Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura.
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Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura.
Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura. Andrey Rosenthal Schlee (1) Ana Cláudia Böer Breier (2) Maíra Teixeira Pereira (3) (1) Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal de Pelotas (1987), mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) e Doutor de Universidade de São Paulo (1999), professor da Universidade de Brasília. Endereço: SQN 205, bloco H, apt.206. Brasília, DF, cep. 70844-080. Fone: (61)30335438. [email protected] (2) Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Santa Maria (2002), mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005) e doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Endereço: SCNL 210, Bloco B, apt 106. Brasília, DF, cep. 70862-520. Fone: (61)33072454. [email protected] (3) Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Viçosa (2001), mestre pela Universidade Federal de Viçosa (2003), professora da Universidade Estadual de Goiás e doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Endereço: SQN 410, bloco J, apt.208, Brasília, DF, cep. 70865-100. Fone: (61)81614121, [email protected] Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura. Resumo: Gustavo Capanema foi Ministro da Educação e Saúde de 1934 a 1945. Entre as inúmeras tarefas a ele solicitadas, uma em particular não foi concluída, a organização e publicação da “Obra Getuliana”. O livro deveria ser lançado em 1945, durante as comemorações dos quinze anos da Revolução e do governo de Getúlio Vargas. Carlos Drummond de Andrade e Antônio Leal Costa foram encarregados de escrever o capítulo que trataria das questões culturais. Burle Marx, Portinari, Santa Rosa e Guignard seriam os ilustradores e Mario Baldi, Erwin Von Dessaue, Paulo Alves e Erich Hess, os fotógrafos oficiais. Tratava-se de construir uma visão do Brasil e de sua Administração. A tarefa não foi finalizada, mas cerca de 600 fotografias foram especialmente produzidas e, desde então, pouco a pouco, reproduzidas. Tais documentos somaram-se às imagens do Brasil e de seu povo registradas e publicadas por outros profissionais especialmente contratados, como Jean Manzon (pelo DIP) e Marcel Gautherot (pelo SPHAN). Particular atenção recebeu a arquitetura, com os fotógrafos voltando suas lentes para os monumentos “modernos e antigos”. Inaugurava-se assim uma maneira oficial de apresentar a arquitetura nacional. Prática que se manteve ao longo de muitos anos. Com tal compreensão, o presente artigo busca identificar qual a contribuição dos fotógrafos para a historiografia da arquitetura brasileira, analisando, particularmente, duas situações: o registro da obra de Oscar Niemeyer e de Lina Bo Bardi. No caso de Niemeyer temos fotógrafos como Richard Wurts, Jean Manzon, Marcel Gautherot, Rafael Landau, George Kidder Smith, Rosalie Thorne McKenna, os irmãos José e Humberto Franceschi, Yukio Futagawa, Alan Weintraub e Leonardo Finotti entre outros. Já no caso de Lina Bo Bardi, temos principalmente Francisco Albuquerque, Peter C. Scheier, Hans Günter Flieg e Nelson Kon. Palavras-chave: fotografia, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi. Photographers perpetuating views of architecture. Abstract: Gustavo Capanema was Minister of Education and Health from 1934 to 1945. Among the many tasks it requested, one in particular was not completed, the organization and publication of the "Obra Getuliana”. The book should be launched in 1945 during the celebration of fifteen years of Revolution and the government of Getúlio Vargas. Carlos Drummond de Andrade and Antonio Leal Costa were responsible for writing the chapter dealing with cultural issues. Burle Marx, Portinari, Santa Rosa and Guignard would be illustrators and Mario Baldi, Erwin Von Dessauer, Paulo Alves and Erich Hess, the official photographers. It dealt about building a vision of Brazil and its administration. The task was not finished, but some 600 photographs were specially produced and, since then, little by little, reproduced. These documents were added to the images of Brazil and its people, and were registered and published by other professionals especially hired – like Jean Manzon (by DIP) and Marcel Gautherot (by SPHAN). The architecture received particular attention, with photographers aiming their lenses back to the monuments "modern and ancient." It opened an official way to present the national architecture. And this practice has continued over many years. In this context, this article aims to discuss the contribution of photographers to the historiography of Brazilian architecture, analyzing two situations in particular: the registration of the work of Oscar Niemeyer and Lina Bo Bardi. In the case of Niemeyer, there were photographers like Richard Wurts, Jean Manzoni, Marcel Gautherot, Rafael Landau, George Kidder Smith, Rosalie Thorne McKenna, and the brothers José and Humberto Franceschi, Yukio Futagawa, Alan Weintraub and Leonardo Finotti among others. In the case of Lina Bo Bardi, there were primarily Francisco Albuquerque, Peter C. Scheier and Nelson Kon. Keywords: photograph, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi. Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura. Introdução - A parceria entre fotógrafos e arquitetos modernos. A primeira metade do século XX foi marcada por uma frutífera associação entre fotógrafos e arquitetos. Tratava-se de legitimar a arquitetura então realizada, o que ocorreu também pelas sensíveis lentes de fotógrafos afinados com as vanguardas artísticas. Pouco a pouco, por meio de refinadas publicações e pela difusão das revistas especializadas, inúmeras obras passaram a ser internacionalmente conhecidas e tornaram-se paradigmáticas. Obras nem sempre integralmente reveladas, mas ao contrário, cuidadosamente escolhidas e fotografadas a partir dos seus melhores ângulos. Uma arquitetura “pura” e “racional” revelada sob o efeito da luz e da sombra (mas por excelentes fotógrafos...). Estudando o tema, Anat Falbel1 lembrou algumas parcerias importantes entre fotógrafos e arquitetos, como Julius Shulman e Richard Neutra ou Ezra Stoller e Frank Lloyd Wright, Paul Rudolph, Marcel Breuer, Eero Saarinen, Richard Meier e Mies van der Rohe. No Brasil, tal parceria foi, ao que tudo indica, inicialmente estimulada pelo Governo Federal. Entre as inúmeras tarefas solicitadas ao ministro Gustavo Capanema, uma em particular não foi concluída, a organização e publicação da “Obra Getuliana”. O livro deveria ser lançado em 1945, durante as comemorações dos quinze anos da Revolução e do governo de Getúlio Vargas. Carlos Drummond de Andrade e Antônio Leal Costa foram encarregados de escrever o capítulo que trataria das questões culturais. Burle Marx, Portinari, Santa Rosa e Guignard seriam os ilustradores e Mario Baldi, Erwin Von Dessaue, Paulo Alves e Erich Hess, os fotógrafos oficiais. Tratava-se de construir uma visão do Brasil e de sua Administração. A tarefa não foi finalizada, mas cerca de 600 fotografias foram especialmente produzidas e, desde então reproduzidas. Tais documentos somaram-se às imagens do Brasil e de seu povo registradas e publicadas por outros profissionais especialmente contratados, como Jean Manzon e Marcel Gautherot. Particular atenção recebeu a arquitetura, com os fotógrafos voltando suas lentes para os monumentos “modernos e antigos”. Inaugurava-se assim uma maneira oficial de apresentar a arquitetura nacional. Prática que se manteve ao longo de muitos anos. Com tal compreensão, buscamos apontar a contribuição dos fotógrafos para a historiografia da arquitetura brasileira, inventariando, particularmente, duas situações: o do registro da obra de Oscar Niemeyer e o de Lina Bo Bardi. 1 - Fotografando a obra de Oscar Niemeyer 1.1 - Brazil 1 FALBEL, 2007. p.7. O edifício para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York de 1939 é considerado o “lançamento mundial de Oscar Niemeyer”2. O projeto, realizado em conjunto com Lucio Costa e Paul Lester Wiener, também marcou o inicio da relação do arquiteto com a historiografia. Uma história contada a partir das lentes dos fotógrafos. O Pavilhão foi um sucesso de público e de crítica, além de “amplamente documentado pelas revistas de arquitetura que cobriram a Feira”3. Registros únicos, que se tornaram históricos, realizados por fotógrafos estrangeiros como Richard Wurts, Fay S. Lincoln e G. E. Kidder Smith. No entanto, as imagens então divulgadas não exploraram o edifício na sua totalidade. Richard Wurts4 iniciou sua carreira em família, na firma dos irmãos Lionel e Norman Wurts (pai e tio, respectivamente). O Wurts Brothers Company (de 1894) foi um importante estúdio novaiorquino, sendo um dos primeiros especializados em fotografias de arquitetura. Richard tornou-se reconhecido justamente pelo seu trabalho na Feira Mundial de 1939, publicando um livro com suas fotografias – “The New York World’s Fair 1939/1940 in 155 photographs by Richard Wurts and others” 5 – e com textos de Stanley Appelbaum. Fay S. Lincoln foi fotógrafo especializado em arquitetura com grande destaque na década de 1930. Especialização surgida em função da necessidade de divulgação comercial das edificações e, até aquela data, inexistente no Brasil. F. S. Lincoln, como era conhecido profissionalmente, entre outros trabalhos importantes, atuou junto à comissão Colonial Williamsburg, de 1935, que documentou edifícios históricos na Virginia. As fotografias de sua autoria do Pavilhão do Brasil são até hoje as mais reproduzidas nos livros de arquitetura.6 Figura 1: Pavilhão do Brasil para a Feira Internacional de Nova York, foto de F. S. Lincoln. Fonte: PAPADAKI, S., 1951, p. 17 2 COSTA, 2000, p.191. COMAS, 2005, p.1. 4 Wurts foi o responsável pelas fotografias do álbum oficial da exposição, entretanto, não foi possível confirmar a sua autoria nas imagens do pavilhão brasileiro. 5 WURTS e APPELBAUM, 1977. 6 As fotografias de Lincoln são referenciadas em algumas publicações como pertencentes à “Casa de Lucio Costa” e ao Arquivo Nacional e podem ser encontradas nas seguintes fontes: PAPADAKI, 1951, p. 12, 14-17; PAPADAKI, 1960, sem página, figuras 57 e 58; UNDERWOOD, 1994, p. 43 e 49; MINDLIN, 2000, p. 202 e 203; PHILIPPOU, 2008, p. 83 e 85; WISNIK, 2001, p. 64, 65 e 66; UNDERWOOD, 2002, p. 52; BRUAND, 2003; CAVALCANTI, 2008, p. 18; MACEDO, 2008, p. 94 e COSTA, 2000, p. 191 e 192. 