dossier pedagógico - Teatro Nacional D.Maria II

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dossier pedagógico - Teatro Nacional D.Maria II
co-produção
DOSSIER PEDAGÓGICO
SALA GARRETT
17 de Fev a 27 de Mar 2011
4.ª a Sáb. às 21h30 Dom. às 16h
A Cacatua Verde. Ensaio de Leitura. Dezembro 2010 © Luís Santos
FICHA ARTÍSTICA
de ARTHUR SCHNITZLER (1899)
tradução FREDERICO LOURENÇO
encenação LUIS MIGUEL CINTRA
cenário e figurinos CRISTINA REIS
desenho de luz DANIEL WORM D’ASSUMPÇÃO
colaboração para a dramaturgia e encenação CHRISTINE LAURENT
assistente de encenação MANUEL ROMANO
assistentes para o cenário e figurinos LINDA GOMES TEIXEIRA e LUÍS MIGUEL SANTOS
director técnico JORGE ESTEVES
construção e montagem de cenário JOÃO PAULO ARAÚJO, ABEL FERNANDO com TOMÁS CALDEIRA
montagem e operação de luz RUI SEABRA
guarda-roupa EMÍLIA LIMA e MARIA DO SAMEIRO VILELA
costureiras MARIA DO SAMEIRO VILELA com TERESA BALBI
assistente de produção TÂNIA TRIGUEIROS
secretária do teatro da cornucópia AMÁLIA BARRIGA
acompanhamento vocal LUÍS MADUREIRA
direcção de cena PEDRO LEITE
ponto JOÃO COELHO
auxiliares de camarim PAULA MIRANDA / PATRÍCIA ANDRÉ
apoio à operação de som SÉRGIO HENRIQUES
apoio à operação de luz FELICIANO BRANCO
maquinaria PAULO BRITO / RUI CARVALHEIRA
música LE TEMPS DES CERISES (BERTRAND CANTAT E NOIR DÉSIR)
co-produção TNDM II e TEATRO DA CORNUCÓPIA
com
Émile, duque de Cadignan JOÃO GROSSO (Teatro Nacional D. Maria II)
François, visconde de Nogeant DUARTE GUIMARÃES
Albin, cavaleiro de la Tremouille VÍTOR D’ANDRADE
Marquês de Lansac JOSÉ MANUEL MENDES
Rollin, poeta DINIS GOMES
Prospère, taberneiro, antigo director de teatro LUIS MIGUEL CINTRA
Henri RICARDO AIBÉO
Baltasar/Guillaume TIAGO MATIAS
Jules JOÃO VILLAS-BOAS (estagiário)
Scaevola GONÇALO AMORIM
Maurice MIGUEL MELO
Grasset, filósofo ANTÓNIO FONSECA
Grain, vagabundo MIGUEL LOUREIRO
O Comissário LUÍS LIMA BARRETO
Séverine, a mulher do Marquês RITA BLANCO
Georgette SOFIA MARQUES
Michette CATARINA LACERDA
Flipotte CLEIA ALMEIDA
Léocadie, actriz, mulher de Henri RITA LOUREIRO
Lebret, alfaiate MIGUEL MELO
Étienne TIAGO MANAIA (estagiário)
Dois jovens nobres TOBIAS MONTEIRO (estagiário mestrado ESTC) e NUNO CASANOVAS (estagiário)
Três mulheres populares ALICE MEDEIROS (estagiária), NEUSA DIAS (estagiária mestrado
ESTC) e JOANA DE VERONA (estagiária ESTC)
M/12
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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A Cacatua Verde
de Schnitzler
A Cacatua Verde não é um espectáculo preparado com intenções pedagógicas. É um espectáculo para todos os públicos a partir de uma pequena obra-prima do repertório dramático
mundial. O autor chama-lhe um “grotesco em um acto”. Parece um conto moral aparentemente simples. E no entanto levanta tantas questões com pertinência para a nossa época e referências históricas fundamentais que, que facilmente se pode tornar em ponto de
cruzamento de muitas temáticas e trampolim para muitos campos pedagógicos. No fundo,
através de um hábil artifício dramatúrgico que retoma a ideia do aprendiz de feiticeiro, lugar comum da cultura ocidental que reproduz o erro de Adão, o Homem querer saber tanto
como Deus, ter o seu poder, e por isso ser castigado, o autor representa a Humanidade como
uma estranha taberna que é uma espécie de pequeno teatro de marionetas vivas dirigidas
por um taberneiro-encenador numa situação que o ultrapassa, quando o Mundo tenta deixar
de ser estático, quando numa situação revolucionária a marcha da História se cruza com o
Teatro. Teatro e Revolução é o eixo temático da peça.
Mas esta interpretação simbólica que já anuncia o teatro expressionista, no seu primeiro nível de leitura é uma história simples que envolve outra temática cara à filosofia, à psicologia
e ao teatro: a distância que vai ou não do ser ao parecer. E as marionetas de Schnitzler são
verdadeiras personagens com comportamentos humanos típicos e facilmente expostos pela
peça com a lucidez crítica de um analista.
O autor, Arthur Schnitzler, austríaco, por sinal médico, como Tchekov, outro grande dramaturgo mais conhecido e da mesma época, a transição do século XIX para o século XX,
imaginou que um antigo director de teatro, Prospère (óbvia brincadeira com o nome do
protagonista de uma peça tão fundamental para a História da Cultura como A Tempestade
de Shakespeare, Prospero) numa situação histórica de crise social e económica, a França do fim do século XVIII, para sobreviver resolve transformar a sua antiga companhia de
teatro caída em desgraça, numa taberna em que os actores fingem que são marginais e
criminosos, para que os clientes nobres sintam a excitação de serem atacados e insultados,
esconjurando assim o medo da óbvia extinção da sua classe social, ou seja, o medo de uma
revolução. No fundo, o medo de morrer. E imaginou o que com essa situação base se poderia passar quando a realidade se mistura com a ficção e tudo acontece mesmo: a noite da
tomada da Bastilha, o 14 de Julho de 1789. A realidade ultrapassa a ilusão de Prospère e a
própria mentira revela a verdade que o fingimento já continha: quando um dos actores está
a fazer uma “representação” construída sobre a sua própria história, a da sua rivalidade
amorosa com um Duque, amante da sua mulher, e inventa que o matou, o próprio Duque
entra na taberna e o actor mata-o de verdade. A situação torna-o num herói da Revolução
tornando o crime passional num acto revolucionário de ódio de classe. Mas a realidade
revolucionária acaba com a possibilidade de prosseguir o jogo de ilusões, acaba com o
teatro-taberna, a chamada CACATUA VERDE, e torna-se ela própria em mentira: aquilo que
não passava de uma história de amor, passou a ser uma história política. Que afinal nunca
deixara de ser. Só que aquele taberneiro e director de Teatro pensou que, com o seu teatro,
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além de sobreviver e de isso ser possível graças à exploração dos clientes e aos roubos que
efectivamente os seus actores faziam, podia organizar o mundo para seu próprio proveito,
podia substituir-se a Deus, ou ao Destino, ou à Marcha da História, como se queira, e o processo que inventou acaba por incendiar-se e queimar a sua oficina de ilusões. Voltou-se o
Feitiço contra o feiticeiro. Brincava com o Fogo.
A anedota pode ser interpretada à luz de muitos pontos de vista. Mas é afinal um cruel realismo na análise dos seres humanos e um gosto de revelar os motores dos seus comportamentos aquilo em que assenta a escrita teatral. Esse é um dos pontos em que Schnitzler é
um inovador, coincidindo aliás com o trabalho do fundador da psicanálise que co-habitava
a mesma cidade, a elegante Viena de Áustria dessa fervilhante viragem de século: Sigmund
Freud. Esta escrita teatral traça retratos de personagens através de um novo tipo de diálogos. Tal como em Tchekov, o texto, as palavras que as pessoas proferem em cena, deixa de
ser a exposição da própria personagem para passar a ser o sintoma de personagens que,
como na vida, vivem antes de falarem, e que existem tanto quando calam como quando
falam e falam coisas que não querem dizer, ou dizem contradições que desconhecem, uma
escrita dramática que conta com um novo conhecimento da linguagem, e uma nova descoberta dos diferentes níveis da consciência humana, uma escrita que, em suma, conhece por
dentro a cabeça das pessoas e das personagens que inventa e põe em cena.
O autor põe em cena cerca de 25 personagens e com esse grupo que ele naquela noite junta
na taberna A Cacatua Verde constrói uma pequena imagem de uma sociedade em crise. E
nessa taberna que afinal é como uma espécie de Caverna de Platão, se revela como uma sociedade é a soma de muitos indivíduos contraditórios, todos diferentes nas diferentes combinatórias das suas personalidades, como é difícil e errado reduzir e classificar uma realidade tão complexa como o comportamento dos seres humanos. E como tudo é contraditório,
frágil, pouco sublime, grotesco. Como a História acaba por apagar as vidas individuais mas
como contraditoriamente também as constrói. Com o processo dramático de fazer chegar à
taberna, quase uma por uma, essas diferentes personagens, Schnitzler traça um breve retrato de cada uma, artifício de escrita que já não permitirá olhar como multidão a multidão que
no fim se junta ali. Nunca mais deixarão de ser pessoas. Ao contrário da multidão anónima a
que a “política” costuma reduzir as multidões.
Até neste ponto a peça é pertinente para os dias de hoje e para a sua descrença no sistema
democrático e a consequente desresponsabilização política individual. Mas de um ponto de
vista estritamente histórico, é de facto da Revolução Francesa, fundamental para a História
do Mundo, que se trata. A abordagem da peça por esse ponto de vista também será interessante. Há referências concretas ao que nesses dias se passou. E subtilmente até a evolução
dos acontecimentos se prevê. Em ponto pequeno e em dois ou três traços, percebe-se como
ao momento revolucionário se sucederá um período de terror com Robespierre no poder e
como finalmente chegará a inevitável normalização napoleónica que, sabemos nós, se desenvolverá em ambição imperial. Como dizia Jean Renoir, autor de um dos mais belos filmes
sobre a Revolução, La Marseillaise, as revoluções não são a vitória dos revolucionários, são a
derrota dos reaccionários.
Mas é com uma habilíssima e tão perfeita como evidentemente teatral estrutura cénica que
tudo isto se consegue, com um sabor a um leve divertimento e com a proverbial leveza do
chamado “espírito vienense” que disto tudo se fala em A Cacatua Verde. E por vezes quase de uma peça de “boulevard” parece tratar-se. Uma taça de champanhe. Mas já se sabe
como a arma da lucidez é o humor.
Luis Miguel Cintra
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Miserere. Maquette do cenário de C. Reis
Miserere. Teatro Nacional D. Maria II/Teatro da Cornucópia. Abril e Maio/2010 © Cristina Reis
A Cacatua Verde. Ensaio, Fevereiro/2011 Teatro da Cornucópia /Teatro Nacional D. Maria II © Luís Santos
A Cacatua Verde. Maquette do cenário de C. Reis
Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793
Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793
Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793
Assassinato de Le Pelletier, 20 de Janeiro de 1793
Desenho de Swebach-Desfontaines
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ARTHUR SCHNITZLER
É assim; as histórias tornam-se frequentemente
mais sombrias enquanto penso nelas, as personagens que quero descrever parece não terem
força para resistirem à sua sorte. É preciso estar-se investido de uma serenidade miraculosa ou de
uma melancolia soberana, ou então de um ódio
grande e nobre contra toda a gentalha, um ódio
que não teme a solidão, para poder escrever comédias. Eu… sou…. demasiadamente egoísta para
escrever uma verdadeira tragédia, e demasiadamente irritadiço para uma comédia a sério.
A Schnitzler, carta a O. Brahm, 1807
Arthur Schnitzler
Pequena cronologia
1862 - 15 de Maio: nasce em Viena, filho de um médico otorrinolaringologista, Dr Johann
Schnitzler e de Louise Schnitzler.
Postal com silhuetas de Viena à Noite, 1890 © Direitos reservados
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1865 - 13 de Julho: nascimento do seu irmão Julius.
1867 - 20 de Dezembro: nasce a sua irmã Gisela.
1879 - Arthur Schnitzler começa a estudar medicina na Universidade de Viena.
1885 - Acaba o curso na Escola Médica de Viena; começa a trabalhar no Allgemeines Krankenhaus (Hospital Central).
1887 - Escreve na revista médica Internationale Klinische Rundschau (Revista Clínica Internacional), fundada pelo pai.
1888 - Torna-se assistente na Allgemeine Poliklinik, dirigida pelo pai. Visita Berlim e Londres.
1889 - Publica um artigo, “Sobre a afonia funcional e o seu tratamento por hipnotismo e sugestão”, na Internationale Klinische Rundschau.
Conhece Marie Glümer; a relação dura até 1899.
1892 - É publicada em livro a série de peças em um acto, Anantol.
1893 - 2 de Maio: morte de Johann Schnitzler. A. S. sai da Poliklinik e passa a exercer clínica
privada.
14 de Julho: estreia da peça em um acto Abschiedssouper, do ciclo Anatol.
1 de Dezembro: estreia de Das Märchen, com a famosa actriz Adele Sandrock (‘Dili’) na protagonista; início de uma relação entre ela e Schnitzler que se prolonga até à primavera de
1895.
1894 - 12 de Julho: encontra Marie Reinhard, inicialmente uma das suas doentes;
começa com ela uma relação em Março de 1895. Com sintomas de surdez e zumbido nos
ouvidos, um problema crescente para o resto da vida de Schnitzler.
O conto Sterben (“Morrer”), o seu primeiro trabalho em prosa de grande envergadura, aparece na importante revista Neue Deutsche Rundschau, sendo publicada em livro em 1895.
Outubro: termina Liebelei.
1895 - 9 de Outubro: estreia de Liebelei no Vienna Burgtheater, com Adele Sandrock no papel de Christine.
1896 - Julho e Agosto: estadia na Escandinávia. Encontra-se com Ibsen.
1897 - Fevereiro: termina Reigen (“Dança de Roda”).
24 de Setembro: Marie Reinhard tem um filho nado morto de A. Schnitzler.
1899 - 1 de Março: estreia de Der Grüne Cakadu (“A Cacatua Verde”) no Burgtheater (com
duas outras peças em um acto, Paracelsus e Die Gefährtin).
18 de Março: morte de Marie Reinhard
11 de Julho: encontro com a actriz Olga Gussmann, inicialmente sua doente.
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1900 - Reigen é impressa particularmente.
25 de Dezembro: publicação do conto Lieutenant Gusl, no importante jornal vienense Neue
Freie Press; provoca um escândalo, como sátira a um oficial do exército, sendo Schnitzler
licenciado compulsivamente como oficial na reserva (14 de Junho de 1901).
1902 - 4 de Janeiro: estreia de Lebendige Stunden , um ciclo de peças em um acto, incluindo
Die letzen Masken
9 de Agosto: nascimento do filho Heinrich, de Olga e Arthur Schnitzler
1903 - 26 de Agosto: casamento com Olga Reinhard. Primeira edição de Reigen.
1904 - Reigen é proibida na Alemanha.
1908 - Publicação da novela Der Weg ins Freie, onde aborda a “Questão judaica”.
1909 - 5 de Janeiro: estreia de Komtess Mizzi no Deutsches Volksteater.
13 de Setembro: nascimento da sua filha Olga.
1910 - Schnitzler compra a casa, na Sternwarterstrasse, onde viverá o resto da vida.
1911 - 9 de Setembro: morte de Louise Schnitzler.
14 de Outubro: estreia de Das weite Land, no Vienna Burgtheater e, simultaneamente, em
Praga e várias cidades da Alemanha.
1912 - 28 de Novembro: estreia de Professor Bernhardi, no Kleines Theater de Berlim. A peça
foi proibida na Áustria.
Alfred Gerasch e Else Wohlgemuth nos papeis de
Medardus e Helena de Valois em Jungen Medardus numa representação de 1910
Der einsame Weg de Arthur Schnitzler. Deutsches Volkstheater, Viena, 1925
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Fritz Kortner no personagem de Professor Bernhardi. Berlim, 1930
Liebelei de Arthur Schnitzler. Berlim, 1931
1914 - Estreia do filme baseado numa obra de Scnhitzler, Elskovsleg, uma versão dinamarquesa de Liebelei
Agosto: o eclodir da 1ª Guerra Mundial, vai encontrá-lo em férias, com a família, na Suíça.
Schnitzler escreve no seu diário: “Guerra Mundial. Ruína mundial. Notícia espantosa e aterradora”.
1918 - 21 de Dezembro: primeira apresentação na Áustria de Professor Bernhardi, no Deutsches Volkstheater.
1920 - 23 de Dezembro: estreia de Dança de Roda no Kleines Schauspielhaus de Berlim.
1921 - 1 de Fevereiro: estreia de Dança de Roda em Viena no teatro de câmara do Deutsches
Volkstheater. Proibida pela polícia de Viena em 17 de Fevereiro por ameaça à ordem pública.
26 de Junho: Olga Reinhard e Schnitzler divorciam-se.
1922 - 16 de Junho: primeiro encontro alargado com Freud.
1924 - Publicação de Fräulein Else (“Menina Else”), um conto inovador, um monólogo interior
(técnica já usada em Lieutenant Gusl).
1925- 6 - Publicação de Traumnovelle numa revista. Die Dame.
1927 - 15 de Março: estreia do filme mudo Liebelei, em Berlim.
1928 - 26 de Julho: suicida-se a sua filha Lili, casada no ano anterior com um fascista italiano,
Arnoldo Cappellini.
Publicação da sua segunda novela: Therese: Chronik eines Frauenlebens.
1931 - 21 de Outubro: Schnitzler morre em Viena
in Arthur Schnitzler, Round Dance and Other Plays, Oxford World’s Classics, University Press, 2004, Trad. LLBarreto
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Do “boulevard” ao
realismo psicológico
“No “Modern Kunst”, artigo de Hermann Bahr sobre a arte austríaca. Três jovens talentos, Loris Dörmann e eu. Sobre mim (ele
desculpou-se há umas semanas, pois na altura não conhecia
Conto de Fada): “Temos portanto A.S., um conversador espirituoso, delicado, divertido, pouco e crupuloso quanto ao estilo, que
faz todo o tipo de experiências. Tenho a sensação de que é mais
profundo do que deixa transparecer e que esconde sob a sua
graciosa frivolidade uma paixão séria, ainda tímida, e pudica,
porque quer começar por descobrir formas mais sólidas.”
Diário, 10 de Fevereiro de 1892
Arthur Schnitzler. Por si só, este nome evoca em Viena um mundo que ainda não parou de
intrigar todos aqueles que se interessam por este “mudar de século”, a “Jahrhundertwende”,
mais decisivo que um final de século, como uma página a ser virada. E Schnitzler faz parte
daqueles que a viram com resolução, sem compromisso, sem nostalgia, e no entanto sem
optimismo. E nem por isso o encara como um apocalipse, e muito menos um apocalipse
alegre. Contenta-se em assistir à inevitável desumanização do ser, incapaz de a prever, reduzido a constatar, nos recantos mais recônditos do seu pensamento e das suas reacções,
a destruição irremediável do homem. O médico, grande revelador dos males que atingem o
indivíduo e a sociedade, recorre à escrita, a um trabalho paciente de localização, para tornar
visíveis e sensíveis os complexos percursos que levam à indiferença, muitas vezes afectada,
à revolta, muitas vezes desesperada, e ao abandono de si mesmo, muitas vezes mortal.
Revoltado com os ataques mesquinhos, pérfidos, estúpidos, de que não pára de ser alvo,
Schnitzler não deixa por isso de ser a testemunha lúcida e tão imparcial quanto possível do
seu tempo. Não gosta do jornalismo, nem do folhetim de traços grosseiros; ele reconstrói,
com detalhes e subtilezas, a realidade que o rodeia. “Ser artista, significa: saber polir as superfícies rugosas da realidade ao ponto de a tornar capaz de reflectir todo o espaço infinito
entre as alturas do céu e as profundezas do inferno.” Deste modo, ele oscila entre duas realidades: aquela que pode apreender, e a que recria e retrabalha incansavelmente, até atingir
o critério máximo: a autenticidade das personagens e das situações.
Schnitzler viveu durante quase sessenta e nove anos; grande parte das suas personagens
nasceu dos seus múltiplos conhecimentos. Se ele tenta defini-los até aos mais íntimos contornos, não é por voyeurismo nem por perversão. Precisa simplesmente de pôr à vista aquilo
que está na base de um sentimento, de uma acção que possa parecer irracional, sondar as
motivações dos seres quando confrontados com uma ou outra situação. O acontecimento
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em si, considera-o como trivial, para se concentrar apenas na acção ou no discurso do indivíduo, acção e discurso esses que o distinguem de qualquer outro ser. E essa diferença, isso
sabe-o ele, é vivida pelo indivíduo com angústia, com o pavor do falhanço, da morte, num
vazio existencial que ainda não se ousava referir.
Schnitzler também não o refere. Foge a todo o tipo de didactismo. Escolhe para as suas demonstrações seres complexos, em situações simples, ou que parecem sê-lo. Deixará rapidamente para os autores de boulevard o tipo de diálogos agradáveis que utiliza, pontualmente, em Anatole (um ciclo de sete peças em um acto, exercício de estilo inspirado em autores
franceses da época). Irá também libertar-se do esquematismo ilustrativo que está na base
de A Dança de Roda (ciclo de dez diálogos cuja representação proíbe durante vinte e cinco
anos, por receio, precisamente, de utilização em estilo de boulevard). A distância irónica
que este tipo de escrita implica perante as personagens não o satisfaz. Inverte o princípio:
o acontecimento, a queda, passam a intervir muitas vezes no início da peça, para melhor
mostrar as personagens nas suas reacções. E a partir daí, não se raciocina. Não se trata de
construir uma intriga nem de criar com pinceladas sucessivas personagens que obedeçam
a determinada lógica. Trata-se de lhes dar vida, e uma qualidade de vibrações que as tornará autênticas. Talvez se possa encontrar aqui a razão pela qual Freud não procurava a
companhia daquele que tratava de seu “duplo” em termos de “psicologia das profundezas”
(“Tiefenpsychologie”): Schnitzler recusa a sistematização, a representação de casos-tipo,
analisando no entanto os seus sujeitos com um rigor científico. As suas personagens são
difusas, imprevisíveis, ambíguas: é esse o segredo da vitalidade da sua escrita, e é por isso
que ainda hoje estão tão próximas de nós: as situações bem podem mudar, mas as personagens mantêm-se.
H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982
Trad. Manuel Cintra
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Fotografias de ensaio A Cacatua Verde © Luís Santos
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Uma entrevista
Entrevista transcrita por George Sylvester Viereck, no seu
livro Glimpses of the Great, 1930
- Que fazia se fosse Deus?
- Não sei, diz Arthur Schnitzler com um sorriso, mas tentaria fazer melhor. A minha pergunta,
feita a partir de uma quadra de Omar Khayyam e de um poema de Heine, divertiu o dramaturgo.
- Transformava, como Heine no seu sonho de todo-poderoso, os rios em torrentes de champanhe, ou estilhaçava a ordem triste das coisas como o poeta persa?
- Não estilhaçava, responde o escritor, com um nome bem mais duradouro que o império de
Francisco José e que se iria perpetuar muito para além da Segunda Guerra Mundial. Não, não
transformava a água em champanhe, excepto talvez naquelas zonas áridas dos Estados Unidos. Não preciso de ser todo-poderoso. Tenho uma relação excelente com o universo. Não
sou pessimista. Aos deuses, só faria um reparo: terem feito a vida tão curta.
Embora tendo ultrapassado em alguns passos o limite dos sessenta anos, nem a sua tez morena, nem os olhos vivos – olhos que mergulharam profundamente no coração das mulheres
– denunciavam a sua idade. Era depois do jantar. Estávamos na varanda da sua casa, situada
num dos mais belos bairros de Viena, e contemplávamos o jardim em plena floração. A lua,
sobre as nossas cabeças, reflectia a sua imagem pálida nos nossos copos de vinho.
- Ali, onde a natureza se repete, reconhecemos a sua infinita variedade. Quando um escritor se repete, dizemos que está gasto. Este juízo não tem qualquer fundamento. Tal como a
natureza, o escritor procura também a perfeição, exercitando-se nos mesmos assuntos. A
crítica não parece entender isso. A crítica moderna, tal como os governos modernos, é feita
com e segundo slogans usados.
-É um filósofo?
- Não, responde Schnitzler, acariciando a barba, não sou filósofo. Felizmente que não há um
sistema de pensamento filosófico que esgote toda a variedade do universo. É precisamente
essa variedade, escapando a qualquer sistematização duradoura, que me faz respirar todos
os dias com prazer. A idade estimula-me a curiosidade. Quanto mais envelheço, mais vantagens tiro de qualquer experiência. Cada ano me torna mais rico.
- Nunca se aborrece?
- O aborrecimento é uma garridice, até mesmo uma doença. Reflecte um estado psíquico
que abomino. Lembro-me de um colega que me disse a propósito da morte de um outro:
“Gostava de estar no lugar dele.” Nunca mais o pude ver por causa dessa pose. Nunca gostei
de me armar em blasé. Os outros talvez me aborreçam; sozinho, não me aborreço nunca.
A solidão não assusta Schnitzler.
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- Nunca me aborreceria, mesmo que fosse o último homem vivo do Pólo Norte! Pode-se sempre pensar. Pensar é o exercício mais saudável.
- É assim que se mantém jovem?
- Escrevo sempre pelo menos duas peças ao mesmo tempo. Se me canso um pouco de uma,
viro-me para a outra. E, como exercício mental, leio sempre vários livros ao mesmo tempo.
