Revista do Clima - Planeta Sustentável
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Revista do Clima - Planeta Sustentável
Revista do Com textos de: volume 2 os desafios até 2020 um novo tempo Achim Steiner Alexandre Comin Augusto Rodrigues Caco de Paula Carlo Linkevieius Pereira Chiaki Karen Tada Débora Spitzcovsky Eduardo Matias Felipe Ferreira Jean R. Benevides Jorge Soto Kalil Cury Filho Letícia Guimarães Liana John Mariana Martinato Matthew Shirts Paulo Roberto dos Santos Pavan Sukhdev Ricardo Abramovay Rodolfo Nardez Sirol Rodrigo Gerhardt Suzana Khan Tasso Azevedo Thelma Krug Tim Jackson Virgílio Viana O tempo mudou As Cidades precisam ser preparadas e os oceanos protegidos dos impactos das mudanças climÁticas Emissões brasileiras Levantamento por setor aponta: energia e agropecuária ultrapassam desmatamento Visões múltiplas Empresários, pesquisadores, economistas e diplomatas analisam os caminhos para a economia de baixo carbono O grande avanço da COP19 Entenda os resultados do Marco de Varsóvia para o REDD+ e d i to r i a l será que vai dar tempo? expedi en te REVISTA DO CLIMA 2 é uma publicação do Planeta Sustentável e Editora Abril. Direção: Caco de Paula. Coordenação: Matthew Shirts. Edição: Alessandro Meiguins, Chiaki Karen Tada e Rodrigo Gerhardt. Com textos de: Achim Steiner, Alexandre Comin, Augusto Rodrigues, Caco de Paula, Carlo Linkevieius, Chikai Karen Tada, Débora Spitzcovsky, Eduardo Matias, Felipe Ferreira, Jean Benevides, Jorge Soto, Kalil Cury Filho, Letícia Guimarães, Liana John, Mariana Martinato, Matthew Shirts, Paulo Artaxo, Paulo Roberto dos Santos, Pavan Sukhdev, Ricardo Abramovay, Rodolfo Nardez Sirol, Rodrigo Gerhardt, Suzana Kahn, Tasso Azevedo, Thelma Krug, Tim Jackson, Virgílio Viana Projeto Gráfico: Suye Okubo. Arte e Infografia: Naná de Freitas, Letícia Ledoux e Raísa Benito – Estúdio Alcachofra. Revisão: Kátia Shimabukuro. Planeta Sustentável é uma iniciativa multiplataforma da Editora Abril, cuja missão é disseminar conhecimento sobre sustentabilidade. Diretor: Caco de Paula. Coordenador editorial: Matthew Shirts. Gerente de conteúdo do site: Mônica Nunes. Site: Débora Spitzcovsky, Jéssica Miwa, Marina Maciel, Pedro Gonçalves, Gilberto Castro. Marketing: Priscila Perasolo, Arthur Pesce Eliezer, Gabriela Moya, Juliana Egito, Chiaki Karen Tada, Rodrigo Gerhardt e Maria Bitarello. Coordenação administrativa: Ione Bonfim e Rafael de Almeida. 2 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Um antigo dito popular afirma que o simples fato de se saber para onde se quer ir já significa um avanço equivalente a percorrer metade do caminho. A imagem é muito adequada aos desafios trazidos pelas mudanças climáticas. Depois de ter sido manipulada para parecer o contrário do que efetivamente é, a questão ressurge com espantosa clareza: ou nos dedicamos a construir rapidamente uma economia de baixo carbono ou, em breve, não vai dar tempo de fazer mais nada que seja capaz de evitar os piores impactos decorrentes dessa falta de ação. Já sabemos onde queremos chegar. É como se tivéssemos percorrido metade do caminho. Agora é preciso apressar o passo. É isso o que nos diz a boa ciência, é isso que defendem os líderes comprometidos com ações efetivas no front do clima. É preciso agir, manter o curso na direção certa e prosseguir. Ajudar a indicar essa direção certa é a meta desta edição que o Planeta Sustentável traz, em meio ao aprendizado e as discussões levantadas pelo Quinto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Contamos com colaborações multidisciplinares para compor, neste volume 2 da Revista do Clima, um dos mais amplos painéis já produzidos sobre o tema. Nas páginas seguintes, físicos, oceanógrafos, economistas e engenheiros somam-se a profissionais de empresas, formuladores de políticas públicas, jornalistas e diplomatas para lançar luzes sobre o principal ponto na agenda desta década. Num dos textos desta edição, extraído da fala de Achim Steiner, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ficamos sabendo que a destruição ambiental custa cerca de 4,7 trilhões de dólares por ano à economia mundial. Atribuir um preço ao que estamos destruindo é uma forma de identificarmos o valor do que deveríamos estar construindo, a economia de baixo carbono. Já sabemos qual é o caminho. Agora precisamos percorrê-lo. Será que vai dar tempo? Caco de Paula Diretor do Planeta Sustentável 3 con v ida d o s Achim Steiner é diretorexecutivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Foi diretor geral da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Augusto Rodrigues é diretor de Comunicação Empresarial e Relações Institucionais da CPFL Energia, mestre em ciência política pela Unicamp. É vicepresidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global e conselheiro do Planeta Sustentável. Carlo Linkevieius Pereira é gerente corporativo de sustentabilidade da CPFL Energia. É bacharel em química e mestre em ciências ambientais pela USP, com MBA em sustentabilidade pela Leuphana Universitat, Alemanha. Eduardo felipe Matias é sócio do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados, doutor em direito internacional pela USP e autor dos livros A Humanidade e suas Fronteiras e A Humanidade Contra as Cordas. JEAN R. BENEVIDES é gerente nacional de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental da Caixa, onde trabalha há 24 anos, sendo 17 deles dedicados às áreas socioambientais do banco. Também é conselheiro do Planeta Sustentável. Kalil Cury Filho é diretor da Partner Desenvolvimento. É conselheiro do Planeta Sustentável, da Aberje e do Conselho da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil - São Paulo. Foi secretário de desenvolvimento econômico do Paraná. Letícia Guimarães é analista ambiental da Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). 4 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Alexandre Comin é diretor do Departamento de Competitividade Industrial e secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Caco de Paula é jornalista e diretor do Núcleo Planeta Sustentável. Dirigiu o núcleo de publicações de turismo da Abril e a National Geographic Brasil. Também atuou em O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Veja. Débora Spitzcovsky é repórter do site do Planeta Sustentável e, desde o início da carreira, dedica-se a cobrir questões relacionadas à sustentabilidade. Felipe Ferreira é diplomata da Divisão de Clima, Ozônio e Segurança Química do Ministério das Relações Exteriores. Jorge Soto é diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem. É também presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global e diretor do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Chiaki Karen Tada é jornalista formada pela ECA/USP, mestre em antropologia social pela SOAS/ Universidade de Londres e editora de conteúdo do Planeta Sustentável. Liana John é jornalista ambiental, especializada em biodiversidade, mudanças climáticas e uso racional de recursos naturais. É conselheira do Planeta Sustentável e autora do blog Biodiversa, no site. Mariana Paal Martinato é gerente de Sustentabilidade do Grupo Abril. É especialista em sustentabilidade e responsabilidade corporativa pela Unicamp, com formação em empreendedorismo, mudanças climáticas e liderança para o desenvolvimento sustentável. Moacyr Araújo entrevistado especial, é integrante do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenou o Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Paulo Roberto dos Santos é advogado e vice-presidente de Operações Corporativas da Caixa. Já foi ouvidor e gestor do jurídico e atualmente preside o Comitê de Sustentabilidade e Responsabilidade Socioambiental do banco. Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp e conselheiro do Planeta Sustentável. Rodrigo Gerhardt é jornalista, editor de conteúdo do Planeta Sustentável. É especialista em Gestão da Sustentabilidade pela Fundação Getúlio Vargas. Tasso Azevedo é empreendedor socioambiental e consultor sobre florestas, clima e sustentabilidade. É coordenador do Blog do Clima e conselheiro do Planeta Sustentável. Tim Jackson é professor de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Surrey, na Inglaterra, e autor de Prosperidade sem Crescimento, lançado em português pelo Planeta Sustentável. Matthew Shirts é jornalista e coordenador editorial do Planeta Sustentável. Dirigiu a revista National Geographic Brasil por 13 anos e foi cronista do jornal O Estado de São Paulo. Desde 2012 escreve regularmente na revista Veja SP. Paulo Artaxo entrevistado especial, é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. É membro do IPCC e da coordenação do Programa Fapesp de Mudanças Globais e da Rede Clima do MCT. Pavan Sukhdev é autor do relatório The Economics of Ecossystems and Biodiversity (Teeb), da ONU, que fala do valor da biodiversidade para a sociedade e as empresas. É autor de Corporação 2020, lançado em português pelo Planeta Sustentável. Rodolfo Nardez Sirol é oceanógrafo pela Universidade Federal do Rio Grande, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Viçosa. Atua no setor elétrico desde 2001 e atualmente é responsável pela diretoria de Meio Ambiente do grupo CPFL Energia. suzana kahn é subsecretária de Economia Verde da Secretaria Estadual de Ambiente do Rio de Janeiro, presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática e vice-presidente do Grupo de Mitigação do IPCC. Thelma Krug é assessora internacional do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Virgílio Viana é Ph.D por Harvard; foi secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (2003-8). É o atual superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). 5 r e v i s ta do c l i ma 1 a história do século edição A nova realidade da mudança climática, do P laneta Sustentável e da united nations foundation 6 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 na primeira edição, com a chamada A nova realidade da mudança climática, o Planeta Sustentável compilou artigos do blog do clima sobre o novo relatório do ipcc Em uma edição de 36 páginas, o Planeta Sustentável reuniu artigos do Blog do Clima, que tem a curadoria de Tasso Azevedo, coordenação de Matthew Shirts e Mônica Nunes, editora do site, e a colaboração de vários jornalistas e especialistas. Esse material serviu de base para um curso, promovido pelo Planeta, para melhor compreender os dados do 5o Relatório do IPCC e como preparação para a COP19. Os artigos, gráficos e mídias contam os principais aspectos das urgências climáticas. Baixe a edição, gratuitamente, em planetasustentavel.abril.com.br/pdf/nova-realidade-mudanca-climatica.pdf. Veja, ao lado, um resumo dos principais artigos. 1• cinquenta gigatons de cinza tasso azevedo “O planeta passou por ciclos de aumento e redução de GEE na atmosfera, que duravam milhares de anos e atingiam picos de 300 ppm (partes por milhão) de CO2e na atmosfera, seguidos de reduções para até 170 ppm. Desde os meados do século 20 emitimos mais CO2 do que o planeta é capaz de absorver. Invertemos o caminho natural do planeta, que estava em um ciclo de redução.” 3• a ciência do clima josé eduardo mendonça ”O método e técnica de observação que determinaram o aumento das concentrações de CO2 na atmosfera foram obra do químico e oceanógrafo Charles Keeling. Ele descobriu as variações de concentração de CO2. Sem seu trabalho os cientistas não teriam a ferramenta essencial para acompanhar o que estamos fazendo com a Terra.” 5• o que diz o relatório brasileiro débora spitzcovsky ”Em 50 anos, a temperatura no Brasil poderá ficar até 3 ºC mais alta. O aumento será mais intenso no Nordeste e no Norte. Os dados são do primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.” É o que diz o climatologista Tercio Ambrizzi, coordenador do Grupo de Trabalho 1, do PBMC, em entrevista exclusiva. 2• por que 2 oC? tasso azevedo ”Esse foi o limite definido, durante a COP15, em 2009, para o aumento da temperatura média do planeta, sem que a humanidade seja dramaticamente afetada. Esse cenário está cada vez mais distante e há chances da temperatura média subir 4 oC entre 2050 e 2070. Devemos evitar isso a qualquer custo.” 4• o sol e o oceANo no balanço energético da terra suzana kahn “Desde 1970 presenciamos uma entrada de calor na Terra superior à saída. Ou seja, o balanço energético do planeta está em desequilíbrio. O oceano tem papel de destaque na busca pelo equilíbrio, mas ele tem aquecido, expandido e acidificado. As três últimas décadas foram as mais quentes desde o século 19. O aquecimento global é inequívoco.” 6• A eficiência do estudo brasileiro suzana camargo ”O Brasil desenvolveu um modelo de sistema terrestre, que integra variações dos mais diversos elementos- atmosfera, oceanos, superfície. Os dados são analisados por cientistas brasileiros com ajuda do supercomputador Tupã, que possui 30 mil processadores capazes de realizar centenas de milhões de cálculos por segundo.” 7 a or i g e m d o c o n t e ú d o multidisciplinar e multimídia mídias site expedição cop19 O Planeta publica mais de 300 páginas anuais sobre sustentabilidade em cerca de 40 revistas da Editora Abril. São anúncios que tratam de múltiplos aspectos da questão. Selecionamos algumas que tratam do aquecimento global. Com edição ágil e atualizações constantes, o site do Planeta oferece uma gama abrangente de abordagens sobre o assunto em blogs, fotos, vídeos, notícias, debates, infográficos, entrevistas, simuladores e muito mais. Uma comitiva do Planeta, formada por 13 pessoas, foi a Varsóvia para acompanhar os debates que envolveram representantes de quase 200 países, participou de eventos de entidades empresariais e trazem aqui as suas reflexões e contribuições. planetasustentavel.abril.com.br planetasustentavel.abril.com.br/blog/ blog-do-clima/ t blo g DO CLIMA A R TIG Os liv ro s Desde julho de 2013, o Blog do Clima publica, no site do Planeta, aspectos urgentes sobre as mudanças climáticas. Com curadoria de Tasso Azevedo, é coordenado por Matthew Shirts e Mônica Nunes. Diversos estudiosos e profissionais responsáveis por áreas de sustentabilidade de empresas de grande porte escrevem artigos únicos para esta edição especial da Revista do Clima do Planeta. O Planeta publica, através de seu selo, livros de renomados pensadores da nova economia. O site do Planeta publica trechos das obras e insights dos autores em blogs. planetasustentavel.abril.com.br/blog/ blog-do-clima/ planetasustentavel.abril.com.br/blog/ muito-alem-da-economia-verde planetasustentavel.abril.com.br/blog/ corporacao-2020 planetasustentavel.abril.com.br/blog/ prosperidade-sem-crescimento 8 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 9 Su má r i o 10 14 16 20 22 23 26 28 34 36 37 38 42 43 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Cidades com estrUtura precária serão afetadas Suzana Khan Precisamos de mais ambição Tasso Azevedo Pensar e agir Caco de Paula O hamster e a borboleta Pavan Sukhdev Prosperidade duradoura Tim Jackson Como o aquecimento provoca tempestades Matthew Shirts A hora e a vez de um acordo mundial Chiaki Karen Tada e Matthew Shirts Alívio no chorinho da prorrogação Liana John A economia a serviço do desenvolvimento Ricardo Abramovay COP20: Peru Chiaki Karen Tada o brasil precisa cuidar do seu oceano Débora Spitzcovsky não há carvão limpo Chiaki Karen Tada Olhar além do alcance Mariana Martinato 44 46 48 49 52 54 58 60 66 70 74 76 77 onde está nossa humanidade? Rodrigo Gerhardt Cooperação Sul-Sul: Novas perspectivas Virgílio Viana Avanço empresarial Kalil Cury Filho Multiplicadores de mudanças Achim Steiner Novos Horizontes Alexandre Comin A energia que vem do sertão Jean R. Benevides Gases de efeito estufa transformam a gestão Rodolfo Nardez Sirol O setor energético e o desafio dos 2 ºC Augusto Rodrigues O marco de Varsóvia para Redd+ Thelma Krug, Letícia Guimarães e Felipe Ferreira O baixo carbono e o livre comércio Eduardo Matias Responsabilidade compartilhada Carlo Linkevieius Pereira por uma virada climática e competitiva jorge soto o setor financeiro e a agenda do século 21 paulo roberto dos santos 11 gráficos d o i p cc mudanças de temperatura das superfícies terrestre e oceânica medição entre 1850 e 2012 Média anual 0.4 0.2 -0.0 -0.2 -0.4 -0.6 0.6 Média por décadas 0.4 0.2 -0.0 -0.2 -0.4 -0.6 1850 1900 1950 2000 -0.6 o aumento nas temperaturas está presente em todas as superfícies do globo 12 revista c lima | volume 2 -0.4 -0.2 0 0.2 Pode-se observar aumentos drásticos de temperatura por todo o planeta. Há regiões que já mostram um aumento de 2,5 ºC. Parte delas está no Brasil 0.4 0.6 0.8 1.0 1.25 1.50 1.75 2.5 fonte: sumário do 5o relatório do ipcc - grupo de trabalho 1 Alteração na temperatura em relação a 1961-1990 (em ºC) 0.6 aumen to da temperatura po r região do pl an eta entre 1901 e 2012 (em ºC ) 13 t AR TI GO Cidades com estrutura precária são afetadas As mudanças climáticas irão estressar áreas urbanas mais vulneráveis. É preciso implantar medidas de adaptação Suzana Kahn A temperatura média pode subir até 6 ºC em 2100, e o regime de chuvas no Brasil também sofrerá alterações por conta das mudanças climáticas: nos Pampas e na Mata Atlântica do Sudeste pode haver aumento de até 30% na precipitação, enquanto na Amazônia e na Caatinga, o cenário deve ser de seca, com redução de até 40% nas chuvas. Em março, na cidade de Yokohama, no Japão, ocorrerá sessão plenária para aprovar o sumário para tomadores de decisão do relatório do IPCC sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas e, em abril, na cidade de Berlim, na Alemanha, será a vez da aprovação do sumário do relatório do IPCC de mitigação. O objetivo maior da informação contida nos dois sumários é que os políticos possam traçar estratégias e adotar medidas de redução dos riscos associados à mudança climática, que podem ser tanto de adaptação quanto de mitigação e 14 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 uma combinação de ambas, sendo que a escala dos efeitos da mitigação é global e da adaptação tem efeitos locais. Tradicionalmente, a mitigação recebe muito mais atenção na comunidade acadêmica e nas negociações climáticas. Uma das razões é que a mitigação traz outros benefícios (no caso de ações em