostamente respondia, “I know nothing” (“não sei de nada”). Mais contemporaneamente, refere-se a políticas de fechamento ao exterior. 359 paul blustein importadores que um volume razoável de suprimentos ficaria disponível nos mercados mundiais. Ao mesmo tempo, os países importadores de alimentos prometeriam fixar suas tarifas em níveis permanentemente baixos, assegurando aos exportadores o acesso a mercados abertos para o escoamento de sua produção. Porém, grandes barganhas dessa natureza não eram o que caracterizava a Rodada Doha. A rodada nunca havia tratado de quotas ou de impostos sobre exportações, os quais são permitidos pelas regras da OMC. Embora alguns países dependentes de importação de alimentos, como o Japão, tivessem sempre defendido a adoção de regras internacionais contra restrições às exportações, seus pedidos tinham caído no vazio, em parte por causa da oposição veemente dos argentinos e de outras nações. A questão não foi sequer mencionada na agenda adotada em Doha em 2001. Além disso, ao redigir seu texto sobre agricultura, Falconer inseriu dispositivos muito fracos em relação a esse tipo de prática. Além da crise dos alimentos, outras mudanças nas bases econômicas da rodada começavam a acontecer diante dos negociadores da OMC. [*] Em matéria de prazos, Lamy concluiu que não havia mais espaço para manobras. O recesso do verão setentrional, em agosto, estava chegando e, depois disso, a campanha presidencial norte-americana entraria em sua fase mais intensa. Assim, em 25 de junho de 2008, o diretor-geral começou a espalhar pelo mundo que os ministros estavam sendo convocados a vir a Genebra dali a um mês, com vistas a lançar o acordo sobre modalidades na semana de 21 de julho. “Com nuvens escuras pairando no horizonte econômico a cada dia”, contou ele aos embaixadores da OMC, “temos de proteger o que pudermos agora”. Nuvens escuras, de fato. O clima no mercado financeiro, que havia melhorado durante umas poucas semanas após o resgate do Bear Stearns, começara a se deteriorar novamente à medida que aumentava a percepção de que outras desgraças, potencialmente mais graves, atingiriam o sistema financeiro. O índice Dow Jones despencou para menos de 12.000 no dia 20 de junho, em meio a notícias sobre novos problemas em companhias 360 mesmo as exceções têm exceções emissoras de títulos de seguros e sobre um dos mais abruptos declínios mensais de preços de imóveis jamais registrados na história dos EUA. Ao convocar a reunião ministerial, Lamy admitiu: “Sei que correremos riscos”. Isso era evidente, a julgar pelo grande número de tentativas frustradas que haviam precedido o anúncio. Inicialmente, o diretor-geral tivera a intenção de convocar a reunião ministerial ainda em 2007, de modo a assegurar que o encontro ocorresse antes do início do ano eleitoral nos EUA, o que seria arriscado. Mas esse plano não funcionou. Portanto, já no início de 2008, a mensagem mudou: uma reunião ministerial seria realizada em meados de março, ou, “no mais tardar, em 12 de abril”, de acordo com notícias de imprensa vindas de Genebra. Quando essa tentativa de marcar a reunião também se mostrou prematura, uma nova data para a conferência ministerial foi fixada para a semana de 19 de maio. Isso também se revelou demasiado otimista. Em meados de junho, segundo rumores, Lamy teria avaliado que se os membros da OMC fizessem um grande esforço para alcançar consenso em algumas questões-chaves, os ministros poderiam reunir-se na primeira semana de julho. Mas isso não aconteceu. O motivo desses repetidos adiamentos não era segredo: havia um número excessivo de temas sem solução nas negociações conduzidas por Falconer e Stephenson. A cada tentativa de Lamy de marcar uma data para a reunião ministerial, maior era a resistência que ele enfrentava, principalmente de Falconer. O neozelandês continuava a advertir o diretor-geral de que, a despeito dos avanços no processo negociador, ainda havia muitos problemas nos textos – isto é, grande número de itens entre colchetes, relativos a importantes divergências nas posições dos países-membros. Essa era a situação, apesar de todos os esforços e precauções empreendidos por Lamy para evitar imprevistos que dificultassem a conclusão de um acordo sobre modalidades em agricultura e NAMA. Foram negadas solicitações feitas pelos japoneses e outros países para que os ministros tratassem do tema de antidumping. Esse tema só seria discutido depois que as modalidades tivessem sido resolvidas. O mesmo aconteceu com várias outras questões que precisavam ser equacionadas antes da conclusão da rodada. Os países interessados na liberalização do comércio de serviços, um assunto potencialmente importante, teriam de se contentar com uma reunião na qual “sinalizariam” o tamanho da abertura de mercado que estariam dispostos a negociar na etapa final 361 paul blustein da rodada. A atenção dos ministros teria de ficar concentrada no tema das modalidades. A resolução desse assunto não seria suficiente para concluir a rodada, mas constituiria um enorme passo em direção à linha de chegada. Além das dúvidas sobre a possibilidade de se alcançar um acordo na reunião de julho, a questão mais profunda era se o eventual entendimento resultante das negociações seria efetivamente relevante. Para os que tendiam a ver o copo metade cheio – e Lamy era naturalmente o mais insistente defensor dessa visão – os detalhes contidos nos textos poderiam ser usados para reforçar o argumento de que a Rodada Doha superaria, em ambição, até mesmo a Rodada Uruguai. Sobretudo porque, agora, havia números específicos para reforçar o princípio, incorporado no acordo-quadro de 2004, de que as tarifas mais altas sofreriam cortes maiores. No texto de Falconer, os países ricos seriam obrigados a reduzir mais drasticamente suas tarifas mais elevadas sobre produtos agrícolas – aquelas superiores a 75% – em algo entre 66% e 73%. Isso significava uma redução muito mais profunda do que fora contemplado em rodadas anteriores. Quanto ao texto sobre NAMA, um eventual acordo estabeleceria teto de 9% para as tarifas impostas por países ricos sobre produtos manufaturados. Isso teria efeito significativo sobre os altos impostos de importação norte-americanos sobre calçados, ainda que a redução fosse escalonada ao longo de um período de dez anos. Porém, o maior grau de especificidade dos textos, na medida em que haviam conferido maior detalhamento às exceções e brechas, apenas reforçava os argumentos dos críticos que consideravam o acordo final pouco significativo (Doha Light). Isso se aplicava não apenas ao texto de NAMA formulado por Stephenson, cujas frustrações foram mencionadas anteriormente, mas também à proposta agrícola feita por Falconer. Apenas para citar um dos exemplos mais importantes, a proposta do neozelandês previa, em matéria de exceção para produtos especiais, que países em desenvolvimento evitassem que entre 10% a 18% de seus produtos agrícolas sofressem cortes significativos (o número exato de produtos seria negociado pelos ministros). Além disso, teriam a prerrogativa de designar alguns produtos como “superespeciais”, isentando-os totalmente de qualquer corte tarifário. Esses produtos “superespeciais” abrangeriam até 6% das linhas tarifárias de determinado país em desenvolvimento (aqui também o número exato estava sujeito a negociação). Esse não era 362 mesmo as exceções têm exceções um assunto trivial, principalmente para os americanos, cujas estimativas indicavam que um pequeno número de linhas tarifárias já seria suficiente para excluir os principais produtos agrícolas norte-americanos importados por muitos dos grandes países em desenvolvimento. Os países ricos, dotados de setores agrícolas fortemente protegidos, como o Japão, a Noruega, a Suíça e a Islândia, teriam uma flexibilidade considerável para manter tarifas superiores a 100% sobre seus produtos sensíveis. Isso foi uma decepção para os reformistas que um dia haviam sonhado que a rodada eliminaria todas as tarifas de três dígitos. Em suma, os críticos não precisavam fazer muito esforço para encontrar defeitos no pacote que seria discutido pelos ministros na reunião de julho de 2008. O acordo certamente não produziria o estímulo econômico necessário para uma redução significativa da pobreza nos países em desenvolvimento. O pacote poderia, com razão, ser acusado de contribuir muito pouco para a solução da crise alimentar. E, com poucas exceções, sequer reduziria significativamente as barreiras atuais, sobretudo no mundo em desenvolvimento. Isso ficou evidente em uma análise elaborada pelo Banco Mundial com estimativa da queda das tarifas médias aplicadas pelos países sobre os produtos efetivamente importados. Os impostos médios cobrados por países em desenvolvimento sobre produtos agrícolas cairiam muito pouco. No caso de produtos manufaturados, suas tarifas médias sofreriam queda de menos de um ponto percentual. As tarifas médias aplicadas pelos países ricos sobre produtos agrícolas sofreriam uma queda de 15% para 11% – nada de muito revolucionário. Qual seria então o grande objetivo em se concluir um acordo em julho? Uma análise feita por Patrick Messerlin, professor de economia do Instituto de Estudos Políticos de Paris, ressaltou o elemento, de longe, mais valioso, “a verdadeira mina de ouro”, segundo Messerlin. O pacote introduziria limites a futuras tendências protecionistas dos países, afirmou Messerlin, na medida em que reduziria as tarifas consolidadas, isto é, os tetos máximos que os países são legalmente autorizados a aplicar. É verdade que os cortes previstos no pacote para as tarifas consolidadas não seriam, em muitos casos, suficientemente profundos para afetar as taxas efetivamente aplicadas. Porém, quanto mais baixas forem as tarifas consolidadas, tanto melhor, pois, como notou Messerlin, sobretudo no caso do setor industrial, “o atual regime 363 paul blustein global de comércio... é um equilibrista andando numa corda bamba sobre um abismo”. A qualquer momento, ressaltou ele, um número considerável de grandes países poderia elevar suas barreiras de maneira acentuada sem infringir as regras da OMC. No segmento industrial, “as tarifas médias poderiam aumentar muito... de 3,8% para 11% na Austrália, de 6,6% para 10,2% na Coreia, de 6,7% para 35,6% na Indonésia, de 12,5% para 30,8% no Brasil ou de 11,5% para 16,2% na Índia”, escreveu Messerlin. E esses eram apenas os índices de tarifas médias: “é provável que os aumentos sejam mais altos no caso daquelas tarifas que já são elevadas – até 300%! – com efeitos muito mais devastadores para os exportadores e consumidores domésticos”. Outros países com grandes disparidades entre suas tarifas consolidadas e aplicadas para produtos manufaturados incluíam a Argentina, a Malásia, o Paquistão, as Filipinas, a Nigéria, o Egito e o Bangladesh. O quadro era semelhante na agricultura, mostrava a análise de Messerlin: a tarifa média aplicada pela Índia a produtos agrícolas era de 34,4%, mas sua tarifa média consolidada era de 114,2%. Os números correspondentes no caso da Indonésia eram 8,6% e 47%; para a América do Sul, 9,2% e 40,8%; para a Malásia, 11,7% e 76,0%; para o Paquistão, 15,8% e 95,6%. Isso não era válido para todas as economias. Várias das maiores economias mundiais – os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão, o Canadá e a China – têm tarifas consolidadas muito próximas a seus níveis aplicados. Ainda assim, com a redução do limite máximo das tarifas potenciais em diversos países ao redor do mundo, o risco de uma deflagração protecionista ficaria substancialmente diminuído, segundo Messerlin. “Os benefícios da consolidação”, sustentava ele, “surgem da eliminação da possibilidade” de que economias emergentes possam aumentar suas tarifas de uma média de 8% para 28% no caso de produtos industrializados e de 19% para 66% no caso de produtos agrícolas. Lamy estruturou esse argumento de forma mais eloquente, ressaltando, em discursos e em artigos de imprensa o valor de “apólice de seguro” que teria um acordo. Os benefícios desse seguro somente estariam disponíveis em algum momento do futuro. Ainda que fosse possível produzir um acordo na conferência ministerial de julho, as reduções nas tarifas consolidadas somente começariam a entrar em vigor após o término da Rodada Doha, e não imediatamente após a conclusão 364 mesmo as exceções têm exceções de um acordo sobre modalidades. Mesmo depois da finalização da rodada, os cortes tarifários seriam escalonados ao longo de vários anos. Na opinião de Lamy, essa era mais uma razão para se avançar a pleno vapor. Nos dias anteriores à reunião de ministros, os indicadores financeiros continuaram a se deteriorar. O índice Dow Jones caiu abaixo de 11.000, ou cerca de 22% em relação a seu patamar mais elevado, e as agências reguladoras federais tiveram de assumir o controle do IndyMac Bancorp numa das maiores falências bancárias da história dos EUA. Os gigantes das hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac entraram em grave crise, impelindo o governo Bush a elaborar, às pressas, um plano de resgate para mantê-los em funcionamento. É possível que, se soubessem que as coisas ficariam ainda piores, os ministros reunidos em Genebra em julho de 2008 teriam prestado mais atenção à análise de Messerlin e às súplicas de Lamy. Os ministros estavam bem informados sobre as ameaças ao sistema multilateral de comércio e alguns deles chegaram a expressar alguma inquietação. Porém, isso é o máximo que se pode esperar de ministros do Comércio quando há interesses nacionais vitais em jogo. 365 Capítulo 13 Fracasso O dia 24 de julho de 2008, uma quinta-feira, foi o quarto dia da reunião ministerial convocada por Pascal Lamy na esperança de chegar, por fim, a um resultado definitivo na Rodada Doha antes da eleição de um novo presidente dos Estados Unidos. O desfecho ainda era incerto e o cansaço começava a se instalar. Tarde da noite, no ônibus número 1, que parte de um ponto em frente ao Centro William Rappard e segue pela cidade até a estação ferroviária central de Genebra, ouvi um homem de meia-idade, usando crachá da OMC, falando, desanimado, ao telefone celular. “A coisa toda irá por água abaixo antes do fim de semana”, lamentava ele, com um acentuado sotaque britânico, ignorando os demais passageiros no ônibus. “Estou completamente exausto. Começamos às 5h da manhã e não paramos o dia inteiro. Simplesmente não vejo como isso tudo pode se resolver”. Na verdade, ele tinha alguma razão e a reunião sequer chegara à metade. Ainda havia um tempo considerável pela frente para discussões acaloradas, participantes se exaltando, esperanças aumentando e expectativas a serem frustradas. Naquela quinta-feira, a OMC ainda se encontrava nos estágios iniciais do mais longo exercício de inutilidade ministerial de sua história. Quando se considera a modéstia do acordo a ser negociado, o número de dias que seriam gastos em discussões sobre seus termos e condições e os 367 paul blustein perigos que pairavam sobre a economia mundial, é difícil imaginar um quadro mais fiel do estado complicado em que se encontrava o sistema de comércio global do que os eventos de julho de 2008. [*] A segurança sempre fica mais reforçada em torno do Centro William Rappard durante as reuniões ministeriais, e esta não foi uma exceção. Tropas policiais estavam postadas diante do portão principal e das portas do edifício, verificando crachás. O excesso de precaução pode ter sido compreensível, dados os problemas que haviam prejudicado as reuniões da OMC no passado. Porém, em julho de 2008, os manifestantes estavam quase que totalmente ausentes, com exceção de um punhado de veteranos da Oxfam vestidos de membros ricos da OMC, que montaram uma “mesa de pôquer” num parque e fingiam “jogar com o futuro dos pobres”. Considerando o enorme esforço que os ativistas tinham feito para evitar o lançamento da rodada em Seattle e depois atrapalhar os trabalhos em Cancún e Hong Kong, parecia estranho que demonstrassem tão pouco interesse num momento em que as atividades da OMC se aproximavam de um potencial clímax. Num artigo da Reuters, a porta-voz da Oxfam Amy Barry explicou: “O fato de que essas negociações estejam se desenrolando há tanto tempo gerou certa desatenção do resto do mundo”. Em contraste com os ativistas, os ministros do Comércio estavam presentes em grande número. Cerca de 70% deles responderam aos chamados de Lamy. Para administrar o problema de fazer com que se sentissem úteis na medida do possível, o diretor-geral definiu três círculos concêntricos. O círculo mais externo consistia de todos os membros da OMC e se reunia brevemente todos os dias na sala do Conselho Geral, com alguns países representados por ministros e outros por embaixadores. O segundo, consistindo de ministros representando as 35 maiores potências e grupos de países aliados, se reunia numa sala grande no terceiro andar do Centro William Rappard. Esses encontros foram chamados de “sala verde”, dando a entender que esta era ostensivamente a instância principal de tomada de decisões. Porém, durante os dois primeiros dias, as discussões da sala verde produziram muito pouco além da reiteração de posições há muito conhecidas, pois quase todos os participantes queriam falar e, 368 fracasso quando o faziam, usavam seus preciosos minutos principalmente para marcar território. Então, no terceiro dia, o diretor-geral anunciou a criação de um grupo adicional, mais administrável, o “G-7”. A ideia era que, uma vez que esse grupo tivesse acordado um plano, seus termos seriam submetidos à sala verde e depois a todos os membros. Os membros do G-7 incluíam os suspeitos de sempre do G-4 – Susan Schwab, dos EUA; Peter Mandelson, da União Europeia; Celso Amorim, do Brasil; e Kamal Nath, da Índia – além de dois novos ministros dos demais países do G-6, Simon Crean, da Austrália e Akira Amari, do Japão*. A novidade nesse círculo interno, no entanto, era a participação de um ministro cujo país nunca tinha estado nessa elite antes – Chen Deming, chefe do ministério do Comércio da China. Chen foi o primeiro-ministro chinês a assumir um papel ativo numa reunião da OMC. Seu predecessor, Bo Xilai, normalmente enviava vice-ministros para representar Pequim, o que tornava impossível, em termos diplomáticos, incluir seu país em reuniões de sala verde com outros que ocupavam um cargo ministerial. Chen se sentia mais confiante em fóruns internacionais. Falava inglês bastante bem e tinha experiência de ter trabalhado em cidades litorâneas – principalmente Suzhou, da qual fora prefeito – onde várias empresas estrangeiras estavam localizadas. Também tinha doutorado em administração e fizera um curso na Universidade de Nanquim em parceria com a Universidade Johns Hopkins. Os participantes das reuniões do G-7 logo ficaram impressionados com sua boa vontade em se engajar nas barganhas da negociação, principalmente em comparação com os japoneses, mais inflexíveis. Quando Schwab usou o termo “elefante na sala” para descrever o impacto que a China estava exercendo nas negociações sobre NAMA, Chen retorquiu poucos minutos depois: “Se nós somos um elefante, talvez os Estados Unidos sejam um dinossauro”. Além de Amari, que era ministro da Economia, Comércio e Indústria, o ministro da Agricultura japonês, Masatoshi Wakabayashi, também compareceu às reuniões do G-7, mantendo o hábito arraigado do Japão de enviar tanto o ministro do Comércio quanto o da Agricultura para esses encontros. Isso era uma fonte de irritação para os outros, porque era preciso designar um intérprete para cada um. Para ficarem em pé de igualdade com os japoneses, os Estados Unidos normalmente enviavam seu secretário de Agricultura e a União Europeia normalmente mandava seu comissário de Agricultura. Em julho de 2008, o subsecretário de Agricultura dos EUA, Mark Keenum, compareceu, assim como Mariann Fischer Boel, comissária europeia de Agricultura. * 369 paul blustein Contudo, respostas prontas não substituem o progresso efetivo e o G-7 estava tão empacado em suas primeiras sessões quanto o grupo mais amplo. Praticamente o único sinal positivo emitido nos estágios iniciais da reunião ministerial veio dos americanos. Em uma declaração pública feita em 22 de julho, Susan Schwab se dispôs a estabelecer um teto para os subsídios agrícolas dos EUA em US$ 15 bilhões ao ano, desde que outros países importantes respondessem com concessões significativas próprias. Os negociadores norte-americanos alardeavam isso como um passo gigantesco, afirmando que um teto baixo para os subsídios teria sido politicamente impensável dois anos antes. No entanto, a medida tomada pelos EUA gerou elogios pouco calorosos. Embora evitasse que os subsídios subissem novamente para os níveis inflados de anos antes, quando excediam US$ 20 bilhões, o teto proposto ainda permitia que Washington aumentasse seus gastos em relação aos níveis atuais. De qualquer maneira, isso não estimulou outros membros do G-7 a mudarem suas posições. Assim sendo, no quinto dia de reunião – sexta-feira, 25 de julho –, Lamy estava muito perturbado quando se encontrou com seus assistentes e conselheiros mais próximos na reunião diária das 8h. Para surpresa de alguns dos presentes, acostumados com suas exortações otimistas, ele soou fatalista, pedindo sugestões sobre reformas fundamentais que a OMC poderia adotar caso a reunião terminasse em fracasso. “Nossas chances de sucesso são de talvez uns 15%”, disse ele ao grupo, uma estimativa baseada nas conversas privadas que vinha tendo com os ministros do G-7 para sondá-los individualmente sobre até onde pretendiam ir. Somente um ato ousado, concluiu ele, aumentaria as chances de um desfecho favorável. Embora o cargo de diretor-geral tivesse pouco poder formal, Lamy estava pronto para apresentar sua própria proposta – uma jogada arriscada, porque quando esse tipo de intervenção fracassa, a credibilidade do diretor-geral é atingida em cheio, reduzindo sua capacidade de exercer influência no futuro. Como me explicou mais tarde, “A imagem é como a de um obstetra. O bebê não sai e a mãe está gritando. Em algum momento, é preciso fazer uma cesariana. Achei que era o único jeito”. [*] 370 fracasso Mais tarde, naquela sexta-feira, ao meio-dia e meia, os ministros do G-7 se reuniram na sala de conferências do diretor-geral, sentados ao redor da mesa de madeira escura, com assessores em pé observando por trás deles junto da parede (também estavam presentes intérpretes de chinês e japonês, assim como vários funcionários do Secretariado). Nath estava usando um galabandh, um conjunto preto com paletó rente ao pescoço; os demais estavam de terno. A disposição dos assentos fora levemente modificada pela equipe de Lamy visando a aumentar, pelos menos um pouco, as chances de harmonia geral: Amorim e Nath, que frequentemente se sentavam um ao lado do outro como símbolo da solidariedade do G-20, estavam agora um diante do outro; ao lado de Nath, no lugar de Amorim, estava Schwab. Como todos eles bem sabiam, ministros de vários outros países que não tinham sido convidados para essa roda de eleitos criticavam seu caráter excludente. Passados cinco dias, alguns dos que tinham ficado de fora estavam enfurecidos, pois eram obrigados a ficar matando tempo em Genebra, sem nada para fazer. Folhas de papel foram distribuídas para cada uma das sete delegações. “Esta”, disse-lhes Lamy, “é a hora da verdade”. Tratava-se de um documento que eles tinham redigido naquela manhã. Após seu desempenho soturno na reunião com sua equipe, Lamy tivera uma sessão de brainstorming com três embaixadores – Crawford Falconer de Nova Zelândia e Don Stephenson do Canadá, que conheciam, nos mínimos detalhes, as posições dos países-membros sobre agricultura e NAMA, por força da presidência dos respectivos grupos negociadores, e Bruce Gosper, da Austrália, presidente do Conselho Geral. Tinham preparado um conjunto de propostas que representavam seus melhores palpites quanto a um possível compromisso dentro dos limites indicados em seus textos. Essas propostas só poderiam ser aceitas ou rejeitadas como um pacote cujo conteúdo representava um “equilíbrio de sacrifícios”, distribuindo os lucros e as perdas da forma mais justa possível entre os principais participantes. Fora escrito no mais árido e despojado jargão de comércio imaginável. Não tinha título e a primeira linha dizia: “Corte de 70% no OTDS dos EUA”1. 1 N. do T.: OTDS (Overall Trade Distorting Domestic Support), ou Apoio Interno Distorcivo Total. Trata-se de um novo conceito criado nas negociações da Rodada Doha com vistas a superar limitações e lacunas do Acordo sobre Agricultura. Pelo texto original do Acordo, o apoio governamental aos agricultores era classificado em três categorias, ou “caixas”: “verde”, “amarela” e “azul”. O apoio “verde” – isento de limites de montante e de compromissos de cortes em seu volume – consistia em ajudas governamentais que não tinham impacto ou produziam impacto mínimo sobre o volume da produção agrícola. Esse tipo de apoio incluía medidas como 371 paul blustein Seis anos, oito meses e onze dias tinham se passado desde o acordo em Doha sobre a declaração de lançamento da rodada e agora tudo se resumia a isso. Para os ministros do Comércio, seus assessores e equipes, uma enorme quantidade de milhas aéreas fora percorrida, quartos de hotel ocupados, refeições em restaurantes consumidas e outros custos incorridos, sem que se tivesse chegado sequer a um acordo sobre modalidades. Será que os pobres do mundo inteiro não estariam em melhor situação se, em vez de gastar todo esse dinheiro em negociações para uma rodada de desenvolvimento, os recursos não tivessem sido simplesmente gastos na forma de ajuda humanitária? Nem pensemos nisso! Pelo menos as negociações continham alguma promessa de aperfeiçoamento no equilíbrio e na imparcialidade do sistema multilateral de comércio. De qualquer maneira, não se resolve o problema da pobreza mundial com a doação de uns poucos bilhões de dólares a mais. Porém, a rodada tinha consumido tanto tempo, energia e capital político dos principais participantes que alguns deles estavam sequiosos por um acordo. Amorim se destacava entre eles, assim como Mandelson, que novamente resistia às pressões dos franceses e de outros países-membros da União Europeia para que adotasse posições mais duras. Em certa medida, esse grupo incluía Schwab, porque a Casa Branca, consciente do interesse de Bush em deixar um legado nessa área, contava com ela para concluir um acordo com base em termos razoavelmente aceitáveis. Por outro lado, como Lamy bem sabia, havia dois ministros presentes para quem o custo de “nenhum acordo” era menor do que para os demais, por causa da antipatia e do forte ceticismo em relação ao comércio por parte das organizações da sociedade civil em seus países. Schwab era um deles. O outro era Nath, que alimentava ambições de um dia tornar-se primeiro-ministro da Índia. Os ministros e seus assessores foram para salas de reunião separadas, para discutir o texto em um ambiente reservado. Quando auxílio à pesquisa agrícola, ao combate a pestes e doenças animais, à infraestrutura de apoio e aos estoques de segurança alimentar. O apoio mais distorcivo de todos estava agregado nas medidas “amarelas”, vinculadas aos preços e às quantidades produzidas. Estas medidas ficaram sujeitas a limites quantitativos e a compromissos de cortes em seu volume. Finalmente, as medidas “azuis” (vinculadas a áreas fixas de cultivo ou de volume de produção), consideradas menos distorcivas do que as medidas “amarelas”, estavam isentas de limites quantitativos ou cortes. O conceito de OTDS agregou as medidas “amarelas” e “azuis” em um novo indicador e as submeteu a um limite conjunto, sujeito a cortes em seu volume. 