Asthanga-yoga - Yoga Culture

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Asthanga-yoga - Yoga Culture
Asthanga-yoga
Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya
Jayadvaita Das
Asthanga-yoga - Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya
Copyright © 2005 by Jayadvaita Das
Todos os direitos reservados.
Capa:
Editoração Eletrônica: Ananta Shakti Devi Dasi
Revisão Gráfica: Jaya Devaki Dasi
Editora: Om Tat Sat – (21) 2644-7213
Gráfica: Franciscana - (87) 3861-4739
Das, Jayadvaita, 1974 Asthanga-yoga - Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya
- Vrajabhumi, Teresópolis - RJ: Om Tat Sat, 2005
1.Yoga - Filosofia 2. Sistemas de Yoga - Ciência do Yoga 3. Meditação Espiritualidade 4.Asthanga-yoga - Patanjali 5.Vaishnava – Hinduísmo Sankhya. I. Das, Jayadvaita. II. Título.
05
Índices para catálogo sistemático:
1. Yoga e Meditação : Filosofia do Yoga : Asthanga-yoga e Patanjali
2. Bhakti Yoga e Sistemas de Yoga : Vedanta Vaishnava
3. Meditação e Transcendência : Bhagavad-gita : Hinduísmo e
Vaishnavismo
Editora Om Tat Sat
Vrajabhumi / Teresópolis - RJ
[email protected]
(21)2644-7213
Agradecimentos
Agradeço Suas Onipotências Sri Krishna-Balarama,
Srila Prabhupada,
Hrdayananda das Gosvami,
Chandramukha Svami
e a todos os yogis
da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna
por darem-me refúgio, instruções, determinação,
entusiasmo e desejo
de espalhar a consciência espiritual, o amor e a paz.
Sumário
Mangalacarana .............................................................vii
Prefácio ......................................................................... ix
Introdução .....................................................................11
CAPÍTULO 1 - Yoga e Tradição
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
-
Auto-Disciplina e Auto-Realização .........................15
A Mente na Visão do Yoga ......................................16
Cinco Estágios da Mente ........................................17
As Modificações da Mente ......................................19
Superando as Modificações Mentais ......................20
CAPÍTULO 2 - Sankhya
2.1 - A Filosofia Sankhya e Seu Contexto.......................21
2.2 - O Yoga Na Visão da Filosofia Sankhya ...................24
2.3 - Sankhya de Devahuti-putra Kapiladeva.................27
2.4 - Para Uma Compreensão Prática de Sankhya .........32
2.5 - Os Elementos de Sankhya .....................................35
2.6 - O Princípio Inconsciente da Natureza Material
(Prakrti) ..........................................................................38
2.7 - Os Três Modos da Natureza Material (Tri-Gunas) ..59
2.8 - O Conceito de Desfrutador (Purusa) ......................78
CAPÍTULO 3 - Asthanga-yoga
3.1 - O Conceito de Asthanga-yoga ................................94
3.2 - Entrando no Yoga (Kevala-bhakti asthanga-yoga) 100
3.3 - Asthanga-Yoga de Patanjali ................................. 103
CAPÍTULO 4 - Simplicidade e Auto-realização
4.1 - Meditação Com Sementes Materiais (Sabijasamadhi) ...................................................................... 163
4.2 - Meditação Sem Sementes Materiais (Nirbijasamadhi) ...................................................................... 165
4.3 - O Conceito de Liberação (Mukti) .......................... 166
4.4 - Eternidade, Conhecimento e Prazer Transcendental
no Yoga ........................................................................ 170
Conclusão ...................................................................................... 173
Referências Bibliográficas ..................................................... 175
Mangalacarana
Nasci na mais profunda ignorância,
mas meu mestre espiritual
está abrindo meus olhos
com o archote do conhecimento. Portanto,
ofereço minhas respeitosas reverências a ele
que é como um cisne e que,
com sua inteligência transcendental e extática,
está dando prazer a Srila Prabhupada,
destruindo todas as filosofias ateístas.
Prefácio
P
odemos imaginar uma valiosa escultura
de metal que com o passar do tempo
fica oxidada e perde sua beleza e brilho.
Uma pessoa profissional na arte de restaurar obras
preciosas pode, por meio de polimentos e limpeza,
recuperar a escultura de metal trazendo de volta seu
brilho original.
Isto se aplica ao ser vivo, à alma espiritual,
que após ter passado por milhões de nascimentos, em
diferentes corpos, perde seu brilho original, sua
consciência pura. Devido à força da energia material
ilusória, ninguém é capaz de recuperar sua natureza
original sem o auxílio de um Guru, o restaurador da
alma “oxidada”.
Analogamente, o antigo conhecimento sobre o
processo de “polir” a alma espiritual também pode,
com o tempo, acabar se “oxidando” e perder sua
eficácia no processo de recuperação da alma
espiritual.
O processo de polimento é o Yoga e o método
de como polir é o Vedanta. Ou seja, com o tempo o
Yoga acabou perdendo sua essência e tornou-se um
processo que, ao invés de “polir” e auxiliar a alma
espiritual no seu trajeto em busca da auto-realização,
“oxida” ainda mais a mente e a consciência do ser
vivo.
A tentativa humilde deste trabalho não é a de
recuperar a tradição do Yoga, mas mostrar que ela
existe e que o Yoga que conhecemos popularmente
está distante desta tradição. Se este ajudar ao menos
despertar a consciência de busca pela tradição,
acreditamos que algo de positivo já tenha sido
alcançado.
O mais importante não é tornar alguém um
praticante de Yoga, mas, torná-lo um verdadeiro yogi.
Jayadvaita das
Ashram Vrajabhumi, RJ - Janeiro de 2005
Introdução
á milhares de anos, na antiga e avançada
civilização Védica, tivemos a presença de um
grande sábio chamado Kapiladeva. Ele foi
filho do yogi Kardama Muni e Devahuti. Só encontramos
referências sobre esta grande personalidade na milenar
escritura conhecida como Srimad-Bhagavatam, ou BhagavatPurana. De acordo com estes documentos sagrados, que datam
de mais de cinco mil anos, Kapiladeva foi uma poderosa
encarnação de Deus. Seu principal propósito foi revelar à
humanidade o conhecimento sobre o processo de Yoga.
Quando seu pai deixou o lar e foi viver na floresta –
que para nossa realidade é algo muito distante, mas que
naquele tempo fazia parte da cultura Védica - sua mãe,
Devahuti, ficou muito pesarosa e sem saber o que fazer. Foi
neste momento que Kapiladeva a instruiu sobre a meta última
da vida que pode ser alcançada pela prática preliminar de
Yoga, a original Asthanga-yoga, e pelo conhecimento da
filosofia teísta de Sankhya.
A Filosofia Sankhya oferece uma compreensão sobre a
natureza material em todos os seus elementos e culmina na
compreensão entre matéria e transcendência, e na adoração e
devoção ao Senhor Supremo. Esta filosofia Sankhya tem total
relação com a Filosofia Vedanta e sua conclusão está em total
concordância com os ensinamentos do Vedanta Vaishnava.
Com o passar do tempo teve inicio a atual era em que
vivemos, chamada Kali-yuga. Ela é uma era muito desfavorável
aos princípios elevados da humanidade, por ser repleta de
desavenças, hipocrisia e deturpação.
Foi neste contexto que nasceu, aproximadamente 500
a.C., um outro Rshi Kapila. Este, no caso, foi um grande
impostor. Criador de uma filosofia materialista e niilista ele
mesmo acabou deturpando a autêntica Filosofia Sankhya.
Conceitos elevados sobre a criação do universo e dos seres
vivos foram postos numa visão grosseiramente materialista,
através de argumentos contraditórios e equivocados. Porém,
sua sombra foi maior que o brilho filosófico do verdadeiro
H
11
Kapiladeva, o filho de Devahuti, e se difundiu por muitas
escolas.
Um pouco depois, por volta do século 3 a.C., nasce
um outro reconhecido filósofo e yogi, Patanjali. Alguns
documentos dizem que ele nasceu 3000 a.C., mas não há nada
fidedigno nestas informações, pois sua principal obra, Yogasutra, só veio à luz 300 a.C. Ele foi, na verdade, o decodificador
dos ensinamentos sobre Yoga deixados por Kapiladeva, o filho
de Devahuti, mas seus seguidores e comentadores valeram-se
da Filosofia Sankhya deixada pelo falso Kapila. Neste momento
as águas foram divididas e proliferou-se por todo planeta um
processo de Yoga que não coincide com sua Filosofia.
Na verdade, o Yoga-sutra, composto de 195 sutras ou
aforismos, é mais um tratado sobre a teoria do Yoga do que um
tratado filosófico do Yoga. Porém, mesmo no aspecto teórico há
possibilidades de elucidar o processo apresentado por Patanjali
através da Filosofia Sankhya do verdadeiro Kapiladeva, filho de
Devahuti, que está em total concordância com o Vedanta.
Uma abordagem teórica do Yoga-sutra pela ótica do
Vedanta pode ajudar na compreensão do Yoga e favorecer o
resgate da tradição teórica e filosófica do Yoga.
Já houve muitos comentadores do Yoga-sutra. Cada
qual em nada auxiliou na compreensão exata desta obra.
A Filosofia Sankhya do filho de Devahuti e o processo
de Yoga são dois sistemas aliados. Mas a Sankhya niilista do
falso Kapila parte do conceito de que o desfrutador (purusa) e
natureza material (prakrti) são indistintos. Tendo como base a
idéia de que a entidade viva e a natureza material são iguais,
tais filosofias caem num sério erro quanto à compreensão da
origem do universo e do propósito último da vida humana.
Através do emprego de termos como Sankhya e Yoga
especuladores filosóficos, como o pseudo-Kapila e outros,
assumiram uma posição de destaque nos tópicos sobre Yoga,
deturpando Patanjali.
De maneira bem simples, Sankhya significa
conhecimento e Yoga, aplicação prática do conhecimento, ou
seja, conhecimento a respeito da Verdade Absoluta e meditação
na forma transcendental desta Verdade Absoluta. Por este
motivo, de acordo com o que realmente é apresentado no Yogasutra, é possível conciliar harmoniosamente Yoga e Vedanta no
que diz respeito à auto-realização espiritual. O Vedanta
12
explana que a liberação não é atingida apenas pela
discriminação entre matéria e espírito - como enfatiza a falsa
Filosofia Sankhya - mas pelo conhecimento a respeito do
Senhor Supremo e rendição a Ele.
Recorrendo à Filosofia do verdadeiro Kapiladeva o yogi
aspirante pode compreender adequadamente o Asthanga-yoga.
O próprio Kapiladeva, a autoridade maior do Yoga, estabeleceu
os oito estágios iniciais do Yoga, a saber, yama, niyama, asana,
pranayama, Pratyahara, Dharana, Dhyana e Samadhi. Através
destas práticas deve-se buscar pela Superalma, que é a meta
de todo Yoga. Existem pretensas práticas de Yoga nas quais se
concentra a mente no vazio ou no impessoal, mas isto não é
aprovado pelo Vedanta e nem mesmo pelo Yoga-sutra.
Portanto, o sucesso no Yoga implica no libertar-se de
todas as designações materiais e situar-se na sua original
posição constitucional.
13
Capítulo 3
Asthanga-yoga
A
pós ter assimilado o conhecimento de
Sankhya o yogi deve partir, então, para a
prática. Tendo uma visão geral e detalhada da
constituição deste mundo material, da mente, dos sentidos, da
complexa interação dos Gunas e Karma, a situação real de si
mesmo como uma eterna alma espiritual e a meta última da
vida, Purusottama, o yogi inicia sua jornada em busca da autorealização.
Já temos uma idéia de que não é tão simples este
progresso. Não pelo processo em si, mas pela dificuldade de
abandonar os apegos e, principalmente, a falsa identificação
corpórea. Isto requer já de início o controle da mente. Podemos
dizer que Yoga significa controle mental. Eis a primeira e talvez
a maior dificuldade. Superando-a, facilmente superam-se as
próximas. Mas, falhando na primeira todas as seguintes
estarão comprometidas. No entanto, todos deverão praticar o
processo de Yoga um dia, nesta ou em alguma outra vida.
De acordo com a filosofia Vedanta - o pilar da filosofia
Sankhya - Yoga significa devoção amorosa exercitada através
do transcendental serviço devocional ao Senhor. Isto é
confirmado no Srimad Bhagavatam (1.2.29): vasudeva-para
yoga. Yoga significa compreender a Suprema Personalidade de
Deus. Vasudeva-paro dharmo. A ocupação eterna dos seres
vivos é desenvolver amor pela Suprema Personalidade de Deus.
Vasudeva-para gatih. A Suprema Personalidade de Deus é a
meta máxima da vida humana.
3.1 - O Conceito de Asthanga-yoga
Para deixar bem enfatizado, o processo de Asthangayoga não é um processo novo. Existindo há milhares de anos,
14
muitas pessoas no passado beneficiaram-se espiritualmente
através deste processo. O Senhor Devahuti-putra Kapiladeva
legou à humanidade este conhecimento minucioso. Além do
conhecimento teórico (Sankhya), Kapiladeva deixou também o
processo prático (kevala-bhakti asthanga-yoga).
Por estar envolvida dentro de Prakrti e identificada
com os produtos e subprodutos do corpo material, a entidade
viva afasta-se de sua cooperação com o Senhor. Isto ocorre
porque sua verdadeira identidade espiritual está encoberta.
Entretanto, pelo processo autorizado de Yoga, a pessoa
recupera sua identidade original e realiza sua não-diferença
qualitativa com a Superalma. Assim, ela se engaja no
transcendental serviço amoroso ao Senhor e supera a natureza
material.
O mesmo sistema apresentado por Devahuti-putra
Kapiladeva foi utilizado por Patanjali. Ele é estruturado em oito
partes (angas): regras (yamas); regulações (Niyamas); posturas
(asana); controle do ar vital (Pranayama); restrição dos sentidos
(Pratyahara); concentração (Dharana); meditação (Dhyana);
absorção espiritual (Samadhi). Veremos adiante a descrição
pormenorizada de cada um deles.
