- Observatório das Metrópoles
Transcription
- Observatório das Metrópoles
VANESSA AMADA MARTIN BOCANEGRA A POLÍTICA URBANA EM BAIRROS POPULARES NO PERU: limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão social Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior Doutor em Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ Rio de Janeiro 2009 M379p Martin Bocanegra, Vanessa Amada. A política urbana em bairros populares no Peru : limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão social / Vanessa Amada Martin Bocanegra. – 2009. 188 f. : il. color., mapas ; 30 cm. Orientador: Orlando Alves dos Santos Junior. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009. Bibliografia: f. 185-188. 1. Planejamento urbano – Lima (Peru). 2. Política urbana – Lima (Peru). 3. Desigualdade social. 4. Desenvolvimento sustentável. I. Santos Junior, Orlando Alves dos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 711.40985 VANESSA AMADA MARTIN BOCANEGRA A POLÍTICA URBANA EM BAIRROS POPULARES NO PERÚ: limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão social Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Aprovado em: BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior – Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dra. Claudia Ribeiro Pfeiffer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Pedro Cláudio Cunca Brando Bocayuva Cunha Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE “... na busca de políticas que busquem dissolver a separação da cidade fragmentada, que é a cidade mais apta a ser ‘controlada’”(Genro, 1999). AGRADECIMENTOS Ao Programa de Estudantes-Convênio de Pós-graduação - PEC-PG e ao CNPQ, que me concederam a bolsa para o segundo ano de estudos, sendo desta forma possível culminar este mestrado. À minha família que acreditou sempre em mim e me ensinou que todas as metas são possíveis de alcançar, quando se coloca muito empenho no seu empreendimento, aos meus pais queridos, Victor Raul e Amada, e irmão: Fernando – pelo grande amor, estímulo, força e apoio incondicional em todo momento, sem os quais esta dissertação não teria chegado ao seu fim. A minha filha Ana Paula, meu maior tesouro e motivação principal, quem sem saber me deu a coragem necessária para continuar trabalhando a tese, vencendo qualquer tipo de obstáculos. Ao Edmundo Hoyle por ser meu companheiro e aliado, quem me facilitou a vida nos momentos mais difíceis, sempre com muita paciência e amor e, sobretudo por todos os momentos felizes que vivemos juntos na cidade maravilhosa. Aos amigos do meu pensionato franco - peruano - brasileiro, especialmente à família deBayser, pelos dois anos e meio de convivência harmoniosa e cheia de encontros felizes e inesquecíveis que ficarão para sempre em minha mente e meu coração. A meu orientador Orlando, pela amizade, otimismo, compreensão, simplicidade e por me ajudar a traduzir meus pensamentos confusos em portunhol. À professora Claudia Pfeiffer, por compartir comigo os mesmos pensamentos ideológicos e incentivar-me a prosseguir adiante com este desafio. Assim também, pela amizade, atenção e momentos de orientação. Ao professor Adauto, por invitar-me a participar como parte da equipe na elaboração do documento do Plano Diretor na Luta pela Moradia, experiência da qual guardo muitas satisfações, lembranças e aprendizado. À turma de mestrado 2007 pela convivência nestes dois anos de vida carioca! Espero que a amizade permaneça mesmo com o fim desta etapa. Aos professores e funcionários do Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - IPPUR, pelo aprendizado, dicas e colaboração. Aos meus colegas arquitetos e grandes amigos da universidade, Tania, Natalia e Coco, pelo carinho de sempre. Ao Deus e Jesus pelas infinitas bênçãos e a minha mãe, Maria Três Vezes Admirável de Schoenstatt que escutou as minhas preces e intercedeu sempre por mim, concedendo-me até o impossível. RESUMO A política urbana dirigida aos bairros populares no Peru através dos diferentes períodos de governo tem se restringido a programas e projetos que só resolvem sua problemática de maneira parcial, mas não permitem uma abrangência dos problemas de forma integral e holística com propostas que incluam a cidade como um todo, envolvendo varias esferas e âmbitos de desenvolvimento, assim como a inclusão e participação democrática de todos os atores sociais. Isto a exceção de duas experiências: La comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador e la Comunidad Autogestionária de Huaycán, que podem contribuir ao debate do enfoque do que veria a ser um “Planejamento Integral Urbano Sustentável” – conceito que será construído – e suas vantagens em relação a um planejamento convencional e de perfil tecnocrático, o qual vem a ser o objeto central do estudo e avaliação. A metodologia envolve uma análise detalhada do desempenho histórico das políticas urbanas orientadas a resolver a problemática dos assentamentos e bairros populares de Lima - Peru, para logo aprofundar naquelas que tiveram um enfoque integral urbano sustentável, utilizando material de consulta de autores peruanos, assim como documentos de instituições estaduais, universidades e ONG’s. Por outro lado, a avaliação específica às comunidades “autogestionárias” foi complementada com entrevistas de campo aos diferentes atores sociais que contribuíram no desenvolvimento daquelas comunidades. O estudo permite concluir que o planejamento integral urbano sustentável e participativo traz melhores resultados para o desenvolvimento e inclusão social com aprimoramento das condições de vida dos bairros populares, do que um planejamento tecnocrático ou convencional, isto acompanhado de algumas recomendações e considerações necessárias para enfrentar os limites e desafios para tornar este tipo de práticas, políticas democráticas universalizadas. Palavras-Chave: Planejamento urbano, desigualdades sócio-espaciais (segregação urbana), sustentabilidade, inclusão social, desenvolvimento local. ABSTRACT The urban policies adopted by various governments for popular districts in Peru have been restricted to programs and projects that only partially address the problems and therefore, do not offer any integral and holistic approach to the problematic with propositions including the city as a whole, involving the various spheres and aspects of development, as well as giving space to inclusion and democratic participation of all the social actors. However, two experiments make an exception: The “Autonomously administrated Urban Community of Villa El Salvador” and the “Autonomously administrated Community of Huaycán” that can offer valuable contributions to a debate focused on what an “Integral and Sustainable Urban Planning” should be – a concept that will be constructed – and its benefits compared to a conventional planning with a technocratic profile, that resulted to be the central object of study and evaluation. The methodology includes the detailed analysis of the historical development of urban policies aiming at resolving the problematic of squatted lands and popular districts of Lima - Peru, and then goes on deepening into the urban policies with an integral sustainable focus, using the material obtained from consultations of Peruvian authors as well as documents from state institutions, universities and ONG’s. On the other hand, the specific assessment of “autonomously administrated” communities was complemented with field interviews of various social actors that have contributed to the development of these communities. The study leads to the conclusion that integral sustainable and participating urban planning brings better results for development and social inclusion along with improvement of the living standards of popular districts, than a technocratic or conventional planning. This conclusion is complemented by some recommendations and considerations that are necessary to affront the limits and challenges to turn this type of praxis into democratic and universal policies. Key words: Urban planning, socio-spatial sustainability, social inclusion, local development. inequalities (urban segregation), LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1: Migração da população da Costa, Sierra e Selva a Lima ..........................17 Quadro 1: Comparação da política de planejamento urbano convencional ou predominante com a de Planejamento Integral Urbano Sustentável ........................ 55 Quadro 2: Modelo normativo de referencia para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no Perú, baseado no enfoque de Planejamento integral Urbano Sustentável ................................................................................................... 57 Gráfico 2: Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Perú.... 83 Gráfico 3: Plano Urbano de Fundação de Villa El Salvador ..................................... 95 Gráfico 4: Grupo Residencial de Villa El Salvador..................................................... 96 Gráfico 5: Plano de Zonificação de Villa El Salvador ………………………............... 98 Gráfico 6: Jovens ocupados segundo rama de atividade no ano 2006 em Villa El Salvador .................................................................................................................. 104 Foto 1: A comunidade de Villa El Salvador em sua fase inicial .............................. 115 Foto 2: Avenida Central de via dupla ...................................................................... 115 Foto 3: Parque Zonal Metropolitano ........................................................................115 Foto 4: Municipalidade Distrital de Villa El Salvador ............................................... 116 Foto 5: Parque Industrial de Villa El Salvador ………………………………............. 116 Quadro 3: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas....................116 Gráfico 7: Estrutura Organizativa da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán .................................................................................................................. 127 Gráfico 8: Plano Urbano De Huaycán - Exemplo de Uma “Unidad Comunal De Vivienda” (UCV) e de uma “Unidad de Vivienda e Comercio” (UVC) ..................... 129 Foto 6: Praça de Armas de Huaycán ...................................................................... 145 Foto 7: Agencia Municipal de Huaycán ................................................................... 145 Foto 8: Parque Industrial de Huaycán .....................................................................145 Foto 9: Moradias - Atelier do Parque Industrial .......................................................145 Quadro 4: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas....................146 Quadro 5: Avaliação da proposta de Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas................................................................................................................ 155 Quadro 6: Avaliação da proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas ....................................................160 LISTA DE TABELAS Tabela 1: População nacional e da área metropolitana (em miles de hab.). Período 1940 – 1990 .............................................................................................................. 18 Tabela 2: Déficit qualitativo e quantitativo de moradia a nível nacional, urbano e de Lima Metropolitana em 1961, 1972 e 1981................................................................ 68 Tabela 3: Avaliação das necessidades de moradia em Lima Metropolitana (Períodos 1969 -1990) ............................................................................................................... 73 Tabela 4: Número de centros educativos públicos e privados existentes em Villa El Salvador (2008) .......................................................................................................101 Tabela 5: Número de estabelecimentos de saúde existentes em Villa El Salvador (2008) ...................................................................................................................... 102 Tabela 6: Abastecimento de água de Villa El Salvador em 2008 ........................... 103 Tabela 7: Abastecimento de esgoto de Villa El Salvador em 2008 ........................ 103 Tabela 8: Abastecimento de energia elétrica de Villa El Salvador em 2008 ...........103 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APEMIVES - Associação de Pequenos e Medianos Industriais de Villa El Salvador BANMAT - Banco de Materiales (Banco de Materiais) BANVIP - Banco de la Vivienda del Perú (Banco da Moradia do Perú) BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento CCP - Centro de Comunicação Popular CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CNV - Corporación Nacional de Vivienda (Corporação Nacional da Moradia) Coop. Pop - Cooperación Popular (Cooperação Popular) CONAM - Conselho Nacional do Ambiente CUAVES - Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador CUAH - Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán COFOPRI - Comissão de Formalização da Propriedade Informal ENACE - Empresa Nacional de Edificaciones (Empresa Nacional de Edificações) FEPOMUVES - Associação Popular de Mulheres de Villa El Salvador FF. AA - Forças Armadas do Perú FMI - Fundo Monetário Internacional FONAVI - Fondo Nacional de Vivienda (Fundo Nacional de Moradia) FONCODES - Fondo Nacional de Compensación y Desarrollo Social FONAFE - Fondo Nacional de Financiamento de la Actividad Empresarial do Estado IU – Partido político Esquerda Unida INDECI - Instituto de Defensa Civil INEI – Instituto Nacional de Estadística e Informática IMP - Instituto Metropolitano de Planificación INADUR - Instituto Nacional de Desarrollo Urbano MINSA - Ministerio de Salud del Perú MVCS - Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamento MML – Municipalidad Metropolitana de Lima ONDEPJOV - Oficina nacional de povos jovens e assentamentos humanos urbanos ONG’s - Organizações não governamentais ONPU - Oficina Nacional de Planejamento e Urbanismo PEA - População Econômicamente Ativa. PEH - Programa Especial de Habilitação Urbana Progressiva da área de Huaycán PIUS - Planejamento Integral Urbano Sustentável PLANDEMET - Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano de Lima e Callao PNB - Produto Bruto Nacional PNUD - Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo PNUMA - Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente PRONAA - Programa Nacional de Asistencia Alimentaria PYME’s – Pequenas e Medianas Empresas RPU - Registro Predial Urbano SINAMOS - Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social SL - Sendero Luminoso TEPRO - Techo Próprio (Teto Próprio) UCV’s - Unidades Comunales de Viviendas UM-HABITAT - Programa das Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. UNI – Universidad Nacional de Ingenieria (Universidade Nacional de Engenharia) UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância UPIS - Urbanizações populares de Interesse Social UVC’s - Unidades de vivienda comercial VES - Villa El Salvador SUMARIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16 CAPÍTULO I – O PLANEJAMENTO INTEGRAL URBANO SUSTENTÁVEL ........ 30 1.1. Breve sistematização das principais concepções contemporâneas de Planejamento Urbano ..................................................................................... 30 - O Modelo convencional atual de planejamento urbano em Lima ............... 34 1.2. O Ideário de Cidades democráticas e Sustentáveis....................................... 45 1.3. O Planejamento Integral Urbano Sustentável: um conceito em construção... 49 CAPÍTULO II - AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS NO DESENVOLVIMENTO DE BAIRROS POPULARES NO PERU ............................................58 2.1. Modelos de Políticas urbanas para bairros populares no Peru desde os anos 70 até a atualidade ......................................................................................... 58 2.1.1. Período 1950 – 1980: do assistencialismo ao planejamento das “Barriadas Assistidas” ...................................................................................................... 58 - O Modelo de Planejamento de “Barriadas Planificadas e Assistidas”........... 63 2.1.2. Período 1980-1990: inícios do modelo convencional-tecnocrático de planejamento .................................................................................................. 69 2.1.3. Período 1990-2008: continuação do modelo tecnocrático e surgimento de novas concepções/propostas de planejamento ............................................. 74 2.1.4. Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Peru ......... 82 2.2. Avaliação crítica das políticas implementadas para o desenvolvimento dos bairros populares no Peru .............................................................................. 84 CAPÍTULO III – ANÁLISE DAS EXPERIENCIAS DE PLANEJAMENTO INTEGRAL URBANO SUSTENTÁVEL E PARTICIPATIVO NO PERU............. 90 3.1. A “Comunidad Urbana Autogestionaria de Villa El Salvador” (CUAVES) Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados.... 91 - Avaliação da experiência com base no modelo de planejamento integral urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ...................................... 116 3.2. A “Comunidad Urbana Autogestionaria de Huaycán” (CUAH) e a “Comunidad Autogestionária de Huaycán” - Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados ................................................................................. 121 - Avaliação da experiência com base no modelo de planejamento integral urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ...................................... 146 3.3. A proposta de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano”................ 151 - Avaliação da proposta com base no modelo de planejamento integral urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ................................................... 155 3.4. A proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes”.............................. 158 - Avaliação da proposta com base no modelo de planejamento integral urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ................................................... 160 3.5. Fatores chaves de inserção e implementação de políticas para o Planejamento Integral Urbano Sustentável no Peru ............................................................. 164 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Possibilidades, limites e desafios para a generalização e implantação do Planejamento integral urbano sustentável e participativo no Peru ................................................................................................................................. 169 REFERÊNCIAS........................................................................................................184 16 INTRODUÇÃO O presente estudo trata das políticas urbanas orientadas à resolução da problemática dos assentamentos e bairros populares de Lima, no Peru, buscando discutir criticamente as concepções do planejamento urbano, em uma perspectiva socioterritorial vinculada ao ideário de cidades democráticas e socialmente inclusivas, a partir da construção de um modelo normativo identificado como planejamento integral urbano sustentável. O processo de formação e crescimento espontâneo dos bairros populares no Peru se iniciou a partir dos anos 70, acompanhado de uma crise, resultado das profundas mudanças decorrentes do processo contemporâneo de acumulação capitalista – como na maioria de países latino-americanos – e a busca da inserção do país no mundo globalizado. A isto se deve acrescentar o processo excludente e centralista das políticas de ajuste e desregulamento, que provocou, por sua vez, uma imensa mobilidade sócio-espacial que trouxe consigo o incremento da pobreza e da marginalidade, a precariedade do emprego e de aceso à moradia e serviços urbanos, processos de segregação, desigualdade urbana e a exclusão social. A tudo isto, se soma um déficit na qualidade de vida do cidadão. A mobilidade sócio-espacial a qual nos referimos se configura nas chamadas migrações1, as quais acarretam problemas de saturação do espaço e superpopulação nas cidades mais desenvolvidas da costa peruana, principalmente naquela que concentra a maior quantidade de oportunidades econômicas e recursos, como é o caso da capital do Peru: Lima Metropolitana (ver mapa 1), que atualmente alberga uma população de quase 8 milhões de habitantes (cerca de um terço da população peruana). Esta tendência de concentração da população nacional na Metrópole se inicia de forma acentuada entre 1940 e 1981, período no qual Lima e Callao (província constitucional) cresceram a uma taxa media anual de 1 Segundo dados entre 1940 e 1981 as percentagens entre população rural e urbana foram se invertendo de 65%-35% a 35%-65% respectivamente, como produto das migrações. 17 4.9% contra 2.5% da media anual do país, isto quer dizer que a área metropolitana aumentou em 7.1 vezes sua população no lapso de 41 anos. GRÁFICO 1: Migração da população da Costa, Sierra e Selva a Lima. LEYENDA: COSTA SIERRA SELVA Fonte: Elaboração Própria No entanto, este ritmo de crescimento tem sofrido variações nos períodos entre censos. Assim, o crescimento populacional mais importante se deu no período 19611972, na qual a taxa média anual chegou a 5.4%. Mas, a partir do período 19721981, o crescimento demográfico perde ritmo, como revela a taxa média anual de 3.8 % (ver Tabela 1) e isto, devido ao surgimento de novos atrativos em outras cidades do país. Porém, a pesar da desaceleração do crescimento populacional metropolitano, Lima continua incrementando e concentrando população, sendo que na atualidade esta reproduz, só por crescimento vegetativo, maior população que a que segue migrando. 18 Esta concentração e saturação do espaço urbano, somado à própria dinâmica de produção da cidade e a ausência de políticas e planos com um enfoque holístico e sustentável de desenvolvimento da cidade como um todo, induziram ao progressivo e crescente processo de produção e reprodução da cidade ilegal, que tende a ocupar principalmente as grandes extensões de terrenos eriazos2 das periferias das cidades (Lima principalmente). TABELA I POPULAÇÃO NACIONAL E DA AREA METROPOLITANA (Em milhares de Hab.) PERIODO 1940-1990 ANOS POPULAÇÃO NACIONAL POPULAÇÃO METROPOLITANA 1940 6208 645 TAXA DE CRECIMENTO PROMEDIO ANUAL POPULAÇÃO NACIONAL POPULAÇÃO METROP. 5.1 1961 9907 1846 2.2 1972 13538 3302 2.9 5.4 1981 17055 4608 2.6 3.8 1988 21256 6054 3.2 4.0 1990 22332 6414 2.5 2.9 FONTE: Censos de Pob. Y Viv. 1940, 61, 72, 81, 88, 90 ELABORAÇÃO: PLANMET 1989 Portanto, uma das causas principais do crescimento das favelas no Peru é a expropriação mesma desta população, que vai à capital com muitas expectativas, em busca de melhores oportunidades para viver, mas que se encontra vulnerável ante uma sociedade fechada que impede sua plena realização, caracterizada por atores hegemônicos que detêm maior poder sobre o território urbano e seus recursos. Esta população em busca de melhores oportunidades e condições de vida que se aglomera nas principais cidades metropolitanas e que ao final não consegue ter acesso ao mínimo de oportunidades nem às liberdades necessárias para se desenvolver, é parte de um processo histórico de pobreza, segregação e exclusão 2 A terra “eriaza” é aquela que não conta com condições naturais para realizar agricultura e, portanto são terras que nunca antes foram trabalhadas. Aquela terra é um bem público já que pode ser utilizada por distintos agentes para distintos fins, embora o uso de uns, limite a disponibilidade de terra para outros agentes. 19 urbana que vem se reproduzindo de maneira similar e crescente na maioria de países subdesenvolvidos. Isto se agrava devido à ausência de instrumentos e políticas de desenvolvimento de nível nacional, que incluam todas as regiões do país, especialmente as mais carentes e excluídas; assim como de estratégias e políticas de planejamento e desenvolvimento local – como já foi dito anteriormente com um caráter integral, holístico e sustentável, nas quais os planos propostos incluam a cidade como um todo, envolvendo todas as esferas e âmbitos de desenvolvimento, pensando também na sua viabilidade através do tempo, e a inclusão e a participação democrática de todos os atores sociais. Tudo isto traz à luz a incorporação, ocorrida nos anos 70, de uma nova política de planejamento urbano no Peru, que incorpora princípios participativos e sustentáveis, com base em uma iniciativa de desenvolvimento focado num bairro popular da cidade de Lima – a Comunidad Autogestionária de Villa El Salvador – que constituiu numa experiência aparentemente exitosa, já que este tipo de intervenção permitiu que este passasse de um assentamento humano informal a um bairro institucional consolidado e auto-sustentável, gerando um acervo importante de capital humano e social e uma melhora significativa na qualidade de vida daquela população. No Peru, o processo de ocupação informal de terrenos e as constantes lutas sociais de enfrentamento da expropriação sócio-territorial, que vem se desenvolvendo nas periferias das cidades centrais, chega a ser noticia do dia-a-dia, muitas vezes acompanhada de distúrbios manifestos e despejos violentos. Como já foi dito, este problema tem ocasionado processos de marginalização, desemprego e déficit de moradias, mas, além disso, e o mais degradante que isto produz, é uma inacessibilidade às condições mínimas de cidadania e de acesso aos direitos básicos contemplados na Constituição peruana. Isto agravado pela condição estigmatizada de pessoas vivendo em situação “informal”, que moram em favelas, com baixos níveis educacionais e sem a qualificação necessária para participar do mercado formal e também da esfera política, nos processos de decisão públicos, denominados “democráticos”. Tudo isto tem gerado uma visível segmentação urbana, trazendo desequilíbrio e desorganização no plano metropolitano; com efeito, 20 isto se reflete numa imagem urbana caótica – considerando a cidade em toda sua abrangência, a “cidade real” – e a crescente perda da qualidade de vida da população. A participação dos atores públicos e privados – principalmente do Estado (setor governamental) e de algumas organizações não governamentais, assim como eventuais organizações populares (sociedade civil) – no enfrentamento destes problemas foi bastante diferenciada em função dos sucessivos governos, sobretudo a partir dos anos 1970, tanto através das diversas políticas pontuais como de propostas singulares com horizontes estratégicos promissores. No primeiro caso, em geral, as políticas têm buscado enfrentar a realidade unicamente através de atuações parciais que só chegaram a resolver alguns aspectos do problema, deixando sem solução outros também relevantes; já no segundo tipo de atuação, podemos observar que estas já tiveram uma atuação mais abrangente, permitindo efetivamente melhorar as condições de vida da população, cobrindo suas principais aspirações, atendendo suas carências, gerindo conflitos ambientais, chegando, em alguns casos, a proporcionar uma maior estabilidade social e econômica nas comunidades populares. De fato, embora em muitos casos não se tenham alcançado as expectativas ou os objetivos gerais de cada uma das diversas políticas previstas nos planos e nos projetos correspondentes, é preciso reconhecer que em alguns casos, apesar dessas propostas apareceram como experiências únicas, elas se adaptaram bem aos temas de interesse e as preocupações da população, com enfoques ligados a uma adequada gestão urbana e ao desenvolvimento sustentável das cidades, integrando a participação de todos os cidadãos envolvidos. Sendo assim, é fundamental discutir as principais políticas e estratégias de intervenção do Estado (poder público) frente ao problema dos assentamentos e bairros populares informais, em suas diferentes modalidades – tanto as de tipo convencional ou perfil tecnocrático, como as que tiveram um enfoque que se poderia considerar de sustentável e democrático (as denominadas “autogestionárias”) – que formam parte inerente do processo de urbanização das cidades mais populosas do 21 Peru, assim também como conhecer seus reais efeitos no desenvolvimento destes setores e sua população. As primeiras intervenções do Estado se deram sobre o já estabelecido, quer dizer, naqueles bairros tradicionais informais cuja modalidade de ocupação não pertenceu a planejamento nenhum, onde a ocupação de solo se deu de maneira espontânea. Nesses casos, a intervenção do Estado ocorreu através de políticas “assistencialistas” com intenções clientelistas, mediante programas de remodelação e melhoramento urbano, assim como de ações de regularização com a dotação de serviços e entrega em massa de títulos de propriedade, e pouco tempo depois a criação da lei que outorgava o “reconhecimento oficial” da barriada. Porém, ainda que as intenções do Estado fossem as de resolver a maioria de problemas gerados pelas ocupações já existentes, suas ações só permitiam cobrir determinados aspectos deixando sem solução outros ainda mais importantes; a isto se pode adicionar a ausência da participação ativa da população nas intervenções realizadas. Os tipos de políticas assistencialistas anteriormente abordados tiveram início dentro de dois períodos de governo: um militar e outro civil, num momento de corte reformista, mas com uma ótica social limitada. Ainda que nos penúltimos governos (dos presidentes Fujimori e Toledo) algumas destas políticas tenham sido retomadas com uma ótica social aparentemente um pouco mais ampla, que busca formalizar e integrar a população destas áreas ao mercado (nos referimos ao programa COFOPRI - Comissão de Formalização da Propriedade Informal, decorrente da Lei de Promoção de Acesso à propriedade Formal, Lei N°26505). As políticas assistencialistas tiveram continuidade durante o primeiro governo de Belaúnde, no qual se planejaram soluções através de conjuntos habitacionais, mas voltados principalmente às camadas médias, pela não compatibilidade entre o preço oferecido e as possibilidades de aquisição dos mais pobres, o que incrementou o déficit dos sem moradia. 22 Depois da intervenção sobre o existente, quer dizer das políticas assistencialistas, se passou à “intervenção planificada” ou às chamadas “barriadas planificadas e asistidas”, onde o Estado procurava a relocação dos moradores das novas ocupações para zonas planejadas com fins de expansão urbana, que poderiam cumprir a função de “bolsones barriales” e permitiam acolher a população migrante da Serra, a proveniente dos excedentes de outras favelas e de amontoamentos (tugúrios) do centro da cidade, nos quais se brindava terrenos (lotes legalizados), se investia em serviços e equipamentos, mas tudo coordenadamente (co-gestão) através de uma participação organizada da população (Burga, 1989). Por outro lado, a política de barriadas planificadas e assistidas, teve como complemento, na sua fase inicial, à Oficina nacional de pueblos jóvenes e asentamentos humanos urbanos - ONDEPJOV, e logo depois ao Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social - SINAMOS , agência especial do Estado encarregada de organizar e oferecer apoio às comunidades, e através da qual se desenvolvia uma relação direta entre o poder político e os setores populares. Portanto as ações de desenvolvimento iam mais além do saneamento urbano e a legalização, o SINAMOS enfatizou também a educação, saúde, produção e serviços, como atividades que permitiriam à população organizada trabalhar para alcançar o seu desenvolvimento. Esta intervenção planificada toma como base de referência o primeiro Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano - PLANDEMET e foi implementada com a formulação dos Planos de Desenvolvimento Urbano e dos Planos de Desenvolvimento Urbano Integral Local, estes últimos elaborados a partir da iniciativa dos próprios moradores que tiveram uma participação ativa no processo de desenvolvimento de sua comunidade em diferentes áreas, com a inovadora estratégia da “autogestão” 3, que tem permitido notáveis avanços, tal como é o caso de “Villa El Salvador” e “Huaycán”, situados nos cones Sul e Leste respectivamente 3 Este termo, muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista, tem a ver com a idéia de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento. 23 na cidade de Lima – Perú, sendo o primeiro, quer dizer, a comunidade de Villa El Salvador (1971) quem surgiu como a primeira experiência de barriada planificada. Foi assim que estas políticas e estratégias de planejamento chamadas de “barriadas planificadas e assistidas”, ainda que tenham se traduzido em um par de experiências pontuais, passaram a ter um enfoque mais holístico para atender os temas de desenvolvimento para estas áreas, envolvendo toda a gama de atores sociais e com objetivos, metas comuns e planos de ação que buscam a sustentabilidade econômica, social, físico-espacial, ambiental e cultural dos moradores e sua comunidade, como também sua inserção no espaço territorial-metropolitano. Recentemente, mais precisamente desde inícios dos 80 até a atualidade, o Estado peruano também começa a assumir as influências da concepção neoliberal, tentando desenvolver políticas, majoritariamente orientadas à inserção do país nos novos ritmos da economia global, o que implica adotar os enfoques neoliberais nas estratégias de ação do Estado – principalmente na cidade de Lima – visando modernizar e criar uma cidade mais atraente para a instalação de novas empresas e de investidores estrangeiros. Portanto, sua atuação principal passa a estar voltada à construção de grandes complexos arquitetônicos de comércio e negócios, assim como às, quase obsessivas, propostas de melhoramentos de anéis viários, baseados no PLANDEMET (plano urbano de perfil tecnocrático) ou nos Planos Estratégicos Municipais ou, muitas vezes não vinculados a qualquer plano, caindo no esquema adotado por vários países, como diria Maricato, das “idéias fora do lugar e o lugar fora das idéais” (Maricato, 2000). Tudo isto somado ao perene e até cansativo discurso democrático, que na modalidade que assume na realidade não permite uma participação popular plena nos espaços públicos e tampouco se logra um diálogo direto entre Estado e população, onde se dê uma resposta imediata às exigências e necessidades principais dos bairros populares ou assentamentos humanos (como foi de algum modo o SINAMOS, no governo de Velasco). Os espaços públicos atualmente, e em sua maioria, servem como um teatro para poder legitimar os processos políticos vigentes, inclusive aqueles nos quais se debatem os orçamentos e planos que poderiam alterar as condições de vida e rumo das cidades. 24 Agora analisando o panorama geral atual, existe uma evidência preocupante, no sentido que não se tem um Plano Integral de desenvolvimento de Lima Metropolitana que oriente a transformação sócio-espacial da cidade, no sentido amplo da palavra “desenvolvimento”, que permita um melhoramento não só das condições físicas e legais, como também, econômicas e sociais de “toda a cidade metropolitana”, quer dizer incluindo a todos os setores sem exceção e assim mesmo brindando as medidas necessárias para sua continuidade. Só existem planos de desenvolvimento urbano a nível distrital, que na sua maioria se revelam inconsistentes e improvisados. O documento no qual se rege na atualidade a Municipalidade de Lima é o PLANMET 1990-2010, mas só consiste num plano urbano metropolitano de corte tecnocrático, que não propõe nenhuma solução aos problemas dos crescentes assentamentos humanos e bairros populares, e unicamente se restringe a propor uma ou outra obra pública, sobretudo referente a equipamentos comunais e principalmente asfaltamento de ruas e avenidas, portanto tampouco oferece políticas voltadas para a ampliação do direito à cidade. Apesar desse quadro, é preciso reconhecer que existiram – e permanecem existindo – no Perú, políticas que foram voltadas para os mais pobres, mesmo que estas se restrinjam a alguns programas pontuais de habitação básica financiados pelo Estado através do Fundo Minha Habitação (Techo Próprio), melhorias do bairro (Mi Barrio), alguns poucos programas de autoconstrução de moradias (com financiamentos do “Banco de Materiales”), assim como de promoção de emprego temporário voltados à realização de obras públicas simples de curta duração (A trabajar urbano, que no vigente governo apenas mudou de nome para Construyendo Perú, implantado como uma medida de emergência à recessão econômica de mais de quatro anos, que durou até fins de 2001). Todas estas políticas enunciadas permitiram resolver alguns déficits específicos desconsiderando outros, portanto não chegaram a solucionar de maneira integral a problemática da cidade, decorrente da crescente pobreza urbana, do processo de exclusão e da apropriação desigual do espaço social urbano. Nesse contexto, o presente trabalho visa analisar e avaliar os principais modelos de políticas urbanas que tiveram seu foco de ação nos bairros populares em Lima 25 (Perú), centrando a análise no estudo comparativo de duas experiências: uma de tipo convencional e perfil “tecnocrático” e as que se desenvolveram dentro de um enfoque considerado pelos seus promotores como sustentável e democrático (“autogestionário”), tendo como objetivos secundários: (i) Discutir criticamente as concepções de planejamento urbano, com referência no ideário de cidades democráticas e sustentáveis, que sirvam de base para a construção de um modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável, que será utilizado para a avaliação das experiências de planejamento que incorporem princípios vinculados a esse modelo. (ii) Fazer uma análise detalhada do desempenho histórico das políticas urbanas orientadas a resolver a problemática dos assentamentos e bairros populares de Lima - Peru, que vem sendo desenvolvidas através de diferentes enfoques ou modelos de planejamento (principalmente as de tipo convencional ou tecnocrático e as de enfoque integral, sustentável e democrático), em concordância com as contínuas mudanças de governos, tentando descobrir as principais problemáticas, logros ou alcances de cada uma destas e seus efeitos reais na população, na urbanização e, sobretudo no desenvolvimento dos bairros populares. Isto permitira estabelecer uma referencia base para o esclarecimento das vantagens, possibilidades, importância e desafios da aplicação de políticas para o planejamento urbano participativo através de um desenvolvimento socio-territorial integral e sustentável. (iii) Fazer um estudo mais detalhado das experiências e propostas que se encontram dentro do enfoque de Planejamento Integral Urbano Sustentável e Participativo: Abordando primeiro as experiências da “Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” (CUAVES) e a “Comunidad Autogestionária de Huaycán”; para em seguida abordar as propostas de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e um Callao Verdes”. Abordagens que concluirão com a avaliação respectiva das mesmas, a partir do quadro do modelo normativo correspondente ao enfoque 26 de Planejamento Integral Urbano Sustentável construído no primeiro capítulo, conhecendo desta maneira os principais bloqueios, limites e conquistas de todas as modalidades. Para em seguida concluir identificando quais são os fatores chaves para que se produza uma efetiva inserção, aceitação e implementação de uma política para o Planejamento Integral Urbano Sustentável; o que será a pauta para fazer o debate sobre as possibilidades, limites e desafios para a implantação e generalização deste modelo de planejamento na agenda oficial atual. Sendo assim, a pesquisa procura discutir a hipótese de que o planejamento integral urbano sustentável e participativo traz melhores resultados, pelo menos sob o ponto de vista da inclusão social e da promoção do direito à cidade, do que um planejamento tecnocrático ou convencional. Aliás, uma conjuntura política particular do governo pode permitir uma maior organização e participação política dentro dos bairros populares através do desenvolvimento sócio-espacial. Portanto, para um maior entendimento dos temas principais a ser abordados, a pesquisa vai ser apresentada, além de nossa introdução, em três capítulos e nas considerações finais, conforme descrito a seguir: No primeiro capítulo, buscamos construir o conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável tomando como referência a crítica ao senso-comum vinculada ao planejamento urbano e os diferentes debates relacionados ou surgidos em torno do tema, tentando construir um enfoque mais abrangente que na prática possa servir de utilidade para uma gestão adequada e democrática da cidade em toda sua dimensão, buscando aprofundar a discussão sobre a importância e significado desses conceitos na atualidade como geradores de desenvolvimento, justiça e inclusão social. A configuração de nosso conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável será complementado primeiro com a apresentação de um quadro comparativo das características do planejamento convencional ou predominante em relação as do planejamento integral urbano sustentável, para finalizar com a 27 construção de um modelo normativo do enfoque do PIUS4, que vai servir de referência na avaliação das políticas urbanas, assim como das experiências e propostas que se aproximam dessa concepção. Para fins desse capítulo, os procedimentos metodológicos consistem primeiro numa pesquisa bibliográfica para sistematizar tanto os debates que existem em torno às diversas concepções de planejamento urbano – com ênfase naquelas que se relacionam ao conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável – assim como do Ideário de cidades democráticas e sustentáveis que sirvam na formulação do nosso conceito. Em seguida, trata-se de elaborar um quadro comparativo entre o modelo convencional ou predominante de planejamento urbano e o modelo construído de planejamento integral urbano sustentável, mostrando as diferenças que existem entre ambas as modalidades. Para finalizar, apresentando o quadro normativo do enfoque de Planejamento Integral Urbano Sustentável que servirá de referência base para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no Perú, permitindo por sua vez, avaliar as experiências concretas e propostas que se aproximam desse conceito. Dando seqüência, no capítulo II, busca-se fazer um balanço das políticas urbanas para os bairros populares no Peru, praticada desde os anos 50 até a atualidade, analisando criticamente a maneira como tentaram resolver a grande problemática que acompanha a formação de bairros populares e favelas. Nessa fase se construirá também uma caracterização ou reconhecimento dos modelos de políticas urbanas efetuados no Perú, tanto as de tipo convencional ou predominante, assim como de algumas experiências reais ou propostas inconclusas que corresponderiam ao enfoque do que se conhece como Planejamento Integral Urbano Sustentável. Nesta parte, a metodologia do trabalho consiste também na pesquisa bibliográfica e na sistematização de dados históricos e atuais através da visita aos centros de documentação e arquivos das diferentes instituições públicas do Estado e 4 Planejamento Integral Urbano Sustentável. 28 instituições privadas associadas, tais como o congresso da república, ministérios, municipalidades, institutos de planificação urbana, programas de governos, entre outros. Finalizando, com um resumo ou histórico das políticas urbanas para bairros populares no Perú, apresentado através da construção de um gráfico da linha do tempo destas políticas desde os anos 1950 até a atualidade, que possa ajudar também na avaliação mesma destas políticas. O terceiro e último capítulo, trata da análise dos estudos de casos, tomando duas experiências e duas propostas representativas de incorporação de princípios do Planejamento Integral Urbano Sustentável, executadas na cidade de Lima, tomando primeiro os casos da “Comunidad Urbana Autogestionaria de Villa El Salvador” (CUAVES) e a “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH); e segundo as propostas de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e um Callao Verdes” – analisando em todos os casos, suas respectivas gêneses, históricos, impacto no desenvolvimento urbano, principais avanços e logros obtidos, importância da conjuntura política, papel dos atores públicos, privados e locais em cada um dos casos, concepções e retóricas expressas, assim como principais déficits e conflitos ocorridos. Fechando cada uma destas experiências e propostas com uma avaliação das mesmas com base ao modelo construído de planejamento integral urbano sustentável, descobrindo os principais bloqueios, limites e conquitas de todas as modalidades. Passando em seguida a fazer uma análise para identificar os fatores chaves da efetiva inserção e implementação deste tipo de políticas para o PIUS. A metodologia de trabalho neste último capítulo consiste primeiro – assim como nos capítulos anteriores – numa pesquisa bibliográfica, mas complementada dessa vez com visitas de campo, análises estatísticas, diagnósticos anteriores e entrevistas aos três tipos de atores – públicos, privados e locais – envolvidos em cada um dos casos, que intervieram ou formaram parte das experiências e propostas apresentadas. E, em segundo lugar, a avaliação mesma das experiências e propostas, tomando como referência o quadro do modelo normativo do enfoque de Planejamento Integral Urbano Sustentável, construído no primeiro capítulo. 29 Por fim, nas considerações finais, apresentamos as possibilidades, limites e desafios para a generalização e implantação de uma política de Planejamento Integral Urbano Sustentável; assim como as recomendações necessárias do caso para tornar estas, políticas democráticas universalizadas que contribuam a um desenvolvimento e inclusão com aprimoramento das condições de vida dos bairros populares. Com este estudo nossa intenção é contribuir para ampliar o conhecimento acerca das práticas eficientes em torno do planejamento integral urbano sustentável nas cidades, constituindo uma ferramenta motivadora que conduza a uma efetiva atuação do Estado, ONG,s e atores locais no desenvolvimento de bairros populares e favelas, através da construção constante de novas políticas, iniciativas, projetos e estratégias de ação, que busquem a promoção da justiça social e da qualidade de vida, enfrentando o quadro crescente de pobreza e desigualdades sócio-espaciais em ambos os países, Perú e Brasil. Por outro lado, este trabalho também permitirá desvendar a lógica das concepções de intervenção do poder público em áreas populares no Perú e Brasil, mostrando a realidade sobre a qual se devem enfrentar os novos atores do desenvolvimento local. Nesse sentido, nossa perspectiva é que o trabalho desenvolvido possa dar uma contribuição no aprimoramento das práticas de gestão das cidades. 