- Cinemateca Brasileira
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6 a 15 de agosto de 2010 São Paulo 1 2 Filmagem de Terje Vigen Sumário 7 8 12 14 37 Jon Wengström apresenta Secretaria do Audiovisual Cinemateca Brasileira Curadoria Curadoria musical O Cinema Silencioso Sueco 43 Conferência de abertura 15 Músicos e artistas convidados 45 Programa 1 Na primavera da vida Madame de Thèbes 46 Programa 2 Quando o capitão Krogg foi fazer o seu retrato A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten Nos grilhões da escuridão 20 Cinédia 80 anos Ode parnaso-punk aos 80 anos 21 Lábios sem beijos 24 Em busca do Brasil Trenzinho Caipira 27 Companhia Paulista de Estrada de Ferro 27 Companhia Mogyana 32 O Segredo do corcunda – a cor em Gilberto Rossi 34 O Segredo do corcunda 35 Hilda Machado Pesquisadora do Cinema Silencioso Brasileiro 47 Programa 3 Terje Vigen O Mosteiro de Sendomir 48 Programa 4 A Feitiçaria através dos tempos 48 Programa 5 Contra o orgulho 49 Einar Hanson 54 Visita ao Acervo Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema 74 Destaques de Pordenone Quadra de Ases Americanos Aposta (sem blefe) de Pordenone 57 Programa 1 – Censura O Rio da vida Cagliostro O Abismo O Jardineiro 59 Asta Nielsen 76 77 78 80 81 61 Programa 2 Filmando Ana Boleyn A Aurora de um amanhã 82 Janela para a América Latina Tesouro inca 62 Programa 3 A Rua das lágrimas 63 Programa 4 Uma visita a Selma Lagerlöf A Carne e o diabo 65 Greta Garbo 50 Programa 6 As garotas de Norrtull 51 Tora Teje 63 Programa 5 A Mulher divina Vento e areia 69 Lars Hanson 52 Programa 7 A Herança de Ingmar 72 Programa 6 Rua Meschanskaia, 3 / Sofá e cama 53 Exposição 73 Programa 7 A Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan Cenas da vida do rei Oscar II Viagem às ruínas de Angkor Na terra dos Moïs: exploração e caça Regeneração O Supersticioso Este mundo é um teatro Golpes de audácia Raymond Griffith 83 Wara wara 84 Produções silenciosas contemporâneas Preservação e coronelismo, orgia e cachoeira, som direto e silêncio, cinzas e tesouros 85 Que cavação é essa? 87 Mesas de debates 91 Referências bibliográficas 91 Agradecimentos 92 Créditos 94 Instituições colaboradoras Abreviações cp: companhia produtora; d: direção; da: direção de arte; df: direção de fotografia; e: elenco; ee: efeitos especiais; mo: montagem; mor: música original; p: produção; r: roteiro Mary Johnson Secretaria do Audiovisual Newton Cannito Secretário do Audiovisual Ministério da Cultura A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma oportunidade singular e instigante para conferir com outros olhos obras audiovisuais diversas, no resgate de filmes significativos na história do cinema brasileiro e mundial, abrindo espaço para a inovação e a ousadia de linguagem. Chega à sua quarta edição uma mostra que se destaca pela proposta estética original e criativa e se consolida na agenda da cidade de São Paulo. 6 Sendo a única mostra de cinema voltada a esse gênero, desprivilegiado nos meios exibidores, sua inovação não para por aí, pois a dinâmica de obras audiovisuais com música ao vivo possibilita uma experiência inovadora aos que apreciam a arte cinematográfica. Releitura é a palavra do momento, e nada é mais contemporâneo do que estimular diferentes formas de fruição. É com grande satisfação que a Secretaria do Audiovisual – Sav/MinC apoia a realização deste evento por meio da Cinemateca Brasileira. Iniciativas como esta, além de enriquecer a formação cultural brasileira, contribuem para a restauração, preservação e difusão de acervo raro e de importância inquestionável para a história do cinema. Por fim, convidamos a todos a participarem de uma experiência diferente nesta Jornada que, sem dúvida, trilhará próspero caminho e será capaz de, a um só tempo, divertir, informar e incentivar a reflexão. 7 IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso Cinemateca Brasileira Damos então continuidade à marcha do cinema silencioso. 8 Jornadear é um verbo que a cidade de São Paulo conjuga, no mês de agosto, quando a Cinemateca Brasileira apresenta sua já consolidada Jornada Brasileira de Cinema Silencioso – evento que ilumina temas, cinematografias e personalidades do cinema mundial produzido entre finais do século XIX até aproximadamente 1930, quando o som, sincronizado à imagem e agregado ao suporte fílmico, modificou para sempre nossa concepção de cinema. excelência, mas vale destacar o famoso Häxan / A Feitiçaria através dos tempos (1922), de Benjamin Christensen, numa cópia que o curador do arquivo sueco, Jon Wengström, considera a mais bela de seu acervo. Agradecemos a colaboração do Svenskafilminstitutet / Kinemateket e de seu curador, que ainda fez uma seleção de títulos internacionais conservados naquele arquivo e proferirá a conferência inaugural da IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso. É com o sentimento de ver consolidada uma importante ação de difusão cinematográfica que realizamos esta quarta edição. Um acontecimento que, por três anos consecutivos, foi merecedor da fidelidade e de uma afluência crescente do público, gera a confiança de que, para além da qualidade das manifestações culturais e artísticas apresentadas a cada ano, o assunto “cinema silencioso”, em si, é valoroso e oportuno. Agradecemos também a colaboração de Paolo Cherchi Usai, do comitê diretor das Giornate del Cinema Muto, de Pordenone, pela seleção de programas desse evento, representado nas Jornadas em uma seção permanente – neste ano com ênfase em produções americanas. O formato da Jornada permite: retomar esse cinema antigo através de uma programação cuidadosamente selecionada e com acompanhamento musical ao vivo, articulando experiências visuais e narrativas do passado com uma atmosfera sonora contemporânea; conjugar um saudável entretenimento com reflexões acerca da conservação e restauração de filmes; conhecer a produção brasileira do período em diálogo com o que se produziu na América Latina e com as cinematografias de outros países; e promover discussões em mesas temáticas nas quais pesquisadores apresentam e fortalecem suas abordagens históricas sobre o cinema do período. Para que um evento ganhe consistência no calendário cultural, talvez a chave necessária seja a inovação dentro da continuidade. Apostando na equação, a IV Jornada manteve a organização de seus contornos gerais. A seção brasileira apresentará o tema Trenzinho Caipira, com filmes documentais e de ficção que tratam da atividade ferroviária durante a década de 1920. Participam da seção documentários de longametragem restaurados pela Cinemateca Brasileira nos últimos anos, assim como o longa-metragem de ficção O Segredo do corcunda, de Alberto Traversa (1924), objeto de um grande estudo da pesquisadora Hilda Machado, a quem a Cinemateca presta justa homenagem. A alegria de organizar e apresentar esta seção se completa com o acompanhamento do violinista e diretor do Museu Villa-Lobos, Turíbio Santos, especialmente convidado. Fortalecendo o diálogo com as cinematografias do mundo, e trabalhando em conjunto com o arquivo de filmes sueco, o Svenskafilminstitutet / Kinemateket, a Jornada apresenta um panorama do cinema do período silencioso da Suécia, e os trabalhos de restauração de filmes que há décadas vêm sendo desenvolvidos naquele país. Trata-se de um dos conjuntos mais brilhantes da história do cinema, com diretores consagrados como Victor Sjöström e Mauritz Stiller, e grandes atores, como Lars Hanson e Greta Garbo. Difícil apontar uma obra específica em uma mostra de tal Completando a parte internacional, é com grande satisfação que, em sua seção Janela para a América Latina, a IV Jornada focaliza o longa-metragem Wara wara, realizado em 1929 por José Maria Velasco Maidana, único silencioso remanescente da produção boliviana, recém-restaurado no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha, na Itália. Voltando à produção brasileira do período, acreditamos oferecer um excelente contexto para homenagear os 80 anos da produtora Cinédia, fundada por Adhemar Gonzaga em 1930. Para tanto, a IV Jornada apresentará Lábios sem beijos, dirigido por Humberto Mauro, único filme silencioso da produtora. Conhecer ou reconhecer, lembrar e discutir os sonhos e as ações dos pioneiros do nosso cinema são disposições que a Jornada coloca para seu público que, cada vez mais, integra especialistas e não-especialistas, tornando a história do nosso cinema mais próxima da experiência coletiva. Mais uma vez, contamos com o talento do músico e compositor Livio Tragtenberg, responsável pela curadoria musical do acompanhamento ao vivo dos filmes exibidos na Sala Cinemateca-BNDES. Além desta sala, e das projeções silenciosas na Sala Cinemateca-Petrobras, e dado o grande sucesso das sessões musicadas na Sala São Paulo na edição de 2009, a IV Jornada apresenta projeções ao ar livre junto ao Auditório Ibirapuera. Esperamos, desse modo, levar a experiência a um público cada vez maior. É com entusiasmo que a Cinemateca Brasileira percebe ter, nessa abordagem do passado sem traços do saudosismo que paralisa (ao contrário, uma abordagem moderna, que aponta para o futuro), tantos parceiros, sem cuja colaboração esta Jornada não seria possível. E então... é novamente agosto, vamos jornadear! 9 10 O Mosteiro de Sendomir 11 Coisas de amor Num antigo momento da Cinemateca Brasileira – que este mês (ao menos pela minha cronologia) completa seus 70 anos –, a sublime Lygia Fagundes Telles declarou numa reunião de Conselho em que se debatiam diferenças internas (elas nunca estão superadas!), que tudo era uma questão de amor. O que Dibbets sugere é que, antes do advento do sonoro, cada espetáculo cinematográfico era único. O que diz é que, antes, os espectadores compareciam a um espetáculo multimídia que era prioritariamente desempenhado do lado de cá da tela. Com o som no filme, entravam no cinema para ver somente o que acontecia na tela, ou do outro lado da tela, como diziam alguns. A emoção de assistir um filme transformou-se de happening coletivo numa relação entre o filme e o espectador individual. A capacidade do exibidor ou da plateia de intervirem no processo de comunicação reduziu-se ao mínimo. Realizar a Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma questão de amor, com as suas complexidades, eventuais desapontamentos e alegres satisfações. Amor para com os colegas da Cinemateca, que oferecem seu apoio, solidariedade e ajuda “no que precisar”; amor ao público que anualmente prestigia as sessões da Jornada, sugere, comenta e pede mais; amor ao cinema, aos filmes e à sua preservação – da qual a apresentação é parte integrante. Um dos propósitos fundamentais da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é possibilitar a seus espectadores – através de apresentações arquivísticas – a recuperação do caráter dionisíaco do espetáculo cinematográfico, no que ele tem de celebração arrebatada e amorosa. Tenho certeza de que alguns espectadores que seguiram as três primeiras edições da Jornada concordarão comigo que, em algumas sessões memoráveis, logramos plenamente nosso intento. No mais importante livro sobre a missão dos arquivos audiovisuais publicado este século (o livro é de 2008), Film Curatorship – Archives, Museums, and the Digital Marketplace, Paolo Cherchi Usai, David Francis, Alexander Horwath e Michael Loebenstein (arquivistas de diferentes gerações) dialogam sobre vários aspectos das atividades dos arquivos, discutindo e propondo a definição do que seria a maneira mais moderna de conceituar o conjunto de seu sistema de trabalho. O conceito é o de “curadoria cinematográfica”, que consiste na arte de interpretar a estética, a história e a tecnologia do cinema através da coleta seletiva, da preservação e da documentação sobre filmes, e sua exibição em apresentações arquivísticas. Nesta nova edição da Jornada insistimos nesse propósito e tivemos a colaboração calorosa de Jon Wengström, curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema. Qualquer coisa que se possa dizer sobre amizade seria discreto em relação a Jon – aliás, ele próprio extremamente discreto em suas manifestações de amizade. Colaborador permanente da Jornada, desta vez Jon foi o máximo. Durante meses trocamos mensagens, até estabelecer a seleção final dos filmes que vieram do arquivo sueco (e várias vezes tive de dizer não à sua proposta de incluir mais um título). Jon providenciou fotografias para o catálogo, selecionou imagens para a exposição, fez pessoalmente a tradução para inglês de intertítulos de filmes que existiam apenas em sueco. E ainda se dispôs a apresentar sessões. Carlos Roberto de Souza Curador 12 passaram a ser um espetáculo completo, produtos finais padronizados e, como tal, apareciam do mesmo jeito em qualquer cinema de qualquer parte do mundo. Por “apresentação arquivística” entenda-se a exibição – nas instalações do próprio arquivo ou em locais externos, desde que o arquivo tenha pleno controle das condições técnicas de apresentação – da obra cinematográfica de forma a possibilitar que a experiência do contato seja organizada de maneira consistente com sua identidade histórica, de forma a gerar um novo conhecimento. Significa oferecer ao público o maior número possível de informações sobre a obra e seu contexto histórico, bem como apresentá-la nas condições mais próximas possíveis das de sua apresentação pública original (bitola, cor, velocidade de projeção corretas, etc.). Em termos de curadoria, um “conteúdo”, privado de seu contexto ou fruição, é apenas um item de consumo, de mercadoria (daí o uso preferencial do termo “obra” ou “artefato” no mundo arquivístico e museológico). Karel Dibbets, historiador de cinema holandês, destacou alguns pontos relativos às mudanças do espetáculo cinematográfico quando do advento do som, a partir de 1926. Até então, os filmes eram apresentados com orquestras, pequenos conjuntos ou músicos individuais que faziam o acompanhamento ao vivo, eventualmente com o acréscimo de ruídos e mesmo de falas. Com a transferência desses sons para a pista inscrita na película – ou em discos, como ocorreu provisoriamente com o uso do sistema Vitaphone –, o cinema perdeu seu caráter de espetáculo multimídia e passou a ser um evento de uma mídia única. Os filmes não chegavam mais às salas como mercadorias semimanufaturadas que necessitavam de complementações e interpretações locais – do exibidor, dos músicos e da plateia. Com o som, os filmes Carinhosa para com a Jornada também é a relação de Paolo Cherchi Usai, do comitê diretivo das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, nossa irmã mais velha. Numa demonstração de que carinho é uma via de mão-dupla, por proposta de Paolo, alguns programas de nossa seção “Em busca do Brasil – Amazônia Silenciosa”, da III Jornada, serão apresentados na vigésima nona edição das Giornate, no próximo mês de outubro. Em belíssimas cópias, o amor será apresentado na IV Jornada sob diferentes manifestações e para quase todos os gostos: o amor tórrido, o fraternal e o maternal, o diábolico e o idílico. Um dos exemplos extremos dessa presença é Tretia Meschanskaia / Rua Meschanskaia 3 ou Sofá e cama (Abram Room, 1927), uma espécie de Dona Flor e seus dois maridos em locação moscovita. Confesso que, dando asas a uma “interpretação local”, ao assisti-lo pela primeira vez, imediatamente lembrei-me da marchinha “Ride... palhaço”, de Lamartine Babo, gravada em 1933 pelo autor em dupla com Mário Reis. Eu sou o seu Pierrô, Colombina (bis) Reparte esse amor Metade pra mim Metade pro teu Arlequim 13 Pondo sons e imagens nos trilhos... Livio Tragtenberg Curador musical A seleção de filmes suecos apresentados este ano na Jornada, por sua densidade e refinamento, coloca a questão do uso da música no cinema silencioso num patamar de linguagem mais complexo e sofisticado. O refinamento dos recursos utilizados nesses filmes, como tratamento de cores, fotografia, montagem, enquadramentos, soa como música das imagens em movimento. Me assombraram o ritmo e o envolvimento sensorial que eles propiciam. Apesar da diversidade estilística – épico-poético, drama, comédia, policial – essa qualidade rítmica está sempre presente. A questão colocada pelo compositor de música de cinema David Raksin – “No que, exatamente, a música contribui para um filme?” – torna-se ainda mais instigante quando nos deparamos com o cinema silencioso e suas relações com o espectador de hoje. Assim, no que a música ao vivo pode contribuir para o filme silencioso? Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek, a “música de cinema possui uma dimensão superior para causar distúrbios na ordem simbólica do filme”. (Zizek, Slavoj, The Metasteses of Enjoyment, New York,1994.) De certa forma, esse é um dos objetivos que perseguimos na Jornada (complementando a curadoria de Carlos Roberto), no sentido de uma revitalização – mais do que uma pretensa “atualização” que, de resto, soa ridículo quando se trata de criação artística – do cinema silencioso, ao buscarmos, ao lado de condições ideais de exibição e sonorização, uma leitura sonora do cinema silencioso através da escolha de criadores musicais que possam estabelecer diálogos instigantes com as plateias de hoje. 14 Assim, a ideia de que a música ao vivo possa criar reflexos, e reflexões paralelas ao filme, tem sido um dos vetores na escolha dos músicos participantes. Seja por aproximação ou por distanciamento (irônico ou conceitual) as musicalizações buscam sobretudo estabelecer uma conversa criativa, ao invés de uma moldura decorativa, com as narrativas fílmicas. A Janela para a América Latina apresenta o filme silencioso boliviano Wara Wara, que já vem sonorizado com a música do importante compositor contemporâneo, também boliviano, Cergio Prudencio (1955). Ele é criador da Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos, em seu país, nos anos de 1980. Realizou música para mais de quarenta filmes, tendo recebido vários prêmios. Será, portanto, uma oportunidade única para se travar contato com sua obra. Este ano, o Auditório Ibirapuera acolhe uma sessão da Jornada, que tem tudo para ser especialíssima, iniciando uma parceria que, esperamos, perdure e se integre à própria Jornada. O filme sueco Häxan / A Feitiçaria através dos tempos (1922) irá encantar com luzes e visões fantasmagóricas. Filmes que documentam a ferrovia no Brasil também são destaque na programação, repercutindo a imagem-fetiche dos Irmãos Lumière nos primórdios do cinema, e que terão um tratamento sonoro diversificado, seja na sonoplastia ou na colagem musical, compondo um painel de sonoridades que dialogam com a memória do espectador. Temos músicos representativos da chamada música popular musicando filmes na homenagem aos 80 anos da Cinédia, ampliando assim a palheta de timbre e estilos musicais. Mais uma vez, a seleção musical da Jornada apresenta uma ampla diversidade sonora, não apenas no sentido de estilos e gêneros musicais, mas também nas diferentes formas de abordagem das imagens.Literalmente, este ano as imagens e sons estão nos trilhos... Músicos e Artistas Convidados Ana Fridman Formada em Música e Dança pela Unicamp, atua como compositora, pianista, arranjadora, bailarina e professora de Percepção e Harmonia. Em 2002 ganhou a bolsa Virtuose em Composição para estagiar com o grupo londrino Kinetic Concert. Lançou em 2004, pelo selo Zabumba Records / Rob Digital, o CD O Tempo, a Distância e a Contradança, com músicas e arranjos de sua autoria, incluindo trilhas que compôs para teatro e dança. Entre os lugares que lecionou estão: Instituto de Artes da Califórnia, Unicamp, unidades do Sesc de São Paulo, Ongs e Companhias Teatrais. Em 2007 foi convidada pela Guildhall School de Londres para ministrar um workshop sobre ritmos brasileiros. André Abujamra Multiinstrumentista, compositor, produtor e ator paulistano. Na década de 1980 montou a banda Os Mulheres Negras, que o projetou no cenário musical alternativo em São Paulo. Depois passou pelo Karnak e hoje está em carreira solo. Compõe para cinema e teatro; entre seus trabalhos recentes estão uma participação na trilha de O Bicho de 7 cabeças e a trilha toda de Carandiru. Abujamra também atua como produtor musical, e trabalha junto com artistas como Pato-Fu e Duo Portal. Recentemente lançou seu terceiro CD solo, intitulado Mafaro, que tem recebido excelentes críticas, e já está com shows marcados por todo o mundo até 2011. Basavizi Grupo formado em 2008 para desenvolver pesquisas sobre a improvisação livre como forma de processo criativo e de composição, que resultaram também em outra pesquisa sobre o uso de tecnologia digital e analógica para performances ao vivo. Formado por um trio paulistano, o grupo desenvolveu diversos arranjos instrumentais. Sempre focado na interação entre instrumentos tradicionais, ainda que tocados de forma não usual, e tecnologias high e low-tech. Daniel Murray Violonista. Em 1997 conquistou o segundo prêmio no Concours International de Guitarre de Trédrez-Locquémeau, na Bretanha, França. Há 15 anos trabalha como intérprete, arranjador e compositor. Em 2007 gravou Suíte Retratos de Radamés Gnatalli com o Trio Opus 12, de violões. Em 2008, lançou seu primeiro CD solo ...universos sonoros para violão e tape..., com patrocínio da Petrobras. Integrou em 2009 o Quarteto Tau de violões, com Breno Chaves, José Henrique Rosa Campos e Fabio Bartoloni, e formou com o violonista e compositor Chico Saraiva o Duo Saraiva-Murray, que acaba de voltar de uma turnê pela Europa. 15 Daniel Szafran Pianista solo. Trabalhou com Laura Finnochiaro, Zé Rodrix, Mauricio Pereira, Edvaldo Santana, entre outros. Foi durante três anos pianista da banda do Programa Fanzine, da TV Cultura. Com o parceiro Mauricio Pereira, coproduziu e tocou piano no CD Mergulhar na Surpresa. Fez trilhas para peças e produziu CDs de outros artistas. Em 1992, a Rádio Cultura AM de São Paulo fez com ele um programa especial de uma hora. Foi pianista do Piratininga Bar por 16 anos, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, casa bastante conhecida dos paulistanos pelos bons pianistas que por lá passaram. Danilo Moraes Nascido em São Paulo, cantor, compositor e guitarrista, trabalhou com artistas como Chico César, Ná Ozzetti, Miriam Maria, Premê, Wandi Doratiotto (seu pai, com quem produziu o disco Pronto), Mário Manga, Ceumar, Inácio Zatz, Celso Sim, entre outros. Lançou seu disco solo em 2003 e foi selecionado para o projeto Rumos do Itaú Cultural. Com a banda Banguela, Danilo apresentou-se durante vários anos nas casas de forró de São Paulo e, em 2004, lançou o disco Na Pista. Em 2009 iniciou o projeto de seu novo disco Danilo Moraes e os Criados Mudos, apresentando-se em cidades de todo o Brasil. Dante Pignatari Formou-se em piano na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Já se apresentou no Brasil, Inglaterra, Espanha e Alemanha, dedicando-se especialmente à música de câmara. Trabalhou na produção, edição e apresentação de programas para a Rádio Cultura FM. Coordenou e foi pianista do projeto Poesia paulista - Doze canções, que resultou no CD do mesmo nome. Foi colaborador da revista Bravo! de 1997 a 2001, e desde 2005 escreve notas de programas para a OSESP. Ministra aulas de piano e cursos livres de música. 