supremo tribunal federal revista trimestral jurisprudência
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DEPARTAMENTO DE DOCUMENTAÇÃO, JURISPRUDÊNCIA E DIVULGAÇÃO SERVIÇO DE DIVULGAÇÃO REVISTA TRIMESTRAL DE JURISPRUDÊNCIA Volume 155 ** (Páginas 341 a 676)Fevereiro de 1996 Departamento de Documentação, Jurisprudência e Divulgação Diretora: Marlene Freitas Rodrigues Alves Serviço de Divulgação: Diretora: Maria do Socorro da Costa Alencar Divisão de Edições: Diretora: Almeria Machado Godoi Seção de Controle e Distribuição: Supervisora: Maria Elena Alves Revista Trimestral de Jurisprudência/Supremo Tribunal N. 1 (abr./jun. Federal, Serviço de Divulgação. Brasília : STF, SD : Imprensa 1957)- . Nacional, 1957Trimestral. 1. Jurisprudência - Periódico. 2. Direito-Jurisprudência. L Brasil. Supremo Tribunal Federal. CDD 340.6 Distribuição: Imprensa Nacional SIG, Quadra 6, lote 800 70.604-900, Brasília-DF Fone: (061): 313-9400 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-89), Presidente Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-89), Vice-Presidente Ministro José Carlos MOREIRA ALVES (20-6-75) Ministro José NÉRI DA SILVEIRA (12-9-81) Ministro SYDNEY SANCHES (31-8-84) Ministro Luiz OCTAVIO Pires e Albuquerque GALLOTIT (20-11-84) Ministro CARLOS Mário da Silva VELLOSO (13-6-90) Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-90) Ministro ILMAR Nascimento GALVÃO (26-6-91) Ministro José FRANCISCO REZEK (21-5-92) Ministro MAURÍCIO José CORRÊA (15-12-94) COMISSÃO DE REGIMENTO Ministro MOREIRA ALVES Ministro CARLOS VFI T,OSO Ministro MAURÍCIO CORREA Ministro FRANCISCO REZEK, Suplente COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA Ministro OCTAVIO GALLOTTI Ministro CELSO DE MELLO Ministro MARCO AURÉLIO COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO Ministro NÉRI DA SILVEIRA Ministro ILMAR GALVÃO Ministro MAURÍCIO CORRÊA COMISSÃO DE COORDENAÇÃO Ministro SYDNEY SANCHES Ministro CARLOS VELLOSO Ministro FRANCISCO REZEK PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA Doutor GERALDO BRINDEIRO COMPOSIÇÃO DAS TURMAS Primeira Turma Ministro José Carlos MOREIRA ALVES, Presidente Ministro SYDNEY SANCHES Ministro Luiz OCTAVIO Pires e Albuquerque GALLOTTI Ministro José CELSO DE MELLO Filho Ministro ILMAR Nascimento GALVÃO Segunda Tura* Ministro José NÉRI DA SILVEIRA, Presidente Ministro CARLOS Mário da Silva VELLOSO Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello Ministro José FRANCISCO REZEI( Ministro MAURÍCIO José CORRÊA SUMÁRIO Pág. ACÓRDÃOS 341 ÍNDICE ALFABÉTICO ÍNDICE NUMÉRICO XVII ACÓRDÃOS RECLAMAÇÃO N2 435 — SP (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves Reclamante: Josecyr Cuoco — Reclamado: Juiz de Direito da 13' Vara Criminal da Comarca de São Paulo R—o. — A decisão do Si? no julgamento do HC n2 70.036 foi exatamente cumprida pelo Dr. Juiz de primeiro grau, inexistindo, assim ofensa à autoridade do referido julgado. Reclamação improcedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrítficas, por unanimidade de votos, em julgar improcedente a reclamação. Brasília, 10 de fevereiro de 1994 — Octavio Gallottl, Presidente — Moreira Alves, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): Josecyr Cuoco, por seus advogados, formula reclamação contra o Dr. Juiz de Direito da 132 Vara Criminal de São Paulo, sob o fundamento de que essa autoridade não cumpriu decisão da 1' Turma desta Corte, que, ao julgar o HC n2 70.036, de que fui relator, assim decidiu: «1. O Superior Tribunal de Justiça indeferiu habeas corpus substitutivo de recurso ordinário de habeas corpus, por entender que o writ não é o meio adequado para o reexame de dosimetria de pena. Sucede, no entanto, que, no caso, não se trata, propriamente, de apreciação quanto aos limites da dosagem da pena, mas de a sentença de primeiro grau haver fixado a pena definitiva sem que se saiba como chegou a ela. Com efeito, é este o teor da sentença quanto à fixação da pena do ora paciente: 'Frente ao exposto, julgo procedente em parte, a denúncia, para condenar: Josecyr Cuoco e Domin- 344 R.T.J. — 155 gos Campanella Júnior, como incursos, por duas vezes, nas penas do artigo 350, do Código Penal; artigo 62, parágrafo 32, letras a, b e c, da Lei n9- 4.898/65; por infração ao artigo 32, letras a, e i, da mesma lei e artigo 322, do Código Penal; bem como por uma vez, nas penas do artigo 129, parágrafo 12, inciso 1, do Código Penal, e por uma vez nas penas do artigo 129, caput, do mesmo Código, tudo combinado com os artigos 29 e 69, ambos também do Código Penal, a dois anos, quatro meses e vinte dias de reclusão e três anos e dez meses de detenção. (F7.28) E, mais adiante, lê-se: `As penas foram fixadas a partir dos mínimos, com observância do artigo 69, caput, do Código Penal, concurso material, aplicando-se cumulativamente, conforme entendimento jurisprudencial predominante: JUTACRIM, 45/196, 25/331, 44/411, 47/207, 46/347, 50/248, 52/343; RTJ 101/595 e RT, 404/298. (hum ano, nove meses e doze dias). E, relativamente ao único delito apenado com reclusão, id est lesão corporal de natureza grave, a pena data venia correta seria de 1 ano e 2 meses de reclusão e não 2 anos, 4 meses e 20 dias de reclusão; desse modo, impossível reproduzir-se a operação levada a cabo pelo culto magistrado sentenciante, para partindo da penabase, chegar-se ao quantimi final das reprimendas impostas.' (Fl. 64) Assim sendo, defiro, em parte, o presente pedido, para, mantendo a sentença no tocante à condenação, anulá-la, somente, quanto à fixação das penas do ora paciente, a fim de que sejam elas fixadas com a explicitação da operação mental e aritmética do Juízo, para, partindo da pena-base chegar à pena definitiva. Estendo essa concessão, ex officio, a Domingos Campanella Júnior, por estar na mesma situação objetiva do ora paciente.» (Fls. 128/129 do HC 70.036, anexo) Após, houve acréscimo de umsexto por causa da reincidência.' (Fl. 29) Já o Ministério Público do Estado de São Paulo, quando emitiu parecer no habeas corpus que deu margem à decisão do STJ ora atacado, salientou: `Todavia, indisputável data venia o equívoco em que laborou o ínclito magistrado sentenciante no tocante à dosimetria das penas privativas de liberdade aplicadas ao paciente. Sustenta o reclamante que a nova sentença se limitou a efetuar uma correção aritmética da pena-base, sem a explicitação da operação mental determinada, não fundamentando, assim, a fixação da pena, nem justificando a existência da reincidência, nem examinando a ocorrência de prescrição. E requer que se anulem ambas as sentenças proferidas por aquele juízo (a anterior e a que a complementou), e se expeça alvará de soltura para que o reclamante aguarde solto a prolação de nova sentença em conformidade com o decidido no mencionado habeas corpus. Assim, partindo-se do mínimo legal relativamente às penas de detenção, tem-se um total, já acrescido no sexto, concernente à nota de reincidência, de 1 ano, 9 meses e 12 dias Em 19-5-93, solicitei informações no prazo de 5 (cinco) dias. Não tendo sido elas prestadas nesse prazo, determinei a apensação dos autos do HC n2 70.036, e abri vista à Procuradoria-Geral da República. Esta, às R.T.J. — 155 fls. 32/33, assim se manifestou em parecer do Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega: «Cuida-se de reclamação formulada por Paulo Esteves e Sérgio Toledo, sustentando que o MM. Magistrado da 13' Vara Criminal de São Paulo desatendeu à determinação do Excelso Supremo Tribunal, contida no julgamento do HC n2 70.036-5/130. Preliminarmente A reclamação não deve ser conhecida, porquanto os advogados signatários da mesma não apresentam procuração. Obviamente, a reclamação formulada por interessado, ainda que vinculada a habeas corpus, com este não se confunde, sendo imprescindível no caso, a procuração (art. 38 do CPC). Aliás, anote-se aqui, os advogados firmatários da reclamação nem sequer atuaram no ha- beas corpus. Assim, espera o Ministério Público o não conhecimento da reclamação. No mérito A reclamação improcede, flagrantemente, pois o reclamado deu exato cumprimento ao julgado, explicitando as operações, mental e aritmética, que levaram à pena definitiva, a partir da penabase. A reclamação, parece-me, é que visa à alteração do julgado. Ante o exposto, o parecer é no sentido da rejeição da reclamação, se conhecida.» Encontravam-se os autos na Procuradoria-Geral da República, quando deu entrada, na Secretaria desta Corte, ofício do Dr. Juiz de Direito da 13' Vara Criminal de São Paulo, no qual se lê: «Em atenção ao ofício n2 681/R (Reclamação n2 435-0/190), datado de 345 25-5-93, referente aos autos de Processo Crime n2 590/88, em que figura como acusadoJosecyr Cuoco, RG1122.847.382, brasileiro, natural de Taquaritinga/SP, divorciado, nascido aos 8-5-40, filho de Moacir Cuoco e Josefma Cuoco, tenho a honra de informar a Vossa Excelência que os autos encontram-se no Egrégio Tribunal de Justiça desde 3-6-93, em grau de apelação interposta pelo réu.» (Fl. 35) Às fls. 37 e segs., o reclamante, em petição, salientou que aquele Juízo poderia ter prestado as informações, porque recebeu o ofício desta Corte em 2-6-93 e só encaminhou os autos da ação penal ao Tribunal de Justiça dois dias após; e juntou a essa petição fotocópias dos despachos relativos ao ofício desta Corte solicitando informações, bem como de peças da ação penal, inclusive a da nova sentença, dos embargos declaratórios contra ela interpostos, e da decisão que os rejeitou (destas já havia cópia nos autos, anexadas que haviam sido à inicial da reclamação). À fl. 70, exarei nos autos o seguinte despacho: «Junte o signatário da inicial procuração com ratificação dos atos praticados, no prazo de 5 (cinco) dias.» Em 12-8-93, a Secretaria certificou que o reclamante não havia atendido à exigência desse despacho, razão por que, em 16-8-93, neguei seguimento à reclamação. O reclamante, porém, interpôs agravo regimental, alegando que, dentro do prazo, fora juntada a procuração exigida. À fl. 82, a Secretaria prestou a seguinte informação: «Peço vênia para informar a Vossa Excelência, sobre os presentes autos, o que se segue: 1. Em cumprimento ao r. despacho de fl. 70, o reclamante deu entrada nesta Suprema Corte à petição (PGSTF 346 R.T.J. — 155 024731/93) de fls. 79/80, dentro do prazo, ou seja, dia 9 de agosto de 1993. 2. Por equívoco a Seção de Recepção encaminhou essa petição à Divisão de Publicação e Intimações, conforme documento anexo, permanecendo lá até a data de hoje, o que originou a certidão de fl. 72, bem como os andamentos seguintes. Tendo em vista o acima exposto, submeto os presentes autos à alta consideração de Vossa Excelência para decidir o que for de direito.» Em face dessa informação, reconsiderei o despacho pelo qual havia negado seguimento à reclamação. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. Preliminarmente, observo que o reclamado, ao contrário do que alegou o reclamante, não prestou as informações por mim solicitadas porque não dispunha dos autos desdobrados da ação penal que haviam sido enviados ao Tribunal de Justiça. Com efeito, o ofício expedido por esta Corte recebeu este despacho da autoridade reclamada, em 2-6-93: «A. E. apensados aos principais, venham-me conclusos, com urgência.» (Fl. 42) Autuado o ofício, esses autos a ele foram conclusos em 3-6-93, havendo S. Exa., nessa mesma data, assim despachado: «Certifique o Cartório se os autos principais estão em 13 instância. Após, cls.» (Fl. 43) Recebidos esses autos pelo Cartório em 4-6-93, este certificou, em 7-6-93, que os autos originais se encontravam aguardando remessa ao Tribunal de Justiça. Conclusos os autos relativos ao pedido de informação, o Dr. Juiz, em 7-6-93, determinou que o Cartório certificasse sobre os autos desmembrados, referentes ao ora reclamante. E o Cartório, em 8-6-93, certificou «que os autos desmembrados referentes ao réu Josecyr Cuoco encontram-se no Eg. Tribunal de Justiça desde 3-6-93». 2. No mérito, como se viu do relatório, no HC n2 70.036 se decidiu manter a sentença quanto à condenação do ora reclamante, anulando-a, porém, quanto à fixação das penas a ele impostas, «a fim de que sejam elas fixadas com a explicitação da operação mental e aritmética do Juiz, para, partindo da pena-base, chegar à pena definitiva». Essa determinação foi exatamente cumprida, pois, na complementação da sentença condenatória, o Dr. Juiz de Direito da 133 Vara Criminal de São Paulo assim fez essas explicitações: «Vistos. I. Em atendimento à decisão proferida nos autos de babem corpus n3 70.0365/130 (HC n2 1.568-9/STJ), sendo paciente Josecyr Cuoco, passo a fixar a pena atribuída ao paciente, nos seguintes termos: 1. 'a) Josecyr Cuoco, como incurso, por duas vezes, nas penas do artigo 350, do Código Penal; artigo 5 3, parágrafo 32, letras a, b e c, da Lei n9 4.898/65; por infração ao artigo 33, letras a e I, da mesma lei e artigo 322, do Código Penal; bem como, por uma vez, nas penas do artigo 129, parágrafo 13, inciso I, do Código Penal, e por uma vez, nas penas do artigo 129, caput, do mesmo Código; tudo combinado com os artigos 29 e 69, ambos também do Código Penal, a um ano e dois meses de reclusão e um ano, nove meses e doze dias de detenção'. R.T.J. —155 Em todas as infrações e respectivos dispositivos legais, fixei as penas a partir dos mínimos, isto é, a pena-base partiu do mínimo legal. A pena mínima prevista no artigo 322 do Código Penal é a de seis meses de detenção; a prática desse ilícito por duas vezes, atinge doze meses de detenção. A pena mínima prevista no artigo 350 do Código Penal é a de um mês de detenção; praticado duas vezes, tem-se, então, dois meses de detenção. A pena mínima prevista no artigo 129, ampla do Código Penal, é de seis meses. A pena mínima por infração aos dispositivos da Lei ne 4.898/65 é a de dez dias de tenção; praticado duas vezes, chegase a vinte dias de detenção. Somadas essas penas, em razão do concurso material, com o acréscimo de 1/6, pela reincidência, o total é de um ano, nove meses e doze dias de detenção. Quanto ao delito aperrado com reclusão, por infração do artigo 129, 12, inciso I, do Código Penal, a pena mínima 6 de um ano de reclusão, que, acrescida de 1/6, pela reincidência, atinge um ano e doia meses de reclusão. II. Quanto aos demais termos da sentença, os mesmos ficam mantidos, porque não houve determinação do Supremo Tribunal Federal no sentido de modificação do que está decidido na sentença, exceto quanto à dosimetria de pena e sua fundamentado; o que já cumpri. 347 Recomende-se o réu no presídio.» (Fls. 7/8). Como nessa fixação depenas se levaram em conta sempre os mínimos não havia necessidade de fundamentar a adoção deles. Em embargos de declaração interpostos perante aquele Juízo o então embargante, ora reclamante, pretendeu que havia omissões nessa complementado de sentença relativas à justificativa da existência da reincidência e àocoorência da prescrição, o que, no seu entenda, seria conseqüência necessária de decisão desta Corte no citado habena corpos. Caninamente, porém, foram esses embargos rejeitados por decisão nestes termos: «Vistos. I. Contra a decisão de fls. 1899/1900, Josecyr Cuoco apresenta embargos declaratórios, objetivando o reconhecimento da prescrição e a exclusão da reincidência para poder recorrer em liberdade (fls. 1916/1921). A decisão de fl. 1907, nos autos de Ibbein Comas na 70.036-5/130, do Supremo Tribunal Federal, determinou que as penas fossem fixadas novamente, com explicitado da operação mental e aritmética do Juízo, pata, partindo da pena-base, chegar-se à pena definitiva. O Supremo Tribunal Federal nada mais acrescentou, não determinando nova sentença. Ora, no mais, a sentença de Primeira latitudepermaneceu lanhem& e Considerando-seque o réu está preso não houve determinação que se pronunpor força de mandado de pdaão destes ciasse o Juízo Monocoltico em relação autos, desnecessária a expedido de ouaos efeitos e conseqüências da decisão. tro mandado de prisão, devendo o cartório promover as devidas retificações e Acolher os embargos seria modicomunicações. ficar a sentença naquilo que não se MO- 348 — 155 dificou e nem houve determinação expressa para que o fizesse. Tenho que, na parte que diz respeito aos efeitos da pena, o Supremo Tribunal Federal nada determinou A explicitação mencionada na decisão diz respeito à operação mental e aritmética. Não houve extensão quanto aos efeitos. 8. Partindo do princípio de que o Juiz de Primeiro Grau não pode modificar sua decisão, salvo através dos embargos declarat6rios; considerando que na parte referente às conseqüências da decisão não houve alteração da sentença originária do HC; Não acolho os embargos declaratórios apresentados, porque na decisão de fls. 1899/1900, a matéria objeto dos embargos não foi novamente decidida. Int.» (Fls. 15/15-verso) 3. Em face do exposto, e não tendo havido ofensa à autoridade da decisão da 1° Turma deste Tribunal, mas sua fiel obser- vância, julgo improcedente a presente reclamação. EXTRATO DA ATA Rcl 435 — SP — Rel.: Min. Moreira Alves. Recite.: Josecyr Cuoco (Advs. Paulo Esteves e outro). Reciclo.: Juiz de Direito da 139 Vara Criminal da Comarca de São Paulo. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal julgou improcedente a reclamação. Votou o Presidente. Ausente, ocasionalmente, o Ministro limar Gaivão. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 10 de fevereiro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. RECLAMAÇÃO N2 464 — CE (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Octavio Gallotti Reclamantes: Joseneas Barroso Anaes e outros — Reclamado: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará Intervenção federal, por suposto descumprimento de decisão de Tribunal de Justiça. Não se pode ter, como invasiva da competência do Supremo Tribunal, a decisão de Corte estadual, que, no exercício de sua exclusiva atribuição, indefere o encaminhamento do pedido de intervenção. Precedentes do STF. Reclamação julgada improcedente. R.TJ. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar improcedente a reclamação. Brasília, 14 de dezembro de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Octavio Gallotti: Achase a questão bem resumida no parecer do ilustre Professor Geraldo Brindeiro, Subprocurador-Geral da República, às fls. 191/5: «1. Trata-se de Reclamação formulada contra o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará por Coronéis da Reserva da Polícia Militar daquele Estado. 2. Os interessados pretendem que aquela Corte Estadual dirija a este Colendo Supremo Tribunal Federal pedido de intervenção federal, diante do não cumprimento pelo Governo do Estado de Acórdão daquela Corte proferido em Mandado de Segurança, reconhecendo aos mesmos direitos relativos aos respectivos proventos. Pretendem ainda os requerentes que esta Colenda Corte determine ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará «que incontinenti encaminhe ao Supremo Tribunal Federal os documentos necessários a instauração do processo de Intervenção Federal ...» (fls. 2/14). O Eminente Ministro Sepúlveda Pertence, então Relator do feito, proferiu o r. despacho de fl. 157 no qual, considerando que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 350 e seguintes do Regimento Interno, é o condutor e o relata nato do 349 processo de intervenção federal, determinou o encaminhamento dos autos àquela autoridade. Solicitadas informações pelo Eminente Ministro Presidente (fls. 158 e 161), foram prestadas após reiteração do pedido, por duas vezes, nos termos dos pareceres do Ministério Público Federal (fls. 163, 167/169, 170, 173, 177, 179, 180, 183 e 188/189). Nas informações, o Ilustre Desembargador Presidente em exercício, em ofício dirigido ao Relator e Presidente deste Colendo Supremo Tribunal Federal, o Eminente Ministro Octavio Gallotti, presta esclarecimentos sobre o andamento dos feitos relativos à questão (fls. 188/189). Ficou esclarecido que, na sessão realizada no dia 24-11-88, o Tribunal, nos termos do voto do Relator, concedeu a segurança impetrada. Após tal decisão foram expedidos ofícios ao Governador do Estado, ao Secretário da Fazenda e ao Comandante Geral da Polícia Militar, comunicando o inteiro teor do Acórdão. Em 1989, foram expedidos novos ofícios às mesmas autoridades sobre a mesma matéria, tendo, então, sido formulado perante a Corte Estadual pelos impetrantes ora reclamantes, Pedido de Intervenção Federal. As informações esclarecem ainda que a Procuradoria-Geral do Estado ingressou, em 22-11-89, com pedido de medida cautelar em ação rescisória, ainda em tramitação no Tribunal de Justiça. 9. Observa-se e finalmente, conforme certidão expedida pela Secretaria da Corte Estadual (fl. 24), que o Tribunal, por unanimidade de votos, indeferiu o pedido de remessa de documentos a esta Colenda Corte para fins de intervenção federal. Entendeu aquele Tribunal de Justiça Estadual que a matéria somente 350 R.T.J. —155 deve ser examinada após o julgamento da cautelar na ação rescisória. A execução dos Acórdãos proferidos em Mandados de Segurança relativos a concessões de vantagens a servidores públicos, nos termos da Lei nQ 4.348/64, é levada a efeito após transitados em julgado, mediante precatórios judiciários com verbas orçamentárias previstas para o pagamento. Os recursos, neste processo sumário de natureza constitucional, normalmente não têm efeito suspensivo, mas têm tal efeito, nos termos do art. 72, da citada lei, nas hipóteses de adição de vencimentos, não sendo concedida liminar visando à concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 52). A despeito da controvérsia jurídica que pode gerar a posição da Corte Estadual sobre os efeitos da propositura da ação rescisória na presente hipótese — que se refere, sem dúvida, à concessão de vantagens aos servidores públicos, ora reclamantes — tendo-a como remédio jurídico processual recursal (vide, e.g., Pontes de Miranda, Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e de Outras Decisões, 9 Ed., Forense, Rio, 1976, pág. 649), o fato é que o entendimento do Tribunal demonstra não considerar o mesmo ter sido afrontada a autoridade de sua decisão. 12. A Constituição Federal estabelece que, nos casos de desobediência a ordem ou decisão judicial, a decretação de intervenção federal pelo Presidente da República depende de requisição deste Colendo Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral, conforme a matéria (CF, arts. 34, inciso VI, e 36, inciso II). E o Regimento Interno desta Egrégia Corte prevê as hipóteses de requisição de ofício ou mediante pe- dido do Presidente do Tribunal de Justiça, «quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão judiciária», ressalvando apenas a competência do Tribunal Superior Eleitoral (RISTE, art. 350, inciso II). Pensamos que o pedido de requisição, se fosse o caso, realmente deveria ser dirigido a este Colendo Tribunal por se referir a causa a matéria constitucional (fl. 4) (vide Intervenção Federal n2 107 (Questão de Ordem) — SC, Tribunal Pleno, Relator o Eminente Ministro Sydney Sanches, in RTJ 141/707). Não houve, todavia, qualquer pedido de requisição formulado pelo Presidente do Tribunal de Justiça, restando examinar a possibilidade de requisição de ofício por esta Colenda Corte. E não nos parece que a presente hipótese permita tal requisição, segundo a jurisprudência consolidada deste Colendo Supremo Tribunal Federal. 15. Nesse sentido, destacamos dentre outros os Acórdãos unânimes que tiveram as seguintes ementas: «Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido. Interpretação do inciso II do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos artigos 19, II e III da Lei n2 8.038, de 28-51990, e 350, II e III, do RISTF. A parte interessada na causa somente pode se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de intervenção federal, para prover a execução de decisão da própria Corte. Quando se trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal. R.T.J. — 155 Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes.» (Intervenção Federal ng 105 (Questão de Ordem) — PR, Tribunal Pleno, Relator o Eminente Ministro Sydney Sanches, in RTJ 142/371) «Intervenção Federal. — Se o Presidente do Tribunal de Justiça local — que tem legitimação para provocar o exame da requisição de intervenção federal, que só se fará para a preservação da autoridade da Corte que ele representa — entende que a intervenção federal não cabe no caso, não pode o STF, de ofício e à vista do encaminhamento por aquela Presidência do pedido de intervenção federal feito pelo interessado e por ela repelido, examinálo. Agravo regimental a que se nega provimento.» (grifamos) (Intervenção Federal n2 81 (AgRg) — SP, Tribunal Pleno, Relator o Eminente Ministro Moreira Alves, in RTJ 114/443) 16. Preliminarmente, pois, os interessados, ora reclamantes, não têm legitimidade ativa para formular pedido de requisição de intervenção federal perante esta Coleado Corte. E, no mérito, se o próprio Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade de votos, entende que não se justifica intervenção federal no caso, não considerando afrontada a autoridade de sua decisão, não cabe a este Coleado Supremo Tribunal Federal requisitar de oficio tal intervenção contrariando o entendimento da própria Corte Estadual sobre a preservação de sua autoridade. Note-se que, na presente hipótese, o Tribunal de Justiça Estadual não apenas repeliu o pedido de intervenção feito pelos interessados, mas não o en- 351 caminhou a esta Coleado Corte como no precedente supracitado. 17. Pelas razões aduzidas, opina o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do pedido, mas, se examinado por este Colendo Tribunal, pelo não cabimento de requisição de intervenção federal de ofício.» (fls. 191/5) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Octavio Gallotti (Relator): Revela, o parecer do Ministério Público, a reiterada e uniforme orientação do Supremo Tribunal, no sentido de caber, privativamente, ao Tribunal de Justiça provocar, ou não, o encaminhamento, a esta Corte, do pedido de intervenção federal, por descumprimento da decisão da Justiça estadual. No caso em exame, o Tribunal de Justiça do Ceará indeferiu o encaminhamento, por considerá-lo prematuro, ante a pendência do julgamento —no próprio âmbito daquela Corte — de medida cautelar em ação rescisória, requerida pelo Estado (fl. 24). Por seu caráter administrativo, essa decisão nem mesmo rende ensejo, em tese, à interposição de recurso extraordinário, como reconheceu, em condições análogas, a Primeira Turma do Supremo Tribunal, ao apreciar o Recurso Extraordinário n2 149.986, assentada em que também tive ocasião de ressaltar, na condição de Relator, a exclusividade da iniciativa da autoridade judiciária local, para provocar a intervenção federal (DJ de 7-5-93). Não se pode ter, pois, como invasiva da competência do Supremo Tribunal, a deliberação do Tribunal de Justiça estadual, que, no exercício de sua competência exclusiva, indefere o encaminhamento do pedido de intervenção. Julgo improcedente a Reclamação. 352 R.T.J. — 155 EXTRATO DA ATA Rcl 464 — CE — Rel.: Min. Octavio Gallotti. Recites.: Joseneas Barroso Arraes e outros (Advs.: José Lindival de Freitas e outros). Reciclo.: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal julgou improcedente a reclamação. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 14 de dezembro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. EXTRADIÇÃO N2 600 — REPÚBLICA DA ÁUSTRIA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Sydney Sanches Requerente: Governo da Áustria — Extraditandos: Wolfgang Ecker e Hermann Leitner Extradição. Crimes de fraude, fraude grave e gestão fraudulenta. Tendo havido, por parte do Governo requerente, promessa de reciprocidade (art. 76), bem como de observância do disposto no art. 91, e estando satisfeitos os requisitos do art. 80 e seus parágrafos e 22, todos da Lei n2 6.815, de 19-8-1980, modificada pela Lei n2 6.964, de 9-12-1981, é de se deferir a extradição pleiteada. Pedido deferido. r ACÓRDÃO RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de extradição. Votou o Presidente. Falou, pelos extraditandos, o Dr. Marcus Otávio Menezes. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Octavio Gallotti, Presidente. Presidiu o julgamento o Ministro Moreira Alves. O Sr. Ministro Sydney Sanches (Relator): 1. O Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, Dr. Mauricio Corrêa, invocando o art. 84 da Lei n2 6.815, de 1980, alterada pela Lei n2 6.964, de 1981, encaminhou, em data de 27-9-1993, à E. Presidência do Supremo Tribunal Federal, «documentos justificativos e formalizadores do pedido de extradição dos nacionais austríacos Wolfgang Ecker e Hermann Leitner, formulado pelo Governo da Áustria, por via diplomática com base na promessa de reciprocidade de tratamento para casos análogos» (fl. 2). Brasília, 11 de maio de 1994 — Moreira Alves, Presidente — Sydney Sanches, Relator. R.T.J. — 155 No mesmo ofício, S. Exa. solicitou «a prisão, para fins de extradição, dos referidos estrangeiros, com fundamento no art. 81 do citado diploma legal e na decisão proferida por essa Colenda Corte de Justiça, em Questão de Ordem n2 478-6.» (fl. 2). Com essa peça inicial, vieram os documentos de fls. 3/186. 4. Distribuído a mim o feito, como relator (fl. 187), despachei à fl. 1871v: «Ext. 600-2/120. Em face do ofício encaminhado pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça (fl. 2), dos documentos que o instruíram (fls. 3/186), do disposto nos artigos 80 e seguintes da Lei 112 6.815, de 19-8-1980, modificada pela Lei n2 6.964, de 9-12-1981, e do que ficou assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Pedido de Extradição 478-6, decreto, a pedido do Governo da Áustria, a prisão dos nacionais austríacos Wolfgang Ecker e Hermann Leitner, qualificados nos autos (fl. 21), para fms de extradição. Expeçam-se mandado, «telex» e ofício. Brasília, 29-9-1993 (as.) Sydney Sanches.» 5. Confirmando os «telex» de fls. 201 e 203, o Exmo Sr. Ministro da Justiça comunicou a prisão de Hermann Leitner, no dia 15-10-1993, recolhido às dependências da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal, no Estado do Rio de Janeiro (fl. 206), e a de Wolfgang Ecker, no dia 18 de outubro de 1993, internado no Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro-RJ, sob a custódia e responsabilidade dos policias do Departamento de Polícia Federal, em razão de ter sido vítima de um acidente de trânsito ocorrido em 10 de e 353 agosto próximo passado (fl. 200). Ambos os presos à disposição desta Corte. Às fls. 204/v, em data de 22 de outubro de 1993, deleguei competência ao Juiz Federal da Circunscrição do Rio de Janeiro, a quem distribuído o processo, para o fim de proceder ao interrogatório dos extraditandos e colher sua defesa, o que foi feito (fls. 221/234). A defesa foi apresentada pelos ilustres advogados constituídos (fls. 226/7), Drs. Valter Soares e Wagner Manoel Bezerra, nos termos seguintes (fls. 237-251): «Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 42 Vara Federal Ref. Proc. n2 93.0037590-3 Pedido de Extradição — Gov. da Áustria Wolfgang Ecker, austríaco, nascido em Linz, em 4-2-64, com residência e domicílio nesta cidade do Rio de Janeiro, na Avenida Canal de Marapendi n2 1.700, apart. 2.101, Barra da Tijuca, e Hermann Leitner, também austríaco, natural de Wels, nascido em 19-4-67, residente e domiciliado no mesmo endereço supra, tendo em vista o pedido de extradição formulado pelo Governo da Áustria, objeto do processo acima referido, tendo sido regularmente interrogados por V. Exa., vêm apresentar através da peça anexa a sua defesa, de conformidade com o disposto no art. 85, parte fmal, da Lei n2 6.815, de 19-8-80, por intermédio dos advogados regularmente constituídos quando de seus intenogatórios e nos termos dos instrumentos de procuração que acompanham a presente. Outrossim, requerem sejam os autos remetidos ao Colendo Supremo Tribunal Federal, para prosseguimento e apreciação dos pedidos formulados. Termos em que pedem deferimento. 354 R.T.J. — 155 Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1993. a) Valter Soares — OAB/RJ-28.921 a) Wagner Manoel Bezerra — OAB/RJ-37.339 Excelentíssimo Senhor Ministro Relator do Processo de Extradição n 2 600-2 Wolfgang Ecker e Hermann Leitner, já devidamente qualificados nos autos, tendo em vista o pedido de extradição formulado pelo Governo da Áustria, vêm apresentar a V. Exa. a sua defesa, por intermédio de seus advogados, nos termos que se seguem. 1 — Considerações preliminares Tanto são aqui residentes que, como se verifica nos próprios autos da extradição (fl. 06), o endereço dos requerentes no país era há muito conhecido pela Interpol. Com efeito, residem os requerentes no mesmo endereço desde que chegaram ao Brasil, em meados do ano de 1992. Não obstante os termos do artigo 85, § 12, da Lei n2 6.815, de 19-8-80, que limita sobremaneira a defesa do extraditando, restringindo as questões a serem suscitadas na oportunidade, não vêm os requerentes obstáculo a que possam outras matérias alegar, já que a Constituição Federal assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à liberdade (art. 52, caput). Da mesma forma, as principais convenções internacionais, bem assim o Código de Bustamente, asseguram o princípio da igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros. Na forma do inciso LV do aludido artigo 52 da Constituição Federal, aos acusados em geral é assegurada ampla defesa, princípio que somente se observará neste processo se desprezada a letra fria da lei de estrangeiros, na parte ora atacada. 3. Que os requerentes são residentes no país não há sombra de dúvida, tanto que o endereço fornecido neste processo é o mesmo já referido em diversas ações judiciais propostas no foro da cidade do Rio de Janeiro (cópias anexas). Irregular, também, o próprio pedido de extradição, que esse Egrégio Tribunal há de denegar. Sendo os requerentes residentes no país, a eles se aplica a lei brasileira no tocante às garantias constitucionais previstas no capítulo próprio. Em assim sendo, ilegal é a prisão decretada por V. Exa., que à vista das fundadas alegações contidas nesta peça decerto a revogará. II — Da falta de fundamentação do decreto de prisão Nos termos do artigo 52, inc. LXI, da Constituição Federal, «ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente...» A decisão de fl. 187/v, proferida por V. Exa., viola frontalmente o dispositivo constitucional aludido, eis que inexiste fundamentação alguma para o decreto de prisão. A ausência de fundamentação implica a nulidade de tal decisão, razão pela qual se requer que V. Exa., admitindo a nulidade, a declare para determinar a imediata soltura dos extraditandos. Farta é a jurisprudência no sentido de que a falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva viola a lei processual penal, acarretando a necessária ordem de soltura. Citem-se os seguintes acórdãos para ilustrar a tese: R.T.J. — 155 «Prisão preventiva — Falta de fundamentação. Habeas comua. A simples transcrição das expressões da lei não é suficiente para o decreto de prisão preventiva, cabendo ao juiz indicar quais os fatos que existem, e se enquadram nas citadas expressões, de modo a justificar a medida extrema de prisão preventiva. Inexistentes tais requisitos, concede-se habeas corpus ao paciente.» (Ac. 3' C. Cr. do TJ/RJ, HC n2 3.286/78, Rel. Des. L. Lopes de Souza) «Prisão preventiva — Ausência de fundamentação — Habeas corPusA simples transcrição dos termos da lei processual no que concerne aos pressupostos da prisão preventiva equivale à ausência de fundamentação, não bastando para apoiar o respectivo despacho.» (Ac. 34 C. Cr. do TJ/RJ, HC n2 3.631/78, Rel. Des. Oduvaldo Abritta) «Prisão preventiva —Falta de Fundamentação. Habeas corpus concedido, por não suficientemente fundamentado o decreto de prisão preventiva.» (Ac. 2' C. Cr. do TJ/RJ, HC 2.385/77, Rel. Da. Bandeira Stampa) No pressuposto de que possa V. Exa., verificando o equívoco cometido, justificar a decisão proferida passando a fundamentá-la, querem os requerentes argumentar quanto a outros aspectos de sua prisão preventiva. — Dos pressupostos da prisão preventiva A prisão preventiva tem o caráter de medida cautelar incidente, devendo sua decretação lastrear-se nos pressupostos legais de toda e qualquer cau- 355 tela, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Cabe invocar aqui a lição do jovem, porém brilhante processualista Afrânio Silva Jardim, verbis: «Extinta a obrigatoriedade da decretação da prisão preventiva pela Lei n' 5.349/67, ficou bastante evidente a natureza de medida cautelar que possui tal provimento coercitivo no processo penal pátrio. Já não se precisa invocar artificialmente uma presunção de periculum in mora. Agora, tem ele que ser sempre demonstrado efetivamente, através de decisão fundamentada. Assim, se examinarmos detidamente o preceito atual do art. 312 do Código de Processo Penal, nele veremos expressos os dois requisitos basilares para a caracterização das medidas cautelares: o referido fomos boni iuris e o periculum in mora. O primeiro dos requisitos fica patenteado pela necessidade de o Juiz verificar se, no inquérito ou processo, encontra-se provada a existência material da infração e se há indícios de sua autoria Sem um mínimo de probabilidade de prosperar a pretensão punitiva estatal, a medida provisória tornar-se-ia verdadeiramente odiosa.» (Direito Processual Penal, Forense, 4' ed., págs. 362/363). IV — Da ausência do 4umus boni iuris» Sendo a prisão preventiva mediante cautelar, como se disse acima, há de findar-se a decisão que a determina na fumaça do bom direito. E, no caso presente, falta tal pressuposto, convindo aclarar que a alegação diz respeito ao mandado de captura no país solicitante 356 R.T.J. — 155 e, via de conseqüência, ao decreto proferido pelo Exmo. Ministro Relator. Com efeito, o decreto de prisão no país solicitante é de visível ilegalidade, o que há de ensejar não só a revogação da prisão preventiva aqui formalizada como também a denegação do pedido de extradição. Isso porque a legalidade do decreto de prisão no país solicitante da extradição é pressuposto dessa medida, já que a existência de tal decreto (proferido com observância das normas legais, obviamente) — é requisito previsto na lei dos estrangeiros para o atendimento do pedido. Nos termos do já citado artigo 312 do Código de Processo Penal, «a prisão preventiva poderá ser decretada... quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria.» Como se verifica nos autos, os extraditandos não foram presos em flagrante delito no país solicitante, logo, o mandado de captura existente nos autos há de ser entendido como resultante de sua prisão preventiva. Como decreto de prisão preventiva, tal decisão afronta a lei brasileira (e decerto a austríaca), eis que não se funda na prova da existência de crime algum, mas em meras suspeitas. Como se vê à fl. 7, o MM. Juiz expediu mandado determinando que os requerentes «... deverão, por suspeita do crime de fraude grave e de gestão fraudulenta... ser capturados.» 21. A alegação aqui formulada não resulta de análise rápida ou capciosa dos autos. Pode-se verificar, na fundamentação do mandado de captura, que só há referências à suspeita de crime e não à prova da existência de crime. Vê-se, no corpo do mandado de captura, que o magistrado que o expediu somente se refere, por diversas vezes, à suspeita dos crimes atribuídos aos extraditandos (fls. 8, 10, 13, 14 e 15). Ora, nos termos da lei brasileira, meras suspeitas de crimes não justificam a prisão preventiva; pressuposto inarredável de tal medida é a prova da existência do crime, não mera suspeita. Repetindo-se o ensinamento de Afrânio Silva Jardim, há «necessidade de o Juiz verificar se, no inquérito ou processo, encontra-se provada a existência material da infração». Nesse sentido é induvidoso o texto legal, do qual não discrepam a doutrina e a jurisprudência. Damá.sio de Jesus, em seu Código de Processo Penal Anotado (Saraiva, 3' edição), ensina com remissão à jurisprudência do STF, que «a prisão preventiva exige prova bastante da existência do crime e indícios suficientes de autoria (STF, RTJ 64/77)0 Nem se diga que a lei austríaca autoriza a prisão fundada em mera suspeita. Se assim fosse, impunha-se ao governo solicitante fazer prova do texto legal. E, ainda que tal prova tivesse sido feita, faltaria mesmo assim pressuposto para a extradição, eis que o decreto de prisão deve estar em conformidade com a lei brasileira. 28. Tal conclusão decorre da aplicação racional do art. 77, II, 1 2 parte, da Lei n2 6.815/80: se o fato não for considerado crime no Brasil não se dará a extradição, logo, não pode a extradição se fundar em um decreto de prisão que viola os pressupostos elencados na lei brasileira. RTJ. — 155 Em síntese, sendo o decreto de prisão no país solicitante pressuposto da extradição (art. 78, II, parte final), tal decisão judicial estando em desconformidade com a lei brasileira não se há de atender o pedido. V — Da ausência do «periclitam in mora» A lei processual penal brasileira dispõe, mediante enumeração taxativa, sobre as hipóteses em que é permitido ao magistrado decretar a prisão preventiva. Estão elas previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal. Segundo o mencionado dispositivo, admite-se a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. No caso em exame, como inexiste qualquer ameaça à ordem pública, como a instrução criminal a ser realizada no país solicitante também não sofre qualquer ataque e, por fim, uma vez que não se vislumbra a hipótese de se furtarem os extraditandos à aplicação da lei penal de seu país, o decreto de prisão preventiva é totalmente ilegal, devendo ser revogado. A prisão decretada não se enquadra, quanto à sua motivação, em nenhuma das hipóteses acima, daí a sua ilegalidade. Convém lembrar que, qualquer que seja a hipótese escolhida pela autoridade judiciária como motivo de decretação da prisão, esta há de se basear em fatos concretos e não em meras suposições. 35. Ou seja, não basta supor, por exemplo, que alguém poderá se subtrair à aplicação da lei penal para que se lhe decrete a prisão. E preciso, para que se 357 tome tão drástica medida, que fatos concretos demonstrem estar o acusado procurando fugir à aplicação da lei. Vale aqui invocara lição do mestre Tourinho Filho, que baseia seu entendimento no eiisinamento do insigne professor Tornaghi, verbis: «Cabe ao Juiz, em cada caso concreto, analisar os autos e perquirir se existem provas atinentes a qualquer uma daquelas circusdncias. De nada valerá seu convencimento pessoal extra-autos. Baldaria a lei o Magistrado que dissesse: «Decreto a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal...».Magnificamente diz o insigne Tornaghi: Fórmulas como essa são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão (Cfr. Manual, vol. 11/619). E preciso que dos autos ressuma prova pertinente a qualquer uma das circunstâncias referidas. E o Juiz, então, no despacho que decretar a medida extrema, fará alusão aos fatos apurados no processo que o levaram à imposição da providência cautelar.» (Processo Penal, 32 volume, 3° edição, pág. 331).» O próprio Supremo Tribunal Federal sempre entendeu que «o decreto de prisão preventiva deve ser suficientemente motivado, não sendo suficientes meras conjecturas de que o réu poderá fugir ou impedir a ação da justiça. Assim, a fundamentação não pode se basear em suposições abstratas, como simples ato formal, mas resultar de fatos concretos.» (STF, RTJ 73/411) 38. Desnecessária a prisão dos requerentes durante o processo de extradição, eis que são os mesmos residentes no Brasil e estão no mesmo endereço desde que aqui chegaram, logo, não há razão alguma para presumir que tenta- 358 R.T.J. — 155 rão empreender fuga para onde quer que seja. Além de aqui serem residentes, têm os extraditandos negócios no país, como se comprova com farta documentação, logo, aqui aguardarão a decisão da Suprema Corte do país sobre o pedido de extradição. Ausente o pressuposto do periculum in mora, há de prevalecer a garantia constitucional de que a liberdade é a regra, ao passo que a prisão é a exceção, bem assim o princípio também constitucional da presunção de inocência até decisão condenatória com trânsito em julgado. VI — Da fuga como pressuposto da extradição Não obstante a omissão do processo quanto a esse aspecto, querem os requerentes argumentar, para que não pairem dúvidas sobre o seu direito de aqui permanecerem, que não empreenderam fuga para o Brasil, mas vieram para este país com o animus de aqui estabelecer negócios lícitos. O próprio mandado de captura apresenta visível contradição, pois menciona que vieram os extraditandos para o Brasil em abril e maio de 1992, ao passo que a falência de suas empresas foi decretada em julho do mesmo ano (fls. 8 e 12 dos autos). 