Encontros vocálicos finais em português - Faculdade de Letras

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Encontros vocálicos finais em português - Faculdade de Letras
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS EM PORTUGUÊS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE
OTIMALISTA
Marisandra Costa Rodrigues
2012
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS EM PORTUGUÊS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE
OTIMALISTA
Marisandra Costa Rodrigues
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio
Gonçalves
Rio de Janeiro
Março de 2012.
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ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS EM PORTUGUÊS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE
OTIMALISTA
Marisandra Costa Rodrigues
Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Tese de Doutorado submetida ao Programa e Pós-graduação em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários
à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Aprovada por:
Professor Doutor Carlos Alexandre V. Gonçalves
(UFRJ – Vernáculas/ Orientador)
Professora Doutora Marília L. da C. Facó
Soares (UFRJ/ Museu Nacional/ Titular)
Professor Doutora Christina Abreu Gomes
(UFRJ – Lingüística/ Titular)
Professor Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira
(UFRJ – Vernáculas/ Titular)
Professor Doutor Roberto Botelho Rondinini
(UFRRJ/ Titular)
Professor Doutor Mônica Maria Rio Nobre
(UFRJ/Suplente)
Professor Doutor Antônio Sérgio Cavalcante Cunha
(UERJ/ Suplente)
Rio de Janeiro
2012
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SINOPSE
Estudo sobre a realização de encontros vocálicos
finais por epêntese, alteamento e degeminação na
fala carioca. Indícios da ambissilabicidade dos
encontros tônicos por meio da análise acústica.
Retomada histórica do fenômeno. Apresentação
dos dados e análise baseada na Teoria da
Otimalidade.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus, que sempre foi a minha
força maior e a meu grande companheiro nos momentos mais
difíceis.
A Carlos Alexandre Gonçalves, meu orientador, amigo,
incentivador e motivador. Nele me inspirei para chegar até aqui.
A Aracy Costa Rodrigues e Mario de Oliveira Rodrigues,
meus pais.
A Aurelina de Souza Costa (in memoriam), minha avó,
que sempre me ajudou e nunca se deixou levar pelas
dificuldades que apareceram em nossos caminhos. Sua mão
sempre esteve estendida a todos, disso nunca esquecerei.
A meus amigos, pessoas que sempre me ajudaram a
prosseguir.
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RESUMO
ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS EM PORTUGUÊS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE
OTIMALISTA
Marisandra Costa Rodrigues
Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre V. Gonçalves
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
Os encontros vocálicos do português têm sido alvo de muitos estudos e esta pesquisa
objetiva contribuir para que algumas questões sobre ditongos e hiatos sejam mais bem
compreendidas. Os principais pontos abordados na análise proposta são: (a) a pouca, ou
nenhuma, realização dos hiatos finais por epêntese, alteamento e degeminação na fala carioca
(mapeamento e análise otimalista); (b) o levantamento de indícios da ambissilabicidade por
meio da análise acústica; e (c) o estudo dos fatores diretamente ligados aos fenômenos
evidenciados (acento, estrutura silábica etc.).
Segundo Rodrigues (2007), o hiato, estrutura marcada da língua, tende a ser evitado
desde o português arcaico. Em alguns casos, a estrutura oscila livremente com os ditongos (cf.
Lopez (1979), Bisol (1999) e Mateus & D’Andrade (2000)) e, em outros, o encontro é evitado
por diversos fenômenos (cf. Rodrigues 2007), dentre eles, a epêntese e o alteamento
vocálicos. A autora, com base na Teoria da Otimalidade (doravante TO), analisou a
dissolução dos hiatos por meio de epêntese e apontou, após a análise dos dados recolhidos, a
ocorrência da ambissilabicidade. No entanto, algumas questões ficaram em aberto no aludido
trabalho, que pretendemos responder nesta tese: como comprovar a maior duração da vogal
inserida? O prolongamento do glide epentético ocorre em todos os casos? Que casos
favorecem a epêntese? Que casos favorecem o alteamento?
Além dessas questões, o estudo desenvolvido busca ainda esclarecer que forças estão
em conflito para que o hiato não chegue à superfície e o que deve ser considerado na estrutura
subjacente.
Palavras-chave: Hiatos, Ditongos, Teoria da Otimalidade, Tableaux, Input, Output, Análise
Acústica, Epêntese, Alteamento.
Rio de Janeiro.
Março de 2012.
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ABSTRACT
MEETINGS VOWEL IN PORTUGUESE: DESCRIPTION AND OPTIMALIST
ANALYSIS
Marisandra Costa Rodrigues
Advisor: Prof. Dr. Carlos Alexandre V. Gonçalves
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
In Portuguese, the gliding vowel sound have been the subject of many studies and this
research aims to contribute for some issues surrounding the diphthongs and hiatuses in order
to obtain full understanding. The main points addressed in the proposed analysis are: (a) the
dissolution of the hiatus by final epenthesis, the vowelic lift and degemination typical of
speech Carioca (optimalist mapping and analysis), (b) the survey of the evidence
ambisyllabicity through acoustic analysis, and (c ) the study of factors directly related to the
phenomena evidenced (stress, syllable structure etc.).
According to Rodrigues (2007), the gap, marked structure of language, tends to be
avoided since the archaic Portuguese. In some cases, the structure oscillates freely with
diphthongs (cf. Lopez (1979), Bisol (1999) and Mateus & D'Andrade (2000)), and others, the
meeting is prevented by several phenomena (cf. Roberts, 2007). Among the phenomena
mentioned by Rodrigues (2007), the lift and epenthesis are. The author, based on Optimality
Theory, examined the dissolution of the hiatus through epenthesis and pointed, after analyzing
the data collected, the occurrence of ambisyllabic segments. However, some issues remained
outstanding in the aforementioned work and intend to answer in this thesis: how to prove the
longer the vowel inserted? The extension of the glide epenthetic occurs in all cases? Which
cases favor the epenthesis? Which cases further the lift?
In addition to these questions, the study also seeks to clarify what forces are in
conflict so that the hiatus does not reach the surface and what should be considered in the
underlying structure.
Keywords: Hiatus, Diphthong, Optimality Theory, Tableaux, Input, Output, Acoustic
Analysis, Epenthesis, Lift.
Rio de Janeiro.
Março de 2012
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RESUMEN
ENCUENTROS VOCÁLICOS EN PORTUGUÉS: DESCRIPCIÓN Y ANÁLISIS
OTIMALISTA
Marisandra Costa Rodrigues
Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre V. Gonçalves
Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa), Instituto de Letras, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Língua Portuguesa.
Los encuentros vocálicos del portugués son alvos de muchos estudios y esta pesquisa
busca contribuir para que algunas de las cuestiones sobre los diptongos e hiatos sean mejor
comprendidas. Los principales puntos de la análisis son: (a) la poca, o ninguna, realización de
los hiatos finales por epéntesis, alteamiento y crasis en el habla carioca (mareamiento y
análisis otimalista) ; (b) demostración de la ambissilabicidade por medio de análisis acústica;
(c) estudio de los factores directamente relacionados a los fenómenos evidenciados (acento,
estructura silábica, etc).
Según Rodrigues (2007), el hiato, estructura marcada de la lengua, casi siempre no es
realizada, esto desde el portugués arcaico. Algunas veces, la estructura oscila libremente con
los diptongos (cf. Lopez (1979), Bisol (1999) e Mateus e D’Andrade (2000)) y, en otras, el
encuentro es evitado por distintos fenómenos (cf. Rodrigues, 2007). Rodrigues menciona
fenómenos como epéntesis y alteamiento. La autora, basada en la Teoría de la Otimalid,
analizó la disolución de los hiatos por medio de epéntesis y, señalizó, después de analizar los
dados recogidos, la ocurrencia de la ambissilabicidade. Por lo tanto, algunas cuestiones aún
están en abierto y, por eso, queremos contestar en esta tesis: ¿como comprobar la mayor
duración de la vocal inserida? ¿La mayor duración del glide epentético ocurre en todos los
casos? ¿Qué casos favorecen la epéntesis? ¿Qué casos favorecen el alteamiento?
Además, el estudio desarrollado busca aún aclarar qué fuerzas están en conflicto para
que el hiato no sea producido y también lo que debe ser considerado en el nivel subyacente.
Palabras clave: Hiatos, Diptongos, Teoría de la Otimalid, Tableaux, Input, Output, Análisis
Acústica, Epéntesis, Alteamiento.
Rio de Janeiro.
Março de 2012.
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SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO
17
2- SOBRE DITONGOS E HIATOS EM PORTUGUÊS E MAPEAMENTO DOS
ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS CONSIDERADOS
22
2.1 A oscilação entre ditongos crescentes e hiatos no PB: Abordagens tradicionais
e linguísticas
22
2.1.1 Gramáticos Tradicionais
23
2.1.2 Mattoso Câmara Jr. (1970), Christófaro-Silva (1999) e Callou &
Leite (2005)
25
2.1.3 Bisol (1989, 1994 e 1999)
27
2.1.4 Lopez (1979)
30
2.1.5 Mateus e D’Andrade (2000)
33
2.1.6 Interpretação do nível subjacente: o que deve ser considerado nessa
camada?
35
2.2 Encontros finais com V1 acentuada
2.2.1 Casos de mudança fonológica
38
41
2.3 Encontros finais átonos
44
2.4 Propostas de interpretação fonológica para os ditongos por epêntese
50
3- TEORIA DA OTIMALIDADE
53
3.1 Conceitos básicos, premissas
54
3.2 Funcionamento da teoria
57
3.3 Riqueza do Input e Princípio da Otimização do Léxico
61
3.4 A tese da conspiração
62
3.5 O tratamento da variação
64
3.6 O tratamento da mudança
69
10
4- AMBISSILABICIDADE, DEGEMINAÇÃO E ALTEAMENTO NA DISSOLUÇÃO DOS
HIATOS FINAIS DO PB: UMA ANÁLISE OTIMALISTA
76
4.1 Bases metodológicas
76
4.2 Descrição e análise dos encontros átonos
82
4.3 Descrição e análise dos encontros tônicos
117
4.4 Análise acústica por meio do PRAAT
141
4.4.1 Análise dos pares mínimos: vil/ vi-o, mil/ mio e riu/ rio
142
4.4.2 Indícios da ambissilabicidade nos casos de epêntese
176
5- ALGUMAS NOTAS SOBRE MUDANÇA FONOLÓGICA: OS ENCONTROS
VOCÁLICOS COM V1 MÉDIA ANTERIOR ACENTUADA
188
5.1 Os hiatos na história do português
188
5.2 Análise de dados
195
CONSIDERAÇÕES FINAIS
211
BIBLIOGRAFIA
216
ANEXOS (CF. CD)
223
11
LISTA DE ESQUEMAS, TABELAS E TABLEAUX
CAPÍTULO 2
(1) Ditongos pesados x Ditongos leves
(2) Pares mínimos
(3) /'ea/ e /a/: exemplos históricos
(4) /'ue/, /'ie/ e /'oe/ em conjugações verbais
(5) /'ua/ na conjugação verbal
(6) /'ua/ e /'ao/: inserção de glide e alongamento de V1
(7) Terminações –eo e –ea
(8) Encontros finais átonos
(9) Quadro vocálico, conforme Clements & Hume (1995)
(10) Contraste entre [o] e [w]
(11) Contraste entre [e] e [j]
(12) Ditongo verdadeiro, segundo Bisol
(13) Ditongo falso, segundo Bisol
CAPÍTULO 3
(1) Disputa resolvida na primeira restrição
(2) Disputa resolvida na segunda restrição
(3) Disputa resolvida na terceira restrição
(4) Restrições no mesmo nível hierárquico
(5) Emergência de apenas um candidato
(6) Emergência de dois candidatos
(7) Competição entre rankings I
(8) Competição entre rankings II
(9) Variação resolvida em um único tableau
12
(10) Criação de novas conexões entre restrições
(11) Restrições sem relação de dominância
(12) Restrições com relação de dominância
(13) Dissolução de conexão entre restrições
(14) Restrições com relação de dominância II
(15) Restrições sem relação de dominância II
(16) Alteração de dominância
(17) A>>B
(18) B>>A
CAPÍTULO 4
(1) Encontros finais átonos e tônicos
(2) Pares míninos que serão testados pelo PRAAT
(3) Frases que srão gravadas para a análise acústica
(4) Encontro –ia átono (tabela)
(5) Encontro –io átono (tabela)
(6) Encontro –io átono (gráfico)
(7) Encontro –ie átono (tabela)
(8) Encontro –ie átono (gráfico)
(9) Dados com a terminação –il
(10) Dados com a terminação –el
(11) Dados com a terminação –el (gráficos)
(12) /ia/, /io/, /ie/, /il/, /el/ (gráfico)_
(13) Restrições dominantes do contexto átono
(14) Demais restrições atuantes do contexto átono
(15) Hierarquia proposta para o contexto átono
(16) Análise de ‘empresária’
(17) Análise de ‘malefício’
(18) Análise de ‘espécie’
(19) Análise de ‘infértil’
(20) Análise de ‘ágil’
13
(21) Análise de ‘ágio’
(22) /ao/, /eo/, /ea/ (gráfico)
(23) Encontro –oa átono (tabela)
(24) ) Encontro –eo átono (tabela)
(25) ) Encontro –ea átono (tabela)
(26) Análise de ‘mágoa’
(27) Mágoa/ Água
(28) Análise de ‘ósseo’
(29) Análise de ‘óssio’
(30) Análise de ‘área’
(31) Encontro –ua átono (tabela)
(32) Encontro –uo átono (tabela I)
(33) Encontro –uo átono (tabela II)
(34) Encontro –uo átono (gráfico)
(35) Encontros /ua/, /uo/ e /eu/ átonos (gráfico)
(36) Análise de ‘ambígua’
(37) Análise de ‘vácuo’
(38) Análise de ‘tênue’
(39) Encontros –ao, -oe e –oo tônicos (gráfico)
(40) Encontro –oa tônico (tabela)
(41) Encontro –oa tônico (gráfico)
(42) Encontro –oe tônico (tabela)
(43) Encontro –oe tônico (gráfico)
(44) Encontro –oo tônico (tabela)
(45) Encontro –oo tônico (gráfico)
(46) Restritores atuantes no contexto tônico
(47) Análise de ‘coroa’
(48) Análise de ‘perdoe’
(49) (47) Análise de ‘enjôo’
(50) Encontro –ia tônico (tabela)
(51) Encontro –ie tônico (tabela)
(52) Encontro –io tônico (tabela)
(53) Análise de ‘dia’
(54) Análise de ‘adie’
14
(55) Representação do elemento ambissilábico
(56) Análise de ‘frio’
(57) Encontro –ua tônico (tabela)
(58) Encontro –ue tônico (tabela)
(59) Encontro –uo tônico (tabela)
(60) Análise de ‘jejua’
(61) Análise de ‘tatuo’
(62) Análise de ‘gradue’
(63) Informante 1: ALÊ/ VIL EM FINAL DE FRASE
(64) Informante 1: ALÊ/ VI-O EM FINAL DE FRASE
(65) Informante 1: ALÊ/ VIL EM FINAL DE FRASE (com a curva de intensidade)
(66) Informante 1: ALÊ/ VI-O EM FINAL DE FRASE (com a curva de intensidade)
(67) Informante 1: ALÊ/ VI-O EM FINAL DE FRASE (com a curva de intensidade) II
(68) ALÊ / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
(69) Informante 2: AM/ VIL EM FINAL DE FRASE
(70) Informante 2: AM/ VIL EM FINAL DE FRASE II
(71) AM / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
(72) Informante 3: VA/ VIL EM FINAL DE FRASE
(73) VA / VI-O EM FINAL DE FRASE
(74) VA / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
(75) Informante 4: QUEL/ VIL EM FINAL DE FRASE
(76) QUEL / VI-O EM FINAL DE FRASE
(77) QUEL / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
(78) Informante 1: ALÊ/ MIL EM FINAL DE FRASE
(79) ALÊ / MIO EM FINAL DE FRASE
(80) AM / MIL EM FINAL DE FRASE
(81) AM / MIO EM FINAL DE FRASE
(82) VA / MIL EM FINAL DE FRASE
(83) VA / MIO EM FINAL DE FRASE
(84) QUEL / MIL EM FINAL DE FRASE
(85) QUEL / MIO EM FINAL DE FRASE
(86) ALÊ/ RIU EM FINAL DE FRASE
(87) ALÊ/ RIO EM FINAL DE FRASE
(88) AM/ RIU EM FINAL DE FRASE
15
(89) AM/ RIO EM FINAL DE FRASE
(90) VA/ RIU EM FINAL DE FRASE
(91) VA/ RIO EM FINAL DE FRASE
(92) QUEL/ RIU EM FINAL DE FRASE
(93) QUEL/ RIO EM FINAL DE FRASE
(94) Frase 1: A coroa, mãe de Felipe, é uma pessoa muito ambígua. (informante 1)
(95) Frase 1: A coroa, mãe de Felipe, é uma pessoa muito ambígua. (informante 2)
(96) Frase 1: A coroa, mãe de Felipe, é uma pessoa muito ambígua. (informante 3)
(97) Frase 2: A ambígua pessoa pode não ser a coroa, mãe de Felipe. (informante 1)
(98) Frase 2: A ambígua pessoa pode não ser a coroa, mãe de Felipe. (informante 2)
(99) Frase 2: A ambígua pessoa pode não ser a coroa, mãe de Felipe. (informante 3)
(100) Frase 3: A rega não ficou bem feita. (informante 1)
(101) Frase 3: A rega não ficou bem feita. (informante 2)
(102) Frase 3: A rega não ficou bem feita. (informante 3)
CAPÍTULO 5
(1) Processos que atuam para evitar a realização do hiato
(2) Os dois momentos da história dos hiatos
(3) Processos atuantes durante a formação da língua
(4) O conflito entre DEO-IO e MARCAÇÃO
(5) Análise de ‘passeo’
(6) Análise de ‘tea’
(7) Análise de ‘diaboo’
(8) Análise de ‘diaboo’, ‘door’ e ‘seer’
(9) Variação (representação I)
(10) Variação (representação II)
(11) Direcionalidade da mudança I
(12) Direcionalidade da mudança II
(13) Elemento ambissilábico (representação
(14) Análise de ‘cear’ (P1 Ind. Pres.)
(15) Exemplos de verbos terminados em -ear
16
(16) Análise de ‘ratear’ (P1 Ind. Pres.)
(17) Análise de ‘ratear’ (P4 Ind. Pres.)
(18) Exemplos derivacionais
17
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar a dissolução dos encontros vocálicos finais no
português do Brasil – mais especificamente na fala carioca (região metropolitana do estado do
Rio de Janeiro). A partir de corpora especificamente constituídos para esse fim, temos o
propósito de checar que processos fonológicos conspiram contra a realização de hiatos finais
nessa variedade. O referencial adotado na análise é a Teoria da Otimalidade (TO), em sua
versão dita clássica (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1993).
Com base na TO, buscamos (a) estabelecer hierarquias que traduzam as forças em conflito na
gramática para que hiatos não cheguem à superfície e (b) explicar a atuação de diferentes
fenômenos militando para um mesmo propósito – o que se convencionou chamar, na literatura
em fonologia, de conspiração (JAKOBSON, 1962; KISSEBERTH, 1970).
A análise proposta, além de utilizar a TO, conta ainda com dados recolhidos por meio
de gravação e investigados a partir da análise acústica (programa PRAAT). Neste trabalho,
não foram utilizados acervos de fala estratificados, como o NURC e o PEUL, por exemplo,
porque esses não dariam conta da ampla variedade de estruturas aqui investigadas. Por esse
motivo, lançamos mão de metodologia específica para elicitar os dados, de modo a investigar,
através de amostras de controle, todas as combinações de vogais finais existentes na língua, a
exemplo de ‘lêndea’, ‘vácuo’, ‘tênue’, ‘rio’, ‘boa’ e ‘pontue’.
De acordo com Rodrigues (2007), o hiato, por ser uma estrutura marcada na língua,
tem sido evitado desde o português arcaico por meio da conspiração dos seguintes fenômenos:
ditongação (fea > feia, cea > ceia, tea > teia), desenvolvimento de palatal (gallina > galina >
galiña > galinha, vinu > vino > viño > vinho), absorção de vogal por consoante de mesma
natureza (angeo > anjo, rigeo > rijo) e crase (seer > ser, creer > crer, coor > cor). Este estudo
18
enfatiza a dissolução dos hiatos finais átonos por ditongação e degeminação e busca
comprovar, por meio de análise acústica, a ambissilabicidade percebida em casos como ‘boa’,
‘tio’ e ‘tua’.
Os encontros vocálicos finais podem ser divididos em átonos (‘lêndea’, ‘mágoa’),
tônicos com a primeira vogal acentuada (‘magoa’, ‘angustia’) e tônicos com a segunda vogal
acentuada (‘sabiá’, ‘curió’). Acreditamos que o hiato só se realiza quando a segunda vogal do
encontro porta acento. No nosso entendimento, os principais fenômenos atuantes no
desfavorecimento do hiato são a epêntese (‘boa’ >> [‘bowa]), a degeminação (‘cárie’ >>
[‘kaɾI]) e o alteamento (‘lêndea’ >> [‘lẽndʒja]), os mesmos processos responsáveis pela
dissolução dos hiatos ao longo da história do português (COUTINHO, 1976; TEYSSIER,
1997; RODRIGUES, 2007).
A análise pela TO busca o estabelecimento de uma ou mais hierarquias que consigam
traduzir as forças em conflito na gramática para que hiatos finais não cheguem à superfície,
além de tentar explicar a atuação de diferentes fenômenos conspirando para um mesmo fim.
Já análise acústica objetiva checar a duração dos elementos epentéticos e a sua possível
realização em duas posições silábicas. Para alcançar os objetivos propostos, este estudo está
dividido em quatro partes, além da conclusão.
O segundo capítulo apresenta o mapeamento dos encontros finais átonos investigados.
Para checar o estatuto fonológico de tais estruturas, são consideradas as propostas de Bechara
(2003), Cunha & Cintra (1985), Rocha Lima (1976), Cegalla (2005), Mattoso Câmara Jr.
(1970), Christófaro-Silva (1999), Callou e Leite (2005), Bisol (1989, 1994 e 1999), Lopez
(1979), Mateus e D’Andrade (2000). Nesse capítulo, com o objetivo de apresentar um
panorama geral sobre o tema, são apresentadas as descrições iniciais dos encontros finais com
V1 acentuada (‘pontue’) e dos encontros finais átonos (‘glória’), bem como a descrição dos
casos de mudança fonológica (‘colore’ > ‘coor’ > ‘cor’) e a apresentação de propostas de
19
interpretação para os casos de realização com epêntese de glide homorgânico, em ponto, à
vogal que se localiza na sílaba proeminente (‘passeio’, [pa.’sejʊ], ‘canoa’, [ka.’nowa]).
Para a abordagem dos casos de mudança fonológica, são utilizados, principalmente, os
estudos de Coutinho (1976), Teyssier (1997), Huber (1933) e Hutton (1996). Na seção sobre
as propostas de interpretação fonológica para os casos de epêntese de glide, atenção especial é
dada aos posicionamentos de Mattoso Câmara Jr. (1970), Pontes (1965), Bisol (2001) e
Gonçalves & Costa (1995).
Ainda no segundo capítulo, duas questões relacionadas aos encontros selecionados
para análise são enfatizadas: (a) o tratamento dado à oscilação entre ditongos crescentes e
hiatos; e (b) a interpretação do elemento marginal do encontro no nível subjacente. Autores
como Mattoso Câmara Jr. (1970), Christófaro-Silva (1999), Callou & Leite (2005) e Rocha
Lima (1976), entre outros, abordam a oscilação entre ditongos crescentes e hiatos, sendo
quase unânime o posicionamento de que apenas os encontros que apresentam as consoantes
complexas /kw/ e /gw/ do latim têm estabilidade em sua produção (‘légua’, ‘água’), o que é
questionável, na medida em que há casos em que a monotongação é admitida até mesmo na
ortografia, como ‘quociente’ ~ ‘cociente’ e ‘quatorze’ ~ ‘catorze’, por exemplo. Os autores,
apesar de mencionar a questão da oscilação, não se aprofundam nesse tema.
Durante nossa revisão bibliográfica, ainda esclareceremos alguns pontos contraditórios
sobre a escolha do material subjacente utilizado para representar os encontros vocálicos. Com
exceção de M. Câmara Jr., que defende a presença de glides no nível subjacente, autores
como Bisol (1989, 1994 e 1999), Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000) propõem a
presença de vogais altas no nível subjacente e postulam que a transformação do elemento alto
em glide ocorre no nível superficial, ou seja, defendem que há hiatos no nível subjacente. No
entanto, todos esses autores acreditam que a silabação é feita no nível superficial, o que é uma
contradição, uma vez que, se não há sílaba no nível subjacente, também não há hiatos ou
20
ditongos nesse nível. Assim, levantamos as seguintes questões: Como interpretar e fazer
referência ao material subjacente? É melhor silabar no nível subjacente ou manter a silabação
no nível de superfície?
O capítulo 3 apresenta os fundamentos teóricos da análise. Com base em Prince &
Smolensky (1993), Kager (1999), Gonçalves (2004) e Holt (1997), são apresentados os
conceitos básicos da TO e suas premissas. O princípio de Riqueza do Input e a Otimização do
Léxico são tratados com ênfase na abordagem de Collischonn & Schwindt (2003) e Lee
(2004). A ação dos vários fenômenos contra a realização de hiatos em português é
apresentada a partir de Rodrigues (2007) e o tratamento da mudança e da variação na TO,
com base nas propostas de Antilla (1995), Hutton (1996), Gess (1996), Hammond (1994),
Zubritskaya (1994) e Jacobs (1994).
No capítulo 4, descrevemos a metodologia utilizada no controle dos dados, destacando
as dificuldades de abordar a variedade de encontros finais átonos que o português apresenta a
partir de amostras estratificadas, como o NURC, o PEUL e o D&G. Com base na leitura e na
produção espontânea de informantes masculinos e femininos de diferentes idades e graus de
escolarização, mostramos, nesse mesmo capítulo, como se realizam os encontros vocálicos
finais na fala carioca. Através da identificação das forças que entram em conflito para que
hiatos não cheguem à superfície, procuramos estabelecer a(s) hierarquia(s) relevante(s) na
produção das formas que compõem o corpus.
O capítulo 5 retoma o trabalho de Rodrigues (2007) e evidencia que os casos de
mudança fonológica emergem a partir da demoção de restritores de fidelidade, principalmente
DEP-IO, demanda que milita contra a epêntese. Por outro lado, a promoção de restritores de
marcação acaba por desfavorecer a realização de hiatos, o que comprova a conspiração contra
esse tipo de estrutura ao longo da história do português.
21
Acreditamos que a satisfação a restrições referentes ao acento e à sílaba, mais bem
cotadas que as de fidelidade na hierarquia, é a principal força contra a produção de hiatos
finais e, por isso, estudos como os de Ferreira-Gonçalves (2006), Hora & Lucena (2008),
Battisti (1998) e Couto (1994), entre outros, serão utilizados durante a análise.
Em suma, este trabalho objetiva analisar os encontros vocálicos finais por meio da TO
e responder as seguintes questões: Como interpretar a variação entre ditongos e hiatos
abordada pelos gramáticos tradicionais e linguistas? Será que ela existe de fato? O que deve
ser considerado no nível subjacente? Os processos atuantes em cada caso são categóricos?
Existe ambissilabicidade em dados como ‘lua’, ‘magoa’ e ‘passeio’, como acredita Couto
(1999)? A ambissilabicidade pode ser comprovada por meio da análise acústica?
22
2- SOBRE DITONGOS E HIATOS EM PORTUGUÊS E MAPEAMENTO DOS
ENCONTROS VOCÁLICOS FINAIS CONSIDERADOS
Neste capítulo, são apresentados os contextos considerados na análise, bem como as
diferentes interpretações dadas à oscilação entre ditongos crescentes e hiatos em português.
Para tanto, iremos observar, em primeiro lugar, o tratamento dispensado pela tradição
gramatical e por fonólogos de diferentes filiações teóricas à distinção entre hiatos e ditongos,
principalmente no que se refere à oscilação entre esses dois tipos de encontros vocálicos. Na
sequência, apresentamos os hiatos finais com o primeiro elemento acentuado, como, por
exemplo, ‘acentue’, ‘patroa’ e ‘sua’. Logo após, mapeamos os hiatos finais com os dois
elementos átonos, a exemplo de ‘lêndea’, ‘nódoa’ e ‘glória’. É importante ressaltar que os
hiatos finais com o segundo elemento tônico não serão considerados na análise, uma vez que,
nesse caso, a maior parte tende a realizar o hiato, como em ‘baú’, ‘saí’ e ‘açaí’, entre outros.
Nos verbos terminados em -ear, como em ‘saborear’, ‘pleitear’ e ‘trotear’, por exemplo, o
hiato pode não se realizar, apesar de o segundo segmento ser tônico.
2.1 A oscilação entre ditongos crescentes e hiatos
Antes de entrar na discussão sobre os encontros vocálicos enfatizados na análise, cabe
fazer um breve levantamento de uma questão bastante divergente entre gramáticos
tradicionais e linguistas: a ampla oscilação existente entre hiatos e ditongos (sobretudo
crescentes). Tal questão corrobora com a ideia de que ainda há muito a ser discutido sobre os
23
encontros vocálicos na língua portuguesa. Esta seção apresenta a visão tradicional da questão
e, logo a seguir, o ponto de vista de alguns fonólogos do português. Para tanto, apresentamos
os posicionamentos de Bechara (2003), Cunha & Cintra (1985), Rocha Lima (1976), Cegalla
(2005), Mattoso Câmara Júnior (1970), Callou & Leite (2005) e Christófaro-Silva (1999). As
abordagens de Bisol (1999), Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000) são discutidas nas
seções seguintes.
2.1.1 Gramáticos Tradicionais
Os gramáticos tradicionais, em sua maior parte, apresentam pontualmente a questão,
não havendo, porém, unanimidade entre os mesmos, principalmente no que se refere à
instabilidade / estabilidade dos ditongos crescentes. A maior parte dos gramáticos parece
concordar com a preferência do falante pela realização da forma ditongada (Cunha & Cintra,
1985;, Cegalla, 2005; Bechara, 2003) quando a oscilação ditongo/ hiato é considerada. Outra
questão pertinente entre os gramáticos é a da legitimidade dos ditongos (crescentes e
decrescentes). Rocha Lima (1976), por exemplo, considera os ditongos decrescentes como
legítimos, mas faz algumas considerações sobre os crescentes.
Rocha Lima (1976) divide os ditongos crescentes em dois grupos: um estável e outro
instável. Os ditongos crescentes estáveis, segundo o autor, são os que apresentam o glide /w/ e
são precedidos por /k/ ou /g/. É bom observar que os grupos /kw/ e /gw/ eram considerados
consoantes complexas no latim (cf. Ilari, 2006: 77) e não passaram por grandes modificações
na evolução para o português; provavelmente, é por essa razão que alguns autores os
consideram de maneira diferenciada, como M. Câmara Jr. (1970) e Callou & Leite (2005),
24
entre outros. Essa questão será discutida com mais vagar adiante. Os ditongos crescentes
instáveis, ainda na visão de Rocha Lima (1976), são de dois tipos. Os do primeiro tipo são -ia
(‘ausência’), -ie (‘série’), -io (‘pátrio’), -ua (‘árdua’), -ue (‘tênue’), -uo1 (‘vácuo’), átonos
finais, e os do segundo tipo são os encontros com /i/ e /u/ átonos não-finais (‘piaga’, ‘fiel’,
‘prior’, ‘muar’, ‘suor’, ‘crueldade’, ‘violento’, ‘persuadir’). O autor condiciona a instabilidade
desses encontros a questões de ordem regional, social e cultural. Rocha Lima afirma que os
encontros instáveis do primeiro tipo tendem à realização como ditongos e os de segundo tipo,
como hiatos. A posição de Rocha Lima é bastante parecida com a de Cunha & Cintra (1985).
Cunha & Cintra (1985) também consideram como verdadeiros os ditongos que
apresentam o glide /w/ e são precedidos de /k/ ou /g/, a exemplo de ‘quarenta’ e ‘água’.
Quantos aos ditongos crescentes finais átonos -ia, -ie, -io, -ua, -ue, -uo, os autores acreditam
que há predominância da produção do ditongo, podendo, no entanto, ocorrer a realização do
hiato.
A interpretação de Cegalla (2005) sobre ditongos e hiatos baseia-se, principalmente,
na escrita, embora, em alguns momentos, o autor faça referência à produção dos encontros em
questão. Além disso, afirma que (a) as sequências -ia, -ie, -io, -ua, -ue, -uo, átonas finais,
podem ser consideradas como ditongos crescentes ou como hiatos, sendo preferencialmente
classificados como ditongos; (b) os encontros -ea, -eo e -oa apresentam oscilação na
pronúncia, pois ora são produzidos como ditongos crescentes, ora como hiatos; (c) os
encontros presentes em palavras como ‘quiabo’, ‘piada’, ‘cordial’, ‘miolo’, ‘poeta’, ‘coelho’,
‘moinho’ e ‘miudeza’, entre inúmeros outros, são classificados como verdadeiros hiatos,
apesar de haver autores que os consideram como ditongos crescentes, como destacamos mais
a frente.
1
Nesse primeiro momento, optamos por representar graficamente as terminações focalizadas
para melhor referenciar os encontros que constituem nosso objeto de investigação.
25
Bechara (2003) também apresenta um posicionamento sobre o assunto. O autor, assim
como os demais gramáticos, divide os ditongos em crescentes e decrescentes. Afirma que
alguns ditongos crescentes são discutíveis quanto à realização, mas não especifica quais se
encontram em tal situação. Bechara menciona a tendência da língua portuguesa a evitar o
hiato, através da ditongação e da crase. Curiosamente, parece divergir dos demais gramáticos
tradicionais quando considera como ditongos crescentes encontros como os de ‘coelho’,
‘moinho’, ‘diabo’, ‘piolho’, ‘miúdo’ e ‘criança’. O autor esclarece que a classificação está
mais direcionada ao português europeu (PP) e que, na variedade brasileira (PB), há
preferência pela produção do hiato.
Como se vê, a questão é controversa mesmo entre os gramáticos tradicionais, que
apresentam diferentes interpretações sobre os encontros vocálicos – tanto finais quanto nãofinais. Passemos, a seguir, às análises apresentadas por alguns fonólogos do português.
2.1.2 Mattoso Câmara Jr. (1970), Christófaro-Silva (1999) e Callou & Leite (2005)
Mattoso Câmara Jr. (1970), com base no dialeto do Rio de Janeiro, defende a ideia de
que só há hiato quando uma das vogais do encontro é acentuada (‘baú’, ‘caolha’, ‘saúde’).
Quando os dois elementos são átonos, há, nas palavras do autor, “variação livre entre
ditongos e hiatos” (p. 65). Quanto à posição dos encontros em relação ao acento, o autor
apresenta três contextos em que a alternância ditongo-hiato pode ocorrer sem oposição
distintiva: (a) quando /i/ e /u/ são precedidos ou seguidos de vogal átona, como em ‘vaidade’ e
‘ansiedade’, nessa ordem; (b) quando /i/ e /u/ são seguidos de vogal tônica (‘suar’, ‘fiel’,
26
‘miolo’); (c) quando /i/ e /u/ aparecem seguidos de vogal átona em posição final (‘glória’,
‘ócio’).
Christófaro-Silva (1999), assim como os demais autores mencionados, divide os
ditongos em decrescentes e crescentes e estuda os crescentes, dividindo-os em postônicos e
pretônicos. Os primeiros, segundo a autora, apresentam variação livre de pronúncia. Já os
pretônicos são produzidos categoricamente como ditongo quando fazem parte do “infixo”
(sic!) –ion- (‘estacionamento’) e, nos demais casos, também apresentam variação livre de
pronúncia.
Callou & Leite (2005) não se aprofundam na questão dos ditongos. Destacam os
decrescentes e mencionam a instabilidade dos crescentes. Citam também os ditongos
crescentes que apresentam a vogal assilábica /w/ precedida de /k/ ou /g/.
Em suma, os autores parecem concordar quanto à estabilidade dos ditongos crescentes
que apresentam o glide /w/ precedido de /k/ ou /g/ e quanto à instabilidade de -ia, -ie, -io, -ua,
-ue, -uo finais e átonos. Quanto à preferência de realização, os gramáticos tradicionais tendem
à produção do ditongo. Linguistas como Câmara Júnior e Callou & Leite concordam quanto à
ideia de que apenas os ditongos que apresentam /w/ precedido de /k/ e /g/ são categoricamente
crescentes. Já Christófaro-Silva admite a oscilação entre ditongos crescentes e hiatos em
contextos postônicos.
Nas próximas seções, são apresentadas as abordagens diferenciadas de Bisol (1999),
Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000), propostas de inflexão gerativista, com o
objetivo de checar o que os autores consideram estar presente no nível fonológico.
27
2.1.3 Bisol (1989, 1994 e 1999)
Esta seção objetiva apresentar o posicionamento de Bisol no que se refere à
legitimidade dos ditongos, bem como o nível no qual eles surgem. Para tanto, são
consideradas as abordagens de 1989, 1994 e 1999. Segundo a autora, (a) não há glides na
representação subjacente; (b) os ditongos decrescentes surgem no nível lexical e os
crescentes, no nível pós-lexical; (c) os ditongos que oscilam com vogais simples podem ser
considerados falsos e os que não apresentam a oscilação, verdadeiros e (d) as sequências
formadas por /kw, gw/ e as vogais /a, o/ devem receber, por explicações históricas, tratamento
diferenciado.
Antes de apresentar, de forma mais específica, os principais pontos defendidos por
Bisol, cabe observar que o aporte utilizado pela autora baseia-se na fonologia auto-segmental
(GOLDSMITH, 1976), na fonologia métrica (LIBERMAN & PRINCE, 1977) e na geometria
de traços (CLEMENTS, 1985), além de utilizar outros trabalhos, pautados na teoria da sílaba,
como os de Selkirk (1982) e Clements & Keyser (1983), por exemplo.
Segundo Bisol (1989), há duas classes de ditongos: o ditongo pesado (o verdadeiro),
com duas posições na rima, e o ditongo leve (o falso), com apenas uma posição, como se pode
observar na representação em (01), a seguir:
28
(01)
Ditongo pesado
Ditongo leve
R
X2
R
X
X
X
X
Ditongos pesados x Ditongos leves
De acordo com a representação acima, os ditongos leves surgem no tier3 melódico e
por processos assimilatórios, ocupando apenas um lugar na rima. Já os ditongos pesados
ocupam duas posições na rima e oscilam com vogais simples, formando pares mínimos, o que
não ocorre com os ditongos leves. Esses até oscilam com vogais simples, mas não formam
pares mínimos. O argumento é usado por Bisol para defender a legitimidade dos ditongos
pesados. A autora analisa os ditongos decrescentes que oscilam foneticamente com vogal
simples separadamente4 e defende que esses são os encontros vocálicos formados no tier
melódico. Quanto aos ditongos crescentes, Bisol acredita que, diferentemente daqueles, estes
ocupam rimas de duas sílabas diferentes e, portanto, são formados no tier prosódico. O
principal argumento usado é o da variação livre entre o glide e a vogal alta homorgânica
(p.ex.: quiabo [kiʹabu ~ ʹkyabu]).
2
Cada x do esquema corresponde aos elementos da rima.
Cada tier é uma seqüência de unidades. O primeiro tier é o da Rima, o segundo, o da sílaba, o terceiro é o
prosódico e o quarto, o melódico.
3
4
Os contextos analisados em Bisol (1989) são os seguintes: antes de consoante palatal (p.e.:peixe [ʹpeyši ~
ʹpeši]), ambiente da vibrante simples (p.e.: banqueiro [baŋʹkeyru ~ baŋʹkeyru]), glide junto a uma vogal nasal
final (p.e.: homem [ʹomẽy ~ ʹomi], ditongo [ãw] (p.e.: órgão [ʹrgãw ~ ʹrgu], ditongo [ey] em posição final (p.
e.: jérsei [ʹžrsey ~ʹžrsi], ditongos em nomes e adjetivos, o ditongo [ow] (p.e.: couro [ʹkowřu ~ ʹkořu] (foram
utilizadas as transcrições do próprio texto). Bisol utiliza o símbolo [y] para representar o glide anterior, razão
pela qual o manteremos nas referências feitas ao trabalho dessa autora.
29
Bisol (1994) afirma que tanto o ditongo presente em palavras como ‘peixe’ quanto o
que se forma em palavras como três ([ʹtrej∫]) são falsos, uma vez que oscilam com a vogal
simples. Ainda no artigo de 1994, a autora desenvolve sua análise baseada na formação do
glide em palavras como ‘três’, por meio da assimilação de traços da consoante palatal
seguinte.
Em Bisol (1999), encontramos outra concepção sobre a formação dos ditongos, agora
baseada na Fonologia Lexical. A autora defende que não há glide na estrutura subjacente, ou
seja, tanto os ditongos crescentes quanto os decrescentes surgem de vogais heterossilábicas,
sendo a formação dos decrescentes no nível lexical e a dos crescentes, no pós-lexical. Assim,
todos os ditongos, segundo a autora, são oriundos de hiatos. Nos ditongos decrescentes,
durante o processo de silabificação, a vogal de maior sonoridade passa a núcleo, devido ao
Princípio de Sonoridade Sequencial (ou de Sequenciação de Sonoridade), e a vogal de menor
sonoridade passa a glide devido ao princípio de que vogais altas na posição de coda passam a
glide. Já nos ditongos crescentes, a sequência das duas vogais se mantém até o final do nível
lexical e é no pós-léxico que a vogal alta pode ou não tornar-se glide e, por isso, ditongos
crescentes oscilam livremente com hiatos.
Segundo Bisol, os únicos ditongos crescentes que não oscilam com hiatos são os
formados por /kw, gw/ seguidas por /a, o/, como em ‘água’ e ‘quociente’. São duas as
explicações apresentadas. A primeira é que tais ditongos estão lexicalizados (já estão no nível
subjacente) e a segunda é que, nesses casos, kw e gw são consoantes complexas (/kw/ e /gw/), o
que, mais uma vez, ocasionaria a formação do ditongo no pós-léxico.
Para finalizar a seção, cabem ainda duas observações: a primeira refere-se ao
posicionamento do glide na estrutura silábica e a segunda diz respeito aos ditongos crescentes
formados por elementos vocálicos de mesma altura. O glide, segundo Bisol (1999), deve
ocupar a posição de margem silábica, uma vez que vogais longas, representantes dos núcleos
30
ramificados, não fazem parte do inventário fonológico do português e essa língua não possui
sequência de ditongo crescente mais líquida na mesma sílaba: *boyl, e *sayr.
Os ditongos formados por elementos vocálicos de mesma altura também são tratados
por Bisol como um caso de oscilação entre ditongo e hiato. A autora, com base em Harris
(1985), ainda admite que o segundo elemento do encontro é o mais sonoro. Exemplos como
‘viúva’ (v[ʹju]va ~ v[i.ʹu]va) e ‘ciúme’ (c[ʹju]me ~ c[i.ʹu]me) confirmam a hipótese. É
importante ressaltar que há casos, como os de ‘saúva’ e ‘baú’, nos quais, apesar de se esperar
a formação do ditongo decrescente, a alternância entre hiato e ditongo não ocorre. Bisol
explica o fato propondo que tais casos sejam interpretados como estruturas já lexicalizadas,
pois trata-se de acento imprevisível, que precisa ser resolvido lexicalmente.
Em suma, Bisol propõe algumas hipóteses sobre a interpretação dos glides na nossa
língua. Analisa os casos dos ditongos, classificados, por ela, como falsos e verdadeiros. Trata
da oscilação entre ditongos e hiatos em alguns casos e busca explicar os motivos pelos quais a
oscilação não ocorre, ainda que seja esperada. A autora ainda analisa o caso das consoantes
interpretadas como complexas por motivos históricos.
2.1.4 Lopez (1979)
Como é possível observar, há inúmeras interpretações para os ditongos crescentes e
cada autor apresenta uma forma de diferenciá-los dos ditongos decrescentes. Lopez (1979)
propõe que a distinção entre os dois encontros vocálicos seja feita por meio da diferença de
sonoridade e que, dependendo da sonoridade, o elemento marginal5 do encontro seja
5
Neste trabalho, como em Bisol (1999), os glides são considerados como margem silábica.
31
interpretado como semivogal ou semiconsoante. Lopez ainda discute se as vogais e as
semivogais são distintas no nível subjacente.
Segundo a autora, nos ditongos decrescentes, o glide é quase tão sonoro quanto o
núcleo e, por isso, Lopez o classifica como semivogal. Já nos ditongos crescentes, o glide
apresenta sonoridade parecida com a das soantes e, por isso, é classificado como
semiconsoante. Após apresentar a sua proposta para os glides, Lopez discute a interpretação
no nível subjacente.
Com base no que já foi apresentado nesta seção, é possível interpretar o nível
subjacente de duas maneiras: (a) já contendo o glide ou (b) contendo duas vogais que, após a
ressilabificação, são reinterpretadas e uma passa a preencher a posição de margem silábica. É
importante ressaltar que a ressilabificação se dá com base na altura vocálica e no contexto em
que o elemento que passa a marginal se encontra.
Sobre a altura, Lopez estabelece que apenas elementos vocálicos altos podem ocupar a
posição de margem silábica. Já sobre o contexto, estabelece que a formação do ditongo no
nível superficial só é categórica quando o elemento alto está no final da sílaba e é precedido
de um núcleo vocálico (soante e não-alta, segundo a autora). Tal proposta nos leva a
interpretar que apenas os ditongos decrescentes são formados imediatamente durante a
ressilabificação, enquanto os crescentes, por não se enquadrarem totalmente nas condições
apresentadas, não são imediatamente formados no nível superficial e, devido a isso, são
realizados em variação com os hiatos. Também é possível, com base na proposta de Lopez,
interpretar que no nível subjacente nunca ocorrerá o ditongo.
Cabem ainda algumas observações sobre a interpretação de Lopez. A autora, para
contemplar os casos em que hiatos vêm à superfície, estabelece os contextos que favorecem
essa realização. No primeiro ambiente, a vogal alta é seguida de uma consoante na mesma
sílaba (‘Raul’, ‘Seul’); no segundo, está no final de uma palavra (‘saí’, ‘baú’); no terceiro, por
32
fim, ocupa a posição do que a autora denomina de “fronteira morfológica” (‘raiz’, ‘maú’ e
‘gagaúba’6). As demais observações pertinentes para este estudo são sobre os ditongos
crescentes.
Além de defender a variação livre entre os ditongos crescentes e os hiatos, Lopez
acredita que sempre é possível que vogais altas não acentuadas se tornem semiconsoantes
quando seguidas de outro elemento vocálico, independentemente da sua natureza e tonicidade
(‘miúdo’, ‘miar’). Outra questão interessante levada em consideração pela autora é a de que,
em alguns casos, vogais médias átonas sofrem alteamento dando origem a ditongos (‘teatro’,
‘joelho’), o que mostra a alternância das semiconsoantes com vogais altas e médias.
Há, ainda, um adendo importante sobre os ditongos crescentes. Segundo Lopez, os
ditongos crescentes não atendem às duas condições que tornam a formação do ditongo no
nível superficial categórica, pois o glide não aparece em posição final de sílaba e pode ser
precedido de ataque silábico, sendo este simples ou complexo, como em ‘leão’ e ‘criança’,
por exemplo.
De maneira geral, Lopez (1979) defende a formação dos ditongos no nível superficial.
Analisa algumas condições que favorecem a formação dos ditongos, comprovando que apenas
os decrescentes se enquadram nelas. Por fim, assim como vários autores, defende a variação
livre entre ditongos crescentes e hiatos.
6
‘Maú’ é um tipo de pássaro e ‘gagaúba’ (gaga+u+ba), um tipo de árvore.
33
2.1.5 Mateus & D’Andrade (2000)
Mateus & D’Andrade (2000) desenvolvem seus estudos com base no português
europeu (especificamente na variedade utilizada em Lisboa), mas também mencionam, em
alguns momentos, o português brasileiro. Ao tratar dos encontros vocálicos, os autores
defendem que os glides surgem no plano fonético, sendo oriundos de vogais altas subjacentes,
mas os argumentos utilizados pelos autores para defender o glide fonético e para justificar, em
alguns casos, a modificação categórica ou não do elemento vocálico durante sua chegada à
superfície diferem dos argumentos utilizados por Lopez, por exemplo.
Segundo Mateus & D’Andrade, não há ditongos no nível subjacente porque não
existem pares mínimos para comprovar a distinção entre vogais altas e glides. Em casos como
o de [ʹpajs] e [pa.ʹis], o acento recai em sílabas diferentes, o que impede a formação de um
par mínimo. Os autores ainda estabelecem alguns requisitos que a vogal subjacente deve
preencher para que passe a glide no nível superficial.
Para que uma vogal alta passe a glide e forme um ditongo no nível fonético, é
necessário que apresente uma marca em sua representação lexical, indicando a sua
incapacidade de receber acento, e também esteja seguindo uma vogal. É importante ressaltar
que, para os autores, nos ditongos decrescentes, o glide faz parte do núcleo e um dos
argumentos utilizados para justificar a proposta é o fato de que, nos ditongos nasais, como em
‘órgão’ e ‘limões’, o glide é tão nasalizado quanto as vogais, o que, de acordo com Mateus &
D’Andrade, não ocorre nos ditongos crescentes (‘quando’, ‘quinta’).
De acordo com os autores, os ditongos crescentes também surgem no nível fonético,
como já mencionado, mas exigem um estudo diferenciado por apresentarem características
próprias. No caso dos ditongos decrescentes, o glide é interpretado como parte do núcleo; já
nos ditongos crescentes, é interpretado como ataque. O argumento principal utilizado pelos
34
autores para defender o posicionamento é o de que, nos casos dos ditongos crescentes, o glide
não é nasalizado (‘quando’ – [‘kwɐ̃n.du]), como ocorre nos ditongos decrescentes nasais
(mãe’ – [‘mɐ̃j̃]. Os exemplos utilizados para reafirmar o argumento são ‘criança’ e ‘pião’.
Para Mateus & D’Andrade, se o glide fizesse parte da rima teria de ser nasalizado, assim
como a vogal.
Sobre a passagem de vogal silábica (no nível subjacente) a glide (no nível superficial)
nos ditongos crescentes, segundo Mateus & D’Andrade, pode-se afirmar que a transformação
ocorre da mesma forma que nos ditongos decrescentes, ou seja, a vogal alta passa por um
processo de reinterpretação baseado em uma regra de formação de glide. A diferença entre os
dois tipos de ditongos é que, no caso dos crescentes, a vogal alta deixa de ser núcleo e se
desloca para a sílaba seguinte, levando consigo as consoantes que a precedem (cf. Mateus e
D’Andrade, 2000, p.51), como ocorre com ‘leão’, que pode deixar de ser produzido como
[li.’ɐ̃w̃], com duas sílabas, para ser realizado com uma única sílaba com onset complexo,
[‘ljɐ̃w̃] .
Esta seção tratou do posicionamento de Mateus & D’Andrade sobre os ditongos. Os
autores defendem a proposta de que os glides surgem no nível superficial, após a aplicação de
regras de formação de glide. Acreditam que, nos ditongos decrescentes, os glides fazem parte
do núcleo, com base na nasalização, enquanto, nos ditongos crescentes, ocupam a posição de
onset, justamente pela falta de nasalização. Sobre as regras de formação de glide, é bom
lembrar que abrange a questão da incapacidade de o elemento vocálico receber acento e
também o contexto no qual o elemento encontra-se inserido (no caso dos ditongos
decrescentes, por exemplo, o glide deve ser precedido por uma vogal). Na próxima seção, será
apresentada uma breve reflexão sobre as propostas aqui apresentadas para a interpretação do
nível subjacente.
35
2.1.6 Interpretação do nível subjacente: O que deve ser considerado nessa
camada?
Como foi visto no presente capítulo, diversos autores concordam e divergem sobre
vários pontos concernentes aos encontros vocálicos. A estabilidade dos ditongos decrescentes
e a instabilidade dos crescentes é ponto de total concordância. A questão dos ditongos
crescentes formados com as consoantes complexas do latim também não se mostra
discordante. Outro ponto que se mostrou comum entre os linguistas foi o fato de surgirem
ditongos em nível de superfície. No entanto, os linguistas mencionados discordam quanto ao
momento exato de surgimento dos ditongos e do que realmente deve ser considerado como
input.
Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000) defendem que os ditongos surgem no
nível superficial. Lopez ainda afirma que a formação do ditongo só é categórica quando o
elemento alto aparece no final da sílaba. Já Mateus & D’Andrade defendem a inexistência de
glide no nível subjacente devido à falta de pares mínimos, pois, segundo os autores, pares
como ‘pais’ e ‘país’ diferem na acentuação. O posicionamento de Bisol em parte é semelhante
ao dos teóricos mencionados; porém, há algumas divergências.
Bisol (1989, 1994 e 1999), assim como os demais linguistas, defende a inexistência de
ditongos no nível subjacente. Segundo a autora, todos os ditongos são oriundos de vogais
heterossilábicas. Bisol diverge dos demais quando se posiciona quanto ao momento de
surgimento dos ditongos. Segundo ela, os ditongos decrescentes surgem no nível lexical e os
crescentes, no pós-lexical.
Grande parte dos autores acredita que os ditongos crescentes não surgem no mesmo
momento que os ditongos decrescentes; isso porque não conseguem atender a dois princípios
36
básicos para a formação imediata de ditongos: o Princípio de Sequenciação de Sonoridade e
Princípio de que vogais altas só passam a glide quando aparecem em posição de coda
(MATEUS & D’ANDRADE, 2000).
Outro posicionamento interessante é o de Rodrigues (2007). A autora, ao estudar a
dissolução dos hiatos, postula que em alguns casos o hiato deve ser posto no nível subjacente
e em outros não:
Quanto à escolha da representação subjacente, propomos, com base na proposta de
Adam, que o input do primeiro momento de formação da língua seja o mesmo do
período intermediário, uma vez que a forma subjacente não influencia o resultado
gerado pela ação da hierarquia de restrições. Para o momento em que a mudança se
concretiza, propomos que se altere o input em alguns casos e se mantenha em outros.
Sugerimos que o input seja alterado nos casos de verbos em que o glide se mantém
tanto na primeira pessoa do singular, na qual o acento não recai no segundo
elemento, a marca morfológica verbal, e também na primeira pessoa do plural,
mesmo com o acento recaindo no segundo elemento do encontro vocálico (ce[io],
ce[ia]mos).
A proposta é feita com base no Princípio de Riqueza do Input, que permite a
colocação de material diverso na camada subjacente, e no Princípio de Otimização do Léxico,
que regula a colocação de material no input para que não haja grandes discrepâncias, como
será descrito em 3.1.3 e 3.1.4. Porém, a proposta de Rodrigues se difere das demais porque
não está relacionada à interpretação do encontro vocálico no nível subjacente, e sim à inserção
do elemento epentético..
Considerando que os autores mencionados defendem que a silabação, bem como a
ressilabação, são processos que ocorrem na passagem do nível subjacente para o superficial e
que tanto os ditongos quanto os hiatos são formandos com base na sílaba, então, fica clara a
controvérsia: Como é possível ter, no nível subjacente, ditongos e hiatos se as estruturas são
definidas em função da sílabação, não processada no input?
Após analisar as propostas mencionadas sobre o material a ser considerado no input, é
possível perceber que o mais coerente é não considerar nem ditongos, nem hiatos nesse nível.
Parece mais viável, e menos contraditório, falar apenas em encontros vocálicos que, após a
37
silabação e a ressilabação, passarão a ditongos ou hiatos na realização, no nível mais
superficial.
Em suma, autores como Bisol, Mateus & D’Andrade e Lopez, por exemplo,
consideram a existência apenas de hiatos no nível subjacente, mas defendem que os processos
de silabação e de ressilabação não devem ser feitos nessa camada e, por isso, criam uma
grande contradição: consideram o hiato no nível subjacente e ignoram o fato de que o hiato,
assim como o ditongo, por definição, só pode ser considerado com base na formação de
sílabas. Assim, propomos que no nível subjacente não seja considerado nem mesmo o hiato,
ou seja, no input só existe o encontro de vogais que se define, somente após os processo de
silabação e de ressilabação, como ditongo ou hiato.
Passamos, a seguir, à descrição dos diversos encontros vocálicos que o português
apresenta na borda direita da palavra prosódica, margem considerada, pelos diversos autores
consultados, como a de maior instabilidade de realização. Tomamos por base os dicionários
eletrônicos Ferreira (2002) e Houaiss (2009) para proceder ao levantamento dos encontros
vocálicos átonos que o português apresenta em final de palavra 7. Utilizamos as ferramentas de
busca disponibilizadas nessas obras, que possibilitam rastrear as formas ali listadas a partir de
sua terminação. Começamos a descrição preliminar dos encontros finais com os casos em que
o primeiro elemento porta acento, caracterizando as palavras como paroxítonas.
7
Como estamos interessados em observar a possível alternância entre hiatos e ditongos, descartamos os
encontros vocálicos com nasais, a exemplo de ‘órgão’, em função da realização como ditongo nasal (ou
monotongo oral). Do mesmo modo, não foram considerados casos como ‘pônei’ e ‘vôlei, também produzidos
como ditongos decrescentes (ou monotongos).
38
2.2 Hiatos finais com V1 acentuada
Os principais hiatos finais com V1 acentuada são os que apresentam os elementos
vocálicos /ʹoa/, /ʹea/, /ʹεa/, /ʹua/, /ʹia/, /ʹoe/, /ʹie/, /ʹue/, e /ʹio/8. Os encontros /ʹoa/ e /ʹua/ são
muito abundantes e produtivos em dados atuais, como ‘boa’, ‘soa’, ‘tua’ e ‘lua’. Já os
encontros /ʹea/ e /ʹεa/ são mais encontrados em dados históricos, uma vez que, na maior parte
dos casos (senão em todos), o glide epentético já está consolidado na escrita, como será visto
na próxima seção. Sobre o encontro /ʹio/, é bom mencionar que envolve, em alguns casos, a
formação de pares mínimos com monossílabos pesados, a exemplo dos listados em (02), a
seguir:
(02)
mio/mil
rio/riu
vi-o/vil
Pares mínimos
De acordo com Rodrigues (2007) e Oliveira (2006), vocábulos como ‘lagoa’, ‘voa’,
‘proa’, ‘coroa’, ‘leitoa’, ‘leoa’, ‘patroa’ e outros apresentam, ao serem produzidos por falantes
cariocas, o glide epentético [w], o que desfaz a adjacência das vogais finais. Rodrigues (2007)
ainda defende a hipótese de que a inserção é acompanhada pelo prolongamento do elemento
inserido (ambissilabicidade), realizado para que algumas estruturas silábicas não-marcadas da
língua cheguem à superfície, como é o caso de sílabas com a margem esquerda preenchida.
Essa afirmação será analisada com mais vagar no capítulo 4, em seção referente à
investigação acústica.
8
Em referência aos encontros finais tônicos, estamos fazendo uso da transcrição fonológica porque essa notação
permite referência às vogais médias abertas.
39
Os encontros /ʹea/ e /ʹεa/ finais com V1 acentuada foram encontrados apenas em dados
históricos, como os listados em (03), a seguir. Nos dados atuais, os encontros já apresentam o
glide epentético representado na escrita. Como é possível perceber, o glide inserido – tanto
em dados atuais quanto na fala carioca – sempre apresenta traços semelhantes aos dos
elementos vocálicos que o antecedem, havendo, portanto, homorganicidade entre o glide
inserido por epêntese e a vogal que o precede: em /ʹoa/, o glide inserido é o [w] e em /ʹea/ e
/ʹεa/, é o [j].
(03)
aldea > aldeia
arena > areia
avena > aveia
colmena > colméia
/ʹea/ e /ʹεa/ : Exemplos históricos
No contexto abordado (V1 portando acento), ainda há os encontros /ʹia/ e /ʹio/
presentes em vocábulos como ‘dia’, ‘tia’, ‘tio’ e ‘rio’, entre outros. Esses encontros são
produtivos e, em alguns casos, surgem por questões específicas, como na flexão verbal, em
exemplos como ‘rio’ (primeira pessoa do singular do verbo ‘rir’ no presente do indicativo) e
‘negocia’ (3ª. pessoa do singular do presente do indicativo do verbo ‘negociar’). Nos dois
casos, são usuais realizações prolongadas (mais longas) dos elementos acentuados, o que pode
indiciar seu espraiamento para a sílaba seguinte, na posição de ataque, caracterizando, desse
modo, a ambissilabicidade: [‘dƷi:a], [‘dƷi.ja]).
Assim, percebe-se que a checagem da interface morfologia-fonologia, em alguns
casos, torna-se imprescindível, visto que a manutenção ou dissolução de determinados hiatos
40
ocorre para que não haja neutralização de número e de pessoas verbais (eu rio/ ele riu), o que
evidencia uma motivação não apenas fonológica, mas também morfológica para a realização
ou não de um ditongo decrescente.
A questão morfológica ainda é observada nos encontros /ʹue/, /ʹie/, /ʹoe/, que aparecem
principalmente na conjugação verbal, como evidenciado em (04):
(04)
Pontue
Prestigie
Enjoe
Averigúe
Crie
Leiloe
Atenue
Denuncie
Destoe
/ʹue/, /ʹie/ e /ʹoe/ em onjugações verbais
A terminação /’ua/ aparece tanto em nomes como em flexões verbais. O primeiro caso
pode ser exemplificado com formas como ‘rua’, ‘lua’, ‘tua’ e ‘sua’, entre outros. O segundo,
com verbos terminados em -uar, que resultam nessa terminação nas formas de terceira pessoa
do singular do presente do indicativo, a exemplo das listadas em (05), a seguir:
(05)
Pontua
Acentua
Atenua
Tumultua
Efetua
Continua
/’ua/ na conjugação verbal
Esta seção apresentou os hiatos finais com V1 acentuada que serão considerados na
análise. Em linhas gerais, os encontros /’ua/ e /’oa/ se realizam, na fala carioca, por meio da
inserção de glide homorgânico à vogal acentuada do encontro e alongamento de V1, como se
vê nas transcrições fonéticas abaixo:
41
(06)
Ca/noa/ → [ka.‘now.wa]
/Boa/ → [‘bow.wa]
/Lua/ → [‘lu.wa]
/’ua/ e /’oa/: inserção de glide e alongamento de V1
2.2.1 Casos de mudança fonológica
Como mencionado na seção anterior, os vocábulos terminados pelo encontro -ea são
observados apenas em dados históricos. Hoje, após o período de variação entre formas
portadoras do hiato e formas que já apresentavam, em suas realizações, o glide epentético (cf.
Rodrigues, 2007), esses vocábulos consagram o elemento inserido na forma subjacente.
Porém, em que consiste a mudança fonológica? Como o fenômeno será analisado neste
estudo?
Na primeira fase da história da língua portuguesa (séc. XII, cf. Coutinho p. 34), os
hiatos eram bastante produtivos e foneticamente realizados. Segundo Teyssier, na obra
traduzida por Celso Cunha, foi nessa fase que o número de hiatos do nosso idioma aumentou
consideravelmente e, segundo o autor, esse aumento se deu principalmente devido aos
seguintes processos fonológicos: (a) desnasalização, após cancelamento de nasal (alienu >
alhẽo > alheo > alheio) e (b) queda de consoantes intervocálicas (sedere > seer, credere >
creer, malu > mao, mala > maa, solu- > sôo, colore > coor, diabolu > diaboo). Nessa fase da
língua, os hiatos se mantinham tanto em sílabas tônicas (‘alheo’, ‘creo’) como em sílabas
átonas (‘coorar’ [pretônica], ‘diaboo’ [postônica]). De acordo com Teyssier (p. 34),
“As desnazalizações do tipo alhẽo > alheo vieram aumentar o número já importante
das palavras que possuíam duas vogais em hiato. Estes “encontros vocálicos”
42
resultam da queda de várias consoantes: queda de -g- em maestre, meestre
(<magister), em leer (<legere) e suas duas formas – leerei, leeria, etc.: queda de -dem seer (<sedere), em creer (<credere), em traedor, treedor (traditore). A queda do
-l- intervocálico, da qual se tratou no capítulo anterior,, explica um forte
contingente desses encontros; por exemplo: mao (<malu), maa (mala), sôo (solu-),
coor (<colore-), coorar (<colorare), *coobra (<*colobra), diaboo (<diabolu-), etc.
...O galego-português passou a ter, assim, um número muito maior de palavras que
comportavam vogais em hiato.” (TEYSSIER, 1997,p. 34 )
Segundo Huber (1933), é a partir do séc. XIII que os hiatos começam a ser desfeitos.
Foi nesse momento da história da língua que o período de variação se estabeleceu, ou seja, é
nesse momento que as formas com hiato convivem com as formas sem a estrutura, como é o
caso de ‘idea’ e ‘ideia’. Apesar de hoje o vocábulo apresentar a vogal epentética na forma
escrita, a forma portadora do hiato ainda é resgatada em estruturas derivacionais, como
‘idealizar’ e ‘ideal’, o que comprova a existência do hiato no primeiro momento de formação
do português e a mudança ocorrida ao longo do tempo.
É importante ressaltar que a mudança ocorreu nos hiatos finais com V1 média anterior
acentuada não apenas seguida de /a/, como ‘ideia’, mas também de /o/. Hoje, a estrutura não é
mais encontrada nos vocábulos, pois os mesmos foram afetados pela mudança. Assim,
palavras como ‘alheo’ e ‘creo’ evoluem para ‘alheio’ e ‘creio’, isto é, palavras com a estrutura
evoluem e passam a apresentar o glide epentético, até mesmo na escrita. Dito de outra
maneira, hiatos finais envolvendo médias anteriores portadoras de acento foram desfeitos ao
longo do tempo e a língua escrita acompanhou essa mudança, registrando o glide epentético.
Os encontros finais -ea e -eo, no entanto, podem ser favorecidos pela concatenação
morfológica. Nesse aspecto, são particularmente interessantes os verbos terminados em -ear,
como ‘passear’ e ‘saborear’, entre outros. As marcas de P1 e P3 no presente do indicativo são,
nessa ordem, -o e Ø (Vivas, 2010) e, como esses verbos apresentam uma média anterior em
sua base, as terminações -eo e -ea poderiam, em princípio, emergir, como se vê nos dados
abaixo:
43
(07)
pesse+o
sabore+o
passe+a+s
sabore+a+s
passe+a
sabore+a
Terminações -eo e -ea
Nos dados em (07), a epêntese de /j/, aqui interpretada como vogal de ligação, dada
sua função puramente relacional, corrige as estruturas com hiato final envolvendo média
anterior acentuada e o ditongo sempre se realiza, sendo igualmente representado na escrita.
Queremos afirmar, com isso, que, em português, não há, no atual estágio da língua, hiatos
finais em que V1 acentuada se especifique como média não-recuada.
Ainda sobre a mudança fonológica, faz-se relevante mencionar a maneira pela qual o
processo será estudado e explicado. Como será visto no capítulo 4, a análise desta tese baseiase na Teoria da Otimalidade (doravante TO) e, dentro dessa teoria, a mudança é vista como
um rearranjo de restrições. Segundo Hutton (1996), a hierarquia é um estado de equilíbrio, o
que permite a ocorrência de um re-ranqueamento, desde que esse tenha como meta a busca
desse equilíbrio9. O re-ranqueamento é visto não como o gatilho que direciona ou dá origem à
mudança histórica, mas com a instalação do resultado da mesma. O autor ainda sugere que a
hierarquia pode ser alterada de acordo com fatores internos, isto é, com base nas condições
presentes no output. Um ponto bastante importante da proposta, que será abordado na seção
3.2.3, diz respeito aos mecanismos relacionados à mudança na hierarquia (promoção de
restrições, demoção de restrições e criação de conexão entre restrições).
Em síntese, esta seção abordou a mudança fonológica instaurada em casos de estrutura
de hiato final com V1 média acentuada e mostrou, de forma breve, como a mudança se
processou num tipo específico de encontro: os com V1 média anterior. A seção ainda
9
Havendo equilíbrio, as mudanças deixam de ocorrer? Queremos deixar claro que não entraremos nesse mérito
(ideologia da mudança) e que, do trabalho de Hutton, aproveitamos, principalmente, o que diz respeito ao reranqueamento.
44
apresentou o modo pelo qual a mudança será analisada nesta tese. Na próxima seção, serão
apresentados os hiatos finais átonos.
2.3 Hiatos finais átonos
Tomando por base os dicionários eletrônicos Ferreira (2002) e Houaiss (2009),
procedemos ao levantamento dos encontros vocálicos átonos que o português apresenta em
final de palavra. Utilizando as ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras,
constatamos que são relativamente numerosas as palavras finalizadas em duas vogais nãoacentuadas, como se observa em (08), a seguir:
(08) -ea: orquídea, rédea, área, lêndea, fêmea
-io: armário, próprio, glossário, sério, mistério
-ia: glória, séria, média, prévia, miséria
-uo: mútuo, vácuo, ingênuo, contínuo, indivíduo
-oa: mágoa, nódoa, amêndoa, páscoa, névoa
-ie: calvície, série, cárie, espécie, imundície
-ua: mútua, ingênua, ambígua, tábua, estátua
-ue: tênue
-eo: óleo, ósseo, vídeo, glúteo, pétreo, páreo
Encontros finais átonos
Os hiatos finais átonos também são desfeitos na maior parte dos casos, porém não por
epêntese ou alongamento de V1, mas por meio da crase, da ditongação ou do alteamento. No
contexto final átono, pelo que mostram os dados, o encontro -ie passa pelo processo de
degeminação (sér[i], car[i]). O encontro -ia oscila o hiato com o ditongo crescente (glór[ja]),
45
assim como os encontros -io (var[jo]s), -ua (mág[wa]), -ue (ten[wi]), -uo (árd[wu]), como
sinaliza Cunha (1985), sendo a forma ditongada a mais realizada. Já o alteamento e a
consequente ditongação ocorrem com as formações em -oa (‘nódoa’, ‘amêndoa’, ‘mágoa’) e
-ea (‘fêmea’, ‘orquídea’, ‘Gávea´).
Os casos em que o hiato oscila com o ditongo são mencionados por grande parte dos
autores, como Cunha (1985), Rocha Lima (1976) e Azeredo (2004). Lima (1976) classifica os
encontros citados como instáveis e ainda menciona que, na fala carioca, tais terminações são
produzidas como ditongos e não como hiatos. Azeredo trata o caso como uma flutuação e
apresenta uma abordagem rápida e sem muitos adendos.
O alteamento, fenômeno que, nesse caso, faz com que uma vogal média transforme-se
em alta, origina um ditongo de natureza diferenciada, ou seja, diferentemente dos casos já
citados, não há apenas uma diferenciação na forma de produção, mas uma mudança de traços,
o que resulta na transformação de um elemento, não se preservando as duas vogais originais
do hiato. É importante ressaltar que a oposição entre vogais médias e altas, considerando o
modelo de traços de Clements & Hume (1995), é feita na segunda camada de abertura,
envolvendo, portanto, a especificação positiva ou negativa em [aberto 2].
Battisti & Vieira (2005, p. 181), fundamentadas em Wetzels (1992, p. 22), expõem o
seguinte quadro vocálico do português conforme o modelo de Clements & Hume (op. cit.).
Como se vê, a oposição entre médias altas e altas é assegurada por [aberto 2]:
(09)
i/u
e/o
ɛ/ɔ
a
aberto 1
-
-
-
+
aberto 2
-
+
+
+
aberto 3
-
-
+
+
Quadro vocálico, conforme Clements & Hume (1995)
As árvores a seguir, em (10) e (11), possibilitam visualizar o contraste entre vogais
médias de segundo grau e vogais altas:
46
(10)
[o]
+soante
[w]
+soante
+ aproximante
+ aproximante
+ vocóide
+ vocóide
r
r
[+sonoro]
Cav.Oral
Vocálico
Ponto de V
[+sonoro]
[contínuo]
Abertura
Cav.Oral
Vocálico
Ponto de V
[contínuo]
Abertura
[-ab1]
[-ab1]
[+ab2]
[-ab2]
[- ab3]
[labial]
[- ab3]
[labial]
Contraste entre [o] e [w]
47
(11)
[e]
+soante
[j]
+soante
+ aproximante
+ aproximante
+ vocóide
+ vocóide
r
r
[+sonoro]
Cav.Oral
Vocálico
Ponto de V
[+sonoro]
[contínuo]
Abertura
Cav.Oral
Vocálico
Ponto de V
[contínuo]
Abertura
[-ab1]
[-ab1]
[+ab2]
[-ab2]
[- ab3]
[labial]
[- ab3]
[labial]
Contraste entre [e] e [j]
48
2.4 Propostas de interpretação fonológica para os ditongos por epêntese
Os ditongos formados por epêntese, alguns com o glide já consolidado na ortografia e
outros com o glide apenas na forma de superfície, têm recebido, pelo menos, quatro propostas
interpretativas: a de Mattoso Câmara (1970), a de Eunice Pontes (1965), a de Leda Bisol (2000) e
a de Gonçalves & Costa (1995). Antes de abordar especificamente o caso dos ditongos formados
pela inserção do elemento epentético, cabem algumas considerações sobre o tratamento dado aos
glides.
Segundo Mattoso Câmara, a língua portuguesa apresenta um quadro de nove elementos
vocálicos (sete vogais orais e duas semivogais). Para o autor, /y/ 1 e /w/ devem manter-se no
quadro vocálico, porém com tratamento fonêmico de vogais assilábicas. Mattoso Câmara prioriza
o critério funcional e reconhece que, ao tratar os glides como elementos assilábicos, assume o seu
caráter consonântico. É bom ressaltar que, para chegar a essa posição, o autor levanta alguns
argumentos.
O primeiro argumento utilizado por Câmara Jr. é o de que o inventário das consoantes do
português diminuiria se os glides fossem considerados elementos consonantais e, com isso, os
padrões silábicos também ficariam mais restritos. Caso os glides sejam considerados elementos
vocálicos, o contrario também ocorreria. Outro argumento usado por Mattoso é o de que após
ditongos ocorre /r/ fraco e não forte, por ele representado (/r’/), como em ‘Maura’, ‘beira’,
‘paira’, ‘touro’ e ‘mouro’. Quando aparece uma consoante em coda na sílaba precedente, o rótico
é sempre forte (/r’/), a exemplo de ‘Israel’, ‘guelra’ e ‘honra’. Assim, os ditongos teriam a
estrutura (C)VV.
1
O autor representa o glide anterior por /y/, razão pela qual o referenciamos dessa maneira nesta seção.
49
A proposta mattoseana, assim como as outras que serão abordadas na sequência, envolve
oposição significativa e a interpretação das sílabas que contém o glide, seja na forma subjacente,
seja na forma de superfície. A primeira oposição significativa considerada por Câmara Jr. é o
contraste existente entre vogal simples e ditongo, como em ‘pai’/ ‘pá’/ ‘pau’. A segunda diz
respeito à distinção entre / y, w / e / i, u /, que pode ser percebida em ‘riu’ [‘hiw] / ‘rio’ [‘hi.jʊ].
Como salientado na introdução, esses pares serão analisados, em laboratório, por meio do
programa Praat.
Os três outros pontos considerados pelo autor são (a) o contraste entre ditongos
crescentes e hiatos; (b) a interpretação dos núcleos como monofonemáticos ou polifonemáticos; e
(c) existência dos semiditongos.
De acordo com Mattoso Câmara Jr., o oposição entre ditongos crescentes e hiatos, como
em ‘quais’ [‘kwa.is] / ‘coais’ [‘ko.a.is], é mais um forte argumento para dar tratamento específico
para os glides. É importante ressaltar que, nesse caso (dos ditongos crescentes), só há valor
distintivo quando os elementos enfocados aparecem juntamente com os segmentos /k/ e /g/. Já
sobre os núcleos, o autor postula que a presença da semivogal gera um núcleo polifonemático, ou
seja, no ditongo, tanto a vogal como a semivogal estão ligadas ao núcleo, o que não aconteceria
no caso dos ditongos formados apenas na superfície, ditongos esses denominados por Câmara Jr.
de semiditongos, a exemplo de ‘patroa’, ‘leoa’ e ‘boa’.
Os semiditongos seriam aqueles em que o glide aparece apenas na estrutura de superfície
com algum objetivo específico, como, por exemplo, o de dissolver hiatos, como em ‘boa’
[‘bow,wa]2. Nesse caso, de acordo com Mattoso Câmara Jr., o glide inserido é subfonêmico, não
2
Estamos considerando que o elemento inserido neste caso é ambissilábico.
50
apresenta relevância fonológica e o núcleo é monofonemático. Já Pontes interpreta tanto os glides
como os chamados ‘semiditongos’ de Câmara Jr. de outra forma.
Pontes, baseada no critério distribucional, encaixa as vogais assilábicas no quadro das
consoantes. De acordo com a autora, sua proposta evita o surgimento da classe das semivogais e
núcleos complexos, o que permite análises mais econômicas. Sobre os encontros vocálicos
considerados por Mattoso Câmara como semiditongos, a autora defende que os glides inseridos
durante a produção para desfazer os hiatos devem estar presentes também na forma subjacente. A
proposta, segundo Pontes, faz com que seja respeitada na língua a forma menos marcada, o
ditongo. Na abordagem de Pontes, formas como ‘boa’ seriam transcritas fonologicamente da
seguinte maneira: /’bowa/. Essa palavra, portanto, teria duas sílabas CV, já que o glide é por ela
interpretado como consoante.
Bisol, ao contrário de Pontes e concordando com Mattoso Câmara, defende a presença do
glide apenas na forma de superfície, mas discorda da proposta de Câmara Jr. no que se refere à
classificação dos ditongos.
Se, por um lado, na classificação dos ditongos, Mattoso Câmara enfatiza o critério
funcional, Bisol, por outro lado, prioriza o critério distribucional. Como já mencionado
anteriormente (cf. seção 2.1.3), a autora classifica os ditongos do português em dois tipos:
verdadeiros e falsos. Nos ditongos verdadeiros, os dois elementos aparecem ligados à mesma
rima e não há alternância com vogais simples, como observado em (12):
51
(12)
σ
O
R
Nu Co
C
V
V
Ex.: ‘(rei)no’ (ditongo verdadeiro)
(Bisol, 2000, p.124)
Ditongo verdadeiro, segundo Bisol
Já nos ditongos falsos, o elemento nuclear se bifurca e há alternância com vogais simples
([pej]xe, [pe]xe), como em (13):
(13)
σ
O
R
Nu
C
V
V
Ex.: ‘(pei)xe’ (ditongo falso)
(Bisol, 2000, p. 124)
Ditongo falso, segundo Bisol
A proposta de Gonçalves & Costa (1995), assim como a de Bisol, também sugere que os
ditongos sejam classificados em dois tipos: legítimos e ilegítimos. Segundo os autores, os
52
ditongos legítimos possuem uma sílaba pesada (com núcleo (vogal) e coda (semivogal)), podendo
a coda aparecer ou não na estrutura de superfície, como em ‘peixe’, ‘baixou’, ‘véu’; os ilegítimos
surgem apenas na estrutura superficial, através da inserção de glide em contextos delimitados, a
exemplo de ‘boa’, para desfazer o hiato, e ‘homem’, em contexto nasal. Sobre a proposta de
Gonçalves & Costa cabem algumas observações.
A primeira observação refere-se aos ditongos ilegítimos, nos quais [j] e [w] são inseridos
nos seguintes contextos: entre vogais para desfazer hiatos (‘coa’ [‘kowa]); entre vogal e
consoante fricativa palatal (‘mês’ [‘mejʃ]); entre vogal e travamento consonântico nasal em final
de palavras (‘homem’ [‘õmẽj̃]). A segunda relaciona-se às regras de apagamento e inserção. Nos
ditongos legítimos, opera, variavelmente, a regra de apagamento e, nos ditongos ilegítimos,
obrigatoriamente, a regra de inserção. É importante ressaltar que os ditongos considerados
ilegítimos por Gonçalves & Costa correspondem aos considerados semiditongos de Mattoso
Câmara.
De um modo geral, os ditongos formados por epêntese podem ser interpretados, pelo
menos, de quatro maneiras. Para Mattoso Câmara Jr., esses casos são considerados semiditongos.
Para Pontes, apesar de a autora não apresentar nomenclaturas específicas, os ditongos com glide
homorgânico à vogal precedente são considerados da mesma maneira que os demais ditongos,
uma vez que a autora sugere a presença do glide na forma subjacente. Bisol apresenta a sua
classificação com base na monotongação, não levando em consideração a ocorrência de epêntese.
Já Gonçalves & Costa, assim como Mattoso Câmara Jr., classificam de maneira diferenciada os
ditongos com glides considerados epentéticos.
No
próximo
capítulo,
apresentamos
os
fundamentos do modelo teórico adotado na análise, a TO, para, logo após, descrever as
sequências vocálicas em (01) com base nessa perspectiva teórica.
53
3- TEORIA DA OTIMALIDADE
A teoria da otimalidade (doravante TO) surgiu na década de 90 com Alan Prince e Paul
Smolensky. No primeiro momento, a TO era aplicada apenas à fonologia. Com o passar do
tempo, outros desenvolvimentos foram alcançados e hoje a TO pode ser aplicada a outros níveis
de descrição linguística, como a morfologia, por exemplo. Apesar dos mais recentes
desenvolvimentos da TO3, usaremos prioritariamente a versão clássica, uma vez que o presente
estudo contempla, principalmente, a fonologia fazendo, em alguns momentos, determinadas
correlações com a morfologia4.
A TO é marcada por promover uma análise baseada em restrições e não em regras.
Enquanto a análise baseada em regras não permite que as mesmas sejam violadas, a análise
otimalista permite que as restrições sejam violadas, desde que as violações sejam mínimas. A TO
apresenta alguns conceitos básicos, uma arquitetura própria e um conflito marcante entre
FIDELIDADE e MARCAÇÃO5, pontos que serão abordados a seguir.
3
Teoria da Simpatia e da Correspondência, que ampliam a relação entre input e output e assim conseguem dar conta
de fenômenos morfológicos, os quais quase sempre envolvem apagamentos e inserções de segmentos.
4
É bom observar que, caso seja necessário, recorreremos a algum dos demais desenvolvimentos da TO.
5
Enquanto FIDELIDADE milita a favor de uma identidade cada vez maior entre input e output, MARCAÇÃO
milita em função do respeito às estruturas de determinada língua.
54
3.1 Conceitos básicos, premissas
Toda a análise da TO está baseada na relação entre input (forma subjacente) e output
(forma de superfície) e os seus conceitos básicos são: o conjunto de restrições denominado CON
(constraints), o léxico, um mecanismo denominado GEN (gerador – generator) e um mecanismo
de avaliação denominado EVAL (avaliador – evaluation).
As restrições usadas na teoria estão presentes em todas as línguas e o que diferencia uma
língua da outra é o grau de atuação e relevância de cada uma. Assim, as restrições são universais,
mesmo que apresentem diferentes graus de relevância. O que estabelece a relevância e a atuação
das restrições é a hierarquia que cada língua apresenta. Uma restrição pode estar no topo da
hierarquia de uma determinada língua e estar muito mal cotada na hierarquia de outra. Como
mostram Gonçalves & Piza (2009: 35), “são os dados da língua que permitem o estabelecimento
de uma determinada hierarquia; é com base na produção dos falantes que se sabe o que é
permitido, o que é proibido e o que é prioridade em uma língua”. Assim, as formas agramaticais
são barradas quando submetidas à hierarquia proposta e as gramaticais chegam à superfície.
A TO, diferentemente das demais teorias, não pressupõe que a forma de superfície
respeite todas as exigências, apresentando, assim, uma perfeição. A TO acredita que a tão
venerada perfeição não passa de uma falácia: mesmo as formas gramaticais cometem violações; é
praticamente impossível existir uma forma que obedeça a todas as exigências de uma língua. É
importante ressaltar que não há aqui apenas uma forma de superfície (doravante output) e sim
candidatos a output que estarão concorrendo para posterior escolha, de acordo com as satisfações
às demandas de um ranking de prioridades.
55
O léxico é o componente responsável pelo fornecimento das especificações do input. É no
léxico que encontramos as propriedades contrastivas dos morfemas. O input, por sua vez, não se
submete à ação das restrições, ou seja, a forma subjacente não está sujeita a avaliações, o que
constitui, na teoria, um princípio: o Princípio da Riqueza da Base – nenhuma restrição atua no
nível das representações subjacentes.
O mecanismo gerador (GEN, do inglês GENERATOR) cria uma infinidade de candidatos
a output ótimo a partir do input selecionado. Essa propriedade de gerar uma infinidade de
candidatos é denominada de Liberdade de Análise (Kager, 1999). Após criados, os candidatos
são submetidos ao mecanismo de avaliação (EVAL) que, por sua vez, avalia as possíveis formas
de superfície com base na hierarquia de restrições proposta. EVAL (o componente avaliador, do
inglês EVALUATOR) checa o que há de regular e de irregular nos candidatos frente às condições
impostas pelos restritores; é ele que impede as discrepâncias entre input e output e verifica se
restrições ser atendidas ou não. Assim, é EVAL que seleciona a forma ótima com base na escala
de prioridades da língua.
De uma maneira geral, a TO funciona da seguinte forma: GEN fornece os outputs
candidatos à forma ótima. EVAL avalia paralelamente cada candidato por meio do ranking de
restrições (com, do inglês CONSTRAINTS, restrições) e o candidato que não cometer violações
ou violar minimamente as restrições da hierarquia alcança o status de output ótimo, ou seja,
chega a superfície.
Uma vez apresentados os principais conceitos da TO, passaremos às premissas da teoria,
que são: Universalidade, Ranqueamento, Violabilidade, Inclusividade e Paralelismo
(PRINCE & SMOLENSKY, 1993; GONÇALVES & PIZA, 2009; HOLT, 1997).
De acordo com a Universalidade, as restrições existem universalmente, ou seja, estão
presentes em todas as línguas. O que diferencia uma língua da outra é o posicionamento de cada
56
restrição na hierarquia. É importante observar que a ordem das restrições na hierarquia é
estabelecida a partir da análise dos dados de cada língua, ou seja, pelos dados é possível perceber
o que é mais aceito e o que é menos aceito em cada língua especificamente.
A Universalidade evidencia o caráter gerativo da TO. A Teoria Gerativa defende a
existência da Gramática Universal6, segundo a qual a criança já nasce com uma gramática, na
qual se encontram todas as ‘restrições’ (em outros desenvolvimentos da teoria, regras). No
decorrer da aquisição, no entanto, a criança transforma essa gramática na gramática de sua língua,
retirando só o que necessário para o uso e aprendizagem da mesma, descartando o restante.
Contudo, as restrições utilizadas em cada língua não são acessadas de forma aleatória; há uma
ordenação, um Ranqueamento.
O Ranqueamento é a premissa que determina a diferenciação das línguas, como
mencionado acima. Essa premissa organiza as restrições (também chamadas restritores) de
acordo com o grau de relevância de cada uma. Assim, as restrições mais importantes ocupam o
topo da hierarquia e as menos relevantes preenchem posições menos favorecidas. Na TO, a
violação de restrições hierarquicamente bem posicionadas na hierarquia pode resultar em
violação fatal e consequente eliminação de formas linguísticas. Na TO, a violação fatal significa
que o candidato infrator está fora da disputa. É bom ressaltar que o fato de um candidato cometer
violações não significa que o mesmo passa a ser agramatical, violações podem ser cometidas,
desde que sejam mínimas; daí, a premissa Violabilidade.
Ao mesmo tempo em que a Violabilidade permite as violações mínimas, há outra
premissa que impede que expressões que violariam absurdamente as restrições atuantes de uma
língua, ou seja, expressões não recorrentes, entrem na disputa e cheguem à superfície, que é a
6
Segundo Holt (1997:15), os componentes da GU são: CON, GEN, EVAL (já mencionados anteriormente).
57
Inclusividade. Essa premissa impede que as expressões linguísticas que não respeitam condições
de boa formação concorram à condição de ótimas. Assim, a Inclusividade não permite que haja
um número infinito de candidatos e, com isso, torna a análise mais econômica.
A economia da análise otimalista também é proporcionada pela premissa do Paralelismo.
Na TO, os candidatos são analisados em paralelo, não há derivação serial, ou seja, não há
aplicação sucessiva de regras. Quando regras são utilizadas, a aplicação de uma regra pode gerar
um ambiente favorável para o uso de outra regra, o que gera um sistema cíclico de aplicação de
regras e torna a análise mais custosa e menos econômica.
Para comprovar a economia da análise otimalista, será apresentada na próxima seção uma
formalização de dados que exemplifica como é feita a avaliação e a escolha do(s) candidato(s)
ótimo(s).
3.2 Funcionamento da teoria
Em uma análise otimalista, são levantadas as restrições atuantes em determinado
fenômeno, o léxico fornece as especificações do input, GEN gera os outputs (os candidatos) a
partir de uma forma de input. GEN pode gerar uma infinidade de outputs, desde que esses sejam
compostos por dados linguísticos. Essa propriedade de gerar uma infinidade de candidatos é
denominada de Liberdade de Análise (Kager, 1999).
Ao avaliador (EVAL) compete avaliar as formas de superfície com base na hierarquia de
restrições proposta. EVAL checa o que há de regular e de irregular nos candidatos; é ele que
impede as discrepâncias entre input e output e verifica se restrições são atendidas ou não. Em
58
suma, é EVAL que seleciona a forma ótima com base na escala de prioridades da língua. É bom
mencionar que é necessário haver o mínimo de identidade entre as formas para que, por meio do
output ótimo, seja possível rastrear a forma subjacente e que toda a análise é feita em paralelo,
não havendo, pelo menos nos modelos chamados standard, extratos derivacionais.
Quanto às violações cometidas por parte dos candidatos, deve ficar claro que um
candidato não deixa de ser gramatical porque violou algumas das restrições do ranking. Para
continuar na disputa, o candidato deve cometer violações suportáveis, de preferência deve violar
restrições menos relevantes na hierarquia, isto é, o candidato tem uma grande probabilidade de
ser eliminado da disputa se violar as restrições mais bem cotadas do ranking, porém, se todos os
candidatos violam os restritores bem cotados, a disputa segue e pode até ser decidida por um
restritor, em princípio, menos relevante. Para melhor compreensão da análise otimalista,
passemos à formalização dos tableaux, recurso expositório utilizado na teoria.
Nas tabelas a seguir, aparecem a seguintes convenções: o input é a forma subjacente que
serve de parâmetro para a análise dos candidatos e consta da primeira coluna, à esquerda. O
símbolo ‘*’ indica que houve violação e o asterisco acompanhado de ‘!’ significa que houve
violação fatal (o candidato foi eliminado). As restrições aparecem nas células que seguem a
célula do input, em ordem de relevância. A linha que divide as células na vertical pode ser
contínua ou pontilhada; as contínuas representam que há uma ordem hierárquica entre os
restritores e a pontilhada, que os restritores não estão hierarquizados, ou seja, estão no mesmo
“patamar” hierárquico, apresentando o mesmo nível de relevância. Por último, o ícone ‘’ indica
o candidato vencedor da disputa. Vejam-se os tableaux genéricos a seguir:
59
(01)7
INPUT
Candidato 1
Candidato 2
A
*!
B
C
*
Disputa resolvida na primeira restrição
*
INPUT
Candidato 1
Candidato 2
A
B
*
*
*!
Disputa resolvida na segunda restrição
C
*
INPUT
Candidato 1
Candidato 2
A
B
*
*
*
*
Disputa resolvida na última restrição
C
*!
INPUT
Candidato 1
Candidato 2
A
*
C
*!
(02)
(03)
(04)
B
*
Restrições no mesmo nível hierárquico
No tableau (1), o candidato 1 viola fatalmente a restrição A e é eliminado da disputa, o
que faz do candidato 2 o vencedor. No segundo tableau, ambos os candidatos violam a restrição
A e, por isso, a competição continua. Seguindo a avaliação, o candidato 2 viola fatalmente a
restrição B e o candidato A alcança o status de output ótimo. Já no terceiro tableau, os candidatos
1 e 2 violam igualmente as restrições A e B e a disputa é resolvida quando o candidato 1 viola a
restrição C, a menos cotada da hierarquia. No tableau (4), o candidato 1 viola a restrição A
enquanto o 2 viola a restrição B; nesse tableau, porém, os dois primeiros restritores estão
hierarquicamente no mesmo nível (daí, a linha tracejada) e, por isso, a disputa continua. Mais
uma vez, a restrição C é a responsável pela vitória do candidato 2.
7
Os tableaux receberão numeração à parte.
60
Os tableaux acima são hipotéticos e representam candidatos que podem estar envolvidos
em fenômenos de níveis diferentes, como a morfologia e a fonologia, por exemplo. As restrições
também podem apresentar naturezas diversas, mas sempre, de alguma forma, estarão envolvendo
o conflito entre fidelidade input-output e questões estruturais da língua. Os restritores que
militam em favor de que o output seja o mais fiel possível ao input fazem parte da família
Fidelidade e os que militam em favor de que as estruturas não-marcadas da língua sejam
preservadas fazem parte da família Marcação.
Durante a disputa entre os candidatos, para que restritores da família Fidelidade sejam
atendidos é preciso que restritores da família Marcação sejam violados, o que evidencia o conflito
de forças que, de acordo com a TO, caracteriza a gramática de uma língua. Assim, ao passo que
Fidelidade proíbe inserções e apagamentos, por exemplo, Marcação permite que esses fenômenos
ocorram para que estruturas não-marcadas da língua, como a estrutura silábica CV do português,
prevaleçam sobre as estruturas marcadas (formas menos comuns), como os demais moldes
silábicos da nossa língua. É importante ressaltar que, em alguns fenômenos linguísticos,
Marcação dominará Fidelidade (Marcação >> Fidelidade) e, em outros, Fidelidade dominará
Marcação (Fidelidade >> Marcação).
Além dos conceitos básicos, das premissas da teoria e do seu funcionamento, tópicos
tratados nesta seção, há outros pontos pertinentes da TO que contribuirão para a análise proposta,
como, por exemplo, a relação existente entre a Riqueza do Input e a Otimização do Léxico, entre
outros.
61
3.3 Riqueza do Input e Princípio de Otimização do Léxico
A relação existente entre a Riqueza do Input (ou base) e o Princípio da Otimização do
Léxico é importante porque o primeiro princípio permite a liberdade de colocação de material
linguístico no input. Collischonn, Schwindt (2003) e Lee (2004) definem da seguinte forma a
Riqueza do Input:
“... ausência de proibição a determinados segmentos ou a determinadas propriedades
prosódicas no input.”(COLLISCHONN E SCHWINDT, 2003, p.35 )
A Riqueza da Base prediz que as línguas (os inventários do léxico) se diferenciam
somente pela hierarquia de restrições universais e os contrastes são derivados pelas
interações de restrições nas formas de saída... (LEE, 2004, p. 3)
O segundo princípio limita o material posto na estrutura subjacente. Segundo o Princípio
de Otimização do Léxico, diante da variação entre formas subjacentes para o mesmo output, o
input escolhido é aquele que mais se assemelha à forma de superfície, ou seja, no primeiro
momento parece que os dois princípios são contraditórios, mas, ao analisarmos melhor a questão,
chegamos à conclusão de que o Princípio de Otimização do Léxico controla o princípio da
Riqueza do Input para que não haja grandes discrepâncias entre forma subjacente e forma de
superfície.
Em suma, o Princípio de Riqueza do Input e o Princípio de Otimização do Léxico se
complementam: enquanto um permite que qualquer material linguístico seja posto no input, o
outro limita a colocação de material na forma subjacente. Esses princípios serão de grande
importância para a análise proposta no capítulo 4, pois contribuirão para a escolha da forma que
será posta na estrutura subjacente.
62
3.4 A tese da conspiração (Rodrigues, 2007)
De acordo com Adam (2002: 24), “o termo conspiração refere-se a instâncias às quais
um número de regras diferentes conspiram para o mesmo objetivo fonológico, apesar de não
requererem exatamente o mesmo ambiente”. Como mostram Hora & Lucena (2008), a ideia de
conspiração não é nova em fonologia. Em seus primeiros estudos, no final da década de 1920,
Jakobson (1962) observou que regras diacrônicas do eslavônio apresentam evidente
direcionalidade: a eliminação das codas silábicas. O entendimento mais sistemático do fenômeno
da conspiração, ainda de acordo com Hora & Lucena (2008: 352), se dá com o texto de
Kisseberth (1970). Nesse trabalho, Kisseberth (op. cit.) observou que várias regras fonológicas
em yawelmâni possuem um propósito semelhante: eliminam ou deixam de criar sequências de
três consoantes adjacentes (do tipo CCC).
McCarthy (2002) afirma que a mesma configuração do output pode ser alcançada por
estratégias distintas em diferentes línguas ou dentro de uma mesma língua. O termo conspiração
tem sido usado na TO sempre que demandas atuem no sentido de alcançar a realização ou nãorealização de determinada estrutura. Como a TO prioriza os outputs, preferencialmente os nãomarcados, pode haver interação entre homogeneidade dos alvos e heterogeneidade dos processos:
Na OT, a ênfase está nos alvos (outputs não-marcados) que esses processos têm em
comum, como, por exemplo, evitar codas ou ataques complexos, buscar seqüências de
sonoridade harmônicas etc. O processo que determinada língua utiliza para chegar ao
alvo é resultante da interação específica de restrições de marcação com outras
restrições nessa língua. O que importa, então, é o que se chama de homogeneidade de
alvo independentemente do processo (heterogeneidade de processo)” {(...)]. “Quando
63
temos heterogeneidade de processos com alvo comum numa mesma língua, falamos em
conspiração (COLLISCHONN & SCHWINDT, 2003: 26-27).
No caso dos encontros vocálicos, para que a estrutura de hiato não chegue à superfície
(homogeneidade do alvo), quatro processos entram em ação (heterogeneidade do processo) e,
segundo Rodrigues (2007), a atuação desses processos ocorre desde o primeiro momento de
formação da língua.
O número de hiatos é consideravelmente grande no primeiro momento de formação da
língua. Nesse período, a emergência do não-marcado não é a prioridade, já que uma sílaba do tipo
V não constitui estrutura universalmente aceita pelas línguas. A partir, aproximadamente, da
segunda metade do século XIII, os hiatos começam a ser desfeitos por diversos fenômenos
fonológicos, ou seja, vários processos contribuíram, e ainda contribuem, para que um mesmo
alvo seja alcançado: o desfazimento dos hiatos. Isso evidencia que há um empenho geral da
língua para que tal estrutura não chegue à superfície, isto é, há uma conspiração.
A tendência da língua em desfazer os hiatos nada mais é do que o esforço para que o nãomarcado emerja, ou seja, um esforço para que a estrutura silábica CV chegue à superfície e para
que estruturas do tipo V, por exemplo, sejam barradas, uma vez que a posição de ataque se
encontra vazia nessa estrutura.
De maneira geral, vários processos conspiram para que o hiato não chegue à superfície. A
atuação da degeminação, da absorção de vogal por consoante de mesma natureza, da ditongação
e do desenvolvimento de som palatal começou durante o primeiro momento de formação da
língua e permanece até o presente momento, o que comprova a tendência natural da língua de
trazer à superfície estruturas não-marcadas.
64
3.5 O tratamento da variação
Como já mencionado (cf. seções 3.1.1 e 3.1.2), a relação entre input (forma subjacente) e
output (forma de superfície) passa a ser mediada por um conjunto de restrições universais
passíveis de violação. Com essa nova concepção acerca do funcionamento da gramática, muitos
autores resgatam uma discussão que, segundo Kager (1999), é residual na versão clássica da TO
– o tratamento da variação. De acordo com esse autor, a emergência de mais de um output ótimo
para uma única forma de input é um desafio para a gramática da TO, que é determinística, no
sentido de que cada input é mapeado em um único output, o candidato mais harmônico
(KAGER, 1999: 404).
Com o objetivo de refletir sobre a variação, mas, ao mesmo tempo, atender aos princípios
básicos da TO Clássica, alguns autores propõem abordagens sobre a emergência de mais de um
output ótimo, como é o caso, entre outros, de Hammond (1994), Antilla (1995), Antilla (1997),
Bakovic & Keer (1997), Antilla & Cho (1998), Kager (1999), McCarthy (2002), Coetzee (2006)
e Riggle & Wilson (2005).
Há, basicamente, duas formas de entender e lidar com a variação na perspectiva da TO. A
primeira atribui a variação ao input (BAKOVIC & KEER, 1997 e RIGGLE & WILSON, 2005); a
segunda refere-se à função de EVAL, interpretada de modo diferente por autores como
Hammond (1994) e Antilla (1995).
O primeiro trabalho de que se tem notícia acerca da interpretação da variação na TO é o
de Hammond (1994). O autor, ao analisar o acento em Walmatjari, observa que é possível trazer
65
à superfície mais de um output ótimo. A emergência dos outputs decorre da satisfação a todas as
demandas da hierarquia, como ilustram os tableaux em (05) e (06), a seguir:
(05)
/input/
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
RESTRIÇÃO C
[cand1] 
[cand2]
*!
[cand3]
*!
Emergência de apenas um candidato
(06)
/input/
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
[cand1] 
[cand2]
*!
[cand3] 
Emergência de dois candidatos
RESTRIÇÃO C
Em (05) e em (06), consideramos um fenômeno hipotético e, para sua análise, uma
hierarquia composta por três restritores, em que A >> B >> C. Em (05), temos regularidade na
forma de saída e, com isso, apenas um candidato ótimo, segundo as assunções básicas da TO; em
(06), o mesmo fenômeno apresenta variação, resultando em dois outputs. No tableau em (05),
[cand2] viola a primeira restrição do ranking e é sumariamente eliminado da disputa. Das formas
restantes, [cand1] e [cand3], [cand3] infringe o restritor B, permitindo a emergência de [cand 1]
como forma ótima.
Em (06), em contrapartida, [cand2] infringe a restrição mais bem cotada da hierarquia de
prioridades e é eliminado. As formas ainda no páreo, [cand 1] e [cand3], passam ilesas por B e C e,
portanto, vêm à superfície. Desse modo, a própria hierarquia consegue trazer à tona dados
variáveis, como os representados em (06), e não-variáveis, como em (05).
66
Assim, para o autor, se, na língua, um fenômeno é variável, ao se organizar um
ranqueamento adequado, com base nos dados dessa língua, naturalmente uma ou mais formas
candidatas podem superficializar-se, devido à plena satisfação às demandas do ranking.
A proposta de Hammond (op. cit.), contudo, apenas é capaz de trazer à superfície dados
referentes a fenômenos altamente regulares e cuja estrutura linguística mostra-se menos marcada
na língua. Para casos em que há conflito entre demandas, outras perspectivas acerca do
tratamento da variação mostram-se mais consistentes, como a de Antilla (1995).
Antilla (1995) baseia-se na existência de restritores móveis. De acordo com essa
abordagem, restritores são móveis quando ainda não têm posição estável na hierarquia e, por isso,
permitem que candidatos diferentes, porém igualmente ótimos, cheguem à superfície. Dessa
maneira, a variação consiste em uma competição entre “rankings parciais”, que podem ou não
resultar em mudança. Essa proposta é sistematizada nos tableaux em (07) e (08):
(07)
/input/
[cand1]
[cand2]

RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
RESTRIÇÃO C
*
*!
*
*
Competição entre rankings (I)
RESTRIÇÃO D
*
/input/
[cand1]

[cand2]
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO C
RESTRIÇÃO B
*
*
*
*!
Competição entre rankings (II)
RESTRIÇÃO D
*
(08)
67
Como se observa, os restritores B e C estão alternando posições nos tableaux, ou seja, não
apresentam lugar fixo na hierarquia. Em (07), [cand1] e [cand2] passam pelo restritor A, mas
[cand1] viola B e é eliminado. Já em (08), os restritores B e C mudam de lugar na hierarquia e C,
que antes era dominado por B, passa a dominá-lo, fazendo com que [cand2] vença a disputa.
Assim, a alternância entre as restrições B e C é responsável pela escolha de dois candidatos e pela
competição entre dois rankings.
Ainda segundo Antilla (1995), na variação, duas outras considerações merecem destaque:
(a) a existência de outputs categóricos e variáveis e (b) a harmonia de propriedades. Segundo o
autor, tanto os outputs categóricos quanto os variáveis resultam de uma preferência por
determinada forma. Quanto à harmonia de propriedades presentes nos outputs, se o sistema
produz uma estrutura muito harmônica, não há variação; caso contrário, ou seja, se o sistema
produz várias formas harmônicas, a variação tem muito mais probabilidade de ocorrer.
Zubritskaya (1994) defende que a interação ocorre não somente entre restritores, mas
também entre restritores e famílias inteiras de restrições. A autora, analisando a assimilação
devido à perda de palatalização em consoantes no russo moderno, defende que a restrição
MAXIMIZE LICENSING (restrição em favor da articulação secundária) domina toda a família
de restrições que milita contra a articulação secundária. Da mesma forma, Holt (1997) propõe
que, no caso da degeminação de obstruintes em final de sílaba, seja por queda ou por
simplificação, a restrição *Cµ (consoantes não são moraicas) domina toda a família
FIDELIDADE (*Cµ >> FIDELIDADE); em sendo assim, um restritor pode, em um dado
momento, dominar toda uma família e, em outro momento, ser dominado pela mesma.
68
Lee & Oliveira (2003), retomando Antilla (1997) e Broihiers (1995), discute a
possibilidade de a variação ser resolvida em um único tableau, com alguns restritores nãohierarquizados num ranqueamento total, como se ilustra em (09), a seguir:
(09)
/input/
[cand1]

[cand2]

RESTRIÇÃO A
*
*
RESTRIÇÃO B
*
RESTRIÇÃO C
*
Variação resolvida em um único tableau
Em (09), [cand1] e [cand2] violam o restritor A e, apesar de [cand 1] violar B, a disputa
continua porque B e C não estão hierarquizados. Em seguida, [cand 2] viola C e ambos os
candidatos são escolhidos como ótimos. Como é possível perceber, a não-hierarquização entre B
e C permite que dois outputs cheguem à superfície sem que se utilizem vários tableaux.
Em resumo, a proposta de Antilla (1995) defende que a possibilidade de alguns restritores
(ou mesmo famílias de restrições) alternarem seus lugares na hierarquia faz com que existam
rankings parciais. Esses rankings co-ocorrem em um dado momento e essa coexistência faz com
que mais de um candidato chegue à superfície. Outros autores, como Lee & Oliveira (2003),
Broihiers (1995) e até mesmo o próprio Antilla (1997), tratam da variação recorrendo a um único
tableau.
Do mesmo modo que a variação, a mudança tem sido alvo de alguns trabalhos e, com
base na proposta de restritores móveis, a concretização da mudança é interpretada como o
69
resultado da fixação dos restritores na hierarquia (re-ranqueamento), o que faz com que
determinado candidato vença o concorrente que antes chegava juntamente com ele à superfície.
3.6 O tratamento da mudança
É consenso entre os autores que, na perspectiva da TO, a mudança linguística se dá pela
modificação na hierarquia de restrições, ou seja, ocorre por re-ranqueamento (JACOBS, 1994 e
1995; HUTTON, 1996; GESS, 1996; HOLT, 1997). Como vimos, a variação é também entendida
como a coexistência de rankings parciais devido a restrições que ainda não fixaram sua posição
na hierarquia (ZUBRITSKAYA, 1994; ANTILLA, 1995). É justamente no momento em que as
restrições estabilizam sua posição que ocorre a mudança.
No momento da variação, candidatos emergem ao mesmo tempo devido à maleabilidade
no ranqueamento, a qual permite hierarquias diferentes coexistindo sincronicamente. Com a
predominância de uma dessas hierarquias (ranking total) sobre a(s) outra(s) (ranqueamento
parcial), poderemos ter um ou mais candidatos vencedores.
Hutton (1996) realiza um estudo sobre a mudança e apresenta a Hipótese de Base
Sincrônica, a partir da qual afirma serem todos os candidatos gerados por GEN baseados em uma
forma de output corrente. Desse modo, formas mais antigas não são avaliáveis como
representações subjacentes sobre as quais GEN opera. A assunção de tal hipótese nos leva a
considerar que formas historicamente antigas, não podendo fazer parte do input, são eliminadas
70
do léxico. A mudança, portanto, não seria um fenômeno derivacional, mas baseada na
substituição de um input por outro, mais atual e corrente. Formas frequentes com etimologia
conhecida não teriam em seu input a correspondente forma etimológica, uma vez que essa já
estaria muito distante (já teria sido removida) da representação moderna.
Holt (1997) adota essa hipótese, considerando que ela é necessária para uma compreensão
satisfatória sobre vários processos de mudança. Hutton (1996) afirma, também, que o estado de
equilíbrio da hierarquia não impede um possível re-ranqueamento dos restritores. Esse reranqueamento, para o autor, não dirige a mudança histórica, mas resulta dela. Sugere, ainda, que
fatores externos, ligados às condições do output, estão na base das alterações da hierarquia. As
modificações que conduzem a uma mudança histórica em determinada língua são as seguintes
(HOLT, 1997):
 promoção de restrições;
 demoção de restrições;
 criação de novas conexões entre restrições;
 dissolução de conexão entre restrições; e

alteração da relação de dominância entre restrições8.
Uma restrição é promovida quando fatores linguísticos a tornam mais relevante que
outra(s) restrição(ões) anteriormente mais bem cotada(s) na hierarquia. Isso pode ocorrer no
sentido de manter a tendência à emergência do não-marcado (McCARTHY & PRINCE, 1994b),
quando a língua passa a valorizar mais determinada condição em relação à outra(s).
8
A proposta de Holt (1997) é adotada na análise da aplicação do acento primário em não-verbos do latim clássico e
do latim vulgar, feita no capítulo 4.
71
A demoção acontece quando um restritor é rebaixado de sua posição hierárquica, por não
apresentar mais papel decisivo na seleção do candidato ótimo. Em outras palavras, sua relevância
não é mais atestada como antes, levando o restritor a exercer papel secundário9. Hutton
acrescenta que restrições individuais podem ser demovidas se as condições fonéticas no output
deixarem de ser relevantes. Quando isso ocorre, tais restrições, relegadas à posição mais baixa da
hierarquia, são denominadas de “unranked occulted constraints” (restrições ocultas nãoranqueadas). As próximas três alterações de hierarquia podem ser consideradas subtipos das duas
anteriores, desde que envolvam processos de promoção ou demoção de restrições.
O mecanismo de criação de novas conexões pode ser ilustrado como em (10) abaixo
(adaptado de Holt, 1997):
(10)
A ; B  A >> B
Criação de novas conexões entre restrições
Em (10), A e B são restrições não-dominadas entre si e passam a apresentar uma relação
de dominância, em que A se encontra ranqueada em posição mais relevante que B, ou seja,
restrições que atuavam em conjunto passam a não mais fazê-lo, sendo prioridade, na língua,
respeitar a condição expressa por A. A interpretação dos resultados que podem ser obtidos com
esse tipo de alteração é ilustrada nos tableaux em (11) e (12):
9
Diferentemente de Holt (1997), no capítulo 3, é utilizado o termo “despromoção” em lugar de “demoção” devido
ao fato de as restrições envolvidas ainda permanecerem relevantes na seleção do candidato ótimo. Neste trabalho,
portanto, diferenciamos “demoção” de “despromoção” nos seguintes termos: no primeiro caso, um restritor é
rebaixado de tal forma que deixa de ser relevante à escolha do output; no segundo, ao contrário, o rebaixamento não
impede que a exigência em questão continue atuando na língua.
72
(11)
/input/
[cand1]

