2006 Artigo Terra da Gente, Liana John
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2006 Artigo Terra da Gente, Liana John
TG29 8/30/06 10:41 AM Page 76 FIO DA TEIA CONSUMO O exemplo de quem já mudou para rotinas mais sustentáveis Flávia Chierighini T E R R A D A G E N T E À frente dos novos projetos da Gazzola Chierighini Alimentos, ela apresenta o primeiro café sustentável do Brasil, aqui e em New York 76 Para quem está integrada à rotina da Gazzola Chierighini Alimentos Ltda há apenas um ano, Flávia Chierighini transborda novidades: acaba de aprovar a embalagem do Ghini, o primeiro café sustentável do Brasil, com toda a cadeia de custódia certificada pela Rainforest Alliance, e mais um selo de café gourmet de alta qualidade, concedido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (sigla, em inglês, BSCA); fez um acordo com um canal de TV a cabo para vender kits de café nos Estados Unidos e viaja agora em setembro para New York para negociar o lançamento do Ghini por lá. Casada com o diretor presidente da empresa, Augusto Chierighini, Flávia antes trabalhava ocasionalmente com traduções e acompanhava os dois filhos em competições de iatismo. A convivência com velejadores e o freqüente contato com a natureza, sempre cuidando para manter limpos os locais visitados, moldaram sua consciência ambiental e a preocupação com a saúde: Flávia é avessa a tomar remédios, cuida com atenção da alimentação e faz questão de consumir produtos naturais, embora já não seja mais vegetariana. Devido a essa tendência pessoal, há oito anos acompanhou de perto o lançamento do primeiro café orgânico da empresa, com selo do Greenpeace, e resolveu tomar para si a tarefa de lançar o café sustentável Ghini como parte das comemorações de 50 anos da empresa. Nesta entrevista à Terra da Gente, Flávia explica as diferenças dos dois produtos e fala sobre a comercialização de produtos com selos ambientais no mercado brasileiro. A empresa de Café Ituano já tem um histórico de cafés orgânicos e especiais. O que é diferente no Café Ghini? Nossa empresa está completando 50 anos em 2006, por isso planejamos um lançamento. Nesses 50 anos, a Gazzola Chierighini Alimentos foi basicamente uma indústria de café tradicional, com três marcas Ituano à venda em supermercados, no varejo. Há mais ou menos 20 anos atrás, nosso diretor-presidente resolveu apostar no café expresso, com o café do Cerrado, produzido em Minas Gerais. É um café cultivado em altitude, com uma qualidade excepcional. Café do Cerrado passou a ser um selo de origem, assim como o Champagne na França. Fomos os primeiros a ter selo de origem, adoramos ser os primeiros, não sei se é loucura ou coragem... A partir daí dividiu-se a fábrica, e montou-se uma linha para cafés especiais, de valor agregado, com outras qualidades. E por causa desse pioneirismo, o Greenpeace nos procurou. Então lançamos o primeiro café orgânico do Brasil, com o selo Greenpeace. Isso foi em 1998, na época era o único do mercado. Ainda existe essa marca ou vocês desativaram? Na realidade, pagávamos royalties para o Greenpeace, caríssimo, a produção era cara, o produto não vendia. Tivemos muita mídia editorial, todo mundo publicou a notícia e achamos que ia ser um boom, mas não foi. Aí desistimos da marca, paramos de pagar royalties e ficamos com o Ituano orgânico, mas não fizemos um trabalho de marketing especifico. A fábrica é grande, a maior produção ainda é de cafés tradicionais e mesmo hoje os cafés especiais só respondem por 20%, ou seja, 100 mil quilos de café por dia... No caso dos cafés orgânicos, só os produtores que vendem os cafés em grãos para vocês têm a certificação ou a fábrica também tem? Só compramos orgânicos com certificação e a fábrica também tem selo do Instituto Biodinâmico (IBD), principal certificadora de orgânicos do Brasil. Produzimos o café Ituano orgânico até o ano passado. E há uns dois anos atrás, participamos do Programa Setorial Integrado (PSI), uma coordenação do Sindicato de Produtores de Café para as indústrias exportadoras. Raramente vemos o Brasil vendendo seu café embalado, certificado ou não, no Exterior, enquanto os da Colômbia são comuns... Porque é uma dificuldade exportar café industrializado, café torrado. No Brasil se vende a matéria-prima, só