A Coluna Alô! Alô! e a inter-relação com o público e o privado
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A Coluna Alô! Alô! e a inter-relação com o público e o privado
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS CAMPUS DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS A Coluna Alô! Alô! e a inter-relação com o público e o privado – um estudo sobre a participação do Diário da Tarde na construção da relação com seus cidadãos leitores Aparecida Fátima de Oliveira Divinópolis 2009 Aparecida Fátima de Oliveira A Coluna Alô! Alô! e a inter-relação com o público e o privado – um estudo sobre a participação do Diário da Tarde na construção da relação com seus cidadãos leitores Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus da Fundação Educacional de Divinópolis, como requisito parcial à obtenção do título Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem Orientador: Profª. Drª. Ana Mónica Henriques Lopes Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis 2009 Catalogação na Fonte Biblioteca Prof. Nicolaas Gerardus Plasschaert - FUNEDI-UEMG O48c Oliveira, Aparecida Fátima de A Coluna Alô! Alô! e a inter-relação com o público e o privado – um estudo sobre a participação do Diário da Tarde na construção da relação com seus cidadãos leitores / Aparecida Fátima de Oliveira. - 2008. 115 f., enc. Orientador : Dra. Ana Mônica Henriques Lopes Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia: f. 90-97 1.Oralidade. 2. Memória. 3. Coluna jornalística. 4. Linguagem. 5. Análise de discurso I. Lopes, Ana Mônica Henriques. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 070.44 AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA DISSERTAÇÃO Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadores e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. _________________________________________________ Aparecida Fátima de Oliveira Divinópolis, 06 de fevereiro de 2009 AGRADECIMENTOS À equipe da Gerência de Documentação(Gedoc) do Diários Associados pela disponibilidade e profissionalismo com meu objeto de pesquisa; À equipe da Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich)da UFMG por disponibilizar material para nossa demanda; Às meninas da secretaria do mestrado da FUNEDI pelo carinho e paciência; Aos meus professores queridos, mesmos os que desistiram de mim; Ao professor/coordenador do mestrado Alexandre Simões a quem devo a diplomacia da solução de impasses políticos e didáticos e de quem quero herdar a sabedoria; À Ana Mônica minha orientadora por entender a pobreza franciscana de um jornalista; Aos meus colegas da quarta turma de mestrado, heróis desconhecidos de lugares distantes e de causas nobres; À minha família para quem o mestrado é quase uma heresia diante de tanta "coisa" importante para uma mulher fazer aos 50 anos; Aos meus filhos Yuri e Ygor pelas longas esperas; Ao meu tutor mor jornalista José Carlos Alexandre, companheiro em tempo integral, parceiro no entendimento dos autores, incentivador sem par, galo madrugador para que eu chegasse na hora certa; A todos os meus amigos que incentivaram essa luta de alguma forma; A mim pela coragem de transpor dificuldades; pela inocência de pensar estar buscando no mestrado apenas uma alternativa mercadológica; ao lucro de ter encontrado neste caminho de estudos pessoas que se tornaram amigas e companheiras e que mudaram minha vida para sempre; "Que tempos são estes em que é quase um delito falar de coisas inocentes"! (BERTOLT BRECHT) RESUMO Essa dissertação tem como objetivo analisar de que forma a Coluna Alô! Alô, do então jornal Diário da Tarde, repercutiu na representatividade para os cidadãos da Capital desde seu surgimento, na década de 40, até seu fechamento, em 2007, de modo a mostrar que a Coluna legitimava o cidadão privado, especialmente as menos favorecidas economicamente, portanto, moradoras de bairros periféricos, nos quais se concentram problemas de infra-estrutura (rede de esgoto, água, luz, etc), dando-lhe vez e voz ao público. Para embasar o trabalho recorremos às ideias convergentes de Alexis Toqueville, Jünger Habermas e Hannah Arendt sobre o espaço político da esfera pública a partir do privado; entre outros autores citados no percurso dessa dissertação, que corroboram com nosso referencial teórico. A escolha da Coluna como objeto de pesquisa deve-se ao fato histórico documentado de Alô!Alô! ter tido o maior tempo de sobrevivência do jornalismo mineiro, cerca de 68 anos, considerando-se seu surgimento em 1941, dez anos após a criação do jornal Diário da Tarde (DT) , e seu abrupto fechamento, em 2007, quando do surgimento do tablóide Aqui, do mesmo grupo empresarial, qual seja, o Sistema Estaminas de Comunicação, responsável, no estado mineiro também pelo jornal Estado de Minas, Portal Uai, TV Alterosa e Rádio Guarani. Para atingir este objetivo, nosso estudo se desenvolverá em três etapas: 1º) no primeiro capítulo procuramos traçar um breve histórico do surgimento da imprensa nacional e regional. Nesse contexto a confecção do Diário da Tarde e o surgimento e consolidação da coluna Alô!Alô! como veículo de expressão popular. O diálogo com alguns teóricos nos possibilitou demonstrar a importância da imprensa enquanto elemento agregador e agenciador de posicionamentos constituindo-se em um quarto poder na organização política, econômica e cultural de uma sociedade; além de demonstrarmos as diferenças entre notícia e notas, imprescindíveis para a compreensão do formato da Coluna) dedicado á imprensa em Minas Gerais, a partir da abordagem da raríssima Coleção Linhares, que relata a importância da história da imprensa mineira, como ‘O Binômio’, com sua expressividade irreverente e sua postura investigativa e as formas de sociabilidade e convivência que se desenvolveram na capital. Procuramos mostrar através das informações colhidas a teia de caminhos que constituíram os espaços públicos e as formas de inserção dos indivíduos na vida da cidade. Nesse percurso demonstramos com os indivíduos comuns se desligavam das atividades privadas para entrarem nos ‘negócios’ públicos por meio da participação no Alô! Alô! e, conseqüentemente, interferiam na gestão da cidade. Momento este importante para ratificarmos a apropriação de uma coluna de jornal pelo público e as diversas razões que motivaram sua sobrevivência ao longo de seis décadas; e 3º) a demonstração analítica de como a ‘nova’ Coluna Alô!Alô, absorvida pelo cotidiano de um novo formato de redação, é influenciado pelas novas tecnologias, critérios de noticiabilidade e dinâmicas sociais. Para tal recorremos a textos teóricos e obras cinematográfica que retratam de alguma forma os dilemas de um instrumento de comunicação que é produto das ações em sociedade e que depende da aceitação e respeito do público para se legitimar. Metodologicamente, o corpus do estudo foi formado pelas edições do “Diário da Tarde”, de janeiro de 1941 a dezembro de 2007, sendo analisados 700 exemplares, divididos por períodos considerados importantes na história do Brasil, a saber: 1941 à 1945 (surgimento do jornal/período da Segunda Guerra Mundial); 1954 (suicídio de Getúlio Vargas); 1964 (Golpe Militar); 1985 (início do processo de democratização do País); 198 (Ano da Constituinte),; 1988 (Ano da Constituição Cidadã); 1990 (Diretas-Já); 1992 (Impeachment de Collor); 1994 (Plano Real); 1998 (Era FHC); 2002 e 2006 (primeiro e segundo anos da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva) e 2007 (até 29/08/2007, quando do fechamento do DT. O universo das ---edições estudadas foi baseado na técnica de amostragem do tipo não probabilística intencional. A partir do referencial teórico e das técnicas de pesquisa utilizados, buscou-se contemplar um resultado de pesquisa tanto quantitativo quanto qualitativo, a fim de que o trabalho possa ser de uso social, pois, nesse contexto, defende-se aqui a ideia de pesquisa como uma forma de conhecimento democrático, de modo que se propiciem condições de se refletir problemas e apontar alternativas que sejam de interesse de toda a comunidade, no caso, de um jornalismo cada vez mais responsável com o bem público: a informação de qualidade. Palavras-chave: Oralidade, memória, jornal, linguagem, análise de discurso SUMMARY This dissertação has as objective to analyze of that it forms the Alô Column! Alô, of then the Daily periodical of the Afternoon, reed-echo in the representation for the citizens of the Capital since its sprouting, in the decade of 40, until its closing, in 2007, in order to show economically that the Column legitimized the private citizen, especially less the most favored, therefore, inhabitants of outlying areas, in which if they concentrate infrastructure problems (net of sewer, water, light, etc), giving to it to time and voice to the public. To base the work we appeal to the convergent ideas of Alexis Toqueville, Jünger Habermas and Hannah Arendt on the space politician of the public sphere from the private one; among others authors cited in the passage of this dissertação, whom they corroborate with our theoretical referencial. The choice of the Column as research object must it the registered historical fact of Alô! Alô! to have had the biggest time of sobrevivênvia of the mining journalism, about 68 years, considering itself its sprouting in 1941, ten years after the creation of the Daily periodical of Tarde (DT), and its abrupt closing, in the 2007, when of the sprouting of tablóide Here, of the same enterprise group, which is, System Estaminas de Comunicação, responsible, in the mining state also for the periodical Been of Mines, Uai Vestibule, TV Alterosa and Rádio Guarani. To reach this objective, our study it will be developed in three stages: 1º) in the first chapter we look for to trace a historical briefing of the sprouting of the national and regional press. In this context the sprouting and confection Daily of the Afternoon and consolidation of the Alô column! Alô! as vehicle of popular expression. The dialogue with some theoreticians made possible in to demonstrate them the importance of the press while agregador element and agent of positionings consisting in one room to be able in the organization politics, economic and cultural of a society; beyond demonstrating to the differences between notice and notes, essential for the understanding of the format of the Column) dedicated the press in Minas Gerais, from the boarding of inhares Collection, that tells the importance of the history of the mining press, as `Binômio', with its irreverent express and its investigation position and the forms of sociability and convivet that if had developed in the capital. We look for to show through the harvested information the of ways that had constituted the public spaces and the forms of insertion of the individuals in the life of the city. In this passage we demonstrate with the common individuals if they disconnect of the private activities to enter in `negócios' public by means of the participation in the Alô! Alô! e, consequently, intervened with the management of the city. Moment this important one to ratify the appropriation of a periodical column for the public and the diverse reasons that had motivated its survival throughout six decades; e 3º) the analytical demonstration of as `nova' Column! Alô Alô, absorbed for the daily one of a new writing format, is influenced by the new technologies, social criteria of noticiabilidade and dynamic. For such we appeal to the texts theoretical and workmanships cinematographic that portray of some form the quandaries of a communication instrument that is product of the actions in society and that it depends on the acceptance and respect of the public to legitimize itself. Metodologic, the corpus of the study was formed by editions of the “Daily one of the Afternoon”, of January of 1941 the December of 2007, being analyzed 700 units, divided for periods considered important in the history of Brazil, namely: 1941 to the 1945 (sprouting of the periodical/period of World War II); 1954 (suicide of Getúlio Vargas); 1964 (Military Blow); 1985 (beginning of the process of democratization of the Country); 198 (Year of the Constituent); 1988 (Year of the Constitution Citizen); 1990 (Direct-Already); 1992 (Impeachment de Collor); 1994 (Real Plan); 1998 (It was FHC); 2002 and 2006 (first and according to years of the election of Luiz Inácio Lula da Silva) and 2007 (up to 29/08/2007, when of the closing of the DT. The universe of ---- studied editions were based on the technique of sampling of the intentional not probabilist type. From the theoretical reference and of the techniques of used research, one searched to contemplate a in such a way quantitative result of research how much qualitative, so that the work can be of social use, therefore, in this context, the research idea is defended here as a form of democratic knowledge, in way that if propitiate conditions of if reflecting problems and pointing alternatives that are of interest of all the community, in the case, of a journalism each more responsible time with public good: the quality information. Keywords: Oralitat, memory, newspaper, language, analysis of discourse LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMJ - (Associação Mineira de Jornais) entidade representativa dos jornais de Minas Gerais. ANJ - (Associação Nacional de Jornais) entidade ainda em vigor e que congrega os grandes jornais do país. DIP - (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de controle da imprensa, que vigorou no período do governo de Getúlio Vargas, de 1945 a 1954. DT - (Diário da Tarde), órgão do Sistema Estaminas de Comunicação que nasceu em 1931 e encerrou suas atividades em 2007. EM - (Estado de Minas) numa referência ao jornal do Sistema Estaminas de Comunicação ainda em circulação. IAPC - (Instituto de Assistência Previdenciária Complementar) hoje INSS(Instituto Nacional de Serviço Social) ambos com a mesma função assistencial à população brasileira. IVC - (Instituto Verificador de Circulação), órgão federal sem fins lucrativos que tem por objetivo verificar a autenticidade da circulação de produtos, entre eles, os jornais. Esse tipo de auditoria nasceu nos Estados Unidos, em 1947. No Brasil auditoria chegou em 1963, a partir do evento que reuniu vários país que compusera a Federação de Auditores, do qual o Brasil fez parte, em Estocolmo(Suécia). Até então os jornais literalmente inventavam a tiragens de seus jornais enganando a população e portanto o anunciante. Hoje esse tipo de comportamento é totalmente impossível de se concretizar, até diante da concorrência do mercado(www.ivc.org.br) . SJPMG - (Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais)órgão que congrega a categoria dos jornalistas profissionalizados de Minas Gerais. A entidade é regionalizadas em cada estado e faz parte da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), com sede em São Paulo. UNESCO - ( Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). SUMÁRIO Página Introdução 14 Capítulo 1 - A imprensa escrita deve se reinventar 21 1.1 Imprensa e dinâmica social 21 1.2 Jornais de olho na internet buscam o futuro do jornalismo. 29 1.3 Quem é o jornalista 31 1.4 O Jornal: operador da recepção simbólica/semiótica 34 Capítulo 2 - Origem da imprensa em Belo Horizonte 36 2.1 Coleção Linhares 36 2.2 O nascimento do Binômio e dos jornais contemporâneos 43 2.3 A história de outras páginas impressas 45 2.4 Super tiragens mudam cenário noticioso 46 2.5 As marcas deixadas pelo Alô! Alô! no discurso da cidade 48 2.6 Oralidade inicia Alô! Alô! 50 Capítulo 3 - Imprensa Escrita: primórdios de uma representação 54 3.1 A imprensa, o Alô!Alô! e a formação de um espaço publicizador. 56 3.2 O quarto poder e o poder do Alô! Alô 58 3.3 O Alô! Alô! e a entrada o individuo na esfera pública 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS 72 BIBLIOGRAFIA 75 GLOSSÁRIO 81 ANEXOS 89 14 INTRODUÇÃO A coluna Alô! Alô! motivo desta dissertação, nasceu em Belo Horizonte, em 1941, publicada no jornal Diário da Tarde, afetivamente chamado pela população belo-horizontina de DT. Em 2007 o jornal encerra suas atividades e em seu lugar nasce o jornal Aqui, e Alô! Alô é a única Coluna a ser aproveitada pelo tablóide, do mesmo grupo empresarial, o Estaminas de Comunicação, responsável, em Minas Gerais, pelas mídias: jornais, Estado de Minas e Aqui, Portal Uai, TV Alterosa e Rádio Guarani. E é exatamente a decisão de se manter a Coluna Alô!Alô pelo tablóide (de tamanho reduzindo em relação ao padrão tradicional ou standart, 28cm X 38 cm) no dia seguinte ao fechamento do DT de (tamanho standart, 29,7 com X 52 cm) que nos faz inferir como Alô!Alô criou raízes no imaginário de seu público leitor, a ponto de o próprio Aqui sintomaticamente continuar com a Coluna. Afinal, não podemos despolitizar o slogan que nasce com o tablóide que o absorve: “Jornal Aqui, com o melhor do DT”. Por outro lado, podemos ‘estranhar’ a absorção da Coluna Alô! Alô! pelo fato de o tablóide em sua formatação, qual seja, com notas, notícias e fotos quase sempre dispostas verticalmente, entre 3, 4 e 5 colunas, priorizando em geral temas sobre polícia, esportes e prestação de serviços. Nesta dissertação trabalharemos com um histórico do Alô! Alô! (cujo tamanho, desde sua criação, tem seu formato de 1 coluna 4,5cm), a fim de apontarmos a Coluna como uma esfera politicamente ativa para as comunidades da Capital, especialmente as menos favorecidas economicamente, portanto, moradoras de bairros periféricos e onde se concentram os maiores problemas de infra-estrutura de rede de esgoto, água, luz e outros equipamentos sociais. O que implica dizer que nosso trabalho é um estudo sobre a participação da Coluna Alô! Alô! como esfera pública na construção da relação com seus cidadãos-leitores, como nos propõe Habermas (1984), corroborados por Arent (1987), ao afirmar o direito do homem (cidadão) privado de participar da esfera pública (no caso, o jornal DT) e por Tocqueville (2000), ao ratificar que a cidade vai-se construindo com a participação de um jornal ao ponto de construir uma relação com cada cidadão. Em outro dizer, que a construção do nosso objeto de pesquisa será embasado, principalmente, por esses supracitados teóricos, a fim de nos orientar em nossas análises de resultados. 15 O Diário da Tarde nasceu em 14 de fevereiro de 1931, encerrou suas atividades em 2007, e foi o quarto jornal da Capital (Coleção Linhares) com o mesmo nome. Pertencente ao grupo Estaminas de Comunicação o novo jornal “aparece como um desdobramento do Estado de Minas com amplo programa de devotamento aos interesses do povo” (ITINERÁRIO DA IMPRENSA DE BELO HORIZONTE, 1995, p.289). Já a Coluna Alô! Alô! foi criada pelos jornalistas Menotti Munchetti e Moacyr Andrade, este último também conhecido por José Clemente ou Gato Félix, um dos cronistas mais lidos em Minas Gerais, segundo o Dicionário Biográfico (1994). O Alô! Alô! sobreviveu por 68 anos, praticamente mantendo o mesmo formato de prestação de serviços públicos aos seus leitores, em suas necessidades mais básicas. Desde a primeira redação, elaborada pelo falecido jornalista João de Paulo Pires, até o último dia da coluna dentro do jornal, nada se alterou. A Coluna se manteve com os mesmos assuntos do cotidiano da Capital, não importando qual era a realidade do Brasil ou do mundo, as contingências estruturais pelas quais passavam a política, a vida social, a economia, a cultura, as crises internacionais. Eis aí, portanto, nossa premissa que demonstraremos no decorrer deste trabalho: de que as notícias nacionais ou internacionais não agendavam a Coluna Alô!Alô!. E que nos levou à seguinte reflexão: por um lado, esse não-agendamento, essa não conexão da Coluna com os assuntos nacionais e internacionais pode ser entendido como forma ‘autóctone’ de Alô!Alô! construir uma relação com seus leitores hermeticamente sobre assuntos do mundo local; dos problemas cotidianos que atingiam seu público, pois conforme nos explica Tocqueville (2000) para as comunidades o que lhes acontece é absolutamente mais importante do que acontece fora do seu entorno. Por outro lado, não podemos deixar de registrar que essa forma de “notas-autóctones” também demonstram uma certa descontextualização do mundo periférico da Capital com o “resto do mundo”, numa perspectiva terceiro-mundista, contrariando, inclusive, a política desenvolvimentista aos moldes de Juscelino Kubitschek, nas décadas 50 e 60, aplicado Iniciamos nossa pesquisa com um histórico da criação da coluna que mais tempo sobreviveu dentro do jornalismo mineiro, segundo nossos levantamentos bibliográficos. E que fazia tanto sucesso que, mesmo com o fim do Diário da Tarde a coluna migrou como já dissemos, para o recém-lançado tablóide do grupo Estaminas. 