16 Dino Vicente Atua como músico, compositor, arranjador e produtor musical nas áreas de publicidade, cinema, teatro, instalações e multimídia. Começou sua carreira cedo, tocando piano na montagem da peça Bonitinha, mas Ordinária, dirigida por Antunes Filho. Já compôs com Arrigo Barnabé e, recentemente, escreveu a trilha sonora do longa-metragem 400 contra 1, do diretor Caco Souza. Duo N1 Formado por Alexandre Fenerich e Giuliano Obici em julho de 2007, o duo nasceu da vontade de criar um ambiente de experimentação sonora a partir da performance musical e do improviso. Já se apresentou em festivais de arte eletrônica, cinema e música, bares e galerias de arte. Em 2009 lançou o CD Jardim das Gambiarras Chinesas - Broken Music Machines, registro das experimentações musicais criadas até então. Desde 2009 explora também performances audiovisuais, criando peças para ver-ouvir – um modo de atuação que marcou sua participação na Mostra Live Cinema de 2009, com a performance “Marulho Oceânico”. Eric Nowinski Começou sua carreira no teatro em 1980 sob a orientação da atriz Célia Helena. Seus principais trabalhos são: Às margens da Ipiranga, dirigido por Fauzi Arap; Tartufo, de Molière, dirigido por José Rubens Siqueira; Os coveiros, de Bosco Brasil, dirigido por Hugo Possolo; e Barrela, de Plínio Marcos, dirigido por Sérgio Ferrara. Seu trabalho mais recente é a transposição para o palco do conto O Espelho, de Machado de Assis. Gustavo Barbosa Lima Formado em Música (clarinete), fez especialização na França. Frequentou o curso de Música Eletroacústica do GRM de Paris e lecionou em escolas da região parisiense. Obteve o 1o Prêmio de Clarinete da Associação Leopold Bellan de Paris e o 1o Prêmio de Clarinete do VIII Concurso Jovens Instrumentistas Brasil. Compôs trilhas para espetáculos de dança e filmes; participou das edições de 2007 e 2009 da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso. Foi clarinetista da Orquestra Jazz Sinfônica de 2001 a 2003. Integrante do Duoportal, lançou em 2000 o CD Música de um povo imaginário. Na área da música erudita, atua com a pianista Scheilla Glaser. É professor de clarinete e música de câmara da Escola de Música do Estado de São Paulo desde 2000. Pós-graduado em Administração de Empresas pela FIA, participa da coordenação pedagógica de vários projetos artísticos. Laércio de Freitas Pianista, maestro, arranjador e compositor. Graduou-se em piano no Conservatório Carlos Gomes. Fez parte da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e do Sexteto de Radamés Gnatalli. Em 1973 lançou o LP Laércio de Freitas e o som roceiro. Atuou como arranjador e regente em companhias de discos. Acompanhou artistas como Ângela Maria, Maria Bethânia, Maria Valle, Emílio Santiago, Nancy Wilson, Clara Nunes, The Supremes, entre outros. É arranjador da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, para a qual também ministra aulas de Prática de Execução Conjunta. Em 2001 assinou os arranjos do tema para piano e orquestra de Amazonas: um poema sinfônico, de João Donato e Everardo de Castro, apresentado no Teatro Amazonas, em Manaus. Livio Tragtenberg Escreve músicas para teatro, vídeo, cinema e instalações sonoras. Compôs obras instrumentais, sinfônicas, eletroacústicas e operísticas. Em 1987 ganhou o prêmio Vitae pela ópera Inferno de Wall Street; em 1991 foi contemplado com uma bolsa da Fundação Guggenheim pela composição da ópera Tatuturema. Gravou os discos Temperamental, Othello e Anjos Negros, Pasolini Suite e Coleção de Novas Danças Brasileiras. Apresenta-se regularmente no Brasil e no exterior. É autor dos livros Artigos Musicais, Contraponto e Música de Cena. Desde 1995 colabora com o coreógrafo Johann Kresnik em produções de teatro-dança na Alemanha. Criou a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo e a Nervous City Orchestra em Miami (Estados Unidos). Também criou a Blind Sound Orquestra, com músicos cegos acompanhando filmes silenciosos. Marcelo Poletto Artista plástico por formação acadêmica; educador por opção política; músico por necessidade. Com a bailaria Morena Nascimento, forma o Duo UNS, que apresenta suas próprias composições de forma simples e direta. Marcio Nigro Músico premiado, jornalista, compositor, engenheiro de áudio e produtor musical. Há mais de dez anos explora as novas tecnologias da criação musical. Em 2002 lançou o livro Áudio e Vídeo Digital no Macintosh, em parceria com João Velho. Em 1998 fundou a produtora Trio Digital, que compõe jingles para TV. Como compositor de cinema, ganhou o prêmio de melhor trilha sonora por Encarnação do Demônio, no Festival de Paulínia (2008) e por É proibido fumar (2009), no Festival de Brasília. 17 Matheus Leston Músico, compositor, produtor musical e professor. Formado em contrabaixo e Teoria Musical no Centro de Estudos Musicais. É tecladista do grupo Patife Band. Em 2009 participou do projeto Ao redor de 4’33’ na Bienal do Mercosul. Lecionou a disciplina Música Erudita no Século XX no Curso de Arte Contemporânea do Instituto Tomie Ohtake. Compôs a trilha sonora de diversos curtas-metragens, entre eles Mais uma Noite, de Pedro Morelli e Luis Eduardo Amaral, e Sombras, de Dalila Martins. Max de Castro Nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para São Paulo ainda criança. Estimulado pelo pai Wilson Simonal, interessou-se por música muito cedo. Influenciado por Djavan, Jorge Ben Jor e Cassiano, formou em 1992 a banda Confraria, ao lado de Pedro Mariano e Daniel Carlomagno. No começo de 2000, lançou pela gravadora Trama o seu primeiro disco solo, Samba Raro. Em 2002 lançou Orquestra Klaxon, com parcerias de Erasmo Carlos, Marcelo Yuka, Nelson Motta, Fred Zero Quatro e Seu Jorge. Em 2005 lançou seu terceiro disco, Max de Castro, o mais autoral de todos eles, e nele conta com a participação do percussionista Naná Vasconcelos e do Trio Mocotó. Ricardo Carioba A criação de formas visuais e sonoras que não estavam previstas na programação de máquinas eletrônicas é a ideia que está por trás da nova série de trabalhos e projetos de Ricardo Carioba. Por meio de fotografias digitais e analógicas, vídeos e impressões de imagens eletrônicas, o artista aproveita a inteligência eletrônica para inventar possibilidades de experiência em espaço digital. Desde as fotografias, com que conferia materialidade a ambientes virtuais (Panorama da Arte Brasileira, MAM-SP, 1999), até as simulações feitas em computador (Paço das Artes, 2003), persegue não o desvendamento dos mecanismos internos da “caixa preta”, mas a intervenção nos processos eletrônicos que ali ocorrem, formalizando a poética desse espaço. 18 Ricardo Reis Ao lado de Miriam Biderman coordena a Effects Filmes, especializada na finalização de longas-metragens e documentários. No cinema destacou-se pelos seus trabalhos de finalização de som, entre eles, Suprema felicidade, de Arnaldo Jabor; A Encarnação do demônio, de José Mojica Martins (prêmio de Edição de Som no Festival de Paulínia em 2008); e Noel, o poeta da vila, de Ricardo Van Steen (prêmio de Edição de Som no Festival de Miami de 2007). Na televisão, sobressaiu-se por trabalhos nas séries Travessia, dirigida por João Batista de Andrade, e Carandiru, outras histórias, de Hector Babenco, Roberto Gervitz e Walter Carvalho. Ricky Villas Violonista, baixista e compositor. Paulistano, atua no cenário musical brasileiro desde 1980. Participou das bandas Bom Quixote, Performática, La Vie en Rose e Banda Zero (que ganhou um disco de ouro). Tem parcerias com Ronaldo Bastos, Celso Fonseca, Eduardo Amarante, Fredy Haiat e Guilherme Isnard. Representou o Brasil em diversos festivais no exterior e participou do Projeto World Party ao lado dos músicos holandeses Tomaz Geretsem e Georgia Dias. Fomou-se no Audio Engineering Institute (SAE), de Amsterdã. Ruggero Ruschioni Graduou-se em Composição e Regência na Faculdade Santa Marcelina; especializou-se em Multimídia na Media Research Lab New York University e fez mestrado em Cinema, Rádio e Televisão na Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente é professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e professor-assistente da Faculdade Cásper Líbero. Tem experiência nas Artes com ênfase em música, e atua principalmente com temas de computação gráfica, música computacional, realidade virtual, 3D tempo real, síntese sonora e sincronia. Simone Sou “Percuterista”, desenvolve pesquisa baseada em ritmos brasileiros e do mundo, adaptando técnicas de percussão às de bateria. Gravou com e acompanhou músicos e compositores como Itamar Assumpção, Mutantes, Chico César, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, Elza Soares, Jards Macalé, Paulo Miklos, Robertinho Silva, Otto, entre outros. Atualmente toca com a Orquestra Mundana, liderada por Carlinhos Antunes. Turíbio Santos Gravou 65 álbuns para Erato-WEA (Paris), Chant du Monde (Paris), Kuarup, Visom e Ritornelo (Rio de Janeiro) e editou coleções de partituras pela Max-Eschig (Paris) e Ricordi (São Paulo). Em 1983 criou a Orquestra de Violões do Rio de Janeiro. Em 1999 regravou a obra completa de Heitor Villa-Lobos para violão ao lado de compositores como Edino Krieger, Sérgio Barboza, Nicanor Teixeira, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, para uma série de cinco CDs em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil. É membro-fundador do Conseil d’Entr’aide Musicale (UNESCO). Em 1985 foi nomeado diretor do Museu Villa-Lobos e Chevalier de la Legion D’Honneur. Seus últimos lançamentos discográficos foram Turíbio Santos interpreta Agustin Barrios, Violão Sinfônico e a Introdução ao Choro, todos sob a regência de Silvio Barbato. Foi indicado para o Grammy Latino em 2008. Wilson Sukorski Compositor, músico eletrônico, performer multimídia, criador e produtor de conteúdos musicais para rádio, vídeo e cinema, designer e construtor de instrumentos musicais inusitados, e pesquisador em áudio digital. Trabalha em diversas atividades musicais no Brasil e no exterior: compõe para cinema, vídeos experimentais, instalações de áudio arte, arte urbana, arte e novas mídias, e se apresenta como performer musical em shows e performances monoband. Zé Luiz Rinaldi Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; colaborou intensamente com os diretores Luiz Antônio Martinez Corrêa, Bia Lessa, Celina Sodré, Fábio Ferreira, Gilberto Gawronsky, Jefferson Miranda e Ulysses Cruz. Premiado pela bolsa Vitae de Artes, criou e dirigiu a ópera Deslimites da Palavra (CCBB-RJ, 2000). Seu trabalho recebeu o prêmio Rumos Musicais Tendências e Vertentes, do Itaú Cultural, e o prêmio de edição da Cartografia Musical Brasileira, como representante da atual produção artística nacional. Zérró dos Santos Contrabaixista, arranjador, compositor e produtor. Zérró dos Santos tocou ao lado de músicos como Geraldo Azevedo, Leni Andrade, Família Caymmi, Miúcha, Célia, Nara Leão, Maurício Aihorn, Alaíde Costa, Alceu Valença, entre outros. Participou da Rio Jazz Orquestra e também das gravações dos discos de Elza Soares, Martinho da Vila e Nana Caymmi. É criador e líder do grupo Zérró Santos Big Band Project, formado por 6 saxofones, 2 trompas, 4 trombones, 1 tuba, 5 trompetes, contrabaixo, guitarra, acordeom, bateria e percussão. 19 Cinédia 80 anos Ode parnaso-punk aos 80 anos Hernani Heffner De forma sintética, pode-se dizer que a Cinédia é uma produtora cinematográfica brasileira fundada em março de 1930. Está fazendo, portanto, 80 anos. Sendo assim, seus predicados históricos seriam o pioneirismo industrial, a configuração de um produto fílmico de sucesso para o mercado, a revelação de talentos técnicos e artísticos, e a criação de alguns filmes marcantes do ponto de vista estético. Suas limitações diriam respeito à carência de um projeto cultural mais decisivo, à formulação de um modelo de produção de inspiração estrangeira, ao precário acabamento da maioria das produções. Em que pese os variados e diferentes contextos por que passou, sua glória e sua danação estariam ligados à sobrevivência por esses longos, lentos e problemáticos 80 anos de vida do cinema e do país. Essa persistência incomoda e intriga. O que a teria levado tão longe? O que a teria sustentado para além de uma época de ouro, encerrada em meados do século passado? Não existe resposta simples ou fácil a estas indagações. Com maior ou menor empenho, é possível sustentar em alguma medida as indicações positivas ou negativas listadas acima. Estaríamos diante de uma iniciativa complexa? Seu criador, o jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga, não pensava assim. O desafio era grande, mas óbvio: fazer cinema por prazer, lucro e arte com vistas a modernizar o país de um ponto de vista moral, social e cultural. Desenvolver as potencialidades para enriquecer econômica e existencialmente a todos – público, homens de cinema, a nação. A boa e velha utopia. 20 As energias descarregadas nesta solene tarefa viraram uma referência, uma narrativa, uma lenda; talvez um mito? E o que nos contaria este mito? Machado de Assis afirmava que a missão da literatura brasileira do século XIX era captar e transmitir o sentimento nacional em formação. Ou melhor, era inventar esse sentimento, abstraído dos rostos, das vozes, das ruas, do destino, de qualquer destino que se quisesse atribuir ao homem brasileiro. Gonzaga se lançou a proposta semelhante, sem nenhuma crença ingênua sobre o “poder” do cinema. No momento em que se mencionasse a “força” das imagens, emergia a deixa para qualificá-la em sentido preciso. O Brasil e Cinema Brasileiro deveriam aflorar pela palavra jovem, decidido, renovador, expressivo e criativo. Este caldo primordial arremessado ao futuro encontra seu núcleo de expansão na passagem do silencioso ao sonoro, no amor à imagem perante à inevitável ditadura do som, no sucesso da primeira experiência diretorial, fundada em uma crença de valores juvenis e na paixão por Griffith, Stroheim, Murnau, Mauro e uns poucos mais. A Cinédia era o futuro inevitável e necessário, mas seus primeiros tempos, mais especificamente suas três primeiras produções, tinham que reter e na verdade fundar esse sentimento de um cinema nacional. A encarnação disso pode ser a liberação crescente da mulher, o modernismo carioca, a licenciosidade da canção popular ou qualquer outra manifestação histórica corriqueira. O espírito vagueia pela ousadia formal, empresarial e cultural de propor um cinema fadado ao malogro. Na contracorrente de uma sobrevivência necessária, arriscar-se no deleite de uma experiência livre de pressões mais amplas. A expulsão do paraíso viria, mais cedo ou mais tarde, mas como era conhecida e esperada, não tinha grande importância frente à chama contrabandeada para os sets de filmagem. Filmagem de Lábios sem beijos. Adhemar Gonzaga (sentado) e Álvaro Naher (de chapéu) Lábios sem beijos Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 53min, 24qps cp: Cinédia; p e r: Adhemar Gonzaga; d, df e mo: Humberto Mauro; e: Lelita Rosa (Lelita), Paulo Morano (Paulo), Didi Vianna (Didi), Gina Cavalieri, Tamar Moema (Tamar), Augusta Guimarães, Alfredo Rosário (tio de Lelita), Décio Murilo, Máximo Serrano, Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro, Leda Lea, Renato Oliveira, Carmem Violeta, Carlos Eugenio, Luiz Gonzaga Martins, Ivan Villar, Fernando Lima Origem da cópia: Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Lelita é uma jovem moderna, que encontra Paulo casualmente num táxi. Voltam a se falar durante uma festa. O desentendimento inicial não impede que os dois passem a se ver, nascendo entre ambos arrebatadora paixão. Certo dia, Lelita encontra sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa chamava-se Paulo Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter preparado a intriga e ter colocado Lelita contra ele. Depois de muita insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu compromisso com Didi. Superados alguns percalços durante o trajeto de automóvel, Lelita e Didi chegam ao encontro com Paulo, ocasião em que se desfaz todo o equívoco. Nas palavras do próprio Gonzaga: “Não se trata de fazer um filme apenas. Já se fizeram muitos. Trata-se de fazer uma indústria de filmes. Estabilidade, produzir um após outro. O cinema é a indústria mais completa do mundo. Egoísta. Não admite improvisações nem adaptações. O que falta é maquiagem, dizem uns. Precisa melhorar a fotografia, dizem outros. Mas a maquiagem depende de boa iluminação do artista, do cinegrafista, da qualidade dos refletores e da força elétrica. Esta, por sua vez, de uma possante e dispendiosa subestação... E que adiantará uma boa iluminação, sem estudos de gama, sem sensitometria, da parte científica do laboratório, enfim? E que valerão estes estudos, sem máquinas de revelação automática e contínua?” O projeto da Cinédia derivou em grande parte das relações de Gonzaga com um grupo de jovens amantes e praticantes do cinema. Somente a partir do acúmulo de crises associadas aos altos investimentos e às baixas bilheterias iniciais, sem mencionar o anacronismo da persistência em um modelo “silencioso”, Gonzaga se afastou dos amigos e desenvolveu uma estratégia de profis- sionalização crescente do negócio, instaurando relações de trabalho mais regulares, compatibilizando despesa e receita e pondo de lado preconceitos contra os demais produtos fílmicos (cinejornais, curtas documentais e de ficção, filmes publicitários, institucionais, etc.). Foram mais de 700 produções de pequena duração e 55 longasmetragens até 1952. A Cinédia chegou a possuir três palcos de filmagem, laboratório, sala de som, dois almoxarifados para cenários e figurinos, sala de montagem, camarins e restaurante, entre outros departamentos. Teve câmeras como a Mitchell e a Super-Parvo, reveladora e copiadora Debrie, sistema de gravação e mixagem RCA, grua de madeira e de ferro, refletores Mole-Richardson, fotômetros Weston, entre outros equipamentos pioneiros no país. E por lá passaram ou se formaram realizadores, técnicos, atores e cantores. O próprio Gonzaga exerceu quase todas as funções dentro do estúdio, de ator a montador, de cenógrafo a roteirista, de locutor a diretor, mas foi sobretudo produtor e administrador. A ação gonzaguiana ainda não foi estudada e compreendida em sua justa medida. 21 22 2 23 Crítica de Pery Ribas sobre Lábios sem beijos. Cinearte, 13 janeiro 1932 Vento e areia Em Busca do Brasil Trenzinho Caipira 24 Cuidado com o carvão no olho. Não debruçar demais para não estourar a cabeça de encontro às pilastras das caixas d’água de onde saía aquele enorme tubo de couro por onde o trem bebia... Os postes elétricos do lado dos trilhos, que suspendiam numa chicotada os fios que novamente se curvavam para, de repente, subirem de novo. [...] Tinha vontade de descer e bater também nas rodas de ferro com um poderoso martelo. Ou ser guarda-trem, para perfurar os bilhetes. Ou maquinista, para apitar sem parar, não parar mais e varar todos os túneis do mundo. Pedro Nava, Baú de ossos O trem, símbolo máximo da Revolução Industrial durante o século XIX, modificou radicalmente as relações do homem com o mundo à sua volta. As distâncias encolheram e o próprio tempo precisou ser reformado: as horas foram padronizadas de forma a se poder estabelecer quadros de horários e os passageiros não perderem seus trens. No final do século, o trem encontrou-se com uma invenção tecnológica que revolucionaria o entretenimento de massas: o cinema. Não é à toa que, ao lado da saída dos operários de suas usinas em Lyon, a estaçãozinha de La Ciotat, vizinha à Riviera Francesa, fosse um dos primeiros lugares escolhidos pelos irmãos Lumière para fixar sua câmera com a finalidade de registrar a chegada de um trem. Cinquenta segundos de imagem em movimento que se transformaram numa quase obsessão dos cinegrafistas das décadas seguintes. Centenas de chegadas de trem foram filmadas em todo o mundo, muitas delas (a maioria?) com o mesmo enquadramento, ou muito semelhante ao do registro dos Lumière. Quando os filmes ficaram mais longos e surgiram documentários sobre cidades, era raro que uma das imagens inseridas não fosse a de um trem chegando a uma estação. A escolha do tema “trem” para o destaque brasileiro desta Jornada tem duplo significado. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para exibir as restaurações recentes feitas pela Cinemateca Brasileira de dois fantásticos documentários sobre companhias de estradas de ferro da década de 1920, e também de propiciar um contato com a versão mais completa (em termos de metragem e de cor) até hoje possível de O Segredo do corcunda, filme em que o transporte ferroviário tem grande importância, por ser ele que faz a ligação entre campo e cidade, cenário em que se desenvolvem os conflitos dessa história. O outro significado da escolha é um desafio aos espectadores da Jornada: em quantos outros dos filmes exibidos o trem desempenha um papel simbólico importante? Um exame superficial dos programas nos permite colher alguns exemplos. É de trem que Letty Mason (Lillian Gish) penetra nos domínios em que Vento e areia modificarão para sempre seu destino. Algumas cenas-chave de A Carne e o diabo transcorrem numa estação ferroviária e é de trem que von Harden (John Gilbert) volta para os fatídicos braços de Felicitas (Greta Garbo). Igualmente de trem que Volódia (Vladimir Fogel) chega a Moscou, distraído ainda do que o espera na cidade grande. Nos filmes suecos, a presença das linhas férreas é mais escassa, sobretudo porque o barco e o trenó eram meios de locomoção mais adequados num país em que água e neve abundam. Mesmo assim, é numa viagem de trem que Gunnar Hede (Einar Hanson) combina a aventura que o enlouquecerá em Contra o orgulho. Mas trens estão presentes em outros filmes. Em quantos? Descubram! Em 1926, durante sua campanha à presidência do Brasil, Washington Luiz propalou que “governar é abrir estradas”. Com isso, atrelava o país à “modernização” das regras do capitalismo ocidental que apostava na indústria automobilística e na exploração extensiva dos recursos petrolíferos do planeta. Sabemos ao que isso nos levou. As consequências artísticas da opção foram menores: a poesia dos trens de ferro, ou de aço, continuou e continua frequentando filmes feitos em todo o mundo. No fundo, no fundo, o ser humano resiste como um ser poético. (CRS) 25 Companhia Paulista de Estrada de Ferro Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 62min, 18qps cp: Rossi-Film Origem da cópia: Cinemateca Brasileira Documentário dividido em três partes. Na primeira, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro instala, em espaços da Companhia Docas de Santos, uma oficina para montar 750 vagões com estruturas recebidas dos Estados Unidos. O trabalho, de abril a dezembro de 1929, é realizado em Santos para evitar o transporte de cerca de 20 mil toneladas de peças, o que implicaria num custo superior a 800 contos de réis. Diversas fases da montagem dos vagões: os depósitos, os guindastes auxiliares, as diferentes seções de trabalho. O refeitório dos operários e encarregados, montado num vagão. O dr. Martins Fontes, diretor do serviço médico que atendeu 180 operários, posa ao lado do pessoal no encerramento da empreitada. Na segunda parte, o documentário mostra a cidade de Rio Claro e as oficinas da CPEF: ferraria, serraria, marcenaria, pintura e transporte dos vagões. Na terceira parte, a via férrea dupla entre Jundiaí e Campinas e as oficinas de reparo de locomotivas elétricas e a vapor na primeira cidade. Seções de trabalho, transporte das locomotivas e saída dos operários. Companhia Mogyana Brasil, década de 1920, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 18qps cp: Guarany Filme Origem da cópia: Cinemateca Brasileira 27 26 A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro foi eterna rival da Companhia Paulista. Ambas foram criadas por grupos de fazendeiros do interior do estado de São Paulo, e a fundação Mogyana se constitui em 1872, exatamente no ano em que a CPEF inaugura o trecho ligando Campinas a Jundiaí. O primeiro trecho da Mogyana foi inaugurado em 1875, e ligava Campinas à Jaguariúna e, no mesmo ano, a linha chegava à Mogi Mirim. O último trecho construído pela Mogyana foi inaugurado em 1921, quando seus trilhos chegaram a Passos, em Minas Gerais. O filme documenta diversas atividades da companhia e suas oficinas de montagem e construção de locomotivas a vapor e vagões de carga e de passageiros. 28 29 30 31 Em Busca do Brasil O Segredo do corcunda – a cor em Gilberto Rossi Hilda Machado 32 A localização de cópia em nitrato, virada, daquele que parece ser o único dos filmes do italiano Alberto Traversa que resistiu ao tempo e ainda pode ser visto – O Segredo do corcunda –, lança luz sobre o uso da cor por um dos melhores fotógrafos do cinema silencioso brasileiro. A cópia permite uma aproximação maior à obra de Gilberto Rossi, um italiano que ensinou os paulistas a fazer cinema, já que a cor era uma das razões para o velho Rossi ser, nos anos 1920, considerado o melhor fotógrafo paulista. Mesmo o impiedoso realizador José Medina, ferino crítico do cinema brasileiro, reconhecia a excelência da escolha dos “positivos em cores fracas, salmon, amarelo, azul, etc., com as quais Rossi conseguia efeitos muito delicados. Gostava de virar o positivo em sépia, bem fraquinho; Rossi era um artista” 1. A cópia descoberta permitirá que o público apreenda melhor o que era o cinema no período silencioso. Os filmes do chamado cinema mudo não são assistidos hoje como em sua época. O próprio ritmo acelerado que marca esse cinema para o grande público não passa de uma alteração moderna da velocidade de projeção, causada por equipamento inadequado. Falta a música performática que o acompanhava. E, principalmente, as cópias pálidas e incompletas apenas lembram a fotografia original, pois a cor sumiu. O Segredo do corcunda é todo ele virado em diferentes densidades. As sequências alternam caprichosas viragens – como a combinação apontada por Francisco Moreira como “de viragem azul e sepiada sobre uma base laranja da Pathé” 2 – com sequências tintadas sem nuance – como aquelas em verde que sublinham as propostas documentais da fazenda. A concepção da viragem, o uso da cor no cinema silencioso, se apoiava num código compartilhado por realizadores e público, em que cada cor era investida de um significado simbólico, onde o vermelho, por exemplo, é o emblema recorrente, a cor convencional, de paixão ou violência. O processo obrigava à classificação das sequências (...), à escolha das partes que, de acordo com o sentido a elas atribuído, deveriam receber uma determinada cor (...), sendo as sequências agrupadas para receberem sua cor. Um dentre os letreiros de O Segredo do corcunda – todos sem viragem –, ao introduzir um flashback, desvenda o significado desse uso da cor, característico do período: “A vida de cada um é um livro de páginas de muitas cores ... claras, escuras, róseas e negras...” A fotografia com viragem de Gilberto Rossi pode explicar o sucesso do filme. Um êxito comercial segundo os padrões e a linguagem da época, O Segredo do corcunda foi lançado em São Paulo, capital, exibido em vários cinemas de bairro e distribuído no interior do estado e na praça de Minas Gerais. No Rio, o crítico Pedro Lima fez uma crítica favorável e o filme foi ainda exibido em Portugal – no Porto e em Lisboa –, o que levou João Cypriano a afirmar a Maria Rita Galvão, no seu indispensável Crônica do cinema paulistano, que O Segredo do corcunda “foi o primeiro filme brasileiro exibido no estrangeiro”. (...) 