Sobre a democracia
Transcription
Sobre a democracia
FUNDAÇÃO U N IV E R S ID A D E DE BRASÍLIA R eitor Lauro M o rh y V ice-R eitor Timothy M artin M ulholland E d it o r a U n i v e r s i d a d e de B r a s íl ia D ireto r Alexandre L im a Conselho E di t o r ia l Airton Lugarinho de Lim a Camara, Alexandre Lima, Elizabeth Cancelli, Estevão Chaves de Rezende Martins, Henryk S iew ierski, José Maria Gonçalves de Almeida Júnior, Moema Malheiros Pontes, Reinhardt Adolf o Fuck, Sérgio Paulo R o u an et e Sylvia Ficher Robert A. Dahl Sobre a democracia T ra d u çã o Beatriz Sidou EDITORA Sü UnB E quipe e ditorial: A i r t o n L u g a r i n h o ( S u p e r v i s ã o e d ito ria l); R e j a n e d e M en es es ( A c o m p a n h a m e n t o e d ito ria l); W ilm a G onç alv e s R o s a s S a l t a r e l l i (Preparação de or ig in a is); G i l v a m Joaquim C osm o e W i lm a G o n ç a l v e s Rosas Saltarelli ( R e v i s ã o ) ; E u g ê n i o F elix Braga (Editoração e l e t r ô n i c a ) ; Cleide Passos, R e ja n e d e M e n e s e s e Rúbia Pereira (ín d ic e); M a u r í c i o B o r g e s (Capa) C o p y rig h t © 19 98 b y Y a l e U n i v e r s i t y C o p y rig h t © 2 0 0 1 b y E d ito r a U n iv e r s i d a d e de Brasília, pela t r a d u ç ã o Título original: O u d e m o c r a c y I m p re ss o n o B r a s il Direitos exclusivos para esta edição: Editora Un iversidade d e B r a s ília S C S Q. 0 2 B l o c o C N" 7 8 E d . O K 2" andar 7 0 3 0 0 - 5 0 0 - Brasília. D F Tel: ( 0 x x 6 1 ) 2 2 6 - 6 8 7 4 Fax: ( 0 x x 6 1 ) 2 2 5 - 5 6 1 1 [email protected] T o d o s o s direitos r e s e r v a d o s . N e n h u m a parte desta pu b licaç ão p o d e r á se r armazenada ou r ep rod u z id a po r qualquer meio sem a a u t o r iz a ç ã o p o r e s crito da Editora. F ic h a c a ta lo g r á fic a elaborada pela B i b l io t e c a Central da U n iv ersidade de Brasília Dalil. R ob ert A . D131 S o b r e a d e m o c r a c i a / Robert A. Dahl: t r a d u ç ã o d c Beatriz S i d o u . - Brasília : Editora U n iv e r s i d a d e d e Brasília. 2 0 0 1 2 3 0 p. T r a d u ç ã o de: O n dem ocracy ISBN : 8 5 -2 3 0 -0 6 2 1 -4 1. D e m o c r a c i a I. Sid ou. Beatriz II. T ítulo. C D U 3 2 1 .7 A Sumário A g r a d e c im en to s, 9 C a p ítu lo 1 P r e c isa m o s r e a l m e n t e d e u m g u i a ?, 11 P a rte I O começo C a p ít u l o 2 Onde s u r g i u e c o m o se d e s e n v o l v e u a d e m o c r a c i a ? br ev e h ist ó r ia , 17 O Mediterrâneo, 21 A Europa do Norte, 27 Democratização: a caminho, apenas a caminho..., 3 2 C a p ít u l o 3 O 37 O bjetivos democráticos e realidades, 39 Dos julgam entos de valor aos julgamentos empíricos, 42 q u e h á p e l a f r e n t e ?, P a r t e II A DEMOCRACIA IDEAL C a p ít u l o 4 O q u e é d e m o c r a c i a ?, 47 Os critérios de um processo democrático, 49 Por que esses critérios?, 50 A lg um as questões decisivas, 52 C a p ít u l o 5 Por q u e a d e m o c r a c i a ?, 57 As vantagens da democracia: resumo, 73 U ma 6 Su m á rio C a p ít u l o 6 P o r q u e a ig u a l d a d e po l ít ic a I? I g u a l d a d e in t r ín se c a , 75 A ig ualdade é óbvia?, 75 Igualdade intrínseca: um julgamento moral, 7 7 P or que devemos adotar este princípio, 79 C a p ít u l o 7 P O R QUE IGUALDADE POLÍTICA II? COMPETÊNCIA CÍVICA, 83 A tutela: uma alegação em contrário, 83 A com petência dos cidadãos para governar, 8 9 Urna quinta norma democrática: a inclusão, 91 Pro blem as não-resolvidos, 92 C om entários conclusivos e apresentação, 9 4 P a r t e III A VERDADEIRA DEMOCRACIA C a p ít u l o 8 Q u e INSTITUIÇÕES POLÍTICAS REQUER A DEMOCRACIA EM GR A N DE ESCALA?, 97 C o m o podem os saber?, 98 A s instituições políticas da moderna dem ocracia representativa, 99 A s instituições políticas em perspectiva, 10 0 O fator tam anho, 105 Por que (e quando) a democracia exige representantes eleitos?, 106 P or que a democracia exige eleições livres, justas e freqüentes?, 109 P or que a democracia exige a livre expressão?, 110 P or que a democracia exige a existência de fontes alternativas e independentes de informação?, 111 Por que a democracia exige associações independentes?, 111 Por que a democracia exige uma cidadania inclusiva?, 112 C a p ít u l o 9 V a r i e d a d e s I: d e m o c r a c i a e m e s c a l a s d i f e r e n t e s , 115 Em todo caso, as palavras importam, sim..., 115 Democracia: grega x moderna, 117 D em ocracia de assembléia x democracia representativa, 118 7 S o b r e a d em o cracia A representação já existia, 1 1 9 Mais uma vez: tam anho e democracia, 1 2 0 Os limites democráticos d o governo representativo, 1 2 4 Um dilema básico da dem ocracia, 1 2 5 O negócio às vezes é s e r pequeno, 1 2 5 Às vezes o negócio é ser grande, 1 2 7 O lado sombrio: a n eg o c ia ç ã o entre as elites, 1 2 8 Organizações internacionais podem ser democráticas?, 1 2 9 Uma sociedade pluralista vigorosa nos países democráticos, 1 3 2 C a p ít u l o 10 V a r i e d a d e s II: c o n s t it u iç õ e s, 135 Variações constitucionais, 1 3 6 Quanta diferença fazem as diferenças?, 145 C a p ít u l o 11 V a r ied a d es III: p a r t id o s e s is t e m a s e leito rais, 147 Os sistemas eleitorais, 1 4 7 Algumas opções básicas p a ra as constituições democráticas, 1 5 4 Algumas orientações so b re as constituições democráticas, 1 5 6 PARTE IV A S CONDIÇ ÕES F A V O R Á V E I S E AS DESFA V O R Á V EIS C a p ít u l o 12 Q U E CONDIÇÕES S U B J A C E N T E S F AVO REC EM A D E M O C R A C IA ? , 161 A falha das alternativas, 1 6 2 Intervenção estrangeira, 1 6 3 Controle dos militares e d a Polícia, 1 6 5 Conflitos culturais fracos ou ausentes, 166 Cultura e convicções dem ocráticas, 173 Desenvolvimento e c o n ô m ic o e economia de mercado, 1 7 5 Um resumo, 1 7 5 * índia: uma democracia improvável, 1 7 6 Por que a democracia se espalhou pelo mundo inteiro, 1 8 0 S u m á r io 8 C a p ít u l o 13 P O R QUE O CAPITALISM O D E M E R C A D O F A V O R E C E A d e m o c r a c i a , 1 83 Algumas ressalvas, 1 8 6 C a p ít u l o 14 P O R QUE O CAPITALIS MO D E M E R C A D O P REJUD ICA A D E M O C R A C IA , 191 C a p ít u l o 15 A VIAG EM IN ACA BADA , 1 9 9 Dificuldade Dificuldade Dificuldade Dificuldade 1: 2: 3: 4: a ordem econôm ica, 2 0 0 a internacionalização, 2 0 2 a diversidade cultural, 2 0 2 a educação cívica, 2 0 4 A p ê n d ic e A O S SISTEM AS ELEITOR AIS, 2 0 9 A p ê n d ic e B A ACOM ODAÇÃO POLÍTICA N O S P A Í S E S É TNICA OU C U L T U R A L M E N T E D IV ID ID O S , 2 1 3 A p ê n d ic e C A CO N T A G E M DOS PAÍS ES D E M O C R Á T I C O S , 2 1 7 R e fe r ê n c ia s b ib lio g r á f ic a s , 221 Í n d ic e , 227 Agradecimentos Pelo que m e lembro, foi para minha mulher, A nn Sale Dahl, que m encionei que talvez estivesse interessado em escrever mais um livro sobre a teoria e a prática da democracia. Dessa vez. o li vro que eu tinha em mente seria menos acadêm ico do que a maio ria dos outros j á publicados. Eu não escreveria o livro para outros acadêmicos n e m especialmente para os norte-am ericanos. Eu gos taria de ser útil para qualquer pessoa, em qualquer lugar, seria mente interessada em aprender mais sobre um assunto vasto, que pode facilm ente tornar-se tão complicado que as únicas pessoas desejando investigá-lo em profundidade são os teóricos políticos, filósofos e o utro s estudiosos. Confesso que encontrar o estilo exato seria dificílimo. A entusiástica reação de Ann me incentivou a se guir em frente. Ela também foi a primeira leitora de um esboço quase com pleto ; suas atiladas sugestões editoriais melhoraram bastante a m in h a exposição do assunto. Dois o cu p a d íssim o s colegas da universidade, Jam es Fishkin e Michael W a lzer, generosamente fizeram com entários detalhados a meu ra sc u n h o terminado - bom, não exatam ente terminado, no final das c o n ta s . S u as críticas e sugestões fo ram tão im portantes e tão úteis q u e adotei quase todas; tive de deixar algum as de lado. pois me p a r e c i a m exigir um livro bem m ais co m p rid o do que o que eu tin h a e m mente. Também devo a H ans D aald er, Arend Lipjhart e H a n s Blockland por seus importantes comentários sobre a Holanda. Sou grato a Charles Hill, David Mayhew, lan S hapiro e Norma Thompson p o r responderem a meu pedido de nom es de obras que servissem aos leitores desejosos de prosseguir estudando o tema. Suas sugestões enriqueceram a lista intitulada “ M ais leituras". 10 R o b e rt A. Dahl Bem antes de completar o original, mencionei-o a John Covell, editor sênior na Yale University Press, que imediatamente expres sou grande interesse nele. D e po is de lhe entregar uma cópia do manuscrito, as perguntas e s u g estõ es que ele ofereceu me ajudaram a aperfeiçoá-lo em muitos pontos. Sinto-me feliz porque este livro é a continuação de um longo relacionamento com a Yale University Press. Para mim, é especial mente prazeroso que a Yale U niversity Press o esteja publicando, porque ao escrevê-lo não hesitei em consultar trabalhos antigos m eus que a Yale publicou no co rrer de muitos anos. Também me senti encantado com o diretor J o h n Ryden, a diretora associada Tina Weiner e a diretora adm inistrativa Meryl Lanning, que não apenas expressaram seu en tu siasm o pela publicação do livro, mas avalizaram energicamente m in h a proposta de que ele fosse rapida m ente traduzido e publicado em outros países, de modo a torná-lo disponível a leitores em outros ca n to s do mundo. Por fim, o trabalho de editoração de Laura Jones Dooley, e d i tora assistente, foi rápido e maravilhoso. Sua contribuição é invisível para o leitor, mas o autor sabe muito bem que o livro está melhor por causa desse trabalho - e espera que ela também saiba... Capítulo 1 Precisamos realmente de um guia? Durante esta última metade do século XX, o mundo testem u nhou uma extraordinária alteração política, sem precedentes. Todas as principais alternativas para a democracia desapareceram, transformaram-se em sobreviventes excêntricos ou recuaram , para se abrigarem em seus últimos bastiões. No início do século, os inimi gos pré-m odernos da democracia - a monarquia centralizada, a aristocracia hereditária, a oligarquia baseada no sufrágio limitado e exclusivo —haviam perdido sua legitimidade aos olhos de boa parte da humanidade. Os mais importantes regim es an tid em o crático s do século X X - o comunista, o fascista, o nazista - desapareceram nas ruínas de uma guerra calamitosa ou. como aconteceu na União Soviética, desm oronaram internamente. As ditaduras militares fo ram totalmente desacreditadas por suas falhas, especialmente na América Latina; onde conseguiram sobreviver, em geral adotaram lima fachada pseudodemocrática. Assim, teria a democracia pelo menos conquistado o apoio dos povos e das pessoas pelo mundo afora? Não. C ontinuaram a existir convicções e movimentos antidemocráticos, muitas vezes associa dos ao nacionalismo fanático ou ao fundamentalismo religioso. Existiam governos democráticos (em variados graus de “ dem ocra cia”) para menos da metade da população do m undo. Um quinto dos habitantes do mundo vivia na China - que, em seus ilustres 4 mil anos de história, jam ais experimentou um governo dem ocráti co. Na Rússia, que só fez a transição para o governo democrático na última década do século, a democracia era frágil e j.n iha fraco apoio. M esm o nos países em que há muito a dem ocracia fora esta 12 R o b e rt A. D a h l belecida e parecia segura, alguns observadores sustentavam que a democracia estava em crise ou, no mínimo, gravemente distorcida pela redução na confiança dos cidadãos de que os líderes eleitos, os partidos políticos e os funcionários do governo conseguiriam ou realmente tratariam corretamente 011 pelo menos teriam algum su cesso em questões como o persistente desemprego, os programas de bem-estar, a imigração, os im postos e a corrupção. Suponha que dividamos os cerca de duzentos países do mundo entre os que têm governos não-democráticos, os que têm novos governos democráticos e os que têm governos democráticos longos e relativamente bem estabelecidos. Deve-se reconhecer que cada um desses grupos abrange um conjunto imensamente diversificado de países. Não obstante, essa tríplice simplificação nos ajuda a per ceber que, de uma perspectiva democrática, cada grupo enfrenta uma dificuldade diferente. Para os países recentemente democrati zados, a dificuldade é saber se e co m o as novas instituições e as práticas democráticas podem ser reforçadas ou, como diriam al guns cientistas políticos, co n so lid a d a s, para que venham a suportar o teste do tempo, o conflito político e a crise. Para as democracias mais antigas, o problema é aperfeiçoar e aprofundai- a sua dem o cracia. A esta altura, pode-se muito b em perguntar: o que realmente entendemos por democracia? O que distingue um governo democráti co de um governo não-democrático? Se um país não-democrático faz a transição para a democracia, é transição para o quêl Com refe rência à consolidação da dem ocracia, o que exatamente é consoli dado? E o que significa falar de aprofundar a democracia num país democrático? Se um país já é um a democracia, como ele pode rá se tornar mais dem ocrático1. E assim por diante... A democracia, de vez em quando, é discutida há cerca de 2.500 anos - tempo mais do que suficiente para reunir um bom conjunto de idéias sobre o qual todos ou quase todos possam con cordar. Aqui não tratamos de saber se para o bem ou para o mal. Os 25 séculos em que tem sido discutida, debatida, apoiada, atacada, ignorada, estabelecida, praticada, destruída e depois às vezes restabelecida aparentemente não resultaram em concordância sobre algumas das questões fundamentais sobre a democracia. S o b re a dem ocracia 13 O próprio fato de ter uma história tão com prida ironicamente contribuiu para a confusão e a discordância, pois “ d e m o c ra c ia ” tem significados diferentes para povos diferentes em d ife re n te s tempos e diferentes lugares. Por longos períodos na história hum ana, na prática, a dem ocracia realmente desapareceu, m al sobrevivendo como valiosa idéia ou memória entre poucos. A té dois séculos atrás apenas (digam os, há dez gerações), a história tin h a pouquís simos exemplos d e verdadeiras democracias. A d em ocracia era mais assunto para teorização de filósofos do que u m verdadeiro sistema a ser adotado e praticado pelos povos. M e s m o nos raros casos em que realm ente existia uma “democracia” ou u m a “repú blica” , a m aioria d o s adultos não estava autorizada a participar da vida política. Embora em seu sentido mais geral seja antiga, a form a da de mocracia que discutirei neste livro é um produto do século XX. Hoje, pressupõe-se q u e a democracia assegure v irtu alm en te a todo cidadão adulto o direito de voto. No entanto, há c e rca de quatro gerações - p or volta de 1918, mais ou menos ao final da Primeira Guerra Mundial - , em todas as democracias ou repúblicas indepen dentes que até então existiam, uma boa metade de toda a população adulta sempre estivera excluída do pleno direito de cidadania: a metade das m ulheres. Temos então algo impressionante a pensar: se aceitássem os o sufrágio universal co m o exigência da democracia, hav e ria algumas pessoas, em praticam ente todos os países dem ocráticos, que seriam mais velhas do que seu sistema democrático de g o v ern o . A dem o cracia no sentido m oderno talvez não seja lá m u ito jovem, mas também não é tão antiga... Pode-se fazer u m a objeção: os Estados U nidos n ã o se torna ram uma d em o cracia da Revolução norte-americana em diante “uma d em o c ra c ia n u m a república”, como a c h a m o u A braham Lincoln? O ilustre francês Alexis de Tocqueville, d e p o is de .visitar os Estados U nidos nos anos 1830, não chamou seu fa m o so livro de A dem ocracia n a A m é ric a ? Os atenienses não c h a m a v a m de tféffto-*' cracia seu sistem a no século V a.C.? E o que era a república rom a na, se não u m a espécie de democracia? Se “d em o c ra c ia ” significou diferentes coisas em épocas diferentes, como p o d e re m o s nós co n cordar sobre o que signifique hoje? 14 R o b e rt A. Dahl Uma vez começado, pode-se insistir: por que, afinal, a d e m o cracia é desejável? E quão dem ocrática é a “democracia” nos p a í ses hoje chamados dem ocráticos - Estados Unidos, Inglaterra, França, Noruega, Austrália e m uitos outros? Além do m ais, será possível explicar por que esses países são “democráticos” e tantos outros não? Poderíamos fazer muitas perguntas mais. Assim, a resposta à pergunta no título deste capítulo está ra zo a velmente clara. Quando se está interessado em procurar respostas para as perguntas essenciais sobre democracia, um guia pode ajudar. Nesta pequena excursão, você não encontrará respostas para todas as perguntas que gostaria de fazer. Para manter a nossa v ia gem relativamente curta e acessível, teremos de passar por c im a de incontáveis trilhas que você talvez preferisse explorar. E las re al mente deveriam ser exploradas... Espero que depois desta nossa excursão você comece a explorá-las por sua conta. Para ajudá-lo nesse empreendimento, no final deste livro darei uma rápida lista de obras pertinentes. Nossa viagem começa pelo começo: as origens da d em ocracia. Farte I O com eço Capítulo 2 Onde surgiu e como se desenvolveu a democracia? Uma breve história V ocê deve lembrar que iniciei dizendo que a democracia,(de vez em quando) é discutida há 2.500 anos. Será realmente tão velha a dem ocracia? Muitos norte-americanos e outros acreditam que a dem ocracia com eçou há duzentos anos, nos Estados Unidos. Ou tros, cientes de suas raízes clássicas, afirmariam que ela teria co meçado na Grécia ou na Roma antiga. Onde com eço u e como teria evoluído a democracia? T alv e z fosse agradável vermos a democracia progredindo mais ou m enos continuamente desde sua invenção, por assim dizer, na Grécia antiga há 2.500 anos e aos poucos se expandindo a partir daquele ínfim o começo até os dias de hoje, quando chegou a todos os continentes e a uma boa parte da humanidade. B elo quadro - mas falso, no mínimo por duas razões. E m primeiro lugar, como sabe qualquer conhecedor da história européia, depois de seus primeiros séculos na G récia ou em Roma, a ascensão do governo popular transformou-se em declínio e queda. Ainda que nos permitíssemos uma razoável liberdade para decidir quais governos contaríamos como “ populares’’, “ dem ocráticos” ou “republicanos”, sua ascensão e sua queda não poderiam ser descri tas com o ascensão firme até um pico distante, pontilhada aqui e ali por breves descidas. Ao contrário, o rumo da história democrática mais parece a trilha de um viajante atravessando um deserto plano N ú m e ro de p aíses FIGURA 1. Países dem ocráticos (com sufrágio masculino ou pleno sufrágio, 1 8 5 0 -1 9 9 5 ) Todos os p a ís e s M D e m o c rá tic o s Sobre a d em ocracia 19 e quase inlerminável, quebrada por apenas alguns morrinhos, até finalmente iniciar a longa subida até sua altura no presente (Fig. 1). Em segundo lugar, seria um equívoco pressu po r que a demo cracia houvesse sido inventada de uma vez por todas como, por exemplo, foi inventada a máquina a vapor. Q u a n d o descobrem que práticas ou ferramentas surgiram em m om entos diferentes e em diferentes lugares, antropólogos e historiadores e m geral desejam saber com o esses aparecimentos isolados foram produzidos. Será que as ferram entas ou as práticas se espalharam por divulgação a partir de seus inventores para outros grupos - 011 teriam sido in ventadas de maneira independente por grupos diferentes? Muitas vezes é difícil ou até impossível encontrar um a resposta. O mesmo acontece com o desenvolvimento da democracia n o mundo. Quanto de sua dissem inação pode ser explicado sim p lesm ente por sua di fusão a partir das origens e quanto (se é que isto aconteceu) por ter sido criado de modo independente em diferentes épocas e diferen tes lugares? E m b o ra no caso da democracia a resposta este ja sempre ro deada por muita incerteza, minha leitura do registro da história é essencialmente esta: parte da expansão da dem o cracia (talvez boa parte) pode ser atribuída à difusão de idéias e práticas democráti cas, mas só a difusão não explica tudo. Com o o fogo, a pintura ou a escrita, a democracia parece ter sido inventada m ais de uma vez, em mais de uni local. Afinal de contas, se h ouvesse condições fa voráveis para a invenção da democracia em um m om ento, num só lu g ar(p o r exemplo, em Atenas, mais ou menos 5 0 0 anos a.C.), não poderiam ocorrer semelhantes condições favoráveis em qualquer outro lugar? P re s s u p o n h o que a democracia possa ser inventada e rein ventada de maneira autônoma sempre que existirem as condições adequadas. Acredito que essas condições adequadas existiram em diferentes épocas e em lugares diferentes. A ssim como uma terra que pode ser cultivada e a devida quantidade de chuva estimularam 0 desenvolvim ento da agricultura, determinadas condições favorá veis, sem pre apoiaram uma tendência para o desenvolvimento de um governo democrático. Por exemplo, devido a condições favorá veis, é bem provável que lenha existido algum a form a de democra cia em governos tribais muito antes da história registrada. 20 R o b e r t A. Dahl Imagine esta possibilidade: pressuponhamos que certos p o v o s constituam um grupo bastante unido: “ nós” e “eles”, nós e outros, a minha gente e o povo deles, a m inha tribo e as outras tribos. A lém do mais, pressuponhamos que o grupo (a tribo, digamos) é bastante independente de controle exterior; os membros da tribo m ais ou menos conseguem dirigir o seu próprio espetáculo, por assim dizer, sem a interferência de gente de fora. Por fim, suponhamos que um bom número de membros do grupo, talvez os mais idosos da tribo, vejam-se como bastante iguais, estando bem qualificados para dar uma palavra em seu governo. E m tais circunstâncias, acredito que seja provável emergirem tendências democráticas. Um im p u lso para a participação dem ocrática desenvolve-se a partir do que p o deríamos chamar de lógica da igualdade. Durante todo o longo período em que os seres humanos v iv e ram juntos em pequenos grupos e sobreviveram da caça e da coleta de raízes, frutos e outras dádivas da natureza, sem a menor duvida, às vezes - talvez habitualmente teriam criado um sistema em que boa parte dos membros, anim ados por essa lógica da ig ualdad e (certamente os mais velhos ou os mais experientes), p a rtic ip a ria de quaisquer decisões que tiv essem de tomar como g rup o. Isto realmente aconteceu, co n fo rm e está bastante com provado p e lo s estudos de sociedades tribais ágrafas. Portanto, durante m u ito s milhares de anos. algum a fo rm a primitiva da dem ocracia p o d e muito bem ter sido o sistem a p olítico mais “ natural” . Entretanto, sabemos que esse longo período teve um fim. Quando os seres humanos com eçaram a se estabelecer por d e m o rados períodos em com unidades fixas para tratar da agricultura e do comércio, os tipos de circunstâncias favoráveis à participação popular 110 governo que acabo de mencionar - a identidade do g r u po. a pouca interferência exterior, um pressuposto de igualdade parecem ter rareado. As form as de hierarquia e dominação to rn a ram-se mais “naturais” . Em conseqüência, os governos popu lares desapareceram entre os povos estabelecidos por milhares de anos. No entanto, eles foram substituídos por monarquias, despotism os, aristocracias ou oligarquias, todos com base em alguma form a de categorização ou hierarquia. Então, por volta de 500 a.C., parece terem ressurgido c o n d i ções favoráveis em diversos lugares, e alguns pequenos grupos de Sobre a d em o cracia 21 pessoas c o m eç ara m a desenvolver sistem as de governo que pro porcionavam oportunidades bastante am plas p a ra participar em decisões de grupo. Pode-se dizer que a d e m o cracia primitiva foi reinventada e m uma forma mais avançada. Os av an ço s mais deci sivos o c o rre ra m na Europa - três na costa do Mediterrâneo, outros 11a Europa d o Norte. O M ed iterrâ n eo Os sis te m a s de governo que permitiam a participação popular de um significativo número de cidadãos foram estabelecidos pela prim eira v e z na Grécia clássica e em R o m a, p o r volta do ano 500 a.C., e m bases tão sólidas que resistiram por séculos, com al gumas m u d a n ç a s ocasionais. Grécia A G ré c ia clássica não era um país no sentido moderno, uni lu gar em q u e todos os gregos vivessem num único estado, com um governo único. Ao contrário, a Grécia era com p o sta por centenas de cidades independentes, rodeadas de áreas rurais. Diferente dos Estados U n id o s, da França, do Japão e de outros países modernos, os estados soberanos da Grécia eram cidades-estado. A mais famo sa desde o período clássico foi Atenas. Em 507 a.C ., os atenienses adotaram u m sistem a de governo popular que d u ro u aproximada mente dois séculos, até a cidade ser subjugada por sua vizinha mais poderosa ao norte, a Macedônia. (Depois de 321 a.C.. o governo ateniense trop eço u sob o domínio m acedônio p o r gerações; mais tarde, a c id a d e foi novamente subjugada, desta v ez por Roma.) Foram os gregos - provavelmente os atenienses - que cunha ram o te rm o demoh-aiicr. demos, o povo, e k r a ío s , governar. Por falar nisso, é interessante saber que. em Atenas, em bora a palavra dem os e m g e r a l se referisse a todo o p o v o aten ie n se, às vezes, significava apen as a gente comum ou apenas o pobre. As vezes, dem okraíia era utilizada por seus críticos aristocráticos como uma espécie de epíteto, para mostrar seu desprezo pelas pessoas comuns 22 R o b e r t A . Dahl que haviam usurpado o controle que os aristocratas tinham so b re o governo. Em quaisquer dos casos, dem okratia era aplicada pelos atenienses e por outros gregos ao governo de Atenas e ao de m u itas outras cidades gregas.1 Entre as democracias gregas, a de Atenas era de longe a m ais importante, a mais conhecida na época e, ainda hoje, de in c o m p a rável influência na filosofia política, muitas vezes considerada um exemplo primordial de participação dos cidadãos ou, como diriam alguns, era uma dem ocracia pa rticip a n te. O governo de Atenas era com plexo - por demais co m p lex o para ser devidamente descrito aqui. Em seu âmago havia u m a a s sembléia a que todos os cidadãos estavam autorizados a participar. A assembléia elegia alguns funcionários essenciais - generais, por exemplo, por mais estranho que pareça. O principal m étodo para selecionar os cidadãos p ara os outros deveres públicos era u m a espécie de loteria em que os cid ad ã o s que poderiam ser e le ito s detinham a mesma chance de ser escolhidos. Segundo algum as e s timativas, um cidadão com um tinha uma boa chance de ser e s c o lhido por essa loteria pelo m eno s um a vez na vida para servir co m o o funcionário mais importante a presidir o governo. Embora algumas cidades gregas se reunissem, form ando ru dimentares governos representativos por suas alianças, ligas e c o n federações (essencialmente para defesa comum), pouco se sabe sobre esses sistemas representativos. Praticamente não deixaram nenhuma impressão sobre idéias e práticas democráticas e, com certeza, nenhuma sobre a fo rm a tardia da democracia representati va. O sistema ateniense de seleção dos cidadãos para os d everes públicos por sorteio tam bém jam ais se tornou uma alternativa aceitável para as eleições com o maneira de escolher os re p re s e n tantes. Assim, as instituições p o lític a s da Grécia, por mais inovadoras que tenham sido em sua época, foram ignoradas ou mesmo c la ra 1 Para uma descrição minuciosa da democracia em Atenas, veja Mogens Herman Hansen, The Athenian D em o cra cv in lhe A ge o f Demoslhenes: Slnicture. P r in cipies and Ideologv, traduzida para o inglês por J. A. Crook, Oxford, Black w ell. 1991 . Sobre a d em o cracia 23 mente rejeitadas durante o desenvolvimento da m oderna democra cia representativa. Roma Mais ou m enos na época em que foi introduzido na Grécia, o governo p o p u lar apareceu 11a península italiana 11a cidade de Roma. Os rom anos preferiram chamar seu sistema de república: res, que em latim significa coisa ou negócios, e pu b licu s - ou seja, a repú blica poderia ser interpretada como “a coisa pública” ou “os negó cios do p o v o ” . (Voltarei a essas duas palavras, dem ocracia e república.) O direito de participar no governo da república inicialmente estava restrito aos patrícios, os aristocratas. N um a etapa da evolu ção da d e m o cracia que encontraremos mais adiante, depois de muita luta, o povo (a plebe) também adquiriu esse direito. Como em Atenas, o direito a participar restringia-se aos homens, o que também aconteceu em todas as democracias que apareceram de pois, até o século XX. Desde seu início como urbe de tam anho bastante modesto, a república ro m an a expandiu-se por meio da anexação ou da con quista m uito além dos limites da velha cidade, chegando a dominar toda a Itália e regiões bem mais distantes. A república, muitas ve zes, conferia a valorizadíssima cidadania romana aos povos con quistados, q ue assim se tornavam cidadãos rom anos no pleno gozo dos direitos e dos privilégios de um cidadão, e não simples súditos. Ainda q ue esse dom parecesse generoso e sábio, se a julgar mos da perspectiva atual, descobriremos um enorme defeito: Roma jamais adaptou adequadamente suas instituições de governo popu lar ao d esc om u na l aumento no número de seus cidadãos e seu enorme distanciam ento geográfico da cidade. Por estranho que pa reça de nosso ponto de vista, as assembléias a que os cidadãos ro manos estav a m autorizados a participar continuavam se reunindo, como antes, na cidade de Roma - exatamente nesse m esm o Fórum, hoje em ruínas, visitado pelos turistas. No entanto, para a maioria dos cidadãos rom anos que viviam 110 vastíssimo território da repú 24 R o b e r t A. Dahl blica, a cidade era muito d istan te para que pudessem assistir às assembléias, pelo menos sem esforço extraordinário e altíssimos custos. Conseqüentemente, e ra negada a um número cada vez m aior (e mais tarde esm agador) de cidadãos a oportunidade de participar das assembléias que se realizavam 110 centro do sistema de governo romano. Era com o se a cidadania norte-americana fosse conferida a pessoas em diversos estados, conforme 0 país se expandia, embora a população desses n o vos estados só pudesse exercer seu direito de voto nas eleições nacionais se comparecesse a assem bléias realizadas em W ashington, D. C. Em muitos aspectos, os rom anos eram um povo criativo e pragmático, mas não inventaram ou adotaram uma solução que hoje nos parece óbvia: um sistem a viável de governo representati vo, fundamentado em representantes eleitos democraticamente. Antes que saltemos para a conclusão de que os romanos eram menos criativos ou menos ca p azes do que nós, devemos nos lem brar que as inovações e as invenções a que nos habituamos em ge ral nos parecem tão óbvias que com eçam os a nos perguntar por que nossos predecessores não as introduziram antes. Em geral, aceita mos prontamente, sem discutir coisas que algum tempo antes estavam por ser descobertas. Da m esm a forma, gerações que vierem mais tarde poderão também se p erg un tar como não enxergamos d eter minadas inovações que virão a considerar óbvias... Devido ao que nós, hoje, aceitamos sem discutir, será que, assim como os ro m a nos, seremos insuficientemente criativos na reformulação de nossas instituições políticas? Embora a república rom an a tenha durado consideravelmente mais tempo do que a dem ocracia ateniense e mais tempo do que qualquer democracia m oderna durou até hoje, por volta do ano 130 a.C., ela começou a enfraquecer pela inquietude civil, pela militarização, pela guerra, pela corrupção e por um decréscimo 110 espírito cívico que existira entre os cidadãos. O que restava das práticas republicanas autênticas terminou perecendo com a ditadu ra de Júlio César. Depois d e seu assassinato em 44 a.C., uma república outrora governada p or seus cidadãos tornou-se um im pé rio, comandado por imperadores. Sobre a dem ocracia 25 Com a queda da república, o governo po p u lar desapareceu in teiramente 110 sul da Europa. Excetuando-se os siste m as políticos de pequenas tribos esparsas, ele desapareceu da fa ce da terra por cerca de mil anos. Itália Com o um a espécie extinta ressurgindo d ep o is de um a grande mudança climática, o governo popular com eçou a reaparecer em muitas cidades do norte da Itália por volta do ano 1100 d.C. Mais uma vez, foi em cidades-estado relativamente p e q u e n a s que se desenvolveram os governos populares, não em g ra n d e s regiões ou em grandes países. Num padrão conhecido em R o m a e mais tarde repetido durante o surgimento dos modernos go v ern o s representa tivos. a participação nos corpos governantes das cidades-estado foi inicialmente restrita aos membros das famílias d a classe superior: nobres, grandes proprietários e afins. Com o tem p o , os residentes nas cidades, que estavam abaixo na escala socioecon ôm ica, come çaram a ex igir o direito de participar. M e m b r o s d o que hoje chamamos classes médias - novos ricos, p eq u e n o s mercadores, banqueiros, pequenos artesãos organizados em guildas, soldados das infantarias comandadas por cavaleiros - não apenas eram mais numerosos do que as classes superiores dom in antes, mas também capazes de se organizar. Eles ainda podiam a m e a ç a r violentas re beliões e, se necessário, levá-las adiante. C onseqüentem ente, em muitas cidades, essas pessoas - 0 popolo, com o eram chamadas ganharam o direito de participar do governo local. Durante mais de dois séculos, essas repúblicas floresceram em uma série de cidades italianas. Uma boa parte dessas repúblicas, como Elorença e V eneza, eram centros de e x tra o rd in á ria p rospe ridade, refinado artesanato, arte e arquitetura soberbas, desenho urbano incom parável, música e poesia magníficas, e a entusiástica redescoberta do mundo antigo da Grécia e de R om a. Encerrava-se o que as g eraçõe s posteriores vieram a c h a m a r Id a d e M édia e chegou aquela inacreditável explosão de brilhante criatividade, 0 Renascimento. 26 R o b e rt A . D ahl Infelizmente, para o desenvolvim ento da democracia, entre tanto, depois de meados do século X IV , os governos republicanos de algumas das maiores cidades cada vez mais deram lugar aos eternos inimigos do governo popular: o declínio econômico, a cor rupção, a oligarquia, a guerra, a conquista e a tomada de poder por governantes autoritários, fossem príncipes, monarcas ou soldados. Isso não foi tudo. Vista 110 vasto panorama das tendências históricas, a cidade-estado foi condenada como base para o governo popular pelo surgimento de um rival com forças esmagadoramente superiores: o estado nacional, ou país. Vilas e cidades estavam destinadas a ser incorporadas a essa entidade m aior e mais poderosa, tornando-se. 11a melhor das hipóteses, unidades subordinadas do governo. Por gloriosa que tenha sido, a cidade-estado estava obsoleta. P alavras sobre palavras Você talvez tenha notado que m e referi a “governos populares” na Grécia, em Roma e na Itália. C om o vimos, para designar seus governos populares, os gregos inventaram o termo democracia. Os romanos tiraram do latim o nom e de seu governo, a república, e mais tarde os italianos deram este nom e para os governos popula res de suas cidades-estado. Você poderia muito bem lembrar que dem ocracia e república se referem a tipos fundamentalmente dife rentes de sistemas constitucionais. O u será que essas duas palavras refletem justamente as diferenças nas línguas de que vieram? A resposta correta foi toldada em 1787, num ensaio influente que James Madison escreveu p ara ganhar apoio à constituição norte-americana recentemente proposta. Um dos principais arqui tetos dessa constituição e estadista excepcionalmente conhecedor da ciência política de seu tempo, M adison fazia uma distinção en tre “uma democracia pura, que é um a sociedade consistindo num número pequeno de cidadãos, que se reúnem e administram o g o verno pessoalmente” , e uma “ república, que é um governo em que há um sistema de representação” .2 2 James Madison, The Federalist: A C om m en tarv ou lhe Coiistitiitions o f lhe United S ta tes.... Nova York, Modem Library [ 1937?]. n" 10. p. 59. So b re a dem ocracia 27 Essa distinção não tinha base alguma na história anterior: nem em Roma nem e m Veneza, por exemplo, havia u m “ sistem a de re presentação” . P ara falar a verdade, todas as p rim e ira s repúblicas cabiam m uito b e m na definição de Madison para democracia. Além do mais, essas duas palavras foram usadas c o m o sinônimos nos Estados Unidos durante o século XV11I. A distinção de Madison também não é encontrada numa obra do conhecido filósofo político francês M o ntesq uieu, a quem Madison admirava imensamente e muitas vezes elogiou. 0 próprio Madison, p ro vav elm en te, sabia que sua distinção não tinha nenhuma base.histórica firme: assim, devemos concluir que ele a criou para desacreditar críticos que dis cutiam o fato de a constituição proposta não ser suficientem ente “de mocrática” . Entretanto (a questão não está clara), talvez as palavras demo cracia e re p ú b lic a (apesar de Madison) não d e s ig n a s s e m diferen ças nos tipos d e governo popular. Elas apenas refletiam , ao preço da confusão posterior, uma diferença entre o g re g o e o latim, as línguas de que se originaram. A Europa do N o rte Quer se ch a m a ssem democracias ou repúblicas, os sistemas de governo pop ular na Grécia, em Roma e na Itália não possuíam inúmeras das características decisivas do m odern o governo repre sentativo. A G récia clássica e a Itália medieval e renascentista compunham-se de governos populares locais, m a s não possuíam um governo nacional eficaz. Por assim dizer, R o m a tinha apenas um governo local baseado na participação popular, mas nenhum parlamento nacional de representantes eleitos. Da perspectiva de hoje, evidentemente ausente de todos esses sistemas, esíavam pelo menos três instituições po lítica s básicas: um parlamento n a cio n a l composto por representantes eleitos e governos locais eleitos p e lo povo que, em última análise, es ta v a m subordi nados ao g o verno nacional. Um sistema com bin and o a democracia em níveis locais co m um parlamento eleito pelo p o v o no nível mais elevado ainda estav a para ser criado. R o b e rt A . D a h l Essa combinação de instituições políticas originou-se na In glaterra, na Escandinávia, nos Países Baixos, na Suíça e em qual qu er outro canto ao norte do M editerrâneo. Embora os padrões do desenvolvim ento político divergissem am plam ente entre essas regiões, uma versão bastante simplificada seria muito parecida com essa. Em várias localidades, homens li vre s e nobres começariam a p a rtic ip a r diretamente das assem bléias locais. A essas, foram acrescentadas assembléias regionais e nacionais, consistindo em representantes a serem eleitos. A ssem bléias locais Começo com os vikings, não apenas por sentimentalismo, mas porque sua experiência não é m uito conhecida, embora importan tíssima. Visitei algumas vezes a fazenda norueguesa a cerca de 130 quilômetros a nordeste de T rondheim , de onde emigrou meu avô paterno (e que, para meu encanto, ainda é conhecida como Dahl Vestre, ou Dahl do Oeste). Na cidadezinha próxima, Steinkjer, ain da se pode ver um anel de grandes pedras em forma de barco, onde, periodicamente, se reuniam os vikings livres entre mais ou m enos o ano 600 d.C. a 1000 d.C., para um a assembléia judicial chamada Ting, em norueguês. Lugares com o esse, alguns ainda mais antigos, podem ser encontrados por toda a vizinhança. Por volta do ano 900 d.C., as assem bléias de vikings livres não se encontravam apenas na região d e T rondheim , mas também em muitas áreas da Escandinávia. Corno acontecia em Steinkjer, a Tin g caracteristicamente se reunia num cam po aberto, marcado por grandes pedras verticais. Na reunião da Ting, os homens livres re solviam disputas; discutiam, aceitavam ou rejeitavam leis; adota vam ou derrubavam uma proposta de m udança de religião (por exem plo, aceitaram a religião cristã em troca da antiga religião nórdiea); e até elegiam ou davam aprovação a um rei - que em ge ral devia jurar fidelidade às leis aprovadas pela Ting. Os vikings pouco ou nada sabiam e menos ainda se importa vam com as práticas políticas dem ocráticas e republicanas de mil anos antes na Grécia e em Roma. D entro da lógica da igualdade que aplicavam aos homens livres, eles parecem ter criado suas pró Sobre a dem ocracia 29 prias assembléias. Entre os vikings livres existia a idéia da igual dade, como d em o n stra a resposta dada por alguns vikings dinam ar queses quando um mensageiro lhes perguntou da m argem do rio que subiam na França: “ Qual é nome de vosso sen h o r?” - Nenhum. S o m o s todos iguais.'1 Em todo caso, temos de resistir à tentação de exagerar. A igual dade de que se g abavam os vikings aplicava-se apenas aos homens livres, e m esm o estes variavam em riqueza e status. A baixo dos homens livres estavam os escravos. Como os gregos e os romanos ou, séculos depois, os europeus e os americanos, os vikings possuíam escravos: inim igos capturados em batalhas, vítimas desafortunadas de incursões pelos povos das vizinhanças ou sim plesm ente pessoas compradas no v e lh o comércio de escravos que havia p or toda parte. Ao contrário dos homens nascidos livres, quando libertados, os escravos co ntin uav am na dependência de seus antigos proprietá rios. Se os escravos constituíam uma classe abaixo dos homens livres, acima destes havia uma aristocracia de famílias com rique za, geralmente em terras, e status hereditário. No ápice dessa pirâ mide social havia u m rei, cujo poder era limitado por sua eleição, pela obrigação de o bed e cer às leis e pela n ecessid ade de reter a lealdade dos nobres e o apoio dos homens livres. Apesar dessas graves limitações na igualdade, a classe dos homens livres (cam poneses livres, pequenos proprietários, agri cultores) era g ra nde o bastante para impor uma duradoura influên cia democrática nas instituições e nas tradições políticas. Em diversas outras partes da Europa, as condições locais às vezes também favoreciam o surgimento da participação popular no governo. Os vales das altas montanhas dos Alpes, por exemplo, proporcionavam um a medida de proteção e autonomia para os ho mens livres em penhados em atividades pastoris. Um escritor moderno descreve a Récia (m ais tarde, o cantão suíço de Graubünden), por volta do ano 800 d.C.: C a m p o n e s e s livr e s ... encontravam-se n u m a s in g u la r s i tu a ç ã o igualitária. L i g a d o s pelo sta tu s em c o m u m . . . e p e l o s d ir e ito s c o m u n s d e u s o d o s paslos das m ontanhas, e l e s d e s e n v o l v e r a m 3 Joliannes Brtfndsted, The Vikings, Nova York, Penguin. 1960. p. 241. 30 R o b e rt A . D ahl um sentido de ig u a ld a d e t o t a l m e n t e e m d esa cordo c o m o i m p u l so hierárquico e v o l t a d o para o s ta tu s do feudalism o m e d i e v a l . Este espírito m ais tarde d o m i n a r i a o posterior su rgim e n to da d em ocracia na r ep ú b lica r e c ia n a . 4 D as assembléias aos parlam entos Quando se aventuraram a oeste, na direção da Islândia, os vikings transplantaram suas práticas políticas e recriaram em diversos locais um a Ting. Foram além: p renunciando o posterior aparecimento de parlamentos nacionais em todos os cantos, no ano 930 d.C., cria ram uma espécie de supra Ting, a A lth in g , assembléia nacional que permaneceu a fonte da legislação islandesa por trezentos anos, até a Islândia ser finalmente subjugada pelos noruegueses.5 Enquanto isso, na Noruega, na Dinamarca e na Suécia, foram criadas assembléias regionais qu e, depois, como aconteceu 11a Islândia, se transformaram era assembléias nacionais. Embora o subseqüente aumento do poder do rei e das burocracias centraliza das sob seu controle reduzisse a importância dessas assembléias nacionais, elas deixaram sua m arca no que veio a acontecer mais tarde. Na Suécia, por exemplo, a tradição da participação popular nas assembléias do período viking levou, 110 século XV, a um precur sor do parlamento representativo moderno, quando o rei começou a convocar reuniões de representantes de diferentes setores da socie dade sueca: nobreza, clero, b urguesia e povo. Posteriormente, essas reuniões evoluíram, transform ando-se 110 riksdag, 011 parlamento/' No ambiente radicalmente diferente da Holanda e de Flandres. a expansão da indústria, do com ércio e do setor financeiro ajudou a criar classes médias urbanas, com postas de indivíduos que do m i navam recursos econômicos de b o m tamanho. Os governantes, que 4 Benjamin R. Barber, The Death o f C a m tm m a l Liberty: A H istory of F reedom iu a Sm:íss Mcnmtam Cantou, Princeton, Princeton University Press. 1974. p. I 15. 5 Gwyn Jones, A H istory o f lhe Vikings, 2. ed.. Oxford, Oxford Universily Press. 1985, p. 150, 152,282-284. h Franklin D. Scott, Sweden: The N a tio n 's H istory. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1977, p. 111-1-12. S o b re a dem ocracia 31 ansiavam eternam ente por rendimentos, não p o d iam ignorar* este rico filão nem taxá-lo sem o consentimento de seus proprietários. Para obter esse consentimento, convocavam reuniões de represen tantes vindos das cidadezinhas e das classes sociais m ais im por tantes. Essas assembléias, esses parlamentos ou esses “ estados”, como eram às vezes chamados, não resultaram diretam ente nas le gislaturas nacionais de hoje, mas estabeleceram tradições, práticas e idéias que favoreceram intensamente esse resultado. Enquanto isso, de origens obscuras, aos p o uco s surgiu um parlamento representativo, que nos séculos futuros viria a exercer, de longe, a m aior e mais importante influência sob re a idéia e a prática do governo representativo: o Parlamento da Inglaterra m e dieval. Menos um produto intencional e planejado do q u e uma evolução às cegas, o Parlamento emergiu das assem bléias convo cadas esporadicamente, sob a pressão de necessidades, durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307. A evolução do Parlamento a partir de suas o rigens é um a his tória muito dem orada e bastante complexa para ser aqui resumida. Não obstante, mais ou menos no século XVIII, essa evolução havia levado a um sistem a constitucional em que o rei e o Parlamento eram limitados um pela autoridade do outro; no Parlamento, o poder da aristocracia hereditária na Casa dos Lordes era c o n tra b a la n çado pelo p o d er do povo na Casa dos Com uns. A s leis p ro m u l gadas pelo rei e pelo Parlamento eram in terp retadas po r ju izes que, de modo geral (em bora não sempre), in d e p e n d ia m tanto do rei quanto do Parlam ento. No século XVII, esse aparentemente m aravilhoso sistem a de pesos e contrapesos entre as grandes forças sociais do país e a se paração dos poderes dentro do governo era am plam ente admirado na Europa. Ele foi louvado, entre outros, por M ontesquieu, o fam o so filósofo político francês, e admirado nos E stados Unidos pelos elaboradores da constituição, muitos dos quais esperav am criar na América do Norte uma república que teria as virtudes do sistema inglês, sem os vícios da monarquia. Em seu devido tem po, a república que eles ajudaram a formar proporcionaria uma espécie de modelo para muitas outras repúblicas. 