Este mesmo sistema foi apresentado pelo Senhor
Krishna nos capítulos seis e oito do Bhagavad-gita, e, como
sabemos, ele foi rejeitado por Arjuna. Há um motivo que nos
faz entender esta rejeição de Arjuna. Ele argumenta que este
processo mecânico de controle dos sentidos é muito difícil e
imprático. Isto há mais de cinco mil anos; o que podemos
esperar deste sistema nos dias atuais? O Senhor Krishna,
entendendo a dificuldade de Arjuna, expõe a essência de todo
processo de Yoga: a devoção (kevala-bhakti asthanga-yoga).
Num aspecto geral pode-se dizer que o Asthanga-yoga
tem duas fases. A primeira, que corresponde a Yama, Niyama,
Asana e Pranayama, é ainda uma etapa física e externa
chamada bahiranga-yoga e de certa forma é mais ritualística.
Nesta fase ocorre uma luta constante da mente com os
sentidos que insistem em agir por conta própria. Por isso,
entender o que se deve aceitar ou o que se deve rejeitar dentro
de preceitos éticos e morais, controlar o corpo, os sentidos e a
mente, controlar as influências mais sutis que afetam a mente
estão entre os primeiros degraus, desta primeira fase do
Asthanga-yoga.
15
Um degrau intermediário e de muita importância é
Pratyahara, ou interiorização da consciência. Ele faz a divisão
entre a fase externa e interna do Asthanga-yoga. É nele que
ocorre a bifurcação em que se decide por um caminho ou
outro: ou o yogi escolhe seu objeto de meditação pessoal ou
impessoal. No final faremos uma breve apresentação sobre
estes dois objetos de meditação (sabija e nirbija). Enfim, neste
degrau é definido todo o futuro espiritual do yogi.
Neste momento, o yogi passa a focar os objetos
internos da mente numa busca cada vez mais profunda de sua
essência, impedindo que qualquer influência externa atrapalhe
sua interiorização consciente. É neste momento que o yogi irá
definir seu objetivo em auto-realização e fará a escolha de
fundir-se na energia divina (brahmajyoti), ou desenvolver seu
relacionamento amoroso por meio do serviço devocional puro.
Esta é, na verdade, a escolha mais coerente, pois Krishna
mesmo diz a Arjuna no Bhagavad-gita (6.31):
sarva-bhuta-sthitam yo mam
bhajaty ekatvam asthitah
sarvatha vartamano ‘pi
sa yogi mayi vartate
“Tal yogi que se ocupa no serviço de adoração à
Superalma, sabendo que Eu e a Superalma somos
um, sempre permanece em Mim em todas as
circunstâncias.”
Pratyahara é de fundamental importância neste
ponto. Enquanto nos angas anteriores mantiveram-se o
controle externo dos sentidos, em Pratyahara este mesmo
controle torna-se ocupação transcendental dos sentidos
espirituais. Isto irá definir completamente o desenvolvimento
interior do yogi.
Finalmente, mantendo-se fixo em Pratyahara o yogi
entra na segunda fase do Asthanga-yoga, ou seja, a prática
interna do Yoga chamada antaranga-yoga, que corresponde a
Dharana, Dhyana e Samadhi, os três últimos degraus. Estes
três degraus também são chamados de samyama. O praticante
deve almejar chegar a esta fase. É nela que ocorrem intensas
realizações espirituais e insight, e sem se situar nela o yogi não
16
sente prazer interior, podendo perder o estímulo e abandonar
sua busca através do Yoga. Quanto a isso, no Srimad
Bhagavatam (1.13.54), encontramos a seguinte confirmação:
jitasano jitasvasah
pratya-hrta-sad-indriyah
hari-bhavanaya dhvastarajah sattva-tamomalah
“Tendo controlado sua postura e seu processo
respiratório, pode-se direcionar seus sentidos à
Suprema Personalidade de Deus e tornar-se imune
às contaminações das qualidades materiais tais
como bondade, paixão e ignorância.”
Direcionar os sentidos para o serviço amoroso ao
Senhor é definido neste verso como pratya-hrta. Pratya é da
mesma raiz que Pratyahara; direcionar os sentidos para dentro
(hara). E hrta tem sua mesma raiz que hrday, do coração.
Portanto, é conclusivo que neste estágio de Pratyahara o yogi
direcione a ocupação de seus sentidos para a Superalma,
Paramatma, e não optar por se fundir na energia impessoal da
Superalma. Ocupar-se é superior ao fundir-se, pois em
ocupação mantém-se a identidade individual eterna da alma,
ao passo que na fusão ocorre à perda inclusive da liberdade
transcendental.
Neste verso também encontramos o termo haribhavanaya. Hari significa a Suprema Personalidade de Deus e
bhavanaya tem sua raiz em bhavah, que significa natureza
interior. Assim, hari-bhavanaya é estar absorto na natureza
intrínseca da alma, que é adorar e servir ao Senhor Hari; esta é
a fase preliminar do amor pela Pessoa Suprema (bhavena).
Isto corrobora o fato de que em Pratyahara devem-se
direcionar os sentidos internos para a satisfação e prazer do
Senhor Supremo. Isto é a essência do Asthanga-yoga, que,
como veremos mais adiante, culminará no amor puro pelo
Senhor Supremo.
Embora tenha um aspecto ainda mecânico, o
Asthanga-yoga não é um exercício de ginástica corporal
quando aplicado junto à devoção. De qualquer maneira, o
17
Asthanga-yoga visa estabilizar a mente e então concentrar-se
na forma pessoal do Senhor. Isto é confirmado no Srimad
Bhagavatam (4.8.44): sanair vyudasyabhidhyayen manasa
guruna gurum. Gradualmente abandona-se o envolvimento
externo e, com a mente imperturbável, medita-se no Senhor
Supremo. A palavra abhidhyayet significa estar com a mente
fixa para meditar. Fixar a mente em algo externo é perigoso,
pois isto a torna ainda mais instável. Mas, quando se fixa a
mente internamente na forma do Senhor, através do Asthangayoga ou da glorificação dos santos nomes do Senhor, alcançase sem demora o estado de meditação mais elevada. Isto
também está confirmado no Srimad Bhagavatam (4.8.52):
evam bhagavato rupam
subhadram dhyayato manah
nirvrtya paraya turnam
sampannam na nivartate
“Aquele que medita desta maneira, concentrando a
mente na sempre auspiciosa forma do Senhor,
liberta-se mui rapidamente de toda contaminação
material, e não decai de sua meditação no Senhor.”
Samadhi é a absorção em transe meditativo no
Senhor Supremo, e aqui temos a palavra dhyayato que
significa meditando. O yogi que consegue se manter fixo em
seu transe está em Samadhi, ou seja, absorto na satisfação do
Senhor. Dhruva Maharaja, um grande bhakti-yogi e famoso rei
santo, executou Asthanga-yoga num local
chamado
Badarikasrama, com menos de dez anos de idade. Mesmo
assim, ele alcançou seu objetivo dentro do Yoga simplesmente
por ter ocupado sua mente em meditar na Suprema
Personalidade de Deus. Encontramos esta descrição no Srimad
Bhagavatam (4.12.17):
tasyam visuddha-karanah siva-var vigahya
baddhvasanam jita-marun manasahrtaksah
sthule dadhara bhagavat-pratirupa etad
dhyayams tad avyavahito vyasrjat samadhau
18
“Em Badarikasrama, os sentidos de Dhruva
Maharaja purificaram-se perfeitamente porque ele
se banhava regularmente em pura água cristalina.
Ele fixou-se em postura sentada e, mediante a
prática de yoga, controlou o processo respiratório e
o ar vital; dessa maneira, recolheu seus sentidos
completamente. Concentrou então sua mente na
forma arca-vigraha do Senhor, que é a réplica exata
do Senhor, e, assim meditando nEle, entrou em
transe completo.”
Aqui mais uma vez mostra-se a potência da meditação
na forma pessoal do Senhor Supremo. Mas, o ponto importante
é que, mesmo sendo ainda uma criança, Dhruva Maharaja foi
para a floresta e praticou Asthanga-yoga e elevou-se a fase
perfeita do Yoga, o Samadhi na forma eterna do Senhor. A
palavra bhagavat-pratirupa, significa a forma exata do Senhor,
que também é conhecida como Arca-vigraha. Não há progresso
real na prática de meditação no aspecto impessoal do Senhor e
este fato derruba todos os diferentes processos de Yoga que
proferem a meditação impessoal. É ilusório querer controlar a
mente fixando-a em algo sem forma. Sem uma forma a mente
permanece instável para a meditação. Por isso, os yogis mais
avançados concentram-se na forma pessoal da Verdade
Absoluta, bhagavat-pratirupa.
Outro ponto importante é dado na palavra avyavahito,
que significa ininterrupto. Este é o verdadeiro Samadhi.
Quando se mantém vinte e quatro horas meditando no Senhor
pode-se dizer que o yogi está numa posição segura do
Samadhi. E esta eficácia é adquirida através do transcendental
serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo, pois nele o
yogi se mantém constantemente ocupado em adorar e servir
externa e internamente a forma pessoal da Verdade Absoluta.
Estar em verdadeira meditação é estar em contato direto com a
Pessoa Suprema, reciprocando serviço amoroso e satisfação
plena. Neste sentido pode-se entender Yoga como “atuar em
nome da Suprema Personalidade de Deus”. Yoga é atitude
interna e externa de amor por Deus.
19
3.2 - Entrando no Yoga
(Kevala-bhakti asthanga-yoga)
Há uma essência original presente em tudo. Por toda
a criação, em todos os seres vivos, em todo sentimento,
pensamento e ação. Esta essência é a Verdade Absoluta.
Verdade Absoluta não é uma verdade imposta ou
forçada. Ela é Absoluta por ser igual para todos, independente
de cultura, raça ou momento histórico. Uma verdade que mude
em cada época ou que se aplique para uma nação e não para
outra não é uma verdade completa, mas relativa. Porém, a
Verdade Absoluta é aplicada incondicionalmente a todos os
seres. E não importa qual o nome que se dê a esta Verdade. O
que importa é Sua presença em tudo (vasudeva sarvam iti), que
ocorre mesmo contra a vontade do mais fiel ateísta.
Esta essência tem em cada alma individual uma
contrapartida que é a ocupação eterna de cada ser vivo, o que
há de intrínseco em cada um. Por exemplo, o caráter da água é
umidade; do fogo, calor; do ser vivo, servir. É natural que toda
alma espiritual tenha esta propensão a servir, pois é algo
intrínseco à alma. Assim como também é o amor, a atividade e
o prazer. A perfeição da vida humana é harmonizar a existência
com o que possibilite a plenitude de tudo que seja intrínseco à
alma. Só assim pode haver paz. E esta é também a perfeição do
Yoga.
Portanto, se em tudo há esta essência divina presente
e se em todas as circunstâncias o ser vivo deve manter-se em
sintonia com esta essência, não poderia ser diferente no
Asthanga-yoga.
No capítulo seis do Bhagavad-gita temos toda a
descrição detalhada sobre o processo de Asthanga-yoga, e no
final (6.47), Krishna conclui dizendo que o maior de todos os
yogis é aquele que pensa sempre nEle dentro de seu coração.
Esta é a mais elevada bênção. Só quem realiza este segredo
dentro de si (param drst va nivartate), é que pode sentir
profundamente as palavras de Krishna e Sua verdade. Em
outras palavras, praticar Asthanga-yoga sem Bhakti não é
Yoga. Mas, Asthanga-yoga com Bhakti leva o yogi a
20
experimentar dentro de si a beleza bem-aventurada do Senhor
Supremo.
O Vedanta-sutra (3.2.26), expõe que: prakasas ca
karmany abhyasat. “O serviço devocional amoroso é tão
poderoso que a iluminação espiritual ocorre pelo simples fato
de ocupar-se em suas atividades.” O fato é que ninguém pode
compreender a Verdade Absoluta pelo simples processo de
Karma-yoga, Siddhi-yoga ou Asthanga-yoga isoladamente.
Estes processos podem apenas facilitar o despertar da devoção
no coração do yogi. Mas, como também se declara no
Bhagavad-gita: evam prasanna-manaso bhagavad-bhaktiyogatah. Somente depois de ter purificado o coração é que se
pode compreender a Personalidade de Deus.
A conclusão é que a prática de Yoga também está
influenciada pelos três modos da natureza material e, portanto,
qualquer prática está manchada por contaminação material,
ou seja, não dará a plena realização ao seu praticante. Isto é
chamado Bhakti-misra asthanga-yoga, execução de devoção
amorosa através do Asthanga. Misra significa misturado ou
contaminado. O ponto é que se deve partir de Bhakti. Assim
tudo se molda em Bhakti, mas partir de qualquer outro
processo para se chegar à Bhakti corre-se o risco de não chegar
a visuddha-bhakti, devoção amorosa pura, ou Kevala-bhakti
asthanga-yoga. Então, partindo-se de Bhakti pode-se executar
Asthanga-yoga com sucesso. O Srimad-Bhagavatam (11.9.11),
confirma isto:
mana ekatra samyunjaj
jita-svaso jitasanah
vairagyabhyasa-yogena
dhriyamanam atandritah
“Depois de aperfeiçoar as posturas sentadas e
dominar o processo respiratório, deve-se estabilizar
a mente através do desapego e da prática regulada
do Yoga. Desse modo, com muita atenção deve-se
fixar a mente na meta única da prática do Yoga.”
Verdadeiro Asthanga-yoga é Kevala-bhakti asthangayoga, ou Yoga com seu objetivo claro e puro, a Superalma. A
palavra dhriyamanam indica que a mente deve estar fixa na
21
meta da vida. E esta meta deve ser apenas uma: a Superalma.
Se a meta for algo material ou sutil não ocorrerá nenhum
progresso; no máximo poderá alcançar a meta que, sendo
material, é temporária - e isto não é Yoga. Por isso,
dhriyamanam se refere à Verdade Absoluta em Sua forma
pessoal.
Da mesma forma, a palavra vairagyabhyasa-yogena
indica que através da prática genuína do Yoga é que se
desenvolve o desapego, vairagya. Sendo assim, é contraditório
imaginar que praticando verdadeiro Yoga devem-se manter
apegos materiais. Artho yad asangas tu krtsnasah (SB 3.32.27).
De fato Yoga leva ao desapego da matéria. Yoga é trabalho com
a eternidade da alma, com a verdadeira vida. É por este motivo
que neste verso também aparece a palavra atandritah, que
significa ter muito cuidado e atenção na prática. Qualquer
descuido pode nos levar a meditar em ilusões. Verdadeira
prática de Yoga não deixa de manter fixo o objetivo final que é a
essência original presente em tudo.