16 Metodologicamente, a pesquisa documental analisou, selecionou colunas do Alô! Alô!, publicadas entre janeiro de 1941 a agosto de 2007, quando o DT é abruptamente encerrado. Como são 68 anos de Alô!Alô, o que implica cerca de 5000 páginas publicadas, dificultando a viabilização de qualquer dissertação, pelo tempo exíguo para fazer a coleta de dados, mensuração e análise crítica de todo este rico e volumoso material, optamos por analisar algumas colunas tomando por base anos que foram historicamente importantes para nosso país. Desse modo, além de reduzirmos para 700 páginas - o que ainda pode parecer um número elevado de amostra, porém, deve-se levar em consideração que a jornalista-autora desta dissertação trabalhou no Diário da Tarde por mais de 30 anos. Em outras palavras: esta jornalista-pesquisadora teve acesso diariamente ao objeto de pesquisa deste trabalho, qual seja, às edições da Coluna Alô!Alô!. Assim, não foi tarefa sobre-humana mas, certamente herculínea, fazer a análise dessas colunas, conectadas com a formatação da coluna, sua localização, o que estava em seu entorno e sua relação com o restante do noticiário publicado, considerando, inclusive, as manchetes nacionais e internacionais do dia, respeitando-se, claro, a forma de escrita da Língua Portuguesa usada à época. Também foram analisadas todas as colunas no período de 1942 a 1945 por ser este o período da Segunda Guerra Mundial. Procurou-se mostrar se diante das notícias da Segunda Grande Guerra, a Coluna fazia referência só aos acontecimentos do cotidiano ou também aos nacionais e internacionais. Pretendeu-se apontar se o leitor de Belo Horizonte se preocupava com esses fatos ou estava mais interessado na vida cotidiana da Capital. Constatamos, por exemplo, que as bombas de Hiroxima e Nagasaki, ocorridas em 1945 foram lembradas pelo Alô! Alô! na ocasião. Mas que esse agendamento está mais para um ‘ato falho’, para usar um termo freudiano, isto é, um ‘equívoco’ em determinada circunstância, dos critérios de notas que dominavam a Coluna, ou seja, assuntos periféricos de Belo Horizonte. E o mesmo aconteceu em outras datas históricas, quando assuntos internacionais raramente pautavam o Alô!Alô. No ano de 1954, data do suicídio de Getúlio Vargas, por exemplo, procuramos na coluna alguma referência ao assunto. Entretanto, nenhuma nota sequer mereceu o grande estadista no Alô!Alô. Assim, foram selecionados os seguintes anos, a fim de que pudessem ser observadas as Colunas diárias de Alô!Alô!: Os anos de 1964, ano do golpe militar, e ainda de 1985, ano que deu início a redemocratização do pais; de 1986, ano da Constituinte, e 1988, ano da Constituição. A análise da Coluna passou também pelos anos de 1990, das Diretas-Já; de 1992, do impeachment de Collor; de 1994, do Plano Real; 1998, da Era FHC; de 2002 a 2006, 17 primeiro e segundo anos de eleição de Lula; e o dia 29 de agosto de 2007, último dia de circulação do Diário da Tarde, bem como o dia 30 de agosto, primeiro dia de circulação da Coluna já no tablóide Aqui. E por meio desse levantamento de dados ficou evidenciado que a Coluna nasceu no terceiro ano da segunda grande guerra, tanto que a manchete do dia era: “Previsão para abril a entrada dos Estados Unidos na Guerra”. Logo abaixo a manchete mais impactante, ainda na primeira edição alertava: “O Alameda Star e Zeelândia: os transatlânticos inglezes teriam ido a pique ao largo da Irlanda.” O que nos permite afirmar que, se Alô!Alô não fez referências às manchetes internacionais, o conteúdo de suas notas, por 68 anos, foi dominado por assuntos dos problemas cotidianos pelos quais viviam os leitores da Coluna, como ruas esburacadas, falta de energia elétrica, de água, falta de linhas de bondes, animais soltos nas ruas, bueiros descobertos dentre outros. A segunda edição do jornal, do mesmo dia, dava outro título da mesma guerra em uma nota captada por um rádio amador do Rio de Janeiro: “O vapor ‘Orenoco’ teria recolhido passageiros e tripulantes do ‘I- Bayr”. (ANEXO 1). O primeiro dia do Alô! Alô! está no segundo clichê1 do jornal, ou seja, na segunda edição do dia, das 17 horas, que vem com a últimas notas. Nesta página está o expediente do jornal. A Coluna está na página dois, entre outras notícias, como a programação de Rádio e Música, a programação de cinema, próxima a correspondências, pequenos anúncios de casas comerciais, de um médico espírita, outro de cerâmica, outra de armazéns e confeitarias, outro de cartório e do Ginásio Afonso Arinos, na Rua Carangola, hoje ocupado pela Prefeitura Municipal. A primeira edição do Alô! Alô! trazia no cabeçalho o número 2-1859, ou seja, o telefone da redação para o qual o leitor podia telefonar deixando sua reclamação. A primeira nota foi: ASPHALTO ESBURACADO (ANEXO 2), no cruzamento das ruas Tupys e Araguary, no Bairro Barro Preto, então localizado na Região Norte da cidade. A segunda nota: LEITE AZEDO (ANEXO 3). Nela uma senhora que dá inclusive seu endereço diz aflita que o leite que lhe chega em casa, está azedo e indaga ao repórter se pode servir o “filhinho doente” com tal alimento. Logo a seguir vem a terceira nota reclamando sobre a sujeira no Cine Floresta, que tem o assoalho esburacado e precisando de uma “pinturazinha”. A última nota do dia dá 1 O dicionário Novo Aurélio Século XXI, define ‘segundo clichê’ da seguinte maneira: ‘Parte da tiragem de um mesmo número do jornal, na qual se acrescentam notícias, de última hora, de fatos ocorridos durante a impressão do jornal’." 18 conta de que “justamente nas horas de maior movimento, na Avenida Afonso Pena aquele varredor põe-se a varrer o passeio levantando nuvens de pó, e atrapalhando o trânsito”. Para que o leitor se situe, abaixo mostramos como foi a primeira edição da coluna Alô! Alô!. Preservaremos, por uma questão de fidelidade à linguagem, a forma usada no português à época. O primeiro dia de uma história que durou exatos 68 anos começa com os seguintes dizeres: “Disque para o nº2-1859 e faça a sua reclamação que nós a publicaremos, fazendo-a chegar a quem de direito para as devidas providências.Assim como hoje a Coluna nasceu com inter-títulos, em caixa alta e negrito, destacando a solicitação do leitor. A primeira reclamação da primeira coluna foi: “ASPHALTO ESBURACADO”. Nas linhas seguintes vinha o seguinte diálogo por telefone: - Alô, é do Diário da Tarde? - Às ordens, cavalheiro. - Eu sou um chauffeur de um ônibus da Zona Norte e queria que o seu jornal intercedesse junto à Prefeitura para ser consertado o asphalto, no cruzamento das ruas Tupys e Araguary, no Barro Preto. - Está ruim a passagem ali? - Só vendo! A pavimentação está toda quebrada e os buracos arrebentam os pneus e as molas dos carros que por ali passam. - Vamos dar a sua reclamação, cavalheiro. (Alô! Alô!, EDIÇÃO 17/01/1941, p.02). Importante registrar que, nos primórdios da Coluna, o leitor não precisava identificar-se ao jornalista para fazer a denúncia. Em contrapartida, o jornalista também não ia ao local apurar se realmente o problema existia ou não. Essa conduta profissional era considerada menos ‘antijornalística’ do que baseada em um simples contrato de confiança entre leitor e repórter, conceito esse que não pode ser ligado ao que o pesquisador jornalista português, Nelson Traquina chama de “contrato fiduciário”, ou seja, um acordo de cavalheiros entre o público e o jornalista (2004, p 168.), tendo em vista que este pressupõe apuração e depuração do jornalista in loco, como ethos jornalístico da nossa profissão. No caso, então do Alô!Alô, o leitor ligava para a redação onde um repórter/redator o atendia, anotava o diálogo da reclamação e pedia ao próprio leitor a solução para seu problema. E no dia seguinte, saía no jornal a nota em forma de diálogo. Ingenuidade para nós, nos dias de hoje, mas vimos no Alô!Alô! o compromisso ético com o público, por 68 anos! Demorou muito para que essa relação de credibilidade se profissionalizasse: o jornalista do Alô!Alô, quando da transferência da coluna para o Jornal Aqui, passa a receber não só as ligações, anotando os dados do 19 reclamante e apurando o local onde a denúncia era encaminhada, como teve que publicar a resposta dada pelo órgão atingido pela reclamação do leitor. Mas foi com a relação de confiança que a Coluna foi ganhando força e credibilidade junto aos leitores, órgãos públicos e os outros veículos de comunicação, que não raras vezes faziam reportagens pautando-se nas notas do Alô!Alô! Concomitantemente, o Diário da Tarde (DT) começa a construir sua relação com a cidade, a Coluna torna-se ponte para aproximar seus cidadãos para um projeto participação política, como afirma Tocqueville (2000): a cidade vai-se constituindo com a participação de um jornal ao ponto de construir uma relação com cada cidadão. Nesta mesma primeira Coluna outro leitor reclama de LEITE AZEDO e o texto é aberto assim: O telephone tilinta; o repórter atende e do outro lado fala uma voz feminina, denotando indignação: -Pelo amor de Deus , Sr.redactor, uma providência. -Diga do que se trata, minha senhora, estamos às ordens. -Um horror! Imagine que tenho um filhinho doente, que se alimenta somente de leite e, entretanto, não posso me servir desse alimento. -Por que , minha senhora? -Por isso: o leite eu o recebo geralmente estragado, azedo, intragável. O Sr. Acha que eu o posso dar ao garoto? -Claro que não. -Então faça o obséquio, Sr. Redactor de dar a notícia para mim porque nada vale reclamar ao leiteiro. Resido na Praça Raul soares, 97 e o telefone é 2-6961. -Perfeitamente, minha senhora. Daremos sua reclamação. (Alô! Alô! Edição do dia 17/01/1941,p.2). É essa construção da Coluna com seus leitores, como uma espécie de ‘conselheiro’, que Toquecville (2000) chama a atenção para o papel da imprensa de informar e inserir os indivíduos nas questões públicas: Um jornal é um conselheiro que você não precisa procurar, que se apresenta por si mesmo e que lhe fala todos os dias e brevemente do assunto comum sem o atrapalhar em seus negócios privados. Os jornais se tornam, pois, mais necessários à media que os homens são mais iguais e o individualismo mais ameaçador. Seria reduzir sua importância crer que só servem para garantir a liberdade; eles mantêm a civilização. (TOCQUEVILLE, 2000, p.137). Neste sentido, Alô!Alô! se configura como uma esfera pública cidadã, pois, na medida em que comunica aos leitores determinados acontecimentos e/ou problemas, abre-se a possibilidade para o debate e a formação de uma prática conjunta. Foi exatamente o que se deu durante mais de 66 anos na coluna Alô! Alô!. Os problemas da comunidade não cessavam, especialmente diante do crescimento da cidade e, segundo os leitores e participantes do Alô! 20 Alô! pela omissão do poder público. Portanto, podemos, sim, afirmar que a Coluna foi um espaço catalisador na participação de seus leitores na construção da comunidade local. De um simples buraco na rua que era esquecido pela prefeitura até problemas mais complexos, como uma obra inacabada, passando pela prática abusiva de preços nos açougues ou supermercados, excesso de ratos nos armazéns até uma questão de discriminação, a comunidade, carente ou não, podia expor seus problemas, pois a participação vinha de todas as partes da cidade. As pessoas ligavam para o “Alô! Alô!” em busca de ajuda. 21 CAPÍTULO 1 A IMPRENSA ESCRITA DEVE SE REINVENTAR 1.1 Imprensa e dinâmica social Pensar os meios de comunicação a partir da segunda metade do século XX é refletir sobre uma avalanche de dados, informações, mudanças na prática profissional, na sociedade e nos próprios suportes destinados a encaminhar a notícia ao público. Além disso, o pesquisador ainda tem que lidar com a juventude de uma ciência em contraposição antiguidade de uma prática. Assim Quintero nos leva a uma reflexão: O estudo da imprensa como objeto histórico coloca- nos um grave problema de método, devido, por um lado, à juventude desta disciplina e, por outro, ao fato de, se não contarmos com os “métodos” arcaicos do século passado a que nos referimos, só após a Segunda Guerra Mundial, ser possível falar de uma história do jornalismo com um mínimo de base científica (QUINTERO, 1996, p.4). A ponderação de Alejandro Pizarroso Quintero tem razão de ser a partir do momento em que pouco se escreveu sobre jornalismo até a década de 50, apesar do interesse dos historiadores pela imprensa como fonte histórica, já no início do século passado apareceram obras que se ocupavam da imprensa, ou do fenômeno da informação, na perspectiva de sua evolução histórica, como um objeto de estudo e não como fonte para analisar outros aspectos. A obra coordenada por Quintero aponta, no máximo 14 obras que tratam do assunto, vindas da França, Alemanha ou Espanha, a partir do século XIX... .... essas obras não vão além da enunciação ou catalogação, como descrição, como biografias e anedotários dos homens que lhe deram vida. O máximo que essas obras conseguem é situar a imprensa no seu contexto social e político (QUINTERO, 1996, p.3). Chaparro (1994) referia-se ao extraordinário progresso experimentado pelas técnicas de comunicação iniciadas nos idos de 1970, mas alertava que apesar da nova modalidade e potencialidade da comunicação a dicotomia, a teoria e a prática presentes, era impossível analisar, avançar e aproveitar as tecnologias, seus novos recuos, sem levar em consideração a 22 ética. O livro de Chaparro é destinado aos leitores que ainda confiam no seu jornal e que têm direito ao relato verdadeiro. Para ela a intenção de se fazer um jornal verdadeiro e compreensível é a “liga que funde Ética, Técnica e Estética, tríade solidária e inseparável das ações jornalísticas” (CHAPARRO, 1994, p. 23). Em 1972, Morais (1972) é enfático e aborda o despreparo em que se encontram as pessoas para o enfrentamento do avanço espetacular das tecnologias, mas que deixarão espaços inteiramente vazios em dimensões fundamentais de técnicas mais ligadas à vida humana. “Teremos que reformular conceitos e fazer uma indispensável autocrítica das condições com que estamos nos atirando a essas tecnologias do futuro”.Para ele haveria grande evolução em alguns pontos, enquanto em outros continuaríamos estagnados ou vivendo em desnível gritante (MORAIS, 1972, p. 04 e 09). Morais (1972) não estava distante da verdade presenciada quase meio século depois. Enquanto um mundo tecnológico briga por posições e para cada vez mais melhorar a virtualidade de seus produtos, 11 mil crianças morrem de fome a cada dia, sem contar os 800 milhões de desnutridos no mundo. Desde os primórdios da chegada da tecnologia autores se preocupam com os formatos da notícia escrita indagando como elas se manifestam, se escondem ou simulam os propósitos que motivam as intenções que controlam as mensagens jornalísticas; que interesses estão conectados a tais propósitos e que princípios éticos inspiram as intenções ordenadas da ação jornalística e ainda que influência a explicitação ou não dessas intenções exerce na vontade do leitores no que se refere á decisão de ler ou não, aceitar ou rejeitar a mensagem. Chaparro (1994), por exemplo, rastreou nove reportagens nos dois maiores jornais do país (Folha de São Paulo e O Estado de S Paulo) buscando conexões teóricas que o levou à Pragmática que, com a Sintática e a Semântica, compõe o tripé das vertentes básicas que a Semiologia criou e desenvolveu. Segundo ele o jornalismo tem na Pragmática o canal de conexão com o saber e a erudição da Lingüística que, ao lado da Sociologia, pode ser considerada a ciência-mãe da Comunicação (CHAPARRO, 1994, p. 15). Isso posto o que se está em questão agora não é mais se o jornal impresso deve se instalar on-line, mas como ficará a questão da ética no envolvimento como anunciante. Como buscá-lo sem comprometer este princípio num momento em que não se faz mais jornalismo ideológico, quando os empresários do jornal eram também os jornalistas e redatores? Que a 23 profissão não é mais sacerdócio? Que as empresas de jornalismo, mesmo on-line necessitam tanto quanto de recursos financeiros para manter suas páginas na web? Segundo Meyer (1989), no início do século XX houve uma onda de interesse pela ética comercial, com o surgimento de um movimento progressista para atacar os abusos do comércio. Era a ética sendo tratada como um problema de relações públicas. O autor acrescenta que esses valores permaneceram meio obscuros. “As determinações éticas parecem ser baseadas mais no impacto comercial ou no valor de relações públicas das decisões do que em qualquer obediência clara e lógica a algum conjunto básico de valores” (MEYER, 1989, p. 260). Apesar de ter feito esse alerta nos idos de 80 o autor está atualizado, considerando que a ética cede lugar, e isso não mudou, em muitas situações, ao apelo comercial. O mais recente exemplo da cidade são os mais novos órgãos de imprensa escrita, surgidos nos últimos três anos em Belo Horizonte. Os jornais diários Aqui e Super (fotos) disputam a preferência do leitor, e, portanto, do anunciante, pois se sabe que quanto mais leitor mais anunciante o veículo terá, apelando para fotografias de mulheres nuas, fofocas de TV ou manchetes sensacionalistas. No conceito de Bucci (2002) o quadro atual em Belo Horizonte se justifica, pois jornalismo é conflito e quando não há conflito, “um alarme deve soar” (BUCCI, 2002, p. 11). E se a imprensa é fruto das revoluções que forjaram a democracia moderna, não há como não tolerar a tendência. O que estes jornais estão fazendo, segundo a teoria de Meyer (1989), é exatamente o contrário do que fizeram os grandes jornais em todo mundo, preocupados não apenas com o número de leitores, mas, sobretudo, com o leitor educado, os líderes de opinião, os influentes, na tentativa de se ter um produto economicamente sadio. Estes jornais querem também a massa, por isso vendem seus produtos a baixos preços, com freqüência nem sequer repondo os custos do papel em que é impresso a partir do preço de venda. Mas, criam um ambiente editorial que os leitores percebem como íntegro, confiável, e imparcial. Esse formato atrai o anunciante por três motivos: o número de pessoas que alcança seu potencial de compra e o clima de credibilidade. 24 Bucci2 (2002) discorda, no entanto, ao alegar que independentemente do formato de um jornal e sendo a liberdade de imprensa um princípio inegociável, pois existe para beneficiar a sociedade civil e pública, deve-se frear os negócios sem limites na mídia. Argumenta a imprensa democrática deve dar voz às diversas correntes de opinião, considerando que a ética jornalística não se resume a uma normatização do comportamento de repórteres e editores, mas encarna valores que só fazem sentido se respeitado por empregados e empregadores. Ressalva que a ética não é a negação do espírito pragmático que caracteriza o mundo dos negócios, mas a demarcação de limites para o pragmatismo, “que por si só não conhece limites”. França (1998) confirma que foi a imprensa de baixo preço e que atingia milhões de leitores que inaugurou o jornalismo moderno, surgido em meados do século XIX tornando o jornal uma empresa comercial regulada pelo mercado, ratificando o conceito de Meyer (1989) aplicável nos últimos periódicos nascidos na Capital. Eles querem apenas a massa e o anunciante, seja de onde sair. Esta é uma história nova para o jornalismo da cidade. Não se conhece, portanto, até pelo pouco tempo de vida de ambos, os resultados ou as influencias para a sociedade local. Esse certamente será um objeto para pesquisa futura se consideramos a definição de França de que a imprensa tem um papel central que é a informação além de responder por outras funções como: integração social, recreativa, psicoterápica, expressão de opiniões, formação da opinião pública, denúncia, democratização da informação e da cultura, integração social, mobilização, dentre outras. França (1998) explica o fenômeno do jornalismo, no caso da imprensa escrita, como resultado das grandes mudanças que vieram com o Renascimento, a Reforma, os descobrimentos, o progresso das trocas bancárias e comerciais, a edificação dos Estados modernos, o processo de urbanização e alfabetização, o desenvolvimento da ciência que intervêm de maneira definitiva, na dinâmica de comunicação e de circulação de informação na sociedade. É esse contexto que estimula e se exprime no aparecimento das primeiras publicações periódicas no final do século XVI e ao longo do século XVII em várias cidades da Europa (FRANÇA, 1998, p. 26). 2 O jornalista Eugênio Bucci é professor de Ética, colunista do Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo e Veja. Foi articulista do jornal Folha de S. Paulo. 25 Exemplos clássicos da ética jornalística ou da falta dela estão em dezenas de filmes baseados em fatos reais ou mesmo em outras obras. Um deles e onde a ética jornalística não é respeitada, pois se publica a mentira ao invés da verdade, é Batismo de Sangue. Nele o diretor Ratton, baseado em livro homônimo de autoria de Frei Betto conta a trajetória dos resistentes á ditadura, ocorrida entre 1964 e 1985 com enfoque especial à participação dos dominicanos, entre eles o próprio Frei Betto. No filme fica claro que a imprensa à época, seguia o comando da censura e as notícias dos jornais não tinham o menor compromisso com a ética. Outro clássico e onde a falta de ética é o furo está no filme Adoro Problemas, do diretor Charles Shyer. Nele dois jornalistas de empresas rivais, se rivalizam também e abandonam a ética em prol da melhor notícia. O considerado pela crítica especializada como o melhor filme dos 100 melhores feitos até hoje, Cidadão Kane é o retrato da falta de escrúpulo e da ética na mídia escrita, no início do século XX, nos Estados Unidos. Apesar da distância do tempo a temática ainda está atual, pois não se mede esforços no campo da média para ocupar o primeiro lugar. O exemplo mais recente foi o fechamento do Diário da Tarde (DT) e o nascimento do Aqui que chegou ao mercado para concorrer com o Super, tablóide de linha popularesca com tiragem que supera a casa de 300 mil exemplares diariamente. Caso inverso e onde a ética está em primeiro lugar são mostrados noutros filmes importantes e que merecem registro, não apenas para a categoria de jornalistas como para o público em geral. Um deles é O Jornal, dirigido por Howard, onde a fidelidade e a ética têm posição de destaque. O filme mostra o dia a dia de uma redação de jornais, os problemas, as paixões e o que um profissional faz em nome da ética. A história se repete em Íntimo e Pessoal de Avnet. Nos bastidores da notícia o que se vê é um respeito absoluto à ética. Mas o filme que mais reflete o drama da imprensa é O Informante, do diretor Michael Mann. Nele está refletido a dura realidade do jornalista diante da fonte e o enfrentamento diário com o poder das empresas jornalísticas. O filme mostra os interesses comerciais, que nunca passam pela redação, mas que são capazes de “derrubar” qualquer matéria mesmo uma de grande interesse moral, social ou de saúde, como é o caso do enfoque neste filme, que trata do poderio da indústria multinacional do tabaco. Neste filme a ética vence quando Al Pacino, o ator principal se demite da rede, não sem antes conseguir que a notícia vá ao ar. 26 Com relação ao jornalismo em Minas Gerais, especialmente em Belo Horizonte, França tem como ponto de partida a vida social, a ambiência simbólica ao comentar que um jornal traz mais que informações: exprime certo padrão de sociabilidade, cristaliza valores e imagens presentes em uma sociedade num determinado momento, constitui uma das muitas modulações da palavra social. O processo comunicativo não se restringe a seus elementos internos - emissores, mensagens, receptores, dispostos linearmente -, mas compreende a presença dos interlocutores e de uma produção discursiva inscritos no seio da vida social (FRANÇA, 1998, p. 61). Se o contexto sócio-histórico, atmosfera cultural de uma sociedade não são elementos externos, mas fundadores das suas práticas de comunicação, então o dizer de uma sociedade é uma cristalização daquilo que ela é. A existência de um jornal está enraizada na história e nas características da cidade de Belo Horizonte. O caso do fechamento do Diário da Tarde, em 2007, após 77 anos de existência é típico da decisão empresarial de uma nova gestão, cujos valores não são mais os editoriais ou a atenção ao público, mas a produção com fins lucrativos. Voltando a Morais (1972), o autor já previa que o mundo tecnológico valorizaria sobremaneira a juventude e o predomínio crescente do jovem sobre o velho, completaria a dimensão antagônica. Foi o que ocorreu no Diário da Tarde. O jornal foi fechado, 68 experientes jornalistas foram demitidos e em seu lugar nasceu um novo jornal com outro tipo de compromisso. No lugar dos demitidos entrou um grupo de jovens (no máximo 10) em substituição ao corpo de jornalistas. Os novos profissionais não confeccionam a notícia como repórteres, mas trabalham com ela, graficamente numa página que imita as da internet ou até da televisão. Se a situação trabalhista dos jornalistas, em especial os da mídia impressa, em Belo Horizonte, encontra-se nesta situação hoje, há de se lembrar de bons momentos políticos que essa mesma imprensa viveu em seus tempos áureos. Primeiro foi o caso do Binômio, citado nessa dissertação como um dos jornais alternativos mais combativos e que mais enfrentamentos teve com os meios oficiais, passando pela censura até o empastelamento e o desfecho que encerrou suas atividades em 1964. Um ano antes, em 1963, a imprensa de Belo Horizonte vive um momento histórico com a primeira greve de jornalistas por melhorias salariais (PAUTA EM REVISTA, 2006). 