43. Ora, não há falar em fuga se os extraditandos vieram para o Brasil meses antes de decretada a falência da empresa. Quando saíram da Áustria não eram falidos e sequer pensavam pudesse ser instaurado contra si qualquer procedimento criminal. Quem sai de seu país sem que seja acusado ou indiciado em crime algum não está empreendendo fuga. Impõe repetir que mesmo hoje, cerca de um ano e meio após chegarem ao Brasil, não há ainda contra os extraditandos sentença alguma, mas mero procedimento criminal onde nada mais existe senão a suspeita da prática de crime. Tais alegações, além de servir de reforço ao argumento da inexistência de fundamento para a prisão preventiva, servem também contra eventual entendimento desse Egrégio Tribunal de que a simples fuga do solicitante possa ser fundamento da extradição. VII — Dos pedidos Dois são os pedidos que formulam os extraditandos em sua defesa, pelas razões e fundamentação jurídica expedidas. O primeiro deles é o de reconsideração da decisão de fl. 187v, que decretou a sua prisão preventiva. Deve ser revogada a decisão aludida por total ausência de fundamentação, como se sustentou nos nos 8/11 desta peça. A falta de fundamentação viola a lei processual penal e a própria Const Federal, devendo ser os extraditandos imediatamente postos em liberdade. Outro fundamento do pedido de revogação do decreto de fl. 187v é a ausência da fumaça do bom direito e do periculum in mora. O mandado de captura expedido pela autoridade judiciária austríaca é ilegal e abusivo, eis que fundado não na comprovada existência material da infração penal, mas em meras suspeitas da existência de crimes, o que a lei processual penal brasileira não tolera. O fumus boni juris corresponde à prova da existência do crime e aos indícios suficientes da autoria. Sem isso não se há decretar a prisão preventiva. A R.T.J. — 155 ausência do periculum in mora foi demonstrada nos nos 30/45, supra. O segundo pedido que os extraditandos formulam em sua defesa é o de denegação da solicitação feita pelo Governo da Áustria. No presente processo, como não há prova segura da existência de crime, a prisão dos extraditandos não pode subsistir, devendo também ser denegado o pedido de extradição. Como hão de verificar V. Exa. e demais Ministros componentes do Órgão julgador, funda-se o pedido em mera suspeita de crimes, o que acarreta a ilegalidade da cautela preventiva e, em conseqüência, a improcedência do pedido de extradição. Por todo o exposto, esperam os requerentes que V. Ex a., com a urgên- cia que o caso requer, determine a sua imediata soltura e que, a seguir, quando da análise do pedido de extradição, esse Egrégio Supremo Tribunal Federal o denegue. Termos em que esperam deferimento. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1993. a) Valter Soares OAB/RJ-28.921 a) Wagner Manoel Bezerra OAB/RJ-37.339.» Instruída a peça de defesa com os documentos de fls. 252/317. Veio, também, para os autos, o ofício de fl. 322, acompanhado dos documentos de fls. 323/341. 10. Às fls. 344/352, o Ministério Público Federal, em parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Edson 359 Oliveira de Almeida, aprovado pelo Exmo. Sr. Procurador- Geral, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga opinou pelo deferimento do pedido de extradição. Essa manifestação assim se resumiu na ementa de fl. 344: «Extradição instrui/iria. Constitucionalidade do art. 85, § 1 2, da Lei n2 6.815/80. Regularidade da ordem de prisão do Juiz estrangeiro, devidamente fundamentada. O crime falimentar não absorve os crimes de falso e estelionato anteriores à falência. Parecer pelo deferimento do pedido.» Às fls. 356/357, foram juntos os substabelecimentos de procuração, feitos pelos advogados Drs. Wagner Manoel Bezerra, Walter Soares e Jorge Nogueira Pinto aos advogados Drs. Marcus Octávio Menezes Pires e Maria Tereza Donatti, como defensores, respectivamente, de Hermann Leitner e Wolfgang Ecker. Como ofício de fl. 360, o Exmo. Sr. Ministro da Justiça, em data de 19-4-1994, encaminhou ao relator «documentação complementar recebida da Embaixada da Áustria, por via diplomática, referente aos extraditandos» (fls. 361/426), da qual foi dada ciência à defesa. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sydney Sanches (Relator): 1. O ofício inicial do Exmo. Sr. Ministro da Justiça veio instruído com os documentos de fls. 3/186. 1.1. O de fl. 3 é dirigido pelo Chefe, substituto, da Divisão Jurídica do Ministério da Relações Exteriores, à Chefe da Divisão de Medidas Compulsórias do Ministério da Justiça, fazendo referência ao telegrama 1.247, de 10-8-1993, e encaminhan- 360 R.T.J. — 155 do-lhe a Nota número 2.677-A, da Embaixada da Áustria. 1.2. Ode fl. 4 é a Nota n2 2.677-A/93, da Embaixada da Áustria, do teor seguintes: «Embaixada da Áustria N2 2.677-A/93 A Embaixada da Áustria cumprimenta o Ministério das Relações Exteriores e tem a honra de responder ao Telex de n2 61.1202, de 14 de agosto de 1993, enviando pelo seu alto Ministério a esta Embaixada, com referência ao pedido de extradição de Wolfgang Ecker e Hermann Leitner. Comunicamos através desta a reciprocidade de tratamento para casos análogos. A Embaixada da Áustria aproveita a oportunidade para renovar ao Ministério das Relações Exteriores os protestos de sua mais elevada estima e distintíssima consideração. Brasília, em 8 de setembro de 1993. (Chancela da Embaixada da Áustria).» 1.3. O ofício de fl. 5, datado de 4 de agosto de 1993, é também dirigido pelo Ministério da Relações Exteriores ao Ministério da Justiça, encaminhando a Nota n2 2.181-A, da Embaixada da Áustria. 1.4. Ode fl. 6 é a Nota n2 2.181-A193, da Embaixada da Áustria, in verbis: Embaixada da Áustria N2 2.181-A/93 Anexo A Embaixada da Áustria cumprimenta o Ministério da Relações Exteriores e tem a honra de comunicar, que o Governo Federal da República da Áustria formula, pela presente, um pedido de extradição dos dois cidadãos austríacos Wolfgang Ecker e Hermann Leitner. Segundo instuções recebidas do Ministério das Relações Exteriores em Viena, a Embaixada, em nome do Governo Federal da República da Áustria solicita também a prisão preventiva para fins de extradição dos dois cidadãos austríacos mencionados, assim como a entrega dos bens encontrados em posse dos mesmos. Além disso, a Embaixada tem a honra de comunicar que o Governo da Áustria observará, em conexão com o pedido de extradição em pauta, estritamente o artigo 91 da Lei Brasileira n2 6.185, de 19 de agosto de 1980. De acordo com informações comunicadas pela Interpol Brasília à Interpol Viena do dia 15 de abril de 1993, o paradeiro dos cidadãos austríacos em pauta no Brasil já é conhecido. A Embaixada tem a honra de remeter documentação relativa a esse pedido de extradição, tanto em versão original em língua alemã, como em tradução pública da documentação do alemão para a língua portuguesa, feita pela Sra. Christa Uhde, tradutora pública e intérprete comercial juramentada na Áustria. Comunica-se, ademais, que se pretende mandar buscar os extraditandos por funcionários austríacos e transportálos, às custas das autoridades austríacas, por via aérea, para a República da Áustria Grata desde já pela atenção dispensada ao assunto em epígrafe a Embaixada da Áustria aproveita a oportunidade para renovar ao Ministério das Relações Exteriores os protestos de sua mais elevada estima e distintíssima consideração. Brasília, em 15 de julho de 1993. (Chancela da Embaixada da Áustria) 1.5. Às fls. 7/20 se encontram o mandado de captura e os informes sobre a legis- R.T.J. — 155 lação penal austríaca, inclusive quanto à prescrição. É este o teor de tais peças (fls. 7/20): «República de Áustria Tribunal Regional de Linz Mandado de captura Os cidadãos austríacos Wolfgang Ecker, nascido a 4-2-1964 em Linz, prenome dos pais Josef e Anna. Hermann Leitner, nascido a 19-4-1967 em Wels, prenome dos pais: Hermann e Elfriede, deverão, por suspeita do crime de fraude grave e de gestão fraudulenta, conforme os artigos 146, 147, parágrafo P, lit 1 e 3; e 156 parágrafos P e 29 do código penal austríaco, ser capturados. Razões: A 1-9-1989 foi constituída pelo acusado Hermann Leitner e o advogado Dr. Christian Potzl a sociedade E+P Consulting & Trading Ges.m.b.H. (a seguir nomeado E+P). Hermann Leitner é nomeado gerente único. A 6.8.1991 Hermann Leitner cede a sua quota na E+P ao acusado Wolfgang Ecker. No mesmo dia, a E+P de um lado e Wolfgang Ecker de outro lado constituem a sociedade E+P Vertriebs Ges. m.b.H. A 16-10-1991 Wolfgang Ecker é inscrito no registro comercial como segundo gerente da E+P. A 12-6-1992 a E-EP foi dissolvida por abertura da falência. O mesmo sucede com a firma E+P Vertriebs Ges.m.b.H., a 8-7-1992. O objeto da E+P foi a comercialização de mercadorias em geral e especialmente de produtos de aço. I) Quanto à suspeita de fraude 361 1) Ao prejuízo das firmas Samsung, Je 11 Steel Corporation e Han Kuk Steel Corporation/Coreia. Já em agosto de 1991 a E+P se encontra em negociações com a firma Kisco (uma filial da firma Samsung em Coreia) sobre a entrega de 5.000 toneladas métricas de arame laminado a U$. 302, —por tonelada. A correspondência é feita em primeiro lugar por Hermann Leitner, mas também por Wolfgang Ecker. As negociações duram até janeiro de 1992 até que em fim a 29-1-1992 esta mercadoria foi vendida às seguintes fumas: Jin Heung Corporation ca. de 2.000 toneladas métricas. Je H Stell Corporation ca. de 1.000 toneladas métricas. c) Han Kuk Steel Corporation ca. de 2.000 toneladas métricas. Para pagamento da mercadoria os respectivos clientes abriram uma carta de crédito. No decorrer da execução dos contratos as condições das cartas de crédito foram várias vezes alteradas; no entanto a apresentação do conhecimento de embarque (NI of lading) foi condição para poder reclamar o respectivo pagamento da carta de crédito. A 26-3-1992 a E+P informa à Samsung por escrito que a 24-3-1992, 2.129,4 toneladas métricas de arame laminado foram embarcados. Com efeito, nem a 24-3-1992 nem em qualquer outro dia esta mercadoria foi embarcada e enviada à firma Sansung. Da mesma maneira, também não foi enviada a mercadoria vendida às duas outras empresas, apesar de ser apresentados conhecimentos de embarque falsos. Todos os conhecimentos de embarque emitidos foram presumivelmente falsificados pelo acusado Hermann Leitner. Todo 362 R.T.J. — 155 o contrato teve, pelos vistos, de servir para enganar os clientes quanto à existência da mercadoria e de lhes levar a abrir cartas de crédito o pagamento das quais foi seguidamente reclamado por E+P. A 2-4 U$ 610,342.97 da carta de crédito da firma Han Kuk Steel são creditados a uma conta da E+P que esta mantém junto da Oberbank em Linz. A 3-4 U$ 642,174.46 (deduzido de despesas) de uma carta de crédito da finna Sansung são creditados à conta da E+P junto ao Banque Bruxelles LambertnaSuka. A 13-4-1992U$ 321.821,85 (deduzido de despesas) da carta de crédito da Je II Steel são creditados na mesma conta. No total os três clientes sofreram um prejuízo de mais de 1,5 milhões de U$ dólares. Os fundos recebidos foram em parte utilizados para liquidar dívidas em contas da E+P junto dos bancos e em parte transferidos ao estrangeiro (ver também as informações referentes à suspeita de gestão fraudulenta). Justificação da suspeita de crime: A suspeita descrita em I.) tem seu fundamento primariamente na correspondência encontrada (e muito extensa) entre a E+P e os clientes coreanos, onde estes últimos concordam em indicar que não receberam nenhuma mercadoria. De acordo com as informações da E-i-P teria sido a firma Ispat em Trinnidad e Tobago a produtora da mercadoria. De acordo com o parecer de um perito de contas não existe nenhum indício do qual se poderia ter concluído que a E+P teria comprado da Ispat 5.000 toneladas métricas de arame laminado. Tampouco são verificáveis quaisquer pagamentos feitos da E+P à firma Ispat. Uma antiga empregada da fuma E+P indicou como testemunha que o acusado Ecker teria afirmado perante ela que a mercadoria não foi embarcada. Antes pelo contrário os conhecimentos teriam sido falsificados pelo acusado Hermann Leitner para fingir um embarque e assim provocar a transferência dos fundos. Os conhecimentos de embarque apresentados aos bancos pela E+P mostram como emitente a Ocean Freight Trinidad Limited. Confrontada com os conhecimentos de embarque em causa, esta empresa informou por escrito que nunca emitiu e assinou tais documentos. Se bem que quase toda a correspondência com as empresas coreanas tenha sido feita pelo acusado Leitner, o qual também executou a operação, é de supor uma participação importante do acusado Ecker. Por exemplo, num telefax de 15-11-1991 Wolfgang Ecker solicitou à firma Kisco uma informação imediata sobre a abertura da carta de crédito. A esta solicitação seguiram-se aparentemente várias insistências que ele fez pessoalmente ou mandou fazer, porque a 3-12-1991 (num telefax à Kisco) ele dá como razão do seu procedimento tenaz, de ter cumprir com os compromissos para com a Ispat, se bem que deveria ter sabido que a E+P não tinha assumido qualquer compromisso perante a firma Ispat, referente à entrega de 5.000 toneladas de arame laminado. Por fim, a 14-5-1992 Wolfgang Ecker recebe um telex da firma Ispat de acordo com o qual esta empresa não teria conhecimento do embarque de 5.000 toneladas de arame laminado com destino à firma Kisco por ordem da E+P. O facto que não só Hermann Leitner, em abril de 1992, mas também Wolfgang Ecker, a 18 de maio de RT.J. — 155 1992, fugiu para o Rio de Janeiro permite concluir que ele foi o co-autor das actividades fraudulentas. 2.) Ao prejuízo da firma Veseli A fuma Zelezarny Veseli, na antiga CSFR, foi um dos números fornecedores da E+P. Referente a um contrato a E+P devia à firma Veseli para entregas entre 1-10-1991 e 27-2-1992 ca. de DM 400,000, —. Para cumprir o contrato faltava ainda a entrega de 230 toneladas de tubos à E+P, no valor de cerca de 1,2 milhões de Xelins austríacos. No entanto, este material não foi embaracado pela Veseli porque a E+P não tinhapago faturas vencidas. Para receber a mercadoria em falta, o acusado Leitner teria falsificado um extrato da conta da E+P junto a um dos seus bancos o qual utilizou como comprovante de pagamentos feitos à firma Veseli. Para isso alterou no original do extrato da conta a moeda de Xelins para Marcos Alemães, o texto do lançamento e o montante e mandou passar o documento falsificado por telefax à firma Veseli. Aparentemente se verificaram estas manipulações na firma Veseli pelo que não tinham lugar mais fornecimentos à E+P. Neste ponto esta acção não foi, pois, mais que tentativa. Justificação da suspeita de crime: A suspeita de crime exprimida em I.) 2) tem por base os documentos encontrados e as informações testemunhais de dois antigos empregados da fuma E+P. 3) Ao prejuízo de Gerhard Lanz e Walter Haberfellner, Wolfgang Ecker mantinha também uma cota de 20% na firma E+P Vertriebs-Ges.m.H. Esta empresa deveria servir para a comercialização de produtos de consumo, principalmente produtos de carne de alta qualidade, sob o nome de eGustoland». Para o fim, Gerhard Lanz e Walter Haberfellner (ambas pessoas têm conhecimen- 363 tos na área de produção de produtos de carne e chouriços) assumiram cada um 10% do capital da firma E+P VertriebsGes.m.b.H. Simultaneamente, Lanz e Haberfellner pagaram cada um a soma de 400.000, Xelins. Estes montantes foram creditados a 14-2-1992 numa conta fiduciária de um advogado. Do mesmo dia datam duas cartas de conteúdo idêntico nas quais Lanz e Haberfellner solicitam ao fiel depositário de retransferir os dois montantes de 400.000, Xelins cada a uma determinada conta com a denominação Haberfellner e Lanz. Estas cartas tinham sido apresentadas para assinatura pelo acusado Wolfgang Ecker às duas testemunhas Lanz e Haberfellner. Lanz e Haberfellner pensaram que estes fundos serviriam exclusivamente para a exploração da «Gustoland». A conta na qual foram creditados em total 800.000, — Xelings (de Lanz e Haberfellner) era uma conta privada de Wolfgang Ecker. Se bem esta conta tivesse a denominação adicional Haberfellner-Lanz o certo é que s6 Wolfgang Ecker tinha o direito de assinatura. Seguidamente, o acusado Ecker transferiu o montante de 800.000, — Xelins em várias partes para outras contas no seu dispor e finalmente levantou seus montantes em dinheiro. Até a presente data não se sabe onde ficaram estes fundos. Justificação da suspeita de crime: A suspeita de crime exprimido em I.) 3.) tem por base as informações das testemunhas Gerhard Lanz e Walter Haberfellner assim como os documentos de contas bancárias confiscados dos quais se podem retraçar os fluxos dos pagamentos. II) Quanto à suspeita de gestão fraudulenta 364 R.T.J. — 155 Já a 31-12-1990 a fuma E+P era endividado em excesso, e em novembro de 1991 era insolvente. Na base de operações de aço simuladas com as empresas coreanas Samsung, Je II Steel e Han Kuk Steel a E+P recebeu em duas das suas contas o crédito de três pagamentos parciais no valor total de cerca de 1,5 milhões U$-Dólares. Estes fundos serviram em parte para liquidar dívidas. No período entre 11-3- até 22-4-1992 a firma E+P transferiu U$-Dólares no valor de 7,9 milhões de Xelins à firma Sidermetal Limited em Rio de Janeiro para a conta desta junto ao Banco Albis em Zurique. A firma Sidermetal é uma empresa comercial com sede no Rio de Janeiro. A E+P teria tido participação no capital da Sidermetal. A 22-1-1992 a firma E+P transfere 90.768,79 U$-Dólares a Luiz Mesquita, o gerente da firma Sidermetal. Estas transferências não se justificam por nenhuma transação jurídica. É, pois, de supor que os referidos montantes no valor total de cerca de 9 milhões de Xelins foram, pelos acusados Ecker e Leitner, retirados no propósito de impossibilitar aos seus credores de os captar. Justificação da suspeita de crime: As respectivas transferências de fundos evidenciam-se na base dos extratos de conta e documentos encontrados, assim como dos pareceres do perito baseados nos mesmos. Antigos empregados da E+P declararam como testemunhas que a E+P teria tido participações na firma Sidermetal. Além disso teria sido encontrado papel de carta em branco da firma Sidermetal nos escritórios da E+P em Linz. Outro antigo empregado da E+P informou como testemunha que para manutenção dos escritórios da fuma Sidermetal teriam sido transferidos pela E+P regularmente, fundos no montante de vários milhares de U$-Dólares. Nos anos 1991 e 1992 foram assim pagos à Sidermetal, adicionalmente aos montantes acima mencionados, cerca de 1.458.000, Xelins. Quanto às razões de captura Perigo de fuga Os acusados Ecker e Leitner fugiram em abril (Hermann Leitner e em meados de maio Wolfgang Ecker) para o Brasil. O acusado Ecker dispõe pelo menos desde o outono de 1991 de um apartamento próprio no Rio de Janeiro. Mais, os dois acusados venderam dois carros, nomeadamente um Audio 90 e um BMW 535i à fuma Flag Commercial no Rio de Janeiro que seria propriedade do gerente da fuma Sidermetal, Luis Mesquita. Aquilo conduz a suspeitar que os carros foram enviados para o Brasil para poder ser utilizados pelos dois acusados. Além disso, Ecker e Leitner se criaram através da firma Sidermetal — na qual muito evidentemente têm participação — uma base econômica no Brasil. Destes factos se vê que os dois acusados fugiram por causa do processo penal daqui, muito especialmente por causa da grandeza da pena que provavelmente lhes espera e assim não fazem menção de regressar para a Áustria. Perigo de acção criminosa Dado que ao mais tardar em novembro de 1991 já era previsível para os participantes o retrocesso econômico, principalmente da firma E-FP, estes começaram aparentemente de cometer as acções criminosas das quais são acusa- R.T.J. — 155 dos. Considerando a altura das dívidas de vários milhões de Xelins, causados com a exploração da firma E+P, existe o perigo de que os acusados Ecker e Ldtaer encontrando-se em liberdade e não obstante o processo penal em curso contra eles, cometerem novas acções contra o patrimônio de terceiros, causando grandes prejuízos. Existe este perigo porque os acusados têm cometido durante um período bastante grande delitos contra a propriedade os quais foram evidentemente bem preparados e executados muito sistematicamente. Quanto à prescrição 365 Cifra 1: utilizar um documento falso ou falsificado ... deve ser punido com pena privativa de liberdade de até três anos. Parágrafo 3°: Quem, por acção, provocar um dano excedendo 500.000, — Xelins deve ser punido com pena privativa de liberdade de um a dez anos. II) Artigo 156 — Gestão fraudulenta: Parágrafo 1°: Quem dissimular, puser de parte, vender ou danificar um componente dos seus bens, fingir ou aceitar um compromisso não existente, ou de alguma outra maneira diminuir seus bens realmente ou para disfarçar e assim impossibilitar ou diminuir a satisfação dos seus credores ou pelos menos um deles, deve ser punido com pena privativa de liberdade de seis meses até cinco anos. Parágrafo 2°: Quem, por acção, provocar um dano excedendo 500.000, — Xelins deve ser punido com pena privativa de liberdade de um a dez anos. Tribunal Regional de Linz, Secção 21 a 19 de abril de 1993. Dr. Rainer Schopper (Juiz do Tribunal Regional) Com referência ao juramento prestado por mim confirmo que a presente tradução corresponde exactamente ao texto original. Unter Bezugnahme me den von mir gdeisteten Eid bestatige kis die genaue überdnalinunung der übersetztuag mit dem Originai. Todos os crimes imputados aos acusados (fraude e gestão fraudulenta) provocaram urn prejuízo demais de 500.000, —Xelins cada. A pena para estes crimes é, pois, de um até dez anos. A prescrição é de dez anos a partir da data onde tem lugar o prejuízo (isto era em abril 1992). Dado, no entanto, que desde 5-8-1992 está pendente um processo penal contra Wolfgang Ecker e Hermann Leitner no tribunal, o decorrer do prazo da prescrição é interrompido. As determinações do Código Penal austríaco são do seguinte teor: 1.) Artigo 146 — Fraude Quem, com o propósito de enriquecer ilegitimamente a si ou a terceiros devido à acção do fraudado, e quem através de falsificação de factos conduzir alguém a uma acção, tolerância ou omissão, causando um dano aos bens deste ou de um terceiro, deve ser punido com pena de privação de liberdade de até seis meses ou com uma multa de até St. Marienkircben, 26-4-1993. 360 taxas diárias, as.) Christa Uhde.» Artigo 147 — Fraude grave 1.6. Cópias das mesmas peças e dos Parágrafo 1°: Quem cometer uma frau- originais em ademão se encontram às fls. de e para o engano: 21/186. Tudo devidamente autenticado e 366 R.T.J. — 155 com firmas reconhecidas pelas autoridades competentes. Documentação complementar foi trazida às fls. 360/426, também autenticada e reconhecida. O parecer do Ministério Público Federal, referido, por ementa, no relatório, na íntegra assim se exarou (fls. 344/352): «1. O Governo da Áustria, prometendo reciprocidade, pede a extradição de seus nacionais Wolfgang Ecker e Hermann Leitner, acusados naquele país da prática dos crimes de fraude (betrug), fraude grave (schwerer 1wtrug) e gestão fraudulenta (betrügeris- che Krida). 2. Os extraditandos criaram duas empresas E+P Consulting & Trading Ges.m.b.H e E+P Vertrielbs Ges.m.b.H., utilizando-as como fachada para a prática de vários golpes lesivos ao patrimônio de terceiros, mediante ardil, fraude e falsificação. A primeira empresa teve sua falência declarada em 12-6-92 e a segunda em 8-7-92. Narra o pedido que os extraditandos: (1) falsificaram conhecimentos de transporte para receber o pagamento de mercadorias vendidas às empresas Sansung, Je 11 Steel e Han Kuk Steel, sendo que essas mercadorias nunca foram embarcadas e nem poderiam sê-lo, pois sequer constavam do estoque das empresas dos acusados. Aquelas empresas foram lesadas em mais de 1,5 milhões de dólares americanos (fatos ocorridos em março/abril de 1992); (2) falsificaram extratos bancários para tentar comprovar a quitação de dívida de 400.000,00 marcos alemães com a firma Zelezamy Veseli, referente a mercadorias compradas e não pagas, e ainda para tentar obter a entrega de mais mercadorias no valor de 1,2 milhões de xelins austríacos; (3) lesaram Gerhard Lanz e Walter Haberfellner, de quem eram, sócios, em 800.000,00 xelins austríacos, mediante a transferência dessa quantia para a conta pessoal de Wolfgang Ecker, utilizando-se de ardil para iludir as vítimas quanto à real destinação do dinheiro; (4) finalmente, fraudando os credores, utilizaram parte do produto dessas ações ilícitas para quitar dívidas da empresa E+P Consulting & Trading e, no período de 11 de março a 22 de abril de 1992, remeteram 7,9 milhões de xelins austríacos à firma Sidermetal Limited, com serie no Rio de Janeiro, que teria participação acionária da E+P g. Em 22- 11 - 92 Consulting & Trading. foram transferidos mais U$ 90.768,79 para Luiz Mesquita, gerente da Sidermetal. Consta do mandado de prisão que essas transferências sem suporte em qualquer transação comercial licita, foram efetuadas com o propósito de fraudar os credores das empresas falidas. Interrogatórios às fls. 221 e 228. Os advogados constituídos insurgem-se contra a limitação imposta à atuação defensiva pelo art. 85, § 12, da Lei n2 6.815/80 e atacam a ordem de prisão expedida pela Justiça estrangeira. Dizem que o decreto, além de destituído de fundamentação, não preenche os pressupostos exigidos pela lei processual penal brasileira para a custódia preventiva. 5. Não se pode dar guarida à alegação de incompatibilidade entre o art. 85, § 1 9, da Lei n9 6.815/80 e o art. 59, LV, da Constituição Federal, por suposta violação ao princípio da ampla defesa. É o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal na Extradição n9 396, sendo relator o eminente Ministro Moreira Alves: «Extradição. A enumeração contida no § do artigo 59 da Lei n9 r R.TJ. — 155 6.815/80 se prende à natureza do pedido de extradição, e não ofende o preceito constitucional da ampla defesa (§ 15 do artigo 153 da Constituição Federal).» (RTJ 105 (1): 3, jul. 83). Cabe ressaltar que o Brasil filia-se ao «sistema belga», ou «misto», no qual «o papel reservado à autoridade judiciária se limita â aferição da regularidade extrínseca do pedido de extradição, sem penetrar no exame de mérito sobre a procedência, à luz das provas, da acusação formulada no Estado requerente contra o extraditando» (voto do Min. Sepúlveda Pertence na Extradição n2 541, RTJ, 145 (2): 447, ago. 93). «A extradição deve conciliar os direitos de soberania do país que entrega o criminoso, com os seus deveres internacionais. Sob este ponto de vista a legislação belga é, mais que qualquer outra, a coordenação destes dois interesses» (A Prim. Ciência Penal e Direito Positivo. Lisboa, Livraria Clássica, 1915, pág. 75) Observa o Min. Celso de Mello que a «ratio subjacente a esse entendimento deriva, fundamentalmente, da essencial necessidade de respeitar a soberania da Justiça do Estado requerente» (voto na Extradição n2 549, RTJ 141 (2): 402, ago. 92), tudo como decorrência dos princípios que o Brasil adota nas suas relações internacionais, notadamente o princípio da soberania dos Estados (art. 42 e incisos, da Constituição Federal). Portanto, partindo da premissa de que a extradição aparece como uma relação entre governos de nações soberanas (José Francisco Rezek. Perspectiva do Regime Jurídico da Extradição. In: Estudos de Direito Público em Homenagem a Aliomar Baleeiro, Brasília, UnB, 1976, pág. 237), a adoção do «sistema 367 belga» surge como derivação necessária da ordem constitucional, devendo, por isso, ser evitada toda intromissão na jurisdição estrangeira. Em resumo, a Justiça brasileira limita-se a proferir um juízo sobre a admissibilidade da extradição, relegando-se o exame do mérito da ação penal à Justiça do Estado requerente. Tal quadro não representa atentado ao direito de defesa, pois esta será exercida, em toda a sua amplitude perante a Justiça estrangeira. E a lei brasileira não é indiferente à observância do dite process of Law na jurisdição alienígena: o art. 77, VIII, da Lei n2 6.815/80, prevê que a extradição s6 será admitida quando assegurado ao extraditando em julgamento imparcial perante tribunal independente e regularmente constituído (fair Além disso, cumpre referir que aJustiça brasileira julga o pedido de extradição, e não o extraditando: em harmonia com o sistema que perfilhou, a lei extradicional brasileira está preordenada a regular um processo de controle jurisdicional, cujo objeto — na feliz expressão de Lanontey (op. cit. pág. 95), é o pedido de extradição, não, o extraditando: 'C'est Ia demande d'eatra- dition qui est jugée, non l'individu réciamé». (Voto do Ministro Sepdiveda Pertence na Extradição n2 541, RTJ 145 (2): 447, ago. 93) 6. Por isso, a defesa do extraditando deve se conter nos limites do artigo 85, § 12, da Lei n2 6.815/80. Assim, conforme iterativa jurisprudência, o processo de extradição não comporta juízo sobre a suficiência dos elementos de convicção em que se baseou a Justiça do Esta- 368 R.T.J. —155 do estrangeiro para iniciar a ação penal e para decretar a prisão preventiva do extraditando: «O juízo de delibação, subjacente ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na apreciação da ação de extradição passiva, não confere poder algum a esta Corte Suprema para rever ou reexaminar os procedimentos judiciais instaurados perante o Estado estrangeiro, incluindo-se nessa vedação até mesmo a própria sentença penal condenatória deles resultante. Inexiste, portanto, no processo extradicional regido pelo ordenamento positivo brasileiro, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal emitir qualquer juízo de revisão» (Extradição n' 542, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 140 (2): 436, maio 1992). 7. Em segundo lugar, não prospera a alegação de que a prisão preventiva «não se funda na prova da existência de crime algum, mas em meras suspeitas», querendo a defesa fazer crer que o decreto respectivo, se não é fruto de um mero juízo hipotético, está, no mínimo, fundado em indícios remotos. Essa não é a conclusão que se extrai da leitura do provimento da Justiça austríaca. O mandado de prisão não se ressente das deficiências apontadas pela defesa, porquanto, seguindo o sistema alemão, já contém em si mesmo as razões da decretação da prisão preventiva, estando assim devidamente fundamentado, narrando os fatos delituosos, trazendo os dados necessários à prova de sua materialidade e à constatação dos indícios suficientes de autoria, bem como indicando como motivos para a prisão a fuga dos acusados e o temor da reprodução das ações delituosas, circunstâncias que, também de acordo com o ordena- mento doméstico, justificam a medida constritiva, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação de lei penal. É certo que o magistrado estrangeiro emprega a expressão «suspeita» (verdacht), mas somente em relação à autoria e não no que diz respeito à existência do crime, pois a materialidade é incontroversa. E a expressão «suspeito de autoria», além de não poder ser interpretada isoladamente, destacada do contexto, não mostra incompatibilidade com a cláusula brasileira dos «indícios suficientes de autoria», pois a tanto equivale dizer que, embora não havendo certeza da autoria, o grau de suspeita, o juízo de probabilidade da condenação, autoriza a medida cautelar. Não se deve compreender a fórmula estrangeira corna indicativa da insuficiência dos indícios da autoria, a caracterizar arbitrariedade da prisão. Muito certamente o juiz estrangeiro, em homenagem ao princípio da presunção de inocência, procurou lançar mão de fundamentação e de expressões que não importassem em prejulgamento da causa. 8. Por outro lado, deve-se ter como satisfeito o princípio da dupla incriminação não sendo demasia lembrar que o princípio da dupla incriminação não reclama identidade dos tipos penais dos dois Estados mas, apenas, que o fato descrito seja considerado típico pelos ordenamentos respectivos, como observado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence em voto na Extradição 521: «Ora, para a extradição, não se reclama a identidade de imputado juris, nos dois ordenamentos em cotejo; o que se pede, no requisito da dupla incriminação, é que o fato imputado seja crime em ambos os orde- R.T.J. — 155 namentos, ainda que crimes diferentes.» (RTJ 133 (3): 1097 set. 1990) As condutas descritas são penalmente relevantes segundo a lei penal brasileira e os tipos alienígenas guardam correspondência com os delitos de falsidade, estelionato e falência fraudulenta. O art. 146 do Código Penal austríaco corresponde ao nosso estelionato, enquanto que o art. 147 é figura qualificada, que sanciona o estelionato cometido com o uso de documento falso, englobando em um só tipo, crimes que aqui seriam considerados conto praticados em concurso formal (estelionato mais falsidade). Imprescindível se faz, portanto, que o fato seja típico tanto no Brasil como no estrangeiro (id est nas leis penais do país requerente). A qualificação do crime, ou grau e espécie da respectiva sanção, não importa para o caso» (José Frederico Marques. Tratado de Direito Penal. 2' ed. São Paulo, Saraiva, 1964, v. 1, pág. 337) «Trata-se à evidência, da modalidade de estelionato conhecida como a dos 'laranjeiras' em que se especializam indivíduos de alta temibilidade em crimes contra o patrimônio. É um estelionato com caprichada guise en seéne, a criação de firmas fantásticas, somente com o propósito de iludir e manterem em erro as vítimas. Necessariamente, para a constituição das fumas há que criar os documentos falsos, usá-los, emitir títulos falsos, descontá-los, comprar a prazo e vender à vista, de modo a culminar num processo falimentar de bancarrota» (voto do saudoso Ministro Cordeiro Guerra no RHC 11257.542-SP) Nem se diga que o estelionato anterior à falência é absorvido pelo crime falimentar, pois a hipótese é de concurso de delitos, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. 369 Nesse sentido o RE ng 105.204-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, RHC 58.771RJ, rel. Min. Leitão de Abreu e o RHC ng 57.542-SP, rel. Min. Cordeiro Guerra, lendo-se ementa deste último: «Crimes sucessivos, de falso e estelionato. Crime progressivo não caracterizado. Compatibilidade dos crimes autónomos anteriores à falência e os crimes falimentares próprios, que não absorvem os primeiros — art. 192 da Lei Falimentar.» (RTJ 93 (1): 135, jul. 1980). Também não cabe cogitar de prescrição da pretensão punitiva. O delito de fraude da lei austríaca prescreve em 10 anos, enquanto que o prazo prescricional para o estelionato, segundo a nossa lei, é de doze anos. Quanto aos crimes falimentares o Código Penal austríaco prevê um prazo de prescrição de 10 anos. No Brasil, segundo a Súmula 147, a prescrição só ocorrerá quatro anos após a abertura do processo falimentar, e isso se, após encerrada a falência, não se verificar qualquer das causas interruptivas do art. 117 do Código Penal (Súmula 592). Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina pelo deferimento do pedido. Brasília, 7 de abril de 1994 as.) Edson Oliveira de Almeida Subprocurador-Geral da República em exercício Subscrevo: as.) Aristides Junqueira Alvarenga Procurador-Geral da República 4. Em face da documentação trazida para os autos pelo Governo requerente, por via diplomática, e do parecer do Ministério Público Federal, cuja fundamentação ado- 370 R.T.J. — 155 to, considero improcedentes, data venia, as alegações da douta defesa. 5. Por todas essas razões, tendo havido, por parte do governo requerente, promessa de reciprocidade (art. 76), bem como de observância do art. 91, e estando satisfeitos os requisitos do art. 80 e seus parágrafos, todos da Lei n2 6.815, de 19-8-1980, modificada pela Lei n2 6.964, de 9-12-1981, defiro o pedido de extradição. EXTRATO DA ATA Extr. 600 — República da Áustria — Rel.: Min. Sydney Sanches. Reqte.: Governo da Áustria. Extndo.: Wolfgang Ecker (Adv.: Marcus Otávio Menezes Pires). Extndo.: Herman Leitner (Adva.: Maria Tereza Donatti). Decisão: Por votação unânime, o Tribunal deferiu o pedido de extradição. Votou o Presidente. Falou, pelos extraditandos, o Dr. Marcus Otávio Menezes. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Octavio Gallotti, Presidente. Presidiu o julgamento o Ministro Moreira Alves. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Paulo Brossard e Celso de Mello. Vice-ProcuradorGeral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 11 de maio de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. EXTRADIÇÃO N9 604 — REINO DA ESPANHA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro limar Galvão Requerente: Reino da Espanha — Extraditandos: Antonio Tejada Blazquez e Juan José Gil Rarnirez Extradição. Suspensão do processo quanto ao estrangeiro foragido. Crime de tentativa de homicídio. Formalização extemporânea do pedido. Defesa baseada na nulidade da decretação da revelia e na negativa de autoria Impertinência. A extradição não tem prosseguimento com relação ao estrangeiro não-capturado e não colocado à disposição do Supremo Tribunal Federal (art. 208 do RISTE). A formalização do pedido de extradição, mesmo que em destempo, mas ocorrida enquanto ainda preso o estrangeiro, é de reputar-se irregularidade superada, não prejudicando, portanto, a sua tramitação. O processo de extradição não comporta defesa baseada em questões relativas à nulidade da decretação da revelia e à negativa de autoria, que devem ser discutidas perante a Justiça do Estado requerente. Se as provas documentais revelam a participação do extraditando, a R.T.J. — 155 371 sua veracidade, ou não, constitui controvérsia afeta ao próprio mérito daperseculio crisninis que não pode ser debatida no juízo da extradição. Ausentes causas impeditivas e configurados os requisitos legais, defere-se a extradição. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquignfficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de extradição quanto a Antonio Tejada Blazquez, e suspender o processo em relação a Juan José Gil Ramirez. Brasília, 5 de maio de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente — Ilmar Gaivão, Re!ator. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): O Senhor Ministro de Estado da Justiça encaminha, através do Aviso datado de 25-11-93, o pedido de extradição, formulado pelo Reino da Espanha, dos seus $ditos Antonio Tejada Blazquez e Juan José Gil Ramirez, ambos processados perante o Juizado de Instrução de Barcelona, que lhes decretou prisão provisória, por suspeita de envolvimento no crime de «assassinato em grau de frustração», ocorrido em 5-11-86, tendo como vítima Julian dei Valle Gonzalez. O pedido, fundado em Tratado, veio instruído com cópias dos originais, com tradução oficial, da decisão judicial constritiva e da sentença condenatória de coréus, bem como dos textos legais relativos ao crime, pena e regime de prescrição (fls. 17/37). No que se refere aos extraditandos, a peça judicial contém imputação de crime assim deduzida, verbis (fls. 18/20): «Do até agora autuado no presente Sumário aparecem indícios, aos meros efeitos de processamento, de que como conseqüência dos desacordos e desavenças surgidos entre José Julian dei Valle Gonzalez, presidente da Federação Catalã de Boxe, e Antonio Tejada Blazquez, promotor de seções do dito esporte, em relação à gestão federativa do primeiro, tendente a impedir irregularidades na prática do boxe profissional, o citado Antonio Tejada Blazquez concebeu a idéia de eliminar fisicamente a José Julian del Valle, para o qual contratou mediante preço de 100.000 pesetas a Juan José Gil Ramirez — quem anteriormente lhe havia prestado serviços de proteção — a fim de que se encarregasse materialmente de tal eliminação. Para isso, Juan José Gil Ramirez por sua vez procurou a ajuda de Antonio GaRardo Cruz a quem entregou 25.000 pesetas adiantadas e com quem, prévio obter dados do referido Del Valle que lhes facilitou Antonio Tejada Blazquez. Puseram-se durante vários dias nas proximidades do domicílio daquele até que na noite do dia 4 de outubro de 1986, aproximadamente às 23 horas, quando José Julian dei Valle, acompanhado do seu filho Alexis, de 12 anos, deixava estacionado seu veículo na garagem onde habitualmente o fazia, entraram nela, manejando Antonio Gale lardo Cruz uma navalha multiuso que lhe havia entregado o outro para este trabalho, e Juan José Gil Ramirez um facão, golpeando o primeiro, de surpresa, a José Julian dei Valle com uma primeira facada no hemotórax esquerdo, para fugir ato seguido, enquanto Juan 372 R.T.J. — 155 José Gil Ramirez golpeava a aquele outras —em diferentes partes de ambos hemotóraxes — e ainda mais quando, caído Del Valle no chão, depois de haver iniciado a fuga, Gil voltou sobre seus passos para assegurar a ação. Como resultado de tudo isso, Del Valle sofreu onze feridas por arma branca penetrante em ambos hemotóraxes, com fratura da 72 costela esquerda e hemotórax bilateral, e também em braços e costas, as quais não obstante sua gravidade, não determinaram sua morte ao ser transladado a um centro hospitalar próximo e receber adequada atenção em unidade de cuidados intensivos, que continua na atualidade em regime ambulatório. Com o fim de facilitar a fuga e saída do país dos agressores e de Antonio Tejada Blazquez — que em dias imediatos se transladou a Perpignan — o filho deste, Antonio Tejeda Calvo, e seu genro Enrique Fuentes Clemente, procuraram a obtenção de documentação e dinheiro suficientes para que viajassem a país do qual não pudessem ser extraditados, e a tal efeito, através de sucessivos deslocamentos de Juan Tortosa Navarro entre Barcelona e Perpignan e outras cidades francesas — conhecendo os fatos e a participação dos demais, ao efetua-los lhes fizeram chegar tal auxílio. Fundamentos de Direito Os fatos descritos revestem os caracteres do delito que se dirá e do até agora autuado aparecem indícios racionais de criminalidade contra pessoas determinadas, pelo que é procedente, em conformidade com o disposto nos artigos 384 e concordantes da Lei de Enjuizamento Criminal, declará-las processadas. Ao efetuar-se a imputação delitiva em que consiste o processamento é igualmente procedente, em conformidade com o disposto no artigo 299 da citada Lei, adotar as medidas cautelares pertinentes para assegurar as pessoas dos processados e suas responsabilidades civis, tendo em conta o previsto nos artigos 503 e 504 da repetida Lei e a natureza do delito e suas conseqüências danosas. S. S2 Resolve: se declara processados como suspeitos responsáveis em conceito de autores a Antonio Tejada Blazquez, casado, nascido em 10-5-33, natural de Becedas (Ávila), filho de Fernando e de Luisa, Antonio Gallardo Cruz, DM (Documento Nacional de Identidade) n2 07.477.101, solteiro, nascido em 14-5-58, natural de Villanueva Del Rio (Sevilha), filho de An- tonio e de Inocencia, Juan José Gil Ramirez, nascido em 15 - 6 - 58, natural de Lucena (Córdoba), filho de Antonio e de Rafada; como suspeitos responsáveis no conceito de encobridores. Antonio Tejeda Calvo, DNI 37.742.881, casado, nascido em 9-6-63, natural de Barcelona, filho de Antonio e de Antonia, Enrique Fuentes Clemente, DNI n2 37.360.751, casado, nascido em 22-5-48, natural de Barcelona, filho de Andres e de Josefa e Juan Tortosa Navarro, DNI 37.847.974, casado, nascido em 2 - 10 - 36, natural de Barcelona, filho de José e de Maria, de um delito de assassinato frustrado tipificado nos artigos n2 406-12 e 4g , n2 3 e n° 5I do Código Penal vigente, e com quem se entenderão as sucessivas diligências no modo e forma que determina a lei. Que se lhes notifique esta resolução, prévia informação de seus direitos. Que se lhes receba declaração indagatória para o que se sinala o dia de hoje às 15:30 horas no Centro Penitenciário de Homens desta capital, e aportem-se no seu caso, os antecedentes penais, certi- -r R.T.J. — 155 dão de nascimento e informe de conduta de cada um deles. Se concordam as medidas cautelares seguintes: decretar a prisão provisória sem fiança na forma já concordada, que expressamente se ratifica a cujo efeito se expedirão os oportunos mandamentos e para cuja efetividade, achando-se Antonio Tejada Blazquez e Juan José Gil Ramirez no estrangeiro, se expedirá através da Chefatura Superior de Polícia de Barcelona e de INTERPOL, ordem de busca e captura. requerer-lhes para que no prazo de vinte e quatro horas prestem fiança conjunta e solidária na quantia de dez milhões de pesetas (10.000.000), em que se calcula a quantia das responsabilidades civis, e em caso de não presta-la atue-se conforme ao legalmente previsto.» Decretada a prisão preventiva de ambos os extraditandos (Apenso, fl. 51), a de Antonio Tejada Blazquez foi cumprida em 4-11-93 (fls. 66/67), não se tendo notícia de que o mesmo tenha ocorrido em relação a Juan José Gil Ramirez. O primeiro extraditando foi interrogado às fls. 47/48, tendo na ocasião esclarecido que, embora inverídicas as imputações que lhe eram feitas, conhecia os fatos narrados nos autos, aduzindo que sua vinda ao Brasil estava relacionada a negócios, não havendo retornado à Espanha em face dos conselhos de seu advogado e da preocupação manifestada por familiares que, inclusive, foram acusados de participação no episódio delitivo. Na defesa escrita, juntada às fls. 51/54, o defensor constituído sustenta, em síntese, a decadência do direito de extradição, por parte do Reino da Espanha, já que formalizado o pedido após o prazo fixado no Tra- 373 tado de Extradição celebrado pelos dois países. Aduz que o processo-crime padece de nulidade, por haver se desenvolvido à revelia do extraditando, inexistindo, por outro lado, qualquer prova da participação que se lhe imputa. Conclui por assinalar a ocorrência da prescrição, em face da legislação espanhola, como impeditivo ao deferimento do pedido. A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do ilustre SubprocuradorGeral Édson Oliveira de Almeida, aprovado pelo eminente Procurador-Geral da República Aristides Junqueira, manifesta-se pelo deferimento do pedido, nos seguintes termos (fls. 62/67): «É certo que o art. XII do Tratado, discordando da Lei n2 6.815/80, determina, uma vez que a prisão preventiva anteceda ao pedido de extradição, que esta deverá ser formalizada no prazo de oitenta dias partir da solicitação da prisão. No caso, o pedido de prisão preventiva deu entrada em 25 de agosto de 1993, expirando-se o prazo em 12 de novembro do mesmo ano, sem que se seguisse o pedido formal de extradição (informação da Diretora da Divisão de Processos Originários, fl. 70). Mas o excesso de prazo, ao contrário do que pretende a defesa, tem como única conseqüência a expedição de alvará de soltura, sem que isso signifique «ter perdido o Estado requerente a oportunidade de obter a extradição» avulta Fraga. O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado. l a ed. Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 329). Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como exemplifica o acórdão da Extradição e 562, relatado pelo eminente Ministro Paulo Brossard: «a eventual inobservância desse prazo não prejudica o pedido de extradição» (TU 26-6-93, pág. 12638). 