3 O mais famoso profissional que registrou o Pavilhão e aquele considerado “o melhor fotógrafo de arquitetura norte-americano”7 foi George Everard Kidder Smith. Formado em arquitetura em 1938, chegou a atuar como fotógrafo durante a Segunda Guerra Mundial. Sua fama não se deve especificamente ao registro da Feira de 39, mas sim pela sua participação no livro-catálogo Brazil Builds: new and old 1652-1942, que acompanhava a mostra de mesmo nome organizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, MOMA, em 1943. Kidder Smith, juntamente com o curador Philip Goodwin, viajaram ao Brasil em 1942, onde permaneceram por aproximadamente seis meses. Os dois profissionais contaram com o apoio de importantes personalidades, como Gustavo Capanema (MESP), Rodrigo Mello Franco de Andrade (SPHAN), Assis Figueiredo (DIP) e Nestor de Figueiredo (IAB). Foi através da contribuição do SPHAN, que se estabeleceu a comunicação entre Kidder Smith, Goodwin, Lucio Costa e Niemeyer. A maioria das fotos publicadas no catálogo é de autoria de Kidder Smith, mas há participação de outros profissionais como: Jorge de Castro, Benicio Whatley Dias, Samuel Gottscho, Eric Hess, Burton Holmes, Photo Jerry (estúdio responsável por fotografias de maquetes), Leon Liberman, Photo Rembrandt, P. C. Scheier (fotógrafo com atuação em São Paulo, e que também documentou o trabalho de Niemeyer no Ibirapuera), Hugo Zanella e Marcel Gautherot (que viria a ser um dos principais fotógrafos de Niemeyer). A fotografia que ilustra a contracapa do Brazil Builds é do recém inaugurado Cassino da Pampulha (em uma das poucas fotos coloridas do álbum), demonstrando o prestígio de Niemeyer já naquele momento. Para corroborar nesta afirmação, basta verificar que Niemeyer é o arquiteto com maior número de obras na publicação – MESP; Pavilhão brasileiro; Obra do Berço; residências Cavalcanti, Johnson e Niemeyer (da Gávea); Hotel de Ouro Preto; Cassino, Casa do Baile e Yacht Club da Pampulha. Figura 2: Cassino da Pampulha, fotógrafo Kidder Smith. Fonte: GOODWIN, P. L., 1943, p. 03 (contracapa). 7 CAVALCANTI, 2006, p. 167. Brazil Builds foi o primeiro de uma série de livros publicados por Kidder Smith, entre os quais destacamos: Sweden builds; Switzerland builds; Italy builds; New architecture of Europe; A pictorial history of architecture in America; The architecture of the United States e Source book of American architecture: 500 notable buildings from the 10th century to the present. Também se preocupou com questões relacionadas com a defesa do patrimônio, atuando na proteção de ícones da arquitetura moderna mundial, como a Robie House, de Frank Lloyd Wright e a Maison Savoye, de Le Corbusier8. A fotografia permite que se eternizem momentos que não necessariamente condizem com a realidade do local fotografado. A imagem perpetuada do Pavilhão Brasileiro de 39 é de um ambiente apurado e extremamente asséptico, com damas e cavalheiros elegantes a “flanar” por entre a exposição exótica brasileira. Mas, como afirma o fotógrafo Nelson Kon: “a vivência da arquitetura é insubstituível. Não há forma de representação que possa reproduzir a experiência de estar, ver, sentir, cheirar, conviver com a arquitetura.”9 E assim, pode-se afirmar que imagem construída pelos fotógrafos foi bastante diferente da vivenciada por alguns visitantes do Pavilhão, como Adalzira Bittencourt. Para a escritora, advogada e feminista, o jardim interno não passava de um “terreirinho sujo”10 e o espelho d’água, uma “poça d’água estagnada, mal cheirosa, recoberta de limo e espumas”11. A visitante ainda retrata o espaço interno como descuidado, “o soalho sujo; pontas de cigarro, papéis, um desleixo horrível”12. E para o sabor desta visitante, nem o próprio café servido no evento escapou de seus comentários: Fomos ao café. Seria o lenitivo. Na América, onde o café é horrível – chá de café como diz uma brasileira amiga, vamos saborear o delicioso café do Brasil, o melhor do mundo! Mas nova decepção me esperava. O café era servido por americanas que não diziam uma só palavra em português. Disseram-me em bom inglês que o café era do Brasil, feito, porém, à moda da América. Café ralo, sem gosto de café. Imbebível.13 Brazil Builds inaugurou a série de exposições internacionais sobre arquitetura brasileira. Outra mostra relevante foi Latin American Architecture since 1945 (de 1955)14, que contou com o curador Henry-Russell Hitchcock e a fotógrafa Rosalie Thorne McKenna. Ambos visitaram onze países e analisaram 47 obras. Entre arquitetos como Jorge Hardoi, Amâncio Williams, Le Corbusier, Emilio Duhart, Wallace Harrison, Luis Barragan, Felix Candela, Juan O ‘Gorman, Mario Pani, Antonio Bonet, Julio Vilamajó e Carlos Raúl Villanueva, Oscar Niemeyer foi novamente o distinguido com o maior número de construções estudadas: o Banco Boa Vista, a Igreja da Pampulha, a Casa de Canoas, o Centro Técnico de São José dos Campos e o MESP. 8 SMITH, 1996, p. 679. KON, 1999. BITTENCOURT, 1943, p.72. 11 BITTENCOURT, 1943, p.73. 12 BITTENCOURT, 1943, p.75. 13 BITTENCOURT, 1943, p.75. 14 HITCHCOCK, 1955. 9 10 1.2 - Brézil O sucesso de Brazil Builds abriu as portas para a divulgação da arquitetura moderna brasileira no exterior. A importância de uma instituição como o Museu de Arte Moderna de Nova York “foi central para a difusão em escala mundial do modernismo brasileiro”15·. Prestigiadas revistas internacionais, como a francesa L’Architecture d’Aujorud’hui e a estadunidense Architectural Forum, passaram a divulgar a arquitetura produzida no país. O francês Marcel Gautherot foi um dos profissionais que participou de Brazil Builds, com fotografias da Igreja e do Museu de São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul e do Cassino, Casa de Baile e Yatch Club da Pampulha, Minas Gerais. Após este momento, Gautherot viria a ser “o autor dos principais registros dos trabalhos de Niemeyer e da arquitetura moderna em geral”16. O fotógrafo parisiense Marcel Gautherot era também arquiteto, formado pela Ecole Nationale Supérieure des Arts Décoratifs. Um dos seus primeiros trabalhos foi a serviço do Musée de l’Homme, que o enviou ao México, em 1936, para registro dos tipos locais (obra baseada na estética do cineasta Serguei Eisenstein). O interesse pela etnografia e pela cultura latina lhe aproximou do romance Jubiabá, de Jorge Amado. Com um grande fascínio por viagens e influenciado pela cultura baiana, decidiu conhecer o Brasil, especificamente a Amazônia. Em 1939, desembarcou em Belém e logo partiu num barco pela floresta. Em 1940, em função da Segunda Guerra Mundial e a serviço do exército francês, foi para a África. De volta ao Brasil, se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde conheceu Rodrigo Mello Franco de Andrade, que o convidou para colaborar com o SPHAN. Contratado como fotógrafo, viajou ao sul do Brasil realizando os registros que integraram Brazil Builds. Para Lucio, Gautherot foi “o mais artístico dos fotógrafos do patrimônio“17. Figura 3: Congresso Nacional em construção, fotógrafo Gautherot. Fonte: CAVALCANTI, L. (org). Oscar Niemeyer: trajetória e produção contemporânea 1936-2008. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2008, p. 155 15 16 17 MINDLIN, 2000, p.11. CAVALCANTI, 2008, p.152. SEGALA, 2005. p.6. Gautherot é tido como um dos mais importantes fotógrafos18 de Niemeyer, colaborando com ele da Pampulha até Brasília. Carlos Drummond o considera "um dos mais notáveis documentadores da vida nacional", em uníssono com Darcy Ribeiro e Rubem Braga.19 Não se sabe ao certo quando se iniciou a relação entre o fotógrafo e o arquiteto, mas Gautherot atribui ao seu trabalho para o SPHAN: “porque o Patrimônio construiu, mandou construir um hotel em Ouro Preto, que era do Oscar, e naquela época, pediram para tirar fotografia do hotel. Eu acho que eu conheci o Oscar naquela ocasião”20. A partir daí, Gautherot seguiu documentando o trabalho de Niemeyer, com destaque para Brasília. Interessante observar que o fotógrafo registrou dois momentos da nova Capital: o do grande canteiro de obras e o das edificações “prontas” e habitadas, ratificando a importância da sua lente. Figura 4: Congresso Nacional, fotógrafo Gautherot. Fonte: UNDERWOOD, D., 1994, p. 125. Gautherot participou também de importantes publicações sobre a obra de Niemeyer, como as de autoria de Stamo Papadaki, todas fundamentais para a difusão internacional do nome do arquiteto – com edições nos Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Japão – e para a sua consolidação como o mais importante criador da jovem arquitetura moderna brasileira. A cumplicidade entre os dois era evidente, tanto que Niemeyer “participava diretamente da seleção dos ângulos e das perspectivas para a documentação de sua obra.”21 Outro aspecto desta convivência, é a sua participação na revista Módulo22, na qual fez muitas reportagens relacionadas a temas variados. 18 É o fotógrafo que mais possui imagens reproduzidas em livros: GOODWIN, 1943; PAPADAKI, 1950; PAPADAKI, 1956; PAPADAKI, 1960; BRUAND, 2003; GAUTHEROT, 1972; UNDERWOOD, 1994; MIDLIN, 2000; MONTANER, 2001; UNDERWOOD, 2002; NIEMEYER, 2004; GIEDION, 2004; CAVALCANTI, 2006; LAGO, 2007 e PHILIPPOU, 2008. 19 O Moderno em luz. Revista AU. abr. 1999. Disponível em: <http://www.piniweb.com.br/construcao/noticias/o-moderno-em-luz84503-1.asp>. Acesso em 22/05/2009. 20 GAUTHEROT, 1990, p. 04. 21 CAVALCANTI, 2008. 22 Além de Marcel Gautherot, a revista Módulo contava em seus primeiros números com a participação dos seguintes fotógrafos: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Rafael Landau e Foto Carlos (Carlos Botelho). A obra de Gautherot é composta de mais de 25 mil negativos e atualmente pertence ao Instituto Moreira Sales, no Rio de Janeiro. Além das fotografias, ainda engloba diversos livros publicados, como: Brazil: Two hundred and seventeen photographs; São Paulo; Aratu: imagem da Bahia industrial; Pernambuco: Recife-Olinda; Brasília; Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem e Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador, entre outros. Jean Manzon foi mais um francês que registrou a obra de Niemeyer. Também chegou ao Rio de Janeiro na década de 1940, trabalhando para o Departamento de Imprensa e Propaganda. Foi colaborador das revistas Módulo e Cruzeiro, fazendo fotojornalismo. Participou, com fotografias do Banco Boavista no livro The Work of Oscar Niemeyer, de Papadaki (1950). Destacou-se como cineasta, influenciando muitos jovens diretores, entre os quais Carlos Niemeyer, responsável pelo Canal 100. Vale lembrar uma diferença importante entre os dois conterrâneos: Gautherot aproveitava-se do momento único enquanto Manzon o criava. Dentro da série de fotógrafos que fizeram uma espécie de inventário ou catálogo da obra de Niemeyer, tem-se a figura do japonês Yukio Futagawa. O fotógrafo conheceu Niemeyer em Paris, e, juntamente com Rupert Spade, lançou o livro Oscar Niemeyer23, em 1971. Futagawa é fotógrafo profissional de arquitetura e passou os últimos cinqüenta anos percorrendo o mundo. Em 2008, esteve no Brasil e realizou um sonho: registrar Niemeyer e Álvaro Siza juntos. 24 Figura 5: Palácio das Artes “Oca”, Parque do Ibirapuera, fotógrafo Yu Yukio Futagawa. Fonte: SPADE, R., FUTAGAWA, Y., 1971. 