Sucesso e Fracasso Organizacional: um estudo - Coppead
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Sucesso e Fracasso Organizacional: um estudo - Coppead
Sucesso e Fracasso Organizacional: um estudo de caso da General Motors Renato Silva de Rezende Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Instituto Coppead de Administração Mestrado em Adminisração ORIENTADORA: DENISE LIMA FLECK, Ph D. Rio de Janeiro – Brasil 2009 Sucesso e Fracasso Organizacional: um estudo de caso da General Motors Renato Silva de Rezende Dissertação apresentada ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.). Aprovada por: ___________________________________________ - Orientadora Profª. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ) ___________________________________________ Prof. Agrícola de Sousa Bethlem, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) ___________________________________________ Prof. Pedro Lincoln Carneiro Leão de Mattos, Ph.D. (UFPE) Rio de Janeiro – Brasil 2009 ii FICHA CATALOGRÁFICA Rezende, Renato Silva de R. Sucesso e Fracasso Organizacional: Um estudo de caso da General Motors. – Rio de Janeiro, 2009. xii, 264 f. f.: il Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2008. Orientadora: Denise Lima Fleck 1. Estratégia Empresarial. 2. Crescimento da Firma. 3. Indústria Automobilística. – Teses. I. Fleck, Denise Lima (Orientadora). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Sucesso e Fracasso Organizacional: Um estudo de caso da General Motors. iii DEDICATÓRIA Dedico este trabalho... ... à minha esposa Fernanda, que me deu uma verdadeira demonstração de amor ao me apoiar e contribuir de forma decisiva para a conclusão deste mestrado; ... aos meus país, Joaquim e Marly, por me ensinarem o prazer da busca pelo conhecimento; ... aos meus irmãos Gustavo e Daniela, por compartilharem comigo os primeiros e mais profundos exercícios de apredizado; ... às minhas avós Joana e Tereza, que puderam acompanhar a conquista de mais uma etapa, que de certa forma também é fruto de seus esforços. iv AGRADECIMENTOS A decisão de fazer o COPPEAD representou uma grande mudança para mim e para Fernanda, quando ainda éramos namorados e tivemos de enfrentar o recomeço da vida profissional e a construção de um lar, tudo em uma nova cidade. Juntamente com o rigoroso processo de aprendizado, a inqueitação dos sonhos de ambos em estruturar uma família levou-nos a um período intenso em realizações, repleto de desafios, e que culminou com a celebração do nosso casamento e a conclusão do mestrado. A realização de tantos sonhos não teria sido possível sem a dedicação e o amor que recebi da Fernanda, hoje minha esposa. A ela devo eterno agradecimento, não só pelo amor e companheirismo vividos em momentos de grandes alegrias, mas também por compartilhar intimamente as angústias latentes nas horas mais difícies. Sempre com muito carinho e paciência, ela ajudou-me na superação de cada obstáculo. Agradeço especialmente aos meus pais, Joaquim e Marly, pelos exemplos, pelo incentivo e apoio que sempre me deram para que buscasse aprender, crescer e me tornar uma pessoa melhor. Aos meus irmãos Gustavo e Daniela. Junto com eles aprendi as lições mais marcantes da minha vida e guardo as lembranças de nossa infância com muito carinho. Quero agradecer também à professora Denise Fleck, pelo empenho em fazer deste um processo de busca e desenvolvimento de nossa identidade. Sua dedicação para tornar o aprendizado um desafio enriquecedor servirá como inspiração sobre o papel e o compromisso de um educador. Não posso deixar de agradecer aos colegas de Seminário de Pesquisa, Paula, Luiz Gustavo e, especialmente, Luiz Eduardo e Gustavo pela valiosa troca de conhecimentos e pelo companheirismo reconfortante ao longo dos inúmeros dias de confinamento e dedicação ao trabalho. Agradeço ainda à turma 2007 do mestrado do COPPEAD, pois o rico processo de aprendizado que compartilhamos não seria possível sem a dedicação de todos. Aos professores e funcionários do COPPEAD, especialmente às meninas da Secretaria Acadêmica, por se empenharem no desenvolvimento desta instituição. v A minha família, em especial, meus avós Roque (in memorian) e Tereza, Laurindo (in memorian) e Joana, meus padrinhos Maria e Flávio, e primos Tiago e Mariana. Agradeço, pois embora estivessem distantes, foram pessoas muito importantes para o meu desenvolvimento. Gostaria de agradecer também aos meus novos familiares, por parte da minha esposa, especialmente meu sogro e sogra, Fernando e Ruth, que vibram com cada uma de nossas conquistas. À tia Margariada, que nos acolheu no Rio de Janeiro e ajudou de forma incansável sempre que precisamos. E também à famíla da Clarissa, Ricardo, Pedro e Maria Clara por acompanharem e torcerem por nós. Agradeço a todos os demais familiares e amigos que em função das distâncias ficam saber bem o que estou fazendo, mas ainda assim torcem por mim. Também agradeço à Valnice, que carinhosamente se preocupou em cuidar para que eu não me esquecesse das refeições em momentos de grande concentração. Por fim, agradeço aos professores Agrícola Bethlem e Pedro Lincoln de Mattos pelas valiosas contribuições a esta pesquisa. vi RESUMO Rezende, Renato Silva de. Sucesso e fracasso organizacional: um estudo de caso da General Motors. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) A General Motors foi fundada por William Durant em 1908, quando ele liderou o processo de aquisição de diversas empresas fabricantes de veículos automotores e suas partes. Ao longo de um século, a organização expandiu suas atividades e ocupou uma posição de destaque na indústria automobilística. Desde o final do século 1920 até 2007, a General Motors manteve-se como maior fabricante mundial de veículos, além de ter ocupado o topo da lista de maiores empresas em faturamento dos Estados Unidos. Apesar do prolongado sucesso em termos de receita, lucros, participação de mercado e prestígio de suas marcas, a General Motors não foi capaz de evitar uma degeneração de sua posição na indústria e enfrentou um processo de declínio que levou a organização a um estado de fracasso, com a abertura de concordata em junho de 2009. O fenômeno ocorrido com a General Motors torna relevante o estudo de fatores que contribuíram para a organização ter alcançado um reconhecido sucesso e posteriormente encontrar-se em um estado de fracasso. Diante desse desafio, este trabalho utilizou o arcabouço teórico dos arquétipos do sucesso e do fracasso organizacional de Fleck (2009) para entender as condições desenvolvidas pela General Motors que a conduziram entre uma situação e outra. A pesquisa levantou registros históricos para reconstituir a trajetória da organização entre 1908 a 2009 e realizou uma análise longitudinal dos padrões de ação em relação às respostas aos desafios à longevidade saudável (FLECK, 2009). As conclusões do trabalho indicaram que a ausência de capacitações de coordenação levou a General Motors a responder de forma auto-destrutiva ao desafio da gestão da diversidade. O caráter fragmentador das ações de coordenação da organização apresentou raízes que remontam a sua formação. Portanto, apesar das condições favoráveis desenvolvidas em outros desafios, combinadas com o ambiente competitivo e institucional, terem viabilizado a evolução para uma posição hegemônica, tais fatores não foram suficientes para promover uma propensão à auto-perpetuação. vii ABSTRACT Rezende, Renato Silva de. Sucesso e fracasso organizacional: um estudo de caso da General Motors. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) General Motors was created by William Durant in 1908, when he led the acquisition process of several manufacturers of automobile and parts. Throughout a century, the organization expanded its activities and reached a remarkable position in the automobile industry. From 1928 until 2007, General Motors maintained the position of biggest carmaker in the world, besides occupying the top of the list in total revenue among all corporations in the United States. Despite the long success in terms of revenues, profits, market share and prestige of its brands, General Motors couldn’t avoid the degeneration of its position in the industry and faced a decline process, which led the filling for the Chapter 11 rehabilitation request in June, 2009. The phenomenon occurred with General Motors made relevant the study of the factors that contributed for the organization to reach a recognized success, and afterwards find itself in a state of failure. Given such challenge, this work has used the theoretical framework of the archetypes of organizational success and failure of Fleck (2009) to understand the conditions developed by General Motors that conducted it between one situation and the other The research raised historical facts and data to reconstruct the trajectory of General Motors from 1908 to 2009, and conducted a longitudinal analysis of the organization patterns of action relating them to the responses to the longevity’s challenge (FLECK, 2009). The conclusions of the study indicate that the lack of coordination capabilities led General Motors to respond in a self-destructive way to the challenge of diversity management. The fragmenting character of the organization’s coordination actions presents roots that recall its formation. Therefore, in spite of the competitive and institutional environment combined with the favorable conditions developed on other challenges have enabled a hegemonic position, these factors were not sufficient to promote a selfperpetuating propensity. viii LISTA DE TABELAS Tabela 4-1 Receita e Lucro líquido da GM de 1909 a 1915 (em milhões de dólares)......................................................................................................................... 52 Tabela 4-2 Receita e Lucro líquido da GM durante a segunda guerra mundial. ...................................................................................................................... 107 Tabela 9-1 Receita Líquida, Lucro e Ativo Total da General Motors entre 1917 e 2008 ................................................................................................................ 258 Tabela 9-2 Produto nacional bruto do Estados Unidos entre 1917 e 2009 ...................................................................................................................................... 260 Tabela 9-3 Vendas de veículos nos Estados Unidos entre 1900 e 2008... 262 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 3-1 Fontes secundárias obtidas através do levantamento das bibliotecas da HEC e McGill ................................................................................... 21 Gráfico 4-1 Evolução da participação da carroceria fechada nas vendas da indústria de 1919 a 1927 (em porcentagem) ...................................................... 81 Gráfico 4-2 Receita líquida e participação de mercado da GM ................... 190 Gráfico 4-3 Evolução do crescimento da General Motors 1904 a 2008 .... 192 Gráfico 4-4 Evolução das vendas de veículos da indústria e da General Motors nos Estados Unidos, entre 1900 e 2008 .............................................. 193 Gráfico 4-5 Lucro Líquido sobre ativo total, corrente e média móvel em 10 anos ............................................................................................................................. 196 LISTA DE FIGURAS Figura 2-1 Modelo dos requisitos para o desenvolvimento da propensãa auto-perpetuação organizacional ........................................................................... 8 Figura 4-1 Posicionamento de preço dos veículos de Ford e GM em 1926 ........................................................................................................................................ 82 Figura 4-2 Fluxograma do processo de desenvolvimento de novos modelos entre 1935 e 1962 ..................................................................................... 92 Figura 4-3 Trajetória das respostas aos desafios do crescimento, no continuum entre auto-destruição e auto-perpetuação. ................................. 230 Figura 8-1 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio do empreendedorismo ................................................................................................. 250 Figura 8-2 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio da Navegação no Ambiente Dinâmico..................................................................... 252 Figura 8-3 Padrões encontrados nas ações em resposta ao desafio da Gestão da diversidade ........................................................................................... 253 Figura 8-4 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio do Aprovisionamento de Recursos Humanos....................................................... 255 Figura 8-5 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio da Gestão da Complexidade ...................................................................................... 256 ix LISTA DE QUADROS Quadro 2-1 Cinco desafios organizacionais ........................................................ 9 Quadro 2-2 Elementos da dinâmica organizacional de Selznick (1957) e Cyert e March (1963) ................................................................................................. 17 Quadro 3-1 Extrato exemplificativo da tabela de entrada de fatos históricos da General Motors ................................................................................. 24 Quadro 3-2 Extrato exemplificativo da tabela de codificação dos fatos .... 25 Quadro 4-1 Empresas integrantes da General Motors Company, em 191044 Quadro 4-2 Faixas de preços dos modelos oferecidos pelas divisões da General Motors em 1921 (em U$) .......................................................................... 71 Quadro 4-3 Segmentação por preços recomendadas pelo comitê especial (em U$) ......................................................................................................................... 71 Quadro 4-4 Margem líquida de GM, Ford e Chrysler e vendas da indústria entre 1946 e 1950 ..................................................................................................... 117 Quadro 4-5 Classes de veículos no início da década de 1970, segundo o comprimento ............................................................................................................. 151 Quadro 4-6 Síntese das respostas da GM aos desafios em duas fases distintas ...................................................................................................................... 228 x SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................. 1 2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................ 6 2.1. OS ARQUÉTIPOS DO SUCESSO E DO FRACASSO ............................................................................ 9 2.1.1. Desafio do empreendedorismo ........................................................................................... 10 2.1.2. Desafio da navegação no ambiente dinâmico .................................................................... 11 2.1.3. Desafio da gestão da diversidade ....................................................................................... 14 2.1.4. Desafio do aprovisionamento de RH .................................................................................. 15 2.1.5. Desafio da gestão da complexidade ................................................................................... 15 2.2. DINÂMICA DE MUDANÇA NAS ORGANIZAÇÕES ........................................................................ 16 3. METODO .....................................................................................19 3.1. DELIMITAÇÃO DO TEMA E DO OBJETO DE ESTUDO .................................................................... 19 3.2. ESTRATÉGIA DE PESQUISA ........................................................................................................ 20 3.3. COLETA DE DADOS ................................................................................................................... 20 3.4. PROCESSAMENTO E CODIFICAÇÃO DOS DADOS ......................................................................... 22 2.5 ANÁLISE DAS EVIDÊNCIAS ............................................................................................................ 26 4. RESULTADOS DA ANÁLISE ......................................................29 4.1. HISTÓRICO DA GENERAL MOTORS E DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA .................................. 29 4.1.1. O nascimento da indústria .................................................................................................. 29 4.1.2. Da Buick a General Motors................................................................................................ 33 4.1.3. A gestão dos bancos de 1910 a 1915 .................................................................................. 48 4.1.4. O Surgimento da Chevrolet e o Retorno de Durant à GM ................................................. 54 4.1.5. Primeira Guerra Mundial, retomada da expansão e o fim da era Durant ......................... 58 4.1.6. A gestão de Pierre S. du Pont ............................................................................................. 69 4.1.7. Sloan no comando, rumo ao topo ....................................................................................... 76 4.1.8. A grande depressão e a consolidação dos comitês ............................................................. 86 4.1.9. Relações trabalhistas e a greve de ocupação de 1936-1937 (sit-down strike) ................... 96 4.1.10. General Motors na Segunda Guerra Mundial .................................................................. 100 4.1.11. A expansão do pós-guerra ................................................................................................ 108 4.1.12. Negociações com a UAW e o contrato de 1948 ................................................................ 112 4.1.13. Hegemonia recuperada na gestão Wilson ........................................................................ 115 4.1.14. Gestão Harlom Curtice .................................................................................................... 121 4.1.15. Fim do ciclo Sloan-Du Pont e a reorganização ............................................................... 127 4.1.16. O legado de Harlom Curtice ............................................................................................ 130 4.1.17. Hegemonia de Finanças ................................................................................................... 132 4.1.18. Segurança veicular e controle de emissões ...................................................................... 137 4.1.19. A Gestão de James Roche ................................................................................................. 140 4.1.20. Desafios na primeira metade da década de 1970 ............................................................. 151 4.1.21. Choque do petróleo e o início da gestão de Thomas Murphy .......................................... 156 4.1.22. Recuperação da indústria até o 2º choque do petróleo .................................................... 159 xi 4.1.23. A organização do século XXI de Roger Smith .................................................................. 165 4.1.24. General Motors e suas mudanças questionadas ............................................................... 179 4.1.25. Rota ajustada e o fim da gestão Smith .............................................................................. 185 4.1.26. Redução de custos, venda de ativos e concordata ............................................................ 189 4.2. ANÁLISE DAS RESPOSTAS AOS DESAFIOS À LONGEVIDADE ..................................................... 191 4.2.1. Desafio do Empreendedorismo......................................................................................... 192 4.2.2. Desafio da Navegação no Ambiente Dinâmico ................................................................ 204 4.2.3. Desafio da Gestão da Diversidade ................................................................................... 210 4.2.4. Desafio do Aprovisionamento de Recursos Humanos ...................................................... 218 4.2.5. Desafio da Gestão da Complexidade................................................................................ 221 4.3. SÍNTESE DAS RESPOSTAS AOS DESAFIOS ................................................................................ 226 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................234 5.1 5.2 5.3 5.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SUCESSO E O FRACASSO DA GENERAL MOTORS................................. 235 IMPLICAÇÕES DO CASO DA GM PARA OUTRAS ORGANIZAÇÕES ................................................... 238 CONTRIBUIÇÕES AO ARCABOUÇO TEÓRICO ................................................................................. 239 SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS ......................................................................................... 239 6 REFERÊNCIAS ..........................................................................241 7 APÊNDICE A .............................................................................250 7.1 8 MAPAS VISUAIS DA TRAJETÓRIA DA GENERAL MOTORS ............................................................. 250 ANEXOS ....................................................................................258 xii 1. INTRODUÇÃO O sucesso e o fracasso das organizações é um tema de potencial interesse para os administradores, dado que grande parte do trabalho que executam no dia-adia é permeada pela idéia de que este deve contribuir para que a organização seja conduzida para o sucesso e, conseqüentemente, evite encontrar o fracasso. O esforço de gestores e pesquisadores, ao longo história das organizações industriais, produziu uma quantidade de indicadores e ferramentas de administração visando prover meios de identificar objetivos e controlar as ações na direção desejada. Entretanto, apesar de inúmeras organizações terem encontrado mecanismos que permitiram atingir objetivos lançados, acumulando riqueza e prestígio, algumas destas mesmas empresas se viram incapazes de sustentar tal estado e, eventualmente, enfrentaram o que se considerou o fracasso. A inexistência de uma fórmula gerencial unânime e a falta de consenso sobre os conceitos que definem os dois extremos dos possíveis destinos faz com que as noções que organizações têm sobre seu próprio sucesso ou fracasso sejam heterogêneas e com certo nível de abstração, embora freqüentemente sejam associados a situações concretas e medidas de desempenho, tais como rentabilidade, participação de mercado, valor de ativos e faturamento. Porém, independentemente do conjunto de conceitos que se admita para configurar um ou outro estado, os estudos e a prática das empresas apontam duas grandes vertentes no que diz respeito aos fatores determinantes do destino das organizações. Uma delas estaria relacionada ao ambiente externo, repleto de demandas e restrições fora do controle do gestor. Outra vertente trata da atuação da organização em si, ou seja, como ela adquire e utiliza recursos para oferecer produtos e serviços de maneira eficaz. Diversos estudos e publicações na literatura acadêmica e de negócios buscam descrever e prescrever ações que visam alcançar o sucesso. Nestes casos, enfatizase o processo de formação da estratégia, seja ela deliberada ou emergente, com mudanças adaptativas ou radicais, como fator determinante no destino das organizações. No extremo oposto, certas abordagens defendem a predominância dos fatores ambientais sobre as empresas, atribuindo aos gestores o papel de reféns do ambiente. Por exemplo, alguns estudos que adotam metodologias de ecologia das populações (também denominada como ecologia das organizações (MELLAHI, K. & WILLKINSON, 2004, p. 24)) sugerem a incapacidade de adaptação das organizações a alterações nos fatores externos. Outras linhas de pesquisadores ressaltam o controle externo das coalizões que legitimam a existência da organização, evidenciando uma 1 dinâmica interação entre gestor e ambiente, composta de diversas respostas estratégicas aos processos de isomorfismo das organizações (Pfeffer & Salancic, 1978; Oliver, C. 1991). Em uma visão conciliadora dos fundamentos que sustentam desde os deterministas aos defensores da administração estratégica, Mintzberg et al (2000) sintetizaram o que chamaram de escola de configuração. Iniciada a partir de uma abordagem histórica, esta escola vê a estratégia como um padrão estável de ações por um dado período de tempo, com eventuais movimentos de transição para outro período de estabilidade, na busca de uma sincronia com novas condições do ambiente. Neste sentido, o sucesso e o fracasso estariam associados com a adequação de um determinado conjunto de padrões de ações, a configuração, de uma organização ao seu ambiente, bem como com a capacidade desta organização adotar nova configuração à medida que o ambiente se transforma. Avançando no sentido de relacionar a estratégia das organizações ao sucesso e ao fracasso, Fleck (2009) propõe um modelo que coloca a capacidade de a empresa criar configurações vantajosas ou inapropriadas sobre um contínuo cujos pólos opostos contemplam estados ideais, arquétipos, do sucesso (auto-perpetuação) e do fracasso (auto-destruição) organizacional. A propensão para que a organização sobreviva a seus membros possui duas condições necessárias que devem ser providas por seus mecanismos. Uma das condições trata do processo de crescimento contínuo e a outra da continuidade da existência. Para Fleck (2009) o sucesso organizacional não é um estado final, mas sim um estado potencial, do qual organizações podem se aproximar na medida em que nutram uma propensão para a auto-perpetuação. Por outro lado, o fracasso organizacional é tido como o estágio final do processo de declínio. O modelo teórico sugere que a capacitação (ou incompetência) para prover as duas condições necessárias está relacionada à resposta da organização a cinco desafios do crescimento. Portanto, uma posição mais próxima de um ou outro pólo pode ser evidenciada a partir dos padrões de ações, positivos ou negativos, com que a organização responde a cada um desses desafios. Motivado pela idéia de melhor compreender os elementos e a dinâmica que contribuem para que uma organização encontre o sucesso ou o fracasso, este trabalho utiliza-se da construção teórica proposta por Fleck (2009) para investigar como organizações que por um considerável período de tempo conviveram o reconhecido sucesso, um dia se deparam com o declínio e, por vezes se vêem atadas 2 a um processo crônico de incapacidade para alcançar resultados, em uma trajetória voltada para o fracasso. A pesquisa adota uma visão de processo (Langley, 1999; 2007) e, a partir do estudo de caso em uma perspectiva histórica, realiza análise longitudinal por meio da identificação dos padrões de ações, confrontando-os com o que a proposição teórica oferece (YIN, 1989). Ao final, é possível identificar a trajetória da organização em termos de suas respostas aos desafios, podendo entender melhor os mecanismos que a levaram de uma situação a outra. A organização escolhida para servir como unidade de análise deste estudo é a General Motors Company (GM). O interesse inicial por esta empresa e também pela indústria automobilística é devido à intenção de melhor compreender a formação de uma das maiores indústrias do mundo, que viabilizou a construção de algumas das maiores empresas existentes. Apesar de poder contar com os benefícios do tamanho em uma indústria madura, algumas empresas do setor, em especial as norteamericanas, enfrentam um difícil ambiente competitivo e vêem sua condição de liderança ser ameaçada por concorrentes que ocuparam ou ocupam posições intermediárias e até mesmo periféricas nesta atividade. A General Motors Company (GM) possui atributos que a credenciam como um caso apropriado para o questionamento proposto. Formada em 1908 a partir de um intenso processo de aquisições, a empresa participou desde os anos iniciais de sua indústria nos Estados Unidos e desempenhou um papel central nesta atividade, tanto no período de formação, quanto na fase de crescimento e consolidação do setor. A General Motors foi a maior empresa na fabricação e comercialização de automóveis durante quase todos os anos de sua existência. Em número de automóveis produzidos, a GM manteve-se numa seqüência ininterrupta como maior fabricante desde 1931 até 2008, enquanto que em anos anteriores a esse período a empresa já intercalava com a Ford a liderança neste quesito. Extrapolando a comparação de tamanho e crescimento para outras atividades da economia, a General Motors acumulou também uma posição de destaque entre as maiores empresa do mundo. Dentre os 56 levantamentos das maiores empresas americanas, realizado pela revista Fortune anualmente, o fortune 500, a General Motors apareceu todas as vezes entre as três maiores em faturamento. Sendo que em 37 das 56 edições do ranking ela esteve na primeira colocação. Apesar da consistência das evidências que colocaram a General Motors como uma empresa de sucesso durante um considerável período de tempo, a organização 3 enfrentou um crônico processo de declínio que se tornou aparente a partir da década de 1970 e que culminou com um processo de concordata no ano de 2009. A partir desta verificação preliminar, induzida pela grande exposição que a General Motors e os fatos que a cercam recebem, um estudo que possa revelar os mecanismos que contribuíram para ambas as situações de sucesso e de declínio torna-se relevante, pelo fato de poder, ao final, oferecer esclarecimento sobre o processo de construção e degeneração de uma empresa que esteve desde seus primeiros anos, portanto, durante quase um século, entre as maiores organizações de seu tempo. Este estudo de caso também se faz significativo dado que o modelo teórico a ser utilizado contempla uma ampla base de escolas e perspectivas da ciência que estuda as organizações e é respaldado por verificações empíricas que indicam sua validade. O trabalho de síntese oferecido por Fleck (2009) fornece tanto uma visão alinhada com um consistente arcabouço teórico, quanto contribui de forma original para a construção de teoria sobre o processo de desenvolvimento da propensão a auto-perpetuação em organizações. Tendo em vista a alta disponibilidade de relatos, notícias e informações a respeito da General Motors referentes a todos os períodos de sua história, é esperado que as evidências encontradas sejam suficientes para construir uma descrição fidedigna do histórico da organização. A partir dos fatos será possível reconstituir traços e padrões de ação que alimentarão as análises e, portanto, encontrar elementos que contribuíram para que a GM tenha desenvolvido tamanho crescimento e em seguida o declínio. Os resultados encontrados neste trabalho poderão não somente contribuir para o fortalecimento do modelo teórico adotado, como também produzir por si só, ou combinado com a repetição deste estudo em outras organizações, novas idéias e questionamentos a serem explorados em pesquisas futuras. O trabalho foi organizado em seis capítulos. O capítulo presente introduz a proposta da pesquisa. O capítulo 2 traz o referencial teórico utilizado no trabalho, apresentando as idéias de Fleck (2009), Penrose (2006), Chandler (1977), Selznick (1957), Cyert e March (1963), dentre outros que contribuem para compor o arcabouço utilizado na análise. O capítulo 3 apresenta a metodologia utilizada para a pesquisa. Os resultados da análise são apresentados no capítulo 4, onde constam o histórico da empresa, a identificação dos padrões de ação em relação ao referencial teórico, e a síntese das condições desenvolvidas pela GM em relação ao sucesso e ao 4 fracasso. Por fim, as considerações sobre os resulados encontrados frente às intenções de pesquisa acima propostos são discutidos no capítulo 5, no qual também são comentadas as limitações da pesquisa e contribuições para estudos futuros. 5 2. REFERENCIAL TEÓRICO Dado que o objeto deste estudo é uma organização, cabe inicialmente considerações sobre os conceitos que a definem. Coase (1937) tratou da firma como sendo uma forma de organização da produção, que era resultante de um processo de internalização de serviços movidos pela economia nos custos de transação. Os limites da organização seriam determinados quando os contratos de serviços deixassem de ser estáveis e passassem a ser negociados por sistemas de livre mercado. Por este conceito, a firma existe e cresce à medida que a economia nos custos de transação é maior do que os custos de coordenação e decresce ou deixam de existir à medida que a eficiência na coordenação das atividades internalizadas é menor do que os custos de contratação dos serviços no mercado aberto. Barnard (1938), por sua vez, apresentou a noção de que os integrantes de uma organização são dotados de uma propensão à cooperação1, a qual torna os indivíduos dispostos a agir de forma a abnegar da maximização do benefício individual com o objetivo de manter a força da organização. A disposição dos indivíduos em cooperar estaria relacionada ao alinhamento de sua tarefa com o propósito da organização. Porém, Cyert e March (1963), ao escreverem sobre uma teoria comportamental da firma, sugeriram que a organização não possui apenas um propósito, mas que a sua própria existência é o resultado da formação de uma coalizão, composta de sub-coalizões com diferentes objetivos. Portanto, a formação dos objetivos comuns da organização é resultado de um processo de negociação entre os grupos que a compõem. Cyert e March (1963) também afirmaram que os objetivos dos participantes da organização mudam à medida que estes adquirem experiência. Assim sendo, a existência continuada estaria relacionada à capacidade de a organização constantemente atender às demandas dos grupos que a compõem. Penrose (2006) definiu a firma produtiva como sendo, além das pessoas que compõem a organização administrativa, o conjunto de recursos (físicos e humanos) e a forma como eles são dispostos dentre os diversos usos possíveis, a fim de produzir e vender bens e serviços. Em relação aos objetivos da firma, Penrose (2006) apresenta a idéia de que todos eles podem, na maioria das vezes, ser associados à capacidade e ao desejo da mesma em gerar lucros a longo prazo. A autora ainda se refere a lucro em longo prazo e a crescimento como sendo sinônimos, uma vez que a 1 Traduçào livre do termo “willingness to cooperate” 6 própria aplicação de recursos gera a expansão da firma e, ao mesmo tempo, é uma condição necessária para produzir lucro. Tendo em vista os argumentos acima, temos que a capacidade da organização atender às demandas de seus membros e a de gerar lucros a longo prazo está associada à idéia de crescimento. Desta forma, a existência da organização está diretamente vinculada a sua expansão. Contudo, o sucesso não pode ser associado apenas ao aumento de tamanho da organização. Uma firma pode aumentar de tamanho e, em seguida, falir, trazendo contratempos indesejados para seus integrantes. A respeito do crescimento e da continuidade de organização, Chandler (1977) argumenta que a capacidade da organização em se auto-perpetuar está relacionada a dois processos. O primeiro, de crescimento contínuo, onde a realização de uma expansão traz novas oportunidades para o crescimento e para a renovação. O segundo trata da existência continuada, que está relacionada à capacidade de a organização manter sua integridade. Fleck (2009), em linha com os conceitos desenvolvidos por Penrose (2006) e Chandler (1977), apresenta um arcabouço teórico que relaciona o sucesso da organização com a capacidade de desenvolver a propensão à auto-perpetuação. Para Fleck (2009), tal propensão possui duas condições necessárias. Uma está relacionada ao desenvolvimento de um processo de crescimento e renovação organizacional. A segunda condição decorre da manutenção da integridade organizacional. Estes dois processos, por conseguinte, são decorrentes da maneira como a organização desenvolve respostas a cinco desafios do crescimento: empreendedorismo, navegação no ambiente dinâmico, aprovisionamento de recursos humanos, gestão da diversidade e gestão da complexidade. Há uma diversidade de autores que propuseram outros esquemas teóricos para analisar o sucesso ou do crescimento das organizações, dentre eles Starbuck (1965), Peters & Waterman (1982), Greiner (1998) e Collins & Porras (2002). Um número menor de referências tem como tema o declínio e o fracasso de organizações, como por exemplo, Weitzel (1989) e Miller (1990 e 1993). No entanto, o modelo apresentado por Fleck (2009) foi selecionado para este trabalho por oferecer uma alternativa abrangente em relação aos aspectos que envolvem a atividade organizacional, e também por incorporar dentro de um mesmo modelo a possibilidade de analisar os processos que conduzem a organização ao longo de dois extremos possíveis, o sucesso e o fracasso. Na figura 2-1, a seguir, é apresentada de forma esquemática a relação entre os desafios do crescimento e o sucesso de longo-prazo, proposta por Fleck (2009). 7 Figura 2-1 Modelo dos requisitos para o desenvolvimento da propensãa auto-perpetuação organizacional DESAFIOS DO CRESCIMENTO 7 7 7 8 EMPREENDEDORISMO +/- CN CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL E RENOVAÇÃO CN NAVEGAÇÃO NO AMBIENTE DINÂMICO 4 CN 6 CN FOLGA APROVISIONAMENTO DE RECURSOS HUMANOS +/- CN 8 1 +/- GESTÃO DA COMPLEXIDADE 7 CN 2 3 SUCESSO DE LONGO PRAZO: Propensão a AutoPerpetuação da Organização +/- CN +/GESTÃO DA DIVERSIDADE INTEGRIDADE ORGANIZACIONAL 5 8 8 CN: Condições Necessárias Fonte: Adaptação de Fleck (2009) 8 2.1. Os arquétipos do sucesso e do fracasso A teoria de Fleck (2009) fornece uma perspectiva sobre a organização, na qual dois arquétipos posicionados nos extremos de um contínuo representam respostas a desafios que conduzem a organização para o sucesso de longo prazo – a autoperpetuação – ou para o fracasso – a autodestruição. Cada um dos arquétipos contempla um conjunto de capacitações e vulnerabilidades2 para cada desafio. Estes conjuntos definem estados ideais de organizações auto-perpetuadoras de um lado do contínuo, e organizações auto-destrutivas, no lado oposto. A representação dos arquétipos posicionados no contínuo das respostas aos desafios e a descrição de cada conjunto de respostas são apresentadas no quadro 2.1 abaixo. Na prática, as respostas das empresas estarão posicionadas entre os dois pólos, variando sua proximidade a um extremo ou outro, dependendo de cada desafio. Além disso, é necessário considerar a natureza dinâmica do desenvolvimento de capacitações, que faz com que uma empresa possa se aproximar ou se distanciar de um pólo à medida que nutre a formação de novas capacitações. Quadro 2-1 Cinco desafios organizacionais Categoria do desafio Pólo de respostas aos desafios Descrição do desafio Auto-destruição Baixo (baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão,capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões nulas ou defensivas) Promoção de contínuo empreendedorismo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-la a riscos desnecessários. Navegação no ambiente dinâmico Tratar com múltiplas partes interessadas para assegurar captura de valor e legitimidade. Passivo (Monitoramento ruim, mal uso de estratégias de navegação) Ativo (Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação) Gestão da diversidade Manter a integridade da firma diante de aumento de conflitos e rivalidades Fragmentação (Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação) Integração (Estabelecimento bem sucedido de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação) Aprovisionamento de recursos humanos Fornecer à firma recursos humanos qualificados de forma estável Tarde (Ações no momento que existe necessidade ou depois dela) Gestão da complexidade Gerenciar problemas complexos e solucioná-los diante de aumento de complexidade Ad-hoc (Baixa capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado) Fonte:Tradução livre de Fleck (2009) 2 Auto-perpetuação Alto (altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões produtivas ou híbridas) Empreendedorismo Tradução livre do termo usado pela autora: (liabilities) 9 Planejado (Ações planejadas com antecedência) Sistemático (Capacitação para solução de problemas, promovendo busca correta por soluções e aprendizado) A seguir, serão apresentados mais detalhadamente cada um dos desafios e as respostas a partir das quais serão desenvolvidos paremetros para identificação de padrões durante a análise. 2.1.1. Desafio do empreendedorismo De acordo com Fleck (2009), o desafio do empreendedorismo consiste em promover o crescimento da empresa em base contínua, e não apenas momentâneo. Respostas positivas a este desafio estão relacionadas ao desenvolvimento de serviços empreendedores (PENROSE, 2006) que priorizem o crescimento produtivo – com motivação de promover a mudança e aumentar a produtividade – em relação ao crescimento defensivo, que tem o propósito de conter a mudança e proteger contra o avanço de competidores (CHANDLER, 1977). O crescimento da firma é condicionado pela existência de serviços empresariais. Estes serviços atuam na identificação de novas oportunidades produtivas, que permitam a combinação dos serviços oferecidos pelos recursos internos e outros adquiridos fora da organização, de forma a oferecer bens e serviços à sociedade de maneira mais eficiente, criando valor que pode ser capturado pela organização. (PENROSE, 2006). De acordo com Penrose (2006), são quatro os serviços empresariais: a) Ambição: está no cerne da atividade empresarial. Constitui-se na predisposição psicológica de assumir riscos e dedicar esforços e recursos na expectativa de ganho. A ambição é uma característica difícil de ser medida, pelo fato de tratar de traços pessoais evidentes apenas a partir de seu efeito nas ações dos indivíduos. Atividades de especulação de novas oportunidades ou a mera aplicação de recursos para tal indicam a presença da ambição. b) Versatilidade: está relacionada à imaginação e à visão de possibilidades viáveis de combinar os serviços produtivos a partir dos recursos existentes, ou de adquirir novos recursos, de forma a oferecer bens e serviços e criar valor para a organização. c) Mobilização de recursos financeiros: trata de desenvolver os meios para empresa obter recursos financeiros, necessários para a expansão e operação do negócio. De maneira geral, depende da capacidade em gerar confiança e interesse de fornecedores de capital. Porém, empresas pequenas ou recémcriadas podem não ter a mesma facilidade de empresas grandes. A falta de recursos financeiros normalmente é apontada como a razão da falência de empresas, no entanto, na maioria dos casos, a razão não é exatamente a 10 escassez de oferta de recursos, mas sim a baixa qualidade dos serviços empresariais. d) Julgamento diante do risco e da incerteza: está menos relacionado a traços pessoais do que os serviços anteriores. A capacidade de emitir julgamentos depende mais da correta aplicação de recursos para coleta de informação, consultas e realização de projeções do entorno da organização, de forma a produzir uma melhor interpretação dos riscos e das incertezas. 2.1.2. Desafio da navegação no ambiente dinâmico De acordo com Fleck (2007), o desafio da navegação no ambiente dinâmico diz respeito ao sucesso em lidar com os múltiplos stakeholders da organização, de forma a assegurar captura de valor e legitimidade organizacional. Respostas positivas a este desafio contemplam um ativo monitoramento do ambiente, mapeando adequadamente suas mudanças, bem como o uso de respostas estratégicas (OLIVER, 1991) apropriadas, a fim de neutralizar pressões externas e assegurar o fluxo de recursos. O trabalho de Pfeffer e Salancik (1978), intitulado O Controle Externo das Organizações3, estabelece diversos conceitos que contribuem para fundamentar dimensões de análise sobre o desafio da navegação no ambiente. Segundo os autores, a organização pode ser entendida como um conjunto de coalizões, entre grupos e indivíduos, engajadas em trocar suas contribuições por algum incentivo, adotando um comportamento que seja estável e contínuo ao longo do tempo. Assim sendo, a organização se torna dependente dos recursos providos pelos seus participantes, enquanto as coalizões se tornam interdependentes. Dado que alguns recursos são mais valiosos do que outros, determinados grupos possuem maior ou menor controle sobre a organização. Os grupos que sustentam a atividade da organização, como governo, comunidade, fornecedores, empregados, clientes, credores e proprietários, mantêm seu apoio a tal coalizão na medida em que percebem que isto lhe será vantajoso e a abandonam quando qualquer vantagem percebida deixa de existir. No entanto, pessoas e grupos possuem interesses e preferências variados, e por isso adotam diferentes critérios para avaliar os benefícios que recebem da organização. Isto, eventualmente, cria um problema de demandas conflitantes. Neste sentido, é plausível a idéia de que à medida que uma organização cresce e amplia a coalizão que a sustenta, amplia também o potencial para que exista incompatibilidade entre os 3 Tradução livre do inglês: The external control of organizations 11 critérios de avaliação de seus stakeholders, tornando maior o desafio dos gestores em encontrar uma combinação eficaz, ou seja, que satisfaça todas as demandas externas. Esta noção de dependência de recursos destaca a relevância em se observar a organização também sob a perspectiva de suas relações externas, ou seja, além das fronteiras de sua autoridade. Freqüentemente, conflitos entre stakeholders ou mudanças no ambiente, como racionamento de recursos, controle de preços ou o surgimento de novas tecnologias, impõem restrições à ação dos gestores, limitando o leque de alternativas a sua disposição e, por vezes, tornando sua atuação meramente ritualística. Contudo, a atividade gerencial não se resume a desempenhar um papel simbólico. Embora o gestor seja limitado por restrições do ambiente, a interação entre organização e coalizões ocorre em uma dinâmica de quase resolução de conflitos (Cyert & March, 1963). Portanto, o gerente exerce um papel de mediador, buscando conciliar o conflito entre demandas, já que os interesses dos stakeholdres, em geral, tendem a buscar satisfação e não maximização, criando uma zona de tolerância (Doyle, 1994) a partir do ponto em que as mínimas expectativas dos múltiplos atores são atendidas. Segundo Pfeffer & Salancik (1978), dado que muitas restrições ao gestor derivam da ação de outros, torna-se uma importante função do gestor influenciar estes outros, de modo a determinar seu próprio ambiente. Para tanto, o reconhecimento do contexto social e das restrições dentro da qual a organização deve operar passa a ser um componente da ação gerencial igualmente importante. Uma falha da organização em obter um correto entendimento do ambiente pode significar sua incapacidade, seja de realizar ajustes em suas atividades para entrar em conformidade com as restrições, seja para guiar e controlar o processo de manipulação do ambiente. Em um artigo que combina a perspectiva de dependência de recursos com a teoria institucional, Oliver (1991) apresenta um conjunto de respostas estratégicas ao processo institucional. A gama de possibilidades utilizadas pelas organizações contempla respostas que variam de acordo com o grau de passividade, consciência, resistência, controle e oportunismo com que a organização procura moldar ou entrar em conformidade com o ambiente. Abaixo, segue uma descrição resumida de cada uma das tipologias apresentadas por Oliver (1991): a) Estratégia de aceitação: A organização cede às pressões institucionais do ambiente. As táticas utilizadas para essa estratégia podem ser de hábito: aderência inconsciente; imitação: mimetismo consciente ou não de modelos institucionais; conformidade: obediência consciente na incorporação de valores, 12 normas ou requerimentos institucionais, a fim de assegurar benefícios de apoio social ou estabilidade de recursos. b) Estratégia de negociação: A negociação normalmente se posiciona em um tênue limite para resistência à pressão institucional. Organizações normalmente se deparam com situações de conflito entre demandas institucionais, circunstâncias nas quais podem procurar conciliar interesses e expectativas de atores externos. As táticas são: balancear: acomodação das demandas de múltiplos atores em resposta às pressões institucionais; pacificação: conformidade parcial com expectativas de um ou mais atores, porém mantendo um mínimo de resistência; barganha: é uma forma mais ativa de negociação, pois envolve o esforço da organização em obter concessões de um ator externo sobre suas demandas e expectativas. c) Estratégia de evitar: a organização tenta evitar a necessidade de conformidade com pressões institucionais. As táticas são: táticas de ocultação: envolve o disfarce de uma não-conformidade. A organização apresenta uma resposta de fachada, mas não chega a implementá-la; prevenção: tentativa de reduzir a freqüência com a qual a organização é fiscalizada por atores externos, por meio do afastamento e isolamento de áreas críticas ao contato externo; fuga: a organização deixa o domínio sobre o qual a pressão é exercida ou altera significativamente seus objetivos, atividades ou domínios para evitar a necessidade de conformidade. d) Estratégia de desafio: essa é a forma mais ativa de resistência, pois representa uma rejeição inequívoca de normas e expectativas nos processos institucionais. São mais prováveis de ocorrer quando o custo de abandono da estratégia é percebido como baixo: quando interesses internos divergem de valores externos, quando a organização considera possuir argumentação consistente ou quando percebe o custo de desafiar como sendo baixo. As táticas são: ignorar: a organização ignora normas e valores institucionais; contestar: a organização se envolve em um desafio ofensivo contra normas e expectativas institucionais, normalmente acreditando na consistência de suas convicções; atacar: diferenciase da tática de contestar pela intensidade e agressividade que a organização se distancia das expectativas e pressões externas, denunciando valores institucionalizados e atores que os expressam. e) Estratégia de moldagem: moldagem é a forma mais ativa de resposta a pressões externas, pois tem a intenção de ativamente mudar ou exercer poder 13 sobre o conteúdo e a origem das pressões externas. As táticas são: cooptar: persuadir atores externos a juntarem-se à organização ou ao conselho de administração dos diretores da empresa; influenciar: é mais direcionado a valores e crenças institucionalizados, mudando a percepção pública sobre a indústria onde a empresa atua, por exemplo, fazer lobby sobre órgãos reguladores para alteração de regras; controlar: esforços específicos para estabelecer poder e dominância sobre atores externos que exercem pressão na organização. 2.1.3. Desafio da gestão da diversidade Segundo Fleck (2009), o desafio da gestão da diversidade está relacionado à manutenção da integridade da organização, à medida que ela experimenta o aumento da diversidade. O próprio crescimento da organização aumenta a diversidade, como a ampliação de mercados, novas linhas de produtos, diversificação não-relacionada, aquisições de outras empresas ou o mero aumento do número de empregados. Além da diversidade gerada pelo crescimento, as coalizões que compõem a organização possuem demandas conflitantes (CYERT e MARCH, 1963) e produzem rivalidade organizacional (SELZNICK, 1957). De acordo com Fleck (2009), respostas positivas ao desafio da gestão da diversidade dizem respeito ao desenvolvimento de relações de compartilhamento de recursos e de capacitações de coordenação. As respostas devem resultar na neutralização de pressões para fragmentação, sendo orientadas para sustentar a integridade. A gestão bem-sucedida da diversidade organizacional distingue elementos homogêneos e heterogêneos da organização e fomenta a relação de ligação adequada (Stickland, 1998; apud Fleck, 2006). Os recursos homogêneos quando compartilhados podem fornecer economias de escala, escopo e velocidade (CHANDLER, 1977), enquanto que recursos heterogêneos levam a relações de intercâmbio. Nos dois casos a organização necessita da criação de capacitações de coordenação. Segundo Porter (1987) o compartilhamento de recursos requer colaboração entre unidades da organização. Caso a organização falhe em fomentar a cooperação, ela poderá comprometer suas vantagens competitivas ao invés de beneficiar-se os das relações entre as unidades. As relações de compartilhamento de recursos incluem não somente prédios, patentes e serviços administrativos como também outros menos tangíveis, como reputação, mitos e percepções comuns sobre a organização (SELZNICK, 1957). O uso 14 compartilhado de recursos pode não só promover maior aproximação entre os membros da organização, mas também produzir economias de escala e escopo. Além disso, o compartilhamento de recursos pode criar um sistema complexo de relações entre as atividades da organização, criando uma vantagem competitiva difícil de ser replicada por concorrentes (PORTER, 1996; BARNEY 1997). Os mecanismos de coordenação, por sua vez, não eliminam a heterogeneidade. Ao invés disso, faz o uso construtivo dos elementos heterogêneos, estimulando a integração da organização (FLECK, 2009). Tais mecanismos podem ser, por exemplo, comitês multidisciplinares, gerentes de projeto ou departamentos de integração. 2.1.4. Desafio do aprovisionamento de RH O desafio do aprovisionamento de recursos humanos trata de prover a organização com pessoas qualificadas para exercer as funções gerenciais. Os recursos gerenciais são condição necessária para o crescimento (PENROSE, 2006) e para a existência continuada (CHANDLER, 1977). Recursos humanos não entram na organização prontos para exercer plenamente as funções gerenciais. Segundo Penrose (2006) a medida que os recursos humanos aprendem sobre suas funções novos serviços podem ser desenvolvidos a partir deles, porém é necessário tempo para que isto ocorra. De acordo com Fleck, respostas positivas para este desafio estão relacionadas ao abastecimento permanente dos recursos gerenciais a organização, promovendo as atividades o recrutamento e formação, a retenção e a preparação para sucessão de forma antecipada. Já as respostas negativas estão dizem respeito ao aprovisionamento atrasado dos recursos gerenciais. 2.1.5. Desafio da gestão da complexidade De acordo com Fleck (2009) conforme a empresa cresce a complexidade dos problemas com que ela se depara também aumenta. As respostas ao desafio da gestão da complexidade, portanto, estão relacionados a capacidade de a organização lidar com situações cada vez mais complexas. Respostas positivas a este desafio envolvem a adoção de procedimentos sistemáticos para a busca de solução dos problemas e, portanto, afeta a qualidade das respostas aos demais desafios. 15 As capacitações para busca de solução de problemas dizem respeito à presença de uma orientação para solução de problemas, incentivando a ampliação da área de busca por soluções promovendo o aprendizado organizacional (CYERT & MARCH, 1963), associada à Sistematização de procedimentos, que inclui a codificação de processos de coleta e análise de dados, bem como, a adoção de métodos para tomadas de decisão e implementação. 2.2. Dinâmica de Mudança nas Organizações O referencial teórico baseado no modelo dos desafios a longevidade de Fleck (2009) servirá como uma lente para analisar os padrões de ação da General Motors e relacioná-los aos arquétipos do sucesso, propensos a auto-perpetuação, ou de fracasso, propensos a auto-destruição. Tal análise buscará identificar padrões em torno dos quais se desenvolvem as ações da General Motors ao longo do tempo. Dado a perspectiva longitudinal em que se desenha a pesquisa e a suposta ocorrência de movimentação de um extremo ao outro do contínuo. Passa a ser relevante também para a maior clareza na condução do estudo algumas referências relacionadas às dinâmicas que formam e alteram o comportamento e as instituições das organizações. Cyert e March (1963) apresentaram um importante referencial para entender a formação do comportamento da firma. Segundo os autores, a natureza de evolução desigual das demandas dos integrantes da organização cria uma dinâmica de quase resolução de conflito na definição dos objetivos da organização. A busca de novos objetivos da organização é orientada pelo surgimento de problemas, que nesta visão indica o fracasso de um objetivo anunciado. Algumas regras básicas da busca de soluções determinam o seqüenciamento da hierarquia dos problemas e os princípios que norteiam este aprendizado: a) A busca por soluções ocorre inicialmente nas imediações - do problema e expande a área (e complexidade) da busca a medida que os objetivos fracassam. Portanto, se há um problema na área de vendas, a organização vai direcionar buscas dentro equipe de vendas e, eventualmente, expandir, por exemplo, para marketing caso a primeira solução (objetivo) fracasse. b) A busca também começa pelas vizinhanças das alternativas já conhecidas e eventualmente se expandem para áreas menos conhecidas. 16 c) A expansão das buscas tende a seguir para áreas mais vulneráveis da organização e, conseqüentemente evitar questionar áreas mais fortes da organização. d) A expansão tende a seguir para áreas onde há folga organizacional. Por exemplo, um laboratório de desenvolvimento pode ser um freqüente criador de soluções para os problemas da firma. Em um estudo com o objetivo de compreender o executivo em seus papéis gerenciais e de liderança, Selznick (1957) produziu um importante referencial sobre o processo de institucionalização nas organizações. De acordo com o autor, as decisões administrativas são menos relevantes, pois tratam de rotinas e de problemas do dia-adia, que não conferem um caráter distintivo e fazem do gerente uma peça dispensável. Por outro lado, o gestor deve se ocupar das decisões críticas, pois estas permitem a institucionalização, um processo infusão de valores além dos requisitos técnicos de uma atividade. As instituições conferem uma proteção às organizações, que passam a contar com o esforço de seus membros para manter a representação de seus valores, criando um caráter que a distingue das demais. Contudo, as instituições tornam-se também fonte de resistência à mudança e, neste caso, o papel do líder é novamente essencial, pois é ele que, através de decisões críticas, é capaz de perceber valores emergentes nos grupos internos e externos da organização e promover sua infusão em substituição a instituições em declínio. Os arcabouços teóricos de Selznick (1957) e Cyert e March (1963) adotam perspectivas diferentes acerca da atividade organizacional, um com foco sobre a atuação das lideranças e o outro sobre o comportamento da firma. No entanto, alguns elementos principais apresentados pelos autores são complementares naquilo que descrevem sobre a dinâmica organizacional. O quadro 2-2 abaixo apresenta a comparação entre esses elementos: Quadro 2-2 Elementos da dinâmica organizacional de Selznick (1957) e Cyert e March (1963) Autor Elemento Eficácia Selznick (1957) Cyert e March (1963) Infusão de valores que atrai o compromisso dos grupos que sustentam a organização Coalizão de consenso entre membros da organização em torno de objetivos 17 Padrões de ação Instituições organizacionais mantêm um caráter distintivo estável, sustentado por seus membros Busca de novos objetivos somente quando surgem novos problemas Rivalidade organizacional Valores heterogêneos entre grupos gerando rivalidade Objetivos diferentes, quase resolução de conflitos Pressões para mudanças Valores dos grupos internos e externos são dinâmicos, conflitando com instituições Objetivos dos integrantes mudam conforme passam por novas experiências Adaptação Líder estadista conduz processo de Institucionalização lento e gradual Busca orientada pelo surgimento de problemas; inicialmente nas imediações de dos problemas e das alternativas conhecidas Resistência a mudança Desenvolvimento de ideologias administrativas; criação e proteção de elites; e formação de grupos políticos rivais Busca de soluções se expande em direção a áreas mais vulneráveis, afastando-se das áreas mais fortes 18 3. Método 3.1. Delimitação do tema e do objeto de estudo Entender os elementos que contribuem para o sucesso ou o fracasso de organizações é um problema central da atividade gerencial. A partir desta questão genérica desenvolveu-se o interesse em pesquisar como organizações que alcançaram e se mantiveram por determinado período em um estado reconhecido de sucesso eventualmente enfrentaram o declínio e, em seguida, o fracasso. Esta pergunta genérica encontra um relevante objeto de estudo no fenômeno ocorrido com a General Motors. A GM foi, durante a maior parte dos seus 101 anos de existência, a maior empresa de seu ramo de atividade e esteve constantemente entre as maiores empresas em faturamento do mundo. Os inúmeros produtos campeões de venda, a força de suas marcas, a capacidade de gerar lucros e a credibilidade nos mercados financeiros comparável aos títulos mais seguros não impediram que a GM entrasse em um crônico processo de declínio e viesse a pedir concordata. Portanto, a General Motors configura-se na unidade de análise escolhida para desenvolver as intenções de pesquisa. O estudo de caso se mostra adequado para a condução da pesquisa, dado que segundo Yin (1989), o método é apropriado para casos onde a questão da pesquisa é do tipo “como e por que”, a investigação não requer controle sobre o evento e o enfoque trata de um evento contemporâneo. Diante da abrangência das atividades e da diversidade de países em que a GM está presente, o estudo priorizou os dados referentes à operação nos Estados Unidos, onde se localiza sua matriz e, também, onde está a maior parte de suas atividades e das vendas de seus produtos. Esta delimitação da coleta de dados permite conciliar a necessidade de trazer o máximo de evidências relevantes e, ao mesmo tempo, assegurar um volume de informação capaz de ser processado. Outra delimitação do estudo foi em relação ao uso de fontes secundárias, devido à dificuldade de acesso a potenciais fornecedores de dados primários relevantes. Através do estudo de caso, os dados coletados sobre a General Motors são analisados à luz do modelo teórico de Fleck (2009), a fim de obter explicações para o fato de a GM ter desenvolvido crescimento e lucros tão expressivos e não ter sido capaz de evitar o fracasso. Segundo Yin (1989), o método do estudo de caso apresenta limites quanto ao poder de generalização, porém o mesmo possui 19 vantagens devido à possibilidade de análise mais detalhada e flexível sobre o fenômeno estudado. Portanto, a principal contribuição deste estudo em relação à questão genérica da pesquisa será em termos da confirmação da validade do arcabouço teórico, quando aplicado em um caso de alta relevância, como é o da GM. 3.2. Estratégia de pesquisa A pesquisa adota uma visão de processo (LANGLEY, 1999; 2007). As estratégias genéricas utilizadas foram combinadas de forma a atender objetivos de precisão e de simplicidade (LANGLEY, 1999) na apresentação dos resultados da pesquisa. A análise dos dados se apoiou no modelo teórico dos arquétipos da autoperpetuação e auto-destruição, sendo que os cinco desafios à longevidade forneceram os parâmetros para a identificação de padrões de ação. Assim sendo, a organização do trabalho se deu da seguinte forma: • Coleta de dados – Busca de livros, documentos, artigos, reportagens, estudos de caso e bases dados. • Processamento e codificação dos dados – Leitura, escaneamento de trechos relevantes, elaboração da tabela de fatos, codificação dos fatos relacionados a cada desafio • Análise das evidências – Elaboração da narrativa histórica, elaboração de séries quantitativas longitudinais, organização de mapas visuais, comparação de padrões, elaboração de quadros temporais. A seguir, é apresentado com maior detalhamento o desenvolvimento de cada uma dessas etapas. 3.3. Coleta de dados A busca por fontes de informação ocorreu em diversas frentes. A principal delas foi por meio do levantamento feito pelo sistema de bibliotecas da Haute École de Commerce (HEC) e McGill, em Montreal, no Canadá, que disponibilizou uma grande quantidade de livros, reportagens e estudos de caso representativos de todos os períodos da história da General Motors, conforme é apresentado no gráfico 3-1. A busca ainda foi expandida para as bases de dados eletrônicas do Proquest, Ebsco Host, portal de periódicos da CAPES, JSTOR e Google Acadêmico. 20 Gráfico 3-1 Fontes secundárias obtidas através do levantamento das bibliotecas da HEC e McGill Revista Business Week 1988-2008 Revista Forune 1988-2008 Rubenstein, J. (2001) Making and Selling Cars Lee, A. (1988) Call me Roger Keller, M. (1989) Rude Awakening the rise, fall and struggle for recovery of GM Cray, E. (1980) Chrome Cossus: General Motors and its times Wright, J. (1974) On a clear day you can see General Motors Freeland, R. (2001) Struggle for Control of the Modern Corporation Sloan, A. (1963) My years with General Motors Pound, A. (1934) The Turning Wheel Madsen, A. (1999) The deal maker: how William Durant made GM As fontes secundárias na forma de biografias, livros históricos e de negócios, enciclopédias, artigos acadêmicos, estudos de caso e reportagens de jornais e revistas são abundantes ao longo da história da General Motors. A falta de relatos sobre a GM não chegou a ser um problema para a condução da coleta e da análise, embora dois aspectos tenham exigido cuidados extras. O primeiro aspecto está relacionado ao potencial viés implícito em algumas das principais fontes de dados, como biografias de ex-executivos como Alfred Sloan, John Delorean, Roger Smith e Walter Chrylser. O outro aspecto refere-se às fontes de dados a partir do final da década de 1980, quando nenhuma outra fonte com conhecimento profundo do dia-adia das decisões da GM publicou suas memórias. Além disso, o trabalho das assessorias de imprensa a partir da década de 1970 produziu o efeito de filtro sobre a saída de informações da organização. Assim sendo, a reconstituição dos fatos a partir das fontes disponíveis contou com uma atenção especial para tentar identificar afirmações que parecessem pouco coerentes em relação aos acontecimentos contemporâneos, ou em relação à cadeia de acontecimentos observada tanto na história que antecedeu a tal fato quanto na que sucedeu. Para os casos nos quais foi identificada alguma das incoerências mencionadas, a descrição sobre o referido evento ou ação proveniente daquela fonte foi descartada para efeito de análise. 21 Outras fontes importantes, tanto para coleta de fatos históricos quanto para os dados quantitativos, foram: • CHANDLER, A. (1964) Giant Enterprise: Ford, GM and the automobile industry • CHANDLER, A. (Ed. 1979) Managerial Innovation at GM • CHRYSLER, W. (1991) Life o f an American workman • IACOCCA, L. (1986) Iacocca: an Autobiography • KHUN, A. (1986). GM passes Ford , 1918 – 1938 • MAY, G. (Ed. 1989) The Automobile Industry, 1920-1980 (Encyclopedia of American Business History and Biography) • MCSHANE, C. (1997) The automobile: a chronology of its antecedents, development and impact. • PASCALE, R (1994) Administrando no Limite • Relatórios anuais da General Motors, Sec Fillings, K-10, de 1994 a 2008, disponível na página da General Motors na internet • Relatórios anuais Moody’s sobre a General Motors de 1923 a 1998 3.4. Processamento e codificação dos dados Dado que a abundância de fontes gerou grande carga de leitura e que os trechos identificados como relevantes necessitavam ser frequentemente consultados ao longo do processo de análise, os dados foram organizados em uma tabela do Excel, com a utilização de um equipamento de scanner e de um sistema de reconhecimento óptico instalado no computador. Este método permitiu que a leitura de livros e artigos ocorresse com maior fluidez, apenas fazendo pequenas marcas no início e no fim dos trechos a serem extraídos, acompanhado de uma pequena marcação lateral com ano inicial e final a que o evento destacado se referia. Os resultados das extrações feitas através do scanner e com sistema IRIS de reconhecimento óptico (em inglês, Optical Character Recognition, OCR) frequentemente exigiu que ajustes fossem feitos nos textos antes que estes fossem depositados no banco de dados do Excel. Mesmo com trabalho de verificação e correção dos textos extraídos, este método se mostrou altamente superior às alternativas de digitação dos textos ou de não utilização de recursos digitais. No total, foram coletados 2288 fatos, sendo que destes foram efetivamente utilizados na elaboração da análise 1703 fatos. A tabela de fatos para armazenamento dos trechos extraídos das fontes de dados foi composta dos seguintes itens: 22 • Número do fato: atribui um número no momento em que o fato é registrado • Ano inicial: indica o ano em que o evento teve início • Ano final: indica o ano em que o evento se encerrou • Fato: reproduz em texto exatamente a descrição do fato como ele é narrado ou escrito segundo a fonte • Comentário: apresenta alguma informação adicional que eventualmente pode ter sido considerada útil para melhor compreensão do fato • Fonte: descreve a fonte de onde o fato foi obtido O quadro 3-1, a seguir, apresenta um extrato exemplificativo da tabela de fatos elaborada para a etapa de análise. Em virtude da necessidade de se organizar sobreposição das múltiplas fontes de dados, costurando associações dos trechos extraídos entre si e deles em relação aos polos das respostas a cada um dos desafios à longevidade, a tabela de entrada de fatos foi acrescida de mais 14 colunas referentes às dimensões de análise inicialmente estabelecidas a partir do referencial teórico. Com uma coluna definida para cada dimensão da resposta a um desafio, foi possível desenvolver uma codificação dos fatos da tabela, de modo a permitir o uso de filtros e ordenação do Excel que vieram a facilitar o processo de análise como mostra o quadro 3-2. • Desafio do empreendedorismo o o o o • Ambição Versatilidade Mobilização de recursos financeiros Julgamento Desafio da navegação no ambiente dinâmico: ações de monitoramento e uso de respostas estratégicas em relação aos stakeholders • o Sociedade e economia o Acionista o Empregados o Tecnologia o Indústria automotiva e concorrentes o Governo e legislação Desafio da gestão da diversidade • o Compartilhamento de recursos o Mecanismos de coordenação Desafio do aprovisionamento de recursos gerenciais • o Aprovisionamento antecipado e planejado Desafio da gestão da complexidade o Busca sistemática para solução de problemas 23 Quadro 3-1 Extrato exemplificativo da tabela de entrada de fatos históricos da General Motors ano fato n° inicial ano final Pg. Início Pg Final Fato Comentário Fonte e Pag. 907 1946 1946 208 The proceeds of this borrowing were received on August 1, 1946, and gave the corporation a good deal more flexibility in meeting its increased capital needs. But the Financial Policy Committee felt that the corporation needed still more capital of a permanent na¬ture, and on August 5, 1946, it authorized Mr. Bradley to negotiate with underwriters "with a view to determining the basis upon which it might be possible to sell a new issue of $125,000,000 pre¬ferred stock." The committee had considered other methods of obtaining permanent capital. One factor in our decision was that we could market a preferred-stock issue which we could retire at will, under specified conditions, but which did not have any man¬datory provisions requiring retirement by a certain date. As things worked out, however, the public market would not absorb as much preferred stock as we had hoped, except under terms we thought to be too stringent. As a result the issue had to be cut down to $100 million, that is, one million shares of $3.75 preferred offered at par. The stock was offered on November 27, 1946, and yielded the corporation $98 million after underwriting discounts and commissions. 908 1948 1949 209 And because our expansion program had been completed, our plant expenditures were relatively modest -$273 million in 1948 and 1949, only $64 million more than our pro¬vision for depreciation. Our capital position improved so rapidly, in fact, that we decided to prepay the $125-million note issue in December of 1949, thereby eliminating our debt. We were also able to increase our liquidity and to pay substantial dividends. SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 209 909 1950 1950 209 Our next major expansion was an outgrowth of the Korean War. We had learned from experience that wars create a backlog of un¬satisfied demand. After a good deal of thought we concluded that the long-run potential of the cal' market required a large expansion of our productive facilities and justified spending corporation money on new plant facilities for defense production that ultimately could be used for commercial operations. SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 209 910 1950 1950 209 911 1950 1953 210 912 1953 1954 210 913 1955 1955 211 210 211 I outlined my views in a letter dated November 17, 1950, to the members of the Financial Policy Committee, with the following recommendations: 1. We should make a survey, which is under way, to determine the quantitative measurements of the trend of demand over the next ten years, with particular reference to that after five years. Consideration should be given to such peaks as may develop due to deferred demand resulting from the curtailment of production incidental to the rearmament program. 2. We should develop a broad outline of a master plan to meet such prospective increase in production, if any, as our judgment may determine. This should include ways and means to best carry out such expansion. It should embrace the various categories of production involved in the Corporation's present scheme of thingseach category following its own potential. This broad outline should be [filled] in as more facts become available ... 