32 R o b e rt A . D ahl Dem ocratização: a cam inho, ap en as a ca m in h o ... Olhando para trás com todas as vantagens de uma visão pano râmica do passado, facilmente conseguim os ver que 110 início do século XVIII já haviam surgido na Europa idéias e práticas políti cas que se tornariam importantes elementos nas convicções e nas instituições democráticas posteriores. Usando uma linguagem mais moderna e abstrata do que em pregariam as pessoas dessa época, deixem-me resumir o que seriam esses elementos. Favorecida por condições e oportunidades locais em muitas áreas da Europa (especialmente na Escandinávia, em Flandres, na Holanda, na Suíça e na Inglaterra), a lógica da igualdade estimulou a criação de assembléias locais, em que os homens livres pudes sem participar do governo, pelo m en os até certo ponto. A idéia de que os governos precisavam do consenso dos governados, que no início era uma reivindicação sobre o aumento dos impostos, aos poucos se tornou uma reivindicação a respeito das leis em geral. Numa área grande demais para assembléias diretas de homens li vres, como acontece numa cidade, num a região ou num país muito grande, o consenso exigia representação 110 corpo que aumentava os impostos e fazia as leis. M uito diferente do costume ateniense, a representação devia ser g a r a n t i d a pela eleição — em vez de sorteio ou alguma outra forma de seleção pelo acaso. Para garantir o consenso de cidadãos livres em um país. nação ou estadonação, seriam necessários legislativos ou parlamentos representati vos eleitos em diversos níveis: local, nacional e talvez até provin ciano, regional ou ainda outros níveis intermediários. Essas idéias e essas práticas políticas européias proporcionaram uma base para 0 surgimento da democracia. Enlre os proponentes de uma democratização maior, as descrições de governos populares na Grécia clássica, em Roma e nas cidades italianas às vezes e m prestavam maior plausibilidade à sua defesa. Essas experiências históricas demonstraram que os governos sujeitos à vontade do povo eram mais do que esperanças ilusórias. Elas realmente acon teceram e duraram muitos séculos; valia a pena tirar proveito delas. S o b re a dem ocracia 33 O que fa lto u rea liza r Se as idéias, as tradições, a história e os co stu m e s q u e acabo de descrever con tinh am uma promessa de d e m o c ra tiz a ç ã o ... na melhor das hipóteses, seria apenas uma promessa. A i n d a faltavam peças decisivas. Em prim eiro lugar, mesmo nos países com os m ais auspiciosos inícios, im ensas desigualdades impunham enormes ob stácu lo s à democracia: d ife re n ç a s entre direitos, deveres, i n f l u ê n c ia e a força de escravos e homens livres, ricos e pobres, prop rietários e não-proprietários de terras, senhores e servos, h o m e n s e mulheres, trabalhadores independentes e aprendizes, artesãos e m p re g a d o s e donos de o ficin a s, burgueses e banqueiros, s e n h o r e s fe u d a is e rendeiros, n o b re s e gente do povo, monarcas e s e u s s ú d i t o s , fun cionários do rei e seus subordinados. Mesmo os h o m e n s livres eram muito desiguais em status, fortuna, trabalho, o b rig aç õ es, co nhecimento, liberdade, influência e poder. Em m u ito s lugares, a mulher de um h o m e m livre era considerada p ro p rie d ad e sua por lei, pelo costum e e na prática. Assim, como sempre ac o n te cia em todos os cantos, a lógica da igualdade mergulhava d e cabeça na desigualdade irracional. Em segundo lugar, mesmo onde existiam, as a s s e m b lé ia s e os parlamentos estavam muito longe de corresponder a m ín im o s pa drões democráticos. Muitas vezes os parlamentos n ão e ra m páreo para um m onarca; deveriam passar muitos séculos an te s que o controle sobre os ministros do rei mudasse de um m o n a r c a para um parlamento ou que um presidente tomasse o lugar de u m rei. Os parlamentos em si eram bastiões de privilégio, es p e c ia lm e n te em câmaras reservadas para a aristocracia e o alto clero. N a m e lh o r das hipóteses, os representantes eleitos pelo “povo” tinh am a p e n a s uma influência parcial na legislação. Em terceiro lugar os representantes do “p ovo ” , 11a verdade, não representavam todo o povo. Afinal de contas, os h o m e n s livres eram homens. C o m a exceção da mulher que o c a s io n a lm e n te ocu passe 0 posto de m onarca, metade da população ad ulta estav a ex cluída da vida política. Muitos - ou melhor, a m a io ria - dos 34 R o b e r t A. D a h l homens adultos também estavam excluídos. Somente em 1832 o direito de voto foi estendido a apenas 5% da população acim a dos vinte anos de idade. Naquele ano foi preciso uma tempestuosa luta para expandir o sufrágio a pouco mais de 7% (Fig. 2)! Na N oruega, apesar do promissor aparecimento da participação popular nas T in g s dos tempos dos vikings, a porcen tag em era um pouco melhor.7 2. Eleitorado da G rã -B reta n h a, 1831-193] (dados da E n ciclopédia Britânica [1970], verbete “ Parlamento”) FIG URA <u T3 97 100 C3 "P D 90 TD </) O C cd <u s *> <z> O T3 80 74 70 60 50 40 2 8 .5 30 1886 1914 30 O C3 20 Cl, O Cu C3 sS 10 0 4.4 1831 16.4 18 1868 1883 7.1 1832 1864 1921 1931 Em quarto lugar, até depois do século VIII, as idéias e as c o n vicções democráticas não eram am plam ente compartilhadas n em muito bem compreendidas. Em todos os países, a lógica da ig u a l dade foi eficaz apenas entre poucos - poucos bastante privilegiados. Mesmo a compreensão do que exigiria uma república dem ocrática como instituição política absolutam ente não existia. A liberdade de 7 D o lf Sternberger e Bernhard V o g e l , eds., D ie Wahl D er P arliam eitte. v . I. E uropa Berlim, Walter de Gruyter, 1 9 6 9 , parte L Tabela A l , p. 632, parle 2, p. 895, Tabela A2, p. 913. Sobre a dem ocracia 35 expressão era seriam ente restrita, especialmente se exercida para criticar o rei. N ão havia legitimidade ou legalidade na oposição política. A “ Leal Oposição a Sua Majestade” era um a idéia cujo momento aind a não havia chegado. Os partidos políticos foram amplamente co n denad os por ser considerados perigosos e indese jáveis. As e leiç õ es eram notoriamente corrompidas p or agentes da Coroa. O avanço das idéias e dos costumes dem ocráticos dependia da existência de determ inadas condições favoráveis ainda inexisten tes. Enquanto so m en te uns poucos acreditassem na democracia e estivessem p ron to s para lutar por ela, o privilégio existente se manteria c o m a ajuda de governos não-democráticos. M esmo no momento em q u e muitos passaram a acreditar nas idéias e nas me tas democráticas, outras condições ainda seriam necessárias para uma d em ocratização maior. Mais adiante, na Parte IV, descreverei algumas das m ais importantes dessas condições. Entretanto, tem o s de lembrar que, depois do prom issor início esboçado n e s te capítulo, a democratização não seguiu a trilha ascendente até o presente. Havia altos e baixos, m ovim entos de resistência, reb eliõ es, guerras civis, revoluções. Por m uitos séculos, a ascensão das m onarquias centralizadas inverteu alguns dos anti gos avanços — ainda que essas mesmas monarquias talvez tenham ajudado a criar algu m as das condições favoráveis à democratização a longo prazo. E xam inando-se a ascensão e a queda da dem ocracia, está claro que não p o d e m o s contar com as forças históricas para assegurar que a dem ocracia avançará para sempre - ou sobreviverá, como nos fazem le m b ra r os longos períodos em que desapareceram da face da Terra os governos populares. A parentem ente, a democracia é um tantinho incerta. Em todo caso, suas ch a n ces também dependem do que fazemos. Ainda que não possamos c o n tar com forças históricas benevolentes para favo recer a d e m o c r a c ia , não somos simples vítimas de forças cegas sobre as quais n ão temos nenhum controle. Com um a boa com pre ensão do que a dem ocracia exige e a vontade para satisfazer essas exigências, p o d e m o s agir para preservar e levar adiante as idéias e os costumes dem ocráticos. Capítulo 3 O que há pela frente? Quando se discute a democracia, talvez nada proporcione con fusão m aio r do que o simples fato de “dem ocracia” referir-se ao m esm o tem po a um ideal e a uma realidade. Muitas vezes essa dis tinção não é muito clara. Por exemplo, A lan diz: - Penso que a democracia é a melhor forma possível de governo. Beth retruca: - V ocê deve estar doido, para acreditar que o chamado governo dem ocrático deste país seja o m elhor que poderíamos ter! A meu ver, não chega a ser uma grande d em o c ra c ia ... Naturalmente, Alan fala de u m a democracia ideal, e Beth se refere a um governo de verdade, do tipo chamado dem ocracia. Até conseguirem esclarecer o significado que cada um dos dois tem em mente, A la n e Beth muito discutirão. De minha vasta experiência, sei como isso pode acontecer facilmente - até m esm o (sinto ter de acrescentar) entre acadêmicos profundam ente conhecedores das idéias e das práticas democráticas. Em geral, podemos evitar esse tipo de confusão esclarecendo o significado que tencionamos dar à expressão - Alan continua: - A h, mas eu não falava do governo real... Quanto a isso, es taria inclinado a concordar com v o c ê . .. E Beth replica: - M uito bem, se você está falando de governos ideais, creio que está certíssimo. Acredito que, no plano ideal, a democracia é a m elhor forma de governo. E por isso que eu gostaria que o nosso governo fosse bem mais democrático do que realmente é. 38 R o b ert A. Dahl Os filósofos empenharam-se em intermináveis discussões a respeito das diferenças entre as nossas opiniões sobre metas, fins, valores e assim por diante, além de nossas opiniões sobre realida de, verdade e por aí afora... temos opiniões do primeiro tipo em resp osta a perguntas do tipo “O que eu deveria fazer? Qual é a coi sa certa a fazer?” Formamos opiniões do segundo tipo em resposta a p erguntas do tipo “O que posso fazer? Que opiniões estão abertas para m im ? Quais serão as prováveis conseqüências, se eu escolher fazer X e não Y ? ” As opiniões do primeiro tipo são os julgamentos de valor, ou julgam entos morais; as do segundo, são os julgam en tos empíricos. P a la vra s sobre palavras E m bo ra os filósofos se tenham em penhado em intermináveis discussões sobre a natureza dos julgam entos de valor, dos julga m entos empíricos e sobre as diferenças entre esses dois tipos de julgam entos, aqui não precisamos preocupar com essas questões filosóficas, pois na vida cotidiana estamos bastante habituados a distinguir entre o real e o ideal. Não obstante, devemos ter sempre em m ente que é bom haver uma distinção entre os julgamentos de valor e os julgam entos empíricos, desde que não forcemos demais. Q u an do afirmamos que “um governo deveria dedicar semelhante consideração ao bem e aos interesses de todas as pessoas ligadas por suas decisões” ou que “ a felicidade é o b em m aior”, estamos o mais próxim o possível de julgamentos “puros” de valor. Um exem plo no extremo oposto é a proposição estritamente empírica da fam osa lei da gravitação universal de N ew ton. que afirma que a força entre dois corpos é diretamente proporcional ao produto de suas m assas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. N a prática, muitas afirmações contêm ou implicam ele m entos dos dois tipos de julgamentos, o que <r6ontece quase sem pre em relação às opiniões sobre a política pública. Por exemplo, alguém que diz que “o governo deveria estabelecer um programa de seguro de saúde universal” , na verdade, estará afirmando que: So b re a d e m o c ra c ia 39 (1) a saúde é um bom objetivo; (2) o governo deveria esíorçar-se para atingir este objetivo: e (3) o seguro de saúde universal é a m elhor maneira de atingir esse objetivo. Além do mais, fazem os um a enorme série de julgam entos empíricos, como o (3), que r e presentam nossa melhor opinião diante de grandes incertezas. N u m sentido estrito, não são conclusões “ científicas” . Muitas vezes b a seiam-se num misto de evidências concretas, evidências subjetivas, evidência nenhuma e incerteza. Julgamentos desse tipo às vezes são chamados “práticos” ou “ em p írico s”. Por fim, um tipo im p o r tante de julgamento prático é p esa r os ganhos de um determinado valor, indivíduo ou grupo de indivíduos em relação aos custos de outro valor, indivíduo ou grupo. Para descrever situações dessa espécie, às vezes tomarei de e m p ré s tim o uma expressão f r e qüentemente adotada pelos econom istas, para dizer que temos de escolher entre as diversas “ n eg ociaçõ es” possíveis entre os nossos objetivos. Conforme av a n çarm o s, irem os deparando com to d a s essas variantes de julgamentos d e valor e julgamentos empíricos. O bjetivos democráticos e realid ad es Embora valha a pena distinguir entre ideais e realidades, t a m bém precisamos entender c o m o as realidades e as metas ou os ideais democráticos estão lig a d o s entre si. Nos capítulos m ais adiante, explicarei mais co m pletam ente essas conexões. Enquanto isso, permitam-me usar um gráfico como guia para o que terem os à frente. Cada uma das quatro questõ es sobre Ideal e Realidade é f u n damental: O que é democracia? O que significa a democracia? Em outros palavras, que critérios d evería m o s utilizar para determinar se — e até que ponto - um governo é dem ocrático? 40 R o b e rt A . D a h l FIG U R A 3. Os elementos mais im portantes Id e a l R Governos democráticos reais M e t a s e ideais O que é d em o cra cia e a l id a d e Por que dem ocracia ? Q u e instituições Q ue c o n d i ç õ e s políticas a favorecem a dem o cra cia democracia? exige? C a p ít u lo 4 Capítulos 5 - 7 Parte III Parte IV Creio que um sistema como esse teria de satisfazer cinco crité rios e que um sistema que satisfaça a esses critérios seria plena mente democrático. No Capítulo 4, descrevo quatro desses critérios e nos Capítulos 6 e 7 mostro por que precisamos de um quinto cri tério. No entanto, lembre-se de q u e esses critérios descrevem um sistema democrático ideal ou perfeito. Imagino que nenhum de nós acredita que realmente possam os chegar a um sistema perfeita mente democrático, dados os inúm eros limites que o mundo real nos impõe. Contudo, esses critérios nos dão padrões em relação aos quais podemos comparar as realizações e as imperfeições restantes dos sistemas políticos existentes e suas instituições, e assim podem nos orientar para as soluções que nos aproximariam do ideal. P or que a democracia? Que razões po d em o s dar para acreditar que a dem ocracia é o m elhor sistem a político? Que valores são m ais bem atendidos pela dem ocracia? Ao responder a essas perguntas, é essencial que nos lembre mos de que não estamos apenas perguntando por que as pessoas hoje apóiam a democracia, por q ue a apoiaram no passado ou como surgiram os sistemas democráticos. Pode-se preferir a democracia por inúmeras razões. Por exem plo, algumas pessoas preferem a democracia sem pensar muito por quê; em seu tempo e lugar, fal sos louvores à democracia pod em ser o mais convencional ou o mais tradicional a fazer. Alguns preferirão a democracia por acre ditarem que um governo dem ocrático lhes dará maior oportunidade S o b re a dem ocracia 41 de enriquecer, por pensarem que a política d em ocrática poderá abrir uma prom issora carreira política ou porque a lg u é m que adm i ram lhes diz que a d em ocracia é melhor - e assim p o r d i a n t e ... Existirão razões p ara apoiar a democracia de im p ortân cia mais geral ou, quem sabe, m ais universal? Acredito qu e sim . Essas ra zões serão discutidas d o Capítulo 5 ao Capítulo 7. Dados os lim ites e as possibilidades do mundo r e a l que institui ções políticas são necessárias para corresponder d a m elhor m a neira possível aos p a d rõ e s ideais? Como v ere m o s n o próxim o capítulo, em t e m p o s e lugares variados, sistemas políticos dotados de instituições políticas signi ficativamente diferentes têm sido chamados de re p ú b lic a s ou d e mocracias. No capítulo anterior, descobrimos u m a razão pela qual diferem as instituições políticas: elas foram ad aptadas a enormes diferenças no tam anh o ou na escala das unidades políticas - popu lação, território, ou am bas. Algumas unidades políticas, com o uma aldeia inglesa, são m inúsculas em área e população; outras, como a China, o Brasil ou os Estados Unidos, são gigantescas em ambas. Uma pequena cidade poderá satisfazer razoavelmente bem aos cri térios democráticos s e m algumas das instituições q u e seriam ne cessárias em um g ra nde país, por exemplo. Entretanto, desde o século XVIII. a idéia de dem ocracia foi aplicada a países inteiros: os Estados Unidos, a França, a GrãBretanha, a Noruega, o Japão, a índia. Instituições políticas que pareceriam necessárias ou desejáveis para a dem o cracia na p eq u e na escala de um a cidadezinha ou de uma vila m ostrara m ser total mente impróprias para a escala muito maior de u m país moderno. As instituições políticas adequadas para uma cid ad e zin h a seriam também totalmente impróprias até mesmo para p a íses pequenos na escala global, com o a Dinamarca ou a Holanda. N o s séculos XIX e XX, surgiu um novo conjunto de instituições parcialm en te asse melhado às instituições políticas nas democracias e nas repúblicas antigas; mas, visto na íntegra, ele constitui um sis te m a político in teiramente novo. O Capítulo 2 apresentou um rápido esboço desse desenvolvi mento histórico.-Na Parte III, descrevo mais p len am e n te as insti 42 R o b e r t A. Dahl tuições políticas das verdadeiras democracias e como elas variam em pontos importantes. Uma palavra de advertência: dizer que determinadas institui ções são necessárias não é dizer que elas sejam suficientes para atingir a democracia perfeita. Em todos os países democráticos há uma grande lacuna entre a democracia real e a democracia ideal. Esta lacuna oferece uma dificuldade: poderíamos encontrar m a n e i ras de tornar os países “dem ocráticos” mais democráticos? Se até mesmo os países “democráticos” não são totalmente democráticos, o que p o d erem o s dizer de países que não dispõem das grandes instituições políticas da democracia moderna - os paí ses não-democráticos? C o m o seria possível torná-los mais d e m o cráticos, se é que isto seria possível? Por que razão alguns países se tornaram mais dem ocráticos do que outros? Essas questões nos levarão a outras. Que condições em um país (ou qualquer outra unidade política) favorecem o desenvolvimento e a estabilidade das instituições democráticas? Inversamente, poderíamos perguntar: quais condições têm probabilidade de evitar ou impedir seu su rg i mento e sua estabilidade? No mundo de hoje, essas questões têm extraordinária im portân cia. Felizmente, neste final do século XX, temos respostas m uito melhores do que se pod eria obter há poucas gerações e muito m e lhores do que em qualquer outro momento da história. Na Parte IV. indicarei as respostas que tem os para essas questões decisivas 110 momento em que se encerra o século XX. As respostas que tem os não deixam de ser um tanto incertas. Não obstante, elas p rop orcion am um ponto de partida mais firme do que nunca para procu rarm os as soluções. Dos julgamentos de v a lo r aos gamentos em píricos Antes de abandonar o gráfico, desejo chamar atenção para uma importante m udança quando passamos da esquerda para a d i reita. Ao responder à p ergunta O que é dem ocracia?, fazem os j u l gamentos exclusivamente baseados em nossos valores ou 110 que acreditamos ser um objetivo bom, correto ou desejável. Q uando passamos para a p erg unta P or que democracia?, nossos ju lg a Sobre a dem ocracia 43 mentos continuam dependendo muito de valores ideais, mas tam bém de nossas convicções relacionadas a con e x õ es causais, a limi tes e a possibilidades no mundo real à nossa volta - ou seja, em julgam entos empíricos. Começamos a confiar b e m mais nas inter pretações das evidências, dos fatos e dos fatos implícitos. Quando tentam os decidir que instituições políticas a d em ocracia realmente exige, confiam os ainda mais nas evidências e n o s julgam entos em píricos. N o entanto, aqui também o que tem im po rtân cia para nós em parte depende de nossas opiniões anteriores so b re o significado e o valor da democracia. A razão pela qual talvez nos preocupemos com a fo rm a das instituições políticas no m und o real é que os valo res da dem ocracia e seus critérios são im portantes para nós. Q u a n d o chegamos ao lado direito do gráfico e procuramos d e te rm in a r as condições que favorecem o d e s e n v o lv im en to e a estabilidade das instituições democráticas, n o ssas opiniões são diretam ente empíricas, dependem inteiramente da maneira como interpretam os as evidências de que dispom os. Por exemplo: as c o n v ic ç õ e s dem ocráticas contribuem ou n ão c o n trib u e m de ma neira significativa para a sobrevivência das instituições políticas dem ocráticas? A ssim , nossa trilha nos levará da exploração de ideais, metas e valores, na Parte II, para as descrições m uito m ais empíricas das instituições políticas, na Parte III. Com isso, estarem os em posição para, na Parte IV, passarmos a uma descrição d as condições favo ráveis ou desfavoráveis para as instituições políticas democráticas, em q u e nossas opiniões serão de natureza q u ase exclusivamente em p írica . Por fim, no último capítulo, d e s c re v e re i algumas das dificuldades que as democracias terão de enfrentar nos próximos anos. Farte II A dem ocracia ideal Capítulo 4 O que é democracia? T od os nós temos objetivos que não conseguim os atingir sozi nhos. N o en ta n to , cooperando com o u tras p e s s o a s que visam a objetivos sem elhantes, podemos atingir alguns deles. S u p o n h am o s então que, para atingir certas m etas em comum, você e m u ita s centenas de outras pessoas concordam em formar uma associação. Podemos deixar de lado os objetivos específicos dessa associação para nos concentrarmos na pergunta que serve de título para este capítulo: O que é dem ocracia? Na p rim eira reunião, continuaremos supo ndo , diversos mem bros dizem q u e a associação precisará de u m a constituição. A opi nião deles é b e m recebida. Já que você é considerada pessoa dotada de certa habilidade em questões desse tipo, u m m em bro propõe que seja con vid ado para fazer a minuta de u m a constituição, que depois levaria a u m a próxim a reunião para ser discutida pelos membros. A proposta é adotada por aclamação. Ao aceitar a incumbência, você diz algo mais ou menos assim: C reio q u e compreendo os objetivos que tem os em comum, mas não sei m uito bem como deveríamos tom ar nossas decisões. Por exem plo: queremos uma constituição que entregue a muitos dos m ais c a p a z e s e mais instruídos en tre nós a autoridade para tomar todas as nossas decisões mais im portantes? Esse arranjo ga rantiria d ecisões mais sábias, além de p o up ar m uito tempo e esfor ço para o s outros. Os m em b ro s rejeitam em massa um a solução desse tipo. Um deles, a qu em chamarei de Principal Falante, argum enta o seguinte: 48 R o b e r t A. Dahl Nas questões m ais importantes de que esta assembléia trata rá, nenhum de nós é tão m ais sábio do que os outros, p a ra que automaticamente prev aleçam as idéias de um ou de outro. A inda que alguns membros s aibam mais sobre uma questão em d e te r m i nado momento, som os todos capazes de aprender o que precisam os saber. Naturalmente, terem os de discutir as questões e d elib erar entre nós antes de ch eg ar a qualquer decisão. Deliberar, d iscutir e depois tomar as decisões políticas é uma das razões pelas quais estamos formando essa associação. Mas todos estamos igualm ente qualificados para participar da discussão das questões e discutir as políticas que a nossa associação deve seguir. Conseqüentem ente, a nossa constituição d ev e basear-se nesse pressuposto, ela terá de assegurar a todos nós o direito de participar das tom adas de d e c i são da associação. P a ra s e r bem claro: porque estam os todos igualmente qualificados, devem os nos governar dem ocraticam ente. O prosseguimento da discussão revela que as idéias a p resen ta das pelo Principal F alante estão de acordo com a visão prevalecente. Todos concordam em fazer o esboço de uma constituição, segundo esses pressupostos. Entretanto, ao com eçar a tarefa, descobre-se que diversas asso ciações e organizações que se chamam “democráticas” adotaram muitas constituições d iferentes. Descobre-se que, m e s m o entre países “democráticos” , as constituições diferem em pontos im p o r tantes. Por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos p re v ê um poderoso chefe executivo na presidência e, ao mesmo tem po , um poderoso legislativo no Congresso; cada um é bastante in d e p e n dente do outro. Em co m pensação, a maioria dos países europeus preferiu um sistema parlam entar, em que o chefe do Executivo, o primeiro-ministro, é escolhido pelo Parlamento. Pode-se facilm ente apontar muitas outras diferenças importantes. A parentem ente, não existe uma só constituição democrática (voltarei a essa q u estão no Capítulo 10). Começamos e n tã o a nos perguntar se essas d ife re n te s c o n s tituições têm algo em com u m que justifique intitularem-se “ d em ocrá ticas”. Talvez algum as sejam mais “democráticas” do que outras? O que significa dem o cra cia '1 Logo os leitores aprenderão que a palavra é usada de m aneiras pasmosamente diferentes. S abiam ente, você decidirá ignorar essa infinita variedade de definições, pois a Sobre a dem ocracia 49 tarefa que tem pela frente é mais específica: criar um conjunto de regras e princípios, uma constituição, que d eterm inará como serão tomadas as decisões da associação. Além disso, a sua associação deverá estar de acordo com um princípio elem entar: todos os membros deverão ser tratados (sob a constituição) com o se estives sem igualmente qualificados para participar do p rocesso de tomar decisões sobre as políticas que a associação seguirá. Sejam quais forem as outras questões, no governo desta associação todos os membros serão considerados politicam ente iguais. Os critérios de um processo democrático No espesso matagal das idéias sobre a dem ocracia, às vezes impenetrável, é possível identificar alguns critérios a que um pro cesso para o governo de uma associação teria de corresponder, para satisfazer a exigência de que todos os m em bros estejam igualmente capacitados a participar nas decisões da associação sobre sua política? Acredito que existam pelo menos cinco desses critérios (Fig. 4). • • • • P articipação efetiva. Antes de ser adotada u m a política pela associação, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer os outros membros conhecerem suas opi niões sobre qual deveria ser esta política. Igualdade de voto. Quando chegar o m om ento em que a deci são sobre a política for tomada, todos os m em bro s devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos os votos devem ser contados como iguais. E n tendim ento esclarecido. Dentro de limites razoáveis de tem po, cada membro deve ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas im portantes e suas pro váveis conseqüências. C ontrole do programa de planejamento. Os membros devem ter a oportunidade exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser colocadas no planejamento. Assim, o processo democrático exigido pelos três critérios anteriores jamais é encerrado. As políticas da associação estão sempre abertas para a mudança pelos membros, se assim estes escolherem. 50 • R o b e rt A. Dahl Inclusão dos adultos. T o d o s ou, de qualquer maneira, a m aio ria dos adultos residentes permanentes deveriam ter o pleno direito de cidadãos implícito no primeiro de nossos critérios. Antes do século XX, este critério era inaceitável para a maioria dos defensores da dem ocracia. Justificá-lo exigiria que exam i nássemos por que devem os tratar os outros como nossos iguais políticos. Depois de explorarmos essa questão nos Capítulos 6 e 7, voltarei ao critério de inclusão. F lG UR A 4 . O que é dem ocracia? A democracia proporciona oportunidades para: 1. Participação efetiva 2. Igualdade de voto 3. Aquisição de entendim ento esclarecido 4. Exercer o controle definitivo do planejamento 5. Inclusão dos adultos Enquanto isso, você poderia começar a se perguntar se os quatro primeiros critérios são apenas seleções muitíssimo arbitrárias de várias possibilidades. T erem os boas razões para adotar esses pa drões especiais para um processo democrático? Por que esses critérios? A resposta mais curta é simplesmente esta: cada um deles é necessário, se os m em bros (por mais limitado que seja seu número) forem politicamente iguais para determinar as políticas da associa ção. Em outras palavras, quando qualquer das exigências é violada, os membros não serão politicamente iguais. Por exemplo, se alguns membros recebem maiores oportuni dades do que outros para expressar seus pontos de vista, é provável que suas políticas prevaleçam . No caso extremo, restringindo as oportunidades de discutir as propostas constantes no programa, uma pequena minoria poderá realmente determinar as políticas da Sobre a dem ocracia 51 associação. O critério da participação efetiva visa evitar que isso aconteça. S up onh am o s que os votos de diferentes m e m b ro s sejam con tados d esig u a lm e n te . Por exemplo, imagine q ue a o s votos seja atribuído u m peso proporcional à quantidade de propriedades dos membros e estes possuam quantidades im ensam en te diferentes de propriedades. Se acreditamos que todos os m e m b ro s estão igual mente b em qualificados para participar das decisões d a associação, por que os votos de alguns deveriam ser contados m ais do que os votos de outros? Em bora os dois primeiros critérios pareçam q u a s e evidentes, o critério do entendimento esclarecido poderia ser questionado: será necessário ou adequado? Se os membros não f o r e m igualmente qualificados, por que então criar uma constituição b a s e a d a no pres suposto d e que são iguais? C ontudo, com o disse o Principal Falante, o p rin cíp io da igual dade política pressupõe que os membros estejam to d o s igualmente qualificados para participar das decisões, desde q u e tenham iguais oportunidades de aprender sobre as questões da associação pela investigação, pela discussão e pela deliberação. O terceiro critério visa assegurar essas oportunidades para cada um d o s membros. Sua essência foi apresentada no ano 431 a.C. pelo a ten ie n se Péricles, numa famosa oração comemorativa dos mortos da g uerra da cidade: N o s s o s c id a d ã o s c om uns, embora o c u p a d o s c o m a s atividades da indústria, ainda são bons juizes das q u e s t õ e s p ú b l i c a s . .. e. e m v e z de ver a discussã o c o m o um i m p e d i m e n t o da ação. pen s a m o s ser um preliminar indispensável para q u a l q u e r ação judic io sa .1 R eunidos, os três primeiros critérios parece riam suficientes. Imagine que alguns membros se oponham secretam en te à idéia de que todos devam ser tratados como iguais políticos no governo dos negócios da associação. Os interesses dos m a io re s proprietários, dizem eles, são bem mais importantes do que o s interesses dos 1 Tucídides. C om plete lli-itiiigs: The Peloponuesian IFar, tradução Crawley (para o in g lê s ) não-resumida, com introdução de John H. F i n l e y Jr.. Nova York, Random House. 1951, p. 105. 52 R o b e rt A. Dahl outros. Argumentam que, em bora fosse melhor se os v o to s dos m aiores proprietários re ceb e sse m maior peso, eles s e m p r e v e n ceriam, o que parece estar fora de questão. Conseqüentem ente, s e ria necessário haver u m dispositivo que lhes permitisse prevalecer, não importa o que a m aioria dos associados adote em v o to livre e justo. Eles apresentam um a solução criativa: uma constituição que corresponderia satisfatoriamente aos três primeiros critérios e que, até este ponto, pareceria plenam ente democrática. No entanto, para anular esses critérios, propõem exigir que nas reuniões g erais os membros pudessem apenas discutir e votar sobre q uestões já in cluídas no programa por um a comissão executiva; a particip ação nesse comitê executivo estará aberta apenas para os m a io re s p ro prietários. Controlando o programa do governo, essa m inúscula “igrejinha” teria a certeza de que a associação jamais atuará contra seus interesses, porque jam ais permitirá qualquer p rop osta que se mostre contrária a seu s interesses. Depois de refletir, você rejeitará a proposta deles, p o r violar o princípio da igualdade política que deveria sustentar. E m v e z disso, você é levado a b u scar arranjos constitucionais que satisfaç am o quarto critério, garantindo assim que o controle final p erm a n eça em mãos do conjunto dos associados. Para que os m em bro s sejam iguais políticos 110 g o v e rn o dos negócios da associação, seria preciso corresponder a to d o s os q u a tro critérios. Parece então que descobrimos os critérios que devem ser correspondidos por u m a associação regida por prin cípios de mocráticos. Algumas questões d ecisivas Será que respondem os à pergunta “o que é d e m o c r a c ia ? ” ... Seria tão fácil responder a essa pergunta! A resposta q ue apresentei é um bom lugar para com eçarm os, mas ela sugere m u ita s outras perguntas. Para começar: m esm o que os critérios sejam bem ap lica d o s ao governo de uma associação voluntária muito pequena, seria m apli cáveis ao governo de um e sta d o . ..? Sobre a d em o cracia 53 Palavras so b re palavras C om o a palavra estado muitas vezes é utilizada de maneira li vre e am bígua, eu gostaria de dizer rapidam ente o que entendo so bre ela. A m e u ver, estado é um tipo m uito especial de associação que se disting ue pelo tanto que pode garantir a obediência às regras sobre as q uais reivindica jurisdição, por seu s m eios superiores de coerção. Q u a n d o as pessoas falam sobre “ go v ern o ” , normalmente se referem ao governo do estado sob cuja jurisdição vivem. Por toda a história, com raras exceções, os estados exerceram sua juris dição so bre pessoas que ocupam um determ in ad o território (às ve zes incerto ou contestado). Podemos então pensar no estado como entidade territorial. Embora em alguns m om ento s ou lugares o ter ritório de u m estado não seja maior do que u m a cidade, nos últimos séculos e m geral reclamaram jurisdição so b re países inteiros. P ode-se pensar que uso subterfúgios e m m inha rápida tentativa de transm itir o significado da palavra estado. Os textos de filósofos conhecedores da política e das leis pro vavelm ente exigiriam o con sumo de u m a pequena floresta, mas o que eu disse servirá para nossos o bjetivo s.2 V o lte m o s à nossa questão. Podemos aplicar os critérios ao go verno de um estado? É claro que sim! H á m uito tem po, o foco es sencial das idéias democráticas é o estado. Em bora outros tipos de associações, em especial algumas organizações religiosas, tenham mais tarde desempenhado um papel na história das idéias e das praticas democráticas, desde o início da dem o cracia na Grécia e na Roma antiga, as instituições políticas, que norm alm ente conside ramos características da democracia, fo ram criadas, em essência, como um m eio de democratizar o governo dos estados. T a lv e z valha a pena repetir: nenhum estado jam ais possuiu um governo que estivesse plenamente de acordo com os critérios de um processo democrático. E provável q ue isso não aconteça. No 2 Os leitores norte-americanos acostumados a aplicar a expressão estado para os estados que constituem o sistema federal dos E sta d o s U nid os poderão achar confuso este uso. A expressão é amplamente usada na legislação internacional, nas ciê nc ias políticas, 11a filosofia, e em outros países, incluindo diversos com sistemas de federação, constituídos de partes chamadas p ro v ín c ia s (como 0 Ca nadá), c a n tõ e s (a Suíça), Lande (a Alemanha), e assim por diante. 54 R o b e rt A. Dahl entanto, como espero demonstrar, esses critérios p ro porcion am configurações altam ente vantajosas para se avaliar as realizaç õ es e as potencialidades do governo democrático. Uma segunda questão: seria realista pensar que um a a s s o c ia ção poderia satisfaz er plen am e n te a esses critérios? E m o u tra s palavras, poderia alg u m a associação verdadeira ser p len am e n te democrática? No m u n d o real, será provável que todos os m e m b ro s de uma associação tenh am iguais oportunidades de p articipar, de adquirir informação para compreender as questões en v o lv id a s e assim influenciar o program a? Não, não é provável. Se fosse, seriam úteis esses crité rio s? Ou serão apenas esperanças utópicas pelo impossível? A re sp o sta mais simples é que são tão úteis quanto podem ser modelos id eais e mais importantes e úteis do que muitos. Eles nos proporcionam p ad rõ es para medirmos o dese m p e n h o de associações reais que a f ir m a m ser democráticas. P od em servir com o orientação para a m o ld a g e m e a remoldagem de instituições políticas, constituições, práticas e arranjos concretos. Para todos os que aspiram à democracia, eles tam bém podem gerar questões pertinentes e ajudar na busca de respostas. Assim como se con hece o bom cozinheiro provando a com ida, espero mostrar nos p ró xim o s capítulos como esses critérios podem nos orientar para as soluções de alguns dos principais p ro b le m a s da teoria e da prática dem ocrática. Uma terceira questão: considerando que nos sirvam de orien tação, bastariam esses critérios para o planejamento de instituições políticas democráticas? Se, com o imaginei anteriormente, houvesse recebido o encargo de planejar uma constituição d em o c rá tic a e propor instituições verdadeiras de um governo d em o crático , você conseguiria passar diretam ente dos critérios ao plano? E v id e n te mente, não. Um arquiteto munido apenas dos critérios d a d o s pelo cliente - localização, tamanho, estilo geral, número e tipo d e peças, custo, cronograma e assim por diante - só poderia d e s e n h a r o pro jeto depois de levar e m conta um a série enorme de fatores específi cos. O mesmo ac onte ce com as instituições políticas. Não é nada sim ples encontrarmos a melhor m aneira de inter pretar os nossos pad rões democráticos, aplicá-los a u m a associação específica e criar as práticas e as instituições políticas que eles exi giriam. Para isto, dev em o s mergulhar de cabeça nas realid ad es p o Sobre a d em o cracia 55 líticas, em que nossas opções exigirão incontáveis julgamentos teó ricos e opiniões práticas. Entre outras dificuldades, quando tenta mos aplicar muitos critérios (neste caso, pelo menos quatro), é provável que venhamos a descobrir que às vezes entram em conflito uns com os outros e teremos de ponderar os valores conflitantes, com o descobrirem os no exame das constituições democráticas no Capítulo 10. Por fim, uma questão ainda mais fundamental: aparentemente, as idéias do Principal Falante foram aceitas sem discussão. Por quê? Por que deveríamos acreditar que a dem ocracia é desejável, especialm ente no governo de uma associação importante como o estado? Se a característica desejável da dem ocracia pressupõe a desejável característica da igualdade política, por que deveríamos acreditar em algo que, diante disso, parece bastante absurdo? E se não acreditam os em igualdade política, com o poderemos apoiar a dem ocracia? Se acreditamos em igualdade política entre os cida dãos de um estado, isto não exigiria que adotássemos algo como o quinto critério —até mesmo a cidadania? A gora nos voltaremos para essas com plicadas questões. Capítulo 5 For que a dem ocracia? Por que deveríamos apoiar a dem ocracia? Por que deveríamos apoiar a democracia no governo do estado? Lembremos: o estado é u m a associação singular, cujo g overno possui uma extraordinária capacidade de obter obediência a suas regras pela força, pela coerção e pela violência, entre outros meios. N ã o haverá melhor maneira de governar um estado? Um sistema não-dem ocrático de governo não seria melhor? P alavras sobre palavras Em todo esse capítulo, usarei a palavra dem ocracia livremente para me referir a governos de verdade (não governos ideais) que até certo ponto, mas não completamente, correspondam aos critérios apresentados no último capítulo. A s vezes, usarei também governo p o p u la r como expressão abrangente, incluindo os sistemas dem o cráticos do século XX e ainda sistem as que são democráticos de m aneira diferente, nos quais b o a parte da população adulta está excluída do sufrágio e de outras form as de participação política. Até o século XX, a maior parte do mundo proclamava a su p e rioridade dos sistemas não-democráticos, na teoria e na prática. Até bem pouco tempo, uma preponderante maioria dos seres humanos às vezes, todos - estava sujeita a governantes não-democráticos. O s chefes dos regimes não-democráticos em geral tentaram justifi ca r seu domínio recorrendo à velha exigência persistente de que, e m geral, as pessoas simplesmente não têm competência para parti Robert A. D ahl 58 cipar do governo de um estado. Segundo esse argumento, a maioria estaria bem melhor se deixasse o com plicado problem a do governo nas m ãos dos mais sábios - no m áxim o, a m inoria, às vezes apenas um a p essoa... Na prática, esse tipo de racionalização nunca era suficiente, e, assim, onde a argum entação era deixada de lado, a coerção assum ia o controle. A m aioria jam ais consentia em ser gover nada pelos autonomeados superiores, era obrigada a aceitá-los. Esse tipo de visão (e prática) ainda não term inou. Mesmo nos dias de hoje. De uma forma ou de outra, a discussão sobre o governo “ de um, de poucos ou de m uitos” ainda existe entre nós. FIGURA 5. Por que a democracia? A dem ocracia apresenta conseqüências desejáveis: 1. Evita a tirania 2. Direitos essenciais 3. Liberdade geral 4. Autodeterm inação 5. Autonom ia moral 6. Desenvolvimento hum ano 7. Proteção dos interesses pessoais essenciais 8. Igualdade política Além disso, as dem ocracias m odernas apresentam: 9. A busca pela paz 10. A prosperidade Diante de tanta história, por que acreditaríamos que a democracia é a melhor maneira de governar um estado do que qualquer opção não-democrática? Contarei por quê. A democracia tem pelo menos dez vantagens (Fig. 5) em relação a qualquer alternativa viável. So bre a democracia 59 A democracia ajuda a evitar o governo de autocratas cruéis e corruptos 0 problem a fundam ental e mais persistente n a p o lítica talvez seja evitar o d om ínio autocrático. Em toda a h istó ria registrada, incluindo este nosso tem po, líderes movidos por m eg alo m an ia, p a ranóia, interesse pessoal, ideologia, nacionalism o, fé religiosa, convicções de superioridade inata, pura emoção ou sim ples im pulso exploraram as ex cepcionais capacidades de coerção e violência do estado para atender a seus próprios fins. Os custos h u m an o s do go verno despótico rivalizam com os custos da doença, da fom e e da guerra. Pense em alguns exem plos do século XX. S o b o governo de Joseph Stalin, na U nião Soviética (1929-1953), m ilh õ e s de pessoas foram encarceradas por m otivos políticos, m uitas v ezes devido ao medo paranóico que ele tinha de conspirações c o n tra si. Estim a-se que vinte m ilhões m orreram nos campos de trab a lh o , foram exe cutados por razões políticas ou morreram da fom e (19 3 2 -1 9 3 3 ) que aconteceu quando S talin obrigou os camponeses a se inscrever nas fazendas adm inistradas pelo estado. Embora o u tro s vinte m ilhões talvez tenham co n seg u id o sobreviver ao governo d e Stalin, todos sofreram cru elm en te.1 Pense também em A dolph H itler, o gover nante autocrata da A lem anha nazista (1933-1945). S em contar as dezenas de m ilhões de baixas militares e civis re su ltan tes da Se gunda Guerra M undial, Hitler foi diretamente resp o n sáv el pela morte de seis m ilhões de judeus nos campos de co n c en traç ão , além de milhares de opositores, poloneses, ciganos, h o m o ssex u ais e membros de o utros grupos que ele desejava ex term in ar. Sob o go verno despótico de Pot Pol, no Cambodja (19 7 5 -1 9 7 9 ), o K hm er Vermelho m atou um quarto da população cam bodjana: pode-se dizer que um ex em plo de genocídio auto-infligido. T ão grande era o temor de Pol Pol das classes instruídas, que ela s foram pratica mente elim inadas - u sar óculos ou não ter calos n as m ãos era quase uma sentença de m orte. 1 F.sses números são de Roberl Conquest. The Great Terror. Sla/iu's Pvrge o f lhe Thirlies. N ova York, MacMillan, 1968, p. 525 ss., e de uma compilação de 1989, do eminente historiador russo Roy Medvedev, Ne^v York Times , 4 de fe vereiro de 1989, p. 1. 60 Robert A. Dahl Sem dúvida, a história do governo p o p u lar tem suas próprias falhas, bastante graves. Como todos os outros governos, os popula res algum as vezes agiram injusta ou cruelm ente em relação aos povos fora de suas fronteiras, vivendo em outros estados - estran geiros, colonizados e assim por diante. Com estes, os governos po pulares não se comportaram pior em relação a forasteiros do que os governos não-dem ocráticos, que m uitas v ezes se comportaram m elhor. Em alguns casos, como na índia, o p o d er colonial inadver tida ou intencionalm ente, contribuiu para a criação de convicções e instituições dem ocráticas. Mesmo assim , não deveríam os tolerar as injustiças que os países democráticos m uitas vezes mostram para os de fora, pois assim eles contradizem um p rin cíp io moral funda m ental que (verem os no próximo capítulo) ajuda a justificar a igualdade política entre os cidadãos de um a dem ocracia. A única solução para essa contradição poderá ser um rigoroso código uni versal de direitos humanos com vigência no m undo inteiro. Por im portantes que sejam, este problema e sua so lu ção estão além dos lim ites d este livrinho. O dano infligido por governos populares a pessoas que vivem em sua ju risd ição e são forçadas a o b ed ecer suas leis, mas estão p riv ad as do direito de participar 110 governo, im põe uma dificulda de m a io r às id éias e às práticas d em o cráticas. E ssas pessoas são g o v ern ad as, m as não governam. A solução para o problem a é evi d en te, ain d a que nem sem pre fácil de le v a r a cabo: os direitos d em o crático s devem ser estendidos aos m em b ro s dos grupos ex c lu íd o s. E ssa solução foi am plam ente a d o ta d a no século XIX e início do século X X , quando os limites ao su frá g io foram abolidos e o su frá g io universal se tornou um aspecto norm al do governo d em o crático .2 E spere a í!... diria você, será que os g o v ern o s populares tam bém n ão prejudicam a minoria de cidadãos que possuem os direitos de v o to m as são derrotados pelas m aiorias? N ã o será isto o que ch am am o s de “tirania da maioria”? Um a importante exceção foram os Estados Unidos; nos estados do Sul, eram im p o stos limites de facto do sufrágio peios cidadãos negros até depois da assi natura d o s Atos dos Direitos Civis de 1964-1965. So bre a democracia 61 Eu gostaria muito que a resposta fosse simples. A li! — é bem mais complicada do que você poderia imaginar. Surgem c o m p lic a ções porque, virtualm ente, toda lei ou política pública, adotada p o r um ditador benevolente, por m aioria democrática ou m inoria oligárquica, tende a prejudicar de algum a forma algumas pessoas. Em palavras singelas, não se trata de um a questão de saber se um g o verno pode criar todas as suas leis de modo que nenhuma dela fira os interesses de qualquer cidadão. Nenhum governo, nem m esm o um governo dem ocrático, poderia sustentar uma afirmação d esse tipo. A questão é saber se a longo prazo há probabilidade de um processo democrático p rejudicar m enos os direitos e os interesses fundamentais de seus cidadãos do que qualquer alternativa nãodemocrática. No m ínim o, porque os governos democráticos p re v i nem os desmandos de autocracias no governo, e assim correspondem a essa exigência melhor do que os governos não-democráticos. Não obstante, apenas p orque as dem ocracias sejam bem m enos tirânicas do que os regim es não-dem ocráticos, os cidadãos d em o cráticos não podem se p e rm itir o luxo da com placência. N ão é razoável justificarm os a perpetração de um crime m enor porque outros cometem crimes m aiores. Q uando um país dem ocrático in flige uma injustiça, m esm o seg u in d o procedimentos dem ocráticos, o resultado continuará se n d o ... um a injustiça. O poder da m aioria não faz o direito da m aioria.3 Há outras razões para se acred itar que as democracias, p ro v a velm ente, sejam mais ju stas e respeitem mais os interesses hu m a nos básicos do que as não-dem ocracias. A democracia garante a seus cidadãos uma série de direitos fu n damentais que os sistemas não-democráticos não concedem e não podem conceder A democracia não é ap en as um processo de governar. C om o os direitos são elementos n ecessários nas instituições políticas de- 3 Para investigar mais profundamente o problema, ver James S. Fisfikin, Tynumy and Legitimacy: A Critique o f Potilicat Theories. Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1979. 62 Robert A. Dahl m ocrálicas, a democracia tam bém é inerentem ente um sistema de d ireitos. Os direitos estão entre os blocos essenciais da construção d e um processo de governo dem ocrático. P or um momento, im agine os padrões dem ocráticos descritos n o últim o capítulo. Não está óbvio que, para satisfazer a esses pa drões, um sistema político teria necessariam ente de garantir certos direitos a seus cidadãos? Tom e-se a participação efetiva: para cor responder a essa norma, seus cidadãos não teriam necessariamente de possuir um direito de participar e um direito de expressar suas idéias sobre questões políticas, de ouvir o que outros cidadãos têm a dizer, de discutir questões políticas com outros cidadãos? Veja o qu e req u er o critério de ig u ald ad e de voto: os cidadãos devem te r um direito de votar e de ter seu s v o to s contados com justiça. O m esm o acontece com as outras norm as dem ocráticas: é evidente que os cidadãos devem ter um direito de investigar as opções viá veis, um direito de participar na decisão de como e o que deve en trar no planejam ento - e assim p o r diante. P or definição, nenhum sistem a não-dem ocrático permite a seus cidadãos (ou súditos) esse am plo leque de direitos políticos. Se qualquer sistema político o fizer, por definição se tornaria uma dem ocracia! Não obstante, a diferença não é apenas um a questão de defini ções. Para satisfazer as exigências da dem ocracia, os direitos nela inerentes devem realmente ser cum pridos e, na prática, devem es tar à disposição dos cidadãos. Se não estiverem , se não forem com pulsórios, o sistema político não é dem ocrático, apesar do que digam seus governantes, e as “ aparências externas” de democracia serão apenas fachada para um governo não-dem ocrático. Por causa do apelo das idéias dem ocráticas, no século XX os déspotas disfarçaram seus governos com um espetáculo de “dem o cracia” e “eleições”. Im agine que, realisticam ente falando, num país desse tipo todos os direitos necessários à democracia, de al gum a forma, estão à disposição dos cidadãos. Depois o país fez a transição para a dem ocracia - com o aconteceu com muita freqüên cia na última metade do século XX. A essa altura, você faria um a objeção, alegando que a liberdade de expressão, digamos, não existe apenas por ser parte da própria definição de democracia. M as q u em se im porta com definições? So b re a democracia 63 Certamente, dirá você, a associação deve ser algo além de um a d e finição. É isso m esm o. Instituições que proporcionem e p ro teja m oportunidades e direitos dem ocráticos essenciais são n ec essária s à democracia: não sim plesm ente na qualidade de co n d ição lo g ica mente necessária, m as de condição empiricamente n ec essária para a democracia existir. Mesmo assim, você perguntaria, tudo isso não seria m apenas teorias, abstrações, b rincadeiras de teóricos, filósofos e o u tro s in telectuais? Certam ente, acrescentará você, seria b o b ag em p en sa r que o apoio de meia dúzia de filósofos seja o suficiente p a ra criar e sustentar uma dem ocracia. Naturalmente, você teria razão. N a Parte IV, exam inarem os algum as das condições que a u m en ta m as chances da m anutenção da dem ocracia. Entre elas, a ex istên c ia de convicções bastante dissem inadas entre cidadãos e líd eres, in c lu in do as convicções nas oportunidades e nos direitos n ec essário s para a democracia. A necessidade desses direitos e dessas oportunidades n ão é tão obscura que esteja além da com preensão dos cidadãos c o m u n s e de seus líderes políticos. Por exem plo, no século XVIII, estav a m uito claro para am ericanos b astante comuns que eles não p o d eria m ter uma república dem ocrática sem a liberdade de expressão. U m a das primeiras ações de T h o m as Jefferson depois de eleito p a ra a p re si dência. em 1800, foi dar um fim às infamantes leis dos E stra n g e i ros e do Tum ulto prom ulgadas sob o governo de seu an tec esso r, John Adams, que teria reprim ido a expressão política. C o m isso, Jefferson respondia não apenas a suas próprias co n v icç õ es, m as, aparentemente, a idéias am plam ente disseminadas entre o s cidadãos norte-am ericanos c o m u n s de seu tempo. Se e q u a n d o o s c id a dãos deixam de entender que a democracia exige certo s direitos fundamentais ou não apoiam as instituições políticas, ju ríd ic a s e administrativas que protegem esses direitos, sua d em o cracia corre algum risco. Felizmente, esse perigo é bastante reduzido por um terceiro benefício dos sistem as dem ocráticos. A Lei dos Estrangeiros (17 9 8 ) permitia ao presidente prender e expulsar qual quer estrangeiro que julgasse perigoso. Foi revogada em 1800. A Lei do Tumulto foi uma tentativa de reprimir editores de jornais que apoiavam o Partido Republicano, os quais, em sua maioria, eram imigrantes ou refugiados. (N. do E.) 64- Robert A. D ahl A democracia garante a seus cidadãos uma liberdade pessoal mais am pla do que qualquer alternativa viável a ela Além de todos os direitos, liberdades e oportunidades rigoro sam ente necessários para um g o v ern o ser democrático, os cidadãos num a democracia, com certeza, gozam de um a série de liberdades ainda mais extensa. A convicção de que a democracia é desejável não existe isolada de outras convicções. Para a maioria das pessoas, é parte de um feixe de convicções, com o a certeza de que a liberdade de expressão é desejável em si, por exem plo. No universo de v alo res ou bens, a democracia tem um lugar decisivo - mas não é o ú nico bem. Como os outros direitos essenciais para um processo dem ocrático, a livre expressão tem seu próprio valor, por contribuir p ara a autonomia moral, para o julgam ento moral e para uma vida boa. A democracia não poderia existir mais, a menos que seus cida dãos conseguissem criar e sustentar um a cultura política de apoio, na verdade unia cultura geral de apoio a esses ideais e a essas p rá ticas. A relação entre um sistem a dem ocrático de governo e a cu l tura dem ocrática que o apóia é com plexa; voltaremos a ela no C apítulo 12. Por enquanto, basta d izer que é quase certo uma cu ltu ra dem ocrática dar ênfase ao valor da liberdade pessoal e assim proporcionar apoio para outros direitos e outras liberdades. O que disse Péricles, o estadista grego, sobre a democracia ateniense em 43J a.C. aplica-se igualmente à dem ocracia moderna: “A liberdade que gozamos em nosso governo tam bém se estende à vida comum” .4 Para falar a verdade, a afirm ação de que um estado dem ocráti co proporciona uma liberdade m ais am pla do que qualquer viável alternativa teria problemas com a dos que acreditam que obtería m os maior liberdade se o estado fo sse inteiram ente abolido - a a u daciosa reivindicação dos anarquistas.5 Contudo, quando se tenta im aginar um mundo sem nenhum estado, em que todas as pessoas respeitam os direitos fundam entais de todas as outras e todas as questões que exigem decisões coletivas são resolvidas pacifica 4 Tucídides, The Peloponnesian JVar. N o v aY o rk , Modern Library, 195 J. p. 105. 