Como sE Espia o CElular dE uma primEira ministra
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Como sE Espia o CElular dE uma primEira ministra
0 # 14 o Ed iç ã BENITO MUSSOLINI Grão-mestre da ditadura ADMIRADOR OCULTO Oásis Quem frequenta a sua página no Facebook? Descubra RETORNO À VIDA SELVAGEM ALÔ, ANGELA? É O BARACK Como se espia o celular de uma Primeira Ministra Todos sabemos, desde sempre, que todos os governos, a não ser os realmente paupérrimos, prestam-se às atividades de espionagem uns contra os outros por Luis Pellegrini Editor N ossa matéria de capa trata de um tema quente: a encrenca internacional provocada por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, que delatou as operações de espionagem norte-americanas sobre chefes de Estado de vários países da Europa e de outros continentes – inclusive o Brasil. Angela Merkell, a toda-poderosa chanceler da Alemanha, era um dos alvos mais visados pelos serviços secretos dos EUA. Na onda geral dos protestos, a revista alemã Der Spiegel, o semanário mais importante do país, resolveu ir mais fundo nas investigações. E acabou descobrindo que boa parte das embaixadas e consulados norte-americanos, se não a totalidade deles, abrigam instalações de espionagem eletrônica ultra sofisticadas, capaz de “grampear” não apenas computadores mas também telefones celulares de qualquer um, inclusive de reis e rainhas, presidentes de repúblicas e primeiros-ministros, como é o caso de Angela Merkel. A matéria mostra imagens de embaixadas e consulados que apontam sobretudo para as tais janelas-falsas, todas elas rádio-transparentes, criadas para deixar passar os sinais de oásis . Editorial 2/41 rádio de celulares. por Luis Pellegrini Editor Uma descoberta importante, sem dúvida. Mas também, um segredo de polichinelo, já que todos sabemos, desde sempre, que todos os governos, a não ser os realmente paupérrimos, prestam-se às atividades de espionagem uns contra os outros. Obama faz, é claro. Mas quem não faz? Todos sabem praticamente tudo de todos, e como os podres são bastante generalizados, todos percebem a necessidade de permanecerem quietos e calados. O importante dessas denúncias é, na verdade, um outro: a destruição sistemática e irrefreável da privacidade. E a pergunta que realmente cabe é: como será o mundo do futuro, no qual não mais haverá vida privada? Matéria a reflexão, que será tratada num dos próximos números da revista. Para compensar esse generalizado terrorismo das espionagens, este número de Oásis traz também a íntegra de uma conferência imperdível do jornalista britânica Georges Monbiot, intitulada “Retorno à vida selvagem”. Confira. É fácil pensar que um político mundial de primeira linha como a chanceler alemã Angela Merkel use o celular várias vezes ao dia. Menos plausível é pensar que, do outro lado do Oceano Atlântico, fosse tecnicamente fácil aos serviços secretos norte-americanos escutar, desde 2002, as conversas telefônicas da líder alemã. No entanto, ao que tudo indica, isso ocorria regularmente. E Merkel estava longe de ser a única da lista. Dela fazem parte vários outros líderes globais, inclusive, é praticamente certo, a nossa presidente Dilma. Para não falar dos seus antecessores. Mas como se faz para ouvir as chamadas ao celular de alguém? Em particular, as chamadas de um primeiro ministro? oásis . Editorial 3/41 reportagem ALÔ, ANGELA? É O BARACK Como se espia o celular de uma Primeira Ministra oásis . reportagem 4/41 Sabe-se agora que há 11 anos os Estados Unidos interceptam milhões de chamadas telefônicas no mundo todo. Inclusive as da chanceler alemã Angela Merkel. Mas será assim tão fácil invadir o celular dos outros? Como isso é possível? É Por: Luis Pellegrini fácil pensar que um político mundial de primeira linha como a chanceler alemã Angela Merkel use o celular várias vezes ao dia. Menos plausível é pensar que, do outro lado do Oceano Atlântico, fosse tecnicamente fácil aos serviços secretos norte-americanos escutar, desde 2002, as conversas telefônicas da líder alemã. No entanto, ao que tudo indica, isso ocorria regularmente. E Merkel estava longe de ser a única da lista. Dela fazem parte vários outros oásis . reportagem líderes globais, inclusive, é praticamente certo, a nossa presidente Dilma. Para não falar dos seus antecessores. Mas como se faz para ouvir as chamadas ao celular de alguém? Em particular, as chamadas de um primeiro ministro? Um celular pode ser interceptado de duas maneiras distintas: instalando nele um microprograma espião ou captando as ondas de rádio que ele emite quando estamos falando com alguém. O primeiro caso deve ser praticamente excluído, por duas razões. A primeira: Se alguém é um primeiro ministro, supõe-se que possua um tipo de telefone mais seguro e atualizado do que o de um comum mortal. Até pouco tempo, a chanceler Merkel usava um Nokia 6210 Navigator. Ultimamente, passou a um Blackberry 210 e a um Galaxy S3. Segundo os jornais alemães, foram os serviços secretos alemães que lhe pediram para abandonar o Nokia, que se mostrava defasado em relação aos padrões mais elevados de segurança. Muito elevados para um primeiro ministro, entende-se. A segunda: É improvável que Angela Merkel tenha sido imprudente a ponto de descarregar um arquivo anexo no seu próprio celular que o tenha infectado com um software de escuta, embora já tenha sido noticiado que 5/41 quando e onde) e mensagens de texto. Mas é possível que em certos casos (como o da chanceler) todas as chamadas tenham sido gravadas. É possível”. agentes secretos russos tentaram isso. Exatamente de Moscou surge agora uma terceira hipótese: chaves USB e outros aparatos eletrônicos (como os cabos de baterias) fornecidos por funcionários das embaixadas russas conteriam softwares malignos capazes de infectar celulares e computadores com programas espiões. Apesar disso “é altamente improvável que o celular da chanceler Merkel estivesse infectado”, afirma Mikko Hypponen, chefe de pesquisa da empresa de antivírus F-Secure. Agarrar os dados A segunda