27 Piquetes nas portas dos jornais (Estado de Minas, Diário da Tarde, Correio de Minas, Diário de Minas, Diário do Comércio) e os jornalistas inteiramente apoiados pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais conseguem paralisar praticamente todas as redações da Capital. “A manifestação durou cerca de 30 dias e teve a adesão da categoria dos gráficos, sem os quais o jornal não rodava, mesmo que alguns profissionais conseguissem fazer as matérias ou as agências internacionais continuassem abastecendo as redações”, comenta o jornalista Délio Rocha, um dos articuladores do movimento. Essa greve mudou o rumo da categoria que a partir daí se profissionalizou, desapareceu o jornalista por diletantismo e sumiu o jornalismo romântico até então vigente”, acrescenta o jornalista e folclorista Carlos Felipe Horta, à época repórter do Binômio, o único órgão a dar a notícia da greve (PAUTA EM REVISTA, 2006, p 8). O golpe militar de 1964 coloca os jornalistas mineiros na ordem do dia nacionalmente. Neste ano foram presos os jornalistas Guy de Almeida, Célius Áulicos e Ponce de Leon, ano em que foi redigido o manifesto contra o terrorismo cultural, de autoria do jornalista Dídimo Paiva. Até 1967 houve uma relativa liberdade, que não foi bem aproveitada pelos veículos de comunicação. Grande parte dos jornais era a favor da chamada “revolução”, aceitando-a passivamente. Entre 1963 e 1972 a categoria ganha o prédio para a instalação do sindicato e cria a Casa do Jornalista para fugir das amarras do Ministério do Trabalho e ratificar a doação (PAUTA EM REVISTA, 2006, p 9). Em 1966 o sindicato promove uma assembléia extraordinária na Casa do Jornalista e elabora a Declaração de Belo Horizonte, documento que pedia a manutenção da Lei de Imprensa, sancionada por Getúlio Vargas em 1953. Tratava-se de uma campanha contra o projeto de lei de imprensa que a ditadura pretendia impor ao Brasil, texto enviado pelo presidente Castelo Branco ao Congresso e que continha uma série de ameaças à liberdade de expressão e informação, cerceava o exercício profissional e mandava punir com extrema violência os chamados “crime de imprensa”. Em 1969 é criada a legislação da profissão (Decreto 972/69) que institui o registro profissional da categoria. Inicia-se em 1975, a campanha pela redemocratização do país, saída de Minas Gerais, sob a “regência do então presidente do SJPMG, Dídimo Paiva. Neste momento o país se rende aos jornalistas de Minas Gerais como os precursores da liberdade (PAUTA EM REVISTA, 2006, p. 9). A sede do sindicato foi alvo de pichações e de bombas, “tentando, sem sucesso, nos intimidar”, afirma Washington Melo, ex-presidente do SJPMG. A Casa do Jornalista 28 transformou-se, a partir de 1978, numa espécie de terreno neutro dando abrigo e apoio a várias outras categorias de trabalhadores aglutinando esforços em prol da liberdade de expressão, contra a ditadura e em defesa dos direitos dos cidadãos. O sindicato, portanto transformou-se na casa da cidadania. Lá era onde tudo começava, era o ponto de partida e por isso foi alvo de atentados. Depois dos “anos de chumbo”, como a categoria dos jornalistas se refere ao período ditatorial os jornalistas em Minas conquistam piso salarial e o fortalecimento nacional diante da classe por ser pioneira em várias ações e das mais combativas do país (PAUTA EM REVISTA, 2006, p 9-10). Depois disso não se tem notícia de outro movimento de mesma monta, a não ser o que mobilizou a categoria em nível nacional com uma ação civil pública contra a decisão da juíza Carla Rister, da 16ª Vara Cível da Justiça que entendeu ser desnecessário o diploma de jornalista para o exercício da profissão. Foram quatro anos de luta a partir da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Mas em 26 de outubro de 2005 o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região “afastou o tormento que pesava sobre a categoria ao derrubar a decisão da juíza Rister que suspendia a exigência de diploma de curso de nível superior de Jornalismo ou Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista” (Pauta em Revista, 2006). O que ainda resta para se conseguir, segundo o ex-presidente do Sindicato, Aloísio Lopes é a criação do Conselho Federal dos Jornalistas, órgão de normatização da profissão proposta por todos os sindicatos em nível nacional, cujo projeto enfrentou duras críticas no congresso. “Mas o assunto continua na ordem do dia, estamos em discussão, inclusive com a sociedade civil, para reapresentá-lo no Legislativo”. As lutas pelo reconhecimento da categoria, pela liberdade de imprensa, por pisos salariais e outras, continuam, não apenas em Minas, mas principalmente aqui, onde se registra um dos pisos salariais mais baixos do mercado brasileiro segundo pesquisas da Fenaj. Além disso, o jornalista sempre foi vítima de desmando e agressões, independentemente do período político vivido no Brasil. A exemplo do período ditatorial as agressões continuam. Segundo o estudo “Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil - Relatório Fenaj 2006, realizado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos da entidade (PQN, 2005), 68 casos foram catalogados. Dentre eles estão: quatro casos de assassinatos; 21 agressões físicas e verbais; oito prisões e torturas; sete atentados, um seqüestro; sete ameaças; 16 censuras e assédios judiciais; quatro casos de desrespeito ao sigilo de fontes, seis casos sobre cobertura de risco, arquivamento de processo e julgamentos. Segundo relatório do Programa de Defesa da 29 Liberdade de Imprensa, criada pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), só em 2007, até o primeiro semestre, foram registrados 12 casos de agressão à liberdade de imprensa, entre eles dois atos de censura, duas ameaças, cinco agressões, um atentado, uma prisão e um assassinato. “o crescimento das ocorrências assusta e o pior é que e muitos casos são simplesmente ignorados pela própria vítima” (TOVO, 2007, p. 42- 43). 1.2 Jornais de olho na internet buscam o futuro do jornalismo O formato de jornalismo encontrado nos vários jornais pesquisados e acima citados difere pouco do que é feito na atualidade. Hoje conta-se com mais investimento e os jornais, portanto, possuem material fotográfico mais elaborado, fontes atualizadas e um material visual de muito melhor qualidade, diante, especialmente da tecnologia da impressão. Mas em muito se parecem nos objetivos, ou seja, ao público a que estão destinados. Todos impreterivelmente são dirigidos ao povo, ao homem ordinário de Michel de Certeau, pois segundo o autor é o homem ordinário que presta ao discurso o serviço de aí aparecer como princípio de totalização e como princípio de reconhecimento: permite-lhe dizer “é verdade a respeito de todos” e “ é a realidade da história” (CERTEAU, 1994, p.62). O jornalismo deve escapar da trivialidade e não se deixar arrastar pela banalização das notícias. Essa foi uma das conclusões a que chegaram no final de julho/2007, Alan Rusbridger, diretor do diário britânico The Guardian, e Javier Moreno, diretor do jornal espanhol El País. Num debate realizado dentro do programa do Hay Festival de Segóvia realizado de 27 a 30/9/2007, moderado pela escritora e ex-diretora do jornal The Independent, Rosie Boycott, Rusbridger e Moreno analisaram o futuro do jornalismo. "Os jornais sérios estão em declínio. Hoje se tende a fazer um tipo de jornalismo que banaliza a realidade. Se tem de ser assim, eu estou fora", afirmou Alan Rusbridger. Para o diretor do diário britânico, é importante que os jornais não caiam nessa tendência. "Não creio que o jornalismo esteja em crise", afirmou, por sua vez, Javier Moreno. "Se o ritmo continuar assim, seria de se preocupar também com o que vai acontecer com a democracia. A democracia se assenta nos espaços públicos de discussão que os jornais criaram. Se os jornais não são capazes de alimentá-los, é a democracia que está em crise" Para os dois diretores, os espaços de discussão que as informações suscitam são vitais. Além disso, eles vêem a internet como o futuro do jornalismo, embora com nuances. O diretor de The Guardian prognostica o final da tinta e do papel. Para Moreno, contudo, a internet não 30 é uma ameaça. "A internet vai salvar o jornalismo. Agora, a web consegue mais público, mais influência do que nunca. Se conseguirmos transferir para a internet esse lugar de debate e discussão, estaremos prestando um grande serviço à sociedade", disse ele. "Neste momento, a pressão dos debates sociais está na internet. Os leitores do The Guardian e do El País querem fóruns, querem participar, debater a atualidade, e se não os oferecermos, eles os procurarão em outro lugar", afirmou Rusbridger. O imediatismo da internet tem seus riscos. Riscos que, para o diretor do jornal britânico, são, basicamente, a superficialidade dos conteúdos. Algo que, para Moreno, precisa ser combatido. "É fato que a internet tem uma tendência a fragmentar os públicos. Muito do que aparece na web são trivialidades que solapam o fórum público. Mas alguns jornais estão lutando contra isso. Eu posso comprovar que o mais lido todos os dias é elpais.com, e exceto algumas coisas – que costumam conter as palavras sexo, grátis, ou Fernando Alonso –, eu me sinto orgulhoso, porque entre as dez mais visitadas costuma haver muitas notícias importantes. A jornalista britânica Rosie Boycott, uma das figuras mais importantes dos meios de comunicação da Grã-Bretanha, perguntou sobre as diferenças entre ler o jornal em papel e fazê-lo num computador. "Eu gostaria que os jornais em papel existissem para sempre, mas não podemos refrear o futuro e impedir que as pessoas tenham acesso a toda a informação da internet", afirmou Alan Rusbridger. Para o diretor do The Guardian, os jornalistas terão de se acostumar com a imediatez da internet. "Um jornal não é seu papel. São seus redatores, seus fotógrafos, seus editorialistas, seus valores. Sua visão compartilhada com os leitores", disse Javier Moreno. "The Guardian, embora tenha crescido, continua sendo o mesmo tanto em papel como na internet. Ele não mudou, continua mantendo sua visão compartilhada com os leitores", afirmou o diretor do El País. Rusbridger é um apaixonado por novas tecnologias. Ele o revelou na ocasião mostrando ao público que assistia ao debate num pequeno telefone celular. "É um iPhone", ele disse. "Embora não seja perfeito, pode-se ler texto nele. Algum dia será criado algum aparelho em que se poderá ler texto tão comodamente como no papel. Os jornais precisam avançar e se adaptar a isso. A internet pode armazenar perfis e gostos dos usuários. Isso permite lhes oferecer um produto de acordo com as suas preferências. Mas, para Moreno, essa adaptação supõe um 31 risco. O jornal ganharia um sentido diferente, mas é perigoso. Destruiria um espaço comum. Agora o leitor descobre algo que não pensava que estivesse ali. Romper isso, acabar com esse fator surpresa, é arriscado, não para os jornais, que fariam mais negócios, mas para a sociedade. Esse perigo estava previsto tanto que a 19ª Assembléia- Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), realizada em 1976, determinou a criação da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação. Estabelecida um ano depois a Comissão, formada por dezesseis especialistas de diferentes países, deu início aos trabalhos. Dois anos depois o mundo conheceu o Relatório MacBride, por ter sido liderada pelo senador irlandês Sean MacBride. O documento, que representou o mais completo inventário sobre os problemas da comunicação estabeleceu os princípios de onde emergiram os pilares da proposta de uma Nova Ordem Mundial da Comunicação e da Informação (Nomic)3,. Dentre os princípios estão: uma ordem mais justa e democrática baseada no respeito aos direitos humanos só será atingida diante da compreensão e da tolerância que dependem da comunicação livre, aberta e equilibrada; é indispensável que os países formulem políticas nacionais globais de comunicação ligadas aos objetivos de desenvolvimento social, cultural e econômico. O relatório fez recomendações tais como: o público da mídia deve ser tratado como sujeito e não objeto; o controle estatal absoluto é prejudicial à liberdade de informação; o uso da comunicação deve favorecer o processo de desenvolvimento; liberdade, responsabilidade e integridade são fundamentais. 1.3 Quem é o jornalista Já se sabe o que é um jornal, sua origem e como se encontra nos dias de hoje. Conhece-se a redação ou o centro vivo do jornal, que também passou por várias mudanças ao longo dos tempos. Ela já esteve em pequenas salas, separada do contexto do jornal. Viveu em pequenos boxes de vidro separada por editoria até chegar ao que é hoje, ou seja, uma sala de grandes proporções que abriga todos os repórteres e editores. O subeditor e o editor geral 3 A jornalista Ana Maria Rodrigues de Oliveira é professora da PUC Minas e ex-repórter da Editoria de Exterior no jornal Estado de Minas. 32 ainda têm salas separadas, também com vidros como se esses fossem sentinelas à observar a produção dos repórteres. A sala que abriga a redação não tem entrada de luz natural “para a conservação do equipamento de computadores”, dizem os patrões aumentando a potencia do ar condicionado, mas Travancas(1993) ouviu de profissionais e registrou em sua obra que a falta de iluminação natural, “faz com que os que nela trabalham percam a noção de tempo, mesmo tendo a frente(isso é comum em todas as redações) um grande relógio onde se pode ver as horas, mas nada se pode fazer com elas diante da produção intensa e com hora marcada para ser concluída. Ao contrário dos tempos das máquinas de escrever que davam um som especial às redações, hoje esse som desapareceu diante do silêncio incômodo dos terminais de computadores, mas permanecem os ruídos incessantes e intensos vindos das vozes dos repórteres. Um grito aqui outro ali chama a atenção. Indaga por uma palavra “como se escreve isso?”, ou por uma expressão, ou pelo nome desse ou daquele político, artista ou quem esteve em pauta. Os “brancos”, ou falha de memória que são comuns na agitação da produção diária. Aos que querem ver como funciona uma redação há os filmes citados nessa dissertação. Mas quem são os homens que produzem a notícia? Que seres especiais são esses que detém, no imaginário popular, o poder e o fascino, especialmente os que estão na TV ou no rádio? Paradigmas de sucesso para muitos, a realidade do jornalista, não tem nenhum glamour. Ao contrário é uma categoria mal remunerada (quando não tem o privilégio de ocupar cargos de chefia), que enfrenta, mesmo em sistemas democráticos, grande repressão que vem através de contratos publicitários das empresas de jornalismo, ou interesses dos setores públicos ou privados. Mesmo fazendo parte de o chamado quarto poder o jornalista ético não deve deixar que esses conceitos e preconceitos os atinjam, pois ele só tem valor enquanto profissional empregado e seu prestígio vai depender do porte da empresa onde trabalha. Fora do jornal o jornalista, que é antes de tudo um apaixonado pela profissão “o problema não é largar a profissão, mas sim o que fazer sem ela”, dizia o jornalista Jânio de Freitas(Folha de São Paulo), um dos mais premiados do Brasil, não tem poder individual, a menos que se consagre (o que leva muitos anos) e depois use essa influência para sobreviver como assessor, consultor, escritor, professor ou profissões do gênero. Na obra de Travancas (1993) Freitas é um dos entrevistados e resume o que é ser um jornalista: 33 precisa primeiro não ter medo de enfrentar dificuldades como perder emprego e passar por apertos. Tem que ter coragem para viver. Deve ser independente. Chamo independência a objetividade no exercício da profissão e relação aos dados e anotações. Deve ter uma formação cultural t]ao boa quanto possível, pois ela é necessária e dá instrumentos ao sujeito pra perceber o sentido da coisas, o significado dos fatos. O jornalismo exige um aprendizado constante. Todo dia tem um problema novo que exige reflexão. É necessário grande dose de humildade(TRAVANCAS, 1993, p. 63). 1.4 O Jornal: operador da recepção simbólica/semiótica Segundo Neto (1998), a tarefa mediatizadora não se faz em uma circunstância na qual as mídias se instituiriam por uma passividade, como “correntes de transmissão”, como quer a sociologia positivista, quando pensa as funções e os papéis dos meios de comunicação. Pelo contrário, a vida privada, seus respectivos protocolos, com seus pontos de vista e verdades, é cada vez mais publicizada e posta na “Praça Pública”. Porém, tal publicização opera-se, cada vez mais, através de “regras privadas” que são os saberes – enquanto formas e estratégias – inerentes ao mundo do discurso midiático, principalmente, das esferas do jornalismo. (NETO, 1998, p. 17). Este é o caso do Alô! Alô! conforme esta pesquisa detectou. Um exemplo foi a segunda Grande Guerra que ocupava todas as manchetes do jornal enquanto o Alô! Alô! continuava na vida privada. O mesmo autor, na mesma obra indaga em que consiste “arquitetura” de enunciações do campo da recepção no âmbito do próprio dispositivo de produção. Sabemos que a topografia do jornal é organizada segundo uma hierarquia que traz implicitamente certa organização do mundo. Dessa forma, no chamado espaço editorial, o jornal constitui distintos “regimes de falas”: sua própria competência em produzir sentidos, ou seja, regras do que se deve fazer, ou não, e também o “acolhimento” de falas outras – especializadas, ou não – através dos artigos assinados e das “cartas de leitores”, que embora editadas pela redação, não deixam de trazer vestígios e marcas do seu “sistema de produção”. É na estruturação e funcionamento deste espaço que o jornal possibilita o funcionamento de experiências de subjetivações, mediante estratégias de interação que têm como referências lados distintos. Através dessas possibilidades reguladas, a recepção se institui, segundo regras de co-produção discursivas: aquelas que emanam das competências do mundo do leitor e aquelas outras específicas à cultura do jornal. 34 Na coluna Alô! Alô! que chega á redação através da oralidade, repara-se diferentes enunciações não as mesmas problemáticas discursivas. São falas que procedem de diferentes lugares, isto faz com que elas se coloquem em diferentes dimensões, o que lhes leva a construir várias problemáticas. Produzindo a discursividade e dando subsídios para a formatação da coluna. Na reflexão de Neto (1998) a recepção não se constitui numa noção longínqua – de receptores a serem capturados em meio à diferença do tecido social. Não se trata deste lugar passível de ser possuído pelas “artimanhas” das estratégias dos discursos jornalísticos. Tampouco, se constitui em uma construção abstrata definida por tipologias. Vamos admitir, como alternativa a tais considerações, que a recepção seja uma construção, algo que já está se institui e se estrutura no interior do próprio campo simbólico da prática midiática. Portanto, a recepção já está ali na própria instância do discurso em oferta, instituída por um sem-número de operações típicas à competência do ‘modo de dizer’ dos discursos jornalísticos. É o espaço público (para o participante) preservado no campo do privado, pois o Diário da Tarde é um órgão de propriedade privada. Os jornais se convertem em um ‘ponto de contágio’, onde não só nos fazem falar, mas, igualmente, nos constituem como atores do seu próprio regime de produção simbólica. Os jornais vão operando determinadas modalidades – simulatórias e/ou reais – que apontam, igualmente, para as novas formas com que pensam lidar, de maneira simbolicamente diferenciada, com os seus leitores. Estas falas de ‘receptores instituídos’ pelas operações enunciativas são atribuídas a diferentes atores sociais que falam neste ‘espaço do leitor’, segundo as ritualizações estipuladas pelas regras do discurso jornalístico. São falas de diferentes lugares – da doxa aos especialistas – que são colocadas num mesmo patamar de enunciação. O discurso midiático as insere autoridade - em detrimento de outros - construídos em contextos de realidades onde se vêem mais identificados. Esta tomada de fala, como empréstimo, é uma operação muito peculiar que não obstante lembrada por aqueles que dela fazem uso, somente pode ser ativada por aqueles que cuidam da organização deste espaço (público e simbólico – no caso os editores-jornalistas), e noutras esferas, os analistas de discursos. O professor do Departamento de Comunicação da PUC-Minas José Milton Santos argumenta que o campo da comunicação mediática assumiu contemporaneamente um significado estratégico e não meramente instrumental, pois as transformações que nele ocorrem têm conseqüências relevantes em várias esferas da sociedade. Até há pouco tempo a 35 comunicação era compreendida como uma instância de representação do real, de reprodução em nível superestrutural do próprio sistema, como um meio tecnológico envolvido numa malha de relações preexistentes. Mais recentemente, os meios foram compreendidos de forma mais complexa, como instância construtora de novas formas de sociabilidade na sociedade contemporânea, redefinindo a própria natureza do espaço político. Essa questão adquire maior relevância no Brasil, onde a maior parte da população transitou de uma cultura oral, de base rural, para a nova oralidade eletrônica, sem a mediação de uma sólida cultura literária, como ocorreu, por exemplo nos principais países hispano-americanos. Em Elementos de Semiologia, editado inicialmente em 1964, Barthes definiu a semiologia como tendo por objecto qualquer sistema de signos, sejam quais forem a sua substância ou os seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que encontramos nos ritos, nos protocolos ou nos espetáculos constituem, senão ‘linguagens’, pelo menos sistemas de significação (BARTHES, 1987) ordenou os elementos fundamentais da semiologia em quatro rubricas: língua e fala; significante e significado; sistema (ou paradigma) e sintagma e denotação e conotação. Para o estudo do discurso dos media foram essenciais: significante/significado e denotação/conotação. A denotação é a significação óbvia, de senso comum, do signo. A conotação é quando o signo se encontra com os sentimentos e emoções dos utilizadores e com os valores da sua cultura. A conotação é arbitrária e específica de uma cultura. 