transportes, menos congestionamentos, poluição, tempo de viagem etc.) além de reduzir emissões de que se reduza muito a emissão, o carbono que já está na atmosfera ficará lá por mais de cem anos) e da dificuldade de reduzir emissões, adaptar-se a um novo padrão climático é imperativo. Adicionalmente, apesar de a adaptação apresentar benefícios localizados, eles podem ser percebidos no curto prazo, diferentemente de ações de mitigação. Recentemente, a questão urbana e a participação dos poderes As cidades são responsáveis pela maior parte da produção e do consumo em todo o mundo. nelas está uma das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa, em função da demanda crescente por energia gases de efeito estufa. Outra razão é que é mais simples mensurar e monitorar a redução de emissões do que avaliar medidas de adaptação. No entanto, por conta da inércia do sistema climático (mesmo locais na arena internacional começaram a ter maior destaque no debate climático. As cidades são responsáveis pela maior parte da produção e do consumo em todo o mundo e são propulsoras primá- rias de crescimento e desenvolvimento econômico. Por conta disso, é nas cidades que está uma das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa, em função da demanda crescente por energia. É também o local em que os impactos das mudanças climáticas serão mais sentidos, pois é onde reside a maior parte da população mundial. Ou seja, é nas cidades que se deve buscar a implementação de medidas de mitigação e adaptação. Porém, vale destacar que somente com medidas de adaptação é que se poderá reduzir a vulnerabilidade “estrutural” das cidades, sobretudo aquelas que se encontram em países em desenvolvimento. A vulnerabilidade estrutural vai além da vulnerabilidade ao sistema climático. A vulnerabilidade pode ser entendida em função de três componentes: capacidade de adaptação, exposição e sensibilidade. Locais com problemas associados ao crescimento desordenado e desigual, deficiências na área de saúde e educação, habitações em áreas de risco, inexistência de sistemas de saneamento, infraestrutura urbana precária, entre outras mazelas, são áreas que estruturalmente se recuperar o mais rapidamente possível, tornando-se mais fortes a partir desses choques e tensões. De acordo com a Rockefeller Foundation, o custo dos desastres urba- As áreas urbanas começam a buscar o aumento de resiliência, ou seja, a capacidade de responder a catástrofes já são sensíveis. Assim, a questão climática só irá estressar ainda mais a condição desses locais, potencializando a sua vulnerabilidade. Por conta disso, atualmente, cidades de todo o mundo começam a despertar para a questão de aumento de resiliência, que pode ser entendida como o quanto uma nação ou uma cidade está preparada para enfrentar problemas adversos. Construir resiliência diz respeito a tornar as pessoas, comunidades e sistemas mais bem preparados para resistir a catástrofes – naturais ou de origem antrópica – e a serem capazes de nos, só em 2011, foi estimado em mais de 380 bilhões de dólares. Ou seja, há que se ter uma avaliação de vulnerabilidade que inclua fatores “não climáticos” e que compreenda questões ambientais, econômicas, sociais, demográficas, tecnológicas e políticas. Nesse caso, lamentavelmente, as nossas cidades estão muito desprotegidas. Um órgão do porte e abrangência do IPCC não tem condições de focalizar questões tão heterogêneas e tão dependentes de características diversas. Esse papel de análise da vulnerabilidade estrutural das cidades cabe aos poderes locais. 15 BLOG + S ITE Precisamos de mais ambição Para cobrar uma postura mais pró-ativa dos países desenvolvidos, o Brasil precisa ampliar suas metas de redução de emissão de gee Tasso Azevedo U m dos temas-chave dos debates das últimas COPs (Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU) e que deve perdurar até a COP21, em Paris, é a necessidade de aumentar o nível de ambição dos compromissos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelos países-membro de forma a fechar a lacuna entre as emissões projetadas para 2020 e os limites de tiva queda de suas emissões de GEE desde 2005, como consequência da diminuição do desmatamento e, especialmente, pelos compromissos voluntários assumidos entre 2008 e 2009 para mitigar emissões nos setores de energia, indústria, agropecuária e mudança de uso do solo. O nível de ambição do País vinha colocando pressão sobre os países desenvolvidos e outras economias emergentes. Mas uma série de sinais recentes uma série de sinais recentes aponta um cenário em mutação. nossos resultados estão sendo refreados emissões indicados pelo IPCC para termos uma chance razoável de limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2 oC. O Brasil tem sido um firme advogado da pressão sobre os países desenvolvidos para que estes aumentem significativamente o seu nível de ambição para a redução das emissões até 2020. A liderança e a força moral do Brasil estão calcadas na significa- 16 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 aponta um cenário em mutação. Nossos resultados estão sendo refreados e o nível de ambição está sendo revisado, para baixo. O desmatamento voltou a crescer em 2012/2013 na Amazônia (Prodes/ Inpe) e Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/Inpe). Dados preliminares do Lapig – Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento mostram a mesma tendência no Cerrado. A criação de unidades de conservação, indicada por vários estudos independentes como um dos mais eficazes meios de evitar o desmatamento, não só foi praticamente paralisada no atual governo como foi aberta uma frente de redução das áreas existentes para fins de estudos e implementação de projetos de infraestrutura. mudança de perfil Em novembro, os dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), publicados pelo Observatório do Clima, mostram profunda mudança no perfil das emissões brasileiras. As emissões por desmatamento – que chegaram a representar dois terços das emissões, com queda nos últimos oito anos – em 2012, representaram menos de um terço do total. As emissões diretas da agropecuária e do setor de energia já representam quase 60% das emissões. O crescimento das emissões do setor de energia acelerou nos últimos anos e deve se tornar a principal fonte nos próximos anos, ul- trapassando as de agropecuária e de mudança de uso da terra. Um dos objetivos do plano nacional de mudanças climáticas, lançado em 2008, era aumentar em 11% o consumo de etanol até 2018. Em vez disso, entre 2008 e 2012, o consumo de etanol caiu mais de 20% e o de gasolina disparou, estimulado por uma política de subsídio implícito no controle de preços. A proporção de fontes renováveis em nossa matriz energética caiu de 45% para 42,3% entre 2009 e 2012, quando a meta apresentada em 2010, no Conselho de Política Energética, era aumentar essa participação para 48% até 2020. A geração de energia elétrica, que historicamente representou uma fração de cerca de 1% das emissões, chegou a quase 4% de participação em 2012, em função da necessidade de ligar termelétricas de contingência por longos períodos. E, em 2013, órgãos reguladores do setor elétrico fizeram uma séria de movimentos para viabilizar a termelétrica de carvão mineral como parte da base do sistema elétrico. metas de redução Esses sinais dão pistas do que pode ter provocado um nível de ambição tão baixo na proposta de atualização do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, colocado em consulta pública nos dentro de nossas possibilidades, para liderar pelo exemplo. Precisamos reverter esse quadro em 2014, recuperando e reforçando as politicas públicas orientadas para mitigação das emissões, buscando não não podemos retroceder em nossos compromissos. temos que ser mais ambiciosos, dentro de nossas possibilidades meses de outubro e novembro pelo governo federal. A proposta de atualização produziu um documento com muitas palavras, mas pouca reflexão sobre a evolução no cenário brasileiro de emissões. As metas de mitigação de emissões foram revisadas para baixo, retrocedendo em relação ao documento original publicado em 2008. No momento em que cobramos, com razão, um aumento de ambição dos países desenvolvidos em relação a seus compromissos de redução de emissões, até 2020 e para o período posterior, não podemos retroceder em nossos compromissos. Pelo contrário, temos de ser muito mais ambiciosos, Texto originalmente publicado em 2/12/2013 só cumprir as metas estabelecidas em 2008, como reforçá-las e aprofundá-las. Esse processo pode começar com uma profunda revisão da proposta de atualização do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, de forma que ele represente um claro aumento da ambição brasileira para contribuir para mitigação das emissões globais de gases de efeito estufa. Devido aos graves impactos que as mudanças climáticas podem trazer para o Brasil, conforme indicado pelo recente relatório do Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas (RAN1), o aumento do nível de ambição é mais do que legítimo interesse nacional. 17 as emissões do brasil por setor Resíduos 55,7% Disposição de resíduos 31,4% Efluentes domésticos 12,6% Distribuição por setor, em % Estimativa de emissões totais de GEE em 2012, por setor, em CO 2 e (GWP) Efluentes industriais 0,3% Incineração de resíduos Indústria 45,8% Ferro e aço 30,3% Cimento 11,5% 46,9Mt 5,3% 3,7% Alumínio Uso da Terra 3,3% 3% Refrigeração Calagem 3,6% Emissões por tratamento de efluentes e disposição de resíduos 84Mt Emissões decorrentes dos processos físico-químicos de produção industrial Mudanças de uso do solo energia 46,8% Agropecuária 436,7Mt 32,1% CO2 N0x CF4 CO2 CH4 NMVOC CO N2O N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO > CH4 N20 N0x CO2 NMVOC CO 4,4% > CH4 4,1% > CH4 N20 N0x CO Emissões para produção e consumo de energia e de combustíveis 20,9% Industrial 29,4% 9,6% Setor energético 440,5Mt Emissões nas atividades de produção animal e vegetal, e manejo de solos Residencial revista do c lima | volume 2 > CH4 N20 > CH4 N20 5,7% 29,7% 18 > CO2 CO 11,1% Fermentação entérica > CO2 NMVOC Geração de eletricidade 55,9% > CO2 CO2 Queima de resíduos Solos agrícolas CO2 > HFC 0,8% 36,4% CH4 N0x 3,2% Manejo de dejetos animais > CO2 (dióxido de carbono), CH4 (metano) e N2O (óxido nitroso) são gases de efeito estufa diretos; os demais são precursores, ou seja, potencializam aqueles que o são. > CH4 N20 Transportes 4,9% CH4 N20 > C2F6 93% Cultivo de arroz > > Queima de resíduos florestais 1,9% CH4 * Cal, calcário, dolomita e barrilha Química > Agropecuário 2% Consumo final não energético 0,9% Outros 476,5Mt Emissões por mudanças de uso de solo, calagem e queima de resíduos florestais > CH4 > N20 > CH4 > CO2 > CH4 N20 > CO2 *Mt (milhões de toneladas) fonte: Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima 19 Expedi ção c o p 19 Fotos: Caco de paula | Reprodução PENSAR E AGIR Também na política de clima, são pessoas de carne e osso – e não máquinas amorais – que decidem o destino de muitas outras pessoas Caco de Paula S eja marginal, seja herói”. A frase-manifesto de Hélio Oiticica me veio à mente ao desembarcamos em Varsóvia para acompanhar a conferência da ONU sobre mudanças climáticas. A bela capital polonesa reconstruída sobre os escombros do terror nazista, é ela própria, uma evocação do heroísmo como último recurso em tempos radicais, sombrios, incertos. Talvez não haja personagem mais heroica em toda a Segunda Guerra quanto Irena Sendler, enfermeira que arriscou sua vida sistematicamente para retirar clandestinamente mais de 2,5 mil crianças do gueto de Varsóvia e, assim, salvá-las da morte certa. A quem quiser saber mais recomenda-se o livro de Anna Mieszkowska, A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do holocausto, recém-lançado em português pela Palas Athena. Sua história é um sopro de esperança ao reafirmar a capacidade humana de agir, enxergando além de seu próprio benefício. Irena não era parente de nenhuma das “ 20 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 pessoas que salvou. Agiu motivada pela sua consciência e pelo exemplo do pai, médico que viveu e morreu por seu idealismo. E isso não é pouco quando se sabe que na mesma Polônia mais de 1,5 milhão de pessoas foram mortas nos campos de extermínio graças a muita omissão e à “eficiência” desumana que fazia com que trens abarrotados de pessoas chegassem nos horários previstos, garantindo o funcionamento de um sistema capaz de eliminar 2 mil pessoas por dia. A escritora Hannah Arendt ensinou ao mundo que o mal é muito mais banal do que parece, ao mostrar que um dos responsáveis pela logística dessa operação, Adolf Eichmann, não era um monstro caricato, mas um infame burocrata que se justificava por estar “cumprindo ordens”. O que tem a história do heroísmo de Irena e da nefasta “eficiência” de Eichmann a ver com a reunião de países, empresas, organizações, para discutir os acordos do clima? Tudo. Uma saída para uma economia de baixo carbono não se dá com a submissão fria a um plano de eficiência. Trata-se também de uma questão moral. A solução exige reflexão, pensamento autônomo, livre-arbítrio. O espectro de possibilidades de escolhas do ser humano vai de Irena a Eichmann. Os atos de Irena nos dizem que o homem é capaz de sair do seu conforto e se arriscar por um bem maior. Os de Eichmann nos mostram que o homem também é capaz de ir na direção contrária. A ascensão do nazismo não significou imediatamente a criação de uma consciência de riscos para a humanidade. Mas uma hora essa percepção chegou. Para infelicidade de muitos, chegou tarde. Algo assim acontece agora também no front do clima. Já passou da hora de as pessoas que falam em nome de governos e de empresas pararem de agir como se o grande desafio do trem da história fosse sua eficiência e pontualidade, e não o seu destino. Heroísmo na salvação, eficiência no extermínio. (No sentido horário a partir do alto à esquerda) Retrato de Irena Sendler; monumento à resistência do Gueto de Varsóvia, de onde ela tirou clandestinamente 2,5 mil crianças; cercas; sapatos de vítimas; portão de entrada com a inscrição “O trabalho liberta”; alojamentos do campo de Auschwitz, onde os trens chegavam com pontualidade e eficiência. 21 LIVR O LIV R O O hamster e a borboleta prosperidade duradoura Alinhar os objetivos da corporação aos interesses da sociedade levará a uma mudança de rumo e um crescimento complexo Não podemos mudar os limites ecológicos ou a natureza humana. Mas podemos recriar o mundo social, melhor e mais justo Tim Jackson Pavan Sukhdev E m um vídeo de animação produzido pela New Economics Foundation, o narrador conta a história de um hamster peculiar. Como todos os hamsters, ele cresce em tamanho a cada semana desde o nascimento até a puberdade. Mas, diferentemente de outros hamsters, ele continua a crescer após a puberdade, aumentando progressivamente de peso. Em seu aniversário de 1 ano, o hamster já tinha chegado a 9 bilhões de toneladas, e era capaz de consumir todo o milho do mundo em apenas um dia. Com um rugido, ele dá início a um ataque ao estilo do monstro 22 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 japonês Godzilla, destrói edifícios, acaba por consumir todo o planeta e sai flutuando pelo espaço, gordo e feliz. “Existe uma razão para que as coisas na natureza cresçam de tamanho até certo ponto”, diz o narrador. “Então, por que a maioria dos economistas e políticos acham que a economia pode crescer para todo o sempre?” Apesar de engraçado, o vídeo destaca a realidade assustadora de nosso sistema econômico. Não conhecemos nenhum exemplo de organismo biológico ou sistema natural que cresça eternamente – e, mesmo assim, esperamos que a natureza sustente indefinidamente o crescimento econômico. Se a natureza sugere que temos um problema parecido com o hamster Godzilla, talvez devamos olhar para a própria natureza em busca de soluções. Como crescem os organismos e os sistemas naturais? Em geral, por meio da complexidade. Reconhecemos que isso acontece no que se refere aos seres humanos: muito tempo após chegarmos à maturidade física, continuamos a desenvolver capa- cidades intelectuais e físicas e podemos nos tornar mais produtivos. No mundo da natureza, o termo para descrever crescimento via complexidade é intussuscepção, e seu exemplo mais conhecido pode ser a metamorfose – quando a lagarta se transforma em borboleta. O biólogo conservacionista Tom Lovejoy disse-me que “precisamos de crescimento por intussuscepção – o equivalente econômico à transformação da lagarta em borboleta”. Obviamente, hamsters e borboletas não explicam a economia mundial, mas podem servir de metáfora para o poder de uma nova forma de corporação e de economia. Alinhar as metas da corporação aos interesses da sociedade preparará o cenário para uma necessária mudança de rumo, que se desvie do crescimento por meio do tamanho e almeje o crescimento via complexidade. Devemos deixar para trás a economia baseada em cortar, queimar e cavar e adotar uma economia baseada em preservação da natureza, eficiência de recursos e, mais importante, inovação. TRECHO DO LIVRO CORPORAÇAO 2020 (SELO PLANETA SUSTENTAVEL) A sociedade enfrenta um dilema profundo. Resistir ao crescimento é correr o risco de um colapso econômico e social. Persegui-lo de maneira implacável coloca em perigo os ecossistemas dos quais dependemos para a sobrevivência a longo prazo. Em sua maior parte, esse dilema segue não sendo reconhecido pela política dominante. É pouco visível como um debate público. Quando a realidade começa a colidir com a consciência coletiva, a melhor sugestão que temos à mão é que podemos, de alguma forma, “descasar” o crescimento de seus impactos materiais. E continuar a fazê-lo enquanto a economia se expande exponencialmente. Raramente se reconhece a enormidade dessa tarefa. Em um mundo com 9 bilhões de pessoas, todas aspirando a modos de vida ocidentais, a intensidade de carbono de cada dólar de produção deve ser, pelo menos, 130 vezes mais baixa em 2050 do que é hoje. No fim do século, a atividade econômica precisará retirar carbono da atmosfera, em vez de acrescentar. As premissas simplistas de que a propensão do capitalismo à eficiência irá estabilizar o clima e resolver o problema da escassez de recursos estão quase literalmente falidas. Agora temos urgência por políticas mais ousadas, algo mais robusto em termos de estratégias com as quais confrontar o dilema. O ponto de partida deve ser a liberação das forças que nos mantêm em uma negação perigosa. Natureza e estrutura conspiram aqui juntas. O motivo do lucro estimula uma busca por produtos e serviços mais novos, melhores ou mais baratos. Nossa procura incansável por novidades e status social nos tranca na gaiola de ferro do consumismo. A própria afluência nos TRECHO DO LIVRO prosperidade sem crescimento (selo planeta sustentável) traiu. Ela cria, e até depende, da contínua produção e reprodução da novidade do consumo. Mas a novidade incansável reforça a ansiedade e enfraquece nossa capacidade de proteger metas sociais de longo prazo. Em algum ponto do caminho, perdemos a prosperidade partilhada que buscamos em primeiro lugar. Nada disso é inevitável. Não podemos mudar os limites ecológicos. Nem alterar a natureza humana. Mas podemos, sim, criar e recriar o mundo social. E nós o fazemos. Suas normas são nossas normas. Suas visões são nossas visões. Suas estruturas e instituições formam e são formadas por essas normas e visões. É onde a transformação é necessária. Assim, nossa única escolha real é trabalhar para a mudança. Transformar as estruturas e instituições que moldam o mundo social. Articular uma visão mais verossímil de prosperidade duradoura. Está a nosso alcance uma lógica social melhor e mais justa. Nem limites ecológicos nem a natureza humana constrangem as possibilidades aqui: apenas nossa capacidade de acreditar e trabalhar para a mudança. 