3. We shall be called upon to provide facilities for the rearmament program. Such needs should be integrated with the proposed master plans in broad outline so that we shall be able to move more rapidly and efficiently In the four years 1950 through 1953 we spent $1279 million on new plant and equipment - about one third of it for defense facilities. During this period, however, our earnings were restricted by the excess-profits tax and by the fact that the margin on defense business under our policy was lower than on commercial sales. At the beginning of 1954, with our financial resources already under strain, we announced a forward program of plant expenditures calling for an outlay of $1 billion in two years. With a plant-expenditure program of this magnitude, and the in¬flationary pressures an casts, it was clear that we would have to raise new capital if we were to continue to pay out a substantial part of each year's earnings in the form of dividends. Toward the end of 1953 the Financial Policy Committee reviewed the problem and determined that a debt issue could be sold to advantage. In contrast to the situation in 1946, however, the insurance companies and other institutional investors did not have any excess funds available; they were, instead, committed for some time ahead. Hence we turned to the public market and in December 1953 sold an issue of $300 million of twenty-five-year 3¹/4 per cent debentures, netting (after deducting underwriters' fees and commissions) $298.5 million. This, too, was an In January of 1955 our plant-expenditure program was expanded from $1 billion to $1.5 billion (and later to $2 billion). In analyzing our future capital requirements, therefore, we decided that we would need to raise more outside capital. And so in February 1955 we offered holders of common stock the right to subscribe to 4,380,683 shares of new stock (five-dollar par value) at the rate of one share for each twenty shares held. The subscription price for each new share was $75; at the closing date of the offering, the stock was selling at 96 7/8. The stock offer was underwritten by a group of 330 underwriters, but the underwriters had to subscribe to only 12.8 per cent of the issue. The net pro¬ceeds to the corporation approximated $325 million after payment of underwriting fees and commissions. This was the largest indus¬trial common-stock issue in the United States up to that time and was a remarkable success, attesting to the correct evaluation of the market at a time 24 SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 208 SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 209-210 SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 210 SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 210-211 SLOAN, A. P. (1963). My years with General Motors. New York, Currency Doubleday, 1990. p 211 Quadro 3-2 Extrato exemplificativo da tabela de codificação dos fatos fato n° livro ano inicia ano l final 926 Sloan 1924 1924 990 Sloan 1924 1924 992 Sloan 1924 1924 759 Sloan 1924 1925 796 Sloan 1924 1925 808 Sloan 1924 1925 988 Sloan 1924 1931 Empreendedorismo Fato General Motors Research Corporation began working in the early twenties on the problem of balancing engines, and a crankshaft-balancing machine was developed and first used in the production of the 1924 Cadillac engines. This ma¬chine, hundreds of which are now in use throughout the world, was exc1usively a General Motors devel.9pment and gave us a long lead in engine balancing in the industry. From this committee carne the corporation's first regular testing program. Cars then were being tested on public roads, and there was no easy way of telling whether the test driver had pulled up at the side of a road, taken a nap, and then driven faster than the test schedule called for to make up the necessary mileage...The most important step we took to standardize and improve test procedures was the establishment in 1924 of the General Mo¬tors Proving Ground, the first of its kind in the automobile industry the thought was that we would have a large area, properly protected, and entirely closed to the public. It would be provided with roads of various types representing all the various demands on the motorcar from the standpoints of high speed, hills of various grades, smooth roads, rough roads, ability of a car to move through water - which is frequently required The idea was approved and the necessary capital made available. The next problem was to find out where such a proving ground could be located. What we wanted was a varied terrain centrally situated with relation to our manufacturing operations in Lansing, Flint, Pontiac, and Detroit. Michigan is rather flat, and at first we had difficu1ty locating an area of sufficient size that would give us all the various grades we needed. However, almost every foot of the United States has been measured topographically, and the rec¬ord was available in Washington. We went to Washington and from the Geological Survey maps available there we determined a location that appeared to fulfill our needs. At Milford, Michigan, would meet the requirements we had in mind... I delegated one of my executive assistants, W. J. Davidson, to take responsibility for developing the Proving Ground, and he appointed F. M. Holden as the first resident manager. Not long after¬ward Mr. Holden went to Oakland at his own request and was succeeded at the Proving Ground by O. T. ("Pop") Kreusser. All three of these men contributed greatly to the success of this project.... The land was surveyed; the straightaways were In1924 and 1925 the committee gave attention to the education of the dealers and sales departments on the advertising and sales value of current engineering developments. I asked the committee to develop a series of criteria by which "car value" of the different makes and models might be objectively determined. In 1924, too, I gave the committee the task of setting up the broad specifications of the different cars to assist in our efforts to keep the several Gen¬eral Motors' cars distinct and separate products and in a proper price and cost relationship to one another. We worked out in 1924 and 1925 a system of statistical reports to be sent by the dealers to the divisions every ten days. The core of these reports was the information on dealers' sales of cars and trucks to consumers during ten-day periods, together with deliveries of used cal's to consumers and the number of both new and used cars on hand in dealers' lots. Used-car inventories were important because if they backed up in the hands of dealers they would block the sale of new cars. With this information in hand each ten days, the divisions thereafter had an up-to-date, comprehensive picture of the situation in the field. The divisions and the headquarters staff were then able to take corrective action and make new forecasts with greater accuracy.... The headquarters staff assisted the division managers in this task with a seasonal analysis of the year's sales estimate, and a computa¬tion for each division of an absolute minimum working stock to be maintained and the maximum seasonal excess over that minimum that was allowable at the end of each four-month forecast The early return-on-investment form, which with some modifications is still used in General Motors, was the first step in educating our operating personnel in the meaning and importance of rate of return as a standard of performance. It provided executives with a quantitative basis for sound decision making, and thereby laid the foundation for what was to be one of General Motors' most im¬portant characteristics, namely, its effort to achieve open-minded communication and objective consideration of facts. The Engineering Staff provides an intermediate, medium-range link between the Research Laboratories and divisional engineering activities. It chiefly develops new engineering concepts and designs, and appraises them for commercial application. We did not have a department or section of the corporation under the title "Engineering Staff" until1931. But the various persons and functions that were brought together to make up this staff already existed. Some of them went back to the early twenties. When, for example, Mr. Hunt and Mr. Crane worked up the new Pontiac car in the Chevrolet Division in 1924 and 1925, that was a species of Versatilid Ambição ade Fund raising Navegação no ambiente Julgamen Sóicioto economico acionista gestão da Resolução de problemas tema staff de engenharia inovação tecnológica comite tecnico geral campo de provas campo de provas corporativ o comite tecnico geral campo de provas piramide de marcas comite de vendas piramide de marcas staff financeiro sistema de informação de vendas Gestão da diversidade engenhari a aplicada campo de provas campo de provas piramide de marcas comite tecnico geral testes com carros dos concorrente s statísticas análise dos do real vs fornecedore projetado s análise de retorno da unidade retorno sobre o capital staff de engenhari a 25 Aprovisiona Empregad Concorrên Político- compartil Antecipado o Tecnoligia cia legal hamento coordenação e planejado supervisão do desmpenho das unidades decisões baseadas no ROA retono financeiro mediação do staff de engenharia staff de engenharia staff de engenharia 2.5 Análise das evidências Para proceder com a análise das evidências reunidas através da tabela de fatos, diversas estratégias de pesquisa baseadas em processo (LANGLEY, 1999) foram utilizadas. A primeira das estratégias foi a elaboração de mapas visuais. De acordo com Langley (1999) esta estratégia não é necessariamente boa para detectar mecanismos, e requer de cinco a dez casos para poder tornar os padrões evidentes. Apesar de em princípio não ser uma estratégia recomendada para este tipo de estudo, os mapas visuais foram utilizados pela facilidade que oferecem para lidar com relacionamentos e com o tempo. Portanto, em virtude da complexidade das relações entre os fatos, das relações entre fatos com as dimensões de análises, da sobreposição de fontes e o longo período analisado, os mapas visuais permitiram a organização visual da sequência dos processos relacionados a cada desafio, desde o ano de fundação da GM até o final da década de 1980. Para elaborar os mapas visuais foi utilizada a codificação dos fatos em relação às respostas aos desafios à longevidade na tabela do Excel. A codificação foi feita através da leitura de cada fato, atribuindo àqueles que apresentassem alguma relação com determinada dimensão um título que representasse tal relacionamento, mesmo que este tenha sido produto de uma reflexão superficial. A maior contribuição deste processo de codificação não esteve relacionada à qualidade e precisão da identificação de respostas, mas sim à simplificação de uma primeira triagem dos processos que poderiam conter alguma informação relevante para uma fase posterior da análise. Com os fatos codificados na planilha do Excel, foi possível ordenar e filtrá-los por critérios, como data, fonte, e principalmente relação com determinado desafio. Este método permitiu realizar uma leitura dos fatos ligados a um determinado desafio de forma contínua e, a partir da interpretação dos múltiplos relacionamentos, estabelecer mapas visuais que indicaram a ocorrência de processos estáveis, pontuais ou intermitentes em cada desafio. Esta estratégia de análise, por ter um papel intermediário na estratégia geral, não é apresentado no capítulo de resultados da análise, porém os mapas visuais podem ser consultados no Apêndice A. Outra estratégia de pesquisa utilizada foi a de quantificação. Para tanto, foram elaborados, a partir dos demonstrativos financeiros e de indicadores macroeconômicos, gráficos contendo análises longitudinais da evolução de certos indicadores. Um dos 26 principais indicadores utilizados foi o indicador de tamanho proposto por Fleck (2005). Os dados obtidos nos relatórios da agência Moody’s e na Securities Exchange Comission (SEC) e das séries temporais do Federal Reserve permitiram elaborar o cálculo do indicador de tamanho e de desempenho a partir das seguintes equações: Tamanho = Vendas * 100 GNP Desempenho = Lucros * 100 GNP Outros indicadores quantitativos em perspectiva longitudinal foram elaborados, tais como vendas de veículos da indústria e da General Motors, e o de retorno sobre o ativo (Lucro líquido dividido pelo ativo total). Entretanto, esta estratégia de pesquisa, neste caso contribui pouco para explicação dos eventos, pois estes métodos requerem grande quantidade de casos para poderem ser generalizados. A existência destes indicadores em perspectiva longitudinal é relevante apenas na medida em que pode fornecer importantes questionamentos para pesquisa. De acordo com Langley (1999) a estratégia de narrativa envolve a construção detalhada de uma história a partir de dados brutos. Esta estratégia tem os papeis de análise preliminar, de organização dos dados e potencialmente pode agregar elementos analíticos. O histórico da General Motors foi elaborado na forma narrativa em seqüência cronológica. Para redação do texto, todos os fatos selecionados para a análise foram copiados para o corpo do texto e organizados em de acordo com o evento que descreviam. Estes blocos de fatos foram diferenciados entre si pelas cores da fonte. A partir da ordenação dos blocos de fatos em macro assuntos, dentro de cada bloco os fatos eram novamente organizados em ordem cronológica e de afinidade. Novas divisões de cores do texto foram utilizadas para organizar os assuntos. Por fim a narrativa foi redigida em um processo no qual a coerência e a ênfase dada a cada evento era periodicamente verificada com o auxílio dos mapas visuais elaborados inicialmente. Tendo constituído a tabela de fatos codificada, a narrativa em ordem cronológica e os mapas visuais, a etapa seguinte da análise foi a identificação e comparação dos padrões de ação (YIN, 1989) da General Motors em relação aos padrões estabelecidos para cada desafio nos pólos de auto-perpetuação e auto-destruição (FLECK, 2009). A identificação dos padrões partiu inicialmente dos fatos descritos na narrativa histórica da General Motors, os principais eventos indicativos de padrões de ação da GM foram 27 selecionados e confrontados com os trechos originais dos fatos na tabela de fatos e com os mapas visuais do respectivo desafio. Os padrões de cada desafio foram então descritos em uma perspectiva cronológica, e as observações a respeito desses padrões foram a utilizados para sintetizar as respostas da General Motors a longo de sua trajetória. Para elaborar a síntese das respostas duas estratégias de pesquisa foram utilizadas, a elaboração de quadros temporais permitiu a comparação entre diferentes fases identificadas em termos dos padrões de resposta aos desafios. Em seguida, novamente foram utilizados mapas visuais para simplificar a as relações entre respostas, desafios e a evolução ao longo do tempo. 28 4. Resultados da análise A análise dos dados recolhidos sobre a evolução da General Motors é apresentada em três partes. A primeira delas é a reconstituição do histórico dos acontecimentos dentro da organização e do contexto que a cercou. A segunda parte trata de analisar as evidências em termos dos padrões de respostas da organização a cada um dos desafios à longevidade de Fleck (2009). A terceira parte desta análise fornece uma síntese da evolução das respostas da General Motors, buscando identificar as condições desenvolvidas pela organização em relação aos pólos da auto-perpetuação e da autodestruição e, por fim, estabelece a ligação destas respostas com a trajetória crescimento e declínio. 4.1. Histórico da General Motors e da Indústria Automobilística 4.1.1. O nascimento da indústria O surgimento do automóvel – veículo mecânico terrestre, autopropulsado, para o transporte de cargas e passageiros – ocorreu ao longo da segunda metade do século XVIII e durante o século XIX, em meio a um contexto de mudanças nos padrões e hábitos da vida urbana, na Europa e nos Estados Unidos, e quando avanços em diversas áreas da ciência estimularam experimentações na locomoção dentro e entre cidades. O crescimento das aglomerações urbanas, em virtude do processo de industrialização, provocou uma série de reações sociais que desencadearam políticas de urbanização baseadas na formação de subúrbios - mais comuns na Inglaterra e nos Estados Unidos e no início da verticalização das cidades, como no caso da França. Em ambos os casos, resultaram destas mudanças maiores esforços na pavimentação de ruas e estradas, bem como tentativas de melhor organizar os crescentes fluxos de pessoas e de veículos de transporte. Concomitante ao desenvolvimento acelerado de centros urbanos, avanços tecnológicos possibilitaram o surgimento do automóvel e o desenvolvimento de sua indústria. Novas proposições nas leis da termodinâmica e o domínio sobre manipulações de materiais petroquímicos, da siderurgia, da metalurgia e da eletricidade impulsionaram os experimentos. Inicialmente, ciência e engenharia progrediram nos veículos movidos a 29 vapor, como os apresentados por Nicholas Cugnot em 1769, na França, e por Richard Trevithick em 1801 e 1804, na Inglaterra. Em pouco tempo, foi possível desenvolver locomotivas a vapor capazes de transitar de forma eficaz sobre um percurso de trilhos de aço. Assim, a indústria ferroviária emergiu e revolucionou o transporte em longas distâncias. Outros esforços da engenharia caminharam na busca de um motor de combustão interna. As experiências neste sentido se intensificaram a partir da década de 1820 e diversas patentes foram registradas na Inglaterra, França e Estados Unidos, onde as novas descobertas eram mais bem asseguradas pela legislação sobre propriedade intelectual. Uma variedade de modelos foi produzida de 1823 a 1877, quando Nicklaus Otto, a partir de sua fábrica em Colônia, na Alemanha, recebeu a patente sobre o motor de quatro tempos (four-stroke cycle), ou motor de ciclo otto, tecnologia que, então, se tornou dominante. A patente foi caçada nos tribunais anos depois, mas mesmo assim Otto manteve-se comercial e popularmente reconhecido pela invenção do motor. O alemão Gottlieb Daimler também é lembrado por sua contribuição ao desenvolvimento do automóvel. Após dez anos na empresa de Nicklaus Otto, na qual chegou a diretor técnico, Daimler se demitiu para poder trabalhar a idéia de um motor de alta rotação. A tecnologia patenteada por Daimler em 1883 viabilizou motores menores e aumentou a rotação de 100 RPM para 900 RPM e apesar da irrelevância histórica dos veículos criados por Daimler, seus motores tiveram grande influência no surgimento da indústria. As tentativas de acoplar um motor a um veículo de transporte foram inúmeras e estiveram espalhadas pela Europa e pelos Estados Unidos, testando tecnologias a vapor, eletricidade e de combustão interna. A primeira patente de um automóvel a gasolina comercializável foi concedida a Karl Benz, em 1886. Ele acoplou um motor de ciclo otto a um veículo de três rodas, batizado de Motorwagen. A Benz and Co. Rhenish Gas Engine Works, até então fabricante de motores estacionários, passou a fabricar o veículo, que em 1893 atingiu o volume de 45 unidades e, em 1900, de 603. Logo após o início do desenvolvimento em terras alemãs, o núcleo dos avanços na tecnologia automobilística migrou para a França, que possuía excelentes estradas, legislação favorável, bom corpo de engenharia e uma elite disposta a financiar melhorias nos modelos, sobretudo sob a bandeira de um novo e nobre esporte: a corrida de automóveis. Nos Estados Unidos, a fabricação e comercialização de automóveis tiveram início quase dez anos depois da Europa. O primeiro registro histórico de um carro com motor a 30 gasolina foi o pedido de patente de George Baldwin Selden, submetido em 1879. Selden era um advogado, que mesmo sem ter conseguido construir a máquina que projetou, obteve, em 1895, os direitos sobre a produção de automóveis. Um automóvel a gasolina só foi realmente produzido em solo americano em 1893. Charles e Frank Duryea, após lerem uma descrição do carro do alemão Benz na Scientific American, construíram, em Massachusetts, um modelo que adaptou uma charrete usada e algumas peças disponíveis. No entanto, as atividades da The Duryea Motor Wagon Co., fundada em 1895, não foram muito além de 1896. Uma vitória contra três veículos Benz na primeira corrida dos Estados Unidos, promovida pelo Chicago Herald Tribune, a comercialização de 13 unidades similares e a participação em uma corrida na Inglaterra foram as principais marcas alcançadas pelos dois irmãos antes de liquidarem a empresa. O surgimento da carroça sem cavalos (horseless carriages) despertou atenção e curiosidade nos Estados Unidos. Em 1893 foram exibidos na Chicago Wolrd’s Fair dois veículos elétricos, um veículo a vapor, além de um motor Daimler. Visitaram a exibição internacional de invenções alguns pioneiros da futura indústria, como, os próprios irmãos Duryea, os fabricante de bicicleta Albert Pope e Alexander Winton, os então engenheiros Elwood Hayes e Henry Ford, fabricantes de carroças como Willian Durant e os Irmãos Studebaker, além de Ramson Olds que à época era fabricante de motores a gasolina e também já dirigia um carro a vapor criado por ele mesmo. Veículos de comunicação já escreviam sobre o novo meio de transporte, como foi o caso da corrida vencida pelos Duryea. A loja Macy’s passou a vender o triciclo de Benz importado da Alemanha em 1895, mesmo ano em que o escritório de patentes dos Estados Unidos registrou o recebimento de 500 pedidos de patentes relacionadas a automóveis. Nos primeiros anos da indústria automobilística dos Estados Unidos, houve uma grande quantidade de modelos de veículos surgindo a cada ano, normalmente adotando o desenho das carroças existentes e acoplando um motor embaixo do assento do passageiro. As tecnologias para a locomoção do veículo variavam entre as empresas. À época, veículos a vapor, a eletricidade e a gasolina apresentavam vantagens e desvantagens entre si e dividiam a preferência de fabricantes e consumidores. O motor a vapor possuía uma boa relação de potência e controle na aceleração, mas demorava para iniciar o funcionamento e seu combustível requeria muito espaço. O carro elétrico era silencioso e de fácil operação, entretanto, era pesado, tinha baixa autonomia e demorava muito para recarregar. Já o motor a gasolina era de rápida ignição, tinha boa relação peso 31 e eficiência de combustível, mas, por outro lado, a operação era complexa e fazia ruído em demasia. Além disso, independentemente da motorização, nos primórdios, os veículos em geral eram pouco confiáveis e exigiam uma manutenção complicada para cidadãos comuns. O primeiro carro produzido em grande quantidade na América foi o Curved Dash Runabout, que vendeu 4.000 unidades em 1903. O pequeno carro a gasolina da Oldsmobile tinha o desenho de um buggy (uma carroça de quatro rodas para dois passageiros) e foi desenvolvido em 1901. Com o objetivo de fabricar motores e automóveis, Ramson Olds fundou a Olds Motor Works em 1897, tendo como acionista S. L. Smith, um magnata da indústria do cobre, de Detroit. Ramson já vinha trabalhando com a fabricação de motores e veículos em Lansing, Michigan, desde a década de 1880. Porém, foi em 1899 que ele inaugurou, em Detroit, uma fábrica exclusivamente desenhada para a produção de automóveis, a maior existente até então. A Oldsmobile é a mais antiga empresa de automóvel dentre as absorvidas pela General Motors em sua formação. No ano de 1900, diversos eventos podem ser vistos como indicadores da mobilização que o automóvel e sua indústria criaram nos Estados Unidos. Os fabricantes de peças e componentes começaram a ser envolvidos no desenvolvimento dos veículos, a Associação Nacional de Fabricantes de Automóveis (NAAM) foi fundada e o Clube do Automóvel da América realizou a primeira corrida em Nova York. Neste mesmo ano, o primeiro anúncio pago de um automóvel apareceu em um jornal de grande circulação, o Saturday Evening Post, enquanto que a primeira feira nacional do automóvel (National Automobile Show), realizada em Nova York, atraiu 48.000 pessoas ao Madison Square Garden para ver 40 fabricantes de veículos e 11 de peças e acessórios, em uma exposição que contou com aproximadamente 300 carros diferentes. Até 1902, os veículos a gasolina eram vendidos em menor quantidade do que os elétricos e os a vapor. Porém, já na virada para o século XX, indícios da superioridade da tecnologia a gasolina já podiam ser percebidos: em 1900, apenas sete veículos a vapor foram expostos na feira em Nova York e, pela primeira vez, um veículo a gasolina venceu uma corrida contra um carro elétrico em Chicago. Em meio ao ambiente de inovação e à promessa de novas possibilidades que cercaram o automóvel em seu início, muitos americanos deixaram suas carreiras ou direcionaram suas empresas, a fim de desbravar a indústria nascente. Henry Ford foi um 32 desses casos. O jovem filho de um fazendeiro foi para a cidade ser aprendiz de mecânico e, após trilhar breve carreira como engenheiro, desenvolveu seu primeiro quadriciclo em 1896. Em 1903, após algumas tentativas frustradas, Ford incorporou a Ford Motor Company associando-se a um grupo de investidores de Detroit. 4.1.2. Da Buick a General Motors Outro pioneiro foi David Dumbar Buick, um escocês que perdeu o pai ainda criança, pouco depois de a família migrar para os Estados Unidos, e cuja história é escassa em registros precisos. Buick freqüentemente é descrito como tendo sido uma pessoa com alta capacidade criativa. Ele e seu colega William Sherwood assumiram a falida empresa na qual trabalhavam, fabricante de peças para banheiros, e a tornaram um negócio de sucesso ao desenvolverem uma inovadora técnica para colar cerâmica ao aço. Os dois sócios entraram em conflito quando Buick, entusiasmado com a idéia de construir um automóvel a gasolina, passou a se dedicar menos às atividades de sua empresa. Em 1899, a lucrativa empresa foi vendida por U$ 100.000 (em valores de 2007, cerca de U$ 2,7 milhões), e Buick aplicou sua metade no desenvolvimento de motores a gasolina e do automóvel Buick, que, posteriormente, veio a ser o principal pilar de sustentação nos anos de formação da General Motors. A General Motors só foi fundada por Willian Crapo Durant em 1908. Enquanto a indústria automotiva nascia, Durant comandava de Flint, Michigan, a Durant-Dort Carriage Company (D&D), empresa fabricante de carroças que expandia a passos largos para se tornar a maior do país. Durant nasceu em Boston, em 1861, e viveu a infância em Flint após a separação de seus pais. Filho de um especulador fracassado no mercado de ações e neto, por parte de mãe, do ex-governador do estado de Michigan, Durant abandonou a escola, aos 17 anos; tornou-se representante de vendas, agente de seguros e, posteriormente, empreendedor. Em 1885, aos 24 anos de idade, se impressionou com a suavidade da suspensão da charrete de um amigo e, no dia seguinte, mesmo sem ter o dinheiro necessário, formalizou um pré-contrato de compra da patente e da empresa fabricante de carroças da cidade de Coldwater, Michigan. Willian C. Durant usou a reputação de sua família nos empréstimos bancários e se associou a Josiah Dallas Dort para compor o capital necessário para iniciar sua empresa U$ 1500 para aquisição, mais U$ 500 para iniciar a operação. Apoiada nas vendas promovidas por Durant e pelos representantes por ele nomeados, nos primeiros anos a 33 D&D cresceu vertiginosamente em pedidos de compra de seus produtos, equanto a produção das carroças ainda era terceirizada. Para viabilizar a busca por escala, Durant arregimentou pessoas nas quais identificou talentos, seja recrutando em outros fabricantes, seja em seu próprio chão de fábrica. Foram os casos de Alexander Hardy (A.B.C. Hardy), vindo de um concorrente vizinho, e de Charles J. Nash, que começou como ferreiro na D&D. Ambos acompanharam Durant posteriormente na General Motors, ocupando importantes cargos gerenciais. Além disso, para assegurar o fluxo de produção, Durant abriu novas plantas subsidiárias e adquiriu outros fabricantes de carroças e fornecedores de componentes, algumas vezes motivado apenas pela defesa contra cartéis ou desabastecimento. Em 1895, ano inaugural da indústria automotiva, a D&D fabricou 75 mil unidades em 14 plantas, nos Estados Unidos e no Canadá, e era motivo de orgulho para a cidade de Flint. O sucesso na fabricação de carroças fez com que Durant não participasse da indústria automobilística desde o seu primeiro momento, mas em 1904 a corrida empreendedora e a Buick bateram à sua porta oferecendo uma oportunidade. David Buick havia aplicado todo o dinheiro que conseguiu com a venda, em 1899, da empresa de peças para banheiros no desenvolvimento de seu veículo. Em 1901, contratou o mecânico Walter Marr e, em 1903, uniu-se a eles o experiente engenheiro francês Eugene C. Richard. Juntos, eles patentearam o sistema de válvula no cabeçote (overhead valve - OHV) que aumentou significativamente o desempenho do motor. A Buick Auto-Vim & Power Co. esgotou seus recursos ao desenvolver seu veículo, e Buick teve que recorrer aos irmãos Benjamin and Frank Briscoe, à época fornecedores de folha de metal, para financiar a empresa. Com o investimento, os irmãos Briscoe tornaram-se detentores de 99% das ações da Buick Motor Car Co. Em uma visita aos familiares em Flint, os novos proprietários da Buick souberam do interesse de James H. Whiting, um dos fabricantes locais de carroças, em trazer para a cidade a produção de automóveis. Whiting adquiriu a Buick, em 1903, tendo como sócios David Buick e outros empresários da cidade. A instalação da produção da empresa em Flint gerou grande repercussão na imprensa local e os experimentos conduzidos por Buick, Marr e Richards resultaram nos primeiros veículos comercializados: o Modelo A e, em seguida, o Modelo B. Os novos motores de dois cilindros conferiram ao Buick uma confiabilidade e potência raras nos demais carros da época, contudo, contrariando as expectativas de James Whiting, a indústria automotiva se apresentou mais complexa e 34 com maior demanda por capital quando comparada à produção de carroças. Em setembro de 1904, Whiting apresentou a Durant o Buick Modelo B e, junto com ele, uma oferta para que o prestigiado e bem sucedido empreendedor tomasse parte no negócio. Registros autobiográficos dão conta de que Durant dirigiu incessantemente o veículo, testando à exaustão suas capacidades em diferentes terrenos, e sempre retornando à oficina da empresa para solucionar os diversos problemas mecânicos que surgiam. Durant observou em seus testes o interesse que o carro despertava ao passar pelas cidades, também constatou a necessidade dos serviços de manutenção estarem disponíveis aos donos dos veículos. Nas negociações com Whiting e Buick, Durant exigiu total controle sobre a nova empresa, o que foi aceito pelos demais, mas não assumiu a presidência, nomeando Charles S. Begole para este lugar. Em 1 novembro de 1904 o negócio foi concluído. Durant ampliou o capital da empresa de U$ 75.000 para U$ 300.000, tornando-se o acionista controlador da Buick Motor Company. Entrar para a indústria automotiva na época em que Durant assumiu a Buick era o sonho de muitos empreendedores americanos. Em 1903, 88 empresas de automóveis foram abertas, incluindo Buick, Cadillac e Ford. Porém, apesar das promessas de uma demanda voraz, poucas empresas estavam fazendo dinheiro e a quantidade que saía de operação a cada ano quase empatava com os novos entrantes. Nesta época, havia diversos obstáculos para um iniciante na indústria. Os bancos estavam receosos em financiar as empresas, e assegurar matéria-prima tornava-se um desafio a mais para os competidores devido à disputa por fornecimento de componentes. Além disso, a adoção do motor a gasolina como padrão ampliou o raio de atuação da patente de George Selden (válida a partir de 1895). Ainda em 1903, foi formada por alguns fabricantes de veículos a Associação dos Fabricantes de Automóveis Licenciados (em inglês, ALAM) com o intuito de determinar os critérios e valores de licenciamento para a produção e comercialização de veículos a gasolina. Dentre as atribuições da ALAM estavam a fiscalização e a cobrança dos royalties da patente de Selden e também a moderação da competição, já que a entidade podia arbitrariamente recusar a entrada de um fabricante, ou impor requisitos mínimos de capital investido, por exemplo, para eliminar pequenos aventureiros. Porém, nem todas as empresas fabricantes aderiram à ALAM - a Ford foi uma delas. Ainda mera debutante na indústria, a Ford se recusou a pagar royalties para o grupo de Selden e foi acionada judicialmente em um processo que ganhou notoriedade nos Estados Unidos. Após uma 35 vitória em primeira instância da ALAM, em 1909, o recurso da Ford obteve êxito na suprema corte americana em 1911. Assim que assumiu a Buick, Durant tratou de acelerar a produção. Sem instalações adequadas na cidade de Flint, adquiriu uma fazenda de 220 acres para construir sua planta. Enquanto isso, ele utilizou as instalações da fábrica de rodas da D&D em Jackson (a 100 milhas de Flint) para a montagem final do Buicks Modelo B. A Buick montava de cinco a oito veículos por semana e mantinha a fabricação de motores, transmissões e carrocerias em Flint. Com o primeiro Buick Modelo B pronto, Durant o levou para o Salão do Automóvel de Nova York, de onde voltou semanas depois com pedidos de venda para 1108 veículos. A divisão da produção entre Jackson e Flint exigia grande dedicação de seus gestores. Durant vivia apressado. Entre as duas cidades e demais viagens, o empreendedor tomava importantes decisões, cuidava de captar recursos, encontrar fornecedores e distribuidores, além de empurrar as vendas. Enquanto corria para colocar a Buick entre as grandes fabricantes de veículos, Durant procurou manter uma relação segura com os detentores da patente de Selden. A Buick nunca chegou a se associar a ALAM, mas Durant adquiriu uma licença na liquidação da Pope-Robinson que entrou em falência, em 1904. Posteriormente, em 1908, já na recém-criada General Motors, aconselhado por advogados, Durant não só suspendeu o pagamento de royalties a ALAM como, quando processado, contra atacou, acusando o grupo de empresas de conspiração. Pouco depois, com a derrota judicial da Ford para a ALAM, em 1909, voltou atrás em sua decisão e pagou U$ 1 milhão em royalties retroativos. O fato de a Buick ter sua produção dividida entre duas cidades também trouxe oportunidades para a empresa. Durant aproveitou-se do prestígio que havia construído com sua empresa de carroças e, durante o verão de 1905, utilizou-se de uma jogada para captar recursos e, assim, alavancar seu negócio. Após anunciar que a produção em cidades com tamanha distância era inviável, Durant passou a estimular lideranças locais das duas cidades, interessadas em geração de riqueza e empregos, em uma espécie de competição para ser a sede definitiva da Buick. Durant divulgou em Jackson e em Flint que a Buick se instalaria em definitivo em uma dessas cidades, caso uma delas fosse capaz de aumentar o capital da empresa para U$ 1 milhão. Como a cidade de Flint ultrapassou a marca em U$ 500 mil, ela assegurou a presença da Buick em seu território. Em 11 de setembro de 1905, os quatro bancos, as empresas e centenas de indivíduos da 36 cidade compraram ações da Buick, aumentando seu capital para U$ 1,5 milhão. A produção mudou-se para Flint em três meses, tornando-se a maior planta para fabricação de automóveis da época. Ao contrário do que ocorria na fabricação de carroças, onde a D&D controlava a produção de todos os principais componentes, em 1905, na indústria automobilística, nenhum fabricante possuía recursos suficientes para produzir todos os componentes de um carro e, com isso, boa parte deles era fabricada por terceiros. Por exemplo, Ford e Cadillac e Reo compravam motores dos irmãos Dogde. Os rolamentos eram fabricados pela Hyatt Company, do recém-graduado do MIT, Alfred P. Sloan. Já os radiadores eram feitos com as folhas de metal dos irmãos Briscoe. Durant logo percebeu que atrasos na entrega de componentes eram fatais para o fluxo de caixa da empresa. Uma peça mais simples como um eixo, por exemplo, passava a ser tão crucial quanto um motor. Pensando nisso, William Durant persuadiu a Charles Mott, dono da Weston-Mott, fabricante de eixos, a mudar sua fábrica de Utica, no estado de Nova York, para Flint. Mott concordou com a mudança após Durant assegurar um investimento de U$ 100 mil para que fosse montada uma fábrica ao lado da Buick. Com o motor de dois cilindros, o Buick Modelo B foi um sucesso imediato. A empresa corria atrás para atender a quantidade de pedidos sempre superior à capacidade. Em 1905, foram entregues 750 unidades e, no ano seguinte, o volume aumentou para 2.295, cerca de 7% da produção da indústria. Em 1906, Arthur Mason, um mecânico vindo da Cadillac, desenvolveu um novo motor aumentando a rotação de 1800 rpm para 4000rpm e, conseqüentemente, elevando a potência do Buick. Isto tornou os veículos de Durant ainda mais atrativos. Para ampliar a produção, a Buick teve de levar mão-de-obra de fora para a cidade de Flint. Com cerca de 15.000 habitantes, os cidadão viram sua população dobrar em cerca de dois anos. Homens iam espontaneamente de outros estados em busca dos salários mais altos que a indústria prometia, mas também recrutadores percorriam os Estados Unidos oferecendo aos artesãos e operários a passagem de trem e as refeições até que recebessem o primeiro salário. Nesta época, cresceu em importância na cidade de Flint e entre os operários da Buick a Flint Vehicle Workers Mutual Benefit Association, uma associação formada ainda em 1901, inicialmente como uma sociedade de seguro mútuo, que gradualmente desenvolveu atividades sociais, atléticas e de entretenimento. 37 A demanda continuou crescendo e a Buick não conseguia acabar com os pedidos em backlog. Durant corria atrás de recursos para poder aumentar a produção no ritmo em que o mercado pedia, mas por mais que a cidade de Flint e a D&D fossem generosas com a Buick, a empresa precisava de maior volume de investimento e, assim, seu dono saiu a percorrer os demais bancos do estado de Michigan. A limitação de recursos não impediu o ímpeto expansionista de Willian Durant. A Buick passou a operar em três turnos de produção e dobrou o volume em 1907. Nesta época, a cidade explodia com a chegada de novos operários. A falta de estrutura para acomodar o crescimento da população fez com que os hotéis e pensões de Flint alugassem o mesmo quarto para o dia ou para a noite. A Buick abriu pontos de venda em grandes cidades dos Estados Unidos. William Durant procurou nomear distribuidores que pudessem manter lojas com espaços para mostrar os veículos e que oferecessem serviços pós-venda, uma novidade no setor. Durant trouxe o Harry Shiland, distribuidor e crítico da manutenção complexa dos veículos, para ser diretor de serviços. Um outro distribuidor, H. J. Koeler, em Nova York, foi responsável por introduzir a Buick no automobilismo. Koeler usava a potência e o bom desempenho do Buick nas corridas para impulsionar suas vendas. Foi assim que, em 1906, após dois anos e 36 troféus em corridas de automóvel, ele chegou com um pedido de compra de 500 unidades, aproximadamente 10% de toda produção. Durant logo percebeu a oportunidade que as corridas representavam em publicidade e, em 1907, autorizou a criação da Buick Team. A equipe de mecânicos e pilotos passou a representar a marca nas provas pelo país, contudo, o automobilismo rendeu ainda mais frutos à Buick do que somente vitórias e publicidade. Durant, por vezes, priorizou testar novas tecnologias e aproveitar para copiar segredos de concorrentes, mesmo tendo que comprometer a subida ao pódio. Além disso, por meio das corridas, Durant trouxe para a Buick o talentoso piloto e mecânico francês, Louis Chevrolet. Com uma crise no setor bancário, 1907 foi um ano difícil para os Estados Unidos, sobretudo para sua atividade industrial. A economia americana vinha de vários anos de crescimento, a produção de automóveis aumentou, de 1900 a 1907, a uma taxa anual média de 27%. Entretanto, em outubro, o país viu o pânico financeiro e a escassez de crédito se espalhar. A crise começou em Nova York, depois de uma frustrada fusão entre bancos em Wall Street. Todos os bancos passaram a cortar linhas de crédito e a não renovar empréstimos em vencimento, com isso, os fabricantes de automóveis foram 38 atingidos dos dois lados. Havia menos recursos para pagar fornecedores e financiar a produção e, na outra ponta, consumidores não conseguiam crédito para comprar veículos por meio de financiamentos. A resposta dos fabricantes em geral foi de reduzir a atividade produtiva e até demitir funcionários, como fizeram Cadillac e Olds, mas Durant seguiu pelo caminho contrário. A Buick ignorou a crise e continuou aumentando sua produção e fazendo estoque de produtos acabados. Com a exceção da folha de pagamento, Durant passava notas promissórias que eram aceitas por fornecedores e até descontadas em alguns bancos locais. Nas vendas, a Buick também aceitava títulos de dívidas dos clientes. Felizmente para ele, apesar da queda no PIB naquele ano, o pânico acabou rapidamente. Em fevereiro de 1908, apenas cinco meses depois do início da crise, a situação estava normalizada. A demanda reprimida de automóveis, somada à escassez de oferta pelos concorrentes, fizeram explodir as vendas da Buick. Como resultado, Durant obteve ainda mais prestígio e colocou a Buick entre as empresas mais valorizadas do setor. Em 1908, a Buick era a segunda fabricante em quantidade, atrás apenas da Ford, que neste ano lançaria seu popular Ford Modelo T. A empresa de Willian Durant, que começara com um modelo de dois cilindros, quatro anos antes, agora possuía dois modelos de dois cilindros, quatro de quatro cilindros, fabricando 8.487 veículos. O rápido crescimento trouxe desafios gerenciais para a empresa. Para coordenar tantas atividades, Durant dispunha de um corpo de gerentes e técnicos, alguns vindos das operações da D&D, como A.B.C. Hardy, outros descobertos na própria indústria, como nos casos de Walter Marr, Enos Waters, Arthur Mason, Harry Shiland e Charles Van Horne. Willian Durant, no entanto, centralizava as decisões importantes. Ao se envolver em tantas atividades, trabalhava mais horas do que qualquer um de seus homens. Ele dormia pouco, mas mantinha sempre o semblante e um tratamento amigáveis para com seus subordinados. A autoridade de Durant se refletia na forma como se referiam a ele dentro de sua empresa: “the man” (o homem). Muitas vezes a referência “the man says” (o homem diz) acompanhava a transmissão de suas decisões. Willian Durant acreditava que o mercado de automóveis ainda estava longe de uma saturação. Um repórter de Detroit, após entrevistá-lo, escreveu “Durant vê – realmente vê – 90 milhões de pessoas ansiosas para andar em automóveis pelas estradas deste país” (tradução livre de MADSEN, A. 1999, p 89). Com convicção de um 39 futuro positivo para a indústria automobilística, Durant perseguiu a idéia de uma consolidação entre empresas do setor. Durant passou boa parte de 1907 e 1908 arquitetando uma fusão, na tentativa de consolidar a indústria automobilística. Por meio de Herbert L. Satterlee, advogado e genro de Jack Pierpont Morgan, Durant chegou à J. P. Morgan & Co. A proposta era que o grupo financeiro introduzisse a indústria automobilística no circuito de Wall Street, capitalizando a fusão que envolveria a Buick, a Maxwell-Briscoe, a Ford e a Reo Motor Works, à época, responsáveis por mais de 60% da produção total de veículos. As negociações entre os fabricantes avançaram significativamente, com Durant e Frank Briscoe coordenando as conversações. Os donos das quatro empresas se reuniram pela primeira vez em Detroit e, na segunda vez, em 24 e 25 de janeiro de 1908, já em Nova York, chegaram a discutir valores e a possível estrutura gerencial (Durant defendia apenas a formação de uma empresa holding e Briscoe sugeriu integrar atividades de vendas, marketing e engenharia). Henry Ford estava inicialmente propenso a vender sua empresa, supostamente temendo perdas decorrentes da derrota em primeira instância contra a patente de Selden. Por outro lado, dono da empresa líder da indústria e com a idéia de popularização do automóvel, Ford provavelmente temia que um natural aumento dos preços inviabilizasse seus planos para o iminente Modelo T. Além disso, relatos atestam que o negócio foi inviabilizado quando Henry Ford e Ramson Olds exigiram receber o pagamento por suas empresas em dinheiro ao invés de ações. Com duas das quatro empresas exigindo dinheiro, o representante de J. P. Morgan esfriou seu ímpeto e se afastou da negociação. Os irmãos Briscoe e Durant não desistiram da idéia de iniciar um processo de consolidação na indústria, mas seus planos e empresas caminharam em sentidos diferentes a partir de então. A Maxwell-Briscoe veio a fundir-se com a Columbia Car Company, formando a United States Motor, porém a nova empresa entrou em concordata em 1912. Durant ainda manteve conversação com representantes do J. P. Morgan, entretanto a frieza das expectativas sobre as negociações podem ser deduzidas a partir da carta enviada por Durant a seu advogado, relatada por Madsen (1999), em tradução livre abaixo: "Tive uma longa e acalorada sessão com nossos amigos em Nova York ontem e estava bem próxima de um encerramento ao final. Se você pensa que é um assunto fácil conseguir dinheiro de capitalistas de Nova York para financiar uma proposição de uma 40 indústria de carros no Michigan, pode pensar em outra idéia. Não obstante o fato de as taxas de juros de empresas cotadas [em bolsa] serem bem baixas, o dinheiro é difícil de conseguir devido a certo inexplicável sentimento de insegurança e a uma descrença generalizada na proposta automotiva.” A saída para os planos de Durant surgiu após uma visita a Detroit onde ele esteve reunido com Samuel e Fred Smith, pai e filho, proprietários da Olds Motor Works. Após despontar como pioneira na produção em larga escala, sob o comando de Ramson Olds e com um veículo pequeno e barato, Olds e seus sócios capitalistas divergiram sobre qual posicionamento a Oldsmobile deveria adotar. Em 1904, Ramson Olds deixou a empresa para seguir com o projeto próprio na Reo Motor Works, e a Oldsmolbile passou a ser conduzida pelos Smiths que enfim introduziram o novo modelo de quatro cilindros, quatro vezes mais caro que o pequeno Curved Dash Runabout. Ironicamente, a partir de então a Oldsmobile entrou em declínio e, depois de quatro anos lutando, seus proprietários estavam dispostos a vendê-la para Durant. Novamente com a oportunidade de consolidação, desta vez de forma independente, William Durant procurou o mesmo Hebert Saterlee em busca de orientações para estabelecer sua holding. O advogado aconselhou que a nova empresa fosse aberta no estado de Nova Jersey, pois, ao contrário de Michigan, as firmas lá abertas não enfrentavam quase nenhuma restrição sobre suas atividades. Assim sendo, em 16 de setembro de 1908, foi fundada a General Motors Company (GM), com um capital de U$ 2.000, tendo William Eaton, gerente de uma firma de investimentos, como presidente e Durant como vice-presidente. Doze dias depois de fundada, a General Motors iniciou suas atividades. Com a primeira injeção de capital, foi adquirida a Buick Motor Company, logo depois a nova holding adquiriu a W. F. Stewart Company, fabricante de carrocerias, pagando U$ 240.000 em ações da GM e que, em seguida, foi arrendada a Buick. A General Motors partiu então para concluir a aquisição da Olds Motor Works. Na negociação ficou acertado o pagamento de aproximadamente U$ 3 milhões em ações da GM e mais U$ 17.279 em dinheiro. A General Motors poderia nomear a maioria dos diretores no conselho da Olds e, em contrapartida, seus antigos proprietários teriam direito a dois assentos no conselho da General Motors. Para trazer a Oldsmobile novamente à lucratividade, Durant foi para a fábrica de Lansing com um engenheiro e o gerente de produção. Levou também a carroceria de um Buick Modelo 10, um veículo de passeio compacto, para quatro passageiros e sucesso de vendas à época. Durant ordenou que serrassem a do veículo da Buick em quatro partes, 41 cortando ao meio a carcaça de pára-choque a pára-choque, e também de uma lateral a outra. Assim, o protótipo da Oldsmobile foi montado mais largo e mais comprido do que o Modelo 10. A Oldsmobile pasou a ter em sua linha de veículos grandes e caros um modelo mais barato e atraente, porém maior do que o Modelo 10, a ponto de não interferir nas vendas da Buick. As intervenções de Willian Durant na Oldsmobile pareceram surtir efeito, a produção cresceu de 1.055 unidades em 1908, para 6.575 em 1909, primeiro ano sob o guarda-chuva da General Motors. Em janeiro de 1909, o conselho de diretores da General Motors autorizou a aquisição de metade das ações da Oakland Motor Car Company. A Oakland havia sido criada em 1907 por Edward M Murphy, um bem sucedido fabricante de carroças em Pontiac, Michigan, que, ao ver a iminente substituição dos veículos de tração animal pelo automóvel, resolveu lançar-se na nova indústria. Quando Willian Durant chegou para comprar a empresa, a Oakland enfrentava dificuldades com a produção de um veículo de quatro cilindros que em 1908 vendeu apenas 278 unidades. Com 50% das ações da empresa adquirido com o pagamento em ações da GM, a Oakland entrou para a holding de Durant. Pouco depois da aquisição, Edward Murphy faleceu, e Lee Dunlap, número dois da Oakland desde a época em que fabricava carroças, assumiu como gerente geral da empresa. Durant desenvolveu na Buick, Oakland e Oldsmobile uma maneira de comandar as empresas sob a alçada da General Motors, que viria a replicar nas outras unidades absorvidas pela holding. Normalmente, o fundador da GM mantinha boa parte dos gestores e das práticas das empresas adquiridas, pouco ou nada exigia em termos de índices de desempenho ou sistemas de gestão, entretanto centralizava todas as grandes decisões em suas mãos. O depoimento de Dunlap, gerente da Oakland, sobre a construção de uma nova fábrica em 1910 ilustra a relação de Durant com as empresas da General Motors: Quando o Sr. Durant visitava uma de suas plantas era como a visita de um ciclone. Ele conduzia o staff para dentro, tirava seu casaco, começava a deliberar ordens, ditar cartas e ligar para os confins do continente ao telefone; conversando a sua maneira rápida e fácil com Nova York, Chicago, São Francisco. Este tipo de coisa era menos comum antes do que é hoje, colocando a maioria de nós curvada a seus pés. Apenas a mais fenomenal memória poderia cumprir com todos os acordos; ele trabalhava tão rápido que o registro das coisas estava sempre correndo atrás. Nesta visita que estou pensando, no início de 1910, eu esperava que ele ficasse vários dias enquanto discutíamos todo o assunto da expansão da planta. Mas depois de 42 poucas horas, Sr. Durant disse, “bem, partiremos para Flint.” Com desânimo eu o levei para uma rápida inspeção pela planta. Instantaneamente ele concordou que teríamos que construir e me pediu para ir a Flint e levar os planos de expansão no dia seguinte. Não havia qualquer plano e nenhum podia ser desenhando em tão pouco tempo, mas sua vontade sendo lei e nossa necessidade sendo enorme, alguma coisa tinha que ser feita. Então eu convoquei dois desenhistas para ajudar-me e naquela noite nós fizemos um layout de fábrica como um brinquedo – prédios existentes em uma cor, prédios desejados em outra. Desenhamos um mapa de toda propriedade, mostrando ruas e linhas de trem, e daí colamos os prédios existentes nos seus exatos lugares. Sentindo como um garotinho com um novo brinquedo, eu levei este layout para Flint e com certo medo coloquei-o diante do chefe. Eu não precisava ser avisado do amadorismo de nosso layout. Ele ficou satisfeitíssimo. Passamos um ótimo momento encaixando no quadro os novos prédios que estavam espalhados sobre sua mesa. Colocamos esses prédios primeiro aqui, depois ali, debatendo a situação. Quando concordamos em onde deveriam ficar, ele disse, “colem as peças e chamem W. E. Woods” O Sr. Woods chegou minutos depois e recebeu a ordem de iniciar a construção. Em toda a história da América, até aquele momento, prédios nunca tinham sido levantados tão agilmente quanto aqueles. Empreiteiro, Woods teve homens, materiais e máquinas se movendo em direção a Pontiac dentro vinte e quatro horas e nós estávamos instalando o maquinário em parte das estruturas em três semanas. Mas, obviamente, não conseguíamos ser igualmente ágeis para pagá-los. Isto era outro assunto. Mas, naquela época, nenhum de nós se preocupava demais com isso, pensávamos que o “pequeno camarada” encontraria dinheiro em algum lugar. O que ele de fato fez no final, embora saibamos que houve muitos problemas antes das contas serem recebidas. Estes primeiros anos no negócio automotivo foram marcados pela tremenda atividade pessoal e uma muito grave falta de capital. Qualquer um que fosse direto da fabricação de carroças para fabricação de automóveis poderia ter pouca noção do enorme uso de capital requerido no novo campo. (POUND. A, 1933, p 96-96) As duas primeiras marcas adicionadas à General Motors além da Buick não foram empresas que contribuíram imediatamente com o caixa. Ambas enfrentavam dificuldades e, a despeito do valor dos ativos que traziam consigo, ainda levaram um tempo para se estabelecer. Desta forma, a Buick continuava sendo o pilar de sustentação da Holding. A primeira aquisição de uma empresa que crescia e apresentava bons resultados financeiros foi a da Cadillac. Fundada em 1902 por Henry Leland, considerado um grande 43 inventor e mestre da precisão, a Cadillac Automobile Company rapidamente conquistou seu espaço com um veículo de alta qualidade. Em 1908, legitimou sua reputação ao tornar-se a primeira empresa norte-americana a ganhar na Inglaterra o Dewar Trophy, importante premiação internacional para contribuições ao automóvel, com seu sistema de peças intercambiáveis. Durant iniciou as conversas com Wilfred Leland, irmão de Henry, em 1907, contudo a negociação se desenrolou até julho de 1909, quando finalmente Durant foi capaz de levantar os recursos suficientes para a transação. Concluída a compra, paga novamente com ações da GM, ele convidou os Irmãos Leland para continuarem à frente da empresa. H. Leland respondeu que ficaria somente se os princípios e padrões que havia estabelecido permanecessem. Isso era exatamente a forma como Durant pretendia. A General Motors mantinha em seu líder o centro para a tomada das principais decisões. William Durant passou os anos de 1909 e 1910 em uma frenética missão de aquisição de empresas. Em dois anos, a GM adicionou à holding 25 empresas. Neste período, ele reuniu 11 fabricantes de veículos (caminhões e carros), sendo, na maioria das vezes, pequenas empresas adquiridas pelo corpo de engenharia que possuíam, por suas patentes ou por algum novo dispositivo que nelas vinha sendo desenvolvido. Este foi o caso da Cartercar, que tinha patentes que poderiam se tornar valiosas, enquanto as tecnologias de transmissão seletiva e motor a fricção ainda disputavam a hegemonia. Outras empresas eram fabricantes de partes e peças do automóvel, e duas eram fabricantes de lâmpadas. As empresas de autopeças foram adquiridas primordialmente para assegurar o fluxo de material para as plantas de automóveis e também de caminhões. Foi o caso da Champion Ignition Company, que deu origem à AC Spark & Plug, criada por Albert Champion, um ex-fabricante de bicicletas e piloto de automóveis, que a convite de Durant mudou-se para Flint juntamente com sua empresa de velas automotivas. Abaixo segue a relação de empresas que compunham a General Motors e a cidade em que se localizavam: Quadro 4-1 Empresas integrantes da General Motors Company, em 1910 Empresa Localidade Buick Motor Company Flint, MI W.F. Stewart Company plant number 4 Flint, MI Olds Motor Works Lansing, MI Seager Engine Works Lansing, MI Oakland Motor Car Company Pontiac, MI Marquette Motor Company Saginaw, MI 44 Cadillac Automobile Company Michigan Motor Casting Company Randolph Truck Company Champion Ignition Company Reliance Motor Truck Company Rainier Motor Company Welch Motor Car Company Welch Detroit Company Jackson-Church-Wilcox Company Michigan Auto Parts Company Rapid Motor Vehicle company Cartercar Company Ewing Automobile Elmore Manufacturing Company Dow Rim Company Northway Motor & Manufacturing Company Bedford Motors Company National Motor Cab Company Novelty Incandescent Lamp Company Heany Lamp Company Brown-Lipe-Chapin Company Oak Park Power Company Detroit, MI Flint, MI Flint, MI Flint, MI Osowo MI Saginaw, MI Pontiac, MI Detroit, MI Jackson, MI Detroit, MI Pontiac, MI Pontiac, MI Geneva, OH Clyde, OH New York City Detroit, MI London, England York ,PA Syracuse, NY Flint, MI Outras empresas não foram adicionadas nesta época ao grupo que Willian Durant construía por ele não encontrar recursos financeiros suficientes para levar adiante a aquisição. Tentou novamente negociar com Henry Ford para colocar a marca mais popular do mercado dentro de seu projeto de consolidação da indústria. As negociações entre Durant e Ford avançaram ao ponto de acertarem em U$ 8 milhões o valor da empresa. Até a forma de pagamento esteve estipulada: U$ 2 milhões em dinheiro e o restante em ações da GM. O negócio emperrou quando Durant, após ter a aprovação do conselho da General Motors, não encontrou bancos dispostos a financiar a operação. Além disso, algumas empresas tiveram apenas parte de seu controle adquirido. A Weston-Mott, fabricante de eixos, a qual, em 1905, Durant havia persuadido a mudar-se para Flint, finalmente colocou um pé dentro da holding em 1910, quando 49% de suas ações foram compradas. Outro caso foi a fundação da McLaughlin Motor Car Company Ltd., no Canadá, em 1910. Sucessora da McLaughlin Carriage, empresa licenciada para a produção de carroças da D&D, a McLaughlin Motor Car tinha 42% de suas ações pertencentes à Buick e ficou responsável por representá-la no país vizinho. 45 Ao seu estilo, William Durant se transformou em um dos ícones da indústria automobilística. O criador da General Motors era admirado por muitos dentro e fora do setor. As descrições sobre ele freqüentemente o caracterizam como um gênio, visionário, uma pessoa capaz de vender qualquer produto ou qualquer idéia em que acreditasse. Atribuíam a Durant a imagem de um homem de negócios generoso, íntegro e leal às suas empresas. Por outro lado, pessoas próximas a ele relatam também um homem que sobrecarregava seu tempo e centralizava o poder, deixava todos sempre à sua espera, era excessivamente casual em suas decisões e menosprezava a aplicação de ferramentas de contabilidade, orçamento e medidas de controle. Em 1910, o império que Durant construía viveu os sinais de sua primeira grande ameaça. A rápida expansão realizada pela General Motors consumiu os recursos financeiros que a empresa e seu comandante possuíam. As empresas integrantes do grupo exigiam capital para girar seus negócios, expandir plantas, desenvolver novos modelos. Durant seguia sua caçada por aquisições e causou desconforto no conselho da GM ao anunciar o início de negociações para comprar a Willys-Overland, em um momento em que a escassez de recursos era evidente. Em maio de 1910, obras de uma planta da Buick foram suspensas, demissões se tornaram crônicas em Flint e o pagamento de salários enfrentava dificuldades. Em uma ocasião, o distribuidor Harry Noyes enviou de Boston o dinheiro em espécie para o pagamento da folha. Noyes também coletava o dinheiro da Buick para a despesa de pessoal e depositava em sua conta particular para que não fosse gasto em outra despesa. Até mesmo a Cadillac, que mantinha uma gestão mais conservadora e contribuiu, em um ano, com um lucro de U$ 2 milhões, foi salva por um empréstimo de emergência no valor de U$ 500 mil, horas antes de pagar seus empregados. A falta de controle passou a ser notada por alguns agentes do mercado financeiro, uma vez que não havia um sistema contábil central. Além disso, alguns financistas se assustavam com as projeções de Durant de que a produção nos Estados Unidos atingiria 300 mil veículos, quando em 1909 havia sido de 76 mil. Para alguns banqueiros conservadores, a indústria do automóvel seria somente uma febre de um brinquedo, mais sofisticado do que a bicicleta havia sido. Em 19 de setembro de 1910, o conselho de administração da General Motors admitiu não haver um registro confiável que atestasse qual era a dívida da empresa. Para tentar reverter a situação da falta de crédito, Durant distribuiu folhetos para divulgação de títulos de dívida da General Motors em Nova York, comparando a variação dos preços de 46 seus papéis com os de outras empresas, como General Electric, US Steel e International Harvester. Ele também fez apelos aos acionistas para não venderem suas ações, anunciando que grandes coisas aconteceriam para alavancar seus preços. Mas em 25 de setembro de 1910, Durant e os principais executivos da General Motors se reuniram com uma comissão de Bancos Credores, em Nova York, para tratar da situação financeira em que a empresa se encontrava. A reunião começou com todos os representantes dos bancos, um a um, discursando sobre a insustentabilidade da situação e da impossibilidade de ampliar o crédito para a General Motors. Durant replicou que a empresa necessitava de U$ 15 milhões em empréstimos e passou para a apresentação das finanças da Buick. Apesar do crescimento nas vendas da Buick, as projeções de ganhos não eram suficientes para evitar o aumento no endividamento, fato que não soou bem para o grupo credor. Ao final, os bancos pediram para que Wilfred Leland apresentasse a situação da Cadillac. Leland conseguiu mudar a perspectiva do grupo que o assistia. Mostrando uma empresa altamente rentável, com uma gestão mais conservadora, W. Leland e a Cadillac foram capazes de fazer os banqueiros repensarem a insolvência da GM. A reunião fez uma pausa até o próximo dia, porém, durante o intervalo uma comitiva de cinco representantes dos bancos convidou W. Leland, e não Durant, para uma conversa reservada. Na ocasião, os bancos revelaram a Leland que acreditavam na possibilidade de salvar a General Motors. Após o primeiro ano de operação, a holding havia faturado U$ 29 milhões, com um total disponível para dividendos de U$ 9 milhões. No ano corrente, as receitas estavam por dobrar mesmo com o número de empregados reduzindo de 14.250 para 10.000. A perspectiva de lucro fez com que o capital já emprestado às empresas do grupo, mais os U$15 milhões solicitados por Durant, parecessem uma aplicação financeira aceitável desde que algumas condições pudessem ser controladas. No dia seguinte, os bancos apresentaram seus termos, oferecendo um limite autorizado de U$ 20 milhões para emissão de títulos a 6%, com um prazo de cinco anos. Como parte do acordo, ações da General Motors seriam entregues aos bancos, dando ao grupo credor total controle sobre a holding durante o período do empréstimo. Não vendo outra alternativa para salvar sua empresa da concordata, William Durant engoliu seu orgulho e aceitou as condições impostas pelos representantes dos bancos. O contrato de empréstimo foi assinado em 11 de novembro de 1910, e dos U$ 20 milhões em títulos 47 autorizados, a General Motors emitiu apenas U$ 15 milhões. Com isso, o caixa da empresa recebeu os U$ 12,75 milhões que precisava para tirá-la daquela situação, uma vez que os títulos foram tomados a 85% do valor. 4.1.3. A gestão dos bancos de 1910 a 1915 O novo conselho formado sob o controle do grupo de bancos credores tomou posse em 15 de novembro de 1910, tendo James J. Storrow como presidente interino. Neste dia, diversos membros do conselho de administração e diretores fortemente ligados a Durant, dentre eles W. Leland (fundador da Cadillac), E. R. Campbell (genro), William Eaton (presidente da GM), Harry Hamilton, C.R. Hatheway (tesoureiro) e R. S. McLaughlin (presidente da GM do Canadá), se retiraram e deram lugar aos representantes de instituições financeiras de Boston, Nova York e Detroit. Willian Durant permaneceu ainda um grande acionista da empresa e, possivelmente em respeito à experiência que acumulara no setor automobilístico, não só foi mantido no conselho como também foi indicado presidente do comitê de finanças. Apesar de mantido, William Durant foi forçado a se conformar com a drástica redução de um patamar onde possuía poder quase absoluto para outro no qual se tornou apenas um entre vários que exerciam influência nas decisões. Mesmo assim, James Storrow acatou a sugestão de Durant para nomear o novo presidente da Buick e, ainda em 1910, Charles Nash assumiu a função. Nash era o então presidente da fabricante de carroças D&D, onde havia começado como ferreiro e era reconhecido por sua grande capacidade de organizar atividades gerenciais. Com o controle passado para as mãos dos banqueiros, a mudança de direção nas políticas da General Motors foi imediata. A prioridade deixou de ser o crescimento e a reaplicação dos recursos e passou a ser o controle das atividades e a eliminação de ineficiências. A nova orientação se justificava com a finalidade de assegurar à GM a capacidade de pagamento aos credores. Dentre as primeiras medidas do novo corpo de executivos, ainda em 1910, destacou-se a decisão de se desfazer das empresas que não apresentavam perspectivas de lucros e vinham consumindo recursos da holding ao investirem em desenvolvimento de novos produtos ou em produção. Durante o período de 1910 a 1915 houve intensa reorganização dos ativos da General Motors. Empresas com fraco desempenho foram vendidas, absorvidas, fundidas ou simplesmente tiveram suas atividades encerradas e os ativos liquidados. 48 Com a reestruturação, foram vendidas a National Motor Cab Company, a Randolph Truck Company e a Welch Motor Car Company. O caso da Welch ilustra bem um lado negativo da política de Durant, de se formar uma carteira de empresas, colocando um grande número de apostas sob o mesmo interesse, como forma de diversificar o risco. A Welch possuía um veículo de luxo, desenvolvido pelos irmãos Welch, e que aos olhos de Durant possuíam grande potencial de se tornar um sucesso, em 1909. Entretanto, três meses após a aquisição, Frederick Welch, a principal força motora da empresa, morreu afogado em um lago. Não sendo capaz de encontrar alguém que o substituísse, a empresa em pouco tempo deixou de ser uma promessa, para se tornar um peso no caixa da GM. Algumas empresas com fraco desempenho, apesar terem sido rapidamente colocadas à venda, não encontraram compradores e após algum tempo tiveram suas atividades encerradas. Esses foram os casos da Elmore Manufacturing Co., da Ewing Automobile, Dow Rim Company e da Seager Engine Works. Na General Motors, o foco passou a ser eliminar o que não era essencial a fim de assegurar a sobrevivência. Logo no primeiro ano em que os bancos assumiram, o salário de todos os executivos da GM foi reduzido em 50% do valor. Outro fato importante foi interrupção do famoso Buick Modelo 10, o mais barato de todos os veículos da GM, marcando a desistência do mercado de veículos compactos. Esta decisão contrariava as idéias de popularização do automóvel de William Durant e abriu espaço para que Henry Ford e o Modelo T dominassem este segmento mais facilmente. Sem o Buick, a Ford passou da produção de 32 mil veículos em 1910 para cerca de 70 mil veículos em 1911, enquanto que a Buick reduziu seu volume de 30 mil unidades para pouco mais de 13 mil. A relação de Durant com a nova filosofia da administração da General Motors não se sustentou por muito tempo. Para ele, havia sido difícil abrir mão do controle de sua empresa e, com os bancos no comando, além de suportar contestação de tudo que havia criado, era obrigado a assistir, quase passivamente, a GM perder oportunidades em um mercado em vigorosa expansão. Willian Durant permaneceu como vice-presidente da General Motors e presidente do comitê de finanças até 1911. Sua derradeira participação nesta primeira passagem foi na liquidação dos ativos da Heany Lamp. Após o fracasso de mais uma de suas apostas, renunciou às suas atividades gerenciais na GM, permanecendo apenas como membro do conselho de administração. Em 11 de novembro 49 de 1911, Durant foi substituído por J. J. Storrow no comitê de finanças e ficou livre para se dedicar a novos empreendimentos. Não obstante o intenso trabalho de eliminação de ativos “fracos” conduzido pelos controladores, diversas empresas reunidas por Durant mantiveram-se lucrativas, aproveitando o bom momento da economia norte-americana. Buick, Oldsmobile, Oakland e Cadillac haviam consolidado suas marcas no mercado. Outras empresas fornecedoras também dispunham de boa performance econômica, como a A/C Spark & Plug, fabricante de velas de ignição, a Jackson-Church-Wilcox, fornecedora de caixas de câmbio para a Buick, a Weston-Mott, que fornecia eixos para parte da indústria, e a Brown-Lipe-Chapin de Siracusa, Nova York, fornecedora de diferenciais de câmbio. As duas últimas tiveram o restante de seus ativos comprados pela GM posteriormente. A GM não se concentrou apenas na limpeza dos ativos, mas também buscou reaproveitar alguns dos recursos, integrando algumas empresas. Com isso, a Michigan Motor Company e a Stewart foram incorporadas aos ativos da Buick, da qual já eram fornecedoras. A Michigan autoparts foi absorvida pela Northway, fabricante de motores e transmissões para a Oakland e Oldsmobile. As fabricantes de Caminhões Reliance e Rapid foram fundidas, dando origem a General Motors Truck. Foi fundada a General Motors Canada, que absorveu a McLaughlin Motor Car Co. E, para as exportações, foi criada a GM Exports, que centralizou estas atividades antes espalhadas pelas demais empresas da holding. A nova administração da GM ainda ampliou os investimentos em algumas das antigas apostas de Durant, mas que não se concretizaram. A Rainier Motor Company absorveu os ativos da Marquette Motor Company para fabricação de seu veículo de alto preço em Saginaw, MI. Em 1911, a GM ainda insistiu na empresa, decidiu comprar o restante das ações da Rainier e, em seguida, juntou a com a fabricante de peças, WelchDetroit, para formar a Peninsular Motor Company. Anos depois, a Peninsular não se mostrou viável, suas atividades foram encerradas e os ativos absorvidos por outras empresas da GM. Outra aposta que o conselho decidiu continuar foi a Cartercar. Em 1912, a GM comprou o restante das ações da empresa, mas com a queda na utilização da friction drive, seu o maior trunfo, o Cartercar se arrastou até 1916 antes de ter suas operações encerradas e sua planta vendida. Durante esta reorganização dos ativos da General Motors, foram adotados procedimentos mais sistemáticos para a tomada de decisão do que a comum 50 informalidade utilizada por Durant. Um exemplo destes novos métodos ocorreu na decisão sobre a remoção do maquinário da Welch-Detroit, de Detroit, para a planta da Marquette, em Saginaw. Na ocasião, Albert Strauss defendeu o transporte dos equipamentos pela água, ao descobrir que as duas plantas eram próximas aos portos fluviais de suas cidades. No entanto, a decisão só foi tomada após a preparação de relatórios estatísticos comparando as alternativas e demonstrando ser mais barato o transporte via ferrovia, devido ao alto custo do transporte até o porto. A orientação adotada pelo conselho da GM também resultou na disseminação de novas práticas gerenciais nas unidades de negócio. Muitos novos gerentes assumiram as posições nas empresas e as palavras de ordem eram cortar custos e adotar controles contábeis. Apesar da grande dificuldade, sobretudo no início, com o tempo e um trabalho persistente e atento a cada detalhe da operação, os processos de controle das unidades puderam ser harmonizados, de forma que as empresas que compunham a GM passaram a dispor de ferramentas e demonstrações contábeis padronizadas. Ainda no espírito de disseminação da informação, a General Motors circulou pela primeira vez a Insider, uma das primeiras publicações corporativas existentes. A Insider passou a ser um importante canal de transmissão da mensagem da GM para seus empregados, bem como promover certa integração entre diferentes áreas e unidades de negócio. Nesta nova fase da GM, muitas pessoas vieram de fora do setor automotivo para compor os quadros gerenciais. Além de Charles Nash que veio assumir a Buick, dois meses depois de assumir interinamente a presidência, James J Storrow foi substituído na por Thomas Neal, então presidente de uma empresa de produtos químicos em Detroit. Outro que se juntou à GM, para em seguida desenvolver uma carreira de destaque na empresa e na indústria automobilística, foi Walter Chrysler. Com uma bem sucedida trajetória como executivo na indústria ferroviária, Chrysler era apaixonado por carros e aceitou o convite de J. Storrow. Ele deixou o emprego na ferrovia para trabalhar na Buick, concordando com uma redução de 50% em seu salário. Mesmo com algumas caras novas, muitos dos que já estavam na GM permaneceram. George E. Daniels, que havia sido presidente na fundação da GM, passou pela presidência da Cartercar e, em seguida, assumiu a presidência da Oakland, no lugar de Lee Dunlap. Outro que permaneceu e teve um papel relevante, foi Henry Leland. No comando das atividades de pesquisa e desenvolvimento da Cadillac, H. 51 Leland persistiu na idéia de desenvolver um sistema de partida elétrica para automóveis. Com a tecnologia desenvolvida por Charles Kettering, da Dayton Engineering Labs em 1912, a Cadillac lançou seu modelo com partida elétrica, que causou enorme impacto na indústria, pois atraiu a população feminina para o mercado consumidor de automóveis, antes afastada pelo rústico mecanismo de partida manual. Ainda que o foco do grupo controlador da GM estivesse em cortar desperdício e controlar custos, as atividades de pesquisa e desenvolvimento não foram abandonadas. Pelo contrário. Contratados pelo presidente J. Storrow, em janeiro de 1911, a consultoria Artur D. Little Inc. de Massachusetts, aconselhou a criação de um laboratório de pesquisa e de um departamento técnico que centralizariam os esforços de todas as empresas dentro da General Motors. O laboratório foi montado em um ano, composto de nove técnicos e seus assistentes, e os primeiros problemas estudados foram pintura, lubrificantes, teste de materiais para o departamento de compras e teste de novos acessórios submetidos à GM. Outras inovações desta época incluem o farol com acionamento interno, buzina elétrica, roda removível, radiador tipo celular, carroceria fechada e o primeiro veículo V-8 norte-americano. Com todos os esforços de redução de custos realizados pelo novo grupo controlador da GM e um mercado consumidor pujante, rapidamente a empresa recuperou sua capacidade de pagamento e, conseqüentemente, sua credibilidade nos mercados de crédito. A presença de grandes agentes financeiros da época, tanto no conselho administrativo, quanto no corpo executivo da empresa contribuíram para a General Motors tornar-se a primeira empresa do setor automotivo a emitir ações em Wall Street em 1911. O resgate do acesso ao crédito fez com que os executivos da GM descobrissem outra vantagem associada à saúde financeira. O consumidor americano parecia fortemente influenciado em suas decisões de compra, pela robustez financeira do fabricante. Especula-se que este comportamento do consumidor estivesse relacionado a expectativas de garantia de serviços de manutenção, melhor preço de revenda e outras frustrações anteriores relacionadas à falência do fabricante. Um dado indica que dos cerca de 300 fabricantes existente nos Estados Unidos em 1910, apenas 50 restavam no início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Tabela 4-1 Receita e Lucro líquido da GM de 1909 a 1915 (em milhões de dólares) Ano Receita total 52 Lucro líquido 1909 1910 1911* 1912 1913 1914 1915 29,0 49,4 42,4 66,9 87,0 85,3 121,1 9,1 10,2 3,3 3,5 7,5 7,2 14,5 Fonte: dados estimados a partir de POUND (1934) * O ano de 1911 teve o fechamento antecipado de outubro para julho. Os esforços para conter a crise, iniciados em 1910, em pouco tempo mudaram para esforços de crescimento. Ao final de 1911, houve um tímido aumento no número de funcionários, fechando o ano em 11 mil empregados. O resultado das vendas em 1911 ainda foi de U$ 7 milhões, 15% menor do que no ano anterior, porém os prejuízos puderam ser contidos, e a GM fechou o primeiro ano sob o controle dos bancos com um lucro de U$ 3 milhões, quantia meramente suficiente para pagar os dividendos das ações preferenciais. Nos anos seguintes a GM aumentou a produção, as vendas e o número de funcionários, com exceção de 1914, quando uma depressão na economia produziu uma estagnação nas vendas (ver tabela 4-1). No entanto, o crescimento da empresa não acompanhou o ritmo que a indústria como um todo teve nesta época. Ao desistir do mercado de veículos de baixo preço, a GM, que em 1910 respondia por 21% da produção americana, em 1915, apesar do crescimento, obteve apenas 8,5% na participação da produção norte- americana. Henry Ford com o Modelo T e sua linha de montagem levou ao extremo os conceitos da administração científica de Taylor e revolucionou os parâmetros de produção em massa. Ford acreditava na idéia de um veículo de baixo custo que fosse acessível ao trabalhador médio americano. Com essa idéia em mente, reduziu drasticamente o custo de seu veículo, em uma busca incessante para otimizar processos de fabricação. Ford se tornou uma figura emblemática na historia da indústria, e sua empresa, a grande concorrente da General Motors. A popularização do automóvel era uma tendência irreversível que escapou aos olhos do grupo que controlava a General Motors na época, mas não escapou aos olhos de Durant. Embora não pudesse contar com o apoio da estrutura da GM, Durant ainda encontrou na cidade de Flint, na D&D Carriage e nos fornecedores de materiais fontes generosas de recursos, capazes de financiar parte de seus novos negócios automotivos. Durant criou a Chevrolet Motor Company, empresa que se transformou no caminho para a sua volta ao controle da GM e para o retorno a GM ao segmento de veículos compactos. 53 4.1.4. O Surgimento da Chevrolet e o Retorno de Durant à GM Antes mesmo de se desligar das atividades da GM, Durant adquiriu uma antiga fábrica de motores da Buick, em Flint, e criou inicialmente a Mason Motor Company, colocando Arthur Mason, autor do primeiro motor de alta compressão da Buick, e vários outros ex-empregados vindos da Buick para trabalhar em um motor inovador. Logo em seguida, Durant fundou, em 30 de outubro de 1911, a Little Motor Car Company e, na mesma fábrica em Flint, começou a produzir o Little runabout, com motor e transmissão da Mason. Além de Mason, vieram para a Little Motor Car, William H. Little, ex-presidente da Buick, Charles Begole e William S. Bellenger. O primeiro carro possuía quatro cilindros e seu preço foi colocado em U$ 650, para competir com o Ford. O veículo até tinha bom design, mas a potência deixava a desejar. Mesmo assim, no primeiro ano foram vendidas 3.500 unidades. Enquanto a Little tentava com seu carro, Louis Chevrolet, patrocinado por Durant, vinha desde 1909 experimentando um modelo de seis cilindros. Dois anos depois, finalmente desenvolveu o seu Modelo C já em ponto de ser produzido. Com isso, uma planta foi alugada em Detroit e, em 3 de novembro de 1911, Durant fundou a Chevrolet Motor Company de Michigan, abrindo lojas em Chicago, Filadélfia e Boston. O Chevrolet Modelo C teve seu preço estabelecido em U$ 2.500, e as vendas em 1912 ficaram em torno de 3.000 unidades. Em 1913, conforme a data do vencimento dos títulos emitidos para os bancos se aproximava, Durant iniciava seus planos para comprar a GM de volta. O primeiro passo foi se liberar das atividades gerenciais para se dedicar à campanha de compra de ações. A gestão de duas empresas, Chevrolet, em Detroit, e Little, em Flint, se mostrou inviável, pois demandava grande esforço de coordenação. Portanto, em agosto do mesmo ano, a sede da Chevrolet foi levada de Detroit para Flint e a Little foi incorporada a ela, tendo A.B.C. Hardy como gerente geral da Chevrolet. Com a venda do terreno reservado para a Chevrolet em Detroit, Durant comprou uma área em Nova York onde passou a fazer também a montagem final de parte dos veículos. A fábrica de Nova York, apesar do custo mais alto, uma vez que os componentes eram despachados de Flint para lá, também servia como ferramenta de promoção da Chevrolet. As visitas de pessoas e, principalmente, de financistas ajudavam Durant a conquistar o respeito por sua nova empresa e assim financiar seu crescimento acentuado. 54 Em 1914, a empresa lançou dois novos modelos, um deles foi o Baby Grand touring car, que passou a ser o maior carro da marca e era vendido a U$ 875, ou seja, U$ 25 a mais do que o popular concorrente da época, o Ford Modelo T. O outro modelo foi o Royal Mail roadster, um veículo para competir em preço, sendo vendido a U$ 750. A demanda neste ano de 1914 foi alta e, assim sendo, tudo que pode ser produzido foi vendido à vista, com alta margem, o que permitiu o acúmulo de recursos. Neste ano, Durant chegou a anunciar a produção de 25 mil unidades, quando a capacidade da fábrica era de apenas 5 mil. Adotando a gravata borboleta como símbolo da marca, a Chevrolet passou a expandir seus escritórios de vendas e fábricas para outros estados norte-americanos utilizando-se de uma estratégia de parcerias com capital local para financiar as novas unidades. Desta forma, Durant inaugurou escritórios na Califórnia, em Kansas City e em Atlanta. Em uma parceria com Russell Gardner, passou a montar os modelos da Chevrolet em Saint Louis e o mesmo ocorreu com os já conhecidos McLaughlin, pai e filho, no Canadá. Além disso, com um empréstimo do Chatham and Phoenix Bank, de Detroit, e do Marquette National Bank, de Nova York, ambos presididos por seu novo aliado Louis Kauffman, William Durant comprou também a planta da Maxwell Motor Company, em Tarrytown, NY, e, com isso, rapidamente alcançou uma produção com distribuição nacional. No primeiro dia de 1915, a Chevrolet lançou um novo modelo compacto para competir com a Ford naquele ano. O Modelo T básico da Ford, que vinha sem pára-brisa, medidores de velocidade ou de combustível e até sem portas, tinha o preço de U$ 490 na porta da fábrica. A Chevrolet deu nome e preço ao seu novo modelo exatamente de “490”, que vinha com a vantagem do sistema de partida elétrica da Cadillac. A resposta de Ford foi imediata, abaixando o preço do Modelo T para U$ 440. Mesmo assim, o resultado nas vendas para a Chevrolet nos primeiros seis meses foi considerado fantástico. Em junho do mesmo ano, havia 46.611 pedidos colocados por distribuidores, já assegurados com depósitos em dinheiro. O rápido crescimento da Chevrolet culminou com uma posição financeira extremamente positiva no relatório apresentado em julho de 1915, ano de vencimento dos títulos que davam o controle da GM aos bancos. Com um lucro de quase U$ 15 milhões no ano e com uma disponibilidade de caixa superior a esse valor, William Durant continuou aplicando os recursos gerados pela Chevrolet na compra das ações da GM. Os 55 preços das ações da GM foram aumentando significativamente durante a implementação do plano de Durant, e ainda assim ele continuava comprando, não importava o preço. De uma alta de U$ 40 e uma baixa de U$ 25, em 1913, as ações da General Motors passaram para uma alta de U$ 99 e uma baixa de U$ 37, em 1914, chegando à alta de U$ 558 e à baixa de U$ 82, em 1915. Com a proximidade da reunião dos acionistas da GM em setembro de 1915, William Durant começou a reunir ações e aliados para consolidar sua posição de detentor do controle da GM. Durant, que nunca havia vendido as ações que possuía desde a fundação da GM, trouxe para seu lado familiares, velhos amigos e parceiros de negócio que também detinham parte da empresa, além de contar, obviamente, com todas as ações da GM na tesouraria da Chevrolet. Neste processo, é destacável a relação de confiança entre Durant e seus parceiros. Primeiramente, detentores das ações da GM atenderam às indicações de Durant para não vendê-las. Mesmo vendo uma tremenda valorização no mercado, confiaram em sua proposta de ganhos ainda maiores com a troca das ações da GM pelas da Chevrolet na base de 1:5. Em segundo lugar, a entrega das ações da GM a Durant foi feita sem qualquer outra garantia além de sua palavra. A Chevrolet Motor Company, de Delaware, foi organizada especialmente para realizar a troca das ações da GM pelas suas próprias. No entanto, esta só foi incorporada em 23 de setembro, ou seja, sete dias depois da reunião do conselho da GM, quando Durant já possuía todas as ações em mãos. Na reunião de 16 de setembro para eleição do conselho de administração da General Motors, Durant entrou na sala do Hotel Belmont, em Nova York, confiante e acompanhado de outros acionistas da GM, como Louis Kauffman, Dallas Dort e McLaughlin. Com o desenrolar da reunião, ele anunciou que naquele momento detinha o controle da General Motors. O conselho da GM, à época, era composto em sua maioria por representantes indicados por bancos credores e naturalmente se opôs à reivindicação de Durant. O conflito foi amenizado, evitando uma disputa judicial, com a indicação de Pierre Samuel du Pont para presidir uma comissão que se encarregaria de mediar e encontrar uma solução para o impasse, além de nomear um novo conselho de administração. Pierre S. du Pont era membro da família Du Pont, proprietária da E. I. Du Pont de Nemours, tradicional empresa fabricante de pólvora que, com o estouro da Primeira 56 Guerra Mundial na Europa, expandia sua produção para atender à demanda dos países aliados. Pierre S. du Pont, aconselhado pelo tesoureiro da Du Pont, John J. Raskob, adquiriu ações da GM e, ao que se sabe desavisado da iminente disputa pelo controle da empresa, decidiu atender ao convite para participar da reunião dos acionistas. Pierre S. du Pont, foi nomeado para presidir a comissão por ser considerado neutro e por possuir notória experiência nos negócios. A comissão foi composta ainda por John Raskob e Henry Berlin, primo e cunhado de du Pont. Na mesma reunião do dia 16 de setembro, foi decidida a distribuição de dividendos aos acionistas. Pela primeira vez, desde que os bancos haviam assumido o controle, a GM pagou dividendos às ações ordinárias. A GM desembolsou $ 50 por ação, em um montante que foi o maior da história de uma empresa de Wall Street até então. Como detentora da maioria das ações, a Chevrolet foi a maior beneficiada, para o alívio de credores e acionistas que viram suas contas novamente equilibradas com a injeção de recursos, recuperando-se do grande esforço de caixa decorrente da campanha de compra de ações de Durant. O novo conselho de administração, indicado pela comissão de Pierre du Pont, foi eleito em 16 de novembro de 1915. Na composição de seus dez integrantes, quatro assentos foram dados a Durant e seus aliados em nome da Chevrolet, três integrantes, incluindo o presidente da GM, Charles Nash, vinham do lado dos bancos e outros três eram do interesse de Pierre du Pont que também foi indicado para assumir a presidência do conselho da empresa. Com a coalizão entre Willaim Durant e Pierre S. du Pont, o estratagema que norteou a criação da Chevrolet se concretizava e Durant, com sete dos dez conselheiros retomava o controle sobre a General Motors. Apesar de a Chevrolet ter alcançado importantes resultados em uma velocidade espantosa, seu tamanho em relação a General Motors, em 1915, ainda era pequeno e tornou a realização dos planos de Durant um feito extraordinário. É possível que a realização de Durant só tenha ocorrido devido a certa desatenção, desdém ou desarticulação do grupo de bancos credores. Dos U$ 15 milhões em títulos que garantiam o controle acionário, apenas U$ 2,3 milhões restavam ser pagos em meados de 1915, ou seja, a participação nas ações da GM reduziu com o passar dos anos. Apesar do esforço realizado por Durant para levantar recursos e comprar ações, o grupo de credores era composto de alguns dos maiores investidores da época e, portanto, possuía uma capacidade de financiamento amplamente superior a de seu oponente. O fato é que o grupo de credores só se mobilizou quando se aproximou a data para a eleição do novo 57 conselho. No início de 1916, uma circular foi assinada por oito diretores posicionando-se contrários a cessão do controle à Chevrolet, um desses diretores era Charles Nash. Após a circular, um significativo número de acionistas assinou em favor da criação de um novo grupo gestor. Dentre eles, sete casas de investimentos de Boston, Nova York e Detroit, além de Charles Mott (fundador da Weston-Mott e prefeito de Flint). Mas Durant estava em vantagem neste momento. Sua manobra propondo a troca de ações da Chevrolet pelas da GM fez com que muitos de seus oponentes vendessem seus títulos. Em março de 1916, a renúncia de James Storrow e de dois outros membros do conselho marcou a desistência do grupo de bancos de retomar o controle da GM. Charles Nash, então presidente, pediu demissão em 18 de abril e ficou no cargo até 27 junho, quando William Durant foi eleito presidente da General Motors. 