Pública17.07.11
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Pública 17.07.11 Despimos a Zara Reportagem de Luís Villalobos e Adriano Miranda, na Corunha Itália Uma crise séria que parece comédia Futebol A surpresa de Jorge Humberto quando o Inter de Milão telefonou Beleza Como a dieta Dunkan atrai milhões de fiéis sumário Fixos 8 A Pública recomenda 34 Itália 63 Nós no mundo Píxel roubado Ricardo Garcia 10 Coordenadas 65 Porque sim 16 Zoom Deveres Daniel Sampaio Armazém global Ana Gomes Ferreira Viver melhor 18 Pergunta-Resposta 52 O design nosso de cada dia Teresa Messeder: “O ioga ajuda a combater a violência nas escolas” Cláudia Sobral e Carlos Ramos Garrafas de gás CoMet Frederico Duarte 64 Tarot Luís Francisco 53 Insólitos Maya 53 Consultório 66 Inquérito Economia prática: deduções fiscais João Ramos de Almeida Zita Martins, astrobióloga Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José Diogo Quintela 54 Beleza Capa A dieta que anda na boca de toda a gente Maria Antónia Ascensão 20 Reportagem 56 Cozinha a O Verão traz frutos do mar Hugo Campos O império da Zara na hora da sucessão Luís Villalobos e Adriano Miranda, na Corunha a No roupeiro da H&M Joana Amaral Cardoso Temas 40 China Que lugar é este? Por que estás aqui? Larissa Rosso e Ricky Carioti, em Washington 46 Futebol O telefonema que mudou a vida de Jorge Humberto Tiago Pimentel Só para a Moody’s, Berlusconi não é lixo 60 Miúdos Colecção Cherub: espiões sub-18 Rita Pimenta Por Jorge Almeida Fernandes Crónicas 6 É muito isto Já sentem um rating a doer José Diogo Quintela e Mariana Soares 12 A nuvem de calças 46 Ideias naturais de Verão Rui Cardoso Martins 14 Repórter à solta A ilha de Tavira Paulo Moura 56 CAPA ADRIANO MIRANDA Directora Bárbara Reis Editora Margarida Santos Lopes [email protected] Subeditora Joana Amaral Cardoso [email protected] Produtora Maria Antónia Ascensão [email protected] Copydesk Rita Pimenta Design Mark Porter Directora de Arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana Soares Email [email protected] ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO PÚBLICO DO DIA 17/07/11 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE :LQGRZV$YLGDVHPOLPLWHV $7RVKLEDUHFRPHQGDR:LQGRZV CONSTRUÇÃO PERFEITA Satellite R800 perfeito no todo e nas partes Cada um dos componentes do novo Satellite R800 foi criado, desenhado e construído com uma atenção aos pormenores sem precedentes. O resultado é uma extraordinária combinação de velocidade, robustez e mobilidade. O novo Satellite R800 da Toshiba é incrivelmente leve, rápido e resistente e inclui várias opções de cores e dimensões de ecrã. Saiba mais em www.toshiba.pt/r800 ;VZOPIHt\THTHYJHYLNPZ[HKHKH;VZOPIH*VYWVYH[PVU4PJYVZVM[>PUKV^ZL>PUKV^Z3P]L L>PUKV^ZZqVTHYJHZJVTLYJPHPZV\THYJHZYLNPZ[HKHZKH4PJYVZVM[*VYWVYH[PVUUVZ,Z[HKVZ <UPKVZLV\UV\[YVZWHxZLZ;VKHZHZTHYJHZZqVYLJVUOLJPKHZ;VKHZHZLZWLJPÄJHsLZLJVYLZ TLUJPVUHKHZKLWLUKLTKVTVKLSVLKHKPZWVUPIPSPKHKLSVJHS(ZPTHNLUZHWYLZLU[HKHZZqV HWLUHZPS\Z[YH[P]HZLWVKLTKPMLYPYKVZWYVK\[VZHJ[\HPZ7HYHVI[LYTHPZPUMVYTHsLZJVU[HJ[L VZL\YL]LUKLKVYLV\MVYULJLKVYKLZLY]PsVZ crónica é muito isto Já sentem um rating a doer José Diogo Quintela Bastava a Moody’s descontar para a Segurança Social, para saber que, mal se atrasasse um dia, estava logo a pagar juros 6 • 17 Julho 2011 • Pública ada como um ataque de revolta para arrebitar o país. O que nos falta em dinheiro sobra-nos em indignação. A quantidade de indignação é tal que, neste momento, os portugueses se podem dar ao luxo de se dividir em grupos e dirigir a indignação para vários alvos. Há os indignados com as agências de rating. Depois, os indignados com os que só agora estão indignados com as agências de rating. Há também os indignados com os que estão indignados com as agências de rating. E os indignados por haver tanta indignação. Eu, depois de me inteirar, optei por um nicho muito específico e escolhi indignarme com o facto de contratarmos agências de rating para nos avaliarem. Considero uma vergonha pagar-se a uma agência para nos dizer que o Estado português não é bom pagador, quando qualquer contribuinte ao acaso pode perfeitamente fazê-lo de graça. O que a Moody’s diz com recurso a letras, um cidadão a quem o Estado deve dinheiro dirá com manguitos. É igualmente eficaz para apontar caloteiros. Admito que seja uma linguagem menos técnica e mais colorida, mas o vernáculo suporta-se bem, se a alternativa custar dinheiro. Só que o provincianismo português gosta sempre mais do que é estrangeiro. Se a Moody’s se chamasse Silva’s ninguém ligava ao que dizia. O que a Moody’s não desconfia é que até há uma forma segura de garantir que o Estado português pague as suas dívidas. É colocar o Estado português a cobrá-las. Bastava a Moody’s descontar para a Segurança Social, para saber que, mal se atrasasse um dia, estava logo a pagar MARIANA SOARES N juros. A Segurança Social é implacável. O que, face ao dinheiro que tem investido em dívida portuguesa, é giríssimo. Estou curioso para ver como é que vai cobrar. É um choque de titãs. De um lado, Super-Calote, escorregadio como uma enguia mergulhada num balde de vaselina, do outro, a Mega Cobradora, cujo superpoder são os superjuros de mora. A Marvel que faça um filme. Claro que os portugueses sempre souberam que o Estado não é de se fiar. Este charivari repentino por parte de quem sempre esteve calado é porque agora nos classificaram a dívida como “lixo”. Enquanto fomos só “restos do jantar”, daqueles que pomos num tupperware e guardamos no frigorífico à espera de um dia em que tenhamos pouca vontade de cozinhar, tudo bem. Agora, “lixo” é que não. “Lixo” é muito ofensivo para um português, que antes de “lixo” ainda considera a hipótese “transformar em pisa-papéis”, “guardar na arrecadação” ou “embrulhar e oferecer à cunhada no Natal”. É compreensível que tenha havido um clamor de indignação, transversal a toda a sociedade. Um grito de revolta, uma espécie de 25 de Abril contra as agências de rating, só que mais abrangente. Cavaco Silva, por exemplo, não participou na revolução dos cravos, mas é um dos líderes desta revolução dos cravas. a Humorista [email protected] 1SPUFHFUF DPOUSB4 DPNP.*/* XXX.*/*QU 5FSVN4&(630.*/*4NJMF T³DVTUBӟNªT %BEPTEPꠘOBODJBNFOUPFTFHVSP 171$BNQBOIB &OUSBEB*OJDJBM %VSB§£P,NT .FOTBMJEBEF 4FHVSP"VUPN³WFM .FOTBMJEBEF5PUBM %(0,1, Ӣ Ӣ LNT Ӣ Ӣ ӟ 1SPUFHFUFDPOUSBQSFPDVQB§µFTDIBUJDFTFQFSEBTEFUFNQPPVEJOIFJSP 0.*/*4NJMF©VNTFHVSPEFEBOPTQS³QSJPTBTTPDJBEPBPDPOUSBUPEFSFOUJOH EFVN.*/*0/&F0/&%EPTNPEFMPT.*/*F.*/*$MVCNBO 1BHBVNBNFOTBMJEBEFꠘYBFQSFPDVQBUFT³FNEJWFSUJSFTUFBPN¡YJNP %FTDPCSFBTWBOUBHFOTOVN$PODFTTJPO¡SJPPVFNXXX.*/*QU 7JBUVSBTO£PDPOUSBUVBJT$BNQBOIBW¡MJEBQBSBBTWFSTµFT.*/*0/&F0/&%EPTNPEFMPT.*/*F.*/*$MVCNBO &NJTTµFTEF$0FOUSFFHLN$POTVNPT$PNCJOBEPTFOUSFMLNFMLN .*/*0OFDWQPSӢNªT$POEJ§µFTW¡MJEBTQBSBDPOUSBUPT3FOUJOHFQBSBPTQBS¢NFUSPTBQSFTFOUBEPT171SFMBUJWP $BNQBOIB#.83FOUJOH 1PSUVHBMO£PJODMVJEFTQFTBTEFQSFQBSB§£PUSBOTQPSUFFMFHBMJ[B§£P 7JBUVSBO£PDPOUSBUVBM %FTQFTBTJOJDJBJTEFDPOUSBUPEFӢF)POPS¡SJPT EF(FTU£PNFOTBJTEFӢO£PJODMVEPOPWBMPSEBNFOTBMJEBEFBOVODJBEP .POUBOUFUPUBMJNQVUBEPBPDPOTVNJEPSEFӢ1SF§PTDPN*7" UBYBMFHBMEF5"&(EF4VKFJUPBBQSPWB§£PQFMB#.83FOUJOH1PSUVHBM -EB$POEJ§µFTW¡MJEBTQBSBQSPQPTUBTBQSPWBEBTBU© $POEJ§µFTTVKFJUBTBBMUFSB§£PTFNBWJTPQS©WJP 4FHVSP"VUP.*/*DPNDPCFSUVSBEF3FTQPOTBCJMJEBEF$JWJM%BOPT1S³QSJPTDPN'SBORVJBDIPRVFDPMJT£PDBQPUBNFOUPJODªOEJPGVSUPPVSPVCPBUPTEF WBOEBMJTNPFGFO³NFOPTEBOBUVSF[B "DJEFOUFT1FTTPBJT0DVQBOUFT"TTJTUªODJBFN7JBHFNF7JBUVSBEFTVCTUJUVJ§£PFNDBTPEFTJOJTUSPTBUSBW©TEFQSPUPDPMP FTUBCFMFDJEPDPNB-JCFSUZ4FHVSPT4"OBRVBMJEBEFEFTFHVSBEPS&TUBJOGPSNB§£PO£PEJTQFOTBBDPOTVMUBEBTDPOEJ§µFTHFSBJTEPTFHVSPBVUPN³WFMFEB SFTQFDUJWBJOGPSNB§£PDPOUSBUVBMFQS©DPOUSBUVBMEJTQPOWFJTFNXXX.*/*QU .FEJBEPS#.8#BOL(NC)4VDVSTBM1PSUVHVFTB-BHPBT1BSL&EJGDJPz1JTP1PSUP4BMWP0FJSBTBVUPSJ[BEPFSFHJTUBEPQFMBTBVUPSJEBEFT"MFN£T DPNPOz%+%:5$%6FJOTDSJUPOP3FHJTUPEP*41DPNBVUPSJ[B§£PQBSBPT3BNPT7JEBF/£P7JEBBDFTTWFMFNXXXJTQQU a pública recomenda Marco Vaza Mário Lopes Festivais há muitos, este é Milhões O homem do braço de ouro Não é fácil para um atleta profissional aceitar a sua própria decadência. Kenny Powers era o jogador de basebol com o braço de ouro, mas deixaram de o querer quando perdeu o seu único talento. Perdeu tudo, os contratos milionários, os patrocínios, as mulheres e a vida de excessos. A única coisa que lhe restou foi o jet ski, a que se agarra com tanta força como à perspectiva de voltar a ser grande. Mas nunca vai voltar a ser. Vai ter de viver com o irmão mais velho, ser professor de Educação Física no seu antigo liceu e tentar rentabilizar o seu reduzido star power em coisas como engatar mulheres em bares e servir de porta-voz num stand de carros. Powers é uma genial criação cómica do actor Danny McBride (que também é um dos argumentistas), um bronco cheio de si próprio que não tem bom coração nem características redentoras, a tentar sobreviver no mundo real em que ele não é o rei. Eastbound and Down DVD 1.ª temporada, HBO amazon.co.uk, €12,5 Rita Pimenta Lucinda Canelas Golfinho Parade em Setúbal Ícones do estilo Até 30 de Setembro, na Doca dos Pescadores, em Setúbal, podem ser vistos os 20 trabalhos vencedores do concurso Golfinho Parade, promovido pela câmara municipal da cidade. A escolha fez-se entre 341 participações. Todos os desenhos a concurso estão expostos na Casa da Baía (Av. Luísa Todi, 468). Réplicas em resina do roaz-corvineiro (à escala real, com 2,5 metros de comprimento), muitas delas pintadas por jovens em conjunto com professores, estão apropriadamente dispostas junto ao rio Sado. Com sorte, além das esculturas, pode ser que consiga avistar alguns golfinhos de verdade. Lindos. Golfinho Parade oca dos do Pescadores, Setúbal, Doca até Setembro té 30 de Setemb Festivais há muitos, mas não haverá nenhum como o Milhões de Festa. Foi erguido por gente barcelense que gosta de tomar as coisas em mãos e é o ideal para quem acha que, menos patrocinador, mais patrocinador, mais praia, menos cimento, os festivais estão a tornar-se todos iguais. Temos um cartaz apelativo, facção indie, que inclui as regressadas Electrelane, os Liars, Anti Pop Consortium, Vivian Girls ou El Guincho, e temos o resto: o ambiente não corrompido pelas necessidades comerciais, os bilhetes a preços acessíveis, a reunião de pessoal que está lá mesmo para ver os concertos e a sensação de que está a nascer ali qualquer coisa de importante e que é bonito participar. Ah, e um dos palcos tem uma piscina em frente. Isso mesmo, smo, ver concertos enquanto se bebe um gin tónico mergulhado na água. Que podemos pedir mais? Milhões de Festa Barcelos, 22 a 24 de Julho, lho, bilhete para um dia 25€, €, bilhete para três dias 50€ 0€ Fábrica de estrelas, é certo. Mas também fábrica de deuses. Na idade de ouro da indústria cinematográfica norte-americana (1920-1960) os estúdios controlavam até ao mais ínfimo pormenor a vida dos seus actores. Glamour of the Gods: Hollywood Portraits, a exposição que está na National Portrait Gallery de Londres até 23 de Outubro, apresenta 70 fotografias que ajudaram a transformar Clark Gable, Rock Hudson, Marlon Brando, Greta Garbo, Joan Crawford e Audrey Hepburn em ícones do estilo. A colecção, com imagens de George Hurrell, Laszlo Willinger ou Davis Boulton, pertence à Fundação John Kobal e inclui muitos inéditos e provas vintage. Glamour of the Gods: Hollywood Portraits Londres, National Portrait Gallery, até 23 de Outubro LEON NEAL/AFP frases Carta ao Comité de Cultura, Media e Desporto, em resposta a um pedido de audiência sobre escutas ilegais no Reino Unido Infelizmente, não estarei disponível para participar na sessão que agendaram para terça-feira; mas estou preparado para prestar declarações no âmbito do inquérito público liderado por um juiz. 13 Julho 2011 Rupert Murdoch Magnata de media, patrão do extinto News of the World 8 • 17 Julho 2011 • Pública Sobre o grupo dono do News of the World Para o melhor ou o pior, a News Corporation é um reflexo do meu pensamento, do meu carácter e dos meus valores. Janeiro 2008 A propósito da gestão do seu império Tento manter-me ao corrente de todos os detalhes. E olho para o nosso produto diariamente. Isso não significa que intervenha, mas ocasionalmente é importante demonstrar capacidade para o fazer. Mostra que compreendo exactamente o que se passa. 2006 Numa conferência do Festival Internacional de Televisão de Edimburgo Muito do que é descrito como programação de qualidade na televisão britânica não é mais do que um reflexo da reduzida elite que a controla e que sempre pensou que os seus gostos são sinónimo de qualidade. 1989 Tel.: 218 951 382 coordenadas o mundo televisão regresso da série “Dallas” Duas décadas depois da exibição do episódio final de Dallas, uma nova série desta soap opera recebeu agora luz verde para ser realizada. Durante 13 anos, as vidas tumultuosas de uma família de ricaços ligados à indústria do petróleo no Texas atraiu audiências mundiais — incluindo Portugal. O remake vai centrar-se numa geração de primos beligerantes, mas três dos actores da série original regressam aos seus papéis principais: Larry Hagman volta a ser o vilão JR Ewing; Linda Gray será a sua mulher, Sue-Ellen; e Patrick Duffy será Bobby, o irmão mais novo de JR. JEAN AYISSI/AFP dança morreu Roland Petit ambiente mais bicicletas nas ruas de Castelo Branco Ter 20 por cento de Castelo Branco a andar de bicicleta, dentro de dez anos, é a ambição de um projecto, em curso, de investigadores da Escola Superior de Tecnologia da cidade. Estudos já realizados concluem que 52 por cento das deslocações urbanas diárias são feitas em carro próprio, valor que dispara para 73 por cento nas viagens entre casa e escola. saúde evitar a água de fontanários e bicas O Instituto Ricardo Jorge concluiu que “a grande maioria das bicas e fontanários não possui água de qualidade adequada para consumo humano”. O instituto analisou 41 fontes em Sintra, mas defende que o risco para a saúde pública é extensível a milhares de nascentes espalhadas pelo país. Gulbenkian prémio para Fernando Pádua a e M.ª Amélia Ferreira a A acção pedagógica e o investimento na formação de estudantes levaram a Fundação Gulbenkian a atribuir ao cardiologista Fernando Pádua e à professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Maria Amélia Ferreira o Prémio Gulbenkian de Educação 2011. O valor de 50 mil euros será partilhado por ambos. cinema filme com Maria de Medeiros premiado em Praga Holidays by the Sea, um filme de Pascal Rabaté com a actriz portuguesa Maria de Medeiros num dos principais papéis, recebeu o prémio de melhor realização no festival ema de Internacional de Cinema Praga. O prémio de melhor ita filme foi para o israelita h Restoration, de Joseph Madmony. ciência a surpreendente descoberta de 12 vulcões submarinos Investigadores do British Antarctic Survey embarcaram no navio oceanográfico RRS James Clark Ross para mapear o fundo do mar junto às remotas ilhas Sandwich do Sul, no Oceano Antárctico, durante duas missões, em 2007 e 2010. Para sua surpresa, descobriram 12 vulcões submarinos, numa área com cerca de 600 quilómetros de extensão e 150 quilómetros de largura. futebol quase metade da população do mundo viu o Mundial de 2010 A transmissão do C Campeonato do Mundo de 2010 chegou a 3,2 mil m milhões de pessoas em todo o mundo, um número que rrepresenta 46,4 por cento da população mundial mun — e uma subida de 8 por cento in face a 2006, informou a FIFA. DA por cá O MIRAN Porto Santo, Portugal. 33º 02’ 75’’N / 16º 37’ 65’’O ADRIAN GPS Pedro Cunha O coreógrafo francês Roland Petit — com Maurice Béjart, um dos mais aplaudidos da segunda metade do século XX — morreu em Genebra, aos 87 anos, de leucemia. Ao longo de sete décadas de carreira — 16 dos quais como bailarino do Ballet da Ópera de Paris —, Petit fundou várias companhias e criou mais de cem obras, sempre inspiradas em Zizi Jeanmaire, também ela bailarina e sua companheira de vida. Ainda que a esmagadora maioria das suas criações não tenha entrado para o reportório internacional, Petit é um autor de referência. Uma das suas reconhecidas peças, Carmen (1949), originalmente dançada por ele e por Zizi, é um marco da história da dança francesa, sexualmente explícita para a época. Le Jeune Homme et la Mort, considerada a sua obra-prima, chocou o público ao encenar o suicídio do protagonista num intenso pas-de-deux que foi brilhantemente dançado pela sua musa e por estrelas como Jean Babilée, Mikhail Baryshnikov e Rudolf Nureyev. números 69 CARTOONARTSINTERNACIONAL: WWW.NYTSYN.COM/CARTOONS Nos últimos dez anos, o Estado brasileiro acumulou mais de 60 mil crimes não resolvidos, segundo uma investigação do Departamento de Defesa Pública do Rio de Janeiro. 39 A Organização Mundial de Saúde colocou Portugal no quinto lugar de uma lista de 53 países que pior tratam os seus idosos, com 39 por cento dos mais velhos vítimas de violência. GUSTAU NACARINO/REUTERS palavras moscatel Mou versus Pep, a luta vai começar José Mourinho chamou ao lugar de treinador do Real Madrid o ponto mais alto da carreira de qualquer técnico. Isso foi quando chegou, há um ano. Uma época passou e esse lugar parece um pesadelo. Tudo culpa do Barcelona, o bicho-papão do futebol mundial que ganha tudo. Esta história é anterior à chegada do técnico português a Madrid, remonta a Junho de 2009, quando os catalães sucederam aos madridistas como campeões de Espanha. Desde aí, o Real já gastou 399,5 milhões em jogadores e treinadores para conseguir fazer frente ao Barça. Nada feito, ou melhor apenas uma Taça do Rei conquistada. Pouco para tanto investimento e uma ferida aberta no orgulho blanco. Mou parte para a segunda oportunidade, Pep está à espera no seu canto. E estamos todos a postos para ver o combate. O Real já arrancou, o Barça começa amanhã a pré-temporada. A luta vai começar. Como adjectivo ou como substantivo, “moscatel” é sempre doce. “Adjectivo designativo de uma casta de uva muito saborosa e aromática” ou “determinado tipo de uva de bago ovalado e suco muito doce”, escrevem os dicionários de língua portuguesa. Supõe-se que o nome resulte do cruzamento italiano de moscato e moscadello. O melhor do mundo (Reserva 2006, Venâncio Costa Lima) é da Quinta do Anjo, já que venceu há pouco a competição Muscats du Monde, em Montpellier. Finalmente uma boa notícia sobre (e para) Portugal. Ninguém usou a expressão “Margem Sul” (talvez destinada apenas às más notícias). Aprofundando na botânica, fica a saber-se que há moscatel-tinto ou preto, moscatel-do-douro, roxo, branco. E que “moscatel de Setúbal” pode ser designado como “moscatel-de-jesus”. Significa ainda “variedade de figo, maçã, laranja e pêra-deverão”. Há um registo (na gíria) que fala em “moscatel” como algo “que tem moscas”, mas preferimos os conceitos saborosos. Recuperemos até o que já escrevemos algures: se o vinho é o néctar dos deuses, o moscatel só pode ser o das deusas. Tchim tchim! Rita Pimenta 12 A maior seca desde há 60 anos está a pôr em risco as vidas de 12 milhões de pessoas, sobretudo na Somália, Quénia, Etiópia, Uganda e Djibuti, alertam ONG no terreno. 