372 fracasso voltaram a se reunir, pouco menos de uma hora depois, cada um deles levantou os pontos de que discordava. Mandelson afirmou que os números engendrariam uma redução por demais insignificante nas barreiras aos produtos manufaturados em países em desenvolvimento (quando se está ávido por fechar um acordo, é sempre aconselhável minimizar o valor das concessões oferecidas pelos demais). Os japoneses disseram que países importadores de produtos agrícolas, como o Japão, necessitavam ter o direito de manter barreiras sobre produtos sensíveis. Outros, inclusive Chen e Amorim, se queixaram de que o teto proposto para subsídios agrícolas norte-americanos era alto demais, embora o montante de US$ 14,5 bilhões estivesse um pouco abaixo da última oferta de Washington. Chen também estava profundamente preocupado com a linguagem referente às propostas para negociações setoriais, visando cortar tarifas em produtos industriais específicos. Não estava claro se o texto exigia o envolvimento de Pequim, o que seria uma infração inaceitável do entendimento anterior de que a participação nessas negociações seria puramente voluntária. Ainda assim, havia motivo para esperança de que o texto pudesse servir de base para um acordo, porque nenhum dos ministros o repudiava totalmente. Havia apenas uma exceção. “Rejeito tudo”, disse Nath. A veemência de Nath surpreendeu alguns dos demais ministros. Todos sabiam que o primeiro-ministro da Índia, o economista e acadêmico Manmohan Singh, falara ao telefone na véspera com o presidente Bush. Havia, portanto, altas especulações sobre a possibilidade de que Nova Délhi suavizasse um pouco suas posições. Mas a reação de Nath ao texto de Lamy mostrou quão equivocadas eram essas expectativas. “Não posso pôr em risco a sobrevivência de centenas de milhões de pessoas”, disse Nath. “Se o governo [indiano] quiser isso, terá de achar um novo ministro”. Vestindo o paletó, levantou-se para sair em direção à porta, obrigando Lamy a praticamente pular da cadeira para correr atrás dele. “Kamal, por favor, fique e escute os demais”, disse o diretor-geral, ressaltando que os outros ministros haviam esperado pacientemente durante bastante tempo para ouvir a posição da Índia (Nath tinha chegado tarde para a reunião ministerial, pois ficara retido em Nova Délhi por causa de uma votação importante no Parlamento que ameaçava derrubar o governo). Em resposta a pedidos semelhantes de outros, Nath voltou 373 paul blustein para o seu lugar, dizendo que estava fazendo isso “por respeito ao meu amigo Pascal”, mas que não tinha mais nada a acrescentar. “Meu silêncio será minha contribuição”, concluiu ele, e, na maior parte das duas horas seguintes, ficou sentado impassível, mostrando seu descaso pelos trabalhos, concentrando-se em seu BlackBerry e saindo várias vezes da sala para pegar comida e se encontrar com quem estava do lado de fora. Seu pessimismo gerou uma reação incrédula de Schwab. “Nós é que estamos recuando. Você venceu!”, disse ela ao ministro indiano, notando que, de acordo com os termos da proposta de Lamy, os produtos superespeciais dos países em desenvolvimento, que ficariam totalmente isentos de cortes de tarifas, abrangeriam 5% das linhas tarifárias, um número muito próximo do que pedira Nova Délhi. Mas eram outros aspectos do texto que haviam provocado a ira de Nath. O principal deles era uma frase que dizia: “O gatilho para aplicação do SSM acima da tarifa consolidada é 140% da base de importações”. “SSM” é a sigla para “mecanismo de salvaguarda especial”. Tal como observado no Capítulo 9, esse mecanismo era uma das demandas da Índia, juntamente com a exceção para produtos especiais. Está baseado numa ideia incorporada há muito tempo nas regras do comércio internacional de produtos manufaturados: que os países precisam, às vezes, estabelecer barreiras ao comércio por um determinado período quando um surto de importações ameaça suas indústrias, permitindo-lhes tempo para se ajustar (os impostos que Bush impôs sobre o aço importado em 2002 eram tarifas de salvaguarda desse tipo). Os países ricos tinham obtido uma salvaguarda especial para seus setores agrícolas alguns anos antes. As nações em desenvolvimento insistiam que sua agricultura deveria ter direitos semelhantes. Suponha, por exemplo, que, de repente, começasse uma onda de importação de maçãs no mercado indiano a ponto de quase levar os produtores locais à bancarrota. Um SSM permitiria que Nova Délhi elevasse suas tarifas sobre maçãs acima do nível consolidado de 50% por um tempo limitado. O problema não era que o SSM tivesse sido eliminado totalmente do texto de Lamy. Mesmo Schwab e seus aliados (o principal no G-7 era Crean da Austrália) estavam dispostos a aceitar o mecanismo. O problema era qual tipo de restrição deveria ser definido para evitar que o uso abusivo do SSM criasse novas formas de protecionismo. Lançando mão novamente do exemplo das maçãs, a tarifa de 50% aplicada pela Índia 374 fracasso sobre a fruta equivale à tarifa consolidada. Portanto, aumentar o imposto acima desse nível constituiria a quebra do compromisso assumido pela Índia na rodada anterior (a Rodada Uruguai). Pelo texto de Lamy, seria permitido que um país adotasse uma medida desse tipo somente no caso de um surto muito forte de importações – situação que o documento definia como um aumento de 40% em relação a níveis recentes. Lamy bem sabia que isso era o mínimo aceitável para americanos e australianos, cujo argumento era de que, na ausência de uma regra altamente restritiva, o SSM poderia ser usado para bloquear os fluxos normais de comércio. Porém, a tentativa de compromisso sobre essa questão, formulada no texto, era restritiva demais para o gosto de Nath. Ele tinha certeza de que, ao regressar à Índia, sofreria, juntamente com o Partido do Congresso, fortes críticas por concordar com algo que seria denunciado como uma traição aos agricultores. De acordo com a proposta de Lamy, argumentava ele, o SSM “não pode ser operacionalizado”, porque a capacidade da Índia de monitorar suas importações de produtos específicos é tão precária que, no momento em que o governo detectasse um aumento de 40% nas importações, os agricultores já teriam cometido suicídio em massa. O drama se intensificou quando Amorim, o mais velho do grupo aos 66 anos, com suas barbas grisalhas e postura de estadista, pronunciou seu veredito geral sobre o texto de Lamy: “Como um pacote, dá para engolir”, disse ele, provocando um verdadeiro choque em Nath, que não podia acreditar que seu velho companheiro de lutas no G-20 lhe estava retirando o apoio. Finalmente, sobressaíram as contradições inerentes à aliança Brasil-Índia: os interesses agrícolas ofensivos do Brasil e os interesses defensivos da Índia no setor, evidentes para todos desde a formação do G-20 em 2003. Quanto a Amorim, não se podia dizer que estivesse rompendo a unidade do G-20 ao apoiar a proposta de Lamy. O principal objetivo do grupo sempre fora obter reduções nos subsídios e nas barreiras comerciais dos países ricos, e os membros individuais podiam decidir a seu bel prazer se apoiariam ou não exceções para países em desenvolvimento, tais como produtos especiais e o SSM. Os interesses do Brasil naturalmente se concentram no maior acesso a mercados e Amorim não se oporia a um pacote que gerasse benefícios substanciais para o setor agrícola de seu país. À medida que ficou mais claro que Nath era o único participante do G-7 dizendo não com convicção, a grande pergunta na mente 375 paul blustein dos participantes da reunião era “o que Schwab deveria fazer?”. Ela poderia deixar a reunião desmoronar insistindo que, caso Nath recusasse o texto de Lamy, ela teria de ir embora, fazendo com que a Índia ficasse com a culpa por arruinar a rodada. Ou então, poderia anunciar que os Estados Unidos aceitavam o texto, aumentando a pressão sobre a Índia de modo a viabilizar, por fim, o surgimento de um acordo. A segunda opção era arriscada, porque desrespeitava preceitos básicos de estratégia negociadora. A Índia supostamente embolsaria as concessões expressas no texto e exigiria receber mais como pagamento por um acordo. Em uma notável demonstração da intensidade do anseio que a administração Bush nutria por um acordo, Schwab disse ao G-7: “Como pacote, posso aceitar essas condições”. Acrescentou, ao mesmo tempo, algumas ressalvas cruciais, questões que “potencialmente desmanchariam o acordo”, porque sabia que, aos olhos dos agricultores e produtores norte-americanos, o texto de Lamy sozinho, seria, provavelmente, insuficiente para promover uma efetiva liberalização dos mercados externos. A China, em particular, disse ela, teria de concordar em abrir certos setores para produtos agrícolas e industriais. Mas, no conjunto, defendeu o texto de Lamy como sendo a única saída e concordou com Amorim, advertindo que o pacote deveria permanecer intacto ao ser analisado pelo grupo mais amplo de ministros. “Puxe um fio e o tecido será desfeito”, disse ela. “Se usarmos esse texto como base, faltará pouco para conseguirmos fechar essa negociação”. Enquanto tudo isso estava acontecendo, o humor negro imperava na sala de imprensa no andar de baixo, onde repórteres do mundo todo faziam um bolão de apostas sobre o momento em que a reunião seria oficialmente declarada um fiasco. O tédio reinante foi repentinamente interrompido no meio da tarde, quando o porta-voz da OMC Keith Rockwell veio dar notícias da reunião do G-7. A cena parecia uma sala cheia de familiares esperando notícias de que o parente em coma tinha morrido, sendo surpreendidos com a notícia de que o paciente estava consciente, alerta, sentado e tomando uma tigela de sopa. “Há alguns sinais de progresso muito encorajadores”, disse Rockwell. “Há um espírito de colaboração e eles decidiram que está na hora de levar isso para um grupo mais amplo”. Tarde da noite, depois que os 35 ministros da reunião de sala verde tinham tomado conhecimento do texto de Lamy, Rockwell anunciou 376 fracasso que o documento havia recebido um “apoio impressionante” (embora não da parte de todos os participantes, reconheceu ele). E Schwab saiu da reunião para dizer aos repórteres que, apesar da resistência de “alguns grandes mercados emergentes” que ameaçavam a rodada, “uma clara maioria de países – tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento – endossava esse pacote como um caminho possível para um resultado positivo”. Tudo isso era verdade até certo ponto. Mas essas avaliações entusiásticas mascaravam a fragilidade da situação. Uma forma mais exata de descrever o estado das coisas era que, entre os membros do G-7, os seis que não rejeitavam o pacote de Lamy concordavam meramente em continuar discutindo. Além disso, vários desses países tinham problemas sérios com seu conteúdo, inclusive os americanos. [*] Às 10h da manhã do dia seguinte, um sábado, representantes de empresas e grupos agrícolas americanos se reuniram no saguão do Presidente Wilson, um dos hotéis de luxo de Genebra, junto com alguns assessores de membros do Congresso. Sentaram-se em um grande círculo em torno de uma mesa enquanto turistas, muitos deles mulheres árabes ricas usando lenços na cabeça e burkas, passeavam pelas redondezas e tomavam chá (o clima temperado do verão em Genebra atrai muitos turistas do Oriente Médio). Entre eles estavam líderes e lobistas de organizações cujo apoio a acordos comerciais sempre fora entusiástico e, em certos momentos, essencial para a aprovação no Congresso – principalmente Bob Stallman, presidente do American Farm Bureau (Confederação Norte-Americana de Agricultura), e Frank Vargo, vice-presidente para assuntos econômicos internacionais da National Association of Manufacturers (Associação Nacional de Fabricantes). Embora esses representantes do setor privado não conseguissem permissão para entrar no Centro William Rappard sem ter de se submeter a um procedimento inoportuno de credenciamento a cada vez, haviam mantido contato bem próximo com a equipe de negociação dos EUA, graças a e-mails, mensagens de texto e frequentes reuniões no hotel onde a delegação dos Estados Unidos estava hospedada. Eles tinham recebido cópias do texto de Lamy em uma reunião na sexta-feira à noite, poucas horas depois de sua apresentação ao G-7. 377 paul blustein Não gostaram do que viram. “O melhor que poderia nos acontecer agora”, disse um lobista agrícola a seus colegas, “seria que a coisa toda fosse pelos ares”. Os grupos agrícolas sentiam que o acordo em negociação simplesmente não lhes propiciaria suficiente acesso adicional a mercados de forma que as exportações agrícolas dos EUA pudessem compensar a redução no teto para os subsídios norte-americanos. Eles entendiam que o pleno impacto de um acordo final em Doha não estaria claro até que os países-membros da OMC tivessem informado detalhes de seus cortes de tarifas para produtos individuais, o que levaria, no mínimo, seis meses. Ainda assim, a desgraça parecia iminente: mesmo que os exportadores norte-americanos aumentassem suas vendas em mercados ricos, como a União Europeia, para carne bovina, suína e alguns outros produtos, eles não ganhariam muito, se é que obteriam algum, espaço nos mercados emergentes, porque as exceções concedidas aos países em desenvolvimento eram grandes demais. Stallman do Farm Bureau lamentou que as esperanças dos EUA em matéria de acesso a mercados para produtos agrícolas tivessem sido “contínua e gradualmente frustradas” no decorrer da rodada. As primeiras versões de textos de modalidades produzidas logo antes da reunião, disse ele, não prometiam o bastante, e “ficou pior agora” com o texto de Lamy. Embora os negociadores norte-americanos tivessem prometido no passado nunca cruzar determinadas “linhas vermelhas”, o texto de Lamy acarretou exatamente esse tipo de resultado, observou Stallman. Em particular, permitia que países em desenvolvimento isentassem um número substancial de suas linhas tarifárias de quaisquer cortes e permitiu-lhes usar o SSM para elevar tarifas acima dos níveis consolidados na OMC. Outros representantes de grupos agrícolas, principalmente produtores de algodão e arroz, estavam ainda mais pessimistas. A agricultura não era o único problema. Vargo, da Associação Nacional de Fabricantes (NAM), estava igualmente desanimado. Ele estimava que, de acordo com as fórmulas que os ministros do Comércio estavam analisando, as tarifas aplicadas para produtos industrializados cairiam, em média, apenas um décimo em grandes mercados como Brasil, e mesmo esse resultado levaria cerca de nove anos para se materializar. 378 fracasso O texto de Lamy “oferece a possibilidade teórica de um resultado positivo para os produtos manufaturados dos EUA, mas é muito improvável”, disse Vargo aos demais no hotel Presidente Wilson. A única esperança, disse ele, “é obter acesso a mercados nas negociações setoriais” – o termo para os acordos propostos para eliminar tarifas ou, pelo menos, reduzi-las para próximo de zero, em alguns setores industriais selecionados. Embora tais negociações estivessem previstas no texto de Lamy, não estava claro se os grandes países em desenvolvimento – a China, em particular – seriam obrigados a participar dos acordos setoriais que Washington desejava, isto é, nos segmentos de produtos químicos e de maquinário. “Se a China não estiver na lista [de participantes de setoriais], nem adianta”, disse Vargo. “Não podemos apoiar” o texto de Lamy nesse caso. “Era preocupante ouvir o pessoal da agricultura e da NAM dizer: ‘Hum, isso não vale o aborrecimento’”, recorda-se o assessor parlamentar do Congresso que compareceu à reunião. “Como conseguir que isso seja aprovado no Congresso?” **. Aumentava cada vez mais a pressão de legisladores importantes e seus assessores para que se deixasse morrer a negociação. Numa reunião com membros da equipe de Schwab mais tarde, no sábado, a questão foi exposta calmamente por Hayden Milberg, uma assessora do senador republicano Saxby Chambliss da Geórgia, o segundo membro mais importante da Comissão de Agricultura do Senado: como ninguém no setor privado parecia gostar do acordo esboçado no texto de Lamy, ele não seria aprovado no Congresso. Portanto, o que seria melhor para Schwab? Retirar-se da mesa de negociações aqui em Genebra ou aceitar um acordo Os que têm boa memória talvez percebam que os EUA não têm autoridade moral para criticar os demais países. Os motivos das queixas dos grupos agrícolas e industriais dos EUA sobre a falta de acesso a mercados referiam-se principalmente a duas exceções que os países em desenvolvimento haviam obtido em reuniões anteriores – a isenção para produtos especiais (que foi incorporada no acordo-quadro de julho de 2004) e a possibilidade de que os países optassem por ficar de fora dos acordos setoriais (acordada na reunião ministerial de Hong Kong, em 2005). Nas duas reuniões, os Estados Unidos insistiram em exceções específicas para atender seus próprios interesses. Estas incluíam o dispositivo que isentava de cortes profundos o programa de pagamentos agrícolas contracíclicos dos EUA e o dispositivo que dava a Washington a capacidade de excluir seu setor têxtil da concessão de acesso livre de tarifas e quotas para importações provenientes dos países muito pobres. ** 379 paul blustein que sofreria uma derrota no Capitólio? Um veto no Congresso não seria altamente prejudicial para a OMC como instituição? O senador Max Baucus, um democrata de Montana e presidente do Comitê de Finanças do Senado, órgão que tem jurisdição sobre legislação de comércio, transmitiu mensagem semelhante por telefone diretamente a Schwab. A representante americana de comércio estava bem ciente das dificuldades políticas que o acordo poderia enfrentar em Washington. Uma de suas maiores preocupações era o SSM, que poderia teoricamente permitir que a China aumentasse algumas das tarifas que havia cortado ao entrar para a para a OMC. A tarifa consolidada chinesa para soja, por exemplo, era de 3%. Ao invocar o SSM em resposta a um aumento súbito nas importações, Pequim poderia impor uma tarifa de 18%, mesmo que por um período limitado. Esse era o tipo de cenário que certamente causaria um tumulto entre os parlamentares norte-americanos provenientes de estados agrícolas. Ainda assim, a resposta de Schwab para essas e outras objeções foi: sejam pacientes. Nas reuniões que se estenderam pelo fim de semana com o setor privado e em conversas com Hill, ela notou as advertências que haviam sido manifestadas na reunião do G-7 sobre “temas que poderiam inviabilizar um acordo” e assegurou-lhes que estava determinada a obter concessões de outros países sobre essas questões antes de dar o aval para qualquer coisa. De fato, seus subordinados já estavam se esforçando para tentar estabelecer um acordo, na esperança de extrair promessas do país cujo mercado eles mais cobiçavam. [*] A missão da China na OMC está convenientemente localizada um pouco adiante na mesma rua onde se situa o Centro William Rappard, num edifício moderno recém-construído nas margens do Lago de Genebra. Lá, no sábado e no domingo imediatamente seguintes à apresentação do texto de Lamy, negociadores chineses encontraram seus colegas norteamericanos, inclusive o embaixador junto à OMC, Peter Allgeier, e o negociador-chefe de agricultura, Joe Glauber. Talvez nenhum outro país na face da Terra tenha tanto interesse na preservação do sistema multilateral como a China, devido à sua dependência das exportações. Poucos países, se é que existe algum, 380 fracasso teriam tanto a ganhar com a conclusão da Rodada Doha se levarmos a sério as estimativas do Banco Mundial. Os americanos sabiam que os formuladores de política chineses desejavam evitar, a quase todo custo, que seu país fosse a principal causa de um fracasso numa reunião importante da OMC. Então pensaram que seriam capazes de persuadir Pequim a fazer algumas concessões, em bases bilaterais, que fossem além das exigências do texto de Lamy obtendo, dessa forma, um acordo mais atraente para a indústria e o setor agrícola dos EUA. Porém, os negociadores norte-americanos também enfrentariam um árduo desafio, porque os chineses nutriam forte ressentimento desde as negociações de 1999 em relação à sua entrada na OMC. Funcionários governamentais de Pequim consideraram que os Estados Unidos os forçaram a aceitar termos excessivamente severos como preço pelo ingresso na organização. A maior das preocupações dos EUA era o algodão. A equipe norte-americana queria que a China se comprometesse a comprar mais desse produto dos Estados Unidos. Cientes de que os produtores americanos de algodão tinham diante de si a perspectiva de uma brusca redução nos subsídios em qualquer cenário de acordo nas negociações de Doha, os negociadores norte-americanos esperavam garantir aumentos significativos em oportunidades de exportação para os agricultores dos EUA. Assim, eles esperavam ser capazes de, pelo menos, reduzir a oposição do Conselho Nacional do Algodão, que exercia formidável influência no Capitólio. Foi dessa forma que a China entrou na história. Com sua vasta indústria de vestuário, o país é, de longe, o maior importador mundial de algodão. Assim sendo, os negociadores dos EUA ansiavam em obter o compromisso de Pequim no sentido de manter o algodão fora de sua lista de produtos especiais que ficariam protegidos de cortes profundos nas tarifas. Ao reduzir substancialmente o imposto de 40% que impõe sobre a maior parte do algodão que importa, a China supostamente passaria a comprar dos EUA quantidades muito maiores do produto. Além disso, argumentavam os EUA, haveria benefícios significativos para os pobres do mundo porque a medida também aumentaria a demanda por algodão africano. A China disse que lamentava, mas também tinha um problema político com o algodão. Seus cotonicultores, que totalizam cerca de 10 milhões, eram, na maioria, muito pobres e quase todos habitantes da 381 paul blustein província ocidental de Xinjiang, área dominada por muçulmanos que fora palco de rebeliões sociais nos últimos anos. Seria temerário tomar medidas de abertura de mercado que pudessem prejudicar os magros proventos dessas pessoas. Portanto, Pequim pretendia lançar mão de suas prerrogativas para escolher o algodão como um de seus produtos especiais. Os chineses também rejeitaram os pedidos americanos de que outros produtos, como trigo e milho, ficassem igualmente fora da lista de produtos especiais de Pequim. E foram categóricos ao dizer que não participariam dos acordos setoriais “voluntários” para produtos químicos e maquinário que os americanos queriam. As indústrias químicas e de maquinário da China já tinham sofrido profundos cortes de tarifas poucos anos antes como parte do acordo para o ingresso do país na OMC e Pequim prometera a essas indústrias que suas barreiras não seriam reduzidas novamente. Vencida três vezes, a equipe norte-americana fracassara em seus esforços de aperfeiçoar o pacote de Lamy com maiores concessões dos chineses. É possível que o resultado tivesse sido diferente se os chineses acreditassem que arcariam com a responsabilidade exclusiva pelo fracasso da reunião. Mas eles sabiam, é claro, que a Índia já estava assumindo uma posição firme contra a proposta do diretor-geral. Independentemente do que estivesse por trás do pensamento da China, qualquer esperança de gerar entusiasmo entre grupos agrícolas e industriais dos EUA em relação ao texto de Lamy havia se dissipado. Desde o começo da reunião ministerial até o fim de semana de 26-27 de julho, os Estados Unidos haviam agido como se estivessem ávidos por fechar um acordo. Daí em diante, durante os dias restantes da reunião ministerial, seu comportamento mudaria. [*] Para fazer justiça a Akira Amari, ministro do Comércio japonês, é preciso dizer que sua paciência fora extremamente testada antes de sua explosão de raiva no meio da noite de segunda-feira, dia 28 de julho. Amari, que estava aguardando o início de uma reunião do G-7, ficara de pé do lado de fora do gabinete do diretor-geral por várias horas enquanto alguns dos outros ministros – Schwab, Mandelson, Amorim 382 fracasso e Crean – travavam intensas discussões com Lamy. Exasperado com a impossibilidade de obter uma resposta direta para suas perguntas sobre o cronograma da reunião, embora já passasse da meia-noite, Amari deu um pulo quando Lamy surgiu de dentro de seu gabinete e, batendo em sua pasta para sinalizar indignação, começou a gritar em japonês, enquanto sua intérprete fazia o possível para traduzir não apenas suas palavras, mas também sua fúria e seus gestos. Agitando os braços e contorcendo o rosto diante de um diretor-geral estarrecido, a intérprete berrou: “Sr. Lamy, sou um ministro do governo japonês de grande experiência e é intolerável que tenham me feito esperar tanto tempo!”. A confusão fez com que curiosos esticassem os pescoços para fora das portas mais próximas, sendo que alguns quase não conseguiam conter o riso diante da encenação da intérprete. Como esse episódio sugere, a falta de sono começava a cobrar seu preço, e a luta para chegar a um compromisso estava produzindo o efeito contrário, à medida que a reunião – agora em seu oitavo dia – perdia seu ímpeto. Vários ministros que não faziam parte do G-7 já tinham voltado para casa, deixando seus embaixadores para representá-los, caso um acordo se materializasse. A irritação dos participantes que permaneceram era acentuada, em alguns casos, pela necessidade de mudar de hotel, já que a maioria tinha feito reserva na expectativa de que a reunião durasse cinco dias. Mesmo assim, Lamy ainda tentava desesperadamente costurar algum compromisso, com a ajuda de Mandelson e de Amorim. O foco principal era chegar a algum acordo sobre o SSM, com base na teoria de que, enquanto essa questão não fosse solucionada, um consenso não poderia ser alcançado em outros assuntos. Discordâncias permaneciam com relação a vários outros temas importantes, principalmente a redução de barreiras em países em desenvolvimento sobre produtos manufaturados. Negociadores argentinos, em particular, tinham fortes objeções aos termos do texto de Lamy sobre essa questão, afirmando que os setores de vestuário e automotivo de seu país seriam prejudicados. A África do Sul e a Venezuela igualmente se opunham. Em outras questões complicadas, como subsídios ao algodão, negociações substantivas mal haviam começado. Apesar de reconhecer que esses e outros problemas seriam difíceis de superar, Lamy não via opção, a não ser dirigir os esforços do G-7 para o entrave do SSM. 383 paul blustein Porém, a atitude da equipe dos EUA tinha azedado depois do fracasso de seu esforço, no fim de semana, de obter concessões dos chineses e Schwab assumiu uma opinião decididamente parcial em relação a várias propostas de SSM conforme foram surgindo. Um perigo – que ela tentava evitar – era de que o resto do G-7 se unisse em torno de um plano que ainda continha sérias falhas do ponto de vista dos EUA. Nesse caso, Washington poderia ser apontado como o principal culpado pelo fracasso nas negociações. “Não vou ficar presa nessa armadilha de merda, Pascal!”, Schwab vociferou com Lamy num certo momento, de acordo com pessoas que testemunharam o diálogo. Negociadores norte-americanos passaram a criticar a China, além da Índia, num gesto que alguns analistas interpretaram como um claro sinal de que a equipe dos EUA desistira de buscar um acordo. David Shark, representante adjunto na missão dos EUA junto à OMC, fez uma declaração surpreendentemente ríspida na sala do Conselho Geral na manhã de segunda-feira, dizendo que os dois países “haviam colocado a Rodada Doha, no mais grave risco, em seus quase sete anos de vida”, porque a Índia havia “imediatamente rejeitado o pacote [de Lamy]” e a China “o abandonara”. A acusação contra os chineses – de que estavam voltando atrás em sua palavra – foi repetida várias vezes por funcionários norte-americanos à imprensa. “A China queria um lugar na mesa dos mandachuvas”, publicou o International Herald Tribune, citando um membro anônimo da delegação dos EUA. “Eles conseguiram o que queriam, concordaram com o texto e agora querem retroceder”. Os americanos tinham motivos legítimos de se impacientarem com os chineses, que nada haviam feito em resposta às solicitações dos EUA durante o fim de semana, a despeito do interesse de Pequim em que a reunião terminasse de forma satisfatória. Além disso, toda vez que soluções para o impasse em relação ao SSM eram sugeridas, os chineses – que são muito sensíveis à “discriminação” contra eles em acordos internacionais – insistiam em obter termos tão favoráveis quanto os indianos, o que impossibilitou que se chegasse a um compromisso satisfatório aos Estados Unidos no tema. Porém, a acusação de que os chineses haviam “abandonado” o compromisso com o texto de Lamy é questionada por quase todos os participantes neutros com quem eu conversei. Os americanos não tinham moral para fazer esse tipo de crítica: 384 fracasso foram eles que procuraram obter o texto de Lamy e que depois “pularam fora”, exigindo concessões dos chineses como parte da negociação. Na terça-feira, 29 de julho, o único sinal de esperança para a reunião era uma caixa de charutos carregada de um lado para outro por Jean-Luc Demarty, negociador-chefe de agricultura da União Europeia, que prometia distribuir os “puros” quando um acordo fosse finalmente fechado. Demarty fora instruído a fazer uma última tentativa na elaboração de uma solução de compromisso em torno do SSM. Ele fez o que pôde, usando uma estrutura complexa de duas bandas, de modo a articular uma abordagem que atendesse às necessidades concorrentes de americanos, australianos, indianos e chineses. Mas todos rejeitaram a proposta e, quando Lamy implorou que eles tentassem novamente usando números diferentes, Schwab disse não. “Acabou”, disse ela a Lamy. “Como você quer que eu proceda agora para suavizar o impacto desse resultado?”