30 CAPÍTULO I. O PLANEJAMENTO INTEGRAL URBANO SUSTENTÁVEL Nesse capítulo, pretendemos refletir sobre a formulação do conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável, concepção que representa nossa principal motivação nesta pesquisa, já que envolve uma variedade de idéias, que se diferenciam mais ou menos entre si em diversos aspectos, mas que na prática contribuem cada qual a sua maneira para a construção do ideário de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis. Por esta razão, é fundamental iniciar o capítulo apresentando os debates que existem em torno das diversas concepções de planejamento urbano, ressaltando principalmente aqueles que estão relacionados ao nosso tema de interesse. A seguir, na segunda parte do capítulo, apresentaremos a reflexão em torno do ideário de cidades democráticas e sustentáveis. Por fim, finalizaremos o capítulo propondo a adoção de um enfoque mais abrangente, a do planejamento integral urbano sustentável, que na prática possa servir de utilidade para uma gestão adequada e democrática da cidade em todas as suas dimensões, chegando a aprofundar a discussão sobre a importância e significado desse conceito na atualidade como gerador de práticas de desenvolvimento, justiça e inclusão social. 1.1. Breve sistematização das principais concepções contemporâneas de Planejamento Urbano. As concepções de planejamento urbano são muito amplas e, ainda mais, aquelas em torno ao tema do desenvolvimento, que tem formado parte de um processo de prolífica adjetivação, com termos como: integrado, endógeno, participativo, democrático, sustentável, durável, regional, local, etc.; integrando todas elas uma retórica evocada para justificar diferentes tipos de práticas. Mas, para efeitos de um maior entendimento das práticas efetivadas ao interior de nossas cidades, nos limitaremos a abordar aqueles modelos convencionais de planejamento e os que se enquadrariam dentro do conceito geral do planejamento integral urbano sustentável, ou que acompanham sua retórica com alcances para poder planejar cidades mais justas, democráticas e sustentáveis. 31 Em primeiro lugar, segundo Lopes de Souza: [...] o planejamento urbano é, de fato, um campo que congrega os mais diferentes profissionais. Nele colaboram não apenas arquitetos, mas também cientistas sociais de diferentes formações, destacando-se os geógrafos, sem contar a colaboração prestada por especialistas em Direito Urbano (SOUZA, 2002, p. 55). Mas o conceito de “planejamento urbano” em si, sugere: “[...] um contexto mais amplo que aquele representado pelas expressões Urbanismo e Desenho Urbano. O planejamento urbano inclui o Urbanismo; o último é um subconjunto do primeiro” (SOUZA, 2002, p. 58). Alem disso, segundo Souza, o planejamento e a gestão urbana, devem ser interdisciplinares por excelência, quer dizer envolver um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, assim mesmo, é importante ressaltar o que o mesmo autor acrescenta, que “o planejamento e gestão urbanos, vistos desde uma ótica social” – da superação de problemas, especialmente na perspectiva da justiça social e da melhoria da qualidade de vida – “são nada mais que estratégias de desenvolvimento urbano [...]”, que buscam “contribuir para uma mudança social positiva [...]” (SOUZA, 2006). Começaremos por explicar os tipos de planejamento urbano de perfil tecnocrático, que refletem a atuação majoritária do Estado através de seus diferentes governos em nossas cidades metropolitanas: O primeiro usado com maior ênfase principalmente nas capitais metropolitanas de nossos países, vem a ser o “planejamento físico-territorial” clássico, denominado “blueprint planning” pelos anglo-saxões e que surgiu num inicio como influência das idéias modernistas do Urbanismo nos anos 30, tendo como pioneiros a Tony Garnier e logo em seguida a Le Corbusier. Este modelo obteve diferentes adaptações de nomes nas cidades onde foi aplicado, sendo as denominações mais utilizadas: Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano, Plano Diretor, etc.; todos eles dirigidos para construir a “cidade ideal” projetando uma “imagem desejada” num futuro menos o mais distante, e isto se logra através da: [...] elaboração de planos de ordenamento espacial [...] com um conjunto de diretrizes a serem seguidas e metas a serem perseguidas (quanto aos usos da terra, ao traçado urbanístico, ao controle da expansão e do 32 adensamento urbanos, à provisão de áreas verdes e ao sistema de circulação) (SOUZA, 2006, p.123). Como se pode verificar claramente, este tipo de planejamento tem um caráter fundamentalmente tecnocrático, onde prevalecem somente instrumentos técniconormativos orientados ao desenvolvimento e ordenamento físico da metrópole. Quer dizer, se passou de um “planejamento urbano a um planejamento de organização espacial, preocupado essencialmente com o traçado urbanístico, com as densidades de ocupação e o uso do solo” (TAYLOR, 1998 apud SOUZA, 2006, p.123), prevalecendo ainda do Urbanismo modernista na prática atual do planejamento, o espírito funcionalista do zoneamento do uso do solo (SOUZA, 2006). O segundo tipo de planejamento, muito em voga nos últimos anos produto da necessidade de competitividade e inserção dos países latino-americanos nos fluxos econômicos mundiais pela globalização é o chamado “planejamento estratégico”, modelo importado5 que guarda estreita relação com o “planejamento mercadófilo”; voltado principalmente ao favorecimento dos interesses empresariais ou privados onde a mercadoria vendida é a “imagem da cidade”, apartando o sentimento de responsabilidade administrativa e de solidariedade social de parte do Estado, o qual passa da simples administração urbana ou gerenciamento, para ações vinculadas ao empresariamento (HARVEY, 1996) através da modalidade de “parcerias públicoprivadas” a partir dos anos 70 e 80. O “Planejamento Estratégico” então se apresenta como: [...] aquele que fornece instrumentos de condução ao câmbio, baseado numa análise situacional participativa (agentes públicos e privados da sociedade civil) e a definição de estratégias de inversão dos recursos disponíveis orientados, maiormente à colocação de grandes projetos urbanos estratégicos (BORJA e CASTELLS, 1997). Sejam projetos estratégicos de embelezamento ou de revitalização urbanos – convenientes também ao capital imobiliário – se vai deixando sem atenção as 5 Se diz, que o “Planejamento Estratégico” é um modelo importado porque provém de uma experiência exitosa de intervenção urbana desenvolvida para os Jogos Olímpicos de 1992, com o nome de Plano Estratégico de Barcelona, voltando-se um modelo de planejamento urbano, que logo foi repetido nas cidades latino-americanas de Córdoba, Buenos Aires e Rio de Janeiro, mas não com os mesmos resultados do modelo inicial por diversas circunstâncias. 33 classes populares e camadas mais pobres, impondo desta maneira, uma nova tendência de produção e crescimento das cidades metropolitanas, que “contribui para ocultar a ‘cidade real’ e para a formação de um mercado imobiliário, majoritariamente restrito e especulativo” (MARICATO, 2000, p.124). Quando falamos da “cidade real” nos referimos àquela que compreende a “cidade ilegal”, do grande porcentagem da população das cidades que mora em favelas, prédios abandonados, barracos, cortiços e loteamentos informais e que são excluídas dos alcances de qualquer tipo de projeto ou política urbana de desenvolvimento, que lhes permitam melhorar suas condições de vida e ter acesso a maiores oportunidades. Também o planejamento mercadófilo ou estratégico “tende a não ser estritamente físico-territorial, e sim ‘abrangente’, ainda que o motivo condutor e o espírito sejam essencialmente econômicos”. Por outro lado, a suposta “abertura à participação popular se restringe, na melhor das hipóteses, aos tipos de pseudoparticipação6, às vezes não chegando sequer a isso” (SOUZA, 2006, p.139), com propostas geralmente vagas que não chegam a explicar em detalhe como se pretende cumprir aquele objetivo; portanto, a sempre nomeada inclusividade da população nos processos de decisão dos planos, que interage com atores públicos e privados na busca do famoso “consenso” entre as partes, é um simples ilusionismo que dissimula a prevalência da prioridade de decisões e ações dos grupos dominantes, onde a população é simplesmente chamada a participar para legitimar aqueles processos. Especificamente no caso de Perú, o modelo predominante atual de planejamento também se caracteriza por ter um perfil majoritariamente tecnocrático com algumas práticas clientelistas que ainda se vislumbram na relação existente entre o poder público e as classes populares dos assentamentos humanos e bairros populares. Mas para uma melhor explicação do tema em questão, a caracterização do modelo convencional será abordado a seguir. 6 Souza entende por “pseudoparticipação” quando o processo de participação da população se dá de uma forma mais consultiva que propriamente deliberativa, já só neste último caso é que se tomam realmente decisões e a participação se torna real. 34 O Modelo convencional atual de planejamento urbano em Lima A forma como vem atuando o Estado nos últimos anos, em relação às políticas urbanas que desenvolve para resolver a problemática dos bairros populares – de Lima especificamente – não permite um desenvolvimento desses setores nem da cidade como um todo, já que a maioria de suas políticas são segmentadas e desvinculadas de qualquer plano mais amplo que as integre e as oriente (CALDERÓN, 1980). Por outro lado, os planos de maior envergadura desenhados para a cidade metropolitana se caracterizam por ter um perfil predominantemente tecnocrático, conformado por unicamente instrumentos técnico-normativos, como são os planos de zoneamento, Planos de Acondicionamento Territorial e os orientados principalmente ao desenvolvimento “físico e econômico” da metrópole (com ênfase nas áreas de maior interesse para a instalação do capital privado) e alguma ou outra obra pública ou projeto específico nos bairros populares ou setores de mais baixos recursos, que não permite uma solução real e integral destas áreas nos temas que os atingem tais como a pobreza extrema, a falta de moradia, o desemprego, o déficit de qualidade de vida, a informalidade, a exclusão e marginalidade, a carência ou inacessibilidade as oportunidades que oferece a cidade, entre outros; quer dizer, não se propõe instrumentos e políticas para que estas áreas se desenvolvam junto à cidade como um todo, incluindo toda sua população. Em geral, seu efeito é ampliar a segregação urbana e a exclusão social. Os últimos governos que deviam enfrentar o desafio da urbanização popular e do desenvolvimento holístico e integral da cidade atuam seguindo a lógica e os interesses que estão opostos a esta solução estrutural, daí se encontra o transfundo ideológico e errôneo da maioria das políticas implementadas para bairros populares, assentamentos humanos ou favelas. Quer dizer, no modelo atual predomina o espírito das políticas neoliberais, que surgiu a partir dos anos 80 e que continua dando-lhe um papel relevante à iniciativa privada, deixando em segundo plano os temas e propostas de desenvolvimento nos diferentes âmbitos físico, social, cultural, econômico, produtivo, etc. para as áreas e setores mais carentes da cidade metropolitana (ACUÑA, 2006). 35 Outra das características do modelo atual de planejamento em Lima é que, no que concerne aos planos de âmbito metropolitano, não se desenvolve uma efetiva participação popular nos processos de tomada de decisão em torno dos objetivos e projetos que se propõem para a cidade e que de algum modo vão produzir uma mudança significativa nos bairros, comunidades e, portanto na vida das pessoas que as habitam (ACUÑA, 2006); a participação aparece mais como um tipo de pseudoparticipação (termo já abordado anteriormente, formulado por Marcelo de Souza) onde a população entra em cena só na fase de consulta e levantamento de observações e recomendações dos planos – já previamente elaborados por uma equipe de técnicos e profissionais encarregados pela prefeitura de Lima – mas não propriamente na fase de elaboração e deliberação, quer dizer, formando parte dos processos de debate e decisão do conteúdo dos mesmos. O mesmo ocorre com os planos estratégicos locais ou distritais e com os orçamentos participativos, que apesar de serem apresentados como sendo produto da participação e concertação (convenção) de idéias entre integrantes da sociedade civil e população local, estes por ter um enfoque principalmente econômico e empresarial, quase sempre terminam sendo manipulados pelos interesses dos atores públicos ou privados, e os espaços públicos de construção destes planos se convertem num teatro que serve para poder legitimar as ações que já foram decididas desde cima. Também se pode anotar como característica do modelo atual ou predominante de intervenção nos bairros populares, o tipo de relação existente entre o poder público e a população destes bairros e comunidades mais carentes. Refiro-me as ainda existentes formas de clientelismo e burocracia que perduram nos tramites, serviços e solicitações ou demandas diversas que a população faz às correspondentes entidades ou órgãos públicos do governo (DIETZ, 2000). No que diz respeito aos trâmites e solicitações de qualquer natureza, alguns destes procedimentos podem durar dias, meses ou inclusive anos; outros acabam sendo estancados sem razão alguma, o qual faz com que os solicitantes na maioria dos casos abandonem estes processos, ou tenha que recorrer ao favoritismo de políticos dispostos a ajudar em troca de lealdade partidária, isto quer dizer se desenvolve ainda uma intermediação clientelista nas demandas populares, o que é muito comum especialmente nas 36 relações entre moradores de determinado distrito, bairro popular, comunidade ou assentamento humano e o órgão de poder público de sua competência. Somando ao dito anteriormente, o tipo de planejamento urbano convencional ou predominante de intervenção nos bairros populares não oferece diretrizes gerais de desenvolvimento e tampouco propõe novas áreas para futuras expansões urbanas, incluindo nestas soluções integrais de desenho urbano, no referente ao manzaneo, loteamento, localização de espaços para fins públicos, áreas verdes e de recreação, atividades econômico - produtivas, entre outras; que permita desta maneira que os novos bairros sigam um esquema ou orientação prévia e ocupem de forma ordenada o território (RIOFRÍO e RAMIREZ, 2006). Na realidade, a intervenção nos bairros populares como parte do planejamento convencional volta a usar em parte o antigo esquema das políticas assistencialistas, quer dizer intervindo sobre o já existente – sobre o caos gerado pela forma de ocupação improvisada de muitos anos, produto da falta de previsão e inexistência de planos que os orientem – incorporando desta vez alguns programas pontuais do governo relativamente recentes, e mais que tudo, restringindo-se a legalizar a propriedade e colocar alguns equipamentos e serviços públicos isolados que, igualmente ao que existia em épocas anteriores, só permitem resolver alguns aspectos desconsiderando outros também importantes, portanto não contribuindo com o desenvolvimento integral destas áreas. E para finalizar, no referente ao tema de sustentabilidade, o planejamento urbano convencional ou predominante incorpora este conceito dentro de seus objetivos, com a idéia de transportar o sentido de bem-estar e qualidade de vida para o meio ambiente e desta forma convencer à população de que se está atuando de forma sustentável e com responsabilidade social, oferecendo uma melhor qualidade de vida a esta, tão só com estetizar a cidade e brindar maiores espaços verdes de lazer. Apesar desse discurso, o planejamento convencional na realidade tem por finalidade principal tornar a cidade mais atrativa para o investimento e a reprodução do capital privado e não, como anuncia no seu discurso, melhorar a qualidade de vida das pessoas que nela habitam, sobretudo dos bairros populares e setores mais carentes da cidade. 37 Propostas alternativas de planejamento urbano Paralelamente têm-se desenvolvido tipos alternativos de planejamento, que não seguem o esquema convencional ou tecnocrático e que foram criados com objetivos ligados a temas mais sociais ou que reivindicam uma crítica à forma tradicional como se tem intervindo nas cidades. Estes tipos de planejamento contêm elementos importantes que vão aportar na construção do conceito geral do planejamento integral urbano sustentável. Para começar, existem varias escalas de planejamento, a escala global, a nacional, a regional e a local, sendo esta última, a mais trabalhada e que é motivo ainda de muitos debates e experiências em diferentes cidades do mundo. A escala local, que implica o desenvolvimento local ou planejamento local – que pode ser tomada desde um recorte político-administrativo, como um município, até um espaço geográfico específico maior, como uma cidade – permitiu desde sempre, uma maior viabilidade no que se refere à participação política direta, quer dizer à possibilidade de interações em situação de co-presença (face a face) (SOUZA, 2006). O tema do desenvolvimento local surge em meados dos anos 70, num contexto de crise do fordismo e como contraponto ao modelo estatista e centralizado, apresentando-se com dois tipos de abordagens. O primeiro, de corte mais econômico e ainda dentro de uma lógica capitalista global, mas em escala localizada, como uma: [...] forma flexível de ajuste produtivo no território [...] que busca impulsionar os recursos potenciais de caráter endógeno, tratando de recriar um ‘entorno’ institucional político e cultural de fomento das atividades produtivas e de geração de emprego e renda nos diversos âmbitos territoriais (ALBUQUERQUE, 2001, p.65). O segundo, de tendência contra-hegemônica e maior ênfase no desenvolvimento humano e social, onde o espaço local é considerado a base a partir da qual se geram iniciativas e projetos de desenvolvimento em vários âmbitos, “não apenas trabalho e renda, mas educação, saúde, habitação, meio ambiente, entre outros, 38 com participação ativa e direta da população interessada” (SILVEIRA, BOCAYUVA e ZAPATA, 2001), na qual: [...] o Estado vai atuar só como um partner e promotor na configuração de novos espaços de autonomia, onde possam afirmar-se novas solidariedades e formas ativas de identidade local do povo (da comunidade) para uma maior participação na tomada de decisões coletivas (KLEIN, 2005). É a partir desta última abordagem, que, no início dos anos 80, adquirem importância os fatores sócio-culturais ou extra-econômicos, como elementos facilitadores da cooperação e da iniciativa local, sendo reconhecido como principais exemplos dessa corrente as iniciativas dos “distritos industriais” italianos e a chamada “terceira Itália”, bem como os trabalhos que analisam a conformação de comunidades cívicas e a importância do “capital social” 7 (PUTNAM, 1996). O autor Juan-Luis Klein também vai aportar importantes contribuições dizendo que esta “identidade territorial comum vai ser exacerbada pela relação conflitante com o global” (JOYAL, 2002 apud KLEIN, 2005), já que em situações de instabilidade, precariedade e exclusão, produto do modelo flexibilizado da globalização, o “compartilhamento de valores comuns e práticas coletivas compensaram freqüentemente a precariedade das condições de existência” (VIDAL apud RIBEIRO e SANTOS JUNIOR, 2005, p.93). Para Lopes de Souza, o desenvolvimento local é “um processo de aprimoramento das condições gerais de viver em sociedade, em nome de uma maior felicidade individual e coletiva” (SOUZA, 1996 apud FROEHLICH, 1998, p.92), quer dizer que, em linhas gerais, busca o melhoramento das condições de existência e de realização pessoal da população pertencente a determinado espaço geográfico local, buscando igualdade de oportunidades e direitos, enfatizando cobrir as necessidades primordiais da população, onde cada ser humano possa exercer seus direitos como cidadão, podendo realizar plenamente suas capacidades humanas e aspirações pessoais e de grupo, quer dizer garantindo as liberdades para que o ser 7 Capital social se refere ao estoque de relações de confiança, de regras de reciprocidade, solidariedade, somado aos princípios, valores, e sistemas de participação cívica presentes em uma determinada sociedade, que constituem uma força inquebrantável que permite que os objetivos propostos ao interior dela sejam realmente alcançados. 39 humano possa fazer uso de suas habilidades que lhe permitam escolher o caminho a seguir na obtenção de um padrão decente de vida (PORSSE e KLERIN; SEN, 2002). Isto se relaciona também com a opinião de Marcelo de Souza, que embora não aborde exclusivamente a escala local de desenvolvimento, ele atribui ao planejamento e gestão urbanos como ferramentas de promoção do desenvolvimento sócio-espacial, que se torna autêntico “quando se constata uma melhoria da qualidade de vida e um aumento da justiça social” (SOUZA, 2006, p. 61), podendo ser identificados como parâmetros associados à qualidade de vida, aqueles relativos à satisfação individual no que se refere à educação, à saúde, ao aceso a serviços, a ter uma moradia digna, entre outros, e os parâmetros associados à justiça social, o grau de oportunidade laboral, de participação cidadã direta em processos decisórios, de igualdade sócio-econômica, entre outros. Mas de igual forma, estes parâmetros não devem ser especificados sem levar em consideração os sentimentos, os valores e as expectativas dos cidadãos (SOUZA, 2006). Por outro lado, as experiências de desenvolvimento local também têm sido motivo de muitos debates por diferentes teóricos, desde os cépticos até os positivistas, sendo que os primeiros não concebem um desenvolvimento local desvinculado da esfera econômica global, porque simplesmente consideram que não poderia sobreviver ante a concorrência e pressões políticas dos poderes hegemônicos tanto do Estado, como das grandes empresas capitalistas que regem no mundo globalizado atual. Dentro desta concepção se encontram as opiniões de Amin e Robins: “No final do século XX, as economias locais só podem ser encaradas como malhas de uma rede econômica global, sem qualquer realidade própria fora desse contexto” (AMIN e ROBINS, 1994, p.98). Mas essa afirmação não tem sustento quando se pode verificar como fatos o êxito das diversas experiências de desenvolvimento local a partir de diversas alternativas de produção não capitalista que se deram em diferentes cidades do mundo e que são apresentadas no livro: “Produzir para Viver” de Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2005). Quer dizer, é certo que existem territórios locais cujas funções de produção atendem exclusivamente à acumulação de capital, controladas por grandes empresas, que 40 utilizam estas localidades como setores terciários, mas existem outros nos quais se desenvolvem alternativas de produção e desenvolvimento não capitalista, os quais contam com diversas experiências, e que são enunciadas no livro de Santos, pertencentes às formas de: cooperativas de produção, de associativismo e socialismo, propostas de desenvolvimento alternativo na periferia e na semi-periferia e de alternativas ao desenvolvimento (por exemplo, o caso do complexo cooperativo de Mondragón). Inclusive, varias das experiências locais que formam parte destas modalidades contam com estratégias econômicas autônomas e princípios de autogestão, procurando assim, resolver por eles mesmos as suas necessidades para evitar depender o quanto mínimo do apoio do Estado ou outros organismos – como foi o caso da Comunidade Autogestionária de Villa El Salvador em Lima-Perú, que nos momentos em que não recebia apoio por parte do Estado, os habitantes deram continuidade e se mantiveram unidos e sólidos, coordenando juntos suas ações de desenvolvimento (BURGA, 1989). Contudo é importante anotar – concordando com de Sousa Santos – que uma comunidade local não pode ficar isolada nem dar às costas à realidade dos câmbios que se estão levando a cabo nas outras escalas regionais, nacionais e globais; isso é necessário para poder melhorar internamente nos aspectos econômicos, culturais e sociais e oferecer melhores serviços e atenção aos moradores da comunidade. Assim também, a associação e colaboração em redes de apoio de um mesmo ramo (seja produtivo, humano-social, cultural, etc.), não só no nível local como também em outras escalas como as regionais e nacionais pode permitir um maior desenvolvimento do ramo e fortalecimento dos grupos que as compõem, portanto gerar maiores e melhores oportunidades de trabalho local e de oferta de serviços à comunidade (SANTOS, 2005). No mesmo livro já enunciado, Souza Santos conclui a primeira parte com a formulação de nove teses sobre as alternativas de produção não capitalista que podem contribuir na conformação de espaços com desenvolvimento local. Sendo assim, outro aspecto que cabe mencionar em apoio à “tese 3: As lutas pela produção alternativa devem ser impulsionadas dentro e fora do Estado” de Santos 41 (SANTOS, 2005, p. 68), é que qualquer iniciativa ou alternativa de desenvolvimento local que se proponha deveria considerar a possibilidade de sua articulação com o Estado, para que atuando “dentro” ou com este possa canalizar suas políticas a favor das comunidades locais não cedendo terreno político ao poder econômico hegemônico e assim mobilizar os recursos tanto nos processos de condução do desenvolvimento destas comunidades locais como nos orçamentos participativos de acordo e a favor dos interesses dos setores populares. Assim mesmo, atuar fora do Estado para não perder a identidade e o vínculo forte que os une como comunidade local, nem perder seus objetivos principais de luta ou aspirações que motivaram as suas iniciativas e alternativas de desenvolvimento. Além da articulação com o Estado, finalmente Sousa Santos acrescenta em sua “tese 9: As alternativas de produção devem entrar em relações de sinergia com alternativas de outras esferas da economia e da sociedade” (SANTOS, 2005, p. 73) que a busca de um desenvolvimento local não pode desconsiderar a integração e relação com outras esferas da economia e da sociedade, ou fontes externas que impulsionem, incentivem ou apóiem as iniciativas locais, de maneira que sejam efetivadas, refiro-me aos Organismos não governamentais, o Banco Mundial, o FMI, a ONU, etc., assim como diversas iniciativas de programas e políticas interessadas em apoiar as alternativas de desenvolvimento de tipo não capitalista, especialmente se estas provêm de setores populares ou periféricos nos países subdesenvolvidos. Outro tipo de planejamento que cabe destacar vem a ser o planejamento urbano sustentável, que na prática busca o desenvolvimento sustentável; pode-se dizer que este último conceito, desde o Informe Brundtland de 1987, se oficializou como “aquele que busca atender as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das novas e futuras gerações de atender às suas próprias necessidades” (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1987 apud SACHS, 1997, p.14). Mas, esta concepção, que não é propriamente uma teoria em si, foi apropriada e orientada, majoritariamente no sentido de buscar um “desenvolvimento econômico com equidade social” (BRAND, 2003, p.5), quer dizer, uma vez mais foi dada a ênfase no econômico face aos novos rumos da acumulação 42 capitalista flexível e globalizada, e sua racionalização no pensamento neoliberal, contexto no qual se desenvolve também a tensão contraditória entre a “idéia-força de modernização com sustentabilidade ecológica das cidades” (SOUZA, 2006). Ainda que o planejamento sustentável aparecesse meio comprometido com as premissas neoliberais, este também teve outra abertura ideológica a partir do respaldo da agenda 21 Local na Cumbre de Rio de Janeiro, no sentido de “concretizar compromissos visando o desenvolvimento sustentável, ressaltando para tais fins, a necessidade de empreender ações locais concretas”, retomando o tema de “bem-estar social e individual” – desvinculado da esfera econômica – “mediante a incorporação de valores e da dimensão ambiental com respeito à qualidade de vida e a consolidação da democracia participativa” (BRAND, 2003), o qual vai guardar uma estreita relação com os princípios do desenvolvimento local. Mas, os objetivos e ideais descritos que propugnava a Agenda 21 local, ainda que inicialmente estivessem cheios de boas intenções, logo viraram uma retórica que no decorrer dos anos, serviu para legitimar as práticas das políticas dirigidas, majoritariamente, a satisfazer as demandas do novo capitalismo e da economia globalizada, assim como de oferecer vantagens para os capitais internacionais, em favor de uma competição interlocal ou interurbana (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA; 2006). Por outro lado, devido à crise de credibilidade e legitimidade que marcam os governos locais – frente à necessidade do atendimento das demandas sociais de melhoramento das condições de vida das classes populares e médias, num quadro de ajustes produtivos impostos pela necessidade de inserção competitiva e de coordenar suas ações com o setor privado, que geram a flexibilidade dos mercados de trabalho, com seus efeitos sobre a instabilidade laboral, a informalidade, a desigualdade, o desemprego e a pobreza – o Estado vai fazer uso do meio ambiente, como campo privilegiado para reconstruir o sentido de bem-estar e a qualidade de vida (BRAND, 2003). O que significa que vai ir transportando a idéia de bem-estar para o meio ambiente, mas com estratégias orientadas principalmente a uma estetização deste, dentro de uma lógica de criação de espaços atrativos e sedutores para poder promover e vender a cidade, deixando de lado o que 43 realmente importa em termos de sustentabilidade, envolvendo o sentido social da participação popular democrática em uma comunidade de valores, que cooperativamente propõe ações de autogestão para o enfrentamento de suas carências de forma responsável e o fortalecimento de sua economia local viável no tempo. Ou nas palavras de Sachs, a afirmação de “economias morais”, frente à tendência de marginalização pelo “desenvolvimento expansionista” (SACHS, 1997). Por fim, temos o planejamento participativo, cuja importância é essencial para desenvolver uma gestão urbana democrática no interior de nossas cidades, ou seja, cidades onde cada mudança a ser realizada, nos âmbitos físico, social, espacial, econômico, cultural, etc., seja o puro reflexo dos interesses, aspirações e necessidades dos próprios cidadãos em sua totalidade. Para esta função se criaram espaços públicos, assembléias ou conselhos onde a população (que pertence à sociedade civil o não) participa e interage com os seus representantes da esfera de governo, debatendo temas de interesse público coletivo, sendo os exemplos de participação mais representativos e que pertencem à chamada “democracia direta”, os já conhecidos “orçamentos participativos” 8 municipais (a experiência iniciada em 1989 de Porto Alegre vem a ser a mais reconhecida tanto no Brasil como no exterior) e algumas formas de elaboração de planos urbanos. Existem muitos argumentos que supõem a inviabilidade do planejamento participativo e a democracia direta - pressupostos como que o Estado em qualquer caso tenderia a produzir intervenções conforme os interesses dos grupos dominantes que dispõem de maiores recursos, outro é que os indivíduos na realidade querem se liberar do fardo de ter de ocuparem-se dos negócios coletivos, que a população comum não tem a capacidade técnica para participar de assuntos de interesse coletivo e tampouco uma visão sistêmica e de longo prazo, que a participação é inviável em coletividades de grandes dimensões, etc. –, mas nenhum destes tem uma justificativa muito firme ou definitiva quando se pode outorgar à 8 O Orçamento Participativo consiste em uma abertura do aparelho do Estado à possibilidade de a população (de um município ou mesmo de unidades territoriais administrativas supralocais) participar, diretamente, das decisões a respeito dos objetivos dos investimentos públicos (SOUZA, 2006, p.344). 44 população as condições necessárias para exercer com liberdade sua cidadania nos espaços públicos, oferecendo-lhes facilidades de informação com transparência e acesso aos meios de comunicação, capacitação dos processos de planejamento por temáticas, vigilância nos processos decisórios e principalmente dando-lhes o lugar que lhes corresponde, de serem os responsáveis pelas mudanças que daí em adiante se façam em sua cidade (SOUZA, 2006). Portanto, a participação: [...] no sentido de exercer autonomia, é a alma mesma de um planejamento e de uma gestão que queiram se credenciar para reivindicar seriamente o adjetivo democrático(a) . A participação, assim, proporciona ou pode proporcionar melhores chances de um exercício mais pleno da cidadania, que equivale a uma maior e melhor integração na sociedade (SOUZA, 2006, p. 335). Neste sentido, no momento do diálogo que deve ser o mais amplo possível, para evitar o autoritarismo, este será previsto de debates livres e confrontos abertos de posições e argumentos entre as partes. Desta maneira, o aumento de auto-estima do cidadão e das possibilidades de participar conscientemente da vida política da cidade e, portanto do país, são parte dos requisitos elementares e indispensáveis para uma existência digna (SOUZA, 2006), além do já mencionado acesso menos desigual aos meios de satisfação das necessidades individuais e coletivas, no que se refere a uma adequada educação, saúde, serviços básicos, oportunidades de trabalho, a uma moradia digna, entre outros. Por outro lado, o planejamento participativo levado a cabo eficientemente pode obter resultados muito positivos em beneficio de toda a população, mas para isto deve estar atento para tomar as medidas necessárias e enfrentar alguns obstáculos à participação que se possam apresentar, os quais foram sintetizados por Abers (apud SOUZA, 2006) em três problemáticas: A primeira, a problemática da implementação, se refere às diversas dificuldades que uma administração tem de enfrentar para implementar suas políticas, especialmente as participativas. A segunda, a problemática da cooptação, se produz quando o esquema participativo se volta uma ferramenta de instrumentalização da sociedade civil por parte das forças políticas do Estado, para eliminarem os focos de oposição e poder perpetuar no governo, portanto a experiência de participação se torna uma de “pseudoparticipação”; e a terceira, a problemática da desigualdade, tem a ver com as dificuldades para a 45 participação voluntária da população mais pobre por sua mesma condição de dispor de menores recursos (tempo e dinheiro para se locomover) que a população média (SOUZA, 2006). Portanto, são deveres do Estado, das instituições da sociedade civil, entre outras, colaborar para que estes obstáculos sejam superados e uma vez que isto aconteça, o exercício da cidadania se verá reforçado, logrando assim uma maior inclusão social e uma cidade mais democrática e justa. Diante desses modelos, considero importante destacar as formulações críticas em torno dos tipos de planejamento e/ou políticas públicas efetivadas no âmbito urbano que surgiram no Brasil nos anos 80 em torno da agenda da reforma urbana e do ideário de cidades democráticas e sustentáveis. 1.2. O Ideário de Cidades democráticas e Sustentáveis O Ideário de Cidades Democráticas e Sustentáveis surge a partir de um diagnóstico crítico e de um debate em torno ao desenvolvimento das cidades latino-americanas e as práticas de planejamento urbano efetivadas no decorrer dos últimos anos, que têm gerado processos de segregação urbana e exclusão social, somado a um acesso diferenciado e desigual aos recursos, oportunidades e serviços que a cidade oferece, já que, em geral, a distribuição e oferta destes têm ocorrido conforme o lugar onde os critérios de rentabilidade e de retorno do capital investido são mais atendidos. Portanto, tudo isto tem se refletido num desenvolvimento desequilibrado e não integrado da cidade, da qual se privilegiam especialmente as camadas medias e altas em detrimento das mais pobres, aparecendo na cidade “uma estrutura dualizada entre ricos e pobres, entre cidadãos e não-cidadãos” (SANTOS JUNIOR, 2007, p.295). Por estes motivos, o debate do ideário de cidades democráticas e sustentáveis se orienta em torno a diretrizes e princípios que procuram reverter estas tendências, na busca de cidades onde prospere a justiça social e as práticas democráticas e sustentáveis, princípios que devem formar parte de um novo enfoque de planejamento urbano, com um caráter mais abrangente e inclusivo. 46 O ideário de cidades democráticas e sustentáveis, como ideário de transformação da cidade e modelo de intervenção, foi um debate que foi construído no campo da reforma urbana, composto por correntes intelectuais e progressistas no Brasil e que se concretiza no Movimento Nacional pela Reforma Urbana. O movimento em menção começou com ênfase no decorrer dos anos 80, partindo de um diagnóstico sobre o desenvolvimento de nossas cidades e mostrando-se logo como um espaço de reflexão crítico em torno da questão urbana e das práticas de planejamento das cidades latino-americanas, para refletir e desenvolver novas práticas que defendam a “garantia do direito à cidade, objetivando mudanças na qualidade de vida, através de políticas públicas voltadas para o conjunto da população” (GRAZIA, 2003, p.53). Por este motivo, e para instituir um novo modo de pensar a gestão e o planejamento da cidade, o movimento elabora três princípios básicos nos quais baseia-se para referenciar sua prática: i) Direito à Cidade e à Cidadania, entendido como uma nova lógica que universalize o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, à informação, a condições de vida urbana digna, e ao usufruto de um espaço culturalmente rico e diversificado e, sobretudo, a uma dimensão política de participação ampla dos habitantes das cidades na condução de seus destinos e dos destinos da cidade. ii) Gestão Democrática da Cidade, entendida como forma de planejar, produzir, operar e governar as cidades submetidas ao controle e participação social, destacando-se como prioritária a participação popular. iii) Função Social da Cidade e da Propriedade, entendida como a prevalência do interesse comum sobre o direito individual de propriedade, o que implica o uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço urbano (GRAZIA, 2003). Os princípios e diretrizes elaborados pelo Movimento da Reforma Urbana visando à transformação da realidade diagnosticada da cidade, por demandarem medidas para atingir lógicas, como a justiça social, exigem, por coerência que: 47 O Estado retome sua função social e assegure os direitos urbanos e o acesso igualitário aos bens e serviços, isto é, que assegure o direito à cidade para todos, através da elaboração e implantação de instrumentos e mecanismos redistributivos (Grazia, 2003, p. 55). Isso em função da redução dos níveis de injustiça social no meio urbano, assim como a promoção de uma maior democratização do planejamento e gestão das cidades. Mas transportar o ideário de cidades democráticas e sustentáveis num novo modelo de planejamento urbano não é tarefa fácil, quando ainda permanecem no cenário político e na esfera de participação pública, diferentes interesses, principalmente dos setores privados que impedem que estes princípios e diretrizes sejam realmente efetivados, controlando o livre exercício da participação e a vontade popular. Por exemplo, com a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001 – conquista importante do Movimento Nacional pela Reforma Urbana – foi dado um novo impulso aos processos de elaboração dos Planos Diretores nas cidades brasileiras, e no ano 2005, foi lançada a campanha Plano Diretor Participativo, mas logo depois de ser feita uma avaliação quanto ao caráter participativo desses processos, os dados da pesquisa demonstravam que apenas 24% dos processos, isto é, só 362 Planos, foram ou estavam sendo participativos (SANTOS JUNIOR, 2007). Portanto, “é preciso, uma regulação pública da produção privada, formal e informal, que seja submetida ao controle social” (GRAZIA, 2003). Sendo assim: A gestão democrática da cidade dar-se-á fundamentalmente através do controle social e da participação da população organizada como condição para a conquista de direitos, da cidadania, de novas políticas públicas que incorporem os excluídos e de novas referencias para as cidades” (GRAZIA, 2003, p. 56). Por outro lado, tendo como meta o ideário de cidades democráticas e sustentáveis, torna-se necessário que as cidades sejam reconhecidas na sua “totalidade” para repensar o planejamento a partir da negociação entre a população, os agentes que produzem e se apropriam do espaço urbano e os governos, objetivando ações para o conjunto da população (GRAZIA, 2003). 48 É importante destacar que no campo institucional do Brasil, a proposta da reforma urbana se materializou nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. A isto se pode adicionar a conquista alcançada, através de constantes atividades e lutas por parte do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que conseguiu a aprovação do Estatuto da Cidade, valioso instrumento de política urbana que: [...] se apropriado pela população organizada e pelas Administrações Locais com o objetivo de realizar a função social da propriedade e da cidade nos municípios brasileiros, seria de grande utilidade na mudança do quadro de desigualdade, exclusão e segregação, bem como seria uma grande contribuição na luta por cidades justas, democráticas e sustentáveis (GRAZIA, 2003). Portanto, achamos que instrumentos de política urbana tais como o Estatuto da Cidade, deveriam ser multiplicados em outros países latino-americanos com problemáticas similares, como no caso de Peru, para que mais cidades, no âmbito de municípios e comunidades locais possam ter ferramentas para garantir seus direitos à cidadania e à cidade em sua “totalidade”, com qualidade de vida, amplo acesso aos recursos e equipamentos urbanos, ampla liberdade no acesso a oportunidades e escolhas de vida, assim como no exercício da participação política nos processos decisórios da cidade, entre outros. Por fim: Não podemos deixar de registrar que, no âmbito internacional, inicia-se um processo de discussão em torno da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, de iniciativa do Fórum Nacional da Reforma Urbana, mas que hoje conta com a adesão de muitas outras redes internacionais, principalmente na América Latina, propondo que o direito à cidade seja reconhecido, pelo sistema das 9 Nações Unidas, como um direito coletivo difuso (SANTOS JUNIOR, 2007, p. 301). 9 A Carta Mundial pelo Direito à Cidade começou a ser discutida no I Fórum Social Mundial (2001), na cidade de Porto Alegre, como um instrumento orientado a contribuir com as lutas urbanas e com o processo de reconhecimento, no sistema internacional dos direitos humanos, do direito à cidade. Nela, o direito à cidade se define como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado (SANTOS JUNIOR, 2007, p. 312). Esta carta teve prosseguimento e se viu fortalecida através de uma declaração que foi apoiada e assinada por diferentes organizações de vários países de América latina no ano 2007 em Santiago de Chile, sendo alguns destes o Instituto de Desarrollo Urbano-CENCA pelo Comité de Campaña por el derecho a una vivienda digna para todos y todas (Perú) e o Centro de Estudios y Promoción del Desarrollo-DESCO (Perú). 49 Em resumo, depois de tudo o anteriormente exposto, o que se busca a partir do Ideário de cidades democráticas e sustentáveis é que seus princípios e diretrizes e, portanto, que as propostas da agenda da Reforma Urbana sejam postas em prática nas novas políticas urbanas do Estado e nas novas propostas de planejamento urbano, para que se possam reconstruir e desenvolver cidades onde prospere a justiça social, a urbanidade, as práticas de inclusão social e participação democrática, uma distribuição equilibrada dos recursos, serviços e equipamentos urbanos, um eficiente acesso a uma adequada educação, cultura e aos meios de informação; a garantia da liberdade para poder fazer as escolhas de vida e de acesso às oportunidades consideradas necessárias alcançar para se obter um padrão de vida decente e com qualidade, isto materializado na garantia de acesso a uma moradia digna e ao trabalho, o que implica criar formas alternativas de produção e acesso ao mercado de habitação que não sejam necessariamente controladas pela lógica capitalista. Todo isto, para que se produza realmente uma mudança positiva no interior de nossas cidades, onde se possa falar de um verdadeiro desenvolvimento que englobe a cidade como um todo, e não mais a cidade segmentada ou partida. 