54 Se tivessem de escolher entre Nicolas Sarkozy e Dominique Strauss-Kahn (DSK) nas próxima eleições presidenciais, 54 por cento dos franceses preferiam votar no antigo directorgeral do FMI, conclui uma sondagem BVA — a primeira desde que DSK foi detido, em Maio, em Nova Iorque por suspeita de violação de uma empregada de hotel. MIKE SEGAR/REUTERS Citizen Rupe crónica a nuvem de calças Ideias naturais de Verão Rui Cardoso Martins V No teleférico aberto, voando pela fossa dos leões e dos seus ossos, pensei na quantidade de espécies que nos passam ao lado ês a árvore, não vês a floresta, ou vês a floresta e não vês a árvore, há formas de, por assim dizer, cortar pela raiz uma conversa. Experiência curiosa no Jardim Zoológico de Lisboa, há dias, ao passear com crianças: ficámos mais tempo a olhar para um arbusto do que para os bebés de rinoceronte, tigre branco e orangotango. O arbusto, escuro e sem graça, está numa gaiola que diz turaco-decrista-vermelha. Nas grades, a fotografia de um bonequinho pintado em camadas contraditórias de tinta, azul-violáceo na cauda, escarlate na ponta das asas, verde no busto, muito branco de cara, olhitos pretos redondos, o minúsculo bico amarelo-grão-de-milho. E na cabeça o chapéu vermelho, igual a um barrete frígio, a Revolução Francesa, a República Portuguesa em versão pássaro tropical, em suma, mais um maravilhoso disparate da Natureza e as crianças — tão fofinho... — tão giro... o que será verdade se fores mesmo assim, mas onde estás, onde te meteste turaco-decrista-vermelha? E subimos às grades, o que é proibido, e pesquisámos o perímetro, onde se meteu ele, vê desse lado que eu vejo deste, até que, ao parar os olhos no centro do arbusto, surgiu do nada o capuchinho vermelho, os olhos de baga, a pintura de palhaço... — Está ali! — Ali onde? — Ali, ali! — Ali, ali onde, ah! ... ali estava o pássaro. No mais denso do arbusto, como gosta de ficar nas florestas de Angola, macho e fêmea aos saltos para bicar frutos, a chocar os ovos à vez (as crias dependem dos pais muito tempo) sem mudar de sítio ou conhecer mais mundo, fui feito para isso, um turaco com 40 centímetros de belas penas, fofinho e escondido para sempre se não me apanharem para gaiola de zoo e me deixarem para aqui só. Se estou com a minha fêmea, defendemos o território em conjunto e antes 12 • 17 Julho 2011 • Pública de fazermos filhos ela alimenta-me a mim e eu a ela, bico no bico, e mostramos as penas mais bonitas. Prazer em conhecer-vos, de qualquer modo. Poucos têm paciência, passam, não me descobrem e seguem para espécies mais populares e dadas ao espectáculo como os golfinhos e os macacos. Mais tarde, no teleférico aberto, voando pela fossa dos leões e dos seus ossos, pensei na quantidade de espécies que nos passam ao lado. Até as que vivem no país, não é preciso ir à África dos pássaros e símios ou à Indonésia dos dragões gigantes de saliva venenosa (também há no zoo, à hora de regressarem à cela do reptilário, os tratadores tocam com a chave no vidro e eles correm atrás das suas línguas bifurcadas, destilando bactérias). Uma inquietação infantil num mundo de prioridades económicas, de urgências financeiras, mas penso nas espécies que vivem nos nossos campos e que nunca vimos nem sabemos que existem. Abro o livro Portugal Natural (ed. Edideco) e descubro, por exemplo, que existe o musaranho-de-dentes-brancos. Que par estranho faria ele com o nosso turacode-crista-vermelho, que cartaz de feira... O musaranho tem personalidade controversa: minúsculos (o mamífero mais pequeno do mundo, o musaranho-anão, pesa dois gramas), são muito agressivos, nervosos e barulhentos. Andam aos guinchos, principalmente entre machos, e comem tudo o que podem. Mas caçam sozinhos num estardalhaço, o que só pensava admissível em grupo, empurrando as presas para os companheiros, como se faz nas batidas. Talvez contem com a audição das minhocas, mas que dizer das aranhas? Com isto anunciam-se aos predadores, a coruja, a gineta, o gato selvagem (os domésticos não aguentam o almíscar segregado pela glândula no rabo). Ao contrário dos ratos, que não têm caninos, estes musaranhos têm dentição completa, mas de fora, o que lhes dá um ar carnavalesco e, bom..., fofinho. Já vi o discreto turaco-de-crista-vermelha, mas nunca vi o musaranho-de-dentes-brancos, que vive num cagarim. Caçar aos gritos e mesmo assim sobreviver. O musaranho é um animal que fica bem em Portugal. a Escritor [email protected] crónica repórter à solta A ilha de Tavira Paulo Moura L Na escuridão, era como se não existissem paredes e lonas e estivéssemos todos juntos num mesmo sussurro evantei-me bem cedo. Desempoeirei uma velha mochila do tempo da guerra do Iraque, um saco-cama do Afeganistão e uma cadeira desdobrável que se destinava a um casebre em ruínas que um dia arrendei no Alentejo. Comprei uma tenda de 35 euros, meti tudo no carro e conduzi para sul. Sozinho, atravessei o Tejo, cruzei as planícies de milho, flores roxas e feno de veludo cor de âmbar. Vi o céu crescer à minha frente como uma escarpa a rachar para o abismo. Entrei no Algarve, rumei a leste, pela Via do Infante. Passei Faro, Olhão, a Fuzeta, cheguei a Tavira, segui as setas que indicavam a ilha. Estacionei o carro, meti a tralha às costas e apanhei o barco. Caminhei até ao parque de campismo, registeime, montei a tenda, dirigi-me à praia nudista. Despi-me, entrei na água tépida e verde, nadei duas horas. Estendi-me na areia, caminhei à beira-mar até ao fim da ilha e voltei, regressei ao parque para tomar duche. Jantei peixe grelhado num restaurante da praia. Observei as crianças brincando nos puffs vermelhos dispersos nas dunas. As barbichas dos pescadores, a pele esturricada dos banheiros. E as mãos das mulheres sozinhas. O modo ágil e intenso como tocam nos telemóveis, como enviam mensagens. Os casais felizes trocando gestos cúmplices e tácitos, supérfluos. Bebi uma caipirinha no bar do parque de campismo. Perto da meia-noite fui outra vez à praia. Havia um luar intenso reflectido no mar como uma mancha de mercúrio. Um rapaz trouxe a namorada para fazer experiências fotográficas com a luz. Sentou-a um pouco curvada na areia cálida de forma a que o rosto dela ficasse totalmente iluminado pela chama lunar, depois de refractada pela água. O seu rosto pueril e grave, vibrando com o cosmos. À noite, na tenda, esperei pelo silêncio. Quando todos tinham já recolhido aos seus sacos-cama, às suas esteiras, aos seus colchões insufláveis, o burburinho da intimidade 14 • 17 Julho 2011 • Pública ocupou o espaço comum. Ouvia-se tudo. As conversas, os risos, os movimentos, os restolhar das roupas, os gemidos do sexo. A tosse e até a respiração. Quem estava acompanhado talvez não notasse, mas, para um campista sozinho, a presença das pessoas tornava-se contígua e tangível. Constrangedora de início. Depois natural. Na escuridão, era como se não existissem paredes e lonas e estivéssemos todos juntos num mesmo sussurro, num transe tranquilo. Adormeci. Acordei em sobressalto. A tenda estremecia violentamente, e parecia estar prestes a ser arrancada do chão. O espaço entre o interior e o tecto duplo enchia-se como um balão, os panos drapejavam, o chão elevava-se nas extremidades, dobrava-se, enrolava-se sobre o meu corpo. Segurei-me e tentei adormecer de novo, mas a ventania estava cada vez mais forte. Ouvia-se o seu sibilar estridente nos pinheiros. O perigo era real. As espias saltaram, as lonas enfunavam-se como velas. Rebolei até à entrada. Pensei sair, para voltar a enterrar as estacas das espias. Mas o facto era que não havia estacas suficientes. A merda da barraca era mal feita. Porque comprara eu uma tenda de 35 euros? Além disso eu não podia sair, porque era o meu peso no interior da tenda que a mantinha no lugar. Mais nada a segurava. Não era contra a tenda que o vento lutava, mas contra mim. Contra o lastro da minha presença. Por isso não tive outro remédio senão resistir. Agarrarme ao chão, concentrar-me na própria força da gravidade, na minha capacidade de a absorver. Se eu abandonasse o meu lugar, num ápice tudo desapareceria. a Jornalista [email protected] zoom Armazém global No ebay podemos comprar e vender seja o que for, onde quer que seja. Há quem o use para escoar o que já não quer ou usa. Há quem navegue nele à procura de tesourinhos escondidos. Alguns usam-no para “lamber montras”. Outros como meio de negócio. O ebay é o armazém global. Está dividido em áreas. Da roupa aos telemóveis, das jóias às antiguidades, está lá tudo. Há que ter cautelas porque há marcas que têm muita contrafacção; a Chanel, a Hermès, a Vuitton, por exemplo. Há que conhecer um pouco os produtos quando se quer comprar nomes; Eames, Miller, Horner. Na arte, e se não estivermos à espera de encontrar o Vermeer desaparecido por cem euros, é-se um bocadinho mais livre, desde que se consiga “fintar” os antiquários que andam “à pesca” de tudo o que vale a pena para revenderem nas suas lojas. O que propomos hoje, além de experimentar a navegação ebay, é uma manteigueira Art Deco em metal e vidro. Está à venda no ebay britânico (palavras-chave: art deco butter dish) com uma base de licitação de €45. Não esquecer que acrescem os gastos de envio, neste caso mais €16 euros. a A.G.F. [email protected] www.ebay.co.uk 16 • 17 Julho 2011 • Pública pergunta resposta Teresa Messeder O ioga ajuda a combater a vio l Estudou e deu aulas de pintura a crianças, mas também ioga. Em Paris, nos anos 1970, descobriu que podia juntar as duas coisas. Trouxe as técnicas aplicadas ao ensino para Portugal e, aos 68 anos, continua a ensiná-las a professores e educadores. Texto Cláudia Sobral Fotografia Carlos Ramos Quais são as vantagens de introduzir o ioga na sala de aula? As vantagens do ioga na educação são muitas, não só para os alunos — ajudam-nos a relaxar, a concentrar-se, a trabalhar a memória e a descontracção —, mas também ajudam os professores. Conhecendo estas técnicas e os seus alunos, o professor pode, por exemplo, quando eles estão muito cansados, fazer uma pausa de dois ou três minutos para um relaxamento. Eles gostam muito e pedem até. Outras técnicas que podem ser utilizadas são de acolhimento de alunos, técnicas para se aquecerem quando têm frio, de memorização, de concentração, outras que os ajudam a libertar a tensão que têm antes de um teste ou de um exame. É tão variado… São exercícios que se podem fazer na sala de aula. Eles podem estar nas carteiras. São exercícios adaptados (com os pequeninos, são dados de uma forma muito lúdica, tendo cuidado com o crescimento). O trabalho que fazemos no Recherche sur le Yoga dans l’Éducation [RYE] é para levar o aluno a recentrar-se — as crianças andam muito dispersas e têm a necessidade de se reencontrar. Os resultados são visíveis? Os resultados estão muitíssimo comprovados. A primeira experiência, pela professora de ioga e inglês Micheline Flak, foi em 1973, e até 1978 chamou-lhes “técnicas de bem-estar”, que tiveram muito sucesso. Foi esse sucesso que levou à fundação do RYE em 1978. São até os outros professores que pedem aos colegas para lhes ensinarem as técnicas. Ou então os próprios alunos, que vão às aulas de professores que utilizam estas técnicas, depois pedem. Os professores têm de ser, pelo menos, praticantes de ioga, porque ninguém pode dar uma coisa que não conhece. Isto é uma pedagogia, não é uma receita. Conheceu as técnicas em Paris, nos anos 1970. Por que decidiu trazê-las para Portugal? Estava em Paris e a directora da minha escola convidou a professora Micheline Flak para uma sessão de ioga nidra, uma técnica de relaxamento profundo com que ela trabalhava. Eu 18 • 17 Julho 2011 • Pública fiquei tão seduzida por essa técnica e por essa professora que fui ter com ela. Estava a estagiar no Museu das Artes Decorativas com crianças e a fazer formação de ioga. Depois acabei por trabalhar com crianças no ioga. Assisti, em Paris, ao nascimento do RYE, em 1978. Desenhei-lhes o logótipo, os cartazes e estive muito ligada, desde o início, a este movimento. Voltei, em 1983, para Portugal. No início, houve uma tentativa de uma professora que tinha ido a um estágio internacional [de introduzir estas técnicas] e vieram cá dois formadores franceses. Mas não teve continuidade. Também em 2001 vieram cá duas formadoras e não teve continuidade. Em 2007, arranquei com a primeira formação, tive 30 inscrições e gente em lista de espera. Quantos professores portugueses recorrem a estas técnicas? Em Portugal, temos 53 sócios. Nem todos têm diploma, porque para se ter um diploma é preciso fazer-se um estágio internacional [de formação às técnicas de ioga na escola que, desde 2000, se realiza a cada dois anos num país diferente]. Este ano é cá [em Ofir, entre 23 a 29 de Julho]. O objectivo do RYE Portugal é que venham a ser usadas de uma forma mais abrangente? O objectivo é ir dando resposta àquilo que é preciso. Penso que pelos benefícios que estas técnias têm trazido só há vantagem em que elas se divulguem o mais possível. Para que possam ajudar os alunos a sentirem-se melhor, a aprenderem com alegria, a anularem todas estas tendências de violência nas escolas — porque a violência é criada pela enorme tensão em que os alunos vivem. Curiosamente, as técnicas do RYE estão agora a chegar à Índia... A professora Micheline Flak tem corrido o mundo inteiro. Também tem ido a Bangalore e a Calcutá fazer cursos do RYE. Diz que agora quer dar à Índia aquilo que a Índia lhe deu. a [email protected] o lência nas escolas Pública • 17 Julho 2011 • 19 O império da Zara na hora da sucessão Em Arteixo, perto da Corunha, milhares de pessoas trabalham na sede da Inditex para que nada falhe na concepção e entrega do vestuário em 78 países. Cada montra é aqui estudada ao pormenor, tal como a exposição da roupa nas lojas. Uma viagem ao interior do maior grupo de vestuário do mundo, numa altura em que o seu fundador, Amancio Ortega, passa a presidência para Pablo Isla. Luís Villalobos (texto) e Adriano Miranda (fotografia), na Corunha capa E sta é a única loja Zara que não tem clientes. E não é suposto que os haja. De resto, é em tudo igual às outras cerca de 1600 que existem no mundo. Um outro detalhe: a roupa está muito mais arrumada, e não é por acaso: é aqui, nesta loja-piloto, que uma equipa testa a forma como as novas peças que irão chegar a 78 países devem estar expostas e em que zona. Se devem estar penduradas ou dobradas, logo à entrada ou mais a meio, qual o alinhamento de cores e que peças de roupa fazem mais sentido lado a lado. É como se a loja fosse uma tela e a equipa, formada por uma dezena de funcionários da Inditex, o grupo que detém a Zara, estivesse a pintar um quadro em constante mudança. A base para novos acrescentos ou substituições são as peças concebidas pela equipa de designers e comerciais, que estão a poucos minutos a pé de distância da loja-piloto, tal como 11 fábricas e um enorme complexo de logística. Podíamos chamar a este local a casa da Zara, mas é muito mais do que isso. É o coração e o cérebro da espanhola Inditex, porque é aqui, na zona industrial de Sabón, em Arteixo, perto do mar e a 15 minutos de carro da Corunha, que está a sede do maior grupo de vendas de vestuário a nível mundial, fundado por Amancio Ortega. Um local onde, até há pouco tempo, os jornalistas não entravam, mas que se vai abrindo à curiosidade de quem tenta perceber como funciona o império Inditex, que detém também a Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho, Uterqüe, Kiddy’s Class e Zara Home (as lojas outlet Leftie’s são vistas pelo grupo como parte da Zara e não como insígnia autónoma). De todas elas, a Zara ainda é a principal marca do grupo, com um peso da ordem dos 60 por cento nas receitas globais. No ano fiscal que terminou a 31 de Janeiro, as vendas subiram 13 por cento, para os 12,5 mil milhões de euros, e os lucros cresceram 32 por cento, para os 1,73 mil milhões. É a cadeia com maior número de lojas e a primeira a entrar em novos mercados. E foi através dela que Ortega revolucionou o mundo do pronto-a-vestir, com uma renovação constante de roupas nas lojas, a preços acessíveis. Uma fórmula que, ainda hoje, é o segredo do sucesso da Inditex, aplicada a partir de Arteixo ao resto das operações do grupo, seja em Portugal, China, Rússia, Arábia Saudita, México ou Austrália, para dar apenas alguns exemplos. Para o grupo, as lojas são a peça-chave da estratégia, que se assume como um círculo, não vicioso, mas virtuoso. São elas, ou os seus clientes, que fornecem as informações às cerca de 350 pessoas que, entre designers (a maioria, perto de 260) e comerciais da Zara, de várias nacionalidades, ocupam um enorme espaço de trabalho aberto com mais de 40 mil metros quadrados. Por ser hora do almoço, há menos pessoas, e os tons brancos do espaço repleto de secretárias (uma das quais costuma ser ocupada pelo próprio Ortega) são quebrados pela visão constante de roupa de várias cores, tamanhos e feitios, seja no chão, em móveis ou carrinhos de compras. 22 • 17 Julho 2011 • Pública É como se fosse uma desarrumação ordenada, própria de um processo criativo disciplinado. E é aqui, neste mesmo espaço, que o insucesso ou o sucesso de uma determinada peça de roupa nas lojas serve como principal fonte de inspiração do desenho de uma outra que estará à venda nas próximas três semanas. O modelo do cliente Se uma peça não se vende, aprende-se com o erro, como o facto de não vestir bem ou de a cor não agradar, e tenta-se evitá-lo. Se se vende, o designer, que acompanha o impacto das suas criações, utiliza informações como o padrão ou o tipo de tecido para dar origem a outro modelo, que irá surgir como seu substituto. Ou, então, utiliza-se uma outra fonte de ideias: aquilo que os clientes procuraram mas não encontraram, como a mesma peça em outro tecido ou tom. Nesse caso, os dados são mais qualitativos do que quantitativos. Imagine que entra numa loja e pergunta a um funcionário se existe aquele modelo noutra cor, noutro tecido ou com outro padrão. No universo Zara cabe aos empregados reportar o feedback dos clientes ao encarregado da loja. Este depois assinala ao director da insígnia ou directamente ao comercial em Arteixo, encarregue da Zara no país em causa, que partilha e verifica a informação com os comerciais de outros países. A partir daqui, percebe-se se há ou não algo para explorar em conjunto com os designers, de modo a conseguir ter o que o cliente anseia. Uma espécie de central de informações que faz com que a sua opinião, e de outros clientes, possa determinar o que, em breve, chegará às lojas de forma extremamente veloz. A cada duas vezes por semana, as lojas da Zara recebem novas peças e reposição de vestuário, o que não só evita que muitas pessoas andem todas vestidas de igual, como serve de atractivo aos clientes e induz o sentimento de que a decisão de compra tem de ser tomada no imediato, já que as produções da mesma peça são, por norma, limitadas (com excepção para o itens tidos como básicos, ou seja, que raramente passam de moda). Se a empresa explica que são as lojas a principal fonte de inspiração e que se produz ao longo do ano a partir do que o que cliente quer, em vez de lhe dizer o que deve comprar, a Zara é ainda assim muitas vezes vista como sendo exímia nas cópias das tendências de design de autor. Uma ideia que, segundo Jesús Echevarría, o ex-jornalista de 48 anos que assumiu há sete anos o cargo de director-geral de comunicação e relações institucionais do grupo, não só está errada como “desvaloriza o que é feito pelos designers” da casa. Outras inspirações há além das lojas, certamente, mas o responsável pela visita guiada da Pública à sede da Inditex nega qualquer tipo de cópias, contrapondo que as ideias tanto podem vir de filmes que induzem a novas combinações, como de viagens a Tóquio, mais concretamente ao bairro de Shibuya/Harajuku, Meca das novas tendências marcadas pelos jovens japoneses. Em Arteixo, diz Echevarría, “há um processo de criação permanente”, acrescentando que, além disso, “hoje as tendências são universais”. José Luis Nueno, professor na escola de negócios espanhola IESE e autor de um estudo aprofundado sobre a Inditex, afirma à Pública que, no