Sistematização_apresentações e plenarias

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Sistematização_apresentações e plenarias
I SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
DE 02 A 04 DE DEZEMBRO DE 2009
RIO DE JANEIRO
*
APRESENTAÇÕES E PLENÁRIAS
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar.
Thiago de Mello
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SUMÁRIO
1. Introdução
1.1 A Rede Não Bata, Eduque ................................................................................................ 05
1.2 Relevância do Tema ........................................................................................................ 05
1.3 O Evento: estrutura e participantes .................................................................................. 07
1.4 Participação Infantil no Simpósio ...................................................................................... 09
2. I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes:
apresentações e palestras
2.1 Abertura do evento: Introdução ao tema .......................................................................... 10
2.2 Panorama dos Castigos Físicos e Humilhantes no Mundo
2.2.1 Panorama sobre Castigos Físicos e Tratamento Humilhante no Mundo e
Importância Estratégica de sua proibição para a promoção dos Direitos
Humanos de Crianças e Adolescentes no Brasil .................................................... 14
2.2.2 Apresentação de Experiências – Costa Rica, Venezuela e Uruguai (Países
com a Lei Aprovada) e Brasil (RNBE) ................................................................... 18
2.2.3 A Atuação dos Operadores do Sistema de Garantia de Direitos Frente aos
Castigos Físicos e Humilhantes .............................................................................. 26
2.3 “Criança Sujeito de Direito”: Apresentação da Pesquisa .................................................. 31
2.4 Desafios do Brasil Frente aos Marcos Legais Internacionais ........................................... 37
2.5 Construção de uma Plataforma: Apresentação dos GTs ................................................. 42
2.5.1 GT 2: Campanhas de Educação e Comunicação .................................................. 43
2.5.2 GT 4: Políticas públicas para atenção às famílias e organizações ........................ 45
2.5.3 GT 3: Sistema de Garantia de Direitos (SGD) e castigos físicos e humilhantes ... 47
2.5.4 GT 1: Reforma legal e incidência política ............................................................... 48
2.5.5 GT 5: Participação Infantil: Criança tem voz .......................................................... 49
2.5.6 Considerações sobre os GTs ................................................................................. 50
2.6 Entrega Formal do Informe – Resultados Dos Trabalhos Do Simpósio Às Autoridades
Presentes / Encerramento....................................................................................................... 53
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I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes - Castigos Físicos e
Humilhantes
Data do evento: 02 a 04 de dezembro de 2009
Local: FIRJAN
Público: representantes dos movimentos pelos Direitos Humanos da Infância, integrantes do
Sistema de Garantia de Direitos, formadores de opinião e crianças e adolescentes de cinco
regiões do Brasil
1. INTRODUÇÃO
O I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes – pelo fim dos
castigos físicos e humilhantes - realizado em dezembro de 2009, no Rio de Janeiro, fortaleceu a
agenda de celebrações pelos 20 anos da Convenção sobre os Direitos das Crianças e
Adolescentes. Marcado pela defesa dos direitos infanto-juvenis, o evento mobilizou forças
estratégicas nacionais a fim de constituir um momento histórico propício à aceitação social e legal,
no Brasil, do fim de práticas que violam a integridade física e psicológica de crianças e
adolescentes.
A Rede Não bata, Eduque planejou e coordenou o simpósio em aliança com diversos
entes, dentre estes, organizações da sociedade civil brasileira, a Frente Parlamentar pelo Direito
da Criança e do Adolescente, a Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e o Rio Solidário. É importante ressaltar
o apoio recebido do programa Iniciativa Global pelo Fim da Punição Corporal, da ONG Save the
Children Suécia e do UNICEF.
O Simpósio privilegiou a interlocução entre discussões científicas e perspectivas técnicas
no debate sobre o fenômeno da violação dos direitos de crianças e adolescentes através de
castigos físicos e humilhantes.
Como seus objetivos principais, podemos eleger:
A) Disseminar a urgência de se colocar a causa do fim dos castigos físicos e
humilhantes na pauta do debate nacional dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes,
atentando para a igualdade de direitos à integridade física e psicológica de todas as pessoas, de
todas as gerações, independentemente da faixa etária
B) Apresentar uma plataforma para a erradicação dos castigos fiscos e humilhantes
C) Assumir publicamente a responsabilidade, com agências nacionais e internacionais,
de influir no avanço dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes no Brasil, na América
Latina e no Caribe.
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1.1 A REDE NÃO BATA, EDUQUE
A Rede Não Bata, Eduque lançou, em 2007, a campanha nacional “Não Bata, Eduque! Uma campanha a favor dos direitos das crianças e contra os castigos físicos e humilhantes”. A
campanha está centrada em três eixos: a Reforma Legal – para a elaboração de políticas públicas
e normas legais que protejam integralmente os direitos de crianças e adolescentes; programas de
mobilização e educação – que favoreçam a educação infantil baseada no diálogo, na
compreensão e no afeto e a capacitação continuada de atores do sistema de garantia de direitos,
profissionais das áreas de saúde, educação, assistência social, segurança pública, etc.; e a
participação infanto-juvenil.
A filosofia da Rede se baseia na ideia de que é possível a existência de formas de
educação familiar, institucional e comunitária sem o uso de violência. Seu grupo gestor é
constituído pelas seguintes organizações: ANDI – Agência de Noticias dos Direitos da Infância;
Comunicarte; Fórum Nacional do Direito da Criança e Adolescente; Frente Parlamentar em Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente; Fundação Abrinq; Fundação Xuxa Meneghel; Instituto
Noos; Projeto Proteger; Instituto Promundo; e Save the Children Suécia.
A iniciativa de criação da Rede é resultado da articulação entre o Instituto Promundo, a
Fundação Abrinq, a Fundação Xuxa Meneghel, a Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e
do Adolescente e a agência Comunicarte, que no final de 2005, trabalharam em conjunto com a
ONG Save the Children Suécia, com o propósito de contribuir com o processo de tramitação e
aprovação do Projeto de lei 2.654/03. Em 2007, o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente integrou-se à Rede.
A campanha nacional pela erradicação da prática dos castigos físicos e humilhantes
contra crianças e adolescentes tem sido responsável por muitas ações de mobilização social.
Estas incluem produção e distribuição de materiais informativos e educativos, bem como,
encontros e oficinas para pais, educadores e outros profissionais que atuem com crianças e
adolescentes. Além disso, há o firme propósito de influenciar a elaboração de programas de
governo e a formulação de políticas públicas.
A divulgação de suas ações e atividades é feita por meio do site da Rede - cujo endereço
é www.redenaobataeduque.org.br – e através de difusão nos meios de comunicação.
1.2 RELEVÂNCIA DO TEMA
O tema dos castigos físicos e o tratamento humilhante no Brasil e no mundo devem ser
considerados pela sua relevância e atualidade. Entretanto, é de suma importância o conhecimento
da história da luta pela sua erradicação. Em 2008, comemoraram-se os 60 anos da publicação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que preconiza, no artigo 7º, o direito ao respeito
absoluto à integridade física, independentemente da situação em que se encontre qualquer
pessoa.
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Em 1989, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou e
adotou a Convenção sobre Direitos da Criança e do Adolescente, que, em seu artigo 19, trata da
proibição de todas as formas de castigos corporais às crianças, inclusive na família. Para apoiar e
monitorar as decisões da Convenção, foi criado o Comitê dos Direitos da Criança. Este, ao ter as
crianças e adolescentes como sujeitos de direito, considera a aceitação legal e social dos castigos
físicos às crianças, na família ou em instituições, incompatível com a Convenção. Em 2004, o
Comitê incluiu o castigo físico contra crianças e adolescentes dentre suas principais áreas de
1
preocupação e estabeleceu as seguintes determinações :
“42. O comitê expressa sua preocupação com a punição corporal que é largamente
praticada no Estado-Parte e que nenhuma legislação explícita existe no Estado
para proibi-la. Punição corporal é usada como uma medida disciplinar em
instituições penais. Punição “razoável” é realizada em escolas e punição
“moderada” é licita na família.
43.
O comitê recomenda que o Estado-Parte proíba explicitamente a punição
corporal na família, na escola e nas instituições penais, e empreenda campanhas
educativas para educar os pais sobre alternativas de disciplina.”
(Observações finais do relatório de 1º/10/2004)
Em 2003, o então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan encomendou ao
consultor independente, Paulo Sérgio Pinheiro, um estudo sobre violência contra crianças e
adolescentes. O documento foi apresentado na sessão da ONU de outubro de 2006 e apontou um
grave quadro de desrespeito e violação de direitos fundamentais de meninos e meninas. Além
disso, o estudo mostrou claramente que as próprias crianças consideram a violência uma questão
crucial em suas vidas. A versão em português do documento foi lançada em dezembro de 2006,
durante a VII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Brasília.
2
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em publicação datada de 2009 , confirmou a
obrigação dos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) de proibir legal
e explicitamente todas as formas de castigo corporal contra crianças e adolescentes. E,
concomitantemente, adotar medidas preventivas, educativas e que contribuam para erradicação
desta forma de violência. O argumento principal é baseado na incompatibilidade desses atos com
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana de Direitos e
Deveres do Homem.
Entretanto, apesar de todo esse reconhecimento internacional de que os castigos físicos
e o tratamento humilhante contra crianças e adolescentes violam direitos humanos fundamentais,
tais práticas e a resistência à mudança persistem no sofrimento cotidiano de meninos e meninas.
1
Observações finais do Comitê dos Direitos da Criança ao Relatório Inicial apresentado pelo Brasil - CRC/C/15/Add.241 de
1º de outubro de 2004.
2
Relatório sobre o Castigo Corporal e os Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Comissão Interamericana de
Direitos Humanos/Relatoria sobre Direitos da Infância. 2009.
.
6
No caso do Brasil, os direitos de as crianças viverem livres da violência são
preconizados por legislação nacional (a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, de 1990), bem como pela Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações
Unidas, ratificada pelo Brasil em 1990. Entretanto, a prática da violência ainda está disseminada
podendo atingir níveis tão perversos que pode ser caracterizada como abuso e, até mesmo,
tortura. Além disso, o castigo físico ainda é, em grande parte, uma norma aceitável na cultura
familiar brasileira, como recurso disciplinador, ou forma legítima de educação dos filhos.
Além da tolerância social e política, a prática do castigo físico está respaldada pela
opinião equivocada de pais/responsáveis educadores e cuidadores quanto: 1) à eficácia deste
recurso na educação de crianças e adolescentes e 2) à idéia de que esse é um problema de fórum
privado.
Assim, mais do que afirmar que tais práticas são inaceitáveis, é preciso trabalhar pela
garantia da interrupção desse ciclo de violência por meio de uma proposta sócio-jurídica objetiva
que proíba os castigos físicos e o tratamento humilhante.
1.3 O EVENTO: ESTRUTURA E PARTICIPANTES
Nos dias 2, 3 e 4 de dezembro de 2009, no Rio de Janeiro, desenvolveu-se um
importante capítulo da jornada pelos direitos humanos de crianças e adolescente. O I Simpósio
Nacional de Direitos Humano de Crianças e Adolescentes – pelo fim dos castigos físicos e
humilhantes - foi parte importante da agenda de Celebração dos 20 anos da Convenção sobre os
Direitos das Crianças e Adolescentes. Tratou-se de uma oportunidade para que especialistas no
tema, representantes de governos e sociedade civil se unissem para refletir sobre os castigos
físicos e humilhantes e, a partir das reflexões feitas, definissem formas de ação para estancar a
violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Estiveram presentes 206 representantes de movimentos de luta pelos Direitos Humanos
da Infância, integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, formadores de opinião, estudantes,
além das crianças e adolescentes das cinco regiões do Brasil.
Foram oferecidos quatro painéis temáticos, apresentações de pesquisas e grupos de
trabalho, além das mesas de abertura e encerramento. No primeiro capítulo, apresentaremos o
conteúdo abordado em todas as ocasiões. Mas, desde já, vale destacar as produções dos grupos
de trabalho, que serviram de subsídio para elaboração de um documento formal a ser entregue a
autoridades; e o lançamento de duas publicações: a “Criança Sujeito de Direito” e o relatório
“Castigo Corporal e Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes”.
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A mesa de abertura do evento contou com a participação de:
•
Adriana Ancelmo
•
Carlos Nicodemos
•
Danusa Nascimento
•
Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira
•
Hans Lind
•
Jacques Schwarstein
•
Louise Anderson
•
Maria da Graça Xuxa Meneghel
•
Peter Newell
Os convidados para participação nos painéis foram:
•
Angélica Goulart
•
Cristiana Cordeiro
•
Denise Stuckenbruck
•
Dep. Federal Maria do Rosário
•
Eva Stenstam
•
Fernando Pereira
•
Flávia Garcia
•
Gabriel Rebollo
•
Helen Sanches
•
Iolete Ribeiro
•
Isadora Garcia
•
Marcio Segundo
•
Marcos Nascimento
•
María Luz Gutierrez
•
Marta Santos Pais
•
Paulo Sergio Pinheiro
•
Peter Newell
•
Renato Roseno
•
Ricardo Souza
•
Rosa Maria Ortiz
•
Wanderlino Nogueira Neto
Por fim, para o encerramento e entrega do formal dos resultados dos grupos de trabalho
estiveram à mesa:
•
Helen Sanches
•
Deputada Maria do Rosário
•
Marie-Pierre Poirier
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•
Marta Santos Pais
•
Osmar Castro Lopes
•
Paulo Sergio Pinheiro
•
Peter Newell
•
Rosa Maria Ortiz
1.4 PARTICIPAÇÃO INFANTIL NO SIMPÓSIO
A Rede Não Bata, Eduque entende que ouvir os principais interessados, ou seja, as
crianças e adolescentes, é parte fundamental deste trabalho. Crianças e adolescentes tem o
direito de expressar sua opinião e sua compreensão sobre o assunto, direito esse garantido pela
própria Convenção. E os adultos tem o dever de escutar. Por isso, ao longo de todo processo de
planejamento e preparação para o I Simpósio Nacional de Direitos Humanos da Criança e do
Adolescente, um eixo norteador foi a participação infantil.
Durante quatro semanas, crianças e adolescentes de organizações que trabalham
diretamente com redes de proteção se prepararam para apresentar suas opiniões e sentimentos
durante o I Simpósio. Foram formados três grupos por faixa etária apoiados por três educadores
das cinco regiões do país, com a supervisão e apoio de especialistas em participação infantil.
O I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes contou com um
site para sua divulgação que ainda está no ar, podendo servir de fonte de maiores informações
para os interessados. O endereço é http://naobataeduque.org.br/simposio2009 .
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2. I SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
APRESENTAÇÕES E PALESTRAS
O I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes teve início no dia
dois de dezembro de 2009, às 18 horas, na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
(FIRJAN).
Neste capítulo apresentaremos os painéis e apresentações que compuseram o Simpósio,
destacando os pontos principais das falas de cada palestrante, de forma a tornar esse documento
uma memória do evento, valorizando seu conteúdo e seu potencial de utilização no futuro.