5 A palavra anarquia vem do grego anarchos , que significa sem governo ( au , não + archns , governante). O anarquismo é uma teoria política que defende a idéia de que o Estado é desnecessário e indesejável. Sobre a democracia 65 mente por consenso unânim e, em geral se chega ã co n c lu sã o de que é impossível. A co erção de algumas pessoas por o u tras p e ss o as, grupos ou o rg a n iz açõ e s seria sempre muito p arecid a - por exemplo, a de p esso a s, grupos ou organizações que p reten d em roubar o fruto do trab a lh o dos outros, escravizar ou d o m in a r os mais fracos, im por su a s regras ou até recriar um estado co e rcitiv o para assegurar seu d o m ín io . No entanto, se a abolição d o estado causasse violência e desordem intolerável - “anarquia” no sen tid o popular é claro q u e u m bom estado seria superior ao m au estado que, provavelm ente, v iria nos calcanhares da anarquia. Se rejeitamos o anarquism o e pressupomos a n ec essid ad e de um estado, é claro q u e um estado com um governo d em o crático proporcionará um a am p litu d e maior de liberdade do q u e q u alq u er outra. A democracia ajuda as pessoas a proteger seus próprios interesses fundamentais Todos ou q uase todos querem determinadas coisas: so b re v i vência, alimento, a b rig o , saúde, amor, respeito, segurança, fam ília, amigos, trabalho satisfató rio , lazer - e outras. O que v o cê e sp e c ifi camente deseja p rovavelm ente difere do que outra p esso a quer. Você desejará ex e rce r algum controle sobre os fatores q u e d e te r minam se e até q u e po n to poderá satisfazer as suas c a rê n c ia s - al guma liberdade de esc o lh a , uma oportunidade de m o ld ar a su a vida conforme os seus p ró p rio s objetivos, preferências, g ostos, valores, compromissos, co n v icçõ es. A democracia protege essa lib erd a d e e essa oportunidade m e lh o r que qualquer sistema po lítico altern ativ o que já tenha sido cria d o . N inguém expôs essa discussão de m aneira mais convincente q u e John Stuart Mill. Um princípio “ de verdade e aplicabilidade tão universal quanto quaisquer p ro p o siçõ es que sejam apresentadas com relação aos negócios h u m an o s” - escreveu ele - . . . é que o s d i r e i t o s e o s interesses de Iodas as p e s s o a s c e r t a m e n t e serão l e v a d o s e m c o n t a quando a pessoa é c a p a z e e s t á n o r m a l m ente d i s p o s t a a defendê-los^ ... O s seres h u m a n o s s ó e s t ã o s e 66 Robert A. D ahl guros do mal em m ã o s d e o u t r o s na proporção em que tê m a força para se proteger e se p ro te g e m . V ocê pode proteger os seus direitos e interesses dos desmandos do governo e dos que influenciam ou controlam o governo, continuava ele, apenas se puder participar plenam ente na determinação da conduta do governo. Portanto, concluía, “ nada pode ser mais dese jáv el que a admissão de todos em um a parcela no poder soberano do estado” - ou seja: um governo dem ocrático.6 M ill estava certo. Para falar a verdade, ainda que você faça parle do eleitorado de um estado dem ocrático, não poderá ter a certeza de que todos os seus interesses serão bem protegidos - m as se estiver excluído, pode ter a ce rteza de que os seus interesses serão gravem ente feridos por d escuido ou por perdas com pletas. M elhor estar dentro do que fora! A dem ocracia ainda está relacionada com a liberdade de outra m aneira. Apenas um governo democrático pode proporcionar uma oportu nidade máxima para as pessoas exercitarem a liberdade da au todeterminação - ou seja: viverem sob leis de sua própria escolha Nenhum ser humano norm al p o d e gozar uma vida satisfatória a não ser em associação com outras pessoas. Contudo, isto tem um preço - nem sempre se pode fazer o que se gostaria de fazer. Assim qu e deixou a infância para trás, v o cê aprendeu um falo básico da vida: o que você gostaria de fazer m uitas vezes entra em conflito com o que os outros gostariam de fazer. Deve ter aprendido tam bém que o seu grupo ou grupos seg u e/m certas regras que, na q u a lidade de participante, você tam bém terá de obedecer. Se ninguém pode sim plesm ente impor as suas vontades pela força, será preciso encontrar um meio de resolver pacificam ente as diferenças, prefe rivelm ente pelo consenso. 6 John Stuart Mills, Con.iideratious on Representative Government [1861], Nova York, Liberal Arts Press, 1958, p. 43, 45. So b re a democracia 67 Surge então uma qu estão que se mostrou profundam ente d e s concertante, tanto na teo ria com o na prática. Como será p o ssív e l escolher as regras as quais o grupo obriga a obedecer? D ev id o à excepcional capacidade do estado de impor suas regras pela co erção , essa é uma questão especialm ente importante para a sua p o siç ã o como cidadão ou sú d ito de um estado. Como se pode ao m esm o tempo ter a liberdade para escolher as leis que o estado fará re s peitar e, ainda assim, dep o is de escolher essas leis, não se r liv re para desobedecê-las? Se você e seus con cid ad ão s sempre concordassem entre si, a solução seria fácil: to d o s sim plesm ente concordariam u n a n im e mente a respeito d a s leis. Em tais circunstâncias, ta lv e z n ã o houvesse nenhum a n ecessid ad e de leis, a não ser para serv ir de lembrete: obedecendo às leis, cada um estaria o b ed ecen d o a si mesmo. O problema realm ente desapareceria e a com pleta h arm o n ia entre todos tom aria re alid ad e o sonho do anarquismo! Q ue m a ra vilha! A experiência m o stra que a unanimidade legítim a, não im posta e duradoura é ra ra nas questões humanas; o consenso p e rfe ito e duradouro é um o b jetiv o inatingível. Assim, nossa co m p licad a questão perm anece... Se não é razoável esperar-se viver em perfeita harm onia c o m todos os seres hum anos, poderíam os experimentar criar um p ro c e s so para chegar a decisõ es em relação a regras e a leis que sa tisfa çam determinados critério s razoáveis. • • • processo garantiria que, antes de uma lei ser prom ulgada, to d o s os cidadãos tenham a oportunidade de apresentar seus p o n to s de vista. Todos terão garan tid as oportunidades para discutir, d elib erar, negociar e p rocurar soluções conciliatórias, que nas m elh o re s circunstâncias p o d eriam levar a uma lei que todos co n sid erarão satisfatória. No mais provável caso da impossibilidade de se atingir a u n a nimidade, a lei p ro p o sta pelo maior número será a p ro m ulgada. Você perceberá que esses critérios são parte do ideal d e m o crático, descrito no cap ítu lo anterior. Embora não assegure q u e to dos os membros literalm en te viverão sob leis que escolheram , eles 68 R o bert A. Dahl expandem a autodeterm inação até seu m aior limite viável. Ainda que esteja entre os eleitores cuja opção preferida é rejeitada pela m aioria de seus concidadãos, v o cê haverá de convir que este pro cesso é mais justo que qualquer outro que razoavelm ente tenha es perança de atingir. Você estará exercendo a sua liberdade de autodeterm inação escolhendo livrem ente viver sob uma constitui ção dem ocrática em vez de um a alternativa não-democrática. Somente um governo democrático pode proporcionar uma oportu nidade máxima de exercer a responsabilidade moral O que significa “exercer a responsabilidade moral”? A meu ver, é adotar os seus princípios m orais e tom ar decisões baseadas nesses princípios apenas depois de se em penhar num ponderado processo de reflexão, deliberação, escrutínio e consideração das alternativas e suas conseqüências. Ser m oralm ente responsável é ter o governo de si no dom ínio das opções m oralm ente pertinentes. Isso exige mais do que podem os esperar em geral. Não obs tante, até o ponto em que a sua oportunidade de viver sob as leis de sua própria escolha é lim itada, o escopo da sua responsabilidade m oral também está lim itado. C om o é possível ser responsável por decisões que não se pode controlar? Se você não tem como influen ciar a conduta dos funcionários do governo, como poderá ser res ponsável por sua conduta? Se você está sujeito a decisões coletivas (certam ente está) e se o processo dem ocrático maximiza a sua oportunidade de viver sob leis de sua própria escolha, é claro que a um ponto que nenhuma alternativa não-democrática pode atingir ele também o capacita a viver com o indivíduo moralm ente respon sável. A democracia promove o desenvolvimento humano mais plena mente do que qualquer opção viável Esta é uma declaração corajosa e consideravelm ente mais p o lêm ica que qualquer uma das outras. V ocê observará que é um a afirmação empírica, algo que diz respeito a fatos. A princípio, deve So b re a democracia 69 ríamos testar essa afirm ação, criando uma boa maneira de m ed ir o “desenvolvimento humano” e comparando esse desenvolvimento en tre os povos que vivem em regim es democráticos e não-dem ocráticos. Tarefa complicadíssima. E m bora existam evidências que ap o iem a proposição, é melhor considerá-la uma afirmação altam ente p la u sí vel, mas não comprovada. Praticamente todos têm idéias a respeito das características humanas que pensam ser desejáveis ou indesejáveis - ca rac te rísti cas que deveriam ser desenvolvidas se desejáveis e elim in ad as, quando indesejáveis. Entre as características desejáveis que em geral gostaríamos de prom over estão a honestidade, a justiça, a c o ragem e o amor. Muitos tam bém acreditam que as pessoas a m ad u recidas devem ser capazes de tom ar conta de si e cuidar de seus próprios interesses, em vez de esperar que outros o façam . M uitos pensam que adultos devem agir com responsabilidade, p o n d erar as melhores alternativas e pesar as conseqüências de seu atos, levar em conta os direitos e as obrigações dos outros e os seus. A lém disso, deveriam saber discutir livre e abertamente com o u tro s os problemas que enfrentam ju n to s. Ao nascer, a m aioria dos seres humanos possui o potencial para desenvolver essas características. Esse desenvolvim ento d e pende de inúmeras circunstâncias, entre as quais a natureza do sis tema político em que vive a pessoa. Apenas sistemas d em ocráticos proporcionam as condições sob as quais as características m en cio nadas têm probabilidade de se desenvolver plenamente. T o d o s os outros regimes reduzem, em geral drasticamente, o cam po em que os adultos podem agir para proteger seus próprios interesses, levar em conta os interesses dos outros, assumir a responsabilidade por decisões importantes e em penhar-se livremente com outros na b u s ca pela melhor decisão. Um governo democrático não basta para garantir que essas características se desenvolvam, mas é essencial. Apenas um governo dem ocrático pode promover um grau relati vamente elevado de igualdade política Uma das razões m ais im portantes para se preferir um governo democrático é que ele pode obter a igualdade política entre os c i 70 Robert A. Dahl dadãos em maior extensão do que qualquer opção viável. Por que deveríam os atribuir valor à igualdade política? Como a resposta está longe de ser óbvia, nos dois próxim os capítulos explicarei por que a igualdade política é desejável e por que ela, necessariamente, ocorre se aceitamos diversos pressupostos razoáveis nos quais em geral acreditamos. Mostrarei tam bém que, se aceitamos a igualdade p olítica, devem os acrescentar o q u in to critério dem ocrático da Figura 4. As vantagens da dem ocracia que discuti até aqui se aplicariam a dem ocracias do passado e do presente. Não obstante, como vim os no Capítulo 2, algumas das instituições políticas dos sistem as d e m ocráticos que hoje conhecem os são produtos dos últimos séculos; um a delas, o sufrágio universal dos adultos, é principalmente um produto do século XX. Esses sistem as representativos m odernos com o pleno sufrágio adulto parecem ter duas outras vantagens que não se poderia afirmar a respeito de todas as democracias e repú blicas anteriores. As democracias representativas modernas não guerreiam umas com as outras Esta vantagem extraordinária dos governos democráticos era am plam ente imprevisível e inesperada. M esmo assim, na últim a década do século XX, as evidências se tornaram avassaladoras. Nenhum a das 34 guerras internacionais entre 1945 e 1989 ocorreu entre países democráticos - e “ tam bém houve pouca expectativa ou preparativos para guerras entre estes” .7 Essa observação vale para o período anterior a 1945 - e, ainda no século XIX, países com go vernos representativos e outras instituições democráticas, em que 7 Esta importante descoberta é fundamentada por Bruce Russett. Controlliiig lhe Swoni: The Democralic Governance o f National Security, Cambridge. Harvard University Press. 1990, cap. 5. p. 119-145. Extraí livremente trechos da disc us são de Russett no que segue. A observação também parece valer para as antigas democracias e repúblicas. Veja Spencer Weart, Never at liar: ll'7iy Denmcracies Will Never Fight One Anolher , N e w Haven e Londres, Yale University Press, 1998. Sobre a democracia 71 os direitos civis foram conferidos a boa parte da p o p u la ç ã o m a sc u lina, não lutaram en tre si. Naturalmente, g o v ernos democráticos m odernos g u errea ram com países não-dem ocráticos, como aconteceu n a P rim e ira e na Segunda Guerra M u n d ial - e, pela força militar, tam b ém im p u se ram o domínio co lo n ial aos povos conquistados. A lg u m a s vezes, interferiram na v id a p o lítica de outros países, e n fra q u e c e n d o ou ajudando a derrubar governos fracos. Até a década d e 1980, por exemplo, os E stados U n id o s tiveram um registro a b ism a i de apoio dado a ditaduras m ilitares na América Latina; em 1954, serv iu de instrumento no g o lp e m ilitar que derrubou o recém -eleito g o v ern o da Guatemala. É notável que as dem ocracias representativas m o d e rn a s não se envolvam em g u erras umas com as outras. As razões n ã o estão in teiramente claras - provavelm ente o grande com ércio in tern a cio n al entre elas predispõe as dem ocracias modernas à am izad e em vez da guerra.8 Tam bém é v erd ad e que os cidadãos e os líd ere s d e m o cráti cos aprendem as artes da conciliação. Além disso, e stão inclinados a considerar os o u tro s países democráticos m enos a m e a ç a d o re s e mais confiáveis. P o r fim , a prática e a história de tra ta d o s, alianças e negociações p acíficas para defesa comum contra os inim igos não-democráticos reforçam a predisposição de b u sc a r a paz, em vez de lutar. Assim, um m undo m ais democrático promete ser tam b ém um mundo mais pacífico. Países com governos democráticos tendem a ser m ais prósperos do que países com governos não-democráticos Até cerca de d u zen to s anos atrás, era comum os filó so fo s p o lí ticos pressuporem que a dem ocracia era mais adequada a um povo parcimonioso: acred itav a-se que a afluência fosse a m arc a das çi Altos níveis de com ércio internacional parecem predispor os p a íse s a relações pacíficas, independentemente de serem ou não democráticos. John Oneal e Bruce Russett, “The Classical Liberais Were Right: Democracy, Interdependente, and Conflict, 1 9 5 0 - 1 9 8 5 ”, Internationa/ Stmlies Quarterly, 4 1 . 2, junho de 1997, p. 267-294. ' 72 Robert A. D ahl aristocracias, das oligarquias e das m onarquias - e não das d em o cracias. Não obstante, a experiência dos séculos XIX e XX d e m onstrou exatamente o contrário: as dem ocracias eram ricas e, em relação a elas, em seu conjunto, os países não-democráticos eram pobres. A relação entre riqueza e d em o cracia era especialmente im pressionante na metade final do séc u lo X X . Em parte, a explicação p oderá estar na afinidade entre a d em o cracia representativa e uma econom ia de mercado - em que os m ercados em geral não são ri g orosam ente regulados, os trabalhadores são livres para m udar de um lugar ou um emprego para outro, em que firmas de propriedade particular competem por vendas e por recursos, em que consumidores p odem escolher bens e serviços de fornecedores rivais. Em bora nem todos os países com econom ia d e m ercado fossem dem ocráti cos no final do século XX, todos os p aíses com sistemas políticos dem ocráticos também tinham eco n o m ia de mercado. Nos últimos dois séculos, a econom ia de mercado produziu, em geral, mais riqueza que qualquer alternativa a ela. O velho conheci m ento foi virado de cabeça para baixo: com o todos os países d e m ocráticos modernos têm econom ias de mercado e um país com econom ia de mercado tem probabilidade de prosperar, um país dem o crático moderno também tem a probabilidade de ser um país rico. Caracteristicamente, as dem ocracias possuem outras vantagens econôm icas sobre a maioria dos sistem as não-democráticos. Os p aíses democráticos prom ovem a ed u cação de seu povo - e um a força de trabalho instruída é inovadora e leva ao desenvolvim ento econôm ico. O governo da lei n o rm alm en te se sustenta melhor em países democráticos, os tribunais sã o m ais independentes, os d i reitos de propriedade são m ais seg u ro s, os acordos contratuais são cum pridos com maior eficácia e é m en o s provável haver interven ção arbitrária do governo e dos políticos. Finalmente, as econom ias m odernas dependem da com unicação; nos países democráticos, as barreiras para as com unicações são m uito baixas - é mais fácil p rocurar e trocar inform ação e bem m enos arriscado do que na m aioria dos regimes não-dem ocráticos. Resumindo: apesar de exceções notáveis dos dois lados, os países democráticos modernos em geral proporcionam um ambiente m ais hospitaleiro, em que são obtidas as vantagens das econom ias de m ercado e o desenvolvim ento econôm ico, do que os governos de regimes não-democráticos. Sobre a democracia 73 Se a fusão e n tre a dem ocracia m oderna e as eco n o m ias de mercado tem v an tag e n s para as duas partes, não podem os d eix ar passar um custo q u e as econom ias de mercado im põem a u m a d e mocracia. A eco n o m ia de mercado gera a desigualdade p o lítica, por isso também p o d e reduzir as perspectivas de atingir a plena igualdade política e n tre os cidadãos de um país dem ocrático. V o l taremos a este p ro b lem a no Capítulo 14. As vantagens da d em ocracia: resumo Seria um erro g ra v e pedir demais de qualquer governo, m esm o de um governo d em o crático . A democracia não pode assegurar que seus cidadãos sejam felizes, prósperos, saudáveis, sábios, pacífico s ou justos. Atingir esse s fins está além da capacidade de q u alq u er governo - incluindo-se um governo democrático. Na prática, a d em o cracia jamais correspondeu a seus ideais. Como todas as ten tativ as anteriores de atingir um governo mais democrático, as d em o cracias modernas também so fre m de muitos defeitos. Apesar de suas falhas, não devemos perder de vista os b e n e fí cios que tornam a d em o cracia mais desejável que qualquer a lte rn a tiva viável a ela: • • • • A democracia aju d a a im pedir o governo de autocratas cru éis e perversos. A democracia g aran te aos cidadãos uma série de direitos fu n damentais que os sistem as não-democráticos não proporcionam (nem podem proporcionar). A democracia asse g u ra aos cidadãos uma liberdade individual mais ampla que q u alq u er alternativa viável. A democracia aju d a a proteger os interesses fundam entais das pessoas. Apenas um g o v e rn o democrático pode proporcionar u m a oportunidade m áx im a para os indivíduos exercitarem a lib e r dade de au to d eterm inação - ou seja: viverem sob leis d e sua própria escolha. Somente um g o v ern o democrático pode proporcionar u m a oportunidade m áx im a do exercício da responsabilidade m oral. 74 • • • • Robert A. Dahl A dem ocracia prom ove o desenvolvim ento hu m an o m ais ple nam ente que qualquer alternativa viável. A penas um governo democrático pode prom over um grau re lativam ente alto de igualdade política. A s m odernas dem ocracias representativas não lutam um as contra as outras. Os países com governos democráticos tendem a ser m ais prós peros que os países com governos não-dem ocráticos. C om todas essas vantagens, a democracia é para a m aioria um jogo bem m elhor que qualquer outra alternativa viável. Capítulo 6 Por que a igualdade política I? Igualdade intrínseca M uitos concluirão que as vantagens da dem ocracia discutidas no últim o capítulo podem ser suficientes (talvez mais do que sufi cien tes!) para justificar sua convicção de que o governo democráti co é su p erio r a quaisquer alternativas realistas. M esm o assim, você p o d eria se perguntar se é razoável p ressupor (com o parece estar im p lícito nessa convicção) que os cidadãos devam ser tratados com o iguais políticos quando participam do governo. Por que os d ireito s necessários a um processo de g o v ern o dem ocrático deve riam ser igualmente estendidos aos cidadãos? A resposta não é nada evidente, em bora seja decisiva para a fé na dem ocracia. A ig u a ld a d e é óbvia? Em palavras que se tornariam fam o sas pelo mundo afora, os autores da Declaração da Independência dos Estados Unidos escre veram , em 1776: C o n s i d e r a m o s evidentes as v e r d a d e s d e q u e todos o s hom ens fora m criados iguais e que t o d o s s ã o d o t a d o s pelo Criador com c e r t o s direitos inalienáveis, entre o s q u a i s a vida. a liberdade e a b u s c a pela felicidade. 76 R obert A. Dahl Se a igualdade é óbvia, n ão é preciso mais nenhuma ju stific ativ a. Nenhuma pode ser en co n trad a na Declaração. No entanto, a idéia de que todos os hom ens (e m ulheres) foram criados ig u ais não é nada evidente para a m a io ria das pessoas. Se o p re ssu p o sto não é verdadeiramente óbvio, seria razoável adotá-lo? E, se não p o d e mos adotá-lo, como d efen d em o s um processo de governo que p a rece presumir que ele existe? Os críticos muitas v ez es rejeitaram afirmações sobre a ig u al dade, como a da D eclaração de Independência, considerando-as simples retórica vazia. U m a afirmação desse tipo, que su p o sta mente expressa um fato so b re os seres humanos, é o bviam ente fa l sa, dizem eles. A acusação de falsid ad e, os críticos juntam a de hipocrisia. Como exemplo, m ostram que os autores da D eclaração deix av am de lado o inconveniente fa to de que uma preponderante m aio ria de pessoas estava excluída d o s direitos inalienáveis (aparentem ente, concedidos pelo próprio C riador) nos novos estados que ag o ra se declaravam independentes. D esde então e por muito tem po, m u lh e res, escravos, negros lib erto s e povos nativos estavam p riv ad o s não apenas dos direitos p o lític o s , mas de inúm eros outros “ d ire ito s inalienáveis” essenciais à vida, à liberdade e à busca da felicidade. A propriedade tam bém era um direito inalienável - e os escravos eram propriedade de seus sen h o res... O próprio Thom as Jefferso n , principal autor da D eclaração de Independência, possuía escravos. Em importantes aspectos, as m ulheres eram propriedade de seus maridos. A um grande nú m ero de homens livres (em alg u m as e s timativas, cerca de 40% ) era negado o direito de voto; p o r todo o século XIX, o direito de voto restringia-se aos proprietários em todos os novos estados norte-am ericanos. A desigualdade não era um a característica especial d o s E sta dos Unidos nesse período, nem posteriormente. Ao contrário: na década de 1830, o escrito r francês Alexis de Tocqueville ch eg o u à conclusão de que, em relação à Europa, uma das características distintivas dos Estados U n id o s era o grau de igualdade so cial entre os cidadãos do país. Embora as desigualdades se tenham reduzido desd e 1776, muitas permanecem. B asta olharm os em volta para ver d e sig u a ld a Sobre a democracia 77 des p o r toda parte. Aparentemente, a desig u ald ad e - não a igualda de - é u m a condição natural da hum anidade. T h o m a s Jefferson conhecia bastante as questões humanas e percebia que, obviamente, em muitos aspectos im portantes, as capaci dades, as vantagens e as oportunidades dos seres humanos não eram d istrib u íd a s com igualdade 110 n a sc im e n to e menos ainda d ep o is q ue a educação, as circunstâncias e a so rte se somavam às d iferen ça s iniciais. Os 55 homens que assinaram a Declaração de In d ep en d ên cia, indivíduos de experiência prática, advogados, co m ercian tes, agricultores, não eram nada ingênuos em sua percepção dos seres humanos. Se admitimos que não ignoravam a realidade e q ue n ão fossem hipócritas, o que pretenderiam eles dizer com a audaciosa afirmação de que Iodos os liotnens foram criados iguais? A p e sa r das inúmeras evidências em c o n trá rio , a idéia de que os seres hum anos sejam fundamentalmente iguais fazia tanto sentido para J e ffe rso n como fizera, em períodos an terio res, para os filóso fos in g leses T hom as Hobbes e John L ocke.' D a época de Jefferson em d ia n te , m uitas outras pessoas pelo m undo afora passaram a aceitar, d e algum a forma, a idéia da igualdade hum ana. Para mui tas, é sim p lesm en te um fato. Para A lexis de T ocqueville, em 1835. a “ ig u ald ad e de condições” cada vez m aior q u e ele havia observa do n a E u ro p a e 11a América era im pressionante, a ponto de conside rá-la “ u m fato providencial, dolado de todas as características de um d e c re to divino: é universal, é p erm anente, escapa sempre a q u alq u er interferência humana; todos os acontecim entos e todos os h o m ens contribuem para seu progresso” .2 Ig u a ld a d e intrínseca: uni julgam ento m oral A s ig u aldades e as desigualdades podem assum ir uma varie dade q u a se infinita de formas. A desigualdade na capacidade de v e n c e r u m a corrida 011 uma com petição o rto g rá fic a é uma coisa. 1 Para saber mais sobre essa questão, veja Garry Mills, liivenling . hnerica: Jefferson 's D eclaration o f Independmce, Gardert City, N o v a Y or k . Douhleday. 1978. p. 1 6 7 - 2 2 8 . A l e x i s d e T ocquev ille, Democracy in America, v. 1, N o v a York, Schocken B õ o k s , 1 9 6 1, p. lxxi. 78 Robert A. Dahl A desigualdade nas oportunidades de votar, de falar e de p artic ip a r no governo são outros quinhentos... Para com preender por que é razoável nos em penharm os na igualdade política entre os cidadãos de um estado d em o crático , precisamos reconhecer que às vezes, quando falamos so b re ig u al dade, não expressam os um julgam ento concreto. Não ten cio n a m o s descrever o que acreditam os ser real no presente ou no futuro, como acontece quando fazem os declarações sobre os v en c ed o re s de corridas ou os vencedores de competições. Nesse caso , e sta re mos expressando um julgam ento moral sobre seres hu m an o s, ten cionamos dizer algo sobre o que acreditamos que deveria ser. Esse tipo de julgam ento m oral poderia ser dito assim: “D evem os c o n si derar o bem de cada ser hum ano intrinsecamenie igual ao de qualquer um”. Empregando as palavras da Declaração de Independência, como julgam ento moral insistim os que a vida, a liberdade e a feli cidade de uma pessoa não são intrinsecam ente superiores ou in fe riores às de qualquer outra. Conseqüentemente, devemos tratar todas as pessoas com o se possuíssem igual direito à vida, à liberdade, à felicidade e a outros bens e interesses fundamentais. C ham arei esse julgamento moral de princípio da igualdade intrínseca. Este princípio não nos leva muito longe e, para ap licá -lo ao governo de um estado, ajuda a acrescentar um princípio su p le mentar que parece estar im plícito nele: “Ao chegar a d ec isõ e s, o governo deve dar igual peso ao bem e aos interesses de to d as as pessoas ligadas por tais decisões” . Por que deveríam os a p lica r o princípio da igualdade intrínseca ao governo de um estad o e o b ri gá-lo a dar igual peso aos interesses de todos? Ao co n trá rio dos autores da D eclaração de Independência norte-am ericana, a afir mação de que a verdade da igualdade intrínseca seja óbvia m e im pressiona (e a m uita gente, sem dúvida) por me parecer bastante im plausível... No entanto, a igualdade intrínseca ab range uma idéia tão fundamental sobre os m éritos dos seres hum anos, q u e está bem perto dos limites de m aior justificação racional. A co n tece com os julgam entos m orais o m esm o que ocorre aos ju lg am en to s c o n cretos: buscando-se as raízes de qualquer afirmação, ch e g a m o s a limites, além dos quais nenhum argumento racional pode nos levar mais adiante. M artinho L utero disse essas memoráveis p a la v ra s em 1521: “ Não é seguro nem prudente fazer qualquer coisa co n tra a consciência. Aqui m e deten h o - não posso fazer diferente. D eus me ajude. Am ém ” . Sobre a democracia 79 Em bora o princípio da igualdade intrínseca esteja m uito perto desses lim ites finais, ainda não os alcançam os. P or diversas razões, acredito que a igualdade intrínseca seja um princípio razoável que deve fu n d am en tar o governo de um estado. Por que d ev em os adotar este princípio Bases éticas e religiosas Em p rim eiro lugar, para muita gente pelo m undo afora, ele está de aco rd o com suas convicções e seus princípios éticos essen ciais. Q ue so m o s todos igualmente filhos de D eus é dogm a do ju daísm o, da cristandade e do islamismo; o budism o contém uma visão m uito assem elhada. (Entre as grandes religiões do mundo, o hinduísm o talv ez seja uma exceção.) E xplícita ou im plicitam ente, a maioria dos argum entos morais e a m aioria dos sistem as éticos pressupõem este princípio. A fragilidade de um princípio alternativo Em seg u n d o lugar, seja qual for o caso em relação a outras formas de associação, para governar um estado m uitos pensarão que, de m odo geral, todas as alternativas para a igualdade intrínse ca são im p lau síveis e duvidosas. Imagine que o cidadão Jones pro pusesse a seg u in te alternativa como princípio para governar um estado: “A o to m ar decisões, o governo deverá sem pre tratar o meu bem e os m eu s interesses como superiores aos de todos os outros”. Rejeitando im plicitam ente o princípio da igualdade intrínseca, Jones está afirm an d o o princípio da superioridade intrínseca - ou, no mínim o, afirm an d o a superioridade intrínseca de Jo n e s ... A reivin dicação à superioridade intrínseca pode ser m ais inclusiva, é claro, como g eralm en te acontece: “O bem e os interesses de m eu grupo [a fam ília, a classe, a casta, a raça ou seja lá o que m ais de Jones] são superiores aos de todos os outros” . 80 Robert A. Dahl A essa altura, não será nenhum choque adm itirm os que nós, seres hum anos, tem os um pouco mais do que sim p les vestígios de egoísm o: em graus variados, tendemos a nos p re o cu p ar mais com nossos próprios interesses do que com os dos outros. C onseqüen tem ente, m uitos de nós poderiam sentir-se m uitíssim o tentados a fazer esse tipo de reivindicação para si e para os m ais próximos. Em todo caso, a menos que possamos contar confiantem ente no controle do governo do estado, por que deveríam os aceitar a supe rioridade intrínseca de determinadas pessoas com o princípio político fundam ental? P ara falar a verdade, uma pessoa ou um grupo co m poder sufi ciente poderia fazer valer uma reivindicação de superioridade in trínseca sobre as objeções que você tivesse - literalm en te, sobre o seu cadáver. D urante toda a história da hum anidade, m uitos indiví duos e grupos assim usaram seu poder (ou m elhor, abusaram de dito poder). N o entanto, a força pura e sim ples tem seu s limites; os que reivindicaram ser a encarnação de algum a su p erio rid ad e intrín seca sobre outros invariavelmente disfarçaram esta su a reivindica ção, aliás frágil e transparente, com o m ito, o m istério, a religião, a tradição, a ideologia, as pompas e as circunstâncias. N ão sendo m em bro do grupo privilegiado e p o dendo rejeitar com seg u ran ça a reivindicação de superioridade intrínseca, você consentiria livre e conscientem ente num princípio absurdo como esse? D uvido m u ito ... Prudência A s duas razões precedentes para se adotar um princípio de igualdade intrínseca como base para o governo de um estado apontam um a terceira: a prudência. Além de conferir grandes benefí cios, o governo de um estado também pode infligir grandes males; assim , a prudência dita uma cautelosa preocupação pela maneira com o serão em pregadas suas capacidades incom uns. U m processo de governo que privilegiasse de modo definitivo e perm anente o seu próprio bem e seus interesses sobre os de outros seria atraente - se proporcionasse a certeza de que você ou o seu g rupo prevaleceriam sem p re ... P ara m uita gente essa possibilidade é tão im provável ou, Sobre a dem ocracia 81 no m ínim o, tão incerta, que é m elhor insistir em que os seus interes ses recebam peso igual aos interesses de o u tro s... Aceitabilidade Um princípio que você considere prudente adotar muitos outros tam bém considerarão. Assim, um p rocesso que assegure igual peso para todos (concluirá você razoavelm ente) tem m aior probabilidade de assegurar o consenso de todos os outros cuja cooperação é ne cessária para atingir os seus objetivos. V isto nesta perspectiva, o princípio da igualdade intrínseca faz m uito sentido. Sim , apesar da reivindicação em contrário na Declaração de Independência, está realmente longe do óbvio a razão pela qual devem os nos apegar ao princípio d a igualdade intrínseca e dar igual peso aos interesses de todos no governo do estado. Não obstante, se interpretarm os a igualdade intrínseca como princípio de governo justificado com base na m oralidade, na pru dência e na aceitabilidade, parece-m e fazer m ais sentido do que q u alquer alternativa... Capítulo 7 Por que igualdade política II? Competência cívica Poderá parecer um a surpresa desagradável d esco b rir que, mesmo quando aceitam o s a igualdade intrínseca e o p eso igual nos interesses como ju lg am en to s morais corretos, não estam o s necessa riamente inclinados a considerar a democracia o m elh o r processo para o governo de um estado. A tutela: uma aleg a çã o em contrário Para ver por que é assim , imaginemos que um m em bro de um pequeno grupo de co n cid ad ão s diz para você e os outros: Como vocês, nós tam bém acreditamos bastante na igualdade intrínseca. Não so m o s apenas profundamente d ed icad o s ao bem comum, também sab e m o s m elhor do que a m aioria com o chegar a ele. Portanto, estam os m uito mais preparados para g o v ern ar do que a grande m aioria d a s p esso as. Assim, se vocês n o s co n ced erem exclusiva autoridade 110 governo, empenharemos nossos co n h eci mentos e nosso trabalho ao serviço do bem geral; com isso , dare mos igual peso ao bem e aos interesses de todos. A afirmação de que o governo deve ser entregue a esp ecialis tas profundam ente em p en h ad o s em governar para o bem geral e superiores a todos em seu s conhecimentos dos m eios para obtê-lo os tutores, como P latão os chamava - sempre foi o m ais im portante rival das idéias d em o cráticas. Os defensores da tu tela atacam a democracia num po n to aparentem ente vulnerável: eles sim p les 84 Robert A. Dahl m ente negam que as pessoas comuns tenham co m petência para se g overnar. E les não negam, necessariamente, que os seres humanos sejam intrinsecam ente iguais no sentido que já exploram os. Como na R epública ideal de Platão, os tutores poderiam em penhar-se em serv ir ao b em de todos e, pelo menos por im p licação , sustentar que todos sob su a proteção sejam intrinsecam ente iguais em seu bem ou seus interesses. Os defensores da tutela no sen tid o platônico não afirm a m q u e os interesses das pessoas e sc o lh id a s com o tutores sejam intrinsecam ente superiores aos interesses dos outros. Eles aleg am q u e os especialistas em governar, os tu to re s , seriam su p erio res em seu conhecimento do bem geral e dos m elhores meios de atingi-lo. O argum ento a favor da tutela política u tiliza de m odo persuasivo as analogias, especialm ente analogias que envolvem a com p etência e o conhecim ento especializado: o conhecim ento superior de um m édico nas questões da doença e da saúde, por exem plo, ou a com petência superior de um piloto para nos lev ar com segurança ao destino. A ssim , por que não permitir aos do tad o s de com petên cia superior no governo que tomem decisões sobre a saúde do esta do? Q ue p ilotem o governo em direção a seu dev id o destino, o bem público? C ertam ente não podemos pressupor q u e todas as pessoas sejam invariavelm ente os melhores juizes de seus próprios interes ses. E videntem ente, as crianças não o são - outros, em geral seus pais, d evem serv ir de tutores até que elas adquiram a com petência para to m ar co n ta de si mesmas. A experiência co m u m nos mostra que adultos tam bém podem equivocar-se a resp eito de seus interes ses, da m e lh o r m aneira de atingir seus o b je tiv o s: a m aioria das p esso as algum dia se arrepende de decisões to m ad as no passado. A dm itim os ter estado equivocados. Além do m ais, quase todos nós confiam os em especialistas para tomar decisões im portantes muito diretam ente relacionadas a nosso bem -estar, a n o ssa felicidade, a nosso fu tu ro e até a nossa sobrevivência - não apenas médicos, cirurgiões e pilotos, mas, em nossa sociedade ca d a vez m ais com plexa, um a po rção de outros especialistas. A ssim , se deixam os es p ecialistas tom arem decisões a respeito de q uestões importantes com o essas, por que não entregamos o governo a especialistas? Sobre a dem ocracia 85 Por atraente que às vezes possa parecer, a defesa da tutela, m ais do que a da democracia, deixa de levar em conta alguns dos principais defeitos nessa analogia. Delegar determinadas decisões secundárias a especialistas não é o mesmo que ceder o controle decisivo nas grandes questões Com o se diz popularmente, os especialistas devem ser manti d o s prontos para consumo. Os especialistas, às vezes, possuem co nhecim entos superiores aos seus em alguns aspectos importantes. U m bom médico saberá melhor do q u e você diagnosticar a sua do en ça - que rumo ela provavelm ente tom ará, sua gravidade, qual será o m elhor tratamento ou se é de fato possível tratá-la. É razoá vel que você resolva seguir as recom endações do seu médico. C ontudo, isto não significa que deva ceder a este médico o poder de decidir se você fará ou não o tratam ento recomendado. Da m esm a forma, uma coisa é os funcionários do governo procurarem a ajuda de especialistas, mas outra m uito diferente é uma elite po lítica deter em suas mãos o poder de tom ar decisões sobre leis e p o líticas a que você terá de obedecer. D ecisões pessoais tomadas por indivíduos não eqüivalem a deci sões tomadas e impostas pelo governo de um estado A questão fundamental no debate sobre tutela versus democra cia não é saber se, como indivíduos, às vezes tem os de depositar no ssa confiança em especialistas. N ão se trata de saber quem ou que grupo deveria ter a última palavra nas decisões tomadas pelo governo de um estado. Seria razoável desejar entregar certas deci sões pessoais nas mãos de alguém m ais especializado em determi nad as questões do que você, com o um m édico, um contador, um ad v o g a d o , um piloto de avião e o u tro s. Em todo caso, isso não sig n ifica que automaticamente seja razoável entregar a uma elite política a autoridade para controlar as decisões m ais importantes do governo do estado - decisões essas que, se preciso, seriam im p o stas por coerção, pela prisão, talvez até a morte. 86 Robert A. Dahl Governar um estado exige muito mais do que um conhecimento rigorosamente científico G overnar não é uma ciência com o a física, a quím ica ou, como em certos aspectos, a medicina. Esta é urna verdade por diversas razões. Por um lado, virtualm ente todas as decisões importantes sobre políticas, sejam pessoais ou governam entais, exigem julga m entos éticos. Tom ar uma decisão sobre os objetivos que as políti cas do governo deveriam atingir (justiça, equanim idade, probidade, felicidade, saúde, sobrevivência, segurança, bem -estar, igualdade e sei lá m ais o que) é fazer um julgam ento ético. Julgam entos éticos não são “científicos” no sentido h ab itu al.1 A lém disso, bons objetivos m uitas vezes entram em conflito uns com os outros, e os recursos são lim itados. D ecisões sobre po líticas, sejam pessoais ou governam entais, quase sempre exigem julgam entos sobre negociações, um equilíbrio entre diferentes objeti vos. Por exemplo, obter igualdade econôm ica poderá enfraquecer os incentivos econômicos; os custos dos benefícios para os idosos poderão ser impostos aos jovens; as despesas para as gerações que hoje vivem poderão impor custos às gerações futuras; a preserva ção de uma área selvagem poderá custar o preço dos empregos de m ineiros e do pessoal que trabalha nas serrarias. Julgam entos sobre negociações entre objetivos diferentes não são científicos. As com provações empíricas são im portantes e necessárias, jam ais suficien tes. A o decidir o quanto se deve sacrificar para a obtenção de um fim . um bem ou um objetivo de m odo a atingir certa medida de outro, necessariamente ultrapassamos qualquer coisa que o conheci m ento rigorosamente científico possa proporcionar. H á uma outra razão por que as decisões sobre políticas exigem julgam entos que não sejam rigorosam ente “científicos” . Mesmo quando se consiga chegar a um consenso geral a respeito dos fins 1 O status filosófico das afirmações éticas e a maneira como diferem de afirma ç õ e s nas ciências empíricas, como a física, a química e assim por diante, têm sido tema de amplo debate. Eu não poderia esperar fazer justiça a essas ques tões aqui. Entretanto, para uma excelente discussão da importância do argu mento moral em decisões públicas, veja A m y Gutman e Dennis Thompson, Democracy atui Disagreement, Cambridge, Belknap Press of Harvard Univer sity Press, 1996. So b re a democracia 87 das decisões políticas, qu ase sem pre há unia grande incerteza e a l gum conflito em relação ao s m eios: como os fins seriam a tin g id o s de melhor maneira, o q u an to seria desejável, viável, aceitável as prováveis conseqüências dos m eios alternativos. Quais seriam os melhores meios de cuidar dos pobres, dos desem pregados, dos sem-teto? Como se poderá p ro teg er melhor e im plementar os in te resses das crianças? De q u e tam anho é um orçamento n ecessário para a defesa militar e para que objetivos? Creio que é im possível demonstrar que exista ou que poderia ser criado um grupo com os conhecimentos “científicos” ou “especializados” que proporcionem respostas definitivas para q uestões desse tipo. Entregaríamos o c o n serto de nosso carro a um físico teórico ou a um bom m ecânico? Governar bem um eslado exige mais do que o conhecimento Exige também a h o n estid ad e sem corrupção, a resistência f ir me a todas as enormes ten taçõ es do poder, além de uma d ed icação constante e inflexível ao b em público, mais do que aos ben efício s de uma pessoa ou seu grupo. Os especialistas podem e s ta r capacitados para agir com o re presentantes seus, o que não significa que estejam capacitados para servir de governantes para você. Os defensores da tutela têm d u as reivindicações, não apenas um a, e afirmam: pode-se criar uma elite governante cujos mem bros sejam ao mesmo tempo realm ente s u p e riores aos outros no con h ecim en to dos fins que um b o m -governo deveria buscar e nos m elhores m eios para atingir esses fins —e tão profundam ente dedicada à b u sca do bem público, que essa elite m ereceria a autoridade so b eran a para governar o eslado. Como acabamos de v erific ar, a primeira reivindicação é m uito duvidosa. No entanto, ainda que se mostrasse justificável, isto em si não suportaria a segunda reivindicação. O conhecim ento é um a coisa, o poder é outra. O p ro v áv el efeito do poder sobre as p esso as que o detêm foi resumido su cin tam en te, em 1887, por lorde A cton, um barão inglês, numa fam o sa sentença: “ O poder tende a c o rro m per, o poder absoluto corrom pe absolutam ente”. Um século antes, W illiam Pit, estadista b ritâ n ic o de vasta experiência na vida p o lítica, fizera semelhante o b serv açã o num discurso ao P arlam ento: 88 Robert A. Dahl “ O p o d e r ilim itado está apto a c o rro m p e r as m entes de quem o p o s s u i” . E sse era também o ponto de vista vigente entre os membros da C o n v en ção Constituinte norte-am ericana em 1787, que também p o ssu íam algum a experiência na questão: - Sir, existem duas paixões que têm poderosa influência nos n eg ó cio s dos homens: a ambição e a avareza, o am or pelo poder e o am o r pelo dinheiro, disse o representante m ais velho, Benjamin F ranklin. U m dos mais jovens, Alexander H am ilton, concordava: - O s hom ens adoram o poder. G eorge M ason, um dos representantes m ais experientes e de m aior influência, também concordava com eles: - D a natureza humana, podem os ter a certeza de que os que d etêm o poder em suas mãos ... sem pre que puderem , tratarão de au m en tá-lo .2 P or m ais instruídos e confiáveis que sejam inicialmente os m em bros de uma elite governante dotada do poder de governar um estado, em poucos anos ou em poucas gerações, é muito provável que abusem dele. Se podemos dizer que a história da humanidade nos proporciona algumas lições, certam ente um a destas é o fato de que, pela corrupção, pelo nepotism o, pela prom oção dos interesses do indivíduo e seu grupo, pelo abuso de seu m onopólio da força coercitiva do estado para reprimir a crítica, extrair riqueza dos sú ditos ou governados e garantir sua obediência pela força, é muito provável que os tutores de um estado se transform em em déspotas. Por fim, criai• uma utopia é uma coisa, realizá-la são outros qui nhentos... U m defensor dos tutores enfrenta um a legião de tremendos p roblem as práticos: como será a investidura da tutela? Quem, por assim dizer, planejará a constituição e quem a colocará em ação? 2 Para essas observações na Convenção Constitucional, veja Max Farrand (ed.). The Records o f lhe Federal ConxeiUion o f 1787, 4 v., New Haven. Yale Uni versity Press, 1966, v. 1, p. 82, 284, 578. So b re a democracia 89 Como serão escolhidos os p rim eiro s tutores? Se a tutela de algum a forma dependerá do co n sen tim en to dos governados e não da eo e rção direta, com o será o b tid o esse consentim ento? S eja lá c o m o forem os tutores selecionados pela primeira vez, depois eles e s c o lherão seus sucessores, co m o os membros de um clube? S e assim for, o sistema não correrá u m enorm e risco de se degenerar, d e i xando de ser uma aristocracia de talento e tornando-se um a oligarquia de nascimento? E se os tu to res não escolherem seus su cesso res, quem o fará? Como serão d isp en sad o s os tutores que a b u sa m e exploram ...? - e assim p o r diante. A competência dos cid ad ãos para governar A menos que os defen so res da tutela sejam capazes de p ro p o r cionar soluções convincentes para os problemas que descrevi a n te riormente, a meu ver a p ru d ê n cia e a razão exigem que rejeitem o s essa idéia - e, com isso, p o dem os concluir que, entre os adultos, não há ninguém tão inequivocamente mais bem preparado do que outros para governar, a quem se possa confiar a autoridade c o m pleta e decisiva no governo do estado. Se não devemos ser go v ern ad o s por tutores, quem deveria nos governar? Nós mesmos. Tendemos a acreditar que, na maioria das questões, todos os adultos devem ter a perm issão para julgar o que é m elhor p ara seu próprio bem ou para seus in teresses - a menos que haja um bom argumento em contrário. A plicam os esse pressuposto a fa v o r da autonomia individual apenas aos adultos, não às crianças. A p artir da experiência, presum im os que os pais devem agir com o tu to res para proteger os interesses de seus filhos. Se os pais falham , o u tro s, o governo talvez, poderão ter de intervir. As vezes também re je ita m o s esse pressuposto para ad u lto s considerados incapazes de cuidar de si mesmos. Como g.s cria n ças, eles também podem p recisar d e tutores. Não obstante, ao co n trá rio das crianças, para quem o pressuposto é determinado por lei e p o r convenção, com os adultos esse pressuposto não pode ser s u p e rfi cialmente desprezado. O p o tencial para o abuso é muito e v id en te - 90 R o b e rt A. Dahl e, assim, é preciso uma o p in iã o independente, alguma espécie de processo judicial. Quando presumimos q u e , com poucas exceções, os adultos devem ter o direito de tom ar decisões pessoais sobre o que é m e lhor para seus interesses, p o r q u e devemos rejeitar essa idéia no governo do estado? Aqui, o essencial já não é mais saber se os adultos em geral têm co m p etê n cia para tomar as decisões que e n frentam no dia-a-dia. A gora, trata-se de saber se a m aioria dos adultos é competente para g o v e rn a r o estado. Será? Para chegarmos à re sp o sta , pondere mais uma vez algum as conclusões a que chegam os n o s últim os capítulos: A dem ocracia confere in ú m e ra s vantagens a seus cid ad ão s. Os cidadãos estão fortem ente protegidos contra governantes d es póticos, possuem direitos fu n d a m e n ta is e, além do m ais, tam bém gozam de uma esfera m ais am p la de liberdade. Como cidadãos, adquirem os meios de p ro teg e r e im plem entar seus interesses p e s soais mais importantes; p o d em ainda participar das decisões sobre as leis sob as quais v iv erão , s ã o do tad o s de uma vasta au to n o m ia m oral e possuem extraordinárias oportunidades para o desen v o l vim ento pessoal. Se concluímos que a d em o cracia proporciona essas vantagens sobre os sistemas não-dem ocráticos de governo, surgem diversas questões fundam entais: p o r q u e as vantagens da d em ocracia estariam restritas a algum as p e s so a s e não a outras? Por que não estariam elas à disposição de to d o s os adultos? Se o governo deve dar ig u a l peso ao bem de cada pessoa, não teriam todos os adultos o d ire ito de participar na decisão de que leis e políticas melhor atin g iriam os fins buscados, estejam esses fins estreitamente restritos a seu próprio bem ou incluindo o bem de todos? Se ninguém estiver realm ente preparado para governar e receber autoridade com pleta so b re o governo de um estado, quem estará mais bem preparado p a ra participar que todos os adultos su jeitos às leis? Das conclusões im plícitas nessas perguntas, segue-se uma o u tra, que assim expresso: com a exceção de uma fortíssima de monstração em contrário, em raras circunstâncias, protegidas p o r legislação, todos os adultos sujeitos às leis do estado devem ser Sobre a democracia 91 considerados suficientemente bem preparados pa ra participar do processo dem ocrático de governo do estado. Uma quinta n orm a democrática: a inclusão A co n clu são a que agora aponta o argumento d este capítulo é que há en orm es chances de que os interesses das p esso as privadas de voz igual no governo de um estado não recebam a m esm a aten ção que os in teresses dos que têm uma voz. Se não tem essa voz, quem falará p o r você? Quem defenderá os seus in tere sse s, se você não pode? E não se trata apenas dos seus interesses co m o indiví duo: se por acaso você faz parte de todo um g ru p o excluído da participação, com o serão protegidos os interesses fundam entais desse grupo? A resposta é clara: os interesses fundam entais dos adultos, a quem são n eg ad as as oportunidades de participar do governo, não serão d evidam ente protegidos e promovidos pelos que governam . Sobre este asp ecto, a comprovação da história é avassaladora. Como vim os em nosso rápido exame da evolução da dem ocracia, insatisfeitos com a m aneira arbitrária com que os m o n arcas im pu nham taxas sem o seu consentimento, nobres e b u rg u e ses na In glaterra ex igiram e conquistaram o direito de participar. Séculos mais tarde, p o r sua vez, acreditando que seus in teresses funda mentais eram d eixados de lado, as classes médias exigiram e con quistaram esse direito. Lá e por toda parte, a co n tin u ação da exclusão legal ou de facto de mulheres, escravos, pobres e traba lhadores m an u ais, entre outros, deixava os m em bros d esses grupos mal protegidos contra a exploração e o abuso m esm o em países como a G rã-B retanha e os Estados Unidos, onde o g overno era bastante d em ocrático. Em 1861, Jo h n Stuart Mill afirmava que ninguém no governo falava pelos in teresses das classes trabalhadoras, pois o sufrágio lhes era negado. Em bora não acreditasse que os m em b ro s do go verno preten d essem deliberadam ente sacrificar os interesses das classes trab alh ad o ras aos seus, dizia ele: 92 R o bert A. Dahl Será que o P a rlam en to o u q u alq u e r um de se u s m e m b r o s p o r a l gum m o m e n t o terá e x a m i n a d o a lg u m a questão c o m o s o l h o s d e um trabalhador? Q u a n d o s u r g e um assun to em que o s tr a b a lh a dores têm um in te r e ss e , será e l e e x a m in a d o c o m o l h o s o u t r o s que não o s d o s e m p r e g a d o r e s d o trabalho?3 A mesma pergunta serviria para os escravos em repúblicas an ti gas e modernas, para as m ulheres por toda a história até o sécu lo XX, para muitas pessoas nom inalm ente livres mas efetivam ente privadas dos direitos d e m o c rá tic o s, com o os negros no sul dos Estados Unidos até os anos 1 9 6 0 e na África do Sul até os anos 1990 - e outros mais, por todos os cantos. Sim, indivíduos e grupos, às vezes, podem se equivocar sobre seu próprio bem. É claro, podem , às vezes, sentir equivocadam ente o que é melhor para seus interesses - mas o preponderante peso da experiência humana nos inform a que nenhum grupo de adultos pode entregar com segurança a outros o poder de governá-lo. Isto nos leva a uma conclusão de im portância decisiva. Você talvez lembre que, ao discutir os critérios para a d em o cracia no Capítulo 4, deixei para depois a discussão sobre o quinto, a inclusão dos adultos (veja a F ig u ra 4, na pág. 50). Neste capítulo e no último, creio que terem os m uito boas razões para concluir que o governo democrático de um estado deve corresponder a essa norma. Expressarei assim: Plenct inclusão. O corpo dos cidadãos num eslado democraticamente governado deve incluir todas as pessoas sujeitas às leis desse eslado, com exceção dos que estão de passagem e dos incapazes de cuidar de si mesmos. Problem as não-resolvidos Rejeitar o argumento da tutela e adotar a igualdade política como ideal ainda deixa algum as questões complicadas. Cidadãos e funcionários do governo não precisam da ajuda de especialistas? É claro que precisam ! É inegável a importância dos 3 John Stuart Mill, Considerations ou Represenladxe Government [1861], N o v a York. Liberal Arts Press. 