mundo da moda, “todos olham para todos”. A inspiração sempre teve como ponto de partida Em 2009, havia 217 ateliers de costura e 184 fábricas em Portugal que abasteciam o grupo galego A Inditex recorre à subcontratação para fabricar ou coser as roupas, apostando em mercados de proximidade, como Portugal e Marrocos as grandes tendências e os designers mais vanguardistas, para depois produzir e massificar o produto final, acrescenta. “A Zara apenas adapta o que está mais ‘quente’. Arrisca pouco e produz o que de facto se vende”, sustenta. Algo que a empresa certamente não faz, ao contrário de concorrentes directos como a H&M, é recorrer a nomes conhecidos para lançar colecções especiais, como Alber Elbaz (da Lanvin) ou o italiano Roberto Cavalli. “Não funcionamos com grandes nomes, mas sim com uma equipa de trabalho. Um designer renuncia ao nome, mas está constantemente a desenhar e vê as pessoas a usar” o que criou, diz Echevarría. Isso também faz, refere, com que a empresa tenha “estruturas muito mais horizontais”, o que leva a maior capacidade de decisão, embora em articulação com o departamento comercial. Produzir perto de casa Três semanas é o tempo que uma peça de roupa demora a chegar às lojas a partir do momen- to em que recebe luz verde para a sua produção. O protótipo, criado para apreciação final, desmaterializa-se por momentos num padrão industrial, que dará origem às reproduções que os clientes irão comprar. Para que isso aconteça com a rapidez que caracteriza a Inditex, cerca de 50 por cento dos produtos são fabricados em Espanha, Portugal e Marrocos, com destaque para as subcontratações. Em 2009, havia 217 ateliers de costura e 184 fábricas no território nacional que abasteciam o grupo galego, nomeadamente com produtos de algodão. As compras a Portugal deverão rondar os 270 milhões de euros, de acordo com dados não oficiais. Embora não revele valores, Jesús Echevarría destaca que “a produção de proximidade, incluindo a que se realiza em Portugal, é absolutamente indispensável para a estratégia comercial da Inditex. E, nesse sentido, “a produção em Portugal cresce todos os anos como consequência do crescimento das várias cadeias do grupo a nível mundial”. Esta forma de estar no mercado faz com que a Inditex recorra menos do que outros grupos ao abastecimento nos mercados asiáticos, já que a distância inviabiliza a rápida capacidade de reacção e flexibilidade. Mesmo assim, cerca de 35 por cento da produção tem origem em países como a China, Bangladesh, Vietname ou Índia, destacando-se os produtos menos imediatos, como uma simples camisa que não desaparece ao sabor das estações, ou os que tenham adereços que requerem elevada mãode-obra e uma minúcia e verdadeira paciência de chinês para os coser. Os números dão uma ideia da dimensão do que é necessário produzir a nível global: por cada ano, são criados cerca de 30 mil desenhos diferentes, que dão origem a perto de 800 milhões de peças, espalhadas pelas mais de cinco mil lojas da Inditex (responsáveis pela maioria dos cem mil postos de trabalho que o grupo assegura). No caso da Zara, tudo é pensado em Arteixo, e algumas peças são lançadas nas 11 fábricas que o grupo detém neste complexo industrial, incluindo a GOA, que hoje se dedica essen- c Pública • 17 Julho 2011 • 23 Aos 75 anos, Amancio Ortega (página à direita em baixo) decidiu passar a gestão para as mãos de Pablo Isla (em cima), que chegou ao grupo em 2005 Chegadas do exterior, peças de vestuário como os casacos ganham forma em Arteixo Do centro de logística, saem 150 milhões de roupas por ano para todo o mundo cialmente ao vestuário para criança. O nome GOA, visível no topo de um edifício por quem está na entrada da sede da Inditex, marcada por uma estrutura envidraçada apelidada de “cubo” e onde se reúne a administração, passaria despercebido não fosse o caso de ter sido o início do império de Amancio Ortega. Em 1963, o empresário, nascido em 1936 filho de um ferroviário e que começou a sua via profissional aos 14 anos como empregado da camisaria Gala, criou o seu próprio negócio ao abrir uma pequena fábrica no centro da Corunha. Era o início da GOA, formada com o seu irmão, António (entretanto falecido), e com a ajuda da sua primeira mulher, Rosalía Mera, que conhecera quando eram empregados na loja La Maja. Nesta fase participaram também a irmã de Amancio, Josefa, o seu marido, Miguel Jove, e a mulher de António, Primitiva Renedo. A componente de retalho só viria a surgir em 1975 e o domínio do processo fabril ajuda a explicar o êxito do grupo. Hoje, a empresa tem duas estratégias: ou faz ela os cortes nos tecidos e manda coser no exterior (recorrendo aos ateliers de costura) ou envia o desenho para outras fábricas produzirem em subcontratação a peça pretendida. Em qualquer um dos casos, as roupas voltam depois para as mãos da Inditex. Volta ao mundo em 48 horas Em Arteixo, não muito distante do local onde estão os designers e os comerciais, uma dezena de senhoras com batas verdes estão, à hora do almoço, a receber uma linha de blazers femininos cor de areia que chegaram do exterior. Recorrendo ao vapor e a pequenas máquinas, dão a forma certa à cintura, ombros e mangas, para depois retocar as golas e alisar o forro com ferros de engomar. Ao mesmo tempo, estão também a fazer controlo de qualidade, verificando se há falhas nas costuras. Mãos ágeis num processo repetitivo e olhares minuciosos que podem ver passar, num regime por turnos, sete mil a oito mil blazers por dia. A colocação dos alarmes serve como sinal silencioso para indicar que a roupa está pronta para partir, não ainda para a loja mas para o centro de logística, através de um carril aéreo. Na área de logística, que ocupa uma boa parte do meio milhão de metros quadrados detidos pela Inditex em Arteixo, os blazers cor de areia perderam-se de vista. Chegaram através de um túnel que liga as duas infra-estruturas, cortadas por uma estrada, e estão algures embrulhados em plástico no meio de muitos milhares de outras peças de roupa, à espera da sua vez de serem chamados para uma Zara. Aqui, estamos na zona das peças com cabides, a cuja área da logística pertencem os casacos. Agora, a prioridade da circulação é dada a camisas, que seguem em fila divididas por diferentes tipologias, cores e tamanhos numa linha ordenada e automatizada que se vai aproximando de nós. Mãos invisíveis vão tirando peças para o lado, de forma suave mas decidida, uma dança ao ritmo do que as lojas pediram para ser reposto e das novidades que se decidiu enviar nesta nova remessa. Cada ramificação da linha principal vai dar a uma espécie de varão, conhecido como linear, que por sua vez corresponde a uma loja. E estas mudam duas vezes por dia. De manhã, são umas. À tarde, serão outras. Neste momento, estão a ser preparadas as remessas para países como o Japão e a Rússia, mas uma pesquisa mais atenta permite perceber que também Portugal está representado, através dos Açores e da Madeira. Uma camisa de quadrados onde impera o tom vermelho, para homem, viajou desde a China até aqui, tal como uma camisa branca, também a pensar no sexo masculino, que foi produzida na Índia e transportada até à Corunha. Dentro de poucas horas vão ser encaixotadas com os cabides postos e remetidas para os arquipélagos portugueses, a par de outras peças que ainda estão por chegar. Noutro andar, o bailado industrial com sonoridade metálica é substituído pelo corrupio de tapetes rolantes com pás de plástico que espalham a roupa dobrada para dentro de caixotes, trazidos num movimento de carrossel. Uma vez recheados, estes são fechados à mão pelos empregados identificados com batas azuis, que se chegam a ajoelhar em cima das embalagens para conseguir acondicionar a roupa, como se fosse a mala de um mês de viagem. Daqui vão juntar-se aos seus congéneres dos cabides e expedidos de camião (a maior parte) ou de avião, conforme a localização geográfica das lojas. No máximo, as encomendas chegam em 36 horas à loja mais afastada por estrada, e em 48 horas por avião aos pontos de venda mais longínquos, como Sidney, na Austrália. No centro de Arteixo trabalha-se, por turnos, 24 horas por dia, de modo a que os prazos sejam cumpridos, expedindo 150 milhões de peças por ano. Toda a logística está concentrada em Espanha, e é de várias localidades deste país que saem os produtos finais para as lojas das várias cadeias do grupo. No caso da Zara, esta tem, além de Arteixo, centros de distribuição em Saragoça e Madrid. Nesta última cidade está a roupa de criança, Saragoça dedica-se à roupa de mulher e Arteixo à de homem e de mulher. É, por exemplo, do aeroporto do Porto que saem as mercadorias expedidas daqui com destino ao México. Porto pioneiro Na loja-piloto da Zara, duas mulheres conversam enquanto ajeitam uma camisa dobrada num móvel para depois se afastarem de modo a terem uma melhor perspectiva do seu enquadramento. Receberam as últimas novidades e estudam a melhor forma de as colocar à venda. Quando acabarem, enviam, através de um terminal informático, dados e fotografias que informam as outras lojas do que devem fazer. Um padrão que ajuda a organizar e harmonizar a cadeia de vestuário, mas as que tem te também alguma flexibilidade, bilidade, já que nem todas as lojas ojas são iguais, nomeadamente e em termos de espaço de venda. da. Antes de abrirem ass portas pela manhã, depois de e terem recebido uma das duas uas remessas semanais durante a noite ou na véspera, os empregados adequam as indicações recebidas de Arteixo, familiarizam-se com as novas peças e preparam-se para as vender. Um processo que tanto o ocorre na loja de Melbourne, Austrália, inaugurada no dia 15 de Junho, como na Zara da Rua Juan Flórez, no centro da Corunha, a primeira a ser aberta por Ortega em 1975, ou na loja da Rua de Santa Catarina, no Porto, simbólica por ter sido a estreia na internacionalização. Quando se olha para o interior da Zara da Juan Flórez, verifica-se que Ortega começou a sua ascensão no retalho com passos prudentes: o espaço, em forma de ferradura, com duas entradas e saídas, é pequeno, devendo ter 800 a 900 metros quadrados (cerca de metade do tamanho médio das lojas), e inicialmente era ainda menor, tendo ganho alguma área e mudado de aparência desde a sua abertura. Eram, é verdade, outros tempos, com menor poder de compra e dinâmica de consumo. Franco morria nesse ano e a Espanha abriu-se à democracia, entrando depois, tal como Portugal, na Comunidade Europeia. Mas houve coisas que não mudaram desde 1975, já que ali ainda trabalham algumas das empregadas que, sem o saber, estavam a fazer parte da história da moda. Hoje, chegam pessoas de vários pontos de Espanha com curiosidade pelo espaço que marcou o início da Zara e da Inditex, pedindo mesmo para tirar fotografias. O caso da loja do Porto é diferente, já que poucos são os que sabem que foi aqui, perto do mercado do Bolhão, que o grupo galego se estreou fora do mercado espanhol em 1988. Para que isso acontecesse, teve primeiro que comprar uma pequena empresa têxtil do Norte, a Marques & Terroso, que registara a marca Zara em Portugal. E sofreu um pequeno contratempo, já que a intenção era abrir duas unidades qua- c Na Zara da Rua Juan Flórez, a primeira loja a ser inaugurada em 1975, h há empregadas que es estão lá desde o início iníci capa se em simultâneo, alargando a sua presença a Lisboa nesse mesmo ano. A abertura na capital estava prevista para os Armazéns Grandella, uma ideia que foi interrompida pelo incêndio no Chiado. Vinte e três anos depois, a Inditex Portugal continua a ser gerida pela mesma pessoa que abriu a loja na Santa Catarina, Ana Paula Moutela, responsável pelas 289 unidades que o grupo detém no país (sem contar com a Massimo Dutti, com mais de 40 lojas e representada no mercado nacional através do regime de franchising pelo grupo Regojo). No último ano fiscal, a Inditex Portugal, excluindo as receitas da Massimo Dutti, teve um volume de vendas de 587 milhões de euros, mais dois por cento do que no ano anterior. É o país, depois de Espanha, com maior número global de lojas, embora não seja o que gera mais receitas. A loja do Porto, apesar da antiguidade, parece continuar a ter uma função pioneira. O seu interior, dividido em dois pisos, dá a ideia de ter mais roupa pendurada e menos peças dobradas do que nas outras Zara, permitindo uma maior visibilidade do vestuário e a percepção de mais espaço e capacidade de mobilidade. No rés-do-chão, dedicado ao sexo feminino e onde circulam cerca de 20 mulheres das mais variadas idades, uma delas acompanhada por um homem, as duas caixas de pagamento, situadas a meio da loja, têm por cima um ecrã gigante onde passam imagens de modelos numa passerelle. A música ambiente, parte essencial do marketing, é envolvente sem ser intrusiva. Sobe-se ao piso de cima, por umas escadas com degraus iluminados, e verifica-se que a zona de homem, que tem à sua esquerda a área infantil, é uma espécie de reprodução do piso de baixo, mas numa menor escala. Também aqui os clientes são esmagadoramente do sexo feminino, seja na parte de homem ou na de criança. Sinal de que, mesmo se as vendas de roupa masculina já vão tendo um peso expressivo nas contas da empresa, quem decide as compras são principalmente as mulheres. Olham, mexem, desarrumam sem preocupação, como se procurassem algo sem saber muito bem o quê, tanto passando as mãos pelas camisas como pelos casacos ou por um par de calças. Por fim, algumas atravessam a porta da rua com uma espécie de sensação de missão cumprida, simbolizada pelo saco da Zara que levam na mão. E, sem pensarem nisso de forma consciente, estão a fazer algo que se diz que o grupo galego não faz: publicidade. Não investe, e isso é um facto, em publicidade convencional, como anúncios na televisão e na imprensa. Mas cada saco na mão de uma cliente que se passeia pela rua é uma forma de vender a imagem da marca. De acordo com o director-geral de comunicação e relações institucionais do grupo, a Inditex considera que os produtos devem vender por si mesmos, ao estabelecer uma relação directa com os clientes, correndo-se o risco de a publicidade transmitir uma ideia errada ou até de não se perceber se as vendas subiram por causa das roupas ou por causa de uma determinada campanha. “Preferimos um modelo mais directo, com menos ruído”, sublinha Jesús Echevarría. Com isso, a empresa ganha uma vantagem financeira: o dinheiro que não aplica em publicidade convencional é canalizado para outros fins, com destaque para as lojas. Para a Inditex, estas são mesmo o principal 28 • 17 Julho 2011 • Pública suporte publicitário das várias cadeias do grupo, seja através dos projectos arquitectónicos, das localizações ou das montras. Devido à importância que assumem na comunicação dos produtos e atracção dos clientes, também as montras das lojas são pensadas a nível central em Arteixo. Uma equipa formada por cerca de uma dezena de especialistas prepara meticulosamente as vitrinas, seleccionando roupas e os materiais que as acompanham. Neste processo, podem contar com a participação de responsáveis de outros países. E, tal como no caso da colocação do vestuário no interior das lojas, as directrizes têm alguma margem de manobra para serem adaptadas localmente pelos directores de montras dos mercados onde o grupo opera. Em Portugal, existem perto de 20 pessoas a trabalhar neste departamento, cujos pontos altos são a altura do Natal, dos saldos e das duas mudanças de estação (Outono/Inverno e Primavera/Verão), com uma alteração total das montras. Fora dessas temporadas, fazem-se pequenas alterações de três em três semanas, de modo a mostrar as novidades que vão chegando. Pablo Isla, o sucessor A 15 de Julho, com o início oficial dos saldos e ponto de partida para a chegada das primeiras peças da nova colecção Outono/Inverno, já começou um outro ciclo de renovação nas lojas. E, na próxima terça-feira, a Inditex inicia também uma nova fase, que marcará o seu futuro. Sentado numa mesa de madeira com espaço para oito pessoas, olhando de cima para um pequeno auditório situado dentro do “cubo” em Arteixo, Amancio Ortega vai oficializar a sua substituição por Pablo Isla no âmbito da assembleia geral do grupo. Assim, aos 75 anos, o fundador da Zara faz uma passagem de testemunho, escolhendo um gestor profissional e afastando, pelo menos para já, a hipótese de dar a liderança a Marta, a sua terceira filha. Nascida em 1987, Marta é fruto do casamento com Flora Pérez Marcote, uma ex-empregada da Zara. É a filha predilecta de Ortega e começou a trabalhar numa Bershka de Londres em 2007. O empresário teve anteriormente dois filhos com Rosalía Mera, que permanece como accionista de relevo da Inditex, sendo a mulher mais rica de Espanha: Marcos, que nasceu com uma deficiência mental, e Sandra, a mais velha, mas que, ao contrário de Marta, nunca foi falada como eventual sucessora do pai. A decisão, histórica, foi conhecida no início deste ano, através da divulgação de um comunicado oficial, onde se anunciava que Pablo Isla, de 47 anos e actual vice-presidente e administrador-delegado, iria sentar-se na cadeira de presidente da Inditex. Tendo entrado para o grupo galego em 2005, Isla é apresentado como um gestor com grande capacidade de trabalho e profundo conhecimento da forma como a Inditex funciona. Licenciado em Direito, casado e pai de três filhos, o ex-presidente da tabaqueira Altadis nascido em Madrid e adepto do Real não vai deixar de contar com a presença de Ortega ao seu lado. Além de ficar formalmente como administrador não-executivo, aquele que se tornou num dos homens mais ricos do mundo terá sempre uma palavra a dizer, já que controla a maioria do capital, detendo 59 por cento das Nos últimos seis anos, a empresa duplicou de tamanho e o valor em bolsa cresceu cerca de 200 por cento, para 40 mil milhões de euros As montras, peça essencial da comunicação da marca, são preparadas com antecedência por uma equipa especializada capa FILIPE ARRUDA No roupeiro da H&M C hegou ao Porto quando a estrela portuguesa era pintada de fresco na constelação da construção europeia, quando a TSF nascia como rádio-pirata. A revolução de 1974 ainda nem era adolescente e os jovens como ela tinham cada vez mais produtos estrangeiros ao seu alcance. Começava a não ser preciso ir a Espanha para comprar cosméticos, iogurtes ou roupas de marcas diferentes das que existiam em Portugal. A roupa vinha das boutiques de bairro ou de renome. Os jovens com mais dinheiro escolhiam a Benetton, os outros tinham os Por-fí-ri-os, a Fétal, as camisas floridas da Tinta Fresca ou a eterna Maconde (depois Macmoda, agora Modalfa). E, primeiro à Rua de Santa Catarina, no Porto, depois à Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa, a Zara chegava a Portugal e tudo seria diferente. Passaram-se mais de 20 anos. A chegada da Zara a Portugal coincidiu com um momento em que a esfera de influência da moda se alargou substancialmente. Tal como um Portugal em plena integração europeia e sem o acesso mais fácil a todo o tipo de informação que a Internet viria a generalizar na década seguinte, a ideia de “moda” alargou-se a várias áreas de actividade (desde a alimentação à televisão, passando por revistas como a Marie Claire ou Elle portuguesas, nascidas nessa época). “A sua chegada corresponde a um interesse muito generalizado pela moda. Quando a Zara chegou, a moda já era relevante para um grupo mais pequeno de portugueses e com a Zara esse tema massificou-se”, recorda Ana Couto, docente do curso de Design de Moda da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. “Antes havia preços elevados