1.3. O Planejamento construção Integral Urbano Sustentável: um conceito em Depois de realizar a análise crítica das diferentes concepções ou adjetivações relacionadas ao conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável, podemos reconhecer que este integra uma retórica evocada para justificar diferentes tipos de práticas, mas que sendo usado de forma eficiente no sentido de criar cidades mais justas, igualitárias, democráticas e sustentáveis, vem a ser um conceito reconhecível e consensualmente desejável, haveria apenas que encontrar o melhor meio de realizá-lo. Para este fim e tendo como objetivo final deste capítulo a formulação de um conceito que nos sirva de referência analítica para avaliação das políticas e experiências de planejamento urbano, é importante resgatar as contribuições oferecidas por cada um dos modelos de planejamento urbano anteriormente abordados, sendo reforçados 50 com os princípios e diretrizes que o ideário de cidades democráticas e sustentáveis engloba. Para iniciar a construção de nosso conceito, é necessário explicar o que se pretende ao colocar cada uma das palavras que este novo modelo de planejamento proposto encerra, quer dizer o que para nós significam ou agregam os termos de “integral, urbano e sustentável” dentro do campo do planejamento urbano, termos que vão acrescidos muitas vezes de adjetivos tais como participativo, democrático e inclusivo. A nosso ver, a terminação “Integral” implica duas coisas. Em primeiro lugar, que ao pensar num planejamento urbano para a cidade se pense nela na sua “totalidade”, quer dizer com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. E isto se deve dar tanto em função de uma distribuição eqüitativa da renda, de equipamentos e serviços urbanos, assim como da outorga de facilidades necessárias à população (especialmente à dos setores mais carentes e excluídos) para que estas façam suas próprias escolhas de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cidade. Além disso, é fundamental garantir os direitos sociais para todos os que vivem na cidade, assim como oferecer as garantias e facilidades necessárias, para que a população possa participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão referente a mudanças a serem feitas, orçamentos a serem efetivados ou distribuídos, que formem parte de um plano ou não, ou qualquer outro tipo de ação a ser tomada tanto na sua comunidade como na sua cidade que possa afetar diretamente suas vidas. Tudo isso, para enfrentar e evitar que continue se reproduzindo o esquema de segregação e exclusão urbana, assim como o aprofundamento da pobreza que atinge cada vez a uma porcentagem maior de população urbana. Mas, para que os propósitos anteriormente descritos a serviço de um efetivo desenvolvimento integral sejam realmente alcançados, é necessário que também se produza uma mudança de atitude por parte do Estado, o qual se comprometa a enfrentar os mecanismos de 51 produção de desigualdades e de exclusão no espaço urbano e, portanto, que este não se limite à concessão de uma ou outra obra pública de pouca relevância nos bairros populares – por estar comprometido principalmente com os interesses do capital privado junto à construção de grandes obras viárias –, senão que incorpore estes setores nos planos, obras e projetos de maior envergadura pensando no desenvolvimento da cidade como um todo. Assim também, o papel do Estado é fundamental para garantir os direitos previstos na Constituição para um efetivo exercício da cidadania, exigindo a participação da sociedade e o controle social, como se colocou antes, em cada um dos processos de tomada de decisão da cidade em suas diversas escalas territoriais. É aqui, que se pode colocar o planejamento participativo como formando parte dos ideais do planejamento integral na medida em que este inclua toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem o futuro de nossas cidades, realizados geralmente nos espaços públicos, assembléias e conselhos. Nessa perspectiva, cada mudança a ser feita a partir da escala local, seja nos âmbitos social, urbano, econômico, ambiental, cultural, etc., deve ser o puro reflexo dos interesses, aspirações e necessidades dos próprios cidadãos envolvidos, dando um especial incentivo á iniciativa popular. Em segundo lugar, o termo “integral” no planejamento urbano implica também a conjunção e integração de vários âmbitos ou campos de intervenção, quer dizer que no momento de planejar a cidade em suas diversas escalas deve-se buscar um desenvolvimento integral ou holístico, evitando assim o esquema convencional de muitas políticas urbanas fragmentadas e sobrepostas e os modelos de planejamento urbano de corte tecnocráticos, que se limitam a resolver só alguns aspectos do problema deixando outros, também relevantes, de lado. Um planejamento que busca um desenvolvimento integral deve pensar grande e propor soluções de intervenção nos aspectos social, humano, econômico-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal; para que desta forma se produza uma efetiva mudança na qualidade de vida de toda a população e, portanto, um real desenvolvimento em 52 cada uma das escalas territoriais, começando pela escala local no nível de bairros e comunidades, “pois é no local que surgem questões, experiências e propostas que podem alimentar e impulsionar políticas e projetos [...]” (LEROY, BERTUCCI, ACSELRAD, PÁDUA, SCHLESINGER e PACHECO, 2002), que conduzam a um desenvolvimento maior da cidade como um todo. Esta busca da qualidade de vida deve ser uma meta importante num planejamento urbano que busca um desenvolvimento integral da cidade como um todo. Isto se consegue primeiro com a garantia das liberdades necessárias ao ser humano para que este possa agir de acordo as suas escolhas de vida. Lembrando Amartya Sen, o desenvolvimento e a melhora da qualidade de vida do ser humano estão relacionados diretamente com a expansão das liberdades que desfrutamos, já que só desta maneira nos tornamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas vontades, interagindo com o mundo e, portanto na cidade em que vivemos e influenciando nela (SEN, 2002). Uma proposta ideal de qualidade de vida deve partir do diálogo e da prática democrática entre cidadãos, autoridades, empresas públicas responsáveis e ONG’s, para poder oferecer soluções adequadas ao enfrentamento das diversas carências, começando por garantir o direito a viver em um ambiente de paz e tranqüilidade – livre tanto da violência comum quanto da violência política, garantir a liberdade de expressão, de participação e livre relacionamento, ter direito a uma boa alimentação, à informação, educação e à auto-realização, assim como também à ampliação na provisão de serviços de saneamento básico e boas condições materiais de vida, o que implica a criação de novas políticas de acesso a uma moradia digna, tratamento adequados da água e o esgoto, coleta de lixo e reciclagem, entre outros. Por fim, essas duas dimensões implicadas na terminação “integral” devem ser incorporadas no planejamento urbano, para que ocorra efetivamente um desenvolvimento integral da cidade como um todo. O termo “urbano” explica mais que tudo, o espaço geográfico de intervenção onde se vai implementar o novo modelo de planejamento, já que é no âmbito urbano e a 53 partir da escala local que se vão construir as novas propostas e estratégias que vão permitir mudanças positivas significativas através do desenvolvimento da cidade em suas diversas áreas e escalas territoriais. O planejamento urbano, a nosso ver, deve envolver um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes profissionais assim como da população, e todos aqueles que trabalham por uma cidade melhor com uma ótica social da superação de problemas, na perspectiva do desenvolvimento, da justiça e inclusão social e a melhoria da qualidade de vida. Quanto à terminação “sustentável”, esta também reúne uma multiplicidade de significados e propósitos, que foram abordados no decorrer deste capítulo ao nos referirmos ao planejamento sustentável, mas que merecem agora ser aprofundados. Para começar, torna-se necessário avançar nos debates que se originaram a partir do Informe Brundtland, onde a estratégia apresentada para “atender as necessidades do presente sem comprometer às gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” estaria vinculada à conjugação de crescimento econômico com o progresso técnico capaz de poupar recursos matérias – como se isso bastasse para resolver os problemas ambientais e levar as cidades a uma sustentabilidade e a uma redução da pobreza com qualidade de vida. O que em verdade, a nosso ver, o termo “sustentável” deveria buscar no âmbito urbano é um desenvolvimento equilibrado e próspero da cidade, quer dizer, de cada uma de suas áreas e setores territoriais num período prolongado de tempo, onde se produziria uma efetiva redução da pobreza com economia de recursos. Para este fim a sustentabilidade giraria em torno da promoção de um desenvolvimento eqüitativo, produtivo e autônomo de cada uma destas áreas e setores da cidade, a partir da escala local – no âmbito de municípios, bairros e comunidades –, para que num trabalho em conjunto com todos os atores sociais envolvidos (população em geral, autoridades locais, trabalhadores, empresários, ONGs, cientistas, técnicos, agricultores, etc.) se busquem novas alternativas e iniciativas de produção que fortaleçam as relações sociais internas de solidariedade e de cooperação, e que sejam também uma fonte de emprego e recursos locais que permitam à população administrar de forma eficiente o território e seus recursos. Portanto, o conceito de 54 sustentável envolveria uma dimensão utópica, de desenvolvimento de uma autogestão, que não formaria parte da lógica mercantilista do sistema hegemônico capitalista atual, mas que estaria aberto a outras possibilidades de articulação econômica e social em redes de apoio – locais, nacionais e internacionais – vinculadas ao que tem sido denominado de economia popular e solidária ou economia do trabalho (CORAGGIO, 2004). De igual forma, este trabalho de planejamento conjunto na busca de um desenvolvimento mais equilibrado da cidade além de propor novas alternativas e iniciativas de produção não capitalista, deve ir acompanhado, por sua vez, de propostas que busquem soluções nos demais âmbitos de desenvolvimento, ou seja, no referente ao melhoramento e atendimento dos aspectos sociais, urbano-territoriais, educativos, culturais, ambientais e legais. Porque a integração de todos estes âmbitos é que vai contribuir na construção de um desenvolvimento sustentável da cidade. Assim também, a terminação “sustentável” sugere que toda a população tenha igualdade de condições para participar na esfera pública e, portanto se assuma como sendo igualmente responsável pelo futuro da sua cidade, do país e do mundo, começando a lutar pela busca de um desenvolvimento sustentável na sua cidade, com justiça social e qualidade de vida para todos. Para este fim, primeiro o planejamento sustentável deve se orientar para trabalhar pela criação de políticas urbanas que permitam uma distribuição mais equitativa da renda e dos recursos produzidos na cidade (assim como o uso responsável destes), com principal ênfase na alocação destes recursos nos setores mais desprovidos da cidade, tentando enfrentar desta maneira o esquema vigente de acumulação capitalista e desmontar o quadro social de exclusão social produto deste mesmo esquema. Para este propósito, o planejamento e desenvolvimento sustentável devem estar ligados à criação de uma verdadeira cultura contra-hegemônica, de um lado, capaz de derrubar os valores impostos pelo “deus-mercado”, de outro, capaz de mostrar aos atores envolvidos a importância da união em torno de um ideal maior para a construção de um projeto alternativo de mudança social. Mas, isto só se logra a partir da reconstrução de valores a partir da escala local, principalmente no nível de bairros e comunidades, já que é a partir desta escala que é possível retomar na 55 população, o caminho da ética, da visão do mundo e da esperança por um futuro melhor, substituindo o ter pelo ser, a competição pela solidariedade, no desafio da construção de um novo projeto de sociedade e de cidade mais justa e democrática (LEROY, BERTUCCI, ACSELRAD, PÁDUA, SCHLESINGER e PACHECO, 2002). Desta maneira, e em segundo lugar, o termo “sustentável” se transporta para o objetivo da construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, para o qual sua tarefa consiste em começar por fortalecer as camadas populares, integrando-as e transformando-as em sujeitos políticos de seu ambiente material, social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos. Direitos que podem ser exercidos em espaços urbanos amplos, construídos por eles mesmos ou adjudicados pelo Estado, onde se possa desenvolver com total liberdade o exercício democrático da política, tanto em defesa dos direitos humanos ou do meio ambiente, como na luta e confronto dos planos e projetos que comprometem sua comunidade ou bairro, assim como suas vidas, em embates que transbordam para a esfera pública. Já que é a partir da própria experiência, do saber e da imaginação dos seus atores e sujeitos unidos a seus ideais, aspirações e desejos, que nascem as opções transformadoras, iniciativas ou impulsos inovadores que podem permitir alcançar, por conseguinte, um desenvolvimento sustentável do bairro, comunidade e cidade. Para compreender melhor a proposta apresentada, podemos comparar as características do planejamento convencional e do planejamento integral urbano sustentável, conforme o Quadro I, onde estão realçadas as características típicas ideais de cada um desses modelos. Nele podemos perceber que os dois modelos se diferenciam segundo a forma como concebem ou atuam em relação à participação, a cidade, a sustentabilidade, a intervenção nos bairros populares, a qualidade de vida e o desenvolvimento. QUADRO 1: Comparação da política de planejamento urbano convencional ou predominante com a de Planejamento Integral Urbano Sustentável. Planejamento urbano convencional ou predominante Planejamento Integral Urbano Sustentável - Os planos de âmbito metropolitano estão dirigidos principalmente a melhorar o aspecto físico de uma - Os planos procuram a integração física, espacial, social, cultural e econômica da cidade como um 56 parte da cidade, geralmente em áreas de maior interesse para a instalação do capital privado. - O tema do desenvolvimento está relacionado somente ao desenvolvimento “físico e econômico” da metrópole. - Os planos se caracterizam por ter um perfil predominantemente tecnocrático, conformado por unicamente instrumentos técnico-normativos. todo, incluindo toda sua população. - Se busca o desenvolvimento equilibrado e ampliado de cada uma das áreas e setores existentes no território, compreendendo “a cidade como um todo” e abrangendo a sua vez todas as esferas e âmbitos de desenvolvimento possíveis. - Os planos têm um enfoque principalmente humano e social, via um desenvolvimento com justiça, inclusão social e qualidade de vida para todos. - Suas políticas urbanas específicas para bairros - As políticas urbanas dirigidas aos bairros populares populares são fragmentadas e sobrepostas, não permitindo um desenvolvimento integral nem continuo no tempo. procuram alcançar um desenvolvimento integral e holístico destas áreas e, portanto da cidade. - Na relação entre o poder público e a população dos - Os recursos são distribuídos equitativamente em todas bairros e comunidades mais carentes, perduram as práticas clientelistas e burocráticas em questão a trâmites, serviços e demandas diversas que os moradores fazem às entidades do governo correspondentes. as áreas e setores populares, sem exceção, e ao mesmo tempo a população trabalha na forma de autogestão, procurando criar suas próprias fontes de recursos para assim poder subvencionar ou concluir suas obras e iniciativas. - A participação democrática, na realidade se - Se restringe a um tipo de “pseudoparticipação”, na qual a população intervém na fase de consulta e levantamento de observações. - Se usa a sustentabilidade para transportar a idéia de qualidade de vida para o meio ambiente e assim poder estetizar a cidade e criar maiores espaços verdes, mas em função de fazê-la mais atrativa para o capital privado. desenvolve uma verdadeira participação democrática, já que a população participa em cada fase do processo de elaboração, debate e decisão dos planos, projetos ou orçamentos, tanto de nível local como metropolitano. - Se trabalha no sentido da construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, fortalecendo as camadas populares para transformálas em sujeitos políticos de seu ambiente material, social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos, e onde a qualidade de vida é o resultado e a meta final. Em suma, um planejamento integral urbano sustentável busca estabelecer princípios e diretrizes que possam servir na construção de uma sociedade e uma cidade mais justa, equitativa e democrática, onde exista um desenvolvimento equilibrado e ampliado de cada uma das áreas e setores existentes no território, compreendendo “a cidade como um todo”, onde a população conviva com princípios de igualdade, solidariedade e respeito pela pessoa e pelo meio ambiente, e por sua vez, participe de forma livre e espontânea, contribuindo com soluções e propostas em todas as esferas e âmbitos de desenvolvimento, com ênfase na promoção da qualidade de vida para todos e, portanto da dignidade humana. Assim, partindo de todo o anterior exposto sobre a formulação de nosso conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável, se pode construir um modelo normativo que sirva de referência para a avaliação de políticas urbanas para bairros populares no Perú (Quadro 2). 57 QUADRO 2: Modelo normativo de referencia para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no Perú, baseado no enfoque de Planejamento integral Urbano Sustentável. Política de planejamento integral Integrando a cidade como um todo, com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais; distribuindo de forma eqüitativa a renda, os equipamentos e serviços urbanos; garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para que possam participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão; outorgando as facilidades necessárias à toda a população (especialmente dos setores mais carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cidade; integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômico-produtivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal. Política de planejamento participativo incluindo toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem ao futuro de nossas cidades; incentivando a iniciativa popular. Política de planejamento urbano envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes profissionais assim como da população local; promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas. Política de planejamento sustentável promovendo um desenvolvimento eqüitativo, produtivo e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade num período prolongado de tempo, partindo pela escala local; buscando uma efetiva redução da pobreza com poupança de recursos; buscando novas alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de emprego e recursos locais, permitindo à população administrar de forma eficiente o território e seus recursos (autogestão); articulando-se econômica e socialmente em redes – locais, nacionais e internacionais – vinculadas ao que tem sido denominado de economia popular e solidária; tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, começando por fortalecer as camadas populares, integrando-as e transformando-as em sujeitos políticos de seu ambiente material, social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos. 58 CAPÍTULO II. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS NO DESENVOLVIMENTO DE BAIRROS POPULARES NO PERU Este capítulo consiste num resgate das políticas urbanas para bairros populares no Peru desde os anos 50 até a atualidade. Estas políticas são organizadas por sucessivos períodos de governo aos quais lhes correspondem determinados modelos que os caracterizam, desde aqueles de tipo “assistencialistas” até os contemporâneos denominados de “convencionais ou tecnocráticos”. No interior desses períodos de governo, se fará uma abordagem especial dos modelos ou propostas mais representativos, dando ênfase naqueles que tiveram uma aproximação ao enfoque do que se conhece como Planejamento Integral Urbano Sustentável – tomando como referência, quando possível, algumas experiências brasileiras. Da mesma forma, se buscará fazer uma sistematização dos programas e dos diversos projetos pontuais característicos do modelo neoliberal e convencional de planejamento urbano. 2.1. Modelos de Políticas urbanas para bairros populares no Peru desde os anos 50 até a atualidade. De acordo ao introduzido anteriormente e para poder ter um julgamento crítico sobre o papel do Estado nos diferentes governos é fundamental discutir o funcionamento das principais políticas urbanas peruanas (de habitação, de regularização, de melhoramento das condições do bairro, de atendimento em geral, etc.) e as estratégias de intervenção que este tem efetuado frente ao problema crescente dos assentamentos e bairros populares informais, e que formam parte inerente do processo de urbanização das cidades mais populosas do Perú. 2.1.1. Período 1950 – 1980: do assistencialismo ao planejamento das “Barriadas Assistidas” As primeiras atuações do Estado, primeiro durante o governo militar do Gal. Manuel A. Odría (1948-1956) e logo durante o governo civil de Manuel Prado (1956-1962) tiveram uma forte linha paternalista e clientelista dirigida aos grupos urbanos de 59 baixos recursos, já que segundo Dietz (2000), eles viam aos pobres como “uma potencial fonte de apoio político”. Naquele momento as intervenções do Estado se deram sobre o já estabelecido, quer dizer, naqueles bairros informais tradicionais nos quais não se planejou nem sua formação nem sua organização – a ocupação de solo se realizou antes de ser planejado e habilitado o espaço, só com algumas exceções nas quais: Odría utilizou o Estado para organizar grupos de invasores e indicar que lugares podiam ser invadidos sem provocar a repressão estatal, ou para habilitar terrenos para moradores despejados das áreas tugurizadas de Lima como conseqüência do processo de desenvolvimento urbano levado a cabo por uma das companhias urbanizadoras oligopólicas do país. (DIETZ, 2000, p. 260) Segundo Dietz (2000), parece claro que Odría sabia muito bem que naquela época nem o setor público nem o privado podiam nem estavam interessados em oferecer moradias de baixos recursos, e que a melhor ou única solução era incorporar a este expansivo setor, para assim neutralizá-lo. Assim que as intervenções do Estado formaram parte das anteriormente denominadas “políticas assistencialistas”, conformadas por programas de ‘remodelação’ e melhoramento urbano, assim como de ações de regularização ou ‘saneamento’ com a dotação de serviços e a ‘legalização’ do bairro dando-lhe um nome, assim também a concessão ao ocupante do correspondente título de propriedade, sendo que “para ao final de seu governo Odría e sua esposa tinham outorgado quase 9000 títulos de propriedade [...]” (DIETZ, 2000 p. 259). Tudo isto, pouco depois foi amparado pelo marco legal da Lei 13517 “Ley de Barrios Marginales” 10 (Lei de Bairros Marginais), que “regularizou o processo mediante o qual as barriadas podiam ser reconhecidas oficialmente, convertendo-se assim em 10 Segundo a Lei 13517 (1961), ‘Remodelação’, se explica como a adequação do bairro às normas técnicas urbanísticas básicas e de planejamento; o ‘Saneamento’ vem a ser a execução das obras necessárias de saneamento básico, como a instalação de serviços de água, esgoto, eletrificação, incluindo a construção e melhora de vias; e a ‘Legalização’ se refere ao procedimento para delimitar o bairro, dar-lhe um nome e estabelecer a situação jurídica do terreno matriz, assim como do ocupante, até o outorgamento do Título de propriedade e sua inscrição registral. 60 ‘sujeitos de ajuda” 11 (DIETZ, 2000, p. 261). Esta lei foi criada durante o governo de Prado, que “apresentou naquela época idéias progressistas sobre regularização, [...] das ‘barriadas’12 existentes” (ANEMIYA, 2003), introduzindo algumas políticas para as barriadas de Lima, desta maneira com a Lei 13517 se incorporou a função da Coorporación Nacional de la Vivienda – CNV(Corporação Nacional da Moradia), agência estatal já criada no ano 1946, “encarregada de fazer cadastros e planejamento urbano, assim como de entregar títulos de propriedade aos moradores dos ‘assentamentos humanos reconhecidos” (DIETZ, 2000, p. 262). Também se cria a constituição do Fondo Nacional para Vivienda (Fundo Nacional para Moradia) com o objetivo de incentivar a criação de associações, cooperativas de poupança e mutuais de créditos – que tinham como organismo central ao Banco de la Vivienda del Perú - BANVIP (Banco da Moradia do Perú) – segundo Dietz (2000), destinadas a modernizar e fazer mais eficiente a indústria da construção, apoiando sobretudo ao setor privado e oferecendo empréstimos ou facilidades de acesso aos programas “privados” de moradia, como único eixo de solução. Depois do governo de Prado, ”os militares que se mantiveram somente por um ano, substituíram a Corporação Nacional de la Vivienda pela Junta Nacional de la Vivienda (Junta Nacional da Moradia) que começou a implementar mais amplamente a Lei 13517” (DIETZ, 2000, p. 262), e cujas novas atribuições eram as de: Investigar o problema da moradia, formular o Plano Geral de Moradia de Interesse Social, fixar normas para as moradias urbanas e rurais destinadas a famílias de baixos recursos econômicos [...], por outro lado – assim como no Brasil – [...] promover a formação de Urbanizações populares de Interesse Social (UPIS) (INADUR, 1991, VADEMECUM del Estudio Integral 11 Sua política só ofereceu “ajuda” aos assentamentos humanos “reconhecidos” previamente, proibindo a formação de novos assentamentos e suprimindo-lhes qualquer ajuda, enquanto não seguiram as guias para a remodelação e legalização dos mesmos, exigiu para isso que os povoadores entregassem seu trabalho em troca da ajuda estatal, incorporando a “autogestão” como parte do vocabulário oficial do Estado. 12 As ‘Barriadas’, se podem denominar também ‘favelas’, ‘barracos’ ou assentamentos humanos. Segundo Córdova no livro: “La vivienda em El Perú”, são aqueles bairros formados sobre terras invadidas que não estão sujeitos a nenhum plano de traçado preconcebido ou que o são muito rudimentares; carecem dos serviços públicos e sociais mais elementares, assim como das condições de salubridade ambiental adequadas. Segundo Gustavo Rio Frio, as ‘barriadas’ são caracterizadas pelo fato de ocupar de maneira muito desordenada terrenos de escasso valor. 61 de los Programas de Vivienda ejecutados o promovidos por el Estado Períodos 1969-1990). Sendo que “na prática, por limitações orçamentárias só se deu ênfase à dimensão legal e assistencialista da intervenção, mas quase não se executaram as UPIS” (ANEMIYA, 2003). É desta forma que o Estado, através dos governos sucessivos de Odría e Prado intervém nos bairros populares de Lima, incorporando como contraponto a experiência revolucionaria cubana, com a frase característica: “Façamos de cada povoador um proprietário”, tentando desta maneira afastar o fantasma do socialismo, buscando fomentar a pequena propriedade urbana, com um marco legal adequado para reconhecer e titular pela primeira vez os bairros populares, assim como oferecer alguns serviços de melhoramento e renovação urbanos (BURGA, 1989). De acordo com os trabalhos feitos pela CEPAL sobre a marginalidade urbana na América Latina, este tipo de conduta adotada pelo Estado, de tolerar num primeiro momento o crescimento periférico dos bairros populares, se explicaria em razão desse tipo de ocupação urbana ser concebido como “[...] um mecanismo de integração na sociedade urbana dos segmentos populacionais recém-chegados à cidade, ainda que de forma marginal [...]” (ECHEVARRIA e MEDINA, 1970 apud QUEIROZ RIBEIRO e DOS SANTOS JUNIOR, 2005, p.93), já que de outra forma não se adaptariam às exigências econômicas, sociais e políticas necessárias para sua real integração à cidade. Portanto, era essencial, antes de tudo: [...] a criação de uma ‘economia moral’ capaz de gerar bens e serviços necessários à vida urbana e uma sociabilidade indutora da manutenção dos laços de pertencimento social dos indivíduos ao grupo. Os autores acrescentam que este tipo de [...] “economia moral” terminaria por suscitar uma participação na sociedade urbana, ainda que subordinada aos mecanismos do clientelismo, da qual se beneficiavam os moradores dos bairros populares das cidades da America Latina, em termos de acesso a uma parcela de recursos urbanos distribuídos pelo poder público (ECHEVARRIA e MEDINA, 1970 apud RIBEIRO e SANTOS JUNIOR, 2005, p.93). Ainda que logo estes não soubessem como tirar proveito de seu pedaço de terra, já que este tipo de políticas nunca esteve acompanhado de uma orientação adequada 62 ao povoador, nem de espaços de interlocução entre o Estado e comunidade, assim como tampouco de políticas de desenvolvimento integral e socioeconômico das comunidades. Portanto, só se deu solução a alguns dos problemas, ao passo que outros só se resolveram depois de muitos anos e graças a outros fatores. Esta linha de políticas assistencialistas teve continuidade durante o primeiro governo civil de Belaúnde (1963-1968), mas, sobretudo no discurso e não tanto na prática, já que por um lado, deu-se prosseguimento à política de permissividade da ocupação horizontal dos bairros periféricos pelos setores populares, mas, de outro, desenvolveu-se políticas de habitação mediante conjuntos habitacionais, que não atingiam prioritariamente o atendimento dos déficits de moradia das camadas de renda mais baixa, já que o financiamento para acessar a uma habitação destas, só era possível ser alcançado pelos setores de classe media13 (tais como os conjuntos residenciais de San Felipe e Santa Cruz em Lima) (BURGA, 1989). Isso significa que esse tipo de atuação do Estado para com os bairros populares poderia ser caracterizado mais como uma política de tolerância da informalidade do que uma solução efetiva face à pobreza crescente; “os assentamentos humanos e seus habitantes estavam localizados muito por debaixo na sua lista de prioridades” (DIETZ, 2000, p. 263), aprofundando mais a segregação e a exclusão urbana e trazendo maiores dificuldades para a garantia do “direito à moradia e à cidade” (LEFÉBVRE, 2001). Mas a pesar de que Belaúnde prestara pouca atenção aos pobres de Lima, algumas ações tiveram efeitos de longo alcance, como seu programa de descentralização que trouxe como resultados que os governos locais foram desde então sujeitos à eleição popular e não eleitos pelo governo central. Isto permitiu eficazmente a criação de vários novos distritos limeños compostos por assentamentos humanos, nos quais se deu vitalidade à atividade e a participação política local (DIETZ, 2000). Paralelamente, [...] enquanto as elites peruanas e seus partidos políticos tentavam desenvolver uma estratégia para ganhar o apoio da crescente população limeña entre os anos 50 e 70, os moradores dos bairros populares e assentamentos humanos não cruzaram os braços esperando que o Estado 13 Existia uma incompatibilidade entre o preço oferecido e as possibilidades de aquisição dos mais pobres, o qual incrementou o déficit dos sem moradia. 63 ou os partidos políticos atuassem em seu beneficio. Os próprios moradores (com ou sem ajuda do Estado ou dos partidos) formaram associações vizinhais com o fim de organizar-se e trabalhar por metas comuns através da ‘autogestão’ ou para apresentar demandas aos organismos do Estado. Apesar de que o Estado esteve disposto a ajudar à conformação de tais associações – sob a Lei 13517 – muitas comunidades formaram suas próprias organizações e logo demandaram ser reconhecidas (DIETZ, 2000, p. 266). Depois da intervenção sobre o existente, ou seja, das políticas de tipo assistencialistas se passou à “intervenção planificada” ou a política de “barriadas planificadas e assistidas” durante uma conjuntura e política do Estado totalmente atípica, correspondente a um período de regime militar de esquerda, a cargo do general Velasco Alvarado. O Modelo de Planejamento das “Barriadas Planificadas e Asistidas” Este tipo de planejamento particular de barriadas assistidas corresponde aos sucessivos governos militares populistas dos generais Velasco Alvarado (19681975) e Morales Bermúdez (1975-1980) também denominado de “Revolução das Forças Armadas”, mas cuja referência principal é atribuída ao regime do Velasco, o qual se disse experimentou políticas redistribuitivas, reformistas e dirigidas pelo Estado14 com uma retórica social-populista que deixava claro que “os pobres do país seriam o objetivo principal do que os militares chamavam a ‘revolução das forças armadas’ e da ‘sociedade de plena participação” (DIETZ, 2000, p. 267); por estas razões teve a iniciativa de implementar a política de “barriada planificada e asistida”. Segundo Henry Dietz, os militares deste governo: [...] não só mantiveram um claro e reiterado compromisso verbal de reestruturar o estilo corrupto e elitista dos governos anteriores, mas também aplicaram medidas sociais e econômicas para implementar suas metas, tais como a Comunidade Industrial – para transferir aos trabalhadores à propriedade e administração das empresas [...] e a amplamente discutida Lei de Propriedade Social, de 1974, medidas que tocaram a vida de milhões de peruanos. 14 Segundo Henry Dietz, todos os governos militares se caracterizaram por instituir severas limitações aos direitos humanos, mas de fato, o Peru foi a exceção notável da América Latina, o regime do Velasco Alvarado, experimentou políticas redistributivas e reformistas com participação popular, no qual os abusos aos direitos humanos foram mínimos (DIETZ, 2000). 64 Esta penetração do governo era intencional, todas as políticas eram dirigidas a incorporar o maior número de cidadãos a estas estruturas, para assim ajudar não só a sustentar a Revolução, como também prover oportunidades para que os próprios cidadãos influíssem nas decisões que afetavam sua vida diária, tanto no trabalho como na casa (DIETZ, 1986, p. 36). Foi assim, que o governo buscou atender aos setores populares com políticas que promoviam uma ocupação ordenada do espaço, procurando primeiro a realocação dos moradores das novas ocupações para zonas planejadas com fins de expansão urbana, que poderiam cumprir a função de “bolsones barriales” e permitiriam acolher a população migrante da Serra, a proveniente dos excedentes de outras favelas e a de espécies de cortiços (tugúrios) do centro da cidade, nos quais se brindava terrenos (lotes legalizados), se investia em serviços e equipamentos, mas tudo “coordenadamente” (co-gestão) através de uma participação organizada (BURGA, 1989), mas “controlada” da população. Quer dizer, a participação cidadã se limitava a organizações “aprovadas” unicamente pelas oficinas governamentais distribuídas em vários dos bairros populares e assentamentos humanos; ou seja, pese a proclamar que existisse “uma democracia social de plena participação”, todas as ações destinadas a fomentar a mobilização e a participação políticas eram criadas e dirigidas desde cima (DIETZ, 1986). Embora nos anos seguintes, “a participação ampla do povo, originalmente destinada a servir como veículo para o cambio econômico de avançada, em pouco tempo chegou a ser um fim em si mesma” (DIETZ, 1986, p. 36). O caso de Villa El Salvador é um típico exemplo disso, já que “muitas das propostas iniciais que lhe deram vida foram retomando-se, impulsionadas pela mesma população que, despojada do apadrinhamento do Estado, começou a caminhar por si só” (BURGA, 1989, p. 28). As oficinas governamentais a que nos referimos no parágrafo anterior, encarregadas de organizar, mobilizar e oferecer apoio aos assentamentos e bairros populares, assim como implementar a política de barriadas asistidas, foram duas: Num inicio a ONDEPJOV (Oficina Nacional de Povos Jovens e Assentamentos Humanos Urbanos), formada justamente quando o Governo Revolucionário substituiu à antiga Junta Nacional de la Vivienda pelo Ministerio de Vivienda e Construcción (D.L.N° 17528) (DIETZ, 1986). As funções desta eram as de coordenar todas as ações do 65 governo, trabalhar no programa de distribuição de títulos de propriedade, e promover a organização comunitária – baseada num esquema que consistia na eleição de três representantes por manzana (quarteirão) ou unidade de assentamento, chamados de secretários de coordenação, organização e economia, constituindo estes três um “comité vecinal” – assim como a realização de projetos de melhoramento comunal, todos estes deviam contar com sua aprovação (DIETZ, 1986 e ZAPATA, 1996). A ONDEPJOV funcionou por apenas dois anos, logo disso foi absorvida pelo aperfeiçoado e recém criado SINAMOS (Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social), agencia especial do Estado também encarregada de organizar e oferecer apoio às comunidades, mas através da qual se desenvolvia uma relação direta entre o poder político e os setores populares, já que cumpria também a função de canalizador na formulação de demandas da população. Por outro lado, as ações de desenvolvimento iam mais além do saneamento urbano e a legalização, “o SINAMOS enfatizou também na educação, saúde, cultura, produção e serviços, como atividades nas que a população organizada teria algo a dizer e a fazer para alcançar o desenvolvimento” (ZAPATA, 1996, p. 89). A intervenção planificada toma como base de referencia o primeiro Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano de Lima e Callao (PLANDEMET15) – documento elaborado durante a gestão do prefeito de Lima, Luis Bedoya Reyes, somente em 1967, pela ONPU (Oficina Nacional de Planejamento e Urbanismo), apesar da já existência deste organismo há 20 anos – no referente aos planos de expansão urbana e aos usos a serem destinados para aquelas zonas (ZAPATA, 1996). No referente aos projetos de organização e melhoramento comunal, estes foram sendo implementados com a formulação dos Planos Urbanos (criação de planos de manzaneo e loteamento com um desenho original que promoveria o espírito “autogestionário” já que cada um dos “grupos residenciais” funcionava como “pequenas comunidades urbanas”, além dos planos de infra-estrutura básica, de 15 Sobre a base do Plandemet se aprovou o Plano de Zonificação de Lima Metropolitana 19771990. Porém, poucas de suas intenções lograram concretizar-se. 66 serviços comunitários e os de promoção econômica) – feitos por profissionais encarregados pela Prefeitura de Lima, os quais também apoiaram com assistência técnica in situ (ZAPATA, 1996) – e os Planos de Desenvolvimento Urbano Integral Local, elaborados a partir das iniciativas e aspirações dos próprios moradores que tiveram uma participação ativa no processo de desenvolvimento de sua comunidade em diferentes áreas, com a inovadora estratégia da “autogestão”16, que tem permitido notáveis avanços em alguns bairros populares, tal como é o caso de “Villa El Salvador” e “Huaycán”, situados nos cones Sul e Leste respectivamente na cidade de Lima - Perú, sendo a primeira, quer dizer, a comunidade de Villa El Salvador17 (1971) a que surgiu como a primeira experiência de barriada planificada e que, em pouco tempo, deixou de ser um assentamento humano (favela) para se desenvolver e transformar num distrito totalmente consolidado e reconhecido. A política urbana de “barriada planificada e assistida” e o SINAMOS foi decrescendo durante o subseqüente governo militar, a cargo do general Francisco Morales Bermúdez (1975-1980), num momento que o Perú começou a atravessar uma crise 16 A autogestão é um termo muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista, tem a ver com a idéia de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento. (BURGA, 1989, p. 19). Mas este termo já havia sido apropriado durante o governo do Prado. 17 No Perú, o fenômeno que inspirou algumas publicações, estudos e debates foi a transformação em curto tempo do assentamento humano (favela) de Villa El Salvador em um distrito (bairro institucional) consolidado, que se denominou autogestionário, no qual se transformou terrenos eriazos em habitat urbano, e que se inscreve na política de ‘barriadas planificadas ou assistidas’ do Estado que procurava a organização da população dos bairros populares para que mediante estratégias de ‘autogestão’ e ‘co-gestão’ promovam o desenvolvimento integral de seu território. Foi assim, que promoveu a ocupação ordenada, legal e particular de Villa El Salvador, na qual os moradores aproveitando a conjuntura política se mobilizaram e conformaram uma organização sólida que denominariam logo: “Comunidad Autogestionária de Villa El Salvador (CUAVES)” e que trabalhava em função de quatro campos fundamentais de ação, chegando a formar cerca de 4000 organizações e mais de 100 grupos residenciais, reunidos por grupos de 16 quarteirões em torno a uma praça central. A particularidade da CUAVES é que sempre manteve um diálogo estreito com o Estado através do SINAMOS, e obteve resultados para suas necessidades e aspirações em curto tempo (por exemplo no caso dos serviços públicos totais Villa El Salvador em menos 10 anos, à diferença de outros bairros populares que se formaram na mesma época e obtiveram seus serviços só depois de 20 a 30 anos). Em poucos anos Villa El Salvador foi crescendo economicamente, apesar de, em certos momentos não contar mais com o apoio do Estado pelas trocas sucessivas de governo, este recebeu apoio por parte de ONGs e orçamento municipal, com os quais financiou a criação de áreas não convencionais como uma zona agropecuária, um Parque Industrial e um Sistema de comercialização e abastecimento de alimentos, que são a base que o mesmo povo gerou como parte de sua luta por construir sua própria estrutura econômico-produtiva que lhe garanta o desenvolvimento integral do distrito. 67 econômica, na qual os grupos urbanos de baixos recursos foram os que sofreram com maior força as conseqüências de tal crise. Quer dizer, quando o general Velasco foi derrocado por Morales Bermúdez, a maioria das reformas e políticas urbanas que os militares anteriores tinham levado a cabo foram congeladas ou haviam sido descartadas por este último, já que ele teve que assumir um número de decisões econômicas difíceis e politicamente anti-populares, chegando inclusive a enfrentar o movimento sindical, pressionado pela crescente inflação, os problemas do pagamento da dívida externa, o FMI e o Banco Mundial, pelas quais teve que tomar sérias medidas de austeridade. Isso levou à rápida perda da legitimação do governo militar, ao desajuste de grande número de organizações vicinais que se respaldavam em SINAMOS e a crescentes protestos contra o regime, que se fizeram visíveis através de freqüentes e massivas greves, sendo a mais representativa, a marcha organizada por 20.000 hab. de “Villa El Salvador” em protesto pelo custo da água e pela ausência de professores nas escolas e de serviços públicos de transporte (ZAPATA, 1996 e DIETZ, 2000). A única iniciativa de política urbana que iniciou dentro do governo de Morales Bermúdez e que foi continuada nos sucessivos governos de Belaúnde e do primeiro mandato de Alan García foi a criação do Fondo Nacional de Vivienda - FONAVI, (Fundo Nacional da Moradia) criado por decreto de Lei N° 22591 no ano 1979 e que inicia sua existência legal a partir da administração do Banco de la Vivienda del Perú (BANVIP), cuja finalidade era a de atender progressivamente à necessidade de moradia dos trabalhadores contribuintes e em função de seus ingressos – mas, isto excluía os trabalhadores informais ou aqueles de pouco ingresso mensal. Somado a isto, o problema principal foi a ampliação de sua finalidade principal ou específica (de moradia) para outros fins mais gerais como obras de acondicionamento da área habitável, programas de habilitação urbana, obras de saneamento e eletrificação e programas de desenvolvimento do habitat rural, dando preferência para este último tipo de obras gerais e de maior envergadura, o qual foi uma das causas do esgotamento dos recursos do fundo, que deveriam ser destinados principalmente ao financiamento de moradias e que o que trouxe foi muitas dores de cabeça aos fonavistas contribuintes, os quais iam perdendo cada vez mais a esperança e sonho 68 de ter sua “casa própria” ou a possibilidade de recuperar o seu dinheiro investido durante muitos anos (Fonte: FONAVI em Liquidação18). Faz dez anos que o FONAVI está paralisado, com o programa enfrentando a crítica dos trabalhadores que realizaram mensalmente um pagamento com a expectativa de obter sua moradia num futuro próximo e que até agora continuam esperando. Em termos gerais, fazendo um resumo do período, se pode dizer que se começou a notar um incremento nos déficits de moradia entre os anos 1961 e 1971, tendo uma leve descida entre os anos de 1972 e 1980, para novamente continuar seu incremento a partir de 1981. Este quadro se volta mais crítico ao fazer uma avaliação mais profunda da problemática de moradia, analisando os déficits qualitativos – a dizer, aquelas unidades de moradia em más condições por deterioração, carência de serviços ou outras causas afins – e os déficits quantitativos ou demográficos (ver tabela 2). TABELA 2 DÉFICIT QUALITATIVO E QUANTITATIVO DE MORADIA A NIVEL NACIONAL, URBANO E DE LIMA METROPOLITANA EM 1961, 1972 e 1981. 1961 CIFRAS DOS CENSOS 1972 1981 143080 85082 179159 - Déficit qualitativo 502653 694488 172763 - Total 2. URBANO NACIONAL 645733 779570 351922 NIVEL 1. NACIONAL - Déficit quantitativo (Demográfico) - Déficit quantitativo 20635 63761 161733 - Déficit qualitativo 238673 316297 164839 - Total 259308 380058 326572 - Déficit quantitativo 10942 27834 81373 - Déficit qualitativo 110604 159237 92213 - Total 121546 187071 173586 3. LIMA METROPOLITANA FONTE: CENSOS NACIONAIS DE POPULAÇÃO E MORADIA 1961, 1972 e 1981 ELABORAÇÃO: INADUR. Evaluación Integral de los Programas de Vivienda Ejecutados y/o Promovidos por el Estado 1991. 18 Fonte pessoal obtida a partir do Memorando N° 133-2008-EF/43.90 pelo qual se me brindou a informação correspondente ao Informe N° 015-2008-EF/43.90-CE proveniente do FONAVI em Liquidação. 