1 Maria Rita Galvão, Crônica do cinema paulistano. São Paulo, Ática, 1978, p.221. 2 Francisco Moreira. Conversa com a autora. Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1997. O Segredo do corcunda falseia cinematograficamente o interior de S. Paulo3: filma-se gado (emprestado do matadouro de Vila Mariana, que hoje pertence à Cinemateca Brasileira) pastando no relevo plano daquele bairro da zona sul de São Paulo. Paralelamente produz-se um figurino adequado com poucos recursos: lenço no pescoço, por exemplo. Há também habilidade na administração de dificuldades de superprodução (trens chegam em estações cheias, charretes cruzam as ruas da cidade) e as locações são escolhidas com sensibilidade. (...) A fotografia de Gilberto Rossi, que descreve a paisagem rural na tradição pictórica da paisagística acadêmica, entusiasmou o crítico Benedito Duarte, e desequilibra O Segredo do corcunda. Esse desnível entre a qualidade do aspecto documental da obra frente às pretensões ficcionais do filme é típico do cinema silencioso médio brasileiro. O documentário dentro de O Segredo do corcunda (– as externas) – explode o espaço teatral que confina os interiores aos planos médios e abre espaço para a excelente fotografia de Gilberto Rossi, fotógrafo da estatura de Edgar Brasil e Humberto Mauro, com quem uma comparação se faz inevitável. É a mesma descrição da paisagem rural, característica do mestre em sua primeira fase, em Cataguases. Os planos gerais entusiasmaram Benedito Duarte, para quem eles legitimam o filme: “Essa legitimidade se deve, em grande parte, à excelente fotografia de Gilberto Rossi, a atingir nessa fita alturas que não seriam ultrapassadas, certamente, depois, na idade de ouro do cinema mudo brasileiro. Há quadros de uma beleza plástica tão pura, tão despida de virtuosismo, mas tão integrada na narrativa, tão funcional, como se diria hoje, que nos faz lembrar a obra ingênua de certos pintores primitivos” 4. (...) Alberto Traversa parece ser diluído pela historiografia brasileira (a italiana, com seu rico cinema silencioso, ainda não se ocupou dele) no perfil mais geral do rude cavador, mais um dos italianos que apenas sabendo manipular uma câmera, aqui vieram fazer a América. Traversa participou do grande auge do cinema italiano: em 1914 havia 80 produtoras na Itália, algumas com renome mundial: o país exportava cinema. Segundo fontes argentinas, Traversa dirigiu para as produtoras Savoia, Ambrosio, Latina Arts, Musical Film e Jupiter Film. (...) A ida de Traversa para a Argentina faz parte do fenômeno da imigração italiana para aquele país. No final da década de 1910, fugindo talvez da guerra ou seguindo o fluxo imigratório, o aventureiro Traversa vai para a Argentina, esperançoso com o pulso daquela cinematografia: entre 1915 e 1921 foram produzidos mais de 100 filmes. Alberto Traversa chega à Argentina exatamente em 1915. Já no ano seguinte, ele dirige um longa, Bajo el sol de la pampa. Depois ele dirigiu dois filmes produzidos por Mario Gallo: En buena ley (1919) e En un dia de gloria (1918), este último possivelmente um projeto paralisado. Ainda em 1918 ele rodou Los Inconscientes, um longa na linha da Ambrosio, que foi apresentado como um filme científico sobre “a fatalidade da lei atávica”, a hereditariedade do alcoolismo. (...). Miguel Couselo5 afirma ter Alberto Traversa permanecido no país apenas até 1920. Possivelmente, a crise que termina com o silencioso argentino o expulsa para o Brasil. (...) 3 Trata-se aqui de um equívoco da Autora: a cena se passa diegeticamente nos pampas gaúchos (N.E.). 4 Benedito Duarte. “Alberto Traversa e O Segredo do corcunda”. Catálogo da Retrospectiva do Cinema Brasileiro, São Paulo, Museu de Arte Moderna, 1954. 5 Miguel Couselo e outros. Historia del cine argentino. Buenos Aires, Centro Editor de Latino América, 1984, p.16. 33 O produtor-protagonista de O Segredo do corcunda, João Cypriano, afirmou, sempre a Maria Rita Galvão: “Rossi e Traversa inventavam truques que ninguém sabia como eram feitos (...); a cena do delírio, em que aparece uma série de imagens superpostas, cada qual num canto da tela”, foi totalmente criada pelos dois. A própria sequência do hospício – ainda segundo Cypriano – “não estava no enredo, (...) a ideia é dele”, Traversa. As superposições, a ideia de delírio, o hospício, a semelhança do herói, naquele plano patético, com o louco de Conrad Veidt, o claro-escuro da fotografia são uma bem recriada linguagem expressionista. 34 O último dos três homens que fizeram O Segredo do corcunda, a história de João Cypriano não foge a conhecido padrão. Típico realizador paulistano dos anos 1920, nascido na periferia, em Franco da Rocha, João Cypriano (...) mudou para São Paulo ainda menino. E se apaixonou por cinema. Para ver filmes sem pagar ingresso, vendia bala na plateia ou carregava tabuletas de propaganda pelas ruas. Adulto, sobreviveu de seu ofício, encanador, e frequentava a Escola de Artes Cinematográficas Azurri, de Arturo Carrari. Na escola onde se reuniam ingênuos operários que sonhavam ser atores de cinema, João Cypriano fica amigo de Francisco Garcia, também encanador por profissão. João escreve um argumento, ambos economizam durante dois anos – doze contos de réis – e convidam o melhor fotógrafo de São Paulo, Gilberto Rossi, para a equipe. João Cypriano acumulou as funções de argumentista, roteirista e produtor, desempenhando ainda o papel do protagonista, o galã do filme. Sua família carinhosamente durante anos guardou a cópia de nitrato virada que João levou para exibir na Europa. Se projetada – até hoje só foi vista em moviola – suas cores alargarão mais a ideia do que eram os filmes silenciosos médios brasileiros. Nossa aproximação com o passado fílmico é sempre uma construção presente, pois o espectador hoje é um outro, e outras são as relações estabelecidas na sala escura entre ele e os velhos filmes. Muitas das intenções de O Segredo do corcunda não mais se realizam. Envelheceram. Mas a viragem mostra que nem toda a imagem está fadada a um envelhecimento precoce. A viragem de Rossi pode hoje ser degustada como alternativa à dieta cromática do naturalismo hegemônico. O tempo não age de maneira uniforme e implacável: setenta e três anos depois, poucas intenções originais de O Segredo do corcunda se realizam para o espectador cinematográfico. Mas essa cor, que tão facilmente se perde nos filmes, e aqui resistiu ao tempo, mantém sua eficácia. Cinemais n.9, janeiro-fevereiro 1998. Hilda Machado nasceu em 1952. Fez mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). A poetacineasta lecionava na Universidade Federal Fluminense, trabalhando especialmente na área de pesquisa e realização cinematográficas. Estudou cinema em Cuba e atuou como pesquisadora do uso da imagem na história junto à coleção fotográfica do Warburg Institute, da Universidade de Londres, na Inglaterra, além de ter passagens como pesquisadora por várias universidades e instituições no Brasil e exterior. Faleceu em 2007. O Segredo do corcunda Brasil, 1924, 35mm, com viragem e tingimento, 49min, 20qps cp: Rossi Filme; p: João Cypriano e Francisco Garcia; d: Alberto Traversa; df: Gilberto Rossi e: João Cypriano (João), Francisco Garca (Marcos), Inocência Collado (Rosa, filha de Carlos), FranciscoMadrigano (Pedro), Philomeno Collado (Carlos Fernandes, o fazendeiro), Raphaela Collado (Dolores, mãe de João), Benedito Ortiz (Benedito), Enne Traversa, Nino Ponti, Annunciata Mena Madrigano Origem da cópia: Cinemateca Brasileira Dois empregados em uma fazenda de café – o jovem João e um corcunda idoso, Marcos – são despedidos por Pedro, o administrador vilão. O corcunda revela que o capataz foi o assassino do pai do rapaz, e João salva uma mocinha em perigo, a filha do patrão, que os readmite. O capataz tenta eliminar o rapaz quando os jovens começam a namorar, mas, na luta, acaba sendo morto pelo corcunda. Um ano depois, a felicidade idílica coroa o final: os jovens estão casados e com um filho. Em Busca do Brasil Hilda Machado Pesquisadora do Cinema Silencioso Brasileiro Lauro Ávila Pereira Em 1987, O Segredo do corcunda foi exibido na sala de cinema do Museu Lasar Segall. Presente naquela sessão estava Hilda Machado. Ali, começou a obsessão da pesquisadora pelo filme. O interesse de Hilda foi despertado ao observar curiosa a reação daquela plateia nãohabituada ao cinema silencioso: durante a projeção, os presentes riam e se divertiam ao tentar identificar, em vão, entre os personagens, qual seria o corcunda do título. Por mais de dez anos, realizou intensa pesquisa sobre o filme – perseguiu as biografias dos atores, do diretor Alberto Traversa e do fotógrafo Gilberto Rossi. Percorreu arquivos, bibliotecas e cinematecas no Brasil, na Itália e na Argentina, em um minucioso e exaustivo trabalho de recuperação de pistas escritas e visuais sobre o filme e seus realizadores. Entre as preocupações de sua pesquisa, estava a relação entre o olhar do público e a proposta do realizador. Discutia as irregularidades do filme, os caminhos de produção e sua inserção no cenário do cinema brasileiro da época. O trabalho de Hilda Machado rebateu a ideia de que os realizadores do cinema silencioso brasileiro fossem ingênuos e de que a estética destes filmes pudesse ser tachada de “primitiva”. A intensidade com que Hilda se dedicou à pesquisa sobre O Segredo do corcunda esteve presente em toda sua trajetória. Foi militante socialista, tendo sido presa no final dos anos de 1970 por lutar contra a ditadura militar e participar da organização de um movimento socialista. Levou a crítica social para o audiovisual, com o curta Joilson marcou, de 1986, do qual assina roteiro e direção. O curta, sobre jovens da periferia paulistana, foi premiado nos festivais de Gramado (melhor direção e fotografia), Fortaleza (diretor e ator) e ganhou também o troféu Macunaíma de melhor curta no Rio Cine, no ano de 1987. Hilda Machado foi professora do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense e incansável pesquisadora da área, deixando diversos artigos e ensaios, principalmente sobre a história do cinema silencioso brasileiro. Por sua experiência de “escavadora” de acervos, soube valorizar este tipo de trabalho e defendeu a integração entre a academia e as instituições de memória, pregando a superação da divisão do trabalho acadêmico (intelectual) e de preservação (manual). Em 2002 lançou o livro Laurinda Santos Lobo – mecenas, artistas e outros marginais em Santa Teresa (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002), resultado de uma extensa pesquisa sobre o bairro e a relação entre os artistas e mecenas da elite carioca. Também escreveu poesia – foi premiada na 1a Mostra de Poesia Carioca em 1998. Hilda Machado faleceu em 2007, deixando pesquisas que enriqueceram a história do cinema brasileiro e uma obra artística marcada pela sensibilidade e crítica social. 35 Jon Wengström apresenta O Cinema Silencioso Sueco Jon Wengström Nascido em 1964, Jon Wengström graduou-se na Universidade de Estocolmo, em 1988, em Literatura, Filosofia e Cinema. Começou a trabalhar no Instituto Sueco de Cinema, em 1990, como programador de filmes e se tornou coordenador de programação em 1996, posição em que permaneceu até 2003, quando foi nomeado para sua posição atual de Curador da Coleção de Filmes de Arquivo. Conferencista sobre assuntos de arquivo e sobre a História do Cinema Sueco em numerosas cinematecas e festivais em todo o mundo, colabora muito com artigos no Journal of Film Preservation, publicação da Federação Internacional de Arquivos de Filmes. É também vice-coordenador da Comissão de Programação e Acesso às Coleções, da Fiaf. As primeiras imagens em movimento captadas na Suécia foram feitas em agosto de 1896 por Max Skladanowsky, inclusive algumas cenas cômicas de ficção, e o primeiro evento sueco de maior importância registrado em celuloide foi a exposição de Estocolmo em maio de 1897. O acontecimento foi filmado pelo famoso cinegrafista francês Alexandre Promio, que percorria a Europa trabalhando para os irmãos Lumière. A exposição aconteceu numa ilha no centro de Estocolmo, e em uma parte ainda existente desse material, a câmera é colocada em um barco que se move ao longo de uma conhecida rua à beira da água, um exemplo bastante pioneiro de utilização da câmera em movimento. A primeira filmagem feita por um cinegrafista sueco foi o registro, com 18 metros, da chegada do rei Choolalongkorn, do Sião, ao palácio real de Estocolmo, em julho de 1897, onde ele é recepcionado pelo rei Oscar II. A cena, chamada Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan / Chegada do rei Sião a Logårdstrappan, é de autoria de Ernst Florman, que trabalhou como assistente de Promio durante a exposição mundial. Florman foi, várias vezes, contratado pela família real sueca para registrar eventos, e seu último filme conhecido é En bildserie ur Konung Oscar:s lif / Cenas da vida do rei Oscar II (1908), do qual uma cópia sobrevivente termina com um belo plano colorido a mão. Durante a primeira década do cinema sueco, os filmes de não-ficção predominaram e, em 1907, uma primeira série de cinejornais começou a ser produzida pela Svenska Biografteatern, sediada na cidade de Kristianstad, no sudeste da Suécia (o estúdio continuou produzindo cinejornais semanais até o início da década de 1960). Sob o comando do famosíssimo coordenador de produção Charles Magnusson, a Svenska Biografteatern aventurou-se na realização de filmes de ficção alguns anos depois, utilizando como fonte obras literárias famosas e acontecimentos históricos. Outros estúdios e produtores também se lançaram na produção de filmes de ficção, como Frans Lundberg, em Malmö, e N.P. Nilsson, em Estocolmo. Deste último, os trabalhos mais conhecidos são Fröken Julie / [Senhorita Júlia] (1912) e Fadren / [O Pai] (1912), adaptados de peças de Strindberg e dirigidos pela realizadora Anna Hofman-Uddgren. Gustav Molander e Julius Jaenzon filmando A Herança de Ingmar A realização verdadeiramente profissional de filmes na Suécia começou, porém, no final de 1911, quando Charles Magnusson decidiu abandonar Kristianstad e transferir as operações da Svenska Biografteatern para Estocolmo. Magnusson construiu os novos estúdios na ilha de Lidingö, nos arredores da cidade e, em 1912, contratou três renomados atores e diretores de teatro para realizar seus filmes. Os três eram Victor Sjöström, Mauritz Stiller e Georg af Klercker, que em pouco tempo seriam as principais figuras do cinema sueco. Como parte de seu treinamento profissional, Magnusson estimulou que os três interpretassem papéis em filmes produzidos por outras companhias. Magnusson estabeleceu também, nesses primeiros anos, acordos de produção e distribuição com outros estúdios, como a filial da Pathé Frères em Estocolmo. Um dos primeiros filmes suecos de longa metragem sobreviventes até os dias de hoje é I lifvets 37 38 Julius Jaenzon vår / Na primavera da vida (Paul Garbagni,1912), da Pathé de Estocolmo, rodado nos estúdios da Svenska Biografteatern pois a Pathé não dispunha de estúdios próprios na Suécia. A característica mais notável deste filme é que Sjöström, Stiller e Klercker nele desempenham os principais papéis. exibido na Jornada Brasileira de Cinema Silencioso de 2008. Essa “receita” para realizar filmes de sucesso também foi adotada por outros estúdios na época. Por exemplo, pela Skandia que, em 1919, adaptou duas famosas novelas do escritor norueguês Bjørnstjerne Bjørnson: Synnöve Solbakken, e Ett farligt frieri / [Um Namoro perigoso]. Sjöström e Stiller, as duas figuras mais famosas do trio, rapidamente aprenderam seu ofício e realizaram um espantoso número de filmes – chegavam a seis ou sete por ano. Talvez o mais plenamente bem-sucedido desses primeiros tempos seja Ingeborg Holm, dirigido por Sjöström em 1913, um drama sobre uma mãe solteira que perde a guarda dos filhos. O filme causou tanto impacto em seu lançamento que desencadeou um debate e uma modificação na legislação sueca, que então passou a favorecer as mães solteiras. Mas o filme tem também aspectos visuais interessantes, e o que mais chama a atenção talvez seja a maneira como Sjöström usa a profundidade de campo – a ação se desenvolve, numa mesma tomada, em diferentes planos espaciais. Outra surpreendente característica do filme é o estilo de interpretação contido, que se tornaria uma das marcas registradas do cinema silencioso sueco. A outra figura mais importante do cinema silencioso sueco foi Mauritz Stiller. Como Sjöström, em seus primeiros anos foi muito prolífico, realizando filmes de gêneros e estilos variados. O trabalho mais significativo de Stiller, anterior à Idade de Ouro, provavelmente é Vingarne / As Asas (1916), adaptado do conto “Mikael”, de Herman Bang (a mesma história foi filmada por Carl Theodore Dreyer na Alemanha em 1924). O interessante sobre o filme – e no que a versão de Stiller se diferencia da de Dreyer – é o acréscimo à história de uma moldura autorreflexiva, característica que pode ser encontrada em outros filmes do diretor, como em Thomas Graals bästa film / O Melhor filme de Thomas Graal (1917). Stiller adaptou também para a tela duas novelas finlandesas, Sången om den eldröda blomman / Canção sobre a flor escarlate (1919) e Johan (1921), ambas rodadas em partes remotas do norte da Suécia e que contêm cenas de grande impacto visual, como a audaciosa corrida sobre troncos de árvores que flutuam num rio, feita pelo personagem principal (interpretado por Lars Hanson), no primeiro dos títulos. Mas a maior fonte literária da Svenska Biografteatern durante a Idade de Ouro foram as obras de Selma Lagerlöf, sendo a mais importante delas Herr Arnes pengar / O Tesouro de Arne (1919), de Stiller. Uma história de cobiça e redenção situada na Suécia do século XVII, com tomadas espetaculares do fantasma de uma moça assassinada. As histórias de Selma Lagerlöf se revelaram grande fonte para filmes, frequentemente porque lidam com elementos de um misterioso mundo, com espíritos de mortos que se manifestam aos vivos – o que forneceu excelente material visual e ajudou a criar o clima de exotismo desses filmes suecos da época. A escritora era muito ciosa quanto à adaptação de suas histórias, e sempre manteve uma boa relação com Sjöström, além de ter Stiller em alta consideração, afirmando ter ele capturado excelentemente sua escrita em Herr Arnes pengar. No entanto, se revelou menos entusiástica com algumas adaptações que fez posteriormente de seus trabalhos, como Gunnar Hedes saga / Contra o orgulho (1923). Ela se opôs muito ao roteiro e relutou em aceitar que seu nome fosse associado ao filme. Mas, Stiller, já no roteiro, criava um lindo conto de perda e sofrimento, e mostrava como se poderiam encontrar consolo e redenção na arte e no amor. A mais famosa adaptação de Selma Lagerlöf é Körkarlen / A Carruagem fantasma, rodada por Sjöström em 1920 e lançada em 1o de janeiro de 1921, e que atualmente seja talvez encarada como o melhor filme silencioso sueco e um verdadeiro clássico do cinema. O filme tem uma estrutura narrativa complexa: a história de um homem que faz um retrospecto de sua vida, e das injustiças e males que infligiu a outros, é contada em flashbacks – eventualmente flashbacks dentro de flashbacks –, criando uma espécie de estrutura de múltiplas camadas que, contudo, parecem cristalinas à medida que o filme se desenrola. Körkarlen também é famoso por seu uso de múltiplas exposições, criadas pelo diretor de fotografia Julius Jaenzon. Terje Vigen, realizado por Sjöström em 1916 e lançado no ano seguinte, é um filme notável por muitas razões. Não apenas porque é um filme sobre a passagem do tempo e o comovente retrato de um velho homem (interpretado pelo próprio Sjöström) que decide enfrentar seus sentimentos de perda e vingança, mas também porque provocou a mudança da política de produção da Svenska Biografteatern. Ele marca o início do que se tornou conhecido como Idade de Ouro do Cinema Sueco (período que se diz habitualmente ter durado até 1924). Foi a produção mais cara feita até então e, quando o filme se tornou um grande sucesso financeiro e obteve uma boa repercussão crítica, o estúdio decidiu mudar radicalmente sua política de produção. De vinte filmes por ano, a produção anual caiu para alguns apenas, que passaram a ter uma preparação mais longa e cuidadosa, além de um orçamento maior. Como muitos dos filmes realizados a partir de então, Terje Vigen se baseava numa famosa obra literária, no caso, um longo poema do escritor norueguês Henrik Ibsen (o filme é talvez a melhor adaptação já vista de um poema para a tela). Outra característica marcante é que foi rodado sobretudo em locações. Sjöström e o renomado diretor de fotografia Julius Jaenzon utilizaram maravilhosos cenários não apenas como pano de fundo espetacular para o desenvolvimento do drama, mas para justamente mostrar a interação do homem com a natureza. Todos esses aspectos – grande orçamento, o uso de uma famosa obra literária e a filmagem em locação – consubstanciaram a nova política da Svenska Biografteatern. Mas devemos ser cuidadosos no uso da expressão Idade de Ouro e na divisão de filmes feitos antes e depois de Terje Vigen. A Idade de Ouro caracteriza não apenas uma tal qualidade dos filmes, mas também um certo modo de produção da indústria cinematográfica do período. Muitas fitas realizadas antes de 1917 têm sido injustamente negligenciadas, assim como muitas produções de depois de 1917 nada têm de notáveis. A verdade sobre Terje Vigen, contudo, é que ele contribuiu para que o cinema ganhasse credibilidade e respeitabilidade culturais. Foi o primeiro filme a ter uma resenha assinada num jornal sueco, escrita por um crítico literário muito famoso. Teve também muito sucesso no exterior, e a filmagem em locações, nas quais o homem é visto lutando contra os elementos, tornou-se parte do “exotismo” ou “originalidade” do cinema sueco, que pareciam fascinar as plateias estrangeiras. Esse diferencial predominou também no filme seguinte de Sjöström, Berg-Ejvind och hans hustru / Os Proscritos (1918), Outras personalidades, além de Sjöström e Stiller, ajudaram a dar forma ao cinema silencioso sueco. Um dos mais famosos é Gustaf Molander, que começou sua carreira escrevendo o roteiro de Terje Vigen com Sjöström e continuou fazendo filmes até a década de 1960 (além de ter sido o diretor que projetou a atriz Ingrid Bergman ao estrelato em meados dos anos 1930). Durante o período silencioso, Molander demonstrou grande habilidade na realização de filmes de gêneros variados, desde trabalhos ambientados em diferentes períodos históricos a dramas e comédias contemporâneos. Provavelmente sua contribuição mais notável como diretor de filmes silenciosos tenham sido as duas adaptações componentes do ciclo de filmes feitos a partir da obra Jerusalém, de Selma Lagerlöf, Ingmarsarvet / A Herança de Ingmar (1925) e Till Österland / [Para o Oriente] (1926). Esses filmes foram a continuação de Ingmarssönerna / [Os Filhos de Ingmar] (1919) e Karin Ingmarsdotter / Karin, filha de Ingmar (1920), dirigidos por Sjöström. Ingmarsarvet é uma comovente descrição da vida em uma 39 pobre vila rural, desequilibrada pela chegada de um fanático religioso (interpretado por Conrad Veidt) – e chega a ser melhor contribuição que a dada por Sjöström para o mesmo ciclo de filmes. A obra tem todas as características familiares dos filmes clássicos suecos: mostra a interação do homem com a natureza em cenários espetaculares, e se baseia numa famosa fonte literária. E justamente por ter sido feita num momento em que já se considerava encerrada a Idade de Ouro do cinema silencioso sueco, indica o quanto o uso desse rótulo deveria ser aplicado com mais cautela. Evidentemente nem todos os filmes suecos do final da década de 1910 e começo da seguinte se passam em locações nem mostram a luta do homem contra a natureza em cenários autênticos. Stiller fez muitas comédias em ambientes da classe alta urbana, e Norrtullsligan / As Garotas de Norrtull (1923), de Per Lindberg, é uma comédia sobre quatro secretárias que vivem juntas numa metrópole e, em comunidade tentam sobreviver no mundo governado por chefes. O filme, adaptado de uma novela de Elin Wägner, é notavelmente moderno ao retratar mulheres que lutam pela auto-suficiência, auto-sustentabilidade e a autoconfiança. Outra figura importante do período silencioso foi o autor de desenhos animados Victor Bergdahl, que entre 1915 e 1922 realizou nada menos do que 17 filmes curtos com o personagem Capitão Grogg. Eles demonstram que Bergdahl pode ser comparado com qualquer outro animador mundial do período. Em Kapten Grogg skall portätteras / Quando o capitão Grogg foi fazer seu retrato (1917), Bergdahl engenhosamente mistura animação e seres vivos, e ele próprio interpreta o pintor contratado para fazer o retrato de Grogg. 