Não quero evidentemente dizer que consigo ler mais do que um livro ao mesmo tempo, mas
mergulho ora num ora noutro, para manter a minha frescura de espírito.
Schnitzler é para toda a gente o dramaturgo do amor. As suas crónicas de amor, divertidas,
de Anatole a Regresso de Casanova, fazem dele, no teatro, o intérprete mais subtil da alma
feminina. E na prosa pinta o coração das mulheres com um espírito igualmente consumado.
Estava á espera de que Schnitzler levantasse pelo menos um bocadinho do véu que encobre as paixões humanas… a palavra “mulher” não foi nunca mencionada. Na nossa conversa,
abordando cada aspecto do saber e da experiência do escritor, só vagamente aflorou o amor.
- Para nós, americanos, o senhor é o mais fino dos analistas do erotismo moderno, para quem
a alma feminina é um instrumento de cordas que toca muito bem.
- Lisonjeia-me, diz ele a sorrir, e incomoda-me. Abordo todos os problemas. Não posso deixar de falar do amor, principal fonte de todos os actos humanos. Mas não sou um escritor
erótico. Interesso-me muito mais pelas questões sociais e pelos problemas da família do que
pelo erotismo.
As pessoas esquecem-se muitas vezes de que escrevi uma peça inteira onde não há uma
heroína. Falo do Professor Bernhardi, onde o assunto principal é a ética médica. Diga-se a
propósito que O Professor Bernhardi foi apresentado em Viena, quando os revolucionários
tomavam a cidade. Apesar da agitação, foi representada.
Habituamo-nos a viver numa casa a arder… É mais fácil atravessar grandes catástrofes do
que vermo-nos privados dos pequenos prazeres da vida. Lembro-me de ter percorrido em
vão toda a Viena, pouco tempo depois da guerra, para encontrar um bolo de chocolate.
- Concorda com aqueles que negam totalmente o livre arbítrio?
- Não. Afasto-me cada vez mais das minhas antigas ideias mecanicistas. Acredito no livre
arbítrio. O homem é responsável pelos seus actos. Não seria capaz de viver num mundo sem
responsabilidades.
Posso decidir em função da minha vontade, se vou para a esquerda ou para a direita. Moral
ou material, o acto é auto determinado. O homem é senhor da sua alma, mesmo se a liberdade da sua decisão é limitada por certas circunstâncias ou estorvada pela hereditariedade.
E mesmo se na vida os nossos actos são até certo ponto pré-determinados, somos livres
na arte; na arte podemos escolher. Posso desenvolver as minhas personagens conforme a
minha vontade, posso formar os meus heróis como quero. Estou convencido de que sou,
também na vida, senhor de mim próprio. E se o não for, terei que agir de qualquer maneira
como se a minha vontade fosse livre, ou então a sociedade humana acabaria numa formidável ruína.
Se me pede uma prova do livre arbítrio, confesso que não consigo dar-lha. Há coisas que não
se podem provar, temos que confiar na intuição. Sabe-se que é assim.
- Em que medida depende da sua intuição?
- Na arte, na política, nos negócios, no amor, a intuição não tem preço. Ela determina mesmo as nossas amizades. Quando encontro alguém pela primeira vez, sei logo se vou ou não
gostar dessa pessoa.
- Acredita que as suas intuições são determinadas por uma força divina?
- Talvez.
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- Pertence a alguma religião?
- Não. Acredito na santa trindade do espírito, da consciência e da vontade… do livre arbítrio.
O espírito inspira, a consciência guia, a vontade remata os nossos actos. O génio e a força
são uma expressão do nosso espírito. E da nossa vontade também.
Como é que alguém que tenha lido a história de Napoleão poderá duvidar do seu poder?
Napoleão queria ser senhor, preparou-se duramente para isso. Chegou mesmo a contratar
um actor vedeta, Talma, para aprender a caminhar como um rei. Não precisava disso; Napoleão teria governado mesmo se não tivesse havido a Revolução Francesa.
Quando Napoleão perdeu o poder e vivia na Ilha de Elba, continuava a governar; melhorava
coisas, dava grandes festas, deslocava-se numa carruagem de seis cavalos e mantinha o
cerimonial de uma grande corte. E mesmo em Santa Helena, continuava rei até à raiz dos
cabelos.
- Não é monárquico?
- Não sou monárquico nem republicano. Napoleão fascina-me por ser o exemplo mais perfeito de uma personalidade extraordinária.
- Suponho que é então individualista.
- Sou. Tanto como sou adversário do bolchevismo. Oponho-me ao bolchevismo não por
razões políticas mas porque ele nega a diversidade humana. A diversidade é uma lei natural fundamental. Se os homens não fossem diferentes, o homem seria um monstro fora do
quadro da natureza. Negar a personalidade é negar a cultura. Não gosto dos escritores que
piscam o olho ao bolchevismo.
- Acho que não se deve levar muito a sério esse bolchevismo de salão…
- O bolchevismo de salão favorece as forças de desintegração da sociedade. Encora jar o
caos é um erro imperdoável, um pecado contra o espírito santo da criação.
- Parece-me que um homem, graças ao seu conhecimento da alma humana, capaz de penetrar nas camadas mais recuadas do inconsciente, devia ter tendência para tudo perdoar.
- Compreender não significa de modo nenhum perdoar. A expressão que diz “compreender
éperdoar” é uma inverdade perniciosa. Tudo desculpar é renunciar à sua própria personalidade e, portanto, à sua opinião.
Eu não desculpo tudo. Pelo contrário, tenho grandes aversões. As minhas aversões são mais
fortes que as minhas simpatias.
- Quais são as suas principais aversões?
- As minhas aversões principais, replica Schnitzler com a velocidade de uma rajada de metralhadora, são Wilson, Poincaré e Lenine. Esses três homens foram três acidentes, ruínas,
catástrofes do nosso mundo.
- Não inclui Clemenceau?
- Não. Clemenceau era apenas um pequeno acidente. Mas Lenine é responsável pela desintegração da cultura. Wilson destruiu o idealismo. A sua derrota tornou o idealismo desprezível. Poincaré incarna o espírito inflexível do jurista que foi desde sempre uma calamidade
para a humanidade.
- Não estará a ser muito severo para com Wilson? O seu objectivo era grande, mesmo que o
não tenha atingido.
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- Wilson - disse Schnitzler levantando-se, agitado - era um ignorante. A ignorância é também
um pecado. Apesar do seu papel como árbitro do mundo, não tinha os mais elementares conhecimentos geográficos. Sabia mais sobre geografia e história do que um aluno da escola
primária austríaco.
Um membro do consulado americano em Viena contou-me os exemplos mais incríveis da
ignorância de Wilson. O tratado de paz no seu conjunto, e mais particularmente a sorte reservada ao meu país, a Áustria, é uma prova monumental da sua incapacidade.
Tenho horror aos políticos de carreira. Não percebo como é que se pode ser. Mas quem se
quiser fazer valer na cena política, deve pelo menos saber o seu papel!
- Como investigador da vida humana, já alguma vez tentou catalogar os homens segundo o seu
tipo e profissão?
- Pensei nisso, sim. Escrevi mesmo um ensaio para o explicar com dois diagramas onde tentava inscrever a tipologia humana. O primeiro traça a manifestação do espírito pela palavra;
o segundo pelos actos. Cada diagrama é feito por dois triângulos separados por um traço: a
linha de demarcação entre o positivo e o negativo. No topo do triângulo positivo está Deus,
como suprema representação humana. No topo do triângulo negativo, o diabo. Divido os homens em políticos, poetas, padres, charlatães, homens de Estado, bandidos e por aí adiante.
Os tipos classificados ao longo dos lados correspondentes, superior e inferior, têm muito em
comum, à excepção do signo mais ou menos. Acima da linha, o tipo é provido do signo mais,
abaixo, do signo menos, o da destruição. O homem político, por exemplo, é um homem de
Estado provido do signo menos.
O explorador e o aventureiro, o herói e o vigarista, o construtor e o especulador, o historiador e o jornalista, o guia e o tirano, o cientista e o impostor, o poeta e o literato são as
manifestações respectivamente positivas e negativas das mesmas qualidades. O homem de
Estado pode ser forçado a adoptar as práticas do homem político. O homem político pode
às vezes, raramente, elevar-se à sabedoria do homem de Estado. O literato pode, sob o choque de uma experiencia humanamente forte, criar uma grande obra. Isso impede que esses
tipos sejam claramente desenhados.
Com o tempo, ninguém escapa ao seu destino, ser ele próprio. Uma pessoa pode dissimular
as suas qualidades, camuflar a sua natureza verdadeira, mas acabará por se trair e a sua
grandeza ou a sua franqueza irá dominá-lo.
É ao tipo positivo que o mundo deve o seu progresso. Criam valores eternos. O tipo negativo,
esse é habitualmente um entrave para o homem. A sua obra é destruidora ou passageira.
- Essa divisão compreende tanto homens como mulheres?
- No domínio do espírito não há sexo, diz-me Schnitzler, desdobrando à minha frente um
esboço com aquela curiosa partilha. Não leve este esquema muito a sério. A natureza recusa deixar-se reduzir a regras. Ninguém consegue encerrar o espírito do mundo num único
pensamento.
O meu diagrama é apenas uma tentativa de ver melhor, para mim, não um raciocínio definitivo. Pelo menos pode perceber a minha aversão por Wilson, Poincaré e Lenine, porque
incarnam o triunfo do negativo; são filhos do caos e não de Deus.
- As suas simpatias são tão fortes como as aversões?
- As minhas simpatias são menos fortes, mas mais alargadas que as minhas aversões.
- Admira algum homem de Estado ou algum político da Europa?
- Não.
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- Quais são os autores contemporâneos mais importantes na Alemanha e na Áustria?
- Gosto de Thomas e Heinrich Mann. Hofmannsthal é um grande poeta. Wassermann é um
grande romancista. Atribuo a grandeza de Thomas Mann à paciência que ele tem para cultivar as vinhas do Senhor. Trabalhou mais de doze anos na sua Montanha Mágica.
Há um grande número de autores que admiro na Alemanha, na Áustria e noutros países. É
impossível enumerar toda uma literatura numa entrevista.
- Entre a nova geração, há algum autor a que se possa chamar grande?
Schnitzler nega com a cabeça.
- É difícil dizer. Não leio a décima parte, provavelmente, nem mesmo a centésima do que se
edita. É possível que um grande número do que é significativo ou importante me escape.
A experiência ensinou-me a desconfiar das grandes descobertas. Antigamente, as pessoas
hesitavam em reconhecer um génio, com medo de admirarem o que não merecia. Hoje
aclama-se cada novo autor, com medo de perder quem for marcado pelo selo divino. Isso
faz explodir uma geração de pretendentes e de falsos deuses na literatura e na filosofia.
- Há muitos autores novos da Alemanha e da Áustria que são reconhecidos na América.
- Fico contente com isso. Só espero que a América altere os seus direitos de autor para proteger finalmente os autores que admira. Tenho pedido muito dinheiro pelo facto da América
não ser membro da Convenção de Genebra para a protecção dos autores.
- Gostava de visitar os Estados Unidos?
- Gostava de ver a América, mas não gostaria que a América me visse.
- A América gostaria de ouvir as suas conferências.
- Poderia fazer uma ou duas se depois pudesse cair no esquecimento.
- Que autores americanos gostaria de encontrar?
- Não estou interessado em encontrar autores, nem na América nem noutro lado qualquer.
Não se é fascinante só porque se escreveu um livro fascinante.
- Quantos livros já escreveu?
- Trinta e cinco, talvez. A edição das obras completas tem doze volumes.
- Quando é que começou a escrever?
- O meu primeiro livro foi publicado quando eu tinha trinta anos. Mas comecei a escrever
com onze. Penso que todos os assuntos que um autor aborda repousam nele antes de chegar aos trinta anos.
- Que é que escreveu aos onze anos?
- Comecei a escrever a história da minha vida. Por outras palavras, o meu diário. Em cada
dia da minha vida, registei nele os meus pensamentos, experiências, sem nunca falhar.
Numa das suas últimas estadias em Viena, veio visitar-me. Basta abrir o meu diário para lhe
repetir todas as suas palavras. Acho que também falámos dos direitos de autor.
- Pensa publicar o seu diário?
- Nunca antes de cinquenta anos depois da minha morte.
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- O seu diário está escrito com a mesma imprudência que a autobiografia de Frank Harris?
- Não é preciso ultrapassar os limites do bom gosto, mesmo nas confissões. As brutalidades
de expressão incomodam o autor e os outros. O espírito do homem é como a inconveniência;
se ultrapassar os limites da razão e da decência, isso é tão marcante que oculta partes mais
importantes de um livro.
O meu diário acompanha a minha evolução como dramaturgo e como homem. Os meus
primeiros modelos eram os franceses. Durante uma visita que fiz a um tio meu em Londres,
dei-me conta que tinha lido todos os seus livros em alemão e em inglês. Pus-me a ler os dramaturgos franceses que ele tinha na sua biblioteca. Estes autores marcaram-me bastante.
Pode ver traços deles em Anatole e noutras obras de juventude.
- Gosta das suas obras de juventude?
- O meu último filho é sempre o mais querido. Acho que a crítica tende a sobrestimar as
minhas primeiras obras em detrimento das mais recentes. Para cada talento a sua imagem.
Precisei de algum tempo antes de me encontrar a mim próprio, de descobrir, por assim dizer, a minha própria imagem.
- O que é que o levou a afastar-se do naturalismo?
- Virei costas ao naturalismo mas não à natureza. Converti-me ao ritmo e fugi de uma realidade desagradável para atracar no país sagrado do estilo.
- Qual é para si a sua melhor obra?
- Gosto muito de Menina Else; e de O Regresso de Casanova; também de O Caminho Solitário, e Terra Estranha. Esta última peça nunca foi representada em Inglaterra nem na América.
O teatro americano quer economizar as personagens. Eu preciso de mostrar a vida tal como
eu a vejo. Se a vejo cheia de personagens não posso bani-las de uma peça ou de um livro.
- Qual é a sua posição perante A Dança de Roda, tantas vezes proibida?
- Essa peça faz parte das minhas tentativas menos importantes. No entanto, o processo que
se seguiu à sua proibição em Berlim foi apaixonante. Era a censura quem estava no banco
dos réus. Os depoimentos das testemunhas enchiam só por si seiscentas páginas.
- Está a trabalhar agora nalguma obra que ultrapasse as precedentes?
- Não é preciso estarmo-nos sempre a ultrapassar. Todo o trabalho criativo tem as suas marés, altas e baixas. Nenhuma maré vai no mesmo sentido.
- Trabalha às vezes cá fora?
- Não. As ideias ocorrem-me mais facilmente na minha biblioteca. Nem mesmo à sombra
das árvores do meu jardim consigo trabalhar. A natureza tem demasiadas vozes estranhas,
quase inaudíveis, que distraem a atenção.
Um relógio ali perto deu meia-noite.
- Falámos durante horas, diz Schnitzler, num tom quase melancólico, e no entanto não sei se
consegui exprimir-me. Quando preparo um artigo, chego a redigi-lo doze vezes seguidas
antes de ficar satisfeito com o resultado. A palavra, sobretudo a palavra dita, é enganadora
e fugidia.
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- Porque será impossível para um escritor atingir o carácter definitivo da expressão, encontrar
a palavra única e inevitável que carregue a sua mensagem?
- Porque nós não pensamos nem por palavras nem por imagens, mas por qualquer coisa
que somos incapazes de aprisionar. Se conseguíssemos apanhá-la, teríamos uma língua universal… a língua que os homens talvez falavam antes da torre de Babel, antes da confusão
das línguas. O músico, fala uma língua universal. O sentimento é universal. O pensamento é
pessoal e intransmissível.
In H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982.
Trad. LLBarreto
La Ronde de Arthur Schnitzler, filme de Max Ophüls, 1950
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Uma carta
A N. N.
Viena, 21.6.95
Caro Senhor:
fi-lo esperar muito tempo pela minha resposta – queira perdoar-me! Não censuro à sua peça
aquilo que ela pretende exprimir – mas pelo contrário o facto de não exprimir aquilo que desejaria provavelmente fazer. Não censuro à sua peça que ela descreva um tipo de seres que
ainda não existem, mas que descreva seres que eu não vejo, que são apagados e proferem
de modo misterioso discursos que não são nem dramáticos nem naturais. – O Desconhecido
é tipicamente não dramático. Era a ele, precisamente, ele que é tão importante para a ideia
da peça, que deveria ter dado corpo e vida.
Posso até imaginar grandes artistas que não conhecem Nietzsche, assim como outros
igualmente grandes que, embora o conheçam, não gostam dele. Não interprete mal as minhas palavras: eu conheço-o e gosto dele. O facto de não se tratar de um filósofo, no sentido
da filosofia sistemática, até o aproxima de mim. No entanto, não encontro nele nada que
possa, a algum nível, ter influenciado o meu modo de ver a arte. Vejo hoje em dia tudo o que
é belo e grande do mesmo modo que antes de o ter lido. – O que Nietzsche criou parece-me ser uma obra de arte em si. Venero-o imenso – ao nível (se bem que a alguma distância) de Goethe, de Beethoven, de Ibsen, de Maupassant – ao nível de Miguel Ângelo – tenho
um prazer a mais desde Nietzsche – mas não tenho um prazer diferente daquele que teria
tido se não o tivesse lido. É decerto provável que a produção moderna não deixe de sofrer
influências, mesmo em obras importantes, por parte de um tão grande espírito – mas não
reconheço que seja o dever de um poeta deixar-se influenciar por seja que espírito for, como
você parece pensar. Não irei contestar a correcção das opiniões que a sua carta destaca,
na medida em que se apoiam em Nietzsche; e nada tenho a apontar contra o facto de você
contrariar os cânones artísticos vigentes – se ao menos se cingisse a alguma lei, mesmo
uma lei que lhe fosse inteiramente pessoal, uma lei que só tivesse valor para si – mas apenas
consigo ver no Desconhecido uma incerteza mantida no interior das antigas leis. Não peço
nem leis antigas, nem seres antigos, nem ideias antigas – apoie-se no que entender, puxe
fogo às heranças do passado por todos os lados – mas dê-me alguma outra coisa em troca,
algo que esteja vivo, e isso sobretudo se escrever uma peça de teatro. Seja obscuro – mas
não seja confuso. Existem certamente obras de arte dramáticas que estão encerradas num
certo nevoeiro – mas elas são iluminadas, por lampejos, por uma ideia, e nesses momentos
vemos que todas as suas linhas encontram contornos firmes. Também você faz com que por
vezes a sua peça seja iluminada desse modo, mas então, nessa iluminação crua, que vejo eu?
Que as linhas tremem, e que há véus poisados sobre os rostos.
Com a minhas mais dedicadas saudações,
O seu
Dr. Arthur Schnitzler
In H. Schwartzinger, Arthur Schnitzler, Autheur Dramatique, Actes Sud – Papiers, 1982. Trad. Manuel Cintra
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Cartas de amor de juventude
(à actriz Maria Glümer)
Arthur Schnitzler, 1891
A actriz Mizi Glümer, 1890
A Marie Glümer
Segunda-Feira [23 de Setembro de 1889]
Oh, se ao menos eu pudesse dizer-te de uma vez por todas, minha querida, o que eu quero
dizer-te exactamente – se eu conseguisse fazê-lo, acabarias por não poder evitar de sentir
aquilo que és para mim! Se assim fosse, o que aconteceu ontem também não seria possível. De modo nenhum! Ou achas que ainda terias coragem, nesse caso, de falar em adeus?
Trarias na ponta dos lábios, enquanto este outro ser estaria perante ti como um demente e
um desesperado, estas tranquilas palavras: “Não tornaremos a ver-nos como amantes, está
tudo acabado!” – Acabado! Acabado! … Mas vê se sentes em ti o efeito dessas palavras – a
mim, quando penso nisso, fazem-me estremecer dos pés à cabeça como um arrepio ao
sentir aproximar-se a loucura! E muito sinceramente! Eu perguntei-te: “Será que devemos
separar-nos?” E tu respondeste: “Sim, é melhor!” – Tu, tu, tu que te penduravas no meu pescoço e que por entre mil beijos me juravas que nada te poderia separar de mim! Tu a quem
eu disse mil vezes que representavas a minha única felicidade!... Tu que declaravas, há algumas semanas: “Sim, só agora é que a minha vida faz sentido, vivo para ti, e trabalharei
para ti!” – Tu, que descansavas nos meus braços, mergulhada num grande amor que de tudo
se alheava! Recusas a mais bela, a melhor, a mais nobre coisa que possa fazer desabrochar
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dois seres – e isso para… - Mas talvez valha muito, aquilo por que poderias trocar… - Mas que
estou eu a dizer? Faz apenas parte do passado! – Quero dizer, aquela noite horrível com
aquelas ideias horríveis – essa noite em que compreendi várias coisas que me eram até
então incompreensíveis! Que má impressão de mim não terei podido evitar de te dar!... Mas
não podia agir de outro modo! Teria sido sem dúvida muito viril afirmar: “Hesitas, pois bem!
Sendo assim, vou-me embora!” – Mas eu não podia, não queria ir-me embora. Não estavas
a falar a sério. Era apenas a reacção aos momentos de contrariedade – e eterna influência
de todos os outros. Não foste tu quem disse uma parte dessas coisas! Não, não é possível!
Não é verdade! Não achas, Mizi? Tu, a minha doce e fiel amiga, nunca poderias ter saído de
casa com essa ideia já pronta: - “Bom, vamos acabar com estas turbulências lá em casa; é
melhor dizer-lhe adeus a ele” – Estavas confusa, disseste algo diferente do que pretendias. –
Não é verdade? – Mizi! – E tudo está bem outra vez! – Quando nos despedimos, beijaste-me
com lábios tão escaldantes, e havia nos teus olhos um brilho de amor eterno! – Quando as
moças nos querem abandonar, não nos lançam um olhar assim! – E no entanto, a dor que me
vem desse pensamento está para além das palavras: fui eu que te arranquei essas últimas
frases! – estavas tão decidida: não foi uma vez, mas dez vezes que me disseste adeus! Se
eu tivesse mesmo partido de uma vez por todas – não me terias perseguido; terias voltado
para casa – e terias pensado com orgulho: “Acabou – se – estou decidida.” – Mas fui eu quem
não aceitou. Minha terna amiga – tive a sensação de estar prestes a perder a razão. Não
posso acreditar nisso, combato essa ideia com toda a força do meu infinito amor – a ideia
de ter realmente vivido o dia de ontem. Diz-me por favor que apenas o sonhei! Diz-me que
só acordei nos dois últimos minutos, quando eras de novo o terno anjo aos pés do qual eu
teria querido cair de joelhos, cujas palavras me fazem feliz – feliz como uma maldição! – Não
posso imaginar uma vida depois disto, uma vida sem poder esperar as tuas palavras, os
teus beijos, o teu amor. E tu amas-me! Devias ter-me dito antes que não me amavas! E se me
amas, não deves acreditar que esse amor deva ceder à pressão de outros elementos. Também não podes acreditar que um amor como o nosso te diminua. Oh, minha Miza, isso não
seria amor! Talvez os meus desejos sejam loucos, mas penso que se é verdade que me amas
como eu te amo, então esta noção de que nós, tu e eu, somos feitos um para o outro, esta
noção não pode deixar de te absolver de toda a parte má do que estás a viver. – Senti uma
sensação tão desgraçada ontem, quando após o meu discurso que tinha demorado horas te
mantiveste tal como à chegada… Terna amiga! Aquelas palavras: “Mais vale separarmo-nos
hoje” – faz com que as esqueça, pois enlouquecem-me! Não é possível que tenhas querido
dizer isso. – E neste mesmo instante, já estás de novo a ser pressionada! E recomeças a ceder! E pensas outra vez: - “Sim, os outros têm razão; mas ele não.” E pensas: “Mais vale ter
paz em casa, e conforto para estudar – paz no coração.” – Mas o que eu te disse, eu que te
adoro, já o esqueceste de novo. Esqueceste que és a minha felicidade, esqueceste que sacrificamos a nossa juventude perante regras decrépitas, que enxotamos como um morcego
essa felicidade que nos pertence e que entrou pela janela borboleteando com as suas asas
multicoloridas, em vez de permitir que ele nos venha envolver, zumbindo docemente, com
as suas cores maravilhosas. – Sim, fechas a janelita, encerras-te no teu quartito, e lá fora, a
borboleta afasta-se para muito longe. E nunca mais a poderemos apanhar!
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Mais tarde.
Tentei trabalhar! Ler! Estudar! Escrever! – Em vão! – Os livros e os manuscritos estão espalhados à minha frente como máscaras mortas, nem um sopro de vida emanam para devolver
energia aos meus olhos cansados. – Levantei-me e sentei-me, ali, no sofá, na minha secretária, e tentei pensar. – Pensar! – Estou bloqueado; passo o tempo em divagações. É sempre
o mesmo sentimento que me pesa no espírito e o esmaga – um sofrimento perturbador,
sem igual – e existe uma jovem, uma “terna amiga” , que o pode dissipar com um só sopro,
enxotá-lo com um beijo, um simples olhar!