1958, p. 44. Sobre a democracia 93 especialistas e do conhecim ento especializado para o bo m funcio namento dos g o v ern o s democráticos. A política p ú b lica muitas vezes é tão com plexa (e cada vez mais!), que n en h u m governo poderia tomar decisões satisfatórias sem a ajuda de esp ecialistas de excelente form ação. A ssim com o cada um em su as d ecisões pessoais às vezes depende de especia listas para obter o rien tação e terá de entregar-lhes d ec isõ e s im por tantes, os governos tam bém devem fazer o mesmo - a té m esm o os governos d em o cráticos. A melhor maneira de satisfazer os critérios democráticos, de su stentar um grau satisfatório de igualdade política e continuar co n fian d o em especialistas e no conhecim ento esp e cia lizado na tom ada das decisões públicas apresenta um g rave p ro blema - um p ro b lem a que seria bobagem que os d efen so res do governo dem ocrático ignorassem . Se devem s e r com petentes, os cidadãos não p recisariam de instituições p o líticas e sociais para ajudá-los? É in d iscu tív el. As oportunidades de ad q u irir uma compreensão esclarecida das ques tões públicas não são apenas parte da definição de d e m o cracia . São a exigência para se ter um a democracia. Nada do que eu disse até aqui pretende deixar im p lícito que a maioria dos cid ad ão s não cometa erros. Eles podem erra r e real mente erram. É ju sta m e n te por isto que os defensores d a d e m o cra cia sempre dão um lugar privilegiado à educação — e a educação cívica não exige apenas a escola formal, mas tam bém a discussão pública, a deliberação, o debate, a controvérsia, a pronta d isp o n ib i lidade de inform ação confiável e outras instituições de um a so cie dade livre. Imagine que as instituições para o desenvolvim ento de cid a dãos com petentes sejam fracas e que muitos não sabem o bastante para proteger seu s v alo res e interesses fundam entais? O q u e d ev e mos fazer? Na b u sca por um a resposta, vale a pena e x a m in a r m ais uma vez as conclu sõ es a que chegamos até aq u i... Adotamos o p rin cíp io da igualdade intrínseca — dev em o s co n siderar o bem de cada ser humano intrinsecam ente igual ao de qualquer outro ser hum ano. Aplicamos esse princípio ao governo de um estado: no m om ento de chegar às decisões, o go v ern o deve dar igual peso ao bem e aos interesses de todas as p esso a s ligadas por essas d ecisõ es.d lecusam os considerar a tutela um a b o a m aneira 94 R o b e rt A. Dahl de aplicar o princípio: entre os adultos, nenhum indivíduo é tão m ais bem preparado do que outro para governar a ponto de p o d e r receber em mãos autoridade total e decisiva no governo do estado. Em vez disso, aceitam os a plena inclusão: o corpo dos c id a dãos num estado dem ocraticam ente governado deve incluir Iodas as pessoas sujeitas às leis d esse estado, com exceção das que e s ti verem de passagem e as com provadam ente incapazes de cu id ar de si mesmas. Portanto, se as instituições destinadas à educação pública são fracas, resta apenas uma so lu ção satisfatória: elas devem ser re fo r çadas. Todos os que acreditam em m etas democráticas são o b rig a dos a buscar maneiras pelas quais os cidadãos possam ad q u irir a com petência de que precisam . Talvez as instituições p ara educação cívica criadas nos p aíses dem ocráticos durante os sécu lo s X IX e X X já não sejam a d e q u a das. Se assim for, os países dem ocráticos terão de criar novas in s tituições para com plem entar as antigas. Com entários conclusivos e ap resentação Já exploramos cerca da m etade do território exposto na Figura 3 (página 40). Contudo, mal dem os um a espiadela na outra m etade: as instituições básicas n e c e ssá ria s para levar adiante a m eta d a dem ocracia e as condições sociais, econôm icas e outras que fa v o recem o desenvolvim ento e a m anutenção dessas instituições p o lí ticas democráticas. E o que explorarem os nos próximos capítulos. Passemos agora das m etas para as realidades. Parte III A verdadeira dem ocracia Capítulo 8 Que instituições políticas requer a democracia em grande escala? O q ue significa dizer que um país é democraticamente gover nado! N este capítulo, nos concentrarem os nas instituições políticas da dem ocracia em grande escala - ou seja, as instituições políticas necessárias para um país dem ocrático. N ão estam os aqui preocu pados co m o que poderia exigir a dem ocracia num grupo muito peq u en o , com o um a comissão. Precisam os tam bém ter sempre em m ente a nossa advertência comum: todas as verdadeiras democra cias jam ais corresponderam aos critérios dem ocráticos descritos na Parte II e apresentados na Figura 4 (pág. 50). Por fim, devemos ter con sciên cia, neste capítulo e em qualquer outro lugar, de que na lin g u ag em com um usamos a palavra dem ocracia tanto para nos referirm os a um objetivo ou ideal com o a um a realidade que é ape nas um a consecução parcial desse objetivo. P ortanto, contarei com o leito r p ara fazer as necessárias distinções quando utilizo as pala vras dem ocracia , democraticamente, governo democrático, país dem ocrático e assim por diante. O que é necessário para que um país seja dem ocraticam ente g o v ern ad o ? No mínimo, ele terá de ter determ inados arranjos, prá ticas ou instituições políticas que estariam m uito distantes (senão infinitamente distantes) de corresponder aos critérios democráticos ideais. 98 Robert A. Dahl Palavras sobre palavras Arranjos políticos podem ser considerados algo m uito provisó rio, que seriam razoáveis em um país que acaba de sair de um go verno não-dem ocrático. Costumamos pensar que práticas são mais habituais e, assim , mais duráveis. Em geral, pensam os que as ins tituições estão estabelecidas há muito tem po, passadas de geração a geração. Q uando um país passa de um governo não-dem ocrático para um governo dem ocrático, os arranjos dem ocráticos iniciais aos poucos se tornam práticas e, em seu devido tem po, tornam -se instituições. P or úteis que pareçam essas distinções, para nossos objetivos será m ais conveniente preferirm os instituições , deixando as outras de lado. C om o podem os saber? C om o poderem os determ inar razoavelm ente quais são as ins tituições políticas necessárias para a dem ocracia em grande escala? Poderíam os exam inar a história dos países que, pelo m enos em parte, m udaram suas instituições políticas em resposta às exigências de inclusão popular mais amplas e participação efetiva no governo e na vida política. Embora em épocas anteriores os que procuraram obter a inclusão e a participação não estivessem necessariam ente inspirados por idéias democráticas, do século X V III em diante, tendiam a ju stific a r suas exigências recorrendo a idéias dem ocráti cas e republicanas. Que instituições políticas buscavam esses paí ses e quais eram realm ente adotadas neles? P oderíam os também examinar os países cujos governos são considerados dem ocráticos pela maioria de seus habitantes, por m uitas pessoas em outros países, por estudiosos, por jornalistas, etc. Em outras palavras, no discurso com um e nas discussões aca dêm icas, o país é cham ado democracia. Em terceiro lugar, poderíamos refletir sobre um determ inado país ou grupo de países, talvez um país hipotético, para im aginar m os da m aneira m ais realista possível que instituições seriam ne cessárias para atingir os objetivos dem ocráticos num grau razoável. P oderíam os fazer unia experiência m ental, refletindo atentam ente Sobre a dem ocracia 99 so b re as possibilidades, as tendências, as lim itações e as experiên cias hum anas, para criar um conjunto d a s instituições políticas ne cessárias a uma democracia em grande escala viável que, dentro das lim itações das humanas, possam os atingir. F IG U R A 6 . Que instituições políticas exige a democracia em grande escala? U m a democracia em grande escala exige: 1. Funcionários eleitos 2. E leições livres, justas e freqüentes 3. L iberdade de expressão 4. F o ntes de informação diversificadas 5. A utonom ia para as associações 6. C idadania inclusiva Felizm ente, todos os três m étodos co n v e rg em para um mesmo co n ju n to de instituições políticas dem ocráticas: estas, as exigências m ín im as para um país democrático (Fig. 6). A s instituições políticas da m oderna d em o cra cia representativa R esum indo, as instituições políticas do m oderno governo de m o crático são: • • • Funcionários eleitos. O controle das decisões do governo sobre a política é investido constitucionalm ente a funcionários eleitos pelos cidadãos. Eleições livres, justas e freqüentes. F uncionários eleitos são escolhidos em eleições freqüentes e ju s ta s em que a coerção é relativam ente incomum. Liberdade de expressão. Os cidadãos têm o direito de se ex pressar sem o risco de sérias p u n içõ es em questões políticas am plam ente definidas, incluindo a crític a aos funcionários, o ÍOO • • • Robert A. Dahl governo, o regime, a ordem socioeconôm ica e a ideologia prevalecente. Fontes de informação diversificadas. O s cidadãos têm o direito de buscar fontes de inform ação diversificadas e independentes de outros cidadãos, especialistas, jornais, revistas, livros, tele com unicações e afins. Autonom ia para as associações. Para obter seus vários direi tos, até m esm o os necessários para o funcionam ento eficaz das instituições políticas dem ocráticas, os cidadãos também têm o direito de form ar associações ou organizações relativamente independentes, corno também partidos políticos e grupos de interesses. Cidadania inchisiva. A nenhum adulto com residência perma nente no país e sujeito a suas leis po d em ser negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às cinco instituições políticas anteriorm ente listadas. E ntre esses direitos, estão o di reito de votar para a escolha dos funcionários em eleições li vres e justas; de se candidatar p ara os postos eletivos; de livre expressão; de formar e participar organizações políticas inde pendentes; de ter acesso a fontes de inform ação independentes; e de ter direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom funcionam ento das instituições políti cas da dem ocracia em grande escala. A s instituições políticas em perspectiva N orm alm ente, essas instituições não chegam de uma só vez n um país. V im os na breve história da d em ocracia, apresentada no C apítulo 2, que as últimas duas claram en te chegaram há pouco tem po. A té o século XX, o sufrágio universal era negado tanto na teoria com o na prática do governo republicano democrático. Mais do que qualquer outro aspecto, o su frág io universal distingue a m o d ern a dem ocracia representativa de to d as as form as anteriores d e dem ocracia. O m om ento da chegada e a seqüência em que as instituições fo ram introduzidas variaram m uitíssim o. N as dem ocracias “mais a n tig as” , países em que o conjunto com pleto das instituições de So b re a democracia 101 mocráticas chegou m ais cedo e resistiu até o presente, em erg em elementos de um padrão com um . As eleições para os leg islativ o s chegaram bem cedo - na Inglaterra, já no começo do século X III, e nos Estados Unidos, du ran te o período colonial, nos séculos X V II e XVIII. A prática de ele g e r funcionários superiores para fa z e r as leis foi seguida por um a gradual expansão dos direitos d o s c id a dãos para se expressarem so b re questões políticas, buscando e tro cando informação. O direito de form ar associações com o b jetiv o s políticos explícitos tendia a aparecer em seguida. As “fa cçõ e s” p o líticas e a organização partiscin em geral eram consideradas p e rig o sas, separatistas, passíveis de subverter a estabilidade e a ordem política, além de ofensivas ao bem público. No entanto, co m o as associações políticas não poderiam ser reprimidas sem um ce rto grau de coerção que um núm ero cada vez maior e mais in flu en te de cidadãos considerava in to leráv el, muitas vezes conseguiam e x istir de maneira mais ou m enos clandestina até emergirem das so m b ra s para a plena luz do dia. N os corpos legislativos, o que haviam sid o “ facções” se tornaram p artid o s políticos. A “posição” que se rv ia ao governo de momento tinha com o antagonista a “oposição” — na Inglaterra, ws e ouls (estes, oficialm ente chamados de His ou Ile r Majesty's Loyal Opposition: Leal Oposição de Sua M ajestade). N a Inglaterra do século X V III, a facção que apoiava o m onarca e a facção opositora, apoiada por boa parte da gentiy , a pequena n o breza do interior, aos p o ucos se transformaram em Tories e Whigs. Nesse mesmo século, na S uécia, adversários partisan no p a rla m ento chamavam-se um tanto jocosam ente de Cartolas e B o n é s .1 Nos últimos anos do século XVIII, na recentemente constituída república dos Estados U nidos, T hom as Jefferson, vice-presidente, e Jam es Madison, líder da C asa dos Representantes, organizaram se u s seguidores no Congresso para fazer oposição às políticas d o p re s i dente federalista, John A dam s, e seu secretário do tesouro, A lexander Hamilton. Para obter su cesso na oposição, logo perceberam q u e 1 “Os Ilats [chapéus] tomaram seu nom e por serem como os camaradas arrojados que usavam o tricórnio da época ... Os Caps [bonés] receberam este a p e lid o porque diziam que pareciam v e lh a s tímidas em toucas de noite.” Franklin D. Scott, Sweden: The Nation 's History , Minneapolis, University o f M in n e so ta Press, 1977, p. 243. 102 R o b e rt A. Dahl teriam de fazer mais do que se oporem aos federalistas 110 C o n gresso e no gabinete: teriam de retirar seus adversários do posto ocupado. Para isto, precisariam vencer as eleições nacionais e, p ara vencer as eleições nacionais, teriam de organizar seus seg u id o res pelo país inteiro. Em m enos d e um a década, Jefferson, M adison e outros solidários com su as id éias criaram um partido político q u e foi organizado de cim a até os m enores distritos, m unicipalidades e áreas eleitorais, uma o rg a n iz açã o que reforçaria a lealdade de seus seguidores entre e durante as cam panhas das eleições, para terem a certeza de que todos com p areceriam às urnas. Esse Partido R e p u blicano (cujo nome logo foi m udado para Republicano D em ocrático e, uma geração adiante, D em ocrático) tornou-se o prim eiro p artid o eleitoral popularmente ap o iad o do mundo. Assim, um a das in s ti tuições políticas mais fu n d am en tais e características da dem ocracia moderna, 0 partido político, explodira além de seus confins no P a r lamento e nas legislaturas p a ra organizar os cidadãos e m o b iliza r os que apoiavam os partidos nas eleições nacionais. Na época em que o jo v em aristocrata francês Alexis de T o cq u e ville visitou os Estados U n id o s em 1830, as prim eiras cin co in s tituições políticas dem ocráticas descritas anteriormente já h av iam aparecido na América do N orte. Essas instituições pareceram -lhe tão profundamente en raizad as e disseminadas que ele não hesitou em se referir aos Estados U n id o s como uma dem ocracia. N aq u ele país, dizia ele, 0 povo era soberano, “a sociedade se governa p o r si mesma” e 0 poder da m a io ria era ilimitado.2 Tocqueville estav a assombrado com a m u ltip licid ad e de associações em que os norteamericanos se organizavam p ara qualquer finalidade. E ntre essas associações, destacavam -se d o is grandes partidos políticos. P a re ceu a Tocqueville que nos E stados Unidos a democracia era a m ais completa que alguém po d eria im aginar. No século seguinte, to d as as cinco instituições dem o cráticas básicas observadas por T o cq u e v ille em sua visita à A m érica do Norte foram consolidadas em m ais de uma dúzia de outros países. 2 Alexis de Tocqueville, D em ocracy in America , v. 1, Nova York, S c h o c k e n Books, 1961. p. 51. Sobre a democracia 103 Muitos o b serv ad o res na Europa e nos Estados U nidos chegaram à conclusão de que qualquer país que tivesse a asp ira ção de ser civi lizado e av a n çad o teria necessariamente de adotar u m a form a de m ocrática d e governo. Não obstante, faltava a sexta instituição fundam ental - até mesmo a cid ad an ia. E m b o ra T ocqueville afirm asse q u e “ o estado de M aryland, fu n d a d o por homens de classe, foi o p rim eiro a procla mar o sufrágio universal”, como quase todos os hom ens (e mulheres) de seu tem po, tacitam ente pressupôs que “u n iversal” não incluísse as m ulheres.3 N ão incluía alguns homens. O “ su frá g io universal" de M aryland tam bém excluía a maioria dos afro-am ericanos. Por toda parte, em países que eram mais ou menos d em o crático s, como os Estados U n id os, uma boa metade de todos os adultos estava com pletam ente excluída da vida política nacional sim plesm ente por serem m u lh eres; além disso, o sufrágio era negado a m uitos ho mens p o rque não satisfaziam as exigências de se r alfabetizados 011 ter propriedades, exclusão essa apoiada por m uita gente que se considerava d efen sora de um governo dem ocrático ou republicano. A Nova Z elân d ia estendeu às mulheres o sufrágio nas eleições na cionais em 1893 e a Austrália em 1902, mas em países dem ocráti cos, em o u tro s aspectos, as mulheres não obtiveram o sufrágio em eleições n acio n ais até mais ou menos 1920. Na B élg ica, na França e na Suíça — países que a maioria das pessoas cham aria de alta mente d em o crático s as mulheres só puderam v otar depois da Segunda G u e rra M undial. Hoje ain d a é difícil para muita gente apreender o que “dem o cracia” sig n ificav a para os que nos precederam; p erm ita-m e enfati zar mais u m a v ez a diferença: durante 25 séculos, em todas as dem ocracias e repúblicas, os direitos de se env olver plenam ente na vida política estavam restritos a uma minoria de adultos. O gover no “d em o crático ” era um governo apenas de hom ens — e nem to dos... S om ente no século XX é que tanto na teoria com o na prática a dem ocracia v eio a exigir que os direitos de en v o lv er-se plena mente na v id a política deveriam ser estendidos, com pouquíssim as Idem, ibideiu, p. 50. 104 Robert A. Dahl exceções - se é que devesse haver alguma a toda a população adulta com residência permanente em um país. T om adas integralm ente, essas seis instituições políticas não constituem apenas um novo tipo de sistema político, m as um a nova espécie de governo popular, um tipo de “d em o cracia” que jam ais existira pelos 25 séculos de experiência, desde a prim eira demo cracia em A ten as e a primeira república em R om a. T om adas em seu conjunto, as instituições do moderno governo representativo dem ocrático são historicam ente únicas; por isso é bom que rece bam seu próprio nom e. Esse tipo moderno de governo dem ocrático em grande escala às vezes é chamado de poliarquia — dem ocracia poliárquica. Palavras sobre palavras Poliarquia deriva de palavras gregas que sig n ificam “ m uitos” e “governo” ; assim , “ o governo de m uitos” se distingue do governo de um , a m onarquia, e do governo de poucos, a oligarquia ou a aristocracia. E m bora a expressão seja usada raram en te, em 1953 um colega e eu a introduzim os, por ser uma boa m an eira para usar com o referência a um a democracia representativa m oderna. Mais precisam ente, um a dem ocracia poliárquica é um sistem a político dotado das seis instituições democráticas listadas anteriorm ente. Portanto, a dem ocracia poliárquica é diferente da dem ocracia re presentativa com o sufrágio restrito - como a do sécu lo XIX. T am bém é d iferente das dem ocracias e das repúblicas antigas que não apenas tinham sufrágio restrito, mas faltavam -lhes m uitas outras características decisivas da democracia poliárquica - por exem plo, os partidos políticos, o direito de formar organizações políticas para influenciar ou fazer oposição ao governo ex isten te, os grupos de interesse organizados, e assim por diante. E tam bém diferente das práticas dem ocráticas em unidades tão pequenas que os membros podem se reu n ir diretam ente e tomar decisões po líticas (ou recom endá-las), fazer leis . (Voltarei a essa diferença daqui a pouco.) E m bora m uitas vezes outros fatores contribuíssem , as seis ins tituições políticas da dem ocracia poliárquica apareceram , pelo m e Sobre a dem ocracia 105 nos em parle, como reação a exigências de inclusão e participação na vida política. Em países que são hoje cham ados democracias, existem todas as seis instituições. V ocê poderia muito bem per guntar: algum as dessas instituições não serão m ais do que produtos de lutas históricas do passado? Por que elas ainda são necessárias hoje? O fator tam anho A ntes de responder, tenho de cham ar atenção para uma im portante ressalva. Como adverti no início deste capítulo, estamos p o n derando as instituições necessárias para o governo de um país dem ocrático. Por que “país” ? Porque todas as instituições necessá rias pa ra um país democrático nem sem pre seriam exigidas para uma unidade muito menor do que um país. Imagine uma comissão dem ocraticam ente governada - 011 um clube, ou uma cidadezinha bem pequena. A igualdade no voto parece ria necessária, mas unidades pequenas com o essas poderiam resolver seus problem as sem muitos funcionários eleitos: talvez um moderador para presidir as reuniões, um secretário-tesoureiro para tratar das mi nutas e da contabilidade. Os próprios participantes poderiam decidir praticam ente tudo nessas reuniões, deixando os detalhes para o secre tário-tesoureiro. 0 governo de pequenas organizações não precisaria ser governos representativos plenam ente desenvolvidos, em que os cidadãos elejam representantes encarregados de prom ulgar leis e criar políticas. No entanto, esses governos poderiam ser democráticos, tal vez até bastante democráticos. Assim, em bora lhes faltassem partidos políticos ou outras associações políticas independentes, poderiam ser b astan te dem ocráticos. Na verdade, poderíam os concordar com a visão dem ocrática e republicana clássica que cora pequenas ações organizaram “partidos” que são não som ente desnecessários mas com pletam ente perniciosos. Em lugar da oposição exarcebada pelo partidarism o, pelos conluios, pelos partidos políticos e assim por di ante, podem os optar pela união, pelo consenso, pelo acordo consuma do pela discussão e pelo respeito mútuo. 106 F IG U R A Robert A. Dahl 7. Por que as instituições são necessárias N u m a u n i d a d e gr an d e c o m o um país. São n e c es sá ria s para satisfazer o s e s s a s i n s t i t u i ç õ e s p olític as da seguintes c ritério s democráticos: d e m o c r a c i a p o liá r q u ic a ... P a r t i c i p a ç ã o e fe tiv a 1. R e p r e s e n t a n t e s e le i t o s . .. C o n t r o l e d o program a I g u a l d a d e d e v o to 2. E l e i ç õ e s liv r e s, justas e freqüentes C o n t r o l e d o programa P a r t i c i p a ç ã o e fe t iv a 3. L ib e r d a d e de e x p r e s s ã o ... E n t e n d i m e n t o e sc la r ec id o C o n t r o l e d o program a 4 . I n f o r m a ç ã o alternativa ... P a r t i c i p a ç ã o e fe t iv a E n t e n d i m e n t o e sc la r e c id o 5 . A u t o n o m i a para as a s s o c i a ç õ e s ... C o n t r o l e d o pro gra m a P a r t i c i p a ç ã o e fe tiv a 6. C id a d a n ia i n c l u s i v a ... E n t e n d i m e n t o e sc la r e c id o C o n t r o l e d o program a Plena i n c lu s ã o A s instituições políticas rigorosamente ex ig id as para um go verno d em o crático dependem do tam anho da u n id ad e. As seis instituições listadas anteriormente desenvolveram -se porque são necessárias para governar países, não unidades m enores. A dem o cracia poliárquica é o governo dem ocrático na grande escala do país ou estado-nação. V oltando às nossas perguntas: as instituições d a democracia poliárquica serão realm ente necessárias para a d em o cracia na gran de escala de um país? Por que (e quan d o) a dem ocracia exige rep resen tan tes eleitos? C onform e o foco do governo dem ocrático m u d av a para unida des em grande escala, com o nações ou países, su rg iam questões: com o os cidadãos podem participar efetivamente quando o número Sobre a dem ocracia 107 d e pessoas se tornar exageradam ente grande ou geograficamente m u ito disperso (ou ambos, o q u e pode acontecer num país) para q u e possam participar de m aneira conveniente na feitura de leis, reu n in d o -se em um único lugar? C orno elas poderão ter a certeza d e que as questões que mais as preocupam venham a ser devida m en te ponderadas pelos funcionários - ou seja: como os cidadãos p o d erão controlar o programo de planejamento das decisões do g o v ern o ? Naturalm ente, é com plicadíssim o satisfazer a essas exigências d a dem ocracia numa unidade p o lítica do tam anho de um país; para fa la r a verdade, até certo p o n to quase im possível. No entanto, co m o acontece com outros critério s dem ocráticos bastante exigen te s, este pode também servir co m o padrão para avaliar possibilida d e s e soluções alternativas. E stá m u ito claro que as exigências não estarão satisfeitas se os funcionários m ais im portantes do governo fize rem o planejamento e ad o tarem políticas independentemente d o s desejos dos cidadãos. A ú n ica solução viável, embora bastante im p erfeita, é que os cidadãos elejam seus funcionários mais im p o rtan te s e os mantenham m ais ou m enos responsáveis por meio d a s eleições, descartando-os nas eleiçõ es seguintes. P ara nós, esta solução parece óbvia - mas o que nos parece ó b v io talvez não tenha sido tão ó b v io para nossos predecessores. C om o vimos no Capítulo 2, até m uito pouco tempo a possibili d ade de que os cidadãos pudessem escolher ou rejeitar representantes co m autoridade para legislar p o r m eio de eleições continuava am plam ente estranha à teoria e à prática da democracia. Como também já vim os, a eleição de rep resen tan tes desenvolveu-se principal m en te durante a Idade Média, q u a n d o os m onarcas perceberam que p a ra im por taxas, levantar ex ército s e legislar precisavam obter o consentim ento da nobreza, do alto clero e de alguns anônimos não m u ito anônimos nas maiores cid ad es. A té o século XVIII, a visão com um era a de que um governo d em o crático ou republicano sig n ificasse governo do povo e que. p a ra governar, o povo teria de se re u n ir em um único local e votar s o b re decretos, leis ou políticas. D em ocracia teria de ser uma d e m o cra cia de assembléias p o p u lares; “ dem ocracia representativa” se ria um a contradição. Explícita ou im plicitam ente, uma república o u um a democracia só poderia ex istir numa pequena unidade, 108 Robert A. Dahl como um a cidade, pequena ou grande. A utores que defendiam esse ponto de vista, com o Jean-Jacques R ousseau ou M ontesquieu, co nheciam perfeitam ente as desvantagens de um peq u en o estado, es pecialm ente se com parado à superioridade m ilitar de um estado bem m aior, e eram muitíssimo pessim istas sobre as perspectivas futuras para a verdadeira democracia. A visão com um foi rapidamente superada e posta de lado pela força da in v e stid a do estado nacional. O p ró p rio R ousseau com preendia claram ente que, para um país grande com o a Polônia (para o qual ele propôs uma constituição), seria necessária a repre sentação. P ouco depois, essa visão com um foi rechaçada do palco da história com a chegada da dem ocracia nos E stad o s Unidos da A m érica. No final de 1787, quando a Convenção C onstitucional se reu niu na F iladélfia para criar uma constituição adequada para um grande país com um a população cada vez m aior, os delegados co nheciam m uito bem a tradição histórica. S eria possível existir uma república da gigantesca escala já atingida pelos E stados Unidos, para não m encionar a escala ainda maior prevista pelos delegados? C ontudo, ninguém questionava que um a rep ú b lica que viesse a existir na A m érica do Norte tivesse de assum ir a form a de república representativa. D evido à demorada experiência com a representa ção nas legislaturas coloniais e estatais no C ongresso Continental, a viabilidade do governo representativo estava praticam ente além da discussão. Em m eados do século XIX, a visão tradicional era ignorada, esquecida ou, quando lembrada, tratada com o se fosse irrelevante. Stuart Mill escreveu, em 1861: E e v i d e n t e q u e o único go vern o q u e p o d e c o r r e s p o n d e r p le n a m e n t e a to d a s as e x ig ê n c ia s do e s t a d o s o c i a l é u m g o v e r n o em q u e t o d o o p o v o participa: em qu e q u a l q u e r p a r ticip a ç ã o , m e s m o n a m e n o r fun ção pública, é útil; q u e a p a r t ic ip a ç ã o deveria se r p o r to d a parte tão grande qu a nto p e r m it a o grau geral de m e lh o r i a da com unidad e; e que, e m ú l t i m a a n á l i s e , nada pode A lg u n s delegados temerários previram que os Estados U nid os poderiam, em última análise, chegar a ter cem milhões de habitantes. Este número foi atingido e m 1915. Sobre a dem ocracia 109 ser m e n o s desejá vel do q u e a a d m i s s ã o de t o d o s numa parcela d o poder so berano do e s t a d o . N u m a c o m u n i d a d e que e x ce d a o tam anho de um a c id a d e z in h a , (odos não p o d e m participar p e s s o a lm e n t e de qu alquer p o r ç ã o d o s n e g ó c i o s pú blicos, a não se r a lg u m a muito pequena; p o r t a n to , o tipo ideal do governo per feito d e v e ser representativo.4 P o r que a democracia exige eleições livres, justas e freqüentes? Se aceitam os a conveniência da igualdade política, todos os cid ad ão s devem ter uma oportunidade igual e efetiva de votar e todos os votos devem ser contados como iguais. Para implementar a igualdade 110 voto, é evidente que as eleições devem ser livres e ju stas. Livres quer dizer que os cidadãos podem ir às urnas sem m ed o de repressão; para serem ju sta s, todos os votos devem ser co n tad o s igualmente. Mesmo assim , eleições livres e justas não são o bastante. Imagine eleger representantes para um período de - d i gam os —vinte anos! Se os cidadãos quiserem manter 0 controle final sobre 0 planejamento, as eleições tam bém devem ser freqüentes. A melhor maneira de im plem entar eleições livres e justas não é evidente. No final do século X IX , o voto secreto começou a su b stitu ir a mão erguida em público. Em bora 0 voto aberto ainda ten h a poucos defensores, o segredo se tornou o padrão geral: um p aís em que ele é amplamente violado seria considerado desprovi d o de eleições livres e justas. A discussão sobre o tipo de sistema d e voto que melhor corresponda aos padrões da justiça continua. S erá um sistem a de representação proporcional, com o 0 empregado n a m aioria dos países dem ocráticos, m ais justo do que o sistema First-Past-the-Post usado 11a Inglaterra e nos Estados Unidos? P od e-se apresentar argumentos razoáveis para ambos, como vere 4 John Stuart M il I, Consideratioim 011 Represenlative Government [ i 8 6 1j. Nova York, Liberal Art.s Press, 1958, p. 55. Expressão inglesa que significa, literalmente, “o primeiro a ultrapassar a linha de chegada”. Esta expressão foi “tomada emprestada'’ do jargão das corridas de cavalos. No caso da eleição, é usada porque o candidato com mais votos entre o s distritos é o que representa a região e não o mais votado da região. (N. do E.) 110 Robert A. Dahl mos ao voltarm os a essa questão no C apítulo 10. Não obstante, em discussões sobre diferentes sistem as de voto, pressupõe-se a neces sidade de um sistema justo; a m elhor m aneira de obter a justiça e outros objetivos razoáveis é apenas um a questão técnica. Q ue freqüência deveriam ter as eleições? A julgar pelos m éto dos habituais em países dem ocráticos 110 século XX, diríamos que eleições anuais para os representantes do legislativo seriam fre qüentes demais e que um prazo além de cinco anos seria muito exagerado. Evidentem ente, os dem ocratas podem muito bem dis cordar a respeito do intervalo específico e de com o ele poderia va riar em diferentes postos e em diferentes tradições. O caso é que, sem eleições freqüentes, os cidadãos perderiam um verdadeiro controle sobre os funcionários eleitos. P or que a democracia exige a livre expressão? Para começar, a liberdade de expressão é um requisito para que os cidadãos realm ente participei 11 da vida política. Como pode rão eles tornar conhecidos seus pontos de vista e persuadir seus camaradas e seus representantes a adotá-los, a não ser expressando-se livrem ente sobre todas as questões relacionadas à conduta do go verno? Se tiverem de levar em conta as idéias de outros, será preciso escutar 0 que esses outros tenham a dizer. A livre expressão não significa apenas ter 0 direito de ser ouvido, m as ter também 0 di reito de ouvir o que os outros têm para dizer. Para se adquirir uma compreensão esclarecida de possíveis atos e políticas do governo, tam bém é preciso a liberdade de ex pressão. Para adquirir a com petência cívica, os cidadãos precisam de oportunidades para expressar seus pontos de vista, aprender uns com os outros, discutir e deliberar, ler, escutar e questionar especia listas, candidatos políticos e pessoas em cujas opiniões confiem - e aprender de outras maneiras que dependem da liberdade de expressão. Por fim, sem a liberdade de expressão, os cidadãos logo perde riam sua capacidade de influenciar o program a de planejamento das decisões do governo. C idadãos silenciosos podem ser perfeitos para um governante autoritário, m as seriam desastrosos para uma dem ocracia. So b re a democracia 111 P or que a democracia exige a existência de fontes altern ativas e independentes de inform ação? Como a liberdade de expressão, diversos critérios d e m o cráti cos básicos exigem que fontes de informação alternativas e re la ti vam ente independentes estejam disponíveis para as pessoas. P ense na necessidade de com preensão esclarecida. Como os cid ad ã o s podem adquirir a inform ação de que precisam para entender as questões se o governo co n tro la todas as fontes im portantes de in formação? Ou, por exem plo, se apenas um grupo goza do m o n o pólio de fornecer a inform ação? Portanto, os cidadãos devem ter acesso a fontes de inform ação que não estejam sob o controle do governo ou que sejam d o m in ad as por qualquer grupo ou po n to de vista. Pense ainda sobre a participação efetiva e a influência 110 p la nejamento público. C om o poderiam os cidadãos participar re a l m ente da vida política se toda a inform ação que pudessem a d q u irir fosse proporcionada por um a única fonte - o governo, digam os ou, por exemplo, um único partido, uma só facção ou um ún ico interesse? P or que a democracia exige associações independentes? Como vimos anteriorm ente, foi preciso uma virada radical nas m aneiras de pensar para ac eitar a necessidade de associações p o lí ticas: grupos de interesse, organizações de lohhy, partidos p o líti cos. No entanto, se urna g ran d e república exige que representantes sejam eleitos, então, com o as eleições poderão ser contestadas? Form ar uma organização, co m o um partido político, dá a um g rupo um a evidente vantagem eleitoral. Se um grupo quer o b ter essa vantagem , não a desejarão tam bém outros que discordem de suas políticas? Por que a atividade política deveria ser interrom pida e n tre as eleições? Os legisladores podem ser influenciados; as cau sas podem ser apresentadas, políticas podem ser im plem entadas, n o m eações podem ser procuradas. Assim, ao contrário de um a c id a dezinha, a democracia na g ran d e escala de um país faz com q u e as associações políticas se to rn em ao mesmo tempo necessárias e d e 112 R o b e rt A. Dahl sejáveis. Seja como for, co m o poderiam ser evitadas sem p re ju d i car o direito fundamental dos cidadãos de participar efetivam ente do governo? Numa grande república, eles não são apenas necessá rios e desejáveis, mas inevitáveis. Associações independentes tam bém são uma fonte de educação cívica e esclarecimento cívico: proporcionam inform ação aos cidadãos e, além disso, op o rtu n id a des para discutir, deliberar e adquirir habilidades políticas. Por que a democracia ex ig e um a cidadania inclusiva? Naturalmente, a resposta será encontrada nas razões que nos levaram à conclusão do cap ítu lo anterior. Não é preciso repeti-las aqui. Podemos ver as instituições políticas descritas neste capítulo e resumidas na Figura 6 de várias m aneiras. Um país que não possua uma ou mais dessas instituições até esse ponto não está su ficien te mente democratizado; o conhecim ento das instituições políticas básicas pode nos ajudar a cria r um a estratégia para realizar um a transição completa para a dem ocracia representativa m oderna. Para um país que apenas recentem ente fez a transição, esse co n h e cimento pode ajudar a nos in fo rm ar sobre as instituições decisivas que precisam ser reforçadas, aprofundadas e consolidadas. C om o são todas necessárias para a dem ocracia representativa m oderna (a democracia poliárquica), tam bém podem os ver que elas estab ele cem um nível mínimo para a democracia. A s pessoas que vivem em dem ocracias mais antigas, em que a transição para a dem ocracia ocorreu há algumas gerações e as in s tituições políticas listadas na F igura 6 estão hoje solidam ente esta belecidas, enfrentam hoje um a dificuldade diferente e igualm ente complicada. Ainda que necessárias para a democratização, com toda a certeza essas instituições não são suficientes para atingir plenamente os critérios d em o crático s listados na Figura 6 e des critos no Capítulo 4. Não terem os então a liberdade, talvez até a obrigação, de avaliar as nossas instituições democráticas em re la ção a esses critérios? P arece-m e óbvio, como a muita gente, que, ponderadas em relação a critérios dem ocráticos, as instituições po líticas existentes apresentam m uitas falhas. Sobre a democracia 113 A ssim c o m o precisam os de estratégias p a ra p ro d u z ir uma transição p a ra a dem ocracia em países n ã o -d e m o c rá tic o s e para consolidar as instituições democráticas em p aíses recentem ente dem ocratizados, nas dem ocracias mais antigas é n ec essário pensar se e como u ltra p a ssa r o nível existente de dem ocracia. D eixe-m e e x p o r dessa maneira: em m uitos p a íse s, é preciso atingir a d em o cratização até o nível da dem ocracia p oliárquica. No entanto, a d ificu ld ad e para os cidadãos nas d em o cracias m ais anti gas é d esco b rir com o elas poderiam chegar a um nível de dem o cratização além d a dem ocracia poliárquica. Capítulo 9 Variedades I: democracia em escalas diferentes Existem diferentes variedades de democracia? Se existem, quais são elas? As palavras dem ocracia e democrático são espa lhadas por aí sem qualquer discriminação, e, com isso, é tentador adotar as idéias de Humpty Dumpty, em Alice através do espelho : - Quando uso uma palavra, ela q u er dizer exatamente o que eu quiser - disse Humpty Dumpty e m tom bastante zombeteiro. - Nada mais, nada menos. - O caso é saber se você pode mesmo fazer as palavras significa rem tantas coisas diferentes... - disse Alice. - O caso é saber quem é que m an da - disse Humpty Dumpty. - Só isso! Em todo caso, as palavras im portam , sim ... Se aceitarmos o ponto de vista de Alice, qualquer um pode ch a m a r de democracia qualquer governo - até mesmo um governo despótico. Isso acontece com freqüência maior do que você imagi naria. Líderes autoritários, às vezes, dizem que seu regime é um tipo “especial” de democracia, superior aos outros. Por exemplo, V ladim ir Ilitch Lenin afirmou: A lice no país das maravilhas, obra clássica de L ew is Carral. (N. do E.) 116 Robert A. Dahl A d e m o c r a c i a d o p r o l e t á r i o é u m m i l h ã o d e v e z e s m ais d e m o crática do q ue q u a lq u e r d e m o c r a c i a b u rg u e sa; o g o v e rn o so v ié t ic o é u m m il h ã o d e v e z e s m a i s d e m o c r á t i c o d o q u e a m a i s d e m o c r á t i c a r e p ú b li c a b u r g u e s a . 1 U m a visão do homem que foi o arquiteto mais importante 11a cons trução dos alicerces do regime totalitário que regeu a União Sovié tica por mais de sessenta anos. Ficções como essa também foram inventadas por líderes e propagandistas de “democracias do p o v o ” altamente autoritárias criadas 11a Europa Central e do Leste, em países que caíram sob d om ínio soviético durante e depois da Segunda Guerra Mundial. N o entanto, por que deveríamos aceitar covardemente as de clarações dos déspotas de que são dem ocratas? Uma serpente ve n eno sa não se torna uma pomba p o rqu e seu dono diz que é. Não im porta o que afirmem líderes e propagandistas, um país será uma dem ocracia apenas se possuir todas as instituições políticas neces sárias à democracia. Isso significaria que os critérios democráticos só poderão ser correspondidos por meio de todo o conjunto de instituições políti cas da dem ocracia poliárquica 110 ú ltim o capítulo? Não necessa riam ente. • • As instituições da democracia poliárquica são necessárias para a democratização do governo do estado num sistema em gran de escala, especificamente um país. Contudo, elas poderiam ser desnecessárias ou completamente inadequadas para a democra cia em unidades em escala m enor (ou maior?) ou em menores associações independentes do estado, que ajudam a constituir a sociedade civil. (Falarei mais sobre isso daqui a pouco.) N o capítulo anterior, as instituições da democracia poliárquica foram descritas em linhas gerais; m as os países democráticos não podem variar muitíssimo e em aspectos bastante impor tantes de suas instituições políticas - tais como sistemas parti 1 L en in, The Proletarian Revolution and lhe R enegade Kautsky (novembro de 1918), citado em Jens A. Christophersen, The M eaning o f "Democracy" as iise d in European Ideologies from íhe F rench to the Rnssian Revolution , Oslo, Universitetsvorlaget, 1966, p. 260. Sobre a democracia 117 dários, métodos de votação e afins? Examinaremos a lg u m a s dessas variações nos próxim os dois capítulos. O fato de serem necessárias as instituições da democracia p oliár quica não implica que sejam suficientes para a dem ocracia. Sim, um sistema político dotado dessas instituições c o r r e s p o n derá de modo mais ou m enos satisfatório aos critérios d e m o cráticos descritos no Capítulo 4. Não será possível que outras instituições, além dessas, permitam que um país atinja u m ou mais desses critérios mais plenamente? Democracia: grega x m oderna Se as instituições políticas requeridas para a democracia têm de incluir representantes eleitos, o que diremos dos gregos, os p r i meiros a aplicar a palavra democracia ao governo de suas cid a d e sestado? Se - como Lenin. Mussolini e outros antidemocratas d o século XX - concluíssemos que os gregos utilizaram mal essa p a lavra, não estaríamos levando a nossa perspectiva do presente u m tanto longe, ao ponto de um absurdo anacrônico? Afinal de c o n tas, foram os gregos que inventaram e usaram a palavra dem ocracia. Negar que Atenas fosse uma democracia seria como afirmar q u e os irmãos Wright não inventaram o avião porque a máquina d e le s se parecia pouquíssimo com os nossos aviões de hoje. Com o devido respeito ao uso do passado, talvez p o s s a m o s aprender algo sobre ir dem ocracia das pessoas que não apenas nos deram a palavra, mas tam bém nos proporcionaram exemplos c o n cretos de seu significado. Quando examinamos Atenas, o m e l h o r exemplo conhecido da dem ocracia grega, logo observamos d u a s importantes diferenças em relação à versão atual. Por razões q u e já exploramos, hoje a maioria dos democratas insistiria que um s i s t e ma democrático aceitável deve satisfazer a um critério d em o crático inaceitável para os gregos: a inclusão. Também acrescentamos u m a instituição política que os gregos não apenas consideravam d e s n e cessária para suas dem ocracias, mas perfeitamente indesejável: a eleição de representantes com autoridade para legislar. P oderíam o s dizer que o sistema político inventado pelos gregos era uma d e m o cracia primária, uma dem ocracia de assembléia ou uma d em o c ra c ia 118 R o b e rt A. Dahl de câmara de vereadores. Decididam ente, eles não criaram a d e mocracia represenlaliva com o hoje a entendemos.2 Democracia de assem bléia x dem ocracia representativa Acostumados como estam os a aceitar a legitimidade da d e m o cracia representativa, talvez tenham os alguma dificuldade para e n tender por que os gregos se sentiam tão apegados à democracia de assembléia. Não obstante, até bem pouco tempo, a maioria dos o u tros defensores da democracia pensava como eles até 1762, q uand o foi publicado O contrato social, de Jean-Jacques Rousseau. T a lv e z até depois de Rousseau, os antifederalistas nos Estados Unidos, que se opunham à nova C onstituição norte-americana porque a c re ditavam que, sob um governo federal, seriam incapazes de se g o vernar. Até hoje, os cidadãos d e cantões na Suíça e de cidadezinhas do estado de Vermont, nos Estados Unidos, preservam cium entamente suas assembléias populares. Os estudantes norte-americanos nos anos 1960 e 1970 ex igiam furiosamente que a “d em ocracia participativa” substituísse os sistemas representativos - e m uitos outros, que em nossos dias continuam a enfatizar as virtudes do governo democrático por m eio d e assembléias de cidadãos. Os defensores da dem ocracia de assembléia que conhecem sua história estão conscientes de q u e a representação, como artifício democrático, tem um passado sombrio. Como vimos no Capítulo 2, o governo representativo não se originou como prática d em ocráti ca, mas como artifício pelo qu al os governantes não-democráticos (principalmente, os monarcas) poderiam enfiar as mãos em v a lio sos rendimentos e outros recursos que desejavam, especialm ente para fazer as guerras. Em sua origem, a representação não era d e mocrática: era uma instituição não-democrática, mais tarde enxertada na teoria e na prática democrática. Além de sua muito bem fundam entada suspeita dessa institui ção desprovida de credenciais democráticas, os críticos da re p re 2 Conforme já mencionei no C a p ítu lo 2, os gregos não consideravam “d e m o c r á t i cos'’ os rudimentares governos representativos formados por alg um as c id a d e s objetivando a defesa com um q u e , de qualquer maneira, era relevante para o desenvolvimento de governos re pre se ntativos posteriores. Sobre a democracia 119 sentação tinham um argumento ainda mais essencial. N um a pequena unidade política, com o uma cidadezinha, a d e m o cracia de assem bléia proporciona aos cidadãos boas oportunidades de se envolverem 110 processo de governar a si mesmos que um governo representativo numa grande unidade simplesmente não conseguiria proporcionar. Leve e m conta um dos critérios ideais para a dem ocracia des critos no C ap ítu lo 4: oportunidades para realm ente participar nas decisões. N u m a pequena unidade governada por s eu s cidadãos reu nidos em u m a assembléia popular, os participantes podem discutir e debater as questõ es consideradas importantes; d e p o is de ouvir os prós e os contras, podem tomar suas decisões, votar diretamente sobre os assu nto s em pauta à sua frente e assim não terão de dele gar uma série de decisões cruciais a representantes que poderiam muito bem s e r influenciados por seus próprios fins e interesses em lugar dos q u e teriam seus constituintes. Dadas essas claras vantagens, por que a antiga compreensão da democracia foi alterada para abrigar uma instituição política não-democrática em sua origem? A representação já existia Como se m p re , a história nos responde em parte. Nos países em que já existia o costume de eleger representantes, os reforma dores d em o crático s viram uma deslumbrante oportunidade. Não viam n en h um a necessidade de rejeitar o sistem a representativo, apesar de su a du vid osa origem e do sufrágio restrito e exclusivo em que estava baseado. Eles acreditavam que. a m p lian d o a base eleitoral, a legislatura ou o Parlamento poderiam s e r transformados em um corp o m ais verdadeiramente representativo que atenderia aos objetivos democráticos. Alguns viam na rep resentação uma alteração p ro fu n d a e deslumbrante nas perspectivas para a dem o cracia. Um p en sa d o r francês do século XVIII, D estutt de Tracy, cujas críticas a M ontesquieu, seu predecessor, influenciaram imen samente a T h o m a s Jefferson, observou triunfante: A r e p r e s e n t a ç ã o ou g o v e r n o r e p r e s e n t a t i v o p o d e s e r c o n s i d e r a d a u m a i n v e n ç ã o inovadora, d e sc o n h ec id a na é p o c a d e M o n t e s q u i e u 120 Robert A. Dahl . . . A d e m o c r a c i a r e p r e s e n t a t i v a ... é a d e m o c r a c i a v i á v e l p o r m u i t o t e m p o e s o b r e u m territó rio d e g r a n d e e x t e n s ã o . ? E m 1820, Jam es Stuart Mill descreveu o “ sistem a de repre sentação” com o “ a grandiosa descoberta dos te m p o s modernos”.4 Invenção inovadora, grandiosa descoberta: essas palavras nos ajudam a apreender um pouco da emoção que sentiram os reformadores democráticos ao desvendar o pensamento dem ocrático tradicional e perceberam que seria possível criar uma nova esp é cie de democra cia, enxertando a prática medieval da representação na árvore da democracia antiga. Eles estavam certos. Em essência, o processo de ampliação le vou a um governo representativo baseado em um dem os inclusivo, ajudando a atingir a concepção moderna da dem ocracia. Dadas as vantagens relativas da representação, p o r que os re formadores dem ocráticos não a rejeitaram co m p letam ente e opta ram pela dem ocracia direta sob a forma, por exem plo , de uma assembléia do povo no estilo dos gregos? Esta possibilidade tem alguns defensores, mas em geral os defensores da democracia, como os form adores da Constituição dos Estados Unidos, concluí ram que a unidade política que desejavam dem ocratizar era grande demais para um a democracia de assembléia. M ais um a vez: tam anh o e democracia O tam anho tem importância. O número de pessoas numa uni dade política e a extensão de seu território têm conseqüências para a forma da democracia. Imagine, por um m om ento, que você é um reformador democrático num país com um governo não-democrático que quer democratizar. Você não quer que o seu país se dilua em dezenas ou até centenas de miniestados, m e s m o q u e cada uni deles fosse pequ en o o bastante para que seus cid ad ã o s se reúnam 3 D estutt de T racy. A Comm entary and Revie ir o f M ontesquieu ’.v Sp/ril of Latrs. Filadélfia, William Duane, 1811, p. 19, citado em Adrienne Kocli. The Thilosophy o f Thomas Jefferson, Chicago, 1964, p. 152. 