[cand2]
RESTRIÇÃO A
*
RESTRIÇÃO B
*
Restrições sem relação de dominância
RESTRIÇÃO C
*!
(12)
/input/
[cand1]
[cand2]

RESTRIÇÃO A
*!
RESTRIÇÃO B
*
Retrições com relação de dominância
RESTRIÇÃO C
*
Em (11), verifica-se que a não-dominância entre A e B faz com que a decisão sobre o
candidato ótimo recaia sobre o restritor seguinte, C, já que os candidatos violam, uma vez cada,
as restrições A e B, analisadas em conjunto. Como [cand 2] infringe uma vez a restrição C, [cand1]
é o vencedor da disputa. Já com o re-ranqueamento, em (12), A passa a dominar B, criando-se
uma relação de dominância entre essas restrições. Isso faz com que qualquer violação à A elimine
o competidor da disputa, o que ocorre, como se vê, com [cand 1]. Portanto, [cand2] emerge como o
output ótimo.
Pode-se representar a dissolução de conexão entre restrições com o seguinte esquema:
(13)
A >> B  A ; B
Dissolução de conexão entre retrições
Verifica-se que esse caso é o inverso do anterior. A e B são restrições que possuíam uma
relação de dominância (A >> B), em que era mais importante respeitar a condição de A do que
satisfazer a condição de B. Desse modo, A dominava B. No entanto, essa relação de dominância,
em algum momento, deixa de existir (A ; B), fazendo com que venha à superfície um outro
73
candidato. Essas restrições passam, então, a ser analisadas em conjunto, evidenciando que a
violação de uma ou outra tem o mesmo peso, a mesma importância para a língua em questão.
Ilustramos essas afirmações com os tableaux em (14) e (15):
(14)
/input/
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
RESTRIÇÃO C
[cand1]

*
*
[cand2]
*!
Restrições com relação de dominância II
(15)
/input/
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
RESTRIÇÃO C
[cand1]
*
*!
[cand2]

*
Restrições sem relação de dominância II
Em (14), [cand2] viola fatalmente a restrição A, mais relevante na análise que B,
emergindo, então, como ótimo, [cand 1]. Com a dissolução da dominância entre essas restrições,
ilustrada em (15), e a consequente atuação conjunta das mesmas, torna-se irrelevante a violação
de [cand2], uma vez que [cand1] também B. Dessa maneira, empatados em número de violações,
a decisão recai sobre a restrição C. Do mesmo modo que no mecanismo anterior, agora temos um
re-ranqueamento que leva à escolha de diferentes candidatos ótimos.
Como fizemos anteriormente, ilustramos o mecanismo de alteração da dominância entre
duas restrições da seguinte forma:
(16)
A >> B  B >> A
Alteração de dominância
74
No esquema em (16), percebe-se que duas restrições que apresentavam relação de
dominância, em que A tinha precedência sobre B (A >> B), em um segundo momento, têm essa
relação invertida e B passa a dominar A (B >> A). Essa situação é ilustrada em (17) e (18), a
seguir:
(17)
/input/
[cand1]

[cand2]
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO B
*
RESTRIÇÃO C
*
*!
A>>B
(18)
/input/
[cand1]
[cand2]