Acabo de ler a tua última carta, que só recebi hoje ao meio-dia; diz no final: “Sou tua e
desejaria ficá-lo eternamente – “ – E quando penso no que foste capaz de dizer, poucas horas depois de ter escrito isso! – Minha querida, venho suplicar-te: faz luz dentro de ti! Não
te autorizes a viver nessa miserável incerteza, que vai acabar por me enlouquecer! – Eu sei
– tens que suportar muitas, muitas coisas. Repara, minha querida: eu não sou cego; isso eu
entendo. Nada quero pedir-te: deves dar livremente aquilo que deres. – Mas talvez tenhas
tido durante estes últimos dias o pressentimento daquilo que és para mim. Não há simplesmente palavras para o descrever. – Sofres muito, mesmo muito, e isso muito me dói, como
bem sabes, minha doce querida. Mas aquilo que do meu lado sofri durante estes últimos dias
e estas últimas horas, em dúvidas, em desespero e em incompreensão, e tudo isso vindo de
ti – vai muito além do limite daquilo que se pode aguentar conservando a razão! – Não posso suportar esta vida. – Teria o sentimento de ser o mais feliz dos eleitos se te atirasses ao
meu pescoço e me dissesses: “Amo-te – mesmo que eles lá em casa me atormentem – amo-te, apesar de tudo, e vamos ficar juntos! Acho que o teu amor não me fará mal, nem a mim,
nem à minha profissão. Acho que o teu amor me fará feliz – amo-te tão fervorosamente, com
tanta eternidade como tu me amas.” – Feliz, sim! Demasiado feliz.
- Ou então, dizes-me: “Amo-te, na mesma – mas lá em casa, eles têm razão e quando penso
em ti não consigo estudar, e bem podemos tagarelar um pouco de três em três semanas –
não faz mal – “ Minha querida, lembras-te do mendigo no Filho Pródigo (nessa noite, amavas-me muito!) que pede a Flotwell metade da sua fortuna, e não aceita menos do que isso?
- Meu tesouro, apenas te direi mais uma coisa: pensa, ao ler esta carta, que te pego na mão,
que te beijo a ponta dos dedos e os teus olhos. – Uma só coisa te digo: amo-te!
E se achares que este amor, que é aquilo que já senti de mais maravilhoso, de mais intenso,
está a perturbar o rumo da tua existência, nesse caso, afastar-me hei calmamente desse
caminho que é o teu e que tu percorres, mas num recanto, sem sequer roçar no rebordo do
teu vestido, continuarei a amar-te, calado e triste, e no entanto às vezes a lembrança desse
pensamento irá fazer-te tremer. Porque é que nos separámos? Loucura! Loucura! Meu tesouro doce e terno, beijo-te nos lábios!
A.
Que estás a fazer? Estas últimas linhas escritas por baixo da tua janela – não te vi, estive
lá às seis, às sete horas, e agora.
Adeus, minha bem-amada!
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______________
A Marie Glümer
[18].11.90
Percorro mais uma vez a tua última carta, pela terceira, quarta, quinta vez – é verdadeiramente incrível! – Isto vindo de ti, minha cara, minha amiga sinceramente afectuosa? – Minha querida, vou fiar-me intensamente nas tuas palavras; não quero submetê-las a nenhum
“exame cruel” – mas o que eu agora tenho para te dizer, és tu que me obrigas a isso – pois
não posso suportá-lo, não suporto que me faças representar esse papel. Vejamos: da tua
carta conclui-se – tu não o afirmas explicitamente – mas conclui-se com perfeita evidência – agora preciso de ser completamente sincero, preciso de falar justamente segundo os
sentimentos que tenho – que consideras egoísta, ou digamos deselegante e comodista – o
facto de eu não pedir a tua mão. Será que eu te atribuo intenções diferentes das tuas? Não
– transcrevo-te aqui os excertos que me levam a essa conclusão: “Se eu recusar um bom
casamento, será um sacrifício…” etc. – e mais adiante: “Eu não falo nada dos meus sacrifícios,
e já to disse, tu representas para mim uma confirmação suficiente das tuas reais intenções.”
Outro excerto: “Tu, naturalmente, hás-de evitar pôr ao corrente do que quer que seja as pessoas da tua família”. Outro excerto, menos significativo: “O que é que vais fazer da próxima
vez que a minha mãe te perguntar: Quer casar-se… etc. – Por favor! Vais esconder-lhe o que
é impossível eu própria dizer-lhe? Que farás tu? – “
Já que parece ultrapassada a época em que o meu amor te bastava, e que a tua confiança
na eternidade desse amor – ignoro totalmente por que razão – parece fraquejar – não posso
evitar de te explicar as razões do meu comportamento, embora te considere suficientemente nobre para as vires a entender sozinha. Mas tu não o fazes. – Não, queres ouvi-las da
minha boca. – Pois bem, ouve-as! “ Pôr ao corrente de alguma coisa as pessoas da minha
família”. E de quê, posso saber? – Descrevo-te os acontecimentos como não podem deixar
de se desenrolar – e tenho como dado adquirido que és sempre para mim a única, a bem-amada, a cora josa amiga. – A minha família, então: Quem é a rapariga? – Faz teatro! – Hum.
– E além disso, leva uma vida honesta? – Sim. – Sempre a levou? – (O que se segue não é
por mim, mas pelos outros que eles virão a saber) - Dois amantes; ela abandonou o primeiro,
o segundo pô-la a fazer teatro, e depois casou-se com outra, mas continuou a sustentá-la
durante algum tempo. – A sua reputação? – Pois bem, em geral, dizia-se que ela ia ao teatro
encontrar-se com um rico proxeneta ou com um bom partido, o que afinal pode não passar
de puras calúnias. – Certo, e desde a vossa ligação? – Ela sempre foi séria e fiel, ela amava-me verdadeiramente; esteve apenas uma vez prestes a casar com outro, o que afinal de
contas bem pode vir a suceder. – E tu achas que essa rapariga te proporciona, como esposa,
um futuro feliz? – Sim. Apesar de tudo isso, por se ter transformado. – É sempre isso que se
pensa. – Mas enfim, vou cortar relações com a minha família – pois quando souberem do teu
passado – e vão sabê-lo – jamais darão o seu consentimento. – Visto isto, caso-me contigo
e apresento-te à sociedade. Uma sociedade onde nos pode muito bem acontecer que, num
salão em que venhas a ser apresentada como minha mulher, se encontre um homem que já
te tenha tido nos braços, um homem que te tenha atirado para cima de um divã e possuído,
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na tua casa, enquanto a tua mãe estava na cozinha, um homem que, quando sairmos do salão, poderá continuar a sorrir para si mesmo dizendo-se: - Também eu gozei com ela – antes
dele – e não fui o primeiro! “Minha querida menina, se entendes que é dar prova de amor
ao conforto tremer perante a perspectiva dessa horrorosa ignomínia, pois bem, então não
é de todo possível falar contigo sobre isso. Ignoro se estás suficientemente cega para não
ver de todo o que tudo isso contém de horrível – o que significa encontrar um homem que
foi amante da nossa mulher – mas para acreditar que nos possamos pura e simplesmente
colocar acima de uma tal coisa, é preciso ser doida, nem mais nem menos. – Teremos portanto que sair de Viena, é muito claro. Talvez seja cobarde por ter vergonha de passear de
braço dado na rua contigo, e ouvir murmurarem nas minhas costas: “É a mulher de S., que
antes foi a amiguinha dos senhores F. e G.”? – Cobarde, cómodo, egoísta! – E já agora, se
a tua mãe e a tua irmã soubessem o que aconteceu antes, não seriam elas as primeiras a
compreender, elas, que eu possa hesitar? “Pois bem, me dirás tu, se me consideras murcha
a um ponto de tal modo irreversível, porquê, porque é que me amas? – Porque é que não
me abandonas? – Como é que eu posso servir para ti como bem-amada?” – Vou dizer-to:
porque te amo precisamente enquanto não puder viver sem ti. – Porque sinto que há em ti
qualquer coisa de verdadeiramente bom e santo que se esconde e que se conservou intacto,
e que fez a minha felicidade. Porque acho que um dia conseguirei vencer-me a mim próprio,
e tomar consciência de que a lembrança do teu passado pouco mais sentido tem para ti que
a lembrança de uns quantos erros. – Porque me estou a convencer de que, nos meus braços,
um novo amor, algo de melhor, de superior, acordou verdadeiramente em ti, assim como eu
senti perto de ti algo de cuja existência não fazia a mínima ideia. Mas expor-me contigo no
meio de um mundo onde há pessoas que vão e vêm com as lembranças que têm de ti – que
te observam lembrando-se das belezas do teu corpo e do deleite da tua embriaguez no
prazer que fizeram nascer em ti e do qual partilharam? – É isso que eu não suporto. – Peço-te que penses nisso de uma vez por todas e a seguir ainda consigas ousar dizer-me que eu
gosto do meu “conforto”. Podes perguntar a milhares, a milhões de homens – qualquer um
sentiria respeito pela minha dor, compreenderia os combates que se travam na minha alma.
Tu – não! Tu queres provar-me que me amas mais, que me amas de um modo diferente de
como amaste os outros homens. Não sei se é por desejares que eu me case contigo que isso
transparece. – Oh, minha querida, não há instante em que eu receba mal esse desejo! Com o
que se passa em ti agora, sentes-te tão pura que para ti tudo está mesmo acabado. – Mas na
realidade, nada acabou, e outros para além de mim escutaram os teus suspiros voluptuosos
e embriagaram-se com os teus encantos. E quando eu penso nisso, e mesmo que eu te adore e acredite em ti como num milagre, a enorme repulsa que me invade nesses momentos
é insuportável. Ainda vês nisso muitas vezes uma censura pérfida que possa ter acabado
de me atravessar o espírito – tornas-te má, enfureces-te contra mim, que te “enervo”. – Se
tivesses a mais pequena noção da característica básica dessa raiva que desaba sobre mim
como uma vertigem, como uma desgraça invencível – não ousarias ter esse comportamento
de rapariga que me diz por meias palavras: “Porque me fazes tantas censuras? Basta que
alteres as coisas casando-te comigo.” – Talvez o meu suplício fosse menos doloroso (embora
seja uma estupidez pensar assim) se, ainda por cima, um desses homens não fosse uma das
minhas boas relações. –
Gostaria de tornar as nossas relações mais claras. – Quero saber se compreendes finalmente aquilo que a minha situação tem de atroz – se ainda pensas que é apenas por uma
questão de amor próprio exacerbado que eu hesito com receio de te apresentar como minha mulher no seio dessa gente que sabe que te entregaste a outros homens antes do teu
marido. – Queres provar-me a sinceridade não interesseira do teu amor? – Continua a amar-me, depois de eu te ter dito tudo isto. – Sabes que eu te amo tão infinitamente que esse
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amor nunca poderá parar. – Mas se julgas poder encontrar um homem que te ame de um
amor sem escrúpulos – se é difícil para ti, nem que seja o pressentimento do sacrifício de te
manteres minha ainda por muito tempo, pelo menos até que eu possa partir para sempre,
levando-te como minha bem-amada – então abandona-me. – Mas nada de mentiras. O meu
amor por ti é inviolável – e nunca te abandonarei. – Se pensas poder ser mais feliz sendo a
esposa de outro e não ficar comigo – então casa-te e sê feliz. – Mas se algo te diz que a tua
felicidade está perto de mim e apenas de mim, não sacrifiques essa felicidade. – Vais querer
expiar, cair aos meus pés com arrependimento – mas eu não quero a tua expiação, nem o
teu arrependimento, só quero o teu amor – e só exijo compreender, como única prova do teu
amor infinito, que podemos ser felizes a sós; mas que encontraremos a morte lutando contra
o desprezo do mundo, e o sorriso trocista de dois amantes esquecidos.
[sem assinatura]
_____________
A Marie Glümer
29.3.1893
É uma coisa humana parar de amar e começar a amar outro ser. É humano até enganar
alguém que nos jurou que, se assim fosse se mataria, e não lhe dizer nada. – Quanto a nós,
o caso é diferente. - Durante anos e anos, eu supliquei-te: “Sê franca!” – Durante anos, em
quase todas as conversas, em quase todas as cartas: “Não te peço nada, apenas a verdade!” – Já não sou uma criança, e também não sou um optimista – como é que eu poderia
exigir o amor eterno de quem quer que fosse! – Mas a mim, era-me permitido exigir de ti,
que não mentisses durante semanas e meses, que não me enganasses como a mais nojenta
das prostitutas, com requinte, que não fingisses, com mil pequenos detalhes que não eram
de todo necessários, a alegria de me ver voltar, a nostalgia de mim, a alegria que te davam
coisas que para ti já nada significavam – o meu retrato, por exemplo, que está pendurado na
parede do teu quarto – escrevendo-me cartas de amor empolgadas e indignando-te com a
vulgaridade da “denunciadora” – que no entanto, vá-se lá saber porquê, escrevia mesmo a
verdade – e que não me tratasses de “teu Arthur” nem me atribuísses todos esses nomezinhos ternos de sempre, enquanto pertencias a outro, enquanto me enganavas e troçavas de
mim e me rebaixavas com cada um dos teus olhares. Julgo também que eu teria aguentado
isso como um homem, se me tivesses confessado tudo e se, tal como eu esperava de ti, me
tivesses atirado à cara um adeus honesto. Isso teria provocado uma grande dor, uma dor infinita; mas não teria desonrado nenhum de nós dois. – Mas aquilo que me fizeste é tremendo
e jamais poderá ser consertado. Atraiçoaste-me da mais miserável das maneiras: enquanto
eu te adorava, enquanto todos os meus pensamentos te pertenciam, enquanto acreditava
em ti, apesar de todas as dúvidas que, diga-se de uma vez por todas, estão na minha natureza – e por muitas razões! – pelo menos ao ponto de te considerar, senão forte, pelo menos
honesta, enquanto que eu [palavras ilegíveis] toda a minha vida, todas as minhas alegrias,
tudo o que eu queria, tudo aquilo a que eu aspirava – julgava eu então ter realmente encontrado a mulher que representa tudo para nós, uma camarada e uma amante – e enquanto
tu, nas tuas cartas quotidianas, fazias por sublinhar essa opinião – conspurcaste de modo
ignóbil a minha fé e o meu amor. – Um tal comportamento deixa atrás de si um rasto de infe-
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licidade para a qual não há palavras. Não se trata do tipo de dores que trazem em si a reconciliação; é uma infelicidade a que seríamos incapazes de pôr um fim, porque destruiu consigo tudo o que a vida ainda poderia trazer. – Não é só o meu futuro que está envenenado,
é também todo o tempo que passámos juntos, esse tempo cheio das mais doces e sagradas
lembranças – tudo isso acabou de repente. Pois eu amei um ser que me enganava vergonhosa e imperdoavelmente como nunca um homem foi enganado – uma mulher que continuava
a praticar todo esse engano, mesmo numa altura em que não podia deixar de saber que
tudo acabaria por vir a lume em plena luz – e que não hesitava em continuar a expor-me à
troça de todos aqueles que o sabiam. – Devo dizer-te isso, por pouco que te julgue capaz de
ter consciência da dimensão da dor que pode ficar no fundo do coração, quando um amor
como aquele que tenho por ti foi forçado a terminar de um modo tão vergonhoso, pela mais
baixa traição. E no entanto, devo fazê-lo, porque a tua última carta contém uma censura:
a de te ter deixado sózinha durante sete meses. – As razões pelas quais não te vi durante
esse período, sempre as soubeste; mas mesmo que não as tivesses considerado suficientes,
era-te… perfeitamente possível dizer-me adeus. Mas tu preferiste… fazer exactamente aquilo
que fizeste, e contar com a bondade de um acaso que nada viesse a revelar-me. – E pelo que
posso ver na tua penúltima carta, terias regressado, tranquila, sorridente e sem vergonha –
como a amante de um actor quando a época chega ao fim – para os braços de um ser que
te adora, e que viu em ti a sua felicidade – e a sua honra! “Assim é melhor, pois teríamos que
separar-nos de novo” – dizes tu: não podes “deixar-me alimentar nenhuma ilusão”. Pois bem,
se é mesmo melhor assim, e se é mais vergonhoso aceitar uma coisa por parte de um ser
que amámos e que nos ama – ou pelo contrário fazer aquilo que agora tens na consciência
– também podemos deixar tranquilamente que seja a opinião moral, e em última instância
a tua opinião, quem possa decidir. – E temos portanto que ficar por aqui; - eu teria pensado
em ti com uma tristeza calma, se me tivesses dito há meses atrás: “Agora eu amo outro.” O
que nem tu nem as tuas semelhantes poderão jamais compreender é o modo como agora
penso em ti, e ficarei a pensar em ti enquanto for vivo, pois nunca poderei escapar a esta
lembrança atroz.
Arthur
As últimas informações que recebi esta manhã – com provas indesmentíveis – fazem-me
hesitar algum tempo se chegarei a enviar-te estas linhas, tu, a mais baixa das criaturas sob
o sol. – Pois bem, sempre é verdade o que é mais habitual dizer-se sobre uma meretriz! – E
todos os segundos da minha vida que contigo passei, e tantas doces lembranças, tornaram-se outras tantas manchas na minha vida, e terei que corar de vergonha perante todos
aqueles que alguma vez encontrei na rua na tua companhia. – Acho que aconteceu o que
era inédito e inconcebível: a minha repulsa por ti torna-se maior do que o meu amor alguma
vez o foi! –
In Arthur Schnitzler, Lettres aux amis 1886-1901, Rivages poche/Petite Bibliothèque, 1991
Trad. Manuel Cintra.
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Fotografias de ensaio A Cacatua Verde © Luís Santos
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A CACATUA VERDE
Josef Kaains no papel de Henri na Der
grüne Kakadu de Arthur Schnitzler, 1899
Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Renaissance – Theater.
Berlim, 1945
Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler, 1952
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Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Klaus Kinski no papel de
Henri. Encenação de Rudolf Noelte. Freie Volksbühne. Berlim, 1957
Der grüne Kakadu de Arthur Schnitzler. Encenação de Pere Planella. Teatre Lliure. Barcelona, Abril e Maio de 1977
Au Perroquet Vert de Arthur Schnitzler. Encenação de Matthias Langhoff. Théatre de la Ville. Paris, 1989
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A Cacatua Verde
Uma carta
A Ludwig Fulda (1)
28.11.98
XI Frankagasse 1,
Viena
Caro Senhor Fulda:
A polícia, em Berlim, não autorizou que O Papagaio verde seja representado em público
no Teatro Alemão. Consequentemente, e em acordo com Brahm, permito-me apresentar-lhe esta pequena peça com vista a uma eventual representação. Brahm, que vai estar de
regresso a Berlim no final da semana, poderá ter a amabilidade de o informar melhor sobre
o assunto; por agora, apenas lhe peço que a leia bastante depressa, e caso tenha tempo, me
escreva umas palavras sobre o assunto.
Com as mais cordiais saudações do seu
Arthur Schnitzler.
(…) Alegro-me de saber que As Últimas Vontades tenham tido alguma aprovação da sua
parte. Quanto a mim, só gosto do primeiro acto e certas partes do último. Durante todo o
tempo em que a personagem principal está em cena, não gosto da peça. Julgo que ficou
completamente impessoal. Durante os ensaios, vieram-me muitas ideias à cabeça que me
teriam permitido melhorá-la; - mas parece que eu não sou suficientemente honesto para
interromper uma peça durante os ensaios, mesmo quando sei como poderia ser melhorada.
Teve muito sucesso em Berlim e em Viena na estreia; em Berlim, saiu de cena rapidamente; aqui, parece aguentar-se. Em todo o caso, não há dúvida de que não tem futuro, e isso
não se deve de todo à sua tristeza - ! – Acabo precisamente de escrever outra coisa que me
agrada mais: três pequenas peças – O Papagaio verde, a melhor das três, está a encontrar
grandes dificuldades. Em Berlim, foi proibida; e aqui, a censura imperial exige alterações
inconcebíveis. A peça passa-se em Paris, na noite da tomada da Bastilha – mas querem que
eu faça desaparecer “o cheiro a sangue”. E o assassinato de um duque que nela decorre iria,
segundo dizem, desagradar ao público. Poderei enviar-lhe tudo isso em breve com prazer,
pois certamente que o vai divertir. Neste momento, estou ocupado com uma grande peça
fantástica em cinco actos, com a qual julgo estar a abordar novos assuntos. Quem sabe se
tudo o que a antecedeu não passava de um diário íntimo; pelo menos, a partir de certa altura. (Pois houve uma altura, do meu nono ao meu vigésimo ano, em que eu escrevia “como
um pássaro canta” – e devo ter sido muito feliz nesses tempos; pois já não me lembro como
é que o fazia exactamente. Conservei muitos desses textos: dramas, peças de carnaval, e
romances cómicos; tudo isso quase totalmente idiota; mas na época em que eu escrevia
essas coisas, nunca senti a necessidade de as mostrar a quem quer que fosse. É assim que,
de ano em ano, nos tornamos mais inoportunos, mais vis e mais infelizes.)
_______
1. Ludwig Fulda (1862-1939), dramaturgo alemão, e também tradutor. Foi co-fundador, com Otto Brahm, da Freie Bühne de Berlim. A
colaboração de Schnitzler com Brahm consolidou a amizade deles. Destituído das suas funções em 1933 por causa das suas origens
judaicas, começou por abandonar a Alemanha, onde voltou mais tarde, suicidando-se em Berlim a 30 de Março de 1939.
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A subversão do historicismo em
A Cacatua Verde
A Cacatua Verde é o nome de um cabaré parisiense dirigido por Prospère, um antigo director de teatro reconvertido que conseguiu arranjar uma boa clientela na alta sociedade,
propondo todas as noites um divertimento de género muito particular. Os cientes, o Duque
Emile de Cadignan, o Visconde François de Nogeant, o Cavaleiro Albin de la Trémouille, o
Marquês de Lansac, com os seus amigos, as esposas ou as amantes, mas também gente das
letras e boémios, como o poeta Rollin ou o filósofo Grasset, encontram-se no cenário de uma
estalagem para meliantes, facínoras e prostitutas. O divertimento, para estas pessoas da
alta e para estes intelectuais, consiste em estar lado a lado com actores que representam
com talento os papéis de marginais da ralé parisiense. Deixam-se roubar por brincadeira,
têm um prazer masoquista em ser maltratados por tipos insolentes, deixam-se acariciar por
actrizes que fazem o papel de pegas. Pode-se imaginar que A Cacatua Verde tem como modelo alguns cabarés de Monmartre do fim do século XIX. Por exemplo, o Chat Noir, aberto em
1881 por Rodolphe Salis, onde se encontrava a boémia literária e artística, lado a lado com os
burgueses, em busca de sensações fortes. Rodolphe Salis recebeu o Príncipe de Gales em
altos gritos: “Então meu príncipe, a sua mãe continua boa?”: a anedota tinha ficado famosa.
Havia também Aristide Bruant no Mirliton, que cantava canções de crimes e cadafalso sem
provocar indignação, exaltando Jo l’Apache, François le Grelotteux, Lolo la Gigolette e Nini
Peau de chien. Na sua crítica sobre a estreia de A Cacatua Verde, Rudolf Lothar cita também
o cabaré A la taverne dês forçats de Papa Lisbonne. Estas alusões aos cabarés parisienses
do fim do século permitem compreender melhor o que Schnitzler quer dizer com a indicação do género, Groteske, que acrescenta ao título da peça. Como os clientes dos cabarés de
Montmartre, os habitués de A Cacatua Verde são mundanos à procura de realismo picante.
Prospère, o patrão, sabe a receita: é preciso provocar arrepios em ligação com a actualidade.
A acção passa-se em 14 de Julho de 1789. Os temas revolucionários andam no ar. Os actores
d’ A Cacatua Verde vão assim excitar o público representando os populares e cantado canções revolucionárias.
No Chat noir, a Alteza britânica era chamada por bom príncipe. Mas a censura imperial de
Francisco José não teve esse sentido de humor perante a peça de Schnitzler. O director do
Burgtheater, Paul Schlenter, tinha feito passar o texto pela censura. Schnitzler tinha sido
convocado para ler o texto em voz alta e responder a algumas perguntas. Pediram-lhe para
mudar o nome do duque, primeiramente chamado “Duque de Chartres”, para suprimir alguns “Viva a liberdade” e corrigir o papel, francamente burlesco, do Comissário. Schnitzler
acedeu aos dois primeiros pontos, mas não suprimiu o Comissário. A censura deu no entanto
o seu consentimento oficial em 26 de Janeiro de 1899.
No entanto, o autor iria conhecer os mesmos dissabores que Grillpazer com o seu Treuer Diner
se ines Herm: apesar do acordo formal da censura, algumas pessoas da Corte viram com
maus olhos o êxito da peça. No dia 6 de Maio de 1899, Schnitzler informou Schanitzler de
que o príncipe de Liechtenstein tinha pedido ao Freiherr Plappart von Leenheer, o Inspector Geral do “k.k, Hoftheater” para reduzir ao mínimo o número das representações. Motivo
oficial: o carácter licencioso dado pelo autor a uma personagem que devia representar a
aristocracia, Séverine, a marquesa de Lansac. Na verdade, são os slogans revolucionários
que inquietam a corte; tanto lhes importa saber se Schnitzler os interpreta à letra ou se pertencem ao repertório dos actores de cabaré da Cacatua Verde… Na primeira temporada a
peça só foi representada oito vezes. Em Setembro de 1899, Schnitzler espanta-se que ela
não tenha sido reposta. Depois de uma troca de cartas bastante viva com Schlenther, dá-se
a ruptura. A peça seguinte de Schnitzler, Der Schleier der Beatrice, foi recusada por Schlenther. Foi preciso esperar por 1905, com a estreia de Zwischenspiel, para que uma nova
peça de Schnitzler fosse apresentada no Burgtheater. A Cacatua Verde teve a mesma sorte
em Berlim, onde a censura tinha proibido a peça em 26 de Agosto de 1898 (decisão retirada
no entanto em 1899). O que não impediu que tivesse uma bela carreira em diversas cidades
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alemãs. Refira-se que A Cacatua Verde tinha sido recomendada por Georg Brandes, já em
Junho de 1899, a André Antoine, director do Théâtre Antoine, que organizou a sua primeira
representação em 1903, não tendo seduzido o público francês. Pelo contrário, Die Gefährtin,
uma das duas outras Einakter do ciclo de Schnitzler, teve na mesma época um enorme êxito
no Théatre Antoine.