374 RT.J. — 155 Contudo, no caso concreto, antes que o extraditando fosse colocado em liberdade por excesso de prazo, deu entrada na Corte o pedido formal de extradição. Tais as circunstâncias, alterado o título da prisão, já agora decorrente do pedido definitivo, «extraditando, se não chegou a ser posto em liberdade, é mantido preso até o final do julgamento» (Yussef Said Cahali. Estatuto do Estrangeiro. São Paulo, Saraiva, 1983, pág. 367). A jurisprudência, a respeito, é pacífica: HC n2 68.840-DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 14 - 2 - 92; HC n2 68.684-DF, rel Min. Célio Borja, DJ 30-8-91; HC n2 63.798-RJ, rel. Min. Rafael Mayer, DJ 30-5-86, pág. 9275; HC n2 62.407-MG, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 19-12-84, pág. 21916, apenas para citar os arestos mais recentes. Tampouco operou-se a prescrição, porquanto o fato criminoso, cujos preparativos datam de setembro de 1986, deu-se em 5 de outubro do mesmo ano. Para o delito de homicídio qualificado (asesinato, considerado o tipo de tentativa imputada ao extraditando segundo a lei alienígena (delito frustrado, Código Penal espanhol, art. 32), é prevista em abstrato a pena de reclusão maior no grau médio (Código Penal espanhol, art 406 c.c. o art 51), que corresponde ao prazo de vinte anos para prescrição da pretensão punitiva (art. 113), interrompido pelo «auto de processamento» datado de 3-2-87 (art. 114). De acordo com a legislação doméstica o prazo de prescrição em abstrato é 109, I, de vinte anos (artigos 121, § e 14, parágrafo único, combinados, do Código Penal), também interrompido em 3-2-87 (art. 117, I e II). r, Por outro lado, a defesa do extraditando deve se conter nos limites do artigo 85, § r, da Lei n2 6.815/80. Assim, o processo de extradição não comporta juízo sobre a suficiência dos elementos de convicção em que se baseou a Justiça do Estado estrangeiro para iniciar a ação penal e decretar a prisão preventiva do extraditando: «O juízo de delibação, subjacente ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na apreciação da ação de extradição passiva, não confere poder algum a esta Corte Suprema para rever ou reexaminar os procedimentos judiciais instaurados perante o estado estrangeiro, incluindo-se nessa vedação até mesmo a própria sentença penal condenatória deles resultante. Inexiste, portanto, no processo extradicional regido pelo ordenamento positivo brasileiro, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal emitir qualquer juízo de revisão» (Extradição n2 542, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 140(2):436, maio 1992).» Cabe lembrar que o Brasil filia-se ao «sistema belga», ou «misto», no qual «o papel reservado à autoridade judiciária se limita à aferição da regularidade extrínseca do pedido de extradição, sem penetrar no exame de mérito sobre a procedência, à luz das provas, da acusação formulada no Estado requerente contra o extraditando» (voto do Min. Sepúlveda Pertence, na Extradição n2 541, RTJ 145(2): 447, ago.93). Observa o Min. Celso de Mello que a «ratio subjacente a esse entendimento deriva, fundamentalmente, da essencial necessidade de respeitar a soberania da Justiça do Estado requerente» (voto na Extradição 549, RTJ 141(2):402, ago 92), tudo como decorrência dos princí- R.T.J. — 155 pios que o Brasil adota nas suas relações internacionais, notadamente o princípio da soberania dos Estados (art. 42 e incisos da Constituição Federal). Por isso, as conjecturas defensivas em torno da insuficiência do conjunto probatório, notadamente quanto à autoria, desbordam dos limites estabelecidos pelo art. 85, 1 2, da Lei n2 6.815/80: <<A defesa do extraditando sofre, no processo extradicional, limitações de ordem material, eis que — não podendo ingressar na análise dos pressupostos da persecutio criminis instaurada no Estado requerente — somente poderão versar os temas concernentes à identidade da pessoa reclamada, à existência de vícios formais nos documentos apresentados ou à ilegalidade da própria extradição.» (Extradição n2 549-EUA, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 141(2):397, agosto 1992).» De qualquer modo, o próprio extraditando, no interrogatório, confirma que estava na Espanha na data dos fatos delituosos, «tendo chegado no Brasil aproximadamente três meses após aquela data» (fl. 47). Finalmente, cabe salientar que o pedido está instruído com documentação necessária, inclusive cópia do mandado de prisão expedido por juiz competente. Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina pelo deferimento do pedido.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): O pedido fundamentou-se em ordem judicial de prisão, sendo imputada ao primeiro extraditando a autoria intelectual do crime de «assassinato em grau de frustra- 375 ção», com a ocorrência das «circunstâncias agravantes de preço e premeditação», contra Julian dei Valle Gonzales. O defensor constituído argumenta, preambularmente, que o Reino da Espanha decaiu do direito de obter a extradição, uma vez que formalizado fora do prazo de oitenta dias, contados do pedido de prisão preventiva, na forma estabelecida pelo art. XII do Tratado de Extradição fumado entre os dois países. Tal regra, de natureza convencional, que foi devidamente incorporada ao direito interno, através do Decreto n2 99.340/90, derroga, quanto à Espanha, a norma que estabelece, para a formalização do pedido de extradição, o prazo de noventa dias, a partir da efetivação da prisão (art. 82, § 22, da Lei n2 6.815/80). Não se pode olvidar que o Reino da Espanha se houve com retardo no procedimento, mas nem por isso está autorizada a conclusão adotada pela defesa, uma vez que a formalização sobreveio ao tempo em que ainda preso o súdito espanhol, tornando superada a irregularidade, sem repercussão, portanto, sobre a continuidade do processo (Ext n2 563, Relator Ministro limar Galeão). De resto, como bem refere o douto parecer, houve, de parte da defesa, a tentativa de questionar aspectos formais e materiais da própria perseratio criminis, sobre os quais de rilho discorrer num controle meramente formal de legalidade do pedido (Ext. n2 542, Relator Ministro Celso de Mello). A respeito da revelia, não fosse pelo motivo bastante de que seu exame extrapola os limites próprios ao processo de extradição, cabe lembrar, apenas para argumentar, que, ao menos em nosso sistema legal, o que anula o processo por cerceamento de defesa não é a revelia em si mesma, mas a 376 R.T.J. — 155 verificação de que estão ausentes os requisitos para sua decretação. Não é possível perder de vista que, na espécie, o extraditando, como por ele mesmo confessado, se pôs fora do alcance da Justiça de seu país, ao deixar de retornar para defender-se no processo, o que já é um motivo de relevância quando se examina o referido tema. Aliás, se o extraditando realmente se convence de que foram violadas as formalidades adotadas pela legislação espanhola, para que se decrete a revelia, deverá suscitar a nulidade perante o juiz da causa no Estado Requerente, de nada valendo antecipá-la como fundamento para uma eventual denegação do pedido extradicional. Sobre a negativa de autoria, o controle deixaria de ser meramente formal quando, diante da acusação feita na denúncia, se passasse a examinar alegação de sua inconsistência no plano da realidade material. Sob o aspecto estritamente formal, verifica-se que nenhum defeito apresentam os documentos que instruem o pedido, descrevendo a decisão judicial que decretou a prisão do extraditando a sua participação em fatos que, como circunstancialmente narrados, têm correspondência em nosso sistema penal (art. 121, § r, cic o art. 14, II, do CP). Com tal definição, o crime imputado não está alcançado pela prescrição, seja no Reino da Espanha, onde é regido pelo prazo vintenário (art. 406 c/c art. 113 do Código Penal); seja no Brasil, onde, mesmo computando-se a causa de diminuição em seu grau maior, a prescrição, por tratar-se de delito com pena abstrata máxima de trinta anos (art. 121, § 22), resulta fixada em nada menos do que dezesseis anos (art. 109, II, do CP). Ora, os fatos ocorreram no curso do ano de 1986, o que afasta, por completo, a possibilidade de prescrição, mesmo não se considerando qualquer causa interruptiva. Concluindo, Senhor Presidente, a extradição, no que se refere a Antonio Tejada Blazquez, é de ser deferida, já que não concorre causa impeditiva (art. 77 e 79), e contra ele foi decretada a prisão cautelar, por conduta, igualmente típica em nosso ordenamento jurídico, a qual, pela descrição detalhada de suas circunstâncias, ocorreu no território do Estado Requerente. Em relação a Juan José Gil Ramirez, por não haver sido concretizada a prisão, foi determinada a suspensão do processo, na forma do art. 208 do Regimento Interno desta Corte. Ante o exposto, meu voto é no sentido de que seja deferida, para o Reino da Espanha, a extradição de Antonio Tejada Blazquez. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o nobre Relator apontou que a circunstância de o pedido de extradição haver sido formalizado após o prazo assinado no Tratado mantido com o Reino de Espanha não é de molde a chegar-se ao indeferimento. Indicou S. Exa. o precedente do Plenário, na Extradição ng 563, da qual foi Relator. Não estou, agora, julgando um babas corpus em que atacada, em si, a prisão para efeito de extradição, mas o próprio pedido que foi formalizado. Assim, acompanho S.Exa., deferindo a extradição. EXTRATO DA ATA Ext. 604 — Reino da Espanha — Rel.: Min. limar Gaivão. Reqte.: Governo da Espanha Extndo.: Antonio Tejada Blazquez (Adv.: John Wellington Souza Armada). Extndo.: Juan José Gil Ramirez. R.T.J. — 155 Decisão: Por votação unânime, o Tribunal deferiu o pedido de extradição quanto a Antonio Tejada Blazquez, e suspendeu o processo em relação a Juan José Gil Ramirez. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, 377 Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezei Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasflia, 5 de maio de 1994 — Luiz Tombnatsu, Secretário. EXTRADIÇÃO N 606 — CONFEDERAÇÃO HELVÉTICA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Requerente: Governo da Suíça — Extraditando: Heiz Appenzeller Extradição. Imputações. Legislações. Simetria. A inexistência de simetria é conducente ao deferimento do pedido de extradição com restrições. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em deferir, em parte, o pedido de extradição, com a cláusula de não responder o Extraditando, relativamente aos crimes de abuso de confiança, violação de domicílio para apropriação de veículo e também pelo fato de ter alojado estrangeiro, empregando-o, sem estar em situação legalizada, vencido, em parte, o Ministro Francisco Rezek, que também deferia o pedido sem restrições. Brasília, 8 de junho de 1994 — Octalvio Gallotti, Presidente — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio — O pedido de extradição repousa em mandado de captura expedido por autoridade do Governo alienígena. Motivaram-no as impu- tações, ao Extraditando, dos seguintes crimes: furto (artigo 137 do Código de Processo Suíço); abuso de confiança (artigo 140 do Código de Processo Suíço); violação do domicílio (artigo 186 do Código de Processo Suíço); falsificação de documentos (artigo 251 do Código de Processo Suíço). Alude-se, mais, a infrações enquadráveis na legislação esparsa, como é o caso da apropriação de veículo para uso e da ajuda a estrangeiro para permanência no país. Com o Aviso de folha 2, vieram os documentos de folhas 3 a 20. Delegada competência à Justiça Federal da localidade em que recolhido o Extraditando — no Maranhão — isto para o interrogatório e o recebimento de defesa (artigos 210 e 211 do Regimento Interno desta Corte), deu-se 378 R.T.J. — 155 a formalização dos atos respectivos (folhas 30 e 31, 32 a 34). Na defesa, apontou-se que o interrogatório foi realizado tendo em conta os fatos ocorridos na Suíça e não os aspectos ligados ao processo de extradição. Daí, segundo o defensor, a nulidade do ato. Argumentou-se que o Extraditando é casado com brasileira há mais de cinco anos, tendo dois filhos. O atendimento do pleito ora formulado acabaria por implicar problema social. A partir de dispositivos pertinentes à expulsão, sustentou-se a inviabilidade de deferirse o pedido. Ressaltou-se, ainda, a precária situação do local em que se encontra detido o Extraditando — que, adequado para abrigar dois detentos, conta hoje com número elevado — dez. Alegou-se a enfermidade contraída, que teria resultado na perda parcial da audição, além de surgimento de micoses generalizadas, isto diante da ausência do chamado «banho de sol». Procedeu-se à juntada de peças. Às folhas 48 e 49 está petição em que solicitada a transferência do Extraditando para as dependências da Polícia Militar do Maranhão, por contar com escolaridade de nível superior. Despachei no sentido de serem os autos requisitados à Procuradoria-Geral da República. Examinados, concluí que o Extraditando não lograra provar a citada escolaridade. Por isso indeferi o pedido. Retornando os autos à Procuradoria, pronunciouse esta no sentido da concessão parcial da extradição, posto que, na espécie, de acordo com a narração constante do mandado de prisão, não estaria configurada a invasão de domicílio. O local teria sido adentrado objetivando o furto. Daí a absorção Consoante o ilustre Procurador Cláudio Lemos Fontelles em peça aprovada pelo Procurador-Geral da República, o lugar que fora invadido não está compreendido na definição de domicílio de que cuida o § 42 do artigo 150 de nosso Código Penal. Articulou-se também com o fato de nossa legislação não contemplar o crime de empregar estrangeiro em situação irregular, incidindo, assim, o inciso II do artigo 77 da Lei n9 6.815/80. Quanto à falsificação de documentos, disse da inexistência de narrativa da situação que a estaria a consubstanciar, colocando em plano secundário o depoimento do próprio extraditando. Recebi os presentes autos para exame em 12 de maio de 1994, liberando-os para julgamento no dia 20 imediato (folha 102). É o relatório. VOTO O St Ministro Marco Aurélio (Relator): Os temas empolgados na defesa de folhas 32 a 34 não têm a repercussão pretendida. O Extraditando foi interrogado na presença do respectivo defensor e pronunciou-se sobre o que consignado no mandado de prisão que serviu de base ao pedido inicial. Assim, não se pode cogitar de nulidade do interrogatório, sendo que, de qualquer maneira, a defesa não é precisa no que evoca a ausência de perguntas sobre :a extradição. Relativamente ao fato de estar casado há mais de cinco anos com brasileira, tendo filhos, impossível é pretender aplicar à hipótese o teor do artigo 65. Conforme esta Corte tem proclamado, o preceito deste último apenas tem pertinência aos casos que envolvam expulsão. Quanto às precárias situações do local em que se encontra, além da inexistência de prova do alegado, a matéria não é de molde a obstaculizar a extradição. Passo ao exame do pedido consideradas as objeções apontadas pela Procuradoria-Geral da República. Dos documentos acostados aos autos depreende-se que foi expedido mandado de prisão contra o Extraditando por autoridade competente do Governo da Suíça. Na peça R.T.J. — 155 reveladora do ato de constrição indica-se que o Extraditando era funcionário da Mercedes-Benz, atuando na qualidade de vendedor de automóveis. Estava ele autorizado a venda veículos da Empresa, mas não os depositados no local em que funcionava. Por outro lado, não tinha autorização oficial parai:tatuar no recinto. Entrementes, invadiu-o, fazendo-o contra a vontade dos responsáveis pela citada pessoa jurídica e apropriou-se dos veículos mencionados à folha 15, logrando, após, aliená-los, embolsar as quantias alcançadas. Já aqui constata-se que, na hipótese, afigura-se, quando menos, a apropriação de coisa alheia. Também é imputado ao Extraditando o fato de haver utilizado, de forma indevida, para a fuga, um veículo que lhe fora entregue para a prestação dos serviços. Até aqui não teríamos, em si, configurado tipo definido pela legislação pátria. Todavia, pesa sobre os ombros do Extraditando a acusação de o haver vendido, embolsando a quantia respectiva. Portanto, exsurge a simetria. Aludo-se, ainda, à circunstância de, em um certo período, haver alojado, no respectivo domicílio, unia cunhada de nacionalidade brasileira, empregando-a em tarefas domésticas, sem que possuísse a indispensável autorização. O fato não é, como assinalado no parecer da Procuradoria, tipificado em nossa legislação penal, incidindo o óbice do inciso 11 do artigo 77 da Lei n26.815/80. Relativamente à falsificação de documentos, é dado concluir-se que a imputação fez-se tendo em vista a alienação dos veículos. Logo, não subsiste o óbice constante do parecer. Na espécie, não se potencializa, em si, o que confessado pelo Extraditando quando do interrogatório, levando-se em conta tão-somente os fatos narrados no mandado e a impossibilidade deste mostrar-se minucioso. Na parte concernente à violação do domicílio, o SubprocuradorGeral da República, Dr. Cláudio Lemos Fontelles, salientou a ambigüidade da acu- 379 seção e a circunstância de não se poder equiparar o local adentrado a compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade. Esse aspecto estaria a afastar do âmbito da noção de domicílio, em face aos termos do § 42 do artigo 105 de nosso Código Penal, o que relatado. De todo modo, pesa contra o Extraditando a acusação de furto ; uma vez configurado este, tem-se a absorção do crime apontado como de invasão de domicílio. Procede, destarte, o que asseverado no parecer, no tocante à apropriação de veículo para uso, no próprio mandado de prisão reconhecese que o Extraditando detinha o automóvel mediante autorização do empregador. A circunstância de o haver utilizado de maneira indevida não configura, segundo os termos de nossa legislação penal, qualquer tipo. Por tudo, defiro o pedido de extradição com a cláusula de não vir o Extraditando a responder às imputações constantes do mandado de folhas 14 a 20, relativamente ao abuso de confiança, à violação de domicílio e à apropriação de veículo para uso e também ao fato de haver alojado estrangeira, empregando-a, sem que esta estivesse em situação legalizada. E como voto no caso vertente, cabendo observar que o Governo Requerente obriga-se a respeitar o que se contém no artigo 91 da Lei n2 6.815/80, considerando, ainda, em possível pena a ser imposta, o período em que o Extraditando esteve sob a custódia do Estado Brasileiro. É o meu voto. VOTO O Sr. Ministro Francisco R ezek : Acompanho o relator no deferimento da extradição mas não faço restrição alguma. Sou fiel à anterior jurisprudência do Supremo no sentido de evitar condicionar o processo penal no Estado de origem. 380 R.T.J. — 155 De modo que concedo também a extradição, mas sem as especificações que o relator determina. EXTRATO DA ATA Extr. 606 — Confederação Helvética — Rel.: Min. Marco Aurélio. Reqte.: Governo da Suíça. Extndo.: Heiz Appenzeller (Adv.: Dr. José de Alencar Macedo Alves). Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal deferiu, em parte, o pedido de extradição, com a cláusula de não responder o extraditando, relativamente aos crimes de abuso de confiança, violação de domicílio para apropriação de veículo e também pelo fato de ter alojado estrangeiro, empregando-o, sem estar legalizado, vencido, em parte, o Ministro Francisco Rezek, que também deferia o pedido, sem restrições. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Gaivão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Moreira Alves. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 8 de junho de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. EXTRADIÇÃO N2 617 — REPÚBLICA ITALIANA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira Requerente: Governo da Itália — Extraditando: Vincenzo Buondonno Extradição. Crime de tráfico internacional de entorpecentes. Despacho de «custódia cautelar em cárcere», de juiz italiano competente. 2. Tratado de Extradição entre Itália e Brasil de 17-10-1989, promulgado pelo Decreto n'2 863, de 9-7-1991 3. Decreto de prisão devidamente fundamentado, com ampla descrição dos fatos, não cabendo ao STF examinar a procedência ou não das acusações nele referidas contra o extraditando. 4. Dupla incriminação. 5. Prescrição inexistente, em face das leis penais italiana e brasileira. 6. Pedido de extradição suficientemente instruído. 7. Não é de examinar-se no julgamento fmal, alegação referente a inviabilidade do decreto de prisão preventiva para a extradição. 8. Extradição deferida. ACÓRDÃO Brasília, 5 de setembro de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente — Néri da Silveira, Relator. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, deferir o pedido de extradição. RELATÓRIO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): A Embaixada da Itália dirigiu-se ao Governo brasileiro, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, e, referin- R.TJ. — 155 do-se à sua Nota Verbal n° 32, de 1 2 de fevereiro de 1994, solicitou a prisão preventiva para fins de extradição do cidadão Vincenzo Buondonno, de nacionalidade italiana, nascido em Nápoles, a 30-8-56, em virtude de Ordem de Prisão n2 15.395/R/92 RGNR, n2 4.02483 A R.GIP e n2 404/93 RMS , emitida pelo Tribunal de Nápoles em 30-6-93, para o cumprimento de pena pelo crime de tráfico internacional de entorpecentes. A prisão preventiva para extradição de Vincenzo Buondonno, diante dos termos da Nota Verbal de fl. 4 e com base no Tratado existente entre Brasil e Itália, foi decretada, ut art. 81, do Estatuto do Estrangeiro, e à vista do que se decidiu na Questão de Ordem no Pedido de Extradição n2 4786. Efetivou-se a captura do extraditando, conforme telex do Departamento Federal de Policia Marítima, Aérea e de Fronteiras n2 1.331, de 17-3-94, à fl. 16. Encontra-se recolhido o extraditando à disposição do STF, na SR/DPF/RJ. O extraditando requereu, por intermédio de advogado constituído, alvará de soltura, «tendo em vista a insuficiência de instrução do pedido e o desatendimento das exigências impostas pelo artigo 80, do Estatuto do Estrangeiro, e considerando ainda que o suplicante tem endereço certo e sabido na cidade do Rio de Janeiro», está estabelecido comercialmente, tendo ainda dois filhos e mulher brasileiros. Indeferi o pedido ressaltando que, de acordo com o art. 84, parágrafo único, do Estatuto do Estrangeiro, não era possível atender ao que pleiteava o extraditando. Em 28 de abril de 1994, o Ministro da Justiça, mediante Aviso GME/Mf/n2 00537, encaminhou os documentos formalizadones do pedido de extradição do nacional italiano, Vincenzo Buondonno, remetidos pela Embaixada da Itália, por via diplomática, conforme Nota Verbal n2 146, de fl. 4. 381 Estando o pedido de extradição devidamente instruído e preso o extraditando em dependência da Superintendência da Policia Federal, no Rio de Janeiro, deleguei o interrogatório à Justiça Federal, no aludido Estado. O extraditando foi interrogado, na presença de seu defensor, com o teor de suas declarações às fls. 97/98. Em sua defesa de fls. 102/124, o advogado do extraditando, após relato da situação pessoal do extraditando, sustenta que «o pedido de extradição não se apóia em uma sentença condenatória, nem em um despacho fundamentado, como seria exigível para a hipótese da prisão preventiva», e que «o pedido formalizado pelo Governo da Itália, constituído de relato vago, genérico e impreciso não atende aos reclamos do artigo 80, da Lei n2 6.815/80». Acrescenta que, «no caso em tela, não há elementos descritos e fundamentos suficientes, que permitam lançar a suspeição de comportamento criminoso sobre o extraditando, a não ser declarações prestadas por pessoa não idônea, Sr. Frederico Guido, condenado pela Justiça Italiana, por tráfico de entorpecentes», e que «a gravidade do crime e a mera suspeita do comportamento criminoso não comprovado do extraditando não são suficientes parco decreto de sua prisão», resultando, portanto, que, também, «por este aspecto, o pedido de extradição é totalmente improcedente». Alega, ademais, que «o pedido de extradição veio precariamente instruído, apenas acompanhado — «no que concerne à lei brasileira (artigo 80, capai, da Lei n9 6.815/80) — de declarações levianas prestadas por mafloso já condenado naquela República Italiana, alegando que o extraditando teria se associado com terceiros, para a prática de ações executivas, como objetivo de importar para a Itália numerosa quantidade de cocaína, sem contudo trazer peavas conclu- RT.J. — 155 382 dentes de tal afirmação e nem tampouco trazendo «indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso».» Sustenta, ainda, que «são in tona improcedentes as declarações oferecidas pelo Sr. Frederico Guido, as quais levaram a Procuradoria de Nápoles a decretar a custódia cautelar em cárcere, do extraditando, ferindo frontalmente as exigências dos artigos 215 usque 224, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e, conseqüentemente, a Lei n9 6.815, de 19 de agosto de 1980, que rege a matéria de extradição, bem como o artigo 52, da Constituição Federal, até porque não houve sentença condenatória, pois nada ficou comprovado, tendo sido apenas informações prestadas por pessoa que tinha um relacionamento não com o extraditando, mas sim com seus familiares, que detinham uma vida pública política, conforme relato, à fl. 25, do referido decreto». A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer de fls. 191/197, opinou pelo deferimento do pedido de extradição. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): Em seu parecer, a Procuradoria-Geral da República examinou a espécie dos autos, nestes termos, às fls. 193/196: «6. A defesa do extraditando deve se conter nos limites do art. 85, § 1 2, da Lei n2 6.815/80 e art. 8 do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália. Assim, o processo de extradição não comporta juízo sobre a suficiência dos elementos de convicção em que se baseou a Justiça do Estado estrangeiro para iniciar a ação penal e decretar a prisão preventiva do extraditando: «O juízo de delibação, subjacente ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na apreciação da ação de extradição passiva, não confere poder algum a esta Corte Suprema para rever ou reexaminar os procedimentos judiciais instaurados perante o Estado estrangeiro, incluindo-se nessa vedação até mesmo a própria sentença penal condenatória deles resultante. Inexiste, portanto, no processo extradicional regido pelo ordenamento positivo brasileiro, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal emitir qualquer juizo de revisão» (Extradição n2 542, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 140(2):436, maio 1992). «A defesa do extraditando sofre, no processo extradicional, limitações de ordem material, eis que — não podendo ingressar na análise dos pressupostos da persecutio criminas instaurada no Estado requerente — somente poderão versar os temas concernentes à identidade da pessoa reclamada, à existência de vícios formais nos documentos apresentados ou à ilegalidade da própria extradição.» (Extradição n9 549-EUA, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 141(2):397, agosto de 1992). Nem tem sentido a alegação de perseguição política, pois trata-se de acusação por crime comum e não se vislumbra qualquer razão ponderável que autorize supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação no Estado requerente (art. 32, 1, f, do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália). Quanto ao decreto de prisão preventiva, tem-se que esse documento está devidamente fundamentado e atende aos do Tratado requisitos do art. 11, 12 e de Extradição, contendo narrativa sufi- r, R.T.J. — 155 ciente do fato e de sua qualificação jurídica, assim como os elementos necessários à determinação da identidade da pessoa reclamada, lendo-se que o extraditando, integrante de quadrilha voltada para o tráfico entre a América do Sul e a Europa, tentou introduzir em Nápoles dois quilogramas de cocaína comprada no Brasil, «não se tendo verificado o evento devido à apreensão da substância estupefaciente e da conseqüente prisão de Cogliati Alessandro e de Avino Giorgio (co-autores), ocorrida em 22-6-91 no Aeroporto de Kloten, em ZuriqueSuíça» (fls. 14 e 25). O juiz processante, após afirmar a existência de fortes indícios da autoria, justificou a necessidade da constrição cautelar pelo fato de estar foragido o réu e para evitar o cometimento de outros delitos do mesmo tipo. Aqui, embora desnecessário, não é demasiado observar que a lei processual pátria autoriza a prisão preventiva por esses mesmos fundamentos, i. e., para assegurar a aplicação da lei penal e para garantia da ordem pdblica. Portanto, não há falar em prisão arbitrária. 9. E a circunstância de o extraditando ter esposa e filhos menores, brasileiros e dele dependentes economicamente, não atua como causa obstativa da extradição, conforme orientação fixada na Súmula 421 e em vários precedentes do Supremo Tribunal Federal (Extradição 510, rel. Min. Octavio Gallotti, 3-8-90; Extradição 112 557, rel. Min. Sepillveda Pertence, 20-11-92; Extradição n2 563, rel. Min. limar Gaivão, DJ 2-4-93; Extradição n2 571, rel. Min. Celso de Mello, DJ 17-9-93; Extradição n2 599, rel. Min. Néri da Silveira, DJ 18-3-94, apenas para citar alguns casos mais recentes). 383 Os demais pressupostos para a extradição também estão presentes. O tipo penal italiano encontra correspondência nos arts. 12 e 14 da nossa Lei n2 6.368/76, ficando atendido o princípio da dupla incriminação. Ainda não transcorreu o praia de prescrição, quer pela lei estrangeira quer pelo ordenamento brasileiro. Por outro lado, está perfeitamente detalhado que o carregamento de cocaína, inobstante interceptado na escala no Aeroporto de Zurique, tinha por destino a cidade de Nápoles, tudo sob a direção de uma associação criminosa formada na Itália precisamente para o narcotráfico, e da qual era membro ativo o extraditando. Conforme precedentes específicos do Supremo Tribunal, «é competente aJustiça da Itália para julgar o crime de tentativa de tráfico internacional porque era o lugar onde a ação deveria produzir o resultado (art. e, parte final, do Código Penal brasileiro)» (Extradição n2 544, rel. Min. Paulo Brossard, RTJ 142(3):701, dez. 1992; Extradição n2 419, rel. Min. Sydney Sandice, RTJ 114(1):18, out. 1985; Extradição ng 468, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 28-4-89). Além disso, cumpre anotar que o Código Penal italiano, na hipótese dos crimes cometidos no estrangeiro, a par do princípio da nacionalidade ativa, adota o princípio da universalidade quando a incidência da lei penal italiana estiver prevista em convenção internacional (art. 7, n2 5). E esta é a hipótese dos autos, uma vez que a República Italiana ratificou a Convenção Unica de Nova Iorque (Lei n2 685, de 22-12-75). 14. Muito embora haja concurso da jurisdição suíça, esta fixada em razão da 384 R.T.J. —155 competência territorial, tal circunstância não é impeditiva da extradição, porquanto não há notícia de pedido formulado pela Confederação Suíça que pudesse concorrer com o presente. 15. Por último, também não se opõe à entrega do extraditando o fato de os momentos antecedentes do tráfico, ocorridos em solo brasileiro, constituírem delito distinto (Convenção Única de Nova Iorque, art. 36, II, a, I; Extradição n2 541, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 18-12-92), pois o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que «o envio, para território estrangeiro, de cocaína ou de substâncias entorpecentes adquiridas no Brasil, legitima o deferimento da extradição desde que as autoridades nacionais «tenham deixado de adotar», em nosso País, contra o extraditando, as pertinentes medidas de persecução penal» (Extradição n 2 571, rel. Min. Celso de Mello, DJ 17-9-93), pois «a competência territorial do Brasil, diante da ausência de qualquer medida de persecução penal quanto aos fatos, cede à da República requerente, onde, no curso do processo, foi decretada a prisão preventiva do extraditando» (Exlimar Gaivão, tradição n2 595, rel. DJ 18-3-94; Extradição n' 506, rel. Min. Paulo Brossard, DJ 26 - 11 - 93).5) ma Está em vigor Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e Itália, a 17-10-1989, promulgado pelo Decreto n9 863, de 9-7-1993. Além disso, na Nota Verbal n4 146, de 21-4-1994, o Governo da República da Itália, ao formalizar o pedido de extradição de Vincenzo Buondonno, «garante ao Governo da República Federativa do Brasil reciprocidade de tratamento para pedidos de extradição» (fl. 4). Os fatos que motivaram o decreto de custódia preventiva do extraditando estão descritos às fls. 5/6, e, em especial, quanto a Buondonno, em virtude de «importação de cocaína, equivalente a 2 kg, que foi oferecido por Buondonno a Federico Guido». Está à fl. 6: «Em particular, Federico referiu ter efetuado uma tentativa de importação de 21cg. de cocaína, juntamente com Buondonno e com outros dois co-indagados. Avino Giorgio e Cogliati Alessandro. Tal declaração encontrou, aliás, ampla confirmação quer na prisão ocorrida em Zurique, em 22-6-91, dos supracitados Avilto e Cogliati, quer na apreensão da substância estupefaciente, quer ainda nas outras declarações prestadas sobre o assunto pelo outro colaborador, Lama Sergio, o qual soubera de tal episódio de importações diretamente de Federico e de Avino. Diga-se o mesmo, quanto ao outro episódio de importação de cocaína, equivalente a 2 kg, que foi oferecido por Buondonno a Federico. A pedido deste Ministério Público, o Juiz para as Investigações Preliminares de Nápoles emitiu despacho de custódia cautelar contra Buondonno, em 30-6-1993.» O despacho de «custódia cautelar em cárcere», prolatado pelo Juiz, Dr. Stefano Di Stefano, deferiu pedido do Ministério Público, contra Lama Sergio, Federico Guido, Mazzarella Ciro, Pagnini Pietro, Lamboglia Alfonso, Pirozzi Vittorio, Economico Antonio, Riccardi Michele, Ruggiero Enrico, Mesa Santo Raffaele, Caiena Beniamino, Rizzo Salvatore, Todisco Giuseppe, Buondonno Vincenzo, Avino Giorgio, Cogliati Alessandro, e outros, num total de quarenta e quatro indiciados, constantes de fls. 7/26. Resumem-se às fls. 13/14 os motivos do decreto de prisão cautelar contra o extraditando e outros, verbis: «Em relação aos delitos, no teor do requerimento do Ministério Público (ve- R.T.J. — 155 jam-se folhas anexas da pág. 5 à pág. 14). Considerando que contra os supracitados indagados subsistem graves indícios de culpa relativamente aos delitos a eles respectivamente atribuídos, indícios bem evidenciados da folha 15 à folha 25 do requerimento do Ministério Público. Subsistem, outrossim, evidentes exigências cautelares, que impõem contra todos os indagados, com exceção de Lama Sergio e de Federico Guido (que se tornaram ativos colaboradores da Autoridade Judiciária), a aplicação da medida da custódia: o título dos delitos imputados, à personalidade delaqüencial dos indagados, muitos dos quais já submetidos a processos por delitos da mesma índole, levam a considerar a probabilidade que cometam outros delitos do mesmo tipo; ressalte-se, ainda, o provável perigo de fuga, que se depreende da circunstância de alguns indagados já se terem tomado foragidos e, para os outros, da razoável perspectiva que entendam subtrair-se ao processo e, com maior razão, à eventual execução da pena, em consideração do havido conhecimento da colaboração, já antiga, de Lama e de Federico, como também o provável acordo entre os indagados ainda em liberdade com o fim de poluir as provas; Vistos os artigos 291 e seguintes do Código de Processo Penal. Por estes motivos Ordena aos oficiais e aos agentes da polícia que procedam à captura de: (Omissis) 12) Buondonno Vincenzo, (Omissis) e que conduzam imediatamente os mesmos a um instituto de custódia Nápoles-Poggioreale, com as modalidades ditadas pelo art. 285 parágrafo 2, 385 para ali permanecerem à disposição deste Tribunal. Manda que a Chancelaria transmita imediatamente o presente despacho, em dúplice cópia, ao Ministério Público, Dr. Di Pietro, que solicitou a medida, para a execução. (Omissis) Federico Guido — Buondonno Vincenzo — Avino Giorgio — Cogliati Alessandro do delito previsto e punido pelos artigos 73, I — VI parágrafo,80, II, parágrafo do Decreto do Presidente da República 9-10-90, n2 309, 56 do Código Penal, porque, em concurso entre si, praticaram atos idôneos destinados, de maneira inequívoca à importação ilegal, em Nápoles, de 2 kg. de cocaína comprada no Brasil, não se tendo verificado o evento por causas independentes da sua vontade e, em particular, devido à apreensão da substância estupefaciente e da conseqüente prisão de Cogliati e de Avino, ocorrida em Zurique (Suíça). Em Nápoles, em junho de 1991.» De outra parte, na Declaração firmada pelo Vice-Procurador da República da Itália — Direção Distrital Antimáfia — à fl. 27, afirma-se: «Os delitos pelos quais Buondonno Vincenzo, filho de Buondonno Rosario, nascido em Nápoles em 30-8-56 e residente na mesma cidade à Via S. M. In Portico, n2 39, é imputado no procedimento penal e 15.395/R/92, não são delitos militares e não constituem infrações às normas fiscais, de divisas e alfandegárias; nem são delitos de natureza política.» Está às fls. 30/33, de outro lado, o teor do art. 73 da Lei e 162, de 26-6-1990, com a descrição do crime de produção e tráfi- 386 R.T.J. — 155 co ilícito de substâncias estupefacientes ou psicotrópicos, cominando-se pena de reclusão de oito a vinte anos e multa de cinqüenta a quinhentos milhões de liras. Às fls. 34/38, encontram-se as normas relativas à prescrição, segundo a lei italiana, estipulando-se que a prescrição ocorre aem dez anos, se se trata de delito para o qual a lei estabelece a pena de reclusão não inferior a cinco anos.» Não cabe, de outra parte, examinar, aqui, se são procedentes ou não as declarações de Federico Guido de que resultaram a atuação do MP italiano contra o extraditando e o decreto de sua prisão preventiva. Não há elementos nos autos a autorizarem qualquer conclusão da existência de crime político, expressamente negada por autoridade competente do MP, qual se referiu acima. O relacionamento entre Federico Guido e o extraditando não há de ser verificado na oportunidade do presente julgamento. Não cabe falar, além disso, em insuficiência formal do pedido. A natureza e as circunstâncias que envolvem os fatos ensejadores do decreto de prisão cautelar do extraditando, antes aludidos, estão bem expostos nos documentos com que instruída a súplica de extradição. Não cabe, ademais, no julgamento final, discutir se a prisão preventiva para a extradição, decretada no início do processo e preparatória a seu desenvolvimento regular, poderia ou não efetivar-se nos termos em que se realizou. Ao julgar prejudicado o Habeas Corpus n2 71.402-1-RJ, relator o ilustre Ministro Celso de Mello, impetrado em favor do ora extraditando, em virtude da prisão preventiva para extradição, o STF, a 19-5-1994, reafirmou seu entendimento sobre a matéria, conforme a precisa ementa do acórdão respectivo, verbis: «Ementa: «Habeas Co rpus» — Extradição — Prisão preventiva de- cretada para efeitos extradicionais — Alegação de inobservância de exigências formais fixadas em tratado de extradição — Incompatibilidade da prisão cautelar com a presunção constitucional de não-culpabilidade — Inocorrência —O Supremo Tribunal Federal como juiz natural nos processos extradicionais — Limites temáticos do processo de extradição — Cônjuge ou filhos brasileiros — Súmula 421/STF — Superveniência do pedido extradicional devidamente instruído com a documentação exigida pelo tratado de extradição — «Wrib prejudicado.». De todo o exposto, defiro a extradição. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a jurisprudência da Corte é reiterada no sentido de não se admitir, no processo de extradição, a discussão dos motivos, do acerto ou desacerto, da decisão da autoridade do Governo requerente que haja implicado o ato de constrição, ou seja, a ordem de prisão. Daí, a meu ver, a insubsistência do que articulado da tribuna, com brilho, é certo, pelo ilustre advogado. Acompanho o Ministro Relator, deferindo a extradição. EXTRATO DA ATA Ext. 617 — República Italiana — Rel.: Min. Néri da Silveira. Reqte.: Governo da Itália. Extndo.: Vincenzo Buondonno (Adv.: Marco Antonio Nossar). Decisão: Por votação unânime, o Tribunal deferiu o pedido de extradição. Falou pelo extraditando o Dr. Marco Antonio Nossar. R.T.J. — 155 Presidênciado SenhorMinistro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Paulo Brossard, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezelc Ausentes, justificadamente, os Senhores 387 Ministros Sydney Sambes, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello. Vice-ProcuradorGeral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva Brasília, 5 de setembro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. EXTRADIÇÃO Na 624 — REPÚBLICA ITALIANA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek Requerente: Governo da Itália — Extraditando: Alfredo Di Gianvincenzo Extradição. Tráfico internacional de entorpecentes. Associação parafzns de tráfico. Extraditando condenado em primeira instância no Brasil pelos mesmos fatos em que se funda o pedido. Tanto o Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália (artigo 3-I-a) quanto a Lei n9 6.815/80 (artigo 77-V) dispõem que não se concederá a extradição quando o extraditando estiver a responder processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Estado requerido pelo mesmo fato em que se fundar o pedido. Extradição indeferida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em indeferir o pedido de extradição. Brasília, 19 de abril de 1995 — Octavio Gailottl, Presidente — Francisco Rezek, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Rezek: Tomo como relatório o parecer do Dr. Edson Oliveira de Almeida em nome do Ministério Público Federal: «O Governo da Itália pede a extradição de seu nacional Alfredo Di Gian- vincenzo, que responde, perante o Tribunal de Roma, a processo como co-autor de crimes de tráfico internacional de entorpecentes e formação de quadrilha. Interrogatório às fls. 113/115. A defesa, a cargo de advogados constituídos, argúi violação ao princípio do non bis in idem, pois o extraditando está sendo processado criminalmente perante a Justiça Federal, pelos mesmos fatos erabasadores do pedido de extradição. Alega, ainda, que não há descrição precisa da participação de cada um dos réus nos fatos delituosos. 