- Cinemateca Brasileira

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- Cinemateca Brasileira
6 a 15 de agosto de 2010
São Paulo
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Filmagem de Terje Vigen
Sumário
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37 Jon Wengström apresenta
Secretaria do Audiovisual
Cinemateca Brasileira
Curadoria
Curadoria musical
O Cinema Silencioso Sueco
43 Conferência de abertura
15 Músicos e artistas convidados
45 Programa 1
Na primavera da vida
Madame de Thèbes
46 Programa 2
Quando o capitão Krogg foi fazer o seu retrato
A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten
Nos grilhões da escuridão
20 Cinédia 80 anos
Ode parnaso-punk aos 80 anos
21 Lábios sem beijos
24 Em busca do Brasil
Trenzinho Caipira
27 Companhia Paulista de Estrada de Ferro
27 Companhia Mogyana
32 O Segredo do corcunda – a cor em Gilberto Rossi
34 O Segredo do corcunda
35 Hilda Machado Pesquisadora do Cinema
Silencioso Brasileiro
47 Programa 3
Terje Vigen
O Mosteiro de Sendomir
48 Programa 4
A Feitiçaria através dos tempos
48 Programa 5
Contra o orgulho
49 Einar Hanson
54 Visita ao Acervo
Filmes de Arquivo do
Instituto Sueco de Cinema
74 Destaques de Pordenone
Quadra de Ases Americanos
Aposta (sem blefe) de Pordenone
57 Programa 1 – Censura
O Rio da vida
Cagliostro
O Abismo
O Jardineiro
59 Asta Nielsen
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61 Programa 2
Filmando Ana Boleyn
A Aurora de um amanhã
82 Janela para a América Latina
Tesouro inca
62 Programa 3
A Rua das lágrimas
63 Programa 4
Uma visita a Selma Lagerlöf
A Carne e o diabo
65 Greta Garbo
50 Programa 6
As garotas de Norrtull
51 Tora Teje
63 Programa 5
A Mulher divina
Vento e areia
69 Lars Hanson
52 Programa 7
A Herança de Ingmar
72 Programa 6
Rua Meschanskaia, 3 / Sofá e cama
53 Exposição
73 Programa 7
A Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan
Cenas da vida do rei Oscar II
Viagem às ruínas de Angkor
Na terra dos Moïs: exploração e caça
Regeneração
O Supersticioso
Este mundo é um teatro
Golpes de audácia
Raymond Griffith
83 Wara wara
84 Produções silenciosas
contemporâneas
Preservação e coronelismo,
orgia e cachoeira,
som direto e silêncio,
cinzas e tesouros
85 Que cavação é essa?
87 Mesas de debates
91 Referências bibliográficas
91 Agradecimentos
92 Créditos
94 Instituições colaboradoras
Abreviações
cp: companhia produtora; d: direção; da: direção de arte; df: direção de fotografia; e: elenco; ee: efeitos
especiais; mo: montagem; mor: música original; p: produção; r: roteiro
Mary Johnson
Secretaria do Audiovisual
Newton Cannito
Secretário do Audiovisual
Ministério da Cultura
A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma oportunidade singular e instigante
para conferir com outros olhos obras audiovisuais diversas, no resgate de filmes
significativos na história do cinema brasileiro e mundial, abrindo espaço para a
inovação e a ousadia de linguagem. Chega à sua quarta edição uma mostra que
se destaca pela proposta estética original e criativa e se consolida na agenda da
cidade de São Paulo.
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Sendo a única mostra de cinema voltada a esse gênero, desprivilegiado nos meios
exibidores, sua inovação não para por aí, pois a dinâmica de obras audiovisuais
com música ao vivo possibilita uma experiência inovadora aos que apreciam a arte
cinematográfica. Releitura é a palavra do momento, e nada é mais contemporâneo
do que estimular diferentes formas de fruição.
É com grande satisfação que a Secretaria do Audiovisual – Sav/MinC apoia a
realização deste evento por meio da Cinemateca Brasileira. Iniciativas como esta,
além de enriquecer a formação cultural brasileira, contribuem para a restauração,
preservação e difusão de acervo raro e de importância inquestionável para a
história do cinema.
Por fim, convidamos a todos a participarem de uma experiência diferente nesta
Jornada que, sem dúvida, trilhará próspero caminho e será capaz de, a um só
tempo, divertir, informar e incentivar a reflexão.
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IV Jornada Brasileira de
Cinema Silencioso
Cinemateca Brasileira
Damos então continuidade à marcha do cinema silencioso.
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Jornadear é um verbo que a cidade de São Paulo conjuga, no mês de agosto, quando
a Cinemateca Brasileira apresenta sua já consolidada Jornada Brasileira de Cinema
Silencioso – evento que ilumina temas, cinematografias e personalidades do cinema
mundial produzido entre finais do século XIX até aproximadamente 1930, quando
o som, sincronizado à imagem e agregado ao suporte fílmico, modificou para sempre
nossa concepção de cinema.
excelência, mas vale destacar o famoso Häxan / A Feitiçaria através dos tempos
(1922), de Benjamin Christensen, numa cópia que o curador do arquivo sueco, Jon
Wengström, considera a mais bela de seu acervo. Agradecemos a colaboração do
Svenskafilminstitutet / Kinemateket e de seu curador, que ainda fez uma seleção de
títulos internacionais conservados naquele arquivo e proferirá a conferência inaugural
da IV Jornada Brasileira de Cinema Silencioso.
É com o sentimento de ver consolidada uma importante ação de difusão cinematográfica
que realizamos esta quarta edição. Um acontecimento que, por três anos consecutivos,
foi merecedor da fidelidade e de uma afluência crescente do público, gera a confiança
de que, para além da qualidade das manifestações culturais e artísticas apresentadas a
cada ano, o assunto “cinema silencioso”, em si, é valoroso e oportuno.
Agradecemos também a colaboração de Paolo Cherchi Usai, do comitê diretor das
Giornate del Cinema Muto, de Pordenone, pela seleção de programas desse evento,
representado nas Jornadas em uma seção permanente – neste ano com ênfase em
produções americanas.
O formato da Jornada permite: retomar esse cinema antigo através de uma
programação cuidadosamente selecionada e com acompanhamento musical ao
vivo, articulando experiências visuais e narrativas do passado com uma atmosfera
sonora contemporânea; conjugar um saudável entretenimento com reflexões acerca
da conservação e restauração de filmes; conhecer a produção brasileira do período
em diálogo com o que se produziu na América Latina e com as cinematografias de
outros países; e promover discussões em mesas temáticas nas quais pesquisadores
apresentam e fortalecem suas abordagens históricas sobre o cinema do período.
Para que um evento ganhe consistência no calendário cultural, talvez a chave necessária
seja a inovação dentro da continuidade. Apostando na equação, a IV Jornada
manteve a organização de seus contornos gerais. A seção brasileira apresentará o
tema Trenzinho Caipira, com filmes documentais e de ficção que tratam da atividade
ferroviária durante a década de 1920. Participam da seção documentários de longametragem restaurados pela Cinemateca Brasileira nos últimos anos, assim como o
longa-metragem de ficção O Segredo do corcunda, de Alberto Traversa (1924),
objeto de um grande estudo da pesquisadora Hilda Machado, a quem a Cinemateca
presta justa homenagem. A alegria de organizar e apresentar esta seção se completa
com o acompanhamento do violinista e diretor do Museu Villa-Lobos, Turíbio Santos,
especialmente convidado.
Fortalecendo o diálogo com as cinematografias do mundo, e trabalhando em conjunto
com o arquivo de filmes sueco, o Svenskafilminstitutet / Kinemateket, a Jornada
apresenta um panorama do cinema do período silencioso da Suécia, e os trabalhos
de restauração de filmes que há décadas vêm sendo desenvolvidos naquele país.
Trata-se de um dos conjuntos mais brilhantes da história do cinema, com diretores
consagrados como Victor Sjöström e Mauritz Stiller, e grandes atores, como Lars
Hanson e Greta Garbo. Difícil apontar uma obra específica em uma mostra de tal
Completando a parte internacional, é com grande satisfação que, em sua seção
Janela para a América Latina, a IV Jornada focaliza o longa-metragem Wara wara,
realizado em 1929 por José Maria Velasco Maidana, único silencioso remanescente
da produção boliviana, recém-restaurado no laboratório L’Immagine Ritrovata, em
Bolonha, na Itália.
Voltando à produção brasileira do período, acreditamos oferecer um excelente
contexto para homenagear os 80 anos da produtora Cinédia, fundada por Adhemar
Gonzaga em 1930. Para tanto, a IV Jornada apresentará Lábios sem beijos,
dirigido por Humberto Mauro, único filme silencioso da produtora. Conhecer ou
reconhecer, lembrar e discutir os sonhos e as ações dos pioneiros do nosso cinema
são disposições que a Jornada coloca para seu público que, cada vez mais, integra
especialistas e não-especialistas, tornando a história do nosso cinema mais próxima
da experiência coletiva.
Mais uma vez, contamos com o talento do músico e compositor Livio Tragtenberg,
responsável pela curadoria musical do acompanhamento ao vivo dos filmes exibidos
na Sala Cinemateca-BNDES. Além desta sala, e das projeções silenciosas na Sala
Cinemateca-Petrobras, e dado o grande sucesso das sessões musicadas na Sala São
Paulo na edição de 2009, a IV Jornada apresenta projeções ao ar livre junto ao
Auditório Ibirapuera. Esperamos, desse modo, levar a experiência a um público cada
vez maior.
É com entusiasmo que a Cinemateca Brasileira percebe ter, nessa abordagem
do passado sem traços do saudosismo que paralisa (ao contrário, uma abordagem
moderna, que aponta para o futuro), tantos parceiros, sem cuja colaboração esta
Jornada não seria possível.
E então... é novamente agosto, vamos jornadear!
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O Mosteiro de Sendomir
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Coisas de amor
Num antigo momento da Cinemateca Brasileira – que este mês (ao menos pela
minha cronologia) completa seus 70 anos –, a sublime Lygia Fagundes Telles declarou
numa reunião de Conselho em que se debatiam diferenças internas (elas nunca estão
superadas!), que tudo era uma questão de amor.
O que Dibbets sugere é que, antes do advento do sonoro, cada espetáculo
cinematográfico era único. O que diz é que, antes, os espectadores compareciam a
um espetáculo multimídia que era prioritariamente desempenhado do lado de cá da
tela. Com o som no filme, entravam no cinema para ver somente o que acontecia
na tela, ou do outro lado da tela, como diziam alguns. A emoção de assistir um
filme transformou-se de happening coletivo numa relação entre o filme e o espectador
individual. A capacidade do exibidor ou da plateia de intervirem no processo de
comunicação reduziu-se ao mínimo.
Realizar a Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma questão de amor, com as
suas complexidades, eventuais desapontamentos e alegres satisfações. Amor para com
os colegas da Cinemateca, que oferecem seu apoio, solidariedade e ajuda “no que
precisar”; amor ao público que anualmente prestigia as sessões da Jornada, sugere,
comenta e pede mais; amor ao cinema, aos filmes e à sua preservação – da qual a
apresentação é parte integrante.
Um dos propósitos fundamentais da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso
é possibilitar a seus espectadores – através de apresentações arquivísticas – a
recuperação do caráter dionisíaco do espetáculo cinematográfico, no que ele tem
de celebração arrebatada e amorosa. Tenho certeza de que alguns espectadores que
seguiram as três primeiras edições da Jornada concordarão comigo que, em algumas
sessões memoráveis, logramos plenamente nosso intento.
No mais importante livro sobre a missão dos arquivos audiovisuais publicado este
século (o livro é de 2008), Film Curatorship – Archives, Museums, and the Digital Marketplace,
Paolo Cherchi Usai, David Francis, Alexander Horwath e Michael Loebenstein
(arquivistas de diferentes gerações) dialogam sobre vários aspectos das atividades dos
arquivos, discutindo e propondo a definição do que seria a maneira mais moderna
de conceituar o conjunto de seu sistema de trabalho. O conceito é o de “curadoria
cinematográfica”, que consiste na arte de interpretar a estética, a história e a tecnologia do
cinema através da coleta seletiva, da preservação e da documentação sobre filmes, e sua exibição em
apresentações arquivísticas.
Nesta nova edição da Jornada insistimos nesse propósito e tivemos a colaboração
calorosa de Jon Wengström, curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto
Sueco de Cinema. Qualquer coisa que se possa dizer sobre amizade seria discreto em
relação a Jon – aliás, ele próprio extremamente discreto em suas manifestações de
amizade. Colaborador permanente da Jornada, desta vez Jon foi o máximo. Durante
meses trocamos mensagens, até estabelecer a seleção final dos filmes que vieram do
arquivo sueco (e várias vezes tive de dizer não à sua proposta de incluir mais um título).
Jon providenciou fotografias para o catálogo, selecionou imagens para a exposição, fez
pessoalmente a tradução para inglês de intertítulos de filmes que existiam apenas em
sueco. E ainda se dispôs a apresentar sessões.
Carlos Roberto de Souza
Curador
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passaram a ser um espetáculo completo, produtos finais padronizados e, como tal,
apareciam do mesmo jeito em qualquer cinema de qualquer parte do mundo.
Por “apresentação arquivística” entenda-se a exibição – nas instalações do próprio
arquivo ou em locais externos, desde que o arquivo tenha pleno controle das condições
técnicas de apresentação – da obra cinematográfica de forma a possibilitar que a
experiência do contato seja organizada de maneira consistente com sua identidade
histórica, de forma a gerar um novo conhecimento. Significa oferecer ao público o
maior número possível de informações sobre a obra e seu contexto histórico, bem
como apresentá-la nas condições mais próximas possíveis das de sua apresentação
pública original (bitola, cor, velocidade de projeção corretas, etc.). Em termos de
curadoria, um “conteúdo”, privado de seu contexto ou fruição, é apenas um item de
consumo, de mercadoria (daí o uso preferencial do termo “obra” ou “artefato” no
mundo arquivístico e museológico).
Karel Dibbets, historiador de cinema holandês, destacou alguns pontos relativos às
mudanças do espetáculo cinematográfico quando do advento do som, a partir de
1926. Até então, os filmes eram apresentados com orquestras, pequenos conjuntos
ou músicos individuais que faziam o acompanhamento ao vivo, eventualmente com
o acréscimo de ruídos e mesmo de falas. Com a transferência desses sons para a
pista inscrita na película – ou em discos, como ocorreu provisoriamente com o uso
do sistema Vitaphone –, o cinema perdeu seu caráter de espetáculo multimídia e
passou a ser um evento de uma mídia única. Os filmes não chegavam mais às salas
como mercadorias semimanufaturadas que necessitavam de complementações e
interpretações locais – do exibidor, dos músicos e da plateia. Com o som, os filmes
Carinhosa para com a Jornada também é a relação de Paolo Cherchi Usai, do comitê
diretivo das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, nossa irmã mais velha. Numa
demonstração de que carinho é uma via de mão-dupla, por proposta de Paolo,
alguns programas de nossa seção “Em busca do Brasil – Amazônia Silenciosa”, da
III Jornada, serão apresentados na vigésima nona edição das Giornate, no próximo
mês de outubro.
Em belíssimas cópias, o amor será apresentado na IV Jornada sob diferentes
manifestações e para quase todos os gostos: o amor tórrido, o fraternal e o maternal,
o diábolico e o idílico. Um dos exemplos extremos dessa presença é Tretia
Meschanskaia / Rua Meschanskaia 3 ou Sofá e cama (Abram Room, 1927),
uma espécie de Dona Flor e seus dois maridos em locação moscovita. Confesso que,
dando asas a uma “interpretação local”, ao assisti-lo pela primeira vez, imediatamente
lembrei-me da marchinha “Ride... palhaço”, de Lamartine Babo, gravada em 1933
pelo autor em dupla com Mário Reis.
Eu sou o seu Pierrô,
Colombina (bis)
Reparte esse amor
Metade pra mim
Metade pro teu Arlequim
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Pondo sons e imagens nos trilhos...
Livio Tragtenberg
Curador musical
A seleção de filmes suecos apresentados este ano na Jornada, por sua densidade e
refinamento, coloca a questão do uso da música no cinema silencioso num patamar de
linguagem mais complexo e sofisticado.
O refinamento dos recursos utilizados nesses filmes, como tratamento de cores,
fotografia, montagem, enquadramentos, soa como música das imagens em movimento.
Me assombraram o ritmo e o envolvimento sensorial que eles propiciam. Apesar da
diversidade estilística – épico-poético, drama, comédia, policial – essa qualidade rítmica
está sempre presente.
A questão colocada pelo compositor de música de cinema David Raksin – “No que,
exatamente, a música contribui para um filme?” – torna-se ainda mais instigante quando
nos deparamos com o cinema silencioso e suas relações com o espectador de hoje. Assim,
no que a música ao vivo pode contribuir para o filme silencioso?
Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek, a “música de cinema possui uma dimensão superior
para causar distúrbios na ordem simbólica do filme”. (Zizek, Slavoj, The Metasteses of
Enjoyment, New York,1994.)
De certa forma, esse é um dos objetivos que perseguimos na Jornada (complementando
a curadoria de Carlos Roberto), no sentido de uma revitalização – mais do que uma
pretensa “atualização” que, de resto, soa ridículo quando se trata de criação artística – do
cinema silencioso, ao buscarmos, ao lado de condições ideais de exibição e sonorização,
uma leitura sonora do cinema silencioso através da escolha de criadores musicais que
possam estabelecer diálogos instigantes com as plateias de hoje.
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Assim, a ideia de que a música ao vivo possa criar reflexos, e reflexões paralelas ao filme,
tem sido um dos vetores na escolha dos músicos participantes. Seja por aproximação ou
por distanciamento (irônico ou conceitual) as musicalizações buscam sobretudo estabelecer
uma conversa criativa, ao invés de uma moldura decorativa, com as narrativas fílmicas.
A Janela para a América Latina apresenta o filme silencioso boliviano Wara Wara, que
já vem sonorizado com a música do importante compositor contemporâneo, também
boliviano, Cergio Prudencio (1955). Ele é criador da Orquestra Experimental de
Instrumentos Nativos, em seu país, nos anos de 1980. Realizou música para mais de
quarenta filmes, tendo recebido vários prêmios. Será, portanto, uma oportunidade única
para se travar contato com sua obra.
Este ano, o Auditório Ibirapuera acolhe uma sessão da Jornada, que tem tudo para ser
especialíssima, iniciando uma parceria que, esperamos, perdure e se integre à própria
Jornada. O filme sueco Häxan / A Feitiçaria através dos tempos (1922) irá encantar
com luzes e visões fantasmagóricas.
Filmes que documentam a ferrovia no Brasil também são destaque na programação,
repercutindo a imagem-fetiche dos Irmãos Lumière nos primórdios do cinema, e que
terão um tratamento sonoro diversificado, seja na sonoplastia ou na colagem musical,
compondo um painel de sonoridades que dialogam com a memória do espectador. Temos
músicos representativos da chamada música popular musicando filmes na homenagem aos
80 anos da Cinédia, ampliando assim a palheta de timbre e estilos musicais.
Mais uma vez, a seleção musical da Jornada apresenta uma ampla diversidade sonora,
não apenas no sentido de estilos e gêneros musicais, mas também nas diferentes formas de
abordagem das imagens.Literalmente, este ano as imagens e sons estão nos trilhos...
Músicos e Artistas Convidados
Ana Fridman
Formada em Música e Dança pela Unicamp, atua como compositora, pianista, arranjadora,
bailarina e professora de Percepção e Harmonia. Em 2002 ganhou a bolsa Virtuose em
Composição para estagiar com o grupo londrino Kinetic Concert. Lançou em 2004,
pelo selo Zabumba Records / Rob Digital, o CD O Tempo, a Distância e a Contradança, com
músicas e arranjos de sua autoria, incluindo trilhas que compôs para teatro e dança. Entre
os lugares que lecionou estão: Instituto de Artes da Califórnia, Unicamp, unidades do Sesc
de São Paulo, Ongs e Companhias Teatrais. Em 2007 foi convidada pela Guildhall School
de Londres para ministrar um workshop sobre ritmos brasileiros.
André Abujamra
Multiinstrumentista, compositor, produtor e ator paulistano. Na década de 1980 montou a
banda Os Mulheres Negras, que o projetou no cenário musical alternativo em São Paulo.
Depois passou pelo Karnak e hoje está em carreira solo. Compõe para cinema e teatro;
entre seus trabalhos recentes estão uma participação na trilha de O Bicho de 7 cabeças
e a trilha toda de Carandiru. Abujamra também atua como produtor musical, e trabalha
junto com artistas como Pato-Fu e Duo Portal. Recentemente lançou seu terceiro CD solo,
intitulado Mafaro, que tem recebido excelentes críticas, e já está com shows marcados por
todo o mundo até 2011.
Basavizi
Grupo formado em 2008 para desenvolver pesquisas sobre a improvisação livre como
forma de processo criativo e de composição, que resultaram também em outra pesquisa
sobre o uso de tecnologia digital e analógica para performances ao vivo. Formado por um
trio paulistano, o grupo desenvolveu diversos arranjos instrumentais. Sempre focado
na interação entre instrumentos tradicionais, ainda que tocados de forma não usual, e
tecnologias high e low-tech.
Daniel Murray
Violonista. Em 1997 conquistou o segundo prêmio no Concours International de Guitarre
de Trédrez-Locquémeau, na Bretanha, França. Há 15 anos trabalha como intérprete,
arranjador e compositor. Em 2007 gravou Suíte Retratos de Radamés Gnatalli com o Trio Opus
12, de violões. Em 2008, lançou seu primeiro CD solo ...universos sonoros para violão e tape..., com
patrocínio da Petrobras. Integrou em 2009 o Quarteto Tau de violões, com Breno Chaves,
José Henrique Rosa Campos e Fabio Bartoloni, e formou com o violonista e compositor
Chico Saraiva o Duo Saraiva-Murray, que acaba de voltar de uma turnê pela Europa.
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Daniel Szafran
Pianista solo. Trabalhou com Laura Finnochiaro, Zé Rodrix, Mauricio Pereira, Edvaldo
Santana, entre outros. Foi durante três anos pianista da banda do Programa Fanzine,
da TV Cultura. Com o parceiro Mauricio Pereira, coproduziu e tocou piano no CD
Mergulhar na Surpresa. Fez trilhas para peças e produziu CDs de outros artistas. Em 1992,
a Rádio Cultura AM de São Paulo fez com ele um programa especial de uma hora. Foi
pianista do Piratininga Bar por 16 anos, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, casa
bastante conhecida dos paulistanos pelos bons pianistas que por lá passaram.
Danilo Moraes
Nascido em São Paulo, cantor, compositor e guitarrista, trabalhou com artistas como
Chico César, Ná Ozzetti, Miriam Maria, Premê, Wandi Doratiotto (seu pai, com quem
produziu o disco Pronto), Mário Manga, Ceumar, Inácio Zatz, Celso Sim, entre outros.
Lançou seu disco solo em 2003 e foi selecionado para o projeto Rumos do Itaú Cultural.
Com a banda Banguela, Danilo apresentou-se durante vários anos nas casas de forró de
São Paulo e, em 2004, lançou o disco Na Pista. Em 2009 iniciou o projeto de seu novo
disco Danilo Moraes e os Criados Mudos, apresentando-se em cidades de todo o Brasil.
Dante Pignatari
Formou-se em piano na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo. Já se apresentou no Brasil, Inglaterra, Espanha e Alemanha, dedicando-se
especialmente à música de câmara. Trabalhou na produção, edição e apresentação de
programas para a Rádio Cultura FM. Coordenou e foi pianista do projeto Poesia paulista
- Doze canções, que resultou no CD do mesmo nome. Foi colaborador da revista Bravo! de
1997 a 2001, e desde 2005 escreve notas de programas para a OSESP. Ministra aulas
de piano e cursos livres de música.
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Dino Vicente
Atua como músico, compositor, arranjador e produtor musical nas áreas de publicidade,
cinema, teatro, instalações e multimídia. Começou sua carreira cedo, tocando piano
na montagem da peça Bonitinha, mas Ordinária, dirigida por Antunes Filho. Já compôs
com Arrigo Barnabé e, recentemente, escreveu a trilha sonora do longa-metragem 400
contra 1, do diretor Caco Souza.
Duo N1
Formado por Alexandre Fenerich e Giuliano Obici em julho de 2007, o duo nasceu
da vontade de criar um ambiente de experimentação sonora a partir da performance
musical e do improviso. Já se apresentou em festivais de arte eletrônica, cinema e música,
bares e galerias de arte. Em 2009 lançou o CD Jardim das Gambiarras Chinesas - Broken
Music Machines, registro das experimentações musicais criadas até então. Desde 2009
explora também performances audiovisuais, criando peças para ver-ouvir – um modo de
atuação que marcou sua participação na Mostra Live Cinema de 2009, com a performance
“Marulho Oceânico”.
Eric Nowinski
Começou sua carreira no teatro em 1980 sob a orientação da atriz Célia Helena. Seus
principais trabalhos são: Às margens da Ipiranga, dirigido por Fauzi Arap; Tartufo, de Molière,
dirigido por José Rubens Siqueira; Os coveiros, de Bosco Brasil, dirigido por Hugo Possolo;
e Barrela, de Plínio Marcos, dirigido por Sérgio Ferrara. Seu trabalho mais recente é a
transposição para o palco do conto O Espelho, de Machado de Assis.
Gustavo Barbosa Lima
Formado em Música (clarinete), fez especialização na França. Frequentou o curso de
Música Eletroacústica do GRM de Paris e lecionou em escolas da região parisiense.
Obteve o 1o Prêmio de Clarinete da Associação Leopold Bellan de Paris e o 1o Prêmio
de Clarinete do VIII Concurso Jovens Instrumentistas Brasil. Compôs trilhas para
espetáculos de dança e filmes; participou das edições de 2007 e 2009 da Jornada Brasileira
de Cinema Silencioso. Foi clarinetista da Orquestra Jazz Sinfônica de 2001 a 2003.