4.1.5. Primeira Guerra Mundial, retomada da expansão e o fim da era Durant A retomada do controle da General Motors teve grande repercussão na imprensa norte-americana. William Durant foi aclamado por sua astúcia, agilidade, visão e capacidade de realização. Sua luta foi comparada à de Davi contra Golias, e a vitória afetou positivamente o valor da General Motors no mercado financeiro. Em uma semana, o preço da ação saiu de U$ 340 para U$ 558. O ano de 1916 foi de forte crescimento para a indústria, e a General Motors aproveitou para ampliar seu volume de vendas. A produção totalizou 165 mil carros e 6 mil caminhões, com a participação de mercado aumentando de 7% para 10%. Adicionalmente, a Chevrolet, que ainda não fazia parte da Holding, produziu cerca de 70 mil unidades. Apesar do desempenho animador, a GM ainda assistiu a Ford se distanciar na posição de maior da indústria. Com o Modelo T, a Ford foi responsável por 50% dos veículos vendidos. Ao final de 1916, as empresas que formavam a holding General Motors Company foram transformadas em uma única empresa, a General Motors Corporation, com cada empresa do grupo tornando-se uma divisão. A mudança de holding para uma empresa operacional não chegou alterar a dinâmica interna das divisões, que continuaram sendo responsáveis por suas decisões gerenciais. O período de expansão da indústria nos Estados Unidos entre 1914 e 1919 esteve fortemente ligado ao contexto mundial da época. Pouco antes de Durant retomar o poder na GM, em 1914, teve início na Europa a Primeira Guerra Mundial. A escassez na oferta 58 mundial produziu aumento nos preços de muitos produtos e materiais, embora não tenha chegado a impedir o suprimento de matéria-prima à indústria americana. A forte demanda da Europa fez aumentar a produção nos Estados Unidos e contribuiu para o crescimento da renda do trabalhador americano, impulsionando também as vendas de veículos. Com a entrada dos Estados Unidos para o lado dos Aliados, em 1917, o governo passou a estabelecer controles sobre o fluxo de materiais como forma de assegurar suprimentos ao esforço de guerra. Mesmo assim, a demanda por automóveis seguiu expandindo, puxados pelo crescimento econômico que as próprias compras do governo geravam. A General Motors não aderiu imediatamente ao esforço de guerra e, quando o fez, foi de forma tímida, tal como sua principal concorrente, a Ford. De acordo com Madsen (1999), a adesão da GM à fabricação de produtos para o uso militar foi motivo de controvérsias entre Durant e os Leland (Henry e Wilfred), no comando da Cadillac. Henry Leland insistiu para que a GM contribuísse com os aliados fabricando aviões, enquanto Durant resistia à idéia de desviar recursos para o esforço de guerra. Apesar das animosidades, H. Leland persistiu e conseguiu um contrato com o governo para o fornecimento de 10 mil motores liberty para aviões e iniciou sua produção em uma nova fábrica em Nova York. A insistência dos Leland com os aviões levou-os a serem demitidos por Durant. A relação entre Durant e Leland posteriormente ainda foi agravada, quando uma comissão do Senado questionou atrasos nas entregas dos motores liberator. Os depoimentos de Henry e Wilfred Leland tornaram públicas as opiniões de Durant, contrárias ao envolvimento da GM com a guerra. A hesitação de Durant e da GM se refletiu nos números finais sobre a participação da empresa no suprimento aos militares durante a guerra. A General Motors declarou que 18 de suas 23 unidades operacionais estiveram envolvidas em contratos de produtos de defesa, entretanto, a quantidade de motores e veículos vendidas ao governo foi inexpressiva quando comparada aos volumes da empresa. No biênio 1917-1918, a GM produziu, para fins militares, 5.000 ambulâncias, 2.350 carros oficiais, 1.157 motores para tratores e, no caso dos motores liberty, fabricou 2.528, antes de ter o contrato de 10 mil motores suspenso. A produção para fins civis, no mesmo período, foi superior a 500 mil automóveis (incluindo a Chevrolet que operou separadamente em 1917). A GM ainda deixou de participar de um grande contrato do exército americano para o fornecimento de 11.000 caminhões, aproximadamente metade do volume que havia sido produzido por toda indústria antes da guerra. 59 Mesmo não aproveitando plenamente as oportunidades originadas pela Primeira Guerra e ainda com a produção sofrendo restrições das agências do governo, a GM deu continuidade em sua expansão por meio de aquisições. Nesta segunda fase de Durant à frente da empresa, as aquisições de novos fabricantes de automóveis se tornaram raras. Somente duas pequenas marcas foram adquiridas, a Scripps-both, em 1918, e a Interstate Motor Company, em 1919, porém nenhuma efetivamente emplacou seus modelos no mercado. Importantes aquisições deste período seguiram o caminho da integração vertical sobre a cadeia de fornecedores, tendência que também ocorria de forma intensa na concorrente Ford. Com o apoio do banqueiro Louis G. Kaufman, William Durant organizou, em 1916, a United Motors Corporation, com o objetivo de consolidar as empresas fabricantes de autopeças e assegurar os estoques e o suprimento de componentes, atendendo além das fábricas, a reposição de peças nas ramificações da GM em todo o território americano. Foram adquiridas no mesmo ano a New Departure Manufacturing Co (esferas metálicas), a Hyatt Roller Bearing (rolamentos), a Remy Electric Company (ignição elétrica), a Dayton Engineering Laboratories Co – Delco (sistemas elétricos e laboratório de pesquisa), e a Perlman Rim (rodas). Alfred P. Sloan, então dono da Hyatt Roller Bearing, foi nomeado presidente da United Motors. Seu conselho foi formado pelos antigos proprietários das companhias adquiridas que também eram sócios na nova empresa, pois haviam recebido parte do pagamento em ações, assim como Sloan. Em sua biografia, Sloan (1963) relata que as decisões da United Motors eram deixadas inteiramente a cargo dele. Não havia qualquer interferência de William Durant sobre a gestão da nova empresa. Com isso, a United Motors adquiriu e integrou às suas divisões a Harisson Radiator Corporation e a fabricante de buzinas Klaxon Company. As peças produzidas por essas divisões da United Motors eram vendidas para a toda indústria automobilística e não só para a GM. Este nível de autonomia seguiu até 1918, quando a GM decidiu absorver toda a produção da United Motors. Para tornar a United Motors uma divisão da GM, John Raskob, presidente do comitê de finanças, negociou a troca de ações com os demais sócios da United Motors. Alfred Sloan foi mantido no comando da United Motors dentro da GM, recebendo o cargo de vice-presidente da GM e sendo nomeado membro do comitê executivo. 60 Pouco antes da incorporação da United Motors, ainda em 1918, a GM havia passado também a Chevrolet para dentro de sua estrutura. A divisão Chevrolet se tornou a quinta marca de automóveis relevante da empresa, juntamente com Buick, Cadillac, Olds e Oakland. Na preparação para a absorção, a Chevrolet passou a comprar a participação que investidores locais possuíam em algumas de suas subsidiárias, como as fábricas de montagem de Oakland, Califórinia e Saint Louis, Missouri. Em 2 de maio, realizando uma troca de ações extremamente vantajosa para os acionistas da Chevrolet, a GM absorveu seus ativos, dentre eles outras empresas que haviam sido adquiridas por Durant, como a Samson Tractors (tratores), a National Cycle Company, a National Truck Motor Company e a Warner Gear Company (fabricantes de autopeças). A idéia do término do armistício na Europa e a liberação da atividade industrial nos Estados Unidos estimulou uma importante movimentação dentro da General Motors. Segundo Chandler (1964), William Durant via no fim da Primeira Guerra o sinal de partida para que a indústria desenvolvesse todo o potencial do mercado. Para financiar seu plano de expansão Durant procurou um parceiro que contribuísse para a injeção do capital e convidou du Pont para este papel. Na mesma época, a E.I Du Pont de Nemours, empresa fabricante de pólvora e explosivos, via no provável fim da Primeira Guerra a necessidade de aplicar, em outras atividades, os recursos que havia lucrado com o armistício. Em 10 de dezembro de 1918, após autorização dos conselhos de ambas as empresas, o capital da General Motors foi ampliado, e a Du Pont adquiriu 23% das ações ordinárias. A participação da Du Pont no capital da GM ainda veio a ser ampliada por duas vezes, em 1918 e 1919, alcançando 28,5%. Com maior participação da Du Pont, os dois principais comitês da GM foram divididos entre os dois grandes acionistas. John Raskob, tesoureiro de Pierre S. du Pont, presidia o comitê de finanças, no qual Durant tinha direito a um assento. Willian Durant presidia o comitê executivo e du Pont também tinha direito a um assento. Se a General Motors aumentou suas operações e o seu capital, o número de empregados também cresceu. A GM havia passado dos cerca de 10 mil empregados que permaneceram na GM durante a crise de 1910 para 14 mil em 1914. Com o retorno de Durant, a GM fechou o ano de 1916 com mais de 25 mil funcionários. Em 1918, quando o número ultrapassou 49 mil pessoas, a GM implantou um programa de distribuição de bônus como forma de incentivo aos empregados. 61 Relatos contam que a versão preliminar do programa de bônus da GM ocorreu em 1917, com 56.855 ações preferenciais que restaram da criação da GM Corporation e que foram distribuídas em reconhecimento às pessoas que prestaram grandes contribuições à empresa. A partir do ano seguinte, o programa de bônus passou a ser oferecido de forma sistemática, de modo que 10% dos lucros compunham um fundo que era distribuído aos funcionários em duas categorias: Sênior Awards para os que recebiam acima de U$ 2.400; e Junior Awards para os outros os empregados da empresa. No primeiro ano, 3.884 bônus foram distribuídos. A preocupação com remuneração e satisfação dos empregados na indústria automobilística já havia sido manifestada por outra empresa antes desta ação da GM. Henry Ford, em 1914, em um programa de divisão de lucros e com o intuito de dar melhor qualidade de vida aos seus empregados, aumentou o salário de seus operários de U$ 2 para U$ 5 por dia e ainda reduziu a jornada para oito horas diárias. Segundo o depoimento de John Lee, à época responsável pela criação do programa, dentre os objetivos de tal medida estavam: prover melhores condições de vida e de saúde para que os funcionários apresentassem melhor desempenho na linha de montagem e, também, atrair os melhores operários para as frentes de trabalho da Ford. No caso da Ford, para o plano tornar-se viável, pelo menos duas condições foram cruciais, ambas derivadas da padronização e sistematização dos processos produtivos de seu sistema de produção em massa. Uma condição foi a imensa vantagem em custo obtida, que provia ampla margem de contribuição para ser distribuída aos stakeholders. Além disso, a produção em massa também possibilitou a uniformização da mão-de-obra, de modo que as diversas categorias de trabalhadores qualificados, semi-qualificados e não qualificados praticamente se transformaram em uma grande classe semi-qualificada e um pequeno corpo de supervisores. Comparativamente, o sistema produtivo da General Motors era caracterizado pela divisão do processo de produção em áreas ou oficinas de trabalho. Segundo Chandler (1964), neste tipo de sistema havia mestres ou encarregados de produção, pessoas mais experientes e conhecedores da operação, que possuíam parte significativa da responsabilidade de contratar, treinar e decidir sobre a remuneração em determinado setor. O sistema utilizado pela GM era adotado de forma generalizada na indústria e a diversidade de categorias de operários e de níveis de salários que esse sistema produzia dificultava eventuais tentativas de se equiparar ao patamar salarial adotado pela Ford. 62 Apesar da repercussão que as medidas da Ford produziram entre empresários e na mídia, não se viu grandes conseqüências para as demais empresas, possivelmente devido às implicações da Primeira Guerra Mundial. Alguma movimentação da GM no mesmo sentido ocorreu somente em fevereiro de 1919. A GM encomendou um amplo estudo sobre as condições sociais de seus empregados, com o intuito de orientar as ações da empresa para prover melhores condições de vida aos operários nas diversas cidades norte-americanas em que possuía operações produtivas. Como resultado deste estudo, foi criado um programa habitacional de grande escala que iniciou a construção de casas para os empregados em todas as cidades onde a GM estava presente. Além disso, a GM criou dois fundos de aplicação para funcionários, um de investimentos nas próprias ações da GM e outro de poupança com remunerações pré-fixadas - ambos os fundos possuíam uma contrapartida da empresa para cada dólar aplicado pelo empregado. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a economia americana viu seus recursos serem liberados e o consumo no país avançar rapidamente. Em 1919, a General Motors reagiu imediatamente ao fim das restrições à produção e colocou em prática um amplo plano de expansão. Os projetos incluíam a ampliação da capacidade produtiva de todas as unidades de negócio, em alguns casos dobrando a capacidade do ano anterior. A GM também expandiu os prédios administrativos de suas divisões e iniciou a produção de um grande edifício em Detroit, o Durant Building, que posteriormente passou a chamar-se The General Motors Building e abrigaria as atividades administrativas das divisões da empresa. Os esforços de crescimento nas principais divisões da GM em 1919 foram apresentadas no relatório anual da General Motors de abril de 1920 (CHANDLER, 1964) e são resumidos a seguir: Buick – Capacidade ampliada de 350 carros por dia para 500 carros por dia. Construções em andamento em Flint e em Saint Louis aumentarão a capacidade da Buick para 700 carros por dia. Cadillac – A construção de uma nova fábrica iniciada no começo de 1919 está em rápido progresso. Quando concluída, terá capacidade de 30 mil veículos por ano. Chevrolet – Durante 1919, a capacidade das fábricas foi ampliada para um total de 800 carros por dia. Construções adicionais, quando completadas, permitirão a fabricação de 900 carros e 50 caminhões por dia. 63 Oldsmobile – A capacidade da Olds Motor Works foi ampliada para 300 unidades por dia, além de operar de forma mais independente, produzindo diversos componentes que antes eram fornecidos por outras divisões. Oakland – Quando completada as novas construções iniciadas em 1919, a capacidade será ampliada para 350 carros por dia. Diversos outros departamentos também darão maior autonomia assegurando o suprimento dos principais componentes. GM Trucks – Com o rearranjo da fábrica em Pontiac, a planta atual permitirá a produção de vinte mil unidades por ano. O congestionamento da planta será largamente aliviado com a construção de uma nova fábrica durante 1920. Scripps Booth – Esta companhia foi recentemente removida para uma moderna fábrica. A capacidade da nova planta permitirá a fabricação de 100 carros por dia. Samson Tractor – A General Motors tem se dedicado ativamente a fabricação de tratores e implementos agrícolas. Novas dependências, praticamente concluídas, permitirão a fabricação de cem mil tratores por ano. O impulso expansionista liderado por William Durant não se restringiu à expansão das unidades fabris. Em março de 1919, com o auxílio de John Raskob, Durant criou a General Motors Acceptance Corporation (GMAC) para ser o braço fornecedor de crédito ao consumidor para toda a rede concessionária sob suas bandeiras. O crédito ao consumo não era novidade em outras indústrias nos Estados Unidos. No caso do automóvel, embora incipiente até o surgimento da GMAC, há indícios de vendas financiadas esporadicamente por bancos a partir de 1910. Em 1915, John Willys, presidente da Willys-Overland, criou a primeira instituição de crédito para automóveis, a Guaranty Securities Company. Segundo o relatório anual de 1920 (CHANDLER, 1964), o total negociado pela GMAC em seu primeiro ano foi de U$ 20 milhões. Nos anos seguintes, rapidamente o crédito passaria a representar uma parte significativa das vendas. Líder de mercado à época, a Ford não adotou um sistema de crédito ao consumo até 1928 e, apenas em 1950, criou uma agência própria para este fim, a Ford Motor Credit. Durant ainda buscou investimentos não relacionados à indústria automobilística. Em 1918, seguindo a indicação de investidores, William Durant foi visitar o engenheiro Alfred Mellowes. Ele lutava para manter aberta a empresa que tentava comercializar sua invenção, uma caixa de gelo elétrica. Com a informalidade que era característica dos negócios que realizava, Durant comprou a Guardian Frigerator Corporation com um 64 cheque pessoal. Em março de 1919, ele batizou o novo produto de Frigidaire e incorporou a empresa à General Motors, alocando-a na planta de autopeças da Northway, e colocando A.B.C. Hardy para gerenciar a empresa, que possuía alguns clientes na cidade de Detroit dispostos a pagar pelo serviço de manutenção do complicado e instável eletrodoméstico. Dentro da estratégia para 1919, em 25 de setembro, a GM adquiriu 60% controle acionário da Fisher Body Corporation, importante fabricante de carrocerias, em uma ação que teve como objetivo assegurar o suprimento para os carros com carrocerias fechadas. No mesmo dia, a empresa ainda autorizou o investimento de U$ 500 mil na Goodyear Tire & Rubber Company, que acabou sendo vendida tempos depois. O interesse pelo carro fechado vinha crescendo desde 1917. Pontiac e Oldsmobile foram algumas das primeiras a adotarem a tecnologia em seus modelos. Inicialmente, as divisões tiveram que enviar compulsoriamente alguns modelos fechados nos carregamentos que saíam da planta para os distribuidores. Porém, a perspectiva de poder utilizar o veículo inclusive no período de inverno despertou rapidamente o interesse de muitos consumidores, e as vendas cresceram de forma acelerada. Com a onda de crescimento, uma preocupação que foi tema freqüente nas reuniões do comitê de finanças foi a de como financiar tamanha expansão. Em uma estimativa de gastos preparada por Raskob para a reunião do comitê de finanças, o investimento de capital para o ano de 1919 seria de U$ 52,8 milhões, sendo que U$ 36,1 em caráter urgente, por se tratarem de obras com início imediato. Como solução, Raskob sugeriu a ampliação do capital em 15%, equivalente a U$ 28,6 milhões, que juntamente com o caixa resultante da operação saldariam os gastos do período. Para o ano de 1920, com todas as divisões almejando expansão, a conta de Raskob para fechar as necessidades de caixa requeria a emissão de U$ 64 milhões em novas ações para um investimento total de U$ 100 milhões. Porém, a indisponibilidade de recursos no mercado no começo do ano anunciava as dificuldades que a GM viria a enfrentar no fechamento do período. Do total previsto, apenas U$ 21 milhões em ações encontraram compradores na Inglaterra e no Canadá. O restante foi obtido em arranjos emergenciais que envolveram subsidiárias da Du Pont e um sindicato encabeçado pelo J. P. Morgan. Ao final de 1920, a economia americana viu uma forte depressão no consumo, e o solavanco na indústria automobilística expôs a fragilidade causada pela falta de controles na operação da General Motors. A crise econômica durou até meados de 1921, custou 65 caro para General Motors e principalmente a William Durant. A divisão de tratores Samson, Scripps-Both e a Scheridan foram encerradas. A GM recorreu a um empréstimo emergencial junto ao J. P. Morgan de U$ 83 milhões para cobrir a liquidação de ativos de cerca U$ 90 milhões, com isso o balanço de 1921 registrou prejuízo de U$ 38 milhões. Apesar dos prejuízos, a conseqüência que mais marcou esta crise foi o desligamento de William Durant da gestão da GM, como condição de uma operação de resgate às suas finanças pessoais, que ele vinha utilizando em imprudentes operações no mercado financeiro para manter em alta as ações da GM. Mesmo antes da crise de 1920, a ausência de controles e os riscos a que a operação da GM estava exposta já haviam alarmado os representantes da Du Pont que gradualmente vinham sendo incorporados à gestão de William Durant. Em 1919, o consultor E. L. Bergland foi contratado pela Du Pont para fazer um diagnóstico da gestão da General Motors. Um trecho deste relatório é apresentado a seguir: O Sr. Durant aparentemente tem total comando de todo o planejamento e dita amplamente as políticas a serem seguidas. Sua opinião é consultada para decisão em uma grande quantidade de casos, de forma a não haver nenhuma outra instância para arbitrar sobre os vários planos e novos desenvolvimentos... Quando novas plantas estão para serem construídas, Durant freqüentemente supervisiona pessoalmente a confecção do contrato e os detalhes de engenharia com as firmas contratadas, mas os detalhes de design recebem pouca atenção e muito poucas informações detalhadas são conhecidas pelos membros da organização... Não há qualquer sistema semelhante ao nosso sistema de ordem de trabalho para fazer sugestões e não há organização central de engenharia. Há também, certa falta de espírito de cooperação entre as diferentes plantas. Estas plantas são praticamente independentes em relação a compras, contabilidade e outras organizações. Como elas eram operações independentes antes de a GM ser formada e vêm funcionando da mesma forma desde então, é fácil entender um espírito deste tipo, já que não há organização central direcionando-as, exceto de maneira mais geral. (tradução livre de MADSEN,1999 - p197-198) Dentre as recomendações de Bergland a Du Pont estava o envio de especialistas da Du Pont para levar técnicas de centralização de registros contábeis, unificação de tarefas e procedimentos de supervisão. Um dos primeiros enviados para compor o staff de William Durant foi John L. Pratt, um engenheiro experiente nos processos gerenciais da Du Pont. Pratt passou rapidamente da condição de consultor para a de assistente 66 especial do presidente e iniciou na GM os primeiros trabalhos de análises estatísticas na área de compras, como preços de alumínio, vidro e outros componentes. A centralização das decisões mencionada no relatório de Bergland, em 1920, havia se tornado um problema grave dentro da GM. Os casos de gerentes aguardando a visita de Durant para ter minutos de sua atenção, como o caso relatado por Lee Dunlap anteriormente, tornaram-se raros. Com o aumento da complexidade das atribuições de Durant, executivos com John Raskob e Walter Chrysler viajavam para onde Durant estivesse para poder se reunir com ele. Em certa ocasião, Chrysler foi de Flint para a Califórnia para encontrar Durant e, depois de passar um dia todo na sala de espera, desistiu e retornou sem ter sua reunião. Este e outros desencontros em seguida motivaram Chrysler - então presidente da Buick e a quem Durant ofereceu um aumento de salário de U$ 25 mil para U$ 500 mil por ano para que ele permanecesse na empresa após a saída dos bancos em 1915 - a pedir demissão e a iniciar planos para uma nova empresa. A falta de controle e de procedimentos gerenciais criou um efeito bola de neve nos gastos da GM nos anos que precederam a crise de 1920. Com divisões independentes e uma orientação geral de Durant para expansão, projetos para ampliações e construções de novas fábricas foram submetidos simultaneamente pelos gerentes das divisões em 1918 e em 1919. Para solucionar a restrição de caixa, novas ações eram emitidas ao invés de qualquer tipo de racionamento. Além dos programas de expansão, não havia qualquer controle para formação de estoques. Os gerentes das divisões faziam a programação da produção e as compras de matérias-primas no início do outono para que a produção e os estoques formados no inverno abastecessem a temporada de vendas na primavera e verão do ano seguinte. Com os estoques aumentados para viabilizar o crescimento, agravava-se ainda mais a necessidade de capital para a GM. Dois comitês especiais, dentro do comitê executivo, foram criados em 1919 para tentar conter o aumento nos gastos. Em dezembro de 1919, Alfred Sloan foi indicado para presidir um comitê que estabeleceria regras de aquisição (incluindo projetos de expansão). Outro comitê foi criado em maio de 1920 para estabelecer regras para a alocação de estoques. Como resultado, um teto de U$ 150 milhões foi determinado para toda a corporação. Porém, com as divisões controlando o próprio caixa e os pedidos de compra, os estoques chegaram a U$ 209 milhões em outubro. O comitê de finanças ainda 67 nomeou outro comitê para tentar solucionar o problema dos altos estoques em outubro, mas era tarde demais. A crise teve inicio em setembro de 1920. Com a queda nas vendas, a Ford, líder de mercado com o barato Modelo T, reduziu seus preços entre 20% e 30%. Durant e a GM tentaram resistir à redução de preços, mas os gerentes das divisões tiveram dificuldades para cumprir suas folhas de pagamento, e já em outubro todas as fábricas, exceto Buick e Cadillac, tiveram as atividades suspensas. Enquanto a recessão econômica impunha dificuldades às divisões da GM e provocava estragos na indústria em Detroit, com a demissão de 150 mil operários, em Nova York, centro financeiro dos Estados Unidos, William Durant enfrentou graves problemas também decorrentes da ausência de controles, só que neste caso, em suas contas pessoais. As tentativas sem sucesso de emissão de ações em 1919 e 1920 indicavam que mesmo para uma empresa como a GM, que produzia retornos de 30% sobre o investimento e que fazia questão de manter constantes os altos dividendos, a escassez de capitais afetaria o preço de suas ações. Não está claro se a intenção de Durant foi de evitar ataques especulativos contra as ações da GM e assim proteger seus investidores ou se ele próprio ensaiou uma arbitragem para lucrar com ações artificialmente desvalorizadas. O fato é que ele empreendeu uma grande operação de compra de ações da GM nos meses que precederam a crise. Durant mobilizou uma vasta rede de brokers e agentes financeiros fazendo empréstimos para compra de ações e colocando as suas próprias como garantia. Quando a recessão se instaurou, logo em seguida veio uma quebra na bolsa de valores, e a sua posição junto a diversos operadores deu origem a rumores sobre sua solvência. Os rumores chegaram aos ouvidos de Pierre du Pont e John Raskob em novembro de 1920. Ao apertarem Durant sobre o assunto, descobriram que ele temia sobre a própria capacidade de saldar os compromissos feitos e reconhecia não ter condições de afirmar qual era a real posição de suas ações e empréstimos junto aos brokers. Em uma operação arquitetada em conjunto com o J.P. Morgan, du Pont e Raskob levantaram U$ 60 milhões para criar uma nova empresa, que assumiu todas as dívidas e ações de Durant. As ações da nova empresa foram distribuídas em 40% para Durant, 40% para a Du Pont e 20% para um grupo de bancos organizados pelo J.P.Morgan. Como resultado da operação, Durant se viu salvo da situação que construíra para si, porém teve seu patrimônio drasticamente reduzido, além de ser forçado a renunciar seu posto de presidente, o que ocorreu em 30 de novembro de 1920. Para a Du 68 Pont, o risco de ver um contágio no controle e na reputação da GM foi evitado. Restou o desafio de encontrar um novo presidente para a General Motors e, simultaneamente, retirá-la da situação de crise em que se encontrava. 4.1.6. A gestão de Pierre S. du Pont Após a renúncia de William Durant, Pierre S. du Pont, então presidente do conselho de administração (chairman), emergiu como a alternativa mais óbvia para assumir a presidência da General Motors. Apesar de não ter experiência significativa no setor automotivo, du Pont era um executivo experiente, que havia se aposentado da presidência da E. I. Du Pont de Nemours e dispunha de excelente reputação como executivo sério e bem-sucedido, especialmente junto aos agentes financeiro que estavam apreensivos após a saída de Durant. As dúvidas sobre a capacidade de a GM se reerguer sem Durant também pairavam sobre as mentes dos prefeitos das cidades onde havia fábricas das divisões. Dentre suas primeiras atividades, du Pont teve de cumprir uma agenda de viagens e encontros com governadores, prefeitos e credores reafirmando a confiança no futuro da GM e da indústria automobilística. Para obter controle sobre a organização, du Pont reduziu a composição do CE para quatro integrantes. A ele se juntaram John Raskob, então presidente do CF; J.A. Haskell, executivo indicado pela Du Pont que ocupava assento no CE desde 1919 e passou a ser o vice-presidente de operações; e Alfred Sloan, o único com carreira na indústria, tornando-se vice-presidente encarregado do que passaria a ser o staff consultivo. Sloan já vinha elaborando um detalhando estudo da organização, desde sua indicação para presidir o comitê de apropriação em 1919. O “Organization Study”, como foi chamado, havia sido apresentado a Durant e a du Pont, embora não tivesse despertado grande interesse. Entretanto, sob a liderança de Pierre du Pont, uma nova estrutura para a organização, amplamente baseada na proposta do estudo de Sloan, foi submetida para consideração do CE e aprovada depois de pouco mais de um mês de sua gestão, em 3 de janeiro de 1921. A nova estrutura manteve os comitês de finanças e executivo respondendo ao conselho de administração, bem como a autonomia administrativa das divisões que deveriam prestar contas ao CE. Duas organizações de staff foram criadas para auxiliar os comitês, o staff financeiro e o staff consultivo, com a incumbência de realizar estudos e análises, um em finanças e o outro em operações, como forma de prover informações e 69 propostas de medidas a serem deliberadas pelos respectivos comitês. Para chefiar o staff financeiro, Donaldson Brown foi trazido da Du Pont. Brown ocupava a função de tesoureiro e havia sido responsável por criar avançados mecanismos de controle financeiro que permitiam avaliar o retorno sobre o capital investido nas divisões da Du Pont. Juntamente com Brown, os controllers, que já haviam sido trazidos para as divisões pela Du Pont, em 1919, teriam a incumbência de desenvolver um sistema de controle financeiro sobre as operações. A movimentação em direção ao controle das finanças das divisões causou a saída, logo no início de 1921, dos gerentes gerais que haviam sido nomeados por Durant. Na Oakland e Cadillac, Fred Warner e Richard Collins foram demitidos após fazerem retiradas de suas participações nos lucros antes da realização das auditorias. Na Oldsmobile, Edward Ver Linden foi demitido por fazer o mesmo, embora neste caso seu contrato não previsse este tipo de remuneração variável. A.B.C Hardy, fiel escudeiro de Durant em seus empreendimentos, foi removido da gerência da Chevrolet, mas ainda foi mantido no staff consultivo. Apenas no caso da Buick, Harry Bassett foi mantido, após a insistência de Sloan com Pierre du Pont, que temia os riscos de efetuar tal mudança na maior e mais lucrativa das divisões. O passo seguinte foi reavaliar a linha de produtos, até então deixada a cargo das divisões, que decidiam quais carros fabricar e como posicionar seus produtos, geralmente causando grande canibalização entre as divisões. O CE deliberou a criação de um comitê especial do staff consultivo, auxiliado por consultores externos, a fim de avaliar imagem, qualidade e competitividade dos veículos sob as bandeiras da GM e propor uma nova política de produtos corporativa. A recomendação do CE era de que a GM deveria entrar no mercado de veículos de baixo preço, para competir com a Ford com seu Modelo T. A conclusão dos consultores foi devastadora: apenas duas das sete marcas, Buick e Cadillac, eram percebidas pelos consumidores com alguma distinção de qualidade, enquanto as demais eram vistas como carros desatualizados e pobres em qualidade. Além disso, diversos modelos oferecidos pela GM competiam de forma ilógica em uma estreita faixa de preços, entre U$ 1000 e U$ 2000, enquanto o Chevrolet 490 competia só no mercado de inferior a U$ 1000, como mostra a o quadro X abaixo. O modelo da Chevrolet custava o dobro do concorrente Ford e detinha 4% de participação de mercado, contra os 60% do Modelo T. 70 Quadro 4-2 Faixas de preços dos modelos oferecidos pelas divisões da General Motors em 1921 (em U$) Faixa de Marca Modelo preços Chevrolet Oakland Oldsmobile Scipps-Booth Sheridan Buick Cadillac 490 - quatro cilindros FB - quatro cilindros seis cilindros quatro cilindros (FB) seis cilindros oito cilindros seis cilindros quatro cilindros (FB) seis cilindros oito cilindros 795 1320 1395 1445 1450 2100 1545 1685 1795 3790 - 1375 2075 2065 2145 2145 3300 2295 - 3295 - 5690 Fonte: tabela adaptada a partir de Sloan (1963) p. 59 A proposta da nova política de produtos definiu segmentos em função de faixas de preços, conforme o quadro 4-2 acima, onde a General Motors deveria posicionar seis modelos básicos de forma a competir no topo de cada faixa. Construídos com tal qualidade, os veículos atrairiam compradores de concorrentes com preços inferiores, que apreciassem melhores benefícios com um pequeno aumento no preço. Por outro lado, os carros no topo de uma faixa poderiam conquistar consumidores da faixa superior que buscassem um produto com preço menor. Foi recomendado ainda que Scripps-Booth e Sheridan fossem descontinuadas, já que seria necessário reduzir a diversidade da oferta, dado que estas divisões não dispunham de instalações para fabricar seus próprios motores. A orientação de estabelecer uma pirâmide de marcas (RUBENSTEIN, 2001), sem competição entre divisões, não chegou a ser seguida exatamente à risca, porém os princípios definidos por este comitê deram origem a uma estratégia de produtos da GM que perdurou por décadas e ficou famosa por seu slogan “Um carro para todo bolso e propósito” 4. Quadro 4-3 Segmentação por preços recomendadas pelo comitê especial (em U$) Segmento (a) (b) (c) (d) (e) 4 Faixa de preço 450 600 900 1200 1700 - 600 - 900 - 1200 - 1700 - 2500 Tradução livre do original em inglês: “A car for every purse and purpose” 71 (f) 2500 - 3500 Fonte: tabela adaptada a partir de Sloan (1963) p. 67 Mesmo antes de iniciar os estudos para uma política de produtos, o CE da General Motors iniciou as atividades para o desenvolvimento de um novo veículo, que contaria com um motor refrigerado a ar (air cooled engine) e permitiria significativa redução de peso e de custo. Os experimentos com motor a ar vinham sendo conduzidos por Charles F. Kettering, dos laboratórios da Delco, em Daytona, desde 1918. Kettering já dispunha de considerável reputação como inventor quando Durant adquiriu sua empresa de sistemas elétricos, em 1916, e em uma apresentação para o CF, em 1919, ele impressionou os executivos da GM com seus projetos. No ano seguinte, Durant criou a General Motors Research Labs (GMRL), com o intuito de fomentar as pesquisas de Kettering e seus engenheiros. No dia seguinte ao que du Pont assumiu como presidente, em dezembro de 1920, Kettering enviou-lhe um relatório afirmando que o motor a ar poderia ficar pronto para ser oferecido ao mercado ainda em 1921, caso os desenvolvimentos apropriados fossem completados. Uma comissão de executivos foi até Daytona para avaliar os desenvolvimentos no motor a ar. Após a visita, o CE decidiu que o carro em desenvolvimento deveria passar por testes rigorosos e que seria lançado pela Chevrolet par substituir o modelo 490. Em poucas semanas, o projeto do motor a ar aumentaria em abrangência. O CE decidiu ampliar também para a Oakland a utilização de um motor de seis cilindros, que seria desenvolvido juntamente com o de quatro cilindros, para a Chevrolet. A empolgação do CE e de du Pont com o motor a ar levaria a GM a persistir por 2 anos e meio, contra as resistências e desencontros que emergiram ao longo do desenvolvimento, até a desistência, em 1923. O fracasso no lançamento do motor a ar, posteriormente batizado de “copper cooled”, marcou o que talvez tenha sido o primeiro grande fiasco de lançamento da GM. O desenvolvimento do motor a ar evoluiu de forma conturbada dentro da GM. O presidente du Pont decidiu que o veículo seria lançado pela Chevrolet, enquanto que o seu desenvolvimento seria conduzido pela equipe de Kettering e não pelos engenheiros da divisão, o que provocou imediata resistência por parte de K. Zimmerschied, gerente geral da Chevrolet. Sentindo que a indisposição da divisão atravancava o desenvolvimento naquele ano, o CE deliberou que o veículo fosse lançado em 1922, com prioridade para o modelo de seis cilindros da Oakland. Porém, ao final de 1921, quando o 72 GM Research Labs enviou os primeiros protótipos para testes na Oakland, os resultados foram desanimadores. O carro possuía graves problemas de durabilidade, e o projeto teve de retroceder algumas etapas em seu desenvolvimento. Diante da decepção inicial com o desempenho do motor a ar, as ações na GM se dividiram em duas direções. Discretamente, Sloan, que passara a vice-presidente corporativo de operações, recomendou que engenheiros da Chevrolet começassem a trabalhar em melhorias na linha de produtos existente, para o caso de nova decepção com o motor a ar. De outro lado, Pierre du Pont decidiu relançar o programa do motor a ar, em fevereiro de 1922, posteriormente batizando-o de “copper-cooled”5. O novo programa concentrava-se no desenvolvimento do modelo da Chevrolet, cujo lançamento foi agendado para junho de 1923. William Knudsen, que renunciara a um alto posto na gestão da fábrica da Ford, foi contratado como vice-presidente de operações da Chevrolet. O gerente geral da divisão, K. Zimmerschied, foi transferido para o staff consultivo, e Pierre S. du Pont passou a acumular as presidências do conselho de administração da General Motors e a gerência geral da Chevrolet. O novo motor copper-cooled foi apresentado em veículos protótipos da Chevrolet no salão do automóvel de Nova York, em janeiro de 1923. O otimismo com a boa repercussão no evento contagiou os planos de fabricação do novo produto. A data para o início da produção foi agendada para fevereiro, começando em 1000 unidades por mês e com a capacidade aumentando gradualmente até outubro, quando chegaria ao pico de 50 mil unidades por mês. O copper-cooled dividiria a linha da Chevrolet com o tradicional modelo refrigerado a água com a capacidade de 30 mil unidades por mês. Apesar de em fevereiro encontrar problemas na produção, os modelos coppercooled da Chevrolet começaram a ser oferecidos no mercado nos meses de março e abril, porém duas situações determinaram um novo fracasso no projeto tão defendido por du Pont e Kettering. Logo os primeiros carros que saíram das fábricas da Chevrolet apresentaram novamente problemas de qualidade e desempenho que e os relatórios sobre os defeitos no campo confirmaram a necessidade de melhor desenvolvimento. Paralelamente, a indústria que em 1922 apenas havia recuperado os níveis de vendas anteriores à crise, em 1923 viu a demanda explodir, praticamente dobrando o volume do ano anterior e esgotando todos os modelos Chevrolet com motores a água. Tal situação 5 O nome fazia referência às placas de cobre (em inglês copper) usadas para refrigeração através de um sistema de ventilação, em substituição a sistema tradicional de refrigeração usando água armazenada em um radiador 73 exigiu que a GM tomasse uma decisão sobre como alocar a capacidade de suas plantas para aquele ano. Talvez motivado pelo fracasso de seu principal projeto, Pierre S. du Pont renunciou à presidência em maio de 1923, permanecendo como presidente do conselho de administração e indicando Alfred Sloan para sua sucessão. A decisão sobre continuar com o copper-cooled finalmente foi deixada para a próxima gestão. A despeito do fiasco com as tentativas do motor a ar, a gestão de du Pont produziu grandes avanços nos controles financeiros e administrativos. O staff financeiro iniciado sob a regência de Donaldson Brown foi responsável pela sistematização de uma série de ferramentas que aumentaram significativamente a eficiência das divisões. Além das pessoas recrutadas na Du Pont, a GM iniciou uma prática que perdurou por muitos anos ao recorrer às universidades americanas na seleção de jovens considerados de alto potencial para preencher seu staff de finanças. O primeiro deles talvez tenha sido Albert Bradley, um Ph. D. em economia da universidade de Michigan, que iniciou como assistente de controller e, depois de escalar gradualmente as posições na organização de finanças, finalmente ocupou a presidência do conselho de administração da GM, em 1956. O alto nível de estoques, que havia sido um dos complicadores da crise em 1920, foi um dos primeiros problemas a serem combatidos pelo novo staff. O empréstimo de cerca de U$ 80 milhões junto a bancos ligados ao J. P. Morgan havia ajudado a resolver as emergências de caixa. Além disso, o novo comitê de estoques, liderado por J. Pratt, determinou a suspensão de toda e qualquer compra pelas divisões. Por um período de sete meses, o plano de compras mensal de cada divisão devia ser previamente aprovado pelo comitê de estoques antes de efetuarem-se os pedidos junto aos fornecedores. Este sistema emergencial contribuiu para que o nível de estoques caísse do pico de U$ 215 milhões para U$ 94 milhões em junho de 1922, e o giro do estoque aumentou de duas para quatro vezes por ano. No entanto, em 1921 um novo sistema fez retornar o controle sobre as atividades de compras para as divisões. A proposta de Donaldson Brown, aprovada no CF, estabeleceu que a divisão elaborasse um plano de produção quadrimestral, atualizado mensalmente, que seria revisado e aprovado pelo vicepresidente de operações. A partir deste plano a tesouraria estabelecia um calendário de liberação gradual dos recursos para as compras. 74 Concomitante ao sistema de gestão de compras, um novo controle de caixa foi criado pelo staff de finanças, que extinguiu a antiga gestão de caixa das divisões. Até 1921, as divisões mantinham total autonomia sobre seu caixa. Todas as receitas entravam em uma conta própria, da qual também efetuava pagamentos de suas despesas, como salários, contas de fornecedores e acertos com outras divisões. O acerto com a sede da General Motors era feito apenas quando balancetes das divisões eram concluídos, geralmente no prazo de um a dois meses. Com a centralização do caixa, a GM abriu contas de depósitos em uma centena de agências bancárias pelo país, onde poderia receber todos os pagamentos em nome de suas divisões. A liberação dos recursos para saldar as despesas nas divisões passou então a ser controlada através de limites mínimos e máximos em suas contas e a partir de cronogramas de liberação de valores previstos em seus planos de produção. Além disso, foi possível estabelecer um sistema de compensação das transações entre divisões, que eliminava um complexo fluxo de transações. Assim sendo, a GM passou a trabalhar com projeções de seu fluxo de caixa, de forma a poder aplicar saldos de caixa em fundos de curto prazo que remuneravam recursos financeiros não utilizados. Nos dois anos e meio da gestão de Pierre S. du Pont, a organização das finanças foi sensivelmente alterada. O sistema de formação de estoques e de controle de caixa foi viabilizado pela adoção de métodos de previsão e acompanhamento de vendas e produção. Até 1921, apenas uma previsão de vendas e lucros era preparada pela tesouraria para o CF, que não incluía sequer o detalhamento por divisões. Para viabilizar o controle, Sloan passou a solicitar que os gerentes das divisões encaminhassem a programação da produção para o mês seguinte e uma expectativa de vendas para os três meses subseqüentes. Gradualmente Sloan foi criando novos relatórios a serem enviados pelas divisões, de modo a aumentar a sofisticação de seu sistema. Em 1922, os gerentes das divisões já informavam, além de estimativas de produção, faturamento e lucro para o ano e para o quadrimestre, bem como os números realizados em cada mês. Quando, em abril de 1922, o manual para aprovações de apropriações e despesas de capital foi aprovado pelo CE e pelo CF, a GM tornou-se capaz de projetar e controlar despesas e receitas para o ano de tudo que envolvia capital de giro e investimentos de expansão. O desenvolvimento de regras para apropriações e despesas de capital havia começado no comitê especial criado pelo CE, em 1919, com Alfred D. Sloan como presidente. O manual desenvolvido sob a liderança de Sloan determinou que projetos que 75 envolvessem despesas de capital seriam aprovados e controlados por um comitê de apropriação, que envolveria CE e CF. O método de avaliação definiu princípios de retorno sobre o investimento, mediação de interesses entre divisões, relevância relativa a outros projetos da corporação, além de critérios técnicos de forma e apresentação. Os projetos aprovados passariam então a ter gastos examinados mensalmente de forma semelhante àquela do controle dos gastos com capital de giro. 4.1.7. Sloan no comando, rumo ao topo No dia 10 de maio de 1923, Alfred D. Sloan foi eleito pelo conselho de administração como presidente da General Motors. Desde o início de seu mandato, Sloan demonstrou seu reconhecimento em favor da busca por soluções gerenciais por meio de comitês. Ainda em 1922, então vice-presidente de operações, Sloan havia estabelecido dois comitês, de compras e de propaganda, e, além disso, persuadiu o conselho a adicionar ao CE Charles Mott e Fred Fisher, homens experientes de operações. Com a questão do copper-cooled deixada por du Pont para ser resolvida pelo seu sucessor, Sloan, em sua primeira reunião como presidente do CE, apontou um comitê de três engenheiros para avaliar o status do motor a ar, que também estava sendo desenvolvido em seis cilindros para equipar um Oldsmobile. O relatório apresentado ao CE dez dias depois apontou no motor a ar problemas como má pré-ignição e perda de potência em altas temperaturas. Recomendava-se que os desenvolvimentos para sua fabricação fossem suspensos. Na Chevrolet, 759 modelos haviam sido produzidos, dos quais 239 foram descartados ainda na fábrica. Os demais veículos comercializados foram recolhidos dois meses depois. No dia 26 de junho de 1923, o projeto do motor a ar, para frustração de Charles Kettering, foi oficialmente descontinuado das atividades da General Motors. Segundo o próprio Sloan (1963), os comitês de compras e de propaganda, criados em 1922, forneceram contribuições apenas razoáveis para a organização durante suas curtas existências, no entanto, foram os precursores de sua idéia de gestão por políticas e deram grandes contribuições sobre a prática de coordenação entre as divisões. Em 1923, determinou a criação do Comitê Técnico Geral (CTG). Ao CTG foi designada a incumbência de integrar as atividades de engenharia das divisões e o GM Research Labs, além de coordenar a formulação de políticas naquilo que dissesse respeito ao conjunto das divisões. O CTG rapidamente desenvolveu uma dinâmica de reuniões sobre assuntos 76 técnicos importantes – como, por exemplo, estabelecimento de procedimentos de testes para o campo de provas, inaugurado em 1924, workshops e troca de informações sobre melhores práticas de engenharia em assuntos como freios, pneus, consumo de combustível, lubrificantes e compressão de itens do motor – e criou também outras ações, como programa de treinamento para vendedores sobre atributos técnicos dos veículos. Os resultados da coordenação promovida na área de engenharia animaram Alfred Sloan, que, em 1924, determinou a criação de outro comitê “interdivisões”, o Comitê Geral de Vendas (CGV), o qual teve como primeiro presidente Donaldson Brown, vicepresidente de finanças. Ainda em 1924, Sloan procurou replicar a dinâmica de comitês em outras instâncias e persuadiu o conselho a ampliar o CE para dez integrantes, sendo sete com ampla experiência em operações e três com formação em finanças, dentre eles John Raskob e Pierre du Pont. Em seguida, Sloan decidiu ativar o Comitê de Operações (CO) criado por du Pont, mas nunca utilizado. O CO era composto dos gerentes gerais das divisões e tinha a incumbência de avaliar o desempenho da General Motors e verificar a necessidade de novas políticas, embora não as formulassem, nem as aprovassem. Desta forma, a General Motors de Sloan em 1925 possuía a seguinte dinâmica: as divisões tinham autonomia para operar dentro das políticas corporativas; CE aprovava políticas, sob a supervisão da CF, sobretudo quando envolvesse gastos acima de certo limite; os grupos de políticas, como o CTG e o CGV, funcionavam com staffs consultivos para formulação de políticas para a CE, enquanto o staff financeiro fazia o equivalente para a CF; e, finalmente, o CO funcionava como um fórum para verificação por parte das divisões da adequação de suas práticas às políticas e vice-versa. Enquanto as gestões de du Pont e de Sloan davam os passos iniciais para a criação de uma organização central na GM após a crise de 1920, o mercado de automóveis nos Estados Unidos não demorou a retomar uma trajetória de crescimento. Assim, o desempenho da General Motors em termos de vendas e de lucro se recuperou na mesma velocidade. Em 1922, os patamares de venda da GM e da indústria anteriores à crise foram novamente alcançados, e em 1923 o recorde de 4 milhões de unidades da indústria permitiu que a GM vendesse pouco mais de 750 mil carros naquele ano. Com isso, sua receita aproximou-se de U$ 700 milhões, enquanto o lucro foi de U$ 72 milhões. No começo de 1924, porém, a indústria deu sinais de desaceleração. O sistema de informações desenvolvido pela GM para realizar as estimativas de vendas evitava a formação de estoques de produtos acabados nas divisões, mas não alcançava com 77 eficiência os estoques na rede de distribuição. Ainda assim, em março, Sloan começou a receber os relatórios dos concessionários, informando, com três meses de atraso e sem muita precisão, níveis crescentes de estoques nas lojas, o que o levou a negociar com os gerentes de divisões reduções em seus planos de produção. Dois meses após rever os planos de produção, Alfred Sloan e Donaldson Brown decidiram percorrer alguns distribuidores para checar pessoalmente a situação que enfrentavam. A constatação foi pior do que se imaginava: o nível de estoques na rede havia aumentado mesmo com a redução na produção. Com isso, Sloan emitiu ordens para que todas as divisões reduzissem imediatamente seus programas, diminuindo a produção total em 30 mil unidades por mês. Ao final do ano, devido aos controles financeiros, o impacto da desaceleração reduziu a receita da GM em 18%, mas ainda manteve seus lucros na casa dos U$ 50 milhões. Contudo, o susto provocado pelos métodos rudimentares de estimativa de vendas fez com que o CGV, de Donaldson Brown, empreendesse a tarefa de desenvolver um sistema corporativo de previsão de demanda. O sistema foi desenvolvido ao longo de 1924 e 1925 e se dividia em duas frentes. Uma delas tratava do dimensionamento da demanda total da indústria. Para tanto, uma série de análises estatística, a partir da pirâmide de demanda identificada anteriormente, procuraram encontrar correlações entre a venda de automóvel e outros setores da atividade econômica. A outra frente buscou desenvolver um sistema de relatórios ao longo da organização de vendas e da rede de distribuição, reduzindo para dez dias o prazo de atualização das informações de vendas e de situação dos estoques. Essa estimativa corporativa da demanda passou a indicar uma referência para os planos de produção de cada divisão, e um sistema decenal de revisão do real versus o projetado permitia uma reação mais rápida a alterações para mais ou para menos. O componente final do sistema de controles gerenciais, implementados na década de 1920, alinhou as diversas atividades de controle espalhadas ao longo da operação da GM em torno do princípio fundamental de retorno sobre o investimento. Donaldoson Brown, ex-tesoureiro da Du Pont e que lá implantou um sistema semelhante, apresentou, em 1925, o conceito que chamou de “standard-volume”. O conceito do standard-volume se expressava em um método para avaliar o desempenho de longo prazo da organização, cujo objetivo era obter não a mais alta taxa de retorno possível, mas a mais alta taxa de retorno de forma consistente ao longo do tempo. 78 A partir da abordagem estabelecida pelo standard-volume, as atividades como planejamento de produção, projetos de expansão e lançamentos de novos modelos das divisões puderam ser avaliadas em termos de retorno sobre o investimento e poderiam ser devidamente encaixadas no conjunto das divisões, formando uma visão geral da mesma análise para a corporação. Decisões de preços de venda de veículos ou de compra de matéria-prima, diante de uma situação de variação nas condições de oferta e demanda ou de pressões de competidores, passaram a ser avaliadas em função de seu impacto no retorno sobre o capital investido. Esta análise levava em conta a evolução de preços, custos, volumes e lucros dentro da curva de sazonalidade anual e também considerava as tendências de evolução da indústria e da economia nos anos seguintes. Com seu sistema de controle gerencial estabelecido, e superada a retração da indústria de 1924, a General Motors de Sloan concentrou-se, durante os anos seguintes, no seu desafio contra a líder de mercado Ford. A política de posicionamento de produtos da GM no topo de cada segmento, buscando maior percepção de qualidade, era oposta à estratégia de um único modelo básico - posicionado-o com o menor preço e maior escala - adotada pela Ford. Entre os anos de 1925 e 1927, quando a GM finalmente superou sua adversária, outras práticas contribuíram para que a GM alcançasse o topo. Em 1925, a Chevrolet reverteu a queda nas vendas que havia amargado com o copper-cooled e o reformado “490”, rebatizado como Superior, lançando um novo modelo. Sob o comando de William Knudsen, gerente geral, e Ormond E. Hunt, chefe de engenharia, a Chevrolet lançou o Modelo K, aumentado em tamanho e espaço interno, incorporando uma série de pequenas inovações em acessórios e com a nova pintura Duco. A pintura Duco foi desenvolvida em parceria entre o GM Research Labs e a Du Pont e resolveu uma das mais demoradas e custosas etapas de produção para que os modelos pudessem ser oferecidos em cores diferentes6. Com isso, o novo modelo pôde cumprir o objetivo de ocupar o topo da faixa mais baixa de preço e conquistar consumidores de outros modelos. No ano, as vendas da Chevrolet aumentaram em 64%, contra um crescimento de 18% da indústria. A participação de mercado foi de 8% para 11%, enquanto a da Ford caiu de 54% para 45%, com o volume permanecendo estável. A Chevrolet foi a principal divisão a contribuir para que a GM alcançasse o topo da indústria: suas vendas foram de 293 mil unidades em 1924 para 940 mil em 1927, ano em 6 No caso da Ford os modelos eram oferecidos apenas na cor preta, pois esta era a única cor que não exigia o uso de verniz e possuía secagem mais rápida, permitindo reduzir o tempo de fabricação do veículo. 79 que tornou-se a marca mais vendida nos Estados Unidos. Diversos fatores contribuíram para que a GM conquistasse tal posição. Segundo Sloan (1963), nos anos 1920 houve uma transição na indústria automobilística, passando do mercado de massa, que originou a produção em massa da Ford, para outro de massa em classes7. Para ele, a raiz de tal transformação pode ser resumida, sem perdas significativas, a quatro elementos que moldaram a indústria nos anos seguintes – o crédito ao consumo, a carroceria fechada, o ano/modelo e o mercado de usados. A General Motors participou de forma ativa no desenvolvimento destes elementos e tornou-se a maior empresa de sua indústria. Suas práticas se estabeleceriam como referência para os concorrentes nas próximas décadas. A General Motors não foi a primeira empresa automobilística a oferecer crédito ao consumo, porém a GMAC, criada em 1919, desenvolveu um papel de liderança nesta atividade na indústria. As políticas básicas da GMAC foram finalmente formuladas em 1925. Nos anos anteriores, a GM patrocinou estudos de crédito ao consumo, feitos pelo professor E. Seligman, que se tornaram referência para outros bancos em gestão de risco de crédito ao consumidor. Como resultado, A. L. Deane, vice-presidente da GMAC, estabeleceu um sistema de provisão para perdas que limitava boa parte dos riscos do distribuidor, em caso de não pagamento e impossibilidade de execução da garantia. Além disso, a GM criou dentro da GMAC a General Exchange Insurance Corporation (GEIC), que passou a oferecer aos compradores seguro contra danos físicos aos veículos. As vendas financiadas na indústria, em 1925, foram em torno de 65% do total, e a venda de seguros, em 1926, acompanhou 40% dos financiamentos vendidos pela GMAC. A carroceria fechada também se tornou hegemônica nas vendas de automóveis durante os anos 1920, conforme mostra o gráfico 4-1 abaixo, pois a substituição da carroceria aberta pela fechada permitiu que o veículo fosse usado em diversas condições de clima, sobretudo em regiões com inverno mais rigoroso. A GM havia adquirido 60% do controle da Fisher Body em 1919, quando a carroceria fechada representava apenas 10% das vendas da indústria, assegurando a prioridade no fornecimento de carrocerias na tecnologia em que a Fisher era a principal referência da indústria. A fusão completa da Fisher Body, tornando-se uma divisão da GM, ocorreu em 1926, em um episódio que ganhou notoriedade devido às circunstâncias que tornaram desvantajoso o contrato de garantia de compra para a GM e os altos valores negociados na compra do restante das ações (COASE,R. 2000, 2006; KLIEN, B. 2000, 2007). 7 Tradução livre dos termos “mass market” e “mass-class market” em Sloan (1963, p 150) 80 Gráfico 4-1 Evolução da participação da carroceria fechada nas vendas da indústria de 1919 a 1927 (em porcentagem) Adaptado de Sloan (1963, p 152) Após a trajetória de crescimento acelerado desde 1900, interrompido apenas por alguns poucos e esparsos anos de recessão econômica, as vendas de veículos mantiveram-se em um patamar em torno de quatro milhões de unidades por ano entre 1923 e 1928, exceção feita aos anos de 1924 e 1927, quando a recessão e a expectativa sobre o novo modelo da Ford (1927) seguraram as vendas8. Com a estabilização dos volumes, os comuns excessos de demanda em anos de crescimento deixaram de ocorrer, e o número de fabricantes de veículos nos Estados Unidos reduziu de 108 em 1920 para 44 em 1929. A nova política de produtos da GM, embora não perfeitamente implementada, evitou parte da competição entre divisões. Em 1926, as cinco divisões da GM estavam posicionadas ao longo de faixas de preços, acima da Ford, e de maneira razoavelmente separada, como mostra o gráfico 4-1 a seguir. O sucesso do Modelo K da Chevrolet evidenciou a cristalização da mudança no gosto do consumidor americano, o qual passou a valorizar o apelo de atributos de design e novos acessórios que eram incorporados nos modelos. Segundo Sloan (1963), o conceito de ano/modelo, que previa a mudança anual em toda a linha de veículos, não foi estabelecido formalmente até o início dos anos 1930, mas, na prática, a General Motors realizava mudanças anuais desde 1923 e, mesmo antes disso, ainda em 1908, novos modelos eram apresentados todos os anos nos salões e feiras espalhados pelo país. 8 Gráfico da evolução das vendas de veículos na indústria norte-americana de 1900 a 2008 em anexo. 81 Figura 4-1 Posicionamento de preço dos veículos de Ford e GM em 1926 2000 Cadillac Standard Line (6 variações) Cadillac Custom Built Cadillac 138 WB (6 variações) 1000 0 2000 Buick Standard (6 variações) Buick Master (3 variações) Buick 128 WB (6 variações) 1000 0 Peso do veículo em em Kg 2000 Oldsmobile “30” (6 variações) 1000 0 2000 Pontiac 110 WB (2 variações) Oakland “6” (6 variações) 1000 0 2000 Chevrolet Modelo K (5 variações) 1000 0 2000 Ford Modelo T (14 variações) 1000 0 Preço em U$ Adaptado de compilação da publicação Motor Age de janeiro de 1926, encontrado em Chandler (1964) A prática do ano/modelo, juntamente com a pirâmide de marcas, contribuiu para encontrar a saída de um problema enfrentado pela indústria. Em uma estimativa apresentada por Chandler (1964), o número de famílias com carros em 1926 girava em torno de 19 milhões, cerca de 77% do total de famílias. Dos veículos em circulação, cerca de 12 milhões eram Ford Modelo T. A estimativa de restar apenas 4,4 milhões de famílias ainda não motorizadas, ou seja, o equivalente ao volume de vendas de um ano para a indústria, indicava a gravidade do problema de Henry Ford em manter sua estratégia de produção em massa. A alternativa para manter as escalas de produção na indústria seguiu na direção das práticas da GM, que estimulava o consumidor a trocar seu veículo, 82 fosse para ter acesso a inovações, fosse para subir na escala de preços e demonstrar alguma melhoria de status social. Para acelerar ainda mais o declínio do Ford Modelo T, o grande número de veículos nas mãos dos americanos fez emergir um robusto mercado de veículos usados. Com novos modelos sendo oferecidos, consumidores que desejavam trocar de carros vendiam seus usados para realizar uma nova compra. Com o tempo, as lojas concessionárias e agências de crédito, dentre elas as da GM, passaram a aceitar o veículo usado como parte do pagamento de um novo e, em seguida, financiar a venda daquele usado para um novo consumidor. Assim sendo, carros usados com melhores atributos e mesmo a alternativa de um modelo igual, porém mais barato por ser usado, passaram a competir diretamente com os veículos Ford que saíam da fábrica sem inovações. Em maio de 1927, após consecutivas quedas nas vendas, Henry Ford decidiu fechar sua planta de River Rouge e a manteve sem produção por quase um ano, enquanto transformava a linha para fabricar um novo carro, o Modelo A. Desta forma, o caminho ficou livre para a Chevrolet assumir a ponta da indústria e, também, abriu espaço para desafiantes, como o Plymouth de Walter Chrysler. Segundo Sloan (1963), estas mudanças na indústria e na General Motors não foram pensadas de forma conjunta e antecipada. As decisões eram avaliadas em cada situação, como forma de resolver o problema daquele momento. O movimento como um todo e a dinâmica entre seus elementos só foram razoavelmente esclarecidos olhando para trás depois que tudo já havia ocorrido. Neste ambiente de intensa alteração na prática de fabricar e vender automóveis, diversas atividades foram ocasionalmente incorporadas à GM, de forma que suas evoluções fizeram emergir um sofisticado sistema de coordenação da atividade de pesquisa e de desenvolvimento de novos produtos. O sucesso do Modelo K desenvolvido pela Chevrolet em 1925 despertou a idéia de replicar as inovações para outros segmentos. Olhando para a pirâmide de demanda e para a linha de produtos das divisões da GM, duas lacunas entre os produtos despontavam. A mais óbvia delas era entre o topo de linha da Buick (U$ 1995) e o mais barato da Cadillac (U$ 2995). Mas, em termos de volume, o espaço entre o mais caro Chevrolet (U$ 775) e o mais barato Oldmobile (U$ 875) representava um potencial significativo. Sendo assim, o chassi e as carrocerias da Chevrolet foram adaptados para receber um motor de seis cilindros. Conforme o tema do posicionamento do novo veículo 83 foi debatido no CTG, a Oakland se manifestou interessada em receber o modelo de seis cilindros. No entanto, temendo a limitação na capacidade de engenharia da Okaland, Sloan decidiu que o desenvolvimento e o teste fossem concluídos pela experiente engenharia da Chevrolet e, somente depois, o veículo seria designado para produção à Oakland. Esta ocasião significou um importante aprendizado na coordenação de desenvolvimento de engenharia entre divisões. O novo modelo foi chamado de Pontiac e posicionado a U$ 825. Grande sucesso de vendas, esse veículo posteriormente definiu uma nova posição para a divisão, que anos depois descontinuou o Oakland e mudou de nome para Pontiac. A outra lacuna na linha de produtos da General Motors era entre Cadillac e Buick. Sloan propôs que a Cadillac adicionasse um novo veículo na faixa de U$ 2000. O gerente geral da Cadillac, Lawrence P. Fisher, havia visitado algumas concessionárias na Califórnia e descobriu um designer que, associado ao dono de uma loja, preparava carros sob medida para estrelas de Hollywood. Fisher convidou o designer Harley J. Earl a ir a Detroit trabalhar no desenvolvimento de seu novo carro. O resultado foi o La Salle, lançado em 1927 e sucesso de vendas. O La Salle marcou a história da indústria, pois foi o primeiro carro desenvolvido com participação de um designer de estilo a ser fabricado em escala industrial. O êxito da inclusão do design no desenvolvimento de novos produtos rapidamente despertou o interesse da Buick e, posteriormente, da Chevrolet. Harley Earl foi contratado pela GM para iniciar o que se tornaria gradualmente o staff de estilo. Em 1928, quando a Ford lançou o Modelo A, a General Motors vendeu mais de 1,7milhão de veículos, sendo a Chevrolet responsável por mais de 65% desse volume. O sucesso das práticas nas áreas de engenharia e de organização de vendas na Chevrolet, e os desenvolvimentos de estilo na Cadillac fizeram com que Sloan iniciasse uma tentativa de replicar boas práticas para o restante da organização. O. E. Hunt, chefe de engenharia, e Richard Grant, responsável pela área de vendas, foram promovidos a vicepresidentes das áreas de engenharia e vendas, respectivamente. O staff de operações era restrito, nesta época, às atividades de pesquisa avançada no GM Research Labs, às atividades de testes do campo de provas e à recém-criada sessão de estilo de Harley Earl. Com Hunt à frente do CTG, o comitê passou a coordenar grupos de estudos de projetos de produtos especiais. Estes grupos eram executados por equipes de força- 84 tarefa formadas por membros das divisões, tendo eventuais despesas custeadas pela corporação. O primeiro grupo a ser formado por Hunt, em 1929, foi incumbido de adaptar um Chevrolet para ser produzido pela subsidiária Vauxhaull, adquirida na Inglaterra em 1925. O mesmo grupo desenvolveu também um carro para a subsidiária Opel, adquirida na Alemanha, em 1929. Gradualmente foram formados grupos de estudos de partes dos veículos, como suspensão, transmissão e motor. Assim, as atividades dos grupos, apesar de freqüentemente serem executadas nas divisões, foram sendo transferidas para uma emergente organização de pesquisa e desenvolvimento em quatro áreas vitais: desenvolvimento de transmissões; desenvolvimento de estruturas; desenvolvimento de suspensão; e design e novos tipos de carros. Ao final de 1928, a General Motors tinha motivos para comemorar seu desempenho na década. De um início em crise, com prejuízo, queda nas vendas e na participação de mercado, a General Motors passou a ser líder em vendas e em lucros. Seus modelos faziam sucesso no mercado, com a participação saindo de menos de 20% para mais de 40%. Todo esse desempenho encheu o orgulho e o bolso dos gerentes. Em 1923, John Raskob havia criado, além do plano de bônus para os empregados, a Managers Securities Company (MSC), uma empresa com o objetivo de aumentar o vínculo de propriedade de alguns gerentes com a General Motors. O sistema foi estruturado da seguinte maneira: a MSC comprou um lote de ações da General Motors a um preço pré-estabelecido e pagou emitindo títulos de dívida pré-fixados, com prazo de oito anos, e comprados pela própria GM. Paralelamente, a MSC emitiu ações que foram oferecidas a um seleto grupo de 80 gerentes. Ao optar por comprar sua cota, um gerente pagaria uma entrada em dinheiro e o saldo no prazo de oito anos, podendo usar futuros bônus e dividendos da GM para isso. Os 80 gerentes eram indicados por seus superiores e aprovados por um subcomitê do conselho de administração. Durante o prazo do programa, o gerente passaria por avaliações anuais, e a GM poderia recomprar as ações dos gerentes caso este pedisse demissão ou tivesse um baixo desempenho. Ao final de oito anos, os gerentes poderiam resgatar suas cotas compradas no começo do programa, recebendo-as na forma de ações da GM em seu preço corrente. Ainda em 1928, o conselho de administração assistiu à saída de seu presidente Pierre du Pont e de John Raskob. Raskob decidiu participar da campanha presidencial do partido democrático e foi pressionado por Sloan e outros membros do conselho a optar entre a GM e a política. Pierre du Pont tentou defender a continuidade de seu ex- 85 tesoureiro, mas diante da irredutibilidade de Sloan e dos demais membros do conselho, decidiu acompanhar a renúncia de John Raskob. No lugar de Pierre du Pont assumiu outro membro da família, Lammont Du Pont, e a presidência do CF passou para Donaldson Brown. Uma das primeiras medidas tomadas pelo conselho de administração sob o comando de Lammont Du Pont foi antecipar o resgate da MSC para 1929, a fim de iniciar outro programa semelhante, desta vez através da Management Corporation (MC), que ampliou o número de gerentes contemplados de 80 para 250. Os gerentes beneficiários do programa realizaram lucros enormes, uma vez que compraram suas cotas em uma época de baixa e praticamente não tiveram que desembolsar o restante das parcelas, já que os próprios dividendos distribuídos foram suficientes para a amortização. 4.1.8. A grande depressão e a consolidação dos comitês O ano de 1929 apresentou em boa parte uma aceleração do crescimento da indústria. As vendas atingiram o volume recorde acima de 5,3 milhões, elevando o patamar de quatro milhões nos anos anteriores. A General Motors também fechou o ano com recorde em vendas, cerca de 1,8 milhões de veículos, mas sua participação de mercado caiu de 39% para 34%. A Ford, com seu Modelo A, ficou próxima dos 30%. Em maio de 1929, porém, o sistema de revisão decenal da projeção de vendas da GM antecipou a sutil inversão nas tendências de evolução do mercado. Três semanas antes da quebra da bolsa de Nova York no final de outubro, Sloan havia alertado acionistas sobre a perspectiva de um longo período de queda na rentabilidade. A grande depressão iniciada no final de 1929 produziu conseqüências devastadoras na indústria automobilística. O volume de vendas caiu 72% entre 1929 e 1932, chegando ao nível de 1,9 milhões de unidades. Dos 44 fabricantes no início dos anos 1930, somente oito mantiveram-se em atividade até o final da década. A General Motors também viu sua operação encolher, entretanto, os controles gerenciais desenvolvidos ao longo dos anos 1920 permitiram que a GM atravessasse a mais grave crise econômica da história dos Estados Unidos sem apresentar prejuízos em um ano sequer. Apesar da natureza de altos custos fixos e mantendo a operação apenas a 30% da capacidade, a GM, com seu standard-volume, conseguiu produzir um lucro de U$ 165 mil em 1932, o pior ano da depressão. A participação de mercado subiu para 38% durante 86 a crise, e a quase totalidade dos baixos lucros gerados foram distribuídas em dividendos, que também tiveram seu nível reduzido em relação aos anos anteriores. Para lograr tal resultado, novos investimentos foram praticamente eliminados da pauta do CE, dado que as perspectivas de retorno eram quase nulas. No ano de 1932, foram gastos apenas U$ 5 milhões em novos equipamentos nas plantas, enquanto nos cinco anos entre 1930 e 1934 gastos como estes totalizaram U$ 81 milhões. Durante a depressão, alguns equipamentos ociosos foram retirados da linha, e o desenvolvimento de produtos que envolviam novas tecnologias também foi suspenso. Por exemplo: o uso de vidros laminados que havia sido lançado no Modelo A da Ford era considerado uma melhoria significativa em termos de segurança em relação ao vidro comum, que era utilizado até então. Sloan resistiu durante três anos à adoção da nova tecnologia de vidros, alegando que o consumidor não iria pagar a mais pela inovação e, conseqüentemente, o valor teria de sair do bolso do acionista. Ainda antes da quebra da bolsa de valores, em setembro de 1929, a GM deu mais um passo na construção de sua estrutura corporativa. O CO, que reunia os gerentes gerais das divisões, passou a ter sessões conjuntas com o CE, mas os representantes das divisões foram substituídos pelos executivos que haviam sido recém-promovidos aos cargos de vice-presidentes, responsáveis pelos staffs de finanças e operações. Desta forma, o CO foi composto da seguinte maneira: John T. Smith, Albert Bradley, Richard Grant e Ormond Hunt, que eram respectivamente vice-presidentes de assuntos jurídicos, finanças, vendas, engenharia. Juntou-se a este grupo Charles E. Wilson, um engenheiro que havia apresentado excelentes resultados na divisão Delco-Remy, galgando posições e chegando ao topo em 1925, quando foi nomeado vice-presidente de operações. Em junho de 1931, Alfred Sloan determinou a criação de grupos consultivos. Segundo o próprio Sloan (1963), este seria o primeiro passo para a nova organização que tinha em mente. Os grupos consultivos foram a transição entre os grupos de estudos de projetos especiais, formado por membros das divisões, para o que ficou conhecido posteriormente como staff de operações ou staff corporativo. Estes grupos passaram a operar através dos comitês gerais no levantamento de fatos e dados, análise e proposição de políticas para o CO e a CE. Apesar da grave situação da economia, a General Motors manteve suas divisões de automóveis operando, apenas com a troca do nome Oakland por Pontiac. Contudo, diante do aprofundamento da recessão, em março de 1932 o CO apresentou uma 87 proposta para reformular a política de produtos da GM. Com a aprovação, o sofisticado arranjo de divisões, que formava a pirâmide de marcas e havia sido grande sucesso na década de 1920, sofreu mudanças radicais. As atividades de produção da Chevrolet e da Pontiac foram unificadas e colocadas sob o comando de William Knudsen. As áreas de vendas das marcas que disputavam os segmentos intermediários, Buick, Oldsmobile e Pontiac, foram fundidas em uma única organização denominada com a sigla BOP. As lojas concessionárias das três bandeiras passaram a vender os modelos dessas divisões. A decisão do CE da General Motors foi uma resposta ao entendimento de que, com a recessão, o mercado anteriormente já reduzido, concentrava-se ainda mais em veículos menores e mais baratos – 73% em 1932 contra 52% em 1926. Com isso, o plano de diferenciar marcas em função de tamanho e sofisticação de acessórios foi trocado por outro que teve como objetivo unificar chassis e carrocerias em somente três tamanhos, a serem usados de forma comum entre as divisões, otimizando lotes de compra e o processo de produção. A diferenciação entre as marcas se daria através da sessão de estilo, que à época já estava integrada às atividades de desenvolvimento e possuía em seu espaço, no prédio da GM Resarch Labs, estúdios e equipes dedicados a cada divisão. A única divisão de veículos a permanecer intacta foi a Cadillac, que dispunha de distinção especial de sua marca, embora viesse perdendo mercado para a luxuosa concorrente Packard. Em Junho de 1932, com as vendas em baixa, o CE considerava a hipótese de replicar a estratégia de concentrar as vendas em produtos posicionados com preços mais baixos, neste caso, abandonando os modelos superiores da Cadillac e mantendo esforços sobre o La Salle. Entretanto, uma proposta alternativa emergiu de dentro da divisão. Sabendo da intenção do CE em descontinuar o topo da linha da Cadillac, o ex-mecânico e gerente de serviços da divisão, Nicholas Dreystadt, pediu uma reunião com Sloan e Brown. Do contato com a rede de distribuição, Dreystadt tinha aprendido que o Cadillac era um grande parâmetro de sucesso para uma pequena burguesia de negros emergente nas cidades americanas. A venda de Cadillac, assim como outros bens e serviços de luxo, era proibida para negros nos Estados Unidos, mas comumente eles pediam a intermediação de brancos para comprarem um Cadillac, o qual passou a ser uma das poucas formas de demonstração de status para essas pessoas. Dreystadt ganhou um prazo de 18 meses para estabelecer este mercado e, em 1934, a Cadillac já estava de volta aos lucros. 88 Com o anúncio de Lammont Du Pont, em 1933, de que ele e a Du Pont deixariam de ocupar a presidência em favor de Sloan, novas alterações no quadro de executivos foram realizadas. Um novo grupo de gerentes assumiu o posto principal nas divisões, em substituição aos que foram promovidos para compor a estrutura corporativa que se formava ou se aposentaram. As divisões passaram a responder diretamente a William Knudsen, promovido da Chevrolet para ocupar o novo cargo de vice-presidente de operações e que seria o representante das divisões nos comitês da GM. Alfred Sloan passou a acumular as presidências do conselho de administração e da General Motors, o que lhe fazia também presidente do CE. Esta movimentação foi também uma sinalização de um plano de sucessão que colocou Knudsen como sucessor natural de Sloan. Em 1934, a indústria apresentava indícios de recuperação. Apesar das vendas ainda serem inferiores ao patamar de antes da crise, o ano fechou com um aumento de 44% no volume em relação ao ano anterior – o dobro se comparado ao pior momento da crise, dois anos antes. Com isso, a General Motors desfez a unificação de atividades das divisões, como a BOP e a produção conjunta entre Chevrolet e Pontiac. Entretanto, a comunização de chassis e carrocerias em três versões de tamanho (A, B e C) foi mantida. O A body, como era chamado, era usado pelos modelos da Chevrolet; o B body, pela Pontiac, Oldsmobile e Buick; e o C body, por Cadillac e os modelos maiores de Buick e Oldsmobile. Desta forma, a diferenciação entre as marcas continuou a depender em grande parte do design. Ainda em 1934, uma nova mudança na estrutura marcou a evolução da gestão corporativa da General Motors para o sistema que posteriormente ganhou notoriedade, chamado de “gestão por políticas”. Os primeiros grupos de políticas foram criados em outubro de 1934. Eram eles: Grupo de Política de Engenharia (GPE) e Grupo de Política de Preços (GPP), ambos evoluções naturais dos comitês de política liderados pelos vicepresidentes de engenharia (CTE) e de vendas (CGV). A diferença entre os grupos de políticas e seus predecessores era a eliminação da participação formal dos gerentes das divisões e, conseqüentemente, na formulação de políticas. Os membros das divisões foram substituídos por executivos de staff, cuja formação iniciara-se em 1931 com a formação dos grupos consultivos. Participavam ainda outros executivos corporativos, incluindo o presidente da GM. As divisões ficaram com a responsabilidade administrativa de implementar as políticas aprovadas. 