opção, no entanto, possui mais credibilidade. Um celular, por mais sofisticado que seja, é sempre um aparelho de rádio: emite ondas que podem ser interceptadas e escutadas. “A inteligência norte-americana conseguiu ter acesso ao sistema de telecomunicações alemão e recolheu informações em larguíssima escala”, continua a contar Hypponen. “Trata-se em grande parte de metadados, como tabulações (o registro de quem chamou quem, oásis . reportagem Se um serviço de inteligência não dispõe de um acesso ao sistema de telecomunicações – hipótese plausível, mas tem de ser demonstrada – a única possibilidade é “agarrar” os dados que viajam livres no éter. Mas entender o que esses dados dizem, no entanto, é muito complicado. Os dados transmitidos, desde a introdução do sistema Gsm, não existem em forma analógica (como os de uma rádio FM, fáceis de serem ouvidos), mas digital: constituem portanto sequências de números que têm de ser interpretadas por um computador segundo determinadas regras. Possuindo-se essas enormes cadeias numéricas, teoricamente pode-se proceder a uma operação de “engenharia invertida” e reconstruir-se o conteúdo. É isso que, segundo a revista alemã Der Spiegel bem como outros especialistas em telefonia informática, os Estados Unidos estão fazendo: varreduras “a tapete” de inteiras redes de telefonia e de usuários da Internet. Interceptações a partir das embaixadas Observando-se as fotos abaixo, vemos os tetos de várias embaixadas dos Estados Unidos na Europa e no mundo. Em todas, notam-se falsas janelas cinzentas localizadas na parte mais alta dos edifícios, muitas vezes disfarçadas pela arquitetura do próprio edifício. O que são elas? O material que as fecha é totalmente radiotransparente: permitem que todos os sinais de rádio, mesmo os mais débeis, possam entrar no edifício, onde se encontram poderosas antenas receptoras. Essas antenas recolhem os dados e os enviam a centros de elaboração, sempre em funcionamento. oásis . reportagem Pontos de escuta Por esse motivo elas são posicionadas em lugares estratégicos, nas imediações de palácios dos governos ou a importantes centros de telecomunicação como é o caso da British Telecom Tower, em Londres. As janelas-antena das embaixadas norte-americanas poderiam ser o primeiro elemento do programa Prism: o complexo sistema de bancos de dados e centros de cálculos revelado por Edward Snowden, que hoje vive como asilado político em Moscou. Caixa de Pandora Até agora os contornos e características dessa enorme operação de espionagem ainda são confusos e pouco definidos. Muitas hipóteses podem ser formuladas a respeito, e todas precisariam de confirmação. Mas todas essas mesmas hipóteses também poderiam ser válidas. Como o fato de que os Estados Unidos podem ter desenvolvido um programa como o Flame, um vírus ultrassofisticado que, entre 2011 e 2012, teria infectado mais de mil computadores de altos funcionários do Oriente Médio. Um vírus análogo poderia ter sido utilizado para escutar as comunicações (via telefone ou via Internet) dos funcionários dos países aliados. Ou para recolher – diretamente dos aparatos (servidores, provedores, switch etc) de telecomunicações – comunicados e mensagens que poderiam ser de importância para o combate ao terrorismo. Mas também para conhecer antecipadamente as 7/41 Security Agency) . Der Spiegel revela detalhes da atividade de espionagem norte-americana na Alemanha. A extensa reportagem da revista acrescenta novas evidências às preocupações europeias a respeito da interceptação dos telefones da chanceler Angela Merkel e de outros líderes europeus. O jornalista Duncan Campbell é antigo colaborador da Der Spiegel e foi ele quem identificou as “janelas auditivas” como a que é mostrada na foto exibida na capa da revista (acima). estratégias dos concorrentes das empresas norte-americanas. Supertecnologias para serviços secretos (ou não) Segundo a revista alemã Der Spiegel e o site Duncan Campbell, especializado em jornalismo investigativo e forense ( http://www.duncancampbell.org/ ), mais de 70 embaixadas norte-americanas ao redor do mundo escondem centros de monitoramento eletrônico chamados “Special Collection Service” (SCS) criados e administrados por um consórcio constituído pela CIA e o NSA (Agência de Segurança Nacional, em inglês: National oásis . reportagem De modo similar, segundo Der Spiegel, instalações “auditivas” secretas, protegidas contra qualquer investigação pela imunidade diplomática, são usadas para fins de escuta eletrônica em larga escala a partir dos tetos de várias embaixadas norte-americanas. Uma delas é a embaixada em Berlim. Outras estão localizadas em capitais europeias como Estocolmo, Nicosia, Atenas e Bruxelas. Janelas-falsas a serviço da espionagem As imagens que mostraremos a seguir são de alguns dos mais importantes desses centros na Europa e no Oriente Médio. Como se pode ver, todos os tetos apresentam janelas-falsas e, no alto, antenas e equipamentos eletrônicos. 8/41 1 Genebra, Suíça – O consulado dos Estados Unidos em frente aos escritórios das Nações Unidas e legações estrangeiras possui mais de um andar repleto de equipamentos eletrônicos de vigilância. Informa-se que Edward Snowden trabalhou aqui quando era funcionário da CIA. oásis . reportagem 9/41 2 Genebra, Suíça – Um close do teto do consulado dos Estados Unidos mostra uma torre muito alta com painéis radiotransparentes destinados a esconder equipamentos de grampeamento similares aos que são usados na British Spy Tower (Inglaterra) para interceptar as comunicações irlandesas. oásis . reportagem 10/41 3 Berlin, Alemanha – A embaixada norte-americana em Berlim é muito próxima da Porta de Brandenburgo e pode focalizar diretamente tanto o Bundestag (Parlamento Federal alemão) quanto a chancelaria de Angela Merkel. Como informa Der Spiegel, a área de vigilância implantada no teto da embaixada (cercada pela linha vermelha) tem sido usada para grampear o governo alemão e também as comunicações ligadas a empresas e negócios. oásis . reportagem 11/41 4 