Integrante do Duoportal, lançou em 2000 o CD Música de um povo imaginário. Na área
da música erudita, atua com a pianista Scheilla Glaser. É professor de clarinete e música
de câmara da Escola de Música do Estado de São Paulo desde 2000. Pós-graduado em
Administração de Empresas pela FIA, participa da coordenação pedagógica de vários
projetos artísticos.
Laércio de Freitas
Pianista, maestro, arranjador e compositor. Graduou-se em piano no Conservatório
Carlos Gomes. Fez parte da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e do Sexteto de
Radamés Gnatalli. Em 1973 lançou o LP Laércio de Freitas e o som roceiro. Atuou como
arranjador e regente em companhias de discos. Acompanhou artistas como Ângela
Maria, Maria Bethânia, Maria Valle, Emílio Santiago, Nancy Wilson, Clara Nunes,
The Supremes, entre outros. É arranjador da Banda Sinfônica do Estado de São
Paulo, para a qual também ministra aulas de Prática de Execução Conjunta. Em 2001
assinou os arranjos do tema para piano e orquestra de Amazonas: um poema sinfônico, de
João Donato e Everardo de Castro, apresentado no Teatro Amazonas, em Manaus.
Livio Tragtenberg
Escreve músicas para teatro, vídeo, cinema e instalações sonoras. Compôs obras
instrumentais, sinfônicas, eletroacústicas e operísticas. Em 1987 ganhou o prêmio Vitae
pela ópera Inferno de Wall Street; em 1991 foi contemplado com uma bolsa da Fundação
Guggenheim pela composição da ópera Tatuturema. Gravou os discos Temperamental, Othello
e Anjos Negros, Pasolini Suite e Coleção de Novas Danças Brasileiras. Apresenta-se regularmente
no Brasil e no exterior. É autor dos livros Artigos Musicais, Contraponto e Música de Cena.
Desde 1995 colabora com o coreógrafo Johann Kresnik em produções de teatro-dança
na Alemanha. Criou a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo e a Nervous City
Orchestra em Miami (Estados Unidos). Também criou a Blind Sound Orquestra, com
músicos cegos acompanhando filmes silenciosos.
Marcelo Poletto
Artista plástico por formação acadêmica; educador por opção política; músico por
necessidade. Com a bailaria Morena Nascimento, forma o Duo UNS, que apresenta
suas próprias composições de forma simples e direta.
Marcio Nigro
Músico premiado, jornalista, compositor, engenheiro de áudio e produtor musical. Há
mais de dez anos explora as novas tecnologias da criação musical. Em 2002 lançou o
livro Áudio e Vídeo Digital no Macintosh, em parceria com João Velho. Em 1998 fundou
a produtora Trio Digital, que compõe jingles para TV. Como compositor de cinema,
ganhou o prêmio de melhor trilha sonora por Encarnação do Demônio, no Festival
de Paulínia (2008) e por É proibido fumar (2009), no Festival de Brasília.
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Matheus Leston
Músico, compositor, produtor musical e professor. Formado em contrabaixo e Teoria
Musical no Centro de Estudos Musicais. É tecladista do grupo Patife Band. Em 2009
participou do projeto Ao redor de 4’33’ na Bienal do Mercosul. Lecionou a disciplina Música
Erudita no Século XX no Curso de Arte Contemporânea do Instituto Tomie Ohtake.
Compôs a trilha sonora de diversos curtas-metragens, entre eles Mais uma Noite, de
Pedro Morelli e Luis Eduardo Amaral, e Sombras, de Dalila Martins.
Max de Castro
Nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para São Paulo ainda criança. Estimulado pelo pai
Wilson Simonal, interessou-se por música muito cedo. Influenciado por Djavan, Jorge Ben
Jor e Cassiano, formou em 1992 a banda Confraria, ao lado de Pedro Mariano e Daniel
Carlomagno. No começo de 2000, lançou pela gravadora Trama o seu primeiro disco solo,
Samba Raro. Em 2002 lançou Orquestra Klaxon, com parcerias de Erasmo Carlos, Marcelo
Yuka, Nelson Motta, Fred Zero Quatro e Seu Jorge. Em 2005 lançou seu terceiro disco, Max
de Castro, o mais autoral de todos eles, e nele conta com a participação do percussionista Naná
Vasconcelos e do Trio Mocotó.
Ricardo Carioba
A criação de formas visuais e sonoras que não estavam previstas na programação de máquinas
eletrônicas é a ideia que está por trás da nova série de trabalhos e projetos de Ricardo Carioba.
Por meio de fotografias digitais e analógicas, vídeos e impressões de imagens eletrônicas, o
artista aproveita a inteligência eletrônica para inventar possibilidades de experiência em espaço
digital. Desde as fotografias, com que conferia materialidade a ambientes virtuais (Panorama
da Arte Brasileira, MAM-SP, 1999), até as simulações feitas em computador (Paço das Artes,
2003), persegue não o desvendamento dos mecanismos internos da “caixa preta”, mas a
intervenção nos processos eletrônicos que ali ocorrem, formalizando a poética desse espaço.
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Ricardo Reis
Ao lado de Miriam Biderman coordena a Effects Filmes, especializada na finalização
de longas-metragens e documentários. No cinema destacou-se pelos seus trabalhos de
finalização de som, entre eles, Suprema felicidade, de Arnaldo Jabor; A Encarnação
do demônio, de José Mojica Martins (prêmio de Edição de Som no Festival de Paulínia
em 2008); e Noel, o poeta da vila, de Ricardo Van Steen (prêmio de Edição de Som no
Festival de Miami de 2007). Na televisão, sobressaiu-se por trabalhos nas séries Travessia,
dirigida por João Batista de Andrade, e Carandiru, outras histórias, de Hector
Babenco, Roberto Gervitz e Walter Carvalho.
Ricky Villas
Violonista, baixista e compositor. Paulistano, atua no cenário musical brasileiro desde 1980.
Participou das bandas Bom Quixote, Performática, La Vie en Rose e Banda Zero (que
ganhou um disco de ouro). Tem parcerias com Ronaldo Bastos, Celso Fonseca, Eduardo
Amarante, Fredy Haiat e Guilherme Isnard. Representou o Brasil em diversos festivais
no exterior e participou do Projeto World Party ao lado dos músicos holandeses Tomaz
Geretsem e Georgia Dias. Fomou-se no Audio Engineering Institute (SAE), de Amsterdã.
Ruggero Ruschioni
Graduou-se em Composição e Regência na Faculdade Santa Marcelina; especializou-se
em Multimídia na Media Research Lab New York University e fez mestrado em Cinema,
Rádio e Televisão na Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente é professor
do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e professor-assistente da Faculdade
Cásper Líbero. Tem experiência nas Artes com ênfase em música, e atua principalmente
com temas de computação gráfica, música computacional, realidade virtual, 3D tempo
real, síntese sonora e sincronia.
Simone Sou
“Percuterista”, desenvolve pesquisa baseada em ritmos brasileiros e do mundo, adaptando
técnicas de percussão às de bateria. Gravou com e acompanhou músicos e compositores
como Itamar Assumpção, Mutantes, Chico César, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, Elza
Soares, Jards Macalé, Paulo Miklos, Robertinho Silva, Otto, entre outros. Atualmente
toca com a Orquestra Mundana, liderada por Carlinhos Antunes.
Turíbio Santos
Gravou 65 álbuns para Erato-WEA (Paris), Chant du Monde (Paris), Kuarup, Visom e Ritornelo
(Rio de Janeiro) e editou coleções de partituras pela Max-Eschig (Paris) e Ricordi (São
Paulo). Em 1983 criou a Orquestra de Violões do Rio de Janeiro. Em 1999 regravou a
obra completa de Heitor Villa-Lobos para violão ao lado de compositores como Edino
Krieger, Sérgio Barboza, Nicanor Teixeira, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth,
para uma série de cinco CDs em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do
Brasil. É membro-fundador do Conseil d’Entr’aide Musicale (UNESCO). Em 1985
foi nomeado diretor do Museu Villa-Lobos e Chevalier de la Legion D’Honneur. Seus
últimos lançamentos discográficos foram Turíbio Santos interpreta Agustin Barrios, Violão
Sinfônico e a Introdução ao Choro, todos sob a regência de Silvio Barbato. Foi indicado para
o Grammy Latino em 2008.
Wilson Sukorski
Compositor, músico eletrônico, performer multimídia, criador e produtor de conteúdos
musicais para rádio, vídeo e cinema, designer e construtor de instrumentos musicais
inusitados, e pesquisador em áudio digital. Trabalha em diversas atividades musicais no
Brasil e no exterior: compõe para cinema, vídeos experimentais, instalações de áudio
arte, arte urbana, arte e novas mídias, e se apresenta como performer musical em shows e
performances monoband.
Zé Luiz Rinaldi
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; colaborou
intensamente com os diretores Luiz Antônio Martinez Corrêa, Bia Lessa, Celina Sodré,
Fábio Ferreira, Gilberto Gawronsky, Jefferson Miranda e Ulysses Cruz. Premiado pela
bolsa Vitae de Artes, criou e dirigiu a ópera Deslimites da Palavra (CCBB-RJ, 2000). Seu
trabalho recebeu o prêmio Rumos Musicais Tendências e Vertentes, do Itaú Cultural,
e o prêmio de edição da Cartografia Musical Brasileira, como representante da atual
produção artística nacional.
Zérró dos Santos
Contrabaixista, arranjador, compositor e produtor. Zérró dos Santos tocou ao lado de
músicos como Geraldo Azevedo, Leni Andrade, Família Caymmi, Miúcha, Célia, Nara
Leão, Maurício Aihorn, Alaíde Costa, Alceu Valença, entre outros. Participou da Rio
Jazz Orquestra e também das gravações dos discos de Elza Soares, Martinho da Vila
e Nana Caymmi. É criador e líder do grupo Zérró Santos Big Band Project, formado
por 6 saxofones, 2 trompas, 4 trombones, 1 tuba, 5 trompetes, contrabaixo, guitarra,
acordeom, bateria e percussão.
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Cinédia 80 anos
Ode parnaso-punk aos 80 anos
Hernani Heffner
De forma sintética, pode-se dizer que a Cinédia é uma produtora cinematográfica
brasileira fundada em março de 1930. Está fazendo, portanto, 80 anos. Sendo assim,
seus predicados históricos seriam o pioneirismo industrial, a configuração de um
produto fílmico de sucesso para o mercado, a revelação de talentos técnicos e artísticos, e a criação de alguns filmes marcantes do ponto de vista estético. Suas limitações
diriam respeito à carência de um projeto cultural mais decisivo, à formulação de um
modelo de produção de inspiração estrangeira, ao precário acabamento da maioria
das produções. Em que pese os variados e diferentes contextos por que passou, sua
glória e sua danação estariam ligados à sobrevivência por esses longos, lentos e problemáticos 80 anos de vida do cinema e do país.
Essa persistência incomoda e intriga. O que a teria levado tão longe? O que a
teria sustentado para além de uma época de ouro, encerrada em meados do século
passado? Não existe resposta simples ou fácil a estas indagações. Com maior ou
menor empenho, é possível sustentar em alguma medida as indicações positivas ou
negativas listadas acima. Estaríamos diante de uma iniciativa complexa? Seu criador,
o jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga, não pensava assim. O desafio era grande,
mas óbvio: fazer cinema por prazer, lucro e arte com vistas a modernizar o país
de um ponto de vista moral, social e cultural. Desenvolver as potencialidades para
enriquecer econômica e existencialmente a todos – público, homens de cinema, a
nação. A boa e velha utopia.
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As energias descarregadas nesta solene tarefa viraram uma referência, uma narrativa, uma lenda; talvez um mito? E o que nos contaria este mito? Machado de Assis
afirmava que a missão da literatura brasileira do século XIX era captar e transmitir o sentimento nacional em formação. Ou melhor, era inventar esse sentimento,
abstraído dos rostos, das vozes, das ruas, do destino, de qualquer destino que se
quisesse atribuir ao homem brasileiro. Gonzaga se lançou a proposta semelhante,
sem nenhuma crença ingênua sobre o “poder” do cinema. No momento em que se
mencionasse a “força” das imagens, emergia a deixa para qualificá-la em sentido
preciso. O Brasil e Cinema Brasileiro deveriam aflorar pela palavra jovem, decidido,
renovador, expressivo e criativo.
Este caldo primordial arremessado ao futuro encontra seu núcleo de expansão na
passagem do silencioso ao sonoro, no amor à imagem perante à inevitável ditadura
do som, no sucesso da primeira experiência diretorial, fundada em uma crença de
valores juvenis e na paixão por Griffith, Stroheim, Murnau, Mauro e uns poucos
mais. A Cinédia era o futuro inevitável e necessário, mas seus primeiros tempos, mais
especificamente suas três primeiras produções, tinham que reter e na verdade fundar
esse sentimento de um cinema nacional. A encarnação disso pode ser a liberação
crescente da mulher, o modernismo carioca, a licenciosidade da canção popular ou
qualquer outra manifestação histórica corriqueira. O espírito vagueia pela ousadia
formal, empresarial e cultural de propor um cinema fadado ao malogro. Na contracorrente de uma sobrevivência necessária, arriscar-se no deleite de uma experiência
livre de pressões mais amplas. A expulsão do paraíso viria, mais cedo ou mais tarde,
mas como era conhecida e esperada, não tinha grande importância frente à chama
contrabandeada para os sets de filmagem.
Filmagem de Lábios sem beijos. Adhemar Gonzaga (sentado) e Álvaro Naher (de chapéu)
Lábios sem beijos
Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 53min, 24qps
cp: Cinédia; p e r: Adhemar Gonzaga; d, df e mo: Humberto Mauro; e: Lelita Rosa (Lelita), Paulo Morano (Paulo), Didi
Vianna (Didi), Gina Cavalieri, Tamar Moema (Tamar), Augusta Guimarães, Alfredo Rosário (tio de Lelita), Décio Murilo,
Máximo Serrano, Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro, Leda Lea, Renato Oliveira, Carmem Violeta, Carlos Eugenio,
Luiz Gonzaga Martins, Ivan Villar, Fernando Lima
Origem da cópia: Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Lelita é uma jovem moderna, que encontra Paulo casualmente num táxi. Voltam a se falar durante uma festa. O
desentendimento inicial não impede que os dois passem a se ver, nascendo entre ambos arrebatadora paixão. Certo
dia, Lelita encontra sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa chamava-se Paulo
Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter preparado a intriga e ter colocado Lelita contra ele.
Depois de muita insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu
compromisso com Didi. Superados alguns percalços durante o trajeto de automóvel, Lelita e Didi chegam ao
encontro com Paulo, ocasião em que se desfaz todo o equívoco.
Nas palavras do próprio Gonzaga: “Não se trata de fazer
um filme apenas. Já se fizeram muitos. Trata-se de fazer
uma indústria de filmes. Estabilidade, produzir um após
outro. O cinema é a indústria mais completa do mundo.
Egoísta. Não admite improvisações nem adaptações. O
que falta é maquiagem, dizem uns. Precisa melhorar a
fotografia, dizem outros. Mas a maquiagem depende de
boa iluminação do artista, do cinegrafista, da qualidade
dos refletores e da força elétrica. Esta, por sua vez, de
uma possante e dispendiosa subestação... E que adiantará uma boa iluminação, sem estudos de gama, sem
sensitometria, da parte científica do laboratório, enfim?
E que valerão estes estudos, sem máquinas de revelação
automática e contínua?”
O projeto da Cinédia derivou em grande parte das relações de Gonzaga com um grupo de jovens amantes e
praticantes do cinema. Somente a partir do acúmulo
de crises associadas aos altos investimentos e às baixas
bilheterias iniciais, sem mencionar o anacronismo da
persistência em um modelo “silencioso”, Gonzaga se
afastou dos amigos e desenvolveu uma estratégia de profis-
sionalização crescente do negócio, instaurando relações
de trabalho mais regulares, compatibilizando despesa e
receita e pondo de lado preconceitos contra os demais
produtos fílmicos (cinejornais, curtas documentais e de
ficção, filmes publicitários, institucionais, etc.). Foram
mais de 700 produções de pequena duração e 55 longasmetragens até 1952. A Cinédia chegou a possuir três
palcos de filmagem, laboratório, sala de som, dois almoxarifados para cenários e figurinos, sala de montagem,
camarins e restaurante, entre outros departamentos. Teve
câmeras como a Mitchell e a Super-Parvo, reveladora e
copiadora Debrie, sistema de gravação e mixagem RCA,
grua de madeira e de ferro, refletores Mole-Richardson,
fotômetros Weston, entre outros equipamentos pioneiros
no país. E por lá passaram ou se formaram realizadores,
técnicos, atores e cantores.
O próprio Gonzaga exerceu quase todas as funções
dentro do estúdio, de ator a montador, de cenógrafo
a roteirista, de locutor a diretor, mas foi sobretudo
produtor e administrador. A ação gonzaguiana ainda
não foi estudada e compreendida em sua justa medida.
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Crítica de Pery Ribas sobre Lábios sem beijos. Cinearte, 13 janeiro 1932
Vento e areia
Em Busca do Brasil
Trenzinho Caipira
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Cuidado com o carvão no olho. Não debruçar demais para não estourar a cabeça de
encontro às pilastras das caixas d’água de onde saía aquele enorme tubo de couro por onde
o trem bebia... Os postes elétricos do lado dos trilhos, que suspendiam numa chicotada os
fios que novamente se curvavam para, de repente, subirem de novo. [...] Tinha vontade de
descer e bater também nas rodas de ferro com um poderoso martelo. Ou ser guarda-trem,
para perfurar os bilhetes. Ou maquinista, para apitar sem parar, não parar mais e varar
todos os túneis do mundo.
Pedro Nava, Baú de ossos
O trem, símbolo máximo da Revolução Industrial durante o século XIX, modificou
radicalmente as relações do homem com o mundo à sua volta. As distâncias encolheram
e o próprio tempo precisou ser reformado: as horas foram padronizadas de forma a se
poder estabelecer quadros de horários e os passageiros não perderem seus trens.
No final do século, o trem encontrou-se com uma invenção tecnológica que revolucionaria o entretenimento de massas: o cinema. Não é à toa que, ao lado da saída
dos operários de suas usinas em Lyon, a estaçãozinha de La Ciotat, vizinha à Riviera
Francesa, fosse um dos primeiros lugares escolhidos pelos irmãos Lumière para fixar
sua câmera com a finalidade de registrar a chegada de um trem.
Cinquenta segundos de imagem em movimento que se transformaram numa quase
obsessão dos cinegrafistas das décadas seguintes. Centenas de chegadas de trem
foram filmadas em todo o mundo, muitas delas (a maioria?) com o mesmo enquadramento, ou muito semelhante ao do registro dos Lumière. Quando os filmes ficaram
mais longos e surgiram documentários sobre cidades, era raro que uma das imagens
inseridas não fosse a de um trem chegando a uma estação.
A escolha do tema “trem” para o destaque brasileiro desta Jornada tem duplo significado. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para exibir as restaurações recentes
feitas pela Cinemateca Brasileira de dois fantásticos documentários sobre companhias de estradas de ferro da década de 1920, e também de propiciar um contato
com a versão mais completa (em termos de metragem e de cor) até hoje possível
de O Segredo do corcunda, filme em que o transporte ferroviário tem grande
importância, por ser ele que faz a ligação entre campo e cidade, cenário em que
se desenvolvem os conflitos dessa história.
O outro significado da escolha é um desafio aos espectadores da Jornada:
em quantos outros dos filmes exibidos o trem desempenha um papel simbólico importante?
Um exame superficial dos programas nos permite colher alguns exemplos. É de
trem que Letty Mason (Lillian Gish) penetra nos domínios em que Vento e areia
modificarão para sempre seu destino. Algumas cenas-chave de A Carne e o diabo
transcorrem numa estação ferroviária e é de trem que von Harden (John Gilbert)
volta para os fatídicos braços de Felicitas (Greta Garbo). Igualmente de trem que
Volódia (Vladimir Fogel) chega a Moscou, distraído ainda do que o espera na cidade
grande. Nos filmes suecos, a presença das linhas férreas é mais escassa, sobretudo
porque o barco e o trenó eram meios de locomoção mais adequados num país em
que água e neve abundam. Mesmo assim, é numa viagem de trem que Gunnar
Hede (Einar Hanson) combina a aventura que o enlouquecerá em Contra o
orgulho. Mas trens estão presentes em outros filmes. Em quantos? Descubram!
Em 1926, durante sua campanha à presidência do Brasil, Washington Luiz
propalou que “governar é abrir estradas”. Com isso, atrelava o país à “modernização” das regras do capitalismo ocidental que apostava na indústria
automobilística e na exploração extensiva dos recursos petrolíferos do planeta.
Sabemos ao que isso nos levou.
As consequências artísticas da opção foram menores: a poesia dos trens de ferro,
ou de aço, continuou e continua frequentando filmes feitos em todo o mundo.
No fundo, no fundo, o ser humano resiste como um ser poético. (CRS)
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Companhia Paulista de Estrada de Ferro
Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 62min, 18qps
cp: Rossi-Film
Origem da cópia: Cinemateca Brasileira
Documentário dividido em três partes. Na primeira, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro instala, em espaços da
Companhia Docas de Santos, uma oficina para montar 750 vagões com estruturas recebidas dos Estados Unidos. O
trabalho, de abril a dezembro de 1929, é realizado em Santos para evitar o transporte de cerca de 20 mil toneladas de peças,
o que implicaria num custo superior a 800 contos de réis. Diversas fases da montagem dos vagões: os depósitos, os guindastes
auxiliares, as diferentes seções de trabalho. O refeitório dos operários e encarregados, montado num vagão. O dr. Martins
Fontes, diretor do serviço médico que atendeu 180 operários, posa ao lado do pessoal no encerramento da empreitada.
Na segunda parte, o documentário mostra a cidade de Rio Claro e as oficinas da CPEF: ferraria, serraria, marcenaria,
pintura e transporte dos vagões. Na terceira parte, a via férrea dupla entre Jundiaí e Campinas e as oficinas de reparo de
locomotivas elétricas e a vapor na primeira cidade. Seções de trabalho, transporte das locomotivas e saída dos operários.
Companhia Mogyana
Brasil, década de 1920, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 18qps
cp: Guarany Filme
Origem da cópia: Cinemateca Brasileira
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A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro foi eterna rival da Companhia Paulista. Ambas foram criadas por grupos de
fazendeiros do interior do estado de São Paulo, e a fundação Mogyana se constitui em 1872, exatamente no ano em que
a CPEF inaugura o trecho ligando Campinas a Jundiaí. O primeiro trecho da Mogyana foi inaugurado em 1875, e ligava
Campinas à Jaguariúna e, no mesmo ano, a linha chegava à Mogi Mirim. O último trecho construído pela Mogyana foi
inaugurado em 1921, quando seus trilhos chegaram a Passos, em Minas Gerais.
O filme documenta diversas atividades da companhia e suas oficinas de montagem e construção de locomotivas a vapor
e vagões de carga e de passageiros.
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Em Busca do Brasil
O Segredo do corcunda
– a cor em Gilberto Rossi
Hilda Machado
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A localização de cópia em nitrato, virada, daquele que parece ser o único dos filmes
do italiano Alberto Traversa que resistiu ao tempo e ainda pode ser visto – O Segredo
do corcunda –, lança luz sobre o uso da cor por um dos melhores fotógrafos do
cinema silencioso brasileiro. A cópia permite uma aproximação maior à obra de
Gilberto Rossi, um italiano que ensinou os paulistas a fazer cinema, já que a cor era
uma das razões para o velho Rossi ser, nos anos 1920, considerado o melhor fotógrafo
paulista. Mesmo o impiedoso realizador José Medina, ferino crítico do cinema brasileiro, reconhecia a excelência da escolha dos “positivos em cores fracas, salmon,
amarelo, azul, etc., com as quais Rossi conseguia efeitos muito delicados. Gostava de
virar o positivo em sépia, bem fraquinho; Rossi era um artista” 1. A cópia descoberta
permitirá que o público apreenda melhor o que era o cinema no período silencioso.
Os filmes do chamado cinema mudo não são assistidos hoje como em sua época. O
próprio ritmo acelerado que marca esse cinema para o grande público não passa
de uma alteração moderna da velocidade de projeção, causada por equipamento
inadequado. Falta a música performática que o acompanhava. E, principalmente, as
cópias pálidas e incompletas apenas lembram a fotografia original, pois a cor sumiu.
O Segredo do corcunda é todo ele virado em diferentes densidades. As sequências alternam caprichosas viragens – como a combinação apontada por Francisco
Moreira como “de viragem azul e sepiada sobre uma base laranja da Pathé” 2 – com
sequências tintadas sem nuance – como aquelas em verde que sublinham as propostas
documentais da fazenda. A concepção da viragem, o uso da cor no cinema silencioso,
se apoiava num código compartilhado por realizadores e público, em que cada cor era
investida de um significado simbólico, onde o vermelho, por exemplo, é o emblema
recorrente, a cor convencional, de paixão ou violência. O processo obrigava à classificação das sequências (...), à escolha das partes que, de acordo com o sentido a elas
atribuído, deveriam receber uma determinada cor (...), sendo as sequências agrupadas
para receberem sua cor. Um dentre os letreiros de O Segredo do corcunda – todos
sem viragem –, ao introduzir um flashback, desvenda o significado desse uso da cor,
característico do período: “A vida de cada um é um livro de páginas de muitas cores ...
claras, escuras, róseas e negras...”
A fotografia com viragem de Gilberto Rossi pode explicar o sucesso do filme. Um êxito
comercial segundo os padrões e a linguagem da época, O Segredo do corcunda foi
lançado em São Paulo, capital, exibido em vários cinemas de bairro e distribuído no
interior do estado e na praça de Minas Gerais. No Rio, o crítico Pedro Lima fez uma
crítica favorável e o filme foi ainda exibido em Portugal – no Porto e em Lisboa –, o
que levou João Cypriano a afirmar a Maria Rita Galvão, no seu indispensável Crônica
do cinema paulistano, que O Segredo do corcunda “foi o primeiro filme brasileiro
exibido no estrangeiro”. (...)