. A notícia foi transmitida pelo Secretariado no meio da tarde às missões de membros da OMC espalhadas por Genebra e logo uma fileira de carros abria caminho lentamente pela entrada de automóveis em formato de U em frente ao Centro William Rappard para desembarcar ministros e embaixadores. Os trinta e tantos ministros convidados para a reunião de sala verde foram direto para sua reunião, a fim de obter a posição oficial de um homem que, até aquele momento, parecia ser uma das pessoas menos suscetíveis do mundo a perder a compostura em uma sala cheia de gente. “A rodada fracassou”, disse-lhes Lamy, com a voz embargada. Enquanto sua tristeza se espalhava pela sala, o diretor-geral parou para beber um gole d’água. Recompondo-se, disse: “As diferenças em relação ao SSM são irreconciliáveis. Tenho duas recomendações: por favor, evitem entrar no jogo de apontar culpados. A poeira precisa baixar. Mas não devemos nos iludir. O sistema ficará enfraquecido”. Palavras pungentes de pesar foram igualmente pronunciadas por Amorim, que desceu os degraus para o saguão do Centro William Rappard para falar com os repórteres, com sua expressão fatigada refletindo a exaustão da maratona de nove dias. “Ouvimos de várias pessoas que deveríamos preservar o que obtivemos”, disse o ministro brasileiro, referindo-se ao acordo parcial em torno dos elementos do texto de Lamy. “Concordo com isso, mas, vocês sabem, isso não está em nosso poder, a 385 paul blustein vida continua. Temos a crise dos alimentos. Teremos outras crises. Outras preocupações parecerão maiores do que são hoje”. [*] A previsão de Amorim sobre o início de “outras crises” que ofuscariam o fracasso da reunião da OMC realizou-se com uma rapidez impressionante. No dia 7 de setembro, o governo dos EUA anunciou que iniciaria uma intervenção nas instituições financeiras Fannie Mae e Freddie Mac, que detinham ou garantiam cerca de metade do mercado de hipotecas dos EUA. Uma semana depois, Merrill Lynch escapou do colapso vendendo-se para o Bank of America e o banco Lehman Brothers foi forçado a pedir falência. Logo depois veio a intervenção federal na gigante dos seguros AIG e o confisco pelo governo dos ativos do banco Washington Mutual, conhecido por suas operações especulativas de alto risco. Os mercados de crédito praticamente pararam de funcionar e os preços das ações entraram em queda livre a cada dia. A semana de 6 a 10 de outubro foi a pior da história do índice Dow Jones – uma queda de 22%, que jogou o índice para um nível 40% abaixo de seu patamar mais alto um ano antes. Conforme a turbulência foi se espalhando para a Europa e a Ásia, os bancos centrais se uniram ao Federal Reserve dos EUA na adoção de medidas de emergência para facilitar o fluxo de crédito. Mas os mercados continuaram a se retrair com o constante trombetear de notícias chocantes. As potenciais implicações para o sistema multilateral de comércio se manifestaram cedo para Fernando de Mateo, embaixador do México junto à OMC, que entrou com passos firmes na sala do Conselho Geral no dia 14 de outubro, brandindo uma enorme foto em preto e branco e em baixa definição mostrando dois homens. “Eu disse: ‘Sabe quem são estes dois?’”, recorda-se Mateo. “Então falei: ‘Não são o meu avô e o meu tio. São o senador Smoot e o deputado Hawley, os verdadeiros culpados pela Grande Depressão. Sr. Presidente, por favor, ponha esta foto na porta da frente. Peça ao porteiro para não deixá-los entrar no prédio – nem eles, nem as suas almas’”. 386 Capítulo 14 Se pelo menos houvesse um jeito melhor O colapso total das negociações sobre comércio internacional é impensável. Nada que se pareça com isso aconteceu desde a década de 1930. As rodadas de comércio anteriores tiveram momentos muito sombrios e, desde o início da década de 1960, cada uma delas levou mais tempo para terminar do que a rodada precedente. De uma maneira ou de outra, a Rodada Doha um dia chegará ao fim. Essas opiniões são bastante arraigadas entre muitos dos especialistas em comércio e veteranos de Genebra, que já viram inúmeros ministros de Comércio e diretores-gerais irem e virem e cuja experiência lhes ensinou que, no final, o interesse próprio das nações do mundo em preservar o sistema multilateral de comércio sempre prevalece. Talvez tenham razão. Porém, o risco de que estejam errados desta vez parece desconfortavelmente alto, sobretudo à medida que as espirais descendentes da economia global e da ideologia do livre mercado vão recebendo ataques sem precedentes. A crise financeira dificultou para os membros da OMC a superação das diferenças que afundaram a reunião de julho de 2008. Ainda que a crise tenha aumentado substancialmente o valor de um acordo que imporia algumas restrições ao protecionismo, a realidade política é que um colapso econômico constitui um péssimo momento para se vender uma política de liberalização comercial. O aumento do desemprego e 387 paul blustein das falências e a queda acentuada do preço de muitos produtos agrícolas fortaleceram as resistências à ideia de eliminar barreiras comerciais e subsídios agrícolas (de fato, um colapso nos preços dos laticínios detonou uma “guerra de subsídios” em meados de 2009, com os Estados Unidos reintroduzindo subsídios às exportações de produtos como leite em pó e queijo em retaliação à ajuda oferecida anteriormente pela União Europeia a seus produtores de leite). Era desanimador que, depois de mais de sete anos, os membros da OMC ainda estivessem se desentendendo em relação a uma negociação que mudaria tão pouco os termos em que o comércio atual se realiza. Na verdade, a Rodada Uruguai levou oito anos, mas pode-se encontrar pouco alento nisso. A Rodada Uruguai era abrangente em seu escopo e seu impacto, mas é difícil fazer a mesma afirmação para qualquer acordo imaginável na Rodada Doha. Mesmo que os negociadores de Doha conseguissem se apressar em fechar um acordo nos próximos dois anos, o abismo entre o resultado e as aspirações iniciais com certeza suscitaria perguntas sobre o porquê de tanto tempo e esforço exigidos e se a OMC teria algum futuro como fórum de negociações. Olhando em retrospecto os acontecimentos contados neste livro, é difícil encontrar muitos sinais encorajadores de que a OMC possa se sair muito melhor no futuro. As falhas – Cancún, a suspensão da rodada em 2006, a reunião em Potsdam e os nove dias de julho de 2008 – constituem apenas parte da justificativa dessa frustrante avaliação. Mesmo quando os ministros conseguiram obter algum progresso, foi a muito custo. O acordo-quadro de julho de 2004 dependeu quase que totalmente do pulso forte de Bob Zoellick no comando da reunião nas horas que antecederam seu final, depois de várias noites em claro. A reunião ministerial de Hong Kong escapou por pouco do fiasco quando a saída de Celso Amorim foi impedida por acaso. Talvez as reuniões de julho de 2004 e de Hong Kong tivessem terminado em acordos de qualquer forma. Porém, esses episódios marcaram as armadilhas das rodadas de comércio, que são “uma terrível maneira de se negociar”, como Patrick Low, economista-chefe da OMC, expôs numa conferência em Washington na primavera de 2009. A partir dos pífios avanços feitos na Rodada Doha, pode-se tirar algumas conclusões sombrias, e não apenas na área de comércio. O resultado das negociações, até hoje, é um sintoma do que o comentarista David Brooks oportunamente chama de “globoesclerose”. Se os membros 388 se pelo menos houvesse um jeito melhor da OMC tivessem chegado a um resultado factível, isso teria demonstrado algum otimismo de que os principais atores do mundo estão preparados para atuar no interesse da coletividade global em outras questões para as quais o multilateralismo oferece, de longe, a solução mais sensata. Essas questões incluem mudança climática, não proliferação nuclear, escassez de alimentos, terrorismo e segurança energética, tendo a crise financeira alongado essa lista de forma considerável. Uma abordagem multilateral é essencial para gerar uma recuperação econômica equilibrada e sustentável e para estabelecer um aparato regulatório internacional mais eficaz para a prevenção de crises futuras. Pena que a OMC não tenha podido emitir um raio de esperança em relação às chances de resolver esses outros difíceis desafios. Contudo, há muitas outras fortes razões para corrigir os percalços do sistema multilateral de comércio. A economia mundial, tal como a conhecemos, pode sobreviver – e até ressurgir ainda mais forte – à crise na globalização financeira. O mesmo não se pode dizer se o sistema de comércio ficar igualmente debilitado. [*] O gabinete de Jennifer Hillman, no Centro William Rappard, não ostenta quadros, peças de artesanato, bandeiras, símbolos ou outros itens que indiquem sua cidadania norte-americana. Como um dos sete “juízes” do Órgão de Apelação da OMC, espera-se que ela mantenha seu local de trabalho despojado de qualquer coisa que possa ser interpretado como sugerindo um viés nacional. Portanto, embora alguns trabalhos artísticos de seus dois filhos em idade escolar adornassem as paredes e fotos de família estivessem expostas sobre a sua mesa, ela se absteve de expor lembranças referentes a suas afiliações passadas, como as fotos dela com Bill Clinton, em cujo governo trabalhou como formuladora de políticas comerciais de alto escalão em meados da década de 1990. Essa é só uma das maneiras pelas quais o Sistema de Solução de Controvérsias mantém sua autoridade. Hillman explica isso, apresentando escrupulosamente seu principal órgão de julgamento como um árbitro neutro das regras internacionais, imune a pressões políticas. “A ideia é ter juízes objetivos”, disse ela, acrescentando que seus seis colegas, procedentes do Japão, Itália, Brasil, China, África do Sul e Filipinas, 389 paul blustein adotam a mesma posição em seus gabinetes. “Tento me certificar de que a aparência combine com o fato de que não estou, de forma alguma, advogando pelos Estados Unidos ou defendendo suas causas”. Porém, no dia em que visitei Hillman em Genebra, ela estava preocupada com a preservação da autoridade da instituição por motivos que vão muito além da decoração do seu gabinete. Em meados de dezembro de 2008, apesar do início dos feriados de fim de ano, um clima de desânimo e resignação pairava sobre o Centro William Rappard. Alguns dias antes, em 12 de dezembro, Pascal Lamy anunciara que estava abandonando os planos para uma última reunião ministerial em 2008. O diretor-geral esperava que, uma vez terminada a eleição nos EUA, os membros da OMC pudessem chegar a um acordo sobre modalidades que o novo governo Obama se sentiria obrigado a aceitar, numa versão semelhante ao entendimento que estivera em negociação em julho. Com a crise econômica grassando em toda a sua fúria, ele tinha viajado para Nova Délhi, Washington e outras capitais num esforço para convencer os formuladores de políticas de que o mérito do pacote de julho era muito maior do que antes e que a necessidade de avanço na Rodada Doha era mais patente do que nunca, agora que o protecionismo começava a aparecer sob muitas formas mundo afora. Em algum momento no início de dezembro, foi anunciado, em Genebra, que os ministros seriam convocados, tendo os líderes do G-20 de países ricos e emergentes endossado a ideia. Porém, uma série de conversas com os principais participantes convenceu Lamy de que convocar um encontro só levaria a um novo revés incapacitante. Os detalhes dessas conversas não precisam ser explicitados aqui, porque as razões eram essencialmente as mesmas que as que tinham levado ao fracasso de julho. A Índia mantinha posição dura em relação ao mecanismo de salvaguarda especial e os chineses ainda se recusavam a participar de negociações sobre acordos setoriais em produtos químicos e maquinário. O mais importante era que os principais grupos do setor privado dos Estados Unidos ainda estavam insatisfeitos com a quantidade de novas oportunidades de exportações que obteriam. Contavam com o apoio firme de poderosos membros do Congresso, que aconselharam publicamente os negociadores comerciais do governo Bush a não se engajarem em negociações baseadas nos termos do pacote de julho. 390 se pelo menos houvesse um jeito melhor Assim como outros no Centro William Rappard, Hillman lamentou a falta de um acordo, porque acreditava que a redução de tarifas consolidadas teria proporcionado um seguro útil contra o protecionismo. Também se preocupava com a possibilidade de que a crise alimentasse pressões para um aumento nas barreiras comerciais. Contudo, na qualidade de membro do Órgão de Apelação, podia ver implicações mais preocupantes e de mais longo prazo para o sistema como um todo. Em particular, estava focada na questão de se, no futuro, ela e seus colegas seriam capazes de impor suas decisões. A incapacidade de se chegar a um acordo nas negociações da Rodada Doha, mesmo com uma pauta relativamente exígua, observou ela, significava que havia um sério desequilíbrio entre a muito fraca “vertente negociadora” da OMC e a área de solução de controvérsias da organização. “Esta não é uma situação que possa durar por muito tempo”, disse-me Hillman. “As demais partes da OMC têm de ser tão vibrantes quanto o sistema de solução de controvérsias. Caso contrário, as pessoas simplesmente não cumprirão as regras no longo prazo”. Para entender esse raciocínio, é preciso fazer um pequeno esforço de reflexão. Imagine um país com um sistema judicial em que o parecer dos juízes goze de profundo respeito por seu saber e imparcialidade, mas cujo poder legislativo esteja paralisado por intermináveis disputas políticas fazendo com que as leis nacionais fiquem cada vez mais desatualizadas. Suponha, por exemplo, que este país esteja vivendo as primeiras décadas do século XX, quando os automóveis estavam começando a tomar as ruas, e os legisladores do país sequer eram capazes de promulgar leis que regulassem o trânsito de veículos. Nessa terra imaginária, permanecem em vigor várias leis regendo questões afetas ao transporte a cavalo, tais como a velocidade com que o corcel do cavaleiro pode galopar por áreas urbanas, os locais onde os cavalos podem ser amarrados, quais responsabilidades os donos de cavalos têm com o cuidado dos animais, entre outros aspectos. Porém, as leis referentes aos limites de velocidade de carros e semáforos permanecem obscuras. O que acontecerá com o poder judiciário desse país? Em última análise, suas decisões serão tratadas com muito menos respeito. As pessoas envolvidas em acidentes de automóveis instaurarão processos nos tribunais e, se os juízes se recusarem a emitir decisões argumentando que não há base jurídica para fazê-lo, as partes prejudicadas em batidas de carro começarão a 391 paul blustein fazer justiça com as próprias mãos, alegando que todo o sistema jurídico está irremediavelmente desatualizado. Outra possibilidade é que, se os tribunais tiverem coragem de emitir decisões, poderão ser acusados de usurpar o papel do legislativo. De uma forma ou de outra, crescerão as chances de desobediência em massa a decisões judiciais, à medida que a percepção do público de que os juízes estão interpretando um conjunto obsoleto de leis aumentar e que o desrespeito às decisões judiciais no campo das leis de trânsito se espalhar para outros temas. Em relação ao sistema multilateral de comércio, a máquina de fazer regras conseguiu acompanhar razoavelmente as mudanças ocorridas no comércio, na tecnologia e nas políticas públicas durante a última parte do século XX. Por exemplo, na Rodada Tóquio, os negociadores lidaram com problemas envolvendo subsídios e licenças de importação, porque vários países estavam utilizando tais medidas para bloquear a concorrência externa. Na Rodada Uruguai, os negociadores trataram da questão de violações de propriedade intelectual depois que isso se tornou uma grande fonte de reclamações entre alguns dos setores econômicos mais avançados dos Estados Unidos. Hoje, porém, as regras da OMC estão paralisadas na situação prevalecente de meados dos anos 1990. Quanto mais tempo continuarem assim, maiores serão as chances de que os países tomem medidas prejudiciais à posição da organização como juiz e árbitro dessas regras. As controvérsias sobre novas questões que surgiram nos últimos anos, com destaque para os temas de manipulação monetária e crise de alimentos, já geraram preocupações de que as regras da OMC estão ficando defasadas. Tal como observado no Capítulo 1, a mudança climática é outra controvérsia que exige atenção urgente da OMC, por causa do potencial de choques entre as regras da organização e as leis ambientais que os países estão redigindo, algumas das quais incluem tarifas sobre importações de produtos com alto conteúdo de carbono. Hillman teme, principalmente, que ela e seus colegas sejam forçados a emitir uma sentença num contencioso envolvendo mudança climática antes que os membros da OMC tenham tempo de acordar novas regras. “A sensação é que o sistema de solução de controvérsias emitiu decisões justas e razoáveis, em nível básico”, disse ela. “E o cumprimento das regras tem sido bom, de modo geral. As pessoas estão solucionando suas controvérsias comerciais de forma amigável. Não vêm travando 392 se pelo menos houvesse um jeito melhor guerras comerciais, ou guerras literalmente falando, em relação às controvérsias que trazem ao conhecimento da OMC. Mas nem toda questão tem de ser levada à solução de controvérsias. Caso a instituição não permaneça viável e relevante, os países deixarão de participar [no sistema de solução de controvérsias] ou de cumprir plenamente [suas decisões]. Então, é muito importante, sob todos os aspectos, que a OMC seja forte e funcione bem”. Ernesto Zedillo, ex-presidente do México e atualmente professor em Yale, usou um argumento semelhante, só que em linguagem mais contundente: “A questão relevante”, afirma ele, “não é como a OMC poderá salvar a Rodada Doha, mas como a Rodada Doha poderá salvar a OMC”. [*] Em quase todo simpósio ou conferência realizado hoje em dia sobre o sistema global de comércio, alguém na mesa de palestrantes ou na plateia levantará o argumento de que a Rodada Doha foi um erro desde o início. Esses críticos normalmente alegam que a reunião ministerial de Doha nunca teria tido êxito não fosse pelos ataques do 11 de setembro. Alguns afirmam que as grandes rodadas multilaterais de comércio deveriam ter terminado com a Rodada Uruguai e outros alegam que concentrar a rodada no tema do desenvolvimento foi um equívoco, pois essa decisão se baseou num inflado sentimento de culpa a respeito do impacto do comércio sobre os pobres. Este livro apresentou amplas evidências para a discussão de que a rodada, apesar de seu foco em desenvolvimento, foi principalmente o produto de homens ambiciosos com grande apetite para realizações – em particular, Mike Moore, que queria se certificar de que seu mandato de diretor-geral fosse lembrado por algo mais do que Seattle, e Bob Zoellick, que se deleitava em retratar os seguidores de Clinton como condutores instáveis da liderança dos EUA. Isso não quer dizer, no entanto, que a rodada tenha sido mal concebida. As grandes iniquidades do sistema de comércio precisavam ser corrigidas, principalmente as que afetavam adversamente os países em desenvolvimento, e uma rodada oferecia o único meio viável de fazê-lo. Embora a ideia de criar uma nova imagem para a OMC após Seattle tenha sido um erro crasso, Moore sentiu-se certamente justificado em sua crença de que 393 paul blustein o foco no desenvolvimento foi, ao mesmo tempo, um passo adiante, apropriado para a organização, e uma oportunidade para uma redenção muito necessária. Por garantir o lançamento da rodada, ele e Zoellick – e Lamy também – merecem ser condecorados, e não condenados. Se houve um erro sério na época de Doha, foi promover de forma exagerada o potencial de combate à pobreza da rodada. A descrição da rodada como uma provável bonança para o terceiro mundo alimentou expectativas nos países em desenvolvimento de que quase todas as concessões viriam dos membros ricos da OMC e que os países do Sul cederiam pouco ou nada. E, quando as estimativas do Banco Mundial atualizadas em 2005 mostraram os benefícios projetados como muito menores do que antes, a credibilidade daqueles que defendiam enfaticamente um pacote ambicioso de medidas de liberalização de mercados viu-se diminuída. É nos eventos ocorridos após a reunião de 2001 que os acusadores podem encontrar os maiores alvos de suas críticas. O romance policial de Agatha Christie, Assassinato no Expresso Oriente, em que todos os suspeitos acabaram sendo culpados, foi, com frequência, comparado, por bons motivos, à Rodada Doha. As várias partes podem ser acusadas de cumplicidade nas atribulações da rodada. Os Estados Unidos têm muita responsabilidade no fracasso, a começar pela lei agrícola de 2002, que descarrilou a rodada ao levantar dúvidas sobre a real disposição de Washington para limitar subsídios. Pode-se dizer o mesmo a respeito da insistência dos EUA em evitar cortes profundos em seu programa de pagamentos contracíclicos e da insensibilidade que Zoellick e sua equipe mostraram na questão do algodão. Esses fatores ajudaram a incitar o recuo dos países em desenvolvimento em Cancún. A decisão de transferir Rob Portman para um novo cargo em 2006 enviou um sinal de que o governo Bush via pouca chance de progresso nas negociações de Doha no futuro previsível. O ato foi interpretado, com razão, como uma prova de que eram outras as prioridades do presidente, por mais que os altos funcionários da Casa Branca protestassem em contrário. De todas as pessoas que poderiam ter revertido a situação depois disso, Susan Schwab não foi uma delas. Era justificada sua sensação de que a rodada ia de mal a pior, dada a forma como as negociações haviam sido estruturadas depois de 2004, com todas as brechas e exceções obscurecendo os ganhos potenciais para 394 se pelo menos houvesse um jeito melhor os exportadores americanos. Mas sua relutância instintiva em desafiar interesses domésticos poderosos contribuiu pouco para o sucesso do empreendimento. Quanto à União Europeia, Lamy deu suas próprias contribuições para o recuo em Cancún com seu envolvimento na proposta agrícola EUA-União Europeia e por se aferrar até o último minuto a uma posição inflexível sobre os temas de Cingapura. Durante o mandato de Peter Mandelson como comissário europeu, o jogo duro que a União Europeia fez em 2005 na questão do acesso a mercados agrícolas atrasou a rodada em pelo menos um ano. Ao resistir bravamente a esforços de oferecer nada mais do que reduções modestas nas tarifas agrícolas europeias, os franceses e seus aliados em países como a Irlanda também ajudaram a garantir que as realizações da rodada fossem modestas. Tal como exposto por muitos negociadores comerciais dos EUA, o maior problema foi a relutância dos grandes mercados emergentes – o Brasil em certa medida, a Índia e a China ainda mais – em assumir responsabilidades globais proporcionais a seu peso econômico e influência política. Duras críticas lhes foram lançadas em Cancún, quando Zoellick os ridicularizou por não terem uma resposta a sua indagação sobre o que ofereceriam em troca pelas demandas que lhe apresentaram. Ao se articularem no G-20, conseguiram, por fim, apresentar propostas coerentes e fazer concessões em certa medida. Contudo, o desempenho geral do G-20 na Rodada Doha não foi de bom augúrio no que se refere à disposição de seus membros para arcar com o ônus decorrente do status de grande potência. Os brasileiros, indianos e chineses também quase sempre tentaram resistir a demandas de abertura de mercado proclamando a solidariedade do mundo em desenvolvimento e se envolvendo no manto da defesa dos pobres do mundo, mesmo sabendo muito bem que os membros da OMC mais pobres não teriam de eliminar barreira alguma (graças ao acordo da “rodada grátis”). Paradoxalmente, um dos impulsos mais úteis que os países pobres poderiam receber seria uma redução de barreiras comerciais pelas grandes potências emergentes como Brasil, Índia e China, porque o tamanho dos mercados em questão cresceu muito e se expandiu mais rapidamente do que em outras partes do mundo. Na reunião de julho de 2008, Amorim, do Brasil, finalmente rompeu com o espírito de solidariedade do G-20 ao apoiar o pacote do diretor-geral, apesar de sua rejeição por Nath, da Índia. Mas os chineses, 395 paul blustein ao se recusarem a ser mais receptivos, deram cobertura aos indianos. Talvez se Nath tivesse ficado isolado, ele teria sido forçado a assumir uma postura menos recalcitrante. A China, mais do que qualquer outro país da OMC, precisa levar devidamente em conta as consequências de longo prazo que suas posições negociadoras podem ter para o sistema multilateral de comércio. Uma pergunta contundente foi feita às autoridades governamentais do país no outono de 2008, quando Schwab visitou Pequim em meio à irrupção da crise financeira. “Eu disse aos chineses: ‘Imaginem o que estaria acontecendo com as exportações chinesas agora se vocês não estivessem na OMC’”, recorda-se Schwab. Os líderes chineses têm de se fazer essa pergunta todos os dias. Mais um ponto em relação à culpa: os países em desenvolvimento, como um grupo, mais as potências asiáticas, como o Japão, foram responsáveis por colocar Supachai Panitchpakdi no comando da OMC. Recatado e inteligente como é, Supachai não foi talhado para o cargo de diretor-geral, e esse descompasso teve consequências, principalmente em Cancún. Ainda que a tradição anterior de conceder o posto apenas a europeus mereça ser corrigida, o mandato de Supachai na OMC deveria servir como advertência para a tolice de escolher líderes para instituições internacionais importantes com base na nacionalidade. Porém, quaisquer que fossem as imperfeições de formuladores de políticas ou a falta de visão por parte de governos individuais ou grupos de países, esses fatores só exacerbavam os problemas mais fundamentais que levaram a rodada a sua infeliz conjuntura atual. A OMC de hoje está operando num clima político, econômico e diplomático muito diferente do sistema multilateral de comércio do passado. Ficaram para trás as circunstâncias da Guerra Fria que levaram o “clube de cavalheiros ingleses” de potências ricas a negociar acordos de abertura de mercados entre si sem esperar muito em troca das nações em desenvolvimento. No lugar do clube encontra-se um mundo de multipolaridade, com todas as tendências globoescleróticas que logicamente daí decorrem. Da mesma forma, os arroubos de entusiasmo pelo capitalismo do período pós-1989 desapareceram completamente. Foram substituídos por um sentimento difuso de cautela – atribuível, em grande parte, senão totalmente, ao fenômeno chinês – diante da rapidez 396 se pelo menos houvesse um jeito melhor com que a globalização cria e aniquila riquezas. A crise financeira de 2008, é claro, só aumentou as fileiras dos desencantados. Então, para voltar à pergunta feita no Capítulo 1 sobre se a OMC é capaz de lidar com as realidades do início do século XXI, a resposta é não, ou talvez, de forma mais condescendente, “definitivamente não muito bem”. Isso é particularmente triste porque, em meio à desaceleração econômica global, uma OMC saudável nunca foi tão importante. Como, então, a Rodada Doha pode salvar a OMC? [*] Acabe com o sofrimento da rodada moribunda. Não, aproveite o que existe para dar vida nova. Não, mantenha o curso e siga em frente. Não, tente fazer acordos menores com coalizões de países interessados Não, passe a negociar acordos bilaterais. Não, vise a um acordo maior e mais significativo envolvendo as questões realmente importantes. Estas são versões breves de uma miríade de propostas que estão circulando após a reunião de julho de 2008 sobre o que fazer com a Rodada Doha. A escola do “deixe morrer” argumenta que a rodada se tornou uma causa perdida e que esforços adicionais para revivê-la só causariam mais danos à OMC. Os defensores da vida nova com base no que existe defendem tomar umas poucas medidas na rodada sobre as quais há pouco desacordo, como a facilitação do comércio, e finalização de acordos que mostrariam uma OMC capaz de gerar pelo menos algum progresso. O pessoal que quer manter o curso subscreve a visão de que o ciclo de morte e ressurreição acontecerá novamente e que valerá a pena ter esperado. Os defensores da ideia de passar aos acordos bilaterais argumentam que estes são a maneira mais rápida de abrir mais mercados e talvez a única forma prática de fazê-lo. Os que preferem mobilizar coalizões de interessados esperam repetir o sucesso dos acordos negociados em bases plurilaterais pelo governo Clinton no final da década de 1990, no segmento de tecnologia da informação e em outros setores. Nesses acordos, grupos de países representando a maioria do comércio em 397 paul blustein determinadas áreas (serviços, por exemplo) concordariam em liberalizar seus mercados em conjunto nessas áreas, sem se importar se o resto dos membros da OMC dará algo em troca. Por fim, há o argumento do “expandir a agenda”, apresentado numa matéria importante e provocadora publicada na revista Foreign Affairs, que deixou a comunidade dos especialistas em comércio de Genebra em estado de agitação nervosa. O artigo acusava os negociadores de Doha de “terem, como Nero, gastado muito tempo se batendo com questões menores e ignorado onde estava o incêndio”. Os autores do artigo foram os economistas Aaditya Mattoo do Banco Mundial e Arvind Subramanian do Instituto Peterson para a Economia Internacional (Peterson Institute for International Economics). Citando a enormidade de mudanças na economia global ocorridas desde 2001, conclamavam a uma completa repaginação dos assuntos a serem negociados, porque “Doha distraiu a atenção de outros assuntos de maior importância”. Por exemplo, escreveram eles, “mesmo à medida que os preços se elevaram e as barreiras às importações declinaram, as negociações de Doha continuaram a focar em formas tradicionais de proteção agrícola, como subsídios à produção, que ficaram menos relevantes”. Assim sendo, na opinião deles, a rodada deve passar a negociar tanto barreiras à importação quanto à exportação de produtos agrícolas, bem como políticas referentes aos biocombustíveis. Também defendem uma abordagem para lidar com a “subvalorização persistente e substancial das moedas mais importantes”, sendo o yuan chinês o exemplo mais óbvio. Em relação à mudança climática, o assunto cada vez mais falado do uso de sanções comerciais como forma de impor um esquema de emissões de gases de efeito estufa era outro desafio que demandava atenção*. Eles propunham acrescentar outras questões na agenda, a exemplo de energia e regulação financeira. Sobre mudança climática e algumas outras questões, a OMC teria de trabalhar com outros órgãos multilaterais, observaram Mattoo e Subramanian. As negociações do órgão de comércio referentes à legalidade de tarifas sobre carbono estariam subordinadas ao encontro sobre meio ambiente planejado para acontecer em Copenhague no final de 2009, por exemplo. Em relação ao tema cambial, a OMC teria de se coordenar com o FMI, com o fundo assumindo a responsabilidade de avaliar se uma moeda está subavaliada e a OMC autorizando a imposição de sanções contra países que infringissem as regras. * 398 se pelo menos houvesse um jeito melhor Tenho algumas ideias próprias acerca do que fazer. Em primeiro lugar, existem alguns princípios abrangentes que, a meu ver, deveriam orientar o debate, qualquer que seja a abordagem específica a ser adotada. A meta mais importante é garantir a sobrevivência do sistema de comércio baseado em regras. É insensato dedicar muita energia para abrir os mercados mais do que já estão. Depois de oito rodadas, o comércio mundial já está razoavelmente livre. O foco deveria concentrar-se em evitar que o protecionismo, e o semiprotecionismo, se torne uma característica duradoura da economia internacional, para que o comércio globalizado possa ajudar o mundo a se recuperar e a prosperar de novo. Vale a pena lembrar que um dos efeitos mais perniciosos do protecionismo na década de 1930 foi que ele perdurou por muitos anos dificultando a recuperação e o crescimento. Um órgão multilateral de comércio forte, imbuído de credibilidade no exercício de seus poderes de imposição de regras, é, sem dúvida, a melhor salvaguarda que o mundo tem contra um acesso prolongado de protecionismo. Então, em termos concretos, a prioridade número um da política comercial deve ser apoiar a OMC, por todas as razões apresentadas ao longo deste livro sobre o papel essencial que a organização desempenha na promoção da abertura de mercados no mundo todo. Uma medida que enviaria uma mensagem simbólica, mas poderosa, de apoio ao multilateralismo seria declarar uma moratória para todos os acordos bilaterais e regionais de livre comércio e concordar que, num futuro previsível, todas as negociações de comércio, de escopo amplo ou limitado, serão conduzidas sob os auspícios da OMC. Outra medida seria corrigir as falhas no sistema de solução de controvérsias que põem os países em desenvolvimento em desvantagem. Voltarei a essas ideias mais tarde. O empurrão que a OMC mais precisa é sair do marasmo de Doha. Sem dúvida, Mattoo e Subramanian estão certos em acusar a rodada de perder o trem da história em relação às grandes questões surgidas desde 2001. A rodada também merece descrédito por fazer muito pouco em relação a seu objetivo inicial de desenvolvimento. Mas abandonar o foco atual das negociações teria um impacto corrosivo sobre a confiança na OMC e iria contra os fortes desejos da maioria dos países-membros em desenvolvimento. Em vez de descartar o atual mandato negociador, faz mais sentido capitalizar sobre suas virtudes, mesmo que limitadas. 