Berlim, Alemanha – As instalações de vigilância possuem duas janelas-rádio (marcadas nos círculos amarelos), com “linha de visão” eletrônica diretamente apontada para os edifícios do governo e do parlamento. oásis . reportagem 12/41 5 Nicosia, Chipre – A embaixada norte-americana em Nicosia, capital da ilha de Chipre, tem mais da metade do seu teto ocupada por equipamentos de vigilância. oásis . reportagem 13/41 6 Nicosia, Chipre – Nessa ilha, os Estados Unidos não estão sozinhos em matéria de espionagem eletrônica. A foto mostra a embaixada da Rússia em Nicosia, cujos andares superiores são recobertos por painéis opacos que escondem equipamentos de monitoração eletrônica de comunicações similares aos usados pelos norte-americanos. oásis . reportagem 14/41 7 Sana’a, Iêmen – A embaixada norte-americana em Sana’a possui um inteiro andar onde toda uma coleção de equipamentos de vigilância permanecem ocultos atrás de painéis radiotransparentes. oásis . reportagem 15/41 8 Estocolmo, Suécia – A embaixada dos EUA situada na zona leste da capital sueca dista menos de um quilômetro da torre Kaknästornet, peça principal do edifício da central de telecomunicações e emissão de radio e televisão do país. O galpão de vigilância situado no teto da embaixada permite a visão direta da torre (abaixo). oásis . reportagem 16/41 9 Estocolmo, Suécia – A torre Kaknästornet, é administrada pela Teracom – a estatal sueca que controla todo o sistema de telecomunicações no país. oásis . reportagem 17/41 10 Varsóvia, Polônia – Galpão de vigilância e monitoramento é visível no teto da embaixada norte-americana na Polônia. oásis . reportagem 18/41 11 Bruxelas, Bélgica – Os Estados Unidos estão implicados em casos de espionagem na União Europeia e suas instituições em Bruxelas, Nova York e Washington. A embaixada fica a pouca distância das instalações do Parlamento Europeu. oásis . reportagem 19/41 oásis . história história BENITO MUSSOLINI Grão-mestre da ditadura 20/41 Como foi que um modesto professor de escola primária conquistou a Itália e se tornou “Il Duce”? Através do partido único, da corrupção da classe política, da violência generalizada e do culto à personalidade do líder P Por: Gianpaolo Fissore (Revista Focus Storia 48) oderia fazer desta sala surda e cinzenta um acampamento de homens sob meu comando. Poderia arrombar a porta do Parlamento e constituir um governo composto exclusivamente de fascistas. Poderia, mas não desejo, pelo menos por enquanto, que isso aconteça”. Foi com essas palavras que não deixam margem a dúvidas sobre suas intenções finais, que Benito Mussolini se apresentou à Câmera dos Deputados da Itália em 16 de novembro de 1922, disposto a arrancar dos parlamentares um voto de confiança. oásis . hipótese Depois de meses de violências cometidas por seus esquadrões contra os partidos e os sindicatos de esquerda, no dia 26 de outubro teve início a mega manifestação que passou à história com o nome de “Marcha sobre Roma”. Ela só se concluiu no dia 30 de outubro, depois que 25 mil camisas-negras, como eram chamados os militantes fascistas, conseguiram entrar e se agrupar em Roma sem enfrentar nenhum obstáculo ou dificuldade. Ao mesmo tempo, o chefe do fascismo chegara a Roma vindo de trem, de Milão. Seu trunfo era ter sido virtualmente encarregado, pelo rei Vitório Emanuel, de formar um governo de coalizão. Porrete e respeito às leis O advento do fascismo italiano, como sustenta o historiador inglês Donald Sassoon no livro Come nasce un dittatore (Rizzoli), foi o resultado da combinação entre o uso da força, exibida e ameaçadora com a mobilização teatral dos “esquadristas” fascistas, e o respeito formal da lei. Embora na retórica do regime aquela tomada de poder tenha sido celebrada sempre como ruptura violenta, como “indiscutível ato revolucionário”, a verdade é que Mussolini prestou juramento ao soberano e à Constituição e se apresentou formalmente ao Parlamento, ao qual pediu e obteve plenos poderes. “Diga a verdade, 21/41 fizemos uma revolução única no mundo”, disse ele a um jornalista. Benito Mussolini tinha naqueles dias apenas 39 anos de idade. Era e continua sendo o mais jovem primeiro ministro da história da Itália Unida. Um único homem no comando de Matteotti, o deputado socialista que tinha denunciado na tribuna do Parlamento as violências e as intimidações perpetradas pelo partido fascista. As providências tomadas “em defesa do Estado”, varadas a 5 de novembro de 1926, depois que já estavam dissolvidos os sindicatos e os partidos e fechados ou suspensos todos os jornais não fascistas, assinalaram o fechamento definitivo de todos os espaços de liberdade. A partir daquele momento, opor-se a Mussolini, ao seu governo e ao seu partido significava estar fora da lei. Apesar de tudo isso, alguns historiadores até hoje não concordam em definir a Itália fascista como um Estado totalitário. Pela primeira vez, com efeito, no período democrático da Europa Ocidental, o poder tinha sido confiado ao chefe de uma milícia-partido por ele mesmo formada. Um soldado-político que declarava que o Estado liberal estava superado e que o parlamentarismo, com seus deputados democraticamente eleitos, estava virtualmente morto. Apesar das proclamações antidemocráticas e do exercício do poder com métodos violentos e sem respeito às regras, a data de início do regime ditatorial só seria oficial cerca de dois anos depois, a 3 de janeiro de 1925. Só então Mussolini assume, durante discurso à Câmera dos Deputados, a responsabilidade moral e política de alguns crimes cometidos durante o seu mandato, declarando-se pronto a desencadear a violência para eliminar toda e qualquer oposição. Fez na ocasião referimento explícito ao assassinato oásis . história 22/41 lio Gentile, têm diferente opinião. Gentile considera que o fascismo tenha antecipado Hitler e Stalin, ao impor na Itália uma sociedade que passou a existir sob controle total do poder constituído. Uma verdadeira ditadura, enfim. E um primeiro exemplo de totalitarismo do qual o partido, o Estado e