89 Esses grupos de políticas respondiam para o CE e não possuíam autoridade sobre as divisões, nem aprovavam políticas. Sua responsabilidade era coordenar a formulação de políticas para a corporação e submetê-las ao CE, que possuía autonomia para aprovar, recusar ou solicitar alterações. Entre 1934 e 1937 nove grupos de política foram criados, divididos em conjuntos de dois tipos: aqueles cujo nome indicava uma área funcional – Engenharia, Distribuição, Pesquisa, Recursos Humanos e Relações Públicas; e outros cujo nome se referia a uma operação propriamente dita – Mercados Externos, Canadá, Motores Gerais e Utilidades Domésticas. O primeiro conjunto era mais relacionado à atividade automotiva, e os trabalhos eram conduzidos pelo staff relacionado à determinada funcionalidade. O segundo conjunto funcionava sob a responsabilidade de um executivo de grupo que coordenava um staff dedicado àquela operação. Os grupos de políticas, em especial o de GPE, foram a forma que a GM encontrou para coordenar as atividades das divisões, cujos veículos eram compostos de uma grande quantidade de componentes, com fornecedores internos e externos, e que possuíam evoluções tecnológicas independentes. Além disso, as linhas das divisões deveriam se diferenciar umas das outras em relação ao estilo, sendo que cada modelo de veículo tinha de ser renovado ano a ano. Em sua autobiografia, Sloan (1963) descreve um procedimento para desenvolvimento de novos modelos que, segundo ele, foi formalizado a partir do GPE por volta de 1935 e consolidou diversas práticas de desenvolvimento de produtos, emergentes desde a década de 1920, em um sistema em que o staff de engenharia por meio do GPE coordenava as ações das várias áreas envolvidas em pesquisa, estilo, fabricação e comercialização de veículos. Ainda de acordo Sloan (1963), o protocolo que ele descreve passou por revisões de tempos em tempos, mas de maneira geral manteve a base até a década de 1960, quando ele se afastou da GM. Anualmente os veículos eram remodelados, adotando novos atributos de design, de acabamento e de acessórios. Outras alterações mais profundas em sua estrutura de chassi, carroceria e mecânica também ocorriam, mas estas geralmente possuíam um intervalo maior, de quatro a seis anos. O ciclo de desenvolvimento para troca do ano/modelo levava cerca de dois anos. O primeiro ano se concentrava na definição do design e na preparação dos programas de lançamento, quando uma elaborada seqüência de aprovações consolida uma proposta de design interno e externo para toda a linha da GM, além de todo orçamento de custos e investimento para produção e comercialização. 90 No segundo ano, as divisões implementavam o sistema de produção e realizavam testes de desempenho e durabilidade dos novos modelos. O fluxo dos processos para desenvolvimento de novos modelos é apresentado a diante. De acordo com Sloan (1963), a seqüência de revisões do desenvolvimento do design dos produtos na primeira metade do ciclo apresentado minimizava a chance de ocorrer desistência ou mudanças radicais em uma etapa mais avançada do desenvolvimento de um veículo, embora eventualmente isto tenha ocorrido. O processo também poderia ser acelerado em relação a um ou outro modelo, em virtude de algum lançamento feito por um concorrente. A descrição do processo deixa claro também como ocorria a separação das atividades de formulação de políticas nos grupos e comitês e a administração da divisão. Apesar de não participar diretamente na materialização das idéias para a nova linha, segundo Sloan (1963), havia um processo de feedback informal que ocorria antes e durante o desenvolvimento, entre os engenheiros do staff e das divisões. Além disso, os gerentes das divisões eram eventualmente convidados a participar das reuniões do staff de engenharia que diziam respeito a seus produtos. Assim, estabelecia-se uma dinâmica de persuasão mútua e negociação de consenso sobre conceitos técnicos e de estilo a serem implementados. Com a redução do investimento em novas tecnologias, em função da grande depressão, alguns concorrentes passaram a construir uma reputação com o lançamento de inovações, como o compacto de motor V-8 lançado pela Ford. A resposta da GM foi concentrar-se no desenvolvimento de novos desenhos para seus veículos. Por exemplo, em 1932, a sessão de estilo sugeriu que o porta-malas fosse montado já na estrutura da carroceria, cobrindo o tanque de gasolina, e não pela fixação de um suporte como era utilizado. O teste foi feito com o Cadillac naquele ano e replicado para a Chevrolet no ano seguinte. Diante da boa aceitação, outros modelos foram incorporando o novo desenho. O mesmo ocorreu em 1934, quando a indústria siderúrgica desenvolveu folhas de aço de 80 polegadas de largura. O teto feito em aço anteriormente havia sido rejeitado devido ao barulho causado pela vibração. Com a nova tecnologia, os “turret tops” começaram a equipar os veículos da GM em 1834 e logo se tornaram grande sucesso. 91 Figura 4-2 Fluxograma do processo de desenvolvimento de novos modelos entre 1935 e 1962 Staff de Finanças (Comitê de política Financeira) Aprovação da FPC Executivos corporativos (comitê executivo) Aprovação do EC Staff de engenharia (Comitê de política de engenharia) Staff de estilo Análise das inovações das divisões, staffs e laboratórios Aprovação do estilo dos modelos em argila Kickoff meeting: diretrizes gerais de estilos e programas Feedback informal sobre modelos anteriores junto às divisões Preparação dos modelos de argila em tamanho real Preparação de modelos em plástico Aprovação do estilo para toda a linha Preparação de modelos em plástico reforçado Aprovação das medidas de chassis Divisão de veículos testes corporativos realizado no campo de provas para identificação de falhas Ajuste de detalhes de acabamento, instrumentos e acessórios junto as divisões de veículos Estimativas de custo de fabricação de peças, ferramentas e preparação das fábricas Início da produção de ferramentas para linha piloto de protótipos Estimativas de custo de peças e investimentos para produção e comercialização Desenho de peças distribuídos aos departamentos para estimativas de custo de fabricação Aprovação de medidas da carroceria Fisher Body Aprovação dos programas de novos modelos Carrocerias usadas para protótipos Planejamento e seqüenciamento das operações de manufatura Protótipos artesanais de chassis Testes de rodagem de protótipos para correção de erros Comitê decide comprar ou fazer Engenharia de produção consulta engenharia dos fornecedores Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Fonte: adaptado do processo descrito em Sloan (1963, p. 240-246) 92 10 11 12 13 14 Início da fabricação dos modelos Preparação da linha de montagem Planejamento e seqüenciamento das operações de manufatura e montagem 15 16 17 18 19 20 Preparação da linha de montagem 21 22 Início da fabricação dos modelos 23 24 Início das vendas Mesmo com investimento em inovações de engenharia andando em ritmo lento, em virtude da crise, a ligeira melhora do mercado a partir de 1933 despertou a busca por inovações mecânicas nas engenharias das divisões. Em 1934, a Cadillac desenvolveu a primeira transmissão automática a ser produzida em escala industrial, lançando o câmbio hidramático. Simultaneamente, outras inovações foram gradualmente sendo apresentadas pelas divisões, como, por exemplo, transmissão automática para caminhões, suspensão dianteira independente, suspensão tipo wishbone, câmbio semiautomático e transmissão I.V. Até o ano de 1937, quando o volume de vendas se aproximava do nível de cinco milhões de veículos atingidos em 1929, o desenvolvimento de inovações de design e engenharia havia se tornado o principal meio de competição perseguido pelos fabricantes de veículos. Com isso, a sessão de estilo da General Motors criou mais uma ferramenta para ajudar no desenvolvimento de novos conceitos de design. Em 1937, a Buick e o staff de estilo lançaram a idéia de exibir um carro com conceitos de design experimentais durante o salão do automóvel e perceber qual era a reação do público. Os conceitos apresentados em protótipos experimentais não seriam lançados na linha de produtos daquele ano, mas contribuíam no desenvolvimento de modelos futuros na medida em que permitiam ao designer ter uma idéia melhor sobre o gosto do consumidor. O início da recuperação da economia americana ao final da primeira metade dos anos 1930 fez com que outros negócios não automotivos da General Motors, iniciados timidamente durante a década de 1920, também prosperassem. Um desses negócios era a Frigidaire. Durante a década de 1920, quando a Frigdaire foi incorporada à Delco, diversas melhorias desenvolvidas pela equipe de pesquisa do GM Research Labs, como em materiais para isolamento térmico e gases de resfriamento, tornaram o produto mais eficiente, leve e barato. Em 1928, a atividade fabril da Frigidaire já havia sido removida da planta de Northway para Moraine e, em 1933, tornou-se uma divisão dentro da GM. A General Motors também havia decidido diversificar sua atividade para a indústria aeronáutica, temendo que o surgimento de um avião de baixo custo pudesse ameaçar o negócio automotivo. Em 1929, com um investimento de U$ 23 milhões, três empresas foram adquiridas, duas apenas por meio de participação acionária e outra por completo. A GM adquiriu 40% da fabricante de aeronaves Fokker Airkraft Corporation of American. Em 1933, a Fokker fundiu-se com a General Aviation Manufacturing Corporation, formando a holding North American Aviation, da qual a GM passou a ter 30% . Outra empresa de 93 relativo sucesso na fabricação de aviões foi a Bendix, sobre a qual a GM adquiriu 24% das ações. Além dessas, a GM também adquiriu integralmente a Allisson Engineering Company, uma empresa pequena, com cerca de 200 empregados e que custou pouco mais de U$ 500 mil. O relacionamento da General Motors com essas empresas era limitado. Em duas delas, representantes da GM apenas ocupavam um assento no conselho de diretores, enquanto a Allisson permaneceu como um investimento em engenharia, tentando desenvolver motores para aviões pequenos. Durante a grande depressão, a principal alteração nos investimentos da GM em aviação foi a determinação judicial, após a aprovação do Air Mail Act em 1934, que obrigou a North American a se desfazer de participações em empresas operadoras de transporte aéreo, como a Eastern Air e a Trans World Airlines (TWA), usadas para controlar a fabricação e a operação de aeronaves. As ações das empresas de transporte aéreo foram distribuídas aos acionistas da North American, dentre eles a GM, que recebeu 13% das ações da TWA e as vendeu em 1935. Apesar dos negócios na indústria aeronáutica caminharem de forma razoável durante os anos 1930, ao final da década, com o início da Segunda Guerra Mundial, as três empresas nas quais a GM havia investido começaram a apresentar resultados que indicavam o período de lucros que estaria por vir. Outra atividade não ligada ao automóvel na qual a General Motors se aventurou e teve uma importante evolução durante os anos 1930 foi a inauguração da indústria de locomotivas a diesel. Charles Kettering, chefe do GM Research Labs, já havia estudado motores a diesel no início da década de 1920, mas foi em 1928, após comprar para si um iate, que o interesse pelos problemas desta tecnologia de motores chamou-lhe a atenção. Uma equipe de engenheiros de Kettering realizou testes com todos os motores a diesel oferecidos no mercado e, depois dos estudos realizados, combinou algumas soluções já conhecidas a um sistema de injeção de combustível e a uma bomba de alta precisão capaz de injetar o diesel em alta pressão, viabilizando um motor de dois tempos (twocycle) de alta velocidade. Ao longo de 1930, a GM adquiriu duas empresas associadas, a Winton Engine Company e a Electro-Motive Engineering Company, que desenvolviam e fabricavam motores a diesel, especialmente para barcos. Por um tempo, as duas empresas operaram como antes de serem adquiridas, mas em 1932, Charles Kettering decidiu fabricar um motor a diesel de dois tempos, com oito cilindros, que produziriam 600 cavalos de potência, pensando que haveria boa utilidade 94 aplicando-o para gerar energia durante a exposição da World’s Fair de Chicago, em 1933. Antes mesmo de o novo motor ser completado, Ralph Budd, presidente de uma empresa operadora de estradas de ferro, ficou sabendo por um amigo sobre as intenções de Kettering e pediu que o motor equipasse um trem articulado para o transporte de passageiros. Kettering resistiu à idéia, por se tratar ainda da primeira versão, mas a insistência de Ralph Budd o convenceu e, em 1934, o motor estava pronto para ser testado. Após alguns ajustes, o motor apresentou um desempenho surpreendente de velocidade e de custos de operação em relação à alternativa de locomotivas a vapor, a gasolina ou elétricas. Antes mesmos dos testes finais, Charles Budd já havia encomendado motores maiores e com o dobro da potência para locomotivas maiores, sendo entregues a partir de 1935. Rapidamente os motores de Kettering tornaram-se sucesso entre empresas ferroviárias, que começaram a pedir que a Winton fornecesse locomotivas completas e não apenas os motores. Em 1935, Charles Kettering e Harold Hamilton, presidente da Winton que permaneceu no cargo após a aquisição, decidiram iniciar uma nova planta para fabricação de locomotivas a diesel. A fábrica ficou pronta em 1938, em La Grange, Illinois, quando a Winton, cujo nome mudou para Cleveland Diesel Engine Division (CDED), passou a fornecer locomotivas e carros de movimentação de vagões. Apesar da recuperação da economia e dos negócios da GM na segunda metade dos anos 1930, a grande depressão teve um efeito severo sobre um dos mecanismos criados pela GM para motivar seu corpo de gerentes. No meio do período de recessão, em 1933, a queda nos preços das ações e a redução dos dividendos fizeram com que muitos gerentes ficassem temerosos com o risco de não ser possível recuperar o investimento que vinha sendo feito no programa de compra de ações. Sloan pediu para que o CF analisasse a possibilidade de realizar alterações no programa a fim de aliviar a possibilidade de perdas para os gerentes, que já vinham tendo seus bônus compulsoriamente absorvidos pela GM para o pagamento das parcelas do plano. No ano seguinte, a estrutura do plano incorporou algumas mudanças, reviram valores a serem pagos pelos gerentes e, principalmente, constituiu um fundo que criava uma provisão para ressarcimento dos gerentes em caso de as ações estarem desvalorizadas no momento do resgate. Ao final de 1935, com a economia sinalizando uma recuperação, a General Motors, após realizar um estudo da capacidade de suas fábricas que haviam sido 95 reduzidas durante a depressão, aprovou um tímido programa de expansão, no total de U$ 50 milhões. No ano seguinte, o problema de falta de capacidade persistiu: a Chevrolet, cujas vendas voltaram a ultrapassar a casa de um milhão de veículos em 1935 e 1936, teve problemas em atender a demanda, e outras fábricas da GM, incluindo as divisões não-automotivas, passavam por dificuldade semelhante. Isso e mais a tendência de redução da jornada semanal de trabalho levaram a GM a aprovar mais um programa de U$ 60 milhões para ampliação e modernização de plantas, que foi implementado em dois anos. Em maio de 1937, o conselho de administração aprovou uma mudança na estrutura de comitês no topo da organização. A mudança arquitetada por Sloan e Lammont Du Pont reduziu o número de integrantes do Conselho de Administração, para que este pudesse se reunir mensalmente, e unificou os Comitês de Finanças (CF) e Executivo (CE), transformando-os no Comitê de Política (CP). Além disso, o CO foi substituído pelo Conselho de Administração (CA) e passou a ser formado inteiramente pelos gerentes das divisões. Desta forma, a nova dinâmica da formulação de políticas ficou da seguinte maneira: os grupos de políticas, formados exclusivamente por executivos corporativos e de staff, continuavam subordinados ao CE, estudando e formulando propostas de novas políticas. As propostas formuladas nos grupos eram encaminhadas antes para o CA, que não tinha poder para aprová-las e apenas encaminhava para o CE, acompanhadas de recomendações de aprovação, alteração ou rejeição. Por fim, já apontado como natural sucessor para o comando da GM, William Knudsen foi promovido a presidente, enquanto Sloan ainda permanecia como presidente do Conselho de Administração e do CP. 4.1.9. Relações trabalhistas e a greve de ocupação de 1936-1937 (sit-down strike) Os anos de depressão econômica foram sofridos para o trabalhador americano das linhas de produção da indústria automobilística. O número de empregados, que era de 470 mil em 1929, caiu pela metade, e a média do salário semanal foi de U$ 33 para U$ 20. Como tentativa de reverter a forte recessão, em 1933, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, eleito no ano anterior, deu início à sua política do New Deal. A política consistiu na criação de agências e regulamentações que visaram intervir em setores da economia, como bancos, agricultura e indústria e gastos públicos, na tentativa de coordenar uma recuperação do crescimento. Um das ações lançadas pelo New Deal 96 foi a aprovação do National Industry Recovery Act. (NIRA), que teve como objetivo estabelecer critérios para assegurar empregos e salários, dentre eles a redução da jornada semanal e o fim do trabalho infantil. A operacionalização do NIRA começou com a criação do National Recovery Administration (NRA), que teria a incumbência de intermediar empresas e trabalhadores na criação de novos códigos. A reação da General Motors ao NIRA foi a de aparentar apoio, enquanto agia discretamente para minar sua legitimidade. Publicamente, assim como várias outras grandes empresas, a GM aderiu à campanha em favor da criação de códigos de competição justa na indústria e da geração de empregos, exibindo o adesivo de membro do NRA em seus produtos e adotando o teto para jornada de trabalho de 48h semanais. No entanto, o NIRA previa também o estabelecimento de negociações coletivas dos contratos de trabalho, o que era um assunto considerado de alto risco. Assim sendo, a GM também passou a financiar, através de seu acionista controlador, Du Pont, a American Liberty League (ALL), que foi fundada em 1934 para fazer oposição ao NIRA e ao presidente Roosevelt. A ALL não obteve sucesso em evitar a reeleição do presidente em 1936, porém, em 1935 o NIRA foi considerado inconstitucional pela suprema corte dos Estados Unidos, por interferir, por meio da fixação de salários, na soberania dos estados para regulação do comércio dentro de seus territórios. A aprovação do NIRA despertou a movimentação dos trabalhadores americanos no sentido da organização sindical. A principal organização sindical americana para os trabalhadores da indústria era a American Federation League (AFL), fundada em 1881 para representar o interesse dos sindicatos dos artesãos. A AFL teve dificuldades em exercer uma representação plena dos interesses dos operários da indústria automobilística até meados da década de 1930, pois o surgimento das técnicas de produção em massa, levando ao uso intenso de mão-de-obra não-qualificada, ia de encontro ao princípio da valorização da qualificação do artesão, grupo hegemônico na AFL. A despeito das deficiências da AFL, a General Motors não se limitou a assistir à distância as tentativas de organização dos trabalhadores. A partir de 1933, a GM contratou agências de detetives, dentre elas a Pinkerton, e infiltrou agentes disfarçados em suas linhas de produção. De acordo com Cray (1980), a GM se tornou a maior empregadora de detetives dos Estados Unidos entre 1933 e 1936, gastando algo em torno de U$ 1 milhão pelo serviço de não menos do que 15 agências. 97 A resposta do presidente Roosevelt à derrubada do NIRA foi a aprovação do National Labor Relations Act (NLRA), também conhecido como Wagner Act, em julho de 1935. A nova legislação assegurou o direito do trabalhador de filiar-se ao sindicato, proibindo qualquer reprimenda por parte do empregador, e estabeleceu a negociação coletiva entre o empregador e um representante de escolha da maioria dos empregados. O NLRA estabeleceu também a criação do National Labor Relations Board (NLRB), conselho responsável por fiscalizar e investigar suspeitas de violação da nova legislação. Assim como o NIRA, o NLRA também seria questionado judicialmente. A decisão final da Suprema Corte americana ocorreu somente em 1937 e, desta vez, foi em favor da legislação. Porém, antes mesmo do reconhecimento definitivo, as novas regras produziram um grande impacto na relação com empregados na General Motors e no restante da indústria. Com a porta novamente aberta, sindicatos ligados à AFL retomaram suas atividades para organizar a representação dos trabalhadores. Em maio de 1935, um grupo de sindicatos organizou dentro da AFL o Congress of Industrial Organization (CIO), como forma de tentar centralizar os interesses dos trabalhadores das indústrias. No processo de criação do CIO, foi formado o United Auto Workers (UAW) para ser o sindicato que representaria o interesse dos trabalhadores da indústria automobilística. Em 1936, a AFL tentou impedir a formação do grupo dentro de sua organização, no entanto, a posição contrária da AFL teve efeito inverso e contribuiu para fortalecer o CIO, que passou a se organizar fora da AFL. Os esforços do CIO se concentraram inicialmente sobre a indústria siderúrgica, mas o UAW decidiu não esperar a liderança do CIO para se estabelecer como representante dos trabalhadores e em 1936 mobilizou os operários para estabelecer a negociação com as montadoras. O UAW escolheu a General Motors como primeiro alvo9, dentre as três grandes fabricantes, em sua estratégia para ser reconhecida pela indústria automotiva. Uma greve foi planejada para iniciar em janeiro de 1937, após o pagamento do bônus de final de ano, que ajudaria as famílias dos operários durante a greve. Os planos do UAW apontavam para a planta N° 1 da Fisher em Flint que, por concentrar a pintura das carrocerias nos novos modelos para 1937, poderia rapidamente parar boa parte da produção da General Motors. A idéia de realizar uma greve contra a GM na cidade de Flint não era uma tarefa 9 Segundo Rubenstein (2001), a Ford foi descartada pelos métodos violentos de repressão de seus agentes de segurança. A Chrysler, que seria uma escolha mais lógica, já havia organizado negociações coletivas com a representação sindical da AIWA 98 fácil. A GM empregava um quarto de toda a população da cidade, possuía grande influência sobre a prefeitura e a polícia da cidade e seus detetives infiltrados ocupavam inclusive dois assentos no comitê local do UAW. Ao final de 1936, o UAW teve dificuldades em conter o ímpeto dos trabalhadores de iniciar a greve. A reeleição de Roosevelt e as vitórias que outras organizações locais do UAW vinham conseguindo em plantas de fornecedores e da própria Fisher, em outras cidades como Detroit e South Bend, Clevland, Atlanta e Kansas City, ameaçavam se espalhar por outras plantas antes de o UAW estar pronto em Flint. O UAW acelerou a realização da primeira manifestação de greve em 30 de dezembro de 1936, ocupando as plantas N° 1 e N° 2 em Flint. A notícia da greve se espalhou e trabalhadores de fábricas da GM em outras cidades também organizaram paralisações no início de janeiro. A General Motors entrou na justiça e obteve um mandado de segurança para desocupação das plantas. Porém, antes que o mandado fosse cumprido, o UAW reverteu a decisão ao comprovar que o juiz havia violado a lei, pois era detentor de ações da General Motors. Em 11 de janeiro, um conflito com a polícia de Flint iniciou-se na planta N°2 quando membros do UAW tentaram forçar a entrega de comida para os grevistas. A ação dos policiais e a reação dos grevistas deixaram 14 feridos e isolou os trabalhadores de volta ao interior do prédio. Diante dos atos de violência, o prefeito de Flint recorreu à ajuda do Governador de Michigan, Frank Murphy. Este, por sua vez, respondeu com o envio e 1200 homens da Guarda Nacional com a orientação de posicionarem-se em escolas próximas às plantas, apenas para evitar que alguém mais se ferisse. Temendo o possível esfriamento da greve, o UAW organizou a ocupação de uma terceira planta da GM, mas, dessa vez, para evitar a violência, o sindicato executou uma manobra para despistar os agentes infiltrados da GM. Em 1 de fevereiro, o UAW anunciou os planos de greve em duas pequenas fábricas de componentes em Flint e, enquanto a polícia se movimentava para antecipar a ocupação, o UAW direcionou os trabalhadores para a Chevy – 4, que fabricava todos os motores para os veículos da Chevrolet. Com isso, a greve de ocupação seria capaz de paralisar grande parte da operação em questão de dias. A General Motors conseguiu novamente na justiça um mandado para a desocupação de suas fábricas, o qual foi encaminhado para que o governador executasse a decisão. Diante da possibilidade de um conflito entre grevistas e a Guarda Nacional resultar em um banho de sangue, o governador recusou-se a cumprir a decisão da justiça, 99 e a General Motors viu-se, então, forçada a aceitar reivindicações do comando da greve. O acordo entre a GM e o UAW reconheceu o sindicato como representante de 17 plantas principais da GM para um mandato de seis meses. Além disso, o UAW poderia livremente realizar a filiação de trabalhadores nas fábricas, o que a permitiria ser eleito representante nas negociações futuras. Apesar das seis semanas de greve no início de um ano que foi o segundo melhor desempenho em vendas da indústria até então, atrás somente de 1929, a GM conseguiu fechar 1937 com um crescimento 2% nas vendas. A Chevrolet foi a divisão mais afetada pela greve, a única a não aumentar o volume de vendas em relação a 1936, fechando com queda de 7%. Com isso, a participação de mercado da GM recuou em 2%, para 38%, e os lucros que haviam totalizado U$ 238 milhões em 1936, ultrapassando pela primeira vez na década a marca dos U$ 200 milhões, recuaram para U$ 196 milhões. Com a vitória, o UAW abriu caminho para se estabelecer como representante dos trabalhadores também nas demais fabricantes de veículos e peças. No entanto, outros capítulos na história da negociação entre sindicato e GM teriam de esperar até 1945. Em 1938, ano seguinte à conquista da UAW, uma forte recessão interrompeu a seqüência de quatro anos de recuperação econômica. A indústria de veículos sofreu uma queda de 48%. Para contornar a redução na demanda, a GM demitiu 30 mil operários e colocou os 230 mil restantes revezando sob o regime de semana de três dias10. Nos dois anos subseqüentes, a indústria apresentou ligeira recuperação, mas a pressão inflacionária, em função do acirramento da guerra na Europa, fez o governo lançar um programa de estabilização de salários, que congelou a possibilidade de negociação salarial até o término da Segunda Guerra Mundial. 4.1.10. General Motors na Segunda Guerra Mundial Após a recessão de 1938, o crescimento da demanda mundial, devido ao aumento dos gastos com defesa dos países europeus, teve efeito positivo sobre a renda e o consumo nos Estados Unidos. A indústria de veículos se recuperou durante os anos de 1939 e 1940, crescendo 43% e 25% respectivamente. A General Motors aumentou sua participação de mercado para 44% em 1940 e bateu seu recorde de vendas, chegando a 1,95 milhão de veículos. Apesar do bom desempenho no negócio automotivo, ao final de 10 A expressão “semana de três dias”, ou “semana de quatro dias”, é usada comumente na indústria automobilística para indicar um regime especial onde o operário horista tem sua escala de trabalho semanal reduzida dos usuais cinco dias, a fim de acomodar redução na produção sem que haja demissões. 100 1940 e início de 1941 os contratos para fornecimento de materiais de defesa começaram a ocupar um espaço na atividade da empresa. Em 1940, os contratos de defesa da GM totalizaram U$ 75 milhões, equivalente a 4% do faturamento daquele ano. Em janeiro de 1941, a GM já tinha mais de U$ 683 milhões em contratos de produtos de defesa para os governos dos países aliados. No ano em que a venda de carros da GM bateu novo recorde, ultrapassando pela primeira vez a marca de 2 milhões de veículos, a receita com contratos de defesa já significava 16% do faturamento. Uma das primeiras atividades da General Motors a ser envolvida na indústria de defesa foi a aviação. Bendix e North American, onde a GM atuava apenas com representação em seus conselhos de administração, faturaram cerca U$ 40 milhões cada durante o ano de 1940. Ao longo da Segunda Guerra, seus contratos de fornecimento chegaram a um pico de U$ 800 e U$ 700 milhões, respectivamente. A terceira empresa envolvida com aviação era a Allison Engineering, que até então vinha se dedicando apenas a desenvolvimentos de engenharia. No início dos anos 1930, a Allisson conseguiu um contrato junto ao governo britânico para desenvolver um novo motor. Após alguns anos trabalhando em conjunto com o GM Research Labs, a Allison teve, em 1937, a aprovação de seu motor V-1710. O novo motor para aviões de combate da Allison foi o primeiro com refrigeração por fluído a obter sucesso nos Estados Unidos, operando em alta temperatura e desenvolvendo 1000 cavalos de potência. Apesar de haver ordens firmes para apenas 863 unidades, em 1939 a GM decidiu construir uma planta para a Allison e, com o sucesso do motor, novos contratos foram fechados. Em 1941 a fábrica já operava com a produção mensal de 1100 motores. Os Estados Unidos aderiram aos aliados no confronto bélico da Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941. A partir de janeiro de 1942 a General Motors envidou todos os seus esforços na conversão de suas unidades produtivas para fabricar produtos de defesa. A conversão para a produção militar ocorreu logo nos primeiros meses de 1942. A receita da GM no ano da conversão foi de U$ 2,25 milhões, dos quais apenas 15% foram de produtos civis. Em 1942, a General Motors era a maior empresa do país, possuía 10% das instalações da indústria metal-mecânica. De fevereiro de 1942 até setembro de 1945, toda a produção da General Motors foi dedicada aos contratos de defesa. No início do último ano de conflito, a GM operava cerca de 120 plantas no país, sendo 18 delas arrendadas junto ao governo. O total de contratos significou um 101 faturamento de U$ 12 bilhões durante o período, cerca de 8% do gasto do norteamericano com equipamentos de defesa. A forma de organização da General Motors em 1937 começou a enfrentar dificuldades em virtude da complexidade das novas decisões envolvendo o emergente mercado de equipamentos de defesa. As decisões sobre novos contratos de defesa eram analisadas em duas partes antes de ser encaminhadas para aprovação. Primeiro, a proposta seria debatida por executivos corporativos e membros do staff no CA. Em seguida, antes de qualquer compromisso ser assumido, o contrato era analisado pelo staff financeiro e o de assuntos jurídicos. Além disso, como estes contratos em geral envolviam várias divisões, cada divisão apontava um membro para representá-la quando ela estivesse envolvida no projeto. Contudo, os contratos nunca eram realmente fechados caso não houvesse interesse pela divisão, levando, muitas vezes, uma agência governamental a ser colocada em contato com a divisão para que a negociação fosse feita antes do projeto ser encaminhado para análise dos comitês. Em junho de 1940, o presidente da General Motors, William Knudsen, renunciou ao cargo para integrar o comitê de defesa dos Estados Unidos. A saída do presidente da GM desencadeou uma reorganização de sua estrutura, que incluiu a nomeação de Charles E. Wilson, que ocupava a vice-presidência executiva de operações, como novo presidente. Para auxiliá-lo, foram nomeados como assistentes da presidência O. E. Hunt, vice-presidente de engenharia, e James Mooney, vice-presidente de mercados externos. Knudsen, como presidente da GM, exercia a função de chefe de operações e era o natural sucessor de Alfred Sloan, então presidente do conselho de administração e também chefe do executivo, pois acumulava a presidência do CP. Na ausência de Knudsen, além da promoção de Wilson, Sloan transferiu Albert Bradley, vice-presidente de finanças, para o cargo de vice-presidente encarregado das operações de carros e caminhões. Desta forma, Sloan pretendia atribuir-lhe experiência em operações e torná-lo uma alternativa para sua sucessão no conselho de administração. Ainda em junho de 1940, com o intuito de melhorar a coordenação da GM ao lidar com o crescente mercado de defesa, Sloan criou o Comitê de Relações com Materiais de Defesa (CRMD). O novo comitê teria como presidente James Mooney. O CRMD era formado por todos os membros do CP, menos os três representantes da Du Pont, e a atividade principal era formular as políticas relacionadas aos contratos de defesa. Na prática, todas as decisões sobre contratos de defesa passaram a se deliberadas pelo 102 grupo de executivos do CMRD e encaminhadas, a posteriori para o CP, apenas para cumprir formalidades. Para assegurar aos acionistas a supervisão da atividade do CMRD, relatórios dos projetos em andamento passaram a ser encaminhados para aprovação, demonstrando análises de necessidades de capital, volume de vendas, projeção de lucros e de retorno, número de empregados envolvidos, implicações tributárias e outros riscos. Além disso, contratos com valor acima de U$ 1 milhão, ou estimativa de gastos capital acima de U$ 500 mil, não poderiam ser iniciados sem a aprovação do CP. O CMRD coordenou a obtenção de contratos de materiais de defesa até o final de 1941. Porém, o anúncio da entrada dos Estados Unidos no confronto na Europa e a perspectiva de conversão total da General Motors para o abastecimento das forças armadas provocaram nova mudança na estrutura da organização. Em 5 de janeiro de 1942, o DMRC foi substituído pelo Comitê Emergencial de Guerra (CEG). O CEG passou a centralizar todos os poderes na condução das atividades de formulação e aprovação de políticas, antes conferidas ao CP e ao CA, devendo apenas apresentar relatórios de suas decisões ao CP. A formação do CEG permaneceu com os sete membros do DMRC, à exceção de Frederic Donner, recém nomeado vice-presidente de finanças, no lugar de James Mooney, que renunciou para trabalhar junto ao governo dos Estados Unidos. Em questão de semanas a General Motors deveria preparar sua complexa rede de fábricas de partes e peças e linhas de montagem, para produzir cerca de três mil produtos de aplicação militar, muitos dos quais a maioria a GM não possuía qualquer experiência em fabricar e outros nunca antes produzidos em uma linha de montagem. Muitas vezes os contratos referiam-se a produtos cujos desenhos e especificações não estavam disponíveis, ou não apresentavam qualquer base para estimativa de custos. Com isso, as divisões passaram a participar de forma ativa na definição do contrato, pois, como cada novo contrato envolvia uma nova e, às vezes, complexa relação de fornecedores internos e externos, era necessário que houvesse coordenação entre as atividades de cada divisão. Dos U$ 12 milhões obtidos em contratos de defesa durante a Segunda Guerra, cerca de U$ 8 milhões referiram-se a produtos completamente novos para a General Motors. Portanto, a capacidade de coordenação e a agilidade para produzir novos produtos tornaram-se cruciais. Por exemplo, a Cadillac, para organizar a fabricação do tanque de guerra M-24, teve de organizar a obtenção de partes e peças junto a 17 fornecedores internos. À medida em que a GM convertia suas plantas, uma nova 103 mudança na organização da estrutura corporativa era implementada em maio de 1942. Apenas cinco meses depois de sua criação, o CEG foi abolido e, em seu lugar, criado o Comitê de Administração de Guerra (CAG), que uniu aos sete integrantes do grupo anterior os vice-presidentes de operações, que integravam o CA. Excepcionalmente durante a existência do CAG, os gerentes gerais das três principais divisões, Marvin Coyle da Chevrolet, Edward Fisher da Fisher Body e Harlom Curtice da Buick, foram promovidos ao status de vice-presidentes de grupo e incorporados ao comitê. A formação do CAG consolidou a organização corporativa que a General Motors adotaria até o final da Segunda Guerra. Com isso, a dinâmica estabelecida para a obtenção de contratos de fornecimento de materiais militares foi amplamente descentralizada, com as divisões sendo responsáveis pela negociação dos contratos. O CAG formulava as políticas que estabeleciam parâmetros gerais para a operação e supervisionava o andamento dos contratos das divisões. As políticas que estabeleceram o sistema de gestão dos contratos de defesa foram sendo formuladas desde os primeiros contratos do começo da década de 1940. Uma das primeiras decisões do CP à época foi de provisionar, para os contratos de defesa, um fundo de reconversão das plantas ao término do fornecimento. Em agosto de 1940, outra política determinou regras para o financiamento das construções ou adaptações das fábricas. A recomendação era de que a GM só financiaria a construção de novas fábricas casos o governo oferecesse garantias contra perdas do capital investido, caso contrário, quando as fábricas projetadas não pudessem ser reconvertidas para a fabricação de automóveis, o governo deveria providenciar os recursos para o investimento antes da GM aceitar o contrato. Em 1942, a GM se antecipou ao departamento de ajustes de preços do Conselho de Guerra e, voluntariamente, impôs um limite máximo de 10% para a margem de lucros antes de impostos durante o esforço de guerra. Este limite estava ligado à estratégia de lobby para evitar que o governo americano implantasse formas alternativas de controles dos lucros de empresas com o fornecimento de materiais de defesa, as quais vinham sendo discutidas, e que envolviam limitações sobre a taxa de retorno sobre o investimento. Finalmente adotado pelo Conselho de Guerra, o limite de 10% sobre a margem de lucro, proposto pela GM, combinado com a já utilizada política de contratos em preço fixo, assegurou um caminho para que a General Motors preservasse sua taxa 104 de retorno, bastando manter a margem em 10% e aumentar o faturamento, obtendo o maior número de contratos sobre a mesma base de investimentos. Assegurar a capacidade de cumprimento dos compromissos assumidos de entregas de materiais de defesa tornou-se um grande desafio diante da complexidade de cadeias internas de fornecimento. Além disso, o principal determinante de capacidade da maioria das fábricas americanas, incluindo as da GM, passou a ser a disponibilidade de mão-de-obra, dado que muitos operários treinados e experientes foram servir no front de batalha. Ao longo dos anos em que se seguiu a Segunda Guerra, a GM contratou e treinou, ao todo, cerca de 750 mil novos operários, sobretudo mulheres. Diante desta situação, a CEG aprovou, no início de 1942, o Plano de Distribuição de Cargas (PLC). A política implementada a partir deste plano estabeleceu um sistema que convertia os valores de um contrato na forma de índices, os quais poderiam ser comparados com o limite máximo que uma divisão poderia aceitar. O PLC estabelecia o seguinte procedimento: o prospecto de um contrato era analisado pela CEG, e seu fluxo de entregas era definido em termos de valor de pico anual, que consistia no valor em dólar da produção de doze meses, considerando o mês de pico de capacidade mensal requerido pelo contrato. Assim, os contratos com prazos diferentes poderiam ser comparados entre si. Depois de calcular o valor de pico anual, os executivos subtraíam os custos com matéria-prima, e o valor restante seria considerado a carga líquida. O valor apontado como carga líquida era usado para estimar o número de trabalhadores que cada contrato iria requerer em termos de mão-de-obra no pico da produção. Com isso, os gerentes das divisões poderiam analisar se os contratos estavam dentro dos limites que seriam capazes de cumprir. Desta forma, os gerentes das divisões possuíam autonomia para aceitar ou rejeitar contratos de materiais de defesa que respeitassem o limite de sua capacidade, bem como em outras atividades, como compras e engenharia. Quando um contrato exigisse mais do que a capacidade disponível, ele somente poderia ser aprovado pela CEG (posteriormente a CAG). Devido a tal autonomia e diante da dificuldade em encontrar fornecedores específicos, muitas vezes as divisões desenvolviam os componentes e transferiam a produção para outro fornecedor. Com isso, um intenso mercado de contratação entre as divisões emergiu e atribuiu maior flexibilidade para que a GM obtivesse novos contratos. 105 O controle da atividade das divisões pelo CAG era feito por meio de dois relatórios, um mensal e outro quinzenal, sobre o andamento dos contratos. O relatório mensal reportava o volume produzido até então em cada contrato, produção agendada para os próximos quatro meses em cada um deles, projeção de picos de produção, picos de capacidade das instalações e datas de término do fornecimento de cada contrato. O relatório quinzenal comparava a produção dos quinze ou trinta dias do mês com os recebimentos que haviam sido programados pelas forças armadas. As divisões deveriam também encaminhar explicações para qualquer desvio no cumprimento das entregas. A centralização da formulação e aprovação de políticas que culminou com a criação do CAG praticamente paralisou os trabalhos que vinham sendo desenvolvidos pelos grupos de políticas, com exceção dos de finanças, assuntos jurídicos, preços e de planejamento pós-guerra, os quais participavam da análise dos contratos. Contudo, em 1943 conforme a nova rotina de operações foi se estabilizando, outros grupos emergiram, dentre eles grupos de políticas de produtos. Os novos grupos de políticas seguiam os moldes desenvolvidos ao longo da década de 1930, com um executivo corporativo no comando de uma equipe de staff que coordenava o trabalho de desenvolvimento junto às divisões. Por exemplo, o Grupo de Desenvolvimento de Transmissões havia suspendido as atividades no desenvolvimento da transmissão automática para os veículos civis e, posteriormente, passou a trabalhar no desenvolvimento de um câmbio hidramático para cargas pesadas, que, quando pronto, equipou os tanques de guerra do exército, aumentando sua eficiência, durabilidade e facilidade de operação. A General Motors aplicou sua engenharia em diversos produtos, como motores a diesel, motores para aviões, sistemas de freio, sistemas de direção, metralhadores e outras armas, melhorando significativamente a tecnologia dos equipamentos de defesa durante a Segunda Guerra. Ao final da guerra, em 1945, a General Motors havia se estabelecido como o maior fornecedor de equipamentos de defesa do governo americano. Com a vitória na Europa, em maio, algumas plantas começaram a reconversão para fabricação de veículos. Imediatamente após a vitória sobre o Japão, em agosto, todos os contratos de fornecimento às forças armadas foram cancelados. A GM deixaria de receber U$ 1,75 bilhão em materiais de defesa, além de descartar grande parte dos estoques armazenados em suas fábricas. Após 45 dias do término da guerra, os primeiros carros saíram das fábricas da GM nos Estados Unidos. 106 Apesar das perdas com cancelamento de contratos e da adoção de controle sobre margem de lucros, o saldo da participação da General Motors na Segunda Guerra, em termos financeiros, foi considerado positivo. Como mostra a tabela 4-2,, a receita da GM chegou ao nível recorde, ultrapassando U$ 4 bilhões, com os lucros mantendo-se em média em U$ 175 milhões, entre 1940 e 1945, quando os contratos representaram mais de 80% das vendas. Tabela 4-2 Receita e Lucro líquido da GM durante a segunda guerra mundial. Ano Receita total (em U$ milhões) Participação de contratos Lucro líquido de defesa (em (em U$ milhões) porcentagem) 1939 1.376,8 -183,3 1940 1.794,9 4% 195,6 1941 2.436,8 16% 201,7 1942 2.250,5 84% 163,7 1943 3.796,1 100% 149,8 1944 4.262,2 100% 171,0 1945 3.127,9 82% 188,3 Fonte: dados obtidos em relatórios anuais Moody’s (1940-1946) e em Sloan (1964). A General Motors investiu cerca de U$ 130 milhões na conversão e expansão de suas plantas entre 1940 e 1944 e ainda arrendou sob sua operação outros U$ 650 milhões em fábricas do governo norte-americano. Para financiar sua produção e gastos de capital, a GM obteve um linha de financiamento junto ao governo de U$ 1 bilhão, embora só tenha efetuado empréstimo de cerca de 10% desse valor, cujo pagamento ocorreu em menos de um ano. A maior parte da operação da GM, à exceção das plantas construídas pelo governo, foi financiada com o caixa da própria operação. Ainda assim, com a política de constituição de fundo para reservar recursos para a reconversão, a disponibilidade de caixa aumentou de U$ 290 milhões, em 1940, para U$ 597 milhões ao final de 1944, mesmo a GM tendo distribuído dividendos que totalizaram 77% do lucro líquido do período. A partir de 1945, as atenções das divisões da GM voltaram-se para a indústria de automóveis. Durante os três anos em que o país esteve dedicado à guerra, a atividade de fabricação e comercialização de veículos novos ficou completamente parada. Entre 1941 e 1944 o número de concessionários da GM no país caiu de 17.360 para 13.791, apesar do programa lançado por Sloan, no início de 1942, para tentar amenizar perdas nos negócios dos concessionários com sistemas de alocação de veículos e peças. O esforço de reconversão, portanto, teria não somente que readaptar as plantas, mas também 107 restabelecer parte de sua organização de vendas e desenvolver toda a linha de novos veículos. 4.1.11. A expansão do pós-guerra A General Motors começou a preparar-se para o fim da guerra pouco depois da entrada definitiva dos Estados Unidos para o conflito. Por iniciativa de Alfred Sloan, em 1942, foi estabelecido o Grupo de Política para o Planejamento do Pós-Guerra (GPPPG). Edward Riley, gerente geral da divisão de operações em mercados externos, foi nomeado com a orientação de analisar e apresentar a Sloan e aos demais integrantes do GPPPG uma síntese das principais idéias sobre as situações políticas e econômicas que poderiam emergir após a Segunda Guerra Mundial. O GPPPG também era composto de outros seis executivos corporativos e dois chefes de staff. A partir de 1943, com a melhora na rotina de contratação da fabricação de materiais de defesa, esse grupo passou a desenvolver uma lista de questões de longo prazo, as quais a GM enfrentaria com o término do confronto. Uma agenda de discussão foi criada, e gerentes das divisões eram convidados a participar das reuniões para realizar projeções para os próximos dez a quinze anos sobre capacidade produtiva, evolução da demanda, mix de produtos e necessidades de capital. Após alguns meses e sob a revisão do staff financeiro, o GPPPG concluiu um amplo plano de crescimento, visando acompanhar a retomada da demanda reprimida de automóveis no pós-guerra, mantendo os níveis participação de mercado de antes da guerra. Para tanto, previa-se a necessidade de investimentos de capital de U$ 500 milhões na modernização e ampliação das instalações produtivas. As recomendações do plano do pós-guerra compreendiam todas as atividades nas quais a GM estava envolvida. Para a aviação, o plano previa que o mercado do pósguerra iria se consolidar em três grandes setores: aviação militar, aviação comercial de transporte de cargas e de passageiros e aviação civil particular. A recomendação de Sloan e do estudo era para que a GM abandonasse o mercado de montagem final de aviões e se mantivesse apenas na fabricação de partes e motores, que normalmente representavam 45% do valor da aeronave e cuja engenharia oferecia sinergias com a atividade automotiva. Outra atividade não-automotiva abordada pelo plano do CPPPG foi divisão de locomotivas a diesel. O staff financeiro havia se posicionado contra a continuidade desta 108 operação, argumentando que o mercado de locomotivas havia se estabilizado e que perspectivas de retorno sobre investimentos nesta indústria seriam baixos. Por outro lado, gerentes das divisões defenderam que o mercado logo após a guerra apresentaria crescimento, e que os investimentos manteriam retornos razoáveis por um longo período. O impasse foi solucionado com a recomendação de que a divisão de locomotivas a diesel ampliasse a capacidade para oferecer também serviços de manutenção de locomotivas e motores, que apresentava uma tendência promissora na indústria. Quanto à divisão Frigidaire, os estudos do GPPPG reconheceram que a GM havia falhando em não acompanhar a tendência de diversificação para outros eletrodomésticos, como rádios, lavadora de roupas e de pratos e ferros de passar, como fizeram concorrentes como GE e Whestinghouse durante os anos 1930. O grupo, então, realizou pesquisas junto à rede de lojas revendedoras e elencou uma série de utilidades domésticas com recomendação para serem desenvolvidas, tais como freezers, lavadoras automáticas, secadora de roupas, lavadora de roupas, fornos e fogões. O plano elaborado pelo GPPPG também propôs investimentos na modernização da organização de engenharia. Até a Segunda Guerra, as atividades do staff de engenharia, o laboratório de engenharia avançada e o staff de estilo funcionavam em prédios distantes, sendo que em alguns casos estavam mal acomodados. Com isso, o plano do pós-guerra incluiu o projeto de construção de um centro de engenharia que reuniria as atividades de pesquisa e de desenvolvimento em uma área comum. O GPPPG encaminhou o estudo sobre o pós-guerra para a análise do CAG. O plano permaneceu em discussão durante poucos meses, quando sofreu algumas alterações no mix de produtos, cortes e adições de capacidade produtiva entre as divisões. No começo de 1944, o CAG enviou plano com recomendação de aprovação para o CP. Quase um ano antes do fim da guerra, em setembro de 1944, o CP aprovou o plano de expansão do pós-guerra, que previa investimentos de U$ 500 milhões, em ampliação e modernização de plantas, totalizando a capacidade de 2,1 milhões de veículos por ano, a ser financiado com o caixa gerado durante a guerra. Enquanto se preparava para a implementação de seu plano, em 1945, a General Motors voltou a discutir a organização de sua estrutura administrativa. A estrutura centralizada de formulação de políticas do CAG, criado especialmente para lidar com as demandas de defesa, necessitava ser desfeita. Por outro lado, a tentativa de estabelecer um único comitê que reunia a aprovação financeira e de operações, usada desde 1937 109 até o início do esforço de guerra, também havia se apresentado problemático. As dificuldades do sistema centralizado deviam-se tanto ao excesso de relatórios e de assuntos a cada reunião, quanto à dificuldade em reunir executivos capazes de avaliar aspectos financeiros e de operações de forma equivalente. De maneira geral, na GM, finanças e operações eram duas carreiras distintas dentro da organização. Executivos de finanças normalmente eram contratados recémgraduados de boas universidades de economia e contabilidade e construíam suas carreiras em uma longa escada de promoções dentro do staff financeiro. Já os executivos de operações, a exceção dos mais antigos, que vieram junto com as empresas adquiridas, eram geralmente engenheiros graduados que passavam por uma formação técnica na área automotiva por meio do General Motors Institute (GMI) e giravam pelas várias divisões à medida em que eram promovidos. Executivos que iniciavam em uma carreira e depois trocavam para a outra eram raros. Um desses poucos casos foi Harlom Curtice, que havia começado como contador na Spark & Plug, onde seu desempenho o levou a gerente geral para, em seguida, assumir a gerência geral da Buick. A mudança na estrutura e funcionamento da organização foi debatida pelo grupo do conselho de administração formado por Sloan (presidente), Donaldson Brown (vicepresidente) e os representantes da Du Pont, Lammont Du Pont e Walter Carpenter. Depois de mais de um ano de discussão, em junho de 1945, o conselho aprovou a reorganização no topo da gestão da General Motors, com a definição de três comitês. O Comitê de Política Operacional (CPO), composto por executivos corporativos de staff e operações, seria responsável por aprovar políticas formuladas nos grupos de políticas sob sua orientação. O Comitê de Política Financeira (CPF), formado por representantes da Du Pont, executivos do staff financeiro e os presidentes da Genenral Motors e do conselho de administração. O CPF possuía total poder sobre a aprovação de gastos de capital e todas as políticas de contabilidade e controladoria. O terceiro comitê era o Comitê de Administração (CA), que seria formado pelos membros do CPO, mais os gerentes das principais divisões. O CA teria um caráter consultivo, apenas recomendando sua avaliação sobre novas políticas ao CPO. Alfred Sloan passou a presidência do CPO, que significava a função de CEO, para Charles Wilson e, para que continuasse como presidente do conselho, a aposentadoria compulsória aos setenta anos foi excepcionalmente suspensa. Albert Bradley assumiu a presidência do CPF, com a decisão de Donaldson Brown de se aposentar. 110 A implementação do plano de expansão durou de 1945 a 1947, quando foram investidos na reconversão, ampliação e modernização de plantas U$ 588 milhões, U$ 88 milhões a mais do que originalmente planejado. O plano desenvolvido estabeleceria a capacidade produtiva em 14 mil carros e 3,5 mil caminhões por dia e incluía o programa de um novo carro compacto, o Chevrolet Cadet, que iria atender a uma demanda potencial para veículos baratos, identificada em pesquisas junto ao consumidor, e assegurar os níveis de participação de mercado de sua maior divisão. No entanto, a seqüência de eventos em 1946 obrigou a GM a rever as metas de seu plano. A liberação das atividades e a retomada do consumo no final de 1945 e início de 1946 provocou escassez de matéria-prima e uma onda de inflação na economia americana. A General Motors, apesar de seus investimentos, não era capaz de ocupar toda a capacidade e o volume de vendas ficou abaixo do esperado. Adicionalmente, uma greve dos operários que reivindicavam a recuperação dos salários congelados desde 1941 paralisou as fábricas por 113 dias. Diante das perspectivas de queda na receita e nos lucros, a GM reduziu suas metas de expansão, postergando parte das obras de construção do centro de engenharia, e reduziu seu programa de produção, retendo expansão da capacidade em 10 mil carros e 2,5 caminhões por dia. Outro corte relevante foi o cancelamento do programa do Cadet. O carro compacto da Chevrolet já era motivo de controvérsia entre finanças e operações. O CPF alegava que o Cadet seria somente de U$ 100 a U$ 150 mais barato do que o próximo veículo mais barato da linha, que por sua vez era maior e mais luxuoso e, portanto, teria baixo retorno sobre o investimento. Já o CPO argumentava que o produto era importante para proteger a participação de mercado da Chevrolet. Com a nova necessidade de priorizar investimentos, o CPF prevaleceu. Além disso, a GM precisou recorrer a alternativas de financiamento externo para manter níveis seguros de caixa. Em 1946, U$ 125 milhões em títulos de 30 anos a 2,5% foram vendidos para um grupo de oito seguradoras. Em seguida, outros U$ 100 milhões em ações preferenciais foram emitidos. As medidas de contenção de gastos e investimento surtiram efeito nos números financeiros. Em 1946, a receita havia caído 37% em relação ao ano anterior, e o lucro de U$ 87 milhões foi insuficiente para pagar os dividendos daquele ano. No ano seguinte, a GM bateu seu recorde histórico de lucro, U$ 288 milhões, e com as sobras de caixa, antecipou o resgate de seus títulos para 1949. 111 4.1.12. Negociações com a UAW e o contrato de 1948 Além dos problemas de oferta de matéria-prima que surgiram na recuperação do pós-guerra, uma grande movimentação dos operários da GM e da UAW, em favor da reposição dos salários comprimidos pela inflação durante a guerra, tomou conta de parte da agenda dos executivos. O presidente norte-americano Harry Truman anunciou o descongelamento dos salários nos Estados Unidos em agosto de 1945, e o contrato da GM com a UAW terminaria em novembro. Em outubro, os ânimos começaram a esquentar com a proposta encaminhada por Walter Reuther, líder da UAW, exigindo aumento de 30% nos salários. Charles Wilson respondeu que nesses termos os preços dos veículos aumentariam em 30% no dia seguinte. A negativa do presidente da GM levou a UAW a anunciar a greve no final de 1945 na maioria das fábricas da empresa. Entre 1937 e 1941 as negociações da GM com o sindicato eram conduzidas pelo então presidente William Knudsen, acompanhado do vice-presidente de assuntos jurídicos, John T. Smith, e do vice-presidente de finanças, Donaldson Brown. Quando a greve teve início em 1945, Sloan, ainda como CEO, nomeou um novo grupo negociador liderado por Charles Wilson, juntamente com outros executivos de operações de Detroit. O impasse, entretanto, estendeu a greve pelos últimos 40 dias do ano e chegou a janeiro de 1946 sem perspectivas de acordo. Com o intuito de mediar a solução de um assunto que ganhava grande repercussão no país, o presidente Truman nomeou uma comissão de três pessoas, que tinham a tarefa de indicar uma proposta de reajuste dentro da capacidade de pagamento da indústria. Em 10 de janeiro de 1946, a comissão do governo apresentou a recomendação de aumento de 17,5% nos salários, sem repassar custos para os preços dos produtos. A proposta do governo foi prontamente rechaçada por ambas as partes, e o impasse continuou. A greve, que ocorria simultaneamente na Ford e na Chrysler, representava altos custos para empresas e também para as famílias dos trabalhadores, que ficavam sem receber salários. Durante o tempo em que as plantas da GM ficaram paralisadas, o caixa da empresa reduziu de U$ 378 milhões para U$ 219 milhões. A solução para o impasse começou no final de janeiro, quando Chrysler e, logo em seguida, Ford estabeleceram acordo com representantes locais da UAW, concedendo um aumento de 18,5% nos salários. Em 13 de fevereiro, as fábricas da General Motors representadas pelo sindicato 112 United Electrical Workers (UEW) aceitaram os 18,5% de reajuste e restaram apenas as fábricas da GM representadas pela UAW. Apesar da precedência aberta por outros contratos, a UAW resistiu por mais um mês e, após 113 dias de greve, assinou um contrato de dois anos com a General Motors, em troca do aumento de 18,5% e de outros benefícios, como a equiparação do salário feminino, a preferência de transferência para os mais velhos, adicional de hora-extra e pagamento de férias. O acordo fechado com a UAW assegurou a estabilidade na produção pelo resto do ano de 1946 e durante todo o ano seguinte, porém, no início de 1948, a UAW iniciou as movimentações para nova negociação. Em março, a UAW apresentou proposta para um novo contrato, que foi considerado ultrajante por executivos da GM. Dentre os termos de negociação exigidos pelo sindicato incluíam-se aumento nominal de 25 centavos por hora nos salários (em torno de 18%), programa de pensão e aposentadoria e garantia de semana de 44 horas. A reação da General Motors diante da oferta inicial da UAW foi de evitar o início de diálogo nos termos apresentados. Com isso, a movimentação das partes permaneceu fria nos dois meses seguintes. Em 12 de maio, a UAW iniciou greve nas fábricas da Chrysler e começou também a mobilizar operários nas fábricas da GM para a votação sobre nova greve. Diante da iminente ameaça de prejuízos como os de 1946, a GM decidiu encaminhar uma proposta para uma nova fórmula de reajuste salarial. Desde 1941, Charles Wilson vinha defendendo internamente a formulação de um sistema de reajuste dos salários de acordo com o impacto da inflação sobre o custo de vida dos trabalhadores. Os estudos de Wilson haviam sido colocados de lado devido ao congelamento dos salários, no início da guerra. Além disso, internamente, a proposta inicial foi severamente criticada, tachada de mecanismo gerador de inflação. Porém, com Wilson como presidente da GM (chefe de operações) e do CPO (chefe do executivo), sua proposta foi novamente colocada na pauta. A proposta tinha por princípio separar o cálculo do reajuste do salário em dois. Uma parte do reajuste, chamada de ajuda de custo11, seria variável de acordo com a inflação, e a outra seria um aumento de salário, chamado de ganho de produtividade, com valor anual pré-fixado no contrato. O sindicato aceitou o princípio apresentado, e uma negociação foi estabelecida para acertar os detalhes. A fórmula final e os demais itens do 11 Tradução livre do termo em inglês utilizado: cost allowance 113 contrato foram definidos por uma equipe mista de força-tarefa com dois representantes de cada parte. A validade do contrato foi estendida para três anos, e o ano-base para o cálculo do reajuste da inflação seria 1940, último ano sem aumentos significativos dos preços. Com isso, a defasagem, em relação à inflação, nos salários em vigor foi calculada em 9% e, para compensar, a formação do salário-base para o cálculo foi adicionado em U$ 0,08 à média salarial da GM, totalizando em U$ 1,49 (dólar por hora). Portanto, a fórmula final para o reajuste ficou da seguinte forma para cada um dos três anos: • A título de ganhos de produtividade, aumento anual de U$ 0,03 (por hora), cerca de 2%; • A título de ajuda de custo, para cada 1,14% de aumento na inflação anual, reajuste de U$ 0,01 (por hora). Na fórmula de reajuste, o ganho de produtividade previa um aumento automático, que seria concedido independentemente de haver ganho real na eficiência das atividades produtivas. Outros benefícios concedidos no acordo de 1948 incluíam um plano de pensão para os empregados e seguro de saúde que cobria também suas famílias. Os gastos com os dois benefícios criados seriam cobertos por meio de um fundo de investimento em ações, criado por Charles Wilson. Como contrapartida, a UAW concederia flexibilidade à GM para automatizar processos da linha de produção. Alem disso, a partir deste acordo, GM e UAW estabeleceram uma nova dinâmica para solução de controvérsias enquanto o contrato estivesse em vigor. GM e UAW criaram um sistema de hierarquias de comitês para a resolução dos problemas que emergiam do chão-de-fábrica, por meio da definição de quatro instâncias de negociação. A primeira tratava da negociação direta entre sindicado e encarregados de produção. As questões, não resolvidas passariam a ser tratadas entre o comitê de fábrica, representantes eleitos pelos operários e a gerência da planta. A instância seguinte seria um conselho de apelação, que envolveria representantes da UAW regional e gerentes da divisão. Somente após estas etapas a solução para o conflito iria para mediação e arbitragem externa. O contrato assinado pela GM e a UAW em 1948 significou um marco nas negociações sindicais dali por diante e seu modelo seria replicado para toda a indústria. As próximas negociações entre GM e o sindicato adotariam diversas revisões deste 114 modelo, como, por exemplo, aumento nos valores concedidos com ganhos de produtividade, rebalanceamento dos índices de ajuda de custo, ampliação do prazo para cinco anos e inclusão de benefícios, como seguro desemprego complementar. Entretanto, os princípios de contrato de longo prazo e a fórmula de reajuste salarial seriam adotados como padrão, assegurando à GM um longo período de estabilidade, sem greves entre 1948 e 1971 4.1.13. Hegemonia recuperada na gestão Wilson Os eventos inesperados em 1945/1946 retardaram o retorno das condições projetadas para a indústria e, conseqüentemente, alguns dos planos elaborados pela GM em 1944 e 1945 tiveram de ser protelados. No caso dos mercados externos, a recomendação foi para operar via subsidiária, nos países onde a indústria automotiva estivesse instalada, e via exportação de veículos prontos ou desmontados nos demais países. Logo após o final do conflito na Europa, a GM retomou as atividades na inglesa Vauxhaul e iniciou a formação de uma subsidiária na Austrália, onde havia adquirido a fábrica de peças da Holden em 1931. Contudo, as operações da GM na alemã Opel não foram retomadas até 1948. Uma prolongada indecisão, que envolvia diferenças nas visões do CPO e do CPF, prorrogou as negociações para que a GM assumisse o controle de suas plantas. Também somente em 1948, a GM se desfez de suas ações da North American e da Bendix, mantendo a Allison na indústria de aviões, como havia sido recomendado pelo plano do pós-guerra. Durante os primeiros anos do pós-guerra, o esforço para restabelecer a indústria fez com que as fabricantes de veículos oferecessem modelos bastante semelhantes àqueles que eram oferecidos em 1941, de forma a poderem priorizar a reconversão de suas linhas. Contudo, conforme a atividade da indústria se normalizou, as empresas voltaram a pensar os diferenciais competitivos de seus produtos. A General Motors havia construído uma grande vantagem sobre suas concorrentes com a centralização de desenvolvimento de técnicas de design durante os anos 1920 e 1930. No entanto, após a Segunda Guerra, suas duas principais concorrentes, Ford e Chrysler, procuraram reduzir a distância em relação à líder e adotaram laboratórios e procedimentos para desenvolvimento de estilo semelhantes aos da General Motors, inclusive contratando alguns de seus designers. Com isso, as inovações em design ditaram o ritmo da competição na indústria no final da década e continuariam durante os anos 1950. 115 O laboratório de estilo da GM, liderado por Harley Earl, desenvolveu a primeira versão do design que ficou famoso como “rabo de peixe”, lançado no modelo do Cadillac de 1948. O rápido sucesso fez com que o conceito fosse replicado para as demais divisões e se tornasse um padrão da indústria durante os 15 anos seguintes. O processo de desenvolvimento de novos modelos da GM permaneceu semelhante ao que havia sido formalizado em 1935, apesar da revisão sofrida em 1946. O laboratório de estilo, as divisões e o staff de engenharia concordavam sobre atributos mecânicos e de design para renovação anual dos modelos, com a mediação e supervisão do grupo de política de engenharia. Além do design, outro artifício que retomou sua importância no final da década de 1940 foi o crédito ao consumidor. A ferramenta de crédito vinha sendo amplamente usada por fabricantes de veículos desde os anos 1920 para impulsionar vendas, a ponto de o governo dos Estados Unidos apontar abusos durante os anos 1930. A GM havia sido forçada a alterar seu plano de financiamento de 1935, devido a uma divulgação que causava dúvidas ao consumidor, e foi novamente contestada pelo governo em 1938 e 1939 em duas ações antitruste que envolviam também Ford e Chrysler. O período de guerra nos anos 1940 havia esfriado as atividades de crédito e os processos na justiça, porém, ao final da década os questionamentos voltaram a ganhar força, e a GM, que vinha negando irregularidades em seu sistema de crédito, negociou uma saída na forma de uma nova legislação para regulamentar tal atividade na indústria. Ao final de 1947, conforme a GM se aproximou da conclusão da ampliação da capacidade, Charles Wilson apresentou um novo programa de expansão produtiva, estimando um investimento total de U$ 600 milhões, e que seria implementado ao longo de 1948 e 1949. No entanto, o CPF, responsável pela aprovação financeira, autorizou apenas parte dos projetos do programa, que totalizava U$ 273 milhões, e decidiu prorrogar a avaliação do restante do plano elaborado pela organização de operações. Ambos os planos de ampliação da capacidade após a Segunda Guerra tiveram o escopo reduzido pelo CPF, um no início e outro ao final de 1947. No entanto, as vendas de veículos nos Estados Unidos decolaram a partir de 1946 e chegaram ao volume recorde de cerca de oito milhões de unidades em 1950. A rápida aceleração da demanda permitiu que as empresas aumentassem significativamente os preços dos veículos. Em julho de 1948, o CPF comunicou ao CPO que a fórmula de preços definida pelo método stadard-volume não determinava limites máximos para os preços, e que ficava a cargo de 116 operações aumentarem as margens além do necessário para atingir as metas de retorno. Com isso, os preços dos veículos da GM aumentaram 8% naquele mês. Quadro 4-4 Margem líquida de GM, Ford e Chrysler e vendas da indústria entre 1946 e 1950 1946 1947 1948 1949 1950 General Motors Ford Chrysler Vendas totais da indústria (em mil unidades) 4,5% 7,5% 9,4% 11,5% 11,1% -0,9% 4,2% 4,9% 7,9% 8,6% 3,1% 4,9% 5,7% 6,3% 5,8% 3.089 4.797 5.285 6.253 8.003 Fonte: Relatórios anuais Moody’s de GM, Ford e Chrysler de 1947 a 1951 e Chandler (1964) p. 4. Nos dois anos seguintes, a tendência se manteve tanto na GM quanto em suas concorrentes. O resultado foi o aumento significativo da margem líquida das empresas entre 1946 e 1947, como pode ser observado na tabela X acima. As margens líquidas obtidas por GM e Ford em 1949 e 1950, respectivamente, representaram suas melhores marcas deste indicador desde a Segunda Guerra até o final do século XX. Para a Chrysler, o ano de 1949 significou sua terceira melhor marca, ultrapassada apenas no biênio 1984 e 1985. Apesar de aproveitar-se da escassez da oferta de veículos, a General Motors teve que, ao mesmo tempo, mobilizar sua organização de vendas para coibir comportamentos oportunistas em sua rede de concessionários que, diante do aumento na demanda, também procuraram meios de obter vantagens. As redes de distribuição das divisões da GM passaram a ter processos formais de expansão a partir dos anos 1920. O método da General Motors para designar os pontos de vendas de suas divisões estabeleceu fórmulas para encontrar o potencial de vendas de cada região e, baseado nisso, as divisões submetiam pedidos de nomeação ou substituição de concessionárias. As organizações de venda das divisões, sob a coordenação de Richard Grant, construíram amplas redes de lojas e, durante a década de 1930, a coordenação da rede de distribuição foi complementada com a criação de duas instâncias de mediação. Uma delas foi o Comitê de Distribuidores, em 1934, cujo objetivo era servir de fórum consultivo entre concessionários e executivos para auxiliar no desenvolvimento de políticas de distribuição. Quatro anos depois, foi criado o Conselho 117 de Relação com Distribuidor, que era composto de executivos corporativos, com a tarefa de mediar preventivamente conflitos que surgissem entre concessionários de divisões. As políticas que tratavam da relação entre GM e concessionários era amparada dentro de um contrato de franquia. Todo o aparato desenvolvido pela GM para organizar sua atividade de vendas fez com que esse contrato evoluísse ao longo dos anos. Entretanto, em 1949, duas cláusulas do contrato de franquia tiveram que ser retiradas, alterando as condições de competição entre concessionários. As cláusulas que determinavam a fixação do preço pelo fabricante e a área geográfica de atuação foram removidas depois que a GM consultou o Departamento de Justiça norte-americano e descobriu que ambas feriam a legislação antitruste. Assim sendo, no final da década de 1940, o desequilíbrio entre oferta e demanda provocou o surgimento de duas práticas desleais de venda, o “price packaging” e o “bootlegging” 12. O price packing foi o nome dado à prática do concessionário de adicionar margens extras, atribuindo-as a itens fictícios de custos ou taxas. Por exemplo, Rubenstein (2001) relata que o revendedor de carros, durante os anos 1950, determinava o preço com a seguinte composição: • Custo de aquisição; • Margem bruta de 1/3 do custo do veículo; • Despesas de frete e de propaganda e armazenagem, repassadas diretamente ao consumidor; • Adicional de serviço de 10%; • Margem adicional sobre acessórios equipando o veículo. Dos itens acima, apenas custo de aquisição e despesas de frete eram práticas regulares na determinação do preço; os demais passaram a ser aplicados de forma oportunista. Os consumidores levaram um tempo para descobrir que o preço passara a ser diferente entre concessionárias, mas quando isto ocorreu, tornou-se um hábito de compra percorrer as lojas em busca do melhor negócio. Além disso, a diferença do preço no frete cobrado para cada região estimulou a prática de bootlegging, nome dado quando o concessionário de uma região, onde o frete 12 Decidiu-se por manter os termos em ingles, pois ambos significam práticas específicas, restritas à atividade da comercialização de veículos, cujas expressões equivalentes em português não foram encontradas. 118 era baixo, levava veículos novos para serem vendidos em regiões de frete caro, atraindo consumidores que comprariam nas lojas daquelas regiões. No começo dos anos 1950, o preço do frete para Detroit era de U$ 11 enquanto que para Los Angeles ou São Francisco chegava a U$ 280. De acordo com Rubenstein (2001), no começo dos 1950, um quinto das vendas de novos veículos na Califórnia era feita por meio de bootlegging. Ambas as práticas nasceram no período de escassez de oferta do final dos anos 1940 e perduraram nos anos 1950. O price packing só veio a ter fim em 1958, quando uma nova legislação obrigou fabricantes a indicarem o preço sugerido em gravações no vidro dos veículos. Já o bootlegging foi eliminado em 1965, quando a GM passou a reduzir a diferença entre os preços dos fretes cobrados em cada região, incorporando no preço de venda do atacado o custo dessa equalização. O aumento dos preços e, conseqüentemente, das margens de lucro dos veículos, fortaleceu o resultado apresentado pelas divisões da General Motors. Com isso, a gestão de Charles Wilson, durante a segunda metade da década de 1940 foi marcada por significativa melhora nos indicadores de desempenho. Por exemplo, o faturamento da GM saltou de U$ 1,9 milhão para U$ 7,5 milhões entre 1946 e 1950. No mesmo período, o lucro saiu de U$ 87 milhões para U$ 834 milhões, enquanto a participação de mercado foi de 36,4% para 45,2%. Dado que estes resultados foram obtidos apesar da redução nos investimentos em 1947, houve um natural aumento nos índices de retorno sobre o ativo, saindo de 4,4% em 1946, para 24,2% em 1950. A despeito do sucesso financeiro, outras questões atraíram a atenção de Charles Wilson ao final dos anos 1940. Durante o pós-guerra, muitos dos executivos mais experientes e que ocupavam as principais posições corporativas se aproximavam da aposentadoria. Uma linha de sucessão se fazia necessária, contudo, apesar de entregarem bons resultados financeiros, poucos gerentes de divisões eram suficientemente experientes para serem promovidos a executivos corporativos. Dentre os gerentes das divisões, Nicholas Dreystadt, gerente geral da Chevrolet, e Harlom Curticem, gerente geral da Buick, eram os mais experientes e, em tese, favoritos para uma sucessão. Com a morte de Draystadt em 1946, Curtice tornou-se a principal opção e, como parte de sua preparação para sucessão, Charles Wilson o nomeou vice-presidente executivo encarregado do staff. Ainda assim, diante da escassez de potenciais sucessores, Wilson trouxe Roger Kyes de 119 fora da General Motors para ser assistente especial da presidência. Kyes serviria como alternativa caso houvesse qualquer contratempo na carreira de Harlom Curtice. Em junho de 1950, teve início o conflito armado entre as Coréias do Norte e do Sul. A intervenção americana no mês de julho alertou a indústria para o início de uma nova preparação para abastecimento de equipamentos de defesa às forças armadas. Os Estados Unidos declararam estado de emergência em dezembro de 1950 e entraram definitivamente no confronto, que duraria até 1953. Novamente a GM teria participação significativa no fornecimento ao governo americano, entretanto, as circunstâncias do novo conflito eram diferentes da experiência da Segunda Guerra Mundial. O governo anunciou o retorno do controle sobre preços e salários, porém, não impôs restrições à produção civil, com exceção de algumas matérias-primas, como borracha e cobre. Além disso, os contratos de fornecimento do governo teriam novamente a limitação de 10% da margem de lucro. Diante da evolução da indústria nos anos anteriores e da perspectiva de investimento em fábricas de equipamentos bélicos, a General Motors elaborou um ambicioso plano de investimentos em novas fábricas, aprovado pelo CPF em março de 1951. A GM decidiu incluir no plano a antecipação de sua preparação para atender à demanda reprimida que se previa ocorrer com o término da guerra. Desta forma, os esforços de expansão seriam divididos entre as plantas para finalidade civil, que deveriam ficar com 80% capacidade, e plantas de defesa, que teriam 20%. Além disso, as fábricas de materiais de defesa seriam financiadas com capital próprio, e deste modo poderiam ser construídas com a preparação para serem convertidas em fábrica de automóveis assim que o contrato de defesa terminasse. Ao final do plano, o aumento da capacidade produtiva seria de 24%, chegando ao volume anual de 4,5 milhões de unidades. O investimento previsto foi de U$ 750 milhões, sendo U$ 300 milhões para instalações e máquinas para produtos de defesa e U$ 450 milhões para reconversão e modernização da produção de veículos. Para cobrir os investimentos, a GM reduziria os dividendos de U$ 6 para U$ 4 por ação e diminuiria exigências de caixa da empresa. Ao final de 1952, no decorrer da Guerra da Coréia, Dwight D. Eisenhower foi eleito presidente dos Estados Unidos, sucedendo Harry S. Truman. Charles Wilson aceitou o convite para assumir como secretário de defesa americano e renunciou à presidência da General Motors em dezembro. No lugar de Wilson, assumiu Halom H. Curtice, que desde 1948 era vice-presidente executivo, encarregado das atividades de staff. 