1 Maria Rita Galvão, Crônica do cinema paulistano. São Paulo, Ática, 1978, p.221.
2 Francisco Moreira. Conversa com a autora. Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1997.
O Segredo do corcunda falseia cinematograficamente o interior de S. Paulo3:
filma-se gado (emprestado do matadouro de Vila Mariana, que hoje pertence à
Cinemateca Brasileira) pastando no relevo plano daquele bairro da zona sul de São
Paulo. Paralelamente produz-se um figurino adequado com poucos recursos: lenço no
pescoço, por exemplo. Há também habilidade na administração de dificuldades de
superprodução (trens chegam em estações cheias, charretes cruzam as ruas da cidade) e
as locações são escolhidas com sensibilidade. (...)
A fotografia de Gilberto Rossi, que descreve a paisagem rural na tradição pictórica
da paisagística acadêmica, entusiasmou o crítico Benedito Duarte, e desequilibra
O Segredo do corcunda. Esse desnível entre a qualidade do aspecto documental
da obra frente às pretensões ficcionais do filme é típico do cinema silencioso médio
brasileiro. O documentário dentro de O Segredo do corcunda (– as externas) –
explode o espaço teatral que confina os interiores aos planos médios e abre espaço
para a excelente fotografia de Gilberto Rossi, fotógrafo da estatura de Edgar Brasil e
Humberto Mauro, com quem uma comparação se faz inevitável. É a mesma descrição
da paisagem rural, característica do mestre em sua primeira fase, em Cataguases.
Os planos gerais entusiasmaram Benedito Duarte, para quem eles legitimam o filme:
“Essa legitimidade se deve, em grande parte, à excelente fotografia de Gilberto Rossi,
a atingir nessa fita alturas que não seriam ultrapassadas, certamente, depois, na idade
de ouro do cinema mudo brasileiro. Há quadros de uma beleza plástica tão pura, tão
despida de virtuosismo, mas tão integrada na narrativa, tão funcional, como se diria
hoje, que nos faz lembrar a obra ingênua de certos pintores primitivos” 4. (...)
Alberto Traversa parece ser diluído pela historiografia brasileira (a italiana, com seu
rico cinema silencioso, ainda não se ocupou dele) no perfil mais geral do rude cavador,
mais um dos italianos que apenas sabendo manipular uma câmera, aqui vieram fazer
a América. Traversa participou do grande auge do cinema italiano: em 1914 havia
80 produtoras na Itália, algumas com renome mundial: o país exportava cinema.
Segundo fontes argentinas, Traversa dirigiu para as produtoras Savoia, Ambrosio,
Latina Arts, Musical Film e Jupiter Film. (...)
A ida de Traversa para a Argentina faz parte do fenômeno da imigração italiana para
aquele país. No final da década de 1910, fugindo talvez da guerra ou seguindo o fluxo
imigratório, o aventureiro Traversa vai para a Argentina, esperançoso com o pulso
daquela cinematografia: entre 1915 e 1921 foram produzidos mais de 100 filmes.
Alberto Traversa chega à Argentina exatamente em 1915. Já no ano seguinte, ele
dirige um longa, Bajo el sol de la pampa. Depois ele dirigiu dois filmes produzidos
por Mario Gallo: En buena ley (1919) e En un dia de gloria (1918), este último
possivelmente um projeto paralisado.
Ainda em 1918 ele rodou Los Inconscientes, um longa na linha da Ambrosio, que
foi apresentado como um filme científico sobre “a fatalidade da lei atávica”, a hereditariedade do alcoolismo. (...). Miguel Couselo5 afirma ter Alberto Traversa permanecido
no país apenas até 1920. Possivelmente, a crise que termina com o silencioso argentino
o expulsa para o Brasil. (...)
3 Trata-se aqui de um equívoco da Autora: a cena se passa diegeticamente nos pampas
gaúchos (N.E.).
4 Benedito Duarte. “Alberto Traversa e O Segredo do corcunda”. Catálogo da Retrospectiva do Cinema Brasileiro, São Paulo, Museu de Arte Moderna, 1954.
5 Miguel Couselo e outros. Historia del cine argentino. Buenos Aires, Centro Editor de Latino
América, 1984, p.16.
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O produtor-protagonista de O Segredo do corcunda, João Cypriano, afirmou,
sempre a Maria Rita Galvão: “Rossi e Traversa inventavam truques que ninguém
sabia como eram feitos (...); a cena do delírio, em que aparece uma série de imagens
superpostas, cada qual num canto da tela”, foi totalmente criada pelos dois. A própria
sequência do hospício – ainda segundo Cypriano – “não estava no enredo, (...) a ideia é
dele”, Traversa. As superposições, a ideia de delírio, o hospício, a semelhança do herói,
naquele plano patético, com o louco de Conrad Veidt, o claro-escuro da fotografia são
uma bem recriada linguagem expressionista.
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O último dos três homens que fizeram O Segredo do corcunda, a história de João
Cypriano não foge a conhecido padrão. Típico realizador paulistano dos anos 1920,
nascido na periferia, em Franco da Rocha, João Cypriano (...) mudou para São Paulo
ainda menino. E se apaixonou por cinema. Para ver filmes sem pagar ingresso, vendia
bala na plateia ou carregava tabuletas de propaganda pelas ruas. Adulto, sobreviveu
de seu ofício, encanador, e frequentava a Escola de Artes Cinematográficas Azurri, de
Arturo Carrari. Na escola onde se reuniam ingênuos operários que sonhavam ser atores
de cinema, João Cypriano fica amigo de Francisco Garcia, também encanador por
profissão. João escreve um argumento, ambos economizam durante dois anos – doze
contos de réis – e convidam o melhor fotógrafo de São Paulo, Gilberto Rossi, para
a equipe. João Cypriano acumulou as funções de argumentista, roteirista e produtor,
desempenhando ainda o papel do protagonista, o galã do filme. Sua família carinhosamente durante anos guardou a cópia de nitrato virada que João levou para exibir na
Europa. Se projetada – até hoje só foi vista em moviola – suas cores alargarão mais a
ideia do que eram os filmes silenciosos médios brasileiros. Nossa aproximação com o
passado fílmico é sempre uma construção presente, pois o espectador hoje é um outro,
e outras são as relações estabelecidas na sala escura entre ele e os velhos filmes. Muitas
das intenções de O Segredo do corcunda não mais se realizam. Envelheceram. Mas
a viragem mostra que nem toda a imagem está fadada a um envelhecimento precoce.
A viragem de Rossi pode hoje ser degustada como alternativa à dieta cromática do
naturalismo hegemônico. O tempo não age de maneira uniforme e implacável: setenta
e três anos depois, poucas intenções originais de O Segredo do corcunda se realizam
para o espectador cinematográfico. Mas essa cor, que tão facilmente se perde nos filmes,
e aqui resistiu ao tempo, mantém sua eficácia.
Cinemais n.9, janeiro-fevereiro 1998.
Hilda Machado nasceu em 1952. Fez mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1987)
e doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). A poetacineasta lecionava na Universidade Federal Fluminense, trabalhando especialmente na área de
pesquisa e realização cinematográficas. Estudou cinema em Cuba e atuou como pesquisadora
do uso da imagem na história junto à coleção fotográfica do Warburg Institute, da Universidade
de Londres, na Inglaterra, além de ter passagens como pesquisadora por várias universidades e
instituições no Brasil e exterior. Faleceu em 2007.
O Segredo do corcunda
Brasil, 1924, 35mm, com viragem e tingimento, 49min, 20qps
cp: Rossi Filme; p: João Cypriano e Francisco Garcia; d: Alberto Traversa; df: Gilberto Rossi
e: João Cypriano (João), Francisco Garca (Marcos), Inocência Collado (Rosa, filha de Carlos), FranciscoMadrigano (Pedro),
Philomeno Collado (Carlos Fernandes, o fazendeiro), Raphaela Collado (Dolores, mãe de João), Benedito Ortiz (Benedito),
Enne Traversa, Nino Ponti, Annunciata Mena Madrigano
Origem da cópia: Cinemateca Brasileira
Dois empregados em uma fazenda de café – o jovem João e um corcunda idoso, Marcos – são despedidos por Pedro,
o administrador vilão. O corcunda revela que o capataz foi o assassino do pai do rapaz, e João salva uma mocinha em
perigo, a filha do patrão, que os readmite. O capataz tenta eliminar o rapaz quando os jovens começam a namorar,
mas, na luta, acaba sendo morto pelo corcunda. Um ano depois, a felicidade idílica coroa o final: os jovens estão
casados e com um filho.
Em Busca do Brasil
Hilda Machado
Pesquisadora do Cinema
Silencioso Brasileiro
Lauro Ávila Pereira
Em 1987, O Segredo do corcunda foi exibido na sala de cinema do Museu Lasar
Segall. Presente naquela sessão estava Hilda Machado. Ali, começou a obsessão da
pesquisadora pelo filme.
O interesse de Hilda foi despertado ao observar curiosa a reação daquela plateia nãohabituada ao cinema silencioso: durante a projeção, os presentes riam e se divertiam
ao tentar identificar, em vão, entre os personagens, qual seria o corcunda do título.
Por mais de dez anos, realizou intensa pesquisa sobre o filme – perseguiu as biografias dos atores, do diretor Alberto Traversa e do fotógrafo Gilberto Rossi. Percorreu
arquivos, bibliotecas e cinematecas no Brasil, na Itália e na Argentina, em um
minucioso e exaustivo trabalho de recuperação de pistas escritas e visuais sobre o
filme e seus realizadores. Entre as preocupações de sua pesquisa, estava a relação entre
o olhar do público e a proposta do realizador. Discutia as irregularidades do filme, os
caminhos de produção e sua inserção no cenário do cinema brasileiro da época. O
trabalho de Hilda Machado rebateu a ideia de que os realizadores do cinema silencioso brasileiro fossem ingênuos e de que a estética destes filmes pudesse ser tachada
de “primitiva”.
A intensidade com que Hilda se dedicou à pesquisa sobre O Segredo do corcunda
esteve presente em toda sua trajetória. Foi militante socialista, tendo sido presa no
final dos anos de 1970 por lutar contra a ditadura militar e participar da organização
de um movimento socialista. Levou a crítica social para o audiovisual, com o curta
Joilson marcou, de 1986, do qual assina roteiro e direção. O curta, sobre jovens
da periferia paulistana, foi premiado nos festivais de Gramado (melhor direção e
fotografia), Fortaleza (diretor e ator) e ganhou também o troféu Macunaíma de melhor
curta no Rio Cine, no ano de 1987.
Hilda Machado foi professora do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense
e incansável pesquisadora da área, deixando diversos artigos e ensaios, principalmente
sobre a história do cinema silencioso brasileiro. Por sua experiência de “escavadora”
de acervos, soube valorizar este tipo de trabalho e defendeu a integração entre a
academia e as instituições de memória, pregando a superação da divisão do trabalho
acadêmico (intelectual) e de preservação (manual).
Em 2002 lançou o livro Laurinda Santos Lobo – mecenas, artistas e outros marginais em Santa
Teresa (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002), resultado de uma extensa pesquisa sobre
o bairro e a relação entre os artistas e mecenas da elite carioca. Também escreveu
poesia – foi premiada na 1a Mostra de Poesia Carioca em 1998.
Hilda Machado faleceu em 2007, deixando pesquisas que enriqueceram a história do
cinema brasileiro e uma obra artística marcada pela sensibilidade e crítica social.
35
Jon Wengström apresenta
O Cinema Silencioso Sueco
Jon Wengström
Nascido em 1964, Jon Wengström graduou-se na Universidade de Estocolmo, em 1988, em
Literatura, Filosofia e Cinema. Começou a trabalhar no Instituto Sueco de Cinema, em 1990,
como programador de filmes e se tornou coordenador de programação em 1996, posição em
que permaneceu até 2003, quando foi nomeado para sua posição atual de Curador da Coleção
de Filmes de Arquivo. Conferencista sobre assuntos de arquivo e sobre a História do Cinema
Sueco em numerosas cinematecas e festivais em todo o mundo, colabora muito com artigos
no Journal of Film Preservation, publicação da Federação Internacional de Arquivos de Filmes. É
também vice-coordenador da Comissão de Programação e Acesso às Coleções, da Fiaf.
As primeiras imagens em movimento captadas na Suécia foram feitas em agosto
de 1896 por Max Skladanowsky, inclusive algumas cenas cômicas de ficção, e o
primeiro evento sueco de maior importância registrado em celuloide foi a exposição
de Estocolmo em maio de 1897. O acontecimento foi filmado pelo famoso cinegrafista francês Alexandre Promio, que percorria a Europa trabalhando para os irmãos
Lumière. A exposição aconteceu numa ilha no centro de Estocolmo, e em uma parte
ainda existente desse material, a câmera é colocada em um barco que se move ao longo
de uma conhecida rua à beira da água, um exemplo bastante pioneiro de utilização
da câmera em movimento. A primeira filmagem feita por um cinegrafista sueco foi o
registro, com 18 metros, da chegada do rei Choolalongkorn, do Sião, ao palácio real
de Estocolmo, em julho de 1897, onde ele é recepcionado pelo rei Oscar II. A cena,
chamada Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan / Chegada
do rei Sião a Logårdstrappan, é de autoria de Ernst Florman, que trabalhou como
assistente de Promio durante a exposição mundial. Florman foi, várias vezes, contratado pela família real sueca para registrar eventos, e seu último filme conhecido é En
bildserie ur Konung Oscar:s lif / Cenas da vida do rei Oscar II (1908), do qual
uma cópia sobrevivente termina com um belo plano colorido a mão.
Durante a primeira década do cinema sueco, os filmes de não-ficção predominaram
e, em 1907, uma primeira série de cinejornais começou a ser produzida pela Svenska
Biografteatern, sediada na cidade de Kristianstad, no sudeste da Suécia (o estúdio continuou produzindo cinejornais semanais até o início da década de 1960). Sob o comando
do famosíssimo coordenador de produção Charles Magnusson, a Svenska Biografteatern
aventurou-se na realização de filmes de ficção alguns anos depois, utilizando como
fonte obras literárias famosas e acontecimentos históricos. Outros estúdios e produtores também se lançaram na produção de filmes de ficção, como Frans Lundberg, em
Malmö, e N.P. Nilsson, em Estocolmo. Deste último, os trabalhos mais conhecidos são
Fröken Julie / [Senhorita Júlia] (1912) e Fadren / [O Pai] (1912), adaptados de
peças de Strindberg e dirigidos pela realizadora Anna Hofman-Uddgren.
Gustav Molander e Julius Jaenzon filmando A Herança de Ingmar
A realização verdadeiramente profissional de filmes na Suécia começou, porém, no
final de 1911, quando Charles Magnusson decidiu abandonar Kristianstad e transferir as operações da Svenska Biografteatern para Estocolmo. Magnusson construiu os
novos estúdios na ilha de Lidingö, nos arredores da cidade e, em 1912, contratou três
renomados atores e diretores de teatro para realizar seus filmes. Os três eram Victor
Sjöström, Mauritz Stiller e Georg af Klercker, que em pouco tempo seriam as principais figuras do cinema sueco. Como parte de seu treinamento profissional, Magnusson
estimulou que os três interpretassem papéis em filmes produzidos por outras companhias. Magnusson estabeleceu também, nesses primeiros anos, acordos de produção e
distribuição com outros estúdios, como a filial da Pathé Frères em Estocolmo. Um dos
primeiros filmes suecos de longa metragem sobreviventes até os dias de hoje é I lifvets
37
38
Julius Jaenzon
vår / Na primavera da vida (Paul Garbagni,1912), da Pathé de Estocolmo, rodado
nos estúdios da Svenska Biografteatern pois a Pathé não dispunha de estúdios próprios
na Suécia. A característica mais notável deste filme é que Sjöström, Stiller e Klercker
nele desempenham os principais papéis.
exibido na Jornada Brasileira de Cinema Silencioso de 2008. Essa “receita” para realizar
filmes de sucesso também foi adotada por outros estúdios na época. Por exemplo, pela
Skandia que, em 1919, adaptou duas famosas novelas do escritor norueguês Bjørnstjerne
Bjørnson: Synnöve Solbakken, e Ett farligt frieri / [Um Namoro perigoso].
Sjöström e Stiller, as duas figuras mais famosas do trio, rapidamente aprenderam seu
ofício e realizaram um espantoso número de filmes – chegavam a seis ou sete por
ano. Talvez o mais plenamente bem-sucedido desses primeiros tempos seja Ingeborg
Holm, dirigido por Sjöström em 1913, um drama sobre uma mãe solteira que perde a
guarda dos filhos. O filme causou tanto impacto em seu lançamento que desencadeou
um debate e uma modificação na legislação sueca, que então passou a favorecer as mães
solteiras. Mas o filme tem também aspectos visuais interessantes, e o que mais chama
a atenção talvez seja a maneira como Sjöström usa a profundidade de campo – a ação
se desenvolve, numa mesma tomada, em diferentes planos espaciais. Outra surpreendente característica do filme é o estilo de interpretação contido, que se tornaria uma
das marcas registradas do cinema silencioso sueco.
A outra figura mais importante do cinema silencioso sueco foi Mauritz Stiller. Como
Sjöström, em seus primeiros anos foi muito prolífico, realizando filmes de gêneros e
estilos variados. O trabalho mais significativo de Stiller, anterior à Idade de Ouro, provavelmente é Vingarne / As Asas (1916), adaptado do conto “Mikael”, de Herman
Bang (a mesma história foi filmada por Carl Theodore Dreyer na Alemanha em 1924).
O interessante sobre o filme – e no que a versão de Stiller se diferencia da de Dreyer
– é o acréscimo à história de uma moldura autorreflexiva, característica que pode ser
encontrada em outros filmes do diretor, como em Thomas Graals bästa film / O
Melhor filme de Thomas Graal (1917). Stiller adaptou também para a tela duas
novelas finlandesas, Sången om den eldröda blomman / Canção sobre a flor
escarlate (1919) e Johan (1921), ambas rodadas em partes remotas do norte da Suécia
e que contêm cenas de grande impacto visual, como a audaciosa corrida sobre troncos
de árvores que flutuam num rio, feita pelo personagem principal (interpretado por Lars
Hanson), no primeiro dos títulos. Mas a maior fonte literária da Svenska Biografteatern
durante a Idade de Ouro foram as obras de Selma Lagerlöf, sendo a mais importante
delas Herr Arnes pengar / O Tesouro de Arne (1919), de Stiller. Uma história de
cobiça e redenção situada na Suécia do século XVII, com tomadas espetaculares do
fantasma de uma moça assassinada. As histórias de Selma Lagerlöf se revelaram grande
fonte para filmes, frequentemente porque lidam com elementos de um misterioso
mundo, com espíritos de mortos que se manifestam aos vivos – o que forneceu excelente
material visual e ajudou a criar o clima de exotismo desses filmes suecos da época. A
escritora era muito ciosa quanto à adaptação de suas histórias, e sempre manteve uma
boa relação com Sjöström, além de ter Stiller em alta consideração, afirmando ter ele
capturado excelentemente sua escrita em Herr Arnes pengar. No entanto, se revelou
menos entusiástica com algumas adaptações que fez posteriormente de seus trabalhos,
como Gunnar Hedes saga / Contra o orgulho (1923). Ela se opôs muito ao roteiro
e relutou em aceitar que seu nome fosse associado ao filme. Mas, Stiller, já no roteiro,
criava um lindo conto de perda e sofrimento, e mostrava como se poderiam encontrar
consolo e redenção na arte e no amor. A mais famosa adaptação de Selma Lagerlöf é
Körkarlen / A Carruagem fantasma, rodada por Sjöström em 1920 e lançada em
1o de janeiro de 1921, e que atualmente seja talvez encarada como o melhor filme silencioso sueco e um verdadeiro clássico do cinema. O filme tem uma estrutura narrativa
complexa: a história de um homem que faz um retrospecto de sua vida, e das injustiças
e males que infligiu a outros, é contada em flashbacks – eventualmente flashbacks dentro
de flashbacks –, criando uma espécie de estrutura de múltiplas camadas que, contudo,
parecem cristalinas à medida que o filme se desenrola. Körkarlen também é famoso
por seu uso de múltiplas exposições, criadas pelo diretor de fotografia Julius Jaenzon.
Terje Vigen, realizado por Sjöström em 1916 e lançado no ano seguinte, é um filme
notável por muitas razões. Não apenas porque é um filme sobre a passagem do tempo
e o comovente retrato de um velho homem (interpretado pelo próprio Sjöström) que
decide enfrentar seus sentimentos de perda e vingança, mas também porque provocou
a mudança da política de produção da Svenska Biografteatern. Ele marca o início
do que se tornou conhecido como Idade de Ouro do Cinema Sueco (período que
se diz habitualmente ter durado até 1924). Foi a produção mais cara feita até então
e, quando o filme se tornou um grande sucesso financeiro e obteve uma boa repercussão crítica, o estúdio decidiu mudar radicalmente sua política de produção. De vinte
filmes por ano, a produção anual caiu para alguns apenas, que passaram a ter uma
preparação mais longa e cuidadosa, além de um orçamento maior. Como muitos dos
filmes realizados a partir de então, Terje
Vigen se baseava numa famosa obra
literária, no caso, um longo poema do
escritor norueguês Henrik Ibsen (o filme
é talvez a melhor adaptação já vista de
um poema para a tela). Outra característica marcante é que foi rodado sobretudo
em locações. Sjöström e o renomado
diretor de fotografia Julius Jaenzon utilizaram maravilhosos cenários não apenas
como pano de fundo espetacular para
o desenvolvimento do drama, mas para
justamente mostrar a interação do homem com a natureza. Todos esses aspectos
– grande orçamento, o uso de uma famosa obra literária e a filmagem em locação
– consubstanciaram a nova política da Svenska Biografteatern.
Mas devemos ser cuidadosos no uso da expressão Idade de Ouro e na divisão de
filmes feitos antes e depois de Terje Vigen. A Idade de Ouro caracteriza não apenas
uma tal qualidade dos filmes, mas também um certo modo de produção da indústria
cinematográfica do período. Muitas fitas realizadas antes de 1917 têm sido injustamente
negligenciadas, assim como muitas produções de depois de 1917 nada têm de notáveis. A
verdade sobre Terje Vigen, contudo, é que ele contribuiu para que o cinema ganhasse
credibilidade e respeitabilidade culturais. Foi o primeiro filme a ter uma resenha assinada
num jornal sueco, escrita por um crítico literário muito famoso. Teve também muito
sucesso no exterior, e a filmagem em locações, nas quais o homem é visto lutando contra
os elementos, tornou-se parte do “exotismo” ou “originalidade” do cinema sueco, que
pareciam fascinar as plateias estrangeiras. Esse diferencial predominou também no
filme seguinte de Sjöström, Berg-Ejvind och hans hustru / Os Proscritos (1918),
Outras personalidades, além de Sjöström e Stiller, ajudaram a dar forma ao cinema
silencioso sueco. Um dos mais famosos é Gustaf Molander, que começou sua carreira
escrevendo o roteiro de Terje Vigen com Sjöström e continuou fazendo filmes até a
década de 1960 (além de ter sido o diretor que projetou a atriz Ingrid Bergman ao estrelato
em meados dos anos 1930). Durante o período silencioso, Molander demonstrou grande
habilidade na realização de filmes de gêneros variados, desde trabalhos ambientados
em diferentes períodos históricos a dramas e comédias contemporâneos. Provavelmente
sua contribuição mais notável como diretor de filmes silenciosos tenham sido as duas
adaptações componentes do ciclo de filmes feitos a partir da obra Jerusalém, de Selma
Lagerlöf, Ingmarsarvet / A Herança de Ingmar (1925) e Till Österland / [Para o
Oriente] (1926). Esses filmes foram a continuação de Ingmarssönerna / [Os Filhos
de Ingmar] (1919) e Karin Ingmarsdotter / Karin, filha de Ingmar (1920),
dirigidos por Sjöström. Ingmarsarvet é uma comovente descrição da vida em uma
39
pobre vila rural, desequilibrada pela chegada de um fanático religioso (interpretado
por Conrad Veidt) – e chega a ser melhor contribuição que a dada por Sjöström para o
mesmo ciclo de filmes. A obra tem todas as características familiares dos filmes clássicos
suecos: mostra a interação do homem com a natureza em cenários espetaculares, e se
baseia numa famosa fonte literária. E justamente por ter sido feita num momento em
que já se considerava encerrada a Idade de Ouro do cinema silencioso sueco, indica o
quanto o uso desse rótulo deveria ser aplicado com mais cautela.
Evidentemente nem todos os filmes suecos do final da década de 1910 e começo da
seguinte se passam em locações nem mostram a luta do homem contra a natureza em
cenários autênticos. Stiller fez muitas comédias em ambientes da classe alta urbana, e
Norrtullsligan / As Garotas de Norrtull (1923), de Per Lindberg, é uma comédia
sobre quatro secretárias que vivem juntas numa metrópole e, em comunidade tentam
sobreviver no mundo governado por chefes. O filme, adaptado de uma novela de Elin
Wägner, é notavelmente moderno ao retratar mulheres que lutam pela auto-suficiência,
auto-sustentabilidade e a autoconfiança. Outra figura importante do período silencioso
foi o autor de desenhos animados Victor Bergdahl, que entre 1915 e 1922 realizou nada
menos do que 17 filmes curtos com o personagem Capitão Grogg. Eles demonstram
que Bergdahl pode ser comparado com qualquer outro animador mundial do período.
Em Kapten Grogg skall portätteras / Quando o capitão Grogg foi fazer seu
retrato (1917), Bergdahl engenhosamente mistura animação e seres vivos, e ele próprio
interpreta o pintor contratado para fazer o retrato de Grogg.