40 No final dos anos 1910, a Svenska Biografteatern começou a expandir e consolidar ainda mais sua posição no mercado cinematográfico sueco; fundiu-se a outras companhias e, em 1919, batizaram-se como Svensk Filmindustri (ainda existente), uma companhia completa, verticalmente integrada, que não só era a maior produtora mas também a maior distribuidora e a maior proprietária de salas de exibição. No momento em que se fundiram, reestruturaram e rebatizaram, aumentou também a necessidade por melhores e maiores instalações de filmagem. Os novos estúdios em Råsunda, ao norte de Estocolmo, ficaram prontos para uso na primavera de 1920 (o primeiro filme produzido nas novas instalações foi Körkarlen). Quando, dez anos antes, Magnusson transferira as operações da Svenska Biografteatern para Estocolmo, ele contratara não apenas Sjöström e Stiller, mas também Georg af Klercker. Este, com seu espírito contestador, quis ser seu próprio chefe, e logo se desentendeu com Magnusson. Em 1915, Klercker decidiu se mudar para Göteborg, na costa oeste da Suécia, onde realizou uma série de filmes de aventura e ação para o estúdio Hasselbladfilm, estabelecido pela famosa fábrica de câmeras Hasselblad. Klercker tinha gosto por filmes de ação e aventura, que narrava com eficiência e muita inclinação por composições espetaculares. As locações externas dos filmes de Klercker não se prestam a mostrar a interação do homem com a natureza, mas a aproveitar os cenários na criação gráfica de efeitos impactantes, como em seu magnífico Fången på Karlstens fästning / A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten (1916). Os filmes de Klercker para a Hasselblad faziam sucesso mas, por uma infeliz e irônica virada do destino, A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten a Hasselbladfilm foi logo assumida pela Skandia – um dos estúdios envolvidos na fusão com a Svenska Biografteatern que resultou na formação da Svensk Filmindustri. Klercker, impossibilitado de trabalhar com Magnusson, teve de compreender que seus dias como diretor de filmes estavam definitivamente encerrados. Outra obra cinematográfica dissidente, mas de escala muito maior, é Häxan / A Feitiçaria através dos tempos, quase um monumento na história do cinema silencioso sueco, com poucos equivalentes em qualquer outra parte do mundo. Häxan foi realizada pelo diretor dinamarquês Benjamin Christensen e é uma curiosa combinação de explicações e dramatizações didáticas da visão medieval sobre demônios e bruxarias. Não se parece com nenhum outro filme feito na época na Suécia; e esse estudo verdadeiramente pessoal sobre os recalques impostos pela moral e pela religião sobre os seres humanos permanece ainda hoje como uma poderosa experiência visual. Christensen não foi o único talento estrangeiro a quem se ofereceu a oportunidade de realizar filmes na Suécia. Entre outros contratados, esteve seu compatriota Carl Theodore Dreyer, que realizou Prästänkan / A Quarta aliança da sra. Margarida A Feitiçaria através dos tempos (1920) para a Svensk Filmindustri. O final da Idade de Ouro do cinema sueco é habitualmente fixado em 1924, com o lançamento de Gösta Berlings saga / A Saga de Gösta Berling], para sempre inscrito no cinema como o momento de revelação da atriz Greta Garbo. Até então, ela era praticamente desconhecida (era ainda aluna da Escola de Arte Dramática quando foi selecionada por Stiller para o elenco do filme – por recomendação de Molander, o então diretor da escola. Quando o filme foi lançado, Stiller e Greta Garbo já haviam deixado a Suécia. Depois de um abortado projeto em Istambul (então Constantinopla), chegaram a Berlim, onde Greta foi escolhida por G.W. Pabst para o elenco de Die freudlose Gaße / A Rua das lágrimas (1925). Leo B. Mayer, produtor da MGM, viu Gösta Berlings saga e ofereceu a Stiller e a Greta um contrato em Hollywood. Naquele momento, Sjöström também já havia deixado a Suécia e ido para a América do Norte – e o mesmo fizeram o ator Lars Hanson e o roteirista Hjalmar Bergman. Mas, como dito, seria tolice considerar inferiores todos os filmes feitos na Suécia depois de 1924. Ingmarsarvet é um filme que veremos na Jornada mas, além deste, do final da era silenciosa, temos também o primeiro filme de Alf Sjöberg, Den starkaste / [O Mais forte] (1929), notável e visualmente muito bem realizado, filmado no mar Ártico. Outro filme de interesse, depois de 1924, é Flickan i frack / [A Garota de smocking] (Karin Swanström, 1925), com algumas das primeiras cenas de travestismo no cinema sueco. Sua realizadora dirigiu outros três filmes silenciosos e, após o advento do sonoro, tornou-se a chefe de produção da Svensk Filmindustri. Filmes de não-ficção continuaram a ser produzidos durante todo o período silencioso, e não apenas sob a forma de cinejornais semanais. Bengt Berg foi um importante diretor de documentários e fez uma série de curtas e longas-metragens que descreviam a vida animal e selvagem na Suécia, iniciando assim uma tradição que seria levada ao apogeu por Arne Sucksdorff nas décadas de 1940 e 50. Berg reuniu-se também ao cinegrafista Gustaf Boge e ao príncipe Wilhelm em viagens a países estrangeiros em meados da década de 1920. Esses filmes eram realizados com propósitos educativos e distribuídos em escolas, o que acontecia também com uma grande quantidade de filmes de ficção da Svenska Biografteatern e da Svensk Filmindustri. Ainda antes da evasão dos grandes talentos, a Svensk Filmindustri iniciara uma mudança em sua política de produção, afastando-se do tradicional look dos filmes suecos para criar algo que acreditava ter mais apelo internacional. Dois primeiros exemplos – os mais bem-sucedidos – foram Klostret i Sendomir / O Mosteiro de Sendomir (1920), de Sjöström e Erotikon (1920), de Stiller. O filme de Sjöström não está entre seus mais conhecidos mas, na época, foi um dos que tiveram maior 41 repercussão. Fez enorme sucesso de bilheteria e foi vendido para mais de 50 países. É um filme de época, ambientado na Europa central e não há nada de muito “sueco” nele, embora seja um trabalho graficamente muito fascinante, em que pela paisagem se criam interessantes padrões que acentuam o isolamento dos locais e a claustrofobia de uma história de amores clandestinos. Erotikon foi concebido inicialmente como o primeiro de uma série de filmes em locações urbanas, sob a direção de Stiller e com uma sedutora atriz no papel principal. Por diversas razões, o projeto nunca se concretizou mas, como filme isolado, Erotikon sobrevive como a mais deliciosa comédia realizada por Stiller. No final da década de 1920, o caminho da “internacionalização” ficou mais forte e a Svensk Filmindustri chegou a criar uma companhia subsidiária, a Isepa Films, responsável apenas por coproduções internacionais. O melhor exemplo é Förseglade läppar / [Lábios selados] (1927), filmado por Gustaf Molander na Itália, coproduzido pela National Film AG de Berlim e a famosa Les Films Albatros, de Paris. O clássico de Anthony Asquith exibido na Jornada Brasileira de Cinema Silencioso de 2008, A Cottage on Dartmoor / Uma Casa em Dartmoor (1929), também foi coproduzido pela Svensk Filmindustri e lançado na Suécia, em uma versão um pouco diferente da inglesa, como Fången n:r 53. Mas alguma coisa havia sido perdida quando a busca pela internacionalização prevaleceu sobre outros interesses: muitos dos filmes realizados na segunda metade da década de 1920 poderiam ter sido feitos por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. 42 Conferência de abertura Convidado a fazer a conferência inaugural da IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, Jon Wengström falará sobre o Cinema Silencioso Sueco, com excertos de filmes. Há muitas hipóteses sobre a razão de os filmes silenciosos suecos terem alcançado tanto sucesso e provocado tanto impacto a partir de meados da década de 1910. Talvez seja correto dizer que os melhores filmes da década de 1910 e começo da seguinte tiveram apelo por seu exotismo e originalidade, mas também porque particularmente incluíam algo universalmente entendido. Embora a produção cinematográfica sueca fosse pequena em comparação com a de outros países, a combinação de grandes talentos individuais à frente e atrás das câmeras, um elevado nível de sofisticação técnica, o engenhoso uso de locações naturais e a riqueza psicológica das histórias e dos personagens transformaram os filmes silenciosos suecos num cinema nacional dos mais interessantes e ricos das décadas de 1910 e 20. Um enorme percentual do patrimônio cinematográfico sueco tragicamente se perdeu quando toda a coleção de negativos originais de filmes silenciosos O Mosteiro de Sendomir produzidos pela Svensk Filminidustri (e suas encarnações anteriores) foi destruída num incêndio, em 1941. Um aspecto desse trágico acidente é que mais de 50% da produção silenciosa sueca perderam-se completamente (no caso de Sjöström e de Stiller, os números são ainda piores: apenas 15 dos 43 filmes suecos de Sjöström sobreviveram, e apenas 14 dos 45 de Stiller). Outro aspecto diz respeito aos trabalhos de preservação ou restauração de filmes suecos do período silencioso que ficaram quase inteiramente restritos ao uso de cópias de exibição em nitrato, mais ou menos gastas, como materiais de duplicação. Muitas delas também apenas na forma de cópias resumidas para distribuição escolar ou mesmo em formato ainda mais fragmentário. Felizmente, cópias em nitrato (e mesmo negativos originais de coproduções) ainda são localizadas em arquivos estrangeiros. Na última década, filmes como I lifvets vår, Madame de Thèbes (Stiller, 1915), Hämnaren / O Estivador (Stiller, 1915), Dödskyssen / O Beijo da morte (Sjöström, 1916), Karusellen / [Carrossel] (Buchowetzki, 1923) e Polis Paulus’ påskasmäll (Molander, 1925) vieram se somar à lista de filmes redescobertos. E novos materiais de filmes, como Klostret i Sendomir e Gunnar Hedes saga, foram descobertos em anos recentes, tanto na Suécia quanto no exterior, fornecendo outras fontes para novas e melhores restaurações. Estamos esperançosos de que haja mais tesouros a serem descobertos, o que quiçá nos permitiria aprofundar nossa compreensão do cinema silencioso sueco. 43 Greta Garbo (à esquerda) em Pedro, o vagabundo / Luffar - Peter PROGRAMA 1 Na primavera da vida I lifvets vår Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 54min, 16-17qps cp: Pathé Frères; d: Paul Garbagni; r: Abdon Hedman baseado no romance Första älskarinnan, de August Blanche; df: Willi Neumaier; e: Victor Sjöström (Cyril Alm), Anna Norrie (senhora Alm, mãe de Cyril), Georg af Klercker (comendador von Seydling), Selma Wiklund af Klercker (Gerda), Mauritz Stiller (tenente von Plæin), Astrid Engelbrecht (Sara Andersson), Victor Arfvidson (Brooms), Georg Fernquist, Erland Colliander, William Larsson, Valdemar Dalquist, Henrik Jaenzon, Martha Josefson Origem da cópia: Svenska Filminstitutet 44 Gerda, com a morte da mãe, é enviada ao comendador von Seydling, que a concebera em um de seus amores escusos. O comendador entrega a menina a uma senhora que a vende a uma quadrilha que explora crianças mendigas. Cyril Alm a salva e a cria na casa de sua mãe. Muitos anos depois, Gerda sucumbe aos encantos do tenente von Plæin e foge de casa. Vinte anos se passam: Gerda é uma atriz famosa e o próprio pai a corteja. Cyril a procura para reencontrar o passado, salva-a de um incêndio e tem o incentivo do comendador para desposá-la. Madame de Thèbes Suécia, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 50min, 17qps cp: AB Svenska Biografteatern; d: Mauritz Stiller; r: Martin Jørgensen, Louis Levy; df: Julius Jaenzon; e: Ragna Wettergreen (Ayla, conhecida como Madame de Thèbes), Nicolay Johannsen (conde Roberto), Albin Lavén (barão von Volmar), Karin Molander (Louise von Volmar), Märta Halldén (condessa Júlia), Doris Nelson (Ayla quando jovem) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Uma cigana é amaldiçoada pelo pai e precisa renegar seu filho ilegítimo para que ele tenha sucesso na vida. Ela entrega a criança à condessa Júlia, que acaba de perder seu próprio filho. Trinta e cinco anos depois, o conde Roberto tornou-se um político importante prestes a ser nomeado ministro de Assuntos Estrangeiros. Seu rival no Parlamento é o barão von Volmar, mas, por uma fatalidade, o conde apaixona-se pela filha do barão. Este, por sua vez, através de manobras escusas, descobre que Roberto é filho da famosa Madame de Thèbes, profetiza consultada por todos os políticos, e usa essa informação para arruinar a carreira do conde. Madame de Thèbes 45 PROGRAMA 2 Quando o capitão Grogg foi fazer o seu retrato När Kapten Grogg skulle porträtteras Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 7min, 18qps cp: AB Svenska Biografteatern; d, da e e: Victor Bergdahl (pintor) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Combinação de filmagem ao vivo e animação. Um pintor, insatisfeito com seus trabalhos, recebe a visita do capitão Grogg, que deseja um quadro seu, de corpo inteiro. Mas o capitão não fica contente com a maneira como o pintor retrata seu nariz, avermelhado pelos efeitos da bebida. A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten Fången på Karlstens fästning Suécia, 1916, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 16qps cp: Hasselblads Fotografiska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst e Georg af Klercker; df: Gösta Stäring; e: Nils Chrisander (De Faber), Maja Cassel (Mary Plussman), Manne Göthson (Johan Plussman), Arvid Hammarlund (doutor Johnson), Gustaf Bengtsson (assistente de De Faber), Victor Arfvidson (Berger, guardião da fortaleza), William Engeström (pescador) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet 46 De Faber é um inventor que fracassa na tentativa de descobrir uma nova fórmula de explosivo. A descoberta, porém, é realizada pelo professor Plussman, da Suécia, e De Faber, disfarçado de conde, visita Plussman e quer comprar a fórmula. Como o inventor se recusa a vendê-la, De Faber a rouba e sequestra Mary, filha do professor. O sequestro é visto por pessoas que alertam a polícia, o pai da moça e Johnson, seu namorado. Prisioneira numa fortaleza construída sobre uma ilha rochosa, Mary consegue enviar uma mensagem de socorro dentro de uma garrafa. Johnson e alguns pescadores seguem para a ilha para resgatar Mary, que consegue fugir das garras dos sequestradores quando percebe a chegada de seus salvadores. Terje Vigen PROGRAMA 3 Terje Vigen Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 17qps cp: AB Svenska Biografteatern; p: Charles Magnusson; d: Victor Sjöström; r: Gustaf Molander e Victor Sjöström, baseado no poema homônimo de Henrik Ibsen; df: Julius Jaenzon; da: Axel Esbensen e Jens Wang; e: Victor Sjöström (Terje Vigen), August Falck (lorde inglês), Edith Erastoff (lady inglesa), Bergliot Husberg (sra. Vigen), William Larsson (novo proprietário da casa de Terje e oficial do navio inglês), Gucken Cederborg, Jenny Tschernichin-Larsson Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Nos grilhões da escuridão I mörkrets Bojor Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 43min, 16qps cp: Hasselblads Fotografiska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst; df: Carl Gustaf Florin; e: Sybil Smolova (Ellinor Petipon), Carl Barcklind (dr. Petipon), Artur Rolén (filho de Ellinor), Ivar Kalling (conde Xavier), Frans Oscar Öberg (pastor da prisão), Karl Gerhard, Hugo Björne, Ludde Gentzel, Helge Kihlberg, Nils Wahlbom, Victor Arfvidson, Gustaf Bengtsson Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Acusada de matar o marido, Ellinor Petipon fica traumatizada e perde a memória. Mesmo sem provas conclusivas, a moça permanece presa durante alguns anos, sob observação. Relata ao pastor da prisão os acontecimentos de que vai se lembrando, inclusive a corte que lhe fazia o conde Xavier. Por intercessão do pastor, Ellinor é libertada e, ainda desnorteada, ouve num café a conversa de um grupo de malfeitores que trama roubar a mansão Petipon. Ellinor alerta seu filho, já rapaz, e se junta ao bando para atrapalhar os planos criminosos. Em seu leito de morte, o conde Xavier confessa ter assassinado o dr. Petipon. Terje Vigen é um pescador que vive numa ilha que é bloqueada por navios ingleses durante a guerra, em 1809. Ele tenta furar o bloqueio para buscar alimentos para sua mulher e filha, mas é capturado e mandado para a prisão. Libertado cinco anos depois, descobre que seus entes queridos morreram de fome. Terje se torna um homem recluso e jura se vingar do homem que provocou seu sofrimento. Mas quando chega a oportunidade da vingança, a voz de uma criança faz com que seu ódio seja superado. O Mosteiro de Sendomir Klostret i Sendomir Suécia, 1921, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 80min, 17qps cp: AB Svenska Biografteatern; d e r: Victor Sjöström, baseado em conto de Franz Grillparzer; df: Henrik Jaenzon; e: Tore Svennberg (conde Starchensky), Tora Teje (Elga), Richard Lund (Oginsky), Renée Björling (Dortka), Albrecht Schmidt (administrador), Gun Robertson (filha do conde), Erik A. Petschler (nobre), Nils Tillberg (nobre), Gustaf Ranft (abade), Yngwe Nyquist (criada), Axel Nilsson (frade), Jenny Tschernichin-Larsson (mulher do carvoeiro), Emil Fjellström (frade) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Dois nobres, a caminho de Varsóvia, no século XVII, passam a noite num mosteiro. Curiosos, pedem a um monge que lhes conte a história do local. Ali vivera um poderoso conde de nome Starchensky, com a mulher Elga e a filha. Elga, porém, foi infiel ao marido e teve uma relação com o próprio primo. Ao desvendar a trama, Starchensky decidira dedicar sua vida e fortuna à construção do mosteiro em que agora se encontravam. 47 PROGRAMA 4 A Feitiçaria através dos tempos Häxan Suécia, 1922, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 106min, 20qps cp: AB Svensk Filmindustri; d e r: Benjamin Christensen; df: Johan Ankerstjerne; da: Richard Louw; mo: Edla Hansen; e: Benjamin Christensen (Demônio), Ella la Cour (Karna, uma feiticeira), Emmy Schønfeld (assistente de Karna), Kate Fabian (donzela apaixonada), Oscar Stribolt (monge glutão), Wilhelmine Henriksen (Apelone, uma pobre velha), Astrid Holm (Anna, mulher do gráfico), Karen Winther (sua irmã mais moça), Maren Pedersen (Maria, bruxa), Johannes Andersen (frei Henrik, juiz do tribunal), Herr Westermann (carrasco), Clara Pontoppidan (irmã Cecília), Tora Teje (a histérica do episódio moderno) Origem da cópia: Svenska Filminstitute 48 A partir de um início lento, com imagens de uma série de gravuras em madeira ou xilogravura e desenhos, o filme encaminha-se para uma progressão de vinhetas dramáticas que ilustram a força espantosa da feitiçaria na Idade Média. Embora obviamente um trabalho de pura imaginação, o filme assume as dimensões de um documentário, produto da extensa pesquisa realizada por Christensen antes de iniciar o projeto. Trata-se de um filme ficcional de horror em forma de documentário, e apresenta uma extraordinária fotografia, estrutura não-linear e iconografia grotesca. Os desiguais valores de produção e a crueza dos motivos visuais enfatizam a eficácia do filme, e acrescentam uma inesperada autenticidade à sua abordagem voyeurista. A despeito dos esforços da censura para proibir o filme, ele se transformou numa sistemática influência sobre os realizadores do século XX. O filme marcou o divórcio dos caminhos de Christensen e a indústria cinematográfica dinamarquesa. Em seguida, ele concentraria suas atividades no cinema alemão, antes de ir para Hollywood em 1928. Existe uma outra versão do filme, de menor duração, lançada em 1968, com narração feita pelo lendário escritor da geração beat William S. Burroughs (Naked Lunch) e trilha musical composta por Jean-Luc Ponty. PROGRAMA 5 Contra o orgulho Gunnar Hedes saga Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 73min, 17qps cp: AB Svensk Filmindustri; p: Charles Magnusson; d: Mauritz Stiller; r: Alma Söderhjelm e Mauritz Stiller, baseado no romance En herrgårdssägen, de Selma Lagerlöf; df: Julius Jaenzon e Henrik Jaenzon; da: Axel Esbensen; e: Einar Hanson (Gunnar Hede), Hugo Björne (sr. Hede), Pauline Brunius (sra. Hede), Mary Johnson (Ingrid), Adolf Olschansky (sr. Blomgren), Stina Berg (sra. Blomgren], Thecla Åhlander (Stava), Ingeborg Strandin (criada), Gösta Hillberg (advogado) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Gunnar Hede é criado por sua orgulhosa mãe, que deseja que o rapaz se torne respeitável para fazer jus à riqueza da família. Mas Gunnar é mais interessado em seu avô, que começou a vida como violinista andarilho mas ficou rico ao conduzir um rebanho de renas selvagens para vendê-lo nos mercados do sul da Suécia. O rapaz apaixonase por Ingrid, uma violinista que viaja com um casal de artistas ambulantes, e renuncia à fortuna familiar para também se tornar um violinista andarilho. Gunnar tenta também repetir a façanha do avô, conduzindo renas para o sul, mas a líder do rebanho o arrasta pela neve durante muitos quilômetros e o incidente o enlouquece. Gunnar é levado de volta ao solar da família, onde Ingrid ocupa-se dele e finalmente o cura com a música. O filme é construído sobre uma atração sensacional com raízes na cultura nórdica – uma marca registrada de Stiller –, no caso, a audaciosa travessia na neve que envolve o que parecem ser zilhões de renas. A atração emerge do conflito entre comércio e arte, com os poderes redentores da arte vencendo a batalha. Stiller equilibra criativamente as demandas da arte elevada ao colocar personagens em ambientes o mais modestamente artísticos que se possa imaginar, o que também oferece comoventes momentos de comédia. (...) A estratégia narrativa inspira uma inédita confiança em efeitos fotográficos com sonhos, memórias e alucinações como traços motivadores, até que o poder da música restaure a sanidade e a felicidade, com a prosperidade completando o tripé. Jan Olsen. Catálogo da XXVIII edição das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, 2009. Contra o orgulho EINAR HANSON 15 junho 1899, Estocolmo, Suécia - 3 junho 1927, Hollywood, Estados Unidos O belíssimo jovem Einar Hanson foi descoberto por Mauritz Stiller quando atuava no Teatro Dramático Real, de Estocolmo. Foi dirigido por Stiller que estrelou Gunnar Hedes saga / Contra o orgulho, filme que o consagraria no cinema sueco. Em 1924 participou da tentativa de Stiller, em companhia de sua também protegida, Greta Garbo, de realizar em Constantinopla (depois Istambul) uma versão cinematográfica do romance A odalisca de Smolensk, de Vladimir Semitoy. Contudo, a companhia produtora abre falência e o trio volta para a Suécia, passando antes por Berlim, onde Greta Garbo tem um papel importante e Einar apenas um papel secundário em Die freudlose Gaße / A Rua das lágrimas. Einar vai para Hollywood em 1925, na companhia de Stiller e Greta Garbo e imediatamente interpreta papéis principais em filmes dos grandes estúdios, como galã de suas principais estrelas: Corinne Griffith em Into her kingdom / A Princesa russa (Sven Gad, 1926) e The Lady in ermine / A Dama em arminho (James Flood, 1927); Laura La Plante em Her big night / Que noite aquela! (Melville W. Brown, 1926); Esther Ralston em Fashions for women / A Mulher e a moda (Dorothy Arzner, 1927); e Pola Negri em Barbed wire / Amai-vos uns aos outros (Rowland V. Lee, 1927) e The Woman on trial / A Ré amorosa (Mauritz Stiller, 1927). A 3 de junho de 1927, Einar Hanson sofreu um acidente de automóvel quando voltava de um jantar com Greta Garbo e Mauritz Stiller em Hollywood. O ator