2.1 ABERTURA DO EVENTO: Introdução ao tema
A mesa de abertura do Simpósio contou com a participação de Adriana Ancelmo,
advogada, presidente de honra da ONG RioSolidário; Louise Anderson, cônsul geral da Suécia no
Rio de Janeiro; Peter Newell, secretário-executivo da Iniciativa Global pelo Fim da Punição
Corporal, organização internacional que empreende ações contra os castigos físicos e o
tratamento humilhante junto a governos, OEA, ONU e agrega ações da sociedade civil; Maria da
Graça Xuxa Meneghel, representante da Rede Não Bata. Eduque; Carlos Nicodemos, advogado,
presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA); Hans Lind,
diretor regional Save the Children Suécia para América Latina e Caribe; Jacques Schwarstein,
representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF; Eduardo Eugênio Gouvêa
Vieira, presidente da FIRJAN; e Danuza Nascimento, representante das crianças e adolescentes.
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As falas foram iniciadas pelo presidente do Sistema FIRJAN, Eduardo Eugênio Gouvêa
Vieira. Após agradecer a escolha do espaço por parte da Rede Não Bata, Eduque, Vieira lembrou
a importância dessa parceria, pois, a seu ver, a sede da FIRJAN não é apenas a “casa das
indústrias”, mas sim uma “casa da sociedade”. E sendo assim, considera um dever sediar eventos
como esse, que promovam o desenvolvimento social. O presidente aproveitou também para
destacar alguns projetos já existentes no Sistema FIRJAN e que são exemplos de seu
envolvimento com questões sociais: o projeto Transformar, por onde já passaram mais de 30 mil
pessoas, uma parceria com o DEGASE para trabalhar junto aos jovens infratores; e um projeto
recente, chamado Cultivar, que tem lugar na comunidade do Batam, em Realengo. Gouvêa Vieira
fez uma conexão com a realidade do Batam com o tema do Simpósio, pois, segundo Vieira, os
jovens daquela localidade estão em situação extremamente vulnerável, por conta da difícil
situação de suas famílias.
Para concluir, lembrou que uma Rede Social precisa de ajuda, de força e de sinergia para
ter sucesso. E que, aparentemente, via nos participantes do Simpósio a angústia necessária para
promoção de mudanças sociais. Agradeceu novamente e passou a palavra.
Em seguida, falou a cônsul geral da Suécia, Louise Anderson, que iniciou sua participação
com a seguinte questão: “Por que a violência contra a criança é permitida e contra o adulto não
é?”. Antes de buscar uma resposta para essa pergunta, Louise lembrou que a Suécia foi o
primeiro país no mundo a aplicar uma lei prevendo punição para castigos físicos, lei essa que, em
2009, completa 30 anos. Ao longo do processo sueco de abolição da punição corporal, o objetivo
final incluía não somente tornar o ato do castigo físico contra crianças ilegal, mas também
promover uma mudança na mentalidade da sociedade. A contribuição de médicos e psicólogos
permitiu a percepção de que “para que uma criança possa crescer e tornar-se um bom cidadão,
ela deve ser tratada com respeito. As cicatrizes causadas pela opressão e pelo medo são
carregadas pelo resto de suas vidas”. “A finalidade era deixar claro que as crianças e
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adolescentes tinham os mesmos direitos que os adultos”, afirmou Louise.
A cônsul ressaltou ainda que neste ano (2009) completa-se 20 anos da Convenção das
Nações Unidas dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Por fim, exprimiu seu desejo que de o
Brasil esteja pronto para assumir seu lugar como o próximo país a ter uma lei que busque eliminar
os castigos físicos e humilhantes contra crianças.
A representante da Rede Não Bata, Eduque, Xuxa Meneghel foi a terceira a falar na mesa
de abertura do Simpósio. Para Xuxa, todos os seres humanos precisam de amor, respeito e
devem poder crescer em um ambiente com harmonia e carinho. É preciso que se lute pelos
direitos das crianças e adolescentes, que a seu ver, hoje, são tratadas quase como objetos, como
outrora pessoas de raças diferentes já foram. E conclui: “O nosso país precisa dizer sim para as
crianças e não para a violência”, sem esquecer a importância da conversa sobre esse assunto
como parte do processo de mudança cultural.
Carlos Nicodemos, presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do
Adolescente (CEDCA) foi o quarto a ter a palavra e aproveitou para ressaltar a importância dos
Conselhos de Direito ao qual se referiu como: “verdadeiras instâncias de constituição da chamada
democracia representativa, participativa onde sociedade civil e governo, juntos, formulam as
diretrizes e monitoram a política de proteção dos direitos da criança e do adolescente”. Para
Nicodemos, o maior desafio da sociedade moderna, da sociedade brasileira, é compreender a
passagem do não bater para o educar. E, assim como Xuxa, apresentou como ponto chave para o
caminho da transformação cultural o diálogo. “Somente o dialogo dentro de um profundo processo
de transformação cultural será possível fazer essa passagem do não bater para o educar”,
afirmou. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi responsável por parte do ordenamento
jurídico, entretanto é preciso mais. É preciso a compreensão da criança para o seu
desenvolvimento pleno, e isso demanda diálogo. O presidente do CEDCA lembrou que no
momento do Simpósio, estavam nas vésperas da realização da Conferência Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente, na qual se pretendia elaborar o Plano Decenal.
Posteriormente, foi a vez do secretário-executivo da Iniciativa Global pelo Fim da Punição
Corporal, Peter Newell ter a palavra. Ele frisou a importância dessa luta que estava em debate,
principalmente para as crianças: “Estados tem pessoas, não possessões. E é por isso que as
punições corporais tem ganhado tanta visibilidade e em tantos países. É inaceitável e precisa ser
proibida e eliminada da educação pública e também dos pais”. Newell lembrou que ainda há um
caminho longo a ser percorrido afinal, apenas recentemente se chegou à situação de se ter mais
de 100 países no mundo com a proibição da punição corporal nas escolas.
Hans Lind, diretor regional Save the Children Suécia para América Latina e Caribe, iniciou
sua fala aludindo à comemoração dos 90 anos da organização Save The Cildren Suécia, aos 20
anos da Convenção dos Direitos Humanos da Criança e aos 30 anos completos há pouco pela lei
sueca que proíbe os castigos físicos. Depois de considerar positivo vivermos em um mundo onde
todos os adultos estão protegidos da violência, ao menos por lei, lembrou que o uso de castigos
físicos contra crianças e adolescentes segue sendo legal em quase todo o mundo, com exceção
de apenas 25 países. E que, ainda que nem todos o entendam como tal, o castigo físico é uma
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forma de violência. “Nem todos os adultos vêem o castigos físico como uma forma de violência,
mas se perguntarmos às crianças, elas dizem que sim, que é violência”, afirmou para completar
com a ideia de que o desafio de todos que estavam naquela sala era, em primeiro lugar,
convencer do contrário aqueles que ainda não viam o castigo físico como forma de violência. Para
Hans, essa violência destinada às crianças e adolescentes muitas vezes sob o pretexto de que é
para o seu próprio bem, somente revela a visão de posse que se tem sobre eles e termina por
abrir caminho para diversos tipos de abuso e exploração, como por exemplo, a exploração sexual.
Sobre a Save the Children Suécia, Hans lembrou que suas iniciativas estão sempre
baseadas em três eixos. O primeiro visa trabalhar pela aprovação de leis contra a violência a
crianças e adolescentes porque acreditam que o ordenamento jurídico é um primeiro passo
necessário para por fim a todas as formas de violência. O segundo é informar e assessorar a
todos que estejam envolvidos no sistema de proteção da infância para que eles se encontrem em
condições de aplicar a lei aprovada. O terceiro, que é o mais importante para nós, é escutar e
aprender com as crianças.
O penúltimo da mesa a ter a palavra foi Jacques Schwarstein representante do Fundo das
Nações Unidas para Infância (UNICEF). Ressaltando a ideia de direitos humanos ainda é
considerada novidade em meio a nossa sociedade, Schwarstein afirma que ainda existem lugares
que esses direitos ainda não alcançaram. E é disso que se trata o simpósio. Em sua opinião, a
questão do castigo físico e humilhante está diretamente relacionada às dificuldades encontradas
ao longo do processo de educação dos filhos. A erradicação dos castigos físicos e humilhantes,
portanto, passa por um processo pedagógico e de orientação e apoio que Estado e sociedade
devem oferecer aos pais, para que se sintam de posse das melhores ferramentas de educação e
sem necessidade de violência.
Por fim, chegou a vez de Danuza Nascimento, representante das crianças e adolescentes
dar sua contribuição para a mesa de abertura do simpósio. Em sua fala ela ressaltou a
importância de a criança ser ouvida e da importância que essa palavra pode ter para resolução
dessa questão, afinal, são eles que sofrem a violência.
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Em seguida, os participantes assistiram a um filme que foi produzido ao longo dos
encontros de preparação com as crianças, nas diferentes regiões do Brasil.
2.2 PANORAMA SOBRE CASTIGOS FÍSICOS E TRATAMENTO HUMILHANTE
2.2.1 Panorama Sobre Castigos Físicos E Tratamento Humilhante No Mundo e a Importância
Estratégica de sua Proibição para a Promoção de Direitos Humanos de Crianças e
Adolescentes no Brasil (Painel 1)
Ainda no primeiro dia do evento, às 19:30h teve início um painel temático, que visava dar
aos participantes um panorama sobre a situação dos castigos físicos e do tratamento humilhante
no Mundo. Participaram do primeiro painel do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos De
Crianças e Adolescentes Wanderlino Nogueira Neto, mestre em direito e representante da ANCED
(Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente/DCI
Brasil); Peter Newell, secretário-executivo da Iniciativa Global pelo Fim da Punição Corporal,
organização internacional que empreende ações contra os castigos físicos e o tratamento
humilhante junto a governos, OEA, ONU e agrega ações da sociedade civil; e Eva Stenstam,
representante da ONG Save the Children Suécia.
O primeiro da mesa a falar foi Wanderlino Nogueira Neto. Ele iniciou propondo uma
reflexão sobre a necessidade da proibição dos castigos físicos e humilhantes. Para isso, é preciso
que primeiro nos questionemos qual a percepção que temos enquanto sociedade sobre o tema. E
qual é o pensamento dominante no Brasil? Para Wanderlino há duas forças. Uma que vê o castigo
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físico como benéfico e indispensável à vida social, por isso temos que ter políticas e leis que
regulamentem sua aplicação. E outra que o enxerga como desumano, maléfico e dispensável e
que, portanto, deve ser combatido por meio de legislação inibidora. E a sociedade tem que se
posicionar entre essas duas forças. Para ele, a posição correta é a utopia do fim da dominação
por meio de castigos físicos e humilhantes.
“A proteção social de crianças e adolescentes contra o castigo físico e contra todas as
outras formas de castigos cruéis e degradantes precisa ser vista antes num processo histórico de
lutas pela promoção e proteção dos direitos humanos de todas as crianças e dos adolescentes.
Processo esse que vem se desenrolando em todo o Brasil durante as ultimas duas décadas”,
afirmou.
Peter Newell iniciou sua fala afirmando que a punição corporal contra crianças e
adolescentes é um problema global, e não específico de um país, de uma região. Para ela, a
importância de o Brasil aprovar uma lei contra essa prática ultrapassa seus limites e representa
um passo fundamental não só para as crianças brasileiras, mas para as de todo o mundo. “Se o
Brasil aprovar sua lei, será o primeiro grande país a fazê-lo, o que seria um grande passo não só
para as 62 milhões de crianças do Brasil, mas para as crianças em nível global”, afirmou.
A Convenção sobre os Direitos das Crianças e um recente estudo da ONU sobre a
situação da violência infantil, estão acelerando o progresso desse tema mundo afora. Além disso,
a emergência da temática dos direitos humanos também tem sido vantajosa, pois toda forma de
punição corporal é considerada uma violação dos mesmos. Além disso, a punição corporal,
segundo Newell, tem um efeito deveras negativo sobre as crianças e mesmo sobre a relação entre
pais e filhos. Para esta segunda situação, Peter destaca dois motivos: as crianças passam a evitar
os pais, afim de assim evitar também a dor, e também perdem a confiança neles. Crianças que
são vítimas de agressões tem menos probabilidade de internalizar valores como a justiça, por
exemplo. Isso, porque se acostumam a tomar decisões com base no medo e não no que é certo
ou errado.
Para Peter, a questão da proibição da punição corporal contra crianças e adolescentes
hoje em dia deveria ser algo fácil de ser compreendido. Entretanto, essa questão ainda
permanece difícil e controversa em diversos países e regiões. Há também a questão da religião,
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onde se criam situações e argumentos para que o castigo físico e humilhante seja justificado. “Os
instrumentos internacionais de direitos humanos garantem o direito de liberdade de crença
religiosa. Entretanto,
a crença não pode levar a práticas que quebrem o direito dos outros,
incluindo o direito de respeitar sua dignidade humana e integridade física. A violência de qualquer
tipo não pode ser dignificada ou justificada por uma referencia religiosa”, argumenta.
O desafio, portanto, não passa pela eliminação de apenas uma forma de violência, mas
pelo questionamento da toda forma de violência contra crianças e adolescentes. Todo castigo que
fira a integridade física ou psicológica de uma criança não pode ser aceito, mesmo quando sob o
pretexto de ser para o seu próprio bem. “Terminar com a violência legalizada contra as crianças é
a única maneira segura de protegê-las”, conclui Newell afirmando que o potencial de campanhas
com objetivo de erradicar os castigos físicos e humilhantes contra crianças para o futuro pacífico
das relações humanas é quase incomensurável. O Comitê dos Direitos da Criança, da qual Newel
faz parte, apresenta uma definição daquilo que é considerado castigo físico ou corporal. É então:
“qualquer punição na qual a força física é usada e quem tem como intenção causar algum nível de
dor ou desconforto”. Há ainda outras formas de punição sem dor, mas que podem ser intituladas
como incompatíveis com a Convenção. Essas punições são atos que diminuem, denigrem,
humilham, criam culpa ou medo nas crianças. “Quando nós desafiamos toda e qualquer forma de
punição corporal, nós estamos dando as crianças um caminho para alcance do respeito à sua
dignidade física”.
Para Newel, vários países do mundo estão tendo a oportunidade de avançar rumo à
erradicação dos castigos físicos e humilhantes contra crianças e adolescentes e classifica como
“tragédia” o seu não aproveitamento.
A título de conclusão, o secretário-executivo da Iniciativa Global pelo Fim da Punição
Corporal usa uma frase de Paulo Sérgio Pinheiro, um dos membros da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos: “As crianças estão cansadas de serem chamadas de o futuro. Elas querem
desfrutar sua infância livres da violência nesse exato momento”.
A última fala do dia ficou por conta de Eva Stenstam, da Save the Children Suécia. Ela
apresentou a história do trabalho da Suécia na luta pela erradicação dos castigos físicos e como,
passo a passo, se construíram formas de criação e educação sem uso da punição corporal e
humilhante. Um dos principais motivos pelos quais os pais batem em seus filhos é porque eles
mesmos foram criados dessa maneira. E para desconstruir esses costumes foi preciso um
trabalho árduo que, gradualmente foi apresentando mudanças.
16
Nos anos 20, começou a se reconhecer a noção de interesse maior das crianças, mas
ainda assim, era permitido aos pais punirem seus filhos fisicamente. Nos anos 30, a ideia dos
impactos negativos da punição corporal passou a ser tema de abordagens de psicólogos,
pediatras e professores em diversos países do mundo. Na Suécia, campanhas para informar aos
pais sobre esses efeitos foram iniciados por organizações não-governamentais. Passada a
Segunda Guerra Mundial, o debate sobre o tema se intensificou. Em 1949, foram introduzidas as
primeiras leis para dar conta da relação entre pais e filhos. Após inúmeros debates, todas as
formas de punição corporal foram proibidas das escolas suecas. Hoje, 107 países no mundo tem
essa lei.