1.3 - Brasil Os irmãos e fotógrafos autodidatas José e Humberto Franceschi começaram na arte da fotografia no final da década de 1950. O primeiro trabalho dos gêmeos foi o levantamento das obras de Aleijadinho, em 1952, a convite do primo Vinícius de Morais. Fazendo parte do círculo de amizades de intelectuais e boêmios cariocas de Niemeyer, os Franceschi tiveram a chance de 23 24 SPADE e FUTAGAWA, 1971. MARTÍ, 2008. trabalhar em Brasília e de colaborar na Módulo. Assim, tornando-se uma espécie de “os fotógrafos oficiais-nacionais” do arquiteto, a ponto de receberam, “de graça, o projeto do estúdio onde desenvolviam suas experiências”25 Atualmente, uma nova geração de fotógrafos tem trabalhado com o registro da obra de Niemeyer. Como “fotógrafo oficial” temos Carlos Eduardo Niemeyer. Neto do arquiteto, Kadu teve sua formação profissional no Canal 100, mas “aprendeu a fotografar com o avô ainda na época de Brasília”26 Desde então, tem participado ativamente de diversas trabalhos como a produção de exposições e de livros. No entanto, trata-se de um momento diferente daquele que vivenciou Gautherot, em que Niemeyer participava da seleção das imagens, agora os profissionais brasileiros trabalham na maioria das vezes como autônomos e fazem o registro das obras independente do desejo do autor. Figura 6: Caminho Niemeyer, Niterói, foto Kadu Niemeyer. Fonte: CAVALCANTI, L. (org), 2008, p. 223. Entre os fotógrafos contemporâneos, Leonardo Finotti é um nome de grande destaque. O artista mineiro tem sido responsável por uma ampla documentação da obra de Niemeyer, pretendo atingir um feito único, registrar toda ela. Também formado em arquitetura, Finotti montou duas importantes exposições: 100 fotos, 100 obras e 100 anos, em Lisboa, e Brasília 50 anos, Niemeyer 100 anos, em Cascaes. Figura 7: Biblioteca Nacional, fotógrafo Leonardo Finotti. Fonte: Revista AU, 2007, p. 28-29. 25 26 Os irmãos da foto. 1971. GRUNOW, 2007. No campo internacional, Niemeyer também continua sendo registrado. Matthieu Salvaing27 veio ao Brasil e viajou na companhia de Oscar Niemeyer fazendo o registro das suas obras, do Rio a Brasília e de São Paulo a Belo Horizonte. Michel Moch é outro colaborador freqüente. Mais recentemente, as obras de Oscar receberam uma documentação temática, através das lentes de Alan Weintraub, com os livros: Oscar Niemeyer House28s e Oscar Niemeyer Buildings29, ambos com textos de Alan Hess. 2 - Fotografando a obra de Lina Bo Bardi 2.1 – Focando a primeira obra A casa no Morumbi, construída para o casal Bardi entre 1949-51, foi a primeira obra de Lina Bo Bardi a ser amplamente divulgada pelas revistas especializadas, principalmente pela Habitat, fundada pela arquiteta e seu marido em 1951. A revista de número 10 (1953) publicou na sua capa imagens da casa já construída e habitada pelos Bardi, e também um artigo escrito pelo então diretor da revista, o professor Flavio Motta, que fala sobre a concepção da edificação e da sua relação com a natureza. As fotografias que ilustram a edição são do fotografo Francisco Albuquerque e foram às primeiras imagens oficias da casa a serem publicadas, sendo depois reutilizadas em diversos artigos e livros para ilustrar textos referentes a essa construção, tornando-se as fotografias mais conhecidas e publicadas da casa de Lina. O artigo de dez páginas, intitulado Residência no Morumbi, traz vinte e três imagens da casa, que mostram o grande salão repleto de obras de arte de diferentes períodos; a cozinha com seus eletrodomésticos; os dois pátios internos, um circundando uma árvore já existente no lote e o outro destinado ao cultivo de rosas; os fornos construídos do lado de fora, por caboclos; e o grande prisma de vidro, um objeto geométrico racional, que pousa sobre finos pilotis de aço. A casa foi fotografada em diferentes ângulos, mas todos evidenciando o contraste entre o moderno e o tradicional, o industrial e o artesanal e o artificial e o natural. Mesmo as imagens do interior da casa destacam essa relação de contraste entre ambiente construído e ambiente natural, mas também revelam uma outra, a de proximidade entre o espaço de morar e a natureza, possibilitada pelos grandes panos de vidro que permitem que a casa avance além dos seus limites reais. Sobre essa relação, Motta diz o seguinte: “Esta residência representa uma tentativa de comunhão entre a natureza e a ordem natural das coisas, opondo aos elementos naturais o menor número de meios de defesa”30. 27 SALVAING, 2002. HESS e WEINTRAUB, 2006. 29 HESS e WEINTRAUB, 2006. 30 MOTTA, 1953, p.31. 28 Francisco Albuquerque, o autor das imagens, foi um pioneiro na fotografia comercial, responsável pela primeira campanha publicitária fotografada no Brasil31. Iniciou sua carreira em Fortaleza, sua cidade natal, em um estúdio montado por seu pai que também era fotografo. Profissionalizou-se como retratista em 1936 e, em 1942, acompanhou Orson Welles, realizando a fotografia do filme inacabado It’s All True32. Em 1945 mudou-se para São Paulo onde montou estúdio e viveu até 1975, quando então retornou para Fortaleza e passou a dirigir o laboratório ABAFILM. Foi autor de diversas campanhas publicitárias e fotografou personalidades como Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Aldemir Martins, Mário Cravo e Victor Brecheret, entre outros. Seu trabalho, no entanto, não se limitou à publicidade e ao retrato, ele captou também as belas paisagens da sua terra natal, muitas delas presentes no seu livro Mucuripe lançado em 1989. Quando ainda estava em São Paulo realizou diversas fotografias da cidade, dos seus prédios e da vida em um grande centro urbano. Foi com esse olhar treinado, experiente e sensível que Francisco Albuquerque focou a casa, recém construída, dos Bardi e produziu as imagens mais conhecidas dessa residência, imagens clássicas como, por exemplo, a que traz a arquiteta olhando através dos grandes panos de vidro a paisagem do exterior, e outra que mostra a casa no alto33 , sob os seus finos pilotis, se destacando em relação a paisagem do entorno. O fotografo conseguiu, com sua sensibilidade, explorar muito bem a relação arquitetura e natureza, temática trabalhada não só pelo artigo de Flavio Motta na Revista Habitat, mas também pela arquiteta e seu marido na concepção da casa. Nossa residência no Jardim Morumbí está sendo focalizada pelas maiores publicações em arte e arquitetura do mundo. Também tenho recebido, constantemente, solicitações de fotos, detalhes arquiteturais e permissão para visitas. O principal motivo desse interesse está em termos adotados como base do projeto o binômio “Arquitetura – Natureza” e na escolha que fizemos do local para sua construção: O jardim Morumbi, de fato, não foi por acaso que elegemos o Jardim Morumbí! É que esse é o único local, em São Paulo, onde a natureza foi preservada e está plena de encantos. A admiração despertada por nossa casa é mais uma vitória da arquitetura brasileira e também (sic) da beleza e do panorama do jardim Morumbí34. 