o Duce constituíam os pilares indissolúveis. A doutrina do fascismo “Um partido que governa totalitariamente uma nação é um fato novo na história. Ele não pode ser relacionado a nenhum outro”, escreveu o próprio Mussolini na sua Doutrina do Fascismo (1932). A operação de aparelhamento fascista do Estado através de um partido dominante teve início já em 1923 com a instituição das milícias voluntárias para a segurança nacional. Esse ato Ditadura de partido único Foi muito seguida, por exemplo, por muitos historiadores do pós-guerra, a posição abalizada da socióloga Hannah Arendt que, identificando a essência do totalitarismo com o terror e o extermínio de massa, limitou a abrangência dos regimes totalitários ao nazismo e ao comunismo estalinista. Segundo essa estudiosa alemã, depois radicada nos Estados Unidos, Mussolini se satisfez com a “ditadura de partido único”, no que foi imitado, no período entre as duas grandes guerras, por governos de direita surgidos na Romênia, Polônia, Hungria, Portugal, Espanha e nos Estados bálticos. Mas outros historiadores, como é o caso do italiano Emioásis . história 23/41 colocou a força armada do partido em dependência direta do chefe do governo. Mas ela só começou a agir realmente como instrumento opressor da população italiana a partir de 1926, quando o “feixe” tornou-se o emblema nacional do Estado. Em 1928, o Grande Conselho, órgão supremo do partido, tornou-se órgão estatal. O aparelhamento partidário do país ocorreu com rapidez e, a partir de 1932, possuir a carteirinha de membro do PNF (Partido Nacional Fascista) passou a ser necessária para a participação em qualquer concurso público. Cinco anos mais tarde, essa carteirinha tornou-se documento equivalente à carteira de identidade. Monopólio social O partido, para cujas organizações confluíram, no decurso dos anos 30, todas as categorias de cidadãos, sem distinção de sexo e idade, desde adolescentes urbanos até mulheres camponesas, deveria desempenhar a função de “grande pedagogo” seguindo os cidadãos “em todas as fases do seu desenvolvimento, antes mesmo que viessem à luz, antes da sua formação, sem abandoná-los nunca, dando a todos uma consciência e uma vontade unitária e profundamente direcionada”. O monopólio da atividade política, da atividade assistencial e do tempo livre (desde as colônias de férias às atividades recreativas após o horário de trabalho), o enquadramento e a mobilização das gerações mais jovens, dos soldados e dos indivíduos de vanguarda, constituiu uma das bases mais importantes daquele regime totalitário. Ele era feito de coerção violenta, mas também desfrutava do apoio e do consenso de largas faixas da oásis . história 24/41 população. Desde pequeno, segundo a doutrina mussoliniana, o “homem novo”, o futuro cidadão-soldado, teria de ser esvaziado da sua própria individualidade para deixar-se inteiramente absorver pela comunidade totalitária. Desse processo fazia parte o culto constante da personalidade do chefe supremo. Culto da personalidade Em 1932, durante as comemorações dos dez anos da Marcha sobre Roma, foi inaugurada uma Exposição da Revolução Fascista. O tema principal de uma infinidade de quadros, esculturas e fotomontagens era sempre o mesmo: Mussolini. O culto do líder tornou-se o elemento central da nova “religião política”, uma outra novidade, segundo Emilio Gentile, da via italiana para o totalitarismo. A liturgia fascista, com seus mártires e os seus santos (os heróis da guerra patriótica e os combatentes em camisa negra caídos durante ações violentas empreendidas pelos esquadrões), os seus lugares de culto (as casas do “feixe” e a já citada Exposição da Revolução Fascista), os seus ritos de iniciação e de comunhão (o apelo aos mortos, os cortejos fúnebres, o juramento fascista), as suas vastas assembleias de crentes, o mito fundador extraído da romanidade antiga (Mussolini faz de Roma a vitrine do regime imaginando-a como uma capital universal) teve o seus deus-sacerdote na própria pessoa do Duce. Ele era o chefe indiscutível que se considerava capaz de oásis . história suscitar uma nova fé à altura de transformar as massas populares em uma “comunidade moral organizada totalitariamente”, realizando dessa forma a unidade da nação e da estirpe. Digno de nota, no entanto, é o fato de que só o assassinato de Matteotti, em 1924, foi capaz de dar fim ao apoio dos liberais ao fascismo. Até então, até mesmo os que se declaravam democratas o apoiavam. Fábrica de consenso O culto a Mussolini, “o único chefe, de quem todo poder emana. O condutor, o único condutor ao qual nenhuma turba pode substituir”, se desenvolveu a partir de 1926 25/41 dos filhos da nossa Mãe Itália” (essa definição, de 1928, é de Augusto Turati), são apenas alguns dos epítetos dedicados ao Duce. Mussolini nunca perdeu uma oportunidade de se valorizar diante das câmeras de fotógrafos e cineastas: ora se mostrava no ato de discursar perante o público, ora de peito nu fatigando no labor da colheita, ora agarrando a picareta para aparecer como edificador da nova Roma, ora brincando com os filhos nos jardins de Villa Torlônia ou nadando a braçadas largas no Mar Mediterrâneo. A imprensa durante o regime fascista por iniciativa de Augusto Turati, secretário do Partido Nacional Fascista até 1930. No decênio sucessivo, durante o longo secretariado de Achille Starace - o inventor do cerimonial que impôs a todos o dever de saudar o Duce com a saudação romana (o braço direito estendido para o alto) todo vez que ele surgisse em público – o exprofessor primário foi transformado em herói e quase um santo, um “homem da Providência”, como fora definido pelo próprio Papa Pio 11 depois da assinatura, em 1929, do Pacto Lateranense. Pensador e estadista, escritor, artista e fundador de impérios, mas também trabalhador da terra, hábil no manejo da forja metalúrgica, bem como excelente esportista em todas as disciplinas, “o mais belo, o mais forte, o melhor oásis . história Para difundir essa imagem, Mussolini necessitava de meios importantes. Suprimidos em 1926 todos os órgãos de informação de oposição, ele encontrou um meio para manter em vida os grandes jornais nacionais, porém todos eles com direção e redações confiáveis e fieis. A subsecretaria da Imprensa e Propaganda tornou-se ministério em 1935 sob o comando de seu genro Galeazzo Ciano. O órgão foi em seguida transformado (1937) em Ministério da Cultura Popular, com o compito de orquestrar a propaganda e as informações. Deveria emanar diretrizes, filtrar e selecionar as notícias, censurar tudo que pudesse de algum modo atentar à “moral dos italianos”. Vítima dessa censura foi, por exemplo, a foto do ex-campeão do mundo de pesos máximos, o italiano Primo Carnera, posto a nocaute em 1935 por Joe Louis, pugilista norteamericano à época pouco conhecido e ainda por cima “negro”. 