3.3 - Asthanga-Yoga de Patanjali
Em seu Yoga-sutra (2.26-28), Patanjali apresenta o
Asthanga-yoga como fora apresentado por Devahuti-putra
Kapiladeva. Seu maior trabalho foi facilitar e aproximar o
Asthanga para a vida real das pessoas de sua época. Como está
claro no Srimad-Bhagavatam (3.28.5), há total sintonia do
Yoga-sutra com as palavras de Kapiladeva:
maunam sad-asana-jayah
stairyam prana-jayah sanaih
pratyaharas ca cendiyanam
visayan manasa hrdi
“Deve-se observar silêncio, adquirir equilíbrio,
praticando diversas posturas sentadas, controlar os
ares vitais, afastar os sentidos dos objetos dos
sentidos e, deste modo, concentrar a mente no
coração.”
22
Nota-se que neste verso há os seis primeiros degraus
do Asthanga-yoga. Portanto, tendo como princípio os mesmos
deixados por Kapiladeva, Patanjali enfatiza várias vezes a
questão mais importante do Yoga: a rendição a Suprema
Personalidade de Deus. E como veremos, ele focou seu
processo meditativo no aspecto pessoal do Senhor, ao contrário
do que pensam muitos dos seguidores e comentadores de sua
obra.
Assim como Kapiladeva apresentou, Patanjali
estruturou seu Asthanga-yoga em oito (astha) partes (angas):
1 - Yamas (regras);
 ahimsa (não violência)
 satya (veracidade)
 asteya (não roubar)
 brahmacarya (controle dos sentidos)
 aparigraha (não possessividade)
2 - Niyamas (regulações);
 sauca (pureza)
 santosa (satisfação)
 tapas (austeridade)
 svadhyaya (estudo das escrituras)
 isvara-pranidhana (rendição ao Senhor)
3 - Asana (posturas);
4 - Prananyama (controle respiratório);
 puraka (inalação)
 kumbhaka (retenção)
 rechaka (exalação)
5 - Pratyahara (restrição dos sentidos);
 brahman-pratyahara
 bhagavan-pratyahara
6 - Dharana (concentração);
7 - Dhyana (meditação);
8 - Samadhi (absorção espiritual)
23
 sabija- samadhi
 nibija- samadhi
3.3.1 - Yama
Dentro do sistema de Asthanga-yoga todas as oito
etapas progressivas visam levar o praticante ao objetivo final
que é o Samadhi. Para isto, é necessário desenvolver o controle
dos sentidos. O processo de Asthanga-yoga exige autocontrole
do começo ao fim. Por isso mesmo o nome do primeiro degrau é
Yama, que significa controle, ou regras regulativas que ajudam
o yogi a desenvolver o autocontrole. O Senhor Kapiladeva
declara no Srimad-Bhagavatam (3.27.6):
yamadibhir yoga-pathair
abhyasan sraddhayanvitah
mayi bhavena satyena
mat-katha-sravanena ca
“É preciso tornar-se fiel, praticando o processo
controlador do sistema de Yoga, e elevar-se à
plataforma do serviço devocional amoroso puro,
cantando e ouvindo sobre Mim.”
Neste sentido, Yama é composto de regras que
auxiliam o controle da mente e dos sentidos. Entretanto, este
controle deve ser feito com firme fé e devoção pura
(sraddhayanvitah mayi bhavena satyena). Sem este controle
inicial, exercido pelo yogi que busca pela perfeição espiritual ou
auto-realização, não há como fazer o menor progresso. E ele é
facilitado através de Bhakti, ou bhavena. No SrimadBhagavatam (3.8.4), Kapiladeva descreve Yama e já adianta
algo sobre Niyama como se segue:
ahimsa satyam aasteyam
yavad-artha-parigrahah
brahmacaryam tapah saucam
svadhyayah purusarcanam
24
“Deve-se praticar a não-violência e a veracidade,
evitar roubar e contentar-se com a posse de apenas
o que seja necessário para a manutenção. Deve-se
abster-se da vida sexual, praticar austeridade, ser
limpo, estudar os Vedas e adorar a forma da
Suprema Personalidade de Deus.”
Entre as oito etapas de Asthanga-yoga Yama,
juntamente com Niyama, definem os primeiros passos do Yoga.
Alguns degraus intermediários são de grande
importância e formam o processo gradual de Yama. São eles:
3.3.1.1 - Ahimsa
Ahimsa literalmente significa não-violência. Tudo que
possa favorecer a futura felicidade espiritual dos seres vivos em
geral chama-se ahimsa. Sem seguir este primeiro princípio não
há como elevar a consciência e, conseqüentemente, não dá
para se falar de paz. Qualquer atitude que possa prejudicar ou
interromper o desenvolvimento vital dos seres vivos é
considerado violência.
Esta não-violência não se restringe apenas ao aspecto
físico da violência, mas à violência causada pelos pensamentos,
pelas palavras e pelas ações. Qualquer pensamento que tenha
algum resquício de inveja, luxúria, ira, cobiça, ilusão ou
loucura é, em diferentes graus, fonte de violência. Toda a
dificuldade para se encontrar a paz ou praticar a paz recai
neste mesmo ponto: a violência contra outras entidades vivas.
Alguém que cultive pelo menos um destes inimigos
dentro de si não pode ser um yogi. No Yoga-sutra (2.35),
encontramos que:
ahimsa-pratisthayam tat-samnidhau vaira-tyagah
“Estabelecendo-se intensamente em não-violência
abandona-se qualquer hostilidade.”
25
Também na fala o yogi deve ser muito sóbrio. Ele deve
ser veraz, agradável e causar entusiasmo com sua fala,
evitando palavras agressivas.
A violência mais grosseira é justamente a causada
pela matança de animais. O yogi deve ver com igualdade todos
os seres vivos como esclarece o Bhagavad-gita (6.10):
yogi yunjita satatam
atmanam rahasi sthitah
ekaki yata-cittatma
nirasir aparigrahah
“Considera-se um yogi mais avançado aquele que vê
os benquerentes honestos, os benfeitores afetuosos,
os neutros, os mediadores, os invejosos, os amigos
e os inimigos, os piedosos e os pecadores - todos
com uma mente equânime.”
O verdadeiro yogi vê tudo em relação com a Verdade
Absoluta e assim passa a respeitar a todos. Violência não é
apenas aquela realizada por um assassino ou psicopata, mas
por qualquer um que seja conivente com a matança
indiscriminada de seres vivos para a satisfação do paladar.
Qualquer ação que cause sofrimento a outro ser vivo é uma
ação violenta tanto para o executor quanto para a vítima.
Qualquer tipo de violência é sinal de um baixo nível de
consciência, que impede o desenvolvimento da misericórdia e
da equanimidade. Um yogi está sempre atento para não causar
nenhum tipo de violência contra nenhuma espécie de entidade
viva. Não é por acaso que não-violência aparece em primeiro
lugar nos degraus de Yama. Ela é muito grosseira e está
relacionada com o que há de mais degradado. A forma humana
destina-se à compreensão espiritual; logo, qualquer ação que
não promova ou impeça este propósito na certa comete
violência contra os seres humanos e demais seres vivos.
26
3.3.1.2 - Satya
A veracidade é compulsória a todo ser humano.
Nenhuma sociedade pode ser estabelecida sem pelo menos um
pequeno grau de veracidade. Deve-se ser veraz com os outros e
consigo mesmo. O yogi só deve falar o que pensa e fazer o que
diz, e sua veracidade também deve estar presente nos
pensamentos, falas e ações. Patanjali no Yoga-sutra (2.36), diz
que:
satyapratisthayam kriya-phala-asrayatvam
“Estabelecendo-se em veracidade as conseqüências
das ações dependerão apenas das atividades que se
realizarem.”
O yogi dever ser transparente em suas atividades
externas e internas. Dentro do sistema social Védico existe a
classe social mais elevada formada por intelectuais, sacerdotes
e professores (brahmanas) que são a cabeça da sociedade
autêntica.
Tais
brahmanas
apresentam
em
suas
personalidades e caráter a exemplar qualidade de serem
verazes. De acordo com a literatura Védica, na atual era em
que vivemos (kali-yuga), por mais incrível que possa parecer, só
resta uma qualidade dos elevados valores religiosos: a
veracidade.
Krishna diz no Bhagavad-gita (10.4-5), que bhavanti
bhava bhutanam matta eva prthag-vidhah, ou seja, a
veracidade e todas as boas qualidades dos seres vivos surgem
dEle.
A verdade deve ser apresentada independente de suas
conseqüências. Sem veracidade o yogi não pode fazer o menor
avanço. Enganando aos outros ou a si mesmo, como um
pretenso yogi, ele pode causar sua própria ruína por não ser
transparente em seus relacionamentos. Transparência é
sinônimo de simplicidade e um yogi vive de maneira simples. O
yogi não deve complicar sua vida e viver de maneira delirante
sem saber em que nível está sua consciência espiritual. E para
se obter esta simplicidade é necessário veracidade.
27
Outro ponto importante é que o yogi deve ser
verdadeiro com seus desejos. Isto requer harmonia e
sinceridade na atitude com o Senhor Supremo. Esta
sinceridade é definida no Srimad-Bhagavatam (8.16.22), pela
palavra satya-sankalpa :
yatha me satya-sankalpa
vidadhyat as manoratham
“Que o Senhor fique satisfeito comigo e satisfaça
todos os meus sinceros desejos.”
É por isso que Krishna diz no Bhagavad-gita (7.16),
que existem quatro tipo de pessoas que se aproximam dEle: o
aflito, o desejoso de riquezas, o inquisitivo e o que busca
conhecer a Verdade Absoluta.
3.3.1.3 - Asteya
Neste caso, o verdadeiro yogi também se destaca por
não querer para si a posse de outrem. Com perfeito
conhecimento de que existe um Supremo Controlador,
Desfrutador e Proprietário ele entende que tudo pertence ao
Paramatma, a Superalma. Quando o yogi compreende que
nada pode ser realmente seu - já que tudo tem uma existência
temporária neste mundo -, mas que tudo pertence ao Senhor
Supremo, ele pratica a verdadeira renúncia, utilizando tudo
que possui para a satisfação do Senhor. Não é necessário abrir
mão de nada além do falso ego.
De acordo com a filosofia do Yoga, cada qual tem sua
cota determinada. Querer mais do que determina sua cota
pode ser considerado um crime, e um yogi não deve cair neste
erro que gera inveja e cobiça. Por isso, está dito no Sri
Isopanisad (1), que:
isavasyam idam sarvam
yat kinca jagatyam jagat
tena tyaktena bhunjitha
ma grdhah kasya svid dhanam
28
“O Senhor controla e possui todas as coisas
animadas e inanimadas que estão dentro do
Universo. Portanto, devem-se aceitar apenas as
coisas que lhe são necessárias, que foram
reservadas como sua cota, e não se devem aceitar
outras coisas, sabendo bem a quem pertence.”
Por este motivo o yogi deve ser auto-satisfeito e não
alimentar o desejo por objetos que possam desviá-lo da meta
última da vida. Estando satisfeito por considerar suficiente o
que possui o yogi nunca estará envolvido pela ira ou luxúria, e
nem se tornará escravo dos desejos insaciáveis da mente,
fatores que podem atar a alma por muitas vidas ainda no
mundo material.
Assim, o yogi deve desenvolver certo desapego de tudo
que possa atá-lo à vida material. No Bhagavad-gita (15.4)
vemos que é necessário deixar a associação daquilo que possa
ser prejudicial à alma espiritual. Asanga-sastrena: é preciso
deixar todo o apego a tudo que pertence à energia material. A
melhor maneira de realizar este desapego não é abandonando a
associação com a energia material, mas usá-la no
aprimoramento espiritual. Seria como trocar a associação
material pela espiritual. Sabendo que tudo pertence ao Isvara
Supremo, o yogi naturalmente desenvolve uma relação
espiritual com a energia material utilizando-a para a satisfação
do Supremo. Isto é Asanga-sastrena, que pode ajudar a
desenvolver uma atitude livre da cobiça. Como se declara no
Yoga-sutra (2.37):
asteya-pratisthayam sarva ratnopasthanam
“Estabelecendo-se firmemente em honesti-dade
todas as opulências necessárias se afloram.”
Porém, se não puder eliminar por completos estes
desejos corrosivos da mente por meio de Asanga-sastrena, o
yogi deve ao menos evitá-los em seus pensamentos, fala e
ações. Isto é facilitado quando se busca levar uma vida pura
em todos os aspectos. Através da associação com aqueles que
29
estão empenhados na prática do serviço devocional amoroso ao
Senhor pode-se tornar a vida mais pura e espiritualizada.
3.3.1.4 - Brahmacarya
Brahmacarya significa aquele que atua no nível de
brahman. Em todas as circunstâncias o yogi deve ser um
brahmacary e sempre agir com consciência de aham
brahmasmi, ou seja, que “eu não sou este corpo”. A atitude do
yogi que segue brahmacarya deve basear-se neste princípio e
nunca no conceito corpóreo de desfrute dos sentidos materiais
do corpo.
O aspecto da abstinência sexual é apenas o aspecto
externo da vida de brahmacarya. A meta não é meramente a
vida celibatária, mas o controle total dos sentidos. Para quem
está seguindo as regulações necessárias à vida espiritual sabe
muito bem que o controle do impulso sexual é muito difícil,
pois o prazer alcançado no ato sexual é, do ponto de vista
material, muito forte. Assim, controlar os impulsos sexuais é
conquistar todos os outros sentidos.
Para o verdadeiro yogi, que se dedica com sinceridade
e oferece sua vida a Alma Suprema conhece um prazer muito
superior a qualquer prazer mundano e, por isso, ele não se
entrega aos desejos sensuais dos sentidos materiais, mas os
ocupa para servir ao Paramatma.
Na ordem religiosa do sistema social Védico,
brahmacarya é a primeira fase e precede, sucessivamente, as
fases de casado (grhasta), retirado (vanaprasta) e renunciado
(sannyasi). Em todos eles apenas na fase de casado é que se
tem acesso regulado à vida sexual, porém apenas para a
geração de filhos avançados em consciência espiritual, o que
significa que mesmo na vida de casado o yogi deve praticar
celibato.