Toda a peça se baseia na confusão entre a ilusão e a realidade, o teatro e a vida, o simulacro
e a verdade e também, portanto, entre a farsa de cabaré e a História. O achado incontestável de Schnitzler nesta obra de grande virtuosidade, consiste em comunicar ao leitor ou ao
espectador a mesma hesitação, em inspirar-lhe a mesma incerteza que a que perturba as
personagens da peça: é um jogo ou devemos acreditar? Cada acontecimento, cada palavra
relança a questão. Uma perturbação suplementar é introduzida pelo processo do «teatro
dentro do teatro»: é posto em cena um cabaré com os seus actores e os seus espectadores.
Ora, o jogo orquestrado por Prospère, o patrão d ‘ A Cacatua Verde, não tem nada de inocente, porque depressa se nota que cada um escolheu o papel que melhor desmascara a sua
natureza profunda. A marquesa Séverine vem à Cacatua Verde para se fazer engatar como
uma costureirinha de bairro pelos actores da companhia de Prospère; cedo se percebe que,
nesse papel, ela não representa um papel emprestado, traindo, sim, o seu verdadeiro carácter. Inversamente, a prostituta Georgette, que representa a mulher fiel, revela-se de facto a
mais sincera das apaixonadas. O palco da Cacatua Verde, onde se divertem a representar a
revolução, vai tornar-se teatro de acções tragicamente revolucionárias. A praça da Bastilha,
nesse mesmo dia 14 de Julho de 1789, não será também outro palco onde se representará
uma farsa gigantesca? “Sabe distinguir entre o que somos… e o que representamos? […] A
realidade torna-se comédia e a comédia realidade”, diz Rollin, o poeta. Ao ouvir o rumor
crescente que chega da rua, onde a multidão ululante se dirige em cólera para a Bastilha,
o cavaleiro Albin de la Trémouille, a quem Schnitzler dá o papel de um jovem e cândido fidalgote de província, faz esta pergunta divertida: “Que curioso!... Um autêntico burburinho;
é como se houvesse pessoas a correr lá fora. Faz também parte do espectáculo?” As autoridades do reino em crise também se enganam com a revolução. Enquanto a multidão se
enraivece nas ruas, o Comissário é mandado para vigiar o que se passa na Cacatua Verde;
quando Prospère grita no fim da peça que a Bastilha foi tomada de assalto pela insurreição,
“O povo de Paris venceu!”, o Comissário intervêm e declara: “Silêncio!... Proíbo a continuação do espectáculo!”. Enquanto Albin se interroga se os acontecimentos do 14 de Julho não
faziam parte da engenhosa encenação de Prospère, a Cacatua Verde torna-se subitamente
cenário de um assassinato revolucionário: o actor Henri, que acaba de saber que o duque
de Cadignan seduziu Leocádia, a sua noiva, apunhala o duque. A comédia transformou-se
numa sangrenta realidade. A primeira execução de um nobre aconteceu no palco da Cacatua Verde.
Esta mistura inextrincável de representação com realidade, de ilusão com verdade, de sonho
com vigília, era um dos temas essenciais de Schnitzler no mesmo ciclo que A Cacatua Verde.
Toda a gente conhece os célebres versos que Paracelso diz em modo de conclusão:
Was ist nicht Spiel, das wir auf Erden treiben,
Und schien es noch so groB und tief zu sein ![...]
Mit Menschenseelen spiele ich. Ein Sinn
Wird nur von dem gefunden, der ihn sucht.
Es flieBen ineinander Traum und Wachen,
Wahrheit und Lüge. Sicherheit ist nirgends
Uma das “realidades“ que Scnitzler transforma em “ficção” nesta trilogia (Paracelsus, Die
Gefährtin, Der Grüne Kacadu) é o casamento e o amor conjugal. N’ A Cacatua Verde, reencontramos o tema vivido por Henri. Estas peças esboçam ainda o que poderíamos designar
como uma Kritik der Aufklärung. Em Paracelsus, Schnitzler mostra todo o poder da psicologia da profundidade e da hipnose, mas também os seus limites e perversões possíveis.
Paracelso, que julgava manipular à sua vontade a psique das personagens que o rodeavam,
encontra caracteres que lhe podem resistir, e a sessão de hipnose não tem o resultado que
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ele imaginara. O médico hipnotizador aparece como o aprendiz de feiticeiro que sabe muito bem libertar as forças do inconsciente, mas sabe muito menos bem controlá-las, como um
burlão que põe a sua habilidade (ou meia habilidade) ao serviço da sua vontade de poder
e não conhece a deontologia.
A ambivalência da psicologia das profundezas é posta em evidência: muito mais penetrante
que a psicologia clássica, capaz dos êxitos terapêuticos mais espectaculares, resulta apesar
de tudo de uma visão terrivelmente redutora da personalidade humana e pode, nas mãos
de um cínico, transformar-se em intrujice ou em técnica de manipulação das consciências.
Do mesmo modo, A Cacatua Verde é no fim de contas uma crítica à Revolução Francesa, no
fim da qual pouco fica da ideia de revolução. Carl E. Schorske é nesse aspecto muito prudente quando escreve: “Schnitzler não toma partido nem a favor nem contra a Revolução
que, para ele, como para muitos dos seus contemporâneos liberais, tinha perdido o seu
significado histórico. Utilizava este acontecimento apenas como pretexto para a sátira da
sociedade austríaca em crise”. O que Schnitzler não põe em causa é a corrupção e a injustiça do Antigo Regime e a legitimidade da aspiração a uma mudança.
Mas ele contesta radicalmente que a revolução seja o bom meio para melhorar a ordem
do mundo. A Revolução Francesa é apresentada n’ A Cacatua Verde como (para retomar
as palavras de Nietzsche num dos fragmentos de Para além do Bem e do Mal) uma “farsa
sinistra e supérflua”. A nota de Schorske põe em todo o caso em evidência o bom caminho:
não se deve procurar na peça de Schnitzler seja que esforço for de “realismo” histórico. Os
aristocratas franceses que ele pinta são concebidos à imagem da aristocracia e da grande
burguesia vienense da Jahrhundertwende . O prazer que aquele público d’ A Cacatua Verde
toma com o espectáculo da sua própria decadência e do triunfo das “classes perigosas” é
para Schnitzler o maior indício da sua profunda corrupção moral. Através do poeta Rollin é
a jovem Viena literária que é o alvo da sátira.
Schnitzler apresenta os aristocratas do Antigo Regime sob um ponto de vista muito pouco
simpático. Mesmo o jovem Albin, apesar da sua ingenuidade e do seu bom senso provinciano, aparece como prisioneiro dos preconceitos mais conformistas, indignando-se por terem
tratado o seu tio, proprietário rural, como “açambarcador”.
O visconde François de Nogeant não tem qualquer ilusão sobre as injustiças sociais e a
miséria popular, mas aproveita com cinismo a ordem estabelecida; a sua lucidez tem aliás
limites e acredita piamente que os actores d’ A Cacatua Verde são as pessoas mais honestas
do mundo e que a cólera do povo de Paris não terá consequências sérias. A sua cegueira é
muito clara quando, a propósito da mímica de Grain, o criminoso verdadeiro que se refugiou
n’ A Cacatua Verde, faz este comentário: “Este é muito fraquinho. É um amador”. Finalmente, confessa a sua incapacidade para compreender os acontecimentos do 14 de Julho de
1789: “O povo perdeu a razão”, exclama ele no meio do tumulto final. O mais brilhante dos
representantes do Antigo Regime, o duque de Cadignan, cujo desembaraço e inteligência
sobressaem no meio do seu séquito, avilta-se em intrigas amorosas que acabarão por lhe
custar a vida. Sonha com uma juventude eterna, com uma vida vivida como se fosse teatro,
representando papéis; é um pessimista que não se cega com a realidade e que só acredita
na morte. Incarna o espírito de decadência que afecta como um veneno final a fina-flor da
aristocracia francesa – e sobretudo vienense.
Aparecem dois intelectuais na peça de Schnitzler: Rollin, o poeta, amigo da sociedade nobre
que frequenta A Cacatua Verde, e Grasset, o filósofo, que pertence ao grupo de Prospère,
o dono do cabaré. Rollin é um esteta enfático. A Revolução que começa não passa para ele
de um pretexto para uns versos de pé quebrado: vê a marcha popular contra a Bastilha
“Tal como uma onda gigante que rebenta contra a margem, / Funda e ameaçadora, a ponto de a própria Terra, / Filha da Água, se lhe opor… “. As imagens épicas escondem mal a
grande confusão de ideias de um sonhador desarmado perante a realidade: “Tudo isso me
ultrapassa”, são as suas últimas palavras. Quanto ao filósofo Grasset, era uns dias antes um
dos oradores mais prolixos da companhia de Prospère, n’ A Cacatua Verde; presentemente,
encontrou um palco mais prestigioso e um novo público: representa o papel dos tribunos
da plebe nos jardins do Palais-Royal. Em 14 de Julho de 1789 falou às massas depois de
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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Camille Desmoulins, anuncia orgulhoso no primeiro quadro da peça. Para Grasset a ilusão
teatral é total: d’ A Cacatua Verde para o Palais-Royal é o mesmo espectáculo que continua.
Aquele histrião palrador não tem nada a ver com um militante político a sério. Vemos isso
claramente no último quadro, quando Grasset transforma ali mesmo um crime passional (o
assassinato do duque) num acto revolucionário e grita: “Quem trucida um duque é amigo do
povo! Viva a liberdade!”. Em suma, as duas personagens de Rollin e Grasset são caricaturas
muito severas do papel dos intelectuais na Revolução.Schnitzler não é mais indulgente para
com os “sans-culottes” da companhia de Prospère. Henri é o melhor actor e o mais bonito,
admirado pelo duque, provocando ciúmes nos outros (na representação de 1899, o papel
de Henri foi entregue a Josef Kainz, uma estrela do Burgtheater), apaixonado de Leocádia.
Mas aquele génio do teatro é um actor desastroso na comédia do amor e, se se torna num
assassino revolucionário, é de facto sem o ter desejado. Adivinha-se nele um rousseauniano
idealista e sentimental: para desfrutar o perfeito amor com a sua amada Leocádia, vai deixar a cidade corrupta e irá viver para o campo. Quer dar ao seu público de aristocratas uma
“sensação antecipada do fim do seu mundo”, mas esse pressentimento traduz-se menos em
ideias políticas do que num desejo de fugir da sociedade.
O dono d’ A Cacatua Verde, Prospère, joga um jogo duplo perigoso. Enquanto a exploração
do cabaré der lucro, contenta-se com o papel de patrão e chefe da companhia. Mas está
atento: “Lá virá o dia em que a brincadeira se transforma em coisa a sério e eu estou preparado para o caso de…”, declara ele a Grasset. Prospère é um leitor atento dos artigos de
Camille Desmoulins, e parece aprovar as suas ideias: “Vamos pôr o jugo aos que se tomam
por conquistadores, vamos depurar a nação.” Esta mistura de cinismo mercantil (a Revolução é para Própsero – nomen est omen – um espectáculo que rende), de hipocrisia sonsa
para com a clientela aristocrática d’ A Cacatua Verde, e de espírito de vingança pronto a
estabelecer a ditadura do povo, faz de Prospère a personagem mais inquietante da peça.
À sua volta gravita o misterioso Grain. Para aquele verdadeiro criminoso, A Cacatua Verde,
onde vem representar os vagabundos, é o esconderijo ideal. Para Grain, a simpatia pelo movimento revolucionário resulta muito naturalmente da revolta de um excluído e de um fora
da lei contra a sociedade.
Como pode ver-se, o grupo dos verdadeiros-falsos-revolucionários que se dão em espectáculo n’ A Cacatua Verde não é mais simpático que o dos aristocratas.
O palrador Grasset, o rousseauniano sentimental Henri, o futuro comissário do povo, Prospère, e o criminoso Grain: percebe-se que dessa gente nada de bom poderá vir. A Revolução é
inevitável: quem pensaria em defender o Antigo Regime incarnado pela clientela d’ A Cacatua Verde? Mas a perversão da Revolução e a instauração de uma nova tirania são também
inevitáveis: é o que revela um olhar deitado para os bastidores deste estranho cabaré. A
ideia de revolução perdeu todo o prestígio, as ilusões dissiparam-se, e percebe-se que será
necessário seguir por outros caminhos para que o novo regime não conduza ao antigo.
Simpatia pelas ideias de 1789, na medida em que elas trazem a primeira formulação do liberalismo moderno, e desconfiança pela acção revolucionária, onde o sublime soçobra pelo
grotesco e o justo no odioso: esta atitude de Schnitzler aparece como fruto de uma tradição liberal própria dos escritores austríacos. No seu drama histórico, Marie Roland, de 1867,
Marie von Ebner-Eschenbach fazia uma vibrante apologia dos Girondinos, representantes a
seus olhos da nobreza moral e da sábia moderação, face aos Jacobinos. Na peça Danton e
Robespierre, de 1870, Robert Hamerling valorizava Danton, representado como um simpático
bon vivant e como realista, contra Robespierre, o idealista dogmático; as belas ideias rousseaunianas eram pervertidas e desacreditadas pelo Terror. Do mesmo modo Eugenie delle
Grazie, na sua epopeia intitulada Robespierre (1894), mostrava que na origem da Revolução
estavam as mais nobres aspirações de justiça, mas propunha sobretudo uma visão pessimista do inelutável extravio da acção política. Ferdinand von Saar interessava-se pela tragédia
de Luís XVI, que apresentava como estóico resignado perante a fatalidade, nos dois actos
de Ludwig XVI, publicada em 1899. A leitura de A Interpretação dos Sonhos, de Freud, mostra
bem que o intelectual liberal, por volta de 1900, vê a Revolução Francesa como um encadeamento de actos sangrentos: “Um sonho de Maury atingiu uma grande notoriedade. Estava
doente e deitado, a mãe sentada ao pé dele. Sonhava com o Terror, intrometiam-se cenas
horríveis de assassinatos e via-se por fim citado para o Tribunal revolucionário. Encontrava
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lá Robespierre, Marat, Fouquier-Tinville e todos os tristes heróis daquela época terrível, falava com eles, era condenado […], sobe ao cadafalso, o carrasco prende-o a uma tábua, ela
oscila, a lâmina da guilhotina cai, sente a cabeça separada do tronco, acorda numa angústia
espantosa – e vê que o dossel do leito tinha caído e que o pescoço tinha sido de facto atingido como que por uma lâmina de uma guilhotina”. Um pouco mais adiante, Freud comenta
no seu livro o sonho de Maury nestes termos: “Quem não se teria sentido cativado […] pela
descrição da época do terror? A nobreza, homens e mulheres, a flor da nação, mostrava
como se pode morrer com a alma feliz e manter, até ao apelo fatal do seu nome, a vivacidade de espírito e a elegância de maneiras […] ”. Para o liberal Sigmund Freud, de que se
conhece a ligação profunda aos ideais de 1848, a Revolução Francesa é antes de mais uma
“época terrível”, enquanto que o Antigo Regime lhe provoca nostalgia. Podiam encontrar-se
muitos outros testemunhos desta imagem, no conjunto muito negativa, da Revolução Francesa, por entre os intelectuais vienenses de 1900. Pode citar-se uma passagem espantosa
do crítico literário Friedrich M. Fels, num artigo intitulado “Die Moderne”, de Novembro de
1891. O autor começa por constatar. “Nós somos decadentes”. E continua: “Quando me esforço por interpretar a arte de hoje, parto sempre da Revolução Francesa. Porque, para além
do facto de termos que datar a partir daí o início de uma nova história internacional, […] ela
apresenta um certo número de pontos comuns com o nosso assunto. Os seus fundamentos
foram suficientemente sondados para que hoje se saiba que nem um só daqueles que a
incendiaram fazia a mínima ideia de como apagar o incêndio. A situação revelou-se insustentável; viram-se livres disso sem reflectir sobre o que se iria construir em seu lugar, nem
como. Pode chamar-se a isso inconsciência, ou sabe-se lá o quê: a vida e a história são muito
ingenuamente inconscientes […]. Para este crítico, a Revolução Francesa aparece como uma
fatalidade cega, inevitável, desencadeada pela ruína do mundo antigo, mas desprovida de
projecto, errática e imprevisível, à imagem da modernidade artística e literária, tal como
Friedrich M. Fels a considera. A visão da história atinge aqui o cúmulo do niilismo.
Este mesmo género de cepticismo histórico inspira Schnitzler em A Cacatua Verde. O potencial utópico da Revolução Francesa está aí totalmente desarmadilhado. A Aufklärung deve
seguir outro caminho. Mas qual? A esse respeito ele não se pronuncia.
Pode dizer-se que A Cacatua Verde exprime um sentimento pos-moderno antecipado da
história. Um dos sentimentos “pos-moderno” é que o mundo vive ao ritmo da “pos-história”.
A História parece ter perdido todo o sentido e parece reduzir-se a um espectáculo, tão
granguinholesco como absurdo e sangrento. Nenhuma das grandes ideologias mantém o
seu prestígio. O intelectual, resignado, céptico, até mesmo cínico, encara os acontecimentos
como uma sequência de catástrofes e retrocessos cujo desfecho, feliz ou fatal, permanece
indeciso. Este ponto de vista tanto conduz a uma visão crepuscular da decadência contemporânea como a uma desmistificação irónica e subversiva das belas ilusões chamadas “progresso”, “revolução”, “libertação”, etc. Jean Clair, que tinha sido um dos primeiros a falar em
França de “pos-modernidade”, tinha dado à exposição “Viena 1880-1938”, do Centro Pompidou, o título de “O alegre apocalipse”. Esta fórmula, extraída de Hermann Broch, condensa
uma certa concepção pos-moderna da história.
Os pos-modernos prestam uma atenção particularmente crítica ao credo clássico da Aufklärung ; desencantam no próprio Iluminismo a causa do falhanço do programa político
que dele se reclama. Por exemplo, pode defender-se que em Kant se encontra prefigurada
a noção de “história-espectáculo”. É evidente que Kant falava apenas de espectáculo edificante, destinado à instrução dos povos. Para ele, a Revolução Francesa era um daqueles espectáculos sublimes, capazes de suscitar um entusiasmo comunicativo. Na segunda secção
do Conflito das Faculdades, escrito em 1795, interroga-se sobre se o género humano está em
constante progresso e, se houver progresso, como é que se pode reconhecê-lo. Esboça uma
teoria do “signo histórico”, que aplica ao caso da Revolução Francesa.
A sua argumentação baseia-se numa distinção entre o teatro da Revolução, onde os actores
representam o papel em que se encontram implicados, e o público, na ocorrência o público
alemão, está afastado do teatro dos acontecimentos.
A Revolução é um espectáculo para o resto do mundo. Fará progredir a humanidade? A
acção apresentada em cena não permite afirmá-lo com segurança, sublinha Kant, porque
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na acção se vê sobretudo a violência e a corrupção. O signo histórico do progresso é dado
pela reacção do público, cujo entusiasmo prova que o género humano progride apesar de
tudo. Pouco importa se a Revolução multiplica as atrocidades, uma vez que ela dá ao género
humano espectador ocasião para manifestar as suas disposições morais. Lyotard e Descombres realçam os problemas que levanta este juízo estético a propósito de uma revolução
que se representa noutro palco. Não jogaram muitas vezes os intelectuais com esta diferença entre o palco e a sala para defenderem que o banho de sangue das grandes tragédias
revolucionárias (em França, mas Também na Rússia, na China, etc.) ganha um sentido positivo se se levar em conta a cathasis que provoca no lado do público? O espectáculo, apesar
dos excessos sangrentos, tem a sua utilidade para dar ideias de mudança ao público das
outras nações.
Quando o “entusiasmo” da sala perante os comportamentos revolucionários passa a ser objecto de troça, Schnitzler desmistifica o argumento que tenderiam a justificar as exacções
em nome dos sentimentos do sublime histórico que podem suscitar do lado dos espectadores. Em A Cacatua Verde, a sala do teatro dentro do teatro não tem mais valor que a própria
cena. O entusiasmo daquele público é tão grotesco como o fingido ardor revolucionário das
personagens. A peça de Schnitzler apresenta uma visão extremamente desiludida, antecipadamente pos-moderna, da história espectáculo. O público d’ A Cacatua Verde adopta perante os acontecimentos políticos e sociais a posição do estetismo. Reduzindo a revolução a
uma representação, a uma performance de actor ou de mimo, representa este jogo (uma vez
que a regra, nesse cabaré, quer que o público se misture com o espectáculo) com a ilusão
de poder sair de lá como se sai de uma sala de teatro. Aqueles aristocratas são os irmãos de
Anatol: estetas apanhados no seu próprio jogo, incapazes de tomar qualquer acontecimento
a sério, considerando a sua sociedade como um pequeno teatro do mundo. No entanto, têm
o sentimento de pertencerem a um mundo ameaçado. A sua ligeireza é uma defesa.
«Vamos aplaudir, meus amigos, é a única maneira de nos libertarmos deste encanto nefasto», grita um deles. Faz pensar no que escrevia Hermann Broch, no seu Hofmannsthal e
o seu tempo, a propósito dos vienenses do fim do século: “O ruído político que faziam os
outros, em particular as nacionalidades, era por eles visto como uma comédia grotesca e
absurda”. Seria, pois, inexacto interpretar a A Cacatua Verde como uma sátira à aristocracia francesa do antigo regime, à aristocracia vienense da belle époque e dos seus émulos,
estetas aristocratas da Nova Viena. O “povo” nesta peça vale tanto como a elite. Vaidoso,
cúpido, violento, calculista, até mesmo manipulador, como o temível Prospère, aquele povo
representa nos espectáculos do cabaré o papel que lhe convém. Não é ele que irá alterar
o curso dos acontecimentos reais. A Revolução Francesa: um espectáculo que acaba mal. É
uma comédia? É uma Groteske, que faz sorrir no momento mas que dá sobretudo azo para
a reflexão. É o próprio estatuto da realidade histórica que é posto em questão: “Deus do céu,
é verdadeiramente real ou não?”, exclama um dos participantes do espectáculo d’ A Cacatua
Verde. Esta mistura da ilusão com a realidade, do teatro com a vida, transforma a história
numa Großes Wurstel .
Há uma peça contemporânea que faz eco d’ A Cacatua Verde: A Perseguição e Assassinato
de Jean-Paul Marat, representada pelo grupo teatral do hospício de Charenton sob a direcção do Senhor Sade, de Peter Weiss. Em Peter Weiss a história representa-se num asilo
psiquiátrico. Enquanto que a Groteske de Schnitzler acaba no momento em que começa a
Revolução Francesa, 14 de Julho de 1789, o espectáculo organizado pelo marquês de Sade
no hospício de Charenton passa-se depois do acontecimento: 13 de Julho de 1808. Acontece
que a peça de Peter Weiss também se podia designar como Groteske: Marat é representado por um paranóico condenado à banheira pelo seu tratamento de hidroterapia; Charlotte
Corday por uma sonâmbula insone; Duperret (o deputado girondino) por um fanático, tudo
encenado pelo marquês de Sade, sob o refrão: “Revolução, copulação, nação, Charentão”.
Em Schnitzler, a história desenrola-se como uma farsa de cabaré, e não é um acontecimento
qualquer que será assim desmistificado, mas sim o dia inaugural das “ideias de 1789”, a que
Schnitzler, intelectual liberal, está profundamente ligado. Há uma nota de desespero nesta
irrisão. Em Peter Weiss, é Marat, o mais premonitório de todos os revolucionários franceses,
nota o autor nos seus comentários, mas é também o povo insurrecto, cujos discursos e as
reivindicações se encontram transpostas no psicodrama inquietante dos loucos de ChaTeatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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renton. A História: uma casa de doidos. Peter Weiss, ele também, mistura uma boa dose
de desespero à sua irrisão provocadora. Porque ele não pensa dar mais razão a Sade do
que a Marat e quer ainda acreditar (estamos em 1964) na utopia socialista, mais além dos
socialismos realmente existentes. E todavia, Peter Weiss, de forma muito mais violenta que
Schnitzler, pinta-nos a Grande Revolução como uma orgia de reivindicações e de revolta,
desembocando no assassínio e no Terror. A distância entre a desmistificação irónica, n’ A
Cacatua Verde de Arthur Schnitzler e a desilusão rangente, no Marat /Sade, de Peter Weiss,
é a de uns sessenta anos de perversão, do projecto moderno de “revolução”.
Jaques le Rider
In Austriaca, decembre 1994, n39, Université de Rouen- Centre d’Etudes et de Recherches Scientifiques. Trad. LLBarreto
História e ficção no teatro sobre
a Revolução: A Cacatua Verde de
Arthur Schnitzler
Como muitos críticos defenderam, A Cacatua Verde é de facto uma peça sobre a Revolução
Francesa. “ O modo como a peça lida com este acontecimento histórico pode também reflectir a situação política da Áustria do fim do século XIX”, afirma Peter Howarth. Contudo,
como eu vou aqui sustentar, o que muitos críticos menosprezaram ver é que a peça de Schnitzler não apresenta apenas uma análise da Revolução Francesa; serve-se ainda do acontecimento para questionar as possibilidades e os limites da análise histórica.