23 mídias Material originalmente publicado em 2009-2010 t e x pedi ção c o p 19 Como o aquecimento provoca tempestades R EC OR DES DE EXTR EMOS A mudança do jet stream no h emisfé rio norte A diminuição de gelo no polo Norte responde por novos padrões de furacões, chuvas e secas no hemisfério Norte, afirma especialista MATTHEW SHIRTS Q uem segue o debate sobre o aquecimento global sabe que os cientistas evitam ligar eventos climáticos específicos ao aumento da temperatura no planeta. Fazem ressalvas e cultivam analogias sempre que são chamados para explicar furacões, tempestades, chuvas, secas ou incêndios. “O aquecimento injeta esteroides no clima”, é uma das frases ouvidas com frequência, “aumentando a probabilidade de eventos extremos”. Mesmo assim, muito dificilmente os cientistas atribuem uma tempestade qualquer às mudanças provocadas pela emissão de gases de efeito estufa por parte de nós, humanos. Mas isso já começa a mudar. É o que se conclui da aula magistral proferida por Jennifer Francis, professora da Universidade Rugters (New Jersey, EUA), na COP19, da ONU, no dia 18 de novembro de 2013, em Varsóvia, na Polônia. Nela a cientista afirmou, com todas as 26 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 letras, que a mudanças provocadas pelo homem no clima (climate) tem um impacto claro sobre o tempo (weather). A diminuição da quantidade de gelo no polo Norte responde por novos padrões de furacões, chuvas e secas no Hemisfério Norte, diz. Nos últimos sete anos, resume, quebraram-se basicamente todos os recordes de extremos do tempo. Não é por acaso. O aquecimento é duas vezes maior no Polo Norte do que em outras latitudes do hemisfério, mais ao sul, segundo a professora Francis. Nos últimos 30 anos, o aumento das temperaturas resultou na diminuição da área coberta por gelo no Polo Norte em 50% e uma queda, ainda maior, de 80% no volume de gelo no topo do mundo. A redução do gelo no Polo Norte, explica Francis, tem um impacto forte na trajetória e na velocidade do jet stream, o corredor de vento que nasce entre o ar quente tropical e o ar frio polar nas regiões temperadas do globo. Com menos gelo e temperaturas mais altas no Polo Norte, os ventos do jet stream perdem fôlego e se tornam mais sinuosos, com uma trajetória mais verticalizada em sentido norte e sul. Não há dúvida, mostra a professora, de que essa transformação nos corredores de vento muda o tempo, prolongando as secas nas áreas presas ao sul do jet stream e tornando as áreas acima dela, ao norte, mais vulneráveis a tempestades de duração maior. A má notícia é que o aumento da temperatura no Polo Norte só tende a aumentar. Mas pelo menos a ciência começa a entender melhor como o aquecimento global provoca eventos climáticos extremos, inclusive nevascas. No Hemisfério Sul a dinâmica é outra, segundo a professora Francis. Há disponível um vídeo com uma versão anterior da sua palestra, em inglês, no: www.youtube.com/watch?v=ETpm 9JAdfcs. 1.CORREDOR EM CURVA O jet stream é o corredor de vento que é criado entre as massas de ar quente tropical e o ar frio polar. Historicamente tem sido uma curva equilibrada e previsível. 2. MUDANÇA NO PADRÃO O aumento da temperatura no polo Norte faz com que os ventos do jet stream sejam mais fracos e o corredor se torne mais sinuoso. 3. MAIS FRIO, MAIS CALOR Com essa mudança, a curva de temperaturas frias avança mais ao sul, ao mesmo tempo que a curva de temperaturas altas “sobe” mais ao norte. Jet stream histórico Jet stream hoje 27 t AR TI GO A hora e a vez de um acordo mundial A bola, agora, está com o jogo da governança das mudanças climáticas, diz Paulo Artaxo, membro do painel científico da ONU Foto: wanezza soares Chiaki Karen Tada e Matthew Shirts A partir de agora, o principal órgão consultor de ciência e tecnologia das mudanças climáticas da ONU deve focar seus estudos na adaptação e mitigação das alterações do clima. Mas nada disso adiantará caso o mundo não chegue a um acordo sobre o que deve ser feito para enfrentar esse desafio, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Para Artaxo, conferências como as COPs não são um fracasso, mas uma demonstração de que, para que haja avanços reais, é preciso uma governança global que defina as ações 28 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 para as próximas décadas, até mesmo séculos. “Não existe hoje mecanismo político, social e jurídico estruturado para lidar com essa questão.” Artaxo também é crítico em relação à postura da diplomacia brasileira. “O Itamaraty não reflete o pensamento da população brasileira, que não tem interesse em ver o processo de desertificação do Nordeste continuar avançando, ou em ver que a erosão em praias daquela região já é séria.”Leia trechos da entrevista que o cientista concedeu ao Planeta. energia, você reduziria rapidamente a produção pela queima de carvão e substituiria as usinas a carvão, por exemplo, por usinas a gás natural. Uma segunda medida é substituir totalmente a queima de combustíveis fósseis por energias renováveis. Isso envolve o uso em larga escala de energia eólica e de energia solar, e a intensificação do uso de energia hidrelétrica. Não há uma única solução, cada país deve achar suas soluções particulares. Tem a questão da agricultura, um grande emis- Não existe hoje mecanismo político, social e jurídico estruturado para lidar com a mudança climática Qual é o principal fator para uma estratégia global de redução das emissões? Há uma série de medidas que podem ser tomadas a custo relativamente barato. Isso em vários setores – na agricultura, no uso final de energia, na produção de energia – e em todo o sistema econômico. Na sor de óxido nitroso e de metano, que pode aumentar sua eficiência na produção de alimentos emitindo menos gases de efeito estufa. É um conjunto de medidas que já estão sendo implementadas, inclusive no Brasil. Aqui já temos uma política de implantação de usinas eólicas em larga escala no Nordeste. Só que você não muda todo um sistema de produção de energia baseada em combustíveis fósseis em 5, 10 ou mesmo em 20 anos. Mas é fundamental que o planeta inteiro entre num processo de sustentabilidade o mais rápido possível. No aumento da eficiência do uso de energia, o exemplo mais óbvio são os automóveis. É possível, com a tecnologia que temos, fazer automóveis que emitam até quatro vezes menos CO2 por quilômetro rodado do que o que emitem hoje. Mas é preciso que haja forte incentivo governamental global para a implantação de veículos com maior eficiência energética. O senhor está esperançoso no potencial da humanidade de resolver o problema da mudança climática? A questão não é de crença nem de esperança, porque acho que essas palavras não são adequadas. A verdade pura e simples é: nós não temos outra alternativa. O atual padrão de consumo e de emissão dos combustíveis é insustentável mesmo em curto prazo. Todos sabem disso. A questão é como fazer essa transição para uma economia muito mais eficiente no uso dos recursos naturais. Ou fazemos essa mudança ou a pró- que lide com a questão. Se um país não cumpre suas metas de redução, quem vai julgá-lo? Quem vai aplicar e é possível que o próximo relatório do IPCC já recomende deslocamentos de populações pria economia se tornará inviável do ponto de vista ambiental. O senhor vê algum avanço nas políticas públicas? Os países não aceitam colocar a questão dessa maneira nas COPs, mas a verdade é que não temos governança global para lidar com um problema tão grave, tão sério, quanto são as mudanças climáticas. A ONU, que é o único mecanismo existente para lidar com questões multilaterais, não foi feita para isso. Ela não tem as ferramentas ou o poder para fazer as mudanças necessárias para que o mundo possa estruturar uma política de redução de emissão de gases de efeito estufa. O mundo carece, por exemplo, de um sistema judiciário recolher multas? Nada disso existe. E isso sequer está sendo discutido nas COPs ou na ONU. Qual é o futuro do IPCC? Estamos chegando à conclusão de que do ponto de vista científico o IPCC e a comunidade científica já fizeram o seu papel. Estamos discutindo se vale a pena ou não continuar com relatórios periódicos sobre os avanços da ciência na área. Talvez uma alternativa seja focar mais nas estratégias de adaptação e de mitigação. O working group 2 (que trata da adaptação) e o working group 3 (que trata da mitigação) do IPCC podem vir a se tornar mais relevantes do que o working group 1 (base científica), que dominou > 29 t AR TI GO É importantíssimo entender que a cooperação internacional é estratégica e essencial o painel até agora. O IPCC provavelmente vai continuar sua tarefa, mas com outro foco, eventualmente em como construir um sistema capaz de estruturar limites de emissões. Talvez essa possa ser uma tarefa nova para o IPCC, como órgão consultor da ONU. Os working groups 2 e 3 ainda não divulgaram os resultados? Não, saem no primeiro semestre de 2014. O que podemos esperar deles? Do ponto de vista de adaptação, o impacto do aumento do nível do mar em áreas costeiras é um dos mais importantes. Pode ser que esse próximo relatório já comece a fazer recomendações de deslocamentos de populações em áreas de maior risco e elaboração de grandes projetos de contenção de aumento do nível do mar, como já está sendo feito em Nova York e em San Francisco. A terceira parte do relatório do IPCC é sobre estratégias de redução de emissões. Qual é o estado da arte hoje em captura de carbono? Em efi- 30 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 ciência energética? Na agricultura? A Embrapa está desenvolvendo novas variantes de arroz e de feijão para plantar num clima mais seco no Nordeste. É possível? É. Mas isso tem de ser feito em escala global e de maneira regional. Não haverá uma única variante de um novo arroz que possa ser usada no mundo todo. Mas é muito importante entender que a cooperação internacional é estratégica e essencial, porque alguns países da África, por exemplo, não têm condição e tecnologia necessárias para aumentar a eficiência de sua produção de alimentos. Essas questões estão sendo discutidas na terceira parte do relatório do IPCC, que será lançada em março de 2014. Diferentemente do working group 1, que trata da ciência de uma maneira muito mais global, tanto a adaptação quanto a mitigação devem ser feita país por país, setor por setor. Não existe uma solução global, pois está será uma soma linear de milhares de pequenas ações. O que os países devem fazer? É fundamental que cada país cumpra o seu papel na questão, por exemplo, da redução das emissões. Nisso o Brasil tem uma história de sucesso enorme. Agora, esse sucesso não é acompanhado pela diplomacia brasileira. Na COP de Varsóvia o governo brasileiro continuou insistindo numa questão mais do que absurda, que é o cálculo das reduções das emissões futuras baseado em emissões históricas. Isso só pode ser interpretado como uma tentativa de postergar qualquer decisão. Isso é sério: que a diplomacia brasileira esteja atuando, em última instância, contra o povo brasileiro, que não tem nenhum interesse em ver o processo de desertificação do Nordeste continuar avançando, em ver que a erosão em várias praias do Nordeste já está séria. E essas e são questões com impactos socioeconômicos importantes. Se o Brasil é tão avançado e tem resultados positivos, por que age assim? Não é o Brasil, é o Itamaraty. Eles estão 50 anos atrasados. A política do Itamaraty para as mudanças climáticas não reflete o pensamento da população brasileira, sequer reflete o pensamento de setores majoritários do governo brasileiro. Eles representam o interesse de alguns diplomatas, de ficar postergando essa discussão. E, com isso, fazer o jogo dos EUA, Inglaterra, França, que é adiar ao máximo a estruturação de um acordo internacional de redução de emissões de gases de efeito estufa. Tem milhares de outras questões que são fundamentais. O que acho curioso é por que os jornalistas não entram de sola na questão da falta de governança, que é o ponto central. Vocês ficam dizendo: ‘‘a COP de Copenhague foi um fracasso‘’, ‘‘a COP de Durban foi um fracasso’’, ‘‘a COP de Varsóvia foi um fracasso’’... Chega! É burrice ficar batendo numa mesma tecla sem consistência. Essas COPs não foram um fracasso. Só refletem a falta de um sistema de governança global. Estamos vendo alguns avanços interessantes. Os EUA estão praticamente banindo a queima de carvão... Mas estão permitindo a exploração de gás de xisto. É trocar oito por oito, do ponto de vista de emissões. O único avanço importante que está sendo feito é pela China. A China não se comprometeu a reduzir as emissões. Espertamente, comprometeu-se a aumentar a eficiência energética do seu PIB, ou seja, para cada ponto percentual de aumento do PIB, diminui proporcionalmente as emissões de GEE. Assim o país não compromete o crescimento econômico e ganha competitividade no futuro, porque é inevitável, em Num planeta com 8 bilhões de pessoas, ou você começa a pensar num timeframe de décadas a séculos, ou nós estamos fritos. O Brasil está gastando dezenas de bilhões de dólares em obras para reverter o curso do rio São Francisco. Só que é muito possível que a redução de precipitação faça todo esse dinheiro evaporar, porque não haverá água para fazer a reversão (leia mais na pág. 32). O Brasil está enterrando bilhões de dólares em cimento, no meio de uma região semiárida que pode se tornar árida daqui a dez anos, que Governos pensam em termos de quatro anos. é preciso pensar em décadas. alguma hora, um acordo venha a ser implantado. A China já está pensando em daqui a 20, 30 ou 50 anos. Coisa que outros países sequer conseguem pensar, porque os governos são de quatro anos e têm uma visão de estratégia de no máximo quatro anos. Isso é um desastre do ponto de vista dasustentabilidade global. é quando a obra vai estar pronta. É fundamental você pensar em longo prazo, em décadas ou séculos. E nossa classe política não está preparada para isso. A nossa, a americana, a europeia, a japonesa, a chinesa, e assim por diante. A questão da governança é estratégica. Ou a gente faz isso, ou o barco afunda. 