36 CAPÍTULO 2 ORIGEM DA IMPRENSA EM BELO HORIZONTE 2.1 - Coleção Linhares Através da Coleção de Linhares4 tem-se um amplo retrato de como nasceu a imprensa escrita na Capital mineira, de 1895 até 1954. Ao longo de 59 anos, o jornalista João Nabuco Linhares catalogou 885 títulos de periódicos entre jornais, revistas, boletins, panfletos (1995, p.15). As publicações produzidas nos 60 primeiros anos da Capital mineira revelam hábitos e costumes da sociedade e suas redes de convivência da época, estruturando a memória e contribuindo para a reconstrução da história de Belo Horizonte e de Minas Gerais. Adquirida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a Coleção Linhares deu origem ao livro “Itinerário da Imprensa de Belo Horizonte 1895-1954” e muda o rumo das estatísticas com relação a outros órgãos em Minas e no Brasil, segundo Castro (1995) o trabalho é de relevância, seja para o conhecimento da história da imprensa e do jornalismo praticados em Belo Horizonte, seja para a recuperação da memória do cotidiano da cidade nos seus primeiros 60 anos de existência. O trabalho realizado por Linhares oferece um panorama abrangente, permitindo diferentes abordagens. O texto foi produzido ao longo de quatro períodos. O primeiro vai até 1903 e se refere às resenhas dos jornais e revistas publicadas na Revista do Arquivo Público de 1903: o segundo, que vai daí até 1947; o terceiro refere-se à preparação das resenhas para publicação no Diário da Tarde, em 1951 e finalmente, há redação da quarta parte, relativa aos títulos aparecidos após os anos 30. Ao longo da Coleção Linhares observa-se registros importantes da formação da Capital mineira. Um curto texto publicado no primeiro jornal da cidade, o Bello Horizonte, nascido em sete de setembro de 1895, pode-se ler: 4 A coleção Linhares foi uma doação da família do autor à UFMG. Após a aquisição o Conselho Universitário formou uma Comissão Especial integrada pelos professores José Mendonça, Wilson Cardoso e Isis Pain. A Coleção desde então faz parte do acervo de Coleções Especiais da Biblioteca Universitária. 37 (...) panorama que se transforma, com o surgimento de novas edificações, o desenvolvimento do comércio, o aumento da população, pois tímida e modestamente, surge Bello Horizonte, da penumbra da não existência à clara luz da publicidade”. “A cidade tinha então 5.000 mil habitantes e o periódico era impresso numa tipografia artesanal, por meio de uma pequena máquina Lybert, movida a pedal, no antigo largo da Matriz da Boa Viagem, hoje Rua Sergipe, esquina com Rua Timbiras (LINHARES, p. 20 - 21). Linhares é um pesquisador cuidadoso, “recolhe todo tipo de publicação periódica que surge no espaço da cidade, sem desprezar qualquer uma, seja pela sua efemeridade, seja por qualquer outra característica que lhe fosse atribuída. (...) examina cada publicação e elabora uma pequena resenha que às vezes em pormenores, caracteriza a publicação, distinguindo-a do conjunto de títulos (...) e vai descortinando a vida cotidiana da cidade, os diferentes grupos que vão se integrando no espaço urbano, sobressaindo um calidoscópio de interesses, conflitos, problemas e aspirações”.(ps.22 e 23). A iniciativa de Linhares, “ergue um monumento ao cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e pequenos”, pois, “leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser perdido para a história” (BENJAMIN, 1985, p 223). É interessante perceber o sentido da intensa atividade editorial que se verifica na cidade, pois, na virada da segunda década do século, a cidade já conheceu cerca de 430 publicações. “Apesar de ser a capital de um Estado importante e altamente populoso, Belo Horizonte é ainda, nas primeiras décadas do século, uma cidade de pequeno porte: tem cerca de 12.000 habitantes em 1897; por volta de 17.000 em 1905; um pouco mais de 50.000 em 1920” (CASTRO, 1997, p.24). A próxima referência à imprensa, registrada como acréscimo à Coleção Linhares é feita por Eduardo Frieiro, em 1962, que a divide em duas fases. “A primeira vinha da fundação do primeiro periódico, em 1895, até o aparecimento do Correio Mineiro, em 1926, e outra, a que parte da criação do primeiro grande jornal da cidade, o Diário da Manhã, em 1927” (FRIEIRO, 1962, p. 64-83). Castro (1997) esclarece que dos 348 títulos surgidos em Belo Horizonte no período de 1895 a 1926 (A coleção Linhares vai até 1954), coletados por Linhares, 20 estão catalogados como jornais literários, 27 como de humor, 31 de cotidianos, 29 especializados, 84 noticiosos, 10 estudantis, 10 religiosos, 6 femininos, 10 como jornais de imigrantes, 3 de operários, 17 de propaganda, 16 de associações, 15 como jornais políticos, 6 como de cultura, 3 de teatro, 7 de 38 blocos carnavalescos, 3 como jornais de esporte, 2 de cinema, 2 como de grande imprensa, e 8 como tipos variados, desde jornais comemorativos até jornais de bairros. O trabalho de pesquisa do jornalista Linhares dando como ponto de partida para uma longa pesquisa, o primeiro jornal nascido em Belo Horizonte, o intitulado Bello Horizonte, em sete de setembro de 1895, fundado pelo padre Francisco Martins Dias, vigário da Freguesia da Boa Viagem. O periódico teve duas fases. Na primeira, que durou três anos, o jornal era publicado apenas aos domingos como órgão religioso, literário e noticioso. A partir de 1898 passou a diário com o mesmo enfoque, mas sob nova direção e com a ampliação do noticiário. O jornal encerrou suas atividades em 1899. O primeiro exemplar de o Bello Horizonte, saído da máquina, e impresso em cetim, foi oferecido ao então Presidente do Estado de Minas Gerais, Bias Fortes, no vagão do trem que inaugurava o primeiro ramal férreo ligando Belo Horizonte, a ainda Cidade de Minas e futura capital do Estado, ao distrito de Sabará (BARRETO, 1995, p.379). Enquanto isso, o mesmo pesquisador conta que, “um jovem alto e franzino percorria as ruas sobraçando um maço de jornais e distribuindo-os pelas casas que se iam abrindo” (BARRETO, 1995, p.391). Antes de se estabelecer no antigo Curral Del Rey, a decisão do local de instalação da nova capital mineira que deveria ir para “um local que oferecesse precisas condições de higiene”, conforme referência de Maria Ceres Castro Pimenta Spínola Castro (1997, p.27) enfrentou vários confrontos entre os “mudancistas” que queriam a mudança da Capital e os “antimudancistas”. Sem contar a disputa pela escolha do local que incluía entre as preferências: Belo Horizonte, Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçal e Juiz de Fora (CASTRO, 1997, p.28), e o jornal Bello Horizonte , em 19 de janeiro de 1896, relata que várias pessoas escrevem para o jornal perguntando sobre o andamento dos trabalhos da construção. E a resposta do jornal é que “a cada dia aumenta a esperança de ver realizado o ‘sonho dourado dos mineiros’ ou a mudança da capital para o melhor local” (CASTRO, 1997, p.28). A cidade se instala, mas os antigos habitantes do arraial vêm sua sociedade pouco a pouco desagregada. O Belo Horizonte que conhecem - pequeno, religioso, sustentado por uma economia rural, quase pré-capitalista, onde as diferenças sociais não são exorbitantes vai sendo demolido, cedendo lugar às novas construções. 39 Os horizontinos, expulsos de suas casas, afastados de suas atividades e privados do convívio social, debandam para povoações vizinhas, especialmente a de Venda Nova. Os que resistem à brutalidade deste processo não encontram lugar na zona urbana. Os lotes da região mais nobre da cidade - o centro - são vendidos a preços excessivamente caros para quem recebera ínfimas indenizações pelas desapropriações de suas cafuas (CASTRO, 1997, p.32). Mas quem fica na cidade e não teme o progresso começa a adentrar em seus hábitos e costumes e desde muito cedo a nova Capital revela-se festeira, a partir da instituição dos cafés, as relações sociais ganham uma nova dimensão. Em Habermans (1984) vê-se que a cidade se torna, antes de mais nada , uma primeira esfera pública literária que encontra suas instituições máximas nos coffe-houses e nos saloons. Os cafés, portanto constituem locais de encontro e discussão, estando conectados ao sonho da cidade moderna que começa a se estabelecer. Antes deles o lazer das ruas que ocorre sem planejamento prévio, contrapõe-se à noção moderna de espetáculo cultural. Morin (1975) avalia que a cultura da massa se apresenta sob diversas formas, como jogos, por exemplo, mas os espetáculos constituem a maior manifestação de cultura produzida industrialmente e distribuída no mercado de consumo. É quando aparece o footbal, em 1903 trazido pelo carioca Vitor Serpa e em 1904 nasce o primeiro clube de futebol da cidade, o Sport Club Foot-ball, em 10 de junho. (CASTRO, 1997). E com ele a grande paixão da cidade, fazendo nascer um novo profissional, o chamado cronista de futebol, o também narrador da partida, reforçando o crescimento da vida social, os sonhos, o desejo e as atitudes que constituem o imaginário dos belo-horizontinos. Para Benjamin o cronista é visto como o narrador da história, pois sua narrativa não está interessada em transmitir o “puro em-si” da coisa narrada como informação ou relatório. Ele mergulha a coisa na vida do narrador, para, em seguida, retira-la dele. “Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” (BENJAMIN, 1985, p.205). Belo Horizonte nasceu para ser a moderna capital de Minas. Seus sonhos eram ser civilizada e cosmopolita e baseada no ordenamento social e planejamento urbano traçado pela Comissão Construtora dava início a essa proposta (CASTRO, 1997, p.133). Mas a cidade não tinha ainda cinemas ou teatro, provocando uma lacuna especialmente na vida noturna. Silveira (1996) registra que uma sociabilidade visível deve estar no movimento, na moda, nos hábitos elegantes e educados dos habitantes, e nos teatros. Mas a capital não tinham nem teatro nem cinema. Só em 1898 aparece o primeiro cinema através de um pedido do Oscar Trompowski, comerciante da Capital, que pede autorização à prefeitura para que o “Sr. 40 Guilherme Mardock apresenta ao público desta cidade o aparelho de Edson denominado cinematográfico” (CASTRO, 1997, p.133). E o jornal Minas Gerais, órgão oficial do Estado, foi o único a noticiar a primeira exibição de cinema. Somente um mês depois é inaugurado o primeiro teatro da cidade, o Teatro Variedade, instalado na Avenida do Comércio. Dois anos depois é inaugurado o Teatro Soucasseaux, aproveitando-se o antigo galpão da marcenaria que serviu á Comissão Construtora. A noite de inauguração foi alardeada e muito concorrida. (CASTRO, p.134). Os cinemas eram feitos de forma esparsa, nos espetáculos de variedade, nas festas de rua e nas casas particulares. A cidade contava com boas indústrias e um comércio movimentados e esses empresários, vendo a possibilidade de lucro instala seus cinemas, “mesmo em salas improvisadas nascem o Cine Ideal, o colosso e o Cinematógrafo Maciel”(Ibdem, p.136).Um ano depois do primeiro, em 1896, nasce o segundo jornal da cidade: A Capital, fundado pelos jornalistas Azevedo Junior e Cândido de Araújo. Ao contrário do primeiro este era um jornal político e que publicava o noticiário da fundação da nova Capital. No ano III encerrou sua carreira privando o noticiário político de mais um órgão de imprensa. Neste mesmo ano de 1896 nasce o “Aurora”, jornal literário que não passa de 18ª edição. Tiradentes vem logo a seguir e é encerrado após a terceira edição. O Bohemio nasce por um grupo de jornalista fazendo humor em 1897. Mas no número 8 foi compelido a suspender a publicação. Apesar de tratar-se de um jornal humorístico, Bohemio estourou como uma bomba nos arraiais políticos pelo tom de seriedade com que foi redigido. Neste mesmo ano a revista Fórum é transferida de Ouro Preto para Belo Horizonte. A revista possuía oficinas próprias com prelo movido a vapor, ou o que deu origem às primeiras impressões em todo mundo. Outro jornal literário, Javary sai de Ouro Preto, vem para Belo Horizonte, mas acaba um mês depois de nascer em 1898. Tela é o primeiro jornal dedicado aos interesses do povo, segundo Linhares, e nasce também em 1898. Publicou somente sete números, teve vida curta, assim como outros e não conseguiu refletir a contemporaneidade que podia ter representado à época, considerando a proposta de atendimento ao público, tal como fez tantos anos depois o Diário da Tarde. Academia, também nasceu em Ouro Preto e era o órgão dos estudantes de Direito. Só foram publicados 13 números. O jornal Minas Gerais, o 10º dessa primeira fase da imprensa em Belo Horizonte, é o órgão oficial dos poderes do Estado e foi o único a sobreviver até 41 hoje. Nasceu em 1891, pela mesma Lei nº 8, de 6 de novembro, que criou a Imprensa Oficial. Em 1894 nasce a Revista da Faculdade Livre de Direito com um vigor nunca dantes conhecido. Cada edição constava de 180 a 200 páginas. Foi suspensa e voltou a circular em 1949 e assim como outras publicações morreu sem deixar marcas. O Diário de Minas nasce em 1898, com o chamado número-programa, uma espécie de amostra grátis da primeira edição. Apesar de passar por fases diversas de abre e fecha, vários proprietários sobreviveu até a década de 1980, prestes a fazer cem anos. Este foi um dos órgãos mais expressivos do jornalismo da cidade, responsável pela formação de nomes importantes para a literatura e o jornalismo brasileiro, dentre eles, Pedro Nava, Carlos Drumond de Andrade.Estudantes de Direito abriam e fechavam jornais a cada turma. A Urtiga nasceu e morreu em dois meses, em 1899. Neste mesmo ano nasceu outro órgão, o Jornal do Povo, com grande acolhida do público, tanto que teve que fazer uma segunda edição do primeiro número, situação inédita até então. Nascido para combater o governo o jornal chegava de forma direta ao público, com seções permanentes e tornou-se símbolo da imprensa local por 10 anos, quando fechou em 1909. Vidas exíguas tiveram também jornais como: O Ensaio, Almanack da Cidade de Minas, Tribuna Catholica, Lótus, O discípulo, O Operário, O Pingo, O Zephyro, O Periquito, Um Fiore, O Mosquito, , O Pyrilampo, , Commercio de Minas, Minas Artística, O Norte, O Sal, Arthur Lobo, O Frango, O Prego, a Capital, Heliantho, Il Martello, Horus, Caramuru, La Você Del Cuore, A coisa, O Viajante, álbum de Minas, O Freio, Evolução, , a Flor, A Reforma, A folha, Vida Mineira, A Idea, A Luz, A Braza, a Vírgula , A Propaganda, O Operário, O Bogari, a Gazeta, O Luar, a Formiga, A violeta, a Razão, a Estréa, O Verbo, O Reclamo, O Colombo, L’Eco De, Popolo, Theatro Mineiro, O Labor, O Clarim, O Filhote do Reclamo, O Theatro Alegre e as revistas: Revista do Arquivo Público Mineiro, Revista Mineira, Folha Pequena, Revista Forense, a Gazeta, Revista Agrícola Commercial e Industrial Mineira, todos dirigidos a públicos específicos, que podiam ir de estudantes, passando pelo teatro, pelo comércio, o público estrangeiro e morador da cidade até as sátiras. O Jornal de Minas surge em 1905 abordando mais interesses, como o do comércio e do povo em geral. Aparecem A Moda e O Biógrafo em 1905 e reaparece outro Bello Horizonte, com durabilidade de apenas dois meses. Nasce da Liga das Classes Produtoras, O Estado de Minas, em 1º de janeiro de 1906. O Actualidade, A Homeopatia, A Vanguarda, O progressista, a Revista de Minas vêm no rastro, mas com pouco tempo de sobrevivência. A 42 situação muda com o aparecimento de outra publicação: o Annuário de Minas Gerais, considerada uma das melhores publicações do gênero e até hoje editadas tratava de estatística, história, finanças, variedades, literatura, serviços, cronologia mineira, bibliografia e indicações úteis. No mesmo formato, circulou de 1906 até 1919. O Bohemio, a Revista da Associação Beneficente Typográfica, O Rebate, Tribuna do Norte, O Cravo, O Astro, Revista Escolar,Diário Mineiro, O Diabo, A Província, Diário de Notícias, e O Lábaro completam os 100 primeiros jornais, anuários, boletins ou revistas nascidos e fechados na cidade entre 1895 e 1907. Os jornais surgiam para defender alguma causa política, estudantil, de classes operárias; empresariais; para obterem publicidade (como os surgidos durante os carnavais), os de paróquias (alguns proibidos pela igreja católica). Nasciam e encerravam logo depois suas atividades daí a grande quantidade de periódicos que a cidade conheceu. O jornal Imprensa Oficial era único que dispunha de parque gráfico em Belo Horizonte, como linotipo e monotipo velozes e uma rotativa Marinoni. Inaugurado em 1914 o parque tinha máquinas com capacidade de impressão para centenas de milhares de exemplares/hora, podendo, portanto, trabalhar para jornais de terceiros (Pereira, Faria, Muls). Independentemente de oficinas de serviços gráficos que nasciam cada vez mais na Capital á época. A imprensa belo-horizontina era considerada deficiente no início da década de 1920. Tanto que o jornalista Moacir de Andrade, em artigo publicado no Rio de Janeiro, em 1925, intitulado “A cidade que Gutenberg esqueceu”, dizia que, em Belo Horizonte, os jornais “morriam do mal do umbigo”, isto é, tinham vida muito breve. O que se vê a seguir são outras publicações que vão e vem sem grandes repercussões, como, por exemplo, O Batista Mineiro, tirado de circulação de 1940 a 1941 pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), por satisfação de exigências legais. O caso mais grave de empastelamento5, na imprensa em Belo Horizonte ocorreu com o combatido “Avante!” que, em 1924, em seu 4º número, estampou uma manchete desaforada e sensacionalista: “36.000.000 cabeças governadas por duas: uma inválida, outra ébria”. A polícia militar invadiu as oficinas, confiscando toda a edição seguinte e incinerando-a, além 5 Empastelamento é uma ação violenta, em geral praticada por polícia repressora das e vai contra os princípios democráticos , afetando não só a imprensa como a sociedade. A invasão policial quebra, destrói e não dá direito de resposta ao acusado, em franco desrespeito à Lei de Imprensa. O empastelamento é um dos atos mais repudiados pelos jornalistas de todo mundo. Essa foi uma prática comum nos anos da ditadura no Brasil e na América Latina. 43 de prender o diretor Amadeu H. Teixeira. Solto ele volta a prática do exercício da liberdade de imprensa, é novamente empastelado e seu diretor enviado ao Rio de Janeiro. De volta o Avante! circula, mas mais ameno. 2.2 O nascimento do Binômio e dos jornais contemporâneos Apesar de nosso objeto de pesquisa tratar do Alô! Alô, uma das colunas do Diário da Tarde, merece um registro a parte o caso do Binômio, o jornal que mais impasses enfrentou com a censura em Belo Horizonte desde o dia de sua criação. Odiado pelos concorrentes, pelo mundo oficial e amado pelos leitores, desde a criação o órgão foi alvo de críticas, de apreensão de edições e do famoso empastelamento. Já na primeira página do livro de Rabelo, o criador do jornal, um estudante de apenas 23 anos, disse anos depois do fim do periódico: “O Binômio foi uma brincadeira de estudantes que a polícia resolveu levar a sério” (RABELO, 1997, p.7). Ao longo das 260 páginas do livro a história é um relato das dificuldades encontradas pelo jornal a partir do nascimento, em 1952, até o fechamento, em 1964, sempre com a proposta irreverente. “O Binômio não tinha lugar na sociedade conservadora que ainda era Belo Horizonte, (Ibdem,). E teve colaboradores famosos, dentre eles estão: os escritores, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, André Carvalho, Fernando Gabeira (hoje deputado federa), Roberto Drumond(que começou a carreira como repórter), Mauro Santayana Sérgio Porto, Ziraldo, o ex-embaixador e político José Aparecido de Oliveira e os jornalistas: Wander Piroli, Euro Arantes(o fundador), Newton Carlos, Ronaldo Nascimento, Hélio Fraga, Carlos Felipe, Celius Aulicus. Definitivamente foi a irreverência que manteve as quase 800 edições (sendo 508 em Belo Horizonte e 293 em Juiz de Fora) com altas tiragens, com o apoio do público que “adorava o jornal” (RABELO, 1997). Basicamente o jornal nasceu para satirizar o poder, para abalar a estrutura burguesa reinante na época, expondo as feridas dos mais visados. O então governador de Minas, Juscelino Kubitscheck (JK) era o alvo principal. Chegou-se a publicar uma novela diária sobre o comportamento de Nono (apelido de JK) e seus amores ou a comparar JK e seu assessor a dupla o Gordo e o Magro (Stan Laurel e Oliver Hardy). O livro conta que JK se divertia com a situação, ao contrário de seu secretariado que ficava ofendido, 44 tanto que foi o segundo escalão o responsável pela a apreensão de várias edições até chegar ao empastelamento. Outro alvo constante do jornal era Antônio Luciano, dono de uma rede de hotéis e de um banco dentre outros empreendimentos. Uma charge alusiva ao grande apetite sexual do empresário por jovens de tenra idade mostrava uma fila de meninas entrando no Hotel Financial, onde morava o empresário, com suas bolsas e saindo com bebês nos braços. Manchetes com duplo sentido, sensacionalistas, no entanto, não comprometiam, segundo o autor, a qualidade do jornal, entre ela: “Juscelino vai por Rolla na Praça Raul Soares”, (em referência a um projeto para a tal praça idealizado pelo secretário João Rolla); ou Juscelino foi a Araxá e levou Rolla “(uma viagem realizada por JK e seu secretário); ou Juscelino quis por Rolla no Binômio”, (referindo-se à tentativa de Rolla de fechar o jornal). Mas foram essas manchetes que iravam os concorrentes alegando que o jornal era uma afronta à tradicional família mineira que obrigou o Binômio a tomar uma posição radical. ”Anunciamos uma edição imprópria para menores de 18 anos, diz Rabêlo. Grandes reportagens: “Comércio de Seres Humanos” (repórter Roberto Drumond compra um casal de nordestinos para provar a existência de tráfico de pessoas no Brasil; “Bicho compra polícia em Minas” (denuncia envolvimento da PM com a contravenção do jogo do bicho); “Whisky de BH inaugurou Brasília”(equipe descobre whisky falsificado na Capital), e furos jornalísticos eram fatores de mais conquista do público. Um deles descobriu que o então líder do partido Integralista e pensador católico, Plínio Salgado, autor de um livro sobre “A Vida de Jesus”, prefaciou outro livro “A Verdade Nua”, apresentando a dançarina nudista Luz del Fuego. Uma charge de Oldack Esteves trazia Plínio Salgado vestido de padre na frente, segurando a publicação católica e nu nas costas com o livro sobre Fuego. O fim do Binômio estava próximo não apenas pelas ofensas aos órgãos e pessoas públicas e privadas; pela liberdade com que acusava (quase sempre justificadamente) autoridades em geral; pela presteza com que anunciava furos hoje verdades amanhã como ainda pela posição política de seus proprietários e diretores. Em 21 de dezembro o Binômio sofre o primeiro empastelamento. “Mais de 200 homens do Exército e da Aeronáutica, chefiados por três coronéis invadiram e destruíram a redação. Tudo ficou reduzido a escombros e nada se salvou. O jornal, entretanto, não deixou de circular e reafirmou todas as 45 suas denúncias”. (RABELO, 1997, p.41). O Binômio publicou sua última edição no dia 30 de março de 1964, após 12 anos de existência. 