157. 4 Citad o em G e o r g e H. Sabine, A Hislorv o f Politicaf Theory, 3. ed., Nova York, Ho!t, R inehart a nd W insíon, 1961, p. 695. Sobre a dem ocracia 121 com freqüência para exercitar sua soberania num a assembléia. Os cidadãos de seu país são por dem ais num erosos para se reunirem num a assembléia e, além disso, estão espalhados p o r um território grande dem ais para todos se reunirem sem trem endas dificuldades. O que você deveria fazer? T alve z hoje e cada vez mais 110 futuro seja possível resolver o problem a territorial com o emprego dos meios de comunicação eletrônicos; assim, os cidadãos dissem inados por um a área muito grande se “encontrarão” para discutir variadas questões e para vo tar. Contudo, uma coisa é possibilitar “ reuniões” eletrônicas e outra muito diferente é resolver o problem a apresentado por números im ensos de cidadãos. Além de certo limite, a tentativa de fazer com que todos se reúnam e se envolvam em discussão frutífera, mesmo por m eios eletrônicos, torna-se um disparate. Q ue tamanho é grande demais para uma democracia de assem bléia? Que tamanho é pequeno demais? Segundo estimativas recentes de estudiosos, nas cidades-estado gregas, o corpo de cidadãos adultos do sexo masculino tipicamente chegava a um núm ero que variava de dois mil a dez mil - este seria mais ou menos o número correto para um a boa polis (ou uma cidade-estado autogovernada) na visão de alguns teóricos políticos gregos. N ão obstante, em Atenas o corpo dos cidadãos era bem maior do que isto, possivelmente em torno de sessenta mil no período áureo da dem ocracia ateniense, em 450 a.C. “Atenas simplesmente tinha um núm ero exagerado de c id a d ã o s para a polis funcionar d e v id a m e n te ” , escreveu um es tudioso. Um século mais (arde, com o resultado d e emigração, de m ortes pelas guerras e doenças e de maiores restrições à cidadania, este núm ero talvez tenha sido reduzido à metade, o que ainda era dem ais para reunir em sua assembléia mais do q ue uma pequena fração dos homens dotados de cidadania ateniense.5 U m pouquinho de aritmética revelará daqui a pouco as inexo ráveis conseqüências do tempo e dos números. Imagine que iniciemos A c ita çã o e as estimativas dos números de cid a d ão s atenienses são de Morgens H e r m a n Hansen, The Athenian Democracy in tlie Age o f Demnsthenes: Slructnre, Principies, and Ideology, traduzido para o inglês por J. A. Crook. Oxford. B lac k w e li, 1991, p. 53-54. As estim ativas para outras c id a d e s são de John V. Fine, The Anciení Greeks: A CriticaI H istory , C a m b rid g e , Belknap Press of H a r v a r d University Press, 1983. 122 Robert A. Dahl com u m a unidade minúscula, um comitê de apenas dez pessoas, por exemplo. Acreditamos que seria razoável permitir a cada membro pelo menos dez minutos para discutir a questão em pauta. Assim, pre cisarem os de mais ou menos uma hora e quarenta minutos para a nossa reunião, o que certamente não é nenhum tempo exorbitante para a reunião dos membros desse comitê. C ontudo, imagine que o assunto é m uito complicado, exigindo cerca de meia hora de cada m em b ro do comitê. Será preciso planejar um a reunião de cinco horas ou, talvez, duas reuniões - uma quantidade de tempo ainda aceitável. U m com itê bastante grande ainda seria uma pequena assem bléia de cidadãos. Imagine agora, por exem plo, uma aldeia de duzentas pessoas, das quais cem adultos, todos os quais assisfem às reuniões das assembléias. Cada um deles tem o direito de falar por T A B E L A 1. O alto preço da democracia participativa N úm ero Toíal do t e m p o exi g i d o se c a d a p e s s s o a tem de pessoas 10 20 50 500 1.000 5.000 10.000 J0 m in u lo s minutos 100 200 500 5.000 10.000 50.000 100.000 horas 2 3 8 83 167 833 1.667 3 0 m inutos dias de 8 lioras; 1 10 21 104 208 minulos 300 600 ! .500 15.000 30.000 150.000 300.000 Imras s 10 25 250 500 2.500 5.000 dias de 1 3 31 63 313 625 dez m inutos. Esse modesto total exigiria dois dias de oito reunião — o que não é impossível, mas com toda a certeza não é nada fácil de conseguir! Por enquanto, m antenham os o nosso pres sup osto de apenas dez minutos para a participação de cada cidadão. C o n fo rm e aumentam os números, mais absurda se torna a situação. N u m a “polis ideal” de dez mil cidadãos com plenos direitos, o tem po requerido ultrapassa em muito q uaisquer limites toleráveis. Os d e z m inutos concedidos a cada cidadão exigiriam mais de du zen tos dias de oito horas de trabalho! A concessão de meia hora a cada u m exigiria quase dois anos de reuniões constantes (Tabela 1)! N aturalm ente, pressupor que todos os cidadãos queiram falar é absurdo, com o sabe qualquer um que tenha um vago conhecimento Sobre a dem ocracia ..123 a respeito das assembléias populares. O característico é que poucas pessoas falem na maior parte do tempo. Os outros se contêm por alguma razão: porque o que teriam a dizer já foi devidamente e x posto por alguém, porque já to m aram sua decisão, porque têm medo de falar em público, sentem-se mal, não têm nenhum interesse tão urgente no assunto discutido, não conhecem muito bem a questão e assim por diante... Portanto, enqu an to alguns discutem, o resto escuta (ou não), e quando chega na hora de votar, vota (ou não). Além do mais, podem o co rre r muitas discussões e investiga ções por outros cantos. M uitas das horas necessárias na Tabela 1 podem ser 11a verdade usadas 11a discussão de questões públicas em inúmeros cenários informais. A ssim , não devemos ler a Tabela 1 de maneira muito simplória. A p e sa r de todas as restrições razoá veis, a democracia de assembléia tem alguns problemas sérios: • • • As oportunidades para a participação rapidamente diminuem com o tamanho do corpo dos cidadãos. Embora muito mais gente p o ssa participar escutando os que falam, o número máximo de participantes numa única reunião com probabilidade de se expressar pela oratória é muito p eq u e no - bem menos do que um a centena. Esses membros com plena participação se tornam os represen tantes dos outros, exceto no voto. (Esta exceção é importante; voltarei a ela daqui a pouco.) Assim, mesmo mima u nid ade governada pela democracia de assembléia, é provável existir u m a espécie de sistema defacto. Nada garante que os m em b ro s dotados do direito de plena p a r ticipação sejam representativos do resto. Para proporcionar um sistem a satisfatório para selecionar r e presentantes, é razoável que os cidadãos prefiram eleger seus representantes em eleições livres e justas. 124 Robert A. Dahl O s lim ites dem ocráticos do governo represen tativo A p a ren tem en te , a vantagem está c o m a representação. Será? A ironia dessa combinação de tempo e n ú m ero s é ser uma faca de dois gum es: ela revela num instante um en o rm e defeito democráti co 110 governo representativo. Voltando à T abe la 1 e aos nossos exercícios de aritmética: imagine que agora calculamos o tempo necessário para cada cidadão ter um rapidíssim o encontro com seu representante. A Tabela 1 proporciona um argum ento devastador contra as possibilidades de participação no governo representativo. Im agin em os que um representante eleito separe dez minutos de seu tem po para discutir com cada cidadão adulto as questões de seu distrito. N ão levaremos em conta o tempo de viagem e outros pro b lem as pragmáticos. Façamos de conta que no distrito vivem dez mil cidadãos adultos - o maior número mostrado na Tabela 1. Quod erat demonstrandum (como queríamos dem onstrar): o represen tante teria d e passar mais da metade dos d ias do ano só para se encon trar com seus constituintes! Nos Estados Unidos, os repre sentantes do Congresso são eleitos em distritos que em média con têm m ais de 400 mil cidadãos adultos! U m m em b ro do Parlamento norte-am ericano que desejasse dedicar apenas dez minutos para cada cidadão em seu distrito não teria tem po para mais nada em sua v id a ... Se o deputado (ou deputada) quisesse passar oito lioras por dia nessa tarefa, todos os dias do ano, precisaria de mais de vinte anos ou dez mandatos de dois anos - m ais tempo do que a m aioria dos representantes costuma perm an ecer no Congresso! D em o cracia de assembléia ou dem ocracia representativa? D em o cracia em pequena escala ou dem ocracia em grande escala? Qual a melhor? Qual a mais democrática? C ad a uma delas tem seus defensores apaixonados. Exatamente co m o acabamos de ver, há um bo m argumento para as vantagens de cada uma delas. Con tudo, nossos exercícios aritméticos bastante artificiais e até absur dos revelaram os limites 'insuperáveis da participação cívica limites esses que se aplicam aos dois tipos com uma indiferença cruel. N e n h u m dos dois pode fugir dos limites inexoráveis impos tos pela interação do tempo exigido para um ato de participação e do n úm ero de cidadãos autorizados a participar. Sobre a dem ocracia 125 A lei do tempo e dos números: quanto mais cidadãos uma uni dade democrática contém, m enos esses cidadãos podem participar diretamente das decisões do governo e mais eles têm de delegar a outros essa autoridade. Um dilema básico da d em ocracia Há um dilema fundamental da democracia espreitando nos bastidores deste cenário. Se nosso objetivo é estabelecer um sistema de governo democrático que proporcione o máximo de oportunidades para os cidadãos participarem das decisões políticas, evidentemente a democracia de assembléia num sistem a político de pequena escala está com a vantagem. C ontudo, se nossa meta é estabelecer um sistema democrático de governo que proporcione o maior terreno possível para tratar eficazmente do s problemas de maior im portân cia para os cidadãos, então, e m geral, a vantagem estará numa u n i dade de tal tamanho que será p reciso um sistema representativo. Este é o dilema da participação do cidadão versus a eficácia do sistema: Q u a n to m e n o r a u n i d a d e d e m o c r á t i c a , m aior se u p o t e n c i a l p a r a a p a rtic ip a ç ã o d o c i d a d ã o e m e n o r a ne c e ssid a d e d e q u e o s c i d a d ã o s d e le g u e m as d ecisõ es d o g o v e rn o a r e p r e s e n t a n t e s . Quanto m aior a u n id a d e , m a i o r sua capacidade p ara tr a ta r d e p r o b l e m a s i m p o r t a n t e s p a r a s e u s c id a d ã o s e m a i o r a n e c e s s i d a d e d o s c id a d ã o s d e l e g a r e m a s d e c i s õ e s a re p re se n ta n te s. Não vejo como podemos fugir desse dilema. Em todo caso, ainda que não possamos fugir d ele. podemos enfrentá-lo. O negócio às vezes é ser p eq u en o Como acontece com todas as outras atividades dos seres h u manos, os sistemas políticos n ão realizam necessariamente suas possibilidades. O título de um livro apreende a essência desse tipo 126 Robert A. Dahl de perspectiva: O negócio é ser p eq u en o /’ Indiscutivelmente, em teoria é possível que sistemas políticos m u ito pequenos obtenham um elevado índice de participação do cid adão a que os sistemas grandes jamais podem corresponder. N o entanto, muitas vezes, tal vez em geral, eles não conseguem realizar seu potencial. A s assembléias populares em algum as cidades menores da N o va Inglaterra, nos Estados Unidos, são um bom exemplo dos limites e das possibilidades. Embora a m aio ria das assembléias po pulares tradicionais da Nova Inglaterra tenh a sido substituída no todo ou em parte por um corpo legislativo d e representantes elei tos, elas ainda estão vivas e muito bem em Vermont, um estado principalm ente rural. Um observador solidário e participante que estudou as assem bléias populares em Vermont descobriu que entre 1970 e 1994 fo ram realizadas 1.215 dessas reuniões em 2 1 0 cidadezinhas do tipo de V erm o nt com menos de 4.500 m oradores. Dos livros de registro de 1.129 dessas assembléias, ele chegou à seguinte conclusão: ...o n ú m e r o m é d i o d e p e s s o a s q u e a s s i s t i a a e s s a s re u n iõ e s q u a n d o a c o n t a g e m e ra m a i s a l t a e r a d e 1 3 9 . D e s t a s p e sso a s, e m m é d i a , 4 5 p a r ti c i p a r a m p e lo m e n o s u m a v e z . . . E m m é d ia . 19% d o s v o t a n t e s e le g í v e i s d e u m a d e s s a s c i d a d e z i n h a s e s ta r ã o p r e s e n t e s n u m a a s s e m b lé i a p o p u l a r e 1 % d o s v o t a n t e s e le g í v e i s de u m a c i d a d e z i n h a ( 3 7 % d o s a s s i s t e n t e s ) t o m a r ã o a p a la v r a p e lo m e n o s u m a ve z . .. A g r a n d e m a i o r i a d a s p e s s o a s q u e t o m a m a p a l a v r a o fa z m a is d e m n a v e z . . . E m m é d i a , u m a re u n iã o d u ra a p r o x i m a d a m e n t e q u a t r o h o r a s . . . d e t e m p o p a ra d e l i b e r a ç õ e s . É o t e m p o s u f i c ie n t e p a ra d a r a c a d a u m d o s p r e s e n t e s d ois m i n u t o s e 14 s e g u n d o s p a r a fa la r. N a t u r a l m e n t e , c o m o b e m m e n o s d a s p e s s o a s q u e a s s is te m t o m a m a p a l a v r a , e m m é d i a o t e m p o d e c a d a fa la n te é d e q u a s e e x a t a m e n t e c i n c o m in u t o s . .. Ao c o n t r á r i o , c o m o há c e r c a d e q u a t r o v e z e s m a i s p a r ti c i p a n te s d o q u e particip açõ es, em m édia u m a a s s e m b l é i a p o p u lar dá apenas u m m i n u t o e vin te s e g u n d o s p a r a c a d a p a r t i c i p a ç ã o . 7 h E. F. S c h u m a c h e r , Sm all is Beauliful: A S la d y o f E co n o m ics as l f People M a ttc rc d , Londres, B lo n g an d Briggs, 1973. 7 F ra n k M. Bryan, “ Direct Democracy and C ivic C o m p e t e n c e ”. Good Socieíy 5. 1 (o u to n o de 1995), p. 36-44. Sobre a dem ocracia 127 Aparentemente, as assembléias populares não são exatamente modelos da democracia participativa - mas esta não é toda a histó ria. Quando sabem que as questões a tratar são comuns ou indiscu tíveis, os cidadãos preferem ficar em casa - e por que não? N o entanto, as questões polêmicas os levam à rua. Minha cidadezinha em Connecticut abandonou em grande parte sua tradicional assem bléia popular, mas ainda me lembro de questões em que os cid a dãos se dividiam seriamente e apareciam em tal número que apinhavam o auditório da high-school; para os que não haviam conseguido entrar na primeira, era preciso marcar uma segunda reunião, que se mostrava igualm ente apinhada. Como ainda hoje acontece em Vermont, as discussões nas assembléias populares não são dominadas pelas pessoas instruídas e ricas. As fortes co n v ic ções e a determinação para tom ar a palavra absolutamente não são monopolizadas por um único grupo socioeconômico. Com todas as suas limitações, a democracia de assembléia tem muito a seu favor. As vezes o negócio é ser gran d e Como já vimos no Capítulo 2, os gregos não fugiam ao dile ma. Eles sabiam perfeitamente que o calcanhar de Aquiles do esta do pequeno é sua fragilidade diante de um grande estado. Por mais criativos e corajosos que fossem na preservação de sua independên cia, os atenienses não conseguiram evitar aderrota pela superiorida de das forças de Filipe da Macedônia, em 322 a.C., nem os séculos de dominação estrangeira que seguiram. Quando o estado nacional centralizado começou a emergir, as restantes cidades-estado estavam condenadas. A última grande cidade-estado república, Veneza, caiu sem resistência para as forças de Napoleão Bonaparte em 1797; dali em diante, jamais retomou sua independência. Nos últimos séculos, especialmente no século XX, as limitadas capacidades de unidades pequenas o bastante para se autogovernarem numa democracia de assembléia apareceram muitas e muitas vezes não apenas em questões militares, mas tratando de outras questões, como economia, tráfego, transportes, comunicações, movimentos das pessoas e dos bens, da saúde, do planejamento familiar, da agricultura, 128 R o b e rt A. Dahl do crime, da educação, dos assuntos civis, políticos, dos direitos hu manos e uma série de outros interesses importantes. Na ausência de um cataclism a universal que reduzisse drástica e permanentemente a população do mundo e eliminasse a tecnolo gia avançada, é impossível p rever um mundo em que desaparece ram todas as grandes unidades políticas, inteiramente substituídas por unidades políticas com pletam ente independentes, com popula ções tão pequenas (digamos, no máximo, com menos de cinqüenta mil pessoas) que seus cidadãos pudessem se governar e prefeririam se governar exclusivam ente por um sistema de dem ocracia de assembléia. Para piorar tudo, um mundo de unidades pequenas e completamente independentes com toda a certeza seria instável, pois seria preciso que um as p o u ca s unidades se juntassem e se empenhassem em agressão militar, tomando uma unidade pequena depois da outra, para estar criado um sistema grande demais para o governo de assembléia. P ara dem ocratizar essa nova unidade maior, os reformadores (ou revolucionários) democráticos teriam de reinventar a democracia representativa. O lado sombrio: a negociação entre as elites Com todas as suas vantagens, o governo representativo tem um lado sombrio. A maioria dos cidadãos que vivem em países democráticos tem consciência dele, em geral o aceitam como parte do preço a pagar pela representação. O lado sombrio é o seguinte: sob um governo representativo, muitas vezes os cidadãos delegam imensa autoridade arbitrária para decisões de importância extraordinária. Não delegam autori dade apenas a seus representantes eleitos, mas, num trajeto ainda mais indireto e tortuoso, a autoridade é delegada a administradores, burocratas, funcionários públicos, juizes e, em grau ainda maior, a organizações internacionais. Há um processo ligado a instituições da democracia poliárquica que ajuda os cidadãos a exercer influên cia sobre a conduta e as decisões de seu governo: a negociação entre as elites políticas e burocráticas. A negociação da elite ocorre dentro dos limites impostos pelas instituições e pelos processos democráticos. Em geral, são limites Sobre a democracia 129 muito amplos, a participação e o controle popular n e m se m p re são vigorosos, e as elites políticas e burocráticas possuem e n o r m e dis cernimento. A p e sa r dos limites para o controle p o p u lar, as elites políticas nos países democráticos não são déspotas s e m controle. Longe disso. As eleições periódicas obrigam-nos a m a n te r u m olho na opinião do povo. A lém do mais, quando chegam a d e c isõ e s, as elites políticas e burocráticas são influenciadas e re fre a d a s umas pelas outras. A negociação das elites tem seus p ró p rio s p esos e contrapesos. Os representantes eleitos participam da n e g o c ia ç ã o até o ponto em que sã o u m canal através do qual os d e s e jo s , o s o b j e tivos e os valores populares entram nas decisões g ov ern am en tais. As elites políticas e burocráticas nos países democráticos são p o d e rosas, bem mais p oderosas do que podem ser os c idad ão s c o m u n s mas elas não são déspotas. Organizações in tern acion ais podem ser dem ocráticas? Até aqui nos preocupam os com as possibilidades da d e m o c r a cia em unidades de escala menor do que um país ou n aç ão -estado . E quanto às unidades de maior escala ou pelo m enos u m a escala muito diferente - as organizações internacionais? No final do século XX, os países democráticos passaram a sentir cada vez mais as conseqüências da internacionalização — econômica, cultural, social, política, burocrática, militar. O que reserva o futuro para a democracia? Ainda que os governos de países dem ocráticos independentes entreguem grande parte de seu poder a algum tipo de governo internacional, o processo democrático não passará sim ples mente a um nível internacional? Se é assim, conforme são d em o crati zados os emergentes governos internacionais, os valores dem ocráticos não enfraquecerão e talvez até se aperfeiçoem. Podemos to m a r u m a analogia da história. C o m o v i m o s no Capítulo 2, o locu.s original da idéia e da prática da d e m o c r a c ia foi a cidade-estado. N o entanto, as cidades-estado não p o d e r ia m se opor à força crescente dos estados nacionais. Ou as cid a d e s -e s ta d o deixariam de existir com identidade própria ou, com o aco nte ceu com Atenas e V e n eza, tornam-se governos locais su b o rd in a d o s ao governo do país. N o século XXI, será que os governos nac io n a is 130 R o b ert A. Dahl não parecerão sim plesm ente governos locais subordinados a go vernos democráticos internacionais? Afinal de contas, poderíam os dizer, a subordinação d e g o ver nos locais menores a um governo nacional não significou o fim da democracia. Ao contrário, a democratização de governos nacionais não apenas estendeu im ensam ente os domínios da dem ocracia, mas abriu um importante espaço para os processos dem ocráticos nas unidades subordinadas — vilas, cidades, cantões, estados, p rovín cias, regiões, e assim por diante. Assim, nessa visão, a dificuldade não está em deter a internacionalização em suas trilhas, o que é impossível. A dificuldade é democratizar as organizações interna cionais. Para meu pesar, sou forçado a concluir que essa visão é exageradamente otimista, por m ais atraente que seja para q u a lq u e r um que valorize a democracia. M esm o nos países em que as institui ções e as práticas dem ocráticas existem há muito tem po e estão consolidadas, é dificílimo que os cidadãos exerçam um controle eficaz sobre inúmeras questões essenciais nas relações exteriores. Esse controle é bem mais difícil em organizações internacionais. A União Européia nos oferece um bom exemplo. Ali, estrutu ras nominalmente dem ocráticas, como eleições populares e um parlamento, estão pro fo rm a em seu devido lugar. Não obstante, virtualmente todos os observadores concordam que p e rm a n e c e um gigantesco “déficit democrático” . Decisões importantes são tomadas, principalmente, por meio de negociações entre as elites po lítica s e burocráticas. Os limites não são impostos por meio de processos democráticos, mas, sobretudo, pela concordância obtida p e lo s ne gociadores, levando em conta as prováveis conseqüências para os mercados nacionais e internacionais. A negociação, a hierarquia e os mercados determ inam os resultados. Os processos dem ocráticos praticamente têm apenas o papel de ratificar esses resultados. Se as instituições dem ocráticas são em geral ineficazes no go verno da União Européia, as perspectivas para a dem ocratização de outros sistemas internacionais parecem ainda mais rem otas. Para obter um controle p opular que esteja em algum ponto p ró x im o ao controle já existente nos países democráticos, as o rg a n iz a ç õ e s internacionais teriam de resolver, da melhor maneira, d iv e rs o s pro blemas que estejam sendo tratados nesses países. Os líderes políticos Sobre a democracia 131 teriam de criar instituições políticas que proporcionassem partici pação, influência e controle político de eficácia m ais ou menos equivalente à existente em países democráticos. Para aproveitar essas oportu nid ades, os cidadãos teriam de estar m ais ou menos interessados e informados sobre as decisões políticas das organiza ções internacionais bem como sobre as decisões do governo de seus países. P ara os cidadãos estarem inform ados, as elites da polí tica e da c o m u n ica ção teriam de discutir pu blicam ente as alternati vas, de m an eira que envolvesse a atenção e as em oçõ e s do público. Para asseg urar o debate público, seria preciso criar um equivalente internacional à competição política nacional de partidos e pessoas em busca d o posto. Os representantes eleitos ou seus equivalentes funcionais (sejam quais forem) teriam de exercer controle sobre importantes burocracias internacionais mais ou menos tão bem quanto o fazem os legislativos e os executivos nos países democráticos. A m a n e ira com o os representantes de um hipotético corpo de cidadãos internacionais seriam distribuídos entre povos de países diferentes traz mais um problema. Dadas as imensas diferenças na magnitude das populações de países diferentes, n enhum sistema de representação conseguiria dar igual peso ao voto de todos os cida dãos, evitando que os votos dos países grandes superassem com vantagem o s pequenos - assim, todas as soluções aceitáveis para as democracias m enores negarão a igualdade política entre os mem bros do dem os maior. Como acontece nos Estados Unidos e em outros siste m as federais, as soluções aceitáveis p odem ser costura das como u m a colcha de retalhos,'como a feita para a União Euro péia. Em to d o caso, seja qual for a solução conciliatória alcançada, ela facilmente poderia se tornar fonte de tensões internas, especial mente na au sê n cia de uma forte identidade comum. A tensão é ainda mais provável porque a maioria das decisões nas democracias nacionais tende a ser considerada prejudicial para os inte resses de algum as pessoas, o mesmo podendo acontecer nas organiza ções internacionais - como eu já disse. O peso maior de algumas decisões poderá recair sobre determinados grupos, países 011 regiões. Para sobreviver a essas tensões, uma cultura política apoiando especí ficas instituições ajudaria - e talvez fosse necessária. Criar e desen volver um a cultura política toma tempo, talvez gerações. Além do mais, se as decisões políticas forem amplamente aceitáveis e válidas 132 Robert A. Dahl entre os perdedores, provavelmente teria de surgir alguma identidade comum equivalente à existente em países democráticos. Parece-me altam ente improvável que todas essas exigências essenciais para a dem ocratização de organizações internacionais sejam satisfeitas. E, se as exigências não forem satisfeitas, p o r que processo serão tom adas as decisões internacionais? C reio q u e por meio de negociações entre as elites políticas e burocráticas: superin tendentes de grandes companhias, ministros, diplomatas, burocratas dos governos e de organizações não-governamentais, líderes e m presariais e afins. E m b o ra os processos democráticos de vez em quando consigam d e term in a r os limites exteriores dentro do s quais as elites realizam suas negociações, chamar de “dem ocráticas” as práticas políticas dos sistem as internacionais seria roubar todo o significado da expressão. Uma sociedade p lu ralista vigorosa nos países d em ocráticos É improvável q ue a democracia passe ao nível internacional, mas é importante ter sem pre em mente que todo país dem o crático precisa de unidades m enores. Num país moderno, essas unidades são variadíssimas. A té os menores países democráticos e x ig e m go vernos municipais. P aíses maiores poderão ter outro tipo de unida des: distritos, condados, estados, províncias, regiões, e assim por diante. Por menor q ue seja o país na escala mundial, ele precisará de uma série de associações e organizações independentes - ou seja, uma sociedade civil pluralista. A melhor m a n e ira de governar as menores a s s o c ia ç õ e s de estado e sociedade - sindicatos, empresas econômicas, g ru p o s de interesses especializados, organizações educacionais, e assim por diante - não admite um a resposta única. O governo dem ocrático pode não estar justificado em todas as associações; diferenças m ar cadas 11a competência p o d em impor limites legítimos na extensão a que devem ser satisfeitos os critérios democráticos. M e s m o onde a democracia está com provada, nenhuma forma será n ecessaria mente a melhor. No entanto, n e n h u m aspecto não-democrático de q u a lq u e r go verno deveria passar se m um questionamento - seja do estado e Sobre a democracia 133 suas unidades ou de associações independentes num a sociedade civil pluralista. Os princípios democráticos su gerem algumas per guntas a fazer sobre o governo de qualquer associação: • • • Ao ch eg ar a decisões, o governo da associação garante igual peso ao bem e ao interesse de todas as pessoas ligadas por es sas decisões? Alguns dos membros da associação estarão m ais bem qualifi cados do que outros para governar, que p udessem receber auto ridade plena e definitiva no governo da associação? Se não, será que 110 governo da associação não deveríam os considerar os m em b ro s da associação como iguais políticos? Se os m em b ros têm igualdade política, o governo da associa ção não corresponde aos critérios dem ocráticos? Se correspon de, até que ponto a associação proporciona a seus membros as oportunidades de participação eficaz, igualdade de voto, obten ção de um entendimento esclarecido e exercendo controle final sobre os planos? Em quase todas (talvez todas) as organizações por toda parte, há algum espaço para alguma democracia. E m quase todos os paí ses dem ocráticos há bastante espaço para m ais democracia. Capítulo 10 Variedades II: constituições Assim com o a democracia vem em ta m an h o s diferentes, as constituições democráticas vêin em estilos e form as variados. Você poderia m uito bem se perguntar se as diferenças n as constituições de países democráticos realmente têm im portância... A resposta pode ser não, sim e talvez. Para explicar por quê, começarei, principalm ente, com a expe riência da constituição das democracias antigas, países em que as instituições democráticas básicas existiram ininterruptam ente des de 1950 - 22 ao todo (Alemanha, Austrália. Á u stria, Bélgica, Ca nadá, C osta Rica, Dinamarca, Estados Unidos. Finlândia, França, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxem burgo, Holanda, No ruega, N ova Zelândia. Reino Unido, Suécia, S u íç a ).1 As variações entre eles são suficientes para proporcionar uma boa idéia das possibilidades. Não obstante, os arranjos constitucio nais dos países recentemente democratizados mão são menos im portantes — talvez sejam até mais, porque pod em s e r decisivos para a vitória da democratização. A o d escrever as constituições e os arranjos constitucionais, desejo usar esses termos amplamente, de m odo a incluir práticas im portantes que talvez não estejam especificadas na constituição, como os sistem as eleitorais e partidários. M inha razão para isto será esclarecida no próximo capítulo. Quais são as variações importantes nas constituições demo cráticas e qual sua verdadeira importância? 1 V e j a A r e n d L ij p h a r t , Democracies: Patienis o f M a jo rita ria n and Consensus (io vem m en f in Twen<y-()ne Cowitries , N ew H a v e n e L o n d r e s , Y a l e U n iv ersity P re ss , 1 9 8 4 , T a b e l a 3.1. p. 38. Acr escen tei a C o s ta R i c a à l ista . 136 Robert A. Dahl V ariações con stitu cio n a is Escritas ou não-escritas? Uma constituição não-escrita pode parecer uma contradição, embora em alguns países se considere que determinadas práticas e instituições consolidadas abrangem um sistema constitucional, mesmo não estando prescritas em um único docum ento adotado como constituição d esse país. Entre as democracias m ais antigas (e certamente entre as mais novas), uma constituição não-escrita é resultado de circunstâncias históricas bastante incom uns — como aconteceu nos três casos excepcionais da Grã-Bretanha, Israel2 e Nova Zelândia. Não obstante, constituições escritas tornaram -se uma prática habitual. Carta de direitos A constituição inclui uma carta de direitos explícita? Mais uma vez, embora uma carta de direitos constitucionais explícitos não seja universal entre as democracias mais antigas, hoje é a prá tica habitual. Por razões históricas e devido à ausência de uma constituição escrita, a notável exceção é a Inglaterra (o nde, em todo caso, a idéia tem apoio significativo). Direitos sociais e econômicos? Embora a constituição norte-americana e as que sobrevivem desde o século XIX nos países democráticos mais antigos g eral mente tenham pouco a dizer explicitamente a respeito de direitos sociais e ec onô m ic o s/ as adotadas a partir da Segunda Guerra 2 Por meio de uma série de leis sancio nadas pelo Parlamento reun ido c o m corpo constitucional, Israel tem transfo rm a do seus arranjos c onstitucio nais e m uma constituição escrita. 3 A lguns direitos sociais e e co n ô m ico s foram diretamente acre sc en tad o s à C o n s tituição dos Estados U nido s, c o m o aconteceu com a décima terceira e m e n d a, Sobre a democracia 137 M undial norm alm ente os incluem. N ão obstante, às vezes os di reitos so ciais e econômicos prescritos (de m aneira até bastante prolixa) s ã o pouco mais do que simbólicos. Federal ou unitário? N u m s is te m a federal, os governos de a lg u m a s unidades ter ritoriais m en ore s (estados, províncias, regiões) têm a garantia da perm anência e razoável autoridade; nos siste m as unitários, sua existência e sua autoridade dependem de d ecisões tomadas pelo governo nacional. Entre os 22 países d e m o crático s mais antigos, apenas seis são estritamente federais (Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, E stad o s Unidos, Suíça). Em todos estes seis países, o fede ralismo é conseqüência de circunstâncias históricas especiais.4 Legislativo unicameral ou bicameral? A in d a que predomine o bicameralismo, Israel nunca teve uma segunda câ m a ra, e, desde 1950, os quatros países escandinavos, a Finlândia e a N ova Zelândia aboliram suas c â m a ras superiores. Revisão ju d ic ia l? A corte suprema poderá declarar inconstitucionais as leis pro m ulgadas p o r um legislativo nacional? C o n h e c id a corno revisão judicial, esta prática tem sido um aspecto co m u m n o s países demo cráticos dotados de sistemas federais, onde é considerada necessária se a con stituição nacional prevalecer so b re as leis promulgadas pelos estado s, pelas províncias ou pelos cantões. A questão mais que a bo liu a escravidão, ou pela interpretação d o C o n g r e s s o e do Judiciário da décim a q u a r ta e décim a quinta emendas. 4 L ijphart, D em ocra cies , Tabelas 10.1 e 10.2, p. 174, 178. P o r cansa da descen tralização re g io n a l, é razoável acrescentarmos a B é lg ic a à lista. Com o acontece com o u t r o s a rra n jo s constitucionais, entre as c a te g o r ia s “ fe d e r a l” e “ unitário" há muitas v a ria çõ e s. 138 Robert A. Dahl importante é saber se a Corte poderá declarar inconstitucional uma lei promulgada pelo Parlamento nacional inconstitucional. A Suíça limita o poder da revisão judicial apenas à legislação cantonal. Entretanto, com o acabam os de ver, em geral os países dem ocráti cos não são federais, e, entre os sistemas unitários, a p e n a s cerca de metade tem alguma forma de revisão judicial. Além d o m ais, m es mo entre os países em que existe a revisão judicial, a extensão a qual a Corte procura exercer esse poder varia do ca so extrem o, os Estados Unidos, onde a Suprema Corte às vezes ex e rce u m poder extraordinário, aos países onde o Judiciário tem g ra n de deferência em relação às decisões do Parlamento. 0 Canadá tem u m a variante interessante: é um sistem a federal, com uma Corte s u p re m a dotada de autoridade para declarar inconstitucionais tanto as leis federais quanto as provinciais. Contudo, as legislaturas provinciais e o Par lamento federal po d em sobrepor-se à decisão da C o rte , votando uma segunda vez para fazer passar a lei em questão. Mandato dos ju ize s Vitalício ou com prazo limitado? Nos Estados U nidos, os membros do Judiciário federal (ou seja: nacional) tê m mandato vitalício por uma provisão constitucional. A vantagem do mandato vitalício é assegurar aos juizes maior independência d as pressões políticas. No entanto, se também tiverem o poder de revisão judicial, seus julgamentos poderão refletir a influência de u m a ideologia mais antiga que já não é mais apoiada pelas maiorias d a população e do Legislativo. Conseqüentemente, poderão em preg ar a revisão judicial para im pedir reformas, como fizeram algum as vezes nos Estados Unidos - durante o grande período das reform as de 1933 a 1937, sob a liderança do presidente Franklin Delano Roosevelt. Tendo em vista a experiência norte-americana, alguns países de mocráticos que providenciaram cláusulas explícitas so b re a revisão judicial em constituições escritas depois da Segunda G u e rra Mun dial rejeitaram o m and ato vitalício e preferiram m a n d a to s limita dos, embora longos - com o aconteceu na Alemanha, na Itália e no Japão. Sobre a dem ocracia 139 Referencias? R eferendos nacionais são possíveis ou, no caso de emendas constitucionais, talvez obrigatórios? A Suíça proporciona um exem plo limite: ali, os referendos para tratar de questões nacionais são permitidos, obrigatórios por emenda constitucional e freqüentes. No outro extrem o, a Constituição dos Estados Unidos não prevê referendos (e jamais houve qualquer referen do nacional no país), embora sejam comuns em diversos estados. Por outro lado, em mais da m etade das democracias mais antigas houve pelo menos um referendo. Presidencialism o ou parlamentarismo? N um sistema presidencialista, o chefe do Executivo é eleito inde pendentemente do Legislativo e, pela Constituição, é investido de grande poder. Num sistema parlamentarista ou de gabinete, o chefe do Executivo é eleito e pode ser destituído pelo Parlamento. O exemplo clássico de governo presidencialista são os Estados Unidos; o exemplo clássico de governo parlamentarista é a Grã-Bretanha. O g o v ern o presidencialista foi inventado pelos delegados pre sentes na C onvenção Constitucional dos Estados Unidos em 1787. A m aioria dos delegados admirava a C onstituição britânica (nãoescrita) p o r sua “separação dos poderes” em um Judiciário inde pendente tanto do Legislativo quanto do Executivo; um Legislativo (o Parlam ento) independente do Executivo; e um Executivo (a mo narquia) independente do Legislativo. Os delegados procuravam emular as virtudes da Constituição britânica, mas a monarquia es tava com pletam ente fora de questão: viram -se perplexos com o problem a do Executivo. Sem nenhum m o delo histórico importante a utilizar co m o base, lutaram com a q uestão por quase dois meses, antes de encontrar a solução. E m bora aquela convenção tenha sido um a extraordinária reu nião de talentos constitucionalistas, a passagem do tempo dotou os delegados de um a visão de futuro bem m aio r do q ue nos revelam os registros históricos ou do que a falibilidade do ser humano nos perm itiria im aginar. Como acontece c o m m uitas invenções, os 140 Robert A. Dahl criadores do sistema presidencialista dos Estados Unidos (ou me lhor, do sistem a presidencialista e congressista) não poderiam prever a evolução d e su a idéia no decorrer dos d u z e n to s anos seguintes. Tam bém não poderiam prever que o governo parlam en tarista se desenvolveria como solução alternativa e am plam ente adotada pelo mundo afora. Atualmente, o g overno parlamentarista é impensável para os norte-americanos; não obstante, se a Convenção Constitucionalista houvesse ocorrido cerca de trinta anos mais tarde, é m uito possível que os delegados houvessem proposto um sistema parlam entar. Em relação ao Parlamento, nem eles nem os observadores britânicos perceberam que o próprio sistema constitucional britânico passava por uma rápida m udança: estava se transformando n um sistema parlamentarista em que a autoridade do Executivo estaria efetiva mente nas mãos do primeiro-ministro e do gabinete, não com o monarca. Em bo ra n om inalm e nte escolhido pelo m o n a rc a , o pri meiro-ministro seria na verdade escolhido pela maioria 110 Parlamento (em seu devido tem po, na Câmara dos Comuns) e perm aneceria 110 posto apenas enquanto detivesse o apoio da maioria parlamentar. Por sua vez, o prim eiro-ministro escolheria os outros m em bros do gabinete. Este sistem a já funcionava praticamente assim desde mais ou menos 1810. Na maior parte dos países democráticos estáveis de hoje, em que as instituições democráticas evoluíram durante os séculos XIX-XX e resistiram, variantes do governo parlamentarista (não do presidencialista) tornaram -se 0 arranjo constitucional aceito. Sistema eleitoral? Precisamente com o são distribuídos os assentos 110 Legislativo nacional em proporção às preferências dos que votam nas eleições? Por exemplo, um partido cujos candidatos obtêm cerca de 30% dos votos em uma eleição conquistará uma quantidade de assentos pró xima a esses 30% ? Conquistariam algo em torno de 15% desses assentos? Ainda que a rigor o sistema eleitoral não precise estar especificado na “constituição”, como afirmei anteriormente, é bom considerá-lo parte do sistema constitucional, devido à maneira Sobre a democracia 141 como os sistem as eleitorais interagem com outras partes da Cons tituição. M ais sobre essa questão no próximo capítulo. A lista das alternativas poderia ser bem mais estendida; basta mostrar que os arranjos constitucionais entre as antigas democracias variam bastante. As variações que mencionei até aqui são muito gerais; se passássem os para um nível mais concreto de observação, descobriríamos maiores diferenças. Até aqui, você poderia concluir que as constituições dos países democráticos diferem em pontos importantes. Será q u e essas varia ções tornam algumas constituições melhores — ou, q u e m sabe, mais democráticas ...? Existirá algum tipo melhor de C onstituição demo crática? Essas questões levantam mais uma: como d everíam o s avaliar a relativa conveniência de diferentes constituições? E evidente que precisamos ter alguns critérios. Como as constituições fazem diferença As constituições poderiam importar para a d em ocracia de um país de m uitas maneiras. Estabilidade Uma constituição poderia ajudar a p roporcionar estabilidade às instituições políticas básicas descritas 110 C apítulo 8. Ela não apenas estabeleceria uma estrutura democrática de governo, mas também asseguraria todos os necessários direitos e garantias que exigem as instituições políticas básicas. Direitos fundamentais U m a constituição protegeria os direitos da m aio ria e das mino rias. Ainda que nela esteja implicitamente incluído esse critério, é bom dar especial atenção aos direitos e deveres b á s ic o s que pro 142 Robert A. Dahl porcionam garantias para as maiorias e as m inorias, d ev ido às variações entre as constituições democráticas. Neutralidade Uma constituição manteria a neutralidade entre o s cidadãos do país. Com as garantias e os direitos fundamentais assegurados, os arranjos constitucionais também assegurariam que o processo le gislativo não favoreça nem penalize as idéias ou os interesses legí timos de qualquer cidadão ou grupo de cidadãos. Responsa/) il idade A Constituição poderia ser planejada para habilitar os cidadãos a atribuírem aos líderes políticos a responsabilidade po r suas deci sões, ações e conduta dentro de um período “razoável” . Representação justa O que constitui uma “ representação justa” é tem a de intermi nável controvérsia, em parte devido aos dois critérios que apre sento a seguir. Consenso bem informado Uma constituição ajudaria os cidadãos e os líderes a obter um consenso baseado na boa informação sobre leis e políticas. Ela po deria criar oportunidades e incentivos para os líderes políticos se empenharem em negociações, acertos e coalisões que facilitassem a conciliação de variados interesses. Mais sobre essa questão nos próximos capítulos. Sobre a democracia 143 Governo eficaz Por eficácia entendo a competência com que são tratados os problem as e as questões importantes a enfrentar, para os quais os cidadãos acreditem ser necessária a ação do g overno. Um governo eficaz é especialm ente importante nos m om en to s d e grande emer gência tra z id o s pela guerra, pela am eaça d e g u e rra , pela grave tensão internacional, por sérias dificuldades econôm icas e crises sem elhantes. Sua competência também é n ec essária em períodos mais co m uns, quando importantes questões en c ab eç am os planos de cidadãos e líderes. A curto prazo, às v ezes u m governo nãodem ocrático corresponderá melhor a este critério do que um go verno dem ocrático, embora isso em geral não aconteça num prazo maior. D e qualquer maneira, estamos p re o c u p a d o s com governos que fun c iona m dentro dos confins da d em ocracia. Dentro desses limites, p a rece razoável desejar um sistem a constitucional dotado de cláusulas que desestimulem impasses d em o ra d o s, atraso ou evitam ento de grandes questões, ao m esm o tem p o estimulando a ação para resolvê-las. Decisões competentes Um g o v ern o eficaz é desejável, mas não poderíam os admirar uma constituição que favoreça a ação resoluta e decisiva, impedin do que o governo utilize o conhecimento dispo nív el para solucio nar os p ro b lem a s urgentes do país. A ação decisiva não substitui a política inteligente. Transparência e abrangência Com este par de critérios quero dizer que a operação do go verno deve ser suficientemente aberta para a visão do público e simples o bastante em sua essência para que os cidadãos entendam prontam ente o que ele faz e como está agindo. A atuação do go verno não deve ser tão complexa que os cidadãos não consigam entender o que acontece - e, se eles não en te n d e re m seu governo, 144 Robert A. Dahl não p o d erão atribuir responsabilidades a seus líderes, especial m ente nas eleições. Flexibilidade U m sistem a constitucional não precisa ser tão rígido ou tão im utável e m seu texto e em sua tradição que não permita a adapta ção a novas situações. Legitim idade S atisfazer aos dez critérios anteriores certam ente seria boa parte d o cam inho para garantir a sobrevivência de um a constituição de suficiente legitimidade e lealdade entre os cidadãos e as elites políticas. N ã o obstante, em um determinado país, certos arranjos constitucionais seriam mais compatíveis do que em outros, com norm as tradicionais de legitimidade mais dissem inadas. Por exem plo, em bo ra possa parecer paradoxal a muitos republicanos, manter um m o narca na chefia de um estado, adaptan do a monarquia às exigências da poliarquia, conferiu maior legitim idade às constitui ções dem ocráticas nos países escandinavos, na Holanda, na Bélgi ca, no Japão, na Espanha e na Inglaterra. E m compensação, na m aioria dos países democráticos, qualquer tentativa de misturar um m on arca com a chefia do Estado provocaria um im pacto nas con vicções republicanas disseminadas. Assim, a proposta de Alexander H am ilton, na Convenção Constitucional norte-am ericana de 1787, a favo r de u m executivo com mandato vitalício - um monarca “eleito” foi rejeitada praticamente sem questionam ento. Elbridge Gerry, outro delegado presente na Convenção, observou: N ão h a v ia um milésimo de nossos c o m p a trio ta s que não fo s s e contra qualquer idéia de monarquia.5 5 S e g u n d o as n o t a s de M adison, num longo d i s c u r s o a I S de ju n h o de 1787, H am ilton observou: “Com relação ao Executivo, parecia admissível que nenhum b o m poderia ser estabelecido sobre os princípios r e p u b lic a n o s ... O modelo in glês era o único bom nesse aspecto. Deixe-se um ramo do Legislativo manter seu p o s t o pela vida inteira ou, pelo menos, e nquanto tive r b o m comportamento. Sobre a dem ocracia 145 Q uan ta diferença fazem as d iferenças? Diferenças constitucionais desse tipo têm realmente alguma importância? Para responder a essa pergunta, devem os acrescentar mais dois conjuntos de evidências às dos 2 2 países democráticos mais anti gos. Podemos extrair uma série de experiências das democracias “ m ais novas” - países em que as instituições democráticas básicas foram estabelecidas e mantidas durante a segunda metade do s é culo XX. Por outro lado, temos a história trágica e esclarecedora de países em que as instituições dem ocráticas foram estabelecidas em algum ponto no século XX, mas foram rompidas, e eles se sujeita ram a um regime autoritário - pelo m enos por algum tempo. Embora essas três abundantes fontes de comprovação não te nh am sido plenamente investigadas ou analisadas, acredito que apresentem interessantes conclusões. Para começar, cada urna das alternativas anteriormente enume radas existiu em pelo menos u m a democracia estável. Portanto, é perfeitamente razoável, e até logicam ente necessário, concluir que existem muitos arranjos constitucionais compatíveis com as insti tuições políticas básicas da d e m o c ra c ia poliárquica descrita no Capítulo 8. Parece que as instituições políticas da democracia poliár quica podem assumir muitas formas... Por que isto acontece? D eterm inadas condições subjacentes altam ente favoráveis à estabilidade das instituições democráticas básicas (discutidas no Capítulo 12) prevaleceram em todas essas democracias mais antigas bastante estáveis. Dadas essas condições favoráveis, as variações constitucionais, como as descritas, não têm nenhum grande efeito sobre a estabilidade das instituições dem o cráticas básicas. A julgar apenas po r este critério, as variações que descrevi não parecem importar muito. Assim, dentro de vastos limites, os países democráticos têm uma am pla escolha de constituições. Ao contrário, onde as condições subjacentes são altamente desfavoráveis, é improvável que a democracia venha a ser preser v ad a com qualquer projeto constitucional. Deixemos o Executivo ser tam bém vitalício” . Veja Max Farrand, ed., The Reconl.s o f lhe Federal Convenlion o f 1787, v. 1, N e w Haven, Yale University Press, 1966, p. 289. O comentário de Gerry d o dia 26 de j u n h o está na p. 425. 