Nos anos 70, diversos casos de abuso infantil chamaram atenção dos defensores dos
direitos das crianças, do National Board of Health and Welfare e das organizações feministas. Eles
sentiram a necessidade de uma medida forte, como uma lei, que esclarecesse que toda forma de
violência contra crianças é injustificável. Em julho de 1979, a Suécia se tornou o primeiro país do
mundo a ter uma lei que proíbe todas as formas de punição corporal e tratamento humilhante
contra crianças. Eva destaca que a lei não estava ligada a qualquer penalização ao seu não
cumprimento. “O propósito não era punir ou criminalizar os pais. O propósito era garantir os
direitos humanos das crianças, para terem sua integridade física e dignidade respeitadas. A lei dá
a mensagem clara: Bater nas crianças é errado!”, explica. Trata-se de um símbolo para guiar os
pais.
Após a aprovação, iniciou-se outro processo. O governo investiu em campanhas
publicitárias e outras que atividades que garantiram que, passados dois anos, a lei já fosse
conhecida por 99% da população.
Stenstam afirma saber que não é fácil, mas as experiências mostram que é possível. E
apresenta números que comprovam o sucesso da experiência sueca. Sobre a situação atual,
confirma que é difícil saber quantas crianças sofrem violência em casa. Os dados policiais
apontam para um aumento dos registros de casos, o que pode significar um aumento das
denúncias, das notificações. “A lei deixou claro que a violência nunca é um assunto privado”,
conta.
O sucesso do desenvolvimento sueco, para Stenstam, se deve a duas questões: 1)
Propaganda continuada contra a punição corporal e o tratamento humilhante ao longo dos últimos
17
40 anos e; 2) A combinação da lei com a educação de profissionais importante para lidar com
casos de violência infantil. Como principais resultados desse processo, estão a diminuição do uso
de punição corporal e ao tratamento humilhante pela sociedade, o aumento da identificação das
crianças em situação de risco, a diminuição da morte infantil por abuso, as taxas de repressão se
mantiveram estáveis e o serviço social passou a atuar mais de forma preventiva.
2.2.2 APRESENTAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS – COSTA RICA, VENEZUELA E URUGUAI
(PAÍSES COM A LEI APROVADA) E BRASIL (RNBE) (PAINEL 2)
O segundo dia do Simpósio foi iniciado pelo painel de apresentação de experiências.
Neste participaram Maria Luz Gutierrez, da Fundação Paniamor, da Costa Rica; Fernando Pereira
do CECODAP, da Venezuela; Gabriel Rebollo, do grupo Arco-Íris do Uruguai; e Angélica Goulart,
assistente social, diretora da Fundação Xuxa Meneghel e representante da Rede Não bata,
eduque. Essa sessão trouxe as experiências dos três países da América Latina que já tem uma lei
que proíbe a violência contra crianças e adolescentes, seja na escola, no ambiente domiciliar ou
nas instituições de cuidado e proteção das crianças. A mediação ficou a cargo da representante
da Save the Children Suécia, Denise Stuckenbruck.
Maria Luz Gutierrez iniciou sua fala destacando a amplitude e as dificuldades do processo
de aprovação da lei pela erradicação dos castigos físicos contra crianças e adolescentes na Costa
Rica. Um processo que teve início em 2003, com apoio da Save the Children Suécia e que foi o
responsável pela alteração da cultura de direitos humanos naquele país. Desde o princípio o
projeto tinha duas frentes: uma pela aprovação da lei e outra pela sensibilização da sociedade
para com o tema.
18
E em setembro de 2008 a lei foi aprovada, permitindo a alteração de dois artigos. O
primeiro passou a garantir que o Estado tem a responsabilidade de garantir os direitos
fundamentais das pessoas e que é o patrono nacional da infância, através do Sistema Nacional de
Proteção Integral, sendo assim o responsável pela elaboração de políticas públicas que incluam
programas e projetos formativos para o exercício da autoridade paterna. “Este artigo também traz
algo que para nós é fundamental. O direito à disciplina que tem as crianças. As crianças tem
direito a receber educação, orientação, cuidado e disciplina sem que de modo algum se faça uso
do castigo corporal ou de tratamento humilhante”, lembrou Maria Luz. O segundo artigo reformado
foi o do Código da Família, que definia os direitos e deveres de ambas as partes, mas sem
permitir nenhuma forma de castigos corporal ou tratamento humilhante, retirando-se a ideia da
permissão desta ação de forma moderada. O artigo, como está escrito, “confere os direitos e
impõe os deveres de orientar, cuidar, educar, vigiar e disciplinar seus filhos e filhas; isto não
autoriza em nenhum caso o uso do castigo corporal ou nenhuma outra forma de tratamento
humilhante contra pessoas menores de idade”.
Com a lei aprovada, reconheceu-se que o mais difícil era promover uma mudança cultural.
Mas ainda no âmbito do processo de aprovação da lei Gutierrez chama atenção para a
importância que uma grande campanha de massa teve. “O processo de luta pela aprovação da lei
na Costa Rica pode ser dividido em duas etapas. O primeiro período - de 2003 a 2006 - foi de
trabalho forte para conseguir aprovar a lei. Trabalho esse que exigia o convencimento das
instituições e de todos de que era importante ter essa lei”, lembrou. Posteriormente, com a lei
aprovada o foco há de necessariamente se transferir para o âmbito familiar, de modo a auxiliar a
sociedade a caminha ruma à mudança cultura. O trabalho forte junto às instituições de educação
por estarem mais próximas das famílias, por exemplo, foi e é parte de um processo que tem
conseguido bastante sucesso.
Todo o processo da Costa Rica teve sua argumentação baseada em algumas premissas.
São elas: uma das implicações do castigo físico na formação das crianças é a falência da
organização democrática da família; a prática do castigo físico afeta a relação de respeito mútuo
entre a família; o efeito do castigo físico não forma caráter e nem garante disciplina; lugares onde
impera a violência abrem as portas para outros tipos de violência, incluindo a violência de gênero;
dar um passo na direção da erradicação dos castigos físicos dentro da família significa dar um
passo em direção a paz social.
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Após apresentar o material usado nas campanhas que empreendem na Costa Rica, Maria
Luz Gutierrez chamou atenção para o mapa elaborado pela Save the Children Suécia que mostra
que apenas 25 países no mundo todo já aprovaram essa lei e concluiu: “A principal lição
aprendida é que devemos entender aos pais e mães e não devemos culpá-los. Também devemos
apoiá-los e não persegui-los. E por outro lado, temos que saber com muita clareza que mães e
pais precisam de capacitação e sensibilização. Devemos indicar a eles que o castigo físico não
educa. Apenas ensina o medo e o respeito à pessoa adulta”.
O segundo a ter a palavra nesse painel foi Fernando Pereira, com a experiência da
Venezuela. Ele lembrou que o processo pela aprovação da lei venezuelana foi iniciado por
influencia do Brasil, através dos trabalhos de Denise Stuckenbruck da Save the Children Suécia.
Para Pereira o primeiro passo que deve ser dado em qualquer lugar é o que permite avançar na
compreensão do problema e na percepção do que pensam as crianças, adolescentes e os pais
sobre este assunto, uma vez que para eles, bem como para grande parte da sociedade, o castigo
físico já é algo naturalizado. Ele lembra que se surpreendeu “quando funcionários do sistema de
proteção disseram que o castigo físico não era violência. Ou seja, inclusive os supostos protetores
dos direitos das crianças aceitavam essa prática em nome da educação e da correção”. Quando o
debate está em torno do abuso sexual ou da exploração do trabalho infantil, é mais fácil atingir o
consenso de que essas são práticas que devem ser proibidas. Entretanto, o castigo físico gera
posições bastante diversas e algumas pessoas ainda se opõem à ideia de enxergá-lo como uma
forma de violência.
A participação e a promoção de encontros pela América Latina observando sempre como
os outros países caminhavam, permitiu a Venezuela somar um pouco de cada experiência e
construir sua própria jornada. Fernando destacou uma característica do processo venezuelano
que considera de grande importância: a intensa participação de crianças e adolescentes. Sua
incorporação junto aos controladores sociais se deu primeiro, na criação de um movimento
chamado MANIA (Movimento de Ação por los niños e las niñas) e depois na “Jornada de
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Parlamentarismo de Calle com Niños, Niñas e Adolescentes”, convocada pela presidenta da
Comissão da Família, Mulher e Juventude da Assembléia Nacional. Mais adiante, veremos que
esse fator, a participação infanto-juvenil tem sido também muito estimulado no caso brasileiro.
Ao lembrar o papel importante que a participação no Fórum Social das Américas teve para
a aprovação da lei Venezuela, Pereira afirma: “A conclusão é que o castigo físico e humilhante é
uma forma de violência intolerável em sociedades democráticas e progressistas. Por isso, Brasil e
Venezuela não pode permitir que se tire das crianças o direito de serem crianças”.
Em dezembro de 2007 foi publicado no Diário Oficial a Reforma da Lei Orgânica para
Proteção de Crianças e Adolescentes e a incorporação do artigo 32, que reconhece o direito ao
bom-trato e proíbe qualquer tipo de castigo físico ou tratamento humilhante. Fernando ressalta
ainda que a ideia de bom trato é interessante pois reafirma que o foco da lei não é ir contra os pais
e sim a favor da sociedade.
“Artículo 32-A: Todos los niños, niñas y adolescentes tienen
derecho al buen trato. Este derecho comprende una crianza y educación
no violenta, basada en el amor, el afecto, la comprensión mutua, el respeto
recíproco y la solidaridad.
Los padres, madres, representantes, responsables, tutores,
tutoras, familiares, educadores y educadoras deberán emplear métodos no
violentos en la crianza, formación, educación y corrección de los niños,
niñas y adolescentes. En consecuencia, se prohíbe cualquier tipo de
castigo físico o humillante. El Estado, con la activa participación de la
sociedad, debe garantizar políticas, programas y medidas de protección
dirigidas a la abolición de toda forma de castigo físico o humillante de los
niños, niñas y adolescentes”.
Há ainda uma campanha em andamento chamada “Passaporte de Bons Tratos”, que vem
investindo em ações de formação destinada a diferentes atores como as próprias crianças, as
famílias, escolas e líderes comunitárias. Nesse ponto, novamente, aparece a participação infantil
como fundamental, afinal, afirma Pereira “para eles é muito mais fácil compreender que toda
forma de violência deve ser proibida”.
Por fim, lembrou que a Venezuela segue necessitando de novas políticas públicas que
permitam expandir o alcance dessa campanha para todo o país, promovendo o desenvolvimento
conjunto de estratégias de criação e educação sem violência. E expressou sua vontade de que o
Brasil, que lhes serviu de inspiração, em breve também possa proteger suas crianças dos castigos
físicos e humilhantes.
Em seguida foi a vez de Gabriel Rebollo, do grupo ArcoIris, do Uruguai apresentar aos
participantes a experiência do seu país. Para ele, o processo de abolição dos castigos físicos no
Uruguai foi favorecido pela conjuntura política que reunia fatos como a primeira ascensão da
esquerda ao poder, a promessa de adequação da legislação do país às bases de direitos
humanos do resto do mundo e reformas institucionais, bem como a implementação de políticas
públicas intersetoriais. Sendo essa última característica bem ilustrativa das mudanças no cenário
uruguaio, já que este vinha de uma longa tradição de Estado segmentado.
21
O trabalho pelo fim dos castigos físicos no Uruguai teve início em 2005 e, em novembro
desse mesmo ano, já foi publicado o anteprojeto de lei. Em 2007, foi aprovada a lei 18.214, pela
integridade de crianças e adolescentes e que garantia a proibição dos castigos físicos e
humilhantes. Mas em 2008, entretanto, houve um período de mudanças na conjuntura que não
foram favoráveis ao tema da violência, em especial ao tema dos castigos físicos. Dentre outras
coisas, dá destaque à desarticulação do Grupo Parlamentar pelas Crianças, que havia se formado
em 2007, e o adiamento das eleições.
Rebollo ressalta nesse momento que mesmo que se possa contar com uma conjuntura
política favorável que facilite a aprovação da lei, é importante manter ações paralelas que
fortaleçam o processo mesmo em momentos adversos. E o grupo ArcoIris trabalha nesse sentido.
Ao longo dos anos vem desenvolvendo uma série de práticas de forma a garantir o cumprimento
da lei. Seja por meio da difusão do tema nos meios de comunicação, a nível nacional e
internacional, por meio de articulação com parlamentares e autoridades de governo e pela
capacitação de equipes para trabalharem em centros sociais, de educação ou de saúde.
A
garantia da inserção do tema dos castigos físicos e humilhantes em eventos vinculados à infância
e adolescência, a produção e distribuição de material gráfico educativo e o envolvimento das
crianças e adolescentes ao longo de todo o processo também contribuíram de maneira
significativa para que todos os avanços alcançados fossem garantidos mesmo em períodos de
adversidade política.
22
A última explanação antes do debate foi feita por Angélica Goulart que apresentou aos
participantes a experiência da Rede Não Bata, Eduque.
Ela lembrou que, mesmo antes da
constituição da Rede, já havia diversos movimentos em todo o Brasil que abordavam o tema do
castigo físico e da violência contra crianças. Movimentos que trabalhavam para envolver a
sociedade no debate que, por ter outros diversos problemas aparentes maiores, menosprezava
essa discussão.
Para Angélica, o debate sobre os direitos humanos da criança deve ser precedido pela
discussão sobre como os adultos enxergam as crianças. Ela entende que, no momento em que a
resposta para esse debate mostrar uma percepção das crianças e adolescentes como sujeitos de
direito, o problema em questão no Simpósio estará mais próximo do fim. “Acaba aí a discussão
sobre se ela pode ou não pode sofrer violação da sua integridade física e psicológica – prática que
é muito enraizada na nossa sociedade”, afirma.
A Rede Não Bata, Eduque, se constituiu em torno do Projeto de lei n˚2.654/03. Seus
primeiros parceiros formaram um grupo de acompanhamento da tramitação do projeto.
Posteriormente, a Rede passou a atuar em busca de seu reconhecimento e fortalecimento visando
transformações na realidade das crianças que vão além da simples aprovação da lei, ainda que se
reconheça a necessidade desse primeiro passo ser dado.
Angélica apontou que, a partir de 2006, a Rede Não Bata, Eduque definiu tarefas e
estratégias de atuação, dentre estas, a Reforma legal, a partir da compreensão de uma dupla
necessidade: ordenamento jurídico sobre o tema e articulação política entre a sociedade e seus
canais democráticos.
Desde então, o trabalho tem se dado de diversas formas e junto a diversas redes:
. Em 2009, pela primeira vez, a questão do castigo físico seria levada para a Conferência
Nacional de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.
. A Rede da Primeira Infância, em seu Plano Nacional dedicaria um capítulo exclusivo à
violência.
. O Programa Nacional de Direitos Humanos traz em seu texto a indicação da proibição da
punição corporal à criança.