Uma vez que a Revolução Francesa é ainda geralmente celebrada e não apenas em França como uma inequívoca prova do progresso histórico, em A Cacatua Verde, “die Zeit zu
Taten” (o tempo de acção) é redutível a uma mera fase de um processo que conhece repetições mas não mudanças radicais e a um acontecimento que está totalmente dependente
das diferentes interpretações dos seus diferentes protagonistas. A maneira como Schnitzler
trata o tema da Revolução demonstra que não há na História factos inequívocos, apenas
interpretações. Peça dentro de uma peça, A Cacatua Verde não estabelece diferença entre
realidade e aparência.
O motivo Sein/Schein (ser/parecer) é o mesmo em toda a obra de Schnitzler, tanto em A
Cacatua Verde, como em Parcelsus, A Companheira, ou Menina Else por exemplo: “[Foi] a
confluência entre gravidade e jogo, vida e comédia, verdade e mentira… o que sempre me motivou e ocupou para além de todo o teatro e de toda a teatralidade, acima de toda a arte” (Jugend in Wien). A inevitável mistura de realidade e ficção, facto e interpretação, resultante da
dificuldade em distinguir entre Sein e Schein, Wahrheit (verdade) e Lüge (mentira) é um dos
motivos presente em toda a obra de Schnitzler e em dois filósofos seus contemporâneos:
Nietzsche e Mach. Desconstrutivistas do fim do século, Mach e, sobretudo, Nietzsche, apresentam uma série de argumentos que Schnitzler também podia hoje partilhar com autores
como Roland Barthes, Hayden White e os representantes da escola pós-estruturalista. Sein e
Schein confundem-se da mesma maneira que se confundem para esses pós-estruturallistas:
a verdade, histórica ou não, é sempre relativa; está baseada na perspectiva e na linguagem
em que for expressa mais do que na coisa em si que é suposto reflectir.
Analisarei este aspecto em A Cacatua Verde, à luz de Nietzsche e de Mach, não com o intuito
de construir uma qualquer inter-relação causal entre a obra deles e a de Schnitzler, mas
para apresentar mais claramente os problemas suscitados por Schnitzler no seu contexto
cultural.
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A Cacatua Verde é mais do que uma peça sobre a Revolução Francesa. Contudo, se o acontecimento é usado para questionar o conceito de Revolução como progresso e para mostrar
os limites da historiografia, não deixa de apresentar também as suas causas, pressupostos
e objectivos reais. Tanto Prospère, o anfitrião, como François, Visconde de Nogeant, vêem a
pobreza e a fome como causa primeira da Revolução. Prospère comenta: “Daqui a pouco não
haverá uma única colheita em toda a França”. François observa: “O que é que queres? Têm
fome.” Os aristocratas não percebem nada do que se passa e acham que não podem fazer
nada para melhorar a situação. Mesmo se Cadignan parece perceber o perigo, a atitude
geral é parecida com a de Albin, que afirma: “Contra a fome deles não posso fazer nada”. Ao
contrário de Grasset, os aristocratas não interpretam os primeiros sinais de Revolução como
tal. Isso é muito evidente para a Marquesa, para quem tudo é espectáculo. Mas a atitude
dos outros não é muito diferente: “Paris está doente, está com febre; mas há-de passar”. O
Visconde, quando convida Albin para o Palais Royal, diz: “É tudo brincadeira. Mas olha que
há sítios em Paris onde ouves estas coisas ditas a sério.” O verdadeiro objectivo da Revolução
consiste simplesmente numa mudança de distribuição de propriedade. As massas alcançarão finalmente o que pertencia à aristocracia e tomarão lugar no topo da escala social. Isto
foi o que já aconteceu não longe de Paris, segundo Grasset : “Em Toulon mataram o presidente da câmara, em Brignolles houve dúzias de casas saqueadas…”. Em Paris, Séverine, a
Marquesa, informa: “ … saltou um homem que se empoleirou na nossa carruagem aos gritos,
a dizer “para o ano serão vocês a sentarem-se o lado do cocheiro e nós é que vamos sentados
dentro da carruagem!”.
Concluindo, Schnitzler, aludindo às causas e pressupostos da Revolução, mostra apenas uma
redistribuição radical da riqueza como seu objectivo principal, o que seria muito superficial.
Sublinha também a brutalidade e a violência que caracteriza a marcha revolucionária. O
acontecimento histórico é apresentado como “Menschenjagd” (caça ao homem) (Selling).
As últimas palavras da peça são de Grasset: “Por hoje deixa-os fugir”, diz ele referindo-se aos
aristocratas que abandonam a Taverna, “está descansado que não escapam”.
Segundo Karl Griewank, a revolução define-se como um momento inequívoco de progresso
e pode ver-se como a peça de Schnitzler se a justa muito pouco a esta definição. Mesmo que
A Cacatua Verde mostre a Revolução Francesa como um “processo violento descontinuado”,
com um “conteúdo social”, dois aspectos importantes da definição de Griewank, não enfatiza
certamente o terceiro elemento que caracteriza a revolução como “a forma ideal de uma
ideia programática ou ideológica, com objectivos positivos, em termos de estabelecer uma
renovação, o desenvolvimento ou o progresso da humanidade”. É um facto que a Revolução,
tal como é apresentada em A Cacatua Verde, não é vista como prova de progresso histórico, correspondendo só em parte a um conceito de revolução que “apenas se tornou possível
com uma compreensão do mundo especificamente moderna que tem como pressuposto não
a perspectiva de mudança e mutabilidade, mas também a valoração do que é novo e radical”
(Griewank)
No fim da peça, as palavras de Grasset apresentam a Revolução como mais um mero exemplo de violência generalizada.
No entanto, mais do que uma solução final, A Cacatua Verde apresenta a Revolução Francesa
como uma etapa do que pode ser visto como a Reigen (dança de roda) da história, onde o
Justo e o Bom, mais do que etapas absolutas do progresso, são apenas ilusões criadas pela
classe que tomou o poder. Isto é evidente na estrutura da peça em um acto. Como bem
aponta Michaela Perlmann, referindo-se à estrutura em um acto: “uma observação mais cuidada, todavia, mostra como em Schnitzler, os conflitos escapam a uma clarificação definitiva.
Em lugar da solução unificadora pela catástrofe, surge nele a inércia de uma sociedade em
que não parece ser possível inovar, dominando o estado de ilusão”. A imobilidade, a falta de
progresso típica da forma em um acto é deste modo utilizada por Schnitzler como um manifesto contra a visão tradicional da história como progresso.
Peter Horwath nota que o modo céptico como Schnitzler representou a Revolução podia ter
sido influenciado pela situação política austríaca no fim do século. O ano de 1873 é usualmente considerado como um ponto de viragem sócio económico na Áustria. É não apenas
o ano da Feira Mundial, símbolo da posição da burguesia liberal da época, mas também o
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ano da queda arrasadora da bolsa de valores. Além disso, assiste-se nessa altura a uma crise
da classe média e a uma gradual proletarização das classes mais baixas, com a inevitável
erosão dos valores cristãos e de um utopismo liberal. Um quarto de século depois, a situação não tinha mudado. A Cacatua Verde, na opinião de Howard, reflecte isto: “Os membros
do Ancien Régime estão decadentes, a classe média está doente e sem ideais, e o homem do
futuro é, moralmente, uma estúpida falência”.
A questão não é saber se a interpretação de Peter Howarth está ou não errada; A Cacatua
Verde pode de facto apresentar uma imagem da Revolução Francesa influenciada pela situação política austríaca do começo do século; a questão maior é saber se a peça de Schnitzler, lidando com um conceito de revolução que não se baseia no conceito de progresso
histórico, pode oferecer mais do que um manual de história qualquer pode dar.
Se A Cacatua Verde apresenta uma análise da Revolução Francesa, como Friedrichsmeyer
afirma, questiona simultaneamente a objectividade dessa mesma análise. Gunter Selling
e Holger Sandig, em particular, estão entre os críticos que viram a peça apenas como um
exemplo de análise histórica e menosprezaram, ou não enfatizaram totalmente, se é uma
peça dentro da peça, um Spiel im Spiel, o que é crucial para a obra. É precisamente devido
a este formato da peça, mostrando apenas as sombras da Revolução, que se levantam, tanto
ao público do palco como ao da sala, inevitáveis questões e confusões e que ela pode desse
modo ser vista, não tanto como uma análise da Revolução mas como um questionar dessa
análise. Consequentemente, é também uma ilustração da relação inevitável entre realidade
e interpretação, História e ficção.
Inicialmente, o leitor e o espectador sentem-se a salvo, tão a salvo como François, Visconde de Nogeant, o Marquês e o Duque, os habitués da Cacatua Verde, porque a revolução é
do conhecimento comum, muita gente leu acerca dela e pode dar uma definição dela. No
entanto, muito cedo se altera a posição tanto dos que a conhecem, como dos observadores
passivos. O que sabe cada um da revolução, ou melhor, o que sabe cada um do que está a
acontecer no exterior da Cacatua Verde? Tanto o público da peça de Schnitzler como os actores do espectáculo de Prospère, ouvem apenas barulho (“Parece trovoada ao longe”), e relatos de “… uma barulheira infernal nas ruas. À frente da Bastilha gritam todos como doidos.”;
contudo, não se pode confiar nesses relatos e no carácter de quem os faz. Por isso Albin
exclama: “ Curioso. Parece mesmo barulho que vem lá de fora”. Prospère, que acredita profundamente que o negócio é mais importante que o que está a acontecer fora da taberna,
diz que só os que não têm nada para fazer é que estão na rua. Para o político Grasset, “agora
é tempo de acção”. O seu apelo é tão poderoso que, juntamente com o que ouvimos narrado
por outras vozes, conseguimos acreditar que Guillaume é um actor, como foi Grasset, e ainda é. Portanto, para os aristocratas não há perigo, não está a acontecer nada na realidade.
Não há um ponto de vista específico privilegiado na peça. No ponto de vista de Schnitzler, o
14 de Julho reduz-se a sombras e muitas interpretações diferentes. A tomada da Bastilha, em
Julho de 1914, não é por isso um acto tão monumental como popularmente se considerou.
Algumas vozes na Cacatua Verde preparam o caminho para a afirmação recente de dois
historiadores: só havia seis pessoas na prisão, dois deles eram doentes mentais, “o facto de
a Revolução ter avançado depois para a Bastilha, prisão lendária e quase vazia, justifica-se
pela procura de armas “ (Furet, Richet). Contudo, para o Grasset de Schnitzler, “ para os
cidadãos de Paris só uma profissão conta: libertar os nossos irmãos! “. Como o mesmo Grasset comenta, há uma diferença entre “discursar” e “agir”. No entanto, “ eles não disparariam
se nós não tivéssemos falado.” Mas este “agir” não é ainda importante para os aristocratas.
Para Séverine, por exemplo, para quem a palavra Liberdade não sugere provavelmente mais
nada que satisfação sexual, a morte do Duque torna ainda o espectáculo mais intenso, “Achei
o máximo”, comenta, “ Não é todos os dias que se vê um Duque verdadeiro a ser assassinado.”.
Assim, os factos existem apenas conforme as interpretações. Isto é particularmente claro de
novo no fim da peça, quando Henri, a personagem menos revolucionária, o único que quer
deixar a cidade em busca de paz, e que não matou o Duque por razões políticas, é aclamado como herói revolucionário. Nestes “Groteske in einem Akt” (“Grotescos em um acto”), na
ideologia política de Schnitzler, a retórica de Grasset e os gritos de “Viva a Liberdade” são
apresentados como interpretações que escondem as pressuposições e se impõem como
absolutos.
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Assim, a questão da historiografia, da inevitável relação entre História e ficção equacionadas por Roland Barthes e Hayden White está patente em toda a peça, não apenas no fim,
quando Henri mata o Duque e, por esse motivo, é aclamado como herói; reflecte-se de facto
no Spiel im Spiel. O que é verdade e o que é falso? Se não há resposta fora do texto, como
diriam Barthes e White, aqui não há de facto resposta fora da peça, nem na de Prospère nem
na de Schnitzler. A peça é, como comenta Singer, “apenas um jogo dentro de um jogo mais
amplo, o teatro do mundo, mas em que não há público”. Frisando a diferença entre conceito
do mundo como um palco de Schnitzler e o conceito barroco de theatrum mundi, Singer
continua: “Enquanto a concepção barroca do mundo como theatrum mundi se fundamenta
na existência de uma verdade indubitável, para lá da engrenagem ilusória e volúvel do mundo,
bem como no facto da história terrena se medir pela suprema realidade da história celestial,
da qual ele emana por prestidigitação, o valor do teatro do mundo de Schnitzler assenta na
convicção de que nada mais existe para além do teatro”.
Deste modo, em A Cacatua Verde, vida e comédia, história e ficção, longe de estarem rigidamente opostos, estão inevitavelmente misturados. François não percebeu isto. Pensa que
é tudo a brincar, mas roubam-lhe o dinheiro durante o espectáculo, apesar de estar sentado entre “a gente mais honesta”. Prospère parece controlar os comportamentos: Séverine
entra no jogo e interpreta o seu papel de forma mais convincente que Michette, Georgette
e Flipotte. Grain, apesar de estar debaixo de olho, não consegue evitar roubar. Levado pela
sua própria ficção, que a mulher é amante do Duque, Henri, ainda melhor que Séverine, dá o
exemplo mais claro de como verdade e ficção se misturam. É também difícil distinguir a ficção da realidade no que respeita à identidade das diversas personagens: “Reúnem-se aqui
pessoas que fingem ser criminosos; e outras que são de facto criminosos sem o saberem”,
diz Grasset. Séverine expressa-se pela acção. Grain, um criminoso a sério, torna-se actor e
é tomado por um “Dilettant” quando conta a história verdadeira da sua vida. Gaston é um
actor, mas Grain viu-o roubar uma bolsa no Boulevard des Capucines. Grasset, tendo já trabalhado para Prospère, pergunta-lhe se o volta a aceitar se “a coisa der para o torto” e não
puder seguir a carreira política.
Quando se lê a peça pela primeira vez, podemos ficar tão desorientados como Albin; “Tudo
isto me faz uma certa confusão!”, diz ele, exprimindo mais do que uma vez essa atitude ao
longo da acção. Parte da confusão resulta do facto de ainda pensarmos em oposições, em
termos de se/ou, verdadeiro/ falso, que a própria linguagem encora ja. Rollin, o poeta pode
dar uma a juda neste campo:
ROLLIN: Mas acha que há assim tanta diferença entre fingir e falar a sério? (…) Sabe o que eu
acho mais interessante observar aqui? O que é verdade e o que é mentira faz tudo parte da
mesma coisa, acaba por nem valer a pena estar a distinguir entre uma coisa e outra. O que é
real é só mais uma faceta do que é a fingir.
Com excepção de uma parte dos críticos que releva o tema essencial do Spiel im Spiel, uma
segunda leitura secundariza estas oposições. De acordo com pelo menos alguns deles, que
Hayden White apresenta em The Historical Text as Literary Artifact, pode chegar-se à conclusão de que a verdade é uma coisa relativa, na sua ligação estreita com a ficção. O próprio
14 de Julho de 1789 existe como “um tropo no processo segundo o qual todo o discurso consiste nos objectos que pretende apenas caracterizar com realismo e analisar objectivamente”.
“Por outras palavras”, para citar Roland Barthes, “o discurso histórico não segue o real, pode
apenas significá-lo”.
O problema da percepção e interpretação em A Cacatua Verde é também central em Paracelsus e A Companheira, mas Schnitzler explora-o num nível mais íntimo nessas duas peças. O
tema da realidade e ficção reaparece sobretudo em Paracelsus, onde o protagonista afirma:
“Confluem entre si sonho e vigília, verdade e mentira. Não existe certeza em parte alguma.
Nada sabemos sobre os outros nem sobre nós. Estamos sempre a “jogar”; quem sabe isto é
esperto”.
Segundo Martin Swales, o facto do casamento de Justina e Cyprian resistir às artes de Paracelsus chegaria para provar esta afirmação. Mas, se Cyprian consegue uma “consciência
das precárias certezas da natureza humana, uma consciência com que tem que aprender a
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viver” (Swales), está exactamente na base do confluir que caracteriza a crença de Paracelsus. Isto é também evidente em A Companheira. Tudo o que se pode saber sobre a falecida
mulher do Professor Pilgram é o que ele nos diz sobre ela, acrescentado-se ainda que a vê
em diferentes momentos da vida.
Vejamos agora os problemas que Schnitzler levanta em A Cacatua Verde no seu contexto
cultural. Nessa análise, Ernst Mach e Nietzsche foram fundamentais para Schnitzler. Mach,
fundador do Empiriokritizismus, não lida directamente com o problema da História, mas
aborda bastante o problema do Sein und Schein, realidade e aparência, um problema evidente na obra de Schnitzler. Na Analyse der Empfindungen (Análise das Sensações) (1885),
Mach releva a impossibilidade de nos limitarmos a um único modo de pensar baseado na
antítese, que enfatiza a pretensa oposição entre realidade e aparência:
“Que nos leva a nós a declarar um facto mais real que outro, e a desvalorizar o outro a nível
do seu aspecto? Em ambos os casos teremos que lidar com factos que se nos apresentam em
diferentes combinações, e que nos dois casos são diferentemente condicionados”.
Realidade e aparência são uma questão de perspectiva, de interpretação, tal como são Spiel
e Wirklichkeit no grupo de Prospère. “Mesmo o sonho mais louco é um facto como outro qualquer”, escreve Mach. Paracelsus faz eco disto: “confluem entre si sonho e vigília / verdade e
mentira”.
Ao contrário de Mach, Nietzsche leva em conta as consequências da perspectiva e da objectividade em relação à História, o que é uma noção proveitosa no que respeita a Schnitzler.
Tal como Schnitzler, Nietzsche sublinha a tendência limitadora de pensar por oposições e
ver facto e interpretação como opostos. Aquilo que o “Philosoph des Gefährlichen” (Filósofo
do Perigo) (Jenseits) oferece é o mesmo que faz Schnitzler, o artista do perigo, que é ver
como é que qualquer coisa se pode desenvolver fora daquilo que sempre foi visto como
seu oposto (Jenseits). Em A Cacatua Verde, Henri sabe a verdade através da ficção, Grasset
aprende a odiar os aristocratas enquanto representa, Prospère diz a verdade ao dirigir a
sua companhia.
Em Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben (“Sobre a vantagem e desvantagem
História para a Vida”) (1983/4), a crítica de Nietzsche à noção tradicional de História como
a narrativa objectiva do passado é análogo à visão de Schnitzler em A Cacatua Verde. Previne-nos contra “a monumental arte da História”, um “conjunto de efeitos por si só” que “se
celebra em festas populares e em comemorações religiosas ou militares” (Nutzen). Como
a “a natureza antiquária da História”, a história monumental é História com letra grande.
Por oposição à história crítica, a História mata a vida porque apresenta o passado como
qualquer coisa sagrada, uma referência claramente inequívoca em relação á qual todo e
qualquer progresso posterior deveria ser avaliado. Schnitzler ataca um conceito parecido
de História, a monumentalização da verdade, que pode apenas ficar-se pela interpretação e
pela perspectiva. Não existe nada por si só, como nota Schnitzler: “as verdades são sempre
duvidosas…. Quando duas pessoas chamam verde à árvore e vermelha à beterraba, trata-se
do entendimento de uma verdade, não da cor em si própria. Nietzsche afirma que apesar da
“invenção de Platão do Espírito Puro e do Bem por si próprio”, é actualmente claro que “a
perspectividade” é “a condição fundamental de toda a vida”.
Portanto, tanto Nietzsche como Schnitzler criticam o mito da objectividade: “E será que
mesmo à mais elevada interpretação da palavra objectividade não está subjacente uma ilusão? A palavra pressupõe, no historiador, uma situação em que ele aborda um acontecimento
em todas as suas causas e consequências de modo tão isento que não tem sobre ele nenhuma
influência… contudo, é uma superstição pensar que a imagem reproduz a essência empírica
das coisas… Isso seria uma Mitologia. (Nutzen)
Em A Cacatua Verde, onde Sein e Schein se confundem, o 14 de Julho de 1789 pode apenas
ser um dia, um espectáculo ou nada de muito importante. Aqui, o conceito de Freiheit encobre violência, ganância, ou, no caso de Séverine, sexo. Nas palavras de Nietzsche: “Como
aconteceu com a Revolução Francesa, com toda a clarividência dos tempos mais recentes,
surgiram aquelas farsas horríveis e escusadas, em cuja interpretação os espectadores selectos e entusiásticos de toda a Europa têm longa e apaixonadamente colocado as suas indignaTeatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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ções e os seus arrebatamentos ao ponto de o texto desaparecer por baixo da interpretação.”
(Jenseits)
O facto de o texto desaparecer “por baixo da interpretação” também pode querer dizer que
não pode existir sem ela. De facto, torna-se numa farsa horrível. Em A Cacatua Verde, as
personagens interpretam o que está a acontecer no mundo de Prospère e fora dele de diferentes maneiras, segundo as suas necessidades e desejos. É bastante natural para eles “utilizarem a realidade”, como diria Hayden White, de maneira a dar-lhe algum sentido. Criam
a sua ficção a partir da ficção, tanto como o teatro. “É uma forma humana de compreensão
primária e irredutível” (Mink 132). Excepto Rollin, o poeta, nenhuma das outras personagens
tem consciência do que está a fazer. Confundem interpretação com verdade, procuram a
exacta diferença ente Spiel e Wirklichkeit. Tanto para Nietzsche como para Schnitzler, a única objectividade é mostrar que Sein e Schein se confundem, e a história não pode ser mais
que “uma verdade artística” (Nutzen).
“Pensar a História deste modo, objectivamente, é a tarefa silenciosa do dramaturgo; pensar
tudo em conjunto, entretecer a parte no todo, sempre no pressuposto de que, caso não exista,
deve criar-se um plano de unidade dentro das coisas. É assim que o homem tece o passado
e o domina. É assim que se manifesta o seu impulso artístico”.
Em conclusão: A Cacatua Verde não oferece apenas uma interpretação crítica da Revolução
Francesa influenciada pela situação política austríaca do fim do século. Apresentando as
sombras e os ecos de um acontecimento histórico, a mistura de Ein e Schein numa peça
dentro de uma peça antecipa também o debate sobre a relação inevitável entre História
e ficção, convidando o leitor a ver as coisas nesta perspectiva, na “Perspektivische” (perspectividade) que Nietzsche via como a condição necessária de vida. Dentro da inevitável
condição da linguagem, a peça de Schnitzler pode ainda conseguir levar os seus leitores a
uma experiência de liberdade, cortando certezas pela base, desmascarando pressupostos
políticos e ideológico e interpretações que se apresentam como absolutas.
Marianna Squarcina
(New German Review, 1989/90)
Trad. LLBarreto, com a colaboração de Maria Augusta Alves
A Cacatua Verde: peça histórica?
Parece difícil, com tão poucos meios, respeitar melhor do que isso a verdade, e recriar a vida
mais habilmente. No entanto, entendemos que seria um erro encarar A Cacatua Verde como
um drama histórico. A crise política ligada ao surgimento da revolução não está no centro da
acção. Mais do que os acontecimentos em si, o trágico advém da fluidez do real, e da incapacidade em que os homens mergulham de distinguir a ficção da realidade. A personagem
do actor Henri, como dissemos, ilustra e simboliza esta confusão. Mas gostaríamos de saber
por que razão Schnitzler terá querido situar no início da Revolução de 1789 a evocação
deste tema, que lhe era particularmente querido. Talvez ele tenha sido sensível ao acordo
profundo que pressentia entre a sua própria filosofia da dúvida e uma época repleta das
piores contradições, em que a luta contra os abusos e a procura apaixonada do bem tinham
feito multiplicar-se crimes e destruições. Para este burguês vienense do final do séc. XIX, o
que é que tinha saído da Revolução? Os massacres do ano terrível, as longas misérias das
guerras napoleónicas, após 1815 o regime reaccionário e policial do Vormärz, eram razões
capazes de fazer esquecer uma embriaguez passageira de liberdade. Ou então terá sido o
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dramaturgo que quis realçar a inconsistência das paixões e dos pensamentos, a traição das
palavras, confrontando-as com a realidade brutal de uma rixa e de um assassinato? O caso
é que os caprichos da inspiração lhe permitiram atingir um perfeito sucesso no difícil género
que consiste em fazer reviver uma sequência de acontecimentos que são do conhecimento
geral, sem no entanto se cingir a uma ressurreição fiel do passado. Esse desejo excluía as
pesquisas eruditas, e não há dúvida que o pintor de A Cacatua Verde se limitou a utilizar
conhecimentos habituais em qualquer leitor com uma cultura média. Mas ele observou a
imagem que os temperamentos originais mostravam dessas banalidades. Antes dele, Büchner tinha sido seduzido por uma experiência do mesmo tipo, e não parece impossível ligar
A Cacatua Verde e A Morte de Danton como as duas partes de um mesmo díptico. As duas
obras servem-se de facto da história para fazer uma meditação sobre o sentido da vida. /…/
A Cacatua Verde: verdade ou mentira?