commodities, só grão verde. O governo da Colômbia promove os cafés colombianos industrializados no Exterior, mas o Brasil não, só commodities. Nós participamos de O FAUNA ANTA, com muito orgulho T E R R A D A G E N T E texto LIANA JOHN 18 Criadores, educadores e pesquisadores lutam contra a injusta fama de ‘estúpida’ para devolver à dócil e simpática anta brasileira o lugar que ela merece entre nossos grandes mamíferos terrestres, como elo fundamental na cadeia alimentar e coadjuvante na renovação das matas 19 Tapirus terrestris T E R R A D A G E N T E LIANA JOHN G E N T E D A T E R R A LIANA JOHN 20 O costume brasileiro de chamar pessoas atrapalhadas de ‘anta’ atrapalha mesmo é a conservação do animal. Quantos se importam com a extinção de uma espécie que é sinônimo de estupidez? E quem doa recursos para pesquisas com um ser considerado imprestável? Não se sabe bem ao certo de onde vem todo esse preconceito contra as antas. Mas dá um trabalhão consertar o estrago causado pela in- A anta é dócil e inteligente, estúpido é o preconceito justa difamação. Que o diga a brasileira Patrícia Médici, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e presidente, desde 2000, do Tapir Specialist Group, um grupo internacional de especialistas nas quatro espécies de anta existentes no mundo, ligado à respeitada União para a Conservação Mundial (IUCN). “Só no Brasil se associa a anta com estupidez. Nos outros países não é assim, eles até estranham quando contamos como as antas são consideradas aqui”, comenta Patrícia. “O animal não tem nada de estúpido, é dócil e inteligente e, em cativeiro, é facilmente treinado, inclusive nos procedimentos T E R R A D A Tapirus pinchaque G E N T E Tapirus terrestris LIANA JOHN Tapirus terrestris 21 para coleta de sangue”. No Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste do Estado de São Paulo, onde fica uma das bases de pesquisas do IPÊ, o esforço conjunto dos pesquisadores e educadores ambientais começa a reverter a má imagem das antas, sobretudo JAIME SUAREZ PROTEÇÃO — As listras claras (acima) ajudam a camuflagem do filhote (ao alto, na “hora do rancho”). A boca branca é uma das características da espécie andina (ao lado) junto às crianças, que já a incluem em seus desenhos. Mas ainda é uma área muito restrita, se comparada à imensa região de ocorrência da espécie, cientificamente conhecida como Tapirus terrestris (todo o Brasil e a maioria dos países sulamericanos). “É um conceito muito difícil de mudar, nem uma mega campanha publicitária cobriria toda a área de distribuição da anta”, acrescenta a especialista, que só agora, após 10 anos no Pontal, comemora a abertura de uma segunda frente de pesquisas, no Pantanal. E olhe que a anta é o maior mamífero terrestre nativo da América O Cardápio variado e divertido G E N T E Estudos da dieta das antas indicam o consumo de uma grande quantidade de frutos, além de fibras (capim e, sobretudo, brotos de folhas). Num levantamento realizado no Pontal do Paranapanema, Cristina Tofoli, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), identificou seus petiscos preferidos: coquinhos de jerivá (Syagrus romanzoffiana), vagens de jatobá (Hymenaea courbaril), frutos – mesmo espinhosos – de caraguatás (gêneros Ananas e Bromelia) e frutos em forma de coração do araticum-cagão (Annona cacans). Entre os brotos, uma das espécies consumidas com freqüência é a erva-mate (Ilex paraguaiensis). Em cativeiro, as antas precisam dessa variedade, mesmo que isso implique incluir itens novos ao cardápio silvestre, como hortaliças. Sobretudo se a intenção é assegurar a reprodução, pois antas mal nutridas não criam. E a forma de oferecer o alimento também deve ser diversificada, pois os animais precisam de estímulo para ‘abrir o apetite’. Brincar com uma melancia inteira até conseguir quebrar a casca e saborear a polpa suculenta, por exemplo, é um passatempo apreciado por mães e filhotes. Lamber troncos com mel ou procurar pedaços de cenouras, cana- de-açúcar, maçãs e até mesmo pequenas passas penduradas e galhos ou escondidas no capim são outras alternativas recomendadas a criadores pelo Tapir Specialist Group. A intenção não é apenas quebrar a monotonia, mas também suprir as necessidades de um animal que tem volume estomacal