399 paul blustein A melhor maneira de emprestar uma nova vitalidade à rodada seria relançá-la como um exercício de antiprotecionismo. Os benefícios da redução das tarifas consolidadas, na medida em que funcionariam como um seguro contra o aumento do protecionismo, ajudariam ao menos a prevenir danos de longo prazo ao comércio mundial. Assim sendo, o acordo futuro seria reduzido a algo parecido com o pacote de medidas em negociação na reunião de julho de 2008. As outras partes da rodada – regras antidumping, subsídios à pesca etc. – teriam de ser tratadas mais tarde, de forma que essa versão despojada do acordo final pudesse ser aprovada o mais rápido possível (se um acordo de abertura de mercados de serviços pudesse ser fechado rapidamente, isso ajudaria a melhorar a atratividade do acordo em geral; caso contrário, deveria ser adiado). Devido aos obstáculos que impediram o acordo em julho de 2008, os termos teriam de ser obviamente alterados em alguma medida. O representante de Comércio do presidente Obama, Ron Kirk, lançou uma proposta intrigante, mais diretamente para negociar cronogramas de redução tarifária para milhares de produtos em jogo, pulando a etapa intermediária de um acordo de modalidades. A intenção é dar aos grupos agrícolas e industriais dos EUA uma ideia mais clara do que exatamente obterão em termos de oportunidades de novas exportações, na esperança de que pelo menos alguns grupos passem a ser defensores entusiasmados da rodada. Nesse ínterim, a agenda negociadora mais abrangente proposta por Mattoo e Subramanian não deve ser relegada ao esquecimento. Mesmo com a continuação das negociações da rodada antiprotecionista, os membros da OMC deveriam começar a esboçar um mandato para uma nova rodada que envolveria negociações sobre a crise alimentar, a questão cambial e as regras regendo tarifas de carbono, além de questões pendentes da Rodada Doha e alguns outros temas. Espere aí – outra rodada? O economista-chefe da OMC não tinha sido citado anteriormente neste capítulo dizendo que rodadas são uma maneira terrível de se negociar? [*] Tem de haver um jeito melhor. Esta é uma lição óbvia a ser tirada deste livro – tanto por seu conteúdo quanto por sua extensão. Depois 400 se pelo menos houvesse um jeito melhor de terem entendido o que pretendi com minha promessa de contar uma longa saga de competição desordenada, confusão e disfuncionalidade, muitos leitores compreensivelmente concluirão (ou terão suas crenças preexistentes reforçadas) que as rodadas de comércio pertencem à lata de lixo da história, junto com outros dispositivos outrora úteis como aparelhos de videocassete e disquetes de computador. A ideia de grandes rodadas de comércio já foi objeto de muitos réquiens. Depois das Rodadas Tóquio e Uruguai, negociadores fatigados, soando como veteranos da Primeira Guerra Mundial voltando da “guerra para acabar com todas as guerras” opinaram que nunca mais um empreendimento de tal complexidade deveria ser realizado. Seria reconfortante acreditar que Doha baixaria a cortina sobre as rodadas de comércio de uma vez por todas e que o sistema multilateral de comércio pode muito bem viver sem elas. É melhor não contar com isso. Os formuladores de políticas comerciais devem ficar logo sabendo que será preciso se revestir de coragem diante da inevitabilidade de mais rodadas, porque estas oferecem uma oportunidade de os países fazerem barganhas envolvendo grandes conjuntos de temas muitas vezes sem relação uns com os outros. Cortes em subsídios agrícolas podem ser trocados pela eliminação de quotas têxteis. A Rodada Doha deve servir de advertência para a importância de se pensar bem antes de decidir pelo lançamento de uma empreitada desse tipo. Mas quando várias medidas de grande importância e consequência têm de ser tomadas no sistema multilateral de comércio, a verdade inconveniente é que uma rodada provavelmente é a única opção. É bem possível que Doha marque o fim de uma era para um tipo específico de rodada, isto é, a rodada que tenha como principal objetivo a expansão de fronteiras do livre comércio. A mensagem que emanou de muitos quadrantes durante a Rodada Doha é que o apetite do mundo por outras grandes doses de globalização se aproximou de seu limite. Essa atitude não se aplica de maneira generalizada a todos os países e, em algum ponto no futuro, ela pode mudar para o mundo como um todo. Mas, pelo menos por enquanto, o foco da próxima rodada de comércio e talvez de outras no futuro deva ser a preservação, o fortalecimento e a modernização do sistema multilateral. Embora a liberalização adicional faça parte do mix, o objetivo principal tem de ser garantir que o mundo continue a colher os enormes benefícios desse bem público internacional. 401 paul blustein Doha provavelmente também marcará o fim de uma era para outro tipo de rodada, isto é, uma rodada em que nada é acordado até que tudo fique acordado, por todos (o princípio do pacote único, ou single undertaking, na expressão em inglês). Várias reformas foram propostas para tornar as negociações da OMC mais eficientes, ainda que o maior desafio seja conceber mudanças que resolvam mais problemas do que causem. Uma ideia muito discutida, por exemplo, é acabar com a tradição de exigir consenso e instituir uma votação, com base na teoria de que é absurdo permitir que um único membro da OMC ou um pequeno grupo de países vete decisões de uma instituição tão importante. É claro que um sistema de maioria simples seria rejeitado pelos países ricos, então alguns especialistas propuseram usar regras de votação ponderada, em que as maiores economias tenham proporcionalmente mais peso do que as pequenas, como no FMI e no Banco Mundial. Porém, o princípio do consenso tem um enorme valor para conferir legitimidade às regras da OMC e isso ajuda igualmente a reforçar a credibilidade do sistema de solução de controvérsias. Diferentemente do FMI e do Banco Mundial, que emprestam dinheiro, a OMC faz regras às quais se espera que todos os membros venham a aderir, inclusive regras que, com frequência, acarretam modificações de leis e regulamentações nacionais. Se o princípio do consenso for substituído por votação, um país que for voto vencido em um tema específico teria uma justificativa muito maior para desrespeitar uma decisão do tribunal da OMC em relação ao mesmo tema, alegando que nunca deu consentimento para que a regra em questão entrasse em vigor. Uma medida muito mais sensata seria abandonar o princípio do pacote único (single undertaking) e caminhar em direção a uma abordagem baseada em coalizões de interessados em determinado tema. Os membros da OMC podem muito bem conseguir obter alguns acordos proveitosos que seriam endossados apenas pelos membros que concordassem em aceitar as obrigações envolvidas, entendendo que os termos não seriam vinculantes para os demais. Esta não é uma ideia nova: mesmo antes do final da década de 1990, quando o governo Clinton negociou seus acordos multilaterais sobre tecnologia da informação e outros setores, uma parte substancial da Rodada Tóquio consistiu nesse tipo de pacto. Tal como dito no Capítulo 2, os 402 se pelo menos houvesse um jeito melhor países poderiam escolher no estilo à la carte se queriam ou não aceitar determinados dispositivos da Rodada Tóquio. Essa abordagem tem um grande problema, que acabou conferindo má reputação àquela rodada: os não participantes pegam carona nos ganhos dos outros, porque obtêm todos os benefícios do acordo, graças à regra da Nação Mais Favorecida, apesar de não arcarem com qualquer obrigação. Mas enquanto esse tipo de iniciativa puder contar com a participação da “massa crítica” dos membros da OMC, isto é, quase todos os países que importam em relação a uma questão em particular, os “caroneiros” podem simplesmente ser ignorados. Portanto, apesar de reconhecer que as rodadas são de fato uma maneira terrível de negociar, vou defender a ideia de que está na hora de lançar uma nova rodada, e não um pacote único dessa vez, pelas razões a seguir, a começar pelas três da lista de Mattoo e Subramanian: Moedas: A China deu um péssimo exemplo ao adotar a política de subvalorização do yuan por tanto tempo (embora o yuan tenha se valorizado cerca de 20% desde 2005, ainda está subvalorizado em meados de 2009). O mundo precisa de uma abordagem multilateral efetiva para lidar com países que usam suas moedas para subsidiar suas exportações e penalizar importações. Um confronto bilateral entre Washington e Pequim em relação à questão provavelmente terminaria mal e, em 2006, formuladores de políticas norte-americanos sabiamente impediram que a controvérsia escalasse demais. Porém, se a China não mudar suas práticas ou se outros países adotarem abordagens semelhantes, guerras comerciais ou cambiais (isto é, ciclos de desvalorizações monetárias ao estilo “empobreça seu vizinho”) serão bem plausíveis. Está na hora de estabelecer regras claras para lidar com esse tipo de problema num fórum multilateral. Alimentos: É um ultraje que exportadores agrícolas como a Argentina, que normalmente insistem para que seus parceiros econômicos reduzam suas barreiras ao comércio de produtos agrícolas, segurem sua produção em vez de colocá-la nos mercados mundiais durante períodos de escassez. No momento em que surgir outra grande crise alimentar, o mundo precisará ter à mão políticas que penalizem os países que adotarem restrições à exportação de produtos agrícolas (medidas do tipo “deixe-seu-vizinho-passar-fome”). 403 paul blustein Clima: Jennifer Hillman e seus colegas no Órgão de Apelação não deveriam ser demandados a tomar decisões importantes sobre a política ambiental global ao adotar conclusões relativas a tarifas sobre carbono na ausência de um acordo negociado sobre o assunto (se essa questão puder ser resolvida por si só, antes da conclusão da rodada, tanto melhor). Imparcialidade nos tribunais: Vamos fazer com que o sistema de solução de controvérsias realmente funcione para os países pequenos e até mesmo para países de tamanho médio que desafiem as superpotências. Foi dito no Capítulo 8 que Antigua e Brasil – mesmo tendo obtido sentenças a seu favor contra os Estados Unidos – não conseguiram que Washington as cumprisse e argumentaram, de forma persuasiva, que, no caso deles, tarifas punitivas constituíam um método impraticável de retaliação contra um adversário tão dominante no âmbito econômico. As regras da OMC deveriam ser modificadas de forma que os países nesse tipo de situação tenham o claro direito de suspender proteções à propriedade intelectual – não apenas vendendo, digamos, cópias piratas de DVDs de filmes da Disney em seus mercados domésticos, mas exportando esses DVDs para o mercado norte-americano (ou para o mercado de qualquer país considerado culpado por violação das regras da OMC). Não há dúvida de que Hollywood, além das indústrias fonográficas, de software e farmacêutica, ficaria indignada com isso. O favoritismo a essas indústrias deve ser matizado pela constatação de que elas tiveram enormes ganhos com as regras do Acordo sobre TRIPS. Diante dos interesses que têm em jogo no sistema, elas deveriam fazer uma contribuição para melhorar a credibilidade da solução de controvérsias na OMC. Então já que estamos nessa linha, vamos tornar a solução de controvérsias retroativa, de forma que os países possam ser punidos por violação às regras da OMC que tenham ocorrido antes que um tribunal os considere culpados. O sistema atual torna fácil demais para os membros da OMC infringirem as regras, pois eles sabem que o pior que pode lhes acontecer é serem forçados a eliminar medidas ou práticas irregulares em algum momento no futuro. Protecionismo disfarçado: Este termo se refere a políticas adotadas por muitos países após a crise financeira de 2008 que não envolvem aumento de tarifas e não necessariamente violam as regras da OMC, mas discriminam produtos e trabalhadores estrangeiros. Requisitos do tipo “comprem produtos nacionais” em pacotes de estímulo do governo 404 se pelo menos houvesse um jeito melhor são um exemplo. Outro é a pressão política exercida sobre companhias automobilísticas norte-americanas recém-nacionalizadas para deixarem de terceirizar a produção. Apesar de ser impossível evitar que essas políticas entrem em vigor agora, é essencial a criação de regras que restrinjam sua imposição e evitem sua permanência por longos períodos. Por fim, se as nações do mundo valorizarem de verdade os princípios estipulados em 1947 por Julio Lacarte e os demais patronos do sistema multilateral de comércio, há ainda outra coisa que elas precisam fazer. [*] Apesar de todo o seu mau humor, Bob Zoellick costumava se gabar, durante os anos em que servia ao governo Bush, do número de países ávidos por assinar acordos de livre comércio com os Estados Unidos. Como era gratificante ver tantos ministros de Comércio fazendo uma peregrinação até o gabinete de Zoellick e tantos chefes de Estado dando boas-vindas tão calorosas ao representante de Comércio dos Estados Unidos em suas viagens ao exterior, na esperança de que Washington pudesse lhes conferir o status de parceiro de livre comércio. Naturalmente, Zoellick usava ao máximo a alavancagem resultante, insistindo que parceiros potenciais tinham de ajustar suas políticas para se adequar às exigências de Washington ou ele encontraria outros países mais interessados em participar na competição pela liberalização. Seus sucessores continuaram suas políticas, negociando acordos com Omã, Peru, Coreia do Sul, Colômbia e Panamá além dos acordos que Zoellick assinara com o Chile, Cingapura, Austrália, Marrocos, Barein e cinco países da América Central mais a República Dominicana. O saldo final da equipe de Bush foi a conclusão de negociações com dezesseis países. Esses resultados reforçaram o apoio por parte de muitos formuladores de políticas e especialistas norte-americanos, na área de comércio, à ideia de que os Estados Unidos deveriam tentar obter mais acordos bilaterais. Graças aos acordos da era Bush, os exportadores norte-americanos agora gozam de tratamento livre de impostos e as multinacionais americanas se beneficiam de vários direitos que excedem as regras da OMC em todos os dezesseis países exceto três (Coreia do Sul, Colômbia e Panamá), cujos pactos ainda aguardam aprovação pelo Congresso. Enquanto isso, o que as empresas americanas lucraram com as negociações na OMC 405 paul blustein durante o mesmo período? Nada, é claro, e isso leva inexoravelmente à conclusão de que, apesar de ser preferível reduzir barreiras comerciais em nível global, a falta de progresso na Rodada Doha não dá opção aos Estados Unidos a não ser buscar oportunidades de abertura de mercados em outros lugares. E assim continua o canto de sereia dos entusiastas do livre comércio nos Estados Unidos, para quem qualquer acordo é atraente desde que as barreiras para produtos, serviços e capitais norte-americanos sejam significativamente reduzidas em quaisquer países que estejam negociando com Washington. Impulsos mercantilistas animam com muita frequência estes supostos adoradores de Adam Smith. É óbvio que eles estão certos ao dizer que acordos satisfatórios para multinacionais e produtores agrícolas norte-americanos são muito mais fáceis de obter em termos bilaterais do que na OMC. Porém, os interesses dos Estados Unidos são atendidos de maneira precária nesse processo. Mesmo pelos padrões mercantilistas, os dezesseis pactos de Bush são café pequeno, dadas as dimensões dos US$ 14,3 trilhões da economia norte-americana. Considere o acordo EUA-Colômbia, frequentemente qualificado por seus fomentadores como claramente vantajoso, já que daria às exportações norte-americanas o mesmo acesso livre de impostos ao mercado da Colômbia que a maioria dos produtos colombianos já tem no mercado norte-americano. Os defensores do livre comércio mais ponderados, em contraste com os mais entusiásticos, sabem que os argumentos utilizados para justificar o acordo não são, nem de perto, tão convincentes quanto a propaganda faria supor. É verdade que algumas empresas norte-americanas aumentariam suas vendas no mercado colombiano. Mas, mesmo que as exportações norte-americanas para a Colômbia dobrassem num ano – um cenário totalmente implausível –, isso resultaria num aumento de menos de 0,07% sobre uma parcela de 1% do produto interno bruto dos EUA. Olhando para um quadro mais amplo, apenas cerca de 11% das exportações norte-americanas vão para os dezesseis países envolvidos nos acordos da era Bush. E isso é só uma ínfima parcela da economia total; as exportações responderam apenas por cerca de 8% do produto interno bruto dos EUA no passado recente. Os interesses dos EUA, tanto na esfera econômica quanto no plano da segurança, são mais bem atendidos pelo apoio a um sistema que: 406 se pelo menos houvesse um jeito melhor (1) promova a previsibilidade e a estabilidade no comércio no mundo inteiro; (2) contenha o protecionismo e as guerras comerciais; e (3) dê aos países em desenvolvimento a maior oportunidade possível de participar em termos razoavelmente justos da economia global. Quaisquer iniciativas hostis a esse sistema – e os acordos bilaterais são um bom exemplo – devem ser afastadas. Quando Zoellick fez uso do seu prodigioso talento para lançar a Rodada Doha em 2001 e para resgatá-la em 2004, seu interesse pessoal em colecionar resultados exitosos era compatível com o interesse nacional. Quando ele voltou sua atenção para os acordos bilaterais, acredito que seus interesses pessoais entraram em conflito com os da nação. Os acordos bilaterais seriam desejáveis se um argumento convincente pudesse ser apresentado de que, segundo a teoria da liberalização competitiva, eles podem servir de base para construção paulatina de acordos multilaterais. Mas a liberalização competitiva, por mais que Zoellick acreditasse nisso, acabou sendo uma racionalização elaborada para uma política que simplesmente não funcionou. Pior ainda foi o grande número de imitações baratas que ela gerou. A Estônia tem um pacto com a Armênia. Taiwan tem outro com a Guatemala. Estes são apenas dois problemas na lista dos acordos bilaterais e regionais atualmente em vigor. Há também a Parceria Econômica Transpacífica (Transpacific Economic Partnership), que elimina barreiras ao comércio entre Chile, Nova Zelândia, Brunei e Cingapura. E não nos esqueçamos do acordo AELC-SACU1, que liga a Associação Europeia de Livre Comércio (Islândia, Noruega, Suíça e Liechtenstein) à União Aduaneira da África Austral (África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia). O professor da Universidade de Columbia Jagdish Bhagwati, que cunhou o termo “prato de espaguete” agora tem uma imagem mais pungente para ilustrar sua preocupação com os acordos bilaterais. “Cupins no Sistema de Comércio” (Termites in the Trading System, no original em inglês) é o nome de um livro que ele escreveu em 2008 – um título que faz uma analogia bem proposital. Num momento em que o impasse na Rodada Doha já deixou a OMC enfraquecida, a difusão de acordos N. da T.: Sigla em inglês referente à União Aduaneira da África Austral (Southern Africa Customs Union). 1 407 paul blustein bilaterais e regionais de comércio acentua a situação de risco em que se encontra a OMC. Vistos individualmente, esses acordos oferecem alguns benefícios e poucos danos. O problema é que coletivamente podem acabar deixando inativo e marginalizando o sistema multilateral. As lamúrias pelo fracasso da reunião ministerial de julho de 2008 ainda estavam reverberando quando alguns dos membros mais proeminentes da OMC se engajaram em campanhas intensificadas para forjar acordos de comércio preferenciais (e é este o termo adequado para eles – “acordos de comércio preferenciais”, ou PTAs). Em 28 de agosto de 2008, a Índia assinou um PTA com dez nações do Sudeste da Ásia e um acordo em separado também foi fechado entre esses dez países em conjunto e a Austrália e a Nova Zelândia. Os australianos não pararam por aí: acordaram, em princípio, um PTA com a Coreia do Sul e tentaram acelerar suas negociações, há muito proteladas, com a China. Isso representou uma reviravolta para o novo primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, que antes fora um crítico ferrenho dos acordos bilaterais, tendo mesmo chegado a acusar seu predecessor de contribuir para um “desbastamento” do multilateralismo ao perseguir tais acordos. Nesse ínterim, o Canadá também pulou mais ávido do que nunca no vagão dos PTAs, como mostra este editorial do Toronto Globe and Mail: Pode levar anos até haver alguma tentativa de se instilar vida nova à Rodada Doha... Os canadenses que participaram do processo de Doha, inclusive o ministro do Comércio Michael Fortier, dizem que agora passarão a negociar acordos bilaterais com países individuais. Esta é uma sábia decisão e a prioridade maior deveria ser conseguir um acordo com a União Europeia. O Canadá tem sido um retardatário em negociar acordos de comércio e investimentos com outros países e precisamos recuperar o tempo perdido. Será que essas opiniões estão muito distantes da ideia de que a OMC, como fórum de negociações de regras de comércio, está acabada? Com certeza, nem Rudd nem Fortier, nem qualquer um dos funcionários governamentais de alto escalão envolvidos na mais recente orgia de PTAs, haviam abandonado todas as esperanças de acordos multilaterais futuros. Mas, quanto mais PTAs houver, maior a probabilidade de que políticos questionem por que seus países deveriam se importar em fazer 408 se pelo menos houvesse um jeito melhor negociações multilaterais ou até mesmo por que precisam da OMC para alguma coisa. E, a partir daí, não é necessário dar um passo muito largo para chegar ao ponto em que os países comecem a desrespeitar as decisões dos painéis da OMC. Chegou o momento de tratar da infestação de cupins com uma longa moratória, ou até mesmo com uma interdição total, para novos PTAs, apresentando essas medidas como elementos fundamentais de uma nova rodada da OMC. Não estou sugerindo que os PTAs atuais devam ser cancelados; mesmo que isso fosse legalmente factível, seria economicamente prejudicial. Em vez disso, o objetivo deveria ser evitar que a proliferação de PTAs pusesse ainda mais em risco o sistema multilateral. Em termos ideais, o governo Obama está bem posicionado para abrir caminho declarando que está renunciando às políticas da equipe de Bush e cessando todas as negociações bilaterais e regionais. Mas nada garante que outros países sigam seu exemplo. Porém, para reverter a dinâmica que Zoellick ajudou a impulsionar, a liderança dos EUA seria essencial e a tentativa valeria a pena. A política externa tem de ser levada em consideração, é claro. Funcionários experientes do Departamento de Estado sabem que é difícil resistir a apelos de países para iniciar conversações sobre PTAs porque, quando um chefe de estado visita Washington, com frequência a única perspectiva de resultado para tais viagens é caminhar rumo a um acordo bilateral de comércio. Além disso, ainda falta muito para se conseguir a aprovação dos três acordos bilaterais pendentes (Colômbia, Coreia do Sul e Panamá) no Congresso. Na verdade, o presidente venezuelano Hugo Chávez ficaria imensamente satisfeito se o acordo EUA-Colômbia fracassasse. Isso não quer dizer, contudo, que Washington tenha de tentar obter acordos adicionais por razões de política externa. Embora alguns PTAs gerem dividendos diplomáticos, outros incitam tensões antiamericanas, porque oponentes dos acordos nos países com quem Washington negocia frequentemente criticam os EUA por fazer uso de pressões indevidas nas negociações. Afinal de contas, não existem umas poucas vantagens de política externa a serem obtidas com a manutenção de um sistema multilateral de comércio robusto? Portanto, quando líderes estrangeiros vêm a Washington, não deveriam ficar ofendidos se o presidente educadamente explicar que 409 paul blustein os Estados Unidos abandonaram o vício dos PTAs. E talvez, depois de desistir dos PTAs, os países que desejassem expressar sua amizade mútua poderiam tentar se encontrar no Facebook para manifestar seu apreço uns pelos outros. [*] No meu livro sobre crises de mercados emergentes no final da década de 1990, escrevi: “A menos que sejam tomadas medidas para tornar o sistema mais seguro, as crises futuras podem ser muito mais desastrosas... a ousadia em reforçar as defesas do sistema é bem-vinda antes que a catástrofe ocorra novamente”. No meu livro sobre a implosão econômica argentina de 2001-2002, escrevi: “Isso poderia acontecer aqui [nos Estados Unidos]. Os americanos que pararem para analisar a situação da Argentina e tirarem conclusões diferentes estarão se iludindo”. Menciono essas considerações não para me gabar, nem para reivindicar para mim qualquer perspicácia especial, mas na esperança de dar um pouco mais de credibilidade à minha preocupação sobre os riscos de que o sistema de comércio acabe seguindo o sistema financeiro na crise. Outros podem ter propostas de políticas muito melhores do que as apresentadas acima. A perspectiva de uma nova rodada de comércio fará com que qualquer pessoa sensata se desanime. Mas a questão essencial é que não se pode permitir que os problemas do sistema se generalizem. De um jeito ou de outro, as nações mais favorecidas têm de renovar seu compromisso com o multilateralismo, não só com palavras, mas também com atos resolutos. Se não o fizerem, suas desventuras poderão estar apenas começando. 410 Notas Exceto quando aqui indicado, as informações contidas neste livro derivaram de entrevistas e de anotações de reuniões que os entrevistados compartilharam com o autor. Alguns dos entrevistados quiseram ser citados pelo nome, enquanto outros se sentiram mais confortáveis em falar abertamente apenas sob a condição de ficarem protegidos pelo manto do anonimato. Na verdade, muitos quiseram garantir que, de acordo com as regras de citação de fontes, não seriam mencionados nem de forma anônima, a menos que dessem permissão para isso. A seguir, consta uma lista de entrevistados. Às pessoas entrevistadas com base em regras de anonimato, foi perguntado se dariam permissão para serem incluídas na lista. Foram entrevistadas cerca de quarenta pessoas além das relacionadas abaixo. (Isso não inclui as dezenas de agricultores, executivos, trabalhadores e outros indivíduos entrevistados para dar exemplos “reais” que esclarecem as questões sobre comércio.) Os cargos mencionados em alguns casos são atuais, mas, em geral, se referem às funções ocupadas pelos indivíduos durante o período em que foram entrevistados. Assim sendo, mais de um cargo poderá ser mencionado e algumas pessoas são listadas sob duas rubricas diferentes. 