40
No final dos anos 1910, a Svenska Biografteatern começou a expandir e consolidar
ainda mais sua posição no mercado cinematográfico sueco; fundiu-se a outras
companhias e, em 1919, batizaram-se como Svensk Filmindustri (ainda existente),
uma companhia completa, verticalmente integrada, que não só era a maior produtora
mas também a maior distribuidora e a maior proprietária de salas de exibição. No
momento em que se fundiram, reestruturaram e rebatizaram, aumentou também a
necessidade por melhores e maiores instalações de filmagem. Os novos estúdios em
Råsunda, ao norte de Estocolmo, ficaram prontos para uso na primavera de 1920 (o
primeiro filme produzido nas novas instalações foi Körkarlen).
Quando, dez anos antes, Magnusson transferira as operações da Svenska Biografteatern
para Estocolmo, ele contratara não apenas Sjöström e Stiller, mas também Georg af
Klercker. Este, com seu espírito contestador, quis ser seu próprio chefe, e logo se desentendeu com Magnusson. Em 1915, Klercker decidiu se mudar para Göteborg, na costa
oeste da Suécia, onde realizou uma série de filmes de aventura e ação para o estúdio
Hasselbladfilm, estabelecido pela famosa fábrica de câmeras Hasselblad. Klercker
tinha gosto por filmes de ação e aventura, que narrava com eficiência e muita inclinação por composições espetaculares. As
locações externas dos filmes de Klercker
não se prestam a mostrar a interação do
homem com a natureza, mas a aproveitar
os cenários na criação gráfica de efeitos
impactantes, como em seu magnífico
Fången på Karlstens fästning / A
Prisioneira da Fortaleza de Karlsten
(1916). Os filmes de Klercker para a
Hasselblad faziam sucesso mas, por
uma infeliz e irônica virada do destino,
A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten
a Hasselbladfilm foi logo assumida pela
Skandia – um dos estúdios envolvidos na fusão com a Svenska Biografteatern que
resultou na formação da Svensk Filmindustri. Klercker, impossibilitado de trabalhar
com Magnusson, teve de compreender que seus dias como diretor de filmes estavam
definitivamente encerrados.
Outra obra cinematográfica dissidente, mas de escala muito maior, é Häxan / A
Feitiçaria através dos tempos, quase um monumento na história do cinema
silencioso sueco, com poucos equivalentes em qualquer outra parte do mundo.
Häxan foi realizada pelo diretor dinamarquês Benjamin Christensen e é uma curiosa
combinação de explicações e dramatizações didáticas da visão medieval sobre demônios
e bruxarias. Não se parece com nenhum outro filme feito na época na Suécia; e esse
estudo verdadeiramente pessoal sobre
os recalques impostos pela moral e
pela religião sobre os seres humanos
permanece ainda hoje como uma
poderosa experiência visual. Christensen
não foi o único talento estrangeiro a quem
se ofereceu a oportunidade de realizar
filmes na Suécia. Entre outros contratados,
esteve seu compatriota Carl Theodore
Dreyer, que realizou Prästänkan / A
Quarta aliança da sra. Margarida
A Feitiçaria através dos tempos
(1920) para a Svensk Filmindustri.
O final da Idade de Ouro do cinema sueco é habitualmente fixado em 1924, com o
lançamento de Gösta Berlings saga / A Saga de Gösta Berling], para sempre
inscrito no cinema como o momento de revelação da atriz Greta Garbo. Até então, ela
era praticamente desconhecida (era ainda aluna da Escola de Arte Dramática quando
foi selecionada por Stiller para o elenco do filme – por recomendação de Molander, o
então diretor da escola. Quando o filme foi lançado, Stiller e Greta Garbo já haviam
deixado a Suécia. Depois de um abortado projeto em Istambul (então Constantinopla),
chegaram a Berlim, onde Greta foi escolhida por G.W. Pabst para o elenco de Die
freudlose Gaße / A Rua das lágrimas (1925). Leo B. Mayer, produtor da MGM,
viu Gösta Berlings saga e ofereceu a Stiller e a Greta um contrato em Hollywood.
Naquele momento, Sjöström também já havia deixado a Suécia e ido para a América
do Norte – e o mesmo fizeram o ator Lars Hanson e o roteirista Hjalmar Bergman.
Mas, como dito, seria tolice considerar inferiores todos os filmes feitos na Suécia depois
de 1924. Ingmarsarvet é um filme que veremos na Jornada mas, além deste, do final
da era silenciosa, temos também o primeiro filme de Alf Sjöberg, Den starkaste /
[O Mais forte] (1929), notável e visualmente muito bem realizado, filmado no mar
Ártico. Outro filme de interesse, depois de 1924, é Flickan i frack / [A Garota de
smocking] (Karin Swanström, 1925), com algumas das primeiras cenas de travestismo
no cinema sueco. Sua realizadora dirigiu outros três filmes silenciosos e, após o advento
do sonoro, tornou-se a chefe de produção da Svensk Filmindustri.
Filmes de não-ficção continuaram a ser produzidos durante todo o período silencioso, e
não apenas sob a forma de cinejornais semanais. Bengt Berg foi um importante diretor
de documentários e fez uma série de curtas e longas-metragens que descreviam a vida
animal e selvagem na Suécia, iniciando assim uma tradição que seria levada ao apogeu
por Arne Sucksdorff nas décadas de 1940 e 50. Berg reuniu-se também ao cinegrafista
Gustaf Boge e ao príncipe Wilhelm em viagens a países estrangeiros em meados da
década de 1920. Esses filmes eram realizados com propósitos educativos e distribuídos
em escolas, o que acontecia também com uma grande quantidade de filmes de ficção
da Svenska Biografteatern e da Svensk Filmindustri.
Ainda antes da evasão dos grandes talentos, a Svensk Filmindustri iniciara uma
mudança em sua política de produção, afastando-se do tradicional look dos filmes
suecos para criar algo que acreditava ter mais apelo internacional. Dois primeiros
exemplos – os mais bem-sucedidos – foram Klostret i Sendomir / O Mosteiro
de Sendomir (1920), de Sjöström e Erotikon (1920), de Stiller. O filme de Sjöström
não está entre seus mais conhecidos mas, na época, foi um dos que tiveram maior
41
repercussão. Fez enorme sucesso de bilheteria e foi vendido para mais de 50 países. É
um filme de época, ambientado na Europa central e não há nada de muito “sueco”
nele, embora seja um trabalho graficamente muito fascinante, em que pela paisagem
se criam interessantes padrões que acentuam o isolamento dos locais e a claustrofobia
de uma história de amores clandestinos. Erotikon foi concebido inicialmente como o
primeiro de uma série de filmes em locações urbanas, sob a direção de Stiller e com uma
sedutora atriz no papel principal. Por diversas razões, o projeto nunca se concretizou
mas, como filme isolado, Erotikon sobrevive como a mais deliciosa comédia realizada
por Stiller. No final da década de 1920, o caminho da “internacionalização” ficou
mais forte e a Svensk Filmindustri chegou a criar uma companhia subsidiária, a Isepa
Films, responsável apenas por coproduções internacionais. O melhor exemplo é
Förseglade läppar / [Lábios selados] (1927), filmado por Gustaf Molander na
Itália, coproduzido pela National Film AG de Berlim e a famosa Les Films Albatros,
de Paris. O clássico de Anthony Asquith exibido na Jornada Brasileira de Cinema
Silencioso de 2008, A Cottage on Dartmoor / Uma Casa em Dartmoor (1929),
também foi coproduzido pela Svensk Filmindustri e lançado na Suécia,
em uma versão um pouco diferente da inglesa, como Fången n:r 53. Mas
alguma coisa havia sido perdida quando a busca pela internacionalização
prevaleceu sobre outros interesses: muitos dos filmes realizados na segunda
metade da década de 1920 poderiam ter sido feitos por qualquer pessoa
em qualquer lugar do mundo.
42
Conferência de abertura
Convidado a fazer a conferência inaugural da IV Jornada Brasileira de
Cinema Silencioso, Jon Wengström falará sobre o Cinema Silencioso Sueco,
com excertos de filmes.
Há muitas hipóteses sobre a razão de os filmes silenciosos suecos terem
alcançado tanto sucesso e provocado tanto impacto a partir de meados
da década de 1910. Talvez seja correto dizer que os melhores filmes da
década de 1910 e começo da seguinte tiveram apelo por seu exotismo
e originalidade, mas também porque particularmente incluíam algo
universalmente entendido. Embora a produção cinematográfica sueca
fosse pequena em comparação com a de outros países, a combinação de
grandes talentos individuais à frente e atrás das câmeras, um elevado nível
de sofisticação técnica, o engenhoso uso de locações naturais e a riqueza
psicológica das histórias e dos personagens transformaram os filmes silenciosos suecos num cinema nacional dos mais interessantes e ricos das
décadas de 1910 e 20.
Um enorme percentual do patrimônio cinematográfico sueco tragicamente
se perdeu quando toda a coleção de negativos originais de filmes silenciosos
O Mosteiro de Sendomir
produzidos pela Svensk Filminidustri (e suas encarnações anteriores) foi
destruída num incêndio, em 1941. Um aspecto desse trágico acidente é que mais de
50% da produção silenciosa sueca perderam-se completamente (no caso de Sjöström
e de Stiller, os números são ainda piores: apenas 15 dos 43 filmes suecos de Sjöström
sobreviveram, e apenas 14 dos 45 de Stiller). Outro aspecto diz respeito aos trabalhos de
preservação ou restauração de filmes suecos do período silencioso que ficaram quase inteiramente restritos ao uso de cópias de exibição em nitrato, mais ou menos gastas, como
materiais de duplicação. Muitas delas também apenas na forma de cópias resumidas
para distribuição escolar ou mesmo em formato ainda mais fragmentário. Felizmente,
cópias em nitrato (e mesmo negativos originais de coproduções) ainda são localizadas
em arquivos estrangeiros. Na última década, filmes como I lifvets vår, Madame de
Thèbes (Stiller, 1915), Hämnaren / O Estivador (Stiller, 1915), Dödskyssen / O
Beijo da morte (Sjöström, 1916), Karusellen / [Carrossel] (Buchowetzki, 1923) e
Polis Paulus’ påskasmäll (Molander, 1925) vieram se somar à lista de filmes redescobertos. E novos materiais de filmes, como Klostret i Sendomir e Gunnar Hedes
saga, foram descobertos em anos recentes, tanto na Suécia quanto no exterior, fornecendo outras fontes para novas e melhores restaurações. Estamos esperançosos de que
haja mais tesouros a serem descobertos, o que quiçá nos permitiria aprofundar nossa
compreensão do cinema silencioso sueco.
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Greta Garbo (à esquerda) em Pedro, o vagabundo / Luffar - Peter
PROGRAMA 1
Na primavera da vida
I lifvets vår
Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 54min, 16-17qps
cp: Pathé Frères; d: Paul Garbagni; r: Abdon Hedman baseado no romance Första älskarinnan, de August Blanche;
df: Willi Neumaier; e: Victor Sjöström (Cyril Alm), Anna Norrie (senhora Alm, mãe de Cyril), Georg af Klercker
(comendador von Seydling), Selma Wiklund af Klercker (Gerda), Mauritz Stiller (tenente von Plæin), Astrid Engelbrecht
(Sara Andersson), Victor Arfvidson (Brooms), Georg Fernquist, Erland Colliander, William Larsson, Valdemar Dalquist,
Henrik Jaenzon, Martha Josefson
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
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Gerda, com a morte da mãe, é enviada ao comendador von Seydling, que a concebera em um de seus amores
escusos. O comendador entrega a menina a uma senhora que a vende a uma quadrilha que explora crianças
mendigas. Cyril Alm a salva e a cria na casa de sua mãe. Muitos anos depois, Gerda sucumbe aos encantos do
tenente von Plæin e foge de casa. Vinte anos se passam: Gerda é uma atriz famosa e o próprio pai a corteja. Cyril a
procura para reencontrar o passado, salva-a de um incêndio e tem o incentivo do comendador para desposá-la.
Madame de Thèbes
Suécia, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 50min, 17qps
cp: AB Svenska Biografteatern; d: Mauritz Stiller; r: Martin Jørgensen, Louis Levy; df: Julius Jaenzon; e: Ragna
Wettergreen (Ayla, conhecida como Madame de Thèbes), Nicolay Johannsen (conde Roberto), Albin Lavén (barão von
Volmar), Karin Molander (Louise von Volmar), Märta Halldén (condessa Júlia), Doris Nelson (Ayla quando jovem)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Uma cigana é amaldiçoada pelo pai e precisa renegar seu filho ilegítimo para que ele tenha sucesso na vida. Ela
entrega a criança à condessa Júlia, que acaba de perder seu próprio filho. Trinta e cinco anos depois, o conde
Roberto tornou-se um político importante prestes a ser nomeado ministro de Assuntos Estrangeiros. Seu rival
no Parlamento é o barão von Volmar, mas, por uma fatalidade, o conde apaixona-se pela filha do barão. Este,
por sua vez, através de manobras escusas, descobre que Roberto é filho da famosa Madame de Thèbes, profetiza
consultada por todos os políticos, e usa essa informação para arruinar a carreira do conde.
Madame de Thèbes
45
PROGRAMA 2
Quando o capitão Grogg foi fazer o seu retrato
När Kapten Grogg skulle porträtteras
Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 7min, 18qps
cp: AB Svenska Biografteatern; d, da e e: Victor Bergdahl (pintor)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Combinação de filmagem ao vivo e animação. Um pintor, insatisfeito com seus trabalhos, recebe a visita do
capitão Grogg, que deseja um quadro seu, de corpo inteiro. Mas o capitão não fica contente com a maneira como
o pintor retrata seu nariz, avermelhado pelos efeitos da bebida.
A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten
Fången på Karlstens fästning
Suécia, 1916, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 16qps
cp: Hasselblads Fotografiska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst e Georg af Klercker; df: Gösta Stäring;
e: Nils Chrisander (De Faber), Maja Cassel (Mary Plussman), Manne Göthson (Johan Plussman), Arvid Hammarlund
(doutor Johnson), Gustaf Bengtsson (assistente de De Faber), Victor Arfvidson (Berger, guardião da fortaleza),
William Engeström (pescador)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
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De Faber é um inventor que fracassa na tentativa de descobrir uma nova fórmula de explosivo. A descoberta,
porém, é realizada pelo professor Plussman, da Suécia, e De Faber, disfarçado de conde, visita Plussman e quer
comprar a fórmula. Como o inventor se recusa a vendê-la, De Faber a rouba e sequestra Mary, filha do professor.
O sequestro é visto por pessoas que alertam a polícia, o pai da moça e Johnson, seu namorado. Prisioneira numa
fortaleza construída sobre uma ilha rochosa, Mary consegue enviar uma mensagem de socorro dentro de uma
garrafa. Johnson e alguns pescadores seguem para a ilha para resgatar Mary, que consegue fugir das garras dos
sequestradores quando percebe a chegada de seus salvadores.
Terje Vigen
PROGRAMA 3
Terje Vigen
Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 17qps
cp: AB Svenska Biografteatern; p: Charles Magnusson; d: Victor Sjöström; r: Gustaf Molander e Victor Sjöström, baseado
no poema homônimo de Henrik Ibsen; df: Julius Jaenzon; da: Axel Esbensen e Jens Wang; e: Victor Sjöström (Terje Vigen),
August Falck (lorde inglês), Edith Erastoff (lady inglesa), Bergliot Husberg (sra. Vigen), William Larsson (novo proprietário
da casa de Terje e oficial do navio inglês), Gucken Cederborg, Jenny Tschernichin-Larsson
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Nos grilhões da escuridão
I mörkrets Bojor
Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 43min, 16qps
cp: Hasselblads Fotografiska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst; df: Carl Gustaf Florin;
e: Sybil Smolova (Ellinor Petipon), Carl Barcklind (dr. Petipon), Artur Rolén (filho de Ellinor), Ivar Kalling (conde Xavier),
Frans Oscar Öberg (pastor da prisão), Karl Gerhard, Hugo Björne, Ludde Gentzel, Helge Kihlberg, Nils Wahlbom, Victor
Arfvidson, Gustaf Bengtsson
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Acusada de matar o marido, Ellinor Petipon fica traumatizada e perde a memória. Mesmo sem provas conclusivas,
a moça permanece presa durante alguns anos, sob observação. Relata ao pastor da prisão os acontecimentos de
que vai se lembrando, inclusive a corte que lhe fazia o conde Xavier. Por intercessão do pastor, Ellinor é libertada
e, ainda desnorteada, ouve num café a conversa de um grupo de malfeitores que trama roubar a mansão Petipon.
Ellinor alerta seu filho, já rapaz, e se junta ao bando para atrapalhar os planos criminosos. Em seu leito de morte,
o conde Xavier confessa ter assassinado o dr. Petipon.
Terje Vigen é um pescador que vive numa ilha que é bloqueada por navios ingleses durante a guerra, em 1809. Ele
tenta furar o bloqueio para buscar alimentos para sua mulher e filha, mas é capturado e mandado para a prisão.
Libertado cinco anos depois, descobre que seus entes queridos morreram de fome. Terje se torna um homem
recluso e jura se vingar do homem que provocou seu sofrimento. Mas quando chega a oportunidade da vingança,
a voz de uma criança faz com que seu ódio seja superado.
O Mosteiro de Sendomir
Klostret i Sendomir
Suécia, 1921, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 80min, 17qps
cp: AB Svenska Biografteatern; d e r: Victor Sjöström, baseado em conto de Franz Grillparzer;
df: Henrik Jaenzon; e: Tore Svennberg (conde Starchensky), Tora Teje (Elga), Richard Lund (Oginsky), Renée Björling
(Dortka), Albrecht Schmidt (administrador), Gun Robertson (filha do conde), Erik A. Petschler (nobre), Nils Tillberg
(nobre), Gustaf Ranft (abade), Yngwe Nyquist (criada), Axel Nilsson (frade), Jenny Tschernichin-Larsson
(mulher do carvoeiro), Emil Fjellström (frade)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Dois nobres, a caminho de Varsóvia, no século XVII, passam a noite num mosteiro. Curiosos, pedem a um monge
que lhes conte a história do local. Ali vivera um poderoso conde de nome Starchensky, com a mulher Elga e a filha.
Elga, porém, foi infiel ao marido e teve uma relação com o próprio primo. Ao desvendar a trama, Starchensky
decidira dedicar sua vida e fortuna à construção do mosteiro em que agora se encontravam.
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PROGRAMA 4
A Feitiçaria através dos tempos
Häxan
Suécia, 1922, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 106min, 20qps
cp: AB Svensk Filmindustri; d e r: Benjamin Christensen; df: Johan Ankerstjerne; da: Richard Louw; mo: Edla
Hansen; e: Benjamin Christensen (Demônio), Ella la Cour (Karna, uma feiticeira), Emmy Schønfeld (assistente de
Karna), Kate Fabian (donzela apaixonada), Oscar Stribolt (monge glutão), Wilhelmine Henriksen (Apelone, uma pobre
velha), Astrid Holm (Anna, mulher do gráfico), Karen Winther (sua irmã mais moça), Maren Pedersen (Maria, bruxa),
Johannes Andersen (frei Henrik, juiz do tribunal), Herr Westermann (carrasco), Clara Pontoppidan (irmã Cecília),
Tora Teje (a histérica do episódio moderno)
Origem da cópia: Svenska Filminstitute
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A partir de um início lento, com imagens de uma série de gravuras em madeira ou xilogravura e desenhos, o filme
encaminha-se para uma progressão de vinhetas dramáticas que ilustram a força espantosa da feitiçaria na Idade
Média. Embora obviamente um trabalho de pura imaginação, o filme assume as dimensões de um documentário,
produto da extensa pesquisa realizada por Christensen antes de iniciar o projeto.
Trata-se de um filme ficcional de horror em forma de documentário, e apresenta uma extraordinária fotografia,
estrutura não-linear e iconografia grotesca. Os desiguais valores de produção e a crueza dos motivos visuais enfatizam
a eficácia do filme, e acrescentam uma inesperada autenticidade à sua abordagem voyeurista. A despeito dos esforços
da censura para proibir o filme, ele se transformou numa sistemática influência sobre os realizadores do século XX.
O filme marcou o divórcio dos caminhos de Christensen e a indústria cinematográfica dinamarquesa. Em seguida,
ele concentraria suas atividades no cinema alemão, antes de ir para Hollywood em 1928.
Existe uma outra versão do filme, de menor duração, lançada em 1968, com narração feita pelo lendário escritor
da geração beat William S. Burroughs (Naked Lunch) e trilha musical composta por Jean-Luc Ponty.
PROGRAMA 5
Contra o orgulho
Gunnar Hedes saga
Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 73min, 17qps
cp: AB Svensk Filmindustri; p: Charles Magnusson; d: Mauritz Stiller; r: Alma Söderhjelm e Mauritz Stiller, baseado no
romance En herrgårdssägen, de Selma Lagerlöf; df: Julius Jaenzon e Henrik Jaenzon; da: Axel Esbensen; e: Einar Hanson
(Gunnar Hede), Hugo Björne (sr. Hede), Pauline Brunius (sra. Hede), Mary Johnson (Ingrid), Adolf Olschansky
(sr. Blomgren), Stina Berg (sra. Blomgren], Thecla Åhlander (Stava), Ingeborg Strandin (criada), Gösta Hillberg (advogado)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Gunnar Hede é criado por sua orgulhosa mãe, que deseja que o rapaz se torne respeitável para fazer jus à riqueza
da família. Mas Gunnar é mais interessado em seu avô, que começou a vida como violinista andarilho mas ficou
rico ao conduzir um rebanho de renas selvagens para vendê-lo nos mercados do sul da Suécia. O rapaz apaixonase por Ingrid, uma violinista que viaja com um casal de artistas ambulantes, e renuncia à fortuna familiar para
também se tornar um violinista andarilho. Gunnar tenta também repetir a façanha do avô, conduzindo renas para
o sul, mas a líder do rebanho o arrasta pela neve durante muitos quilômetros e o incidente o enlouquece. Gunnar
é levado de volta ao solar da família, onde Ingrid ocupa-se dele e finalmente o cura com a música.
O filme é construído sobre uma atração sensacional com raízes na cultura nórdica – uma marca registrada de Stiller –, no caso,
a audaciosa travessia na neve que envolve o que parecem ser zilhões de renas. A atração emerge do conflito entre comércio e arte,
com os poderes redentores da arte vencendo a batalha. Stiller equilibra criativamente as demandas da arte elevada ao colocar
personagens em ambientes o mais modestamente artísticos que se possa imaginar, o que também oferece comoventes momentos de
comédia. (...) A estratégia narrativa inspira uma inédita confiança em efeitos fotográficos com sonhos, memórias e alucinações
como traços motivadores, até que o poder da música restaure a sanidade e a felicidade, com a prosperidade completando o tripé.
Jan Olsen. Catálogo da XXVIII edição das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, 2009.
Contra o orgulho
EINAR HANSON
15 junho 1899, Estocolmo, Suécia - 3 junho 1927, Hollywood, Estados Unidos
O belíssimo jovem Einar Hanson foi descoberto
por Mauritz Stiller quando atuava no Teatro
Dramático Real, de Estocolmo. Foi dirigido por
Stiller que estrelou Gunnar Hedes saga /
Contra o orgulho, filme que o consagraria no
cinema sueco. Em 1924 participou da tentativa
de Stiller, em companhia de sua também protegida, Greta Garbo, de realizar em Constantinopla
(depois Istambul) uma versão cinematográfica do
romance A odalisca de Smolensk, de Vladimir Semitoy.
Contudo, a companhia produtora abre falência
e o trio volta para a Suécia, passando antes por
Berlim, onde Greta Garbo tem um papel importante e Einar apenas um papel secundário em Die
freudlose Gaße / A Rua das lágrimas.
Einar vai para Hollywood em 1925, na companhia de Stiller e Greta Garbo e imediatamente
interpreta papéis principais em filmes dos grandes
estúdios, como galã de suas principais estrelas:
Corinne Griffith em Into her kingdom / A
Princesa russa (Sven Gad, 1926) e The Lady in
ermine / A Dama em arminho (James Flood,
1927); Laura La Plante em Her big night / Que
noite aquela! (Melville W. Brown, 1926); Esther
Ralston em Fashions for women / A Mulher
e a moda (Dorothy Arzner, 1927); e Pola Negri
em Barbed wire / Amai-vos uns aos outros
(Rowland V. Lee, 1927) e The Woman on trial /
A Ré amorosa (Mauritz Stiller, 1927).
A 3 de junho de 1927, Einar Hanson sofreu um
acidente de automóvel quando voltava de um
jantar com Greta Garbo e Mauritz Stiller em
Hollywood. O ator passou mais de quatro horas
agonizando até que o encontrassem, ainda vivo, à
espera de socorro. Morreu a caminho do hospital
o ator que, conforme algumas revistas propalavam,
seria o sucessor de Rudolph Valentino.
Einar Hanson é ator no filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße.
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TORA TEJE
17 janeiro 1893, Estocolmo, Suécia - 30 abril 1970, Estocolmo, Suécia
PROGRAMA 6
50
As Garotas de Norrtull
Norrtullsligan
Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 85min, 21qps
cp: Bonnierfilm; p: Stellan Claësson and Karin Swanström; d: Per Lindberg; r: Hjalmar Bergman, baseado no romance
horônimo de Elin Wägner; df: Ragnar Westfelt; e: Tora Teje (Pegg), Inga Tidblad (Baby), Renée Björling (Eva), Linnéa
Hillberg (Emmy), Egil Eide (chefe de Pegg), Tollie Zellman (Gorel, prima de Pegg), Olav Riégo (noivo de Gorel), Stina Berg
(tia de Pegg), Lili Ziedner (agitadora), Lauritz Falk (Putte, irmãozinho de Pegg), Nils Asther (filho da senhoria), Gabriel Alw
(noivo de Eva), Torsten Bergström (primeiro namorado de Pegg), John Ekman (chefe de Baby)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Pegg muda-se para Estocolmo, na esperança de conseguir melhores oportunidades de trabalho. Ela divide um
apartamento com três outras garotas que enfrentam as tentações e as armadilhas de uma metrópole que rapidamente se moderniza. Uma das moças perde o emprego após tomar parte em uma greve; outra prefere largar
o emprego a aceitar as investidas de seu chefe. O filme é narrado em primeira pessoa por Pegg e os intertítulos
expõem, além de detalhes da história, seus sentimentos e reações aos acontecimentos, e ainda, informações que
nos ajudam a compartilhar suas opiniões, o que dá à narração uma qualidade memorialística.