26/41 Propaganda no rádio e no cinema O rádio e o cinema desempenharam uma função precisa e importante no processo fascista que ficou conhecido como “fábrica do consenso”. O primeiro foi colocado sob controle direto do Estado e usado de modo bastante inovador durante as grandes reuniões de massa, ocasiões nas quais a voz do ditador trombeteava com alto-falantes de um lugar a outro em toda a Itália. Isso aconteceu, por exemplo, a 2 de outubro de 1935, com a declaração de guerra à Etiópia; a 9 de maio de 1936, por ocasião da proclamação do império e também a 10 de junho de 1940, dia em que a Itália entrou em guerra ao lado do seu aliado nazista. de 1939, segundo relatório do secretário do PNF Achile Starace, da população total de 43.733.000 de italianos, 21.606.468 estavam inscritos em alguma associação ligada ao partido fascista. Começa a guerra Forjado o material humano, para usar a linguagem de Benito Mussolini, chegara o momento de “tomar de assalto a história”. A 10 de junho de 1940 o Duce anunciou por rádio ao povo que a hora do destino tinha chegado: Tinha início assim, para os italianos, a Segunda Guerra Mundial. Envolvidos num cerimonial que era a principal A outra arma poderosa para a criação do consenso foi o cinema. Todos os filmes, italianos ou não, distribuídos nas salas durante as duas décadas do fascismo, eram submetidos à censura. Com a sua produção diferenciada (cinejornais, documentários e os filmes que hoje chamamos de “ficção”, o cinema teve um papel de primeira ordem na organização do consenso. Os cinejornais de propaganda eram obrigatórios antes da projeção de qualquer filme e transmitiam na telona a imagem idealizada do regime e do Duce, bem como da Itália e dos italianos. “Se eu conseguir, se o fascismo conseguir plasmar como desejo o caráter dos italianos”, afirmava Mussolini em 1926, “estejam tranquilos, certos e seguros de que, quando a roda do destino passar ao alcance de nossas mãos, estaremos prontos para agarrá-la e dobrá-la à nossa vontade”. A promessa seduziu e convenceu a muitos: no final oásis . história 27/41 (e para a maioria única) forma de participação na vida pública, milhões de italianos tornaram-se atores de um filme cujo final já se anunciava trágico. Na esplêndida Villa Feltrinelli, a Gargnano, prudentemente longe de Milão onde os atentados começavam a pipocar, Mussolini morou de outubro de 1943 a abril de 1945. O seu mito estava fraturado. Na vida privada, era um pai entristecido pelo abandono da filha mais querida (Edda fugira para a Suíça depois da execução do marido, Galeazzo Ciano) e um marido infiel envelhecido, empenhado em manter a esposa Dona Rachele longe da amante Claretta Petacci, abrigada na vizinha cidadezinha de Gardone. Em público, vociferava contra “as raças bastardas e mercenárias” que tinham invadido a Itália, e contra os “traidores de 25 de julho”. Na prática, era subalterno dos aliados alemães e não mais capaz de controlar a anarquia dos combates. A um jornalista, Gian Gaetano Cabella, confidenciou: “Nos diálogos que tantas vezes mantive com as multidões, tinha a convicção de que os gritos que acompanham os meus reptos e convocações fossem um sinal de consciência, de compreensão, de evolução. Em vez disso, era pura histeria coletiva”. oásis . história 28/41 oásis . informática informática ADMIRADOR OCULTO Quem frequenta a sua página no Facebook? Descubra 29/41 Já sentiu desejo de descobrir quem são os mais assíduos frequentadores da sua página no Facebook? Um modo de satisfazer esse desejo é lançar mão dos próprios sofisticados algoritmos das redes sociais. Não se trata de uma ciência exata, mas parece que funciona P Por: Equipe Oásis ara saber quem admira o seu perfil e gosta de viajar na sua página Facebook, o lugar mais óbvio, mas quase sempre desprezado, é a lista de amigos visualizada na janela à direita do seu diário. Como Facebook os escolhe? Essa seção muda continuamente e pode incluir os amigos com os quais você interage com mais frequência nos quadros de notícias, nos comentários e nos eventos dos quais ambos par- oásis . informática ticipam. Mas, se você perguntar ao site, Facebook responde que não seleciona os amigos a serem visualizados com base nos perfis que você escolhe visualizar ou aqueles com os quais você interage nas mensagens e no chat. Estará dizendo a verdade, ou apenas parte dela? Não há como saber. Três truques “não científicos” Assim sendo, é melhor lançar mão de outros métodos. Aqueles propostos pelo site Science 2.0, por exemplo, que não se baseiam em nenhuma ciência exata. Esse site oferece pelo menos três hipóteses que define como “probabilísticas” muito mais que “deterministas” a respeito de quem examina com maior frequência o seu perfil. O primeiro método é atualizar mais vezes a sua página e verificar os amigos que aparecem na janela à direita. Segundo o Science 2.0 essas são as pessoas que consultaram com maior frequência e mais longamente o seu perfil nas últimas 36 horas. O segundo truque para descobrir quem regularmente dá uma olhada nas suas coisas postadas no Facebook é convidar todos os seus amigos para um evento. 