120 4.1.14. Gestão Harlom Curtice Os produtos para atender aos contratos de defesa durante a guerra da Coréia eram versões avançadas daqueles fabricados durante a Segunda Guerra. A General Motors foi novamente a principal fornecedora do governo dos Estados Unidos, com contratos totalizando U$ 5,7 milhões. Esta, porém, seria a última vez que equipamentos para as forças armadas teriam destaque nas atividades da GM. A partir de 1955, os contratos de defesa buscariam fornecimento de artefatos mais sofisticados, como mísseis balísticos e componentes de armas nucleares, e grande parte do foco sairia da produção para atividades de pesquisa e desenvolvimento. Com isso, a GM teria sua participação em contratos reduzida gradualmente, embora duas divisões permanecessem ligadas à atividade militar. A Allison manteve-se como fornecedora de motores de aviões de combate e transmissões para veículos pesados, como tanques e caminhões. E a AC Spark & Plug passou a participar no desenvolvimento e fabricação de sistemas de navegação, utilizados principalmente em mísseis teleguiados e futuramente no programa aeroespacial americano. Harlom Curtice assumiu a presidência da GM e do CPO seis meses antes do fim da guerra, ainda com contratos em andamento, e enquanto a GM executava suas obras de expansão e modernização da produção. Também no início de seu mandato, uma ação antitruste movida pelo Departamento de Justiça norte-americano contra a relação da Du Pont com a GM intimidou as interferências dos acionistas no CPF e no Conselho de Administração. Nesse contexto, Curtice promoveu alterações na organização corporativa, centralizando decisões em suas mãos e, ao mesmo tempo, envolvendo mais as divisões no processo de formulação de políticas. Curtice decidiu não nomear substituto para sua antiga posição. Ao invés disso, ele acumulou sua função anterior, fazendo com que toda atividade de staff respondesse diretamente à pessoa do presidente e CEO, e não mais ao CPO. Além disso, contrariando o já tradicional princípio de gestão da GM de separar estratégia e administração, Curtice aprovou, em 1954, a nomeação de dois gerentes de divisões de automóveis ao CPO e ainda manteve todas as divisões não automotivas, inclusive caminhões, respondendo diretamente a ele. O novo CEO da GM, apesar de não ser engenheiro, desenvolveu durante sua carreira nas divisões uma longa experiência em operações. A forma centralizada, e ao mesmo tempo mais próxima das unidades de negócios, em que a organização corporativa passou a funcionar, acelerou a velocidade das decisões e aumentou a influência das 121 divisões nos rumos da organização. Mas, por outro lado, o estilo adotado por Curtice para conduzir as reuniões do CPO, onde políticas eram aprovadas, reduziu o debate sobre as propostas apresentadas. De acordo com (Freeland, 2001), Harlom Curtice limitava os executivos, durante as reuniões do CPO, a emitirem suas opiniões somente quando o assunto em discussão envolvesse sua respectiva área ou divisão. Ao final de 1953, os gastos com fábricas e equipamentos, que haviam sido previstos em U$ 750 milhões para os três anos, chegara à marca de U$ 1,28 bilhão. A demanda de veículos se recuperou em relação aos dois anos anteriores e chegou a 7,3 milhões de unidade. A participação de mercado da GM aumentou em relação a 1951 e 1952, voltando para a casa dos 45%, e o faturamento ultrapassou a marca de U$ 10 bilhões, embora o lucro líquido não tenha aumentado na mesma intensidade, devido ao limite de margens de lucros nas vendas ao governo. Ainda assim, totalizaram U$ 1,66 bilhão nos três anos. A General Motors anunciou no início de 1954 um novo ciclo de investimentos, prevendo a aplicação de U$ 1 bilhão ao longo de dois anos. O valor do investimento superaria as perspectivas de geração de caixa e, portanto, a GM antecipou futuras necessidades de capital recorrendo a financiamento externo. Um mês antes do anúncio, em dezembro de 1953, o staff financeiro da GM realizou uma bem sucedida emissão de debêntures, com vencimento em 25 anos, a 3,25% ao ano, totalizando uma captação de U$ 298,5 milhões depois dos descontos. Depois de um ano de seu lançamento, o plano de investimentos foi ampliado para U$ 1,5 bilhão e, até o final de 1955, seria aumentado novamente, chegando a U$ 2 bilhões. Para mobilizar os recursos necessários, o CPF e o Conselho de Administração da GM aprovaram uma oferta a seus acionistas de 4,38 milhões de lotes de novas ações a U$ 75. A emissão foi bem sucedida e a GM captou U$ 325 milhões, após descontos, para completar seu plano. Os investimentos de 1954/1955 visavam não somente ampliar fábricas de veículos, mas principalmente novas ferramentas e equipamentos para fábricas de acessórios e componentes, tais como ar-condicionado, power-brakes, motores V-8 e direção hidráulica, que em meados da década de 1950 passaram a ser essenciais na competição entre as Três Grandes: GM, Ford e Chrysler13. 13 A referência ao grupo formado por GM, Ford e Chrylser, como as “Três Grandes” é traduzido da expressão Big Three, comumente utilizada nos Estados Unidos e outros países de lingua inglesa para denominar as três maiores empresas americanas do setor automotivo 122 A indústria automobilística veio gradualmente aumentando os investimentos em design e engenharia desde 1948, à medida que a turbulência do pós-guerra começou a estabilizar e a demanda voltou crescer. A renovação anual dos modelos determinou o ciclo da disputa pelo mercado entre fabricantes, e o volume de vendas passou a ser condição necessária para amortizar despesas com staffs de desenvolvimento. Com isso, os poucos fabricantes independentes que restavam, além das Três Grandes, entraram em franco processo de declínio e em poucos anos deixariam o mercado de veículos. Portanto, a década de 1950 assistiu a uma intensa competição por inovações em estilo e atributos de engenharia entre as empresas, porém, a supremacia da General Motors em relação a concorrentes evitou que os efeitos da concorrência chegassem aos preços dos veículos. A GM possuía, desde 1937, a preocupação explícita de não caracterizar sua dominação do mercado de forma a levantar questionamentos sobre violação das leis antitruste. Assim sendo, sua participação de mercado era monitorada de forma a não ultrapassar 50%, deixando os outros 50% para os concorrentes. Esta condição fez com que os preços dos veículos, ao longo da década de 1950, aumentassem em média 43%, o dobro da inflação (RUBENSTEIN, 2001), apesar da intensa disputa entre as Três Grandes. O exemplo a seguir ilustra a sincronia no aumento de preços na época. Em 1956, a Ford lançou seus modelos com um aumento nos preços de U$ 50 em relação ao ano anterior. Quando os modelos da Chevrolet de 1956 foram anunciados, incorporando aumentos entre U$ 50 e U$ 160, a Ford se viu obrigada a aumentar seus preços em mais U$ 50, equiparando-se à Chevrolet. A alternativa de manter os preços mais baixos e de ganhar participação de mercado não era viável, uma vez que a GM dispunha de força desproporcional para reagir. Sendo assim, a Ford preferiu aumentar suas margens e assegurar uma operação lucrativa. O mercado de veículos apresentou algumas mudanças, durante a década de 1950, em relação ao hábito de consumo dos americanos. O crescimento da renda fez com que gradualmente as famílias passassem de um único carro, geralmente com carroceria tipo sedan para acomodar a família e bagagens, para dois veículos por residência e, eventualmente, mais de dois carros, quando filhos atingiam idade para dirigir. Com isso, emergiram ao longo da década variações de estilo, como carros esportivos, conversíveis com capota retrátil, peruas, além dos importados compactos, sendo o mais bem sucedido deles o Volkswagen Fusca. 123 Sob o comando de Curtice, as divisões ganharam maior flexibilidade para aprovar os programas idealizados por suas engenharias. Os desenvolvimentos de design eram conduzidos em estreito relacionamento das divisões com o laboratório de estilo que mantinha estúdios e designers separados para cada uma delas. Os staffs de engenharia continuaram coordenando as atividades de desenvolvimento através do GPE, porém, agora respondendo diretamente a Curtice. O presidente tratava diretamente com as divisões e a influência do gerente geral da divisão, na opinião de Curtice, significou mais autonomia na aprovação de novos modelos, tornando mais rápidas a ação e a reação em relação concorrência. A General Motors consolidou sua estrutura de engenharia e estilo quando inaugurou, em 1956, o centro de tecnologia, batizado em homenagem a Charles F. Kettering, ex-vice-presidente executivo de pesquisa, que se aposentara em 1947. O centro de tecnologia, em Warren, Michigan, iniciado após a Segunda Guerra, seria comandado pelo substituto de Kettering, o PhD. em ciência nuclear, Lawrence R. Hafstad. Com investimento total de U$ 150 milhões, a GM construiu um complexo de cinco prédios que abrigaria as atividades de desenvolvimento de quatro mil funcionários, sendo 1300 alocados em pesquisas específicas, 1200 em estilo e outros 700 em desenvolvimentos de engenharia e manufatura. Em seu discurso de inauguração, Hafstad deixou claro que as atividades de pesquisas da GM não iriam aplicar esforços exagerados em pesquisa pura, e que era essencial colher os frutos de tal atividade em um prazo não muito longo. Para acelerar o desenvolvimento de produtos nas divisões, Curtice reforçou suas equipes de engenharia. A Cadillac havia despontado com seus luxuosos carros, estilo rabo de peixe, no final da década de 1940 e continuou a desenvolver modelos nesta linha durante a década de 1950, juntamente com as intermediárias Buick e Oldsmobile. O engenheiro de desenvolvimento da Cadillac, Ed Cole, foi transferido para a Chevrolet, a fim de renovar seus modelos V-6, que vinham perdendo em atratividade aos V-8 da Ford. A Pontiac não dispunha de um grande staff de engenharia e seus modelos eram relativamente os mesmos oferecidos desde o fim da Segunda Guerra. Para renovar a divisão, Curtice nomeou Semon E. Knudsen, filho do ex-presidente da GM, William Knudsen, como gerente geral da Pontiac para comandar a renovação daquela divisão. Knudsen trouxe Elliont Estes para ser chefe de engenharia e buscou na luxuosa Packard, então em processo de concordata, o engenheiro John Z. Delorean. O resultado do esforço de desenvolvimento foi o lançamento de carros com design mais esportivo, dentre eles os 124 Chevrolet Belair e o Corvette, um dos primeiros no estilo “muscle-car” que predominaria na década seguinte, e os potentes e bem acabados sendas médios da Pontiac, o StarChief e Bonneville. Com o esforço das divisões no desenvolvimento e variação dos novos modelos, a General Motors ofereceu em 1957 cerca de 450 opções de acabamento dos carros, variando as 75 carrocerias (duas portas, quatro portas, perua, conversível) sobre três tamanhos básicos de chassi (A, B e C) entre suas cinco divisões (CRAY, 1980). A variação de modelos e versões realçou a importância da criação de novas ferramentas e da preparação da linha de montagem nos custos de desenvolvimento de novos produtos. E, para lidar com tal variedade durante a década de 1950, o staff corporativo de engenharia de manufatura, estabelecido em 1945, promoveu uma série de estudos sobre as alternativas de automação da linha de produção que levaram ao início da aplicação de sistemas de computadores para gerenciar a montagem dos produtos. No entanto, a agilidade de reação à concorrência, incentivada por Harlom Curtice, por vezes causou aumentos crônicos nos custos de desenvolvimento e fabricação dos veículos. Durante a década de 1950, não seria raro ocorrer mudanças de última hora nos planos dos produtos, com o andamento da implementação avançado, para reagir a inovações anunciadas por Ford ou Chrysler. Isto freqüentemente provocava uma escalada dos investimentos, uma vez que havia um prêmio a ser pago aos fornecedores para acelerar encomendas de novas ferramentas e equipamentos. Além disso, os custos de produção aumentavam significativamente, dado que o atraso na preparação da linha de montagem obrigava plantas a operarem em turnos extras, a fim de formar os estoques a tempo do lançamento no início da temporada de vendas. Durante o mandato de Harlom Curtice, a GM também empreenderia outros esforços para ampliar suas vendas de veículos, além das atividades tradicionais de suas divisões. A coordenação entre empresas da indústria, sob a forma de associações, teve início quase que simultaneamente que a própria atividade de fabricação e comercialização de veículos automotores. A National Association of Automobile Manufactures (NAAM), a já mencionada ALAM e o National Automobile Chamber of Commerce (NACC) foram precursores, no início do século XX, em promover a cooperação entre fabricantes, no sentido de construir legitimidade e difundir o automóvel perante a sociedade americana. Estas entidades foram sucedidas pela Automobile Manufacturers Association (AMA), em 1934, que tornou-se a principal representante do 125 setor na promoção da educação de trânsito, organização de feiras e salões e no apoio a construção de estradas pavimentadas. Em 1943, a AMA, sob forte patrocínio da GM, aliou-se a outras associações para formar a American Road Builders Association (ARBA), com o intuito de organizar o lobby em favor de um amplo programa de construção de estradas nos Estados Unidos. Em 1954, o presidente americano Dwight Eisenhower nomeou uma comissão para diagnosticar a real necessidade do país em termos de estradas. Para presidir a comissão, foi nomeado o general Lucius D. Clay, importante integrante do governo de ocupação da Alemanha após a Segunda Guerra, e que desde 1951 passara a ser o primeiro membro do conselho da GM que não era acionista nem membro do executivo. O resultado da comissão foi a apresentação do projeto de lei para a criação do programa de construção de um sistema nacional de rodovias durante os próximos 16 anos, prevendo o investimento de U$ 25 bilhões de dólares, que seriam cobertos com impostos sobre produtos ligados à utilização do automóvel (combustível, pneus etc.) e pedágios nas estradas. A aprovação do plano durante o governo Eisenhower deu início à construção de diversas estradas interestaduais e desencadeou um processo de formação de áreas suburbanas nos Estados Unidos. Durante a segunda metade do século XX, as famílias gradualmente passariam a preferir residências fora das regiões centrais das grandes cidades e, assim, o uso do automóvel teria um papel cada vez maior no dia-a-dia dos norte-americanos. O sucesso em seu primeiro ano como presidente, ainda contando com a participação dos contratos de defesa, foi apenas o início de uma seqüência de três anos de forte crescimento e altos lucros vivida pela GM. Nos dois anos seguintes, o programa de expansão de Curtice levaria a GM a aumentar seu volume de vendas em 36%, para mais de 4,4 milhões de veículos, ficando a participação de mercado em torno dos 50%. O faturamento em 1955 bateria novo recorde de U$ 12,4 bilhões e, sem os controles do governo e com os aumentos nos preços, o lucro também bateu recorde, pela primeira vez ultrapassando os nove dígitos e chegando a pouco mais de U$ 1,2 bilhão. O indicador de retorno sobre o ativo aumentou de 13,6% em 1953, para 18% em 1955. Passado os três primeiros anos de seu mandato, Curtice assistiu a uma inversão nos negócios da GM a partir de 1956. As vendas da indústria, que haviam alcançado o nível recorde de nove milhões de unidades, em 1955, nos dois anos seguintes giraram em torno de sete milhões, queda de 25%. O volume de vendas e o faturamento da GM 126 caíram em 13% e 21%, respectivamente, em 1956, e permaneceram estagnados no ano seguinte. O lucro líquido caiu 32%, para a faixa dos U$ 850 milhões, porém, com os altos investimentos realizados na primeira metade da década, o retorno sobre o ativo caiu para a casa do 12,5%. A queda do desempenho despertou pedidos de explicação vindas do CPF para que Curtice justificasse as medidas adotadas em sua gestão. O caso da Buick talvez tenha sido o mais crítico dentre as descobertas feitas pelo CPF e o conselho de administração. No começo de 1956, a queda nos volumes da indústria e a crescente competição dos importados da Volkswagen no mercado de preços baixos fizeram com que Chevrolet, Ford e Plymouth, da Chrylser, incrementassem seus modelos para disputar mercados onde as margens poderiam ser maiores. Com isso, intermediárias como a Buick, Oldsmobile e Pontiac tiveram seus modelos espremidos na luta por uma fatia de mercado menor. A Buick, divisão onde Curtice havia cumprido boa parte de sua carreira, era a terceira marca mais vendida em 1955, com 780 mil unidades. No começo de 1956, Harlom Curtice decidiu acumular a função de gerente da divisão Buick, dedicando seus finais de semana em Flint para cuidar de suas tarefas administrativas. Os dois anos que se seguiram foram de queda vertiginosa para a Buick: 31% em 1956 e 24% em 1957. Pressionado por Sloan e por acionistas membros dos dois órgãos, Curtice nomeou uma comissão para avaliar os recursos gerenciais da Buick e apontar um plano para sucessão dentro da divisão. Apesar do esforço de Curtice para amenizar julgamentos negativos sobre sua gestão, em 1958 ele chegaria a 65 anos e teria de se aposentar compulsoriamente. Assim sendo, não lhe restaria tempo suficiente para reverter a situação. 4.1.15. Fim do ciclo Sloan-Du Pont e a reorganização A preocupação manifestada pela Du Pont durante a década de 1930 sobre evitar questionamentos a respeito da violação das leis antitruste não evitou que GM e Du Pont enfrentassem o julgamento das autoridades regulatórias americanas. A magnitude das operações da General Motors se destacava em comparação a qualquer outra empresa dos Estados Unidos. Em 1955, quando a empresa obteve seu recorde de vendas na década, o faturamento da GM correspondeu a 3% do PIB americano e foi aproximadamente o dobro da segunda maior empresa do país, a Exxon Mobil. Comparada a suas concorrentes, a GM detinha 50% do mercado, faturou 37% a mais e 127 lucrou o dobro do que suas duas principais concorrentes, Ford e Chrysler, juntas. A desproporcional diferença entre a GM e as demais empresas chamou a atenção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Sobretudo na relação entre a General Motors e a Du Pont, que, além de principal acionista e controladora, também era fornecedora de produtos químicos, especialmente para as atividades de pintura. Alguns processos relacionados à preservação da livre concorrência foram movidos, ou tiveram desfecho, contra divisões da GM ao longo da década de 1950, embora nunca diretamente relacionados às divisões de automóveis e caminhões. Em casos como o da Euclid Company, de máquinas rodoviárias, o da GMAC, acusada de restringir o comércio de crédito ao consumo, e do monopólio sobre a fabricação de ônibus urbanos, a General Motors obteve êxito em contornar a situação, cumprindo as decisões da justiça, porém sem grandes perdas e com alterações meramente administrativas em suas atividades. A investigação e os processos sobre a relação da Du Pont com a General Motors tiveram início na segunda metade da década de 1940, e o seu desfecho no final dos anos 1950 foi decisivo para a realização de mudanças na organização e no funcionamento da estrutura corporativa da General Motors. Tais mudanças ocorreram na transição da gestão de Harlom Curtice para Frederic Donner, em meio a um contexto de profunda alteração na composição do conselho de administração, bem como na relação entre gestão e os acionistas da GM. Alfred Sloan presidiu o conselho de administração da General Motors durante 22 anos, entre 1934 até 1956, quando, aos 80 anos de idade, renunciou ao cargo, depois do falecimento de sua esposa Irene. Para o seu lugar, Sloan favoreceu a nomeação de Albert Bradley, a quem Sloan há alguns anos vinha preparando, e era vice-presidente executivo de finanças e presidente do CPF. A promoção de Bradley puxou uma seqüência de promoções na organização de finanças, apontando a linha de sucessores formada por Frederic Donner, Richard Gerstenberg e George Russel. No lado da organização de operações, a linha de sucessão para o presidente e CEO, Harlom Curtice, também começou a ser preparada, em 1956, com a nomeação de John F. Gordon para a vicepresidente de operações de produção de automóveis, promovido da gerência geral da Cadillac, Ed Cole, chefe de engenharia, nomeado gerente geral da Chevrolet, James Roche, ex-diretor de recusos humanos da Cadillac assumiu a gerencia geral no lugar de 128 Gordon, e além desses, Semom Knudsen passou a ser uma opção mais distante, à frente da Pontiac. A ação do Departamento de Justiça contra a Du Pont teve o julgamento em primeira instância concedendo a vitória à Du Pont em 1954. Contudo, a decisão final da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1957, condenou a E. I. Du Pont de Nemours na acusação de restrição do comércio, por manter interferência na gestão da General Motors, da qual era fornecedora de tintas automotivas e outros materiais químicos. A sentença obrigava a Du Pont a se desfazer de suas ações da General Motors dentro de um prazo de cinco anos e remover seus representantes do conselho de administração e do CPF da GM. Na metade de 1957, diante da decisão judicial que previa o afastamento da Du Pont e da perspectiva das aposentadorias de Albert Bradley e de Harlom Curtice, em 1958, Alfred Sloan foi nomeado para presidir um subcomitê especial dentro do conselho de administração, com a tarefa de estudar a sucessão e a reorganização da estrutura corporativa da General Motors. O grupo, denominado internamente de “comitê de Sloan”, era composto pelo presidente do conselho de administração, Albert Bradley, pelo representante e presidente do conselho da Du Pont, Walter Carpenter, o membro do conselho, General Lucius Clay e Harlom Curtice, além do próprio Sloan, e não oficialmente de Donaldson Brown, ex-vice-presidente do conselho da GM. Após o prolongado período de estudos e discussões conduzidos pelo comitê de Sloan no conselho de administração, em agosto de 1958, a sucessão e a reorganização da estrutura corporativa da General Motors foi aprovada, sem a participação de nenhum membro representando a Du Pont. A reorganização restabeleceu o Comitê Executivo (CE) em substituição ao CPO. O CE contaria com a presença do presidente do conselho de administração, mas seria presidido pelo presidente da GM. Também comporiam o CE os vice-presidentes executivos (encarregados do staff) e os vice-presidentes de operações. Já o CPF foi substituído pelo Comitê de Finanças (CF), o qual seria presidido pelo presidente do conselho de administração. Comporiam o CF membros do conselho de administração, executivos de finanças e o presidente da GM. Desta forma, o presidente da GM, chefe de operações, ficou subordinado ao presidente do conselho, que por ocupar a presidência do CF, colocou as decisões do CE sob intenso escrutínio CF. Os grupos de políticas passaram a responder novamente de forma direta ao CE, eliminando a supervisão e a 129 análise prévia do CA. Nesta nova configuração, o CA, composto pelos gerentes das divisões, seria apenas uma instância consultiva do presidente da GM. O conselho de administração aprovou, também em 1958, a nomeação de Frederic Donner, vice-presidente de finanças, para substituir Albert Bradley e Harlom Curtice nas funções de presidente do conselho e CEO. Donner nomeou John F. Gordon, o novo presidente da General Motors. 4.1.16. O legado de Harlom Curtice O ano de 1958 fechou com a General Motors enfrentando uma forte queda no volume de vendas, cerca de 22%, acompanhando a diminuição da atividade no restante da indústria. A GM, no entanto, se recuperaria até o final da década e fecharia 1960 obtendo faturamento recorde de U$ 12,7 milhões, com a venda de 3,7 milhões de veículos que representavam aproximadamente 52% do mercado. Mesmo com uma ligeira queda nas margens, o lucro líquido alcançaria U$ 959 milhões. A consolidação da hegemonia ao longo da década só foi desafiada por um, ainda que pequeno, mercado de veículos “subcompactos”14, que emergiu na segunda metade da década de 1950. A Volkswagen começou a importar o Fusca em 1953 e, juntamente com o Rabler da American Motors, outros compactos importados da Europa conquistaram cerca de 5% de participação de mercado. Até 1960 os veículos compactos, a maioria importados como os da própria Vauxhaul e Opel, receberiam concorrentes nacionais das Três Grandes. Em 1956, o chefe da engenharia da Chevrolet, Ed Cole, havia assumido a gerência geral da divisão. Dentre os principais planos de Cole estava a criação de um veículo compacto, com motor traseiro, para competir de frente com os emergentes Rambler e Fusca. Em 1957, a Chevrolet desenvolveu o primeiro protótipo e apresentou aos executivos da GM. O novo veículo se chamaria Corvair e sua aprovação seria uma das últimas conduzidas durante a gestão de Halom Curtice. Em 1958, Curtice e Ed Cole trabalharam a aprovação no CE, contrariando opiniões de finanças e do ainda vicepresidente de operações de carros e caminhões, John Gordon, que consideravam o projeto como de baixo retorno devido à estreita margem de lucro. Quando Fred Donner assumiu o comando, a GM decidiu que após o lançamento da Chevrolet a arquitetura do 14 No início da década de 1950 o segmento dos carros com as menores dimensões já possuía a denominação de compacto. Portanto, quando o novo padrão de tamanho se consolidou, o termo subcompacto foi adotado. No decorrer deste texto, o termo compacto será utilizado em referência ao padrão de veículos com a menor dimensão existente e não na forma habitual da indústria americana nos anos 1950. 130 Corvair seria compartilhada pelas demais divisões, exceto a Cadillac, a fim de aumentar a escala e melhorar o retorno sobre o investimento. O Corvair foi aprovado sob uma série de condições impostas por Curtice. O carro deveria ser lançado no final de 1959, com um motor traseiro feito em alumínio, com sistema de refrigeração a ar e suspensão com eixos independentes, atributos que o tornaria mais leve e econômico. Além disso, o modelo mais básico do Corvair deveria competir em preço com o Fusca que, à época, custava pouco menos de U$ 2000. A combinação de motor traseiro com o sistema de suspensão independente resultava em complicações de engenharia que rapidamente foram identificadas pelas equipes de teste da GM. O Corvair, quando dirigido em curvas de alta velocidade, tendia a ficar instável e propenso a capotamentos. O comportamento nos testes foi devidamente documentado e gerou uma grande discussão entre o staff corporativo e o gerente geral da Chevrolet, Ed Cole. Charlie Chayne, vice-presidente de engenharia, defendia a inclusão de barras estabilizadoras e o uso de pneus mais largos como forma de melhorar a estabilidade do veículo, enquanto Cole afirmava que o Corvair dispunha de suficiente estabilidade e que a adição destes itens inviabilizaria a competitividade de custos do veículo. Diante do impasse técnico, Fred Donner optou por preservar as margens de lucro, e o Corvair foi lançado sem os dispositivos em 1959. A celeuma criada entre as engenharias rapidamente se espalhou para as demais equipes das divisões. Os gerentes de Buick, Oldsmobile e Pontiac persuadiram a organização corporativa a retirar o Corvair de seus planos. As três divisões compartilhariam a arquitetura de um veículo compacto, com motor dianteiro, que vinha sendo desenvolvido conjuntamente por Buick e Oldsmobile. Assim sendo, em 1960, o Buick Special, Oldsmobile F-85 e o Pontiac Tempest foram introduzidos para competir no mercado de compactos, que além dos importados do Rambler e do Corvair contaria também com os lançamentos dos concorrentes, o Ford Falcon e o Plymouth Valiant. O Corvair foi lançado com diversas combinações de acabamento e acessórios, utilizados para aumentar a margem de lucro nas vendas. Dentre as versões levadas ao mercado, a de maior sucesso foi o Corvair Monza, que explorava um apelo mais esportivo. No entanto, os problemas de estabilidade do carro nas estradas dos Estados Unidos começaram a retornar para a GM na forma de processos na justiça. Promovido à gerência geral da Chevrolet, em substituição a Ed Cole que em 1961 se tornou vicepresidente de operações de carros e caminhões, Semon Knudsen iniciou uma luta para a 131 adoção de barras estabilizadoras no Corvair, a um custo de U$ 15. Diante da perspectiva de ter seu pedido negado, Knudsen ameaçou deixar a General Motors caso sua proposta não fosse aprovada. As barras estabilizadoras foram finalmente adotadas nos modelos vendidos em 1964, no entanto, o dano à imagem do veículo seria irreversível. Em 1965, uma série de processos na justiça levou à criação de um comitê no senado dos Estados Unidos para investigar a segurança dos veículos. Os resultados desta comissão foram desastrosos para a GM e para o Corvair. Entre 1959 e 1965, a Chevrolet vendeu cerca de 1,5 milhão de unidades e, após a investigação do senado, apenas 125 mil unidades foram vendidas até a descontinuação do modelo, quatro anos depois. 4.1.17. Hegemonia de Finanças Quando a General Motors se preparava para o lançamento de seu compacto Corvair, Alfred Sloan, que ainda exercia certa influência como membro do conselho de administração, alertou sobre a necessidade de a GM construir carros ainda menores do que o Corvair. Para Sloan, o desenvolvimento de carros pequenos seria válido mesmo que estes não fossem comercializados, pois proporcionaria um aprendizado para a GM e a ajudaria a estar preparada para futuras mudanças no mercado (FREELAND, 2001). As recomendações de Sloan ecoaram nas divisões, que submeteram ao GPE propostas de programas para veículos compactos. No entanto, a orientação do CF e do CE foram no sentido contrário, e as propostas geradas nas divisões eram seguidamente reprovadas devido às baixas perspectivas de retorno sobre o investimento. Um modelo topo de linha da Buick ou Oldsmobile, vendido por U$ 4500 na concessionária, tinha o preço de atacado em torno de U$ 3400. Os custos de fabricação girariam em torno de U$ 1900 a U$ 2000, gerando uma margem de cerca de U$ 1400 a U$ 1500, que resultaria em um lucro, descontados os impostos, de cerca de U$ 850. Já um veículo com grande carroceria e mais luxuoso, como o Cadillac DeVille, possuía um custo de produção de U$ 300 a U$ 400 a mais que o intermediário Chevrolet Caprice, enquanto que a diferença de preço entre os dois poderia chegar a U$ 3800. Com isso, enquanto o lucro líquido dos modelos mais caros poderia chegar a U$ 2000, os modelos intermediários gerariam lucros de U$ 400 dólares, e compactos como Corvair e o Pontiac Ventura, algo entre U$ 150 e U$ 200. Além disso, modelos esportivos, com tamanhos 132 intermediários, porém com grande apelo para o consumidor, poderiam ser vendidos a U$ 4000, gerando lucros de cerca de U$ 900. Outra maneira que as empresa encontraram para aumentar o lucro obtido em cada venda era carregar os veículos com acessórios opcionais, cujos valores eram cobrados a parte. Pacotes oferecidos com frisos cromados, pneus mais largos e outros adereços, a um custo de U$ 15, permitiria um aumento de U$ 300 no preço do “novo” modelo. Ou então, com o custo adicional de U$ 25, a troca dos pára-choques, bancos especiais, tacômetro e manopla de câmbio cromada transformariam um modelo comum em sua versão esportiva, elevando preço em U$ 400. Dada a diferença de margens, as tentativas de desenvolver carros maiores, de forma que pudessem receber mais acessórios, tornou-se uma tendência na General Motors e na indústria a partir dos anos 1960. Com isso, modelos compactos lançados por Buick, Pontiac e Oldsmobile no início da década receberiam motores mais potentes e teriam suas carrocerias ampliadas para receber mais acessórios. A concorrente Ford também seguiu o mesmo caminho, em um programa de U$ 800 milhões para a revitalização de sua divisão Mercury, de veículos intermediários e grandes. Além disso, ao longo da década de 1960, tornaram-se populares os “muscle-cars”, veículos intermediários, com forte apelo esportivo em seu desing, equipados com motores potentes e vendidos por um alto preço. Dentre os modelos que marcaram o início do muscle-car estão o concorrente Ford Mustang, de 1964, e o Chevrolet Camaro, lançado em 1967. No entanto, versões preliminares deste estilo já vinham sendo desenvolvidas pela GM, como o Corvette 1957, o Corvair Monza e o experimental Chevy II, em 1962. Com a atenção das grandes montadoras voltadas para o problema de como incrementar as margens de seus veículos, a demanda por carros compactos de baixo preço foi deixada novamente para os concorrentes importados. Tais veículos haviam perdido espaço no início dos anos 1960, com os lançamentos dos nacionais Corvair, o Ford Falcon e o Valiant da Chrysler, mas retomaram participação no mercado a partir de 1963. O Volkswagen Fusca aumentou suas vendas de 157 mil unidades em 1960 para 563 mil em 1968, ano em que importados conquistaram 10,5% do mercado. O esforço de busca por margens, oferecendo mais opções de estilo, e a tentativa de ampliar a escala, compartilhando o veículo desenvolvido em uma divisão com as demais, fez com que, a partir do final dos anos 1950 e durante os anos 1960, a General Motors aumentasse sua linha de produtos significativamente. O número de arquiteturas 133 básicas saltou de três em 1955 para dez no final em 1969. Além disso, a GM aumentou os tipos de carrocerias de 75 para 175, com um total de 918 opções de acabamento. Com isso, o número de partes chegou a 15 mil, combinadas em 165 mil listas de materiais, incluindo os modelos de carros e caminhões. Para controlar a logística e uma produção de tamanha complexidade, a GM utilizava sistemas computadorizados em suas fábricas, com os quais era possível organizar a seqüência de produção. No lado do desenvolvimento de engenharia, a mudança anual dos modelos passou a ser mais superficial, procurando limitar-se à combinações de acessórios e detalhes mínimos de design. Além disso, o ciclo de mudanças significativas na mecânica e na estrutura dos veículos foi ampliado de quatro para seis anos. Ainda assim, a GM não foi capaz de reduzir o tempo de paralisação das fábricas para a troca anual dos modelos, como conseguiram Ford e Chrysler, que transferiram parte dos dias de paralisação para ajustes realizados nos finais de semana. No começo dos anos de 1970, a Ford paralisava suas operações durante o equivalente a 42 dias de produção de uma planta para trocar toda a linha de produtos, enquanto que na GM o mesmo processo levava o equivalente a 460 dias. O aumento da diversidade de produtos e a atuação das divisões em todos os segmentos, competindo entre si, exigiram maior coordenação entre suas atividades, sobretudo no desenvolvimento de novos modelos. A responsabilidade de conduzir a GM diante de tal desafio recaiu sobre o CEO Fred Donner, cuja carreira havia sido toda desenvolvida em finanças. Para comandar gerentes e executivos que dispunham de maior experiência em operações, Donner adotou uma prática que se tornou comum na General Motors mesmo depois de sua saída. Assim que assumiu o comando, apontou John Gordon como presidente da GM, que segundo John Z. De Lorean (WRIGHT, 1974) era a escolha menos óbvia. Gordon era vice-presidente de operações de montagem, no entanto, dentro da GM os dois principais nomes da área de operações cotados para substituir Harlom Curtice eram os vice-presidentes executivos Cliff Goad e Bud Goodman. Posteriormente, Donner ainda nomearia Roger Kyes como vice-presidente de operações não-automotivas e, anos depois, para operações de carros e caminhões. Kyes havia feito sua carreira fora da GM e, mesmo depois de entrar para a empresa, suas experiências se restringiam à gerência das divisões Frigidaire e GM Truck & Coach. No início da gestão de Donner, o desenvolvimento dos modelos manteve-se com o sistema de revisões em comitê semelhante ao que fora estabelecido por Sloan. Novas 134 propostas emergiam do trabalho conjunto entre divisões e o laboratório de estilo, e os programas para toda a linha eram aprovados por meio de uma seqüência de revisões conduzidas pelo staff de engenharia através do GPE, até consolidar uma proposta que era encaminhada para a avaliação do CE e do CF. Em geral, inovações na mecânica ou no design eram adotadas, primeiro, por uma divisão e, em caso de sucesso, eram replicadas para as demais. Este processo, formalizado em 1935, veio gradualmente transferindo as atividades de desenvolvimento das divisões para o staff de engenharia. Porém, na gestão de Donner este processo foi deliberadamente acelerado e, ao longo da década de 1960, as decisões de produto passaram a ser cada vez mais impostas às divisões e com maior detalhamento das especificações a serem seguidas. Em 1962, a Pontiac realizou por sua conta experimentos com o seu modelo intermediário Tempest. A divisão comandada por Elliot Estes, que contava com John DeLorean como chefe de engenharia, removeu todos os componentes supérfluos do carro e o reequipou com novos freios, suspensão e componentes de motor. Com a melhora significativa de desempenho, a Pontiac renomeou o veículo como GTO. A divisão Pontiac conduziu o desenvolvimento do GTO sem informar o GPE, pois temia que este não aprovasse as alterações propostas. O risco assumido por Estes foi recompensado, e as vendas do GTO, em 1963, se revelaram um grande sucesso. A organização corporativa da GM não teve outra opção senão reconhecer o novo produto. No entanto, a resposta de Fred Donner viria logo em seguida, com a determinação de que todas as decisões de produtos feitas pelas divisões fossem submetidas à corporação para aprovação. O sistema de controles financeiros estabelecidos desde os anos 1920 contribuiu para que a GM controlasse as decisões de suas divisões. O controler da divisão elaborava o orçamento do ano sob a orientação do gerente da divisão, porém os valores previstos e a programação de receitas e despesas eram aprovados e controlados pelo staff financeiro. Com isso, a divisão só poderia alterar um modelo depois que ele já estivesse aprovado pelo controle corporativo e, ainda assim, respeitando os limites estabelecidos no orçamento. Por exemplo, a Pontiac, em 1966, elaborou um projeto para remodelar um de seus veículos grandes, o Catalina, substituindo partes e componentes por outros mais leves e mais baratos. O protótipo exibido formal e informalmente, porém apesar da boa impressão causada ao staff de engenharia, foi aprovado com cortes no orçamento que tornavam o projeto inicial inviável. Diante da restrição, a Pontiac conseguiu a aprovação para substituir o Catalina por um modelo intermediário. O 135 resultado foi a criação do Grand Prix, um sucesso de vendas, que inaugurou um segmento de carros médios especiais. O Grand Prix tinha o preço de U$ 4000, gerando um lucro de cerca de U$ 1500, enquanto que a média das linhas de veículos intermediários era de U$ 600. A autonomia das divisões, como os casos dos Pontiac GTO e Grand Prix, se tornou cada vez mais limitada ao longo da gestão de Fred Donner e culminou em 1965 com a criação da General Motors Assembly Division (GMAD), que passaria a centralizar as atividades de produção e montagem das divisões automotivas. No início, foram reunidas fábricas de Buick, Pontiac, Oldsmobile e Fisher Body. Cadillac e Chevrolet permaneceriam ainda com suas divisões até a década de 1970. Dois principais motivos são apontados para justificar a criação da GMAD. Um deles é explícito e estava relacionado ao plano de comunização de partes e componentes, que tinha por objetivo aumentar escalas de produção e, conseqüentemente, reduzir custos. Outro motivo seria fruto de uma suspeita de que a General Motors poderia ser novamente questionada sobre o domínio que exercia no mercado. Com isso, temia-se que o fato de operar sob uma estrutura composta de divisões razoavelmente autônomas, facilitasse uma sentença que determinasse o desmembramento e a venda de algumas divisões, como forma de restabelecer a concorrência no setor. Com a criação da GMAD, as divisões passariam a se restringir a suas organizações de marketing, vendas e distribuição. Frederic Donner foi presidente do conselho de administração e CEO da General Motors entre 1958 e 1967. Durante sua gestão, a GM manteve sua participação de mercado próximo ao nível de 50%, enquanto o volume de vendas gradualmente cresceu a partir do baixo nível do primeiro ano, tendo o dobro de veículos saído de suas plantas no ano recorde de 1965, quando foram vendidos 5,7 milhões de veículos. O faturamento da GM saltou da faixa de U$ 10 bilhões nos anos que precederam Donner para a casa dos U$ 20 bilhões nos três últimos anos de seu mandato. Em 1965, dois anos antes de sua aposentadoria compulsória, Donner nomeou James Roche presidente da General Motors. Em 1967, quando Donner finalmente se aposentou, Roche assumiu como novo CEO e presidente do conselho de administração. Diferentemente de Fred Donner, Roche não vinha de uma formação de finanças e, assim sendo, não ocuparia a presidência do CF como seu antecessor. Para compensar a nomeação de um CEO com formação em operações, foi criada a posição de vicepresidente do conselho, a ser ocupada pelo vice-presidente de finanças George Russell, 136 que passou a ser o segundo em comando na ausência de Roche. O cargo menos favorecido com a mudança de gestão foi o de presidente da GM. Edward Cole foi nomeado presidente, porém a partir de 1967 sua influência foi significativamente reduzida, pois além de o CE passar a ser presidido por Roche, Cole teria autoridade somente sobre as divisões de veículos, uma vez que nem as áreas não-automotivas nem os mercados externos seriam subordinados a ele. Além disso, a composição do CE, responsável pela aprovação de operações, mudou amplamente durante o mandato de Donner, reforçando a influência de finanças. Em 1967, o CE da General Motors veria os vice-presidentes de operações serem reduzidos à minoria. Até 1970, na gestão Roche, o CE passaria a ter cinco membros, todos executivos corporativos relacionados às áreas de staff, sendo a maioria de finanças. 4.1.18. Segurança veicular e controle de emissões Um dos primeiros desafios de James Roche assim que assumiu a presidência da General Motors, ainda com Donner como CEO, foi enfrentar a desastrosa participação da GM na comissão de segurança veicular do senado dos Estados Unidos. As preocupações com o crescimento do número de acidentes e mortes no trânsito acompanhou a difusão do uso do automóvel pela sociedade americana. Em 1936, a indústria automobilística criou a Automotive Safety Foundation (ASF) para realizar estudos e promover campanhas para a redução de acidentes de trânsito. Com os custos pagos pelas montadoras, parte dos trabalhos da ASF procurou retirar a responsabilidade do automóvel sobre os acidentes e atribuir a maior parte das causas às más condições de estradas e sinalização. Dentre as primeiras ações na tentativa de explorar comercialmente atributos de segurança, a Ford lançou, em 1956, com ampla campanha de divulgação, um pacote de segurança para equipar seus veículos, que incluía opcionais como sinto de segurança e barra de direção resistente a colisões, a um custo de U$ 25. O pacote de segurança foi o conjunto de acessórios mais vendidos pela Ford na época, cerca de 400 mil unidades em 18 meses. A Chrysler também acompanharia a concorrente Ford e em poucos meses ofereceria o conjunto de opcionais. Entretanto, a General Motors alegaria que as conclusões sobre a eficiência de equipamentos como sinto de segurança ainda precisavam ser mais bem estudadas, e não ofereceria o dispositivo pelos próximos nove anos. A recusa da GM em oferecer acessórios de segurança, concentrando esforços de divulgação para os lançamentos de motores e carros mais potentes, fez com que a Ford 137 retirasse sua campanha promocional do pacote de segurança seis meses depois e retornasse para atividades semelhantes às da GM. A resistência da GM em desenvolver melhor segurança para motoristas e passageiros de seus veículos teve um fim estrondoso no ano de 1965. Um dos protagonistas dos eventos que culminaram com a criação da legislação americana sobre requisitos de segurança veicular foi Ralph Nader, um advogado de Harvard que passou a investigar estatísticas de acidentes envolvendo o Chevrolet Corvair quando trabalhava como consultor em processos envolvendo companhias de seguro. Com o tempo, Nader passou a compartilhar as estatísticas e jurisprudências que encontrava para auxiliar processos movidos por todo o país. Quando contratado como consultor por uma nova subcomissão do senado norte-americano, Nader compartilhou seus achados com o novato Senador Abraham Ribicoff. Em fevereiro de 1965, Ribicoff anunciou que sua subcomissão colheria depoimentos de autoridades e fabricantes, para investigar as razões de tantas mortes em acidentes de trânsito. Em julho de 1965, Fred Donner e James Roche apresentaram-se à subcomissão do senado para apresentar as atividades realizadas pela GM acerca da segurança de seus veículos. Ao final do testemunho, o resultado foi desastroso para a GM. Quando questionado pelo senador Robert Kennedy sobre quanto a GM havia investido em projetos de segurança veicular no ano anterior, Donner prontamente respondeu o montante de U$ 1,25 milhão, porém quando o mesmo senador indagou qual fora o lucro da GM no mesmo período, Donner se engasgou com a resposta e afirmou não ter o número de cabeça. A resposta repercutiu pessimamente na subcomissão, uma vez que o lucro era uma informação pública, facilmente acessada. Pressionado pelos senadores, James Roche interveio no depoimento e forneceu o valor de U$ 1,7 bilhão de lucros reportados em 1964. A conclusão de Robert Kennedy, apresentada em sua réplica, arrematou o péssimo desempenho da GM nos depoimentos e deixou uma má imagem da organização perante os senadores. Ainda em 1965, paralelamente aos trabalhos da subcomissão do senado, Ralph Nader organizou um livro que apresentava uma análise das estatísticas de acidentes e mortes do Corvair. O livro foi publicado no final do ano, sob o título de Unsafe at Any Speed (Inseguro a Qualquer Velocidade). Semanas antes da publicação, ao tomar conhecimento dos planos de Nader, o chefe da consultoria jurídica da GM, Aloysius F. 138 Power, contratou detetives para investigar Nader, a fim de encontrar algo que pudesse desacreditá-lo perante a opinião pública. A ação da GM foi desmascarada quando Ralph Nader foi convocado para depor na subcomissão do senado. Antes da seção se iniciar, os detetives que andavam em seu encalço foram identificados por um segurança do senado americano como suspeitos de estarem perseguindo o depoente. Alertado pela segurança, o presidente da subcomissão Ribicoff elaborou uma estratégia de utilizar boatos na imprensa para forçar a manifestação de pessoas que tivessem sido abordadas pelos detetives da GM. Em poucos meses o escândalo estourou, e James Roche teve de pedir desculpas publicamente em nome da GM pelos atos cometidos. O resultado dos trabalhos da subcomissão culminou com a aprovação no Congresso americano, em 1967, da Lei Nacional de Segurança de Veículos e no Trânsito. A nova legislação criou o arcabouço para uma série de regulamentações, definindo padrões, equipamentos e sistemas obrigatórios de segurança, bem como estabelecendo as responsabilidades e garantias de qualidade dos veículos. Também na metade da década de 1960 surgiram as primeiras leis de controle sobre emissão de gases poluentes sobre os automóveis. Os efeitos nocivos de resíduos emitidos durante o processo de fabricação começaram a ser estudados pelos próprios fabricantes ainda na década de 1920. Porém, apenas no início da década de 1950 a indústria começou a se mobilizar, ainda que timidamente, para amenizar pressões em relação à poluição do ar. Em 1953, os fabricantes concordaram em ceder mutuamente às patentes de dispositivos que contribuíssem para o controle de emissões. O estado da Califórnia foi o primeiro a criar exigências sobre o controle de emissões dos automóveis. Los Angeles era uma das cidades mais afetadas pela concentração de gases emitidos por automóveis na década de 1950. Em 1961, o California Air Resources Board (CARB), exigiu que todos os carros novos vendidos no estado fossem equipados com um dispositivo de válvula de ventilação do cilindro, que reduzia significativamente a emissão dos gases mais tóxicos, resultantes da queima inadequada do combustível. O dispositivo havia sido desenvolvido pelo GM Research Labs em 1958 e sua patente foi liberada para as demais montadoras em 1962. O movimento pioneiro da Califórnia levou a aprovação no Congresso americano da Lei Federal do Ar Limpo, em 1965. A legislação estabelecia que a Secretaria de Saúde, Educação e Bem-Estar do governo americano tinha autoridade para estabelecer 139 os limites e medidas que os novos veículos deveriam seguir. Os primeiros critérios de controle foram anunciados em 1968. No entanto, alegando não terem capacidade de cumprir com as novas regras a tempo, as montadoras persuadiram as autoridades a postergar o início das novas regras para 1970. A partir deste ano, gradualmente os limites seriam alterados, de forma a torná-los mais rigorosos, a fim de reduzir o nível de poluição do ar, sobretudo em grandes cidades. 4.1.19. A Gestão de James Roche Os desafios de James Roche, no início de sua gestão como CEO, em relação à segurança e poluição não foram os únicos questionamentos externos aos quais a General Motors teve de responder. Desde a saída da Du Pont do grupo de acionistas da GM, nenhum outro acionista passou a deter quantidade suficiente de ações a ponto de exercer influências decisivas nas ações da empresa. A maioria das ações estava distribuída nas carteiras de fundos de investimentos, que quando ficavam insatisfeitos com atitudes da GM simplesmente vendiam suas ações no mercado. No entanto, um pequeno grupo de pessoas que aplicavam suas economias em ações começou a se manifestar nos encontros anuais de acionistas. Pouco antes do encontro de 1970, doze jovens acionistas criaram um movimento ao qual deram o nome de Campanha GM. O pequeno grupo começou a solicitar votos para a criação de um comitê de acionistas para responsabilidade social, além da inclusão de três representantes da sociedade no conselho de administração da GM. Sabendo do movimento com antecedência, Roche mobilizou acionistas para vetar as propostas, alegando que elas restringiriam a capacidade gerencial da organização. No dia do encontro, a votação foi esmagadora em favor de Roche, porém, considerando que a maioria dos votos vinha de um pequeno grupo de fundos de investimento, os 3% conseguidos pela Campanha GM foi uma vitória moral. Durante a reunião, novas pressões surgiram, como, por exemplo, o questionamento sobre por que não havia nenhum negro membro do conselho de administração. Apesar de evitar alimentar tais manifestações entre os poucos acionistas engajados, Roche adotou a prática de cooptar tais grupos logo no início dos questionamentos. Assim sendo, após a reunião de 1970, James Roche indicaria o reverendo Leon H. Sullivan, ministro da maior igreja de negros da Filadélfia, para integrar ao conselho da GM. No ano seguinte, Roche indicaria a primeira mulher a fazer parte do 140 conselho, bem como criaria a vice-presidência de assuntos de meio ambiente, com um orçamento de U$ 26 milhões para incentivar pesquisas de redução da poluição. Além disso, no início da década de 1970, a GM atendeu às pressões de seus acionistas e passou a divulgar junto com o relatório anual as estatísticas de cumprimento dos requisitos de segurança e controle de poluição. Também durante a gestão de James Roche, a GM se viu novamente sob o desafio de desenvolver um carro compacto com preço baixo. Ao longo da década de 1960, o crescimento nas vendas do Volkswagen Fusca e a intensa competição entre os veículos médios da Ford, Chrysler e de divisões da GM fizeram com que a Chevrolet, principal marca da organização, visse sua participação de mercado reduzir de 31% em 1962 para 24% em 1968. Um dos carros de tamanho intermediário, o Chevy, sofreu uma queda nas vendas de 600 mil unidades para 200 mil unidades no mesmo período, sem contar com o Corvair, que praticamente parou de vender após os escândalos de 1965. Com a confirmação da demanda por carros menores e mais baratos, as divisões da GM, em especial a Chevrolet de Eliot Estes e a Pontiac de John DeLorean, submeteram ao GPE suas propostas para o desenvolvimento de novos modelos que competiriam neste segmento. Contudo, em 1967, o recém empossado presidente da GM, Edward Cole, possuía planos diferentes para combater a ameaça dos importados. Cole apresentou planos para um carro compacto que, diferentemente do processo tradicional de criação de novos modelos, seria totalmente desenvolvido pelo staff de engenharia corporativo. Os protótipos seriam entregues prontos para a Chevrolet, que desenvolveria seu sistema de produção e comercializaria o veículo. Guardadas as diferenças devido à evolução na estrutura e na equipe de engenharia, o projeto de Cole, batizado de XP-887, tinha uma estratégia de desenvolvimento semelhante ao do fracassado copper-cooled de Charles Ketering e Pierre du Pont, em 1921. A GM adotou outra medida incomum em relação ao seu novo desenvolvimento. Em outubro de 1968, o CEO James Roche anunciou publicamente os planos de lançamento do novo veículo para 1970, divulgando ainda que o veículo teria peso inferior a 900 quilos e preço final de U$ 1800. O detalhe do pronunciamento de Roche foi que as estimativas apresentadas de custo e peso do veículo eram preliminares, projetadas a partir dos desenhos iniciais do futuro modelo. O compromisso com tais metas, anunciado pelo CEO da General Motors gerou grande expectativa em relação à reação da General Motors. 141 Assim como no caso do copper-colled, 47 anos antes, o processo de desenvolvimento entre engenheiros de staff e da Chevrolet foi conturbado. Dentre as primeiras polêmicas esteve a definição do ciclo do motor, quando o staff corporativo impôs seu motor de ciclo longo contra a opinião dos engenheiros da divisão, defensores de um motor de ciclo curto, que evitaria problemas de superaquecimento. Divergências à parte, os primeiros protótipos enviados para a divisão apresentaram defeitos básicos. Nos primeiros 12 quilômetros de teste, a frente do veículo se soltou e, para corrigir o defeito de projeto, a divisão teve que acoplar um suporte extra, adicionando 10 quilos ao peso do carro. Além disso, o projeto deixou de fora itens mandatórios, como barras laterais, na tentativa de atingir metas de custo e de peso. Conforme o XP-887 foi sendo aprontado para o lançamento, o limite de peso foi ultrapassado em 100 quilos e as metas de custo, largamente estouradas. Depois de pronto, o carro contrariou as estimativas feitas no projeto inicial, a ponto de não ser mais competitivo no segmento de compactos de baixo preço. Porém, de acordo com John DeLorean, que assumiu a gerência geral da Chevrolet no lugar de Elliot Estes, a maior dificuldade do compacto não estava nos atributos do veículo, mas sim na tarefa de motivar a equipe de engenheiros e a organização de marketing e vendas da Chevrolet a se esforçarem para obter o melhor resultado possível com aquele produto (WRIGHT, 1974). A interferência do staff corporativo havia ido além da etapa de desenvolvimento e assumiu também a responsabilidade sobre decisões de marketing, causando descontentamento das pessoas na divisão. A definição do nome do novo veículo, por exemplo, foi grande motivo de controvérsia entre divisão e staff. A Chevrolet propôs o nome de Gemini, pois pesquisas junto ao consumidor indicavam a associação imediata da fonética do nome com a referência GM “mini”. No entanto, os executivos corporativos preferiram não associar o carro à GM e optaram pelo nome Vega. As pesquisas com consumidores feitas pela divisão também procuraram identificar o melhor posicionamento para o Vega. Após testarem diversas combinações, desde a mais básica até a mais completa e luxuosa, a recomendação da Chevrolet foi para que o carro fosse posicionado em suas versões maiores e mais equipadas, oferecendo ao mercado um veículo compacto premium. Já as versões de mini-carros baratos para competir com o Fusca deveriam ser abandonadas. Durante a revisão da política de preços, a corporação novamente aprovou o preço sugerido pela divisão, porém retirou a maioria dos incrementos de acabamento e de acessórios da versão básica, colocando-os como opcionais, pagos separadamente. 142 O Vega enfrentou diversas dificuldades no seu lançamento, além das questões de custo, peso e posicionamento de preço. Uma greve que paralisou a fábrica onde o modelo seria produzido alterou a programação de seu lançamento, causando desencontros nas ações de marketing e de vendas. A fabricação e a distribuição do veículo foram finalmente regularizadas em 1971, em meio à transição para o sucessor de Roche. O desenvolvimento de um veículo completo pelo staff corporativo, em 1968, foi mais uma evidência dos esforços da General Motors para tentar lidar com a complexidade dos problemas decorrentes de seu tamanho e diversidade. O aumento no número de modelos e o compartilhamento de plataformas levaram as divisões a tentarem diferenciarse, fazendo uso de atributos de design, acessórios e variações de acabamento. Por exemplo, no caso da Chevrolet, um consumidor que fosse a uma concessionária para comprar um veículo poderia escolher entre 179 combinações de carros e motores. Contudo, 67% da quantidade de versões possíveis correspondiam a apenas 1% das vendas. Grande parte dos sistemas de gestão de operações da GM, durante a explosão de variedade de modelos nas décadas de 1950 e 1960, permaneceu bastante semelhante aos que foram criados na década de 1920 e razoavelmente atualizados ao final da Segunda Guerra. Com a diferença que, em 1945, a GM possuía apenas três variações de chassi e carroceria. A programação de produção era quadrimestral, com revisões semanais. A coordenação continuava sendo feita pelo staff corporativo, que consolidava os volumes solicitados pelas divisões, confrontava-os com a projeção do mercado e realocava os volumes e o mix, formalizando uma programação que, em seguida, era encaminhada para aprovação nos comitês. Esta forma impedia que houvesse coordenação entre o volume a ser fabricado e as ações de marketing realizadas pelas divisões. Com isso, ocorriam desencontros, como, por exemplo, a divisão realizar uma campanha na TV promovendo determinado produto, enquanto os estoques nas lojas estavam vazios. Quando finalmente os veículos chegavam à concessionária, os compradores haviam se dispersado. Para tentar contornar os problemas de falta de estoques, os gerentes das divisões superestimavam a programação de vendas que enviavam ao staff corporativo. A somatória das estimativas das divisões, em geral, eram sempre superiores à capacidade instalada. Para resolver o problema de alocação, o staff deliberava de acordo com o histórico de vendas dos produtos. Desta forma, produtos que haviam vendido bem em períodos anteriores seriam priorizados e tornava-se bastante 143 provável que a divisão não recebesse o volume que realmente esperava ou poderia vender de outros modelos. As fabricas também sofriam com os sistemas de controle corporativo. Embora os pedidos de compra de matérias-primas fossem delegados à gerência de cada planta, os planos de produção eram periodicamente revisados pelo staff corporativo e, normalmente, só eram informados a cada planta com uma semana de antecedência. Assim sendo, caso houvesse falta de estoque, o gerente da planta saía em busca de estoque do mesmo componente ou matéria-prima sobressalente em outra fábrica da GM. O sistema permitia que plantas compartilhassem estoques, porém, com a programação sendo informada semanalmente, eram freqüentes situações como a de uma planta solicitar um componente no estoque de outra e, na semana seguinte, ter que fornecer o mesmo componente para a planta que a havia socorrido. Segundo John Delorean, diversas tentativas de reduzir os custos de operação das linhas de produção eram sugeridas pelos gerentes das plantas. Ele mesmo, em suas passagens por Pontiac e Chevrolet, disse ter apresentado 18 propostas para melhoria dos sistemas, entre 1965 e 1972. Porém, todas as propostas eram encaminhadas para análise do staff corporativo e para aprovação nas comissões e, devido à morosidade desses processos, raramente chegavam a ser implementadas (WRIGHT, 1974). Além disso, diversos sistemas computadorizados foram desenvolvidos para controlar a seqüência de produção. Contudo, os sistemas não eram compatíveis entre si, e os benefícios de coordenação em uma área não eram compartilhados com o restante do sistema de produção e distribuição. Para tentar resolver os problemas do aumento da complexidade, a GM realizou diversos esforços, sobretudo na segunda metade da década de 1960. Um deles foi a harmonização das peças entre os modelos das divisões. Tal mudança teria o objetivo de diminuir o custo das peças, com o aumento das escalas de compra e produção. No entanto, um outro efeito foi percebido. Os veículos que competiam em faixas de preços mais baixas, notadamente os da Chevrolet, foram obrigados a compartilhar peças de veículos mais luxuosos, que conseqüentemente eram mais caras. Com isso, os custos de fabricação efetivamente subiram, pois nos veículos de maior volume o custo unitário aumentou. Outra medida já mencionada adotada pela GM para lidar com a complexidade do sistema produtivo foi a criação da GMAD, que teve como um de seus objetivos unificar a 144 gestão das linhas de montagem final dos veículos. Mas a criação da GMAD agravou processos de desenvolvimento de produtos e de controle de qualidade. Com a GMAD, aumentou ainda mais a departamentalização no desenvolvimento de produtos, sobretudo a partir de 1971, quando finalmente as plantas da Chevrolet foram absorvidas pela divisão de montagem. Ao longo das décadas de 1950 e 1960, a GM apresentou uma sistemática desvantagem no custo de desenvolvimento de novos modelos em relação a sua principal rival. Uma comparação entre Ford e Chevrolet demonstra a magnitude da diferença no custo de desenvolvimento. Enquanto a Ford desenvolveu, entre 1959 e 1969, quatro novos modelos (Falcon, Mustang, Pinto e Maverick) com um investimento de U$ 350 milhões, a Chevrolet, no mesmo período, também desenvolveu quatro modelos equivalentes (Corvair, Nova, Camaro e Vega), mas com um investimento total de U$ 800 milhões. A partir dos anos 1950, grandes inovações de engenharia, como câmbio automático, direção hidráulica e motores de alta compressão, tornaram-se raras na indústria, e o desenvolvimento de novos produtos passou a ser concentrado em incrementos de design e de acessórios, a fim de justificar a troca anual dos modelos. O início deliberadamente atrasado do desenvolvimento, praticado pela GM desde a gestão Curtice, fez com que os orçamentos de desenvolvimento de produtos fossem estourados ano após ano durante praticamente duas décadas. Em 1966, por exemplo, o orçamento de engenharia fechou U$ 13 milhões acima do projetado, em 1968 o valor foi de U$ 11 milhões e em 1969, U$ 15 milhões. No início dos anos 1970, a gestão de James Roche chegava ao fim, consolidando uma burocracia corporativa que centralizava a coordenação de grande parte das ações competitivas e também dos esforços de resolução de problemas. Atividades como o sistema de controle financeiro, a unificação da gestão das atividades de montagem na GMAD e a centralização do desenvolvimento fora da divisão, iniciada com o Vega, são alguns casos resultantes dos esforços de sistematização do staff corporativo ao longo dos anos. Para resolver novos problemas, a GM passou a utilizar-se, cada vez mais, de um sistema corporativo baseado em comitês de política e equipes de força-tarefa. Porém, a diversidade e a complexidade das atividades da organização fizeram com que os processos conduzidos nesse sistema se tornassem proporcionalmente mais extensos e demorados. Os executivos corporativos integrantes dos CE e do CF eram obrigados a estudar uma grande quantidade de relatórios todos os dias, apenas para se prepararem 145 para uma agenda repleta de reuniões para aprovação de assuntos como a revisão do plano de produção para determinado mês, ou um contrato de arrendamento para um escritório regional de vendas. Os problemas e as atividades da GM eram freqüentemente traduzidos em índices pelos staffs financeiros e de operações, portanto era comum que os diagnósticos resultantes de equipes de força-tarefa nomeadas para analisar um problema fossem apresentados na forma relatórios que sintetizavam indicadores de desempenho. O depoimento de John DeLorean, que foi nomeado gerente da Chevrolet em 1969 para tentar recuperar a divisão, ilustra os métodos da GM na época: Embora muitas vezes Kyes oferecesse sugestões sobre como recuperar a Chevrolet, ficou evidente a partir das conversas que tive com ele e outros executivos corporativos que ninguém sabia o que havia de errado com a Chevrolet. Mas todo mundo estava preocupado, porque a divisão caminhava para entrar no vermelho. Internamente, me foram oferecidas quatro análises detalhadas dos problemas da divisão preparadas pela equipe financeira, e estas também acabaram por serem de pouca ajuda, porque eles analisaram de forma simplista apenas os efeitos dos problemas da Chevrolet - a queda do retorno sobre o investimento, a perda de participação de mercado e assim por diante. Eles não lidavam com as causas. (tradução livre de Wright, 1974 p. 106) Em outro trecho de seu depoimento, DeLorean descreve parte da burocracia e dos métodos usados pelo staff de operações para tentar encontrar soluções para os problemas: Um conceito simplista praticado é o que eu chamo de "gestão por força-tarefa". Em certo sentido, ela substituía "a gestão por comitê", pois parecia que toda vez que um problema era levado a um dos comitês corporativos, uma "força-tarefa" era formada para analisá-lo. Tivemos forças-tarefa sobre tudo: a iniciação dos novos modelos, os aumentos dos custos materiais, gerenciamento das questões trabalhistas. Tornou-se tão ridículo que uma vez Terrell organizou duas equipes separadas para trabalhar sobre o mesmo projeto – problemas sobre desenvolvimento de novos modelos. Um deles foi formado sob a direção da GMAD e o outro no âmbito do staff de manufatura. As duas equipes exigiram que as divisões respondessem às mesmas perguntas. As pessoas da Chevrolet ficaram sobrecarregadas apenas para responder às mesmas perguntas vindas de duas fontes diferentes, e nós tivemos que trabalhar horas extras para conseguir colocar a produção em ordem novamente. 146 Quando os relatórios ficaram prontos e foram apresentados pelas duas equipes, as divisões foram chamadas para ver o resultado. O que ouvimos foi apenas uma repetição das informações que lhes tínhamos fornecido. Em outras palavras, eles nos perguntaram como é que estavam fazendo em nossos planos para os novos desenvolvimentos e, em seguida, nos chamaram para uma reunião na sede da corporação para ouvi-los nos contar o que havíamos dito. Esta não foi a primeira vez que isto havia ocorrido. E também não foi a última. (tradução livre de Wright, 1974 p. 212-213) A burocracia nos staffs e comitês corporativos da General Motors não apenas tornava a busca por solução e a implementação de mudanças lenta, mas também dificultava que soluções para novos produtos ou problemas gerenciais nas divisões fossem ratificadas ou replicadas para outras áreas que enfrentassem situações semelhantes. Um exemplo das dificuldades decorrentes da morosidade e inércia corporativa é o caso de John Z. DeLorean à frente da Chevrolet entre 1969 e 1972. Nomeado para chefiar a maior e mais problemática divisão da GM, DeLorean aplicou diversas práticas inovadoras na gestão da Chevrolet, resultando na melhoria dos seus índices de desempenho e culminando com a promoção do gerente geral à vice-presidência corporativa, responsável por carros e caminhões na América do Norte. No entanto, a frustração com a burocracia corporativa acabou por provocar uma saída precoce da GM. Um resumo das principais ações promovidas por DeLorean é apresentado a seguir: • Desenvolvimento de produtos coordenados por gerentes de produtos, ao invés da departamentalização por funcionalidade e coordenação por comitê. • Novo sistema de orçamento de projetos de engenharia, com controle por meio de revisões periódicas, com maior flexibilidade e agilidade, ao contrário do tradicional sistema com supervisão ao final da execução do orçamento. • Utilização de pesquisas junto ao consumidor para pré-testar campanhas de propaganda e, também, para medir resultados na percepção da população. Atividade antes inexistente, o que fazia com que peças de campanha fossem feitas para conseguir a aprovação nos comitês e não para atingir um objetivo de comunicação. • Proposta para o desenvolvimento do K-car, uma plataforma comum para todos os modelos compactos e médios da Chevrolet e que poderia tornar a linha de montagem flexível para produzir todos os modelos sem grandes alterações. 147 • Redução da quantidade de níveis hierárquicos na gestão da divisão, enxugando a estrutura administrativa e acelerando a comunicação entre as áreas. • Programa de controle de qualidade, com inspeções nos produtos ainda na fábrica. Isto permitia que a causa dos defeitos fosse encontrada mais rapidamente, se comparado com a prática anterior, quando um defeito só era identificado quando o consumidor acionasse a garantia. • Sistema de banco de engenheiros para as atividades de desenvolvimento. Com isso, os profissionais eram alocados no início de um projeto e retornavam para o banco quando este encerrava. Anteriormente, o desenvolvimento era departamentalizado em partes específicas do veículo, e não havia movimentação entre departamentos em função de aumentos na demanda de trabalho. • Criação de um comitê de planejamento que reunia mensalmente um representante de cada área da divisão para coordenar as atividades, identificar problemas e debater soluções. • Semelhante ao que ocorreu nas atividades de desenvolvimento, a organização de marketing foi organizada por gerentes de produtos, ao invés da tradicional departamentalização funcional. Com isso um gerente passou a coordenar atividades de planejamento de volumes, promoção e vendas relativas a um produto. • Pesquisas qualitativas durante o desenvolvimento do produto, submetendo atributos como design e acabamento à apreciação de uma audiência controlada, monitorando e identificando previamente possíveis percepções do consumidor. • Implantação de um sistema de informação de marketing que permitia monitorar e antecipar movimentações da demanda a partir da variação nas margens dos concessionários, os quais eram livres para fixar o preço final do veículo. Até então, a alteração na demanda só era percebida no início dos movimentos de aumento ou diminuição das quantidades vendidas. O sistema permitiu integrar as atividades de planejamento de produção e organização de distribuição e vendas com as ações de marketing. • Programa de “desproliferação” de peças, introduzindo avaliações estatísticas sobre o volume de vendas de uma determinada peça ou acessório opcional e o custo de desenvolvimento e manutenção em estoque. Acessórios que não se justificassem em termos de retorno eram descontinuados. 148 • Programa de teste e reparo, quando necessário, dos veículos que saíam da linha de montagem, antes que estes fossem para o mercado. • Estabelecimento de um programa de melhoria de lucros, definindo um especialista interno para ajudar a avaliar a viabilidade e a controlar a implementação das idéias que os gerentes das áreas tinham para reduzir o custo ou aumentar receitas. • Criação de um departamento de análises de sistemas, com a finalidade de harmonizar os diversos sistemas computadorizados da divisão, integrando marketing, vendas e produção. Em três anos, a Chevrolet tornou compatível a linguagem dos sistemas, permitindo relacionar desde a solicitação de produtos feita pelo distribuidor, até o planejamento de compras de matérias-primas. • Parcerias de desenvolvimento de componentes com fornecedores externos à General Motors. As ações de John DeLorean na Chevrolet produziram ganhos de eficiência e recuperaram sua lucratividade. A divisão voltou a bater recorde de vendas, chegando a 3,1 milhões de veículos em 1972. Este volume foi atingido mesmo com a redução da gama de produtos oferecidos. O número de modelos de carros diminuiu de 35 para 32, as 179 combinações de motor caíram para 75 e, no caso do Camaro, que possuía 2700 combinações de painel, a variedade foi reduzida para 96. A redução da diversidade de peças e o melhor planejamento de produção aumentaram o giro dos estoques de 16 para 25 por ano, entre 1969 e 1972, e as despesas anuais com fretes extras caíram em U$ 11 milhões. Os custos de desenvolvimento também foram reduzidos: depois de dois anos, com a reorganização das atividades, DeLorean havia eliminado 2400 cargos de engenheiros, analistas e gerentes, sem que fossem necessárias demissões. Os orçamentos de engenharia que tradicionalmente estouravam passaram a gerar sobras, devido ao ganho de eficiência em desenvolvimento. Os gastos com desenvolvimento caíram de U$ 273 milhões em 1970 para U$ 125 milhões em 1972. Com todas essas ações, DeLorean simultaneamente aumentou vendas e reduziu custo, produzindo maior lucro com menor investimento, portanto, melhorando a taxa de retorno da divisão. Apesar de a atuação de DeLorean à frente da Chevrolet ter sido reconhecida como de sucesso, as práticas que ele introduziu em raros casos foram rapidamente aproveitadas em outras divisões da organização. Alguns dos projetos da Chevrolet sequer foram autorizados a sair do papel, como foi caso do K-car. Outras práticas foram 149 descontinuadas quando DeLorean deixou a General Motors ou, no caso das ações em áreas de produção e qualidade, acabaram quando a GMAD absorveu as plantas da Chevrolet. Em grande parte dos casos, os processos estabelecidos entre 1969 e 1972 foram incorporados na rotina da divisão, porém sem serem devidamente replicados ou integrados a outras áreas até muitos anos depois. John DeLorean se sentiu frustrado diante da incapacidade de atuar como queria nas atividades corporativas e, em 1973, pediu demissão da General Motors, cerca de um ano após ter sido promovido (WRIGHT, 1974). A passagem de DeLorean pela Chevrolet coincidiu com os últimos anos da gestão de James Roche, que se aposentou em 1971. Durante a segunda metade dos anos 1960, a GM manteve seu desempenho em faturamento, margens de lucro e retorno sobre o ativo em níveis altos, porém com uma ligeira queda, já que o mau desempenho da Chevrolet em determinado período foi apenas parcialmente compensado pelas altas margens de suas divisões de veículos intermediários e de luxo. A GM manteve os altos volumes de vendas e a participação de mercado próxima a 50%. A exceção foi o ano de 1970, quando uma recessão econômica e uma greve de 67 dias paralisaram fábricas e causaram queda no faturamento. Ainda assim, a GM fechou a década com a operação com lucros e mantendo a distribuição de dividendos. Em termos financeiros, a General Motors se recuperou rapidamente em 1971, ano em que a indústria bateu recorde de vendas e, pela primeira vez, ultrapassou a marca de 12 milhões de veículos. O bom ano recebeu, em dezembro, o novo CEO Richard Gerstenberg, até então vice-presidente do conselho de administração e presidente do CF. Gerstenberg assumiu com a perspectiva de um curto mandato, uma vez que a aposentadoria compulsória aos 65 anos só o permitiria ficar no comando por dois anos. No entanto, sua ascensão marcou o retorno de um executivo de finanças ao posto mais alto da organização. A escolha de Gerstenberg efetivamente definiu a orientação financeira que a organização teria para a posição do CEO dali em diante. O presidente Ed Cole foi mantido no cargo, no entanto, Thomas Murphy foi movido da organização de finanças para ocupar a vice-presidência, responsável pelas operações de carros e caminhões. Tom Murphy teve sua carreira acelerada, saindo da posição de controler para tesoureiro e, em seguida, para a área de operações, tudo em um período de apenas quatro anos. Murphy estava sendo preparado para assumir a posição de Gerstenberg a partir de 1973. 150 4.1.20. Desafios na primeira metade da década de 1970 Apesar das boas expectativas que a aceleração nas vendas em 1971 causaram, o início da década de 1970 seria marcado por muitos desafios para a General Motors. Além do acirramento da concorrência dos importados e das dificuldades em desenvolver um veículo compacto competitivo, a GM se veria novamente às voltas com greves e negociações trabalhistas, além de diversos problemas com a qualidade dos produtos. Após a intensa proliferação de modelos e estilos durante as décadas de 1950 e 1960, a indústria automobilística consolidava seus segmentos em cinco categorias de automóveis, além das caminhonetes. As classes de veículos de passageiros são apresentadas na tabela 4.6 abaixo: Quadro 4-5 Classes de veículos no início da década de 1970, segundo o comprimento Comprimento médio Pacela da produção das Três Grandes 5,4 metros 40% a 45% 5 metros 20% a 25% Carros compactos 4,7 metros 10% a 15% Carros subcompactos 4,3 metros 5% a 10%* Diversas metragens 10% a 15% Classes de veículos Carros grandes Carros intermediários Carros especiais Fonte: adaptado de Rubenstein (2001) p 224. *Os concorrentes importados se concentravam nesta categoria e detinham entre 15% a 20% do mercado. As divisões da General Motors competiam em praticamente todas as classes de tamanhos, compartilhando componentes e plataformas. A semelhança de desempenho e de atributos dos veículos foi o resultado dos esforços para comunizar as peças, iniciados na metade da década de 1960. Com isso, tornava-se cada vez mais difícil diferenciar os produtos perante o consumidor a ponto de convencer-lhe a pagar mais por um Oldsmobile que possuía exatamente o mesmo motor que o modelo equivalente da Chevrolet. O crescimento da demanda por veículos compactos foi um desafio que, pela segunda vez, a GM se propôs a enfrentar – a primeira vez havia sido com o fatídico Corvair. Desta vez, a aposta era o lançamento do Vega, programado para setembro de 1970. O primeiro carro completamente desenvolvido pelo staff corporativo, porém, não atenderia os objetivos traçados pelos executivos da GM quando o anunciaram. O Vega havia ficado 170 quilos mais pesado do que a meta de 900 quilos, e a versão mais básica 151 teve o preço final estabelecido em U$ 2091, ou seja, U$ 311 acima do Fusca e U$ 172 acima do preço do Ford Pinto. A despeito da falta de competitividade do compacto da GM, o Vega enfrentou outro grave problema na época de seu lançamento: a greve iniciada pela UAW, em outubro de 1970. Após mais de 20 anos negociando com Ford e Chrysler e depois apenas replicando os acordos feitos para a GM, em 1970, a UAW escolheu a GM como alvo para a negociação do novo contrato. As exigências iniciais do Sindicato incluíam um aumento de U$ 2,50 e o direito de aposentadoria após 30 anos de serviço. Porém, quando as conversas se iniciaram, General Motors e UAW perceberam que a greve seria inevitável, pois a distância entre as partes desta vez era grande. Com três semanas de pacíficas paralisações nas fábricas, as posições ainda não haviam se aproximado o suficiente. A GM oferecia 38 centavos de aumento, contra a exigência de 61 centavos. Além disso, a empresa exigia limite mínimo de 58 anos para o direito à aposentadoria. A negociação só foi ter um desfecho depois de 67 dias de greve, com ambas as partes fazendo concessões. O aumento foi acertado em 51 centavos, enquanto a aposentadoria manteve a idade mínima de 58 anos, sendo que, se o operário decidisse se aposentar antes desta idade, deveria aceitar uma redução no valor do pagamento. A decisão das partes só aconteceu depois de um alto custou pago por ambas. O sindicato consumiu todo o fundo de greve e ainda se endividou para levantar os U$ 120 milhões usados para amparar 350 mil operários e suas famílias. Pelo lado da GM, cerca de 1,5 milhão de veículos deixaram de ser fabricados, significando uma perda de receita de aproximadamente U$ 5 bilhões. Dentre os veículos não produzidos estava o principal foco de atenção e grande aposta dos últimos dois anos, o Vega. Quando a greve iniciou na planta de Lordstown, havia apenas 24 mil Vegas em estoque, porém a campanha publicitária de U$ 12 milhões programada para os meses de outubro e novembro já estava rodando. O fornecimento aos concessionários só voltou a ocorrer em janeiro de 1971. A estimativa de vendas da GM para o Vega era de 400 mil unidades no primeiro ano, sendo que 100 mil desse total seria fruto da migração de consumidores do Fusca. Contudo, o Vega foi um verdadeiro fiasco. Ao final de 1971, apenas 245 mil unidades foram vendidas, e o novo veículo ficou atrás inclusive do concorrente da Ford, que vendeu 317 mil unidades. Além disso, como se não bastasse a frustração no desempenho nas vendas, o Vega ainda sofreria com outro grave problema: a falta de qualidade. 