Tal restrição não deve ser vista como algo proibitivo
ou sofrido, mas como uma austeridade que faz parte do
processo de se buscar pela meta última da vida. A vida sexual
contrária aos princípios religiosos acaba com toda a energia
vital que poderia ser usada para elevar a consciência e destrói
30
a potência espiritual acumulada pelas atividades espirituais
diárias.
Para se manter fortalecido o brahmacary deve manterse junto do Guru e servi-lo por um bom tempo. O Guru ensina
ao yogi discípulo a controlar os sentidos e concentrar-se no
objeto de sua busca transcendental. Enfim, a prática de
Brahmacarya capacita a memória a agir com mais rapidez e
aumenta a duração de vida, como se declara no Yoga-sutra
(2.38):
brahmacarya-pratisthayam virya-labhah
“Estabelecendo-se firmemente no controle dos
órgãos genitais facilmente desenvolve-se vigor.”
Não há vantagem em desfrutar dos sentidos
materiais. Qualquer animal vive nesta plataforma sensual, mas
o ser humano tem a prerrogativa de escolher entre a vida
degradada ou civilizada. Sem esta alternativa não faria sentido
o livre arbítrio. Portanto, vida espiritual é simples para as
mentes simples, mas é difícil para as mentes complicadas. O
melhor é descomplicar a vida controlando os sentidos e
usando-os para o avanço espiritual. Imaginem quantas
situações conflitantes, frustrações e desperdício de tempo e
energia seriam evitados sem esta busca insólita por gozo
sensual dos sentidos.
3.3.1.5 - Aparigraha
Aparigraha, ou não-possessividade, é compreendido
como alguém que seja despojado de posses materiais, não no
sentido de não possuir o mínimo necessário a sua manutenção
básica, mas de não acumular mais do que necessita.
Aparigraha se assemelha um pouco a Asteya, embora nesse o
que prevalece é a inveja e a necessidade de assumir algo que
não lhe pertença. Já em Aparigraha há o forte impulso de
acumular posses desnecessárias.
Este sentimento de possessividade expressa a mais
profunda insatisfação, insegurança, apego e cobiça. Por mais
31
que alguém procure satisfazer sua tendência de Aparigraha
nunca estará satisfeito, pois o desejo nunca poderá ser
saciado. Por isso, encontramos no Yoga-sutra (2.39):
aparigraha-sthairye janma-kathanta-sambodhah
“Estando livre de possessividade material torna-se
clara a razão da existência.”
A razão da existência é justamente buscar pela autorealização espiritual, e nada mais (vedais ca sarvair aham eva
vedyah). Quem está envolvido com a ganância acaba sempre
comendo a mais do que a capacidade do estômago, dormindo
mais do que o corpo requer e assume tamanho hedonismo que
passa a dedicar toda sua energia em saciar as mais fúteis
demandas corpóreas.
Devido à intensa identificação com o corpo material
tal pessoa acaba encontrando, em sua busca por desfrute,
mais sofrimento do que prazer.
Diante de todas estas anomalias, o yogi não perde seu
tempo procurando satisfazer-se com os produtos da ilusão,
mas utiliza todo seu tempo e energia em expandir sua
consciência espiritual.
Aqui também se aplica a idéia de desapego, como
citado por Srila Rupa Gosvami em seu Bhakti-rasamrta-sindhu
(2.255-256):
anasaktasya visayan
yatharham upayunjatah
nirbandhah krsna-sambandhe
yuktam vairagyam ucyate
prapancikataya budddhya
hari-sambandhi-vastunah
mumuksubhih parityago
vairagyam phalgu kathyate
32
“Quando a pessoa não se apega a nada, mas ao
mesmo tempo tudo o que aceita ou possui usa em
relação com Krishna, ela está corretamente situada
acima do sentido de posse. Por outro lado, aquele
que rejeita tudo sem entender a relação destas
coisas com Krishna, não é completo em sua
renúncia.”
Se o yogi tiver que conseguir algo que seja muito
difícil, e ainda assim colocar em risco sua vida diária de
práticas espirituais, para difundir o conhecimento espiritual às
outras pessoas, ele aceita como uma perfeita austeridade e age
com verdadeira renúncia; mas, se for para satisfazer a si
próprio e seus anseios pessoais ele então abre mão de tal
esforço inútil. A idéia é que o yogi não fica em ansiedade e
sempre utiliza sua vida no progresso espiritual. Ele sabe que
tudo está sob o controle do Paramatma e assim dedica-se e
esforça-se para cumprir seus deveres em harmonia com o
Senhor Supremo.
3.3.2 - Niyamas
Os cinco subdegraus de Niyamas visam disciplinar os
hábitos, definindo personalidade e caráter. A palavra Niyama
refere-se aos preceitos concernentes às atividades que os seres
humanos em geral não estariam inclinados a executar. Ou
seja, no início deve-se fazer um esforço, mas gradualmente
estes preceitos tornam-se naturais. Ni significa ausência. Sem
esforço; algo que é natural para o ser vivo civilizado. Porém,
devido ao contato contaminado com o mundo material é
necessário começar com um pequeno esforço. As disciplinas de
Niyama não são proibitivas, são reguladoras.
Estas regulações tornam o yogi física, mental e
espiritualmente fortalecido. É importante compreender que
estas regulações visam o bem estar mental e espiritual do yogi.
De acordo com as escrituras Védicas regras e regulações
existem para que o yogi possa sempre pensar no Senhor
Supremo dentro de seu coração e nunca se esquecer dEle.
33
Seguir tais prescrições de maneira mecânica ou desconsiderálas está fora de cogitação para o yogi sincero. Também no
Bhakti-rasamrta-sindhu (1.2.101), se declara que:
sruti-smrti-puranadipancaratra-vidhim vina
aikantiki harer bhaktir
atpatayaiva kalpate
“Praticar serviço transcendental amoroso ao Senhor
Hari, mas ignorar os textos védicos autorizados, tais
como os Upanisads, Puranas e o Naradapancaratra, é simples-mente uma perturbação
desnecessária na sociedade.”
Deve-se segui-las de maneira natural e com
consciência de desenvolver o autocontrole.
Embora sejam ainda externas, e estejam ligadas ao
âmbito de moral e ética, tanto Yama quanto Niyama são de
grande importância dentro do Asthanga-yoga. Todos os outros
angas dependem de uma boa base nestes dois angas iniciais.
Sem disciplina ninguém alcança seus objetivos.
3.3.2.1 - Sauca
No contexto da ciência do Yoga, Sauca refere-se à
pureza física e mental já que ambas ajudam a evitar doenças
no corpo e na mente, respectivamente. É muito simples aceitar
o fato de que o yogi não é aquele que deixa o cabelo crescer,
não toma banho, não se alimenta ou não dorme. O yogi cuida
melhor do seu corpo do que uma pessoa comum, pois ele sabe
a quem pertence seu corpo. Devido a um conceito errado sobre
yoga, muitas pessoas acham que para se tornar um yogi ela
terá que abandonar todos os seus cuidados com a saúde e
simplesmente viver ao acaso. Esta não é a idéia. Vida espiritual
requer maiores responsabilidades.
A pureza mental, por sua vez, auxilia no avanço
espiritual ao possibilitar uma inteligência mais aguçada e
dinamicamente fixa. O yogi mantém sua mente tranqüila e livre
34
de apego, medo e ira, devido à execução de atividades que a
purificam. Com a mente estável e limpa de toda poeira material
ele pode ver constantemente a realidade do mundo numa
perspectiva positiva.
A pureza, ou limpeza física é fácil de entender e
realizar, porém a limpeza da mente requer algo mais intenso e
profundo. A pureza da mente depende de pensamentos
espirituais, absorção mental em tópicos transcendentais e
discernimento apurado. Sem estes pré-requisitos, que devem
ser desenvolvidos ainda nos dois angas iniciais (Yama e
Niyama), não há como fazer progresso na auto-realização. A
mente precisa de ocupação constante e, ao contrário do que se
pensa, o correto é ocupar a mente e não tirar suas ocupações,
ou, melhor dizendo, ocupar a mente em atividades
transcendentais e tirá-la das ocupações materiais. Este é o
grande segredo do sucesso no processo de Yoga. Patanjali diz
no Yoga-sutra (2.40):
saucat svanga-jugupsa parair asamsargah
“A pureza do próprio corpo e da mente é superior ao
contato indesejado - com outros corpos ou objetos
materiais.”
E é por este motivo que se enfatiza muito o
autocontrole. Ocupando os sentidos, a mente e a inteligência
no transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor
Supremo pode-se purificá-los e, com a mente pura, pode-se
concentrar e meditar na forma transcendental do Paramatma.
E como podemos ocupar a mente e os sentidos no
transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor? O
próprio Senhor Kapila explica no Srimad-Bhagavatam
(3.28.33):
dhyanayanam prahasitam bahuladharisthabhasarunayta-tanu-dvija-kunda-pankti
dhyayet svadeha-kuhare ‘vasitasya visnor
bhaktyardrayarpita-mana na prthag didrkset
35
“Com devoção embebida em amor e afeição, o yogi
deve meditar no âmago de seu coração, na risada
do Senhor Vishnu. A risada dEle é tão cativante que
se pode meditar nela facilmente. Quando o Senhor
Supremo ri, pode-se ver Seus pequenos dentes, que
parecem botões de jasmim matizados de rosa pelo
esplendor de Seus lábios. Uma vez que tenha
devotado sua mente a isto, o yogi já nem deseja ver
qualquer outra coisa.”
Este é o processo de meditação mais correto que é
praticado pelos
verdadeiros
yogis e
que
leva ao
desenvolvimento natural do amor por Deus. Sem chegar ao
ponto de desenvolver amor puro pelo Senhor Supremo,
qualquer processo de Yoga que descarte o trabalho de
purificação do praticante é mera perda de tempo, pois não o
leva ao desenvolvimento de amor puro pelo Senhor Supremo. O
yogi não desperdiça sua valiosa vida em algo que não lhe dará
a fonte última de prazer, que só poderá ser alcançada após ter
desenvolvido pureza no coração. Tudo isto dependerá de Sauca
que o yogi deve desenvolver dentro de si mesmo.
3.3.2.2 - Santosa
Santosa pode ser entendida como contentamento,
satisfação ou entusiasmo. Com a mente limpa e calma pode-se
encontrar satisfação em todas as situações, e assim atua o
yogi, sempre extraindo ouro do lixo. Em tal estado de mente,
mesmo um mendigo pode viver com a satisfação de um grande
rei.
Porém, o yogi mantém seu equilíbrio sem se exaltar e
sem se lamentar. Na verdade, sua satisfação não depende de
fatores externos. Ele vive este estado dentro de si,
compreendendo que este é o seu verdadeiro tesouro. E é este
tesouro que alimenta sua firme convicção de investir na vida
espiritual.
36
Podemos perceber que mesmo uma experiência do
passado que tenha nos dado alguma sensação de prazer ou
satisfação já não existe mais como fator externo, mas a
sensação ainda pode estar viva em nossa memória. Aquela
realidade já não tem mais existência física no contato com
nossos sentidos embora a satisfação possa ainda ser sentida
como uma lembrança do passado. Isto mostra que a satisfação
é interior. Ela nunca depende de algo externo. Quando
experimentamos uma situação compatível com algum desejo da
mente sentimos internamente algo que nos dê prazer. Mas
quando o estímulo externo se esvai a satisfação, que dependia
de fator externo, também se acaba. Porém, esta satisfação está
constantemente presente dentro de cada um. Quando o yogi
entra em contato com sua essência espiritual real ele pode
sentir plenamente esta constante satisfação e prazer dentro de
si. Isto é Santosa, a satisfação que alimenta o desejo de querer
vida espiritual.
Para isto é necessário provar o sabor sublime da
transcendência, como é apresentado no Bhagavad-gita (2.59):
rasa-varjam raso ‘py asya
param drst va nivartate
“Interrompendo
as
ocupações
materiais ao
experimentar um gosto superior, o yogi se fixa em
consciência espiritual.”
Provando um nível superior de consciência, qualquer
um que esteja desejoso por vida espiritual abandona
naturalmente sua afeição pelos objetos dos sentidos materiais.
Isto se deve à rasa ou sabor espiritual que nutre a alma,
dando-lhe prazer e satisfação. Esta rasa, ou sabor é que dá o
prazer interior que o Senhor Krishna descreve no Bhagavadgita (5.21):
bahya-sparsesv asaktatma
vindaty atmani yat sukham
as brahma-yoga-yuktatma
sukham aksayam asnute
37
“Tal pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer
dos sentidos materiais, mas está sempre em transe,
gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa
auto-realizada sente felicidade ilimitada, pois se
concentra no eu.”
Esto verso confirma que a satisfação está dentro da
alma espiritual, em associação com o Senhor Supremo, e não
fora, nos objetos materiais que só geram apego e sofrimento.
3.3.2.3 - Tapas
Tapas, ou a verdadeira austeridade, significa deixar
de fazer o que a mente gosta e deseja fazer para realizar aquilo
que se deve fazer, mesmo que seja contrário ao prazer da
mente. Em outras palavras, austeridade significa vencer os
obstáculos e dificuldades pelas quais nossos sentidos, mente e
inteligência tem que passar.
De acordo com o Bhagavad-gita, existe austeridade do
corpo, da fala e da mente e todas devem visar à satisfação do
Paramatma. Qualquer tipo de austeridade que cause dor ou
sofrimento nunca deve ser praticado pelo yogi erudito. Praticar
Tapas para engrandecimento pessoal ou político (jejuns,
mortificações, autoflagelação), não tem nenhum valor espiritual
e são contrárias às bases da filosofia Védica do Yoga.
A austeridade tem como objetivo auxiliar no avanço
da consciência espiritual do yogi, trabalhando seu desapego e
fortalecendo sua determinação espiritual. Toda austeridade
praticada com base nas escrituras favorece a vida espiritual e
não há vida espiritual sem austeridade.
Muitas vezes, devido à influência ilusória de ter
passado por milhões de vidas em diferentes corpos, a alma
condicionada sente mais facilidade em ocupar-se nas
atividades prejudiciais à sua vida espiritual e vê a auto-entrega
do yogi como algo muito penoso. Na verdade, fazer da vida
diária uma atividade sagrada nos leva à idéia de executarmos
ofícios sagrados - daí, sacro ofício. E de acordo com o
Bhagavad-gita (17.14), dedicar a vida integralmente à
satisfação do Supremo é a austeridade mais elevada.