146 R o b ert A. Dahl Com um leve exagero, poderíam os resumir assim os dois pri meiros pontos: Se as condições subjacentes são altamente favoráveis, a esta bilidade é provável com praticam ente qualquer tipo de constituição que o país adotar. Se as condições forem altamente desfavoráveis, nenhuma constituição salvará a democracia. Não obstante, há uma terceira possibilidade mais interessante: num país onde as condições não são altamente favoráveis nem altamente desfavoráveis, e sim mistas - de modo que a democracia é incerta, mas absolutamente não-impossível - , a escolha do projeto constitucional poderia ter importância. Em suma: se as condições forem mistas em um país - algum as favoráveis e outras desfavorá veis —, uma constituição bem planejada ajudaria as instituições democráticas a sobreviver , ao passo que uma constituição mal elaborada poderia contribuir p a ra o rompimento das instituições democráticas. Por fim, por mais decisiva que seja, a estabilidade não é o úni co critério importante. Se tivéssem os de julgá-los por outros crité rios, os arranjos constitucionais poderiam ter graves conseqüências mesmo nos países em que as condições são altamente favoráveis para a estabilidade democrática. E realmente são... Elas moldam as instituições políticas concretas dos países democráticos: executi vos. legislaturas, judiciários, sistem as partidários, governos locais, e assim por diante. Por sua vez, a forma dessas instituições teria importantes conseqüências para a justiça da representação 11a le gislatura ou na eficácia do g o verno e, como resultado, poderia até mesmo afetar a legitimidade d o governo. Nos países em que as condições são mistas e as perspectivas para a estabilidade dem o crática um tanto incertas, essas variações poderiam ser excepcio nalmente importantes. Examinaremos as razões para isto no próximo capítulo. Capítulo 11 Variedades III: partidos e sistemas eleitorais Provavelmente, nenhum a instituição política m olda a p a is a gem política de um país democrático mais do que seu sistem a eleitoral e seus partidos. Nenhuma apresenta variedade m aior. As variações são imensas, a tal ponto que um cidad ão , c o n h e cedor do sistema partidário e dos arranjos eleitorais de seu país, poderá achar incom preensível o panorama político de o u tro país ou, se compreensível, nada atraente. Para o cidadão de um país em que apenas dois partidos políticos disputam as eleições, o país d o tado de inúmeros partidos parecerá um caos político. Para o c id a dão de um país multipartidário ter apenas dois partidos po líticos para escolher parecerá uma camisa-de-força. Se cada um e x a m in a r o sistema partidário do outro país, as diferenças p arecerão ainda mais confusas. Como podem os explicar essas variações? Alguns sistem as partidários ou eleitorais serão mais democráticos ou m e lh o re s do que outros em determ inados aspectos? Comecemos com as principais variações nos sistemas eleitorais. Os sistemas eleitorais Há infinitas variações de sistemas eleitorais.1 U m a ra z ã o para tanta diversidade é o fato de que nenhum poderá satisfazer to d o s os 1 Como afirma um e x ce le n te estudo, as variações são “ incontáveis” . O m e s m o estudo diz que, “ esse ncia lm e n te , elas se dividem em nove principais s i ste m a s, 148 Robert A. Dahl critérios pelos quais seria razoável qualquer julgam ento. Como sem pre, é preciso haver negociações. Se esc o lhem os um sistema, o bterem os alguns valores - mas à custa de outros. P o r que isso acontece? Para uma resposta de tolerável brevi dade, reduzirei a frustrante série de possibilidades a apenas duas: Representação proporcionai Entre as democracias mais antigas, o sistem a eleitoral mais co m u m foi deliberadamente criado para p ro d uzir um a correspon dência bastante aproximada entre a proporção do total de votos lançados para um partido nas eleições e a prop orção de assentos que o partido obtém na legislatura. Por exem plo, um partido com 53 % dos votos ganhará 53% dos assentos. E sse tipo de arranjo, em geral, é conhecido como sistema de representação proporcional ou RP. First-past-the-post ou FPTP Se os sistemas de representação proporcional foram criados para satisfazer um teste de justiça, poderíamos su po r que todos os países dem ocráticos o adotassem. Contudo, alg uns não o fizeram. Em vez disso, preferiram manter arranjos eleitorais que podem aum entar im ensam ente a proporção de assentos conquistados pelo partido co m o m aior número de votos. D igam os, um partido com 53 % dos votos poderá ter 60% dos assentos. N a variante deste sis tem a utilizada na Inglaterra e nos Estados U nidos, é escolhido um só candidato de cada distrito; vence o candidato que tiver o maior núm ero de votos. Devido à analogia com corridas de cavalos, é ch am ado de sistema first-past-the-post - ou FPTP. q u e re ca em e m três grandes famílias” . Andrew R e y n o ld s e Ben Reilly, eds., The In tern a tio n a IID E A H amfbook o f FJectoval System D esign, 2. ed.. Estocolmo, In stituto Internacional para a Democracia e A ssistência Eleitoral. 1997, p. 17. A s três “ grandes famílias” têm maioria relativa de votos, representação semiproporcional e re p re se n taç ão proporcional. Para maiores d e ta lh e s, veja o Apêndice A. Sobre a dem ocracia 149 Palavras sobre palavras Nos Estados Unidos, em geral esse tipo de arranjo é chamado d e sistem a de pluralidade, po rq ue o candidato com uma plurali d a d e (não necessariamente a m aioria) de votos é o vencedor. Os cientistas políticos muitas vezes se referem a este como sistema de “ distritos de um só membro com u m a pluralidade de eleições” — u m título mais literal, mas excessivam ente prolixo. First-past-thep o s t é o nome usado 11a Inglaterra; é o que adotarei aqui. R P x FPTP Como indiquei anteriormente, continua-se a discutir que tipo de sistema eleitoral satisfaz m elhor a exigência de que as eleições d e v e m ser livres e justas. Os críticos do FPTP alegam que, em g e ral, ele falha 110 teste da representação justa; às vezes, falha seria m e n te nesse critério. Por exemplo, nas eleições parlamentares da In g la te rra em 1977, 0 Partido T ra b a lh ista conquistou 64% dos asse n to s no Parlamento - a m aior m aioria na história parlamentar m od ern a; 110 entanto, essa conquista deveu-se a apenas 44% dos votos. O Partido Conservador, com 31% dos votos, ganhou apenas 2 5 % dos assentos, e os azarados dem ocratas liberais, que tiveram o apoio de 17% dos votantes, terminaram com apenas 7% dos assentos! (O s candidatos dos outros partidos ganharam um total de 7% dos votos-e 4% dos assentos.) Com o acontece essa diferença entre a porcentagem de votos p a ra um partido e a porcentagem de assentos? Imagine um sistema dem ocrático minúsculo, com apenas mil membros divididos entre d e z distritos iguais; de cada um desses distritos os eleitores esco lh e m apenas um representante para o corpo legislativo. Imagine ag o ra que em nossa pequena dem ocracia 510 eleitores (51% do total) votam para 0 Partido Azul e 490 (ou 49%) para 0 Partido V e rm elho . Suponhamos então (por mais improvável que pareça) q u e o apoio para cada um deles é perfeitam ente uniforme em toda a n o s sa minidemocracia: cada um dos dez distritos tem 51 eleitores do A zul e 49 do Vermelho. C om o terminaria a eleição? O Partido A z u l vence em todos os distritos e assim conquista 100% dos 150 R o b ert A. Dahl assentos e uma “ maioria” de d ez a zero no Parlamento (Tabela 2, Exem plo 1)! Poderíamos am pliar o sistema, incluindo um país in teiro, e aumentar imensamente o núm ero de distritos. O resultado permaneceria o mesmo. E razoável ter a certeza de que nenhum país democrático manteria o FPTP sob tais condições. Esse resultado estranho — e nenhum pouco democrático - não acontece porque o apoio do par tido não é uniformemente distribuído pelo país: em alguns distri tos, os Azuis talvez tenham 6 5% dos votantes, em outros podem ter apenas 40%, e os Vermelhos ali têm os 60% restantes. Os distritos variam em torno da média nacional. Para uma ilustração hipotética, examine o Exemplo 2 da Tabela 2. TABELA 2. Ilustração hipotética do sistema eleitoral First-Past- the-Post Há dez distritos, cada um com cem votantes, divididos entre os dois partidos (Azul e Vermelho), conform e vemos a seguir. EXEMPLO ]. O apoio ao s partidos é uniforme Distrito Números de votos Azuis (número) V erm elh o s (n ú m ero ) Assentos conquistados Azuis Verme 1 51 49 1 0 2 51 49 1 0 3 51 49 1 0 4 51 49 1 0 5 51 49 1 0 0 6 51 49 1 7 51 49 1 0 8 51 49 1 0 9 51 49 1 0 10 51 49 1 0 510 490 10 0 Total 151 Sobre a democracia EXEMPLO 2. O a p o io a o s p artid o s não é uniform e Distrito N úm eros de votos A zuis (n úm ero ) Vermelhos (número) Assentos co nq uistado s Azuis V erme 1 55 45 1 0 2 60 40 1 0 3 40 60 0 1 4 45 55 0 1 5 52 48 1 0 6 51 49 1 0 7 53 47 1 0 8 45 55 0 1 9 46 54 0 1 10 55 45 1 0 50 2 498 6 4 Total Assim, está evidente que, para que o FPTP resulte em repre sentação a c e itav elm en te justa, o apoio ao partido não d e v e ser uniformemente distribuído pelo país. Inversamente, q u an to mais uniforme a distribuição do apoio dos votos, maior será a d iv erg ê n cia entre os votos e os assentos conquistados. Portanto, se as dife renças regionais dim inuem no país, como aconteceu na Inglaterra em 1997, aum enta a distorção FPTP. Se assim é, então por que os países democráticos que usam o sistema FPTP m ud am para a RP? Por isso, não podem os ignorar o peso da história e da tradição em países como a In glaterra e os Estados Unidos, onde este sistema prevaleceu desde o início do governo representativo. Os Estados Unidos são um ex e m p lo de primeira classe. O sistem a FPTP norte-americano pode privar uma boa maioria de afro-am ericanos da representação justa nos legisla tivos estaduais e no Parlamento nacional. Para se certificarem de que os eleitores afro-americanos possam conquistar pelo menos alguns representantes em seu Legislativo estadual on no Congresso, os juizes e os legislativos às vezes riscaram as fronteiras d o distrito 152 Robert A. Dahl de modo a form ar uma área de maioria afro-americana. A forma do distrito resultante muitas vezes não tem relação algum a com a geo grafia, a econom ia ou a história. Num sistema RP, se preferirem votar em candidatos afro-americanos, os afro-am ericanos seriam representados em proporção a seus números: num estado em que, digamos, 20% dos eleitores fossem negros, eles teriam certeza de preencher cerca de 20% dos assentos com afro-americanos, se fosse esta sua preferência. Contudo, se assim for, por que a RP não foi adotada como so lução? Principalmente porque a hostilidade à RP é tão disseminada nos Estados Unidos, que nem os legislativos nem os juizes a levam a sério, como possível alternativa à gerrymandering' racial. Palavras sobre palavras Gerrymandering - ou a divisão arbitrária de distritos eleitorais para fins estritamente políticos - é uma velha prática usada nos Estados Unidos. Seu nom e vem de Elbridge Gerrv, que encontra mos em capítulo anterior como delegado à Convenção Constitucio nal norte-americana. Eleito governador de M assachussetts, em 1812, Gerry redesenhou as fronteiras do distrito para os represen tantes ao L egislativo do estado que ajudaram os d em ocratas a manter a m aioria. Q uando alguém observou que um distrito tinha a forma de um a salam andra (salamander , em inglês), um crítico disse que ele parecia mais uma Gerrymander (ou “ G errym andra”). A palavra gerrym ander e sua forma verbal, to gerrym ander [em português, mais ou m enos “gerrymandrejar” ], depois entraram no vocabulário dos norte-americanos. Preconceitos históricos a favor do sistema FPTP são escorados por argumentos mais razoáveis. Na visão dos que o apóiam, sua tendência para am plificar a maioria do partido v encedor no Legis lativo tem duas conseqüências desejáveis. E x p r e s s ã o i n g l e s a , i n t r a d u z í v e l , que sig nifica o ato d e c r i a r , a r b i t ra r i a m e n t e , três a n o s de i n f l u ê n c i a e l e i t o r a l de m o d o a gar an tir a v itó ria d e u m c a n d i d a t o ou partido. (N. d o E .) Sobre a democracia 153 Sistemas biparíidários x multipartidários É com u m defenderem o FPTP justam ente p o rq u e ele cria obs táculos p ara terceiros partidos e, com isso, ajuda a c ria r os sistemas bipartidários muito admirados especialmente nas democracias de fala inglesa - que também não gostam e den ig re m os sistemas multipartidários. Qual será o melhor? U m a enorme discussão gira em torno das virtudes relativas desses d o is sistem as. De modo geral, as v a n ta g e n s de cada um refletem suas desvantagens. Por exemplo, uma v an tag em do siste ma bipartidário é dar peso menor aos eleitores, sim plificando suas opções, qu e se reduzem a duas. Contudo, do p o n to de vista de quem defende a RP, essa redução drástica das alternativas disponí veis debilita seriamente a liberdade de escolha d o s eleitores. As eleições p o d em ser perfeitamente livres, diriam o s defensores da RP - m as com certeza não são nada justas, porque n egam às mino rias a representação. Governo eficaz Os defensores dos sistemas bipartidários tam bém apoiam o FPTP porque há mais uma conseqüência. Ao am plificar a maioria legislativa do partido vencedor, o FPTP torna m ais difícil para o partido m inoritário a formação de uma coalisão ca p az de impedir que o partido da maioria concretize seu programa - ou, como diriam os líderes da maioria, seu “mandato popular” . C o m a maioria am plificada 110 Legislativo, os líderes partidários norm alm ente terão votos de sobra, mesmo que alguns m em bros p asse m para a oposi ção. Assim , diz o argumento, 0 FPTP ajuda os govern os a corres ponder ao critério da eficácia. Em com pensação, e m alguns países, a RP ajudou a produzir tantos partidos e alianças rivais e confli tantes 110 Parlamento, que as coalisões da maioria são dificílimas de form ar e muitíssimo instáveis. C om o resultado, a eficácia do governo é bastante reduzida. A Itália é muito citada com o exemplo. Não obstante, os defensores do FPTP, em geral, ignoram que em alguns países com sistemas de RP grandes program as de refor ma foram votados por maiorias parlamentares estáveis, muitas ve 154 Robert A. D ahl zes consistindo de uma coalisão de dois ou três partidos. Muitas dem ocracias com sistemas de RP, co m o a Holanda e os países es candinavos, são verdadeiros modelos d e reforma pragmática com binada com a estabilidade. A lgu m as opções básicas para as con stitu ições democráticas A gora vemos por que a reforma de um a constituição ou a cria ção de um a nova deve ser levada m u ito a sério. E uma tarefa tão difícil e complexa quanto o projeto de um a nave tripulada para a sondagem do universo. Assim com o nenhum a pessoa sensível en tregaria a um amador o projeto de u m a nave espacial, uma consti tuição exigirá os melhores talentos de um país. A o contrário das naves espaciais, importantes inovações constitucionais requerem a concordância e o consentimento dos governados para resistir. As principais opções constitucionais e as diversas possibilida des de combiná-las apresentam uma form idável série de alternati vas. Por enquanto não precisarei repetir minha advertência de que toda alternativa geral permite uma variedade quase ilimitada de escolhas mais específicas. Entretanto, exam ine com prudência al gum as orientações para pensar nas alternativas constitucionais. C om ecem os com as cinco possíveis combinações de sistemas eleitorais e chefes do Executivo: A opção do continente, europeu: governo parlamentar com eleições de RP. O governo parlam entar é a opção dominante das dem ocracias mais antigas e, entre essas, predomina sobre o gover no presidencialista.2 A combinação fav orita entre as democracias mais antigas, como vimos, é o sistem a parlamentar em que os m em b ro s são eleitos em algum s is te m a de representação propor cional. Com o esta combinação é a predom inante na Europa (onde 2 A propósito, o fato de um país ser federal o u unitário não tem nada a ver em especial com sua escolha entre os sistemas pre sidencialista ou parlamentarista. D o s sistem as federais entre as democracias m a is antigas, quatro são parlamenta ristas (A lem anha, Austrália, Áustria e C a n a d á ) , enquanto apenas os Estados U n id o s é presidencialista e a Suíça um h íb rid o singular. Assim, podemos des c on ta r o federalismo como fator d e term inante na escolh a entre presidencialismo e parlamentarism o. Sobre a democracia 155 as novas dem ocracias ta m b é m a adotaram), eu a c h a m a r e i d e “opção do continente eu ro p eu ” . A opção inglesa (ou Westminster,).' governo parlam entar com eleições FPTP. Devido a suas origens e ao fato de ser p re v alece n te nas democracias de fala inglesa, além dos Estados Unidos, eu a chamarei de opção inglesa —também chamada “modelo W e stm in ster” , por causa da sede do governo britânico. Apenas quatro das d e m o cracias antigas mantêm esta solução há muitíssimo tempo: Inglaterra, Canadá, Austrália e N o v a Zelândia - que a abandonou em ,1993.? A opção cios Estados Unidos: governo presidencialista com eleições FPTP. Os E stados Unidos são a única das d em o c ra c ia s mais antigas que ainda utiliza esta combinação, daí o nom e. M e ia dúzia das democracias mais novas também escolheram este arranjo. A opção latino-americana: governo presidencialista com elei ções de representação proporcional. Os países latino-am ericanos seguiram a mesma via constitucional dos Estados Unidos, p r e f e rindo o governo p re sid e n cialista . Durante a segunda m e t a d e do século XX, em geral optaram pela representação proporcional, se guindo o sistema eleitoral europeu. Nos 15 países latino-americanos em que as instituições democráticas estavam mais ou menos estabele cidas no início do século, o modelo constitucional era basicam ente uma combinação de governo presidencialista e representação p ro p o r cional4 - por isso. a chamarem os de opção latino-americana. E impressionante que nenhum a das democracias mais a n tig as (com exceção da C osta Rica) lenha optado por essa co m binação . Ainda que mostrassem forte predisposição para a representação proporcional, as antigas democracias rejeitaram unanim em ente o 3 Num referendo acontecido em 1992 e 1993, os neozelandeses re je ita r a m o FPTP. No referendo o b r i g a t ó r i o de 1993. a maioria adotou um si s t e m a q u e combina a proporcionalidade c o m a eleição de alguns membros do P a r l a m e n t o de distritos e outros de listas dos partidos. Para detalhes, veja D ie te r N o h l e n . “ Sistemas electorales y gobernabilidad"’, ein Dieter Nohlen. ed., T.tecciónes y .sistemas de partidos eu America L a tin a . San José. Costa Rica. Instituto In tera m e rica no de Derechos Humanos. 1993. p. 3 9 1 424. Veja também Diete r N o h l e n , ecl., Enciclopédia electo’\ü latiiioam ericana r dei Caribe. San José, C o s t a Rica. Instituto Interamericano de D e r e c b o s H u manos, 1993. Sem e x c e ç õ e s , todos os 12 países em ilhas do C aribe r e c e n t e mente independentes q u e Iraviam sido colônias britânicas adotaram o m o d e l o de Constituição britânica (W estm in ster). 156 Robert A. Dahl go verno presidencialista. A Costa Rica, única exceção, ao contrário cie todos os outros países latino-am ericanos, é firmemente demo crática desde por volta de 1950 - p or isso, eu a considero parte das dem ocracias mais antigas. A o contrário destas, a Costa Rica com b in a o presidencialismo com a representação proporcional. A opção mista: outras combinações. Paralelamente, muitas outras democracias criaram arranjos constitucionais bastante dis tanciados desses tipos mais ou m enos “ puros” - visando minimizar as conseqüências indesejáveis e aproveitar suas vantagens. A Fran ça, a Alem anha e a Suíça são boas ilustrações dessa criatividade constitucional. A Constituição da Quinta R epública francesa prevê um presi den te eleito com poder considerável e um primeiro-ministro que d epende do Parlamento. A França tam bém modificou o sistema eleitoral FPTP: nas eleições em que n enhum candidato à Assem bléia Nacional recebe a maioria dos votos, há uma segunda vota ção. Nessa segunda eleição, entra qualquer candidato que tenha ob tido mais de 12,5% dos votos registrados na primeira. Assim, os pequ en os partidos podem tentar conquistar um assento aqui e ali no prim eiro turno - mas no segundo turno, eles e seus eleitores podem d ecid ir apoiar um dos dois candidatos m ais fortes. Na Alemanha, metade dos m em bro s do Bundestag é escolhida em eleições do tipo FPTP, e a outra m etade, pela representação proporcional. A Itália e a Nova Zelândia adotaram versões da solu ção alemã. P ara adaptar o sistema político à sua população diversificada, os suíços criaram um executivo pluralista, consistindo de sete con selheiros eleitos para o Parlamento por quatro anos. O Executivo plural suíço permanece único entre as dem ocracias mais antigas.5 A lg u m a s orientações sobre as con stitu ições democráticas A partir das experiências das democracias mais antigas abordadas nos dois últimos capítulos, apresento as seguintes conclusões: 5 E m a is novas também. Por alguns anos, o U rug ua i teve um Executivo plural, q u e d e p o is a b a n d o n o u . S o b re a democracia • • • • • 157 A maioria dos problem as básicos de um país não pode ser re solvida com um projeto constitucional. Nenhuma Constituição preservará a dem ocracia num país cujas condições sejam alta mente desfavoráveis. U m país em que as condições são altamente favoráveis pode preservar suas instituições democráticas básicas sob uma grande variedade de arranjos constitucionais. Entretanto, um projeto constitucional cuidadosamente elaborado pode servir para preservar as instituições democráticas básicas em países cujas condições subjacentes sejam mistas - tanto favoráveis, como des favoráveis. (Mais sobre isto no próximo capítulo.) Por mais essencial que seja, manter a estabilidade dem ocrática fundamental não é o ú nico critério pertinente a uma boa C o n s tituição. Entre outros aspectos, representação justa, transparên cia, abrangência, sensibilidade e governo eficaz são tam bém importantes. Arranjos constitucionais específicos podem e pro vavelmente terão conseqüências para valores como esses. Todos os arranjos constitucionais têm algumas desvantagens, nenhuma satisfaz a todos os critérios razoáveis. De um ponto de vista democrático, n ão existe a Constituição perfeita. Além do mais, a introdução ou a reforma de uma Constituição tende a resultados um tanto incertos. Conseqüentemente, um projeto ou uma reforma constitucional exige opiniões sobre negocia ções aceitáveis entre as metas, os riscos e as incertezas da m u dança. Os norte-americanos desenvolveram uma cultura, uma habili dade e uma prática política durante dois séculos que permitem um funcionamento^satisfatório de seu sistema presidencialcongressista com eleições do tipo FPTP, federalismo e forte re visão judicial. Contudo, o sistema norte-americano é com plica díssimo e provavelmente não funcionaria tão bem em qualquer outro país. De qualquer maneira, não foi lá muito copiado. T a l vez não devesse m esm o ser copiado. Alguns estudiosos afirmam que a combinação latino-americana de presidencialismo e representação proporcional contribuiu para as quebras da dem ocracia, tão freqüentes entre as repúbli cas das Américas Central e do Sul/' Embora seja difícil separar os efeitos da forma constitucional das condições adversas que 6 Veja Juan J. Linz e Arturo Valenzuela, eds., The Faihtre o f Presn/enfio/ Deinocracv. Baltimore, Johns Hopkins U n iv e rsity Press, 1994. 158 Robert A. Dahl eram as causas subjacentes da polarização e da crise política, talvez fosse mais sensato que os países democráticos evitassem a opção latino-americana... Movido por seu otimismo em relação à Revolução Francesa e à norte-americana, Thomas Jefferson um a vez disse que seria bom haver uma revolução em cada geração. Essa idéia romântica foi por terra durante o século XX pelas incontáveis revoluções que falharam trágica ou tristemente - ou, pior, produziram regimes despóticos. M esm o assim, não seria má idéia se um país democrático reunisse m ais ou menos uma vez a cada vinte anos um grupo de estudiosos, líderes políticos e cidadãos bem inform ados para avaliar sua Cons tituição não apenas à luz da experiência, mas também do corpo de conhecimentos em rápida expansão obtidos de outros países demo cráticos. Parte IV As condições favoráveis e desfavoráveis Capítulo 12 Que condições subjacentes favorecem a democracia? O século X X foi um período de muitos revezes democráticos. Em mais de setenta ocasiões, a democracia entrou em colapso e deu lugar a um regime autoritário.1 Mas também foi uni momento de extraordinário sucesso democrático. Antes de term inar, o século XX transformou-se numa era de triunfo dem ocrático. O alcance global e a influência de idéias, instituições e práticas democráticas tornaram este século, de longe, o período mais florescente para a democracia na história do homem. Portanto, temos duas questões a enfrentar - ou melhor, a mesma questão, apresentada de duas maneiras. C o m o se pode ex plicar o estabelecimento de instituições dem ocráticas em tantos países, em tantas partes do mundo? E como é possível explicar sua falha? Em bo ra seja impossível uma resposta com pleta, sem a me nor dúvida há dois conjuntos de fatores inter-relacionados que têm importância decisiva. 1 Criei essa e stim a tiv a juntando listas (e eliminando salto s) d e dois estudos que usaram c ritério s um tanto diferentes: Frank Bealey, “ Stnbiiity and Crisis: Fears About T h re a ts to Democracv". European Journal o f P o lifica l Research 15 (1987), p. 6 8 7 - 7 1 5 - e Alfred Stepan e C.indy S k a c h , “ P r e síd e n lia lism and P a rlia m en tarism in Comparative Perspective", em Ju an J. L i n z e Arturo Valenzuela, eds.. The Faihtre o f Presklential Govenwieiit. B a lt i m o r e . Jolins Hopkins Universiíy P re ss, 1994. p. 119-136. 162 Robert A. Dahl A falh a das alternativas Em primeiro lugar, no decorrer do século, as principais alter nativas perderam-se na competição com a democracia. Já pelo final do prim eiro quarto do século, as formas não-democráíicas de go verno que desde tempos imemoriais dom inaram as convicções e os costum es pelo mundo afora - monarquia, aristocracia hereditária e oligarquia descarada - haviam fatalmente perdido a legitimidade e a força ideológica. Embora tenham sido substituídas por alternati vas antidemocráticas bem mais populares na forma do fascismo, nazism o, leninismo e outros credos e governos autoritários, essas floresceram apenas brevemente. O nazism o e o fascismo foram m ortalm ente feridos pela derrota das forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Mais íarde, no mesmo século, especialmente na A m éric a Latina, as ditaduras mililares caíram sob o peso de suas falhas econômicas, diplomáticas e até militares (como aconteceu na Argentina). Conforme se aproximava a últim a década do século, o rem anescente rival totalitário mais im portante da democracia - o leninism o encarnado 110 comunismo soviético - caiu abruptamente, debilitado de modo irreparável pela decadência interna e pelas pressões externas. C om isso, estaria a democracia agora segura pelo mundo afo ra? Olimista (e, como se viu, equivocado), em 1919 o presidente W o o d ro w Wilson proclamou, depois do final da Primeira Guerra M undial, que afinal 0 mundo estava “ seguro para a democracia". Será? Infelizmente, não. A vitória definitiva da democracia não fora obtida, nem estava perto. A China, país mais populoso sobre a terra e grande potência mundial, ainda não havia sido democratizada. D urante o s'qu atro mil anos de ilustre civilização, o povo chinês jamais experimentou a democracia - sequer por uma única rczinha: as perspectivas de que 0 país logo se tornasse democrático eram muitíssimo duvidosas. Da mesma forma, regimes não-democráticos persistiam em muitas outras partes do mundo: 11a África, no su deste asiático, 110 Oriente Médio e em alguns dos países remanes centes da dissolvida União Soviética. Na maioria desses países, as condições para a democracia não eram altam ente favoráveis, não se sabia se ou como eles fariam a transição para a democracia. Por Sobre a democracia fim, em muitos países que haviam feito a transição e introduziram as instituições políticas básicas da democracia poliárquica, as con dições subjacentes não eram favoráveis o bastante para garantir que a democracia sobrevivesse indefinidamente. Condições subjacentes? Já sugeri mais de uma vez que certas condições subjacentes (ou históricas) em um país são favoráveis à estabilidade da democracia e que onde essas condições estão fra camente presentes ou totalmente ausentes é improvável existir a democracia - ou, se existe, provavelmente é precária. F I G U R A 8. Que condições favorecem as instituições democráticas? Condições essenciais para a democracia: 1. Controle dos militares e da Polícia por funcionários eleitos 2. Cultura política e convicções democráticas 3. Nenhum controle estrangeiro hostil à democracia Condições favoráveis à democracia: 4. Uma sociedade e uma economia de mercado modernas 5. Fraco pluralismo subcultural E agora é o momento de perguntar: quais são essas condições? Para responder, podemos aproveitar o vasto conjunto da expe riência pertinente proporcionada pelo século XX: os países que passaram por uma transição para a democracia consolidaram suas instituições democráticas e as conservaram por muitas décadas; os países em que a transição foi seguida peio desmoronamento e os paí ses que jamais passaram pela transição. Esses exemplos de transi ção democrática, consolidação e rompimento indicam que as cinco condições (provavelmente há mais) afetam bastante as oportunida des para a democracia em um país (Fig. 8). Intervenção estraugeira É menos provável que se desenvolvam as instituições demo cráticas num país sujeito à intervenção de outro hostil ao governo democrático nesse país. - 164- RoberffA. Dahl Esta condição, às vezes, é suficiente para explicar por que as instituições democráticas deixaram-de se desenvolver ou por que não persistiram num país em que as outras condições eram bem mais favoráveis. Por exemplo, não fosse a intervenção da União Soviética depois cia Segunda Guerra Mundial, a Checoslováquia hoje provavelmente estaria entre j í s antigas democracias. A inter venção soviética também impediu que a Polônia e a Hungria desen volvessem instituições democráticas. Mais surpreendente, até as íiitimas décadas do século XX, os Estados Unidos haviam compilado um triste recorde de intervenção 11a América Latina, onde algumas vezes aluou contra um governo popularmente eleito, solapando-o. para proteger empresas norteamericanas ou ( 11a concepção oficial) sua própria segurança nacio nal. Embora esses países latino-americanos, em que a democracia era podada no botão, nem sem pre fossem plenamente democráti cos, se não sofressem a intervenção norte-americana (ou, o que se ria bem melhor, obtivessem um forte apoio em seus primeiros passos em direção à democratização), com 0 (empo as instituições democráticas poderiam muito bem ter-se desenvolvido. Um exem plo inegavelmente péssimo foi a intervenção clandestina das Agên cias Norte-americanas de Inteligência na Guatemala em 1964, para derrubar 0 governo eleito de um presidente populista de tendência esquerdista, Jacopo Arbenz. Com 0 desmoronamento da União Soviética, os países da Eu ropa Central e do Báltico rapidamente começaram a instalar insti tuições democráticas. Aiém cio mais. os Estados Unidos e, de modo gerai, a comunidade internacional começaram a fazer oposição às ditaduras latino-americanas e em outros lugares, e a apoiar o desen volvimento dá instituições democráticas em boa parte do mundo. Jamais, em toda a história do mundo, as forças - políticas, econô micas e culturais - internacionais deram tanto apoio às idéias e às instituições democráticas. Assim, durante as últimas décadas do século XX, ocorreu uma épica mudança no clima político do mun do, que melhorou imensamente as perspectivas para o desenvolvi m ento da democracia. Sobre-a democracia 165 Controle dos m ilitares e da Polícia É improvável que as instituições políticas dem ocráticas se desenvolvam, a menos que as forças militares e a Polícia estejam sob pleno controle de funcionários democraticamente eleitos. Em contraposição à ameaça externa-da intervenção e s tra n g e i ra. talvez a ameaça interna mais perigosa para a dem ocracia venha de líderes que têm acesso aos grandes meios da coerção física: os militares e a Polícia. Se representantes democraticamente eleitos pretendem obter e sustentar um controle eficaz sobre as fo rças p o liciais e militares, os membros da Polícia e os militares, e s p e c ia l mente entre os oficiais, devem ceder. Sua deferência ao controle dos líderes eleitos deve estar profundamente arraigada, para n ão ser arrancada. A razão pela qual o controle civil se d esenvolveu em alguns pa/ses e não em outros é complexa demais para s e r aqui descrita. Para nossos objetivos, o importante é que, sem ele, as perspectivas para a democracia são vagas. Pensemos na história infeliz da América Central. D o s 47 g o vernos da Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua entre 1948 e 1982, mais de dois terços obtiveram o poder por m e io s d ife rentes de eleições livres e justas - em geral, golpes m ilitares.2 Em compensação, a Cosia Rica tem sido um farol da d e m o c r a cia na região desde 1950. Por que os costa-riquenhos c o n se g u iram desenvolver e manter as instituições democráticas quancio to d o s os seus vizinhos não conseguiam? Parte da resposta está na existência de outras condições favoráveis. Em todo caso. mesmo essas não sustentariam um governo democrático diante de um g o lp e m ilitar, como (antas vezes aconteceu no resto da América Latina. E m 1950, a Costa Rica eliminou, de modo impressionante, essa a m ea ça: em decisão singular e audaciosa, o democrático presidente aboliu os militares! Nenhum outro país seguiu o exemplo da Costa R ica. nem há muita probabilidade de que algum o faça. Nada poderia ilustrar -} Mark Rosenherg. “Political Obstacles Io Democracy m Central A m e r i c a ” , em James M . Malloy e M itche l! S e lig son, etls.. Aullwriiariaus a n d ü e n to c m /x : Regime Tram itim in Lalin America , Pittsburgh. University o f Pittsburgli Press, 1987, p. 193-250. 166 Robert A. Dahl mais vivamente o quanto é decisivo que os funcionários eleitos es tabeleçam e mantenham o controle sobre os militares e a Polícia, para estabelecer e preservar as instituições democráticas. Conflitos culturais fracos ou ausentes Instituições políticas democráticas têm maior probabilidade de se desenvolver e resistirem num país culturalmente bastante homo gêneo e menor probabilidade num país com subculturas muito dife renciadas e conflitantes. Em geral, culturas distintas formam-se em torno de diferenças de língua, religião, raça, identidade étnica, região e. às vezes, ideolo gia. Os membros de uma comunidade compartilham u m a identida de e laços emocionais, distinguem nitidamente o “nós” d o “eles” e entre os outros m em bros do grupo procuram seus relacionamentos pessoais: amigos, companheiros, parceiros de casam ento, vizinhos, convidados. Com freqüência, empenliam-se em cerimônias e rituais que, entre outros efeitos, definem suas -fronteiras de grupo. Esta é uma das maneiras pelas quais uma cultura se torna virtualmente um “modo de vida” para seus membros, um país dentro de um país. uma nação dentro de nação. Neste caso, a sociedade está vertical mente estratificada, por assim dizer. Conflitos culturais podem irromper na arena política, como normalmente acontece: nas questões de religião, língua e códigos de vestimenta nas escolas, por exemplo; na igualdade de acesso à educação; nas práticas discriminatórias de um grupo era relação ao outro; ou, se o governo apóia a religião ou as instituições religio sas, quais e como; ou as práticas de um grupo que outro acha pro fundamente ofensiva e deseja proibir, como o aborto, o abate de vacas ou roupas “ indecentes”; ou. ainda, como e se as fronteiras territoriais e políticas devem ser adaptadas para satisfazer a desejos e exigências de grupos - e assim por diante... etc. Essas questões impõem uni problema especial para a democracia. Os adeptos de uma determinada cultura muitas vezes consideram suas exigências políticas uma questão de princípio, de con vicção pro fundamente religiosa ou mais ou menos religiosa, de preservação da cultura ou sobrevivência do grupo. Conseqüentemente, conside Sobre a democracia - 167 ram suas exigências por "demais:1decisivas- para permitirem uma solução conciliatória - não são passíveis de negociação. Não obs tante. nu m processo democrático pacífico, a solução de conflitos políticos, em geral, requer negociação, conciliação, soluções con ciliatórias. Assim, não é de espantar a descoberta de que os.países democrá ticos mais antigos e politicamente estáveis em gerai conseguiram evitar conflitos culturais graves. Mesmo existindo significativas diferenças culturais entre os cidadãos, em geral eles permitiram que diferenças mais negociáveis (em questões econômicas, por exemplo) dominem a vicia política. N ã o existirão exceções a essa situação aparentemente feliz? Algum as. A diversidade cultura! é especialmente significativa nos Estados Unidos, na Suíça, na Bélgica, na Holanda e no Canadá. No entanto, se a diversidade ameaça gerar conflitos culturais intratá veis, c o m o as instituições democráticas foram mantidas nesses países? E m bora muito diferentes, suas experiências mostram que as conseqüências políticas potencialmente adversas da diversidade cultural às vezes podem ser mais írafáveis em países onde todas as outras condições são favoráveis à democracia. A a ssim ila çã o Esta foi a solução dos Estados Unidos. Da década de 1840 aos anos 1920. a cultura dominante, que durante duzentos anos de go verno colonial e independência fora solidamente estabelecida por colonizadores brancos vindos principalmente da Inglaterra, viu-se diante de imigrantes nào-briíânicos provenientes da Irlanda. Es candinávia, Alemanha, Polônia, Itália e outros cantos - imigrantes que em geral se distinguiam por diferenças na língua (com a exce ção dos irlandeses), na religião, na comida, nas roupas, nos costu mes, no comportamento, na vida comunitária e em outras características. Por volta de 1910. praticamente um em cada cinco residentes nos Estados Unidos era pessoa que havia nascido em outro lugar; além do mais, os pais de mais de um em cada quatro brancos lá nascidos haviam, por sua vez, nascido no exterior. Não 168 Robert A. Dahl obstante, em uma geração de duas, depois que os imigrantes chegaram aos Estados Unidos, seus descendentes já esfavam assimilados à cultura dominante e tão completamente que, embora ainda hoje m uitos norte-americanos mantenham (ou criem ) certo apego à cultura ou ao país ancestral, sua identidade e lealdade política do m in an te são norte-americanas. A p esar do impressionante sucesso da assimilação na redução de conflitos culturais que a imigração em m assa poderia ter provo cad o nos Estados Unidos, a experiência norte-americana revela algum as falhas decisivas nesse tipo de solução. P ara começar, a dificuldade da assim ilação foi imensamente sim plificada porque boa parte dos imigrantes adultos que foram p ara os Estados Unidos para conseguir uma vida melhor estava bastante ansiosa em se deixar assimilar, em se tornar “verdadeiros norte-am ericanos” . Seus descendentes mais ainda. Assim, a assi m ila ção foi principalmente espontânea ou reforçada por mecanis m os sociais (como a vergonha) que m inim izaram a necessidade de coerção pelo Estado.3 Se um a população maciçamente constituída de imigrantes foi m uito bem assimilada em seu todo, quando a sociedade nortea m e r ic a n a viu-se diante de diferenças raciais ou culturais mais p ro lu n d a s , os limites dessa abordagem logo se revelaram. Nos enfren tam en to s entre a população branca e os povos nativos que há m u ito o c u p a v a m este Novo Mundo, a assim ila ç ã o deu lugar à coerção, a mudanças forçadas e ao isolamento em relação à socie dade dom inante. A sociedade norte-americana também não conse guiu assim ilar o grande corpo de escravos afro-americanos e seus d escend entes - que. ironicamente, como os indígenas, já viviam na A m éric a do Norte bem antes da chegada da maioria dos outros im igrantes. Barreiras de casta baseadas em raça e legalmente coer citivas im pediram a assimilação com eficácia. Fracasso um tanto p arecid o tam bém ocorreu 110 final do século X IX , quando chega ram im igrantes asiáticos para trabalho braçal nas ferrovias e 11a agricultura. E m b o r a , c o m o se pensava, não deixasse de existir c o erç ão . Na escola, as crian ç as e ram unifo rm em ente obrigadas a falar inglês. M u i t o rapidamente, perdiam a c o m p e t ê n c ia e m sua língua ancestral. Fora de casa e d a s vizinhanças, o inglês e ra e m p r e g a d o quase exclusivamente - e ai de quem n ã o soubesse compreender ou r e s p o n d e r e m inglês, por pior que fosse. Sobre a democracia 169 _ Houve ainda mais uma grande divisória que a assimilação não conseguiu transpor. No início do século XIX, desenvoive«-se no sul dos Esíados Unidos lima subcultura distinta, com economia e sociedade que dependiam da escravidão. Os norte-americanos que viviam nos esíados do Sul e seus compatriotas dos esíados do Norte e do Oeste estavam divididos em dois estilos de vida funda mentalmente incompatíveis. O resultado foi um “conflito de repressão impossível” que, apesar dos esforços, não poderia ser resolvido com soluções conciliatórias obtidas por meio de negociações pací ficas.4 Houve uma guerra civil que durou quatro anos e custou inúmeras vidas. O conflito também não terminou depois da derrota do Sul e da abolição da escravatura. Emergiram então uma sub cultura e uma estrutura social sulistas distintas, em que a sujeição de cidadãos afro-americanos era reforçada pela ameaça e pela rea lidade da violência e do terror. Essas foram as falhas da assimilação no passado. Pelo final do sécido XX, ainda não se sabia muito bem se a prática norteamericana da assimilação funcionaria com a minoria hispânica e outras minorias conscientes, que aumentavam intensamente. Será que os Estados Unidos se transformarão numa sociedade multicul tural em que a assimilação já não assegure o tratamento pacífico de conflitos culturais sob os procedimentos democráticos? Ou se tor nará uma sociedade em que as diferenças culturais motivam com preensão, tolerância e harmonização bem maiores?' A decisão pelo consenso Subculturas distintas e potencialmente conflitantes existiram na Suíça, na Bélgica e na Holanda. O que podemos aprender com as experiências destes três países democráticos? 4 M uitos volumes foram escritos sobre as causas da guerra civil nos Estados Uni dos. Minlia rápida afirmação, natu ralm ente, não faz justiça aos complexos eventos e causas que levaram ao conflito. Para uma excelente análise com parativa, veja Miclrael W a lz e r. Ou Tokration. N ew Haven e Londres, Yale University Press, 1997. N u m epílogo, ele oferece “ Reflexões sobre o multiculturalismo norte-americano” , p. 93-112. 170 - - Roberl A. Dahl -- Cada um deles crio» arranjos políticos que exigiam unanimi dade ou amplo consenso nas decisões tomadas pelo gabinete e pelo Parlamento. O princípio do governo da maioria deu lugar (em graus variados) a um princípio de unanimidade. Assim, qualquer decisão do governo que afetasse de modo significativo os interesses de uma ou mais dás subculturas seria tomada apenas com a concordância explícita desse grupo 110 gabinete ou no Parlamento. Essa solução foi facilitada pela representação proporcional, que assegurava que os representantes de cada um dos grupos estivessem representados co m justiça 110 Parlamento e. também no gabinete. Com a prática do consenso adotada nesses países, os membros do gabinete de cada subcultura detinham o poder de veto em relação a qualquer política com a qual discordassem. (Em cada um dos três países, esse tipo de arranjo - a que os cientistas políticos se referem como “democracia de associação7' - varia bastante nos detalhes. Para saber mais, veja o A pêndice B.) Evidentem ente, esses sistemas consensuais não podem ser criad os ou não funcionarão bem, senão sob condições muito espe ciais, que incluem um talento para a conciliação: grande tolerância para a transigência; líderes confiáveis para negociar soluções para conflitos que ganhem 0 consentimento de seus seguidores; um con senso em relação a metas e valores básicos, amplo 0 suficiente para tornar os acordos viáveis; uma identidade nacional que desestimule as e x ig ê n c ia s de uma completa separação — e um compromisso relativo aos procedimentos democráticos que exclui os meios vio lentos ou revolucionários. Essas condições são ineomuns. Onde estão ausentes, os ar ranjos consensuais são improváveis. Mesmo existindo de alguma f o rm a , co m o indica o exemplo trágico do Líbano, elas poderão cair sob a pressão de um conflito cultural grave. Uma vez des crito p elo s cientistas políticos como “ dem ocracia de associação" m u ito bem -sucedida, o Líbano mergulhou num a demorada guer ra civil em 1958, quando a tensão interna se mostrou grande d e m a is p ara seu sistema consensual. Sobre a dem ocracia 17 1 ■Sistemas eleitorais As diferenças culturais muitas vezes se tornam iüconíroláveis porque são alimentadas por políticos e m competição pelo apoio. Os regimes autoritários às vezes conseguem usar seu grande poder coercitivo para derrotar e reprimir o s conflitos culturais, que ir rompem como decréscimos da coerção com passos em direção à democratização. Tentados por lucros fáceis proporcionados pelas identidades culturais, os políticos poderão criar, deliberadamente, apelos aos membros de seu grupo cultural e. dessa maneira, acirrar animosidades latentes, transformando-as em ódio que culminará em “ limpeza cultural”. Para evitar esse resultado, os cientistas políticos têm dito que os sistemas eleitorais poderiam ser planejados para mudar os in centivos dos políticos para tornar a conciliação mais lucrativa do que o conflito. Sob os arranjos propostos por eles, nenhum candi dato poderia ser eleito com o apoio de apenas um grupo cultural, teria de conquistar votos de diversos grupos grandes. 