4. Preliminarmente deve ser lembrado que a defesa do extraditando deve se conter nos limites do art. 85, P, da Lei n9 6.815/80 c.c. o art. 82 do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália. As- 388 R.T.J. — 155 sim, o processo de extradição não comporta juízo sobre a suficiência dos elementos de convicção em que se baseou a Justiça do Estado estrangeiro para iniciar a ação penal e decretar a prisão preventiva do requerido (Extradição n2 542, rel. Mim Celso de Mello, RTJ 140(2):436, maio 1992; Extradição n 549, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 141(2):397, agosto 1992). Quanto ao decreto de prisão preventiva, tem-se que esse documento está devidamente fundamentado e atende aos requisitos do art. 11, 1 e 2, do Tratado da Extradição, contendo narrativa suficiente do fato e de sua qualificação jurídica, bem como os elementos necessários à determinação da identidade da pessoa reclamada, lendo-se que o extraditando, integrante de quadrilha voltada para o tráfico entre a América do Sul e a Europa, participou ativamente de atos tendentes à introdução de grandes quantidades de cocaína na Itália. De qualquer modo, apenas para rebater a tese da defesa, não é demasiado lembrar a jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que `no caso de uniforme autoria coletiva ou conjunta, em que os autores praticaram o mesmo fato punível, mediante concordância de vontades e consciência da ilicitude, sem que a rigor o fizessem mediante condutas específicas ou diferentes, não é necessário para a validade da acusação que esta descreva minuciosamente o comportamento de cada um dos autores'. Porém, têm razão os defensores no que se refere à tese do bis in idem. Merece ser transcrita, para melhor compreensão, a narrativa constante da documentação acostada pelo Estado requerente: `Relação sobre os fatos objeto do procedimento penal Este Departamento procede contra: Di Gianvincenzo Alfredo, nascido em Roma em 29-6-63; Di Maria Cleto, nascido em Roma em 30-9-1965; Brancaccio Maurizio, nascido em Orbetello em 11-10-1967; Giurelli Marcello, nascido em Roma em 2-8-1964; Rigacci Riccardo, nascido em Roma em 30-8-1964; Rigacci Paolo, nascido em Roma em 5-2-1928; Bordoni Luigi, nascido em Roma em 28-10-1950; Saba Romeo, nascido em Roma em 13-1-1956; Cabbioni Giovanni, nascido em Aquila em 24-3-1953; Clementi Andrea, nascido em Roma em 23-11-1967; pelos delitos a que se referem os artigos 110 e 56 do Código Penal; artigos 73, 80 e 74 da Lei n2 309/90; contra os supracitados o Juiz das Investigações Preliminares de Roma emitiu, em 20-10-93 despacho de custódia cautelar em cárcere, que se anexa em cópia. As investigações iniciaram em 4-2-1993, quando o Grupo Operativo Antidroga, da Polícia Tributária de Roma transmitiu a este Departamento um informe detalhado no qual evidenciava que um grupo de traficantes de cocaína, depois de ter efetuado obras de manutenção no interior de uma embarcação (provavelmente para realizar fundos falsos ou esconderijos) ancorada junto à doca R.T.J. — 155 do cais de Fiumidno (Roma), zarpara, no início de janeiro de 93, com a referida embarcação denominada 'My Double Sevar' (um bi-mastro de 16 metros com placa náutica Roma 4018D) para efetuar uma carga de cocaína na América do Sul, carga a transportar à Itália e desembarcar nas costas do Lácio (nas proximidades de Roma). Com o fim de recolher elementos probatórios, foram colocados sob controle numerosos aparelhos telefônicos relacionados de vários modos com o grupo de traficantes que partiria de Fiumicino. Dos telefonemas interceptados e das investigações de observação, controle e seguimento efetuados, emergira evidentes ligações entre: Di Gianvincenzo Alfredo, Brancaccio Maurizio, Di Maria Cleto, Rigacci Riccardo, Saba Romeo, Cabbioni Giovanni e Clementi Andrea. Emergia, outrossim, que as referidas pessoas tinham efetuado mais viagens aéreas no percurso: Roma — Rio de Janeiro, valendo-se também de documentos de identidade falsificados. Por ocasião de uma das referidas viagens, foi introduzida no território do Estado Italiano, através do aeroporto de Fiumicino, a quantidade de 34 kg de cocaína, que foi apreendida no dia 4-5-93. Da escuta dos telefonemas podiase apurar que entre o fim do mês de maio e o início do mês de junho de 1993, a embarcação `My Double Sevem' (que, no ínterim, mudara o nome para o de `Double Fast') partira do porto de Fortaleza (Brasil) e se esperava a sua próxima volta à Itália, 389 juntamente à volta dos membros da tripulação. Em 22-6-93, chegava ao Grupo Operativo Antidroga da Polícia Tributária a notícia da ocorrida prisão, por parte da Policia Judiciária Brasileira, em Fortaleza, dos membros da tripulação da 'Double Fest' e da apreensão, no interior da referida embarcação, de cerca de 218 kg de cocaína, ocultada nas paredes do natatil. Os membros da tripulação, presos, foram identificados nas pessoas de: Di Gianvincenzo Alfredo, nascido em Roma em 29-6-1963; Rigacci Riccardo, nascido em Roma em 30-8-1964; Brancaccio Maurizio, nascido em Orbetello em 11-10-1961; Di Maria Cleto, nascido em Roma em 30-9-1965; Saba Romeo, nascido em Roma em 13-1-1956; Gitnelli Marcelo, nascido em Roma em 2-8-1967; 7) Bordoni Luigi, nascido em Roma em 28-10-1950. As investigações prosseguiram, permitindo confirmar ainda mais os laços de interesse e os vínculos de solidariedade que uniam as pessoas presas no Brasil e aquelas que, na Itália, estavam à espera da chegada da substância estupefaciente, vínculos que levavam até à dádiva, por parte da 'Organização', de uma cifra mensal às famílias dos presos. Sucessivamente, em 20-10-93, o Juiz das Investigações Preliminares junto ao Tribunal de Roma emitiu despachos de custódia canelar no R.T.J. — 155 390 cárcere contra os seguintes indagados: Di Gianvincenzo Alfredo, nascido em Roma em 29-6-63; Di Maria Cleto, nascido em Roma em 30-9-1968; Brancaccio Maurizio, nascido em Orbetello em 11-10-1967; Criara' Marcello, nascido em Roma em 2-8-1964; Rigacci Riccardo, nascido em Roma em 30-8-1964; Rigacci Paolo, nascido em Roma em 5-2-1928; Bordoni Luigi, nascido em Roma em 28-10-1950; Saba Romeo, nascido em Roma em 13-1-1956; Cabbioni Giovanni, nascido em Aquila em 24-3-1953; Clementi Andrea, nascido em Roma em 23-11-1967; pelos delitos elencados a seguir: Todos A) pelo delito previsto e punido pelo art. 74, 12 e 42 parágrafos, da Lei n2 309-90, por terem criado um organização destinada a importar substâncias estupefacientes, transportadas da América do Sul para a Itália com várias modalidades; associação que se valia também da detenção de várias armas (2 pistolas cal. 357 e 2 pistolas cal. 9) e de 4 caixas de munições. Em particular, organizavam, coordenando-se entre si, uma importação de 34 kg de cocaína, ocultados no interior de macacões de mergulhador (cfr. item C), como também de 218 kg, sempre de cocaína, ocultados no interior da estrutura da embarcação e, em particular, os tabiques que dividem a cabina da embarcação (cfr. item B). Para isto, punham materialmente em ato uma série de atividades, em pleno acordo e com distribuição de papéis, entre as quais: a compra da embarcação `My Double Seven' em 15-10-1992; a realização de diversos preparativos para a partida do `Double Seven' de Fiumicino, desde 24-12-92, partida que se verificou, depois, no início de janeiro (abastecimento de mantimentos, abastecimento da embarcação); a realização de uma viagem marítima, a bordo da referida embarcação, com destino ao Brasil, viagem que teve como primeira etapa a Espanha, depois, Cabo Verde (com estadia de uma semana), lugar este no qual descem da embarcação Cellini Vincenzo, Prospero Domenico, Mancinelli Paolo, com sucessivo embarque de Brancaccio Maurizio, e a chegada definitiva a Fortaleza em 7-2-93, tendo a bordo Di Gianvincenzo, Luino, Cocchi e Brancaccio, com sucessiva volta de Cocchi e Di Gianvincenzo à Itália de avião. A realização de viagens para e do Brasil, viagens aéreas feitas por alguns com documentos falsos (temporariamente coincidindo quer com a importação das duas malas por obra de Di Maria e de Di Lodovico, que com a prisão no Brasil de Rigacci Riccardo, Di Gianvincenzo Alfredo — cognominado Marco —, Di Maria Cicio, Saba Romeo, Giurelli Marcell o, Bordoni Luigi, Brancaccio Maurizio, presos pela polícia local em 22-6-93) com o fim de conseguir o equipamento para a viagem de volta da referida embarcação e de intro- R.T.J. — 155 duzir diretamente na Itália uma quantidade compatível com a capacidade de duas malas transportadas diretamente por alguns dos consócios. e) a manutenção de contactos com os próprios familiares na Itália, quer durante a execução da viagem quer depois da prisão deles, principalmente com o pai de Rigacci Riccardo, Paolo, não só com o fim de preparar uma linha de defesa comum nos procedimentos em curso no Brasil para aliviar a posição de Rigacci Riccardo, mas também com o fim de financiar as famílias dos sócios, mediante o pagamento contínuo de relevantes somas de dinheiro. Em Roma, até 31-8-1993. B) pelo delito previsto e punido pelos artigos 56 do Código Penal, e 73, 12 e 62 parágrafos, 80, 22 parágrafo da Lei n2 309/90, porque, na execução do mesmo desígnio criminoso a que se refere o item A), praticavam atos inidõneos destinados, de modo inequívoco, a importar na Itália, não conseguindo por causas independentes da própria vontade, uma ingentíssima quantidade de cocaína, equivalente a 218 kg. Com esta finalidade nos dias imediatamente precedentes a 22-6-1993 embarcaram no natátil 'Double Seva', dirigido do porto de Fortaleza, Brasil, a Fiumicino, depois de terem escondido nele abaixo dos eixos que faziam às vezes de tabique entre a cabina e o exterior da embarcação, 218 kg de cocaína dividida em pacotinhos; não conseguindo, porém, no intento, graças à intervenção da polícia brasileira, que os prendeu. Em Fortaleza, Brasil, e em Roma, Itália, averiguado em 22-6-1993. 391 Di Maria Cleto, Cabbioni Giovanni, Clementi Andrea pelo delito previsto e punido pelos artigos 73, 12 e 62 parágrafos, e 80, parágrafo da Lei n2 309/90, porque, em concurso entre si, como também com pessoas que, até agora, permanecem desconhecidas, importavam na Itália, escondidos em duas malas, que constituíam a bagagem pessoal, na viagem aérea Rio de Janeiro-Roma, uma ingente quantidade de cocaína, equivalente a 34 kg. Em particular, ocultavam a referida substância no interior de dois macacões de mergulhador, colocado cada um numa mala, ambas transportadas do Brasil, com a viagem aérea AZ 0583 de 3-5-1993 Alitalia. Em Roma, averiguado em 4-51993. Rigacci Riccardo, Saba Romeo, Bordoni Luigi, Di Maria Cleto do direito previsto e punido pelos artigos 81 caput, 110, 476, 482, 61, 22 parágrafo, do Código Penal, porque, em concurso entre si e na execução de um mesmo desígnio criminoso, reiteradamente falsificavam, colocando as próprias fotografias, os passaportes respectivamente intitulados a Carpentieri Domenico, Martucci Gianluca, Villinburgo Giorgio e Ferri Luca. Em Roma, em época anterior e próxima a 22-6-1993.' 9. Por sua vez, é este o teor da denúncia apresentada na 4' Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará: 'O Ministério Público Federal, por seu Representante Legal ao final assinado, vem, mui respeitosamente perante V. Exa., com supedã- r 392 R.T.J. — 155 neo no incluso inquérito policial, oferecer denúncia contra as seguintes pessoas: identidade, portando passaporte falso em nome de Luca Ferri, residente na Via Della Tolda, 33, Roma/Itália; P Alfredo di Gianvincenzo, italiano, solteiro, Capitão do barco, filho de Beniamino di Gianvincenzo e de Angela de Francesco, natural de Roma/Itália, nascido aos 29-6-1963, portador do passaporte n2 574592E/República Italiana, residente Via Annibale de Gasporis, 111, Roma/Itália. 6 Ricardo Rigacci, italiano, solteiro, comerciante, natural de Roma/Ialia, nascido em 30-8-1964, filho de 22 Marcelo Giurelli, italiano, solteiro, pintor de paredes, filho de Carlos Giurelli e Piera Evo, natural de Roma/Itália, nascido em 2-8-1967, portador do passaporte de nItaliana, residente em Vialle Rolando Vignali, 48, Roma/Itália; r Maurizio Brancaccio, italiano, solteiro, marítimo natural de Ortobell o (GR)/Itália, nascido em 1 2-10-1961, filho de Nocoa R. Spoli e Lídia Ettorri, portador do passaporte de n2 E-631670/República Italiana, residente na Via Dante, n2 44, Orbetello (GR), Itália, pelo cometimento dos ilícitos penais a seguir descritos: 32 Giorge Villimburdo, italiano, solteiro, mecânico, nascido em 18-7-1952, filho de Giuseppe Villimburgo e de Vuono Hora, natural de Roma/Itália, portador do passaporte de n2 726214-(/República, residente na Rua Marco Fulvio Nobilione, 50, Roma/Itália; 42 Romeo Saba, italiano, casado, comerciante, nascido aos 13 dias do mês de janeiro do ano de 1956, natural de Roma/Itália, filho de Salvatore Saba e Giovanna Fada, sem documento autêntico de identidade, portando passaporte falso em nome de Gianluca Martucci residente na Via Guiseppe André, 28, Osia, Roma/Itália; 52 Di Maria Cleto, italiano, soleito, mergulhador, naturalde Roma/Itália, nascido aos 30 (trinta) dias do mês de setembro do ano de 1965, filho de Di Maria Diego, Di Maria Angelo, sem documento autêntico de Rigacci Paolo e Passali Silvana, portador do passaporte de n239069-11/República Italiana, residente na Via Partênio Di Nicea, n 2 43, Roma/Itália e P Consta do incluso inquérito policial que, no dia 27 de junho do ano em curso, foram presos e autuados em flagrante delito os denunciados Alfredo Di Gianvicenzo, Mar- celo Giurelli, Giorge Villimburdo, Romeo Saba, Di Maria Cleto, Riccardo Rigacci e Maurizio Brancaccio, todos de nacionalidade italiana, por que mantinham em depósito, no barco de bandeira italiana, denominado Roma 4018-D, Double Seven, de propriedade do primeiro denunciado, 204 (duzentos e quatro) pacotes, tipo tijolos, envoltos em sacos plásticos, contendo em seus interiores a substância em pó cloridrato de cocaína, totalizando o peso bruto de 218.370 (duzentos e dezoito mil, trezentos e setenta) gramas, conforme se vê no Auto de Apreensão e Apresentação que demora às fls. 16 e 16v. dos respectivos autos de inquérito. R.T.J. — 155 r A droga apreendida foi importada pelos denunciados, haja vista que o barco em que a cocaína estava em depósito era procedente de Cabo Verde. 32 Por outro lado, o caráter de tráfico internacional se constata pela quantidade de droga apreendida, as circunstâncias de serem os denunciados todos estrangeiros, o fato de a embarcação também provir do estrangeiro, o que se depreende do documento de fl. 169, bem como o destino da viagem que seria a cidade de Granada, consoante as declarações dos próprios acusados, e o Passe de Saída, que se vê à fl. 174, logo, fica evidenciada a natureza internacional do tráfico, por envolver mais de um país. 42 No caso de que se cuida, os acusados importaram a cocaína, na quantidade já mencionada e também a transportavam, tudo em associação criminosa (art. 82 da Lei n2 8.072/90), sendo que quando estavam prestes a zarpar para Granada, foram surpreendidos pelos policiais federais que, após uma minuciosa busca nas dependências da embarcação encontraram a cocaína, daí sendo eles presos e autuados em flagrante delito. 9 O denunciado Riccardo Rigacci, que não se encontrava no barco, por ocasião da prisão foi preso no Iguatemi, na companhia de sua namorada Janaina, após ter fugido do apartamento em que se encontrava, saltando pela janela. Ele assegura que nunca entrou no barco, todavia, as declarações de sua namorada contrariam a sua assertiva, porquanto ela chegou a fazer passeio no barco na companhia dele. 393 62 O denunciado Romeo Saba entrou no Brasil utilizando-se de um passaporte falso, em nome de Grauluca Martucci, tendo dito à autoridade policial que assim procedera porque respondeu a dois processos na Justiça Italiana, sendo um por furto e outro por associação com tráfico de entorpecentes. 72 Também, usaram passaportes falsos, os denunciados Riccardo Rigaci, em nome de Domenico Carpendera e Di Maria Cleto, em nome de Luca Ferri, alegando o primeiro que assim o fizera para enganar seu genitor, o qual não queria que ele viesse ao Brasil, enquanto o segundo alega que o motivo de usar passaporte falso foi que seus documentos haviam sido furtados na Itália. 82 Outro detalhe que merece realce é o de que, mesmo não sendo consumidores de café, os denunciados compravam bastante o produto, exatamente para que não se percebesse o aroma da cocaína, caso fosse o barco fiscalizado com a ajuda de cães farejadores. 92 A polícia apreendeu em poder do denunciado Riccardo Rigacci, por oportunidade de vistoria realizada no apartamento localizado na Rua Juazeiro do Norte, 283, apartamento 101(01) um frasco de creme de barbear, com fundo falso, contendo em seu interior um tablete de substância entorpecente denominada Haxixe, totalizando o peso de 38,8 (Trinta e oito gramas e oito decigramas). 113 No interior do Barco Roma 4018-D foram apreendidas várias arMas, de grosso calibre e bastante munição, as quais se encontram discriminadas no Auto de Apreensão que repousa à fl. 85 dos autos, bem como 394 R.T.J. —155 11 (onze) caixas de café torrado, como se vê no Auto de Apreensão que demora à fl. 90.' O Mil. Juiz Federal absolveu o extraditando do delito de quadrilha e condenou-o às penas de 7 anos e 4 medes de reclusão, no regime fechado, mais multa, por infringência ao art. 12, c.c. o art. 18, I e IR, da Lei n! 6.368/76. A sentença pende de recurso, ainda em tramitação no eg. Tribunal Regional Federal da 9 Região (fl. 140). O cotejo entre os documentos acima transcritos é suficiente para comprovar a inviabilidade da extradição no que diz respeito à formação de quadrilha e ao tráfico dos 218 kg de cocaína apreendidos no barco `Double Seven', ante a presença dos elementos de proibição de uma nova ação sobre o mesmo objeto (ne bis in idem sit actio). O crime de quadrilha ou bando, segundo firme posição da doutrina, é crime permanente*. E leciona Frederico Marques que `no crime permanente, a coisa julgada incide sobre um só crime constituído por um estado delituoso que persiste e cujo momento consumativo se protrai no tempo. Como observa Garraud, há, aí, indisfarçável unidade jurídica e material, constituindo uma só e única infração Dessa forma, não se pode propor contra o agente mais que urna ação penal' (Elementos de Direito Processual Penal. P ed. Rio de Janeiro, Forense, 1962, v. BI, p. 99). *E. Magalhães Noronha, Direito Penal, ed. São Paulo, Saraiva, 1992, v. 4, p. 95; Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 3! ed. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 742; Heleno Fragoso, Lições de Direito Penal, parte especial: arts. 213 e 359 CP, 3! ed. Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 289; Júlio Fabbrini Mi- rabete, Manual de Direito Penal, 6* ed. São Paulo, Atlas, 1993, v. 3., p. 191; Celso Dehnanto, Código Penal Comentado, 38 ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1991, p. 436. A mesma conclusão se obtém do exame da doutrina e da jurisprudência italianas, compendidas por Alberto Crespi et ai, Commentario Breve al Codice Penale, Pádua, Cedam, 1992, nota ao art. 416, pág. 902: '1' ass. p. delinquere reato permanente, la cui consumazione se protrae fino alo scioglimento dell' ass' Tais as circunstâncias, o caso é de recusa da extradição de acordo com o art. 39, 1, a, do Tratado de Extradição e art. 77, V, da Lei n9 6.815/80. Como ensina a Professora Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano não se concederá a extradição `se houver competência simultânea do Brasil e do Estado requerente e o réu já tiver sendo processado em nosso País, independentemente da conclusão da sentença... o que se justifica, perfeitamente, pelo princípio genérico de que não pode haver duas punições pelo mesmo delito' (A extradição no Direito Internacional e no Direito Brasileiro 3* ed. São Paulo, RT, 1981, págs. 75 e 132). 12. Aliás, no que tange aos fatos de que é acusado o requerido perante a Justiça alienígena, o bis in idem já foi reconhecido por esse Pretório Excelso no julgamento dos pedidos de extradição de dois dos co-réus (Extradições n2s 622-3, caso Marcello Giurelli e 625-8, caso Romeo Saba), lendo-se na ementa do primeiro preecdPnte, da lavra do eminente Ministro Sepúlveda Pertence: 'Extradição: pedido que visa a processar estrangeiro por dois crimes — tráfico internacional de entorpecentes e quadrilha —, pelos quais já R.T.J. — 155 está sendo processado no Brasil, onde condenado pela primeira acusação e absolvido da segunda, por sentença de primeiro grau: indeferimento da extradição (Lei n2 6.815/80, art. 77, V). 1. A quadrilha (associação para o tráfico ilícito de drogas), tanto no Brasil, quanto na Itália, é delito permanente, que se consuma com o fato da associação e cuja unidade perdura, não obstante a multiplicidade dos crimes-fim cometidos por todos ou alguns dos integrantes do bando. 3. Para que se verifique a identidade do crime de associação criminal paralelamente atribuído ao extraditando no foro e no Estado requerente, de modo a atrair a incidência do art. 77, V, da Lei de Estrangeiros, é irrelevante que, lá, além dos seus co-réus no processo em curso no Brasil, haja outros acusados de integrarem a mesma quadrilha.' (DJ 19-12-94, pág. 35180). 13. Por outro lado, como já definido nas Extradições d's 622 e 625, em situação idêntica, não cabe cogitar da entrega do extraditando para ver-se processar pela tentativa de tráfico dos 34 kg de cocaína, levados da América do Sul para a Itália, e apreendidos no Aeroporto de Fiumicino em 4-5-93, na bagagem de um vôo da Alitália procedente do Rio de Janeiro. Os fundamentos invocados naquela precedentes valem para o caso concreto: 'não se irroga ao extraditando participação nesse fato — atribuído apenas a Di Maria, Cleto; Gabbioni, Giovanni é Ciemenii, Andtea (fi. 49, item C) —, o qual, por isso, não é fundamento do pedido de sua extradição.' Nem lhe pesa a acusação de falsificação de passaporte, que propiciou o defe- 395 rimento parcial do pedido de extradição do co-réu Romeo Sabes 14. Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina pelo indeferimento do pedido.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): É correta a manifestação do Ministério Público Federal. Com efeito, diz o artigo 3-I-a do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália «Art. 3° Casos de recusa da extradição. I —A extradição não será concedida: a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal, ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida.» O Estatuto do Estrangeiro dispõe, por igual, que não se concederá a extradição quando o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido (artigo 77-V da Lei n2 6.815/80). O ora extraditando foi processado e condenado, no Juízo Federal do Ceará, juntamente com vários co-réus, por tráfico internacional de entorpecentes, tendo sido absolvido da acusação de quadrilha. O plenário desta casa no julgamento da Extradição n2 622, sendo extraditando um dos referidos co-réus, indeferiu o pedido. A decisão foi assim resumida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, relator para o acórdão: «Extradição: pedido que visa a processar estrangeiro por dois crimes — tráfico internacional de entorpecentes e quadrilha —, pelos quais já está sendo processado no Brasil, onde condenado 396 R.T.J. — 155 pela primeira acusação e absolvido da segunda, por sentença de primeiro grau: indeferimento da extradição (Lei rig 6.815/80, art. 77, V). 1. A quadrilha (associação para o tráfico ilícito de drogas), tanto no Brasil, quanto na Itália, é delito permanente, que se consuma com o fato da associação e cuja unidade perdura, não obstante a multiplicidade dos crimes-fim cometidos por todos ou por alguns dos integrantes do bando. 3. Para que se verifique a identidade do crime de associação criminal paralelamente atribuído ao extraditando no foro e no Estado requerente, de modo a atrair a incidência do art. 77, V, da Lei de Estrangeiros; é irrelevante que, lá, além dos seus co-réus no processo em curso no Brasil, haja outros acusados de integrarem a mesma quadrilha.» (In 19-12-94, pág. 35180). A hipótese é rigorosamente a mesma. Assim, meu voto propõe o indeferimento do pedido. EXTRATO DA ATA Extr 624 — República Italiana — Rel.: Min. Francisco Rezek. Reqte.: Governo da Itália Extndo.: Alfredo Di Gianvincenzo (Advs.: Eriano Marcos Araujo da Costa e Fernando Antonio Chaves de Oliveira). Decisão: Por votação unânime, o Tribunal indeferiu o pedido de extradição. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 19 de abril de 1995 — Luiz Tomimatsu, Secretário. QUEIXA-CRIME N2 681 — SP (Questão de Ordem) (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Querelante: Aloysio Correa de Azevedo — Querelada: Maria Aparecida Campos (Cidinha Campos) Queixa-crime. Deputado Federal. Imputação de delito contra a honra. Expressões ofensivas constantes de depoimento do congressista perante comissão parlamentar de inquérito. Inviolabilidade. Imunidade parlamentar material (CF, art. 53, caput). Queixa-crime liminarmente rejeitada. O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 —RTJ 135/509 — RT 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133190). R.T.J. — 155 397 O depoimento prestado por membro do Congresso Nacional a uma Comissão Parlamentar de Inquérito está protegido pela cláusula de inviolabilidade que tutela o legislador no desempenho do seu mandato, especialmente quando a narração dos fatos — ainda que veiculadora de supostas ofensas morais — guarda intima conexão com o exercício do oficio legislativo e com a necessidade de esclarecer os episódios objeto da investigação parlamentar. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, resolvendo questão de ordem, em rejeitar liminarmente a queixa-crime. Brasília, 9 de março de 1994 —Octavio Gallotti, Presidente — Celso de Meio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Tratase de queixa-crime promovida por Aloysio Correa de Azevedo contra a Deputada Federal Maria Aparecida Campos («Cidinha Campos»), por alegada ofensa aos artigos 138, 139, 140 e 141, III, do Código Penal. O ora querelante, ao deduzir a pretensão punitiva, salientou que «A querelada incidiu nos artigos acima mencionados ao prestar depoimento, no dia 25 (vinte e cinco) de março p.p. na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar denúncias de corrupção, envolvendo suborno de autoridades, sobretudo do ex-Ministro Antonio Rogério Magri, em parcelamentos de débitos junto à Previdência Social (...)» (fl. 2). As imputações moralmente ofensivas, que constituem objeto da descrição constante da peça acusatória, resumem-se ao depoimento que a ora querelada prestou a uma CPI instituída pelo Senado da República. Os fatos alegadamente delituosos de- correriam da seguinte declaração prestada àquele órgão parlamentar (fl. 2), verbis: «Todo mundo sabe que existe uma pessoa que manda muito na Previdência Social e sequer é funcionário. Mas seria mentor de todo o roubo que acontece lá. Trata-se do Sr. Aloysio Azevedo. Segundo consta, manda em tudo lá dentro e não é sequer funcionário do INSS.» A materialidade dos fatos narrados na queixa-crime acha-se consubstanciada na própria transcrição que, fornecida pelo Senado Federal, atesta a realidade das expressões vulneradoras da honra do ora querelante. O em. Procurador-Geral da República, pronunciando-se sobre a presente ação penal privada, propôs a rejeição liminar da queixa-crime, com fundamento na garantia constitucional da imunidade parlamentar material que confere inviolabilidade aos membros do Congresso Nacional por suas opiniões, palavras e votos (fls. 38/42). Para esse efeito, submeto ao Plenário desta Suprema Corte, em questão de ordem, a apreciação do tema suscitado na manifestação da douta Procuradoria-Geral da República. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de ação penal privada que foi ajuizada contra a Deputada Federal Cidinha Campos porque esta, no dia 10-6-92, teria ofendido a honra do ora querelante. 398 R.T.J. — 155 As imputações moralmente ofensivas foram proferidas por essa congressista — segundo destaca a própria queixa-crime — no âmbito do Poder Legislativo da União e perante a «... Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar denúncias de corrupção envolvendo suborno de autoridades, sobretudo do ex-Ministro Antonio Rogério Magri, em parcelamentos de débitos junto à Previdência Social ...» (fl. 2). O ora querelente valeu-se das transcrições fornecidas pelo próprio Senado Federal para, por intermédio delas, comprovar a materialidade dos fatos narrados na peça acusatória. A análise do conteúdo da queixa-crime evidencia que a Deputada Federal Cidinha Campos proferiu as expressões contumeliosas, alegadamente caracterizadoras dos crimes de calúnia, difamação e injúria, no regular desempenho do seu mandato legislativo, no âmbito do Congresso Nacional e perante órgão de investigação parlamentar constituído pelo Senado da República. O em. Procurador-Geral da República, ao pronunciar-se nestes autos, invocou, em favor da ora querelada, a tutela constitucional representada pela imunidade parlamentar em sentido material e sustentou, em seu parecer, que o exame da admissibilidade da queixa-crime, tendo em vista essa prerrogativa institucional do congressista, deve preceder ao pedido de licença à Casa Legislativa a que pertence a congressista em questão, salientando (fls. 40/42), verbis: Com efeito, se a peça acusatória não descreve fato penalmente punível, não se pode condicionar a manifestação judicial neste sentido à licença da Casa Legislativa, já que o pedido há de ter como pressuposto o mínimo de viabilidade processual da acusação formulada. E, de acordo com os artigos 41 e 43 do Código de Processo Penal, se a denúncia ou queixa descreve fato que evidentemente não constitui crime ou se já estiver extinta a punibilidade, por qualquer causa, deve a peça vestibular acusatória ser liminarmente rejeitada. No presente caso, é inquestionável que a querelada agiu sob o manto da inviolabilidade parlamentar, também denominada imunidade material, havendo, ainda, de se considerar que suas palavras, tidas como ofensivas pelo querelante, estão insertas em depoimento prestado a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no recinto do Senado Federal, do qual se extrai o seguinte, após a depoente-querelada ter apontado, genericamente, pessoas e fatos relacionados com improbidade administrativa, inclusive o querelante: Não tenho provas, nem tenho que tê-las; esta CPI tem que investigar' (fl. 9). `Se se fizer uma pesquisa dentro do INSS, vai se verificar que todo mundo sabe os nomes dos ladrões. Recebi essa relação de vários funcionários. Posso entregar outros nomes' (fl. 10). Sendo a inviolabilidade parlamentar `exclusão de cometimento de crime por parte de Deputados e Senadores por suas opiniões, palavras e votos, (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1989, 9 ed., pág. 459), a rejeição liminar da queixa se impõe, como decisão antecedente à solicitação de licença à Câmara dos Deputados para processar a querelada, já que esta só tem sentido se viável a peça acusatória. R.T.J. — 155 Esse colendo Supremo Tribunal Federal assim já decidiu em erudito voto do Ministro-Relator Paulo Brossard, na Queixa-Crime n2 472-RO, em 17 de maio de 1990 (RTJ 133/90-92), bem como em r. despacho do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, datado de 10 de março de 1992, em que, após transcrever o voto acima aludido, do eminente Ministro Paulo Brossard, acrescentou: `Estou em que o precedente é de aplicar-se à espécie. O corpo do delito contra a honra que a queixa imputa ao querelado é discurso por ele proferido, no exercício do mandato de Senador, na própria Tribuna do Senado Federal; é patente, assim, que o fato está coberto pela inviolabilidade ou imunidade parlamentar do acusado. Conclusão que se extrai do teor mesmo da imputação e prescinde da solução de qualquer questão de fato. Certo, ainda não se entenderam os penalistas quanto à natureza jurídica da inviolabilidade parlamentar. O Prof. Antônio Edwing Caccuri, da Universidade de Londrina, dá resenha precisa da divergência doutrinária (ob. cit., Rev. Inf. Leg., 73/54): 'Controverte-se bastante sobre a natureza jurídica da imunidade material. Pontes de Miranda, Nelson Hungria e José Celso de Mello Filho entendem-na como uma causa excludente de crime e, semelhantemente, Basileu Garcia, como causa que se opõe à formação do crime; Heleno Cláudio Fragoso considerana causa pessoal de exclusão de pena; Aníbal Bruno, causa pessoal e funcional de isenção de pena; Vicente Sabino Júnior, causa de exclusão de criminalidade; Magalhães Noronha, 399 causa de irresponsabilidade; José Frederico Marques, causa de incapacidade penal por razões políticas.' Seja qual for, no entanto, a posição que se assuma na polêmica, da incidência da regra constitucional da imunidade resultará a inviolabilidade da ação penal, pouco importando se por ausência de criminalidade ou de punibilidade do fato ou ainda da responsabilidade do agente. Assim, com base no art. 21, § 12, RISTF, e no art. 38 Lei n2 8.038/90, de logo, rejeito a queixa e nego seguimento ao pedido de solicitação de licença para o processo' (RTJ 142/355-357). No caso destes autos, a imunidade material é mais ainda patente, porque se trata de depoimento em Comissão Parlamentar de Inquérito, no âmbito do Senado Federal, onde a narração dos fatos e a necessidade de investigação sobre eles, salientada pela depoente-querelada, está a revelar a ausência de conduta delituosa. Por todo o exposto, o Ministério Pdblico Federal opina no sentido de que seja liminarmente rejeitada a queixa, com a conseqüente comunicação à Câmara dos Deputados, para efeito de arquivamento do pedido de licença.» Entendo assistir plena razão ao Ministério Público Federal, quando invoca, em favor da ora querelada, a cláusula constitucional pertinente à inviolabilidade do congressista por suas opiniões, palavras e votos. O instituto da imunidade parlamentar atua, no contexto normativo delineado por nossa Constituição, como condição e garantia de independência do Poder Legislativo, seu real destinatário, em face dos outros Poderes do Estado. Estende-se ao 400 R.T.J. — 155 congressista, embora não constitua urna prerrogativa de ordem subjetiva deste. Trata-se de prerrogativa de caráter institucional, inerente ao Poder Legislativo, que só é conferida ao parlamentar ratione muneris, em função do cargo e do mandato que exerce. E por essa razão que não se reconhece ao congressista, em tema de imunidade parlamentar, a faculdade de a ela renunciar. Trata-se de garantia institucional deferida ap Congresso Nacional. O congressista, isoladamente considerado, não tem, sobre a garantia da imunidade, qualquer poder de disposição. O exercício do mandato parlamentar recebeu expressiva tutela jurídica da ordem normativa formalmente consubstanciada na Constituição Federal de 1988. Dentre as prerrogativas de caráter político-institucional que inerem ao Poder Legislativo e aos que o integram, emerge, com inquestionável relevo jurídico, o instituto da imunidade parlamentar, que se projeta em duas dimensões: a primeira, de ordem material, a consagrar a inviolabilidade dos membros do Congresso Nacional, por suas opiniões, palavras e votos (imunidade parlamentar material) e a segunda, de caráter formal (imunidade parlamentar formal), a gerar, de um lado, a improcessabilidade dos parlamentares, que só poderão ser submetidos a procedimentos penais acusatórios mediante prévia licença de suas Casas, e, de outro, o estado de relativa incoercibilidade pessoal dos congressistas (freedom from arrest), que só poderão sofrer prisão provisória ou cautelar numa única e singular hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável. A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões e votos proferidos no exercício do ofício congressual. São passíveis dessa tutela jurídico-constitucional apenas os comportamentos parlamentares cuja prática seja imputável ao exercício do mandato legisla- tivo. A garantia da imunidade material estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder Legislativo, qualquer que seja o âmbito dessa atuação — parlamentar ou extraparlamentar —, desde que exercida ratlone muneris. A Constituição vigente, ao dispor sobre a imunidade parlamentar material, prescreveu que «os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos» (art. 53, caput). A inviolabilidade emergente dessa regra constitucional não sofre condicionamentos normativos que a subordinem a critérios de espacialidade. É irrelevante, para efeito de invocação da imunidade parlamentar material, que o ato por ela objetivado não tenha ocorrido na sede ou em instalações ou perante órgãos do Congresso Nacional. O exercício da atividade parlamentar não se exaure no âmbito espacial do Congresso Nacional, vale dizer, no recinto das Casas Legislativas que o compõem. A prática de atos pelo congressista ratione officii — em função do seu mandato parlamentar —, ainda que territorialmente efetivada no âmbito extraparlamentar, está, indiscutivelmente, protegida pela norma constitucional. A tutela constitucional representada pela imunidade parlamentar em sentido material incide, com maior razão, quando o membro do Congresso Nacional, atuando nessa condição e depondo perante órgão de investigação legislativa constituído pelo Senado da República, pronuncia, no relato dos fatos objeto do inquérito parlamentar, as expressões tidas por moralmente ofensivas à honra de terceira pessoa. Qualquer que seja a exata qualificação jurídica da imunidade parlamentar material — causa de descaracterização típica do comportamento delituoso, como quer José Afonso da Silva, ou causa funcional de 401 R.T.J. — 155 isenção de pena, como preconiza Damásio Evangelista de Jesus, ou, ainda, causa de irresponsabilidade penal, como salienta Carlos ~lano — o fato é que os lindes em que se contém a incidência do instituto da imunidade parlamentar material devem ser interpretados em consonância com a exigência de preservação da independência do congressista no exercício do mandato parlamentar. O Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se sobre o alcance da imunidade parlamentar material, tem acentuado, na análise do tema, que essa prerrogativa constitucional protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (Inq. n2 510-O-DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, RTJ 135/509; Inq. n2 390-5-RO (Questão de Ordem), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, RT 648/318; Inq. n2 396-4-DF (Questão de Ordem), Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, RTJ 131/1039), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90, Rel. Min. Paulo Brossard). No caso presente — e tal como destacado pelo eminente Procurador-Geral da República —, as palavras proferidas pela ora querelada guardam estrita conexão com o desempenho de sua função parlamentar, circunstância esta que, por ser juridicamente relevante, torna aplicável a esse pronunciamento efetuado perante Comissão Parlamentar de Inquérito instituída pelo Senado Federal a norma de tutela constitucional inscrita no art. 53, caput, da Carta Política. Sendo assim, não há razão para dar seqüência a este procedimento penal, eis que as supostas ofensas cometidas pela Deputada Federal Cidinha Campos derivaram do exercício do mandato parlamentar por ela titularizado. Não sendo plausível o cabimento da ação penal, nada justifica a pretendida instauração do processo penal condenatório. A impossibilidade jurídico-constitucional da penecntio criminas contra a ora querelada leva-me, neste caso, a rejeitar liminarmente a presente queixa-crime, com a conseqüente comunicação desta decisão à Câmara dos Deputados. É o meu voto. EXTRATO DA ATA Inq. 681 (Queixa-crime — Questão de ordem) — SP —Rel.: Min. Celso de Mello. Qte.: Aloysio Corres de Azevedo (Adv.: Adriana Ferreira de Azevedo) Qda.: Maria Aparecida Campos (Cidinha Campos). Decisão: Por votação unânime, o Tribunal, resolvendo questão de ordem proposta pelo Relator, rejeitou liminarmente a queixa-crime. Votou o Presidente. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasfiia, 9 de março de 1994 — Luiz Tomimatau, Secretário. 402 R.T.J. — 155 SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N 2 702 (AgRg) — DF (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Octavio Gallotti Agravantes: Associação Brasileira de Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas especialidades — Abifina e outras — Interessados: União Federal e Relator do MS n2 3.463-4 do Superior Tribunal de Justiça Suspensão de segurança. Relevância dos fundamentos jurídicos opostos, pela União Federal, à liminar obstativa da aquisição de medicamentos importados. Grave lesão à saúde pública, caracterizada pela inviabilidade de reposição, em tempo útil, dos estoques da rede hospitalar oficial, a prosperarem os efeitos da liminar. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas Taquigráficas, à unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental. Brasfiia, 19 de dezembro de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Octavio Gallotti: Eis o despacho agravado, por meio do qual deferi o pedido de suspensão de segurança: «1. A liminar atacada implicou a suspensão da remessa de expressiva partida de medicamentos básicos, adquiridos em Cuba, mediante protocolo, seguido de notas reversais, trocadas entre aquela República e o Governo Brasileiro. 2. Expõe a Requerente (União Federal) as conseqüências da medida judicial, para o agravamento da penúria em que já se encontram os estoques de medicamentos essenciais dos hospitais da rede pública, de cujo atendimento dependem noventa milhões de pessoas, sem acesso a outras modalidades de as- sistência. Nem se mostra viável, no corrente exercício financeiro, a adoção de medidas capazes de suprir esse desfalque. É relevante, por outro lado, a fundamentação jurídica, oposta pela Requerente às alegações do mandado de segurança, quer no que diz respeito à natureza especial da operação (acordo executivo), que estaria a prescindir de aprovação pelo Congresso Nacional; quer no tocante à inexigibilidade ou dispensabilidade de licitação, por se tratar de forma de pagamento incomum nas aquisições típicas (carta de crédito complementar ao Banco do Brasil). Noto, ainda, que as cartas reversais prevêm a possibilidade de que uma parcela do pagamento dos produtos seja considerada como liquidação dos débitos comerciais de Cuba para com o Brasil. Considerando satisfeito o pressuposto exigido pelo art. 42 da Lei 4.348-64 (grave lesão à saúde pública), defiro o pedido, para suspender os efeitos da liminar concedida pelo ilustre Relator do Mandado de Segurança n2 3.463-4, em curso perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça. R.T.J. — 155 Comunique-se e publique-se.» Agravam as impetrantes, que representam as indústrias nacionais de produtos farmacêuticos. Dão conta de que a liminar, inicialmente indeferida pelo Relator do feito perante o Superior Tribunal de Justiça, s6 veio a ser concedida após as informações prestadas pela Central de Medicamentos do Ministério da Saúde — CEME, das quais se inferia haverem sido adquiridos oitocentos quilogramas de medicamento pela importância de trinta milhões de dólares, ou seja o triplo do valor do seu próprio peso em ouro. Daí o caráter escandaloso, enfaticamente atribuído, pelas Agravantes, em sua petição, à operação comercial de que se queixam. Afirmam elas, ainda, a capacidade imediata da indústria nacional, para fornecer os medicamentos requestados por uma fração mínima do preço contratado com o laboratório cubano, de modo a possibilitar o atendimento de muito maior número de pessoas carentes. Contestam, além disso, as razões de direito que motivaram a suspensão, opondolhes aquelas outras em que procuram apoio para sua pretensão, assim resumidas pelas Agravantes: «O ato é nulo, eis que não especificadas as razões de dispensa ou inexigibilidade de licitação na publicação oficial no DOU, como o impõe o art. 26 da Lei n2 8.666/93 e o art. 72 do Decreto Federal n2 449, de 17-2-92 (doc 1) As eventuais preferências constitucionais em licitações públicas se dirigem aos nacionais, não ao estrangeiro. As razões de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstas em lei são exceções em face do dever constitucional de licitar. Não é possível dispensar-se ou dar por inexigível licitação com base em 403 acordo internacional não aprovado pelo Congresso na forma do art. 49, I da Carta. Os medicamentos importados de Cuba não possuem o devido registro no Ministério da Saúde, o que, segundo a Lei n2 6.360 (de 23-9-76), é condição essencial para a entrega ao consumo (doc. 2)» (fls. 91/92) Tendo sido aberta vista dos autos à douta Procuradoria-Geral da República, veio aos autos, antes do parecer, a petição de fls. Por meio dela, acorre, espontaneamente, a União Federal, a manifestar-se acerca dos termos da petição de agravo. No concernente à matéria de fato, esclarece ser de oitocentas toneladas — e não de oitocentos quilogramas — a quantidade dos produtos adquiridos, como veio a tornar-se expresso em aditivo celebrado a 8 de agosto de 1994, a mesma data na qual, respondendo no Superior Tribunal de Justiça, às informações da Central de Medicamentos, viriam as ora Agravantes a propalar o inverfdico superfaturamento de mil por um. Mediante um simples telefonema — diz, então, a União — poderiam os impetrantes ter colhido, as ora Agravantes, a explicação do suposto escândalo, que porfiaram em anunciar. Posta a operação em suas verdadeiras quantidades, não houve, assim, prejuízo para o erário, diz a União: obteve-se, ao invés, grande economia, próxima à casa dos noventa e sete milhões de dólares americanos, apenas na compra das mesmas drogas utilizadas pelas Agravantes com o intuito de exemplificar o exagero do preço convencionado. A propósito da matéria de direito, anexa cópia do ato declaratório de dispensa ou inexigibilidade da licitação. Reconhece não haver sido, por um lapso, publicado ele no «Diário Oficial», 404 R.T.J. —155 omissão que não induz, entretanto, à invalidade do contrato, este objeto de divulgação resumida, pela imprensa oficial. Sustenta, ainda, a União, ser dispensável, na espécie, a licitação, de acordo com o art. 24 da Lei n° 8.666/93 ( intervenção no domínio econômico), ou de outro modo, inexigível, segundo o art. 25 do mesmo diploma (inviabilidade da competição, ante às questões políticas subjacentes ao acordo, à forma e às condições de pagamento). Reitera a União as razões pelas quais julga prescindível de aprovação, pelo Congresso, do acordo executivo, invocando, nesse ponto, o magistério dos doutrinadores, a culminar no do saudoso mestre Hildebrando Accioly, e adicionando-lhe motivação de ordem prática, como a urgência da aquisição, diante das notórias dificuldades de funcionamento do Poder Legislativo, em período de eleições gerais. Quanto à alegação de falta de registro, transcreve as informações do Ministro da Saúde, a teor das quais: «Todos os medicamentos produzidos pelo laboratório cubano obtiveram registro no órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde, na forma prevista pela Lei n° 6.360, de 23 de setembro de 1976, conforme atos publicados nos Diários Oficiais de 23-3-94, 30-3-94 e 2-8-94, anexos». Daí arrematar a União Federal, conforme itens finais da petição de fls: «47. Ex positis, com as presentes considerações vem a União opor-se às razões deduzidas na inicial do Agravo Regimental pelas Agravantes. 48. Por tudo o mais que ficou aqui registrado, fica evidenciada, a mais não poder, a lisura, a urgência, ajusta causa, a obediência estrita aos ditames legais e constitucionais bastantes a justificarem e a legitimarem a prática do ato que se quer anulado. 49. Não é menos verdade, por outro lado, que também fica aqui evidenciado o juízo apressado, inconsistente, irresponsável, irrefletido e temerário das Impetrantes/Agravantes, a justificar, mesmo, a apreciação de seu comportamento processual à luz das disposições dos arts. 16 e 17, inciso V, do CPC.» (fl. 328) Com vista dos autos, manifesta-se como abaixo reproduzido, o eminente Subprocurador-Geral da República Paulo de Tarso Brás Lucas, após transcrever o despacho agravado: «2, Partindo do pressuposto de que a União Federal estaria importando de Cuba, por trinta milhões de dólares, apenas oitocentos quilos de remédios, o que representaria preços «cem, às vezes mil vezes mais altos do que Vossa Excelência compraria os mesmos remédios, na farmácia», as agravantes alegam em sua petição recursal, em síntese, que os «prejuízos à saúde pública serão ainda maiores, se efetivada a suspensão da liminar, do que se a cautela for mantida», pois «não haverá dinheiro para o Brasil assistir seus enfermos» e «restará a estes dessassistidos presenciar, sem mitigação, não só a própria doença, como a deliquescência da União Federal». De resto, acrescentam, os produtos importados não teriam registro sanitário, o que igualmente implicaria em mais uma ameaça à saúde pública. 