Per Lindberg (1890-1944) estudou com o famoso diretor de teatro alemão Max Reinhardt e desenvolveu importante carreira no cinema, mas sobretudo nos palcos teatrais. Depois de As Garotas de Norrtull, seu segundo
filme, voltaria a dirigir apenas em 1939. Em 1940 realizou Juninatten / [Noite de junho] seu filme mais conhecido devido à participação de Ingrid Bergman.
As Garotas de Norrtull é um dos filmes mais corajosos e apreciáveis da década de 1920 europeia. Antes de 1923,
os filmes apresentavam personagens femininas individuais de carne e osso, mas As Garotas de Norrtull abre um
precedente ao lidar com um elenco dominado por quatro mulheres extremamente dinâmicas. (...) O roteiro de Hjalmar
Bergman transcende a imagem familiar das mulheres como objetos decorativos. O quarteto feminino percorre a vida humana
com passos largos. (...) O filme se assemelha a um inteligente livro de memórias, quase um diário. A direção de Lindberg foge
das convenções da época e suas mulheres ainda hoje parecem muito modernas, com seus penteados e chapéus discretos, por
exemplo; e as minúcias da vida cotidiana destacam-se com muita vivacidade.
Peter Cowie. Scandinavian Cinema, Londres, Tantivity Press, 1992.
Tora Teje foi uma das mais famosas atrizes teatrais
suecas no início do século XX, construindo seu
nome através de uma série de notáveis interpretações no Teatro Sueco e no Teatro Dramático Real,
em Estocolmo, entre as quais, de alguns grandes
papéis femininos da literatura como Fedra e Lady
Macbeth. Quando, em 1920, começou a atuar
em filmes, tornou-se efetivamente a maior das
estrelas suecas, uma diva, e objeto de numerosos
artigos na revistas de cinema, figurando em
ambiente elegantes e com roupas extravagantes.
Ela encarnou, assim, a emergência de um tipo
de modernidade no mundo do espetáculo sueco,
com um brilho internacional, semelhante aliás
ao personagem que ela interpreta em Erotikon
(Mauritz Stiller, 1920).
Tora Teje atuou em apenas nove filmes silenciosos
e um sonoro, mas suas interpretações memoráveis
contribuíram para a fama duradoura e a qualidade
de muitos deles. Seus primeiros papéis cinematográficos foram o da principal intérprete feminina
em dois filmes de Victor Sjöström, mostrando sua
versatilidade como atriz: o filme de época Klostret
i Sendomir / O Mosteiro de Sendomir (1920),
no qual ela cria o comovente retrato de uma
mulher dividida entre a família e o homem que
ama, e Karin Ingmarsdotter / Karin, filha de
Ingmar (1920), também um filme de ambientação
histórica, no qual interpreta a maltratada mulher
de um fazendeiro. Ela é, entretanto, mais conhecida por sua interpretação em Erotikon, no qual
desempenha a cortejada esposa de um cientista.
Seu personagem é evasivo e envolve os homens a
seu redor, mas ela lhe dá grande profundidade e,
com nuances delicadas em suas expressões, revela
quando o verdadeiro amor cruza seu caminho.
Ela fez também uma breve mas memorável
aparição em Häxan / A Feitiçaria através
dos tempos (Benjamin Christensen, 1922).
O filme termina com um episódio dos tempos
modernos, pois Christensen queria mostrar
que o que era percebido como maquinações do
demônio nos tempos medievais não difere de
vários problemas mentais revelados por estudos
psiquiátricos que estiveram na moda na virada
do século passado. No episódio, Tora Teje faz
alguns retratos breves, precisos e tocantes de várias
mulheres com cleptomania, tendências histéricas
e outras desordens nervosas. No ano seguinte, ela
fez talvez a sua melhor interpretação, como uma
das mulheres secretárias de Norrtullsligan / As
Garotas de Norrtull (Per Lindberg, 1923), que
moram em uma espécie de comunidade e tentam
sobreviver num mundo masculino. O personagem
que interpreta tem também a carga adicional de
precisar cuidar de um irmão muito mais jovem
(as convenções do tempo não permitiriam que o
personagem pudesse ser encarado como uma mãe
solteira criando seu próprio filho).
Embora sua carreira no cinema tenha sido muito
breve e esporádica, Tora Teje provoca uma
duradoura impressão como uma das melhores
atrizes suecas do cinema silencioso. Ao interpretar
a esposa de um fazendeiro no século XIX, uma
batalhadora “mãe solteira” na Estocolmo contemporânea, uma mulher dilacerada às beiras de um
colapso nervoso, ou a rica e levemente entediada
mulher de um “marido cego”, ela traz profundidade, compreensão, inteligência e beleza à tela,
sempre sugerindo que há muito mais nos personagens do que à primeira vista se revela.
A atriz Tora Teje está nos filmes O Mosteiro de Sendomir / Klostret i Sendomir e
A Feitiçaria através dos tempos / Häxan.
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PROGRAMA 7
A Herança de Ingmar
Ingmarsarvet
Suécia, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 100min, 20-24qps
cp: Nord-Westi Filmaktiebolag; p: Oscar Hemberg; d: Gustav Molander; r: Ragnar Hyltén-Cavallius e Gustaf Molander,
baseado no romance Jerusalem I: I Dalarne, de Selma Lagerföf; df: J. Julius; e: Märta Halldén (Karin), Ivan Hedqvist
(Stark Anders), John Ekman (Elias, marido de Karin), Lars Hanson (Ingmar), Mathias Taube (Halvor Halvorsson), Mona
Mårtenson (Gertrudes Storm), Nils Arehn (mestre-escola Storm), Conrad Veidt (Helgum), Ida Brander (mãe de Gertrud),
Knut Lindroth (juiz Berger Sven Person), Jenny Hasselqvist (Barbro)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
O pequeno Ingmar perde toda a herança, inclusive a fazenda Ingmarsson, por obra de um cunhado alcoólatra.
Já crescido, quer se tornar professor mas, durante uma noite de tempestade, o fantasma de seu avô promete
amaldiçoá-lo se ele não se tornar um fazendeiro como seus ancestrais. Nessa mesma noite de tempestade, o
místico Helgum chega à vila e rapidamente se torna líder de uma comunidade de fanáticos que se instala na
fazenda Ingmarsson. Ingmar, apaixonado por Gertrudes, passa o inverno trabalhando na floresta, mas volta, ao
ser informado sobre a tentativa de Helgum de se aproximar da moça. Ao ir tirar satisfações com Helgum, Ingmar
o defende dos irmãos de uma moça enlouquecida pela doutrinação do fanático e, na briga, leva uma facada.
Helgum decide partir, mas um incidente faz com que a irmã mais velha de Ingmar, paralítica, ande para salvar
seu filho pequeno de morrer queimado. Todos acreditam em um milagre de Helgum e decidem vender tudo para
acompanhá-lo a Jerusalém. No dia em que a fazenda Ingmarsson vai a leilão, o juiz Person a compra, a pedido da
filha, apaixonada por Ingmar que se compromete a se casar com ela, apesar de apaixonado por Gertrudes. Esta
enlouquece. Ingmar casa-se com a filha do juiz mas, no dia das núpcias, Gertrudes o procura e lhe entrega um
pacote que encontrara por acaso, oculto no travesseiro do falecido cunhado de Ingmar e que contém o que restara
da herança deixada pelo pai de Ingmar, que teria permitido a ele comprar a fazenda e ficar com Gertrudes.
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Exposição
Placas de vidro do
cinema silencioso sueco
O setor histórico do Instituto Sueco de Cinema é depositário de uma coleção de
43 mil placas de vidro oriunda da AB Svensk Filmindustri – e de sua predecessora,
a AB Svensk Biografteatern – que registram a produção sueca de 1911 a 1967.
Um enorme projeto iniciado em 2007 pretendia fazer a digitalização de todas
essas imagens, mas a tarefa revelou-se acima das possibilidades orçamentárias.
Diante disso, priorizou-se a digitalização de todos os negativos referentes ao
periodo do cinema silencioso sueco e às produções de Ingmar Bergman, tendo
em vista as solicitações relativas ao trabalho de Bergman.
A exposição que apresentamos foi feita mediante a sugestão do curador da Jornada
Brasileira de Cinema Silencioso de que Jon Wengström selecionasse imagens
captadas durante a filmagem de trabalhos que apresentamos na IV Jornada. A
qualidade dessas imagens nos desperta um enorme desejo de ter contato com o
maior número possível delas – e de comparar os esforços de realização suecos
com os que realizávamos no Brasil no mesmo período.
Visita ao Acervo
Filmes de Arquivo do
Instituto Sueco de Cinema
Jon Wengström
Curador do Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema
VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA
A Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema tem, como parte
integrante de sua missão, o objetivo de incorporar tudo o que é projetado nos
cinemas suecos, inclusive cópias de filmes estrangeiros. Isso acontece, entretanto,
apenas sob a forma de depósito voluntário, e esta política tem sido praticada
somente nas últimas décadas. Como, então, materiais de filmes silenciosos estrangeiros entraram para a coleção?
O Clube de Cinema Sueco e, depois, o Arquivo de Filmes Históricos, precursores
da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema, foram sempre o
organismo nacional responsável pelos filmes e, consequentemente, o guardião dos
materiais em nitrato, incluindo cópias suecas de filmes silenciosos estrangeiros, depositadas por distribuidores locais ou por colecionadores privados.
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Ao longo dos anos, alguns desses materiais em nitrato se deterioram além da possibilidade de salvaguarda e foram descartados, e outros foram repatriados, antes de serem
duplicados, para arquivos de seus países de produção. Mas alguns ficaram no Arquivo,
e foram duplicados e preservados pelo Instituto Sueco de Cinema – como o rolo com
19 filmes da Gaumont realizados entre 1899 e 1901, apresentados na Jornada do
ano passado. Esse trabalho continua em andamento, na medida em que o acervo em
nitrato ainda está em processo de identificação e catalogação.
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Uma das mais recentes e espetaculares descobertas na coleção de nitratos foi a
existência da cópia sueca, quase completa, do filme até então considerado perdido
The Dawn of a tomorrow / A Aurora de um amanhã (James Kirkwood, EUA,
1915), estrelado por Mary Pickford. O filme restaurado foi exibido até agora apenas
no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha (Itália) e no V Seminário Mulheres e
Cinema Silencioso, realizado em Estocolmo em 2008.
Entretanto, é habitual que a coleção de filmes estrangeiros em nitrato apareça apenas
sob a forma de fragmentos. A mais interessante coleção de fragmentos é constituída
por cortes feitos pelas autoridades da censura sueca. Essa coleção foi incorporada,
ainda na década de 1940, pelo Arquivo de Filmes Históricos e contém alguns materiais
muito raros. Entre os materiais apresentados na Jornada deste ano estão corte de
The River / O Rio da vida (Frank Borzage, 1928) e Cagliostro (Richard Oswald,
1928). Nesses dois casos, os filmes sobreviveram, mas os cortes da censura sueca são os
únicos materiais em 35mm que existem no mundo.
A censura sueca está entre as mais antigas do mundo, e começou a funcionar já
em 1911. Uma das principais razões para seu estabelecimento foi Afgrunden / O
Abismo (Urban Gad, 1910), estrelado por Asta Nielsen. Quando o filme foi apresentado na Suécia, os censores consideraram excessiva a famosa dança gaúcha de Asta
Nielsen, e decidiram cortar a cena antes de autorizar sua exibição nas salas. O corte da
censura foi preservado e cedido ao arquivo do Instituto Dinamarquês de Cinema, em
Copenhague (a produção, afinal, é dinamarquesa) para a restauração do filme.
O Rio da vida
A maior parte da coleção em nitrato que ainda está sendo identificada e catalogada,
sobretudo os filmes de não-ficção e mesmo os cinejornais, é formada por materiais que
mostram personalidades e eventos suecos das primeiras décadas do século passado.
Alguns filmes estrangeiros de não-ficção vêm sendo também descobertos à medida
que o trabalho continua. Apenas em 2007 foi identificado e preservado um assunto de
um cinejornal alemão que apresenta a filmagem de Anna Boleyn / Ana Bolena, de
Ernst Lubitsch (1920). A cópia em nitrato e a nova cópia de projeção estão preservadas
em Estocolmo, mas um novo contratipo e uma segunda cópia foram repatriados para
a Alemanha. Em 2009, dois rolos de documentários de viagem [travelogues] franceses
sobre a Ásia oriental foram preservados (Un Voyage aux ruines d’Angkor / Uma
viagem às ruínas de Angkor e Au pays des Moïs: explorations et chasse /
No país dos Moïs: exploração e caça). A origem desses materiais não foi determinada, mas temos razões para acreditar que pertenciam ao príncipe sueco Wilhelm,
ele próprio um famoso cinegrafista de materiais de não-ficção das décadas de 1920 e
30. Na verdade, pensou-se que ele próprio teria dirigido esses filmes, mas um deles foi
identificado como uma produção francesa de 1908, e o outro provavelmente também
é francês e da mesma época.
Sempre que os recursos o permitiram, a Coleção de Filmes de Arquivo teve orçamento
para a compra de filmes não suecos conservados em arquivos estrangeiros. Além de
clássicos do cinema internacional, o arquivo reuniu algumas ricas coleções especiais
como, por exemplo, a de cinema silencioso soviético. No final da década de 1960 e
no começo da seguinte, adquirimos cópias do Gosfilmofond (Cinemateca Russa), em
Moscou, de filmes de diretores famosos como Eisenstein, Dovjenko, Pudovkin, Vertov,
Kulechov, e também de filmes preciosos de diretores menos conhecidos, como Tretia
Meschanskaia / Rua Mechanskaia, 3 ou Sofá e cama (1927), de Abram Room.
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Aquisições recentes de filmes estrangeiros do período silencioso concentraram-se
naqueles de específico interesse sueco: filmes rodados na Suécia ou com contribuição
sueca significativa na frente ou atrás das câmeras, e em suas melhores versões possíveis. Filmes deste tipo incluem os de Greta Garbo: Die freudlose Gaße / A Rua
das lágrimas (G.W. Pabst, Alemanha, 1925) e Flesh and the devil / A Carne
e o diabo (Clarence Brown, EUA, 1926), adquiridos respectivamente do Museu de
Cinema de Munique e da Warner Brothers, e The Wind / Vento e areia (Victor
Sjöström, EUA, 1928), da George Eastman House (o filme tem música sincronizada e efeitos sonoros, como foi lançado); e uma cópia do fragmento existente da
única colaboração de Victor Sjöström com Greta Garbo, The Divine woman /
A Mulher divina (EUA, 1928), adquirida da Cinemateca Russa em meados da
década de 1990 – na verdade, o fragmento foi identificado por pesquisadores suecos
de cinema que estavam trabalhando em Moscou. Outra importante descoberta em
um arquivo estrangeiro aconteceu no final da década de 1970, quando uma cópia de
um filme em três rolos, de 1912, guardada na coleção da Biblioteca do Congresso,
em Washington, Estados Unidos, revelou-se como o primeiro filme de Sjöström,
Trädgårdsmästaren / O Jardineiro. O filme havia sido proibido pelos censores
suecos e nunca foram feitas cópias no país; o filme só foi exibido no exterior, com intertítulos em línguas estrangeiras.
Em conclusão, a coleção de filmes silenciosos estrangeiros do Acervo de Filmes de
Arquivo do Instituto Sueco de Cinema é, em parte, o resultado de trabalhos de
preservação e restauração executados pelo arquivo e, em parte, resultado de uma
ativa política de aquisição, e como tal constitui forma parte integral e importante da
evolução e do desenvolvimento das práticas históricas executadas pelo Arquivo. Ela
inclui tanto clássicos conhecidos como filmes menos famosos e até mesmo filmes de
linha. É com satisfação que apresentamos exemplos dessa coleção na Jornada de São
Paulo. Que a seleção lhes agrade!
Cagliostro
PROGRAMA 1 – Censura na Suécia
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O Rio da vida
The River
Estados Unidos, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 24qps
cp: Fox Film; d: Frank Borzage; df: Ernest Palmer;
e: Charles Farrell, Mary Duncan
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
O Rio da vida é tido por alguns como um dos
filmes silenciosos mais eróticos. Com a liberdade
que lhe permitiram o sucesso mundial e o Oscar
recebido por 7th Heaven / Sétimo céu, Frank
Borzage realizou um filme pleno de sensualidade,
sobre um jovem do campo iniciado no amor por
uma misteriosa mulher da cidade.
O fragmento de O Rio da vida que apresentamos
é um corte feito pelos censores suecos e é o único
material em 35mm do filme localizado até o presente.
Paradoxalmente, a única coisa que sobreviveu é a
parte que foi cortada, supostamente para não ser vista
(pelo menos pelas plateias suecas).
Cagliostro
Cagliostro – Liebe und Leben eines
großen Abenteurers
França/Alemanha, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 18qps
cp: Films Albatros; d: Richard Oswald; df: Maurice
Desfassiaux e Jules Kruger; e: Hans Stuwe (Cagliostro),
Alfred Abel, Renee Heribel (Lorenza)
Origem da cópia: Svenska Filminstitute
De acordo com este filme, o alquimista e vidente
Cagliostro não era um charlatão e um gatuno, mas
um homem decente que tenta escapar da sua vida de
crimes com a ajuda da virtuosa Lorenza.
O fragmento apresentado é um corte da censura
sueca e novamente o único material em 35mm que
sobreviveu. Na França, o material existente do filme
é uma cópia Pathé-Baby em 9,5mm. O nitrato
original do fragmento apresentado foi restaurado pela
Cinemateca Francesa.
O Abismo
Afgrunden
Dinamarca, 1910, 35mm, preto-e-branco, 37min, 16qps
cp: Kosmorama; p: Hjalmar Davidsen; d e r: Urban Gad; df: Alfred Lind; e: Asta Nielsen (Magda Vang), Robert Dinesen
(Knud Svane), Poul Reumert (Rudolph Stern), Hans Neergaard, (Peder Svane, pastor, pai de Knud), Hulda Didrichsen (mãe
de Knud), Emilie Sannom (Lilly d’Estrelle, cantora do espetáculo de variedades), Oscar Stribolt (garçom), Johannes Fønss,
Arne Weel, Torben Meyer.
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Magda, professora de piano, encontra no bonde o jovem engenheiro Knud. Tão logo se acham comprometidos,
ele a convida para conhecer seus pais, que moram no campo. Magda conhece então Rudolph, principal atração
de um espetáculo de circo; apaixona-se e foge com ele. Algum tempo depois, Knud localiza Magda na cidade,
mas ela prefere continuar com Rudolph. Sentindo ciúme com as infidelidades do amante, Magda o provoca num
sensual número de dança “gaúcha”. Uma briga provoca a demissão do casal do espetáculo de varidades; Magda
passa a tocar piano em cafés para mantê-los. Novamente Knud a descobre e tem com ela um encontro íntimo, que
é interrompido pela chegada de Rudolph. No confronto, Magda mata o amante.
58
A importância de Afgrunden reside sobretudo em seu tema, o
retrato dos poderosos sentimentos de posse e submissão sexual, e
na extraordinária atuação de Asta Nielsen e Poul Reumert, mais
do que em sua construção formal. (...) O que importa realmente
é a apresentação chocantemente realista do destino.
Isso fica mais evidente do que nunca na famosa dança que
Nielsen e Reument interpretam e que demonstra sem disfarces
o que o restante do filme apenas insinua. Nesta dança, Asta
Nielsen amarra Poul Reument com uma corda e, em seguida,
dança ao redor dele, esfregando o corpo contra o do parceiro. O
caráter erótico desse número fez do filme um grande sucesso e lhe
deu a reputação de “quase pornográfico”.
Ron Mottram, The Danish cinema before Dreyer: Metuchen,
N.J./Londres: Scarecrow Press, 1988.
Afgrunden foi um sucesso explosivo, para a divertida surpresa de
todos os envolvidos (apenas o diretor de fotografia tinha experiência
cinematográfica anterior) e marcou o início da carreira de Asta
Nielsen como uma estrela realmente internacional. (...) Nielsen
escreve em sua autobiografia que ela e Gad fizeram o filme para
chamar a atenção dos empresários teatrais de Copenhague para os
talentos que estavam desperdiçando em papéis insignificantes. (...)
A exaltada naturalidade da interpretação de Nielsen nesse período
era resultado de um estudo cuidadoso. Ela escreve sobre como
aprendeu depressa a melhorar sua interpretação observando-se na
tela, onde tudo é ampliado. A persona natural que ela projetou
ao longo de uma série de personagens foi criada propositadamente
para a câmera e para a tela.
Janet Bergstrom, Asta Nielsen’s early German Films, in Prima di
Caligari. Cinema tedesco 1895-1920 / Before Caligari. German Cinema
1895-1920. Pordenone. Bilioteca dell’Immagine, 1999.
O Jardineiro
Trädgårdsmästaren
Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco, 34min, 18qps
cp: AB Svenska Biografteatern; d: Victor Sjöström; r: Mauritz Stiller; df: Julius Jaenzon; e: Victor Sjöström
(o jardineiro), Gösta Ekman (o filho do jardineiro), Lili Bech (a moça), John Ekman (o general), Mauritz Stiller
(passageiro no barco), Gunnar Bohman, Karin Alexandersson
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Uma garota fica apaixonada pelo filho de seu patrão, um jardineiro dono de uma grande estufa de flores. O
jardineiro manda o filho para longe, teoricamente para dar fim a uma relação socialmente indesejável, mas, na
verdade, para se aproveitar da moça. Como esta recusa as investidas do jardineiro, ela e seu velho pai são sumariamente demitidos. A jovem conquista a proteção de um velho general rico mas, com a morte dele, é expulsa pela
família e cai na vida mundana. Arrependida, volta a sua vila natal, mas as lembranças do passado terminarão
por destruí-la. O Jardineiro foi o primeiro filme de Sjöström, e nunca foi exibido nos cinemas suecos porque foi
integralmente proibido pela censura. O produtor conseguiu, na época, uma projeção especial para o primeiroministro sueco, mas isso de nada adiantou. Nenhuma cópia foi tirada na Suécia e, por isso, não sobreviveu – ou
assim se pensava. Mas, obviamente, o filme fora exportado para alguns países. Estreou em Copenhague e foi mais
tarde exportado para os Estados Unidos. Em meados da década de 1970, uma cópia americana com intertítulos
em inglês (com o nome Broken spring rose) apareceu na Biblioteca do Congresso. Não é uma obra preservada
pela Cinemateca Sueca mas por um outro arquivo, daí sua presença fora da seleção sueca, e sua inclusão nesse
programa de filmes censurados.
ASTA NIELSEN
11 setembro 1881, Copenhague, Dinamarca - 25 maio 1972, Copenhague, Dinamarca
Nascida em uma família de classe operária, fez
cerca de oitenta filmes em pouco mais de vinte
anos de carreira. Cursou a Escola Real de Teatro,
em Copenhague, e trabalhou nos palcos dinamarqueses por uma década.
De forte personalidade,
ficou grávida aos 20
anos; insistiu em ter a
criança, recusando-se a
casar com o pai de sua
filha, apesar dos preconceitos sociais contra
mães solteiras. Em 1910,
contra as opiniões de
seus parceiros teatrais,
estreou no cinema com
O Abismo, realizado com Urban Gad, cenógrafo
de seu teatro e com quem se casou dois anos
depois. O filme fez um sucesso colossal e a lançou
como uma das primeiras estrelas cinematográficas
verdadeiramente internacionais. Suas aparições
pessoais provocavam tumultos na Europa e fora
do continente.
Logo após, Asta Nielsen e Urban Gad aceitaram
um convite para trabalhar no cinema alemão e,
entre 1911 e 1915, realizaram mais de trinta filmes
para a produtora PAGU – Projektions-AG Union.
Ela participava ativamente em diferentes aspectos
da realização cinematográfica, como a escolha de
elenco e locações, cenografia, figurino e publicidade, e em 1920 criou sua própria companhia
produtora, a Maxim-Film.
Nielsen era brilhante em papéis trágicos e cômicos;
sua sensualidade igualava sua inteligência, seus
recursos dramáticos e sua agilidade física. Era
extraordinária na interpretação de personagens
não convencionais, que desafiam limitações sociais
e sexuais. Ela expressava os conflitos íntimos
de uma maneira inédita no cinema. Era direta,
natural e moderna. Com sua silhueta esbelta,
acentuada por trajes
sugestivos – de farrapos
a vestidos extravagantes
–, ela cruzava de forma
convincente, de um filme
para outro, as fronteiras
de sexo e de classe.
Um dos filmes mais
interessantes de Asta
Nielsen foi Hamlet
(Sven Gad e Heinz
Schall, 1921). Havia precedentes de grandes
atrizes teatrais interpretando papéis masculinos
– Eleanora Duse, por exemplo, fez isso várias
vezes. Mas Asta dá uma sutil reviravolta ao não
interpretar um homem, mas sim uma mulher
disfarçada de homem, adicionando uma nova
camada à complexidade dos sexos. Hamlet
baseou-se menos em Shakespeare e mais num livro
popular da época, que propalava que Hamlet era,
na verdade, uma moça criada como rapaz para
garantir um herdeiro ao trono da Dinamarca.
Asta Nielsen estrelou A Rua das lágrimas /
Die freudlose Gaße ao lado de uma estrela em
ascensão cuja fama ultrapassaria a sua, Greta Garbo,
que afirmava: “Ela me ensinou tudo que sei”.