RESTRIÇÃO B
*!
RESTRIÇÃO A
RESTRIÇÃO C
*
*
B>>A
Nos tableaux em (17) e (18), ambos os rivais violam uma vez um dos restritores (A e B)
que se encontram em relação de dominância. A alteração dessa dominância leva a uma mudança
na emergência do candidato ótimo: [cand 1], em (17), e [cand2], em (18), ou seja, num segundo
momento, não é mais relevante para a língua respeitar a restrição A em relação à restrição B, o
que leva a uma alteração no resultado da avaliação dos candidatos.
De maneira geral, duas abordagens acerca do tratamento dado pela TO à variação foram
revisitadas nesta seção. Em Hammond (1994), verifica-se que, para um dado fenômeno, a plena
satisfação às demandas permite a emergência de formas concorrentes. Já em Antilla (1995), o
ranqueamento diferenciado para um dado fenômeno permite a emergência de mais de uma forma
de superfície.
75
No que se refere à caracterização da mudança, vimos que a TO (a) considera o uso
pontual da língua em diferentes momentos históricos, (b) capta as modificações linguísticas mais
relevantes que ocorreram e (c) as explicita por meio do reordenamento das restrições. Esperamos,
com isso, ter abordado os principais aspectos relativos à variação e à mudança linguísticas, sob o
enfoque otimalista, os quais possam servir de base não apenas para os trabalhos que se encontram
neste volume, como também para diversos outros desenvolvidos na área.
76
4- AMBISSILABICIDADE, DEGEMINAÇÃO E ALTEAMENTO NA DISSOLUÇÃO DOS
HIATOS FINAIS DO PB: UMA ANÁLISE OTIMALISTA
Para que a análise dos encontros vocálicos finais do português fosse feita, os dados
recolhidos foram divididos em grupos, que envolvem o contexto átono (‘vácuo’, ‘série’) e o
contexto tônico com a primeira vogal acentuada (‘coroa’, ‘sentia’). Com base nos resultados,
foram levantadas as restrições ativas em cada caso e, a partir daí, as hierarquias atuantes na nãorealização de hiatos. Antes de apresentar a análise, descrevemos, a seguir, a metodologia utilizada
na investigação.
4.1 Bases metodológicas
Este trabalho está dividido em etapas que envolvem a recolha dos corpora e a sua
submissão a dois tipos de observação: uma apenas de oitiva e outra computacional por meio do
PRAAT. Os dados foram primeiramente coletados a partir dos dicionários eletrônicos Ferreira
(2002) e Houaiss (2009), por meio das ferramentas de busca oferecidas nessas obras.
Considerando as diversas combinações possíveis entre vogais em posição final, montamos um
primeiro corpus, com o qual pudemos mapear a variedade de encontros vocálicos que o
português apresenta na borda direita da palavra.
Com base nesses dicionários eletrônicos, os dados foram divididos em três grandes
grupos, conforme o processo utilizado para evitar o hiato: (a) encontros átonos (‘tênue’, ‘série’),
77
(b) encontros tônicos que não envolvam a epêntese (‘negocia’, ‘varia’) e (c) encontros tônicos
com inserção de glide (‘leoa’, ‘passeio’). A relação completa dos encontros finais analisados
neste trabalho se encontra na tabela abaixo:
(01)
Encontros finais átonos
Encontros finais tônicos
-ia/ -ie/ -io: ‘pátria’, ‘bactéria’, ‘empresária’,
-ia/ -ie/ -io: ‘tia’, ‘terapia’, ‘dia’, ‘ria’; ‘adie’,
‘residência’; ‘espécie’, ‘imundície’, ‘minissérie’,
‘contrarie’, ‘anuncie’, elogie’; ‘fio’, ‘desconfio’,
‘superfície’; ‘ovário’, ‘adultério’, ‘próprio’, ‘sócio’.
‘tio’, ‘mio’;
-oa/ -eo/ -ea: ‘páscoa’, ‘névoa’, ‘amêndoa’, ‘mágoa;
-oa/ -oe/ -ôo: ‘gamboa’, ‘boa’, ‘coroa’, ‘pessoa’;
‘térreo’, ‘glúteo’, ‘cutâneo’, ‘arbóreo’; ‘área’,
‘perdoe’, ‘amontoe’, ‘assoe’, ‘ensaboe’; ‘sobrevôo’,
‘várzea’, ‘orquídea’, ‘fêmea’.
‘assôo’, ‘amontôo’, ‘ensabôo’.
-ue/ -uo/ -ua: ‘tênue’; ‘vácuo’, ‘ingênuo’, ‘assíduo’,
-ua/ -ue/ -uo: ‘acentua’, ‘rua’, ‘lua’, ‘nua’;
‘ambíguo’; ‘tábua’, ‘’língua’, ‘légua’, ‘árdua’.
‘averigua’; ‘pontue’, ‘averigúe’, ‘acentue’; ‘possuo’,
PS.: Também foi considerado o encontro [iw]
‘continuo’, ‘retribuo’, ‘retituo’.
resultante da vocalização da lateral: ‘infértil’,
‘réptil’, ‘difícil’, ‘ágil’.
Encontros finais átonos e tônicos
Tendo em vista que o vocalismo postônico se caracteriza (a) por dois diferentes tipos de
neutralização, a depender da existência de uma ou duas sílabas posteriores à acentuada
(MATTOSO CÂMARA JR., 1970), (b) pela ausência de médias abertas na átona imediatamente
78
contígua à tônica de proparoxítonos (LOPEZ, 1979) e (c) pela existência de apenas três vogais
átonas finais, /a, I, U/ (MATTOSO CÂMARA JR., 1970), o número de encontros vocálicos
possíveis é limitado, restringindo-se a apenas nove combinações átonas. Como se observa em
(01), quando a segunda vogal é baixa, médias e altas podem aparecer na primeira posição
(doravante V1). No caso de palavras terminadas em -e (fonologicamente /I/), só ocorrem
combinações com V1 alta, a exemplo de ‘espécie’ e ‘tênue’. Por fim, em encontros com /U/ na
segunda posição, V1 pode ser alta (‘mútuo’, ‘próprio’) ou média anterior (‘vídeo’).
Em relação aos encontros com V1 acentuada, a situação não é muito diferente. Temos um
total de apenas nove encontros: três V1 com média posterior (-oa, -oe, -oo), três com V1 alta
posterior (-ua, -uo, -ue) e três com V1 alta anterior (-ia, -ie, -io). Não há registro de encontros
envolvendo V1 baixa e V1 média anterior. No caso desses últimos, os encontros foram desfeitos
através do glide epentético, já consagrado na escrita (RODRIGUES, 2007).
O controle de tais dados foi feito a partir da leitura de textos escritos informais por
diferentes grupos de informantes. Foram elaborados seis diferentes textos, de modo a controlar a
ampla gama de encontros finais referenciados e exemplificados na tabela em (01). Cada texto foi
lido por, pelo menos, 4 informantes: 2 homens e 2 mulheres de faixas etárias e graus de
escolaridade variados. Em alguns casos, para melhor verificação dos dados, foram recolhidos
dados de 5 informantes. A cada grupo de informantes, foi aplicado um texto com diferentes
estruturas, agrupadas de acordo com o contexto e com as possíveis realizações da sequência. Por
exemplo, os vocábulos que apresentam a primeira vogal tônica fazem parte do mesmo grupo,
uma vez que, provavelmente, o fenômeno em jogo na realização do encontro é o mesmo.
Cada contexto (encontros átonos, encontros tônicos) foi analisado por meio de corpora
específicos. É importante ressaltar que não utilizamos nenhum acervo de fala estratificado, como
o NURC, o PEUL e o D&G, porque não seria possível controlar a variedade de terminações que
79
o português apresenta e, por isso, optamos por utilizar corpora especificamente criados para
investigar o fenômeno.
De modo geral, são utilizados textos informais, todos criados pela pesquisadora, em que
aparecem as sequências de interesse. Para garantir realizações mais espontâneas, foi solicitado
que os informantes fizessem resumos orais dos textos lidos e respondessem a perguntas que os
induzissem a produzir naturalmente os dados sob controle, que, após gravados, foram
devidamente transcritos e, por fim, quantificados. Para validar a transcrição fonética, feita de
oitiva pela pesquisadora, dois juízes foram utilizados para confirmar a produção pelos
informantes que participaram do teste: o orientador e uma aluna de doutorado com grande
experiência em fonética acústica: Hayla Thami da Silva. Nos casos em que a opinião foi
divergente, consideramos sempre a produção apontada por dois observadores.
Além dos textos informais elaborados com vistas a investigar a variedade de encontros
finais do português, também controlamos, via leitura por um grupo de informantes e posterior
análise pelo programa PRAAT, casos de pares mínimos, a exemplo dos listados em (02) a seguir:
(02)
vil/ vi-o
mil/mio
riu/ rio1
Pares mínimos que serão testados pelo PRAAT
Com esse objetivo, criamos frases estruturais em que os vocábulos observados foram
postos na mesma posição para que não houvesse diferença na força articulatória empregada, o
que causaria prejuízo à análise laboratorial. As frases, no momento da coleta, encontravam-se
1
Pretende-se, em um trabalho futuro, ampliar a análise acústica por meio da observação de mais pares
mínimos/análogos.
80
misturadas com distratores para que os informantes não percebessem as palavras a serem
analisadas. A relação completa das formas controladas aparece em (03), seguir:
(03)2
1- A PALAVRA É: VIL
2- VIL É A PALAVRA
3- A PALAVRA É: MAÇÃ
4- MAÇÃ É A PALAVRA
5- A PALAVRA É: MÁGOA.
6- MÁGOA É A PALAVRA
7- A EXPRESSÃO É: VI-O
8- VI-O É A EXPRESSÃO.
9- A EXPRESSÃO É: COMÊ-LO.
10- COMÊ-LO É A EXPRESSÃO.
11- A PALAVRA É: MIL.
12- MIL É A PALAVRA.
13- A PALAVRA É: ESCOLA.
14- ESCOLA É A PALAVRA
15- A PALAVRA É: VOO.
16- VOO É A PALAVRA.
17- A PALAVRA É: ÁGUA.
18- ÁGUA É A PALAVRA.
19- A PALAVRA É: MIO.
20- MIO É A PALAVRA.
21- A PALAVRA É: CADEIRA.
22- CADEIRA É A PALAVRA.
23- A PALAVRA É: VOU.
24- VOU É A PALAVRA.
25- A PALAVRA É: SOU.
2
As frases controladas aparecem em negrito.
81
26- SOU É A PALAVRA
27- A EXPRESSÃO É: RIO.
28- RIO É A EXPRESSÃO.
29- A EXPRESSÃO É: SÃO PAULO.
30- SÃO PAULO É A EXPRESSÃO.
31- A EXPRESSÃO É:RIU.
32- RIU É A EXPRESSÃO.
33- A PALAVRA É: ÓCIO.
34- ÓCIO É A PALAVRA.
35- A PALAVRA É: MÃE.
36- MÃE É A PALAVRA.
37- A PALAVRA É: DÓCIL.
38- DÓCIL É A PALAVRA.
39- A PALAVRA É: FÉ.
40- FÉ É A PALAVRA.
41- A PALAVRA É: ÓSSEO.
42- ÓSSEO É A PALAVRA.
Frases que serão gravadas para a análise acústica
Nos casos de epêntese, a exemplo de ‘boa’ ([‘bowa]) e ‘lua’ ([‘luwa]), apenas a
transcrição fonética feita de oitiva, ainda que validada pelos dois “juízes”, não é capaz de
comprovar a ocorrência da ambissilabicidade e, por isso, também são utilizados o PRAAT e as
bases da fonética acústica. A utilização do programa computacional permite a medição da
duração do elemento inserido, duração essa que comparada à do mesmo elemento em distintos
contextos, o que chamamos de glide default, encontrado em palavras como ‘mau’ e ‘quase’.
Após a observação dos dados, as realizações foram quantificadas e traduzidas em gráficos e
tabelas. Em seguida, foi feito o levantamento dos restritores atuantes na produção de cada uma
das sequências controladas, o que possibilitou o estabelecimento das hierarquias de relevância.
82
Como destacam Gonçalves & Piza (2009: 48), são os dados reais que permitem o
estabelecimento da hierarquia, pois é com base neles que observamos (i) o que a língua permite,
(ii) o que efetivamente rejeita e (iii) o que é prioridade na manifestação de um fenômeno. Desse
modo, foi com base na produção pelos informantes que participaram do teste (ou seja, a partir do
output real) que chegamos ao conjunto de restrições atuantes e à ordenação dessas demandas em
uma escala.
Em suma, as bases metodológicas deste estudo estão pautadas no levantamento,
observação e análise de diferentes corpora. A observação conta com o auxílio de dois juízes e
com a utilização do PRAAT. A análise propriamente dita é feita à luz da TO, que se mostrou
apropriada por usar restrições, e não regras, e apresentar uma análise paralela dos candidatos,
além de dar conta dos eventuais casos de variação encontrados nos informantes que participaram
dos testes: todos nascidos na região metropolitana do Rio de Janeiro, radicados na região e filhos
de pais cariocas.
4.2 Descrição e análise dos encontros átonos
No primeiro texto que serviu à análise dos encontros finais átonos, os dados envolvem as
terminações -ia, -ie e -io. Também nesse texto, foram incluídos dados como ‘ágil’ e ‘réptil’, por
exemplo, que, na maioria dos falares brasileiros, originam um encontro vocálico, devido à
vocalização da lateral final. Dessa forma, os dados finalizados pela lateral foram utilizados a fim
83
de controlar a semelhança de produção com formas finalizadas em –io, a exemplo de ‘ágio’. Eis o
texto que serviu de base à investigação das sequências3:
3
No texto a seguir, as formas de interesse para a pesquisa aparecem em negrito para facilitar a identificação, mas o
texto original apresentado aos informantes não apresentou qualquer marcação dessa natureza.
84
SER INFÉRTIL: MALEFÍCIO CAUSADO POR BACTÉRIA ORIUNDA DE UM
RÉPTIL, POSSÍVEL HOSPEDEIRO
Na última 4ª feira, uma assembléia, formada por 20 médicos paulistas, reuniu-se para
discutir o processo inflamatório (consequência infecciosa) causado por uma espécie de bactéria
que já afetou os ovários de mais de duzentas mulheres no Brasil, entre elas, Márcia “Ceborréia”,
ex-esposa do atual dono da boate Babilônia. A empresária foi acusada recentemente de adultério
pelo próprio marido e, ao mesmo tempo, sócio na extensa rede de laboratórios ADVERSÁRIO
ÁGIL LTDA.
O grave estado de saúde de Márcia mobilizou os médicos. O assunto, esta semana, garantiu
a grande audiência de muitas emissoras de tv, que abordaram os malefícios causados pela bactéria
oriunda do réptil mais temido pela humanidade e o menos dócil de todos os animais, a cobra.
Desconfia-se que a doença veio da Índia por meio de cobras importadas para estudo e que pode
estar presente nos mais variados tipos de superfície por onde o réptil tenha passado e deixado sua
imundície.
A assembléia decidiu começar as investigações analisando a areia das praias próximas aos
laboratórios que receberam os répteis indianos para estudo. Também farão biópsia nas duas
pacientes de mais fácil acesso, as que residem no edifício Empório do Luxo, localizado ao lado do
hospital responsável pela pesquisa. As pacientes farão a biópsia e serão acompanhadas
diariamente em suas residências por médicos especialistas. Pelo que tudo indica, já há, inclusive,
uma emissora de tv querendo produzir uma minissérie sobre o tema.
85
Foram analisadas duzentas e setenta e seis produções: cento e sessenta e seis resultantes
da leitura e cento e dez, da fala mais espontânea, elicitada pela pesquisadora. Participaram dessa
coleta de dados quatro informantes, de idades e níveis de escolaridade diferentes. Um homem e
uma mulher tinham apenas o ensino médio e apresentavam idades entre trinta e cinquenta anos
(ele, trinta e oito anos e ela, quarenta e nove). Os outros dois informantes tinham pós-graduação e
idades entre trinta e sessenta anos (ele, cinquenta e dois anos, ela, trinta). Todos foram
submetidos a um teste de leitura e a perguntas relacionadas ao texto lido, como já mencionado na
seção 3.2.
Após a transcrição fonética dos dados, feita de oitiva, percebemos que as formas
observadas apresentaram pouquíssimas variações em relação ao agrupamento das vogais em
sílabas. As noventa e oito realizações que apresentavam a sequência /ia/ se distribuem como em
(04) a seguir:
(04)
VOCÁBULO
Consequência
Bactéria
Márcia
Babilônia
Empresária
Audiência
Índia
Praias
Biópsia
Residências
PRODUÇÕES
RESULTANT
ES DE
LEITURA
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNEAS
Ditongos
Hiatos
4
8
8
4
4
4
4
4
8
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Ditongos
0
9
6
8
9
0
9
5
0
0
Encontro –ia átono (tabela)
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
4
17
14
12
13
4
13
9
8
4
86
As sequências terminadas em -ia foram produzidas de forma ditongada ([jɐ]) em 100%
dos casos. Já os dados da sequência -io, listados em (05), apresentaram uma pequena variação,
como se vê em (05) e no gráfico em (06):
(05)
VOCÁBULO
PRODUÇÕES
RESULTANTE
S DE LEITURA
Ditongos
Malefício
Inflamatório
Ovário
Adultério
Próprio
Sócio
Laboratório
Adversário
Veio
Meio
Edifício
Empório
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNEA
S
Hiatos
8
8
3
4
4
4
8
4
4
4
4
3
Ditongos
0
1
0
0
1
6
0
4
0
0
0
4
0
10
0
5
0
0
0
0
0
1
1
5
Encontro –io átono (tabela)
(06)
100
80
60
Produção de
ditongo 97,7%
40
Produção de
hiato: 2,3%
20
0
Encontro –io átono (gráfico)
TOTAL DE
PRODUÇÕE
S
Hiatos
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
9
8
10
8
4
8
18
9
4
4
5
9
87
No gráfico acima, é possível perceber que, em apenas 2,3% dos casos, o hiato é
produzido. A realização do hiato foi observada durante a leitura do texto apresentado. Quando os
informantes foram induzidos a repetir, em fala mais espontânea, os mesmos vocábulos, o hiato
não ocorreu. Assim, de oitenta e sete dados, apenas dois, em leitura, apresentaram o encontro
vocálico heterossilábico: ‘ovário’ e ‘empório’.
Na sequência -ie (‘espécie’, ‘imundície’, ‘minissérie’), não houve variação: em nenhum
caso, o hiato foi produzido. No entanto, houve uma pequena diferença quanto aos processos
atuantes. Dos dados recolhidos, 5% foram produzidos como ditongo ([je]) e os demais, como
vogal simples ([ɪ]), que tende a ser realizada mais longa4:
(07)
VOCÁBULO
Espécie
Imundície
Minissérie
Superfície
PRODUÇÕES
RESULTANTES
DE LEITURA
PRODUÇÕES MAIS
ESPONTÂNEAS
PRODUÇÕES
COM
DEGEMINAÇ
ÃO
PRODUÇÕES
COM VOGAL
SIMPLES
TOTAL DE
PRODUÇÕES
4
4
4
4
0
0
4
0
4
4
8
4
0
0
1
0
4
4
8
4
Encontro –ie átono (tabela)
(8)
4
Dos 20 dados observados, 1 foi produzido como ditongo (‘imundície’) e 19, como vogal simples.
88
100
80
60
40
Produção de
vogal simples
por
degeminação:
95%
Produção de
ditongo: 5%
20
0
Encontro –ie átono (gráfico)
A sequência -il, assim como -ia, apresentou a mesma realização em 100% dos casos.
Todos os informantes vocalizaram a lateral e produziram a sequência como ditongo decrescente,
[iw], como pode ser observado em (09):
(09)
VOCÁBULO
Ágil
Réptil
Dócil
Fácil
Infértil
PRODUÇÕES DO
PRODUÇÕES COMO [IW]
ENCONTRO COMO [IW]
NA FALA MAIS
RESULTANTES DE
ESPONTÂNEAS
LEITURA
4
5
8
1
4
0
4
0
4
1
Dados com a terminação –il (tabela)
TOTAL D E
PRODUÇÕES
9
9
4
4
5
É bom ressaltar que outro tipo de vocalização foi percebido durante a observação dos
dados: o da sequência -el que apresentou duas formas de produção, como mostra a tabela e o
gráfico abaixo:
(10)
89
VOCÁBULO
PRODUÇÕES
RESULTANTES
DA LEITURA
POSSÍVEL
RESPONSÁVEL
4
4
PRODUÇÕES
PRODUÇÃO
PRODUÇÃO
RESULTANTES
COMO [ew]
COMO [iw]
DA FALA MAIS
ESPONTÂNEA
2
3
3
0
2
2
Dados com a terminação –el (tabela)
TOTAL
6
4
(11)
50
40
Realização
como [iw]: 50%
30
Realização
como [ew]:
50%
20
10
0
Dados com a terminação –el (gráfico)
O gráfico acima mostra que, das 10 realizações5, metade dos dados foi produzida como
[iw], ou seja, houve alçamento da postônica seguido da vocalização da lateral alveolar. A outra
metade apresentou a ocorrência apenas da vocalização: [ew].
De uma maneira geral, o resultado final da observação dos dados pode ser visto no gráfico
abaixo:
(12)
5
Os vocábulos produzidos foram ‘possível’ e ‘responsável’.
90
100
80
Realizações
com hiato
60
40
Realizações
sem hiato
20
0
/ia/ /io/
/ie/
/il/
/el/
/ia/, /io/, /ie/, /il/, /el/ (gráfico)
Das duzentas e setenta e seis realizações observadas, apenas duas, durante a leitura,
produziram as vogais em sílabas diferentes (‘empório’ e ‘ovário’), o que comprova a tendência à
não-emergência da estrutura de hiato no contexto átono final. Essa tendência parece gerada por
forças que entram em conflito militando por diferentes prioridades da língua. Se, por um lado, a
língua luta pela manutenção da fidelidade entre input e output, por outro, também milita pela
preservação das estruturas não-marcadas (cf. seção 3.1.4).
Os resultados comprovam a tendência à não-produção de hiatos no contexto átono final
(CHRISTÓFARO-SILVA, 1999; MATTOSO CÂMARA JR., 1970). Na linguagem da TO, essa
tendência é gerada por forças que entram em conflito, militando por diferentes prioridades na
língua. Uma restrição como *HIATUS, encontrada, por exemplo, em Kager (1999), certamente
poderia ser proposta e ocuparia alta posição no ranking, já que tende a ser sistematicamente
respeitada no contexto em exame. No entanto, assim como Hernandez (2008), consideramos esse
restritor muito geral e, por isso mesmo, incapaz de expressar maiores generalizações quanto às reais
motivações para a não-emergência de hiatos numa língua.
No nosso entendimento, duas grandes tendências do português conspiram contra a
heterossilabificação das vogais: (a) o desfavorecimento da acentuação proparoxítona e (b) a
91
preferência pelo preenchimento da posição de ataque silábico. Em decorrência, optamos por
descrever o fenômeno por meio da dominância das duas restrições formuladas a seguir:
(13) ONSET: Sílabas têm ataque (PRINCE & SMOLENSKY, 1993: 25). Atribua uma marca de
violação toda vez que uma sílaba não apresentar onset.
NO-PROP6: palavras não são acentuadas na antepenúltima sílaba (HERNÁNDEZ, 2008:
44). Marque um sinal de violação quando o output apresentar acento na terceira sílaba da
direita para a esquerda.
Restrições dominantes do contexto átono
Três outras restrições são igualmente relevantes na realização das sequências vocálicas
por nossos informantes: *MID, formulada com base em LEE (2006), favorece a realização de
vogais altas para impedir que médias postônicas cheguem à superfície, uma vez que, após o
acento nuclear, o português tende a apresentar apenas três vogais átonas: [ ɪ, ʊ, ɐ]
(CHRISTÓFARO-SILVA, 1999). Essas três forças atuam em favor de MARCAÇÃO e, apesar
militarem por diferentes objetivos, acarretam um mesmo resultado: a violação da fidelidade
input-output para que vogais não heterossilabifiquem. Neste trabalho, como em McCarthy &
Prince (1993) e Costa (2001), quaisquer diferenças entre input e output correspondem a violações
de FIDELIDADE (FID-IO), restrição genérica que abrange distorções como apagamento,
inserção ou alteração de traços:
(14) FAITH-IO7 (Fidelidade Input-Output): O output é inteiramente fiel ao input. (COSTA,
6
Para simplificar a análise, optamos por trabalhar com a restrição de marcação NO-PROP, na linha de Hernández
(2008). É óbvio que está em jogo, aqui, a formação dos pés métricos e poderíamos justificar a não-emergência de
proparoxítonas através da ação conjunta de três restrições: ALL-FOOT(Right), que favorece a coincidência, à direita,
dos constituintes prosódicos Pé e Palavra; FOOT-BIN, que milita em favor de pés necessariamente binários; e
PARSE-SILL, que privilegia a integração de sílabas a pés.
7
Estamos utilizando FAITH-IO para sinalizar qualquer tipo de desvio na relação entre o input e o output,
entendendo FAITH-IO, da mesma forma que, por exemplo, Prince & Smolensky (1993) e Costa (2001), como uma
restrição genérica que representa toda uma família.
92
2001: 16). Atribua uma marca de violação para cada diferença na dimensão input-output.
*MID (LEE, 2006): Vogais médias são proibidas. Marque uma violação cada vez que o
output apresentar vogal média.
CODACOND [+ vocálico] (Condições sobre a coda – [+ vocálico]): Codas são preenchidas
sob a condição de serem especificadas como [+ vocálico]. Marque uma violação cada vez
que codas não sejam especificadas como vocálicas.
Demais restrições atuantes do contexto átono
Se devidamente respeitado, o restritor NO-PROP evita proparoxítonas que, assim como os
hiatos, consistem em uma estrutura marcada na língua. ONSET milita em favor de que sílabas
sem ataque sejam evitadas, o que também significa dizer que o restritor, assim como NO-PROP,
favorece, quando bem cotado, a emergência do não-marcado. Esses dois restritores de marcação
encontram-se no topo da hierarquia, pois acreditamos que em todos os contextos haverá
militância pela emergência do não-marcado. Já *MID (OLIVEIRA & LEE, 2005; LEE, 2006),
restrição voltada para a não-realização de uma propriedade articulatória nas formas candidatas,
trabalha em favor de que os elementos vocálicos médios sejam evitados.
A inclusão do restritor *MID na hierarquia corresponde à interpretação feita por Mattoso
Câmara Jr. (1970) sobre as vogais postônicas do português. Mostra o autor que o quadro de
vogais reduz drasticamente nessa posição, uma vez que somente três segmentos ocorrem nesse
ambiente: [ɪ], [ʊ] e [ɐ]. Desse modo, a restrição *MID, se atendida e bem cotada no ranking de
prioridades, impede a realização de postônicas como médias, refletindo, com isso, a tendência de
realizar tais segmentos como altos nesse ambiente.
Se, por um lado, restrições de marcação atuam em favor do não-marcado, por outro, a de
fidelidade busca manter o máximo de identidade na dimensão input-output. FAITH-IO, nesse caso,
deve ser interpretada como uma família na qual qualquer alteração do material do input significa
93
violação. Assim, apagamento, inserção e alteração de elementos, ou de estruturas, devem ser
considerados como infração.
Por fim, o restritor de marcação CODA-COND [+vocálico]8 atua no sentido de condicionar o
tipo de segmento que pode aparecer na posição de travamento silábico. O preenchimento da coda
por segmentos não-vocálicas, portanto, corresponde a uma violação de CODA-COND [+voc]
Como base no que foi exposto, propomos a seguinte hierarquia:
(15)
NO-PROP, ONSET >> *MID >> CODACOND [+voc] >> FAITH-IO
Hierarquia proposta para o contexto átono
Como se pode observar, no topo da hierarquia, encontram-se, no mesmo patamar
hierárquico, NO-PROP e ONSET, que dominam *MID. *MID domina CODACOND
[+voc],
que
domina FAITH-IO, restrição mais baixa da hierarquia.
Antes de iniciar a descrição, convém esclarecer que nossas representações fonológicas
sempre contam com elementos plenamente especificados, não fazendo uso, portanto, do
procedimento da subespecificação, como as análises que lançam mão de arquifonemas. Isso
porque objetivamos tornar a análise mais econômica, sem a necessidade de utilizar restrições
como HAVE PLACE (TENHA PONTO), naturalmente colocadas num alto nível hierárquico, se
considerássemos elementos subespecificados (BATTISTI, 1998).
No caso das vogais finais, optamos por considerar como subjacentes médias (‘ósseo’) e
altas (‘ócio’), conforme o caso, deixando a cargo de *MID a realização das vogais postônicas
como altas. É importante ressaltar que, de acordo com o Princípio de Riqueza do Input, a
8
Utilizamos a especificação [+ vocoide], do sistema de Clements & Hume (1995), para fazer referência ao fato de as
codas licenciadas serem, necessariamente, vocálicas.
94
colocação de material fonológico nas representações subjacentes é, em princípio livre, já que a
TO está mais voltada para o que chega à superfície. Com isso em mente, passemos, então, à
análise dos dados, começando com ‘empresária’:
(16)
/empɾeʹzaɾia /
NO-PROP
ONSET
*MID
CODA COND
FAITH-IO
[+VOC]
*!*
*
b- [ĩm.pɾe.ʹza.ɾɐ]
*
*
c[ĩm.pɾe.ʹza.ɾjɐ]
*
*
*!*
**
a- [ĩm.pɾe.ʹza.ɾi.ɐ]
d- [ĩm.pɾe.ʹza.ɾe.ɐ]
*
*
*!
*
Análise de ‘empresária’
Em (16), dos quatro candidatos, dois são eliminados de imediato, pois, além de
apresentarem acentuação proparoxítona, com isso, violando NO-PROP, infringem ONSET mais
de uma vez. Assim, (a) e (d) são eliminados e seguem na disputa apenas (b) e (c). A restrição
*MID é violada pelo menos uma vez por todos os candidatos, já que as sílabas iniciais
apresentam esse tipo de segmento. Apesar de todos os candidatos respeitarem CODACOND
[+voc], o
candidato (b) viola FAITH-IO e, com isso, é eliminado.
Como se pode observar, o candidato (a) e o candidato (d) trazem à superfície duas
estruturas marcadas: acentuação proparoxítona e os hiato. Sempre que possível, a língua desfaz as
estruturas portadoras de acento na antepenúltima sílaba (COUTO, 2006) e as estruturas que
fogem ao padrão CV (GIANGOLA, 1997). Já o candidato (b), apesar de respeitar a tendência da
língua de evitar proparoxítonas e heterossilabificação de vogais, é infiel ao input, pois apaga um
segmento. Dessa forma, o tableau em (13) nos revela que, apesar de marcação estar muito bem
cotada na hierarquia, a identidade entre input e output precisa, ainda que minimamente, ser
respeitada. É importante evitar proparoxítonas, mas também é relevante que a forma de entrada e
95
a de saída sejam maximamente semelhantes. É com base nas tendências naturais da língua que o
candidato (c) é escolhido como ótimo, pois evita a realização de proparoxítona e de hiato, sendo
mínimas as suas violações aos demais restritores relevantes. Nesse caso, portanto, as vogais do
input se realizam na mesma sílaba, mas a primeira emerge como glide, formando, com a vogal de
maior sonoridade, [ɐ], um ditongo crescente. No tableau a seguir, são avaliados os candidatos a
output de uma forma com a sequência final -io:
(17)
/maleʹfisio/
NO-PROP
ONSET
*MID
*!
*
**
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
a- [ma.le.ʹfi.si.o]
b- [ma.le.ʹfi.siw]
c- [ma.le.ʹfi.so]
d- [ma.le.ʹfi.se.o]
*!
*
*
*
**!
*
***
*
Análise de ‘malefício’
Em (17), já no primeiro momento da disputa, dois candidatos são eliminados. (a) e (d)
violam NO-PROP, restrição que, juntamente com ONSET, ocupa o topo da hierarquia. Os
candidatos ainda apresentam uma sílaba sem onset. *MID também é violada duas vezes por (a) e
três vezes por (d), que ainda viola FAITH-IO por alterar um dos traços da vogal alta. Dessa
forma, seguem na disputa (b) e (c). O candidato (b) apresenta uma vogal média e, por isso, viola
*MID uma vez. Já o candidato (c) apresenta duas vogais médias e viola duas vezes *MID, o que
o elimina da disputa e faz com que (b) seja o candidato vencedor. Os dois candidatos finalistas
ainda violam FAITH-IO , pois (b) altera um dos traços da vogal média final e (c) apaga um
elemento.
96
Mais uma vez, a disputa entre candidatos evidencia alguns dos conflitos da língua. Dos
quatro candidatos, as formas que mais se distanciam da forma ótima são (a) e (d). O candidato (d)
é a forma menos harmônica de todas, pois é uma proparoxítona, estrutura rejeitada pela língua
desde o início de sua formação, sua última sílaba é formada por apenas uma vogal, molde
silábico que se distancia do privilegiado padrão CV e ainda apresenta três vogais médias, duas já
presentes no input e outra resultante da alteração de traços da vogal alta. Como já mencionado
anteriormente, a língua, sempre que pode, evita que vogais médias postônicas cheguem à
superfície e é exatamente por isso que Câmara Jr. estabelece a neutralização das médias e das
altas nesse contexto. O candidato (c), segundo menos harmônico, só se diferencia de (d) porque
apresenta apenas duas vogais médias.
É importante ressaltar que o candidato vencedor, apesar de ser o mais harmônico, também
comete violações, porém suas infrações são mínimas. Ele traz à superfície uma vogal média,
porém evita que outra seja realizada por meio da modificação de traços, ou seja, é mais
importante que uma média postônica não chegue à superfície que a manutenção de traços de
segmentos. Assim, o preço pago para evitar a realização da média é a violação de FAITH-IO .
Vejamos, por fim, a situação dos encontros finalizados em -ie:
(18)
/espʹsie/
NO-PROP
ONSET
*MID
FAITH-IO
**
CODA
COND [+VOC]
*
a- [iʃ. ʹpℇ.si.e]
*
*!*
b- [iʃ.ʹpℇ.si.i]
*
*!*
*
*
***
c- [iʃ.ʹpℇ.si]
*
*
*
***
d- [iʃ.ʹpℇ.se]
*
**!
*
***
Análise de ‘espécie’
**
97
O tableau em (18), assim como os demais, revela conflitos e tendências da língua. Na
disputa, os dois primeiros candidatos se mostram os menos harmônicos, pois violam os dois
restritores mais bem cotados da hierarquia. As duas formas são proparoxítonas, apresentam duas
sílabas sem ataque, trazem à superfície vogais médias e elementos não vocálicos em posição de
coda, além de alterarem traços de segmentos constantes no input. Dessa maneira, além de violar
os dois restritores que ocupam o topo da hierarquia, (a) ainda viola duas vezes *MID, uma vez,
CODA-COND[+voc] e, duas vezes, FAITH-IO . O candidato (b) se diferencia de (a) apenas por
apresentar mais uma violação em *MID e em FAITH-IO .
O candidato (d), apesar de não apresentar tantas estruturas rejeitadas pela língua como (a)
e (b), ainda assim, mostra-se pouco harmonioso, uma vez que comete mais violações que o
candidato (c). Como os demais candidatos, (d) apresenta uma sílaba sem ataque e comete três
alterações de traços, ou seja, o seu destino não foi determinado por tais restrições; a violação
responsável por sua eliminação da disputa foi a segunda cometida em *MID.
Como se vê, a hierarquia proposta consegue dar conta de duas estratégias para não
heterossilabificar as vogais do input, a ditongação, em (16) e (17), e o apagamento, em (18),
traduzindo bem o esquema da conspiração contra os hiatos, uma vez que vários processos levam
a um mesmo resultado. Vejamos, a seguir, a situação das palavras terminadas em lateral alveolar.
(19)
ONSET
*MID
FAITH-IO
*
CODA
COND [+VOC]
***!
a- [ĩm̃ .ʹfℇh.tʃil]
*
b- [ĩm.ʹfℇh.tʃjʊ]
*
*
**
**
c- [ĩm.ʹfℇh.tʃi.il]
**!
*
***
**
d- [ĩm.ʹfℇh.tʃi.i]
**!
*
**
**
e- [ĩm.ʹfℇh.tʃi.o]
**!
**
**
**
/imʹfℇR̅til /
NO-PROP
Análise de ‘infértil’
*
98
Em (19), nenhum dos candidatos apresenta acento na antepenúltima sílaba e, por isso,
satisfazem NO-PROP. ONSET é violada por todos os candidatos, porém (c), (d) e (e) apresentam
duas sílabas sem ataque, ou seja, violam ONSET duas vezes, sendo, assim, eliminados da
disputa. A restrição *MID também é violada por todos os candidatos, uma vez que há uma vogal
média em cada forma apresentada. CODA-COND[+voc], assim como NO-PROP, ONSET e
CODA-COND[+voc], também é violada por todos os candidatos, pelo menos, duas vezes. No
entanto, os candidatos (a) e (c) cometem três violações, o que elimina (a), pois (c) já havia sido
eliminado. Desse modo, a forma vencedora é (b).
O tableau acima comprova que, em alguns casos, mesmo a forma ótima pode cometer
inúmeras violações, sem que, com isso, seja impedida de chegar à superfície. O tableau ainda
evidencia que a perfeição realmente não existe. Violações às restrições presentes na língua não
tornam determinados candidatos agramaticais, desde que as sejam mínimas se comparadas às
violações das demais formas concorrentes. O candidato vencedor do tableau em (19) viola quase
todas as restrições e, ainda assim, chega à superfície, ou seja, nesse caso, a forma produzida é
uma paroxítona portadora de uma sílaba sem ataque, uma vogal média, duas codas consonantais
e duas alterações de traços. Observe-se, em (20), a seguir, a avaliação dos candidatos a output do
adjetivo ‘ágil’:
(20)
/ʹaʒil/
NO-PROP
ONSET
a- [ʹa.ʒil]
*
b- [ʹa.ʒjʊ]
*
c- [ʹa.ʒi.o]
*
*!*
d- [ʹa.ʒi.ʊ]
*
*!*
*MID
CODA
COND [+VOC]
FAITH-IO
*!
*
*
*
*
Análise de ‘ágil’
99
No tableau em (20), os candidatos (c) e (d) violam uma vez NO-PROP e duas vezes
ONSET. O candidato (d) ainda altera o traço do elemento final e, com isso, viola FAITH-IO .
Assim, permanecem na disputa (a) e (b), que violam igualmente ONSET, porém (a), por
apresentar uma coda consonantal, viola CODA-COND[+voc] e é eliminado da disputa. Com a
violação de CODA-COND[+voc] por (a), o candidato (b) vence a disputa, apesar de violar FAITHIO .
É importante observar que o candidato vencedor revela a importância de CODACOND[+voc] e a preferência da língua pelos ditongos. Na competição acima, o candidato que
apresenta uma lateral na posição de coda é barrado e, para atender uma restrição estrutural, viola
uma restrição de fidelidade, o que mais uma vez comprova que, nos casos analisados,
MARCAÇÃO domina FIDELIDADE. De igual forma e devido às mesmas motivações
linguísticas, os candidatos que apresentam hiato também são barrados. A vitória de (b) ainda
origina um caso de homonímia, visto que ‘ágio’ e ‘ágil’ chegam à superfície como [ʹa.giw], com
ditongo decrescente. Assim, pode-se inferir, com base nos dados analisados, que a língua, sempre
que possível, prefere a realização de ditongos.
Embora não tenham aparecido no corpus, duas outras realizações são possíveis para o
substantivo ‘ágio’, conforme pudemos constatar de oitiva. A hierarquia proposta daria conta
dessa situação de variação, pois consegue trazer à superfície as três possíveis produções de
‘ágio’, como se vê no tableau abaixo:
100
(21)
/ʹaʒio/
NO-PROP
ONSET
*MID
FAITH-IO
*
*
*!*
*
c- [ʹa.ʒjʊ] 
*
*
d. [‘a.ʒʊ] 
*
*
a- [ʹa.ʒiw]
b- [ʹa.ʒi.ʊ]
*
Análise de ‘ágio’
Na avaliação em (21), apenas um candidato é descartado, (b), o único que realiza as
vogais em sílabas diferentes, já que viola NO-PROP e ONSET. Temos, em (21), uma situação
típica de variação, pois três candidatos atendem, da mesma maneira, a hierarquia de relevância
proposta, caracterizando o esquema de alternância previsto por Hammond (1994) que
apresentamos em 3.3.3. Destacamos, portanto, que a gramática fonológica do português licencia
as três formas selecionadas em (21), que, em comum, violam FIDELIDADE para não
heterossilabificar as vogais do input.
Em suma, os encontros -ia, -ie e -io não são produzidos com hiato (pelo menos pelos
informantes cariocas que participaram do teste. É importante ressaltar que não levamos em
consideração os dois únicos casos em que as vogais foram heterossilabificadas. Isso porque o
hiato ocorreu durante a leitura cuidada e, em um deles, o informante produziu primeiro o ditongo
e, após algum tempo, voltou ao vocábulo e fez a correção, produzindo o hiato. Quanto às forças
em conflito durante a produção dos encontros, é possível afirmar que a hierarquia proposta, NOPROP, ONSET >> *MID >> CODACOND [+voc] >> FAITH-IO , é adequada e traz à superfície os
candidatos ótimos realmente produzidos. A mesma hierarquia foi aplicada aos dados do segundo
texto, que envolve as terminações -oa, -oe e -ea:
101
Páscoa sem mágoa e sem nódoa
Era páscoa e a névoa invadia o térreo do prédio. A temperatura cutânea mal
era percebida devido ao frio, as pessoas pareciam estátuas feitas apenas de material
ósseo. A tábua, que dividia a área arbórea do jardim, da matéria férrea, que formava o
depósito de lixo na várzea, já não era vista, tudo estava homogêneo, a névoa havia
coberto tudo, até mesmo a rédea do cavalo que estava sobre a mesa do corredor.
A família Pádua, em seu momento de ócio, estava reunida, observando a
orquídea que decorava a casa de frente e, ao mesmo tempo, reparando o aspecto
cutâneo desagradável da menina que, junto à orquídea, comia amêndoa. Não era
possível perceber se o foco era a flor ou a menina que, com o glúteo apegado a um
banco, parecia uma frágil fêmea pedindo trégua, depois de tantos problemas enfrentados
com os membros daquela família.
No final da noite, depois que todos perceberam a áurea sensação de paz, a triste
menina foi convidada para entrar e participar da ceia, juntamente com os convidados da
família. Naquele momento, a mágoa, antes indissolúvel, sumiu e a nódoa, que marcava
o coração de todos, foi desfeita.
102
O texto acima foi lido por cinco informantes, sendo três mulheres e dois homens com
idades e níveis de escolaridade distintos, como no primeiro texto. Nesse caso, um homem e uma
mulher possuem o ensino médio (ela tem vinte e um anos e ele, vinte e seis), enquanto os demais
informantes possuem o nível superior completo (uma mulher com vinte e quatro anos, outra com
cinquenta e seis e o homem com trinta e seis). Esses informantes também foram submetidos a
perguntas, após a leitura, com vistas a garantir realizações mais espontâneas.
No caso das sequências -oa, -oe e -ea, representadas por palavras como ‘mágoa’, ‘ósseo’ e
‘lêndea, nessa ordem, o alçamento da média foi praticamente categórico: em 99,5% das
produções, houve ditongação por alçamento e em apenas em 0,5%, ocorreu o hiato. É importante
ressaltar que, assim como nos dados analisados anteriormente, a produção do hiato ocorreu
durante a leitura e, nesse caso, a informante não conhecia a palavra ‘várzea’ e, por isso, a
produziu sem segurança e com a estrutura mais marcada, o hiato, praticamente soletrando a
palavra. Em (22), é possível observar o resultado final das realizações:
(22)
100
Dissolução do
hiato por
alteamento:
95,5 %
80
60
40
Manutenção do
hiato: 0,5%
20
0
/ao/
/eo/
/ea/
/ao/, /eo/, /ea/ (gráfico)
103
Assim como foi feito no grupo anterior, cada encontro foi analisado separadamente. Ao
terminação -oa foi analisada por meio da observação de 5 vocábulos, cujas ocorrências aparecem
em (23):
(23)
VOCÁBULO
PÁSCOA
NÉVOA
AMÊNDOA
NÓDOA
MÁGOA
PRODUÇÕES
RESULTANTES
DE LEITURA
Ditongos
10
10
5
5
10
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNEAS
Hiatos
Ditongos
0
19
0
3
0
4
0
5
0
12
Encontro –oa átono (tabela)
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
0
0
0
29
13
9
10
22
A tabela acima contabiliza um total de oitenta e três realizações do encontro -oa. Como já
mencionado, em todos os casos ocorreu ditongação por alçamento da vogal média, resultando no
ditongo crescente [wɐ]. Os type e os tokens do encontro -eo podem ser conferidos em (24):
(24)
VOCÁBULO
PRODUÇÕES
RESULTANTE
S DE LEITURA
Ditongos
TÉRREO
CUTÂNEO
ÓSSEO
ARBÓREO
HOMOGÊNEO
GLÚTEO
4
5
3
5
5
5
Hiatos
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNEA
S
Ditongos
0
0
0
4
0
4
0
0
0
0
0
0
Encontro –eo átono (tabela)
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
0
0
0
0
4
9
7
5
5
5
104
O encontro -eo também foi produzido como [jʊ] em 100% dos casos. Já o encontro -ea
apresentou, como mencionamos anteriormente, uma única realização como hiato (‘várzea’). As
81 produções dos vocábulos com -ea (80 com o ditongo [jɐ]) estão distribuídas em (25):
(25)
VOCÁBULO
CUTÂNEA
ÁREA
ARBÓREA
VÁRZEA
RÉDEA
FÉRREA
ORQUÍDEA
FÊMEA
ÁUREA
PRODUÇÕES
RESULTANT
ES DE
LEITURA
Ditongos
Hiatos
5
5
5
4
5
5
10
5
5
0
0
0
1
0
0
0
0
0
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNE
AS
Ditongos
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
5
0
5
0
0
0
5
0
10
0
6
0
0
0
0
0
Encontro –ea átono (tabela)
5
10
10
5
10
15
16
5
5
Os dados foram submetidos à hierarquia proposta para o grupo anterior. Foi possível
perceber que os restritores atuantes são os mesmos, bem como a hierarquia proposta, como se
pode comprovar nos tableaux a seguir. Passemos à análise dos dados, começando com ‘mágoa’:
(26)
/'magoa/
NO-PROP
ONSET
*MID
*!
*
*
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
a- ['ma.go.ɐ]
*
b- ['ma.gwɐ]
c- ['ma.gu.ɐ]
*!
d- ['ma.gu.wɐ]
*!
*
*
**
Análise de ‘mágoa’
105
Em (26), os candidatos já (a), (c) e (d) são eliminados da disputa pelos primeiros
restritores, uma vez que os três recebem acento na antepenúltima sílaba, o que contraria NOPROP. O candidato (a) ainda apresenta uma sílaba sem ataque e, com isso, viola ONSET e, por
apresentar uma vogal média, viola *MID. O candidato (c), assim como (a), também apresenta a
última sílaba sem ataque, violando, assim, ONSET. Além de ONSET, (c) ainda viola FAITH-IO
para respeitar *MID, restrição mais bem cotada na hierarquia. O candidato (d), após violar a
restrição mais bem cotada da hierarquia, juntamente com ONSET, viola duas vezes FAITH-IO .
Essas violações ocorrem para que ONSET e *MID sejam respeitadas, ou seja, o candidato (d),
para evitar a produção de uma vogal média e de uma sílaba sem ataque, altera traços da vogal
média, transformando-a em alta, e a silabifica como glide na última sílaba. Dessa forma, vence o
candidato (b), que viola apenas uma vez FAITH-IO .
O tableau acima mostra claramente alguns conflitos entre as restrições atuantes no
processo. Como se pode observar, o candidato vencedor comete apenas uma violação, violação
essa que impede a emergência de uma vogal média, de uma proparoxítona e de uma sílaba sem
ataque, ou seja, o alçamento da vogal média e a sua passagem a glide fazem com que seja
realizada uma forma paroxítona, sem hiato e sem vogal média. Pode-se dizer que (b) violou
minimamente a hierarquia proposta. A análise do dado acima ainda revela que as sequênicas
finais -oa e -ua são produzidas da mesma maneira (com ditongo crescente, [wɐ]), tanto é que
aparecem em rimas ou em jogos de palavras, como se vê nos excertos de letras de música em
(27):
106
(27)
Então sai, deixa correr. Toda mágoa velada é agua parada. (Pitty)
A espessura do seu vidro. É mágoa. O que eu choro é água. (Ana Carolina)
Que mágoa é água que não leva. Que mágoa é água que não lava (Otro Plano)
Mágoa/ Água
Vejamos, a seguir, a situação dos encontros finalizados em -eo, aqui representados na
avaliação de ‘ósseo’:
(28)
NO-PROP
ONSET
*MID
a- ['ɔ.se.o]
*
*!*
***
b- ['ɔ.si.o]
*
*!*
**
*
c- ['ɔ.se.ʊ]
*
*!*
**
*
d- ['ɔ.sjʊ]
*
*
**
e- ['ɔ.sew]
*
**!
*
/'ɔseo/
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
Análise de ‘ósseo’
O tableau acima comprova, mais uma vez, que NO-PROP e ONSET precisam estar no
topo da hierarquia. Já no primeiro momento, (a), (b) e (c) são eliminados. Os três candidatos
recebem acento na antepenúltima sílaba e apresentam duas sílabas sem ataque. A eliminação dos
candidatos ocorre na primeira violação a ONSET, pois até então todos os candidatos
apresentavam uma violação às duas restrições que ocupam, de igual maneira e sem
hierarquização, o topo da hierarquia. O candidato (a) ainda viola *MID três vezes, pois apresenta
três vogais médias. Os candidatos (b) e (c) também violam *MID, porém apenas duas vezes, e
FAITH-IO , apenas uma vez. Por fim, ficam na disputa apenas os candidatos (d) e (e), que
começam a disputa nas mesmas condições, uma vez que violam uma vez ONSET. É na restrição
seguinte (*MID) que, ao cometer a segunda violação, o candidato (e) é eliminado, chegando à
superfície o candidato (d). O candidato (d) ainda viola duas vezes FAITH-IO e, (e), uma vez.
107
A disputa em (28), assim como as demais competições, revela-nos pontos importantes da