38
E ainda neste verso encontramos que Sauca, Asteya,
Brahmacarya e Ahimsa constituem austeridades do corpo;
Satyam, Svadhyaya e ser agradável nas palavras constituem
austeridade da fala (Bg 17.15); Santosa, gravidade,
autocontrole, simplicidade e purificação da existência são
austeridades da mente (Bg 17.16). Somente reconquistando
estas qualidades divinas é que podemos recuperar nossa
consciência original. E fixo na busca desta elevação espiritual é
que o yogi sente a satisfação que resulta da própria
austeridade. Rasa-varjam raso ‘py asya param drst va
nivartate.
3.3.2.4 - Svadhyaya
Svadyaya pode ser entendida como o estudo profundo
sobre a essência do ser vivo. Todos estão buscando por algo e
muitas vezes não se sabe nem mesmo o que é. Assim, uma
pessoa comum passa toda a sua vida sem inquirir sobre a
Verdade Absoluta, que é a essência de toda a busca e, assim,
desperdiça toda a chance de poder compreender a si próprio,
compreender o mundo, compreender o Senhor Supremo e a
relação existente entre todos eles.
Entretanto, esta busca deve ser baseada em três
fontes de conhecimento autêntico. Sem estas fontes
autorizadas qualquer estudo sobre tópicos elevados não leva ao
propósito último e verdadeiro.
As três fontes são:
 Pessoas santas ou seguidores das escrituras sagradas
(sadhu)
 Mestre espiritual (guru)
 Escrituras sagradas (sastras)
As pessoas santas passam o conhecimento através de
exemplos práticos. Apenas o contato manso e humilde, com
serviço sincero, prestado a estas almas elevadas já é suficiente
para beneficiar o yogi sério. Eles podem passar o conhecimento
39
e, pelo próprio exemplo, estimular e ensinar sobre a essência
da vida.
O mestre espiritual também é uma pessoa santa e um
representante autêntico do Senhor Supremo. Ele aceita
discípulos e instrui sobre a vida espiritual. Todo estudo feito
sobre o tema transcendental deve ser seguido por um Guru.
Somente o Guru pode iluminar a inteligência do discípulo ou
yogi. Para isto ele deve se aproximar do mestre espiritual com
atitude correta, como apresentada no Bhagavad-gita (4.34):
tad viddhi pranipatena
pariprasnena sevaya
upadeksyanti te jnanam
jnaninas tattva-darsinah
“Tente aprender a verdade aproximando-se de um
mestre
espiritual.
Faça-lhe
perguntas
com
submissão e preste-lhe serviço. As almas autorealizadas podem lhe transmitir conhecimento
porque são videntes da verdade.”
Todo exemplo dado pelo Guru é baseado nos mestres
anteriores (acaryas), e totalmente respaldado nas escrituras
reveladas.
Por fim, as escrituras são as bases de todo
conhecimento que conduz aos estudos mais profundos da
essência do ser individual (Jivatma) e do Ser Supremo
(Paramatma). Dentro da tradição do Yoga a forma humana é
tida como a mais adequada para se atravessar a existência no
mundo material e todo estudo (Svadhyaya) do Vedanta e
prática do Yoga tem como propósito seguir e satisfazer os
desejos do Paramatma, a Pessoa Suprema. Isto é confirmado
também no Srimad-Bhagavatam (10.47.24):
japa-svadhyaya-samyamaih
krsne bhaktir hi sadhyate
“Também através de japa, estudo dos textos védicos
e observância dos princípios reguladores alcança-se
o transcendental serviço devocional amoroso por
Krishna, a Suprema Personalidade de Deus.”
40
Nesta citação pode-se notar que tanto o cantar da
japa (recitação individual do Maha-mantra Hare Krishna, Hare
Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare / Hare Rama, Hare
Rama, Rama Rama, Hare Hare), quanto seguir os princípios
reguladores - entre outros (votos, caridade, austeridade e
sacrifícios), são estabelecidos pelo Guru, pelas pessoas santas
e pelas escrituras reveladas. E todos estes auxiliam no
progresso espiritual do yogi a sua meta suprema, krsne
bhaktir, devoção amorosa pela Suprema Personalidade de
Deus.
3.3.2.5 - Isvara Pranidhana
Já nesta etapa do Asthanga Yoga o praticante deve
estar preparado para abandonar sua ilusória identificação
corpórea. Deixar o falso ego e aceitar um Ser Supremo a quem
temos que aceitar como superior ao nosso insignificante ego
grosseiro é algo muito difícil, mas extremamente necessário
para quem quer avançar no caminho do Yoga como ele
realmente é. Patanjali em seu Yoga-sutra (1.23), enfatiza que:
isvara-pranidhanad va
“Entregar-se por completo à Suprema Personalidade
de Deus.”
Também é enfatizado o mesmo ponto no sutra 2.45:
samadhi-siddhir isvara-pranidhanat
“A perfeição do Samadhi é a rendição completa à
Suprema Personalidade de Deus.”
Entregar-se numa atitude de rendição ao Senhor
Supremo é muito difícil para quem ainda não tenha
desenvolvido pelo menos uma pequena centelha de amor pela
Pessoa Suprema. Porém, para amá-Lo é necessário conhecê-Lo,
e para conhecê-Lo dependerá muito do estágio anterior,
41
Svadhyaya. Estudar as escrituras com uma pessoa autorizada
e conhecedora profunda das escrituras autorizadas, um Guru,
será de fundamental importância para se chegar a este último
estágio de Niyama.
Assim, este é o ultimo estágio para o yogi que deseja
abandonar os apegos materiais e proteger-se dos perigos da
vida humana. Por este motivo o Senhor Krishna instrui Arjuna
já no final do Bhagavad-gita (18.65):
sarva-dharma parityajya
mam ekam saranam vraja
aham tvam sarva-papebhyo
moksayisyami ma sucah
“Abandone todas as suas ocupações materiais e
simplesmente renda-se a Mim. Eu o libertarei de
todas as reações pecaminosas. Não tema.”
A verdadeira rendição depende de abandonarmos
completamente a falsa identificação corpórea e as atividades do
ego material. Para isto, utiliza-se tudo para o prazer do
Supremo, com uma visão espiritual. Desse modo, isvara
pranidhana não significa algo externo ou mecânico, mas um
sentimento e atitude interna de entrega completa. Caso
contrário o yogi corre o risco de se refugiar, ou se render, à
energia material ilusória. Como Krishna declara no Bhagavadgita (9.12):
moghasa mogha-karmano
mogha-jnana vicetasah
raksasim asurim caiva
prakrtim mohinim sritah
“Aqueles que estão perplexos deixam-se atrair por
opiniões
demoníacas
e
ateístas.
Estando
mergulhados nessa ilusão, suas esperanças de
42
liberação, suas atividades fruitivas e seu cultivo de
conhecimento são todos destroçados.”
Portanto, o yogi deve render-se ao Supremo
refugiando-se na potência espiritual do Senhor. Após esta
rendição o yogi dedica todas as suas atividades, pensamentos,
sentimentos, desejos e inteligência ao Senhor Supremo, e isto é
a perfeição da vida. Após este teste o yogi pode realmente ser
considerado um verdadeiro yogi.
Embora já em Yama se faça necessário o cultivo de
Bhakti, é justamente neste momento do processo que o yogi
desenvolve sua devoção natural pela Superalma. A partir deste
ponto, sem devoção, nenhum progresso mais é possível. O que
nos leva a concluir que Yama e Niyama são disciplinas que
ajudam a modelar o caráter do yogi para que ele possa
naturalmente sentir atração amorosa por Deus.
Nos próximos angas o yogi mantém e desenvolve
gradualmente sua devoção até o estágio último de Bhakti,
culminando em prema-bhakti, o transcendental amor puro pelo
Senhor Supremo. A semente que foi plantada em Yama e
Niyama cresce nos próximos degraus até que a consciência do
yogi se absorva na forma pessoal da Verdade Suprema - a meta
de todos os grandes yogis. Este é o objetivo mais elevado, como
confirma o Bhagavad-gita (12.6-7):
ye tu sarvani karmani
mayi sannyasya mat-parah
ananyenaiva yogena
mam dhyayanta upasate
tesam aham samuddharta
mrtyu-samsara-sagarat
bhavami na cirat partha
mayy avesita-cetasam
“Mas aqueles que Me adoram, abandonando todas
as atividades por Mim e não se afastando de sua
devoção por Mim, ocupando-se em serviço
devocional e sempre meditando em Mim, tendo
fixado suas mentes em Mim, ó filho de Prtha - a eles
Eu sou o pronto salvador do oceano de nascimentos
e mortes.”
43
E também (Bg. 9.34):
man-mana bhava mad-bhakto
mad-yaji mam namaskuru
mam evaisyasi yuktaivam
atmanam mat-parayanah
“Ocupe sua mente em pensar sempre em Mim,
torne-se Meu devoto, ofereça-Me reverências e Me
adore. Estando absorto por completo em Mim, com
certeza você virá a Mim.”
Esta atitude de rendição é o que há de mais sublime
para a Jivatma, a alma espiritual individual, pois após milhões
de nascimentos ela pode reaver esta conexão esquecida por
parte dela. E esta tendência de se render é natural à alma
espiritual. Portanto, o yogi rende-se a Pessoa Suprema e não à
Sua energia ilusória, Maya.
A própria Suprema Personalidade de Deus se
autodefine no Bhagavad-gita (15.18):
yasmat ksaram atito ‘ham
aksarad api cottamah
ato ‘smi loke vede ca
prathitah purusottamah
“Porque Sou transcendental, situado além do falível
e do infalível, e porque Sou o maior, Sou celebrado
tanto no mundo quanto nos Vedas como a Pessoa
Suprema.”
Uttamah significa aquele que está situado acima de
qualquer condicionamento material (Paramatma). Conectar-se
ou render-se a esta Pessoa Suprema significa restabelecer sua
eterna relação com o Senhor (Yoga), e ao mesmo tempo tornarse também transcendental à influência do condicionamento
material, alcançando a perfeição (nitya-siddha). Mas, o que vem
a ser rendição?
Rendição significa que em lugar de trabalhar para a
satisfação dos próprios desejos pessoais o yogi se ocupa por
completo em agradar ao Senhor diretamente, segundo Seus
44
próprios desejos íntimos. Tendo os mesmos interesses que o
Senhor o yogi se situa em verdadeira rendição. Não é difícil
nem antinatural. É apenas uma questão de desejo. Isto é
confirmado no Srimad-Bhagavatam (3.29.33): akartuh samadarsanat. Os interesses do yogi são idênticos aos interesses da
Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, esta igualdade de
desejos não significa que o yogi se torna uno com o Supremo,
ou se torne Deus. A palavra akartuh indica sem sentido de
propriedade. Isto implica reciprocidade amorosa, Bhakti;
reciprocidade implica em individualidades separadas. Logo,
akartuh sama-darsanat indica que o yogi quer satisfazer os
desejos do Senhor. Como, por exemplo, a mãe que quer servir
seu amado filho.
No mesmo verso citado há o termo: mayi sannyastakarmanah, indicando que todas as atividades que o yogi realiza
são dedicadas ao Senhor. O Srimad-Bhagavatam (10.2.32),
declara: aruhya krcchrena param padam tatah patanty adho
‘nadrta-yusmad-anghrayah. Isto significa que se o yogi
abandona seu refúgio aos pés de lótus do Senhor Supremo e
tenta avançar espiritualmente, através de sua própria
determinação, certamente acabará caindo novamente na
plataforma de atividades materiais, mantendo-se fiel a sua
própria força falível.
Anadrta-yusmad-anghrayah
indica
aquele
que
abandonou o refúgio Supremo. Verdadeira rendição nunca
resulta em abandono. Render-se só tem significado quando
ocorre inteiramente. Por isso, Krishna afirma no Bhagavad-gita
que Bhakti e fácil e agradável de ser praticada. Não é nada
complicado e não se necessita de muito esforço. Tudo que é
realizado de maneira forçada acaba sendo superficial. Crer
num refúgio material e render-se a ele requer muito esforço
desnecessário, como enfatiza os termos aruhya krcchrena.
Portanto, mesmo que pareça ser muito difícil renderse ao Senhor Supremo, ainda assim, o yogi deve dedicar-se
com afinco em depender por completo da proteção da
Superalma. Tentar viver de maneira independente dentro do
mundo material é uma atitude cega do falso ego. Nesta etapa
do Asthanga-yoga, o que há de mais difícil é justamente
abandonar o falso ego que, embora seja a causa de todo tipo de
sofrimento, faz a entidade viva condicionada pensar que
conseguirá em algum momento ser feliz sem se dedicar em
45
satisfazer o Supremo. Renunciar ao falso ego é na verdade a
única renúncia. Sem deixar o falso ego ninguém consegue
progredir seguramente no caminho do Yoga.
3.3.3 - Asana
Os Asanas, que são considerados posturas físicas ou
mecânicas, necessitam de Yama e Niyama. Sentar-se em
postura sem Yama e Niyama não passa de exercícios físicos e,
portanto, não dará os benefícios desejados. Além disso, o real
significado de Asana é “assento”. Mas que tipo de assento seria
este?
A alma espiritual está presa dentro do corpo material,
porém, em essência, ela possui uma natureza eterna e original
que é prestar serviço transcendental amoroso ao Senhor.
Assim, o Asana visa facilitar a alma espiritual de restabelecer
sua eterna relação devocional com a Pessoa Suprema. Desse
modo, o conceito mais amplo e específico de Asana é a alma
espiritual posicionar-se, ou assentar-se, em sua posição
constitucional eterna, sua natureza real. Em outras palavras,
Asana é a atitude que o yogi desenvolve diante da vida e da
Verdade Absoluta. Ocupar-se em atividades ilícitas - não
seguindo Yama e Niyama - não permitem o yogi situar-se em
verdadeiro Asana (no sentido mais profundo da palavra); mas,
se ele está ocupando-se em dar prazer ao Senhor compreendese que ele está situado em Asana.
Arjuna pergunta para o Senhor Krishna kim asita
vrajeta kim (Bg. 2.54), “qual é a atitude de um sábio que está
fixo na transcendência?”. O Senhor Krishna responde (Bg.
2.61):
tani sarvani samyamya
yukta asita mat-parah
vase hi yasyendriyani
tasya prajna pratist hita
“Aquele que restringe seus sentidos, mantendo-os
sob completo controle, e fixa sua consciência em
Mim, é conhecido como um homem de inteligência
estável.”