152 Os primeiros Vegas a saírem da fábrica não dispunham de grande confiabilidade. Algum tempo depois do lançamento, 132 mil carros sofreram recall15 para troca de componentes do carburador. Até o ano de 1972, o Vega teria novos recalls, que afetaria 95% dos veículos fabricados em Lordstown, fábrica exclusiva para o Vega. Porém, o defeito mais danoso à imagem do veículo foi quando os motores em aluminium começaram a sofrer com o super aquecimento. O efeito do calor excessivo gerado pelo próprio funcionamento do carro provocava problemas irreversíveis em seu motor, obrigando a sua troca. Os problemas de qualidade e recalls nos veículos da GM começaram a se tornar freqüentes depois da entrada em vigor da legislação de segurança veicular em 1967, que também determinava a responsabilidade do fabricante sobre defeitos de fabricação. Dentre os primeiros casos esteve o recall para reparar um defeito sistemático que causava o vazamento para o compartimento de passageiros de resíduos gasosos da combustão do motor. Em 1968, o inspetor Edward Gregory levantou a hipótese de que veículos fabricados na planta de Saint Louis possuíam tal vazamento, depois de encontrar dentro de um carro os corpos de três pessoas e dois cachorros mortos, intoxicados com monóxido de carbono. Sete meses e outras 29 mortes depois de encontradas as primeiras evidências, a GM lançou um recall, em 1969, de 2,5 milhões de veículos fabricados entre 1965 e 1969. Na mesma época, foi feito outro recall para corrigir um defeito no carburador de 2,9 milhões de carros e caminhonetes produzidos entre 1968 e 1969 em todas as divisões. Outro importante recall ocorreu em 1970, quando a GM de uma só vez convocou 6,7 milhões de veículos à sua rede de concessionárias. O problema era decorrente do coxim utilizado nos veículos, que era propenso à quebra depois de algum tempo de uso. O coxim é utilizado para apoiar o motor dentro do compartimento do veículo e a sua quebra provoca o deslocamento do motor. No caso dos carros da GM, o deslocamento fazia com que o motor travasse a uma velocidade de 40 quilômetros por hora e causasse diversos acidentes de trânsito. Segundo DeLorean (WRIGHT, 1974), este defeito havia sido descoberto em testes realizados pela Pontiac ainda em 1966. Na época, a Pontiac desenvolveu um novo coxim que passou a ser montado em seus carros, porém nenhuma outra divisão decidiu usar o novo componente. Em 1969, quando os relatórios indicando o 15 Termo em inglês refere-se à convocação de proprietários de um produto para que recebam serviço gratuito de reparo de defeitos de fabricação. O termo “recall” foi mantido no texto por ser amplamente conhecido por consumidores e pela indústria no Brasil 153 defeito começaram a chegar em grande quantidade, o presidente da GM, Ed Cole, e o vice-presidente de carros e caminhões, Tom Murphy, ainda tentaram evitar que o recall fosse feito, pois o custo da substituição das peças seria de cerca de U$ 40 milhões. No entanto, diante da grande exposição negativa que o problema ganhou na mídia, a GM cedeu à pressão e aprovou o recall dos veículos fabricados entre 1965 e 1970. A atenção dos meios de comunicação com questões de segurança e qualidade dos veículos passou a ser cada vez maior desde o incidente do Corvair em 1965. O Vega seria um dos primeiros cujas vendas sofreriam com a má reputação do produto. Após os diversos recalls e o problema de aquecimento do motor pelos quais o carro passou, uma nova greve na fábrica de Lordstown em 1972 acrescentaria outra mancha à imagem do produto. A origem da greve desta vez não estava relacionada a aumento de salários, mas sim a condições de trabalho. Quando as plantas da Chevrolet finalmente passaram para a divisão GMAD, diversas mudanças foram promovidas. No caso de Lordstown, a fim de torná-la mais competitiva em custo e em produtividade, logo em setembro de 1971, 700 operários foram demitidos, sendo parte deles aqueles que estavam alocados no programa de inspeção de qualidade criado por DeLorean e prontamente eliminados pela GMAD. Além disso, alguns processos produtivos foram automatizados e a velocidade da linha de montagem foi acelerada para atingir a meta de 100 carros montados por hora. Em pouco tempo, as reclamações dos operários começaram a se acumular, o excesso de horas extras, faltas e problemas físicos, devido à alta carga de trabalho, foram alguns dos problemas enfrentados pelos comitês de fábrica. O sindicato local iniciou uma greve reclamando melhores condições de trabalho e redução da velocidade da linha de produção. O movimento foi resolvido de forma razoavelmente rápida com um acordo fechado em 22 dias. Diante da revolta dos empregados a GM reduziu a meta de fabricação de 100 para 60 carros por hora, e os programas para ampliar a automatização da linha foram suspensos. No entanto, os danos para o Vega seriam bem mais graves do que a simples perda de três semanas de produção. Durante as paralisações, operários grevistas concederam entrevistas à imprensa atestando que os carros feitos em Lordstown eram de péssima qualidade, que as máquinas utilizadas na linha operavam em ritmo acelerado, impossibilitando a montagem adequada e a correção de defeitos. Com tantos problemas envolvendo um de seus principais lançamentos no início da década de 1970, a GM ainda 154 se esforçou para evitar o fracasso de mais uma tentativa de fabricar um carro compacto de baixo preço. Para combater a queda nas vendas do Vega, a Chevrolet lançou, a partir de 1973, um programa de garantia que cobriria reparos feitos até o veículo completar 60 mil quilômetros. A oferta de garantia aumentaria significativamente as despesas da GM com este serviço adicional. Além disso, novas versões mais equipadas, como o Italian Vega, recuperariam as vendas no decorrer da década permitindo que o compacto da Chevrolet ultrapassasse seu competidor equivalente da Ford. Apesar dos muitos problemas com a qualidade de seus veículos, a GM optou por apenas manter o sistema de medição de defeitos criado ao longo da década de 1960, incentivar o corte de custos e continuar oferecendo os serviços de garantias aos compradores de seus produtos. Em 1960, a GM criou um índice que apontava o número de defeitos por carros fabricados em uma planta, em uma escala que ia de 0 a 100. Um carro com zero defeitos teria a pontuação de 100; se tivesse cinco defeitos pontuaria em 95, e assim por diante. Porém quando o índice foi aplicado em todas as fábricas, muitas tiveram dificuldades em atingir a meta de 60, ou seja, 40 defeitos por veículo. Em 1968, a GM estabeleceu nova escala para o índice, indo até 145, porém com a lista de defeitos possíveis mantida em 100. Com isso, um carro com cinco defeitos teria a pontuação de 140, e um carro com 100 defeitos, a pontuação de 45. Os bônus dos gerentes das fábricas passaram a incluir mais este critério em suas avaliações. Este sistema permaneceu na GM até o final da década de 1980. O método utilizado pela General Motors fazia com que gerentes de fábricas que atingissem um índice de 130, equivalente a 15 defeitos por veículo, recebessem premiações por tal desempenho. Com todos os problemas enfrentados pela GM no lançamento do Vega, na falta de qualidade e nas questões com o sindicato nos primeiros anos da década, os principais indicadores de desempenho da organização se recuperaram ao longo da gestão de Gerstenberg e apresentaram alguns números recordes em 1973. O faturamento que havia caído 22%, chegando a U$ 18 bilhões em 1970, atingiu U$ 35 bilhões em 1973. No mesmo período, o lucro que havia caído para U$ 609 milhões também bateu novo recorde, chegando a U$ 2,9 bilhões. O volume de vendas, que havia caído 32% em 1970, com 3,6 milhões de unidades, aumentou 81% em quatro anos, estabelecendo novo recorde de 6,5 milhões de veículos. Dentre estes principais indicadores, o único que a GM não foi capaz de recuperar totalmente em relação aos níveis obtidos na década de 1960 foi o de participação de mercado. Os diversos problemas internos e externos no ano de 155 1970 fizeram com que a participação de mercado da GM caísse momentaneamente do patamar de 50% para 35%. Mesmo com a recuperação no volume das vendas para níveis recorde em 1973, a participação de mercado fechou em 45%. Um dos fatores que contribuiu para a recuperação da GM durante a gestão de Richard Gerstenberg foi uma série de medidas adotadas pelo governo do presidente norte-americano Richard Nixon em relação à política externa. Em 1970, o próprio Gerstenberg, ainda vice-presidente do conselho da GM, foi indicado por Nixon para participar da comissão presidencial sobre comércio e investimento internacional. Trabalhando entre Detroit e Washington, Gerstenberg ajudou a elaborar o estudo que propunha, dentre outras medidas, uma sobretaxa aos veículos importados. As recomendações do estudo foram implementadas em um pacote aprovado pelo presidente Nixon em 15 de agosto de 1971. Agindo sob a autoridade que lhe foi concedida na lei de estabilização econômica aprovada um ano antes, o presidente dos Estados Unidos eliminou um imposto federal de 7% sobre todos os automóveis vendidos nos país desde 1942 e passou a aplicar uma sobretaxa de 10% na importação de veículos. Além disso, Nixon suspendeu o sistema de conversibilidade estabelecido no acordo de Bretton Woods, levando o dólar a se desvalorizar perante as demais moedas internacionais. Com as novas medidas do governo norte-americano em 1971, praticamente de um dia para o outro, o compacto Chevrolet Vega reduziu a diferença de preço para o imbatível Fusca de U$ 311 para apenas U$ 23. 4.1.21. Choque do petróleo e o início da gestão de Thomas Murphy A discreta participação da GM na decisão do governo americano de aumentar as tarifas de importação de veículos contrariou um longo histórico de defesa da liberalização do comércio internacional, por meio da associação dos fabricantes AMA. O balanço de pagamentos da GM nos Estados Unidos, com suas subsidiárias no exterior, acumulou um total de U$ 11,7 bilhões entre 1946 e 1967, sendo que só em 1967 o valor foi de U$ 782 milhões. Tanto a GM quanto suas concorrentes americanas ampliaram suas operações no exterior, adquirindo empresas e instalando subsidiárias. Das três subsidiárias no final dos anos 1940 (Opel, Vauxhaul e Holden), a GM ainda abriu operações em países da América Latina nas décadas de 1950 e 1960 e adquiriu participação em empresas locais na Ásia, como na japonesa Isuzu, em 1971, e posteriormente na coreana Daewoo, em 156 1979, mas manteria essas subsidiárias com operações autônomas respondendo diretamente ao CE. Apesar do aumento das operações internacionais por parte da GM, o ano de 1973 marcaria o primeiro de uma série de seguidos saldos negativos na balança comercial do setor automotivo, registrando U$ 3,3 bilhões de déficit. As importações eram feitas em pequenos volumes por empresas como Volvo, Fiat, Renault e Opel e, nos casos da européia Volkswagen e das japonesas Toyota, Honda e Nissan, os números eram mais significativos. Dessas quatro montadoras, apenas as japonesas sustentariam um crescimento importante ao longo da década de 1970. Apesar da vantagem de preço e da boa aceitação pelo consumidor americano conquistada durante a década de 1860, o líder entre os importados, o Fusca, entraria em decadência após o volume recorde de 569 mil unidades em 1970. Com seu modelo pouco alterado de um ano para outro, desde a introdução no mercado em 1952, o Fusca foi descontinuado no mercado americano em 1977. Em outubro de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) declarou um embargo na venda de petróleo aos Estados Unidos, depois que seu governo anunciou apoio militar ao estado de Israel na guerra do Yon-Kippur, no Oriente Médio. O embargo causou a escalada dos preços internacionais do barril de petróleo e afetou mais fortemente o abastecimento nos países importadores. Nos Estados Unidos, um sistema de racionamento na venda de combustível passou a vigorar já no final de novembro, com as vendas controladas pela placa do carro. O embargo da OPEP foi suspenso cerca de seis meses depois, no entanto os preços do petróleo, antes em um patamar estável de U$ 3 por barril, quadruplicaram, estabilizando-se na faixa de U$ 12 por barril. As conseqüências da crise do petróleo de 1973 provocariam mudanças profundas na competição da indústria automobilística nos Estados Unidos e no mundo. A partir de 1973 a preocupação com a eficiência no consumo de combustível passou a ser altamente relevante na decisão de compra de um automóvel. Com isso, a GM e suas concorrentes americanas, cuja linha se concentrava em veículos de alto consumo por serem grandes e equipados com motores de oito e seis cilindros, viram suas vendas despencarem. Em 1974, as vendas na indústria caíram 21%, mas na GM o volume total diminuiu ainda mais, 28%, e ao se considerar o segmento de veículos grandes, o percentual de queda chegou a quase 50%. 157 A resposta dos executivos da GM foi imediata. Ainda sob o comando de Gerstenberg, a GM aprovou no final de 1973 um amplo plano de redução no tamanho dos veículos oferecidos ao consumidor. O Plano de Redução16, como ficou conhecido, estabeleceu os seguintes objetivos: • Priorizar a produção dos modelos compactos da GM, incluindo o Vega, de forma que estes correspondessem a 25% dos produtos oferecidos em 1974, e 40% em 1975. • Aumentar o conteúdo de acessórios embutidos nas versões dos modelos compactos como forma de aumentar as margens de cada venda, a fim de manter as taxas de retorno. • Redimensionar toda a linha de veículos grandes e intermediários, reduzindo a distância entre eixos, eliminando componentes e substituindo partes, de forma a torná-los mais leves e econômicos. Para cumprir com a tarefa de redesenhar todos os produtos da linha de produção, a GM investiu um total de U$ 3 bilhões, sendo que U$ 600 milhões foram obtidos através da emissão de títulos de dívida. Foi a primeira emissão desde o plano de expansão após a Guerra da Coréia, 20 anos antes. Alguns dos efeitos do plano tornaram-se evidentes em plena recessão econômica, no ano de 1974. A GM promoveu quatro aumentos de preços durante o ano, acumulando uma alta de 20% sobre os preços do ano anterior. A guerra de preços com os importados deu lugar a um aumento generalizado na indústria. Além dos 10% de impostos, os importadores se viram obrigados a aumentar os preços, mesmo com o excesso de produtos em estoque, pois quando tentaram baixá-los foram repreendidos sob a acusação de prática de dumping. Destoando dos demais importadores, a Toyota decidiu manter os preços e as quantidades programadas de suas vendas. A implementação do Plano de Redução ficou sob responsabilidade do novo presidente do conselho de administração e CEO, Tomas Murphy, que substituiu Richard Gerstenberg. Tom Murphy nomeou Elliot Estes como presidente da General Motors no lugar de Edward Cole que, assim como Gerstenberg, aposentou-se no fim de 1973. Thomas Murphy assumiu em meio a uma época tumultuada. Em certa ocasião, quando conversava com um grupo de analistas financeiros, declarou publicamente, pela primeira vez na história da GM, uma meta corporativa de retorno para o acionista de 15% a 20% (CRAY, 1980). 16 Tradução livre do termo original utilisdo “Downsizing Plan” 158 No ano de 1975, a GM apresentou sua linha de veículos com um aumento padrão de U$ 500. A programação de produção para veículos grandes era correspondente a 32% do total para o ano, no entanto, a rejeição destes modelos nas concessionárias obrigou a GM a oferecer descontos que chegaram a U$ 600. Outro artifício utilizado para impulsionar as vendas, tentando compensar o aumento nos preços, foi oferecer financiamentos prolongados. A GMAC e outras financiadoras de veículos passaram a conceder crédito com prazo de quatro anos, cujos juros ao final do empréstimo correspondiam a um quarto do valor pago. O aumento na produção de carros compactos seguiu conforme o projetado, chegando a dois milhões de veículos, cerca de 40% das vendas. Ainda assim, a alta não foi suficiente para manter a participação de mercado da GM nos níveis anteriores à crise, ficando em torno de 42%. A queda na indústria nos anos de 1974 e 1975 reduziu o volume de vendas a um patamar de 11 milhões de carros e caminhões, contra os 14,3 milhões em 1973. Essa redução afetou mais fortemente as Três Grandes e abriu espaço para as importadoras japonesas, como Toyota, Honda e Nissan, que ofereciam veículos compactos e econômicos. O choque do petróleo marcaria o início da trajetória de crescimento das fabricantes japonesas na indústria norte-americana. As vendas das três japonesas, que era de 458 mil unidades em 1974, cresceram 222% em seis anos, chegando a 1,5 milhão de carros. Em 1980, a participação de mercado estava em 13% ante os 4% registrados seis anos antes. Apesar da redução nas vendas e da queda da participação de mercado, a capacidade da GM em mobilizar recursos e acelerar a remodelação de todos os seus veículos, ao mesmo tempo em que promovia mudanças nas linhas de produção, fez com que os principais indicadores de desempenho permanecessem em níveis positivos. Ao contrário da Chrysler, que amargou prejuízos, e da Ford, que viu seu lucro reduzir em dois terços, a GM recuperou-se mais rapidamente. Em 1974, depois da queda no faturamento e nos lucros, -12% e -60% respectivamente, em 1975 a GM apresentou crescimento de 13% no faturamento e de 32% no lucro, correspondentes a U$ 35 bilhões e a U$ 1,25 bilhão, respectivamente. Contudo, a força da resposta da GM à crise seria mais claramente percebida na segunda metade da década de 1970. 4.1.22. Recuperação da indústria até o 2º choque do petróleo A resposta do governo americano ao embargo dos países árabes veio em 1975 com a aprovação da Lei de Políticas e Conservação de Energia, que estabeleceu três 159 principais medidas com o objetivo de contornar os problemas relacionados à dependência do petróleo. A primeira medida foi a priorização da importação de petróleo de nações com as quais os Estados Unidos possuíam boas relações, como Arábia Saudita, México e Venezuela. Em segundo lugar, estabeleceu-se a criação de reservas estratégicas de petróleo, capazes de ajudar a regular flutuações da oferta e da demanda. Por fim, foi criada uma política de incentivo ao uso eficiente do petróleo. Dentre os principais componentes desta terceira política estava a criação do Corporate Average Fuel Eficiency (CAFE), que teria o objetivo de reduzir o consumo de combustível da frota de veículos norte-americana. Por meio do CAFE, o governo estabeleceu que a média do consumo de todos os veículos vendidos em um ano, por cada fabricante ou importador, deveria atender a um limite mínimo de quilômetros por litro (Km/L)17, o qual seria determinado e controlado pelo Departamento de Transportes dos Estados Unidos. A pena para o não-cumprimento do CAFE seria de U$ 2 por cada 0,04 Km/L acima do limite, multiplicado pelo número de veículos vendidos. Assim sendo, um fabricante X que possuísse dois modelos A e B, sendo que A tivesse vendido 5000 unidades com consumo médio de 10,7 Km/L, e B tivesse vendas de 10000 unidades e consumo 8,5 Km/L, teria sua média calculada da seguinte forma: ((5000 x 10,7) + (10000 x 8,5)) / 15000 = 9,93 Km/L O limite estabelecido para o CAFE em 1975 foi de 7,7 Km/L, porém só entraria em vigor para os veículos vendidos em 1978. A partir de 1979, os limites passaram a diferenciar carros e caminhonetes. Os veículos comerciais leves com tração nas quatro rodas receberam um CAFE de 6,3 Km/L, enquanto as com tração em duas rodas passaram para 6,7 Km/L. A justificativa para tal mudança era que, por ser veículo de carga, a caminhonete teria seu tamanho diminuído para cumprir com o CAFE, mas produziria o efeito oposto em função do aumento do número de viagens. O CAFE ainda seria gradualmente alterado até a década de 1990, quando os limites foram estabelecidos em 11,5 Km/L para carros e em 8,5 Km/L para caminhonetes. Inicialmente, as fabricantes americanas se opuseram ao CAFE, alegando que, para atender aos limites, 90% de suas vendas teriam que ser de carros compactos. No entanto, os executivos das montadoras não cogitavam ultrapassar os limites, uma vez que 17 A legislação faz referência a milhas por galão, que são as unidades de medidas oficialmente utilizadas nos Estados Unidos. Neste trabalho, a referência às medidas foi convertida para quilômetros por litro. 160 seus cargos poderiam ser questionados por acionistas, caso houvesse descumprimento de regulamentação federal. GM, Ford e Chrysler cumpriram com as normas do CAFE promovendo uma série de alterações nos veículos, como redução nas dimensões da carroceria, uso de partes de plástico e borracha, substituição dos pneus por pneus radiais, modelos com tração dianteira, melhores e mais eficientes lubrificantes e, posteriormente, controle de injeção eletrônica de combustível. Tais mudanças reduziram o peso e melhoraram a eficiência no consumo.. Com isso, o consumo médio de combustível dos novos veículos subiu de 6,7 Km/L em 1975 para 11,1 Km/L em 1982 (RUBENSTEIN, 2001). Para atender aos novos limites de consumo de combustível, a GM acelerou o andamento de seu Plano de Redução. Em 1975, foi lançado o Chevette, um compacto de quatro cilindros baseado em uma plataforma desenvolvida pela Opel e que era vendida na Europa e no Brasil. O Chevette passou a ser o menor e mais barato carro da linha da GM, ao preço de U$ 2900. Tinha por objetivo competir com os importados japoneses e o decadente Fusca. Ainda em 1975, a General Motors lançou, depois de dois anos de indecisão do CE, o Cadillac Seville. O novo veículo encerrou o ciclo da divisão de luxo da GM sob o lema de carros maiores e melhores. O Seville usaria a plataforma intermediária da GM. Equipado com os acessórios mais luxuosos e com um preço de U$ 12000, seria posicionado para enfrentar as vendas crescentes dos veículos da alemã Mercedes, que com dimensões menores que os gigantes Cadillacs conseguiam um preço U$ 7000 maior. No final de 1976, o Plano de Redução foi implementado em toda a linha de veículos da GM. Com isso, os veículos grandes tiveram suas dimensões aproximadas dos antigos intermediários e estes, por sua vez, foram reduzidos para um tamanho próximo ao dos carros compactos. A mudança promovida pela GM, em função da crise do petróleo, finalmente poria um fim nos enormes carros que haviam justificado os recordes de margens e retornos durante as décadas de 1950 e 1960. Apesar disso, a redimensionada classe de veículos grandes trouxe otimismo para a GM. Com a parcial recuperação do volume de vendas da indústria, os novos modelos significaram um aumento de 68% nas vendas da linha de veículos grandes em relação ao fraco ano de 1975 (RUBENSTEIN, 2001), fazendo com que a participação de mercado da GM chegasse ao recorde de 52%. O ano de 1976 marcaria o maior pagamento de bônus para os executivos da GM até então. Thomas Murphy recebeu 65% a mais do que no morno ano de 1975, com um 161 bônus total de U$ 950 mil, enquanto o bônus do numero dois da organização, Elliot Estes, foi de U$ 600 mil. Ainda em 1976, a GM aprovou novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na busca por carros com maior eficiência no consumo. Depois de dois anos protelando a decisão, o CE aprovou o programa para a nova linha de X-cars. A condução das atividades de desenvolvimento seria semelhante à do Vega no final dos anos 1960, novamente sob de responsabilidade do staff corporativo. A plataforma X, que era compartilhada por alguns veículos intermediários, seria reformulada, passando a rodar com motor e tração dianteiros, o que reduziria o peso em 150 quilos. O X-car seria lançado simultaneamente em quatro das cinco divisões, diferenciados apenas pelos elementos de design. Além disso, a GM iniciou pesquisas sobre o uso de eletricidade. A divisão Delco havia desenvolvido um veículo elétrico para uso do programa espacial da NASA, e a idéia foi ampliada para novas frentes de pesquisa no GM Research Labs. Além do esforço para superar os desafios nas operações automotivas, a GM promoveu mudanças também na sua estratégia em relação a algumas de suas operações não-automotivas. O designado para conduzir a recuperação da divisão não-automotiva e de defesa, que incluía a Frigidaire, a Terex de escavadeiras e máquinas pesadas e a Allison, foi George Boham Smith. Smith era um profissional da carreira de finanças que seguiu passos semelhantes aos de Albert Bradley, Fred Donner, Richard Gerstenberg e Thomas Murphy, recentes CEOs da GM, e continuaria seguindo, pois foi o substituto de Tom Murphy em 1981. Na sua gestão à frente das atividades não-automotivas, George Smith promoveu uma ampla análise da viabilidade dos negócios e surpreendeu aos executivos membros do CE quando propôs que a melhor alternativa para duas das operações, a Frigidaire e a Terex, era a venda das empresas. A aprovação da operação proposta por Smith foi lenta, mas o promissor executivo persuadiu o CE, e ambas as unidades tiveram vendas consideradas bem-sucedidas no final da década. Aproximando-se do final da década de 1970, a indústria automobilística dos Estados Unidos apresentava um panorama bastante diferente daquele que se construiu desde o final da Segunda Guerra. A mudança na preferência do consumidor, somada com as diversas exigências legais sobre especificações dos veículos, havia criado grandes dificuldades para as concorrentes Ford e Chrysler. Ao não dispor de recursos suficientes para alterar toda sua linha de produtos, estas empresas sofreram com a severa queda nas vendas de seus veículos grandes. Ao mesmo tempo, os importados, sobretudo 162 japoneses, competiam de forma implacável em preço e qualidade com suas linhas de carros compactos. Desde os anos 1960, os importados vinham aumentando gradualmente sua participação de mercado e atingiriam a faixa entre 18% e 20% na segunda metade dos anos 1970. Dentre as americanas, apenas a General Motors manteve um desempenho satisfatório durante a década. Com todo o incentivo sobre as vendas de carros compactos, a GM teve um desempenho apenas razoável em suas tentativas de competir no segmento de carros pequenos e de baixo preço ao longo dos anos 1970. A primeira incursão neste mercado, com o Chevrolet Vega, enfrentou graves problemas de qualidade e só foi decolar realmente depois que alguns acontecimentos permitiram que a GM carregasse o veículo de acessórios e de margem de lucro. O Vega foi descontinuado em 1978, permanecendo apenas em sua versão esportiva Monza. No caso do super compacto Chevette, lançado em 1975 com um preço U$ 124 mais barato do que o concorrente da Toyota, logo no primeiro ano o programa de produção teve de ser reduzido em 10% devido à baixa aceitação do consumidor americano. Porém, mesmo com a dificuldade em ser competitiva no segmento que mais crescia, a General Motors apresentou rápida recuperação depois do choque do petróleo de 1973. A tática de redimensionar sua linha de veículos grandes, tornando-os mais eficientes e atrativos, fez com que a participação do mercado voltasse para o patamar próximo a 50%. A receita líquida, que antes da crise de 1973 era de U$ 35 bilhões, alcançou o valor recorde de U$ 66 bilhões em 1979, enquanto o lucro, além de se manter positivo mesmo nos piores anos da crise, alcançou valores recordes, chegando a U$ 2,9 bilhões. Em 1979, quando consumidores e indústria já se acostumavam com os novos padrões do mercado de automóveis, uma série de movimentações políticas no Oriente Médio provocou um novo choque nos preços do petróleo. A Revolução Iraniana, no começo do ano, retirou do poder o Xá Reza Pahlavi e colocou o Ayatollah Ruhollah Khomeini. Dentre as primeiras medidas do novo regime estava a decisão de reduzir a produção de petróleo no Irã. Mesmo com a tentativa da Arábia Saudita e de outras nações da OPEP de compensar a diminuição da oferta por meio do aumento do nível de suas produções, os preços do barril de petróleo dispararam no mercado internacional. O segundo choque do petróleo, como ficou conhecido, ainda foi agravado com a guerra entre Irã e Iraque iniciada em 1980. Com o confronto, o Irã suspendeu totalmente a 163 produção e fez aumentar ainda mais as incertezas nos mercados. A crise alterou o patamar dos preços do petróleo, subindo de U$ 15 para U$ 39 o barril. Com a nova escalada nos preços dos combustíveis, o interesse do consumidor norte-americano novamente se concentrou em veículos com maior eficiência no consumo de combustível, o que construiu um cenário promissor, na medida do possível, para a nova linha do X-Car que chegava às divisões. Os novos Chevrolet Citation, Pontiac Phoenix, Oldsmobile Omega e Buick Skylark eram derivados da mesma plataforma, variando as suas dimensões entre o compacto e o intermediário, e haviam sido projetados com a nova tração dianteira, que o tornava mais leve e com menor consumo de combustível. A linha de X-cars foi lançada de forma antecipada no primeiro semestre de 1979 e causou grande furor nas vendas, sobretudo no modelo da Chevrolet. Contudo, o desempenho nos meses seguintes não correspondeu às expectativas dos executivos. Os veículos sofreram com seguidos recalls devido à baixa qualidade, e consumidores passaram a protestar quando descobriram que haviam pago mais caro por um Buick ou Oldsmobile, que eram praticamente idênticos ao modelo da Chevrolet. As marcas na imagem dos veículos condenaram as pretensões da GM. A organização ainda insistiria com os X-cars por mais alguns anos, mas em 1985 os modelos das quatro divisões seriam precocemente descontinuados. O impacto do segundo choque do petróleo na venda de automóveis foi imediato. De 1978 para 1980, as vendas da indústria americana caíram 25% em relação ao recorde de 15,4 milhões de unidades, chegando a meros 11,5 milhões, o mesmo nível de 1974. Com o fracasso dos X-cars, o efeito nos volumes da GM foi ainda maior, com uma queda de cerca de 30%. O último ano da gestão de Thomas Murphy marcou o fim de um ciclo de 59 anos de resultados positivos desde a crise de 1920. Em 1980, as Três Grandes americanas encerraram o ano no vermelho. A Chrysler, com o prejuízo de U$ 1,7 bilhão, acumulou, com os dois anos anteriores, mais de U$ 3 bilhões em perdas. Este desempenho obrigou a caçula americana a pedir socorro ao governo, em um polêmico episódio de concessão de empréstimo federal. A Ford amargou U$ 1,55 bilhão em prejuízos, e a GM pouco menos da metade disso, U$ 762 milhões. Enquanto isso, as japonesas Toyota, Honda e Nissan seguiam firme em seu crescimento no mercado. Juntamente com os demais modelos importados, os carros japoneses já correspondiam a cerca de um quarto do mercado dos Estados Unidos. 164 O mês de janeiro de 1981 foi marcado pela escolha de George Smith para substituir o CEO Thomas Murphy, que cumpriria a aposentaria compulsória. George Smith, executivo formado no percurso tradicional da carreira de finanças, nomeou James McDonnald como presidente da GM. McDonald havia iniciado sua carreira gerencial assumindo a planta de fundição da GM em Ohio e escalou os degraus da área de operações, passando pela gerência das divisões de transmissão Hydramatic, Pontiac e Chevrolet. As nomeações de Simth e McDonald repetiam a combinação mais comum dos últimos anos, com um CEO de carreira em finanças e o presidente, chefe de operações, um engenheiro, formado pelo GMI, com a carreira feita nas divisões de automóveis. No entanto, apesar da sucessão que respeitava a tradição das últimas gerações de CEO, a gestão de George Simth não seguiria as receitas habituais de seus antecessores. A década de 1980, para a General Motors, seria marcada por uma série de tentativas de mudança na organização, e Smith se colocaria no centro de um esforço que prometia preparar a GM para o século XXI. 4.1.23. A organização do século XXI de Roger Smith Após a nomeação de James McDonnald, Smith aos poucos foi colocando os executivos que julgou adequados, porém alguns nomes se destacaram pelo perfil incomum nas práticas da GM. A nomeação mais inusitada talvez tenha sido a de Robert O’Connell, tradicional executivo de finanças, para ocupar a vice-presidência de marketing. Além dele, o advogado Elmer Johnson foi contratado, deixando seu escritório para ser vice-presidente consultivo. Smith também nomeou Robert Frosch, ex-chefe da agência espacial americana NASA, como vice-presidente encarregado das atividades dos laboratórios de pesquisa. A gestão de George Smtih teve o desafio, logo no seu início, de lidar com as dificuldades decorrentes do segundo choque do petróleo e do fraco desempenho dos novos lançamentos direcionados para o mercado de carros mais econômicos. Além dos carros intermediários da plataforma X, lançados pela GM em 1979, a gestão de Smith herdou também a linha de veículos compactos da nova plataforma J. Os J-cars, como ficaram conhecidos, foram mais uma tentativa da GM, depois de Corvair (1959), Vega (1970) e Chevette (1975), de finalmente emplacar um sucesso no segmento de carros pequenos. Derivados da mesma estrutura básica, o Chevrolet Cavalier, o Pontiac 1200, Oldsmobile Firenza, Buick Skyhawk e até mesmo o Cadillac Cimarron levaram a entrada 165 simultânea de todas as divisões neste mercado. No entanto, os veículos pequenos de tração dianteira, feitos para combater os importados, não obtiveram os volumes esperados nos primeiros dois anos. As vendas desta linha só iram se recuperaram a partir de 1984, com a substituição dos motores de quatro para seis cilindros. Além dos J-cars, Roger Smith herdou o lançamento de uma nova linha de veículos intermediários, baseado na plataforma A, mais próxima dos grandes, equipados com tração dianteira. Os derivados da plataforma A foram bem recebidos pelo consumidor, embora nos dois primeiros anos, 1981 e 1982, as vendas tenham sido afetadas pela queda generalizada na demanda. As vendas da indústria automobilística permaneceram em queda nos dois primeiros anos da década. Depois da redução de 19% em 1980, o mercado encolheu mais 6% em 1981 e 2% em 1982. Ainda assim, Roger Smith implantou severas medidas para trazer a GM imediatamente de volta ao lucro. Dentre as ações de Smith estava o fechamento de fábricas obsoletas ou de fraco desempenho, anunciadas ainda na gestão anterior, substituindo algumas delas por plantas mais modernas ou linhas de montagem no México. Roger Smith adicionou mais 90 mil demissões às 180 mil efetuadas na véspera de seu mandato. Além disso, a GM liquidou um prédio em Nova York, vendeu a fábrica da Hyatt Roller Bearings para os próprios empregados, fundiu a Roechester Products à Diesel Equipment e a Harisson Radiator à Delco Air-conditioning, reorganizando e enxugando suas estruturas. Smith ainda reduziu os valores dos benefícios de seus empregados e cortou definitivamente a contribuição de U$ 16 milhões à GMI, principal provedora de gerentes e executivos de operações desde os anos 1920, que passou a ser uma instituição de ensino privada. Na área de vendas, a GM passou a aplicar programas de financiamento ao consumidor com juros subsidiados pelo fabricante, oferecendo em 1981 um taxa de 13,8%, considerada baixa para a época. As ações contingenciais de George Smith reverteram o prejuízo de U$ 750 milhões para modestos lucros de U$ 333 milhões. Em 1982, a GM aumentou os preços dos veículos e ofereceu taxas ainda menores. O resultado foi o aumento no lucro para U$ 962 milhões, mesmo com a queda de 4% no faturamento, além da recontratação de 2400 operários demitidos no ano anterior. A prática de subsídio à taxa e ao juro mostrou-se tão eficaz que a GM e o restante da indústria passaram usá-la sistematicamente, criando um círculo vicioso de redução dos juros ao consumo, que chegaram a 2,9%, em 1986. 166 Em 1982, enquanto a GM se preparava para decidir sobre mais um esforço no combate aos importados, George Smith tomou uma decisão diferente do habitual no que diz respeito à alocação da produção. Ao avaliar as projeções sobre a nova proposta de desenvolvimento para a plataforma S, de carros compactos, Smith pediu que fosse feito uma comparação com a alternativa de se importar uma versão remodelada do veículo fabricado pela Isuzu, da qual a GM havia adquirido 34% em 1971, que abastecia a subsidiária Opel na Alemanha. A diferença de custos foi gritante. Enquanto o custo total unitário de um carro S era estimado em U$ 5731, o modelo comparável da Isuzu chegaria aos Estados Unidos ao custo de U$ 2857. A decisão de Smith, naturalmente, foi em favor da importação do veículo japonês. A GM ainda compraria participação em outra japonesa, a Suzuki, que produziria outro modelo a partir da mesma plataforma da Isuzu. Os carros chegaram ao mercado americano no ano de 1984. Tal medida significou uma razoável mudança nas práticas da GM, uma vez que, mesmo já tendo importado no passado carros compactos de suas subsidiárias, esta foi a primeira vez que a GM reconheceu a incapacidade de competir neste segmento com um modelo feito nos moldes tradicionais de sua operação nos Estados Unidos. À parte as ações emergenciais para retornar à lucratividade, Roger Smith nomeou diversos grupos de trabalho para estudar e propor mudanças em quase todas as áreas da organização. Uma dessas mudanças foi chefiada por Bob Dorn. Dorn era engenheiro chefe da Pontiac quando foi nomeado para conduzir o desenvolvimento de uma nova plataforma para veículos médios, a GM-10. O orçamento para o investimento era o maior já aprovado até então, U$ 7 bilhões. O plano para o desenvolvimento foi conduzido de forma diferente da tradicional departamentalização do staff de engenharia e das divisões. O GM-10 teve uma equipe dedicada, que conduziu todos os aspectos da criação do veículo, desde o design até o planejamento da linha de produção. O conceito usado pelo GM-10 se assemelhava ao gerente de desenvolvimento de produtos criado por John DeLorean à frente da Chevrolet em 1970, porém desta vez era o principal programa corporativo. Talvez o principal grupo de trabalho formado por George Smith em 1982 tenha sido o responsável pela reorganização das divisões de automóveis da América do Norte. Estudos preliminares sobre a integração das fábricas de motores já haviam sido conduzidos por John Debbink, à época gerente geral da subsidiária Delco Moraine. Porém, somente no segundo semestre de 1982, a GM aprovou a criação do grupo 167 especial de força tarefa sob a coordenação de Debbink. A primeira atividade do grupo foi visitar uma série de grandes corporações americanas para conhecer suas formas de organização. A conclusão foi de que a GM necessitava de uma profunda mudança, que enfatizasse uma estrutura mais participativa com uma filosofia mais empreendedora, a mudança da mentalidade de auditor para outra de trabalho em equipe e cooperação, estabelecendo uma comunicação aberta (KELLER, 1989). Para ajudar na construção de um plano que atendesse os objetivos acima, Debbink recorreu a consultores externos da McKinsey, que proveram métodos para organizar a análise de toda a operação de automóveis, entrevistando 65 gerentes e 800 empregados. A proposta formalizada pelo grupo, juntamente com os consultores, anunciava o objetivo básico de integrar a organização, eliminar redundâncias e criar oportunidade para sistemas que atravessassem as divisões (KELLER, 1989). O plano de reorganização estabeleceu que a operação automotiva fosse dividia em apenas duas divisões, completamente autônomas. Com isso, seriam criadas a Chevrolet-PontiacCanada (CPC) e a Buick-Oldsmobile-Cadillac (BOC), para as quais seriam repartidas todas as atividades da GMAD e da Fisher Body. Esta última, apesar de estar sob o comando da divisão de montagem, na prática operava de forma autônoma, quase exatamente como fazia desde a década de 1920. A nova organização foi definida com Robert Stempel, então gerente geral da Chevrolet, como novo gerente da BOC e Lloyd Reuss, gerente geral da Buick, assumiu a CPC. O vice-presidente de operações de carros da América do Norte passou a ser Alex Cunningham, para quem as duas divisões respondiam. Charles Katko, gerente geral da GMAD seria o responsável por assegurar que a transição fosse feita da forma mais organizada possível. A equipe de planejamento da transição ainda seria auxiliada por John Debbink e pela equipe de consultores da McKinsey, autores dos estudos que propuseram a reorganização. A elaboração do plano levou cerca de seis meses durante o ano de 1983. Alocado fora das dependências da GM, o quartel general de transição teve como primeiro trabalho elaborar a descrição dos cargos que comporiam todas as principais estruturas das duas divisões. Em seguida, quatro a cinco nomes eram identificados para cada posição e cada um dava o seu voto naquele que achava mais adequado. Ao final das alocações de pessoal, descobriu-se que novos engenheiros teriam de ser contratados para completar posições antes centralizadas na Fisher e na GMAD e 168 que agora teriam de ser replicadas, uma vez que as divisões deveriam dispor de capacidade para operar de forma completamente autônoma. O anúncio oficial da criação das duas divisões foi feito por George Smith em janeiro de 1984. O início da implementação foi bastante conturbado, gerando grande insatisfação na organização. Uma grande quantidade de pessoas foi movimentada tanto em termos de posição e função na organização quanto na localização física do trabalho. Os sistemas formais e informais de relacionamento e fluxo de informações, sobretudo em relação às atividades da GMAD e da Fisher, foram praticamente interrompidos de um dia para o outro, e os novos processos planejados pela equipe de transição não passaram a operar de forma eficiente na mesma velocidade. No caso das atividades das divisões de automóveis, a adaptação à nova organização ocorreu de forma diferente entre CPC e BOC. A primeira era composta basicamente de uma grande divisão, a Chevrolet, outra divisão consideravelmente menor, a Pontiac, a estrutura de marketing e distribuição e algumas das fábricas que compunham a divisão do Canadá. Com isso, Lloyd Reuss manteve parte da estrutura departamentalizada como era habitual nas divisões. O desafio na BOC era um tanto maior. Buick, Oldmobile, e Cadillac eram divisões com marcas bastante distintas e localizadas cada uma em uma cidade, separadas por 70 quilômetros uma da outra. Para mobilizar os integrantes da nova divisão, Robert Stempel adotou um método bastante semelhante ao utilizado por John DeLorean, quando assumiu a Chevrolet em 1969. Dentre os primeiros passos, Stempel criou um grupo, uma espécie de comitê, que reunia os principais gerentes de cada área para discutir os problemas e elaborar os caminhos a serem seguidos. A proposta elaborada por Stempel e pela BOC também se assemelhou àquela utilizada por DeLorean. A BOC decidiu organizar-se em equipes de produtos, ao invés dos tradicionais departamentos. Desta forma, a divisão adotaria três plataformas, as quais contariam com equipes de desenvolvimento que coordenariam a formulação dos programas de novos veículos, do início do design até a preparação para a produção. A proposta de organização de Robert Stempel foi inicialmente vetada quando este a apresentou para seus superiores James McDonnald e Alex Cunningham. No entanto, Stempel, motivado por sua equipe, reformulou sua proposta, concentrando-se em rebater as principais críticas que recebera. Na segunda oportunidade em que a levou a seus superiores, ele conseguiu persuadi-los a o deixarem seguir em frente. 169 Dentre os grupos de força-tarefa nomeados por George Smith no início de sua gestão a situação das divisões de autopeças também foi alvo de mudanças. O conjunto das divisões e subsidiárias que compunham a rede interna de fabricação de peças acumulava uma força de trabalho equivalente à de sua principal concorrente americana. A GM produzia internamente 70% de todos os componentes que utilizava, e alguns de seus fornecedores internos eram também fornecedores de suas concorrentes em muitas dessas peças. Grande parte das organizações fabricantes de peças operavam de forma periférica na cadeia produtiva da GM desde os anos 1920 e recebiam pouca atenção ou investimentos na melhoria de suas atividades. Havia grande disparidade entre os fornecedores internos da GM, existindo desde empresas com conteúdo de alta tecnologia, como Delco Electronics, Spark & Plug e Allison, até empresas fabricantes de simples componentes, como rolamentos. Pressionada por Lloyd Reuss, gerente da CPC e que queria ampliar as cotações para os fornecedores externos, a GM nomeou W. Blair Thompson, vice-presidente do Grupo de Componentes Automotivos (GCA), que reunia 139 fábricas e 2500 mil empregados. Thompson contratou três empresas de consultoria para avaliar a competitividade de cada uma das peças produzidas por este grupo. As fábricas seriam classificadas em três cores, de acordo com a competitividade de seus produtos. As fábricas de cor verde eram consideradas eficientes e lucrativas; as fábricas em amarelo apresentavam um baixo desempenho em custo, porém poderiam ser melhoradas; e as fábricas em vermelho, cerca de 4%, deveriam ser fechadas ou vendidas. A decisão de terceirizar o fornecimento das plantas consideradas pelos consultores como nãocompetitivas provocou forte manifestação do sindicato. Muitas dessas plantas reagiram à notícia com forte mobilização, propondo eliminação de funções e medidas para ganho de eficiência. Ao final de um ano e diante de tantos protestos dos sindicatos, os planos de terceirização foram suspensos. A pressão da UAW pela manutenção de empregos estava relacionada aos acontecimentos mais recentes, que mudaram o foco das negociações sindicais. Por mais de 35 anos os contratos entre UAW e montadoras baseou-se no estabelecimento dos parâmetros de reajuste da ajuda de custo e do ganho de produtividade e, por vezes, adicionalmente incluíam questões de benefícios como aposentadoria, auxilio saúde ou seguro desemprego suplementar. Em geral, os contratos das Três Grandes possuíam vencimentos em datas próximas, de modo que o sindicato escolhia uma das três 170 empresas como alvo e, depois de conseguir o contrato, levava as mesmas exigências para as demais. A mudança nos paradigmas de negociação começou em 1979, na renegociação do contrato da Chrysler, que beirou a falência depois do segundo choque do petróleo. Em 1982, UAW e GM, assim como também fez a Ford, decidiram reciprocamente antecipar a negociação do contrato que venceria no final do ano. A UAW estava preocupada com a manutenção dos empregos do número de seus associados, que chegou ao pico de 1,5 milhão de pessoas em 1979, porém já havia declinado para 1,2 milhão em 1983. A GM, por meio de seu CEO, vinha seguidamente declarando na imprensa que o custo de mão-de-obra nos Estados Unidos impossibilitava a competição com outros países, sobretudo com o Japão. As negociações foram conduzidas por James McDonald do lado da GM pelo novo presidente da UAW, Owen Bieber. O novo contrato estabeleceu concessão de redução de salários por parte da UAW, enquanto a GM se comprometeu a garantir o nível de emprego e o programa de participação nos lucros. George Smith levou adiante outras ações para reduzir os custos de mão–de-obra, que segundo suas declarações na época eram U$ 8 dólares por hora mais cara do que Japão. A GM abriu as suas primeiras plantas no México em 1981, na cidade de Saltillo, e passou a montar carros e motores a partir de peças importadas, reexportando-os aos Estados Unidos. O México iniciou seu programa de abertura comercial na década de 1970 e a evolução dos acordos internacionais culminaria com a criação do NAFTA em 1994. A abertura de plantas de montagem no México seria uma tendência na indústria automobilística americana, principalmente como forma de reduzir custos de salário e fugir das negociações com a UAW. Esta, por sua vez, continuaria a ver seu número de associados reduzir ao longo da década 1980 e das seguintes, enfraquecendo significativamente seu poder de barganha. À medida que a General Motors e a indústria se recuperavam da depressão nas vendas após o segundo choque do petróleo, George Smith direcionava o foco de suas ações para moldar o futuro competitivo da General Motors. Smith determinou, em um curto período de tempo, uma grande onda de investimentos da GM nas áreas de tecnologia, diversificou sua atividade por meio de aquisições, fez parceria com a Toyota e iniciou uma nova empresa para fazer o carro do futuro, partindo do zero. Dentre os investimentos que George Smith anunciou como o caminho para a GM se tornar uma empresa do século XXI, um dos primeiros tratou da automatização e aplicação de robôs nas fábricas. Smith freqüentemente atacava publicamente o alto custo 171 de mão-de-obra nos Estados Unidos. Para combater tal “desvantagem”, durante a década de 1980 a GM anunciou a aplicação significativa de recursos para desenvolver e adquirir robôs de solda, prensas de transferência, sistemas de reconhecimento óptico e Veículos Automaticamente Guiados (VAG). entre outros equipamentos automatizados que deveriam substituir a força de trabalho humana. Para concretizar o desenvolvimento destas tecnologias, Roger realizou uma joint venture com a Fujitsu-Fanuc, líder em tecnologia de robôs, para criar a GMF Robotics, que em poucos anos se tornaria a número um em fabricação de robôs, sendo 70% para a GM. O CEO da GM, em entrevistas, anunciou que até o final de seu mandato aumentaria o número de robôs nas plantas da GM de 300 para 11 mil. Durante a primeira metade da década de 1980, uma série de novos investimentos em planta foi anunciada. Foram construídas 11 fábricas high-techs, outras 19 passaram por uma modernização e três unidades de prensagem foram automatizadas. Entre estes investimentos, um exemplo dos mais significativos foi a nova planta de Hamtramck, construída para substituir a antiga fábrica da Cadillac, em operação desde o início dos anos 1920. Hamtramck teria um investimento de U$ 600 milhões e contaria com 260 robôs. Comparativamente, a Ford construía uma nova fábrica ao custo de U$ 350 milhões. Outros investimentos importantes deste período foram a fábrica do futuro de Saginaw e a Buick City. A primeira ficou conhecida depois de se afirmar que ela poderia funcionar com as luzes apagadas, pois os robôs seriam capazes de realizar todas as atividades sem intervenção humana. Já a Buick City empregaria os conceitos da Toyota City e teria todos os fornecedores em um raio de 45 quilômetros, eliminando a necessidade de estoques. Segundo Lee (1988), até 1986 os uso de tecnologia e robótica atingiria 79% das linhas de montagem da GM, com um investimento total de U$ 42 bilhões. A General Motors escolheu o caminho da tecnologia de informação para lidar com a diversidade e a complexidade na renovação de seus mais de 600 modelos, cuja preparação incluía a coordenação de cerca de 35 a 40 linhas de montagem nos Estados Unidos. Em março de 1984 a GM lançou o projeto TRILBY, conduzido sob a responsabilidade do GM Resarch Labs e chefiado por Robert Frosch, e que tinha por objetivo conciliar e sistematizar tudo o que fosse de mais avançado em termos de metodologias, técnicas e sistemas de coordenação e controle das atividades de pesquisa e desenvolvimento. O TRILBY reuniu uma equipe de 100 engenheiros e especialistas que durante cinco anos ficaram dedicados ao novo projeto. Como resultado, diversos novos 172 sistemas e ferramentas foram aplicados às atividades de desenvolvimento, especialmente na implementação das equipes de plataformas, como a do GM-10. Pouco depois da criação do TRILBY, Roger Smith daria mais um passo no sentido de integrar o uso de tecnologia de informação aos processos da General Motors. Um dos objetivos declarados de Roger Smith era de que a informática seria a solução para a diminuição da burocracia organizacional, permitindo o ganho de agilidade e a coordenação entre as áreas da empresa. Smith freqüentemente condenava na imprensa o alto uso de papel nos fluxos de informação entre áreas e apontava os sistemas integrados como a solução do futuro. Em junho de 1984, a GM adquiriu o controle da Electronic Data System, segunda maior empresa de sistemas de processamento de dados dos Estados Unidos e comandada por Ross Perot. Perot havia se iniciado na área de vendas quando começou sua empresa. O sucesso nos negócios e o amplamente noticiado episódio em que ele organizou uma missão privada para resgatar dois funcionários presos no Irã fizeram dele uma espécie de herói nacional. A aquisição foi intermediada por um banco de investimento que, à pedido de Roger Smith, saiu à procura de empresas de tecnologia que pudessem integrar à GM o conhecimento esperado por Smith. O valor da transação foi de U$ 2,55 bilhões. Dentro do contrato de compra, a GM ainda ofereceu ações da GM à Perot e aos principais funcionários, como forma de incentivar suas permanências. No entanto, para o caso da EDS, a GM criaria uma ação especial, chamada de Classe E, que receberia os dividendos a partir do desempenho da própria EDS e não da corporação. Somente após a conclusão da compra é que GM e a EDS foram tratar da forma como ocorreria a integração da nova unidade da corporação. A EDS assumiria a responsabilidade por todo hardware e software de informática espalhados pelas divisões da GM. À época, cada divisão da GM dispunha de seus próprios sistemas e métodos arcaicos de integração entre eles. Os dez mil funcionários de informática distribuídos nas diversas áreas da GM passariam a fazer parte da equipe da EDS. Ross Perot continuou como presidente da EDS e passou a integrar o conselho de administração da GM. A integração dos funcionários da GM à EDS seria conduzida por Mort Meyerson, braço direito de Perot, que se mudou imediatamente com uma equipe de 650 funcionários da EDS para Detroit. A EDS continuaria a oferecer seus serviços no mercado, porém agora teria como seu maior cliente a General Motors, cujos contratos seriam fechados diretamente com as divisões. 173 Na onda de diversificação e integração de sistemas, Roger Smith levou a diante mais duas aquisições nas quais enxergou a oportunidade de combinar as especialidades da GMAC, em financiamentos ao consumidor, e da EDS, em integração de sistemas de informação. A GMAC adquiriu por U$ 11 milhões a Norwest Mortgage, uma agência financeira de hipotecas em Mineapolis. Além disso, em uma transação que custou U$ 190 milhões aos cofres do braço financeiro da GM, comprou o grupo Corestate, também de hipoteca e composto por sete agências que operavam na costa leste dos Estados Unidos. . Em junho de 1985, uma nova aquisição na área de alta tecnologia, realizada pela GM, gerou grande repercussão nos Estados Unidos. Porém, diferentemente da EDS, desta vez a compra teve a concorrência de outras interessadas. A Huges Aircraft era uma das empresas líderes mundiais em desenvolvimento de tecnologia, em especial aquelas voltadas para uso militar. Conhecida por ter inventado o laser e também por ser especializada em integração de sistemas, a Huges Aircraft tinha fornecido todo sistema da rede de defesa dos Estados Unidos e da OTAN. Embora a Huges competisse com outras empresas privadas, seu controle era detido por um instituto médico, que era isento de impostos. Forçado pelo governo americano, o instituto controlador da Huges anunciou o leilão de sua controlada, despertando o interesse de Boeing, Ford e General Motors. Roger Smith enviou sua equipe para realizar uma avaliação sobre as possibilidades de integração e geração de sinergias entre as atividades de Huges e GM. A resposta da equipe liderada por Howard Kehrl e Donald Atwood, ambos experientes executivos corporativos, apontou que, baseando-se no custo para adquirir ou desenvolver as tecnologias disponíveis na Huges, o valor giraria em torno de U$ 500 milhões. Porém, a equipe indicava também que seria difícil atribuir valores aos potenciais benefícios da aplicação de tais tecnologias nas atividades da GM. A oferta de Roger Smith para a compra da Huges foi a vencedora, totalizando U$ 5,2 bilhões, sendo U$ 2,7 bilhões em dinheiro e o restante em ações de classe H da GM, criadas especificamente para o caso da Huges, pois incluíam cláusulas de recompra em três anos. A Huges Aircraft passou a se chamar Huges Electronics Corporation e absorveu os 18 mil empregados da Delco Electronics e as atividades de sistemas e instrumentos da A/C Spark & Plug. Com todos esses investimentos e aquisições, George Smith prometia em seus discursos e entrevistas para a imprensa que a alta tecnologia levaria a General Motors a ser competitiva no século XXI. No entanto, a concorrência na indústria era acirrada em 174 meio à lenta recuperação do mercado. A General Motors tinha dificuldade em manter sua participação de mercado, sobretudo no segmento dos compactos de baixo preço. Em 1981, as montadoras japonesas, pressionadas pela diplomacia dos Estados Unidos, estabeleceram uma restrição voluntária de exportações, com um teto de volume de 1,68 milhão de unidades por ano. Contudo, a estagnação da indústria até praticamente 1985 fez com que nem o preço nem a participação de mercado das empresas japonesas alterassem significativamente. Por outro lado, após a restrição voluntária, a Honda foi a primeira montadora japonesa a anunciar a construção de uma planta em Ohio, em 1982. Diante do regime de restrição voluntária, o plano de George Smith de importar os veículos produzidos de Isuzu e Suzuki também ficou limitado quanto à perspectiva de fazer desta uma alternativa de longo prazo. Com isso, Smith encontrou uma nova saída para viabilizar a produção nos Estados Unidos de um modelo compacto fabricado com os métodos japoneses. O CEO da GM usou intermediários para iniciar o contato com executivos da Toyota sobre a possibilidade de investimentos conjuntos entre as duas montadoras. Depois de uma extenuante negociação com viagens dos principais executivos das duas empresas para reuniões em ambos os países, George Smith e Eiji Toyoda, presidente e fundador da Toyota, anunciaram, no começo de 1983, a criação da joint venture New United Motor Manufacturing Inc. (NUMMI). As duas empresas deteriam 50% sobre o novo investimento. A Toyota aplicou U$ 100 milhões em dinheiro, e GM entraria com o equivalente, cedendo sua planta de Freemont na Califórnia, desativada em 1982. O acordo estabeleceu a meta de produção de 200 mil carros por ano. As operações seriam conduzidas pela Toyota, que tinha o direito de indicar o presidente e CEO da nova empresa. Um grupo de 16 gerentes da GM fez parte da equipe inicial. O contrato também previa a prioridade para contratação de ex-operários da GM. A fábrica em Freemont havia funcionado sob o comando da GM de 1963 até 1982. Nos últimos anos antes de ser fechada, a planta estava entre os piores desempenhos de toda a organização em termos de qualidade, reclamações de empregados e faltas no trabalho. Quando o acordo da NUMMI foi fechado, a Toyota se viu pressionada em aceitar que a UAW representasse os trabalhadores, fato que preocupou os japoneses. Contudo, a Toyota persuadiu o sindicato e assegurou um acordo com flexibilidade para alterar cargos e atividades dos operários dentro da linha de produção, em troca da garantia de estabilidade. Tal liberdade era uma condição necessária para implantar seu sistema de células de produção. A seleção dos funcionários seguiu um misto de entrevistas com 175 dinâmicas de grupo para observar aqueles que melhor se encaixavam no perfil de orientação para resolução de problemas da fabricante japonesa. Nenhum antigo gerente da fábrica de Freemont foi contratado, pois temia-se que estes trouxessem os vícios da experiência anterior. Depois de selecionados, a Toyota investiu uma média de 600 horas de treinamento para cada funcionário, sendo que 250 líderes escolhidos entre os operários passaram diversas semanas no Japão aprendendo sobre a atividade de equipes de produção. Líderes de equipes eram operários como os demais, porém deveriam saber executar as tarefas de todos do seu grupo, composto em média por seis pessoas, e, principalmente, mediar as atividades de melhoria contínua, ensinando as abordagens para solução de problemas, decisão em grupo e as demais ferramentas de qualidade. Quando as operações de montagem começaram na NUMMI, o início de cada etapa não ocorria até que o processo anterior estivesse funcionando perfeitamente. Desta forma, apesar do maior tempo necessário para implementação, os carros que inauguraram a linha de montagem possuíam baixos índices de defeitos. Ainda assim, os primeiros carros produzidos em Freemont não foram encaminhados às lojas, tampouco formaram o estoque para um lançamento maciço. Diferentemente da prática das montadoras americanas, estes carros foram distribuídos para alguns funcionários que passaram a usá-los regularmente, observando eventuais defeitos que aparecessem durante o uso do produto, de forma que pudessem ser corrigidos. A NUMMI montou, em 1985, 65 mil Chevrolets Nova, derivado da plataforma do Toyota Corolla. A fábrica somente atingiu a capacidade planejada em seu segundo ano, quando introduziu outro modelo, o Toyota FX. Dos 2200 empregados, 84% eram antigos operários da planta de Freemont. O desempenho, porém, era o oposto do que ocorrera antes. A fábrica possuía o mesmo nível de produção: 200 mil carros por ano, com cerca de metade do número de funcionários. A NUMMI necessitava de 20 horas para montar um veículo, enquanto a operação anterior levava 34 horas. O absenteísmo foi de 2%, ao passo que anteriormente havia chegado a picos de 20%, e a média nas outras fábricas da GM era de 9%. As despesas com garantias dos carros produzidos em Freemont também eram significativamente inferiores – em média, nos produtos da NUMMI era apenas um terço dos U$ 350 gastos com os demais veículos da GM. Entretanto, a diferença mais marcante entre a NUMMI e as demais fábricas da GM talvez tenha ocorrido em 1988, quando uma redução de 29% nas vendas dos produtos da NUMMI, ao invés de provocar 176 um plano de demissões, levou a Toyota a implantar um programa de treinamento, retirando operários da linha, em grupos de 100, para treinamento. O prazo de 10 anos estabelecido pela Comissão Federal de Comércio previa o encerramento da NUMMI em 1984. No entanto, após o pedido apresentado pelas duas montadoras, o limite de 10 anos foi suspenso. A NUMMI opera ainda em 2008, com a capacidade ampliada para mais de 400 mil carros e caminhonetes, já tendo produzido mais de 6,2 milhões de veículos. Um outro esforço para o desenvolvimento de um carro compacto que fosse competitivo foi divulgado em janeiro de 1985, quando foi criada a Saturn Corporation. As ações que levaram a criação da Saturn decorriam da criação, ainda em maio de 1982, de uma nova equipe de staff para engenharia avançada de produtos e manufatura, liderada pelo experiente engenheiro Alex Mair. Este novo grupo teria a incumbência de retomar os estudos sobre o programa da plataforma S – cujo desenvolvimento havia sido cancelado em favor da importação dos carros de Suzuki e Isuzu – porém, partindo de um escopo mais amplo de investigação, em busca de explorar todas as formas possíveis para tornar o novo produto realmente competitivo. Os estudos envolveram a participação de cerca de 90 pessoas, incluindo gerentes de divisões e membros da UAW. Segundo Keller (1984), o relatório final recomendava os seguintes pontos: • O estabelecimento de um projeto para a construção de um carro que não fosse apenas um programa de desenvolvimento de veículo, mas de um processo integrado de negócio. • Operar o projeto como uma empresa controlada, com gestão e relações sindicais separados da GM. • Criação de uma rede de concessionárias separadas a ser operada em conjunto com o projeto. • Desenvolvimento de um novo carro para ser lançado em 1990 com um desenho e estrutura totalmente originais. O resultado do estudo foi a criação da Saturn Corporation, uma empresa criada a partir de uma folha em branco por uma equipe de 350 dos melhores engenheiros e especialistas da GM.Em cinco anos, a Saturn Corporation teria um orçamento de U$ 5 bilhões, com o objetivo de desenvolver não só o carro do futuro, mas um novo jeito de produzir e vender carros nos Estados Unidos. A nova organização teria total independência da corporação. A responsabilidade de presidir a equipe que formaria a 177 nova corporação foi dada a William Hoglund, que ocupava a gerência da Pontiac. Dentro de sua equipe, Hoglund envolveu o então vice-presidente da UAW, Don Elphin, para desenvolver um novo contrato trabalhista. A Saturn estabeleceu um acordo que previu um papel bastante diferente para a UAW e os operários. Dentre os planos para tais relações estavam: • Remuneração dos operários divididas em 80% fixa e 20% variável. • Garantia de estabilidade de empregos. • Comitê consultivo estratégico, que envolvia o presidente da GM e a UAW. • Comitê consultivo de manufatura para supervisão da planta, incluindo representantes da UAW e especialistas em engenharia, design e produção. • Comitê da unidade de negócio, responsável pela coordenação das atividades da planta. Seria formado pelos gerentes da planta, especialistas e representantes da UAW. • Módulo de unidade de trabalho: uma estrutura de divisão em times, compostos de três a seis unidades lideradas por um consultor. • Unidades de trabalho:equipes de seis a quinze trabalhadores liderados por um consultor da UAW O anúncio da Saturn Corporation causou grande repercussão na mídia e na população americana. A ameaça japonesa à hegemonia das Três Grandes era um assunto freqüente nas páginas dos jornais americanos. Neste contexto, a Saturn surgiu como a resposta que a maior empresa do país daria a tal desafio, reunindo e criando as melhores e mais modernas práticas existentes no mundo dos negócios. Uma pesquisa feita quatro meses após o anúncio da Saturn mostrou que 41% das famílias americanas reconheciam o nome da nova empresa, apenas com a divulgação espontânea da mídia. Segundo Lee (1988), os planos de Roger Smith para a Saturn eram de completa automatização dos processos. O cliente iria a uma loja da Saturn onde o vendedor conversaria para entender as preferências deste cliente e selecionar a configuração de todos os opcionais do veículo. O pedido seria registrado em um terminal de computador, de onde se dispararia imediatamente a solicitação de fornecimento dos cerca de 15 mil itens. Em duas semanas, o carro seria entregue. A linha de produção seria controlada por robôs, que teriam a capacidade de reconhecer as diversas configurações possíveis e executar as tarefas de acordo com a seqüência especificada para cada produto. Com 178 isso, a Saturn seria, segundo a definição de Smith, uma empresa sem papel, com todos os processos integrados por sistemas eletrônicos. O entusiasmo com o novo projeto da GM ficou evidente quando 38 governadores americanos submeteram propostas para sediar as novas instalações da Saturn. Seis meses depois do anúncio, a Saturn definiu como destino de sua planta uma pequena cidade do Tenesse. Os U$ 5 bilhões em investimentos para criar a Saturn certamente não seriam pagos pelo lucro gerado na venda dos 500 mil carros anuais projetados para serem produzidos nesta planta. Porém, esperava-se que o novo empreendimento gerasse um novo modelo que pudesse ser replicado e renovasse as demais atividades da GM. 4.1.24. General Motors e suas mudanças questionadas Ao final de 1985, Roger Smith recebia o reconhecimento pelas mudanças que havia implementado à frente da GM. A indústria recuperou o nível de venda de 15 milhões de unidades, e a queda nos preços dos combustíveis fez com que a linha de carros grandes ganhasse novamente a preferência de parte dos consumidores. As vendas, o faturamento e o lucro da GM registravam seus níveis mais altos, e a expectativa gerada pelos investimentos em tecnologia, com aquisições de grandes empresas, fizeram com que Smith recebesse em 1984 e 1985 uma série de prêmios, promovidos por diversos meios de comunicação, como o executivo do ano. No entanto, de fora da organização pouco se notava o que ocorria internamente. Apesar da reestruturação iniciada em 1982, o número de empregados da GM cresceu cerca de 18% nos três anos seguintes. A GM havia investido U$ 45 bilhões desde 1980 e ainda planejava investir mais U$ 34 bilhões até o final da década (LEE, 1988). Com isso, as perspectivas de lucros na operação deveriam permanecer em níveis altos, a fim de justificar tamanha aplicação de recursos. Ainda no embalo da expansão via aquisições, Roger adquiriu a empresa de carros de corrida Lotus, da Inglaterra, por U$ 20 milhões. A Lotus era uma empresa pequena para os padrões da indústria automobilística e concentrava seus investimentos em desenvolvimento de engenharia avançada, apresentando importantes avanços na década de 1980, como suspensão ativa controlada eletronicamente e uso de materiais especiais em carrocerias monobloco. O valor da Lotus estava mais relacionado à capacitação de seu quadro de engenharia, que prestava serviços para diversos fabricantes, inclusive GM e Toyota, do que propriamente à sua linha de carros esportivos de alto luxo ou à sua equipe de Fórmula 1. 179 Quando perguntado sobre os investimentos feitos na Lotus, Roger disse: “Da última vez que olhei dentro da caixinha verde, ela não estava vazia”. Quando tratou sobre a área de tecnologia ainda afirmou: “É frustrante que às vezes a gente não consiga gastar dinheiro na velocidade em que gostaria” (LEE, 1988). Porém, o clima de entusiasmo manifestado externamente não refletia a situação interna da empresa. A reorganização que criara CPC e BOC havia eliminado os principais sistemas informais de comunicação, causando freqüente confusão e desencontros na operação. As atividades de desenvolvimento foram severamente prejudicadas, e praticamente todos os lançamentos a partir da reorganização sofreram atrasos. O GM-10, projeto que inaugurava o novo método de engenharia de produto, foi postergado em dois anos, com um ciclo de desenvolvimento total de sete anos, contra três da Toyota. Os modelos intermediários derivados do GM-10, que passou a chamar-se plataforma W, veriam o concorrente Taurus, da Ford, antecipar diversas das inovações que estavam sendo desenvolvidas. Nos anos de 1984 e 1985, atrasos de seis meses a um ano nos demais lançamentos se tornaram comuns, assim como os defeitos de fabricação e recalls que continuavam gerando altos gastos com garantia. Para conquistar vendas e assegurar a participação de mercado, a GM fazia uso intenso dos subsídios à taxa de juros. Com isso, as margens eram severamente afetadas, uma vez que a GM usava parte dela para cobrir os descontos nos juros feitos pela GMAC. Além disso, com a criação das duas divisões, as estruturas foram aumentadas ao invés de diminuídas. Somente a CPC contratou oito mil funcionários depois que foi formada. Isto deixava a divisão que incluía Chevrolet e Pontiac com um total de 160 mil funcionários, contra apenas 60 mil da Toyota, que em 1985 produziria os mesmos 3,5 milhões de carros do que a CPC. As modernas fábricas planejadas e anunciadas como o supra-sumo da tecnologia em robótica começaram a entrar em operação na metade da década. No entanto, os robôs não funcionavam como o esperado por diversos motivos. Primeiramente, os modernos equipamentos foram instalados e sua operação iniciada sem que houvesse treinamento para a maioria dos operários da linha. Em muitos casos os homens e mulheres da linha necessitavam de treinamentos mais básicos, como de alfabetização, antes de aprenderem a lidar com computadores. A inauguração da produção em algumas dessas plantas foi atrasada em função dos problemas com a linha de robôs. No caso de Hamtramck, eram 260 robôs 180 responsáveis por atividades como pintura e soldagem de carrocerias. A linha de Hamtramck fabricava três modelos derivados da mesma plataforma para cada uma das marcas da BOC. Os robôs eram capazes de reconhecer o seqüenciamento da produção e produzir cada modelo sem a necessidade de alterações na linha. Contudo, o que se viu quando a linha começou a funcionar foi que os robôs eram instáveis e cometiam falhas, sobretudo quando a linha estava mais acelerada. Os erros eram corrigidos por operários que deveriam ficar à disposição para os reparos. O resultado foi que as fábricas que haviam custado duas ou três vezes mais do que as dos concorrentes, japoneses ou americanos, operavam às vezes com a capacidade reduzida pela metade, utilizando uma quantidade de operários 40% a maior. Ainda por cima, a percepção de qualidade dos produtos que saíam destas fábricas ficava abaixo da média da indústria, gerando as mais altas despesas com garantias. Não bastasse os problemas com as operações automotivas, outra confusão aflorou na segunda metade da década de 1980, também criada a partir dos planos de modernização da GM iniciados por Smith. Assim como a reorganização das divisões, a integração dos 10 mil empregados da GM aos quadros da EDS causou grandes desencontros e, neste caso, os conflitos subiram os escalões da corporação. Para muitos empregados, a transferência foi motivo de grande frustração devido aos salários menores na EDS, onde a maior parte dos ganhos era variável de acordo com o desempenho. Por outro lado, as divisões de automóveis da GM se irritavam com os contratos de custo + margem18, onde a EDS não compartilhava do risco de o projeto ter que ser ampliado e ainda assegurava uma operação sempre lucrativa, sendo que seus empregados recebiam bônus e dividendos sobre o resultado da EDS e não da GM. Os conflitos entre EDS e GM se acirraram devido à repercussão causada pelos severos protestos e críticas que uma pessoa pública como Ross Perot fazia no conselho de administração da GM e para a imprensa. A crise entre Perot e Smith chegou a níveis críticos no final de 1986, ganhando notoriedade na imprensa, apesar de Smith sempre ter tentado abafar o caso. A alternativa que pareceu ser a melhor para CEO da GM foi comprar a saída de Ross Perot da GM. A transação fez de Ross Perot, o maior acionista individual da GM na época, um das pessoas mais ricas dos Estados Unidos. A GM já havia comprado a EDS 18 Referência utilizada para denominar o tipo de contrato de fornecimento de serviços cujo valor era calculado em função do custo do serviço, mais uma margem de lucro pré-definida. 