31 mídias Material originalmente publicado em 2013-2014 blog + s i t e alívio no chorinho da prorrogação somente nas últimas horas extras da cop19 é que resultados favoráveis ao reequilíbrio do clima da terra foram alcançados Liana John a plenária final da 19ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP19 do Clima) estendeu-se madrugada adentro em seu último dia de debates. Foram poucas horas a mais além da programação original, porém decisivas a ponto de mudar o resultado de toda a conferência ocorrida em Varsóvia, na Polônia. Apesar do cansaço e do sentimento geral de derrota prevalecente entre os observadores, essa prorrogação ajudou os negociadores a fecharem pelo menos três acordos significativos e não irem para casa com a sensação de ter apenas desperdiçado tempo, dinheiro e oportunidade. O compromisso dos países desenvolvidos com um mecanismo de Perdas e Danos foi um dos três bons resultados. Ameaçado pela resistência dos países desenvolvi- 34 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 dos em abrir mais uma frente com alta demanda por recursos, o mecanismo foi salvo no último minuto graças à sugestão dos Estados Unidos de acomodá-lo temporariamente entre as adaptações às mudanças climáticas, porém com a perspectiva de rever esse status em 2016. Os países em desenvolvimento entendem Perdas e Danos como um mecanismo para lidar com desastres contra os quais não há adaptação possível, mas concordaram com o arranjo temporário para viabilizar sua criação. Ainda não há dinheiro suficiente engajado, mas a partir de agora podem ser trabalhadas questões importantes para reduzir as perdas e os danos, como a transferência de tecnologias e a capacitação para adaptar a infraestrutura, a agricultura, o uso das terras, o preparo da defesa civil e, assim, aumentar a resiliência dos países mais sensíveis aos efeitos das mudanças climáticas. Além disso, devem ser discutidos os problemas envolvendo a migração de populações atingidas por catástrofes, os chamados refugiados do clima. O segundo acordo importante reafirma o compromisso de todos os 195 países – e não só os desenvolvidos – quantificarem suas emissões e apresentarem seus planos de redução dessas emissões até 2015. A proposta inicial, defendida pela União Europeia, tinha um prazo menor: até 2014. A China se opunha fortemente à ideia de o compromisso incluir países emergentes, manifestando preocupação quanto à ingerência de organismos internacionais em seus assuntos internos. E os Estados Unidos entraram com uma proposta conciliadora, de ampliar o prazo e garantir a autonomia de cada nação sobre a redução de suas emissões. O acordo fechado em 23 de novembro garante alguns meses de prazo entre o início de 2015 e a COP de Paris (em novembro de 2015) para a comparação entre os compromissos de cada país e o que, de fato, precisa ser incluído como meta no acordo, que a partir de então substituirá o Protocolo de Kyoto. Serão as propostas realmente comparáveis? E essa boa vontade autodeclarada dos países, no conjunto, chegará à redução de emissões necessária para o planeta? Isso, só saberemos daqui a dois anos… Mais um ponto que merece atenção entre os resultados da COP19 é a validação do mecanismo conhecido como REDD+, que trata da Redução de Emissões por Desmatamentos e Degradação Florestal e valoriza o papel da conservação e do manejo florestal sustentável. Até agora o REDD+ estava à margem dos instrumentos oficiais. O novo acordo permite aumentar a escala desse mecanismo, importante para fixar carbono da atmosfera, estabilizar o clima local, garantir a biodiversidade e atenuar o impacto dos desmatamentos sobre as popula- avaliação de seus resultados, de forma transparente e acessível. O saldo final parece, de fato, mínimo para duas semanas intensas de pressões, idas e vindas. Mas é melhor do que nada. Ao menos não andamos para trás. Agora, que faltou um sentimento de urgência aos negocia- essa boa vontade autodeclarada dos países, no conjunto, chegará à redução de emissões necessária para o planeta? Isso, só saberemos daqui a dois anos ções tradicionais (leia mais na página 66). Estados Unidos, Noruega e Reino Unido comprometeram-se em disponibilizar US$ 280 milhões, destinados à implementação do mecanismo e à padronização da Texto originalmente publicado em 25/11/2013 dores… Ah! Isso faltou mesmo. E se o tufão Haiyan (que devastou as Filipinas no início de novembro) não conseguiu ser suficientemente eloquente, o que mais poderia ser? 35 LIV RO E x p e d i ç ão C o p 1 9 COP20: Peru Lima será a sede da próxima Conferência do Clima. A proposta é representar toda a América Latina Chiaki Karen Tada a para que serve a economia Qual o sentido da vida econômica? Ela deveria ter como eixo seus efeitos no bem-estar humano e no estado dos ecossistemas Ricardo Abramovay U ma nova economia (que promova a unidade entre sociedade e natureza, entre economia e ética) questiona o mais importante pilar não só científico, mas também político, cuja base se avalia o uso dos recursos sociais: o crescimento econômico. Esse questionamento não se apoia em nenhum suposto intuito conservador de paralisar as transformações capazes de preencher as necessidades e os desejos humanos. O fundamental é colocar a questão ausente na maioria das ciências sociais: qual o significado e o sentido da vida econômica? O crescimento 36 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 econômico, como objetivo autônomo e autorreferente, é a resposta que os últimos 150 anos ofereceram a essa pergunta. A economia se consolida como ciência no último terço do século 19, à medida que distancia de seu horizonte qualquer consideração referente aos objetivos de seu sistema que não seja a própria expansão. Essa ideia está na raiz da formação da macroeconomia desde Keynes até hoje. A emergência de uma nova economia, ao contrário, supõe medidas de desempenho no uso de recursos que têm por eixo seus efeitos no bem-estar humano e no estado dos ecossistemas. TRECHO DO LIVRO muito além da economia verde (SELO PLANETA SUSTENTAVEL) próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP20) será em Lima, no Peru, em novembro de 2014. Será mais perto, mais quente e, quem sabe, mais decisiva que a COP19 em Varsóvia, já que a COP20 ocorrerá às vésperas do novo acordo climático global a ser firmado em 2015, em Paris, com novas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para todos os países. Em teoria, será um acordo decisivo para tentar conter a elevação da temperatura da superfície terrestre em 2 oC. “Apresentamos nossa candidatura porque acreditamos que temos algo a mostrar”, disse Gabriel Quijandría, vice-ministro peruano de Desenvolvimento Estratégico para Recursos Naturais. Esse algo a mostrar, explicou, é a performance de um país que cresceu nos últimos 15 anos, procurando incorporar responsabilidade social e ambiental. A ambição, porém é maior. O Peru quer se tornar uma referência internacional, assim como ocorreu com o México, que sediou a COP16 em Cancún, em 2010. Ao mesmo tempo, quer unir os vizinhos. “Não será Texto originalmente publicado em 18/11/2013 uma COP ‘peruana’, será uma COP da América Latina. A região terá uma voz mais forte”, disse Quijandría. Vai faltar água? Quijandría foi um dos debatedores de uma série de conferências sobre negócios e mudanças climáticas realizadas em Varsóvia, promovida pelo WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável). Ele conversou com o Planeta Sustentável depois de participar de um painel sobre a situação do clima no mundo. Garantir acesso à água é uma grande preocupação para o Peru, explicou. A principal fonte desse recurso natural está nas geleiras localizadas no alto das montanhas. Apenas 2% da água resultante do derretimento do gelo corre para o lado do Pacífico, onde vivem 60% da população do país e onde não há chuvas em quantidade suficiente. Quase todo o restante vai para o outro lado, em direção à Amazônia, onde moram 10% dos habitantes. No entanto, o Peru perdeu 40% de suas geleiras, quando comparado com fotos aéreas da década de 1950, afirmou o vice-ministro. Entre outras iniciativas para enfrentar o risco de escassez de água, o governo peruano está conversando com o setor de mineração. Além de ter sido o motor do crescimento do país nos últimos dez anos, as atividades de extração de minérios, como ouro e cobre, ocorrem justamente próximo às fontes de água, e são um grande consumidor desse recurso. “Queremos convencer o setor de que eles precisam fazer algo para garantir esse recurso, para os negócios e para a comunidade”, disse Quijandría. Ele contou, ainda, que as mineradoras precisam de um projeto para lidar com as mudanças climáticas não como uma agenda de responsabilidade social, mas ligando-a à rentabilidade dos negócios. A realização de uma COP em Lima pode levar a avanços nesse desafio, acredita o vice-ministro. “O México conseguiu aprovar leis relativas ao clima três anos após Cancún. Acreditamos que, com um empurrão da COP, outras áreas do governo peruano ficarão mais sensibilizadas e mais ousadas em seus compromissos no enfrentamento das mudanças climáticas.“ 37 BLOG + S ITE O Brasil precisa cuidar do seu oceano Um terço da população brasileira vive na região costeira, e o aumento do nível do mar será o principal desafio a ser enfrentado pelo País Débora Spitzcovsky A umento de temperatura, acidificação, perda de oxigênio… O acúmulo de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera está castigando os oceanos do planeta. Para o especialista Moacyr Araújo, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, o aumento do nível do mar será o principal desafio a ser enfrentado no Brasil. “Em termos de pesquisa, o País tem tomado iniciativas importantes, motivado inclusive por questões econômicas, como o pré-sal. Mas esquecemos de investir em medidas que aumentem a capacidade do oceano de reagir às pressões que está sofrendo”, disse Araújo, que, ao lado do climatologista Tercio Ambrizzi, coordenou o Grupo de Trabalho 1 do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Confira, abaixo, os principais momentos da entrevista exclusiva para o Planeta Sustentável. Os oceanos estão sofrendo forte pressão por conta do acúmulo de GEE na atmosfera. Como está o oceano brasileiro? 38 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Apesar de ainda ser pouco estudado, o oceano que banha o Brasil, o Atlântico Sul, sofre os mesmos impactos dos demais, e todos os problemas estão interligados. O aumento das emissões deixa os oceanos mais quentes, o que, por sua vez, implica na alteração do PH, ou seja, na acidificação e na menor concentração de oxigênio na água. Mas, em médio prazo, a questão que talvez tenha maior impacto no planeta, onde metade da população ou mais vive à beira dos oceanos, é o aumento do nível do mar – que também é reflexo do aumento da temperatura, que provoca a expansão da água. No Brasil, cerca de um terço da população vive na região costeira. Não foi à toa que o assunto ganhou capítulo exclusivo no novo relatório do IPCC. Vamos chegar a 2050 com um aumento maior do que o previsto há dez anos. Quais os principais impactos desse aumento do nível do mar no Brasil? Quando falamos sobre o aumento do nível do mar, logo pensamos no oceano “engolindo” porções de terra, mas não é só isso que pode acontecer. Há mudanças em todos os processos de interação “oceano-atmosfera”: o nível do oceano está aumentando porque ele está mais quente e, se ele está mais quente, significa que está trocando mais energia com a atmosfera para buscar equilíbrio térmico. Não significa apenas que ocorrerão mais chuvas em determinadas regiões onde já chovia, ou mais furacões em uma região em que estes já ocorriam. Significa, também, a ausência de chuvas em regiões onde há seca, porque o fenômeno puxa para os extremos, tanto em intensidade, quanto em frequência. Quais são as regiões brasileiras que serão mais impactadas? Com certeza, a região costeira. Nela, eu ainda destacaria os estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que vão sofrer bastante com o aumento do nível do mar. No Sul do Brasil, ainda na costa, também existe propensão à entrada de frentes que geram instabilidades atmosféricas e provocam, mais frequentemente, fenômenos como furacões e tornados. Se for- Texto originalmente publicado em 29/11/2013 mos para o interior, o problema da seca no Nordeste será agravado, e no Sudeste o excesso de chuva será um problema importantíssimo. O Brasil tem se dedicado à questão dos oceanos? O Brasil está participando de grandes fóruns internacionais, dando boas contribuições e sendo consultado sobre o assunto, o que é ótimo. Em termos de pesquisa, nos últimos 10 anos, o País tem tomado iniciativas importantes no Atlântico Sul, motivado inclusive por questões econômicas, como o pré-sal. Vale destacar a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias, em 2013. No entanto, esquecemos de investir na resiliência do nosso oceano, de apostar em medidas que aumentem sua capacidade de reagir às pressões que está sofrendo. Parar de lançar gases poluentes na atmosfera é importante, claro, mas cuidar localmente da saúde do oceano – que já mostrou ser um grande aliado no processo de combate ao aquecimento global – também é fundamental. Aumentar a resiliência é como dar uma vitamina ao oceano para que ele “suporte cada vez melhor a barra”. E como isso pode ser feito? Há uma série de medidas. É importante, por exemplo, cuidar da saúde de estuários, mangues e recifes de ência dos oceanos, e protegê-los. Já assinamos vários acordos, mas ainda não o fizemos nem de forma mínima. Por que há tanta resistência na criação de áreas de proteção ambiental no Brasil? Para manter a saúde do seu oceano, o Brasil precisa proteger pelo menos 10 de seu mar territorial. corais. Parar de jogar lixo nos mares também é fundamental. Mas uma política importantíssima, que inclusive é uma recomendação do Painel Brasileiro de Mudança Climática, é a criação de áreas de proteção ambiental, porque você cria focos de fortalecimento dos oceanos. Muito ainda deve ser feito no Brasil nesse campo. O mar territorial brasileiro é, praticamente, do tamanho da Amazônia e só 0,5% dessa área é protegida. O ideal seria proteger, pelo menos, 10% em áreas espalhadas. Ou seja, identificar os hotspots, que são os sistemas importantes para aumentar a resili- Muitos desses hotspots já estão mapeados – embora ainda haja muito para mapear –, à espera de ações concretas, da criação de unidades de conservação, mas isso não acontece por conta de forçantes econômicas. A pesca é um grande conflito, e existem, também, interesses do setor de óleo e gás para que isso não seja feito. Além disso, há a questão do turismo. Mundo afora, turistas procuram lugares preservados, mas no Brasil essa ficha ainda não caiu. É preciso uma mudança de mentalidade. 39 mídias Material originalmente publicado em 2012-2013 41 blog + s i t e t não há carvão limpo Se mantida a tendência atual, o uso desse combustível levaria a uma elevação de 6 oC da temperatura do planeta, dizem os cientistas Chiaki Karen Tada P or mais que a indústria do carvão afirme o contrário, não há como continuar a produzir energia a partir desse combustível fóssil sem que essa atividade ameace o limite de aquecimento de 2 graus Celsius. A não ser que essa produção fosse acompanhada de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) - uma tecnologia ainda muito cara. Essa foi a mensagem lançada por um grupo de 27 cientistas, de diferentes nacionalidades, durante a COP19 do Clima, em Varsóvia. O documento foi uma resposta à indústria do carvão, que convocou o setor, à época, a fazer “uso imediato de tecnologias de combustão de carvão de alta eficiência e baixa emissão como um passo imediato na diminuição da emissão de gases de efeito estufa”. Essa frase, porém, “é quase uma desinformação, que confunde a opinião pública”, diz Emilio La Rovere, professor da COPPE/UFRJ e um dos cientistas que assinam o documento. “Era preciso esclarecer que só é 42 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 possível haver alguma eficiência (na geração de energia a partir do carvão) se houver o CCS”. Segundo o artigo dos cientistas, mesmo a mais eficiente usina de carvão emite 15 vezes mais CO2 por unidade de energia se comparada à de fonte renovável, e mais de duas vezes a quantidade emitida por usinas a gás. A tendência atual do uso de carvão indica que estamos a caminho de uma elevação de temperatura acima de 6 oC, o que pode ser “catastrófico”, e “ir além de qualquer coisa que a humanidade já experimentou em sua existência”, afirmam os pesquisadores. Para manter a elevação da temperatura global em menos de 2 oC, o uso do carvão precisa diminuir em termos absolutos a partir de agora. Ainda segundo os cientistas, o carvão é o combustível fóssil de mais fácil substituição por fontes alternativas, que já estão disponíveis. Diante dessa situação, La Rovere classifica de “lamentável” a decisão do governo brasileiro de incluir as termelétricas a carvão nos lei- lões de energia, por temer que a energia oriunda de hidrelétricas não seja suficiente para suprir a demanda em certos períodos do ano. “Temos outras opções (de fonte de energia), mesmo a curto prazo”, diz La Rovere. Uma alternativa, afirma, seria a energia de biomassa, principalmente aquela gerada com a queima do bagaço de cana-de-açúcar. “Há um potencial enorme: é barato, é competitivo, é tecnicamente conhecido. O problema é institucional. O setor sucro-alcooleiro não tem interesse, pois o core business deles é o açúcar, que é uma commodity”. Além disso, o setor estava sem recursos para renovar os canaviais, a produtividade caiu e o etanol encareceu, enquanto o subsídio à gasolina foi mantido, explica La Rovere. “Mas o governo retomou agora alguma política no setor”, diz o cientista. Agora que o financiamento está voltando, acrescenta, seria uma boa hora para incluir nesse pacote de ajuda a questão da energia de biomassa. Texto originalmente publicado em 12/12/2013 A R TIG O OLHAR ALÉM DO ALCANCE Em função das alterações do clima, as estratégias de longo prazo das empresas dependem de conhecimentos mais amplos Mariana Martinato A visão de curto prazo que costuma direcionar as ações e decisões de empresas traz um dinamismo positivo e com frequência é responsável por mudanças significativas e resultados tangíveis percebidos rapidamente. Mas quando o assunto é sustentabilidade a perspectiva de tempo é bastante diferente e repleta de desafios. Falamos em transformações que terão impacto em 10, 20, talvez 70 anos, decorrentes de processos decisórios complexos, que envolvem diversos stakeholders. São decisões que dizem respeito à mitigação de emissões, por meio de inovações tecnológicas, à transformações sociais e à revisão de cadeias de valor, cuja oferta de recursos pode estar em risco em decorrência das mudanças do clima. No setor editorial esse desafio é bastante presente, já que parte significativa da nossa produção é impressa. A partir do manejo sustentável e da certificação de suas atividades, a produção do papel é uma atividade cada vez mais qualificada e neutra em emissões, pois as árvores absorvem o carbono atmosférico durante sua formação. Utilizamos papel proveniente de florestas de até 70 anos que são plantadas para esse fim, em zonas temperadas do planeta, onde o crescimento lento das árvores é responsável pela maior resistência e qualidade das fibras. É um prazo quase impensável em nossos planejamentos e metas, mas fundamental para que consigamos o maior nível de qualidade possível em nossos produtos. No entanto, qual é o impacto que o aquecimento global e as alterações no ciclo hidrológico terão sobre essa produção florestal no futuro? A reflexão sobre o tempo acompanha a humanidade e nunca esteve tão atual. É no equilíbrio entre as questões urgentes de curto prazo e as estratégias de longo prazo que se baliza a condução de nossas empresas. Mas que mundo queremos construir? Como a empresa se insere nesse novo cenário? Qual é a nossa responsabilidade nesse processo de transição? Além dos índices e perspectivas de mercado, confiança do consumidor, regulações e situação política, cabe aos gestores acrescentar novo componente de informações em sua tomada de decisão: a ciência do clima, para que o olhar estratégico possa ir além de onde a vista alcança. Por isso, torna-se tão importante que relatórios científicos como o do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) não se restrinjam aos debates acadêmicos e sejam amplamente compreendidos e acompanhados pelo mundo empresarial. A Abril, como parte de sua missão, tem buscado promover e tornar mais acessível esses conhecimentos e suas implicações para os mais diferentes públicos por meio do conteúdo que produz e distribui, contribuindo assim para a construção de um novo paradigma. 