Angélica Goulart lembrou que, embora já tenham sido lançadas campanhas nacionais
sobre o tema, é imprescindível o trabalho individual, chamado por ela “de formiguinha”, para que
haja um esclarecimento por parte da sociedade sobre um assunto tão complicado e difícil de
chegar à unanimidade. A educadora ressaltou, ainda, a importância da participação infantil e as
dificuldades de se tratar esse tema junto a elas.
E “por que somos contra?”, questiona a representante da RNBE. Dentre os motivos
apresentados, dois são considerados como fundamentais: constitui uma violação aos direitos da
criança e o enfrentamento do problema é fator de aprofundamento da democracia.
“Se fala muito em criminalização, em culpabilização. Nós estamos trazendo uma proposta
de responsabilização dos adultos em relação às crianças. A nossa ideia é ter um projeto que
trabalhe em dois níveis: na proibição do castigo de casa; e em todas as instituições em que a
criança é cuidada, educada, guardada, vigiada”. Angélica explicou que a proposta normativa visa
23
incluir na legislação já aprovada do Estatuto da Criança e do Adolescente a proibição dos castigos
físicos e não apenas dos maus-tratos e da opressão. “Quanto às medidas conseqüentes em caso
de descumprimento, são as medidas já aplicadas pelo ECA”, lembrou.
Para finalizar, destacou um fato recente, a organização de Comitês Regionais de defesa
da criança e do adolescente em todo Brasil que mostra como o aumento da capilaridade do tema
por todo território nacional é benéfico. Ela exprimiu a expectativa de que o Simpósio tenha como
produto um plano de enfrentamento da violência não apenas da Rede, mas de toda a sociedade
brasileira.
Após a conclusão da rodada de apresentações das experiências, a mediadora da mesa,
Denise Stuckenbruck, fez uma rápida síntese do que foi abordado e trouxe contribuições para o
painel. Da experiência da Costa Rica, a principal característica destacada foi a parceria entre a
sociedade e o Estado em um processo de muita força. Na Venezuela, as instituições
desempenharam o papel principal, primeiramente porque trabalharam a questão internamente,
para depois levá-la à sociedade e aí sim, com força suficiente. Além disso, dois aspectos
importantes do processo Venezuelano também foram destacados: o lado afetivo e a participação
infantil. Sobre o Uruguai, Denise recuperou a parte da fala de Gabriel Rebollo na qual ele salienta
que o país vivia um contexto político favorável. Entretanto, atenta para a fragilidade dos contextos
políticos que podem se modificar a qualquer momento e prejudicar processos de longo prazo,
como Denise classifica o caso brasileiro.
Por fim, reflete sobre o Brasil e reafirma a necessidade de aprovação da lei. “A lei não é
simplesmente um instrumento jurídico ela é mais do que tudo um marco moral e ético de
princípios e valores”, observa Stuckenbruck. Nos casos dos três países, a reforma legal foi
marcada por um intenso debate e pela mobilização popular. No Brasil, devido às dimensões
físicas do país, soma-se a isso a necessidade de eficaz articulação política.
Nas palavras de Denise, “o processo de aprovação dessa lei pode servir para gerar um
empoderamento de crianças e adolescentes. E fazê-los perceber que tem o direito de não serem
castigados fisicamente e que tem uma lei que os protege disso”.
O painel foi seguido de perguntas da platéia lidas pela mediadora. Foram duas rodadas de
24
perguntas e cada painelista teve aproximadamente dois minutos para responder.
A primeira questão foi direcionada a todos os participantes e indagava a diferença entre
uma lei de caráter penalizador e uma lei de caráter responsabilizador. Por que ter uma lei
responsabilizadora se não é criminalizadora? O que significa em termos de mobilização popular e
educação popular uma lei de responsabilização? E qual é o caráter punitivo dessa lei nos países
onde já existe?
A primeira rodada de respostas foi iniciada pela representante da Costa Rica, Maria Luz
Gutierrez. Para ela, a lei é criada para ordenar a sociedade e não há necessidade do poder da
polícia para que se faça cumprir. Além disso, deve-se considerar que pais e mães não batem em
seus filhos por falta de carinho, mas por crêem que é certo. Logo, é necessária uma
transformação cultural, que passe orientação e reeducação dos pais.
Para Fernando Pereira, a lei é um instrumento para que a sociedade compreenda que não
há outra maneira para agir e é a melhor forma de se alcançar o objetivo final.
Gabriel Rebollo lembrou que no Uruguai, no momento em que a discussão sobre a lei veio
à tona, argumentou-se que se tratava de uma discussão redundante, pois apenas reafirmaria o
que já estava dito na lei contra a violência doméstica e também na lei contra os maus-tratos físicos
e psicológicos nas escolas. Essa situação gerou a percepção de que uma lei de caráter não
punitivo seria fundamental em meio a um processo de mudança cultural.
A última a responder foi Angélica Goulart, que destacou a importância da reforma não só
no marco legal, mas também da percepção da sociedade sobre esse tema e das políticas públicas
voltadas para essa questão. Por isso, de acordo com o projeto de lei, fica o poder público em seus
três níveis de administração, através dos organismos que os compõem, obrigado a promover
programas de sensibilização e educação.
Com relação às penas, que já estão previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), se manteriam as mesmas, apenas com pequenas modificações de causa e graduação. Por
exemplo, em caso de opressão ou abuso, os pais serão afastados de casa, e não a criança. E no
caso das instituições, à lei que indica a pena “para quem submeter a criança ou adolescente sob
sua autoridade, guarda ou vigilância, vexame constrangimento ou castigo e punição corporal,
detenção de 6 meses a 2 anos”, se somaria a inclusão do castigo físico.
A segunda pergunta disse respeito à relação da campanha com a mídia. A indagação era
sobre a repercussão do processo nos meios de comunicação, sobre como estes se colocavam em
relação ao movimento e sobre a utilização desses mecanismos para divulgação do trabalho.
Na Costa Rica, lembrou Maria Luz, após a aprovação da lei, os meios de comunicação
chegaram a publicar matérias insinuando que se os pais não mais poderiam “encostar” em seus
filhos, estes cresceriam mau-criados. Entretanto, recentemente, uma situação nova emergiu.
Casos de abuso e tortura extremamente sérios estão se tornando públicos e com isso, a
aprovação da lei veio à tona, por conta da confusão que é feita entre o que é abuso e mau-trato e
o que é castigo físico e tratamento humilhante. A imprensa passou então a promover consultas a
especialistas, que aproveitaram para divulgar a campanha, esclarecer os equívocos e ressaltar
25
que se o tratamento com relação às crianças for modificado, as conseqüências no futuro serão
visíveis.
Fernando Pereira afirmou que na Venezuela a campanha teve boa receptividade na mídia.
Além disso, para ele, apesar de todo o trabalho de difusão que vem sendo realizado, ainda ocorre
confusão entre o que é maltrato, abuso, castigo físico, o que apenas indica que o trabalho deve
continuar.
Para evitar o uso sensacionalista da causa pela mídia, o Uruguai desenvolveu uma
estratégia que passava pela capacitação de um grupo de jornalistas para difundir a lei e a
necessidade da proibição dos castigos físicos por uma perspectiva séria. E, quando são
consultados por algum motivo, aproveitam para divulgar a lei.
2.2.3 A ATUAÇÃO DOS OPERADORES DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS FRENTE
AOS CASTIGOS FÍSICOS E HUMILHANTES (PAINEL 3)
O terceiro painel do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e do
Adolescente e segundo do dia 03 de dezembro abordou o tema da atuação dos operadores do
sistema de garantia de direitos frente aos castigos físicos e humilhantes. Participaram a promotora
de justiça de Santa Catarina, Helen Sanches, representante do Conselho Nacional de Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA); Flávia Garcia, advogada e coordenadora da Associação
Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED); e Iolete Ribeiro, do
Fórum Nacional Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA). A
mediação foi executada por Renato Rosendo, também representante da ANCED.
A primeira fala foi da promotora Helen Sanches, que afirmou a importância de criarmos
um sistema com o retrospecto histórico do momento atual e quais as perspectivas para o futuro.
Essa ação confirmaria que a aprovação da lei é necessária, mas também os são vários outros
instrumentos. Instrumentos que permitam à sociedade enxergar as crianças como sujeitos de
direito.
26
Sanches lembra que no Brasil a cultura da violência é herança da colonização e da
escravidão e que, atualmente, os altos níveis de desigualdade social acabam por legitimar essas
práticas.
Do ponto de vista da proteção do direito da criança, a promotora destaca dois
instrumentos específicos. O primeiro é o Código de Menores de 1979, a primeira iniciativa oficial
contra os castigos físicos e maus-tratos feitos por pais ou pelos então guardiões. E o segundo é
um novo modelo jurídico, inaugurado pela Constituição de 88 e que consagrou a doutrina das
Nações Unidas para proteção de crianças e adolescentes. Esse, inclusive, já previa o seu
reconhecimento como sujeito de direito. “O Estatuto da Criança e do Adolescente é”, afirma
Sanches, “o instrumento que vai regulamentar esta norma constitucional. A mudança na legislação
resultou em mudanças nas práticas seja do sistema de assistência social, seja da justiça
propriamente dita. Mudanças de conteúdo, já que agora se tem os direitos expressos na
constituição federal. Mudanças de método, ou a busca pela superação do aspecto assistencialista
das práticas que o antecederam. E mudanças de gestão, prevendo a descentralização do
atendimento e incluindo a participação efetiva da sociedade no controle de políticas públicas,
através da criação de Conselhos de Direito nos âmbitos municipal, estadual e federal”. A partir daí,
novos pressupostos surgiram. As crianças deveriam ser reconhecidas como sujeitos de direito,
como sujeitos em desenvolvimento e como prioridade não apenas na pauta dos governos, mas na
da família e na da sociedade em geral. O Estatuto dá conta da forma normativa e busca garantir
os direitos fundamentais das crianças. Mas o desafio que a sociedade encontra é avaliar se essa
garantia está de fato acontecendo. A promotora lembra também da importância do contato com
todo arcabouço jurídico da normativa internacional e a contribuição que pode oferecer para
redefinições de práticas internas.
Outro ponto indispensável é a superação das lacunas do nosso sistema de direito. De
acordo com Helen, “a simples criminalização dessa prática não resolve o problema da criança.
Hoje no sistema jurídico brasileiro, a mesma conduta pode caracterizar um crime de maus-tratos
propriamente dito, uma lesão corporal qualificada agravada pelo fato de a violência acontecer no
27
ambiente doméstico, de ascendente contra descendente, ou até mesmo um crime de tortura”. É
fato que a lei por si só não muda a cultura e que uma mudança cultural profunda é
demasiadamente necessária. Entretanto, argumenta que “a lei precisa ser alterada, para que não
haja margem a subjetividade”.
Por fim, Helen Sanches apresenta uma série de propostas para superação dos castigos
físicos e tratamento humilhante: “- conscientização da necessidade de defesa dos direitos
humanos; - estabelecimento de dispositivos concretos de garantia de acesso às políticas sociais
de educação, saúde e assistência social, além dos mecanismos de assistência psicossocial e
jurídica; - criação de serviços especializados para o tratamento das vítimas e dos agressores; fortalecimento dos Conselhos Tutelares em todos os municípios com profissionais capacitados e
também dos Conselhos de Direitos; - qualificação dos atores do sistema de justiça para repressão
sistemática a toda forma de violência contra crianças e adolescentes; - prevenção de abusos e
maus-tratos contra crianças e adolescentes, responsabilizando não só a família, mas também o
Estado e a sociedade de uma forma geral; - construção de uma rede de apoio às famílias, através
de projetos e programas que permitam resgatar a qualidade de vida e proporcione às crianças e
adolescentes o crescimento com vínculos afetivos estáveis”.
Em seguida Iolete Ribeiro, do Fórum DCA, apresentou aos participantes a sua
experiência. O Fórum Nacional Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
surgiu em 1988 em meio ao processo de redemocratização da sociedade brasileira. “Criado pela
sociedade civil com a missão de garantir a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes
por meio de proposição, articulação e monitoramento das políticas públicas, bem como por meio
de mobilização social para construção de uma sociedade justa, livre e igualitária”. Segundo Iolete,
no momento de sua criação, o fórum tinha atuação principal na luta pela aprovação de duas
emendas: a Criança Constituinte e a Criança Prioridade Nacional. As aprovações com grande
aceitação da sociedade fez com que, mais à frente, fizessem parte da recém aprovada
Constituição de 88. Em seguida, o Fórum DCA conseguiu articular junto a congressistas para
apresentação de um novo anteprojeto de lei, que posteriormente seria aprovado como o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Iolete lembra ainda que o processo de elaboração
do ECA foi considerado um acontecimento único em nossa história: “Uma lei feita com a efetiva
participação de diversos atores da sociedade, em especial pelos seus destinatários”.
A partir de 1995 emerge no Brasil o debate sobre políticas públicas na área da criança e
do adolescente com enfoque principal em temas como o abuso sexual, o trabalho e o adolescente
em conflito com a lei. O CONANDA pautou seu trabalho nessas bases e o Fórum DCA se dedicou
a fortalecer essa pauta junto aos fóruns estaduais. Inclusive, ressalta Iolete, “desde 95 o Fórum
vem percorrendo todo o país, fortalecendo as ações dos fóruns estaduais e discutindo diversas
temáticas como as medidas sócio-educativas, o Plano Nacional de Convivência Familiar e
Comunitária, o Orçamento Público e a Convenção Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente”.
Iolete apresentou também as diretrizes do Fórum Nacional de Direitos da Criança e do
Adolescente até o ano de 2011. São elas:
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- a afirmação dos direitos humanos de crianças e adolescentes considerando os recortes étnico,
racial e de gênero;
- garantir a participação de crianças e adolescentes com metodologias adequadas na ótica da
Convenção dos Direitos da Criança;
- articulação e integração das políticas públicas na perspectiva da intersetorialidade através da
interlocução de outras redes e conselhos editoriais; - ampliação da articulação e discussão com
outros movimentos sociais pautando um debate político sobre um projeto de sociedade na
perspectiva dos direitos humanos;
- debate sobre a importância da convivência familiar e comunitária como eixo transversal na
formulação e execução de políticas públicas;
- construção de uma política de formação continuada dos atores dos sistemas de garantias de
direitos incluindo os adolescentes, investindo numa formação política e não exclusivamente
instrumental ou operacional e com participação nas escolhas de conselhos;
- apropriação e aprimoramento dos mecanismos de monitoramento de políticas públicas;
- qualificação da sociedade civil para incidir politicamente na elaboração de leis orçamentárias e
no monitoramento da execução do orçamento;
- enfrentamento da violência urbana e institucional e da criminalização da adolescência;
- articulação com a frente parlamentar para que se ampliem direitos e que se impeça o retrocesso
de direitos já conquistados;
- pautar a discussão sobre a judicialização e pensar estratégias de incidência da sociedade civil
junto ao sistema de justiça;
- defesa da autonomia do conselho e da garantia de uma infra-estrutura para secretarias gestoras
das políticas de infância e adolescência;
- construção de uma agenda para acompanhamento dos desdobramentos da Conferência
Nacional e do processo de elaboração do plano decenal.
E conclui: “O tema dos castigos físicos e humilhantes é extremamente importante e carece
de mobilização da sociedade civil. (...) Nós precisamos de uma lei que nos faça assumir enquanto
país, enquanto sociedade, que não toleramos castigos físicos e humilhantes. Mas precisamos de
todo um processo de formação, de debate, para que esse processo possa se consolidar. E o
29
Fórum DCA se engaja nesse processo. Já participamos há algum tempo do comitê gestor da
Rede Não Bata, Eduque e reafirmamos nossa disposição de continuar e ampliar esse processo de
mobilização da sociedade brasileira na defesa dessa causa”.