Com a chegada do cinema sonoro, Asta Nielsen
realizou apenas um filme e, em meados da década
de 1930, voltou para a Dinamarca, embora o
governo nazista quisesse, oferecendo-lhe facilidades
de produção, conservá-la como a maior joia de seu
59
A geração de hoje não pode compreender o que sua
máscara lívida, de olhos imensos e ardentes, significava
para os anos 1910 e 20. Outras usaram aquela
franja lisa e reta de cabelos negros; mas ninguém
senão ela – talvez também Louise Brooks – parecia
inseparável daquela aparência estilizada. Uma época
hipercultivada, instável e sofisticada encontrara seu
ideal em Asta Nielsen, mulher intelectual, cheia de
refinamentos, com rosto de pierrô lunar, pálpebras
pesadas, mãos que pareciam conter feridas invisíveis,
como as de Eleonora Duse. (...)
Mas Asta Nielsen foi mais do que o ideal de uma geração
que cultivava o linear e o arabesco. (...) Sua humanidade
quente, cheia de fôlego, de presença, refutava o abstrato,
bem como o caráter abrupto da arte expressionista. (...)
PROGRAMA 2
Filmando Ana Bolena
Bakomfilm Anna Boleyn
Alemanha, 1920, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 2min, 18qps
cp: UFA Universum Film AG; e: Ernst Lubitsch, Emil Jannings, Henny Porten
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Trecho de cinejornal da UFA, filmado por ocasião da visita do presidente da República Alemã Friedrich Ebert
aos estúdios da produtora, onde Ernst Lubitsch filma Ana Bolena. Emil Jannings e Henny Porten chegam de
automóvel para as filmagens.
Nunca se rebaixava à afetação; quando travestida, nunca
chocava. Podia representar de calças sem ambiguidade.
Pois o erotismo de Asta Nielsen estava longe de todo equívoco;
tratava-se sempre, para ela, de uma paixão autêntica.
60
Caricatura da dança gaúcha de O Abismo, feita
por Urban Gad, diretor do filme
firmamento de estrelas. Voltou a trabalhar em
teatro e, em 1946, publicou sua autobiografia, bem
humorada e repleta de sabedoria. Escreveu contos,
artigos para jornais e revistas, e uma série radiofônica sobre a arte de envelhecer. Desenvolveu
também um expressivo trabalho como artista
plástica, além de ter dirigido um filme sobre sua
própria carreira.
Segundo o poeta Guillaume Apollinaire, Asta
Nielsen era “o delírio do bêbado e o sonho do
homem solitário”.
“Baixem as cortinas diante dela”, escreveu certa vez Bela
Balazs, depois de ver Asta Nielsen representar a morte de
Hamlet, “baixem as cortinas, pois ela é única”.
61
Seu penteado em franja às vezes a levava a representar
vamps, mas Nielsen não tinha qualquer frieza calculista.
Sentia-se nela aquele fogo devorador que não vai apenas
destruir os homens, mas também a ela mesma. (...)
A Aurora de um amanhã
Não se conseguiu esquematizar Asta Nielsen. E é
justamente porque ela soube conservar sua maneira de ser,
seu próprio rosto, que nunca foi contratada para filmar
em Hollywood, onde não poderiam transformá-la.
Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 67min, 17qps
cp: Famous Players Film Company; p: Daniel Frohman; d: James Kirkwood; r: Eve Unsell baseado em romance e peça
homônima de Frances Hodgson Burnett; e: Mary Pickford (Glad), David Powell (Dandy), Forrest Robinson (sir Oliver
Holt), John Findlay (William, criado de sir Oliver), Robert Cain (Oliver, sobrinho de sir Oliver), Margaret Seddon (Polly),
Blanche Craig (Bet), Ogden Childe
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Nielsen é tipicamente nórdica, saída das lendas selvagens
do Edda, e mesmo tendo filmado muito pouco em seu
país natal, a Dinamarca, permanece nos filmes alemães
uma figura à parte, não apenas porque os diretores
dinamarqueses Urban Gad e Sven Gad (...) dirigiram
a maioria de seus filmes: em torno dela persiste aquela
aura complexa quando filma com diretores alemães,
como Pabst ou Bruno Rahn.
Lotte Eisner, A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985.
Asta Nielsen está no elenco do filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße
The Dawn of a tomorrow
A história se passa na Inglaterra, e Mary Pickford interpreta Glad, “a mais pobre e feliz órfã de Londres”. No
decorrer do filme, este anjo inspirado no mundo de Dickens abriga uma mãe e uma criança abandonadas,
evita um suicídio, evita violências domésticas e impede que o namorado Dandy sucumba a uma vida de crimes.
A beleza dos primeiros planos exibe uma extraordinária precisão expressiva e tornam esse filme de Mary
Pickford uma revelação. Essa obra era considerada perdida até que uma cópia nitrato tingida, versão exibida
na Suécia, foi identificada na Coleção de Filmes de Arquivo do Svenska Filministitutet, em 2005.
A restauração foi completada em 2008.
O filme é uma adaptação de um romance e uma peça de Frances Hodgson Burnett, autora dos consagrados Little
Princess / (A Princesinha) e Little Lord Fauntleroy / (O Pequeno lorde).
PROGRAMA 3
PROGRAMA 4
Uma Visita a Selma Lagerlöf
Ett besök hos Selma Lagerlöf
Suécia, 1926, 35mm, cor, 6min, 20qps
cp: Film AB Le Mat-Metro-Goldwyn; d: Raoul Le Mat
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Documentário com a escritora Selma Lagerlöf, autora de vários livros adaptados pelo cinema sueco e primeira mulher a
ganhar o prêmio Nobel de Literatura, em 1909. O filme mostra a casa em que mora numa vila tranquila. Em seguida,
a escritora vai a uma cidade vizinha assistir o filme The Tower of lies / Castelos de ilusões, com Norma Shearer
e Lon Chaney, realizado por Victor Sjöström a partir de seu romance Keisarn av Portugallien. O filme não existe mais, mas
vemos Selma Lagerlöff examinar algumas imagens do filme, com rolo no colo, perto de uma janela.
A Rua das lágrimas
Die freudlose Gaße
Alemanha, 1925, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 149min, 19qps
cp: Sofar-Film-Produktion; p: Michael Salkin e Romain Pinès; d: Georg Wilhelm Pabst; r: Willy Hass baseado no romance
homônimo de Hugo Bettauer; df: Guido Seeber, Curt Oertel e Walter Robert Lach; da: Hans Sohnle e Otto Erdmann;
mo: Mark Sorkin; e: Asta Nielsen (Maria Lechner), Greta Garbo (Greta Rumfort), Werner Krauss (açougueiro), Einar
Hanson (tenente Davy), Jaro Fürth (Hofrat Rumfort), condessa Agnes Esterhazy (Regina), Karl Etlinger (Rosenow), Ilka
Grüning (sra. Rosenow), Henry Stuart (Egon Stirner), Robert Garrison (Canez), Valeska Gert (sra. Greifer), condessa Tolstoi
(srta. Henriette), Alexander Murski (dr. Leid), Tamara Tolstoi (Lia Leid), Grigori Chmara (garçom), Hertha von Walther
(Elza), Max Kohlhase (sr. Lechner), Sylvia Torff (sra. Lechner), Loni Nest (Mariandl), Mario Cusmich (coronel Irving), Edna
Markstein (sra. Merkl), Otto Reinwald (marido de Elza), M. Raskatoff (Trebisch), Krafft-Raschig (soldado)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
62
Na Viena de 1921, parte dos habitantes da rua Melquior padece as horrendas consequências de uma profunda
inflação. Existem apenas duas pessoas ricas na rua: o açougueiro e a sra. Greifer, que dirige uma loja de roupas e
um clube noturno frequentado pela classe abastada de Viena. Anexo ao clube, há um hotel de alta rotatividade,
onde as moças pobres que o frequentam se prostituem para pagar a sra. Greifer e comprar comida para suas
famílias. A história segue as desventuras de duas mulheres: Maria, filha de um pai cruel e brutal, que sucumbe às
atrações da prostituição; e Greta, oriunda de uma família acostumada a melhores condições de vida, que resiste à
tentação do dinheiro fácil. No final do filme, Elza, moça doente e empobrecida, assassina o açougueiro; e os pobres
da rua, ao escutar os sons vindos do clube noturno, iniciam uma revolta contra os ricos.
Nenhuma cópia da versão original deste filme sobreviveu. Diversas ações da censura destruíram-no sistematicamente
na Alemanha, ao mesmo tempo em que as versões estrangeiras também sofreram cortes extensos e foram alteradas.
Uma reconstrução inicial do filme foi empreendida por Enno Patalas, do Museu de Cinema de Munique, em
1989, baseada em cópias de três versões estrangeiras distribuídas na Rússia, na Inglaterra e na França. Para o
estabelecimento da ordem na versão que apresentamos, uma outra cópia francesa e uma americana também foram
consultadas, além de fragmentos da versão alemã recentemente descobertos. A ordem desta versão e os intertítulos
são baseados tanto no relatório de censura de 1926 como nas versões estrangeiras. Mas, mesmo esta reconstrução
é, no máximo, apenas uma aproximação da versão original, sobretudo porque ainda faltam partes do filme que, de
acordo com o roteiro e outros registros, chegaram a existir.
A Carne e o diabo
Flesh and the devil
Estados Unidos, 1926, 35mm, preto e branco, 113min, 20qps
cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Clarence Brown; r: Benjamin Glazer baseado no romance Es
war, de Hermann Sudermann; df: William Daniels; da: Cedric Gibbons e Fredric Hope; mo: Lloyd Nosler; e: John
Gilbert (Leo von Harden), Greta Garbo (Felicitas), Lars Hanson (Ulrich von Eltz), Barbara Kent (Hertha von Eltz),
William Orlamond (tio Kutowski), George Fawcett (pastor Voss), Eugenie Besserer (mãe de Leo), Marc McDermott
(conde von Rhaden), Marcelle Corday (Minna)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Leo von Harden e Ulrich von Eltz são ligados desde criança por uma profunda amizade. Servem num colégio
militar alemão e, em uma licença, Leo fica apaixonado por Felicitas, esposa de um poderoso conde. Num duelo,
Leo mata o conde e, antes de partir para a África, pede a Ulrich que cuide de Felicitas. Ulrich, ignorante do amor
de Leo por Felicitas, apaixona-se e se casa com ela. Com a volta de Leo, Ulrich divide-se entre a amizade e o amor
de Felicitas – que estimula a paixão de Leo. Acusado pelo pastor Voss de manter um caso amoroso com Felicitas,
Leo perde o controle de suas emoções, tenta matá-la e duela com o amigo de toda sua vida.
O filme marcou um momento decisivo da carreira e da vida pessoal de Greta Garbo. A princípio, ela não queria
tomar parte no filme. Ela havia concluído The Tempress / Terra de todos, estava cansada, e seu contrato
com a Metro-Goldwyn-Mayer não lhe permitia fazer a longa viagem à Suécia que desejava. Uma carta dura da
MGM a alertou sobre as sérias consequências que provocariam sua recusa em voltar ao trabalho. Na verdade,
isso foi o ensaio da batalha que, após A Carne e o diabo, ela travou com os chefes do estúdio e que terminaram
por fazer com que fosse uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood na época. A química romântica entre
Greta Garbo e John Gilbert foi o sonho de qualquer diretor, porque não era apenas interpretação. Segundo
a lenda, Gilbert propôs casamento a Garbo durante a produção; ela aceitou, mas escapou no último minuto.
O filme marcou o início de um dos mais famosos romances hollywoodianos de sua idade de ouro. Apesar do
romance tórrido, Garbo e Gilbert não se casaram, mas continuaram a fazer filmes juntos até depois da chegada
do cinema sonoro (embora a carreira de Gilbert tenha sofrido um sério abalo quando sua voz foi ouvida pela
primeira vez). Garbo ficou muito impressionada com o trabalho de direção de Clarence Brown e com a fotografia
de William Daniels, e exigiu continuar trabalhando com eles nos filmes seguintes na MGM. Acima de tudo, ela
elegeu Daniels como seu fotógrafo ideal.
63
GRETA GARBO
18 setembro 1905, Estocolmo, Suécia - 15 abril 1990, Nova Iorque, Estados Unidos
Greta Lovisa Gustafsson era a filha mais nova
de uma família de operários suburbanos de
Estocolmo. Em 1920 começou a trabalhar como
balconista da PUB, uma loja de departamentos.
Em pouco tempo estava posando com chapéus
para o catálogo da loja e, em seguida, para
pequenos filmes de propaganda da empresa. Em
1922 interpretou um pequeno papel na comédia
curta Luffar-Petter / [Pedro, o vagabundo]
(Erik A. Petschler) e ganhou uma bolsa para
estudar na Academia Real de Arte Dramática. Foi
na Academia que Mauritz Stiller a descobriu e de
onde a tirou para estrelar Gösta Berlings saga
/ A Saga de Gösta Berling (1924). Em Berlim,
sob a direção de G.W. Pabst, Greta coadjuva Asta
Nielsen em Die freudlose Gaße / A Rua das
lágrimas. O sucesso de público e de crítica das
duas fitas solidificam a posição de Greta – já com o
nome de Garbo – como uma das primeiras atrizes
da Europa. Contratada pelo presidente da MetroGoldwyn-Mayer, Louis B. Mayer, juntamente com
Mauritz Stiller, Greta chega a Hollywood, onde
estrelará, de 1926 a 1941, 25 longas-metragens,
sempre para a MGM, produtora para a qual
assegura grandes lucros. Aos 36 anos, considerada
um mito da arte cinematográfica, Greta Garbo
abandona o cinema.
64
Garbo sofria de depressão crônica e passou muitos
anos tentando se livrar disso através da filosofia
oriental e de um regime alimentar saudável.
Entretanto, nunca parou de fumar nem de beber.
Certa ocasião, Garbo declarou a uma revista
francesa: “Eu me sinto como uma criminosa que está
sendo caçada. Quando os fotógrafos me cercam,
eles atraem multidões. Eu fico amedrontada acima
de meu controle com tanta gente me olhando. Me
sinto quase envergonhada”.
O seu rosto tinha a beleza pura da Maria na Pietà
de Michelangelo, e contudo brilhante de paixão. O
sofrimento de sua alma era tão grande que o público
americano perdoaria os muitos casos amorosos de
Torrent / Laranjais em flor [Monta Bell,
1926], o primeiro filme de Garbo nos Estados Unidos.
Finalmente, o casamento – o obstáculo que se interpunha entre o sexo e o prazer – podia ser esquecido!
Finalmente, achara-se a resposta para as jovens atrizes
que queriam representar apenas garotas boazinhas.
No que diz respeito às estrelas femininas estabelecidas,
era apenas uma questão de um ano ou dois antes que
o poderoso apoio dos estúdios fosse retirado de todas
elas. A coincidência temporal do advento dos filmes
falados forneceu uma razão plausível para se dar ao
público como desculpa pelo desaparecimento de muitas
favoritas. Mas não havia uma atriz em Hollywood que
não compreendesse a verdadeira razão: Greta Garbo.
Desde o momento em que Torrent entrou em produção,
nenhuma atriz contemporânea seria novamente feliz
consigo mesma. Todo o estúdio MGM – incluindo
Monta Bell, o diretor –, assistiu as tomadas diárias
com grande alegria ao perceber o quanto Garbo criava,
a partir de um roteiro pobre e antiquado, a sombra
complexa e encantadora de uma alma na tela. E era
uma sombra tão gigantesca que as pessoas não falavam
sobre ela. Nas festas, duas ou três vezes por semana,
eu encontrava Norma Shearer e Irving Thalberg,
Hunt Stromberg, Paul Bern, Jack Conway e Clarence
Brown, todos contratados da MGM. Se, por acaso, um
dos homens era tão desumano a ponto de falar de um
filme de Garbo, uma das garotas diria “Sim, ela não
é divina?”, e mudaria para um assunto que causasse
menos desespero.
Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood.
University of Minnesota Press, 2000.
Clarence Brown (diretor de A Carne e o diabo):
“Eu nunca disse: ‘Eu quero ficar sozinha’. Eu disse:
‘Eu quero que me deixem sozinha’. Há um mundo
de diferença entre as duas coisas”.
No começo da primavera de 1925, Louis B. Mayer
a encontrou! Ao ver Greta Garbo no filme Gösta
Berling, em Berlim, ele sabia, tanto quanto que
estava vivo, que tinha descoberto um símbolo sexual
além de sua imaginação – ou de qualquer outra.
A Rua das lágrimas
A Carne e o diabo foi meu primeiro filme para
a MGM, e ele realmente criou Garbo. Ele também
alavancou o romance Garbo-Gilbert. Greta Garbo tinha
algo que ninguém nunca tinha visto na tela. Ninguém.
Eu não sei se ela sabia que tinha isso, mas ela tinha. E
eu posso explicar isso em poucas palavras.
Eu fazia uma cena com Garbo – muito bem. Eu fazia
três ou quatro tomadas. Estava muito bom, mas eu
65
Garbo tinha algo atrás dos olhos que você não podia
ver, a não ser que a fotografasse em primeiro plano.
Você podia ver o pensamento. Se ela precisava olhar
para uma pessoa com ciúme e para outra com amor, ela
não precisava mudar de expressão. Você podia ver isso
em seus olhos quando ela olhava de uma para outra.
E ninguém mais podia fazer isso na tela. Garbo fazia
isso sem nenhum domínio do inglês.
Para mim, Garbo começa onde todos terminam. Ela
era uma pessoa tímida, sua carência de inglês provocava nela um ligeiro complexo de inferioridade. Eu
costumava dirigi-la com muita calma. Eu nunca a
orientava falando alto, mas sempre num sussurro.
Ninguém no set sabia o que eu havia dito a ela, e ela
gostava disso. Ela odiava ensaiar. Preferia ficar longe
até que todos tivessem ensaiado; então ela entrava e
fazia a cena.
Kevin Brownlow, The Parade’s gone by... University
of California Press, 1997.
66
Às 9 horas, o trabalho podia começar. “Digam à
senhorita Garbo que estamos prontos”, dizia o diretor.
“Eu estou aqui”, respondia uma voz grave, e ela
aparecia, perfeitamente vestida e penteada como a cena
pedia. Ninguém poderia dizer por que porta ela havia
entrado, mas ela estava lá. E às 18 horas, mesmo que
a tomada pudesse ser concluída em cinco minutos, ela
apontava para o relógio e ia embora, com um sorriso
de desculpas. Ela era muito rigorosa consigo mesma
e dificilmente ficava satisfeita com seu trabalho. Ela
nunca assistia copiões nem ia aos lançamentos, mas,
alguns dias depois, num começo de tarde, entrava
sozinha em algum cinema de bairro, sentava num lugar
discreto e saía apenas quando a projeção terminava,
escondida atrás de seus óculos escuros.
Jacques Feyder, que dirigiu Greta Garbo em The
Kiss / O Beijo (1929) e na versão alemã de Anna
Christie (1931). A versão em inglês foi dirigida
por Clarence Brown em 1930 e foi o primeiro
filme em que Garbo falou.
Os 27 filmes de Greta Garbo
Carlos Drummond de Andrade
27, tem certeza? Não importa.
Para mim são 24. Lembro-me bem.
Conto um por um, de 1926
a 1941, de vida contínua.
De minha vida. De The Torrent a Two-faced woman.
Entre os dois, um abismo
onde aprisionei, para meu gozo, Greta Garbo.
Ou ela me aprisionou?
Será que não houve nada disso?
Alucinação, apenas?
O tempo é imperscrutável. São tudo visões.
Greta Garbo, somente uma visão, e eu sou outra.
Neste sentido nos confundimos,
realizamos a unidade da miragem.
É assim que ela perdura
no passado irretratável e continua no presente,
esfinge andrógina que ri
e não se deixa decifrar.
(...)
Dela quiseram fazer uma ninfa obediente,
autômato de impulsos programados.
Foram vencidos.
(...)
Que é a realidade do real
ou da ficção?
Que é personagem de uma história
mostrada no escuro, sempre variável,
sempre hipótese,
na caleidoscópica identidade da intérprete?
Como posso acreditar em Greta Garbo
nas peles que elegeu
sem nunca se oferecer de todo para mim,
para ninguém?
Enganou-me todo o tempo. Não era mito
como eu pedia. Escorregando entre os dedos
que tentavam fixá-la,
Marguerite Gauthier, Lillie Sterling,
Susan Lenox, Rita Cavallini,
Arden Stuart,
Marie Walewska, água, água, múrmura água
deslizante,
máscaras tapando a grande máscara
para sempre invisível.
A vera Greta Garbo não fez os filmes
que lhe atribui minha saudade.
Tudo se passou em pensamento.
Mentem os livros, mentem os arquivos
da ex-poderosa Metro Goldwin Mayer.
VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA
nunca ficava plenamente satisfeito. Quando eu via a
mesma cena na tela, entretanto, ela tinha alguma coisa
que não tinha no set.
67
Agora estou sozinho com a memória
de que um dia, não importa em sonho,
imaginei, maquinei, vesti, amei Greta Garbo.
E esse dia durou 15 anos.
E nada se passou além do sonho
diante do qual, em torno ao qual, silencioso,
fatalizado,
fui apenas voyeur.
Greta Garbo é atriz de A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße, A Mulher
divina / The Divine woman e A Carne e o diabo / Flesh and the devil
A Mulher divina
PROGRAMA 5
A Mulher divina
The Divine woman
Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, 10min, 22qps
cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Dorothy Farnum; df: Oliver T. Marsh;
mo: Conrad A. Nervig; e: Greta Garbo (Mariana), Lars Hanson (Luciano), Lowell Sherman, Polly Moran, Dorothy
Cumming, John Mack Brown, Cesare Gravina
Origem da cópia: Svenkska Filminstitutet
A jovem inglesa Mariana, abandonada pelos pais pobres, quer ser atriz e se muda para Paris. Apaixona-se por
Luciano, desertor do Exército. Para provar seu amor por Mariana, o rapaz rouba um vestido e é preso.
A Mulher divina, dirigido por Victor Sjöström, em Hollywood, e coadjuvado pelo também sueco Lars Hanson,
é o único filme desaparecido de Greta Garbo. O fragmento existente (10 minutos dos 81 originais), e o que apresentamos nesta Jornada foi identificado na Gosfilmofond / Cinemateca Russa, em 1990. Nele, numa graciosa cena
de despedida interpretada por Garbo e Hanson, a atriz aparece relaxada e risonha, desmentindo a lenda de que
só riria em Ninotchka (1939), seu penúltimo filme.
Vento e areia
The Wind
Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, sonoro, 72min, 24qps
cp: Metro-Goldwyn-Mayer; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Frances Marion, baseado no romance homônimo de Dorothy
Scarborough; df: John Arnold; da: Cedric Gibbons e Edward Withers; mo: Conrad A. Nervig; mor: William Axt;
e: Lillian Gish (Letty), Lars Hanson (Lige), Montagu Love (Roddy), Dorothy Cumming (Cora), Edward Earle (Beverly),
William Orlamond (Sourdough), Carmencita Johnson, Leon Janney e Billy Kent Schaefer (filhos de Cora)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
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Letty muda-se para o oeste do Texas para morar no rancho de seu primo Beverly. Em sua viagem, ela fica incomodada com o vento incessante. Roddy nota isso e a amedronta dizendo que habitualmente o vento enlouquece
as mulheres. Lige, vizinho de Beverly, apanha Letty na estação de trem. Depois de quilômetros de vento e areia,
chegam ao rancho onde Cora, esposa de Beverly, imediatamente manifesta seu ciúme em relação ao marido e aos
filhos, que demonstram seu carinho por Letty. Cora afinal pede que Letty deixe o rancho e, sem alternativas, a moça
aceita uma proposta de casamento de Lige. Mas Letty sente profundo desprezo pelo marido que, ofendido, jura que
nunca a tocará. Um dia, Lige parte para reunir-se a outros vaqueiros. Letty, muito transtornada pelo vento, pede
que o marido a leve junto, mas Lige recusa-se. Mesmo assim, ela tenta segui-lo, mas volta para casa, ferida numa
tempestade de areia. Roddy chega ao rancho machucado e Letty cuida dele, que tenta se aproveitar dela. Lige chega
e, pela primeira vez, ficando contente ao vê-lo, se beijam. Lige parte novamente e, durante uma nova tempestade de
areia, Letty enlouquece. Roddy a salva e tenta estuprá-la, mas Letty o mata. Ela tenta enterrar o corpo, mas o vento
a impede e ela novamente perde a razão. Lige volta, ela confessa seu crime e ele compreende como o vento a afetou.
Quer levá-la para longe do rancho, mas Letty declara que nunca o abandonará.
Trabalhar em Vento e areia foi uma das minhas piores experiências em cinema. A areia era atirada sobre mim por oito motores de
aeroplanos, e potes de enxofre também foram usados para produzir o efeito de tempestades de areia. Eu ficava queimada e corria o
risco de perder os olhos. Meus cabelos eram queimados pelo sol forte e quase arruinados pela fumaça de enxofre e pela areia.
Quando vimos o filme na tela, inclusive Irving Talberg, pensamos que era o melhor filme que já havíamos feito. Mas os meses se
passavam, e o filme não era lançado. Escutei rumores de que o filme estava sendo remontado. Fui chamada de volta ao estúdio
e Irving explicou que oito dos maiores exibidores do país haviam visto Vento e areia e insistiam que o final fosse mudado. Em
vez do desaparecimento da heroína na tempestade, ela e o herói deveriam se reconciliar num final feliz. Ficamos com o coração
partido, mas fizemos o que eles queriam.
Lillian Gish. The Movies, “Mr. Griffith and Me”, de Lillian Gish e Ann Pinchot. Prentice-Hall, Inc., 1969.
Louise Brooks sobre Lillian Gish e Greta Garbo
Parece fatal lembrar que, depois que Lillian Gish assistiu uma projeção de Gösta Berling, declarou que tinha fé em L. B.