língua e do conflito existente entre as forças que a regem. O candidato (a), para manter um alto
grau de fidelidade ao input, viola as três restrições mais bem cotadas da hierarquia. O mesmo
ocorre com (b) e (c). O candidato (e), último a ser eliminado da disputa, evita, por meio do
alçamento da média e sua passagem a glide, uma sílaba sem ataque, mas, ainda assim, há um
candidato melhor que, além de evitar uma sílaba sem ataque, evita também a emergência de duas
vogais médias por meio da alteração de traços de dois elementos. A alteração dos traços
corresponde às duas violações de FAITH-IO . Assim, fica evidente que, em muitos casos,
satisfazer uma restrição significa violar outra ou outras. Observe-se, em (29), a seguir, que o
resultado da otimização de ‘ósseo’ é exatamente o mesmo que o de ‘ócio’:
(29)
NO-PROP
ONSET
*MID
a- ['ɔ.se.o]
*
*!*
***
b- ['ɔ.si.o]
*
*!*
**
c- ['ɔ.se.ʊ]
*
*!*
**
**
d- ['ɔ.sjʊ]
*
*
*
e- ['ɔ.sew]
*
**!
**
/'ɔsio/
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
*
Análise de ‘óssio’
Como se pode observar, os tableaux em (28) e (29) apresentam os mesmos candidatos e
as mesmas violações de NO-PROP, ONSET, *MID e CODA COND
[+VOC]
. Dessa forma, as
diferenças de um tableau para outro encontram-se no material posto no input e nas violações de
FAITH-IO . A análise comparativa dos tableaux nos revela a hierarquia proposta dá conta,
inclusive, de homônimos homófonos. Os dois vocábulos analisados, apesar de apresentarem
significados distintos e de pequenas diferenças gráficas, chegam à superfície da mesma forma. As
108
violações de FAITH-IO se dão justamente pela diferença de material posto no input, o que
comprova a veracidade do Princípio de Riqueza do Input, bem como o fato de que a TO prioriza
o output. Vejamos, na sequência, a situação do encontro -ea, aqui representado pelo item lexical
‘área’:
(30)
NO-PROP
ONSET
*MID
a- ['a.ɾe.ɐ]
*
*!*
*
b- ['a.ɾi.ɐ]
*
*!*
*
*
*
*!
**
/'aɾea/
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
c- ['a.ɾjɐ]
d- ['a.ɾi.jɐ]
*
Análise de ‘área’
Em (30), encontra-se a aplicação da hierarquia proposta ao grupo de dados que
apresentam o encontro átono final -ea. Os candidatos (a), (b) e (d) violam uma vez NO-PROP,
pois recebem acento na antepenúltima sílaba e tentam trazer à superfície uma proparoxítona. Os
mesmos candidatos violam ONSET e, na primeira violação à restrição, são eliminados. Com isso,
o candidato (c) chega ao status de ótimo. Os candidatos (a) e (b) também violam mais uma vez
ONSET. É bom observar que (a) ainda viola *MID, por manter a vogal média presente no input.
O candidato (b) também comete mais uma violação a ONSET e viola FAITH-IO por alterar um
traço da vogal média. Já o candidato (d) viola duas vezes FAITH-IO , pois além de alterar um dos
traços da vogal média, insere mais um elemento para evitar uma sílaba sem ataque. O candidato
vencedor só comete mais uma violação, além da mencionada, a de FAITH-IO , uma vez que
altera, assim como (b) e (d), um dos traços da vogal média. Cabe observar que a violação de
109
FAITH-IO por (c) faz com que a restrição *MID seja respeitada e evita mais uma violação a
ONSET.
Como se pode observar, a hierarquia proposta é adequada às sete sequências já
analisadas: -ia, -ie, -io, -il, -oa, -eo e -ea. Acreditamos que a mesma hierarquia dá conta de todo o
contexto final átono. Para encerrar, resta-nos descrever as combinações finais com V1 alta
posterior: -ue, -ua e -uo. O texto utilizado para o controle dos dados é transcrito a seguir:
110
Um sentimento ambíguo
Certa vez, em um município chamado Santo Antônio de Pádua, no Rio de Janeiro, um
homem ingênuo e inócuo, chamado Jerônimo, deparou-se, em seu árduo trabalho de
confeccionar estátuas em tábuas de madeira maciça, com um sentimento muito ambíguo de
gratidão e ódio. Seu patrão, antes considerado um indivíduo caridoso e honesto, agora
manifestava, por meio de uma língua nócua e ferina, o desejo que seus funcionários
trabalhassem de forma “perpétua”, sem trégua e sem remuneração extra.
Jerônimo, apesar de manter um esforço contínuo em seu trabalho e de não deixar de
ser assíduo, não conseguia entender como um homem tão bom como o seu patrão pudesse
apresentar tal comportamento. O humilde trabalhador sempre pensava, em sua jornada árdua
de trabalho, que apesar de ser muito agradecido àquele homem, não poderia caminhar nem
mais uma légua com ele, pois seu orgulho de homem não lhe permitia deixar que a ambígua
sensação, que envolvia gratidão e ódio, fosse administrada.
Após alguns meses, o sentimento ambíguo experimentado por aquele homem foi
eliminado, assim como a tênue linha entre o amor e o ódio que o deixava confuso quanto ao
seu patrão. Jerônimo, aos poucos, deixou de trabalhar de forma contínua naquela empresa.
Em seguida, conseguiu outro emprego e abandonou o árduo trabalho que fazia, deixando seu
patrão no “vácuo”. Dessa forma, aquele pobre trabalhador aprendeu que na vida tudo pode
mudar!!!
111
O texto acima foi lido por quatro informantes, sendo duas mulheres e dois homens. Uma
mulher e um homem possueam apenas o ensino médio, enquanto os dois outros têm nível
superior completo. Uma das mulheres, a com nível superior completo, tem cinquenta e dois anos
e a outra, apenas dezessete. O informante masculino com nível superior completo tem vinte e sete
anos e o outro, trinta e nove.
Da leitura do texto, foram analisadas cento e quarenta e três produções, sendo oito do
encontro -ue, representado apenas pela palavra ‘tênue’, a única na língua com essa terminação,
setenta e cinco do encontro -ua e sessenta do encontro -uo. Das realizações, em 94% ocorreu a
produção do ditongo e em apenas 6% o hiato foi realizado. A realização de vogais
heterossilábicas ocorreu na produção de ‘tênue’, ‘inócua’, ‘ambíguo’ ‘assíduo’ e ‘vácuo’,
provavelmente pelos mesmos fatores que motivaram os poucos hiatos já comentados: leitura mais
cuidada, quase soletrada, em função do pouco uso ou do desconhecimento da(s) palavra(s) por
parte dos informantes. É bom observar que a formação de ditongos nos casos observados foi
promovida pelo alçamento dos elementos vocálicos médios, quando esses faziam parte do
encontro. A quantificação dos dados que serviram para a observação do encontro -ua encontra-se
em (31):
112
(31)
VOCÁBULOS
PRODUÇÕES
RESULTANTE
S DA
LEITURA
Ditongos
Pádua
Estátuas
Tábuas
Língua
Nócua
Perpétua
Trégua
Árdua
Légua
Ambígua
Contínua
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
Hiatos
PRODUÇÕES
MAIS
ESPONTÂNE
AS
Ditongos
0
4
0
5
0
4
0
2
0
2
0
5
0
3
0
0
0
0
0
1
0
0
Encontro –ua átono (tabela)
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
8
9
8
6
6
9
7
4
4
5
4
Como se pode observar, foram analisadas setenta e cinco produções da sequência -ua e
todas foram realizadas como [wɐ], ou seja, com ditongo crescente. As produções do encontro -uo
encontram-se em (32):
(32)
VOCÁBULOS
Ingênuo
Inócuo
Árduo
Ambíguo
Indivíduo
Contínuo
Assíduo
vácuo
PRODUÇÕES
RESULTANTE
S DA
LEITURA
Ditongos
4
3
8
10
4
4
3
3
Hiatos
PRODUÇÕE
S MAIS
ESPONTÂN
EAS
Ditongos
0
2
1
2
0
0
2
6
0
1
0
0
1
1
1
4
Encontro –uo átono (tabela I)
TOTAL DE
PRODUÇÕES
Hiatos
0
0
0
0
0
0
0
0
6
6
8
18
5
4
5
8
113
Das sessenta produções apresentadas acima, quatro foram realizadas como hiato e as
demais foram produzidas ou como [wʊ], ou seja, com um ditongo crescente, ou como [ʊ], um
monotongo, como mostram a tabela e o gráfico em (33) e (34):
(33)
VOCÁBULOS
Ingênuo
Inócuo
Árduo
Ambíguo
Indivíduo
Contínuo
Assíduo
vácuo
PRODUÇÕES COMO
PRODUÇÕES COMO
[wʊ]
[ʊ]
4
2
3
2
5
3
10
6
5
0
2
2
3
1
4
1
Encontro –uo átono (tabela II)
PRODUÇÕES COMO
HIATO
0
1
0
2
0
0
1
1
(34)
70
60
50
40
30
20
10
Realização
como [wʊ]:
62%
Realização
como [ʊ]: 30%
Realização
como hiato:
8%
0
Encontro –uo átono (gráfico)
Quanto ao encontro -ue, apesar de várias pesquisas feitas em dicionários eletrônicos,
como o Ferreira (2002) e o Huaiss (2009), não foram encontrados outros dados e, por isso, o
único item observado foi ‘tênue’, produzido como [u.e] duas vezes e [uj], quatro. É importante
114
ressaltar que um dos informantes produziu duas vezes o encontro como [wɐ].
É possível
observar, em (35), os resultados finais das realizações:
(35)
100
Realização
como
monotongo
80
60
Realização
como ditongo
40
Realização
como hiato
20
0
/ua/
/uo/
/ue/
Encontros /ua/, /uo/ e /ue/ átonos (gráficos)
Passemos à análise dos tableaux, começando com -ua, aqui representado pela palavra
‘ambígua’:
(36)
/am'bigua/
NO-PROP
ONSET
*MID
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
*
m
a- [ã . 'bi.gwɐ]
b- [ãm. 'bi.gu.ɐ]
*
*!*
c-[ãm. 'bi.guw.ɐ]
*
*!*
d-[ãm. 'bi.go.ɐ]
*
*!*
*
*
*
Análise de ‘ambígua’
Em (36), a disputa é resolvida nas primeiras restrições. Os candidatos (b), (c) e (d), por
apresentarem acento na antepenúltima sílaba, violam NO-PROP, porém não são eliminados nesse
momento porque o candidato (a) viola uma vez ONSET. Em seguida, os candidatos (a), (b) e (c)
115
violam duas vezes ONSET e, já na primeira violação à restrição, são eliminados. (c) ainda viola
FAITH-IO, porque insere um elemento, e (d), *MID e FAITH-IO.
No tableau acima, o candidato (a), escolhido como ótimo, viola minimamente a
hierarquia e é escolhido porque evita que uma proparoxítona chegue à superfície, bem como mais
uma sílaba sem ataque. O candidato ainda passa ileso por *MID e respeita, de igual forma,
FAITH-IO . Observa-se, portanto, que as sequências finais átonas -ua e -oa são silabificadas
sempre da mesma maneira: a partir da formação de um ditongo crescente. Vejamos, a seguir, a
situação de -uo, forma que apresenta variação de pronúncia, assim como -ie:
(37)
/'vakuo/
NO-PROP
ONSET
*MID
*!
*!
*!
*
*
*
*
**
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
a- ['va.ku.o]
b- ['va.ko.o]
c- ['va.ku.ʊ]
*
*
*
d- ['va.kʊ]
*
e- ['va.kwʊ]
Análise de ‘vácuo’
Em (37), a disputa é resolvida pelo conjunto NO-PROP/ONSET. Os candidatos (a), (b) e
(c) violam essas restriçôes e são sumariamente eliminados. Com isso, (d) e (e) ganham o status
de formas ótimas, pois atendem da mesma maneira as demandas da hierarquia, violando, por
motivos diferentes, apenas FAITH-IO – o primeiro apaga um segmento e o segundo modifica a
vogal final, como estratégia para não violar *MID. Encerremos a seção, verificando a situação do
encontro -ue:
(38)
116
/'tenue/
NO-PROP
ONSET
*!
*
*MID
CODA
COND
FAITH-IO
[+VOC]
a- ['te.nu.e]
b- ['te.nuj]
c-['te.nu.i]
d-[''te.no.e]
*!
*!
**
*
*
*
*
***
Análise de ‘tênue’
*
*
*
Assim como em (37), a disputa também é resolvida no conjunto NO-PROP/ONSET. Dos
quatro candidatos, apenas (b) não recebe acento na antepenúltima sílaba, o que o torna vencedor.
Dessa forma, chega à superfície uma paroxítona sem nenhuma sílaba sem ataque e com apenas
uma vogal média.
Procuramos mostrar, ao longo desta seção, que os encontros vocálicos finais átonos são
preferencialmente produzidos como ditongos. A realização do ditongo como crescente ou
decrescente está diretamente relacionada à sonoridade das vogais, como previram, entre outros
Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000). Desse modo, se a segunda vogal é [ɐ], a primeira é
sempre silabificada no onset, comportando-se como glide (ou semiconsoante, nos termos de
Lopez, 1979). Nos demais casos, podem ser formados ditongos crescentes ou decrescentes, o que
caracteriza a variação.
Além da ditongação, outra estratégia utilizada para evitar o hiato é a degeminação. Tanto
nos casos de -ie (‘série’, ‘cárie’) quanto nos de -uo (‘vácuo’, ‘ambíguo’), a sequência final pode
se superficializar com apenas uma vogal, que, na grande maioria das vezes, foi percebida como
longa. Uma mesma hierarquia de restrições consegue dar conta das variadas estratégias contra a
emergência de hiatos, o que buscaremos observar nos encontros vocálicos finais com o primeiro
elemento tônico.
117
4.3 Descrição e análise dos encontros tônicos
Assim como os encontros átonos, os tônicos também foram divididos em três grupos e
analisados por oitiva, a partir da produção dos dados por informantes (homens e mulheres) de
diferentes idades e níveis de escolarização. O texto utilizado para a análise do primeiro grupo,
composto pelos encontros -oa, -oe e -oo, encontra-se abaixo:
118
“Naquela manhã, na praia de Gamboa, duas pessoas conversavam:
- E ai qual é a boa?
- Me perdoe, mas o que você disse?
Para situar o leitor, a conversa era entre uma coroa e um jovem. Depois de
conversarem por muito tempo, a senhora percebe que o rapaz estava resfriado. Então,
abre a bolsa; pega um lenço e diz:
- Filho, assoe o nariz!
- Obrigado, mas não sei o porquê que estou sentindo um enjôo.
- Você não deve ter comido nada, é por isso!
- Tia, tenho que ir! Vou fazer um sobrevôo daqui à pouco.
- Meu filho,espere um momento! Está vendo aquela canoa?
- ‘Tô’ sim tia!
- Lá dentro tem uns sacos, pegue e traga-os aqui.
E o jovem foi até a canoa, pegou os sacos e perguntou:
- Amontôo aqui mesmo?
- Não amontoe! E faça mais um favor filho, abalroe a canoa.
Após abalroar a canoa, o jovem volta e vê a coroa com um balde na mão, que vira e
lhe diz:
- Por favor filho, ensaboe a canoa , enquanto assôo o nariz, que depois eu enxáguo!
- Ensabôo sim, mas isso não faz sentido!
- Meu filho, o dia que você chegar à minha idade, viver tudo que vivi e chorar tudo o
que chorei, nada mais fará sentindo!”
O texto acima foi lido por 4 informantes, sendo duas mulheres e dois homens. As
mulheres tinham 20 e 40 anos; a mais nova possuía o ensino médio completo e a mais velha,
nível superior. Os homens tinham 18 e 27 anos e, assim como no caso das informantes femininas,
119
o mais novo havia concluído o ensino médio enquanto o mais velho tinha nível superior
completo. Nesse caso, a análise se baseou apenas na leitura dos informantes, uma vez que o texto
é composto, principalmente, por um diálogo com marcas de oralidade, o que favorece uma leitura
mais descuidada. No total, foram obtidos setenta e dois dados, dos quais apenas um foi produzido
com hiato. Assim, 98, 6% foram produzidos com ditongos e 1,4% , com hiato. O dado produzido
como hiato foi ‘pessoa’ ([pe.’so.a]). A porcentagem de produção pode ser observada em (39):
(39)
100
80
60
Produção
como ditongo
40
Produção
como hiato
20
0
Encontros -oa, -oe e –oo tônicos (gráfico)
Das produções em questão, trinta e duas foram do encontro -oa, vinte do encontro -oe e
vinte do encontro -oo. Os processos observados na produção desses encontros como ditongos
foram a epêntese, acompanhada de ambissilabicidade, nos casos de -oa e -oo, e a formação de
ditongo decrescente, no caso de -oe, com a realização de V2 como alta As realizações do
encontro -oa aparecem em (40):
120
(40)
VOCÁBULOS
GAMBOA
PESSOAS
BOA
COROA
CANOA
PRODUÇÕES
TOTAL
Ditongos
Hiatos
4
0
3
1
4
0
8
0
12
0
Encontro –oa tônico ( tabela)
4
4
4
8
12
A produção do encontro -oa como ditongo ocorreu em trinta e uma das produções e, em
apenas um caso, como já mencionado, o hiato foi produzido. É bom observar que ditongos, nesse
caso, são formados por epêntese; além disso, em todas as produções, pelo que pudemos perceber,
o elemento inserido apresentou-se ambissilábico:
(41)
100
80
60
40
Produção de
ditongos por
meio de
epêntese: 99%
Produção de
hiato: 1%
20
0
Encontro –oa tônico (gráfico)
Já o encontro -oe chegou à superfície como ditongo decrescente em onze produções, por
meio da realização da vogal final como alta, em função da neutralização das postônicas
121
(MATTOSO CÂMARA JR., 1970) e sua consequente ligação ao núcleo precedente ([oj]); em
nove casos, houve epêntese de glide ambissilábico (ow.wI]:
(42)
VOCÁBULOS
PRODUÇÃO COMO [oj]
PERDOE
ASSOE
AMONTOE
ABALROE
ENSABOE
3
2
2
3
1
PRODUÇÃO COMO
[ow.wɪ]
1
2
2
1
3
Encontro –oe tônico ( tabela)
TOTAL
4
4
4
4
4
(43)
60
50
40
30
Produção de
ditongo por
alteamento:
55%
Produção de
ditongo por
epêntese: 45%
20
10
Produção de
hiato: 0%
0
Encontro –oe tônico (gráfico)
O encontro -oo foi categoricamente produzido como ditongo pela ação da epêntese (com
elemento ambissilábico). Em onze casos, a epêntese de [w] foi acompanhada por ajuste da última
vogal à regra de neutralização das postônicas finais e, nos demais casos, pela realização dessa
vogal como média:
122
(44)
VOCÁBULOS
ENJÔO
SOBREVÔO
AMONTÔO
ASSÔO
ENSABÔO
PRODUÇÕES COM
EPÊNTESE E
AMBISSILABICIDADE
PRODUÇÕES COM
EPÊNTESE,
AMBISSILABICIDADE E
ALTEAMENTO
4
4
1
1
1
Encontro –oo tônico (tabela)
TOTAL
0
0
3
3
3
4
4
4
4
4
(45)
Produção com
epêntese e
ambissilabicid
ade: 45%
60
50
40
Produção com
epêntese, amb.
e alt.: 55%
30
20
Produção com
hiato: 0%
10
0
Encontro –oo tônico (gráfico)
Os dados acima revelam que, no contexto final, quando V1 é acentuada, a tendência,
assim como nos encontros átonos, é a não realização do hiato. Contudo, nesse contexto os
fenômenos atuantes são, predominantemente, o alteamento e a degeminação e, naquele, a
epêntese e o alteamento. Assim, com base nos dados, percebemos que forças continuam em
conflito para que hiatos não sejam produzidos.
Para evitar sílabas sem ataque, nos contextos tônicos finais observados, a língua lança
mão da inserção de um glide epentético e, com isso, viola a identidade existente entre input e
output, o que evidencia a atuação dos retritores ONSET e DEP-IO. Em alguns casos, o elemento
123
inserido é produzido de maneira prolongada e preenche a posição de ataque da última sílaba e a
posição de coda da penúltima (a tônica), ou seja, o prolongamento do glide epentético permite
que ONSET seja respeitado e que a sílaba tônica ganhe peso indicando, assim, a ação de STW
(STRESS-TO-WEIGHT – sílaba acentuada é pesada ).
Outro restritor que se mostra atuante no processo é o OCP[abertura], que proíbe que
elementos da rima sejam idênticos na especificação do nó de abertura9 (CLEMENTS & HUME,
1995), ou seja, os elementos da rima não podem ser idênticos quanto ao traço mencionado. Outro
ponto importante durante a posição dos encontros é a manutenção da natureza dos elementos
adjacentes da rima quanto ao recuo da língua, isto é, se o elemento que antecede é uma vogal
anterior, o glide será anterior, se o elemento antecedente é posterior, o glide também será
posterior. A manutenção da natureza de determinados traços de elementos adjacentes revela a
atuação de AGREE
[ponto-de-v]
(YIP, 2004), cuja exigência é que os elementos da rima concordem
nas especificações [labial], [coronal] e [dorsal], informações que emanam do nó Ponto-de-V
(CLEMENTS & HUME, 1995).
Como mencionado, no contexto tônico atua também o alteamento que, por alterar uma
vogal do input no output, revela a atuação de IDENT, restrição marcada pela exigência de
manutenção de traços entre S1 e S2. Como é possível perceber, assim como no contexto átono
final, para que algumas restrições estruturais sejam respeitadas, restrições de fidelidade, como
DEP-IO e IDENT, por exemplo, são violadas. De maneira geral, os restritores que se mostram
atuantes apenas no contexto tônico são os seguintes:
9
No nó de abertura, como vimos no capítulo 2, a partir das representações em (10) e em (11), vogais são
especificadas por meio das três camadas de abertura – [aberto 1], [aberto 2] e [aberto 3]. Nesse caso, portanto, OCP,
que constitui uma família de restrições que milita contra a presença de elementos idênticos numa mesma camada,
focaliza o constituinte Rima e atua com base no nó de abertura como um todo, desfavorecendo elementos idênticos
no núcleo e na coda.
124
(46)
STW (Acento leva ao peso): Toda sílaba portadora de acento primário é pesada (HOLT,
1997: 81). Marque uma violação a toda sílaba leve acentuada.
UNIQUEσ: Links entre camadas são simples. A família UNIQUE foi proposta por Benua
(1996) e penaliza links múltiplos entre elementos de vários níveis: traços, segmentos, nós
de classe, sílaba etc. UNIQUE σ (BECKMAN, 1998), aqui utilizada, desfavorece ligações
de segmentos a sílabas diferentes, penalizando a ambissilabicidade.
AGREE[ponto-de-V] (KAGER, 1999): Segmentos da rima silábica concordam no nó Pontode-V. Marque uma violação sempre que os elementos da rima não concordarem em
Ponto-de-V.
IDENT (Identidade de traços): Segmentos correspondentes têm o mesmo valor, em
termos de traços, em S1 e S2 (McCARTHY & PRINCE, 1995: 16). Atribua uma marca de
violação para cada especificação de traço em S2 que não corresponda à encontrada em S1.
DEP-IO (Dependência) ou *EP (*Epêntese): Cada elemento de S2 é também elemento de
S1 (McCARTHY & PRINCE,1995: 16). Atribua uma marca de violação para cada
segmento inserido (epentético) em S2.
OCP[abertura] (Princípio do contorno obrigatório): Segmentos adjacentes em uma mesma
camada não são idênticos no traço monovalente F ou na especificação +/- do traço
bivalente F (Adaptado de PLAG, 2000: 201). Nesse caso, OCP marca uma violação cada
vez que segmentos contíguos na rima forem igualmente especificados na camada
ABERTURA. Assim, OCP[abertura] penaliza segmentos adjacentes com mesmo grau de
altura.
Restritores atuantes no contexto tônico
Para os encontros agora focalizados, propomos a seguinte hierarquia: ONSET >>
OCP[abertura] >> STW , AGREE[V-place] , DEP-IO >> IDENT. Nesse caso, portanto, três restritores
não se encontram crucialmente hierarquizados, STW, AGREE[V-place] e DEP-IO, de modo a
promover a emergência de mais de output ótimo, já que, como vimos, ocorre variação nas
palavras finalizadas em -oe (formação de ditongo decrescente ou inserção de [w]). Comecemos a
análise, observando a avaliação dos candidatos a output de ‘canoa’:
125
(47)
/ka'noa/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- [ka. 'no.ɐ]
*!
b-[ka. 'now.ɐ]
*!
*
*
*
c-[ka. 'now.wɐ]
d-[ka. 'noj.jɐ]
*
*!
*
e-[ka. 'no.wɐ]
*!
Análise de ‘canoa’
Em (47), os dois primeiros candidatos já são eliminados no primeiro restritor porque
apresentam a última sílaba sem ataque. (a) ainda viola STW e (b), DEP-IO. Os três candidatos
remanescentes violam DEP-IO, já que inserem material linguístico sem respaldo no input. O
candidato (d) viola AGREE[ponto-de-V], por apresentar diferença de ponto entre os elementos da
rima (o núcleo é labial e a rima, coronal), além de violar DEO-IO. A forma em (e) também viola
DEP_IO e apresenta sílaba acentuada leve, violando STW. A realização vencedora, (c), comete
apenas uma infração no conjunto STW, AGREE[V-place] e DEP-IO: insere um elemento. A
violação de DEP-IO, no entanto, ocorre para que a última sílaba apresente ONSET e a penúltima,
a acentuada, ganhe peso, ou seja, a fidelidade input-output é infringida para que duas importantes
restrições de marcação sejam respeitadas. As mesmas prioridades da língua aparecem
evidenciadas em (48):
(48)
126
/per'doe/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- [peɦ. 'do.e]
*!
*
b- [peɦ. 'doj]
c- [peɦ. 'do.ɪ]
*
*!
*
d- [peɦ. 'dow.wɪ]
e- [peɦ. 'doj.jɪ]
*
*
*
*
*!
*
Análise de ‘perdoe’
No tableau acima, os candidatos (a) e (c) apresentam a última sílaba sem onset e violam a
restrição mais bem cotada da hierarquia. (a) ainda viola STW, uma vez que a sua sílaba tônica é
leve. Dessa forma, seguem na disputa (b), (d) e (e). Os candidatos (b) e (e) violam AGREE[pontode-V],
pois apresentam diferença de traço entre os elementos da rima, porém os candidatos ainda
seguem na disputa, uma vez que o candidato (d) viola DEP-IO, que se encontra no mesmo
patamar hierárquico que AGREE[ponto-de-V]. É na violação cometida em DEP-IO, que o candidato
(e) é eliminado. Nesse momento, os candidatos (b) e (d) vencem, de igual forma, a disputa. Como
pode ser visto no tableau, as restrições AGREE, STW e DEP-IO não são crucialmente
hierarquizadas, uma vez que se mostram igualmente importantes no processo e permitem a
realização de mais de um candidato. Segundo Lee & Oliveira (2003), que retomam Antilla (1997)
e Broihiers (1995), a variação pode ser resolvida em um único tableau, com alguns restritores
não-hierarquizados num ranqueamento total (cf. seção 3.1.5), o que ocorre no caso acima.
É importante ressaltar que (b) e (d), para atender questões estruturais da língua, passam
por diferentes processos. Enquanto (b) ajusta a vogal média do input ao esquema de neutralização
das átonas finais do português, realizando-a como alta, (d) insere um elemento ambissilábico. O
alçamento é o preço pago por (b) para evitar uma sílaba sem onset e uma sílaba acentuada leve. A
inserção do elemento ambissilábico em (d) evita, de igual forma, uma sílaba sem onset e uma
127
sílaba acentuada leve. Assim, apesar de as penalidades serem diferentes, as mesmas prioridades
linguísticas foram respeitadas pelas duas realizações de nosso corpus. O mesmo fenômeno de
variação pode ser observado no encontro –oo:
(49)
/en'ʒoo/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a-[ẽn.'ʒo.o]
**!
*
b-[ẽn.'ʒow]
*
*
c-[ẽn.'ʒow.wo] 
*
*
*
d-[ẽn.'ʒow.wʊ] 
*
*
*
e-[ẽn.'ʒoj.jo]
*
*
*
*!
Análise de ‘enjôo’
Em (49), todos os candidatos violam ONSET, porém (a) comete duas violações e é
eliminado da disputa. O candidato ainda apresenta sílaba acentuada leve e, com isso, viola STW.
Seguem na disputa (b), (c), (d) e (e). O candidato (b) viola AGREE[ponto-de-V], assim como o
candidato (e), que apresenta diferença de ponto entre elementos da rima (o primeiro é labial e o
segundo, coronal). Os concorrentes (c), (d) e (e), por inserirem elementos, violam DEP-IO e, com
isso, o candidato (e) é retirado da competição. Assim, vencem a disputa os candidatos (b), (c) e
(d), que ainda violam igualmente IDENT, pois alteram traços do input no output. Os três
finalistas, apesar de diferentes, cometem violações que se equivalem e respeitam, de igual forma,
os restritores mais bem cotados da hierarquia. Apesar de pouco natural – e, ao que tudo indica,
motivada pela língua escrita –, a realização sem ajuste à regra de neutralização, com vogal média
final átona, caracterizou um pequeno número de dados do nosso corpus, razão pela qual a
128
trouxemos à superfície, ressaltando, no entanto, a baixíssima frequência de uso dessa forma na
fala espontânea.
O segundo grupo tônico é constituído pelas sequências finais -ia, -ie e -io. O texto
elaborado foi lido por duas mulheres, uma com dezoito anos e outra, 51, e por dois homens,
ambos com dezoito anos. Os dois rapazes tinham apenas o ensino médio, enquanto uma das
informantes, a de dezoito anos, havia começado a cursar o nível superior e a outra, de cinquenta e
um anos, já o havia terminado. O texto utilizado encontra-se abaixo:
129
“Querido diário,
Era mais ou menos meio dia quando acordei naquele sábado. O dia sorria e os
pássaros cantavam alegremente lá fora, apesar do frio. Aquele barulho me irritava
profundamente logo de manhã, mas era melhor que o mio dos gatos no cio ontem de noite
que não me deixavam dormir. “Adie”, eu dizia a mim mesma, “adie a morte deles. Eles
vão se comportar”. Pura ilusão.
Ouvi meu tio Carlos e minha tia Sandra – que também eram meus padrinhos - lá
embaixo, jogando conversa fora com a minha mãe. Ela ria, falava alto, quase não se
aguentava. Fiquei ali rolando na cama, tentando dormir mais um pouco. Não consegui.
Resolvi ficar apresentável para dar um “oi” para eles e largar minha cama macia.
Quando finalmente saí do quarto, eu estava com a minha blusa cheia de
buraquinhos – que na verdade preferia chamar de marcas de guerra - que comprei no início
da faculdade. Ela dizia “Anuncie aqui”, porque curso publicidade, mas era bem feio
dependendo do contexto (dá pra imaginar isso na frente de uma mãe que está o tempo todo
dizendo “Não se desvie do caminho de Deus”, não é?).
Eles conversavam sobre algo e pararam logo depois que eu cheguei. Desconfio que
seja sobre meu aniversário, que está chegando. Odeio festas surpresas que envolvam toda
família e tios bêbados. Haja terapia.
Minha mãe ficou irritada quando me viu com a blusa e me mandou vestir algo
melhor, ao que minha madrinha retrucou dizendo “Contrarie sua mãe, Maria. Assim é
mais divertido pra mim” e todos rimos.
Cheguei na cozinha e descobri que esqueci de lavar a louça – e que provavelmente
ia morrer por isso. Do lado da pia vi uma caixinha suspeita. Quando olhei pra trás, meu tio
estava do meu lado, sorrindo e me abraçou, dizendo “torça pra que ele não pie muito. Ah,
e o elogie bastante pra que ele cante mais”. Quando me toquei, ele me deu o canarinho
rosa da loja que eu tinha achado fofinho.
Fiquei muito feliz. Agora vou lá comprar uma gaiola pra ele.
Até amanhã!”.
130
Por meio do texto acima, foram observados oitenta e quatro dados, porém um deles foi
desconsiderado (‘elogie’) porque o informante o produziu de outra maneira. Dos oitenta e três
dados, trinta e dois apresentam o encontro -ia, vinte e quatro, o encontro -ie e vinte e oito, o
encontro -io. Os dados para a observação do encontro -ia aparecem na tabela abaixo:
(50)
VOCÁBULOS
PRODUÇÕES
4
4
4
4
4
4
4
4
DIA
SORRIA
TIA
RIA
MACIA
TERAPIA
MARIA
PIA
Encontro –ia tônico (tabela)
Os trinta e dois dados acima foram marcados pelo alongamento da vogal alta anterior e
seu consequente espalhamento para a posição de onset da sílaba final. Diferentemente do que
ocorreu nos casos com V1 acentuada /o/, aqui não há elemento inserido: o segmento é
ambissilábico não porque surge na realização fonética do vocábulo, mas porque se alonga do
núcleo da sílaba acentuada para o ataque da seguinte, o que revela a maior importância do
preenchimento da posição de onset, em detrimento do peso fornecido à sílaba acentuada. Assim,
nesse caso, o restritor STW parece estar menos bem cotado que nos demais contextos em que é
atuante. É importante ressaltar que o glide, com base no critério distribucional (cf. BISOL, 2000),
está sendo considerado como elemento consonantal para fins de estruturação silábica. Dessa
maneira, um encontro como [jɐ], por exemplo, se encaixa no molde CV. Também no encontro
131
final -ie, cujas produções encontram-se em (51), a vogal alta é realizada mais longa, espalhandose para a sílaba seguinte:
(51)
VOCÁBULOS
PRODUÇÕES
8
4
4
4
3
ADIE
ANUNCIE
CONTRARIE
PIE
ELOGIE
Encontro –ie tônico (tabela)
As produções acima, assim como as referentes ao encontro -ia, não apresentaram
variações: todas foram produzidas da mesma forma. O mesmo fenômeno marcou a produção dos
dados utilizados para a observação da terminação -io; porém, em algumas produções, o
alçamento da média final foi acompanhado do prolongamento do núcleo e consequente formação
de uma sílaba final CV, como pode ser visto em (52):
(52)
VOCÁBULOS
FRIO
MIO
CIO
TIO
DESCONFIO
TIOS
PRODUÇÕES COM
ALTEAMENTO DA
MÉDIA FINAL
PRODUÇÕES COM O
ALTEAMENTO DA
MÉDIA FINAL E
PROLONGAMENTO DE
NÚCLEO
1
0
0
2
4
3
Encontro –io tônico (tabela)
TOTAL
3
4
4
2
0
1
4
4
4
4
4
4
Como é possível observar, o segundo grupo do contexto tônico também foi marcado pela
rejeição ao hiato; em quase todos os casos, ocorre a realização do encontro como ditongo,
132
havendo variação apenas na sequência -io. Vejamos, em primeiro lugar, a situação de –ia, aqui
representada pelo item lexical ‘dia’:
(53)
/'dia/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- ['dʒi.a]
*!
*
*
b- ['dʒi.ja]
*
c- ['dʒiw.wa]
d- ['dʒij.a]
*!
*!
*
Análise de ‘dia’
Em (53), chega à superfície o candidato (b) que, apesar de não conseguir impedir uma
sílaba acentuada leve, evita uma sílaba sem onset. Assim, a única penalidade do candidato ótimo,
nesse caso, é a violação de STW. Os demais candidatos são eliminados da disputa por cometerem
infrações muito mais graves. O candidato (a) viola ONSET e STW, sendo eliminado na primeira
violação. O candidato (c) infringe AGREE[ponto-de-V] e DEP-IO, também sendo descartado na
primeira violação. Passemos ao caso de –ie, observando as possíveis realizações da forma verbal
‘adie’:
133
(54)
/a'die/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- [a.'dʒi.e]
**!
b- [a'dʒij]
*
*!
c- [a'dʒij.jɪ]
*
*!
d. [a'dʒjI]
*
f- [a'dʒiw.ɪ]
*
*
*
*
**!
Análise de ‘adie’
Em (54), todos os candidatos violam ONSET, porém (a) e (f) cometem duas violações e
são, por isso, eliminados. (a) ainda viola STW. O candidato (b) é eliminado quando viola
OCP[abertura] e ainda viola IDENT porque altera traços do input no output. (c), assim como (b),
também é eliminado na segunda restrição da hierarquia. Assim, vence a disputa o candidato (d),
que, para evitar sílaba sem ataque, viola IDENT, ao altear a vogal média final, ajustando-a ao
esquema de neutralização do português, e STW, por apresentar a sílaba acentuada leve. O
resultado da otimização é, portanto, a formação de um ditongo crescente, o mesmo encontrado
para a sequência -ia. No caso de -ie, a realização de duas vogais altas na mesma sílaba não está
em desacordo com OCP, que, como ressaltamos, focaliza elementos adjacentes idênticos na rima
silábica. Na representação a seguir, observa-se que o elemento ambissilábico não está na mesma
rima que o a vogal nuclear:
134
(55)
σ
O
σ
R
d
O
R
Nu
Nu
i
a
Representação do elemento ambissilábico
Vejamos, a seguir, a situação do encontro -io, cujas ocorrências no corpus apresentaram
uma pequena variação.
(56)
/'fɾio/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
*
a- ['fɾiw]
*!
b- ['fɾij.jʊ]
c- ['fɾij.ʊ]
*
*!
*
d- ['fɾi.jʊ]
e- ['fɾiw.ʊ]
*
*!
*
*
*
Análise de ‘frio’
No tableau acima, é possível perceber a variação constatada nos dados recolhidos. As
restrições não hierarquizadas conseguem trazer à superfície os candidatos ótimos reais. Na
disputa, (c) e (e) são eliminados no primeiro momento porque violam ONSET. O candidato (e)
ainda viola AGREE[ponto-de-V], pois os elementos da rima apresentam diferença nos traços [labial]
e [coronal], e DEP-IO, uma vez que um elemento é inserido. Em seguida, (b) é eliminado da
disputa porque viola OCP[abertura], já que apresenta elementos altos adjacentes na rima. Assim,
vencem a disputa os candidatos (a) e (d). Apesar de (a) violar AGREE e IDENT e (d), STW e
135
IDENT, ambos os candidatos evitam sílaba sem ataque e respeitam o restritor mais bem cotado
da hierarquia. É importante ressaltar que o candidato (a) também evita sílaba acentuada leve, o
que não ocorre com o candidato (d). Dessa forma, enquanto o candidato (a) promove o
alteamento e ajusta a vogal final ao esquema de neutralização das postônicas, o candidato (e)
ambissilabifica a vogal tônica, por meio do alongamento, e também viola a identidade inputoutput, por não preservar a média do input.
Apesar de ter sido registrada a produção de ditongos decrescentes, nesse caso é mais usual
a realização do alongamento e a consequente formação do ditongo crescente, o que garante a
existência dos seguintes pares mínimos, que iremos descrever mais adiante por meio da análise
acústica: vil/ vi-o, mil/mio, riu/rio..
O terceiro e último grupo de encontros tônico é o formado por -ua, -ue e -uo e foi
analisado a partir do texto abaixo:
136
Almoço de(_____)
natal
Mais um natal na casa da família Pires e a vovó continua querendo preparar o
almoço. O problema é que desde que sua cadelinha morreu a bacalhoada sempre fica
semicrua.
-“Eu não me habituo a comer o bacalhau cru que sua vó faz!”, resmunga o
genro da velhinha para os filhos indignado.
-“Pai, precisamos fazer alguma coisa para que ela não continue fazendo esse
bacalhau horrível, nem que isso inclua acabar com o almoço!” respondeu o filho.
-“Até a mamãe detesta. Ela não reclama, mas sempre jejua no Natal.” Sussurrou
a menina ao ver a mãe se aproximando.
-“Não quero saber de reclamações esse ano, muito menos de falcatrua com a
vovó, Juninho!” – ameaça a mãe.
Sentados à mesa, o pai e seus filhos se entreolharam significativamente quando a
vovó chegou com a tigela de bacalhau.
-“Só de ver essa comida, eu já suo...” sussurrou o menino à irmã, que lhe dá uma
joelhada sob a mesa repreendendo-o.
-“Fique quieto, já sei o que fazer” respondeu no mesmo tom a menina
- “Pai, já sei o que eu quero nesse natal: esse ano eu me tatuo!”
-“Não tumultue o almoço de natal, Patrícia” respondeu a mãe rispidamente.
-“Eu acho super legal uma tatuagem. Quando fizer 18, farei uma também.”
-“Cale a boca e não compactue com os delírios da sua irmã!”
-“Se você não me der o dinheiro, eu me prostituo para consegui-lo!” Gritou a
menina histérica, ficando vermelha e deixando a mãe sem ar.
-“Não insinue uma coisa dessas, ou eu redistribuo a herança!” diz a vovó em
tom ameaçador.
O pai se levanta enfurecido e se pronuncia enfaticamente:
-“Já disse que não se tatuará antes que se gradue, Patrícia! Agora, vamos ficar
em silêncio e almoçar, pois estou ficando irritado!”
Num gesto expansivo, o pai esbarra na garrafa de Porto que se vira sobre a tigela
de bacalhau, arruinando o tão temido almoço.
Vovó deu um berro e não percebeu o cochicho dos netos:
-“Conseguimos!”.
O texto acima apresenta vinte vocábulos utilizados para observação. Foram, ao todo,
sessenta ocorrências, mas duas apresentaram produções equivocadas e, portanto, o somatório das
realizações resulta em um total de cinquenta e oito ocorrências: vinte do encontro -ua, dezenove
137
do encontro -ue e dezenove do encontro -uo.
Após pesquisar nos dicionários eletrônicos
utilizados durante a busca de dados, foi possível perceber que os encontros -ue e -uo aparecem
apenas em verbos; já o encontro -ua aparece também em nomes.
As produções do encontro -ua não trouxeram à superfície o hiato, mas um ditongo
formado pelo alongamento da V1, que promoveu a ambissilabicidade desse segmento. As
produções do encontro encontram-se quantificadas em (57):
(57)
VOCÁBULO
PRODUÇÕES
4
4
4
4
4
CONTINUA
SEMICRUA
INCLUA
JEJUA
FALCATRUA
Encontro –ua tônico (tabela)
As dezenove realizações do encontro -ue também chegaram à superfície como ditongo e
por meio do alteamento da média final (ajuste à neutralização). Essas produções aparecem
quantificadas em (58):
(58)
VOCÁBULOS
PRODUÇÕES
4
3
4
4
4
CONTINUE
TUMULTUE
COMPACTUE
INSINUE
GRADUE
Encontro –ue tônico (tabela)
O encontro -uo, assim como os outros dois, também não apresentou nenhuma realização
com hiato, chegando à superfície como ditongo por meio do prolongamento da vogal tônica. Nos
138
dezenove casos, houve o alteamento da média final, ou seja, os dados foram produzidos como
[ʹu.wʊ]. A quantificação desses dados segue abaixo:
(59)
VOCÁBULOS
PRODUÇÕES
3
4
4
4
4
HABITUO
SUO
TATUO
PROSTITUO
REDISTRIBUO
Encontro –uo tônico (tabela)
De maneira geral, o terceiro grupo de encontros estudados sofre a ação, principalmente,
de dois processos para que os elementos vocálicos cheguem à superfície como ditongo (e não
como hiato): alteamento de V2 e alongamento de V1, sendo esse acompanhado pela
ambissilabicidade. Após a descrição dos dados, passemos à análise dos tableaux, começando com
a forma verbal ‘jejua’:
(60)
/ʒe'ʒua/
ONSET
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- [ʒe. 'ʒu.ɐ]
*!
*
*
b- [ʒe. 'ʒu.wɐ]
c- [ʒe. 'ʒuw.ɐ]
d- [ʒe. 'ʒuj.jɐ]
*!
*
*!
Análise de ‘jejua’
Em (60), os candidatos (a) e (c) apresentam a última sílaba desprovida de ataque e, por
violarem ONSET, são eliminados da disputa. O candidato (a) ainda apresenta a sílaba acentuada
139
leve e, com isso, viola STW. Assim, seguem na competição (b) e (d). Durante a disputa, (b), por
apresentar a sílaba acentuada leve, viola STW, mas não é eliminado porque (d) viola
AGREE[ponto-de-V], que está no mesmo patamar de STW. Entretanto, (d), além de violar
AGREE[ponto-de-V], viola também DEP-IO e é eliminado, o que dá ao candidato (b) o status de
vencedor. Como se vê, o resultado da otimização é a formação de um ditongo crescente final,
oriundo do espraiamento da vogal acentuada para a posição de onset da sílaba seguinte. Esse
mesmo resultado é observado em (61), a seguir:
(61)
ONSET
/taʹtuo/
OCP[abertura]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
*!
a- [ta.ʹtu.o]
*
b- [ta.ʹtuw.wo]
*!
c- [ta.ʹtuw.wʊ]
*!
*
*!
d- [ta.ʹtuw.ʊ]
*
*
e- [ta.ʹtu.wʊ] 
*
Análise de ‘tatuo’
Em (61), a disputa já é definida nos dois primeiros restritores. Os candidatos (a) e (d), por
apresentarem a última sílaba sem ataque, violam ONSET e saem da disputa. Os candidatos (b) e
(c) apresentam dois elementos altos adjacentes na rima e são eliminados por violarem OCP[abertura].
Dessa forma, vence a disputa o candidato (e) que, apesar de apresentar a sílaba acentuada leve e
ter alterado a vogal média final, consegue evitar, por meio do prolongamento da vogal tônica,
uma
sílaba
desprovida
de
onset.
Observemos,
por
fim,
a
situação
de
-ue:
140
(62)
/gɾa'due/
ONSET
OCP[-ab3]
AGREE[ponto
STW
DEP-IO
IDENT
-de-V]
a- [gɾa.'du.e]
*!
*
*
b- [gɾa'duj]
*!
c- [gɾa'duw.wɪ]
d- [gɾa'duw.ɪ]
*
*!
*
*
e- [gɾa'du.wɪ] 
*
Análise de ‘gradue’
No tableau acima, os candidatos (a) e (d) são eliminados já no primeiro restritor, pois
apresentam uma sílaba sem onset. Assim, seguem na disputa (b), (c) e (e). (c), porém, apresenta
dois elementos altos adjacentes na rima, o que ocasiona a sua eliminação. Os candidatos restantes
cometem violações que se equivalem: (b) viola AGREE[ponto-de-V] , (e) viola STW e ambos violam
IDENT, chegando juntos à superfície.
Como se pode perceber, para que o candidato (b) traga à superfície uma sílaba acentuada
pesada e sílabas portadoras de ataque, é preciso que FIDELIDADE seja violada. O mesmo ocorre
com o candidato (e) que, apesar de não conseguir evitar que a sílaba acentuada seja leve, impede
uma sílaba sem onset por meio do prolongamento da vogal tônica. As duas saídas, portanto,
contêm estruturas não-marcadas e evitam o hiato, provando, mais uma vez, o desfavorecimento
desse tipo de estrutura na língua. É importante ressalatar que o alteamento da média seguido do
alongamento de V1 não aparece nos dados, mas acreditamos ser uma forma possível de
realização.
Em suma, a hierarquia proposta para o contexto tônico dá conta de todos os casos, até
mesmo os de variação, pois as restrições não hierarquizadas permitem que mais de um candidato
chegue à superfície. Assim como no contexto átono, as restrições de marcação dominam a
141
hierarquia e, na maior parte das vezes, para que estruturas menos marcadas – como sílabas com
ataque e sílaba tônica pesada – sejam produzidas, FIDELIDADE é violada. Há na língua,
portanto, uma conspiração generalizada para que hiatos não sejam produzidos e, para esse fim,
atuam vários processos que garantem que as vogais finais adjacentes (a) não heterossilabifiquem
ou (b) não fiquem inteiramente contíguas. Após a análise otimalista, resta-nos ainda a análise
acústica dos pares mínimos, como vil/ vi-o, mil/ mio e riu/ rio, e dos encontros tônicos, a
exemplo de ‘boa’ e ‘coroa’, para justificar, pelo menos em parte, os casos de ambissilabicidade
que percebemos de oitiva.
4.4 Análise acústica por meio do PRAAT
As duas próximas seções objetivam justificar, por meio de análise acústica, (a) que em
casos como ‘frio’, apesar de também ocorrer a realização do ditongo crescente (['fɾiw]), é mais
recorrente a produção em que o primeiro elemento do encontro sofre alongamento e ocupa
simultaneamente a posição de núcleo e de onset da sílaba seguinte, fazendo com que o elemento
final também seja núcleo, como mencionado na seção 4.3; e (b) que é possível reunir indícios de
elementos ambissilábicos por meio da análise pelo PRAAT.
É bom ressaltar que, para analisar o encontro presente em dados como ‘frio’ e ‘vario’,
foram escolhidos pares mínimos a fim de que comparações fossem estabelecidas, principalmente
as referentes ao elemento final do encontro. Dessa forma, são aqui analisados os pares ‘vil/vi-o’,
‘mil/ mio’ e ‘riu/rio’.
142
4.4.1 Análise dos pares mínimos: vil/ vi-o, mil/ mio e riu/ rio
Como mencionado anteriormente, para verificar a existência de oposição entre os pares
vil/ vi-o, mil/ mio e riu/ rio, foi observada a duração dos componentes dos encontros vocálicos,
bem como a visualização de cada som no espectrograma, que apresenta sons mais sonoros com
um tom mais escuro, sons menos sonoros com tom mais claro e pausa com um tom bastante
esbranquiçado10.
Para que os resultados fossem alcançados, foi observada a duração de cada segmento
evidenciado. Segundo David Crystal, a duração pode ser definida como o:
Termo usado em fonética, para indicar a extensão de tempo envolvida na articulação de
um som ou sílaba. As distinções entre as durações relativamente ‘longas’ e
relativamente ‘breves’ são medidas em unidades de tempo, como milissegundo (msec).
Na fala, a duração absoluta dos sons depende, até certo ponto, do tempo global do
discurso... (CRYSTAL, 2000, P.89)
Como se pode observar, a duração consiste no tempo de produção do som. A duração é
medida em milissegundos, como explicitado na citação acima, ou em segundos. É bom observar
que a duração está relacionada ao tempo global do discurso e que esse tempo abrange fatores a
ele diretamente relacionados. Como exemplo desses fatores, podemos mencionar a fala
espontânea e a fala formal. Enquanto na primeira o falante costuma estar mais relaxado e mais
10
É bom ressaltar que o programa PRAAT apresenta recursos capazes de expressar de maneira mais clara a
sonoridade, por meio de formantes, porém, neste primeiro momento, não os utilizamos porque tal estudo ficará para