69 2.1.2. Período planejamento 1980-1990: início do modelo convencional-tecnocrático de No Perú, desde inícios dos 80 até a atualidade, o Estado também começa a assumir as influências da concepção neoliberal, tentando desenvolver políticas, majoritariamente orientadas à inserção do país nos novos ritmos da economia global, o que implica adotar os enfoques neoliberais nas estratégias de ação do Estado – principalmente na cidade de Lima – visando modernizar e criar uma cidade mais atraente para a instalação de novas empresas e investidores estrangeiros. O modelo neoliberal foi incorporado como estratégia desde o segundo governo de Belaúnde (1980-1985), caracterizado pela “privatização das empresas estatais, estímulos à inversão privada doméstica e internacional, redução de tarifas e barreiras ao comércio” (DIETZ, 2000, p. 102), entre outras, que não tiveram efeitos favoráveis ao estímulo da economia. Com respeito a suas políticas urbanas (como no seu primeiro mandato) continuavam sendo principalmente, “projetos de inversão a grande escala para a construção de moradias para a classe média, recebendo menor atenção aqueles setores de baixos recursos”, quer dizer os assentamentos humanos e bairros populares informais, os quais foram deixados a sua sorte; inclusive “as iniciativas de Velasco, como a distribuição de títulos de propriedade nas barriadas e a instalação de infra-estrutura básica, se retraíram” (DIETZ, 2000). A única política de governo que apareceu em certo momento formando parte do crescimento de alguns bairros populares foi o FONAVI, que era complementado com a participação de outras entidades como o Banco Central Hipotecario, as Mutuales de Vivienda, a Empresa Nacional de Edificaciones (ENACE), o Banco de Materiales (BANMAT) – que construiu o maior número de unidades de moradia nos setores populares entre 1980 e 1982, entre outras entidades vinculadas ao setor moradia. Mas, cada qual tinha certas normas e requisitos que deveriam cumprir-se para a aquisição de uma linha de crédito ou a aceitação como “contribuinte”, que muitas vezes não facilitava o acesso à maioria de pobres urbanos, por outro lado, no caso dos projetos estatais de ENACE, estes utilizaram entre 1980 e 1982 todos os recursos do FONAVI para a construção quase exclusiva de edifícios multifamiliares 70 para setores médios e quando ingressaram eventualmente nos setores populares com um ou outro projeto de moradia popular, se guiavam por determinados protótipos de moradia que, em geral, não levavam em conta o contexto existente e nunca se chegaram a integrar ao bairro ou urbanização à que se estavam inserindo, porque não trabalhavam de forma integral senão por etapas (BURGA, 1989 e ZAPATA, 1996); além disso, às vezes ocupavam áreas que não haviam sido destinadas a moradia senão a outros fins públicos da comunidade (isto amparado pela Lei N° 23283), gerando distorção e destruindo os modelos originais – sendo o caso mais ressaltante a que se deu em Villa El Salvador. A todo o anterior se podem somar todos os problemas que trouxe com os anos o FONAVI aos seus contribuintes, já enunciados no período anterior. Mas também se pode acrescentar que foi durante o presente governo de Belaúnde que começa a iniciativa do Estado de: [...] declarar de interesse público e de prioridade nacional a execução em terrenos “eriazos” do programa denominado “Techo Própio” (TEPRO), baixo a Lei N° 23948, cujo objetivo era de outorgar lotes de terreno eriazos a pessoas naturais não proprietárias nem possuidoras diretas de imóveis urbanos em nenhum outro lugar da República do Perú. Os lotes seriam entregues com obras mínimas de execução imediata (Traço, acondicionamento de vias e loteamento com demarcação com nodos permanentes), sendo o regulamento do programa aprovado por D.S N° 00185-VC (INADUR, 1991, VADEMECUM del Estudio Integral de los Programas de Vivienda ejecutados o promovidos por el Estado - Períodos 1969-1990). A lei foi criada ainda durante o governo de Belaúnde, mas sua real implementação e funcionamento começa a partir do governo de Alejandro Toledo, que abre uma carteira de créditos distribuídos pelo Fondo Mi Vivienda (Fundo Minha Habitação), organismo que faz parte do Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento. Portanto, o funcionamento do programa Techo Próprio será abordado posteriormente e de forma mais ampla durante o correspondente governo de Alejandro Toledo Manrique. Por outro lado, Belaúnde foi eleito “para governar uma sociedade que ao mesmo tempo era propensa à participação e à mobilização” (em parte impulsionada ao 71 longo do governo militar de Velasco) e “que esperava e necessitava mais de parte do Estado” (DIETZ, 2000, p. 218). No entanto, [...] as estratégias neoliberais e as políticas de estabilização do FMI que o governo de Morales Bermúdez tinha iniciado, produziram dificuldades econômicas, especialmente nos bairros populares e grupos de baixos recursos do país (DIETZ, 2000, p. 218). De igual forma Belaúnde, na intenção de desenvolver algumas iniciativas de organização comunitária ressuscitou o Cooperación Popular- Coop. Pop (sua organização para o desenvolvimento comunitário do seu primeiro governo), mas nunca teve suficientes fundos e nem chegou a existir efetivamente (DIETZ, 2000). No ano de 1983, foi um ano de eleições municipais em todo o país e a Izquierda Unida - IU, encabeçada por Barrantes, ganhou a alcaldía (prefeitura) de Lima e a simpatia das classes baixas de Lima, já que ele instaurou uma quantidade de programas destinados a beneficiar as classes baixas da cidade, um desses foi o Vaso de Leche, destinado a beneficiar a um milhão de crianças limeñas por dia e que ajudou a organizar a mais de 7500 comités (associações) para a implementação do programa em todos os bairros populares e assentamentos humanos da cidade, assim como a criação de comedores populares (restaurantes populares), programas que ao pouco tempo se estenderam por todo o país (DIETZ, 2000). Também durante seu governo e ao final de 1984, a população de menores recursos começou a receber de novo o apoio direto do Estado a nível local, quer dizer, Barrantes e sua nova administração promoviam a formação e desenvolvimento de alguns bairros populares e comunidades, de acordo a sua política que propugnava o desenvolvimento e proposta de modelos de organização de “empresas autogestionárias” para a satisfação dos problemas de moradia em co-gestão com a prefeitura; como no caso do atual distrito de Carabayllo e a Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán, sendo esta última a que recebeu a atenção especial do político visionário, que com idéias provenientes de experiências européias, queria também, assim como em Villa El Salvador, começar a edificar uma espécie de cidade-jardim ou cidade-empresa que fosse auto-sustentável em vários aspectos, quer dizer a proposta partia de uma concepção urbanística e arquitetônica que contemplava o valor social e organizativo como um aspecto fundamental na solução 72 física do problema da moradia popular, portanto teve uma grande influência no crescimento e desenvolvimento do atual Centro poblado de Huaycán. (Fonte: entrevista a dirigente da CUAH, 2008; INADUR, 1991, Sintesis Global del período 1980-1985 e TÁVARA, 2007) O governo que segue a continuação foi o de Alan Garcia Pérez (1985-1990), quem durante sua campanha prometeu reverter o enfoque ortodoxo e dedicar-se a políticas e metas democráticas, mas só nos dois primeiros anos de seu governo se apresentaram melhoras significativas em várias áreas chaves, como a expansão do PNB. Em relação aos bairros populares, as iniciativas de governo se limitaram a desenvolver quatro programas de assistência de emergência (no enfrentamento do caos econômico) para oferecer emprego e ingressos aos grupos de mais baixos recursos, estes foram: O PROEM, quem promovia emprego fora das enormes restrições laborais, o IDESI, que promovia acesso ao crédito para micro-empresas em áreas urbanas, o PAD, quem trabalhou com os comedores populares e ofereceu uma ou outra infra-estrutura nos assentamentos humanos de Lima e por último o PAIT, que deu emprego, mas só de caráter “temporário” a um grande número de povoadores dos assentamentos para a construção de obras públicas (a maioria monumentos faraônicos sem sentido), pagando-lhes salários mínimos. Todos tiveram um começo vitorioso, mas as severas dificuldades financeiras dos anos seguintes a 1987, as inadequações do aparato administrativo do Estado, assim como a natureza politizada e freqüentemente clientelística do APRA de impor controle sobre as organizações e movimentos populares foram os motivos do fechamento de cada um destes programas (DIETZ, 2000). Paralelamente, o Estado assume neste período uma atenção prioritária aos setores de menores ingressos com a modalidade de “habilitação progressiva”, mas muito destes projetos tiveram nos anos seguintes altos níveis de desocupação, por várias razões: critérios técnicos errôneos ou a falta destes, respeito a sua localização ou até o sobre-dimensionamento nos requerimentos reais da demanda da população que dentro de um período de incremento da crise econômica, se encontrava no nível 73 ou abaixo do standard de subsistência, o qual fazia destinar o mais mínimo recurso econômico ao rubro de alimentação. Também, [...] os recursos do FONAVI durante o governo de Garcia, não só se orientavam aos projetos de ENACE, SENAPA e aos financiamentos correspondentes ao Banco de Materiales (BANMAT), como em 1982, senão que se tinham diversificado em vários outros, de tal jeito que ENACE absorveu o 51.4%, o BANMAT, as SEDAS e SENAPA o 8.8%, o PRATVIR (Projeto para o Acondicionamento Territorial e Moradia Rural) o 4.4%, e as mutuais de poupança e préstimo o 19.7% (INADUR, 1991, Sintesis Global del periodo 1985-1990). Quer dizer, os recursos exclusivos para o financiamento ou empréstimos para moradias ficaram reduzidos neste período, sendo que o déficit de moradias se fez mais crítico do que em períodos anteriores (1969-1979 e 1980-1985) (ver tabela 3), podendo-se verificar isso ao fazer a análise da relação entre o incremento da população e a oferta de moradia que outorgava tanto o Estado como o mercado imobiliário (INADUR, 1991, Sintesis Global del período 1985-1990). TABELA 3 AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES DE MORADIA EM LIMA METROPOLITANA (PERIODOS 1969-1990) PERÍODOS OFERTA DE MORADIA (*) DÉFICIT ACUMULADO NO PERIODO 1969-1979 252472 319275 1980-1985 131843 263827 1986-1990 120629 334800 (*) Oferta do mercado imobiliário mais oferta do Estado. FONTE: CENSOS DE POPULAÇÃO E MORADIA 1961, 1972 e 1981. ELABORAÇÃO PROPIA A isto, pode-se acrescentar os abusos que se cometeram ao usar de forma errônea a Lei N° 23283, utilizando para fins de moradia não só os terrenos urbanos de propriedade do Estado, como também aqueles de propriedade privada sem uso, o qual provocou uma série de denuncias e juízos que até a atualidade seguem levando a cabo os proprietários de aqueles terrenos. 74 2.1.3. Período 1990-2008: continuação do modelo tecnocrático e surgimento de novas concepções de planejamento No âmbito metropolitano em geral, a atuação principal do Estado neste período de tempo passa a estar voltada à construção de grandes complexos arquitetônicos de comércio e negócios, assim como, as quase obsessivas propostas de melhoramentos ou construções de anéis e intercâmbios viários, avenidas e vias expressas, baseados no segundo PLANDEMET - Plano de Desenvolvimento Metropolitano de Lima e Callao 1990-2010 (plano urbano de perfil tecnocrático elaborado durante a gestão do prefeito de Lima: Ricardo Belmont Cassinelli ao início de 1990, mas que foi revisado, avaliado e atualizado ao final de 1991, junto com a criação do Instituto Metropolitano de Planificación - IMP), ou nos “Planos Estratégicos” Municipais – que vão mais no sentido do melhoramento das condições econômicas e impulso produtivo ou empresarial do setor do que no aprimoramento das condições de existência e desenvolvimento humano e social – muitas vezes não vinculados à nenhum plano, caindo no esquema adotado por vários países, como diria Maricato, das “idéias fora do lugar e o lugar fora das ideais” (MARICATO, 2000). O PLANDEMET 1990-2010, que vigora até a atualidade, se criou com a finalidade de combater as supostas tendências negativas do crescimento da Metrópole, procurando o ordenamento urbano, que implica a: desconcentração funcionalterritorial metropolitana, o descongestionamento do Centro Histórico de Lima, a elevação da densidade urbana e a incorporação “seletiva e programada” de áreas de expansão urbana. Para começar, o esquema de desconcentração funcionalterritorial metropolitana fomenta a exclusão social e a segregação urbana, porque localiza as principais atividades comerciais e financeiras à Área Central Metropolitana, e de serviços de nível metropolitano ao eixo Lima - Miraflores (que abarca as zonas onde vivem e trabalham as classes medias e altas de Lima), no entanto, para as Áreas Urbanas Desconcentradas, que abarca os distritos menores e os bairros populares (onde se localizam as classes baixas de Lima); o Plano só se limita a enunciar a provisão de equipamentos e serviços de nível inter-distrital e local, assim como a promoção de atividades econômicas nesses âmbitos – como se 75 fossem suficientes para o desenvolvimento daqueles setores – “com a finalidade de diminuir os deslocamentos da população” há a Área Central e ao eixo Lima Miraflores, (limitando a livre mobilidade e escolha de realização pessoal de cada ser humano), isto expresso claramente no mesmo PLANDEMET no Cap. V da Concepção do Plano (IMP, 1990). No referente à elevação da densidade urbana, o PLANDEMET propõe intensificar a ocupação e uso da área urbana “ocupada” e o aumento da renda, quer dizer não propõe maiores áreas de expansão urbana, exceto a incorporação “seletiva e programada” de longo prazo e somente de formas de ocupação do solo ligadas a atividades produtivas, especialmente os assentamentos humanos que organizem ou se organizem em função de atividades agropecuárias e agroindustriais e sistemas de comercialização alternativos (dos produtos gerados em centros de aprovisionamento, mercados e férias) (IMP, 1990), de novo limitando a livre organização comunitária, que poderia querer organizar-se a partir de outros fins que reflitam os desejos e metas coletivas para o desenvolvimento comunitário, alias o PLANDEMET supõe que a maioria das áreas para expansão urbana são férteis, sendo que na realidade as áreas livres que tem diminuído com o crescimento acelerado da cidade são em sua maioria terrenos de condição eriaza. Mas fazendo uma revisão geral desde os anos 1990 até a atualidade, podemos inferir que dos objetivos e finalidades para o qual foi concebido o PLANDEMET, quase os únicos projetos realizados são aqueles referentes ao melhoramento dos aspectos físico-espacial da cidade na Área central e eixo Lima - Miraflores (remodelações de parques, placas e avenidas), mas, principalmente o correspondente ao ordenamento viário (intercâmbios e anéis viários, avenidas, vias expressas, etc.), como já foi abordado inicialmente. Sendo que, no caso especifico dos bairros populares unicamente se restringe a propor uma ou outra obra pública, mais que tudo equipamentos públicos comunitários e especialmente asfaltamento de ruas e avenidas locais, é dizer tampouco oferece nenhum tipo de solução de nível integral. 76 Tudo isso, somado ao perene e até cansativo discurso democrático, que também foi incorporado na retórica do PLANDEMET em um de seus objetivos que propunha a “incorporação das experiências de participação comunal no desenvolvimento urbano da metrópole”, em lembrança, especialmente da experiência de Villa El Salvador, mas este foi um mais dos objetivos que ficou só no papel, porque a nomeada democracia, na modalidade que assumiu e assume na realidade não permite uma participação popular plena nos espaços públicos e tampouco consegue um dialogo direto entre Estado e população, onde se dê uma resposta imediata às exigências e necessidades principais dos bairros populares ou assentamentos humanos, como no caso do SINAMOS, durante o governo de Velasco. Os espaços públicos atualmente e em sua maioria servem como um teatro para poder legitimar os processos políticos vigentes, inclusive aqueles nos quais se debatem os orçamentos e os planos que poderiam alterar as condições de vida e rumo das cidades. Portanto, nos anos 1990, [...] a população dos bairros populares percebia a participação no âmbito local, como um meio mais viável para sobreviver, que intentar extrair recursos e atenção de parte do Estado, o qual se tinha convertido em uma fonte pouco confiável de assistência [...] (DIETZ, 2000, p.233). Também nos anos 1990, no marco da Agenda 21 Local, iniciou-se um processo de construção de alianças entre autoridades locais, empresas e instituições públicas, sociedade civil (ONGs19 e movimentos sociais) e associações empresariais (locais e nacionais) para a construção dos Planos estratégicos locais ou municipais – já nomeados no parágrafo inicial – mas pela metodologia e enfoque principalmente econômico e empresarial ao qual vão dirigidos, nunca alcançaram a ter os resultados, a magnitude de alcance e a continuidade que chegou a ter a experiência comunitária da CUAVES com seu “Plano de desenvolvimento Integral de Villa El Salvador”. Apesar desse quadro, é preciso reconhecer que se criaram e se desenvolvem ainda, no Perú, políticas que foram voltadas para resolver os problemas dos bairros populares, mesmo que se restrinjam a alguns programas pontuais que não formam 19 Algumas das ONGs que vêm trabalhando de maneira participativa são: o Foro Cidades para a Vida, desde 1997, com uma proposta do Projeto Manual de Agenda 21 Local para as cidades do Perú, também CARE-Perú; e a partir dos anos 80, DESCO (Centro de Estudios y Promoción del Desarrollo). 77 parte de plano nenhum. Mas para explicar cada um destes programas e políticas urbanas é preciso localizá-las dentro do correspondente período de governo no qual começaram a serem implementadas, as principais são: O programa COFOPRI – Comissão de Formalização da Propriedade Informal e o RPU (Registro Predial Urbano) decorrente da Lei de Promoção de Acesso à propriedade Formal (Dec.Leg. N°803), que surgiu no ano 1996 a partir da influência das idéias de De Soto20 contando com a assistência e ajuda do Banco Mundial no governo de Alberto Fujimori (1990-2000) – e que ainda continua em funcionamento no atual governo de Alan Garcia – busca formalizar e integrar à população das áreas informais ao mercado, implementando um sistema ‘paralelo’ desburocratizado e expeditivo de formalização da propriedade, para converter em proprietários todas as famílias ‘possecionarias’ dos assentamentos informais, a fim de que tenham livre aceso ao mercado imobiliário formal e aos créditos, que lhes permitam acessar aos serviços básicos e sustentar seu próprio desenvolvimento. (TURKSTRA, 2000 apud ANEMIYA, 2003). Mas, apesar de todas as expectativas criadas, o programa por si mesmo não integrou nem garantiu o desenvolvimento físico e socioeconômico dos bairros onde se fez o processo de titulação. Na realidade, este programa: [...] contradiz o processo de melhoramento urbano. Portanto, não se pode afirmar que é o primeiro passo em um processo de inclusão urbana, mas sim, de um processo legal de exclusão urbana. A formalização da propriedade do solo tem “formalizado” estas famílias em sua condição de excluídos (RIOFRÍO, 2006). Além disso, não todos os moradores dos bairros populares adotam por acessar um crédito, simplesmente porque uns não estão interessados e outros porque não querem correr o risco de hipotecar sua moradia ou ficar amarrados a um crédito por muitos anos, entre outros fatores a ser analisados mais adiante. Outra das políticas do governo central que foi e continua sendo uma grande fonte de ajuda social na implementação e desenvolvimento dos bairros populares e setores 20 O economista Hernando de Soto, no seu livro: “O mistério do capital”, explica a forma como o imenso e inativo capital da propriedade informal integrado ao mercado formal pode garantir o melhoramento econômico dos pobres urbanos e, portanto do país. 78 de baixos recursos, não só das áreas urbanas como também rurais, é o FONCODES - Fondo Nacional de Compensación y Desarrollo Social, criado a partir do Decreto Legislativo N° 26157 no ano 1991, com um enfoque de política de desenvolvimento com ênfase na luta contra a pobreza, também dentro do governo de Alberto Fujimori e continuado nos sucessivos governos de Alejandro Toledo e o atual governo de Alan Garcia; cujo objetivo central é de financiar a execução de Projetos de Inversão Social, em todo o país, preferencialmente o fomento do emprego, desenvolvimento de obras de saneamento, de programas de saúde, de educação, fomento à micro-empresa e a atenção de situações de emergência. O fomento do emprego se dá através da geração de capacidades que possibilitem elevar os ingressos das famílias pobres e a eventual contratação temporária de mão- de-obra local, quer dizer da mesma comunidade organizada onde se executa a obra de beneficio social21. Com respeito ao tema de promoção de emprego temporário podemos citar a continuação o Programa social produtivo urbano “A trabajar urbano” (A trabalhar urbano), criado por Decreto de urgência N° 130-2001 já dentro do governo de transição de Valentín Paniagua (2000-2001) surgindo como parte de uma medida de emergência à recessão econômica de mais de quatro anos, que durou até fins de 2001. Este programa continuou nos sucessivos governos de Alejandro Toledo e no vigente governo de Alan García, apenas mudou de nome para o Programa de emergência social produtivo “Construyendo Perú” (Construindo Perú), mas estando sempre voltado à geração de ingressos temporários oferecendo emprego aos moradores e moradoras das comunidades para o co-financiamento de obras públicas que incentivem o desenvolvimento local22, porém principalmente obras simples e de curta duração, portanto o trabalho deles acaba quando terminar cada obra, e tampouco existe uma continuidade imediata de uma obra a outra, portanto não conduz a uma estabilidade econômica. 21 Fonte pessoal obtida a partir da descarga do Decreto de Lei publicado no diário oficial “El Peruano”, assim como da pagina web do programa Foncodes: http://www.foncodes.gob.pe/. 22 Fonte pessoal obtida a partir da visita à pagina web do programa Construyendo Perú: http://www.construyendoperu.gob.pe/. 79 A respeito dos projetos de habitação, o Estado que era o encarregado dos financiamentos e créditos para subvenção de moradias no período anterior de 19801990, os abandona neste período, preferindo transferir ao mercado o papel de distribuidor de recursos e inversões para o desenvolvimento do solo urbano e a construção de moradias (ANEMIYA, 2003), como é o caso do Fondo MiVivienda S.A. (Fundo Minha Habitação), que é uma empresa de direito privado, criada em 1998 no governo de Alberto Fujimori (e que continua suas funções até hoje), mediante Lei N° 26912 e compreendida sob o âmbito do Fondo Nacional de Financiamento de la Actividad Empresarial do Estado - FONAFE, adstrita ao Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento. A partir disso o Estado tem oferecido através do Fondo MiVivienda programas de habitação básica, sendo o mais representativo e com maior auge durante os últimos anos, mas que se inicio a partir do governo de Alejandro Toledo, o programa Techo Própio (Teto Próprio) que permite acessar a um lote numa área de expansão urbana e que está dirigido a famílias que recebem uma renda ‘conjugal’ equivalente a três salários mínimos ou que contam com pelo menos 10% do preço da obra em poupança23, mas requer um processo extenso de aprovação tanto do projeto como das famílias, que muitas vezes deixa na incerteza a muitas delas, e por outro lado tem sido aproveitado em beneficio particular dos promotores imobiliários, as quais fazem mal uso dos recursos destinados às moradias, barateando na construção das mesmas. Outro dos programas de habitação que corresponde também ao Fondo MiVivienda e que foi incorporado dentro do atual governo de Alan Garcia é o Proyecto Mi Hogar, mas este já não é dirigido às famílias de menores recursos, porque para acessar um crédito destes, as exigências no referente ao salário mensal são maiores (aproximadamente 4 salários mínimos ou mais dependendo do valor da moradia) entre outros, exigidos pelas Instituições Financeiras (Bancos, edpymes, caixas rurais, caixas municipais, cajás de poupança e Crédito, entre outras.) 24, quer dizer 23 Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Fondo MiVivienda S.A. , assim como de sua pagina web: http://www.mivivienda.com.pe/. 24 Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Fondo MiVivienda S.A. , assim como de sua pagina web: http://www.mivivienda.com.pe/. 80 este programa principalmente é dirigido às famílias de classe média, assim como eram os projetos de habitação da época de Belaúnde. Também ainda se desenvolve o programa de financiamento para a autoconstrução, construção e ampliação de moradias com empréstimo de materiais, através dos créditos outorgados pelo Banco de Materiales (BANMAT) 25 , empresa estatal de direito privado fundada no ano 1980 por Lei N° 23220, dentro do segundo governo de Belaúnde e que funciona até a atualidade (INADUR, 1991, VADEMECUM del Estudio Integral de los Programas de Vivienda executados ou promovidos pelo Estado - Períodos 1969-1990). O Banco de Materiales, no inicio, utilizava os recursos do FONAVI para o financiamento de moradias principalmente nos bairros populares e chegou a ser considerado como o organismo que prestou maior ajuda a estes setores (INADUR, 1991, Sintesis Global del período 1980-1985), mas que nos últimos anos incrementou o tipo de requisitos necessários para ser credor de um de seus créditos, assim como os juros mensais, impossibilitando a disponibilidade de acesso da maioria de população dos setores populares. Por outro lado, um inconveniente que sempre afetou aos solicitantes de financiamento é a demora pelo processo longo dos trâmites burocráticos prévios à aprovação dos expedientes para a aquisição do empréstimo, além disso, têm existido casos de clientelismo político na aprovação de determinados projetos, nepotismo na colocação de funcionários do banco ou de determinados financiamentos, entre outros não tão esclarecidos, como malversação de recursos. Já durante o penúltimo governo de Alejandro Toledo (2001-2006), continuam se desenvolvendo os projetos de FONCODES, os programas A trabajar urbano e, sobretudo com maior ênfase o programa Techo Próprio. Alem disso, no ano 2001, se incorpora um novo programa do Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento, nos referimos ao programa Mi Barrio (Meu Bairro), dirigido á população dos bairros urbanos populares para melhorar de forma “integral” o seu entorno habitacional e condições de vida, com obras de infra-estrutura urbana, serviços de água e esgoto, pistas e calçadas, serviços comunais e áreas verdes, 25 Pagina web do BANMAT: http://www.banmat.org.pe/. 81 mediante o financiamento compartido e a participação conjunta do Governo Central (através do Ministerio de Vivenda), governo local e comunidade do bairro em inversões e intervenções de natureza física, social, ambiental, legal e institucional, assim como a realização de ações de desenvolvimento social e comunitário26. Este programa ainda que começasse com muitas expectativas não chegou a ser implementado em muitos bairros populares, isso talvez se deva ao fato de que não se chegaram a concretizar os esforços e recursos conjuntos entre os atores responsáveis, portanto os objetivos principais do programa que eram de luta contra a pobreza, precariedade urbana e integração física, social e econômica destes bairros à cidade, só se resolveram de forma mínima. Agora analisando o panorama geral de uma perspectiva mais ampla, existe uma evidência preocupante, no sentido que não se tem um Plano Integral de desenvolvimento de Lima Metropolitana que oriente a transformação sócio-espacial da cidade, no sentido amplo da palavra “desenvolvimento”, quer dizer, que permita um melhoramento não só das condições físicas, econômicas e legais, como também, sociais, ambientais e culturais de “toda a cidade metropolitana”, quer dizer, incluindo a todos os setores sem exceção, só existem planos de desenvolvimento urbano a nível distrital, que na sua maioria se revelam inconsistentes e improvisados. Aliás, como já sabemos o documento do qual se rege na atualidade a Municipalidade de Lima é o PLANDEMET 1990-2010, mas que só consiste num plano urbano metropolitano de corte tecnocrático, que não propõe nenhuma solução aos problemas dos crescentes assentamentos humanos e bairros populares, e unicamente se restringe a propor ao interior destes, uma ou outra obra pública, mas que tudo referente a equipamentos públicos comunitários e, sobretudo asfaltamento de ruas e avenidas, porém tampouco se oferece nenhum tipo de solução ao tema do déficit de moradias e de emprego, nem do desenvolvimento das capacidades humanas e sociais. 26 Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento, assim como da pagina web do programa Mi Barrio: http://www.vivienda.gob.pe/ mibarrio/. 82 Nessa perspectiva crítica, vale à pena destacar duas propostas ou alternativas que foram elaboradas em Lima e que podem ser consideradas como parte das novas concepções de planejamento urbano, mas que efetivamente não foram implementadas ou ficaram inconclusas. Essas são o “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” (1997) e “Por uma Lima e um Callao Verdes” (2007), que junto às experiências brevemente abordadas da “Comunidad Autogestionária de Villa El Salvador” e a “Comunidad Autogestionária de Huaycán”, parecem tentativas no sentido de buscar realizar cidades mais justas, igualitárias, democráticas e sustentáveis, já que incorporam em suas diretrizes e propostas, aspectos que se aproximam da nossa concepção e ideário do que consideramos como Planejamento Integral Urbano Sustentável. Por esta razão, estas experiências e propostas serão apresentadas mais detalhadamente, assim como avaliadas no capítulo seguinte. 2.1.4. Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Perú Conforme ao desenvolvido anteriormente, podemos notar que as políticas urbanas dirigidas aos bairros populares no Perú apresentaram e apresentam ainda características particulares, que foram agrupadas em três modelos de intervenção correspondentes a determinados períodos de tempo, compreendidos entre os anos 50 até a atualidade. Ao interior destes períodos, as políticas urbanas para bairros populares no Perú (representadas em planos, programas e projetos) sofreram diferentes mudanças conforme os sucessivos períodos de governo, mostrando serem na maioria dos casos políticas de curta duração ou que ficaram inconclusas, mas que em outros casos vigoraram por muitos anos, sendo que algumas ainda funcionam na atualidade, no entanto poucas destas tenham mudado só de nome. Portanto, para efeitos de mostrar uma ilustração mais clara do inicio, funcionamento e vigência das políticas urbanas para bairros populares no Perú, oferecemos na continuação um gráfico à maneira de resumo (Gráfico 2) donde elaboramos “a linha do tempo” das políticas urbanas anteriormente apresentadas no subcapítulo 2.1. GRÁFICO 2 83 84 2.2. Avaliação crítica das políticas implementadas para o desenvolvimento dos bairros populares no Perú. A principal dificuldade das políticas urbanas para bairros populares enunciados anteriormente – que vai mais além dos problemas internos ou de funcionamento das mesmas – é que não formam parte de uma política ou plano integral de desenvolvimento, quer dizer não contam com uma visão holística que abarque todas as esferas sócias e âmbitos de desenvolvimento, de forma participativa e sustentável, portanto, como expliquei no inicio, só permitem resolver alguns problemas dos bairros populares, deixando sem solução outros também relevantes. Por conseguinte, não chegam a solucionar de maneira efetiva a problemática da cidade, decorrente da crescente pobreza urbana, do processo de exclusão, marginalidade e da apropriação desigual do espaço social urbano. Mas tentando avaliar por períodos de governos, podemos denotar que durante o primeiro período analisado, a atuação do Estado em relação aos bairros populares – ou nas denominadas “barriadas” populares – não chegou a representar um desenvolvimento integral e substantivo nas condições de vida dos moradores dos bairros populares nos quais se introduziu políticas de tipo “assistencialistas”. A “barriada” por si mesma era pensada como “a solução” naquela época de contínuas migrações da população da serra e selva à capital limeña, quer dizer existia uma política de permissividade da ocupação horizontal, mas sem que se previsse nenhum tipo de programa de moradia popular para estas, portanto a “autoconstrução” e construção espontânea vinham a ser a única solução viável que encontravam os mesmos moradores para enfrentar o déficit de moradia. A partir dessa realidade existente, o Estado e suas políticas “assistencialistas” só intervinham no interior destas barriadas ou bairros populares para tentar “curar os erros já cometidos”, quer dizer, da forma e condições de desordem e insalubridade em que já se encontrava a ocupação informal, como conseqüência da omissão do poder público. Portanto, as intervenções realizadas, referentes às políticas de remodelação, saneamento e legalização só lograram solucionar uma parte dos problemas, mas em geral o que fizeram foi incrementar e consolidar ainda mais a problemática existente; a isto se pode adicionar a falta de programas de promoção 85 do emprego e a ausência da participação ativa da população nas intervenções realizadas. Com efeito, o não compromisso com a inclusão social bloqueava as oportunidades de acesso à cidadania da população dessas áreas, que percebiam como inalcançáveis a realização de seus propósitos à nível pessoal e como comunidade. Dentro do mesmo primeiro período avaliado, das políticas assistencialistas passamos ao tipo de política correspondente às “barriadas planificadas e asistidas” cujo exemplo mais representativo vem a ser a Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador e que guarda semelhança com a política de desenvolvimento de bairros populares promovida posteriormente durante o governo municipal de Lima de Alfonso Barrantes, com a proposta de modelos de organização “autogestionários”, cujo caso mais representativo é a Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán. Em relação a estes casos, ainda que tenham se traduzido em um par de experiências pontuais, e apesar de ter-se inserido durante conjunturas políticas de características particulares, nas quais a população teve que adaptar-se ou enfrentar determinadas condições ou situações do sistema de governo, as propostas iniciais para aqueles bairros populares como parte das políticas do Estado, tem tido um enfoque mais holístico ou integral para atender os temas de desenvolvimento para estas áreas, buscando de alguma maneira atender aos aspectos ou âmbitos físicoespacial, legal, econômico, cultural e social dos moradores e sua comunidade. Nessas experiências, ressalta-se a particularidade desses diferentes âmbitos de desenvolvimento serem trabalhados conjuntamente com a população local buscando continuamente sua participação ativa e, portanto a inclusão social, assim como também sua inserção no espaço territorial-metropolitano. Mas, ao nosso ver infelizmente, este tipo de políticas não foi continuado nos sucessivos governos pelas continuas mudanças de tipos de governo e pelos diversos enfrentamentos às crises econômicas dos anos seguintes. O período seguinte, que corresponde ao inicio do modelo convencional-tecnocrático de planejamento, está caracterizado em linhas gerais pela influência da concepção neoliberal, que se reflete em suas políticas urbanas pontuais e desvinculadas de 86 qualquer plano, voltadas, majoritariamente, a atender principalmente ao capital privado nacional e estrangeiro com uma atenção menor para os bairros populares e setores de baixos recursos. Para começar, em relação às políticas pontuais referentes aos programas de habitação popular, o governo, desde o início deste período até hoje, tende a cair no erro de colocar em mãos de Bancos ou instituições de direito privado, quer dizer nas mãos do mercado, a administração e distribuição dos fundos para moradia de interesse social – sejam de fontes nacionais ou estrangeiras, provenientes dos organismos de cooperação internacional ou de agencias de fomento multinacionais. Isto outorga a estas instituições o direito de colocarem a seu critério, taxas de interesse e juros muito acima do “bolso” dos mais pobres, ou senão requisitos que não contemplam as condições de vida de grande parte da população que necessita acessar crédito para sua habitação. Portanto, a maioria dos projetos de habitação popular de iniciativa do governo, mas a cargo das diversas instituições privadas, quase sempre é voltada para o atendimento das classes medias, ou só esteve ao alcance destas. Por essa razão, programas como o FONAVI 27 (Fundo Nacional da Moradia), que se encontrava sob a administração do Banco de La Vivienda Del Perú (BANVIP) e era complementado com a participação de entidades como o Banco Central Hipotecario, as Mutuales de Vivienda, a Empresa Nacional de Edificaciones (ENACE) e o Banco de Materiales (BANMAT) não chegaram a cobrir a demanda de moradia popular, que incrementou consideravelmente entre os anos 1980 e 1990. Exceção deve ser feita ao BANMAT28, que com a modalidade de habilitação progressiva construiu o maior número de unidades de moradia nos setores populares entre 1980 e 1982, em contraponto com o programa ENACE que na mesma época se voltou principalmente para a construção de edifícios multifamiliares para classe média. Por outro lado, a construção de moradia popular – pela mesma preferência do capital e da administração privados – tem sido encarregada a consultorias e empresas 27 Além dos problemas particulares que o FONAVI trouxe consigo nos anos seguintes e que já foram abordados anteriormente no final do período 1950-1980 e a inícios do período 1980-1990. 28 Além dos inconvenientes que o BANMAT gerou aos prestamistas desde o ano 2002, assim como sua vinculação direta com os partidos de governo vigentes, já abordado dentro do período 19902008. 87 construtoras privadas, as quais sempre inventam estratégias para ganhar um excedente ou lucro acima do normal, seja através do barateamento de materiais de construção, de mão de obra inexperiente e mal paga, ou de formas ineficientes de construir. É por uma destas razões que o programa Techo Próprio (Teto Próprio) não tem coberto ainda a demanda de moradia nem obtido os resultados nem os objetivos propostos inicialmente, embora seja o projeto que mais êxito teve – sobretudo no penúltimo governo de Alejandro Toledo – pela sua maior facilidade de acesso das camadas sociais mais pobres. Na continuação do modelo tecnocrático de planejamento, o exemplo mais representativo da política urbana desenvolvida foi o Plano de Desenvolvimento Metropolitano de Lima - PLANDEMET 1990-2010, que consiste num plano urbano de corte e perfil técnico, quer dizer, onde são definidos unicamente instrumentos técnico-normativos orientados ao desenvolvimento físico da metrópole (principalmente das áreas que considera mais importantes: Área central e eixo Lima - Miraflores) e que não propõe elementos para o desenvolvimento integral da cidade como um todo, incluindo a sua população em geral. Em nossa opinião, este plano fomenta, com efeito, a segregação urbana e a exclusão social, afastando os setores populares das áreas centrais e mais bem providas da cidade, com medidas e instrumentos que reprimem a liberdade destas pessoas de poderem fazer suas próprias escolhas de vida. O prosseguimento do modelo tecnocrático se caracteriza por uma maior expansão de políticas pontuais, quer dizer aqueles programas ou projetos específicos feitos para determinados fins, mas que não se integram ou não formam parte de nenhum plano que os organize ou os oriente. Portanto, ainda que se tenham criado programas com o fim de promover o desenvolvimento ou melhoramento “integral” dos bairros populares, tal como Meu Bairro (Mi Barrio) e Construindo Perú (Construyendo Perú), na realidade estes só oferecem solução a uma parte dos problemas que atingem os bairros populares (com obras só de natureza física) e não abrangem outros âmbitos importantes para um real desenvolvimento destas áreas, tentando resolver déficits importantes como o desemprego, a falta de moradia, de 88 acesso a uma adequada saúde, educação, cultura, participação cívica, capacitação em diferentes áreas, entre outros. Outro exemplo importante para trazer ao debate vem a ser a política pontual de regularização fundiária ou titulação, o caso do programa COFOPRI (influência de De Soto) – motivo de alguns debates e análises por críticos tanto nacionais como estrangeiros. Se bem que é um fato que este programa vem titulando desde 1996 grande parte dos proprietários de lotes dos bairros populares e favelas, contando inclusive com a assistência e ajuda do Banco Mundial, o COFOPRI não conseguiu cobrir as expectativas nem os objetivos para os quais foi criado, e isso por diversas razões com as quais concordamos e que já foram avaliadas tanto na tese de Anemiya (2003) como no livro de Riofrío (2006), podendo-se destacar algumas: Primeiro, a titulação não permite uma inclusão ou integração real destes bairros à cidade e tampouco garante o desenvolvimento físico do bairro, nem o desenvolvimento socioeconômico das famílias; segundo, a titulação não resultou ser suficiente para acessar um crédito, nem garantir a capacidade de reembolso do prestatário, pelas mesmas condições de pobreza que limitam suas oportunidades reais de aceso ou de manutenção do crédito; terceiro, o incremento do valor do prédio e da renda (produto de um bem inscrito e legalizado), frente às condições de pobreza, pode levar inclusive às famílias a perder seu bem e a um maior desamparo. Finalmente, ao passar da “tenencia” ou “posse” à “propriedade”, existe o risco de abandono temporal do lote (dando este para outros fins e usos que permitam ao proprietário um incremento na sua renda, enquanto este mora em outra área da cidade) e a quebra do compromisso pelas melhorias do bairro, reduzindo a coesão social e diminuindo a participação comunal para a produção de serviços e obras importantes para o melhoramento do hábitat e a qualidade de visa das pessoas que habitam nela. Em suma, as políticas urbanas para bairros populares que se implementaram de forma separada, não vinculadas a um plano integral que os envolva, não chegaram na realidade a produzir um desenvolvimento significativo para aquelas áreas, só chegaram a alcançar, e em algumas partes, as metas de acordo aos fins para as 89 quais foram criadas. Apesar de tudo anteriormente dito, vale a pena destacar as propostas de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e um Callao Verdes”, que – apesar do primeiro ser uma proposta que foi paralisada e da outra ainda estar em fase de aprovação – incorporaram em suas diretrizes e propostas aspectos característicos do que concebemos como um planejamento integral urbano sustentável, que busca uma melhora significativa nas condições de vida dos bairros populares e da cidade como um todo, abrangendo vários âmbitos e temas de desenvolvimento, trabalhados também com a preocupação de manter sua viabilidade através do tempo, e a inclusão e a participação democrática de todos os atores sociais. 90 CAPÍTULO III - ANÁLISE DAS EXPERIENCIAS DE PLANEJAMENTO URBANO INTEGRAL PARTICIPATIVO E SUSTENTÁVEL NO PERÚ O objetivo desse capítulo é desenvolver alguns estudos de casos, tomando duas experiências e duas propostas representativas da incorporação de princípios do Planejamento Integral Urbano Sustentável, executadas na cidade de Lima, abordando primeiro os casos da “Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” (CUAVES) e a “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH) – observando em cada um destes, suas respectivas gêneses, históricos, impacto no desenvolvimento urbano, principais avanços e resultados obtidos, a importância da conjuntura política no seu desenho, concepções expressas, atores sociais envolvidos, retóricas utilizadas e conflitos ocorridos. Além disso, buscou-se analisar as propostas do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e um Callao Verdes”, observando também nestas suas respectivas gêneses, princípios ou diretrizes, assim como os principais avanços e bloqueios ou conflitos ocorridos. Imediatamente, após as abordagens de cada um dos casos apresentados, se faz uma avaliação destas com base no modelo construído de planejamento integral urbano sustentável, buscando descobrir os principais bloqueios, limites e conquistas de todas as modalidades. Por fim, nossa intenção foi concluir com uma análise para identificar os fatores da efetiva inserção e implementação deste tipo de políticas para o PIUS. É nesse capítulo que se pretende explorar a hipótese que o planejamento integral urbano sustentável e participativo traz melhores resultados, pelo menos sob o ponto de vista da inclusão social e da promoção do direito à cidade, do que um planejamento tecnocrático ou convencional. Aliás uma conjuntura política particular do governo pode permitir uma maior organização e participação política dentro dos bairros populares através do desenvolvimento sócio-espacial. 91 3.1. A “Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” (CUAVES) Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados. “Porque nada tenemos lo haremos todo” (CUAVES, 1971). A CUAVES, na realidade, foi o nome que deram os primeiros habitantes e impulsores de Villa El Salvador à organização popular democrática que se formou na primeira etapa da historia e formação do agora consolidado distrito de Villa El Salvador. A CUAVES é o maior distrito popular de Lima, com uma população estimada atual de 402.809 habitantes29 e que se configura como a primeira experiência de política urbana correspondente às “barriadas planificadas e assistidas”, considerada também como a experiência de auto-organização popular de bairro mais importante na historia do urbanismo de Lima, já que possui características especiais no que diz respeito a sua organização e planejamento urbano, via o desenvolvimento integral do bairro e sua população. Além disso, pode ser tomada como um exemplo efetivo de coordenação entre o Estado, a comunidade e as organizações não governamentais, na busca deste desenvolvimento. Sendo assim, para obter um enfoque mais amplo da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador, que depois nos ofereça elementos úteis que nos ajudem a reconhecer os fatores chaves de inserção e implementação deste tipo de políticas, assim como também na avaliação final desta mesma, consideramos importante abordar os aspectos de gênese, história, importância da conjuntura política no seu desenho, organização sócio-territorial, principais conquistas e resultados alcançados, impacto no desenvolvimento urbano, retóricas utilizadas, papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social, assim como os conflitos ocorridos através do tempo. 29 Fonte: Elaboração feita pela Direção Técnica de Demografia - INEI, oficina general de estadística e informática – MINSA, a partir do CENSO NACIONAL DE POBLACION 2005 – INEI. 92 A fundação de Villa El Salvador e a conjuntura política e social A historia de Villa El Salvador inicia um 27 de Abril de 1971 com uma invasão de mais de duzentas pessoas na zona de Pamplona, pertencente ao distrito de São Juan de Miraflores localizada a 13 kms. ao sul do centro de Lima, à qual se somaram pouco a pouco um grande contingente de pessoas procedentes das zonas tugurizadas30 do centro de Lima, dos excedentes de outros assentamentos humanos e favelas ou simplesmente aqueles que tinham necessidade de moradia, chegando a somar nove mil pessoas aos dois dias da primeira invasão. Este sucesso se deu durante o governo militar do general Velasco Alvarado, que se bem não era democraticamente eleito, se caracterizou por ser um governo militar diferente, de orientação esquerdista e que experimentou com políticas socialistas, redistribuitivas e reformistas dirigidas pelo mesmo Estado. No entanto, o ministro do interior Armando Artola, que pertencia a uma linha de oposição do governo, decidiu usar a repressão para despejar aos invasores, mas ao não conseguir seus propósitos pela força e união que colocaram os ocupantes da invasão para não ser removidos do lugar, este optou por deter aos principais organizadores da invasão, em momentos que já se tinha avançado com o Ministério de Moradia em temas de reassentamento e cadastramento. O impacto que teve estes fatos violentos na opinião pública, junto à pressão exercida pelos proprietários daqueles terrenos ante o governo, o crescimento em aumento da população limeña e a mobilização da Igreja católica a favor dos despossuídos sob a liderança do Monseñor Barbarén (que também foi preso por Artola) fizeram com que o presidente Velasco tomasse a decisão, primeiro, de demitir Artola de seu cargo, libertando o bispo e, segundo, se propusesse a tarefa de apoiar aos invasores elaborando uma solução imediata aos seus problemas, principalmente de moradia. A soma de todos esses acontecimentos descritos, somado à força que colocou a 30 As zonas tugurizadas podem ser explicadas como áreas amontoadas, de espaços reduzidos e sem critério formal que caracterizam algumas moradias (que no caso de Lima se localizam, maiormente no centro da cidade) nas quais vivem mais famílias da densidade aceitável (nº de famílias por unidade de moradia). 93 mesma população por melhorar suas condições de vida e a vontade do próprio presidente de buscar uma saída para os problemas daquela população, pode-se dizer, de acordo com alguns autores como Riofrío e Zapata (RIOFRÍO, 1991; ZAPATA, 1996) foram as principais causas do surgimento desta particular experiência de planejamento urbano e autogoverno popular, que se aproxima aos princípios do que consideramos um planejamento integral, sustentável e democrático. Voltando de novo à historia de VES, a solução do governo consistia em reassentar aos invasores de Pamplona para uma área de expansão urbana correspondente à Tablada de Lurín, na qual se respeitariam os usos para os quais tinham sido destinadas aquelas áreas (residencial, industrial e florestal), em base ao primeiro PLANDEMET de 1967. Nesta nova área de terreno se lhes ofereceria todo o apoio que fosse necessário para sua instalação; foi assim, que Velasco aproveitando a situação que se lhe apresentava, decidiu experimentar in situ um projeto novo que tinha em mente, referente à criação de uma “cidade modelo para os mais pobres” que se constituísse como o “modelo de sociedade urbana” que sonhava para o Perú. Paralelamente, um dos mais importantes dirigentes de VES, Antonio Aragón, queria também transformar a VES numa Comunidade Urbana Autogestionária, chegando até convencer aos mesmos funcionários de SINAMOS31 de que os títulos de propriedade deviam ser coletivos e estar nas mãos das instituições populares representativas da comunidade, aliás, ele via a cooperação como mecanismo para conquistar um futuro melhor para os que careciam de tudo (ZAPATA, 1996). Foi assim que o governo, tendo como meta a construção deste novo “modelo de cidade para os mais pobres” implementou a política de “barriadas planificadas e assistidas” e encarrega a tarefa de planejamento urbano e desenho de VES a uma equipe de jovens profissionais da UNI32 encabeçados pelo Arquiteto Miguel Romero, 31 Explicou-se dentro do capítulo II, pag. 59, que SINAMOS era uma agencia especial do Estado durante o governo militar, encarregada de organizar e brindar apoio às comunidades, e através da qual se desenvolvia uma relação direta entre o poder político e os setores populares, já que cumpria a função de canalizadora na formulação de demandas da população, sempre e quando esta também guardasse certa lealdade partidária. 