3. O agravo não tem a mínima condição para prosperar, não trazendo a petição recursal nenhuma razão de fato ou de direito que pela sua relevância, seja capaz de infirmar os fundamentos do r. despacho impugnado. A possibilidade de ocorrência de grave lesão à saúde pública é algo que, de fato deflui naturalmente da leitura do pedido de suspen- R.T.J. — 155 são formulado pela União Federal, de modo que, ante a verificação dessa circunstância, nenhuma outra solução se mostrava adequada na espécie, senão a que foi adotada pelo ilustre Presidente desse Colando Tribunal. Na verdade, a investida das agravantes, tal como está sendo deduzida, constitui-se —e neste caso, sim, é válido o estilo candente que foi por elas indevidamente utilizado — no mais rematado exemplo de litigancia de má-fé. Na peça de fls. 315/329, a União Federal esclareceu, juntando documentos comprobatórios, que a guia de importação reproduzida à fl. 133 refere-se à importação não de 800 quilos, mas, sim, de 800 toneladas de medicamentos. E semelhante informação compromete de modo irremediável não só a credibilidade das agravantes, mas igualmente toda a sua argumentação no sentido de demonstrar a ausência do requisito da grave lesão à saúde pública que motivou a prolação do despacho agravado. Aliás, antes é estarrecedora, sim, a desfaçatez com que as agravantes se investiram do munus de guardiãs da coisa pública e simularam a indignação que se vê nas seguintes passagens da minuta do seu agravo regimental: «Com extrema prudência procedeu o Ministro Prolator da liminar suspendida, que inicialmente negou a concessão da liminar, atendendo às mesmíssimas considerações perante as quais Vossa Excelência se inclinou, para, só depois de receber as informações do Ministério da Saúde, conceder a cautela. Excelência, as Agravantes só podem mostrar o mais alto respeito pela decisão agravada, como só podem estenda tal respeito ao eminente Advogado Geral da União que assina o 405 pedido de suspensão. Mas estão certas de que, tivessem Vossas Excelências tido acesso às informações apresentadas pela CEME no mandado de segurança, a segurança não teria sido requerida, e muito menos concedida. Nunca, Excelência, numa já alentada carreira de advogado, presenciou o patrono das Agravantes tamanho descalabro, tamanha ofensa ao Interesse Público Federal, tamanha violência aos 90 milhões de brasileiros que necessitam de remédios para sobreviver. As informações da ré são um incrível documento que integrará com o impeachment do ex-presidente e os acontecimentos da Comissão de Orçamento do Congresso a hora mais triste da nossa história republicana. Nada do que se dirá é alegação das agravantes. Nada é criação de parte, egoisticamente interessada em seu direito subjetivo. Tudo o que lerá Vossa Excelência está nos documentos acostados às informações da autoridade coatora, tudo é documento oficial, irretorquível. No entanto, Excelência, é espantoso.» Falsas Vestais, não sejam tão ousadas e não subestimem tanto a inteligência alheia! Enfim, a verdade é que, partindose da consideração de que a importação de apenas 800 quilos de medicamentos não teria, com certeza, conduzido as agravantes a ingressar em juízo, mobilizando a sua estrutura canalizada, fica evidente que elas sabiam muito bem qual era a quantidade, o peso e o preço unitário dos remédios a serem importados. Não merecem sequer, portanto, o benefício da dúvida quanto à sua má-fé, cuja configuração na espécie é motivo 406 R.T.J. — 155 bastante para repelir, de plano, a pretensão recursal em exame. 8. Pelo exposto, somos pelo improvimento do agravo regimental.» (Fls. 395/7) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Octavio Gallotti (Relator): As razões das Agravantes, embora contendo argumentos ponderáveis, não logram esmaecer o relevo jurídico da controvérsia travada nos autos, estando longe de comprometer a plausibilidade da tese da Requerente (a União Federal). Sob os aspectos de fato --- que de mais perto dizem respeito aos pressupostos do exame do pedido de suspensão da liminar — a fragilidade das alegações em que, enganosamente, buscam apoio as Agravantes, nenhum apoio confere à pretensão de buscarem deslocar o risco de lesão à saúde pública, do pólo acenado pela pessoa jurídica de direito público, a União Federal — onde efetivamente se encontra situado — para o do interesse privado que se procura amparar como mandado de segurança, cuja liminar suspendi. Não é ilidido, além disso, o fundamento nuclear do despacho agravado, ou seja, inviabilidade de aquisição em tempo útil, e por outra forma, dos produtos medicinais em causa. Acolhendo o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, nego provimento ao Agravo. EXTRATO DA ATA SS 702 — AgRg — DF — Rel.: Mim Octavio Gallotti, Presidente. Agtes.: Associação Brasileira de Indústrias de Química Fina Biotecnologia e suas Especialidades — Abifina e outros (Advs.: Maria Rita de Cassia Figueiredo Pinto e outros) Inter.: União Federal ( Adv.: Advogado-Geral da União) Inter.: Relator do MS 3.463-4 do Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal negou provimento ao agravo regimental. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúvelda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 19 de dezembro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NI2 894 —DF (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira Requerente: União Nacional dos Estudantes — UNE — Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa ad causam. União Nacional dos Estudantes — UNE. Constituição, art. 103, IX. 2. A União Nacional dos Estudantes, como entidade associativa dos estudantes universitários brasileiros, tem participado, ativa- R.T.J. — 155 407 mente, ao longo do tempo, de movimentos cívicos nacionais na defesa das liberdades públicas, ao lado de outras organizações da sociedade; é insuscetível de dúvida sua posição de entidade de âmbito nacional na defesa de interesses estudantis, e mais particularmente, da juventude universitária. Não se reveste, entretanto, da condição de «entidade de classe de âmbito nacional», para os fins previstos no inciso IX, segunda parte, do art. 103, da Constituição. 3. Enquanto se empresta à cláusula constitucional em exame, ao lado da cláusula «confederação sindical», constante da primeira parte do dispositivo maior em referência, conteúdo imediatamente dirigido à idéia de «profissão», — entendendo-se «classe» no sentido não de simples segmento sodal, de «classe social», mas de «categoria profissional», — não cabe reconhecer à UNE enquadramento na regra constitucional aludida As «confederações sindicais» são entidades do nível mais elevado na hierarquia dos entes sindicais, assim como definida na Consolidação das Leis do Trabalho, sempre de âmbito nacional e com representação máxima das categorias econômicas ou profissionais que lhes correspondem. No que concerne às «entidades de classe de âmbito nacional» (2• parte do inciso IX do art. 103 da Constituição), vem o STF conferindo-lhes compreensão sempre a partir da representação nacional efetiva de interesses profissionais definidos. Ora, os membros da denominada «classe estudantil» ou, mais limitadamente, da «classe estudantil universitária», freqüentando os estabelecimentos de ensino público ou privado, na busca do aprimoramento de sua educação na escola, visam, sem dúvida, tanto ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao preparo para o exercício da cidadania, como à qualificação para o trabalho. Não se cuida, entretanto, nessa situação, do exercício de unia profissão, no sentido do art. g, XIII, da Lei Fundamental de 1988. 4. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, por ilegitimidade ativa da autora, devendo os autos, entretanto, ser apensados aos da ADIn n2 8184/600. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, não conhecer da ação, por ilegitimidade ativa da requerente, encaminhando-se os autos ao Procurador-Geral da República, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Francisco Rezek, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, que dela conheciam. Brasília, 18 de novembro de 1993 — Octavio Gallotti, Presidente — Néri da Silveira, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): A União Nacional dos Estudantes UNE, pessoa jurídica de direito privado, com sede na cidade do Rio de Janeiro, aforou ação direta de inconstitucionalidade, visando se declare inválido o art. 42 da Lei n2 8.170, de 17 de janeiro de 1991 (DJ de 24-1-1991), que preceitua: 408 R.T.J. — 155 «Art. 42 São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos de transferência ou o indeferimento das matrículas dos alunos cuja inadimplência não decorrer de encargos fixados definitivamente e reajustados nos termos desta lei». Alega, à fl. 3: «Os proprietários de estabelecimentos particulares de ensino vêm impedindo os alunos de realizar sua provas de avaliação, caso não seja apresentado pelo aluno o comprovante de quitação da mensalidade escolar, assim como demais implicações decorrentes da interpretação a contrario sonsa do artigo que permite estas sanções pedagógicas inadmissíveis, quando os encargos já estiverem fixados definitivamente nos termos da Lei n9 8.170/91. Os estabelecimentos possuem outros meios de defesa das prestações não adimplidas, tais como aplicação de multas, correção monetária, juros, etc., sem prejuízo de sua cobrança por todos os meios colocados à sua disposição». Adiante, alega a requerente (fls. 4/5): «O art. 205 do Texto Maior dispõe que «a educação é direito fundamental de todos», norma essa que se mostra ainda mais reforçada pelo art. 227, quando se consagra, «com absoluta prioridade o direito público subjetivo da criança e do adolescente, à educação». «Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e suas qualificações para o trabalho». «Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prio- ridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão». Este artigo afasta de normalidade social imposta pela nova Ordem a possibilidade de lucro dos empresários do ensino, e desta forma afronta os preceitos consagrados nos arts. 170, 205, I, e 277, do Texto Constitucional, pois não estimula o acesso da pessoa à educação, e sim contempla apenas a ganância lucrativa dos estabelecimentos de ensino. «O art. 42 da Lei n2 8.170/91 afronta a nova Carta Política. O acesso e a permanência do aluno na escola mostramse assegurados por norma constitucional auto-aplicável e de eficácia plena. Ainda quando o ensino é ministrado por entidade particular de ensino, o caráter empresarial ínsito nessa atividade sempre se condiciona às normas sociais que garantem o direito à educação. Não se admite a paralisação sumária, ainda que individualmente direcionada, dos serviços educacionais, por força do princípio da continuidade do serviço». Esta é a afirmação introdutória de brilhante parecer do eminente professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Este parecer, por si só, tem o condão de ilidir qualquer dúvida quanto à flagrante inconstitucionalidade do artigo em tela. Há muito os estudantes brasileiros, em sua grande maioria alocados nos estabelecimentos particulares, vêm tendo dificuldades com o abusivo valor dos encargos cobrados. Muitas vezes as dificuldades financeiras apresentam-se concomitantemente com a data de paga- R.T.J. — 155 mento da mensalidade, cuja quitação torna-se impossível para aquele exato momento, mas não inviável para determinado tempo posterior. Com a aplicação do referido artigo os alunos não têm a oportunidade de adimplir as mensalidade em atraso, pois são impedidos de realizar as avaliações, conseqüentemente obrigados a deixar de estudar. Tratase de inadmissível óbice ao princípio constitucional do «direito à educação». Para pôr cobro a esta exigência inconstitucional e assegurar o direito líquido e certo de não receber estas sanções pedagógicas inadmissíveis os aluno têm impetrado Mandado de Segurança contra esta inconstitucionalidade consubstanciada nos atos dos diretores que exigem a quitação de forma inapropriada. O Poder Judiciário tem reconhecido este direito líquido e certo dos estudantes, concedendo a segurança para garantir o direito de realizar provas, independentemente de pagamento. Não resta, à União Nacional dos Estudantes, utilizando-se do controle sucessivo da Constituição, outro caminho que não o da ação direta de inconstitucionalidade para garantir ao universo dos estudantes date país o «direito à educação», eliminando do ordenamento jurídico a regra contida no referido artigo, porquanto é manifestadamente inconstitucional». Pleiteia a medida cautelar, para que se suspenda a vigência do dispositivo impugnado, adotando, para isso, os seguintes fundamentos (fl. 6): «A União Nacional dos Estudantes, de acordo com documentos fornecidos pelo próprio Ministério da Educação há muito constatou que os maiores índices de evasão escolar dos estabelecimentos particulares ocorrem exatamente nos períodos das provas e logo após estes. Os 409 alunos ocasionalmente inadimplentes, mesmo com a perspectiva de quitação posterior, são obrigados a deixar de estudar diante da impossibilidade de submeterem-se às avaliações, devido às arbitrariedades dos Diretores ou Reitores, fundamentadas no inconstitucional art. 42 da Lei n9 8.170/91. É iminente o início de novo período de provas e essa grave lesão à educação, como bem se vê, é de impossível reparação ou recomposição do direito vulnerado. Por tal motiiro, caracteriza-se indUvidosamente o perlariam in mora como condição da concessão da medida cautelar, com a suspensão liminar da execução daquela regra, até decisão final desta ação. Finalmente as razões até aqui expostas justificam a necessidade da suspensão da eficácia do art. 49 da referida lei. A existência do pressuposto firmas boni juris para a concessão da ordem cautelar suspensiva de efeitos está bem identificada na circunstância de que estão sendo violados vários dispositivos constitucionais antes elencados». Diante do pedido de cautelar, submeto o feito à apreciação do Plenário. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): Propõe-se, inicialmente, questão acerca da legitimidade ativa ad causam da autora. Não trouxe com a inicial a requerente documento relativo à sua organização e finalidades sociais. Os estatutos da entidade não se encontram nos autos. São notórias, entretanto, a existência da UNE e sua atividade como ente associativo de estudantes universitários brasileiros. Tem a UNE participado, ativamente, de movimentos cívicos nacionais, na defesa das 410 R.T.J. — 155 liberdades públicas, ao lado de outras organizações da sociedade brasileira, ao longo do tempo. Realiza congressos nacionais de estudantes de nível superior, sendo inequívoca sua posição de entidade nacional que congrega tais estudantes e luta pela afirmação e defesa de interesses estudantis, quanto, em nome da juventude, tem pugnado em campanhas em que se defendem interesses sociais relevantes e diversificados, inclusive pela moralidade pública. A quaestio juris que, todavia, aqui se propõe concerne ao enquadramento da UNE entre as entidades de classe de âmbito nacional a que se refere o inciso IX do art. 103, da Constituição, que dispõe sobre legitimação ativa para a ação direta de inconstitucionalidade. Será, nesse plano, a UNE entidade de classe de âmbito nacional? Se se der à cláusula «entidade de classe» compreensão ampla, a partir da só literalidade da locução, e se se lhe conferir conteúdo meramente social, a resposta deveria ser afirmativa, entendendo-se existente uma «classe estudantil», como a expressão é correntemente usada nos meios culturais e de comunicação Nesse sentido, a UNE seria entidade representativa, de âmbito nacional, da classe dos estudantes universitários brasileiros. Assim tem se proposto ser e agido a entidade requerente. Se, entretanto, se emprestar, aos efeitos do inciso IX do art. 103, da Lei Maior, compreensão estritamente de índole profissional à fórmula «entidade de classe», a resposta à indagação inicial há de ser negativa. Com efeito, sob o ponto de vista profissional, não tenho como correta a afirmação de que os estudantes constituam uma classe, enquanto ao termo se atribui conteúdo imediatamente dirigido à idéia de profissão, entendendo-se «classe» não como simples classe social, segmento social, mas como categoria profissional. De fato, no inciso IX do art. 103 da Lei Magna, prevêem-se como legitimadas à ação direta de inconstitucionalidade «confederação sindical» e «entidade de classe de âmbito nacional». De referência à primeira, a Corte firmou entendimento segundo o qual se cogita de cláusula com definição precisa, definida na Consolidação das Leis do Trabalho, onde se regulam as entidade sindicais, em seus diversos graus, constituindo, exatamente, as «confederações sindicais» as entidades de nível mais elevado na hierarquia dos entes sindicais, sempre de âmbito nacional e com representação das categorias econômicas ou profissionais que lhes corresponderem. No que concerne a «entidade de classe» de âmbito nacional («segunda parte», do inciso IX do art. 103 da Constituição), vem o STF emprestando-lhe compreensão sempre a partir da representação de interesses profissionais definidos. Não se trata, assim, apenas, de classe, no mero sentido de um certo estrato ou segmento da sociedade; cumpre se informe a noção de «classe» de conteúdo, profissional ou econômico, determinado. Assim, têm se admitido como entidade de classe de âmbito nacional a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional do Ministério Público, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia, associações nacionais de áreas da produção, do comércio e da indústria. Dessa maneira, na linha do que se tem decidido, não obstante o elevado merecimento da UNE, qual entidade à frente de campanhas nacionais beneméritas, não só em favor de estudantes universitários, como de outras causas nacionais, não compreendo se possa enquadrá-la como «entidade de classe», no sentido que se vem conferindo à cláusula constitucional do inciso IX do art. 103, da Lei Maior. Não há, efetivamente, no que se denomina «classe estudantil» ou, mais limitadamente, «classe estudantil universitária», o caráter de profissão, mas, R.T.J. — 155 tão-só, uma situação em que jovens ou adultos se preparam para o exercício de uma determinada profissão ou para o aperfeiçoamento de sua formação cultural. A educação,— está no art. 205 da Constituição,— direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Os membros da denominada classe estudantil, freqüentando os estabelecimento de ensino público ou privado, no aprimoramento de sua educação na escola, dos diversos níveis, visam, sem dúvida, tanto ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, como sua qualificação para o trabalho. Não é, entretanto, em si mesma, uma profissão em conformidade com a noção resultante do art. 52, XIII, da Lei Fundamental de 1988, ao estipular: «é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer». A respeito do conteúdo desse dispositivo, Celso Ribeiro Bastos anotou: «O direito em epígrafe assegura a qualquer pessoa exercer a título profissional — é dizer: mediante retribuição e em caráter permanente e sistemático — uma atividade que não seja socialmente recriminada, satisfeitos os requisitos em lei. De fato, o primeiro ponto é aquele que constitui o cerne do próprio direito, qual seja: a opção livre de cada um quanto à profissão que deseja exercer. Fica, aqui, pois, vedado o trabalho forçado, mesmo para o criminoso que esteja cumprindo pena (art. 9, XLVII, c)». (in Comentários à Constituição Brasileira, 22 vol., pág. 76). Com essas sucintas considerações, em que pese o merecimento da UNE, enquanto 411 atua com tanto entusiasmo cívico na defesa dos interesses dos universitários brasileiros e de causas importantes da nacionalidade, não tenho como possível reconhecer-lhe legitimidade ativa para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade, perante esta Corte, In art. 102, 1, a), e 103, IX, ambos da Lei Maior. Releva, na espécie, de outra parte, observar que a matéria objeto da inicial já vem sendo discutida nesta Corte, na ADIn n2 818-8/600 — DF, aforada pelo ilustre Procurador-Geral da República. Embora, na inicial dessa ação, se peça a declaração de inconstitucionalidade apenas das expressões: «cuja inadimplência não decorrer de encargos fixados definitivamente e reajustados nos termos desta Lei», constantes do art. 42 da Lei n2 8.170, de 17-1-1991, enquanto neste feito se postula a declaração de inv alidade de todo o art. 4 2 citado, certo é que, após o início do julgamento, a 1 2-4-1993, o ilustre autor pediu adiamento, para examinar a possibilidade de ampliar o objeto do pleito. Não conheço, pois, da ação por ilegitimidade ativa da autora, mas, pela conexão com a ADIn n2 818-8/600, determino se apensem a seus autos os desta, a fim de o ilustre Procurador-Geral da República poder conhecer e considerar, como entender de direito, o conteúdo da inicial do presente feito. VOTO O Sr. Ministro Francisco Rezek: Peço vênia para divergir do eminente relator quanto à preliminar. Já votei, de certa feita, a propósito da Central única dos Trabalhadores, em sentido adverso ao seu enquadramento no inciso IX do artigo 103 da Carta, porque me parece que aquilo que tem titularidade, à luz desse inciso, para ajuizar ação direta, 412 R.T.J. — 155 não deve ser menos do que uma classe, mas também não deve ser mais do que uma classe; e pareceu-me naquela hipótese que a Central Única era uma congregação de diversas classes trabalhadoras. No que concerne à União Nacional dos Estudantes, antes de mais nada, têm meu total endosso as considerações preliminares do Ministro relator. Poucas classes, no País, estiveram, ao longo de sua história recente, tão eficazmente e tão transparentemente representadas como a dos estudantes. Devemos fazer um juízo técnico para ver se a Constituição, quando aponta primeiro as confederações sindicais como idôneas para ajuizar a ação direta, para depois, com uma conjunção alternativa, dizer que além daquelas também o podem as entidades de classe de âmbito nacional, revela acaso uma intenção restritiva do alcance do vocábulo «classe». Refletindo a esse propósito, tenho extrema dificuldade em encontrar um argumento de solidez bastante para me convencer de que a classe estudantil se descaracteriza por algum dos fatores até agora mencionados. Aqueles que têm por profissão, em determinada fase de sua vida adulta — porque aqui tratamos de uma entidade que reúne os universitários —, essa profissão de estudante, declarada nos formulários que preenchem e estampada nos documentos que portam certamente não pretendem carregá-la ao longo de sua trajetória biográfica. Mas o fato de se cuidar de algo provisório e, ao mesmo tempo não remunerado, não me parece idôneo para desclassificar estudantes. Se a questão da classe devesse entender-se à luz da idéia de trabalho remunerado, eu teria muito mais dificuldade em aceitar como porta-voz de classe uma entidade representativa de pessoas que ganham não pelo trabalho, mas pelo capital. E já admitimos várias... Enfim, não é que eu possa lançar sobre a mesa algo de fulminante, no sentido de sustentar a aceitabilidade da UNE como instituição idônea para propor ação direta de inconstitucionalidade. E que eu me atenho aos argumentos levantados em contrário a esse propósito, e não consigo ver, nesses elementos reunidos, algo que convincentemente desvista essa entidade da prerrogativa que a Constituição de 1988 quis dar, ao lado das confederações sindicais, às entidades de classe de âmbito nacional. A UNE tem inequívoco âmbito nacional, e sua representatividade é algo historicamente reconhecido. Ela, sobretudo representa uma classe: a classe estudantil, a que poucas outras poderiam pretender exceder em notoriedade, em organização, em importância no contexto de nossa sociedade civil. Peço vênia para divergir. Na preliminar, reconheço a legitimidade da autora. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Relator e ao Ministro limar Gaivão para acompanhar o Ministro Francisco Rezek. Não posso lançar mão do que se contém no inciso XIII do artigo 52 da Constituição Federal para limitar o rol dos legitimados previsto no artigo 103 da Carta. Conforme ressaltou o Ministro Francisco Rezek, não se pode deixar de reconhecer a representatividade da UNE, e uma representatividade que atende, no particular, às circunstâncias reinantes no ensino universitário, no desempenho daqueles que estão no âmbito universitário. O inciso IX do artigo 103 da Carta refere-se a entidade de classe de âmbito nacional. A representatividade geográfica abrangente da UNE, como já ressaltado, é notória e, por isso, na esteira do pronunciamento que emiti quando da discussão da representatividade, da R.T.J.— 155 legitimação da CUT, voto no sentido de rejeitar a liminar. Tenho a UNE como entidade de classe (gênero), de âmbito nacional, cabendo-lhe, assim — e por pouco importar a inexistência de profissão — a legitimação para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade. VOTO Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente Relator para acompanhar o notável voto que acaba de proferir o eminente Ministro Francisco Rezei Minha tendência era pedir vista dos autos para tentar aprofundar a razão pela qual, na difícil tarefa de delimitar o conceito de «classe», intelectuais do maior tomo não hesitam em caracterizar como tal a comunidade dos estudantes. De minha parte, não tenho dúvida, na trilha de Bobbio (vb. Classe em Dicionário de Política, UnB, 1986, pág. 174), em divisar, na categoria social dos universitários, não apenas a um plexo de características objetivas comuns aos seus membros, mas também o sentimento de comunidade e solidariedade, que os faz identificarem-se como iguais entre si e diferentes dos que não a integram. De outro lado — considerando que a legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade das «entidades de classe de âmbito nacional» é a abertura mais significativa do acesso da sociedade civil ao controle abstrato de normas — sou dos que ainda resistem à tendência de reduzir o alcance da inovação ao âmbito puramente corporativo das classes profissionais ou econômicas, a rigor, já contemplado, no mesmo inciso IX do art. 103 da Constituição, com a legitimação das confederações sindicais. De qualquer modo, bastam-me, no caso, as razões do voto do Ministro Rezek para 413 dispensar o pedido de vista e o retardamento da decisão. Rejeito a preliminar de ilegitimidade. EXTRATO DA ATA ADIn 894 (Medida l iminar) — DF — Rel.: Min. Néri da Silveira Reqte.: União Nacional dos Estudantes — UNE. (Adv.: Luiz Fernando Casagrande Pereira). Reqdos.: Presidente da República e Congresso Nacional. Decisão: Após os votos dos Ministros Relator e Ilmm Gaivão, não conhecendo da ação por ilegitimidade ativa da requerente, e determinando o encaminhamento dos autos ao Procurador-Geral da República, e dos Ministros Francisco Rezei Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, dela conhecendo, o julgamento foi adiado pelo pedido de vista formulado pelo Ministro Paulo Brossard. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezei Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello. Vice-ProcuradorGeral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva Brasília, 25 de junho de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. VOTO VISTA (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Paulo Brossard: Trago à mesa meu voto-vista na questão preliminar suscitada pelo Relator da ADIn n2 894, em grau de juízo liminar, acerca de ser a União Nacional dos Estudantes «entidade de classe de âmbito nacional» e, assim, dispor de legitimidade ativa para propor ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte, art. 103, IX, segunda parte, da 414 R.T.J. — 155 Constituição Federal. O Relator, Min. Néri da Silveira, e o Min. limar Gaivão não reconhecem a legitimidade ativa da UNE para a ação direta, mas deles divergem os Ministros Francisco Rezek, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. 2. A legitimidade ativa para a ação direta era concedida apenas ao Procurador-Geral da República. Assim foi na vigência da Emenda Constitucional ng 16/65, que alterou a Constituição de 1946, dando nova redação à alínea k, ao art. 101, I; na Carta de 1967, art. 114, I, I; e na Carta de 1969, art. 119, I, 1, tanto na redação original como na que foi dada pela Emenda n2 7/77. A Constituição, no art. 103 ampliou a titularidade ativa para a ação direta, relacionando em nove incisos aqueles que podem requerê-la. Os sete primeiros incisos, que nomeiam o Presidente da República, as Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não têm causado perplexidades. O inciso VIII, que concede legitimidade ao partido político com representação no Congresso Nacional, pouca dúvida suscita, pois entendo que esta representação deve ter um mínimo de expressão numérica e que deve se legitimar com o resultado das eleições, forma que exclui a representação derivada. Entretanto, quando termina o rol com o inciso IX começa a angústia do intérprete, porque ele confere legitimidade à confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 3. Senhor Presidente, estamos examinando o alcance da expressão entidade de classe no exclusivo aspecto da legitimidade ativa para a ação direta e se vamos interpretá-la restritiva ou ampliativamente. Tenho a impressão que quando o constituinte falou em confederação sindical ele se certificou que tinha falado pouco e por isso acrescentou ou entidade de das- se de âmbito nacional, de forma que a expressão ampliou o alcance do inciso, mas o âmbito nacional é comum tanto à confederação sindical como à entidade de classe. 4. Tendo entendido que deveria haver uma seleção, não vou dizer rigorosa, mas cuidadosa, no reconhecimento de determinadas entidades como habilitadas a ajuizar ação direta, porque figuram num elenco privilegiado, ao lado das mais altas autoridades do País e dos Estados, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Procurador-Geral da República, de partidos políticos com representação no Congresso Nacional, de Confederações Sindicais. O Instituto dos Advogados não pode ajuizar a ação direta, nem o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a mais antiga das sociedades civis de cunho cultural existente no Brasil; a Academia Brasileira de Letras também não pode; entretanto, entidades de quarta classe têm sido admitidas a fazê-lo. Sempre entendi que deveria haver uma correspondência, ainda que relativa, entre a entidade de classe e as autoridades ou entidades quinhoadas com a qualificação constitucional. Admiti que a Federação das Associações Comerciais aforasse ação direta de inconstitucionalidade, pois entendo que se há uma classe com características mais ou menos definidas em todo o País é a dos mercadores. No entanto, fiquei vencido. Com dúvidas, vou acompanhar o Ministro Relator para entender que a UNE, a despeito de sua importância, não chega a ser <entidade de classe de âmbito nacional». É mais representativa de uma faixa etária, de um momento na curva vital, que passa com o tempo, que uma entidade de classe. Reservando-me a faculdade de reexaminar a questão, especialmente em face do entendimento da Corte a respeito, acompanho o Relator. R.T.J. —155 É o meu voto. VOTO (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): Sr. Presidente. Em meu voto, registrei a importância que os estudantes têm tido em movimentos diversos, bem assim a significação histórica da UNE nas lutas libertárias da Nação. Mas, o que não reconheci — e não verifiquei a possibilidade de reconhecer — é a existência de uma «classe» dos estudantes, a partir do conceito de classe que se informa de um conteúdo também econômico, a par de sua expressão como segmento social. Não é apenas no sentido de segmento social que a Constituição, quando fala em entidade de classe de âmbito nacional, está se referindo, mas exatamente alude a Lei Magna a categorias, em que há sempre um conteúdo econômico em sua definição. O conjunto dos estudantes não se manifesta como categoria, de conteúdo econômico, mas, tão-só, como segmento social. Havendo emprestado um conteúdo econômico predominante a essa defmição de classe, não reconheci, em decorrência, ao agrupamento nacional dos estudantes do Pais, o sentido de uma classe para os fins previstos na Constituição. A Lei Maior prevê, no art. 103, IX, uma entidade representativa da defesa dos interesses da classe: confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Assim, não consideraria, por igual, por exemplo, se houvesse, uma Associação Nacional dos Idosos, como enquadrada no art. 103, IX, da Constituição. A entidade nacional dos jovens, dos estudantes, em que pese seu papel histórico, pelo trabalho desenvolvido pela UNE, não atende aos pressupostos para enquadramento no dispositivo constitucional examinado. 415 VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso:, Sr. Presidente, parece-me que os estudantes podem ser considerados uma classe. Na verdade, através dos tempos, a classe dos estudantes tem sido notada em momentos graves da vida nacional. Ademais, é uma classe com interesses próprios. Neste caso, por exemplo, o objeto da ação diz respeito à cobrança de anuidade, cobrança de mensalidades, o que é do interesse dos estudantes, a demonstrar que a classe tem seus objetivos e interesses próprios e deve ter, portanto, condições de defendê-los. Uma das formas, é mediante a ação direta. Assim, Sr. Presidente, peço licença ao Sr. Ministro Relator para emprestar interpretação mais abrangente, mais larga, ao preceito constitucional e dar pela legitimidade da UNE para propor a ação direta. VOTO (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Sydney Sambes: Sr. Presidente, a jurisprudência do Tribunal vem se firmando no sentido de que entidade de classe, para os efeitos do inciso IX do art. 103, da Constituição Federal, é apenas aquela que reúne pessoas da mesma categoria econômica ou profissional. Não me parece que os estudantes formem uma categoria econômica ou profissional, embora se reconheça a extrema importância desse segmento da sociedade. Peço vênia, pois, para acompanhar os votos do Ministro Relator e dos que o seguiram. EXTRATO DA ATA ADIn 894 (Medida Liminar) — DF — Rel.: Min. Néri da Silveira. Reqte.: União Nacional dos Estudantes — UNE (Adv.: Luiz Fernando Casagrande Pereira). Reqdos.: Presidente da República e Congresso Nacional. 416 R.T.J. — 155 Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal não conheceu da ação, por ilegitimidade ativa da requerente, encaminhando-se os autos ao Procurador-Geral da República, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Francisco Rezek, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, que dela conheciam. Votou o Presidente. Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 18 de novembro de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N 2 987 — DF (Medida Liminar) (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro limar Gaivão Requerente: Federação Nacional das Associações Economiárias — Fenae — Requerido: Presidente da República Constitucional. Ação direta. Ilegitimidade ativa Entidade nacional de classe. Economiários. CEF. A Federação Nacional das Associações Economiárias, que não tem caráter sindical, não é entidade nacional de classe, na acepção consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, já que constitui associação de associações, sem representar diretamente pessoas físicas. Ainda que assim não fosse, os economiários não se destacariam como uma classe específica, pois, como revela a legislação trabalhista, enquadram-se na categoria dos bancários. Hipótese em que a entidade, congregando apenas parcela de categoria profissional, tem como fator de coesão apenas a identidade do empregador — a Caixa Econômica Federal —, o que não basta para conferir-lhe legitimidade à luz do art. 103, IX, da Constituição Federal e dos precedentes desta Corte (ADIns n2s 34 e 976). Ação Direta extinta por ilegitimidade da Autora. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em não conhecer da ação, por ilegitimidade ativa, ficando em conseqüência, prejudicado o pedido de medida liminar. Votou o Presidente. R.T.J. — 155 Brasília, 26 de maio de 1994 — Oetavio Gallotti, Presidente —limar Gaivão, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): No exercício eventual da Presidência, durante o último recesso, o eminente Ministro Sepülveda Pertence, apreciou pedido de medida liminar na presente ação direta, exarando o seguinte despacho (fl. 51): «A Federação Nacional das Associações Economiárias propõe ação direta de inconstitucionalidade da Medida Provisória n2 409, de 6-1-94, com pedido de suspensão cautelar de todo o ato normativo, ou pelo menos, dos arts. 42, I, e 52, do mesmo diploma. Sustenta a petição inicial a legitimação da autora, com base no art. 103, IX, in fine, da Constituição: explica que não é federação sindical, mas entidade «cujo objetivo é exercer a representação das associações de uma classe específica, os economiários». No mérito, assinala que a MP n2 409/94 constitui reedição da MP n2 382/93, cujos arts. 42, I e 52 tiveram suspensão, na ADIn 985, por despacho do em. Ministro Marco Aurélio. Donde a inconstitucionalidade suscitada: a Constituição não admitiria a reedição de medida provisória não convertida em lei, no prazo de 30 dias, hipótese em que, a teor do art. 62, parágrafo único, perde ela a sua eficácia, desde a sua edição, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar a relações jurídicas delas decorrentes. Por outro lado, violado estaria ainda o art. 62, CF, à falta dos requisitos relevância e urgência para a edição do ato normativo com força de lei pelo Presidente da República, uma vez que a apli- 417 cação do seu art. 37, XI pende da faação do «limite máximo e a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos», mediante lei, que não poderia ser substituída por medida provisória. A inicial argúi, finalmente, a inconstitucionalidade material dos arts. 42, I, e 52, da MP 409/94: o primeiro, porque, contraria o art. 173, daConstituição, que exclui, da aplicação do art. 37, XI, os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica; o segundo, porque viola a garantia da irredutibilidade dos salários (art. 72, I). Presente na Capital da República, durante as férias forenses, e ausentes o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal, cabe-me decidir, ad referendum do Plenário, sobre o pedido de medida cautelar (RISTF, arts. 13, VIII, e 37, I, in fine). Fatalmente suscitará dúvidas a legitimação da autora para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Cuida-se, em primeiro lugar, de uma entidade de segundo grau, cujos filiados não são os economiários —empregados da Caixa Econômica Federal —, mas, sim, as entidades que os congregam, em cada Estado. A circunstâncias tem levado diversos juízes da Corte a negar a tais «associações de associações» o caráter de entidade de classe, para o fim do art. 103, IX, CF, embora seja certo que, em nenhum dos casos em que aventada, essa objeção tenha sido o fundamento exclusivo do julgamento de carência da ação (c., v.g., ADIn 271/92, M. Alves; ADIn n2 444,14-6-91, M. Alves, LEX 157/23; ADIn n2 433, 13-11-91, M. Alves, RTJ 164/12; ADIn n2 79, Lex 169/40 e ADIn 418 R.T.J. — 155 108, RTJ 141/3, ambas de 13 4-92, C. Mello). cificidade de classe diferenciada ao conjunto de seus empregados. Como, em todos esses casos, outras razões suscitadas seriam também bastantes para alicerçar o juízo de ilegitimidade ativa, a restrição às entidades de classe de segundo grau — que pessoalmente, não acolho (cf., v.g., o voto na ADIn n9 526) — não é de ser invocada como jurisprudência assente do Tribunal, para, em decisão individual, trancar, de logo, a ação direta. No mérito, neste juízo liminar de delibação, não diviso maior densidade às alegações de inconstitucionalidade formal endereçadas à medida provisória. Há, no entanto, outro obstáculo previsível à qualificação pretendida pela autora: diz ela com a própria caracterização como classe dos economiários — empregados da Caixa Econômica Federal —, a qual, para o fim pretendido, já foi negada a outra comunidade de servidores de uma única empresa estatal de âmbito nacional (cf. ADIn n' 34, 5-4-89, Gallotti, RTJ 128/481). Por fim, a ser admitida, a legitimação da autora não alcançaria jamais a totalidade da medida provisória: mas dado o requisito da pertinência temática entre a norma questionada e o objeto social da entidade de classe a que a jurisprudência impõe como limite sua qualificação para propor ações diretas (v.g. ADIn n' 305, mc, 22-5-91; ADIn n' 714, Gallotti, 5-8-93; ADIn n 893, Velloso, 23-3-90; ADIn n9 913, M. Alves, 18-8-93) —, ela se limitará aos dois preceitos já mencionados, os arts. 49, 1 e 59, no que dizem com os empregados de empresas públicas. Entendo, não obstante, nessa medida, que o tema deve ser devolvido ao exame originário do Plenário da Corte, de modo a que possa melhor indagar se as peculiaridades da Caixa Econômica Federal, no universo das instituições financeiras, são bastantes a conferir espe- Certo, o Supremo Tribunal em decisão liminar, cuja fundamentação, porém, tem sabor de tomada de posição definitiva —, repeliu a legitimidade da nova edição de medida provisória de conteúdo substancialmente idêntico ao daquela cuja conversão em lei tenha sido rejeitada por deliberação explícita do Congresso Nacional (Cf. ADIn n" 293, mc, 6-6-90, Celso de Mello, Lex 178/54). Não é possível extrair daí, contudo, a mesma inadmissibilidade de reedição de medida provisória na hipótese de decadência da anteriormente baixada pelo decurso do prazo constitucional, sem que o Congresso Nacional deliberasse acerca de sua conversão em lei. Ao contrário, no mesmo precedente, diversos dos votos que compuseram o acórdão unânime distinguiram os ,dois casos para admitir que, ao contrário da rejeição explícita, a falta de apreciação do ato pelo Congresso Nacional faz caducar ex tune a sua eficácia normativa, mas não inibe — se perdure o estado de relevância e urgência —, a emissão de nova medida provisória, de conteúdo idêntico ou assimilável ao da primitiva. (cf., ADIn n' 293, os votos dos Ministros Celso Mello, Lex 178/54, 67 e Aldir Passarinho, ib., pág. 87). No mesmo sentido — malgrado reservas de melhor exame — parece limitar a decisão que indeferiu a suspensão cautelar da MP 182/90, que reiterava preceitos de outras, não convertidas em lei, mas, sem rejeição expressa (cf., R.T.J. —155 ADIns n2s 292 e 295, de 22-6-90, Paulo Brossard, com alguns votos in Leon F. Szklarowsky, Medidas Provisórias, ed. RT, 1991, págs. 161 ss.). A mesma distinção tem sido acolhida pela própria Câmara dos Deputados (cf., CG, Parecer 1/89, Nelson Jobim) e também ponderável corrente da doutrina (v.g., Caio Tácito, Medidas Provisórias na Constituição de 1988, RDA, 9W50,55; Calmon de Passos, Medidas Provisórias, Anais da XIII Conferência nacional da OAB, 1990, pág. 283, 287; Leon F. Szklarowsky, Medidas Provisórias, RT, 1991, pág. 650; Clemerson M. Cléve, As Medidas Provisórias e a Constituição Federal de 1988, Juruá, 1991, pág. 77), não obstante a respeitabilidade das opiniões em contrário. Igualmente, não inibe o poder presidencial de reedição a sustação cautelar, na ADIn 985, de normas da medida provisória primitiva, reproduzidas pela nova: a caducidade da primeira prejudica a ação direta em curso, que atinha por objeto (ADIn n2 529, desp., Pertence, RTJ 139/697) e a motivação da decisão liminar não vincula os órgãos da função legislativa, de modo a impedi-los de renovar preceitos normativos por ela suspensos. De sua vez, igualmente não convence, à primeira vista, a idéia de que o art. 37, XI, da Constituição, contenha reserva qualificada da matéria nele versada — seja a da área do Direito Administrativo, seja a do Direito do Trabalho —, disciplina privativa da lei formal, de modo a excluir o seu trato por medidas provisórias. Finalmente, admitida, em tese, a medida provisória sobre o tema, a circunstância de objetivar-se a efetividade de princípio constitucional da administração pública, antes* de elidi-los, ao invés, 419 parece concorrer para a afnmação, no caso, dos pressupostos de relevância e urgência da emissão do ato normativo questionado. Questão mais fascinante é a suscitada a respeito da incidência do art. 37, XI, da Constituição — no ponto em que sujeita a remuneração dos servidores públicos do Poder Executivo ao teto dos valores percebidos em espécie pelos Ministros de Estado —, sobre os salários dos empregados das empresas estatais de exploração de atividade econômica. Ao deferir a medida cautelar na ADIn n2 985, relativa à Medida Provisória 382/93, no particular, idêntica à que agora se ataca —, anotou a propósito o em. Ministro Marco Aurélio, no exercício eventual da presidência da Corte: «Esta ação direta de inconstitucionalidade está dirigida contra os arts. 42, inciso I e 52 da Medida Provisória n2 382, de 6 de dezembro de 1993, que dispuseram sobre a aplicabilidade de teto aos empregados e dirigentes das entidades da administração indireta. Em síntese, aponta-se que o disposto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal é pertinente aos servidores públicos e que, conforme doutrina e jurisprudência, os prestadores de serviços de sociedades de economia mista e empresas públicas não têm esse status. Evoca-se o disposto no § 12 do artigo 173 do Diploma Maior. Passados cinco anos da promulgação de nossa atual Carta da República, empolga-se o disposto no art. 62 desta sempre a pressupor a relevância e a urgência da medida, regendose, com a minudência reclamada pelo 420 R.T.J.