43 Expedição Co p 19 ONDE ESTÁ NOSSA HUMANIDADE? É preciso relembrar: mais que negócios, o enfrentamento das mudanças climáticas é garantir a proteção à vida e aos direitos fundamentais rodrigo Gerhardt r eflexo de uma adesão crescente desde a Rio+20, a última conferência sobre mudanças climáticasdas Nações Unidas, em Varsóvia, a COP 19, foi marcada pela grande participação institucional de empresas, nos diversos eventos corporativos realizados em paralelo às negociações dos diplomatas. O entusiasmo pelas amplas oportunidades de negócios em um novo mercado de baixo carbono contrastava com a falta de empenho e ambição em relação ao nível dos acordos oficiais que, como se observou, avançaram muito pouco para uma ampla definição de metas em 2015. Porém, tanto o otimismo empresarial quanto o pessimismo dos governos residem na mesma raiz: a visão ganha-ganha, econômica, que tem predominado no entendimento da sustentabilidade – a qual só parece ser possível quando não há prejuízo para nenhuma das partes, em qualquer prazo. A consequência é o fortalecimento de posições resistentes a concessões, ignorando o fato de que o custo de não reagir ou se adotar medidas fra- 44 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 cas pode ser fatalmente maior. Governos evitam assumir responsabilidades, ou a conta, sobre o Fundo Verde do Clima, que pretende financiar a transição de combustíveis fósseis para renováveis (mitigação) e a maior resiliência aos impactos das mudanças climáticas (adaptação) nos países em desenvolvimento. Do lado das empresas, eficiência energética e inovação têm se tornado mantras nos painéis de executivos, que raramente se voltam a discutir alternativas ao business as usual. Juntas, eficiência e inovação chegaram a ser usadas para defender o carvão como tecnologia de baixa emissão em um futuro sustentável (veja mais sobre o debate do carvão na pág. 42). A posição da associação mundial do carvão, apresentada em paralelo à COP, e referendada pelo ministro da Economia polonês na abertura de um importante fórum empresarial, foi causa de inúmeros protestos e de certa forma ofuscaram uma importante contribuição que a capital polonesa poderia oferecer para elevar o nível e direcionar o foco das nego- ciações: a memória dos 70 anos do levante do gueto de Varsóvia. A poucos quilômetros do belo Estádio Nacional, onde delegados e negociadores discutiam, comiam e até dormiam, sem pôr o nariz no gelado frio polonês, 380 mil judeus foram confinados entre muros e espremidos sob a fome, doenças e o medo, enquanto eram levados pouco a pouco aos campos de extermínio, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao se tornar claro os planos de aniquilação do gueto, pelos nazistas, os poucos sobreviventes se insurgiram. Por quase um mês, resistiram com bombas caseiras, coquetéis molotov e outras armas artesanais, até serem massacrados por 3 mil homens do exército alemão, nesta que foi a primeira reação civil armada à ocupação nazista na Europa, e uma vitória moral humana contra o conformismo e o impossível. Hoje, ouvir essa história é se questionar: onde estava a humanidade das pessoas que cometeram tais atrocidades, das que poderiam ter ajudado e não o fizeram? (leia mais na página 20) A conferência da ONU teve início sob o impacto do supertufão Haiyan, que devastou as Filipinas. O fato gerou discursos emocionados, choro e três minutos de silêncio para as vítimas, mas pouco ou nenhum impacto nas decisões. No dia seguinte ao anúncio de greve de fome do principal negociador do país, pedindo por mais ação, a ONG alemã Germanwatch divulgava a última edição do seu relatório Climate Index Risk: mais de 530 mil pessoas perderam a vida em cerca de 15 mil eventos extremos entre 1993 e 2012, além de perdas superiores a US$ 2,5 trilhões. Nos últimos 20 anos, as dez nações mais afetadas são países em desenvolvimento. Os rebeldes do gueto de Varsóvia não receberam ajuda porque muitos países, Estados Unidos principalmente, afirmaram não acreditar nas notícias iniciais sobre o extermínio em massa de judeus. Em relação aos guetos do clima, já não há mais espaço para dúvidas. Estudos apontam que, por inundações ou secas, 150 milhões de pessoas terão de deixar os locais em que vivem em 2050 – quando haverão de se rebelar? Diante da urgência e da profunda transformação que as mudanças No âmbito corporativo, do mesmo modo, empresas poderão aumentar em muito a contribuição que já fazem ao fortalecer e dar mais transparência aos seus pro- Tanto o otimismo empresarial quanto o pessimismo dos governos residem na mesma raiz: a visão ganha-ganha, econômica, que tem predominado no entendimento da sustentabilidade climáticas impõem, os direitos humanos devem ser farol no espesso debate técnico do clima. Humanizar para sensibilizar, na tentativa de que a visão ganha-ganha saiba fazer concessões quando preciso, para que o descompasso que existe hoje entre ciência e política seja diminuído. Nesse sentido, áreas do conhecimento como as artes, a comunicação e o marketing do consumo, que tocam diretamente mentes e corações da sociedade de forma rápida, têm papel enorme e devem ser mais exploradas. gramas e políticas de responsabilidade socioambiental. Eficiência, inovação e transformações tecnológicas são cruciais para o avanço da mitigação de emissões e inegáveis oportunidades de redução de custos e novos negócios. Mas, diante de um desafio que vai além de questões técnicas, precisam ser orientadas pela premissa maior que deu origem a todo esse movimento: garantir os direitos humanos e a proteção à vida. Assim, no futuro, talvez não sejamos igualmente questionados: onde estava a nossa humanidade? 45 ARTI GO gr á f i C O d o IP C C As soluções para os desafios dos países em desenvolvimento são mais facilmente encontradas em outros países em desenvolvimento Virgílio Viana U ma mudança radical na cooperação internacional está em curso. Trata-se da cooperação entre países em desenvolvimento, chamada de “cooperação Sul-Sul”. É um processo por meio do qual dois ou mais países em desenvolvimento trocam conhecimento, soluções, tecnologias e recursos. A principal justificativa da cooperação Sul-Sul é de que as soluções necessárias para superar os gargalos dos países em desenvolvimento são mais facilmente encontradas em outros países em desenvolvimento, melhor do que nos países desenvolvidos. Os problemas são mais assemelhados em função das suas características ecológicas e socioeconômicas. Por exemplo, soluções e tecnologias para o manejo florestal na Amazônia são mais relevantes para a bacia do Congo na África, do que aquelas encontradas nos países escandinavos – ainda que estes estejam num estágio bem mais avançado de desenvolvimento tecnológico na área florestal. A cooperação Sul-Sul é uma resposta à história de insucessos na cooperação Norte-Sul. A cooperação entre países desenvolvidos e países em 46 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 desenvolvimento tem sido criticada por fomentar soluções que não funcionam nos contextos para onde são transferidas. Além disso, um elevado percentual dos recursos destinados à cooperação internacional pelos países desenvolvidos retorna aos mesmos na forma de salários, equipamentos e outros produtos – não chega aos países em desenvolvimento. Uma nova modalidade tem recebido crescente atenção: a cooperação triangular. Nesse arranjo, os países desenvolvidos fornecem o apoio financeiro, os países em estágio intermediário de desenvolvimento (como o Brasil) fornecem soluções tecnológicas, e os beneficiários são os países menos desenvolvidos. No modelo triangular, os países desenvolvidos reconhecem a capacidade de países em estágios intermediários de desenvolvimento para prover soluções para os desafios dos países menos desenvolvidos e apoiam financeiramente a cooperação Sul-Sul. Isso talvez represente a modalidade mais promissora de cooperação internacional nas próximas décadas. O novo cenário para a cooperação internacional adquire um signi- ficado especial diante da urgência da mudança das economias rumo ao desenvolvimento sustentável. O recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) aponta para um cenário preocupante. Como resultado das atividades humanas, está havendo um aumento da temperatura e da frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e vendavais. Se não houver uma mudança radical no estilo de desenvolvimento, o cenário aponta para um futuro capaz de gerar tragédias humanas e conflitos sociais. A mudança rumo ao desenvolvimento sustentável é urgente. O desafio para a sua promoção se aplica a todos os países: desenvolvidos e em processo de desenvolvimento. Os novos rumos da cooperação internacional representam um sopro de esperança diante da urgente necessidade de promover uma revolução no atual estilo de desenvolvimento. O desafio é fazer com que isso seja feito com elevada qualidade e eficiência. Nesse contexto o Brasil tem um novo e importante papel a desempenhar na comunidade internacional. cen ário s para a el evaç ão da temperatura Total de emissões antropogênicas de CO2 desde 1870 (em GtCO2) 1000 5 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 2100 4 2100 3 2050 2 2050 2050 2030 2100 2050 2100 2030 2010 1 2000 1950 0 1980 1890 500 1000 1500 2000 Total de emissões antropogênicas de CO2 desde 1870 (em GtC) rcp2.6 rcp4.5 rcp6.0 rcp8.5 cenário atual 1% yr/CO2 espectro do RCP espectro 1% yr/CO2 observe a diferença As linhas coloridas indicam possíveis cenários para elevação da temperatura, chamados de RCP (Representative Concentration Pathways), com projeções até 2100. Eles vão do mais otimista, em que a elevação da temperatura fica em torno de 2 oC (RCP 2.6) ao mais pessimista (RCP 8.5). Tudo depende do caminho que a humanidade traçar para conter suas emissões de GEE. Os outros cenários consideram apenas o aumento de 1% ao ano do CO2 e não incluem outros gases e forças atuantes. fonte: sumário do 5o relatório do ipcc - grupo de trabalho 1 Cooperação Sul Sul: novas perspectivas Elevação na temperatura, em relação a 1880 (em ºC) t 47 Expedição Co p 19 t avanço empresarial enquanto os governos buscam um difícil consenso entre 200 nações diferentes, o setor privado delineia uma nova economia Kalil Cury Filho V arsóvia. Mais uma reunião das Nações Unidas para tratar da Convenção do Clima. Novos debates e já velhos temas. Dificuldades na busca do interesse comum. E o clima do planeta em crise. Os cientistas já nos mostraram que estamos consumindo recursos e emitindo gases acima da capacidade de recuperação da natureza. Esse processo tem de ser revertido, sob pena de consequências desconhecidas, podendo comprometer as condições de vida das próximas gerações. Minha primeira participação em COP’s foi em Copenhague, em 2009, quando havia uma expectativa muito grande de um acordo entre os países sobre a redução das emissões de CO2. Os principais líderes mundiais estavam lá, e a boa notícia não veio. Não veio em Cancún, em Durban, em Doha e ainda não em Varsóvia. A esperança está na COP21, em 2015, que será realizada em Paris. A minha participação sempre se deu como representante do setor privado. Foi no ambiente empresarial e nos eventos paralelos promovidos por empresas e ONGs que pude 48 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 interagir e procurar compreender o que se passava. Na área governamental, as notícias de acordos parciais sempre vieram com muita reserva, e os avanços foram poucos, considerando-se o tamanho do desafio. A forma das negociações, com a busca de um consenso entre quase 200 nações com muitas diferenças, traz em si as raízes das dificuldades. Mas uma constatação que gostaria de registrar é o crescente comprometimento do setor empresarial com o tema da sustentabilidade. Em Copenhague, as empresas estavam lá, muitas com suas agendas de sustentabilidade incorporadas em seus planos de negócios, mas o foco estava nos governos. Agora em Varsóvia, os eventos paralelos, as conversas entre os representantes empresariais e das ONGs, as apresentações de casos e de planos de ação para os negócios já mostram um vigor muito maior e não estão mais necessariamente ligados a políticas ou exigências dos governos. A mudança de atitude está calcada na incorporação do diagnóstico de que é preciso buscar uma economia sustentável. Assim, enquanto os governos negociam e um acordo não chega, o setor privado avança. As grandes corporações são entidades transnacionais e responsáveis por cerca de 70% do que se produz no planeta. Em suas agendas e planos de negócios, a cada dia, são incluídas novas visões, inovações e novos fatores de custo e risco relativos à crescente escassez de recursos e aos impactos no ambiente. Uma nova economia se delineia. A pergunta que não quer calar é se há tempo suficiente para reverter o processo. Cabe aos governos a tarefa de incentivar as mudanças necessárias, liderando e direcionando o caminho para um desenvolvimento sustentável. As COPs, com sua frequência anual, mantêm o tema em debate e mobilizam as partes interessadas. Assim como em uma festa, na qual a atmosfera alegre e vibrante se mantêm com a música, as discussões sobre o clima que se repetem nessas conferências precisam desse estímulo para continuar. A R TIG O multiplicadores de mudanças A ciência econômica ainda não acompanha a ciência do século 21, em especial em relação às mudanças climáticas. É hora de agir Achim Steiner A ciência do século 20 começou a abrir nossos olhos para algumas das mudanças mais fundamentais que já testemunhamos nos mecanismos vitais de nosso planeta. E, da mesma forma que os médicos não conseguem explicar muitas coisas do nosso corpo e nossa fisiologia, nosso conhecimento de como o planeta funciona ainda está em seu estágio inicial. Mas não conseguir explicar tudo nunca deveria ser uma razão para não partir para a ação. Essa tem sido a condição humana em toda a nossa evolução: nunca tivemos conhecimento perfeito de algo antes de tomar decisões. Dado o mais recente relatório do IPCC e o enorme corpo de ciência do clima que emergiu nos últimos 20 a 30 anos, sabemos mais do que o suficiente para assumir posicionamentos sobre a urgência, a necessidade e o imperativo de agir. Será incompreensível, para os que olharem para trás daqui a 50 ou 100 anos, entender por que, nesse ponto de inflexão do século 21, a humanidade não conseguiu tomar algumas decisões arrojadas. Mesmo se a mudança climática comprovasse ser um completo mal-entendido científico, muitas das respostas a ela fazem sentido para a humanidade e para o planeta, pois são sobre eficiência de recursos, redução de poluição, melhores condições de saúde, padrões de urbanização. O black carbon (fuligem, ou carbono negro), por exemplo, não influi apenas na mudança climática: é parte do que deixa milhões de pessoas doentes, levando a algo entre 4 milhões e 6 milhões de mortes prematuras por ano. Então por que não agimos? A realidade científica nos pede para transformar fundamentalmente nossa economia. Com frequência digo que a ciência econômica e a economia começaram lentamente a acompanhar a ciência do século 21. Hoje falamos sobre dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, elementos que são parte de apenas 200 anos de história humana moderna e que começaram a alterar nossa atmosfera, com enormes implicações para nossa biosfera. É aí que entra a ciência econômica, com suas extraordinárias ramificações, pois nossa economia, infraestrutura, os lugares em que vivemos, os lugares com que contamos para sobreviver, ou seja, tudo o que sabemos e que tomamos como realidade dada, está sendo questionado pelas mudanças climáticas. Por exemplo, caso a temperatura global subisse 4 graus Celsius, o ecossistema da Amazônia tal qual existe hoje não mais funcionaria. A Amazônia é a maior bomba d’água do mundo. Se você matá-la, você destrói o sistema hidrológico da maior parte da América do Sul. Então, aqui estamos, uma comunidade global de nações lutando para negociar uma resposta de implicações de transformação sem precedentes. Talvez não seja surpresa que estejamos lutando, particularmente na questão da equidade, para saber quem deve se mexer primeiro ou quem tem mais responsabilidade, > 49 A mudança climática começa a ser registrada no radar de gerenciamento de risco de muitas empresas porque todos enfrentaremos contas impensáveis por não agir. Mas agir requer investimentos. Se a ciência econômica e a economia estão alcançando a ciência, podemos então começar a fazer com que as finanças acompanhem a ciência econômica no contexto da mudança climática. As transformações necessárias requerem decisões sobre investimentos. O diálogo entre governos, formuladores de políticas, reguladores e o setor privado será necessário como nunca. A consultora Trucost calculou que as 100 maiores externalidades ambientais estão custando cerca de 4,7 trilhões de dólares por ano à economia mundial em questões relacionadas à poluição do ar, saúde, mudança climática, recursos naturais, diminuição e destruição de ecossistemas, etc. Nesse contexto, a indústria de cimento seria uma “fabricante de perdas”. A única razão pela qual ela é um negócio lucrativo é que muito do custo é absorvido pela sociedade. Como 50 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 resolver tal dilema? Bom, temos governos. Governos tomam decisões que medeiam interesses de longo e curto prazos, entre a capacidade de um mercado de funcionar e, em última instância, de uma economia ser sustentável. Esses são os maiores desafios para os próximos anos, em especial no setor privado. O aumento do interesse do setor privado nas questões do clima e a relevância da negociação climática apontam para duas realidades: uma, a mudança climática começa a ser registrada no radar do gerenciamento de risco de muitas empresas, não só em termos de investimentos de longo prazo, novas tecnologias e estratégias existentes, mas também como uma oportunidade de prever como seria uma economia precificada de baixo carbono. A outra realidade é a incerteza das políticas. Tivemos algumas extraordinárias histórias de sucesso nos últimos anos que mostram o quão rapidamente o mercado pode responder a