411 paul blustein ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO Secretariado Michael Moore, Diretor-Geral Supachai Panitchpakdi, Diretor-Geral Pascal Lamy, Diretor-Geral (ex-Comissário Europeu de Comércio) Alejandro Jara, Diretor-Geral Adjunto (ex-embaixador chileno na OMC) Valentine Rugwabiza, Diretora-Geral Adjunta (ex-embaixadora de Ruanda na OMC) Harsha Singh, Diretor-Geral Adjunto Andrew Stoler, Diretor-Geral Adjunto (ex-Representante Permanente Adjunto dos Estados Unidos na OMC) Rufus Yerxa, Diretor-Geral Adjunto (ex-Representante Adjunto de Comércio dos EUA) Arancha González, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral (ex-porta-voz do comissário europeu de Comércio) Patrick Low, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral; Diretor, Divisão de Pesquisa Econômica e Estatística Arif Hussain, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral (GATT); Diretor, Divisão de Acessões Evan Rogerson, Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral; Diretor, Divisão do Conselho Geral do Comitê de Negociações Comerciais Keith Rockwell, Diretor, Divisão de Informações e Relações Externas David Hartridge, Diretor, Divisão de Comércio de Serviços Victor do Prado, Chefe de Gabinete Adjunto, gabinete do Diretor-Geral Richard Eglin, Diretor, Divisão de Comércio e Finanças Chiedu Osakwe, Diretor, Divisão de Tarifas Especiais da Agenda de Desenvolvimento de Doha Nusrat Nazeer, Diretor Adjunto, Divisão de Informações e Relações Externas John Hancock, Conselheiro Jean-Daniel Rey, Conselheiro Órgão de Apelação Julio Lacarte, Membro do Órgão de Apelação; delegado na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego de 1947 Jennifer Hillman, Membro do Órgão de Apelação 412 notas ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos Mickey Kantor, Representante de Comércio Charlene Barshefsky, Representante de Comércio Robert Zoellick, Representante de Comércio Robert Portman, Representante de Comércio Susan Schwab, Representante de Comércio Richard Fischer, Representante de Comércio Adjunto Rufus Yerxa, Representante de Comércio Adjunto (mais tarde Diretor-Geral Adjunto da OMC) Allen Johnson, Negociador-Chefe de Agricultura Peter Allgeier, Representante de Comércio Adjunto e Embaixador na OMC John Veroneau, Conselheiro Geral; Representante de Comércio Adjunto Peter Scher, Negociador Comercial Especial Ira Shapiro, Conselheiro Geral Joseph Glauber, Enviado Especial de Agricultura em Doha; também Economista-Chefe, Departamento de Agricultura Dorothy Dwoskin, Representante Assistente de Comércio dos EUA para a OMC e Assuntos Multilaterais Matt Rohde, Representante Assistente de Comércio dos EUA para a OMC e Assuntos Multilaterais Jason Hafemeister, Diretor de Negociações Agrícolas da OMC Matt Niemeyer, Representante Assistente de Comércio dos EUA para Assuntos com o Congresso Jeffrey Bader, Representante Assistente de Comércio Joseph Papovich, Representante Assistente de Comércio M. B. Oglesby, Chefe de Gabinete Tim Keeler, Chefe de Gabinete Nao Matsukata, Diretor de Planejamento de Políticas Sean Spicer, Representante Assistente de Comércio, Assuntos com Público e Mídia Edward Gresser, Principal Assessor para Políticas Andrew Stoler, Representante Permanente Adjunto na OMC (mais tarde Diretor-Geral Adjunto da OMC) David Shark, Representante Permanente Adjunto na OMC 413 paul blustein Outras agências dos EUA William Daley, Secretário de Comércio Stuart Eizenstat, Secretário Adjunto do Tesouro; Subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos Alan Larson, Subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos Grant Aldonas, Subsecretário de Comércio para Comércio Internacional J.B. Penn, Subsecretário de Agricultura Allan Hubbard, Diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca Faryar Shirzad, Assistente Adjunto do Presidente para Assuntos Econômicos Internacionais Karen Tramontano, Assistente do Presidente Stephen Jacobs, Secretário Assistente Adjunto de Comércio para Acesso a Mercados e Observância de Leis Viji Rangaswami, Equipe da Comissão de Assuntos Fiscais da Câmara dos Deputados (Ways and Means Comitttee) Autoridades e funcionários responsáveis pela segurança em Doha Maureen Quinn, Embaixadora no Catar Doug Melvin, Diretor de Segurança, escritório do Representante Americano de Comércio Ed Winslow, Agente Especial, Serviço de Investigações Criminais Navais Mark Russ, Agente Especial, Serviço de Investigações Criminais Navais Cidade de Seattle1 Paul Schell, Prefeito Em relação à Seattle, o Prefeito Schell é o único indivíduo do governo local e organizações locais mencionado porque foi a única pessoa entrevistada por mim. Conforme descrito nas notas do Capítulo 4, consegui obter longas transcrições de entrevistas com outros representantes oficiais locais, policiais e líderes de manifestações. Essas entrevistas foram conduzidas nos meses seguintes à reunião de Seattle e as considerei mais esclarecedoras do que qualquer entrevista que pudesse realizar. 1 414 notas UNIÃO EUROPEIA Comissão Europeia Pascal Lamy, Comissário de Comércio (mais tarde Diretor-Geral da OMC) Peter Mandelson, Comissário de Comércio Peter Carl, Diretor-Geral de Comércio Matthew Baldwin, Chefe de Gabinete Adjunto para o Comissário de Comércio, Chefe da Unidade para Assuntos de OMC, Diretoria-Geral de Comércio Roderick Abbott, Diretor-Geral Adjunto de Agricultura David Roberts, Diretor-Geral Adjunto de Agricultura João Pacheco, Chefe da Unidade da OMC, Diretoria-Geral de Agricultura Arancha González, Porta-voz do Comissário Europeu de Comércio (mais tarde Chefe de Gabinete, gabinete do Diretor-Geral, OMC) Anthony Gooch, Porta-voz do Comissário Europeu de Comércio FRANÇA Christine Lagarde, Ministra do Comércio Laurence Dubois-Destrizais, Secretária Assistente Adjunta de Políticas de Comércio e Investimento, Ministério de Economia, Representante Permanente na OMC BRASIL Luiz Lampreia, Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores Roberto Azevêdo, Subsecretário para Assuntos Econômicos e Tecnológicos, Ministério das Relações Exteriores José Graça Lima, Subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior, Ministério das Relações Exteriores Antonio Patriota, Representante Permanente Adjunto na OMC; Chefe de Gabinete do Ministro das Relações Exteriores Pedro de Camargo Neto, Secretário de Produção e Comércio, Ministério da Agricultura ÍNDIA Kamal Nath, Ministro do Comércio e Indústria G. K. Pillai, Secretário de Comércio S. N. Menon, Secretário de Comércio 415 paul blustein Pronab Sen, Assessor Principal, Comissão de Planejamento do Governo Srinivasan Narayanan, Embaixador na OMC Ujal Singh Bhatia, Embaixador na OMC Rajesh Aggarwal, Conselheiro, Missão Indiana na OMC CHINA Sun Zhenyu, Embaixador na OMC JAPÃO Masakazu Toyoda, Vice-Ministro para Assuntos Internacionais, Ministério da Economia, Comércio e Indústria Shotaro Oshima, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral Yoichi Suzuki, Representante Permanente Adjunto na OMC AUSTRÁLIA Tim Fischer, Ministro do Comércio Geoff Raby, Embaixador na OMC David Spencer, Embaixador na OMC Bruce Gosper, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral CANADÁ Pierre Pettigrew, Ministro do Comércio Internacional Jim Peterson, Ministro do Comércio Internacional Sergio Marchi, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral Don Stephenson, Embaixador na OMC, Presidente de negociações sobre NAMA ARGENTINA Martín Redrado, Secretário de Comércio BENIN Samuel Amehou, Embaixador na OMC CHILE Alejandro Jara, Embaixador na OMC (mais tarde Diretor-Geral Adjunto da OMC) COSTA RICA Anabel González, Vice-Ministra do Comércio 416 notas EGITO Youssef Boutros-Ghali, Ministro do Comércio Exterior HONG KONG, CHINA Stuart Harbinson, Representante Permanente na OMC, Presidente do Conselho Geral MÉXICO Fernando de Mateo, Embaixador na OMC NOVA ZELÂNDIA Tim Groser, Embaixador na OMC, Presidente das Negociações Agrícolas Crawford Falconer, Embaixador na OMC, Presidente das Negociações Agrícolas RUANDA Valentine Rugwabiza, Embaixadora na OMC (mais tarde Diretora-Geral Adjunta da OMC) CINGAPURA George Yeo, Ministro do Comércio e Indústria ÁFRICA DO SUL Alec Erwin, Ministério do Comércio e Indústria Rob Davies, Ministro Adjunto do Comércio e Indústria Xavier Carim, Diretor-Geral Adjunto, Departamento de Comércio e Indústria, Embaixador na OMC TANZÂNIA Ali Mchumo, Embaixador na OMC, Presidente do Conselho Geral ZÂMBIA Dipak Patel, Ministro do Comércio e Indústria ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS Celine Charveriat, Oxfam Nicholas Imboden, IDEAS Centre Jamie Love, Consumer Project on Technology Lori Wallach, Public Citizen’s Global Trade Watch 417 paul blustein SETOR PRIVADO Thomas Bombelles, Merck Geoffrey Gamble, DuPont Shannon Herzfeld, Pharmaceutical Research end Manufacturers of America (PhRMA) Don Phillips, American Sugar Alliance Frank Vargo, Associação Nacional de Fabricantes Aracelia Vila, Schering-Plough Acadêmicos, economistas e consultores jurídicos Antoine Bouet, Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares (EUA) Chad Bown, Universidade de Brandeis e Instituto Brookings (EUA) Jane Bradley, Centro de Direito da Universidade de Georgetown (EUA) Jean-Christophe Bureau, Instituto Nacional de Agronomia (França) Rajesh Chadha, Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Índia) Ashok Gulati, Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares (Índia) John Jackson, Centro de Direito da Universidade de Georgetown (EUA) Marcos Jank, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Brasil) Simon Lester, WorldTradeLaw.net (EUA) Will Martin, Banco Mundial Pratap Mehta, Centro de Pesquisas em Políticas (Índia) Patrick Messerlin, Sciences Po (França) Andre Nassar, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Brasil) Amelia Porges, Sidley Austin (EUA) Amil Sharma, Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Índia) Jeffrey Schott, Instituto Peterson de Economia Internacional (EUA) John Weekes, Sidley Austin (Canadá, baseado em Genebra) CAPÍTULO 1 SR. BLACK, COMPAREÇA À RECEPÇÃO 32-33 418 As informações sobre a descrição, pelo governo catariano, do homem que atacou a base aérea, o número de pessoas que viajaram para Doha e as equipes médicas e equipamentos enviados pelo Japão e Taiwan foram retiradas de: Helene Cooper, “Air Base Assault Fuels Fears About WTO” [Ataque a Base Aérea Suscita Receios sobre a OMC], Wall Street Journal, 8 de novembro de 2001; “Navy Ships Move Toward WTO notas 34 34 34 34 35 35 37 38 38 Meeting Site” [Navios da Marinha se Deslocam em Direção ao Local da Reunião da OMC], Agência de Notícias Reuters, 9 de novembro de 2001; e Paul Blustein, “WTO Leader Cautions Against ‘Protectionism’” [Dirigente da OMC Lança Alerta Contra o Protecionismo], Washington Post, 10 de novembro de 2001. O artigo do Financial Times que relata a importância de uma rodada de comércio por “razões simbólicas e psicológicas” é: Guy de Jonquieres, “A Round to Steady the Nerves” [Uma Rodada para Acalmar os Nervos], 22 de outubro de 2001. O testemunho de Greenspan, presidente do FED, referente ao impacto econômico potencial de uma rodada veio a público quando de seu comparecimento, em 20 de setembro de 2001, diante da Comissão do Senado sobre Assuntos Bancários, de Moradia e Urbanos e está citado no site da OMC em http://www.wto.org/trade_resources/quotes/ new_round/new_round.htm. O discurso de Moore está no sítio internet da OMC em http://www. wto.org/english/news_e/spmm_e/spmm72_e.htm. O artigo da Oxfam é intitulado “Eight Broken Promises: Why the WTO Isn’t Working for the World’s Poor” [Oito Promessas Quebradas: Por que a OMC não está Trabalhando a favor dos Pobres do Mundo], publicado em outubro de 2001, e está disponível na Internet em http:// www.oxfam.org.uk/resources/policy/trade/downloads/bp09_8broken. rtf. O editorial de Pettigrew intitulado “How Trade Will Save the World” [Como o Comércio Salvará o Mundo], foi publicado no Globe and Mail em 11 de outubro de 2001. O editorial do Chicago Tribune intitulado “Trade—A Weapon Against Terror” [Comércio – Uma Arma contra o Terror], foi publicado em 9 de novembro de 2001. A Declaração de Doha está no site da OMC em http://www.wto.org/ english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm. O editorial do Los Angeles Times, “Trade’s Peacemaking Role” [O Papel do Comércio na Construção da Paz], foi publicado em 15 de novembro de 2001. A declaração de Bush pode ser encontrada na Weekly Compilation of Presidential Documents [Compilação Semanal de Documentos Presidenciais], na semana de 19 de novembro de 2001. 419 paul blustein 41 Informações referentes a atos protecionistas e semiprotecionistas realizados pelos países do G-20 depois da conferência de 15 de novembro de 2008 foram retiradas de um relatório de Elisa Gamberoni e Richard Newfarmer, “Trade Protection: Incipient but Worrisome Trends” [Protecionismo Comercial: Tendências Incipientes porém Preocupantes], World Bank, Trade Notes, no. 37, de 2 de março de 2009; um relatório escrito pelo Secretariado da OMC, “Report to the TPRB from the Director-General on the Financial and Economic Crisis and Trade-Related Developments” [Relatório do Diretor-Geral sobre a Crise Financeira e Econômica Internacional e Desdobramentos Relacionados ao Comércio], de 26 de março de 2009; e “The Nuts and Bolts Come Apart”, Economist, de 26 de março de 2009. Em relação às mudanças da Indonésia nas políticas aduaneiras, as informações foram extraídas de John McBeth, “Self-Reliance the Current Refrain” [Auto-suficiência, o Refrão do Momento], Straits Times, de 20 de dezembro de 2008; e “Indonesia’s Kadin Calls for Expansion of Import Restrictions” [Kadin, da Indonésia, Defende Aumento das Restrições às Importações], Asia Pulse, 22 de dezembro de 2008. As cifras sobre o número de acordos bilaterais e regionais de comércio atualmente em operação foram retiradas de pontos do roteiro de um pronunciamento de Pascal Lamy, “Proliferation of Regional Trade Agreements ‘Breeding Concern’” [Proliferação de Acordos Regionais de Comércio Causa Preocupação], de 10 de setembro de 2007, no site da OMC em http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl67_e.htm. A elucidação de Zakaria acerca da “ascenção do resto” é feita em seu livro The Post-American World [O Mundo Pós-Americano] (New York: W. W. Norton, 2008). 44 49 CAPÍTULO 2 A ORGANIZAÇÃO INTERGALÁCTICA DO COMÉRCIO 52-53 53 420 Informações sobre o número de funcionários do FMI, Banco Mundial e OMC estão disponíveis em seus respectivos sites, http://www.imf. org, http://www.worldbank.org, e http://www.wto.org. A citação de Moore foi retirada de seu livro, A World Without Walls: Freedom, Development, Free Trade and Global Governance [Um Mundo Sem Muros: Liberdade, Desenvolvimento, Livre Comércio e notas 56 58-59 59-60 62-68 Governança Global] (New York: Cambridge University Press, 2003), p. 110. A passagem de Adam Smith, “o alfaiate não tenta fazer seus próprios sapatos...”, foi retirada de An Inquiry into the Natural Causes of the Wealth of Nations, vol. 1 (London: Methuen, 1922), p. 422. A passagem “No sistema mercantilista...” foi retirada do vol. 2, p. 159. As informações sobre a vida de Julio Lacarte foram retiradas de James Bacchus, Trade and Freedom [Comércio e Liberdade] (London: Cameron May, 2004), pp. 89–98. Informações sobre as tarifas Smoot-Hawley e seus impactos foram retiradas de Douglas A. Irwin, “Multilateral and Bilateral Trade Policies in the World Trading System: A Historical Perspective” [Políticas Comerciais Multilaterais e Bilaterais no Sistema Mundial de Comércio: Uma Perspectiva Histórica”], em New Dimensions in Regional Integration, ed. Jaime de Melo e Arvind Panagariya (New York: Cambridge University Press, 1993); Jeffry Frieden, Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century [Capitalismo Global: Sua Queda e Ascensão no Século Vinte] (New York: W. W. Norton, 2006); William J. Bernstein, A Splendid Exchange: How Trade Shaped the World [Um Intercâmbio Esplêndido: Como o Comércio Formou o Mundo] (New York: Atlantic Monthly Press, 2008); e Edward Gresser, Freedom from Want: American Liberalism and the Global Economy [Livre da Escassez: Liberalismo Americano e a Economia Global] (Brooklyn, NY: Soft Skull Press, 2007). Informações sobre a criação do GATT e as primeiras rodadas do sistema do GATT foram extraídas de Amrita Narlikar, The World Trade Organization: A Very Short Introduction [A Organização Mundial do Comércio: Uma Introdução Muito Breve] (New York: Oxford University Press, 2005); I. M. Destler, American Trade Politics [Política Comercial Americana] (Washington, DC: Institute for International Economics, 2005); Douglas A. Irwin, “Trade Liberalization: Cordell Hull and the Case for Optimism” [Liberalização Comercial: Cordell Hull e a Defesa do Otimismo], texto de trabalho do Conselho sobre Relações Internacionais, 31 de julho de 2008; Amelia Porges and Daniel M. Price, “The United States and the GATT/WTO System” [Os Estados Unidos e o Sistema do GATT/OMC], cap. 80 de The World Trade Organization: Legal, Economic and Political Analysis [A 421 paul blustein 66 66 67 68 68-69 69-70 422 Organização Mundial do Comércio: Análise Política e Econômica], ed. P. Macrory, A. Appleton, e M. Plummer (New York: Springer, 2005); Joseph E. Stiglitz and Andrew Charlton, Free Trade for All: How Trade Can Promote Development [Livre Comércio para Todos: Como o Comércio Pode Promover o Desenvolvimento] (New York: Oxford University Press, 2006); Kent Jones, Who’s Afraid of the WTO? [Quem Tem Medo da OMC?] (New York: Oxford University Press, 2004); e “The GATT Years: From Havana to Marrakesh” [Os Anos do GATT: De Havana a Marraqueche], no site da OMC em http://www.wto.org/ english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact4_e.htm. A frase “Não obedeça, porém tampouco faça objeções” como uma caracterização acurada do comportamento dos países em desenvolvimento no GATT foi originalmente cunhada pelo economista Richard Baldwin. O discurso de Lamy está no site da Comissão Europeia em http://trade. ec.europa.eu/doclib/docs/2005/january/tradoc_121064.pdf. Informações sobre os problemas do sistema do GATT, principalmente seu sistema de solução de controvérsias foram retiradas de: Narlikar, The World Trade Organization [A Organização Mundial do Comércio]; e Claude Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy: The Future of the World Trade Organization [Livre Comércio, Soberania, Democracia: O Futuro da Organização Mundial do Comércio] (Washington, DC: American Enterprise Institute Press, 2001). A afirmação de Thurow “O GATT está morto” foi muito citada, entre outros, em: Edward Greenspon, “GATT is Dead, Top Economist Tells Business, Political Leaders” [O GATT está Morto, Afirma Renomado Economista a Líderes Políticos e Empresariais], Globe and Mail, 28 de janeiro de 1989. O livro de Tyson foi Who’s Bashing Whom: Trade Conflict in High-Technology Industries [Quem Está Criticando Quem: Conflito Comercial em Setores de Alta Tecnologia] (Washington, DC: Institute for International Economics, 1992). A citação descrevendo o GATT como “quase totalmente irrelevante” está na pág. 5, e a citação exigindo uma política que “às vezes envolveria um unilateralismo agressivo” está na pág. 13. O livro de John Jackson propondo a criação da OMC é intitulado Restructuring the GATT System [Reestruturando o Sistema do GATT] notas 69-75 71 73-75 (New York: Royal Institute of International Affairs, Council on Foreign Relations Press, 1990). A citação “sob o risco... de parecer irrealista ou ‘idealista’ demais” está na pág. 5. Seu artigo “The Crumbling Institutions of the Liberal Trade System” [As Débeis Instituições do Sistema Liberal de Comércio] foi publicado no Journal of World Trade Law 12, no. 13 (março-abril de 1978). A citação retirada de seu livro descrevendo o GATT como uma “arcabouço fraco” está na pág. 4 e a citação exigindo a criação de uma “instituição que poderia ser chamada por vários nomes...” está na pág. 94. Informações sobre a Rodada Uruguai e sobre o sucesso eventual da proposta da OMC foram retiradas de: Ernest H. Preeg, Traders in a Brave New World: The Uruguay Round and the Future of the International Trading System [Comerciantes em um Admirável Mundo Novo: A Rodada Uruguai e o Futuro do Sistema Internacional de Comércio] (Chicago: University of Chicago Press, 1995); John Croome, Reshaping the World Trading System: A History of the Uruguay Round [Remodelando o Sistema Mundial de Comércio: Uma História da Rodada Uruguai] (Geneva: World Trade Organization, 1995); Will Martin and L. Alan Winters, eds., The Uruguay Round and the Developing Countries [A Rodada Uruguai e os Países em Desenvolvimento] (New York: Cambridge University Press, 1996); Narlikar, The World Trade Organization; Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy; Stiglitz and Charlton, Free Trade for All; Jeffrey J. Schott, The Uruguay Round: An Assessment [A Rodada Uruguai: Um Balanço] (Washington, DC: Institute for International Economics, 1994); e Porges and Price, “The United States and the GATT/WTO System”. As informações sobre a mudança de paradigma em favor de mercados livres em países em desenvolvimento, incluindo o do Brasil, foram retiradas de Frieden, Global Capitalism, cáp. 18. Os números referentes a reduções de tarifas da Argentina (que não incluem automóveis, roupas ou calçados) podem ser encontrados no relatório do FMI, “Argentina: Recent Economic Developments” [Argentina: Recentes Desdobramentos Econômicos], abril de 1998, no site do FMI em http:// www.imf.org/external/pubs/ft/scr/1998/cr9838.pdf. Detalhes sobre os estágios finais da Rodada Uruguai foram retirados de Larry Elliott and Edward Luce, “Trade Talks Cliff-Hanger Made for Hollywood” [Negociações Comerciais tornam-se Enredo de Suspense 423 paul blustein 75 75-76 76-77 78 78-79 424 Digno de Holliwood], Manchester Guardian Weekly, 19 de dezembro de 1993; “How the Talkers Finally Got to the Heart of the Matter” [Como os Negociadores Finalmente Chegaram ao Âmago da Questão], Observer, 19 de dezembro de 1993; e Sarah Lambert, “Week of Fast Footwork, Beer and Skittles” [Semana de Rápidas Movimentações, Sombra e Água Fresca], Independent, 15 de dezembro de 1993. A matéria relatando a constituição da Organização Multilateral de Comércio foi de Keith Bradsher, “U.S. and Europe Clear the Way for a World Accord on Trade, Setting Aside Major Disputes” [EUA e Europa Abrem Caminho para Acordo Global sobre Comércio, Deixando de Lado Grandes Disputas], 15 de dezembro de 1993. A cerimônia em que a nova placa foi instalada no Centro William Rappard pode ser vista em vídeo no site da OMC em rtsp://rnd01sea. streamlogics.com/wto/gatttowto.rm Detalhes sobre as festividades na Cúpula das Américas podem ser encontrados em Judy Keen, “Mutuality, Milieu Add Magic in Miami” [Mutualidade, Ambiente Agregam Mágica em Miami], USA Today, 12 de dezembro de 1994; e Jorge A. Banales, “Summit-Goers Find Trade in Parties” [Participantes da Cúpula Encontram Comércio nas Festas], UPI, 11 de dezembro de 1994. Informações sobre o fórum econômico da Ásia e do Pacífico de 1994, e suas implicações, podem ser encontradas em Paul Blustein, “Pact a Milestone in March of Capitalism” [Pacto é Marco na Marcha do Capitalismo] Washington Post, 16 de novembro de 1994. Informações sobre acordos de Tecnologia da Informação, Telecomunicações e Serviços Financeiros podem ser encontradas em Porges and Price, “The United States and the GATT/WTO System”; Anne Swardson and Paul Blustein, “Trade Group Reaches Phone Pact” [Órgão de Comércio Alcança Acordo sobre Telecomunicações], Washington Post, 16 de fevereiro de 1997; e no site da OMC em http:// www.wto.org/english/tratop_e/inftec_e/inftec_e.htm. Informações sobre as negociações de ingresso da China à OMC foram retiradas de Nicholas R. Lardy, Integrating China into the Global Economy [Integrando a China na Economia Global] (Washington, DC: Brookings Institution Press, 2002); Paul Blustein, “U.S. Tries to Placate China on WTO Talks” [Estados Unidos Tentam Aplacar a China nas Negociações da OMC], Washington Post, 13 de abril de 1999; Blustein, notas “Clinton Scrambles to Appease Diverse Critics on China” [Clinton se Esforça para Apaziguar Críticos Diversos sobre a China], Washington Post, 15 de abril de 1999; David E. Sanger, “How U.S. and China Failed to Close Trade Deal” [Como os EUA e a China Fracassaram em Fechar Acordo Comercial], New York Times, 10 de abril de 1999; Sanger, “At the Last Hour, Down to the Last Trick, and It Worked” [Na Última Hora, Até o Último Truque, e Funcionou], New York Times, 17 de novembro de 1999; John F. Harris and Michael Laris, “‘Roller-Coaster Ride’ to an Off-Again, On-Again Trade Pact” [Passeio na Montanha Russa para um Acordo Comercial Instável], Washington Post, 16 de novembro de 1999; e Helene Cooper, Bob Davis, and Ian Johnson, “To Brink and Back” [De Volta da Beira do Abismo], Wall Street Journal, 16 de novembro de 1999. CAPÍTULO 3 O MAL-ESTAR DA OMC 81 81-82 82 83-85 A visita de Don Lorentz a Genebra em maio de 1998 foi relatada em Susan Gilmore and Alex Fryer, “WTO: Whose Idea Was This?” [OMC: De Quem Foi Essa Ideia?], Seattle Times, 26 de novembro de 1999; e Kery Murakami, “Geneva Sounded WTO Warning That Went Unheeded in Seattle” [Genebra Soou Alarme na OMC que Foi Ignorado em Seattle], Seattle Post-Intelligencer, 10 de março de 2000. Detalhes dos tumultos ocorridos em Genebra podem ser encontrados em “High Security for WTO Conference” [Alta Segurança para Conferência da OMC], Agence France-Presse, 17 de maio de 1998; e Philip Waller, “Demonstrations Continue as World Leaders Help Mark Trade Birthday” [Manifestações Continuam enquanto Líderes Mundiais Ajudam a Celebrar Data Comercial, AP News Service, 19 de maio de 1998. A coluna de Martin Wolf, “Why Liberalization Won” [Por que a Liberalização Ganhou], foi publicada no Financial Times, em 18 de maio de 1998. As informações sobre a controvérsia acerca do meio ambiente nas políticas de comércio, inclusive os casos dos “hormônios na carne bovina” e “dos camarões e das tartarugas” podem ser encontrados em “Why Greens Should Love Trade” [Por que os Verdes Deveriam Amar 425 paul blustein 85-86 87 87-88 87-88 88 89 89-90 426 o Comércio], Economist, 9 de outubro de 1999; Destler, American Trade Politics; Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy; Lori Wallach and Michelle Sforza, Whose Trade Organization? Corporate Globalization and the Erosion of Democracy [A Quem Pertence a OMC? Globalização Corporativa e a Erosão da Democracia] (Washington, DC: Public Citizen Foundation, 1999); Francis Williams and Guy de Jonquieres, “WTO’s Beef Rulings Give Europe Food for Thought” [Decisões da OMC sobre Carne Bovina dão à Europa algo sobre o qual meditar], Financial Times, 13 de fevereiro de 1998; e Guy de Jonquieres, “One Man’s Meat” [Carne de um Homem], Financial Times, 15 de abril de 1998. O artigo do Chicago Tribune de Merrill Goozner foi “Asian Labor: Wages of Shame” [Trabalho Asiático: Salários da Vergonha], publicado em 6 de novembro de 1994. Alan Reuther foi citado em Paul Blustein, “Free Trade vs. Social Policy” [Livre Comércio versus Política Social], Washington Post, 19 de setembro de 1997. Um relato detalhado dos esforços de Clinton a partir de 1997 para garantir uma nova autorização para negociar acordos de comércio e a rejeição da legislação pelo Congresso pode ser encontrado em Destler, American Trade Politics, cap. 10. Uma transcrição do discurso de Clinton está disponível em Federal Document Clearing House Political Transcripts, 18 de maio de 1998, disponível em LexisNexis®. Ao resumir a evidência histórica contra a teoria da “corrida para baixo”, agradeço a excelente discussão incluída em Pietra Rivoli, The Travels of a T-Shirt in the Global Economy: An Economist Examines the Markets, Power, and Politics of World Trade [As Viagens de uma Camiseta na Economia Global: Uma Economista Examina os Mercados, o Poder, e a Política do Comércio Mundial] (Hoboken, NJ: Wiley, 2005). O comentário de Kumar pode ser encontrado em: Ranabir Ray Choudhury, “Neo-protectionist Policy Jeopardizing Labour Edge” [Política Neo-protecionista Ameaçando Vantagem Comercial], Business Line, 10 de dezembro de 1997. Os documentos da Rodada Uruguai, inclusive as listas de compromissos de redução tarifária, podem ser encontrados no site do OMC em http:// www.wto.org/english/docs_e/legal_e/legal_e.htm. notas 90-91 91 91 91-101 93 95-97 O relatório do Banco Mundial referente aos custos incorridos por países em desenvolvimento está em J. Michael Finger and Philip Schuler, “Implementation of Uruguay Round Commitments: The Development Challenge” [A Implementação dos Compromissos da Rodada Uruguai: O Desafio do Desenvolvimento], texto de trabalho de Pesquisa do Banco Mundial WPS2215, outubro de 1999. Faz parte do volume disponível na Internet em http://publications.worldbank.org/catalog/ content-download?revision_id=1526187. Um relato da declaração dada pelo embaixador colombiano Nestor Osorio pode ser encontrado em Chakravarthi Raghavan, “Trade: Beginning the Long Haul to a New Round?” [Comércio: Iniciando Viagem de Longo Curso rumo a uma Nova Rodada?] SUNS (South-North Development Monitor, publicado pela Third World Network), 2 de novembro de 1998. O relatório da UNCTAD é o “Trade and Development Report 1999” [Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento], publicado em 9 de Janeiro de 1999, no site em www.unctad.org/en/docs/tdr1999_en.pdf. As distorções no comércio agrícola global são discutidas de forma abrangente em Kimberly Ann Elliott, Delivering on Doha: Farm Trade and the Poor [Produzindo Resultados em Doha: o Comércio Agrícola e os Pobres] (Washington, DC: Institute for International Economics, 2006); and Richard Newfarmer, ed., Trade, Doha and Development: A Window into the Issues [Comércio, Doha e Desenvolvimento: Um Olhar sobre os Temas] (Washington, DC: World Bank, 2006). Várias estimativas do impacto que os subsídios ao algodão tiveram