46
Em qualquer situação, o verdadeiro yogi pode manterse autocontrolado simplesmente por estar com sua consciência
fixa e ocupada em glorificar e satisfazer o Supremo. Esta é a
perfeição do Asana, que está além do conceito físico ou externo
que conhecemos, como meras posturas. Inicialmente têm-se as
práticas físicas dos Asanas que, juntamente com os angas
anteriores, auxiliam na conquista dos sentidos e da mente.
Somente após assumir total controle da mente é que se entra
realmente no Asana. Podemos definir o primeiro como Asana
externo, enquanto que a meta é o Asana interno, pois sem
desenvolver-se no Asana não há como interiorizar a
consciência para os próximos degraus até Samadhi.
Um yogi avançado pode estar realizando diferentes
tipos de atividades aparentemente materiais, mas internamente
ele está conectado com o Supremo e estabelecido em sua
natureza original.
Meramente manter posturas mecânicas, por mais
difíceis que sejam – sem consciência de sua posição
constitucional original -, não levará o yogi ao Samadhi, a meta
do Asthanga Yoga. Por este motivo, é extremamente necessário
o estágio de Isvara-pranidhana, pois, sem ele torna-se
impossível para o yogi situar-se em sua posição constitucional
eterna, que é executar o transcendental serviço amoroso puro
ao Senhor, ou seja, estar em seu Asana. Do ponto de vista
externo Asana é meramente postura, mas internamente ele é
assento ou posição constitucional da alma eterna, ou atitude
de serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo.
No Yoga-sutra (2.46), Patanjali diz:
sthira-sukham asanam
“O Asana deve ser firme e confortável.”
Aquele que consegue manter sua mente sob controle é
considerado um sábio de mente estável, sthita-dhir munir
ucyate (Bg.2.56). Assim ele se mantém fixo em sua posição
como servo do Senhor. Da mesma forma, su-sukham kartum
avyayam (Bg. 9.2): o conhecimento a respeito do serviço
transcendental amoroso ao Senhor “é eterno e agradável de ser
praticado”.
47
É um fato que os Asanas trazem uma infinidade de
benefícios físicos, o que pode auxiliar no processo de
meditação, mas não leva diretamente à auto-realização
espiritual. Estando com o corpo saudável e com vitalidade (o
que é oferecido como benefício físico pelos Asanas), a pessoa
pode ficar com a mente mais tranqüila e, com a mente calma e
controlada, pode dedicar-se mais facilmente à meditação. Por
isso, muitos Asanas estão relacionados com meditação.
Quando se fala em meditação logo se pensa em
posturas e vice-versa. Mas, o verdadeiro yogi tem em
consciência o conceito real do Asana: situar-se em sua posição
original como servo eterno do Paramatma.
No Srimad-Bhagavatam (10.87.42), encontramos a
seguinte passagem: asrutyatma-anusasanam. Segundo Srila
Jiva Gosvami, o termo atmanusasanam significa tanto
instruções que beneficiam as entidades viva, quanto instruções
que revelam a relação da entidade viva com o Senhor Supremo.
Anusasanam se refere às instruções (SB 11.3.44), e atma à
alma. Logo, do ponto de vista filosófico, o Asana está
intimamente relacionado com a alma em sua constituição
eterna.
O oposto de sua posição constitucional é nirasana,
uma posição artificial. Esta é a situação material da alma
condicionada. Por exemplo, se considerarmos o ser vivo como o
corpo material, então, sua posição condicional é servir às
ilusões; mas, se considerarmos o ser vivo como alma espiritual
individual sua posição será a de servir ao Supremo Senhor
Hari. Desse modo, se, contrariando a natureza, o ser vivo como
alma espiritual, se ocupa em servir suas ilusões mentais,
diremos que ele não está em seu Asana, mas em nirasana sem posição estável. Nessa condição o ser vivo sofre os
resultados da instabilidade mental e é arrastado pelas reações
de suas atividades.
A conclusão é que o Asana deve levar o yogi da
concepção corpórea às refinadas realizações sobre seu próprio
eu e a Suprema Personalidade de Deus. Para tanto, fica
evidente a necessidade de uma profunda base filosófica sobre o
assunto. Porém, sem esta compreensão a respeito do Asana,
corre-se o perigo de permanecer apenas no conceito corpóreo
do Asthanga-yoga. A idéia, como já foi várias vezes ressaltada,
é chegar à plataforma do incondicional amor puro pelo Senhor.
48
3.3.4 - Pranayama
A palavra prana é derivada da raiz sânscrita -ana,
animar ou vibrar, e pra-, primeira unidade. Então,
literalmente, prana significa a primeira unidade de energia
vital. Tudo que se move ou que vive expressa a presença do
prana.
Após praticar os Asanas o yogi capacita-se a adentrar
os profundos níveis da consciência, compreendendo o
funcionamento do prana nas funções do corpo material através
do controle dos ares vitais; e elevando a consciência interior à
essência do próprio eu. Está técnica é conhecida como
Pranayama.
Pranayama não é apenas o controle da respiração, é o
controle dos ares vitais internos. E ainda, numa compreensão
mais detida, Pranayama significa usar toda a vitalidade para o
prazer do Senhor Supremo. Toda a vitalidade proveniente do
Paramatma e manifesta através da Jivatma deve ser utilizada
para a satisfação do Supremo, por meio da prática do
transcendental serviço amoroso. Desperdiçar a vida em ilusões
e futilidades é sinônimo de insanidade. Há uma meta única na
vida humana. Vedais ca sarvair eva vedyo. A meta última
apresentada nos Vedas é compreender a Verdade Absoluta. O
Senhor Krishna declara no Bhagavad-gita (8.8):
abhyasa-yoga-yuktena
cetasa nanya-gamina
paramam purusam divyam
yati parthanucintayan
“Aquele que, meditando em Mim como a Suprema
Personalidade de Deus, sempre ocupa sua mente
em lembrar-se de Mim e não se desvia do caminho,
ó Partha, com certeza Me alcança.”
O ar vital não deve ser desperdiçado de forma
animalesca. Qualquer atividade sem consciência espiritual
apenas absorve os ares vitais deixando a entidade viva sem
força ou determinação para a auto-realização. O yogi deve usar
toda sua vitalidade para se concentrar, meditar e servir ao
49
Senhor, dentro de si. Assim, Pranayama é mais do que controle
dos ares vitais, é controle da vida em toda a sua amplitude e
em todas as circunstâncias. O Paramatma é o ar vital no corpo
de todas as entidades vivas (bhutva praninam deham asritah,
Bg. 15.14), a Alma de todas as almas. Após ver e compreender
a verdadeira identidade do Senhor Krishna, Arjuna oferece
reverências (pranamya sirasa devam, Bg. 11.14), dedicando
toda sua vida ao Senhor.
Por isso, todo yogi que, ao chegar à hora de
abandonar o atual corpo, estiver com a mente resoluta devido à
sua ocupação devocional e pelo poder do yoga (yoga-balena),
concentra seu ar vital entre as sobrancelhas e alcança a
Suprema Personalidade de Deus (bhruvor madhye pranam
avesya samyak, Bg 8.10).
Por outro lado, segundo o conhecimento milenar da
antiga cultura Védica, todos os conflitos e problemas existentes
são criados pela própria mente. A respiração e a mente estão
intimamente relacionadas. A situação de uma determina a
outra. Uma respiração agitada ou acelerada tornará a mente
intranqüila ao passo que uma respiração suave, pausada e
consciente resultará numa mente apaziguada. Nisto se baseia
tanto nossa saúde física quanto mental.
A técnica original do Pranayama é baseada em
puraka, kumbhaka e rechaka, ou seja, inalação, retenção do ar
inalado, exalação, retenção do ar exalado e novamente
repetindo a seqüência. Esta mesma técnica é apresentada no
Bhagavad-gita (4.28; 8.19; 8.12) e no Srimad-Bhagavatam
(3.28.6; 3.28.9; 11.14.33).
A prática correta do Pranayama nos fornece a energia
necessária para que o corpo, a mente e a alma possam manterse ligados até os últimos degraus do Asthanga-yoga. Através da
respiração correta e conscientemente controlada pode-se
passar da primeira fase dos oito degraus da Yoga externa
(bahiranga), e ir direto para os três últimos degraus da Yoga
interna (antaranga). Por este motivo, Pranayama é muito
importante na visão de Patanjali, e mesmo para a maior
autoridade do Yoga, Devahuti-putra Kapiladeva, como Ele
expõe no Srimad-Bhagavatam (3.28.12), o propósito específico
do Pranayama:
50
pranayamair dahed dosan
dharanabhis ca kilbisan
pratyaharena samsargan
dhyanenanisvaran gunan
“Aquele que pratica o processo de Pranayama pode
erradicar a contaminação de sua condição
fisiológica e, concentrando a mente, pode livrar-se
de todas as atividades pecaminosas. Controlando os
sentidos, ele pode livrar-se do contato com a
matéria e, meditando na Suprema Personalidade de
Deus, pode livrar-se dos três modos do apego
material.”
Neste verso as palavras pratyaharena samsargan são
significativas. Elas definem a importância do Pranayama
dentro do Asthanga. Assim, pratyaharena samsargan se refere
a interiorização dos sentidos e a retirada dos mesmos do
contato com a matéria. Outra palavra importante é
dhyanenanisvaran gunan, que significa “meditar na Pessoa
Suprema que é o controlador dos três modos da natureza
material”, e não em qualquer objeto criado pela mente. Nota-se,
portanto, que no degrau de Pranayama já se encontram
Pratyahara e Dhyana, além de Dharana. (dharanabhis). Então,
conclui-se que o controle dos ares vitais tem um propósito
muito mais elevado: trazer os sentidos para dentro (Bg 2.58),
concentrar-se (Bg 2.61) e meditar (Bg 10.9).
Depois, no verso seguinte do Srimad-Bhagavatam
(3.28.13), Kapiladeva esclarece que, após ter purificado a
mente por este processo de Yoga (yada manah svam virajam
yogena), deve-se meditar na forma da Suprema Personalidade
de Deus (bhagavato dhyayet).
Com a devotada prática de Pranayama pode-se livrar
o eu do maior problema da entidade viva: nascer e morrer. E,
como a meta é alcançar a morada suprema, o Senhor Krishna
garante no Bhagavad-gita (8.10):
prayana-kale manasacalena
bhaktya yukto yoga-balena caiva
bhruvor madhye pranam avesya samyak
as tam param purusam upaiti divyam
51
“Aquele que, ao chegar à hora da morte, fixar seu ar
vital entre as sobrancelhas e, pela força do Yoga,
com a mente indesviável, ocupar-se em lembrar de
Mim com devoção plena, com certeza Me
alcançará.”
A perfeição da vida humana pode ser alcançada
quando se mantém a mente indesviável no transcendental
serviço amoroso ao Senhor (manasacalena bhaktya yukto),
ocupando-a completamente em lembrar da Pessoa Suprema
(pranam avesya samyak as tam param purusam upaiti divyam).
Utilizando a vida de forma natural e consciente para a
satisfação do Senhor (bhaktya yukto), o yogi alcança o sucesso
na prática do Pranayama, que é reconquistar sua consciência
original (param purusam upaiti divyam). A energia vital e a
própria vida é uma dádiva divina dada para o benefício dos
seres vivos. É completamente ilógico utilizar esta mesma
energia para fins egoístas ou até mesmo animalescos. Assim, o
propósito do Pranayama é controlar a vida direcionando-a para
o amor à Suprema Personalidade de Deus, Krishna.
Superar e liberar-se do aprisionamento material é um
dos objetivos do Yoga. A sessão mais técnica do Pranayama
descreve uma série de canais sutis por onde circula toda
energia vital do ser vivo corporificado. Estes canais são
chamados nadis e o principal deles é susumna. Tendo como
meta superar nascimentos e mortes, o Chandogya Upanisad
(8.6.6), diz:
satam caika ca hrdayasya nadyas tasam murdhanam
abhinihsrtaika tayordhvam ayann amrtatvam eti.
“Há cento e um canais prânicos sutis que emanam
do coração. Um destes, o susumna, estende-se até o
topo da cabeça. Elevando-se através deste canal, a
pessoa transcende o nascimento e a morte”.
No mesmo Chandogya Upanisad (8.6.9), se diz:
udaram brahmeti sarkaraksa upasate
hrdayam brahmety arunayo
52
brahma haivaita ita urdhvam
tv evoda-sarpat tac-chiro ‘srayate.
“Aqueles cuja visão ainda permanece obscurecida
compreendem apenas o Brahman impessoal, ao
passo que outros compreendem o Senhor no
coração. Mas quem de fato compreendeu o
Brahman Supremo segue do coração ao topo da
cabeça onde se refugia no Senhor que ali se
manifesta”.
Esta é a mais elevada realização alcançada pela
meditação do Pranayama. Viver intensamente a plenitude da
alma é o objetivo do Yoga, e tal plenitude leva ao êxtase do
amor mais puro e elevado. E viver intensamente significa
aplicar todo o tempo e energia na busca da auto-realização
através do transcendental serviço devocional ao Senhor. Com
esta consciência pode-se fazer progresso em direção à meta do
Pranayama.
3.3.5 - Pratyahara
A maneira de proteger a mente, repelindo os objetos
dos sentidos, é chamada Pratyahara. Este processo pode ser
entendido como um direcionamento dos sentidos da periferia
externa para o interior, direcionando os sentidos para o serviço
amoroso ao Senhor e, assim, espiritualizando-os.
Por meio de firme convicção e refinada inteligência,
deve-se lentamente cessar as atividades externas dos sentidos.
Como é apresentado no Bhagavad-gita (6.24):
sa niscayena yoktavyo yogo ‘nirvinna-cetasa
sankalpa-prabhavan kamams tyaktva sarvan asesatah
manasainedriya-gramam viniyamya samantatah
“É necessário ocupar-se na prática de Yoga com fé e
determinação, e não se desviar do caminho. Devese, sem exceção, abandonar todos os desejos
materiais nascidos da especulação mental, e desse
53
modo controlar todos os sentidos por completo,
através da mente.”