31 Ele fotografou pela primeira vez modelo e produto para uso em uma campanha da Johnson & Johnson, da agência J.W. Thompson, em 1948. Até então as campanhas publicitárias eram concebidas apenas com o uso de ilustrações e desenhos”. http://www.photomagazine.com.br/materia.asp?id_materia=92. 33 Essa imagem foi utilizada para ilustrar vários textos que se referem à residência dos Bardi, entre eles o das autoras SALMONI e DEBENEDETTI, 1953 e 1981; MINDLIN, 1956 e 2000; XAVIER, LEMOS e CORONA, 1983; FERRAZ, 1983; COMAS e ADRIÁ, 2003; ANDREOLI e FORTY, 2004 e os livros OLIVEIRA, 2002 e 2006. 34 CAMPELLO, 1997. p.70. Figura 8: Casa do Morumbi, fotografia F. Albuquerque. Fonte: Revista Habitat nº 10, 1953, p.32. 2.2 – O olhar estrangeiro A parceria entre Lina e os “seus” fotógrafos consolidou-se com Peter Scheier, com quem ela conviveu diretamente no MASP e na Habitat. Scheier era alemão de origem judia, e vaio para Brasil em 1937, na condição de refugiado do nazismo. Em São Paulo, trabalhou como auxiliar de frigorífico, vendedor de abajures, tipógrafo do O Estado de São Paulo e, posteriormente, como repórter fotográfico da revista O Cruzeiro (do grupo Diário Associados que tinha como diretor o jornalista Assis Chateaubriand)35. O trabalho no O Cruzeiro não só o permitiu desenvolver mais a suas habilidades na área da fotografia, mas lhe impulsionou para sua próxima experiência profissional a de fotógrafo oficial do MASP, onde passou a conviver diretamente com os Bardi, essa experiência foi riquíssima para Scheier, que pode refinar o seu olhar sobre arte: Se a prática na revista “O Cruzeiro” permitiu o desenvolvimento do olhar do repórter, aquele que “conta a história”, foi o trabalho junto a Bardi e Lina Bo que refinou a perspectiva cultural do fotógrafo sobre a arte e a arquitetura. Scheier não somente registrou as atividades do museu e a constituição de sua coleção, mas ainda realizou alguns trabalhos para a revista de arte e arquitetura “Habitat”, editada pelos Bardi em São Paulo, além de documentar a produção do Studio de Arte Palma e da Fábrica de Móveis Pau Brasil Ltda36. Scheier registrou a obra de diversos arquitetos, entre os quais Warchavvhik, Rino Levi, Lucjan Korngold e Oscar Niemeyer. A parceria com Lina, no entanto, não se limitou às fotografias dos edifícios, estendendo-se para os móveis, maquetes e exposições montadas no MASP. Henrique Mindlin foi um dos primeiros a publicar obras de Lina Bo Bardi. Em seu livro Arquitetura moderna no Brasil dedicou dois momentos para a arquiteta. No capítulo Casas, Edifícios Residenciais, Hotéis e Conjuntos Habitacionais, apresenta um conjunto de imagens da casa de Lina Bo e Pietro M. Bardi, todas do fotografo Francisco Albuquerque (e publicadas originalmente na revista Habitat nº 10 em 1953). O outro momento é quando o autor mostra o interior do antigo MASP, fotografado por Scheier (focando principalmente o mobiliário desenhado por Lina). 35 36 FALBEL, 2007. FALBEL, 207. p.10. Scheier também fotografou a casa dos Bardi, mas as suas imagens não tiveram a mesma repercussão como as que foram feitas por Francisco Albuquerque. O livro de Olívia de Oliveira, Lina Bo Bardi: sutis substâncias da arquitetura37 é um dos poucos a trazer essas imagens, que focam o interior da sala tendo ao fundo a vista da cidade. Um outro projeto da arquiteta fotografado por Scheier foi o da casa Valéria Cirell, essas imagens obtiveram mais repercussão do que as anteriores, talvez por se tratar das únicas feitas da residência logo após a sua construção (1958). Essas fotografias ilustram o livro organizado por Marcelo Ferraz, Lina Bo Bardi38, e também Lina Bo Bardi: obra construída e Lina Bo Bardi: sutis substâncias da arquitetura, ambos da arquiteta Olívia de Oliveira. Nas suas fotografias, em especial da casa Valéria Cirell, Scheier não permitiu que só a residência aparecesse, ele buscou ampliar o seu olhar além do objeto a ser fotografado, para que o entorno fizesse parte da imagem, possibilitando a visão do objeto arquitetônico dentro do seu contexto, talvez por entender, assim como Lina, que a arquitetura deve ser encarada como parte do lugar em que foi inserida : O arquiteto deverá ser também e, sobretudo, o projetista da casa do homem, e até mesmo o mentor que, em certo momento, poderia se tornar um autor da rebeldia contra a ‘prisão’, e perceber que muitíssimos de seus colegas, talvez inconscientemente, vão reduzindo a vida humana a uma aventura sem fantasia, alheia à natureza, num divórcio que não pode ser normal, que contradiz as necessidades orgânicas, tendendo para uma arrogância suspeita, como que num desafio às origens das quais não podemos nos esquecer.39 Figura 9: Casa Valéria Cirell, fotografia Peter Scheier.Fonte: FERRAZ, 1993, p.119 Scheier também trabalhou em um estúdio fotográfico próprio, Foto Studio Peter Scheier, montado na da década de 1940, onde realizou diferentes trabalhos inclusive para a rede de TV Record, da 37 Este livro é resultado da tese de doutorado da autora apresentado na Escola Técnica Superior d’ Arquitectura da Universitat Poliècnica de Catalunyaem 2000 e conta com imagens de outros fotógrafos como: A. Guthman, Araty, Nelson Kon, Hugo Segawa, Hans Gunther Flieg, Luiz Hossaka, Miroslav Javurek, Paulo Gasparini, Rubem Nogueira Filho, Francisco Albuquerque, Olívia de Oliveira, Pierre Verger, Jack Pires, Jorge Fernandes, José Xavier, Lew Parrela, Lina Bo BardiRoberto Maia, Rômulo Fialdini, Serge Butikofer, Silvio Robatto, Susana Olmos, Yves Klein. 