um futuro trabalho de pós-doc. A nível de exemplificação, apresentaremos mais adiante dois espectrogramas com a
curva de intensidade, o que expressa, de maneira mais objetiva, a sonoridade.
143
veloz no seu falar, na segunda o falante costuma se expressar de maneira mais lenta por uma
questão de preocupação com a forma do seu discurso.
Para analisar os pares mínimos em questão, foram utilizadas doze frases estruturais (cf.
seção 4.1) e, para verificar se a força articulatória – neste caso em específico, por se tratar de
vocábulos menores – influenciaria o resultado, analisamos cada vocábulo tanto no início quanto
no final da frase. No entanto, verificou-se que a diferença de posicionamento na frase na maior
parte dos casos não altera o resultado final, sendo mínimas as diferenças. Por isso, na análise,
utilizaremos apenas as frases em que o vocábulo em evidência aparece no final. Cabe observar
que, mesmo utilizando apenas a primeira frase dos pares, os demais espectrogramas, bem como
as tabelas correspondentes, podem ser observados nos anexos.
As frases foram lidas apenas uma vez pelos quatro informantes que participaram da
investigação, sendo dois homens e duas mulheres11. É bom ressaltar que (a), devido ao fato de os
monossílabos analisados apresentarem vogais de mesma natureza no encontro e, com isso, a
análise ter ficado mais complexa pela grande semelhança visual dos elementos nos
espectrogramas, foram postos no anexo os espectrogramas contendo o isolamento de cada
segmento para que não houvesse dúvidas quanto aos cortes feitos; e (b) para tornar a análise mais
objetiva, os resultados em segundos foram aproximados.
Após os devidos esclarecimentos, passemos à análise. Comecemos com o par constituído
pelo adjetivo ‘vil’ e o grupo clítico ‘vi-o’:
Comparação 1: A palavra é vil.
A palavra é: vi-o.
Vocábulos em evidência: ‘vil’ e ‘vi-o’
11
Apesar de, nesse caso, a idade e a escolaridade não se mostrarem relevantes, tomamos o cuidado de escolher
informantes com nível superior para que fossem feitas leituras de melhor qualidade.
144
(63)
Informante 1: ALÊ
VIL EM FINAL DE FRASE
‘vil’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,09 s
0,11 s
0,04 s
0,15 s
0,24 s
(64)
Informante 1: ALÊ
VI-O EM FINAL DE FRASE
145
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,09 s
0,12 s
0,14 s
0,26 s
0,35 s
Em (63) e (64), podemos observar que a diferença de duração dos dois primeiros
elementos do vocábulo é mínima ou nenhuma. Em ‘vil’, o primeiro segmento dura 0,09s e em
‘vi-o’, também 0,09s. Já [i], dura 0,11s, no primeiro caso e 0,12s, no segundo. Entretanto, o
elemento final apresenta duração, aproximadamente, quatro vezes maior no grupo clítico ‘vi-o’,
ou seja, no primeiro caso a duração é de 0,04s e, no segundo, 0,14s. No entanto, o espectrograma
revela que não há pausa entre os dois elementos do encontro, o que caracteriza a produção de um
ditongo e não de um hiato. Assim, a diferença de duração do [u] pode ser uma evidência de que
em ‘vil’ há um ditongo decrescente e em ‘vi-o’, um ditongo crescente, uma vez que, por
146
definição, o núcleo silábico é sempre o elemento mais sonoro e duradouro. Em (63), o primeiro
elemento aparece mais escuro e, portanto, mais sonoro, já o último, mais claro e,
consequentemente, menos sonoro.
É importante ressaltar que o valor do nível de clareamento do elemento analisado está
diretamente vinculado à sua intensidade (sonoridade), pois os pontos mais escuros representam o
pico de intensidade do elemento ou da sílaba, como podemos observar em (65), por meio da linha
amarela:
(65)
Informante 1: ALÊ
VIL EM FINAL DE FRASE (com a curva de intensidade)
No espectrograma acima, percebemos que o primeiro elemento do encontro, além de ser o
mais duradouro, apresenta o maior pico de intensidade (88,17 dB), ou seja, apresenta o pico de
intendidade da sílaba. Em (66) e (67), podemos observar o mesmo:
147
(66)
Informante 1: ALÊ
VI-O EM FINAL DE FRASE (com a curva de intensidade)
(67)
148
Em (66) e (67), a linha de intensidade mantém, praticamente, o mesmo pico no final do
primeiro elemento (88, 74 dB) e no início do segundo (88,73 dB), o que mostra que ambos
apresentam sonoridade aproximada, porém, o segundo elemento dura mais, evidência que nos
permite atribuir-lhe o papel de núcleo silábico12.
É importante observar que em ‘vi-o’, o elemento considerado núcleo apresenta um
clareamento no final devido à diminuição da força articulatória. Quando o vocábulo está no início
da frase, isso não ocorre, como mostra (68):
(68)
ALÊ / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
12
Os espectrogramas com a curva de intensidade foram apresentados apenas como ilustração, pois será feito,
posteriormente, um trabalho aprofundando o tema e os resultados apresentados.
149
Como pode ser observado, o último elemento do encontro agora aparece mais escuro, ou
seja, mostra-se mais sonoro e, portanto, nuclear. Vejamos, a seguir, se esse comportamento
também se reflete nos demais participantes de nosso teste.
(69)
Informante 2: AM
VIL EM FINAL DE FRASE
150
‘vil’
DURAÇÃO
(70)
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,13 s
0,13 s
0,07 s
0,2 s
0,33 s
151
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,15 s
0,15 s
0,18 s
0,33 s
0,48 s
Assim como percebido nos dados do informante 1, as diferenças de duração de [v] e de [i]
são mínimas. Em ‘vil’, o onset dura 0,13s e em ‘vi-o’, 0,15s. Já o segundo elemento dura 0,13s,
no primeiro vocábulo, e 0,15s, no segundo. Quanto ao segundo elemento do encontro, percebe-se
que a diferença é bem maior. Em ‘vil’, dura 0,07s, enquanto em ‘vi-o’, dura 0, 18s, ou seja, mais
uma vez ocorrem indícios que no primeiro caso se realiza um ditongo decrescente e, no segundo,
um crescente, devido ao prolongamento do primeiro elemento, que, em função disso,
acreditamos, passa, também, a ocupar a posição de onset da sílaba seguinte. Também como no
primeiro caso, em ‘vi-o’, o último elemento do encontro, apesar de iniciar bem mais escuro que o
elemento vocálico anterior, apresenta um clareamento acentuado no final do espectrograma
devido à menor força articulatória empregada em final de frase e, por isso, abaixo segue a
imagem dessa expressão em início de frase:
(71)
AM / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
152
O espectrograma acima mostra que o elemento final do encontro apresenta sonoridade
maior que o primeiro. Os resultados acima também podem ser observados nos dados do terceiro
informante, em (72), (73) e (74):
(72)
Informante 3: VA
VIL EM FINAL DE FRASE
153
‘vil’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,14 s
0,13 s
0,08 s
0,21 s
0,35 s
(73)
VA / VI-O EM FINAL DE FRASE
154
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,13 s
0,10 s
0,12 s
0,22 s
0,35 s
(74)
VA / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
155
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[i]
PAUSA
[o]
TOTAL
0,13 s
0,12 s
0,13 s
0,15 s
0,53 s
Em (72) e (73), confirmamos a maior duração e sonoridade do último elemento do
encontro. Em ‘vil’, a sua duração é de 0,08s e em ‘vi-o’, 0,12s. No espectrograma em (72), o
elemento apresenta-se mais claro, menos sonoro, que em (73). Já em (74), o informante produz o
hiato, sendo bastante perceptível a grande pausa existente entre os dois elementos vocálicos, o
que comprova que no caso do encontro –io, ainda que ocorra o hiato em situações de leitura mais
formal ou um ditongo decrescente, em casos esporádicos, como mostram os dados analisados na
seção 4.3, o mais recorrente é a formação do ditongo crescente. Passemos, por fim, à análise dos
dados produzidos pela quarta informante:
156
(75)
Informante 4: QUEL
VIL EM FINAL DE FRASE
‘vil’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,95 s
0,19 s
0,13 s
0,32 s
1,27 s
(76)
QUEL / VI-O EM FINAL DE FRASE
157
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,17 s
0,20 s
0,28 s
0,48 s
0,65 s
(77)
QUEL / VI-O EM INÍCIO DE FRASE
158
‘vi-o’
DURAÇÃO
[v]
[j]
[ʊ]
[jʊ]
TOTAL
0,19 s
0,2 s
0,25 s
0,45 s
0,64 s
Em (75) e (76), os dois primeiros componentes dos vocábulos apresentam variações
mínimas de duração, o que, novamente, não ocorre com o elemento final. Em (75), a sua duração
é de 0,13s e em (76), 0,28s, ou seja, aproximadamente duas vezes maior. Além disso, a
observação do espectrograma permite comprovar a maior sonoridade do elemento no segundo
caso, sonoridade essa ainda mais bem evidenciada em (77), quando a produção ocorre no início
da frase. É visível e inquestionável que o segundo elemento do encontro é muito mais escuro, ou
seja, muito mais sonoro que o primeiro.
De maneira geral, essa primeira comparação de espectrogramas nos permitiu perceber que
‘vil’ e ‘vi-o’ distinguem-se porque o primeiro vocábulo é produzido com ditongo decrescente e o
159
segundo, com ditongo crescente. A conclusão baseia-se na duração dos segmentos e na
observação, ainda que superficial13, dos espectrogramas em si.
Comparação 2: A palavra é mil.
A palavra é: mio.
Vocábulos em evidência: ‘mil’ e ‘mio’
(78)
Informante 1: ALÊ
MIL EM FINAL DE FRASE
‘mil’
[m]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
DURAÇÃO
0,1 s
0,1 s
0,08 s
0,18 s
0,28 s
13
Pretende-se, futuramente, aprimorar a análise acústica por meio da ampliação dos dados e da utilização de recursos
mais específicos do PRAAT, como por exemplo, a inclusão de formantes específicos nos espectrogramas.
160
Em (78), é possível perceber que o primeiro elemento do encontro apresenta a duração de
0,1s enquanto o segundo elemento dura 0,08s. No caso da forma verbal ‘mio’, a duração do [i] é
quase duas vezes maior, como se vê em (79) a seguir:
(79)
ALÊ / MIO EM FINAL DE FRASE
‘mio’
[m]
[i]
[o]
[i] + [o]
TOTAL
DURAÇÃO
0,1 s
0,18 s
0,14 s
0,32 s
0,42 s
Em (79), percebemos que tanto o primeiro quanto o segundo elemento do encontro duram
mais que no numeral ‘mil’. Além disso, o segundo elemento é produzido como uma vogal média,
não ocorrendo assim o alçamento, como no caso anterior. Nesse caso, [i] dura 0,18s e [o], 0,14s.
161
É importante observar que em ‘mio’, a sequência final dura praticamente o dobro que em ‘mil’ e
que, durante a análise da gravação e da observação do espectrograma, mostrou-se difícil o
isolamento dos dois segmentos, o que evidencia o prolongamento do primeiro elemento do
encontro em ‘mio’.
Assim, o primeiro elemento do encontro apresenta um alongamento que faz com que o
mesmo ocupe a posição de núcleo da primeira sílaba e de onset da sílaba final. O elemento final,
por apresentar duração maior que em ‘mil’ e não sofrer alçamento, define-se como núcleo última
sílaba.
(80)
AM / MIL EM FINAL DE FRASE
‘mil’
DURAÇÃO
[m]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,11 s
0,12 s
0,08 s
0,2 s
0,31 s
162
No gráfico e na tabela acima, percebemos que o primeiro elemento do encontro dura 0,12s
e o segundo, 0,08s. A duração e a observação aspectual do espectrograma, no qual o primeiro
elemento mostra-se mais escuro e, portanto, mais sonoro, e o segundo mais claro em
determinadas partes, por isso menos sonoro, nos permitem concluir que ocorre a formação de um
ditongo decrescente, cuja duração é de 0,2s.
(81)
AM / MIO EM FINAL DE FRASE
‘mio’
DURAÇÃO
[m]
[i]
[u]
[i] + [u]
TOTAL
0,12 s
0,13 s
0,18 s
0,31 s
0,43 s
163
Em (81), é possível observar que a vogal alta não-recuada é produzida com duração de
0,13s, que é um pouco maior que a sua produção em ‘mil’. A vogal média, além de sofrer
alçamento quando produzida pela informante 2, apresenta duração de 0,18s, ou seja, sua duração
é duas vezes maior que no vocábulo anterior, o que, mais uma vez, evidencia o seu status de
núcleo. É bom ressaltar que, mesmo a vogal alta não-recuada não apresentando muita diferença
em relação a sua produção em mil, não é possível perceber um corte exato entre os dois
elementos do vocábulo, o que sugere aderência entre a vogal alta anterior e a vogal final em
‘mio’.
(82)
VA / MIL EM FINAL DE FRASE
‘mil’
DURAÇÃO
[m]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,24 s
0,15 s
0,09 s
0,24 s
0,48 s
164
Os dados produzidos pelo terceiro informante nos revelam, tanto por meio da duração
quanto por meio da observação do espectrograma, a posição de coda ocupada pelo segundo
elemento do ditongo. O primeiro elemento dura 0,15s e aparece com formação mais escurecida
no espectrograma, o que sinalizada sua maior sonoridade. Já o elemento alto recuado dura apenas
0,09s e apresenta aspecto mais claro. Ainda podemos perceber que não há nenhuma pausa entre
os dois componentes do encontro, tratando-se, portanto, de um ditongo decrescente.
(83)
VA / MIO EM FINAL DE FRASE
‘mio’
DURAÇÃO
[m]
[i]
[u]
[i] + [u]
TOTAL
0,13 s
0, 2 s
0,17 s
0,39 s
0,5 s
165
Os dados acima revelam que tanto o [i] quanto o [u] duram mais tempo em ‘mio’ que em
‘mil; porém, o segundo elemento dura praticamente o dobro do tempo, o que evidencia seu papel
nuclear. Como pode ser observado no espectrograma, não há pausa entre os elementos e o corte
entre eles não fica claro; assim, pode-se concluir, novamente, que o [i], por ser mais longo, gera o
preenchimento da posição de onset da segunda sílaba, ou seja, surge um ditongo crescente na
sílaba final. É bom frisar que, em ‘mil’, o encontro dura 0,24s e em ‘mio’, 039s.
(84)
QUEL / MIL EM FINAL DE FRASE
‘mil’
DURAÇÃO
[m]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,13 s
0,2 s
0,09 s
0,29 s
0,49 s
166
A quarta informante produziu o encontro em 0,29s, dos quais, 0,2s foram dedicados à
produção do [i] e 0,09s, à produção do [u]. Assim, a duração do segundo elemento é mais de duas
vezes menor que a duração do primeiro e o seu aspecto no espectrograma também é mais claro, o
que confere ao mesmo menos sonoridade. Dessa forma, ocorre a realização de um ditongo
decrescente.
(85)
QUEL / MIO EM FINAL DE FRASE
‘mio’
DURAÇÃO
[m]
0,14 s
[i]
0,22 s
[o]
0,18 s
[i] + [o]
0,40 s
TOTAL
0,54 s
167
Enquanto em ‘mil’ a quarta informante utilizou 0,29s para realizar o encontro vocálico, na
produção de ‘mio’ foram utilizados 0,40s, diferença considerável de tempo. Apesar de o primeiro
elemento não apresentar um alongamento tão significativo, o segundo dura duas vezes mais e é
realmente produzido como uma vogal média recuada. Vale mencionar que a produção do
vocábulo em início de frase não apresentou grande diferença, uma vez que o encontro durou
0,46s, o [i], 0,25s e o [o], 021s. Passemos, por fim, à descrição do par ‘rio’/‘riu’.
Comparação 3: A palavra é riu.
A palavra é rio
Vocábulos em evidência: ‘riu’ e ‘rio’
(86)
ALÊ/ RIU EM FINAL DE FRASE
168
‘riu’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,11 s
0,11 s
0,08 s
0,19 s
0,3 s
Em (86), o encontro é produzido em 0,19s, dos quais 0,11s foram dedicados ao [i] e 0,08s,
ao [w]. A menor duração do elemento final, bem como seu aspecto mais claro, evidencia
novamente o seu status de glide, o que não ocorre em (87) a seguir:
(87)
ALÊ/ RIO EM FINAL DE FRASE
‘rio’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[o]
[i] + [o]
TOTAL
0,10 s
0,13 s
0,13 s
0,26 s
0,36 s
169
Em ‘rio’, o primeiro informante não faz o alçamento da vogal média e a produz com
duração de 0,13s. O [i], coincidentemente, é produzido com a mesma duração. Assim, em ‘rio’,
os dois elementos são mais longos e o segundo elemento, apesar de durar o mesmo que o seu
antecedente, apresenta aspecto mais claro no espectrograma, além de não ser possível fazer o
corte exato entre os dois elementos. A duração maior do [i] em ‘rio’ indicia sua presença em
ambas as sílabas, como núcleo e como onset, consecutivamente, enquanto a duração maior do
[o], bem como o seu não-alçamento, evidencia o preenchimento da posição nuclear. O mesmo
ocorre na produção da segunda informante, em (88) e (89):
(88)
AM/ RIU EM FINAL DE FRASE
170
‘riu’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,14 s
0,17 s
0,11 s
0,28 s
0,42 s
Em (88), a segunda informante produz o encontro em 0,33s. O primeiro elemento dura
0,17s e o segundo, 0,11s. A sonoridade percebida pela observação aspectual do espectrograma e a
maior duração da vogal alta não-recuada lhe conferem o status de núcleo. É bom observar que,
nesse caso, o primeiro elemento mostrou-se mais alongado que na produção do dado pelos
demais informantes, além de ter sido a sua duração praticamente idêntica à sua duração em ‘rio’,
como veremos em (89):
(89)
AM/ RIO EM FINAL DE FRASE
171
‘rio’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[o]
[i] + [o]
TOTAL
0,14 s
0,16 s
0,17 s
0,33 s
0,47 s
Como mencionado anteriormente, a duração do primeiro elemento do encontro em ‘rio’ é
praticamente a mesma que em ‘riu’. A grande diferença da realização de ‘rio’ é a duração do
elemento final, que em ‘riu’ é de 0,11s e em ‘rio’, 0,17s, o que nos leva a concluir que o mesmo
ocupa a posição de núcleo em ‘rio’. Apesar de o primeiro elemento do encontro não se mostrar
mais longo, a falta de pausa sugere a ausência de um hiato e a durabilidade, juntamente como a
maior sonoridade do segundo elemento, por outro lado, evidencia que há outro núcleo de sílaba
no vocábulo. É importante observar que, em (88), o elemento final do encontro mostra-se muito
mais claro que em (89), ou seja, mostra-se muito menos sonoro, o que nos permite concluir que
em (88) o prolongamento do primeiro elemento não gerou a formação do ditongo crescente na
segunda sílaba. Em ‘riu’ ocorre apenas o ditongo decrescente, pois o elemento final visivelmente
ocupa a posição de margem sílaba, o que não ocorre em (89), onde o elemento final mostra-se
muito sonoro, tanto quanto o primeiro.
(90)
VA/ RIU EM FINAL DE FRASE
172
‘riu’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
0,19 s
0,16 s
0,09 s
0,25 s
0,44 s
Em (90), é realizado um ditongo decrescente, no qual o primeiro elemento dura 0,16s e o
segundo, 0,09s. A observação aspectual do espectrograma também mostra a maior sonoridade do
primeiro elemento.
(91)
VA/ RIO EM FINAL DE FRASE
173
‘rio’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[u]
[i] + [u]
TOTAL
0,11 s
0,22 s
0,14 s
0,36 s
0,47 s
Como nas realizações dos demais informantes, em ‘rio’, a duração dos dois elementos foi
maior. O primeiro elemento teve a duração de 0,22s e o último, de 0,14s. A grande duração do
último elemento sinaliza que ocupa a posição de núcleo.
(92)
QUEL/ RIU EM FINAL DE FRASE
174
‘riu’
[h]
[i]
[u]
[iu]
TOTAL
DURAÇÃO
0,14 s
0,21 s
0,1 s
0,31 s
0,45 s
A quarta informante produziu o encontro em 0,31s e como um ditongo decrescente. O
primeiro elemento teve a duração de 0,21 s e o segundo, de 0,1s. A maior duração do primeiro
elemento e o seu aspecto mais acentuado (escurecido) no espectrograma sinalizam a ocupação da
posição de nucleo.
(93)
QUEL/ RIO EM FINAL DE FRASE
175
‘rio’
DURAÇÃO
[h]
[i]
[o]
[i] + [o]
TOTAL
0,1 s
0,2 s
0,2 s
0,4 s
0,5 s
Tanto em ‘riu’ quanto em ‘rio’, a duração da vogal alta não-recuada foi a mesma. Já a
duração do elemento final foi duas vezes maior em ‘rio’. Além disso, não houve alçamento e
tampouco pausa entre os elementos, o que torna indicia a formação de um ditongo crescente na
última sílaba, como já explicado anteriormente por meio da produção de ‘rio’ pela segunda
informante.
Como mostram os resultados dos testes feitos por meio do PRAAT, há, sem dúvida
alguma, diferenças significativas entre os pares mínimos formados por vocábulos como ‘vil/ vio’, ‘mil/ mio’ e ‘riu/ rio’. Em ‘vil’, ‘mil’ e ‘riu’, ocorre a formação categórica do ditongo
176
decrescente, pois os espectrogramas e a duração do último elemento comprovam o seu papel de
margem silábica e não de núcleo. Já em ‘vi-o’, ‘mio’ e ‘rio’, os testes evidenciam que os dois
elementos do encontro são produzidos de maneira mais alongada. Em alguns casos, sequer há o
alçamento da vogal média, o que reafirma que há dois núcleos no vocábulo. Ainda que em
algumas produções a duração do primeiro elemento não seja tão maior, a duração do segundo
sempre é mais acentuada. Outro fator importante é a observação aspectual do espectrograma,
pois, por meio dela, conseguimos visualizar a maior sonoridade do segundo elemento nesses
casos. Outra questão importante é a do prolongamento do primeiro elemento. A falta de pausa
nos encontros presentes em ‘vi-o’, ‘mio’ e ‘rio’ e as evidências de que há dois núcleos nesses
vocábulos sinalizam a formação de um ditongo crescente na sílaba final, realização que
percebemos de oitiva e selecionada nos vários tableaux referentes aos encontros tônicos com V1
alta anterior.
Nos casos observados, não houve a inserção de elementos, apenas o prolongamento de um
segmento já existente e, por isso, o prolongamento apenas faz com que a posição de onset da
sílaba seguinte seja preenchida, o que não ocorre nos casos de epêntese, nos quais o elemento é
inserido e, em decorrência, bifurcado, passando, assim, a ocupar a posição de coda da sílaba
anterior e a de onset da sílaba seguinte. É o que será abordado na próxima seção.
4.4.2 Comprovação da ambissilabicidade nos casos de epêntese
Esta seção tem como objetivo verificar se a duração do glide epentético nos casos de
dissolução dos hiatos no português é maior que a duração do glide default. Para tanto, os dados
177
recolhidos são novamente analisados com base na fonética experimental. É importante ressaltar
que será analisada apenas a inserção feita no contexto final em que o primeiro elemento do
encontro é acentuado.
Para verificar se a duração do glide ambissilábico é realmente maior que a duração do
glide default, utilizamos três frases pronunciadas por três informantes, duas mulheres e um
homem. Os informantes são naturais do Rio de Janeiro.
As frases foram recolhidas no laboratório acústico da UFRJ (Coordenado pelo professor
João Moraes) e arquivadas no PRAAT, programa também utilizado para a análise. Os vocábulos
a serem observados foram postos na mesma posição estrutural, ou seja, todos se encontram no
início da frase para que não haja diferença na força articulatória empregada, o que causaria
prejuízo na análise.
Os informantes leram apenas uma vez cada frase que, no momento da coleta,
encontravam-se misturadas. Para efeitos de análise, as mesmas foram organizadas na seguinte
ordem: A primeira frase apresenta um vocábulo com um glide ambissilábico no contexto átono
final e precedido da sílaba tônica; a segunda apresenta, no mesmo contexto, um vocábulo com o
glide default presente em um ditongo simples (sem ambissilabicidade); e a terceira frase
apresenta um vocábulo sem o glide. A escolha dos vocábulos também visou à criação de um
‘trio’ mínimo para a observação da duração. É importante ressaltar que a frase sem o glide foi
utilizada para que se verificasse a duração isolada dos elementos adjacentes ao glide, bem como
as suas possíveis influências na produção do elemento ambissilábico.
Após os devidos esclarecimentos sobre a metodologia utilizada, passemos à análise,
começando com o item lexical ‘coroa’.
178
Espectrogramas:
(94)
Frase 1: A coroa, mãe de Felipe, é uma pessoa muito ambígua.
Vocábulo em evidência: ‘coroa’
Informante 1 (D)
’
coroa’
[]
[o]
[ou]
[u]
[]
[u]14
[ou.u]
DURAÇÃO
0.018313s
0.21610s
0.26473s
0.202233s
0.151441s
0.099422s
0.485276s
A informante 1 produz o tepe com duração de 0.018313s, a vogal média-alta posterior
arredondada com duração de 0.21610s, a vogal central baixa com 0.151441s e o glide posterior
14
Sobre a divisão da duração do elemento ambissilábico realizado pela informante 1: [w] = [w] (0.048630s) + [w]
(0.050792s) → Total = 0.099422 s
179
com duração de 0.099422s. No nosso entendimento, o glide apresenta-se como coda da sílaba
anterior e, juntamente com o elemento vocálico que o antecede, apresenta uma duração de
0.26473s. Já na sílaba posterior, o elemento semi-vocálico ocupa a posição de onset e, juntamente
com a vogal que o segue, apresenta a duração de 0.202233s. O somatório da duração das duas
sílabas em evidência é igual a 0.485276s.
(95)
Informante 2 (Ri)
15
‘coroa’
[]
[o]
[ou]
[u]
[]
[u]15
[ou.u]
DURAÇÃO
0.019557s
0.092415s
0.135865s
0.091595s
0.052340s
0.0796s
0.243912s
Sobre a divisão da duração do elemento ambissilábico realizado pelo informante 2: [w] = [w] (0.040345s) + [w]
(0.039255) → Total = 0.0796s
180
O informante 2 produz a vibrante com 0.019557s, a vogal média-alta posterior
arredondada com 0.092415s, a vogal baixa central com 0.052340s e o glide com 0.0796s. O
encontro [ou] dura 0.135865s e o encontro [u] 0.052340s. A duração das duas sílabas é de
0.243912s.
(96)
Informante 3 (Rô)
16
’coroa’
[]
[o]
[ou]
[u]
[]
[u]16
[ou.u]
DURAÇÃO
0.023879s
0.093976s
0.150978s
0.135572s
0.077030s
0.115544s
0.310429s
Sobre a divisão da duração do elemento ambissilábico realizado pela informante 3: [u] = [u] (0.057002s) + [w]
(0.058542s) → Total = 0.115544s
181
A informante 3 produz a vibrante com 0.023879s de duração, a vogal média-alta posterior
arredondada com 0.093976s, a vogal baixa com 0.077030s, o glide com 0.115544s, o encontro
[ou] com 0.150978s, o encontro [u] com 0.135572s.
Frase 2: A ambígua pessoa pode não ser a coroa, mãe de Felipe.
Vocábulo em evidência: ‘ambígua’
(97)
Informante 1 (D)
‘ambígua’
[g]
[u]
[]
[u]
[gu]
DURAÇÃO
0.043207s
0.021604s
0.050633s
0.072237s
0.115444s
182
No caso de [.bi.gw], a informante 1 realiza a oclusiva velar vozeada com duração de
0.043207s, o glide default com 0.021604s e a vogal central baixa com 0.050633s de duração. O
encontro formado pelo glide default e a vogal dura 0.072237s e a sílaba inteira 0.115444s.
(98)
Informante2 (Ri)
‘ambígua’
[g]
[u]
[]
[u]
[gu]
DURAÇÃO
0.046873s
0.020833s
0.038540s
0.059373s
0.106246s
O informante 2 realiza a oclusiva com 0.046873s, o glide com 0.020833s e a vogal baixa
com 0.038540s. O encontro vocálico dura 0.059373s e a sílaba inteira, 0.106246s.
183
(99)
Informante 3 (Rô)
‘ambígua’
[g]
[u]
[]
[u]
[gu]
DURAÇÃO
0.044077s
0.032056s
0.043505s
0.075561s
0.119638s
A informante 3 produz a consoante com 0.044077s, o glide com 0.032056s e a vogal com
0.043505s. O encontro vocálico dura 0.075561s e a sílaba, 0.119638s
Frase 3: A rega não ficou bem feita.
Vocábulo em evidência: ‘rega’
(100)
Informante 1 (D)
184
’rega’
[g]
[]17
[g]
DURAÇÃO
0.067896s
0.209593s
0.277489s
Em ‘rega’, a informante 1 realiza oclusiva velar sonora com 0.067896s de duração e a
vogal central baixa com 0.209593s. A duração da sílaba inteira é de 0.277489s.
17
A informante realizou a vogal final de forma bastante alongada.
185
(101)
Informante2 (Ri)
’rega’
[g]
[]
[g]
DURAÇÃO
0.041676s
0.055568s
0.097244s
O elemento consonântico produzido pelo informante 2 apresenta 0.041676s de duração e
a vogal central baixa, 0.055568s. A sílaba dura 0.097244s.
186
(102)
Informante 3 (Rô)
’rega’
[g]
[]
[g]
DURAÇÃO
0.034974s
0.068820s
0.103794s
A informante 3 apresenta a oclusiva com duração de 0.034974s e a vogal central com
duração de 0.068820s. A sílaba inteira dura 0.103794s.
Após a apresentação e a descrição dos dados, é possível realizar a análise e estabelecer
comparações18. Sobre o glide, nesse caso o glide posterior, é possível confirmar, com base nos
dados, a hipótese de que, quando epentético, esse segmento apresenta duração bem maior que a
do chamado default. O glide epentético realizado pela informante 1 dura 0.099422s e o default,
18
Para facilitar a análise, encontra-se no anexo o agrupamento das tabelas reunidas por informantes.
187
0.021604s (duas vezes mais). O mesmo ocorre nos dados do informante 2, que apresenta o glide
epentético com duração de 0.0796s e o default, 0.020833s (quase quatro vezes mais duradouro).
Com a informante 3 não é diferente: o glide que consideramos ambissilábico é produzido com
0.115544s de duração e o default com 0.032056s (duração três vezes superior). O tempo de
produção do elemento semi-vocálico, de certa forma, parece influenciar na duração de outros
elementos adjacentes, como na duração da vogal central baixa, por exemplo.
Em suma, os dados comprovam que a duração do glide epentético é consideravelmente
maior que a duração do glide default, o que, no nosso entendimento, indicia sua participação em
duas sílabas, como sugere Couto (1999) e como postulamos na análise de vários outputs ótimos
selecionados nos tableaux.
188
5. ALGUMAS NOTAS SOBRE MUDANÇA FONOLÓGICA: OS ENCONTROS
VOCÁLICOS COM V1 MÉDIA ANTERIOR ACENTUADA
No presente capítulo, procuramos demonstrar a aplicabilidade da TO para o tratamento
da variação e da mudança. Em função disso, seguimos a orientação de Hutton (1996), Holt
(1997) e Adam (2002), observando, sobretudo, o comportamento da epêntese do glide nãorecuado [j] após V1 acentuada média anterior ([e, Ɛ], tanto na história do português quanto na
atual sincronia. Os dados da atual sincronia (fala culta carioca) foram recolhidos através dos
procedimentos explicitados na seção 4.1; os dados diacrônicos foram retirados de gramáticas
(p. ex., COUTINHO, 1976; HUBER, 1933) e documentos históricos (cf. RODRIGUES,
2007). Os principais documentos históricos analisados foram os seguintes: Cantiga da
Ribeirinha, Testamento de Afonso II (duas versões eletrônicas e edições usadas por Ivo
Castro, 1991), Notícia de Torto (versão eletrônica) e Crônica Geral de Espanha.
5.1 Os hiatos na história do português
Na língua portuguesa, a estrutura de hiato apresenta comportamento distinto em
diferentes momentos de sua formação histórica. No galego-português, séc. XII e início do séc.
XIII (COUTINHO, 1976: 34), hiatos eram bastante produtivos e, ao que tudo indica,
foneticamente realizados. Segundo Teyssier (1997), foi nessa fase que a língua reconheceu
189
um número considerável de hiatos, provenientes dos seguintes processos fonológicos: (a)
desnasalização, implemantada pela queda de [n] invervocálico (‘alheno’ > ‘alhẽo’ > ‘alheo’;
‘cena’ > ‘cẽa’, ‘cea’), e (b) queda de consoantes coronais intervocálicas (‘sedere’ > ‘seer’;
‘credere’ > ‘creer’; ‘malu’ > ‘mao’; ‘mala’ > ‘maa’, ‘solu-’ > ‘sôo’; ‘colore’ > ‘coor’). Nessa
fase da língua, os hiatos se mantinham tanto em sílabas tônicas (‘alheo’, ‘creo’), quanto em
sílabas átonas (‘coorar’ [pretônica]; ‘diaboo’ [postônica]).
De acordo com Huber (1933), é a partir do séc. XIII que os hiatos começam a ser
evitados, principalmente por meio da crase, nos casos de vogais adjacentes idênticas (‘seer’ >
‘ser’; ‘coorar’ > ‘corar’). Tal posição é também defendida por Mattos e Silva (2001), que
menciona, ainda, o fato de a degeminação ter-se iniciado em sílabas não-acentuadas (‘coorar’
> ‘corar’; ‘diaboo’ > ‘diabo’). A opinião de que os hiatos começaram a ser preteridos, já no
português arcaico, também é partilhada por Teyssier (1997).
Os fatos comentados levam às seguintes indagações: (a) houve uma conspiração geral
contra os hiatos na história do português? e b) é possível utilizar a mesma hierarquia de
restrições para todos os momentos históricos da língua?
Nos dias de hoje, como destacamos no capítulo 2, hiatos se realizam quando o
segundo elemento do encontro é acentuado (‘país’, ‘baú’, ‘saí’) (OLIVEIRA, 2006;
RODRIGUES, 2007). Quando o primeiro elemento porta acento, no entanto, tende a ocorrer,
na fala carioca, (a) um ditongo, que pode ser crescente (‘fêm[jɐ]’) ou decrescente
(‘pass[ej.jʊ]’), (b) uma crase (‘álc[o]l’), ou (c) a absorção de [i] por uma consoante precedente
de articulação palatal (‘colé[Ʒ]o’). Essas realizações são mais fartamente exemplificadas no
quadro em (01) a seguir:
(01)
190
Processo
Ditongação (por alteamento da vogal
média ou por epêntese)
Crase
Absorção da vogal por consoante de
mesma natureza
Exemplos
passear > pass[ej.jʊ]
cear > c[ej.jʊ]
errônea > errôn[jɐ]
fêmea > fêm[jɐ]
lagoa > lag[ow.wa]
coroa > cor[ow.wɐ]
mágoa > mág[wɐ]
lêndea > lênd[jɐ]
álcool > álc[o]l
oosfera > [o]sfera
ooforalgia > [o]foralgia
cree > cr[e]
lee > l[e]
colégio > cole[ʒ]o
relógio > relo[ʒ]o
pedágio > pedá[ʒ]o
Processos que atuam para evitar a realização do hiato
Sobre o quadro, cabe uma observação. O processo de ditongação se dá, sobretudo, de
duas maneiras: (1) em função do alteamento da vogal média (‘fêmea’ > ‘fêm[jɐ]’; ‘mágoa’ >
‘mág[wɐ]’) e (2) através da inserção de glide homorgânico à primeira vogal (‘passear’ >
‘pass[ej.jʊ]’; ‘boa’ > ‘b[ow.wɐ]’). Esses últimos casos, como vimos em 4.2 e em 4.3, são
caracterizados pela ambissilabicidade do glide, pois ocorre a formação de dois ditongos: um
decrescente ([ej]; [ow]) e outro crescente ([jʊ]; [wɐ]).
Como enfatizamos no capítulo 4, hiatos são hoje pouco produtivos, já que vogais
finais adjacentes são tautossilabificadas, formando um ditongo, ou separadas por um glide
intrusivo. No primeiro momento de formação da língua portuguesa, como antecipamos, havia,
ao que tudo indica, um número considerável de estruturas V.V, oriundas, predominantemente,
da queda de consoantes intervocálicas do latim (‘credere’ > ‘creer’; ‘mala’ > ‘maa’).
191
Com base nos dados analisados, sobretudo os retirados da Crônica Geral de Espanha,
de 1344, é possível notar que, a partir da segunda metade do séc. XIII, hiatos começam a ser
desfavorecidos de forma gradual e contínua, como acontece em todos os processos de
mudança linguística (WEINRICH, LABOV & HERZOG, 1968). Na Crônica Geral de
Espanha, ora é encontrado o hiato, ora o ditongo, o que ocorre, em alguns casos, na grafia de
uma mesma palavra. Por exemplo, ‘legoas’ (V1, p. LXXIV) também aparece escrita ‘leguas’
(V1, p. LXXIV), que, supomos, favorece a formação do ditongo crescente pelo alçamento da
primeira vogal do encontro ([o.ɐ] > [wɐ]). Algumas palavras já aparecem escritas, em todos
os textos, com a inserção do glide, como é o caso de ‘cheio’ e ‘ideia’; outras sofrem
degeminação, como ‘seermos’ (V1, p. LXII) > ‘sermos’ (V1, p. LXII). Assim, o hiato passa a
ser evitado, ora por um processo, ora por outro, evidenciando uma espécie de conspiração
contra essa estrutura.
Pode-se imaginar que seja a partir da segunda metade do séc. XIII o início do processo
de desfavorecimento de hiatos ainda no português arcaico. Também é possível inferir que esse
processo tenha passado por um período mais ou menos longo de variação, até chegar à
mudança que se consolidou no português atual.
Em suma, a história dos hiatos do português pode ser dividida em duas fases. Na
primeira (momento no qual a língua portuguesa começa o seu processo de formação – o
galego-português), o hiato chega à superfície devido à ação de processos fonológicos
diversos. Já no segundo momento, esse tipo de estrutura ora se realiza, ora não. Essa divisão
pode ser sintetizada no quadro em (02), a seguir:
192
(02)
1º momento
2º momento
Primeira fase de formação da língua
(final do séc XII e início do séc. XIII)1
Segunda fase de formação da língua (a
partir de meados do séc. XIII)2
Os dois momentos da história dos hiatos
Não foram estabelecidas datas precisas porque a língua não é algo estático e, por isso,
as mudanças linguísticas nunca ocorrem abruptamente (WEINRICH, LABOV & HERZOG,
1968). Assim, hiatos não deixaram de ser realizados de uma hora para outra, mas ao longo do
tempo. A análise de dados históricos permitiu observar que os processos que começaram a
atuar a partir de meados do século XIII são os mesmos que hoje atuam, ou seja, as forças que
conspiravam contra a realização dos hiatos (quadro em (03), a seguir) são as mesmas que hoje
conspiram (quadro em (01), acima):
(03)
Processos
crase
Exemplos
seer > ser, creer > crer, coor > cor
absorção de uma vogal por consoante de
mesma natureza
angeo > anjo, rigeo > rijo
ditongação proveniente de [y] e [w]
epentéticos antes da átona final
fea > feia, cea > ceia, tea > teia
Processos atuantes durante a formação da língua
1
Para o estabelecimento da data proposta, consideramos o Testamento de Afonso II (1214) e a Notícia do Torto
(entre 1214 e 1216). A Cantiga da Ribeirinha não foi considerada porque nela não foram encontrados dados
pertinentes à análise.
2
Preferimos não usar uma data pontual. O séc. XIII foi escolhido por dois motivos: (a) Huber (op. cit.) defende
que o início da dissolução dos hiatos deu-se no séc. XIII; (b) Os primeiros documentos da língua (Testamento de
Afonso II e Notícia de Torto) são do início do séc. XIII e, portanto, para o segundo momento consideramos tudo
o que for posterior ao início do séc. XIII.
193
Para o primeiro momento da história dos hiatos em português (cf. quadro em (02)), é
possível pressupor que a restrição ONSET (a posição de ataque silábico é preenchida; sílabas
não começam por vogais) não era muito bem cotada na língua, uma vez que os hiatos, ao que
tudo indica, se realizavam, como se vê em ‘fea’, ‘cea’ e ‘seer’, entre tantos outros exemplos.
Já a partir da segunda fase (meados do séc. XIII em diante), a restrição ONSET parece
ter o seu lugar alterado e passa a ocupar posição mais destacada no ranking, uma vez que os
hiatos tendem a ser desfavorecidos, principalmente através do preenchimento da posição de
onset. Observando os dados, é possível constatar que, na primeira fase de formação da língua,
hiatos se manifestavam tanto em contextos tônicos (‘alheo’; ‘fea’) quanto em posições átonas
(‘coorar’; ‘diaboo’). No português brasileiro atual (fala carioca), o hiato tende a se realizar
somente quando a segunda vogal porta acento (‘coelho’, ‘toalha’). Mesmo nessa situação, o
hiato só se manifesta (a) quando a segunda vogal é alta e a primeira, média ou baixa (‘saúde’;
‘baú’; ‘reúne’) e (b) quando o alçamento da pretônica leva a uma palavra já existente na
língua (‘meado’). Em outras situações, como vimos, quase sempre há preferência pelo
ditongo 3.
Em determinadas situações, a concatenação morfológica pode levar à adjacência de
vogais. Por exemplo, no paradigma do presente do indicativo, o tema verbal fica adjacente à
desinência e, com isso, cria um encontro vocálico em nível subjacente: passe + o; sabore + a;
rate + a. No entanto, quando a forma verbal é rizotônica, ocorre epêntese sistemática de [j]:
‘passeio’,
‘rateia’.
Esses
exemplos evidenciam
que hiatos
são
sistematicamente
desfavorecidos em dados de interface morfologia-fonologia, sobretudo no paradigma verbal,
quando verbos terminados em -ear, como ‘passear’, ‘ratear’ e ‘saborear’, são conjugados.
3
O hiato pode ser desfeito quando (a) a primeira vogal é média e a segunda, baixa (‘t[wa]lha’; ‘t[ja]tro)’; (b) as
duas vogais são médias (‘c[we]lho’); (c) as duas vogais são altas (‘r[wi]do’; ‘m[ju]do’).
194
Nos casos de inserção de glide, além de percebermos a forte militância de ONSET,
outras restrições também são igualmente relevantes. DEP-IO (todo elemento do output
apresenta correspondente no input; não há inserção do input para o output) é frequentemente
violada, pois o hiato não se realiza como tal na forma que chega à superfície.
Comparando o estágio atual com o pretérito (séc. XII e início do séc. XIII), constata-se
que ONSET foi promovida, enquanto DEP-IO – que antes estava bem cotada, uma vez que o
hiato chegava à superfície, não havendo qualquer infidelidade ao input – passou por um
progressivo processo de despromoção.
O conflito entre o que está na forma subjacente e o que chega à superfície é, na
verdade, um conflito de restrições, principalmente entre ONSET e DEP-IO, que pode ser
generalizado como uma concorrência entre MARCAÇÃO e FIDELIDADE. Os dados atuais
evidenciam que, hoje, MARCAÇÃO >> FIDELIDADE, enquanto os dados da primeira fase
de formação do português revelam que FIDELIDADE >> MARCAÇÃO.
O conflito entre forma subjacente e forma de superfície nos remete, ainda, à seguinte
indagação: que estrutura deve ser posta no input? Essa questão pode ser resolvida por meio do
Princípio de Riqueza do Input e do Princípio de Otimização do Léxico, que, como
enfatizamos no capítulo 3, se complementam (não se contradizem, como, em princípio,
parece). O primeiro permite que qualquer material seja posto no input; o segundo, ao
contrário, controla a colocação de material na forma subjacente, evitando discrepâncias
desnecessárias entre essas duas linhas de representação linguística. A Riqueza do Input
permite que, na forma subjacente, apareça determinada estrutura evitada no output ótimo, ao
mesmo tempo em que a Otimização do Léxico busca manter o máximo de semelhança entre o
que é posto como alvo e o que chega à superfície, o que não significa, necessariamente, que
inputs e outputs precisem ser idênticos.
195
Na análise apresentada na próxima seção, propomos que, em dados como ‘passeio’ e
‘rateio’, apenas duas vogais não-silabificadas sejam postas no input, mas, uma vez
consolidada a mudança, algumas formas devem ter seu input alterado, de modo que o glide
conste da subjacência. De acordo com Holt (1997), a mudança só atinge o seu estágio final
com a alteração do input. Desse modo, somente consideramos inteiramente processada a
mudança que atingiu formas como ‘freio’ e ‘ceia’, entre outras.
5.2 Análise dos dados
Com base na proposta de Hutton (1996), sugerimos que, no decorrer do tempo, houve
um re-ranqueamento de restrições no desfavorecimento de hiatos por epêntese. Essa nova
ordenação, acreditamos, teve como objetivo alcançar o equilíbrio na língua, fazendo com que
a estrutura silábica não-marcada CV chegasse à superfície, como já se observava, de uma
forma geral, no próprio galego-português (cf. HUBER, 1933).
No nosso entendimento, o gatilho do re-ranqueamento é DEP-IO, restrição
despromovida e pivô de uma série de alterações na escala hierárquica. A despromoção de
DEP-IO implica, ao mesmo tempo, (1) alternância de dominância entre as demandas do
ranking e (2) promoção da família MARCAÇÃO. Para confirmar essa hipótese, usamos as
restrições já definidas e explicadas no capítulo 4 (ONSET, DEP-IO) e sugerimos três
momentos de evolução para os encontros estudados.
Para o primeiro momento, propomos a existência de uma hierarquia estabilizada, na
qual DEP-IO domina restrições de marcação (DEP-IO >> MARCAÇÃO), o que se baseia na
196
proposta de Holt (dominância de uma restrição sobre uma família inteira de restrições), como
vimos no capítulo 3. Para o segundo momento (fase intermediária), sugerimos a coexistência
de diferentes rankings (variação); para o terceiro momento (o estágio atual), propomos a
estabilização da mudança, concretizada com a despromoção de DEP-IO.
Voltando à escolha da representação subjacente, propomos, com base em Adam
(2002), que o input do primeiro momento de formação da língua seja o mesmo do período
intermediário, uma vez que a forma subjacente não influencia o resultado a que se chega pela
melhor satisfação à hierarquia. Para o momento em que a mudança se concretiza, propomos
que o input seja alterado nos verbos em que o glide se mantém tanto na primeira pessoa do
singular, situação em que o acento recai na primeira vogal do encontro (‘rateio’), como na
primeira pessoa do plural, forma na qual o acento incide na segunda (‘ce[ia]mos’).
Se o hiato não se realiza nos casos em que o acento recai na segunda vogal, no nosso
entendimento, constitui indício de que o glide já está presente na forma subjacente. É
importante observar, também, que (a) verbos como ‘frear’, ‘cear’, e ‘enfear’ têm em comum o
fato de apresentarem apenas duas sílabas na sua forma infinitiva e (b) nesses verbos, a
reestruturação do input implica em reestruturação da hierarquia, principalmente no que diz
respeito às restrições de fidelidade.
Nos casos de verbos que, em princípio, realizam o hiato quando o segundo elemento é
tônico (‘ratear’ > ‘rateamos’), sugerimos que o input seja mantido. Geralmente, de acordo
com a análise de alguns dados recolhidos e analisados, os verbos que não formam ditongo
decrescente na primeira pessoa do plural são aqueles que apresentam mais de duas sílabas,
como, por exemplo, ‘passear’, ‘ratear’ e todos aqueles formados de nomes pelo acréscimo do
sufixo -ear (‘parafrasear’, ‘romancear’, ‘casear’, ‘balancear’). Com base na Riqueza do Input,
propomos a manutenção da estrutura VV na representação subjacente, levando em conta a
197
agramaticalidade das seguintes formações: *romanceiamos, *parafraseiamos, *rateiamos,
*balanceiamos, *saboreiamos.
Na primeira fase considerada (final do séc. XII até meados do séc. XIII), hiatos
aparecem em vários documentos históricos utilizados como corpus, a exemplo do Testamento
de Afonso II e da Notícia de Torto. A recolha de inúmeros hiatos que hoje correspondem a
ditongos (‘fea’, ‘cea’) indicia que os mesmos eram produzidos como tais.
A chegada dos hiatos à superfície evidencia a forte atuação de FIDELIDADE. Nesse
momento, era de suma importância que a saída fosse o mais idêntica possível à entrada.
Assim, se um candidato a output violasse a restrição de fidelidade DEP-IO, possivelmente sua
eliminação da disputa seria automática, o que explicita a interação de uma restrição com uma
família inteira de restrições: a família MARCAÇÃO. Vejamos o tableau genérico em (04), a
seguir, em que M representa a família MARCAÇÃO:
(04)
/input/
[cand1]
[cand2]
DEP-IO
*!
MARCAÇÃO