2.3 A história de outras páginas impressas O primeiro Diário da Tarde nasce em abril de 1910; o segundo, em 1914; o terceiro, em 1927(quando a capital já tinha 100 mil almas) e o quarto e último Diário da Tarde ou DT (razão de parte desta pesquisa), que surgiu em 1931 e foi fechado em 2007. Até aí já são 128 periódicos. Chega o segundo Estado de Minas, não o atual, passando por várias fases de abre e fecha as portas, durando, no total, de 1911 a 1915. O Estado de Minas que se circula ainda hoje nasceu em 1928, praticamente junto com famoso O Correio Mineiro, de opinião independente e destinado ao grande público. Em 1932, nasce, ainda em formato de bolletim, o Informador Commercial, (PEREIRA, FARIA e MULS, 2007, p.34) de propriedade do então comerciário e representante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em Belo Horizonte e ex-colunista de O Estado, em Niterói, José Costa. O futuro jornalista empreende um grande negócio e amplia o curto boletim transformando-o no jornal em defesa do comércio e da indústria, pois a proposta do órgão era não entrar na faixa dos grandes jornais que circulavam á época. O jornal era feito por comerciantes amigos de José Costa, “os colaboradores”. (Muls, 2007, p.104). Junto com a cidade, cresce o corpo de jornalistas, o jornal transforma-se em referência de publicação de matérias econômicas e troca de nome, passando a ser chamado de O Diário do Comércio. Numa jogada de marketing especial, o DC lança o jornal De Casa (D de Diário e C de Comércio), em 1974, com distribuição gratuita na Zona Sul da cidade. Em 1992, ao ver seu jornal completar 60 anos de circulação José Costa declarou: “Valeu a pena! Todos juntos transformamos em realidade aquilo que talvez tivesse parecido apenas um sonho de visionários”(Ibdem, 2007, p.201). Jornais como O Diário, Jornal de Minas, O Debate, Diário de Minas, Diário do Comércio (Informador Comercial), Diário da Tarde, Correio de Minas surgiram com boa estrutura, formaram gerações de profissionais de jornalismo, pois não existiam escolas de comunicação, e tiveram trajetória mais duradoura. Depois dos anos 70 alguns veículos 46 passaram a pertencer a redes ou grupos de comunicação associados, fortalecendo suas estruturas, evitando o velho abrir e fechar de jornais. Um exemplo foi o “Diários e Emissoras Associados” que, do total de mais de 40 empresas jornalísticas em todo Brasil, cinco ficavam em Belo Horizonte como: TV Alterosa(antiga TV Itacolomi), as rádios Mineira e Guarani Am e Fm, os jornais Diário da Tarde e Estado de Minas. Hoje o grupo perdeu uma rádio e ganhou um portal de internet, fechou um jornal (Diário da Tarde) e abriu outro (Aqui com o melhor do DT. Nos anos 80 e 90 Belo Horizonte tinha: O Binômio(fechado por empastelamento), Diário de Minas, Jornal de Minas, Diário do Comércio, O Debate, Estado de Minas , Diário da Tarde, Jornal da Cidade, Jornal de Casa, revistas como Comércio e Indústria e outras de menor expressão, além das sucursais dos grandes jornais nacionais que possuíam escritórios na Capital. O século XX terminou e com ele dois grandes jornais da cidade: o Diário de Minas e o Jornal de Minas. Com eles se foi a grande escola de formação de grandes profissionais de jornalismo. Mas surgem dois outros expressivos periódicos: O Tempo e o Hoje em Dia, que absorve jornalistas formados nos antigos jornais da cidade6. O século XXI chegou e lá se vai o maior jornal popular da cidade. O Diário da Tarde encerra suas atividades após 77 anos de existência, demitindo 68 jornalistas. Com ele se vai a cobertura diária de assuntos de comunidade, Grande Beagá, coluna sindical e outros de interesse popular. 2.4 Super tiragens mudam cenário noticioso Surge uma nova tendência de mercado editorial com os jornais Super e Aqui, que não têm o mesmo compromisso com a notícia que os grandes jornais. Segundo o jornalista José de Souza CASTRO (2007), baseado em dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC) pela primeira vez na história, Minas Gerais, mais especialmente em Belo Horizonte, têm um jornal com a maior circulação do país. Em agosto de 2007 o Super Notícia, tablóide diário chegou a 6 Formaram-se e fizeram nome no antigo O Diário, de propriedade do bispo dom Antônio dos Santos Cabral nomes como: João Etienne Arreguy Filho, Murilo Mendes, Alceu Amoroso Lima, Aires da Mata Machado e o irmão Edgar, Guy de Almeida, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto lara Resende, José Mendonça , (Memória do Jornalismo Mineiro) 47 vendas médias diárias de 300.322 exemplares, superou a Folha de S. Paulo (299.010), O Globo (276.733), o Extra (328.937) e O Estado de S. Paulo (238.752). O Super, como é mais conhecido, custa R$ 0,25, enquanto o Extra, também dirigido às classes C e D, é vendido em Belo Horizonte a um real – ou seja, quatro vezes mais caro. Também não se pode comparar o novo líder de vendas no país com o Estado de Minas (EM), o qual por mais de 40 anos liderou a vendagem de jornais em Minas Gerais e está hoje em terceiro lugar (73.232 exemplares vendidos diariamente, em média, em agosto), atrás de outro jornal também dos Diários Associados, o Aqui, vendido a 25 centavos. Além do preço, o conteúdo desses dois jornais baratos é diferente de uma Folha de S. Paulo e até de um Estado de Minas. Na segunda-feira (8/10), o Super saiu com 32 páginas, das quais 13 de anúncios, enquanto o EM que é vendido a dois reais, tinha 34 páginas, mais seis de anúncios classificados, além de dois suplementos, um deles, o tradicional "Agropecuário" (CASTRO, 2007). O mais certo é que os jornalistas continuarão sem espaço de trabalho em Minas, pois o Super é um fenômeno isolado numa imprensa regional que, sob todos os aspectos, se encontra em franca decadência. O novo recordista de vendas tem duas secretárias de redação – as mesmas dos jornais O Tempo e Pampulha, do mesmo grupo empresarial – e apenas quatro redatores. Chupa e reduz, em tamanho, notícias produzidas pelos repórteres de O Tempo e de agências. Seu concorrente direto, o Aqui, tem o mesmo esquema: preço de 25 centavos, 48 páginas (27 de publicidade!), uma editora, um editor de arte e sete subeditores. E chupa notícias do Estado de Minas e de outros veículos dos Associados. A decadência dos jornais mineiros pode ser constatada nos próprios números do IVC. O Super representa 56,3% das vendas, entre todos os 27 jornais mineiros auditados pelo Instituto, cuja circulação total pouco ultrapassa os 533 mil exemplares. "O grande jornal dos mineiros", como propagam os dirigentes dos Associados, referindo-se ao Estado de Minas, foi ultrapassado pelo Aqui, que havia sido lançado para combater o concorrente Super, mas que acabou tirando mercado do veterano Diário da Tarde, do mesmo grupo. Depois de 77 anos de vida, quase sempre como o segundo mais vendido jornal mineiro, o DT fechou em julho passado. Seus leitores – motoristas de táxi, salões de barbeiro, policiais e outros funcionários públicos mal remunerados – haviam emigrado para os jornais de 25 centavos. O último DT custava um real. O Aqui não foi o sucesso esperado, mas 48 estava em agosto no 13º lugar no ranking do IVC, duas posições acima do EM, que custa oito vezes mais. (CASTRO, 2007). 2.5 As marcas deixadas pelo Alô! Alô! no discurso da cidade e o contrato fiduciário A análise acima permite concluir o padrão da coluna Alô! Alô!, tanto no âmbito geral como particular com na conclusão singular lembrando Foucault na noção de tradição que visa dar importância temporal singular a um conjunto de fenômenos, ao mesmo tempo sucessivos e idênticos; permite repensar a dispersão da história, autoriza reduzir a diferença característica de qualquer começo, para retroceder na origem. É o processo de enunciação e do enunciado. A recepção do repórter (atendente)e do participante(quem telefona para o Alô! Alô!) construíram o diálogo que sustentou a coluna por tanto tempo. Nesta análise dessa mídia impressa vê-se marcas que o processo deixou, exatamente a partir dos diálogos. É a produção do discurso através do processo da fala, ratificado em Foucault. Sabe-se que a enunciação é o estado permanente e que o enunciado, que é o produto, é perecível. Ao contrário do que se evidenciou o Alô! Alô! mostra que o que ficou foi o processo de enunciação, mesmo com o fim da coluna e do jornal Diário da Tarde. A prova é a tentativa de retomar a coluna em um outro jornal, no caso o Aqui. Para Foucault (1997), é preciso ficar ou tentar ficar no nível de existência das palavras, das coisas ditas. Isso significa que é preciso trabalhar com o próprio discurso, deixando-o aparecer onde lhe é peculiar. E a primeira tarefa para chegar a este intento é olhar os discursos apenas como um conjunto de signos, como significantes que se referem a determinados conteúdos, carregados de significados, quase sempre ocultos ou dissimulados, distorcidos, conteúdos e representações, escondidos nos textos e incapazes de serem imediatamente visíveis. De acordo com Foucault (1997), nada há por trás das cortinas, nem sob o chão que pisamos. Há enunciados e relações, que o próprio discurso põe em funcionamento. Analisar o discurso seria dar conta de relações históricas, de práticas muito concretas, que estão "vivas" nos discursos. Por exemplo: analisar a coluna Alô! Alô!, significa antes de tudo tentar escapar da fácil interpretação daquilo que não estaria "por trás" dos documentos, procurando explorar ao máximo os materiais, na medida em que eles são uma produção histórica, política; na 49 medida em que as palavras são também construções; na medida em que a linguagem também é constitutiva de práticas. É a noção de influência defendida pelo autor como os fatos de transmissão e de comunicação, de semelhança ou de repetição. Todo discurso manifesto repousaria secretamente sobre um já-dito. E não é preciso remeter o discurso à longínqua presença da origem: é preciso tratá-lo no jogo de sua instância (FOUCAULT, 1997, p.28). O formato do Alô! Alô! tem um discurso sempre privilegiou a proximidade dos problemas relatados pelos participantes. É baseado em Foucault (1997) que se pode analisar o suposto descaso da população de Belo Horizonte com a questão da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, ou com as questões nacionais. O participante dava importância ao seu discurso, ao seu impasse, às questões próprias de seu cotidiano. Na mesma obra, de acordo com Foucault (1997), a análise do discurso está ratificado no Alô! Alô!, já que a descrição do discurso se opõe à história do pensamento, considerando que não se pode reconstruir um sistema de pensamento a partir de um conjunto definido de discursos. Mas esse conjunto é tratado de tal maneira, que se tenta encontrar, além dos próprios enunciados, a intenção do sujeito falante, sua atividade consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas. Na teoria de Foucault (1997) isso é reconstruir um outro discurso, “de descobrir a palavra muda, que anima o interior da voz que escutamos, que restabelece o texto miúdo e invisível que percorre o interstício das linhas escritas e, às vezes, as desarruma, pois a análise do pensamento é sempre alegórica em relação ao discurso (FOUCAULT, 1997, p.31). Nessa mesma linha é de se pensar que a sobrevivência do Alô! Alô! pode estar dentro do conceito de contrato de leitura. Veron (1999) busca na lingüística fundamentos teóricos para seus pensamentos sobre as ciências sociais fundamentalmente por julgar a linguagem o único tipo de conduta social cuja função primária é a comunicação e através desta função primária o homem cumpre outras – percebe e atua sobre a realidade social. Segundo Verón (1999), um suporte de comunicação não é bom nem ruim. Depende da forma como é utilizado e, com a fragmentação do público, pode-se supor que os meios desempenharão outras funções. No caso do Alô! Alô! a idéia do contrato de leitura, o compromisso de ambas as partes ou seja, do jornal, através da coluna e do leitor, podem ter mantido a relação de longevidade. É o contrato fiduciário, a credibilidade que beira a pureza. O jornalista, no caso 50 do Alô! Alô! deixava de lado o papel primordial que é o da apuração, ser um cético, para confiar na palavra de cidadão, que , por sua vez, também tinha confiança no jornalista que o ouvia. Para Saussure, reconhecido como fundador da lingüística, a língua é uma instituição social, enquanto a palavra é um ato individual. Enquanto instituição social, a língua é um sistema organizado de signos que exprimem idéias; representa o aspecto codificado da linguagem. A lingüística tem por tarefa estudar as regras desse sistema organizado por meio dos quais ele produz sentido. É neste instante que se pode acionar a oralidade pára entender o contrato de leitura no resgate do jornalismo que atualiza o contrato. 2.6 Oralidade inicia Alô! Alô! Acreditamos que o formato da coluna Alô! Alô!, que se iniciava com o participante telefonando para a redação, é um formato de oralidade, pois o papel da história oral é unificador e importante onde há conflitos. Se não houvesse conflito não teria motivo para o participante ligar par a redação. Nesse sentido oralidade ratifica a lembrança de Sócrates, o fundador da filosofia, que tinha como método de transmissão de conhecimentos e sabedoria o diálogo. Através da palavra, ou da oralidade, o filósofo discutia, questionava (maiêutica). Segundo dados do Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ e MARCONDES, 1999, p. 213), “Platão mostra Sócrates definindo sua tarefa filosófica por analogia à de uma parteira (profissão de sua mãe), sendo que, ao invés de dar à luz crianças, o filósofo dá à luz idéias”. Até o século XIX, segundo Ferreira (1994), a oralidade foi amplamente usada e atualmente o modelo está sendo revisto por autores como os da escola francesa de Annales. Se a utilização da evidência oral rompe barreiras entre os cronistas e seu público (THOMPSON, 2002, p. 28), entre as instituições e o mundo exterior, o processo de escrever história muda juntamente com o conteúdo. E não se pode perder a oportunidade do conhecimento da mudança que surge na natureza criativa e cooperativa do método da história oral. É da oralidade criativa que chegam os relatos ao Alô! Alô!. É claro que após esse momento essa oralidade passa para o registro ou para a escrita, mas a evidência oral foi estabelecida. Gravou-se por causa da flexibilidade do método, da capacidade que a oralidade tem de registrar o fato, no calor de seu acontecimento. A validade vem ratificar a preocupação 51 contemporânea com os acontecimentos do meio ambiente imediato, o que lhe garante a aquisição de uma dimensão histórica viva. Para Lévy (1993) e Ong (1988), a oralidade primária refere-se à oralidade em sociedades onde a escrita ainda não foi adaptada. Esta forma de oralidade não assenta apenas na comunicação inter-pessoal, mas é também uma ferramenta de transmissão da memória coletiva. Esta memória coletiva, baseada na memória de longo prazo dos indivíduos, constitui de fato o depósito do patrimônio cultural da sociedade, que não tem outro suporte senão esse onde possa ser registrado. Segundo Levy (1993), narrativas que até pelo tempo de sobrevivência, foram transmitidas de geração em geração, tornaram o decorrer do tempo num círculo O registro de conhecimentos na memória de longo prazo tem maior probabilidade de sobreviver se apelar a "narrativas dramáticas, agradáveis de ouvir, contendo uma importante carga emotiva” (LEVY, 1993, p.30). Ong (1988) se refere também ao tempo da oralidade primária, chamando a atenção para o fato de que antes do aparecimento da escrita, e em particular antes do aparecimento da impressão, os indivíduos não tinham noção de um referencial temporal independente das suas vidas. “A sociedade humana primeiramente se formou com a ajuda do discurso oral, tornandose letrada muito mais tarde” (ONG, 1998, p.10). Se a história oral é uma história construída em torno de pessoas e é capaz de lançar vida para dentro da própria história, alargando seu campo de ação. “(...) admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. (...) a história oral não é necessariamente um instrumento de mudança (...) mas pode ser um meio de transformar (THOMPSON, 1992, p. 22). O que se dava com o “Alô! Alô!” é algo parecido diante sobretudo do processo de democratização da coluna aberta a quem se interessasse participar dela. A coluna era mais utilizada, como já dissemos, pelas comunidades de bairros com infra-estrutura deficitária, onde as ações do poder público chegam mais lentamente. Para essa gente a coluna acabava sendo uma forma de aproximação e mediação de conflitos, pois, enquanto a rua onde morava um cidadão estivesse esburacada, a água vazando as expensas dos moradores, o conflito estava estabelecido. Se através da coluna conseguisse resolver este mal estar estaria justificada a função do espaço. Não se pode negar a proximidade da coluna “Alô! Alô!” com a esfera pública embora se tratasse de um espaço privado. Se tudo que vem do público por ser visto e ouvido por 52 todos, pois tem maior divulgação, isso constitui a realidade que se tornou adequada à aparição pública. É o caso da narração de uma história, e, portanto, o caso “Alô! Alô!”, pois o que chegava até a redação nada mais era que uma narrativa de experiências individuais ou coletivas, em geral individual. Essa informação saiu da privacidade ou da intimidade, ganhou visibilidade e se transformou em realidade. Conforme Arendt, (1987) “em realidade do mundo e de nós mesmos” (ARENDT,1987, p.59). A relação de intermediação entre o público e o privado se mostrou, em tempo integral dentro da coluna. Foi o exercício da política social funcionando com os grupos de pressão. A coluna não modificou apenas a vida do participante, mas, incentivou sobretudo da forma de confecção do jornalismo em si, com o elemento novo, detectado por Jungmann Habermas. “Entre a coleta de informação e a publicação de notícias, se inseriu um novo membro: a redação” (HABERMAS, 1984, p.214). A redação, tal como sabemos, possibilitou o aparecimento do jornalismo literário - contexto exatamente ao contrário do Alô! Alô!, que tratava a notícia de forma superficial - a imprensa se auto-sustentava, pois os jornalistas eram também os empresários da imprensa (donos de editoras) e dividiam o tempo de produção jornalística com as funções empresariais. Essa dimensão mudou os rumos da história oral. E os historiadores orais podem pensar agora como se eles próprios fossem editores” (THOMPSON, 1992, p.25). Conforme Truman Capote o jornalismo literário torna-se um registro histórico de um fato ou de uma época”. Surge na imprensa européia no século XIX . Nos anos 1960, nos EUA, um dos destaques dessa prática é Capote, jornalista-escritor que publicava seus trabalhos em revistas. No final da mesma década, no Brasil, os maiores exemplos do jornalismo literário são a “Revista Realidade” e o “Jornal da Tarde”. Esta modalidade defende a prática da grande reportagem, com apuração profunda, ética e criteriosa, mergulho do tema ancorado em fatos, e nas coberturas noticiosas. O resultado são textos envolventes, criativos, humanizados, grandes reportagens que misturam características da literatura, da história e do texto jornalístico. Intimamente ligado à oralidade a memória é defendida por Le Goff (1984) como um comportamento narrativo o que tem a função social de comunicar a outrem informações na ausência do fato que constitui seu motivo. E aquele é o momento em que se desequilibra a correlação entre memória falada e memória escrita. Até o aparecimento da imprensa (...) dificilmente se distingue entre a transmissão oral e a transmissão escrita. A massa do conhecido está mergulhada nas práticas orais e nas técnicas; a área culminante do saber, com o quadro imutável desde a antiguidade, é fixada do manuscrito para ser apreendida de cor (...) com o impresso (...) não só o leitor é colocado na presença de uma memória coletiva, cuja matéria não é mais capaz 53 de fixar integralmente, mas que é freqüentemente colocado em situação de explorar textos novos. Assiste-se então à exteriorização progressiva da memória individual; é do exterior que se faz o trabalho de orientação que está escrito no escrito ( LE GOFF, 1984, p. 11-50). Nora (1993) defende um afastamento entre a memória verdadeira social e intocada, daquelas cujas sociedades ditas primitivas ou arcaicas representam. Segundo ele, a história de nossas sociedades está condenada ao esquecimento exatamente em função de tantas mudanças. Salienta que, se a memória pode ser representada pela vida, pois é carregada por grupos vivos, a história se apresenta, portanto, como uma representação problemática e incompleta do que não existe mais. A memória, por outro lado, em constante evolução, um objeto vulnerável, está aberta a dialética da lembrança e do esquecimento. A história, enquanto representação do passado, se liga a continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas, é, pois, uma operação intelectual que demanda análise e discurso crítico. “A memória é afetiva e mágica, emerge de um grupo que ela une, é múltipla, acelerada, coletiva, plural e individualizada” (NORA, 1993, p.12). E para Benjamin (1994) esses lugares da memória, são instrumentos importantes de preservação e transmissão das heranças identitárias e das tradições: Narrativas sob a forma de registros orais ou escritos são caracterizadas pelo movimento peculiar à arte de contar, de traduzir em palavras as reminiscências da memória e a consciência da memória no tempo. São importantes como estilo de transmissão, de geração pra geração, das experiências mais simples da vida cotidiana e dos grandes eventos que marcaram a História da humanidade. São suportes das identidades coletivas e do reconhecimento do homem como ser no mundo. Possuem natureza dinâmica e como gênero específico do discurso integram a cultura de diferentes comunidades. São Peculiares, incorporam dimensões materiais, sociais, simbólicas e imaginárias. Plenas de dimensão temporal tem na experiência sua principal fonte (BENJAMIN, 1994, p.98) Ao longo da história da prática jornalística registram-se casos contrários, considerando, sobretudo, que o profissional de jornalismo de uma forma ou outra acaba se envolvendo numa matéria especial ou quando partica , ou prticava nos bons tempos do jornal o jornalismo literário. No caso do Alô! Alô! percebeu-se, através da pesquisa documental, que as relações de afeto, bom entendimento e até um certo partidarismo, se registraram na tentativa de se obter a melhor coleta de dados. Mesmo que não se lidasse com grandes reportagens o repórter que recebia as informações do participante tinha envolvimento, caso contrário, em nosso entendimento, a coluna não teria sobrevivido por tanto tempo. 