Mayer porque ele trouxera Greta Garbo para Hollywood. Ela não poderia adivinhar que esse evento tornaria obsoletos
os papéis à la Gish tão rapidamente quanto o estúdio pudesse terminar com seu contrato. Antes do início da produção
de Torrent, o estúdio deixou Garbo meio solta, tirando fotografias para publicidade, e ela pode testemunhar Lillian Gish
trabalhando em La Bohème [King Vidor, 1926]. Ao assistir a única estrela americana cuja integridade, dedicação
e força de vontade elevavam sua interpretação aos padrões de disciplina e excelência que Garbo aprendera na Europa,
ela percebeu que a atriz impotente, triturada durante horas de indecisão, imprevisibilidade e falta de resoluções não era
necessariamente a lei da produção cinematográfica americana. Em maio de 1926, a revista Photoplay publicou uma
frase de Garbo “Serei feliz quando me tornar uma estrela tão grande como Lillian Gish. Então, não precisarei mais de
publicidade nem tirar fotografias apertando a mão de boxeadores campeões”.
Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000.
Vento e areia. Lars Hanson, Lilian Gish e William Orlmond (da esquerda para direita)
LARS HANSON
26 julho 1886, Göteborg, Suécia - 8 abril 1965, Estocolmo, Suécia
Dotado desde a adolescência de grande talento,
Lars Hanson estudou arte dramática em Estocolmo
e em Helsinque, na Finlândia, tornando-se um ator
shakespeariano de grande popularidade. Estreou
no cinema em 1915, pelas mãos de Mauritz Stiller,
diretor com quem continuou trabalhando ao longo
dos anos. Foi com Stiller que se consagrou em
dois filmes notáveis, Erotikon (1920) – estrelado
também por Karen Molander, com quem Lars
se casaria dois anos depois – e Gösta Berlings
saga / A Saga de Gösta Berling (1924), que
chamaria a atenção de Hollywood para uma atriz
coadjuvante: Greta Garbo.
Com o rosto de traços delicados e mãos que pareciam
esculpidas em porcelana, Lars encarnava o arquétipo do sueco suave de seu tempo. A pedido da atriz
americana Lillian Gish, Hanson foi para Hollywood
em 1926, para contracenar com ela no filme The
Scarlet letter / A Letra escarlate, sob a direção
de Victor Sjöström. A química entre os dois protagonistas transformou o filme em uma das grandes
referências de romance no cinema da época.
Atuou em diversos filmes americanos como Flesh
and the devil / A Carne e o diabo, Captain
Salvation / O Jovem redentor (John S.
Robertson, 1927), Buttons / Meu comandante
(George W. Hill, 1927) e, em 1928, voltou a
trabalhar com a amiga Lillian Gish em The
Wind / Vento e areia, também sob a direção de
Sjöström. A sequência da noite de casamento deste
filme demonstra o talento excepcional de seus
atores e é considerada por muitos uma das mais
belas interpretações do cinema silencioso.
Com o advento do cinema falado, Hanson retornou
à Suécia. Seu sotaque era carregado demais para o
público americano. Participou de diversos espetáculos teatrais em toda a Europa e ganhou uma
infinidade de prêmios, entre eles o Eugene O’Neil,
até hoje considerado o mais importante prêmio do
teatro sueco.
Foi casado com Karin Molander até 1965, quando
faleceu, aos 78 anos. Permanece como um dos mais
influentes atores suecos de todos os tempos.
Lars Hanson está no elenco dos filmes A Herança de Ingmar / Ingmarsarvert,
A Mulher divina / The Divine woman e A Carne e o diabo/ Flesh and the devil
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Vento e areia
PROGRAMA 7
Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan
Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan
Suécia, 1897, 35mm, preto-e-branco, 1min, 18qps
d e df: Ernest Florman; e: Chulalongkorn, rei do Sião; Oscar II, rei da Suécia
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Cenas da vida do rei Oscar II
En bildserie ur Konung Oscar:s lif
Suécia, 1907, 35mm, preto-e-branco e cor, 3min, 16qps
cp: Nya London; d e df: Ernest Florman; e: Oscar II, rei da Suécia; Frederico VIII, rei da Dinamarca
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Cortejo de cavalaria; Oscar II despede-se de Frederico VIII num barco; bandeira da Suécia colorida à mão.
PROGRAMA 6
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Viagem às ruínas de Angkor
Voyage aux ruines d’Angkor
Rua Meschanskaia 13 / Sofá e cama
França, 1908 (?), 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps
d: Monseigneur le Duc de Montpensier
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
União Soviética, 1927, 35mm, preto-e-branco, 86min, 20qps
cp: Sovkino; d: Abram Room; r: Viktor Shklovsky e Abram Room; df: Gregori Giber; da: Vasili Rakhals e Sergei Yutkevich;
e: Lyudmila Semyonova (Liudmila), Nikolai Batalov (Kolia), Vladimir Fogel (Volodia), Leonid Yurenyov (porteiro),
Yelena Sokolova (enfermeira)
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
O filme acompanha um grupo de turistas que chega a Saigon, no Vietnã, e sobe o rio Mekong. Vista das margens
e das vilas ribeirinhas. Chegada à capital do Camboja e viagem em carros de boi até o conjunto das ruínas de
Angkor. Diversas vistas das ruínas.
Tretia Meschanskaia
Um casal, Liudmila e Kolia, mora num pequeno apartamento em Moscou. Volodia, um amigo de Kolia, chega
à cidade e não consegue encontrar moradia. Kolia convida Volodia para ficar em seu apartamento e dormir no
sofá. Quando Kolia viaja a negócios, Liudmila e Volodia apaixonam-se e têm um caso. Furioso a princípio, Kolia
acalma-se, muda-se para o sofá e os três passam a morar juntos até o momento que Liudmila revela sua gravidez.
Os dois homens tentam decidir o que fazer, mas é Liudmila quem toma suas próprias decisões.
Moscou tem carência de moradias,como Londres, Berlim, Paris e qualquer outra cidade, pequena ou grande. Em Moscou,
a superpopulação gera certos males sociais, os mesmos males sociais gerados em Londres, Berlim e Paris. A superpopulação
constrange o ser humano em sua luta por independência, liberdade e saúde. Abram Room, que é um bom psicólogo, entende
o problema e se decide a expô-lo e enfrentá-lo. Ele sabe que ao fazer isso ele tem o apoio do governo soviético. Na Inglaterra,
onde existe uma carência de cerca de um milhão de moradias, os diretores de cinema não fazem esse tipo de coisa.
Sofá e cama mostra o que acontece quando duas pessoas vivem apertadas em um cômodo, e mostra o que acontece
quando as duas aumentam para três. Room expõe seu assunto; nós sabemos o que vai acontecer, e esperamos que aconteça.
Mas ficamos profundamente interessados pela maneira que o diretor usa para retratar pictoricamente o estado mental e
as reações psicológicas desses três. Tudo se encaminha para uma crise, um rompimento, mas Liudmila toma a decisão, a
única possível: rompe com tudo e parte para começar uma nova vida.
A mulher é igual ao homem. A mulher precisa ser livre, independente. As velhas tradições morais da superioridade
masculina estão erradas. A superpopulação precisa ser abolida, diz Room, em busca de uma nova vida, uma vida livre,
baseada na completa igualdade social.
A.W., Close Up (Suíça), maio 1929
Na terra dos Moïs: exploração e caça
Au pays des Moïs: exploration et chasse
França, 190?, 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps
Origem da cópia: Svenska Filminstitutet
Um grupo de turistas vai de Saigon à terra dos Moïs, inicialmente de automóvel e depois a cavalo. Detalhes da
viagem. Ao encontrarem um acampamento da tribo Chô Mas, os exploradores acompanham a caçada de um
búfalo. Maneiras dos Chô Mas fazerem fogo. Refeição. Ritos executados pelas sacerdotisas. Pormenores da caçada
durante a qual os exploradores matam alguns búfalos.
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Destaques de Pordenone
Quadra de Ases Americanos
Aposta (sem blefe) de Pordenone
Paolo Cherchi Usai
Pesquisador, historiador, presidente da Fundação Haghefilm, membro do conselho diretor das
Giornate del Cinema Muto de Pordenone, Itália
Se vocês acompanharam esta seção desde o início – quer dizer, desde a segunda
edição da Jornada –, notaram que as Giornate del Cinema Muto di Pordenone (o
festival italiano “gêmeo” da Jornada, prestes a completar seus trinta anos) até agora
sugeriram a nossos amigos da Cinemateca Brasileira um programa “internacional”
de obras-primas, convencido que estamos de que o grande cinema não conhece
fronteiras geográficas. Façamos desta vez uma exceção, propondo uma quadra de
ases, todos americanos. Uma outra exceção se deve ao fato de que três das quatro joias
que verão este ano são comédias. Todas comédias de alta classe.
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Não tenham medo: o cardápio será adaptado a todos os gostos. Se acreditavam que
as grandes divas do cinema silencioso fossem estupendas apenas em assuntos dramáticos, Glória Swanson os fará mudar de ideia com Stage struck / Este mundo é
um teatro (Allan Dwan, 1925), uma subversiva homenagem à tradição do teatro
ambulante, com sequências coloridas de tirar o fôlego. Se gostam de absurdo e de
surreal, When the clouds roll by / O Supersticioso (1919) é feito para vocês.
Muito antes que Victor Fleming se tornasse um “clássico” da epopeia sulista com
Gone with the wind / E o vento levou... (1939), seus princípios haviam-no
visto adotar um tom muito mais despreocupado: mérito naturalmente de Douglas
Fairbanks, aqui em grande forma nas vestes de um enamorado supersticioso. Mas o
mérito é também de uma desenfreada imaginação visual que encontra seu ápice na
sequência dedicada a um estupefaciente balé de hortaliças no estômago do protagonista (não podemos dizer-lhes mais: é ver para crer).
Se, em vez disso, estão com disposição para descobertas, prometo que não ficarão
frustrados com Griffith. Não, não estou falando de D.W. Griffith, diretor de gênio
– mas francamente pouco dotado na arte de fazer rir. Refiro-me a Raymond Griffith,
uma das grandes “descobertas” na história de Pordenone, verdadeiramente um
precursor da “comédia impassível” (deadpan comedy);. Hands up! / Mãos ao alto!
(Clarence Badger, 1926) é uma de suas obras mais inspiradas, uma deliciosa investida
no gênero do faroeste, com um toque de ironia no que se refere aos mórmons). Nós
de Pordenone não temos dúvida: Raymond Griffith deveria ser colocado ao lado de
Chaplin, Keaton e Harold Lloyd.
E se, afinal, quiserem tocar com as mãos o nível de perfeição alcançado pelo cinema
com apenas vinte anos de seu nascimento, permitam-se uma pausa nas comédias
com Regeneration / Regeneração (1915) e observem as coisas que sabia fazer
o jovem Raoul Walsh, ex-assistente de Griffith (D.W.). The Birth of a nation / O
Nascimento de uma nação havia sido produzido apenas um ano antes, e Walsh
já anunciava um tipo cinema que estaria na moda em época muito posterior com a
apoteose do film noir. Regeneration não é apenas uma lição de estilo, nem apenas
uma incendiária reportagem sobre a criminalidade americana: é também um exemplo
brilhante de realismo social (o filme foi rodado sobretudo em locações) e de sobriedade expressiva. Hollywood não inventou nada em seus anos de ouro: tudo já pode ser
encontrado em Regeneration e em seu admirável sentido de economia expressiva.
Já que falamos de “clássicos”, deixem-me aproveitar a ocasião para explicar um
pouco mais detalhadamente a “filosofia” sobre a qual se apoia a seleção anual para
a Jornada. Pordenone deu início no ano passado a uma nova seção sob o título “Il
canone rivisitato” [O cânone revisitado], dedicado à revisão dos grandes filmes que
traçaram o percurso da história do cinema durante seus silenciosos princípios. Mas o
que é o “cânone”? É fácil demais responder dizendo que o termo compreende filmes
reconhecidos por todos como monumentos indiscutíveis das imagens em movimento.
A questão é muito mais complicada, mas é legítimo começar por admitir que um
filme “canônico” é antes de tudo um filme que merece ser encontrado muitas vezes,
quer dizer, ser visto e revisto sem medo de cansaço. É uma constatação óbvia que, no
contexto de um festival de cinema, todavia merece algum aprofundamento. Por que o
cânone no cinema silencioso é tratado como tal, e como se tornou um cânone? Quem
ratificou sua posição de absoluta proeminência na historiografia do cinema,e com
base em quais critérios? Os nossos predecessores fizeram uma escolha justa ou equivocada? Quais circunstâncias culturais orientaram sua seleção das “obras-primas” para
o primeiro panteão do cinema? E se acreditamos que nossos antepassados erraram,
como demonstrar que a razão está conosco?
Em suma, há uma razoável quantidade de motivos para revisitar os cânones do cinema
silencioso. O mais importante é que hoje podemos revê-los com mais confiança em
nossos recursos, agora que temos à disposição um atlas menos vago de um mundo
fascinante e com muitos mapas ainda desconhecidos. A estratégia proposta por
Pordenone a nossos companheiros da Jornada é essa mesma: rever com olhos novos
aquilo que acreditávamos já conhecer; rever não como um ato de nostalgia no que diz
respeito às certezas que perdemos, mas como o início de um diálogo com os espectadores e com a novidade de seu olhar. Temos muito que aprender com vocês.
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Regeneração
Regeneration
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O Supersticioso
When The Clouds Roll By
Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 18qps
cp: Fox Film Corporation; d: Raoul Walsh; r: Raoul Walsh, baseado na autobiografia My Mamie
Rose, de Owen Frawley Kildare; df: Georges Benoît; e: John McCann (Owen Conway aos 10 anos),
James A. Marcus (Jim Conway), Maggie Weston (Maggie Conway), H. McCoy (Owen Conway aos
17 anos), Rockliffe Fellowes (Owen Conway aos 25 anos), Anna Q. Nilsson (Marie “Mamie Rose”
Deering), William Sheer (Skinny), Carl Harbaugh (promotor Ames)
Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center
Estados Unidos, 1919, 35mm, preto-e-branco, 86min, 19qps
cp: Douglas Fairbanks Pictures; p: Douglas Fairbanks, d: Victor Fleming; r: Thomas J. Geraghty;
df: William C. McGann e Harris Thorpe; e: Douglas Fairbanks (Daniel Boone Brown), Kathleen
Clifford (Lucette Bancroft), Frank Campeau (Mark Drake), Ralph Lewis (Curtis Brown), Daisy
Jefferson (Bobby De Vere), Bull Montana (Pesadelo), Herbert Grimwood (dr. Ulrich Metz), Albert
MacQuarrie (Hobson), Victor Fleming, Thomas J. Geraghty, William C. McGann, Harris Thorpe
Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center
Owen cresce nos cortiços novaiorquinos e se transforma em líder de um bando que passa
a maior parte do tempo bebendo, jogando e praticando pequenos furtos. Paralelamente,
a jovem Marie Deering abandona a vida da alta sociedade e estabelece uma casa missionária na zona de criminalidade da cidade. Quando encontra Marie, que toma a seu encargo
ensiná-lo a ler e escrever, Owen percebe que andara até ali pelo lado errado da vida e dá o
primeiro passo no caminho da regeneração. A história se complica, contudo, pelo fato de o
pior inimigo de Owen, o promotor Armes, paladino contra o crime na cidade, também estar
apaixonado por Marie.
O rico e amável Daniel Boone Brown é vítima das experiências psicológicas de Ulrich
Metz, um cientista louco que decidiu transformá-lo numa espécie de cão pavloviano. Saúde
debilitada, sono inquieto, indisposição nervosa e irritável, atraso no trabalho e superstições
que preocupam e atemorizam, tudo faz parte das maquinações de Metz para enlouquecer
Daniel. Alimentado pelo mordomo a serviço de Metz, Daniel tem um terrível pesadelo em
que os componentes da refeição transformam-se em demônios que o atormentam. O jovem
literalmente sobe pelas paredes e enfrenta uma inundação colossal. Os experimentos de Metz
levarão Daniel ao suicídio?
Aos 28 anos, e após haver realizado uma dezena de curtas-metragens, Raoul Walsh
acabara de sair de The Birth of a nation / O Nascimento de uma nação (1915),
no qual foi um dos assistentes de D.W. Griffith e interpretou o papel de John Wilkes
Booth (o assassino de Abraham Lincoln). Em sua autobiografia, Walsh credita Griffith
por havê-lo ensinado tudo sobre a realização cinematográfica de ficção, mas também
sobre as técnicas de produção que o auxiliariam a tirar proveito das locações novaiorquinas que utilizou em Regeneração.
Esta comédia surreal – primeiro filme dirigido por Victor Fleming – foi a segunda
produção de Douglas Fairbanks para a United Artists, criada em 1919 por ele, D.W.
Griffith, Charles Chaplin e Mary Pickford – com quem Douglas se casaria no ano
seguinte, realizando o ideal de casamento do maior herói do cinema americano
com a Namorada da América. (Mary Pickford comparece à IV Jornada Brasileira
de Cinema Silencioso com o filme A Aurora de um amanhã, na seção Visita ao
Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema).
Além de seu enredo violento e do status de primeiro longa-metragem de Raul Walsh,
Regeneração deve sua importância a ser igualmente o primeiro longa-metragem
que fala do ambiente da marginalidade e dos gangsters, na mesma linha de The
Musketeers of Pig Alley (1912), de D.W. Griffith, curta-metragem sobre o ambiente
criminal. Baseado na autobiografia de Owen Kildare (afastado da criminalidade e do
analfabetismo por uma professora), que se dedicou ao jornalismo, Regeneração não
segue o mesmo caminho de seu mestre, que utiliza um estilo entre romantismo e
realismo. Walsh prefere a linha do verismo: a grande maioria dos “atores” interpreta
seus próprios papéis, o que dá ao filme um ar quase documental muito perturbador.
A miséria parece transpirar dos fotogramas que descrevem as ruas, os bares e as
moradias, de onde emana uma miséria que é descrita como o berço da criminalidade. Walsh, contrariamente a alguns de seus sucessores, não trabalha sobre o aspecto
romântico ou misterioso do personagem e de seu meio, nem procura transformá-lo
em ícone ou herói. Owen é um maldoso gentil (ou o inverso), um personagem inteiro
que prefigura bastante as grandes figuras picarescas que atravessarão a carreira do
grande cineasta americano, fascinantes justamente por seu realismo e sua verossimilhança. A própria professora é uma matriz dos personagens femininos que nos filmes
de Walsh têm sempre um lugar importante.
A partir de 1920, Fairbanks modificaria radicalmente a orientação de sua carreira,
dedicando-se à produção e interpretação de heróis de filmes de aventuras com
ambientação histórica, começando por The Mark of Zorro / A Marca do Zorro
(Fred Niblo).
O que espanta em Regeneração é sua complexidade narrativa, pois, além de ser uma
pintura realista dos bairros pobres de Nova Iorque, o enredo é também um pequeno
afresco que descreve a trajetória do jovem gangster. O filme – com uma espantosa
economia no uso de intertítulos – emprega um número grande de personagens secundários que, embora não sejam atores, têm consistência e se encaixam na narrativa e
em seus esquemas dramáticos ou simbólicos. O cinema tinha pouco mais de vinte
anos, e é impressionante constatar que Raoul Walsh, digno aluno de D.W. Griffith,
utiliza uma linguagem plenamente adulta, sóbria, enérgica e, em alguns momentos,
lírica. A câmera (em geral fixa) executa alguns movimentos muito bonitos, sem
nenhuma gratuidade. O conjunto é conduzido pelo senso rítmico típico do cinema
de Raoul Walsh.
Douglas Fairbanks fora levado de Nova Iorque para Hollywood em meados da
década de 1910 numa tentativa de fazer com que artistas da Broadway carreassem
prestígio para as produções cinematográficas. Mas era um ator de poucos recursos
e de sucesso secundário e, durante algum tempo, foi pouco aproveitado. Começou a
ganhar crescente prestígio quando a roteirista Anita Loos e seu marido, o diretor John
Emerson, iniciaram a realização de comédias modernas em que o herói, descontente
com a vida normal, ou com sua relação com a namorada, lançava-se em aventuras
acrobáticas. Sobre esse período, escreveu Anita Loos:
Em deferência ao ídolo de Doug, Theodore Roosevelt, a ação sempre deveria estar de acordo
com “a vida enérgica”, e meus heróis sempre tinham de estar em movimento. Às vezes eu
tentava uma cena de amor que necessitava que Doug se acalmasse e fosse sentimental por
alguns momentos, mas ele, em geral, interrompia dizendo com uma careta: “Eu não posso
interpretar isso, Nita! Eu não sou ator!”. Assim, as minhas mais sedutoras cenas de amor
tinham de ser interrompidas com uma ação abrupta e muitas vezes inesperada de Doug
saltando para o lustre ou nadando rio acima por uma cachoeira. Doug era tão corajoso que,
não importando o risco, nunca permitia que um dublê o substituísse. Numa ocasião apenas ele
foi covarde na frente de todos nós. Foi durante uma cena em que meu herói precisava estourar
um pneu de automóvel com um alfinete de chapéu. John Emerson rodou a cena diversas vezes,
mas Doug estragava o plano no momento de enfiar o alfinete no pneu. Afinal, ele desistiu e
confessou: “Eu não consigo fazer isso. Estou com medo”. Todos pensamos que Doug estava
brincando, mas ele realmente estava com medo que o pneu estourasse e ele ficasse cego, e John
teve de que usar o primeiro e último dublê de que Doug precisou.
Anita Loos. A girl like I. Ballantine Books, 1975.
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Este mundo é um teatro
Stage Struck
Estados Unidos, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, e cor, 77min
cp: Famous Players-Lasky Corporation; d: Allan Dwan; r: Forrest Halsey e Sylvia LaVarre a partir
de uma história de Frank R. Adams; df: George Webber; da: Van Nest Polglase e René Hubert;
mo: William LeBaron; e: Gloria Swanson (Jennie Hagen), Lawrence Gray (Orme Wilson), Ford
Sterling (Waldo Buck), Gertrude Astor (Lillian Lyons), Oliver Sandys (Hilda Wagner), Carrie Scott
(sra. Wagner), Emil Hoch (sr. Wagner), Margery Whittington
Origem da cópia: National Film and Television Archive / British Film Institute
Jenny, garçonete de um modesto restaurante à beira do rio Ohio, sonha em ser atriz e
conquistar o coração de Orme, seu companheiro de trabalho, que opera com destreza a
chapa de fazer panquecas. Para viabilizar seus sonhos, Jenny faz, em segredo e por correspondência, um curso de interpretação. Orme, por sua vez, é fascinado por atrizes, não importa de
que tamanho ou formato, e as paredes de seu quarto são forradas de fotografias delas. Com
a chegada do barco que anualmente percorre o rio apresentando espetáculos de variedades,
Orme tem a oportunidade de se aproximar de Lillian Lyons, uma atriz em carne e osso. Jenny
faz tudo para evitar que Orme sucumba aos encantos da vamp e, com a ajuda do empresário
das variedades, finalmente consegue participar de um espetáculo.
James Card, durante muito tempo curador de filmes do arquivo da George Eastman
House, escreveu sobre Gloria Swanson:
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Em 1925, apareceu um outro filme da dupla Allan Dwan-Gloria Swanson: Stage Struck.
Mais uma vez, Gloria aparecia como operária oprimida. Ela fazia uma garçonete num restaurante barato à margem do rio que sonhava em ser uma grande atriz. O filme começa com um
elaborado prólogo em Technicolor em seu sonho de triunfo no palco. Ironicamente, a sequência
do sonho é documental e profética da carreira de Gloria Swanson na época: em 1925 ela era
uma das mais admiradas e invejadas personalidades glamourosas do cinema, em um tempo
que marcou o ápice do estrelato de Hollywood. E tinha voltado da França para Hollywood,
recém-tornada marquesa de la Falaise de la Coudraye, para uma das maiores recepções com
multidões e cinegrafistas que a cidade tinha visto. A procissão triunfal pela capital do cinema
parecia ter sido coproduzida por Cecil B. DeMille e Erich von Stroheim.
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Meu primeiro encontro com Gloria Swanson foi inteiramente fora de contexto. Ela estava em
Rochester divulgando sua linha de vestidos “Forever Young”, e passeando por grandes lojas de
departamento. Como eu era conhecido como alguém do cinema, fui convidado pela administração das lojas para cuidar de um almoço em sua homenagem. Gloria começou a fazer filmes
em 1915, quando era uma adolescente em Chicago. Quando a conheci, em 1952, Gloria era
agradável, calma e uma mulher sexy que aparentava ter de vinte e oito a trinta e três anos. Por
anos e anos, ela teve de participar de encontros com senhoras de cabelos brancos que diziam:
“Oh, senhorita Swanson, a senhorita era minha estrela favorita quando eu era garotinha”.
Eu tinha senso suficiente para não dizer a ela que via seus filmes desde que era pequeno. No
almoço, tiraram nossa fotografia juntos. Gloria está colocando um cravo na minha lapela. Ela
está com um sorriso e um fogo no olhar que poderia incendiar um arquivo todo com filmes de
nitrato. Eu estou ali olhando como um bobo, pronto para ser preparado por um martelo para
um bife assado.
James Card. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999.
Gloria Swanson
Golpes de audácia
Hands Up!
Estados Unidos, 1926, 35mm, preto-e-branco, 63min, 24qps
cp: Famous Players-Lasky Corporation; p: Jesse L. Lasky e Adolph Zukor; d: Clarence G. Badger;
r: Monte Brice e Lloyd Corrigan a partir de uma história de Reggie Morris; df: H. Kinley Martin;
ee: Barney Wolff; e: Raymond Griffith (Jack), Virginia Lee Corbin (Alice Woodstock), Marian Nixon
(Mae Woodstock), Mack Swain (Silas Woodstock), Charles K. French (Brigham Young), Noble Johnson
(Touro Sentado), Montagu Love (capitão Edward Logan), George A. Billings (Abraham Lincoln)
Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center
No final da guerra civil americana, o presidente Lincoln recebe a boa notícia de que uma
mina de ouro de Nevada fornecerá todos os recursos necessários para o esforço de guerra do
Norte. O presidente quer que lhe tragam o ouro imediatamente. Ao mesmo tempo, Jack, um
espião do Sul, recebe a missão de interceptar o carregamento de ouro. Em sua missão, ele
encontra duas irmãs e se apaixona por elas, enganando oficiais nortistas ao forjar uma falsa
identidade. Com o término da guerra, Jack precisa resgatar as irmãs de quem se enamorou,
bem como o pai delas, de uma tribo de índios. Mas o dilema permanece: com qual das duas
ele se casará, já que as ama com igual paixão?