limitado e, em vida livre, adaptou-se à disponibilidade de alimento do ambiente. Ou seja: come diversas vezes por dia, em pequenas quantidades, os frutos de muitas espécies de plantas diferentes, incluindo coquinhos e favas. T E R R A D A Tapirus terrestris GILIA ANGELL 22 do Sul. Alcança um metro de altura, dois de comprimento e até 250 kg. Possui hábitos preferencialmente noturnos e é flexível quanto ao hábitat, adaptando-se tanto a florestas densas, como matas se- cundárias ou mesmo cerrados e áreas de vegetação mais aberta, contanto que consiga estar sempre perto de rios, lagos, ou lagoas. Além de nadar e mergulhar com maestria, a anta faz da água seu re- fúgio, seja contra o excesso de calor (termorregulação) ou em caso de perigo. Seus predadores naturais são as onças, pintada e parda. Mas a maior pressão vem mesmo do T E R R A D A G E N T E GILIA ANGELL Tapirus bairdii Tapirus terrestris LIANA JOHN DIFERENÇAS A anta centro-americana (acima) não tem crina e tem pelagem mais escura do que a sul-americana (ao lado e na página anterior, em seu hábitat) homem, com a caça para consumo da carne e uso do couro, e os desmatamentos e a fragmentação das matas, provocando perda de hábitat. No Brasil, a pressão de caça se restringe a áreas mais isoladas, sobretudo na Amazônia, pois a atividade é ilegal e é difícil carregar uma anta abatida sem ‘dar na vista’. No Pantanal, a preferência generalizada pela caça do chamado porco monteiro — porcos domésticos castrados e liberados para ‘engorda’ em capões de mata — livra a anta da mira dos caçadores. Mas em alguns países vizinhos, como Peru e Guiana Francesa, a carne de anta é vendida aberta- 23 O Um gênero, quatro espécies 24 ILUSTRAÇÕES: STEPHEN NASH T E R R A D A G E N T E Existem apenas quatro espécies de anta no mundo e todas pertencem ao gênero Tapirus. Todas têm o focinho alongado como uma pequena tromba e costumam gerar apenas um filhote por gestação, que nasce listrado, para melhor se camuflar em meio à vegetação. O filhote acompanha a mãe o tempo todo durante 18 meses a 2 anos. Todas vivem em torno de 30 anos. A espécie de distribuição mais ampla é a anta brasileira ou anta sul-americana (Tapirus terrestris), que habita florestas densas ou abertas, primárias ou alteradas e mesmo cerradões e cerrados, onde quer que exista um curso d’água, uma lagoa ou mesmo grandes poças para se refrescar e se esconder. É considerada vulnerável ao risco de extinção. Seu corpo é acinzentado, com uma crina curta e as pontas das orelhas brancas. Mede até 2 metros de comprimento e chega a pesar 250 kg. mente nos mercados, portanto a caça comercial sujeita aquelas populações a extinções locais. Diferente das capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris), com as quais costuma ser confundida, a anta tem uma gestação longa, de 300 a 400 dias, e produz um único filhote. Os gêmeos são muito, muito raros. O filhote, quando nasce, apresenta listras claras no meio do pêlo castanho, o que serve de camuflagem em meio à sombra-e-luz das matas. Ele anda ao lado da mãe o tempo todo, durante cerca de um ano. A mesma fêmea pode dar à luz em intervalos de 18 meses. Mesmo assim não é uma Praticamente do mesmo tamanho — 2 metros — porém mais pesada — até 272 kg —, a anta centroamericana ou anta-de-Baird (Tapirus bairdii) também vive em terras baixas. Pode ser diferenciada da anta brasileira pelo tom da pelagem, mais marrom do que cinza, com o pescoço e a parte inferior da face bem mais claros e amarelados. E não tem crina. É considerada ameaçada de extinção. Bem menor e mais peluda, a anta andina ou antada-montanha (Tapirus pinchaque) é também a mais escura das quatro, com pelagem marrom e a face amarelada. Tem apenas as pontas das orelhas brancas e uma mancha branca em volta da boca, parecendo pintada. Habita as terras altas e mais frias dos Andes e é considerada ameaçada. Mede até 1,8 metro e pesa, no máximo, 150 kg. A anta precisa de espaço e tolera até vegetação degradada taxa de natalidade capaz de fazer frente às perdas, e, apesar de sua imensa distribuição original, a espécie está na lista vermelha da IUCN como vulnerável ao risco de extinção. Após 10 anos coletando amostras de sangue para análises genéticas e epidemiológicas e monitoran- do os deslocamentos de antas