e um certo vazio nas marcas. Muito antes, havia os Por-fí-ri-os, que tinham um papel semelhante ao da Zara, por causa dos preços, mas era destinado a uma faixa etária mais jovem”, recupera ainda a professora, que lecciona Teoria da Moda e Marketing de Moda. Em 1988, 89, 90, 95, as mulheres só queriam uma T-shirt que lhes assentasse como a uma mulher e não como se fizessem parte de um vídeo de Rod Stewart. Os homens só queriam alternativas às camisas sempre iguais nas lojas das ruas, em que o dono lhes fazia “uma atenção” no caso de serem clientes habituais. Os adolescentes, esses, queriam tudo. “Acho muito mais interessante a chegada da Benetton a Cascais, muito antes de a Zara ter chegado a Portugal”, frisa Paulo MoraisAlexandre, docente na Escola Superior de Teatro e Cinema. “Quando a Zara vem, fá-lo num segmento mais baixo, colocando à disposição um design interessante por um preço barato. Para os homens, a diferença que trouxe foi a da qualidade. Para as mulheres, foi a variedade.” Perdeu-se a hipótese de ter “uma atenção”, começou o princípio do fim de um tipo de comércio de proximidade e tradicional, ganhou-se em variedade, em experiência de compras (o modelo Zara em que circulamos sem ser abordados pelos empregados, mas tendo-os por perto para responder a qualquer pergunta) e nos preços. E na rapidez que fez da Zara um sinónimo não só de básicos como a tal T-shirt branca com c capa bom corte, mas também de roupa “na moda”, em resposta ao que se passa no mundo do design e cultural. A entrada da marca espanhola em Portugal foi um sucesso. Hoje, Ana Couto vê pelos trabalhos de prospecção de mercado que todos os anos pede aos alunos que “todas as pessoas vestem Zara ou H&M”. A Zara “conseguiu penetrar em todos os segmentos de mercado, com alguns benefícios — o acesso a uma grande diversidade de design apetecível a preços apetecíveis — e prejuízos — incentiva o consumo muito rápido, que neste momento de mudança de paradigma nos faz ficar fartos de tanta roupa tão barata, para consumir de três em três meses”. Paulo Morais-Alexandre não é um desses portugueses que a Zara conquistou. Ainda assim lembra, sem saudades, como nos anos a.Z. — antes da Zara —, o tipo de roupa que se vende hoje nos hipermercados “era um bocado a linha baixa do país todo. Quando eu era miúdo, nos anos 1960/70, as pessoas andavam muito mal vestidas, havia, como se dizia, muitos monos. Hoje há mais colecções, novas peças a cada semana, há segmentos em que a roupa [Inditex] é particularmente bonita — é o caso da roupa infantil. O gosto dos portugueses é que não melhorou, não há uma cultura do gosto. Há na rua muitos produtos maus, muitos maus cortes, má coordenação”. No início de 2010, a Pública questionou os criadores de moda que desfilam na ModaLisboa sobre a forma como os portugueses se apresentam. Todos concluíram que as lojas de moda rápida ajudaram, e muito, à melhoria da imagem dos portugueses. Ana Couto é igualmente optimista, mas com reservas: “A Zara educou o gosto das pessoas, mas essas pessoas quiseram vestir-se de forma igual, na tendência do momento. E, assim, a Zara acabou por não cultivar o gosto mais individual, mais idiossincrático.” Passadas duas décadas de presença da principal marca de fast fashion do mundo, deste “triunfo de um homem simples”, como titulava o jornal espanhol El País em Março de 2003, A ZaraInditex, seguida pela sueca H&M e pela norte-americana Gap são as três grandes forças actuais do vestuário mundial coroando Amancio Ortega como verdadeiro “inventor da moda rápida”, o que fez esta acção de sensibilização comercial galega em força à moda portuguesa? “Uma vantagem da chegada da Zara a Portugal foi que as empresas olharam para o seu exemplo e tiveram a oportunidade de mudar a sua filosofia, mesmo noutros sectores. No vestuário, o melhor exemplo desse salto é mesmo a Lanidor, que está no mesmo segmento da Massimo Dutti [também do grupo Inditex], pela sua aposta no design, que era algo raríssimo em Portugal”, identifica Paulo Alexandre. No design de autor, a influência não tinha de se fazer sentir — são outros modelos de negócio e outras estruturas criativas. Mas, ainda assim, Ana Couto recorda as palavras do designer Paulo Cássio no fim da década de 1980: “Para que é que hei-de ser designer se apareceu a Zara?” Há outras marcas portuguesas, umas novas, outras reinventadas, que mostram como as marcas de moda portuguesas se adaptaram ao mercado. Por exemplo: Salsa, Fly London, Globe, Ana Sousa, Shop One. Nomes estrangeiros, nomes próprios, mercados específicos como os jeans ou a moda low-cost, lojas de rua ou centro comercial, em nome próprio ou por representantes. Nenhuma, contudo, chega aos calcanhares das três grandes. A Zara/Inditex, seguida pela sueca H&M e pela norte-americana Gap são as três grandes forças actuais do vestuário mundial e foram as suas linhas múltiplas de distribuição e produtos de ciclo de vida curta que incentivam a voltar às suas lojas que criaram este cenário em que vivemos — fazemos parte de uma grande, gigantesca zona comercial urbana em que as ruas “das compras” têm sempre os mesmos letreiros, estejamos em Beirute, Tóquio ou Madrid. Como escrevem os docentes do Instituto Francês da Moda na obra Vinte Anos de Sistema de Moda (IFM, Regard, 2008), cadeias como a Zara e H&M “moldaram a nova paisagem competitiva”, caracterizada pela “aceleração das colecções e pela ascensão do estilo”. Há cada vez mais revistas, blogues e sites dedicados à moda e, leia-se, às compras e ao hedonismo. O sol (já) nunca se põe na passerelle, como escreveu há anos o New York Times sobre a profusão de semanas de moda pelo mundo, e, como diz Paulo Morais-Alexandre, com a Zara, já não há só duas estações. Mais marcas, mais lojas, uma mentalidade (própria de tempos de abundância) em que a moda rápida serve o deus da compra impulsiva, inconsequente e potencialmente descartável. Zara vs. H&M Passaram-se 20 anos, portanto, e de permeio o segundo maior retalhista do mundo entrava em Portugal. O design sueco instalava-se em 2003 na rua que deveria ter sido da Zara, em pleno edifício dos antigos armazéns Grandella, primeira escolha da Inditex gorada pelo incêndio no Chiado em 1988. A H&M, concorrente, chegara ao Chiado lisboeta. E serviu para mostrar como o que faz é o mesmo que os galegos, mas diferente. A H&M comunica que se farta: povoou a cidade com anúncios de rua ou imprensa com o preço da peça de roupa, fundo branco, algumas supermodelos; tem show-room com colecções, abertura a entrevistas ou visitas à sede e tem ainda as famosas colecções com nomes célebres da moda e das artes (de Karl Lagerfeld a Madonna, passando por bloguistas de nicho). A Zara ignora tudo isto: é nas lojas que podemos ver algumas supermodelos em fotografias nas paredes ou montras. Só. O resto é passa-a-palavra (para Ana Couto, a chegada da Zara a Portugal foi a vinda “da tal loja com coisas muito engraçadas e baratas de que toda a gente falava”; e assim, constatou a professora de marketing de moda, o seu modus operandi era a “estratégia do boca-a-boca”) e presença — coisa que quase não tem nas revistas de moda mais conceituadas. Enquanto a H&M ou parentes muito baratos e de qualidade duvidosa como a Primark estão nas Vogues e Elles nacionais e internacionais, a Zara lá vai entrando nos títulos do sector em Espanha (claro) e pouco mais. Durante muitos anos, “parte da sua estratégia era fazer modelos e peças muito seguidistas de marcas de renome e de tendências que indiciavam um certo desrespeito pela propriedade intelectual de criadores”, recorda Ana Couto. Hoje “impôs um design Zara; têm melhorado, são um pouco mais idiossincráticos”. Paulo Morais-Alexandre e Ana Couto, em entrevistas telefónicas, mostram como esta coisa da imagem das marcas tem que se lhe diga. Há a percepção, dele, de que a H&M é mais institucional e astuciosa na forma como se alia aos criadores famosos para colecções-cápsula; há a visão, dela, de que “a H&M tem consciência de que a Zara é uma marca de design e a H&M não — por isso começou a fazer as colecções com designers”. Nada como ir à fonte ver como trabalha a concorrência da Zara. Chegamos a Estocolmo. Há uma H&M a cada esquina. Literalmente. Aliás, a sede da H&M divide-se em dois edifícios — um numa esquina, outro noutra. A Zara também ali está, bem perto, talvez numa de poucas ruas do mundo em que está em minoria — é comum haver duas ou mais Zara no mesmo quarteirão, rua ou centro comercial. Chama-se a isso “secar” os locais da concorrência. Mas a H&M também o pratica. Jogam o mesmo jogo. A Zara ganha aos pontos num detalhe, que não é de somenos importância: o modelo de negócio da marca espanhola permite-lhe lançar no mercado 10 mil peças por ano. A H&M ficase pelas quatro mil peças, mais coisa menos coisa. O tempo que dista entre o fabrico de uma peça e a sua presença nas lojas é mais longo na H&M, que nasceu em 1947 — a Zara foi criada em 1975, Amancio Ortega queria chamar-lhe Zorba, mas um problema no registo de patentes obrigou-o a “Zara”. O modelo da H&M é diferente do da Inditex logo a começar pelo que é o coração da marca sueca — esses dois edifícios, no centro de uma das cidades mais cool do mundo, Meca do design, são o equivalente a Arteixo e à sua declinação decisora Inditex, em Saragoça, baptizada como The Cube. A H&M (que também detém outras marcas, como os jeans Cheap Monday, o design minimalista COS ou a jovem Monki, e uma linha de cosméticos e de produtos para a casa) não possui fábricas, apoiando-se em for- necedores e em mais de 20 centros de produção. A curta visita da Pública permitiu ver uma sede tipo Ikea, absolutamente escandinava na sua alvura, brilho e linhas rectas pontuadas por objectos de cores divertidas; e uma outra mais caseira, mais antiga, igualmente acolhedora na sua versão “casa de catálogo nórdico”, em que a “sala das inspirações”, repleta de livros, é ladeada pela White Room, sala de moldes e pela sala de testes de cor, tecidos e padrões. Os materiais sensíveis ou mesmo sigilosos foram retirados das paredes de antemão — “vêm aqui muitos jornalistas, estamos habituados”. Ali não se ignoram as tendências das passerelles oficiais, mas as viagens, os livros, os filmes do momento, “muitas tendências relacionadas com a música, obviamente”, como indica a directora de design da H&M à Pública, ou as feiras e os cadernos de tendência são apresentados como sendo as principais fontes de inspiração para o trabalho da equipa de 140 designers. Ann-Sofie Johansson, a directora de design da H&M, que começou a trabalhar na marca sueca um ano antes de a Zara se estrear em Portugal, esquiva-se aos comentários sobre as marcas concorrentes, mas lá solta: “Temos os nossos show-rooms e abrimos as portas para mostrar as novas colecções, temos uma boa linha de comunicação com os jornalistas e somos uma empresa de moda e por isso estamos orgulhosos do que estamos a fazer e sempre que isso aparece numa revista, melhor.” Na Zara, não há entrevistas com Amancio Ortega nem grandes incursões pela área de design em Arteixo (ver texto principal). Em 2001, Cecilia Monllor lançou Zarapólis, um livro sobre “a história secreta de Amancio Ortega”, como descrevia o diário madrileno El Mundo. Uma designer da Inditex, sob anonimato, claro, descrevia a presença de Ortega no trabalho do seu departamento e a filosofia do grupo: “Se alguém viaja e traz algo vestido que comprou fora, e não ofereceu à empresa, o chefe [Ortega] zanga-se e quase obriga a que o dê, para que as clientes da Zara também o possam usar ao mesmo tempo. Colectiviza tudo. Para ele, a exclusividade consiste no facto de o maior número de pessoas ter acesso ao belo, ao original e ao prático.” Acesso, uma vez mais, porque é tudo barato, próximo e apelativo. Amancio Ortega vale 25 mil milhões de euros graças a um negócio de sapatos, colchas e T-shirts baratas. Embora considere que as peças Zara “não são de uma qualidade excepcional”, Paulo Morais-Alexandre postula que a ideia-Zara é “profundamente democrática” no seu desígnio de “vender roupa barata com bom design”. “A Zara é exemplo de uma segunda democratização, que se espalha quase universalmente a cada três dias, com novas lojas. O mundo uniformizou-se, o que tem um lado perverso — até macarons há em Lisboa. É fechar um ciclo da revolução industrial, que começa pela produção de roupa feita pela máquina. A Zara é a produção absolutamente maciça, a grande globalização.” a Joana Amaral Cardoso [email protected] A crise é séria mas parece comédia 34 • 17 Julho 2011 • Pública Depois de atacar a Grécia, a Irlanda e Portugal, o pânico bateu à porta da Itália. A estagnação é o principal factor de risco na economia italiana. Mas o “incêndio” foi ateado pela irresponsabilidade de Berlusconi, que criou um clima de incerteza política. Combinado com a estagnação, formou uma “tempestade perfeita”. Texto Jorge Almeida Fernandes N o dia 8 de Junho, a Bolsa de Milão começou a “arder”. Foi “a sexta-feira negra”. O dia 11 foi pior e ficou como “a segundafeira negra”, pois não havia outro adjectivo disponível. Os acontecimentos são uma mistura de drama e comédia. O vento começou a mudar com um telefonema da chanceler alemã, Angela Merkel, que arrancou Silvio Berlusconi à sonolência. Fustigados pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano, os políticos reagiram e puseram-se de acordo. Foi a mais fulminante aprovação de um plano de saneamento financeiro na história da República Italiana. Na quarta-feira, a Moody’s, que na véspera tinha degradado o ratingg da Irlanda para o nível de “lixo”, trouxe uma nota de alívio. Disse que a situação económica italiana é “relativamente estável”, não há razão fundamental para que seja contagiada pela crise grega, o Tesouro italiano tem “uma grande margem de manobra” e, portanto, o pagamento da dívida “é perfeitamente gerível”. Na quinta-feira, o diário La Stampa fazia o ponto da situação: “Com o plano de saneamento aprovado pelas câmaras [do Parlamento] a toda a pressa, passará a borrasca. Mas a Itália continuará sob observação. Nos mercados financeiros, tal como na vida quotidiana, a confiança rapidamente se perde e só penosamente se reconquista.” Todas as crises da dívida têm em comum uma coisa chamada credibilidade. Não basta à Itália ter uma situação económica melhor do que as de Portugal, da Grécia ou da própria Espanha. Espanh Confronta-se com um grave problema — a falta fa de crescimento. A elevadíssima dívida externa exte não foi até agora explosiva porque é principalmente princi detida por italianos. Mas a estagnaç estagnação potencia o risco da dívida, tornando a Itáli Itália extremamente vulnerável. O ministro das d Finanças, Giulio Tremonti, tinha elaborad elaborado um plano de saneamento financeiro, visando visan a redução drástica do défice orçamental orçamenta até 2014, através de cortes na despesa e sobretudo sobre do aumento das receitas fiscais. O projecto projec ia ser apresentado ao Parlamento. A “comé “comédia italiana” que o envolveu foi o detonador da “sexta-feira negra”. O pânico O pânico na Bolsa Bo de Milão foi desencadeado pela incerteza p política. O Financial Times noticiou com rigor: “O Governo do centro-direita é o alvo de uma nova n ofensiva dos mercados, pois os investidores temem t que a coligação de Silvio Berlusconi — enfraquecida en por escândalos e lutas intestinas — possa p perder a determinação de aplicar um rigoroso rigo plano de austeridade.” As propostas de Tremonti foram criticadas, como injustas ou como insuficientes, pela oposição e por diversos economistas. Não é o que aqui inter interessa. Berlusconi nunca gostou da ideia da “austeridade”. “aus Toda a sua carreira assentou em ve vender promessas. Foi Tremonti que, sob pressão pressã da crise grega e do medo de contágio, lhe forçou fo a mão. A seguir às de derrotas da aliança de Berlusconi nas eleições regionais reg de Maio e nos referendos de Junho, o Cavaliere Cav deu a entender que era politicamente prioritário “abrir os cordões à bolsa”. E, na véspera do pânico na Bolsa de Milão, deu a entender que o projecto da lei seria substancialmente alterado — leia-se, esvaziado. Os “mercados” tomaram nota. Junho começou com uma sequência fatal. Berlusconi foi “fulminado” por uma sentença judicial: a sua holding, a Fininvest, deverá pagar 560 milhões de euros de indemnização ao seu “inimigo de estimação”, Carlo de Benedetti, devido à disputa do grupo Mondadori (edição), em 1991. A sentença confirma que, para se apoderar da Mondadori, Berlusconi corrompeu um juiz. O crime prescreveu mas não a responsabilidade civil. Também Giulio Tremonti viu a sua posição enfraquecida. O seu conselheiro Marco Milanese foi preso, por um juiz de Nápoles, sob suspeita de participação num “esquema de fraude fiscal”. Num ajuste de contas, Il Giornale, um diário propriedade da família Berlusconi, proclamou na primeira página que era Milanese quem pagava a renda do apartamento de Tremonti em Roma. O banco de investimento Morgan Stanley observou num relatório: “Há especulações nos jornais italianos sobre um novo pico no conflito entre Silvio Berlusconi e Giulio Tremonti, notícias que veriam o ministro pronto a apresentar a demissão e o primeiro-ministro pronto a aceitá-la. Dada a alta reputação de que goza Tremonti (e a debilidade de Berlusconi perante a comunidade internacional), se a notícia se confirmar, em nada ajudará a Itália, sobretudo num momento tão delicado.” Antes do “elogio” de quarta-feira, a c TO NY AD CR DO CK O /C RB /V IS M I Pública • 17 Julho 2011 • 35 itália Intriga palaciana A rivalidade entre Tremonti e Berlusconi remonta ao fim do ano passado. O ministro das Finanças foi o esteio do Governo enquanto o Cavaliere se debatia com a mediatização dos seus escândalos privados. A expulsão, em Julho, de Gianfranco Fini do partido de Berlusconi — Povo da Liberdade (PdL) — abriu um período de instabilidade, pois a coligação governamental perdeu a maioria absoluta. Dentro do PdL surgiram manobras para procurar uma alternativa ao Cavaliere. O nome de Tremonti emergiu como a mais forte hipótese. Tinha a vantagem de ser um bom interlocutor para o Presidente Napolitano e para a oposição. E, como “homem da Lombardia”, tinha o apoio da Liga Norte, de Umberto Bossi. Berlusconi não o pôde afastar do Governo. Para tornear a questão, nomeou um sucessor para a liderança do partido — Angelino Alfano, ministro da Justiça e autor da lei que lhe assegurou a “blindagem” judicial, lei entretanto inutilizada pelo Tribunal Constitucional. “Para a Itália, o risco não deriva de Atenas mas de si própria e da incapacidade de se defender enquanto sistema”, sintetizou um editorialista. Uma desautorização do ministro das Finanças pelo chefe do Governo, em clima de crise, é coisa fatal. “Do ponto de vista nacional, é um suicídio. Destrói a credibilidade”, escreveu Bill Emmott, antigo director da Economist, que acompanha de perto a política italiana. “O aspecto mais crítico da política económica do país, a rigorosa gestão do défice orçamental, é posto em séria dúvida.” Enquanto “a Bolsa ardia”, Berlusconi amuou com a sentença do caso Mondadori, fechou-se na sua mansão de Arcore e desapareceu de cena. Só interrompeu o silêncio na segunda-feira à noite, após o telefonema de Merkel. Na versão oficial, a chanceler quis solidarizar-se com a Itália e apoiar decisivamente o plano de saneamento. De facto, a mensagem foi lida como uma advertência a Berlusconi, um “firme convite” a não cair na tentação de esvaziar o plano ou de o meter na gaveta depois de aprovado. “É um sinal de quão profunda é a crise actual e de quão limitadas são as opções de uma Itália, parcialmente