0 problema, naturalmente, é persuadir os líderes políticos a adotarem arranjos desse tipo no início do processo de democratização. Uma vez ins talado um sistema eleitoral mais divergente, a espiral em direção ao conflito cultural poderá se tornar irreversível. A separação Quando as fendas culturais são profundas demais para serem superadas por quaisquer das soluções anteriores, resta a solução de que os grupos culturais se separem em diferentes unidades políticas dentro das quais possuam autonomia para manter sua identidade e realizar os mais importantes objetivos de sua cultura. Lm algumas situações, a solução poderia ser um sistema federaiisía em que as unidades (estados, províncias, cantões) sejam suficientemente au tônomas para abranger os diferentes grupos. Um elemento decisivo 11a notável sociedade multicultural harmoniosa criada pelos suíços é o sistema federai. A maioria dos cantões suíços é culturalmente bastante homogênea; por exemplo, um cantão pode ser francófono 172 Robert A. Dahl e católico, e outro alemão e protestante. Os poderes dos cantões são adequados para as variadas necessidades culturais. Como as outras soluções políticas democráticas para o problema do mulíiculturalismo, a solução suíça também requer condições incom uns - neste caso, pelo menos duas: primeiro, os cidadãos de diferen tes subculturas já devem estar sep a rad o s em linhas terri toriais, para que a solução não imponha nenhum sofrimento pro fundo. E, segundo, embora divididos por alguns propósitos em unidades autônomas, os cidadãos devem ter identidade nacional, m eias e valores em comum fortes o bastante para sustentar a união federal. Ainda que essas duas condições existam na Suíça, nenhu m a delas é muito comum. Onde existe a primeira mas não a segunda condição, é prová vel que as diferenças culturais criem exigências para urna plena independência. Se um país democrático se divide pacificamente em dois, a solução parece impecável se julgada unicamente segundo padrões democráticos. Por exemplo, depois de quase um século de semi-independência em uma união com a Suécia, em 1905 a No ruega obleve pacificamente a plena independência. N ão obstante, quando a primeira condição exisle de maneira im perfeita porque os grupos estão entremeados, a independência poderá impor graves sofrimentos à minoria (ou minorias) a ser in c l u í d a ^ ) 110 novo país. Por sua vez, esta(s) pode(m) justificar suas próprias reivindicações por independência ou por. de alguma forma, perm anecer dentro do país. Para a província do Quebec, esse pro blema complicou a questão de sua independência do Canadá. Embora muifos cidadãos de fala francesa do Quebec desejem obter total independência, a província abrange um razoável número de nãofrancófonos - falantes do inglês, grupos indígenas e imigrantes - que desejam continuar cidadãos canadenses. Em bora seja teoricamente possível uma complicada situação territorial que permita aos que 0 desejam continuar sendo canadenses, não sabem os se isto será uma possibilidade política/’ 6 S c o t t I. R e id d es cre v e um process o de e l e i ç ã o e m d o i s t u r n o s que permitiria que ;t m a i o r i a d a s p es so as 110 Q u eb ec , não to d a s , p e r m a n e c e s s e 110 Ca nadá 011 num Q u e b e c in d e p e n d e n te . Ele co n co rd a que su a “ p r o p o s t a e o u t r a s .semelhantes p o d e m s e r p r á t i c a s ou n ã o ” (“ T h e Bord ers o f a n I n d e p e n d e n t Q u e b e c : A Thought E x p e r i m e i i l ” , Gaod Sociely 7 [inverno de 1 9 9 7 ], p. 1 1 - 1 5 . Sobre a democracia É um tanto desalentador saber que todas as soluções para os possíveis problemas do muUiculturalismo em um país democrático —as que descrevi e outras - dependem de condições especiais (mui provavelmente raras) para darem certo. Como até agora a maioria dos países onde vigoram as mais antigas democracias é apenas moderadamente heterogênea, em boa parte foram poupados de conflitos culturais graves. N ão obstante, neste final do século XX, tiveram início mudanças que certamente encerrarão essa feliz situa ção 110 decorrer do século XXI. Cultura e convicções dem ocráticas Mais cedo ou mais tarde. todos os países passarão por crises bastante profundas - crises políticas, ideológicas, econômicas, m i litares, internacionais. Dessa maneira, se pretende resistir, um sis tema político democrático deverá ter a capacidade de sobreviver às dificuldades e aos turbilhões que essas crises apresentam. Atingir a estabilidade democrática não é simplesmente navegar num mar sem ondas; às vezes, significa enfrentar um clima enlouquecido e perigoso. Durante uma crise severa e prolongada, aumentam as chances de que a democracia seja derrubada por líderes autoritários, que prometem encerrar os problem as com métodos ditatoriais rigoro sos. É claro, esses métodos exigem que as instituições e os proce dimentos essenciais da dem ocracia sejam postos de lado. Durante o século XX. a queda da democracia foi um eVenío freqüente, como atestam “ os tantos...” exemplos mencionados no início deste capítulo. No entanto, algumas democracias agüentaram seus ventos e. furacões não apenas uma vez, mas inúmeras. C om o vimos, muitas democracias conseguiram superar os riscos que emergiam de sérias diferenças culturais. Algumas emergiram de suas crises com o navio do estado democrático em melhores c o n d i ções do que antes. Os sobreviventes desses períodos tempestuosos são justamente os países que agora chamamos de “mais antigas democracias”. Por que as instituições democráticas agüentam as crises em al guns países e não em outros? As condições favoráveis que já des- -1-74 R o bert A . Dahl crevi', devemos acrescentar m ais uma. As perspectivas para a de mocracia estável~num~país são melhores quando seus cidadãos e seus iídeies apoiam vigorosamente as práticas, as idéias e os valo res democráticos. O apoio mais confiável surge quando essas con vicções e predisposições estão incrustadas na cultura do país e são transmitidas, em boa parte, de um a geração para a outra. Em outras palavras* quando o país possui unia cultura democrática. Uma cultura política democrática ajudaria a lbrmar cidadãos que acreditem no seguinte: dem ocracia e igualdade política são objetivos desejáveis; o controle sobre militares e Polícia deve estar inteiramente nas mãos dos líderes eleitos; as instituições democrá ticas básicas descritas no Capítulo 8 devem ser mantidas; diferen ças e desacordos políticos entre os cidadãos devem ser tolerados e protegidos. Não tenho a intenção de sugerir que todos em um país demo crático devem ser moldados com o perfeitos cidadãos democráticos. Felizmente não - ou certamente jam ais teria existido uma demo cracia! Em todo caso, a não ser que uma considerável maioria de cidadãos prefira a democracia e suas instituições políticas a qual quer possível alternativa não-democrática e apóie líderes políticos que defendam práticas democráticas, é improvável que a democra cia consiga sobreviver às inevitáveis crises. Na verdade, até uma razoável minoria de militantes antidemocratas violentos pode ser suficiente para destruir a capacidade de um país para a manutenção de suas instituições democráticas. Como as pessoas passam a acreditar nas idéias e nas práticas democráticas? Como as idéias e as práticas democráticas se (ornam parte intrínseca da cultura de um país? Qualquer tentativa de res ponder a essas perguntas exigiria que esmiuçássemos profunda m ente os fatos históricos, alguns generalizados, outros específicos de um determinado país - tarefa essa muito além dos limites desle livro. Digo apenas o seguinte: sorte do país cuja história levou a esses felizes resultados! Nem sempre a história é tão generosa. As vezes, ela dota al guns países com uma cultura política que. na melhor das hipóteses, apóia fracamente as instituições e as idéias democráticas e, na pior das hipóteses, favorece o governo autoritário. Sobre a democracia 175 Desenvolvimento econôm ico e econom ia de merca do H i s t o r i c a m e n t e , o desenvolvimento das convicções d em ocráti cas e de uma cultura democrática eslava estreitamente associado ao que chamaríamos de economia de mercado. Mais especificamente, uma condição altamente favorável às instituições democráticas é uma economia de mercado em que as empresas econômicas são principalmente de propriedade privada e não estatal - ou seja, um a economia capitalista, em vez de socialista ou estatal. No entanto, a estreita associação entre democracia c capitalismo de mercado e s conde um paradoxo: a economia do capitalismo de mercado, ine vitavelmente, gera desigualdades nos recursos políticos a que os diferentes cidadãos têm acesso. Assim, uma economia capitalista de mercado prejudica seriamente a igualdade política - cidadãos economicamente desiguais têm grande probabilidade de ser tam bém politicamente desiguais. Ela aparece num país com uma economia capitalista de mercado: é impossível atingir a plena igualdade p o lí tica. Conseqüentemente, há uma tensão permanente entre a d e m o cracia e a economia de mercado capitalista. Existirá uma opção viável ao capitalismo de mercado que seja menos prejudicial à igualdade política? Nos próximos dois capítulos voltarei a esta questão e, de modo mais geral, à relação entre democracia e ca p i talismo de mercado. Enquanto isso. não podemos fugir da conclusão de que uma economia capitalista de mercado, a sociedade e o desenvolvimento econômico tipicamente gerados por ela são condições altam ente favoráveis ao desenvolvimento e à manutenção das instituições democráticas políticas. Um resumo E bem provável que também ajudem outras condições - co m o o domínio das leis. a paz prolongada, e assim por diante. A credito que as cinco condições que acabo de descrever sejam as mais d e c i sivas. Podemos resumir o argumento deste capítulo em três pro p o si ções gerais: em primeiro lugar, um país dotado de todas essas cinco 176 Robert A. Dahl principais condições íerá praticamente a certeza de desenvolver e manter as instituições democráticas. Em segundo lugar, é muitíssimo improvável que um país onde essas condições estejam ausentes desenvolva as instituições democráticas ou, se o conseguir, que as mantenha. E um país em que as condições são mistas - algumas favoráveis, outras desfavoráveis? Retardarei um pouco a resposta e a terceira proposição geral até ponderarm os o estranho caso da índia. ín d ia : unia democracia im provável Você talvez já tenha com eçado a se perguntar sobre a índia. N ã o lhe faltam todas as condições favoráveis? Se assim é, não esta ria contradizendo todo o meu argumento? Bom, nem tanto... Parece altamente improvável que a índia possa manter por m uito tempo as instituições democráticas. Com uma população que se aproxima de um bilhão de pessoas neste final do século XX, os indianos se dividem em mais linhas do que qualquer outro país no mundo. Entre essas divisões estão línguas, castas, classes, religiões e regiões - e infinitas subdivisões dentro de cada uma.7 Imagine só: A índia não tem uma língua nacional. A Constituição indiana reconhece oficialmente 15 línguas. M esm o essa quantidade subes tima a amplitude do problema lingüístico: pelo menos um milhão de indianos fala uma das 35 línguas distintas - e, mais do que isso. os indianos falam cerca de 22 mil dialetos distintos! Embora 80% das pessoas sejam hindus (o restante é. principal mente, muçulmano, e um estado. Kerala, contém muitos cristãos), os efeitos unificadores do liinduísmo estão seriamente comprometidos pelo sistema d'e castas que o m esm o hinduísmo prescreveu para os indianos desde mais ou menos 1500 a.C. Assim como as línguas, o sistema de castas está infinitamente dividido. Para começar, um 7 O s ciados que seguem sã o p r i n c i p a l m e n t e d a rev ista Ecmiomist de 2 de ag o sto cie 1 9 9 7 . p. 5 2 - 9 0 ; d o p r o g r a m a de d e s e n v o l v i m e n t o d a s N a ç õ e s U n i d a s , o Hitman Devclopinen! Repor !, N o v a Y o r k . O x f o r d U niversity Press, 1997. p. 5 1 : “ I n d i a ’s Five Decades o f P ro g r e s s a n d P a i n ” , New York Times. 14 de ag o s to de 1 99 7; e Sliashi T h aro or, “ l n d i a ’s O d d . E n d u r i n g Palclnvork"’, New York Times, 8 cie a g o s t o de 1997. Sobre a democracia 177 vasto número de pessoas.está_exc[irído das quatro castas h e re d itá rias prescritas: o co htato co m essa gentê - os “párias” ou “ in to cáveis” - conspurca. Em todo caso, cada uma das castas está dividida em incontáveis subcastas hereditárias, cujas fronteiras sociais, residenciais e muitas vezes ocupacionais têm limites b as tante rígidos. A índia é fim dos países mais pobres do mundo. Veja os n ú m e ros: de 1981 a 1995, cerca de metade da população vivia com o equivalente a menos de um dólar norte-americano por dia. P o r essa medida, apenas quatro países eram mais pobres. Em 1993-1994. mais de um terço da população da índia (mais de 300 milhões de pessoas!) viviam oficialmente na pobreza, em pequenas aldeias, trabalhando na agricultura. Em 1996, a índia foi classificada em quadragésimo sétimo lugar entre 78 países em desenvolvimento, num índice de pobreza humana próximo a Ruanda, que estava 110 quadragésimo oitavo lugar. Além do mais. cerca da metade de to dos os indianos acima dos 15 anos de idade e mais de 6 0 % das mulheres acima dos seis anos são analfabetos. Apesar de haver obtido a independência em 1947 e adotado uma constituição democrática em 1950. dadas as condições que acabo de descrever, ninguém se surpreenderá que as práticas políti cas da índia tenham apresentado algumas falhas chocantes de um ponío de vista democrático. O país sofre recorrentes violações dos direitos básicos.'' Os meios empresariais consideram a índia um dos países mais corruptos do mundo.4 Pior: as instituições d e m o cráticas foram derrubadas e substituídas pela ditadura, quando em J975 a primeira-ministra índira Gandhi deu um golpe de Estado, declarou estado de emergência, suspendeu os direitos civis e pren deu milhares de líderes adversários. 8 — Dep ois da derrola e le i t o r a l em 1 9 / 7 . Índira Gandhi foi eleita n o v a m e n t e p r i m e i rn-ministra em 1980. I:m 1 9S 4. ela o rd en o u que as tropas in dianas a t a c a s s e m o mais im portan te s a n t u á r i o m u ç u l m a n o na índia, que estava se n d o o c u p a d o p o r m em b ros da seita r e l i g i o s a sikh. P o u c o depois, ela foi assassinada p o r d o i s d e seus gu ard a-costas sikli. O s h i n d u s e n t ã o irromperam em t u m n i t o e m a t a r a m milhares de siklis. IZm 1 9 8 7 , seu filho Rajiv Gandhi. que se t o m a r a p r i m e i r o ministro, reprimiu u m m o v i m e n t o de independência de u m a m i n o r i a r e g i o n a l . o s tamis. E m 1991, foi a s s a s s i n a d o p o r um tamil. Eam om itt , 2 de a g o s t o d e 1997. p. 52. 178 Robert A. Dahl Contudo, a índia, em geral, apóia as instituições democráticas. Numa ação que não seria.empreendida por um povo não preparado para a democracia, dois anos depois de tomar o poder, Indira foi derrotada numa eleição razoavelmente justa. Aparentemente, não apenas as elites políticas como todo o povo indiano eram mais apegados às instituições e às práticas democráticas do que, ela pre sumira - e não llie permitiram governar com métodos autoritários. Á vida política indiana é muitíssimo turbulenta, muitas vezes violenta - mas, apesar disso, as instituições democráticas básicas, com todas as suas falhas, continuam funcionando. Emergindo de um passado de colônia britânica, os militares indianos criaram e mantiveram um código de obediência aos líderes civis eleitos. Assim , a índia se livrou da maior ameaça ao governo democrático na maioria dos países em desenvolvimento. Ao contrário da A m é rica Latina, por exemplo, as tradições militares indianas pouco apóiam golpes ou ditaduras militares. Embora bastante corrupta em geral, a Polícia não constitui uma força política independente capaz de um golpe. Além do mais, todos os fundadores da índia moderna que a le varam à independência e a ajudaram a modelar sua constituição e suas instituições políticas adotaram as convicções democráticas. Os movimentos políticos liderados por eies defendiam seriamente as idéias e as instituições democráticas. Pode-se dizer que a democra cia é a ideologia nacional cia índia. Não há nenhuma outra. Por mais frágil que seja, o senso de nacionalidade dos indianos está São associado às idéias e às convicções democráticas que pouquíssimos defendem qualquer alternativa não-democrática. E mais: embora culturalmente diversificada, a índia é o único país do mundo em que a lé e a prática do hinduísmo estão ampla mente disseminadas. Oito em cada dez indianos são hinduísfas. Ainda que o sistema de castas seja tão divisivo e os nacionalistas hindus sejam um constante perigo para a minoria muçulmana, este sistema proporciona uma espécie de identidade comum paia a maioria dos indianos. No entanto, ainda que essas condições proporcionassem apoio às instituições democráticas, a disseminada pobreza da índia e a séria divisão multicultural pareceriam solo fértil para o desenfreado crescimento de movimentos antidemocráticos vigorosos o bastante Sobre a democracia 179 para derrubar a d em ocracia e instalar uma ditadura autoritária. Por que isto não aconteceu? Um exame mais de perto revela diversas surpresas. Em primeiro lugar, cada indiano é parte de uma minoria cultu ral tão minúscula que seus membros não poderiam g o v ern ar o país sozinhos. O número absoluto de fragmentos culturais em que a ín dia está dividida significa que cada um é pequeno - e não apenas distante de maioria, m as pequeno demais para dom inar aquele vasto subcontinente variado. Nenhuma minoria indiana poderia governar sem o em p re g o de uma avassaladora coerção por forças militares e policiais. E, como observamos, esses militares e a Polí cia não estão disponíveis para esses propósitos. Em segundo lugar, com poucas exceções, os m em b ros de uma minoria cultural não vivem juntos numa única área, m as tendem a se espalhar por diferentes regiões da índia. Portanto, as minorias não podem ter a expectativa de formar um país separado, fora de suas fronteiras. Q uerendo ou não, os indianos estão “co nd e n ad o s” a permanecer cidadãos da índia. Como a desunião é im possível, a única alternativa é a união dentro da índia."' Por fim, para a m aioria dos indianos não há nenhum a alterna tiva realista para a democracia. Em si, nenhuma das minorias da índia poderá derrubar as instituições democráticas e estabelecer um regime autoritário, nem contar com o necessário apoio dos milita res e da Polícia para sustentar um governo autoritário, esperar for mar um país separado ou propor uma alternativa institucional e ideológica atraente para a democracia. A experiência indica que qualquer coalisão de bom tamanho de minorias diferentes estará por demais dividida para sustentar uma tomada de poder e menos ainda um governo autoritário. Parece que a democracia c realm ente a única opção viável para a maioria dos indianos... Toda a história da democracia na ínuia é bem mais com plexa, como a história de qualquer país. No final das contas, a índia con firma a terceira proposição que prometi. Num país em que estejam ,<fN ão é verdade, se o s m e m b r o s de distintas minorias c u l t u r a i s v i v e m j u n t o s num a região na f r o n t e i r a da índ ia. Há diversas m inorias c o m o e s s a . en tr e as quais se d estacam o s K a s h m i r i s - cujas tentativas de o b t e r i n d e p e n d ê n c i a já h a viam sido fru stra das p e l o g o v e r n o indiano, que em p reg ou f o r ç a s m i l i t a r e s c o n tra eles. 180 -R ò b e r t A . Dahl - ausentes uma ou diversas,.mas não todas as cinco condições favo-,, ráveis à democracia, a democracia é duvidosa, -talvez improvável, mas não necessariamente impossível. P or que a democracia se espalhou pelo mundo.inteiro Comecei este capítulo observando quantas vezes, no decorrer do século XX, a democracia caiu e como ela se havia disseminado pelo final do século. Agora podem os explicar esse triunfo: as con dições favoráveis que descrevi dispersaram-se muito mais ampla m ente entre os países do mundo. • • • • 0 risco de intervenção de um poder exterior hostil à democra tização diminuiu quando os impérios coloniais se dissolveram, os povos ganharam a indepen d ê n cia e a comunidade interna cional deu amplo suporte à democratização. O fascínio da ditadura militar foi reduzido quando se tornou aparente - e não apenas para os civis, mas para os próprios lí deres militares - que os governantes militares normalmente não eram capazes de corresponder às dificuldades de uma socieda de moderna. Para falar a verdade, muitas vezes se mostraram grosseiramente incompetentes. Assim, em muitos países, uma da.s mais antigas e mais arriscadas ameaças à democracia foi enfim eliminada ou imensamente reduzida. Muitos países em que a democratização ocorreu eram suficien temente homogêneos para evitar sérios confú-íos culturais, Em geral, os menores países, não grandes aglomerações de diversas culturas. Os arranjos consensuais funcionaram em alguns paí ses m a is ,divididos culturalmente. Em pelo menos um país. a índia, nenhuma cultura de minoria era de tamanho suficiente para governar. Em compensação, onde os conflitos culturais eram sérios, como em certas partes da África e na antiga. Iu goslávia, a democratização foi um belo desastre. Com as visíveis falhas dos sistemas totalitários, das ditaduras militares e de muitos outros regimes totalitários, as ideologias e as convicções antidemocráticas perderam seu atrativo para boa parte do mundo. Jamais em toda a história da humanidade tan tas pessoas apoiaram as idéias e as instituições democráticas. Sobre a, democraeia • 181 As instituições,.do capitalismo de mercado espalharam-se por - todos os países. O capitalismo de mercado não resultou apenas em maior desenvolvimento econômico e maior bem -estar, mas também alterou de maneira fundamental a sociedade ao criar uma enorme classe média influente solidária com as idéias e as instituições democráticas. Assim, por essas e outras razões, o século XX m ostrou ser o Século do Triunfo Democrático. No entanto, devemos encarar esse triunfo com certa cautela. Por um lado, em muitos países “democráti cos”. as instituições políticas básicas eram frágeis ou imperfeitas. Na Fig. 1 (pág. 18), considerei 65 países democráticos, mas poderíamos dividi-los de maneira razoável em três grupos: os mais democráticos, 35; bastante democráticos. 7: e os vestigialmente democráticos. 23 (veja as fontes no Apêndice Q . 11 Portanto, o “triunfo da democracia" era bem menos completo do que algumas vezes retratado. Além disso, é razoável perguntar se o sucesso d e m o c rá tic o se sustentará no século XXI. A resposta depende do quanto for sa tisfatória a maneira com o os países democráticos resolvam suas dificuldades. Uma delas, como já disse, emerge diretamente das conseqüências contraditórias do capitalismo de mercado: em alguns aspectos, ele é favorável à democracia, embora seja dcsíuvonívc! em outros. É o que examinaremos nos próximos dois capítulos. 11 Os critérios para a s t r ê s c a t e g o r i a s esião descritos no A p ên d ice C. Capítulo 13 Por que o capitalismo de mercado favorece a democracia Democracia e capitalismo de m ercado são como duas pessoas ligadas por um casamento tempestuoso, assolado por conflitos mas que resiste, porque nenhum dos parceiros deseja separar-se do outro. Passando o exemplo para o m undo botânico, os dois existem num a espécie de simbiose antagônica. Embora seja um relacionamento complicadíssimo, aercdito que possamos extrair cinco importantes conclusões a partir da pro fusa e sempre crescente série de .experiências. Apresentarei duas neste capítulo e as (rês restantes no próximo. i. A democracia poliárquica resistiu aj/enas nos países com uma economia predominantemente de mercado: jamais resistiu em algum país: com a predominância de uma economia que não seja de. mercado. Limitei esla conclusão à democracia poliárquica. mas ela tam bém se aplica muito bem aos governos populares que surgiram nas cidades-estado da Grécia, de Roma e da Itália medieval, e na evo lução das instituições representativas e no desenvolvimento da par ticipação do cidadão no norte da Europa. Passarei por cima dessa história, parte da qual já encontramos no Capítulo 2, para nos con centrarmos exclusivamente nas instituições da moderna democra cia representati va - ou seja, a democracia poliárquica. • !« •'! R obert - A . Dahl A qui o registro não é.nada ambíguo. A democracia poliárquica - - existia apenas eníTpaíses com~a predominante economia''capitalista de mercado e jamais (ou, no máximo, brevemente) em países onde predominavam economias planificadas. Por que isto acontece? 2. Esta relação -.estrita existe porque certos aspectos básicas do capitalismo de mercado o tornam favorável para as instituições democráticas. Inversamente, alguns aspectos de uma economia predominantemente planificada a tornam prejudicial às perspecti1'as democráticas. Numa economia capitalista de mercado, as entidades econô micas ou são indivíduos ou empresas (firmas, fazendas e sabe-se lá mais o quê), que são propriedade privada de indivíduos ou grupos e. na maior parte, não pertencem ao Estado. O principal objetivo dessas entidades é o ganho econômico na fornva de salários, lucros, juros e aluguéis ou arrendamentos. Os dirigentes das empresas não têm nenhuma necessidade de lutar por metas mais amplas, grandio sas e ambíguas, como o bem-estar geral ou o bem público - eles podem ser guiados unicamente por incentivos egoístas. Como o s mercados abastecem proprietários, dirigentes, trabalhadores e ou tros com boa parte da informação decisiva necessária, eles podem tomar suas decisões sem uma orientação central. (Isto não significa que possam fazê-io sem as leis e as regulamentações - assunto a que retornarei no próximo capítulo.) Ao contrário do que a intuição nos diria, os mercados servem para coordenar e controlar as decisões das entidades econômicas. A experiência histórica demonstra, de modo bastante conclusivo, que um sistema'em que são tomadas incontáveis decisões econô micas por inumeráveis atores independentes em competição, cada um atuando a partir de interesses egoístas muito restritos e orienta dos pela informação fornecida pelo mercado, produz bens e servi ços de maneira bem mais eficiente do que qualquer outra alternativa conhecida. Mais do que eficiente: com uma regularidade e uma ordem verdadeiramente espantosas. Conseqüentemente, a longo prazo, o capitalismo de mercado levou ao desenvolvimento econômico — e o desenvolvimento eco nôm ico é favorável à democracia. Para começar, ao reduzir a po Sobre a democracia 185 breza intensa e melhorar os padrões de vida. o desenvolvim ento econômico ajuda a reduzir os conflitos sociais e políticos. A lém disso, quando surgem grandes conflitos econômicos, o dese n v o l vimento proporciona m ais recursos, que estarão disponíveis para um povoamento m utuam ente satisfatório, em que todos ganham alguma coisa. (Rara usar a linguagem da teoria do jogo, 11a au s ê n cia do desenvolvimento os conflitos econômicos tornam-se “ som azero”: 0 que eu ganho, você perde - 0 que você ganha, eu perco. Assim, a cooperação é inútil.) O desenvolvimento também p ro p o r ciona aos indivíduos, aos grupos e ao governo o excedente n e c e s sário para dar apoio à educação e, desse modo, prom over uma cidadania instruída e educada. 0 capitalismo de mercado também é favorável à dem ocracia por suas conseqüências sociais e políticas. Ele cria um grande e s trato intermediário de proprietários que normalmente buscam a educação, a autonomia, a liberdade pessoal, direitos de pro p rie d a de, a regra da lei e a participação no governo. As classes m édias, como Aristóteles indicou, são os aliados naturais das idéias e das instituições democráticas. Por fim, talvez 0 mais importante: descen tralizando muitas decisões econômicas a indivíduos e a firmas relati vamente independentes, uma economia capitalista de mercado evita a necessidade de um governo central forte ou mesmo autoritário. Uma economia planificada pode existir onde os recursos são escassos e as decisões econômicas poucas e óbvias. Em uma so c ie dade mais complexa, é necessário um substituto para a coordenação e 0 controle proporcionados pelos mercados. O único sub stitu to viável é o governo. Seja qual for a propriedade legal formal de empresas em uma econom ia planificada. suas decisões são efeti vamente tomadas e controladas pelo governo. Sem a coordenação do mercado, torna-se naturalmente tarefa do governo a distribuição de Iodos os recursos escassos - capital, trabalho, maquinário. ter ras, construções, bens de consumo, residências e os demais. Para fazer isso, o governo precisa ter um plano central detalhado de grande alcance e, portanto, funcionários do governo encarregados de fazer, executar e verificar o cumprimento desse plano. São tare fas prodigiosas que exigem tremendas quantidades de inform ação confiável. Para conquistar a submissão a suas diretivas, os funcioná rios do governo devem descobrir e aplicar incentivos adequados - que podem ir de recompensas legais (como salários e prêmios) ou ile 186 Robert A. Dahl gais (por exemplo, o suborno), a coerção e a punição (como a c o n denação por “crimes econômicos”). A não ser sob.condições raras e passageiras, que abordarei em seguida, nenhum governo mostrou-se à altura dessa íarefa. Entretanto, as ineficicncias de unia economia tie planejamento centra! não são o m ais prejudicial para as perspectivas dem ocráti cas - o pior são as conseqüências sociais e políticas da economia. Uma economia centralmente planejada deixa os recursos de (oda a economia à disposição de líderes do governo. Para imaginar as prováveis conseqüências desse fantástico legado político, devemos lembrar o aforismo: ílO poder corrompe e o poder absoluto corrompe de maneira absoluta” . Uma economia centralmente planejada lança um convite direto aos líderes do governo, escrito em negrito: Você é livre para usar todos esses recursos econômicos para con soli dar e manter o poder q u e feiu em suas mãos! Os líderes políticos teriam de ser dotados de poderes so b re humanos para resistir a essa tentação. Mas o triste registro da histó ria é claro: todos os governantes que tiveram acesso aos imensos recursos proporcionados por uma economia de planejamento ce n tral confirmaram a sabedoria do aforismo. Na verdade, os líderes podem usar seu despotism o para bons ou maus fins. A história re gistra um pouco de cada um desses tipos de fins - em bora, penso eu, de modo geral os déspotas tenham feito bastante mais ma! do que bem. De qualquer maneira, economias de plancjamenlo ceníral sempre estiveram estreitamente associadas a regimes aulorilários. A lgum as ressalvas Ainda que essas duas conclusões sejam válidas, elas precisam de uma série de ressalvas. O desenvolvimento econômico não é exclusivo de países democráticos, nem a estagnação econômica c exclusiva das nações uão-democráticas. Na verdade, parece não haver nenhuma correlação entre desenvolvimento econômico e o tipo de governo ou regim e de um país.' 1 P a r a o b t e r i n d í c i o s i m p r e s s i o n a n t e s s o b r e e s te p onto, veja B r u c e R u s s e t t . “ A N eo -K an tian P e r s p e c t i v e : D e m o c r a c v . In terd ep en den ce. a n d I n t e r n a t i o n a l Organizations in B u ild in g S e c u r ity C om m u nities”. em Emanuel A d l e r e M ich nel B arnett. eds., Security ( 'oiiinumities in Conipni atire andH istórica/ Persjiectire. C a m b r id g e , Cambridge U n rV ersiíy P re ss. 1998: e A dam P rz e w o rs k i e F e r n a n d o Sobre a democracia 187 Além disso, embora a democracia só tenha existido em países e o n u iff la ec onom ia capitalista de mercado, o capitalism o de mercado existiu em países não-democráticos. E m muitos deles (especialmente Taiwan e a Coréia do Sui), os (atores anteriormente mencionados, que tendem a acompanhar o desenvolvimento econô mico e, por sua vez, uma economia de mercado, ajudaram a produzir a*democratização. Nesses dois países em especial, os líderes auto ritários, cujas políticas ajudaram a estimular o desenvolvimento de uma boa economia de mercado, indústrias cie exportação, desenvol vimento econômico e uma grande classe média educada, inadverti damente plantaram as sementes de sua própria destruição. Assim, embora o capitalismo de mercado e o desenvolvimento econômico sejam favoráveis à democracia, a longo prazo eles poderão ser bem menos favoráveis e até inteiramente desfavoráveis para os regimes não-dem ocráticos. Conseqüentemente, o d e s fe c h o de um im pressionante drama histórico a se desenrolar 110 século XXi revela rá se o regime não-democrático da China poderá suportar as forças democrafizantes geradas pelo capitalismo de m ercado. Uma economia capitalista de mercado não precisa existir ape nas em sua conhecida forma urbano-industrial ou pós-industrial do século XX. Também pode ser - pelo menos. já foi - agrícola. Vimos 110 Capítulo 2 que, durante 0 século XIX. as instituições democráti cas básicas (com a exceção do sufrágio feminino) apareceram em diversos países predominantemente agrícolas: Estados Unidos. Ca nadá, Nova Zelândia e Austrália. Em 1790. prim eiro ano da repú blica norte-americana sob sua nova (ainda em vigor) Constituição, de unia população toíal de pouco menos de quatro milhões de pes soas, apenas 5% viviam em lugares com mais de 2.500 habitantes os 95% restantes viviam em áreas rurais, principalmente em sítios e fazendas. For volia de 1820, quando as instituições políticas cia democracia poliárquica (de homens brancos) já esíavam consoli dadas, numa população de menos de dez milhões de pessoas, mais de nove em cada dez ainda viviam em áreas rurais. Em 1860, nas vésperas da Guerra Civil, quando o país tinha m ais de trinta mi lhões de habitantes, oito em dez norte-americanos viviam em áreas L i m o n g i , “ P o l i t i a i l R e g im es an d E conom íc G r o w i í i ”, J o u rn a l o f Fxonomic Perspectives 7, 3 ( v e rã o d e 1993). p. 51-7(1. 188 Robert A. Dahl rurais. A América descrita por Aiexis de Tocqueville, em A demo- cracici na Awérica+éra agrícola, não industrial. É claro, as empresas econôm icas daquela sociedade agrícola eram principalmente fa zen das e sítios, que pertenciam e eram administrados por agriculto res e suas famílias. Boa parte do que produziam era usada para seu p róp rio consumo. Contudo, essa economia era altamente descentralizada (bem m ais do que se tornaria com a industrialização), dando aos líderes políticos muito pouco acesso a seus recursos - e criou uma grande classe média de agricultores livres. Por isso, era altamente favorável ao desenvolvimento democrático. Na visão que Thomas Jefferson tinha da república, a base necessária para a democracia era uma sociedade agrícola consistindo de agricultores independentes. S erá que as origens pré-induslriais de muitas das mais antigas dem ocracias nada têm a ver com os países na era pós-industrial? Não. Esse conjunto de experiências reforça um ponto decisivo: seja qual for a atividade dominante, uma economia descentralizada que ajuda a criar uma nação de cidadãos independentes é altamente fa vorável ao desenvolvimento e à sustentação das instituições demo cráticas. Há pouco mencionei as “ condições raras e passageiras" sob as quais os governos administraram com eficácia o planejamento central. Além disso, os governos eram democráticos - eram os go vernos da Inglaterra e dos Estados Unidos do período da Primeira Guerra Mundial e, mais enfaticamente, durante a Segunda Guerra M undial. Nesses casos, o planejamento e a distribuição de recursos tinham um objetivo claramente definido, que deveria assegurar a satisfação das necessidades dos militares e do suprimento de bens e serviços básicos para a população civil. As metas de guerra foram am plam ente apoiadas. Embora tenliam aparecido alguns mercados negros, não eram extensos o bastante para reduzir a eficácia do sistem a centralizado para distribuir os recursos e controlar os pre ços. Finalmente, o sistema foi desmantelado com a chegada da paz. Em conseqüência, os líderes políticos foram privados das oportu nidades que teriam com a exploração de seu papel econômico do m inante para propósitos políticos. Se colocamos esses sistemas do tempo da guerra de um lado, econom ias centralmente dirigidas existiram somente nos países em Sobre a dem ocracia 1 8 9 ': -ijue os líderes eram fundamentalmente antidemocráticos. Assim, não podemos desemaranhar facilmente as conseqüências não-democrâtieas da ordem econômica das conseqüências não-democráticas das c o n vicções dos líderes. Lenin e Stalin eram tão hostis ;í democracia que, com ou sem uma economia centralmente dirigida, eles teriam impedido o desenvolvimento das instituições democráticas. A e c o nomia centralmente dirigida simplesmente tornava mais fácil sua tareia, proporcionando-lhes maiores recursos para impor sua v o n tade aos outros. A rigor, jamais houve uma experiência histórica que juntasse as instituições democráticas com uma economia centralmente diri gida em tempo de paz. De minha parte, espero que jamais aconte ça. Acredito que as prováveis conseqüências sejam totalmente previsíveis - e são um mau presságio para a democracia. Não obstante, ainda que o capitalismo de mercado seja bem mais favorável às instituições democráticas do que qualquer e c o nomia planificada que tenha existido até agora, ele íambém possui algumas conseqüências profundamente desfavoráveis. Nós as e x a minaremos no próximo capítulo. Capítulo 14 Por que o capitalismo de mercado prejudica a áem ocrac ia Quando abordam os o capitalismo de mercado de uni ponlo de vista democrático, examinando bem de perto descobrim os que ele tem dois rostos. C om o a figura de Janos, o deus g re g o , esses dois rostos apontam direções opostas. Um deles, uni rosto amistoso, aponta para a dem ocracia. O outro, um rosto hostil, aponta na outra direção. A democracia e o capitalismo de mercado estão encerrados num conflito permanente em que cada um modifica e lim ita o outro For volta de 1840, uma economia de mercado c o m mercados auto-regulados em trabalho, terra e dinheiro estava plenamente instalada na I n g l a t e r r a . O capitalismo de mercado vencera seus inimigos em to d as as frentes: não apenas na teoria e na prática, mas também na política, ria legislação, nas idéias, na filosofia e na ideologia. Aparentem ente, seus inimigos haviam sid o com pleta mente derrotados. No entanto, num país em que a.s pessoas têm voz, como tinham na Inglaterra até mesmo 110 p e río d o anterior à democracia, um a completa vitória desse tipo não poderia resistir muito tempo.1 C o m o sempre, o capitalismo de m e rc a d o trouxe ga nhos para uns, mas, como sempre, também prejudicou outros. 1 A narrativa c l á s s i c a é 77te Grecil T/rrnsfoniuifum. ile Karl P o l a n v i . N o v a Yor k. F a r r a r a n d R i n e h a r t . 1944. P o lan yi foi um exilado n u s t r o - h ú n g a r o q u e se m ud o u para a In g laterra e p o s t e r i o r m e n t e deu aulas nos Estados U n i d o s . 192 Robert A. Dah! Embora o sufrágio fosse muitíssimo restrito, d e j n o d o geral as outras instituições políticas do governo representativo estavam instaladas. Em seu devido tempo - em 1867 e novamente em 1884 - o sufrágio foi ampliado: depois de 1884. a maioria dos hom ens podia votar. Dessa maneira, o sistema político proporcionava oportuni dades para a expressão eficaz da oposição ao capitalism o de mer cado iião-iegiilameníado. Voltando-se para os líderes políticos e do governo para pedir ajuda, os que se sentiam prejudicados por mer cados não-regulameutados buscaram proteção. Os que se opunham à economia do h ím ez-fa ire encontraram uma expressão eficaz para suas queixas nos movimentos, nos partidos, nos programas, nas idéias, nas filosofias, nas ideologias, nos livros, nos jornais e nos líderes políticos e, o m ais importante, nos votos e n as eleições. O recentemente fundado Partido Trabalhista concentrava-se na la buta das classes trabalhadoras. Embora alguns adversários propusessem apenas a regulamen tação do capitalismo de mercado, outros desejavam eliminá-lo completamente. Alguns propunham uma solução conciliatória: vamos regulá-lo agora, para mais tarde eliminá-lo. Os que propu nham abolir o capitalismo jamais realizaram suas m etas. Os que exigiam a intervenção do governo e a regulamentação muitas vezes conseguiam. Isto aconteceu na Inglaterra, na Europa Ocidental e em outros países de língua inglesa. Em qualquer país cujo governo podia ser influenciado por movimentos populares de insatisfação, o krissei-faiiv não tinha sustentação. O capitalismo de mercado sem intervenção e regulamentação do governo era impossível num país democrático, no mínimo por duas razões. Em primeiro lugar, as próprias instituições básicas do capita lismo de mercado exigem regulamentação e grande intervenção governamental. M ercados competitivos, propriedade de entidades econômicas, contratos legais, proibição de m onopólios, proteção dos direitos de p ro p rie d ad e - esses e muitos outros aspectos do capitalismo de mercado dependem totalmente de legislações, políti cas. ordens e outras ações realizadas pelos governos. Uma economia de mercado não é. nem pode ser, completamente auto-regulamenlada. Em segundo lugar, sem a intervenção e a regulam entação do governo, uma econom ia de mercado inevitavelmente inflige sérios Sòbre a democracia 193 danes a algum as pessoas - e os prejudicados ou os q u è esperam ser prejudicados exigirão _a intervenção do governo. Os .atores econô micos m otivados por interesses egoístas têm pouco incentivo para levar em consideração o bem dos outros; ao contrário, sentem-se fortemente incentivados a deixar de lado o liem dos outros, se com isso obtiverem ganhos._A consciência é facilmente sossegada pela sedutora justificativa para infligir mal aos outros: S e e u n ã o f i z e r, a l g u é r n f ará . S e n ã o p e r m i í o q u e m i n h a f á b r i c a d e s c a r r e g u e o s r e s í d u o s n o rio e a f u m a ç a n o a r . o u t r o s o fa rã o . S e n ão vendo m eus produtos m e s m o se n d o in s e g u ro s , ou tro s o f a r ã o . S e eu n ã o ... o u tro s o farão. N um a economia mais ou menos competitiva, é praticamente seguro que, de fato, outros o farão. Q u a n d o as decisões tomadas pela competição e pelos merca dos não-regulamentados resultam em prejuízos, é provável que surjam questões. O mal pode ser eliminado ou reduzido? Se pode. seria isso realizado sem exagerado custo em relação aos benefícios? Quando os prejuízos aumentam para algumas pessoas e os benefí cios para outras, como em geral acontece, como poderemos julgar o que é desejável? Qual é a melhor solução? Ou. se não a melhor, qual seria uma solução no mínimo aceitável? C o m o e por quem deveriam ser tomadas essas decisões? Como e m ediante que meios essas decisões devem ser legalmente impostas? É evidente que essas não são apenas questões econômicas. São também questões morais e políticas. Num país democrático, os ci dadãos que buscam respostas inevitavelmente gravitarão em torno da política e do governo. O candidato mais acessível e mais eficaz para intervir numa economia de mercado de modo a alterar um re sultado que poderia ser prejudicial é... o governo do Estado. Para obterem a intervenção do governo, os cidadãos descon tentes naturalmente dependem de muitas questões - até mesmo do relativo po der político dos antagonistas. Contudo, o registro histó rico é claro: em todos os países democráticos, os prejuízos produ- E t a m b é m e m m u ito s países n ão -d em o crátic o s - m a s a q u i n o s p reo cu parem o s c o m a r e l a ç ã o en tre a de m ocracia e o c a p ita lism o de m e r c a d o . 19A- 'Robert A. Dahl - .zid os pelos" mercados não-regu lamentados ou deles esperados in duziram os governos a mten'if para alterar um resultado que pode ria causar danos a alguns cidadãos. Num país famoso por seu compromisso relativo ao capitalismo de m ercado, os Estados Unidos, os governos da nação, dos estados e os locais intervém na economia de m aneiras inumeráveis. Veja aqui apenas alguns exemplos: • • • • • • • • • • • ° • • seguro desemprego; anuidades para a velhice; política fiscal para evitar a inflação e a recessão econômica; segurança: alimento, remédios, transporte aéreo, ferroviário, estradas, ruas; saúde pública: controle de doenças infecciosas, vacinação com pulsória de crianças em idade escolar; seguro de saúde; educação; a venda de ações, títulos e outras garantias; zoneam ento: comercial, residencial, e assim por diante; estabelecimento de normas de construção; garantia de competição no mercado, proibição de monopólios e outras restrições ao comércio; im posição e redução de tarifas e cotas de importação; licenciamento de médicos, dentistas, advogados, contadores e outros profissionais; im plantação c manutenção de parques nacionais e estaduais, áreas de recreação e áreas selvagens; regulamentação de firmas empresariais para prevenir e reparar dano s ao ambiente; e. bem mais tarde, re gu la m entaçã o da venda de produtos derivados do tabaco p ara reduzir a freqüência do vício, do câncer e outros efeitos malignos. E assim por diante. R esum indo: em nenhum país democrático existe uma econo m ia capitalista de mercado (e provavelmente não existirá por muito Sobre a democracia 195 tempo) sem ampla regulamentação e intervenção do governo para alterar seus efeitos nocivos.No entanto, se a existência em um país de instituições políticas democráticas afeta de maneira significativa o funcionamento do capitalismo de mercado, a existência desse tipo de capitalismo afeta o funcionamento das instituições políticas democráticas. A flecha da causa, por assim dizer, voa nas duas direções: da política para a economia e da economia para a política. Como inevitavelmente cria desigualdades , o capitalismo de mer cado limita o potencial democrático da democracia poliárquica ao gerar desigualdades na distribuição dos recursos políticos Palavras sobre palavras Recursos políticos abrangem tudo o que uma pessoa ou mn grupo tem acesso, que pode utilizar para influenciar direta ou indi retamente a conduta de outras pessoas. Variando com o tempo e o lugar, um número imenso de aspectos da sociedade humana pode ser transformado em recursos políticos: força física, armas, dinheiro, riqueza, bens e serviços, recursos produtivos, rendimentos, status . honra, respeito, afeição, carisma, prestígio, informação, conhecimen to. educação, comunicação, meios de comunicação, organizações, posição, estatuto jurídico, controle sobre doutrinas e convicções religiosas, votos e muitos outros. Em determinado limite teórico, um recurso político poderia ser igualmente disíribuído, como ac o n tece com os votos nos países democráticos. Em outro limite teórico, ele poderia concentrar-se nas mãos de uma pessoa ou de um g r u po. As possíveis variações da distribuição eníre a igualdade e a concentração total são infinitas. A maioria dos recursos que acabo de listar está distribuída por todos os cantos de maneira muitíssimo desigual. Embora não seja a causa única, o capitalismo de m ercado é importante para causar uma distribuição desigual de muitos recursos essenciais: riqueza, rendimentos, status. prestígio, informação, organização, educação, conhecimento... 19 6 Robert A. Dahl Devido às desigualdades nos recursos políticos, alguns cida dãos, significativamente, adquirem mais influência do que outros nas políticas, lias decisões e nas ações do governo. Essas violações não são nada inconnms! Conseqüentemente, os cidadãos não são iguais políticos - longe disso e assim a igualdade política entre os cidadãos, fundamento moral da democracia, é seriamente violada. O capitalismo de mercado favorece grandemente o desenvolvi m ento da democracia até o nível da democracia poliárquica. No entanto, devido às conseqüências adversas p a ra a igualdade polí tica , ela é desfavorável ao desenvolvimento da democracia além do nível da poliarquia Pelas razões anteriormente apresentadas, o capitalismo de m ercado é um poderoso solvente de regim es autoritários. Quando ele transforma uma sociedade de senhores e camponeses em em pregadores, empregados e trabalhadores; de massas rurais quase incapazes de sobreviver, e às vezes nem isso, em um país com ha bitantes alfabetizados, razoavelmente segu ros e urbanizados; de m onopólio de quase todos os recursos por unia pequena elite, oli garquia ou classe dominante, em uma dispersão bem mais ampla de recursos; de um sistema em que muitos podem fazer pouco para evitar o domínio do governo por poucos em u m sistema em que os m uitos podem eficazmente combinar seus recursos (sem falar de seus votos) e assim influenciar o govemo, de modo a que este alue a seu favor - quando ajuda a produzir essas mudanças, como mui tas vezes aconteceu e continuará acontecendo em muitos países com economias em desenvolvimento, ele serve de veículo para uma transformação revolucionária da sociedade e da política. Q uando governos autoritários em países menos modernizados decidem criar uma economia de mercado dinâm ica, é provável que estejam semeando sua própria eliminação. Um a vez que sociedade e política são transformadas pelo ca pitalism o de mercado e as instituições dem ocráticas instaladas, o pano ram a muda fundamentalmente. Agora as desigualdades nos recursos que o capitalismo de mercado agita produzem sérias desi gualdades políticas entre os cidadãos. Se e como o casamento da democracia poliárquica ao capita lismo de mercado pode se torn ar mais favorável para maior dem o cratização da poliarquia é u m a questão profundamente difícil para a qual não há respostas sim p les, e, certamente, não serão curtas. A relação entre o sistema político democrático de um país e seu sistema econômico não-democrático apresentou uma dificuldade formidável e persistente para as metas e as práticas democráticas por todo o século XX. Essa dificuldade seguramente continuará no século XXL Capítulo 15 A viagem inacabada 0 que temos pela frente? Como vimos, o século XX, que a muitos contemporâneos às vezes pareceu transformar-se num período trágico, ao contrário dem onstrou ser uma era de incomparável triunfo para a democracia. Embora pudéssemos encontrar algum conforto na crença de que o século XXI será tão bom para a dem o cracia quanto o século XX, o registro da história nos diz que a de mocracia é rara na experiência da humanidade. Ela está destinada a ser mais uma vez substituída por sistemas não-democráticos, talvez aparecendo em alguma versão do século XXI da tutela pelas elites burocráticas e políticas? Ou, quem sabe, ela continuaria sua expan são global? Ou, em mais uma transformação, o que hoje é chamado “democracia” poderá adquirir uma amplitude maior, com menor profundidade - estendendo-se a muitos outros países, ao mesmo tempo em que suas características enfraquecem? Penso que o futuro é muito incerto para obtermos respostas firmes. Depois de completar nossa exploração das questões apre sentadas 110 Capítulo 3, agora esgotamos as nossas cartas. O mundo conhecido mapeado da experiência deve dar lugar a um futuro em que, na melhor das hipóteses, os mapas não são confiáveis —esbo ços feitos por cartógrafos sem relatórios confiáveis sobre uma terra distante. Não obstante, podem os prever, com grande confiança, acredito eu, que certos problemas hoje enfrentados pelos países democráticos permanecerão, e talvez até se (ornem mais assustadores. Nesle último capítulo, apresentarei um rápido esboço de m ui tas dificuldades. Focalizarei principalmente as democracias mais antigas, em parte para facilitar minha tarefa, mas também porque 200 Robert A. D ahl - acredito c]ue, mais cedo ou mais tarde (provavelmente mais cedo), os países recentemente democratizados ou ainda errí fase de transi- _ ção para a democracia enfrentarão problemas como os que estão à espera das democracias mais antigas. Dado o que aconteceu antes, nenhum dos problemas que men cionarei deve surpreender muito. N ão tenho grandes-dúvidas de que haverá outros. Lamentavelmente, aqui não posso ter a~esperança de oferecer soluções, o que exigiria outro livro - ou melhor, m uitos outros livros. Em todo caso, podem os ter a razoável certeza de unia coisa: a natureza e a característica da democracia depende rão grandemente da maneira como os cidadãos e os líderes resol vam as dificuldades que descreverei a seguir. D ificu ld ad e 1: a ordein econômica É improvável que o capitalismo de mercado seja suplantado nos países democráticos. Conseqüentemente, a coabitação antagô n ica descrita nos Capítulos 13 e 14 certamente persistirá em uma ou outra forma. Nenhum a alternativa comprovadamente superior a uma eco nom ia predominantemente de mercado está à vista em qualquer lugar. Em uma mudança sísmica nas perspectivas, pelo finai do séc u lo XX poucos cidadãos em países democráticos tinham grande con fiança na possibilidade de descobrir e introduzir um sistema pliuiificado que seria mais favorável à democracia e. à igualdade poiítica e, ainda assim, eficaz o bastante na produção de bens e s e rv iç o s para ser igualmente aceitável. Nos dois séculos preceden tes, socialistas, planejadores, feenocraías e muitos outros alimenta ra m idéias de que os mercados seriam ampla e permanentemente substituídos pelo que acreditavam ser processos mais ordenados, m a is bem planejados e mais justos para tom ar decisões econômicas s o b r e a produção, a cotação de preços e a distribuição de bens e serv iç o s. Essas idéias quase caíram no esquecimento. Sejam quais f o r e m os seus defeitos, uma economia predominantemente de mer c a d o parece ser a única opção para os países democráticos no novo sécuio. Sobre a democracia 20 r Em compensação, o falo de uma economia em que predomina o mercado exigir que ns_empresas econômicas sejam possuídas e coníroladas em suas formas capitalistas prevalecentes é bem m enos certo. Os “governos” internos das firmas capitalistas caracteristicamente não são democráticos; às vezes são praticamente d es p o tismos administrativos. Além do mais, a propriedade das firmas, os lucros e outros ganhos resultantes da propriedade são distribuídos de maneira muitíssimo desigual. A propriedade desigual e o c o n trole de importantes empresas econômicas por sua vez contribuem em grande parle para a desigualdade :ios recursos políticos m encio nados 110 Capítulo 14 e, assim, para consideráveis violações da igualdade política entre os cidadãos democráticos. Apesar desses obstáculos, pelo final do século XX as alterna tivas históricas ao controle e à propriedade capitalista perderam boa parte de seu apoio. Os partidos trabalhistas, socialistas e socialdemocráticos há muito abandonaram a nacionalização da indústria como objetivo. Os governos liderados por esses partidos, ou que pelo menos os incluem como parceiros ansiosos, rapidamente privaíizaram as empresas estatais. A única experiência digna de nota de uma economia de mercado socialista, em que empresas “ de p ro priedade social” funcionando num contexto de mercado eram in ternamente governadas por representantes dos trabalhadores (pelo menos em princípio), foi extinta quando se desintegraram a Iugos lávia e seu governo comunista hegemônico. Para falar a verdade, nos países capitalistas mais antigos, algumas firmas de propriedade dos empregados não apenas existem, mas prosperam. Não obstante, os movimentos sindicalistas, os partidos trabalhistas e os Irabalhadores em geral não defendem muito seriamente uma ordem econ ôm i ca em que predominam firmas possuídas e controladas por seus empregados e trabalhadores. No fundo, é quase certo que a tensão entre os objetivos d e m o cráticos e uma economia capitaiisla de mercado continue indefini damente. Existirá melhor maneira de preservar as vantagens do capitalismo de mercado e ao mesmo tempo reduzir seus custos para a igualdade política? As respostas proporcionadas por líderes e c i dadãos nos países democráticos determinarão em grande parte a natureza e as características de democracia 110 novo século. 