no Parque Estadual Morro do Diabo, localizado no Pontal, Patrícia Médici consegue ter uma noção da estrutura da população e dos impactos da fragmentação de hábitat. E espera usar esse conhecimento na elaboração de um plano de conservação, com recomendações de pesquisas para preencher lacunas de conhecimento, criação de mais áreas protegidas, estabelecimento de um programa de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e outras medidas. O plano de ação será o centro das discussões de um workshop sobre a anta brasileira, previsto para abril de G E N T E Já a anta malaia ou anta asiática (Tapirus indicus) é a maior de todas — até 2,5 metros de comprimento e 500 kg — e possui um padrão de pelagem totalmente diferente, branco e preto, semelhante ao dos pandas gigantes. Nas florestas em que vive, essa pelagem se confunde com as manchas de luz e sombra e ajuda o grande mamífero a disfarçar o contorno de seu corpo. É considerada vulnerável ao risco de extinção. TRÊS A região de ocorrência da anta brasileira é a mais extensa e abrange Venezuela, Colômbia, Brasil, Paraguai, norte da Argentina e leste dos Andes. Sobrepõe-se parcialmente, ao Norte, à área da anta centro-americana, que ocupa desde o Sul do México até o Norte da Colômbia. E também é vizinha, a Oeste, à área ocupada pela anta andina, que habita terras mais altas, nos Andes, entre Peru, Colômbia e Equador. Já a anta malaia, apesar de ser do mesmo gênero das outras três — Tapirus — vive, literalmente, do outro lado do mundo, no Sudeste da Ásia, entre o Sul de Burma, Tailândia, península da Malásia e ilha de Sumatra DISTRIBUIÇÃO: Anta sul-americana 2007, em Sorocaba, no Interior paulista. “As antas estão presentes em todos os ecossistemas brasileiros com exceção da caatinga nordestina e toleram até vegetação degradada, desde que consigam se locomover pela paisagem”, explica. “Porém são muito sensíveis a pequenas áreas e restringem a circulação quando há mais estradas, mais cercas, mais barulho e mais gente”. Em outras palavras, a pesquisadora acredita que as antas podem se manter mesmo em áreas fragmentadas ou de vegetação secundária se houver espaço para livre Anta-da-montanha Plano é trocar o cativeiro por reservas privadas em dois anos circulação, como corredores ecológicos, ou matas ciliares recompostas, ou mesmo reflorestamentos com nativas. “Elas circulam pela paisagem em busca de alimento, à noite, e é importante não cortar a movimentação delas”, acrescenta Patrícia. Até agora o monitoramento foi feito com telemetria, ou seja, Anta-centro-americana Anta-asiática colocando rádios-colares nas antas e as seguindo com o auxílio de antenas. Mas um novo método, em fase de testes, promete facilitar a vida dos pesquisadores, baratear custos e aumentar a quantidade de dados coletados: o rastreamento de pegadas. O rastreamento vai muito além daquele feito por caçadores, apenas para achar o bicho: permite identificar cada indivíduo e, a partir daí, fazer estatísticas de população, estimativas de taxa reprodutiva, alimentação, uso de área, etc. Uma das expectativas, ao colocar o plano de conservação em prática, dentro de uns dois anos, é experimentar a reintrodução de T E R R A D A VIZINHAS E UMA FORASTEIRA 25 O T E R R A D A G E N T E No rastro da renovação Ao consumir uma grande variedade de frutos, a anta assume um papel importante para os ecossistemas por onde circula: ela é dispersora de sementes. Conforme explicam Paulo R Guimarães Jr e Mauro Galetti, do Grupo de Fenologia e Dispersão de Sementes da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Rio Claro), a dispersão de sementes é a fase mais crítica de uma planta, pois é preciso levar as plantasfilhas para longe da planta-mãe, evitando a competição entre elas por luz, nutrientes e água. Como não podem andar, entre outras estratégias as plantas desenvolveram frutos de formas, cores e composição química atraentes para animais. Assim os estimulam a fazer o ‘favor’ de comer os frutos e carregar as sementes para elas, espalhando-as por onde quer que andem (em geral, devidamente adubadas). Segundo os dois pesquisadores, os frutos dispersados por mamíferos, por exemplo, costumam ser grandes, amarelos, marrons ou verdes, e aromáticos. Ocorre que alguns deles são grandes demais para a