181 pelo alto valor de U$ 2,55 bilhões e a recompra das ações de classe E de Perot somou U$ 700 milhões. No entanto, Ross Perot não parou sua onda de protestos quando assinou o contrato de venda de suas ações. No dia seguinte, Perot anunciou na imprensa que não era justo, diante do momento pelo qual passava a empresa, que ele recebesse U$ 700 milhões sem antes consultar os demais acionistas sobre o assunto, e que estaria disposto a devolver o dinheiro caso a maioria dos acionistas da GM assim o quisessem. O anúncio de Perot agravou ainda mais a situação da Roger Smith diante dos acionistas, uma vez que ele já vinha sendo pressionado desde o início de meados de 1986. Desde quando a Du Pont foi obrigada a se desfazer de suas ações da GM, entre o final dos anos 1950 e o início dos 1960, a propriedade das ações da GM era pulverizada na mão de investidores privados e fundos de investimentos. A partir de então, a relação da gestão da organização com os acionistas ocorreu sob um acompanhamento mais distante, com raros episódios onde pressões e questionamentos foram mais relevantes do que o anúncio dos lucros e dos dividendos. Entretanto, em abril de 1986, Roger Smith se viu acuado com tantas críticas vindas de analistas financeiros durante um encontro com os gestores das carteiras dos fundos de investimentos. Apesar dos lucros anunciados no fechamento de 1985, o valor era 11% menor do em 1984, enquanto o faturamento havia aumentado 14%. A preocupação dos analistas não era só com a queda nas margens, mas também com a capacidade de a empresa gerar retornos sobre os investimentos. Depois de mais de U$ 40 bilhões investidos, o ponto de equilíbrio da GM requeria uma venda de no mínimo 5,6 milhões de carros, ou seja, 43% do mercado, isso apenas para não ter prejuízo. Os analistas questionavam seriamente a lógica do plano de George Smith de construir a General Motors do século XXI. Após a reunião com os analistas, George Smith tomou uma série de medidas para melhorar a imagem da GM e a sua própria perante os investidores do mercado financeiro. Smith contratou a Gershon Kekst, uma consultoria especializada em gestão da relação com acionistas, para lidar com as pressões que enfrentava. A GM adotou medidas para controlar a divulgação de informações institucionais e, ainda no verão de 1986, poucos meses depois da reunião, anunciou um plano de redução de custos que contemplava o fechamento de 11 fábricas, com a redução de 25 mil empregados assalariados e 29 mil operários, até 1990. Outras ações desse esforço de redução incluíam a venda das operações de ônibus e de caminhões e o fechamento de unidades em países como Filipinas, Grécia, África do Sul, Uruguai e Equador. A GM também reduziu os 182 investimentos em suas atividades de desenvolvimento. Os carros da plataforma GM-10 tiveram o número de fábricas reduzidas de sete para quatro, o mesmo acontecendo com a Saturn, que ao invés de duas linhas de montagem, iniciaria com somente uma. Além disso, o projeto do carro que substituiria os esportivos Camaro e Firebird foi cancelado. Com todas estas ações a GM se recuperaria do prejuízo registrado no terceiro trimestre de 1986 e fecharia o ano com lucros de U$ 2,9 bilhões. Contudo, segundo Lee (1988), para alcançar tal resultado, a GM alterou procedimentos contábeis: reviu operações retroativamente e eliminou U$ 640 milhões dos custos, aumentando em U$ 130 milhões os rendimentos líquidos. Ainda segundo Lee (1988), a GM realizou uma operação contábil com a GMAC para adicionar U$ 5,5 bilhões em contas a receber aos balanços. Mesmo com todas essas ações da GM para melhorar sua imagem junto aos investidores, a principal concorrente, a Ford, fechou o ano com um lucro maior, pela primeira vez desde 1924, com U$ 3,3 bilhões, embora tivesse um faturamento 35% inferior. A situação da GM se agravava com o preço de suas ações em queda, enquanto Ford e Chrysler anunciavam programas de recompra de ações, que faziam o preço subir. O anúncio de Ross Perot feito no começo de dezembro de 1986 mobilizou acionistas, já insatisfeitos com o desempenho da empresa, a apresentarem uma proposição de resoluções que impedisse George Smith de seguir adiante com a compra da saída de Perot. O Conselho Nacional de Investidores de Nova York, uma espécie de sindicato que reunia fundos de investimento responsáveis por 10% dos votos de todas as ações da bolsa, era presidido por John Goldin. Logo após o anúncio de Perot, Goldin organizou um encontro com os representantes dos fundos de investimentos, Perot e George Smith, os quais prontamente confirmaram a presença. Os acionistas tinham até 19 de dezembro para submeter novas proposições de resolução para que pudessem ser votadas até maio do ano seguinte na convenção de acionistas da GM. No dia da reunião com os investidores em Nova York, Smith não compareceu e sem avisar ou apresentar explicações enviou uma equipe de cinco executivos corporativos em seu lugar. Após o desgaste com o episódio de Nova York, George Smith passou a cumprir uma intensa agenda de reuniões com representantes de fundos de investimentos, colhendo procurações para evitar uma derrota na convenção de acionistas de maio, que poderia significar sua demissão do cargo de CEO da GM. No dia da convenção, George Smith havia reunido a maioria dos votos sob procuração em seu nome, mesmo assim a votação das resoluções para alterar o estatuto da GM teve 20% de votos a favor. Apesar 183 da vitória de Smith, a votação contrária à posição da gestão da organização foi a maior na história da GM até então. Mesmo diante da vitória na convenção, Smith saiu com a imagem arranhada do episódio iniciado por Perot. Porém, pouco tempo depois, o CEO da GM anunciou mais um pacote de medidas para redução de custo, que chegaria a U$ 10 bilhões por ano. O pacote incluía o fechamento de mais três fábricas, demissão de mais 17 mil empregados assalariados, reduções nos gastos do escritório central, liquidação de operações deficitárias de componentes e redução em U$ 200 milhões nos gastos com garantias, embora nestes três últimos itens a forma como os cortes seria feita não fosse especificada. Além da redução de U$ 10 bilhões, Smith anunciou um plano de recompra de ações no total de U$ 5 bilhões e a meta de alcançar um retorno de 15% para o acionista até 1990. Paralelamente ao anúncio dos cortes de gastos e compras de ações, Roger Smith também implementou mudanças nos sistemas de bônus dos empregados administrativos. O sistema de avaliação vigente na General Motors vinha desde os tempos de Sloan e o empregado era avaliado por seu superior imediato, que o atribuía uma de três classificações possíveis, sendo que não havia classificação para um desempenho insatisfatório. Em 1987, o novo sistema reduziu para 3,5% o montante disponível para distribuição de bônus, eliminou a ajuda de custo que era repassada da negociação com os operários para os assalariados e determinou três classificações de desempenho, das quais a última tornava o empregado não elegível ao bônus. Os gerentes passaram a ter cotas para cada classificação, tendo obrigatoriamente que ordenar seus subordinados quanto ao seu grupo de desempenho. Em 1987, GM e Ford negociaram novo acordo com o sindicato. O contrato fechado primeiro pela Ford e depois reconhecido pela GM novamente não se concentrou sobre aumentos salariais. O contrato estabeleceu uma cláusula de estabilidade de emprego de longo prazo, onde o fabricante se comprometia a não eliminar arbitrariamente os empregos, limitando a redução de postos de trabalho na razão de um para cada dois empregados aposentados. Por outro lado, o sindicato reconhecia a redução da força de trabalho em períodos de retração na demanda, porém o contrato assegurava a recontratação de empregados demitidos quando as condições de mercado se restabelecessem. Outro ponto importante do contrato de 1987 foi o arcabouço para a 184 criação de comitês de segurança no trabalho e de eficácia operacional, com o objetivo de explorar oportunidades para melhor utilização da força de trabalho. Todas essas medidas de cortes e ajustes nos gastos da GM ocorreram em um ano em que a indústria apresentou uma ligeira retração de 7% no volume de vendas. Para a General Motors, o compromisso assumido junto aos acionistas de priorizar as taxas de retorno e de não utilizar mais subsídios à taxa de juros ao consumidor impôs uma significativa perda de participação de mercado, de 40% em 1986 para 37% em 1987. Com isso, as receitas da GM caíram 1%, para U$ 101,7 bilhões, enquanto o lucro aumentou em 20%, chegando a U$ 3,5 bilhões, 23% menor que o da Ford. 4.1.25. Rota ajustada e o fim da gestão Smith Os pacotes de demissão anunciados em 1986 e 1987 foram implementados na maior parte entre 1987 e 1989. Contudo, ao invés da reorganização dos processos para compensar a diminuição do número de pessoas em uma atividade, o que ocorreu foi a terceirização dos serviços, continuando, em muitos casos, a serem prestados pelo mesmo empregado, que passava a trabalhar em uma prestadora de serviços. A troca de empregados contratados por empresas terceirizadas era freqüentemente a saída mais cômoda para o gerente de uma área, que recebia uma meta de corte na folha de pagamento (KELER, 1989; LEE, 1988). Apesar do maior contato com as técnicas de gestão da Toyota depois da entrada em operação da NUMMI em 1984, as tentativas da GM de aplicar as soluções aprendidas por seus gerentes que atuaram em Freemont ocorreram de forma tímida, fragmentadas e raramente com o apoio formal de algum programa corporativo. A ação mais relevante deveria ter sido a Buick City, planejada para operar em um sistema modular, que tentaria replicar técnicas Just-in-time praticadas na fábrica da Toyota no Japão. No entanto, os relatos dão conta de que o método foi rapidamente corrompido pela gestão da fábrica, com práticas como estoques secretos ou desprezo pelas técnicas de resolução de problemas (LEE, 1988; PASCALE, 1994) Outro método adotado para promover melhorias nas atividades produtivas foi o uso de um sistema de competição por melhoria de desempenho entre plantas, sob a condição de que a perdedora eventualmente fosse fechada. O caso apresentado por Keller (1989) descreve a experiência de competição entre fábricas feita pela GM com as plantas de Van Nuys e Norwood. A planta de Van Nuys, por estar mais próxima 185 geograficamente de Freemont e diante da perspectiva de ser fechada, procurou replicar algumas de suas técnicas aplicadas na NUMMI. Contudo, os métodos utilizados para a transferência do conhecimento foram significativamente diferentes daqueles realizados pela Toyota para trazer suas técnicas do Japão. Van Nuys utilizou vídeos gravados em Freemont e recebeu visitas semanais de gerentes que, por um período, funcionaram como consultores. O resultado foi a implementação de métodos distorcidos do sistema de produção japonês. Dentre as principais barreiras estavam a resistência do representante do sindicato e a desconfiança generalizada dos trabalhadores, que já davam seus empregos como perdidos. O esforço realizado em Van Nuys, ao contrário de melhorar, causou a queda nos indicadores de qualidade e produtividade. Mesmo assim, a planta venceu a batalha contra Norwood, que foi fechada não por critérios de desempenho, mas por ser mais antiga e com equipamentos mais velhos. Outras iniciativas de replicar alguns dos métodos utilizados em Freemont foram conduzidas por gerentes de plantas da GM espalhadas pelos Estados Unidos, em geral com maior sucesso do que em Van Nuys. Entretanto, a diferença entre indicadores de desempenho da NUMMI em relação às demais plantas da GM eram gritantes no final dos anos 1980. Por exemplo, o índice de horas/homem, que indicava a quantidade de horas dedicadas em média pelos trabalhadores na montagem cada veículo. Em Freemont era de 23 horas/homem, enquanto que nas demais plantas da GM a média era de 40 horas/homem. Na planta de Ver Linden, uma das mais modernas e automatizadas da época, cujo gerente, Dale Snyder, era um declarado entusiasta das técnicas japonesas, alcançava um dos melhores índices da GM: 29 homens/hora. A grande aposta de George Smith para competir com as empresas japonesas que instalaram suas fábricas nos Estados Unidos ao longo da década de 1980 era realmente a Saturn Corporation. O lançamento do veículo Saturn ocorreu em 1991. Em um dos últimos atos de George Smith como presidente, ele dirigiu o primeiro modelo que saiu da fábrica. Porém, quando a Saturn finalmente começou, sua operação era bastante diferente daquela planejada em 1984. Ainda na fase de planejamento da nova empresa, em 1986, diversas alterações no escopo do projeto foram efetuadas depois que alguns dos conceitos de alta tecnologia e automação não apresentavam os resultados esperados em outros projetos da GM. Além disso, as dificuldades financeiras e a pressão dos acionistas exigiram um uso comprovadamente mais racional do capital. Naturalmente, a 186 Saturn, sendo um dos principais projetos da GM na década, também se viu alvo de cortes. O modelo previsto inicialmente para a Saturn era de um carro compacto para competir no segmento de baixo preço. Em 1986, Roger Smith aprovou a alteração para um veículo maior e mais luxuoso, do qual fosse possível obter melhores margens. O volume anteriormente projetado para 500 mil unidades/ano foi reduzido pela metade, com a eliminação de uma das linhas de produção. Outro critério em relação ao produto alterado no decorrer do projeto foi o compartilhamento de partes, peças e fornecedores com os demais modelos da General Motors. Inicialmente a meta era que todos os componentes do Saturn fossem projetados a partir de uma folha em branco, e que os fornecedores fossem todos avaliados de forma independente pelos executivos da nova empresa. A redução no orçamento de desenvolvimento obrigou a mudança nos planos, e a Saturn passou a olhar para componentes usados em outras divisões, inclusive adquiriu alguns equipamentos de outras plantas da GM para montar sua linha de produção. Outra mudança considerável no desenvolvimento da Saturn foi em relação ao sistema fornecido pela EDS para integrar desde a venda até o pedido de compra junto ao fornecedor. A idéia de uma organização sem papel, defendida por George Smith também foi abandonada. Os sistemas da EDS estavam presentes na operação da Saturn talvez em maior nível de aplicação do que em outras divisões, porém o uso de computadores e robôs nas atividades de vendas e produção foi severamente reduzido. A Saturn manteve sim algumas inovações quando suas vendas foram finalmente inauguradas. A organização de vendas era a única a operar com preço fixo em todo os Estados Unidos. A eliminação da negociação de descontos ou sobrepreços na ação de vendas permitiu que a Saturn implantasse um eficiente sistema de atendimento ao cliente, o qual foi avaliado como o mais agradável do mercado. Além disso, o contrato de trabalho dos empregados era composto de 80% fixo e 20% variável e, replicando um modelo comumente usado em montadoras européias, o Sindicato tinha participação efetiva em comitês consultivos da organização. As vendas da nova subsidiária foram bem-sucedidas nos primeiros anos de lançamentos. Os consumidores preferiam meses de espera e ter o carro em seu preço cheio a adquirir modelos concorrentes repletos de descontos. As avaliações de satisfação do consumidor e de qualidade percebida colocaram o Saturn no topo da lista dos veículos vendidos nos Estados Unidos. Porém, mesmo com todo o sucesso de aceitação pelo 187 consumidor norte-americano, a Saturn registrou prejuízos em seus primeiros dois anos de operação e apenas empatou no terceiro ano, graças à transferência de U$ 3 bilhões referentes aos investimentos para a conta da GM. Os índices de produtividade também colocavam a Saturn bem distante de seu objetivo de ter o menor custo da indústria. Sua média era de 35 horas/homem, quase o dobro dos índices obtidos nas plantas japonesas nos Estados Unidos à época. A parte variável dos salários não foi atrelada a metas de desempenho, mas sim de treinamento. Com isso, as 750 horas de treinamento em 11 especialidades diferentes garantiram uma média salarial de U$ 45 mil para os empregados administrativos, a maior média salarial entre as divisões da GM (REHDER, 1993). Os anos que antecederam o início da operação da Saturn indicaram a situação de retração que estaria a indústria no momento do lançamento do carro. Após o recorde de volume de vendas em 1988, que só seria batido dez anos depois, a indústria apresentou três anos de quedas seguidas, acumulando uma redução de 20%. Para a GM, 1988 também havia sido um ano de recorde de faturamento e de lucros, contudo, a queda nas vendas nos anos seguintes, combinada com a natureza altamente fixa dos custos de suas fábricas high-techs, fez seu lucro despencar. O impacto nas vendas da GM foi maior do que no restante da indústria, acumulando uma queda de 32%. Assim, os dois últimos anos do mandato de George Smith levariam a GM ao terceiro e ao quarto prejuízo em 82 anos de história. Uma comparação de alguns índices de desempenho do início e do fim do mandato de George Smith reforça as evidências do declínio vivido pela GM na década de 1980, apesar do intenso esforço para reverter suas desvantagens em relação às concorrentes. Entre 1980 e 1991, anos em que a indústria viveu momentos de recessão, o nível do volume anual de vendas da General Motors caiu 22%, enquanto a participação de mercado foi de 47% para 33%. Em 1990, a General Motors voltou a apresentar prejuízos , desta vez de U$ 2 bilhões e, no ano seguinte, de U$ 4,5 bilhões. George Smith partiu para sua aposentadoria deixando a GM nas mãos de Robert Stempel em agosto de 1990. Stempel havia assumido a presidência da GM no lugar de James McDonald que se aposentou em 1987, quebrando a tradição da organização de ter um CEO com formação em finanças. Entretanto, o mandato do engenheiro, que havia começado na Oldsmobile em 1958, acabou seis anos antes de ele atingir a idade de 65 anos e fosse obrigado a se aposentar, como era habitual para os presidentes da GM. Stempel deixou o cargo em novembro de 1992, dois anos e três meses depois de 188 assumir. A saída de Stempel foi uma decisão do conselho de administração da GM, do qual ele era presidente. Diante da pior crise de sua história, quando a GM reportou um prejuízo de U$ 23 bilhões, uma reorganização dividiu as funções de presidente do conselho e CEO. Como novo presidente do conselho, foi eleito John G. Smale, expresidente e CEO da Procter & Gamble e membro do conselho da GM desde 1982. As funções de CEO e presidente da GM (COO) ficaram sob a responsabilidade de John F. Smith Jr. Jack Smith, como era chamado, fizera sua carreira nos escalões de finanças da GM por 23 anos, até assumir a gerência das operações da GM no Canadá, em 1984. Dali em diante, Smith tornou-se um executivo de operações, passando pelo comando de diversas unidades em outros países até se tornar o responsável por toda a operação da GM no exterior. John Smith assumiu o comando-executivo da GM com a missão de recuperar a organização após inéditos três anos seguidos de prejuízos. 4.1.26. Redução de custos, venda de ativos e concordata A partir de 1992, a GM adotou medidas severas de redução de custo e melhora nos seus indicadores de retorno. Imediatamente foram anunciados fechamento de fábricas e planos de demissão, a GM também replicou uma solução iniciada na Europa, organizando um pool de compras globais. Alem disso, preparou o desenvestimento de todas as empresas adquiridas na gestão Roger Smith. Com a recuperação do mercado a partir de 1993 a GM adotou definitivamente a estratégia de importar o carro pequeno de suas controladas. Investiu no desenvolvimento e ampliação da linha de caminhonetes e utilitários esportivos. Carros grandes e de maior margem. Em 1995 a GM organizou a Delphi. A nova empresa reuniu as unidades produtivas de peças e posicionou-se como uma “empresa de mercado”, não mais uma subsidiária da GM. Em 1999 a GM vendeu completamente sua participação de mercado. Para valorizar as ações da Delphi a GM havia feito um contrato de exclusividade de fornecimento a nova empresa que acabou em 2002. Dois anos depois, em 2004, a Delphi foi advertida pela Securities Exchange Comission (SEC) que regula as exigências de goverança da Bolsa de Valores. O motivo da punição foi de fraude nas práticas contábeis. Em 1998 a GM implantou a sua primeira fábrica em consórcio modular, onde so forencedores é que operavam a linha de montagem, sob as regras de um contrato. O 189 modelo foi rapidamente replicado para as plantas nos Estados Unidos e as demais abertas no México. Este movimento causou a greve mais cara de toda a história. Com a volta dos baixos preços do petróleo e os japoneses dominando os mercados de carros médios, a GM expandiu rapidamente para os já dominantes veículos utilitários, entre estas expansões esteve a aquisição do derivado militar Hummer. Entre 2000 e 2004, a GM aumentou a quantidade de modelos de 51 para 63, sendo que o número de caminhonetes subiu de 20 para 30. Apesar do aumento no faturamento, a participação de mercado da GM diminuiu como pode ser observado no gráfico 4-2, abaixo. Gráfico 4-2 Receita líquida e participação de mercado da GM 250.000.000.000 80% 70% 200.000.000.000 60% 50% 150.000.000.000 40% 100.000.000.000 30% 20% 50.000.000.000 10% 0 0% 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 participação de mercado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Receita Líquida Fonte: Relatórios anuais da GM A partir de 2004, o aumento do preço do petróleo devido ao aquecimento da demanda mundial fez com que a GM perdesse de forma mais acelerada a participação de mercado. Nesta época, a GM lutava também contra os altos déficits dos fundos de pensão de assistência médica de seus funcionários. Estes benefícios haviam começado na década de 1940, quando foram criados fundos para estes benefícios, que incusive investiram nas ações da GM. Nos anos 1990, uma combinação que envolveu o aumento dos preços dos serviços médicos, a redução da base de contribuintes e queda nas vendas e lucros levou a GM a prejuízos recordes. Anunciando novos planos de cortes em custo, investimentos, redução de pessoal e o fechamento da Oldsmobile. A GM, sob o comando de Rick Wagoner, amargou quatro anos de prejuízos. Recentemente e sob os efeitos da crise financeria nos Estados Unidos, a GM foi ao Senado Norte Americano solicitar um emprétimos federais para cumprir os 190 comprimissos financeiros da organização. O socorro do governo norte-americano à General Motors foi aprovado em dezembro de 2008, juntamente com um acordo semelhante para Chrysler. A ajuda do governo estabeleceu um limite de empréstimo de até U$ 13,4 bilhões, tendo como garantia as ações da própria GM. Em 1 de juho de 2009, a General Motors apresentou o pedido de concordata na justiça dos Estados Unidos. O resultado deste processo foi a cisão dos ativos, liquidando a parte ruim e reunindo a parte considerada boa em uma nova empresa, denominada Nova GM, da qual o tesouro americano recebeu 60% das ações. 4.2. Análise das respostas aos desafios à longevidade A General Motors desenvolveu ao longo de seus 100 anos de história uma trajetória de ascensão e declínio como pode ser observado na curva de crescimento relativa à atividade econômica dos Estados Unidos, no gráfico 4-3 abaixo. O crescimento acelerado das quatro primeiras décadas atingiu o patamar mais elevado entre as décadas de 1950 a 1970. Nos últimos 30 a 40 anos de sua trajetória a GM apresentou um declínio crônico até o ano de 2009 quando foi pedida sua concordata. O formato da curva de crescimento da General Motors mais uma vez sugere que organização desfrutou de uma situação de sucesso inicial e, posteriormente, se deparou com o fracasso. A análise das respostas da GM aos desafios à longevidade buscará identificar estabilidade e/ou mudanças nos padrões de resposta e comparar com as referências de propensão ao sucesso e ao fracasso, fornecidas pela teoria. As constatações obtidas a partir desta comparação de padrões poderão contribuir para entender as condições que levaram a organização a produzir tal trajetória. Nos próximos sub-itens desta seção, os cinco desafios a longevidade são analisados isoladamente. Na Seção seguinte será apresentada a síntese dos padrões de respostas da GM aos cinco desafios, bem como o efeito combinado dessas respostas sobre a evolução da posição da GM em relação a auto-perpetuação e auto-destruição. 191 Gráfico 4-3 Evolução do crescimento da General Motors 1904 a 2008 0,035 0,025 0,015 y = -2E-11x 5 + 6E-09x 4 - 7E-07x 3 + 3E-05x 2 - 3E-05x + 0,000 R² = 0,9 0,005 -0,005 Lucro Líquido/PNB Receita Líquida/PNB 4.2.1. Desafio do Empreendedorismo O desafio do empreendedorismo está relacionado à promoção de serviços empreendedores (PENROSE, 2006) e de motivações produtivas (CHANDLER, 1977) pela organização, condições necessárias ao crescimento. A curva de crescimento da General Motors indica uma tendência de contínua expansão durante seis décadas e posteriormente apresenta uma inflexão, invertendo a curva em uma trajetória de declínio. Apesar do declínio, as evidências indicam que a GM manteve processos contínuos para prover a organização dos serviços empreendedores, assim como desenvolver crescimento produtivo. Motivações para o crescimento As evidências indicam que a GM desenvolveu sua expansão diversificando a aplicação dos motores do crescimento contínuo (FLECK, 2003). Inicialmente, motores de integração vertical e horizontal por meio da aquisição de concorrentes e fornecedores fizeram uso da capacidade de William Durant em mobilizar recursos financeiros para expandir as fronteiras da organização. Dois grandes ciclos de aquisições foram desenvolvidos, um entre 1908 e 1910, e outro entre 1916 e 1920, contudo este motor encontrou a limitação com o esgotamento de empresas para serem adquiridas. Durante a 192 década de 1920, as oportunidades de aquisições no setor automobilístico se tornaram escassas, as últimas foram a Scripps-Booth e a Interstate, que logo foram descontinuadas, além de subsidiárias na Europa, Vauxhall e Opel, e na australiana, Holden. As demais aquisições já no final dos anos 1920 acionaram o motor de diversificação, iniciado em 1916 com a guardian fridge, e posteriormente avançando sobre áreas mais relacionadas como motores a diesel e aviação. O crescimento da GM também acompanhou o aumento da demanda por automóveis. O longo ciclo de expansão da indústria pode ser observado no gráfico 4-4 abaixo. A General Motors não só acompanhou a indústria, como aumentou sua participação de mercado desde seu início até a década de 1970. A expansão inercial da GM só não foi mais intensa porque encontrou limites na regulamentação da defesa da concorrência, uma vez que ultrapassar a marca dos 50% do mercado traria questionamentos jurídicos, e também porque o mercado consumidor se aproximou de um ponto de saturação. Gráfico 4-4 Evolução das vendas de veículos da indústria e da General Motors nos Estados Unidos, entre 1900 e 2008 18.000.000 Vendas de veículos totais (em unidades) 16.000.000 Vendas General Motors (em unidades) 14.000.000 12.000.000 10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 2008 2005 2002 1999 1996 1993 1990 1987 1984 1981 1978 1975 1972 1969 1966 1963 1960 1957 1954 1951 1948 1945 1942 1939 1936 1933 1930 1927 1924 1921 1918 1915 1912 1909 1906 1903 1900 0 Fontes: Relatório estatístico da Senate Fiscal Agency (2007), American Bureau of Statistics (apud CHANDLER, 1964), relatórios Moody’s (1917 a 1998), relatórios anuais da GM (1998 a 2009) 193 As atividades desenvolvidas pela General Motors eram grandes geradoras de recursos sob a forma de lucro. A reaplicação destes recursos para gerar mais crescimento – inercial e via aquisição, principalmente – é uma evidência de motivação produtiva na organização. Em alguns momentos, a GM também empregou processos de crescimento de natureza híbrida, como por exemplo o lançamento de carros compactos nas décadas de 1960 e 1970, mesmo obtendo uma taxa de retorno menor, porém defendendo o mercado contra as importações. Na década de 1980, a GM aplicou uma grande quantidade de recursos em diversos processos de crescimento. Início de programas de inovações, diversificação via aquisição e expansão vertical adquirindo fornecedores foram algumas das tentativas da organização para produzir um crescimento e continuar gerando lucros. Contudo, apesar de ter por trás uma orientação produtiva, grande parte dos esforços fracassou. Já a partir da década de 1990, a GM desenvolveu um estágio de declínio de dissolução de partes do negócio. A GM apresentou esforços de crescimento nulo, como a venda e a terceirização de suas divisões, e também crescimento defensivo, com o uso de descontos e redução de juros para manter a participação de mercado. Ambição A ambição foi uma das características marcantes da gestão de William Durant, protagonista do processo de formação da GM. As evidências, inclusive registros autobiográficos, deixam clara a ideia de Durant à respeito da consolidação da indústria automobilística e a convicção sobre ocupar um papel importante neste processo. O ciclo de investimentos em aquisições e a contínua construção de plantas para ampliar a capacidade e desenvolvimento de novos modelos também indicam a forte presença da ambição, que neste período emanava, sobretudo, do principal acionista e gestor da empresa. Por outro lado, conforme a organização aumentou de tamanho, outras pessoas passaram a estabelecer um relacionamento de sócio-gestor e, portanto, passaram a contribuir também como fontes deste serviço, foram os casos de Charles Mott, Henry e Wilfred Leland, Charles Kettering e Alfred Sloan. A associação de Pierre du Pont e da Du Pont à GM foi um forte incentivo à predisposição a promover o lucro e o crescimento. Tal predisposição foi registrada no relatório preparado por John Raskob, tesoureiro da Du Pont, quando ele recomendou a oportunidade de investimento devido a promissoras perspectivas de rendimento. A participação efetiva da Du Pont na gestão da GM durou 194 entre 1918 e 1958, neste período a Du Pont influenciou o início de dois importantes processos que sistematicamente passaram a reforçar a ambição, o programa de bônus e método de análise e tomada de decisão do standard-volume. O bônus baseado em resultados, inicialmente implantado em 1918, sofreu diversas adaptações ao longo do tempo, porém, independente do formato, instituiu, dali em diante, a premiação em função de resultados para o grupo de gerentes e executivos mais graduados. Este programa permitiu, por exemplo, que o CEO da General Motors, Thomas Murphy, recebesse um bônus de U$ 950 mil em 1976, por ter alcançado, dentre outras metas, uma participação de mercado de 52%, renovando toda a linha de produtos para se adaptar as novas preferências do mercado após o Choque do Petróleo. Naquele mesmo ano, outros executivos também alcançaram níveis recorde de bônus. Foi o caso de Elliot Estes, número dois da GM, que no mesmo período recebeu bônus de U$ 600 mil. O método de avaliação de retorno sobre o investimento, implantado por executivos vindos da Du Pont, no início dos anos 1920, foi chamado de standard-volume. Tal método consistia na conciliação de diversos sistemas de informação e análise que incluíam procedimentos para projeção da demanda, estimativa de custos e investimentos e, principalmente, estabelecia o retorno sobre o investimento como critério de decisão. O objetivo associado ao método era de maximizar o retorno ao longo do tempo, o que reforçava a predisposição não somente ao lucro, mas ao reinvestimento no negócio. Embora as metas e a exata fórmula de cálculo de rentabilidade não tenham sido oficialmente divulgadas, a literatura sobre a GM indica que desde os anos 1920 a organização trabalhou com o objetivo de produzir um retorno de algo como 20% sobre o investimento. Esta meta foi publicamente reconhecida pela primeira vez no final da década de 1970 pelo então CEO da GM, Thomas Murphy, em reunião com acionistas. O gráfico abaixo indica o longo período de sucessivos resultados positivos em termos de lucro líquido em relação ao ativo, sobretudo durante o período entre 1920 e 1980. Após 1980, o indicador de retorno sobre o ativo apresenta uma forte tendência de queda, porém a análise histórica indica que tanto os princípios de retorno sobre o ativo quanto os esforços para produzir o crescimento continuaram presentes na General Motors, especialmente durante a gestão de Roger Smith, quando um novo ciclo de aquisições foi conduzido. Tais evidências indicam que o declínio observado neste período não esteve relacionado a uma queda nos níveis de ambição da organização. 195 Gráfico 4-5 Lucro Líquido sobre ativo total, corrente e média móvel em 10 anos 30% 20% 10% 0% -10% -20% -30% GM - Lucro Líquido / ativo 2007 2004 2001 1998 1995 1992 1989 1986 1983 1980 1977 1974 1971 1968 1965 1962 1959 1956 1953 1950 1947 1944 1941 1938 1935 1932 1929 1926 1923 1920 1917 1914 1911 1908 1905 -40% Média Móvel (10 anos) Versatilidade Os processos de expansão baseados em aquisições e desenvolvimento de inovações, assim como a penetração e o desenvolvimento de mercado, ocorrem com intensidade variada ao longo da história da General Motors, eventualmente esbarrando nos limites existentes a cada um dos motores de crescimento contínuo. As evidências indicam que os serviços empreendedores de versatilidade atuaram de forma relevante durante esses processos, no entanto uma característica a se destacar é a fragmentação entre os fornecedores deste serviço, que marcou a organização desde o seu início. A separação entre aqueles que contribuíam com a capacidade de imaginação e a criatividade para combinar os recursos e aqueles que forneciam a visão sobre as possibilidades de criação de valor teve um papel decisivo no processo de formação da General Motors. Portanto, o adequado provimento deste serviço dependeu fortemente da cooperação entre as partes. A observação do histórico da GM evidencia que este foi um dilema crescente, que acompanhou a expansão da organização e impôs uma repressão gradual à versatilidade. A aquisição da Buick por Willian Durant, que deu início ao que viria ser a GM, representou também um marco da dinâmica que caracterizou os serviços de versatilidade. 196 Na ocasião, David Buick, um inventor que havia criado um veículo capaz de operar com eficiência, obteve sucessivos fracassos ao tentar criar valor a partir de sua inovação. Contudo, após a aquisição, Durant não só atuou na mobilização dos recursos, mas foi determinante na visão de serviços essenciais para a viabilidade do negócio, tais como rede de vendas, assistência mecânica e instalações produtivas. Para tornar essa união entre Buick e Durant eficaz, o primeiro aceitou ceder o total controle do negócio ao segundo, porém tempos depois as divergências provocaram a saída de David Buick. Essa dinâmica se repetiu com outros integrantes da GM que inicialmente trabalharam em cooperação com Durant e depois entraram em algum conflito relacionado à busca de novos serviços produtivos. Foram os casos de Louis Chevrolet, piloto criador do primeiro veículo Chevrolet, Henry e Wilfred Leland, fundadores da Cadillac, e Walter Chrylser, que saiu da GM para criar a Chrysler. Esses integrantes participaram de forma versátil na criação de negócios para a GM, juntamente com outros que permaneceram por mais tempo na organização, tais como Charles F. Kettering, Artur Mason, Harry Shiland e Lee Dunlap. De maneira geral, a conciliação entre a versatilidade daqueles mais próximos à operação com a visão de William Durant foi obtida por meio da aplicação da folga de recursos, especialmente financeiros, de forma a patrocinar ou adquirir frentes de desenvolvimento semi-autônomas. Ao diversificar as apostas usando recursos excedentes, Durant se protegeu contra erros de versatilidade de alguns e alavancou os acertos de outros. Assim sendo, durante sua gestão, a GM colecionou fracassos relevantes, como por exemplo, Heany Lamp, Welch Motors, Cartercar, Marquette e Samson Tractor, mas também desenvolveu ações de grande versatilidade, tais como o Buick Modelo 10, a partida elétrica, Oldsmobile, Oakland, a carroceria fechada, o Chevrolet 490, a GMAC e a Frigidaire. A mudança do controle para a Du Pont despertou um ensaio de novos processos relacionados à versatilidade. O episódio principal foi a fracassada tentativa de desenvolvimento do motor a ar, o copper-cooled. Na ocasião, Pierre du Pont procurou submeter serviços de versatilidade de três divisões, o Laboratório de pesquisa, Chevrolet e Oakland, a um processo corporativo, sob o comando de Charles Kettering. Contudo, o desentendimento entre as divisões foi crítico e o projeto foi abortado. Após esse episódio, as divisões permaneceram com estruturas e processos paralelos de desenvolvimento de produtos e de expansão dos seus negócios. 197 O aparato corporativo promovido pela Du Pont produziu como consequência adversa o gradual abafamento sobre versatilidade nas unidades de negócio. Durante este período, houve uma contínua adoção de diversos procedimentos que sistematizavam atividades fortemente relacionadas à expansão dos serviços produtivos, como por exemplo políticas para identificar preços e volumes de produção dos veículos, métodos para avaliar a ampliação ou construção de plantas, sistemas para calcular a geografia de mercado e assim expandir a rede de vendas, programações para renovação anual da linha de produtos e também sistemas para definição e execução de orçamentos. Tais procedimentos impuseram restrições sobre a atuação das unidades de negócio, inicialmente com o intuito de dar maior eficiência à criação de valor da GM como um todo. Por exemplo, a política de pirâmide de marcas dos anos 1920 segmentou uma faixa do mercado para cada unidade de negócio, na qual cada uma possuía autonomia para desenvolver seus produtos, levando em conta a orientação de se posicionar no topo de cada faixa. Como resultado, a GM evitou a competição direta entre suas unidades e ao mesmo tempo ficou em vantagem na disputa com concorrentes que se concentravam apenas em determinados segmentos. Ao longo da trajetória da GM, no entanto, o nível de restrição das políticas se elevou e o espaço para as unidades de negócio explorarem a versatilidade de seus agentes foi gradualmente reduzido. O desenvolvimento de novos produtos é uma atividade amplamente relacionada aos serviços de versatilidade. A análise da evolução deste processo na GM evidencia efeito negativo dos métodos corporativos. Durante a depressão dos anos 1930, a estratégia de pirâmide de marcas deu lugar ao compartilhamento de chassis e carrocerias entre as unidades de negócio, a fim de explorar economias de escala e assegurar a sobrevivência no mercado reduzido e mais sensível a preço. Com a estrutura do veículo pré-definida pela GM, as divisões passaram a investir na diferenciação de seus produtos desenvolvendo novos atributos mecânicos, de acabamento e design dos veículos. A GM então desenvolveu procedimentos sistematizados para renovar a linha de produtos e compartilhar as soluções entre as unidades de negócio. Estes foram os casos do portamalas inteiriço, os tetos turret tops, transmissão automática, novas suspensões e o design rabo de peixe, dentre outros que na maioria das vezes foram lançados por uma divisão e, nos anos seguintes, compartilhados com as demais. Os processos de disseminação de inovações e melhores práticas, além de reduzir o espaço para desenvolvimento nas 198 divisões, também acirraram a competição entre as marcas que passaram a oferecer produtos cada vez mais similares. Conforme os programas corporativos avançaram sobre as especificações dos produtos, as divisões que dispunham de maior estrutura, corpo de engenharia e orçamento para desenvolvimento apenas prolongaram a capacidade de desenvolver novas ideias. No entanto, até o início dos anos 1970, todas as divisões de veículos, inclusive a Chevrolet, líder de mercado à época, transferiu a definição de seus produtos, e também de seus processos produtivos, para o staff de engenharia e para a GMAD. Ao longo deste processo, relatos como o de John Delorean atestam a rivalidade emergente entre divisões e organização corporativa, que neutralizou a cooperação entre as partes, tornando as inovações cada vez mais raras. Se por um lado a versatilidade foi reprimida nas unidades por sistemas corporativos, por outro a GM não foi capaz de gerar em nível corporativo processos integrados para incentivar uma alta capacidade de imaginação e visão de novos serviços produtivos eficazes. Após o fracasso do copper-cooled, Charles Kettering continuou à frente da organização de pesquisa da GM e contribuiu, juntamente com outros pesquisadores e engenheiros, para inovações tecnológicas de extrema importância, como a pintura duco, a gasolina com chumbo, a refrigeração com gás freon e motores e locomotivas a diesel. A versatilidade de Kettering e sua equipe resultou em efetiva expansão e criação de valor para a GM. Entretanto, nenhum desses casos resultou em processos contínuos e integrados de inovação e sim em novas divisões autônomas. De maneira semelhante, outra iniciativa, a Allisson Engineering, apesar da alta versatilidade em produtos de elevado conteúdo tecnológico, tornou-se uma divisão que atuou de forma isolada sobre suas inovações, como por exemplo, motores e turbinas de aviões, e a transmissão automática para veículos pesados e equipamentos aeroespaciais. O isolamento das atividades de pesquisa avançada como as de Kettering e da Allison é evidente quando se observa a facilidade com que essas divisões foram desligadas da GM sem alterar o andamento das demais. A própria atuação do Laboratório de Pesquisa da GM deixou de apresentar inovações relevantes após a aposentadoria de Kettering, em 1947. A GM voltou a anunciar grandes projetos de desenvolvimento de tecnologia em 1970, iniciando pesquisas para lançar um carro elétrico. Porém, nem o projeto do carro elétrico, nem o do carro do futuro, Saturn, no final da década de 1980, foram realizações eficazes na criação de valor. 199 Em termos corporativos, a principal contribuição para o desenvolvimento de novos produtos se concentrou mesmo na decodificação e transferências de inovações. A atividade que, no início, era intermediada de forma limitada por Durant, como nos casos da Oldsmobile e Oakland, após 1920, evoluiu para procedimentos formais da organização corporativa. Comitês técnicos, grupos de política de produtos, estúdio de design e staff de engenharia foram algumas das formas como esta atividade se organizou. A atuação da GM transformou-se em uma capacitação para replicar soluções entre as próprias divisões e atualizar produtos em relação aos concorrentes. Tal capacitação determinou as práticas competitivas da GM, sobretudo no período entre as décadas de 1950 a 1970. Neste período, foram recorrentes as práticas de espionagem industrial e táticas deliberadas de atrasar programas para poder adaptá-los em relação a inovações de outras fabricantes. Após a má experiência com o copper-cooled, nos anos 1920, a GM só voltou a empreender projetos de desenvolvimento de veículos pelo staff corporativo no final da década de 1960. Entretanto, esses produtos, apesar da grande expectativa gerada, apresentaram resultados apenas medianos ou baixos, como os casos do Chevrolet Vega em 1970, o X-car em 1979, o GM-10 em 1986, o Saturn em 1991 e o EV1 em 1996. A GM empreendeu diversos processos de expansão durante a década de 1980, investindo grande quantidade de recursos. Contudo, os esforços produziram uma expansão praticamente nula, evidenciando a baixa versatilidade da organização corporativa. Os U$ 42 bilhões em automação de plantas, mais os investimentos em aquisições como a EDS, Huges Aircraft, Lotus, as joint ventures com Toyota e FujitsuFanuc e projetos como o TRILBI e a Saturn Corporation não atingiram seus objetivos em termos de criação de valor. Habilidade na mobilização de recursos financeiros A habilidade na mobilização de recursos financeiros desenvolvida pela General Motors representou um diferencial vantajoso e decisivo em diversos momentos de sua história. O adequado uso da reputação, a atenção com o retorno aos credores e a capacidade de argumentar sobre a atratividade do negócio foram qualidades notórias de William Durant que viabilizaram o financiamento da expansão da GM em sua formação. Ao longo do tempo, as competências para prover recursos financeiros foram aperfeiçoadas a partir do surgimento de uma ampla organização financeira, que soube não só obter recursos externos de maneira vantajosa, como mobilizou grande geração e 200 reinvestimento de caixa, importantes para impulsionar o crescimento e a manutenção de uma posição dominante na indústria. Durante os anos de formação da indústria automobilística nos Estados Unidos, o acesso a recursos financeiros foi um dos fatores mais críticos para a sobrevivência das empresas que emergiram. William Durant transpôs esse obstáculo explorando a reputação de empreendedor visionário e de empresário respeitador de seus compromissos com credores, que havia desenvolvido na cidade de Flint e em outras no estado de Michigan. No percurso de levantar recursos para seus investimentos, Durant, entre bancos, investidores e novos sócios, caminhou para os maiores mercados financeiros dos Estados Unidos. Porém, seu ímpeto esbarrou na dificuldade em cumprir com requisitos mínimos de organização da transparência e informação sobre as finanças de seu grupo. Tais requisitos entraram forçosamente na GM durante a gestão dos bancos em 1910, gestão na qual a organização aderiu à bolsa de Nova York. Durant recorreu à associação a investidores como L. Kaufman, J. P. Morgan e a Du Pont para se adequar às exigências de fornecimento de capital. A ligação com a Du Pont contribuiu intensamente para manter alta a capacidade de mobilização de recursos financeiros da GM. Homens como Pierre S. du Pont, John Raskob e Donaldson Brown, vindos da Du Pont, além de Alfred Sloan e Albert Bradley, foram responsáveis pela organização de processos que elevaram a qualidade deste serviço empreendedor. A transição entre os métodos informais de Durant e a sofisticada organização financeira começou com a criação do comitê de finanças, que inicialmente apenas recolhia estimativas orçamentárias grosseiras e se incumbia da emissão de ações e títulos de dívida. A este processo foram se somando seguidos avanços, como auditoria externa, métodos de orçamento e projeção de mercado e sistemas de tesouraria. A adoção de procedimentos como estes permitiu que a GM criasse, nos anos 1920, um avançado processo de análise financeira, o standard-volume, que maximizou a aplicação e a geração dos recursos. Com isto, a organização não só melhorou seu crédito no mercado como criou uma máquina de geração de lucro e caixa sem iguais na indústria. A reaplicação maciça dos recursos obtidos na operação foi algo frequente na gestão de Durant. Porém, a partir dos anos 1920, a geração de caixa foi tamanha que, apesar de período com tendência de crescimento acentuada e prolongada na indústria, a GM foi capaz de, além de pagar dividendos crescentes, financiar seu processo de expansão praticamente todo com recursos provenientes de sua própria operação. A 201 disponibilidade de recursos financeiros permitiu que a GM criasse a GMAC, um braço financeiro que pôde aplicar os excedentes na maior atividade de crédito ao consumo do setor. A distinta capacidade de mobilizar recursos financeiros assegurou por diversas vezes uma posição vantajosa para a GM em relação a seus concorrentes. Por exemplo, a mudança nos requisitos em favor de veículos menores anos após o Choque do Petróleo, fez com que a GM batesse recordes de vendas, de lucro e de participação de mercado, pois ao contrário de suas principais concorrentes, ela dispunha de recursos para renovar toda sua linha de forma simultânea. Em outra situação, durante os anos 1980, a despeito da extravagância de investimentos em expansões nulas, a GM ainda contou com recursos para aplicar na promoção das vendas por meio de subsídios e descontos em financiamento. Esta prática, aliás, foi recorrente durante boa parte do declínio crônico nas vendas, durante os anos 1990 e 2000. A reaplicação de recursos da própria operação predominou na maior parte da história da GM. A captação por meio de endividamento ou ampliação de capital, que foi recorrente na fase de formação da empresa, tornou-se rara entre os anos 1920 e 1980. Neste período, a GM só realizou captações externas em momentos de maior instabilidade, como a expansão das fábricas durante a Segunda Guerra, o plano de expansão após a guerra da Coreia e o plano de redução de veículos após o primeiro Choque do Petróleo. Em todos os casos a GM obteve recursos em condições vantajosas em relação à indústria. A partir da década de 1980, quando os indícios de declínio tornaram-se mais aparentes e a organização realizou seguidos investimentos, tornou-se mais frequente a contração de endividamento. Porém, vale destacar que a GM manteve seus títulos de dívida com os ratings em mais alto nível junto às agências classificadoras de risco, até poucos anos antes de ser obrigada a recorrer a empréstimos federais em 2008. Julgamento diante do risco e da incerteza A natureza deste serviço empreendedor o relaciona mais à adequação na coleta e processamento de informações do que propriamente a traços pessoais dos membros da organização. Neste sentido, o esforço diferenciado de Durant para avaliar riscos e incertezas, apesar de terem viabilizado a constituição da GM, mostraram-se de alcance limitado, principalmente em momentos de instabilidade econômica. Com as atividades iniciadas sob influência da Du Pont, no entanto, a qualidade deste serviço foi 202 significativamente aprimorada por meio da aplicação sistemática de recursos na interpretação dos riscos e incertezas do ambiente. Os serviços de julgamento da GM na gestão de Durant foram o resultado da combinação de seu tino empresarial com a colaboração de uma ampla rede de relacionamentos da qual ele obtinha informações. Atuando desta forma, Durant desenvolveu importantes noções sobre diversos riscos ao seu negócio, como por exemplo a instabilidade no fluxo de matérias-primas, a volatilidade de inovações tecnológicas, a potencial desvantagem de baixa economia de escala e a alta demanda por recursos financeiros para sustentar a pesada estrutura de custos fixos. A reação da GM para mitigar estes riscos contribuiu para respostas como diversificação de investimentos em novas tecnologias e patentes, aquisição e associação a fornecedores, ampliação da produção via aquisição e expansão orgânica, e busca para ampliar fornecedores de capital. Apesar da ampla coleta de informações e a diferenciada qualidade no julgamento, Durant foi também conhecido pela aversão em lidar com a organização das informações e pela abordagem superficial e informal a diversas questões. Tal característica impôs limitações à qualidade do julgamento da GM, e a expôs a riscos quase fatais. À frente das operações, Durant enfrentou quatro situações de desaceleração nas vendas da indústria. Em duas delas, em 1907 e em 1918, a GM saiu ilesa, porém tanto em 1910 quanto em 1920, Durant não foi devidamente precavido contra ameaças à continuidade da GM. Em ambos os casos, a saída de Durant do comando da organização foi posta como condição para salvar a empresa. A influência da Du Pont sobre os julgamento de riscos e incertezas começou com a realização de estudos em caráter consultivo, como os realizados por E. Bergland e John Pratt e Alfred Sloan, que inicialmente alertaram para vulnerabilidades da organização. Após a saída de Durant, estudos pontuais deram lugar a equipes de staff consultivo de finanças e de operações, que além de identificar riscos também passaram a propor soluções para evitá-los. O trabalho dos staffs para a análise deste serviço empreendedor representou a aplicação de recursos na busca pela identificação e neutralização de riscos e incertezas, melhorando-o significativamente. Adicionalmente, a instituição de princípios de retorno sobre o investimento e de métodos de planejamento e controle nas decisões da GM determinou um sistema formal para avaliar os riscos envolvidos ao longo da cadeia de decisões da empresa. Processos 203 como monitoramento de estoques, projeções de demanda, sistemas orçamentários, programas de desenvolvimento de produtos, projeções de fluxo de caixa, dentre vários outros, permitiram que a GM transpusesse, sem apresentar prejuízos, situações altamente hostis, como por exemplo a grande depressão, as negociações sindicais dos anos 1930 e 1940, a Segunda Guerra, a Guerra da Coreia e o Choque do Petróleo. Mesmo quando a GM, na década de 1980, realizou uma desastrada sequência de altos investimentos com crescimento nulo, a operação contou com serviços eficientes de julgamento que amenizaram o efeito desses insucessos, possivelmente evitando um declínio ainda mais acelerado. 4.2.2. Desafio da Navegação no Ambiente Dinâmico Segundo Felck (2006), respostas positivas ao desafio da navegação no ambiente dinâmico referem-se ao contínuo monitoramento do ambiente e ao uso adequado de respostas estratégicas (OLIVER, 1991), assegurando legitimidade e oportunidades para captura de valor. As evidências encontradas na análise da trajetória da General Motors indicam a existência de traços consistentes de aplicação de recursos para o monitoramento do ambiente e uso ativo das respostas estratégicas. A resposta da GM a este desafio apresentou a característica de explorar sua distintiva vantagem de mobilização de recursos financeiros, aplicando-os para negociar, cooptar e controlar processos externos, e assim moldar o ambiente. A GM obteve êxito ao moldar o ambiente externo, especialmente nos processos de institucionalização da indústria automobilística. Contudo, apesar de ter assegurado legitimidade e relevante captura de valor por pelo menos oito décadas, a insistência nesta resposta não impediu a deterioração das margens quando houve mudanças na rivalidade do ambiente competitivo. Contínuo monitoramento do ambiente Assim como buscava informações para exercer o julgamento de riscos e incertezas, a GM, por meio de Durant e sua rede de relacionamentos, exercia o monitoramento do ambiente. O comandante da GM peregrinava pelo país e nutria relacionamentos com as diversas pontas de seu negócio. Políticos, advogados, empresários, concorrentes, banqueiros, fornecedores, concessionários, pesquisadores e pilotos de corrida são alguns típicos perfis de pessoas com quem Durant dialogava frequentemente. Não obstante, a GM também contava com diversos gerentes e 204 associados que também contavam com suas próprias fontes de informação e eventualmente as compartilhavam com Durant. Atuando desta forma, a GM manteve-se em contato com as expectativas e exigências de seus múltiplos stakeholders e sobre as tendências da indústria. Apesar do caráter informal e intuitivo das ações de Durant em relação a este aspecto do desafio de navegação no ambiente dinâmico, é possível afirmar que a GM antecipou as dinâmicas de mudança do ambiente externo, ou no mínimo esteve atualizada em relação elas. Tal condição permitiu que a organização atuasse adequadamente, por vezes até com pioneirismo, em questões como a disputa por patentes e inovações tecnológicas, restrições de insumos produtivos, consolidação dos padrões da indústria, necessidades da demanda, e desenvolvimento de mão-de-obra para as plantas, cumprimento de exigências legais e ampliação de fontes de capital. As gestões pós Durant, de Pierre S. du Pont e de Alfred Sloan, acrescentaram à GM a regularidade e a sistematização na análise do ambiente por meio de processos como estudos de força-tarefa, sistemas de coleta de informações, pesquisas de mercado, contratação de consultorias, criação de equipes de staff especializados e de programas dotados de etapas formais de supervisão e checagem das ações e do ambiente. O estabelecimento destes processos permitiu à GM desenvolver regularidade no monitoramento do ambiente e adequada precisão nas informações obtidas. Exemplos da qualidade destes processos foram: as pesquisas sobre percepção de marca e comportamento do consumo na década de 1920, os estudos sobre o ambiente do pósguerra, os sistemas de projeção da demanda e monitoramento de preços, desenvolvimento e exposição de protótipos para avaliar a reação do público, espionagem industrial e sindical, e hierarquias de comitês para mediação com sindicatos e a rede de distribuidores. Durante sua história, alguns eventos indicaram falhas nas respostas da GM em lidar com certas mudanças no ambiente, como por exemplo o surgimento do mercado de carros compactos, as preocupações com segurança e emissões de poluentes, novas exigências de qualidade e as filosofias e métodos de produção enxuta. Contudo, em nenhum dos casos estudados é possível indicar que as falhas da GM estiveram relacionadas ao fraco monitoramento do ambiente. A tendência de carros compactos foi detectada na GM logo após a Segunda Guerra, significativamente antes da entrada do Volkswagen Fusca no final da década de 1950. Nos casos de preocupações com níveis 205 de segurança, emissões e qualidade dos veículos, em todos os casos há evidências de que a mudança no ambiente foi percebida pela organização. O mesmo ocorreu com o surgimento das técnicas japonesas de produção, dado que a GM desenvolveu ligações com Isuzu, Suzuki e Toyota e teve oportunidades efetivas de acessar seus métodos. Manutenção da legitimidade e captura de valor O surgimento do automóvel nos Estados Unidos gerou grande expectativa na população americana. Logo o crescimento das vendas foi tão acelerado e as oportunidades de captura de valor tantas que houve uma enorme proliferação de fabricantes. As características do ambiente para essa indústria representaram desafios críticos para a GM e seus concorrentes. A complexidade do novo produto, a evolução da tecnologia, a ausência de regulamentações específicas, o estágio incipiente de algumas indústrias e estruturas correlatas são alguns dos aspectos que marcaram está época. As evidências revelam respostas ativas da GM e de Durant em relação ao ambiente externo, como por exemplo a resistência oportunista contra a ALAM, o investimento em equipes de corrida, as campanhas para atrair trabalhadores para Flint, a mudança do registro para Nova Jersey, as lojas com exposição de produtos e a assistência pós-venda. Todavia, as ações mais importantes deste período estiveram relacionadas a quatro temas: a alta demanda por investimentos de capital, a instabilidade do fluxo de insumos produtivos, o intenso surgimento de inovações tecnológicas e a corrida por economias de escopo e escala. Nessas quatro frentes, a GM procurou desenvolver respostas ativas que a conferiram vantagens que a distinguiram de seus concorrentes, colocando-a em condições de criar valor. Ao desenvolver fornecedores de capital, a GM usou amplamente a reputação de William Durant como tática de influenciar investidores, persuadiu bancos oferecendo remuneração favorável nos empréstimos, cooptou acionistas importantes, dentre eles a família Du Pont, e aceitou fazer concessões de controle nas crises de 1910 e 1920. Em todos os casos, de forma recorrente e muitas vezes explícita, houve a expectativa do oferecimento de retornos excepcionais aos fornecedores destes recursos. Para lidar com o fluxo de insumos produtivos e a volatilidade de inovações, a GM utilizou táticas de cooptação por meio da aplicação de recursos excedentes na aquisição de empresas e de patentes. Ao adquirir diversos fornecedores e empresas que trouxessem novas tecnologias, pesquisadores e engenheiros, a GM pode prevenir diversas situações que naquele período contribuíram para o fracasso de concorrentes, os 206 quais optaram por estratégias diferentes. Portanto, apesar de muitas dessas aquisições terem fracassado e representado perdas, a resposta pode ser considerada positiva. Em relação às ameaças à baixa economia de escala, as respostas da GM foram de cooptar fabricantes a atuar dentro de sua corporação em um processo de crescimento horizontal via aquisição. Por outro lado, a GM também procurou controlar este processo investindo amplamente na expansão da rede de distribuição e da capacidade produtiva, além de insistir no oferecimento de veículos mais baratos, como o caso do Chevrolet 490. Ao final da gestão de Durant, a Ford havia alcançado significativa vantagem de escala, pois priorizou o investimento na produção em massa de seu Modelo T. No entanto, a desvantagem da GM não representou um erro fatal. Nos anos seguintes, a GM, além de equiparar as técnicas de produção mimetizando a própria Ford, foi capaz de usar ativamente respostas estratégicas que moldaram o ambiente a seu favor. A partir dos anos 1920, a evolução das forças competitivas (PORTER, 1979) ampliaram a oportunidade para captura de valor. As altas economias de escala, tendo a Ford como principal expoente, tornaram-se uma barreira a novos entrantes e contribuíram para o shakeout na indústria. Sem fortes substitutos e com significativas barreiras de entrada (PORTER, 1979), restou à GM disputar a rentabilidade da indústria com a Ford, uma vez que ambas controlavam boa parte de suas cadeias produtivas até o consumidor final. Durante este período, a GM empregou diversos processos para moldar os hábitos de compra e uso de veículos nos Estados Unidos, dentre eles o financiamento ao consumidor, o incentivo a troca anual dos modelos, a diferenciação de estilo e a qualidade entre as marcas, o uso de carrocerias fechadas e a criação do mercado de carros usados. A General Motors ainda contou com a desatenção da Ford em relação a essas mudanças no ambiente e neutralizou as desvantagens de escala da concorrente. O espaço criado pela GM para captura de valor foi tamanho que, durante a depressão dos anos 1930, a pior crise econômica da história dos Estados Unidos, a organização foi capaz de manter-se rentável, mesmo com a indústria reduzida a ¼ de seu volume de vendas. Além disso, com a margem de lucro gerada na operação, Alfred Sloan e a família Du Pont puderam instituir generosas metas de retornos sobre o investimento para o acionista e ainda obter todo o financiamento necessário para a expansão da General Motors. A partir dos anos 1930, as ameaças à GM vindas dos concorrentes foram seguidamente neutralizadas por meio do ativo uso de respostas estratégicas de imitar eventuais inovações de produtos, mesmo que isso apresentasse um custo adicional, e 207 também de controlar as práticas do mercado, usando as vantagens de tamanho que adquiriu para determinar preços e configurações de produtos. Outras respostas ativas da GM para manter a captura de valor após a conquista de uma posição hegemônica na indústria envolveram também outros stakeholdes da organização. Por exemplo, as reivindicações sindicais nas décadas de 1930 e 1940 levaram a um intenso processo de negociação marcado por resistência e barganha no início, porém culminando com a instituição de processos de pacificação, que passaram a mediar a distribuição de recursos, minimizando a resistência. Durante a Segunda Guerra, a GM influenciou fortemente o governo dos Estados Unidos, persuadindo-o à elaboração de propostas de contratação de forma a favorecer as vantagens de escala que possuía. Já na década de 1950, a GM coordenou a ação com outras indústrias para influenciar a criação de um plano nacional de construção de estradas. A segunda metade da década de 1960 marcou uma inflexão na legitimidade da indústria automobilística nos Estados Unidos e em especial sobre a GM. Até então as pressões da sociedade americana limitavam-se ao julgamento sobre a conformidade em relação às leis existentes, como por exemplo a defesa da concorrência, que impôs o ajustamento dos contratos da GMAC com distribuidores, o desinvestimento nas empresas de aviação, a venda da operação de ônibus e o desligamento da Du Pont como acionista. Entretanto, as pressões mais significativas foram decorrências de emergentes preocupações da sociedade sobre a responsabilidade da empresa em questões como segurança dos veículos, poluição do ar nas cidades, economia de combustível e qualidade dos produtos. Tais movimentos questionaram mais fortemente a legitimidade da GM, pois tiveram ampla mobilização dos cidadãos e dos governos, exigindo adequação a padrões antes inexistentes. Após a atuação desastrada no caso do Corvair, em 1965, quando equivocadamente desafiou os questionamentos do senado americano e de Ralph Nader, a GM não repetiu a mesma resistência quando viu sua legitimidade questionada. As evidências indicam que nesses casos que envolveram a responsabilização do fabricante sobre os efeitos do automóvel na sociedade, a GM optou por adotar respostas de negociação mais passivas, baseadas mais na acomodação e pacificação do que propriamente na barganha. Este tipo de atuação da GM predominou durante as mobilizações para a criação de políticas e regulamentações, como a lei nacional de segurança de veículos, a lei federal do ar limpo e a CAFE. 208 O êxito na entrada de Toyota, Honda e Nissan no mercado americano aumentou gradualmente a rivalidade na indústria a partir do final da década de 1960. A resposta imediata da GM seguiu o padrão utilizado até então contra Ford e Chrysler de procurar controlar a disputa usando sua força para ocupar os espaços. O lançamento do Vega, em 1970, foi a segunda tentativa de entrar no mercado de carros compactos, porém, assim como no caso do Corvair, a GM foi incapaz de produzir o veículo a que se propôs. A presença dos concorrentes japoneses foi impulsionada com o Choque do Petróleo de 1973, pois estes, além do atrativo ligado ao menor consumo de combustível, puderam ter a qualidade de seus veículos mais conhecida. Embora nos primeiros anos pós-choque a GM tenha se favorecido devido aos problemas de caixa de Ford e Chrysler, a pressão da concorrência dos produtos japoneses continuou aumentando nos anos seguintes. Após a segunda crise do petróleo, a partir de 1979, a ameaça ganhou novo impulso e a GM passaria a década seguinte em uma ativa cruzada competitiva, colocando em prática uma ampla gama de respostas estratégicas, por vezes divergentes. Uma das primeiras ações para recuperar as vendas foi negociar com o consumidor. A GM passou a oferecer parte da sua margem na forma de descontos ou redução dos juros em troca da preferência por seus produtos. No discurso à imprensa, o CEO George Smith desfiou ataques à competição desleal da mão-de-obra asiática e acusou sindicatos americanos de promover desvantagens competitivas. Quando esteve diante do governo americano, procurou influenciá-lo a criar barreiras à importação, como também a estabelecer acordo comercial com o México para obter acesso à mão-de-obra mais barata. Posteriormente, se por um lado a GM negociou acordos sindicais mais favoráveis, ela também cooptou as montadoras japonesas Suzuki e Isuzu, nas quais adquiriu participação, a importar veículos que completavam a linha de compactos. Em relação a produção nos Estados Unidos, a GM ao mesmo tempo que evitou os métodos de produção japoneses apostando na tecnologia da informação em projetos como o Trilbly e a Saturn, também cooptou a Toyota para associarem-se na criação da NUMMI. A resposta mais significativa em termos de aplicação de recursos foi a corrida para expandir a fronteira tecnológica. A série de aquisições de empresas de tecnologia, robótica e processamento de dados, somada aos investimentos em novas plantas automatizadas, representou a tentativa de desafiar as pressões e ao mesmo tempo controlar o avanço tecnológico. O baixo resultado das respostas estratégicas conduzidas ao longo da década de 1980 forçou a GM a entrar em conformidade com as exigências de 209 seus acionistas, reduzindo os investimentos e negociando o nível da demanda com o uso de incentivos de preço e financiamentos. Durante as décadas de 1990 e 2000, a GM limitou-se a respostas de aceitação às pressões institucionais, procurando imitar produtos e entrar em conformidade com novos padrões de qualidade; passou a evitar confrontos competitivos ao desfazer-se aos poucos de partes de sua operação e concentrar-se em segmentos de altas margens e, por fim, negociar incentivos à demanda, cedendo suas margens para manter a operação rodando. 4.2.3. Desafio da Gestão da Diversidade O desenvolvimento da integridade organizacional foi um desafio persistente ao longo da trajetória General Motors, com o qual os gestores tiveram dificuldades em apresentar soluções plenas. Ao conduzir a formação inicial da GM em uma holding fragmentada e heterogênea, Durant ofereceu uma resposta que promoveu pouco compartilhamento de recursos e foi limitada no oferecimento de processos de coordenação. A evolução da estrutura para a empresa multidivisional foi acompanhada da sistematização de procedimentos para identificar e promover o compartilhamento e intercâmbio de recursos entre as divisões, na busca de economias de escala, escopo e velocidade (Chandler, 1977). Contudo, a ampliação do vínculo entre as partes da organização não foi devidamente seguida do desenvolvimento de capacitações de coordenação eficazes. Em vez disso, a GM procurou resolver as divergências com origem na heterogeneidade entre as divisões por meio de processos corporativos de arbitragem, que gradualmente acirraram a rivalidade entre divisões e organização corporativa. Os efeitos da resposta negativa a este desafio levaram à redução da propensão à cooperação e incentivaram a criação de um aparato corporativo excessivamente pesado para acomodar as diferenças entre as partes. Compartilhamento e intercâmbio de recursos Durante o período de formação da General Motors diversas empresas foram reunidas dentro da mesma holding. Os principais recursos compartilhados foram os serviços empreendedores de Durant, em especial a habilidade em mobilizar recursos financeiros. Outras relações de intercâmbio de recursos existiram na forma de transferência de tecnologias e patentes, como por exemplo o uso da estrutura do Buick 210 para o novo Oldsmobile, além, claro, da transferência de componentes das empresas fornecedoras, mesmo sob uma relação típica de mercado. Nos períodos em que esteve à frente da GM, Durant foi o principal responsável por identificar recursos homogêneos e oportunidades para estabelecer relações de compartilhamento. Porém, a informalidade e a superficialidade com que as questões eram abordadas pelo comandante da GM representaram uma barreira para a qualidade desses processos. Por outro lado, embora o nível do relacionamento entre as empresas tenha significado um vínculo relativamente superficial, tratava-se do compartilhamento de recursos extremamente valiosos naquele contexto da indústria. O acesso a financiamentos para expansão, inovações tecnológicas e contínuo fluxo de insumos mostrou-se suficiente para justificar que as partes permanecessem ligadas à organização naquele momento. Em 1910, ocorreram os primeiros esforços sistematizados para identificar oportunidades de compartilhamento de recursos. A gestão do consórcio de bancos credores promoveu a harmonização dos procedimentos contábeis e usou de cálculos estatísticos para avaliar as diversas empresas que compunham a GM. O resultado foi a fusão e absorção de diversas empresas para formar, por exemplo, a GM Trucks e a Peninsular, bem como a venda de outras avaliadas como sendo de baixa viabilidade. Esta gestão também desenvolveu novos processos compartilhados pelas unidades de negócio, como o primeiro laboratório de testes, a GM Exports e revista Insider. Na segunda gestão de Durant, novas empresas foram incorporadas à GM para o fornecimento de produtos e serviços às demais fabricantes. A GMAC, a Fisher Body e a New United ampliaram a transferência de recursos importantes para as divisões de veículos, tais como serviço de crédito ao consumidor, componentes, carrocerias e inovações tecnológicas. A partir de 1918, todas as empresas do grupo foram convertidas em divisões. A GM formalizou a estrutura corporativa em divisões, em substituição à holding. Porém, nos anos imediatamente seguintes, a operação das divisões permaneceu sem alterações relevantes. No início da década de 1920, a adoção de novos processos de sistematização de procedimentos e de busca por soluções contribuíram imediatamente para novas ações que significaram a ampliação de recursos compartilhados. Uma delas foi a unificação do caixa das divisões, que veio acompanhada de métodos e regras sofisticadas de controle. A outra foi a identificação da ameaça, comum às divisões de veículos que representava a 211 produção em massa da Ford. Esta noção resultou no desenvolvimento de uma estratégia comum de segmentação entre as divisões de veículos para dominar os espaços do mercado. A atuação de grupos e comitês consultivos, como o de vendas e o de produtos, passou sistematicamente a identificar novas oportunidades de combinar e compartilhar recursos entre as unidades, a disseminação de melhores práticas de engenharia, a cessão de tecnologia de motor entre divisões ou a formação e equipes multidivisionais de engenheiros para desenvolver novos componentes foram algumas formas pelas quais o intercâmbio de recursos entre divisões ampliou-se. Na década de 1930, o ambiente hostil da Grande Depressão acelerou o compartilhamento de recursos entre as divisões. A quantidade de chassis e carrocerias foi reduzida a três opções de tamanho, de modo que as divisões compartilhassem um tipo de chassis com pelo menos mais uma divisão. A operação de marketing e vendas das três divisões menores, Buick, Oldsmobile e Pontiac, foram unificadas em uma única organização, a BOP, enquanto Chevrolet e Cadillac permaneceram separadas. Ao final da depressão, a BOP foi desfeita, mas o compartilhamento de chassis continuou. A partir de 1934, a padronização do fluxo de desenvolvimento de novos modelos aplicado em todas as divisões e supervisionado pelo staff corporativo de engenharia estabeleceram processos formais de identificação e transferência de recursos entre as divisões. A programação do desenvolvimento de novos modelos da forma como foi estabelecida promoveu acelerado intercâmbio e compartilhamento de recursos por um longo período. As equipes de staff e os comitês corporativos também padronizaram e compartilharam procedimentos relativos a outras áreas além do desenvolvimento de produtos. Modelos de contratos para a rede de distribuição e sistemas de avaliação de desempenho, de promoção e de bonificação foram disseminados a partir desta época. Na década de 1950, o uso da informática para a organização dos processos produtivos permitiu ampliar o compartilhamento de recursos, uma vez que praticamente todas as opções de peças, acessórios, recursos de acabamento e design puderam ser disponibilizados aos modelos das várias divisões. Com isso, o staff de engenharia promoveu ampla comunização das plataformas de veículos por meio das marcas de cada unidade de negócio. Avançando as relações de compartilhamento, entre 1965 e 1971, a GM formou a divisão GMAD e estabeleceu a unificação dos recursos produtivos de todas as divisões de veículos e da Fisher Body, fornecedora de carrocerias. 212 A organização da GMAD parece ter sido o ápice do vínculo de compartilhamento de recursos na General Motors. A partir do final dos anos 1960 e início dos 1970, a GM iniciou uma reação a crescentes ameaças a sua competitividade, cujos efeitos desencadearam um longo ciclo de cisão, venda e terceirização das atividades. Em 1968, foi vendida a Euclid, de máquinas e equipamentos pesados, e em 1979 a divisão de eletrodomésticos Frigidaire. Na década de 1980, a GMAD foi desfeita e duas divisões autônomas de veículos foram criadas, a BOC e a CPC. Operações deficitárias de autopeças foram vendidas, fechadas ou absorvidas por outras divisões. A área de processamento de dados da GM foi transferida para a EDS, que passou a funcionar como um fornecedor externo. Outros investimentos para produzir novas tecnologias e depois serem transferidas para as operações de veículos foram conduzidos de forma isolada, como a joint-venture para desenvolvimento de robôs, a aquisição da Huges Aircraft, a NUMMI e a criação da Saturn Corporation e da Lotus. Nos anos 1990, a GM unificou suas áreas de compras no intuito de produzir economias de escala. Desfez-se de diversas operações iniciadas na década anterior, como a EDS e a Huges Aircraft e, além disso, unificou suas operações de autopeças com a criação da Delphi e, posteriormente, vendeu sua participação. No final da década de 1990 e nos anos 2000, a GM passou a converter suas plantas para um sistema de consórcio modular, terceirizando boa parte das operações de montagem e passando parte dos custos fixos e do risco para fornecedores. Finalmente, o declínio continuado levou à venda de diversas operações autônomas, como Electromotive, GM Defense, GMAC, Allisson, e participações em Isuzu e Suzuki. Capacitações de coordenação A holding criada por Durant reuniu sob o nome da General Motors um conjunto de empresas autônomas, praticamente em regime de gestão de portfólio (PORTER, 1987). Foi comum nesta fase, após adquirir uma empresa, Durant mantê-la operando da mesma maneira que fazia antes de esta entrar para a GM, como foi o caso da Cadillac. As evidências referentes ao período inicial indicam uma ocorrência praticamente nula de processos de coordenação. Ocasionalmente, Durant era levado a intermediar ações conjuntas ou transferência de tecnologias entre unidades, porém, o fazia com envolvimento superficial e informal. Em outros raros casos, processos de cooperação entre empresas emergiram a partir do convívio social entre membros da organização. 213 Os limitados processos de coordenação da GM de Durant e o alto grau de autonomia de unidades de negócio ocasionalmente acirraram a rivalidade sobre da utilização dos recursos, como as divergências sobre a produção em período de guerra que causaram a saída de Henry Leland da Cadillac. No entanto, de uma maneira geral os momentos críticos de impasse na relação entre unidades de negócio e a GM tiveram como resposta processos de acomodação das posições. Em casos onde houve disputa por recursos escassos entre as divisões, como nas crises de 1910 e 1920, a resposta da GM foi de negociar novos recursos. Nesses dois casos especificamente coube a uma direção externa arbitrar sobre a distribuição. É evidente que as condições da indústria em forte expansão e sem concorrentes dominantes, aliadas à capacidade de Durant para mobilizar recursos financeiros em condições vantajosas, permitiram à GM prolongar a situação na qual manteve recursos compartilhados apenas superficialmente e, ao mesmo tempo, dispensou a cooperação entre as unidades de negócio. No início dos anos 1920, dois processos ampliaram recursos compartilhados entre as divisões: a unificação do caixa e a estratégia de pirâmide de marcas contra a Ford. Em ambos os casos, a coordenação entre as partes não seguiu o caminho da cooperação, mas novamente o de acomodação por meio da arbitragem, desta vez na forma de políticas corporativas que delimitaram a atuação de cada divisão. A principal instância responsável pela arbitragem foi o comitê executivo nomeado por Pierre S. du Pont, que além dele incluíam Alfred Sloan, John Raskob e J.A. Haskell, com Sloan sendo o único com experiência na indústria automobilística. Cabe ressaltar que, para estas deliberações do CE terem produzido um resultado esperado, a sistematização de procedimentos e a adoção de métodos sofisticados de análise foram decisivos. Pierre S. du Pont também tentou avançar no intercâmbio de recursos entre divisões da GM, com o desenvolvimento de um novo veículo com motor refrigerado a ar, o Cooper-cooled. Novamente, a coordenação do processo foi estabelecida através de uma decisão arbitrária do comitê executivo. O novo veículo envolveria o Laboratório de Pesquisas da GM, Chevrolet e Oakland, sendo que o Laboratório conduziria o desenvolvimento e, posteriormente, transferiria para que as duas divisões o produzissem. A Chevrolet se viu forçada a aceitar as ideias do CE, porém evitou contribuir para o desenvolvimento que, após sucessivos fracassos, foi descontinuado. Por determinado período dos anos 1920, a GM foi capaz de promover relativa cooperação na coordenação entre as divisões. Contribuiu para isso uma série de mudanças efetuadas por Alfred Sloan, depois que ele assumiu a presidência da GM. 214 Sloan indicou para compor o CE da GM Charles Mott e Fred Fisher, executivos que, como ele, haviam amplo relacionamento com todas as divisões, pois, em boa parte de suas carreiras, tinham sido fornecedores com relevante nível de cooperação com as principais divisões. Além disso, Sloan ativou o Comitê Operacional (CO) formado por gerentes das divisões, que passou a supervisionar a atividade do staff. O staff de operações, formado pelos comitês técnicos geral e de vedas, passou a conduzir grupos de estudo e equipes força-tarefa, formados por membros das divisões, que avançaram em inovações em áreas como transmissão, estruturas, suspensão e design. A partir de 1930, o compartilhamento de recursos aumentou devido à unificação das carrocerias e chassis para enfrentar a depressão econômica. No entanto, ao invés de ampliar os processos de coordenação, a GM retrocedeu. Após a curta experiência da BOP, as divisões permaneceram autônomas e os membros das divisões que participavam nos grupos e comitês de staff foram substituídos, assim como os gerentes que faziam parte do CO. Este comitê, que permitia às divisões influenciar a formulação de políticas corporativas, foi extinto por um período e, depois da Segunda Guerra, retornou sob o nome de Comitê de Administração, porém sem a atribuição de sugerir ou vetar políticas. A criação de um programa padronizado de desenvolvimento de novos modelos acelerou o intercâmbio de soluções entre as divisões e também a atualização dos produtos em relação a inovações de concorrentes. A arbitragem através de políticas permaneceu o principal mecanismo para acomodar as divergências entre as divisões. Com o tempo, sistematizou-se também uma hierarquia de grupos de staff e comitês. O CE e o CF continuaram as instâncias mais altas e, entre eles e as divisões, nove grupos de políticas e diversos comitês foram criados. À exceção do período da Segunda Guerra, quando a organização se descentralizou amplamente para fornecimento de equipamentos bélicos, a forma como a GM se organizou produziu um amplo potencial de divergências entre as divisões. O caso descrito por John Delorean em sua biografia retrata o efeito negativo do sistema de comitês de arbitragem em relação à coordenação: a programação de vendas das divisões era superestimada por seus gerentes, de forma que a somatória das divisões era frequentemente superior à capacidade. A acomodação dos volumes era, então, arbitrada no comitê de vendas, formado por membros do staff corporativo, com base nas estatísticas do histórico de vendas dos modelos. Portanto, se a divisão percebesse uma oportunidade de reposicionar determinado produto com baixo desempenho nas vendas e desenvolvesse alguma espécie de promoção, se a demanda aumentasse, fatalmente o 215 produto não estaria disponível nas lojas, pois a ordem de aumento na produção teria sido vetada em função do histórico. Ao ocupar a presidência da GM na década de 1950, Harlom Curtice, promoveu mudanças na organização corporativa, a fim de lidar com os processos de coordenação das atividades. Ao estabelecer relação direta com equipes de staff e também com as divisões, Curtice substituiu parte da hierarquia de comitês e passou ele mesmo a orientar a formulação e a arbitrar as políticas da GM. Após a aposentadoria de Curtice, seus métodos foram devidamente reprovados pela organização corporativa, que reformulou as atribuições dos comitês no formato similar ao anterior, porém tornando ainda menos influente a participação do CA, que passou a ter um caráter meramente consultivo. Com os veículos cada vez mais semelhantes entre as divisões, a rivalidade entre elas também aumentou. Para encontrar saídas para seus problemas competitivos algumas divisões procuraram se diferenciar. A Pontiac, na década de 1950, adotou o estilo mais esportivo em seus veículos; a Chevrolet também seguiu essa linha. Porém o processo de desenvolvimento de novos modelos, conduzido pelo staff corporativo, passou a ser cada vez mais detalhado sobre as especificações dos produtos, deixando pouco espaço para a atuação das divisões. Tal nível de interferência das deliberações corporativas aumentou o potencial de divergência entre divisões e staff. Nesta situação, duas distorções principais dos processos de coordenação foram identificadas: uma foi a ocultação de projetos nas divisões, como no caso do GTO, desenvolvido às escondidas pela Pontiac, em 1966; a outra distorção foi a orientação das ações para a aprovação, ou seja, as divisões passaram a planejar suas ações, como campanhas publicitárias, com o objetivo de serem aprovadas nos comitês e não de terem a mensagem e a forma mais apropriadas. O esgotamento do processo de acomodação arbitrária entre as diferenças das divisões fez com que a organização corporativa absorvesse parte das atividades das divisões. Com os programas de comunização de peças e a GMAD estabelecidos ao longo da década de 1960, a partir dos anos 1970 a GM gradualmente passou o desenvolvimento de veículos das divisões para o staff corporativo de engenharia. Assim, as divisões deixaram de conceber e de montar seus produtos, limitando-se a realizar a promoção, a comercialização e a entrega dos veículos, ou no máximo, a criar derivações dos veículos a partir de combinações de acabamento, como o Chevrolet Nova, derivação esportiva do Vega. 216 No início da década de 1980, após registrar queda no desempenho financeiro e seguidas crises na qualidade dos produtos, o recém empossado presidente George Smith promoveu uma ampla reorganização. A GM desfez a GMAD e organizou-se em duas grandes divisões, a CPC e a BOC. No nível das divisões foi realizada também uma restruturação envolvendo a substituição da estrutura em departamentos por funcionalidade por outra organizada em torno de gerentes de produtos. Na área de engenharia, duas equipes distintas para cada divisão foram formadas. Toda a concepção e aprovação dessas medidas ocorreram no nível corporativo. Por exemplo: a seleção e a formação das equipes e dos gerentes para cada área foi conduzida por uma equipe de força-tarefa que entrevistou e analisou os membros da organização. As dificuldades enfrentadas pela GM no início da década de 1980, prejuízo e problemas crônicos com qualidade, levaram o CE a deliberar uma série de planos de mudanças radicais, a fim de dar novos rumos para a organização. Fusão das divisões de veículos e da GMAD em duas, CPC e BOC, substituição de departamentos por gerentes de produtos, aliança para fabricação de robôs, construção de plantas automatizadas, aquisições de EDS, Huges Aircraft e Lotus, criação da Saturn e da NUMMI foram as principais ações. As decisões arbitrárias do CE foram acompanhadas de processos de coordenação, baseados apenas no cumprimento da programação formulada pelos comitês e equipes de força-tarefa. Nenhuma das ideias alcançou os objetivos traçados. Na maioria delas houve um baixo nível de cooperação; integrantes e partes da organização que foram colocados para trabalharem juntos desenvolveram rivalidade, redes informais foram desfeitas de uma hora pra outra, houve atrasos em alguns programas e gastos extraordinários para corrigir problemas em outros. Pressionada pelos maus desempenhos, a GM anunciou seguidos planos de redução de custos no final dos anos 1980 e início dos 1990. Alguns dos planos estabeleceram programas de demissão, que em diversos casos, definiu metas de redução, por departamento. Este processo seguiu a prática de deliberação de políticas, no entanto a baixa coordenação entre comitês de políticas e departamentos nas divisões refletiu na implementação da decisão, a necessidade de contar com os serviços de pessoas que tinham de ser demitidas fez com que parte dos profissionais fossem recontratados sob contratos de terceirização. No final da década de 1990, a terceirização foi anunciada como alternativa para a competitividade em custos. As plantas passaram a ser operadas por terceiros, regidos por contratos minuciosos de fornecimento. Esta alternativa reforçou a utilização de processos 217 de acomodação e arbitragem de políticas, neste caso, na forma de contratos associados a um forte aparato analítico provido pelo staff corporativo. 