*
Conflito entre DEP-IO e MARCAÇÃO
No tableau ilustrativo acima, [cand2] viola algum restritor da família MARCAÇÃO,
mas passa pelo crivo da demanda mais importante e isso o faz vencedor. Ao mesmo tempo,
[cand1] respeita MARCAÇÃO, mas viola DEP-IO e essa infração o elimina da disputa
imediatamente. Assim, temos DEP-IO >> MARCAÇÃO. Apliquemos a hierarquia em (04) à
análise de dados reais. Comecemos com a nominalização do verbo ‘passear’4:
(05)
4
Nesse e em outros trableaux, representamos foneticamente somente a seqüência de interesse.
198
/pa'seo/
a) pa.[ 'se.]o
b) pa.[ 'sej.]o
c) pa.[ 'se.j]o
DEP-IO

MARCAÇÃO
*
*!
*!
Análise de ‘passeo’
Dos três candidatos, dois, (b) e (c), são eliminados da disputa já no primeiro restritor
(DEP-IO). O candidato (a), apesar de ser uma forma estruturalmente marcada (a última sílaba
não apresenta ataque, o acento recai numa sílaba leve), é o único que atende DEP-IO e, com
isso, vence a competição de imediato.
Apesar de estarmos focando hiatos finais e mediais em verbos e em nomes deverbais,
nos documentos históricos analisados encontramos poucos exemplos de formas verbais. No
entanto, um número considerável de nomes apresentou estrutura VV, o que mostra a
produtividade de hiatos nesse estágio histórico da língua. Observe-se o tableau a seguir, para
o nome ‘tea’, bastante frequente nos textos consultados:
(06)
a) ['te.]a
b) ['tej.]a
c) ['te.j]a
/'tea/