30/41 Facebook. Mas a verdade é que ainda persistem dúvidas sobre a validade deste terceiro estratagema. Admirador quer permanecer oculto O Friendster (http://www.friendster.com/) é uma rede social australiana bem conhecida e que foi muito forte nos países asiáticos até setembro de 2008. Nesse mês, a rede lançou uma função para que o usuário pudesse saber quem olha, e com qual frequência, o seu perfil. Foi o seu fim. O Friendster tentou se recolocar frente ao público nos anos seguintes, mas não teve muito sucesso. O episódio Existem três categorias de pessoas: os que aceitam o convite, os que ainda estão indecisos e os que recusam o convite. Segundo Science 2.0 as pessoas que aparecem nas primeiras 5 posições de cada categoria viram o seu perfil ou as suas imagens. O terceiro estratagema é usar a barra de pesquisas que você irá encontrar na parte superior de cada página digitando uma a uma as letras do alfabeto. A interpretação é bivalente: a primeira pessoa que aparece é a última que você visitou ou a última que lhe localizou. Só você pode saber isso... Outro indício de quem poderia ter tentado ver, ou talvez tenha visto o seu perfil se você não impôs regras rígidas a respeito da privacy, é elencado na lista dos amigos que você poderia conhecer na janela principal do oásis . informática 31/41 ferramentas que poderão lhe servir: esse bookmarklet (http:// thekeesh.com/2011/08/who-does-facebook-think-you-are-searching-for/), pequeno programa em JavaScript que você pode salvar entre os preferidos do seu browser) e o add-on WhoIsLive (http://www.whoislive. com/). Não funcionam 100%, mas com frequência dão certo. mostrou que a maior parte dos usuários gosta de visitar um perfil, mas não quer ser identificado pelo dono desse mesmo perfil... O Friendster pagou o preço dessa descoberta, que desde então tem sido levada em consideração pelas demais redes sociais ao redor do mundo. Facebook inclusive. Mas, se quer ou necessita realmente saber quem tem obsessão por você no Facebook, existem duas oásis . informática 32/41 oásis . ambiente ambiente RETORNO À VIDA SELVAGEM 33/41 Em uma ousada experiência de pensamento, o jornalista britânico George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde os seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor U Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading Tradução: Gustavo Rocha. Revisão: Jayme Santangelo meçaram a voltar (graças a um severo programa de repovoamento levado a cabo pela administração do parque), algo interessante aconteceu: o resto daquela reserva natural começou a encontrar um novo equilíbrio, ainda mais pujante e cheio de saúde. Em uma ousada experiência de pensamento, George Monbiot imagina um mundo mais selvagem onde seres humanos trabalham para restaurar as cadeias alimentares complexas perdidas que um dia estavam ao nosso redor. m dia os lobos foram nativos do Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos, até que a caça acabou com eles. Ignorantes do papel crucial que esses animais representavam na cadeia alimentar do ecossistema local, caçadores decidiram dizimar todas as matilhas. O argumento era que os lobos, para viver, matavam e comiam os mesmos animais que os humanos caçavam. Mas em 1995, quando os lobos co- oásis . ambiente George Monbiot 2/8 No verão de 2013, o britânico George Monbiot, jornalista e ativista da proteção ao mundo natural, publicou Feral: Rewilding the Land, the Sea and Human Life . Em parte diário pessoal, em parte ensaio de ciências naturais e vida selvagem, o livro conhece um vivo sucesso e se transformou em importante apoio para o engajamento de George Monbiot para a proteção da natureza. No livro – e também na conferência que reproduzimos abaixo – ele mostra como, ao restaurar o caráter selvagem de ecossistemas danificados, tanto terrestres quanto aquáticos, podemos trazer de novo aos n ossos olhos o maravilhoso espetáculo que é o da natureza encontrando e assumindo os seus próprios caminhos de sobrevivência e desenvolvimento. Após estudar zoologia em Oxford, Monbiot trabalhou para a BBC no departamento de história natural, dirigindo programas ligados à ecologia e ao meio ambiente, pelos quais recebeu um prêmio Sony. Após deixar a BBC, Monbiot passou seis anos em países tropicais, Em Papua-Nova Guiné, na Indonésia e no Brasil. Em nosso país, ao investigar a invasão de terras por fazendeiros e posseiros, e o desmatamento das nossas florestas tropicais, foi preso, torturado e quase morto por membros da polícia militar. O programa de rádio que ele produziu a respeito do seu encontro com um policial torturador no Maranhão foi usado durante muitos anos pela BBC nos seus cursos de treinamento na área da saúde – como um exemplo daquilo que não deve ser feito. oásis . ambiente 35/41 Vídeo da conferência de George Monbiot ao TED oásis . ambiente 36/41 Tradução integral da conferência de George Monbiot Quando eu era jovem, passei seis anos de uma aventura tropical selvagem trabalhando como jornalista investigativo em algumas das partes mais fascinantes do mundo. Eu era tão imprudente e insensato como só os jovens podem ser. É por isso que começam as guerras. Mas também me senti mais vivo do que nunca desde então. Quando voltei para casa, descobri que o âmbito da minha existência estava diminuindo gradualmente; até carregar a máquina de lavar louça parecia um desafio interessante. Eu me encontrei meio que arranhando as paredes da vida, como se estivesse tentando encontrar uma saída para um espaço maior além. Eu estava, acredito, ecologicamente entediado. Agora, nós evoluímos para tempos mais desafiadores que esse, para um mundo de chifres e dentes e presas e garras. E ainda possuímos o medo e a coragem e a agressão necessária para viver nesses tempos. Mas em nossas terras superlotadas, seguras e confortáveis, temos poucas oportunidades de colocá-los em prática sem ferir outras pessoas. E foi esse o tipo de restrição contra a qual me vi lutando. Conquistar a incerteza,saber o que está por vir, isso tem sido quase o principal objetivo de sociedades industrializadas. Tendo chegado lá, acabamos de encontrar um novo conjunto de necessidades