Este pequeno acto é sem dúvida um dos melhores achados teatrais de Schnitzler. Cheio
de acção e de reviravoltas, debruça-se bastante sobre temas queridos do autor: a falta de
lógica da paixão, a impossibilidade de separar com rigor o real do irreal, a imoralidade típica e o gosto pela perversão que são características de certas categorias decadentes de
seres humanos, ao que parece nas épocas mais policiadas. Mas a intriga também mostra,
com uma nitidez quase simbólica, a que ponto o papel, para o actor, se pode confundir com
a realidade. Um dos actores de Prospère, cingido a papéis de ladrão por arranque, acaba
por roubar verdadeiramente e ser preso. Os comportamentos das raparigas que optaram
por representar mulheres da rua tornam-se extremamente licenciosos. Henri, sobretudo, comete realmente o assassinato que tinha começado por imaginar; a sua actuação emanava uma tal intensidade de convicção que continha de certo modo uma verdade potencial,
capaz, graças a um simples acaso – a credulidade e falta de destreza de Prospèro – de se
transformar pura e simplesmente. O actor torna-se o instrumento do papel, e a força dessa
fatalidade que pesa então sobre ele exclui no interior da sua alma qualquer debate entre
sinceridade e hipocrisia.
Françoise Derré, L’Oeuvre d’Arthur Schnitzler, imagerie viennoise et problèmes humains, Germanica 9, Didier, 1966
(Trad. Manuel Cintra)
O Magister Ludi em A Cacatua Verde
como em O Grande Teatro Do Mundo
No Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca, o Criador/ Deus pretende que se represente uma peça de teatro, e manda ao Mundo tratar disso. Distribui os papéis e depois
observa e julga-os. Em resumo, é um Magister Ludi. O impacto da tradição barroca, e especialmente do paradigma de Calderón, pode ser encontrado em muitas peças austríacas,
obras que revelam não só uma predilecção pela mistura do emocional com o farsesco, mas
também um forte sentido da teatralidade da vida, que leva muitas vezes ao esbater das
fronteiras entre teatro e a realidade.
/…/
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O esteticismo e o sensualismo do modernismo vienense têm uma forte afinidade com a cultura emotiva do Rococó. De facto, muitos dos artistas vienenses do virar do século tinham
uma particular predilecção pelo tema do jogo. Para além da tragédia e dos mitos gregos e
do classicismo alemão, o teatro do Século de Ouro espanhol – em particular, o de Calderón
- teve uma importância paradigmática para os dramaturgos modernistas. /…/
Não é coincidência a acção da teatro passar-se em Paris, na noite de 13 de Julho de 1789: a
data da tomada da Bastilha. Os aristocratas ameaçados assistem ao espectáculo de teatro
improvisado que se realiza na taberna A Cacatua Verde e que lhes permite gozarem como
espectáculo o que está a acontecer realmente lá fora, nas ruas de Paris. A Cacatua Verde é
uma espécie de teatro, que tem Prospère como director. A peça inicia-se antes da “representação” começar. Grasset, um antigo membro da companhia, que está a visitar os antigos
companheiros, explica a um amigo o que está a acontecer:
“Os meus antigos colegas vêm para aqui frequentar esta taberna, fingindo que são criminosos. Estás a perceber? Contam histórias de arrepiar os cabelos, histórias que nunca aconteceram; falam de crimes que nunca cometeram… E o público que aqui vem sente o frisson
agradável de privar supostamente com os mais perigosos facínoras de Paris…”
O público é composto pela gente mais elegante de Paris. Os actores, neste teatro improvisado, representam basicamente o que está a acontecer no exterior, a Revolução, que está
naquele momento a começar. À primeira vista, espectáculo e realidade estão nitidamente
separados: o teatro decorre no interior, a realidade está fora da taverna. No entanto, quando
Grasset, que se tinha juntado aos revolucionários, pergunta por brincadeira a Prospère se
ele o aceita de volta, caso falhasse a sua carreira como político, Prospère responde com um
enfático: “Por nada deste mundo!”. Temia que Grasset atacasse a sério algum convidado.
Apesar de estar preocupado com o facto de Grasset poder tornar o teatro em qualquer coisa mais séria, mostra que os seus insultos são verdadeiros:
“Delicia-me dizer na cara desses tipos tudo aquilo que penso deles, delicia-me insultá-los –
enquanto eles pensam tratar-se tudo de brincadeira. É a minha maneira de me libertar da
raiva. (tira e exibe um punhal)”. Quando Grasset troça dele e sugere que o punhal não está
afiado, Prospère responde: “Aí é que te enganas, meu caro amigo. Há-de chegar o dia em
que tudo isto deixará de ser a brincar, para ser mesmo a sério; e para esse dia estou bem
preparado.” Mas nós ainda não sabemos se de facto o punhal é a sério ou apenas um adereço. Grasset, contudo, que aparece como tendo trocado o palco pelo mundo real da política
revolucionária, sente-se atraído para esta nova vocação, porque lhe oferece um público mais
vasto e um palco mais amplo. Gaba-se de, num comício recente, o seu discurso ter sido mais
aplaudido que o de Camille Desmoulins:
“Pus-me em cima da mesa… eu próprio parecia um monumento… sim, não tenhas dúvida!... e
aquela gente reuniu-se à minha volta aos milhares – eram cinco mil ou dez mil! – como antes
se reuniam à volta de Camille Desmoulins… e aplaudiram-me loucamente.”
Esta distinção entre teatro e realidade, que aparece tão clara à primeira vista, depressa se
complica. Algumas personagens acham-na confusa; por exemplo, Albin, o ingénuo nobre
de província. Outros, como Rollin, acham isso maravilhoso. Rollin sente-se fascinado pelo
facto de pairar uma componente de realidade ao longo de toda a peça. Chama a isso “encantador” (“Das Entzückende”). A realidade revelada através do teatro (arte, ficção) pode
ser apreciada esteticamente (como qualquer coisa agradável ou bela). Por outras palavras,
o poeta Rollin transforma a ameaçadora realidade política em ficção (teatro). A erosão da
separação entre as esferas do real e da ficção está claramente mostrada na apresentação
da cena. Há um público real a ver uma peça chamada A Cacatua Verde. O palco apresenta
o interior de uma taverna com esse nome. Na taverna, no palco, vemos um público fictício e
uma peça improvisada, representada no palco, a que assiste esse público fictício. Estamos
perante um teatro dentro do teatro. No entanto, a separação entre o público fictício e o que
eles vêem no palco não é clara. Os “actores” deslocam-se livremente pelo meio do público
e o público (fictício) intervém na peça improvisada. Além disso, um pequeno teatro podia
transformar-se numa taverna como “A Cacatua Verde”, onde o público autêntico partilha
com o público fictício a mesma sala e até as mesmas mesas. Ao longo da acção, a revolução
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fica ainda mais próxima. Aquilo que a princípio é ouvido como um ruído no exterior (Lärm
draussen), no fim invade a taverna: “Barulho lá fora, cada vez mais alto. Entra gente, ouvem-se gritos. À frente dos que entram vem Grasset, com outros, entre os quais Lebrêt. Ouve-se
gritar “liberdade!, liberdade!”
É tentador concluir-se a partir daqui que finalmente a realidade triunfa e o jogo terminou.
No entanto, pode-se tirar uma conclusão oposta, sobretudo porque, ao invadir a cena, a tão
chamada realidade da Revolução Francesa se tornou numa espécie de teatro: portanto é
tudo uma peça de teatro. Mas isto não é o fim: a realidade ambivalente entre as duas esferas leva a novas conclusões. A invasão pela populaça traz um ar de realidade ao teatro e os
clientes da taverna acreditam finalmente que o actor Henri está a dizer a verdade quando
diz que matou a mulher, porque descobrira que ela o tinha atraiçoado com o Duque de Cardignan. O problema é que todos, excepto Henri, já sabiam há algum tempo que Léocadie
enganava o marido e estão por isso inclinados a acreditar nele. É um momento em que nem
o público fictício nem o real já não conseguem mais distinguir a ficção da realidade. É só
então, quando toma consciência da reacção dos companheiros, que Henri descobre que a
mulher lhe tinha sido de facto infiel e que, por vontade do acaso, o Duque entra na taverna
e Henri o apunhala. Poderia ser isto o fim da peça? Não há nada mais real do que a morte –
mas não é bem assim. O comissário de polícia, cuja tarefa é decidir se o que se está a passar
na taverna é realidade ou divertimento, está totalmente confundido e aparentemente pensa
que o assassinato do Duque não é real mas faz parte da peça. Quando afirma “Das geht zu
weit!”( “Ai, não, isto assim já é demais!”), zanga-se por se representar em cena o assassinato
de um nobre. E a Marquesa Séverine de Lansac, quando se apercebe de que o assassinato
foi a sério procura transformar isso num divertimento diferente: “Es trifft sich wundwrbar.
Man sieht nicht alle Tage einen wirklichen Herzog wirklich ermorden” (Achei o máximo. Não é
todos os dias que se vê um Duque verdadeiro a ser assassinado). Enquanto ela transforma a
realidade sangrenta em arte sangrenta (como num filme que pretende captar a verdade do
real), os revolucionários aclamam Henri como um herói por ter matado o Duque – sem perceberem que o motivo tinha sido totalmente apolítico. A Marquesa, que é amante do poeta,
sente-se excitada pelos acontecimentos recentes e anseia por uma noite com ele. O teatro
torna-se realidade, a realidade transforma-se numa nova espécie de teatro, este torna-se
realidade, e assim ad infinitum.
Apesar de teatro e realidade se estarem constantemente a sobrepor, é impossível perceber-se precisamente onde ocorrem as transições. Se há uma esfera mais elevada, onde a distinção é obsoleta, é a esfera divina, do Autor de El Gran Teatro del Mundo. Se os humanos são
meio deuses e meio animais, é compreensível que eles se esforcem em direcção ao divino.
O cientista tenta aproximar-se do conhecimento divino ao estudar as leis da natureza, o Magister Ludi procura o poder divino de jogar com as pessoas. Em Paracelsus, escrita em 1898,
no mesmo ano da Cacatua Verde, Schnitzler resume isto desta maneira:
“Um joga com exércitos de mercenários selvagens,
Outro com pessoas extravagantemente supersticiosas,
Outro com sóis e estrelas, Eu jogo com almas humanas.
O seu significado
É apenas descoberto por quem o procura.
Sonho e realidade, verdade e mentira emergem,
A certeza não está em nenhum lado para ser encontrada.
Não sabemos nada dos outros e nada de nós próprios:
Estamos sempre a jogar e é sábio quem o sabe”.
Herbert Herzmannn
Play and Reality in Austrian Drama: The Figure of the Magister Ludi, in The Play within the Play, The Performance of Meta-Theatre and Self-Reflexion, edited by Gerhard Fischer and Bernhrd Greiner, Rodopi, Amsterdam-New York, 2007.
Trad. LLBarreto
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Fichas das personagens (material de trabalho para os ensaios do espectáculo)
EMILE, DUQUE DE CADIGNAN
Na peça, é o mais brilhante representante do Ancien Régime. A sua inteligência e à-vontade colocam-no largamente
acima dos que o rodeiam.
Multiplica as suas intrigas amorosas, o que o levará à morte.
Sonha com uma juventude eterna, sonha com uma vida de
ficção teatral onde tivesse que representar todos os papéis, até mesmo, talvez, a sua própria morte.
É um esteta pessimista nato. Sabe bem onde está a realidade mas ri-se dela, só acreditando na morte. E sabe que
o seu mundo caminha para a perdição. É uma personagem
que erotiza todas as situações, mesmo as mais criticas ou
as mais perigosas. Dir-se-ia que faz a corte à morte. Embora “favorito do Rei” poderia ligar-se intelectualmente com
o «divino Marquês de Sade».
(No princípio de Julho de 1789, precisamente dez dias antes da tomada da Bastilha, o marquês de Sade é retirado
da sua cela da Bastilha para ser ser definitivamente transferido para o asilo do loucos de Charenton).
Émile de Cadignan incarna o espírito de decadência que
afecta como um veneno a fina flor da aristocracia francesa
(e a vienense, no tempo de Schnitzler). Sabe-se que gosta
particularmente da arte do teatro. Frequenta toda a espécie de teatros, do mais clássico, o Théâtre Français, aos
mais populares, como o Théâtre de la Porte Sain Martin,
onde se representam melodramas, adornados com cenas
onde aparecem algumas actrizes semi nuas.
Sabe-se que frequentara também o teatro em Saint Denis,
onde Prospère dirigia uma companhia; foi aliás aí que conheceu Henri e Léocadie.
Pode-se, pois, imaginar que depois do encerramento desse teatro, inventou com Prospère e
(por que não?) subsidiou aquele tipo muito especial de teatro clandestino que é A Cacatua
Verde.
Ter-se-iam entendido os dois, cada um a partir do seu lugar na escala social do Ancien Régime, para que Prospère fosse o encenador do confronto de fantasmas, de medos e desejos
daqueles ricos que dominam e dos sans-culottes que sonham dar cabo dos nobres. É um
teatro onde se brinca com o fogo através das palavras. É um “reality show” onde é suposto
a ficção vir sempre à frente da realidade.
Era esse o génio dos dois oponentes lúcidos e no entanto cúmplices que são Émile e Prospère… Até ao momento em que o vento da História vem precipitar o desenlace da pequena
história. E há sempre alguns oportunistas para darem a volta ao que relatam e transformarem um acontecimento passional num acto revolucionário.
Não seria o desejo profundo e inconsciente de Émile cair, justamente como que em cena,
aos golpes do punhal dum rival amoroso, amado e respeitado, em vez dos golpes daquela
barbárie anónima que já começou lá fora a cortar cabeças? Maneira artística, irónica, de
contornar o destino inelutável dos representantes da sua classe. Última facécia de um ser
desesperado e lúcido sobre a sorte que o vento da História deveria reservar para ele.
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FRANÇOIS, VISCONDE DE NOGENT
É o espectador ideal. De facto, a sua ingenuidade permite aos actores da companhia de Prospère multiplicar e
exagerar as situações humilhantes e provocadoras. Para
François, ali, tudo é teatro. Engole todas as patranhas.
É alguém que aproveita a ordem estabelecida. Não tem
qualquer ilusão sobre as injustiças sociais, sobre a miséria
real do povo. Mas está-se nas tintas. Nada disso é grave.
É tão grande a sua superficialidade que se diverte a ver
como o seu amigo Albin leva a sério aquele jogo, ao ponto
de se sentir humilhado pelas suas provocações homossexuais. Exibe Albin como um troféu de caça. No entanto, a
sua pretensa lucidez tem limites: acredita que os actores
sans-culottes da Cacatua são as pessoas mais honestas do
mundo. Pensa que a cólera do povo não terá uma grave
consequência. É evidente a sua cegueira, quando, a propósito de Grain, um criminoso a sério, faz esta observação divertida: «- Aquele é fraquinho, não passa de um amador!»
Participa divertido em tudo que para ele é brincadeira e
espectáculo.
Adora mostrar-se um iniciado nos princípios da casa perante o seu amigo da província. De facto é muito ingénuo,
quase mais do que Albin, o seu tímido companheiro.
Gosta particularmente quando Prospère o provoca. Na Cacatua sente-se à vontade. No entanto, chega um momento
em que confessa a sua incapacidade para perceber o que
se passa, ali e lá fora, nas ruas: «- O Povo enlouqueceu!».
São as suas últimas palavras.
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ALBIN, CAVALEIRO DE LA TRÉMOUILLE
É um ingénuo, dotado de todo o bom senso provinciano.
Prisioneiro dos preconceitos mais conformistas. Sente-se
muitas vezes incomodado, chocado.
No entanto a ingenuidade leva-o a querer bater-se pelos
seus, com uma certa coragem.
Para ele, aquela noite na Cacatua Verde é uma espécie de
desfloração intelectual. Às vezes parece perceber mais depressa que François. Aqui, descobre um mundo diferente,
é para ele talvez uma abertura para um mundo mais verdadeiro…
A dada altura está contente por estar ali: quando chega o
Duque de Cadignan. Sente-se de facto seduzido, maravilhado, pela aura de Émile.
Mas fica pasmado com Sévérine. Quem é de facto ela?
Será que os aristocratas parisienses terão todos aquela
falta de virtude?
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O MARQUÊS DE LANSAC E SÉVERINE, SUA ESPOSA
O casal Lansac poderia representar o par real. Com efeito, conta-se que Maria Antonieta
vinha por vezes clandestinamente a Paris misturar-se com a canalha em festas licenciosas,
mascarada ou travestida.
É a primeira vez que põe os pés na Cacatua Verde.
A sua futilidade e inconsciência podem parecer insolentes. É uma mulher ingénua, irresponsável e perigosa. Metida entre um marido velho com quem só casou por causa do título, e um
poeta pouco inspirado, não tem oportunidade para dar azo á sua liberdade. Provavelmente
nunca tinha tido oportunidade de dizer tão frontalmente o que aqui exprime. A excitação
erótica também a vai arrastar e, à falta de melhor, vai propor, talvez pela primeira vez, ao
seu poeta apaixonado, um “jogo de pernas para o ar”.
O marido condescendente, talvez um voyeur, é sobretudo patético no seu embaraço. Do
género de dizer para si próprio: “- Eu nunca devia ter…”
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ROLLIN
É um poeta que frequenta a sociedade nobre (Representa
para Schnitzler os jovens literatos vienenses que ele considera superficiais e irresponsáveis)
Arrasta-se no rasto daquele casal aristocrata aproveitando-se da sua magnanimidade. E, nessa noite, participa na
“excursão” que eles fizeram à ralé.
Toma-se por um intelectual, passando por ser um poeta
bastante digno de aparecer nos salões da nobreza. No entanto, o seu estilo é muito enfático.
Para ele, a Revolução não passa de um pretexto para escrever umas rimas. Vê a marcha popular contra a Bastilha
como “uma onda gigante que rebenta contra a margem, /
Funda e ameaçadora, a ponto de a própria Terra, / Filha da
Água, se lhe opor…”Aquelas imagens épicas traem a grande confusão de pensamento daquele sonhador desarmado com a realidade. Gostaria de poder aproveitar-se de
tudo, pronto para dar o grande salto. O que nem sempre
é confortável. Gostaria de conciliar o inconciliável. Estar
na moda, estar sempre a par, é o que ele sempre procura.
Mas, naqueles dias, que quererá dizer “estar a par”? Como
fazer? Como não perder plumas no caos que se anuncia?
“- Ainda não consigo acreditar!” São as suas últimas palavras. Nunca tinha ido para a cama com Sèvérine. Aliás, ela
acha-o muito maçador. E é graças aos estímulos triviais
dos actores de Prospère que ela, subitamente, como uma
fêmea com cio, vai propor fazer amor com Rollim…A ele
que se sente obrigado a perguntar-lhe todos os cinco minutos se ela o ama. No fundo, é um empregado, uma espécie de guarda real ou director de consciência, que, inesperadamente irá ver-se, contra toda a expectativa, investido
do papel de amante. E excita-o vê-la à beira da perdição!
Estará ele à altura?
Quer perdoar todas as antigas infidelidades de Léocadie. Quer começar a partir do zero,
em novas bases. Apagar o passado, reencontrar uma certa virgindade na fidelidade. Ultrapassar o ciúme e a mesquinhez.
Antes de se ir embora com ela, quer dar ao seu publico de aristocratas “… uma prova do fim
do seu mundo”,
O tema do monólogo quase auto ficcional que vai interpretar, será precisamente o do ciúme… Este sentimento impregna o género melodramático.
Ao contar aquela história, dir-se-ia que esconjura, de uma vez por todas, as suas antigas
desconfianças.
Só que, lá está, vai ser tão genial no seu relato que o próprio Prospère vai acreditar nele.E é
assim que de uma peripécia de ficção surge uma verdade insustentável para Henri.
A sua arte tão subtil terá por consequência a revelação de uma semi-verdade que levará a
um crime. A ficção era lírica. Mas a realidade será cruel, impiedosa: vai precipitar Henri na
acção verídica de uma execução perpetrada sob o efeito de uma pulsão de morte.
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LÉOCADIE
Outrora, para sobreviver, prostituiu-se. Através de um cliente teve a sorte de se tornar figurante e, depois, conseguir alguns papéis pequenos em diversas companhias.
Depois de ter feito parte da companhia de Prospère, foi contratada pelo Théâtre Saint Martin. Representa aí o papel de uma heroína que, com os seus encantos, consegue entrar na
alta sociedade pela porta das traseiras. O ponto alto do espectáculo é uma cena em que ela
aparece nua, vestida de sereia.
Henri e ela amam-se há vários anos. É uma vida complicada, anda sempre perseguida e rodeada por antigos clientes ou por novos admiradores.
Henri acaba de se casar com ela e de lhe propor que deixem a cidade. Mudar de vida, tentar
partilhar um amor tranquilo, sem nuvens negras, foi o que ela aceitou, questionando-se ao
mesmo tempo secretamente sobre a real possibilidade de aceder a uma felicidade daquelas.
Nunca ninguém, nem mesmo o Duque de Cadignan, lhe deu uma tal prova de amor. Mas talvez esse projecto seja bom demais para ser verdade… Apesar de tudo, decidiu seguir Henri,
mesmo não tendo a certeza de estar à altura…
Henri e Léocadie incarnam o par trágico dos melodramas do século XIX, sacudidos entre a
vida pública e a vida privada, entre o princípio da fidelidade e as múltiplas tentações.
O seu verdadeiro drama incarna-se aqui, no cabaré da Cacatua Verde, ainda com mais intensidade que num dos palcos de um dos teatros do Boulevard do crime. A beleza da arte
e a crueldade da vida vai aniquilá-los, como seres demasiado puros, demasiado idealistas.
Henri, poderia matar-se?
Léocadie, poderia enlouquecer?
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GRAIN
É um verdadeiro criminoso que gravita à volta de Prospère.
Para um criminoso, A Cacatua Verde é o melhor esconderijo possível.
A sua simpatia pelo movimento revolucionário resulta da
revolta de um excluído e de um fora da lei contra a sociedade. É uma personagem que não mente nem representa.
O seu discurso é fiável. O seu olhar não é deformado, é
novo. O seu ponto de vista poderia ser como o de um espectador que assiste à peça. A sua curiosidade dá-lhe uma
maneira de ser e de se comportar que não se parece com
nenhum outro.
Olha, toca, fareja as pessoas como se se sentisse feito de
outra matéria, como se fosse invisível. Dir-se-ia alguém
que se passeia num jardim zoológico.
O seu segredo, a sua história é tão atroz e miserável que
tem ali o ar falso e construído de todas as peças. É que ele
representa os entregues a si próprios, os abandonados e
os párias, condenados antecipadamente por toda a sociedade.
Tudo o que diz ou revela é verdade, mesmo se é incompleto.
Prospère acredita nele.
Prospère conta servir-se dele para espantar a plateia pela
violência inédita de uma história autêntica saída da sarjeta da humanidade.
Grain fica ali, arrumado como refugo, alheio a qualquer
lógica de vingança, mais livre e sozinho que nunca…
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O COMISSÁRIO
É quase uma personagem de comédia. Representante da
ordem do Ancien Régime, nessa noite vai perdendo progressivamente toda a sua autoridade, a sua razão de ser,
e, finalmente, a sua legitimidade. Ainda mais, porque para
parecer mais espião, Prospère lhe recomendou tirar a farda para passar despercebido entre os espectadores.
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PROSPÈRE
A sua paixão é, desde sempre, o teatro, o jogo, a arte do
simulacro. É o rei do jogo duplo. As suas propostas são de
uma grande audácia. Pagam-lhe bem para assistir e até
representar nas suas encenações que têm sempre por
tema a complacência turva de que uns e outros se servem
para se meterem medo, para se seduzirem, para se comprometerem e, sobretudo, se misturarem: os nobres e os
sans-culottes. Quem lhe paga o fornecimento de bebidas e
os actores? Os representantes da nobreza que vêm misturar-se com a canalha no seu estabelecimento. Mas talvez
também o Duque de Cadignan que é o seu verdadeiro inspirador. Se oo seu cabaret continuar a correr bem, estará
cada vez mais orgulhoso do seu papel de demiurgo. Mas
ele já sabe que aquele exercício terá apenas um tempo.
Pressente os acontecimentos. Está pronto para, um dia, ter
que mudar de repertório.
Hoje caiu por acaso num artigo de Camille Desmoulins que
faz eco da violência que ele sente. Prospère não é um verdadeiro político. É mais um angariador de provocações.
Para ele, desde que abriu aquele cabaré clandestino, a
Revolução é um motivo do espectáculo que fornece. Manifesta ao mesmo tempo uma hipocrisia sonsa para com
a sua clientela aristocrática e um espírito de vingança, de
tal modo que estaria pronto para apostar numa ditadura
do Povo.
Mas haverá sempre teatros? Teatros tão estimulantes como
aquele que ele inventou em cumplicidade com o Duque de
Cadignan? Que oferecer como espectáculo àqueles cidadãos inflamados de Liberdade? Quando chegar, a Liberdade, que fazer? Que teatro irá exigir essa nova religião
chamada Liberdade? (Na realidade, a nova mística irá
produzir grandes espectáculos pomposos e intermináveis,
como a “celebração do Ser Supremo”, nada no género de
Prospère! Eram manifestações que pretendiam edificar o
povo, prometendo todas a espécie de formulas e de géneros, para que ele se esqueça, como
sempre, de pensar com a sua própria cabeça).
Prospère gosta é das intrigas, dos dispositivos que valorizam o que está por dentro dos segredos, mesmo os mais inconfessáveis, da natureza humana. Ora, no que a isso diz respeito,
foi pelo teatro que conseguiu obter resultados espantosos.