Flávia Garcia, coordenadora da ANCED, foi a última a ter a palavra. Ela destacou três
eixos que considera importante para avançarmos em relação aos castigos físicos contra crianças
e adolescentes: transformação cultural, mudança de legislação e políticas públicas. Também foi
mencionada a naturalização da violência por parte da nossa sociedade, marcada, por exemplo,
pela tolerância à tortura de crianças e adolescentes dentro do sistema sócio-educativo e pela
aceitação da morte por auto de resistência.
Para Flávia, a luta contra os castigos físicos deve ser encampada pela Convenção dos
Direitos das Crianças e ressaltou a recomendação do Comitê Interamericano de Direitos Humanos
ao Brasil: “O comitê recomenda que o Estado-parte proíba explicitamente a punição corporal na
família, na escola e nas instituições penais. E empreenda campanhas educativas para educar os
pais sobre alternativas de disciplina”. Recomendação essa que não foi cumprida. A necessidade
de reformulação do Código Civil é clara, mas não é somente a legislação que precisa ser alterada.
A principal transformação é cultural. Além disso, é preciso também que haja a preocupação em
cuidar da família e não em penalizá-la. E cita a Convenção: “A medida de proteção deve incluir
conforme apropriado procedimentos eficazes para elaboração de programas sociais capazes de
proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas do seu cuidado”. O
fortalecimento dos Conselhos Tutelares os tornaria importantes aliados nessa luta.
“Nós, não só a Rede Não Bata, Eduque, mas nós como sociedade civil, precisamos ter o
compromisso de multiplicar essa mensagem do castigo e da violência. A gente não pode ter isso
como naturalizado. Não se pode, de forma alguma, permitir qualquer tipo de violência contra os
jovens”, encerra.
Após encerradas as explanações, o debate foi aberto aos participantes que contribuíram
com duas perguntas, lidas pelo mediador Renato Rosendo. Ambas foram dirigidas à promotora de
Santa Catarina e representante do CONANDA, Helen Sanches. A primeira questionava sobre a
falta de Defensoria Pública no estado de Santa Catarina. A segunda indagava qual tem sido a
atuação do CONANDA frente aos castigos físicos contra crianças e adolescentes, se o tema será
30
discutido na próxima Conferência Nacional e se será incluído no Plano Decenal.
À primeira pergunta, Sanches respondeu que Santa Catarina, juntamente com Goiás, são
os únicos estados brasileiros que não possuem Defensoria Pública, que é uma instancia muito
importante quando se trata de questões relacionadas a direitos humanos. E que sua ausência,
reflete o fato de que ainda há descaso para com a assistência sócio-jurídica de crianças e
adolescentes. Para responder as outras questões, afirmou que a pauta dos castigos físicos e
humilhantes é sempre recorrente nas discussões do Conselho Nacional seja por motivo da
implantação do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária ou por outras violações que
chegam ao conhecimento do órgão nacional. E que certamente todas as ações que vem sendo
desenvolvidas a fim de aprovar a lei terão lugar na Conferência Nacional.
2.3 “CRIANÇA SUJEITO DE DIREITO”: APRESENTAÇÃO DO RESULTADO DA PESQUISA
Às 17 horas do segundo dia do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e
Adolescentes, teve início a apresentação da pesquisa “Criança sujeito de direito”. O estudo foi
realizado pelo Instituto Promundo, com apoio da Fundação Bernard van Leer e da Save the
Children Suécia, da Fundação Xuxa Meneghel, do ONG Solar Meninas e Luz (Pavão-Pavãozinho)
e a Associação de Moradora de Cancela Preta. Para apresentar seus resultados compuseram a
mesa Ricardo Sousa, representante da Save the Children Suécia, bem como Marcio Segundo e
Isadora Garcia do Instituto Promundo. O mediador da mesa foi Marcos Nascimento, também do
Promundo.
Marcos Nascimento iniciou as falas destacando as condições de realização da pesquisa
as questões que a motivou. São elas: “como promover uma educação sem violência contra
crianças e estimular a sua participação no ambiente familiar? Como medir essas mudanças de
atitude dos cuidadores em relação às crianças? E quanto que tais mudanças reduzem o número
dos castigos físicos e humilhantes contra crianças?”. Para atingir esse objetivo, foi desenvolvida
uma escala com base numa revisão bibliográfica sobre o uso do castigo físico e tratamento
humilhante contra crianças e participação infantil, assim como em uma consulta realizada com
31
crianças de 5 a 12 anos. Quarenta e um itens da escala foram testados em três comunidades:
duas populares e uma de classe média. Desses, foram para a fase final da pesquisa onze, sendo
sete sobre o uso do castigo físico e humilhante, dois sobre participação infantil e dois sobre
educação de acordo com o gênero da criança. Nascimento ressalta que foi nas comunidades
populares que conseguiram os melhores resultados, no sentido de sucesso da pesquisa.
Os temas da escala eram: uso do castigo físico e humilhante contra a criança, educação
de acordo com o gênero da criança e participação infantil nas decisões familiares.
Para exemplificar, Nascimento apresentou alguns dos itens. Sobre o uso do castigo físico:
“Há algum momento em que a criança merece apanhar? Crianças que não apanham ficam sem
limites? O uso da palmada ensina a criança a respeitar seus pais?”. E sobre a participação infantil:
“Criança também tem que querer? Os pais não devem admitir que os filhos os contrariem?”. Já no
domínio do gênero questionavam: “Meninas não devem brincar de bola ou de carrinho? Acha um
absurdo menino brincar de boneca?”. Lembrando que os pais deveriam responder se
concordavam totalmente, se concordavam parcialmente ou se não concordavam com esses itens.
E passou a palavra para Isadora Garcia, que explicaria sobre as intervenções nas
comunidades.
De acordo com Isadora as etapas de intervenção foram basicamente três. A
primeira foi a consulta com as crianças, a segunda a elaboração e testagem do currículo de
intervenção e a terceira, a elaboração de um vídeo educativo para ser trabalhado com o grupo de
pais e educadores sobre o tema. Com relação à consulta às crianças, o principal objetivo foi dar
voz às àqueles a quem o assunto afeta diretamente e diariamente. E além de tudo, garantia que
as crianças interferissem diretamente na condução de uma pesquisa na qual elas eram as
beneficiárias. A consulta buscava investigar quais as medidas utilizadas pelos pais para disciplinar
as crianças, a opinião delas sobre essas medidas, quais as alternativas encontradas e sugeridas
pelas crianças e também perceber se nas famílias havia espaço para a participação infantil. No
total, foram consultadas 65 crianças com idade entre cinco e doze anos. E ressalta ainda que “ao
longo de toda pesquisa, se procurou desenvolver uma metodologia que valorizasse as diversas
linguagens e as diferentes expressões das crianças”.
Um fruto importante da pesquisa foi a elaboração de um Manual pelo Fim dos Castigos
Físicos e Humilhantes, lançado ao fim dessa apresentação, no Simpósio. Sobre ele, Isadora
afirmou que seu objetivo era fornecer informações sobre castigos físicos e humilhantes e
alternativas positivas de educação, bem como sensibilizar os educadores e profissionais e,
especialmente, levar o tema para diferentes organizações. O conteúdo do Manual aborda
questões como perguntas e respostas sobre castigos físicos e humilhantes, questões básicas e
convidativas a uma maior compreensão sobre o tema.
Outro fruto da intervenção da pesquisa foi a Campanha Comunitária. Esse aconteceu
somente em uma das localidades, Pedra de Guaratiba e tinha como objetivo reforçar as
mensagens recebidas pelas mães ao longo dos grupos realizados. Foram então elaborados uma
série de materiais pensados a partir das experiências dos grupos para serem distribuídos para a
comunidade.
Em seguida, Marcio Segundo apresentou um panorama dos dados quantitativos da
32
pesquisa. Sobre as ‘cuidadoras’ que participaram da pesquisa pode dizer que: eram em sua
maioria negras, mais de 40% solteiras e mais de dois terços eram mães, o outro terço eram avós
e tias. Sobre a mensuração dos itens da escala, que era feita antes, logo depois e um maior
tempo depois da intervenção, vale destacas o que questionava em qual momento a criança
merece apanhar. No Cantagalo, uma resposta bastante freqüente foi: “Porque está andando com
gente que não presta”. Marcio diz que isso corrobora com uma hipótese dos pesquisadores de
que essa é a única das três comunidades que tem a presença do tráfico. Nas outras duas
comunidades, que não tem esse fator do tráfico, as respostas geralmente são: “Porque não me
obedece”, “Porque eu peço para não sair e sai”.
Os dados sobre a violência física cometida contra as crianças foram obtidos da seguinte
forma. Em momento nenhum a palavra violência era usada. As questões tinham palavras como
palmada, empurrão, beliscão, puxão de cabelo, orelha, cascudo, tapa, chute, pontapé, soco,
murro e surra e perguntavam se algum desses comportamentos havia sido usado. Marcio atenta
que deve se considerar também a violência psicológica, já que alguns dos indicadores levantaram
a hipótese de que, ao diminuir a violência física, podem-se aumentar os níveis de violência
psicológica.
Com relação aos dados qualitativos, Isadora Garcia foi a responsável pela sua análise.
Primeiro, ela esclareceu a forma como se deram as intervenções. Foram encontros sistemáticos,
durante seis meses, nos quais eram desenvolvidas atividades como, oficinas educativas
abordando o tema da família, socialização, gênero, violência, educação e desenvolvimento infantil.
Os dados qualitativos foram coletados a partir dos relatórios dos facilitadores, das supervisões da
equipe e de entrevistas qualitativas. Isadora mostrou então, que elegeu alguns pontos de
destaque que considerou imprescindíveis para compreensão da realidade das famílias e o uso dos
castigos físicos e humilhantes. O primeiro ponto foi a relação de poder e o pátrio poder. O
diferenciado uso dos poderes entre os pais e as crianças, dos pais entre si, entre o pai e a mãe e
a criança. Outro ponto foi a presença de um clico de violência na família. Mães que foram vítimas
de violência, que sofrerem castigos físicos e humilhantes da infância e, portanto, apenas
reproduzem o comportamento. Além disso, são comuns também situações onde as mães sofrem
violência dos parceiros o que, apesar de não ter sido o foco da pesquisa, aparecer
freqüentemente. O gênero foi outro ponto colocado por Isadora como muito importante. Meninos e
meninas apanham igualmente demais, mas de uma maneira geral, os meninos recebem castigos
considerados por eles mais severos, enquanto as meninas tem castigos mais amenizados. A
questão da idade também foi citada e como a intensidade e o tipo de castigo mudam conforme as
crianças vão crescendo.
A falta de compreensão das etapas do desenvolvimento infantil também apareceu na
pesquisa como um dificultador do trabalho sobre a questão dos castigos físicos e humilhantes. Os
pais, muitas vezes, não conhecem as necessidades ou a forma de expressão das crianças em
cada etapa de crescimento. A comunicação na família, a falta de espaço para a participação
infantil se traduz no monólogo dos pais. Há a expectativa de que a criança tem que ouvir tudo que
o pai e a mãe determinam, em uma lógica de comunicação de mão única. Com relação à
33
educação sem violência, Isadora lembra que a questão mais abordada era a dificuldade que os
pais apresentavam para encontrar alternativas.
Ao se aproximar da conclusão de sua fala, Isadora levantou mais algumas questões.
Primeiro: “filho é assunto de homem?”. A ausência da figura dos pais nos grupo realizados gerou a
polêmica sobre “onde estão os homens nessa discussão?”. A naturalização dos castigos físicos e
humilhantes é também algo que deve ser mais questionado. Talvez o nível dessa situação na
nossa sociedade exija um esforço ainda maior do que o que está sendo realizado para reversão
desse quadro. Outra questão é a necessidade que as responsáveis pelo cuidado das crianças tem
de ter um espaço onde possam ser escutadas e onde possam compartilhar suas experiências
para superação de diversos problemas, como por exemplo, a reprodução do ciclo de violência no
espaço da casa.
Marcos Nascimento retomou a palavra e chamou atenção para a questão levantada por
Isadora, da ausência dos homens nessa discussão e pro desafio de como conseguir engajar mais
homens nesse tema.
Ao ponderar que o tema do castigo físico e humilhante é muito difícil de ser tratado e
mesmo de ser aceito pela sociedade, Nascimento retomou a fala do dia anterior, de Eva
Stenstam, que mostrava como o processo pela aprovação da lei em seu país foi longo e como
leva tempo para se chegar à transformação. E após fazer mais algumas colocações, passou a
palavra para Ricardo Sousa, representante da Save the Children Suécia.
Sousa iniciou sua fala retomando a questão da masculinidade, trazida para o debate por
Isadora e Marcos. Ele relacionou essa questão com poder, com a violência armada e a
criminalidade. “Entre meninos, mais do que meninas, envolvidos com a questão da criminalidade,
que estão pegando em armas, uma das coisas que é um testemunho meio comum entre eles é
exatamente a questão de terem sido castigados duramente em casa. Não são todos, é verdade.
Mas é um número bastante significativo”. E quando os pais são questionados, ou a mãe, se
considerarmos que nesses lares o pai e a mãe é geralmente só a mãe, ela responde que bate
porque precisa discipliná-lo. Como já foi dito, os pais se vêem sem saída.
Outra coisa para a qual Sousa chamou atenção foi para as mudanças com relação à
idade. Ao mesmo tempo em que à medida que os filhos vão crescendo, os pais buscam novas
ferramentas para discipliná-los, chega um momento, uma idade, em que o discurso muda e passa
a ser: “Não vou mais bater em você porque afinal de contas você é um adulto e não merece mais
apanhar”. Essa fala também é complicada, afinal a percepção correta seria de que não apanhar, é
um direito que todos devem possuir desde o nascimento. E, em muitos casos, esse se tornar
adulto não corresponde à maioridade apenas, mas a um status de ser adulto, que pode ser
alcançado por conta de uma gravidez precoce, do envolvimento com grupos criminosos, etc. O
problema está no fato desse comportamento estimular os jovens a buscar seu status de adulto,
como um meio de fugir dessa relação autoritária que tem dentro de casa.
Para finalizar, argumentou: “A gente tem muito o que aprender. Muito o que se movimento
nessa sociedade para poder mudar isso. Acho que temos aí um trabalho bem árduo, longo. Que
bom que a gente já começou esse trabalho, temos um grupo enorme, com vários homens, para
34
contarmos com o engajamento masculino também”.
Tendo fim a apresentação da pesquisa, o mediador, Marcos Nascimento abriu espaço
para algumas perguntas, que nessa oportunidade foram feitas oralmente. A primeira foi feita por
Jean Kuperman, da Comunidade Judaica do Rio de Janeiro que questionou até que ponto há
interessem em fazer parcerias com programas que já trabalham com educação, com mobilização
social e que podem contribuir para a expansão desse trabalho.
Cida, de Goiânia, fez a segunda pergunta. Primeiro ela parabenizou a todos da mesa pela
pesquisa e ponderou: “Nós tentamos trabalhar a questão da violência física por meio da palavra,
do aconselhamento, do discurso. Mas eu quero trazer o tema da corporeidade, as marcas da
violência que ficam no corpo”. E a própria violência é um recurso a corporeidade. E finalizou
dizendo que gostaria de saber “quais as estratégias que nós estamos construindo para dar
aprendizagem histórica agora numa nova vertente não violente, para o corpo que aprendeu a
responder assim”.