desconhecidas. Temos dado preferência à segurança contra a experiência e ganhamos muito ao fazer isso. Mas acho que perdemos algo também. e mais rude do que a que eu tinha na Inglaterra, ou, de fato, a que vivemos na maior parte do mundo industrializado. Foi só quando me deparei com uma expressão estranha que comecei a entender o que procurava. E assim que encontrei essa expressão, percebi que queria dedicar muito do resto da minha vida a ela. A expressão é “retorno à vida selvagem”, e mesmo que essa expressão seja recente, já tem várias definições. Mas há duas que particularmente me fascinam. A primeira é a restauração em massa de ecossistemas. Uma das descobertas científicas mais animadoras dos últimos 500 anos foi a descoberta de cascatas tróficas generalizadas. Uma cascata trófica é um processo ecológico que começa no topo da cadeia alimentar e vai des Agora, eu não romantizo os tempos revolucionários. Já passei do tempo de vida da maioria dos caçadores de tesouro, e o resultado de um combate mortal entre eu, um míope, esbarrando por aí, com uma lança com ponta de pedra, e um bisão gigante e enfurecido, não é tão difícil de prever. Nem era sua autenticidade que eu estava procurando. Não acho que seja um conceito útil ou mesmo compreensível. Eu só queria uma vida mais rica oásis . ambiente 37/41 Tradução integral da conferência de George Monbiot cendo até a base, e o exemplo clássico é o que aconteceu no Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos quando lobos foram recolocados nele em 1995. Bem, todos sabemos que lobos matam várias espécies de animais, mas talvez não saibamos tão bem que eles dão vida a muitas outras. Parece estranho, mas me acompanhem por um momento. Antes de os lobos aparecerem, eles estavam ausentes por 70 anos, a quantidade de cervos, porque não havia ninguém para caçá-los, só aumentou e aumentou no Parque Yellowstone, e apesar dos esforços humanos para controlá-los, eles conseguiram reduzir bastante a vegetação lá até não sobrar quase nada, eles pastaram tudo. Mas assim que os lobos chegaram, mesmo estando em menor número, eles começaram a causar os efeitos mais notáveis. Primeiro, claro, eles mataram alguns dos cervos, mas isso não foi o principal. Muito mais significativamente, eles radicalmente mudaram o comportamento dos cervos. Os cervos começaram a evitar certas partes do parque, os lugares onde poderiam ser pegos mais facilmente, particularmente os vales e os desfiladeiros, e imediatamente esses lugares começaram a se regenerar. Em algumas áreas a altura das árvores aumentou em cinco vezes em somente seis anos. Encostas desmatadas de vales rapidamente se tornaram florestas de faias e salgueiros e choupos. E assim que isso aconteceu, as aves começaram a chegar. O número de aves canoras, aves migratórias, começou a aumentar grandemente. O número de castores começou a aumentar, porque castores gostam de se alimentar das árvores. E castores, como os lobos, são engenheiros de ecossistema. Eles criam nichos para outras espécies. E os diques que construíram nos rios serviram de habitat para lontras e ratos-almiscarados e patos e peixes e répteis e anfíbios. Os lobos mataram coiotes, e como um resultado disso, o número de coelhos e ratos começou a crescer, o que significou mais falcões, mais doninhas, mais raposas, mais texugos. Corvos e águias americanas desciam para se alimentar da carniça que os lobos deixavam. Ursos se alimentavam dela também, e sua população começou a aumentar, parcialmente também porque havia mais frutas silvestres crescendo nos arbustos regenerados, e os ursos reforçaram o impacto dos lobos matando alguns dos filhotes dos cervos. Mas é aqui que as coisas ficam realmente interessantes. Os lobos mudaram o comportamento dos rios. Eles começaram a serpentear menos. Havia menos erosão. Os canais se estreitaram. Mais lagoas formadas, mais seções de cascatas, tudo isso foi ótimo para os habitats selvagens. Os rios mudaram em resposta aos lobos, e a razão é que as florestas regeneradas estabilizaram as margens de maneira que elas sucumbiam menos, assim os rios oásis . ambiente 38/41 Tradução integral da conferência de George Monbiot ficavam mais fixados no percurso. De maneira semelhante, ao afastar os cervos de alguns lugares e a vegetação se recuperando nas encostas dos vales, havia menos erosão do solo, porque a vegetação também o estabilizou. Então os lobos, pequenos em quantidade, transformaram não somente o ecossistema do Parque Nacional de Yellowstone, essa área enorme de terra, mas também sua geografia física. Baleias nos oceanos ao sul têm efeitos similares amplamente abrangentes. Uma das muitas desculpas pós-racionais feitas pelo governo japonês para matar baleias é que eles dizem, “Bem, o número de peixes e krills vai aumentar e assim haverá mais para as pessoas comerem”. Bem, é uma desculpa estúpida, mas meio que faz sentido, não faz? Porque daria para pensar que as baleias comem grandes quantidades de peixes e krills, então obviamente retirando as baleias, haverá mais peixes e krills. Mas o oposto acontece. Se as baleias forem retiradas, o número de krills desaba. Como isso pode ter acontecido? Bem, agora parece que as baleias são cruciais para sustentar todo o ecossistema, e uma das razões disso é que elas normalmente se alimentam em águas profundas e então vêm para a superfície e produzem o que os biólogos educadamente chamam de grandes plumas fecais, enormes explosões de cocô bem nas águas de superfície, até a zona fótica, onde há luz suficiente para que a fotossíntese aconteça, e essas grandes plumas de fertilizante estimulam o crescimento do fitoplâncton, o plâncton vegetal na base da cadeia alimentar, que estimula o crescimento do zooplâncton, que alimenta os peixes e os krills e todo o resto. A outra coisa que as baleias fazem é que, enquanto mergulham para cima e para baixo na coluna de água, elas empurram o fitoplâncton de volta para a superfície onde ele pode continuar sobrevivendo e se reproduzindo. E interessantemente, bem, oásis . ambiente sabemos que o plâncton vegetal nos oceanos absorve carbono da atmosfera - quanto mais plâncton vegetal houver, mais carbono ele absorve - e até que enfim eles o filtram para o abismo e removem o carbono do sistema atmosférico. Bem, parece que quando as baleias estavam com sua população histórica, elas eram provavelmente responsáveis por sequestrar algumas dezenas de milhões de toneladas de carbono todo ano da atmosfera. E quando encaramos isso assim, pensamos, espera um pouco, aqui estão os lobos mudando a geografia física do Parque Nacional de Yellowstone. Aqui estão as baleias mudando a composição da atmosfera. Começamos a perceber que possivelmente, a evidência a favor da hipótese de Gaia de James Lovelock que concebe o mundo como um organismo coerente e autorregulado, está começando, no nível ecossistêmico, a acumular. 