54 CAPITULO 3 IMPRENSA ESCRITA: PRIMÓRDIOS DA FUNÇÂO SOCIAL DO JORNALISMO 3.1 A imprensa, o Alô!Alô! e a formação de um espaço publicizador Foi da pesquisa documental de cerca de quase cinco mil páginas, reduzidas para 700 páginas de edições do jornal Diário da Tarde que teve início uma tarefa árdua de definir a representatividade da coluna Alô! Alô! na sociedade de Belo Horizonte. Ela que foi no DT – e ainda é dentro do jornal Aqui – uma das colunas mais representativas da cidade. A considerar a avaliação de McLuhan (1964) com sendo os meios de comunicação extensões do homem, justificam as reflexões propostas pela maioria de escritores e jornalistas para os quais a política em geral e o negócio da informação não podem ser isolados do cotidiano da sociedade (BUCCI, 2000). Alexis de Tocqueville há quase três séculos dizia o mesmo: “Se não houvesse jornais, quase não haveria ação comum. O mal que eles produzem é, portanto, bem menor do que o mal que curam”.(TOCQUEVILLE, 2000, p.137). Segundo o autor, ao revés de todas as forças materiais, o poder do pensamento aumenta muitas vezes por meio do pequeno número dos que o exprimem. É assim que se dá com o Alô! Alô! como autor nos explica bem. A palavra de um homem poderoso, que penetra sozinho no meio das paixões de uma assembléia muda, tem mais poder do que os gritos confusos de mil oradores: e por pouco que se possa falar livremente num só lugar público, é como se falasse publicamente em cada aldeia (TOCQUEVILLE, 2000, p. 208). A imprensa é, segundo Habermas (1984), o caminho de conhecimento de uma sociedade e podemos ousar em afirmar que Alô!Alô! foi uma das poucas colunas nos jornais mineiros que marcaram um período em nossa imprensa. Este autor comenta que a refuncionalização do princípio da esfera pública baseia-se numa reestruturação desta esfera que pode ser apreendida na evolução de sua instituição por excelência, ou seja, a imprensa. “Dentro do setor privado, apaga-se a nítida delimitação entre a esfera pública e a esfera privada” (HABERMAS, 1984, p. 213). 55 As idéias habermasianas podem ser aplicadas à Alô! Alô! já em seus primórdios. Com efeito, desde o início a Coluna não participava dos grandes problemas nacionais ou internacionais, ao contrário, tratava apenas dos problemas locais permitindo a ampla participação popular. Um exemplo foi o segundo dia da coluna: 18 de janeiro. As manchetes da primeira edição se referem também à guerra: “Afundados os vapores italianos Lombardia e Liguria: notícias de Athenas, extra-officiais declaram que os transatlânticos que transportavam tropas para a Albânia foram torpedeados e afundados. Na segunda edição (ou o então segundo clichê), a das 17 horas, a manchete também era sobre a guerra: O ‘Mensonza’ aprisionado pelo ‘Asturia’ em águas do Brasil”, numa referência ao navio mercante francês Mendonza, preso em Santa Catarina , pela esquadrilha brasileira que patrulhava o Sul do pais. Neste dia o Alô! Alô! foi jogado (termo comum no jornalismo para trocar uma matéria de lugar) para a primeira coluna da esquerda, na mesma página dois e denunciava a escuridão no Bairro Carlos Prates, entre as Ruas Bonsucesso e Cataguazes (ANEXO 4). “Disso se aproveitam os ladrões de galinha para agir à noite”. A outra nota fazia uma ironia (pela primeira e única vez durante todo o período da guerra), com o momento internacional ao anunciar: “Bombardeado em plena Avenida”(ANEXO 5). O leitor não ligou, mas foi pessoalmente à redação para que o repórter visse o estado de sujeira em que se encontravam suas vestes, “um terno azul salpicado de reboco de construção que mais parecia uma noite escura cheia de estrelas”. Indignado o reclamante dizia: “Passava na avenida quando fui ‘bombardeado’ como o senhor está vendo”. Longe está o tempo em que a imprensa era organizada em forma de pequenas empresas artesanais e a atividade se limitava essencialmente à organização e verificação da circulação das notícias. Antes deste processo tem-se o mais antigo jornal do mundo, ou a publicação oficial da Suécia para anúncios de concordata, empresas e governo, o The Post Och Inrikes Tidningar. Este jornal tem sido publicado diariamente desde 1645. De acordo com a Associação Mundial de Jornais (AMJ), trata-se do mais antigo jornal do mundo. Habermas lembra Bücher que descreveu a evolução dos jornais que passaram de meras instituições publicadoras de notícias para serem porta-vozes e condutoras da opinião publica e meios de luta da política partidária. Neste ponto podemos ratificar a presença do Alô! Alô!, como coluna que começa a se posicionar, atrair a atenção das pessoas, haja vista o destaque que começa a ganhar nas páginas do DT. A terceira e quarta edições trazem os títulos mais destacados. É a coluna ousando, apesar de muito nova. 56 A terceira edição, cujo número avulso custava 200 Réis, trazia na edição as seguintes reclamações dos leitores: “BURACOS NA PRAÇA VAZ DE MELO”, “RUA BONFIM SEM POLICIAMENTO’’ e “FALTA DE HYGIENE DOS CAFÉS”(ANEXO 8), essa última referindo-se a uma casa de café na Praça Sete. A alegação da reclamante era de que “apesar do esterilizador, as chícaras vem com crostas de assucar”. Observa-se que a ortografia de hoje não é a mesma da época e que os títulos das matérias vem todos em caixa alta, ou seja, letra maiúscula para se destacarem na página cheia de pequenos anúncios e com no máximo duas fotos. O quarto dia da coluna, 21 de janeiro de 1941, o “Allô! Allô! tem a grafia mudada e a primeira reclamação vem sem título, como é comum nas colunas anteriores. Um leitor reclama do excesso de serenatas na Rua Nova Lima, no Bairro Carlos Prates (ANEXO 9). A nota seguinte é uma reclamação de mau cheiro vindo do esgoto mal cuidado da Rua Caetés, na esquina com Rua Rio de Janeiro (ANEXO 10), chamando-o de “fábrica oficial da prefeitura”, numa alusão à falta de providências com a limpeza do bueiro. Não mudou nesta edição a disposição dos pequenos anúncios, os cartazes de cinema e se manteve o expediente, logo abaixo a coluna “Allô! Allô!. Neste contexto, segundo Habermas (1984) já que a esfera pública se impõe como uma esfera politicamente ativa, também nas empresas jornalisticamente consolidadas editorialmente “resguardam para suas redações aquela espécie de liberdade que era, de modo geral, característica para a comunicação das pessoas privadas enquanto um público” (HABERMAS, 1984, p. 215). E Alô!Alô também se transforma em um espaço politicamente ativo, no qual seus leitores, enquanto indivíduos privados se impõem como cidadão, como público-leitor: O exemplo é o que se segue e esclarecedor: Na primeira nota o leitor reclamou, por telefone, como de praxe, da sujeira da Rua Francisco Bressane, no Bairro Horto. Logo a seguir outro leitor reclamava de mato na Rua Curral Del Rey, na então Vila Bela Vista, hoje bairro Bela Vista. A última nota do dia foi uma denúncia que, de tão grave, obrigou o leitor a se identificar, dando mais veracidade ao fato, valorizando a redação. Ele denunciou maus tratos à sua mula que foi recolhida ao curral da prefeitura. “Quando fui buscar- diz Seraphim Guimarães- ela estava toda machucada” (ANEXO 11). Neste ponto defendido por Habermas, pode-se validar a criação do Alô! Alô!, sua validade enquanto Coluna que atendia o público sem pensar em retorno financeiro e justificar, de alguma forma, sua sobrevivência por tanto tempo. A fixação e o sucesso da Coluna 57 pareciam predestinados tanto que já nessa quinta e sexta edições vê-se um redator brincalhão, ou seja, com uma certa segurança de que já conhecia, de alguma forma seu leitor, ou o participante da Coluna. Neste dia a Alô!Alô vem com o seguinte título: “TREVAS DENSAS” (ANEXO 12), numa alusão à falta de iluminação na Rua Conquista, com Avenida do Contorno. A nota seguinte foi uma reclamação do excesso de barro na Avenida dos Andradas. A vida alheia também era notícia como “UMA MOÇA QUE BOLE” (ANEXO 13). Quem ligou dando a informação dizia que a moça morava na Rua Jacuy e que “bolia” com todos na rua, não dando sossego a ninguém. A outra nota reclamava do excesso de velocidade do bonde no Bairro Santa Tereza (ANEXO 14). E a última e mais curiosa saiu com o diálogo franco entre o redator e o reclamante, que era gago. Sem constrangimento ambos falam do problema que é publicado tal qual se deu a conversa. “Sr redactor, eu te....te...tenho uma hor... ho... horta”! “Muito bem. E pelo visto o Sr tem uma gagueira também”, retruca redator. O leitor não se importa de continuar.”Is... is... isso mesmo. É de nas... nas... nascença”. Então conte que o jornal tem que sahir hoje”, diz o redator. O gago consegue afinal reclamar que cabras estão entrando em seu quintal e comendo as couves” (ANEXO 15). No dia seguinte mais leveza no trato com os assuntos da coluna. A reclamação é de uma senhora sobre o sobrinho, vindo há dois anos da roça, e que não consegue passar do primeiro ano primário. “Quando vêm que o menino está encalhado tomam antipatia. “Tanto que quando fui renovar a matrícula dele as professoras disseram para eu procurar outro grupo escolar” (ANEXO 16). Na quinta-feira, dia 30 de janeiro, a manchete avisava que “Hitler iniciou seu discurso que durará mais de uma hora. O destaque da segunda edição, das 17 horas, foi um recurso gráfico ainda hoje utilizado, o filminho, ou seja, várias fotos de uma mesma pessoa destacando alguma ação. No caso foram seis fotos do rosto de Hitler enquanto fazia o discurso (ANEXO 17). O mês de janeiro foi fechado com a manchete que informava: “10 Mil Italianos Cercados”. Na segunda edição a coluna mudou de posição, passando para o lado direito da mesma página dois, sem a divulgação do número do telefone da coluna, dando a impressão de que a cidade já o tinha de cor. Nela um leitor pediu para “os cavalheiros tirarem o chapéu dentro do cinema” (ANEXO 18). 58 3.2 O quarto poder e o poder do Alô! Alô! No mês de fevereiro apareceu a primeira nota da Grande Beagá, vinda da cidade de Contagem. A reclamação foi quanto à mudança do santo padroeiro. (ANEXO 19). Há 215 anos o padroeiro era São Gonçalo e mudaram, para a revolta dos moradores, para Nossa Senhora da Conceição. A nota não informa quem ou que órgão foi o responsável pela mudança. Vemos aí, dentro da coluna, a ampliação do quarto poder agregando cada vez mais pessoas, o mesmo quarto poder que segundo Robert J.MacCloskey7, 1984, ao longo da história mostrou-se forte em cases históricos como “o Caso Watergate” (1973), no jornal The Washington Post, mais conhecido por Washington Post, ou até mesmo por Post. O periódico ganhou fama mundial no começo dos anos setenta por sua investigação do caso Watergate, realizada pelos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, grandes responsáveis pelo fim do mandato de Nixon na presidência. Por este feito, o Post ganhou o prêmio Pulitzer por serviço público. O mundo conheceu este case através do filme “Todos os homens do presidente8”. No Brasil a ameaça do impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo 1992, embora não tenha chegado às vias de fato, também mostrou o que pode ser o efeito do quarto poder. Foi com o estabelecimento do estado de direito burguês, segundo Habermas (1984), e com a legalização de uma esfera pública politicamente ativa que a imprensa critica amplia a liberdade de opinião. Abandona sua posição polêmica e assume as chances de lucro de uma empresa comercial. Essa situação se dá na Inglaterra, França e Estados Unidos, na mesma época, ou seja, por volta dos anos 30, no século XIX. É a entrada de anúncios que possibilita uma nova base de cálculos. Aparece a possibilidade de se vender uma parte do espaço do jornal. Nasce na França, em 1820 e no Brasil em 1921 a publicidade comercial que só ganha vulto com o capitalismo industrial na segunda metade do século XIX. Antes disso, segundo Habermas(1984) existia uma repulsa contra simples anúncios comerciais. Os reclames (anúncio comercial ou propaganda) são considerados indecentes. No século XVIII, os anúncios comerciais só abrangiam cerca de um vigésimo dos espaços dos folhetins (seção literária de um periódico que ocupa a parte inferior de uma página, um fragmento de romance 7 MacCloskey é ombudsman do Washington Post e diplomata de carreira. “Todos os homens do presidente”, direção de Alan Pakula, de 1976, baseado nas reportagens dos jornalistas Robert /Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post . 8 59 publicado em jornal dia a dia). Aparecem pela primeira vez no jornal francês La Presse, em 1836, segundo Isabel Siqueira (TRAVANCAS 1993, p.30). Logo depois, pela metade do século XIX, surgem as agências de anúncio à base do reclame comercial. Na Alemanha surge, em 1850, a primeira agência. Hoje naquele país são mais de 2000 firmas trabalhando com algum tipo de publicidade. Cresce em todo mundo o formato de publicidade via jornal - invasão tornada economicamente necessária - diante das demandas do mercado. Começa a separação da parte redacional com a parte publicitária e os grandes empresários do ramo sentem o valor do investimento comercial. Deste período até os dias atuais a publicidade e a propaganda seja a vinda do setor público ou do privado é que mantêm os grandes jornais em todo mundo, conforme esclarece Habermas (1984). Atualmente, diante da realidade on-line, os jornais estão publicados também na rede WEB, como o caso do mais antigo jornal do mundo, citado acima, que deixará de circular em papel e estará na rede da internet. A publicidade, evidentemente pagará e manterá essas publicações. Continuam presentes os velhos reclames, única forma de subsistência dos jornais. O jornal mais antigo do mundo deixou de ser impresso no final de ano e, no futuro, será publicado apenas na Internet. A informação foi dada pelo próprio jornal, o The Post Och Inrikes Tidningar, em seu site. Três cópias de papel do jornal serão feitas e arquivadas em livrarias universitárias para manter a tradição (Disponível em: http://erikasarti.net/blog/2006/12). Apesar da realidade on-line, da mudança na confecção da notícia o homem continua a ser um animal político, vivendo em sociedade e desde os tempos em que habitava as cavernas tinha necessidade de comunicar-se, segundo Bourquin (1950). Mesmo antes de desenvolver uma forma de comunicação verbal, portanto, o homem fazia seus registros semióticos como uma espécie de proto-imprensa: Assim, mesmo antes de desenvolver uma forma de comunicação verbal, o homem já se utilizava das pinturas rupestres como meios impressos para registrar, além dos fatos e dos acontecimentos, sua forma de ver e interpretar o mundo. Diante disso, podemos dizer que já nos primórdios da humanidade, quando o homem ainda morava em cavernas, existiu, de certa maneira, uma forma de imprensa (BOURQUIN, 1950, p. 35). Bourquin (1950) relata ainda que em 1750 a.C, sob reinado de Thoutmés III, existia um jornal oficial e, ao tempo do Faraó Amarsis, jornais satíricos lhe alfinetavam a administração. Na China, desde a mais longínqua antiguidade, já eram conhecidos o papel e 60 os jornais, havendo notícias de ter existido em Pequim, para mais de 1.300 AC, um jornal intitulado King-Pao (BOURQUIN, p. 36 e 68). Fabreguettes (1914), citado por Miranda (1995), informa que os romanos utilizavamse de publicações, chamadas de acta publica diurna, para levar aos extremos do Império, os acontecimentos, as novidades de Roma, as deliberações do povo, do Senado, dos debates judiciários, os discursos dos oradores nas assembléias públicas, as narrações das batalhas dentre outros acontecimentos. Já á época os imperadores se serviam dessas publicações como meio de opressão e tirania. Segundo Bourquin (1950) atribui-se, também, esta invenção, revelada no mesmo ano, a Coster, de Haarlem, e ao frade Conrado Forster de Grolspach, Nurembergue, a primazia da individualização das letras. Em 1470 instalava-se em Paris, sob os auspícios de Jean de la Pierre, prior da Sorbone, a primeira oficina de impressão. Após a descoberta de Gutenberg, os copistas foram cedendo lugar aos impressos, facilitando a reprodução de livros e impressos em geral. Sabe-se dos livros “perniciosos” que forçaram, em sete de julho de 1533, a união da Sorbone com a Universidade, para combatê-los e destruir “la diabolique invention qui enfante chaque jour une infinité de livres pernicieux” (NOGUEIRA, 1995). Em Roma, a imprensa existia como atividade autônoma. Há estudiosos que vislumbram uma origem na Idade Média, apontando certos manuscritos como os primeiros jornais, ainda que sem periodicidade. Tais manuscritos foram denominados de Avvisi, na Itália; Zeitungen, na Alemanha e Nouvelles a la main na França (NOGUEIRA, 1995). Um acontecimento importante foi a criação dos tipos metálicos de Johann Gensfleisch9, o Gutenberg, na Europa, no século XV. Com ele o tipo móvel, uma única letra num pequeno bloco montada em palavras, linhas e páginas, podiam ser usadas muitas vezes, assim como havia a possibilidade de correção dos erros. Isso possibilitou a impressão de livros e o mais famosos deles é a Bíblia de Gutenberg (RAMOS, 2008). Para Habermans(1984) a imprensa foi uma das maiores invenções da humanidade e foram os tipos móveis criados pelo alemão da Mogúncia, que possibilitaram a criação da 9 João Gutenberg ou Johann Gensfleisch foi um inventor alemão que se tornou famoso pela sua contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia. Inventou uma liga para os tipos de metal e tintas à base de óleo, inspirada nas utilizadas para espremer as uvas no fabrico do vinho. Crê-se que teria inventado os tipos móveis ou a melhoria dos blocos de impressão em uso na Europa. . Acredita-se que a imprensa foi uma das maiores invenções da humanidade. 61 imprensa como conhecemos hoje. No entanto Habermas (1984) informa que o jornal mais antigo, nascido em 1631 foi o Gazette de France, que durou até 1915. Os alemães consideram o jornal mais antigo o Frankfurter Zeitung, fundado em 1615 e publicado até 1943. A imprensa, segundo Habermas (1984) é tão importante que permitiu a estabilização do Estado Moderno, como conhecemos hoje, buscando legitimidade nas massas e difundindo o "transitório" conceito de verdade na sociedade. A história da imprensa moderna é cheia de curiosidades e a proibição quase sempre serviu como um estímulo para sua difusão. Por exemplo, a tipografia de Johann Fush (que era sócio de Gutenberg até uma briga judicial) foi dissolvida por Adolfo de Nassau10 e essa dispersão espalhou os impressores por toda a Europa e estimulou a evolução da imprensa. O invento de Gutenberg é classificado como um dos grandes eventos da história, pois possibilitou a divulgação e o desenvolvimento da cultura, da educação e da ciência. No Brasil, a imprensa começou com proibição. Em 1747 uma carta régia vetou a impressão de livros e avulsos, destroçando o único empreendimento existente na época, a tipografia de Antônio Isidoro da Fonseca – no Rio de Janeiro. A medida quebrou a empresa e atrasou a implantação da imprensa no Brasil por quase meio século. Ela só viria a surgir novamente em 1808, quando a Corte de Portugal mudou-se para o Rio de Janeiro e trouxe o “Imprensa Régia”, depois transformada em Imprensa Nacional, responsável pela publicação do Diário Oficial da União, lançado em 1862. De acordo com dados do site www.observatoriodaimprensa.com.br, a imprensa é tímida no país em razão do pequeno número de publicações e da falta do hábito de leitura. A mesma fonte, no entanto, esquece-se dos leitores-ouvintes. Segundo Capelato (1988) “todos os jornais procuram atrair o público e conquistar seus corações. A meta é sempre conseguir adeptos para uma causa, seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos” (CAPELATO, 1988, p.15). Mas a empatia com o público alcançada pelos jornais ao longo de sua história não atingiu todos os níveis sociais. Pelo contrário, verificou-se entre a elite social e a intelectual certa resistência em aceitar esse tipo de literatura, sendo considerada como objeto de uso das 10 O conde e arcebispo Adolfo de Nassau, a quem é atribuída a invenção não só os tipos móveis de metal, como também a liga de chumbo, estanho e antimônio para fundi-los, a tinta de impressão à base de óleo e a nova prensa, adaptada. 