Prospère é inquietante como um estratega que orienta, sem se desmascarar, que se interroga sobre o futuro, e que está rodeado de pessoas cegas ou cheias de sede. Émile de Cadignan, a personagem que está ao seu nível, parece fascinado pela catástrofe, ou perdidamente atraído pela morte; mesmo adivinhando os encadeamentos funestos que a realidade dos
tempos novos vai suscitar; o pragmático Prospère tentará desembaraçar-se deles.
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GRASSET
Gostava que o tomassem por um intelectual, “sem mais”.
Diz-se filósofo. Na realidade é um lúbrico narcisista e preguiçoso. Uns dias antes, era ainda um dos pretensos oradores da companhia de Prospère. Mas acaba de encontrar
uma tribuna muitíssimo mais prestigiosa: o Palais Royal.
Hoje arengou para a multidão, tendo tomado a palavra depois de Camille Desmoulins. Para ele, a ilusão teatral é total:
da Cacatua Verde ao Palais Royal, é sempre o mesmo espectáculo. Este histrião palrador não tem nada de militante
político. Seduzir a multidão pelo seu sopro encantatório é
o que mais o excita. A sua voz e a disposição das palavras
é o que dá mais ponta. Depois das discursatas, tem a voz
estragada, mas tem que engatar imperiosamente uma rapariga e ir com ela. É um oportunista miserável e patético
que está sempre a vangloriar-se. Que com isso engana as
pessoas e a si mesmo. Gosta de inventar fórmulas feitas
e slogans. Tem a faculdade de transformar um qualquer
sinal, facto ou gesto, numa acção revolucionária (no último
quadro, Grasset transforma imediatamente um crime passional num acto revolucionário, gritando: “Quem mata um
Duque é amigo do povo! Viva a Liberdade!”) Enquanto o
povo se insurge de armas na mão, ele satisfaz os seus instintos sexuais com não importa quem, não importa onde,
desde que se sinta embriagado. Sente-se que Prospère,
que sabe reconhecer os verdadeiros talentos, o despreza.
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HENRI
É o melhor e o mais bonito actor da companhia. O público
gosta dele. Prospère tem orgulho nele. O Duque admira-o, os colegas têm ciúmes. Léocadie ama-o. Infelizmente, aquele génio das tábuas é de facto verdadeiramente
idealista no amor. E não apenas no amor. É ultrapassado
pela realidade e é ele que, sem querer, se torna num assassino revolucionário. Incarna a filosofia de Jean Jacques
Rousseau. Idealista. Sentimental, puro, só sonha com uma
coisa, deixar a cidade e passar a vida feliz, longe de qualquer conflito, no campo, com a sua amada Léocadie. Este
sonho bucólico prefigura um instinto mais caseiro e pequeno-burguês. Flores, filhos, animais, a lareira. Volta, pois,
ataviado não importa como, com o que lhe veio primeiro
parar às mãos, e de maneira bastante ridícula. A princípio,
observa tudo, até chega a intervir; mas a maneira como
está vestido torna-o ridículo e inoperante. Depois do relato
de Henri, não lhe serve de muito gritar: -“Isto já passa dos
limites, isto é inaceitável!”, e depois exigir com voz avinhada que ninguém saia: ”Este homem vai preso, em nome da
lei!”. A sua autoridade caduca será ridicularizada e achincalhada. Só lhe resta afogar-se no álcool. E sozinho como
uma barrica, acabará por adormecer.
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LEBRÊT
Representa a classe média, cobarde e desarmada. É alfaiate. É rico, a sua clientela é nobre. Acaba de ter dado uma
volta pelo Palais Royal. Acaba de assistir à arenga de Grasset e acaba de perceber que qualquer coisa grave poderá
passar-se. E se as coisas correrem mal, terá que mudar de
clientela…Grasset assinalou-o na multidão… Tomaram conhecimento e Grasset, que não tem um tostão no bolso,
deu-lhe volta à cabeça vendendo-lhe a sua propaganda.
Mostrou-lhe panfletos. Impregnou-o de palavreado para,
em troca, ele lhe pagar uma rodada. Lebrêt está aterrorizado. Tem tanto medo do futuro que parece pronto, como
bom alfaiate que é, a virar de imediato a casaca… De qualquer modo, aqui, agora, só é bom para esvaziar os bolsos
e contar as notas.
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A companhia de Prospère:
BALTHAZAR E GUILLAUME
Por ordem de entrada em cena, é Balthazar (e não Guillaume) o
primeiro. Guillaume faz parte dos que vêm anunciar o que se passe lá fora. Aproveita para se lançar numa narrativa onde transforma alegremente a sua provável tentativa de assalto num acto de
piromania revolucionária. Chega à Cacatua sem fôlego, pretendendo ter escapado por um triz aos seus justiceiros. Prospère não
o acha particularmente bom naquela noite. Guillaume interrompe
o seu número à entrada de Lansac, Séverine e Rollin.
Balthazar chega mais tarde. Faz-se passar por marido protector de Georgette. Quer convencer que está cansado por ser ver
obrigado a trucidar os clientes da devassa da mulher. No entanto,
este casal passa por ser o mais fiel do mundo. Então em quem
acreditar? É um casal perito em interpretar e agigantar o tema
do ciúme, em versão de comédia. O seu dueto é uma espécie de
contra-ponto paródico à história de Henri e Léocadie.
SCAEVOLA E JULES
Entra em cena na companhia do seu parceiro
Jules. São os primeiros a anunciar a insurreição que cresce nas ruas e da marcha para a
Bastilha. Normalmente o número de Scaevola consiste em relatar rapinanços miseráveis.
Prospère considera-o um actor muito mau
que tem a péssima tendência para berrar
para dar intensidade às suas improvisações.
Evidentemente, tem ciúmes de Henri, o preferido de Prospère. Gostava de ter as graças
de Georgette, mas ela não lhe liga meia. Então, faz-se passar por chulo de Flipotte. Ele
e Jules são os primeiros a reconhecer a vozearia que vem da rua… o barulho do povo
em fúria.O que Jules viu nas ruas faz-lhe
muito medo. Aproveita para preparar uma
improvisação que tem por tema o remorso.
Scaevola e Jules, a partir do momento em
que Henri anuncia o seu casamento com a
sua bem amada, entre si, e em voz baixa,
vão tentar enumerar com exactidão todos os
sucessivos clientes e amantes de Léocadie.
São invejosos. Têm tendência para criticar a
prestação dos outros. Depois do assassinato,
serão os primeiros a safar-se com os nobres.
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GEORGETTE
Esta actriz é brilhante no papel da prostituta generosa, com decote voluptuoso e ancas largas. Representa a figura ancestral de
mãe poderosa, sexual, tão insinuante como protectora. Uma espécie de Saraghina, tão cara a Federico Fellini. A sua entrada vestida de puta reles é notável: “- Boa noite, meninos…”. Foi ela quem
ensinou a Michette e a Flipotte todos os ademanes provocantes e
impúdicos da mais velha profissão do mundo. Observa-as e certamente no seu íntimo sabe apreciar e criticar o seu jogo. Ela, e
o seu Balthazar são verdadeiramente cúmplices. Têm segredos
entre si. Talvez Balthazar lhe mostre o resultado dos seus roubos.
Talvez lhe ceda uma parte: jóias de pechisbeque! Georgette adora
representar as apaixonadas. Gosta de representar papéis contrários ao seu carácter. Adora o seu vestido de puta de viela. Poderia
ser uma heroína de opereta.
MICHETTE
Tem menos “métier” que Georgette, mas tem uma ar mais desembaraçado que Flipotte. Não tem falta de zelo no trabalho. Gostaria que Prospère tivesse orgulho nela. Por vezes, procura com os
olhos a sua aprovação. Gostava de reinar como “primeira dama”,
mas ainda não chegou lá.
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FLIPOTTE
É a última aquisição feminina. Aproveita aquela situação para lhe
acrescentar a sonsice e os trejeitos de simplória atarantada. Poderia representar o papel da jovem virgem que acaba de ser desflorada. Percebeu que aqui, como em todas as casas de meninas,
é preciso corresponder a todos os gostos.
Interroga-se a si própria se, para sua carreira, é proveitoso que
Scaevola pretenda ser seu protector, porque o acha um bocado
burro, mau actor e ordinário!
ETIENNE E MAURICE
Dois inseparáveis, como os indivíduos com o
mesmo nome. “O inseparável é um tipo por
vezes agressivo, que pensa ser mais forte do
que na realidade é. Parece não ter medo de
ninguém e pode causar feridas muitas vezes
dolorosas”.
O seu emploi: falsos nobres. Os fatos de teatro não conseguem disfarçar a sua virilidade
muito popular, o que os torna desejáveis aos
olhos de Séverine. Enfiam-se como ratos nas
festas ou nas cerimónias da alta sociedade
e roubam “de empuxão”, com destreza, tudo
o que podem. Mesmo na igreja durante um
casamento, colam-se às aristocratas até as
apalparem ou acariciarem como sedutores
ousados, com o único fim de lhes surripiar
pequenos objectos preciosos que escondem
nos cações…. O que lhes faz ir aumentando a
pouco e pouco as braguilhas.
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DOIS JOVENS CLIENTES
Nobres autênticos, esses dois…
É a primeira vez que entram naquele lugar
de que ouviram falar em voz baixa.
Com este duo, obtém-se uma imagem totalmente inversa, de tipo carnavalesco. De
facto, estes dois vão ter uma inveja terrível
do à-vontade, da devassidão e até mesmo
da importância do volume da braguilha de
Etienne e Jules.
TRÊS CIDADÃS COM GRÂO NA ASA
Seguiram os passos de Grasset. Esta
noite tudo é permitido: despe-se o
avental, adeus ao marido, pôr de
parte as conveniências. Estão tomadas por um frenesi quase animal,
que faz pensar no da aristocrática
Séverine. É estranho como às vezes
os extremos se juntam…
Christine Laurent/ Luis Miguel Cintra
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Os Dias Da Revolução
O Duque de Penthièvre e a sua família. Pintura
de Jean-Baptiste Charpentier, 1767 -1768
Le Serment du Jeu de paume, 20 juin 1789. Pintura de Jacques-Louis David, 1790 - 1791
Primeiro quadro histórico da Revolução Francesa: Tomada da Bastilha em Versailles a 20 de
Junho de 1789. Gravura de P. G. Berthault. Paris,
1791
Saque de armas do Arsenal do Rei a 13 de Julho
de 1789.
Pormenor de gravura de P. J. Laminit. Augbourg, 1815
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Pequena cronologia
1786
Luís XVI de França e o Estado francês estão perante a ruína financeira.
26 de Setembro: o tratado de comércio entre a França e a Grã-Bretanha (Tratado de Eden),
abre a porta aos produtos industriais ingleses levando à falência muitos pequenos industriais e artesãos.
1787
22 de Fevereiro: Primeira Assembleia dos notáveis, convocada por Charles Alexandre de Calonne num contexto de instabilidade financeira do Estado e de renitência geral (entre outros
pela aristocracia) contra a imposição de novos impostos e reformas fiscais.
1 de Maio: Étienne Charles de Loménie de Brienne substitui de Calonne como Controlador-Geral das Finanças.
25 de Maio: Primeira Assembleia dos Notáveis dissolvida.
1788
Formação do “Clube dos Trinta” contra Necker e o ancien régime, iniciando uma intensa
campanha de panfletos e brochuras.
8 de Maio: Luís XVI emite o Édito de Lamoignon, abolindo o poder do parlamento no que
respeita à revisão dos éditos reais.
1789
24 de Janeiro: Instabilidade geral, ocasionada pelas condições económicas, converge para
a convocação dos Estados Gerais pela primeira vez, desde 1614.
5 de Maio: Abertura da reunião dos Estados Gerais em Versailles.
17 de Junho: O Terceiro Estado proclama-se “Assembleia Nacional” - o início da Revolução
política.
24 de Junho: Luís Filipe II, Duque d’Orleães liderando um grupo de 47 nobres, junta-se aos
revoltosos da Assembleia Nacional.
27 de Junho: O rei Luís XVI aceita a demissão de Necker, seu ministro das finanças.
9 de Julho: A Assembleia Nacional proclama-se “Assembleia Nacional Constituinte”.
12 de Julho: Início dos motins em Paris - a “jornada sinistra”.
14 de Julho: Tomada da Bastilha - o ínício simbólico da Revolução francesa.
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15 de Julho: A “jornada sinistra” estende-se aos campos, com pilhagens de igrejas, queima
de colheitas, casas, etc..
28 de Julho: A Assembleia Nacional institui um comité de investigação de “complots” aristocráticos.
4 de Agosto: Sob proposta do visconde de Noailles e do duque de Aiguillon, a Assembleia
Nacional suprime todos os privilégios das comunidades e das pessoas, as imunidades provinciais e municipais, as banalidades, e os direitos feudais.
26 de Agosto - “Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão”.
10-11 de Setembro: Derrota dos monárquicos - afirmação da Camara Única e rejeição do
Veto Suspensivo do Rei.
2 de Novembro: Nacionalização dos bens de rendimento da Igreja Católica para garantia
dos assignats.
1790
19 de Abril: O Estado nacionaliza e passa a administrar todos os bens da Igreja Católica.
Maio - Publicação dos decretos de aplicação da abolição dos direitos feudais; início do assalto e destruição dos arquivos notariais e senhoriais.
12 de Julho: Constituição Civil do Clero.
No Verão de 1790: início da organização, sob inspiração de Marat e Danton de “Les Cordeliers”, que vêm a ser muito reprimidos por Lafayette em Julho de 1791.
27 de Novembro: Sob proposta do protestante Barnave, a Assembleia decide que todos os
eclesiásticos católicos que se mantivessem em funções teriam que jurar manter a Constituição Civil do Clero.
1791
22 de Maio: Lei que anula o direito de Petição colectiva.
14 de Junho: Lei de Le Chapelier proibe os sindicatos dos trabalhadores e as greves, sob a
ameaça de morte.
20 e 21 de Junho - Fuga de Varennes: Luís XVI e sua família, em fuga, são detidos em Varennes-en-Argonne.
17 de Julho: Massacre do “Champ de Mars”, em Paris, sob o comando militar de Lafayette.
Setembro: Aprovação da Constituição.
1 de Outubro: Reunião da Assembléia Legislativa.
9 de Novembro: Todos os emigrés são ordenados pela Assembleia a regressar, sob a ameaça
de morte.
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11 de Novembro: Luís XVI veta a deliberação da Assembleia sobre os emigrés.
1792
Janeiro – Março : Desacatos por fome em Paris.
7 de Fevereiro: Aliança entre Áustria e a Prússia.
20 de Abril: A França declara a guerra contra a Áustria.
10 de Agosto–13 de Agosto: Ataque ao Palácio das Tulherias. Luís XVI é preso, juntamente com
a família.
19 de Agosto: Lafayette foge para a Áustria.
22 de Agosto: Revoltas monárquicas em Bretanha, Vendeia e Delfinado.
2 de Setembro–7 de Setembro: Os Massacres de Setembro.
20 de Setembro: Batalha de Valmy.
20 de Setembro: Sessões finais da Assembleia Legislativa e primeiro encontro da Convenção Nacional; voto unânime pela abolição da monarquia.
21 de Setembro: promulgada a nova Constituição.
10 de Outubro: Os termos monsieur e madame são banidos por decreto, para ser substituidos por citoyen e citoyenne.
11 de Dezembro: Tem início o julgamento de Louis XVI pela Convenção.
1793
21 de Janeiro: Execução do Rei Luis XVI.
1 de Fevereiro: Declarada a Guerra com a Inglaterra, Holanda e Espanha.
14 de Fevereiro: A França anexa o Mónaco.
Março: revolta monárquica da Vendeia.
10 de Março: Estabelecimento do Tribunal Revolucionário.
6 de Abril: O poder é concentrado no Comitê de Salvação Pública e no Comité de Segurança
Geral.
2 de Junho: 31 deputados Girondinos são presos.
12 de Julho Revolta monarquista em Toulon.
13 de Julho: Assassinato de Jean-Paul Marat por uma jovem girondina.
27 de Julho: Robespierre torna-se membro do Comitê de Salvação Pública.
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23 de Agosto: Imposto sobre toda a população masculina, o Levée en masse.
17 de Setembro: É aprovada a Lei do Maximum Général: um extenso programa de controlo
de salários e de preços; e a Lei dos suspeitos.
9 de Outubro: Lyon é retomada aos monárquicos por republicanos.
16 de Outubro: Execução da Rainha Maria Antonieta.
31 de Outubro: Execução de líderes Girondinos.
10 de Novembro: Abolição do culto de Deus: Culto da Razão.
Dezembro: Retirada dos aliados do outro lado do Reno.
8 de Dezembro : Madame Du Barry foi executada.
19 de Dezembro: Os ingleses evacuam Toulon.
23 de Dezembro: Batalha de Savenay esmaga a revolta monárquica em La Vendée.
1794
19 de Janeiro: Os ingleses desembarcam na Córsega.
4 de Fevereiro: Abolição da escravatura nas colónias.
24 de Março: Execução dos Hébertistas.
2 de Abril: Julgamento de Danton tem início.
6 de Abril: Execução dos Dantonistas.
8 de Junho: Festival do Ser Supremo.
10 de Junho: Lei de 22 de Prairial, também conhecida como “loi de la Grande Terreur”.
26 de Junho: Batalha de Fleurus (1794) (Vitória francesa na Bélgica).
2 de Julho-13 de Julho: Batalha de Vosges (vitória francesa no Rêno).
27 de Julho: Queda de Maximilien de Robespierre (9 Thermidor).
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Os direitos do Homem
Direitos do Homem e do Cidadão
DECLARAÇÃO DE DIREITOS
DO HOMEM E DO CIDADÃO
Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a
ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos
males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente
em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus
deveres; a fim de que os actos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a
qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por
isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em
princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à
felicidade geral.
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Em razão disto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do
Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:
Art. 1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a
resistência à opressão.
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas
podem ser determinados pela lei.
Art. 5.º A lei não proíbe senão as acções nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela
lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma
para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e
igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua
capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei
e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou
mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado
ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado
de resistência.
Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém
pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada.
Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões , incluindo opiniões religiosas, desde
que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta
força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a
quem é confiada.
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Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com
suas possibilidades.
Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da
necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego
e de lhe fixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração.
Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida
a separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição
de justa e prévia indemnização.
FRANÇA, 26 DE AGOSTO DE 1789
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Uma canção da Comuna de Paris (1871)
LE TEMPS DES CERISES
Quand nous en serons au temps des cerises
(Quand nous chanterons le temps des cerises)
Et gai rossignol et merle moqueur
Seront tous en fête
Les belles auront la folie en tête
Et les amoureux du soleil au cœur
Quand nous en serons au temps des cerises
Sifflera bien mieux le merle moqueur
Mais il est bien court le temps des cerises
Où l’on s’en va deux cueillir en rêvant
Des pendants d’oreilles
Cerises d’amour aux robes pareilles (vermeilles)
Tombant sous la feuille en gouttes de sang...
Mais il est bien court le temps des cerises
Pendants de corail qu’on cueille en rêvant!
Quando cantarmos o tempo das cerejas
e o alegre rouxinol e o melro trocista
estiverem todos em grande festa
na cabeça das moças haverá loucura
e no coração dos homens brilhará o sol
Quando chegarmos ao tempo das cerejas
o melro trocista vai assobiar muito melhor.
Mas é tão curto o tempo das cerejas
quando vamos a sonhar dois a dois colher
brincos para as orelhas
cerejas de amor que parecem essas roupas
que debaixo da folha são gotas de sangue
Mas é tão curto o tempo das cerejas
brincos de coral que colhemos sonhando.
Quand vous en serez au temps des cerises
Si vous avez peur des chagrins d’amour
Évitez les belles !
Moi qui ne crains pas les peines cruelles
Je ne vivrai pas sans souffrir un jour…
Quand vous en serez au temps des cerises
Vous aurez aussi des peines d’amour !
Quando chegarem ao tempo das cerejas
se tiverem medo dos desgostos de amor
evitai as raparigas
Eu que não temo as penas crueis
não viverei sem um dia sofrer
Quando chegarem ao tempo das cerejas
também vós sofrireis as penas de amor.
J’aimerai toujours le temps des cerises
C’est de ce temps-là que je garde au cœur
Une plaie ouverte!
Et Dame Fortune, en m’étant offerte
Ne pourra jamais calmer (fermer) ma douleur…
J’aimerai toujours le temps des cerises
Et le souvenir que je garde au cœur !
Sempre amarei o tempo das cerejas
É desse tempo que guardo
uma chaga aberta no coração.
E quando a Dona Sorte se me vier oferecer
nunca porá fim à minha dor
Sempre amarei o tempo das cerejas
e a lembrança que guardo no meu coração.
Trad. LMC Excertos de Relations et Solitudes, traduzidos por Deshusses, Petite Bibliothèque Rivages, Paris, 1988.
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71
Curricula
(criativos)
FREDERICO LOURENÇO [tradutor]
Nasceu em Lisboa, em 1963. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, doutorando-se depois em Literatura Grega na mesma universidade, onde ensinou durante vinte anos. Desde 2009 é professor da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra. Tem-se dedicado à tradução de autores clássicos (Homero, Eurípides, poetas
gregos da época arcaica e helenística) e à tradução de poetas alemães, como Goethe e
Schiller, estes últimos para espectáculos do Teatro da Cornucópia. Publicou vários livros de
ficção e ensaio e um livro de poesia, a que se seguirá outro em 2011.
LUIS MIGUEL CINTRA [actor e encenador]
Nasceu em Madrid em 1949. Iniciou a sua carreira de actor e encenador de teatro em 1968
no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa. Frequentou a Bristol Old Vic Theater
School em Inglaterra. Em 1973 fundou em Lisboa, com Jorge Silva Melo, o Teatro da Cornucópia que desde essa data dirige, e a partir dos anos 80, com Cristina Reis, e onde, há 36 anos
tem vindo a encenar e representar textos de todo o repertório teatral. Participou com a sua
companhia nos Festivais de Teatro da Bienal de Veneza (l984), de Avignon (1988), de Outono
de Paris (1989) e Europália de Bruxelas (1991), e na sessão da École des Maîtres em Udine que
lhe foi dedicada. Em 1997 actuou no Théâtre de la Commune-Pandora, Aubervilliers/Paris e
em 2005 encenou um espectáculo no Teatro de la Abadia, Madrid.
Como encenador de ópera fez, no Teatro de São Carlos, L’Enfant et les sortilèges e Dido and
Aeneas (1987), Le nozze di Figaro (1988), L’isola disabitata (1997), Jeanne d’Arc au bûcher
(2003) e Medea (2005). Sob a direcção musical de João Paulo Santos, encenou Façade e The
Bear (1990), em co-produção com a RTP, no Teatro da Cornucópia; The Strangler (Martin ),
em 1996, na Culturgest; The English Cat (Henze/E.Bond), em 2000, uma co-produção do Teatro da Cornucópia/Culturporto/Teatro Nacional de S. Carlos/Orquestra Nacional do Porto
e Le Vin Herbé (Frank Martin), em 2004, para o Teatro Aberto. Em 2009 fez na Culturgest a
encenação da estreia mundial da ópera de Vasco Mendonça Jerusalém.
Como recitante colaborou em vários concertos e faz regularmente recitais de poesia e gravou nove discos de literatura portuguesa: A. Garrett, Camilo Castelo-Branco, Ruy Belo, Sophia de Mello Breyner Andresen, Fernando Pessoa, Antero de Quental, Padre António Vieira,
Gastão Cruz.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
72
No cinema trabalhou com João César Monteiro, Paulo Rocha, Luis Filipe Rocha, Solveig Nordlund, Jorge Silva Melo, Manoel de Oliveira, Christine Laurent, José Álvaro de Morais, Pedro
Costa, Joaquim Pinto, Maria de Medeiros, Patrick Mimouni, Teresa Vilaverde, João Botelho,
Pablo Llorca, Jorge Cramez, John Malkovich, Raquel Freire, Jean-Charles Fitoussi, Catarina
Ruivo, João Constâncio, João Nicolau.
No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos
de Gil Vicente.
CRISTINA REIS [cenário e figurinos]
Nasceu em Lisboa em 1945. Fez o curso de pintura da ESBAL. Iniciou formação e trabalhou
em design com Daciano Costa. Fez o curso de Arte e Design Gráfico no Ravensborne College of Art and Design, em Inglaterra. Em Portugal trabalhou no Núcleo de design do INII. Em
1975 inicia actividade no Teatro da Cornucópia onde até hoje é responsável pelos cenários e
figurinos da quase totalidade dos espectáculos. Fez um estágio de cenografia na Schaubühne Am Halleschen Uffer em Berlim. Fez cenários e figurinos para cinema com Paulo Rocha.
Para teatro no Festival de Avignon em 1988, Festival de Outono de Paris em 1989, Teatro de
La Abadia, Madrid em 2005. Para ópera no Teatro de São Carlos, na Culturgest, Teatro da
Cornucópia, Teatro Rivoli e Teatro Aberto. Fez uma instalação no CAM da Fundação Calouste
Gulbenkian.
No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.
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73
Fotografia de ensaios A Cacatua Verde © Luís Santos
(actores)
ANTÓNIO FONSECA
Tem trabalhado em teatro e nos seus trabalhos mais recentes destacam-se os espectáculos:
O Homem Elefante de B. Pomerance, encenação de Sandra Faleiro; Ivanov de Anton Tchekov,
encenação de Tonán Quito; História do Soldado de Ramuz/ Stravinski com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, direcção de Cesário Costa / João Pedro Vaz; A Tempestade de William
Shakespeare, encenação de Luis Miguel Cintra; Mona Lisa Show, encenação de Pedro Gil. Em
televisão participou em Zuzarte, de Henrique Oliveira (RTP 1) Perfeito Coração (SIC) e Cidade Despida de Patrícia Sequeira (RTP 1). No cinema trabalhou com Raoul Ruiz em Mistérios
de Lisboa. Tem colaborado com regularidade em projectos de formação nas áreas do Teatro
e Expressão Dramática com destaque para a colaboração no Curso de Teatro e Educação da
Escola Superior de Educação de Coimbra desde 2000.