Este verso confirma o conceito de Pratyahara nas
palavras kamams tyaktva sarvan asesatah. Kama são os
desejos materiais que surgem do contato dos sentidos com os
objetos dos sentidos. Mas, tyaktva sarvan significa retirar
todos os sentidos destes objetos sensoriais. De acordo com o
dicionário Monier-Williams, o termo samkalpa significa aceitar
uma convicção mental. Então, sankalpa-prabhavan kamams se
refere à determinação que a mente assume diante dos desejos
materiais que se manifestam. Podemos dizer que Yoga significa
espiritualizar este samkalpa; isto é, a mente sendo material
tem atração pelo material e, desse modo, sua convicção será
contrária ao Pratyahara.
Por outro lado, se este mesmo samkalpa é
espiritualmente direcionado, com auxílio de uma inteligência
resoluta, as convicções mentais tornam-se espirituais. Este é o
método autêntico do Yoga: espiritualizar as tendências
materiais da mente e dos sentidos.
Mas, como direcionar internamente os sentidos para
que eles sejam espiritualizados? A resposta é Bhakti. Krishna
diz que “sempre que a mente divague devido à sua natureza
inconstante, deve-se coibi-la e trazê-la sob o controle do eu.” O
meio de se efetivar isto é manter a mente fixa no Senhor e,
desse modo, “manter-se constantemente ocupado na prática de
Yoga”, observando a presença do Senhor em todas as entidades
vivas, em todas as situações e a todo o momento. Espiritualizar
os sentidos significa purifica-los da contaminação material por
meio do serviço devocional.
O ponto é que além destes sentidos materiais que
pertencem ao corpo material, há os sentidos espirituais que
pertencem à alma. A idéia é que com a prática constante do
Yoga (mesmo em seu aspecto mecânico), adquiri-se controle
mental e passa-se a desenvolver as atividades internas da alma
com seus sentidos transcendentais. Estas atividades são
realizadas internamente para o prazer da Pessoa Suprema; e,
como se declara no Bhagavad-gita (6.27), o yogi alcança a
perfeição da felicidade transcendental (yoginam sukham
uttamam). E sem dúvida alguma este conhecimento autorizado
auxilia a prática de Pratyahara.
54
Por este motivo, Pratyahara é considerado como o
degrau que serve de ponte entre a prática externa e interna do
Yoga. É a partir dele que o yogi trabalhará profundamente
dentro de si mesmo sua busca particular pela Verdade
Absoluta.
De acordo com a filosofia Vedanta, ou Sankhya, o
mundo material é formado de oito elementos: cinco grosseiros
(terra, água, fogo, ar e éter) e três sutis (mente, inteligência e
falso ego). A mente se relaciona com o mundo externo através
dos cinco sentidos materiais (audição, visão, tato, paladar e
olfato). Dependendo da maneira como são usados os sentidos
no contato com os objetos dos sentidos podem-se enredar
ainda mais nos grilhões das atividades materiais que resultam
em apego, sofrimento e lamentação.
No entanto, o yogi age como a tartaruga, que se
esconde dentro do casco quando percebe a presença de perigo
(Bg. 2.58):
yada samharate cayam
kurmo ‘nganiva sarvasah
indriyanindriyarthebhyas
tasya prajna pratist hita
“Aquele que é capaz de retirar seus sentidos dos
objetos dos sentidos, assim como a tartaruga
recolhe seus membros para dentro do casco, está
firmemente fixo em consciência perfeita.”
O yogi está sempre muito esperto e é hábil em lidar
com a energia material sem se envolver ilusoriamente com ela.
Diante de qualquer situação desfavorável o yogi interioriza sua
consciência e aguarda a tempestade ilusória diminuir sua força
torrencial.
Pratyahara é também um divisor de águas, pois neste
degrau o yogi irá decidir que tipo de liberação ele buscará impessoal ou pessoal.
O processo de interiorizar os sentidos ocupando-os no
transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor é
superior a qualquer outro. É muito mais fácil controlar algo
enquanto o ocupa. Por exemplo, uma criança hiperativa que
não pára nenhum instante pode ser acalmada quando alguém
55
lhe dá uma ocupação qualquer para distrair sua mente: um
brinquedo atrativo. Assim mesmo, é muito mais fácil
interiorizar
os
sentidos
dando-lhes
uma
ocupação
transcendental que também é atrativa. Porém, para ocupar-se
internamente deve haver alguém que receba os resultados
destas atividades. Mas, agir internamente para quem? Para
onde devemos direcionar tais atividades internas?
Não há como agir para uma energia impessoal. Dizer
“eu amo o céu, o vento e a noite” é um pouco estranho. Amar
implica numa reciprocidade pessoal. Então, agir internamente
implica em agir para alguém, e este alguém é a Suprema
Personalidade de Deus, Paramatma. Agora, querer interiorizar
os sentidos em atividades impessoais ou inatividade é muito
mais difícil e frustrante. Esta é a diferença entre BhagavanPratyahara e Brahman-Pratyahara; servir à Pessoa Suprema ou
fundir-se
na
refulgência
impessoal
de
Seu
corpo
transcendental.
No entanto, a filosofia Sankhya e o Vedanta nos
instruem na primeira alternativa, pois facilitará inclusive os
últimos três degraus. É neste momento que o yogi fará a
escolha que definirá todo o seu percurso espiritual. Ou
manterá sua individualidade espiritual ou se fundirá na
refulgência espiritual do Senhor, perdendo sua personalidade e
liberdade. Sem devoção não há Yoga.
3.3.6 - Dharana
Em seu Yoga-sutra (2.53), Patanjali define Dharana
como a etapa de preparação da mente para a meditação. Esta
concentração deve ser realizada internamente (dharanasu ca
yogyata manasah). Assim, Dharana significa concentração da
mente num determinado objeto. Do mesmo modo, no sutra 3.1
Patanjali define:
desa-bandhas cittasya dharana
“Concentração é manter a mente num objeto
determinado.”
56
Entretanto, a concentração requer alguns fatores:
interesse, atenção, prática e calma mental.
A força inicial que leva à concentração é dada pelo
interesse ou desejo, e este está ligado à atenção, ou à
determinação de manter a mente focada em algo. Estando
determinado em chegar ao estágio de meditação o yogi volta
toda a sua atenção ao objeto de concentração. Neste ponto,
após constante prática, o yogi consegue manter a concentração
fixa em algum objeto. Segundo Patanjali, este objeto de
meditação deverá ser mantido até a fase final do Samadhi,
alcançando a auto-realização (kaivalya), sem abandonar o
objeto de concentração. Da mesma forma, dentro da visão do
Vedanta, após alcançar o estágio último da liberação é que o
yogi realmente intensifica seu relacionamento com o objeto de
meditação. Isto porque, o Vedanta apresenta três estágios de
progresso espiritual para o yogi. Na primeira, ele entra em
contato com o processo que o levará à Verdade Absoluta
(sambandha), depois ele passa a executar o processo para
restabelecer seu eterno relacionamento com esta Verdade
Absoluta (abhideya) e por fim ele intensifica seu intercâmbio
amoroso com o Senhor Supremo (prayojana).
Em nenhum momento o Vedanta apresenta a idéia de
que se deve abandonar o objeto de concentração. Isto corrobora
o que é apresentado no Yoga-sutra de Patanjali, embora
seguidores e comentadores de sua obra apresentem o
contrário. Se o próprio autor manteve-se de acordo com o
Vedanta não há o que discutir.
Para o yogi determinado, a meta é restabelecer seu
relacionamento com o Paramatma, ou, em outras palavras,
desenvolver seu amor pela Suprema Personalidade de Deus. Se
o propósito da vida humana é o amor puro pelo Senhor, logo
Ele é o objeto de concentração e meditação do yogi e este amor
deve ser eternamente direcionado ao objeto amado.
Deixando de focar o objeto deixamos de direcionar o
amor ao objeto, e assim perde o sentido a busca pela liberação.
Num sentido, abandonar o objeto de meditação após
alcançar a liberação é um tipo de ilusão material e não
verdadeira liberação. Pode-se argumentar o fato de que
continuamos a manter o “amor puro por Deus” mesmo sem um
foco, sem uma direção, ou “direcionar” este amor para algo
impessoal. Tudo bem, mas, analisando melhor o fato
57
concluiremos que não há lógica em tal argumento. Ninguém é
capaz de direcionar sua concentração, sua meditação ou seu
amor para algo impessoal. No Bhagavad-gita (12.5),
encontramos que:
kleso dhikataras tesam
avyaktasakta-cetasam
avyakta hi gatir duhkham
dehavadbhir avapyate
“Para aqueles cujas mentes estão apegadas ao
aspecto impessoal e imanifesto do Supremo, o
progresso é muito problemático. Progredir nesta
disciplina é sempre difícil para aqueles que estão
em corpos materiais.”
Por este motivo, podemos dizer que não existe
discordância entre o original Yoga-sutra de Patanjali e a
tradição filosófica do Vedanta. O Vedanta explica claramente
que o objeto da busca deve ser mantido enquanto que a versão
de muitos seguidores de Patanjali diz que deve ser
abandonado.
Toda concentração deve ser dirigida para o interior do
próprio eu individual (Jivatma), e não para algo externo. O que
é externo pode e deve ser abandonado no processo de
concentração da mente na consciência interior. Conclui-se que
não há vazio dentro da alma espiritual individual. Há dentro do
ser vivo individual uma ilimitada realidade espiritual que não
pode ser negada. O yogi deve se concentrar dentro de si e
visualizar mentalmente os pés de lótus e a forma da Pessoa
Suprema.
Resumidamente, Dharana significa abandonar a
concentração nos objetos externos dos sentidos e concentrar-se
na satisfação do Senhor através do serviço amoroso a Ele. O
resultado é confirmado por Kapiladeva no Srimad-Bhagavatam
(3.33.8), quando Ele diz que concentrando a mente no objeto
de meditação (pratyak-srotasy atmani samvibhavyam), que é a
Suprema Personalidade de Deus (brahma param pumamsam),
supera-se os três modos da natureza material (dhvasta-gunapravaham), pela misericórdia dEle (sva-tejasa). O Brhad58
aranayaka Upanisad (4.5.6), descreve como situar-se em
Dharana:
atma va are drasta-vyahsrotavyo
mantavyo nididhyasitavyah
“É a Alma Suprema que se deve observar, é sobre
Ele que se deve ouvir, pensar e meditar com firme
concentração.”
Em muitas escrituras autorizadas enfatiza-se o
processo de Bhakti para alcançar os últimos degraus de
Asthanga-yoga, como é apresentado no Gopala-tapani
Upanisad (Purva 15):
bhaktir asya bhaja-mam tad ihamutropadhinayrasyen-amusmim manah-kalpanam.
“Transcendental serviço devocional amoroso é o
processo de adorar o Senhor, e consiste em fixar a
mente nEle e desinteressar-se pelas designações
materiais por completo.”
Para tanto, há três fatores importantes em Dharana: é
necessário o auxílio de um mestre espiritual que dê instruções;
é necessário acatar suas instruções e aplicá-las na vida com o
objetivo de dissipar dúvidas e falsas concepções; e finalmente,
é necessário determinadamente concentrar-se na forma pessoal
da Verdade Absoluta com total convicção. Um mestre espiritual
fidedigno instruirá seu discípulo a concentrar-se na
transcendental forma do Senhor Supremo e não em qualquer
objeto criado pela mente. Qualquer objeto criado para
concentrar a mente deverá ser abandonado no final. Porém, a
concentração na forma da Superalma não será abandonada em
momento algum. Isto facilita a evolução natural para o sétimo
degrau.
59
3.3.7 - Dhyana
Quando o yogi se mantém por longo período num
estado mental de concentração na Superalma, compreende-se
que alcançou a meditação. Meditação significa concentrar a
mente e focar a consciência no aspecto pessoal do Senhor. Não
há possibilidade de meditação no vazio ou no aspecto
impessoal da Verdade Absoluta.
Segundo as escrituras, Dhyana está entre os
processos necessários para a auto-realização. É a etapa final
do Asthanga-yoga. Nela se prepara a maior realização interior
do yogi. Purusah purusam vrajet. A entidade viva se encontrará
com a Pessoa Suprema (SB 3.29.35) face a face.
O Senhor Krishna diz no último capítulo do
Bhagavad-gita (18.51-53), que “tendo controlado a fala, o corpo
e a mente, mantendo-se sempre absorto em transe espiritual e
abrigando-se no desapego” (yata-vak-kaya-manasa dhyanayoga nityam vairagyam samupasritah) - entre outros fatores “capacita-se para a auto-realização” (brahma-bhuyaya kalpate).
Os três últimos degraus – Pratyahara, Dharana e
Dhyana - estão intimamente ligados. A meditação depende da
concentração e esta da restrição dos sentidos. Os três
caminham juntos e dependem, conseqüentemente, dos degraus
anteriores. Ainda assim, não seria demais dizer que elas
precedem à absorção completa da consciência individual
(Jivatma), na Superconsciência (Paramatma). Patanjali diz no
Yoga-sutra (3.2), que:
tatra pratyayaikatanata dhyanam
“A
contínua
contemplação
concentração) é meditação.”
(do
objeto
de
O Vedanta apresenta o método de meditação de
maneira bem clara. Brahmeti paramatmeti bhagavan iti
sabdyate. A meta é a Verdade Absoluta (vedais ca sarvair aham
eva vedyah), que possui três aspectos: impessoal (brahman),
localizado (paramatma) e pessoal (bhagavan). Assim, meditar
no aspecto impessoal da Verdade Absoluta é muito difícil e
60
pouco garantido. Nele, podemos correr o risco de dispersar a
concentração e sair da meditação.
Mesmo no Bhagavad-gita, como já foi visto,
encontramos informações sobre as dificuldades de meditar no
aspecto impessoal, na energia do Senhor Supremo. Portanto,
os hábeis yogis meditam no aspecto localizado da Verdade
Absoluta que se encontra no coração do yogi e de todos os
demais seres vivos. Este é o motivo de interiorizar os sentidos e
concentrar-se no objeto da busca. E é neste objeto, agora
presente de maneira intensa dentro de seu coração, que o yogi
irá colocar sua consciência e manter-se em meditação. Isto é
Dhyana, ou Bhakti.
Não é um processo simples, mas não deixa de ser
fácil. Ainda em Dhyana está presente o controle da mente, que
agora é facilitado pela própria meditação, como esclarece o
Yoga-sutra (3.7):
tatra dhyana-jam anasayam
“Esta mente livre de impressões materiais resulta
da meditação.”