38 Este livro é amplamente ilustrado com imagem dos seguintes fotógrafos: Antônio Sagese, Arnaldo Pappalardo, Celso Brando, Cristiano Mascaro, Eduardo Simões, Francisco Albuquerque, Flávio Damm, Hans Gunther Flieg, Itamar Miranda, Jorge Fernandes, Juvenal Pereira, Lenize Pinheiro, Lew Parrella, Luiz Hossaka, Marcelo Carvalho Ferraz, Milton Mendes, Ormuzd Alves, Paquito, Paulo Vainer, Roberto Maia, Rômulo Fialdini, Rubens Barros Campos, Sérgio Gicovate, Vera Albuquerque, Waldemir Mello. 39 FERRAZ, 1993. p.10. qual se tornou fotógrafo oficial do período de 1958 a 1962. O estúdio funcionou até 1975 quando Scheier voltou para Alemanha, mas durante um determinado período do seu funcionamento ele contou com a colaboração de um jovem assistente, o fotógrafo, também alemão, Hans Günter Flieg, que mais tarde se tornaria mais um dos parceiros de Lina no registro de imagens da sua obra. Flieg veio para o Brasil também na condição de refugiado do regime nazista, de família judia, aqui chegou em 1939, no mesmo ano que concluiu seu curso de fotografia no museu Grete Karplus em Berlim, aos 16 anos de idade. Depois de sua experiência com Scheier, realizou alguns trabalhos com publicidade até montar o seu próprio estúdio, onde passou a documentar o desenvolvimento industrial e o crescimento urbano da cidade São Paulo40. Acabou produzindo, durante as décadas de 1950 e 1960, muitas imagens41 de indústrias, máquinas, operários, construções etc. Este trabalho inevitavelmente o conduziu para o registro de arquitetura, particularmente a de Oscar Niemeyer, Ícaro de Castro Mello, Zanine Caldas, Lucio Costa e Lina Bo Bardi42. Com Lina, em especial, ele teve uma relação bem direta, realizando diversos trabalhos, muitos dos quais publicados na Habitat. Foi Flieg quem fotografou a maquete do Museu em São Vicente que, segundo ele “felizmente nunca saiu da prancheta porque eu sei o que teria acontecido com os quadros no caso de falha no ar-condicionado”43. Após a construção do MASP Lina o convidou para registrar o auditório do museu o que gerou uma das fotografias mais conhecidas desse espaço, a qual traz o auditório todo vazio, apenas com uma pessoa em cena. As fotos da construção do MASP produzidas por Flieg focaram os materiais utilizados na obra, evidenciando toda sua brutalidade e pureza; bem como o processo de execução do edifício, com muitas máquinas e operários. O MASP captado pelas lentes desse fotografo se revela grandioso, “monumental” e arrojado, a verdadeira expressão de uma cidade que estava em pleno desenvolvimento industrial e econômico. Nessas imagens Flieg deixou impresso um pouco da sua personalidade, ao realçar os aspectos industriais presentes na obra, mas também revelou as intenções de simplicidade e de impacto almejados pela arquiteta, que tinha como premissa desenvolver: Uma arquitetura simples, uma arquitetura que pudesse comunicar de imediato aquilo que no passado, se chamou de “monumental”, isto é, o sentido de “coletivo”, da “Dignidade Cívica” (....) Acho que no Museu de Arte de São Paulo eliminei o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais (e os arquitetos de hoje), optando pelas soluções diretas, despidas. O concreto como sai das formas, o não acabamento, podem chocar toda uma categoria de pessoas.44 40 Ver mais em: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/38/obra/671. Flieg produziu aproximadamente 50 mil negativos entre 1939, quando chegou ao Brasil, e o final da década de 1980, só sobre o desenvolvimento de industrial e Urbano de São Paulo foram cerca de 35 mil. 42 FLIEG, 2005. 43 FLIEG, 2005. 44 FERRAZ, 1993. p.100. 41 Figura 10: MASP, fotografia Hans Günter Flieg. Fonte: FERRAZ, 1993, p.104. As fotografias fruto da parceria, entre Lina Francisco Albuquerque, Peter Scheier e Hans Günter Flieg são imagens belíssimas e estão hoje espalhadas pelo mundo em livros e revistas especializadas, divulgando a obra da arquiteta. Esses fotógrafos conseguiram captar a essência das obras, por sensibilidade ou mesmo por orientação da própria arquiteta, que costumava dirigir as sessões de fotografia. 2.3 – O olhar interno A produção de Lina, no entanto, não foi registrada apenas pelos profissionais com os quais ela estabeleceu parcerias45. No final da segunda metade do século XX alguns arquitetos brasileiros começaram a realizar fotografias no intuito de construir uma base documental da produção existente, alguns desses, como Hugo Segawa e, posteriormente, Nelson Kon, acabaram produzindo imagens de grande importância. Hugo Segawa, arquiteto e professor da FAU USP, autor de vários livros e antigo colaborador da revista Projeto, fotografou a obra de diversos arquitetos brasileiros, inclusive a de Lina Bo Bardi. Algumas dessas imagens encontram-se no livro Arquitetura moderna brasileira de Sylvia Ficher e Marlene Acayaba (1982). O registro feito por Segawa mostra o MASP em dois ângulos diferentes, um onde ele aparece voltado para Avenida Paulista – foto tradicional – e o outro, voltado para Avenida 9 de Julho – revelando uma “fachada” pouco explorada pelos fotógrafos, onde se vê o grande prisma, mas não o grande vão livre, que desaparece pela presença dos terraços escalonados de onde brotam uma densa vegetação. A imagem do MASP com uma caixa de vidro, que flutua leve pela Paulista desaparece e fica a imagem de um prisma sobre uma vegetação bem heterogênea. De um lado o fotógrafo evidencia a síntese da forma arquitetônica e do outro a complexidade expressa na presença dos terraços e da vegetação. 