32 UNI: Universidad Nacional de Ingeniería. 94 que trabalhavam nas repartições públicas vinculadas à questão dos bairros. Por outro lado, Jorge Carbonell, que estava a cargo dos projetos que o Estado apoiava a nível local colaborou muito com as iniciativas de Aragón e juntos levaram adiante o plano de desenvolvimento integral que buscava realizar as idéias das quais nasceria a CUAVES (ZAPATA, 1996). A CUAVES, sua organização e o planejamento urbano A “Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” - CUAVES, como se explicou no inicio, foi o nome com que foi constituída a instituição popular representativa do assentamento humano de Villa El Salvador pelos seus principais dirigentes comunitários, depois de duas grandes assembléias acontecidas no ano de 1973. Pouco depois, o Estado deu reconhecimento oficial à nascente organização a fim de que esta pudesse realizar todas as atividades necessárias para seu desenvolvimento (ZAPATA, 1996), mas que encaminhasse suas demandas através da agencia especializada do governo, o SINAMOS. As siglas de “CUAVES” envolvem dois conceitos muito importantes de analisar: O primeiro termo, “comunidade”, tem a ver com uma instituição andina de longa tradição, com uma sólida organização baseada na ajuda mútua, não só no que se refere ao âmbito social senão também produtivo. O segundo termo, “autogestão” reforça o dito sobre a comunidade no que se refere ao aspecto da gestão. Este termo – muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista – tem a ver com a idéia de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento (BURGA, 1989). Os fins e objetivos da CUAVES, segundo seu primeiro estatuto eram os de: Procurar o desenvolvimento humano e social de acordo a valores solidários, comunitários de liberdade e justiça, gerar uma base produtiva e suporte econômico, através das empresas de propriedade social de produção e outras de serviços comunais, aperfeiçoando seus mecanismos de autogoverno local como expressão revolucionária de uma democracia de participação plena e contribuir permanentemente para alcançar e consolidar uma sociedade socialista humanista libertaria (CORONADO, 1996, p. 28). 95 Para alcançar estes objetivos se desenhou uma trama urbana particular que respondia ao funcionamento de uma estrutura orgânica eficiente constituída pela mesma população. A trama urbana (ver Gráfico 3) tem uma estrutura homogênea em base a repetição de uma célula básica, esta vem a ser o “módulo urbano ou grupo residencial” (ver Gráfico 4) e baseado neste módulo foi que se começou a urbanizar VES com a conformação inicial de 100 grupos residenciais. Cada grupo residencial tem as seguintes características: está constituído por 16 manzanas (quarteirões) – cada manzana por sua vez é composta por 24 lotes de 140m² (7 x 20m.) cada uma – organizadas ao redor de um espaço livre, chamado de “parque central”, reservado para a construção de um equipamento (quadra esportiva, local pré-escolar, clube de madres, sala de reunião, biblioteca, etc.), pensado para ser propriedade coletiva do “grupo residencial”, sendo o produto do trabalho cooperativo dos moradores do grupo. GRÁFICO 3 NC PLANO URBANO DE FUNDAÇÃO DE VES GRÁFICO 4 GRUPO RESIDENCIAL DE VES Fonte: Elaboração própria em base ao Plano N°7 do livro de Jorge Burga et al (1989), p. 25. 96 GRÁFICO 4 GRUPO RESIDENCIAL DE VES Este tipo de organização da trama urbana tem permitido que cada grupo residencial funcione desde o inicio como “pequenas comunidades urbanas”, isto pela combinação de duas formas de propriedade: a familiar sobre o lote e a comunal sobre o equipamento a ser construído no parque central, que guardava semelhança com a experiência comunal que muitos tinham tido nas comunidades andinas de onde a maioria provinha. Assim mesmo, cada um dos pequenos equipamentos construídos progressivamente em cada um dos grupos residenciais tem sido produto do trabalho coletivo e se constituíram no elemento coesivo das relações no interior do grupo residencial. No referente à estrutura orgânica da CUAVES, elaborada em base à trama urbana descrita, esta era distribuída em três níveis de autogoverno local: a) Comitê de manzana (quarteirão); b) Junta diretiva central do “Grupo Residencial” e c) A assembléia geral de delegados. Os organismos de autogoverno e administração comunal eram: a) A assembléia geral de delegados; b) O conselho executivo comunal; c) O comitê de vigilância; d) Os conselhos da área econômica: Produção, serviços e comercialização; e) Os conselhos da área social: Educação, saúde e previsão social; e f) Organismos de apoio: Comitê de planificação, unidade 97 econômica financeira, unidade de administração geral, comitê de assessoramento e comitês especiais. Esta estrutura funcionava da seguinte maneira: cada manzana (quarteirão) tinha seus delegados, os quais se reuniam periodicamente e prestavam contas ante a diretiva do correspondente “Grupo residencial”. Por sua vez, a CUAVES reunia os delegados de todos os grupos residenciais a participarem eventualmente das assembléias gerais de delegados para discutirem sobre temas mais abrangentes referentes a problemas da conjuntura política, mas principalmente aqueles que tinham a ver com o desenvolvimento físico, econômico, ambiental e social da comunidade. Isto favoreceu a que, durante vários anos vigora-se a chamada “cultura de assembléia”, somado ao caráter democrático que sempre caracterizou esta organização. Voltando ao planejamento urbano, o Arquiteto Romero, além do desenho da zona residencial correspondente à trama urbana homogênea em base a repetição do “módulo ou núcleo residencial” e, respeitando os usos de solo destinados para a área de terreno destinada a VES segundo o PLANDEMET de 1967, considerou importante desenhar uma zona residencial vinculada a uma zona industrial, para o qual projetou 380 ha. como reserva para a construção de um parque industrial, projetando também as zonas agropecuária e de praias, assim como a previsão de uma área de 36 ha. para a localização do parque zonal metropolitano (ver Gráfico 5). Finalmente, a retórica que acompanhou a fundação de VES, referente ao planejamento de uma cidade “autogestionária” junto com a linguagem da “autoajuda”, com sua especial incidência na “cooperação” e no progresso a ser alcançado através do trabalho foram decisivos na formação da consciência comunal do assentamento (ZAPATA, 1996). 98 GRÁFICO 5 PLANO DE ZONIFICAÇÃO DE VES Fonte: Programa Urbano DESCO -2002 A CUAVES e seu impacto no desenvolvimento urbano - principais conquistas e resultados alcançados Apesar de ter havido épocas difíceis na historia da CUAVES, com vários problemas, avanços e retrocessos na sua organização e no desenvolvimento urbano, o balanço é bastante positivo, quando se pode constatar que é o assentamento humano que mais logros e resultados obteve num período muito curto de tempo em relação a outros assentamentos. Assim também, o uso do planejamento e a participação popular em cada uma das etapas do projeto integral de desenvolvimento, junto com os avanços nos serviços 99 básicos, educação e saúde, sobretudo, tem servido como guia para a ação em outras experiências de bairros populares (RIOFRÍO, 1991). Podemos começar dizendo, que uma das causas principais do impacto que Villa El Salvador teve no desenvolvimento urbano, desde o início, foi primeiramente o tratarse de uma barriada que foi previamente planificada e que, portanto contava e conta até agora com um acondicionamento territorial e desenho urbano eficiente, que permitiu o crescimento ordenado de VES e a construção de equipamentos comunitários excepcionais em nível de bairros populares em Lima Metropolitana – como é o caso do Parque Zonal Metropolitano Huáscar, que abastece não só à população de VES, senão a todo o cone sul de Lima. A isto contribui também, como parte do desenho urbano, sua estrutura modular homogênea, baseada no “grupo residencial”, que constitui a unidade urbanística e organizativa mais importante do projeto, já que permitiu a conformação e funcionamento da CUAVES, como organização representativa de toda a comunidade. Em segundo lugar, a existência de uma organização autônoma e uma população com uma identidade própria e uma força inigualável para lutar pelas adversidades trabalhando via o desenvolvimento do bairro e o melhoramento de sua qualidade de vida, fizeram o possível para que os projetos básicos de mais urgência na fase inicial, como instalações das redes de água, esgoto e eletricidade, se concretizassem num curto período de tempo (em 8 anos já se tinha avançado nos setores 1, 2 e 3, que constituem 80% da área residencial), assim como também a construção de locais para educação e saúde, já que os primeiros dirigentes viam a educação como “a força libertadora que abriria a porta da prosperidade e ajudaria a sair da pobreza”; e a saúde, trabalhando por ela, se estaria “lutando contra todos os fatores limitantes do desenvolvimento físico e social do homem” (RIOFRÍO, 1991). Em geral muitas de suas retóricas e concepções expressas desde o início pelos seus principais dirigentes, como a de construir uma cidade autogestionária, acompanhada de frases como: “porque nada temos, faremos tudo” e aquela outra de “antes que casas....fábricas, saúde social e parque industrial para o desenvolvimento 100 comunal” – que apontavam a trabalhar dentro do projeto de autogoverno comunitário para a instalação rápida dos serviços e equipamentos urbanos, assim como para a criação de fontes de trabalho – foram fatores que mantiveram a população motivada e autoconfiante, a fim de trabalhar pelo alcance de cada um dos seus objetivos propostos. Isto, apesar dos problemas externos que iam se apresentando pela mudança de governos e a crise que piorava e atingia cada vez mais à população dos setores populares. Portanto, nos momentos que o Estado não oferecia nenhum tipo de apoio a VES, foi a mesma população que retomou os projetos e propostas iniciais e começou a caminhar por si mesma (BURGA, 1989). As principais conquistas e resultados que VES obteve desde o inicio até a atualidade e que produziram um impacto no desenvolvimento urbano e na vida dos moradores, podem ser citados na continuação: O primeiro é a CUAVES mesma, quer dizer a organização vem a ser o principal logro, já que deu à população desde o inicio, a força social necessária para desenvolver um projeto integral, autônomo e solidário; já que um fator que sempre distinguiu a esta organização é seu espírito cooperativo, sua capacidade representativa e democrática, e por outro lado, sua vocação pela planificação; traçando constantemente metas e estabelecendo programas para alcançá-las. Em segundo lugar, a trama urbana de VES estimulou e facilitou a organização social de base, porque distribuiu espacialmente a população na forma de pequenas comunidades, isto graças a seu desenho modular, que facilitou a reunião e ajudou a definir a identidade comum da população, porque generalizou um padrão de conduta onde o essencial era a cooperação para a construção de um equipamento coletivo no nível de “grupo residencial”, equipamento que como já se explicou anteriormente, era projetado no centro de cada grupo residencial (ZAPATA, 1996). Em terceiro lugar, o desenvolvimento alcançado no referente à infra-estrutura educativa, devido a que o tema da educação, como foi explicado anteriormente, era uma das metas iniciais dos primeiros fundadores de VES, por sua importância na 101 luta contra a pobreza. Foi assim, que desde o inicio se conformaram comitês próescola, onde participavam todos os moradores maiores de idade, dando quotas e realizando atividades pró-fundos para a construção das escolas. Isto permitiu que cerca de 70% da infra-estrutura educativa e do mobiliário do ensino fundamental e médio tenham sido produto das contribuições e trabalho da mesma população. A isso se soma alguns financiamentos provenientes da UNICEF que fizeram possível alcançar desde o ano 1971 até a atualidade os resultados que podem apreciar-se na tabela 4 a seguir. TABELA 4 N° DE CENTROS EDUCATIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS EXISTENTES EM VILLA EL SALVADOR (2008) SECTOR NÍVEL TOTAL PÚBLICO PRIVADO • Educação Infantil 42 20 62 • Ensino Fundamental 05 18 23 • Ensino Médio 04 08 12 • Educação Especial 01 - 01 • Institutos Educativos Superiores e Centros Ocupacionais 03 08 11 55 (50.4) 54 (49.5) 109 (100) TOTAL (%) FONTE: PADRÃO DE CENTROS EDUCATIVOS E PROGRAMAS EDUCATIVOS EM 11 DE MARÇO DE 2008 E CENSO ESCOLAR 2006 - MINEDU. ELABORAÇÃO PRÓPRIA. Outro dos resultados mais satisfatórios no que diz respeito à educação foi o nível de identidade com VES gerada tanto nos estudantes antigos como novos, já que houve sempre uma preocupação para que as crianças conheçam a sua comunidade, a sua organização e os princípios e valores comunitários que esta defende, e isto se deu graças ao labor dos professores e dos mesmos pais de família, logrando que nas novas gerações ainda se perceba esse amor por VES (RIOFRÍO, 1991). Em quarto lugar, é importante mencionar o desenvolvimento alcançado no que diz respeito ao tema da saúde, onde seus avanços não só se deram em relação à infra- 102 estrutura senão também nas ações preventivas e educativas que formavam parte do “Plano Único de Saúde”, documento elaborado como grande iniciativa popular nos primeiros anos de VES pelo mesmo Conselho de Saúde da CUAVES, mas que só chegou a ser aprovado no ano de 1985 com a participação de toda a população, o setor de saúde do Estado e as ONG’s especializadas comprometidas em seu apoio. Trabalhar pela saúde também constituía uma das metas iniciais propostas pela CUAVES, já que esta queria chegar a “estabelecer uma relação entre saúde, bemestar da população e conseqüentemente, a justiça social” (RIOFRÍO, 1991). Foi assim, que graças também aos trabalhos comunitários, o auxílio de materiais da UNICEF e nos últimos anos do Estado, VES obteve amplos resultados que podem ser vistos na atualidade (Ver Tabela 5). TABELA 5 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE EXISTENTES EM VILLA EL SALVADOR (2008) TIPO DE ESTABELECIMENTO Nro • Postos médicos de saúde 13 • Hospitais 05 TOTAL 18 FONTE: OFICINA GENERAL DE ESTADÍSTICA E INFORMÁTICA – MINSA ELABORAÇÃO PRÓPRIA. Em quinto lugar, cabe destacar como já foi anunciado anteriormente, a rapidez com que foram instaladas as redes de água, esgoto e eletricidade, logrando-se um avanço de 80% da área residencial em apenas 8 anos, em relação a outros assentamentos ou bairros populares nos quais estes serviços só chegaram entre 15 e 30 anos depois de sua fundação, como nos casos do distrito de San Martin de Porres e Tablada de Lurín. Na atualidade se conta com a totalidade de serviços básicos cobertos em toda a área residencial e industrial projetada nos primeiros planos urbanos, incluindo a trama urbana feita por ENACE e o bairro de Pachacamác. Mesmo assim, segundo dados do censo e da Municipalidade distrital 103 de Villa El Salvador, ainda falta cobrir as áreas de ocupação informal de pouco tempo de formação (ver Tabelas 6, 7 e 8). TABELA 6 ABASTECIMENTO DE ÁGUA DE VILLA EL SALVADOR EM 2008 Categorias Rede pública dentro da moradia Rede pública fora da moradia, mas dentro do edifício Reservatório de uso público Carro-pipa ou similar Poço Rio, acéquia, manancial ou similar Outro Total Casos % 56.298 78,08% 1.143 1,59% 2.211 10.183 552 2 1.718 72.107 3,07% 14,12% 0,77% 0,00% 2,38% 100,00% Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI. TABELA 7 ABASTECIMENTO DE ESGOTO DE VILLA EL SALVADOR EM 2008 Categorias Casos Rede pública dentro da moradia Rede pública fora da moradia, mas dentro do edifício Poço séptico Poço cego ou negro / latrina Rio, acéquia ou canal Não tem Total % 56.775 78,74 % 1.003 1,39 % 1.121 11.263 15 1.930 72.107 1,55 % 15,62 % 0,02 % 2,68 % 100,00 % Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI. TABELA 8 ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DE VILLA EL SALVADOR EM 2008 Categorías Casos % Eletricidade Querosene (pavio / lâmpada) Petróleo / gás Vela Gerador Outro Não tem Total 65.849 229 43 1.643 10 3.748 585 72.107 91,32 % 0,32 % 0,06 % 2,28 % 0,01 % 5,20 % 0,81 % 100,00 % Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI. 104 Em sexto lugar, se pode contar também como conquista a porcentagem alcançada de PEA33 ocupada que trabalha no mesmo distrito de VES, o valor corresponde a 54.7%, de acordo ao informe estatístico sobre o mercado de trabalho de Lima - Sul do ano 2006 feito pelo MTPE - Observatório Socioeconômico Laboral Lima Sul. Esta cifra de trabalhadores de VES constitui um resultado positivo caso se leve em conta um dos objetivos principais a se propôs a CUAVES desde o inicio, como parte de seu Plano de desenvolvimento integral, que consistia em criar fontes de trabalho para os moradores, construindo um micro-circuito econômico que potencializasse seu desenvolvimento. Mas, é necessário indicar, que o objetivo foi alcançado ainda que não todo o PEA esteja relacionado ao tema micro-empresarial industrial como se pretendia no inicio, podendo-se verificar no informe estatístico sobre o mercado de trabalho de Lima - Sul do ano 2006 feito pelo MTPE, no qual de 69591 jovens ocupados de VES, a maior porcentagem destes se localiza no ramo da atividade de comércio e serviços (66.9%), seguido pela atividade industrial ou micro-empresarial (21.6%) e depois à de construção civil (6.6%), entre outras (Ver gráfico 6). GRÁFICO 6 VES: JOVENS OCUPADOS SEGUNDO RAMA DE ATIVIDADE, 2006 Jovens Ocupados: 69591 Fonte: Convenio MTPE-PROPOLI-CS. OSEL Lima Sul. Encuesta de Hogares Especializada em Níveis de Emprego. Dezembro 2006 Elaboração: MTPE – Observatório Socioeconômico Laboral Lima Sul. 33 PEA: População Econômicamente Ativa. 105 Em sétimo lugar, em relação ao item anterior, se pode contar também que Villa El Salvador tem respondido ao desafio de sobrevivência criando suas próprias fontes de ocupação (num inicio o constituíam as empresas comunais, mas logo de sua falência foram aparecendo de forma considerável os trabalhadores por conta própria ou independentes), isso apesar da crise que golpeou a organização e a comunidade pelas sucessivas mudanças de governos. Em oitavo lugar, se pode nomear a efetiva coordenação desenvolvida ao longo da historia da VES, – apesar dos problemas políticos que iam apresentando-se pelas sucessivas trocas de governos – entre o Estado, a comunidade (CUAVES) e as organizações não governamentais, quando se tratava de construir ferramentas e diretrizes que orientassem na busca do desenvolvimento integral e sustentável de Villa El Salvador e sua comunidade (RIOFRÍO, 1991). Em nono lugar, a nível cultural se criou um Centro de Comunicação Popular - CCP, promovido pelos mesmos dirigentes da fase inicial de VES. Este centro cultural com o passar dos anos foi sendo implementado e adaptado, assim o teatro popular que no inicio era uma atividade espontânea e leve, passou desde finais dos anos 70 a ser constituído por uma equipe permanente de atores locais, o que permitiu que através do CCP, Villa El Salvador tivesse bastante influência dentro e fora do distrito, graças ao nível profissional de seus trabalhos, que permitia uma vinculação e intercambio de experiências com outros jovens de outros bairros populares de Lima. Inclusive se conseguiu que a UNESCO declarasse ao CCP “projeto piloto de comunicação popular”, o qual permitiu receber alguns financiamentos que permitiram por sua vez pagar alguns programas de rádio em uma estação local e outras atividades (ZAPATA, 1996). E por último, a experiência de VES constitui um exemplo para outras comunidades já que é o primeiro bairro popular que pensou e desenhou um plano integral e participativo de desenvolvimento34, buscando abranger e atender todos os aspectos 34 O uso do planejamento e a participação social estiveram sempre presentes em cada uma das etapas do projeto integral (RIOFRÍO, 1991). 106 possíveis – estabelecendo diretrizes com suas respectivas estratégias para os campos econômico, político-institucional e ideológico-cultural, reforçados com políticas específicas de desenvolvimento urbano, desenvolvimento industrial, saúde, alimentação, comercialização, educação, cultura e recreação; promovendo dentro destas vários outros aspectos específicos, principalmente o referente ao tema de emprego e renda local (CORONADO, 1996) –, em favor tanto da comunidade como de sua população, a fim de obter uma melhora significativa na qualidade de vida destas pessoas, assim como um maior acesso às oportunidades que lhes permitissem alcançar seus objetivos pessoais e coletivos. Papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social no desenvolvimento de VES Primeiro podemos começar falando do papel que cumpriram os atores públicos na experiência de VES, quer dizer a importância da atuação do Estado com sua agencia especializada do governo, o SINAMOS; que como já foi abordado em partes anteriores da tese, teve uma influência fundamental na formação, organização e desenvolvimento inicial de VES. Quer dizer, a formação de VES se deu durante uma conjuntura política particular, correspondente ao governo militar do general Velasco Alvarado, caracterizado por ser um governo militar diferente, de orientação esquerdista e que experimentou com políticas socialistas, redistributivas e reformistas; ligado à especial simpatia que este sentia pelos setores populares, segundo alguns observadores como Villanueva, Einaudi, Moreira e Velasco (DIETZ,1986). Sendo assim, durante seu mandato se promovia a organização comunal, o qual constituiu um impulso importante para a realização do projeto de autogoverno popular da comunidade de Villa El Salvador, como um modelo experimental de planejamento urbano do Estado, no qual o mesmo presidente (Velasco Alvarado) colocou seu maior interesse e atenção, em razão a todos os eventos acontecidos em torno a sua formação e para o qual ofereceu todo seu apoio técnico e moral, a fim de que chegasse a ser a “cidade modelo para os mais pobres”, que funcionasse autogestionariamente e se constituísse no “modelo de sociedade urbana socialista” que sonhava para o Perú (ZAPATA, 1996). 107 Este sonho foi complementado com o SINAMOS que, além de ser um intermediário entre a população e o governo, sua função consistia também em transmitir a ideologia35 de Velasco, estimulando a participação popular para juntos formarem a primeira “comunidade autogestionária” que não só resolvesse os problemas de moradia e serviços, como também estivesse ligada às atividades produtivas (BURGA, 1989). Mas principalmente, o SINAMOS foi instrumental na conformação de uma tradição de participação coletiva nos assuntos da comunidade (ZAPATA, 1996). Foi assim, que esta agência do governo conseguiu a meta de mobilizar grandes quantidades de pessoas de Villa El Salvador, os quais motivados criaram uma organização eficiente que representou a toda a comunidade, a CUAVES; e foi através desta organização que a população de VES propôs metas e construiu diretrizes para alcançar seu desenvolvimento integral (DIETZ, 2000). A continuação, para explicar qual foi o papel que desempenharam as instituições civis no desenvolvimento de VES, devemos especificar que nossa abordagem está referida basicamente ao tipo de atuação que tiveram as ONGs, algumas universidades e instituições de cooperação internacional durante o processo de formação e desenvolvimento desta comunidade. Para começar, tanto as ONGs como as instituições de cooperação internacional foram importantes aliadas desde os anos 80, já que atuaram como intermediárias na realização de determinadas metas ou projetos traçados – como parte do seu primeiro Plano Integral de Desenvolvimento elaborado pela CUAVES –, não só apoiando através de recursos econômicos ou oferecendo parte da infra-estrutura necessária para a implementação ou consecução de algumas destas metas ou projetos (principalmente os relacionados ao equipamento social e as redes sanitárias e elétricas), como também contribuíram em outros trabalhos, como assessoramento no plano de desenvolvimento urbano; assistência técnica para a construção de moradias e 35 A ideologia que Velasco queria transmitir através do SINAMOS era a de que a população bem organizada, em comunidades autogestionárias poderia avançar na constituição de cidades-empresa com vocação industrial e que seria capaz através de seu máximo esforço de alcançar seu próprio desenvolvimento. Velasco queria formar através de SINAMOS, organizações sociais que pudessem oferecer o apoio necessário no autodenominado “Governo Revolucionário das Forças Armadas”, para esta finalidade o SINAMOS enfatizou na educação, saúde, produção e serviços, como atividades nas que a população organizada teria algo que dizer e que fazer para alcançar seu desenvolvimento. 108 canais de abastecimento de água; capacitação popular em diversas áreas e temas (sobretudo o tema micro-empresarial ou de empresas comunitárias); criação de alguns projetos de educação, saúde36 e programas de apoio ao setor informal; assim como também, a elaboração de vários estudos, pesquisas e censos referentes aos temas de população, moradia, saúde, educação, emprego e renda, entre outros. As principais ONG’s que trabalharam no desenvolvimento de VES são: CIDIAG (Centro de Informação e Desenvolvimento Integral da Autogestão), CEPROC (Centro de Promoção Comunal), UNICEF, Cáritas, CARE-Perú, FOVIDA (Fomento da Vida), TIPACOM (Ateliers infantis projetados para a comunidade), Tierra de Niños, CIED (Centro de Investigação, Educação e Desenvolvimento) e DESCO (Centro de Estudos e de Promoção do Desenvolvimento). Todas elas atuaram em diversos momentos e em diversos temas de acordo a sua especialidade, inclusive algumas ainda continuam fazendo labores neste distrito, como é o caso de DESCO. Por outro lado, Villa El Salvador se articulou com outros países através de processos de hermanamiento ou formou irmandades com oito cidades européias, através das quais obteve financiamentos para a construção de algumas obras sociais, de limpeza pública e de tratamento de água, assim como na implementação de projetos culturais. Além disso, se pode destacar a diferença das ONGs, que os recursos provenientes, tanto das instituições de cooperação internacional como das hermandades chegava diretamente ao governo local, quer dizer à municipalidade distrital de VES, sem intermediários, o que facilitava o uso e administração imediata daqueles recursos. Por outro lado, é importante também mencionar o papel que desempenharam algumas universidades no desenvolvimento de VES, refiro-me ao engajamento desinteressado dos estudantes das áreas de arquitetura e engenharia das universidades San Marcos, Ricardo Palma, UNI e Católica que também apoiaram desenvolvendo planos e brindando assistência técnica ou assessoramento in situ aos moradores, para a construção de algumas moradias, escolas, centros de saúde, 36 O auxílio das ONGs foi um dos elementos que possibilitaram a elaboração do Plano Único de Saúde (PLUS) em VES. 109 locais comunitários, mercado, entre outros. Isto, em coordenação com a mesma população interessada e de acordo com as suas necessidades, a qual através da própria oficina de engenharia da CUAVES colocava estas necessidades no papel e promovia os projetos em coordenação direta com os estudantes. Finalmente, é necessário pôr especial atenção ao papel preponderante que exerceram os representantes do movimento social, principalmente a CUAVES, na formação e desenvolvimento de Villa El Salvador, já que sem a força, a capacidade organizativa, sua vocação pela planificação, assim como, o sentimento que colocaram em cada um dos seus empreendimentos e atos, não seria possível alcançar os resultados que marcam este importante distrito do sul de Lima. Não devemos esquecer que na fase inicial de VES, a população organizada através da CUAVES construiu diretrizes e objetivos de desenvolvimento, aos quais lhe correspondiam determinadas ações ou projetos, que constituíam as demandas que logo eram canalizadas através da oficina especializada do governo, o SINAMOS, mediante a qual se desenvolvia uma relação direta entre a população e as autoridades do governo, sendo várias destas demandas atendidas em troca de fidelidade política. Mas esta forma de atuação passiva e dependente por parte da população acabou nos anos de 1974, com o fim do governo do general Velasco Alvarado, já que o governo também militar que lhe procedia do general Morales Bermúdez congelou todas as políticas reformistas e socialistas que Velasco vinha desenvolvendo com os setores populares. Assim mesmo, os governos posteriores a Bermúdez tampouco deram muita atenção aos setores populares, quer dizer o Estado deixou de ser mais uma fonte de ajuda e assistência para estes, desenvolvendo-se a partir disso uma “autogestão” por parte dos próprios povoadores. Foi então, a partir dos anos 75 que a população de VES não ficou de braços cruzados esperando uma resposta por parte do Estado, senão que imediatamente se mobilizou para continuar desenvolvendo e alcançando as metas e objetivos que se tinha proposto na sua fase inicial, via a construção de uma comunidade 110 autônoma e integral que não dependesse necessariamente do sistema capitalista. Esta mobilização se deu através do trabalho e esforço conjunto dos próprios moradores ou para referirmos nos termos que eles utilizavam na “autogestão” da mesma população organizada (DIETZ, 2000), a qual buscava os meios para o alcance dos objetivos e metas; e isto o fazia, investindo seu tempo, dinheiro e energias em atividades comunais ou dialogando diretamente com outros países e instituições de cooperação internacional na busca de financiamentos, os quais permitiram a consecução de varias das metas e projetos propostos pela CUAVES. Ao anterior se deve ressaltar o espírito de cooperação e o sentimento identitário que acompanhou a população de VES, sentimento que foi transmitido de geração em geração, fazendo possível que a juventude atual ainda sinta orgulho de morar e formar parte deste distrito. A isto se devem acrescentar os valores que caracterizavam os habitantes e representantes do movimento social de VES, sobretudo no que se refere à solidariedade, fraternidade e confiança, tanto nas relações dentro da comunidade, como desta com o exterior. Estes sentimentos compartilhados lhes permitiram trabalhar unidos, apoiando-se mutuamente em busca do mesmo horizonte, que era o desenvolvimento integral de sua comunidade. Os déficits e conflitos ocorridos através do tempo na CUAVES O primeiro grande conflito e crise comunitária que sofreu a VES está diretamente relacionado ao fim do governo do general Velasco Alvarado e a conseqüente tomada de poder do também militar e premier Francisco Morales Bermúdez, que cancelou todas as políticas reformistas e socialistas para com os bairros populares que tinha experimentado o anterior mandatário, deixando também de apoiar às organizações sócias, que no caso de Villa El Salvador constituía a CUAVES. Por outro lado, em pouco tempo de mandato do general Morales, a crise econômica tinha aumentado, junto ao crescimento da inflação, mas o governo em vez de buscar uma solução adequada a este grave problema achou que uma das formas de encarar a crise era contraindo a demanda, que para ele consistia em primeiro, 111 enfrentar o movimento sindical que tinha sido fortalecido no governo anterior e segundo, cortar toda classe de ajuda para com os setores populares. Por essa razão, sua forma de atuar estava caracterizada pela repressão constante aos dirigentes das organizações sócias, principalmente as de maior hierarquia, como a CUAVES. Isto ocasionou em VES, por um lado, um período de estancamento nas metas e projetos que estavam avançando, somado ao incremento das dívidas pelos empréstimos a diferentes instituições que o governo anterior se tinha comprometido a pagar e que o atual não queria assumir. Por outro lado, esta situação também deu lugar a constantes mobilizações e marchas de protesto por parte da população de VES ante o Estado – dando-se a passagem de uma etapa de colaboração da população para com o Estado a uma etapa de ruptura e ênfase na demanda e conflito para com este –, algumas destas com resultados favoráveis, mostrando sua capacidade de luta e de exigência. O segundo conflito está relacionado diretamente ao ponto anterior, quer dizer, surge a partir da eliminação da proteção do Estado (durante o governo de Morales Bermúdez) para com os projetos de desenvolvimento econômico de VES e, sobretudo aqueles caracterizados por serem de propriedade social. Isto ocasionou a quebra de dois projetos que tinham sido promovidos pela CUAVES e apoiados durante o governo de Velasco, refiro-me à Caixa Comunal de Poupança de VES e a maioria das empresas comunais (no caso destas últimas também se atribui à má gestão interna e à escassa especialização destas), que já permitiam à população contar com um ingresso que lhes permitia de certa forma canalizar e financiar algumas obras de urbanização local (ZAPATA, 1996). O terceiro conflito tem a ver com a desordem ocasionada na trama original de VES, pela imposição de um padrão tradicional de loteamento que vinha efetuando o Estado a partir dos anos 80, através da Empresa Nacional de Edificações – ENACE. Este novo padrão urbano de loteamento não contemplou o contexto, portanto ocasionou um rompimento tanto físico como organizativo, quer dizer, tanto a descontinuidade e, portanto destruição do modelo original, que estava funcionando de forma eficiente, como a desarticulação da própria organização, que não podia 112 continuar usando o esquema organizativo de grupo, manzana e lote, em torno a uma área e equipamento em comum (RIOFRÍO, 1991 e ZAPATA, 1996). A nova trama urbana de ENACE não conta com uma organização definida, assim mesmo, suas áreas de equipamento se localizam de forma indefinida ou improvisada, já que não se previu especialmente áreas de reserva para estes fins, portanto, as que estão previstas no plano não contam com nenhum tipo de critério funcional. Em resumo, ENACE descontinuou um traçado urbano que tinha funcionado de forma bastante exitosa e que na época já tinha uma reputação bastante estendida, o qual ocasionou em VES, problemas de integração interna entre dois bairros construídos com espírito diferente, por serem os dois baseados em tramas ou padrões urbanos distintos. Sendo o problema principal do projeto de ENACE o fato de que esta nova população não se organizasse mais em comunidades urbanas (ZAPATA, 1996). O quarto conflito ou retrocesso ocorrido em VES aconteceu estranhamente, pouco tempo depois de que a luta e resistência do movimento social contribuíra ao retorno das liberdades democráticas no inicio dos anos 80, com a passagem do governo militar do general Morales Bermúdez para o governo civil de Belaúnde Terry. Neste período, aconteceu um processo de desinteresse na população de VES tanto para com os acontecimentos políticos externos, como os que tinham a ver com mesma comunidade; isto se traduziu numa notável diminuição nas reuniões de base, onde a população local deixou paulatinamente de acudir às reuniões em nível de manzanas e só continuou reunindo-se em nível de Grupo residencial até a atualidade. Uma das causas deste desinteresse e diminuição da participação da população de VES nas reuniões como movimento social se atribui ao fato de uma vez logrado um nível razoável de urbanização, a população preferiu ocupar-se de sua economia particular. Por essa razão, a população deixou de ter um tecido organizacional tão denso como na sua fase inicial, mas não por isso se desorganizou totalmente, já que ainda se conserva o tecido em nível de grupo residencial, entre outras coisas porque só neste nível a população possui bens em comum (os correspondentes equipamentos coletivos centrais), que constituem um fator de coesão das relações sóciais-institucionais (ZAPATA, 1996). 113 O quinto importante conflito ocorrido em VES surgiu pouco tempo depois que Villa El Salvador fosse ascendida à categoria de distrito ao início dos anos 80 e pela Lei de Municipalidades 23853 se iniciasse um processo de transferência de funções e responsabilidades para os bairros populares de maior envergadura, como no caso de VES, que a partir disso começou a funcionar como Municipalidade distrital, promovendo um novo plano integral de desenvolvimento, mas, desta vez, impulsionado pelo poder local. Apesar de que a idéia inicial era de que este plano fosse trabalhado em conjunto com a CUAVES, esta organização rapidamente contemplou que tinha perdido o rol de representante da comunidade ante os poderes públicos, já que qualquer trâmite acabava passando agora pela municipalidade, perdendo a CUAVES o rol de interlocutor privilegiado da comunidade. Assim, apesar de diversos esforços para estabelecer a harmonia, o que primou nas relações CUAVES/Município foi a rivalidade, que acabou comprometendo a ambas as organizações. Isto somado ao esfriamento das boas relações entre a municipalidade distrital de VES e a municipalidade provincial de Lima que perduraram somente até meados dos 80, devido à troca de governo assim como de partido na prefeitura de Lima (ZAPATA, 1996). Outro dos conflitos ou retrocessos que se pode assinalar tem a ver com o fato de Villa El Salvador nunca ter conseguido ser um distrito produtivo, já que nunca chegou a funcionar plenamente seu Parque Industrial, como tinham sido algumas das metas iniciais. A primeira razão está ligada à criação da APEMIVES (Associação de Pequenos e Medianos Industriais de Villa El Salvador), instituição que ia organizar uma serie de talleristas e pequenos produtores, só que estes, ao invés de ter relações de complementaridade, atuaram sempre de forma competitiva. Por outro lado, a APEMIVES foi motivo de contradições e conflitos entre o Estado central, as organizações locais (principalmente a CUAVES quem queria constituir empresas comunais) e o município distrital; já que cada um destes queria que algum de seus representantes presidisse o diretório desta instituição. Em forma geral, outra das razões do fracasso do Parque Industrial se deve a que o processo de produção que se desenvolve neste é bastante disperso e pouco 114 programado, devido a uma escassa especialização das atividades de trabalho – exceto pela atividade de marcenaria que é uma das maiores e que conta com uma grande demanda em nível de Lima Metropolitana –, o qual não lhe permite desenvolver-se, competir nem interagir com outros ramos produtivos a nível local, nacional e internacional. Além disso, um dos objetivos principais do parque industrial era oferecer fontes de trabalho local que permitissem melhorar a economia da população de VES através de empresas autogestionárias e de propriedade local, mas o fato é que a maioria dos ateliers existentes não tem esse caráter, por outro lado, a maioria dos talleristas e produtores individuais do parque industrial provêm de outras partes de Lima, devido em parte a que os lotes habilitados para ateliers, se vão afastando cada vez mais da capacidade econômica dos villasalvadoreños e a gente trabalhadora do cone sul (BURGA, 1989; RIOFRÍO, 1991). O último conflito, e talvez um dos mais difíceis, foi o que teve que enfrentar Villa El Salvador num contexto de grave crise econômica peruana, quando o movimento terrorista de Sendero Luminoso (SL) penetrou no distrito a partir dos anos 80 e se instalou numa parte deste, mas especificamente no assentamento de Pachacamác37, usando este como centro de ação, para tomar o controle de várias das associações de base de VES, já que SL tinha preferência por aquelas barriadas baseadas na idéia da ajuda mútua e da autogestão38. Sendo assim, SL recrutava pessoal para participar do movimento senderista – principalmente jovens universitários e profissionais villasalvadoreños com boa educação, mas excluídos socialmente e com escassas oportunidades de trabalho dentro de Lima –, atacava as autoridades municipais locais, dedicava artigos num jornal desprestigiando a organização da CUAVES, chegando a debilitar esta organização e logrando inclusive a dominá-la brevemente, no momento que ganhou forte presença no 37 Se explicou em páginas anteriores que o assentamento humano de Pachacamác, por contar com uma trama diferente correspondente ao desenho de ENACE não se chegou a integrar à estrutura urbana original de VES e tinha uma organização de base fraca que tampouco formava parte da CUAVES, como organização sólida e representativa da comunidade, o qual favoreceu a que esta facilmente caísse nas mãos de Sendero Luminoso. 38 Sendero Luminoso (SL) achava que as instituições de base de caráter autônomo seriam um obstáculo para seus planos, já que eram expressão de um processo de democratização da sociedade peruana que começava a contar com uma cultura popular independente e essa independência de critério era o verdadeiro inimigo de SL. 115 assentamento de Pachacamác. Outro dos conflitos que trouxe a penetração do SL foi a campanha de desprestigio, assim como diversos atentados que causou às diversas associações que desenvolviam atividades em VES, sobretudo à FEPOMUVES, associação de mulheres que tinha alcançado bastante prestigio em VES, encarregada de fazer funcionar dois programas do governo impulsionados pelo partido de IU: o vaso de leite e os comedores populares (ZAPATA, 1996). Mas em resumo, o que ocasionou o processo de violência acontecido em VES pela presença do Sendero Luminoso foi o enfraquecimento da mesma idéia de comunidade, junto à perda dos vínculos sociais, que tinham sido fortalecidos em épocas anteriores. Este processo durou até inícios dos anos 90, com o derrocamento de SL pelas forças armadas durante o governo de Alberto Fujimori, a partir do qual VES adquire uma nova força, retomando a planificação e deixando de ser só uma comunidade para passar a ter um caráter mais metropolitano e integrado ao continuo urbano de Lima (ZAPATA, 1996). FOTO 1: A comunidade de Villa El Salvador em sua fase inicial FOTO 2: Avenida Central de via dupla FOTO 3: Parque Zonal Metropolitano Huáscar 116 FOTO 4: Municipalidade Distrital de Villa El Salvador FOTO 5: Parque Industrial de Villa El Salvador Para culminar com a abordagem da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade. QUADRO 3: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas. Políticas e princípios de Planejamento Integral Urbano Sustentável Política de planejamento integral • Integrando a cidade como um todo, com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. Bloqueios Limites Conquistas • A integração deste bairro popular com Lima Metropolitana se dá mais que tudo no aspecto físicoespacial e, em parte no tema cultural, mas não se pode perceber nos aspectos social nem econômico. • Se chegou a integrar espacialmente este bairro popular ao continuo urbano de Lima Metropolitana, através de importantes vias de acesso que comunicam a esta com distintos pontos da cidade de Lima. Esta integração também se dá a nível cultural, a partir da criação do Centro de Comunicação Popu- 117 • Distribuindo de forma eqüitativa a renda, os equipamentos e serviços urbanos. • Garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para que possam participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão. • Outorgando as facilidades necessárias a toda a população (especialmente dos setores mais carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cida- • A agencia especial do governo militar: SINAMOS, ao querer organizar a população de VES de acordo com seus interesses, privou a esta num inicio de contar com uma identidade individual e uma liderança independente e efetiva, provocando por sua vez que surgissem diferenças de objetivos entre este organismo e os povoadores. • O equipamento urbano do Parque Industrial permitiu uma distribuição parcial da renda, no sentido de que só tem sido aproveitado por o 21,6% da PEA local. • A participação se viu em parte restringida por interesses pessoais do governo militar, que queria que esta se mobilizasse a seu próprio beneficio. • As fontes e tipos de emprego propostos a partir do plano original com a retorica da autosuficiência foram feitos só para servir e ficar de forma restrita ao âmbito local e, portanto não permitiram uma vinculação com outras esferas e ramos econômicos a nível metropolitano. Isto faz que a nova lar - CCP, promovido pelos mesmos dirigentes da CUAVES e, que teve bastante influência dentro e fora do distrito, graças à especialização profissional em seus trabalhos, que permitiu uma vinculação e intercâmbio de experiências com outros jovens de outros bairros populares de Lima. • A construção do equipamento: Parque Zonal metropolitano Huáscar permitiu uma integração com outros bairros e setores do cone sul, assim como também, potencializar a zona. • Através da política implementada se promoveu a participação garantindo à população de VES, os seus direitos sociais. • A proposta era dirigida especialmente a melhorar as condições de vida das famílias mais desprovidas que não contavam com moradia própria nem tinham acesso aos serviços básicos nem aos equipamentos públicos essenciais, somado à carência de emprego. 