RAYMOND GRIFFITH
23 janeiro 1895, Boston, Estados Unidos / 25 novembro 1957, Los Angeles, Estados Unidos
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Não é das melhores comédias de Raymond Griffith, considerando que o seu assunto, a guerra
civil americana, perde cinquenta por cento da sua graça exibido fora dos Estados Unidos.
Comédia sem nexo, mas, contudo, agradará aos admiradores de Raymond Griffith. Tem as
suas boas cenas. O princípio é interessante. Idem a cena do duelo. Todas as cenas passadas
dentro da mala-postal são engraçadíssimas e bem apanhadas. A cena em que ele ensina
charleston aos índios também é muito boa.
Aquelas perseguições no final estão muito bem feitas e jogadas. Um pouco longo o filme que,
como disse, apesar de não ser dos bons de Raymond Griffith, agradará aos seus fãs com uma
meia dúzia de trechos impagáveis.
Coadjuvação excelente. Marion Nixon, Virginia Lee Corbin e, principalmente, Mack
Swain, vão muito bem.
Cinearte n.31, 29 setembro 1926
Raymond Griffith iniciou a carreira cinematográfica em 1915. Durante sua vida, trabalhou como
ator, figurante, roteirista, cenógrafo, mímico e
produtor. Conhecido mundialmente como “O
Comediante do Chapéu de Seda”, foi um dos
grandes mestres do humor, da sátira e da paródia.
Durante o período na Goldwyn, Griffith criou
um estilo único de atuação. Seus personagens não
eram explicitamente cômicos e suas caracterizações
eram repletas de atrevimento. Tudo temperado
com uma incrível criatividade artística, chegando
às vezes aos níveis da palhaçada burlesca.
Filho de uma família de atores, fez sua estreia
nos palcos quando tinha apenas 15 meses de
vida. Aos nove anos, tendo já protagonizado
diversos espetáculos teatrais, foi acometido por
uma difteria pulmonar e teve suas cordas vocais
danificadas. Perdeu sua voz quase por completo.
Esse estilo de atuação atraiu a atenção dos estúdios
da Paramount Pictures e, em 1924, Griffith foi
contratado para atuar em Changing husbands
/ [Troca de maridos] (1924), de Paul Iribe.
Na Paramount, também atuou nos filmes Paths
to paradise / [Caminhos do paraíso] (1925)
e Hands Up! / Golpes de audácia (1926), de
Clarence G. Badger. Foi aclamado pela crítica
por sua inteligência iconoclástica e apontado por
muitos como rival de Charles Chaplin.
Impossibilitado de atuar, Raymond entrou para
o circo. Trabalhou como dançarino, professor
de dança e excursionou pela Europa com uma
companhia francesa de mímica.
Em 1910, aos 15 anos, foi convocado a prestar
serviços para a Marinha dos Estados Unidos. Após
o desligamento do serviço militar, trabalhou para
os estúdios Vitagraph, L-KO e Triangle.
Em 1916 começou uma parceria com o renomado
diretor Mack Sennett. Dedicou-se principalmente
à produção de filmes, cenografia e elaboração de
roteiros. Em 1921 foi convidado para trabalhar
com o renomado diretor Marshall Neilan,
retomando sua carreira de ator e logo assinando
contrato com a Goldwyn Pictures.
Griffith continuou atuando até o advento do
cinema falado – seu último papel é uma inesquecível aparição como oficial francês no final de All
quiet on the Western front / Sem novidades
no front (Lewis Milestone, 1930). Aposentou-se
de suas funções de ator, mas nunca do mundo do
cinema. Trabalhou como produtor e roteirista até
o final da vida.
Casado com a atriz Bertha Man, Raymond Griffith
morreu aos 74 anos, vítima de um engasgamento
alimentar seguido por asfixia.
81
Janela para a América Latina
Ainda quase úmido dos banhos de revelação do laboratório L’Immagine Ritrovata,
(Bolonha, Itália), onde foi restaurado e, há pouco mais de um mês, apresentado no
prestigioso festival Il Cinema Ritrovato – organizado pela Cineteca della Comune di
Bologna –, temos a enorme satisfação de apresentá-lo antes mesmo de sua reestreia
em seu país de origem.
Tesouro inca
Stefano Lo Russo
A restauração dos negativos originais, preservados pela Fundação Cinemateca
Boliviana, realizou-se no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha, na Itália,
em 2010. Os negativos foram restaurados digitalmente em 2K, duplicados em película
e, ao final, tirou-se uma cópia positiva com som combinado. A trilha sonora de Cergio
Prudêncio e a edição de Fernando Vargas foram recriadas de acordo com estudos de
fontes primárias e secundárias.
“É a uma Bolívia de estrutura semi-feudal que chega o cinema. Filho pródigo da
sociedade industrial, rejeitado pela classe dominante, foi embalado e colocado para
dormir ao som das cantigas de ninar da divisão internacional do trabalho. Essas
características socioeconômicas foram determinantes para o destino do cinema
boliviano, renegado desde sempre e condenado a um permanente trabalho forçado
diante da contínua indiferença do Estado” (Pedro Susz).
Pedro Susz, fundador da Cinemateca Boliviana, acredita que para se fazer cinema
na Bolívia é preciso ter alma desbravadora. Assim também acreditava José Maria
Velasco Maidana, músico profissional e artista multitalentoso, considerado um dos
pioneiros do cinema dos anos de 1920, da era de ouro do cinema silencioso boliviano.
Longe de poder ser considerada uma indústria estabelecida, o cinema boliviano era (e
ainda é) entregue aos cuidados e às iniciativa de visionários como Pedro Sambarino,
Arturo Posnanky e José Maria Velasco Maidana. Todos criadores de laboratórios
cinematográficos que funcionavam de modo absolutamente artesanal na cidade
de La Paz. Em 1925, Velasco Maidana finalizou seu primeiro longa-metragem, La
Profecía del lago. O filme foi censurado e destruído pelas autoridades municipais,
pois contava a história de amor entre uma dama da aristocracia e seu criado de origem
indígena. Entre 1928 e 29, dirigiu Wara Wara, a história de um amor impossível entre
uma princesa inca e um nobre conquistador espanhol. O filme mostra a conquista
do Império Inca pelo exército de Pizarro e foi uma verdadeira superprodução. Em
1933, durante a Guerra de Chaco, Maidana trabalhava em seu último filme quando
resolveu encerrar suas investidas no cinema. Retornou para a atividade que sempre
esteve mais próxima do seu coração, a música. Em dezembro de 1938 foi convidado
para apresentar em Berlim sua Orquestra Sinfônica, a Ameríndia. Alguns anos depois,
fundou a Orquestra Sinfônica Nacional, mas sua inquietação artística, e talvez,
sua amargura por ser mais reconhecido no exterior do que em seu próprio país, o
fizeram sair da Bolívia. Imigrou para o México e depois para os Estados Unidos, onde
conheceu a pintora Dorothy Hood, com quem viveu até o final de sua vida.
Em 1989, no ano de sua morte, foi encontrado na casa de sua família em La Paz
um baú contendo inúmeros rolos de filmes em nitrato. Não havia traços de cópias
positivas, e a maior parte do material era composta por negativos originais de câmera.
Um exame preliminar mostrou que a maioria dos rolos era relativa ao filme Wara
Wara. Graças ao Instituto Goethe de La Paz, uma parte desse material foi enviada
a um laboratório alemão, que se responsabilizou por fazer uma cópia em película
com o objetivo de recuperar o que fosse possível. Até 2001, na verdade, a “versão
restaurada” de Wara Wara ressentia-se das partes que faltavam no filme, mas os anos
seguintes, de pesquisa e investigação, lançaram luzes importantes sobre a fase silenciosa do cinema boliviano. Apenas em 2009, com a intenção de restaurar o filme a
partir de seu negativo original, foi possível recuperar os 150 metros de película, correspondentes à parte final da obra. A complexa operação de reconstrução da narrativa
foi baseada em fontes primárias – o próprio negativo que foi ordenado não segundo
uma narrativa linear, mas em blocos, de acordo com diferente período de colorizações
– e em fontes secundárias, como a peça de Diaz Villamil, recortes de jornais de época,
documentos de família e entrevistas com atores e colaboradores do filme. Sabemos
também que Cesar Carces B. foi o responsável por “sincronizar” as projeções do
filme com a execução ao vivo de música étnica. Foi preciso um período de vinte anos
para trazer de novo à vida essa obra lendária do cinema boliviano. Ainda estão em
andamento pesquisas para a reconstrução das viragens e o acompanhamento musical
originais. Mas também essa atividade poderá ser trabalho para pioneiros.
Wara Wara
Bolívia, 1930, 35mm, preto-e-branco, 69min, 24qps
p: Urania Film; d: José Maria Velasco Maidana; r: José Maria Velasco Maidana, Antonio Diaz Villamil a partir da peça La voz de
la quena de Antonio Diaz Villamil; df: Mario Camacho, Jose Jimenez e José Maria Velasco Maidana; da: Arturo Borda, Martha
de Velasco e Alicia Diaz Villamil; e: Juanita Taillansier, Martha de Velasco, Arturo Borda, Emmo Reyes, Jose Velasco, Guillermo
Viscarra, Damaso Delgado, Raul Montalvo, Juan Capriles, Humberto Viscarra
Origem da cópia: Cinemateca Boliviana
O pacífico reino de Hatun Colla é invadido por um exército de conquistadores espanhóis que destroem povoados e
matam o chefe Calicuma e sua esposa Nitaya. No caos reinante, o sumo sacerdote Huillac Huma consegue salvar a
princesa Wara Wara e levá-la por passagens secretas até uma caverna nas montanhas. Neste esconderijo, Huillac Huma
prepara por cinco anos um exército de nativos com o qual pretende vencer os espanhóis. A princesa Wara Wara é sua
única esperança, pois ocupará o trono de Atahuallpa, assim que conquistarem a vitória. Um dia, o capitão Tristán de
la Vega, à frente de uma pequena tropa de espanhóis, chega nas proximidades do esconderijo e raptam a princesa. O
capitão Tristán quer defendê-la, mas é ferido na batalha que então se inicia. Para compensá-lo de sua nobre ação, Wara
Wara leva o capitão à caverna e cuida de seus ferimentos. Apaixonam-se e sonham com uma vida juntos. Mas o sacerdote
Huillac Huma e outros indígenas da tribo de Wara Wara preferem antes a princesa morta do que uma aliada dos
invasores. O casal é abandonado para que morra de fome, mas eles se salvam e se dispõem a começar uma nova vida.
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Produções Silenciosas Contemporâneas
Preservação e coronelismo,
orgia e cachoeira,
som direto e silêncio,
cinzas e tesouros
Estevão Garcia
Cineasta, crítico de cinema e pesquisador, graduado em Cinema pela Universidade Federal
Fluminense, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, México.
Pesquisador do projeto Trocas Simbólicas e Econômicas no Cinema da América Latina.
Organizador e programador do Cineclube Sala Escura – Sessão Latina da Cinemateca do MAM
do Rio de Janeiro. Além de Que cavação é essa?, dirigiu, entre outros filmes, Artesanos (2003)
e O Latido do cachorro altera o percurso das nuvens (2005).
Luís Alberto Rocha Melo
Cineasta e pesquisador, doutorando em Comunicação, Imagem e Informação pela UFF e redator
da revista Contracampo (www.contracampo.com.br). Além de Que cavação é essa?, realizou,
entre outros trabalhos, os documentários Fernando Py (1994), Fragmentos – Uma narrativa
intranquila (1997) e O Galante rei da Boca (com Alessando Gamo, 2004).
84
Tendo sido realizado com os recursos da primeira edição do Programa SAV/Forcine,
o curta-metragem Que cavação é essa? nasceu também do curso de História
do Cinema Brasileiro (um curso de fato histórico, no duplo sentido do termo) que
Hernani Heffner ministrou no Rio de Janeiro durante um ano (2005-2006). Hernani
conseguiu a façanha de reunir uma plateia numerosa que comparecia ao Odeon
todos os sábados, das nove da manhã ao meio-dia, para ver filmes brasileiros em
película e discutir sobre eles. O primeiro módulo do curso, que durou de junho a
dezembro de 2005, foi em grande parte dedicado ao cinema silencioso feito no Brasil,
com ênfase nos chamados filmes “tirados do natural” (cinejornais, filmes de viagem,
de família ou de autoridades).
A equipe de Que cavação é essa?, a maior parte dela composta de estudantes de
cinema da Universidade Federal Fluminense, assistiu a esses filmes, se integrou e se
entregou inteiramente ao projeto de um curta concebido como um programa duplo,
que dialoga com o cinema silencioso não a partir da tradição dos filmes “posados” (de
ficção) mas da quase desconhecida herança dos filmes “do natural” (documentários).
Nos anos 1920, costumava-se relacionar a “cavação” aos “naturais”. Isso foi
marcante para a história do cinema brasileiro, pois até hoje pouco se fala das
cavações “posadas” – e elas existiram, como ainda existem, em grande número.
Os “cavadores” consistiam na verdadeira escória da humanidade para aqueles que
defendiam o cinema-espetáculo nos padrões internacionais. Cinema com c maiúsculo
só poderia ser o “posado”. Mas para cada filme “posado”, a “canalha tocadora de
realejo” produzia cem “naturais” – inadmissível! O tempo e o descaso encarregaramse de reduzir tudo – filmes “posados” ou “naturais” – ao total desaparecimento ou
a algumas poucas obras preservadas em cinematecas. Que cavação é essa? fala
sobre esse descaso, mas também sobre o comprometimento do cinema com o poder;
fala sobre a dupla ação do tempo, ao mesmo tempo destruidora e transformadora;
fala ainda sobre as múltiplas tradições do cinema brasileiro, do filme pornográfico
ao “povo fala”.
Se é verdade que, passado algum tempo, todo filme de ficção acaba se tornando um
docu-mentário, o contrário também pode ocorrer. A melhor forma de se relacionar
com um filme “do natural” é entendendo o quanto há de “posado” em cada um deles.
Desvinculados das regras gramaticais do espetáculo cinematográfico convencional,
esses filmes “do natural” revelam uma outra e nada óbvia relação com o real. Aqueles
homens e mulheres de luminosidade oscilante, que frequentemente denunciam a
câmera com o olhar, são hoje personagens de fantásticas histórias desabrigadas, a
serem reconstruídas pela sensibilidade de cada um de nós.
Que cavação é essa?
Rio de Janeiro, 2008, 35mm, preto-e-branco e cor, 19min
cp: Universidade Federal Fluminense; d e r: Estevão Garcia e Luís Rocha Melo; df: William Condé; da: Mariana Kaufman e
Paula Gurgel; mo: Gustavo Bragança; e: Cosme Monteiro, Sílvia de Carvalho, José Marinho, Érica Collares, Hernani Heffner,
Severino Dadá, Godot Quincas
Origem da cópia: Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Concebido como um programa duplo, Que cavação é essa? Apresenta, em sua primeira parte, Um alegre churrasco
na estância do Coronel Alexandrão, filme “do natural” silencioso, realizado pela Prosopopeia Actualidades no final
dos anos 1910; na segunda parte, o Complemento Nacional n. 9545: “Restaurare”, cinejornal realizado em 1974
que se beneficiou da Lei do Curta para exibição em cinemas. Preservação e coronelismo, orgia e cachoeira, som direto e
silêncio, cinzas e tesouros. O tema de Que cavação é essa? é o próprio cinema brasileiro.
85
Mesas
A declaração da Federação
Internacional de Arquivos de
Filmes sobre Acesso Livre e a
função dos arquivos
Jon Wengström
MESAS DE DEBATES
curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema
Luís Alberto Rocha Melo e
Estevão Garcia
realizadores de Que cavação é essa?
86
87
Salas de cinema em São Paulo e
no Rio de Janeiro nas primeiras
décadas do século XX
José Inácio de Melo Souza
Foi pesquisador da Cinemateca Brasileira. Autor de vários livros, entre os quais Paulo Emílio
no paraíso e Imagens do passado – São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema. Atualmente
trabalha com o sistema de exibição dos primórdios, tendo lançado em parceria com a
Cinemateca Brasileira e o Arquivo Municipal de São Paulo uma página no site da
Cinemateca Brasileira sobre os cinemas da cidade entre 1895 e 1929.
Júlio Lucchesi Moraes
Mestrando em História Econômica da FFLCH-USP, dedica-se a pesquisas nas áreas de
Economia da Cultura e História Econômica da Cultura. Aluno convidado da Goethe
Universität Frankfurt am Main, Alemanha, entre 2008 e 2009. Ganhador do prêmio
Carlos e Diva Pinho de melhor monografia em Economia da Arte do departamento de
Economia da FEA-USP com a pesquisa São Paulo: Capital Artística - a cafeicultura e as artes
na Belle Époque.
Cine-teatro Paulistano, Rua Vergueiro, anos 1920
88
A Feitiçaria através dos tempos
89
Referências bibliográficas
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1999.
Brooks, Louise. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000.
Brownlow, Kevin. The Parade’s gone by... University of California Press, 1997.
Card, James. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999.
City girls – Frauenbilder im Stummfilm. Catálogo da retrospectiva realizada durante o LVII
Internationale Filmfestspiele, Berlim, 2007.
Cowie, Peter. Scandinavian Cinema. Londres: Tantivity Press, 1992.
Eisner, Lotte. A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
90
Gish, Lillian e Pinchot, Ann. The Movies, Mr. Griffith and Me, de Lillian Gish e Ann Pinchot.
Prentice-Hall, Inc., 1969.
Loos, Anita. A girl like I. Nova Iorque, Ballantine Books, 1975.
Machado, Hilda. “O Segredo do corcunda: a cor em Gilberto Rossi”. Cinemais n.9, jan-fev,
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Mottran, Ron. The Danish cinema before Dreyer. Metuchen-Londres: Scarecrow Press, 1988.
Nava, Pedro. Baú de ossos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974.
Olsen, Jan. Comentário sobre Gunnar Hedes saga. Catálogo da XXVIII edição das
Giornate del Cinema Muto, Pordenone, 2009.
Agradecimentos
Alexandre Pietro, Alice Gonzaga Assaf, Edina Fujii, Ednalva Soares Martins, Estevão Garcia,
Francisco Gaytan, Hubert Alquéres, João Marcos, José Carvalho Motta, José Quental, Karin
Bizzarro, Lauro Avila, Liegen Clemmyl Rodrigues, Luciana Sima, Luiz Alberto Rocha Melo,
Marcelo Fujii, Marisa Tomazela, Mary Keene, Natália de Castro Soares, Oga Mendonça, Paulo
Moinhos, Pena Schmidt, Sara Mejia, Sidnei Gonçalves, Ronald Goes, Vera Wey
Lars Hanson
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Créditos
CINEMATECA BRASILEIRA
IV JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO
Ministro de Estado da Cultura
Curadoria
João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)
Carlos Roberto de Souza
Secretário do Audiovisual
Curadoria musical
Newton Cannito
Livio Tragtenberg
Sociedade Amigos da Cinemateca SAC
Maria Dora Genis Mourão (Presidente)
Leopoldo Nosek (Vice-Presidente)
Andréa K. Lopes (Coordenadora Administrativa)
A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma atividade realizada com a colaboração de toda a
equipe da Cinemateca Brasileira e da SAC:
92
Adilson Inácio Mendes, Adinael Alves de Jesus,
Adriana Maria da Cruz Lima, Adriana Souza,
Adriano Campos Pedreira, Agnaldo Tadeu
Dias, Alexandre Dotta Cristófaro, Alexandre G.
Araújo, Alexandre Hadade Machado, Alexandro
Nascimento Genaro, Alexandre Vasques, Aline
Marques dos Santos, Ana Vera do Amaral F. L.
Martins, André Custódio Mascarenhas, Andréa
Senna, Anna Paula Nunes, Arthur Teixeira Sens,
Baltazar Freitas de Andrade, Bruna Apostólico
Zavatti, Bruna Venâncio dos Anjos, Bruno Feitosa
Santos, Bruno Machado da Silva, Caio Figueiredo,
Carlos Cesar L. Gomes, Carlos Eduardo de Freitas,
Carlos Wendel de Magalhães, Carina Barros,
Carmen Lúcia Quagliato, Cecilia Lara, César
Ricardo Palmeira, Cícero Antonio Brasileiro e
Silva, Cinara Dias, Claudete dos Santos Ferreira
Leite, Claudia Rossi, Claudio Piovesan, Cleusa
Souza da Silva, Daniel Kasai, Daniel O. Albano,
Daniel Shinzato de Queiroz, Daniel Zuim
Salmazo, Danielle Divardin, Danilo Tamashiro,
Dario Malta Ciriacco, Debora Ferreira dos Reis,
Deigmar Macial Alves, Dimas Kubo, Edgar Bruno
da Conceição, Eliana Queiroz, Elisabete da Silva,
Elisa Ximenes, Elton Campos, Ernani Max Nula da
Silva, Ernani R. O. Cioffi, Ernesto Stock, Fabiana
Aparecida Marques Lima, Fabiana Ferreira
Lopes, Fabiana Gomes, Fábio Benedicto Zeferino,
Fábio Kawano, Fabíola Teixeira do Nascimento,
Felipe Diniz, Fernanda Guimarães, Fernanda
Valim, Fernando Fortes, Flavia Barretti, Francine
Tomo, Francirlei de Maria Nassar Veloso, Maria
Fernanda Coelho, Maria Paula Galdino, Francisco
Cesar Filho, Frederico Arelaro, Gabriela Sousa de
Queiroz, Gilvando de Oliveira dos Santos, Gisa
Millan, Giselda Conceição J. de Moura, Gleici M.
Maciel Caputo, Gustavo Henrique Neves Leite,
Henri Nillesen, Ingrid Rodrigues Gonçalves,
Israel Mendes de Lima, Ivan Xavier de Souza,
Jair Leal Piantino, Janaina Santina Paulino,
Jesus Fernandez, João Marcos de Almeida, João
Pedro Moraes, José Francisco de Oliveira Mattos,
Josiane da Ponte, Katia Dolin Lopes, Kelly
Gois Almeida, Kelly Santos de Lima, Larissa
Domingos de Sá, Larissa Rebello, Leandro
Finotti Pardi, Leonardo Henrique Monteiro de
Gorni Scabello, Luciana Pilon, Luciana Lopes
Salviano, Luciano Oliveira, Luisa Malzoni, Luiz
Fernandes Carneiro, Luiz Gonzaga Fernandes,
Luiz Gustavo Pereira Pinto, Marcos Kurtinaitis,
Maria Alves de Lima, Maria Aparecida da Silva
Santana, Maria Aparecida dos Santos, Maria
Beatriz Ferreira Leite, Maria Fernanda Coelho,
Maria Paula Diogo Russo, Marília Almeida
Santos de Freitas, Marcelo Comparini, Maria
Tereza da Silva Augusto, Marina Couto, Moema
Muller, Melani Vargas de Araújo, Millard
Schisler, Myrna Malancone, Niels Kloumberg,
Olga Futemma, Pamela Ribeiro Cabral, Patrícia
Andrade, Patricia de Filippi, Patrícia Mourão,
Paula Pripas, Pedro Martins A. Souza, Pedro
Sokol, Priscila Cavichioli, Priscila de Almeida
Xavier, Rafael Nascimento da Cunha Carvalho,
Rayane Jesus da Silva, Regislaine Regina
Domingos, Renata Cezar de Oliveira, Renata
C. Machado, Ricardo Costantini, Rodrigo
Archangelo, Rodrigo Mercês, Rosemary do
Nascimento Cioffi, Sandra Santini, Sergio T.
Felicori, Sueli P. F. de França, Stela Maris Suzana
dos Santos, Sung Sun Fai, Sylvia Carolina C. de
Matos, Tathiana Lopes, Tereza Cristina Ribeiro
Ruiz, Thais Bayer, Thais Sandri, Thiago de
Miranda e Fonseca, Thiago Dellorti, Thiago
Ignácio Branchini, Thiago Jordes, Umberto
Pinheiro, Virginia das Flores B. Vieira, Vivian de
Luccia, Vivian Malusá, Vivianne Arques Gomes,
Walter Tiago Domingos, William Vilson de
Freitas, Yara Mitsue Iguchi.
Produção executiva
Pesquisa
Rafael Sampaio
Maíra Torrecillas
Carlos Roberto de Souza
João Marcos de Almeida
Remier Lion
Coordenação de produção
Produção
Revisão de textos
Daniela Lazzari
Ana Paula Gomes
Produção musical
Digitalização de fotogramas /
fotografias / textos
Lucas Gervilla
Coordenação editorial
Remier Lion
João Marcos de Almeida
Fernando Fortes
Projeto gráfico
Assessoria de imprensa
Élcio Miazaki
Transcrição, tradução e
revisão de intertítulos
Carlos Roberto de Souza
Cláudio Piovesan
Jon Wengström
José Francisco de Oliveira Mattos
Textos do catálogo
Carlos Roberto de Souza
Estevão Garcia
Hernani Heffner
Jon Wengström
Lauro Ávila Pereira
Livio Tragtenberg
Luís Rocha Melo
Paolo Cherchi Usai
Stefano Lo Russo
F&M ProCultura
Vinheta
Eugênio Puppo (Direção e Montagem)
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Estados Unidos
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Suécia
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'%$(
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(Instituto Sueco de Cinema)
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102 52 Estocolmo, Suécia
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