DEP-IO
*!
*!
MARCAÇÃO
*
*
Análise de ‘tea’
No tableau em (06), os candidatos (b) e (c) são sumariamente eliminados em DEP-IO
porque inserem um nó de raiz. O candidato (a) vence a disputa, já que é o único que obedece a
essa restrição. Nesse caso, de nada importa satisfazer a outras demandas, como se esforçam
por fazer os candidatos (b) e (c): inserir material fônico sem respaldo no input constitui
infração grave e isso não é compensado com a melhor satisfação a exigências de nível mais
199
baixo. Enfim, se duas vogais adjacentes constam da representação subjacente e FIDELIDADE
domina a hierarquia, formas com hiato sempre emergirão.
Como DEP-IO, também MAX-IO (restrição antiapagamento) dominava ONSET nessa
fase da língua. Observe-se, no tableau abaixo, que o candidato ótimo realiza um hiato e viola
duas vezes ONSET, enquanto o rival satisfaz melhor ONSET, minimizando o número de
sílabas sem ataque, mas apaga uma vogal e comete uma violação fatal a MAX-IO:
(07)
/di'aboo/
a) dia[bo.o]

b) dia[bo]
MAX-IO
*!
ONSET
**
*
Análise de ‘diaboo’
Passando ao segundo momento relevante para a análise dos hiatos na língua
portuguesa (o de variação), percebe-se que, por volta de meados do séc. XIII, hiatos começam
a ser desfavorecidos e, segundo Huber (1933), isso acontece, inicialmente, por meio da crase.
Analisando essa informação à luz da TO, podemos afirmar que ONSET muda de posição com
MAX-IO e, com isso, traz à superfície formas com menor número de sílabas sem ataque. Essa
alteração no ranking pode ser conferida no tableau a seguir:
(08).
/di'aboo/
a) dia[bo.o]
b) dia[bo]

/do'or/
a) d[o.'o]r
b) d[o]r

/se'er/
a) s[e'e]r
b) s[e]r

ONSET
**!
*
ONSET
*!
ONSET
*!
Análise de ‘diaboo’, ‘door’ e ‘seer’
MAX-IO
o
MAX-IO
o
MAX-IO
e
200
As formas selecionadas em (08) emergem com a simples alteração na dominância de
MAX-IO sobre ONSET. Observe-se que os candidatos em (b) apagam um segmento do input,
mas o fazem com um único propósito: otimizar sílabas iniciadas por ataque. Portanto, a crase
é justificada pelo re-ranqueamento de restrições.
Além da crase, outros processos começaram a ocorrer; essas ocorrências, porém, não
se davam sempre, como evidenciam os dados recolhidos, sobretudo os encontrados na
Crônica Geral de Espanha. Nessa fase histórica da língua, os copistas oscilavam entre a
grafia com hiatos e a escrita sem essa estrutura, o que sugere a existência de variação na fala.
Na Crônica Geral de Espanha, alguns dados nos permitem observar oscilação entre o
hiato e a forma com inserção de glide, o que acena, mais uma vez, para a existência de
variação nesse período. Os casos de variação são tratados pela TO como uma disputa entre
rankings nos quais algumas restrições ainda não apresentam lugar definido e alternam suas
posições, como foi visto no capítulo 3, especialmente em 3.1.5 e 3.1.6. Segundo Holt (1997),
essas restrições são chamadas de móveis. No caso de inserção de glide, percebemos que as
restrições móveis são DEP-IO, de um lado, e ONSET ou STW (Stress-To-Weight), de outro5.
O restritor STW (Acento leva a peso), segundo o qual sílabas portadoras de acento
primário são pesadas (HOLT, 1997: 81), milita em favor de rimas ramificadas, já que
desfavorece sílabas leves acentuadas. Acreditamos que a epêntese de [j] pode ter sido
motivada (a) pela rejeição ao acento primário em sílabas leves, como acontece em ‘cea’ e
‘fea’ (militância de STW), ou (b) pela rejeição a sílabas iniciadas por V (militância de
ONSET).
5
Como os registros são escritos, obviamente não temos condições de saber se o segmento epentético se filiava à
rima da penúltima sílaba, à coda da última ou era ambissilábico. Fato é que ‘fea’ e ‘cea’ originaram, com a
inserção de [j], ‘feia’ e ‘ceia’, respectivamente. No entanto, é impossível determinar o status silábico desse
segmento.
201
A oscilação entre os restritores dá origem à competição entre dois rankings. Em um
deles, DEP-IO ocupa lugar mais privilegiado; no outro, STW ou ONSET são as restrições
dominantes. Essa disputa traz à superfície formas igualmente ótimas que convivem durante
um tempo, até que a mudança se consolide e apenas um dos rankings seja utilizado na língua.
Em forma de tableaux genéricos, essa variação pode ser representada da seguinte maneira:
(09)
INPUT
[cand 1]
[cand 2] 
DEP-IO
STW
*!
INPUT
ou
*
[cand1]
[cand2] 
DEPIO
*!
ONSET
*
Variação (representação I)
(10)
INPUT
[cand 1] 
[cand 2]
STW
DEPIO
*
INPUT
ou
*!
[cand1] 
[cand2]
ONSE
T
DEP-IO
*
*!
Variação (representação II)
Nos tableaux apresentados, vemos que, entre o primeiro momento de formação da
língua e o momento no qual a mudança se inicia, hierarquias parciais fazem com que mais de
um candidato chegue à superfície: um que respeita DEP-IO (tableau em 09) e outro, em (10),
que melhor satisfaz STW ou ONSET. Como as restrições de marcação e DEP-IO não estão
definitivamente ranqueadas, ora a saída era idêntica à entrada, favorecendo o hiato, ora a
saída, para atender STW ou ONSET, insere o glide e, com isso, confere peso à sílaba
acentuada ou preenche a posição de ataque6.
6
Como dissemos, é impossível saber qual das duas forças foi a decisiva – se STW ou ONSET. Certo é que a
forma mais fiel ao input não emerge quando uma delas domina DEP-IO.
202
Os tableaux em (09) e (10) possibilitam perceber a direcionalidade da mudança, que,
nesse caso, parte do marcado para o não-marcado7. Assim, observando dados reais, temos a
seguinte situação8:
(11)
/pa'seo/
a) pa.[ 'se.]o
b) pa.[ 'sej.]o 
STW
DEPIO
*!
ou
*
/pa'seo/
ONSET
a) pa.[ 'se.]o
b) pa.[ 'se.j]o 
*!
DEPIO
*
Direcionalidade da mudança I
(12)
/pa'seo/
a) pa.[ 'se.]o 
b) pa.[ 'sej.]o
DEPIO
STW
*
*!
/pa'seo/
ou
a) pa.[ 'se.]o
b) pa.[ 'se.j]o 
DEP
-IO
ONSET
*
*!
Direcionalidade da mudança II
No tableau em (11), DEP-IO inicia seu processo de despromoção. Nesse tableau, o
candidato com hiato é eliminado ou por STW ou por ONSET. Desse modo, as realizações
possíveis para essa fase histórica da língua são ‘pa.[ 'sej.]o’, com o glide em coda, ou ‘pa.[
'se.j]o’, com esse segmento em onset, mas jamais ‘pa.[ 'se.]o’.
No tableau em (12), a dominância de DEP-IO impede que qualquer outra forma venha
ameaçar a que se mantém fiel ao input. Em outras palavras, a prioridade desse restritor
assegura a emergência da estrutura V.V.
7
Segundo Zubristskaya (1994), nem sempre a direcionalidade parte em direção ao não-marcado. No caso em
questão, constitui tendência, nas línguas naturais, acentuar sílabas pesadas (HOLT, 1997) e preencher a posição
de ataque, o que justifica a mudança na direção do não-marcado.
8
Nos tableaux, pelas razões já mencionadas, propomos apenas 3 candidatos, com a ressalva de que a escolha de
dois ótimos no primeiro é apenas ilustrativa. Como não temos condições de saber qual era, de fato, a vinculação
do glide, uma dessas realizações, acreditamos, era a possível (não estamos assumindo variação entre elas).
203
Uma questão que deve ser esclarecida, nessa segunda fase, é a escolha do input. Nesse
momento, temos duas hierarquias parciais, mas optamos por não alterar a representação
subjacente, nesse momento, e, para tal, nos baseamos em dois principais argumentos:
(i) durante o processo de variação, é possível que algumas formas prematuras cheguem à
superfície e, uma vez que a forma subjacente é escolhida com base na de superfície,
uma superfície equivocada poderia resultar em um input equivocado; e
(ii) a oscilação na forma de entrada poderia alterar a escolha do candidato ótimo devido à
importância de DEP-IO (restrição que estabelece uma relação de fidelidade entre
inputs e outputs).
Em resumo, as hierarquias parciais mostram a existência de mais de um output ótimo
em uma mesma sincronia. A coexistência de formas ocorre devido à presença de restrições
móveis, que revelam que o marcado começa a dar lugar ao não-marcado, ou seja, a partir de
meados do séc. XIII forças entram em conflito para que estrutura V.V não se realize.
No terceiro momento, a oscilação chega ao fim e, aos poucos, o restritor ONSET é
promovido e se estabelece no topo da hierarquia. DEP-IO, ao contrário, é despromovido e
sofre rebaixamento no ranking. Agora, já não é mais tão relevante que a saída seja idêntica à
entrada. Os dados recolhidos nos mostram que o mais importante no português falado no Rio
de Janeiro é que a estrutura CV seja mantida, mesmo que, para isso, haja violações de
fidelidade, como, por exemplo, a inserção de elementos (em alguns casos acompanhada de
uma bifurcação / ambissilabicidade).
A ambissilabicidade, implementada pela inserção de glide homorgânico à vogal
precedente (‘b[ow]a’; ‘pass[ej]o’), é praticamente categórica no português falado no Rio de
Janeiro, como vimos, e pode ser interpretada como resultante da realização alongada do
204
segmento epentético, como constatamos em pesquisa experimental com o programa PRAAT
(ver seção 4.4). Nesse caso, o preenchimento do ataque, ocasionado pelo ambissilabicidade do
glide, revela que ONSET é satisfeita, mesmo com o custo de violar uma restrição como
UNIQUE-σ9 (“nós de classe são ligados a uma única sílaba” ), já o que elemento epentético,
como se vê na representação abaixo, aparece vinculado a duas diferentes sílabas:
(13)
σ
O
R
Nu
b
σ
o
O
Co
R
Nu
w
a
Elemento ambissilábico (representação)
O restritor STW, como vimos, milita em favor de rimas ramificadas quando uma
sílaba porta acento primário. Se STW é obedecida e o input apresenta sílaba leve acentuada,
AGREE[V-place] (concordância no Ponto-de-V) deve aparecer para regular o ponto de
articulação do glide, sempre homorgânico à vogal que o antecede: ‘b[ow]a’; ‘pass[ej]o’.
Com as restrições levantadas e definidas, propomos, no capítulo 4, a seguinte
hierarquia para os dados atuais: ONSET >> OCP[rima] >> STW , AGREE[V-place] , DEP-IO
>> IDENT. Essa hierarquização revela a promoção de ONSET e STW e a consequente
despromoção de DEP-IO. No tableau a seguir, vemos a manifestação da primeira pessoa do
9
A família UNIQUE foi proposta por Benua (1996) e penaliza links múltiplos de elementos de vários níveis:
traços, segmentos, nós de classe. No caso em questão, UNIQUE-σ, também empregada no trabalho de Beckman
(1998), desfavore ligações de segmentos a sílabas diferentes, como é o caso da epêntese, em que o glide inserido
figura no onset de uma sílaba e na coda de outra.
205
singular do presente do indicativo do verbo ‘cear’10. Seguem o mesmo paradgima formas
como ‘passeio’, ‘escaneio’ e ‘anseio’, entre outras.
(14)
cear + P1 Ind. Pres.
a) ['se.]o
b) ['sej.]o
c) ['sew.w]o
d) ['se.j]o
e) ['sej.j]o

ONSET
*!
*!
OCP
STW
*
AGREE
*
*
DEP
IDENT
*
*!
*!
*
*
Análise de ‘cear’ (P1 Ind. Pres)
Os candidatos (a) e (b) apresentam uma sílaba sem ataque e, por violarem ONSET, são
eliminados logo no início da disputa. Os candidatos (a) e (d) acentuam uma sílaba leve e a
consequente violação a STW é fatal para a forma em (d), que também viola DEP-IO. Para
passar pelas restrições mais importantes, o concorrente (c) insere um segmento com traço
[dorsal] e, com isso, comete uma infração tanto DEP-IO quanto em AGREE [V-place], já que os
segmentos da rima silábica não se harmonizam no Ponto-de-V: o primeiro é [coronal] e o
segundo, [dorsal]. O candidato vencedor viola apenas DEP-IO (insere um segmento, [j], que
ocupa a posição de coda em uma sílaba e de onset, em outra), mas dá peso ao acento com a
criação de uma coda que concorda com o núcelo em Ponto-de-V (ambos são coronais).
O verbo ‘cear’ apresenta o glide tanto na primeira pessoa do singular como na
primeira do plural, ou seja, independentemente de onde recaia o acento, o glide é sempre
10
Nos tableaux, consideramos sempre cinco candidatos: o primeiro é o mais fiel ao input, com a preservação do
hiato que aparece na subjacência; o segundo insere glide homorgânico à vogal precedente na posição de coda da
penúltima sílaba; o terceiro insere glide não-homorgânico à vogal precedente que participa de duas sílabas
diferentes (é onset da última e coda da penúltima); o quarto insere glide homorgânico à vogal precedente na
posição de onset da sílaba final; por fim, o quinto insere glide homorgânico à vogal precedente e esse material
epentético participa de duas sílabas (é onset da última e coda da penúltima). Transcrevemos foneticamente
apenas a sequência que interessa e consideramos o acento na representação subjacente.
206
realizado. Para os dados a seguir, em (15), propomos que o glide conste da representação
subjacente:
(15)
frear
cear
enfear
Exemplos de verbos terminados em -ear
Através dos dados recolhidos, foi possível observar que, em verbos como ‘cear’ e
‘frear’, a inserção ocorre tanto na primeira pessoa do singular como na primeira do plural; o
mesmo não acontece em verbos terminados em -ear, em que a inserção ocorre na primeira
pessoa do singular, mas não na primeira do plural (‘parafraseio’, mas não *parafraseiamos).
Não há dúvida de que a mudança se instaura devido ao restritor ONSET não mais
alternar seu lugar na hierarquia com DEP-IO e passar, com isso, ao topo da escala. Em formas
como ‘rateio’, o candidato com epêntese e ambissilabicidade ganha a disputa e os demais
concorrentes são eliminados por cometerem violações mais graves. Porém, ao analisarmos a
primeira pessoa do plural do mesmo verbo, verificamos que a inserção jamais ocorre
(*rateiamos). No primeiro caso, a inserção do glide ambissilábico ocorre para satisfazer
ONSET e STW, como se vê a seguir:
(16)
ratear + P1 Ind.
Pres.
a) ra ['te.]o
b) ra ['tej.]o
c) ra ['tew.w]o
d) ra ['te.j]o
e) ra ['tej.j]o 
ONSET
*!
*!
OCP
STW
AGREE
DEP
IDENT
*
*!
*!
*
*
*
*
*
Análise de ‘ratear’ (P1 Ind. Pres.)
207
A primeira pessoa do plural do verbo ‘ratear’ dissolve o hiato com o alçamento da
vogal média (‘rat[ja]mos’) e não com a inserção de um glide. O mesmo ocorre com verbos
como ‘parafrasear’, ‘saborear’ e ‘passear’, entre inúmeros outros. Com isso, surgem as
seguintes questões: (a) a hierarquia proposta para os casos de inserção de glide dá conta dos
casos de alteamento da vogal média? e (b) o que esses verbos apresentam em comum que os
diferenciam dos outros apresentados anteriormente (‘cear’, ‘frear’)?
Para responder a primeira indagação, tentaremos, no próximo tableau, aplicar a
hierarquia proposta à primeira pessoa do plural do verbo ‘ratear’:
(17)
ratear + P4 Ind.
Pres.
ONSET
a) ra [te.'ɐ̃.mʊʃ]
b) ra [tej.'ɐ̃.mʊsʃ
c) ra [tew.'wɐ̃.mʊʃ]
d) ra ['tʃjɐ̃.mʊʃ] 
e) ra [tej.'j ɐ̃.mʊʃ]
*!
*!
OCP
STW
*
*
*
*
*
AGREE
DEP
*
*
*!
IDENT
*
*!
Análise de ‘ratear’ (P4 Ind. Pres.)
No tableau acima, os candidatos (a) e (b) apresentam sílabas sem ataque, o que de
pronto os elimina da competição. Logo após, os candidatos (c) e (e) são descartados por
apresentarem mais de uma violação no conjunto das restrições não hierarquizadas
crucialmente. Portanto, em verbos como ‘ratear’, o que tende a chegar à superfície é a forma
com alteamento da vogal média e formação de ditongo crescente (‘rat[ja]mos’) e não a forma
com a inserção de glide (*ra [tej.'j ɐ̃.mʊʃ]). Isso mostra que DEP-IO, apesar de dominada, tem
seus efeitos ainda visíveis em dados desse tipo11, já que a inserção de [j] em coda silábica, em
11
É por esse motivo que preferimos utilizar o termo despromoção, em vez de demoção, como faz Holt (1997).
208
dados como ‘ceio’ e ‘passeio’, tende a ocorrer apenas para satisfazer STW, totalmente inativa,
nesse caso, já que uma sílaba leve porta acento em todos os candidatos.
Por meio do tableau em (17), chegamos às seguintes conclusões sobre a ditongação
decorrente do alçamento da vogal média (e não pela inserção de glide): o processo evidencia
violação de outro restritor da família FIDELIDADE – IDENT – dominado pelo demais, já que
a mudança de traços do input para o output é o preço a ser pago pela otimização de sílabas
com ataque e formas sem inserção; e (b) a violação de um restritor contra complexidade
silábica – COMPLEX – assegura a satisfação a DEP-IO.
A observação de palavras derivadas de nomes com glide na forma primitiva (‘ideia’ –
‘ideal’, ‘idealizar’) sugere que apenas dois elementos vocálicos constam da representação
subjacente dos itens lexicais derivantes. Nesses casos, é mais consistente considerar que a
inserção, na forma primitiva, é motivada pelo ranking aqui proposto que descrever a forma
derivada como oriunda de uma violação a MAX-IO. Em nossa proposta, todos os exemplos
abaixo não teriam um glide na subjacência:
209
(18)
Forma primitiva
ideia
Formas derivadas
ideal
idealizar
idealização
areal
areado
areão
meados
entremear
meeiro
areia
meio
Exemplos derivacionais
Assim, com base nos dados, em parte12, concordamos com Zucarelli (2002), para
quem, num estudo de cunho derivacional/serialista, hiatos estão na forma de base em várias
palavras hoje grafadas com <i> (‘ideia’; ‘areia’). Massini-Cagliari (2003: 330) também
concorda com Zucarelli (op. cit.), pois afirma que, nesses casos, a intuição dos estudos
derivacionais estava correta.
Os dados em (18) apresentam comportamento peculiar, se comparados às formas
produzidas, por exemplo, a partir de ‘frear’. Embora as palavras abaixo apresentem um hiato
em sua forma gráfica, são sempre produzidas com um ditongo decrescente (pelo menos na
fala carioca):
(18)
frear
freasse
freada
frearam
freei
freou
freamos
frearem
Em resumo, os resultados alcançados nesta capítulo foram os seguintes: a) do final do
séc. XII até meados do séc. XIII, os hiatos eram produtivos e chegavam à superfície; b) com o
12
Consideramos que há apenas dois elementos vocálicos na forma de base, ou seja, não classificamos o encontro
nesse nível.
210
passar do tempo, forças entram em conflito para que tal estrutura não emerja e, com isso, a
hierarquia começa a passar por mudanças e ONSET e STW ganham lugar mais privilegiado
no ranking, o que revela a mudança de FIDELIDADE >> MARCAÇÃO para MARCAÇÃO
>> FIDELIDADE; c) antes que a mudança se consolidasse, a língua passou por um período
de variação, ou seja, mais de um candidato ótimo chegava à superfície; d) em alguns casos, o
input deve ser mantido e em outros a alteração da forma subjacente se faz necessária; e) os
processos heterogêneos que conspiravam contra o hiato são os mesmos que atuam agora; f) a
hierarquia proposta para os dados atuais é também consistente para dados pretéritos.
211
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como principais objetivos: (a) analisar as propostas de autores
como Bisol, Lopes e Mateus & D’Andrade, por exemplo, para a interpretação do material
subjacente em casos de contiguidade vocálica; (b) analisar o comportamento dos encontros
finais na fala carioca e, para tanto, fazer uso da teoria da otimalidade e da análise acústica por
meio do programa Praat; (c)construir uma base de dados própria para a análise devido às
dificuldades de abordar a variedade de encontros finais átonos que o português apresenta a
partir de amostras estratificadas, como o NURC, o PEUL e o D&G; (d) estabelecer uma
hierarquia para os encontros finais átonos e uma para os encontros finais que apresentam a
primeira vogal acentuada; (e) comprovar, por meio de indícios acústicos, a existência da
ambissilabicidade, bem como as diferenças existentes entre pares como vil/ vi-o, mil/ mio e
riu/rio; (f) mostrar que as forças que conspiram contra a realização de hiatos hoje são as
mesmas que atuaram em outras sincronias (RODRIGUES, 2007).
Em primeiro lugar, optamos por utilizar o termo genérico “encontro vocálico”, em vez
de ditongos ou hiatos, porque, ao estudarmos o posicionamento de autores Mattoso Câmara
Jr. (1970), Bisol (1989, 1994 e 1999), Lopez (1979) e Mateus & D’Andrade (2000) sobre o
nível subjacente, percebemos algumas contradições e divergências entre os mesmos. Em
primeiro lugar, M. Câmara Jr. defende a existência de glide no nível subjacente, enquanto os
demais defendem que, no nível subjacente, existem apenas vogais integrantes de hiatos e que
os ditongos são definidos durante a produção do falante. No entanto, como sinalizamos na
introdução e desenvolvemos na seção 2.1.6, como é defender a existência de hiatos ou de
glides no nível subjacente, se a silabação, bem como a ressilabação, são feitas durante a
produção? A própria definição de hiatos e ditongos baseia-se na sílaba, pois ditongo sempre é
212
definido como o encontro de dois elementos vocálicos na mesma sílaba e hiato, o de vogais
em sílabas diferentes. Assim sendo, acreditamos que no nível subjacente não há encontros
vocálicos previamente categorizados, ou seja, não acreditamos na existência de hiatos no
nível subjacente. Defendemos que nesse nível há apenas vogais que têm o seu papel silábico
definido durante a silabação e a ressilabação. Após definir a interpretação dada ao material
subjacente, cabe comentar a escolha do objeto de estudo, bem como o corpus utilizado e a
teoria escolhida.
Analisamos os encontros finais devido à grande divergência existente entre os
teóricos, a exemplo de gramáticos tradicionais, como Rocha Lima, Bechara, Cunha & Cintra e
Cegalla, entre outros, no que se refere à realização desses encontros. Considerar os ditongos
decrescentes como verdadeiros parece um ponto de concordância tanto entre os gramáticos
tradicionais quanto entre os linguistas mencionados no parágrafo anterior. No entanto, quando
se trata de ditongos crescentes finais, principalmente os átonos, há grande divergência:
enquanto alguns defendem a realização predominante dos ditongos, outros defendem a
variação livre , além disso, grande parte dos autores afirma que os ditongos crescentes não
surgem no mesmo momento que os decrescentes. Outra questão refere-se aos encontros que
naturalmente deveriam gerar a produção de hiatos e que, grande parte das vezes, não geram.
Por todas essas questões, levantamos um banco de dados com base na leitura e na
interpretação de textos previamente apresentados a informantes cariocas de diferentes faixas
etárias e níveis de escolarização. Tais dados foram transcritos e, em casos de dúvidas, foram
submetidos a dois juizes para verificar o que realmente foi produzido pelos informantes que
participaram dos testes.
Usamos a Teoria da Otimalidade, em sua versão dita clássica, para fazer a análise, uma
vez que essa teoria, por considerar que infrações não geram agramaticalidade e por trabalhar
213
justamente com conflitos entre fidelidade e marcação, pareceu-nos mais adequada para
descrever o fenômeno.
Ao analisarmos os dados, percebemos que houve alguns casos de variação, como em
‘perdoe’ e ‘enjoo’. Para lidarmos com diferentes realizações para um mesmo input, lançamos
mão da não-hierarquização de algumas restrições. Em 3.1.5, vimos que Lee & Oliveira
(2003), retomando Antilla (1997) e Broihiers (1995), discutem a possibilidade de a variação
ser resolvida em um único tableau, com alguns restritores não-hierarquizados num
ranqueamento total e foi justamente essa a proposta utilizada para dar conta dos casos de
variação.
Em princípio esperávamos chegar à apenas uma hierarquia que desse conta tanto dos
encontros finais átonos (‘mágoa’, ‘lêndea’) quanto dos casos em que o primeiro elemento do
encontro é acentuado (‘padaria’, ‘pontuo’). Isso não foi possível, já que os fenômenos
atuantes em cada caso não são exatamente os mesmos. Assim, após a observação dos dados e
os testes feitos com várias possibilidades de ranqueamento, chegamos à seguinte hierarquia
para o primeiro caso: NO-PROP, ONSET >> *MID >> CODACOND
[+voc]
>> FID. A
hierarquia conseguiu abranger todos os encontros átonos finais, a saber: -ia -ie, -io, -oa, -eo, ea, -ue, uo, -ua e -il, este último resultante da vocalização da lateral final (cf. seção 4.1). O
primeiro restritor levantado baseia-se na tendência natural do português de evitar
proparoxítonas e, no mesmo patamar hierárquico, encontra-se ONSET, que exige que a
posição de ataque de uma sílaba sempre seja preenchida. Os dois restritores, nesse caso,
apresentam a mesma importância. Percebemos a atuação de *MID porque, sempre que
possível, a vogal média passa por alteamento e ocupa a posição de margem silábica, ou seja,
em grande parte dos casos a realização da vogal média é barrada. Já CODACOND
[+voc]
está
voltada para os casos em que ocorre a vocalização da lateral, que também gera um ditongo.
Por fim, e bem menos cotada na hierarquia devido a grande atuação dos restritores estruturais,
214
está a restrição FID, que funciona como uma família que milita em favor da preservação da
identidade entre input e output.
O segundo caso, em que o primeiro elemento é tônico, abrange os encontros -oa, -oe,
–oo, -ia, -ie, -io, -ua, -ue e -uo e pode ser analisado pela segunda hierarquia proposta:
ONSET >> OCP[abertura] >> STW , AGREE[V-place] , DEP-IO >> IDENT. A militância do
primeiro restritor é tão forte quanto no primeiro caso e, por isso, domina todos os demais.
OCP[abertura] desfavorece elementos vocálicos de mesmo grau de abertura na rima. Assim,
OCP[abertura] penaliza segmentos adjacentes de mesma altura. STW , AGREE[V-place] , DEPIO não aparecem hierarquizadas porque apresentam a mesma importância. Desse modo,
privilegiar sílabas acentuadas pesadas é tão importante quanto requerer o mesmo ponto de
articulação nos elementos da rima e desfavirecer a inserção de elementos. Por último,
encontra-se IDENT, que luta pela identidade de traços entre input e output. É importante
ressaltar que a hierarquia conseguiu dar conta de todos os casos com V1 acentuada.
Durante a investigação dos dados do segundo grupo, dois fotos interessantes foram
percebidos: (i) em alguns casos em que ocorreu a epêntese, ocorreu também a
ambissilabicidade; e (ii) em outros casos, apesar de não ter sido inserido elemento algum,
ocorreu o prolongamento de um elemento que já existia, como o caso, por exemplo, de ‘frio’.
Para comprovar tais observações feitas de oitiva, utilizamos o PRAAT. Dessa forma, o
PRAAT foi utilizado para comprovar o prolongamento do primeiro elemento do encontro e
para levantar indícios de sua ambissilabicidade. Na análise, ficou realmente comprovado que
em pares como riu/ rio apresentam distinção fonética. No primeiro caso, ocorre um ditongo
decrescente e, no segundo, o primeiro elemento do encontro é alongado e forma, na segunda
sílaba, um ditongo crescente.
Os resultados dos dados nos quais o elemento inserido parece prolongar-se e fazer
parte de duas sílabas ao mesmo tempo (cf. RODRIGUES, 2007) também foram favoráveis à
215
hipótese levantada. Com base no PRAAT, a comparação entre o glide default e o glide
epentético para impedir a emergência do hiato comprovou que aquele dura bem menos que
este e que não há pausa visível nos espectrogramas, o que evidencia que o elemento faz a
união das duas sílabas e, por isso, ocupa a posição de coda da sílaba anterior e a posição de
onset da sílaba seguinte.
Em suma, os resultados deste trabalho comprovam que, de maneira quase categórica,
não há produção de hiatos na borda direita da palavra. Os dados comprovam que ditongos
chegam à superfície, nos contextos analisados, principalmente devido à ação do alçamento, da
epêntese e da degeminação, além da vocalização da lateral e do alongamento do primeiro
elemento do encontro, que também militam em favor da realização do ditongo, forma, mais
que comprovadamente, menos marcada na língua.
216
BIBLIOGRAFIA
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