39/41 Tradução integral da conferência de George Monbiot Cascatas tróficas nos mostram que o mundo natural é ainda mais fascinante e complexo do que imaginávamos. Elas nos mostram que quando retiramos os animais de grande porte, ficamos com um ecossistema radicalmente diferente do que aquele que mantém seus animais de grande porte. E eles fornecem, na minha opinião, um bom argumento para a reintrodução de espécies desaparecidas. O retorno à vida selvagem, para mim, significa trazer de volta alguns dos animais e plantas desaparecidos. Significa derrubar cercas, significa bloquear fossos de drenagem, significa proibir a pesca comercial em algumas áreas vastas do oceano, mas além disso dar um passo atrás. Não apresenta qualquer exemplo de como um ecossistema correto ou como uma montagem correta de espécies deve ser. Não tenta produzir um charco ou uma pradaria ou uma floresta tropical ou um jardim de algas ou um recife de corais. Deixa a natureza decidir, e a natureza, em geral, é muito boa em decisões. Bem, eu mencionei que há duas definições do retorno à vida selvagem que me interessam. A outra é o retorno à vida selvagem das vidas humanas. E não vejo isso como uma alternativa à civilização. Acredito que podemos desfrutar dos benefícios da tecnologia avançada, como fazemos hoje, mas ao mesmo tempo, se escolhermos, ter acesso a uma vida mais rica e mais selvagem de aventuras quando quisermos porque seriam maravilhosos habitats retornados à vida selvagem. E as oportunidades para isso estão se desenvolvendo mais rápido do que vocês podem achar possível. Há uma estimativa que sugere que nos Estados Unidos, dois terços das terras que um dia era florestada e foi desmatada se reflorestou quando lenhadores e fazendeiros recuaram, em particular da metade oriental do país. Há uma outra que sugere que 30 milhões de hectares de terras na Europa, uma área do tamanho da Polônia, se tornará vaga por fazendeiros entre 2000 e 2030. Agora, vendo oportunidades como essas, não parece um pouco falta de ambição pensar somente em trazer de volta lobos, linces, ursos, castores, bisões, javalis, alces, e todas as outras espécies que já estão começando a se mover bem rapidamente pela Europa? Talvez devêssemos também começar a pensar no retorno de uma porção de nossa megafauna perdida. Que megafauna, você diria? Bem, todo continente tinha uma, a não ser a Antártica. Quando a Trafalgar Square em Londres foi escavada, os cascalhos do rio foram encontrados presos junto aos ossos de hipopótamos, rinocerontes, elefantes, hienas, leões. Sim, senhoras e senhores, havia leões na Trafalgar Square muito antes da oásis . ambiente 40/41 Tradução integral da conferência de George Monbiot Coluna de Nelson ser construída. Todas essas espécies moravam aqui no último período interglacial, quando as temperaturas eram bem similares às nossas. Não foi o clima, em grande parte, que se livrou das megafaunas do mundo. Foi a pressão da população humana caçando e destruindo seus habitats que assim fez. E mesmo assim, ainda dá pra ver as sombras dessas grandes feras em nossos ecossistemas atuais. Por que será que tantas árvores caducifólias são capazes de brotar de qualquer lugar onde o tronco se quebrar? Por que será que elas conseguem resistir a perda de tanta casca de seu tronco? Por que será que os sub-bosques, que são submetidos a simples forças do vento mais baixas e têm que carregar menos peso do que as grandes árvores de copa, por que eles são tão mais rígidos e difíceis de quebrar do que as árvores de copa? Elefantes. Eles se adaptaram aos Elefantes. Na Europa, por exemplo, eles evoluíram para resistir aos elefantes de presa reta, elephas antiquus, que era um grande animal. Era parente do elefante asiático, mas era um animal temperado, uma criatura de floresta temperada. Era muito maior do que o elefante asiático. Mas por que será que alguns dos nossos arbustos mais comuns têm espinhaços que parecem ser demasiado complexos para resistir ao pastar dos cervos? Talvez porque evoluíram para resistir ao pastar dos rinocerontes. cionei que estarão disponíveis, porque não reintroduzir um pouco da nossa megafauna perdida, ou pelo menos espécies parentes próximas àquelas que se extinguiram em todo lugar? Por que todos nós não deveríamos ter um Serengetti às nossas portas? E talvez essa seja a coisa mais importante que o retorno à vida selvagem nos oferece, a coisa mais importante que sumiu de nossas vidas: esperança. Ao motivar as pessoas a amar e defender o mundo natural, um grama de esperança vale uma tonelada de desespero. A história que o retorno à vida selvagem nos conta é que mudança ecológica nem sempre segue em uma direção. Nos oferece a esperança que nossa primavera silenciosa podia ser substituída por um verão áspero. Obrigado. Não é uma ideia incrível que cada vez que vocês caminham por um parque ou uma avenida abaixo ou por uma rua arborizada, vocês podem ver as sombras dessas grandes feras? Paleoecologia, o estudo de ecossistemas passados, crucial para o entendimento do nosso próprio, se parece com um portal pelo qual podemos passar para um reino encantado. E se estivermos mesmo olhando áreas de terras das dimensões que eu menoásis . ambiente 41/41