118 de. população de jovens pense que a única maneira de alcançar melhores condições de vida, seja saindo e procurando fora de sua comunidade. • O plano original de VES englobou vários aspectos (urbano, social, econômico produtivo, cultural, recreativo e legal), com propostas de intervenção para cada um destes temas, que permitiram em comjunto um desenvolvimento integral da comunidade. • Integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômicoprodutivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal. Política de planejamento participativo • Incluindo toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem ao futuro de nossas cidades. • Incentivando a iniciativa popular. • Nas primeiras etapas de conformação de VES, a inclusão da participação popular e o apoio de parte do Estado se deram em troca de fidelidade política. Mais tarde aconteceu um processo de desinteresse e diminuição desta participação nas reuniões como movimento social, atribuídas ao fato de uma vez logrado um nível razoável de urbanização, a população preferiu ocupar-se de sua economia particular. Isso, somado ao contexto de grave crise econômica peruana, quando o movimento terrorista de Sendero Luminoso (SL) penetrou no distrito a partir dos anos 80 e se instalou numa parte deste, tomando o controle de varias das associações de base de VES. • Se incluiu a participação popular, para que através de sua organização, a CUAVES, se atuasse de forma ampla e democrática em cada um dos processos de tomada de decisão dos planos, projetos e ações a serem propostos, via o desenvolvimento integral da comunidade. • A iniciativa popular foi um aspecto 119 incentivado e promovido pelo mesmo aparelho estatal. Política de planejamento urbano Política de planejamento sustentável • Envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes profissionais assim como da população local. • As propostas de planejamento eram dirigidas principalmente para resolver as carências imediatas da população de VES, mas não se pensou em propor ações de desenvolvimento para o futuro, provocando assim, um desinteresse e diminuição da participação da população de VES como movimento social, no momento que se tinha alcançado um nível razoável de urbanização. • Promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas. • O rompimento tanto físico como organizativo ocasionado na trama original de VES, pela imposição em determinado momento de um padrão diferente de loteamento imposto pelo Estado através de ENACE. • Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, começando por fortalecer as camadas populares, integrando-as e transformando-as em sujeitos politi- • Na sua proposta de planejamento urbano integral de desenvolvimento não foi incorporado nem trabalhado o aspecto ambiental. • Sua proposta de planejamento urbano abrangeu vários campos de conhecimento transmitidos em diversos âmbitos de desenvolvimento, que foram produto do trabalho coordenado e de contribuições em conjunto da população local organizada, das instituições públicas e civis e, de profissionais independentes. • A particularidade do desenho modular homogêneo de VES, permitiu estimular e facilitar o desempenho de sua organização social (a CUAVES), ao distribuir espacialmente a população em forma de pequenas comunidades, ajudando a definir a identidade comum da população, onde a cooperação e o trabalho conjunto eram essenciais para a construção de um equipamento coletivo no nível de “grupo residencial”. • O projeto de autogoverno comunal, na figura da CUAVES, entrou em crise a partir de que Villa El Salvador fosse ascendida à categoria de distrito e se criasse a Municipalidade distrital de VES, ao início dos anos 80, já • Se promoveu o funcionamento de um projeto de autogoverno comunitário (cristalizado na CUAVES) que com a retórica da “autogestão” impulsionou à mesma população local a trabalhar para o alcance de cada 120 cos de seu ambiente material, social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos. que qualquer trâmite acabava passando agora por esta, perdendo a CUAVES o rol de interlocutor e representante privilegiado da comunidade ante os poderes públicos. Assim, o que primou sempre nas relações CUAVES - Municipalidade distrital foi sempre a rivalidade, que acabou comprometendo a ambas as organizações. • Buscando uma efetiva redução da pobreza com poupança de recursos. • Buscando novas alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de emprego e recursos locais, permitindo à população administrar de forma eficiente o território e seus recursos (autogestão). • O processo de produção que se desenvolve no Parque Industrial é bastante disperso e pouco programado, devido à escassa especialização das atividades de trabalho; o qual não lhe permite competir nem interagir com outros ramos produtivos a nível local, nacional e internacional. Por outro lado, sua administração não se desenvolveu de forma autogestionária nem cooperativa, na • A maioria dos talleristas (donos de atelieres) e produtores individuais com que conta o parque industrial provêm de outras partes de Lima, devido em parte a que os lotes habilitados para esses fins, se vão afastando cada vez mais da capacidade econômica dos villasalvadoreños e a gente trabalhadora do cone sul. uma de suas metas e propósitos como parte de um planejamento integral de desenvolvimento no longo prazo, atualizado periódicamente e que permitiu importantes logros, tanto da comunidade, como a nível pessoal. • Para a construção de moradias, serviços básicos e equipamentos comunitarios no nível de “grupo residencial” – dirigidos a reduzir a pobreza, melhorando as condições de vida da população de VES – foi a mesma população que, de forma voluntaria, trabalhou coletivamente para sua realização, poupando desta maneira no referente à mão de obra de fora. • Se incentivou a criação de uma economia local autosustenida, através da construção de um Parque Industrial, onde se desenvolvem atividades microempresariais e que fornece postos de trabalho à população local. 121 medida em que seus associados (pequenos e medianos industriais de VES) nunca tiveram relações de complementaridade e atuaram sempre de forma competitiva. 3.2. A “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH) - Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados. “Por uma vivienda digna” (CUAH, 1985). A CUAH, também vem a ser o nome com que batizaram a esta comunidade os seus primeiros habitantes, os quais lhe deram o nome de “Huaycán”, em razão deste nome refletir a localização de um acidente geográfico muito comum nas quebradas (encostas) secas, refiro-me aos deslizamentos de terra, conhecidos no Perú como “huaycos ou huaicos”39, que na área onde se ergue esta comunidade costumam ser bastante freqüentes. A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán é um centro povoado pertencente ao distrito de Ate-Vitarte, situado no cone este de Lima Metropolitana, de uma extensão de 576.696 ha e que conta na atualidade com uma população superior aos 150.000 habitantes40, além de constituir-se na segunda experiência de auto-organização popular de bairro mais importante na história do urbanismo de Lima, mas que desta vez surge não como um projeto de iniciativa do governo central, mas sim do governo municipal de Lima e também durante uma conjuntura política particular, correspondente ao partido socialista de Izquierda Unida a meados dos anos 80, que assim como durante o governo de Velasco, também promoveu a formação e desenvolvimento de alguns bairros populares com fins de autogestão, sendo Huaycán o exemplo mais representativo daquela época. 39 Huayco ou Aluvión refere-se ao deslizamento por processo gravitacional de lodo e pedras ocorridos em encostas secas. Também o que na Venezuela tem adotado o nome de deslave e no Brasil de movimentos de massa. 40 Fonte: La Red de estudos sociais para a prevenção de desastres de Lima, a partir das informações do MINSA sobre o Hospital Local de Huaycán. 122 Por outro lado, na CUAH, a diferença do que ocorreu em VES, se conseguiu promover um mecanismo de gestão compartilhada e concertada entre o Governo Local e a população organizada41 para a ocupação planificada de terrenos em Ate, na busca por atender as demandas de moradia dos grandes setores pobres da capital e oferecer-lhes a sua vez, uma alternativa diferente às comuns e freqüentes tomadas de terras em áreas perimetrais da cidade, que não contam com condições de segurança nem de habitabilidade. Além disso, no caso de Huaycán também se pode agregar o seu caráter preventivo em relação aos desastres naturais, que foi incorporado desde um inicio no desenho urbano original. Sendo assim, para obter um enfoque mais amplo desta experiência, que depois nos ofereça elementos úteis que nos ajudem a reconhecer os fatores chaves de inserção e implementação deste tipo de políticas, assim como também na avaliação final desta mesma, consideramos importante abordar os aspectos de gênese, história, importância da conjuntura política no seu desenho, organização sócio-territorial, principais logros e resultados alcançados, impacto no desenvolvimento urbano, retóricas utilizadas, papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social, assim como os conflitos ocorridos através do tempo. A fundação de Huaycán e a conjuntura política e social A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán nasce de uma invasão de terrenos eriazos localizados na periferia da cidade de Lima, em 15 de Julho de 1984, data em que grupos organizados de famílias de baixos recursos sem a possibilidade de conseguir moradias dentro do mercado imobiliário formal, decidem “invadir” ou ocupar estes terrenos de encostas de uma área pertencente ao distrito de AteVitarte para assumir o papel de serem atores e gestores de suas próprias iniciativas; quer dizer, assumir em conjunto com o governo municipal desse momento a gestão e governo de sua própria comunidade. Este processo de co-gestão acontece graças à conjuntura política favorável existente naquela época, refiro-me à presença do 41 O qual no aconteceu em VES já que as relações entre a municipalidade local e a população organizada na figura da CUAVES, sempre estiveram marcadas pela rivalidade. 123 partido de Izquierda Unida - IU, encabeçada por Barrantes Lingán na prefeitura de Lima, que ganhou a simpatia das classes baixas de Lima, já que instaurou uma quantidade de programas destinados em seu beneficio e foi ele mesmo, quem propiciou durante sua administração municipal, o desenvolvimento de um modelo de cidade autogestionária para os mais pobres, em momentos de profunda crise do fundo habitacional e como resposta às crescentes e incontroláveis invasões de terrenos eriazos, em zonas e condições cada vez mais perigosas. Assim, o sonho de Barrantes foi traduzido em Huaycán, o qual se configurou como a segunda42 experiência mais representativa que dá inicio a um novo período de formas de intervenção democrática com participação popular (LA RED, 2005). Foi assim que, por sua localização e características especiais já mencionadas (zona propensa a ocorrência de “huaicos”), Huaycán foi escolhido para desenvolver nele a primeira intervenção planificada de parte da municipalidade metropolitana nos processos de assentamento popular. Desta maneira, em 3 de Maio de 1984 se constitui, respaldado por Decreto de Alcaldía Nº 040 da Municipalidade de Lima, Metropolitana (MLM), o Programa Especial de Habilitação Urbana Progressiva da área de Huaycán (PEH), feito com o objetivo de planificar, projetar, coordenar, administrar a obtenção de recursos e desenvolver a área mencionada a favor daqueles que não contavam com moradia própria e tinham escassos recursos. Isso, a propósito de nascer como um programa no convencional de moradia, assim como uma proposta de habilitação urbana de caráter integral, progressiva e participativa destinada a desenvolver a infra-estrutura de serviços (saneamento, energia, etc.), equipamento urbano (saúde, educação, recreação, etc.), apoiar a iniciativa popular para a autoconstrução com o uso de tecnologias apropriadas, progressivas e de baixo custo e, principalmente, promover o planejamento urbano para um desenvolvimento integrado do lugar. Desta maneira, a Municipalidade de Lima definia naquele momento seu papel como 42 A primeira experiência deste tipo o constitui a Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador. 124 promotora da “autogestão”43 popular e, para esses fins é que designa uma Equipe Técnica (ET), estável e de permanência real na zona, para propiciar uma gestão democrática e participativa com os povoadores, em todos os momentos do planejamento urbano e para a aplicação das inovações técnicas que se promoveram. (LA RED, 2005). É nesse contexto que Huaycán começa a conformar-se, na sua fase inicial, com 23 organizações, que compreendiam seis assentamentos humanos (AAHH) e 17 cooperativas e associações de moradores comprometidas com o programa urbano, procedendo a ocupação inicialmente com 2.000 das 12.000 famílias inscritas, que de maneira organizada e pacífica ingressaram no terreno de encosta para constituir o que logo depois se tornaria o Comitê de Gestão do Assentamento Humano Huaycán. Este foro de co-gestão estava integrado por representantes de cada organização social participante (diretos das Unidades Comunales de Viviendas UCV’s), assim como representantes da Municipalidade de Lima Metropolitana e da Municipalidade do distrito de Ate-Vitarte, funcionando até inícios de 1987 e tendo como primeiro secretario executivo de Huaycán o Eng. Eduardo Figari Gold, que foi também o encarregado pela prefeitura de Lima para desenvolver o projeto urbano. Por outro lado, a organização comunitária, na qual participavam o conjunto de organizações e que queria agir independentemente do Comitê de Gestão, se constituiu num inicio na Associação de moradores da Quebrada de Huaycán, que dera pauta logo à criação da Comunidade Autogestionária de Huaycán (CUAH), como resultado de seu primeiro congresso de povoadores. Apenas ocupado o terreno, os dirigentes procederam em organizar as estruturas de gestão e de segurança para o controle da ocupação. Tal era o nível de controle e organização inicial, que todos os inscritos no PEH possuíam credenciais de suas respectivas organizações, que deviam apresentar para poder ingressar ou sair da área ocupada. Nesse contexto e depois de pouco tempo de iniciada a ocupação, a 43 Em Huaycán o termo “autogestão” foi inserido pelo mesmo visionário e promotor desta experiência, o prefeito de Lima daquela época Barrantes Lingán; logo depois este termo vai ser apropriado e usado pela mesma população, que vai nomear a sua mesma organização de autogestionária. 125 zona de Huaycán foi crescendo aceleradamente, sendo conformada majoritariamente por uma alta percentagem de pessoas que se vinham afastando cada vez mais da zona de violência (localizada no sul - centro do país) e que se foram localizando, progressivamente, em grupos de famílias pertencentes a uma mesma região, o que ajudou rapidamente a sua adaptação e integração e, sobretudo a suportar as dificuldades comuns que se viviam nesses momentos ante a falta de moradia, serviços básicos, equipamentos e oportunidades que lhes permitissem obter melhores condições de vida (LA RED, 2005). A CUAH, sua organização e o planejamento urbano A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán – CUAH, é a organização comunitária representativa deste centro povoado, que pela originalidade e audácia de atrever-se a querer determinar seu próprio desenvolvimento, tem gerado opiniões a favor e - em não poucos casos - campanhas muito duras contra esta iniciativa. Mas o fato real é que foi a partir desta proposta inovadora de organização democrática e participativa de parte da Municipalidade Provincial de Lima em coordenação com as organizações de povoadores, que se promoveu e apoiou a gestão popular em Huaycán, dando abertura a todas as suas iniciativas e possibilidades, as quais voltadas à prática permitiram que os primeiros anos fossem determinantes e os de maior desenvolvimento para esta comunidade. Quer dizer, desde o inicio do programa PEH se esperava a consolidação de uma organização de moradores sob uma figura jurídica que lhe permitisse melhorar as condições de gestão, a partir da participação ativa da população. Para esses fins se conformou a CUAH, para que esta trabalhasse nas tarefas de planejamento e execução das diversas atividades, assim como dos mecanismos de gestão – autogoverno e planos de desenvolvimento local – que lhes permitissem reduzir seus níveis de pobreza mediante a geração de emprego e alternativas de produção para a população de Huaycán (LA RED, 2005). Sendo assim, a CUAH, ao configurar-se como a organização democrática de participação popular, formada como resultado das varias reuniões de trabalho que 126 tiveram as 23 organizações de moradores em coordenação com a Municipalidade Provincial de Lima, nas quais as primeiras colocavam suas próprias expectativas em torno ao projeto, fez com que estas, inclusive nos momentos de crise da organização, resistissem deixá-lo num primeiro momento. Isto na prática significou que a vontade dos moradores esteve presente em todo o desenvolvimento do projeto PEH, como representantes diretos de uma das partes dos que tomavam as decisões, sendo membros do projeto integral, assim como de uma determinada UCV44 e de uma Zona, mas todos da mesma organização (LA RED, 2005). A CUAH, independentemente do projeto PEH, baseava sua ação na prática dos seguintes princípios básicos, segundo seu primeiro estatuto: Democracia popular, independência soberana, centralismo democrático, disciplina consciente, vigilância e autodefesa (prática do respeito dos acordos e decisões da assembléia), solidariedade de classe, crítica e autocrítica (corrigir os erros e aprender do fracasso), principio de frente única, (prática da união dos povoadores sobre o reconhecimento de quem somos) e principio da organização vizinha (CUAH, 1993). Criada a CUAH, esta se converteu no instrumento legal de luta da comunidade, orientando a oferecer soluções para as reivindicações mediatas e imediatas, ante a necessidade, principalmente da conquista por melhores condições de vida e justiça social (CUAH, 1993). Sua estrutura em forma de pirâmide esta conformada por as UCV’s nas bases, cada UCV escolhe um presidente e sua Junta Diretiva, a qual é reconhecida legalmente e representa seus interesses ante a assembléia zonal que agrupa uma determinada quantidade de UCV’s (15 em média). Isto em razão, da urbanização em geral estar subdividida em zonas, identificadas por uma letra do alfabeto e às quais lhe correspondem um número variável de UCV’s, regidas pelas Secretarias ou Juntas Diretiva Zonais; as quais por último coordenam seus esforços com a oficina central da comunidade, denominado CONSEJO EJECUTIVO CENTRAL (CEC). Foi assim, através desta estrutura, que todos os desenhos, 44 UCV = Unidad Comunal de Vivienda (Unidade Comunal de Moradia) que se constitui no núcleo e célula da urbanização e organização social comunitária, conformada por aprox. 60 famílias. 127 gestões, iniciativas e propostas foram o resultado das reuniões de UCV’s, reuniões zonais, plenárias de dirigentes e assembléias de povoadores (ver gráfico 7). GRÁFICO 7 ESTRUTURA ORGANIZATIVA DA CUAH JUNTA DIRETIVA CENTRAL COMITÉ DE GESTÃO MUNICIPALIDADE DE ATE-VITARTE J.D. UCV J.D. UCV J. D. ZONA L J.D. UCV J. D. ZONA L J.D. UCV J.D. UCV J. D. ZONA L J.D. UCV J.D. UCV J.D. UCV J. D. ZONA L MUNICIPALIDADE DE LIMA METROPOLITANA Fonte: Elaboração própria em base ao documento: Experiencia 12 HUAYCÁN - Construyendo una Ciudad Segura y Saludable de LA RED, 2005. Uma vez consolidada a organização e, tendo como órgão reitor o Comitê de Gestão da CUAH, se procedeu a dar inicio ao longo processo de participação democrática, que fosse o eixo fundamental no planejamento urbano e implementação do PEH, convertendo a quebrada de Huaycán num espaço de desenvolvimento habitacional democrático e popular, sendo nesses momentos, “Por uma vivienda digna”, o lema de todo morador. Para esses fins, a Municipalidade de Lima, como promotora da gestão popular, designa uma Equipe Técnica (ET), estável e de permanência real na zona, para que propiciasse uma gestão democrática e participativa com os povoadores em todos os momentos do planejamento urbano e na aplicação das inovações técnicas que se promovessem (LA RED, 2005). Foi desta maneira que o assentamento humano de Huaycán se foi constituindo e desenvolvendo organizadamente, respeitando o desenho de planejamento urbano proposto por seus técnicos e sua representatividade dirigente desde o inicio, o que permitiu ordem e crescimento ordenado em busca de soluções a suas 128 necessidades. Esta proposta partia de uma concepção urbanística e arquitetônica que da mesma forma que em VES, contemplava o valor social e organizativo como um aspecto fundamental na solução física do problema da moradia popular, portanto teve uma grande influência no crescimento e desenvolvimento deste atual centro poblado. (Fonte: entrevista a dirigente da CUAH, 2008). Portanto, para que o desenho urbanístico cumprisse sua função social-organizativa, se desenharam grandes manzanas (quarteirões) que conformariam cada certo grupo Unidades Comunales de Vivienda (UCV’s) (ver Gráfico 8) de aproximadamente 1 ha. e, compostas de 60 lotes cada uma, com suas respectivas áreas comuns e de serviço, de forma similar que em VES, com o objetivo de que estas se constituam na célula da urbanização e da organização urbanística, reforçando a dinâmica comunal dos povoadores. Quer dizer, a concepção e desenho das UCV’s também se fez no sentido de reforçar os laços de vizinhança e identidade entre seus membros, por esta razão se desenhou a disposição dos lotes ao borde do perímetro de cada Unidade Comunal, de maneira tal que confluam para espaços abertos, evitando assim que os vizinhos se isolem. Por outro lado, a comunicação entre UCV’s se dá através de passagens, e principalmente através de quatro entradas, afastadas das avenidas principais que possuem lotes maiores onde se desenvolve a atividade comercial e que também se encontra subdividida nas denominadas Unidades de Vivienda Comercial (UVC’s). (ver Gráfico 8). Em suma, a urbanização de Huaycán encontra-se dividida em zonas que vão desde a letra "A" até a "Z", agrupando cada zona determinado número de unidades comunales de vivienda (UCV’s) e unidades de vivienda comercial (UVC’s). No caso das UCV’s, o desenho destas esteve feito especialmente para organizar de forma mais eficiente o espaço e sua população, com lotes unifamiliares de uma área de 90 m² em vez dos 120 m² que tem as moradias tradicionais, o qual lhe permite otimizar o espaço. Esta redução do espaço em cada lote se deve a que as áreas verdes foram consideradas fora das casas (no espaço central comum), ao serem as moradias especialmente dispostas à borda do perímetro de cada Unidad Comunal de Vivienda, deixando uma área livre central, que é de propriedade comum, para a 129 localização de uma área recreativa ou de lazer, assim como de um local da mesma extensão de um lote, para o desenvolvimento da atividade comunal, funcionando como sede de reuniões para tomadas de decisões da comunidade, e também para cobrir com outras funções como, comedor e botequim comunal (LA RED, 2005). GRÁFICO 8 PLANO URBANO DE HUAYCÁN - EXEMPLO DE UMA “UNIDAD COMUNAL DE VIVIENDA” (UCV) E DE UMA “UNIDAD DE VIVIENDA E COMERCIO” (UVC) X= 0 3162 1. 1 840 6 8705 6 0 .4 8 49 Y= X =307 1 2 2 .9 1 9 6 Y= 8676 0 1 3 .8 3 29 Fonte: Elaboração própria em base ao Plano Base de COFOPRI (Comissão de Formalização da propriedade Informal), no ano de 1998. 130 Além disso, na CUAH assim como em VES, desde o primeiro momento estiveram definidas a dimensão e localização das áreas de terreno e seus usos, o qual permitiu que não se habitasse área de terreno que não houvesse sido assinalada como área para moradia, moradia-comercio, recreação, produção, entre outras. Mas, diferentemente da CUAVES, esta experiência tem a particularidade de tomar em conta os estudos geomorfológicos, topográficos e hidrográficos, que caracterizam a encosta de Huaycán, estudos que foram essenciais para o reconhecimento dos caminhos das antigas galerias naturais geradas pelos huaicos, sendo consideradas pelos técnicos no momento de fazer o desenho urbano, os quais projetaram sobre elas as três grandes avenidas que serviriam como coletoras e condutoras no caso de que pudessem acontecer huaicos futuros e, evitando assim também que as moradias sejam construídas em zonas de risco (LA RED, 2005). Em relação ao ponto anterior, também a localização dos núcleos de serviços, áreas de comércio e atividade para a pequena indústria foram definidos previamente desde a proposta inicial, sendo repartidos de forma geral em cada zona ou grande manzana (quarteirão). Progressivamente, a par do processo de ocupação e desenvolvimento de Huaycán, estes núcleos foram-se consolidando, através da construção de postos médicos, o hospital Huaycán, escolas públicas de educação inicial, ensino fundamental e médio (somando 30 aproximadamente) e, outra quantidade similar de escolas privadas a partir do ano de 1996, a local da polícia, igrejas, comedores populares, etc. Sendo também definidas as zonas de comercio varejista e projetada a localização dos Mercados de Abastecimento e das faixas comerciais, assim como as áreas para a atividade de pequena industria ou moradiaatelier, todas estas com o fim de permitir gerar novas fontes de emprego. No referente ao conceito de propriedade, na CUAH, também de forma similar que em VES, se definiu a combinação de dois tipos, a dos lotes unifamiliares e os de propriedade comunitária ou aspecto coletivo designados às áreas comuns, assim como alguns parques e equipamentos sociais maiores, construídos majoritariamente pelos mesmos moradores. Isto, em razão de que se planejara desde o início, que a população fizesse esses projetos em mutirão, quer dizer, que ela mesma se 131 encarregasse da construção destes núcleos e serviços com o propósito de satisfazer coletivamente suas necessidades. Portanto, o trabalho comunitário foi a base da habilitação, tanto para as obras gerais (serviços básicos e tratamento de resíduos sólidos) como para cada UCV nos trabalhos de serviço comunitário como limpeza e habilitação de terrenos, construção dos serviços comunitários, coleta de lixo, transporte de água, construção de letrinas (poças sépticas), etc. (LA RED, 2005). A CUAH e seu impacto no desenvolvimento urbano - principais conquistas e resultados alcançados O principal impacto gerado pela CUAH, como sistema de organização social estruturada e fortalecida, que contou com um planejamento prévio e desenho urbano integral, é o de ter permitido em poucos anos que a comunidade se desenvolva, já que a população elevou sua consciência para organizar-se e, com a retórica da “autogestão”, trabalhou de forma constante pela gestão de seu desenvolvimento na busca de respostas a cada uma de suas necessidades, nos diferentes temas (moradia, serviços básicos, equipamentos urbanos, educação, saúde, emprego e renda, etc.) e, nos quais obteve resultados apreciáveis que se podem constatar na atualidade, sobretudo no que respeita à infra-estrutura urbana, acesso a serviços básicos (luz, água e esgoto) e públicos (limpeza pública, transporte, ornato, etc.); obtidos num período relativamente curto de tempo, se comparado este a outros assentamentos humanos e distritos (exceto Villa El Salvador). A isto contribuiu a concepção e desenho das UCV’s como parte do planejamento urbano, nas quais – como já foi abordado anteriormente – os lotes estão dispostos especialmente para que as famílias de cada unidade de moradia participem trabalhando coletivamente não só pela gestão de sua propriedade, como também pela propriedade comunitária, o qual contribuiu no desenvolvimento integral de cada UCV e, no conjunto da urbanização permitiu alcançar resultados em poucos anos, desde sua fundação. Assim também, o modelo de organização com a retórica da “autogestão” apropriada pelos representantes desta mesma, permitiu que se organizassem a sua vez, os trabalhadores de transporte público, os comedores populares, os organismos culturais, os trabalhadores de comércio ambulante e formal, os trabalhadores de 132 distintas áreas, etc. Tudo isso, permitiu potencializar sua organização, e isto se podia constatar, principalmente no momento de tomar decisões nos seus congressos de povoadores (LA RED, 2005; ASOCIACION LABORAL PARA EL DESARROLLO - ADEC-ATC, 2000). Em segundo lugar, o fato do projeto de Huaycán ser concebido como uma proposta integral, progressiva e participativa de desenvolvimento urbano – apesar de ter-se desenvolvido mais alguns aspectos em relação a outros, se toma-se como referência sua proposta inicial – abriu campo primeiro, para que se desenvolvesse um processo racional e ordenado de participação entre vizinhos, os quais colocaram muito ímpeto para conseguir formar um assentamento humano satisfatório que brinda melhores condições de vida e oportunidades a seus povoadores, e que considera o respeito pelo meio ambiente e o tema da justiça social. Por conseguinte, o seu caráter integral fez ampliar o horizonte comum de intervenção urbana, propondo soluções abrangentes que permitiram cobrir vários outros temas além do esquema convencional, propondo assim soluções aos aspectos urbano, social, econômico, produtivo, educativo, ecológico-ambiental, etc. Por conseguinte, foram incorporadas ao projeto urbano, inovações tecnológicas para o desenvolvimento de programas de saneamento integral, se criaram unidades produtivas comunais para fornecer aos povoadores de trabalho local em longo prazo e, junto à habilitação urbana, se realizaram estudos e projetos necessários para o melhor acondicionamento da quebrada. E, finalmente o seu caráter progressivo, influiu nesta experiência, no sentido de pensar em novas soluções, optando assim pela concessão progressiva dos serviços básicos, consoante com as expectativas e alcances da população, de maneira tal que os povoadores em todo momento, tenham os meios mínimos indispensáveis para garantir-se adequadas condições de vida na área. Em resposta a isto, se procurou que toda obra ou inversão fosse cumulativa, servindo de base para sucessivos avanços dentro de um planejamento integral de longo prazo. Foi assim que para o saneamento ambiental se considerou um sistema progressivo e de baixo custo, baseado no uso racional da água, o abastecimento de água por etapas, a 133 recuperação e preservação dos canais de irrigação existentes, uma proposta inovadora de evacuação de excretas, o uso da água do rio da zona (Rímac) e o desenvolvimento e promoção de micro-recheios sanitários (LA RED, 2005). Outro dos impactos gerados é a segurança com que conta a área do terreno, em conseqüência do fato que nesta experiência, a exceção de outros assentamentos humanos, os desenhos de habilitação urbana desde o início responderam a critérios de gestão de riscos e fenômenos naturais; o qual permitiu desenvolver uma proposta de planejamento urbano integral, responsável, coerente e eficiente que permite prevenir à população das adversidades futuras, no caso de que aconteçam novamente huaicos ou deslizamentos na zona. Agora, é importante destacar os principais conquistas e resultados que Huaycán obteve desde o inicio até a atualidade e que produziram um impacto no desenvolvimento urbano e na vida dos moradores, podem ser citados a seguir: Para começar, se pode constatar como um avanço importante, o fato do planejamento e desenvolvimento do bairro ter sido realizado em conjunto com as autoridades municipais, tanto de Lima Metropolitana como da Municipalidade Local de Ate-Vitarte, somado à participação de algumas instituições acadêmicas e profissionais independentes. Quer dizer, que se abreu um espaço de diálogo e participação entre distintos atores, mas com o objetivo comum de buscar melhores condições e oportunidades de vida para a população de Huaycán (LA RED, 2005). Em segundo lugar, se pode considerar como conquista e um potencial importante, o fato de contar durante vários anos, sobretudo na fase inicial, com uma organização e, portanto uma população solidária, criativa, entusiasta, decidida e com vontade em todo momento de trabalhar pelo seu desenvolvimento, enfrentando qualquer tipo de obstáculos. Portanto, a participação organizada da população em todo o desenvolvimento de Huaycán – na tomada de decisões do processo de habilitação, desenho urbano, autoconstrução de moradias e serviços básicos comuns e próprios; em ações de pressão e demanda para fazer que o governo local e central cumpra 134 com as obras oferecidas; em distintas atividades de capacitação, em múltiplas atividades culturais, esportivas e tradicionais; etc. – foi o fator chave que permitiu à CUAH obter resultados dos projetos mais urgentes, num período relativamente curto de tempo em relação a outros assentamentos humanos e distritos, principalmente nos temas de moradia, serviços básicos e públicos (LA RED, 2005). Em terceiro lugar e, vinculado ao ponto anterior, se pode contar também como uma conquista a forma atual como estão constituídas as organizações de mulheres de Huaycán (Clubes de Mães e Comedores Autogestionários), em razão a que estas gozam atualmente de uma maior autonomia, apesar dos conflitos e problemas internos entre antigas e novas dirigentes, somado as interrupções provocadas em determinados momentos por Sendero Luminoso e as Forças Armadas, e por outro lado a intervenção do Estado através de seu organismo, o PRONAA, que também se encarregava da repartição de alimentos, mas de forma clientelista e desvinculado totalmente dos clubes de madres e os comedores autogestionários. Algo melhor acontece com as organizações juvenis45 de Huaycán, já que neste caso, se trata de organizações relativamente novas, de poucos anos de formadas e que, pese a seu número reduzido e ao contexto adverso em que surgem, tem sabido manter-se e tendem a crescer. Estas organizações surgiram em resposta ao processo excludente do sistema capitalista da qual são objeto os jovens no momento de querer buscar um futuro melhor na cidade e ante a necessidade de encontrar alguma solução aos vários problemas que os afetam – principalmente o baixo nível de educação, as altas taxas de desemprego e subemprego juvenil, entre outros. O fato é que apesar do número destas organizações ainda ser pequeno e a participação dos jovens ser igualmente minoritária, as organizações juvenis de Huaycán encerram um grande potencial (ADEC-ATC, 2001). Em quarto lugar, podemos considerar como uma conquista importante o fato de que Huaycán tenha alcançado uma cobertura da sua infra-estrutura urbana, acesso aos serviços básicos (luz, água e esgoto) e públicos (limpeza pública, transporte, ornato, 45 Os jovens, adolescentes e crianças constituem aproximadamente dois terços da população de Huaycán. 135 etc.) em pouco tempo depois de sua fundação, o que não tem acontecido antes nem depois em nenhum outro assentamento humano ou distrito, a exceção do distrito de Villa El Salvador. Para começar, em relação à infra-estrutura urbana, o papel da população como representante da CUAH, trabalhando pela gestão de seu desenvolvimento permitiu que a intervenção da municipalidade distrital tenha sido efetiva, sobretudo, no referente à construção da infra-estrutura viária, cobrindo com asfalto praticamente todas as principais vias, que tem permitido que a comunicação entre as distintas zonas de Huaycán seja mais rápida, assim como da comunidade em seu conjunto que se integra facilmente a distintos pontos da cidade de Lima. Atualmente, ainda restam por asfaltar importantes trechos de algumas vias, sobretudo, aquelas que chegam até as zonas mais altas de Huaycán. No entanto, é preciso reconhecer que se avançou muito nesta tarefa e, o mais importante é que a municipalidade continua trabalhando com entusiasmo, apesar dos problemas de arrecadamento de impostos que se apresentam na zona (ADEC-ATC, 2001). Em relação aos serviços básicos, falando em termos gerais, pode dizer-se que na atualidade, 100% das moradias localizadas nas zonas baixas de Huaycán contam com acesso aos serviços de água, esgoto e luz; com conexões internas às moradias na sua totalidade. No entanto, nas zonas altas e mais novas, a situação se torna um tanto diferente; de qualquer modo, ainda que não existam cifras oficiais, as porcentagens estimadas nestas partes não deixam de ser consideráveis, sendo que aproximadamente 80% das moradias destas zonas tem conexão de luz e no que concerne aos serviços de água e esgoto, o nível de acesso se reduz a 70%, que equivale a dizer que só uma de cada cinco moradias não conta com acesso a estes serviços (ADEC-ATC, 2001). No referente à infra-estrutura esportiva, Huaycán conta com uma interessante relação neste campo, que inclui trinta e nove quadras esportivas, dois complexos esportivos, dois campos de futebol, um estádio e uma quadra de voleibol. A conquista concerne ao fato de que a maior parte desta infra-estrutura foi construída 136 pela própria comunidade, contando com o apoio da Municipalidade de Ate - Vitarte (ADEC-ATC, 2001). Em quinto lugar, cabe mencionar as conquistas que esta comunidade tem chegado a alcançar também num curto tempo desde sua fundação, no que se refere à construção dos equipamentos públicos aos serviços sociais mais necessários, os quais respondem a um dos seus objetivos iniciais e estão concentrados nos Núcleos de Serviço, de acordo ao planejamento original. Assim temos: A Agência Municipal descentralizada; escolas estatais de educação infantil, ensino fundamental e médio; Instituto superior de educação técnica; programas de PRONOEI (estimulação inicial para crianças menores de 3 anos); WAWA WASI’s (Creches para crianças menores de 2 anos); Hospital público; Estação de Bombeiros; Câmara de Comércio; oficinas descentralizadas do Poder Judicial; a Catedral (a terceira que se construiu em Lima); 3 Emissoras de rádio (a mais importante é a Radio Emmanuel, de propriedade da Paróquia “San Andrés” e que tem cumprido um rol importante no desenvolvimento da comunidade); Comedores comunitários; Oficina do Comitê Central da comunidade; etc. (LA RED, 2005). Mas falando especificamente da Agencia Municipal de Huaycán, sua construção e inauguração, em Julho de 1998, constitui um aporte concreto do governo local da CUAH para a comunidade, ao funcionar esta como um órgão independente, encarregado de promover o desenvolvimento da comunidade e de brindar uma série de serviços sociais dentro das atribuições do governo local. Esta Agência Municipal conta com distintas áreas, a saber: Seguridade Cidadã; Defesa Civil; Participação Comunitária; Serviços Públicos e Sociais (transporte, limpeza pública, ornato, etc.); e Defensória Municipal do Menor e o Adolescente (DEMUNA) (ADEC-ATC, 2001). Em sexto lugar, é necessário mencionar a dinâmica econômica importante que se tem gerado em Huaycán nos últimos anos, isto se deve majoritariamente às atividades econômicas complementares e atividades comerciais que se desenvolvem nas Faixas Comerciais localizadas ao longo das avenidas principais e que compõem as denominadas UVC’s (Unidades de Vivienda Comercial) e, em 137 parte ao ainda elementar, mas crescente desempenho do seu Parque Industrial. Isto se potencializa em razão da concepção dos novos dirigentes de valorizar o trabalho como meio de superação da pobreza, diferentemente dos antigos dirigentes da CUAH, que só pensavam em cobrir suas demandas imediatas, confundindo em parte o espírito organizativo que deu origem a CUAH (Fonte: entrevista a presidente da ONG ADEC-ATC, 2008). Então, a atividade econômica de Huaycán se desenvolve da seguinte maneira: Os distintos sectores econômicos que existem em Huaycán (agropecuário, PYMEs, comercio, transporte, etc.) fornecem um total de 9.580 postos de trabalho. Destes setores econômicos, em primeiro lugar se localizam as atividades comerciais, majoritariamente correspondentes ao setor informal, mas que conseguem gerar o maior número de postos de trabalho, sendo que o 82.3% destes são ocupados por pessoas que residem no lugar e que formam parte do 48,6 % da PEA ocupada que trabalha na mesma comunidade. Por outro lado, o Parque Industrial, conta com 530 grêmios ou associações de microempresários que ocupam suas instalações – sendo um dos mais importantes e de regular tamanho a Associação de Pequenas Empresas Industriais de Huaycán (APEIH), que agrupa 93 microempresários –, apesar de que a maioria destas PYMEs somente produz para o mercado de Huaycán. A exceção, a ser destacada como um aspecto positivo é o surgimento há alguns anos atrás, de algumas PYMEs – ainda que poucas – que colocam seus produtos em outros mercados ou trabalham a pedido, vendendo diretamente a clientes ou empresas estrangeiras; produtos tais como: calçados, tecidos de lã e alpaca, confecções diversas, marcenaria, cerâmica, artesanato, etc. Todo o citado constitui resultados importantes se leva-se em conta que um dos seus objetivos principais, que se propôs a CUAH desde o início, como parte de seu Plano de desenvolvimento integral consistia em criar fontes de trabalho para os moradores, impulsionando ações de cooperação no plano social e econômico (ADEC-ATC, 2001; Testimónio de Constitución de la CUAH, 1989; e entrevista ao dirigente da CUAH, 2008). 138 Outra de suas principais contribuições, que pode considerar-se também como uma conquista é o fato de em Huaycán se utilizarem critérios de preservação e cuidado com o meio ambiente, o que não aconteceu em nenhum outro assentamento humano. Para esses fins, se promoveu o emprego massivo de recursos do lugar, com materiais de baixo custo e o uso de tecnologia apropriada para os requerimentos da população. Portanto, se empregou de maneira massiva a pedra como material de construção, considerando a abundancia desse recurso na encosta de Huaycán. Também o uso de tijolos de concreto vibrado e componentes de concreto pré-fabricado in situ, dada a existência de um areal em plena exploração na zona (LA RED, 2005). Finalmente, vale destacar que Huaycán, vivenciando esse processo de aprendizado com base em avanços e fracassos, conta ainda na atualidade com um Plano de Desenvolvimento Integral, que formulado coletivamente – com a participação de sua população como representantes do movimento social, autoridades locais, instituições civis, técnicos e profissionais –, vai servir de guia para as futuras intervenções que se desenvolvam na área. Papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social no desenvolvimento de Huaycán Esta experiência constitui por si mesma, um exemplo de participação e estabelecimento de ações concertadas e negociadas, por parte da população envolvida, técnicos e autoridades locais ou dos organismos de gestão, organismos setoriais, universidades e escolas profissionais, etc. A seguir destacaremos algumas menções que correspondem às ações ou ao papel que exerceram tanto os atores públicos, as instituições civis, assim como os representantes do movimento social no desenvolvimento de Huaycán: Para iniciar, no que diz respeito ao papel que cumpriram os atores públicos nesta experiência, é importante mencionar primeiro que a formação da CUAH ocorreu numa conjuntura política particular, correspondente ao partido de Esquerda Unida - 139 IU de Barrantes Lingán na prefeitura de Lima, o qual, como já se disse em outras ocasiões, experimentou políticas socialistas, tendo desta vez a iniciativa e empenho de levar adiante novamente46 um projeto de barriada planificada e modelo de cidade autogestionária dirigida aos mais pobres, a partir de um planejamento urbano integral feito com participação popular, ou seja, em coordenação com a organização social comunitária. Com esses propósitos, a Municipalidade de Lima não só foi responsável pelo desenho e monitoramento do projeto técnico de desenvolvimento e habilitação urbana, senão que também propiciou uma gestão democrática e participativa com os povoadores, para todos os momentos da planificação urbana (LA RED, 2005). Os outros atores públicos que atuaram no desenvolvimento de Huaycán foram a Municipalidade Distrital de Ate-Vitarte e o governo central, a primeira como parte da equipe tripartite do Comitê de Gestão, participando no planejamento, formulação e atualização do projeto urbano e, a qual apoiou por sua vez nos trabalhos de consecução dos serviços e na legalização dos planos de zoneamento. Agora no referente ao papel do governo central, este se concentrou em dirigir seus auxílios ao financiamento de obras para serviços sociais, como a construção de escolas, postos médicos, avenidas e ruas, etc.; geralmente como resultado das exigências e demandas da mesma população organizada. Em segundo lugar, a atuação das instituições civis aparece junto à conformação da CUAH, desde sua fase inicial e durante as várias etapas do seu desenvolvimento, aportando com recursos econômicos, capacitação, estudos e investigações, assessoramento técnico especializado e participação na construção do plano de desenvolvimento integral. O primeiro grupo de instituições civis que trabalharam em Huaycán era formado pelas ONG’s; mas, ainda que estas no tivessem muita atuação nesta comunidade – por um lado, pela atitude de desconfiança em certo momento da mesma população em direção a estas47 e também, porque em 46 A primeira experiência deste tipo o constitui a Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador. 47 A atitude de desconfiança da população de Huaycán em relação às ONG’s aparece em razão de que em momentos de enfraquecimento da população, um conjunto destas aproveitando a situação, 140 determinada época, elas mesmas não queriam ingressar em Huaycán por medo do terrorismo que se vivia antes dos anos 90 – ajudaram mais que tudo no referente à realização de alguns estudos técnicos específicos prévios à habilitação urbana; investigações, capacitação e assessoramento para a aplicação das inovações tecnológicas; assim como a formulação de alguns planos de desenvolvimento econômico para Huaycán e projetos pontuais, como do Parque Industrial. Desta maneira, se pode mencionar algumas das principais ONG’s que atuaram de uma ou outra forma no processo de desenvolvimento da CUAH, estas foram: ASOCIACION LABORAL PARA EL DESARROLLO (ADEC-ATC), CENCA, CARE, CENTRO-IDEA e PIRKA. Ao anterior se pode somar também o apoio econômico e técnico de algumas instituições de cooperação internacional, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa de Preparação ante Desastres (DIPECHO) do Departamento de Ajuda Humanitária da Comissão Européia (ECHO). Tais programas foram importantes aliados desde o início na promoção desta experiência e, portanto acompanharam na elaboração ou realização de determinadas metas ou projetos traçados para o desenvolvimento de CUAH – como parte do seu primeiro Plano Integral de Desenvolvimento. O seguinte grupo de instituições civis está conformado pelas associações e cooperativas de moradia e as organizações comerciais da comunidade. As primeiras apoiaram através do seu auxílio econômico inicial para a organização (sua quota de ingresso) e participando também em algumas decisões sobre a proposta técnica e, as segundas além de oferecer também o seu apoio econômico, trabalharam na habilitação das principais vias e das faixas comerciais. E, no terceiro grupo de instituições civis se vão localizar as faculdades de engenharia civil e arquitetura de duas importantes universidades de Lima, a Universidad Nacional de Ingenieria (UNI) e a Universidad Ricardo Palma; e também a Escuela de periodismo Jaime Bausate y Meza. As duas primeiras ofereceram apoio técnico, acompanhamento e assessoramento técnico nos processos de ingressa a esta comunidade tentando implementar e impulsionar programas e projetos que não eram necessários nem foram consultados previamente ante a população. 