sobre os preços mundiais do algodão são discutidos em John Baffes, “Cotton and the Developing Countries: Implications for Development” [O Algodão e os Países em Desenvolvimento: Implicações para o Desenvolvimento], em Newfarmer, Trade, Doha and Development; em Nicholas Minot and Lisa Daniels, “Impact of Global Cotton Markets on Rural Poverty in Benin” [Impacto dos Mercados Globais de Algodão sobre a Pobreza Rural no Benin], Markets and Structural Studies Division discussion paper 48, International Food Policy Research Institute, Washington, DC, novembro de 2002. Informações sobre Política Agrícola Comum, a influência política de agricultores europeus, o papel desempenhado pelo presidente Chirac e a renda dos beneficiários de subsídios europeus estão em: Elliott, 427 paul blustein 97-98 97-101 428 Delivering on Doha; Jack Thurston, “Why Europe Deserves a Better Farm Policy” [As Razões para uma melhor Política Agrícola para a Europa], relato de políticas, Centre for European Reform, 2 dezembro de 2005; Martin Arnold, “French Farmers Dig In against Subsidy Reform” [Agricultores Europeus Resistem Fortemente à Reforma dos Subsídios], Financial Times, 8 de dezembro de 2005; Economic Intelligence Unit, “Backing a Wasteful Common Agricultural Policy” [Apoiando uma Política Agrícola Comum Ineficiente], 30 de junho de 2003, disponível em www.eiu.com; Roger Thurow and Geoff Winestock, “How an Addiction to Sugar Subsidies Hurts Development” [Como um Vício em Subsídios ao Açúcar Prejudica o Desenvolvimento], Wall Street Journal, 16 de setembro de 2002; e Alan Beattie, “Sweetheart Deals” [Acordos Afetuosos], Financial Times, 26 de julho de 2008. O principal defensor da transparência nos pagamentos de subsídios da União Europeia é farmsubsidy.org, cujos dados sobre beneficiários de subsídios podem ser encontrados em seu site e cujas descobertas foram relatadas nas seguintes matérias: Heather Stewart, “Farming Giants Reap Most of EU’s Benefits” [Gigantes do Agronegócio Colhem a Maior Parte dos Benefícios da UE], Observer, 11 de março de 2007; Colin Coyle, “Revealed: The Irish Tycoons Milking EU Farm Payments” [Relevado: Magnatas Irlandeses Mamando nos Pagamentos Agrícolas da UE], Sunday Times (London), 3 de maio de 2009; e Stephen Castle and Doreen Carvajal, “Small Elite Reaps Millions in E.U. Farm Subsidies” [Pequena Elite Amealha Milhões em Subsídios Agrícolas da UE], New York Times, 8 de maio de 2009. Para um relato das quantias recolhidas pela família real britânica, veja David Hencke and Rob Evans, “Royal Farms Get £1m from Taxpayers” [Fazendas da Realeza Recebem 1 milhão de libras dos Contribuintes], Guardian, 23 de março de 2005, e outras informações na Internet em http://www.freedominfo.org/ features/20050407.htm. A série de artigos sobre subsídios agrícolas dos EUA no Washington Post foram escritos por Dan Morgan, Gilbert M. Gaul e Sarah Cohen. O artigo que citou o caso de John Phipps foi “Federal Subsidies Turn Farms into Big Business” [Subsídios Federais Transformam Fazendas em Grandes Empreendimentos], publicado em 21 de dezembro de 2006. Informações adicionais sobre subsídios norte-americanos e o poder do lobby de agricultures americanos podem ser achadas em Robert notas 100 100-101 L. Thompson, “The U.S. Farm Bill and the Doha Negotiations: On Parallel Tracks or a Collision Course?” [A Lei Agrícola dos EUA e as Negociações de Doha: Em Rotas Paralelas ou em Rota de Colisão?], issues brief, International Food and Agricultural Trade Policy Council, setembro de 2005; Elliott, Delivering on Doha; e Alan Beattie, “Pile-ItHigh Policies Likely to Win the Day”, Financial Times, 9 de outubro de 2007. Os números contrastantes para tarifas médias sobre produtos manufaturados em relação às tarifas sobre produtos agrícolas foram retirados de: Kym Anderson, Harry de Gorter, and Will Martin, “Market Access Barriers in Agriculture and Options for Reform” [Barreiras de Acesso a Mercados em Agricultura e Opções para Reforma], em Newfarmer, Trade, Doha and Development. O estudo feito por Dale E. Hathaway e Merlinda D. Ingco, intitulado “Agricultural Liberalization and the Uruguay Round” [Liberalização Agrícola e a Rodada Uruguai], pode ser encontrado em Martin and Winters, The Uruguay Round and the Developing Countries. CAPÍTULO 4 PERDIDOS EM SEATTLE Grande parte das informações contidas neste capítulo em relação às manifestações de Seattle, às demonstrações de grupos de ativistas e à reação da cidade e do Departamento de Polícia de Seattle foi extraída de vários relatórios preparados após a reunião pelo Conselho Municipal de Seattle, o Departamento de Polícia da cidade e a filial local da American Civil Liberties Union. Também inestimável é o Projeto da História da OMC, um esforço conjunto de vários programas da Universidade de Washington; o projeto inclui várias entrevistas com líderes ativistas, inclusive Michael Dolan, David Solnit e outros. Este material está disponível na Internet em http:// depts.washington.edu/wtohist/index.htm. Os relatórios incluem o “Relatório da Comissão de Análise de Responsabilidade em relação à OMC, Conselho Municipal de Seattle”, http:// www.seattle.gov/wtocommittee/currentdocs.htm; Departamento de Polícia de Seattle, “The Seattle Police Department After Action Report [O Relatório de Ação da Polícia de Seattle], Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio/Seattle, Washington/29 de novembro – 3 de dezembro 429 paul blustein de 1999”, 4 de abril de 2000, www.seattle.gov/Police/Publications/WTO/ WTO_AAR.pdf; American Civil Liberties Union of Washington [União Americana das Liberdades Civis de Washington], “Out of Control: Seattle’s Flawed Response to Protests Against the World Trade Organization” [Fora de Controle: A Reação Desastrada de Seattle aos Protestos Contra a OMC], junho de 2000, http://aclu-wa.org/library_files/WTO%20Report%20Web. pdf; R. M. McCarthy e Associados em conjunto com Robert J. Louden, “An Independent Review of the 1999 World Trade Organization Conference Disruptions in Seattle, Washington” [Relatório Independente sobre os Tumultos da Conferência da OMC em Seattle em 1999], abril de 2000, http://www.seattle.gov/wtocommittee/WTOpreliminaryReport.pdf; e Patrick F. Gillham and Gary T. Marx, “Complexity and Irony in Policing and Protesting: The World Trade Organization in Seattle” [Complexidade e Ironia no Policiamento e nos Protestos: A Organização Mundial do Comércio em Seattle], Social Justice 27, no. 2 (2000): 212. 103-104 105-106 105-106 430 O relato do “Globalize This! Action Camp” foi feito com base nas matérias de: Helene Cooper, “These Recruits Train for a Trade Mission of a Different Sort” [Esses Recrutas Treinam para um Tipo Diferente de Missão Comercial], Wall Street Journal, 20 de setembro de 1999; e David Postman, “Protesting Is Their Trade; World Trade Is Their Target” [O Ofício Deles é Protestar; O Comércio Mundial é seu Alvo], Seattle Times, 20 de setembro de 1999. Informações sobre Wallach podem ser encontradas em: Bob Davis, “Free-Trade Foe, Stymied on IMF, Shifts to Other Fights” [Inimiga do Livre Comércio sem Sucesso contra o FMI, Parte para Outras Brigas], Wall Street Journal, 6 de abril de 1998; e Moisés Naím, “Lori’s War” [A Guerra de Lori], Foreign Policy, primavera de 2000. O título completo do livro publicado por Wallach em 1999, em coautoria com Michelle Sforza, é Whose Trade Organization? Corporate Globalization and the Erosion of Democracy (Organização Mundial de Quem? Globalização Corporativa e a Erosão da Democracia]. Uma edição posterior, intitulada Whose Trade Organization? A Comprehensive Guide to the World Trade Organization [A Quem Pertence a OMC? Um Guia Abrangente da Organização Mundial do Comércio], foi escrita em coautoria com Patrick Woodall e publicada pela New Press em 2004. Na primeira edição, a citação “beneficia notas 106 106-107 107 107-112 multinacionais enormes...” está na pág. 3; a citação “o comércio mundial é mais importante do que tudo...” está na pág. 7; as citações “efetivamente enfraquecem o Princípio da Precaução...” e “Os governos baseiam-se nesse princípio...” estão na pág. 54 e a citação “o efeito é restringir a capacidade...” está na pág. 58. O artigo sobre Michael Dolan é: Steven Pearlstein, “Protest’s Architect ‘Gratified’; D.C.-Based Activist Brought Diverse Groups Together” [Arquiteto dos Protestos “Gratificado”; Ativista de DC Reuniu Grupos de Tendências Distintas], Washington Post, 2 de dezembro de 1999. Informações sobre as interações de Dolan com os sindicatos e com o grupo Direct Action Network foram retiradas de entrevistas realizadas pelo Projeto de História da OMC na Universidade de Washington. A mensagem do Direct Action Network veiculada na Internet em 6 de setembro de 1999, “Dez mil pessoas convergirão para Seattle...” pode ser encontrada no relatório da ACLU de Washington, “Out of Control”, p. 27. Informações sobre a disputa Moore/Supachai foram retiradas de: Frances Williams, “Race Hots Up to Lead World Trade Body” [Corrida Esquenta para Dirigir Órgão de Comércio], Financial Times, 21 de Janeiro de 1999; Daniel Pruzin, “Race Tightens for Top WTO Spot as Poll Shows Diminished Support for Panitchpakdi” [Corrida Esquenta para o Posto Máximo da OMC com Pesquisas Revelando Reduzido Apoio a Panitchpakdi], International Trade Reporter (Bureau of National Affairs), 3 de março de 1999; Pruzin, “WTO Again Fails to Pick New Chief” [OMC Fracassa Novamente na Escolha de Novo Dirigente], International Trade Reporter, 21 de abril de 1999; Williams, “Stalemate in Vote for WTO Leader” [Impasse na Eleição do Novo Líder da OMC], Financial Times, 1 de maio de 1999; Williams, “Warning of WTO Paralysis over Leadership Battle” [Perigo de Paralisia na OMC com Batalha pela Liderança], Financial Times, 3 de maio de 1999; Bhushan Bahree, “WTO Deadlock on New Chief Proves Costly” [Impasse da OMC sobre Novo Dirigente Custa Caro], Wall Street Journal, 4 de maio de 1999; Frances Williams and Guy de Jonquieres, “Trading Blows” [Trocando Golpes], Financial Times, 7 de maio de 1999; e Paul Blustein, “WTO Meets Today to Discuss Plan to End Leadership Struggle” [OMC se Reúne Hoje para Discutir Plano para Por um Fim à Luta pela Liderança], Washington Post, 15 de julho de 1999. 431 paul blustein 108-110 110 110 111 112 113 113 114-115 432 Informações sobre Michael Moore foram retiradas de seu livro A World Without Walls; “The Human Face of Globalization” [A Face Humana da Globalização], Economist, 28 de agosto de 1999; e Guy de Jonquieres, “Trading Places” [Trocando as Bolas], Financial Times, 3 de setembro de 1999. A citação de Moore “esse não é o jeito ‘Kiwi’ (neo-zelândes) de ser” é feita em Ted Bardacke and Frances Williams, “WTO Snub Angers Thais” [Rejeição na OMC Irrita os Tailandeses], Financial Times, 6 de maio de 1999. O artigo neozelandês temeroso de que Moore seria “causa de constrangimento nacional” é de Warren Berryman, “Why Was $920K Spent Finding Mike Moore a Job?” [Por que se Gastou 920 mil para Achar um Emprego para Mike Moore?], Independent (New Zealand), 21 de abril de 1999. A citação de Mchumo na reunião do Conselho Geral é feita em Daniel Pruzin, “Stalemate over New Leader Continues with Council Meeting’s Postponement” [Impasse sobre Novo Líder Continua com o Adiamento da Reunião do Conselho], International Trade Reporter, 5 de maio de 1999. O relato de Surin dessa conversa com Albright está em Surin Pitsuwan, “Dr. Supachai’s Long and Winding Road to Geneva” [O Longo e Tortuoso Caminho do Dr. Supachai para Genebra], Bangkok Post, 25 de agosto de 2002. O memorando do Departamento de Estado incitando uma proposta de uma “Rodada Clinton” pode ser encontrado nos papéis de Stuart Eizenstat, que era Subsecretário de Estado para assuntos econômicos, agrícolas e empresariais na época em que o memorando foi escrito. Agradeço ao Sr. Eizenstat por facilitar o meu acesso a esses papéis, que estão arquivados na Biblioteca do Congresso. Informações sobre os vários nomes propostos para a rodada podem ser encontrados em Bob Davis and Helene Cooper, “Round and Round They Go, to Name New Trade Talks” [Ficam Andando em Círculos em Busca de um Nome para Novas Negociações Comerciais], Wall Street Journal, 29 de novembro de 1999. Uma explicação da lógica dos temas de Cingapura pode ser encontrada em dois artigos publicados no Economist, “All Free Traders Now?” [Todos Adeptos do Livre Comércio Agora?], 7 de dezembro de 1996, e notas 115-116 117 117 118-119 119 120 “Tequila Sunset in Cancún”, 17 de setembro de 2003. Uma explicação dos argumentos contra elas pode ser encontrada em: Martin Khor, “Present Problems and Future Shape of the WTO and the Multilateral Trading System” [Problemas Atuais e Situação Futura da OMC e do Sistema Multilateral de Comércio], Third World Network briefing paper 2, setembro de 2001. Informações sobre Barshefsky podem ser encontradas em: Bob Davis and Jacob Schlesinger, “War of Words” [Guerra de Palavras, provável trocadilho com título da obra de H.G. Wells, “War of Worlds”] Wall Street Journal, 9 de fevereiro de 1994; Elsa Walsh, “The Negotiator” [O Negociador], New Yorker, 18 de março de 1996; David E. Sanger, “Tough Talker for a Delicate Job” (Negociador Duro para uma Tarefa Delicada], New York Times, 16 de maio de 1996; Ronald Brownstein, “Master Deal Maker Faces Test at Home” [Grande Negociador Enfrenta Teste em Casa], Los Angeles Times, 26 de julho de 1997; e Mark Suzman, “The First Lady of Trade” [A Primeira Dama do Comércio], Financial Times, 27 de novembro de 1999. Informações sobre as opiniões de países em desenvolvimento opostas a uma rodada em 1999 podem ser encontradas em: Frances Williams, “WTO Members Square Up for New Round of Discord” [Membros da OMC se Preparam para uma Nova Rodada de Divergências], Financial Times, 30 de julho de 1999; e Elizabeth Olson, “Anger on Agenda for World Trade Meeting”, New York Times, 14 de outubro de 1999. A declaração do embaixador Mounir Zahran foi relatada em Chakravarthi Raghavan, “Trade: Beginning the Long Haul to a New Round?” [Comércio: Iniciando uma Longa Jornada Rumo a um Nova Rodada?], SUNS, 2 de novembro de 1998. A primeira versão do texto com vários colchetes pode ser encontrada no site do Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, http://ictsd.net/downloads/2008/04/declaration3.pdf. O comentário de Barshefsky de que “o fracasso não é uma opção” pode ser encontrado em: John F. Harris, “White House Optimistic on WTO Summit” [Casa Branca Otimista sobre Conferência da OMC], Washington Post, 25 de novembro de 1999. As citações e lembranças de Paxton foram retiradas de uma entrevista conduzida pela Comissão de Análise de Responsabilidade do Conselho Municipal de Seattle. 433 paul blustein 120 121 121 122 122 122-125 434 As palavras de Joiner na reunião do conselho municipal foram citadas no Relatório da Comissão de Análise de Responsabilidade em Relação à OMC do Conselho Municipal de Seattle. O relatório do FBI de 17 de novembro de 1999, intitulado “Threat Update: World Trade Organization Ministerial Meeting, Seattle, Washington, 30 November - 3 December, 1999” [Atualização de Ameaça: Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio, 30 de novembro – 3 de dezembro de 1999], foi preparado pela Unidade de Advertência e Avaliação de Ameaças de Contraterrorismo do gabinete. Trata-se de um dos documentos disponíveis como parte do relatório da Comissão de Análise de Responsabilidade. A “mensagem de Schell” é citada em Norm Stamper, Breaking Rank: A Top Cop’s Exposé of the Dark Side of American Policing [Rompendo a Hierarquia: Relato de um Policial de Alto Escalão sobre o Lado Negro do Policiamento Americano] (New York: Nation Books, 2006), pág. 331. A citação de Vivian Phillips foi retirada de Stephen H. Dunphy, “We’re Ready for Anything, Officials Say” [Estamos Pronto para Qualquer Coisa, Afirmam Autoridades], Seattle Times, 10 de novembro de 1999. A citação de Stamper “não tínhamos nem de longe policiais suficientes” foi retirada de seu livro Breaking Rank, pág. 341. O reconhecimento do Departamento de Polícia aparece em “The Seattle Police Department After Action Report, World Trade Organization Ministerial Conference / Seattle, Washington / November 29–December 3, 1999”. Além dos relatórios do conselho municipal, do departamento de polícia, da ACLU e de outros citados acima, informações sobre os acontecimentos de 30 de novembro foram retiradas de Rick Anderson, “Violence Works” [A Violência Funciona], Seattle Weekly, 1 de dezembro de 1999; Knute Berger, “Not-So-Nice Seattle” [Seattle Nem Tão Legal Assim], Seattle Weekly, 1 de dezembro de 1999; Mike Carter, David Postman, Steve Miletich, Susan Gilmore, and James V. Grimaldi, “Unrest Even at the Top During Riots” [Inquietação Mesmo nos Altos Escalões durante Tumultos], Seattle Times, 16 de dezembro de 1999; Timothy Egan, “Black Masks Lead to Pointed Fingers in Seattle” [Máscaras Negras Levam a Recriminações em Seattle], New York Times, 2 de dezembro de 1999; e John Burgess and Steven Pearlstein, “Protests notas 123 124 124 125 126 126-127 127 128 128 129 Delay WTO Opening” [Protestos Atrasam Abertura da Reunião da OMC], Washington Post, 1 de dezembro de 1999. A grafitagem “Fodam-se as Putas da OMC” foi relatada em Rick Anderson, “Violence Works”, Seattle Weekly, 1 de dezembro de 1999. O relatório do Seattle Times dizendo que “quanto mais os policiais lançavam gás, mais os manifestantes ficavam ousados” está no artigo escrito por Alex Tizon intitulado “Countdown to Chaos in Seattle” [Contagem Regressiva para o Caos em Seattle], 5 de dezembro de 1999. A citação de Steve Williamson foi retirada de uma entrevista realizada pelo Projeto da História da OMC. A descrição de Reichert como “apoplético...” foi retirada do livro de Stamper, Breaking Rank, p. 344. A citação do embaixador da República Dominicana foi retirada de Evelyn Iritani, “Poor Nations Defy, Derail WTO ‘Club’” [Nações Pobrem Desafiam, Desestabilizam ‘Clube’ da OMC], Los Angeles Times, 5 de dezembro de 1999. A apologia de Barshefsky aos delegados e sua explicação de como a reunião tinha que ser realizada podem ser encontradas no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/ about_e/resum01_e.htm. O artigo de 1 de dezembro de 1999 do Seattle Post-Intelligencer citando as observações de Clinton acerca dos padrões trabalhistas foi escrito por Michael Paulson e intitulado “Clinton Says He Will Support Trade Sanctions for Worker Abuse” [Clinton Afirma que Apoiará Sanções Comerciais por Abuso de Trabalhadores]. O relato de Lamy da reação de Barshefsky ao artigo do Post-Intelligencer foi feito no livro L’Europe en première ligne [A Europa em Primeira Linha] (Paris: Seuil, 2002), pp. 57–58. As observações de Clinton no almoço foram relatadas em David E. Sanger, “President Chides World Trade Body in Stormy Seattle” [Presidente Critica Órgão Mundial de Comércio na Tumultuada Seattle], New York Times, 2 de dezembro de 1999, assim como a defesa do prefeito Schell de sua estratégia de imposição da lei. Além dos vários relatórios citados acima, os acontecimentos nas ruas de Seattle em 1 de dezembro de 1999 foram relatados em: Mark Suzman, “Seattle Police Clamp Down on Protesters with Mass Arrests” [Polícia de Seattle Endurece contra Manifestantes de Seattle Fazendo Prisões 435 paul blustein 129 129-130 130 130-131 13-134 436 em Massa], Financial Times, 2 de dezembro de 1999; e Rene Sanchez, “Extensive Security Planning Fails Test” [Planejamento Extenso de Segurança Não Passa no Teste], Washington Post, 2 de dezembro de 1999. O artigo do Seattle Times relatando a raiva dos comerciantes, “Shoppers Barred in Retail Core; Downtown Loss Is $4 million” [Consumidores Barrados nas Lojas de Varejo; Região Central Perde $4 milhões], foi escrito por Robert T. Nelson, Gordon Black e Lisa Pemberton-Butler e publicado em 3 de dezembro de 1999. Um relatório de progresso, e da falta de progresso, dos vários grupos negociadores pode ser encontrado em 3 de dezembro de 1999, edição do Bridges Daily Update. O Daily Update é um compêndio de eventos publicado durante as conferências ministeriais da OMC pelo Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, uma ONG localizada em Genebra (http://ictsd.net/). O comentário de Barshefsky sobre se reservar “plenamente o direito de usar um processo mais exclusivo” é relatado em “Charlene Barshefsky Announces Procedure for Drafting Declaration” [Charlene Anuncia Procedimento para Redação da Declaração], Inside U.S. Trade, 2 de dezembro de 1999. As declarações feitas pelos delegados vindos da África, Caribe e América Latina são relatadas em “Seattle and the Smaller Countries” [Seattle e os Países Menores], Business Line, 14 de dezembro de 1999; e “WTO Impasse Opens Opportunities and Dangers for Africa” [Impasse da OMC Cria Oportunidades e Desafios para a África], África News, 23 de janeiro de 2000. Informações sobre os acontecimentos de 3 de dezembro de 1999 podem ser encontradas em: John Burgess, “Green Room’s Closed Doors Couldn’t Hide Disagreements” [Portas Fechadas da Sala Verde não Puderam Ocultar Divergências], Washington Post, 5 de dezembro de 1999; Hal Bernton, “Conference on Trade Concludes in Seattle” [Termina Conferência sobre Comércio em Seattle], Oregonian, 4 de dezembro de 1999; Daniel Pruzin and Gary G. Yerkey, “Trade Officials Made Headway Before Talks Stalled in Seattle” [Negociadores Comerciais Fizeram Progresso antes do Impasse da Negociações em Seattle], International Trade Reporter, 9 de dezembro de 1999; e Lamy, L’Europe en première ligne, pp. 64–68. notas 132 134 134 136 A observação jocosa a Pettigrew sobre ser “o maestro da orquestra a bordo do Titanic” e a explicação para o fracasso de Seattle dada por Barshefsky e outros funcionários do governo Clinton – de que a União Europeia tinha recuado de um acordo sobre agricultura – podem ser encontradas em: Robert G. Kaiser and John Burgess, “A Seattle Primer: How Not to Hold WTO Talks” [Uma Introdução a Seattle: Como não Conduzir Negociações Comerciais], Washington Post, 12 de dezembro de 1999. O comentário de Barshefky na sessão de encerramento de que “talvez seja melhor darmos um tempo” pode ser encontrado no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min99_e/english/ about_e/resum03_e.htm. A afirmação de Lamy de que a OMC é uma instituição “medieval” pode ser encontrada em: Steven Pearlstein, “WTO Negotiators’ Reach Far Exceeded Grasp of Complexities” [O Alcance dos Negociadores da OMC Foi muito além de sua Compreensão das Complexidades dos Temas], Washington Post, 5 de dezembro de 1999. A afirmação de Moore de que ele conseguia “vislumbrar como o acordo podia ser alcançado” pode ser encontrada em seu livro A World Without Walls, p. 112. CAPÍTULO 5 APENAS NOTAS 10 137-138 138-139 140-141 Um relato da escolha de Doha pela OMC, inclusive a citação de Keith Rockwell e os protestos citando o relatório do Departamento de Estado, pode ser encontrado em Paul Blustein, “A Quiet Round in Catar?” [Uma Rodada Tranquila no Catar?], Washington Post, 30 de janeiro de 2001. Os discursos de Moore estão no site da OMC em http://www.wto.org/ english/news_e/spmm_e/spmm_e.htm. Evidências de seu apoio a uma rodada de desenvolvimento antes de Seattle podem ser encontradas em: Guy de Jonquieres, “Free Trade Under Fire” [Livre Comércio Sob Fogo Cerrado], Financial Times, 11 de outubro de 1999. O estudo em coautoria entre Dollar e Kraay é: “Trade, Growth and Poverty” [Comércio, Crescimento e Pobreza], World Bank Policy Research working paper 2615, junho de 2001. 437 paul blustein 140-143 143 144 146 144-145 148 149-152 150-152 152 438 A batalha intellectual entre Dollar e Rodrik é relatada em: Paul Blustein, “Cause, Effect and the Wealth of Nations” [Causa, Efeito e a Riqueza das Nações], Washington Post, 4 de novembro de 2001. A referência da monografia em que Rodrik argumentou que “os benefícios da abertura do comércio são, hoje em dia, alardeados de forma exagerada” é: The Global Governance of Trade as if Development Really Mattered [A Governança Global do Comércio como se o Desenvolvimento Fosse Realmente Importante] (n.p.: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, outubro de 2001). O artigo do Washington Post afirmando que o currículo de Zoellick “poderia ser confundido com uma paródia de pessoa que supera todas as expectativas em suas realizações” é: Steven Pearlstein, “Bush Selection Zoellick Is a Free-Trader on a Mission” [Escolhido de Bush, Zoellick é um Adepto do Livre Comércio com uma Missão], 13 de janeiro de 2001. Informações sobre Zoellick também podem ser encontradas em Joseph Kahn, “A Tested Negotiator for Trade” [Um Negociador Experimentado para o Comércio], New York Times, 12 de janeiro de 2001. O artigo de Zoellick, Foreign Affairs, publicado na edição de janeiro-fevereiro de 2000, foi intitulado “A Republican Foreign Policy” [Uma Política Externa Republicana]. O testemunho de Zoellick foi dado em 7 de março de 2001, diante da Comissão de Assuntos Fiscais da Câmara. Pode ser encontrado numa transcrição preparada pela Federal Document Clearing House, disponível com LexisNexis®. Os comentários de Zoellick sobre os russos surgiram em sua palestra no National Press Club com Pascal Lamy em 17 de julho de 2001. Podem ser encontrados numa transcrição preparada pelo Federal News Service. Informações sobre Lamy podem ser encontradas em: Guy de Jonquieres, “Liberal with a Social Mission” [Liberal com uma Missão Social], Financial Times, 21 de outubro de 1999; “Pascal Lamy”, Economist, 7 de julho de 2001; e sua biografia na Wikipedia, na Internet, em http:// en.wikipedia.org/wiki/Pascal_Lamy. Informações sobre as ligações entre Zoellick e Lamy podem ser encontradas em: Paul Blustein, “Trade’s Friendly Warriors” [Guerreiros Amistosos do Comércio], Washington Post, 28 de maio de 2002. O comentário de Zoellick “Quanto a mais os americanos conseguem comer?” pode ser encontrado em: Jerry Hagstrom, “Bush to Meet notas 152 153 153 153-154 154 155 with Ag Leaders on Trade Authority Plans” [Bush se Encontra com Líderes Agrícolas para Discutir Planos sobre a Autoridade Comercial], CongressDaily (National Journal Group), 18 de junho de 2001, disponível com LexisNexis®. Seu comentário sobre “a maior vantagem para a agricultura” consta num comunicado a imprensa feito em 18 de junho de 2001, cuja transcrição foi preparada pela Federal Document Clearing House, disponível com LexisNexis®. A posição de Lamy sobre o Princípio da Precaução é citada em “EU Paper on Precaution Seeks to Allay Fears of Protectionism” [Documento da UE Tenta Dissipar Receios de Protecionismo], Inside U.S. Trade, 27 de julho de 2001. O editorial do Washington Post que Zoellick e Lamy escreveram juntos, “In the Next Round” [Na Próxima Rodada], foi publicado em 17 de julho de 2001. Os comentários feitos por Zoellick e Lamy no National Press Club em 17 de julho de 2001 podem ser encontrados numa transcrição preparada pelo Federal News Service. Os comentários feitos no Teste de Realidade podem ser encontrados em “No Progress on Doha Agenda at WTO’s ‘Reality Check’” [Sem Progresso na Agenda de Doha no Teste de Realidade da OMC], Bridges Weekly Trade News Digest, 31 de julho de 2001; C. Rammanohar Reddy, “No Consensus Yet on New WTO Round” [Sem Consenso ainda sobre Nova Rodada da OMC], Hindu, 1 de agosto de 2001; Jean-Louis de la Vaissiere, “Opinions Divided on Trade Round Ahead of Doha WTO Meeting” [Opiniões Divididas sobre Rodada Comercial às Vésperas da Reunião da OMC em Doha], Agence France-Presse, 31 de julho de 2001; e Elizabeth Olson, “Discord Mars WTO’s Prospects” [Divergência Obscurece Perspectivas da OMC], New York Times, 31 de julho de 2001. O comentário de Simba pode ser encontrado em “LDCs Say ‘Not Ready’ for New Round” [Países de Menor Desenvolvimento Relativo Dizem “Não Estamos Prontos” para Nova Rodada], Bridges Weekly Trade Digest, 31 de julho de 2001. A citação de Moore de que um segundo fracasso “certamente nos condenaria a um longo período de irrelevância” pode ser encontrada em: Frances Williams, “WTO Head Tells Members to ‘Get Real’” [Diretor 439 paul blustein 156 156 157 157-158 159 159-160 440 da OMC Diz aos Membros para “Cair na Real”], Financial Times, 31 de julho de 2001. O editorial de Zoellick de 20 de setembro de 2001 Washington Post foi intitulado “Countering Terror with Trade” [Combatendo o Terror com o Comércio]. O discurso de Zoellick de 30 de outubro de 2001 foi feito ao Conselho de Relações Exteriores em Washington. Uma transcrição foi preparada pelo Federal News Service. Alguns dos estudos acadêmicos projetando um grande impacto econômico decorrente de uma rodada exitosa são citados em: Guy de Jonquieres, “Dealing in Doha” [Lidando com Doha], Financial Times, 6 de novembro de 2001. O estudo do Banco Mundial, intitulado “Global Economic Prospects and the Developing Countries 2002” [Perspectivas Econômicas Globais e Países em Desenvolvimento] foi publicado no final de 2001 e a citação sobre “O indivíduo pobre médio que vende mercadorias a mercados globalizados...” está na pág. xii. Pode ser encontrado na Internet em http://www-wds.worldbank.org/external/ default/WDSContentServer/IW3P/IB/2002/02/16/000094946_02020 20411334/Rendered/PDF/multi0page.pdf. A primeira insinuação pública de Zoellick de que a reunião de Doha talvez tivesse de mudar de local pode ser encontrada em Gary G. Yerkey, “USTR Says ‘Security’ Primary Concern in Planning for WTO Discussions in Catar” [USTR Afirma que ‘Segunça’ é a Principal Preocupação no Planejamento de Discussões da OMC no Catar], WTO Reporter (Bureau of National Affairs), 26 de setembro de 2001. O comentário de Zoellick de que a conferência ministerial deveria ser realizada “seja num local ou em outro” pode ser encontrado em: “Catar Ups Political Ante in Fight to Host Next WTO Ministerial” [Catar Aumenta a Pressão Política para Sediar a Próxima Ministerial da OMC], Inside U.S. Trade, 19 de outubro de 2001. As démarches diplomáticas catarianas foram citadas no mesmo artigo. Informações sobre os protestos feitos por embaixadores de países em desenvolvimento em 31 de outubro de 2001, na reunião do Conselho Geral, e as respostas de Moore and Harbinson podem ser encontradas em: Fatoumata Jawara and Aileen Kwa, Behind the Scenes at the WTO: The Real World of International Trade Negotiations [Nos Bastidores da OMC: O Mundo Real das Negociações Internacionais de Comércio] notas 160-163 162 163-164 167-168 167 168 (London and New York: Zed Books, in association with Focus on the Global South, Bangkok, 2004), pp. 70–72. A primeira versão do texto preparada por Stuart Harbinson está disponível no site do Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, em http://ictsd.net/news/wto/archive/doha/resourcesdocuments/. As reclamações de Trojan sobre a parte referente ao meio ambiente no texto de Harbinson podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO Chair Defends Draft Declaration Against Developing Countries’ Criticisms” [Presidente do Conselho Geral da OMC Defende Projeto de Declaração Perante Países em Desenvolvimento], WTO Reporter, 1 de novembro de 2001. Informações sobre o programa sul-africano que estava prestando tratamento a Vuyani Jacobs podem ser encontradas em “Fighting Back” [Reagindo], Economist, 11 de maio de 2002. Informações e análise sobre a questão de direitos de propriedade intellectual, TRIPS e a batalha sobre o problema na África do Sul podem ser encontradas em Keith E. Maskus, Intellectual Property Rights in the Global Economy [Direitos de Propriedade Intelectual na Economia Global] (Washington, DC: Institute for International Economics, 2000); Narlikar, The World Trade Organization; Helene Cooper, Rachel Zimmerman, and Laurie McGinley, “AIDS Epidemic Traps Firms in a Vise” [Epidemia de Aids Coloca Empresas em Difícil Situação], Wall Street Journal, March 2, 2001; and Wallach and Woodall, Whose Trade Organization? O anúncio de Zoellick sobre a política de TRIPS do governo Bush pode ser encontrado em: Donald G. McNeil Jr., “Bush Keeps Clinton Policy on Poor Lands’ Need for AIDS Drugs” [Bush Mantém Política de Clinton sobre Necessidade de Drogas Contra a AIDS para Países Pobres], New York Times, 22 de fevereiro de 2001. O uso do termo “maluquice” por Bale para descrever a proposta de TRIPS de países em desenvolvimento pode ser encontrado em: Daniel Pruzin, “Global Drug Industry Association Blasts ‘Nutty’ WTO Text on TRIPS, Public Health” [Entidade Global da Indústria Farmacêutica Critica Texto ‘Maluco’ da OMC sobre TRIPS, Saúde Pública], WTO Reporter, 2 novembro de 2001. 