A terceira pergunta foi feita por Carla França, do projeto Proteger, de Salvador, Bahia, que
gostaria de saber se durante as intervenções os pesquisadores se deparam com a questão
religiosa. Prática de castigos ligada a questões da Bíblia, por exemplo.
A quarta e última pergunta foi de um jornalista de Minas Gerais. Ele questionou se haveria
algum registro de experiência em locais no interior dos estados, onde geralmente se encontram
grupos mais culturais, mais tradicionais como quilombolas, indígenas, que tem práticas de
castigos físicos em seu dia-a-dia e que possivelmente apresentam um impedimento ainda maior à
mudança.
Respondeu-se primeiro à quarta pergunta explicando que o projeto inicial da pesquisa
previa a realização de intervenções em uma comunidade de classe média, uma comunidade
popular e uma comunidade rural. Entretanto, surgiu a proposta de um novo projeto relacionado à
participação infantil, que foi destinado à comunidade rural. E lembrou que se tentou realizar a
pesquisa em locais de classe média, pra quebrar essa relação da violência com a pobreza, mas
não com sucesso. E passou a palavra para Isadora Garcia responder às outras questões.
Isadora iniciou sua resposta lembrando que as crianças que estão participando do
Simpósio vieram de todas as regiões de Brasil. E que o trabalho feito com elas previamente
possibilitou através das vozes e experiências dessas crianças o entendimento de questões que
estão muito mais arraigadas. “Nós tivemos a experiência de trabalhar com crianças que trabalham
em lixões, com crianças de uma comunidade quilombola, que amanhã a gente vai ter a
oportunidade de mostrar. Mas eu me refiro principalmente à participação das crianças, das
experiências contadas da perspectiva delas, não do trabalho”.
Com relação à reflexão da Cida, Isadora afirmou que esse é um assunto muito
interessante, a questão do corpo. “Uma coisa que eu gosto de pensar é como a gente educa a
criança com ameaça, com medo, para calá-la e sem pensar em como esse adulto vai se
expressar no futuro. É a mesma coisa com o corpo. Se esse corpo foi ensinado a ser encolhido, a
sofrer, como que esse corpo vai se expandir, como que ele vai amenizar os seus atos e os seus
gestos?”, indagou. É um ponto que precisa ser trabalhada. Seja nos centros urbanos, seja nas
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comunidades rurais, seja nas remanescentes de quilombolas.
À questão relacionada à religião, respondeu que essas situações de fato apareceram
muito. Existe uma vertente em algumas religiões que trabalham pela não violência, junto à
comunidade, às famílias e crianças. Mas existe também uma interpretação inadequada da Bíblia,
como aquelas que falam da “vara de Deus que pune”. E é difícil mudar essa mentalidade.
Por fim, para responder à questão sobre a possibilidade de alargamento do trabalho,
Isadora afirmou que todo o processo de preparação do material objetivou chegar a uma
ferramenta testada e avaliada, que possa ser usada em diferentes espaços e por diferentes
atores, para que o alcance seja o maior possível.
Após os agradecimentos, a mesa foi encerrada dando vez à apresentação do Projeto
Meninos de Luz, da comunidade Pavão/Pavãozinho e ao lançamento da publicação “Pelo fim dos
castigos físicos e humilhantes: Manual pela sensibilização de pais, mães e cuidadores de
crianças”. Assim encerrou-se o segundo dia do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos De
Crianças e Adolescentes.
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2.4 DESAFIOS DO BRASIL FRENTE AOS MARCOS LEGAIS INTERNACIONAIS
Para discutir o tema Desafios do Brasil frente aos Marcos Legais Internacionais, no último
dia do Simpósio, foram convidados Paulo Sergio Pinheiro, comissionado e relator da Infância da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA),
Marta Santos Pais, representante especial do Secretário Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU) para Violência contra Crianças e Adolescentes e Rosa Maria Ortiz, representante
do Comitê pelos Direitos da Criança. Como mediadora, a Deputada Federal Maria do Rosário, em
nome da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Esta última iniciou o
painel.
Em primeiro lugar, a deputada agradeceu a participação de todos na mesa e comunicou
sua satisfação em fazer parte do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos De Crianças e
Adolescentes. Afirmou ser o evento um grande acontecimento para o Brasil e desejou que a
repercussão desse trabalho que envolveu olhar, participação e protagonismo infantil, atinja a
maior quantidade de locais possíveis. E que também chegue à legislação brasileira a atenção
devida àquilo que as crianças brasileiras estão expressando através desse simpósio.
Logo em seguida teve início a fala de Paulo Sérgio Pinheiro, membro da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Ele afirmou que para melhor compreensão da
situação do tratamento das crianças e adolescentes esse debate tem que ser situado num
contexto de transição e retorno a um regime democrático ocorrido há 20 anos. Novas instituições
ganharam novas competências no que diz respeito à defesa dos interesses das crianças, como
por exemplo, o Ministério Público Federal e o Estadual. Para Pinheiro, os avanços são
inquestionáveis e devem ser comemorados. Entretanto, chama atenção para persistência de um
tipo de autoritarismo, ainda que dentro de regimes democráticos. Autoritarismo no tratamento que
o Estado, os governantes e os adultos dão às crianças e aos adolescentes.
A Convenção dos Direitos da Criança e dos Adolescentes foi retomada por Pinheiro, para
destacar seus três eixos principais. Em primeiro lugar, o da não-discriminação, que deve ser
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respeitado para evitar a marginalização e a estigmatização por conta do gênero, da posição sócioeconômica ou de porte de deficiência física. Crianças com deficiência física ou mental são, no
mundo inteiro, os mais lesados em termos de violação de direitos humanos. Mas os pobres, os
afro-descendentes e os indígenas também são extremamente discriminados em nossa
democracia, quando deveriam ser protegidos. Em segundo lugar, o princípio do interesse superior
da criança. Princípio esse que não é levado em consideração nas decisões políticas do governo,
nas decisões legislativas ou administrativas. “É sempre difícil escutar a voz das crianças”,
lamenta. Até mesmo para resolução de conflitos que dizem respeito às crianças, o princípio do
interesse superior não é lembrado. O terceiro eixo é o da participação infantil e do respeito à
opinião das crianças. As crianças precisam ter representatividade e podem, assim como é a
sociedade civil, ser interlocutoras do governo. A Convenção define e para Paulo Sergio Pinheiro o
faz de forma muito clara: “a opinião da criança é requisito obrigatório na tomada de decisões sobre
questões que afetam as crianças”.
Pelo lado positivo, o representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
destacou o fato de muitos países terem incorporado as provisões da Convenção e suas normas
institucionais, que contam com medidas de proteção e promoção. Ainda assim, apenas três países
da América do Sul tem uma lei de proibição total da violência contra crianças, o Uruguai, a
Venezuela e a Costa Rica - como foi apresentado no painel de experiências. No resto do Mundo,
apenas 25 Estados-nação tem essa lei. E há mais alguns no caminho do Brasil, em vias de
aprovação.
Para Pinheiro, é importante a compreensão do porque da persistência do castigo físico e
para tanto, oferece aos participantes várias interpretações. A principal passa pelo não
reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeito de direito. “Por que é tão difícil deixar
de utilizar o castigo físico em relação às crianças? Por que os adultos temem ouvir as vozes das
crianças?”, indaga. Freqüentemente, quando se confrontam com essas questões, os pais de
mostram abalados e temerosos de perder o seu pátrio poder.
Sobre a necessidade de mudança cultura, Pinheiro foi enfático: “Eu acho a Revolução
Cultural fantástica, mas como nós sabemos, revoluções culturais são complicadas e nem sempre
dão o efeito desejado”. Os governos tem um papel fundamental e precisam assumir a
38
responsabilidade de mudar atitudes, de formas pais, educadores e mostrar que há métodos e
alternativas não violentas de educação. E por que a lei? “A lei não porque nós achamos que é
uma vara mágica. (...) A lei é uma indicação, uma visão, a lei fornece um quadro para as pessoas
de boa vontade em todo governo”. Não se trata de criminalizar os pais, as mães ou professores.
“O Brasil ratificou a Convenção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes porque eles tem
direitos, porque devem se fazer ouvir em todas as decisões que lhes digam respeito, porque a
democracia não vale só para os direitos civis e políticos dos adultos. Democracia tem que valer na
reforma das práticas das famílias, dos professores, dos funcionários do Estado em relação a
essas crianças. E sem a lei tudo vai ser mais difícil. (...) Está na hora do Brasil entrar nesse grupo
seleto que proíbe a violência. (...) E tem que ser uma proibição total, como esses três países –
Uruguai, Venezuela e Costa Rica – tiveram a ousadia de fazer.”, conclui Pinheiro.
Com a palavra de volta à mediadora, a Deputada Maria do Rosário fez uma pequena
intervenção sobre a fala do professor Paulo Sergio Pinheiro, destacando a argumentação dele
sobre a necessidade de uma legislação. E se dirigindo a ele afirma: “A lei, professor, ela é também
parte da cultura. Ela orienta caminhos. Então não se pode dizer que uma legislação venha após a
cultura, seria uma maneira conformista de nos relacionarmos com tarefas que nós temos
enquanto nação, que é fazer a legislação avançar para que tenha efeito sobre a cultura a partir
daquilo que orienta”. E após agradecer pela fala anterior, passou a palavra a Marta Santos Pais,
representante do Secretário Geral das Nações Unidas para Violência contra Crianças e
Adolescentes.
Marta Santos Pais ressaltou a importância da permanência do Paulo Sergio Pinheiro na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, numa posição de liderança no processo de
mudança de mentalidades, legislação e políticas públicas. E também deu destaque a importância
de essa discussão sobre a proibição de todas as formas de violência ganhar espaço no momento
da comemoração da Convenção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
Quando a convenção foi adotada, a missão era olhar a criança considerando suas
habilidades e abandonar a visão de que não tem competência, vontade própria e que devem
seguir aquilo que os adultos desejam que faça. Em contrapartida, quando a intenção é punir as
39
crianças e adolescentes, se considera que tem capacidade de entender. “A violência reflete essa
tendência de ver que a educação da criança, a formação, só pode ser alcançada com maus tratos
físicos e humilhantes, como de o modelo de violência pudesse ser um instrumento de
consolidação do espaço democrático”, afirma.
Em seguida, Marta Santos Pais firmou o compromisso de, como representante oficial do
Secretário Geral da ONU sobre a Questão da Violência contra Crianças e Adolescentes, de ajudar
no processo de mudança. E garantiu que sua presença no evento estreitaria bastante as relações.
Ela lembra que a Constituição brasileira foi a primeira que admitiu essa nova visão de cidadania
da criança e do adolescente. E, junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente, é exemplo
para o mundo todo.
Com relação à questão da violência, a Convenção dos Direitos da Criança e do
Adolescente é muito clara ao afirmar que todas as formas de violência são proibidas. Sendo
assim, Pais apresenta ao menos três disposições presentes na Convenção sobre esse assunto: “A
primeira considera que a violência, os maus tratos físicos e humilhantes não são permitidos no
seio da família ou de instituições que tem como mandado a proteção da criança e do adolescente.
A segunda proíbe qualquer forma de tortura, tratamento degradante, punição desumana. E a
terceira proibi qualquer forma de tratamento da criança que seja incompatível com a legitimidade
da criança no seio da escola”.
No relatório que os países devem apresentar ao Comitê dos Direitos das Crianças, ao
longo dos dezoito anos de sua existência ficam claras as enormes deficiências existentes. A maior
parte dos países não inclui sequer informações sobre a situação da violência. A ausência de
dados estatísticos também é recorrente. Fica a evidência de que há poucos dados, poucos
estudos sobre a incidência da violência contra crianças e adolescentes. Assim, o Comitê teve e
tem um papel fundamental, o papel de por este tema na agenda e apoiá-lo. Marta Santos Pais
apresenta ainda algumas dimensões que precisam ser consideradas: “A consideração do que
acontece com as crianças quando sofrem violência (...); a necessidade de cada país entender
quais os fatores de risco que agravam a violência (...); e aprendermos que não podemos ignorar a
necessidade de acesso para as crianças a serviços de qualidade, como o sistema de registro de
nascimento, o sistema de saúde e de educação”.
A marginalização e estigmatização das crianças foi um ponto retomado. Assim como
Paulo Sergio Pinheiro, Pais afirmou que há uma tendência à criminalização da pobreza e
marginalização das crianças. E, nesse cenário, as crianças mais afetadas são as mais pobres, as
crianças indígenas e as que tem deficiência física ou mental. Além disso, chama atenção para a
tendência de que quanto mais precária é a situação da criança, menor é a probabilidade de ela
poder contar sua história. E a fala da criança deve ser considerada fundamental para que
possamos questionar: “Por quê?”. Um dado delicado é o que mostra que na maioria dos casos, a
violência é praticada pelas pessoas em quem a criança mais confia, como por exemplo, os
próprios membros da família ou professores. O que torna para ela mais difícil ainda externalizar
essas situações. Primeiro por não saber em quem pode confiar e também por não crer que sua
história será levada a sério por alguém. “Nós não podemos ter uma política de prevenção da
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violência ou de proteção da criança, se não incluirmos crianças e adolescentes na nossa
Comissão”, afirma para logo em seguida celebrar o fato de a Comissão atual ter um grupo forte de
jovens.
Para concluir, Marta Santos Pais reafirmou o compromisso de, durante os três anos do
seu mandato, trabalhar para encontrar “soluções que o mundo possa utilizar para inspirar as
etapas seguintes”. E celebrou o fato de o Brasil estar no caminho certo, assumindo um papel de
liderança especialmente pela capacidade de traduzir uma questão tão importante em movimento
social. E mostrou expectativa de que em breve nosso país consiga aprovar um projeto de
legislação que sirva “não só aos interesses das crianças brasileiras, mas que possa mais uma
vez, fazer do Brasil uma referência nos próximos anos”.
Por último, a mediadora, a Deputada Maria do Rosário, passou a palavra a Rosa Maria
Ortiz, do Comitê pelos Direitos da Criança das Nações Unidas, lembrando que Rosa é paraguaia e
tem uma relação muito próxima do Brasil.
Rosa Maria Ortiz iniciou sua apresentação antecipando que complementaria o que já foi
dito por seus antecessores, Paulo Sergio Pinheiro e Marta Santos Pais, sobre o Comitê de Direitos
das Crianças.
Em primeiro lugar, fez considerações cobre a Organização das Nações Unidas afirmando
ser este um lugar que os Estados devem contar não apenas para manter a paz na Comunidade
Internacional, mas também para garantia do respeito aos direitos humanos sem discriminação.
Seus esforços tem sido inclusive, para promover uma maior integração dos direitos humanos com
as atividades de todo sistema das Nações Unidas. E citou o Secretário da ONU que afirma: “Não
haverá paz nem acordo se não houver direitos humanos implementados da mínima maneira que
seja”. E passou a apresentar a Convenção dos Direitos das Crianças.
Como contou Ortiz, a Convenção dos Direitos das Crianças data de 1989, quando 193 a
ratificaram. Em 1990, foi a vez de o Brasil entrar para esse grupo. A partir daí, o Estado brasileiro
havia assumindo compromisso perante o resto do mundo de respeitar e garantir os direitos das
crianças.