sinais oriundos do conjunto regulatório de decisões que fornecem incentivos e políticas fiscais. Apenas nos últimos seis anos, de 2006 a 2012, vimos os investimentos em energia renovável crescerem para mais de 1,3 trilhão de dólares. Uma boa soma para um componente do nosso mix de energia que, até 15 anos atrás, as agências de energia, o Banco Mundial e todos os gurus macroeconômicos diziam que talvez começasse a emergir por volta do meio deste século. Quebramos recordes. Países como a Dinamarca e Alemanha tiveram grandes inovações, de um quarto a um terço de sua eletricidade agora vem de fontes renováveis. Nunca, na história da tecnologia de energia, as economias conseguiram introduzir um novo pilar em seu mix na velocidade em que as renováveis têm entrado. Nunca a tecnologia se moveu tão rapidamente do mundo industrializado para o mundo em desenvolvimento, porque metade dos investimentos globais em renováveis em 2012 estavam nele. Nunca vimos as economias no mundo em desenvolvimento construírem suas próprias capacidades tão rápido, com a China sendo hoje o maior produtor mundial de energia eólica. E, vamos admitir, tem contribuído significativamente para baixar o preço da tecnologia. Na África, investimentos em renováveis subiram para 12 bilhões de dólares só em 2012. Nos últimos seis meses, a maior fábrica fotovoltaica do continente foi aberta em Gana, a maior fazenda de energia eólica na Etiópia, o maior investimento geotérmico no Quênia. Tudo isso está acontecendo porque os governos reconheceram os benefícios social e econômico das energias renováveis e os converteram em orientações de suas políticas. Mas os governos também estão atrasados, e talvez um dos maiores riscos seja a volatilidade da política pública. É o que vemos acontecendo com o preço do carbono na Europa. O esforço global para trazer o preço do carbono para dentro da corrente econômica principal está oscilando, em virtude da irrelevância do mercado, por causa da incoerência das políticas. Olhamos para os atores do setor privado como o mais importante fator multiplicador que irá determinar e definir a capacidade de nossos países de responder a essas transformações. Estamos comprometidos em reduzir nossas emissões de carbono em 50, 60, 80%, em apenas 30 a 40 anos. Temos recursos para fazê-lo? Como iremos fazê-lo? É economicamente viável? Os investimentos realmente seguirão as aspirações, as metas ambiciosas que estabelecemos nas negociações internacionais? Apenas no ano de 2012, as 200 maiores empresas de combustíveis fósseis investiram 674 bilhões de dólares em exploração e desenvolvimento de novas reservas. Peguem esse número por um instante e justaponha-o com um objetivo pelo qual estamos lutando na comunidade de nações no ano de 2013, que é de alguma forma juntar 100 bilhões de dólares para finan- ciar um esforço coletivo de transição em direção à economia verde. Se é assim que as cartas estão distribuídas, é surpresa que muitas empresas e instituições financeiras estejam em cima do muro? Muitas gostariam de pular, mas com esse tipo de ambiente contraditório de políticas macroeconômicas, por que o fariam? Sim, pode haver alguma indústria que queira que os governos não se mexam. Mas aqui estão cada vez mais atores do setor privado que percebem que o custo da inação está começando a migrar de uma dimensão social macroeconômica diretamente para seus balanços. E aqui está, acredito, a oportunidade de articular, de dentro do universo do setor privado, do mundo financeiro e do mundo da tecnologia, mensagens claras para os governos, porque eles irão liderar se tiverem a impressão de que alguém irá segui-los. O atual padrão de tabuleiro de xadrez onde apenas movemos peões, reis e rainhas em reação ao movimento do outro lado, está ignorando a ciência e matando as finanças. trecho extraído do discurso de abertura do evento Climate Action, side event da cop 19, realizado em 20/11/2013 51 t ARTI GO Novos horizontes A mudança do clima oferece um conjunto de oportunidades para determinados países e setores Alexandre Comin A indústria brasileira vem buscando há décadas vantagens competitivas que lhe permitem hoje aproveitar oportunidades numa economia de baixo carbono. Parte significativa da siderurgia brasileira é baseada no carvão vegetal e investe no desenvolvimento do aço de baixas emissões. Empresas brasileiras desenvolveram tecnologia de reflorestamento para celulose que tornou essa cadeia imbatível em termos de produtividade e de sustentabilidade. Há 20 anos o setor químico desenvolve programas de sustentabilidade em todas as frentes, dentre elas a de emissões, com resultados substantivos na comparação internacional. O desenvolvimento do plástico verde, liderado pelo Brasil, abre infindáveis 52 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 oportunidades para uma química de baixo carbono. A cadeia do alumínio, da mineração à reciclagem, coloca o País numa posição vantajosa nas emissões de outros gases de efeito estufa (GEE), além do dióxido carbono. independem disso, como na indústria do cimento, da celulose, entre outras. E há casos em que as duas dimensões se somam, como na siderurgia. A ampliação das fontes não renováveis na matriz elétrica não deverá anular a vantagem da uma parte importante da vantagem do brasil se deve à matriz elétrica excepcionalmente limpa Avanços significativos foram obtidos em áreas inovadoras, como no etanol, e tradicionais, como no cimento, dentre tantas outras. Uma parte importante da vantagem da indústria brasileira se deve à matriz elétrica excepcionalmente limpa, sendo o alumínio o melhor exemplo. Mas há vantagens que indústria brasileira como um todo, embora possa piorar marginalmente o perfil de alguns produtos. Na mão contrária, é forçoso reconhecer que perduraram práticas não sustentáveis que mancham a imagem do País. É o caso particularmente do uso de madeira ilegal e de práticas trabalhistas inacei- táveis no carvoejamento e na produção de cal em várias regiões do País. São fatos lamentáveis, mas não deixam de representar oportunidades, por ora desperdiçadas. Graças ao esforço do governo federal, sob a liderança do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil é o país que mais contribuiu para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa, mediante a redução, sem precedentes históricos, do desmatamento. Menos conhecida é a contribuição de outros órgãos federais para a mitigação. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) apoia em diversas frentes os esforços de minimização de emissão de GEE da indústria brasileira, sem descuidar de sua principal missão, que é a promoção do desenvolvimento e da competitividade do setor produtivo. A principal ação é o Plano Indústria, que trabalha desde 2012 para a construção de um padrão internacionalmente comparável de Medição, Relato e Verificação (MRV) de emissões. Ao mesmo tempo, orga- gia do MDIC, sempre em diálogo com o setor industrial e com o apoio de vários órgãos federais, é criar as condições de MRV que evidenciem os esforços já realizados e as vantagens acumula- estudos indicam que a indústria brasileira já possui um nível baixo de emissões por unidade de produto niza instrumentos de financiamento e de certificação, entre outros, que facilitem os esforços de redução de GEE sem prejudicar a produção. Os estudos realizados pelo MDIC indicam que a indústria brasileira já possui um nível relativamente baixo de emissões por unidade de produto quando comparada com outros países. Por isso a estraté- das pela indústria em direção a uma economia de baixo carbono. É a melhor garantia de que o País potencialize suas oportunidades. Os esforços da indústria e do MDIC reforçam, portanto, a estratégia brasileira de impulsionar as negociações do clima. Isso interessa ao planeta e interessa ao Brasil. 53 t ARTI GO m í d i as Material originalmente publicado em 2009-2010 A ENERGIA QUE VEM DO SERTÃO Um exemplo brasileiro para uma sociedade que precisa agir contra o aquecimento global Jean R. Benevides o aquecimento global e o cenário dramático e de incertezas que ele carrega costuma provocar um sentimento de impotência e ceticismo em muitas pessoas quando o momento deveria ser de ação conjunta e integrada na busca de soluções que respondam a esse desafio. Um condomínio residencial do Programa Minha Casa Minha Vida em Juazeiro, na Bahia, é uma demonstração de como o enfrentamento das mudanças climáticas pode gerar novas oportunidades – ele tem atraído a atenção de especialistas pela forma inovadora de gerar energia limpa e renda aos seus moradores ao mesmo tempo. A produção e o consumo de energia são os principais emissores de gases de efeito estufa, o que tem levado governos e empresas a se mobilizar por medidas que reduzam o uso de combustíveis fósseis e a incentivar a produção de energias renováveis. No Brasil, ainda é incompreensível como a abundância da radiação solar e dos ventos não é aproveitada para geração de eletricidade, especialmente 54 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 quando se tem amplo conhecimento e tecnologias para isso, de forma a garantir que o País continue a ser uma referência mundial por ter uma matriz energética limpa e renovável. A mini e a microgeração distribuída de energia solar fotovoltaica tornaram-se realidade no Brasil desde suas autorizações pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2012. Agora é preciso disseminar essa fonte de energia por meio de incentivos financeiros e modelos de negócios que fomentem a demanda e a viabilizem em todo o país. Nossos telhados podem se constituir em milhares de microusinas, lançando na rede de distribuição a eletricidade produzida durante o dia pela radiação solar, e com isso, gerar créditos a serem compensados com a energia que for consumida da concessionária. No modelo de minigeração implantado em Juazeiro, os telhados de mil residências formam uma usina solar capaz de gerar 2,1 MW de energia elétrica. O sistema é complementado ainda por seis aerogeradores que aproveitam os bons ventos locais, iluminando as áreas de convivência do condomínio. Nesse modelo de negócio, a energia gerada é vendida e a receita é distribuída entre os moradores e um fundo de manutenção, criando melhores condições para a administração do condomínio. A experiência foi construída com ampla participação e adesão das famílias, inclusive na execução do projeto – um grupo de 35 moradores, a maioria mulheres, foi selecionado para trabalhar na montagem e fixação de todo o sistema. O desafio do aquecimento global exigirá conhecimento e atitudes para combatê-lo. O problema é global, mas as ações e soluções são locais. Esse condomínio de geração de energia renovável é uma inovação brasileira, que reúne moradores, agente financeiro e uma empresa comercializadora de energia. Juntos, eles demonstram outra maneira de produzir riqueza com inclusão social, transformando o sol e os ventos em ativos ambientais a serviço do desenvolvimento sustentável. 55 mídias Material originalmente publicado em 2009-2010 Caminhos para a redução O gráfico abaixo mostra que, em alguns setores, os valores com a diminuição dos GEEs são negativos (barras em azul). Em outros há boas oportunidades de negócios para o país. De acordo com a McKinsey, o custo médio do Brasil para o abatimento de 70% das emissões até 2030 deve ser de 9 euros (cerca de 27 reais) por tonelada de CO2, metade da média mundial. Conheça alguns dos caminhos para a redução das emissões de dióxido de carbono no país: Saiba mais sobre o estudo da McKinsey em www.planeta sustentavel.com.br/ brasilbaixocarbono t ARTI GO Gases de efeito estufa transformam a gestão Eficiência, Inovação, Reputação e Competitividade são alguns dos fatores que estão direcionando a Nova economia Rodolfo Nardez Sirol A nualmente, mais de 6 mil empresas de 70 países são convidadas a divulgar seus dados de emissões e estratégias ambientais por meio do sistema de reporte do CDP (Carbon Disclosure Project), que é mantido por 722 investidores globais com ativos coletivos de US$ 87 trilhões. O relatório brasileiro teve a sua primeira edição em 2006, baseando-se em dados coletados das maiores empresas brasileiras, tendo como escopo 100 convidadas do índice IBrX, da BM&FBovespa. Diversas empresas de rating e fundos de investimentos utilizam o relatório do CDP para compor sua tomada de decisão em investimentos, já que a estrutura do relatório passa por questões essenciais na gestão corporativa de gases de efeito estufa (GEE), como governança e estratégia, transmitindo aos investidores uma visão de sustentabilidade e preservação de valores. 58 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 As empresas têm investido na governança sobre emissões de GEE, estimuladas por quatro importantes drivers: • O primeiro diz respeito a impactos econômicos diretos, na qual a melhor gestão das fontes de emissão de GEE resulta diretamente em ganhos de eficiência e consequente redução de custos operacionais e/ou administrativos, modernizando a gestão e trazendo ganhos tangíveis para a empresa; • O segundo driver está relacionado à gestão de risco do negócio da empresa, em que crescentes regulamentações sobre emissões de GEE podem acarretar perdas de receita ou a geração de custos adicionais (parcialmente tangível); • O terceiro está relacionado ao desempenho nos relatórios de mercado que são utilizados pelos investidores para alocar seus investimentos; • E finalmente, temos as questões reputacionais, pelas quais as empresas de mercado, preocupadas em se manter alinhadas às novas tendências da sociedade, buscam um posicionamento que as identifique como engajadas e líderes nesses movimentos da economia de baixo carbono, também conhecida como nova economia (intangível). Um driver ainda incipiente é o que norteia a competitividade no cenário colocado pelas diferentes oportunidades que a nova economia proporciona e ainda proporcionará. Falo de empresas que prestarão serviços atrelados à baixa emissão de carbono, como a mobilidade elétrica urbana, o fornecimento de energia elétrica de fontes alternativas, as novas soluções energéticas sustentáveis para empresas e cidadãos, as soluções para ambiência de casas e empresas, a geração elétrica distribuída e personalizada. Também haverá as empresas de novos produtos, disruptivos, que promoverão acesso às tecnologias e aos serviços de baixo custo, atendendo a grande população de baixa renda dos países em desenvolvimento, carentes de produtos e serviços para o exercício de sua cidadania. O impacto desses será tão revolucionário quanto o smartphone. A CPFL Energia tem utilizado a governança como driver de decisão para implantar metas corporativas de redução de GEE em fontes que interferem em mais de 80% de suas emissões (Escopo 1 e 2). Além disso, ações de menor impacto sobre as emissões globais da empresa, mas com significativo impacto em custos operacionais e administrativos, têm sido utilizados. Nessa direção, recentemente, promovemos a alienação de sites de baixa eficiência ambiental (com significativa receita não recorrente), a otimização de espaços para melhor desempenho ambiental per capta (maior que 50%), o ganho de mais de 50% na eficiência dos sistemas de iluminação e refrigeração, e campanhas de consumo inteligente de recursos naturais e ecoeficiência. Entendo que empresas como a CPFL, que tem uma forte gestão sobre suas emissões de GEE, estão se preparando para essa nova de saúde assistida por via remota, produtos com baixa emissão para serem produzidos, cadeias mais curtas de produção, serviços em rede etc. Em um horizonte curto teremos uma drástica revolução no modo como fazemos as coisas hoje, seja do ponto de vista de produtos seja de serviços economia, que enseja um novo ambiente de competição de mercado. Um fato muito comum nelas é a definição da inovação como pilar de sua estratégia de crescimento (orçamentos e pessoas dedicadas) e, portanto, de sobrevivência futura, uma vez que em um horizonte curto de alguns poucos anos teremos uma drástica revolução no modo como fazemos as coisas hoje, seja do ponto de vista de produtos seja de serviços. Podemos observar alguns movimentos nesse sentido, por exemplo, em programas Nesse cenário, veremos muitas empresas tradicionais e sólidas sucumbirem perante um fato relevante nesse futuro próximo. Um número praticamente infinito de novas empresas surgirão por todo o mundo (o emergente, principalmente), oferecendo soluções inusitadas, eficientes e acessíveis, colocando em desafio a capacidade das empresas de hoje de prover soluções semelhantes e na mesma velocidade. 