62 mulheres e dos tolos desprovidos de instrução. A essa perspectiva, presente no século XVIII acrescenta-se a leitura de Edmund Burke, que chamou a imprensa de o quarto poder, pelo seu papel atuante no debate político na Inglaterra. Dessas apreciações, podemos deduzir que, se o jornal não conquistou a mente e o coração de todos, conseguiu uma publicidade, ocupando o pensamento de cépticos e conservadores. Na esteira deste pensamente está o Diário da Tarde, mais especialmente com a coluna Alô! Alô! que tinha como público- alvo pessoas de baixa e média rendas, conforme podemos inferir pelos tipos de reclamações que Alô!Alô! recebia de seus leitores. Foi este público da coluna que justificou a associação entre imprensa e política, observada por Alexis de Tocqueville na obra Democracia na América, como um mecanismo de informar e inserir os indivíduos nas questões públicas. Segundo o autor, os jornais se multiplicam conforme a necessidade mais ou menos repetida que um grande número de homens tem de se comunicar em conjunto e de agir em comum. Segundo o autor cada jornal “representa sempre uma associação cujos membros são seus leitores habituais” (TOCQUEVILLE, 1999, p 396). Para Tocqueville (2000) um jornal não tem por efeito apenas sugerir a um grande número e homens um mesmo projeto: ele lhes fornece os meios de executar em comum os projetos que teriam concebido por conta própria. McLuhan cita que na Inglaterra, a pressão da imprensa gerou as estradas pavimentadas no século XVIII. “A imprensa, escrita mecânica, introduziu uma extensão e uma separação das funções humanas inimagináveis...” “As estradas postais da Inglaterra, em sua maior parte, eram financiadas pelos jornais” (MCLUHAN, 1964, p.121). E é novamente Tocqueville (2000) quem ratifica a representatividade e a importância do jornal numa sociedade quando justifica que um jornal só pode subsistir se reproduzir uma doutrina ou um sentimento comum a um grande número de homens. Ele representa, portanto uma associação a que seus leitores habituais são afiliados. Um jornal representa a associação; ele fala a cada um de seus leitores em nome de todos os outros e os conduz com tanto maior facilidade quanto mais são fracos individualmente. Não negarei que, nos povos democráticos, os jornais muitas vezes levam os cidadãos a tomar em comum iniciativas insensatas; mas , se não houvesse jornais, quase não haveria ação em comum. O mal que eles produzem é , portanto, bem menor do que o mal que curam (TOCQUEVILLE, 2000, p.137). 63 Arendt (1991) vai além ao apontar que sempre que a relevância do discurso entra em jogo, a questão torna-se política por definição, “pois é o discurso que faz do homem um ser político” (ARENDT, 1991, p.11). A autora diz que a era moderna trouxe o declínio da esfera pública e a ênfase na esfera do privado. Mesmo assim “as coisas experimentadas na intimidade só ganham realidade quando falamos delas” (ARENDT 1991, p 9). A autora concorda que a presença de outros que vêem o que vemos e ouve o que ouvimos é que garante a realidade do mundo e de nós mesmos. Exatamente assim se dava a coluna Alô! Alô!, ou seja legitimava o homem privado dando-lhe vez e voz no público, o que para Toqueville e Habermas é legitimar o outro. Essa foi a fórmula popular adotada pelo Diário da Tarde, em especial no Alô! Alô!, ou o resultado de tudo que tinha sido feito anteriormente em centenas de outros jornais de existência curta como veremos mais tarde, mas que foram importantes e contribuíram para o registro da memória com a qual podemos contar agora. Neste caminho está o pensamento de Bosi (1994) para quem o passado conserva-se e atua no presente. A percepção concreta precisa valer-se do passado que de algum modo se conservou: “a memória é essa reserva crescente a cada instante e que dispõe da totalidade da nossa experiência adquirida” (BOSI, 1994, p.47). É essa memória preservada que nos remete ao século XIX quando a prensa manual, que se tinha mantido durante séculos, é ultrapassada por máquinas de produção em massa. Para alguns autores, na história da cultura humana não há acontecimento que tenha a importância do invento da impressão com tipos móveis. O poder da influência da palavra impressa, para bem ou para mal, manifesta-se em todas as iniciativas e experiências humanas e proporciona a libertação do espírito da humanidade, da ignorância e da superstição. Em 1808, com a chegada da família Real iniciou-se a publicação de livros nas oficinas da Imprensa Régia, mas em 10 de setembro de nasce o jornal Gazeta do Rio de Janeiro. E não nasceu como jornal oficial segundo Almeida (1971, p, 7), pois a censura terminara. E junto com ele nascem o Revérbero Constitucional Fluminense e o Sentinela da Liberdade. Curiosamente, o primeiro jornal a circular oficialmente no Brasil em português foi o Correio Braziliense, o mais crítico na opinião de Muniz Sodré (1977), então editado e impresso em Londres. Depois, diversos jornais foram criados, dentre os quais a Gazeta do Rio de Janeiro (1808), a Idade d'ouro (1811 - Salvador), o Diário do Rio de Janeiro (1821) e o 64 Diário de Pernambuco (1825), sendo que este circula até hoje e é considerado o mais antigo diário com circulação ininterrupta da América Latina. O jornalista francês Max Leclerc, que esteve no Brasil como correspondente para cobrir o início do regime republicano, asssim descreveu o cenário jornalístico do país de 1889: A imprensa no Brasil é um reflexo fiel do estado social nascido do governo paterno e anárquico de D. Pedro II: por um lado, alguns grandes jornais muito prósperos, providos de uma organização material poderosa e aperfeiçoada, vivendo principalmente de publicidade,organizados em suma e antes de tudo como uma emprêsa comercial e visando mais penetrar em todos os meios e estender o círculo de seus leitores para aumentar o valor de sua publicidade, a empregar sua influência na orientação da opinião pública. (...) Em tôrno deles, a multidão multicor de jornais de partidos que, longe de ser bons negócios, vivem de subvenções dêsses partidos, de um grupo ou de um político e só são lidos se o homem que os apoia está em evidência ou é temível. (SODRÉ, 1977, p.288-289). No segundo reinado inicia-se nova fase da história da imprensa brasileira, mais literária e mundana como o Jornal do Commércio, o Gazeta da Notícia e O Estado de São Paulo, abrigando escritores com Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompéia, José Veríssimo e o polêmico José do Patrocínio, o eterno defensor da liberdade dos negros (ALMEIDA, 1971, p 9 - 13). Surge neste mesmo período a primeira revista em quadrinhos: Tico Tico e o primeiro periódico feminino, o Jornal das Senhoras que registrava na primeira edição: “Ora, pois, uma senhora à testa da redação de um jornal! Que bicho de sete cabeças será!...”. Chega às redações o telégrafo com telegramas da agência francesa Havas-Reuters, defendida aqui por Travancas como sendo a primeira agência de notícias a operar no Brasil. “Ao final do século XIX e início do XX ganha terreno a imprensa operária, fugindo da grande mídia” (TRAVANCAS 1993). Em 1937, o então presidente Getúlio Vargas impinge forte censura à imprensa e cria o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que nega registro a 420 jornais e 61 são tirados de circulação. Nessa época o Alô! Alô! ainda não era editado, mas, em 1954, mal sabia o ditador que sua morte iria ser ignorada pela coluna. A pesquisa mostrou que embora Getúlio Vargas fosse considerado, ao final de sua gestão, como o “pai dos pobres”, os participantes do Alô! Alô! não comentaram o suicídio do líder da nação brasileira. Era agosto de 1954. No dia 24 a manchete estampava:”Suicidou-se Getúlio Vargas”. O Alô! Alô! não saiu neste dia. No dia seguinte o jornal fez referência a Getulio Vargas numa manchete lacônica: “Arrebatada 65 pelo povo urna funerária”. Pouco acima, em menor destaque outra notícia: “Cerca de cinco mil pessoas acometidas de crises nervosas”. Parecendo ironia, neste dia o formato das letras do Alô! Alô! mudou para um corpo maior, mais feminino e dançante, com caricaturas de um homem e uma mulher, parecendo nervosos. Ambos ao telefone. Era como se ela falasse mal e ele anotasse. Neste dia saiu a primeira charge entre as quatro notícias do dia. A primeira e segunda se referiam à falta d`água. A terceira de cães barulhentos na Avenida Augusto de Lima e a última da falta de segurança na Rua Riachuelo. A modernização chega às redações e a diagramação utiliza padrões europeus e norteamericanos. Daí em diante a imprensa cresce, os jornais fazem parte do cotidiano das pequenas e grandes cidades. Já não se vive sem eles. Tornam-se grandes empresas realizando grandes negócios. O resultado é o que se tem hoje, ou seja, jornais de grande penetração nacionais e internacionais que se oferecem à opinião pública, cada qual sobrevivendo ao seu modo. Foi esse gênero de jornal que permitiu o nascimento do Alô! Alô!, ou seja, os jornais que concorriam entre si e cada um queria dar ao leitor o melhor (LINHARES, 1995), mesmo que de forma gratuita, como vemos o caso desta coluna. Um exemplo foi algo de positivo que aconteceu à coluna a partir do dia 20 de março, uma quinta-feira. O título até então normal para o corpo da página, dobrou de tamanho e veio em negrito, ocupando duas colunas. Fatos como este em um jornal diário só ocorre, ainda hoje, por exigência do leitor ou do patrocinador. Considerando que a coluna era um serviço do Diário da Tarde, gratuito, concluise que a iniciativa, com menos de dois meses de vida rendia sucesso. Entra abril e o corpo do título da coluna volta ao normal, desmentindo qualquer conclusão até então detectada pela pesquisa. Voltam as reclamações sobre o transporte coletivo do Carlos Prates, Lagoinha, Cachoeirinha e Santo Antônio, pedidos de mais bondes para as alunas do Colégio Santa Maria. Devido aos atrasos dos bondes, “recebemos pitos em casa”. Retornam as reclamações sobre lama, sujeira e buracos provocados pelas chuvas. O retorno das reclamações, não há como desvendar esse mistério, teria ocorrido porque os acusados não responderam? O poder público ainda não estava dando credibilidade à coluna? Não há como saber. O importante é que o público recorria à forma de publicação de suas demandas, ratificando, segundo Arendt (1987), seu direito de homem privado de participar da esfera pública. 66 3.3 O Alô! Alô! e a entrada o individuo na esfera pública O que o Alô! Alô! permitiu foi a significância da vida pública onde o cidadão pode ser visto e ouvido por todos. Isso é importante pelo fato de que todos vêem e ouvem de ângulos diferentes. E segundo Arendt (1987), somente quando as coisas podem ser vistas por muitos, numa variedade de aspectos, pode a realidade do mundo se manifestar de maneira real e fidedigna. Para ela os homens são seres privados quando privados de ver e ouvir os outros e de ser visto e ouvido por eles. No mês de maio o Allô! Allô! continuou na mesma página, mais uma vez destacando notícias de moleques inconvenientes importunando pessoas nas barraquinhas do Calafate, algazarras em bares na Rua Araão Reis, namoros indiscretos em plena Rua Diamantina e mais reclamações de mau cheiro na Rua Araguary e na Rua Uberlândia, falta de luz em muitas ruas da cidade e mato espalhado em vias da Capital. Junho trouxe noticiário novo da guerra. Pela primeira vez apareceu de volta notícias conhecidas como os bueiros, buracos, barulho (de rádio, cães e até sanfonas na vizinhança), falta de luz e mato continuaram na coluna em junho. Reparou-se que até agora o bairro que comanda as reclamações é o Carlos Prates, localizado na periferia da cidade naquele momento. Desde a criação, em janeiro de 1941, a coluna tratou o noticiário de problemas de vandalismo de meninos, falta de energia elétrica, de água, de excesso de barulho, problemas com ônibus e bondes, fala de segurança para as mulheres vítimas da molecada, grosseria de motoristas para com os passageiros, ruas com dois nomes ou sem placas de identificação, bueiros descobertos, animais soltos nas ruas, mato e incômodos nos cinemas. No período de chuvas, as reclamações circulavam em torno de sombrinhas que incomodavam até lama espalhada nas ruas principais da cidade. No dia 30 de maio de 1942 (ANEXO 3) uma nota na primeira página dava conta de que em função da crise, ocasiona pela falta de transporte, determinou medidas extremas por parte dos jornais brasileiros. Obrigado a suprimir uma de suas edições diárias. Embora em formato menor, o DT, a partir da próxima segunda-feira, primeiro de junho, circulará com oito páginas, às 15h30, nas quais condensará todos os assuntos que até então oferecia em suas duas edições. O Alô! Alô! também sofreu redução de espaço, mas ganhou mais status, pois foi publicado nas páginas de Polícia ou Cidade (ANEXO 4). 67 A economia de guerra teve prazo marcado para o DT e, portanto para o Alô! Alô!, que acabou saindo em páginas diferentes a cada dia neste ano de 1942. Mas sempre na mesma temática popular de denúncia, como por exemplo, a edição do dia três de julho quando uma vizinha reclama da outra, na Rua Peçanha, entre os números 400 e 500. “Ela possui uma língua viperina e não pára de insultar os outros”. Uma característica que prevaleceu em todas as edições desde a inauguração da coluna foi o calor das manchetes internacionais e a distância do Alô! Alô! deste noticiário. Pelo que se pesquisou o participante da coluna não fez nenhuma referência à guerra na Europa, com participação inclusive do Brasil. Para o reclamante que chegava à coluna o mais importante eram os problemas locais, ou o que o afetava diretamente. Nem quando a notícia de guerra saía na mesma página que o Alô! Alô! (dia 14 de julho uma terça-feira), a situação mudou. E se repetiram os problemas de sempre, especialmente as reclamações quanto a atrasos do bonde, sempre em menor número que a demanda da população. Chegou dezembro e o Alô! Alô! continuou longe da guerra e perto do povo. O ano de 1943 não foi diferente e janeiro chegou com 10 noticias do Alô! Alô!. Lixo, mau cheiro, falta de bondes, escuridão e excesso de lama em função das chuvas, foram as notícias mais comuns ao longo de todo ano. Fevereiro foi fechado pelo Alô! Alô! com lâmpadas apagadas, com cachorro morto na rua e muito mato em bairros periféricos, hoje nobres, como o Santo Antônio. Nos dois últimos meses do formato tablóide o Alô! Alô! deixou de sair um dia ou outro dando lugar aos pequenos anúncios. A guerra terminou em 1945, uma segunda-feira, dia seis de maio com a seguinte manchete no dia 7. “Acabou a Guerra”. No dia em que a guerra chegou ao fim, o Alô! Alô! não saiu, pois era um domingo. A partir daí resquícios da guerra continuaram nas manchetes culminando com a explosão das duas bombas atômicas, nos dias 6 e 8 de agosto de 1945. E o Alô! Alô! não registrou, embora a iniciativa norte americana tenha matado milhares de pessoas e demais seres vivos, conforme as manchetes dos dias seguintes. A ausência na coluna de noticiário que não fosse exclusivamente local reforça o pensamento de nosso principal referencial teórico, Aléxis de Tocqueville (2000), de que para as comunas (comunidades) o que lhes acontece é absolutamente mais importante do que acontece fora deste entorno. O ano de 1964 o Alô! Alô! continuou saindo naturalmente e as reclamações de esgoto a céu aberto, lei do silêncio, falta d`água, malandros no parque, sobre a burocracia do IAPC 68 (atual INSS) ou lama que atrapalhavam o trânsito dos cidadãos. As grandes mudanças políticas e sociais no país em nada mudaram o conteúdo do Alô! Alô! . O máximo que aconteceu foi a coluna não sair um dia ou outro, certamente não em virtude do processo político porque passava a nação. Em 1985 fim do período da ditadura, o Alô! Alô! passa a ser publicado na editoria de Polícia, página nobre do DT. A Constituinte de 1986 e a Constituição de 1988 passaram, como todos os assuntos de interesse nacionais, sem registro no Alô! Alô!. As “Diretas já” aqueceram as ruas da cidade em 1990. A população se envolveu de forma nunca antes vista, mas o Alô! Alô! permaneceu inalterado. Em 1991 acontecem a era Collor e a Guerra do Golfo. Exatamente no mesmo dia em que se comemora o cinqüentenário da coluna, agora na página 2, destinada aos editoriais, às charges e ao expediente do órgão, página nobre, portanto. O Plano Real, de 1994 transformou a vida de toda sociedade brasileira. O Alô! Alô, no entanto, seguiu seu curso normal, denunciando problemas locais, mas agora com destaque especial, pois ocupava a Editoria de Cidade, seguindo até fechamento do DT na mesma página. A era Fernando Henrique Cardoso chegou e com ela novas mudanças que não atingiram a velha coluna. Lula se elegeu presidente da República em 2002 e virou o país de cabeça para baixo e o Alô! Alô preservou velhas reclamações como: falta de água, energia elétrica, problemas no transporte coletivo. A saúde e a educação começaram a fazer parte das reclamações. No início do segundo mandato de Lula, o Alô! Alô, passou por uma reforma gráfica, ganhou material fotográfico e respostas às reclamações dos leitores. Foi uma tentativa de atender a uma nova exigência do mercado gráfico e melhor ao público. O Alô! Alô não sabia, mas estava com os dias contados. Estamos em 2007. A redação vai-se deitar na noite de 28 de julho. No dia seguinte, ao acordar, os repórteres de plantão recebem a notícia: essa e muitas outras colunas e jornal inteiro não mais circulará. Portanto, a última coluna, publicada no dia 23 de julho (ANEXO 6 ), sem se saber última, e sem se despedir é brutalmente transferida para o tablóide “Aqui”,(ANEXO 7) o novo órgão do grupo Estaminas de Comunicação que passa a editar a coluna a partir do dia 30 de julho. Ainda no DT, o Alô! Alô, começou a publicar uma ou duas respostas às reclamações dos leitores, numa pequena coluna ao lado da principal. Era a “deu certo”. Na última edição, por exemplo, o leitor que reclamou da linha 4032 recebeu um comunicado da Gerência de Marketing e Comunicação da BHTrans reconhecendo que realmente havia lotação acima do previsto nos 69 horários de pico da tarde e que ajustes seriam feitos no sentido de solucionar a questão. No “Aqui” a coluna sai, diariamente, na página 10 ou 11, sempre acompanhada de uma foto enquadrando a principal reclamação. Acima da foto vem uma resposta do órgão competente a uma ou outra reclamação do leitor. A primeira publicada no novo jornal saiu na página 11 sobre entulho na Avenida Cachoeirinha e sobre a falta de médico no posto e saúde do Bairro Nazaré. A página onde está o Alô! Alô, é totalmente colorida em amarelo, azul, marrom, branco e preto, ou seja, é das mais destacada das do jornal. A pesquisa sobre a Coluna Alô! Alô! observou que , na maioria das vezes, o diálogo mantido entre o redator e o participante foi construído de forma coloquial e uma troca de gentilezas era comum. Especialmente por parte do redator o diálogo era sempre cercado de cuidado e elegância. Acredita-se que tenha sido esse formato de tratamento uma das razões da sobrevivência por tanto tempo do Alô! Alô!. Para concluir esta parte da pesquisa reproduzimos abaixo algumas colunas para o leitor que não teve a oportunidade de conhecer o Diário da Tarde tenha uma noção do que foi a coluna de maior tempo de sobrevivência do jornalismo minero. A do dia 13 de janeiro de 1943: “Pedem carrocinha de cães para Rua Jequeri”(é o título). - Alô, é da redação? - É. Do Diário da Tarde. - Desejava fazer uma reclamação para sair no Alô! Alô!, pode ser? - Por ser sim. - Pois bem, o que quero é a carrocinha de cães para a Rua Jequeri, na Lagoinha. - É? - É sim, para carregar um barulhento cão que há nessa rua e que ladra a noite toda, não deixando ninguém dormir. O mais interessante é que todos falam dos latidos do animal e o dono nem desconfia... . - Está certo. Vamos divulgar. Em 30 de março de 1954: “Neurose Canina” - Sr. Repórter. Estou com neurose. - Coitado! Procurou um médico? - Médico não, preciso procurar a prefeitura. - Como? - Sim, para dar um jeito nos cães inoportunos. Na Rua Pouso Alegre tem um cachorro que está arrasando com os nervos da vizinhança. Por isso estou com neurose canina. - Vamos dar um jeito! Em abril do mesmo ano; “Inspetor faz renda” - Um inspetor de trânsito está seriamente preocupado em fazer renda. - Renda dinheiro ou aquela da “mulher rendeira”? -... dinheiro! Sem motivo algum ele quer tacar a caneta... Neste mesmo ano; “Peladas Noturnas” - Quero reclamar de uma pelada noturna. - Como? Não estou entendendo o que o sr. está dizendo! - Falo de um jogo de futebol que começa às 22 ou 23 horas, na Rua Padre Odorico e vai até alta madrugada. E com torcida entusiasmada. 70 -Nossa, vamos dar um jeito. Em 1964; “Entrega de gás” - 2.0944. - Justo. E perfeito??? - Ok. Eu quero reclamar da Gasbras. Quando compramos o fogão nos enchem de promessas como se fosse a melhor coisa do mundo. Mas logo depois vê-se que não funciona bem. - O fogão? -Não, a entrega do gás. Sé entregam mediante a taxa de mil cruzeiros. Está certo isso? -é evidente que não está. -então o sr. publica? - Vamos publicar sim. Neste mesmo ano... “Apelo(ainda com acento) a AEC”. - alô. - Desejo fazer um apelo ao dr. César Chaves. - Não trabalha aqui. - Mas não é do Alô! Alô! ? - é sim. - Pois é , o que desejava era a divulgação do apelo ao professor César Chaves, diretor do ginásio da AEC. - Ah, bem. Aí são outros quinhentos!.... Pode falar. - .... quero pedir para anula a prova de Matemática.... Sabe por quê? - Não, por quê? - O professor chegou atrasado meia hora e não dilatou o tempo para os alunos. Tenho ou não razão? - Tem sim. - E o sr. diz isso no jornal? - Digo sim. Na mesma edição outra notícia onde se constata as boas relações entre o redator e o participante: “Esgoto entupido” - Alô - Posso pedir uma nota? - Moeda corrente? - Não, é nota de divulgação no Alô! Alô! . - Aí sim, damos! - E cobra? - É claro que não. O Alô! Alô! foi instituído para atender reclamações justas, pelo telefone sem nenhum ônus para o reclamante. - Sim... peça então para consertar a rede de esgoto que estourou na Rua Além Paraíba com Rua Pedro Leopoldo, no Santo André? - Vamos publicar. Em 1972, tanto tempo depois, os diálogos continuam mantendo a mesma linguagem coloquial como forma de aproximação das partes, e talvez esteja aí a confirmação da sobrevivência da coluna. - Alô! Alô! ? - É da seção. O que deseja? - Um alerta às firmas de eletrodomésticos. Seus departamentos de crédito precisam de mais cuidado. Estão cobrando prestações já pagas. - O problema é que são muitas fichas para os funcionários providenciarem baixa! - Mas o sr. não pediria às firmas para contratarem mais funcionários? - Vamos pedir, claro (Alo! Alô!, Edição do dia 31 de janeiro de 1943). 71 Nas transcrições acima podemos visualizar a estrutura do diálogo, a permanência dos traços da oralidade e, acima de tudo, o deslocamento do indivíduo do seu mundo privado para o âmbito dos negócios públicos. Não se trata apensa de publicizar incômodos locais, mas de usar um veículo de comunicação para reivindicar melhorias em seus espaços de convivência. O Alô!Alô! transformava um desejo ou angústia particular em coletiva na medida em que disseminava a questão e atingia outras pessoas que com ela se identificavam. Enquanto suporte de divulgação de demandas da população ele se consolidou como elemento de comunicação entre pessoas diferentes, mas que conviviam em um mesmo local – Belo Horizonte – e ao se distinguirem no discurso esses indivíduos consolidaram esferas públicas e formas de ação. Como afirma Arendt Essa distinção singular vem à tona no discurso e na ação. Através deles, os homens podem distinguir-se, ao invés de permanecerem apenas diferentes; a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como objetos físicos, mas enquanto homens (ARENDT, 1995, p.189). 