4.2.4. Desafio do Aprovisionamento de Recursos Humanos A análise histórica da General Motors fornece evidências de que a organização manteve processos voltados para antecipar a necessidade de recursos gerenciais. Embora de uma natureza aparentemente intuitiva, os esforços para reunir antecipadamente pessoas talentosas para gerir as atividades de uma indústria em formação foram constantes na fase inicial da GM. Acompanhando a adoção de procedimentos sistematizados a organização desenvolveu processos formais de seleção, formação, retenção e desenvolvimento de recursos gerenciais, que foram satisfatórios ao preparar os quadros de gerentes para as necessidades de expansão e de sucessão. Como resultado, a GM em raras ocasiões necessitou recorrer ao recrutamento externo ou improvisações emergenciais para atender às demandas por estes recursos. Fornecimento constante e antecipado de Recursos Gerenciais Nos primeiros anos da indústria não havia uma formação específica de onde potenciais recursos gerenciais pudessem ser recrutados. Diversos homens, que contribuíram de forma relevante para o seu crescimento, chegaram à GM pelas ações de Durant. Por meio das aquisições, Durant recrutou Charles Kettering, Alfred Sloan, Weston Mott, Henry e Wilfred Leland, Lee Dunlap, os irmãos Fisher e Albert Champion. Além disso, Durant também contratou pessoas por meio de sua ampla rede de contatos, tais como, Charles Nash, ABC Hardy, Sam Mclaughlin, Louis Chevrolet e Harry Shiland. Nesta época, Durant manteve uma ampla rede de gerentes ligados às empresas da GM, permitindo promovê-los a novas funções conforme a necessidade. Atuando desta forma, Durant mobilizou pessoas com conhecimento específico sobre a indústria e criou uma espécie de estoque de recursos humanos, antecipando as necessidades ocasionadas pela expansão. Eventualmente, excessos foram cometidos por Durant para reter pessoas com conhecimentos e habilidades raras, como foi o caso de Walter Chrysler. Porém, em geral, os principais gerentes da GM eram também acionistas, pois suas empresas haviam sido adquiridas com trocas de ações, fortalecendo a relação de vínculo ao negócio. A transição entre as gestões de Durant e Pierre S. du Pont não se tratou de uma sucessão antecipada. Durant estava longe da aposentadoria e, apesar de ocupar-se em antecipar o recrutamento de gerentes, não previu a necessidade de um substituto 218 imediato caso algo ocorresse consigo. Já na gestão de du Pont, uma série de processos foi iniciada para prover os recursos gerenciais da GM. Na década de 1920, o recrutamento e a formação de recursos humanos foram influenciados pela adoção de ações planejadas que visavam antecipar as necessidades da organização. A GM buscou na Du Pont executivos como John Raskob, Donaldson Brown e John Pratt, cujas habilidades foram julgadas como necessárias para solucionar os problemas da GM, assim como alguns executivos vindos da Ford com experiência sobre as técnicas de produção em massa, como William Knudsen. Além disso, a GM adotou processos de recrutamento de recém graduados com alto desempenho em boas escolas de economia e negócios, e inaugurou o General Motors Institute (GMI), em 1922, que passou a oferecer a formação de engenharia com a realização de estágios nas próprias unidades da GM para futuros ocupantes das posições nas divisões. O incentivo ao comprometimento dos gerentes com o negócio manteve o principio de participação nos lucros da época de Durant, porém após os anos 1920, foram estabelecidos programas de participação nos lucros e bônus para os gerentes. Para tanto, a GM também estabeleceu hierarquias de cargos e responsabilidades, com sistemas de avaliação e promoção dos empregados. Para supervisionar a formulação e aplicação de políticas a respeito de assuntos como planos de bônus, participação nos lucros, opções de compra de ações, foi formado um comitê externo, indicado pelo conselho de administração. Duas carreiras principais emergiram na organização, uma de finanças e outra de operações. Em ambas desenvolveram-se trajetórias padrão para os executivos. Em finanças, recém graduados eram recrutados nas escolas de negócio e avançavam os degraus da organização de finanças conforme eram bem avaliados na realização de suas atividades. Vários executivos que ocuparam as posições mais altas da organização cumpriram este percurso, dentre eles Albert Bradley, Fred Donner, Thomas Murphy, Richard Gerstenberg, George Smith, John Smith e Richard Wagoner. Pelo lado de operações, os percursos dos executivos que chegaram ao topo foram mais variados, uma vez que não necessariamente os gerentes haviam passado pelo GMI, porém, assim como na organização de finanças, havia hierarquias dentro das divisões e também entre divisões. Por exemplo, Semon Knudsen, Elliot Estes e John Delorean, entre 1956 e 1959, foram respectivamente gerente geral, engenheiro chefe e gerente de engenharia da Pontiac. O bom desempenho dos três produziu uma sequência de promoções, 219 substituindo um ao outro, passando pela gerência geral da Pontiac, gerência geral da Chevrolet e, em seguida, para a organização corporativa. Após a turbulenta transição entre Durant e du Pont as demais sucessões no topo da hierarquia corporativa foram conduzidas de forma mais planejada. Já na curta gestão de du Pont, Alfred Sloan, que havia apresentado desempenho destacável, foi preparado para assumir a presidência da GM e, em seguida a presidência do conselho de administração. Após Sloan, a sucessão nas posições de presidente, CEO e presidente do conselho em raras vezes teve de recorrer ao improviso ou a executivos de fora da organização. O processo de escolha normalmente era iniciado anos antes da aposentadoria do ocupante do cargo, quando o potencial sucessor era escolhido dentre um grupo de vice-presidentes corporativos e, caso fosse julgado necessário, o candidato era designado a alguma posição que completaria sua preparação. Foram os casos de Albert Bradley, Thomas Murphy, George Smith, John Smith e Richard Wagoner, que saíram da organização de finanças para assumir uma posição de operações antes de serem nomeados CEO. Com relação ao desenvolvimento de habilidades e competências dos gerentes, além da natural evolução dos gerentes, que na medida em que avançavam as hierarquias aprendiam a lidar com problemas gerenciais mais difíceis, a análise histórica não forneceu evidências de que a GM tenha feito uso de treinamentos para desenvolver novas qualificações nos gerentes, de modo a antecipar necessidades de habilidades específicas. Os escassos registros de treinamentos planejados e executados pela organização limitam-se à década de 1980, quando relatórios de consultorias apontaram como ponto fraco da GM o baixo uso de treinamentos. Na mesma década, Lee (1988) afirmou que ao buscar evidências da realização de treinamentos, não os encontrou em nível corporativo e descobriu que estes ficavam mais a cargo das divisões. Outras evidências encontradas a esse respeito foram a conferência corporativa trienal, com registros a partir da década de 1960, onde eram feitas apresentações preparadas por executivos da própria organização para uma massa de gerentes, além de um curso contratado junto a Phillip Crosby na década de 1980, para treinar gerentes e líderes sindicais, durante uma semana, sobre técnicas e conceitos de qualidade. 220 4.2.5. Desafio da Gestão da Complexidade As respostas a este desafio estão relacionadas aos processos desenvolvidos pela organização para lidar com problemas complexos. Neste sentido, a análise da atuação da General Motors ao longo da história indica que houve significativa alteração no padrão de suas ações. Na fase de formação da organização, as respostas empregadas sob o comando de William Durant, marcadas pelo excesso de informalidade e improvisação, colocaram a existência da GM em risco por pelo menos duas vezes em seus primeiros 12 anos. Após 1920, o esforço aplicado sob a influência da Du Pont determinou o início do desenvolvimento de procedimentos sistematizados de coleta de informação, análise e tomadas de decisão, implementação e controle, que ampliaram a capacidade da GM em lidar com problemas complexos, afetando também capacitações relacionadas a respostas a outros desafios. A fórmula encontrada pela GM para promover esta mudança envolveu inicialmente a aplicação de recursos na formação de equipes de força-tarefa, normalmente isentas de atividades de operações, para estudar o problema e propor soluções transferíveis às divisões. A evolução deste processo levou à formação de uma organização corporativa com equipes de staff especializadas e permanentes, sob a orientação de uma hierarquia de comitês corporativos. A atuação de staffs e comitês institucionalizou na GM um tipo de gestão marcada pela formulação sistematizada de políticas corporativas. Por outro lado, a forma como a GM empregou procedimentos sistematizados para solucionar problemas produziu também um efeito negativo sobre a capacidade de aprendizado da organização. O incentivo da GM ao desenvolvimento das ferramentas de busca (CYERT & MARCH, 1963) concentrou-se nos processos desenvolvidos em nível corporativo, ou seja, separando-os da atuação no nível das divisões que permaneceram autônomas para conduzirem seus próprios processos. Portanto, à medida que a organização cresceu, os processos corporativos tornaram-se ineficazes em incluir a busca por soluções para problemas nas áreas mais distantes da organização, enquanto a busca por soluções nas divisões enfrentou crescentes dificuldades ao esbarrar no cumprimento dos limites impostos pelas políticas corporativas. Busca sistemática por soluções de problemas 221 No início da General Motors, além da atuação dos gerentes em cada divisão, as ações na busca por soluções de problemas mais complexos ficavam a cargo de William Durant. Alguns relatos da época, como os de Lee Dunlap, E. Bergland, Alfred Sloan, e Walter Chrysler, descrevem a atuação de Durant como sendo de envolvimento superficial com os problemas, desprovida de registros formais e com decisões fortemente baseadas em seus instintos. Isto proporcionava soluções pobres em detalhes, por vezes ocasionando conflitos com outros aspectos da organização, além de não conterem parâmetros para controlar a implementação ou avaliar o resultado das soluções. Apesar da forte expansão da GM durante a gestão de Durant, diversas vezes o envolvimento superficial de Durant nos processos de crescimento, sobretudo nas aquisições, conduziu a investimentos que resultaram em perdas, como nos casos da Heany Lamp, Welch, Cartercar, Marquette, Rainier e Samson Sieve Grip. A ausência de sistemas de controle financeiros básicos expôs a GM a riscos excessivos, sendo que em duas crises econômicas, 1910 e 1920, a GM teve sua solvência questionada. Em 1910, quando cobrada pelos credores, a GM foi incapaz de sequer saber o tamanho da dívida e as datas de vencimento dos compromissos de suas empresas. Em 1920, novamente, Durant impulsivamente aplicou recursos na compra de ações da GM sem qualquer registro sistemático dos compromissos a serem saldados, até que, quando cobrado, percebeu que havia ultrapassado sua capacidade de pagamento. Outra evidência da baixa capacidade em lidar com a complexidade da GM neste período inicial foi a exaustão do tempo disponível de William Durant. Logo nos primeiros anos da GM o dia-a-dia de Durant já era repleto de compromissos, de modo que pouco tempo era dedicado com exclusividade a cada um deles. Durant fazia amplo uso dos meios de comunicação para estender o alcance de sua atuação nos diversos pontos onde seus negócios estavam. No entanto, em determinado momento, o acesso a Durant ficou tão restrito que os demais executivos passaram a viajar para onde ele estivesse apenas para colher decisões. Houve casos como o de John Raskob e Walter Chrysler que tiveram de cruzar o país para encontrar Durant, ficaram o dia todo na sala de espera e depois foram obrigados a voltar sem conseguir uma reunião. A limitada capacidade da GM de Durant em lidar com a complexidade fez com que muitos dos problemas só despertassem esforços para uma busca por solução na medida em que se tornassem urgências ou ameaças vitais à General Motors. Um dos exemplos foi o aumento dos estoques em 1920. Na ocasião, seguidos alertas sobre os crescentes 222 níveis de estoque não levaram a ações efetivas no sentido de reduzir o risco a que a empresa estava se expondo. Já no episódio que ocasionou a saída de Durant da GM, quando o rombo nas contas do presidente da GM foi descoberto, os rumores do mercado financeiro já ameaçavam a credibilidade de toda a organização. A primeira ação significativa no intuito de adotar procedimentos sistematizados na identificação de problemas foi ainda em 1911, quando a gestão do grupo de credores assumiu o controle da GM e promoveu a unificação dos procedimentos contábeis entre as empresas. Em 1918, a associação de Durant com a Du Pont também resultou na aplicação de recursos orientados a estabelecer novos processos para sistematizar a busca por soluções, tais como o estabelecimento do comitê de finanças, a contratação de consultores como E. Bergland, a vinda de John Pratt da Du Pont, além da dedicação voluntária de Alfred Sloan no desenvolvimento de um estudo que propôs melhorias na GM. No entanto, as medidas desta época não evoluíram para processos amplamente estabelecidos na organização. Uma atuação sistemática para melhorar as respostas à gestão da complexidade só começou mesmo a partir de 1920, quando Pierre S. du Pont assumiu a presidência da GM. Ao assumir a presidência da GM, Pierre S. du Pont trouxe Donaldson Brown, da Du Pont, para conduzir a criação do staff de finanças, uma equipe dedicada a identificar e a propor soluções para os problemas financeiros que assolavam a GM e as divisões até então. A organização dos trabalhos foi sob a forma de equipes de força-tarefa, sob a denominação de comitês, como o de vendas, o de políticas de estoque e o de investimentos de capital. O resultado, depois de cinco anos de atuação do staff, foi a criação de diversos processos interligados que sistematizaram a projeção da demanda, o planejamento das vendas e da produção, a definição dos preços, e o controle sobre a elaboração e execução dos orçamentos, com sistemas de coleta de dados e revisões periódicas da realização dos planos. O conjunto de processos implementados por meio das políticas elaboradas pelo staff financeiro culminaram no standard-volume que, em 1925, sistematizou um método de coleta de dados, análise e tomada de decisão, buscando converter o impacto das decisões sobre as atividades das divisões em indicadores financeiros. Além da aplicação de recursos na formação do staff de finanças, a GM investiu em algo semelhante para os problemas de operações. Porém, inicialmente o CE de Pierre S. du Pont contratou o serviço de empresas de consultoria e constituiu equipes que 223 realizaram estudos para identificar o posicionamento adequado dos carros das divisões da GM, face à ameaça do Ford Modelo T. O resultado foi a formulação de uma política de produtos que segmentava a atuação das divisões de acordo com o preço e o nível dos atributos dos veículos. Na segunda metade da década de 1920, a GM, sob o comando de Alfred Sloan, iniciou a formação de um staff de operações. Em um primeiro momento, os grupos de políticas foram compostos por membros das divisões. Sloan também estabeleceu um comitê de operações, formado pelos gerentes das divisões, que teria o papel de orientar os trabalhos de busca por solução. A atuação dos comitês e grupos de políticas ligados à área de operações promoveram a organização de esforços para a busca por soluções, primeiramente, com o mero intercâmbio de melhores práticas em seminários e workshops, depois, ampliando para a formação de equipes de força-tarefa para desenvolvimento de soluções específicas, como novas transmissões, sistema de freios e motores. Ao longo da década de 1930, sobretudo após os anos de depressão econômica, a GM estabeleceu de forma mais ampla e sistematizada os processos de busca por soluções para os problemas. Os grupos de políticas de operações, até então compostos por membros das divisões, passaram a ser formados por equipes de staff. Entre 1934 e 1937, nove grupos de políticas foram criados, um para cada tema relacionado à atividade das divisões automotivas e um para cada divisão não automotiva. Uma hierarquia de comitês também estabeleceu uma forma sistemática de formulação e aprovação de políticas corporativas. Essa configuração da organização corporativa permitiu que a GM lidasse com problemas complexos que envolviam diferentes implicações para cada divisão. O principal exemplo de solução providenciada por este sistema de gestão por políticas foi a elaboração de um processo sistematizado para lidar com o problema da renovação anual de toda a linha de produtos das divisões de veículos. A forma desenvolvida pela GM para lidar com a complexidade de certas situações foi replicada ao lidar com outros problemas conforme eles emergiam. Por exemplo, a GM estabeleceu um sistema de hierarquia de comitês para solução de conflitos trabalhistas. Algo semelhante foi criado para lidar com o relacionamento com a rede de concessionárias. Em 1945, a GM criou um grupo de staff de engenharia de manufatura para lidar com o aumento da complexidade dos problemas nas linhas de montagem. O 224 trabalho da equipe de staff levou ao início do uso de computadores para controlar as atividades de produção. Apesar de a gestão por políticas ter conferido a GM um aumento da capacidade em lidar com problemas mais complexos, o sistema desenvolvido pela organização deu sinais de suas limitações já no final dos anos 1930. À época, o comitê executivo teve de ser reformulado, pois a participação de membros externos à GM restringia a agenda de reuniões, que precisaram se tornar mais frequentes. Somou-se também o fato de a cada vez maior especificidade dos assuntos tornar improdutiva a participação de pessoas de fora da organização. Na década de 1950, a gestão de Harlom Curtice apresentou evidências que sugerem a dificuldade do sistema de gestão por políticas em avançar no entendimento dos problemas das divisões. Curtice reduziu o papel do comitê executivo, colocando as equipes de staff subordinadas a si e estabelecendo uma comunicação direta com os gerentes das divisões. Estas ações refletem a preocupação de Curtice, um executivo com carreira nas divisões e que antes de ser presidente havia chefiado as equipes de staff, em acelerar o processo de formulação e aprovação de políticas, o qual foi se tornando lento com o aumento da complexidade dos problemas. John Delorean, que teve atuação destacada na GM entre 1956 a 1973, também apontou evidências do esgotamento da capacidade do sistema de gestão por políticas em lidar com a complexidade. Por exemplo, os diagnósticos elaborados pelas equipes de staff, quando uma divisão apresentava um problema, não eram capazes de ir além da mera descrição dos problemas e de seus efeitos, traduzindo tudo em indicadores. Por outro lado, as divisões, quando eram convidadas a fazer apresentações nos comitês corporativos, por vezes tinham a sensação de que a linguagem que estavam falando não estava sendo compreendida, devido a especificidade dos assuntos. Delorean afirma que enquanto foi gerente geral da Chevrolet, encaminhou 18 propostas de soluções para problemas que ele acreditava poderem ser transferidos às demais divisões, no entanto, quase todas se perderam na morosidade dos comitês e nunca foram adiante. O mesmo John Delorean, que depois foi nomeado executivo corporativo, descreve a atividade dos comitês como sendo excessivamente burocrática. Segundo seus relatos, a quantidade de relatórios e documentos cuja leitura era exigida daqueles executivos, apenas para que estivessem em condições de acompanhar as discussões, era maior do que a capacidade deles absorverem a informação. 225 Não há indícios de que a GM tenha alterado ou criado novos processos de busca por soluções, além da gestão por políticas. Embora existam poucas descrições detalhadas sobre o funcionamento dos comitês de políticas da organização corporativa a partir dos anos 1970, o histórico nos anos subsequentes não revela um aumento da capacidade de lidar com problemas mais complexos. Na década de 1980, a GM reforçou a busca por soluções usando equipes de força-tarefa formadas por membros não envolvidos com a operação. A consultoria McKinsey foi contratada para desenvolver um trabalho junto com uma equipe interna nomeada para restruturar as divisões. A EDS foi adquirida para absorver as áreas de processamento de dados da GM e ter a incumbência de solucionar os problemas relacionados ao tema. Uma equipe dedicada foi nomeada para atuar exclusivamente no desenvolvimento de uma nova empresa com um produto novo, a Saturn. Além disso, outras aquisições e alianças foram estabelecidas para desenvolver externamente soluções para os problemas internos. As últimas evidências sobre as dificuldades na busca sistemática por solução de problemas referem-se aos anos 1990 e início dos anos 2000, quando a GM passou a gradualmente se desfazer de partes da sua operação, terceirizando a responsabilidade para a solução dos problemas aos fornecedores. Além da venda de divisões não ligadas estritamente a automóveis, como EDS, Huges Aircraft e GMAC, a GM constituiu e se desfez da Delphi, que contemplou as divisões de autopeças, e por fim passou a terceirizar partes inteiras das operações de montagem a partir de 1998. 4.3. Síntese das Respostas aos desafios A análise das respostas da GM para cada um dos cinco desafios ao crescimento de Fleck (2009), apresentados nas seções anteriores, revela que em um deles, o da Gestão da Complexidade, houve uma mudança significativa no padrão das respostas entre o período sob o comando de William Durant e as gestões subsequentes à de Pierre S. du Pont. Segundo Fleck (2009), a gestão da complexidade afeta a qualidade das respostas aos demais desafios, de modo que o desenvolvimento de capacitações de busca sistemática para solução de problemas é uma condição necessária para que a organização possa promover o crescimento e a renovação, enquanto mantém a integridade. O caso da General Motors confirmou a existência de forte relação entre os 226 processos de busca por soluções de problemas que emergiram a partir de 1920 com a sistematização de procedimentos para responder aos demais desafios. A mudança na gestão da complexidade da GM sugere a existência de dois períodos distintos na trajetória da organização. O primeiro é relacionado à intensa atuação de William Durant, que, no papel de empreendedor, concentra não só os serviços empreendedores (PENROSE,1959), mas parte significativa das ações para responder aos demais desafios. No segundo período, a influência da Du Pont, sobretudo nas gestões de Pierre S. du Pont e Alfred Sloan, institucionaliza o sistema de gestão por políticas, que criou estruturas e processos corporativos envolvendo comitês e equipes de staff. O quadro 4-6 a seguir apresenta um resumo das respostas em duas fases, a primeira chamada de “Líder Empreendedor” e a segunda de “Gestão por Políticas”. Na figura abaixo, as setas indicativas que partem da caixa que resume a gestão da complexidade, na fase de Gestão por Políticas, indicam as principais influências da mudança nas respostas para lidar com a complexidade, sobre as respostas dos demais desafios. Por exemplo, o procedimento estabelecido por equipes de staff e comitês, denominado standard-volume, em 1925, definia um meta ambiciosa de retorno sobre investimento de 20%, substituindo e sistematizando a alta ambição nos investimentos espontaneamente promovida por William Durant. O mesmo pode ser dito sobre sistema de bônus de executivos em relação aos gestores acionistas da fase do Líder Empreendedor. Em outros casos, processos foram criados para solucionar problemas antes não observados, como o compartilhamento de recursos ou os planos de sucessão do CEO. 227 Quadro 4-6 Síntese das respostas da GM aos desafios em duas fases distintas Desafio Fase Líder Empreendedor (Entre 1908 a 1920) Gestão por Políticas (Entre 1920 a 2008) Ambição: Alta • Forte ambição promovida por Durant • Gestores acionistas Versatilidade: Visão alta e imaginação dispersa • Visão sobre a criação de valor de Durant • Imaginação emergente nas divisões Mobilização de recursos financeiros: Alta • Reaplicação do caixa da operação • Habilidade de Durant para captar recursos Julgamento: Limitado • Esforço pessoal porém disperso de Durant para coletar e avaliar informações Motivações para o crescimento: Positivas /Híbridas • Expansões positivas vertical, horizontal, inercial e diversificação. • Reaplicação dos recursos para gerar crescimento Ambição: Alta • Meta ambiciosa de 20% de retorno de longo prazo • Programas de Bônus para executivos Versatilidade: Visão alta e imaginação dispersa/reprimida • Programas e equipes dedicados a vislumbrar a criação de valor • Imaginação emergente nas divisões, gradualmente reprimida por políticas corporativas Mobilização de recursos financeiros: Alta • Gestão eficiente para geração e re-investimento de caixa • Alta reputação e credibilidade no mercado financeiro Julgamento: Alto • Equipes e comitês e métodos dedicados à coleta de informação, análise e julgamento de riscos e incertezas Motivações para o crescimento: Positivas /Híbridas • Expansões positivas vertical, horizontal, inercial e diversificação. • Reaplicação dos recursos para gerar crescimento Monitoramento do ambiente: Ativo/centralizado • Intenso desenvolvimento e exploração da rede de relacionamentos de Durant para obter informações Uso das respostas estratégicas: Ativo/ Defensivo • Uso ativo de respostas estratégicas, lideradas por Durant • Aplicação de recursos excedentes para defender-se contra pressões do ambiente Monitoramento do ambiente: Ativo • Equipes de staff dedicadas e especializadas no freqüente monitoramento do ambiente Uso das respostas estratégicas: Ativo/ Defensivo • Uso ativo de respostas estratégicas, definidas por comitês de política • Aplicação de recursos excedentes para defender-se contra pressões do ambiente Compartilhamento e intercâmbio de recursos: Limitado • Compartilhamento limitado , porém recursos valiosos •Capacitações de coordenação: Baixa cooperação/Decisões arbitradas • Unidades de negócios autônomas e concorrentes • Acomodação de conflitos , Decisões arbitrárias de Durant Compartilhamento e intercâmbio de recursos: Alto • Equipes de staff e processos dedicados a identificação e implementação de relações de compartilhamento e intercâmbio Capacitações de coordenação: Baixa cooperação/Decisões arbitradas • Unidades de negócios autônomas e concorrentes • Hierarquia de comitês para acomodar e/ou arbitrar conflitos Aprovisionamento de RH Fornecimento de Recursos Gerenciais: Antecipado/ não programado • Recrutamento preventivo de Durant • Retenção baseada em incentivos financeiros • Sucessão não programados • Desenvolvimento de habilidades gerenciais no exercício da função Fornecimento de Recursos Gerenciais: Antecipado, programado • Formação sistemática de gerentes nas carreiras de finanças e operações • Programas de promoção e remuneração • Desenvolvimento e sucessão baseado na evolução na escada hierárquica • Desenvolvimento de habilidades gerenciais no exercício da função Gestão da complexidade Busca de soluções de problemas: Superficial • Ausência de procedimentos sistemáticos de informações, análise, decisão e implementação • Busca superficial e soluções improvisadas por Durant Empreendedorismo Navegação no ambiente dinâmico Gestão da diversidade 228 Busca de soluções de problemas: Sistemática/segregada • Equipes de staff, isentas das funções de operações, dedicadas a desenvolver processos de busca de soluções para os problemas • Soluções por meio da formulação e aprovação de políticas corporativas As respostas ao desafio da gestão da complexidade da GM levaram a organização a mover-se de um padrão de busca por solução de problemas – que era superficial, improvisado e centralizado em William Durant, na fase de Líder Empreendedor – para outro, no qual a busca passou a ocorrer em processos formais de coleta de informações, análise, formulação de soluções e implementação, tendo como agentes principais equipes de staff e comitês corporativos. A mudança ocorreu após a GM ter passado por um processo crônico de incapacidade em lidar com a complexidade nos últimos anos da fase do Líder Empreendedor, culminando, em 1920, com uma forte crise na coordenação dos gastos e investimentos nas divisões. Este processo evidencia que a GM, em relação à gestão da complexidade, desenvolveu capacitações que a permitiram movimentar-se na direção do polo da auto-perpetuação (FLECK, 2009), afastando-se da auto-destruição. Com relação aos demais desafios, apesar de as mudanças terem produzido efeitos sobre a qualidade das respostas, não há evidências de que tenha havido alterações significativas em termos de infusão de novos valores, movimentando o padrão das respostas na direção de um ou outro polo. Ao longo das duas fases identificadas, o padrão das respostas ao empreendedorismo, à navegação no ambiente dinâmico, à gestão da diversidade e ao aprovisionamento de recursos humanos oscilou ao longo do contínuo, dentro de uma mesma faixa ao longo da história da General Motors. A figura 4-3 abaixo ilustra a trajetória das respostas da GM a cada desafio ao longo do contínuo entre os polos da auto-perpetuação e da auto-destruição. As evidências encontradas indicam que as respostas da GM ao desafio do empreendedorismo, considerando as fases de Líder empreendedor e de Gestão por Políticas, oscilaram em uma região do contínuo mais próxima do polo da auto-perpetuação, mantendo alta ambição e capacidade de mobilizar recursos financeiros, melhorando a capacidade de julgamento e visão da primeira para a segunda fase, porém reprimindo serviços de imaginação de oportunidades produtivas (PENROSE, 2006) nas unidades de negócio por meio de políticas corporativas. No caso dos desafios da navegação no ambiente dinâmico e do aprovisionamento de recursos humanos, a melhora na gestão da complexidade contribuiu significativamente para a sistematização de procedimentos. Porém, os processos iniciados a partir de tal influência promoveram a formalização e a continuidade do caráter em relação ao desafio de uma fase para outra. Por exemplo, na navegação do ambiente, Durant optou por aplicar recursos em excesso para neutralizar fontes de pressão externa, como a oscilação 229 no fluxo de insumos e inovações tecnológicas. Na fase seguinte, o padrão se manteve, porém voltado para novas fontes de pressão, como o caso das questões trabalhistas. Da mesma forma, na fase do Líder Empreendedor, Durant já adotava a prática de antecipar as necessidades de recursos gerenciais, contratando pessoas e comprando empresas para absorver gerentes talentosos. Na fase de Gestão por Políticas, este caráter se manteve, porém formalizado em programas mais eficientes de formação de gerentes. Figura 4-3 Trajetória das respostas aos desafios do crescimento, no continuum entre auto-destruição e auto-perpetuação. Pólos das respostas aos Desafios Auto-destruição Empreendedorismo Navegação no ambiente dinâmico Gestão da diversidade Aprovisionamento de RH Gestão da Complexidade Auto-perpetuação Baixo Baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões defensivas ou nulas Alta ambição, visão e mobilização de recursos, imaginação dispersa e julgamento fraco Alta ambição, visão, mobilização de recursos, julgamento e imaginação dispersa e reprimida Monitoramento ativo e navegação ativa e defensiva Passivo Monitoramento ruim, mal uso de estratégias de navegação Fragmentação Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações de coordenação Monitoramento ativo e navegação ativa e defensiva Relações de Integração limitadas e baixa coordenação Ad-hoc Baixa capacitação para solução de problemas utilizando rápida análise sem aprendizado Recrutamento antecipado, porém não programado Fase do líder empreendedor Aprovisionamento antecipado e programado Capacitações para solução de problemas incipiente Busca de soluções sistemática, porém segregada Fase de gestão por políticas Ativo Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação Integração Estabelecimento bem sucedido de relacionamentos de integração e capacitações de coordenação Relações de integração altas e baixa coordenação Tarde Ações no momento que existe necessidade ou depois dela Alto Altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros, e realização de expansões produtivas ou híbridas Planejado Ações planejadas com antecedência Sistemático Capacitação para solução de problemas, promovendo busca correta por soluções e aprendizado Oscilação das ações em torno de padrões (sem resultar em movimento na direção de um dos pólos) 230 Ao longo da trajetória da General Motors os indícios são de que em três dos cinco desafios o padrão das respostas oscilou em uma faixa mais próxima da auto-perpetuação do que da auto-destruição, mesmo que em algum aspecto dos desafios a resposta não tenha sido adequada. Tal observação se alinha à teoria de Fleck (2009), na medida em que ela define o polo da auto-perpetuação como um estado ideal. Durante a fase do Líder Empreendedor, em dois dos desafios, o da gestão da diversidade e o da gestão da complexidade, a General Motors apresentou padrões mais próximos da auto-destruição do que da auto-perpetuação. Conforme exposto anteriormente, a mudança nas respostas à gestão da complexidade significaram uma reorientação dos padrões deste desafio na direção da auto-perpetuação, mas as respostas da GM à gestão da diversidade não foram capazes de estabelecer capacitações de coordenação e mantiveram, portanto, uma propensão à auto-destruição estável ao longo história. Apesar de durante a fase de Gestão por Políticas a General Motors ter desenvolvido diversos relacionamentos de compartilhamento e intercâmbio de recursos entre suas unidades de negócio, estes processos não foram acompanhados por capacitações que promovessem a cooperação e a inovação entre as partes da organização. Diferentemente do que a teoria de Fleck (2009) estabelece como condição necessária, a GM procurou constantemente acomodar diferenças e conflitos entre as partes, por exemplo, arbitrando a aplicação de recursos em excesso, como em casos onde duas divisões produziram e comercializaram praticamente o mesmo veículo. Além disso, a forma como a GM desenvolveu processos para responder a este desafio separou as atividades de planejamento das de operações, nutrindo a rivalidade entre divisões e organização corporativa e prejudicando a comunicação entre seus diversos níveis. A forma como se configuraram as respostas da General Motors na fase de Líder Empreendedor se mostraram auto-destrutivas, pois além do baixo vinculo e coordenação entre as unidades de negócio, não havia capacitações para lidar com a crescente complexidade de uma organização e uma indústria em forte expansão. A ausência de duas condições necessárias ao crescimento contribuiu amplamente para duas crises graves enfrentadas pela GM nesta fase. O desenvolvimento de respostas positivas à gestão da complexidade permitiu que a General Motors produzisse amplo crescimento nas primeiras décadas da fase de Gestão por Políticas. Diversos fatores contribuíram para que a ausência de capacitações de coordenação não fosse decisiva e pudesse ser substituída por processos de 231 acomodação e arbitragem de políticas. Um dos fatores identificados foi o forte e prolongado crescimento da demanda desde os anos 1920 até a década de 1970. Outro ponto importante foi a relevância de vantagens competitivas associadas à capacidade de mobilizar recursos financeiros, às economias de escala e à integração da cadeia produtiva. Além disso, a General Motors contou com a desatenção de sua maior rival americana, a Ford, que nos anos 1920 ignorou a necessidade de diversificação da linha de produtos. Com isso, a General Motors foi capaz de elevar sua participação no mercado para o limite institucionalmente aceito e pode acompanhar a evolução da demanda com ampla vantagem de escopo e escala sobre seus concorrentes. Durante a década de 1970, algumas mudanças no ambiente tornaram-se mais evidentes. A proximidade da saturação do mercado, a competição japonesa no segmento de compactos e os novos padrões exigidos dos fabricantes, tais como segurança, economia, emissão de poluentes e qualidade, fizeram com que as pressões do ambiente institucional e competitivo se tornassem maiores. O declínio da General Motors, no entanto, só foi reconhecido de forma mais explícita em 1980, quando o primeiro prejuízo em 60 anos foi anunciado. Apesar da nova crise do petróleo, que fez as vendas caírem de forma generalizada, o declínio da GM esteve fortemente relacionado ao baixo nível das respostas ao desafio da gestão da diversidade. A série de ações para reverter o declínio, levadas adiante nos anos 1980, apresenta evidências sobre o papel central que o caráter organizacional, em termos da fraca gestão da diversidade, teve sobre o fracasso da organização. Ao longo da década, o nível das respostas aos demais desafios manteve-se em níveis razoáveis, ou seja, mais próximo da auto-perpetuação, dentro de uma faixa na qual já oscilavam. Por exemplo: o volume de investimentos e o empenho dos executivos indicam o alto nível de ambição e de capacidade de mobilizar recursos financeiros. A visão e o julgamento, embora a maioria dos investimentos tenha fracassado, demonstraram estar na direção correta. A automação, a transferência eletrônica de dados, as técnicas de produção enxuta dentre outros processos referem-se a visões da GM que vieram a se mostrar viáveis em outros negócios similares. Outros desafios também mantiveram um padrão dentro da faixa mais próxima à auto-perpetuação, durante a tentativa de mudança na década de 1980. Na navegação do ambiente, a GM influenciou o governo para promover restrições aos importados e negociar acordo comercial. Além disso, grande expectativa popular foi depositada sobre a 232 GM como representante da competitividade e do orgulho americano. Os contratos trabalhistas foram revisados para baixo, reduzindo benefícios, consentindo com demissões e com transferência de plantas para o México. No desafio de aprovisionamento de RH, a GM promoveu revisão do sistema de avaliação, comprou empresas com gerentes talentosos, como EDS, Huges e Lotus, e reorganizou as divisões, avaliando previamente o perfil dos gerentes, além de oferecer treinamentos. Quanto à gestão da complexidade, a GM contratou a consultoria Mckinsey, montou equipes de força-tarefa para os projetos, adotou organização matricial por produtos, realizou benchmarking e adquiriu e desenvolveu um sistema avançado para desenvolvimento de produtos. Porém, com relação à gestão da diversidade, as capacitações de coordenação continuaram minando a capacidade de realização da GM. Os projetos aprovados pelo comitê de administração não foram implementados com sucesso pelas divisões. Os problemas encontrados na operação não eram facilmente comunicados às equipes de staff, tampouco aos comitês. Pessoas mudadas de local e de função ao longo da restruturação viram suas redes de relacionamento desaparecer, e os processos atrasaram de forma generalizada. E, por fim, mesmo algumas soluções que apresentaram sucesso, como foi o caso da NUMMI, não houve coordenação para transferi-las a outras áreas da organização. Analisando através do arcabouço de declínio nas organizações de Weitzel (1989), os esforços da General Motors na década de 1980 se assemelharam ao terceiro estágio de declínio, no qual a organização realiza ações, porém inadequadas. O estágio seguinte, quando a organização atinge o estado de crise, é análogo à situação enfrentada pela GM nos anos 1990. Fortes prejuízos, demissão de um presidente, lançamentos fracassados e a vinda de um presidente externo para o conselho de administração precederam o que seria o último estágio de declínio, quando a organização é forçada a se dissolver. Neste caso, a dissolução da GM foi gradual: inicialmente com a venda de operações menos relacionadas, como EDS e Huges Aircraft, em seguida, de divisões de autopeças por meio da Delphi; depois, foi a vez da terceirização da produção e, por fim, a venda ou dissolução de divisões ligadas ao negócio central como a GMAC e Oldsmobile, que precederam o pedido de concordata. 233 5. Considerações Finais O trabalho se propôs a analisar o caso da GM a fim de entender como uma organização bem sucedida se deparou com o declínio e finalmente o fracasso. Para responder ao questionamento proposto a análise buscou identirficar e comparar os padrões das respostas da GM em relação aos desafios à longevidade de Fleck (2009). As evidências coletadas para este estudo de caso permitiram reconstruir o histórico da organização, confrontando especialmente relatos de biografias, artigos, reportagens e relatórios corporativos e, desta forma, foi possível identificar elementos relevantes para uma análise longitudinal, comparando as evidências aos parâmetros fornecidos pelo referencial teórico. A GM se desenvolveu na indústria automobilística dos Estados Unidos, participando desde seus primeiros anos. Protagonizou a disseminação do automóvel na sociedade, tornando esta uma das principais atividades industriais de seu tempo. O levantamento de dados permitiu reconstituir a história em ordem cronológica com razoável precisão sobre a sequência dos acontecimentos, desde anos antes da fundação da General Motors, em 1908, até o pedido de concordata, em 2009. A partir deste levantamento foi possível analisar os padrões das respostas da GM e identificar alguns elementos que contribuíram para que a organização desenvolvesse destacável crescimento e geração de lucros e, posteriormente, viesse a fracassar. O estudo concluiu que o declínio e posterior fracasso da General Motors esteve relacionado principalmente ao não desenvolvimento de capacitações de coordenação para lidar com a gestão da diversidade da organização. Este padrão de resposta anulou processos de cooperação entre partes da organização, nutriu a rivalidade e impôs barreiras à comunicação. No lugar desta coordenação a GM adotou processos de arbitragem e acomodação das diferenças, recorrendo à aplicação de recursos em excesso para neutralizar pressões para a fragmentação. A pesquisa concluiu ainda que, em uma primeira fase da trajetória da GM, marcada pela atuação de seu líder empreendedor, William Durant, a organização respondeu negativamente, além da gestão da diversidade, também ao desafio da gestão da complexidade. A mudança de controle para a influência da Du Pont impulsionou a institucionalização de processos que alteraram o padrão da gestão da complexidade, 234 adotando a busca sistemática de soluções por meio de equipes de staff especializadas e a gestão por políticas formuladas em comitês corporativos. A propensão à auto-destruição desenvolvida a partir das fracas capacitações para a gestão da diversidade, apesar de estável ao longo de toda trajetória da GM, não impediu que a organização desenvolvesse negócios a ponto de ter o sucesso de sua atividade aclamado de maneira generalizada. O resultado da análise aqui apresentada também concluiu que, por trás do aparente sucesso durante décadas, alguns fatores contribuíram de forma decisiva para que uma configuração auto-destrutiva como era a da GM fosse viável. Dentre eles, o forte e duradouro ciclo de crescimento da indústria automobilística nos Estados Unidos, a relevância de economias de escala e escopo sobre o ambiente competitivo e a desatenção da principal concorrente Ford formaram um ambiente piedoso que permitiu que a GM dominasse e defendesse sua participação de mercado e crescesse de forma a acompanhar a evolução da demanda. 5.1 Considerações sobre o sucesso e o fracasso da General Motors A General Motors esteve entre as organizações corporativas mais importantes de seu tempo, inclusive sendo apontada, em determinadas épocas de sua história, como detentora de práticas consideradas referência não só para a indústria automobilística, como também para a gestão de empresas de um modo geral. Por ser uma organização que encontrou o fracasso, apesar do amplo acesso a recursos para investir e promover a continuidade das suas atividades, constituiu-se um fenômeno que tem provocado ampla discussão nos meios acadêmicos, no ambiente de negócios e na mídia em geral. Portanto, a identificação de elementos que contribuíram para que tal trajetória se configurasse torna-se altamente relevante. A análise das respostas aos desafios à longevidade apontou a ausência de capacitações de coordenação da General Motors como o principal fator de uma gestão da diversidade orientada à fragmentação e revelou a contribuição decisiva das respostas ao desafio da gestão da diversidade para o declínio e o fracasso. No caso da General Motors, a relação entre a gestão da diversidade e o fracasso torna-se mais relevante à medida que tal característica esteve presente desde o processo de formação da organização. Tal estabilidade indica que a gestão fragmentadora da diversidade foi um traço institucionalizado da organização, que apesar de contribuir para o desenvolvimento 235 de uma propensão a auto-destruição, não impediu que a GM desenvolvesse o crescimento e a criação de valor por várias décadas. Com relação aos elementos que levaram a General Motors, durante pelo menos sete décadas, a ser amplamente aceita como organização de sucesso, a análise por meio da teoria de Fleck (2009) não oferece relações de suficiência entre as respostas aos desafios e o sucesso, mas de condições necessárias. Ainda assim, os resultados encontrados na análise revelaram aspectos importantes a esse respeito. Primeiramente, fatores do ambiente tornaram a atividade na indústria automobilística altamente rentável, como o prolongado crescimento da demanda. Por outro lado, durante muitas décadas a GM explorou eficazmente as vantagens de tamanho sobre seus concorrentes, com economias de escopo e escala em atividades intensas na imobilização de capital, tais como a construção de fábricas de componentes e veículos, engenharia para renovação dos modelos, rede de distribuição, e crédito ao consumo. Cabe destacar, que no início dos anos 1920 a GM era um conglomerado de diversos fabricantes, sendo boa parte pouco rentáveis, enquanto a Ford dominava o mercado com seu modelo T. Portanto, o sucesso da GM também contou com a miopia de sua principal concorrente que resistiu em perceber as exigências da demanda e em poucos anos deteriorou sua posição de liderança em favor da General Motors. Além disso, as respostas relativamente positivas em relação aos demais desafios permitiram que a GM pudesse dispor de grande folga organizacional para aplicar na neutralização das pressões de fragmentação. Os elementos encontrados neste estudo em relação aos desafios à longevidade são relevantes também por apresentar aspectos diferentes do que até então vinha sendo apresentado na literatura acadêmica e de negócios. As explicações obtidas a partir deste trabalho se diferenciam, primeiramente, ao apresentar elementos sob uma perspectiva cronológica que identifica a origem e a evolução dos processos que formam organização. Em segundo lugar, o uso do arcabouço proposto por Fleck (2009) fornece uma leitura abrangente e organizada sobre os aspectos que contribuem para a propensão ao sucesso ou ao fracasso. O resultado das análises revelou formas diferentes para interpretar algumas das justificativas para o fracasso da GM mais comunmente apresentadas. Abaixo estão alguns exemplos de afirmações tradicionalmente usadas para explicar o fracasso da GM, seguidos da perspectiva adicionada por este estudo. 236 • O fracasso da GM esteve relacionado ao peso dos passivos trabalhistas como fundos de pensão e de assistência médica – Ao longo da análise, o excesso de reajustes e benefícios concedidos aos trabalhadores, a partir dos anos 1940, é considerado como uma folga aplicada para dissuadir um conflito, dentro de uma prática de arbitragem e acomodação de exigências divergentes. Este foi um padrão de resposta recorrente ao longo da trajetória da GM em relação a desafio de navegação no ambiente dinâmico. Em nome da manutenção de uma atividade altamente rentável, a GM passou a conceder recursos em excesso a seus stakeholders, neste caso, trabalhadores, para que não criassem problemas para a operação, porém subestimando as implicações destas decisões sobre a eficácia da organização. • O fracasso da GM deveu-se à competição desigual relacionada à mão-deobra mais barata de empresas asiáticas – As diferenças de custo operacional da GM em relação às concorrentes asiáticas não estavam relacionadas somente ao custo da mão-de-obra. Mesmo quando a GM teve acesso aos custos laborais equivalentes, o sistema fragmentado e departamentalizado da General Motors tornou inviável a adoção de técnicas de coordenação e de busca de solução de problemas, que passaram a ser decisivos na diferença entre fabricantes. Desta forma, a diferença salarial se acumulou a outras diferenças de eficácia e eficiência, para apenas mascarar e retardar a constatação das limitações gerenciais da GM. • A GM fracassou por causa da arrogância e menosprezo da General Motors em relação a exigências como qualidade e demanda por carros compactos e mais econômicos – A incumbência sobre a versatilidade da GM, desde os anos 1930 e mais intensamente a partir do final dos anos 1950, foi gradualmente transferida das unidades de negócio para grupos de staff. Tal fragmentação entre estratégia e implementeação foi a resposta encontrada pela organização para a necessidade de coordenar a ampla diversidade entre unidades de negócio. Contudo, teve como conseqüência a repressão das capacitações de inovação da GM para acompanhar as exigências do mercado. Os novos desenvolvimentos da GM passaram a seguir tendências já estabelecidas no mercado, usando as vantagens de tamanho para compensar o atraso em relação aos concorrentes. • A GM fracassou, pois foi tomada pela hegemonia de uma elite com uma mentalidade demasiadamente financeira sobre a gestão – Esta característica é 237 decorrente da separação entre as atividades de estratégia e operação. O perfil exigido dos membros da organização corporativa, responsáveis pela formulação de políticas, tornou-se fortemente tecnocrata, uma vez que as decisões passaram a ser cada vez mais baseadas em conjutos de índices e projeções. A GM até procurou conciliar perfis de marketing, engenharia e operações nos processos de definição das políticas corporativas, como no emblemático caso de John Delorean, no entanto a natureza dos processos decisórios favorecia profissionais que tivessem maior facilidade em analisar a sobrecarga de relatórios repletos de números e indicadores. Assim sendo, profissionais de Finanças possuíam uma maior propensão a se destacar nas esferas mais altas da organização e consequentemente serem favoritos para ocupar as funções de maior responsabilidade. 5.2 Implicações do caso da GM para outras organizações Por se tratar de um estudo de caso, os elementos identificados acerca do sucesso e do fracasso da General Motors dificilmente podem ser diretamente generalizados para a questão sobre como empresas que atingiram um reconhecido sucesso, eventualmente enfrentaram o fracasso. Por outro lado, a comparação entre empresas semelhantes a General Motors, a fim de permitir maior poder de generalização, traria significativas complicações para o estudo, como encontrar uma amostra representativa de casos contemporâneos, minimamente homogêneos, e lidar com o volume e a complexidade de dados para produzir o nível de análise adequado a este modelo teórico. As contribuições deste estudo para questões genéricas sobre a gestão das organizações são mais relevantes quando associadas à validação das proposições sugeridas pelo arcabouço teórico utilizado. Assim sendo, a relação de condição necessária entre repostas positivas ao desafio da gestão da diversidade e a propensão a auto-perpetuação, validada para o caso da General Motors, pode ser interessante para gestores de outras organizações avaliarem como estão respondendo a este desafio. Além disso, abordando os resultados do estudo para os demais desafios à longevidade, ao se deparar com a constatação de que a GM alcançou altos níveis de crescimento e de criação de valor, mesmo nutrindo um traço auto-destrutivo, pessoas envolvidas com a gestão de organizações virtualmente reconhecidas como de sucesso 238 podem despertar-se para questionar se algo semelhante não está se passando nas empresas com as quais têm relação. 5.3 Contribuições ao arcabouço teórico O estudo de caso sobre a General Motors validou a aplicação do modelo teórico apresentado por Fleck (2009) para a compreensão de como esta importante organização do setor automobilístico desenvolveu sua trajetória. O trabalho também pode comprovar a adequada utilização do modelo teórico dos desafios à longevidade associado a uma estratégia de pesquisa baseada em uma visão de processo (LANGLEY, 1999). A abordagem histórica com a reconstituição cronológica dos eventos permitiu a identificação de padrões e a comparação em relação à teoria. Os resultados encontrados a partir da análise do caso da GM, sob a ótica do modelo de Fleck, reforçam a capacidade deste referencial teórico em fornecer um entendimento diferenciado sobre os fatores que contribuem para o sucesso ou o fracasso de uma organização. As análises baseadas em referenciais teóricos tradicionais tenderam a concentram-se nos aspectos mais nítidos de desencaixe entre a organização e o ambiente, e apontam fatores como passivos trabalhistas, arrogância, competição desleal de concorrentes asiáticos, menosprezo às exigências do mercado e hegemonia da elite financeira como explicações para o fracasso da General Motors. Já o arcabouço teórico utilizado neste trabalho mostrou-se capaz de revelar padrões da dinâmica dos processos organizacionais que induziram a GM em direção ao crescimento ou ao declínio, e que foram decisivos no desenvolvimento de vulnerabilidades que determinaram fracasso da organização. 5.4 Sugestões para estudos futuros A partir do estudo de caso da General Motors, sob o referencial teórico dos arquétipos do sucesso e do fracasso de Fleck (2009), estabelece-se uma base para outros estudos que, ao serem confrontados com este, podem responder perguntas interessantes. Por exemplo, estudos semelhantes tendo como unidade de análise outras organizações do setor automotivo, como Toyota, Ford, Chrysler, Honda, Hyunday, Volkswagen ou Renault poderão fornecer explicações relevantes para a compreensão de questões relativa à origem de diferenciais competitivos entre empresas, mimetismo e isomorfismo na indústria e processos de coevolução. 239 Por outro lado, outros estudos não necessariamente envolvendo o setor automobilístico poderiam encontrar neste trabalho uma oportunidade para, a partir da confrontação das análises, contribuir para a ampliação do entendimento sobre as organizações. Por exemplo, a comparação do caso da General Motors com outras empresas que apresentem padrões de fragmentação em relação ao desafio da gestão da diversidade pode produzir novas constatações teóricas acerca deste desafio, ou mesmo da relação dele com os demais. De forma análoga, a comparação entre o estudo de caso na GM com estudos similares em empresas cujos padrões de resposta estejam em posições opostas em relação à gestão da diversidade pode enriquecer o conhecimento a respeito deste desafio e sua relação com a auto-perpetuação e a auto-destruição. Por fim, cabe ressaltar que apesar de o estudo a partir das estratégias de pesquisa utilizadas ter se verificado possível, as dificuldades em definir e implementar estratégias para coleta e análise dos dados foram duros obstáculos a serem transpostos. A quantidade de informações a ser coletada, referentes a um longo período de tempo, cria problemas como heterogeneidade das fontes em termos de enfoque, viés e rigor, concentrações variadas de informações em períodos da história, impossibilidade de confrontar fontes primárias e secundárias, risco de ser influenciado pelo viés da narrativa e lacunas de informação. Estudos futuros que ofereçam avanços em termos de soluções para lidar com estes e outros problemas relacionados aos métodos de pesquisa oferecerão relevante contribuição para a o desenvolvimento do conhecimento. 240 6 Referências ACKOFF, R. L . Beyond Prediction and Preparation [I]. Journal of Management Studies, vol. 20, p. 59-69, 1983. ANTIQUE AUTOMOBILE CLUB OF AMERICA. Disponível em www.local.aaca.org/junior/milespots Acesso em 25/01/2008. BALKE, N. S.; GORDON, R. J. The Estimation of Prewar Gross National Product: Methodology and New Evidence. The Journal of Political Economy, vol. 97, n. 1, p. 3892, February 1989. BARNEY, J. B. Types of Competition and the Theory of Strategy: Toward an Integrative Framework. Academy of Management Review, vol. 11, n. 4, p. 791-800, 1986. BARNEY, J. Firm Resources and Sustained Competitive Advantage. Journal of Management, vol. 17, n. I, p. 99-120, 1991. BERRY, S.; LEVINSOHN, J.; PAKES, ARIEL. 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A evolução dos padrões de ação identificados ao longo da história da GM, apresentados na Esta análise é feita separadamente entre as dimensões, pois é uma forma de tornar mais claros os elementos que compõem os serviços empresarias da organização (PENROSE, 2006). Figura 7-1 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio do empreendedorismo Ambição (1) Gestor principal é também o maior acionista (2) Consórcio de credores assume o controle da operação (3) Gerentes eram acionistas das unidades de negócio e da General Motors (4) Plano de participação nos lucros (5) Retorno sobre o investimento é a principal meta corporativa (6) Esforço da Segunda Guerra, margem de lucro fixada em 10% (7) A meta principal é ampliar a participação nos mercados 250 (8) Plano de compra de ações por executivos-chave da organização Versatilidade (9) Willam Durant adquire empresas que identifica como oportunidade (10) Engenheiros e gerentes incumbidos de implementar idéias de Durant (11) Desenvolvimento de novos produtos e inovações tecnológicas nas unidades de negócio (12) Staff de engenheiros, designers e pesquisadores desenvolvendo novas tecnologias e produtos (13) Subsidiária no exterior com modelos e estrutura local (14) Aquisição de empresa para lançar inovações tecnológicas desenvolvidas internamente (15) Importação de modelos de outros fabricantes do exterior para ocupar o mercado de compacto (16) Aquisição de empresas para incorporar tecnologias ao negócio automotivo (17) Joint venture com a Toyota para fabricação de compactos nos Estados Unidos (18) Início de uma nova empresa com equipe autônoma (Saturn) Mobilização de recursos financeiros (19) Durant usa prestígio, persuasão e recursos próprios para financiar as operações (20) Reaplicação dos recursos obtidos com a operação (21) Aquisições de empresas com parte do pagamento em ações da GM (22) Empréstimo a consórcio de bancos, com cessão do controle da empresa (23) Redução compulsória dos salários dos gerentes em 50% (24) Emissão de ações na Bolsa de Nova York (25) Associação à DuPont e minoritariamente ao JP Morgan (26) Empréstimos de longo prazo para completar parte do capital usado em planos de expansão Julgamento (27) Tino empresarial de William Durant aprova ou reprova os empreendimentos da GM (28) Um comitê de representantes do consórcio de credores avalia a viabilidade dos projetos (29) Comitê de finanças avalia necessidades de caixa para determinar necessidade de captação (30) Comitê de emergencia centraliza a availiação da viabilidade dos projetos (31) Staff financeiro por meio do CF, avalia as perspectivas de retorno sobre investimento (32) Staff operacional, geralmente por meio de comites e avalia viabilidade dos projetos (33) Formação de uma equipe independente, para analisar e deliberar a viabilidade da Saturn Desafio da Navegação no Ambiente Dinâmico Os padrões de ação da General Motors em resposta ao desafio da navegação no ambiente dinâmico são apresentados na figura abaixo. Foram identificados nos fatos históricos analisados seis dimensões do ambiente externo com as quais a organização manteve esforços para captura de valor e manutenção da legitimidade. As seis dimensões são as seguintes: • Sociedade e economia - trata das ações da GM para monitorar, moldar ou se adaptar às alterações na atividade econômica e nos hábitos e valores da sociedade. • Acionista – refere-se a ações da GM para manutenção da reputação e da legitimidade da gestão perante os detentores de suas ações. • Relações trabalhistas – ações para assegurar o fluxo de mão-de-obra nas atividades produtivas. • Tecnologia – diz respeito a atividades de monitoramento do surgimento de tecnologias, bem como de ações para moldar ou participar dos ciclos tecnológicos. 251 • Indústria automotiva e concorrentes – ações praticadas pela organização para monitorar e moldar a evolução da cadeia produtiva e dos concorrentes • Governo e legislação – monitoramento de leis e de regras governamentais e ações visando construir oportunidades a partir de medidas do governo e, ao mesmo tempo, evitar pressões contra a legitimidade. Figura 7-2 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio da Navegação no Ambiente Dinâmico Sociedade e Economia (34) Observação e análise aleatória e esporádica de Durant e outros membros da organização (35) Informções não sistematizadas passadas por concessionários à organização de vendas (36) Análise de estatísticas nacionais eo de pesquisas realizadas com vendedores (37) Coleta de dados sistemática informações sobre demandas e estoques junto à rede de lojas (38) Exibição de protótipos e observação da reação do público em salões e exposições (39) Pesquisas de mercado durante o processo de desenvolvimento de novos modelos Acionistas (40) Acionista majoritário é também o principal gestor da organização (41) Grandes acionistas participando no conselho de administração 42) Pagamento de dividendos atraentes e constantes (43) Controle da empresa entregue a um consórcio de credores (44) Acionistas representados diretamente no CF (45) Acionistas representados diretamente em um CE (46) Acionistas elegem representantes indicados por gestores da empresa em convenção anual (47) Inclusão de representação direta de um grande acionista fruto da aquisição (Ross Perot) Relações trabalhistas (48) Ações voluntárias da GM em relação a recrutamento, treinamento, divisão do trabalho e bem-estar dos operários, evitando qualquer tipo de negociação (49) Contratação de espionagem nas fábricas e prevenção contra organização sindical (50) Concessões ao sindicato apenas mediante a greve extenuante barganha 252 (51) Adoção de sistema de negociação de remuneração e benefícios (52) Fuga de sindicatos abrindo novas plantas fora da região de influência (53) Flexibilização dos contratos negociados com o sindicato Tecnologia (54) Observação e busca espontânea de tecnologias emergentes por parte de executivos (55) Aquisição de empresas detentoras de tecnologias desejadas (56) Staff de especialistas aplicados no desenvolvimento avançado de tecnologia (57) Cessão mútua de patentes ligadas ao controle de emissão de poluentes Indústria automotiva e concorrentes (58) Consolidação por meio de aquisição de concorrentes e fornecedores (59) Produção verticalmente integrada com prática de cotações de fornecimento comparando fornecedores internos e externos, com autonomia entre as divisões (60) Monitoramento de marcas, modelos e preços, posicionando-se no topo de cada segmento (61) Monitoramento e testes dos veículos dos concorrentes no campo de provas (62) Joint venture com a Toyota para fabricação de compactos nos Estados Unidos Governo e legislação (63) Monitoramento e cumprimento das exigências legais (64) Desafio à validade de patente sobre fabricação de veículos automotores (65) Resistência ao esforço de fornecimento de material militar durante a Primeira Guerra (66) Monitoramento, evitação e desafio à acusações de trusting entre a Du Pont e GM (67) Resistência a contestações judiciais sobre práticas de crédito através da GMAC (68) Cooperação para o fornecimento de materiais militares (69) Associação para lobby em favor de política pública federal de construção de estradas (70) Evitação de questionamentos sobre controle de emissão de poluentes (71) Evitação e dissuasão de aplicação de dispositivos de segurança veicular Desafio da Gestão da Diversidade As ações que indicam as respostas da Genaral Motors ao desfio da gestão da diversidade são divididas em duas dimensões: o compartilhamento de recursos e os mecanismos de coordenação. Figura 7-3 Padrões encontrados nas ações em resposta ao desafio da Gestão da diversidade 253 Relações de compartilhamento de recursos (91) Integração vertical sobre a cadeia de fornecedores (92) Fusão de unidades com atividades relacionadas (93) Desinvestimento ou venda de unidades de negócios (94) Intercâmbio de partes e arquiteturas de veículos entre unidades (95) Unificação da gestão de caixa das divisões com um controle corporativo (96) Unificação de carrocerias por tamanho (97) Novos modelos feitos sobre a base de modelos anteriores (98) Paralisação anual da linha de montagem para troca de modelos (99) Comunicação de partes, ferramentas e arquiteturas para aplicação em todas as divisões (100) Contratos com dispositivos de seleção e proteção dos concessionários (101) Aumento pré-fixado, benefícios e equiparação à indústria (102) Fusão das operações de montagem em uma única divisão (103) Reorganização de seis divisões em CPC e BOC Coordenação de recursos (104) Coordenação centralizada em Durant, tratando diretamente com os chefes de divisões (105) Comitê representante de credores toma decisões na gestão da empresa (106) Staff ligado ao comitê executivo aplicado em estudos ad-hoc (107) Comitê executivo para decisões de operações e de finanças para gestão de tesouraria (108) Comitê executivo centralizador durante período de grande incerteza (109) Staff financeiro, com controllers nas divisões exercendo duplo report (110) Comitê de finanças aprova orçamento corporativo e das divisões (111) Comitês interdivisão para formulação de políticas consensos (112) Consenso entre divisões e staff obtido por meio de persuasão e venda de conceitos (113) CE formado por executivos corporativos e membros do board (114) CO formado por executivos corporativos para recomendar políticas ao CE (115) Staff permanente para formulação de estudos e consensos nas áreas operacionais (116) Conselho de distribuidores para formulação de políticas junto à rede de distribuição (117) Grupos temáticos de staff subordinados ao CE e dedicados a formulação (118) Centralização do poder no CEO, com controle sobre CF e CE (119) Desenvolvimento em equipes de produto 254 Desafio do Aprovisionamento de Recursos Humanos As respostas ao desafio de aprovisionamento de Recursos Humanos foram analisadas em três dimensões. • Seleção e Formação – diz respeito às ações da GM para recrutar, treinar e formar recursos gerenciais. Está inclusa nesta dimensão ações de identificação de talentos, promoção e desenvolvimento de carreiras para formação de gerentes. • Retenção – são ações orientadas para fomentar o compromisso de longo prazo de gerentes com a organização. • Sucessão – trata das ações para preparação e escolha dos sucessores nos postos mais altos de liderança da organização. Figura 7-4 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio do Aprovisionamento de Recursos Humanos Seleção e Formação (120) Recrutamento não-sistemático de profissionais (121) Promoções e rotação entre áreas e divisões mediante avaliação de desempenho pelo superior (122) Profissionais absorvidos na aquisição de empresas (123) Recrutamento de contadores e administradores recém formados em boas universidades (124) Escola corporativa provendo treinamento técnico (125) Recrutamento de executivos na Du Pont (126) Promoções dentro da organização de finanças mediante avaliação do superior (127) Busca de profissionais específicos já estabelecidos no mercado de trabalho Retenção (128) Gerentes detentores de ações da General Motors e/ou de empresas absorvidas 255 (129) Plano de bônus (130) Aumentos de salários em programa de avaliação de desempenho (131) Programa de compra de ações para altos executivos através da Managers Securities Co. (132) Extensão dos aumentos negociados pelo sindicato para os demais empregados assalariados (133) Programa de stock option para altos executivos (134) Lealdade ao chefe como critério para a promoção dos executivos Sucessão (135) Predomínio de Durant nas escolhas de sucessão de executivos (136) Consóricio de credores determina sucessão de gerentes (137) Escolha de sucessores de forma ad-hoc, com o crivo do board para os casos de executivos corporativos (138) Pool de executivos seniors atuando na formulação e aprovação de estratégias corporativas (139) Executivo indica o próprio sucessor (140) Sucessão do CEO planejada com antecedência (141) Estabelecimento de idade para aposentadoria compulsória (142) Predominância do executivo de finanças para as funções de CEO e Chairman . Desafio da Gestão da Complexidade Os padrões de ação encontrados nas respostas da GM ao desafio da gestão da complexidade são apresentados em duas dimensões. A primeira dimensão é a orientação para solução de problemas, relacionada às ações, métodos e procedimentos que a organização regularmente utiliza para resolver seus problemas. A segunda dimensão de análise é a sistematização de procedimentos. Neste caso, procurou-se identificar padrões na adoção de procedimentos sistemáticos para lidar com situações de alta complexidade. Figura 7-5 Processos encontrados nas ações em resposta ao desafio da Gestão da Complexidade Orientação para solução de (143) Durant se envolve diretamente na busca de soluções para problemas 256 problemas Sistematização de procedimentos (144) Autonomia para as divisões resolverem seus problemas de forma independente (145) Aquisição de empresa para absorver capacitações e tecnologias (146) Comitê de credores analisa e delibera soluções (147) Staff corporativo de pesquisa avançada (148) Força-tarefa para estudo e busca de solução (149) Staff consultivo monitorando a operação e propondo soluções por meio de novas políticas (150) Intervenção corporativa nas unidades de negócio (151) Sistema de produção por oficinas de trabalho aplicadas na linha de montagem (152) Sistematização das demonstrações financeiras das unidades de negócio e do consolidado (153) Sistema de controle financeiro a partir do método standard volume (154) Harmonização de práticas e parâmetros por meio de comitês temáticos interdivisionais (155) Avaliação de potencial geográfico para determinar a alocação de concessionárias (156) Sistema de gestão por políticas com hierarquia para formulação e aprovação (157) Sistema de conselho de distribuidores para mediar políticas de vendas (158) Sistema de contratação interna com margem fixa durante a Segunda Guerra (159) Sistema de comitês de fábrica e e negociação com o sindicato (160) Informatização do processo produtivo (161) Integração dos sistemas de produção, suprimentos, vendas e distribuição (162) Automação do processo produtivo aplicando intenso uso de robôs integrados (163) Adoção fragmentada de técnicas japonesas de melhoria contínua 257 8 ANEXOS Tabela 8-1 Receita Líquida, Lucro e Ativo Total da General Motors entre 1917 e 2008 Ano 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 Receita Líquida 96.295.741 269.796.829 509.676.694 567.320.603 304.487.243 463.706.733 698.038.947 568.007.459 734.592.592 1.058.153.338 1.269.519.673 1.459.762.906 1.504.404.472 983.375.137 808.840.723 432.311.868 569.010.542 862.672.670 1.155.641.511 1.439.289.940 1.606.789.841 1.066.973.000 1.376.828.337 1.794.936.642 2.436.800.977 2.250.548.859 3.796.115.800 4.262.249.472 3.127.934.888 1.962.502.289 3.815.159.163 4.701.770.340 5.700.835.141 7.531.086.846 7.465.554.851 7.549.154.419 10.027.985.482 9.823.526.291 12.443.277.420 10.796.442.575 10.989.813.178 Lucro Líquido 14.294.000 14.826.000 60.005.000 37.750.000 (38.681.000) 54.474.000 72.009.000 51.632.000 116.016.000 186.231.000 235.105.000 276.468.000 248.282.000 151.099.000 96.877.000 165.000 83.214.000 94.769.000 167.227.000 238.482.000 196.437.000 102.190.000 183.290.000 195.622.000 201.653.000 163.652.000 149.780.000 170.996.000 188.268.000 87.526.000 287.991.000 440.448.000 656.434.000 834.044.000 506.199.000 558.721.000 598.119.000 805.974.000 1.189.477.000 847.396.000 843.592.000 258 Ativo Total 133.789.724 299.489.336 446.652.520 604.806.868 515.122.979 522.335.034 593.123.718 592.570.918 703.786.664 920.894.106 1.098.477.575 1.242.894.869 1.324.889.764 1.315.813.059 1.300.267.222 1.115.228.641 1.183.674.006 1.268.532.026 1.414.266.298 1.518.188.800 1.566.673.796 1.598.012.229 1.323.382.388 1.535.916.531 1.747.250.191 1.979.771.117 2.264.718.441 2.182.609.504 1.813.885.559 1.982.692.134 2.472.969.238 2.957.769.607 2.824.074.217 3.444.195.961 3.671.582.575 4.001.294.708 4.405.475.042 5.130.093.595 6.344.772.161 6.569.400.736 6.825.788.811 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 9.521.956.629 11.233.057.200 12.735.999.681 11.395.916.826 14.640.240.799 16.494.818.184 16.997.044.486 20.733.982.295 20.208.505.041 20.026.252.468 22.755.403.000 24.295.141.000 18.752.354.000 28.263.918.000 30.435.231.000 35.798.289.000 31.549.546.000 35.724.911.000 47.181.000.000 54.961.300.000 63.221.100.000 66.311.200.000 57.728.500.000 62.689.500.000 60.025.600.000 74.581.602.000 83.889.900.000 96.371.700.000 102.813.700.000 101.781.900.000 110.228.500.000 112.533.200.000 110.797.300.000 123.109.000.000 132.243.000.000 138.219.500.000 154.951.200.000 160.254.000.000 164.013.000.000 178.174.000.000 161.315.000.000 189.058.000.000 184.632.000.000 177.260.000.000 186.736.000.000 195.645.200.000 193.517.000.000 633.628.000 873.100.000 959.042.000 892.821.000 1.459.077.000 1.591.823.000 1.734.782.000 2.125.606.000 1.793.392.000 1.627.276.000 1.731.915.000 1.710.695.000 609.087.000 1.935.709.000 2.162.807.000 2.398.103.000 950.069.000 1.253.092.000 2.902.800.000 3.337.500.000 3.508.000.000 2.892.700.000 (762.500.000) 333.400.000 962.700.000 3.730.194.000 4.516.500.000 3.999.000.000 2.944.700.000 3.550.900.000 4.856.300.000 4.224.300.000 (1.985.700.000) (4.453.000.000) (23.498.000.000) 2.465.800.000 4.900.600.000 6.881.000.000 493.000.000 6.698.000.000 2.956.000.000 6.002.000.000 4.452.000.000 601.000.000 1.736.000.000 3.822.000.000 2.805.000.000 259 6.890.854.380 7.246.408.027 7.837.665.995 8.272.596.180 9.169.053.616 9.641.165.359 10.292.828.528 11.478.546.590 12.213.487.799 13.273.082.524 14.010.175.142 14.820.094.529 14.174.359.767 18.241.900.040 18.273.382.035 20.296.861.419 19.873.550.014 21.664.884.594 24.442.400.000 26.658.300.000 30.598.300.000 32.215.800.000 34.581.000.000 38.991.200.000 41.397.800.000 45.694.500.000 52.144.900.000 63.832.800.000 72.593.000.000 162.343.200.000 164.063.100.000 173.297.100.000 180.236.500.000 184.325.500.000 190.196.000.000 188.200.900.000 198.599.000.000 213.663.000.000 222.142.000.000 228.888.000.000 257.389.000.000 274.730.000.000 303.100.000.000 323.969.000.000 369.053.000.000 448.507.000.000 479.921.000.000 2005 192.604.000.000 (10.600.000.000) 476.078.000.000 2006 204.467.000.000 (1.978.000.000) 186.304.000.000 2007 179.984.000.000 (38.732.000.000) 148.883.000.000 2008 148.979.000.000 (30.860.000.000) 91.047.000.000 Fonte: Relatório Moody’s de 1917 à 1998; Relatório anual da General Motors Tabela 8-2 Produto nacional bruto do Estados Unidos entre 1917 e 2009 Ano 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 Produto Nacional Bruto 60.400.000.000 76.400.000.000 84.000.000.000 91.500.000.000 69.500.000.000 74.100.000.000 85.100.000.000 84.700.000.000 93.100.000.000 97.000.000.000 94.900.000.000 97.000.000.000 104.400.000.000 91.900.000.000 77.000.000.000 59.100.000.000 56.700.000.000 66.300.000.000 73.600.000.000 84.000.000.000 92.200.000.000 86.500.000.000 92.500.000.000 101.700.000.000 127.200.000.000 162.300.000.000 198.900.000.000 220.100.000.000 223.400.000.000 222.900.000.000 245.300.000.000 270.600.000.000 268.600.000.000 295.200.000.000 341.200.000.000 360.300.000.000 381.300.000.000 382.500.000.000 417.200.000.000 260 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 440.300.000.000 464.100.000.000 469.800.000.000 509.300.000.000 529.500.000.000 548.200.000.000 589.700.000.000 622.200.000.000 668.500.000.000 724.400.000.000 792.900.000.000 838.000.000.000 916.100.000.000 990.700.000.000 1.044.900.000.000 1.134.700.000.000 1.246.800.000.000 1.395.300.000.000 1.515.500.000.000 1.651.300.000.000 1.842.100.000.000 2.051.200.000.000 2.316.300.000.000 2.595.300.000.000 2.823.700.000.000 3.161.400.000.000 3.291.500.000.000 3.573.800.000.000 3.969.500.000.000 4.246.800.000.000 4.480.600.000.000 4.757.400.000.000 5.127.400.000.000 5.510.600.000.000 5.837.900.000.000 6.026.300.000.000 6.367.400.000.000 6.689.300.000.000 7.098.400.000.000 7.433.400.000.000 7.851.900.000.000 8.337.300.000.000 8.768.300.000.000 9.302.200.000.000 9.855.900.000.000 10.171.600.000.000 10.500.200.000.000 261 2003 11.017.600.000.000 2004 11.762.100.000.000 2005 12.502.400.000.000 2006 13.252.700.000.000 2007 13.910.000.000.000 2008 14.397.800.000.000 Fonte: Balke & Gordon (1989) até 1928; Buerau of Economic Analisys de 1929 em diante Tabela 8-3 Vendas de veículos nos Estados Unidos entre 1900 e 2008 Ano Vendas Automóveis Caminhões e General Totais de utilitários Motors veículos 1900 4192 4192 0 1901 7000 7000 0 1902 9000 9000 0 1903* 11235 11235 16 1904* 22830 22130 700 37 1905* 25000 24250 750 750 1906* 34000 33200 800 2295 1907* 44000 43000 1000 4641 1908 65000 63500 1500 9875 1909 127287 123990 3297 30084 1910 187000 181000 6000 44564 1911 210000 199319 10681 35459 1912 378000 356000 22000 41358 1913 485000 461500 23500 56118 1914 572139 548139 24000 58987 1915 969930 895930 74000 97937 1916 1617708 1525578 92130 176834 1917 1873949 1745792 128157 195945 1918 1170686 943436 227250 213334 1919 1876356 1651625 224731 344334 1920 2227349 1905560 321789 362448 1921 1616119 1468067 148052 208306 1922 2544176 2274185 269991 419682 1923 4034012 3624717 409295 754810 1924 3602540 3185881 416659 533833 1925 4265830 3735171 530659 790880 1926 4301234 3692617 608617 1179214 1927 3401326 2936533 464793 1472494 1928 4358759 3775417 583342 1790736 1929 5337087 4455178 881909 1799427 262 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 3362820 2380426 1331860 1896817 2737070 3971241 4461462 4820219 2508407 3588889 4472286 4840502 1041524 699828 738134 725215 3089565 4797621 5285544 6253651 8003056 6765263 5538959 7323014 6601071 9169276 6920590 7220520 2787456 1948164 1103557 1567599 2160865 3273874 3679242 3929203 2019566 2888512 3717385 3779682 222862 139 610 69532 2148699 3558178 3909270 5119466 6665863 5338435 4320794 6116948 5558897 7920186 5816109 6113344 575364 432262 228303 329218 576205 697367 782220 891016 488841 700377 754901 1060820 818662 699689 737524 655683 940866 1239443 1376274 1134185 1337193 1426828 1218165 1206066 1042174 1249090 1104481 1107176 10148400 8402600 1745800 263 1105773 997594 506928 779029 1086321 1504698 1803275 1846621 1052873 1487375 1950142 2149804 217804 91109 224227 229929 1123451 1845885 2051742 2672894 3653358 2829490 2234397 3276586 3295956 4476672 3507741 3237178 2526245 2960017 3681377 3150312 4222823 4661690 4597990 5696480 5195384 4789644 5410320 5295652 3591064 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 12259700 13433200 14355200 11377700 10888700 13294500 14859000 15420800 14148500 11469200 10789900 10542200 12295900 14483300 15720100 16317800 15156500 15773600 14826100 14127800 12519600 13092300 14165900 15377500 15077800 15404400 15445600 15863600 17290200 17700300 17368400 17138000 16971500 17296900 17444600 17048300 16460300 13501000 10227800 10873300 11350100 8773700 8537800 9994000 11046000 11164000 10558800 8981800 8534300 7979400 9178600 10390200 10978400 11405700 10170900 10545600 9776800 9300200 8175000 8214400 8517700 8990400 8636200 8526800 8272500 8142100 8696500 8852100 8422100 8102400 7614500 7504500 7667200 7780500 7588100 6757000 2031900 2559900 3005100 2604000 2350900 3300500 3813000 4256800 3589700 2487400 2255600 2562800 3117300 4093100 4741700 4912100 4985600 5228000 5049300 4827600 4344600 4877900 5648200 6387100 6441600 6877600 7173100 7721500 8593700 8848200 8946300 9035600 9357000 9792400 9777400 9267800 8872200 6744000 5767138 5740440 6512236 4677534 4657671 6933000 7472000 7731000 7234000 5470000 5286000 4607000 5921000 6502389 7261000 6559100 5694538 5914340 5533000 5013000 4249000 4381000 4729000 4729670 4870080 5143380 4805310 4630140 5051220 4953000 4905000 4859000 4757000 4707000 4518000 4125000 3867000 Fonte: Chandler (1964); Estatísticas do senado norte-americano; Relatório Moody’s; Relatório anual da General Motors * As vendas da GM nestes anos referem-se apenas a Buick 264