202 Robert A. Dahl D ificu ld ade 2: a internacionalização Já vimos por que é provável que a internacionalização venha a expandir o domínio das decisões tom adas pelas elites políticas e burocráticas à custa dos controles democráticos. Como afirmei no Capítulo 9, de uma perspectiva democrática, a dificuldade .imposta pela internacionalização é garantir que os custos para a democracia sejam totalmente levados em conta quando as decisões passarem ao nível internacional e reforçarem os meios de responsabilizar as elites políticas e burocráticas por suas decisões. Agora, se e conto esses meios serão realizados é algo que não está muito claro. D ificu ld ade 3: a diversidade cultural Como vimos na Capitulo 12, uma homogeneidade cultural m oderada foi favorável ao desenvolvimento e à estabilidade da dem ocracia em muitos dos países democráticos mais antigos. Du rante as últimas décadas do século X X , dois fatos nesses países contribuíram para um aumento na diversidade cultural. Ambos, provavelmente, continuarão pelo século XXI adentro. Em primeiro lugar, alguns cidadãos que habitualmente incor riam em discriminação juntaram-se em movimentos de identidade cultural que buscavam proteger seus direitos e interesses. Entre esses movimentos estavam os das pessoas de cor, mulheres, gays e lésbi cas, minorias lingüísticas, grupos étnicos vivendo em suas regiões históricas, como os escoceses e os galeses na Grã-Bretanha, os fa lantes do francês no Quebec e outros. Em segundo lugar, a diversidade cultural nos países democrá ticos mais aníigos foi magnificada por um número maior de imi grantes, normalmente mareados por diferenças étnicas, lingüísticas, religiosas e culturais que os distinguiam da população dominante. P or inúmeras razões, é provável que a imigração, legal ou ilegal, contribua indefinidamente para um aum ento significativo da diver sidade cultural nas democracias mais antigas. Por exemplo, as dife renças econômicas estimulam os cidadãos dos países mais pobres a se mudarem para os países dem ocráticos ricos, na esperança de fugir da pobreza. Outros apenas desejam melhorar a qualidade de Sobre a democracia" 203 suas vidas e emigram para um país rico dotado de maiores o p o rtu nidades. 0 número de pessoas que procuram se mudar para as d e mocracias mais antigas aumentou ainda mais rios últimos anos do século XX, com um a inundação de refugiados aterrorizados ten tando escapar da violência, da repressão, do genocídio, da fome, da “ limpeza étnica” e d e outros horrores que tiveram de enfrentar em seus países de origem. ■ . - Ás pressões infernas somavam-se a essas pressões externas. Empregadores esperavam contratar imigrantes com níveis salariais e condições de trabalho que já não atraíam mais seus com patriotas. Imigrantes recentes queriam que os parentes no exterior se juntassem a eles. Cidadãos m ovidos por sentimentos humanitários e sim ples justiça não desejavam forçar esses imigrantes a perm anecer para sempre em campos de refugiados ou enfrentar a miséria, o terror e, possivelmente, a m orte imediata esperando-os em seu país. Diante de pressões externas e internas, os países dem ocráticos descobriram que suas fronteiras eram mais porosas do que pre ssu punham. Era impossível prevenir a entrada ilegal por terra ou por mar sem enormes gastos para o policiamento das fronteiras, de maneira que, à parte os custos, muitos cidadãos consideravam d e sagradável ou intoleravelmente desumana. Parece-me im provável que a diversidade cultural e a dificul dade que ela impõe dim inuam neste novo século. E bem m ais p ro vável que essa diversidade aumente. Se nem sempre no passado trataram da diversidade cultural de maneira coerente em relação às práticas e aos valores d e m o c rá ti cos. os países dem ocráticos poderão fazer melhor no futuro? Será que realmente fa rã o m elhor? Os variados arranjos d e sc rito s 110 Capítulo 12 e no A pêndice B oferecem possíveis soluções que se estendem da assimilação, num extremo, à independência, no outro. Talvez haja outras. D e qualquer modo. mais uma vez a natureza e a característica da dem ocraciadependerão enormemente dos íirrunjos criados pelos países democráticos para tratar da diversidade cultu ral de seu povo. 204 Robert A. Dahl DifiçuUÍade 4: a educação cívica Embora nas páginas anteriores eu não tenha dito muito sobre a educação cívica, você lembrará que ura critério essencial para o processo democrático é a com preensão esclarecida: dentro de ra zoáveis limites de tempo, cada cidadão deve ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas pertinentes "e suas prováveis conseqüências. Na prática, como é que os cidadãos costumam adquirir a ed u cação cívica? Os países democráticos mais antigos criaram muitas rotas para a compreensão da política. Para começar, a maioria dos cidadãos recebe uma quantidade de educação formal suficiente para assegurar a alfabetização. Sua compreensão da política a u menta mais com a ampla disponibilidade da informação pertinente, que pode ser obtida a baixo custo na mídia. A competição entre os que desejam postos políticos acrescenta-se a este sortimento, pois os partidos e os candidatos ansiosamente oferecem informação aos eleitores (às vezes, entremeada com a des-infonuaçãol) sobre sua história e suas intenções. Graças aos partidos políticos e às organi zações de interesse, a quantidade de informação que os cidadãos precisam para estar bem informados, envolvidos ativamente na política e politicamente eficazes na verdade é diminuída para che gar a níveis mais acessíveis. Um partido político normalmente tem unia história que os eleitores conhecem em linhas gerais, uma dire ção atual que, em geral, é a extensão de seu passado e um futuro bastante previsível. Assim, os eleitores têm menos necessidade de en ten d e r cada uma das questões p úblicas importantes - em vez disso, simplesmente votam em candidatos do partido que escolhe ram confiando em que, se eleitos, esses representantes adotarão políticas de acórdo com seus interesses. Muitos cidadãos também pertencem a associações organizadas para proteger e promover seus interesses específicos: grupos de interesse, organizações lobistas, grupos de pressão. Os recursos, as habilidades políticas e o conhecim ento especializado disponível nesses grupos de interesse organizados proporcionam aos cidadãos um tipo especial e, em geral, m uitíssimo eficaz de representação na vida política. Sobre a democracia 205 Devido à com petição partidária, à influência das organizações de interesse e às eleições competitivas, os líderes políticos, presumem que serão responsabilizados por realizar (ou pelo menos tentar) o programa de seus partidos e as promessas de campanha. A lém do mais, embora de m o d o geral se acredite no contrário, nos países democráticos mais antigos eles normalmente o fazem .1 Por fim, im portantes decisões governamentais norm alm ente ocorrem por incremento, não por grandes saltos no escuro. Com o é dado um passo de cada vez, as mudanças incrementais tendem a evitar desastres paralisantes. Cidadãos, especialistas e líderes apren dem com os erros, enxergam as correções necessárias, m odificam a política de ação - e assim por diante. 0 processo é repetido tantas vezes quantas forem necessárias. Embora cada passo pareça decepcionantemente pequeno, com o tempo esse avanço gradual produzirá mudanças profundas, até revolucionárias. Contudo, as m udanças ocorrem pacificamente e adquirem um apoio público tão vasto, que tendem a durar. Para alguns observadores, essa maneira incrementai de tratar da questão nas coxas parece totalmente irracional, mas num exame mais atento parece u m a forma bastante racional de realizar im por tantes mudanças em um mundo de grande incerteza.2 As decisões mais desastrosas no século XX foram as tomadas por líderes auto ' Esta é es se n c ia lm e n te a d e s c o b e r ta de diversos estu d o s c u i d a d o s o s . C o m p a r e o estudo de 13 p aíses d e m o c r á t i c o s feilo por H an s -D iete r K l i n g e m a n . R i c h a r d I. H o f fe r b e r t , lan B u d g e cl u l . Parties. Policies and D em ocracy. B o u l d e r . W estv iew . 1994. U n i e s t u d o de 3 8 governos em 12 países d e m o c r á t i c o s t a m bém encontrou e n o r m e c o n g r u ê n c i a entre as idéias d o s c i d a d ã o s e as d o s q ue tom avam as d e c i s õ e s , e m b o r a essa congruência fosse m ais e l e v a d a e m p a í s e s com sistem as e l e i t o r a i s d e r epresen tação proporcional do q u e e m p a ís e s c o m sistem as F P T P ; J o h n D . H u b e r e G. Binghain Powell Jr., “ C o n g r u e n c e B e tw e e n Citizens an d P olicv M a k e r s in Tvvo Visions of Liberai D e m o c r a c y " , World Po- litics 46, 3. abril d e 1 9 9 4 . p. 29 ss. Cha rles E. L in d u l o m m o s t r o u a racionalidade do “ p e n s a m e n t o o b s c u r o " p o r m étod os i n c r e m e n t a i s e m a r tig o or igin al. “The S cience o f M u d d l i n g T h r o u g h ” . Public Administration Review 19, 1959. p. 78-88. V eja t a m b é m L i n d b l o m . “ Still M u dd ling . N o t Y e t T h r o u g h " , Democracy and M arkct System. O s l o . No rw eg ian U n i v e r s i t y P r e s s , 1988. p. 237-262. L in d b lo m t a m b é m u sou a e x pr essão incrementalisnio desarticulado, sobre o q u e m u ito e s c r e v e u . V e j a s e u The Intelligence o f D em ocracy: Decision Making Through M utual Adjustiiient , N o va Y ork , Free P r e s s , 1 9 6 5 . 20 6 Robert A. Dahl ritários livres das restrições democráticas. Enquanto as democracias se vivavam de alguma forma, líderes despóticos encernulos em uma visão de mundo estreita adotavam políticas de autodestruição. Assim, com todas as suas imperfeições, essa solução conven ciona! para atingir um bom nível de competência cívica tem muito a ser dito a seu favor.3 No entanto, receio "que ela não continuará satisfatória no futuro. Três fatos inter-relacionados me parecem ter a probabilidade de tornar muito insuficiente a solução convencional. Mudanças na escala Devido à maior internacionalização, ações que afetam de modo considerável a vida dos cidadãos abrangem áreas cada vez mais amplas e números cada vez maiores de pessoas dentro de seus limites. Complexidade Embora o nível médio da educação formal tenha subido em todos os países democráticos (e provavelmente continuará a subir), a dificuldade para entender os negócios públicos também aumen tou e pode ter superado as conquistas de níveis superiores de edu cação. Durante os últimos cinqüenta e tantos anos, o número de questões diferentes que interessam aos políticos, ao governo e ao Estado aumentou em todos os países democráticos. Nenhuma 3 P o r ex em plo , Benjamiii I. Pag o c h e g a a u m v ered ito favorável so b r e o s eleilores n o r te -a m e r ic a n o s em ('hoicex a nd Echoes in Prexicienlia! Elections: Rational Man and Elecíoral Democracy. C h i c a g o , U n iv er sity o f C h i c a g o Pre ss . 1978. N ã o obstante . M ichael X. Del Si C a r p i n i e Scott K e e le r c o n clu em q u e “ um a das d e s c o b e r ta s m ais im p o rtan tes - e m a i s p e r t u rb a d o r a s - de noss a p es q u isa sã o as g r a n d e s lacu nas de c o n h e c i m e n t o s e n c o n t r a d a s en tre o s grup o s em d e s v a n ta g e m so c i o e c o n ô m i c a e os m ais p r i v i l e g i a d o s ” , IIlia! Amcricons Know Ahottl Polihcs and W hyll Malters. New Haven e L o nd res . Y ale University Press. 1989. p. 287. J a m e s F ish k in , The Voice o f lhe People. Public Gpinion and Democracy. N e w H a v e n e Lo nd res. Yale U n i v e r s i t y P r e s s , 1995, faz u m a crític a m ais sev era, c o m r e c o m e n d a ç õ e s para a i n t r o d u ç ã o d e n o v a s instituiçõ es para a j u d a r na s u p er a ç ã o d a s deficiências d e c o m p r e e n s ã o . Sobre a democracia 207 pessoa pode ser especialista em todas essas questões - em mais de algumas;~na -verdade. Por fim, as opiniões sobre políticas não estão apenas repletas de incerteza, más em geral exigiam difíceis julgamentos .sobre as negociações. CoiuuiücüçõesDurante o século XX, o quadro de referências social e técnico da comunicação humana passou por extraordinárias m udanças nos países avançados: telefone, rádio, televisão, fax. televisão interati va, Internet, pesquisas de opinião quase simultâneas aos eventos, grupos temáticos e assim por diante. Devido aos custos relativa mente baixos da comunicação e da informação, a quantidade bruta de informação disponível sobre questões políticas em todos os ní veis de complexidade aumentou imensamente.4 Não obstante, essa disponibilidade maior da informação talvez não leve a um a com petência maior ou maior compreensão - a escala, a co m plexidade e a maior quantidade de informação impõem exigências sem pre mais pesadas às capacidades dos cidadãos. Por essa razão, uma das necessidades imperativas dos países democráticos é melhorar a capacidade do cidadão de se envolver de modo inteligente na vida política. Não pretendo sugerir que as instituições para a educação cívica criadas nos séculos X IX e XX devam ser abandonadas, mas acredito que nos próxim os anos essas velhas instituições precisarão ser melhoradas pelos novos meios da educação cívica, da participação política, da informação e da deli beração que usam criativamente a série de técnicas e tecnologias disponível 110 século XX. Mal começamos a pensar a sério a res peito dessas possibilidades, menos ainda a testá-las em experi mentos de pequena escala... Será que os países democráticos - novos, antigos ou em tran sição - conseguirão corresponder a essas dificuldades e a outras que certamente terão de enfrentar? Se falharem, a la c u n a entre 4 Em 1930, u m t e l e f o n e m a d e três m inutos de Nova Y ork p a r a L o n d r e s c u s ta v a cerca de t r e z e n t o s d ó l a r e s ( p e lo dó lar de 1996): em 1996. c u s t a v a m a i s o u m e nos um dólar, E conom ist , 18 de o utubro de 1997. p. 79. 208 Robert A. Dahl ideais e realidades democráticas, já grande, aumentará bem mais. e a era de triunfe democrático será seguida por uma era.de decadên cia e queda da democracia. Por todo o século XX, os países democráticos jam ais faltaram para os críticos, que anunciavam confiantes que a democracia esta va em crise, em sério perigo ou mesmo condenada. Muito bem, provavelmente algumas vezes correu um sério perigo - mas não esteve condenada. Acontece que os pessimistas estavam prontos para renunciar à democracia. Destruindo suas funestas previsões, a experiência revelou que., uma vez firmemente estabelecidas num país, as instituições democráticas se mostrariam notavelmente vi gorosas e exuberantes. As democracias revelaram uma inesperada capacidade para tratar dos problemas que tiveram de enfrentar sem muita elegância e sem grande perfeição, mas de m odo satis fatório. Se as democracias mais antigas enfrentam e superam suas difi culdades 110 século XX, elas poderiam afinal se transformar em democracias verdadeiramente avançadas. 0 sucesso das dem ocra cias avançadas proporcionaria então um farol para todos os que acreditam na democracia pelo mundo afora. Apêndice A Os sistemas eleitorais Se você deseja aprender mais so b re os sistemas eleitorais, um bom lugar para começar é The hiternaíional 1DEA llaudbook o f Elecloral Sysíem Desigiu editado p or Andrew Reynolds e Beo Reiiiy (Estocolmo, International Institute for Democracy and Electoral Assistance. 1997). Ele divide o “mundo dos sistemas eleitorais'’ em três grandes famílias: os sistemas pluralistas de maioria, os sistemas de repre sentação proporcional e os sistemas de representação semiproporcional. O sistema First-Past-lhe-Past - FPTP. comparado ao sistema de Representação Proporcional no C apítulo 11, é apenas um dos quatro tipos dos sistemas pluralistas de maioria. Entre os outros estão o sistema de voto alternativo, o VA (também conhecido c o m o sistema de volo preferencia!), e o sistema, de eleições em dois turnos usado na França. Embora o sistema de voto alternativo seja usado somente na A ustrália (e numa forma alterada 110 estado de Nauru. uma ilha do Pacífico), alguns cientistas políticos o apóiam vigorosamente. Nes se sistema, os candidatos podem ser escolhidos a partir de distritos co m um único membro, como acontece no FPTP. Contudo, ao contrário do FPTP, os eleitores classificam os candidatos: um c o m o primeira opção, dois como segunda, três como terceira, e assim por diante. Se nenhum candidato obtém a maioria dos votos, o candidato com 0 total mais b a ix o é elim inado e as segundas o p ç õ e s dos eleitores são contadas. Isso continua até que um candi dato obtenha 50% dos votos. O sistem a de dois turnos dos france ses visa a resultado semelhante. A m b o s evitam o defeito potencial 210 - RoBertA. DàHU d o FPTP: se mais de dois candidatos disputam um posto, este po derá ser conquistado por um candidato que-a mafòria dos eleitores rejeitaria, se lhes fosse dada a opção. Na verdade, o sistema de voto alternativo proporciona essa oportunidade. Os sistemas de representação proporcional caem em três grupos. O m ais com um , de longe, é o sistema de lista, em que os eleitores escolh em os candidatos de unia lista fornecida pelos partidos polí ticos; o núm ero de candidatos eleitos está estritamente relacionado c o m a proporção de votos lançados para o partido do candidato. No sistem a misto proporcional de participantes usado na Alemanha, na Itália e ultimamente também na Nova Zelândia, alguns candidatos (por exemplo, a metade) são escolhidos de uma lista nacional de representação proporcional e os outros de distritos com um só m em b ro . Assim , argumentam seus defensores, o sistema de lista forn ece parte da proporcionalidade do sistem a de representação proporcional, mas, como o FPTP, tem m aior probabilidade de pro duzir uma maioria parlamentar do que um sistema puro de repre s entação proporcional. U m sistema de representação proporcional muitas vezes de fen dido pelos cientistas políticos mas raram ente utilizado (a exce ção é a Irlanda, onde é empregado desde 1921) é o sistema de voto único transferível, VUT. Como acontece 110 sistema de voto alter nativo descrito anteriormente, os eleitores classificam os candida tos - mas, ao contrário do sistema VA. o V U T é empregado em distritos com muitos participantes. Seguindo um método de contagem de votos muito complexo para ser aqui descrito, o VUT assegura que nos distritos com muitos membros os postos serão conquista dos pelos candidatos de classificação m ais elevada, produzindo uma distribuição bastante proporcional dos assenlos entre os parti dos políticos.'lim bora os eleitores na Irlanda pareçam muito satis feitos com o VUT, é bem provável que sua complexidade tenha desestim ulado seu uso em outros cantos. O manual descreve nove sistemas e suas conseqüências. Além do mais, ele também proporciona um ju d icio so “Aconselhamento para quem planeja um sistema eleitoral". Seguidas de curta expli cação, estas são algumas de suas recomendações: Sobre a democracia • • • • • • Z ll Mantenha a simplicidade. Não .tenha medo de inovar. Erre a favor da inclusão. Estabeleça a legitimidade e a aceitação entre todos os atores essenciais. Procure maximizar a influência do eleitor. Equilibre isto em relação ao estímulo a partidos políticos coe rentes. A existência de um número razoavelmente grande de opções de sistemas eleitorais nos aponta três observações. Em primeiro lugar, se um país democrático possui um sistema eleitoral que não serve muito bem às suas necessidades, deve substituí-lo. Em s e gundo lugar, o sistema eleitoral de um país pode ser talhado de acordo com seus aspectos particuiares: históricos, tradicionais, culturais, e assim por diante. Em terceiro lugar, antes de adotar um novo sistema eleitoral (ou decidir manter o existente), as possíveis alternativas devem ser cuidadosamente investigadas com a ajuda de competentes especialistas em sistemas eleitorais. Apêndice B A acomodação política nos países étnica ou culturalmente divididos Os arranjos criados em países democráticos para assegurar um grau satisfatório de acomodação política entre diferentes subculturas caem mais ou menos em dois tipos - “democracia de associa ção’5 e arranjos eleitorais. As democracias consociacionais resultam na formação de grandiosas caalisões de líderes políticos depois de eleições sob sistemas de representação proporcional que assegurem a cada subcultura lima parcela de assentos no.Legislativo mais ou menos pro porcional ao relativo tamanho de seu voto. A principal autoridade nessa questão é Arend Lijpliart, que nos dá uma boa visão p a n o râmica em seu Democracy in P lural Sociefies: A Compara/ire Exploraíion (New Haven e Londres, Yale University Press, 1977, Cap. 3, p. 53-103). Existiram sistemas de dem ocracia consociacional na Suíça, na Bélgica, na Holanda de mais ou menos 1917 aos anos 1970 e na Áustria, de 1945 a 1966. Os tipos de subculturas e os arranjos polí ticos para a obtenção do consenso eram diferentes em cada país. Os suíços diferem entre si na língua materna (alemão, francês, italiano e romanclie), na religião (protestante, católica) e no cantão. As di ferenças em língua e religião até certo ponto se entrelaçam: alguns alemães são protestantes e alguns católicos, ao passo que alguns franceses são católicos e outros protestantes. Esse entrelaçamento das diferenças atenuou os conflitos de língua e religião, que prati camente não existem na Suíça moderna. Os cantões menores são 214 - Robert A. Dahl caracteristicamente "bastante homogêneos em relação à língua e à religião,-liín resultado-da história e do planejamento. Os arranjos políticos consensuais do país estão recomendados pela Constitui ção da Confederação Suíça, mas têm grande apoio nas atitudes e na cultura política do povo suíço. Os belgas diferem em língua (francês e flamengo), religião (protestantes, agnósticos, católicos) e região. Duas províncias são bastante homogêneas. Uma, vizinha da França, é predominante m ente de fala francesa e protestante ou agnóstica; a outra, vizinha da Holanda, é flamenga e católica; no centro. Bruxelas é misla. O sistema político consensual consiste de gabinetes multipartidários e governos de coalisão que normalmente incluem representantes do segmento protestante francófono e do segmento católico e flamengo. Durante muitas gerações, os holandeses estiveram seriamente divididos em quatro “pilares” distintos: católico, protestante, socia lista e liberal. Essas diferenças interpenetravam praticamente todos os relacionamentos e atividades, da política ao casamento, vizi nhança, clubes, sindicatos, jornais e outros. Um conflito sobre a educação religiosa que irrompia em escolas apoiadas pelo Eslado. em que representantes dos dois pilares religiosos eram lançados contra os defensores dos dois grupos leigos, mosfrava-se tão amea çador para a estabilidade da democracia holandesa que depois de 1917 foi criado um sistema “consociacional” em que todos os qua tro grupos eslavam representados no gabinete e as decisões exigiam o consentimento de todos os quatro. (Veja Arend Lijphart, The Politics o f Accomodalion: Piuralism and Democracy in lhe Neíherlauds [Berkeley, University of Califórnia Press, 1968j.) A solução dos holandeses para o conflito relativo às escolas foi providenciar o apoio do Estado para as escolas separadas de cada um dos quatro “ pilares” . Quando a intensidade das diferenças religiosas diminuiu nos anos 1970. lambém diminuiu a necessidade de coalisões para um governo dos quatro parlidos. Entretanto, o sistema multipartidário e a representação proporcional garantiram que os governos na Holanda continuassem a ser coalisões de diversos partidos. Sem dúvida, democracias consociacionais bem-sucedidas são raras porque as condições que ajudam a torná-las viáveis são raras (em Democracy in Plural Societies, Lipjhart descreve nove dessas condições favoráveis). A conveniência da solução consociacional Sobre a democracia 215 para sociedades divididas tem sido.contestada com essas fu n d a mentações: (1) em m uitos países culturalmente divididos, as c o n d i ções favoráveis (e talvez necessárias) são frágeis d em ais ou não existem; (2) os arranjos consociacionais reduzem im ensam ente o importante papel da oposição no governo democrático (para esta críti ca, veja “South Africa's Negotiated Transition: Democracy, Opposition, and tlie New Constitutional O r d e r . de Courtney Young e ían Sliapiro, Democracv's Place, Sliapiro. ed. [Ithaca, Cornell University Press, 1996], p. 175-219); e (3) alguns críticos preocupam-se com a p o s sibilidade de vetos m útuos e com a necessidade de consenso que levassem a exagerado impasse. Por exemplo, em diversos m eses, a Holanda era obrigada a criar um gabinete multipartidário aceitável para todos os “pilares” . Uma vez aprovada a coalizão do gabinete, o impasse não chegava a ser um problema. Alguns cientistas políticos argumentam que um a alternativa possível seria a elaboração de arranjos eleitorais que pro po rcio nas sem bons incentivos para os líderes políticos formarem coalisões eleitorais antes e durante as eleições parlamentares ou presidenciais (veja, por exemplo. Donald L. Horowitz, Etlmic Groups in Conflict (Berkeley, University o f Califórnia Press. 1985] e A Deniocratic South África? Constitutional Eugineering in a D ividcd Society [Berkeley, University o f Califórnia Press. 1991]). Ainda se desc o nhece a melhor m aneira de chegar a isto. É evidente que o F P T P é o menos desejável dos sistemas, porque poderia permitir a um grupo adquirir uma esmagadora maioria de assentos, tornando desn e ces sárias a negociação, as soluções conciliatórias e as coalizões. Alguns observadores encontram méritos no sistema do voto alternativo descrito no Apêndice A. As exigências de distribuição poderiam obrigar os candidatos à presidência a obter uma porcentagem m í nima de votos de mais de uma das principais subculturas ou grupos étnicos. (Não obstante, no Quênia, apesar da exigência de que para ser e le ito p r e s i d e n t e o candidato deve r e c e b e r p e lo m e n o s 25% d o s v o t o s e m p e l o m e n o s c i n c o d a s o i t o p r o v í n c i a s . . . . e m 1 99 2. u m a o p o s i ç ã o d i v i d i d a perm itiu a D a n ie l A r a p M o i t o r n a r - s e p r e s i d e n t e c o m a p e n a s 3 5 % d a v o t a ç ã o [The In le m a lio ita l ID E A H a iid b o o k o f E le c to r a l System D esign. e d i t a d o p o r A n d r e w R e y n o ld s e B e n R e i i l y - E stocolm o. In stituto I n t e r n a c io n a l p a r a a D e m o c r a c i a e A s s i s t ê n c i a E le it o r a l . 1 9 9 7 . p . 1 .0 9 ( 1 ].) 21 6 Robert A. Dahl Ou então os principais postos poderiam ser distribuídos entre os principais grupos étnicos segundo uma fórmula lixa com a qual todos concordaram. Entretanto, nenhum desses garante um íim permanente a conflitos culturais divisivos. Sob a tensão do conflito étnico, todos os arranjos criativos que levaram a estabilidade por algum tempo ao Líbano, à Nigéria e ao Sri Lanka irromperam em guerra civil ou governo autoritário. Há uma conclusão aparentemente inevitável: não existe ne nhu m a solução geral para os problemas dos países culturalmente divididos. Qualquer solução deverá ser feita sob medida em relação à configuração apresentada por cada país. Apêndice C A contagem dos países democráticos Quantos países democráticos existem? Em que ponto de uma escala entre “dem ocracia” e “autocracia” entraria um a determinada nação - como a do leitor, por exemplo? Imagino eu que alguns leitores deste livro sintam m uita neces sidade de obter uma contagem precisa, bem fundamentada e atuali zada do número de países democráticos, e que outros desejarão encontrar uma resposta para a segunda pergunta. Para encontrar esta resposta, é preciso responder antes à primeira. Não é nada fácil. Uma coisa é dizer que um país dem ocrático deve possuir todas as instituições da poliarquia descritas no C apí tulo 8, mas outra bem diferente é julgar se elas realm ente existem num determinado país. Concluir que um país é dem ocrático. 110 sentido de possuir as instituições políticas da dem ocracia poliár quica, exige pelo m enos dois critérios: que as instituições real mente existam 110 país e que existam em ou acima de algum limite ou linha, abaixo da qual diríamos que 0 país não é democrático. Um vasto estoque de informação sobre os países do m undo provi denciado por observadores independentes ajuda im ensam ente a chegar-se ao primeiro critério. O segundo é mais com plicado e um tanto arbitrário, Uma solução é presumir que a linha está mais ou menos 110 nível existente nos países europeus e nos de língua ingle sa - as democracias m ais antigas. Implícita ou explicitamente, essa é a solução comum. Julgam os que um país é “dem ocrático” apenas se as grandes instituições políticas democráticas existem ali num nível relativo. 218 Robert A. Dahl Nos últimos anos, muitos estudiosos e muitas organizações de pesquisa tentaram chegar a opiniões bastante bem fundamentadas em relação a países que correspondem satisfatoriamente ou não aos critérios democráticos. Para isso. eles usaram muitas vezes critérios semelhantes mas não idênticos. Felizmente, os resultados tendem a concordar, ainda que a linha exala entre “democracia” e “nãodemocracia” seja um tantinho arbitrária. Mencionarei três esforços desse tipo à guisa de ilustração. Uma tabela em meu livro Democracy and Its Critica (New Haven e Londres, Yale University Press, 1989) mostra o aumento 110 nume ro de democracias poliárquicas de 1850 a 1979; usei essa tabela para a Figura 1 (pág. 18). Uma outra tabela desse m esm o livro (Tabela 17.3, na p. 241) classifica 168 países, circo 1981-1985. em sete categorias, indo de poliarquias plenas, em que existem quatro das principais instituições políticas democráticas, a regimes auto ritários extremos, em que não existe nenhuma. Essas duas tabelas basearam-se 110 trabalho de Michael Coppedge e Wolfgang Reinicke. que usaram a m elhor informação disponível para julgar o nível re lativo em cada país para cada uma das quatro instituições demo cráticas básicas: eleições livres e justas, liberdade de expressão, fontes alternativas e independentes de inform ação e autonomia associativa. Eles explicam seu método em “Measuring Polyarchy". Sfudies in Comparative International Development 25, 1 (Primave ra de .1990), p. 5.1-72, que envolve uma enorme quantidade de pes quisa cuidadosa e não foi repetido. (Contudo. Coppedge descreve rapidamente a escala e emprega produtivamente as velhas classifi cações de “M odernizalion and Thresholds of Democracy: Evidence for a Com mon P a th ” , Inequatity. Democracy. and Economic Development, - cd itado por Ivlanus I. Midlarsky [Cam bridge, Cambridge University Press, 1977), p. 177-201.) Uma fonte útil diferente, prontamente disponível e atualizada, é a publicação anual da organização não-paríidária F rcedom House, Freedom in lhe World: The Animal Survey o f Política! Righls and Civil Liberties, 1996-1997. Se tiver acesso à Internet, você encontrará a lista de países em: httpVAvww.fredoniliouse.org/poliiical/frtablel.htm. A Freedom House classifica os países em duas escalas, cada uma de las indo de mais livre (1) a menos livre (7), uma para os direitos civis e outra para as liberdades civis. Quando contei todos os países Sobre a democracia" com a classificação 1, mais livre, em direitos políticos, e 1, 2 ou 3 em liberdades civis, descobri que 56 países correspondiam aos dois critérios e todos, penso eu, cabiam muito bem em outros critérios sobre as instituições democráticas nesses países. Contudo, nem a Índia, nem o Brasil nem a Rússia atingiram esses níveis: a Freedom House classifica a índia como 2 -em direitos políticos e 4 em liber dades civis; a Rússia, 3 em direitos políticos e 4 em liberdades civis. Se tivéssemos de incluí-los, o total chegaria a 58 países. Outra fonte é uma análise feita pela Universidade do Colorado em 1994 de 157 países, que a Polity III m antém no seguinte site da Internet: http://isere.cojomdo.edu/pub/dalaset/DoIity3Os 157 países recebem uma pontuação numa escala de 10 para a democracia (0 = baixa. 10 = alta) e em outra, também de 10. para a autocracia (0 = baixa, 10 = alta). Desses. 65 países receberam um a pontuação de 0 para autocracia e pontuações de 8, 9 ou 10 para democracia. Esse é o total mostrado para 1995 na Figura 1. Embora fosse razoável que chamássemos de “ democráticos” Iodos esses países, ainda poderíamos julgá-los “ democráticos” em varia dos graus, por assim dizer. Então seria possível classificarmos os 35 países com 10 na escala democracia com o os “mais democráti cos” . os sete com 9 pontos como “ razoavelmente democráticos” e os 23 com 8 pontos como ‘'levemente dem ocráticos” . Contudo, a Polity III omite a maioria dos microestados, países c o m o a república de San Marino (com 24 mil habitantes) ou as pequenas ilhas do Caribe e do Pacífico, com o Barbados (56 mil habitantes) ou a Micronésia (123 mil habitantes). Não obstante, na escala da Freedom House, San Marino. Barbados e a Micronésia. estão no topo em direitos políticos e liberdades civis, merecendo estar entre os países “mais democráticos". Resumindo: embora pareça não existir uma contagem com pleta, confiável e atualizada de todos os países democráticos no m undo, as duas fontes permitem estimativas bastante boas. 0 mais im portante para os leitores deste livro talv e z seja o fato de que essas duas fontes permitirão ver como especialistas independentes classificam um determinado país com m edidas diretamente perti nentes para a democracia. Referências bibliográficas É imenso o número de livros e artigos que (ratam direta ou indiretamente do assunto democracia. Eles datam desde o século IV a.C., com obras de Aristóteles e Platão, e não menos de uma centena de obras publicadas no ano passado. Evidentemente, a lista apresentada a seguir está incompleta, a seleção talvez seja um tanto arbitrária. Em todo caso, se você quiser investigar um tópico mais profundamente do que permite m eu breve tratamento 011 se desejar explorar a democracia a partir de outro ponto de vista, essa lista poderá ajudar. Já citei algumas obras nas notas. A o rig em e o desenvolvim ento d a d e m o cra c ia AdcOGK, F. E. Roman Polilical Ideas and Practice. An» Arbor: University of Michigan Press, 1959. A g a r d , Walter R. ÍVItaí Democracy Meaní to the Greeks. Madison: University of Wiseonsin Press, 1965. 1lANSEN, Morgens Uernian. The Aíhenian Democracy in the Age o f Deinosíheues: Strucíure, Princi/des. and Ideologv. Traduzido para 0 inglês por .1. A. Cook. Oxford: Blackwell, 1991. ílUNTlNGTON, Samuel P. The Third JVave: Democralizalion in lhe Late Tweniieih Centiiry. Norman: University of Oklahoma Press, 1991. JONES, A. H. M. Aíhenian Democracy. Oxford: Blackwell. 1957. TAYL.OR, Lily R. Roman Voling Assemhlies from lhe Hannihalic IVar Io lhe Dictalorship o f Caesar. Atm Arbor: University of Michigan Press, 1966. VANHANEN, Tatu. The Process o f Democralizalion: A Comparalive Sli/dy o f 147 S/ales, 1980-88. Nova York: Crane Russak, 1990. 222 Robert A. Dahl V a n ta g en s, id e a is e m etas dem ocráticas BARBER, Benjamin R. Strong Democracy: Paríicipaiory Politics fo r a New Age. Berkeley: University of Califórnia Press, 1984. B O B B I O , Norberto. The Future o f Democracy: A Defence o f íhe Rules o f the Game. Traduzido para o inglês p or Roger Griffin. Editado e introduzido por Richard Bellamy. Cambridge: Polity Press, 1987. [Originalmente publicado com o II futuro delia democrazia. Turim: Giulio Ediíore, 1984.] CHR1STOPHERSEN, Jens A. The Meaning o f “D em ocracy ” as U sed in European Ideologies frorn the French to the Russian Revolution. Oslo: Universitetsforlaget, 1968. FlSHKIN, James. Democracy and Deliberation: New Directions for Democratic Reform. New Haven/Londres: Yale University Press, 1991. GUTMANN, Am y. Liberal Equality. Cambridge: Cambridge Uni versity Press, 1980. hlELD, David. híodels o f Democracy. 2. ed. Slanford: Slanford University Press, 1996. MANSBRIDGE. Jane J. Beyond Adversarial Democracy. Nova York: Basic Books, 1980. MlIX, John Stuart. Considerations on Representativo Government. Nova York: Liberal Arts Press, 1958 [186.1], PatJIMAN, Carole. Participa/ion and Democratic Theory. Cam bridge: C am bridge University Press, 1970. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social, ou Príncipes de droit politique. Paris: Éditions Garnier Frères, 1962 [1762]. _____________. On the Social Contract. n ith Geneve Manuscript and P oliticol Economy. Editado por R oger D. Masters e tra duzido para o inglês por Judilh R. Masters. Nova York: Si. M artin’s Press, 1978. S A R T O R i , Giovanni. The Theory of Democracy Revisited. Caíham, NJ: Catham Flouse, 1987. ’ SEN, Amartya. “ Freedoms and Needs”. New R epublic , 10 e 17 de janeiro de 1994, p. 31-38. S H A P J R O , Jan. Democracy's PIace. Ithaca: Cornell University Press. 1996. S o b r í a democracia 223 ____________ . DemocraticJustice [no prelo]. New Haveii/Londres: Yale Universily Press. - A verdadeira dem ocracia: in stitu içõ es e p ráticas Larry et al. (eds.) Cansoüiiaiing the Third JVave Demo cracies. Ballimore: Johns Hopkins University Press. 1997. D IA M O N D . K l i n g e m a n , Hans-Dieter, HOFFERBERT, Richard I.. BUDGE, fan et ai. Por lies, Policies, and Democracv. Boukler: West vi ew Press, 1994. Li J F H A R T , Arend. Democracies: Patterus o f Majoritarian and Conseusus Government in Twentv-one Countries. New Haven/Londres: Yale U niversily Press, 1984. ____________ . Democracy in P lural Soei et i es: A Comparalive Exploraíion. New Haven e Londres: Yale University Press, 1977. LlJPHART, Arend (ed.). Parliamentary versus Presidential Govern ment. Oxford: Oxford University Press, 1992. L l N Z . Juan J., V A L E N Z U E L A , Aríuro (eds.). The Faiíure o f Presidential Democracv. Balfiniore: Jolms Hopkins Universily Press. 1994. RAE. Douglas W. The Polilical .('onsequences o f Elecloral Lau~s. New Haven: Yale University Press, 1967. S A R T O R í . Giovanni. Comparalive Constilutionai Engineering: An Inquiry into Stnictures, incentives, and Outcomes. Londres: Macmillan. 1994. S H U G A R T , Maühew Soberg, C A R E Y , John M. Presidenís and Assemhlies: Constilutionai Design and Electoral Dynamics. W Nova York: Cambridge Universiíy Press, 1992. , Alan. Citiiens, Parties, and the State: A Reappnrisal. Princeton: Princeton University Press, 198S. a r e C o n d iç õ e s favoráveis e d esfa v o rá v eis ARCHIBUGI, Daniele, HELD, David. (eds.). Cosmopoli/an Democracy: An Agenda for a New World Order. Cambridge: Polity 224 Robert A. Dahl GüTMANN, Am)', THOMPSON, Dennis. Democracy and Disagreement. - Cam bridgerBelknap Press of Harvard University Press, 1996. H a y e k , Friecirich A . von. The Roctd (o Serfdom. Chicago: University o f Chicago Press, J976. H e l d , David (ed.). Prospects fo r Democracy, North, South, East. - West. Stanford: Stanford University Press, 1993. ÍNGLEHART, Ronald. Culture Shift in Advanced Industrial Society. Princeíon: Princeton University Press, 1990. _____________. Modernization and Postinodernization: Cultural, Econonüc, and Political Change in Forty-three Soc.icties. Princeton: Princeton University Press, J997. LlNDBLOM, Charles E. Democracy and M arket System. Oslo: N onvegia» Uuiversities Press, 1988. _____________ . The Intelligeuce o f Democracy: Decision Making Through MutualAdjustment. Nova York: Free Press, 1965. _____________ . Politics and Markets: The WorId's Política1 Economic Systems. Nova York: Basic Books, 1977. iJNZ, Juati J., SrIEPAN, Alfred. Prohlems o f Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe. South America, and Post-Communist Europe. Baltimore: Johtis Hopkins Univer sity Press, 1996. Karl. The Great Transformation. Nova York: Farrar and Rinehart, 1944. PRZEWORSKI, Adam. Democracy and the Market: Political and PO LA N Y J, Economic Refonns in Eastern Europe and Latiu America. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. PUTNAM, Robert D. Making Democracy Work: Civic Traditions in M odem Itaiy. Princeton: Princeton University Press, 1993. SEN, A m a i l y á . Jnequality Reexamined. Nova York: Russcll Sage Foundation, e Cambridge: Harvard University Press, 1992. W A LZER, Michael. Ou Toleration. New Haven/Londres: Yale Uni- versity Press, 1997. D ific u ld a d e s e perspectivas BUDGE, Ian. The New Challenge ofD irect Democracy. Cambridge: Polify Press, 1996. Sobre a democracia 225 B(JRNHEIMr John. fs Democracy Possible? The AltermUive to Electoral Poíilics. Berkeley: University of Califórnia Press, 1985. James S. The Voice o f the People: Public Opinion and Democracy. Nova York: Yale University Press, 1997. G U T M A N N , Amy. Democratic Education. Princeton: Princeton- F l S H K IN, University Press, 1987. H IRST, Paul. Associative Democracy: New Forms o f Social and Econoinic Govemauce. Cambridge: Polity Press, 1994. SCTIWEICKART, David. Capitalism or Worker Conlrol? An Eíhical andEconomic Appraisal. Nova York: Praeger, 1980. I s índice Assembléias de cidadãos: Dinamarca, Islândia, Noruega, Suécia, 28 Assembléias populares. Veja Representação, governo representativo Associações, necessidade, 111 Atenas: adoção do governo democrático, 21; democracia em, 13: governo de, 22; Péricles sobre, 51 Autodeterminação: vantagem democrática, 66-67 Capitalismo de mercado: associado à democracia. 184-186; efeitos prejudiciais à democracia, 191-195 Carta de direitos: nas constituições dos países democráticos, 136 Cidadania, inclusive. Veja Sufrágio universal Competência dos cidadãos. Veja Igualdade política Condições favoráveis e desfavoráveis para a democracia. Veja Democracia, condições para Condições para a democracia. Veja também Conflitos culturais; C a pitalismo de mercado Conflitos culturais: Apêndice B, 213; democracia de associação. 170: problema para as democracias, 166; separação. 172: sistemas eleitorais, 171; soluções para a assimilação, 167-170 Consolidação das instituições democráticas, 12 Constituições: importância das diferenças nas, 141-144; opções básicas, 154-156; orientações sobre as, 156-158; variedades nos países democráticos, 135-141 Critérios para um processo democrático, 49 Democracia, condições para: conflitos culturais, 166-173; controle dos militares e da polícia, 165-166: convicções democráticas e cultura. 173; desenvolvimento econômico e economia de mercado, 175; efeitos adversos da intervenção estrangeira, 163-164 228 Robert A. Datil Democracia: critérios, 49-52; definição de, 48-49; origens da, 17-35: origem da palavra, 21; principais elementos da, Fig. 3, 40; razões para sua disseminação, 180-181; república, 26; transição para a, 12; vantagens, 58-74 D em ocracia, dificuldades da: a diversidade cultural, 202-203: a inform ação e a compreensão dos cidadãos, 204-208; a interna cionalização, 202; a ordem econômica, 200-201 D em ocracia em grande escala: instituições políticas necessárias à, 97-113; necessidade de representantes eleitos, 106-109; origens e desenvolvimento, 100-101; resumo da, F ig . 6, 99 Democracia participante. Veja Representação, governo representativo D esenvolvim ento humano: vantagem dem ocrática, 68-71 Direitos sociais e econômicos nas constituições dos países democrá ticos, 136-137 Direitos: vantagem democrática, 61-64 D ivisões culturais, soluções para: Bélgica, 213-214; Holanda, 213214; Suíça, 213-214 Eleições. Veja Representação, governo representativo Escala da democracia. Veja Tamanho do sistem a político Estado: definição, 52-53 Europa: origens das instituições democráticas na, 27-31 Flandres: início do desenvolvimento dem ocrático, 30-31 F1 orença: como república, 25 G o v e rn o parlamentarista: origens do, 139-141 G ov ern o presidencialista: origens, 139; versus sistemas parlamen taristas em países democráticos. 139 G récia: composta de cidades-estado. 21 Holanda: início do desenvolvimento democrático, 30-31 Igualdade: lógica da, 20; restrição à, 34-35; voto em igualdade como exigênciii democrática, 49; [Veja também Igualdade política) Igualdade política, justificativa para: competência dos cidadãos. 8991; igualdade intrínseca, 77-81; inclusão de adultos como critério democrático, 90-92 Inclusão de adultos: critério democrático, 49-50. Veja também Igual dade política índ ia: explicações para a democracia, 176-180 Inform ação: necessidade de fontes alternativas de, 111-112 Sobre a democracia 229 Inglaterra: crescimento do Parlamento, 31-35; eleitorado de 18311931, Fig. 2,34 _ .. Instituições democráticas: aprofundamento nas velhas democracias, 12; origens no norte da Europa, 27-31 Interesses pessoais: proteção da democracia, 65-66 Islândia: origens democráticas, 3 0 -3 F Itália: governo popular nas cidades-estado, 25 Julgamentos éticos: diferentes das opiniões científicas. 86-88 Legislativo unicanieral versus bicameral nos países democráticos, 137-138 Liberdade de expressão: necessidade de, 110-111 Lijphart, Arend: sobre a democracia de associação, 213-214 Madison, James: definição de república e de democracia, 26 Mill, James: sobre o “sistema de representação” , 119-120 Mill, John Stuarf: necessidade do governo representativo, 108-109; sulrágio, 91 Montesquieu, 31; sobre a representação, 1 19 Organizações internacionais: aspectos não-democráticos das. 128"l3 2 Países democráticos: Apêndice C, 217; número de, 18 Participação: critério democrático, 49: custos da. Tabela 1, 122-124 Partidos políticos: bipartidarismo versus sistemas multipartidários, 153-154; em países democráticos, 147-154: origens dos, 100-105 Paz. busca da: entre as democracias, 70-71 Poder: tendência a corromper, 87-91 Poliarquia, democracia poliárquica: critérios para a democracia, Fig. 7, 106; definição, 104; escala, 116-117 Prosperidade: característica dos países democráticos modernos, 71 -74 Referendes em países democráticos, 139 Regimes antidemocráticos, nueda, 1 f Representação, governo representativo: comparação com os gregos ou democracia de assembléia, 117-120; funcionários eleitos como exigência democrática, 99; Jean-Jacques Rousseau sobre, 118; limites da democracia de assembléias populares, 125-127: necessidade de eleições livres, justas e freqüentes, 109-110; origens não-democrálicas, .100-105; os antifederalislas sobre, 118119 Responsabilidade moral: vantagem democrática, 68 230 Robert A. Dahl Revisão jurídica nos países democráticos, 137-138 Roma: democracia em, 13; governo, 24-25; república, 23 Rousseau, Jean-Jacques: sobre a representação, 118 Rússia, 11 Sistemas eleitorais: Apêndice A, 209; como solução para conflitos culturais, 171; variações nos, 147-158 Sistemas federais versus unitários em países democráticos, 136-137 Sociedades de caça e coleta: democracia nas, 19-20 Sufrágio universal: exclusões do, 103-104; exigência democrática, 13, 92,111-112. Veja também igualdade política, justificativa para Suíça: origens democráticas, 28-31 T am an ho do sistema político: conseqüências para as instituições democráticas, 104-105; lei do tempo e dos números, 124-125: um dilema democrático, 124-125; variações na democracia depen dendo do tamanho, 115-118 Tirania, evitamento da: uma vantagem democrática, 59-61 Título dos juizes nos países democráticos, 138-139 Tocqueville, Alexis de: A democracia na Am érica , 13 Tracy, Destutt de: sobre a representação, 119-120 Trade-offs. Veja Valores: julgamentos de valor e julgamentos empí ricos Tutela: alternativa para a democracia, 83; pontos fracos, 85-88 União Soviética, 11 Valores: julgamentos de valor e julgamentos empíricos, 38-39, 4243; “ negociações” entre os, 38-39 Veneza: república, 25-26 Vikings: igualdade e desigualdade entre os, 29