141 habilitação e desenho urbano, atuando por sua vez com estudantes dos últimos anos de estudos para apoiar no levantamento dos planos topográficos, desenhos de lotes e planos de tratamento urbano; e a escola de periodismo através do apoio proporcionado à equipe técnica da comunidade para o desenho de campanhas de comunicação e programas de difusão radial comunitária. Finalmente, a participação e o compromisso de autogestão, da mesma população de Huaycán, como representantes do movimento social (da CUAH) foram vitais para fazer viável esta proposta de auto-organização popular de bairro, isso somado aos valores de solidariedade, confiança e reciprocidade para com os seus concidadãos, em cada uma das fases do projeto de desenvolvimento urbano, principalmente no referente ao trabalho comunitário. Quer dizer, os valores antes mencionados se refletiram no trabalho comunitário, no sentido de que para a construção das moradias, obras gerais de habilitação urbana, limpeza e preparação de terrenos, construção dos serviços comunitários, coleta de lixo, transporte de água, construção de letrinas (poças sépticas), etc.; a população fazia mutirão, com o propósito de satisfazer coletivamente suas necessidades. Assim também, o trabalho com resíduos sólidos, e os temas de água e saúde contaram com ampla participação dos homens, mulheres e jovens representantes do movimento social (da CUAH), chegando a se reunir ao redor de 300 pessoas só para atender assuntos de limpeza, de saúde e para ver o controle da qualidade da água. Por essa razão, para garantir o bom uso e controle deste recurso, algumas ONG’s – como já foi dito anteriormente – se encarregavam de preparar a população, ministrando palestras informativas ao interior de cada UCV, chegando às vezes estas palestras estarem dirigidas para um fórum de aproximadamente 1550 pessoas. Os déficits e conflitos ocorridos através do tempo na CUAH Um dos seus principais conflitos que enfrenta a CUAH quase desde um inicio é que a maior parte da população de Huaycán ainda se pode considerar como pobre e não 142 são poucas as famílias, sobretudo nas zonas altas, que vivem numa situação de extrema pobreza; mas ainda não existe uma cifra oficial ao respeito. O problema da pobreza em Huaycán, no entanto, tem pouco a ver com a falta de acesso aos serviços básicos, já que muitas famílias das zonas baixas, que contam com acesso a todos os serviços, vivem ainda em situação de pobreza. Mas, a pobreza está associada, neste caso, ao baixo nível educativo da população de Huaycán, que se traduz em altas taxas de desemprego e subemprego48 – o que não ocorre em VES (ADEC-ATC, 2000). A situação da educação – e isto esta relacionado ao ponto anterior - é sumamente crítica em Huaycán. Quer dizer, esta comunidade conta com uma importante infraestrutura educativa; mas a qualidade do serviço, tanto nas escolas públicas como privadas, é um pouco baixa. Isto faz, com que perto de 12% da população em idade escolar fique cada ano sem estudar, e isso, não somente por problemas econômicos; já que existe um importante setor que se desvincula da escola, sobretudo no ensino médio, porque considera que os conhecimentos que se oferecem nela não lhe serão úteis. Em geral, apesar de que a CUAH tenha avançado muito nos vinte seis anos que tem de existência, sobretudo – como já disse em outras ocasiões – no que diz respeito ao acesso aos serviços básicos e públicos. Isto não quer dizer que o tema da habilitação urbana tenha sido superado por completo, posto que ainda falta construir algumas pistas e calçadas em uma grande porcentagem da área que ocupa a comunidade. Portanto, não se pode dizer, em conseqüência, que Huaycán seja uma área urbana consolidada quando parte do projeto de habilitação ainda não se encontra concluído; em todo caso, se trata de uma área em vias de consolidação ou semi-consolidada. Na atualidade, grande parte deste trabalho esta sendo retomado através de recursos do programa do Estado “Construyendo Peru” (que antes era “A trabajar Urbano”) e novamente o trabalho coletivo da população interessada por cada UCV, o qual demonstra que a iniciativa dos vizinhos é ainda fundamental para a solução destes problemas (ADEC-ATC, 2001). 48 Aproximadamente 51,4% da população de Huaycán se encontra desempregada. 143 Os problemas de falta de consolidação da área total de Huaycán começaram desde finais dos anos 80, já que ingressaram a Huaycán novos contingentes de população que, favorecidos pela ausência de quem controlasse e normatizasse a ocupação nessa época, cobriram rapidamente todas as áreas destinadas a moradias, chegando inclusive a assentar-se em lugares improvisados, sem as condições mínimas para ser habilitados (as zonas altas) (LA RED, 2005). Outro dos déficits importantes que afeta diretamente a população de todas as idades de Huaycán, é representado pela ausência de áreas verdes e espaços de recreação ou lazer, sendo provavelmente o serviço público menos desenvolvido com que conta esta comunidade. Mas, o problema não tem a ver com a ausência de terrenos que sejam destinados para estes fins – já que na proposta inicial se tinha previsto as zonas para estes usos –, mas sim com o descuidado estado em que estas se encontram. Com efeito, em Huaycán existem cinco parques de grande extensão – sem contar os parques ou campos infantis de menor tamanho – que cobrem uma área total de 84.385 ha; o equivalente a 4.4% da área urbana da comunidade. Mas, o problema radica em que estas áreas verdes, com a exceção do Parque Central, se encontram bastantes descuidadas ou só se conta apenas com o terreno que tem sido reservado para esse propósito, como no caso do Parque Ecológico de Huaycán, que tem uma extensão de 4.5 ha. Em outros casos, a arborização tem avançado um pouco mais, mas ainda falta construir a infra-estrutura. Tudo isso, somado ao problema da escassez da água, que impede se ofereça uma adequada manutenção às áreas verdes49 (ADEC-ATC, 2001). 49 Um caso particular, a propósito do tema das áreas verdes e a preservação do meio ambiente, vem a ser o Projeto Primas Huaycán Verde, proposto na fase inicial do planejamento urbano, mas que atualmente se encontra bastante descuidado. Este projeto é bastante ambicioso e tem como objetivo arborizar as ladeiras dos morros de Huaycán de um setor de aproximadamente 10 ha., buscando, paralelamente, favorecer a irrigação urbana através da instalação de canais que cheguem até as zonas A, B, C, D e E, as mesmas que permanecem inativas. Inicialmente, o projeto Huaycán Verde esteve a cargo da ONG CIUDAD, que não só foi a entidade que contribuiu em seu desenho, como também a que começou sua execução na primeira metade da década dos 90. Posteriormente, por problemas internos que se suscitarem nesta ONG, o projeto foi abandoado, para ser retomado em março de 1999 por parte do CEC – CUAH em coordenação com a Municipalidade de Ate – Vitarte e o Colegio Juan XXIII. Mas, atualmente o projeto se encontra semi-paralisado, com uma infra-estrutura que por desgraça, não se encontra em bom estado. Ao anterior cabe agregar as dívidas que se acumulam de anos anteriores com Luz del Sur e com o Fundo Contravalor Peru – Francia, sendo que a última chega a 168.000 dólares. Fora a todos estes problemas, tem-se realizado algumas plantações de 144 Agora, especificamente, no caso da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán (CUAH) e sua estrutura organizativa que responde a um esquema piramidal de participação, com o decorrer do tempo, se tem tornado obsoleta. Quer dizer, o seu modelo organizativo, que concebe a participação como um envolvimento generalizado da população, funcionou bem em seus inícios, quando a prioridade da população era o aceso aos serviços básicos de luz, água e esgoto; mas de forma similar que à de VES, à medida que estes problemas se foram solucionando sobretudo nas zonas baixas de Huaycán -, a organização comunitária pouco a pouco começou a enfraquecer-se. A este enfraquecimento contribuiu também a ação do Sendero Luminoso e das Forças Armadas nos anos mais críticos da guerra interna (1990 - 94), que fez que a população se inibisse de participar na organização comunitária. Tudo isso, somado à corrupção de um importante setor dirigente – e ao fato irreversível de Huaycán ser, na atualidade, uma comunidade muito mais complexa do que foi quando se fundou –, deu lugar à atual crise orgânica da CUAH, que se traduz numa desconfiança geral da população em relação à gestão comunitária que gera, a sua vez, uma baixa participação dos vizinhos nas distintas instancias da organização comunal (ADEC-ATC, 2001). Outro dos problemas e carências existentes se dá em torno às atividades econômicas desenvolvidas em Huaycán. Primeiro, porque a maioria das atividades comerciais nas quais trabalha a maior porcentagem da população desta comunidade, não se encontram integradas ao sistema econômico formal, sendo em sua maior parte, atividades que operam dentro do circuito da economia informal. Nesse sentido, tendem a reproduzir a pobreza na qual vive a maioria desta população. Por outro lado, os grêmios e associações de pequenos microempresários – PYMEs só se restringem a oferecer seus produtos ao mercado de Huaycán, sendo muito poucos os que colocam seus produtos em outros mercados e, os que o fazem, em sua maior parte, operam através de mecanismos indiretos. Alguns – sobretudo frutas e a municipalidade tem colocado uma pessoa para a manutenção das motobombas e o cuidado da zona; o qual resulta insuficiente. Prova disso, vem a ser a invasão que tem ocupado parte da área do projeto. Tudo isso, faz pensar no futuro do Projeto Huaycán Verde ainda como algo incerto, já que nem a municipalidade nem o CEC - CUAH contam com os recursos necessários para continuá-lo e, tampouco se conta com financiamento de alguma entidade cooperante do exterior. 145 na linha de calçado – o fazem através da subcontratação com empresas de maior tamanho que contam com um mercado próprio e que buscam baratear custos através deste mecanismo, entanto outros trabalham para outras PYMEs melhor posicionadas. Em suma, como se pode apreciar, o principal problema que padecem as PYMEs de Huaycán é a ausência de cultura empresarial de seus proprietários; o que, somado à desconfiança que existe entre eles, explica o baixo nível de desenvolvimento alcançado (ADEC-ATC, 2001). FOTO 6: Praça de Armas de Huaycán FOTO 8: Parque Industrial de Huaycán FOTO 7: Agência Municipal de Huaycán FOTO 9: Moradias - Atelier do Parque Industrial Para culminar com a abordagem da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, 146 limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade. Quadro 4: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas. Políticas e princípios de Planejamento Integral Urbano Sustentável Política de planejamento integral Bloqueios Limites Conquistas • Integrando a cidade como um todo, com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. • Além do aspecto urbano - espacial, não se desenvolveram à parte políticas urbanas que vinculem social, econômica ou culturalmente este bairro popular, ao resto da cidade. • A integração deste bairro popular com Lima Metropolitana só se consegue espacialmente, mas não nos aspectos social, cultural, nem econômico. • Distribuindo de forma eqüitativa a renda, os equipamentos e serviços urbanos. • Não se propôs nenhum equipamento urbano de nível metropolitano que propiciasse uma integração desta comunidade com outras áreas da cidade. O Parque Ecológico de Huaycán – que conta com uma extensão de 4.5 há -, só foi desenhado para servir à população local e conta apenas com o terreno, reservado para esse propósito. • Apesar dos postos de trabalho ser ocupados em sua maioria pela população de Huaycán, sua escassa especialização ou tipo de atividade não permite melhorar o nível econômico desta população, que continua sendo considerada como pobre. • Se chegou a integrar espacialmente este bairro popular ao contínuo urbano de Lima Metropolitana, através de importantes vias de acesso que comu-nicam a esta com distintos pontos da cidade de Lima. • O equipamento Parque Industrial somado às atividades econômicas complementares e atividades comerciais que se desenvolvem nas Faixas Comerciais e que conformam as UVC’s (Unidades de Vivienda Comercial) fornecem postos de trabalho que são aproveitados por 82.3% das pessoas residentes no lugar. • Garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para que possam participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão. • Os direitos sociais referentes a uma participação livre e democrática foram garantidos somente durante o período de governo promotor da experiência e política urbana. • • As fontes e tipos de Outorgando as • Através da política implementada se promoveu a participação em todos os momentos da planificação urbana, garantindo à população de Huaycán, os seus direitos sociais. • A proposta de 147 Política de planejamento participativo facilidades necessárias a toda a população (especialmente dos setores mais carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cidade. • Integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômicoprodutivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal. emprego propostos a partir do plano original com a retórica da autosuficiência foram feitos só para servir e ficar de forma restrita ao âmbito local, mas não permiti-ram uma vinculação com outras esferas e ramos econômicos a nível metropolitano. • Incluindo toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem ao futuro de nossas cidades. • A participação começou a debilitarse a partir de que os problemas de acesso à moradia e aos serviços básicos de luz, água e esgoto, se foram solucionando. A este enfraquecimento também se soma a ação do Sendero Luminoso e das FF. AA. nos anos mais críticos da guerra interna (1990 94), que fez com que a população se inibisse de participar na organização comunitária. Tudo isso, somado à corrupção de um importante setor dirigente em determinado momento, que deu lugar à atual crise orgânica, que se traduz numa cidade autogestionária era feita a favor daqueles que não contavam com moradia própria e tinham escassos recursos, com o objetivo de melhorar suas condições de vida, assim como acesso às oportunidades em geral com justiça social. • O plano original de Huaycán englobou vários aspectos (urbano, social, econômico - produtivo, cultural, ambiental e legal), com propostas de intervenção para cada um destes temas, que permitiram em conjunto um desenvolvimento integral da comunidade. • Se incluiu a participação popular, para que através de sua organização, a CUAH, se atuasse de forma ampla e democrática em cada um dos processos de tomada de decisão dos planos, projetos e ações a serem propostos, via o desenvolvimento integral da comunidade. 148 desconfiança geral da população à direção comunitária. • Incentivando a iniciativa popular. Política de planejamento urbano • Envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes profissionais assim como da população local. • Promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas • A iniciativa popular foi um aspecto incentivado e promovido pelo mesmo aparelho estatal. • As propostas de planejamento eram feitas principalmente para resolver as carências imediatas da população de Huaycán, mas não se pensou em propor ações de desenvolvimento para o futuro, provocando assim, um desinteresse e diminuição da participação da população de Huaycán como movimento social, quando se tinha alcançado um nível razoável de urbanização. • O rompimento tanto físico como organizativo da trama original de Huaycán, surge a partir dos anos 80, quando ingressam em Huaycán novos contingentes de população que, favorecidos pela ausência de quem controlasse e normatizasse a ocupação nesse momento, cobriram rapidamente as áreas livres, assentandose até em lugares improvisados, sem as condições mínimas para ser habi-litados. • Sua proposta de planejamento urbano abrangeu vários campos de conhecimento transmitidos em diversos âmbitos de desenvolvimento, que foram produto do trabalho coordenado e aportes em conjunto da população local organizada, as instituições públicas e civis e, profissionais independentes. • O desenho da trama urbana original, correspondente à urbanização de Huaycán, apesar de estar concebida para facilitar a organização social comunitária, aparece um tanto desordenada, por não seguir um padrão modular, o que ocasiona uma ineficiente integração geral do bairro, assim como uma desorientação para os visitantes que chegam de outras partes de Lima, e esta desorientação se dá inclusive nos mesmos moradores. • A particularidade do desenho das UCV’s de Huaycán, como parte do planejamento urbano, nas quais os lotes estão dispostos à borda do perímetro de cada Unidade Comunal, confluindo para espaços abertos, contribuiu e facilitou o desempenho de sua organização social (a CUAH), onde as famílias de cada unidade de moradia participavam trabalhando coletivamente tanto pela gestão de sua propriedade, como da propriedade comunitária, contribuindo assim, ao desenvolvimento 149 integral de cada UCV e, do conjunto da urbanização. Política de planejamento sustentável • Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, começando por fortalecer as camadas populares, integrando-as e transformando-as em sujeitos politicos de seu ambiente material, social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos. • Promovendo um desenvolvimento eqüitativo, produtivo e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade num período prolongado de tempo, partindo pela escala local • Os projetos e programas, como parte das metas e propósitos pelos quais a população de Huaycán lutava – pela sua característica de estarem dirigidos a resolver as necessidades imediatas da população – eram, maiormente resolvidos no curto prazo, não permitindo, portanto, uma vinculação maior ou interesse por parte desta em relação a continuar trabalhando por políticas ou propostas com uma visão maior em longo prazo. • O projeto de autogoverno comunitário, na figura da CUAH, entra em crise a partir de 2001, ano em que esta organização foi suplan-tada pela nova gestão municipal e o governo central começou a aplicar uma política assistencialista que neutraliza a ação criativa da mesma população. Isso vai fazer com que organização comunitária realize sua gestão em conflito permanente com as instituições estatais. • Se promoveu o funcionamento de um projeto de autogoverno comunitário que com a retórica da “autogestão” impulsionou à mesma população local a trabalhar para o alcance de cada uma de suas metas e propósitos, como parte de um planejamento urbano integral e sustentável, chegando a obter importantes logros. • Se procurou dentro dos lineamentos do planejamento integral urbano sustentável, que toda obra ou inversão fosse cumulativa, servindo de base para sucessivos avanços (ou etapas) dos projetos. É assim, por exemplo, que para o saneamento ambiental se considerou um sistema progressivo e de baixo custo, baseado no uso racional da água, o abastecimento da água por etapas, a recuperação e preservação dos canais de irrigação existentes, uma proposta progressiva de evacuação de excretas, o uso de água do rio Rímac (o rio da 150 • Buscando novas alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de emprego e recursos locais, permitindo à população administrar de forma eficiente o território e seus recursos (autogestão). • Articulando-se econômica e socialmente em redes – locais, nacionais e internacionais – vinculadas ao que tem sido denominado de economia popular e solidária. • Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, começando por fortalecer as camadas populares • O processo de produção que se desenvolve no Parque Industrial é bastante disperso e pouco programado, devido à escassa especialização das atividades de trabalho; o qual não lhe permite competir nem interagir com outros ramos produtivos a nível local, nacional e internacional. Por outro lado, existe uma ausência de cultura empresarial por parte dos proprietários do Parque Industrial; o que, somado à desconfiança que existe entre eles, não lhes permite atuar de forma autogestionária nem alcançar a formular propostas em conjunto. • A maior percentagem da PEA de Huaycán trabalha dentro do ramo das atividades comerciais, mas, que em sua maioria não se encontram integradas ao sistema econômico formal. Nesse sentido, tendem a reproduzir a pobreza na qual vive a maioria desta população. zona) e o desenvolvimento e promoção de microaterros sanitários. • Se incentivou a criação de uma economia local autosustentável, através da construção de um Parque Industrial onde se desenvolvem atividades micro-empresariais, somado às atividades comerciais das UVC’s, localizadas nas Faixas comerciais da urbanização e, que fornecem ambas, postos de trabalho, que são aproveitados quase em sua totalidade pela população local. • Os grêmios e associações de pequenos micro-empresários – PYMEs só oferecem seus produtos ao mercado de Huaycán, sendo muito poucos os que colocam seus produtos em outros mercados, quer dizer, sua articulação em redes econômicas é ainda parcial, apesar de que pouco a pouco este número esteja incrementando-se. • Se chegou a desenvolver uma “sustentabilidade democrática” ao interior de Huaycán. 151 3.3. A proposta do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” 50 Corresponde a uma proposta elaborada pelo Instituto Metropolitano de Planificación – IMP (Instituto Metropolitano de Planejamento), sob encargo da Municipalidade Metropolitana de Lima dentro do governo municipal de Alberto Andrade Carmona, no ano 1997, com a finalidade de reformular e inovar o vigente PLANDEMET 19902010, pelo seu caráter fundamental de ser um Plano Urbano, quer dizer, centrado unicamente em instrumentos técnico-normativos orientados ao desenvolvimento físico da metrópole. Portanto, de acordo com a Ordenança 99, se tratou de reformular o Plano vigente e inová-lo em termos mais abrangentes, de desenvolvimento integral com uma projeção de médio prazo, 1998-2002. O Plano proposto abordava o “desenvolvimento integral”, quer seja Metropolitano ou Distrital, como um processo de múltiplas dimensões: econômico, social, cultural, político-institucional, urbano-espacial e ambiental; que transforma a realidade, de um ou de outro âmbito, desde uma perspectiva humana totalizadora. Quer dizer, que os protagonistas e destinatários do conjunto de propostas do Plano são os homens e mulheres, que de maneira associada, familiar ou individual, procurem os objetivos de bem-estar que física, psíquica, econômica, social e culturalmente são desejáveis e possíveis no nível de desenvolvimento da sociedade como um todo. Para esse fim, o Plano correspondente estava dirigido à promoção, consolidação e generalização das condições e oportunidades de diferentes tipos, que permitissem aos amplos setores afetados por variadas condições de marginalidade, vulnerabilidade e precariedade, a acessar de modo permanente os bens e serviços que lhes permitam desfrutar de melhores condições de habitat e de bem-estar integral. Por outro lado, o “desenvolvimento” a que se referia o Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano, apontava para as seguintes características: ser 50 Fonte: INSTITUTO METROPOLITANO DE PLANIFICACIÓN, 1997. 152 democrático, sustentável, equitativo e integral. Tudo isso, reforçado com as diretrizes gerais do Plano que apresentavam orientações específicas por cada um dos âmbitos dos seus temas de envolvimento, sendo que os correspondentes ao desenvolvimento e inclusão social dos bairros populares são nomeados de forma mais específica dentro dos âmbitos e diretrizes para o desenvolvimento econômico, social, cultural e urbano, descritos a seguir: - Dentro das diretrizes econômicas: A política do desenvolvimento econômico tem como objetivo central melhorar as condições de vida da população metropolitana, “em especial” dos setores em situação de pobreza e de extrema pobreza, através de um conjunto de medidas que promovam a inversão privada geradora de emprego, assim como a promoção e apoio às pequenas e microempresas geradoras de auto-emprego para amplos setores e bairros populares. Assim mesmo, pelas limitações inerentes às funções do Conselho Metropolitano e Conselhos distritais e dos escassos recursos que estes dispõem, o alcance dos objetivos para o desenvolvimento econômico propunha a concertação de esforços conjuntos do Governo Central, o empresariado privado, as ONG’s, os grêmios das pequenas e microempresas e a população em geral, quer dizer uma cooperatividade sistêmica, nos termos de De Paula Monteiro no seu livro “Cooperação” (Monteiro, 2003). Também, se propunha a implementação de um Sistema de Informação interconectado em rede sobre os diferentes serviços oferecidos nos diversos distritos da metrópole, assim como o estabelecimento de quotas de aquisição de bens e serviços produzidos pelas pequenas e microempresas nas compras. - Dentro das diretrizes sociais: A política para o desenvolvimento social tinha por objetivo o reforço dos processos de integração e coesão social e o enfraquecimento e/ou a erradicação dos fatores de exclusão e de marginalização social. Para isso, se indicava a melhoria e elevação das condições de vida existentes, principalmente daqueles setores sociais afetados pelas diversas carências, que não permitem o alcance das metas de bem-estar que individual, familiar e coletivamente se propõem alcançar. Para isso se propunha ampliar ou 153 otimizar os atuais serviços e infra-estruturas socialmente necessários e melhorar o serviço de seguridade cidadã como um componente consolidado e permanente. Alem disso, para fins de “desenvolvimento social” se propunha animar e que este seja o resultado da promoção e consolidação de diversas formas de participação vizinhal e cidadã na própria gestão da metrópole e dos distritos. Por outro lado, a concertação dos diferentes atores sociais e agentes públicos e privados a nível interdistrital e distrital, devia converter-se no componente decisivo para a gestão da cidade. - Dentro das diretrizes culturais: tinha-se por objetivos a promoção e consolidação da tolerância e respeito mútuo das diferentes identidades culturais existentes, também promover a ampliação da cobertura dos serviços de infra-estrutura culturais que facilitem o livre desenvolvimento de atividades e manifestações culturais diversas (artes, deportes, recreação, etc.). Por outra parte, a gestão municipal devia empreender a avaliação e a tarefa de assumir responsabilidades decisivas no processo de educação da população metropolitana em idade escolar, assim como também a tarefa de organizar programas permanentes de capacitação da população economicamente ativa envolta em atividades de produção e comercialização de bens e serviços através das micro e pequenas empresas. - Dentro das diretrizes urbanas: propunha-se que as normas de ocupação do solo fossem flexibilizadas de modo a permitir maiores compatibilidades de uso, reduzindo a especialização das atividades urbanas, isto complementado com a incorporação de novas áreas de expansão urbana. Por outro lado, se promoveria a execução de projetos municipais de habilitações urbanas progressivas com padrões de maior densidade urbana e, enquanto aos serviços básicos urbanos se coordenaria com as empresas de serviços as ações necessárias para assegurar a cobertura de abastecimento da demanda metropolitana, assim como o incentivo à participação da iniciativa privada no campo do saneamento. Como podemos verificar, a proposta de Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano tinha muitas condições para ser um plano que funcionasse de forma 154 eficiente, com muitas expectativas de obter bons resultados no referente ao desenvolvimento integral da metrópole, mas o problema foi que logo depois de ser formulado e aprovado, ao passar à etapa de implementação e execução só se teve um avanço de 30% do total de programas, projetos e ações que deviam ser executadas como parte das diretrizes para o desenvolvimento dos diferentes âmbitos previstos. Isso devido ao fato das mesmas autoridades que o formularam começarem a colocar muitos entraves para a continuidade do mesmo. As razões principais que se conhecem é que sua ênfase ampla na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de projetos entorpecia a execução rápida e efetiva dos projetos já decididos desde cima, apesar de que já entrava em funcionamento a Ordenança N° 620-MML que regulamenta que para o processo de aprovação do Plano de Acondicionamento Territorial e Desenvolvimento Urbano de Lima, este deve passar necessariamente pela aprovação e consulta dos moradores do bairro (consulta vecinal), a fim de que eles possam formular suas observações, alterações e recomendações respectivas. De qualquer forma, depois dos supostos problemas atribuídos ao Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano, este ficou apenas no papel, não sendo tomado mais em conta, nem no governo municipal que se encarregou de sua elaboração nem os sucessivos governos municipais de Lima, os quais só se regem pelo PLANDEMET 1990-2010. Para culminar com a abordagem da proposta do Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade (ver Quadro 5). 155 QUADRO 5: Avaliação da proposta de Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas. Políticas e princípios de Planejamento Integral Urbano Sustentável Política de planejamento integral • Integrando a cidade como um todo, com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. • Integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômico -produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal. Bloqueios Limites Conquistas • O Plano urbano proposto concebia o tema de “desenvolvimento integral”, seja Metropolitano ou Distrital, como um processo de múltiplas dimensões: econômico, social, cultural, político-institucional, urbano-espacial e ambiental; que transformassem a realidade, de um ou de outro âmbito, desde uma perspectiva humana totalizadora. Quer dizer, onde os protagonistas e destinatários do conjunto de propostas do Plano seriam os homens e mulheres, que de maneira associada, familiar ou individual, conseguissem seus objetivos de bemestar, desejáveis e possíveis para alcançar o desenvolvimento da sociedade como um todo. • A política de desenvolvimento urbano integral, como processo de múltiplas dimensões (econômico, social, cultural, político-institucional, urbano-espacial e ambiental), ficou somente como objetivo no papel, já que suas ações e projetos, destinados ao desenvolvimento e inclusão social dos bairros populares, nunca foram efetivamente implementados. • A implementação de um Sistema de Informação interconectado em rede – que integraria de alguma forma os distintos setores e bairros populares de Lima – sobre os diferentes serviços oferecidos nos diversos pontos da metrópole –, ficou só no nível de proposta. 156 • Garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para que possam participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão. • Outorgando as facilidades necessárias à toda a população (especialmente dos setores mais carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cidade. • Integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômico -produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal. • O plano integral de desenvolvimento ficou estancado em sua etapa inicial, atribuindo-se ao fato das mesmas autoridades que o formularam começarem a colocar muitos entraves para a continuidade do mesmo, já que sua ênfase ampla na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de projetos entorpecia a execução rápida e efetiva dos projetos já decididos desde cima. • O conjunto de medidas sociais, econômicas, urbanas e culturais, como parte das diretrizes do plano integral de desenvolvimento, que promoviam de forma geral, um melhoramento das condições de vida existentes – a partir da ampliação e otimização do acesso à habitação, serviços básicos, equipamentos urbanos e às oportunidades de emprego –, ficaram só na maneira de proposta. • A participação popular – nos processos de construção e tomada de decisão dos planos, projetos e ações como parte do plano integral de desenvolvimento, – ficou paralisada junto ao mesmo plano urbano, a partir da decisão em determinado momento, do mesmo governo de interromper o funcionamento do plano. • No curto tempo que durou a implementação da proposta se promoveu e consolidou diversas formas de participação vicinal e cidadã na própria gestão da metrópole e dos distritos. Portanto, foram garantidos na população dos bairros populares de Lima, os seus direitos sociais. • O Plano correspondente estava dirigido à promoção, consolidação e generalização das condições e oportunidades de diverso tipo, que permitam aos amplos setores afetados por variadas condições de marginalidade, vulnerabilidade e precariedade, acessar de modo permanente os bens e serviços que lhes permitam desfrutar de melhores condições de habitat e de bemestar integral. • O plano integral de desenvolvimento metropolitano esteve desenhado para reunir os seguintes princípios: ser democrático, sustentável, equitativo e integral; que formam parte dos diferentes âmbitos de intervenção que abrange o plano, nos temas social, urbano, econômico e cultural. 157 Política de planejamento participativo Política de planejamento urbano Política de planejamento sustentável • Incluindo toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem ao futuro de nossas cidades. • Não se chegou a produzir uma verdadeira participação da população, primeiro porque esta não formou parte na elaboração do plano e segundo porque sua atuação ficou inconclusa, na medida em que em pouco tempo de funcionamento do plano, foram fechados os canais ou modos de participação. • Se incluiu e promoveu diversas formas de participação vicinal e cidadã, para que através de suas organizações, atuassem de forma livre e democrática, trabalhando em todo momento tanto pela gestão da metrópole, como dos distritos e bairros populares. • Envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes profissionais assim como da população local. • Dos âmbitos de desenvolvimento propostos como parte das diretrizes do plano integral, só se teve um avanço de 30% do total de programas, projetos e ações que deviam ser executadas, já que o plano ficou parado (sem continuidade), pelas razões anteriormente expostas. • Sua proposta de planejamento urbano abrangeu vários princípios e campos de conhecimento transmitidos em diversos âmbitos de desenvolvimento. Assim mesmo, para o alcance de determinados fins se propôs a concertação dos diferentes atores sociais e agentes públicos e privados a nível interdistrital e distrital, e que deviam converterse no componente decisivo para a gestão da cidade. • Promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas. • Não se promoveram soluções de desenho urbano que fortalecessem as relações sociais internas. A proposta só se limitou a promover a execução de projetos municipais de habilitações urbanas progressivas com patrões de maior densidade urbana. • Promovendo um desenvolvimento eqüitativo, produtivo e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade num perío- • A proposta só se limitava a promover a generalização do acesso de modo permanente aos bens e serviços que lhes permitam desfrutar de • O Plano promovia um desenvolvimento equitativo, na medida em que por um lado, estava direcionado a consolidar e generalizar as condições e 158 3.4. do prolongado de tempo, partindo pela escala local. melhores condições de habitat e de bemestar integral, mas não propunha ações para o alcance desses propósitos. • Buscando novas alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de emprego e recursos locais, permitindo à população administrar de forma eficiente o território e seus recursos (autogestão). • A proposta de • As oportunidades de incentivo à criação de emprego e autouma economia local, emprego oferecidas como parte das dire- como parte das trizes econômicas, propostas de desenonde se propunham volvimento econômialgumas alternativas co, não foram pene iniciativas de pro- sadas para ter uma dução, nunca chegou vinculação maior a ser imple-mentada. com outros ramos e grêmios produtivos em outras escalas, além do âmbito local, nem para incentivar à população num trabalho coletivo e autogestionário. • Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”. • Não se chegou a desenvolver uma “sustentabilidade democrática”, na medida em que as propostas e ações dirigidas a esses fins ficaram estancadas ou inconclusas. oportunidades de diferentes tipos e, por outro estes aspectos seriam aproveitados pelo conjunto da população, com ênfase nos setores e bairros mais carentes da cidade. • Se incentivou a criação de uma economia local autosustentável, como parte da política do desenvolvimento econômico, que tinha como objetivo central melhorar as condições de vida da população metropolitana, “em especial” dos setores em situação de pobreza e de extrema pobreza, através de um conjunto de medidas que promoveriam a inversão privada geradora de emprego, assim como a promoção e apoio às pequenas e microempresas geradoras de auto-emprego a amplos setores e bairros populares. A proposta do Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” 51 Corresponde a uma iniciativa da Municipalidade Metropolitana de Lima e a Municipalidade do Callao com o apoio do Conselho Nacional do Ambiente 51 Fonte: PLAN POR UNA LIMA Y UM CALLAO VERDES, Grupo GEA, 2007. 159 (CONAM), realizada em aliança com o Ministério de Vivienda, Construcción y Saneamento (MVCS) e o Instituto de Defensa Civil (INDECI), sob os auspícios do Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente (PNUMA), o Programa de Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos (UM-HABITAT) e o Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). O Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” faz parte de uma estratégia e um Plano de Ação para implementar o “Pacto por uma Lima e um Callao Verdes” subscrito em 18 de Janeiro de 2007. O Pacto em si vem a ser o resultado de um inédito processo de consulta e participação acerca da problemática ambiental da cidade realizado desde o ano 2004, no marco da Iniciativa de Gestão Ambiental Urbana de Lima e Callao que congregou a todas as Instituições, organizações, líderes, especialistas e cidadãos em geral, para a tomada de decisões e a elaboração de um acordo sobre a cidade. O Plano busca promover, como o nome o indica, uma Lima e um Callao saudável e verde para todos seus habitantes, contribuindo com instrumentos, mecanismos e experiências para ordenar a ocupação do solo; garantir o uso sustentável das bacias (cuencas) e o uso eficiente da água; proteger os ecossistemas e ampliar o verde urbano. Nesse sentido, o plano procura dar respostas aos seguintes aspectos: - A desarticulação da gestão territorial e a debilidade da gestão ambiental a nível local; - A ocupação desordenada do solo e o uso ineficiente da água nas três bacias hidrográficas que sustentam Lima e Callao; - A escassez de moradia adequada para satisfazer as necessidades dos setores populares e - A perda dos vales agrícolas, dos ecossistemas naturais e a escassez de espaços verdes e recreativos nas áreas urbanas. Além disso, a finalidade principal do Plano é dotar à cidade de instrumentos e capacidades técnicas e institucionais para promover uma adequada gestão 160 ambiental e territorial, que garantissem uma ocupação sustentável do solo e um uso eficiente da água para todos os usos urbanos. Para isso o Plano promove os princípios das quatro dimensões da sustentabilidade: Dimensão de governabilidade, dimensão ambiental, dimensão social e dimensão econômica; incentivando temas como a gestão participativa e concertada, a minimização no consumo de recursos para as atividades urbanas (água, solo e energia), infra-estrutura e serviços de qualidade (transporte, água, deságüe, energia), assim como de serviços educativos e de saúde, moradias dignas e alta seguridade, mais áreas verdes e espaços públicos de encontro social, eco-eficiência e produção mais limpa, entre outros (Plan por uma Lima y um Callao Verdes: Hacia uma Agenda 21 Local. Grupo GEA, 2007). O Pacto por uma Lima e um Callao Verdes foi assinado, mas ainda falta a etapa de aprovação e implementação da Estratégia e Plano de Ação do mesmo nome, para alcançar os objetivos expostos. Para estes fins, se estão recolhendo novamente determinado número de assinaturas de pessoas e instituições a favor, para que este seja efetivamente aprovado e posto em ação. Para culminar com a abordagem da proposta do Plano por uma Lima e um Callao Verdes, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade. QUADRO 6: Avaliação da proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas. Políticas e princípios de Planejamento Integral Urbano Sustentável Política de planejamento integral • Integrando a cidade como um todo, com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas Bloqueios Limites Conquistas • O plano de ação para a implementação do Pacto “Por uma Lima e um Callao Verdes”, como politica e proposta de • Não se propõem claramente canais de participação popular, onde a população possa decidir livremente que é o melhor • O plano busca promover de forma integral, uma Lima e um Callao saudável e verde para todos seus habitantes, contri- 161 as áreas e setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. • Garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para que possam participar com total democracia e liberdade em cada um dos processos de tomada de decisão. • Outorgando as facilidades necessárias à toda a população (especialmente dos setores mais carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes na cidade. • Integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos aspectos social, planejamento integral urbano e sustentável, foi subscrito, mas ainda não chegou a ser aprovada nem implementada a estratégia para alcançar seus objetivos. Para esses fins, se estão recolhendo novamente determinado número de assinaturas de pessoas e instituições a favor, para que seja efetivamente posto em andamento. para sua cidade e fazer suas próprias escolhas de vida. O plano em geral está mais focado na dimensão ambiental, promovendo uma adequada gestão ambiental e territorial, onde a população entra em cena, sendo provida de instrumentos e capacidades técnicas para garantir este objetivo. buindo com instrumentos, mecanismos e experiências para ordenar a ocupação do solo; garantir o uso sustentável das bacias (cuencas) e o uso eficiente da água; proteger os ecossistemas e ampliar o verde urbano. Assim mesmo, o fato de todos estes propósitos mencionados, formar parte de quatro dimensões de sustentabilidade urbana, nas quais o plano propõe atuar e que são: Dimensão de governabilidade, dimensão ambiental, dimensão social e dimensão econômica. • Se incentivou o tema referente a uma gestão participativa e concertada, que garantiria os direitos sociais. • O plano busca uma integração de toda a cidade metropolitana, mas em relação aos bairros populares, apenas se limita a propor a satisfação de suas necessidades elementares. Portanto, não oferece soluções de melhoramento de sua economia, através de alternativas ou iniciativas de produção que ofereçam fontes de emprego começando pela escala local. • O conjunto de medidas e estratégias formuladas para cada uma das quatro dimensões de susten- • O Plano procura satisfazer as necessidades dos assentamentos humanos, bairros e setores populares mais carentes, dando respostas a temas como, a escassez de moradia, de infraestrutura e serviços urbanos de qualidade (transporte, água, esgoto e energia), de serviços educativos e de saúde de qualidade. • Como parte das dimensões de sustentabilidade, o plano incentiva amplos temas como: a gestão 162 humano, econômico-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal Política de planejamento participativo • Incluindo toda a população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem ao futuro de nossas cidades. • Nos processos decisórios de construção da estratégia e Plano de ação do “Pacto por uma Lima e um Callao Verdes”, não se deu ênfase à participação nem à iniciativa popular e isso, se pode constatar no conteúdo do mesmo plano que não reflete as aspirações da maioria da população dos setores e bairros populares. tabilidade urbana como parte do plano de ação “Por uma Lima e um Callao Verdes”, ainda só figuram no papel, já que falta a etapa de aprovação e implementação do mesmo plano. participativa e concertada, a minimização no consumo de recursos para as atividades urbanas (água, solo e energia), infra-estrutura e serviços de qualidade (transporte, água, deságüe, energia), assim como de serviços educativos e de saúde, moradias dignas e seguras, mais áreas verdes e espaços públicos de encontro social, ecoeficiência e produção mais limpa, entre outros. • O processo participativo concertador somente se deu na fase previa à subscrição do “Pacto por uma Lima e um Callao Verdes”, onde se formulou também a estratégia e o Plano de Ação do mesmo nome. Mas, ainda falta que a população novamente se reúna para atualizar e retroalimentar a proposta, uma vez aprovada e, para que sua implementação seja mais efetiva. • O “Pacto por uma Lima e um Callao Verdes”– cuja implementação esta ligada à estratégia e Plano de ação do mesmo nome –, vem a ser o resultado de um inédito processo de consulta e participação acerca da problemática ambiental e que congregou a todas as instituições, organizações, líderes, expertos e cidadãos em geral, para a toma de decisões e a elaboração de um acordo sobre a cidade. • Se incentivou o tema da gestão participativa e consertadora, mas não o referente à iniciativa popular. • Para que sejam implementadas as estratégias de ação correspondentes às quatro dimensões de sustentabilidade urbana, se está esperando a etapa de aprovação da proposta. • Sua proposta de planejamento urbano busca promover os princípios das quatro dimensões de sustentabilidade urbana para o futuro de Lima e Callao: Dimensão de governabilidade, dimensão ambiental, • Incentivando a iniciativa popular. Política de planejamento urbano • Envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes 163 dimensão social e dimensão econômica, com estratégias de ação para cada uma destas dimensões. profissionais assim como da população local. • Promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas. Política de planejamento sustentável • Promovendo um desenvolvimento eqüitativo, produtivo e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade num período prolongado de tempo, partindo pela escala local. • Buscando novas alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de emprego e recursos locais, permitindo à população administrar de • Como parte das finalidades do plano, não se chega a promover soluções de desenho urbano que fortaleçam as relações sociais internas. As propostas como parte da dimensão social só se limitam a propor instrumentos e mecanismos para oferecer soluções a determinados aspectos pontuais, como: melhorar a qualidade da infra-estrutura, dos serviços urbanos, dos serviços educativos e de saúde, criar maiores áreas verdes e espaços públicos de encontro e oferecer moradias dignas e seguras. • O Plano promove um desenvolvimento equitativo, na medida em que busca desenvolver uma cidade saudável e verde para o aproveitamento de todos seus habitantes. • Não se propõem estratégias para promover um desenvolvimento produtivo e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade como um todo – especialmente daqueles mais desprovidos, incluindo a sua população –, num período prolongado de tempo e partindo pela escala local. • Os temas interessantes incentivados no plano e conduzidos para um uso e administração eficiente do território e seus recursos, tampouco se podem realizar pelas mesmas razões antes expostas de falta de aprovação da estratégia e plano • O plano, à exceção de outros, incentivou alguns temas dirigidos a um uso e administração eficiente do território e seus recursos e, isto através de suas propostas de minimização no consumo de recursos para as atividades urbanas 164 forma eficiente o território e seus recursos (autogestão). • Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, de ação para alcançar seus objetivos. (água, solo e energia), proteção dos recursos naturais, a incorporação dos temas de eco-eficiência e produção mais limpa, promoção de uma sociedade recicladora, entre outros. Estes temas por sua vez, vão impulsionar à população a integrar-se num trabalho coletivo e por outro lado permitem uma redução das condições de pobreza existente com poupança de recursos. • Quando o Plano for implementado se poderá desenvolver uma “sustentabilidade democrática”, na medida em que existem propostas e ações dirigidas a esses fins. 3.5. Fatores chaves de inserção e implementação de políticas para o Planejamento Integral Urbano Sustentável no Perú. Imediatamente depois da abordagem das experiências peruanas de bairros populares, assim como das propostas onde se tem desenvolvido políticas que consideramos serem as que mais se aproximam aos princípios de um Planejamento Integral Urbano Sustentável, podemos avaliar em conjunto, quais foram os fatores chaves que permitiram sua inserção e implementação, e também sendo o caso, quais foram as circunstancias pelas quais não foram implementadas ou continuadas. Para começar, depois de ter analisado as duas experiências e as propostas que se aproximaram dos princípios de um planejamento integral urbano sustentável, podemos verificar que em todas elas, a conjuntura política particular do governo (civil ou militar) de corte predominantemente socialista, que aconteceu em certas épocas da historia da urbanização popular em Lima, foi determinante para poder inserir e começar a desenvolver propostas junto a políticas urbanas deste tipo, que 165 incluíam e promoviam a participação social, como sendo essencial para a autoorganização do bairro a partir da construção do seu plano de desenvolvimento integral. Isso somado às circunstancias que vinham acontecendo naquela época, refiro-me à pressão exercida pelos grandes contingentes de população que de forma crescente e incontrolável iam ocupando cada vez mais terrenos eriazos localizados em zonas e condições cada vez mais perigosas. Assim mesmo, o fato deste tipo de propostas serem promovidas pelo mesmo aparelho estatal, incorporando as retóricas de “autogestão”, “democracia social de plena participação”, “gestão democrática e participativa”, entre outras; – para que a população ocupe um papel de protagonista e trabalhe pelo seu desenvolvimento – criou compromissos iniludíveis deste em relação ao bairro popular ou assentamento humano e, lhe outorgou à população atribuições para exercer pressão sobre o mesmo. Portanto, ainda que os bairros populares e assentamentos humanos recentes procurem cada vez mais a sua independência e autonomia no momento de tomar decisões e realizar ações; é melhor e necessário contar com a iniciativa e aprovação das autoridades políticas do governo local e metropolitano correspondente, assim como trabalhar coordenadamente junto com estas, para que estas ações se realizem de forma ordenada tomando como base o plano de desenvolvimento integral, que trabalhado em conjunto com estas e outras instituições da sociedade civil, vai permitir designar responsabilidades e compromissos de apoio por parte destas autoridades para cada uma das etapas de conformação do bairro e implementação da proposta. Com respeito ao tema da inserção deste tipo de políticas, ao anterior também se soma o fato das duas experiências de comunidades autogestionárias terem contado num inicio com uma agencia especial ou equipe técnica do governo, instalada na mesma comunidade e a qual ajudou nas primeiras etapas de conformação de cada uma destas experiências – ainda que no caso da primeira se desse com fins um tanto clientelistas e para obter lealdade política – a organizar, mobilizar e oferecer apoio à população, em todos os momentos de execução do projeto de habilitação e, também a canalizar as demandas da população, permitindo que se desenvolva uma relação direta entre o poder político e o bairro popular. 