sob tutela europeia”, observou o economista Mario Deaglio. A mesma interpretação é feita por Stefano Folli, editorialista do diário económico Il Sole 24 Ore: “As palavras politicamente mais impressivas, dirigidas ao executivo mas, no fundo, ao Parlamento inteiro, vieram da chanceler alemã e não de um expoente da nossa classe política. É surpreendente e inquietante.” Enquanto o Cavaliere se eclipsava, o Presidente Napolitano assumia o controlo da situação, apelando à responsabilidade, à unidade nacional e ao “espírito bipartidário”. A Itália entrou em “emergência”. A oposição — que tencionava fazer adiar para Setembro a aprovação do plano Tremonti — comprometeu-se a não fazer obstrução, assegurando a sua rápida votação até sexta-feira 15, dia da revelação do resultado do “exame de stress” aos bancos italianos e antes da abertura das Bolsas, amanhã. “Tempestade perfeita” Tremonti parecia isolado mas explorou rapidamente a mudança do vento. Segundo La Repubblica, teria lançado um ultimato ao partido: ou dentro de seis meses se aprova um plano de liberalização e de privatizações, para relançar o Produto Interno Bruto (PIB), ou bate a porta. Perante uma assembleia da Associação Bancária Italiana, garantiu que as medidas de rigor seriam reforçadas. “Tudo o que causou a crise permanece presente. Nada do que se deveria fazer foi ainda feito. Faltam novas regras.” Foi apoiado por Mario Draghi, presidente cessante do Bankitalia e próximo chefe do Banco Central Europeu. “Sem mais cortes, serão inevitáveis novos impostos.” E sublinhou a urgência de reformas estruturais. A Itália, escreve Deaglio, encontra-se sob uma “tempestade perfeita” — simultaneamente financeira, económica e política. “É ilusório pensar em tratar uma destas dimensões sem tratar as outras; e sem ter em conta que, na realidade, o ataque especulativo que envolve a dívida pública italiana e a Bolsa italiana poderá ser o ponto alto de um embate mais vasto entre o euro e o dólar, numa situação de forte desordem monetária mundial.” Para lá da antecipação de medidas programadas para 2013-14 e da adopção de um plano de privatizações, Deaglio sublinha a urgência de um novo “pacto social”, repartindo os sacrifícios “entre capital e trabalho”, à imagem do pacto acordado entre os industriais e as principais confederações sindicais alemãs, “que contribuíram para o forte relançamento da economia da Alemanha”. A aprovação do plano Tremonti abalará os actuais equilíbrios partidários, designadamente na maioria, e os equilíbrios parlamentares. Em plena crise financeira, ninguém ousa propor THIERRY ROGE/REUTERS MAX ROSSI/REUTERS Silvio Berlusconi, Sergio Marchionne e Giulio Tremonti Moody’s passara de “estável” para “negativo” o rating italiano, dado o clima de incerteza política. AFP “O resto do mundo é que mudou, sem que a classe política se apercebesse.” A Itália descobria que precisava de ser governada eleições antecipadas para clarificar a cena política. Para já, a UE e “os mercados” querem um quadro político estável. Fala-se num “governo técnico”, que Napolitano poderia incentivar. Cita-se o nome de Mario Monti, ex-comissário europeu e presidente da Universidade Bocconi, de Milão. De momento, são especulações e cenários. Apesar de se ter tornado no primeiro factor de incerteza política, Berlusconi não irá voluntariamente para casa. Desindustrialização ferir interesses. “A única decisão importante que este Governo, o quarto Governo de Berlusconi, se deu ao trabalho de tomar foi a decisão de nada decidir”, explicou em Dezembro de 2010 o economista Tito Boeri. “Há dois anos, quando a crise financeira abalou o planeta, a escolha de Berlusconi foi evitar qualquer decisão política destinada a contrariar a Grande Recessão. Isto contribuiu para a mais importante queda da produção desde o pós-guerra na Itália e para um declínio acumulado de 6,5 por cento no PIB. Entre os países da OCDE, só o Japão fez pior.” Não só agravou a queda do PIB como provocou uma quebra sensível no rendimento dos italianos. O caso Fiat é emblemático. Em 2009, a companhia de Turim adquiriu uma parte da Chrysler, em estado de virtual falência após a crise financeira americana. Hoje, a Fiat é maioritária e as duas marcas preparam a sua fusão. O desígnio é transformar a multinacional italiana numa c GIUSEPPE CACACE/AFP A razão “estrutural” da vulnerabilidade italiana é uma taxa de crescimento próxima do zero. Em Outubro de 2010, El País publicou um artigo com um título sugestivo: “A década perdida de Itália e Portugal.” Com base em dados do FMI, traçava a evolução do PIB de 180 países na primeira década do século. A Itália ocupava o 179.º lugar na escala do mau desempenho, apenas superada pelo Haiti e logo abaixo de Portugal. O PIB italiano aumentou 2,43 por cento entre 2000 e 2010 — o de Portugal cresceu 6,47. Para 2011, a Itália prevê um “salto” de 0,9. A competitividade continua a baixar. A desindustrialização avança. A capacidade de poupança, das mais altas da Europa, começa a declinar. “Ou a Itália se decide a afrontar depressa os verdadeiros problemas, atacando as situações de renda e cortando as ineficiências, ou jamais o fará”, adverte o economista Paolo Annoni. “Um devedor empobrecido é um devedor a quem será cada vez mais difícil pagar.” Avisava em 2005 o economista Marco Leonardi: “O aumento da produtividade foi mais alto na Alemanha, enquanto os salários nominais alemães cresceram menos que os italianos, porque a nossa inflação é superior. Muito mais insólita e preocupante é a perda de competitividade do nosso país em relação aos vizinhos.” O quadro continuou a degradar-se. E Berlusconi optou por estratégia de inércia para não Na quarta-feira chegou um inesperado alívio: o elogio da Moody’s. A Itália já não é “lixo” THIERRY ROGE/REUTERS O pânico na Bolsa de Milão foi desencadeado pela incerteza política criada por Berlusconi ao criticar o plano de saneamento Pública • 17 Julho 2011 • 37 itália A fábula do lixo lidade, da impotência do Estado — do Governo, das regiões, dos municípios. A crise de Nápoles expôs — uma vez mais — a Itália da economia paralela, das “fábricas em vão de escada”, onde milhares de imigrantes trabalham sem qualquer protecção ou fiscalização, tutelados pelas máfias, fora de qualquer lei. Nestas oficinas de Nápoles produz-se, por exemplo, para a alta-costura italiana, como revelou o jornalista Roberto Saviano, no romance Gomorra. Observou então o magazine L’Espresso: “O nosso país, com os seus clientelismos, a corrupção, a ineficácia do seu aparelho público, a evasão fiscal, etc., permanece exactamente o mesmo. O resto do mundo é que mudou, sem que a classe política se apercebesse.” A Itália descobria que precisava de ser governada. Em finais de 2007, a imprensa internacional redescobriu Nápoles, assim descrita nas primeiras páginas: “A fétida cidade”, “A cidade do esterco”, “A Camorra reina sobre o lixo”. O lixo deixara de ser recolhido por já não haver onde o despejar. O Exército foi chamado para retirar as montanhas de detritos da proximidade das escolas e hospitais. A reabertura de velhas lixeiras provocou confrontos entre os moradores e a polícia. O problema remonta a 1994, quando teve de ser decretado o estado de emergência na cidade. Em 2011 continua agudo. A região de Nápoles produz mais detritos domésticos do que aqueles que pode tratar e enterrar. Mas o quadro é pior. Tornou-se na “esterqueira de Itália” para onde outras regiões enviam o seu lixo e não um lixo qualquer: sobretudo resíduos industriais, muitos deles tóxicos e que não são tratados. Toneladas e toneladas de veneno foram enterradas ou lançadas ao mar. Quem organiza este tráfico é a Camorra, a máfia napolitana. O negócio rendia-lhe anualmente dez mil milhões de euros, um valor próximo do rendimento do tráfico de cocaína. Os camorristas organizavam deliberadamente o caos, impedindo a recolha de lixo, para valorizar as lixeiras por si controladas, muitas delas ilegais. Para lá da catástrofe sanitária e ecológica, estas crises revelam a outra Itália, a da malavita, do culto da ilega- As reformas ROBERTO SALOMONE/AFP “companhia global”. Em 2010, o administradordelegado, Sergio Marchionne, lançou o projecto Fabbrica Italia, que supunha um investimento de 20 mil milhões de euros em Itália até 2014. Em troca exigia flexibilidade e garantia da governabilidade dos estabelecimentos fabris. Não se propõe ganhar competitividade baixando salários. Não pensa na China, quer “as regras alemãs”. Os aumentos de produtividade traduzir-se-iam em aumentos salariais sustentados. A governabilidade passa por acordos com os sindicatos sobre turnos e trabalho extraordinário, condição de competitividade. Marchionne não aceita que o ritmo de produção fique dependente de “greves oportunistas” lançadas por sindicatos minoritários. Uma das federações metalúrgicas, a FIOM, recusou a flexibilidade. Marchionne fez acordos com as outras federações e submeteu-os a referendo nos vários estabelecimentos — tal como fizera nos Estados Unidos. A FIOM contestouos em tribunal. O Governo não se mexeu. Sem garantia de governabilidade, a alternativa da Fiat será a deslocalização — um passo mais na desindustrialização e, desta vez, envolvendo o símbolo máximo da indústria italiana. “Marchionne constatou que o país está em declínio”, observa o economista Fabiano Schivardi. “Dispõe de um observatório privilegiado, podendo confrontar a produtividade do nosso sistema com a dos outros países que conhece directamente pelo trabalho.” Os políticos italianos são especialistas na imaginação de reformas, grandes desígnios longamente debatidos e depois esquecidos. Na segunda metade do século XX, a instabilidade política e a relativa fraqueza do Estado — apesar de parecer tentacular graças a um vasto sector público — eram compensadas pela dinâmica da sociedade civil. Hoje, a sociedade está “deprimida” e reclama reformas, mas o sistema político não responde. A questão da competividade ou das reformas do mercado de trabalho são inesgotavelmente debatidas desde os anos 1990, quando a indústria italiana começou a tomar consciência do declínio. Pouco foi feito. As mudanças acontecem “de facto”, à deriva, consoante a relação de força nas empresas. A primeira vítima desta paralisia são os jovens sem emprego. O mesmo se poderia dizer de questões como o federalismo, a questão meridional, a função pública. O politólogo Luca Ricolfi publicou em 2007 um curioso livro intitulado A Arte do Não Governo, em que passava em revista a sucessão das reformas falhadas e as relacionava com o estilo da política italiana. “Admiráveis artistas do não governo regem a sorte do país, fingindo contínua e desesperadamente fazer, decidir, governar, mas na realidade procurando apenas esconder que estamos parados, imóveis, vítimas de um cruel encantamento.” Desta vez será diferente, garantem. Para já, o plano Tremonti foi aprovado e com medidas mais duras. Quando a Bolsa “arde”, as coisas tornam-se sérias. a [email protected] A imprensa internacional chamou a Nápoles “cidade fétida” ou “cidade do esterco”. As crises do lixo, que rendem milhões à Camorra, revelam a outra Itália, a da malavita, do culto da ilegalidade e da impotência do Estado 38 • 17 Julho 2011 • Pública memória O casaco gasto e remendado e as calças pertenceram em tempos ao contra-revolucionário Liu Zhuanghuan, que passou uma década num campo de trabalhos forçados durante a cruel Revolução Cultural chinesa. O seu filho havia sido enviado para o mesmo campo e nunca fora autorizado a ver o pai. Mas foi aberta uma excepção: autorizaram-no a identificar o corpo do pai e a recolher os seus pertences, depois de Liu se ter suicidado em 1973. As roupas esfarrapadas de Liu — e o sofrimento humano que elas representam — fazem agora parte de uma colecção de artefactos, fotografias, vídeos, livros e documentos governamentais, em exibição no recentemente alargado Museu Laogai, em Washington. O museu tem como objectivo ser uma montra dos abusos dos direitos humanos na China, particularmente as prisões usadas pelo regime comunista para punir dissidentes. Foi criado por Harry Wu, 74 anos, um activista que passou 19 anos em campos de trabalhos forçados. A história pessoal de Wu — de fome, tortura e doença — inspirou a sua luta contra um sistema que, segundo a Fundação para a Investigação da Laogai, aprisionou mais de 40 milhões de pessoas desde 1949. Milhões morreram em consequência da Laogai ou “reforma através do trabalho”. “Eu vi muitas pessoas a morrer”, disse Wu, actualmente a viver no estado da Virginia, já como cidadão norte-americano. “Ninguém chorava. O cérebro não funciona. A China montou o sistema não só para forçar as pessoas a produzir, a gerar lucro para o Governo, mas também para mudar a mentalidade das pessoas. Mudar o cérebro. Não há liberdade religiosa, não há liberdade política.” Wu estima que três a quatro milhões de pessoas continuam hoje presas por motivos políticos — números rejeitados pelas autoridades chinesas, que questionam os motivos de Wu. “Não tenho conhecimento desses números”, disse Wang Baodong, porta-voz da embaixada da China em Washington. “Este museu tem motivações políticas. É contra a China e contra o Governo chinês. Ele [Wu] odeia o Governo chinês.” Wu estudava Geologia em Pequim e nunca se envolvera em actividades políticas quando foi detido, em 1960, sob a acusação, conta, de ser um “contra-revolucionário de direita”. Foi forçado a assinar documentos sem os ler e levado para um campo de trabalhos forçados, uma fábrica de químicos em Pequim. “Não tive hipótese; assinei os documentos”, recorda Wu. “Ainda hoje não sei o que estava escrito naqueles papéis. Disseram-me: ‘Foste condenado a prisão perpétua’.” Duas vezes por dia, todos os dias, tinha de responder a três perguntas, que estão agora escritas nas paredes negras e vermelhas do museu: “Quem és tu? Que lugar é este? Por que estás aqui?” As respostas esperadas eram: “Sou um criminoso. Isto é Laogai. Estou aqui para me recuperar através do trabalho.” Wu refere que trabalhava 12 horas por dia em quintas e em minas de carvão e de ferro. A comida era escassa, e por vezes tinha de comer raízes, cobras e sapos. Tentou suicidar-se em duas ocasiões, ao recusar-se a comer quando foi colocado em isolamento. Chegou a pesar 36 quilos. c 42 • 17 Julho 2011 • Pública Página anterior: um mosaico de fotos de campos de prisioneiros numa das paredes do Museu Laogai, fundado pelo antigo prisioneiro Harry Wu (nesta página) Pública • 17 Julho 2011 • 43 No cárcere, foi autorizado a escrever uma carta por mês. Mas não podia dizer muito aos seus pais e aos sete irmãos. As autoridades locais liam as cartas e censuravam qualquer tentativa de descrever a vida real no campo de trabalhos forçados. Só ao fim de sete anos teve conhecimento da morte da sua mãe. “Finalmente, em 1979, recebi um documento em que diziam que tinham conseguido reabilitarme e pude sair em liberdade”, acrescentou Wu. “Regressei à universidade e fiquei calado.” Como nos “gulag” Em 1985, Wu mudou-se para os Estados Unidos, para estudar na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Naturalizou-se norte-americano e criou a Fundação para a Investigação da Laogai, organização não lucrativa financiada pela AFL-CIO (a maior federação sindical dos EUA e do Canadá), para sensibilizar o público para os campos de trabalhos forçados na China. Em 1995, Wu regressou à China com uma câmara de filmar dissimulada na mala, para documentar a vida nos campos de trabalho. Foi detido por dois meses e acusado de tentativa de furtar segredos de Estado. Condenado a 15 anos de prisão, acabou por ser deportado para os EUA. A câmara de filmar, um dicionário e o passaporte norte-americano que levou nesse regresso à China estão agora patentes no Museu Laogai. O museu — na sua segunda localização — custou um milhão de dólares (cerca de 715 mil euros) a desenvolver, desenhar e construir. A maior parte dessa quantia veio do Fundo de Direitos Humanos da Yahoo! No interior, 48 perfis de vítimas da Laogai ocupam as paredes do edifício de 195 mil metros quadrados. Entre eles, o de Liu Xiaobo, o Nobel da Paz 2010. O seu crime: “Incitamento à subversão.” Detido em três ocasiões, Liu foi condenado a 11 anos de prisão. Quatro sobreviventes, incluindo Wu, descrevem a sua vida naqueles tempos. Os visitantes ficam a conhecer uma vasta série de produtos usados nos campos: roupa, calçado, chá, brinquedos, vinho — vendidos em todo o mundo. Perry Link, professor na Universidade da Califórnia, em Riverside, e professor emérito de Estudos Asiáticos na Universidade de Princeton, espera que o museu sirva para elucidar o mundo, incluindo os chineses, sobre um sistema prisional tão terrível quanto os gulag soviéticos. “Tenho dúvidas de que o Ocidente terá o mesmo tipo de atenção comparando com os gulag”, disse Link, que conhece Wu há duas décadas. “Os chineses ainda não estão preparados para enfrentar esta experiência porque está ainda muito ligada ao seu orgulho nacional. O crescimento económico e diplomático da China tornou-os muito orgulhosos. Tanto no caso dos campos da URSS, como nos campos nazis, as populações que sofreram fizeram muito mais pressão para discutir o assunto.” Wu espera que o museu o ajude a chamar a atenção dos chineses. “Já ouviram os presidentes Obama, Bush ou Clinton dizerem que a China tem um regime comunista?”, questiona. “Os americanos preocupam-se com os direitos humanos. Não é possível preocuparmo-nos com os direitos humanos dos americanos e não nos preocuparmos com os direitos humanos dos chineses. Não está certo.” a [email protected] Exclusivo Pública/ The Washington Post Tenho dúvidas de que o Ocidente terá o mesmo tipo de atenção comparando com os gulag [soviéticos]. Os chineses ainda não estão preparados para enfrentar esta experiência porque está ainda muito ligada ao seu orgulho nacional. O crescimento económico e diplomático da China tornou-os muito orgulhosos À esquerda: o que resta de um casaco do prisioneiro Liu Zhuanghuan; o director do museu, Harry Wu, mostra as dimensões de uma cela de isolamento onde esteve 11 dias. Em cima: documentos secretos chineses relacionados com os campos Pública • 17 Julho 2011 • 45 futebol O telefonema que mudou a vida de Jorge Humberto A primeira transferência de um jogador português para Itália foi há 50 anos, quando um avançado da Académica foi contratado pelo “colosso” Inter de Milão. Jorge Humberto só acreditou que era o “mago” Helenio Herrera, então treinador dos nerazzurri, do outro lado da linha depois de receber em casa um telegrama. Texto Tiago Pimentel C omo tantos outros estudantes em Coimbra, Jorge Humberto estava ocupado a preparar-se para os exames. Mas o estudo foi subitamente interrompido por uma chamada que iria mudar a vida do jovem avançado da Académica e estudante do 5.