441 paul blustein CAPÍTULO 6 REMOVENDO A MANCHA 173 174 174 174-175 176 177-178 442 O discurso de Moore na sessão inaugural em Doha está no site da OMC em http://www.wto.org/english/news_e/news01_e/min01_dgstat_ inaugural_session_e.htm. Um relato do episódio no qual a conversa entre Moore e Kamal foi acidentalmente ouvida pode ser encontrado em: Jawara and Kwa, Behind the Scenes at the WTO, pp. 91–92. O artigo descrevendo Maran como parecendo um “vilão cômico” é: Sanjaya Baru, “I’m Back with Many Trophies from the Battlefront: Murasoli Maran” [Voltei do Front de Batalha com Muitos Troféus: Murasoli Maran], Financial Express, 19 de novembro de 2001. Informações sobre a relação da Índia com o sistema global de comércio podem ser encontradas em Edward Luce, In Spite of the Gods: The Strange Rise of Modern India [Apesar dos Deuses: A Estranha Ascensão da Índia Moderna] (New York: Doubleday, 2007); T. N. Srinivasan and Suresh D. Tendulkar, Reintegrating Índia with the World Economy [Reintegrando a Índia na Economia Global] (Washington, DC: Institute for International Economics, 2003); e “Trade Policies in South Asia: An Overview” [Políticas Comerciais no Sul da Ásia: Um Panorama] World Bank report no. 29949, 7 de setembro de 2004. A referência de Maran à OMC como um “mal necessário” pode ser encontrada em Harkaksh Singh Nanda, “India, Down on Doha Draft Declaration, Threatens to Leave WTO to Protest Agenda” [Índia contra o Projeto de Declaração de Doha, Ameaça Abandonar OMC em Protesto contra Agenda], WTO Reporter, 5 de novembro de 2001. Sua afirmação de que aos Estados Unidos querem “bater enquanto o ferro ainda está quente” pode ser encontrada em: Daniel Pruzin, “Indian Commerce Minister Maran Takes Hard Stance in WTO Talks on New Round” [Ministro Indiano do Comércio Maran Adota Posição Dura nas Negociações da OMC sobre Nova Rodada], WTO Reporter, 11 de novembro de 2001. Um histórico abrangente das leis antidumping dos EUA pode ser encontrado em: Destler, American Trade Politics. Um relato do caso da De Cecco e a análise de reclamações estrangeiras contra as leis antidumping dos EUA podem ser encontrados em: Paul Blustein, “Italy notas 178 179-180 182 182 182-185 186 186 Loses the Pasta Wars” [Itália Perde Guerras de Massa], Washington Post, 31 de julho de 1996. Um outro relato da maneira como as leis antidumping dos EUA são supostamente violadas pode ser encontrado em: Blustein, “Free Trade’s Muddy Waters” [As Águas Turvas do Livre Comércio], Washington Post, 13 de julho de 2003, e numa coluna lateral publicada no mesmo dia, ao lado do artigo “When the U.S. Thinks Goods Were ‘Dumped,’ He Steps Up” [Quando os EUA Acreditam que Mercadorias Foram Importadas com Dumping, Ele Entra em Cena]. As cifras mostrando o número de processos antidumping instaurados contra os Estados Unidos e a China foram relatadas em: Gary G. Yerkey and Daniel Pruzin, “Accord Possible on Dumping, Subsidies at Doha WTO Talks; U.S. Shows Flexibility” [Acordo Possível em Dumping, Subsídios nas Negociações de Doha; EUA Mostram Flexibilidade] WTO Reporter, 13 de novembro de 2001. A versão final do dispositivo sobre a questão antidumping que foi por fim aprovada pelos membros da OMC pode ser encontrada na Declaração de Doha, parágrafo 28, no site da OMC em http://www.wto.org/english/ thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm. O comentário de Klinefelter “haverá consequências políticas” foi retirado das anotações que fiz de uma conversa que tivemos em Doha. A declaração no Bridges Daily Update de que a posição dos EUA sobre a questão antidumping refletia uma “mudança importante” foi retirada da edição de 13 de novembro de 2001. As opções sob análise referentes a TRIPS na reunião em Doha estão disponíveis no site do Centro Internacional de Comércio e Desenvolvimento Sustentável em http://ictsd.net/news/wto/archive/ doha/resources-documents/. A versão definitiva que foi, por fim, aprovada pelos membros da OMC pode ser encontrada no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/ mindecl_trips_e.htm. A citação de Teixeira foi relatada em: Geoff Winestock and Helene Cooper, “Activists Outmaneuver Drug Makers at WTO” [Ativistas Vencem Indústria Farmacêutica na OMC], Wall Street Journal, 14 de novembro de 2001. A citação de Love foi relatada em: Paul Blustein, “Getting WTO’s Attention” [Conseguindo a Atenção da OMC], Washington Post, 16 de novembro de 2001. 443 paul blustein 186 187 189 189 190-194 191-194 194-195 197-198 444 A citação de Bale foi relatada em: Paul Blustein, “WTO Agreement Appears Near” [Acordo na OMC Parece Próximo], Washington Post, 13 de novembro de 2001. As reclamações feitas por companhias farmacêuticas de que a declaração sobre TRIPS tinha pouca importância prática foram relatadas em: Gardiner Harris and Rachel Zimmerman, “Drug Makers Say WTO Setback Will Not Have Significant Impact” [Indústria Farmacêutica Afirma que Revés na OMC não Terá Impacto Significativo], Wall Street Journal, 15 de novembro de 2001. A conversa entre Moore e Kamal sobre o fechamento do aeroporto é contada no livro de Moore, A World Without Walls, p. 123. Informações sobre a controvérsia referente à autorizações (waivers) para países da África, Caribe e Pacífico podem ser encontradas no Bridges Daily Update, nas edições de 13 e 14 de 2001. Um relato esclarecedor da reunião de sala verde que virou a noite é feito em Lamy, L’Europe en première ligne. A citação sobre a mensagem de Lamy aos ministros da União Europeia, “ainda vai demorar muito...”, está nas págs. 155–156. A citação de que “a hora da verdade” tinha chegado para ele está na pág. 157 e a citação “Não vamos ficar dizendo: ‘O problema é a Europa’” está na pág. 158. As citações de Moore, “Bem, senhoras e senhores...”, e de Kamal, “Bravo”, estão na pág. 161, assim como a recordação de Lamy pensar que “o otimismo é, sem dúvida alguma, um pouco forçado”. O relato da expressão alarmada no rosto de seu assessor Matthew Baldwin está na pág. 163. As versões finais dos dispositivos sobre temas de Cingapura, meio ambiente e agricultura que foram, por fim, aprovadas pelos membros da OMC podem ser encontradas na Declaração de Doha, disponível no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/ min01_e/mindecl_e.htm. As citações de Maran “pensando que iam me exaurir e me forçar a ir dormir” e “meu coração vai bem” foram retiradas de: Sanjaya Baru, “I’m Back with Many Trophies from the Battlefront”, Financial Express, 19 de novembro de 2001. A declaração de Kamal encerrando a reunião foi retirada do site da OMC em http:// www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/ min01_chair_speaking_e.htm. notas 198 198 Informações sobre o silêncio impassível da delegação indiana foram retiradas de: Sanjaya Baru, “I’m Back with Many Trophies from the Battlefront”, Financial Express, 19 de novembro de 2001. A citação de Zoellick sobre remover a “mancha” de Seattle foi amplamente divulgada, entre outros, em: Paul Blustein, “142 Nations Reach Pact on Trade Negotiations” [142 Países Alcançam Acordo sobre Negociações Comerciais], Washington Post, 15 de novembro de 2001. CAPÍTULO 7 A INSURREIÇÃO DO RESTO 199, 202 202-203 203-204 204 As citações de Zoellick sobre o prazo final de 2005 e sobre a sensação que experimenta em campos de batalha podem ser encontradas em: Paul Blustein, “Trade’s Friendly Warriors”, Washington Post, 28 de maio de 2002. Informações acerca das tarifas sobre o aço e a controvérsia transatlântica que se seguiu podem ser encontradas em: Paul Blustein, “Trade Partners Trading Threats; EU, Japan Plan Retaliation for U.S. Tariffs” [Parceiros Comerciais Trocando Ameaças; UE, Japão Planejam Retaliação Contra Tarifas dos EUA], Washington Post, 27 de abril de 2002; e Blustein, “WTO Rejects Steel Tariffs; U.S. Says Decision Will Be Appealed” [OMC Rejeita Tarifas do Aço; EUA Dizem que Recorrerão da Decisão], Washington Post, 27 de março de 2003. Informações sobre o projeto de lei agrícola, incluindo o comentário de Truss de que o projeto de lei constituía um “sinal estarrecedor” podem ser encontradas em: Paul Blustein e Dan Morgan, “Showdown on Subsidies” [A Verdade por detrás dos Subsídios], Washington Post, 2 de maio de 2002; Paul Blustein, “U.S. Farm Bill Finds Few Fans Abroad” [Lei Agrícola dos EUA Encontra Novos Adeptos no Exterior], Washington Post, 5 de maio de 2002; Dan Morgan, “Farm Revolution Stops at Subsidies; Efficiency Fails to Stem Flow of Federal Cash” [Revolução Agrícola Esbarra nos Subsídios; Eficiência não Consegue Estancar o Fluxo de Recursos Federais], Washington Post, 3 de outubro de 2004. Informações acerca das propostas iniciais de Zoellick sobre produtos agrícolas e manufaturados podem ser encontradas em: Daniel Pruzin and Gary Yerkey, “U.S. Proposes Five-Year Timetable for Elimination 445 paul blustein 205-206 207 208-211 209 209-210 446 of Agriculture Subsidies” [EUA Propõe Cronograma de 5 Anos para Eliminação de Susbídios Agrícolas], WTO Reporter, 5 de junho de 2002; e Paul Blustein, “U.S. Urges Abolition of Tariffs” [EUA Defende Abolição de Tarifas], Washington Post, 27 de novembro de 2002. Um histórico e uma explicação abrangentes da legislação de autoridade “de via rápida” (fast track) e de promoção comercial podem ser encontrados em Destler, American Trade Politics. Um relato da votação de 215–214 na Câmara, inclusive a citação de Zoellick de que um acordo com DeMint era “necessário para alcançar um objetivo mais elevado”, pode ser encontrado em Juliet Eilperin, “Trade Bill Passes House by One Vote; Bush Closer to Obtaining More Negotiating Power” [Lei Comercial Passa na Câmara por Um Voto; Bush Mais Perto de Obter Maiores Poderes Para Negociar], Washington Post, 7 de dezembro de 2001. As citações de participantes na conferência miniministerial, a partir do ataque de Zoellick aos japoneses e inclusive a discussão sobre planos para os Estados Unidos e a União Europeia para apresentar uma proposta conjunta para agricultura, foram retiradas de anotações da reunião fornecidas por uma fonte confidencial. Informações sobre o impasse na Rodada Doha em 2003, inclusive a rejeição do texto agrícola de Harbinson, podem ser encontradas em Daniel Pruzin, “WTO Members Blast Harbinson Ag Text; Draft to Serve as ‘Catalyst’ for Future Talks” [Membros da OMC Criticam Texto Agrícola de Harbinson; Projeto Servirá como ‘Catalisador’ de Negociações Futuras], WTO Reporter, 19 de fevereiro de 2003; Pruzin, “Gloomy Harbinson Says WTO Deadline on Agriculture Modalities to be Missed” [Harbinson Afirma em Tom Melancólico que Prazo da OMC para Modalidades em Agricultura não Será Cumprido], WTO Reporter, 31 de março de 2003; e “The Doha Squabble” [A Disputa de Doha], Economist, 29 de março de 2003. Informações sobre a reforma da PAC pela União Europeia, inclusive a reclamação de Fischler de que “fizemos o nosso dever de casa”, podem ser encontradas em: Tobias Buck, Guy de Jonquieres, and Frances Williams, “Fischler’s Surprise for Europe’s Farmers” [A Surpresa de Fischler para os Agricultores Europeus], Financial Times, 27 de junho de 2003; Elliott, Delivering on Doha; Charlotte Denny, “CAP Deal Looks More Horlicks Than Radical” [Acordo sobre a PAC mais para notas 211-216 214 214-215 216 216-217 Moderado do que para Radical], Guardian, June 30, 2003; “More Fudge than Breakthrough” [Mais Barulho do que Real Avanço], Economist, 28 de junho de 2003; Robert Uhlig, “A Bloated Beast That Spawned Beef Mountains and Wine Lakes” [Um Monstro Inchado que Gerou Montanhas de Carne e Lagos de Vinho], Daily Telegraph, 27 de junho de 2003; “Sacred Cows” [Vacas Sagradas], Times (London), 27 de junho de 2003; e “Drops on Parched Soil” [Pingos sobre Solo Encharcado], Economist, 5 de julho de 2003. Informações sobre o texto agrícola EUA-União Europeia podem ser encontradas em: “U.S., EU Framework Sees Partial Elimination of Export Subsidies” [Esquema EUA-UE Contempla Eliminação Parcial de Subsídios à Exportação] , Inside U.S. Trade, 15 de agosto de 2003; e Guy de Jonquieres, “US-EU Farm Proposal Leaves WTO Members in a Dilemma”[Proposta Agrícola EUA-UE Coloca Membros da OMC diante de um Dilema], Financial Times, 15 de agosto de 2003. O número referente ao tamanho da propriedade agrícola média indiana foi fornecido por Ashok Gulati, um dos mais importantes economistas agrícolas do país. Informações sobre a façanha de rápido crescimento do Brasil na agricultura podem ser encontradas em: Larry Rohter, “South America Seeks to Fill the World’s Table” [América do Sul Almeja Alimentar o Mundo], New York Times, 12 de dezembro de 2004; e Simon Romero, “Brazil’s Spreading Exports Worry Minnesota Farmers” [Exportações Crescentes do Brasil Preocupam Agricultores do Minnesota], New York Times, 22 de junho de 2004. Informações sobre o acordo de 2003 sobre TRIPS podem ser encontradas em: Edward Luce and Frances Williams, “WTO Deal on Cheap Drugs Ends Months of Wrangling” [Acordo da OMC sobre Medicamentos Baratos Põe Fim a Meses de Discussões], Financial Times, 28 de agosto de 2003; e Frances Williams, “Drugs Accord Fails to Heal Rifts in WTO” [Acordo sobre Medicamentos não Consegue Curar Divergências na OMC], Financial Times, 29 de agosto de 2003. Informações sobre o planejamento da reunião em Cancún, inclusive a redução de expectativas de Supachai para a reunião, podem ser encontradas em: John Authers and Guy de Jonquieres, “With the Priorities of Member Nations Conflicting Sharply, Agreement May Prove Elusive at Next Week’s Ministerial Meeting” [Diante do Agudo 447 paul blustein 217-218 218 219 221 221-223 223 224 226-227 448 Conflito entre as Prioridades dos Membros, um Acordo na Reunião de Maio Pode Revelar-se Difícil], Financial Times, 4 de setembro de 2003. O título completo do relatório da Oxfam de 2002 é “Cultivating Poverty: The Impact of US Cotton Subsidies on Africa” [Cultivando a Pobreza: O Impacto sobre a África dos Subsídios dos EUA ao Algodão], Oxfam briefing paper 30. O artigo do Wall Street Journal sobre algodão é: Roger Thurow and Scott Kilman, “U.S. Subsidies Create Cotton Glut That Hurts Foreign Cotton Farms” [Subsídios dos EUA ao Algodão criam Excesso de Oferta que Prejudica Cotonicultores Estrangeiros], 26 de junho de 2002. O discurso de Compaoré está no site da OMC em http://www.wto.org/ english/news_e/news03_e/tnc_10june03_e.htm. As demandas do G-20 podem ser encontradas em Bridges Daily Update, 11 de setembro de 2003. Informações sobre Amorim podem ser encontradas em Carolyn Whelan, “Brazil’s Top Diplomat Fills Out the Plot Line” [Principal Diplomata do Brasil se Encaixa Perfeitamente na Trama], International Herald Tribune, 4 de dezembro de 2004; e Tom Holland, “G-20’s Double Act Takes Up the Cudgels for Farming Reform” [A Ação Conjunta dos líderes do G-20 em defesa da Reforma Agrícola], South China Morning Post, 17 de dezembro de 2005. A citação de Erwin sobre o “momento histórico” pode ser encontrada em: Guy de Jonquieres and Frances Williams, “Third World Alliance Hits at Trade Rules” [Aliança do Terceiro Mundo Ataca Regras Comerciais], Financial Times, 11 de setembro de 2003. Os comentários de Supachai sobre o algodão no primeiro dia da conferência ministerial são citados em: Kate Millar, “African Cotton Producers Demand End of Subsidies by Rich Countries” [Produtores Africanos de Algodão Exigem o Fim de Subsídios dos Países Ricos ao Algodão], Agence France-Presse, 10 de setembro de 2003; e Bridges Daily Update, 11 de setembro de 2003. Informações detalhadas sobre a proposta dos EUA sobre algodão e como ela foi tratada podem ser encontradas em Bridges Daily Update, edições de 11, 12, 13 e 14 de setembro de 2003. A citação do delegado africano, “Agora temos a OMC contra nós também”, foi relatada na edição de 14 de setembro. notas 227 227 228-231 231 232 O discurso de Jaitley na sessão planária pode ser encontrado no site da OMC em ww.wto.org/english/theWTO_e/minist_e/min03_e/ statements_e/st7.pdf. As citações de participantes da sala verde em Cancún foram retiradas de notas fornecidas por fontes confidenciais. Informações sobre a cena no final da reunião de Cancún podem ser encontradas em: Kevin Sullivan, “Rich-Poor Rift Triggers Collapse of Trade Talks” [Disputa entre Ricos e Pobres Causa Colapso das Negociações Comerciais], Washington Post, 15 de setembro de 2003; Guy de Jonquieres and Frances Williams, “Investment Row Causes WTO Talks to Collapse”, [Divergência sobre o tema de Investimentos Causa Colapso das Negociações da OMC] Financial Times, 15 de setembro de 2003; e “The WTO Under Fire” [A OMC Sob Ataque], Economist, 20 de setembro de 2003. A declaração raivosa de Zoellick na coletiva de imprensa pode ser encontrada no artigo de Sullivan no Post. O artigo de Lamy descrevendo a OMC como “neolítica” é “Post-Cancún Primer” [Introdução ao Pós-Cancún], Wall Street Journal, 23 de setembro de 2003. CAPÍTULO 8 JOIAS E PIRATAS 234 234-235 As citações de Christopher Ward foram retiradas de uma transcrição confidencial de suas observações no processo DS267 da OMC, Subsidies on Upland Cotton [Subsídios ao Algodão]. Grande quantidade de informações e análises sobre o sistema de solução de controvérsias podem ser encontradas em: Merit Janow, Victoria Donaldson, and Alan Yanovich, eds., The WTO: Governance, Dispute Settlement and Developing Countries [A OMC: Governança, Solução0 de Controvérsias e Países em Desenvolvimento] (Huntington, NY: Júris Publishing, 2008). A citação de Jackson, de que a OMC tem “claramente o sistema de solução de controvérsias mais poderoso...”, pode ser encontrada na pág. 388 desse livro. Outras informações podem ser encontradas em: Narlikar, The World Trade Organization; Barfield, Free Trade, Sovereignty, Democracy; Robert Z. Lawrence, “The United States and the WTO Dispute Settlement System”, Council on Foreign 449 paul blustein 235-236 236 237 450 Relations, Council Special Report no. 25, março de 2007; Chad Bown, Self-Reinforcing Trade: Developing Countries and WTO Dispute Settlement [Comércio Auto-Sustentado: Países em Desenvolvimento e o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC] (Washington, DC: Brookings Institution Press, forthcoming); e Scott Miller, “EU-U.S. Dispute Puts WTO Court in the Spotlight” [Contencioso EUA-UE Coloca OMC no Centro das Atenções], Wall Street Journal, 1 de junho de 2005. Informações sobre as ameaças da União Europeia durante a controvérsia sobre o aço para impor tarifas punitivas sobre mercadorias norte-americanas politicamente sensíveis podem ser encontradas em: Paul Blustein, “EU Lists Possible Targets for New Tariffs” [UE Cria Lista de Possíveis Alvos para Novas Tarifas], Washington Post, 20 de abril de 2002; e Mike Allen, “President to Drop Tariffs on Steel” [Presidente Abandonará Tarifas sobre o Aço], Washington Post, 1 de dezembro de 2003. Membros da OMC apresentaram um total de 388 queixas desde a época da fundação da organização em 1995 até 2008 e somente em cerca de 10 processos a controvérsia chegou ao estágio em que a OMC autorizou a retaliação, segundo Brown em seu próximo livro, Self-Reinforcing Trade. No entanto, uma outra análise de 79 processos que chegaram ao estágio de uma decisão definitiva apresenta um conjunto de estatísticas de certa forma menos encorajador. De acordo com essa análise, feita pelos advogados de Washington Gary Horlick and Judith Coleman, 53 desses processos (67,1%) resultaram em “cumprimento mais ou menos total”, 19 processos (24,1%) resultaram em “medidas de cumprimento/cumprimento parcial” e 7 processos (8,9%) resultaram em “descumprimento descarado”. Essa análise, “A Comment on Compliance with WTO Dispute Settlement Decisions” [Um Comentário sobre Cumprimento de Decisões da OMC sobre Solução de Controvérsias], pode ser encontrada em: Janow, Donaldson, and Yanovich, The WTO: Governance, Dispute Settlement and Developing Countries, pp. 771–776. Informações sobre as vitórias dos EUA em casos de solução de controvérsias podem ser encontradas em “World Trade Organization: U.S. Experience to Date in Dispute Settlement System” [Organização Mundial do Comércio: Experiência dos EUA até a Presente Data com notas 237-240 238-239 239-240 240-241 241-242 243 o Sistema de Solução de Controvérsias], U.S. General Accounting Office, briefing report to the chairman, Committee on Ways and Means, House of Representatives, junho de 2000; e Mark Drajem, “China Must Revamp Auto Component Tax Rules, WTO Says” [China deve reformular Regras acerca de Tributos sobre Auto-Peças], Bloomberg News, 18 de julho de 2008. Informações sobre o caso Upland Cotton foram retiradas de: Ray A. Goldberg, Robert Lawrence, and Katie Milligan, “Brazil’s WTO Cotton Case: Negotiation Through Litigation” [O Caso do Brasil sobre Algodão na OMC: Negociação através do Litígio], Harvard Business School, caso no. N9–905–405, 1 de novembro de 2004, disponível no site do Instituto Peterson de Economia Internacional em http://www. petersoninstitute.org/publications/chapters_preview/3632/05iie3 632. pdf; “Unpicking Cotton Subsidies” [Destrinchando os Subsídios ao Algodão], Economist, 30 de abril de 2004; e Paul Blustein, “U.S. Farmers Get a Lesson in Global Trade”, Washington Post, 28 de abril de 2004. Informações sobre o envolvimento de Daniel Sumner no caso do algodão foram retiradas de: Paul Blustein, “In U.S., Cotton Cries Betrayal” [Nos EUA, o Setor de Algodão se queixa de Traição], Washington Post, 12 de maio de 2004. A citação do Senador Conrad pode ser encontrada em: Elizabeth Becker, “Lawmakers Voice Doom and Gloom on WTO Ruling” [Legisladores Contrariados e Frustrados com Decisão da OMC], New York Times, 27 de abril. O estudo biográfico de Bacchus é Trade and Freedom [Comércio e Liberdade]. Sua citação “Não usamos togas. Não usamos perucas...” pode ser encontrada na pág. 24 e sua citação “longas horas, dia após dia...” pode ser encontrada na pág. 39. Informações sobre a primeira vez em que os trabalhos de um painel da OMC foram abertos ao público e a controvérsia em torno da transparência no sistema de solução de controvérsias podem ser encontradas em: Susan Esserman and Robert Howse, “The Creative Evolution of World Trade” [A Evolução Criativa do Comércio Mundial], Financial Times, 23 de agosto de 2005. A citação de Horlick, “Prudência, diplomacia e regras de sigilo para com o cliente...”, pode ser encontrada em: Janow, Donaldson, and 451 paul blustein 243 244-248 245 249-252 452 Yanovich, The WTO: Governance, Dispute Settlement and Developing Countries [A OMC: Governança, Solução de Controvérsias e Países em Desenvolvimento], p. 826. Os dados mostrando que os países em desenvolvimento instauraram a maioria dos processos na OMC em 2001–2006 podem ser encontrados em Lawrence, “The United States and the WTO Dispute Settlement System” [Os Estados Unidos e o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC]. O grau em que o Brasil, a Índia e outros países em desenvolvimento dominam a lista pode ser encontrado em Bown, Self-Reinforcing Trade. Informações sobre o caso Gambling [Jogos de Azar] foram, em grande parte, retiradas de: Paul Blustein, “Against All Odds: Antigua Beating U.S. in Internet Gambling Case at WTO” [Contra Todas as Probabilidades: Antigua vencendo EUA no Caso de Jogos de Azar da Internet na OMC], Washington Post, 4 de agosto de 2006. A declaração de Reno “Você pode ir para o exterior e se esconder...” pode ser encontrada numa transcrição do “Weekly U.S. Justice Department Media Availability”, 5 de março de 1998, compilado pelo Federal News Service. Informações sobre os últimos estágios dos casos Gambling e Upland Cotton podem ser encontradas em Daniel Pruzin, “Antigua Allowed to Impose $21 Million Annually as Sanctions on U.S. in Gambling Dispute” [Antigua Autorizado a impor $21 Milhões anualmente em Sanções contra os EUA na Disputa dos Jogos de Azar], WTO Reporter, 24 de dezembro de 2007; “WTO to Determine Worth of Gambling Concession” [OMC determinará Valor da Concessão no Caso dos Jogos de Azar], Bridges, fevereiro de 2008; William Triplett, “Antigua Threatens to Allow Piracy” [Antigua ameaça permitir Pirataria], Variety, 18 de março de 2008; “Cotton Dispute Ends in Comprehensive Victory for Brazil” [Disputa do Algodão termina com Ampla Vitória para o Brasil], Bridges, agosto de 2008; “U.S., Brazil Spar over Level of Trade Retaliation, in WTO Cotton Case” [EUA, Brasil, Divergem sobre Nível de Retaliação Comercial na Disputa do Algodão na OMC], Inside U.S. Trade, 9 de janeiro de 2009; “Brazil Argues for Expansive Retaliation Rights in WTO Cotton Case” [Brasil defende Amplos Direitos de Retaliação de Caso do Algodão na OMC], Inside U.S. Trade, 30 de janeiro de 2009; e “Brazil Warns of Dire Consequences if notas 252 Granted Small Award in Cotton Case” [Brasil alerta para Consequências Negativas se receber Pequeno Montante de Direito de Retaliação no Caso do Algodão], Inside U.S. Trade, 13 de março de 2009. A declaração completa de Azevedo na audiência de 3 de março de 2009 pode ser encontrada no site no Ministério das Relações Exteriores do Brasil em http://www2.mre.gov.br/cgc/DS267_Arb_22.6_7.10_Brazil’s_Oral_ Statement_as_delivered.pdf. Informações sobre a queixa da Costa Rica envolvendo as quotas de roupas íntimas dos EUA podem ser encontradas no site da OMC em http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/casestudies_e/case12_e. htm. CAPÍTULO 9 SUA SANTIDADE, O PAPA BOB 254 254-257 O editorial de 22 de setembro de 2003 de Zoellick no Financial Times teve como título “Free Trade: America Will Not Wait” [Livre Comércio: A América não Vai Esperar]. O primeiro e mais influente defensor da liberalização competitiva foi C. Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson de Economia Internacional. Um de seus primeiros textos sobre o assunto foi: “Competitive Liberalization and Global Free Trade: A Vision for the Early 21st Century”, Institute for International Economics working paper 96–15, 1996 [Liberalização Competitiva e Livre Comércio Global: Uma Visão para o Início do Século XXI, documento de trabalho 96-15 do Instituto de Economia Internacional, 1996]. Outras informações sobre acordos bilaterais e regionais e sobre a estratégia de liberalização competitiva de Zoellick foram retiradas de: Daniel Drezner, U.S. Trade Strategy: Free vs. Fair [Estratégia Comercial dos EUA: Livre x Justa] (New York: Council on Foreign Relations Press, 2006); Destler, American Trade Politics; Mark Thirwell, The New Terms of Trade (Alexandria, New South Wales, Australia: Lowy Institute, Longueville Media, 2006); Jagdish Bhagwati, Termites in the Trading System: How Preferential Agreements Undermine Free Trade [Cupins no Sistema de Comércio: Como Acordos Preferenciais Prejudicam o Livre Comércio] (New York: Oxford University Press, 2008); Michael M. Phillips, “Trade Aide Plays Latin America, Asia Off Each Other 453 paul blustein 257-258 258 260-262 454 to Win Pacts” [Assessor Comercial Manipula América Latina e Ásia para obter Acordos], Wall Street Journal, 5 de junho de 2001; Guy de Jonquieres, “Governments’ Willingness to Use Trade Pacts to Cement Diplomatic Ties and Forge Alliances Risks Slowing the Momentum Behind Multilateral Trade Talks” [Tendência dos Governos em Usar Acordos Comerciais para Consolidar Laços Diplomáticos Ameaça Reduzir Ímpeto pelas Negociações Comerciais Multilaterais], Financial Times, 19 de novembro de 2002; Guy de Jonquieres and Victor Mallet, “Failure at Cancún Prompts Flurry of Trade Deals in Asia” [Fracasso em Cancún provoca Enxurrada de Acordos Comerciais na Ásia], Financial Times, 16 de outubro de 2003; e Paul Blustein, “Lowered Expectations” [Expectativas Reduzidas], Washington Post, 23 de abril de 2004. Zoellick defendeu sua estratégia em vários discursos e comparecimentos perante comissões do Congresso, muitos dos quais podem ser encontrados no site do Representante de Comércio dos Estados Unidos em http://www.ustr.gov. Um exemplo é seu testemunho dado em 5 de março de 2003, em http://ustr.gov/assets/Document_ Library/USTR_Testimony/2003/asset_upload_file96_4330.pdf. O editorial de Bhagwati e Garnaut em oposição ao acordo EUAAustrália é: “Say No to This Free Trade Deal” [Diga Não a Este Acordo de Livre Comércio], Australian, 11 de julho de 2003. A citação de Hatakeyama “mas, desde então, começamos a ficar rodeados por esses grupos” pode ser encontrada em: James Brooke, “Ready for WTO Talks, and Ready to Deal” [Prontos para Negociações na OMC, e Prontos para Acordo], New York Times, 9 de novembro de 2001. Informações sobre a reunião de Miami acerca da Área de Livre Comércio das Américas foram retiradas de Simon Romero, “Trade Talks in Miami End Early” [Negociações Comerciais em Miami terminam Cedo], New York Times, 21 de novembro de 2003; “Business Derides Miami Declaration for Creating Weak FTAA” [Empresários Desdenham Declaração de Miami por Criar ALCA Fraca], Inside U.S. Trade, 21 de novembro de 2003; Paul Blustein, “Free Trade Area of Americas May Be Limited” [Área de Livre Comércio das Américas Pode Ficar Limitada], Washington Post, 19 de novembro de 2003; e “New Doubts About Bush Trade Agenda” [Novas Dúvidas acerca da notas 260-262 263-264 267-268 268-269 Agenda Comercial de Bush], Washington Post, 22 de novembro de 2003. A matéria do Financial Times contando o caso da carta de Zoellick foi de Edward Alden and Lionel Barber, “US Tries to Reactivate Failed Talks over Trade” [EUA tentam reativar Negociações Fracassadas sobre Comércio], 12 de janeiro de 2004. A carta de Zoellick foi transcrita na íntegra pelo Inside U.S. Trade, acompanhando a matéria, “Zoellick Letter Shows No Concessions but Some Flexibility” [Carta de Zoellick não Demostra Concessões, mas Alguma Flexibilidade], 16 de janeiro de 2004. As observações de Zoellick em Cingapura foram retiradas de suas observações encontradas no site do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos em http://ustr.gov/assets/Document_ Library/Transcripts/2004/February/asset_upload_file211_5403.pdf. Informações sobre o anúncio de 14 de maio de 2004 de que a reunião seria realizada em Genebra em julho, incluindo a citação de Lamy sobre o “vulcão”, podem ser encontradas em: Guy de Jonquieres, “Hopes Rising for Restart of Doha World Trade Talks” [Aumentam as Esperanças de Retomada das Negociações Comerciais de Doha], Financial Times, 15 de maio de 2004. A citação de Fischler sobre subsídios à exportação pode ser encontrada em: Paul Blustein, “EU Offers to End Farm Subsidies” [A UE se dispõe a eliminar Subsídios Agrícolas], Washington Post, 11 de maio de 2004. Outras informações sobre as concessões da União Europeia, inclusive os números sobre subsídios a exportação podem ser encontradas em: Paul Meller, “France Splits with Europe over Farm Subsidy Plan” [França Diverge da Europa sobre Plano de Subsídios Agrícolas], New York Times, 11 de maio de 2004. Informações adicionais, inclusive a citação de Boutros-Ghali sobre a “rodada grátis”, podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “EU ‘Round for Free’ Proposal for Poorest Countries Gets Cool Reception” [Proposta da UE de ‘Rodada Grátis’ Para os Países Mais Pobres é Recebida Com Frieza], WTO Reporter, 14 de maio de 2004. Informações sobre Nath foram retiradas de seu livo India’s Century (New York: McGraw-Hill, 2008); Priya Sahgal and Rohit Saran, “Kamal’s Trademark” [A Marca de Kamal], India Today, 26 de setembro de 2004; Priya Sahgal, “Cabinet Showcases” [Tipos do Gabinete Ministerial], India Today, 25 de abril de 2004; Yogesh Vajpeyi, “Saheb Keeps 455 paul blustein 271-276 275 456 Seat Warm with Heart, Helicopter” [‘Sahib’ Preserva Sua Posição com Entusiasmo, Helicóptero], Indian Express, 27 de agosto de 1999; Kenneth J. Cooper, “Indian Politicking in Name Only; Tainted by Scandal, Ex-Official Stumps for Wife’s Substitute Candidacy” [Politicagem Indiana apenas no Nome; Manchado por Escândalo, Ex-Funcionário Trabalha pela Candidatura da Mulher em seu Lugar], Washington Post, 27 de abril de 1996; e Peter Wonacott, “A Voice for Developing Nations” [Uma Voz para Nações em Desenvolvimento], Wall Street Journal, 5 de dezembro de 2005. A citação de Nath “Na próxima vez, você poderia trazer uma foto de um agricultor americano?” foi retirada de Priya Saghal, “Cabinet Showcase”, India Today, 25 de abril de 2005. Sua citação “Tive pouco contato...” está nas págs. 14–15 de India’s Century. A citação de Indira Gandhi, “Este é o meu terceiro filho...”, pode ser encontrada em Sahgal and Saran, “Kamal’s Trademark”. Informações sobre tarifas agrícolas da Índia podem ser encontradas em: “India: Re-energizing the Agricultural Sector to Sustain Growth and Reduce Poverty” [India: Reenergizando o Setor Agrícola para Sustentar Crescimento e Reduzir Pobreza], World Bank report no. 27889-IN, 30 de julho de 2004. Outras informações sobre as políticas de combate a pobreza na Índia foram retiradas de: Luce, In Spite of the Gods; Srinivasan and Tendulkar, Reintegrating India with the World Economy; e “Trade Policies in South Asia: An Overview”, World Bank report no. 29949; veja também “Domestic Agricultural Market Reforms and Border Trade Liberalization: The Case of India”, National Council for Applied Economic Research [Reformas do Mercado Agrícola Interno e Liberalização Comercial na Fronteira: O Caso da Índia, Conselho Nacional para Pesquisa Econômica Aplicada], Nova Délhi, 2006. A queixa de Amartya Sen sobre o “fogo amigo” foi retirada de seu livro The Argumentative Indian: Writings on Indian History, Culture and Identity [O Indiano Argumentativo: Escritos sobre História, Cultura e Identidade Indiana] (New York: Picador, 2005); sua citação “O efeito geral dos altos preços dos alimentos...” está na pág. 215. O estudo NASSCOM, realizado pela Credit Rating and Information Services of India Ltd. (CRISIL), uma das maiores empresas de pesquisa da Índia, foi feito por Subir Gokarn, Dharmakirti Joshi, Vidya Mahambare, Pooja Mirchandani, Manoj Mohta e Kumar Subramaniam notas 276 277 279-284 282-284 284 e tem o título de “The Rising Tide: Employment and Output Linkages of IT-ITES” [A Maré Montante: Relações entre Emprego e Produção], fevereiro de 2007, disponível na Internet em http://www.nasscom.in/ upload/51269/NASSCOM_CRISIL.pdf. O editorial de Supachai em International Herald Tribune foi intitulado “A Chance to Salvage a Doha Trade Deal” [Uma Chance para Salvar um Acordo sobre Doha] e publicado em 27 de julho de 2004. Informações sobre os atrasos repetidos que os ministros e outros sofreram quando as Cinco Partes Interessadas se reuniram em julho de 2004 podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO Framework Text Delayed as AG Chair Warns That Text Is ‘Substantially Revised’” [Acordo-Quadro da OMC Atrasa após Alerta do Presidente das Negociações Agrícolas de que o Texto Foi ‘Substancialmente Revisto’], WTO Reporter, 28 de julho de 2004; e Paul Blustein, “Five Powers Agree at WTO on Farm Talks” [Cinco Potências Chegam a Acordo em Negociações Agrícolas na OMC], Washington Post, 30 de julho de 2004. A queixa de Wasescha pode ser encontrada em: Guy de Jonquieres and Frances Williams, “Five Powers Agree Doha Negotiating Position” [Cinco Potências Acordam Posição Negociadora Sobre Doha], Financial Times, 30 de julho de 2004. A queixa de Nakagawa pode ser encontrada em “WTO General Council Head to Present Amended Draft Accord Thurs” [Presidente do Conselho Geral da OMC Apresentará Minuta Revisada de Acordo na Quinta-Feira], Japan Economic Newswire, 29 de julho de 2004. O texto que foi apresentado à Sala Verde bem como o texto final acordado podem ser encontrados no site da OMC em http://www.wto. org/english/tratop_e/dda_e/dda_package_july04_e.htm As citações de participantes da Sala Verde foram retiradas de anotações da reunião fornecidas por fontes confidenciais. As citações feitas por Zoellick e Lamy em suas coletivas de imprensa podem ser encontradas em Paul Blustein, “Accord Reached on Global Trade” [Alcançado Acordo sobre Comércio Global], Washington Post, 1 de agosto de 2004. 457 paul blustein CAPÍTULO 10 UM CHICKEN MCNUGGET 287-288 288-290 458 O artigo do Wall Street Journal citando os temores dos analistas sobre o futuro das relações comerciais entre EUA e União Europeia foi: Scott Miller, “Trading on a Friendship for EU-U.S. Commerce” [Barganhando com a Amizade em Prol do Comércio UE-EUA], 18 de outubro de 2004. As manchetes “Love Triangle Ended Spin Agency Contract” [Triângulo Amoroso Termina Contrato com Agência de Publicidade] e “‘Exotic’ Party Animal Stands Out from Dull Cabinet Pack” [Festeiro ‘Exótico’ se Destaca em Meio a Gabinete Tedioso] aparaceram no Times (Londres) em 27 de janeiro de 2001 e 23 de dezembro de 1998, respectivamente. As informações sobre Mandelson foram retiradas de: “Evil Genius of the Labour Party: Peter Mandelson” [Gênio do Mal do Partido Trabalhista: Peter Mandelson], Independent, 1 de julho de 1989, no qual a declaração “Ele agrada aos jornalistas, bajula-os...” pode ser encontrada, bem como das seguintes publicações: uma série de artigos de Donald Macintyre publicados no Independent durante a semana de 19 de abril de 1999, excetuando-se uma biografia de Mandelson que Macintyre escreveu; Macintyre, “The Mandelson Loan: Exotic in Both His Plumage and Connections” [O Empréstimo de Mandelson: Exótico em sua Plumagem e em suas Conexões], Independent, 23 de dezembro de 1998; Colin Brown, “‘Fixers’ in the Shadow of the Red Rose” [Quebra-Galhos na Sombra da Rosa Vermelha], Independent, 4 de outubro de 1990; Peter Lennon, “Guarding the Good Name of the Rose” [Preservando o Bom Nome da Rosa], Guardian, 2 de outubro de 1989; Patrick Wintour, “The Rise of the Red Rinse Conference— How Peter Mandelson and His Aides Have Subdued the Firebrands for the Cameras” [A Ascensão da Conferência de Lavagem Vermelha – Como Peter Mandelson e seus Assessores Matizaram as Tintas para as Câmeras], Guardian, 6 de outubro de 1990; Wintour, “This Time There Will Be No Comeback” [Desta vez não haverá regresso], Guardian, 25 de janeiro de 2001; Geoffrey Levy, “It’s a Long Way from Stoneybroke Cottage” [É um Longo Caminho desde Stonebroke Cottage], Daily Mail, 23 de dezembro de 1998; e T. R. Reid, “As Scandal Brews, Two British Officials Quit” [Com Surgimento de Escândalo Duas Autoridades Britânicas Renunciam], Washington Post, 24 de dezembro de 1998. notas 290 291-293 294 294 295 295-297 Informações sobre o telefonema hostil entre Mandelson e Zoellick, inclusive suas citações, podem ser encontradas em Edward Alden, Daniel Dombey, and Raphael Minder, “Zoellick Blasts Mandelson ‘Spin’ on Aircraft Subsidy Dispute” [Zoellick Critica Abordagem de Mandelson à Disputa sobre Subsídios no Setor Aeronáutico], Financial Times, 6 de abril de 2005; e Paul Meller, “Accusations Fly in EU-U.S. Dispute” [Acusações Voam na Disputa UE-EUA] International Herald Tribune, 7 de abril de 2005. Informações sobre Portman foram retiradas de Elizabeth Auster, “Ready for Prime Time” [Pronto para o Horário Nobre], Cleveland Plain Dealer, 20 de março de 2005; e Auster, “Portman Steers GOP on Bipartisan Course” [Portman Conduz Partido Republicano a uma Trajetória Bipartidária], Cleveland Plain Dealer, 29 de janeiro de 2001. Outras informações, inclusive suas palavras quando a nomeação foi anunciada, podem ser encontradas em Paul Blustein, “Rep. Portman Named Next U.S. Trade Representative” [Deputado Portman Nomeado Próximo Representante de Comércio dos EUA] , Washington Post, 18 de março de 2005. O perfil do New York Times citando a falta de detratores de Portman está em: David E. Rosenbaum, “Bush Loyalist’s New Role Is ‘Facilitator’ in House” [A Nova Função do Seguidor Leal de Bush na Câmara de Representantes é de Facilitador], 16 de fevereiro de 2003. O discurso de Bush nas Nações Unidas em que ele propôs acabar com todos os subsídios pode ser encontrado em Weekly Compilation of Presidential Documents, para a semana de 19 de setembro de 2005. A declaração de Johanns à Comissão de Agricultura do Senado pode ser encontrada em: “Johanns Signals U.S. Subsidies Must Change in New Farm Bill” [Johanns Indica que Subsídios dos EUA Devem Mudar na Nova Lei Agrícola], Inside U.S. Trade, 23 de setembro de 2005. A declaração de Portman “Nossa iniciativa ambiciosa demonstra seriedade de propósitos...” pode ser encontrada em “U.S. Offers Plan on Agriculture for Hong Kong Trade Talks” [EUA Oferece Plano sobre Agricultura para as Negociações Comerciais em Hong Kong], States News Service, 10 de outubro de 2005. Análises da proposta dos EUA de 10 de outubro de 2005, inclusive a afirmação feita pela Oxfam de que a proposta era “cortina de fumaça”, podem ser encontradas em “America Tries to Get Things Moving” [América Tenta Fazer as Coisas Andarem], Economist, 12 de outubro 459 paul blustein 298-299 299 300 300-301 301 302 302-303 303 460 de 2005; e Daniel Pruzin, “U.S. Unveils Ag Subsidy Proposal for WTO, Would Cut U.S. Amber Box Support by 60%” [EUA Divulgam Proposta sobre Subsídios Agrícolas na OMC, Cortes na Caixa Amarela Seriam de 60%], WTO Reporter, 12 de outubro de 2005. As citações de Charveriat e Vaile podem ser encontradas no artigo de Pruzin. Os ataques à União Europeia feitos por Vaile, Portman, e Charveriat depois da reunião de 20 de outubro de 2005 das Cinco Partes Interessadas podem ser encontrados em Paul Blustein, “Nations Blame EU for Stalling Trade Talks” [Países Culpam a UE por Obstaculizar Negociações Comerciais] Washington Post, 21 de outubro de 2005. A declaração de Portman de que a posição dos EUA sobre produtos sensíveis criaria “um buraco grande o suficiente para que um caminhão passasse por ele” pode ser encontrada em: Paul Blustein, “Dispute over Farm Subsidies Stalls Global Trade Negotiations” [Contencioso sobre Subsídios Agrícolas emperra Negociações Globais de Comércio], Washington Post, 16 de outubro de 2005. A ameaça de Chirac de que “A França se reserva o direito de não aprovar” um acordo em Doha pode ser encontrada em: “Chirac: France Reserves Right to Block Deal” [Chirac: França Reserva-se o Direito de Bloquear Acordo], Associated Press, 27 de outubro de 2005. As observações feitas por participantes na videoconferência foram retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial. A discussão do “Um Chicken Mcnugget” foi extraída do texto intitulado “Implications of EU Agriculture Market Access Position” [Implicações da Posição da UE sobre Acesso a Mercados], distribuído aos repórteres, inclusive o autor, pelo Escritório do Representante Americano de Comércio. Informações sobre a eleição de Lamy como diretor-geral e o contraste com a briga de Moore/Supachai foram retiradas de Elizabeth Becker, “French Economist to Lead World Trade Organization” [Economista Francês Dirigirá a Organização Mundial do Comércio], New York Times, 14 de maio de 2005. As observações de participantes na reunião de 9 de novembro de 2005 foram retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial. A declaração de Portman “Não desistimos...” pode ser encontrada em: Daniel Pruzin, “Talks on WTO Ministerial in Disarray as EU, G20 Members Clash over Ag, NAMA” [Discussões sobre Ministerial da notas 303 304 305-309 307 OMC em Confusão com UE e Membros do G-20 Discordando sobre Agricultura e NAMA], WTO Reporter, 10 de novembro de 2005. A queixa de Mandelson sobre a redução de expectativas pode ser encontrada em: Paul Blustein, “Hope Fades for a Pact Easing Trade Barriers” [Diminuem as Esperanças para um Acordo que Reduza as Barreiras Comerciais], Washington Post, 10 de novembro de 2005. Para o meu relato em relação a Finta Danish Dairies, agradeço a meu colega Alan Beattie do Financial Times, cujo maravilhoso artigo “Dipak and the Goliaths” [Dipak e os Golias], publicado em 9 de dezembro de 2005, discutiu alguns dos problemas para a exportação de leite. As novas estimativas do Banco Mundial foram publicadas em Thomas W. Hertel and L. Alan Winters, eds., Poverty and the WTO: Impacts of the Doha Development Agenda [Doha e a OMC: Impactos da Agenda de Desenvolvimento de Doha] (Washington, DC: Palgrave Macmillan and the World Bank, 2006), em que as citações “há mais perdas do que ganhos” (pág. 36) e “as metas de liberalização... tinham de ser bem ambiciosas” (pág. 3) também podem ser encontradas; e Newfarmer, Trade, Doha and Development, em que a declaração “alguns desses números são significativamente mais baixos...” (pág. 59) também pode ser encontrada. As estimativas divulgadas na época da reunião em Doha, conforme observado anteriormente, estavam num relatório de 2001 intitulado “Global Economic Prospects and the Developing Countries 2002” [Perspectivas Econômicas Globais e os Países em Desenvolvimento]. As estimativas referentes à Zâmbia podem ser encontradas no livro de Hertel e Winters, num capítulo escrito por Jorge F. Balat e Guido G. Porto, “The WTO Doha Round, Cotton Sector Dynamics, and Poverty Trends in Zambia” [A Rodada Doha da OMC, A Dinâmica do Setor de Algodão e as Tendêndias da Pobreza na Zâmbia]. O título completo do texto de Frank Ackerman é “The Shrinking Gains from Trade: A Critical Assessment of Doha Round Projections”, Global Development and Environment Institute working paper 05-01, October 2005 [Os Ganhos Decrescentes do Comércio: Uma Avaliação Crítica das Projeções da Rodada Doha, documento de trabalho nr. 05-01 do Instituto do Desenvolvimento e do Meio Ambiente Global, outubro de 2005]. 461 paul blustein 307-311 310 310-311 311 312 313 315 315 A posição do banco acerca da interpretação correta de seus estudos, inclusive as citações de Newfarmer e Winters aos repórteres, pode ser encontrada em: Paul Blustein, “World Bank Reconsiders Trade’s Benefits to Poor” [Banco Mundial Reconsidera Benefícios do Comércio para Pobres], Washington Post, 17 de outubro de 2005. A declaração “isentar [de cortes profundos] até 2% das linhas tarifárias enfraqueceria a rodada” foi retirada de Newfarmer, Trade, Doha and Development, p. 43. A exortação de Mandelson aos representantes governamentais de países em desenvolvimento pode ser encontrada em “EU Seeks Alliance with Poor Countries to Preserve High Ag Tariffs” [UE Busca Aliança com Países Pobres Para Preservar Altas Tarifas Agrícolas], Inside U.S. Trade, 2 de dezembro de 2005. O relatório do Bridges Daily Update sobre a diminuição de queixas sobre inclusão e transparência foi publicado na edição de 14 de dezembro de 2005. O isolamento da União Europeia e da Suíça sobre a questão dos subsídios a exportação foi relatado pelo Bridges Daily Update na edição de 15 de dezembro de 2005. Informações sobre tumultos na noite final em Hong Kong podem ser encontrados em Philip P. Pan and Paul Blustein, “Stormy Times at Trade Talks” [Tempos Turbulentos nas Negociações Comerciais], Washington Post, 18 de dezembro de 2005. O caso memorável de Guy de Jonquieres foi contado em seu artigo, “Tentative Steps Forward Seen as Better Than None at All” [Avanço Tentativo Considerado Melhor do que Avanço Nenhum], Financial Times, 19 de dezembro de 2005. O texto da conferência ministerial de Hong Kong pode ser encontrado no site da OMC em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/ min05_e/final_text_e.htm. CAPÍTULO 11 PETER E SUSAN – FEITOS UM PARA O OUTRO 319 462 A advertência de Lamy contra o adiamento de um acordo sobre modalidades até o final de 2006 pode ser encontrada em Daniel Pruzin, “WTO’s Lamy Stresses April Deadline’s Important, Says Delay Is notas 320 320 320 320-323 ‘Recipe for Disaster’” [Lamy da OMC Frisa Importância do Prazo de Abril, Diz que Atraso é Receita para Desastre], WTO Reporter, 29 de março de 2006. A declaração de Bush “Agora ela usará sua experiência...” pode ser encontrada em Weekly Compilation of Presidential Documents, para a semana de 24 de abril de 2006. A declaração de Grassley de que a saída de Portman era “má notícia” para as negociações de Doha pode ser encontrada em: Gary G. Yerkey, “President Nominates Schwab as New USTR to Replace Portman, Who Will Move to OMB” [Presidente Nomeia Schwab Nova USTR em Substituição a Portman, Que Mudará para o OMB], WTO Reporter, 19 de abril de 2006. A declaração de Mandelson, “É claro que vamos nos virar sem ele...”, pode ser encontrada em: Paul Blustein, “Hopes for Trade Talks Dim After Personnel Switch” [Esperanças para Negociações Comerciais Ficam Reduzidas Após Mudança de Pessoal], Washington Post, 19 de abril de 2006. Informações sobre Schwab foram retiradas de: Bruce Stokes, “Employing Tough Talk, Schwab Builds Consensus on Trade” [Com Conversa Dura, Schwab Constrói Consenso no Comércio], National Journal, 31 de agosto de 1985; Eric Pianin, “Enforcer Behind the Trade Bill; Economist Schwab Wants the U.S. to Get Tough and Get Reciprocity” [Economista Schwab Quer Posição Dura dos EUA e Reciprocidade], Washington Post, 24 de julho de 1987; Paul Blustein, “Dealt a Difficult Hand, Trade Official Presses On” [Apesar de Revés, Autoridade de Comércio Segue Pressionando], Washington Post, 13 de junho de 2006; Evan Clark, “Bush Trade Chief Schwab: Persistent, Persuasive and Pragmatic” [Schwab, a Chefe de Comércio de Bush: Persistente, Persuasiva e Pragmática], WWD (Women’s Wear Daily), 21 de julho de 2006; Nina Easton, “Can This Woman Save Free Trade?” [Essa Mulher Conseguirá Salvar o Livre Comércio], Fortune, 26 de setembro de 2007, em que seus comentários sobre seus esforços de salvar seu marido falecido podem ser encontrados; e Susan C. Schwab, “Diplomacy over Drama” [Diplomacia por cima de drama], conforme contado a Patricia R. Olsen, New York Times, 28 de setembro de 2008, onde seus comentários sobre ele após seu falecimento podem encontrados. 463 paul blustein 323 323 323 325-327 328 328 328 329-331 331 332 464 O comentário de Schwab de que uma versão Doha Light “desperdiçaria uma oportunidade única” pode ser encontrado em: Paul Blustein, “Dealt a Difficult Hand, Trade Official Presses On”, Washington Post, 13 de junho de 2006. A repreensão de Grassley de que rejeitaria um “Plano B... abordagem minimalista...” pode ser encontrada na audiência de confirmação no Senado de Schwab em 16 de maio de 2006. Uma transcrição da audiência foi preparada pelo Federal News Service. Informações sobre a carta dos grupos agrícolas podem ser encontradas em “Lamy Sets June Meeting, Ag Groups Warn Against More U.S. Concessions” [Lamy Marca Reunião em Junho, Grupos Agrícolas Alertam Contra Mais Concessões dos EUA], Inside U.S. Trade, 2 de junho de 2006. Uma cópia da carta acompanhou o artigo. Os comentários de participantes na reunião do G-6 foram retirados de anotações fornecidas por fontes confidenciais. Os comentários de Lamy na coletiva de imprensa após a reunião “Não houve progresso e, portanto, estamos em crise...” podem ser encontrados em: Paul Blustein, “Trade Ministers Give Up on Compromise”, Washington Post, 2 de julho de 2006. Os comentários de Schwab “Liderança é isso, não?” podem ser encontrados em: Paul Blustein, “Trade Deal Looks More Like a Distant Dream” [Acordo Comercial Parece Mais do que um Sonho Distante], Washington Post, 4 de julho de 2006. O comunicado sobre comércio do G-8 em São Petersburgo está disponível na Internet em http://en.g8russia.ru/docs/16.html. As observações de participantes da reunião do G-6 de 23 de julho foram retiradas de anotações fornecidas por fontes confidenciais. O comentário de Lamy de que “não há vencedores...” pode ser encontrado em Alan Beattie, “WTO Faces an Uncertain Future as Its Negotiating System Seizes Up” [OMC Enfrenta Futuro Incerto com Esgotamento de seu Sistema Negociador], Financial Times, 25 de julho de 2006. A observação de Schwab sobre Mandelson de que “ele não quis conversa” pode ser encontrada em: Paul Blustein, “U.S. Not Giving Up on Failed WTO Negotiations” [EUA Não Desistem de Negociações Fracassadas na OMC], Washington Post, 27 de julho de 2006. notas 332-336 335 338-341 340 344-346 344 346 A história sobre Danubia Rodriguez foi retirada em grande parte de: Paul Blustein, “Banking on Openness and Proximity to U.S.” [Faturando com a Abertura e a Proximidade dos EUA], Washington Post, 17 de novembro de 2004, e de um artigo de prosseguimento escrito por Paul Blustein e Peter S. Goodman, “A New Pattern Is Cut for Global Textile Trade; China Likely to Dominate as Quotas Expire” [Um Novo Padrão Surge no Comércio Global de Têxteis; Provável Domínio da China com a Expiração das Quotas], Washington Post, 17 de novembro de 2004. Informações adicionais sobre as dificuldades dos setores manufatureiros de países em desenvolvimento frente à concorrência chinesa, incluindo a perda de empregos no setor têxtil da Turquia, podem ser encontradas em Helen Murphy, Christopher Swann, and Mark Drajem, “China’s Power Erodes Free-Trade Support in Developing Nations” [Poder da China Debilita o Apoio ao Livre Comércio nos Países em Desenvolvimento], Bloomberg News, 2 de abril de 2007. Informações sobre a suposta manipulação monetária da China, inclusive detalhes sobre Shanghai Datong e E&E Manufacturing, foram retiradas de: Paul Blustein e Peter S. Goodman, “China’s Export Engine; International Competitors Crying Foul over Cheap Currency” [Potência Exportadora da China; Concorrentes Internacionais Denunciam Cambio Barato], Washington Post, 13 de setembro de 2006. Informações sobre o “relançamento brando” de Lamy da rodada podem ser encontradas em: Daniel Pruzin, “WTO Chief Lamy Announces ‘Soft’ Restart to Doha Round Talks” [Dirigente da OMC Lamy Anuncia Recomeço ‘Suave’ das Negociações da Rodada Doha], WTO Reporter, 17 de novembro de 2006. As observações de participantes da reunião do G-4 em Potsdam foram retiradas de anotações fornecidas por uma fonte confidencial. Informações sobre a elevação de tarifas pelo Brasil sobre vestuário e calçados e os motivos disso podem ser encontradas em U.S. Department of Agriculture GAIN (Global Agriculture Information Network) report BR7621, na Internet em http://www.fas.usda.gov/ gainfiles/200705/146281089.pdf; e Hong Kong Trade Development Council, “Business Alert-US”, edição de 10 de maio de 2007, na Internet em http://info.hktdc.com/alert/us0710g.htm. Os comentários de Amorim aos jornalistas brasileiros após a reunião de Potsdam podem ser encontrados em “Brazil’s Amorim Accuses US, 465 paul blustein 347 EU of Making Prior Agreement” [Amorim Acusa EUA e UE de Fechar Acordo Prévio], Valor Econômico, 22 de junho de 2007 (traduzido do português). Os números sobre o crescimento do comércio global desde 1998 podem ser encontrados no site da OMC em http://www.wto.org/english/ news_e/pres09_e/pr554_e.htm CAPÍTULO 12 MESMO AS EXCEÇÕES TÊM EXCEÇÕES 350 351 354 354-357 466 Citações de ministros na reunião do Fórum Econômico Mundial no início de 2008 podem ser encontradas em: Sean O’Grady, “Mandelson in Call to Rescue World Trade Talks” [Mandelson Faz Apelo para Resgatar Negociações Comerciais Globais], Independent, 28 de janeiro de 2008; e Patrick Baert, “WTO Ministers Hope for April Breakthrough” [Ministros da OMC Esperam Fazer Grande Avanço em Abril], Agence France-Presse, 26 de janeiro de 2008. Os comentários de Falconer na coletiva de imprensa de 17 de julho de 2007 podem ser encontrados no site da OMC em http://www.wto. org/english/news_e/news07_e/news07_e.htm. Seu texto pode ser encontrado em http://www.wto.org/english/tratop_e/agric_e/chair_ texts07_e.htm. As citações de Stephenson da coletiva de imprensa de 17 de julho de 2007 também podem ser encontradas no site da OMC em http://www. wto.org/english/news_e/news07_e/news07_e.htm Informações sobre a evolução do texto sobre agricultura podem ser encontradas no site da OMC em http://www.wto.org/english/tratop_e/ agric_e/negoti_e.htm e as informações acerca da evolução dos textos sobre NAMA podem ser encontradas em http://www.wto.org/english/ tratop_e/markacc_e/markacc_chair_texts07_e.htm. Outras informações sobre ambos os textos e a reação a eles podem ser encontradas nos seguintes artigos no WTO Reporter, todos de autoria de Daniel Pruzin: “WTO Chairmen Issue Draft Ag, NAMA Texts Outlining Tough Concessions Needed in Doha” [Presidentes dos Grupos Negociadores Circulam Projetos de Texto de Agricultura e NAMA Delineando as Duras Concessões Necessárias em Doha], 18 de julho de 2007; “U.S. Criticizes Draft NAMA Text, Refutes Developing Nations’ Arguments notas 354-355 355-356 356 357-360 on Tariffs” [EUA Cri
Similar documents
miolo O SISTEMA DE SOLUÇÃO OMC CORRIGIDO.indd
A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidad...
More information