passou mais de quatro horas agonizando até que o encontrassem, ainda vivo, à espera de socorro. Morreu a caminho do hospital o ator que, conforme algumas revistas propalavam, seria o sucessor de Rudolph Valentino. Einar Hanson é ator no filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße. 49 TORA TEJE 17 janeiro 1893, Estocolmo, Suécia - 30 abril 1970, Estocolmo, Suécia PROGRAMA 6 50 As Garotas de Norrtull Norrtullsligan Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 85min, 21qps cp: Bonnierfilm; p: Stellan Claësson and Karin Swanström; d: Per Lindberg; r: Hjalmar Bergman, baseado no romance horônimo de Elin Wägner; df: Ragnar Westfelt; e: Tora Teje (Pegg), Inga Tidblad (Baby), Renée Björling (Eva), Linnéa Hillberg (Emmy), Egil Eide (chefe de Pegg), Tollie Zellman (Gorel, prima de Pegg), Olav Riégo (noivo de Gorel), Stina Berg (tia de Pegg), Lili Ziedner (agitadora), Lauritz Falk (Putte, irmãozinho de Pegg), Nils Asther (filho da senhoria), Gabriel Alw (noivo de Eva), Torsten Bergström (primeiro namorado de Pegg), John Ekman (chefe de Baby) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Pegg muda-se para Estocolmo, na esperança de conseguir melhores oportunidades de trabalho. Ela divide um apartamento com três outras garotas que enfrentam as tentações e as armadilhas de uma metrópole que rapidamente se moderniza. Uma das moças perde o emprego após tomar parte em uma greve; outra prefere largar o emprego a aceitar as investidas de seu chefe. O filme é narrado em primeira pessoa por Pegg e os intertítulos expõem, além de detalhes da história, seus sentimentos e reações aos acontecimentos, e ainda, informações que nos ajudam a compartilhar suas opiniões, o que dá à narração uma qualidade memorialística. Per Lindberg (1890-1944) estudou com o famoso diretor de teatro alemão Max Reinhardt e desenvolveu importante carreira no cinema, mas sobretudo nos palcos teatrais. Depois de As Garotas de Norrtull, seu segundo filme, voltaria a dirigir apenas em 1939. Em 1940 realizou Juninatten / [Noite de junho] seu filme mais conhecido devido à participação de Ingrid Bergman. As Garotas de Norrtull é um dos filmes mais corajosos e apreciáveis da década de 1920 europeia. Antes de 1923, os filmes apresentavam personagens femininas individuais de carne e osso, mas As Garotas de Norrtull abre um precedente ao lidar com um elenco dominado por quatro mulheres extremamente dinâmicas. (...) O roteiro de Hjalmar Bergman transcende a imagem familiar das mulheres como objetos decorativos. O quarteto feminino percorre a vida humana com passos largos. (...) O filme se assemelha a um inteligente livro de memórias, quase um diário. A direção de Lindberg foge das convenções da época e suas mulheres ainda hoje parecem muito modernas, com seus penteados e chapéus discretos, por exemplo; e as minúcias da vida cotidiana destacam-se com muita vivacidade. Peter Cowie. Scandinavian Cinema, Londres, Tantivity Press, 1992. Tora Teje foi uma das mais famosas atrizes teatrais suecas no início do século XX, construindo seu nome através de uma série de notáveis interpretações no Teatro Sueco e no Teatro Dramático Real, em Estocolmo, entre as quais, de alguns grandes papéis femininos da literatura como Fedra e Lady Macbeth. Quando, em 1920, começou a atuar em filmes, tornou-se efetivamente a maior das estrelas suecas, uma diva, e objeto de numerosos artigos na revistas de cinema, figurando em ambiente elegantes e com roupas extravagantes. Ela encarnou, assim, a emergência de um tipo de modernidade no mundo do espetáculo sueco, com um brilho internacional, semelhante aliás ao personagem que ela interpreta em Erotikon (Mauritz Stiller, 1920). Tora Teje atuou em apenas nove filmes silenciosos e um sonoro, mas suas interpretações memoráveis contribuíram para a fama duradoura e a qualidade de muitos deles. Seus primeiros papéis cinematográficos foram o da principal intérprete feminina em dois filmes de Victor Sjöström, mostrando sua versatilidade como atriz: o filme de época Klostret i Sendomir / O Mosteiro de Sendomir (1920), no qual ela cria o comovente retrato de uma mulher dividida entre a família e o homem que ama, e Karin Ingmarsdotter / Karin, filha de Ingmar (1920), também um filme de ambientação histórica, no qual interpreta a maltratada mulher de um fazendeiro. Ela é, entretanto, mais conhecida por sua interpretação em Erotikon, no qual desempenha a cortejada esposa de um cientista. Seu personagem é evasivo e envolve os homens a seu redor, mas ela lhe dá grande profundidade e, com nuances delicadas em suas expressões, revela quando o verdadeiro amor cruza seu caminho. Ela fez também uma breve mas memorável aparição em Häxan / A Feitiçaria através dos tempos (Benjamin Christensen, 1922). O filme termina com um episódio dos tempos modernos, pois Christensen queria mostrar que o que era percebido como maquinações do demônio nos tempos medievais não difere de vários problemas mentais revelados por estudos psiquiátricos que estiveram na moda na virada do século passado. No episódio, Tora Teje faz alguns retratos breves, precisos e tocantes de várias mulheres com cleptomania, tendências histéricas e outras desordens nervosas. No ano seguinte, ela fez talvez a sua melhor interpretação, como uma das mulheres secretárias de Norrtullsligan / As Garotas de Norrtull (Per Lindberg, 1923), que moram em uma espécie de comunidade e tentam sobreviver num mundo masculino. O personagem que interpreta tem também a carga adicional de precisar cuidar de um irmão muito mais jovem (as convenções do tempo não permitiriam que o personagem pudesse ser encarado como uma mãe solteira criando seu próprio filho). Embora sua carreira no cinema tenha sido muito breve e esporádica, Tora Teje provoca uma duradoura impressão como uma das melhores atrizes suecas do cinema silencioso. Ao interpretar a esposa de um fazendeiro no século XIX, uma batalhadora “mãe solteira” na Estocolmo contemporânea, uma mulher dilacerada às beiras de um colapso nervoso, ou a rica e levemente entediada mulher de um “marido cego”, ela traz profundidade, compreensão, inteligência e beleza à tela, sempre sugerindo que há muito mais nos personagens do que à primeira vista se revela. A atriz Tora Teje está nos filmes O Mosteiro de Sendomir / Klostret i Sendomir e A Feitiçaria através dos tempos / Häxan. 51 PROGRAMA 7 A Herança de Ingmar Ingmarsarvet Suécia, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 100min, 20-24qps cp: Nord-Westi Filmaktiebolag; p: Oscar Hemberg; d: Gustav Molander; r: Ragnar Hyltén-Cavallius e Gustaf Molander, baseado no romance Jerusalem I: I Dalarne, de Selma Lagerföf; df: J. Julius; e: Märta Halldén (Karin), Ivan Hedqvist (Stark Anders), John Ekman (Elias, marido de Karin), Lars Hanson (Ingmar), Mathias Taube (Halvor Halvorsson), Mona Mårtenson (Gertrudes Storm), Nils Arehn (mestre-escola Storm), Conrad Veidt (Helgum), Ida Brander (mãe de Gertrud), Knut Lindroth (juiz Berger Sven Person), Jenny Hasselqvist (Barbro) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet O pequeno Ingmar perde toda a herança, inclusive a fazenda Ingmarsson, por obra de um cunhado alcoólatra. Já crescido, quer se tornar professor mas, durante uma noite de tempestade, o fantasma de seu avô promete amaldiçoá-lo se ele não se tornar um fazendeiro como seus ancestrais. Nessa mesma noite de tempestade, o místico Helgum chega à vila e rapidamente se torna líder de uma comunidade de fanáticos que se instala na fazenda Ingmarsson. Ingmar, apaixonado por Gertrudes, passa o inverno trabalhando na floresta, mas volta, ao ser informado sobre a tentativa de Helgum de se aproximar da moça. Ao ir tirar satisfações com Helgum, Ingmar o defende dos irmãos de uma moça enlouquecida pela doutrinação do fanático e, na briga, leva uma facada. Helgum decide partir, mas um incidente faz com que a irmã mais velha de Ingmar, paralítica, ande para salvar seu filho pequeno de morrer queimado. Todos acreditam em um milagre de Helgum e decidem vender tudo para acompanhá-lo a Jerusalém. No dia em que a fazenda Ingmarsson vai a leilão, o juiz Person a compra, a pedido da filha, apaixonada por Ingmar que se compromete a se casar com ela, apesar de apaixonado por Gertrudes. Esta enlouquece. Ingmar casa-se com a filha do juiz mas, no dia das núpcias, Gertrudes o procura e lhe entrega um pacote que encontrara por acaso, oculto no travesseiro do falecido cunhado de Ingmar e que contém o que restara da herança deixada pelo pai de Ingmar, que teria permitido a ele comprar a fazenda e ficar com Gertrudes. 53 52 Exposição Placas de vidro do cinema silencioso sueco O setor histórico do Instituto Sueco de Cinema é depositário de uma coleção de 43 mil placas de vidro oriunda da AB Svensk Filmindustri – e de sua predecessora, a AB Svensk Biografteatern – que registram a produção sueca de 1911 a 1967. Um enorme projeto iniciado em 2007 pretendia fazer a digitalização de todas essas imagens, mas a tarefa revelou-se acima das possibilidades orçamentárias. Diante disso, priorizou-se a digitalização de todos os negativos referentes ao periodo do cinema silencioso sueco e às produções de Ingmar Bergman, tendo em vista as solicitações relativas ao trabalho de Bergman. A exposição que apresentamos foi feita mediante a sugestão do curador da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso de que Jon Wengström selecionasse imagens captadas durante a filmagem de trabalhos que apresentamos na IV Jornada. A qualidade dessas imagens nos desperta um enorme desejo de ter contato com o maior número possível delas – e de comparar os esforços de realização suecos com os que realizávamos no Brasil no mesmo período. Visita ao Acervo Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema Jon Wengström Curador do Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA A Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema tem, como parte integrante de sua missão, o objetivo de incorporar tudo o que é projetado nos cinemas suecos, inclusive cópias de filmes estrangeiros. Isso acontece, entretanto, apenas sob a forma de depósito voluntário, e esta política tem sido praticada somente nas últimas décadas. Como, então, materiais de filmes silenciosos estrangeiros entraram para a coleção? O Clube de Cinema Sueco e, depois, o Arquivo de Filmes Históricos, precursores da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema, foram sempre o organismo nacional responsável pelos filmes e, consequentemente, o guardião dos materiais em nitrato, incluindo cópias suecas de filmes silenciosos estrangeiros, depositadas por distribuidores locais ou por colecionadores privados. 54 Ao longo dos anos, alguns desses materiais em nitrato se deterioram além da possibilidade de salvaguarda e foram descartados, e outros foram repatriados, antes de serem duplicados, para arquivos de seus países de produção. Mas alguns ficaram no Arquivo, e foram duplicados e preservados pelo Instituto Sueco de Cinema – como o rolo com 19 filmes da Gaumont realizados entre 1899 e 1901, apresentados na Jornada do ano passado. Esse trabalho continua em andamento, na medida em que o acervo em nitrato ainda está em processo de identificação e catalogação. 55 Uma das mais recentes e espetaculares descobertas na coleção de nitratos foi a existência da cópia sueca, quase completa, do filme até então considerado perdido The Dawn of a tomorrow / A Aurora de um amanhã (James Kirkwood, EUA, 1915), estrelado por Mary Pickford. O filme restaurado foi exibido até agora apenas no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha (Itália) e no V Seminário Mulheres e Cinema Silencioso, realizado em Estocolmo em 2008. Entretanto, é habitual que a coleção de filmes estrangeiros em nitrato apareça apenas sob a forma de fragmentos. A mais interessante coleção de fragmentos é constituída por cortes feitos pelas autoridades da censura sueca. Essa coleção foi incorporada, ainda na década de 1940, pelo Arquivo de Filmes Históricos e contém alguns materiais muito raros. Entre os materiais apresentados na Jornada deste ano estão corte de The River / O Rio da vida (Frank Borzage, 1928) e Cagliostro (Richard Oswald, 1928). Nesses dois casos, os filmes sobreviveram, mas os cortes da censura sueca são os únicos materiais em 35mm que existem no mundo. A censura sueca está entre as mais antigas do mundo, e começou a funcionar já em 1911. Uma das principais razões para seu estabelecimento foi Afgrunden / O Abismo (Urban Gad, 1910), estrelado por Asta Nielsen. Quando o filme foi apresentado na Suécia, os censores consideraram excessiva a famosa dança gaúcha de Asta Nielsen, e decidiram cortar a cena antes de autorizar sua exibição nas salas. O corte da censura foi preservado e cedido ao arquivo do Instituto Dinamarquês de Cinema, em Copenhague (a produção, afinal, é dinamarquesa) para a restauração do filme. O Rio da vida A maior parte da coleção em nitrato que ainda está sendo identificada e catalogada, sobretudo os filmes de não-ficção e mesmo os cinejornais, é formada por materiais que mostram personalidades e eventos suecos das primeiras décadas do século passado. Alguns filmes estrangeiros de não-ficção vêm sendo também descobertos à medida que o trabalho continua. Apenas em 2007 foi identificado e preservado um assunto de um cinejornal alemão que apresenta a filmagem de Anna Boleyn / Ana Bolena, de Ernst Lubitsch (1920). A cópia em nitrato e a nova cópia de projeção estão preservadas em Estocolmo, mas um novo contratipo e uma segunda cópia foram repatriados para a Alemanha. Em 2009, dois rolos de documentários de viagem [travelogues] franceses sobre a Ásia oriental foram preservados (Un Voyage aux ruines d’Angkor / Uma viagem às ruínas de Angkor e Au pays des Moïs: explorations et chasse / No país dos Moïs: exploração e caça). A origem desses materiais não foi determinada, mas temos razões para acreditar que pertenciam ao príncipe sueco Wilhelm, ele próprio um famoso cinegrafista de materiais de não-ficção das décadas de 1920 e 30. Na verdade, pensou-se que ele próprio teria dirigido esses filmes, mas um deles foi identificado como uma produção francesa de 1908, e o outro provavelmente também é francês e da mesma época. Sempre que os recursos o permitiram, a Coleção de Filmes de Arquivo teve orçamento para a compra de filmes não suecos conservados em arquivos estrangeiros. Além de clássicos do cinema internacional, o arquivo reuniu algumas ricas coleções especiais como, por exemplo, a de cinema silencioso soviético. No final da década de 1960 e no começo da seguinte, adquirimos cópias do Gosfilmofond (Cinemateca Russa), em Moscou, de filmes de diretores famosos como Eisenstein, Dovjenko, Pudovkin, Vertov, Kulechov, e também de filmes preciosos de diretores menos conhecidos, como Tretia Meschanskaia / Rua Mechanskaia, 3 ou Sofá e cama (1927), de Abram Room. 56 Aquisições recentes de filmes estrangeiros do período silencioso concentraram-se naqueles de específico interesse sueco: filmes rodados na Suécia ou com contribuição sueca significativa na frente ou atrás das câmeras, e em suas melhores versões possíveis. Filmes deste tipo incluem os de Greta Garbo: Die freudlose Gaße / A Rua das lágrimas (G.W. Pabst, Alemanha, 1925) e Flesh and the devil / A Carne e o diabo (Clarence Brown, EUA, 1926), adquiridos respectivamente do Museu de Cinema de Munique e da Warner Brothers, e The Wind / Vento e areia (Victor Sjöström, EUA, 1928), da George Eastman House (o filme tem música sincronizada e efeitos sonoros, como foi lançado); e uma cópia do fragmento existente da única colaboração de Victor Sjöström com Greta Garbo, The Divine woman / A Mulher divina (EUA, 1928), adquirida da Cinemateca Russa em meados da década de 1990 – na verdade, o fragmento foi identificado por pesquisadores suecos de cinema que estavam trabalhando em Moscou. Outra importante descoberta em um arquivo estrangeiro aconteceu no final da década de 1970, quando uma cópia de um filme em três rolos, de 1912, guardada na coleção da Biblioteca do Congresso, em Washington, Estados Unidos, revelou-se como o primeiro filme de Sjöström, Trädgårdsmästaren / O Jardineiro. O filme havia sido proibido pelos censores suecos e nunca foram feitas cópias no país; o filme só foi exibido no exterior, com intertítulos em línguas estrangeiras. Em conclusão, a coleção de filmes silenciosos estrangeiros do Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema é, em parte, o resultado de trabalhos de preservação e restauração executados pelo arquivo e, em parte, resultado de uma ativa política de aquisição, e como tal constitui forma parte integral e importante da evolução e do desenvolvimento das práticas históricas executadas pelo Arquivo. Ela inclui tanto clássicos conhecidos como filmes menos famosos e até mesmo filmes de linha. É com satisfação que apresentamos exemplos dessa coleção na Jornada de São Paulo. Que a seleção lhes agrade! Cagliostro PROGRAMA 1 – Censura na Suécia 57 O Rio da vida The River Estados Unidos, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 24qps cp: Fox Film; d: Frank Borzage; df: Ernest Palmer; e: Charles Farrell, Mary Duncan Origem da cópia: Svenska Filminstitutet O Rio da vida é tido por alguns como um dos filmes silenciosos mais eróticos. Com a liberdade que lhe permitiram o sucesso mundial e o Oscar recebido por 7th Heaven / Sétimo céu, Frank Borzage realizou um filme pleno de sensualidade, sobre um jovem do campo iniciado no amor por uma misteriosa mulher da cidade. O fragmento de O Rio da vida que apresentamos é um corte feito pelos censores suecos e é o único material em 35mm do filme localizado até o presente. Paradoxalmente, a única coisa que sobreviveu é a parte que foi cortada, supostamente para não ser vista (pelo menos pelas plateias suecas). Cagliostro Cagliostro – Liebe und Leben eines großen Abenteurers França/Alemanha, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 18qps cp: Films Albatros; d: Richard Oswald; df: Maurice Desfassiaux e Jules Kruger; e: Hans Stuwe (Cagliostro), Alfred Abel, Renee Heribel (Lorenza) Origem da cópia: Svenska Filminstitute De acordo com este filme, o alquimista e vidente Cagliostro não era um charlatão e um gatuno, mas um homem decente que tenta escapar da sua vida de crimes com a ajuda da virtuosa Lorenza. O fragmento apresentado é um corte da censura sueca e novamente o único material em 35mm que sobreviveu. Na França, o material existente do filme é uma cópia Pathé-Baby em 9,5mm. O nitrato original do fragmento apresentado foi restaurado pela Cinemateca Francesa. O Abismo Afgrunden Dinamarca, 1910, 35mm, preto-e-branco, 37min, 16qps cp: Kosmorama; p: Hjalmar Davidsen; d e r: Urban Gad; df: Alfred Lind; e: Asta Nielsen (Magda Vang), Robert Dinesen (Knud Svane), Poul Reumert (Rudolph Stern), Hans Neergaard, (Peder Svane, pastor, pai de Knud), Hulda Didrichsen (mãe de Knud), Emilie Sannom (Lilly d’Estrelle, cantora do espetáculo de variedades), Oscar Stribolt (garçom), Johannes Fønss, Arne Weel, Torben Meyer. Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Magda, professora de piano, encontra no bonde o jovem engenheiro Knud. Tão logo se acham comprometidos, ele a convida para conhecer seus pais, que moram no campo. Magda conhece então Rudolph, principal atração de um espetáculo de circo; apaixona-se e foge com ele. Algum tempo depois, Knud localiza Magda na cidade, mas ela prefere continuar com Rudolph. Sentindo ciúme com as infidelidades do amante, Magda o provoca num sensual número de dança “gaúcha”. Uma briga provoca a demissão do casal do espetáculo de varidades; Magda passa a tocar piano em cafés para mantê-los. Novamente Knud a descobre e tem com ela um encontro íntimo, que é interrompido pela chegada de Rudolph. No confronto, Magda mata o amante. 58 A importância de Afgrunden reside sobretudo em seu tema, o retrato dos poderosos sentimentos de posse e submissão sexual, e na extraordinária atuação de Asta Nielsen e Poul Reumert, mais do que em sua construção formal. (...) O que importa realmente é a apresentação chocantemente realista do destino. Isso fica mais evidente do que nunca na famosa dança que Nielsen e Reument interpretam e que demonstra sem disfarces o que o restante do filme apenas insinua. Nesta dança, Asta Nielsen amarra Poul Reument com uma corda e, em seguida, dança ao redor dele, esfregando o corpo contra o do parceiro. O caráter erótico desse número fez do filme um grande sucesso e lhe deu a reputação de “quase pornográfico”. Ron Mottram, The Danish cinema before Dreyer: Metuchen, N.J./Londres: Scarecrow Press, 1988. Afgrunden foi um sucesso explosivo, para a divertida surpresa de todos os envolvidos (apenas o diretor de fotografia tinha experiência cinematográfica anterior) e marcou o início da carreira de Asta Nielsen como uma estrela realmente internacional. (...) Nielsen escreve em sua autobiografia que ela e Gad fizeram o filme para chamar a atenção dos empresários teatrais de Copenhague para os talentos que estavam desperdiçando em papéis insignificantes. (...) A exaltada naturalidade da interpretação de Nielsen nesse período era resultado de um estudo cuidadoso. Ela escreve sobre como aprendeu depressa a melhorar sua interpretação observando-se na tela, onde tudo é ampliado. A persona natural que ela projetou ao longo de uma série de personagens foi criada propositadamente para a câmera e para a tela. Janet Bergstrom, Asta Nielsen’s early German Films, in Prima di Caligari. Cinema tedesco 1895-1920 / Before Caligari. German Cinema 1895-1920. Pordenone. Bilioteca dell’Immagine, 1999. O Jardineiro Trädgårdsmästaren Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco, 34min, 18qps cp: AB Svenska Biografteatern; d: Victor Sjöström; r: Mauritz Stiller; df: Julius Jaenzon; e: Victor Sjöström (o jardineiro), Gösta Ekman (o filho do jardineiro), Lili Bech (a moça), John Ekman (o general), Mauritz Stiller (passageiro no barco), Gunnar Bohman, Karin Alexandersson Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Uma garota fica apaixonada pelo filho de seu patrão, um jardineiro dono de uma grande estufa de flores. O jardineiro manda o filho para longe, teoricamente para dar fim a uma relação socialmente indesejável, mas, na verdade, para se aproveitar da moça. Como esta recusa as investidas do jardineiro, ela e seu velho pai são sumariamente demitidos. A jovem conquista a proteção de um velho general rico mas, com a morte dele, é expulsa pela família e cai na vida mundana. Arrependida, volta a sua vila natal, mas as lembranças do passado terminarão por destruí-la. O Jardineiro foi o primeiro filme de Sjöström, e nunca foi exibido nos cinemas suecos porque foi integralmente proibido pela censura. O produtor conseguiu, na época, uma projeção especial para o primeiroministro sueco, mas isso de nada adiantou. Nenhuma cópia foi tirada na Suécia e, por isso, não sobreviveu – ou assim se pensava. Mas, obviamente, o filme fora exportado para alguns países. Estreou em Copenhague e foi mais tarde exportado para os Estados Unidos. Em meados da década de 1970, uma cópia americana com intertítulos em inglês (com o nome Broken spring rose) apareceu na Biblioteca do Congresso. Não é uma obra preservada pela Cinemateca Sueca mas por um outro arquivo, daí sua presença fora da seleção sueca, e sua inclusão nesse programa de filmes censurados. ASTA NIELSEN 11 setembro 1881, Copenhague, Dinamarca - 25 maio 1972, Copenhague, Dinamarca Nascida em uma família de classe operária, fez cerca de oitenta filmes em pouco mais de vinte anos de carreira. Cursou a Escola Real de Teatro, em Copenhague, e trabalhou nos palcos dinamarqueses por uma década. De forte personalidade, ficou grávida aos 20 anos; insistiu em ter a criança, recusando-se a casar com o pai de sua filha, apesar dos preconceitos sociais contra mães solteiras. Em 1910, contra as opiniões de seus parceiros teatrais, estreou no cinema com O Abismo, realizado com Urban Gad, cenógrafo de seu teatro e com quem se casou dois anos depois. O filme fez um sucesso colossal e a lançou como uma das primeiras estrelas cinematográficas verdadeiramente internacionais. Suas aparições pessoais provocavam tumultos na Europa e fora do continente. Logo após, Asta Nielsen e Urban Gad aceitaram um convite para trabalhar no cinema alemão e, entre 1911 e 1915, realizaram mais de trinta filmes para a produtora PAGU – Projektions-AG Union. Ela participava ativamente em diferentes aspectos da realização cinematográfica, como a escolha de elenco e locações, cenografia, figurino e publicidade, e em 1920 criou sua própria companhia produtora, a Maxim-Film. Nielsen era brilhante em papéis trágicos e cômicos; sua sensualidade igualava sua inteligência, seus recursos dramáticos e sua agilidade física. Era extraordinária na interpretação de personagens não convencionais, que desafiam limitações sociais e sexuais. Ela expressava os conflitos íntimos de uma maneira inédita no cinema. Era direta, natural e moderna. Com sua silhueta esbelta, acentuada por trajes sugestivos – de farrapos a vestidos extravagantes –, ela cruzava de forma convincente, de um filme para outro, as fronteiras de sexo e de classe. Um dos filmes mais interessantes de Asta Nielsen foi Hamlet (Sven Gad e Heinz Schall, 1921). Havia precedentes de grandes atrizes teatrais interpretando papéis masculinos – Eleanora Duse, por exemplo, fez isso várias vezes. Mas Asta dá uma sutil reviravolta ao não interpretar um homem, mas sim uma mulher disfarçada de homem, adicionando uma nova camada à complexidade dos sexos. Hamlet baseou-se menos em Shakespeare e mais num livro popular da época, que propalava que Hamlet era, na verdade, uma moça criada como rapaz para garantir um herdeiro ao trono da Dinamarca. Asta Nielsen estrelou A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße ao lado de uma estrela em ascensão cuja fama ultrapassaria a sua, Greta Garbo, que afirmava: “Ela me ensinou tudo que sei”. Com a chegada do cinema sonoro, Asta Nielsen realizou apenas um filme e, em meados da década de 1930, voltou para a Dinamarca, embora o governo nazista quisesse, oferecendo-lhe facilidades de produção, conservá-la como a maior joia de seu 59 A geração de hoje não pode compreender o que sua máscara lívida, de olhos imensos e ardentes, significava para os anos 1910 e 20. Outras usaram aquela franja lisa e reta de cabelos negros; mas ninguém senão ela – talvez também Louise Brooks – parecia inseparável daquela aparência estilizada. Uma época hipercultivada, instável e sofisticada encontrara seu ideal em Asta Nielsen, mulher intelectual, cheia de refinamentos, com rosto de pierrô lunar, pálpebras pesadas, mãos que pareciam conter feridas invisíveis, como as de Eleonora Duse. (...) Mas Asta Nielsen foi mais do que o ideal de uma geração que cultivava o linear e o arabesco. (...) Sua humanidade quente, cheia de fôlego, de presença, refutava o abstrato, bem como o caráter abrupto da arte expressionista. (...) PROGRAMA 2 Filmando Ana Bolena Bakomfilm Anna Boleyn Alemanha, 1920, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 2min, 18qps cp: UFA Universum Film AG; e: Ernst Lubitsch, Emil Jannings, Henny Porten Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Trecho de cinejornal da UFA, filmado por ocasião da visita do presidente da República Alemã Friedrich Ebert aos estúdios da produtora, onde Ernst Lubitsch filma Ana Bolena. Emil Jannings e Henny Porten chegam de automóvel para as filmagens. Nunca se rebaixava à afetação; quando travestida, nunca chocava. Podia representar de calças sem ambiguidade. Pois o erotismo de Asta Nielsen estava longe de todo equívoco; tratava-se sempre, para ela, de uma paixão autêntica. 