º ano de Medicina: do outro lado da linha alguém se apresentava como Helenio Herrera, treinador do Inter de Milão. O propósito da chamada era comunicar-lhe o interesse da equipa italiana em contratá-lo. A reacção instintiva foi pensar que se tratava de uma brincadeira. “Está bem, está bem. Adeus”, despachou Jorge Humberto, desligando de seguida. Mas o telefone voltou a tocar pouco depois naquela tarde de Junho de 1961. “Deixa-me estar que estou ocupado com os meus estudos”, pediu. Perante a insistência do interlocutor na proposta de transferência para Itália, decidiu desmascará-lo: “Se é verdade o que o senhor está a dizer, mande um telegrama para confirmar.” As razões para não acreditar no convite eram mais que muitas. Para começar, vinha “só” de um dos maiores clubes da Europa. Depois, o facto de o telefonema ser feito pelo próprio “mago” Helenio Herrera, uma figura cujo legado ainda hoje perdura. O técnico argentino (a quem José Mourinho foi comparado durante a sua passagem por Milão) revolucionou o futebol italiano — da preparação física à táctica, passando pela alimentação dos atletas 46 • 17 Julho 2011 • Pública ou pelas relações com o presidente — e transformou o Inter num clube ganhador. “O telegrama chegou daí a uma horita, se tanto”, recorda Jorge Humberto, em conversa com a Pública. A admiração foi geral na “república” (casa de estudantes) onde vivia, no número 23 da Rua do Norte, por trás da Sé Velha de Coimbra. “Nós comíamos à mesma mesa quando ele recebeu o telegrama do Herrera a propor a ida para Milão”, lembra Armando Rocheteau Gomes, companheiro do avançado da Académica: “Afinal, era verdade. Nem queríamos acreditar.” Entre 1957 e 1958, Helenio Herrera treinara o Belenenses. Na mesma altura, Jorge Humberto fazia os primeiros jogos pela equipa de Coimbra. Mas nada fazia prever o convite para se juntar ao técnico argentino em Milão. “Isto não pode ser, como é possível?”, lembra-se de ter pensado. Jogavam então pelos nerazzurri nomes como Luis Suárez, Mario Corso, Sandro Mazzola, Giacinto Facchetti ou Lorenzo Buffon (pai de Gianluigi Buffon e guarda-redes tal como este). “Quem sou eu ao pé dessa gente toda?” “Nunca me tinha passado pela cabeça algum dia ir jogar num clube estrangeiro”, confessa Jorge Humberto. Mais ainda quando estava tão perto de passar para o último ano do curso de Medicina, a sua verdadeira prioridade. Mas o convite do Inter não deixava de ser tentador... A condição era que o avançado português fizesse uma prova em Milão, num jogo particular, antes de ser tomada uma decisão. “Se tudo correr bem, provavelmente vai haver uma reviravolta na minha vida”, pensou. Antes, teve de se encher de coragem para abordar o professor Fernando de Oliveira e pedir-lhe autorização para adiar o exame de Patologia Cirúrgica. “Atrevi-me a ir bater à porta dele antes de ir para Itália”, explica Jorge Humberto, algo quase impensável numa altura em que professores e estudantes eram separados por uma enorme distância. “Vá e tenha boa sorte. Mas esteja cá antes do fim do mês”, disselhe o professor, “com cara séria”. Amizade com Suárez É já de Milão que, a 18 de Junho de 1961, Jorge Humberto envia a Armando Rocheteau Gomes um postal com uma vista da Piazza della Repubblica. “Já cá estou desde ontem. Viagem rápida e confortável, jornalistas e fotógrafos à chegada, instalação no Palace Hotel e descanso neste momento para o jogo à noite. Esta manhã recebi a visita do Suárez, que se mostrou muito simpático. Informei-o das minhas características, falou-me dos restantes colegas e ficámos amigos. Já ontem à noite eu, ele e o Herrera estivemos a conversar no restaurante do hotel. Diz à malta que o jogo é contra o Spartak, à noite, e que lhes mando muitos cumprimentos.” O teste dificilmente poderia correr melhor. O Inter conseguiu uma goleada e Jorge Humberto brilhou. “Meti dois ou três golos, já não sei.” Três dias depois havia novo encontro, diante do Santos de Pelé. Mas o avançado português Bolsa para seis meses O que fazer? “Resolvemos” — imagine-se — “abordar o governador da província”, explica. “Ele ia lá à ilha de São Vicente de vez em quando, e todas as vezes que ele ia lá nós fazíamos-lhe uma visita. Queria ajudar-nos, mas não havia verba.” Até que surgiu uma possibilidade: uma bolsa apenas, a dividir pelos três, e por um período de seis meses. “Abraçámos este projecto e avançámos”, sublinha. Estava-se em 1955. Terminados os seis meses da bolsa, cada um teve de se desenvencilhar como pôde. Jorge Humberto contou com a ajuda de uma irmã, que era professora primária, e um subsídio da Académica. “Eu já tinha começado a jogar nos juniores, logo quando cheguei. Acabaram os seis meses e fui ter com os directores da Académica. Contei-lhes a minha história. Aquilo foi uma risada que sei lá, não queriam acreditar”, recorda Jorge Humberto: “Fui o primeiro júnior a ser subsidiado. Nunca tinham feito isso. Eles compreenderam a situação e apostaram em mim.” Livre das preocupações monetárias, Jorge Humberto pôde concentrar-se no futebol. “A minha estreia foi contra o grande rival da Académica, o União de Coimbra. Ganhámos 3-0 e eu meti os três golos. c TÓNIO FA LCÃO Actualmente com 73 anos, Jorge Humberto não esquece a Académica FOTO: AN teve de abdicar do sonho de defrontar aquele que é por muitos considerado como o melhor jogador de sempre. Tudo por causa do compromisso, assumido com o professor Fernando de Oliveira, de estar em Coimbra para fazer o exame. “Disse cá para mim: ‘Não, não. Eu, à cautela, não vou querer tudo na vida. Se isto der resultado, há-de dar. Mas vou-me embora, porque não quero estragar o que já está feito. A exibição que eu fiz foi mais do que convincente’”, recorda Jorge Humberto. Os responsáveis do Inter foram sensíveis aos argumentos do avançado português e, na véspera do regresso, chamaram-no à sede para lhe entregarem o prémio do jogo. “Deram-me 120 mil liras, que na altura eram seis contos. Seis contos era quatro vezes aquilo que eu recebia na Académica”, diz. “Claro, reuni-me com a minha malta toda, lá em Coimbra, e fizemos uma festarola.” Seis anos depois de ter chegado a Coimbra, Jorge Humberto estava de partida. A sua carreira na Académica começara alguns anos antes. Ainda estudante do liceu, o jovem avançado “já jogava à bola” na Académica do Mindelo, em Cabo Verde, de onde é natural. “Tinha um treinador que era, ao mesmo tempo, o professor de ginástica do liceu, e que me entusiasmou imenso para vir para Portugal. Disse-me que tinha condições para poder vingar na Académica e ao mesmo tempo tirar um curso”, conta. “Comecei, juntamente com outros dois colegas, a alimentar seriamente a possibilidade de vir estudar para Portugal. Começámos a explorar hipóteses de subsistência, porque nem a minha família nem a deles estavam em condições de nos aguentar em Portugal a tirar um curso”, continua Jorge Humberto. futebol Fiquei logo lançado nos juniores e no ano seguinte estava destinado a ser promovido ao primeiro team”, diz. Em Maio de 1956, Cândido de Oliveira, treinador da Académica, decidiu dar uma oportunidade a Jorge Humberto numa partida contra o Olhanense. “As coisas não me correram mal, mas já quase no fim, numa daquelas bolas compridas que o guarda-redes sai e vou a correr a ver se ainda consigo lá chegar, estico o pé e o safado agarrou-mo, torceu-me o joelho e fiquei arrumado. Fiz uma luxação completa do joelho esquerdo, julguei que tinha acabado para o futebol.” Seguiram-se alguns meses de recuperação, com o fim do ano lectivo e as férias pelo meio. No início da nova temporada, Cândido de Oliveira teve uma conversa com o avançado: “Jorge, eu gostava de te pôr já no primeiro team, mas como tu ainda tens idade vais jogar outra vez nos juniores. Vais arranjar um bocadinho mais de calo, recuperar esse joelho como deve ser, e para o ano, zás!” “Dito e feito”, afirma Jorge Humberto. “No ano seguinte comecei então a jogar no primeiro team.” Paralelamente, ia construindo o seu percurso académico. “Quando fui para Portugal, estive muito indeciso sobre que curso escolher”, confessa. Após uma inclinação inicial pela Engenharia, acabou por se decidir pela Medicina. “Depois, nasceu-me a paixão pela obstetrícia. O Mário Torres, que jogava comigo na Académica, era já obstetra. E quando ele estava de serviço, eu — que ainda era aluno de Medicina — ia lá ver o dia-a-dia dele. Fiz até uma data de partos sendo apenas aluno de Medicina”, explica Jorge Humberto, que no entanto acabaria por fazer a especialidade em Pediatria. O telefonema de Helenio Herrera foi recebido com desconfiança: “Se é verdade o que está a dizer, mande um telegrama para confirmar” Depois de um ano com poucas oportunidades no Inter, Jorge Humberto continuou em Itália, mas no Lanerossi Vicenza 48 • 17 Julho 2011 • Pública “Ecco Humberto” Mas o curso teve de ser interrompido e, em Setembro de 1961, rumou a Itália para integrar o plantel do Inter de Milão. “Era um avançado explosivo. Tinha uma velocidade espantosa, uma determinação terrível e um remate fulminante. Era um futebolista de alto nível”, resume Mário Wilson, companheiro de Jorge Humberto na Académica. “Ecco Humberto – Parla quattro lingue e tira con i due piedi” (Eis Humberto – Fala quatro línguas e chuta com os dois pés), escreveu um jornal italiano na altura. O avançado e estudante de Medicina acabava de protagonizar a primeira transferência do futebol português para o calcio. Um negócio que rendeu uma quantia importante à equipa de Coimbra: “A Académica pediu 4000 contos [cerca de 20 mil euros, ao câmbio actual], dos quais 3000 para ele e mil para a Académica”, recorda Armando Rocheteau Gomes, que viria a pertencer à direcção da secção de futebol da associação. Porém, Jorge Humberto não foi o primeiro português a jogar em Itália. Segundo vários registos, o pioneiro terá sido Francisco dos Santos, que chegou a Roma em 1906 com uma bolsa de estudo para frequentar a Academia de Belas-Artes. Aquele que, mais tarde, viria a ser o autor do busto da República ou da estátua do Marquês de Pombal em Lisboa, jogou na Lazio durante dois anos, para fazer face às dificuldades financeiras, chegando a ser capitão da equipa. As características de Jorge Humberto não chegaram para que o avançado português se afirmasse na primeira equipa do Inter. Uma regra da Liga italiana não permitia que as equipas colocassem ao mesmo tempo em campo mais do que dois jogadores estrangeiros. E nos nerazzurri essas vagas estavam ocupadas pelo espanhol Luis Suárez e pelo britânico Gerry Hitchens. O clube ainda faria uma tentativa, frustrada, de naturalização de Jorge Humberto, com o objectivo de contornar essa regra. Um assunto que marcou o ex-avançado, que descreve o esquema como uma “fraude”. Nas competições europeias era diferente, uma vez que a Taça das Cidades com Feiras (precursora da Taça UEFA, hoje Liga Europa) permitia que jogassem três estrangeiros. Foi nesta prova que Humberto viveu os melhores momentos com a camisola do Inter de Milão: cinco golos em cinco partidas disputadas — incluindo um hat-trick diante do Colónia, nos 16 avos-de-final –, a que se juntaram dois jogos no campeonato italiano e outro (com um golo) na Taça. Apesar disso, as recordações são boas: “Vivia num apartamento, um sexto andar na Via Canonica, 59, que partilhava com o [Bruno] Bolchi e o guarda-redes Ottavio Bugatti, que tinha vindo do Nápoles e era o número dois do Buffon.” De Helenio Herrera, Jorge Humberto lembra os discursos antes dos jogos. “Ele falava com um entusiasmo tal que um indivíduo ficava embevecido a ouvir. Dizia-nos: ‘Tu és capaz! Não vires a cara.’ E a gente convencia-se de que era capaz”, lembra. Ouro antes dos jogos No Inter, antes de cada jogo, havia um cerimonial. “O presidente Angelo Moratti [pai de Massimo Moratti, actual líder do clube] ia ao balneário visitar a equipa uns dez minutos antes. Desejava-nos boa sorte, dizia umas palavrinhas e distribuía a cada um uma libra de ouro pelo jogo ganho na semana anterior. Se não tivéssemos ganho, não havia libras, mas como se ganhava quase sempre...” Porém, devido à escassa utilização, o avançado português deixa o Inter de Milão no fim da primeira temporada. “Depois de estar lá um ano fui para Vicenza, onde joguei no Lanerossi [nome da empresa têxtil que detinha o clube]”, conta Jorge Humberto, que mesmo em Itália fez algumas cadeiras do curso, nas universidades de Milão e Pádua. Após dois anos em Vicenza, a aventura italiana chegou ao fim. “Já tinha dito aos dirigentes que não ia continuar, porque queria voltar a Portugal para acabar o meu curso”, conta Jorge Humberto. Ainda se falou na hipótese de ser vendido aos belgas do Standard de Liège, mas a vontade do avançado acabou por prevalecer. “E lá me vim embora. Regressei de carro, um Peugeot 404 comprado havia um mês e tal, novinho em folha. Carregado com todas as minhas coisas”, acrescenta. Em 1964, no regresso de Jorge Humberto, a Académica ganha ao FC Porto no antigo Estádio das Antas. Ao lado do agora experiente avançado brilhava uma jovem esperança acabada de chegar a Coimbra: Manuel António. “Um A chegada de Jorge Humberto a Milão despertou o interesse da imprensa italiana, que o entrevistou logo no aeroporto Jorge Humberto fez mais duas épocas na Académica e colocou um ponto final na carreira de futebolista em 1966, no mesmo ano em que concluiu os estudos. Passados três anos, foi chamado para a tropa. Embarcou no paquete Uíje e foi cumprir o serviço militar em Angola como alferes miliciano médico. “Estive lá dois anos”, recorda. Entre as histórias que o antigo avançado recorda de Angola, há uma particular que remete directamente para a sua experiência de futebolista. Quando a companhia que Jorge Humberto integrava foi colocada no Leste do país, em Lucusse — perto da fronteira —, a frequência dos ataques diminuiu drasticamente, quando antes era um sítio “permanentemente atacado”. “Porquê? Porque, dizem, estava do outro lado, na Zâmbia, a companhia ou o batalhão do Chipenda. Daniel Chipenda, que tinha sido meu colega no futebol da Académica”, explica. O tempo que passou em Angola serviu também para ganhar prática médica. “Fiz aquilo que era possível ser feito”, admite Jorge Humberto, descrevendo vários casos de ferimentos graves ou partos que teve de ajudar a realizar. Quando regressa a Coimbra, em 1971, dedica-se à especialidade. Acaba por escolher Pediatria: “Aquela que eu sempre quis.” Termina-a em 1975. “Depois tive a sorte de, terminada a especialidade, passados dois anos, abrir o Hospital Pediátrico [de Coimbra].” Jorge Humberto fala da Pediatria com entusiasmo e orgulho no trabalho feito. Desde a equipa que integrou no Pediátrico de Coimbra — um grupo que “dava cartas” e estava “avançado” na área — ao trabalho desenvolvido depois em Macau, para onde vai em 1982. Aí, teve como desafio erguer praticamente “do princípio” uma rede de cuidados pediátricos. O que era para ser uma estadia de curta duração transformou-se em mais de duas décadas de residência no território. Recentemente, o ex-avançado da Académica decidiu regressar a Macau para um novo desafio profissional. Meio século depois de ter protagonizado a primeira transferência de um futebolista português para Itália, o sentimento que Jorge Humberto guarda da sua aventura no calcio é largamente positivo. “Uma rica experiência, que jamais esquecerei”, escreveu no testemunho para a obra Académica — História do Futebol. Mais tarde, outros seguiram-lhe os passos. Mas coube-lhe a ele o pioneirismo de desbravar o caminho e dar a conhecer ao futebol italiano a qualidade dos jogadores portugueses. a ARCHIVIO RCS QUOTIDIANI De Angola a Macau ARCHIVIO RCS QUOTIDIANI bom amigo, um bom aluno, um bom médico”, resume o actual director do Instituto Português de Oncologia de Coimbra. “Na brincadeira chamávamos-lhe Giorgio Humbertino”, recorda Manuel António. Sobre a aventura italiana de Humberto, admite que “não triunfou como esperaria”. “Julgo que ele não se adaptou bem lá ao futebol. E por isso é que ele regressa, senão continuaria lá”, acrescenta Manuel António, concluindo com um sorriso: “Mas acho que foi melhor para ele regressar e tirar o curso.” [email protected] Pública • 17 Julho 2011 • 49 17 volumes. PVP vol.1: Û3. PVP2 a 17: Û6,90, preo total da coleco: Û113,40. Ës teras entre 31 de Maio e 20 de Setembro. Edio limitada ao stock existente. MUS S Fique mais rico por dentro. Conhea o Museu Berardo. Inaugurado em 2007, o Museu Coleco Berardo figura j entre os 50 mais visitados em todo o mundo. Com um esplio to rico que percorre toda a arte do sc. XX ao incio do sc. XXI, passando por importantes movimentos como a Pop-Art, o Hiper-Realismo, o Conceptualismo, voc vai precisar deste livro para saber o que no pode perder. Tera, 19 de Julho por +6,90Û. Este livro contm 1 ENTRADA GRçTIS no Museu at 31.12.2011 Esta coleco inclui os seguintes ttulos: Museu Nacional do Azulejo Pao dos Duques de Bragana Museu Nacional de Soares dos Reis Museu Nacional do Traje & Parque Botnico do Monteiro-Mor Museu Calouste Gulbenkian Casa Museu Dr. Anastcio Gonalves Museu Nacional de Machado de Castro Museu Coleco Berardo Museu Nacional do Teatro Museu Nacional de Arte Antiga Palcio Nacional de Sintra Museu de Arte Contempornea de Serralves Museu Arpad Szenes Vieira da Silva Museu de vora Palcio Nacional de Queluz Palcio Nacional da Ajuda Museu de Artes Decorativas Portuguesas MARIO ANZUONI/REUTERS Viver melhor A dieta das estrelas e não só Esta semana explicamos por que a dieta Dunkan atrai milhões de seguidores, entre os quais a actriz Penélope Cruz e a mãe de Kate Middleton, e por que não é recomendada pela comunidade científica. Falamos de objectos que ganharam prémios de design (as garrafas de gás CoMet) mas não existem. Apresentamos deliciosas receitas com frutos do mar e “denunciamos” uma escola britânica de miúdos espiões. Pública • 17 Julho 2011 • 51 o design nosso de cada dia Garrafas de gás CoMet Texto Frederico Duarte 52 • 17 Julho 2011 • Pública O s objectos encontrados nesta página ganharam prémios de design, são um exemplo de inovação nacional e de parcerias de sucesso entre universidades e empresas. Mas não existem. Trata-se de garrafas portáteis de GPL (gás de petróleo liquefeito), também conhecidas como botijas de gás butano. Compostas por um cilindro de aço revestido a Twintex® (material feito de fibras de vidro e polipropileno) e inserido num invólucro de polietileno ou polipropileno de alta densidade, pertencem a uma família de garrafas de tecnologia compósita que a empresa de Guimarães AmtrolAlfa tem vindo a desenvolver desde 2003, em parceria com o Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e o Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros da Universidade do Minho. Quando foi lançada em 2005, a primeira das garrafas desta família era mais leve, segura, económica, fácil de transportar e apelativa que as botijas tradicionais. Chamavase Pluma. Foi projectada pela Brandia, que não fez só a garrafa (desenvolvida no departamento de design de produto da agência, então liderado pelo designer Rui Sampaio de Faria): fez o produto Pluma. Deu-lhe um nome, um logótipo, uma razão de ser, uma história. Contada numa campanha de lançamento que associava características intrínsecas da garrafa — leveza, formas curvilíneas, cor quente — a uma certa ideia de sex-appeal: a Galp, a partir daí chamada Galp Energia, passou a ter duas novas embaixadoras: a Pluma e a “menina do gás”. Por razões de logística e mercado, a Galp não substituiu todas as suas garrafas por Plumas: elas coexistem hoje com as velhas botijas de aço e as garrafas da concorrência. Mas a Amtrol-Alfa quis dar continuidade à pesquisa então começada. É então que Carlos Aguiar, professor convidado da FEUP e o mais premiado designer industrial português, passa a liderar a equipa que projectou as garrafas aqui representadas. Tendo características técnicas semelhantes às da Pluma, elas têm ainda “uma maior flexibilidade de aplicação de válvulas diferentes e uma ergonomia das asas ligeiramente melhorada”. As suas linhas dinâmicas também sugerem serem mais leves do que são — um elemento de design tão intangível quanto fundamental. A sua fácil adaptação a sistemas de gás engarrafado que não o português levaram-nas a outros países e mercados. Desde à Austrália, onde a empresa Elgas as vende como garrafas verdes e pretas “Snap and Go”, à Venezuela, cuja companhia estatal PDVSA Gas Comunal as coloriu com as cores e estrelas da bandeira nacional. Nas ilhas Canárias, a Disa deu à