72 Considerações finais Utilizamos para compor esta dissertação, amplo material de pesquisa como edições escolhidas do DT, que abrigavam a coluna, como, por exemplo, a primeira redação, elaborada pelo falecido jornalista João de Paulo Pires, até o último dia da publicação da coluna dentro do mesmo jornal. Nesta pesquisa vimos que a coluna se manteve com os mesmos assuntos do cotidiano da Capital, não importando a realidade do Brasil ou do mundo, as mudanças porque passavam a política, a vida social, a economia, o futebol, a cultura ou as crises internacionais. Acreditamos que a sustentação da coluna Alô! Alô! se deu também por uma questão de semiótica, pela representatividade social, considerando que o signo tem função comunicativa. Relembrando a teoria de Barthes dois elementos semióticos foram fundamentais para a sustentação da coluna: significante(som) /significado(objeto) e língua e fala. Este último a forma de se chegar até a coluna e o anterior a representatividade para o participante e para o leitor que só deixaram de participar da produção do Alô! Alô! quando o jornal encerrou suas atividades. Quando o participante fazia contato com o responsável pela coluna acreditava nos resultados, nas transformações que poderiam ocorrer a partir de então. Como prevê Barthes, por trás da mensagem que cada participante repassava à coluna havia uma intenção diferenciada. Uns queriam mesmo resolver o problema do qual falavam, outros ocultavam por detrás da questão outras intenções, ideologias. Segundo o crítico francês a significação conotativa contém mitologia ou sistemas de códigos que podem passar despercebidos, mas que tornam viável o uso de veículos de comunicação para a persuasão. A pesquisa realizada desde a fundação da coluna Alô! Alô! não aponta as razões de sua sobrevivência. Sabe-se que as demandas que a sustentaram até os dias de hoje são suficientes para explicar a continuidade, mas e as razões que a mantiveram de pé, sempre no mesmo formato apesar de tantas mudanças tecnológicas, em nossa humilde opinião, continuam incógnitas. O diálogo entre o redator e o participante da coluna se manteve o mesmo por mais de seus décadas, o que não seria nenhuma novidades considerando que a humanidade não mudou a forma de se expressar apesar da alta tecnologia. O que está cada vez mais claro na justificativa da sobrevivência da coluna é a manutenção das demandas buracos, ruas sem calçamentos, ratos que aparecem dentro do supermercado, falta de água ou de luz e problemas de infra-estrutura comuns em qualquer grande metrópole. Partindo do pressuposto que ao longo de 67 anos foi a única coluna que se manteve no Diário da Tarde e que foi transferida 73 para o jornal “Aqui”, há de se concluir duas situações; a cidade terá problemas ad eternun e o homem privado jamais deixará de exercer seu direito de adentrar no público em busca de melhor qualidade de vida para si e seu entorno ou em busca da eterna felicidade. O telefonema do leitor do Alô! Alô! tem todos os elementos e características da comunicação oral/memória, já que este formato passa do aparelho fonador humano ao ouvido humano. Tem um aspecto fisiológico, com as variações de freqüência (altura), de intensidade e de periodicidade das ondas sonoras; um aspecto psicolingüístico, vinculado ao estudo da língua, já que uma mensagem oral é o mesmo que categorizar seus componentes gramaticais, semânticos, simbólicos, estilísticos que se dá a partir da cultura e experiência do receptor e finalmente um aspecto psicológico, vinculado aos problemas de atenção e de personalidade, além da Análise do Discurso. Conforme Vanoye (1987), os ruídos ou as perturbações que podem ocorrer no transcurso da comunicação oral são de origem física, lingüística e psicológica, há, portanto o feedback, ou seja, a realimentação, que pode ser uma resposta verbal ou não verbal. No caso da coluna, a origem da comunicação foi através da oralidade, mas resultou no retorno através da resposta escrita. Para este autor o feedback favorece a comunicação, dissipa as inquietudes e melhora as relações entre o emissor e o receptor. É justamente essa a função do Alô! Alô! que Vanoye (1987, p.56) classifica de situação de não-intercâmbio, ou seja, o receptor está ausente, pois a conversa é telefônica. O público da coluna Alô! Alô! é de baixa e média rendas, pois é esse é o público leitor também do Diário da Tarde, conforme se detectou ao longo dessa pesquisa. Essa classe social reside em bairros menos favorecidos por infra-estrutura básica (asfalto, água, luz e outros serviços). E é desse universo que chegava a maioria das reclamações que eram consideradas, pois são classes destituídas de capital econômico, mas com grande capital cultural. E talvez por isso, lembramos Chassot, (2004) para quem os saberes populares são os saberes presentes nas práticas cotidianas dessas classes desfavorecidas economicamente. Apesar de muitas vezes, analfabetos, os participantes da coluna “Alô! Alô!” são esclarecidos ao ponto de se saberem detentores de direitos e usam a coluna para resgatá-los. “É necessário aprender a valorizar os velhos e não letrados como fontes de conhecimento” (CHASSOT, 2004, p.251252). 74 O público/participante do Alô! Alô! lida com a oralidade, com o significado do resultado de um simples telefonema, na certeza de que sua demanda é urgente, por isso quer respostas rápidas e simples, elementares e inteligíveis. Santos (1999) é partidário desse discurso simples e direto, lembrando Jean-Jacques Rousseau: “Uma pergunta elementar é uma pergunta que atinge o magma mais profundo da nossa perplexidade individual e coletiva com a transparência técnica de uma fisga” (SANTOS, 1999, p.12). A pessoa que ligava para a coluna Alô! Alô!, não queria saber se existia complexidade na solução do impasse. Em alguns casos essa complexidade já foi vivida quando da busca da primeira resposta junto aos órgãos oficiais. Se se apelou para a coluna, certamente foi porque não conseguiu seu objetivo. Feito isso, este leitor confia que os representantes deste ou daquele órgão, para cuja acusação recai lhes darão satisfação. O leitor não tem idéia de que com o simples ato de telefonar para a redação está praticando uma “situação comunicativa”, tal como Habermas a concebe, na lógica existencial da ciência pós-moderna. Segundo Santos (1999) a ciência pós-moderna não segue um estilo unidimensional, facilmente identificável; seu estilo é uma configuração de estilos construída segundo o critério e imaginação do autor. O diálogo com outras formas de conhecimento deixa-se penetrar pela ciência pós-moderna, na forma da transdisciplinaridade. “A ciência pósmoderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma, racional: só a configuração de todas elas é racional” (SANTOS, 1999, p.14). 75 BIBLIOGRAFIA ADORNO, Theodor. W, Horkheimer, Max. Dialética do esclarecimento; fragmentos filosóficos. 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Chefe de reportagem: é o profissional que decide em algumas editorias o repórter mais apropriado para fazer determinada matéria, comanda o apurador (o que fica no rádio ou TV buscando informações para a pauta, acompanhando por rádio ou telefone o desenrolar da matéria), e o responsável pela troca de pauta do repórter na rua. Diagramador: é o encarregado de planejar visualmente (de preferência junto ao subeditor ou ao editor) a página do jornal. Até pouco tempo esse profissional não era formado, não passava pela Faculdade. Hoje é uma exigência. Editor: é o chefe da editoria, responsável pelas matérias publicadas e o espaço a elas destinado. Editor chefe: é o encarregado por toda a redação do jornal. Ele deve ficar em permanente contato com todos os editores de todas as editorias (Cidade, Economia, Política, 2º Caderno, Polícia, Ciência, Saúde, Educação, Esportes, Informática, Arte....) discutindo com os editores as matérias e decidindo a edição do jornal. Editorialista: é o jornalista destacado para escrever, diariamente, o editorial, que deve refletir a opinião do jornal sobre alguma questão considerada relevante para o órgão. Fotógrafo: também jornalista ou repórter fotográfico e quem acompanha o repórter (ou deveria diante da importância de leitura de uma mesma notícia. Mas essa prática vem sendo economizada e o fotógrafo acaba saindo sozinho para fazer quatro ou cinco pautas, independente do repórter, o que dá um produto final de menos qualidade). 82 Pauteiro: o homem que fica na redação buscando a informação para ser repassada ao repórter. Redator: é o responsável pelo texto final, assim como pelo título da matéria e a legenda da foto. Este profissional, embora jornalista na origem, acaba atendendo, na maioria das vezes, ao interesse comercial do jornal, por isso são comuns atritos entre ele e o repórter que foi em busca da notícia, apurou-a , garantiu a fonte mas que não raro vê sua produção cortada em função de interesses diversos, na maioria das vezes, econômico (Mann). Repórter: profissional que vai para a rua apurar as informações para a confecção da notícia de volta à redação. Esse cargo tem hierarquias que varia de empresa para empresa. Em algumas ele é 1, 2, 3, 4 ou A, B, C, D,. dependendo do tempo de casa e da competência, da disponibilidade e da identidade com o órgão a que representa. Subeditor: é o assistente do editor, que trabalha junto com o redator e o diagramador na montagem da página. Em geral é este profissional que está em contato direto com os repórteres, ou pelo menos deveria, para o bom andamento da redação. As informações acima se referem a grandes empresas jornalísticas considerando que nas de pequeno porte o jornalista , embora ocupe um único cargo exerce várias funções. 83 No Museu Virtual da Imprensa encontra-se à disposição do público o Glossário abaixo relacionado com os principais termos usados na prática de impressão jornalística desde seus primórdios. A maioria das ferramentas estão fora de uso, muitas vieram desde a invenção de Gutenberg, passando pela impressão de tipos móveis metálicos, depois a linotipia a impressão a quente, depois a mista e hoje a informatizada. A maioria destas palavras, portanto, caíram em desuso no mercado editorial diante de uma nova engenharia de impressão, especialmente a virtual que desconhece palavras como acrografia, caracter ou a velha calandra, motivo de trote a maioria dos focas que chegavam às redações e eram obrigados a descer à oficina para “buscar a calandra”. Lá chegando encontravam uma máquina de cerca de 20 metros de diâmetro, pesando toneladas de quilos e só aí davam pelo trote. Já era tarde, a redação toda ria do foca desavisado. Acrografia - Arte de gravar em relevo por meio água forte Alinhar - Acertar uma composição defeituosa, mal justificada ou parangonagens mal feitas, mostrando ondulação. Aparar - Cortar duma só vez e em máquina apropriada o conjunto das folhas de um livro. Assentar - Operação que o impressor faz de todas as vezes que impõem uma forma, com o maço e a assentadeira, batendo ao de leve sobre os caracteres para que eles fiquem ao mesmo nível. Atar - O mesmo que amarrar. Prender com fio de norte as páginas, os granéis, as formas de remendagem, etc. Balancé- Aparelho em forma de prensa com dois planos em sentido horizontal, usado pelos encadernadores para, tendo aquecido as letras de metal, cunhar a ouro as capas dos livros. Balas - Instrumentos de que se serviam os antigos impressores para dar tinta às formas antes da invenção dos rolos. Depois de compostos e justos os caracteres, a tinta era distribuída com uma pequena almofada de lã, cobertas de pele de cordeiro, tendo um cabo para se lhes pegar. Os indivíduos que delas se serviam chamavam-se bate-balas ou batedor. Brochar - Coser as folhas de livros, depois de dobradas e ordenadas, ligando-lhes em seguida uma capa de papel. 84 Caixa - É um dos principais utensílios da tipografia. Espécie de caixão dividido em diferentes partes, a cujas divisões se dá o nome de caixotins e onde se deitam as correspondentes sortes (tipos em chumbos). Calandra - máquina onde se assetina o papel. Calcografia - Arte de gravar em metal. Carácter - Forma que se dá à letra. Cada caracter tem um desenho diferente. Os primitivos caracteres eram em madeira. Distribuir - Desmanchar as formas que saem da máquina depois de impressas, arrumando o material nos seus devidos lugares. Deitar tipo à caixa. Ditografia - Repetição nas cópias de um manuscrito antigo de uma letra, sílaba ou palavra. Dobragem - É o ato de dobrar em determinado número de vezes, a folha de máquina ou de impressão , transformando-a em caderno. Encadernação - Arte de unir em volume as folhas de um livro para facilitar o seu uso. Na Idade Média , a encadernação, era de manufatura monástica e frades escolhidos exerciam o ofício de encadernador. As primeiras encadernações que se fizeram em Portugal, eram em tábuas cobertas de prata, com figuras trabalhadas, e em tábuas cobertas forradas em pele, com chapas da bronze. A encadernação portuguesa atingiu a máxima suntuosidade no século XVIII. Entrelinhar - Espaçar a composição por meio de regretas que se põem entre as linhas, para a tornar menos compacta e de melhor leitura. A composição entrelinhada dá sempre à página mais claridade e beleza artística. Entrelinhas - Tiras de metal-tipo de várias dimensões e mais baixos que os caracteres. Envernizar - Dar uma camada de verniz especial como preparo final de um livro. Espaços - Peças de metal-tipo fundidos no corpo da letra, mas mais baixos e com diversas grossuras, que servem para separar as palavras e justificar as linhas. Espacejar - Meter espaços entre as palavras. 85 Esteriotipia - A Arte de fundir páginas para a impressão daquelas obras de que se devem fazer várias edições e cujo molde da matriz foi tirado sobre a composição de caracteres móveis, em gesso ou mais modernamente em papel - pasta especial. Antes do aparecimento do offset, a esteriotipia era uma enorme vantagem para as indústrias tipográficas, porque evitava o amassamento dos caracteres soltos. Fac- símile - Reprodução exata de uma assinatura, desenho ou escrito. Filetes - Tiras largas de metal à altura da letra, fundidas desde um ponto em diante. estão incluídos na designação genérica de filetes, todos os traços usados na tipografia. Fole - Instrumento que era usado em todas as tipografias para limpar o pó das caixas de composição. Fólios - Numeração que se põe à cabeça ou pé de páginas de uma obra, folheto ou jornal. Podem ser numéricos ou explicativos. Fotocromotipografia - Aplicação da fotocromia à impressão tipográfica. Fotomecânica - Conjunto de operações fotográficas utilizadas na preparação de gravuras e, em geral, de todo o material de impressão. Galeão - Placa retangular, de madeira, com rebordo em dois dos seus lados. Os mais usados, onde é colocada a composição continuada, tem aproximadamente 1 metro de comprimento. Galvanoplastia - Arte de sobrepor a um corpo sólido uma capa metálica por meio de correntes elétricas. Processo químico pelo qual se obtém a reprodução em cobre de uma gravura, página, etc. Helioplastia - Arte de produzir moldes para imprimir, de gelatina endurecida, na qual se obtém uma prova fotográfica. Heliotipia - Nome genérico de todo o procedimento aplicado à obtenção de matrizes para a imprensa. Iluminar - Dar cor às figuras, letras,etc. de um livro ou estampa. Justificar - O ato de meter ou tirar espaços, procurando reparti-los com igualdade para se pôr a linha à medida que se deseja. 86 Letra - Dá-se em geral este nome aos caracteres ou tipos que servem para executar a composição. É constituída por uma liga de chumbo, régulo de antimônio e estanho. A letra, propriamente dita, é o todo que vai desde a parte saliente que imprime e que se denomina olho, até ao fim da haste que o sustenta. Linha - A série de palavras compostas e impressas sobre uma mesma linha horizontal. Linómetro - Régua metálica onde se indicam por pontos tipográficos os diferentes corpos. Linotipista - Operador de qualquer máquina de compor e fundir linhas de tipo. Litocromia - Arte de produzir litograficamente quadros em óleo. Litofotografia = Fotolitografia. Marginar - Fazer e deixar margens no papel. Material Branco - É constituído por espaços, quadrados, quadratins, entrelinhas de metaltipo, lingotes e quadratins. Matriz - O molde em que fundem os tipos. Pequeno bloco de cobre ou ferro, em forma paralelípidica, onde está cavada e invertida a letra. Medida - Dimensão determinada pelo número de quadratins de corpo 12 (cíceros) em que é feito qualquer trabalho de composição. Metalografia - Arte de gravar em metais especialmente no vazio. Microfotografia - Fotografia de preparações microscópicas. Minervista - Operário impressor tipográfico que trabalho com máquinas de pequeno formato designadas por Minervas, movidas a electricidade ou com o pé. Numerador - Pequena máquina que, automaticamente, muda os números de impresso para impresso. Offset - Processo de impressão no qual o transporte da tinta desde a gravura até ao suporte final é feito por um depósito intermédio, normalmente uma manta de cauchu. Permite melhorar o colorido e a suavidade de matrizes. Começou por isso a ser usado exclusivamente em litografia, e só posteriormente a técnica de offset foi aplicado à tipografia. 87 Pagela - Página de formato muito pequeno. Paginação - Ação de paginar. Paginador - É o tipógrafo especializado em serviços de paginação. É o que reduz as páginas a composição que está em granel ou galeão. Paginar - Numerar as páginas. Palhetas - Duas varas de ferro, estreitas e achatadas, de pequenas dimensões presas à platina das minervas e que servem para segurar o papel no ato da impressão. Quadratim - Peça de chumbo mais baixo que a letra, tendo o mesmo corpo nas suas quatro faces. É o espaço mais largo do respectivo corpo e tem igualmente a mesma altura dos espaços mais baixos. Quatricromia - Impressão de uma gravura a quatro cores, as da tricromia e mais um gris ou negro. Quirótipografia - Arte de imprimir com a mão, isto é sem necessidade da prensa. Radiolineotipia - Composição tipográfica à distância por meio de ondas hertezianas. Rama - É um caixilho de ferro de rigorosa esquadria, dentro do qual são postas quaisquer formas para serem impressas. Recorrido - Operação de ajuste de algumas páginas, ora aumentando o seu tamanho, ora reduzindo-o. A parte da composição em que se efetua esta operação. Reimpressão - A segunda, terceira ou quarta vez que se imprime uma obra. Siderografia - Arte de gravar em aço. Similigravura - Gravura sobre zinco ou cobre obtida por processos fotográficos e químicos cuja principal característica é a interposição de uma retícula ou granido entre a objetiva e o écran, para se obter o modelado dos tons. Tamborete - Pedaço de madeira quadricular e plana, destinada a baixar nas formas as letras que estão altas. 88 Tímpano - parte da prensa manual, em cujo caixilho, coberto de estofo de algodão, se colocam as folhas de imprimir. Tinteiro - parte da máquina onde está depositada a tinta que é depois distribuída pela forma com o auxílio de vários rolos. Tipo - Nome que se aplica genericamente a todos as caracteres de chumbo. Tipografia - Arte de copiar em caracteres de metal os diferentes trabalhos próprios da imprensa. Deriva do latim typus (forma, figura, molde) e do grego graphos (escritura). Tipolitografia - Processo de impressão sobre a pedra litográfica mediante o transporte de uma prova tipográfica. Tipómetro - Instrumento de que se servem os fundidores para examinar se as letras têm o corpo e a altura que se deseja. Regreta de madeira ou metal, graduada em pontos e cíceros, de que se serve o tipógrafo para múltiplas operações. Tricomia - Ilustração impressa tipograficamente, com três gravuras, obtidas com a intervenção dos chamados filtros, para a obtenção fiel do modelo ou aquarela. A impressão da tricomia é executada com três cores primárias: amarelo, vermelho e azul, razão porque, para a consecução dos clichês para cada uma das cores, se utilizam os filtros representativos das cores secundárias, ou sejam violeta, verde e laranja. Vinheta - Coleção de adornos de vários corpos, com os quais se fazem infinitas combinações decorativas. Volante - Roda que regulariza o movimento das máquinas. Xilografia - Impressão sobre uma tábua gravada, anterior à descoberta da imprensa e de que esta evidentemente descende. Aplica-se ainda o vocábulo à gravura em madeira. Zincografia - Gravura sobre zinco cujo transporte é feito por meio da litografia. 89 ANEXO 1 O primeiro Alô! Alô vem nesta edição de 1941, cuja manchete principal é a Segunda Grande guerra 90 ANEXO 2 Primeira nota do primeiro dia do então Allô! Allô! 91 ANEXO 3 Segunda nota publicada pela coluna 92 ANEXO 4 O cotidiano da cidade era levado ao Alô! Alô! como na 3ª nota do dia. 93 ANEXO 5 Um trocadilho faz a única referencia II Guerra 94 ANEXO 6 Problemas com a falta de luz eram comuns 95 ANEXO 7 O problema se repetia no bairro Carlos Prates 96 ANEXO 8 Essa edição já vem sem o número do telefone de contato do Alô! Alô 97 CONTINUAÇÃO - ANEXO 8 98 ANEXO 9 Denúncia de serenatas 99 ANEXO 10 Qualquer incômodo ganhava nota no AA 100 ANEXO 11 As notas tinham várias origens 101 ANEXO 12 Falta de iluminação vira reclamação do morador 102 ANEXO 13 Assuntos sobre a moral de alguém eram publicados 103 ANEXO 14 O excesso de velocidade dos bondes era denúncia séria no Alô! Alô! 104 ANEXO 15 Participante, mesmo gago, podia falar de seu problema 105 ANEXO 16 Dificuldades escolares viravam nota no AA 106 ANEXO 17 O recurso de “filminho” foi usado pela primeira vez no ano de 1941 107 ANEXO 18 Os penteados, se incomodassem? Nota no AA 108 ANEXO 19 O Allô! Allô! A cresce e adentra outros municípios. Essa é a primeira noticia vinda de Contagem 109 ANEXO 20 Fonte: Jornal O Tempo, edição de 21 de novembro de 2007, p, 13. 110 ANEXO 21 Diário da Tarde, 12 de julho de 2006. 111 ANEXO 22 Impressão, edição de novembro de 2007 “chama”a matéria do fim do DT. 112 ANEXO 23 A matéria de página central no Impressão, novembro de 2007. 113 ANEXO 24 Anexo 4 : 1ª página do jornal Aqui, edição do dia 31 de julho de 2007 114 ANEXO 25 A 1ª página do Super, edição do dia 15 de janeiro de 2008. 115 ANEXO 26 Uma página do Binômio editada no livro de José Maria Rabelo