59 t ARTI GO O setor energético e o desafio dos 2 C o o setor pode ajudar a conter a elevação da temperatura global e ainda gerar oportunidades, mas é preciso se apressar Augusto Rodrigues A indissociabilidade entre mudança do clima e energia é evidente. O setor de energia, segundo a International Energy Agency (IEA), é responsável por 67% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). O desafio de limitar o aumento da temperatura do planeta em 2 ºC requer um profundo repensar da forma como geramos e utilizamos energia. Desafio que, cada vez mais, passa a ser tecnológico, político e comportamental. E o Brasil terá papel fundamental nesse front, dispondo da oportunidade histórica de contribuir, como protagonista, para o combate às emissões de GEE. Apesar de avanços em determinados países, as emissões globais de GEE relacionadas à energia aumentaram 1,4% em 2012, alcançando um nível nunca antes experimentado. Vale pontuar que, também em 2013, a concentração de CO2 na atmosfera chegou a 400 ppm, algo não conhecido pelo planeta, pelo menos, no período em que a tecnologia de medição permite alcançar. Segundo a ONU, a população mundial será de 9,3 bilhões de pessoas em 2050. O nosso desafio é garantir 60 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 o acesso de todas elas à energia elétrica. Façamos alguns cálculos para dimensionar o tamanho de tal desafio. A emissão per capita do brasileiro para produzir e consumir energia é 4 vezes menor que a do europeu, ou 9 vezes menor que a do americano. Na produção de energia elétrica, o setor brasileiro emite 6 vezes menos do que o europeu, 7 vezes menos do que o americano e 11 vezes menos do que o chinês. O Banco Mundial também nos informa que o consumo per capita de energia elétrica nos EUA é mais de cinco vezes o de um brasileiro. Assim, no Brasil, segundo o World Energy Outlook 2013, já em 2030, haverá aumento de “80% no uso de energia, incluindo a obtenção de um acesso universal à eletricidade. O aumento do consumo será impulsionado pelas necessidades de energia de uma classe média em expansão, resultando em um forte crescimento na demanda por combustíveis para transporte e uma duplicação do consumo de eletricidade”. Podemos concluir, então, que nosso desafio não passa somente pela necessidade de reinventarmos tecnicamente a produção, a distribuição e a utilização de ener- gia, mas por inovações políticas e econômicas que exijam mudanças comportamentais. A IEA, embora considere provável o cenário de elevação da temperatura do planeta entre 3,6 ºC e 5,3 ºC até 2100, enfatiza que as tecnologias necessárias estão disponíveis para garantir a meta buscada de 2 ºC. Como podemos conciliar o aumento dos níveis de consumo de energia das populações excluídas com os limites planetários e a redução das emissões? O artigo Sustainable Development and Planetary Boundaries, da rede Sustainable Development Solutions Network, da ONU, indica quatro possíveis cenários futuros. São eles: I. Chutando a escada: os países em desenvolvimento congelariam sua prosperidade, o que favoreceria os países já desenvolvidos; II. Contratando e convergindo: os países desenvolvidos reduziriam drasticamente o seu nível de consumo até haver uma convergência com o consumo de países em desenvolvimento; III. Business as usual: falta de consenso internacional, onde cada país continuará defendendo suas reservas independentemente; IV. Transformando para a sustentabilidade: os países chegam a um consenso, em busca de uma nova economia. O desafio está colocado. Mas gostaria de trazer uma reflexão, considerando que as negociações climáticas estão em curso e que, mesmo com um acordo em 2015, focando o quarto cenário descrito acima, as ações serão implementadas somente a partir de 2020. Os países precisam começar a agir imediatamente. E, aqui, o setor energético pode dar uma enorme contribuição. O Redrawing the Energy-Climate Map (IEA), em seu último relatório, descreve como o setor pode contribuir para limitar o aumento da temperatura a 2 ºC até 2050 pela: •adoção de medidas de eficiência energética específicas (49% das reduções de emissões); •limitação da construção e da utilização das usinas menos eficientes (21%); •minimização das emissões de metano (CH4) provenientes da produção de petróleo e gás (18%); •aceleração da eliminação progressiva dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis (12%). O relatório ressalta que as políticas propostas consideram apenas tecnologias existentes, já adotadas em alguns países. Essas medidas não retardariam o desenvolvimento de países ou regiões. Esse projeto de redução das emissões incluiria também: •a massificação da utilização de veículos elétricos; •a progressiva geração de eletricidade sem a utilização de combustíveis fósseis até 2050, aumentando o uso de energias renováveis. Dentro disso, o uso crescente da geração distribuída, transformando o consumidor de energia em gerador; •o aumento do sucesso dos programas de eficiência energética, incluindo a implantação, em escala, de redes inteligentes de transmissão e distribuição de energia elétrica; •a utilização de biocombustíveis para transporte; •a incorporação de mudanças do uso da terra e a redução de emissões na agricultura. Esse enorme desafio traz, também, muitas oportunidades. Segundo a IEA, o investimento necessário na geração de energias renováveis, até 2035, é de US$ 1,8 trilhão. Somando a geração renovável às outras tecnolo- gias de baixo carbono, o investimento previsto é de US$ 5 trilhões. Esse movimento já começou! O crescimento previsto para a geração de energia no Brasil, até 2035, já conta com 45% de renováveis. Precisamos apertar o passo. Os últimos leilões no País têm mostrado a força e a competitividade da energia renovável. No último leilão de energia nova, o 18º., foram contratadas 16 pequenas centrais hidrelétricas, uma hidrelétrica, cinco térmicas à biomassa e 97 usinas eólicas. A situação de nosso País é muito privilegiada. Possuímos o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo, utilizando apenas 30%. Além disso, o potencial elétrico da biomassa já representa quase 10% do total de geração de energia elétrica e poderia mais do que triplicar. Temos ainda um potencial eólico que pode chegar a 300 GW, valor maior que todo o nosso parque instalado. E o nosso enorme potencial solar é indiscutível. Portanto, todos têm a ganhar com a realização de uma agenda da qual participariam os governos, a sociedade civil e as empresas, na implementação de um novo paradigma energético mundial. 61 mídias Material originalmente publicado em 2013-2014 2009-2010 mídias Material originalmente publicado em 2013-2014 t ARTI GO O Marco de Varsóvia para REDD o grande avanço da COP19: sete decisões adotadas sobre aspectos financeiros, metodológicos e institucionais de REDD+ Thelma Krug, Letícia Guimarães e Felipe Ferreira P ara o Brasil, um dos principais resultados da COP19, em Varsóvia, foi a conclusão de negociações sobre a arquitetura internacional para REDD+, sigla usada na ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para “políticas e incentivos para redução de emissões por desmatamento e degradação florestal, e o papel da conservação, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal em países em desenvolvimento”. Na COP16, em Cancún, as Partes na UNFCCC afirmaram o objetivo coletivo de diminuir, parar ou reverter o desmatamento e a perda de cobertura florestal, desde que recursos adequados e previsíveis para tal fim sejam assegurados a países em desenvolvimento. O Marco de Varsóvia (Warsaw Framework for REDD+) definiu as regras que permitirão seguir essa aspiração, a partir de normas multilaterais sobre requisitos metodológicos e do objetivo coletivo de canalização 66 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 de recursos para o pagamento por resultados alcançados. O conjunto das sete decisões adotadas trata dos aspectos financeiros, metodológicos e institucionais de REDD+ no plano internacional, ao amparo da UNFCCC. 1 Com isso, a COP19 estabeleceu as principais regras internacionais para REDD+, concluindo, em grande medida, o ciclo de negociações sobre o tema. O Marco de Varsóvia lança uma nova etapa para REDD+, com foco na implementação das regras multilateralmente acordadas para obter pagamentos por resultados, de forma que os esforços de mitigação de países em desenvolvimento no setor florestal possam ser reconhecidos internacionalmente e devidamente recompensados. A expectativa é que, com isso, haja maior segurança jurídica e uma melhor coordenação internacional para apoiar financeiramente atividades de REDD+, em particular pagamento por resultados. Pagamento por resultados Apesar de ser a principal característica de REDD+, esse é talvez seu atributo menos compreendido. Pagamentos por resultados ou por desempenho são uma maneira inovadora de financiamento internacional, na qual os recursos são transferidos com base em resultados já alcançados em relação a indicadores previamente definidos.2 Nessa modalidade, a transferência de recursos é feita, portanto, a posteriori, com base em desempenho, e não a priori com base em uma expectativa. No caso de REDD+, os pagamentos serão realizados por resultados de mitigação, medidos em toneladas de CO2e (CO2 equivalente) em relação a uma referência previamente definida, assegurados por meio da implementação de atividades e políticas que visem diminuir, parar ou reverter o desmatamento e a perda de cobertura florestal. Quais os principais elementos do Marco de Varsóvia para REDD+? Conforme já acordado em Cancún, para ter acesso a pagamentos pelos resultados de suas ações nacionais de REDD+, o país em desenvolvimento deverá ter implementado todos os elementos descritos no parágrafo 71 da decisão 1/CP.16: uma estratégia ou plano nacional; um sistema de monitoramento florestal em nível nacional; um nível de referência de emissões por desmatamento e/ou degradação florestal; e/ou nível de referência de estoque de carbono florestal; e um sistema de informação sobre salvaguardas. As ações nacionais deverão ser, ainda, plenamente mensuradas, relatadas e verificadas (MRV, na sigla em inglês). O Marco de Varsóvia para REDD+ definiu o que significa “plenamente mensuradas, relatadas e verificadas” ao adotar os procedimentos para apresentação de níveis de referência e para verificação dos resultados. Criou também requisito adicional de apresentação do relatório sobre o sistema de informações sobre salvaguardas. Esses requisitos são voluntários e restritos ao contexto de pagamento por resultados, e não geram, portanto, meta de mitigação para países em desenvolvimento. Passam a ser necessários, porém, para obter pagamentos por resultados mesmo que a fonte de recursos esteja fora do mecanismo financeiro da UNFCCC. Na prática, isso cria ciclos de dois anos para apresentação e reconhecimento dos resultados de REDD+ pela UNFCCC, a partir de comunicação nacional já feita sob a convenção. O ciclo tem dois passos. Anualmente, os países em desenvolvimento poderão submeter seus níveis de referência para avaliação por uma equipe de especialistas credenciados da UNFCCC. Após essa avaliação, os resultados das ações nacionais de REDD+ correspondentes poderão então ser apresentados, a cada dois anos, na forma de um anexo técnico ao Relatório de Atualização Bienal (BUR, na sigla em inglês).3 O anexo técnico deverá conter informações sobre o sistema de monitoramento florestal e uma demonstração de como os resulta- dos apresentados são consistentes com as premissas e metodologias adotadas para o nível de referência. Conforme acordado na decisão 2/CP.17, os BURs serão submetidos ao chamado processo de Consulta e Análise Internacional (ICA, na sigla em inglês). O anexo técnico de REDD+ passará pelo mesmo processo de transparência e verificação dos BURs. O relatório sobre o sistema de informações sobre salvaguardas, por sua vez, deverá ser atualizado, pelo menos, a cada quatro anos. Uma vez que todos os requisitos tenham sido atendidos, os resultados serão publicados, com os relatórios pertinentes, em uma ferramenta on-line específica para esse fim (o information hub) sob a plataforma de REDD+ da UNFCCC4. O information hub tem como função ampliar a transparência sobre os resultados e seus pagamentos correspondentes e reunirá em um só lugar as informações necessárias para o reconhecimento internacional das ações de REDD+ e seus respectivos pagamentos. > 67 t ARTI GO Um sistema multilateral pode atrair novos atores, novas instituições e novos financiamentos O papel central do GCF O Marco de Varsóvia prevê que, dentre as várias fontes que financiam REDD+ (bilaterais ou multilaterais, públicas ou privadas), o Fundo Verde para o Clima (GCF, na sigla em inglês) terá um papel-chave, a fim de canalizar recursos em escala adequada e previsível para os países em desenvolvimento. Não está definido explicitamente o que constitui esse “papel-chave”, até porque o GCF só deverá ser capitalizado a partir de 2014. A boa notícia é que, tão logo haja recursos, o Comitê Executivo do GCF poderá começar a oferecer pagamento por resultados quase que imediatamente, uma vez que o trabalho metodológico já foi terminado. Ao GCF caberá definir de que forma, e em que volume, serão oferecidos pagamentos por resultados. É de esperar, assim, que o fundo venha a assumir um papel de destaque entre as fontes de recursos para REDD+, de forma a oferecer montantes em escala adequada e previsível para os países em desenvolvimento inte- 68 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 ressados em implementar, de forma voluntária, atividades de REDD+ em nível nacional. Em linha com a abordagem acordada na COP17 (Durban), de que os recursos para REDD+ virão de “várias fontes”, caberá a cada país, após terminado seu ciclo de apresentação de resultados, buscar parcerias bilaterais ou entidades financeiras internacionais dispostas a oferecer pagamentos por resultados. Daí a importância de a COP19 ter definido um papel central ao GCF nessa arquitetura, de forma a assegurar previsibilidade na provisão de recursos aos países em desenvolvimento. A segurança oferecida por um sistema multilateralmente acordado, ademais, poderá atrair novos atores. Uma vez definido como os resultados serão apresentados e reconhecidos pela UNFCCC, outras instituições financeiras interessadas em financiar REDD+ poderão passar também a oferecer pagamento por resultados, sem que para isso tenham que desenvolver metodologias e/ou requisitos próprios. Coordenação de apoio: um Mecanismo para REDD+? As decisões da COP19 definem os requisitos e as metodologias acordados pela UNFCCC para aplicação pelas diferentes entidades interessadas em financiar REDD+. Estabelecem, também, ferramentas sob a Convenção com o objetivo de aumentar a transparência sobre os resultados REDD+ e seus respectivos pagamentos. A expectativa é de que, com isso, haja maior segurança jurídica e melhor coordenação internacional para apoiar financeiramente essas atividades. É importante notar, contudo, que não foi criado um “mecanismo de REDD+”. Em regimes multilaterais, a palavra mecanismo está, a rigor, associada à criação de arranjos institucionais formais, com poder de regulamentação e estrutura rígida. Como as decisões de Varsóvia não estabeleceram tais arranjos, é mais adequado descrever o conjunto de decisões como um “marco” ou “arquitetura” para REDD+. A fim de melhorar a efetividade do financiamento a REDD+, os países (doadores e recipiendários) deverão designar entidades nacionais ou pontos focais para REDD+, que deverão se encontrar periodicamente à margem das reuniões da UNFCCC entre 2014 e 2017 (quando será revista a necessidade da criação de arranjos institucionais formais). Projetos são elegíveis para receber pagamentos por resultados sob o Marco de Varsóvia? O Marco de Varsóvia reitera o entendimento da abordagem nacional para a implementação de atividades de REDD+, aceitando, caso necessário de forma interina, uma abordagem em escala subnacional. Definitivamente, no nível internacional, REDD+ não tem uma abordagem baseada em projetos. A arquitetura internacional de REDD+ está inteiramente voltada para o pagamento por resultados de ações nacionais. Projetos de REDD+ podem, contudo, ser compreendidos como atividades a serem desenvolvidas nas chamadas fases de preparação (readiness ou fases 1 e 2), ou ainda como forma de reaplicar os recursos recebidos pelos resultados alcançados em nível nacional (a exemplo do que faz o Fundo Amazônia). Na fase 3 (“ações baseadas em resultados”)5, são os países em desenvolvimento os responsáveis pelos resultados de suas ações nacionais, portanto, são eles que receberão os pagamentos correspondentes. Por essa razão, a COP19 reconheceu que os países em desenvolvimento têm a prerrogativa soberana de indicar quem serão os recipiendários de pagamentos por resultados em seu nome, segundo critérios a serem definidos nacionalmente. Offset ou não-offset? Um tema que polariza opiniões diz respeito à questão sobre se os pagamentos por resultados de REDD+ poderão ser utilizados para cumprimento de obrigações de mitigação dos países desenvolvidos offsetting. Países desenvolvidos, não surpreendentemente, gostariam de ter aces- so a créditos de carbono em grandes quantidades, a preços relativamente baixos. O Brasil, junto a diversos países em desenvolvimento e organizações da sociedade civil, mantém firme posição de que REDD+ não deve ser utilizado para offsetting, de forma a manter a integridade ambiental do regime. REDD+ poderá ser utilizado pelos países desenvolvidos para ajudar a alcançar seu compromisso financeiro de mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, mas não para cumprimento de seus compromissos de mitigação de emissões de gases de efeito estufa. O Marco de Varsóvia, efetivamente, adiou a discussão sobre offsetting para o futuro. Isso permite que REDD+ comece a ser implementado e financiado desde já, resguardando as posições atuais. Nas decisões do Marco de Varsóvia, não há previsão de que os pagamentos por resultados de REDD+ gerem unidades de compensação para cumprimento de compromissos de mitigação dos países desenvolvidos sob a Convenção. O reconhecimento dos resultados > 69 t ARTI GO t A R TIG O O baixo carbono e o livre comércio Pagamentos por resultados efetuados por meio do fundo verde do clima serão uma abordagem de não mercado Lentidão e fragilidade das negociações oficiais podem levar países a adotarem plano B Eduardo Matias e de seus pagamentos correspondentes não gera direitos ou obrigações de nenhuma natureza. Essa foi a forma alcançada para permitir o avanço das negociações, uma vez que a proposta brasileira de proibir explicitamente offsetting gerou resistência de alguns países. A elegibilidade ou não elegibilidade de atividades de REDD+ para abordagens de mercado será uma questão a ser definida nas negociações sobre o novo mecanismo de mercado sob a Convenção. Essas negociações, por sua vez, dependem de definições sobre os compromissos de mitigação no novo acordo, a ser implementado a partir de 2020. Cabe notar que pagamentos por resultados efetuados por meio do GCF serão, necessariamente, uma abordagem de não mercado, baseada na transferência direta de recursos para países em desenvolvimento. Para REDD+ funcionar como instrumento que gere mitigação real, é necessário ir além da lógica de offsetting e desenvolver abordagens apropriadas de mercado, que não ge- 70 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 rem unidades de mitigação para países desenvolvidos. E quais serão os próximos passos para o Brasil em REDD+? O Ministério do Meio Ambiente iniciou em 2010 processo participativo de diálogo para subsidiar a formulação da Estratégia Nacional de REDD+. Em junho de 2011, o Grupo Executivo (GEx) do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) indicou que os elementos técnicos da Estratégia deveriam ser detalhados por Grupo de Trabalho Interministerial composto por representantes da Casa Civil da Presidência da República e sete ministérios (MMA, Mapa, MCTI, MDA, MF, MPOG e MRE). Tomando como base as recomendações do processo de diálogo ocorrido em 2010, o Grupo de Trabalho Interministerial de REDD+ preparou proposta preliminar de Estratégia, que foi entregue ao GEx para apreciação em 2013. A proposta da Estratégia traz elementos para aprimorar a tomada de decisão e o financiamento de políticas públicas relacionadas a florestas no Brasil, sob a ótica da mitigação de efeitos sobre a mudança do clima, de forma conectada às negociações internacionais no âmbito da UNFCCC. Essa proposta deverá ser atualizada com base no Marco de Varsóvia para REDD+, inclusive no que se refere ao sistema de informações sobre salvaguardas, à apresentação dos níveis de referência e à elaboração do anexo técnico para verificação dos resultados. 