No Srimad-Bhagavatam (3.27.6), Kapiladeva diz que a
meta máxima do Yoga se aproxima quando o yogi fielmente
executa devoção amorosa pura (abhyasan sraddhayanvitah
mayi bhavena satyena). E esta execução é simplesmente ouvir
e cantar as glórias da Suprema Personalidade de Deus (matkatha-sravanena ca). Por se cantar e ouvir as glórias da Pessoa
Suprema Dhyana se torna muito simples e prática até mesmo
para uma criança que absorta por ouvir sobre o Senhor Hari
medita nEle.
Kapiladeva define Dhyana (SB 3.28.19), quando diz
que, imerso em serviço amoroso, o yogi visualiza o Senhor
dentro de si (dhyayec chuddha-bhavena cetasa). Em ambas as
citações temos presente a palavra bhavena que significa
manter-se absorto meditando o amor ao Senhor Supremo (Bg
10.8). Bhavena ainda não é a fase de amor puro pelo Senhor, é
a fase preliminar para este amor. Entretanto, para se
desenvolver este amor preliminar é necessária inabalável fé no
processo de devoção do Yoga.
O Bhagavad-gita (4.10), também confirma que se
mantendo refugiado no conhecimento a respeito da Verdade
61
Absoluta alcança-se o transcendental amor pelo Senhor (madbhavam agatah). E este sentimento puro de amor é intrínseco
ao ser vivo (hari-bhavanaya dhvasta). Bhavena vem da mesma
raiz bhavah que significa natureza da alma espiritual. Então, é
da natureza do ser vivo servir ao Supremo com devoção
amorosa e isto confirma o propósito espiritual do Yoga.
O Srimad-Bhagavatam dispõe de um conhecimento
profundo sobre a Verdade Absoluta. Ele oferece informações
precisas sobre os aspectos da Pessoa Suprema. Tais
informações são fundamentais para o yogi que almeja sucesso
no processo de Yoga. Por exemplo, no terceiro canto, capítulo
vinte e oito, do verso doze a trinta e quatro, Kapiladeva
descreve a forma pessoal do Senhor para que Sua mãe,
Devahuti, possa meditar com devoção amorosa. Fora estas
existem muitas outras descrições que não se encontram em
nenhuma outra escritura autorizada. Por isso, o SrimadBhagavatam também é conhecido como Bhagavat-Purana. Ele
é um comentário sobre o Vedanta-sutra feito pelo próprio autor
do Vedanta-sutra, Srila Vyasadeva.
Assim, munido deste conhecimento sobre o Senhor e
dedicando-se a serví-Lo, o yogi pode chegar ao estágio último
do Asthanga-yoga e, superando a mente, conectar-se com a
Superalma.
Kapiladeva diz no Srimad-Bhagavatam (3.28.11):
dhyanenanisvaran gunan
“Meditando na Suprema Personalidade de Deus,
livra-se dos três modos do apego material.”
De qualquer maneira, meditação não é simplesmente
fechar os olhos. Para o verdadeiro yogi, meditação pura é
aquela que envolve todos os sentidos, ações, pensamentos,
mente e inteligência. E isto se torna fácil quando se fixa a
consciência no transcendental serviço amoroso ao Senhor
Supremo, que é a fonte última de tudo (aham savasya
prabhavah), como se confirma no Vedanta-sutra (1.2): janmady
asya yatah. A Verdade Absoluta é a fonte última de tudo. Esta
compreensão leva ao verdadeiro propósito do Yoga.
62
3.3.8 - Samadhi
Samadhi é a absorção completa da consciência
individual na Superconsciência, ou a fase em que a mente
absorve-se virtualmente em pensamentos relacionados com a
Pessoa Suprema. O termo Samadhi está relacionado com a
palavra samahitam, que significa “estado no qual todas as
questões são respondidas”, ou “estabelecido na posição
original”. Além disso, a raiz [dhi] significa “inteligência
espiritual”; ou seja, neste estado de Samadhi a mente atua fora
do campo conceitual da linguagem e, portanto, fica livre das
alterações constantes que ocorrem no campo mundano da
mente – sentir, pensar e desejar materialmente.
Kapiladeva define Samadhi como sendo uma profunda
concentração da mente nas atividades transcendentais da
Suprema Personalidade de Deus (vaikuntha-lilabhidhyanam
samadhanam tathatmanah, SB 3.28.6). Isto quer dizer que
simples meditação ainda não é a fase perfeita do Asthangayoga. Em meditação ainda ocorre atuação da mente para se
pensar nas glórias do Senhor, porém, tendo realmente se
concentrado já não se faz mais necessário a plataforma mental.
A mente é útil na meditação até o ponto de ter desenvolvido a
afeição espontânea pelo transcendental serviço devocional
amoroso
ao
Senhor.
Quando
se
desenvolve
esta
espontaneidade ou apego espiritual por tópicos relacionados
com o Senhor, naturalmente torna-se desnecessário um lugar
ou horário específico para meditar, pois as vinte e quatro horas
do dia são utilizadas para se meditar. Esta constante ocupação
meditativa prática é o Samadhi.
Na verdade, o estágio de Samadhi está além dos
conceitos de sentir, pensar e desejar. Nele, o yogi mantém-se
num relacionamento recíproco muito intimo e elevado com a
Verdade Absoluta. Em Samadhi apenas a consciência original é
que atua sentindo, pensando e desejando espiritualmente.
Antes de se alcançar este estágio de relacionamento com o
Paramatma, a Jivatma permanece completamente sem
atividades reais. Mas, para isto, todos os sentimentos,
pensamentos e desejos que se manifestam neste estágio devem
ser necessariamente puros. Qualquer mácula material tira
imediatamente o yogi do Samadhi. Srila Prabhupada define
63
Samadhi como a situação em que o yogi vê a Superalma dentro
de si constantemente. Encontramos no Bhagavad-gita (2.44):
bhogaisvarya-prasaktanam
tayapahrta-cetasam
vyavasayatmika buddhih
samadhau na vidhiyate
“Nas mentes daqueles que estão muito apegados à
gratificação dos sentidos e à opulência material, e
que se deixam confundir por estas coisas, não
ocorre a determinação resoluta de prestar serviço
devocional ao Senhor Supremo.”
As palavras samadhau na vidhiyate significam que
não é possível situar-se em Samadhi quem é bhogaisvaryaprasaktanam, ou seja, apegado ao gozo dos sentidos e
opulência material. Entretanto, o Samadhi também promove a
limpeza dos desejos materiais que restaram ainda que sutis no
coração do yogi, como confirma Patanjali no Yoga-sutra (2.2):
samadhi-bhavanarthah klesa-tanukara-narthas ca
“A intensa absorção da consciência na Pessoa
Suprema cessará toda atração, identificação e
atividades materiais.”
Porém, este Samadhi ainda não é o verdadeiro, pois
somente com o coração e a consciência pura é possível
estabelecer-se em verdadeiro Samadhi. Enquanto há desejos
materiais não há possibilidades de absorção completa nas
atividades da Pessoa Suprema. Somente livre de qualquer
desejo material e especulação mental é que se penetra no
nectário prazer do Samadhi, em contato direto com a
Personalidade de Deus. Isto é confirmado no Vedanta-sutra
(1.12), onde se estabelece que anandamayo-‘bhyasat: “a
Verdade Absoluta é a fonte de todo prazer e bem aventurança”.
Assim, todo prazer que as entidades vivas estão procurando
encontra-se na Verdade Absoluta, e somente fixando-se nEla é
que se alcança o verdadeiro Samadhi.
64
A palavra abhyasat significa “devido à repetição”, ou
seja, o prazer que se sente no contato com a Verdade Absoluta
é ilimitado. Desse modo, o yogi sente esta fonte de prazer
emanando ilimitadamente e se afasta por completo dos desejos
de satisfação material pelo fato de eles já não mais causarem
prazer. O prazer referente ao contato com o Paramatma é
absoluto e inigualável e, portanto, sobrepuja qualquer prazer
material.
O Paramatma, ou a Verdade Absoluta, que é bemaventurança transcendental, está presente nos corações de
todas as almas condicionadas que buscam por algum prazer e,
desse modo, é mais sensato buscar por este prazer em contato
com o Senhor do que em contato com a matéria.
No Taittiriya Upanisad há a seguinte descrição
verídica a respeito da Verdade Absoluta:
etam anandamayam atmanam
upasankramya iman lokan
kamani kama-rupy anusancarann
etat sama gayann aste
“Após deixar seu corpo material, aquele que
compreende a Pessoa Suprema (anandamaya) deixa
este mundo material e entra no mundo espiritual.
Então, todos seus desejos se tornam realizados,
recebe uma forma espiritual de acordo com seu
próprio desejo, e dedica-se a glorificar ao Senhor.”
Este fato é corroborado pelo Bhagavad-gita (5.21):
bahya-sparsesv asaktatma
vindaty atmani yat sukham
as brahma-yoga-yuktatma
sukham aksayam asnute
“Tal pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer
dos sentidos materiais, mas está sempre em transe,
gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa
auto-realizada sente felicidade ilimitada, pois se
concentra no Supremo.”
65
Neste verso, Samadhi é descrito nos termos sa
brahma-yoga-yuktatma. E naturalmente esta absorção dentro
de si mesmo, fixo na forma pessoal do Senhor, leva à felicidade
ilimitada (sukham aksayam). Assim, não há dúvida de que esta
Pessoa Suprema seja anandamaya, pois Ele também é descrito
na seguinte declaração do Srimad-Bhagavatam (10.87.17): “Ó
Senhor, de todas as pessoas, Tu és o Supremo.” (purusha-vidho
‘nvayo ‘tra).
Com relação a isso podemos observar que não é
contraditório ou ilógico dizer que o Senhor Supremo tem uma
forma pessoal absoluta, pois Ela é descrita pelas literaturas
védicas. No Srimad-Bhagavatam (12.13.1), se diz que a
Suprema Personalidade de Deus (devaya tasmai) é em quem
(yam) os yogis perfeitos se absorvem em transe dentro de si
mesmo (dhyanavasthita-tad-gatena manasa pasyanti yam
yogino). E a conclusão do Samadhi será render-se a esta
Pessoa Suprema sem perder sua identidade eterna. Patanjali
diz no Yoga-sutra (2.45):
samadhi-siddhir isvara-pranidhanat
“A perfeição do Samadhi é a rendição completa à
Pessoa Suprema.”
Rendição significa absorver-se por completo na
Verdade Absoluta numa atitude de serviço amoroso, ocupandose inteiramente na satisfação do Senhor. Portanto, a absorção,
munida de conhecimento, nesta forma suprema leva o yogi à
liberação, como confirma o Bhagavad-gita (4.9):
janma karma ca me divyam
evam yo vetti tattvatah
tyaktva deham punar janma
naiti mam eti so ‘rjuna
“Aquele que conhece a natureza transcendental do
Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo
não volta a nascer neste mundo material, mas
alcança Minha morada eterna.”
Isto significa que não ocorre em nenhum momento,
como erroneamente se pensa, a dissolução da alma individual.
66
O yogi entende que o Samadhi é a promessa de sua verdadeira
individualidade eterna. E esta individualidade é mantida no
eterno relacionamento restabelecido em Samadhi com o
Supremo. Também no Bhagavad-gita (2.53):
sruti-vipratianna te
yada sthasyati niscala
samadhav acala buddhis
tada yogam avapsyasi
“Quando sua mente deixar de perturbar-se pela
linguagem florida dos Vedas, e quando se fixar no
transe da auto-realização (Samadhi), você então
terá atingido a consciência divina.”
A verdadeira reciprocidade é eterna, assim como o
prazer e a felicidade experimentada neste estado também é.
Logo, entrar
em
verdadeiro
Samadhi
é
manter-se
constantemente nele. Kapiladeva diz no Srimad-Bhagavatam
(3.28.36):
so 'py etaya caramaya manaso nivrttya
tasmin mahimny avasitah sukha-duhkha-bahye
hetutvam apy asati kartari duhkhayor yat
svatman vidhatta upalabdha-paratma-kasthah
“Assim situada na fase transcendental mais
elevada, a mente pára com toda a reação material e
situa-se em sua própria glória, transcendental a
todas as concepções materiais de felicidade e
aflição. Nessa altura, o yogi compreende a verdade
de sua relação com a Verdade Absoluta, a Pessoa
Suprema. Ele descobre que o prazer e a dor - bem
como suas interações - os quais ele atribuía a seu
próprio eu, são, de fato, devidos ao falso ego, que é
produto da ignorância.”
Ter apenas uma leve sensação ou insight não é
verdadeiro Samadhi. Sem manter a consciência ocupada no
transcendental serviço amoroso à Alma Suprema, em seu
67
eterno relacionamento, não há como permanecer em Samadhi.
Ainda no Bhagavad-gita (12.2):
mayy avesya mano ye mam
nitya-yukta upasate
sraddhaya parayopetas
te me yuktatama matah
“Aqueles que fixam suas mentes na Minha forma
pessoal e sempre se ocupam em Me adorar com fé
transcendental, são considerados por Mim como os
mais perfeitos.”
Verdadeiro Samadhi não é a fusão impessoal na
energia divina do Senhor, mas manter sua individualidade
espiritual eterna, podendo assim executar o transcendental
serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo. Isto também é
corroborado pelo Bhagavad-gita (6.47):
yoginam api sarvesam
mad-gatenantar-atmana
sraddhavan bhajate yo mam
as me yuktatamo matah
“E de todos os yogis, aquele que tem muita fé e
sempre se refugia em Mim, pensa em Mim dentro
de si mesmo e Me presta transcendental serviço
devocional amoroso - é o mais intimamente unido a
Mim em Yoga e é o mais elevado de todos. Esta é a
Minha opinião.”
Verdadeira união com o Supremo não é fundir-se
nEle, mas estar em harmonia com Seus desejos, pronto para
realizar Seus planos para o benefício de todos os seres vivos.
Verdadeiro Yoga é Samadhi e Samadhi é Bhakti-yoga. Em
Samadhi o yogi pode compreender perfeitamente a si próprio e
ao Supremo percebendo com profundidade a relação eterna
que ambos possuem. Em Samadhi o yogi dirige todo o seu
amor e sentimento a Suprema Personalidade de Deus numa
68
atitude de rendição devocional completa. Em Samadhi alcançase a perfeição da vida humana, pois se recobra a sua original
atividade no relacionamento puro com a Verdade Absoluta.
69

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