No TNDM II: Ego de Mick Gordon e Paul Broks; O Homem Elefante de B. Pomerance.
CATARINA LACERDA
Nasceu no Porto, em 1981. Licenciou-se em Estudos Teatrais, com distinção pelo prémio Eng.º
António de Almeida, na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo em 2003. Co-fundou
o Teatro do Frio, colectivo de pesquisa teatral, em actividade desde 2005, onde assume
funções de coordenação de produção, co-direcção artística e intérprete. Recentemente co-protagonizou os espectáculos Ego, encenação de João Pedro Vaz, Olá e Adeusinho, encenação de Beatriz Batarda, co-produção Culturproject/ Teatro da Cornucópia e S.Ó.S., direcção
de Rosário Costa, Teatro do Frio.
No TNDM II: Ego de Mick Gordon e Paul Broks.
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CLEIA ALMEIDA
Nasceu em Coimbra em 1982. Em 1998 iniciou a sua carreira teatral na companhia semi-profissional Bonifrates em Coimbra. Em 2000 mudou-se para Lisboa onde conclui o curso de
representação na Escola Superior de Teatro e Cinema onde trabalhou com Álvaro Correia,
Francisco Salgado, Rogério de Carvalho, Miguel Seabra entre outros. Ao abrigo do programa
Erasmus estudou na RESAD em Madrid. Integrou espectáculos dirigidos por António Augusto
Barros, Sílvia Brito e Sofia Lobo n’A Escola da Noite, Christine Laurent na Cornucópia, João
Craveiro entre outros. No cinema trabalhou com João Canijo, Bruno d’Almeida, Raoul Ruiz,
António Ferreira e Ivo M. Ferreira. Na televisão integrou os elencos de diversas séries e novelas entre as quais: Conta-me como Foi, Liberdade 21 e Vila Faia.
DINIS GOMES
Nasceu em 1973. Frequentou o curso de dança do Conservatório Nacional. No teatro, começou em 1985 com Luis Miguel Cintra em Ricardo III na Cornucópia onde trabalha regularmente. No cinema participou em filmes de João César Monteiro, João Botelho, José Álvaro
Morais, José Nascimento, Pedro Ruivo e Margarida Gil entre outros.
Participou em vários projectos ligados à música e desde 1990 que desenvolve a actividade
de disc-jockey, fazendo também selecção de música para recitais de poesia e teatro.
No TNDM II: Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.
DUARTE GUIMARÃES
Iniciou a sua actividade teatral com aulas de teatro em Benfica, leccionadas por António
Feio, em 1994, que estiveram na origem do grupo teatral, Pano de Ferro, do qual foi fundador.
Tem o curso de formação de actores da Escola Superior de Teatro e Cinema (1996/2000).
Em 1997, começou uma colaboração com o Teatro da Cornucópia, com a peça Os Sete Infantes de Lara, encenada por Luis Miguel Cintra, que se manteve até hoje, ao longo de vários
espectáculos. Trabalhou ainda como actor em espectáculos de Ricardo Aibéo, António Feio,
Christine Laurent, Carlos Aladro, Joaquim Horta e Catarina Requeijo. No cinema, participou
em filmes realizados por Maria de Medeiros e João Tuna. Participou em várias séries nacionais e telenovelas, tendo também trabalhado com a Globo na telenovela: Sabor da Paixão.
No TNDM II: Tito Andrónico, de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.
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GONÇALO AMORIM
Nasceu no Porto em 1976. É licenciado em teatro no ramo de Formação de Actores e Encenadores pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Fez espectáculos de Ana Nave, Bruno Bravo,
João Brites, Madalena Victorino, Mathias Poppe, Miguel Moreira, Nuno Cardoso, Nuno Carinhas, Olga Roriz, Ricardo Aibéo e Tiago Rodrigues. Em Cinema trabalhou com Edgar Feldman, Raquel Freire, Tiago Guedes, José Filipe Costa, Edgar Medina e Margarida Gil. Encenou
Rumor Clandestino de Fernando Dacosta, Casas e Inês Negra de Miguel Castro Caldas, A Mãe
de Bertolt Brecht, Cal de José Luís Peixoto em parceria com Maria João Luís, Maria Mata-os
de Miguel Castro Caldas em parceria com Bruno Bravo, Meias-irmãs de Nuno Milagre e A
Morte de um Caixeiro Viajante de Arthur Miller. Foi co-criador com Dona Vlassova & guests
em Centro de Dia – Festival Alkantara 2010.
No TNDM II: Ricardo II de William Shakespeare
JOÃO GROSSO
Terminou o curso de Teatro, ramo Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa,
formação que completou com vários estágios. Divide a sua actividade entre o teatro, o cinema, a televisão e o ensino artístico. No teatro, para além de inúmeras participações como
actor, encenou: The Wasteland, de T.S. Elliot; Dinis e Isabel, de António Patrício; As Criadas,
de Jean Genet; A Audição, de Michel Deutsch; O Ano do Pénis, de sua autoria; Há Engano na
Pessoa (colagem); Luto, de Jorge de Sena; O Anfitrião, de Kleist; Cântico dos Cânticos, de
livros hebraicos e cristãos, e Orgia, de Pier Paolo Pasolini.
No TNDM II: Vulcão, de Abel Neves (encenador); Agosto em Osage, de Tracy Letts; Noite Árabe, de Roland Schimmelpfennig; Medeia, de Eurípides; Orgia, de Pier Paolo Pasoilini (encenador e actor); Cântico dos Cânticos (encenador); Berenice, de Jean Racine; Serviço d’Amores,
de Gil Vicente; Tito Andrónico, de William Shakespeare; Barcas, de Gil Vicente; A Sobrinha do
Marquês, de Almeida Garrett; A Maçon, de Lídia Jorge; Ricardo II, de William Shakespeare;
Fábrica Sensível, de Carlos Porto; As Troianas, de Eurípides; As Fúrias, de Agustina Bessa-Luís;
Os Jornalistas, de Arthur Schnitzler; Clamor, de Luísa Costa Gomes.
JOSÉ MANUEL MENDES
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, iniciou a actividade teatral no Grupo de Teatro da mesma faculdade, sob a direcção de
Fernando Amado. Após um interregno longo, voltou ao teatro e trabalha regularmente, desde 1981, no Teatro da Cornucópia. Participou em filmes nacionais e estrangeiros, em séries e
teatro televisivo para a RTP e SIC. Gravou para a RDP Antena 2 textos integrais e avulsos em
prosa e verso, para a Universidade Aberta e, em CD, um sermão de Padre António Vieira e
poesia portuguesa do século XX. Fez papéis falados no Manfred de Schumann e Jeanne d
‘Arc au Bûcher de Honegger no Teatro Nacional de S. Carlos, nos anos de 2001 e 2003, respectivamente. Foi narrador na opereta A Viúva Alegre apresentada no Festival Internacional
de Música de Macau (1995) e em As Últimas Sete Palavras de Cristo de Sofia Gubaidulina
(Orquestra Utópica) e de Joseph Haydn (Divino Sospiro), no CCB, 2008.
No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos
de Gil Vicente.
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LUÍS LIMA BARRETO
Iniciou a sua actividade no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1968 entrou para o Teatro Experimental de Cascais, tendo passado depois pela Casa da Comédia.
Em 1973 integra o elenco inicial do Teatro da Cornucópia, onde, até hoje, foi dirigido por Luis
Miguel Cintra, Jorge Silva Mello, Stephan Stroux, Christine Laurent e Brigitte Jacques. Gravou discos com obras de Fernão Mendes Pinto, Padre António Vieira, Camilo Pessanha, Ricardo Reis, Ruy Bello e uma antologia da poesia portuguesa do Sec. XX. No cinema, participou
em filmes de António Pedro Vasconcelos, Manoel de Oliveira, Alberto Seixas Santos, Maria
de Medeiros e João Nicolau. Colaborou na tradução de O Público, de G. Lorca, Quatro Peças
Curtas, de Courteline, Cimbelino, Tito Andrónico, Júlio César e Tempestade, de Shakespeare
e Tiestes, de Séneca. Participou em 2009 no espectáculo Vieira 400 Anos dirigido por Anna
Maria Kieffer, em São Paulo.
No TNDM II: Tito Andrónico de William Shakespeare; Miserere O Auto da Alma e Outros Textos
de Gil Vicente.
MIGUEL LOUREIRO
Formação em Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema, IFICT e Capitals/Gulbenkian.
Enquanto actor trabalhou com o Teatro da Garagem, Francisco Salgado, Projecto Teatral,
Nuno Carinhas, Cão Solteiro, André Murraças, Álvaro Correia, Casa Conveniente, João Grosso, Jean-Paul Bucchieri, Carlos Pimenta, Luis Castro, André Teodósio, Rogério de Carvalho,
Lúcia Sigalho entre outros. Encena também espectáculos dos quais destacaria o último
“Como Rebolar Alegremente Sobre um Vazio Exterior” estreado na edição de 2010 do Festival Alkantara, no Porto e em Lisboa, em parceria com o artista plástico André Guedes.
No TNDM II: Breve Sumário da História de Deus de Gil Vicente.
MIGUEL MELO
Nasceu em Lisboa em 1966. Frequentou o curso de dança do Conservatório Nacional e o
curso profissional do Ballet Gulbenkian. Trabalha profissionalmente desde 1982 em espectáculos de ópera, dança, teatro, cinema e TV. Destaca trabalhos com: Ângelo Torres, Ana Bola,
António Pires, Duarte Barrilaro Ruas, Eduardo Guedes, Filipe La Féria, John Mawat, Leonel
Vieira, Luis Miguel Cintra, Nagel Charnauk, Marion Lane, Ricardo Aibéo, etc.
No TNDM II: Passa por mim no Rossio de Filipe La Féria; Tito Andrónico de William Shakespeare.
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RICARDO AIBÉO
Nasceu em Lisboa em 1973. Em 1996 concluiu o Curso Profissional de Artes do Espectáculo
na Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espectáculo. Em 1997, começou uma colaboração
com o Teatro da Cornucópia, com a peça Os Sete Infantes de Lara, encenada por Luis Miguel
Cintra, que se manteve até hoje, ao longo de vários espectáculos. Trabalhou ainda sob a direcção de Christine Laurent, João Perry, António Pires, Sandra Faleiro, entre outros. Encenou
os espectáculos Hamlet de Buñuel, Duas Farsas Conjugais de Feydeau, César Anticristo de
Alfred Jarry, Leôncio e Lena de Buchner e Gata Borralheira de Walser. No cinema, participou
em filmes realizados por José Álvaro Morais, Inês Oliveira, João Botelho, Catarina Ruivo, Raquel Freire, Raoul Ruíz, Jorge Silva Melo, Manuel Mozos, Jean Claude Biette, Jorge Cramez,
João Constâncio, Paolo Marinou-Blanco. Realizou o filme de curta-metragem O Estratagema
do Amor, que obteve o Prémio de Melhor Actriz no Festival de Vila do Conde de 2004 e o
Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cinema da Covilhã em 2005.
No TNDM II: Tito Andrónico, Sonho de uma Noite de Verão de William Shakespeare; Miserere,
O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.
RITA BLANCO
Terminou o Curso de Formação de Actores do Conservatório Nacional em 1985. Divide a sua
actividade entre o teatro, o cinema e a televisão. No teatro, trabalhou com os encenadores
Luis Miguel Cintra, João Canijo, Miguel Guilherme, António Pires, José Nascimento, Adriano
Luz, Ana Tamen, José Pedro Gomes, Fernando Gomes. Em 1991 foi nomeada para o Prémio
Garrett para a Melhor Interpretação Feminina na peça Nunca Nada de Ninguém de Luísa
Costa Gomes. Em cinema trabalhou com João Canijo, João Botelho, Markus Heltschl, João
Mário Grilo, José Nascimento, Manoel de Oliveira, Patrícia Mazoui, João César Monteiro,
Patrícia Plattner, Jorge Silva Melo e Claude D’Anna. Em 2002 recebeu o Globo de Ouro na
Categoria de Melhor Actriz de Cinema, com o filme Ganhar a Vida de João Canijo. A sua participação em séries televisivas ficou marcada pelas suas actuações em Médico de Família, A
Minha Sogra É uma Bruxa, Querido Professor e Conta-me como Foi. Participou ainda na Noite
da Má Língua e em vários projectos de Herman José.
No TNDM II: Serviço d’ Amores, a partir de Gil Vicente; Mundo Cão de Escada Vão de José
Meireles; Crimes do coração; Pedro o Cru; Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil
Vicente.
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RITA LOUREIRO
Formou-se em 1991 pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Estreou-se no teatro, no mesmo ano, trabalhando regularmente com Luis Miguel Cintra em peças como, Comédia de
Rubena, Máquina Hamlet, Um Sonho, Quando Passarem Cinco Anos, O Casamento de Fígaro,
Afabulação, A Morte de Empédocles, O Novo Menoza, A Vida é Sonho, A Família Schroffenstein,
Sangue no Pescoço do Gato, A Gaivota, Don Carlos Infante de Espanha, A Cidade no Teatro
da Cornucópia. No Teatro Nacional D. Maria II fez parte do elenco da peça Malaquias encenada por José Carretas. Foi encenadora das peças Amor de D. Perlimplim com Belisa em
seu Jardim e ABC da Mulher. No cinema trabalhou com António Campos, Michaela Watteaux, Fernando Lopes, João César Monteiro, Paolo Marinou-Blanco, Vicente Alves do Ó, entre
outros. Em Televisão, participou em projectos como Alentejo Sem Lei, Cinzas, Verão Quente,
A Rua Sésamo, Fúria de Viver, Ana e os Sete, Morangos com Açúcar, Liberdade 21, Teatro em
Casa – O Casamento da Condessa, entre outros.
No TNDM II: Malaquias, de Manuel de Lima.
SOFIA MARQUES
Nasceu em Cascais em 1976. Fez o curso de formação de actores da Escola Profissional de
Teatro de Cascais. Tem trabalhado desde 1996 no Teatro da Cornucópia com os encenadores Carlos Aladro, Christine Laurent, Luis Miguel Cintra e Ricardo Aibéo. Participou também
em espectáculos dirigidos por Andresa Soares, António Fonseca, Cândido Ferreira, Carlos
Avilez, Diogo Dória, Graça Corrêa, Miguel Moreira, Paulo Filipe Monteiro e Rita Loureiro. Em
cinema participou em filmes realizados por Bruno Lourenço, Carlos Braga, Francisco Villa-Lobos, Inês Oliveira, Ivo Ferreira, Jacinto Lucas Pires, Jean Claude Biette, João Botelho, João
César Monteiro, João Constâncio, José Maria Vaz da Silva, Lorenzo Bianchini, Raquel Freire
e Ricardo Aibéo. Tem participado em várias séries televisivas. É sócia fundadora da Sul-Associação Cultural e Artística.
No TNDM II: O Crime da Aldeia Velha de Bernardo Santareno; Miserere, O Auto da Alma e
Outros Textos de Gil Vicente.
TIAGO MATIAS
Nasceu em 1978. Em 2000 estreia-se profissionalmente na Companhia de Teatro de Sintra
onde trabalhou com os encenadores João de Mello Alvim, Nuno Correia Pinto, Antonino Solmer, Jorge Listopad, Carlos Pimenta e Pedro Penim. Aí interpretou textos de Tchekóv, Nuno
Bragança, Maquiavel, Bernardo Soares/Fernando Pessoa, Gao Xingjian, entre outros. Na Cornucópia trabalhou com os encenadores Luis Miguel Cintra e Christine Laurent em textos de
Brecht, Pirandello, Sófocles, Shakespeare e Tchekóv. Com os Artistas Unidos trabalhou com
o encenador Jorge Silva Melo em peças de Nuno Júdice, Sófocles e Harold Pinter. Tem participado em diversas séries de televisão e faz dobragens de desenhos animados e locuções
de documentários.
No TNDM II: Rei Édipo a partir de Sófocles.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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VITOR D’ANDRADE
Nasceu em Caldas da Rainha e vive em Lisboa. Terminou o curso da École Internationale
de Théâtre Jacques Lecoq, Paris, para o qual foi bolseiro do Ministério da Cultura, em 2002.
Estagiou no programa europeu École des Maîtres, em 2004. Frequenta o curso de Estudos
Portugueses & Lusófonos, na Universidade Nova de Lisboa. No teatro trabalhou com os encenadores Luis Miguel Cintra, João Grosso, Maria do Céu Guerra, Martim Pedroso, Ana Ribeiro, Victor Hugo Pontes, Juvenal Garcês, Emanuel Demarcy-Mota, António Feio, Guilherme
Mendonça, João Lourenço, Denis Marleau e Maria Emília Correia. Em cinema trabalhou com
os realizadores António Duarte, Maria de Medeiros e Rita Nunes. Participou em várias leituras encenadas no TNDM II e em vários recitais de poesia.
No TNDM II: Tanto Amor Desperdiçado de William Shakespeare; Cartas de Olinda e Alzira,
de Manuel Maria Barbosa du Bocage; Serviço d’ Amores, a partir de Gil Vicente; Cântico dos
Cânticos; Miserere, O Auto da Alma e Outros Textos de Gil Vicente.
(estagiários)
ALICE MEDEIROS
Nasceu em 1983. Terminou o curso profissional da ACT – Escola de Actores, em 2010. Em
teatro trabalhou com os encenadores Orlando Costa em Os Maias, Jorge Estreia e Rosa Villa
em Felizmente há Luar e António Pires em Muito Barulho por Nada. Em cinema trabalhou em
A Bela e o Papparazzo de António Pedro Vasconcelos, em Nice Strip Bar de Marie Brand e
em Blue Dawn de João Teotónio, Miguel Trindade e Pedro Gaspar, que recebeu o prémio de
melhor curta-metragem amadora do Festival de Cinema Festróia 2008.
JOANA DE VERONA
Nasceu no Brasil em 1989. Formou-se no curso de Teatro do Chapitô. Participou em Os Sexos
a partir de Doroty Parker, no Teatro São Luiz, no contexto do Ciclo dos Novos Actores. Em
Teatro trabalhou com Carlos Avillez, Bruno Bravo, Mónica Calle e Joana Craveiro. Tem frequentado workshops com Normam Taylor (Jacque Lecoq), John Mowat e Angela Schanelec.
Actualmente frequenta o último ano da licenciatura em Teatro da Escola Superior de Teatro
e Cinema. Em Cinema trabalhou com os realizadores João Botelho, Marco Martins, Raul Ruiz,
Catarina Ruivo, Luis Filipe Rocha. Em 2010 vence o Prémio de Jovem Actriz pelo Estoril Film
Festival.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
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JOÃO VILLAS-BOAS
Terminou o curso profissional da ACT em 2010, tendo como professores, profissionais como
Beatriz Batarda, Marco Martins, Nicolau Breyner, António-Pedro Vasconcelos, Teresa Lima,
João Brites, Miguel Seabra, Jean-Paul Bucchieri, António Pires. No teatro trabalhou com os
encenadores Dmitry Bogomolov (Da Ratazana Vermelha à Estrela Verde), Jean-Paul Bucchieri (Mamet@Lx) e António Pires (Muito Barulho por Nada). Actor d’Os Improváveis desde
2009. Em cinema trabalhou com Raoul Ruiz (Mistérios de Lisboa), António Pedro Vasconcelos (A Bela e o Paparazzo) e Leonardo António (O Frágil Som do Meu Motor).
NEUSA DIAS
Nasceu em Lagos em 1978. Iniciou a sua formação teatral com o Professor Duval Pestana, em
1994. Em Coimbra integrou o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra)
e colaborou com as companhias O Teatrão, arexploratoriodasartes e A Escola da Noite, trabalhando com José Neves, Rogério de Carvalho, Ludger Lamers, João Grosso, Tiago Torres
da Silva, Lúcia Ramos, António Mercado, Valentin Teplyakov, Sofia Lobo, entre outros. Interpretou textos de vários autores, entre eles: Eugène Ionesco, Yvette Centeno, Luigi Pirandello,
García Lorca, Peter Handke, Clarice Lispector, Christina Rossetti, William Shakespeare, Anton
Tchékov, Harold Pinter, Paloma Pedrero. É Licenciada em Antropologia pela Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Frequenta o Mestrado em Teatro (Interpretação) na Escola Superior de Teatro e Cinema.
NUNO CASANOVAS
Começou a carreira de actor em televisão como figurante. Em 2002 entrou para o elenco extra de Bons Vizinhos, tendo depois participado em O Teu Olhar, Clube das Chaves, Tu e Eu, entre outros. Em teatro trabalhou com Luis Miguel Cintra (Don Carlos, Infante de Espanha) e Pedro Mexia (Agora a Sério) para o Teatro da Cornucópia e Teatro
Aberto, respectivamente. Em cinema trabalhou com Joaquim Sapinho, Alberto Seixas
Santos e Rosa filmes. Efectuou o curso de Marcia Hauffrecht sobre O Método em 2010.
Actualmente é aluno finalista do curso de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da
Universidade Lusófona.
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TOBIAS MONTEIRO
Nasceu em Leiria em 1979. É actor desde 1996, formado pela Escola Profissional de Teatro
de Cascais (1994/97). Frequentou a Escola Internacional do Actor Cómico em Itália no ano
lectivo 2002/03. Desenvolveu trabalho com vários encenadores, tais como, Carlos Avilez,
João Lourenço, Carlo Boso, Maria Emília Correia, etc. Participou em vários trabalhos de televisão e cinema sob a direcção de Edgar Pêra, Jorge Paixão da Costa, Fernando Vendrel,
entre outros. Actualmente frequenta o Mestrado de Encenação da Escola Superior de Teatro
e Cinema.
No TNDM II: Divisão B de Rui Cardoso Martins encenado por Maria Emília Correia, para os
100 dias da Expo.
TIAGO MANAIA
Nasceu em Lisboa em 1977. Formou-se na Escola Profissional de Teatro de Cascais e no Conservatoire National Supérieur D’Art Dramatique de Paris. Estreou-se no Teatro Nacional D.
Maria II em 1995 na peça Ricardo II de William Shakespeare encenada por Carlos Avilez. Em
teatro trabalhou com o colectivo francês MxM de Cyril Teste e com os encenadores Phillipe Adrien e Didier Goldschmidt. Foi um dos protagonistas da primeira longa-metragem de
Christophe Honoré, 17 Fois Cécile Cassard, apresentada na Selecção Oficial do Festival de
Cannes em 2002. No cinema trabalhou também com os realizadores Samuel Benchetrit,
Martim Valente, Werner Schroeter, Ariel Kenig, Laure Charpentier, François Favrat e João
Canijo. Para a televisão fez telefilmes com Marion Vernoux, Pierre Boutron e participou na
telenovela Floribella.
No TNDM II: Ricardo II de William Shakespeare.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
82
EQUIPA TEATRO NACIONAL D. MARIA II
direcção artística DIOGO INFANTE
conselho de administração
MARIA JOÃO BRILHANTE
MÓNICA ALMEIDA
JOÃO VILLA-LOBOS
assessoria artística NATÁLIA LUIZA *
assessoria de comunicação RUI CALAPEZ *
assessoria da administração FERNANDA CARVALHO
secretariado CONCEIÇÃO LUCAS
auxiliar administrativo LUÍS FREDERICO
motorista RICARDO COSTA
actores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA
direcção de produção CONCEIÇÃO CABRITA
produção executiva MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ
assistente de produção MARIA JOÃO SANTOS
direcção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA MARTINS, PEDRO LEITE
auxiliar de camarim PAULA MIRANDA
pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO
guarda-roupa ELISABETE LEITE, GRAÇA CUNHA
direcção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, VERA AZEVEDO
adereços ILDEBERTO GAMA, ABÍLIO GARCIA, VIRGÍNIA RICO
som RUI DÂMASO, ANTÓNIO VENÂNCIO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES
luz JOÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO ALVES
maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO BRITO,
NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA
manutenção electrónica e de cena MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO
auxiliar/motorista CARLOS LUÍS
direcção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES
assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL
produção de conteúdos MARGARIDA GIL DOS REIS *
design gráfico MARGARIDA KOL, SUSANA VEIGA *
direcção administrativa e financeira JOÃO VALADAS, CARLOS SILVA, EULÁLIA RIBEIRO,
IDALINA FIALHO, ISABEL ESTEVENS
tesouraria IVONE PAIVA E PONA
recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES
direcção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO, CARLOS HENRIQUES,
LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA
informática NUNO VIANA
técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA
vigilância SECURITAS *
direcção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS,
DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA
bilheteira RUI JORGE, MARIA SOUSA, NUNO FERREIRA
frente de sala COMPLET’ARTE *
recepção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL
direcção de documentação e património CRISTINA FARIA
livraria ANA GODINHO, RICARDO CABAÇA, SANDRA SILVA
biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, FERNANDA BASTOS
* prestações de serviços
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | “A Cacatua Verde” - Dossier Pedagógico
83
Teatro Nacional D. Maria II*
Praça D. Pedro IV
1100-201 Lisboa
Tel.: +351 21 325 08 00
www.teatro-dmaria.pt
design: Susana Veiga
*Encerra à 2ª

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