maioria dos mamíferos brasileiros atuais. Acredita-se que eram frutos dispersos, no passado, pela chamada megafauna — preguiças terrestres, gonfotérios (parecidos com elefantes), gliptodontes (semelhantes a tatus) e toxodontes (próximos dos hipopótamos) —, que tinha representantes de até 4 toneladas. Mas hoje existem apenas 13 dos 60 gêneros de mamíferos com mais de 44 kg que viviam na América do Sul há 10 mil anos, lembra Galetti. E só sobraram o cervo-do-pantanal (Blastocerus odontocetus) e a anta com mais de 100 kg. Como o cervo alimenta-se preferencialmente de capim, sobra para a anta a tarefa de dispersar uma boa variedade de frutos, cujas sementes são grandes demais para passarem intactas através do trato digestivo de outros mamíferos. Primatas e roedores podem até apreciar tais frutas, mas sua maneira de comer é diferente, quebrando ou roendo as sementes, o que impede que elas germinem. Uma mata sem antas, portanto, não 26 LIANA JOHN Tapirus terrestris antas de cativeiro em áreas de vegetação restaurada ou reservas dentro de propriedades privadas (as RPPNs). “Tem uma grande população de antas cativas no Brasil, em zôos e em criadouros conservacionistas. Hoje o grande papel desses animais de cativeiro é educativo, mas eu gostaria de começar a trabalhar com reintrodução”, sonha a pesquisadora. Ela tem até duas sérias candidatas: uma anta do zôo de Sorocaba e outra de um criadouro conservacionista, localizado em Corumbaíba, em Goiás, de propriedade de Juscelino Martins. Mas, antes, há uma porção de detalhes a acertar, num protocolo feito com o rigor científico que a situação exige, pois trata-se de um animal de grande porte e a soltura se renovaria naturalmente, já que as árvores cujos frutos são grandes perderiam seu último dispersor ainda vivo. Mas em quanto tempo o impacto da ausência das antas se faz sentir? E quantas e quais plantas de fato não teriam nenhuma outra alternativa de dispersão? Na tentativa de responder a estas e a outras perguntas, em julho de 2004 a pesquisadora Patrícia Médici, do IPÊ, demarcou 50 trechos de mata no Parque Estadual Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema. Vinte e cinco foram cercados, de modo a não permitir a passagem de antas ou porcos selvagens. Com o monitoramento constante de vegetação, tanto nos lotes cercados como nos abertos, a expectativa é “avaliar o que a extinção da anta significa para a biodiversidade do sub bosque e para a estrutura da floresta”, diz Patricia. Com uma ressalva: “como a floresta é seca, de interior, os efeitos devem demorar a aparecer, portanto desenhamos esse experimento para 5 anos, mas com a intenção de estendê-lo para 10 anos, pelo menos”. G E N T E D A T E R R A Tapirus terrestris RESISTÊNCIA — A anta se adapta à vegetação rala, como a do Cerrado (acima), mas precisa de água, mesmo que de tanque artificial (à esq.) tem muitas implicações, tanto para o animal a ser introduzido, como para os animais silvestres da área e para o ambiente. Enquanto aguarda a chance de contribuir para um experimento desse porte, Martins investe recursos e tempo no criadouro. Em uma fazenda de 5 mil hectares, ele possui queixadas, pacas, emas, veados. Mas as antas são, visivelmente, as preferidas: “elas são dóceis, todas têm nomes próprios e atendem quando chama- das. É um animal muito especial”, diz, sem esconder o entusiasmo com o nascimento de 3 filhotes, só no primeiro semestre desse ano, totalizando 7, nos últimos 4 anos. São 14 antas adultas. Cada uma consome de 7 a 8 kg de frutas por dia, sem contar a ração, preparada ali mesmo, na fazenda. Os recintos são grandes, dotados de tanques com água, e o cuidado constante pede um tratador exclusivo. Cláudio Machado Filho cuidava de bois em Abadia dos Dourados, em Minas Gerais, mas logo acostumou com o novo tipo de ‘gado’, que vem quando ele assobia e anda atrás dele, farejando comida. “Não adianta ir na bruta com elas. Tem que ter um relacionamento”, recomenda, transmitindo admiração e respeito. Dois sentimentos que, popularizados, seriam meio caminho andado na direção da conservação das antas no País. PARA SABER MAIS: Grupo Especialista em Antas www.tapirspecialistgroup.org AGRADECIMENTOS A: Juscelino Martins Rodrigo Souza Heitor Gilia Angell Stephen Nash MARAÍSA RIBEIRO 27