45 A obra de Lina foi fotografada, ainda, pelos seguintes fotógrafos: Wanderley Bailoni, José Moscardi, Antônio Sagese, Arnaldo Pappalardo, Celso Brando, Cristiano Mascaro, Eduardo Simões, Flávio Damm, Itamar Miranda, Jorge Fernandes, Juvenal Pereira, Lenize Pinheiro, Lew Parrella, Luiz Hossaka, Marcelo Carvalho Ferraz, Milton Mendes, Ormuzd Alves, Paquito, Paulo Vainer, Roberto Maia, Rômulo Fialdini, Rubens Barros Campos, Sérgio Gicovate, Vera Albuquerque, Waldemir Mello, Ludmila Ferolla, Rubem Nogueira Filho e Pierre Verger. Figura 11: MASP, fotografia Hugo Segawa.Fonte: FICHER e ACAYABA, 1982, p.49. Outro registro importante feito por Segawa foi o da casa do Chame-Chame em Salvador. Até então só eram conhecidas as poucas fotografias realizadas pelo proprietário da obra, o senhor Rubem Nogueira Filho. Segawa utilizou tais imagens em seu livro Arquiteturas no Brasil 1900199046 (1999), especificamente ilustrando o tópico Em Busca da América: Estrangeiros no Brasil. Nelson Kon, arquiteto formado pela FAU USP em 1983, trabalha como fotógrafo profissional desde 1985, quando se especializou no registro da arquitetura. Kon já fotografou a obra de diversos artistas como, Rino Levi, Vilanova Artigas, Oswaldo Bratke e Oscar Niemeyer, entre muitos outros. Atualmente trabalha contribuindo com editoras brasileiras e estrangeiras (como Phaidon, Prestel, Rizzoli, Gustavo Gili e Taschen). Em 2002, Kon desenvolveu, juntamente com a pesquisadora Olívia de Oliveira, um importante inventário fotográfico da obra de Lina Bo Bardi. Material publicado pela revista internacional 2G. O número biográfico, intitulado Lina Bo Bardi: obra construída traz imagens de todos os projetos edificados da arquiteta. Com isso Kon “atualizou” as imagens da obra de Lina, principalmente da casa no Morumbi e do MASP, que ainda eram apresentados, respectivamente, pelas fotos de Francisco Albuquerque e de Hans Günte Flieg. As fotos produzidas por Kon passaram a ilustrar diversos outros livros, entre eles o de Andreoli e Forty, Arquitetura Moderna Brasileira, publicado em 2004. No livro, os autores mostram três projetos da arquiteta: o MASP, o SESC Pompéia e a casa da arquiteta no Morumbi. Para ilustrar o texto utilizaram também fotografias realizadas por Francisco Albuquerque (as mesmas apresentadas na revista Habitat nº 10 em 1953). No caso da residência Bardi, tanto as imagens47 de Kon como as de Albuquerque focam o objeto arquitetônico em relação à natureza. No entanto, pode-se observar que, enquanto, Albuquerque explora o isolamento da construção, Kon mostra a edificação em meio a uma densa vegetação. 46 Essas imagens também ilustram os livros de Olívia de Oliveira e de Comas e Adriá, La casa Latinoamericana moderna: 20 paradigmas de mediados de siglo XX, publicado em 2003. 47 Essas fotografias feitas por Kon da casa de Lina também ilustram o livro La casa Latinoamericana moderna: 20 paradigmas de mediados de siglo XX, de Comas e Adriá. Figura 9: Casa no Morumbi, fotografia Nelson Kon. Fonte: OLIVEIRA, 2002, p.23 Conclusão – Mantendo a parceria entre fotógrafos e arquitetos modernos. De 1929 até a década de oitenta do Século XX, a historiografia da arquitetura internacional trabalhou apenas com as fotografias existentes do Pavilhão Barcelona de Mies van der Rohe. Ao longo desse período, lentamente, o valor arquitetônico da obra foi sendo construído e reconhecido, sempre tendo como base os relatos de época e o material iconográfico existente – documentos que sobreviveram à destruição da edificação após a Feira Mundial de 29. Hoje, não apenas podemos visitar o Pavilhão reconstruído, mas conhecemos detalhes de sua execução e de sua história. Sabemos, inclusive, do empenho pessoal de Mies na escolha dos melhores ângulos para o registro fotográfico do Pavilhão e das operações de “apagamento” de elementos de entorno que, segundo o arquiteto, interferiam na leitura da obra. Inúmeras são as histórias que envolvem arquitetos e fotógrafos. Na verdade, estamos falando de dois artistas e de dois momentos criativos, o de concepção e execução da obra arquitetônica e o de concepção e execução da obra fotográfica. Duas artes independentes. Duas possibilidades concretas de construção de sistemas simbólicos através dos quais constantemente nos comunicamos e criamos mundos artificiais e/ou irreais. O que não se pode é confundir as duas formas de expressão. A arquitetura não é fotografia, assim como fotografia não é arquitetura. Certo estava o historiador Kenneth Frampton ao observar: Os processos fotográficos e de reprodução de alta velocidade não são, por certo, apenas a economia política do signo, mas também um filtro insidioso através do qual nosso ambiente tátil tende a perder sua sensibilidade. Quando grande parte da construção moderna é vivenciada concretamente, sua natureza fotogênica é negada pela pobreza e brutalidade do seu detalhamento.48 Referências Bibliográficas ANDREOLI, E., FORTY, A. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Phaidon, 2004. 48 FRAMPTON, 2000. p.417. ANGOTTI-SALGUEIRO, H. Estudos de cultura material dossiê – representações do Brasil: da viagem moderna às coleções fotográficas. 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