sua nova bombona o nome “nu-b” e a cor branca, integrando-as consultório economia prática semanticamente no universo rso da h e, cozinha; no resto de Espanha também, em Portugal, as K6 e K11 são distribuídas nas cores da Repsol: azul, laranja e branco. Como se vêm aqui, estas garrafas não existem: são os clientes da Amtrol-Alfa que as tornam em produtos, as “fazem existir” para além da fotografia e segundo as suas necessidades. Para Aguiar, “a CoMet é um produto ‘aberto’ da Amtrol-Alfa que permite aos seus clientes construírem sobre ela ‘produtos’ com ‘imagens’ e ‘marcas’ próprias.” São portanto “um produto com a imagem ‘em aberto’”, além de serem “um work in progress que tem contaminado outros segmentos e mercados” como o náutico, os gases refrigerantes ou mesmo os grelhadores de exterior (como os criados pela empresa portuguesa Silampos, especificamente para estas garrafas). Estas garrafas de gás são um exemplo de como o trabalho de um designer industrial, apenas um elo de uma extensa cadeia de decisões, condicionantes, mercados e pessoas, é crucial para o sucesso de qualquer produto. Mas que não existe no vazio. Como diz Aguiar, “o nível de desempenho de um colectivo é ditado pelo elo mais fraco da cadeia (como na alta fidelidade), pelo que bom design numa equipa fraca não faz milagres, nem o contrário”. a [email protected] Deduções fiscais insólitos Holanda Vamos contar insectos Biólogos pediram a 250 condutores que limpassem diariamente a placa de matrícula dos seus carros e fizessem contas. O resultado foi brutal: todos os meses são “atropelados” nas estradas holandesas qualquer coisa como 133 mil milhões de insectos. E isto, para além de uma grande porcaria, representa um rombo importante na cadeia alimentar. EUA Bebé de 7,2kg nasce no Texas O Texas tem fama de gigantismo e reforçou-a agora com o nascimento do “pequeno” JaMichael Brown, um bebé de 7,2kg a quem a roupa comprada durante a gravidez já não serve. Mesmo as fraldas do hospital são pequenas. Ninguém confirma, mas suspeita-se de que as três irmãs de JaMichael, de 18, 16 e dez anos, já terão começado a ir ao ginásio... Newark Restaurantes “à prova” de tiroteio BI Garrafas de gás CoMet Design Carlos Aguiar Cliente Amtrol-Alfa Datas 2003 (início do projecto) 2005 (lançamento primeira garrafa CoMet Pluma) 2006 (primeira nova CoMet no mercado — 24L, Bulgária) 2007- 2009 CoMet chegam às Canárias, Austrália, EUA, Venezuela e Cabo Verde) www.amtrol-alfa.com Um agente policial foi vítima de tiros disparados de uma viatura em andamento enquanto jantava, fora do horário de serviço, num estabelecimento de Newark. As autoridades locais já responderam: a partir de agora, os pequenos restaurantes são obrigados a ter um guarda armado durante o horário nocturno. Talvez fosse mais eficaz proibi-los de ter janelas... a Luís Francisco Num casal divorciado, apenas um dos ex-cônjuges pode fazer as deduções fiscais dos seus descendentes através da Internet: o primeiro que preencher a declaração fiscal e usar o número fiscal dos descendentes. A partir daí, o sistema bloqueia para o segundo. É este procedimento legal? Vítor Correia, Guimarães Pode parecer estranho e até um pouco deslocado da realidade dos casais divorciados, quando ambos os pais cuidam dos seus filhos comuns e despendem em conformidade. O certo é que, segundo a própria Deco, esse não só é o tratamento legal, como “é assim que deverá ser feito em papel”, ou seja, em declarações fiscais entregues em papel. É que, segundo a lei, “só podem ser deduzidas despesas dos dependentes incluídos na respectiva declaração” e essa possibilidade fica com quem tem os filhos a cargo. Em casos de regulação de poder paternal, em que se decidiu que os filhos estão a viver com um dos pais, “o outro nunca os poderá declarar como dependentes”. “Mesmo nos casos de guarda partilhada, é assim que deverá ser efectuado: os dependentes só podem constar de uma declaração de rendimentos.” A alteração fiscal foi adoptada como forma de evitar abusos, como aqueles casos em os dois pais apresentavam as mesmas despesas, para obter maiores reembolsos. A solução encontrada foi cortar cerce e impedir um dos pais de poder deduzir. A Deco tem recebido diversos pedidos de informação de contribuintes habituados à situação anterior em que era possível aos dois pais colocarem despesas de IRS, mesmo se só um é que tinha o poder paternal. O que se pode então fazer? O gabinete do director-geral dos impostos não quis dar resposta às dúvidas da Pública, mas vários contribuintes dizem que os serviços fiscais os aconselham mesmo que — quando não haja pensão de alimentos definida — os ex-cônjuges cheguem a um acordo no sentido de integrar na declaração de um deles — na que for mais favorável — a totalidade das despesas, feitas pelos dois pais. Ou que num ano seria um, no ano seguinte seria o outro. Se forem dois ou mais descendentes, de repartir as despesas de cada filho pelos dois pais. Ou então arranjar uma forma de quantificar quanto valeria a dedução das despesas feitas pelo ex-cônjuge que não pode apresentar a declaração. Quando haja fixação pelo tribunal de uma pensão de alimentos ou algum tipo de comparticipação de despesas, a situação está de certa forma atenuada. A pensão de alimentos deve ser declarada como rendimento de quem a recebe, mas a quantia pode ser deduzida por quem a pagou. a João Ramos de Almeida Envie as suas questões para [email protected] Pública • 17 Julho 2011 • 53 ODD ANDERSEN/AFP beleza A dieta que anda na boca de toda gente Perder peso rapidamente sem renunciar ao prazer de comer e conseguir manter o peso ao longo da vida é a promessa da Dunkan. Esta dieta tem ganho milhões de seguidores em todo o mundo — a mais recente das quais, a mãe da futura rainha de Inglaterra. A comunidade científica não concorda e alerta para os perigos que pode provocar na saúde, a médio e longo prazo. Texto Maria Antónia Ascensão Carole Middleton (em cima), Jennifer Lopez e Gisele Bündchen (à direita) são algumas das celebridades que aderiram à dieta Dunkan 54 • 17 Julho 2011 • Pública A dieta Dunkan consiste em quatro fases: uma de “ataque”, em que só se podem ingerir alimentos proteicos (carne, peixe, marisco, ovos, aves e lacticínios, numa lista que integra 72 alimentos) e que dura no máximo dez dias. Depois, entrase na fase da velocidade cruzeiro, porque se continuam a ingerir proteínas mas juntam-se verduras e hortaliça, embora ainda seja proibida a ingestão de frutos, massas, milho, arroz ou batata, até chegar ao peso desejado. A terceira é a etapa de transição: manter o peso, repetindo o cardápio da fase anterior, mas já com direito a comer uma pequena porção de Nenhum destes casos teve o impacto da revelação de Carole Middleos fiéis apesar ton, que atraiu outros do do médico das críticas ao método nas mais uma francês. “Esta é apenas daquelas dietas inventadas ntadas por um indivíduo carismático o que promete muito e ganha uma infinidade de seguidores, mas não o se baseia em nenhum dado científi tífico”, afirmou ao New York Times mes o presidente do Comité Americano mericano de Nutrição (Heart Association), sociation), Frank Sacks. nização No seu site, a Organização midores espanhola de Consumidores e Utilizadores (OCU) os da alerta para os perigos da dieta Dunkan, baseada apenas no consumo de ntradiz proteínas, o que contradiz a as recomendações da sociedade científica de ea endocrinologia sobre entação prática de uma alimentação ma mais saudável como a forma ngordar. correcta para não engordar. zado Num estudo realizado pela Administração nça Nacional da Segurança es) Social francesa (Anses) sobre a qualidade nutricional de váriass dietas, a de Dunkan o foi classificada como consultam depois de terem feito a dieta de Dunkan. Quando lhe dizem que perderam 15 ou mais quilos, ele pergunta a razão por que o procuraram, e a maior parte responde que ganhou mais peso do que o perdido. Este regime tão drástico, principalmente na primeira fase, não é aconselhado a quem tem problemas cardíacos ou renais, sofra de depressão ou graves problemas de alimentação, como bulimia ou anorexia, e a menores de 17 anos em fase de crescimento. Dunkan refere como contra-indicações a possibilidade de boca seca, mau hálito, problemas renais e prisão de ventre. Outros clínicos apontam ainda o agravamento da osteoporose a longo prazo. a [email protected] Foi classificada como “uma das 15 dietas mais desequilibradas e potencialmente arriscada” ORBIS/VMI As críticas “uma das 15 mais desequilibradas e potencialmente arriscada”. Do mesmo modo, também a Associação Dietética Britânica lhe deu o rótulo de Do-Can’t Diet. Em França, investigadores do Institute Pasteur, em Lille, alertaram que esta dieta provoca alterações no metabolismo do organismo, podendo causar graves distúrbios nutricionais. Para Phillipe Dunkan, o verdadeiro risco é a obesidade, que contribui para um número crescente de mortes. A sua dieta, pelo contrário, contribuiu para que “40 por cento” das pessoas que a seguiram não voltassem a ganhar peso. Arnaud Cocaul, nutricionista do hospital Salpêtrière, rebateu aquele argumento, numa entrevista ao jornal Le Parisien, dizendo que muitos pacientes o STEVE EICHNER/CORBIS/VMI O método queijo e uma peça de fruta por dia; além de duas refeições livres por semana — que podem incluir doces ou vinho, por exemplo, ou não fosse uma dieta francesa. A quarta e última fase é a de manutenção: nada é proibido, mas Dunkan apela ao bom senso. É apenas necessário repetir a primeira fase uma vez por semana. Em todas as etapas, o médico francês sugere a ingestão mínima diária de 1,5 litros de líquidos (água, chá ou café) e de uma a duas colheres de aveia. Entre as figuras públicas que abandonaram os conselhos de Atkins para aderirem aos de Dunkan, está Jean-Marie le Pen, antigo líder do partido de extremadireita francesa, e o socialista François Hollande, aspirante ao Palácio do Eliseu. Outros são o campeão olímpico de judo David Douillet, que afirmou ter perdido mais de 35 quilos em seis meses; Penélope Cruz, Jennifer Lopez ou Giselle Bündchen, que recuperaram a silhueta num ápice após a gravidez. RUNE HELLESTAD/C D esde que a mãe de Kate Middleton, a futura rainha de Inglaterra, disse numa entrevista ter aderido à dieta Dunkan, para garantir uma silhueta invejável no dia do casamento da filha, este regime alimentar ganhou milhares de seguidores. O seu criador, o médico Pierre Dunkan, é conhecido nos Estados Unidos como “dr. Atkins francês” porque também ele, à semelhança de Robert C. Atkins, privilegia a ingestão de proteínas. Mas há alguns anos que a comunidade científica americana critica o facto de a dieta Dunkan ser uma “versão requentada” da de Atkins. Em declarações ao jornal The New York Times, o médico francês admitiu ter-se inspirado no método do norteamericano, mas ressalvou que o erro deste foi permitir o consumo ilimitado de gorduras. “Atkins foi uma lenda no seu tempo; agora está morto.” Criada há uma década, a dieta Dunkan rapidamente ganhou adeptos em França, onde são apelidados pela imprensa como “dunkanianos”. A popularidade de Dunkan é tão grande que, no último ano, o seu livro Não Consigo Emagrecer vendeu entre três milhões e cinco milhões de exemplares só em França. Está traduzido em 14 línguas, uma delas o português. Mais três livros do mesmo autor integraram a lista dos cinco best-sellers em França em 2010. cozinha O Verão traz frutos do Tal como os peixes, os frutos do mar são ricos em cálcio, iodo, fósforo, flúor, cobre, encontrado nos frutos do mar, é uma “gordura boa”, que diminui o risco de doenças nervosas, combate também a ansiedade. Têm menos calorias do que as carnes, sendo Produção e fotografia Hugo Campos 56 • 17 Julho 2011 • Pública m c u mar magnésio, potássio e zinco, além de serem fontes de vitaminas A, B e D. O ómega 3, cardiovasculares e actua na regeneração das células tronco. Como age nas células uma óptima fonte de proteína magra para ajudar no controlo do peso. E são deliciosos. Ostras com molho vinagrete Ingredientes 1kg de ostras 1/2 cebola 1/4 pimento vermelho 1/4 pimento verde 1/4 tomate sem pele e sem sementes 1/2 dl de vinho branco de boa qualidade Sumo de 1/2 limão Preparação Pique muito finamente a cebola, os pimentos e o tomate. Misture tudo com o vinho e o sumo de limão. Abra as ostras e sirva-as com uma colher de chá de molho que preparou. Vieiras Ingredientes 2 batatas 2 colher de sopa de sopa de manteiga Natas q.b. 6 vieiras tomate Manteiga q.b. Preparação Asse as batatas, descasqueas e reduza-as a puré. Adicione a manteiga e natas em quantidade suficiente para que fique com uma consistência cremosa. Numa frigideira antiaderente, marque as vieiras, dos dois lados com um pouco de manteiga. Sirva as vieiras com um pouco de puré e alguns cubinhos de tomate. Pública • 17 Julho 2011 • 57 cozinha Amêijoas com massa Ingredientes Mexilhão em gelatina de chá de Príncipe e salicornias* Ingredientes Azeite q.b. 1 cebola 2 dentes de alho 1kg de mexilhão 1/4 ramo de coentros 1/2l de chá de Príncipe 4 folhas de gelatina algumas hastes de salicornias Preparação Lave os mexilhões rapidamente, salteie-os numa panela com um fio de azeite para que abram. Pique a cebola e os dentes de alho e leve ao lume numa frigideira antiaderente com um fio de azeite. Polvilhe com os coentros picados e adicione o chá de 58 • 17 Julho 2011 • Pública Príncipe. Triture tudo muito bem e passe por um passador de rede. Hidrate as folhas de gelatina e junte-as ao caldo quente para que se dissolvam muito bem. Deite o caldo num tabuleiro para que fique com muito pouca espessura. Leve ao frigorífico a gelatinar. Corte em tiras e enrole em cada uma um mexilhão. Decore com salicornias. * Plantas que crescem nas salinas junto ao mar, em zonas muito salgadas. Têm um sabor fresco e ligeiramente salgado, servindo para apaladar. Produzem-se especialmente na ria Formosa (Algarve). 1kg de amêijoas Azeite q.b. 1 colher de sopa de manteiga 1/2 cebola 2 dentes de alho 1 colher de sobremesa de colorau 1 malagueta pequena (opção) Esparguete Preparação Numa panela com um fio de azeite, abra as amêijoas rapidamente. Retire o miolo das conchas e reserve o caldo. Numa frigideira, deite um fio de azeite, a manteiga, a cebola e os dentes de alho picados e o colorau (e uma pequena malagueta cortada em rodelas finas, como opção). Salteie tudo e regue com a água de cozer as amêijoas. Adicione o esparguete já cozido em água com sal. Por fim, junte as amêijoas, envolva bem e sirva. Pública • 17 Julho 2011 • 59 miúdos Espiões sub-18 Os serviços secretos britânicos (MI5) têm uma ramificação juvenil. Crianças e jovens são recrutados para missões de combate ao terrorismo e ao tráfico de droga. São formados na Cherub, a academia imaginada por Robert Muchamore, autor inglês que esteve recentemente em Lisboa. A Pública “recrutou” dois leitores de 13 anos para falar com o escritor: Artur Almeida e João Pedro Lucas. Texto Rita Pimenta 60 • 17 Julho 2011 • Pública Q uem nada soubesse sobre Robert Muchamore e a sua escola de espiões ficaria intrigado por ver um escritor ladeado por dois guarda-costas matulões com uma espécie de anjo ao peito no stand da Porto Editora da Feira do Livro de Lisboa. “É uma estratégia de marketing, para dar impacte e obrigar as pessoas a olhar”, justifica o autor. “Mas, se alguém me atacar, eles avançam mesmo”, diz divertido, dirigindo-se aos dois rapazes que acompanham a Pública durante o encontro. Há violência nos seus livros e é assumida sem culpas: “Eu tenho de competir com jogos de vídeo, playstations, muitos filmes de acção e até com Harry Potter. Comparativamente, a violência das minhas histórias é muito suave.” E lembra que quando se trata de livros os pais são sempre muito menos permissivos do que com outros produtos, “como se tivéssemos de pintar o mundo com cores mais positivas”. Robert Muchamore diz ainda que os pais que querem livros com mundos perfeitos “são os mesmos que se lamentam muito porque os filhos não lêem”. E conclui: “Um mundo cor-derosa e seguro não atrai os mais novos.” A avaliar pelo sucesso da colecção Cherub, talvez tenha alguma razão. Já está traduzida para 26 línguas, no Reino Unido vendeu mais de 3 milhões de livros e em Portugal já ultrapassou os 100 mil. A edição portuguesa lançou recentemente o oitavo título, Cães Danados. A série começa com O Recruta, a que se segue O Traficante, Segurança Máxima, O Golpe, A Seita, Olho por Olho e A Queda. No total, mantendo estas personagens, serão 12 volumes. O autor continuará a escrever sobre a escola de espiões sub-18, mas com novos protagonistas. “James [personagem principal] está a ficar demasiado velho para continuar na Cherub”, diz o autor, de 39 anos. No primeiro título, o rapaz tem 11 anos e no último há-de ter 17. “Ainda pensei ir escrevendo sempre sobre o James, mesmo depois de adulto. Mas desisti, os miúdos gostam de ter protagonistas da idade deles.” Então, vai “renovar o elenco”. Esta nova versão sairá já em Agosto no Reino Unido. Falsos anjos Cherub, em português, significa “querubim”. Na religião, é um anjo da primeira hierarquia, também pode significar criança formosa. Na pintura, representa-se uma criança com asas. Porquê este nome? “Em Inglaterra, quando uma criança é muito bem sucedida, chamam-lhe ‘pequeno querubim’. Fiz isto como uma espécie de brincadeira, uma ironia. Porque as crianças da Cherub são todas malcomportadas. Embora acabem a praticar o bem.” À pergunta sobre se é religioso, responde com firmeza: “Não, não sou religioso.” E acrescenta, rindo-se: “Acho que actualmente em Inglaterra ninguém é muito religioso.” Em criança, lia Astérix e outros heróis de banda desenhada — “quando gostava muito, lia-os repetidamente” — e chegou a pensar que poderia tornar-se escritor. “Sempre fui leitor e pensava em escrever, sim. Mas queria escrever o livro certo, o ideal, um que fosse original, diferente de tudo o que tinha sido escrito antes.” Começou a experimentar aos 15/16 anos, mas só depois da ideia da Cherub, já aos 30, praticou uma escrita mais profissional. “Comecei a trabalhar de uma forma verdadeiramente séria. Com uma ideia estruturada do princípio ao fim. E não a começar, interromper, desistir, deixar projectos a meio.” Antes de ser escritor a tempo inteiro, foi detective? “Bem, não fui propriamente detective, como as editoras gostam de divulgar. Não naquele sentido cinematográfico, com uma vida emocionante. Fiz investigação privada, digamos assim.” Especificando melhor, por insistência da Pública, tinha trabalhos de dois tipos: “Ajudava os jornais a investigar algumas pessoas. Imagine que alguém se tornou famoso e o jornalista quer descobrir com quem andou na faculdade, conhecer o seu passado e com quem se relacionava. Aí, entrava eu. Noutro âmbito, em casos de morte de pessoas em que ninguém reclamava a herança, tentava encontrar familiares. Fazia perguntas a algumas pessoas e compilava dossiers”, esclarece. E suspira: “Boring.” Tradução livre: “Uma seca.” Este foi o seu trabalho assim que deixou de estudar. “Não estudei muito, não era muito bom aluno. Aos 18 anos, abandonei a escola, não sou bom exemplo”, diz enquanto espreita pelo canto do olho os “ajudantes” da Pública, na esperança de que Artur e João Pedro não tenham percebido bem o que acabou de dizer. Muchamore é hoje mais feliz. “Até aos 32/33 anos, eu precisava de ir trabalhar todos os dias e não tinha um emprego muito estimulante. Agora faço c algo de que gosto muito, os Um mundo cor-de-rosa e seguro não atrai os mais novos para a leitura, acredita Muchamore Cães Danados foi o título mais recentemente editado em Portugal. O oitavo de uma colecção que