60 Caricatura da dança gaúcha de O Abismo, feita por Urban Gad, diretor do filme firmamento de estrelas. Voltou a trabalhar em teatro e, em 1946, publicou sua autobiografia, bem humorada e repleta de sabedoria. Escreveu contos, artigos para jornais e revistas, e uma série radiofônica sobre a arte de envelhecer. Desenvolveu também um expressivo trabalho como artista plástica, além de ter dirigido um filme sobre sua própria carreira. Segundo o poeta Guillaume Apollinaire, Asta Nielsen era “o delírio do bêbado e o sonho do homem solitário”. “Baixem as cortinas diante dela”, escreveu certa vez Bela Balazs, depois de ver Asta Nielsen representar a morte de Hamlet, “baixem as cortinas, pois ela é única”. 61 Seu penteado em franja às vezes a levava a representar vamps, mas Nielsen não tinha qualquer frieza calculista. Sentia-se nela aquele fogo devorador que não vai apenas destruir os homens, mas também a ela mesma. (...) A Aurora de um amanhã Não se conseguiu esquematizar Asta Nielsen. E é justamente porque ela soube conservar sua maneira de ser, seu próprio rosto, que nunca foi contratada para filmar em Hollywood, onde não poderiam transformá-la. Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 67min, 17qps cp: Famous Players Film Company; p: Daniel Frohman; d: James Kirkwood; r: Eve Unsell baseado em romance e peça homônima de Frances Hodgson Burnett; e: Mary Pickford (Glad), David Powell (Dandy), Forrest Robinson (sir Oliver Holt), John Findlay (William, criado de sir Oliver), Robert Cain (Oliver, sobrinho de sir Oliver), Margaret Seddon (Polly), Blanche Craig (Bet), Ogden Childe Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Nielsen é tipicamente nórdica, saída das lendas selvagens do Edda, e mesmo tendo filmado muito pouco em seu país natal, a Dinamarca, permanece nos filmes alemães uma figura à parte, não apenas porque os diretores dinamarqueses Urban Gad e Sven Gad (...) dirigiram a maioria de seus filmes: em torno dela persiste aquela aura complexa quando filma com diretores alemães, como Pabst ou Bruno Rahn. Lotte Eisner, A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Asta Nielsen está no elenco do filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße The Dawn of a tomorrow A história se passa na Inglaterra, e Mary Pickford interpreta Glad, “a mais pobre e feliz órfã de Londres”. No decorrer do filme, este anjo inspirado no mundo de Dickens abriga uma mãe e uma criança abandonadas, evita um suicídio, evita violências domésticas e impede que o namorado Dandy sucumba a uma vida de crimes. A beleza dos primeiros planos exibe uma extraordinária precisão expressiva e tornam esse filme de Mary Pickford uma revelação. Essa obra era considerada perdida até que uma cópia nitrato tingida, versão exibida na Suécia, foi identificada na Coleção de Filmes de Arquivo do Svenska Filministitutet, em 2005. A restauração foi completada em 2008. O filme é uma adaptação de um romance e uma peça de Frances Hodgson Burnett, autora dos consagrados Little Princess / (A Princesinha) e Little Lord Fauntleroy / (O Pequeno lorde). PROGRAMA 3 PROGRAMA 4 Uma Visita a Selma Lagerlöf Ett besök hos Selma Lagerlöf Suécia, 1926, 35mm, cor, 6min, 20qps cp: Film AB Le Mat-Metro-Goldwyn; d: Raoul Le Mat Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Documentário com a escritora Selma Lagerlöf, autora de vários livros adaptados pelo cinema sueco e primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel de Literatura, em 1909. O filme mostra a casa em que mora numa vila tranquila. Em seguida, a escritora vai a uma cidade vizinha assistir o filme The Tower of lies / Castelos de ilusões, com Norma Shearer e Lon Chaney, realizado por Victor Sjöström a partir de seu romance Keisarn av Portugallien. O filme não existe mais, mas vemos Selma Lagerlöff examinar algumas imagens do filme, com rolo no colo, perto de uma janela. A Rua das lágrimas Die freudlose Gaße Alemanha, 1925, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 149min, 19qps cp: Sofar-Film-Produktion; p: Michael Salkin e Romain Pinès; d: Georg Wilhelm Pabst; r: Willy Hass baseado no romance homônimo de Hugo Bettauer; df: Guido Seeber, Curt Oertel e Walter Robert Lach; da: Hans Sohnle e Otto Erdmann; mo: Mark Sorkin; e: Asta Nielsen (Maria Lechner), Greta Garbo (Greta Rumfort), Werner Krauss (açougueiro), Einar Hanson (tenente Davy), Jaro Fürth (Hofrat Rumfort), condessa Agnes Esterhazy (Regina), Karl Etlinger (Rosenow), Ilka Grüning (sra. Rosenow), Henry Stuart (Egon Stirner), Robert Garrison (Canez), Valeska Gert (sra. Greifer), condessa Tolstoi (srta. Henriette), Alexander Murski (dr. Leid), Tamara Tolstoi (Lia Leid), Grigori Chmara (garçom), Hertha von Walther (Elza), Max Kohlhase (sr. Lechner), Sylvia Torff (sra. Lechner), Loni Nest (Mariandl), Mario Cusmich (coronel Irving), Edna Markstein (sra. Merkl), Otto Reinwald (marido de Elza), M. Raskatoff (Trebisch), Krafft-Raschig (soldado) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet 62 Na Viena de 1921, parte dos habitantes da rua Melquior padece as horrendas consequências de uma profunda inflação. Existem apenas duas pessoas ricas na rua: o açougueiro e a sra. Greifer, que dirige uma loja de roupas e um clube noturno frequentado pela classe abastada de Viena. Anexo ao clube, há um hotel de alta rotatividade, onde as moças pobres que o frequentam se prostituem para pagar a sra. Greifer e comprar comida para suas famílias. A história segue as desventuras de duas mulheres: Maria, filha de um pai cruel e brutal, que sucumbe às atrações da prostituição; e Greta, oriunda de uma família acostumada a melhores condições de vida, que resiste à tentação do dinheiro fácil. No final do filme, Elza, moça doente e empobrecida, assassina o açougueiro; e os pobres da rua, ao escutar os sons vindos do clube noturno, iniciam uma revolta contra os ricos. Nenhuma cópia da versão original deste filme sobreviveu. Diversas ações da censura destruíram-no sistematicamente na Alemanha, ao mesmo tempo em que as versões estrangeiras também sofreram cortes extensos e foram alteradas. Uma reconstrução inicial do filme foi empreendida por Enno Patalas, do Museu de Cinema de Munique, em 1989, baseada em cópias de três versões estrangeiras distribuídas na Rússia, na Inglaterra e na França. Para o estabelecimento da ordem na versão que apresentamos, uma outra cópia francesa e uma americana também foram consultadas, além de fragmentos da versão alemã recentemente descobertos. A ordem desta versão e os intertítulos são baseados tanto no relatório de censura de 1926 como nas versões estrangeiras. Mas, mesmo esta reconstrução é, no máximo, apenas uma aproximação da versão original, sobretudo porque ainda faltam partes do filme que, de acordo com o roteiro e outros registros, chegaram a existir. A Carne e o diabo Flesh and the devil Estados Unidos, 1926, 35mm, preto e branco, 113min, 20qps cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Clarence Brown; r: Benjamin Glazer baseado no romance Es war, de Hermann Sudermann; df: William Daniels; da: Cedric Gibbons e Fredric Hope; mo: Lloyd Nosler; e: John Gilbert (Leo von Harden), Greta Garbo (Felicitas), Lars Hanson (Ulrich von Eltz), Barbara Kent (Hertha von Eltz), William Orlamond (tio Kutowski), George Fawcett (pastor Voss), Eugenie Besserer (mãe de Leo), Marc McDermott (conde von Rhaden), Marcelle Corday (Minna) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Leo von Harden e Ulrich von Eltz são ligados desde criança por uma profunda amizade. Servem num colégio militar alemão e, em uma licença, Leo fica apaixonado por Felicitas, esposa de um poderoso conde. Num duelo, Leo mata o conde e, antes de partir para a África, pede a Ulrich que cuide de Felicitas. Ulrich, ignorante do amor de Leo por Felicitas, apaixona-se e se casa com ela. Com a volta de Leo, Ulrich divide-se entre a amizade e o amor de Felicitas – que estimula a paixão de Leo. Acusado pelo pastor Voss de manter um caso amoroso com Felicitas, Leo perde o controle de suas emoções, tenta matá-la e duela com o amigo de toda sua vida. O filme marcou um momento decisivo da carreira e da vida pessoal de Greta Garbo. A princípio, ela não queria tomar parte no filme. Ela havia concluído The Tempress / Terra de todos, estava cansada, e seu contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer não lhe permitia fazer a longa viagem à Suécia que desejava. Uma carta dura da MGM a alertou sobre as sérias consequências que provocariam sua recusa em voltar ao trabalho. Na verdade, isso foi o ensaio da batalha que, após A Carne e o diabo, ela travou com os chefes do estúdio e que terminaram por fazer com que fosse uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood na época. A química romântica entre Greta Garbo e John Gilbert foi o sonho de qualquer diretor, porque não era apenas interpretação. Segundo a lenda, Gilbert propôs casamento a Garbo durante a produção; ela aceitou, mas escapou no último minuto. O filme marcou o início de um dos mais famosos romances hollywoodianos de sua idade de ouro. Apesar do romance tórrido, Garbo e Gilbert não se casaram, mas continuaram a fazer filmes juntos até depois da chegada do cinema sonoro (embora a carreira de Gilbert tenha sofrido um sério abalo quando sua voz foi ouvida pela primeira vez). Garbo ficou muito impressionada com o trabalho de direção de Clarence Brown e com a fotografia de William Daniels, e exigiu continuar trabalhando com eles nos filmes seguintes na MGM. Acima de tudo, ela elegeu Daniels como seu fotógrafo ideal. 63 GRETA GARBO 18 setembro 1905, Estocolmo, Suécia - 15 abril 1990, Nova Iorque, Estados Unidos Greta Lovisa Gustafsson era a filha mais nova de uma família de operários suburbanos de Estocolmo. Em 1920 começou a trabalhar como balconista da PUB, uma loja de departamentos. Em pouco tempo estava posando com chapéus para o catálogo da loja e, em seguida, para pequenos filmes de propaganda da empresa. Em 1922 interpretou um pequeno papel na comédia curta Luffar-Petter / [Pedro, o vagabundo] (Erik A. Petschler) e ganhou uma bolsa para estudar na Academia Real de Arte Dramática. Foi na Academia que Mauritz Stiller a descobriu e de onde a tirou para estrelar Gösta Berlings saga / A Saga de Gösta Berling (1924). Em Berlim, sob a direção de G.W. Pabst, Greta coadjuva Asta Nielsen em Die freudlose Gaße / A Rua das lágrimas. O sucesso de público e de crítica das duas fitas solidificam a posição de Greta – já com o nome de Garbo – como uma das primeiras atrizes da Europa. Contratada pelo presidente da MetroGoldwyn-Mayer, Louis B. Mayer, juntamente com Mauritz Stiller, Greta chega a Hollywood, onde estrelará, de 1926 a 1941, 25 longas-metragens, sempre para a MGM, produtora para a qual assegura grandes lucros. Aos 36 anos, considerada um mito da arte cinematográfica, Greta Garbo abandona o cinema. 64 Garbo sofria de depressão crônica e passou muitos anos tentando se livrar disso através da filosofia oriental e de um regime alimentar saudável. Entretanto, nunca parou de fumar nem de beber. Certa ocasião, Garbo declarou a uma revista francesa: “Eu me sinto como uma criminosa que está sendo caçada. Quando os fotógrafos me cercam, eles atraem multidões. Eu fico amedrontada acima de meu controle com tanta gente me olhando. Me sinto quase envergonhada”. O seu rosto tinha a beleza pura da Maria na Pietà de Michelangelo, e contudo brilhante de paixão. O sofrimento de sua alma era tão grande que o público americano perdoaria os muitos casos amorosos de Torrent / Laranjais em flor [Monta Bell, 1926], o primeiro filme de Garbo nos Estados Unidos. Finalmente, o casamento – o obstáculo que se interpunha entre o sexo e o prazer – podia ser esquecido! Finalmente, achara-se a resposta para as jovens atrizes que queriam representar apenas garotas boazinhas. No que diz respeito às estrelas femininas estabelecidas, era apenas uma questão de um ano ou dois antes que o poderoso apoio dos estúdios fosse retirado de todas elas. A coincidência temporal do advento dos filmes falados forneceu uma razão plausível para se dar ao público como desculpa pelo desaparecimento de muitas favoritas. Mas não havia uma atriz em Hollywood que não compreendesse a verdadeira razão: Greta Garbo. Desde o momento em que Torrent entrou em produção, nenhuma atriz contemporânea seria novamente feliz consigo mesma. Todo o estúdio MGM – incluindo Monta Bell, o diretor –, assistiu as tomadas diárias com grande alegria ao perceber o quanto Garbo criava, a partir de um roteiro pobre e antiquado, a sombra complexa e encantadora de uma alma na tela. E era uma sombra tão gigantesca que as pessoas não falavam sobre ela. Nas festas, duas ou três vezes por semana, eu encontrava Norma Shearer e Irving Thalberg, Hunt Stromberg, Paul Bern, Jack Conway e Clarence Brown, todos contratados da MGM. Se, por acaso, um dos homens era tão desumano a ponto de falar de um filme de Garbo, uma das garotas diria “Sim, ela não é divina?”, e mudaria para um assunto que causasse menos desespero. Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000. Clarence Brown (diretor de A Carne e o diabo): “Eu nunca disse: ‘Eu quero ficar sozinha’. Eu disse: ‘Eu quero que me deixem sozinha’. Há um mundo de diferença entre as duas coisas”. No começo da primavera de 1925, Louis B. Mayer a encontrou! Ao ver Greta Garbo no filme Gösta Berling, em Berlim, ele sabia, tanto quanto que estava vivo, que tinha descoberto um símbolo sexual além de sua imaginação – ou de qualquer outra. A Rua das lágrimas A Carne e o diabo foi meu primeiro filme para a MGM, e ele realmente criou Garbo. Ele também alavancou o romance Garbo-Gilbert. Greta Garbo tinha algo que ninguém nunca tinha visto na tela. Ninguém. Eu não sei se ela sabia que tinha isso, mas ela tinha. E eu posso explicar isso em poucas palavras. Eu fazia uma cena com Garbo – muito bem. Eu fazia três ou quatro tomadas. Estava muito bom, mas eu 65 Garbo tinha algo atrás dos olhos que você não podia ver, a não ser que a fotografasse em primeiro plano. Você podia ver o pensamento. Se ela precisava olhar para uma pessoa com ciúme e para outra com amor, ela não precisava mudar de expressão. Você podia ver isso em seus olhos quando ela olhava de uma para outra. E ninguém mais podia fazer isso na tela. Garbo fazia isso sem nenhum domínio do inglês. Para mim, Garbo começa onde todos terminam. Ela era uma pessoa tímida, sua carência de inglês provocava nela um ligeiro complexo de inferioridade. Eu costumava dirigi-la com muita calma. Eu nunca a orientava falando alto, mas sempre num sussurro. Ninguém no set sabia o que eu havia dito a ela, e ela gostava disso. Ela odiava ensaiar. Preferia ficar longe até que todos tivessem ensaiado; então ela entrava e fazia a cena. Kevin Brownlow, The Parade’s gone by... University of California Press, 1997. 66 Às 9 horas, o trabalho podia começar. “Digam à senhorita Garbo que estamos prontos”, dizia o diretor. “Eu estou aqui”, respondia uma voz grave, e ela aparecia, perfeitamente vestida e penteada como a cena pedia. Ninguém poderia dizer por que porta ela havia entrado, mas ela estava lá. E às 18 horas, mesmo que a tomada pudesse ser concluída em cinco minutos, ela apontava para o relógio e ia embora, com um sorriso de desculpas. Ela era muito rigorosa consigo mesma e dificilmente ficava satisfeita com seu trabalho. Ela nunca assistia copiões nem ia aos lançamentos, mas, alguns dias depois, num começo de tarde, entrava sozinha em algum cinema de bairro, sentava num lugar discreto e saía apenas quando a projeção terminava, escondida atrás de seus óculos escuros. Jacques Feyder, que dirigiu Greta Garbo em The Kiss / O Beijo (1929) e na versão alemã de Anna Christie (1931). A versão em inglês foi dirigida por Clarence Brown em 1930 e foi o primeiro filme em que Garbo falou. Os 27 filmes de Greta Garbo Carlos Drummond de Andrade 27, tem certeza? Não importa. Para mim são 24. Lembro-me bem. Conto um por um, de 1926 a 1941, de vida contínua. De minha vida. De The Torrent a Two-faced woman. Entre os dois, um abismo onde aprisionei, para meu gozo, Greta Garbo. Ou ela me aprisionou? Será que não houve nada disso? Alucinação, apenas? O tempo é imperscrutável. São tudo visões. Greta Garbo, somente uma visão, e eu sou outra. Neste sentido nos confundimos, realizamos a unidade da miragem. É assim que ela perdura no passado irretratável e continua no presente, esfinge andrógina que ri e não se deixa decifrar. (...) Dela quiseram fazer uma ninfa obediente, autômato de impulsos programados. Foram vencidos. (...) Que é a realidade do real ou da ficção? Que é personagem de uma história mostrada no escuro, sempre variável, sempre hipótese, na caleidoscópica identidade da intérprete? Como posso acreditar em Greta Garbo nas peles que elegeu sem nunca se oferecer de todo para mim, para ninguém? Enganou-me todo o tempo. Não era mito como eu pedia. Escorregando entre os dedos que tentavam fixá-la, Marguerite Gauthier, Lillie Sterling, Susan Lenox, Rita Cavallini, Arden Stuart, Marie Walewska, água, água, múrmura água deslizante, máscaras tapando a grande máscara para sempre invisível. A vera Greta Garbo não fez os filmes que lhe atribui minha saudade. Tudo se passou em pensamento. Mentem os livros, mentem os arquivos da ex-poderosa Metro Goldwin Mayer. VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA nunca ficava plenamente satisfeito. Quando eu via a mesma cena na tela, entretanto, ela tinha alguma coisa que não tinha no set. 67 Agora estou sozinho com a memória de que um dia, não importa em sonho, imaginei, maquinei, vesti, amei Greta Garbo. E esse dia durou 15 anos. E nada se passou além do sonho diante do qual, em torno ao qual, silencioso, fatalizado, fui apenas voyeur. Greta Garbo é atriz de A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße, A Mulher divina / The Divine woman e A Carne e o diabo / Flesh and the devil A Mulher divina PROGRAMA 5 A Mulher divina The Divine woman Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, 10min, 22qps cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Dorothy Farnum; df: Oliver T. Marsh; mo: Conrad A. Nervig; e: Greta Garbo (Mariana), Lars Hanson (Luciano), Lowell Sherman, Polly Moran, Dorothy Cumming, John Mack Brown, Cesare Gravina Origem da cópia: Svenkska Filminstitutet A jovem inglesa Mariana, abandonada pelos pais pobres, quer ser atriz e se muda para Paris. Apaixona-se por Luciano, desertor do Exército. Para provar seu amor por Mariana, o rapaz rouba um vestido e é preso. A Mulher divina, dirigido por Victor Sjöström, em Hollywood, e coadjuvado pelo também sueco Lars Hanson, é o único filme desaparecido de Greta Garbo. O fragmento existente (10 minutos dos 81 originais), e o que apresentamos nesta Jornada foi identificado na Gosfilmofond / Cinemateca Russa, em 1990. Nele, numa graciosa cena de despedida interpretada por Garbo e Hanson, a atriz aparece relaxada e risonha, desmentindo a lenda de que só riria em Ninotchka (1939), seu penúltimo filme. Vento e areia The Wind Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, sonoro, 72min, 24qps cp: Metro-Goldwyn-Mayer; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Frances Marion, baseado no romance homônimo de Dorothy Scarborough; df: John Arnold; da: Cedric Gibbons e Edward Withers; mo: Conrad A. Nervig; mor: William Axt; e: Lillian Gish (Letty), Lars Hanson (Lige), Montagu Love (Roddy), Dorothy Cumming (Cora), Edward Earle (Beverly), William Orlamond (Sourdough), Carmencita Johnson, Leon Janney e Billy Kent Schaefer (filhos de Cora) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet 68 Letty muda-se para o oeste do Texas para morar no rancho de seu primo Beverly. Em sua viagem, ela fica incomodada com o vento incessante. Roddy nota isso e a amedronta dizendo que habitualmente o vento enlouquece as mulheres. Lige, vizinho de Beverly, apanha Letty na estação de trem. Depois de quilômetros de vento e areia, chegam ao rancho onde Cora, esposa de Beverly, imediatamente manifesta seu ciúme em relação ao marido e aos filhos, que demonstram seu carinho por Letty. Cora afinal pede que Letty deixe o rancho e, sem alternativas, a moça aceita uma proposta de casamento de Lige. Mas Letty sente profundo desprezo pelo marido que, ofendido, jura que nunca a tocará. Um dia, Lige parte para reunir-se a outros vaqueiros. Letty, muito transtornada pelo vento, pede que o marido a leve junto, mas Lige recusa-se. Mesmo assim, ela tenta segui-lo, mas volta para casa, ferida numa tempestade de areia. Roddy chega ao rancho machucado e Letty cuida dele, que tenta se aproveitar dela. Lige chega e, pela primeira vez, ficando contente ao vê-lo, se beijam. Lige parte novamente e, durante uma nova tempestade de areia, Letty enlouquece. Roddy a salva e tenta estuprá-la, mas Letty o mata. Ela tenta enterrar o corpo, mas o vento a impede e ela novamente perde a razão. Lige volta, ela confessa seu crime e ele compreende como o vento a afetou. Quer levá-la para longe do rancho, mas Letty declara que nunca o abandonará. Trabalhar em Vento e areia foi uma das minhas piores experiências em cinema. A areia era atirada sobre mim por oito motores de aeroplanos, e potes de enxofre também foram usados para produzir o efeito de tempestades de areia. Eu ficava queimada e corria o risco de perder os olhos. Meus cabelos eram queimados pelo sol forte e quase arruinados pela fumaça de enxofre e pela areia. Quando vimos o filme na tela, inclusive Irving Talberg, pensamos que era o melhor filme que já havíamos feito. Mas os meses se passavam, e o filme não era lançado. Escutei rumores de que o filme estava sendo remontado. Fui chamada de volta ao estúdio e Irving explicou que oito dos maiores exibidores do país haviam visto Vento e areia e insistiam que o final fosse mudado. Em vez do desaparecimento da heroína na tempestade, ela e o herói deveriam se reconciliar num final feliz. Ficamos com o coração partido, mas fizemos o que eles queriam. Lillian Gish. The Movies, “Mr. Griffith and Me”, de Lillian Gish e Ann Pinchot. Prentice-Hall, Inc., 1969. Louise Brooks sobre Lillian Gish e Greta Garbo Parece fatal lembrar que, depois que Lillian Gish assistiu uma projeção de Gösta Berling, declarou que tinha fé em L. B. Mayer porque ele trouxera Greta Garbo para Hollywood. Ela não poderia adivinhar que esse evento tornaria obsoletos os papéis à la Gish tão rapidamente quanto o estúdio pudesse terminar com seu contrato. Antes do início da produção de Torrent, o estúdio deixou Garbo meio solta, tirando fotografias para publicidade, e ela pode testemunhar Lillian Gish trabalhando em La Bohème [King Vidor, 1926]. Ao assistir a única estrela americana cuja integridade, dedicação e força de vontade elevavam sua interpretação aos padrões de disciplina e excelência que Garbo aprendera na Europa, ela percebeu que a atriz impotente, triturada durante horas de indecisão, imprevisibilidade e falta de resoluções não era necessariamente a lei da produção cinematográfica americana. Em maio de 1926, a revista Photoplay publicou uma frase de Garbo “Serei feliz quando me tornar uma estrela tão grande como Lillian Gish. Então, não precisarei mais de publicidade nem tirar fotografias apertando a mão de boxeadores campeões”. Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000. Vento e areia. Lars Hanson, Lilian Gish e William Orlmond (da esquerda para direita) LARS HANSON 26 julho 1886, Göteborg, Suécia - 8 abril 1965, Estocolmo, Suécia Dotado desde a adolescência de grande talento, Lars Hanson estudou arte dramática em Estocolmo e em Helsinque, na Finlândia, tornando-se um ator shakespeariano de grande popularidade. Estreou no cinema em 1915, pelas mãos de Mauritz Stiller, diretor com quem continuou trabalhando ao longo dos anos. Foi com Stiller que se consagrou em dois filmes notáveis, Erotikon (1920) – estrelado também por Karen Molander, com quem Lars se casaria dois anos depois – e Gösta Berlings saga / A Saga de Gösta Berling (1924), que chamaria a atenção de Hollywood para uma atriz coadjuvante: Greta Garbo. Com o rosto de traços delicados e mãos que pareciam esculpidas em porcelana, Lars encarnava o arquétipo do sueco suave de seu tempo. A pedido da atriz americana Lillian Gish, Hanson foi para Hollywood em 1926, para contracenar com ela no filme The Scarlet letter / A Letra escarlate, sob a direção de Victor Sjöström. A química entre os dois protagonistas transformou o filme em uma das grandes referências de romance no cinema da época. Atuou em diversos filmes americanos como Flesh and the devil / A Carne e o diabo, Captain Salvation / O Jovem redentor (John S. Robertson, 1927), Buttons / Meu comandante (George W. Hill, 1927) e, em 1928, voltou a trabalhar com a amiga Lillian Gish em The Wind / Vento e areia, também sob a direção de Sjöström. A sequência da noite de casamento deste filme demonstra o talento excepcional de seus atores e é considerada por muitos uma das mais belas interpretações do cinema silencioso. Com o advento do cinema falado, Hanson retornou à Suécia. Seu sotaque era carregado demais para o público americano. Participou de diversos espetáculos teatrais em toda a Europa e ganhou uma infinidade de prêmios, entre eles o Eugene O’Neil, até hoje considerado o mais importante prêmio do teatro sueco. Foi casado com Karin Molander até 1965, quando faleceu, aos 78 anos. Permanece como um dos mais influentes atores suecos de todos os tempos. Lars Hanson está no elenco dos filmes A Herança de Ingmar / Ingmarsarvert, A Mulher divina / The Divine woman e A Carne e o diabo/ Flesh and the devil 69 70 71 Vento e areia PROGRAMA 7 Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan Suécia, 1897, 35mm, preto-e-branco, 1min, 18qps d e df: Ernest Florman; e: Chulalongkorn, rei do Sião; Oscar II, rei da Suécia Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Cenas da vida do rei Oscar II En bildserie ur Konung Oscar:s lif Suécia, 1907, 35mm, preto-e-branco e cor, 3min, 16qps cp: Nya London; d e df: Ernest Florman; e: Oscar II, rei da Suécia; Frederico VIII, rei da Dinamarca Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Cortejo de cavalaria; Oscar II despede-se de Frederico VIII num barco; bandeira da Suécia colorida à mão. PROGRAMA 6 72 Viagem às ruínas de Angkor Voyage aux ruines d’Angkor Rua Meschanskaia 13 / Sofá e cama França, 1908 (?), 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps d: Monseigneur le Duc de Montpensier Origem da cópia: Svenska Filminstitutet União Soviética, 1927, 35mm, preto-e-branco, 86min, 20qps cp: Sovkino; d: Abram Room; r: Viktor Shklovsky e Abram Room; df: Gregori Giber; da: Vasili Rakhals e Sergei Yutkevich; e: Lyudmila Semyonova (Liudmila), Nikolai Batalov (Kolia), Vladimir Fogel (Volodia), Leonid Yurenyov (porteiro), Yelena Sokolova (enfermeira) Origem da cópia: Svenska Filminstitutet O filme acompanha um grupo de turistas que chega a Saigon, no Vietnã, e sobe o rio Mekong. Vista das margens e das vilas ribeirinhas. Chegada à capital do Camboja e viagem em carros de boi até o conjunto das ruínas de Angkor. Diversas vistas das ruínas. Tretia Meschanskaia Um casal, Liudmila e Kolia, mora num pequeno apartamento em Moscou. Volodia, um amigo de Kolia, chega à cidade e não consegue encontrar moradia. Kolia convida Volodia para ficar em seu apartamento e dormir no sofá. Quando Kolia viaja a negócios, Liudmila e Volodia apaixonam-se e têm um caso. Furioso a princípio, Kolia acalma-se, muda-se para o sofá e os três passam a morar juntos até o momento que Liudmila revela sua gravidez. Os dois homens tentam decidir o que fazer, mas é Liudmila quem toma suas próprias decisões. Moscou tem carência de moradias,como Londres, Berlim, Paris e qualquer outra cidade, pequena ou grande. Em Moscou, a superpopulação gera certos males sociais, os mesmos males sociais gerados em Londres, Berlim e Paris. A superpopulação constrange o ser humano em sua luta por independência, liberdade e saúde. Abram Room, que é um bom psicólogo, entende o problema e se decide a expô-lo e enfrentá-lo. Ele sabe que ao fazer isso ele tem o apoio do governo soviético. Na Inglaterra, onde existe uma carência de cerca de um milhão de moradias, os diretores de cinema não fazem esse tipo de coisa. Sofá e cama mostra o que acontece quando duas pessoas vivem apertadas em um cômodo, e mostra o que acontece quando as duas aumentam para três. Room expõe seu assunto; nós sabemos o que vai acontecer, e esperamos que aconteça. Mas ficamos profundamente interessados pela maneira que o diretor usa para retratar pictoricamente o estado mental e as reações psicológicas desses três. Tudo se encaminha para uma crise, um rompimento, mas Liudmila toma a decisão, a única possível: rompe com tudo e parte para começar uma nova vida. A mulher é igual ao homem. A mulher precisa ser livre, independente. As velhas tradições morais da superioridade masculina estão erradas. A superpopulação precisa ser abolida, diz Room, em busca de uma nova vida, uma vida livre, baseada na completa igualdade social. A.W., Close Up (Suíça), maio 1929 Na terra dos Moïs: exploração e caça Au pays des Moïs: exploration et chasse França, 190?, 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps Origem da cópia: Svenska Filminstitutet Um grupo de turistas vai de Saigon à terra dos Moïs, inicialmente de automóvel e depois a cavalo. Detalhes da viagem. Ao encontrarem um acampamento da tribo Chô Mas, os exploradores acompanham a caçada de um búfalo. Maneiras dos Chô Mas fazerem fogo. Refeição. Ritos executados pelas sacerdotisas. Pormenores da caçada durante a qual os exploradores matam alguns búfalos. 73 Destaques de Pordenone Quadra de Ases Americanos Aposta (sem blefe) de Pordenone Paolo Cherchi Usai Pesquisador, historiador, presidente da Fundação Haghefilm, membro do conselho diretor das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, Itália Se vocês acompanharam esta seção desde o início – quer dizer, desde a segunda edição da Jornada –, notaram que as Giornate del Cinema Muto di Pordenone (o festival italiano “gêmeo” da Jornada, prestes a completar seus trinta anos) até agora sugeriram a nossos amigos da Cinemateca Brasileira um programa “internacional” de obras-primas, convencido que estamos de que o grande cinema não conhece fronteiras geográficas. Façamos desta vez uma exceção, propondo uma quadra de ases, todos americanos. Uma outra exceção se deve ao fato de que três das quatro joias que verão este ano são comédias. Todas comédias de alta classe. 74 Não tenham medo: o cardápio será adaptado a todos os gostos. Se acreditavam que as grandes divas do cinema silencioso fossem estupendas apenas em assuntos dramáticos, Glória Swanson os fará mudar de ideia com Stage struck / Este mundo é um teatro (Allan Dwan, 1925), uma subversiva homenagem à tradição do teatro ambulante, com sequências coloridas de tirar o fôlego. Se gostam de absurdo e de surreal, When the clouds roll by / O Supersticioso (1919) é feito para vocês. Muito antes que Victor Fleming se tornasse um “clássico” da epopeia sulista com Gone with the wind / E o vento levou... (1939), seus princípios haviam-no visto adotar um tom muito mais despreocupado: mérito naturalmente de Douglas Fairbanks, aqui em grande forma nas vestes de um enamorado supersticioso. Mas o mérito é também de uma desenfreada imaginação visual que encontra seu ápice na sequência dedicada a um estupefaciente balé de hortaliças no estômago do protagonista (não podemos dizer-lhes mais: é ver para crer). Se, em vez disso, estão com disposição para descobertas, prometo que não ficarão frustrados com Griffith. Não, não estou falando de D.W. Griffith, diretor de gênio – mas francamente pouco dotado na arte de fazer rir. Refiro-me a Raymond Griffith, uma das grandes “descobertas” na história de Pordenone, verdadeiramente um precursor da “comédia impassível” (deadpan comedy);. Hands up! / Mãos ao alto! (Clarence Badger, 1926) é uma de suas obras mais inspiradas, uma deliciosa investida no gênero do faroeste, com um toque de ironia no que se refere aos mórmons). Nós de Pordenone não temos dúvida: Raymond Griffith deveria ser colocado ao lado de Chaplin, Keaton e Harold Lloyd. E se, afinal, quiserem tocar com as mãos o nível de perfeição alcançado pelo cinema com apenas vinte anos de seu nascimento, permitam-se uma pausa nas comédias com Regeneration / Regeneração (1915) e observem as coisas que sabia fazer o jovem Raoul Walsh, ex-assistente de Griffith (D.W.). The Birth of a nation / O Nascimento de uma nação havia sido produzido apenas um ano antes, e Walsh já anunciava um tipo cinema que estaria na moda em época muito posterior com a apoteose do film noir. Regeneration não é apenas uma lição de estilo, nem apenas uma incendiária reportagem sobre a criminalidade americana: é também um exemplo brilhante de realismo social (o filme foi rodado sobretudo em locações) e de sobriedade expressiva. Hollywood não inventou nada em seus anos de ouro: tudo já pode ser encontrado em Regeneration e em seu admirável sentido de economia expressiva. Já que falamos de “clássicos”, deixem-me aproveitar a ocasião para explicar um pouco mais detalhadamente a “filosofia” sobre a qual se apoia a seleção anual para a Jornada. Pordenone deu início no ano passado a uma nova seção sob o título “Il canone rivisitato” [O cânone revisitado], dedicado à revisão dos grandes filmes que traçaram o percurso da história do cinema durante seus silenciosos princípios. Mas o que é o “cânone”? É fácil demais responder dizendo que o termo compreende filmes reconhecidos por todos como monumentos indiscutíveis das imagens em movimento. A questão é muito mais complicada, mas é legítimo começar por admitir que um filme “canônico” é antes de tudo um filme que merece ser encontrado muitas vezes, quer dizer, ser visto e revisto sem medo de cansaço. É uma constatação óbvia que, no contexto de um festival de cinema, todavia merece algum aprofundamento. Por que o cânone no cinema silencioso é tratado como tal, e como se tornou um cânone? Quem ratificou sua posição de absoluta proeminência na historiografia do cinema,e com base em quais critérios? Os nossos predecessores fizeram uma escolha justa ou equivocada? Quais circunstâncias culturais orientaram sua seleção das “obras-primas” para o primeiro panteão do cinema? E se acreditamos que nossos antepassados erraram, como demonstrar que a razão está conosco? Em suma, há uma razoável quantidade de motivos para revisitar os cânones do cinema silencioso. O mais importante é que hoje podemos revê-los com mais confiança em nossos recursos, agora que temos à disposição um atlas menos vago de um mundo fascinante e com muitos mapas ainda desconhecidos. A estratégia proposta por Pordenone a nossos companheiros da Jornada é essa mesma: rever com olhos novos aquilo que acreditávamos já conhecer; rever não como um ato de nostalgia no que diz respeito às certezas que perdemos, mas como o início de um diálogo com os espectadores e com a novidade de seu olhar. Temos muito que aprender com vocês. 75 Regeneração Regeneration 76 O Supersticioso When The Clouds Roll By Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 18qps cp: Fox Film Corporation; d: Raoul Walsh; r: Raoul Walsh, baseado na autobiografia My Mamie Rose, de Owen Frawley Kildare; df: Georges Benoît; e: John McCann (Owen Conway aos 10 anos), James A. Marcus (Jim Conway), Maggie Weston (Maggie Conway), H. McCoy (Owen Conway aos 17 anos), Rockliffe Fellowes (Owen Conway aos 25 anos), Anna Q. Nilsson (Marie “Mamie Rose” Deering), William Sheer (Skinny), Carl Harbaugh (promotor Ames) Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center Estados Unidos, 1919, 35mm, preto-e-branco, 86min, 19qps cp: Douglas Fairbanks Pictures; p: Douglas Fairbanks, d: Victor Fleming; r: Thomas J. Geraghty; df: William C. McGann e Harris Thorpe; e: Douglas Fairbanks (Daniel Boone Brown), Kathleen Clifford (Lucette Bancroft), Frank Campeau (Mark Drake), Ralph Lewis (Curtis Brown), Daisy Jefferson (Bobby De Vere), Bull Montana (Pesadelo), Herbert Grimwood (dr. Ulrich Metz), Albert MacQuarrie (Hobson), Victor Fleming, Thomas J. Geraghty, William C. McGann, Harris Thorpe Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center Owen cresce nos cortiços novaiorquinos e se transforma em líder de um bando que passa a maior parte do tempo bebendo, jogando e praticando pequenos furtos. Paralelamente, a jovem Marie Deering abandona a vida da alta sociedade e estabelece uma casa missionária na zona de criminalidade da cidade. Quando encontra Marie, que toma a seu encargo ensiná-lo a ler e escrever, Owen percebe que andara até ali pelo lado errado da vida e dá o primeiro passo no caminho da regeneração. A história se complica, contudo, pelo fato de o pior inimigo de Owen, o promotor Armes, paladino contra o crime na cidade, também estar apaixonado por Marie. O rico e amável Daniel Boone Brown é vítima das experiências psicológicas de Ulrich Metz, um cientista louco que decidiu transformá-lo numa espécie de cão pavloviano. Saúde debilitada, sono inquieto, indisposição nervosa e irritável, atraso no trabalho e superstições que preocupam e atemorizam, tudo faz parte das maquinações de Metz para enlouquecer Daniel. Alimentado pelo mordomo a serviço de Metz, Daniel tem um terrível pesadelo em que os componentes da refeição transformam-se em demônios que o atormentam. O jovem literalmente sobe pelas paredes e enfrenta uma inundação colossal. Os experimentos de Metz levarão Daniel ao suicídio? Aos 28 anos, e após haver realizado uma dezena de curtas-metragens, Raoul Walsh acabara de sair de The Birth of a nation / O Nascimento de uma nação (1915), no qual foi um dos assistentes de D.W. Griffith e interpretou o papel de John Wilkes Booth (o assassino de Abraham Lincoln). Em sua autobiografia, Walsh credita Griffith por havê-lo ensinado tudo sobre a realização cinematográfica de ficção, mas também sobre as técnicas de produção que o auxiliariam a tirar proveito das locações novaiorquinas que utilizou em Regeneração. Esta comédia surreal – primeiro filme dirigido por Victor Fleming – foi a segunda produção de Douglas Fairbanks para a United Artists, criada em 1919 por ele, D.W. Griffith, Charles Chaplin e Mary Pickford – com quem Douglas se casaria no ano seguinte, realizando o ideal de casamento do maior herói do cinema americano com a Namorada da América. (Mary Pickford comparece à IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso com o filme A Aurora de um amanhã, na seção Visita ao Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema). Além de seu enredo violento e do status de primeiro longa-metragem de Raul Walsh, Regeneração deve sua importância a ser igualmente o primeiro longa-metragem que fala do ambiente da marginalidade e dos gangsters, na mesma linha de The Musketeers of Pig Alley (1912), de D.W. Griffith, curta-metragem sobre o ambiente criminal. Baseado na autobiografia de Owen Kildare (afastado da criminalidade e do analfabetismo por uma professora), que se dedicou ao jornalismo, Regeneração não segue o mesmo caminho de seu mestre, que utiliza um estilo entre romantismo e realismo. Walsh prefere a linha do verismo: a grande maioria dos “atores” interpreta seus próprios papéis, o que dá ao filme um ar quase documental muito perturbador. A miséria parece transpirar dos fotogramas que descrevem as ruas, os bares e as moradias, de onde emana uma miséria que é descrita como o berço da criminalidade. Walsh, contrariamente a alguns de seus sucessores, não trabalha sobre o aspecto romântico ou misterioso do personagem e de seu meio, nem procura transformá-lo em ícone ou herói. Owen é um maldoso gentil (ou o inverso), um personagem inteiro que prefigura bastante as grandes figuras picarescas que atravessarão a carreira do grande cineasta americano, fascinantes justamente por seu realismo e sua verossimilhança. A própria professora é uma matriz dos personagens femininos que nos filmes de Walsh têm sempre um lugar importante. A partir de 1920, Fairbanks modificaria radicalmente a orientação de sua carreira, dedicando-se à produção e interpretação de heróis de filmes de aventuras com ambientação histórica, começando por The Mark of Zorro / A Marca do Zorro (Fred Niblo). O que espanta em Regeneração é sua complexidade narrativa, pois, além de ser uma pintura realista dos bairros pobres de Nova Iorque, o enredo é também um pequeno afresco que descreve a trajetória do jovem gangster. O filme – com uma espantosa economia no uso de intertítulos – emprega um número grande de personagens secundários que, embora não sejam atores, têm consistência e se encaixam na narrativa e em seus esquemas dramáticos ou simbólicos. O cinema tinha pouco mais de vinte anos, e é impressionante constatar que Raoul Walsh, digno aluno de D.W. Griffith, utiliza uma linguagem plenamente adulta, sóbria, enérgica e, em alguns momentos, lírica. A câmera (em geral fixa) executa alguns movimentos muito bonitos, sem nenhuma gratuidade. O conjunto é conduzido pelo senso rítmico típico do cinema de Raoul Walsh. Douglas Fairbanks fora levado de Nova Iorque para Hollywood em meados da década de 1910 numa tentativa de fazer com que artistas da Broadway carreassem prestígio para as produções cinematográficas. Mas era um ator de poucos recursos e de sucesso secundário e, durante algum tempo, foi pouco aproveitado. Começou a ganhar crescente prestígio quando a roteirista Anita Loos e seu marido, o diretor John Emerson, iniciaram a realização de comédias modernas em que o herói, descontente com a vida normal, ou com sua relação com a namorada, lançava-se em aventuras acrobáticas. Sobre esse período, escreveu Anita Loos: Em deferência ao ídolo de Doug, Theodore Roosevelt, a ação sempre deveria estar de acordo com “a vida enérgica”, e meus heróis sempre tinham de estar em movimento. Às vezes eu tentava uma cena de amor que necessitava que Doug se acalmasse e fosse sentimental por alguns momentos, mas ele, em geral, interrompia dizendo com uma careta: “Eu não posso interpretar isso, Nita! Eu não sou ator!”. Assim, as minhas mais sedutoras cenas de amor tinham de ser interrompidas com uma ação abrupta e muitas vezes inesperada de Doug saltando para o lustre ou nadando rio acima por uma cachoeira. Doug era tão corajoso que, não importando o risco, nunca permitia que um dublê o substituísse. Numa ocasião apenas ele foi covarde na frente de todos nós. Foi durante uma cena em que meu herói precisava estourar um pneu de automóvel com um alfinete de chapéu. John Emerson rodou a cena diversas vezes, mas Doug estragava o plano no momento de enfiar o alfinete no pneu. Afinal, ele desistiu e confessou: “Eu não consigo fazer isso. Estou com medo”. Todos pensamos que Doug estava brincando, mas ele realmente estava com medo que o pneu estourasse e ele ficasse cego, e John teve de que usar o primeiro e último dublê de que Doug precisou. Anita Loos. A girl like I. Ballantine Books, 1975. 77 Este mundo é um teatro Stage Struck Estados Unidos, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, e cor, 77min cp: Famous Players-Lasky Corporation; d: Allan Dwan; r: Forrest Halsey e Sylvia LaVarre a partir de uma história de Frank R. Adams; df: George Webber; da: Van Nest Polglase e René Hubert; mo: William LeBaron; e: Gloria Swanson (Jennie Hagen), Lawrence Gray (Orme Wilson), Ford Sterling (Waldo Buck), Gertrude Astor (Lillian Lyons), Oliver Sandys (Hilda Wagner), Carrie Scott (sra. Wagner), Emil Hoch (sr. Wagner), Margery Whittington Origem da cópia: National Film and Television Archive / British Film Institute Jenny, garçonete de um modesto restaurante à beira do rio Ohio, sonha em ser atriz e conquistar o coração de Orme, seu companheiro de trabalho, que opera com destreza a chapa de fazer panquecas. Para viabilizar seus sonhos, Jenny faz, em segredo e por correspondência, um curso de interpretação. Orme, por sua vez, é fascinado por atrizes, não importa de que tamanho ou formato, e as paredes de seu quarto são forradas de fotografias delas. Com a chegada do barco que anualmente percorre o rio apresentando espetáculos de variedades, Orme tem a oportunidade de se aproximar de Lillian Lyons, uma atriz em carne e osso. Jenny faz tudo para evitar que Orme sucumba aos encantos da vamp e, com a ajuda do empresário das variedades, finalmente consegue participar de um espetáculo. James Card, durante muito tempo curador de filmes do arquivo da George Eastman House, escreveu sobre Gloria Swanson: 78 Em 1925, apareceu um outro filme da dupla Allan Dwan-Gloria Swanson: Stage Struck. Mais uma vez, Gloria aparecia como operária oprimida. Ela fazia uma garçonete num restaurante barato à margem do rio que sonhava em ser uma grande atriz. O filme começa com um elaborado prólogo em Technicolor em seu sonho de triunfo no palco. Ironicamente, a sequência do sonho é documental e profética da carreira de Gloria Swanson na época: em 1925 ela era uma das mais admiradas e invejadas personalidades glamourosas do cinema, em um tempo que marcou o ápice do estrelato de Hollywood. E tinha voltado da França para Hollywood, recém-tornada marquesa de la Falaise de la Coudraye, para uma das maiores recepções com multidões e cinegrafistas que a cidade tinha visto. A procissão triunfal pela capital do cinema parecia ter sido coproduzida por Cecil B. DeMille e Erich von Stroheim. 79 Meu primeiro encontro com Gloria Swanson foi inteiramente fora de contexto. Ela estava em Rochester divulgando sua linha de vestidos “Forever Young”, e passeando por grandes lojas de departamento. Como eu era conhecido como alguém do cinema, fui convidado pela administração das lojas para cuidar de um almoço em sua homenagem. Gloria começou a fazer filmes em 1915, quando era uma adolescente em Chicago. Quando a conheci, em 1952, Gloria era agradável, calma e uma mulher sexy que aparentava ter de vinte e oito a trinta e três anos. Por anos e anos, ela teve de participar de encontros com senhoras de cabelos brancos que diziam: “Oh, senhorita Swanson, a senhorita era minha estrela favorita quando eu era garotinha”. Eu tinha senso suficiente para não dizer a ela que via seus filmes desde que era pequeno. No almoço, tiraram nossa fotografia juntos. Gloria está colocando um cravo na minha lapela. Ela está com um sorriso e um fogo no olhar que poderia incendiar um arquivo todo com filmes de nitrato. Eu estou ali olhando como um bobo, pronto para ser preparado por um martelo para um bife assado. James Card. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999. Gloria Swanson Golpes de audácia Hands Up! Estados Unidos, 1926, 35mm, preto-e-branco, 63min, 24qps cp: Famous Players-Lasky Corporation; p: Jesse L. Lasky e Adolph Zukor; d: Clarence G. Badger; r: Monte Brice e Lloyd Corrigan a partir de uma história de Reggie Morris; df: H. Kinley Martin; ee: Barney Wolff; e: Raymond Griffith (Jack), Virginia Lee Corbin (Alice Woodstock), Marian Nixon (Mae Woodstock), Mack Swain (Silas Woodstock), Charles K. French (Brigham Young), Noble Johnson (Touro Sentado), Montagu Love (capitão Edward Logan), George A. Billings (Abraham Lincoln) Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center No final da guerra civil americana, o presidente Lincoln recebe a boa notícia de que uma mina de ouro de Nevada fornecerá todos os recursos necessários para o esforço de guerra do Norte. O presidente quer que lhe tragam o ouro imediatamente. Ao mesmo tempo, Jack, um espião do Sul, recebe a missão de interceptar o carregamento de ouro. Em sua missão, ele encontra duas irmãs e se apaixona por elas, enganando oficiais nortistas ao forjar uma falsa identidade. Com o término da guerra, Jack precisa resgatar as irmãs de quem se enamorou, bem como o pai delas, de uma tribo de índios. Mas o dilema permanece: com qual das duas ele se casará, já que as ama com igual paixão? RAYMOND GRIFFITH 23 janeiro 1895, Boston, Estados Unidos / 25 novembro 1957, Los Angeles, Estados Unidos 80 Não é das melhores comédias de Raymond Griffith, considerando que o seu assunto, a guerra civil americana, perde cinquenta por cento da sua graça exibido fora dos Estados Unidos. Comédia sem nexo, mas, contudo, agradará aos admiradores de Raymond Griffith. Tem as suas boas cenas. O princípio é interessante. Idem a cena do duelo. Todas as cenas passadas dentro da mala-postal são engraçadíssimas e bem apanhadas. A cena em que ele ensina charleston aos índios também é muito boa. Aquelas perseguições no final estão muito bem feitas e jogadas. Um pouco longo o filme que, como disse, apesar de não ser dos bons de Raymond Griffith, agradará aos seus fãs com uma meia dúzia de trechos impagáveis. Coadjuvação excelente. Marion Nixon, Virginia Lee Corbin e, principalmente, Mack Swain, vão muito bem. Cinearte n.31, 29 setembro 1926 Raymond Griffith iniciou a carreira cinematográfica em 1915. Durante sua vida, trabalhou como ator, figurante, roteirista, cenógrafo, mímico e produtor. Conhecido mundialmente como “O Comediante do Chapéu de Seda”, foi um dos grandes mestres do humor, da sátira e da paródia. Durante o período na Goldwyn, Griffith criou um estilo único de atuação. Seus personagens não eram explicitamente cômicos e suas caracterizações eram repletas de atrevimento. Tudo temperado com uma incrível criatividade artística, chegando às vezes aos níveis da palhaçada burlesca. Filho de uma família de atores, fez sua estreia nos palcos quando tinha apenas 15 meses de vida. Aos nove anos, tendo já protagonizado diversos espetáculos teatrais, foi acometido por uma difteria pulmonar e teve suas cordas vocais danificadas. Perdeu sua voz quase por completo. Esse estilo de atuação atraiu a atenção dos estúdios da Paramount Pictures e, em 1924, Griffith foi contratado para atuar em Changing husbands / [Troca de maridos] (1924), de Paul Iribe. Na Paramount, também atuou nos filmes Paths to paradise / [Caminhos do paraíso] (1925) e Hands Up! / Golpes de audácia (1926), de Clarence G. Badger. Foi aclamado pela crítica por sua inteligência iconoclástica e apontado por muitos como rival de Charles Chaplin. Impossibilitado de atuar, Raymond entrou para o circo. Trabalhou como dançarino, professor de dança e excursionou pela Europa com uma companhia francesa de mímica. Em 1910, aos 15 anos, foi convocado a prestar serviços para a Marinha dos Estados Unidos. Após o desligamento do serviço militar, trabalhou para os estúdios Vitagraph, L-KO e Triangle. Em 1916 começou uma parceria com o renomado diretor Mack Sennett. Dedicou-se principalmente à produção de filmes, cenografia e elaboração de roteiros. Em 1921 foi convidado para trabalhar com o renomado diretor Marshall Neilan, retomando sua carreira de ator e logo assinando contrato com a Goldwyn Pictures. Griffith continuou atuando até o advento do cinema falado – seu último papel é uma inesquecível aparição como oficial francês no final de All quiet on the Western front / Sem novidades no front (Lewis Milestone, 1930). Aposentou-se de suas funções de ator, mas nunca do mundo do cinema. Trabalhou como produtor e roteirista até o final da vida. Casado com a atriz Bertha Man, Raymond Griffith morreu aos 74 anos, vítima de um engasgamento alimentar seguido por asfixia. 81 Janela para a América Latina Ainda quase úmido dos banhos de revelação do laboratório L’Immagine Ritrovata, (Bolonha, Itália), onde foi restaurado e, há pouco mais de um mês, apresentado no prestigioso festival Il Cinema Ritrovato – organizado pela Cineteca della Comune di Bologna –, temos a enorme satisfação de apresentá-lo antes mesmo de sua reestreia em seu país de origem. Tesouro inca Stefano Lo Russo A restauração dos negativos originais, preservados pela Fundação Cinemateca Boliviana, realizou-se no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha, na Itália, em 2010. Os negativos foram restaurados digitalmente em 2K, duplicados em película e, ao final, tirou-se uma cópia positiva com som combinado. A trilha sonora de Cergio Prudêncio e a edição de Fernando Vargas foram recriadas de acordo com estudos de fontes primárias e secundárias. “É a uma Bolívia de estrutura semi-feudal que chega o cinema. Filho pródigo da sociedade industrial, rejeitado pela classe dominante, foi embalado e colocado para dormir ao som das cantigas de ninar da divisão internacional do trabalho. Essas características socioeconômicas foram determinantes para o destino do cinema boliviano, renegado desde sempre e condenado a um permanente trabalho forçado diante da contínua indiferença do Estado” (Pedro Susz). Pedro Susz, fundador da Cinemateca Boliviana, acredita que para se fazer cinema na Bolívia é preciso ter alma desbravadora. Assim também acreditava José Maria Velasco Maidana, músico profissional e artista multitalentoso, considerado um dos pioneiros do cinema dos anos de 1920, da era de ouro do cinema silencioso boliviano. Longe de poder ser considerada uma indústria estabelecida, o cinema boliviano era (e ainda é) entregue aos cuidados e às iniciativa de visionários como Pedro Sambarino, Arturo Posnanky e José Maria Velasco Maidana. Todos criadores de laboratórios cinematográficos que funcionavam de modo absolutamente artesanal na cidade de La Paz. Em 1925, Velasco Maidana finalizou seu primeiro longa-metragem, La Profecía del lago. O filme foi censurado e destruído pelas autoridades municipais, pois contava a história de amor entre uma dama da aristocracia e seu criado de origem indígena. Entre 1928 e 29, dirigiu Wara Wara, a história de um amor impossível entre uma princesa inca e um nobre conquistador espanhol. O filme mostra a conquista do Império Inca pelo exército de Pizarro e foi uma verdadeira superprodução. Em 1933, durante a Guerra de Chaco, Maidana trabalhava em seu último filme quando resolveu encerrar suas investidas no cinema. Retornou para a atividade que sempre esteve mais próxima do seu coração, a música. Em dezembro de 1938 foi convidado para apresentar em Berlim sua Orquestra Sinfônica, a Ameríndia. Alguns anos depois, fundou a Orquestra Sinfônica Nacional, mas sua inquietação artística, e talvez, sua amargura por ser mais reconhecido no exterior do que em seu próprio país, o fizeram sair da Bolívia. Imigrou para o México e depois para os Estados Unidos, onde conheceu a pintora Dorothy Hood, com quem viveu até o final de sua vida. Em 1989, no ano de sua morte, foi encontrado na casa de sua família em La Paz um baú contendo inúmeros rolos de filmes em nitrato. Não havia traços de cópias positivas, e a maior parte do material era composta por negativos originais de câmera. Um exame preliminar mostrou que a maioria dos rolos era relativa ao filme Wara Wara. Graças ao Instituto Goethe de La Paz, uma parte desse material foi enviada a um laboratório alemão, que se responsabilizou por fazer uma cópia em película com o objetivo de recuperar o que fosse possível. Até 2001, na verdade, a “versão restaurada” de Wara Wara ressentia-se das partes que faltavam no filme, mas os anos seguintes, de pesquisa e investigação, lançaram luzes importantes sobre a fase silenciosa do cinema boliviano. Apenas em 2009, com a intenção de restaurar o filme a partir de seu negativo original, foi possível recuperar os 150 metros de película, correspondentes à parte final da obra. A complexa operação de reconstrução da narrativa foi baseada em fontes primárias – o próprio negativo que foi ordenado não segundo uma narrativa linear, mas em blocos, de acordo com diferente período de colorizações – e em fontes secundárias, como a peça de Diaz Villamil, recortes de jornais de época, documentos de família e entrevistas com atores e colaboradores do filme. Sabemos também que Cesar Carces B. foi o responsável por “sincronizar” as projeções do filme com a execução ao vivo de música étnica. Foi preciso um período de vinte anos para trazer de novo à vida essa obra lendária do cinema boliviano. Ainda estão em andamento pesquisas para a reconstrução das viragens e o acompanhamento musical originais. Mas também essa atividade poderá ser trabalho para pioneiros. Wara Wara Bolívia, 1930, 35mm, preto-e-branco, 69min, 24qps p: Urania Film; d: José Maria Velasco Maidana; r: José Maria Velasco Maidana, Antonio Diaz Villamil a partir da peça La voz de la quena de Antonio Diaz Villamil; df: Mario Camacho, Jose Jimenez e José Maria Velasco Maidana; da: Arturo Borda, Martha de Velasco e Alicia Diaz Villamil; e: Juanita Taillansier, Martha de Velasco, Arturo Borda, Emmo Reyes, Jose Velasco, Guillermo Viscarra, Damaso Delgado, Raul Montalvo, Juan Capriles, Humberto Viscarra Origem da cópia: Cinemateca Boliviana O pacífico reino de Hatun Colla é invadido por um exército de conquistadores espanhóis que destroem povoados e matam o chefe Calicuma e sua esposa Nitaya. No caos reinante, o sumo sacerdote Huillac Huma consegue salvar a princesa Wara Wara e levá-la por passagens secretas até uma caverna nas montanhas. Neste esconderijo, Huillac Huma prepara por cinco anos um exército de nativos com o qual pretende vencer os espanhóis. A princesa Wara Wara é sua única esperança, pois ocupará o trono de Atahuallpa, assim que conquistarem a vitória. Um dia, o capitão Tristán de la Vega, à frente de uma pequena tropa de espanhóis, chega nas proximidades do esconderijo e raptam a princesa. O capitão Tristán quer defendê-la, mas é ferido na batalha que então se inicia. Para compensá-lo de sua nobre ação, Wara Wara leva o capitão à caverna e cuida de seus ferimentos. Apaixonam-se e sonham com uma vida juntos. Mas o sacerdote Huillac Huma e outros indígenas da tribo de Wara Wara preferem antes a princesa morta do que uma aliada dos invasores. O casal é abandonado para que morra de fome, mas eles se salvam e se dispõem a começar uma nova vida. 83 Produções Silenciosas Contemporâneas Preservação e coronelismo, orgia e cachoeira, som direto e silêncio, cinzas e tesouros Estevão Garcia Cineasta, crítico de cinema e pesquisador, graduado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, México. Pesquisador do projeto Trocas Simbólicas e Econômicas no Cinema da América Latina. Organizador e programador do Cineclube Sala Escura – Sessão Latina da Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro. Além de Que cavação é essa?, dirigiu, entre outros filmes, Artesanos (2003) e O Latido do cachorro altera o percurso das nuvens (2005). Luís Alberto Rocha Melo Cineasta e pesquisador, doutorando em Comunicação, Imagem e Informação pela UFF e redator da revista Contracampo (www.contracampo.com.br). Além de Que cavação é essa?, realizou, entre outros trabalhos, os documentários Fernando Py (1994), Fragmentos – Uma narrativa intranquila (1997) e O Galante rei da Boca (com Alessando Gamo, 2004). 84 Tendo sido realizado com os recursos da primeira edição do Programa SAV/Forcine, o curta-metragem Que cavação é essa? nasceu também do curso de História do Cinema Brasileiro (um curso de fato histórico, no duplo sentido do termo) que Hernani Heffner ministrou no Rio de Janeiro durante um ano (2005-2006). Hernani conseguiu a façanha de reunir uma plateia numerosa que comparecia ao Odeon todos os sábados, das nove da manhã ao meio-dia, para ver filmes brasileiros em película e discutir sobre eles. O primeiro módulo do curso, que durou de junho a dezembro de 2005, foi em grande parte dedicado ao cinema silencioso feito no Brasil, com ênfase nos chamados filmes “tirados do natural” (cinejornais, filmes de viagem, de família ou de autoridades). A equipe de Que cavação é essa?, a maior parte dela composta de estudantes de cinema da Universidade Federal Fluminense, assistiu a esses filmes, se integrou e se entregou inteiramente ao projeto de um curta concebido como um programa duplo, que dialoga com o cinema silencioso não a partir da tradição dos filmes “posados” (de ficção) mas da quase desconhecida herança dos filmes “do natural” (documentários). Nos anos 1920, costumava-se relacionar a “cavação” aos “naturais”. Isso foi marcante para a história do cinema brasileiro, pois até hoje pouco se fala das cavações “posadas” – e elas existiram, como ainda existem, em grande número. Os “cavadores” consistiam na verdadeira escória da humanidade para aqueles que defendiam o cinema-espetáculo nos padrões internacionais. Cinema com c maiúsculo só poderia ser o “posado”. Mas para cada filme “posado”, a “canalha tocadora de realejo” produzia cem “naturais” – inadmissível! O tempo e o descaso encarregaramse de reduzir tudo – filmes “posados” ou “naturais” – ao total desaparecimento ou a algumas poucas obras preservadas em cinematecas. Que cavação é essa? fala sobre esse descaso, mas também sobre o comprometimento do cinema com o poder; fala sobre a dupla ação do tempo, ao mesmo tempo destruidora e transformadora; fala ainda sobre as múltiplas tradições do cinema brasileiro, do filme pornográfico ao “povo fala”. Se é verdade que, passado algum tempo, todo filme de ficção acaba se tornando um docu-mentário, o contrário também pode ocorrer. A melhor forma de se relacionar com um filme “do natural” é entendendo o quanto há de “posado” em cada um deles. Desvinculados das regras gramaticais do espetáculo cinematográfico convencional, esses filmes “do natural” revelam uma outra e nada óbvia relação com o real. Aqueles homens e mulheres de luminosidade oscilante, que frequentemente denunciam a câmera com o olhar, são hoje personagens de fantásticas histórias desabrigadas, a serem reconstruídas pela sensibilidade de cada um de nós. Que cavação é essa? Rio de Janeiro, 2008, 35mm, preto-e-branco e cor, 19min cp: Universidade Federal Fluminense; d e r: Estevão Garcia e Luís Rocha Melo; df: William Condé; da: Mariana Kaufman e Paula Gurgel; mo: Gustavo Bragança; e: Cosme Monteiro, Sílvia de Carvalho, José Marinho, Érica Collares, Hernani Heffner, Severino Dadá, Godot Quincas Origem da cópia: Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Concebido como um programa duplo, Que cavação é essa? Apresenta, em sua primeira parte, Um alegre churrasco na estância do Coronel Alexandrão, filme “do natural” silencioso, realizado pela Prosopopeia Actualidades no final dos anos 1910; na segunda parte, o Complemento Nacional n. 9545: “Restaurare”, cinejornal realizado em 1974 que se beneficiou da Lei do Curta para exibição em cinemas. Preservação e coronelismo, orgia e cachoeira, som direto e silêncio, cinzas e tesouros. O tema de Que cavação é essa? é o próprio cinema brasileiro. 85 Mesas A declaração da Federação Internacional de Arquivos de Filmes sobre Acesso Livre e a função dos arquivos Jon Wengström MESAS DE DEBATES curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema Luís Alberto Rocha Melo e Estevão Garcia realizadores de Que cavação é essa? 86 87 Salas de cinema em São Paulo e no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX José Inácio de Melo Souza Foi pesquisador da Cinemateca Brasileira. Autor de vários livros, entre os quais Paulo Emílio no paraíso e Imagens do passado – São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema. Atualmente trabalha com o sistema de exibição dos primórdios, tendo lançado em parceria com a Cinemateca Brasileira e o Arquivo Municipal de São Paulo uma página no site da Cinemateca Brasileira sobre os cinemas da cidade entre 1895 e 1929. Júlio Lucchesi Moraes Mestrando em História Econômica da FFLCH-USP, dedica-se a pesquisas nas áreas de Economia da Cultura e História Econômica da Cultura. Aluno convidado da Goethe Universität Frankfurt am Main, Alemanha, entre 2008 e 2009. Ganhador do prêmio Carlos e Diva Pinho de melhor monografia em Economia da Arte do departamento de Economia da FEA-USP com a pesquisa São Paulo: Capital Artística - a cafeicultura e as artes na Belle Époque. Cine-teatro Paulistano, Rua Vergueiro, anos 1920 88 A Feitiçaria através dos tempos 89 Referências bibliográficas Bergstrom, Janet. “Asta Nielsen’s early German films”. Prima di Caligari. Cinema tedesco 18951920 / Before Caligari. German Cinema 1895-1920. Pordenone: Biblioteca dell’Imagine, 1999. Brooks, Louise. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000. Brownlow, Kevin. The Parade’s gone by... University of California Press, 1997. Card, James. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999. City girls – Frauenbilder im Stummfilm. Catálogo da retrospectiva realizada durante o LVII Internationale Filmfestspiele, Berlim, 2007. Cowie, Peter. Scandinavian Cinema. Londres: Tantivity Press, 1992. Eisner, Lotte. A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 90 Gish, Lillian e Pinchot, Ann. The Movies, Mr. Griffith and Me, de Lillian Gish e Ann Pinchot. Prentice-Hall, Inc., 1969. Loos, Anita. A girl like I. Nova Iorque, Ballantine Books, 1975. Machado, Hilda. “O Segredo do corcunda: a cor em Gilberto Rossi”. Cinemais n.9, jan-fev, 1998. Mottran, Ron. The Danish cinema before Dreyer. Metuchen-Londres: Scarecrow Press, 1988. Nava, Pedro. Baú de ossos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974. Olsen, Jan. Comentário sobre Gunnar Hedes saga. Catálogo da XXVIII edição das Giornate del Cinema Muto, Pordenone, 2009. Agradecimentos Alexandre Pietro, Alice Gonzaga Assaf, Edina Fujii, Ednalva Soares Martins, Estevão Garcia, Francisco Gaytan, Hubert Alquéres, João Marcos, José Carvalho Motta, José Quental, Karin Bizzarro, Lauro Avila, Liegen Clemmyl Rodrigues, Luciana Sima, Luiz Alberto Rocha Melo, Marcelo Fujii, Marisa Tomazela, Mary Keene, Natália de Castro Soares, Oga Mendonça, Paulo Moinhos, Pena Schmidt, Sara Mejia, Sidnei Gonçalves, Ronald Goes, Vera Wey Lars Hanson 91 Créditos CINEMATECA BRASILEIRA IV JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO Ministro de Estado da Cultura Curadoria João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira) Carlos Roberto de Souza Secretário do Audiovisual Curadoria musical Newton Cannito Livio Tragtenberg Sociedade Amigos da Cinemateca SAC Maria Dora Genis Mourão (Presidente) Leopoldo Nosek (Vice-Presidente) Andréa K. Lopes (Coordenadora Administrativa) A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma atividade realizada com a colaboração de toda a equipe da Cinemateca Brasileira e da SAC: 92 Adilson Inácio Mendes, Adinael Alves de Jesus, Adriana Maria da Cruz Lima, Adriana Souza, Adriano Campos Pedreira, Agnaldo Tadeu Dias, Alexandre Dotta Cristófaro, Alexandre G. Araújo, Alexandre Hadade Machado, Alexandro Nascimento Genaro, Alexandre Vasques, Aline Marques dos Santos, Ana Vera do Amaral F. L. Martins, André Custódio Mascarenhas, Andréa Senna, Anna Paula Nunes, Arthur Teixeira Sens, Baltazar Freitas de Andrade, Bruna Apostólico Zavatti, Bruna Venâncio dos Anjos, Bruno Feitosa Santos, Bruno Machado da Silva, Caio Figueiredo, Carlos Cesar L. Gomes, Carlos Eduardo de Freitas, Carlos Wendel de Magalhães, Carina Barros, Carmen Lúcia Quagliato, Cecilia Lara, César Ricardo Palmeira, Cícero Antonio Brasileiro e Silva, Cinara Dias, Claudete dos Santos Ferreira Leite, Claudia Rossi, Claudio Piovesan, Cleusa Souza da Silva, Daniel Kasai, Daniel O. Albano, Daniel Shinzato de Queiroz, Daniel Zuim Salmazo, Danielle Divardin, Danilo Tamashiro, Dario Malta Ciriacco, Debora Ferreira dos Reis, Deigmar Macial Alves, Dimas Kubo, Edgar Bruno da Conceição, Eliana Queiroz, Elisabete da Silva, Elisa Ximenes, Elton Campos, Ernani Max Nula da Silva, Ernani R. O. Cioffi, Ernesto Stock, Fabiana Aparecida Marques Lima, Fabiana Ferreira Lopes, Fabiana Gomes, Fábio Benedicto Zeferino, Fábio Kawano, Fabíola Teixeira do Nascimento, Felipe Diniz, Fernanda Guimarães, Fernanda Valim, Fernando Fortes, Flavia Barretti, Francine Tomo, Francirlei de Maria Nassar Veloso, Maria Fernanda Coelho, Maria Paula Galdino, Francisco Cesar Filho, Frederico Arelaro, Gabriela Sousa de Queiroz, Gilvando de Oliveira dos Santos, Gisa Millan, Giselda Conceição J. de Moura, Gleici M. Maciel Caputo, Gustavo Henrique Neves Leite, Henri Nillesen, Ingrid Rodrigues Gonçalves, Israel Mendes de Lima, Ivan Xavier de Souza, Jair Leal Piantino, Janaina Santina Paulino, Jesus Fernandez, João Marcos de Almeida, João Pedro Moraes, José Francisco de Oliveira Mattos, Josiane da Ponte, Katia Dolin Lopes, Kelly Gois Almeida, Kelly Santos de Lima, Larissa Domingos de Sá, Larissa Rebello, Leandro Finotti Pardi, Leonardo Henrique Monteiro de Gorni Scabello, Luciana Pilon, Luciana Lopes Salviano, Luciano Oliveira, Luisa Malzoni, Luiz Fernandes Carneiro, Luiz Gonzaga Fernandes, Luiz Gustavo Pereira Pinto, Marcos Kurtinaitis, Maria Alves de Lima, Maria Aparecida da Silva Santana, Maria Aparecida dos Santos, Maria Beatriz Ferreira Leite, Maria Fernanda Coelho, Maria Paula Diogo Russo, Marília Almeida Santos de Freitas, Marcelo Comparini, Maria Tereza da Silva Augusto, Marina Couto, Moema Muller, Melani Vargas de Araújo, Millard Schisler, Myrna Malancone, Niels Kloumberg, Olga Futemma, Pamela Ribeiro Cabral, Patrícia Andrade, Patricia de Filippi, Patrícia Mourão, Paula Pripas, Pedro Martins A. Souza, Pedro Sokol, Priscila Cavichioli, Priscila de Almeida Xavier, Rafael Nascimento da Cunha Carvalho, Rayane Jesus da Silva, Regislaine Regina Domingos, Renata Cezar de Oliveira, Renata C. Machado, Ricardo Costantini, Rodrigo Archangelo, Rodrigo Mercês, Rosemary do Nascimento Cioffi, Sandra Santini, Sergio T. Felicori, Sueli P. F. de França, Stela Maris Suzana dos Santos, Sung Sun Fai, Sylvia Carolina C. de Matos, Tathiana Lopes, Tereza Cristina Ribeiro Ruiz, Thais Bayer, Thais Sandri, Thiago de Miranda e Fonseca, Thiago Dellorti, Thiago Ignácio Branchini, Thiago Jordes, Umberto Pinheiro, Virginia das Flores B. Vieira, Vivian de Luccia, Vivian Malusá, Vivianne Arques Gomes, Walter Tiago Domingos, William Vilson de Freitas, Yara Mitsue Iguchi. Produção executiva Pesquisa Rafael Sampaio Maíra Torrecillas Carlos Roberto de Souza João Marcos de Almeida Remier Lion Coordenação de produção Produção Revisão de textos Daniela Lazzari Ana Paula Gomes Produção musical Digitalização de fotogramas / fotografias / textos Lucas Gervilla Coordenação editorial Remier Lion João Marcos de Almeida Fernando Fortes Projeto gráfico Assessoria de imprensa Élcio Miazaki Transcrição, tradução e revisão de intertítulos Carlos Roberto de Souza Cláudio Piovesan Jon Wengström José Francisco de Oliveira Mattos Textos do catálogo Carlos Roberto de Souza Estevão Garcia Hernani Heffner Jon Wengström Lauro Ávila Pereira Livio Tragtenberg Luís Rocha Melo Paolo Cherchi Usai Stefano Lo Russo F&M ProCultura Vinheta Eugênio Puppo (Direção e Montagem) Site Bruno Logatto Daniel Kasai João Marcos de Almeida Impressão do material gráfico Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Iluminação Estúdios Quanta Som R4Som Pro Transporte de cópias FEDEX Legendagem eletrônica 4Estações Traduções Despachante alfandegário Carlos Roberto de Souza Daniela Lazzari João Marcos de Almeida Seguro de filmes KM Comex Allianz 93 Instituições colaboradoras Brasil Inglaterra Cinemateca do Museu de Arte Moderna – RJ BFI British Film Institute Av Infante Dom Henrique 85 20021-140 - Rio de Janeiro – RJ www.mamrio.org.br 21 Stephen Street, Londres WIT I LN, Reino Unido J Paul Getty Conservation Centre Kingshill Way, Berkhamsted, Herts, HP4 3TP, Reino Unido www.bfi.org.uk Cinédia Estúdios Cinematográficos Itália # Rua Santa Cristina, 05 22241-250 - Rio de Janeiro - RJ www.cinedia.com.br Giornate del Cinema Muto de Pordenone Museu da Companhia Paulista de Estrada de Ferro 94 www.cinetecadelfriuli.org Av União Dos Ferroviários, 1760 13201-160 - Jundiaí - SP 11 4522 4727 95 México Estados Unidos MoMA The Museum of Modern Art Film Preservation Center Filmoteca de la UNAM Universidad Nacional Autónoma de México 257 B Sawmill Road (Rte.367) Hamlin, PA 18427 Estados Unidos www.moma.org www.filmoteca.unam.mx Suécia & ' %$ ) ! ! 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