166 Agora, no referente à implementação destas políticas, estas se realizaram devido à presença de vários fatores em conjunto, sendo o primeiro e, o mais importante a força, vontade e solidariedade da mesma população para trabalhar árdua e coletivamente, com o objetivo de melhorar tanto suas condições e oportunidades de vida no aspecto pessoal como de sua comunidade, devido ao fato de terem os mesmos interesses e problemas em comum pelos quais lutarem. O segundo fator vem a ser o fato deste tipo de propostas terem sido pensadas e dirigidas especialmente para buscar o desenvolvimento integral destas comunidades e bairros populares, o que tem permitido a sua vez, que estas fossem não só acolhidas rapidamente pelos grupos de famílias interessadas, senão também geridas e coordenadas por estas mesmas. A isto se lhe soma outro fator importante, que constitui o fato da população envolvida, estar conformada, majoritariamente por grupos de famílias pertencentes ou procedentes da mesma região geográfica do país e, portanto com os mesmos costumes e uma tradição comunitária, que foi continuada no mesmo grupo residencial ou unidade comunal de vivienda, o que favoreceu rapidamente na sua adaptação e integração em conjunto e, sobretudo a suportar as dificuldades comuns que se viviam – a falta de moradia, serviços básicos, equipamentos e oportunidades –, sobretudo na fase inicial de cada uma das experiências. Outro fator que influiu na implementação deste tipo de políticas e propostas, se deve em grande parte à continuidade, condução e mobilização ou “gestão” que a mesma população como representante do movimento social, empreendeu em determinados momentos – de falta de apoio, estancamento ou abandono deste tipo de projetos por mudanças ou crise de governo –, já que tinha assumido o tema da “autogestão” como responsabilidade própria, ou simplesmente tinha começado a adotar um comportamento autogestionário, como uma atitude racional, através da qual obteriam as metas e objetivos que lhe permitiriam um desenvolvimento integral do bairro. Assim, nas duas experiências, esta continuidade, condução e mobilização por parte da mesma população se deram primeiro, no sentido de esta se reunir periodicamente para retomar e atualizar o seu Plano de desenvolvimento integral, fazendo-se responsável pela gestão, execução e conclusão de cada um dos 167 programas e projetos como parte das metas e objetivos propostos. Para esses fins, a população organizada como representante do movimento social se manteve sempre ativa, trabalhando de forma conjunta para o alcance destas metas e objetivos e, o fazia, investindo seu tempo, dinheiro e energias tanto em atividades comunais, assim como também dialogando e coordenando diretamente com outros países e instituições de cooperação internacional, algumas ONG’s, instituições acadêmicas e profissionais independentes, na busca de apoio técnico, capacitação e financiamentos. Com efeito, sem o apoio destas entidades que cooperaram com ambas comunidades talvez não tivesse sido possível sobreviver diante das crises do Estado e das forças capitalistas que se impõem no cenário político atual. No caso das propostas do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e o Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes”, apesar de a primeira chegar a se inserir e começar a se implementar, nenhuma das duas chegou a funcionar efetivamente. Isto por razões distintas, mas que guardam relação entre si e tem a ver mais que tudo com a falta de vontade e apoio político da maioria de governos de corte tecnocrático, para desenvolver efetivamente este tipo de propostas que incorporam a participação popular como sendo fundamental para a tomada de decisões de qualquer tipo, no seu bairro ou comunidade. Isso, somado ao fato dos sucessivos governos não darem continuidade aos planos, mudarem de propósitos de um momento a outro, ou até contar com interesses opostos aos descritos nos mesmos planos de desenvolvimento por ele promovidos. Foi assim, que no referente à proposta de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano”, – como foi explicado em partes anteriores – depois de ter sido realizado um avanço de 30% do total de programas, projetos e ações que deviam ser executadas como parte das diretrizes para o desenvolvimento integral, foi o mesmo governo proponente que começou a colocar muitos obstáculos para a continuidade do mesmo, já que sua ênfase ampla na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de projetos entorpecia a execução rápida e efetiva dos projetos já decididos desde cima. E, no caso da proposta do “Plano por uma Lima e um Callao Verdes”, o Pacto do mesmo nome, prévio a sua aprovação e implementação foi assinado desde o ano de 2007, mas ainda falta chegar a culminar estas últimas etapas para que possa ser 168 inserido oficialmente, por esta razão e, devido ao estancamento destes processos por parte do aparelho estatal, foi a mesma população interessada que teve a iniciativa de recolher novamente determinado número de assinaturas de pessoas e instituições a favor, para que seja efetivamente aprovado e implementado. 169 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Possibilidades, limites e desafios para a generalização e implantação do Planejamento integral urbano sustentável e participativo no Perú. Depois de ter-nos aprofundando no capítulo anterior, primeiro na abordagem das experiências junto às propostas que se aproximam ao enfoque de planejamento integral urbano sustentável, seguido em cada um dos casos pela análise mesma destas experiências e propostas tomando como referência o “quadro do modelo normativo para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no Perú”, baseado no enfoque construído de Planejamento integral Urbano Sustentável, para depois passar à explicação dos fatores chaves que permitiram ou influíram na inserção e implementação deste tipo de políticas; podemos ter uma base e panorama mais amplo para identificar e debater sobre quais são as possibilidades, limites e desafios que se apresentam no entorno urbano, quando se quer ou se pretende incorporar este tipo de políticas para bairros populares. Para começar, quando se fala de possibilidades, o mesmo termo sugere a condição deste modelo e enfoque construído de planejamento integral urbano sustentável vir a ser real, mas como se constitui ainda numa opção ou alternativa, requer portanto de determinados fatores, acontecimentos ou circunstancias para ser propulsionado e efetivamente implementado. O que leva a dizer que as possibilidades para sua generalização e implantação são muitas e favoráveis – e isto se pode constatar nas experiências anteriormente abordadas –; quer dizer, este tipo de políticas para o planejamento integral urbano sustentável podem ser desenvolvidas sim, mas depende da existência de certas condições necessárias, sendo algumas destas as enunciadas a seguir: A primeira vem a ser a necessidade de contar com um governo comprometido com valores da justiça social e da democracia, que, à nosso ver se relacionam com o espírito socialista e democrático. Portanto, estamos nos referindo a um governo que esteja interessado e aberto à incorporação, promoção, legalização, assim como na generalização de novas propostas e alternativas de planejamento para a cidade, que se aproximem ao enfoque do modelo de planejamento construído, sobretudo 170 aquelas que promovam o desenvolvimento junto à inclusão e justiça social de cada um dos setores e bairros que compreendem a cidade como um todo. Além disso, que este governo tenha a vontade e a capacidade de propiciar e incentivar o desenvolvimento de uma gestão democrática e participativa, em todos os momentos de formulação e implementação da proposta de planejamento integral urbano sustentável, facilitando tais processos e oferecendo os respectivos espaços e canais de participação. A segunda vem a ser a necessidade de contar com o apoio, coordenação e concertação das principais entidades públicas, instituições civis (ONG’s, instituições de cooperação internacional, universidades, institutos, etc.), assim como profissionais independentes e estudantes de universidades que queiram trabalhar de forma solidária e cooperativa, contribuindo cada qual dentro de seu campo de ação, com a finalidade de alcançar um desenvolvimento integral urbano e sustentável da cidade como um todo, que é o fim principal do modelo de planejamento construído. Ao anterior, pode-se reforçar a importância de cada comunidade, bairro popular, distrito ou cidade onde vai ser inserida a proposta, estar integrada em redes de apoio mútuo, que estejam comprometidas principalmente com uma agenda de transformação e desenvolvimento humano e social. A terceira e, a mais importante é a necessidade de contar com uma população motivada e auto-confiante, capaz de pensar de que sua participação e trabalho em conjunto e de forma constante, elaborando estratégias e iniciativas “autogestionárias” de desenvolvimento em vários aspectos – que lhes permitam resolver no possível as suas necessidades para evitar depender o mínimo do apoio do Estado ou outros organismos –, assim como a inserção de valores como solidariedade, fraternidade e confiança são fundamentais para alcançar cada um dos seus objetivos a nível pessoal e comunitário. Esta afirmação surge a partir das experiências anteriormente avaliadas, onde se pode constatar que nas quais houve maior participação, cooperação e intervenção popular em cada uma das etapas de desenvolvimento da comunidade respectiva, esta alcançou suas metas e objetivos mais rapidamente, que em outras nas quais a participação foi escassa ou nula. 171 Assim também, ao tema da participação se deve somar o retorno da confiança e credibilidade por parte da população em relação ao aparelho do Estado, em razão das propostas de planejamento convencional que acostuma promover, caracterizadas ao longo da história por ter tido um perfil, maiormente tecnocrático e com promessas políticas que nunca chegam a ser cumpridas ou concluídas. Agora, com respeito aos limites que se apresentam na atualidade para que se possa generalizar e implantar o modelo de Planejamento integral urbano sustentável e participativo, destacamos os seguintes itens: O primeiro limite está relacionado diretamente com a existência de um Estado, que ainda atua influenciado pelo espírito da política neoliberal e, portanto, continua reproduzindo na atualidade, um modelo convencional e tecnocrático de planejamento urbano (caracterizado por instrumentos técnico-normativos), que se reflete em políticas urbanas pontuais, segmentadas e desvinculadas de qualquer plano que as oriente e integre e, que acima de tudo, se encontram voltadas, principalmente, em atender ao capital privado nacional e estrangeiro, portanto, com poucas intenções de desenvolver políticas de planejamento urbano que busquem a inclusão social, a justiça e a democracia. Isto se reflete numa atenção menor para os bairros populares e setores de baixos recursos, com políticas em sua maioria voltadas somente para a satisfação das necessidades imediatas, portanto, deixando em segundo plano os projetos, iniciativas e propostas de desenvolvimento em âmbitos maiores e diversos que permitiriam a estas áreas excluídas, uma integração real à cidade como um todo. E quando se propõe políticas a partir de planos mais abrangentes, democráticos e inclusivos, estes geralmente ficam somente no papel, já que os interesses distintos dos poderes públicos e privados impedem sua implementação ou simplesmente, como diria Maricato, “quando a preocupação social surge no texto, o plano não é mais cumprido, transformando-se no planodiscurso” (Maricato, 2000), ao qual acrescentaria além da “preocupação social”, o tema da “participação popular” na construção e debate dos planos para a cidade. 172 A isso também se soma a atitude do Estado como poder público frente às carências e necessidades da população dos assentamentos humanos e bairros populares, refiro-me às ainda existentes relações clientelistas e burocráticas que se desenvolvem entre este e as classes populares de Lima, no momento de satisfazer uma demanda (alocação ou construção de moradias, equipamentos e serviços urbanos) ou implementar qualquer tipo de proposta ou estratégia de ação, sobretudo se esta faz parte de um plano urbano que busca o desenvolvimento e a inclusão social. Isto faz com que a agilidade para a efetivação deste tipo de trâmites e serviços (referente às propostas, programas, projetos e ações) esteja diretamente vinculada a um favoritismo e troca por fidelidade política. Por outro lado, ainda em relação à atitude do Estado e, a partir do visto nas experiências e propostas analisadas, podemos constatar que somente nos casos das experiências de Villa El Salvador e Huaycán, e como exceção, o Estado promoveu a participação popular e a auto-organização comunitária de bairro, chegando a propor inclusive soluções de desenho urbano que fortaleceram as relações sociais internas, como parte da implementação de sua política, garantindo a esta os seus direitos sociais enquanto estava vigente o governo promotor da experiência – apesar dos próprios limites no caso do governo militar de querer que a população se mobilize no seu próprio beneficio. Mas em geral, como no caso das ultimas propostas apresentadas, este não oferece claramente canais de participação popular nem permite que se desenvolva uma verdadeira participação democrática neste nível, no momento da construção e tomada de decisão dos planos, programas, projetos e ações que vão ser inseridos na cidade e que vão influir em suas vidas e as de sua comunidade; inclusive naqueles que ostentam denominações como “participativo, inclusivo, integral e democrático”, como no caso do “Plano Integral de desenvolvimento metropolitano” – no qual a participação popular ficou paralisada em determinado momento, por decisão do mesmo governo de cortar com o funcionamento do plano, por razões que se atribuem ao fato de sua ênfase ampla na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de projetos entorpecerem a execução rápida e efetiva dos projetos já previamente elaborados e decididos pelas mesmas instâncias do governo junto a seus 173 assessores e técnicos. Quer dizer, os bloqueios e limites da maioria destes planos com enfoque democrático e participativo – nos quais se incorpora como processo a “concertação” ou “consenso” entre vários atores na busca de objetivos comuns – é de terminar sendo manipulados pelos interesses dos grupos dominantes, conformado pelos atores públicos ou privados, que atuam em função do capital, convertendo os espaços públicos de participação num teatro que serve para poder legitimar as ações que já foram decididas desde cima. Outro dos limites para a generalização e implantação do modelo e enfoque de Planejamento integral urbano sustentável esta relacionado diretamente à visão de curto prazo e dirigida a poucos âmbitos, como mostram as experiências e propostas de governo avaliadas, quer dizer, ainda que na maioria destas, o plano de desenvolvimento respectivo ia junto a uma retórica de “integrabilidade”, “autogestão” e “sustentabilidade”, onde se buscava abranger vários âmbitos de desenvolvimento com propostas e ações que iam até o longo prazo; o que aconteceu na realidade é que estas propostas de desenvolvimento foram dirigidas principalmente a resolver as carências ou necessidades mais imediatas da população (moradia, serviços básicos, equipamentos urbanos para educação, saúde e recreação e infra-estrutura urbana), mas não foram pensadas ações de desenvolvimento para o futuro, que permitissem uma maior vinculação e continuidade à proposta de planejamento, o que provocou um desinteresse e progressiva diminuição da participação da população destes bairros como organização social, quando se tinha alcançado um nível razoável de urbanização. Ao anteriormente abordado, cabe agregar outro limite que aparece sempre na implementação destes tipos de planejamento, é que em nenhuma das experiências e propostas analisadas se chega a propor realmente políticas, junto a mecanismos e estratégias que permitam à população dos bairros populares sair de seu estado de excluídos social e culturalmente, assim como de ter um baixo nível econômico; portanto permitam incluir a esta com igualdade de condições com a população de outras áreas da cidade, a participar livremente das oportunidades que possa oferecer a cidade como um todo. Isto se pode verificar nas experiências de planejamento de Villa El Salvador e Huaycán, as quais em seus intentos por buscar uma alternativa de produção que fosse uma grande fonte de 174 emprego para a população local construíram ambas um Parque Industrial que além de não cumprir com seu principal objetivo, os tipos de emprego estão feitos para servir de forma restrita ao âmbito local, não permitindo-lhes ampliar seus conhecimentos e portanto, suas expectativas econômicas; somado ao fato do Industrial contar com uma produção dispersa e pouco programada, traduzida numa escassa especialização, que não lhe permite competir nem interagir com outras redes produtivas a nível regional, nacional e internacional. Isso somado a uma ausência de cultura empresarial por parte dos proprietários do Parque Industrial, o qual não lhes permite atuar de forma autogestionária nem alcançar a formulação de propostas em conjunto. Outro limite comum existente e que se demonstra a partir das experiências de Villa El Salvador e Huaycán é o que acontece ao interior destas organizações sociais de tipo “autogestionário” e, na relação destas com o governo local com o passar dos anos. Refiro-me aos conflitos internos que em determinado momento começam a aparecer e que são provocados pelos mesmos dirigentes ou representantes destas organizações por motivos diversos, como diferenças políticas, burocratização dirigente, lutas pelo poder e corrupção de importantes setores dirigentes; os quais deram lugar no caso de VES ao enfraquecimento da organização e no caso de Huaycán, à atual crise estrutural, que se traduz numa desconfiança geral da população em relação à organização comunitária. A isto, se lhe soma outro tipo de conflitos internos, mas gerados por fatores externos, quer dizer, quando a organização comunitária passa a ocupar um segundo plano no momento que por lei, a comunidade ou bairro popular ao qual pertence, sobe de categoria e começa a assumir suas funções através do órgão local competente (Municipalidade ou Conselho Menor), perdendo assim a organização comunitária seu rol de interlocutor e representante privilegiado da comunidade ante os poderes públicos, e iniciando-se acima disso uma rivalidade entre esta e o governo local correspondente, como ocorre no caso de VES, onde nas relações CUAVES - Municipalidade distrital perdura ainda uma rivalidade, que os desvincula de objetivos comuns e acaba comprometendo ambas as organizações. 175 O outro limite responde diretamente à falta de recursos próprios das municipalidades locais para desenvolver este tipo de propostas de planejamento, a maioria destas municipalidades não destina recursos de seu orçamento – proveniente do arrecadamento de impostos – que seja exclusivo para estes fins, ou pode figurar no papel, mas nunca chega a ser utilizado; assim mesmo nos orçamentos participativos não se lhe dá muita importância a estes aspectos, dando-se preferência em geral às obras civis que cobrem as necessidades mais imediatas da população. Isso somado ao fato das organizações autogestionárias não capitalistas se tornar frágeis quando se tem que enfrentar sozinhas à concorrência do setor capitalista e as condições desfavoráveis da correspondente política de governo. Portanto, como se pode ver nas experiências apresentadas, para a implementação da proposta sempre foi e é necessário o apoio econômico, assim como a colaboração por parte das instituições não-governamentais, das instituições de cooperação internacional, dos fundos internacionais, igrejas, universidades, entre outros. Finalmente, frente aos vários limites abordados que se apresentam quando se quer generalizar e implantar um tipo de política de Planejamento integral urbano sustentável e participativo na agenda oficial atual, existem certos desafios que devem ser afrontados e superados necessariamente para que se produza uma efetiva realização deste tipo de proposta de planejamento. Alguns dos mais importantes serão expostos a seguir: a) Mudar a atitude clientelista, dessolidária e burocrática de parte do Estado e, sua atuação através do seu modelo convencional e tecnocrático de planejamento urbano, o qual aparece sendo um desafio dificílimo de superar, mas que pode ser trabalhado pouco a pouco, partindo por uma mudança de atitude e visão por parte das mesmas autoridades, funcionários e técnicos que trabalham nas suas instâncias, já que é nas mãos deles que se colocam a maioria de iniciativas, sonhos e expectativas da população, especialmente dos bairros e setores mais carentes da cidade, os quais, sendo superado o desafio devem ser o foco de atenção das políticas urbanas caso se queira realmente desenvolver e melhorar os aspectos físicos, econômicos, ambientais, sociais e culturais da cidade como um todo. Isso, 176 com a finalidade de que não se siga repetindo o antigo esquema de segregação e exclusão urbana, que impede um verdadeiro desenvolvimento urbano integral, assim como o acesso à cidadania e a uma democracia eficaz a todos os que formam parte da cidade. b) Renovar a confiança e a credibilidade de parte da população em relação à figura do Estado e as promessas e propostas de planejamento que este promove, mas para que este desafio seja efetivado é necessário que o primeiro desafio anteriormente abordado seja superado. c) Ampliar a participação popular nos processos de tomada de decisão e debate dos planos, programas, projetos e ações a serem inseridos na cidade. O poder público deve incentivar a participação, tentando criar novos mecanismos ou novas políticas como parte dos planos urbanos, que procurem reincorporar e fazer valer os direitos de cidadania de cada pessoa em particular que faz parte da cidade, estimulando sua participação política, através da facilitação de canais de participação em espaços públicos livres de qualquer tipo de coerção, onde estes possam manifestar suas necessidades, desejos e aspirações na busca de uma melhor qualidade de vida e um desenvolvimento pleno de suas faculdades a nível pessoal, assim como em todos os âmbitos que inferem no desenvolvimento integral da cidade como um todo; para poder assim chegar a construir uma cidade mais justa, equitativa e solidária, com maior democracia e espírito público. d) Desenvolver metodologias e instrumentos visando implantar e generalizar um tipo de planejamento que busca o desenvolvimento integral e a inclusão social, junto a alternativas de produção não hegemônicas e, a partir do trabalho cooperativo de sua população; num contexto geral atual de pressão e concorrência do setor capitalista, assim como de um Estado que tende a ceder cada vez mais terreno político ao poder econômico hegemônico, favorecendo sua instalação na menor oportunidade que se lhe apresenta. O desafio, que guarda relação com a questão anterior, consiste em buscar os meios para que a organização comunitária possa sobreviver de forma autônoma quando em determinado momento acabar o apoio tanto do 177 Estado como dos organismos de cooperação internacional, entre outras instituições civis. e) Mudar a visão de curto prazo, imediatista e de resolução de poucos âmbitos que se tem mostrado ao momento de implementar as políticas, estratégias e ações, como parte dos objetivos ou diretrizes do plano de desenvolvimento correspondente às experiências e propostas de governo avaliadas. Para esse fim, torna-se necessário começar pelo desafio de repensar ou construir as metas e objetivos dos planos com uma visão e horizonte mais amplo, para que suas respectivas estratégias, propostas e ações permitam um seguimento da proposta e uma vinculação destas com ações no futuro. E, o segundo desafio que vai complementar o primeiro, procura buscar os meios necessários para acabar de uma vez com a pobreza e exclusão urbana, e garantir a toda a população da cidade os seus direitos sociais, através de um planejamento urbano que realmente seja inclusivo, democrático e permita um desenvolvimento integral da cidade como um todo, com um amplo acesso a todas as oportunidades e serviços que esta possa oferecer. f) Manter a harmonia e as boas relações entre a organização representativa da comunidade, de tipo “autogestionário” e governo local correspondente, a partir do momento que o correspondente assentamento, bairro popular ou comunidade sobe à categoria de distrito e se cria a Municipalidade ou Conselho Menor, instituição através da qual este começa a assumir suas funções administrativas sobre o território e sua população. Quer dizer, apesar do fato de cada uma destas organizações querer levar vantagens para seu lado, fazendo valer sua autonomia ou hierarquia, é necessário buscar os meios que permitam que ambas atuem de forma cooperativa e solidária, vinculando-se através de objetivos comuns. Este desafio pode ser reforçado com outro que busque a eliminação das práticas “anti-valores” que surgem em determinado momento no interior das organizações sociais de tipo autogestionário, que enfraquecem estas e dificultam o efetivo prosseguimento do trabalho comunitário baseado no correspondente plano integral de desenvolvimento. 178 g) Buscar reverter a tendência de escassez de recursos das municipalidades tanto locais como metropolitanas para a implementação deste tipo de proposta de planejamento com fins de desenvolvimento, o qual não é um desafio insuperável, quando as autoridades municipais não só tem a intenção ou vontade, senão que realmente querem e se comprometem em buscar alternativas e soluções que permitam superar este desafio, para que assim possa ser implementada a proposta de planejamento que permitirá um desenvolvimento integral da sua cidade ou território de jurisdição. Portanto, a superação deste desafio, se torna um elemento necessário para poder implantar e, sobretudo generalizar um modelo de planejamento integral urbano sustentável e participativo na agenda oficial atual. h) Finalmente um dos desafios gerais a ser enfrentado formula-se na forma de uma indagação, e vem a ser: como desenvolver e implantar novamente um tipo de proposta de planejamento integral urbano sustentável na agenda oficial atual e a partir do âmbito local, quando se pode observar que todas as experiências e propostas apresentadas que se aproximam deste enfoque e modelo de planejamento, não chegaram a alcançar em sua integralidade todas as metas e propósitos traçados desde o início, e tampouco houve uma posterior continuidade da auto-organização comunal nem da proposta de planejamento, quando se tinha alcançado um nível razoável de urbanização e isso, devido aos diversos obstáculos e limites do próprio modelo e outros que se apresentaram em determinado momento – e que foram anteriormente abordados. 179 Recomendações Sem querer esgotar todas as medidas que se tornam necessárias para fazer possível uma efetiva inserção e generalização de um modelo de Planejamento integral urbano sustentável e participativo na agenda oficial atual, gostaríamos de sugerir algumas iniciativas que poderiam contribuir na realização destes fins, e que serão apresentadas a seguir: A primeira que surge a partir de tudo o anteriormente exposto, é que consideramos indispensável o papel do Estado como fortalecedor e garantidor dos direitos sociais, elaborando políticas junto a propostas de planejamento que promovam a integração e participação de toda a população, incluindo todas as esferas sociais e facilitando canais de participação, para que juntas construam estratégias de desenvolvimento, nos campos econômico, político, cultural e de acesso à moradia, a uma educação e saúde adequadas e aos serviços básicos, equipamentos urbanos e oportunidades laborais diversas. Para esses propósitos, é necessário que este se comprometa primeiro, a mudar de atitude (superando todos os limites e desafios anteriormente expostos) e segundo, a buscar enfrentar os mecanismos produtores de desigualdades; desta maneira não se siga repetindo o mesmo esquema de segregação urbana e exclusão social, próprio do planejamento tecnocrático e convencional, que impede um verdadeiro desenvolvimento urbano equitativo e integral, assim como o acesso à cidadania e a uma democracia eficaz a todos os que fazem parte da cidade, portanto um acesso e “direito à cidade” em toda sua dimensão – de acordo ao abordado por Lefebvre. Só desta maneira será possível renovar a confiança e a credibilidade de parte da população em relação à figura do Estado e suas promessas, propostas, e ações como parte de suas políticas focadas principalmente nos bairros populares. Ao anterior cabe agregar, que a articulação e trabalho em conjunto da população com o Estado resulta sendo uma estratégia necessária se quer-se produzir uma efetiva implementação de uma proposta de planejamento integral urbano sustentável na cidade, a qual priorize o melhoramento das condições de vida dos bairros 180 populares. Isto no sentido da população poder vigiar as ações deste, de tal maneira que não ceda terreno político às forças hegemônicas capitalistas, buscando assim, mobilizar seus recursos a favor dos setores populares. Agora, para mudar a perene atitude clientelista, não solidária e burocrática do Estado, é necessário começar por mudar a atitude de suas autoridades e funcionários e, isto só se pode conseguir partindo pela educação, quer dizer investindo e enfatizando no melhoramento e na qualidade de ensino, de tal maneira que através desta se inculque na população, os valores e os conhecimentos necessários para formar pessoas capazes de agir de forma correta em todo momento e ante qualquer circunstância. Assim mesmo, a inversão e ênfase no melhoramento e a qualidade de ensino, vai contribuir também para que a população dos bairros e setores populares saiam de uma vez de sua condição de pobreza, que ainda os caracteriza; já que na informação de todos os direitos e leis que garantem sua cidadania, se encontram as ferramentas necessárias que lhes vão permitir lutar e agir pelos seus direitos a uma cidade e a uma vida digna. Permitindo, por outro lado aumentar sua capacidade de associativismo e cultura política, já que quanto maior o nível de educação das pessoas, maior sua capacidade de associação. Por outro lado, para que se dê uma efetiva implantação do modelo de planejamento integral urbano sustentável na agenda oficial atual, torna-se necessário primeiro, pensar em grande, propondo objetivos com um horizonte amplo e soluções de intervenção no longo prazo, para o desenvolvimento dos aspectos social, humano, econômico-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal; cujas ações tenham uma continuidade ou vinculação no tempo, estando sempre em continua renovação, permitindo assim, que se produza uma efetiva sustentabilidade da proposta com o tempo, que se vai refletir numa efetiva mudança na qualidade de vida de toda a população e, portanto, um real desenvolvimento de cada uma das escalas territoriais, começando pela escala local no nível de bairros e comunidades, que conduze a um desenvolvimento maior da cidade como um todo. 181 Assim também, ao implantar um modelo de planejamento integral urbano sustentável no âmbito local, se deve tomar as considerações necessárias do caso para evitar, no caso da comunidade ou bairro popular onde vai ser inserida a proposta, que esta não fique isolada nem dê as costas à realidade das mudanças que se estão produzindo nas outras escalas regionais, nacionais e globais; isso é fundamental para melhorar internamente nos aspectos econômicos, culturais e sociais, assim como oferecer melhores serviços e atenção aos moradores da comunidade. Ao anterior, também se deve acrescentar a importância da associação e colaboração em redes de apoio de um mesmo ramo ou com iniciativas similares (seja produtivo, humano-social, cultural, etc.), não só no nível local como também nas diferentes escalas, como as regionais, nacionais, até as globais; o qual se torna necessário primeiro, para poder enfrentar a concorrência do setor capitalista e poder sobreviver de forma autônoma, não dependendo das condições políticas favoráveis do governo e, em segundo para permitir um maior desenvolvimento do ramo, assim como o fortalecimento dos grupos que a compõem, conseguindo desta maneira gerar maiores e melhores oportunidades de trabalho local e de oferta de serviços à comunidade. Complementando a recomendação antes mencionada, pensamos que apesar do território de âmbito local onde se insere a proposta estar integrada ou associada em redes produtivas, sociais ou culturais de cooperação nas diversas escalas territoriais maiores, é necessário igualmente, que este conte com estratégias autônomas para diversos aspectos (sociais, culturais, econômicos, entre outros) e, iniciativas de autogestão, para que desta maneira mantenha sua integridade e, ante qualquer eventualidade ou obstáculo que se apresente no caminho, possa continuar e até resolver por si mesmo as suas necessidades, evitando assim, depender quando mínimo do apoio do Estado ou outros organismos – como no caso da comunidade Autogestionária de Villa El Salvador em Lima-Perú, que nos momentos em que não recebiam apoio por parte do Estado, eles continuaram e se mantiveram unidos e sólidos, coordenando juntos suas ações de desenvolvimento. 182 Outro fator que ajudaria na implantação de um modelo de planejamento urbano deste tipo viria a ser que as municipalidades locais e distritais se comprometam a reservar um fundo econômico que seja destinado exclusivamente a estes fins e permita ajudar tanto na fase de elaboração, como na implementação de cada uma das estratégias, programas, projetos e ações como parte do respectivo plano de desenvolvimento. Mas isso não significa deixar de buscar ou dar as costas às fontes de ajuda e financiamento externo (ONGs, instituições de cooperação internacional, fundos internacionais, etc.), as quais resultam ser fundamentais tanto para a capacitação nas diversas etapas de empreendimento do plano como na execução ou continuidade de determinados programas ou projetos que requerem um grande orçamento para sua efetivação. Assim mesmo, outra das metas e ações importantes que se deve promover para que se produza uma efetiva implantação de um modelo de planejamento construído, consiste em buscar que na comunidade, bairro popular ou cidade onde vai ser inserida a proposta, se fortaleçam as relações sociais, tanto a partir da proposta de desenho como, principalmente, na inversão de tempo em práticas e ações coletivas, que incentivem o acúmulo de princípios e regras de harmonia, cooperação, complementaridade, reciprocidade, solidariedade e confiança, desenvolvidas entre todos os integrantes da comunidade, bairro ou cidade; que os mantenha sempre unidos, identificados e vinculados através de objetivos comuns, para que cada qual, no papel que lhe corresponde como ator público, membro de uma instituição civil ou representante do movimento social, busque o bem pessoal e coletivo, buscando continuamente alternativas e iniciativas de desenvolvimento que lhe permitam melhorar suas condições de existência, assim como realizar plenamente suas capacidades humanas e aspirações pessoais e de grupo. Finalmente, para que o modelo de planejamento integral urbano sustentável seja generalizado é necessário não só uma mudança de atitude de parte do Estado, como também que as experiências e propostas que a partir deste modelo se promovam e incorporem, busquem a eficiência em todas suas ações ao momento da implementação da respectiva proposta – tendo levantado todos os limites e 183 afrontado todos os desafios abordados na primeira parte deste capítulo –, permitindo assim, que tanto a população como as mesmas autoridades do governo, realmente sintam e acreditem que só através deste tipo de planejamento que envolve a participação e trabalho em conjunto de toda a população, é que se pode conseguir alcançar grandes metas e objetivos de desenvolvimento tanto no nível pessoal, como da comunidade e da cidade em toda sua dimensão, com práticas de justiça social, democracia e sustentabilidade. oficialmente em sua agenda política oficial. Sendo desta maneira, incorporado 184 REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. Cidade, ambiente e política: problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. ACUÑA, V. Percy. Las barriadas: La tarea actual del urbanismo y de los planes de vivienda en el Perú. Hatun Llaqta: Revista electrónica de urbanismo, n. 230506, 1 abr. 2006. Disponível em: < http://www.urbanoperu.com/>. Acesso em: 27 out. 2008. ALBURQUERQUE-LLORENS, F. Desenvolvimento econômico local: caminhos e desafios para a construção de uma nova agenda política. Rio de Janeiro: BNDES, 2001. AMIN, Ash; ROBINS, Kevin. Regresso das economias regionais? a geografia da acumulação flexível. In: BENKO, Georges; LIPIETZ, Alain. As regiões ganhadoras: distritos e redes: os novos paradigmas da Geografia Econômica. Oeiras: Celta Editora, 1994. ANEMIYA, H. Nelly. La gestión del suelo y el desarrollo urbano de los asentamientos humanos marginales del “Alto Trujillo. 2003. Tesis (Académico de Maestro en Gestión Urbano Ambiental) -Universidad Privada Antenor Orrego, Escuela de Postgrado, Trujillo, 2003. ASOCIACION LABORAL PARA EL DESARROLLO. Diagnóstico de la Comunidade Autogestionária de Huaycán. Lima: ADEC-ATC, 2000. BRAND, Peter; PRADA, Fernando. La Invención de futuros urbanos: estrategias de competitividad económica y sostenibilidad ambiental en las cuatro ciudades principales de Colombia. 1. ed. Colciencias: Universidad Nacional de Colombia, 2003. BORJA, J.; CASTELLS, M. Planos estratégicos y proyectos metropolitanos. Cadernos IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1-2, p. 207-231, 1997. BURGA, B. Jorge et al. Villa El Salvador, la ciudad y su desarrollo. 2. ed. Lima, 1989. BOCAYUVA, Pedro Cunca; SILVEIRA, Caio Márcio; ZAPATA, Tânia. Ações integradas e desenvolvimento local: tendências, oportunidades e caminhos. São Paulo: Instituto Polis; Programa Gestão Pública e Cidadania, 2001. CARDOSO, Adauto Lúcio. A cidade e seu estatuto: uma avaliação do Estatuto da Cidade. In: RIBEIRO, L. C. Q.; CARDOSO, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2003. p. 27-49. 185 CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Plano diretor e gestão democrática da cidade. In: RIBEIRO, L. C. Q.; CARDOSO, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do estatuto da cidade. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2003. p. 103-118. _____.; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Avaliação de políticas públicas: notas na perspectiva da gestão democrática e da ampliação da cidadania. In: OLIVEIRA, Adão Francisco de; NASCIMENTO, Claudemiro Godoy de (Org.). Cidades sustentáveis: políticas para o desenvolvimento. Goiânia: Editora da UCG, 2006. CORONADO, del Valle Jaime. La estructura de autoridad y representación en una comunidad urbana: la experiencia de la CUAVES 1971-1990. In: CORONADO, Jaime; PAJUELO, Ramón. Villa El Salvador: poder y comunidad. Lima: CECOSAM; CEIS, 1996. COMUNIDAD URBANA AUTOGESTIONÁRIA DE HUAYCÁN. Estatutos y reglamentos. Lima,1993. DIETZ, Henry A. Pobreza y participación política bajo un régimen militar. 1. ed. Lima: Universidad del Pacífico, Centro de Investigación, 1986. _____. Pobreza urbana, participación política y política estatal: Lima 1970-1990. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú; Fondo Editorial, 2000. LA RED. Experiencia 12 Huaycán - Construyendo una Ciudad Segura y Saludable Perú. In. Gestión local del riesgo y preparativos de desastres en la región andina: sistematización de buenas prácticas y lecciones aprendidas. Tercer Plan de Acción de DIPECHO. Ecuador: Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo - PNUD, 2005. Disponível em: <http://www.undp.org/surfpanama/docs/bcpr/cd_dipecho_andino/sistematizacion_ex periencias/ estudios_de_casos/peru.pdf>. Acesso em: 15 Jun. 2007. FROEHLICH, José Marcos. O “local” na atribuição de sentido ao desenvolvimento. Revista Paran. Desenv., Curitiba, n. 94, p. 87-96, maio/dez. 1998. GRAZIA, Grazia de. Reforma urbana e Estatuto da Cidade. In: Ribeiro, L. C. Q.; Cardoso, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2003. HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates, São Paulo, 1996. INSTITUTO NACIONAL DE DESARROLLO URBANO (Peru). Estudio integral de los programas de vivienda ejecutados o promovidos por el Estado: períodos 1969-1990. Lima: INADUR, 1991. 186 INSTITUTO METROPOLITANO DE PLANIFICACIÓN (Lima, Peru). Plan de Desarrollo Metropolitano de Lima-Callao 1990-2010. Lima: IMP, 1990. v. 1. _____. Bases y lineamentos generales del Plan Integral de Desarrollo Metropolitano a Mediano Plazo. Lima: IMP, 1997. KAZTMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamento social de los pobres urbanos. Revista de La CEPAL, n. 75, dez. 2001. Disponível em: <http://www.eclac.cl/revista/> KLEIN, Juan-Luis. Iniciativa local y desarrollo: respuesta social a la globalización neoliberal. EURE, Santiago de Chile, v. 31, n. 94, p. 25-39, 2005. LAGO, Luciana. Desigualdades e segregação na metrópole: O Rio de Janeiro em tempo de crise. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2000. LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. p. 103-117. LEROY, Jean-Pierre et al. Tudo ao mesmo tempo agora: desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que tem a ver com você? 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. MONTEIRO, João de Paula. Cooperação: saiba o que é cooperatividade sistêmica para um novo tipo de desenvolvimento. Brasília: Agência de Educação para o Desenvolvimento, 2003. PLAN por una Lima y um Callao verdes: hacia una Agenda 21 Local. 1. ed. Lima: Grupo GEA; Ed. Anna Zucchetti, 2007. PORTO ALEGRE (RS). Prefeitura. Programa de Governança Solidária Local: documento de referência. Porto Alegre: Cidade-Rede; Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local, 2005. PUTNAM, R. D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. PORSSE, Melody de Campos Soares; KLERING, Luis Roque. Concepção moderna de desenvolvimento humano e social. Confederação Nacional de Municípios. Disponível em: <http://200.252.8.171/sites/5700/5770/Estudos/atlz_15_05/desenvolvimentohumano. Pdf>. Texto eletrônico [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 21 mar. 2008. 187 RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. O Estatuto da Cidade e a questão urbana brasileira. In: Ribeiro, L. C. Q.; Cardoso, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2003. p. 11-25. RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e cidade: a divisão social da cidade e a cidadania na sociedade brasileira. Análise Social: Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, v. 40, primavera 2005. RIOFRÍO, Gustavo. Lima:¿Para vivir Mañana?. Lima: Programa Urbano Poblacional de CIDIAG Romeo Grompone; CIDIAG/FOVIDA, 1991. RIOFRÍO, Gustavo; AMÍREZ, C. Daniel. Formalización de la propiedad y mejoramiento de barrios: bien legal, bien informal. Lima: DESCO; Programa Urbano, 2006. SACHS, W. Anatomia política do desenvolvimento sustentável. Democracia Viva, Rio de Janeiro, n. 1, p. 12-23, nov. 1997. SANCHEZ, L. Abelardo; CALDERON, C. Julio. El laberinto de La ciudad: políticas urbanas del Estado 1950-1979. Lima: DESCO, 1980. SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Cidade, cidadania e planejamento urbano: desafios na perspectiva da reforma urbana. In: FELDMAN, Sarah; FERNANDES, Ana (Org.). O urbano e o regional contemporâneo: mutações, tensões, desafios. Salvador: EDUFBA, 2007. _____. Reforma urbana: por um novo modelo de planejamento e gestão das cidades. Rio de Janeiro: Fase/UFRJ-IPPUR,1995. SANTOS, Boaventura de Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. TÁVARA, C. José Ignacio. Histórias entrelazadas: Carabayllo 1973-1986. Lima, 2007. TESTIMONIO de Constitución de la Asociación denominada “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán (CUAH)”. Lima: Notaria Pública Elvito A. Rodíguez Dominguez, 1989. 188 WACQUANT, Löic. Os condenados da cidade. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2001. p. 21-42; 163-198. ZAPATA, V. Antonio. Sociedad y poder local: La comunidad de Villa El Salvador 1971-1996: testimonios y reflexiones de un actor: Michel Azcueta. Lima: DESCO, 1996.