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A luta contra os castigos e humilhantes deve ser permanente e, por isso, o Comitê espera
que os Estados se organizem e ofereçam toda estrutura para que os direitos das crianças possam
ser assegurados. A Convenção, por sua vez, estabelece de que maneira o Comitê vai fazer o
acompanhamento dos trabalhos junto aos Estados. Uma dessas maneiras é a apresentação de
um relatório periódico a cada cinco anos que é por um lado um relatório governamental e por outro
da sociedade civil e de outras organizações da ONU. Após apresentação, o Comitê emite as
observações finais que contém recomendações para cada Estado e sociedade. O relatório a ser
apresentado deve ser reflexo de um trabalho árduo tanto do governo quanto da sociedade. Deve
se tratar de uma reflexão sobre o seu país e que possa gerar resultados e recomendações, atenta
Ortiz.
Para além dos relatórios, há ainda um dia chamado “Dia de Discussões Gerais” no qual o
Comitê aproveita para perceber e responder às dificuldades encontradas pelos países no ato da
implementação das recomendações.
Rosa Maria Ortiz reconheceu que o Brasil tem tido ações muito importantes no nível
internacional, como por exemplo, o Congresso Mundial sobre Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes, que aconteceu em 2008 no Rio de Janeiro e a participação no evento sobre as
Diretrizes das Nações Unidas sobre Formas de Cuidado Alternativo, em 2009, em Nova York.
Entretanto, com relação à situação do Brasil no cumprimento de suas responsabilidades de
apresentação do relatório requerido pela ONU, ainda precisa acertar o passo.
Por fim, o Comitê, pela pessoa de Rosa Maria Ortiz, expressa sua preocupação pelo fato
de o Estado brasileiro permitir o castigo corporal ao não ter uma legislação explícita que o proíba.
O castigo corporal é empregado como medida disciplinar na família, nas escolas e nas instituições
penais. E conclui: “O comitê recomenda que o Estado proíba explicitamente o castigo corporal no
seio da família, nas escolas e nas instituições penais, levando a cabo campanhas para ensinar os
pais e mães sobre outras formas de disciplinar seus filhos”.
2.5 CONSTRUÇÃO DE UMA PLATAFORMA: Apresentação dos GTs
A tarde do último dia do Simpósio teve a apresentação do que foi produzido nos grupos de
trabalho. Ao todo, 86 pessoas se dividiram em quatro grupos, nos quais trabalharam os seguintes
temas: Reforma Legal e Incidência Política (GT1), Campanha de Educação e Comunicação (GT2),
Sistema de Garantias de Direitos de Castigos Físicos (GT3) e Políticas Públicas para Atenção à
Família (GT4). O (GT5) Participação Infantil é o destaque dessa sessão com a participação das
crianças, que se juntam aos adultos para apresentar os resultados dos seus trabalhos. A
mediação da apresentação foi feita pela representante da ONG Save the Children Suécia, Denise
Stuckenbruck. Para os comentários compuseram a mesa o professor Paulo Sérgio Pinheiro e
Marta Santos Pais.
42
2.5.1 CAMPANHAS DE EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO (GT2)
O primeiro grupo a apresentar suas propostas foi o GT2 de Campanhas de Educação e
Comunicação. Seu objetivo era contribuir, por meio de plano de ação desenvolvido pelos
participantes, com a erradicação dos castigos físicos e humilhantes e com a disseminação de
práticas de educação sem violência.
O grupo foi dividido em três subgrupos. Um grupo pensaria nos públicos no âmbito da
pedagogia social; o outro pensaria nos públicos envolvidos com a advocacia social; e o terceiro se
dedicaria à mobilização social, envolvendo sociedade e meios de comunicação.
O grupo de pedagogia social especificou qual seu público e depois passou a pensar em
estratégias de comunicação para estimular uma mudança de comportamento em cada um desses
públicos.
A estratégia de comunicação pensada para as Secretarias de Educação foi a divulgação
de práticas de educação sem violência e a articulação com políticas públicas sobre o tema. Para
os gestores da escola foi pensada uma articulação com a Secretaria de Educação para a
formulação de políticas públicas sobre o tema e a disseminação desse assunto na rádio escola.
Os profissionais de sala de aula devem ter acesso a estratégias lúdicas, artísticas e pedagógicas.
A produção de formas de comunicação por toda comunidade escolar, incluindo-se aí crianças e
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adolescentes, também foi destacada. Às instituições religiosas e de acolhimento, foi indicado a
valorização das formas de comunicação vinda dos jovens e crianças, como mural de desenhos,
roda de conversas, jornal mural, sempre contemplando o tema dos castigos físicos e humilhantes.
Para as associações de moradores a proposta do grupo é a promoção de rodas de
conversa com as famílias para esclarecimento sobre o desenvolvimento da criança, das etapas de
crescimento, como se deve trabalhar cada etapa e o cuidado para não pular etapas. A exposição
de desenhos representativos da violência em conjunto com desenhos que mostrem como as
crianças vêem a violência foi proposta como estratégia de intervenção.
Com relação às crianças e adolescentes, o grupo sugeriu estratégias de comunicação
ligadas ao desenvolvimento de desenhos animados, vídeos, criação de cine-clubes, botons com a
mensagem “Bom trato gera bom trato”, jornal, rádio-escola, folder, teatro, blog, ou seja, meios de
compreensão dos novos caminhos da comunicação.
O outro sub-grupo pensou em estratégias de comunicação e sensibilização junto aos
gestores públicos, dentre estes, as instâncias Municipal, Estadual e Federal, as Secretarias de
Conselhos – Conselhos Tutelares e de Direitos.
Para os órgãos do poder executivo, o grupo indica a produção de dados indicadores sobre
o tema, materiais informativos, reuniões setoriais com grupos estratégicos e a criação de termos
de compromisso, como já existe, por exemplo, a empresa amiga da criança.
Para o Legislativo, as estratégias apontadas foram a produção de material informativo,
divulgação no site da rede promovendo abaixo-assinados para divulgação do tema e estimular o
legisladores a promoverem audiências públicas. Para o Judiciário, as formas pensadas foram
produção de material informativo, reuniões e eventos de sensibilização e mobilização. Quanto às
organizações da sociedade civil, Delegacias especializadas se ocupariam do envio de material
informativo de sensibilização e material de divulgação do tema para ser multiplicado nas redes de
atuação.
No sub-grupo de mobilização social os públicos pensados inicialmente foram os
profissionais de saúde e os assistentes sociais, para os quais as estratégias definidas foram:
sensibilização através de oficinas e uma formação nas escolas, uso de jogos educativos,
produção de materiais, como foi pensado no grupo da pedagogia social. Para os pais e a família,
sugere-se uma comunicação dirigida nas escolas, nas igrejas, em ruas, cartazes em ônibus,
produção de cartilhas, ações de comunicação que promovam a interação entre os pais e os filhos.
Com a comunidade em geral, deve-se trabalhar com teatro, mensagens de bicicletas de som,
mensagens em carteiras de vacinação e através de redes de organização social. Para as
empresas, o grupo pensou em campanhas utilizando embalagens de produtos variados e
aproximação com empresas que trabalham com produção de materiais para as crianças.
Na interação com os meios de comunicação, o grupo da mobilização social trouxe a
estratégia da sensibilização e mobilização por meio de oficinas, teatros, visitas às redações,
monitoramento das matérias veiculadas na imprensa e o exercício do controle social. Na mídia
comunitária, recomenda-se a identificação e o mapeamento dessas mídias e a busca de espaços
para formação e sensibilização através de suas ferramentas. Os cursos de jornalismo devem ser
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procurados para parcerias, promovendo e estimulando a realização de trabalhos sobre o tema
dentro da universidade.
Na Internet, a estratégia é identificar e mapear as redes sociais virtuais e criar novos
grupos para influenciar os grupos virtuais já existentes.
O grupo finalizou as propostas lembrando que o melhor desse trabalho foi perceber que
muitas delas já estão ou podem ser postas em prática de imediato.
2.5.2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ATENÇÃO ÀS FAMÍLIAS E ORGANIZAÇÕES (GT4)
Em seguida foi a vez do GT 4, com o tema das Políticas Públicas para Atenção às
Famílias e Organizações. Para alcance dos objetivos, primeiramente o grupo questionou: como
identificar esses castigos físicos e humilhantes? A partir daí, uma série de ações foram pensadas
e revisadas. Foram elas: fortalecer e divulgar os protocolos já existentes na rede que orientam
sobre diagnósticos precoces de casos de violência física e psicológica; propor o aprofundamento
dos debates sobre o tema na Política Nacional de redução da morbidade por causas externas.
Outra proposta foi incluir o tema na Política Nacional de Humanização, considerando que
violências físicas e psicológicas detêm caráter de risco e urgência. A possibilidade de
disseminação de boas práticas de educação também foram destacadas pelo grupo.
Com relação aos aspectos gerais da discussão, associados à metodologia de trabalho, o
grupo indicou:
. Desenvolver metodologias de trabalho com as famílias que não se limitem somente ao
discurso e à expressão oral, mas que desenvolvam habilidades corporais que as habilitem para
prática da educação sem violência;
. Conscientização do trabalho de orientação sobre como proceder nos momentos de
conflito
. Oferecer subsídios aos educadores – incluindo-se aí os familiares – para ampliação da
percepção do problema.
. Para os pais, o grupo indicou algumas propostas específicas como: facilitar o
desenvolvimento de regras de comportamento e de convivência claras e compatíveis para cada
fase da criança e do adolescente; fortalecer a família para a constituição e manutenção de regras
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de convivência, mantendo a coerência e a responsabilização a cerca de tais regras; sensibilizar
precocemente famílias e profissionais para os efeitos nocivos da “cultura” do castigo físico.
Com relação à Campanha pela Erradicação dos castigos físicos, o grupo elaborou e
apresentou propostas de produção de elementos pedagógicos para a sua disseminação:
. Criação de um dia nacional de enfrentamento ao castigo físico e humilhante
. Lançamento uma “campanha” para escolha de um mascote. Aproveitar essa
oportunidade para divulgação da causa
. Elaboração de materiais e peças publicitárias.
O grupo apresentou ainda propostas de ação no sentido de promoção da campanha. No
campo da promoção, incluem-se ações territorializadas e intersetoriais que democratizem os
conhecimentos teóricos e práticos sobre desenvolvimento infantil e sobre os direitos de crianças e
adolescente; e qualifiquem o planejamento familiar. Já no que diz respeito à prevenção, sugeriu-se
a produção de material educativo que ilustre os riscos e impactos à saúde das crianças nas
práticas violentas na educação e que oriente sobre as alternativas não violentas. Os Conselhos de
Saúde e seus conselheiros precisam ser orientados sobre os riscos e impactos à saúde das
práticas violentas na educação de crianças e adolescentes.
O grupo trouxe uma série de propostas de políticas de educação. São elas: inserir a
discussão dos castigos físicos e humilhantes no projeto político pedagógico das escolas, tendo a
“cultura da paz nas escolas” como pano de fundo;
incluir na ementa de formação dos
profissionais de educação a questão da observação, prevenção e notificação dos casos de
castigos físicos e humilhantes; promover formação continuada dos profissionais nas escolas e
discussões sobre as concepções de violência, indicando os castigos físicos e humilhantes como
uma manifestação a ser combatida; promover o fortalecimento das relações interpessoais;
construção de diálogos envolvendo o tema da violência contra crianças e em particular a questão
dos castigos físicos e humilhantes; incluir programas para envolver a participação da família na
escola; construção de diálogos de mão-dupla; fomentar ações inter-setoriais; encontro com
Conselho Tutelar e outras instâncias para reuniões sistemáticas nas escolas; incluir a discussão
sobre o enfrentamento dos castigos físicos e humilhantes no Plano Nacional de Educação;
promover a discussão sobre o ECA com diversos setores da sociedade; e organizar fóruns de
discussão sobre a temática respeitando a diversidade dos alunos e das escolas.
Por fim, há ainda políticas de assistência social, cultura e esporte e lazer, sempre com
foco na formação continuada. Por exemplo, para o esporte e lazer, o grupo apresentou propostas
práticas como: prever incentivos fiscais para que os que divulguem a cauda da não violência;
promover e divulgar mapeamento das atividades e manifestações culturais e esportivas; mobilizar
as organizações governamentais e não governamentais, tratando do tema dos castigos físicos e
humilhantes contra crianças e adolescentes; propor a inclusão de leis de incentivo que divulguem
a campanha; e favorecer o acesso de crianças aos equipamentos de esporte e lazer como ação
compensatória às situações de violência.
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2.5.3 SISTEMA DE GARANTIAS DE DIREITOS E CASTIGOS FÍSICOS E HUMILHANTES (GT3)
Logo após apresentou suas resoluções o GT 3, com o tema do Sistema de Garantias de
Direitos e Castigos Físicos e Humilhantes. Segundo os representantes do grupo, como está
previsto do Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 86, o “sistema de garantias de direitos
é um conjunto articulador da política de atendimento dos direitos da criança, através de um
conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios”.
As propostas discutidas pelos componentes foram: a sensibilização e a capacitação
continuada dos atores do sistema de garantias de direitos, especialmente Conselhos Tutelares e
de Direitos, e Legislativo, entendendo que o Conselho Tutelar é uma porta de entrada para todas
as demandas relativas às crianças e aos adolescentes; garantir a efetivação, pela rede de
serviços públicos da, das medidas de orientação, apoio e acompanhamento temporário das
crianças aplicado aos Conselhos Tutelares; inclusão da erradicação dos castigos físicos e
humilhantes como meta do planejamento das ações dos órgãos do sistema de garantia de
direitos; e a divulgação sobre os possíveis prejuízos e conseqüências dos castigos físicos e
humilhantes para o desenvolvimento infanto-juvenil.
Para o grupo, e foi lembrado que isso foi dito na mesa da manhã, a lei proibindo os
castigos físicos e humilhantes poder ser considerada um indicativo da transformação cultural
necessária. A construção do consenso junto à sociedade sobre as formas de “bons tratos” deve
ser conquistada por meio de metodologias participativas e com a contribuição da Universidade, de
forma a promover a sensibilização e a reflexão sobre a temática. A sensibilização de grupos
religiosos sobre a temática, sempre com os devidos cuidados e respeito às diversidades, também
foi abordada pelo grupo. Como estratégia para isso, indicou-se a publicização de experiências
profissionais bem sucedidas através da realização de prêmios monográficos e prêmios
profissionais, produção de material educativo, cartilhas e folders, como subsídio para campanhas
pela erradicação dos castigos físicos e humilhantes. O potencial das campanhas de mobilização
também foi ressaltado, em conjunto com uma educação das novas gerações sob a perspectiva
dos “bons tratos” e outras ações.
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Mas além de propostas, os participantes do GT 3 também colocaram algumas
preocupações como, por exemplo, que a lei não se torne mais um instrumento de criminalização
da pobreza. A demanda da situação atual não é só de leis, mas de práticas de contribuam para
erradicação dos castigos físicos e humilhantes, assim, o marco legal deve ser conciliado com
movimentos de transformação cultural, mas sempre respeitando as especificidades de cada
comunidade.