começou com O Recruta e já vendeu por cá mais de 100 mil exemplares, segundo a Porto Editora miúdos O nome Cherub, que significa “querubim” (anjo, criança formosa e bem sucedida), é irónico. Os espiões começam por ser miúdos malcomportados livros têm tido sucesso, ganho bastante dinheiro, o que me dá muita liberdade. Estou feliz com a minha vida.” Não tem filhos, mas diz pertencer a “uma família muito grande, com primos, sobrinhos, muitas crianças à volta”. Aliás, começou esta colecção sugestionado por uma ideia de um dos sobrinhos. “Quando a Cherub saiu, ele já tinha 18 anos. Hoje vive na Austrália com a namorada e não está propriamente interessado nos meus livros...”, conta com uma gargalhada maliciosa. Presume que os seus leitores se distribuam da seguinte forma: 60 por cento rapazes e 40 por cento raparigas. “As raparigas são mais abertas a ler livros com rapazes como protagonistas do que o inverso. Se mostrar a um rapaz um livro aparentemente ‘para raparigas’, com fadas ou assim, ele não lhe pega. Elas são mais descomplexadas.” Mas é nitidamente em rapazes que pensa quando escreve? “Sim, penso neles como leitores e protagonistas.” pro No entanto, no início, elogiaram a sua capaci capacidade de se pôr no lugar das miúdas e de ser realista nas atitudes a femininas. “Na altura, e eu disse que sim, que tinha pensado pe nisso. Mas não é verdade. verdad Sinceramente, não pensei. Foi um daqueles ‘acidentes felizes’.” fe Encara a p possibilidade de escrever para par outro públicoalvo como um desafio. “Mas em termos co comerciais é como começar um jogo. Se já somos associados a uma certa audiência, é difícil a aceitação ac noutra. Dá muito trab trabalho e pode afastar os fãs. Não Nã digo que nunca o farei, mas ma não tenho planos nesse sentido.” se Gosta de Portugal, “mas não num nu dia chuvoso como este”. Teve azar o escritor. No ano passado, apanhou um escaldão na feira. “Estava um belo dia de sol, vieram muitos fãs e passei muito tempo ao ar livre a dar autógrafos e a conversar com os miúdos. Desta vez, trouxe protector solar e…”, diz meio desolado, enquanto cai uma forte chuvada. Na data em que a conversa aconteceu, ainda não estava disponível o mais recente título. João Pedro, que já lera os anteriores, queria saber se James iria continuar com a mesma namorada em Cães Danados. E o autor não sabia a resposta! Embaraçado, desculpou-se com o facto de já ter escrito este volume “há quatro anos e haver muitas alterações de personagens e trocas de relacionamentos”. Mas devia ter feito o “trabalho de casa”, mesmo que em tempos não tenha sido grande aluno. A Artur interessava saber se havia mais alguma colecção da sua autoria. Aqui houve resposta concreta: “Sim, chama-se Henderson’s Boys e passa-se na II Guerra Mundial. Mas não será traduzida, a editora portuguesa preferiu apostar só na Cherub.” Também informou que a BBC vai transformar os livros em filme, mas a produção só deve avançar em 2013. Foi então a vez de o autor pedir para fazer algumas perguntas aos rapazes. “Gosto de conhecer os interesses deles e de perceber que outros livros lêem.” Os “recrutados” pela Pública deram a conhecer algumas das suas leituras: Diário de Um Banana, Harry Potter, Eragon, livros de acção, Astérix e Tintin. Nada de mundos cor-de-rosa. a [email protected] nós no mundo Ricardo Garcia Píxel roubado R No maravilhoso mundo electrónico, qualquer avaria é uma porta aberta ao desperdício oubaram-me um píxel. Não é coisa que se roube. Um minúsculo ponto num ecrã de computador não trará qualquer maisvalia ao erário de nenhum meliante. Ladrão que é ladrão vai atrás de itens mais vendáveis. A mim próprio, já me levaram o dinheiro, a carteira, o rádio do carro, o próprio carro, por furto ou até com uma pistola encostada à cabeça — uma forma extrema de distribuição de renda. Um píxel não tem valor monetário, mas isto não significa que não seja um bem precioso. A harmonia negra do ecrã é essencial para o bem-estar do cibernauta. No entanto, de uns tempos para cá, quando ligo o computador, um ponto branco, um único ponto branco, surge bem no centro da tela. É apenas um entre os 480 mil píxeis com que o computador arranca. Um píxel que não funciona. Enganam-se aqueles que julgam que é um detalhe de somenos. Por um buraquinho daqueles passa um caudal sólido de perturbação, ínfimo na sua quantidade absoluta, mas titânico na sua capacidade de irritar quem o observa. É como uma torturante fuga de água gota a gota ou uma aragem que se esgueira por uma frincha imperceptível. Topar com aquele píxel a menos logo de manhã não é a melhor forma de se começar uma jornada de trabalho. Mesmo porque, ao sentimento imediata de perda, sobrevém a sensação de impotência para resolver o problema ou para deter, julgar e punir o autor do furto. Vai-se lá saber que gatunagem electrónica aconteceu lá dentro para extrair do ecrã as funcionalidades daquele ponto luminoso. Não há partes mecânicas para substituir, ou olear, ou dar um jeitinho. No maravilhoso mundo electrónico, qualquer avaria é uma porta aberta ao desperdício, e, por um único píxel, um monitor inteiro arrisca-se a ir para o lixo, a não ser que eu consiga controlar, quem sabe via psicanálise, o meu exaspero matinal perante a nova configuração do ecrã. A sorte não está do meu lado. Depois de perder um píxel no computador do trabalho, perdi duas teclas no portátil de casa. Cansadas de serem massacradas pelos meus dedos, a barra de espaços e a tecla esquerda das maiúsculas — o shift mais usado — entraram em greve. Simplesmente deixaram de funcionar, sem pré-aviso. Se fosse uma máquina de escrever, das antigas, haveria maneira de dar a volta ao assunto. A minha Olivetti Lettera 32, de 1974, desmontei-a e montei-a inúmeras vezes, até à sua reforma antecipada, quando chegaram os computadores. Tentei fazer o mesmo com o portátil e, quando dei por mim, tinha a barra de espaços numa mão, o resto do teclado no outro e a certeza de que ambos nunca mais se juntariam, porque um encaixe de plástico, de dimensão micrométrica, partira-se na hora da separação. Do ponto de vista comercial, a rotura fez todo o sentido, pois obrigou-me a adquirir um teclado inteiro, com um grau de redundância de 98 por cento, já que 100 das 102 teclas estavam efectivamente a funcionar. Para adquirir a peça, fui a uma grande superfície — dessas que vendem, aos mesmos preços, os mesmos produtos das grandes superfícies concorrentes, num aparente cartel socialmente aceite, dos consumidores aos reguladores. O atendimento foi simpático e eficaz. Mas a peça tinha de ser encomendada. — E quando chega? — Em 15 a 20 dias úteis. Ficando tudo dito com o referido prazo, desci ao esquecido mundo dos pequenos prestadores de serviços e encontrei uma empresa que em 48 horas pôs-me em casa um teclado novo, com o qual, aliás, amanho estas linhas. Fiquei tão satisfeito com a rapidez da solução, que momentaneamente me esqueci de que, por causa de duas míseras falhas, tive de gastar 50 euros num teclado completo. Resta-me o problema do píxel que me roubaram. A bem da verdade, ele lá está, só que sempre iluminado a branco. Mas é como se não existisse. E assim, mais um equipamento electrónico se candidata a engrossar as estatísticas da reciclagem. a Jornalista [email protected] Pública • 17 Julho 2011 • 63 tarot da maya NUNO SARAIVA de 17 a 23 de Julho Virgem Capricórnio 24 de Agosto a 23 de Setembro XVIII A LUA A Lua recomenda que pondere bastante e analise a fundo todas as questões. Reaja com calma a todas as situações da vida afectiva. No plano material, terá de enfrentar posições diferentes das suas no campo profissional. Na saúde, procure relaxar. 22 de Dezembro a 20 de Janeiro II A PAPISA A Papisa confere bom entendimento das situações. Conflitos e erros de julgamento afectarão o plano afectivo. No plano material, terá de dar maior atenção à vida profissional e financeira. Na saúde, uma doença pode manifestar-se. Balança Caranguejo 22 de Junho a 23 Julho A ESTRELA Esta semana tudo tende a correr pelo melhor para estes nativos. No plano afectivo, conseguirá atingir equilíbrio sentimental; manifeste os seus sentimentos de forma sincera e tranquila. No plano material, não se iniba de manifestar opiniões. Mesmo em situações de tensão, sairá favorecido. Na saúde, está em boa fase, embora deva vigiar os seus rins. Carneiro Gémeos 21 de Março a 20 de Abril V O PAPA Apesar da influência tranquilizante do Papa, esta não é uma semana em que possa contar com facilidades. No plano afectivo, terá de fazer um esforço para dominar reacções a quente. No plano material, encontrará vários obstáculos a projectos e ideias; faça autocrítica. Na saúde, tenha uma alimentação cuidada. 22 de Maio a 21 Junho X A RODA DA FORTUNA Esta semana todos os acontecimentos se sucederão a um ritmo mais rápido do que o habitual. No plano afectivo, momento favorável ao combate do saudosismo. No plano material, não são aconselháveis gestos autoritários nem a imposição do seu ponto de vista. Na saúde, pode contar com um período de estabilidade. Touro Leão 21 de Abril a 21 de Maio XII O DEPENDURADO Atravessa uma fase com obstáculos ao desenvolvimento. No plano afectivo, o momento não é propício a mudanças; é altura de amadurecer ideias. No plano material, é natural que seja confrontado com imposições ou limitações que terá de acatar. Enfrentará algumas fragilidades na saúde. 24 de Julho a 23 de Agosto VIII A JUSTIÇA A Justiça requer que seja muito cumpridor. No plano afectivo, seja muito sério e sensato a lidar com sentimentos. No plano material, poderá obter respostas que o ajudem a clarificar a sua situação profissional. Verifique todos os movimentos económicos. Na saúde, a alimentação pode trazer-lhe transtornos. 64 • 17 Julho 2011 • Pública 24 de Setembro a 22 de Outubro III A IMPERATRIZ Conjuntura de fortes energias que lhe permitem atingir objectivos. No plano afectivo, está sob boas influências e conseguirá desenvolver a sua vida sentimental. No plano material, surgem novas situações que o surpreenderão pela positiva. Na saúde, proteja-se face a oscilações de temperatura. Escorpião 23 de Outubro a 22 de Novembro XIII A MORTE Esta semana haverá uma alteração de planos, independentemente da sua vontade. No plano afectivo, alegrias e surpresas estão-lhe reservadas. No plano material, tendência a realizações importantes, que poderão servir-lhe de trampolim para esferas de acção. Previna estados de doença. Sagitário 23 de Novembro a 21 de Dezembro IIII O IMPERADOR Neste período, vai mostrarse bastante empenhado em tratar de questões antigas. Terá pouco tempo para se dedicar ao plano afectivo. Não deve mostrar qualquer tipo de receio no plano material, pois o sucesso está garantido. Na saúde, tendência a estados de grande stress. Aquário 21 de Janeiro a 19 de Fevereiro XVI A TORRE A conjuntura está repleta de dificuldades. No plano afectivo, assuntos não resolvidos criarão situações de tensão e desordem. No plano material, o risco da sua vida afectiva ou estado emocional podem influenciar o trabalho de forma negativa. Preocupe-se mais com a saúde. Peixes 20 de Janeiro a 20 de Março XXII O LOUCO Semana cheia de mudanças e desafios. O plano afectivo tende a ser afectado pelo seu ritmo de vida. No plano material, em assuntos económicos, faça estudos muito rigorosos e espere melhor oportunidade para tomar decisões importantes. Na saúde, combata posturas indolentes. porque sim Daniel Sampaio Deveres A Na infância, a educação para os valores começa pelo despertar da criança para sentimentos que a aproximem do outro palavra “dever” está ausente na educação de algumas crianças. Os pais de hoje, em regra atentos e disponíveis, preferem a explicação exaustiva à simples frase “é o teu dever”. E como seria importante usar essa expressão… A criança nasce na intimidade de uma família. O sorriso e o choro são a sua única resposta durante os primeiros meses e, quase sempre, procuram a resposta de outra pessoa. Pode chorar quando a mãe a larga e sorrir quando alguém de fora a consola, mas aos oito meses é diferente, um estranho pode ser pior. E aos dez meses a criança já gosta menos de estar ao colo dos pais e quer explorar o mundo, o que se torna ainda mais evidente quando começa a andar. E sabe-se que, desde muito cedo, compreende os sentimentos dos outros. A educação aí está. Educar e socializar andam de mãos dadas. Todos temos sentimentos, “sentimos”, mas nem sempre o que experienciamos se enquadra no que os outros sentem ou desejam: se estou muito agressivo, tenho de pensar como posso lidar com a minha fúria, em vez de depressa a descarregar num próximo. A educação para os valores baseia-se na inteligência emocional (que permite compreender as emoções) e no percurso que é necessário fazer entre o sentimento e a norma, entre o que sentimos e a acção que (não) praticamos. Não podemos impedir o que sentimos, mas poderemos ser capazes de adiar uma resposta, porque assim “deve” ser. Na infância, a educação para os valores começa pelo despertar da criança para sentimentos que a aproximem do outro, como a solidariedade, a compaixão, a indignação perante a injustiça; mas tem de ser coordenada com os “deveres”, como a higiene, as boas maneiras à mesa, os cumprimentos aos vizinhos ou os “deveres escolares”, essa expressão antiga curiosamente desaparecida nas famílias de hoje. Quero por tudo isto afirmar que há momentos em que a explicação, o apelo à compreensão ou a “compra” (“faz isto porque se o fizeres bem, terás um bom prémio”) não são adequados ou eficazes, por isso se deve dizer: “É simplesmente o teu dever!” (como afirma José António Marina, que me inspirou para escrever esta crónica). Se durante a infância a família hesita no objectivo do cumprimento dos deveres, não será na adolescência que obterá êxito. São deveres dos filhos, de acordo com a idade respectiva: respeitar os pais e educadores, ajudar os idosos e doentes da família, arrumar o quarto e colaborar no arranjo das zonas comuns da casa, fazer sozinhos os “deveres escolares” e questionar os professores sobre as dúvidas surgidas, cumprir as horas de levantar e deitar, passar férias em família (na adolescência tal terá de ser articulado com umas desejáveis férias com os amigos), interessar-se pelo mundo e indignar-se perante o que está mal… e muitos outros, de acordo com a cultura da família e da comunidade a que pertençam. O autoritarismo dos pais, muito frequente na primeira metade do séc. XX, deu origem, nalguns casos, aos pais palavrosos de hoje, que tudo tentam “explicar”. Adolescentes com quem falo nas escolas contam-me como os pais falam sem parar em “regras, regras”, ou repetem aos gritos o comportamento que desejam para os filhos, muitas vezes sem cuidarem de perceber como estão apenas em causa os deveres dos jovens. Na minha consulta, é frequente ouvir dizer: “Sou adolescente, tenho de aproveitar o momento, não sei o dia de amanhã, está tudo tão mal por cá!”; a que os pais respondem com justificações mais ou menos psicológicas, envoltas em frases intermináveis. Lembro-me então dos anos 1960, em que se classificava o estudante como “jovem trabalhador intelectual”, no sentido em que o seu dever era “trabalhar” nos estudos… a Psiquiatra [email protected] Pública • 17 Julho 2011 • 65 inquérito LAYTON THOMPSON Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José Diogo Quintela Que jornal ou revista usaria para matar um insecto? Jornais e revistas são tão século passado! Eu tenho um iPad para ler as notícias, o que não dá muito jeito para matar insectos. Se fosse jantar com Woody Allen, onde o levaria? Levava-o a jantar marisco e peixe junto ao rio Tejo. E para sobremesa íamos comer pastéis de Belém com uma bica, vinho do Porto ou uma ginginha de Óbidos. Zita Martins 32 anos, astrobióloga no Royal Society University Research Fellow no Imperial College Com que idade percebeu que falhou na vida? Falhar nunca. Como diria Theodore Roosevelt: “É triste falhar na vida; porém, mais triste é não tentar vencer.” E o que deveria ter pedido? Fui eu que fiz o almoço e estava óptimo. Qual é a diferença entre um alfacinha e um tripeiro? Não gosto de bairrismos. Qual o segundo momento mais marcante da sua vida? O melhor ainda está para vir. Qual a sua qualidade que mais irrita os seus amigos? Ser muito exigente comigo. Sem ser essa mariquice de morrer a dormir, como é que preferia morrer? Feliz. Qual o seu defeito que mais os enternece? Rir-me muito e alto. Trata de forma diferente as pessoas feias e as bonitas? Feias por fora ou por dentro? É que para estas últimas não dou hipótese. Quando está com uma pessoa deficiente, exagera no ignorar da deficiência? Quando estou com alguém olho para o todo e não apenas para uma parte. 66 • 17 Julho 2011 • Pública O que almoçou hoje? Galinha do campo com alho picado, tomilho, vinho e limão, a acompanhar com batatinhas e castanhas. Isto tudo assado no forno. De sobremesa comi framboesas. Qual o seu pintor favorito da escola flamenga? Esta é a pergunta ideal para quem como eu viveu vários anos nos Países Baixos. O meu favorito é Jan van Eyck, seguido de Rubens. Agora a sério, alguma vez encolheu a barriga? Gosto do meu corpo tal como é. Não há necessidade de encolher ou esticar nada. Com que figura pública se acha fisicamente parecido? Curiosamente, sou igualzinha a mim própria. Num incêndio em sua casa, que objecto faria tudo para salvar? Não sou agarrada a nenhum objecto. Os bens materiais são substituíveis. Tem números que memorizou no telemóvel só para não atender? Não desperdiço memória(s) com quem não interessa. Qual o luxo pré-crise de que tem saudades? Nunca fui dada a gastos supérfluos, e por isso continuo a ter o mesmo estilo de vida. Quantas vezes já fez amor a uma terça-feira? Em média e tendo em conta o desvio padrão, fiz tantas como nos outros dias. Numa luta entre um tubarão e um tigre, quem ganha? Eu pensava que a luta era entre um tigre e um dragão, como no filme de Ang Lee. Quando quer impressionar, que escritor cita? Quando quero impressionar, não cito nenhum escritor. Apenas falo do meu trabalho. Se isso foi o suficiente para o príncipe William dizer: “Wow! Your work is really cool”, então é suficiente para impressionar outras pessoas. O que é que realmente pensa dos homens que choram? Penso que têm as glândulas lacrimais a funcionar bem. Tem alguma dívida que não tenciona pagar? Não. Como em tudo na vida, é necessário tomar responsabilidades e pagar pelos nossos actos. Já alguma vez bateu em alguém com razão? Quando se agride alguém, perde-se a razão. Alguma vez sentiu que engorda mais facilmente do que os outros? Felizmente o meu metabolismo é do contra e por isso não tenho tendência para engordar. O que faz numa folga num dia de semana? Dormir bastante, relaxar e contactar com a família e amigos. Se estiver sol, aproveito para ir passear e produzir vitamina D. Este mês contribuiu para a felicidade de alguém? Sim. Este é um dos três melhores inquéritos a que já respondeu na vida? Se não é, para lá caminha... a *VSLJsqVKLSP]YVZWLYPVKPJPKHKLZLTHUHSnZ8\HY[HZMLPYHZLU[YLKL1\SOVLKL(NVZ[V7=7\UP[mYPV Á7YLsV[V[HSKHJVSLJsqVÁ,KPsqV3PTP[HKHHVZ[VJRL_PZ[LU[L colecção rotas e percursos. descubra roma através do olhar de alIx. 2 volume 20 de julho RECOMENDADO PELO Fugas *HZ[LYTHUI`1HJX\LZ4HY[PUHUK;OtYuZLKL*OtYPZL`,U]V`HNL,KP[PVUZ\UKtWHY[LTLU[KL7SHJLKLZ,KP[L\YZ(SS9PNO[ZYLZLY]LK Parta à conquista da roma histórica de um modo inédito. neste guia, o reputado autor belga jacques martin oferece-nos um novo olhar sobre roma através de um dos seus personagens mais emblemáticos: alix. QUARTA, DIA 20 DE julho VÁ ATÉ ROMa POR MAIS 8,90€ COM O PÚBLICO. INÉDITO E EXCLUSIVO PÚBLICO