1 Disponíveis em PERLINK www.unfccc.int. Até a publicação deste artigo, as decisões não haviam sido ainda numeradas. 2 Para uma explicação mais detalhada, ver, por exemplo, Müller, Fankhauser, and Forstater. Quantity Performance Payment by Results. OIES, EV 59, July 2013. Disponível em http://www.oxfordclimatepolicy.org/publications/ documents/QPPOIESEV59.pdf 3 A apresentação dos BUR foi acordada na COP17 – os primeiros deverão ser apresentados ao final de 2014. É uma das obrigações de comunicação dos países em desenvolvimento, em conformidade com o artigos 4.1 e 12 da Convenção. Para mais detalhes, ver http://unfccc.int/ national_reports/non-annex_i_natcom/items/2716.php 4 http://unfccc.int/redd 5 A “abordagem em fases” foi definida no parágrafo 73 da decisão 1/CP.16. Pode servir a mal-entendidos, porém, uma vez que não basta realizar atividades da fase 2 para se chegar à fase 3. Os requisitos para obter pagamentos por resultados são definidos no parágrafo 71 da mesma decisão. O resultado mais aguardado na COP19, em Varsóvia, era um avanço no caminho rumo ao acordo global de combate às mudanças climáticas que, como definido duas conferências atrás, deverá ser assinado até 2015. Pouco se progrediu, entretanto, na chamada Plataforma de Durban, o que fica claro pela redação desse documento. Esse convida os países a iniciar ou intensificar os preparativos domésticos para suas “contribuições a serem determinadas nacionalmente”, que devem ser comunicadas por volta do primeiro trimestre de 2015 “por aqueles que estiverem prontos para fazê-lo”. Não é difícil imaginar que a demora na apresentação de compromissos e metas diminuirá as chances de que esses sejam assimilados e negociados a tempo de se chegar a um acordo na COP21, prevista para dezembro de 2015. A necessidade de consenso nas negociações climáticas na ONU vem, há algum tempo, sendo apontada como um problema. É difícil quase 200 países, com agendas completamente distintas, entrarem em acordo e, quando isso acontece, o resultado costuma ser frágil, graças à linguagem diluída e à falta de mecanismos de supervisão e sanção. A possibilidade de que esse acordo atrase, não aconteça ou seja simplesmente pífio leva a pensar em possíveis “planos B”. Uma alternativa que vem sendo discutida é a dos chamados “acordos de baixo carbono”. A solução para o aquecimento global passará pela internalização dos custos relacionados às emissões – ou seja, pela adoção de regulações ou tributos que as encareçam. Para evitar que alguns países sejam “free riders”, pegando carona nos esforços dos demais, aqueles com políticas mais rígidas de controle de emissões poderiam formar coalizões, com acordos que poderiam ter um caráter comercial, excluindo os países sem políticas equivalentes de alguns benefícios e impondo-lhes ajustes tarifários na fronteira. Coincidentemente, o atraso em outra negociação multilateral, a de libe- ralização comercial na Organização Mundial do Comércio, pode abrir caminho para essa alternativa. Isso porque os entraves da Rodada Doha têm levado a acordos de livre comércio bilaterais e plurilaterais – alguns deles muito significativos, como a Parceria Transatlântica, que vem sendo discutida entre Estados Unidos e União Europeia, e a Parceria Transpacífica. Dados levantados pela OMC mostram que, até o início de 2013, haviam surgido 543 acordos desse tipo. Alguns desses “clubes” poderiam optar pela estratégia de adotar políticas climáticas mais avançadas e, ao mesmo tempo, proteger-se da concorrência de outros países por meio de ajustes tarifários na fronteira. Porém, essas medidas podem entrar em conflito com as normas de proteção do comércio internacional, cabendo esse controle à OMC – comumente acusada de colocar o livre comércio acima do desenvolvimento sustentável. Polêmica à vista, portanto, caso a lentidão das negociações climáticas leve alguns países a adotar esse tipo de estratégia. 71 mídias Material originalmente publicado em 2013-2014 O que podemos aprender e fazer juntos? As empresas podem criar uma nova economia e construir um mundo melhor. Junte-se a nós! 73 Foto: Luciano Candisani/National Geographic Brasil www.pactoglobal.org.br INTELIGÊNCIA COLETIVA: diante de uma ameaça, peixes brasileiros da espécie curimbatá juntam-se em cardume para enfrentar o problema. t ARTI GO Responsabilidade compartilhada Para as mudanças necessárias rumo ao desenvolvimento sustentável, será necessário a coalisão entre todos os setores da sociedade Carlo Linkevieius Pereira A o traçar uma linha do tempo entre as conferências da ONU e, mais precisamente, as COPs, percebe-se que todos os setores da sociedade participaram ativamente das discussões e promoveram ações por um desenvolvimento sustentável. A bandeira foi inicialmente levantada pelas nações, mas os resultados foram insuficientes. Ocorreu então o advento das ONGs, que continuam a desempenhar um papel importante, mas que também não foi o bastante. Por último, surgiu o protagonismo das empresas nas discussões e nas ações. No entanto, seria um erro apostar apenas nas corporações, pois o momento requer coalisão. A Conferência de Estocolmo, de 1972, marcou o início das discussões multilaterais no âmbito da ONU sobre o meio ambiente, já incluindo discussões sobre poluição atmosférica. Os países, muito pautados pelo Relatório Brundtland, acordaram para o tema. 74 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Vinte anos depois, em 1992, a Cúpula da Terra, ou Eco-92, atestou o aumento da importância das questões ambientais no debate mundial, evidenciado pela forte presença de chefes de estado e por importantes definições. Entre elas, a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, destacando a relevância da questão climática. Ali surgiu a definição da responsabilidade comum, porém diferenciada, com massiva aceitação das nações. Paralelamente foi realizado, no Aterro do Flamengo, um evento das ONGs, quando a sociedade civil mostrou que havia a necessidade de um maior controle e participação social. As ONGs aumentaram muito em número e importância nos cenários sub e supranacionais. Já na Rio+20, não houve um grande entusiasmo, resultado da dificuldade das nações em fecharem acordos necessários ao endereçamento de urgentes questões socioambientais. Por outro lado, há muito que comemorar, se olharmos para as iniciativas de governos subnacionais, como a C40 (coalisão de 40 megacidades para lidar com questões do clima), que se comprometeram, por exemplo, a reduzir a emissão de gases de efeito estufa em suas cidades, ou se focarmos a Cúpula dos Povos, que reuniu milhares de ativistas em torno de agendas propositivas. No entanto, a vedete da conferência no Rio de Janeiro foram as empresas. Mais de 200 compromissos (muitos deles com metas claras) foram acordados entre organizações ou tornados públicos. O Fórum de Sustentabilidade Corporativa do Pacto Global: Inovação e Colaboração para o Futuro que Queremos foi um sucesso. E a Rede Brasileira do Pacto Global, demonstrando o engajamento das empresas, levou ao governo brasileiro uma carta com dez compromissos socioambientais, assinada por 220 empresas. A experiência da COP19, em Varsóvia, foi muito similar à Rio+20 em dois pontos. Primeiro, decisões importantes foram tomadas, como o avanço na Plataforma de Durban (caminho para o novo acordo mundial a ser estabelecido em 2015), o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos associado aos impactos das mudanças climáticas e a Plataforma de Varsóvia para o REDD+. Todavia, a decepção foi geral, pois os resultados ficaram bem aquém do esperado. Tanto que reuniões extraordinárias foram agendadas para 2014. O segundo ponto foi a satisfação dos participantes com a qualidade dos eventos empresariais realizados em paralelo aos debates de chefes e representantes de estado, pelo conteúdo e engajamento. O relatório The Future Quotient 50 Stars in Seriously Long-term Innovation demonstra que o pensamento e a ação de longo prazo não são características de investidores ou governos, mas de indivíduos e empresas. Isso poderia levar à conclusão que a solução dos problemas climáticos Texto exclusivo para a revista do clima 2 está nas corporações. Afinal, as empresas, por sua característica capacidade de gestão e influência, podem influir muito na promoção, por meio para construir um novo acordo climático para 2015 na COP21, em Paris. Também para 2015, a ONU lançará os Objetivos do Desenvolvimento O pensamento e a ação de longo prazo não são características de governos, mas de indivíduos e empresas de iniciativas internas, setoriais, cadeia de valor e lobby sustentável, do processo de mudança necessário para levar a sociedade contemporânea aos níveis desejáveis de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, têm a responsabilidade de serem reconhecidamente as maiores causadoras das mazelas ambientais. No entanto, as empresas, sozinhas, não conseguirão promover as mudanças. Será necessário a coalisão entre todos os setores da sociedade. Nesse sentido, foi decidido em Varsóvia que os governos devem consultar os seus cidadãos e suas empresas Sustentável (ODS). Para contribuir com essa iniciativa, o Pacto Global, a GRI (Global Reporting Initiative) e o WBCSD (Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), por meio de parcerias entre empresas, governos e a sociedade civil organizada, desenvolveram neste ano a plataforma Arquitetos de um Mundo Melhor, que visa a promoção e apoio dos compromissos empresariais para o avanço das ODS. Parcerias e coalisões são necessárias. E 2015 já é um ano muito aguardado. 75 t ARTI GO t A R TIG O Por uma virada climática e competitiva O setor financeiro e a agenda do século 21 O Brasil pode se tornar um importante fornecedor de produtos de baixo carbono. É preciso transformar esse potencial em realidade O Banco Central dotará o país de um instrumento que consolidará práticas financeiras para o desenvolvimento sustentável Jorge Soto N os últimos 21 anos, várias tentativas para um acordo global para as mudanças climáticas têm sido lançadas. Acompanhei as últimas cinco Conferências das Partes (COP) da ONU. É um processo de negociação complexo, pois a maioria dos países vê as ações de mitigação e adaptação como ameaças às suas economias, já que as principais emissões decorrem da queima de combustíveis fósseis. E, como mudar essa dinâmica não é simples, a maioria dos países prefere manter uma postura reativa. E o pior, na última COP, em Varsóvia, essa posição se acirrou. O Brasil tem buscado assumir uma liderança proativa. Em 2009, em Copenhague, o país assumiu o compromisso voluntário de reduzir mais de 36% das suas emissões projetadas para 2020, principalmente por meio da diminuição do desmatamento. E tem obtido resultados positivos. Essa postura pode evoluir mais um passo. O Brasil tem características que lhe permitiriam buscar oportuni- 76 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 Paulo Roberto dos Santos dades. Temos uma matriz energética relativamente limpa (48% de fontes renováveis), temos a maior área arável do planeta, ampla insolação e disponibilidade de água. Já somos o segundo maior produtor mundial de etanol e recentemente nos tornamos o maior produtor de biopolímeros. É possível sonhar mais alto. O País pode se tornar um importante fornecedor de produtos de baixo carbono, por exemplo, de produtos químicos de origem renovável. Os benefícios dessa alternativa industrial são muitos. O econômico seria o aumento das exportações. O social decorreria da maior geração de empregos ao incentivar a cadeia industrial e a agrícola. Mas o grande diferencial vem do lado ambiental, especificamente na mitigação da mudança climática. Por exemplo, o Polietileno Verde da Braskem, em vez de emitir, captura gases de efeito estufa. A razão é simples: o carbono que acaba fazendo parte da composição dessa resina vem do etanol da cana-de-açúcar, cujo carbono vem da atmosfera. Para chegar a essa conclusão é necessário considerar o ciclo de vida do produto. E aí entra mais uma oportunidade. No Brasil, podemos reforçar a reciclagem dos materiais. No caso dos plásticos, o reaproveitamento do material pode se dar através da reciclagem mecânica (produzir um novo plástico), da energética (recuperação do conteúdo energético dos resíduos), ou até de química (produzir outro produto químico). É esperado que esse aproveitamento também traga redução de emissões de gases de efeito estufa. Está em nossas mãos a possibilidade de transformar esse potencial em realidade. O lado empresarial já mostrou que é possível. Mas é necessário aumentar a escala. O governo pode fazer diferença incentivando pesquisa e desenvolvimento dessas tecnologias e apoiando a desoneração dos investimentos verdes. Dessa forma, o Brasil pode dar um importante passo para se tornar uma potência mundial da economia verde e inclusiva e contribuir para uma “virada climática e competitiva”. P ara quem tem os olhos voltados para o futuro é fácil perceber a importância do setor financeiro para a indução de um desenvolvimento sustentável que pressuponha a preservação ambiental e uma contínua melhoria no bem-estar da sociedade. É importante frisar o papel fundamental dos grandes bancos brasileiros como instituições capazes de gerar valor socioambiental, oferecendo portfólio diversificado e orientado para isso, promovendo o microcrédito, o financiamento habitacional e da infraestrutura social e econômica, atendendo a demandas que dialogam com os preceitos da nova economia verde e de baixo carbono desejados pela sociedade do século 21. Embora existam importantes iniciativas dos bancos brasileiros nesse paradigma, e sem pretender desmerecê-las, destaca-se no atual cenário a discussão que o Banco Central tem construído com a sociedade e que poderá se refletir em eminente publicação, possivelmente em 2014, de uma resolução que regulamentará as prá- ticas mínimas a serem observadas sobre a responsabilidade socioambiental das instituições financeiras, com diretrizes que se refletirão nos seus modelos de governança. O processo levado a curso pelo Banco Central dotará o aís de um instrumento regulamentar pioneiro em todo o mundo e trará a possibilidade de consolidação das práticas e políticas já existentes e também a implementação de outras iniciativas bancárias precursoras, multiplicadoras e demonstrativas da promoção do desenvolvimento com sustentabilidade. Entre as propostas, por exemplo, está a de tornar obrigatório a publicação de um relatório de prestação de contas para a sociedade sobre o cumprimento da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) do banco. Outra é a formação de um comitê de responsabilidade socioambiental, de natureza consultiva, vinculado ao conselho de administração da instituição ou à diretoria executiva, com a atribuição de monitorar e avaliar a PRSA, podendo propor aprimoramentos. Essa regulação estará em sintonia com a robustez e segurança dos bancos brasileiros. Contribuirá com a visão de futuro das instituições e, longe de refletir limitações, estará associada à disposição sempre presente de nossos bancos de construir soluções para os dilemas e desafios de financiar o desenvolvimento com responsabilidade. Um banco agrega valor sustentável quando também considera os impactos e custos socioambientais na análise de atividades e projetos que financia. Isso significa que, dependendo dos riscos, a análise de crédito vai além da conformidade legal, observando aspectos de prevenção e mitigação de impactos ambientais, uso responsável de recursos naturais, proteção dos direitos humanos e dos trabalhadores e respeito às comunidades. Se nossos bancos já iniciaram esse caminho, quer nos parecer que a Resolução em preparo em muito contribuirá nesse caminhar. 77 mídias Material originalmente publicado em 2013 78 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 79 mídias Material originalmente publicado em 2013-2014 81 Expedi ção Co p 19 Próximos passos Ações para mudar o cenário atual Paulo Roberto dos Santos (Caixa), o consultor Tasso Azevedo e Augusto Rodrigues (CPFL Energia) conversam sobre os principais pontos da COP no café da manhã Jean Benevides e Paulo Roberto dos Santos (Caixa) no briefing do Brasil dez dias intensos na COP19 do Clima A comitiva do Planeta, de 13 pessoas, no Estádio Nacional de Varsóvia Tasso Azevedo mostra dados das emissões brasileiras na COP19 82 r e v is ta d o c lima | vo lume 2 A comitiva do Planeta acompanhou a COP em Varsóvia in loco. O grupo, formado por executivos da CPFL Energia, Caixa, Abril e Partner Desenvolvimento, assistiu às discussões oficiais e participou de eventos paralelos, organizados pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e pelo Pacto Global. Houve ainda visitas relacionados à dura história da Polônia na Segunda Guerra. A COP19 nas maçãs distribuídas a delegados e observadores 1 2 preparar-se para eventos climáticos extremos 3 buscar metas de diminuição de gases de efeito estufa (GEE) mais agressivas O grupo no Caring for Climate, side event organizado pelo Pacto Global adaptar as zonas costeiras para o aumento dos níveis dos oceanos 4 investir em tecnologias “verdes” 5 estimular o estudo, divulgação e discussão das mudanças climáticas Visita ao antigo campo de concentração de Auschwitz 83 Realização #ofuturoagentefazagora Apoio planetasustentavel.abril.com.br/blog/blog-do-clima/ planetasustentavel.com.br planetasustentavel @psustentavel