2.5.4 REFORMA LEGAL E INCIDÊNCIA POLÍTICA (GT1)
O GT 1 também se apresentou, com o tema da Reforma Legal e Incidência Política. A
princípio o grupo apresentou duas preocupações relativas à aprovação da lei que proíbe os
castigos físicos e humilhantes. A primeira era que a proposta fosse de uma lei que viesse no
positivo e não no negativo. Ou seja, a lei não deveria vir proibindo o castigo, mas buscando a
garantia do direito à educação sem castigo. E a segunda preocupação é a não criminalização.
Sobre a Reforma Legal, em primeiro lugar, o grupo colocou seu objetivo: promover a
aprovação de uma lei que estabeleça que toda criança e adolescente tem o direito de ser educado
e disciplinado sem o uso de castigo físico e outras formas de tratamento humilhante e degradante.
Quanto às diretrizes da lei, o grupo apontou: explicitar que o uso de castigos físicos e tratamento
humilhante são uma violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes; equiparar os
direitos das crianças e dos adolescentes aos dos adultos, respeitando sua situação peculiar de
sujeito em desenvolvimento; promover campanhas educativas de prevenção do uso do castigo
físico e humilhante; privilegiar medidas educativas voltadas à orientação e apoio às famílias. E
orientou sobre a necessidade de inclusão na justificativa da lei dos seguintes subsídios:
comentário geral n˚8 do Comitê dos Direitos da Criança, resolução n˚113 do CONANDA,
construção de uma cultura de paz e reconhecimento das etapas do desenvolvimento infantil.
Como estratégia da incidência, a articulação política através das Frentes Parlamentares.
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2.5.5 PARTICIPAÇÃO INFANTIL: Crianças e Adolescentes tem Voz (GT5)
Por último, as crianças e adolescentes das cinco regiões do Brasil, que participaram do
processo de preparação do I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes
foram convidadas a apresentar seu trabalho.
Após ressaltarem a importância das crianças e adolescentes terem voz e vez no
Simpósio, cada uma falou o que era castigo físico para si. De um bifa até chicotadas e
coronhadas, mostraram que independente do nome e da expressão usada em cada região, o
castigo físico e o tratamento humilhante tem o mesmo significado e, em todos, as conseqüências
são ruins. Mas o grupo lembra que não basta julgar os pais e condená-los. É preciso apresentar
propostas para fazer diferente. E as propostas das crianças são:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
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16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
Fale para as crianças palavras de incentivo
Incentivar as crianças com uma boa educação
Tirar as coisas que as crianças gostam depois de explicar o que fizeram de errado.
Em lugar de um tapa, um abraço e um bom conselho.
Acreditar no que as crianças dizem.
Deixar a criança ter liberdade de expressão.
Quando a criança errar, ajude-a a entender seu erro.
Levar Paz e não violência para casa.
Dar mais atenção aos filhos, participar e acompanhar sua vida nos diversos espaços que
eles freqüentam: escola, praça, rua.
Conversar e explicar com calma as atividades da escola.
O diálogo entre Pai e Filho – Uma boa conversa sempre.
Explicar as regras de casa e da escola.
Não tratar os filhos como lixo.
Não tratar os filhos com indiferença, pois os filhos também podem ser um bom exemplo
para os pais. Assim como os pais ensinam coisas para os filhos, os filhos também podem
ensinar coisas para os pais
Os pais devem ter tempo, paciência, ser mais amigos e brincar com os filhos.
Os pais devem explicar o quê e como fazer; e não, fazer pelos filhos.
Os pais não devem deixar nascer sentimentos ruins nos filhos.
Não deixar criar rancor entre pai e filho.
Antes de dormir deve fazer as pazes.
Realizar palestras organizadas e conduzidas por crianças e adolescente sobre educar
sem violência para pais, educadores e instituições.
Criar mais estruturas para os abrigos, conselhos tutelares e cumprir o ECA em unidades
de medidas sócio-educativas.
Criar uma Rede Não Bata, Eduque formada por crianças e adolescentes.
Os pais devem respeitar os filhos que tenham alguma deficiência.
Formação em LIBRAS para pais e educadores para melhorar a comunicação entre
crianças e adolescentes surdos.
Falar para os filhos seus direitos e deveres para que ele possa ajudar a construir sua
educação.
Tratar todos os filhos da mesma maneira, pois somos todos iguais em nossos direitos e
deveres.
Incentivar seus filhos a não desistir de seus sonhos.
Os pais tem direitos e deveres e as crianças e adolescentes também
Toda crianças tem direito a conhecer sua cultura local, regional e nacional.
As crianças nasceram para serem educadas com amor, carinho e atenção e diálogo e não
com agressões físicas e psicológicas.
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Por fim, deixaram algumas perguntas para que os participantes refletissem como se
sentiriam numa situação de castigo físico e humilhante. E afirmaram: “Basta, já é hora de acabar
com a violência”.
2.5.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS GTs
Após agradecer a todos os participantes dos grupos de trabalho e às crianças e
adolescentes, a mediadora Denise Stuckenbruck passou a palavra a Marta Santos Pais, para que
fizesse seus comentários.
Primeiramente, Pais destacou um ponto que considerou recorrente nas apresentações,
que foi a importância da escola nesse processo de mudança cultural. Além disso, os materiais
pensados e propostas podem fazer perfeitamente a conexão entre o tema da proteção infantil e os
temas que compõem o currículo escolar. Ressaltou também os desafios, como o de formar
professores para que sejam aliados nessa luta. A ideia se aproveitar as experiências que já
existem para avançar nesse processo também ganhou destaque. E, principalmente, a
necessidade de investimento em formação de pessoas para dar assistência nos casos de
violência.
Outro aspecto que Pais lembrou foi a questão do gênero. A violência, em muitos casos,
varia de acordo com o gênero e com a faixa etária, por isso, é importante que se promovam
atividades nas quais se possa repensar essas ações.
Na parte que tratou da Reforma Legal, destaque para a preocupação com a criminalização
da família e da pobreza. A lei reflete um modelo, uma forma perfeita, que muitas vezes se
encontra afastada da sociedade. E nesse processo é mais positivo quando a sociedade
desenvolve práticas, como campanhas de sensibilização e formação que caminhem junto com o
processo de aprovação da lei.
Sobre a participação das crianças Marta afirmou sua admiração por esta prática e que, em
seu mandato, gostaria muito de poder criar um conselho consultivo de crianças e adolescentes
que pudessem interagir de forma constante com o mandato. “Dar voz aos jovens”, disse Pais.
50
O professor Paulo Sergio Pinheiro também fez comentários sobre os grupos. Primeiro
falou sobre o grupo de crianças e adolescentes, destacando que o que disseram corresponde ao
sentimento comum de quase todas as crianças. E continuou comentando os outros grupos.
Lembrou que dois falaram sobre a questão da criminalização dos pobres e esclareceu que a lei
não busca criminalizar nada. A obrigação de não praticar castigos físicos é de ricos e pobres.
Entretanto, o fato de haver uma proibição, não significa necessariamente que haverá
criminalização. Ninguém será condenado por uso de castigo físico, a não ser que se chegue ao
nível da tortura. Outro problema é o de querer fazer lei sem proibir. O que a lei busca é sim a
proibição dos castigos físicos.
Para o grupo que falou da Reforma Legal, Pinheiro indicou que não viu menção à
Convenção dos Direitos da Criança, o que é muito importante que seja incluído. Até mesmo
porque o Brasil ratificou essa Convenção que, logo ela fortalece o processo de aprovação da lei.
Sobre o GT3, que falou sobre os Sistemas de Garantia de Direitos, Pinheiro afirmou que
considera a organização dos Conselhos Nacionais no Brasil um privilégio e que estes precisam ter
como prioridade a erradicação dos castigos físicos. E destacou outro ponto desse grupo
apresentou a necessidade da participação da universidade nesse processo, o que nenhum outro
fez. Para a questão dos religiosos, afirmou que concorda com o que o grupo colocou e a
importância do diálogo e das alianças. E afirmou que eliminaria do seu vocabulário a expressão
cultura do castigo físico e a substituiria por tortura do castigo físico e não cultura. A cultura do
castigo físico é, na verdade, uma incultura.
Destacou a lembrança da questão da pior situação dos centros e das crianças com
deficiências mentais. Mas chamou atenção do grupo que tratou esse tema por não ter dado
destaque aos afro-descendentes, que são os donos dos piores indicadores sociais do Brasil.
Pinheiro concluiu afirmando que o grupo que falou sobre as estratégias de comunicação
fez um ótimo mapeamento e apontou todos os sujeitos. Outros grupos fizeram ótimas
recomendações, mas não apontaram os sujeitos. E o professor considera que estes devem ser
especificados, pois a sociedade civil não deve ser responsável por tudo. É preciso se saber com
clareza o que é de responsabilidade dos governos, seja no nível municipal, estadual ou federal. E
para isso deve-se retomar a Convenção, pois é através dela que o próprio Estado se atrelou a
essa questão.
A mediadora agradeceu os comentários e afirmou ser esse o espírito dessa sessão. Uma
oportunidade para reunir ideias e sugestões para fortalecimento do trabalho. E certamente todas
essas propostas e recomendações vão ser usadas na produção de um plano de ação mais
adiante.
Em seguida os participantes do Simpósio que assistiram às apresentações fizeram
comentários. A primeira contribuição trouxe alguns pontos para reflexão. O primeiro dizia respeito
ao resgate da imagem do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o segundo tratava do
envolvimento da sociedade civil no processo e o terceiro sobre a importância das religiões na
capilarização da campanha, por atingirem diversos setores da sociedade.
51
A segunda intervenção foi direcionada para a área da comunicação.
O participante
sugeriu que fosse estabelecida uma interlocução com as editoras de livros didáticos. Isso
possibilitaria incluir informações sobre o tema dos castigos físicos e humilhantes nesse material,
inclusive com sugestões de atividades para os professores realizarem com os alunos.
A terceira questão foi direcionada à deputada Maria do Rosário e específica sobre como
anda o projeto de lei e o que impediu a sua aprovação.
A deputada foi a primeira a responder. Ela contou todo o processo pelo qual o projeto de
lei passou e sua aprovação nas diversas comissões da Câmara dos Deputados e também quanto
à sua constitucionalidade, faltando apenas a aprovação no Plenário. E segundo o regimento da
Câmara dos Deputados um projeto aprovado nas três comissões não precisa passar pelo
Plenário, indo assim direto para aprovação no Senado. Mas nesse caminho houve um
contratempo e problemas de comunicação acabaram por taxar o projeto junto à sociedade como
uma forma de intervenção na vida familiar, o que não era fato. O que o projeto visava era que o
Estado instituísse regras sobre a convivência e as relações de poder dentro da família, como
ocorre com a Lei Maria da Penha. Diante disso, um grupo de deputados entrou com um recurso,
coletou assinaturas e impediram a continuidade da tramitação do projeto. Por isso, hoje,
regimentalmente, está parado.
Para Maria do Rosário o momento agora é outro. É novo. E acredita que há plenas
condições de um novo encaminhamento. Mas é preciso seguir na luta, ainda que não seja fácil.
Uma luta para construção de uma cultura de direitos.
Paulo Sergio Pinheiro fez apenas um comentário. Para ele, é preciso definir novas
estratégias, pois o grupo que se colocou contra o projeto anteriormente é provável que o faça de
novo. Há agora um texto que pode auxiliar que é o Plano Nacional de Direitos Humanos – decreto
do Presidente da República, assinado por todos os Ministros - que apóia uma lei no sentido de
proibir os castigos físicos e pode servir para estimular àqueles que são simpáticos ao projeto.
Marta Santos Pais encerrou essa rodada reafirmando a importância de não esquecer o
que diz a Convenção dos Direitos das Crianças por ela ser uma obrigação que juridicamente o
Estado brasileiro assumiu. Um compromisso para todas as políticas e ações no seio do país. Daí
decorre a necessidade de o Brasil adotar uma legislação que proíba todas as formas de violência
e não de margem a nenhuma subjetividade sobre o que é violência. E concluiu afirmando que
após a apresentação de todos esses trabalhos há uma plataforma muito consistente para
caminhar. Há um movimento internacional e nacional, no qual o Brasil certamente assumiu um
papel de liderança com o Estatuto da Criança e do Adolescente, na luta pela abolição de todas as
formas de castigos físicos ou tratamento humilhante.
Ainda houve espaço para mais comentários. Primeiro Peter Newell fez algumas
colocações, merecendo destaque sua afirmação de que a lei a ser aprovada deve ser clara, para
garantir que as crianças tem o mesmo direito à proteção do que os adultos. Em seguida, uma
participante que trabalha com comunidades indígenas se colocou. Ela afirmou que as crianças
indígenas não tem visibilidade nenhuma. Mal são tratadas como sujeitos, quem dirá como sujeitos
de direitos. E disse ainda que apesar do discurso dominante afirmar que nessas comunidades o
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ato de bater nas crianças é cultural, uma imersão maior em seu cotidiano e seus costumes pode
mostrar que nem sempre isso é verdade. E afirmou a importância de se elaborarem políticas
públicas específicas para as crianças e adolescentes indígenas. Priscilene, da comunidade surda
colocou que quando a criança tem alguma deficiência, muitas vezes os pais não conseguem se
comunicar com a gente. E questionou a todos sobre como pode conhecer seus direitos se
raramente há interpretes em locais como escolas, hospitais. “Não há uma pessoa que seja nossa
voz, para fazer cumprir o nosso direito”, disse.
2.6 ENTREGRA FORMAL DO INFORME – RESULTADOS DOS TRABALHOS DO SIMPÓSIO
ÀS AUTORIDADES PRESENTES / ENCERRAMENTO
No final da tarde do dia 04 de dezembro, I Simpósio Nacional de Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes chegou ao fim. A mesa de encerramento tinha como missão receber os
produtos dos grupos de trabalho e por isso, foi composta por diversas autoridades no tema dos
castigos físicos e humilhantes contra crianças e adolescentes. Além disso, seria, naquele
momento, oficializado o lançamento do relatório “Castigo Corporal e Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes”. Estiveram presentes: Marie-Pierre Poirier; do Fundo das Nações
Unidas para Infância (UNICEF); Peter Newell, secretário-executivo da Iniciativa Global pelo Fim da
Punição Corporal; Marta Santos Pais, representante da Organização das Nações Unidas (ONU);
Paulo Sergio Pinheiro, relator da Infância da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA); Helen Sanches, promotora e representante do
CONANDA; Osmar Castro Lopes, representante das crianças e dos adolescentes e Rosa Maria
Ortiz, do Comitê pelos Direitos da Criança.
A fala ficou por conta do professor Paulo Sérgio Pinheiro. Sobre o relatório, ressaltou a
sua importância, afinal, neste documento pela primeira vez tanto a Comissão Interamericana como
53
a Corte afirma a proibição da punição corporal de maneira clara. Esse informe, segundo ele, é um
bom exemplo de relação entre a sociedade e o sistema Interamericano. Esclareceu às funções e
atribuições da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e detalhou o processo
de planejamento e elaboração do relatório. Pinheiro destacou ainda que por meio do relatório a
corte deixou claro que “o castigo corporal é uma violação dos direitos humanos que desrespeita o
conhecimento das crianças como sujeito de direito”. Por fim lembrou que “a Corte e a Comissão
recomendam aos Estados que proíbam toda forma de violência contra infância e adolescência em
todos os contextos – família, escola, instituições alternativas de acolhimento, centros de detenção,
os lugares onde trabalham e as comunidades”.
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