-155 momento e pelas práticas notadas, a observância do teto previsto no inciso XI do artigo 37 referido. Apanhados foram dirigentes e empregados de sociedades de economia mista e de empresas públicas. A tanto equivale a utilização da expressão «empregados das entidades da administração direta e indireta» a nível federal, porquanto é sabido que aqueles que prestam serviços à União propriamente dita — administração direta e na indireta de forma estrita (autarquias e fundações públicas) — estão regidos por diploma próprio, ou seja, o chamado regime jurídico único e, portanto, possuem a qualificação de servidores públicos. Pois bem, ao que tudo indica, durante mais de cinco anos e sob a fiscalização do Tribunal de Contas da União, entendeu-se impertinente o teto constitucional, no que o preceito respectivo apenas a ele submete os servidores públicos — confira-se com o teor do inciso XI do art. 37 da Constituição Federal.» De minha parte, em termos de convicção pessoal, não teria dúvidas, na questão de fundo, em subscrever essas considerações cuja linha de raciocínio já trilhara, quando votei, vencido, pelo deferimento da medida cautelar na ADIn n2 787, 7-10-92, Gallotti, ajuizada contra o art. 2° da Lei n2 237/92, do Distrito Federal, de teor assimilável, no que interesse, ao art. 4°, 1, da MP n° 409/94, objeto desta ação direta. Naquela ocasião, ponderei — RTJ 143/66, 71-2): «Jamais pude ler, nas referências do art. 37 a servidor público, abrangência para nelas compreender os empregados das empresas estatais. Por outro lado, fui Relator do acórdão unânime deste Plenário, na Ação Direta n2 83, invocada pelo autor, e assentou o Tribunal: «A Constituição estadual não pode, como fez a do Estado de Minas Gerais, impor à pessoas de direito privado, posto que integrantes da administração indireta estadual, prestações de natureza salarial, qual o reajustamento progressivo dado a todos os empregados das sociedades de economia mista, empresas públicas e outras entidades de direito privado sob o controle direto ou indireto do Estado, ou a reposição salarial assegurada aos bancários das instituições financeiras estaduais». Resumi, na ementa, a Doutrina, então endossada, para honra minha, pela unanimidade da Corte. «No regime próprio das empresas privadas», imposto pela Constituição aos bancos do Estado, porque sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, a determinação do quantum da prestação salarial resulta de três fontes normativas exclusivas: ou decorre da lei, ou de sentença normativa ou do contrato individual ou coletivo de trabalho (nos quais se inserem e a cujo regime obrigacional se submetem as melhorias outorgadas por atos unilaterais do empregador, tenham alcance individual ou geral, como o regulamento da empresa): ora, preceito transitório da Constituição do Estado, que determina reposição salarial — como o que ora se questiona —, em relação às empresas bancárias estaduais, não se legitima como lei material — que, versando sobre salários, matéria de Direito do Trabalho, seria da competência exclusiva da R.T.J. — 155 União (CF, art. 22, I) — não substituem sentença normativa, nem caracterizam ato de outorga unilateral de vantagem emanado do Estado-empregador». Ora, Senhor Presidente, o que vejo, de diferença aqui na lei local do Distrito Federal em relação ao texto, então impugnado, da Constituição estadual de Minas é simplesmente que, no caso de Minas Gerais, a tentativa de tratar, de dar disciplina de direito público local a questão salarial de empregados de empresas estatais favoreceria aos empregados, enquanto na lei do Distrito Federal prejudica os trabalhadores. O artigo 173 da Constituição, no entanto, é via de mão dupla De um lado, de fato, visa liberar as empresas estatais do regime legal do funcionalismo público: de outro lado, não só como garantia dos trabalhadores, mas como instrumento do regime, que se quis instituir, de livre concorrência, esse artigo visa também a evitar que empresas estatais sejam cercadas de privilégios que não se outorguem às empresas privadas concorrentes. Ora, se admitimos teto para o bancário, porque empregado de um banco controlado pelo Distrito Federal, estamos fugindo nitidamente da doutrina fixada pelo Tribunal na Ação Direta n° 83, e estamos criando, sim, um privilégio em favor do banco estatal na competição com as empresas privadas do mesmo ramo. Não consigo, Senhor Presidente, interpretar o art. 173, data venta, conto via de mão única, que só se aplicará para impedir que a legislação, sobretudo a legislação local, estenda alguma vantagem de servidor 421 público aos empregados das empresas estatais, mas não quando a lei local discriminar contra os empregados das empresas estatais. Não o admito, por dois motivos: primeiro, porque a Constituição os pôs como trabalhadores membros de uma categoria; segundo, porque o tratamento, além de discriminatório em relação a esses empregados, enquanto trabalhadores, é privilegiador de empresa estatal, num ponto, o das relações trabalhistas, em que a Constituição explicitamente vedou o privilégio». Sucede, repita-se, que se trata de um voto vencido, que se somou, então aos dos eminentes Ministros Marco Aurélio (RTJ 143/69) e Carlos Valioso (RTJ 143/72): aos sete demais ilustres Juízes da Corte pareceu, ao contrário, que a argüição da inconstitucionalidade daquela lei local, que sujeitou ao limite da remuneração dos Secretários do Distrito Federal a dos empregados de suas empresas públicas e sociedades mistas — então aventada com os mesmos argumentos ora reagitados —, não se credenciava à suspensão cautelar da norma impugnada, seja pela «insuficiente relevância da fundamentação jurídica do pedido», seja porque ausente a «de- monstração do perigo da demora, considerada a faixa salarial mais elevada, sobre a qual incide a restrição» (da ementa da ADIn 787, Gallotti, RTJ 143/66). Nas circunstâncias em que devo proferir essa decisão liminar, não posso fazer abstração do precedente do Tribunal, na referida ADIn n2 787, sobre questão estritamente similar à da espécie. No delicado mecanismo institucional do controle abstrato da constitucionalidade das leis, a suspensão cautelar e 422 R.T.J. —155 da norma impugnada é um poder jurisdicional de dimensões políticas incomuns: o seu exercício paralisa a vigência da lei, antes de pronunciada a sua ilegitimidade constitucional. É significativo que, de todos os sistemas positivos de controle direto, originariamente, só o controle alemão, na lei de 1951, sobre o Tribunal Constitucional Federal, § 32, haja dado à Corte a possibilidade, «em caso, de litígio, de regular uma situação por medidas provisórias, quando o exigir o interesse geral, para evitar um perigo iminente ou por uma outra razão relevante» (cf. J. C. Beguin, Le Contrôle de Constitucionalité des Mis en République Fédérale d'Allemagne, Economica, Paris, 1982, pág. 158). No Brasil, a admissibilidade da medida cautelar em representação por inconstitucionalidade surgiu de construção pretoriana, ainda ao tempo de sua exclusiva vinculação à intervenção federal nos Estados (Repr. n2 467, desp. 30-1-61, Victor Nunes, apud RTJ 23/1, 36 ss.: Ag Repr. n2 466, 22-1-62, Ary Franco, RTJ 23/1); consolidou-se, não sem controvérsias, mediante interpretação do Regimento Interno, já quando da representação genérica (v.g., Repr. n2 933, 5-6-75, Thompson Flores, RTJ 76/342; Repr n2 945, 17-12-75, Cunha Peixoto, RTJ 76/33), antes que, por inovação da EC n2 7/77, art. 119, I, b, da Carta de 69 — hoje, mantido, para a ação direta, no art. 102, I, b, CF —, a incluísse expressamente no rol de competências do Supremo Tribunal. Cuida-se porém, de competência outorgada ao próprio Tribunal, autônoma em relação à de julgar a ação direta de inconstitucionalidade e, por isso, de há muito, reservada originariamente à decisão do plenário da Corte e só excep- cionalmente, em hipóteses de qualificada urgência, à decisão individual, mas sujeita a referendum, do relator ou, nas férias, do Presidente do Tribunal. Na espécie, a urgência é inegável, uma vez que se questionam normas com incidência em numerosos salários do mês em curso. Mas — devendo decidir da medida cautelar, em lugar, a um tempo, do Tribunal e do seu Presidente —, creio-me vinculado à orientação majoritária sobre o tema, do precedente a que me referi, ainda que à custa do sacrifício, si et in quantum, do meu convencimento pessoal. Desse modo, ad referendum do Plenário, indefiro a medida cautelar. Solicitem-se informações.» Na mesma ocasião, despachou Sua Exa. a Ação Direta n2 991, oferecida contra a mesma medida provisória, com autos em apenso, julgando prejudicado o pedido de medida liminar, em face da decisão acima transcrita. Para o reexame do Plenário, trago os autos em mesa, na forma regimental. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): Examino a preliminar de legitimidade da Federação Nacional das Associações Economiárias para a propositura da ação direta. Apesar de sua denominação, a Autora é quem primeiro reconhece, para efeito de afastar a aplicação da jurisprudência desta Corte quanto à ilegitimidade das federações nacionais, não se enquadrar nesta espécie de entidade representativa (fl. 3), o que vem comprovado por suas normas estatutárias, que definem como sendo filiadas - 155 ou federadas exclusivamente as associações de pessoal da Caixa Econômica Federal (fls. 20/22: arts. 42, e e r), sem nenhuma referência às entidades que propriamente formam a base de uma estrutura verdadeiramente sindical — sindicatos ou federações —, de acordo com as normas de regência da matéria (art. 534 da CLT). Afastado o caráter sindical da entidade prejudica-se o exame de seu enquadramento no permissivo do inciso IX, 1 2 parte, do art. 103 da Constituição Federal. A legitimado da Autora, como abertamente declarado, viria sustentada na sua condição de entidade nacional de classe, indicando-se como tal a categoria dos economiários, vinculados à Caixa Económica Federal. Ocorre, contudo, como observado pelo douto despacho, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem inadmitido a instauração do controle abstrato de constitucionalidade às chamadas «associações de associações», onde os representados são as próprias pessoas jurídicas, autônomas em relação às pessoas físicas que, no entanto, são as que, verdadeiramente, constituem uma classe para efeito do exercício do direito de ação, cogitado na espécie. De qualquer sorte, ainda que se pretendesse indicar o contrário, restaria duvidosa a qualificação dos economiários como uma classe, no exato sentido constitucional da expressão. Isto considerando que, no precedente citado pelo despacho (ADIn n234, Relator Ministro °dali° Gallotti), o Plenário julgou que a associação de empregados de determinada empresa — naquele caso, a CAEEB, empresa pública federal, tal qual a Caixa Econômica Federal — não se caracterizava como entidade de classe «por não congregar uma categoria de pessoas intrinsecamente distinta das demais, mas somente agrupadas pelo interesse contingente de estarem a serviço de determina- 423 do empregador.» Em decisão mais recente, a Corte, reafirmando o precedente, julgou parte ilegítima para o controle abstrato de constitucionalidade a Associação dos Engenheiros da Petmbrás (ADIn n 2 976, Relator Ministro Carlos Venoso), os quais não se diferenciam, à toda evidência, dos demais profissionais pela categoria, não fora a qualidade de sua empregadora. Na espécie, os economiários postulam ser classe por sua qualidade profissional, a qual, contudo, não me parece, para tanto, ter a necessária identidade, considerando especialmente que, na própria legislação trabalhista, o tratamento que se lhes confere é a de bancários, consoante os termos do art. 224 da Consolidação das Leis do Trabalho, que se refere expressamente aos empregados da Caixa Econômica Federal. Daí porque vislumbro que a única especificidade dos economiános, em face da categoria dos bancários, reside na condição do empregador, o que, segundo os precedentes retrocitados, é contingencial, não permitindo seja configurado o conceito de classe, de acordo como exigido pela Constituição Federal. Ante o exposto, apreciando a preliminar que o eminente Ministro Sepúlveda Pertence reservou ao exame originário deste Plenário, meu voto é no sentido de julgar extinta a presente ação direta, sem o exame de mérito, prejudicada a apreciação da medida cautelar. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também acompanho o Ministro Relator. Deixo ressalvado, uma vez mais, que, de novo, o tema da chamada «associação de associações» vem cumulado com outro fundamento bastante para afirmar-se em con- 424 R.T.J. — 155 creto a ilegitimidade. Cinjo-me ao segundo fundamento, com a ressalva de, quando oportuno e necessário, pedir a atenção da Casa para essa restrição, que não consigo entender, pois é notório o fato de que algumas das entidades mais inequivocamente voltadas à defesa de classes no Pais são, até por mimetismo com a organização federativa do País, entidades de segundo grau, entidades que reúnem as entidades regionais às quais se filiam pessoalmente os membros da classe. EXTRATO DA ATA ADIn 987 (Medida Liminar) — DF — Rel.: O Sr. Min. Binar Gaivão. Reqte.: Federação Nacional das Associações Economiárias — FENAE (Advs.: Ricardo Quin- tas Carneiro e outros). Reqdo.: Presidente da República. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal não conheceu da ação, por ilegitimidade ativa, ficando, em conseqüência, prejudicado o pedido de medida liminar. Votou o Presidente. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Moreira Alves. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasfiia, 26 de maio de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N 2 1.011 — MA (Medida Liminar) (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro limar Gaivão Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão Constitucional. Ação direta. Medida liminar. Imunidades. Extensão aos Governadores de Estado. Responsabilidade por atos estranhos às funções. Prisão antes da sentença condenatória. Infrações comuns. No julgamento da medida liminar na ADIn n 2 978, o Plenário, por unanimidade, reconheceu que a imunidade a atos estranhos ao exercício das funções, prevista em relação ao Presidente da República, não podia, em princípio, ser estendida aos Governadores de Estado. Na mesma ocasião, por maioria de votos, considerou igualmente relevante a alegação de inconstitucionalidade na extensão da imunidade relativa à prisão antes da sentença condenatória. O precedente, inteiramente aplicável à espécie, autoriza, assim, a concessão da medida liminar. R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia do art. 67 da Constituição do Estado do Maranhão. E, por maioria de votos, também deferir o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, o efeito do § 32 do art. 66, da mesma Constituição, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o indeferia. Votou o Presidente. Brasília, 15 de junho de 1994 — Paulo Brossard, Presidente — Binar Gaivão, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): O eminente Procurador-Geral da República propõe a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, do § 32 do art. 66 e do art. 67 da Constituição do Estado do Maranhão, cujo teor é o seguinte: «Art. 66. § 32 Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Governador do Estado não estará sujeito a prisão. Art. 67. O Governador do Estado, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.» Sustenta o Autor que as normas de imunidade, que têm por efeito o afastamento da incidência das normas processuais penais, de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da CF), não podem ser estendidas aos Governadores de Estado, à 425 míngua de expressa previsão constitucional. Acrescenta que as normas impugnadas não tratam das relações entre os Poderes do Estado, de modo que, a esse pretexto, não são de observância obrigatória pelas unidades federadas, como ocorre no tocante à autorização da Assembléia Legislativa para a instauração de ação penal contra o Governador do Estado. Destaca o Autor os votos proferidos na Queixa-Crime n2 427 e na Ação Penal n2 303, assinalando que a extensão da regra da autorização teria decorrido ainda da circunstância de o Chefe do Poder Executivo da unidade federada estar sujeito à jurisdição criminal de um Tribunal federal, o que põe em discussão também o tema da autonomia dos Estados-membros. Para finalizar, afirma que, aos Governadores, por não serem Chefes de Estado, tal como o Presidente da República, fica vedado o gozo das imunidades que a este são próprias e que, por sua natureza, devem ser expressamente previstas na própria Constituição Federal, como ocorre no caso de Deputados estaduais (art. 27, § 15. Requer o Autor medida cautelar, ante a relevância dos fundamentos jurídicos do pedido e o periculum in mora, estando este configurado, segundo alega, porque «essas regras de imunidade impedem, em caráter permanente, qualquer procedimento penal em relação aos Governadores dos Estados.» Inicialmente distribuídos ao eminente Ministro Frandsco Rezek, os autos vieram-me redistribuídos em virtude de Questão de Ordem, suscitada na ADIn n2 1.012. Para a apreciação do pedido, trago o feito em Mesa, na forma regimental. É o relatório. 426 R.T.J. — 155 VOTO O Sr. Ministro limar Galvão (Relator): As normas ora impugnadas têm teor idêntico ao daquelas que foram suspensas, com a concessão de medida cautelar, na ADIn n2 978, sob minha relatoria, julgada na sessão de 17-12-93. Persisto no enfoque, já que estou atuando no Pleno e não em Orgão fracionado e, por isso, peço vênia àqueles que entendem de forma diversa, para, no particular, indeferir a liminar. Naquela ocasião, o Plenário, por unanimidade de votos, deferiu a suspensão cautelar em relação ao dispositivo pelo qual se garantia ao Governador de Estado, na vigência de seu mandato, não ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. O Sr. Ministro Celso de Mello: A Constituição do Maranhão, reproduzindo nos preceitos impugnados o conteúdo normativo dos §§ 32 e 42 do art. 86 da Carta Política, estendeu ao Governador prerrogativas de ordem processual penal apenas compatíveis com a condição de Chefe de Estado, atribuída, no plano de nossa organização político-constitucional, ao Presidente da República. O discurso normativo inscrito nos atos questionados coloca-se em clara relação de antagonismo com o postulado republicano, pois implica derrogação inaceitável da responsabilidade que inere a todos quantos — Governadores ou não — exercem o poder estatal. A responsabilidade dos governantes, num sistema constitucional de poderes limitados, tipifica-se como uma das cláusulas essenciais inerentes à configuração mesma do primado da idéia republicana, que se opõe — em função de seu próprio conteúdo — às formulações teóricas ou jurídico-positivas que proclamam, nos regimes monárquicos, a absoluta irresponsabilidade pessoal do Rei, tal como ressaltado por José Antonio Pimenta Bueno («Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império», pág. 203, item n2 267, 1958, Ministério da Justiça — DIN). Embora irrecusável a posição de grande eminência do Presidente da República e dos Governadores de Estado no contexto político-institucional emergente de nossa Carta Política, impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de Houve, contudo, divergência quanto ao parágrafo que estabeleceu que, enquanto não sobreviesse sentença condenatória, nas infrações comuns, não estaria aquele mandatário sujeito a prisão. Manifestei-me, declarando que não vislumbrava, quanto ao ponto, relevância jurídica na tese de inconstitucionalidade, sendo, contudo, vencido pela douta maioria, que concedeu a suspensão cautelar nos termos em que requerida pelo eminente Procurador-Geral da República. Assim sendo, atento ao precedente, voto pela concessão da medida cautelar, suspendendo, até o julgamento final da ação, a vigência do § 3 2 do art. 66 e do art. 67 da Constituição do Estado do Maranhão. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia para, no particular, insistir no convencimento. Entendo que a imunidade prevista quanto ao Presidente da República, por simetria, por constituir-se em um princípio, estende-se ao Governador do Estado, tendo em vista as repercussões da expedição, contra ele, de um mandado de prisão, considerado um simples processo, ainda não se tendo em si uma sentença condenatória. VOTO R.T.J. — 155 responsabilizá-los, penalmente, pelos atos ilícitos que eventualmente venham a praticar no desempenho de suas funções. Mesmo naqueles Países, cujo ordenamento político revelauma primazia do Poder Executivo, derivada do crescimento das atividades do Estado, ainda assim — e tal como salienta Josaphat Marinho (RDA 156/11) — essa posição hegemônica no plano jurídico-institucional «não equivale a domínio ilimitado e absorvente», basicamente porque a expansão do arbítrio deve ser contida por um sistema que permita a aferição do grau de responsabilidade daqueles que exercem o poder. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo configura «uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é elemento essencial da forma republicana democrática que a Constituição brasileira adotou...» (Paulo de Lacerda, «Princípios de Direito Constitucional Brasileiro», pág. 459, item n2 621, vol. I). A sujeição do Presidente da República — e também dos Governadores de Estado — às conseqüências jurídicas de seu próprio comportamento é inerente e consubstanciai, desse modo, ao regime republicano, que constitui, no plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões políticas fundamentais adotadas pelo legislador constituinte brasileiro. Não obstante a posição hegemônica que detém na estrutura político-institucional do Poder Executivo, o Governador do Estado, que, como qualquer outro cidadão deste Pafs, é também súdito das leis, não se exonera da responsabilidade emergente dos atos que tenha praticado. A forma republicana de Governo, analisada em seus aspectos conceituais, faz instaurar, desse modo, um regime de respon- 427 sabilidade a que se deve submeter, de modo pleno, o Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios. O princípio republicano, que outrora constituiu um dos núcleos imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir de 1891, não obstante sua plurissignificação conceituai, consagra, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos — o Presidente da República e os Governadores de Estado, em particular —são responsáveis perante a lei (Wilson Accioli, «Instituições de Direito Constitucional», págs. 408-428, itens 166/170, 21 ed., 1981, Forense; José Afonso da Silva, «Curso de Direito Constitucional Positivo», pág. 472, 52 ed., 1989, RT; Marcelo Caetano, «Direito Constitucional», vol. 11/239, item n2 90, 1978, Forense). Cumpre destacar, nesse contexto, o magistério de Geraldo Ataliba, para quem, verbis: «A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial.» («República e Constituição», pág. 38, item 112 9, 1985, RT — grifei) Não obstante o inquestionável consenso doutrinário em tomo desse aspecto fundamental do princípio republicano, o legislador constituinte brasileiro introduziu no texto de nossa Carta Política, em seu art. 86, § 42, um preceito que, outorgando ao Presidente da República privilégio de ordem políticofuncional, excluiu-o — e a ele somente — da possibilidade de submissão a qualquer ação persecutória do Estado ~juízo. Essa cláusula de exclusão, que inibe a atividade processual do Poder Público, alcança, em 428 R.T.J. — 155 sede judicial, as infrações penais comuns praticadas pelo Chefe do Poder Executivo da União na vigência do seu mandato, des- de que estranhas ao ofício presidencial. A regra consubstanciada no par. 42 do art. 86 da Constituição Federal — e agora ilegitimamente inserida na Constituição do Maranhão — não ostenta qualquer caráter de originalidade no plano de nosso constitucionalismo republicano, visto que se limitou a reproduzir o conteúdo de norma semelhante inscrita no art. 87 da Carta Política outorgada por Getúlio Vargas em 1937. Araújo Castro, ao analisar esse preceito da Carta ditatorial do Estado Novo — e cujo teor bem se adequava à lógica e à natureza mesma do regime autoritário então instituído —, observava: «Atualmente, o presidente da República, de acordo com o que estabelece o referido art. 87 da Constituição, não está sujeito a processo de julgamento por crimes comuns durante o exercício de suas funções, respondendo somente por eles depois de expirado o mandato.» («A Constituição de 1937», pág. 202, 22 ed., 1941, Freitas Bastos) O sistema hoje consagrado na Constituição Federal brasileira de 1988 — não obstante o caráter paradoxal do preceito em causa, que se revela hostil ao dogma republicano da plena reponsabilização do Chefe de Estado — guarda correspondência, em grau de maior ou menor similitude, com as diversas Constituições republicanas de Portugal (Constituição de 1911, art. 64, parágrafo único; Constituição de 1933, art. 78, parágrafo único; Constituição de 1976, art. 133, n2 4), com a Constituição da República Francesa de 1958 (art. 68), com a Constituição da República Italiana de 1947 (art. 90) e com a Lei Fundamental de Bonn de 1949 (art. 69, 4, c/c art. 46, 2 a 4). É de registrar, ainda, que uma das matrizes inspiradoras dessa orientação promana da Constituição da Polônia de 1935 — a Constituição do Mal. Pilsudski —, que não admitia qualquer reponsabilidade do Presidente da República, fosse por atos oficiais, fosse por atos praticados fora do exercício das funções executivas (art. 15). O alcance concreto da cláusula constitucional que defere ao Presidente da República «imunidade temporária à persecução penal» (Inq n2 567-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence) traduz-se, ante a excepcionalidade de que se revestem os seus efeitos, na paralisação da própria atividade persecutória que incida sobre atos delituosos estranhos ao exercício das funções presidenciais (CF, art. 86, par. 42), até que sobrevenha a cessação do mandato. Essa norma constitucional, que ostenta nítido caráter derrogatório do direito comum, reclama e impõe, em função de sua própria excepcionalidade, exegese estrita (Inq n2 672-DF, Rel. Min. Celso de Mello), do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas subjetivamente diversas, tais como aquelas que digam respeito a Governador de Estado, que deve estar sujeito, ainda que por atos delituosos estranhos à sua função, a procedimento penal-persecutório. Sem ter a percepção das razões subjacentes ao preceito inscrito no art. 86, § 42, da Constituição da República, o legislador constituinte estadual extravasou os limites de suas atribuições e, em cláusula exorbitante do direito comum, instituiu um privilégio deformador do postulado republicano e dos princípios da responsabilidade e da igualdade a ele inerentes. De outro lado, não vejo, Sr. Presidente, ainda que transpondo os limites do mero R.T.J. — 155 juízo de delibação que se reclama deste Tribunal na fase de apreciação do pedido cautelar, como deixar de reconhecer, na espécie, desde já, aclara usurpação de competência legislativa pelo Estado do Maranhão. As regras que essa unidade federada fez inscrever na Constituição estadual importam em evidente ofensa às normas constitucionais que definem o sistema de partilha de poderes e de competências entre as diversas pessoas políticas que compõem o Estado Federal. É preciso ter presente que a autonomia do Estado-membro, apesar de sua dimensão constitucional, não lhe confere o poder de exercer atribuição normativa que, em virtude de explícita cláusula de reserva, foi incluída pela Carta da República na esfera de competência legislativa da União Federal. Normas de direito processual, que veiculem regras pertinentes à prisão cautelar, inserem-se no âmbito exclusivo da competência institucional da União, a quem a Constituição deferiu o poder jurídico de editá-las. A disciplina normativa do diais libertatis das pessoas constitui matéria sujeita ao domínio normativo da Lei Fundamental do Estado e, em sede infraconstitucional, ao ordenamento positivo emanado da União. As exceções que derrogam essa magna prerrogativa individual, porque afetam diretamente a liberdade de locomoção física dos indivíduos, só podem derivar, pois, de cláusula inscrita na própria Constituição da República ou em legislação editada pela União Federal. A União Federal, no concreto desempenho de suas competência para legislar — e legislar com absoluta privatividade — sobre aspectos concernentes ao jus libertatis, limita-se, nesse tema, a meramente 429 desenvolver os preceitos consubstanciados na Carta Política. Ao Estado-membro, ainda que no exercício de sua atividade constituinte, não se abre, pois, nessa matéria, qualquer espaço para dispor, normativamente, sobre a liberdade individual. O Estado do Maranhão, contudo, conferiu ao Governador, mediante norma inscrita em sua Constituição, um privilégio de ordem processual cujo reconhecimento formal, por implicar imunidade a qualquer espécie de prisão provisória, insere-se, em seu processo de positivação, na esfera de atribuições exclusivas da União Federal. Demais disso, a imunidade do próprio Presidente da República à prisão provisória, estabelecida pelo art. 86, § 3 2, da Carta Política, caracteriza típica regra de exceção inscrita em norma constitucional de direito estrito. A ratio subjacente a essa cláusula de liberdade instituída pela Constituição Federal em favor do Presidente da República somente se justifica pela condição de Chefe de Estado ostentada, em nosso sistema jurídico, pelo titular do Poder Executivo da União. Dai, a inextensibilidade dessa especial prerrogativa aos Governadores de Estado. Assim sendo, por considerar que não é suscetível de reprodução no plano normativo estadual, ainda que em sede constitucional, o modelo federal consagrado no art. 86, §§ 39 e 49, da Carta Política — que só diz respeito ao Presidente da República enquanto Chefe de Estado —, e tendo presente, ainda, o precedente firmado por esta Corte na ADIn n2 978-PB, defiro a suspensão cautelar da eficácia das normas ora impugnadas. É o meu voto. 430 R.T.J. — 155 VOTO O Sr. Ministro Paulo Brossard (Presidente): Não simpatizo com a solução constitucional de transferir para uma Corte federal, ainda que esta seja o Superior Tribunal de Justiça, o que sempre fora da competência do Tribunal de Justiça do Estado, pois que envolve autoridade local, o Chefe do Poder Executivo estadual. Penso que foi inovação infeliz, mas isto não está em causa Em caso anterior, neguei a cautelar; vencido, ressalvando meu ponto de vista, submeto-me à orientação da maioria e defiro a medida. EXTRATO DA ATA ADIn 1.011 (Medida Liminar) —MA — Rel.: Min. limar Gabião. Reqte.. Procurador-Geral da República. Reqda.: Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão. Decisão: Por votação unânime, o Tribuna deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia do art. 67 da Constituição do Estado do Maranhão. E, por maioria de votos, também deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, o efeito do § 3' do art. 66, da mesma Constituição, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o indeferia. Votou o Presidente. Presidência do Senhor Ministro Paulo Brossard. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Octavio Gallotti, Presidente, e Carlos Velloso. ViceProcurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 15 de junho de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N2 1.088 — PI (Medida Liminar) (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek Requerente: Procurador-Geral da República — Requerido: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí Ação direta de inconstitucionalidade. Medida liminar. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Portaria n 2 368/93. Contribuição sindical. Pedido de desconto. I — Portaria pode ser objeto de ação direta desde que estabeleça determinação em caráter genérico e abstrato (precedentes do STF. ADIn n2 926-1, inter-alia). 1:1 — Afronta, à primeira vista, ao artigo 82, incisos I e IV da Carta da República. Periculum in mora presente na perspectiva de que a determinação da Portaria n2 368/93 venha a privar a entidade sindical dos recursos necessários à sua manutenção. Medida liminar deferida. R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em referendar o despacho do relator, e deferir o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da expressão «os pedidos de descontos deverão ser formulados pelo servidor e dirigidos ao Presidente do Tribunal de Justiça», constante da Portaria n2 368/93, editada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Brasília, 5 de agosto de 1994 — Paulo Brossard, Presidente — Francisco Rezek, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Rezek: Leio a título de relatório a inicial do chefe do Ministério Público Federal que tem o seguinte teor: «O Procurador-Geral da República, com fundamento no art. 103, VI, da Constituição Federal, vem ajuizar, perante esse Colendo Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de suspensão liminar, da Portaria n 2 368, de 1993, editada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, que apresenta o seguinte teor: 'Revoga a Portaria n2 120/93, de 15-2-93, na parte em que suspendeu descontos em folha de pagamentos de contribuições sindicais devidas à Associação ou Sindicato de Classe. Os pedidos'de descontos deverão ser formulados pelo servidor e dirigidos ao Presidente do Tribunal de Justiça.' 431 Cumpre referir, de início, que o Autor, em 11 de outubro de 1993, atendendo à promoção do Sindicato dos Servidores do Judiciário do Piauf-SINDISJUS, ajuizou a ADIn n2 962-DF, em que requereu fosse declarada a inconstitucionalidade da Portaria n2 120, de 1993, editada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, que determinava a exclusão das folhas de pagamento dos descontos em favor de entidade sindical, in verbis: 'Determinando que, a partir do mês de fevereiro em curso, sejam excluídos das folhas de pagamento dos servidores do Poder Judiciário, quaisquer descontos em favor de entidades civis, salvo o imposto de renda, contribuições de natureza previdenciária e as que forem autorizadas expressamente em requerimento dirigido pelo Servidor à Presidência.' Concedida a liminar para suspensão da vigência da disposição acima transcrita, o Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí editou o ato normativo ora impugnado, que revogou a Portaria n2 120/93, na parte em que suspendera descontos de contribuições sindicais em folha de pagamentos, mas estabeleceu nova exigência, a do requerimento dos servidores, dirigido ao Presidente do Tribunal, para a realização desses descontos. A Constituição Federal, em seu art. 82, IV, determina que 'a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei'. O Sindicato, portanto, fixada a contribuição, 'apenas comunica à entidade pública ou privada responsável, que, independentemente de requerimento ou 432 R.T.J. — 155 autorização, deverá providenciar o desconto em folha do valor referente à contribuição sindical devida pelos associados relacionados pelo ente sindical. 'Impende ressaltar, inclusive, que a exigência de requerimento pressupõe a possibilidade de seu indeferimento, o que é incompatível com o art. 82, IV, da Carta Federal. No julgamento do pedido de suspensão liminar na ADIn n2 962-1-PI, o eminente relator, Ministro limar Gabião, observou, a propósito, que as entidades, `nos termos da Constituição Federal, podem instituir, através de assembléia geral, contribuição a ser cobrada dos respectivos associados mediante desconto automático na folha de pagamento. Assim, o ato de associar-se ao sindicato gera o efeito necessário e suficiente para que a contribuição instituída possa ser cobrada naquelas condições, tão logo efetuadas as devidas comunicações'. Isso posto, requer o Autor que, deferida a medida cautelar, colhidas as informações necessárias e ouvido o Advogado-Geral da União (art 103, § 32, CF), lhe seja dada vista dos autos para manifestação final a respeito do mérito, pedindo, a final, seja julgada procedente a ação.» (Fls. 2/4) Dou por feito o relatório. VOTO o Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): Meu voto referenda a cautelar por mim concedida em despacho cujo teor é o seguinte: «O Procurador-Geral da República, atendendo à promoção do Sindicato dos Servidores do Judiciário do Piauí (SINDISJUS), propõe ação direta, instrumentalizada com liminar, contra a Portaria n2 368/93, editada pelo Presi- dente do Tribunal de Justiça daquela unidade da federação, que a par de revogar a Portaria n2 120/93 — objeto da ADIn n2 962, relator Ministro limar Gaivão — na parte em que suspendeu descontos em folha de pagamento de contribuições sindicais devidas à associação ou sindicato de classe, determinou que 'os pedidos de descontos deverão ser formulados pelos servidores e dirigidos ao Presidente do Tribunal de Justiça'. Diz o chefe do Ministério Público Federal que o ato impugnado afronta o artigo 82 — IV da Carta da República. Argumenta que uma vez fixada a contribuição o sindicato 'apenas comunica à entidade pública ou privada responsável, que, independentemente de requerimento ou autorização, deverá providenciar o desconto em folha do valor referente à contribuição sindical devida pelos associados relacionados pelo ente sindical'. Encontro, no caso, aparência de bom direito. O texto atacado parece indisporse, à primeira vista, com o artigo 82 da Constituição em seus incisos IV, como demonstrou o requerente, e I, como destacou o SINDISJUS na representação endereçada ao Procurador-Geral, já que o ato revogatório (Portaria n2 368/93) `condiciona aos servidores dirigirem pedido de desconto, diretamente ao Presidente do Tribunal. Ao tempo em que, coage os servidores, ameaçando-os extirpar dos seus contracheques gratificações legais já adquiridas, caso os mesmos permaneçam filiados ao sindicato, exigindo para tanto, certidão do sindicato de que o servidor permanece ou não filiado. Caracterizando abuso de poder, interferência e intervenção direta na organização sindical'. - 155 Encontra-se o periculum In mora na perspectiva de que a determinação da Portaria n2 368/93 venha a privar a entidade sindical dos recursos necessários à sua manutenção vez que, como destacou o Procurador-Geral, a exigência de requerimento pressupõe a possibilidade de seu indeferimento. Tais as circunstâncias concedo, ad referendum do Plenário, a liminar para suspender a vigência da expressão 'os pedidos de descontos deverão ser formulados pelo servidor e dirigidos ao Presidente do Tribunal de Justiça, que consta da Portaria n2 368/93, editada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Brasília, 12 de julho de 1994.» (Fl. 11) É como voto. EXTRATO DA ATA ADIn 1.088 (Medida Liminar) — PI — Rel.: Min. Francisco Rezek. Reqte.: Procurador-Geral da República Reqdo.: Presi- 433 dente do Tribunal de Justiça do Estado do PiauL Decisão: Por votação unânime, o Tribunal referendou o despacho do Relator, que deferira o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da expressão «os pedidos de descontos deverão ser formulados pelo servidor e dirigidos ao Presidente do Tribunal de Justiça», constante da Portaria n° 368/93, editada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Votou o Presidente. Presidência do Senhor Ministro Paulo Brossatd, Vice-Presidente. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, limar Gaivão e Francisco Rezek. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Octavio Gallotti, Presidente, Celso de Mello e Mato Aurélio. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva Brasília, 5 de maio de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1.136 — DF (Medida Liminar) (Tribunal Pleno) Relator. O Sr. Ministro Francisco Rezek Requerente: Governador do Distrito Federal — Requerida Câmara Legislativa do Distrito Federal Ação direta de bwonstitucionalidade. Medida liminar. Lei n9 709/94 do Distrito FederaL Diploma legal que concede autorização ao Executivo. A inércia no uso da norma autorizativat é suficiente para que se evite, na origem, a perspectiva que animou o pedido de liminar. Periculum in mora não configurado. Medida cautelar indeferida. 434 R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em indeferir o pedido de medida liminar. Brasília, 26 de outubro de 1994 — Cktavio Gallotti, Presidente — Francisco Rezek, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Rezek: A título de relatório lerei a inicial, que se estampa nos autos entre fl. 2 e fl. 5: «O Governador do Distrito Federal, com fundamento no art. 103, inciso V da Constituição da República, vem perante essa Colenda Corte, propor a presente Ação direta de inconstitucionalidade da Lei Distrital n2 709, de 31 de maio de 1994, que 'Autoriza o Poder Executivo a promover Ex-componentes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do antigo Distrito Federal e dá outras providências'. Legitimidade ativa do autor A legitimidade ativa do Governador do Distrito Federal, para propor a Ação Direta Declaratória de Inconstitucionalidade já foi reconhecida por essa Suprema Corte no julgamento da ADINMC n2 645, relatada pelo Eminente Ministro Ilmar Gaivão e assim ementada: `Ação direta de inconstitucionalidade. Cautelar. Arts. 17 e parágrafo único; 18, incisos e parágrafos; e 25, da Lei n2 195, de 16 de agosto de 1991, do Distrito Federal. Legitimidade ativa que se reconhece ao Governador do Distrito Federal, por via de interpretação compreensiva do texto do art. 103, V, da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 32, parágrafo único, da mesma Carta. Em vista do precedente, e de suas criteriosas razões, é de se reconhecer, assim, a legitimidade ativa do autor. Mérito É do seguinte teor a Lei Distrital que se pretende ver declarada inconstitucional: 'Art. 1° Fica o Poder Executivo autorizado a promover ao posto ou graduação imediata, os ex-componentes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do antigo Distrito Federal, que não foram beneficiados pelo Decreto n 2 544 de 18 de novembro de 1966. Parágrafo Único. Aos Policiais Militares e Bombeiros Militares referidos neste artigo que se encontram na situação de reserva remunerada ou reformados, bem como aos pensionistas militares são estendidos os benefícios desta Lei. Art. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 32 Revogam-se as disposições em contrário.' A lei acima transcrita contrasta flagrantemente com o teor do art. 21, inciso XIV da Constituição da República, do seguinte teor: 'Art. 21. Compete à União: r XIV — Organizar e manter a polícia federal, a polícia rodoviária e a R.T.J. — 155 ferroviária federais, bem como a polícia civil, a polida militar e o corpo de bombeiros militar dos Distrito Federal e dos territórios;' Percebe-se, assim, que a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militares do Distrito Federal não se integram na administração do Distrito Federal, competindo à União Federal, com exclusividade, legislar sobre sua organização, estrutura, atribuições, competências etc... Atualmente, tais Corporações Militares encontram-se disciplinadas, entre outros dispositivos legais, pelas Leis Federais n2s 7.289, de 18 de dezembro de 1984 e 7.479, de 2 de junho de 1986, que aprovaram os Estatutos da Polícia Militar do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, respectivamente. Note-se que a Lei local, em nenhuma hipótese poderia dispor sobre a matéria, posto que, além de não se tratar de competência da Unidade Federada, está a criar despesas para o Poder Público Federal, o que, inclusive, ainda que se tratasse de Lei Federal, somente poderia se dar se a iniciativa da lei fosse do Chefe do Poder Executivo Federal, como disposto no art. 61, § P, inciso II, alínea a, da Constituição da República. Ressalta-se, finalmente, que essa Suprema Corte, no julgamento cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n2 1.045-0, suspendeu liminarmente a eficácia de dispositivos da Lei Orgânica do Distrito Federal, que versavam matéria referente às Corporações Militares do Distrito Federal, por ofensa ao mencionado e transcrito art. 21, inciso XIV da Constituição da República. 435 Suspensão liminar dos efeitos da lei A questão suscitada na presente Ação versa, no mínimo, dois aspectos da mais alta relevância, por si sés justificáveis da concessão liminar de medida suspensiva da eficácia da lei distrital impugnada. A primeira delas diz com a delicadíssima questão de hierarquia e vencimentos de servidores públicos militares. Ressalte-se que o diploma legislativo, ainda que evidentemente inconstitucional, pode ensejar acirramento de ânimos, já há muito exaltados no ambiente da caserna, e grande descontentamento, ocasionando perturbação mesmo da indispensavelmente rígida disciplina militar. A extirpação da norma impugnada do orbe jurídico, decidida e chancelada pelo mais alto orgão do Poder Judiciário é, na atual conjuntura, indispensável à tranqüilidade mesmo da Segurança Pública no âmbito do Distrito Federal. A segunda questão, da mais alta relevância, diz respeito à competência e ao choque entre Poderes Constituídos, seja no âmbito do próprio Distrito Federal, em que o Poder Legislativo invadindo a competência privativa do Chefe do Executivo local, editou norma atinente a carreira e vencimentos de Servidores Públicos, seja no âmbito da própria harmonia federativa, posto que o Legislativo local invadiu competência da União Federal, usurpando-lhe aquela determinada pelo inciso XIV da Carta Magna. É de se ressaltar que também a própria autoridade dessa Suprema Corte ficou arranhada pela edição da norma impugnada, posto que no julgamento cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n2 1.045-0, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente a efi- 436 R.T.J. — 155 cácia de dispositivos da Lei Orgânica do Sendo assim, indefiro acautelar. CuidaDistrito Federal, que versavam matéria se de diploma legal que concede uma autoreferente às Corporações Militares do rização ao Executivo. Não há imposição de Distrito Federal, por ofensa ao mencio- tal ou qual dever. A simples inércia no uso nado e transcrito art. 21, inciso XIV da da norma autorizativa é suficiente para que Constituição da República. A Câmara se evite, na origem, a perspectiva que aniLegislativa Distrital, contudo, fazendo mou o pedido liminar. Acaso divergentes a rábula rasa da orientação fumada naque- autorização legislativa do interesse admile julgamento, persiste em investir-se de nistrativo, é suficiente ao governo não uticompetência constitucionalmente reser- lizar a prerrogativa que lhe deu a Assemvada à União Federal. bléia Distrital. Periculum in mora não conEntende, assim, o autor, cabível e figurado. plenamente justificada a concessão liMeu voto, como disse, propõe o indefeminar de medida suspensiva dos efeitos rimento da liminar. da lei distrital impugnada, para preservação mesmo da autoridade da própria EXTRATO DA ATA Corte. Conclusão ADIn 1.136 (Medida Liminar) —DF — Assim, em vista do exposto, em ho- Rel.: Má. Francisco Rezek. Reqte.: Govermenagem e reverência à Carta da Repú- nador do Distrito Federal. Advs.: (Alfredo blica, requer o Autor medida cautelar Henrique Rebello Brandão e outro). Reqde suspensão da eficácia da Lei Distri- da.: Câmara Legislativa do Distrito Fedetal nQ 709, de 31 de maio de 1994, até ral. julgamento final da presente Ação, posto que relevantes os fundamentos jurídiDecisão: Por votação unânime, o Tricos do pedido e caracterizado o pericu- bunal indeferiu o pedido de medida limiIam in mora, julgando-se procedente a nar. Votou o Presidente. Procurador-Gepresente Ação para declarar, a final, a ral da República, Dr. Antonio Fernando inconstitucionalidade da lei local, de- Barros e Silva de Souza, na ausência ocapois de ouvido o órgão Legislativo, o sional do Dr. Aristides Junqueira AlvaAdvogado-Geral da União e o Procura- renga. dor-Geral da República.» Presidência do Senhor Ministro Octavio É o relatório. Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores VOTO Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, CelO Sr. Ministro Francisco Rezek (Re- so de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélator): Sobre o pedido liminar: a lei im- lio, limar Gaivão e Francisco Rezelc. Propugnada autoriza o Executivo a promo- curador-Geral da República, Dr. Aristides ver ao posto ou graduação imediata os Junqueira Alvarenga. ex -combatentes da polícia militar e do corpo de bombeiros do antigo Distrito Brasília, 26 de outubro de 1994 — Luiz Federal. Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 155 437 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N 2 1.249 — AM (Medida Liminar) (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Maurício Corria Requerente: Governador do Estado do Amazonas — Requerido: Tribunal de Contas do Estado do Amazonas Ação direta de inconstitucionalidade. Cautelar. Decisão administrativa do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Auditores assistentes do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Isonomia de vencimentos com ocupantes do cargo de auditor assistente do Tribunal de Contas dos Municípios. Afronta à Lei FundamentaL Plausibilidade da tese jurídica em foco e evidente °periclitam in ntora. Deferimento da cautelar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da decisão do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, tomada no Processo n2 776, de 22 de fevereiro de 1990. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão foral da ação, a eficácia da decisão do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, tomada no Processo n4 776, de 22-2-90. Brasília, 7 de abril de 1995 — Octavio Collodi, Presidente — Maurício Corrêa, Relatar, RELATÓRIO O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Com pedido de concessão de liminar, o Senhor Governador do Estado do Amazonas argúi a inconstitucionalidade da decisão administrativa do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, proclamada em 22 de fevereiro de 1990, assim assentada: «Decidem os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, à unanimidade, de acordo com o voto do Conselheiro Relator e Parecer Ministerial, e com base no 12, art. 39 da Constituição Federal, deferir o Requerimento dos Auditores Assistentes, assegurando-lhes a isonomia de vencimentos com os ocupantes do cargo no Tribunal de Contas dos Municípios, para terem seus vencimentos estabelecidos em percentual de 10% a menos que os percebidos pelos Auditores Adjuntos, na conformidade da Resolução Interna n2 004/89, de 16-11-89.). (Fl. 10). Tal decisão foi noticiada mediante publicação no Diário da Justiça daquele Estado, edição de 21 de março do mesmo ano, conforme fotocópia junta à fl. 12, litteris: eConsdheiro relator: Hyperion Peixoto de Azevedo. Processo n2 776/90 — Requerimento de todos os Auditores Assistentes deste Tribunal, solicitando que lhes seja 438 R.T.J. — 155 assegurada a percepção da remuneração paga ao Auditor Assistente do Tribunal de Contas dos Municípios, «ressalvadas as vantagens de caráter individual». Decisão: À unanimidade, de acordo com o voto do Conselheiro Relator e parecer ministerial e com base no § do artigo 39 da CF, pelo deferimento.» Segundo o Requerente, o ato increpado contrariou os seguintes dispositivos da Constituição Federal: art. 37 e seu inciso XIII; § 1 2 do art. 39; § 12 e seu inciso II, alínea a, do art. 61; e o parágrafo único e seus incisos I e II do art. 169. A petição descreve os seguintes antecedentes fálicos: «... em março de 1991, o próprio Tribunal demandado, reconhecendo a irregularidade de seu ato, suspendeu o pagamento da discutida equiparação, o que levou cinqüenta e quatro auditores assistentes a ingressarem com mandado de segurança contra o Órgão demandado, em 29 de julho de 1991, requerendo o restabelecimento da vantagem, impetração que lhes foi concedida por acórdão de 14 de maio de 1992, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ao fundamento de que a «Retirada de percentual remuneratório concedido a servidor público, somente pode ser efetuada depois de percorrido o due process of law. Dessa decisão o Estado do Amazonas interpôs recurso extraordinário em que argüiu os vícios de inconstitucionalidade da discutida equiparação vencimental, mas que não foi conhecido por essa Colenda Suprema Corte, ensejando a oposição de embargos de declaração, recebidos parcialmente, apenas para corrigir imprecisão da ementa, mantida a rejeição do extraordinário e por isso totalmente prejudicada a apreciação da matéria de fundo do recurso. Insistiu ainda o Estado do Amazonas com o oferecimento de embargos de divergência, que ainda pendem de julgamento».» Finalmente, alega ao Requerente que os efeitos financeiros das diferenças asseguradas pelo Tribunal de Justiça local importam em elevados valores, os quais, uma vez pagos, toma difícil recuperá-los, dada a boa-fé que milita em favor dos beneficiários que os receberão ao amparo de uma ordem judicial. Em decorrência do pedido de liminar, para suspensão cautelar da eficácia do ato impugnado, trago o feito para deliberação plenária. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Relator): Como se observou do relatório, após a concessão da equiparação e vinculação de vencimentos aqui inquinada do vício de inconstitucionalidade, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas a suspendeu, conforme noticia o ofício que o Presidente desta Corte de Contas encaminhou ao então Secretário de Economia, Fazenda e Turismo do Estado do Amazonas, in verbis: «Por fim, informamos a V. Exa. que este Tribunal, em Sessão desta data, decidiu, mesmo diante da possibilidade de recurso por parte dos interessados na área judicial, suspender a aplicação do reajuste de 81% pago em fevereiro último às Categorias de Auditor Adjunto, Auditor Assistente e Procurador Adjunto, isso diante da grave situação financeira do Estado e do objetivo desta Corte de Contas de colaborar com as medidas de contenção de despesas da atual Administração» (fls. 93 dos autos dos Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário ri2 160.811-4/AM). R.TJ.— 155 Suspensa administrativamente a eficácia do ato que autorizou tal aumento, a norma, contudo, continuou a produzir efeitos em face de decisões em mandado de segurança concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, aos 54 (cinqüenta e quatro) impetrantes, Auditores Assistentes. Contra esta decisão foi interposto o Recurso Extraordinário n4 160.8114/AM, sendo relator para o acórdão na 12 Turma o Min. Sepálveda Pertence, o qual restou não conhecido; após os embargos declaratórios, recebidos apenas para explicitar ementa, ficou assim ementado: «A administração pode anular seus próprios atos, quando inquinados de ilegalidade (Sám. 473) — não obstante se, a pretexto de decretar nulidade, invoca razões de mera conveniência, o que se tem, na verdade, é revogação, que pode não desconstituir situações jurídicas, cuja legalidade, aliás, o recurso extraordinário não questiona» Desse julgamento o recorrente Estado do Amazonas ainda opôs Embargos de Divergência, tendo o relator Min. Francisco Rezek, por despacho, não os admitido. Entendo que o recurso extraordinário interposto pelo Estado do Amazonas não obsta o trânsito desta ação direta, mesmo porque ali não se discutiu a validade do ato, mas a ilegalidade da sua suspensão. Por outro lado, a liminar, se concedida, produzirá efeitos ex nunc, não havendo, pois, sobreposição de decisões desta Corte. Nesta ação direta o que o recorrente quer realmente é a declaração da perda de eficácia da mencionada norma, porquanto concebida, segundo ele, em frontal violação aos arts. 37, XIII, 39, § 1 2, 61, § P, H e 169, 1 e II da Constituição Federal. Evidentemente que, sem lei, não seria possível a equiparação dos Auditores Assistentes, o que torna o ato administrativo 439 remanescente do Tribunal de Contas, só por essa razão, inconciliável com a Carta de 88. E na hipótese desta ação, a isonomia, aqui equivocadamente invocada e aplicada, o foi por singular deferimento em requerimento dos interessados. Anota o recorrente, Senhor Presidente, que o Tribunal de Contas do Estado procedeu a uma avaliação dos reflexos e efeitos financeiros da decisão proferida no acórdão do referido recurso extraordinário (fl. 13), até 1 2 de fevereiro próximo passado, chegando à conclusão que terá que despender até àquela data o montante de R$ 954.073,14 (novecentos e cinqüenta e quatro mil, setenta e três reais e quatorze centavos) para atender os Auditores Assistentes que postularam em juízo, aumentandose a cifra para R$ 3.906.299,48 (três milhões, novecentos e seis mil, duzentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), caso também venham a ser contemplados os demais 154 Auditores Assistentes do Órgão de Contas do Estado, que seguramente vão em busca daquelas vantagens. Ante o exposto e caracterizado à saciedade o risco em que se encontra o recorrente Estado do Amazonas, se mantida a norma impugnada até agora em vigor, e considerando ainda mais que, com o trânsito em julgado do acórdão que reconheceu o direito dos impetrantes, aquelas importâncias terão que ser pagas imediatamente, inquestionável a plausibilidade da tese jurídicaem foco e evidente o periculum In mora, defiro a liminar, afim de que o ato do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas que assegurou tais vantagens seja suspenso até o julgamento foral desta Ação. EXTRATO DA ATA ADIn 1.249 (Medida liminar) — AM —Rel.: Min. Maurício Corrêa. Repte.: Go- 440 R.T.J. — 155 vemador do Estado do Amazonas (Adv.: Oldeney Sá Valente). Reqdo.: Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da decisão do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, tomada no Processo n2 776, de 22-2-90. Votou o Presidente. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Limar Gaivão. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Maurício Corrêa. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Francisco Rezek. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 7 de abril de 1995 — Luiz Tomimatsu, Secretário. MANDADO DE SEGURANÇA N2 21.154 — DF (Tribunal Pleno) Redator p/ Acórdão: O Sr. Ministro Marco Aurélio Impetrante: Odilon de Camargo Penteado — Impetrado: Presidente da República Diplomatas. Quadro especial. Designação para missões no exterior — Viabilidade. Por implicar limitação funcional e tratamento diferenciado contrários à Lei Básica Federal, exsurge inconstitucional o 32 do artigo 55 da Lei n2 7.501/86, com a redação dada pelo artigo 40 da Lei n2 8.028/90, no que preceitua: 4 32 O diplomata transferido para o Quadro Especial do Serviço Exterior não poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em deferir o mandado de segurança e declarar a inconstitucion alidade do § 39 do artigo 55 da Lei n2 7.501, de 27 de junho de 1986, com a redação dada pela Lei n2 8.028, de 12 de abril de 1990. Brasilia, 10 de novembro de 1993 — Octavio Gallotti, Presidente — Marco Aurélio, Redator p/ Acórdão. RELATÓRIO O Sr. Ministro Rmar Gaivão (Relator): Trata-se de mandado de segurança interposto por Odilon de Camargo Penteado, contra ato do Presidente da República que o transferiu do Quadro Permanente para o Quadro Especial, do Serviço Exterior, do Ministério das Relações Exteriores, R.T.J. — 155 441 por ter completado 15 anos como Ministro simplesmente o tempo de permanência em de Segunda Classe. determinada classe da carreira diplomática, Sustentou tratar-se de transferência cal- sendo certo que o integrante do Quadro cada em lei inconstitucional, já que, despo- Especial não fica impedido de exercer funjando o diplomata do exercício de funções ções de diplomata, que não são restritas aos que lhe são próprias, como a chefia de postos no exterior. missões permanentes, e mantendo-o em seEsclareceu-se, ainda, que a transferêngregada reserva de fato, adstrita ao circuns- cia para o mencionado quadro constitui tancial cumprimento de aleatórias «mis- mecanismo de rotatividade, calcado em crisões eventuais», instituiu regime equiva- térios impessoais e objetivos, à revelia de lente ao da inatividade, não previsto, entre- relações intersubjetivas, que privilegiavam tanto, no art. 40 e seus incisos da Carta de alguns em detrimento dos demais, desti1988. Além disso, estabeleceu discrimina- ' nando-se a propiciar igualdade de oportução para exercício de funções, por motivo nidades aos diplomatas. de idade, o que, a seu ver, é vedado pelo art. Por fim, salientou-se que, na ausência de 72, XXX, aplicável aos servidores públicos. lei dispondo sobre prazo mínimo de permaSustentou, mais, que, conquanto a nor- nência do diplomata no exterior, não se ma do art. 55, § 29, da Lei n2 7.501/86, não pode falar em direito subjetivo a essa perimpeça, em tese, a designação dos integran- manência. tes do Quadro Especial para o exercício de A douta Procuradoria Geral da Repúblialguma função em Brasília, na prática é o ca, em parecer subscrito por seu digno tituque ocorre, em face do limitado número de lar, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, opifunções para diplomata existentes na Senou pela improcedência, in verbis: cretaria de Estado. «A Administração pode e deve disAlega, por fim, que tem direito de ser por sobre seus funcionários, sempre que designado para missões permanentes no o reclame o interesse público. exterior, como ocupante que é do cargo de Ministro, independentemente de encontrarse no «Quadro Especial» na forma prevista no art. 37, incisos I e V, da Constituição Federal, e dos arts. 42, 44, 49 e 52, da Lei n2 7.501/86. Com efeito, a Lei n2 7.501, de 1986, deu uma nova estrutura à Carreira de Diplomata, introduzindo medidas dinâmicas e justas, que vieram possibilitar, a todos, o acesso aos mais altos postos. O pedido foi no sentido de que lhe seja assegurado esse direito. O Quadro Especial veio impedir que aqueles que galgassem o topo da Carreira permanecessem, in aderem, ocupando os cargos mais elevados, principalmente os de Chefia de Missões Diplomáticas, impedindo, assim, a ascensão dos demais membros, em face do limitado número de vagas. As informações capearam parecer da douta Consultoria Geral da República, segundo o qual, da transferência do Impetrante para o Quadro Especial, previsto no art. 55, da Lei n2 7.501/86, com a redação dada pelo art. 40 da Lei n2 8.028/90, não decorreu nenhuma infringência ao inciso XXX do art. 72 da Constituição Federal, uma vez que não teve ela por motivação circunstâncias de sexo, idade, cor ou estado civil, mas A renovação é um princípio salutar e pode ser considerada isonômica, já que propicia oportunidade a todos, além de se constituir fonte de motivação. 442 R.T.J. — 155 O Diplomata transferido para o Quadro Especial não é afastado compulsoriamente do cargo, não constituindo esse afastamento uma exoneração, semi-inatividade ou aposentadoria compulsória, ao contrário do que alega o Impetrante, pois continua exercendo importantes tarefas na Secretaria de Estado, bem como ocupando cargos relevantes na Administração em geral. Os membros da Carreira de Diplomata, transferidos para o Quadro Especial, ocupam cargo público, estando, por- • tanto, no efetivo exercício das atribuições do respectivo cargo, no Órgão Central, mediante a percepção de seus vencimentos e demais vantagens, previstas em lei, consoante atestam disposições contidas nos §§ 42, 52, 62 e 72 do art. 55 da Lei n2 7.501, de 1986, de acordo com a redação do artigo 40 da Lei n 2 8.028, de 1990. «Art. 55 § 42 O Ministro de Segunda Classe que tiver exercido, por no mínimo 2 anos, as funções de Chefe de Missão Diplomática permanente terá assegurada, no Quadro Especial do Serviço Exterior, a remuneração correspondente ao cargo de Ministro de Primeira Classe do mesmo Quadro. § 52 O cargo de Ministro de Segunda Classe do Quadro Especial do Serviço Exterior transformar-seá em cargo de Ministro de Primeira Classe do mesmo Quadro, na data em que o respectivo ocupante satisfizer, antes de atingir a idade de aposentadoria compulsória, aos requisitos do inciso I, do artigo 52, desta Lei. § 62 O Cargo de Conselheiro do Quadro Especial do Serviço Exterior transformar-se-á em cargo de Minis- tro de Segunda Classe do mesmo Quadro, na data em que o respectivo ocupante satisfizer, antes de atingir a idade de aposentadoria compulsória, os requisitos do inciso II, do artigo 52, desta Lei. § 72 O cargo de Conselheiro Especial do Serviço Exterior, transformado, nos termos do parágrafo anterior, em cargo de Ministro de Segunda Classe do mesmo Quadro, não poderá vir a ser, posteriormente, transformado em cargo de Ministro de Primeira Classe.» (Grifei). No caso em foco, não foi, em nenhum momento, ferido o princípio constitucional da isonomia, pois os Membros da Carreira de Diplomata, transferidos para o Quadro Especial, têm identidade de tratamento. Por fim, não há discriminação por motivo de idade, no texto legal em exame, e nem ofensa ao artigo 7 2 da Constituição Federal r, da Carta Magna, O artigo 39, § prescreve que se aplicam aos servidores civis direitos trabalhistas previstos em seu artigo 72, dentre eles, o de seu inciso XXX («proibição de diferença de salários, de exercícios de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil») — Grifei. Não há, conforme ressaltado, discriminação em razão da idade, pois não é vedado ao Diplomata transferido para o Quadro Especial o exercício da função diplomática. Ele a exerce, plenamente, na Secretaria de Estado. Consoante Hely Lopes Mei relles, em trecho de sua obra aqui transcrito, «O funcionário poderá adquirir direito à permanência no funcionalismo mas não adquirirá nunca direito ao exercício da mesma função, no mesmo lugar e R.T.J. — 155 nas mesmas condições... O que não se admite é o afastamento arbitrário e abusivo do titular do cargo, por ato do Executivo, sem que lei o autorize» (Grifei). O critério da idade, aqui, é legal, posto que fixado na Lei n° 7.501, de 1986, que nivelou todos aqueles que fossem transferidos para o Quadro Especial, dado-lhes, assim, um tratamento isonômico. Finalmente, o § 3° do artigo 55 da Lei 112 7.501, de 1986, na redação dada pelo artigo 40 da Lei n° 8.028, de 1990, estabelece: 4 3° °Diplomata transferido para o Quadro Especial do Serviço Exterior não poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.» Pelo que foi exposto, e, principalmente, em face das razões que motivaram a criação do Quadro Especial do Ministério das Relações Exteriores e, ainda, pelos trechos doutrinários trazidos à colação, não assiste nenhum direito aos Membros da Carreira de Diplomata, transferidos para o Quadro Especial, de continuarem exercendo missão permanente ou transitória no exterior. A restrição legal convém ao interesse público, visa à justiça funcional e não constitui ato arbitrário ou abusivo do Poder Executivo, já que posta em lei.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): Como se viu, não se insurge o Impetrante contra a sua transferência para o Quadro Especial do Serviço Exterior, efetivada pelo fato de haver completado 15 anos no cargo de Ministro de Segunda Classe, mas somente contra a vedação, daí resultante, 443 de ser designado para missões permanentes, no exterior. O dispositivo que encena a dita vedação é o § 2°, do art. 55, da Lei n g 7.501/86, que assim dispõe, verbis: «§ O diplomata transferido para o Quadro Especial do Serviço Exterior não poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.» Segundo o Impetrante, trata-se de disposição inconstitucional, por instituir modalidade de inatividade não prevista no art. 40 e incisos, da atual Lex Legum. A alegação é inteiramente improcedente. Com efeito, conforme observou a Consultoria Jurídica do Itamarati, «...o exercício de funções de diplomata não é proibido, como pretende o requerente, para quem passa a integrar o Quadro Especial, uma vez que as funções de diplomata não consistem apenas em exercitá-las fora do país. Se tal ocorresse, não haveria provavelmente necessidade de um Ministério das Relações Exteriores. Bastaria a existência de um órgão de categoria administrativa inferior, de coordenação de atividades diplomáticas, realizadas por pessoas não pertencentes à carreira.» Subentende-se, portanto, que aos diplomatas transferidos para o Quadro Especial não está reservado o ócio ou a inatividade, havendo-lhes de ser confiado o desempenho de funções e tarefas compatíveis com a categoria que integram, situação que não pode ser confundida com aposentadoria ou disponibilidade. Trata-se, como se viu, de medida que teve por escopo imprimir maior rotatividade de serviço, de molde a conferir, sob critérios objetivos e impessoais, igualdade 444 R.T.J. —155 de oportunidade ao maior número possível de integrantes da carreira diplomática. Insubsistente, pois, a alegação de afronta ao dispositivo legal acima mencionado. De outra parte, como a transferência do Impetrante para o Quadro Especial se deu em razão de haver ele completado 15 anos no cargo de Ministro de Segunda Classe, segundo admitido na própria inicial, não há falar-se, por igual, em discriminação para o exercício de funções por motivo de idade, e, conseqüentemente, em violação à regra do art. 72, XXX, da Constituição Federal de 1988. Por fim, é de assinalar-se que, na relação jurídica que se trava entre o servidor e o Estado, sobreleva-se a situação jurídica ostentada por este, em.função da qual lhe cabe o poder de dispor sobre as condições tidas por convenientes para a boa realização do serviço público, podendo, para tanto, promover, através de lei, as mutações que considerar úteis para a satisfação de objetivos incluídos em sua esfera de legítima decisão, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Melo (Regime dos Funcionários Públicos, São Paulo, 1975, pág. 13). «As condições reputadas boas para o desempenho da função pública constituem matéria posta ao largo do poder de disposição do funcionário. Em face do exposto, ao contrário do ocorrente quando o vínculo é contratual, não se constitui em favor do funcionário direito adquirido à persistência das condições de prestação de serviço, de retribuição ou de direitos e deveres existentes ao tempo da formação do vínculo, isto é, vigentes à época de sua investidura no cargo» (op. e loc. citados). Se assim é, forçoso é admitir-se a legitimidade da alteração que, por via de lei, se introduziu no regime de trabalho dos servidores da carreira de diplomata, por meio da qual se previu tempo máximo de permanência do diplomata no Quadro Permanente da categoria e se impediu a designação de integrantes do Quadro Especial para missões permanentes ou transitórias no exterior. Na verdade, o servidor, conforme preleciona Hely Meirelles, «... não adquirirá nunca direito ao exercício da mesma função, no mesmo lugar e nas mesmas condições, salvo os vitalícios, que constituem uma exceção constitucional à regra estatutária. O poder de organizar e reorganizar os serviços públicos, de lotar e relotar os servidores, de criar e extinguir cargos é indespoj ável da Administração, por inerente à soberania interna do próprio Estado. Enquanto subsistir o cargo, como foi provido, o seu titular terá direito ao exercício nas condições estabelecidas pelo Estatuto, mas se se modificar a estrutura, as atribuições, os requisitos para o seu desempenho, lícita é (...) a remoção ou a transferência de seu ocupante, para que outro o desempenhe na forma da nova lei. O que não se admite é o afastamento arbitrário ou abusivo do titular, por ato do Executivo, sem lei que o autorize» (Dir. Adm. Bras., S. Paulo, 1990, pág. 361). Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte, conforme mostram os seguintes acórdãos: «Funcionário público. Advogado de ofício da Justiça Militar. Remoção: poder discricionário da administração. No sistema estatutário do serviço público, a remoção do funcionário, embora preenchidos os requisitos objetivos, está subordinada ao juízo discricionário de conveniência e oportunidade de preenchimento do claro na lotação pretendida.» R.T.J. — 155 445 Decisão: Após o voto do Relator, inde(RMS n2 20.975, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15-9-89). ferindo o mandado de segurança, o julga«Mandado de segurança Houve, in meato foi adiado em virtude do pedido de casa, remoção ex officio da funcionária vista dos autos, formulado pelo Ministro recorrida, lotada na Embaixada do Bra- Marco Aurélio. Declarou impedimento o sil em Luanda para a Secretaria de Esta- Ministro Francisco Rezei Presidência do Senhor Ministro Sydney do, com invocação do art. 56 da Lei n2 1.711/52. O acórdão recorrido, proferi- Sanches, Presidente. Presentes à Sessão os do por maioria de votos, entendeu que o Senhores Ministros Néri da Silveira, Octainteresse da administração não ficou ob- vio Gallotti, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Vellojetivamente demonstrado. so, Marco Aurélio, limar Gaivão e FrancisO recurso foi processado por força do co Rezei Ausente, justificadamente, o Seacolhimento da argüição de relevância nhor Ministro Moreira Alves. Procuradordaquestão federal.° caso, além de apre- Geral da República, Dr. Antonio Fernando sentar fatos complexos, que, a rigor, es- Barros e Silva de Souza, substituto. capam ao âmbito restrito do mandado de Brasília, 3 de setembro de 1992 —Luiz segurança, envolve peculiaridades decorrentes da política de rotação de ser- Tomimattru, Secretário. vidores do Ministério das Relações ExVOTO VISTA teriores, que nem sempre fica subordinada às medidas disciplinadoras dos fimO Sr. Ministro Marco Aurélio: A hicionários públicos, em geral, dado os relevantes interesses do relacionamento pótese versa sobre o remanejamento compulsório de Ministro de Segunda Classe da do Brasil com outros países. carreira de Diplomata para o Quadro EspeAplicação inadequada dos Decretos cial do Serviço Exterior, por haver complees 56.435/65 e 53.481/64, negando vi- tado quinze anos na classe. Consoante as gência, em última análise, o § r do art. razões lançadas, a integração a tal quadro 153 da Constituição da República. implica a impossibilidade de vir a ser deProvimento do apelo derradeiro, cas- signado para novo comissionamento no exterior e, portanto, de exercer, na plenitude, sando-se o mandado de segurança.» as atribuições inerentes ao estágio profis(RE n2 105.372, Rel. Min. Djaci Fal- sional alcançado — de Ministro de Seguncão, DJ 22-4-88). da Classe, isto por força do § r do artigo Ante o exposto, por não se vislumbrar, 55 da Lei n2 7.501/86, que tem o seguinte no ato impugnado pelo Impetrante, ilegali- teor: dade ou abuso de poder, que esteja a exigir «O Diplomata transferido para o Quareparo, meu voto é no sentido de denegar a dro Especial do Serviço Exterior não segurança. poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.» EXTRATO DA ATA Para uma melhor reflexão sobre a matéMS 21.154 — DF — Rel.: Min. limar ria, solicitei vista dos autos, depois de ouvir Gaivão. Impte.: Odilon de Camargo Pen- o voto do Ministro Relator — Ilmar Gaivão teado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e — no sentido da denegação da ordem. outro). Impdo.: Presidente da República Após consignar que o Impetrante não se 446 R.T.J. — 155 insurge contra a transferência para o «Quadro Especial», afastou S. a s a assertiva de que teria ocorrido, na espécie, violência a direito líquido e certo, colocando em plano secundário a circunstância de ele haver sido alijado da clientela formada pelos aptos a uma sempre possível designação para o desempenho de missão permanente ou transitória no exterior. Assim o fez porque, no caso, não se pode cogitar de ócio ou inatividade, continuando o diplomata qualificado para o desempenho da função em território nacional e por ver, na medida, o escopo maior de agilitar a carreira, abrindo oportunidade ao acesso às funções a serem desempenhadas, além fronteiras, de outros diplomatas. Rechaçou a alegada discriminação em virtude da idade, ressaltando o poder da Administração Pública de alterar as condições primitivas da relação jurídica, conforme reconhecido por doutrinadores e pela melhor jurisprudência. Senhor Presidente, feito este breve retrospecto do caso, passo a proferir voto, tendo em vista o pedido de vista que formulei e as peculiaridades da impetração. À época do ato atacado mediante este mandado de segurança, o Impetrante vinha exercendo a função de Cônsul-Geral do Brasil em Toronto, Canadá. Ministro de Segunda Classe, ingressou na carreira diplomática após feitura de concurso de provas e títulos, estimulado, certamente, não apenas por um determinado padrão de vencimentos que pudesse alcançar, mas pelos inegáveis atrativos de vir a ter exercício no exterior, chegando mesmo a ser destinatário da honrosa missão de representar o Brasil, em caráter permanente, junto a outros países. Não obstante, após o ingresso na carreira, ocorreram profundas modificações quanto ao exercício das funções, pois, sob a motivação da necessidade de proporcionarse uma maior rotatividade, criou-se, com a Lei n2 7.501/86, o chamado «Quadro Especial do Serviço Exterior», não a ponto de possibilitar o desempenho dos integrantes deste último em terras alienígenas, mas, ao contrário, de inviabilizar a designação para servir no estrangeiro. Veja-se bem que o Impetrante foi alcançado por regras limitativas de atuação que não se lhe fizeram presentes quando aceitou o desafio de enfrentar uma verdadeira maratona, para ingresso na almejada e convidativa carreira da diplomacia. A citada Lei introduziu a figura da transferência de ofício para um Quadro dito especial, fazendo-o a partir de normas que revelam balizamento, considerado o fator idade: sessenta e cinco anos para os Ministros de Primeira Classe, sessenta anos para os de Segunda Classe e cinqüenta e oito anos para os Conselheiros — artigo 55 da Lei n2 7.501/86 — e, com a Lei n2 8.028, de 12 de abril de 1990, a restrição passou a englobar, também, o tempo máximo na classe — de quinze anos — artigo 40, no que emprestou nova redação aos artigos 55 e 67 da Lei n2 7.501/86. Neste caso, formula-se pedido que o distingue de outro apreciado pelo Plenário — Mandado de Segurança n2 20.982, no qual assentou o Tribunal a inviabilidade da pretensão porque estranha à ordem jurídica. O Impetrante pleiteara a permanência dos benefícios referentes à promoção alcançada, de forma automática, com a inclusão no Quadro Especial e segurança que restabelecesse, quanto à função no exterior, o statu quo ante, voltando, assim, ao posto outrora ocupado. A Corte, contra o meu voto, concluiu que assim estava dirigido o pedido e como tal deveria ser enfrentado e denegou a ordem, reservando-se, ao que apreendi, o exame da espécie em oportunidade outra na qual viesse a defrontar-se com segurança impetrada em termos. R.TJ. 155 Aqui está uma impetração formalizada nos moldes que, no julgamento anterior, foram tidos como adequados. Eis o pedido formulado pelo Impetrante: «Conforme se patenteia, e por tudo quanto antecede, o direito líquido e certo do Impetrante, a proteger, é, em suma, o de continuar a normalmente poder ser designado para o exercício da função diplomática de caráter permanente.» Vê-se que nada foi pleiteado sobre a função anteriormente exercida, apenas buscando-se preservar a potencialidade conquistada por concurso público e decorrente da carreira abraçada A tornar extremo de dúvidas o alcance da segurança solicitada, tem-se o fecho da inicial: «Circunstância em que, respeitosamente, vem o Impetrante requerer a esse egrégio Tribunal lhe seja assegurado o seu líquido e certo direito de normalmente continuar o poder legitimamente exercer, no exterior, toda função diplomática compatível com as prerrogativas de seu título e de seu cargo de Ministro de Segunda Classe, independentemente de estar classificado no «Quadro Permanente» ou no «Quadro Especial». Inegavelmente, tal pedido tem escopo único — o de restabelecer o quadro fáticojurídico viabilizador de um possível aedenciamento, atribuindo-se a alusão aos quadros não a uma posição inarredável de permanência no especial, mesmo porque não consta dos autos, quer da inicial, quer das informações, notícia de que tivesse sido o Impetrante beneficiado com a inserção, mas a irrelevância de nele permanecer ou não, desde que assegurado o direito de poder vir a ser designado para prestar serviços no exterior. O fato autoriza a conclusão de que, na verdade, este mandado de segurança não tem outro objetivo senão o de resta- 447 belecer a situação pretérita, da qual gozava o Impetrante, voltando ao mesmo nível dos demais colegas, no que se mostram credenciados para o desempenho interno e externo. A par da surpresa causada pela modificação das normas em vigor quando da feitura do concurso público, mitigando-se os aspectos positivos da carreira, em flagrante prejuízo profissional e financeiro para o Impetrante, a hipótese apresenta-se com repercussões em garantias que decorrem da Lei Básica Federal. A uma, porque, mediante critérios novos introduzidos no cenário jurídico, o Impetrante foi alcançado por ato administrativo que o colocou na desconfortável situação de ser considerado, ao contrário de inúmeros colegas que continuam no chamado Quadro Permanente, credenciado apenas a prestar serviços no Brasil. Com isto, teve afastada peculiaridade marcante da carreira na qual estava integrado — a de poder vir a servir no exterior — com nefastas repercussões no próprio status que até então possuía, no aprimoramento profissional que resulta do exercício das funções no estrangeiro e, também, no financeiro, pois é sabido que a precária situação dos vencimentos percebidos no Brasil é contrabalançada pela percepção deles e de parcelas outras em moeda forte, quando se passa a atuar além dos limites territoriais pátrios. Contudo, diz-se que isto não prejudica a continuidade na carreira, porquanto o Diplomata permanece prestando serviços internamente e que, no caso, a perda da qualificação é fruto de condições que lhes são peculiares e que se fazem ligadas à idadelimite imposta pela lepslação ordinária ou à passagem de determinado tempo em uma classe sem que se tenha, no afunilado acesso a uma mais elevada, progredido. O argumento é falho, porque confina com direito já integrado ao patrimônio do Diplomata, implicando tratamento unilateral e digam- 448 R.T.J. — 155 minador que não encontra o indispensável apoio na Lei Básica. Ao contrário, conspurcando-a. A Carta Federal pretérita continha preceito ligado à vedação de tratamento diferenciado quanto a salário e critério de admissão — artigo 165, inciso III. À época, vigia o regime estatutário, caracterizado pela supremacia do Estado nas relações mantidas com os respectivos servidores. Com a Carta de 1988, profundas mudanças foram introduzidas. De um lado, abandonou-se a situação de desequilíbrio que favorecia o Estado e, de outro, alargou-se a proibição de vir-se a discriminar este ou aquele trabalhador urbano ou rural. Além de a nova Lei Básica albergar a proibição de diferença no exercício de funções, incluiu-se mais uma fator ao lado do sexo e do estado civil — o relativo à idade — inciso XXX do artigo 72. O preceito passou, com a promulgação da Carta, a ser de observância cogente pelo Estado, pois abrangido pela remissão do § 22 do artigo 39 que nela se contém, independentemente da adoção do regime único de que cogita o caput do artigo. O citado parágrafo tem início com expressão que informa a eficácia imediata do texto — «Aplica-se a esses servidores o disposto...» Acresce que a interpretação sistemática da Carta, tão oportuna quando é analisada controvérsia entre o cidadão-servidor e o Estado, fornece luz ao deslinde da questão. O tratamento da situação jurídica dos militares fez-se de forma toda própria. Aí, atribuiu-se ao legislador ordinário, ao contrário do que ocorreu em relação aos servidores civis, a competência para dispor sobre «os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor Militar para a inatividade» — § 92 do artigo 42. Já aqui são constatados dois fatos da maior importância. O primeiro, ligado à existência de uma regra geral ditada por preceito maior e à exceção estabelecida pela própria Carta, estando esta limitada aos servidores militares. O segundo, relativo à dignidade do cidadão-servidor. Ao remeter à legislação ordinária a fixação de limites, a Carta o fez — repita-se: em relação aos militares — preservando o status profissional destes. Alcançada a idade máxima, ou o tempo limite em determinada patente, o militar não é transferido para serviço que implique diminuição de prestígio na corporação, considerados os seus iguais. O texto constitucional não permite dúvidas sobre a impossibilidade de a lei dispor de tal forma que leve a uma verdadeira situação de inferioridade, tendo em conta o desempenho normal alusivo à patente, como se se pudesse ter, por exemplo, generais aptos ao comando e generais restritos a serviços burocráticos, em face de haverem sido alcançados pelo implacável fator tempo, quer considerada a faixa etária, quer a permanência, durante certo lapso, na patente. Não, a dignidade humana falou mais alto e, ao invés de impor-se a desagradável situação de ombrear-se, na ativa, com oficiais de igual patente, sem a possibilidade de vir-se a cumprir idêntico papel, apontou-se, como conseqüência do implemento da condição, a transferência para a reserva. Todavia, assim não se procedeu no tocante aos diplomatas. Com olvido da regra constitucional proibitiva da distinção do exercício funcional em vista da idade, foise além. Discriminou-se a partir de idades que normalmente revelam a formação de um bom cabedal de conhecimentos, de experiência e, portanto, de maturidade nos diversos campos da vida humana — sessenta e cinco anos para os Ministros de Primeira Classe, sessenta para os de Segunda e cinqüenta e oito para os Conselheiros — para, a um só tempo, conduzir os que contam com tais números de anos vividos 449 R.T.J. — 155 a situação de absoluto constrangimento, no que se lhes emprestou a tarja de inabilitados para missões no estrangeiro, quer temporárias, quer definitivas, talvez mesmo visando a compeli-los, diante da insustentável situação de inferioridade junto aos respectivos pares, a requererem a aposentadoria precoce, como se o Brasil pudesse abrir mão de grandes valores de sua diplomacia de carteira. Tudo isto ocorre, justamente, em relação aos que nesta estão integrados, nada impedindo que um estranho a ela ultrapasse, no exercício de missão, os limites em exame, o mesmo ocorrendo com diplomatas aposentados. O distanciamento do legislador ordinário dos termos constitucionais fez-se progressivo.Enquanto emvigoraLei 1/27.501/86 na redação primitiva, a restrição à potencialidade funcional fez-se ante critérios absolutos ligados à idade, tomando-se como envelhecidos para missão no exterior e, implicitamente como decadentes, aqueles que estivessem na faixa entre os cinqüenta e oito anos e sessenta e cinco anos, conforme a classe ocupada. Com a nova redação conferida pela Lei n2 8.028/90, foram diminuídos, ainda mais, tais limites de idade. A tanto significou o aditamento ocorrido para contemplar-se, em impiedosa conjugação como fator idade, o tempo de permanência em determinada classe, viabilizando-se, com isto, aretiradacornpuls6riadalinhade frente, quem sabe, de Ministros de Primeira Classe, de Segunda e de Conselheiros com menos de sessenta e cinco, sessenta e cinqüenta e oito anos de idade, tomando-os como relativamente capazes para os relevantes serviços da diplomacia Cite-se para exemplificar o recente caso, noticiado pelos jornais, do Embaixador do Brasil na Inglaterra. Alcançado pelo tempo na classe, retornada ao Brasil aos cinqüenta e sete anos de idade e, então, ficariaimpossibilitado de vir a ser credenciado para uma nova missão, ainda que temporária. A permanência em Londres somente restou viabilizada pela aposentadoria, já que em relação aos «estranhos» à carreira não existe outra restrição senão a relativa aos setenta anos de idade. O discrímem estabelecido distancia-se da dignidade que a Lei da República assegura ao homem. Conflita com o quadro que esteve presente quando do ingresso na carreira, frustrando tantos quantos se esforçaram para nela entrar e que, por conta de brilhantismo, cedo chegaram a determinado posto e, aí, diante do afunilamento, estacionaram, ou então, e o que é pior, tiveram a juventude solapada pelo tempo. Discrepa, sobremaneira, de dois princípios básicos da Constituição Federal —o genérico da isonomia e o específico da proibição de estabelecer-se diferença no exercício de função em virtude da idade. Resta o consolo de a extravagante norma limitadora não haver sido estendida a outros setores da Administração Pública. Concedo a ordem, para restabelecer a situação funcional anterior do Impetrante, ou seja, para cassar o ato que resultou na respectiva integração ao «Quadro Especial», ficando viabilin.da, assim, a possibilidade de vir a ser designado para missões no exterior. É como voto, com a devida vênia do Relator. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Presidente, a lei estabelece um prazo máximo de permanência na classe: O Conselheiro ficará na classe um certo número de anos; se não conseguir promoção nesse certo mlmero de anos, irá para o quadro especial. O mesmo ocorrerá com o ministro da 2' classe: permanecerá na classe durante um certo número de anos; se não for promovido a ministro de 1' classe, será posto no quadro especial. O ministro de P classe, por sua vez, ficará na classe, também, por um certo 450 R.T.J. — 155 número de anos, ao cabo dos quais, se não tiver sido aposentado, será, também, incluído no quadro especial. A questão, então, a saber, é se o critério adotado pelo legislador seda inconstitucional. A isonomia específica dos servidores públicos, a do inciso XXX do art. 7 9 da Constituição, aplicável por força do § do art. 39 da mesma Carta, estabelece a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. r Não será possível, pois, estabelecer discriminação com base no sexo, na cor, na idade ou no estado civil das pessoas ou dos servidores públicos. Isto, entretanto, não impede, Senhor Presidente, que o legislador estabeleça planos de carreiras e, no estabelecer esses planos, fixe prazos máximos de permanência nas classes ou nos postos. Precisamos atentar para o fato de que certas classes ou certos postos exigem um esforço físico e mental maior do servidor. Certos postos exigem, ademais, daqueles que o exercem, entusiasmo, denodo, bravura, ousadia. Por isso, não se pode negar ao legislador a adoção de critérios razoáveis no disciplinar as carreiras do serviço público, assim de estabelecer tempo de permanência no posto. Ademais, em algumas carreiras regulamentadas — a de diplomata, por exemplo — nas quais o ingresso se faz mediante a realização de cursos em escolas próprias, tal é o caso do Instituto Rio Branco, nas quais é aberto, todo ano, um determinado número de vagas, é necessário uma maior movimentação nos quadros ou postos, para que não haja estagnação nas classes iniciais. Então, o que fez o legislador? Disciplinando a carreira, estabeleceu que o servidor ficaria, na classe, por um número certo de anos, dentro dos quais deverá obter promoção à classe seguinte. Isto, repito, não me parece proibido pela Lei Maior, mesmo porque se trata de critério objetivo. Insisto, Senhor Presidente, no argumento já posto, no sentido de que ao legislador é facultado regulamentar carreiras, racionalizar carreiras, criar planos de carreira, a partir de critérios objetivos razoáveis. O critério que estamos a examinar, constante da carreira de diplomata, é objetivo e parece-me razoável. Insisto neste ponto: certos postos, certas classes, exigem, dos que os exercem, um maior entusiasmo, um certo denodo, uma certa ousadia, uma maior bravura. Ora, sabemos todos, depois que o servidor fica no cargo um bom número de anos, é ele acometido, de regra, de uma certa apatia, dado que as funções caem na rotina do servidor. Isto, Senhor Presidente, é reconhecido nas grandes empresas e os modernos tratados de administração comumente veiculam. Senhor Presidente, os que se debruçam sobre os problemas da magistratura, sobre os magnos problemas do Poder Judiciário, imaginam reformas relativamente à carreira do magistrado. Por que não pensarmos num critério semelhante para a magistratura? Referentemente à magistratura, é certo, seria necessária cláusula constitucional expressa, tendo em vista as garantias constitucionais que lhe são asseguradas. Sou dos que entendem que algo parecido deve ser pensado. É que, repito, a longa permanência num certo cargo, num determinado posto, pode levar à apatia, que faz com que as funções não sejam exercidas com o necessário entusiasmo, com a necessária bravura ou com o indispensável denodo. Ressalvo, Senhor Presidente: amanhã, se estiver diante de discriminação em razão da idade, poderá ser outra a minha conclusão, tendo em vista que a Constituição é expressa, no inc. XXX do art. 79, aplicável ao servidor público por força do art. 39, R.T.J. —155 § r, em estabelecer proibição de exercício de funções por motivo de idade. Com essas breves considerações, peço vênia ao meu eminente colega, Ministro Marco Aurélio, para acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator, dado que não considero inconstitucional o critério adotado pela lei, no caso. Assim, indefiro o mandado de segurança. VOTO 0 Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro Mamo Aurélio e peço vênia aos que dele dissentem. Entendo que o inciso XXX do artigo 79 não esgota o catálogo das discriminações vedadas. E não consigo entender como razoável que o maior tempo de permanência num determinado posto — seja ainda o mais alto, que se presume decorrer do brilho da carreira do diplomata —possa servir de base, dir-se-á, não para expulsá-lo, mas, certamente, para praticamente demiti-lo do exercício das funções institucionais de sua carreira. Não posso fechar os olhos a esta realidade que, há anos, em caso relativo à organização da Polícia do Paraná, praticamente equivalente, levou o Tribunal a declarar a inconstitucionalidade da lei com que se pretendeu oxigenar os quadros da Policia Civil daquele Estado Senhor Presidente, as teses estão suficientemente postas e o eminente Ministro Marco Aurélio, a meu ver, mostrou a realidade da discriminação. Defiro a segurança. VOTO 0 Sr. Ministro Paulo Broesard: Sr. Presidente, eu estava no Senado quando chegou àquela Casa projeto de iniciativa do Poder Executivo estabelecendo o sistema 451 que agora está sendo questionado. Ninguém negava que ele objetivava abrir claros na carreira, não visava a oxigená-la, melhorá-la, e aperfeiçoá-la; não se cuidava de aprimorá-la, mas de abrir vagas, porque os mais antigos, os que ocupavam naturalmente os postos de maior relevo, não se aposentavam senão por implemento de idade, e era preciso forçar abertura de vagas. Isto foi explícito, e descoberto. Já naquele tempo pensei comigo mesmo: mais uma vez se está dando mais importância ao interesse pessoal do servidor — interesse legítimo, sem dúvida alguma, mas interesse pessoal do servidor — do que ao interesse impessoal do serviço. Estou falando aqui com certo embaraço, porque está entre nós, aliás, para regozijo nosso, antigo Ministro de Estado das Relações Exteriores, que conhece a matéria melhor do que eu, mas estou dando um depoimento. A carreira diplomática não é uma carreira de ouropéis; muita gente imagina que o diplomata passa o seu tempo entre festas, homenagens, regalias, viagens; engana-se quem pensar assim. Ao contrário, é uma carreira extremamente exigente e que impõe sacrifícios que o comum dos mortais não chega a imaginar. É claro que há embaixadas régias, Paris, Roma, Londres e Nova Iorque, Washington. Têm elas até apelido; diz-se que elas formam o «ciclo Plinbeth Arden». Mas há muitas outras em que as condições de vida são difíceis, não só para o profissional como para sua família. Mas mesmo nas grandes embaixadas, a vida não se passa entre cogwrsis e banquetes. Como Senador, fui mais de uma vez à Assembléia da ONU e tive oportunidade de ver a nossa missão funcionandO até altas horas da noite, sem excluir sábados e domingos; todos trabalhando, desde um quarto secretário — que por sinal era filho do Ministro das Relações Exteriores, na época —, até o Chefe da Missão. E esses trabalhos não aparecem, ou pouco aparecem. 452 R.T.J. — 155 O diplomata, se erra, o seu erro aparece logo e ninguém contemporiza com ele; se acerta, na medida em que for um bom diplomata, deve silenciar sobre ele, deve até fazer crer que não teve êxito algum, porque o seu êxito, o êxito em favor de seu país, é uma vantagem a que corresponde desvantagem da outra parte e não seria nada inteligente que ele alardeasse o bom sucesso da sua atuação. O que é mal feito ou menos bem feito aparece irresistivelmente, enquanto o que é bem feito às vezes não aparece nunca, ou vai ser conhecido depois que o diplomata está recolhido ao descanso eterno. É um ledo engano imaginar que a diplomacia seja uma carreira de facilidades. Não é. É claro que tem as suas vantagens, dependendo dos postos. Uma pessoa que serve como representante do Brasil em boas capitais goze de ambiente cultural, que nós outros não temos condições de freqüentar e quando freqüentamos é esporadicamente, por dias ou semanas, na melhor das hipóteses; enquanto eles, por dever o oficio, lá estão convivendo com pessoas que não são as piores dos seus respectivos países e, portanto, numa concorrência intelectual estimulante e rica. Daí imaginar, porém, que seja uma vida de aparato, é um equívoco. Sei que o diplomata não exerce a sua atividade s6 no exterior, também a exerce aqui. E ninguém por ser diplomata tem direito a ser designado a servir aqui ou ali, embora o serviço diplomático, a maior parte dele, se exerça no exterior. Afirmar que o diplomata tem interesse em servir no exterior porque lá recebe em dólar e aqui em cruzeiro é uma iniqüidade que está sendo praticada. Em primeiro lugar, recebem em dólar porque esta é a moeda a ser paga no exterior; não se trata de uma opção, trata-se de uma contingência. Hoje, é claro que o telex, rádio, o fax e o telefone facilitam largamente o trabalho diplomático. Houve época em que o Chefe da Missão ia para um lugar e não tinha contacto com o seu país, a não ser quando chegava um navio e lhe levava a mala diplomática; muitas vezes tinha de assumir responsabilidade intransferíveis. Dir-se-á: hoje não é mais assim. Mas, de qualquer sorte, o Chefe da Missão que está no outro lado do mundo é o representante do Brasil, não tem intermediários, e os seus funcionários — que me corrija o Sr. Ministro Francisco Rezek se eu estiver cometendo uma incorreção — estão sujeitos a disciplina mais do que militar. Por quê? Porque naquela meia dúzia de pessoas está o Brasil. Estamos acostumados com as festas do Itamaraty e o ambiente não pode ser melhor, é fidalgo ou, pelo menos, afidalgado, dentro de uma arquitetura que convida até ao sonho; os cisnes e as palmeiras do velho Itamaraty devem ter aquecido muitas vocações! No entanto, vejo uma profunda injustiça, quando se aprecia o serviço diplomático sob esse prisma. Pois bem, graças ao sistema estabelecido, em certo momento foram tirados da atividade útil as melhores figuras da diplomacia brasileira de uma vez só. Dir-se-á: outros ocuparam os lugares vagos. É natural, se existe um serviço existe continuidade, mas os melhores nomes da Casa foram simultaneamente afastados. Não me parece que o fato de o diplomata por ter ingressado no serviço dentro de um determinado regime e com certas perspectivas possa ele se considerar com o direito de mantê-las até a sua aposentação. Não. É evidente que a administração pode ser modelada, nos termos da lei, ao longo do tempo, sem que haja lesão a direito individual, profissional ou funcional do servidor, claro! O certo é que não se pode comparar atividade diplomática com atividade militar, porque esses, os serviços, são totalmente diferentes, por motivos especialíssimos nas forças armadas preponderam os moços e ainda que o general-comandante não vá R.T.J. — 155 para a frente da batalha, de qualquer sorte, dele se exige higidez física e mental. Com a liberdade que tenho por não ser do ofício, creio que o diplomata mais aprende vivendo e convivendo do que propriamente investigando ou perquirindo. Seguramente, um jovem diplomata é feliz se tiver um chefe capaz, porque ele vai aprender mais com ele do que aprendeu no Curso Rio Branco. São as lições da vida, quer dizer, lições da experiência. S6 as circunstâncias são capazes de proporcionar esse ensino. Não me parece, sob o ponto de vista do interesse nacional, que se tabele a permanência do diplomata no serviço ativo, forçando-o a dele afastar-se. Uma pessoa pode ser Presidente da República depois dos 65 anos enquanto o diplomata não pode permanecer no serviço além dessa idade. No entanto, o Presidente ou o Senador, pode ser eleito aos 80 anos. Também não é exato que a pessoa que ficou tantos anos na carreira e não foi promovida não revela as melhores qualidades. Pelo que sei, não é assim. O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Ministro, fui Relator de um caso anterior, e V. Exa. sabe o que o Ministério das Relações Exteriores sustentava? Ele fazia esse Quadro Especial até para que tivesse os seus melhores funcionários no departamento de Estado. E, se isso é farisaico, ou não, não é problema meu. É um ângulo, do qual não podemos partir de outro, até porque pergunto: será que se presta mais serviço ao Brasil, sendo embaixador numa pequena República do que sendo chefe de departamento? O Sr. Ministro Marco Aurélio : Isso é fácil. É só não credenciar diante do Poder Executivo. O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas, desde o momento em que se promove nesse 453 Quadro Especial, e o mesmo tem acesso a todos os mais altos cargos do País, pergunto: será que isto é eapitis derribara& ser chefe de departamento? Então, se dirá: é caídas deminutio. O Sr. Ministro Paulo Brossard: Veja, Sr. Presidente, a importância desse dado; quando o Ministro Rezek assumiu a Casa de Rio Branco, nenhum dos diplomatas do Quadro Especial — é um nome pomposo, até adequado à categoria — prestava serviços efetivos, porque deles tinham sido dispensados. Foi S. Exa., de forma equilibrada, prudente, e demonstrando seu alto discernimento, que aproveitou três deles, um no órgão curador da Fundação Cabo Frio, outro que acabava de chefiar nossa representação em Paris para ser o Diretor do Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro; trata-se de exímio conhecedor da história, e, particularmente, da história diplomática brasileira. Em verdade, o Brasil está, através dessa providência, se dando ao luxo de não aproveitar os seus servidores de maior competência e experiência na área diplomática, para dar ensejo à oxigenação, quer dizer, à promoção dos mais novos, que é uma ambição natural de quem entra na carreira, o acesso progressivo aos postos mais altos. São duas forças opostas, antagônicas, ambas legítimas. Agora o interesse do País —creio eu —.estaria (=compor essas duas forças, mas não em dar prevalência absoluta a uma delas. Mas isto tudo, Senhor Presidente, é mais uma questão de conveniência. Se eu tivesse de votar a lei, eu não teria nenhuma dificuldade em votá-la; quando se trata de mandado de segurança para deferi-lo, sou obrigado a dizer que a lei é insubsistente, em face da Constituição, ou é com ela compatível. O Sr. Ministro Marco Aurélio: V. Era admite que quanto à idade, insurge algum conflito? E a compreensão de matéria. Porque veja, Senhor Ministro, o que 454 R.T.J. — 155 essa norma acaba alcançando, na verdade, é a redução do limite. Citei o exemplo do Embaixador de Londres com 57 anos. Sr. Ministro Paulo Brossard: Eu fiquei solicitariamente vencido quando se discutiu o problema da idade — como condição de acesso ao serviço público. O Sr. Ministro Moreira Alves: V. Exa. considerava que era possível estabelecer restrição com relação à idade. Sr. Ministro Paulo Brossard: Em princípio, sim; por que não? Sr. Ministro Moreira Alves: Não estou indo contra V. Exa., apenas dizendo que, se V. Exa admitiu até mesmo a possibilidade de uma limitação por causa da idade, aqui com muito mais razão, porque não há limitação pois ela pode decorrer da idade. No caso de um indivíduo não ter permanência durante aquele período, mas, alcançar uma idade limite, isto é o que também ocorre no Exército, só que com uma diferença: lá é para ser colocado na reserva; aqui, é para mudança de Quadro, onde só poderá ficar em funções do Brasil. Agora, neste caso específico, não há nenhum problema de idade. Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não quero polemizar, porque as posições estão absolutamente tomadas. O eminente Ministro Marco Aurélio já tinha desenvolvido esse problema. Parece-me que a limitação compulsória ao exercício de funções públicas é a aposentadoria compulsória. A partir daí, não admito que, por um critério de ocupação de um determinado posto, seja o servidor despojado da potencialidade de exercer a função mais típica do seu cargo ou da sua carreira. O Sr. Ministro Moreira Alves: V. Exa. há fundamentar isso em algum princípio jurídico. Aí não há direito adquirido. A Constituição estabeleceu os critérios objetivos de discriminação. Fora daí não é possível começarmos a inventar critério senão teremos discriminação objetiva e, realmente, será difícil porque ficará na arbitrariedade da cabeça de cada juiz. O Sr. Ministro Paulo Brossard: Concluo: Privar o país dos seus mais experientes servidores em um serviço reconhecidamente bom, depois de neles ter investido um cabedal, colocando-os em virtual aposentadoria antes do tempo, em uma aposentadoria de fato à margem da Constituição, para abrir vagas no quadro de promoções, ofende, penso eu, o princípio da moralidade a que está sujeita a administração, conforme prescreve o art. 37, caput, da Constituição E o ofende frontalmente. VOTO O Sr. Ministro Octavio Gallotti: Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio, e àqueles que o acompanharam, para indeferir a segurança, considerando que a restrição ao exercício da função contempla, no caso, uma desigualdade funcional objetiva: tempo de permanência na classe da carreira. E, por isso, não configura discriminação proibida no art. 72, inciso XXX, da Constituição Federal. Quando se tratar da hipótese de discriminação por motivo de idade, que não está em jogo nestes autos, reservo-me ao exame da constitucionalidade dessa mesma lei, no ponto onde se prevê a transferência para quadro especial, da carreira de diplomata. Com esse fundamento, indefiro o pedido de segurança e declaro a constitucionalidade das expressões ou quinze anos de classe, contidas no item 11 do art. 55 da Lei n27.501-90. R.T.J. — 155 EXTRATO DA ATA MS 21.154 — DF — Rel.: Min. limar Gaivão. Irapte.: Odilon de Camargo Penteado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e outro). Impdo.: Presidente da República. Decisão: Após os votos dos Ministros Relator, Carlos Velloso, Celso de Mello e Octavio Gallotti, indeferindo o mandado de segurança e declarando a constitucionalidade das expressões «ou 15 (quinze) anos de classe», contidas no inciso II do art. 55 da Lei Federal n2 7.501/86, e dos votos dos Ministros Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, deferindo a segurança e declarando a inconstitucionalidade de tais expressões, o julgamento foi adiado em virtude de pedido de vista dos autos, formulado pelo Ministro Néri da Silveira. Impedido o Ministro Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Presidência do Senhor Ministro Sydney Sanches. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Octavio Gallotti, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio e limar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 14 de outubro de 1992 — Luiz Tomintatsu, Secretário. VOTO (VISTA) O Sr. Ministro Néri da Silveira: Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Odilon de Camargo Penteado, contra ato do Presidente da República que o transferiu do Quadro Permanente para o Quadro Especial, do Serviço Exterior, do Ministério das Relações Exteriores, porque completou quinze anos como Ministro de Segunda Classe, impedindo-o do exercício de certas funções diplomáticas no exte- 455 rior, quais sejam, as de caráter permanente e transitório. Alega-se que o ato administrativo se baseou nos arts. 40 e 41, da Lei n 2 8.028, de 14-4-1990, que deram nova redação aos arts. 54 e 55 da Lei n2 7.501, de 1986, prescrevem a transferência, para o Quadro Especial, do Ministry de Segunda Classe, que haja completado 15 (quinze) anos de classe. Sustenta o impetrante que esses artigos são inconstitucionais, «até porque, conjugados com a Lei n2 7.501, de 27-6-1986, impedem, de forma totalmente inconstitucional, aos diplomatas transferidos — para o aludido Quadro Especial — o exercício de determinados funções diplomáticas no exterior, a saber, as funções ditas «permanentes». No mandado de segurança, pleiteia o requerente proteção de seu direito líquido e certo de «continuar a exercer plenamente suas atribuições, inclusive sendo comissionado para servir no Exterior» (fl. 3). À fl. 20, requer o impetrante lhe seja assegurado o seu líquido e certo direito de normalmente continuar a poder legitimamente exercer, no exterior, toda função diplomática compatível com as prerrogativas de seu título e de seu cargo de Ministro de Segunda Classe, independentemente da classificação no «Quadro Permanente» ou no «Quadro Especial», por estar em atividade e não aposentado ou em disponibilidade. Vê-se, dessa sorte, no caso concreto, que a impetração não ataca, propriamente, a existência do «Quadro Especial», mas, sim, o fato de o diplomata para ele transferido não mais poder exercer no exterior funções diplomáticas compatíveis com as prerrogativas de seu título, ou nessas funções continuar, se houver de ser transferido para o Quadro Especial. Sustenta-se, no caso, de outra parte, que a medida não infringiu o inciso XXX do art. 456 R.T.J. — 155 72, da Constituição Federal, porque não teve, por motivação, discriminação de sexo, idade, cor ou estado civil, mas, tão-somente, o tempo de permanência em determinada classe da Carreira de Diplomata. Anotase, além disso, que a Lei d7.501/1986, em seu art. 45, veda a permanência de Ministros de Segunda Classe no exercício de chefia de posto, por período superior a cinco anos. 2. A Lei n2 8.028, de 12-4-1990, que dispôs sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, dando outras providências, introduziu nova redação ao art. 55, da Lei n9 7.501, de 1986, que passou a ter o seguinte teor: «Art. 55. Serão transferidos para o Quadro Especial do Serviço Exterior: I — o Ministro de Primeira Classe ao completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou 15 (quinze) anos de classe; — o Ministro de Segunda Classe ao completar 60 (sessenta) anos de idade ou 15 (quinze) anos de classe; III — o Conselheiro, ao completar 58 (cinqüenta e oito) anos de idade ou 15 (quinze) anos de classe. § 1 2 A transferência para o Quadro Especial do Serviço Exterior ocorrerá na data em que se verificar a primeira das duas condições previstas em cada um dos incisos 1, H e III deste artigo.» À sua vez, o artigo 41 da Lei n2 8.028, de 1990, prescreve, verbis: «Art. 41. A transferência para o Quadro Especial dos Ministros de Primeira Classe, dos Ministros de Segunda Classe e dos Conselheiros que, em 15 de março de 1990, hajam completado 15 (quinze) anos de classe, far-se-á dentro de 90 (noventa) dias contados da referida data, mantido o prazo de partida pre- r visto no § do artigo 55 da Lei n' 7.501, de 17 de junho de 1986 com as modificações introduzidas por esta Lei. Parágrafo único. A transferência para o Quadro Especial dos Ministros de Primeira Classe, dos Ministros de Segunda Classe e dos Conselheiros que vierem a completar 15 (quinze) anos de classe, antes de 15 de junho de 1990, far-se-á igualmente dentro do prazo estabelecido neste artigo.» 3. Na organização dos serviços públicos e da administração pública, pode a lei dispor amplamente sobre a existência de quadros de pessoal, regime jurídico dos servidores e planos de carreira. No exercício de competência legislativa sobre direito administrativo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem disciplinar o funcionamento de seus serviços. Consoante o art. 61, § 1 2, inciso II, letras a, c, e e, da Constituição, são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre «a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração»; «c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade»; «e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública». De acordo com os interesses objetivos do serviço público, de sua organização, de seu funcionamento, compete ao legislador instituir serviços, órgãos, quadros, respeitados os princípios gerais inseridos no art. 37, da Constituição, quanto à administração pública, bem assim os direitos adquiridos dos servidores públicos resultantes do respectivo regime jurídico ou dos planos de carreira a que sujeitos. De outra parte, não se compreende no plexo dos direitos adquiridos dos servido- R.T.J. — 155 res públicos o de exigir se mantenha intocável a organização dos serviços ou a estruturação das carreiras, tendo em conta a legislação vigente à data do ingresso. Não há, em princípio, direito do servidor a impedir, ao longo do desempenho funcional, se reestruturem serviços ou quadros de pessoal ou conteúdos ocupacionais de cargos. Pois bem, a Lei n2 7.501, de 17-6-1986, que institui o regime jurídico dos funcionários do Serviço Exterior, estabelece, em seus arts. 1 2 e 22: «Art. 12 O Serviço Exterior, essencial à execução da política exterior do Brasil, constitui-se do corpo de funcionários permanentes, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no Brasil e no exterior, organizados em carreira e categoria funcional, definidas e hierarquizadas e sujeitos ao regime desta lei. «Art. 22 O Serviço Exterior é composto da carreira de Diplomata e da Categoria Funcional de Oficial de Chancelaria.» Quanto à carreira de Diplomata, o art. 32 da mesma estabelece: «Ari 32 Aos funcionários da carreira de Diplomata do Serviço Exterior incubem atividades de natureza diplomática e consular, em seus aspectos especfficos de representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros no campo internacional.» À sua vez, os arts. 12 e 13, da Lei n2 7.501/1986, estipulam: «Art. 12. Os funcionários do Serviço Exterior servirão na Secretaria do Estado e em postos no exterior. Parágrafo único. Consideram-se postos no exterior as representações do Ministério da Relações Exteriores sediadas em país estrangeiro. 457 «Art. 13. Nas remoções da Secretaria de Estado para posto no exterior e de um para outro posto no exterior, procurar-se-á compatibilizar a conveniência da Administração com o interesse profissional do funcionário do Serviço Exterior.» Assim sendo, a criação de Quadro Especial, ut arts. 54 e 55, da Lei n2 7.501/86, no Serviço Exterior, em princípio, não fere direito dos integrantes da carreira diplomática Estabelecidos requisitos e critérios objetivos à transferência de servidores do Serviço Exterior para esse Quadro Especial, quer em virtude da idade, quer em razão de determinada antigüidade na classe, colimando tornar viável certa rotatividade entre os integrantes das diversas classes da carreira, não entendo haja violação ao princípio da isonomia, desde que todos fiquem, na carreira, sujeitos a tratamento igual. Nesse sentido, de resto, normas anteriores já definiram, ad exemplam, prazo máximo de permanência no exterior, tal como se vê dos arts. 45, 46 e 47, da Lei n2 7.501/86. Com efeito, a Lei n2 7.501/1986, em seu art. 45, preceitua: «Os Ministros de Primeira Classe e de Segunda Classe no exercício de Chefia de posto, não permanecerão por período superior a 5 (cinco) anos em cada posto». Também, no art. 46, ia tine, da Lei n2 7.501/1986, prevê-se o prazo máximo de dez (10) anos consecutivos no exterior, fixado para os Ministros de Primeira e Segunda Classes. Anotam, entretanto, as informações, à fl. 34, que nada existe na legislação «que impeça a remoção do diplomata para a Secretaria de Estado, no interesse da Administração, antes de completado o mesmo» (10 anos). Releva considerar, também, objetivamente, que as funções de diplomata «não consistem apenas no exercício de suas atribuições fora do País, reservadas que lhes 458 R.T.J. — 155 estão funções no Ministério das Relações Exteriores da maior importância, no campo da diplomacia, não obstante desempenhadas em território nacional e não no estrangeiro». Tal decorre dos arts. 1 2 e 22 da Lei n2 7.501/1986. A política externa a ser seguida pelo País há de merecer definição a partir dos altos estudos das autoridades diplomáticas no âmbito da Secretaria de Estado o que, à evidência, pressupõe a participação, o assessoramento, o aconselhamento dos servidores diplomáticos, com diferentes especializações. Dessa maneira, a transferência para Quadro Especial, após certa idade ou determinados anos de serviço diplomático no exterior, não a tenho, desde logo, como contrária à Constituição, desde que adotados critérios objetivos e gerais, como os da idade do diplomata ou de certo número de anos na classe ou mesmo no exterior. que, entre eles e os diplomatas de idêntica classe, possa existir distinção quanto aos conteúdos ocupacionais dos respectivos cargos. Não há dois cargos distintos de Ministro de Primeira Classe, ou de Segunda Classe, ou de Conselheiro, no Serviço Diplomático, do País, o que significa que o conteúdo ocupacional de cada qual há de ser um só, não se podendo admitir que ocupantes de cargos da mesma natureza estejam intitulados a desempenhar, ex vi legis, funções diversas, a tanto equivalendo uns diplomatas da mesma classe poderem desempenhar funções diplomáticas no País e no exterior e outros somente em território nacional, e isso em virtude ou da idade ou do fato de já possuírem certa antigüidade na classe. Até a aposentadoria, os ocupantes de cargos de mesma natureza hão de poder, em princípio, desempenhar todas as funções próprias do cargo. Não vejo, de outra parte, na transferência para o Quadro Especial, forma de inativação do diplomata, não prevista na Constituição, ou modalidade de disponibilidade. Em realidade, o diplomata, nesse Quadro, prossegue no serviço diplomático ativo, no Serviço Exterior, tal como definido na Lei n2 7.501, exercendo funções próprias na Secretaria de Estado. Ora, ex vi do § 32 do art. 55 suso transcrito, cria-se restrição ao exercício de certas funções, por parte de diplomatas em serviço ativo, relativamente a ocupantes' de cargos iguais, ou com menos idade, ou com menor antigüidade na classe. Tal discriminação posta na Lei em exame ofende aos arts. 52, inciso I, e 72, XXX, da Constituição ou seja, aos princípios da isonomia e da proibição de exercício de funções em virtude de idade. Se é possível a existência de Quadro Especial e nele diplomatas serem enquadrados, por razões de interesse do serviço e para viabilizar a mobilidade no quadro respectivo, certo é que a lei não poderá impedir que esses diplomatas tenham designação para o Serviço no Exterior, se assim for do interesse do Estado, notadamente à vista da experiência e da competência profissional desses servidores. Se a transferência ao Quadro Especial é admissível, por razões de conveniência quanto à mobilidade na carreira, não poderá, entretanto, implicar capitis deminutio, de referência aos titulares em plena ativida- 4. Tenho, entretanto, que é inconstitucional o disposto no § 3 2 do art. 55, da Lei n2 7.501/1986, na redação da Lei n2 8.028/1990, ao estipular, verbis: 4 32 O Diplomata transferido para o Quadro Especial do Serviço Exterior não poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.» Com efeito, se os Ministros de Primeira e Segunda Classes, bem assim os Conselheiros, mesmo no Quadro Especial, prosseguem investidos nos cargos de que titulares, em serviço ativo, não cabe entender 459 R.T.J. — 155 de, tão-s6, por razões de idade, o que, no particular, ofenderia ao art. 71, XXX, da Constituição, ou em razão da antigüidade na classe, vulnerando o princípio da isonomia. Tenho, pois, como inconstitucional o § 32 do art. 55, da Lei ng 7.501/1986, na redação da Lei n2 8.028/1990. 5. Assim sendo, defiro o mandado de segurança, para que o impetrante, no Quadro Especial, não fique impedido de ter designação também para funções permanentes ou temporárias, no interesse da administração e do serviço diplomático, declarando a inconstitucionalidade do § 3 2 do art. 55, da Lei n2 7.501/1986, na redação da Lei n2 8.028/1990. VOTO (CONFIRMAÇÃO) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, gostaria apenas de explicitar o alcance do meu voto, que coincide com o voto do Ministro Néri da Silveira, pois também entendo que é inconstitucional o afastamento da possibilidade de o servidor ser designado para uma função no estrangeiro, sem peia alguma, isto considerados o tempo de serviço na classe e a idade. Meu voto, ressalto, coincide com o do Senhor Ministro Néri da Silveira. Apenas faço o ajuste na conclusão, concedendo a segurança e declarando a inconstitucionalidasie do § 32 do artigo 55 da Lei n2 7.501/86, na redação decorrente da Lei n2 8.028/90. VOTO (CONFIRMAÇÃO) O Sr. Ministro Paulo Brossard: Senhor Presidente, também vou somar ao meu voto o ponto focado pelo eminente Ministro Néri da Silveira. Mantendo-o, como enunciado, apenas acrescento na declaração de inconstitucionalidade o § 32, do art. 55 da Lei n2 7.501, na redação da Lei n2 8.028/1990. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, creio que, prevalecendo a posição do eminente Ministro Néri da Silveira, o meu voto se somaria ao de S. Exa., mas, realmente, o meu voto, por sua fundamentação, é mais radical e corresponde à minha convicção. Não fui Relator, nem tive vista de nenhum processo — posso estar enganado — mas creio que este Quadro Especial tem um único sentido útil: a vedação de o diplomata prestar serviços no Exterior, porque é claro que, antes dessas leis, ninguém jamais discutiu que um Ministro de primeira classe pudesse, por razões de conveniência administrativa, ser chamado para prestar serviço na Secretaria de Estado. A única novidade do quadro especial é alguém, porque diplomata, porque já serviu tantos anos, ser posto numa relação de inferioridade, não s6 com relação aos seus colegas da carreira diplomática, mas também com relação aos cidadãos brasileiros em geral, que sempre poderiam ser nomeados Embaixador. Não é o caso dos militares, porque civil não pode ser General de Exército. Mantenho o meu voto, embora entendendo que, se for o caso, ele se vai somar ao do Senhor Ministro Néri da Silveira. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, do exame dos autos que acabo de fazer, verifico que o pedido do impetrante é no sentido de lhe ser assegurado o direito de continuar a poder legitimamente exercer toda função diplomática compatível com as prerrogativas de seu título e de seu cargo de Ministro de Segunda Classe, independentemente de estar classificado no «Quadro Permanente» ou no «Quadro Especial». 460 R.T.J. — 155 Por outro lado, as informações declaram que o impetrante foi incluído no «Quadro Especial» não em razão da idade, mas por estar há quinze anos sem promoção; e salientam que ele foi durante seis anos Cônsul em Toronto, tempo superior ao normal de permanência no posto, tendo sido transferido para o Brasil, sem ser, portanto, a título de punição ou da circunstância de ir ingressar no «Quadro Especial». Ora, Sr. Presidente, no caso, só há uma alternativa: ou se declara que o «Quadro Especial» é inconstitucional, e o impetrante retorna ao «Quadro Permanente» na posição em que nele se encontrava com as vantagens e desvantagem dele decorrentes, ou se declara que esse «Quadro Especial» é constitucional, e, conseqüentemente, se indefere a segurança. Mas, qual o fundamento para declararse que o «Quadro Especial» é inconstitucional? Em se tratando de transferência por não-promoção por determinado número de anos, não há sequer que se pretender que haja discriminação por questão de idade. O ingresso nesse quadro configuraria, na verdade, aposentadoria compulsória inconstitucional? É claro que não, pois o exercício de atividades diplomáticas no Brasil não pode, obviamente, ser considerado «aposentadoria compulsória». Violação do princípio da isonomia? Evidentemente que não, pois são quadros diversos que conferem vantagens e desvantagens diferentes, não se podendo dizer que são quadros iguais tratados desigualmente. Qual então o fundamento dessa inconstitucionalidade? Estou à espera de que me indiquem um dispositivo constitucional que tenha sido violado pela criação desse «Quadro Especial». O que o impetrante pretende, em verdade, ao pleitear o direito de continuar a exercer, no exterior, função diplomática, independentemente do quadro em que esteja, é que não seja declarada a inconstitucionali- dade do quadro em que se encontra — e graças ao qual foi promovido automaticamente a Ministro de Primeira Classe —, mas que lhe seja assegurado o direito acima referido compatível com o título e o cargo de Ministro de Segunda Classe que tinha no «Quadro Permanente», a que não mais pertence, conservando, obviamente, as outras vantagens de Ministro de Primeira Classe no «Quadro Especial», já que não pede seu retorno ao «Quadro Permanente» com rebaixamento por eliminação da promoção automática. Em última análise, portanto, o que pretende o impetrante é que esta Corte o coloque num regime jurídico que não é nem o do «Quadro Permanente» nem o do «Quadro Especial», pois terá as vantagens de ambos, sem ter as desvantagens deles decorrentes. Esta Corte já decidiu inúmeras vezes que não é possível combinarem-se, em favor do servidor, regimes diversos, para enquadrá-lo verdadeiramente num regime inexistente que lhe confira as vantagens dessa conjugação. Ademais, Sr. Presidente, esta hipótese é análoga à do caso Radwanski, em que este Tribunal entendeu que não era possível conceder a quem permanecesse no «Quadro Especial» com as vantagens dele decorrentes uma vantagem que não era desse quadro, mas, sim, do «Quadro Permanente». Não tem sentido, Sr. Presidente, sob a alegação de que a desvantagem do «Quadro Especial» — que é a relativa a função no exterior — fere o princípio da isonomia, declarar-se inconstitucional o dispositivo que a prevê, mantendo-se o «Quadro Especial». Se esse «Quadro Especial» foi criado para isso, e por isso mesmo se deram vantagens aos que nele ingressaram, das quais não desfrutavam no «Quadro Permanente», é evidente que é com essa declaração de inconstitucionalidade que se viola o trata- R.T.J. — 155 mento isonômico entre os diplomatas, pois os do «Quadro Especial» terão todas as vantagens dos do «Quadro Permanente», além do direito de promoção automática que estes não têm. Assim, Sr. Presidente, como não há fimdamento algum para a declaração da inconstitucionalidade desse «Quadro EaPe -cia»,pelomnstàrafeênci em virtude da ausência de promoção por determinado número de anos, que era a posição inicial dos votos dados em favor do impetrante, também não posso declarar inconstitucional a desvantagem resultante desse «Quadro Especial», com base na violação do princípio da isonomia, para — aí, sim, ofender esse princípio — igualar as vantagens e manter desigualadas as desvantagens dos dois quadros em causa. Meu voto, portanto, Sr. Presidente, acompanha o do eminente Relator. VOTO (VISTA) Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem. Já votei, mas continuo meditando sobre a questão e os debates ocorridos nesta sessão levamme a urna posição de reflexão. Vou pedir licença para pedir vista dos autos. EXTRATO DA ATA MS 21.154 — DF — Rel.: Min. limar Gaivão. Impte.: Odilon de Camargo Penteado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e outro) Impdo.: Presidente da República. Decisão: Depois dos votos dos Ministros Relator, Celso de Mello, Octavio Gallotti e Moreira Alves, declarando a constitucionalidade da expressão «ou 15 (quinze) anos de classe», contida no inciso II do art. 55 da Lei Federal na 7.501, de 27-6-1986, e indeferindo o mandado de segurança; do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, declarando a inconstitucionalidade de tais ex- 461 pressões e deferindo o mandado de segurança; e, ainda, dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Néri da Silveira, declarando a inconstitucionalidade apenas do § do art. 55 da Lei Federal na 7.501/86, com a redação dada pela Lei Federal n a 8.028, de 12-4-1990 e deferindo o «viria; bem como do voto do Ministro Paulo Brossard, declarando a inconstitucionalidade de tal expressão e da outra norma referida e deferindo a segurança, o julgamento foi adiado em virtude de pedido de vista dos autos, formulado pelo Ministro Carlos Velloso, para reexaminar o voto anteriormente proferido. O Ministro Mamo Aurélio, quanto à questão constitucional, ajustou seu voto ao do Ministro Néri da Silveira (que declarou a inconstitucionalidade apenas do § do art. 55 da Lei Federal na 7.501/86, com a redação dada pela Lei Federal na 8.028, de 12-4-1990). O Ministro Paulo Brossard, mantendo a fundamentação de seu voto, adotou, também, a do Ministro Néri da Silveira. Ausentes, justificadamente, o Ministro Francisco Rezei Vice-Procurador Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanhas, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezei Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 16 de abril de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. VOTO (VISTA) O Sr. Ministro Carlos Valioso: Tratase de mandado de segurança requerido por Odilon de Camargo Penteado, diplomata (ministro de 2' classe), que foi transferido, 462 R.T.J. — 155 compulsoriamente, do Quadro Permanente para o Quadro Especial do Serviço Exterior, a partir de 15-3-90, objetivando «continuar a normalmente poder ser designado para o exercício da função diplomática de caráter permanente», pelo que expressamente requereu: <44 32. Conforme se patenteia, e por tudo quanto antecede, o direito líquido e certo do Impetrante, a proteger, é, em suma, o de continuar a normalmente poder ser designado para o exercício da função diplomática de caráter permanente. Circunstância em que, respeitosamente, vem o Impetrante requerer a este Egrégio Tribunal lhe seja assegurado o seu líquido e certo direito de normal• mente continuar a poder legitimamente exercer, no exterior, toda função diplomática compatível com as prerrogativas de seu título e de seu cargo de Ministro de Segunda Classe, independentemente de estar classificado no «Quadro Permanente» ou no «Quadro Especial».» (Fls. 19/20) O eminente Rel ator, Ministro limar Gaivão, denegou a segurança. Divergiu o Ministro Marco Aurélio, para o fim de reconhecer ao impetrante o direito de vir a ser designado para missões no exterior. Votei pelo indeferimento da segurança. O Sr. Ministro Celso de Mello acompanhou o voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence deferiu a segurança, o mesmo tendo feito o Sr. Ministro Paulo Brossard. O Sr. Ministro Octavio Gallotti indeferiu o writ. Já o Sr. Ministro Néri da Silveira deferiu o pedido, para que o impetrante, no Quadro Especial, não fique impedido de ser designado para funções permanentes ou temporárias no exterior, no interesse da administração e do serviço diplomático, pelo que declarou a inconstitu- cionalidade do § 32 do art. 55 da Lei n2 7.501/86, na redação da Lei n2 8.028/90.0 Sr. Ministro Marco Aurélio ajustou o seu voto ao do Sr. Ministro Néri da Silveira. O Sr. Ministro Brossard não modificou o seu voto, porém acrescentou a ele a declaração de inconstitucionalidade do § 32 do art. 55 da Lei n2 7.501/86, tal como fez o Sr. Ministro Néri da Silveira. O Sr. Ministro Moreira Alves acompahou o Sr. Ministro Relator. Pedi, em seguida, a palavra pela ordem, declarando: «Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem. Já votei, mas continuo meditando sobre a questão e os debates ocorridos nesta sessão levam-me a uma posição de reflexão. Vou pedir vista dos autos». Trago-os, hoje, a fim de continuarmos o julgamento do writ. O voto que proferi, no caso, foi no sentido da constitucionalidade do critério adotado pelo legislador, ao estabelecer um prazo máximo de permanência do diplomata na classe: o conselheiro ficará na classe um certo número de anos. Se não conseguir promoção nesse certo número de anos, irá para o quadro especial. O mesmo ocorrerá com o ministro de 22 classe: permanecerá na classe durante um determinado número de anos; se não for promovido a ministro de P classe, será posto no quadro especial. O ministro de l a classe, por sua vez, ficará na classe, também, por um certo número de anos, ao cabo dos quais, se não tiver sido aposentado, será incluído no quadro especial. No meu voto, entendi que esse critério, adotado pelo legislador, não seria inconstitucional. Leio o meu voto. O Sr. Ministro Néri da Silveira, no voto que proferiu na sessão do dia 16 de abril, esclareceu que o impetrante, ao passar para o «Quadro Especial», não mais poderá exercer funções diplomáticas no exterior, funções competi- R.T.J. — 155 veis com as prerrogativas de seu título. S. Exa. sustentou, a seguir, que a transferência do diplomata para o «Quadro Especial», «após certa idade ou determinados anos de serviço diplomático no exterior», não seria inconstitucional, «desde que adotados critérios objetivos e gerais, como os da idade do diplomata ou de certo número de anos na classe ou mesmo no exterior». Com esse entendimento, estou, em linha de princípio, de acordo, conforme o voto que proferi. Disse mais o Sr. Ministro Néri da Silveira que não via, «de outra parte, na transferência para o Quadro Especial, forma de inativação do diplomata, não prevista na Constituição, ou modalidade de disponibilidade», por isso que «em realidade, o diplomata, nesse Quadro, prossegue no serviço diplomático ativo, no Serviço Exterior, tal como definido na Lei n2 7.501, exercendo funções próprias na Secretaria de Estado». O que o eminente Ministro Néri da Silveira entende inconstitucional é o disposto no § 32 do art 55, da Lei n2 7.501/1986, na redação da Lei n2 8.028/1990, ao estabelecer: 4 32 O Diplomata transferido para o Quadro Especial do Serviço Exterior não poderá ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior.» E prosseguiu S. Exa. : «Com efeito, se os Ministros de Primeira e Segunda Classes, bem assim os Conselheiros, mesmo no Quadro Especial, prosseguem investidos nos cargos de que titulares, em serviço ativo, não cabe entender que, entre eles e os diplomatas de idêntica classe, possa existir distinção quanto aos conteúdos ocupacionais dos respectivos cargos. Não há dois cargos distintos de Ministro de Primeira Classe, ou de Segunda Classe, ou de Conselheiro, no Serviço Diplomático, do País, o que significa que o conteúdo ocupacional de cada qual há de ser 463 um s6, não se podendo admitir que ocupantes de cargos da mesma natureza estejam intitulados a desempenhar, ex vi legis, funções diversas, a tanto equivalendo uns diplomatas da mesma classe poderem desempenhar funções diplomáticas no País e no exterior e outros somente em território nacional, e isso em virtude ou da idade ou do fato de já possuírem certa antigüidade na classe. Até a aposentadoria, os ocupantes de cargos de mesma natureza hão de poder, em princípio, desempenhar todas as fimções próprias do cargo. Ora, ex vi do § 32 do art, 55 suso transcrito, cria-se restrição ao exercício de certas funções, por parte de diplomatas em serviço ativo, relativamente a ocupantes de cargos iguais, ou com menos idade, ou com menor antigüidade na classe. Tal discriminação posta na Lei em exame ofende aos arts. 52, inciso 1, e 72, XXX, da Constituição, ou seja, aos princípios da isonomia e da proibição de exercício de funções em virtude de idade. Se é possível a existência de Quadro Especial e nele diplomatas serem enquadrados, por razões de interesse do serviço e para viabilizar a mobilidade no quadro respectivo, certo é que a lei não poderá impedir que esses diplomatas tenham designação para o Serviço no Exterior, se assim for do interesse do Estado, notadamente à vista da experiência e da competência profissional desses servidores. Se a transferência ao Quadro Especial é admissível, por razões de conveniência quanto à mobilidade na carreira, não poderá, entretanto, implicar capitis &minado, de referência aos titulares em plena atividade, tão-só, por razões de idade, o que, no particular, ofenderia ao art. 72, XXX, da Constituição, ou em razão da antigüidade na dasse, vulnerando o princípio da isonomia. 464 R.T.J. — 155 Tenho, pois, como inconstitucional o § 32 do art. 55, da Lei as 7.501/1986, na redação da Lei n9 8.028/1990. 5. Assim sendo, defiro o mandado de segurança, para que o impetrante, no Quadro Especial, não fique impedido de ta designação também para funções permanentes ou temporárias, no interesse da administração e do serviço diplomático, declarando a inconstitucionalidade do § 32 do art. 55, da Lei n2 7.501/1986, na redação da Lei 8.028/1990.» Ponho-me de acordo, Sr. Presidente, com o entendimento do Sr. Ministro Néri da Silveira. Também penso que a proibição de o diplomata, que foi incluído no quadro especial, ser designado para missões permanentes ou transitórias no exterior, proibição contida no § 32, do art. 55, da Lei 1112 7.501, de 27-6-86, coma redação do art. 40, da Lei n2 8.028, de 12-4-90, é inconstitucional, porque discrimina com base em critério que não me parece razoável. A proibição, pois, é atentatória ao princípio isontrmico inscrito no caput do art. 52 da Constituição. É que, conforme vimos, a disposição discriminadora impede que o diplomata transferido para o quadro especial exerça atividade específica de sua carreira, desigualizando, portanto, servidores públicos postos numa mesma classe e em idêntica situação, certo que o discrímen, que não se assenta num critério que não me parece razoável, representa, praticamente, o encerramento da carreira do diplomata, pois o impede de exercer funções e atividades próprias da carreira — atividades do serviço exterior, de representação de interesses brasileiros no estrangeiro — atividades que são, aliás, as mais importantes da carreira diplomática, presente a norma inscrita no art. 32, da Lei nQ 7.501, de 27-6-86: «Art. 3Q Aos funcionários da carreira de Diplomata do Serviço Exterior incumbem atividades de natureza diplomática e consular, em seus aspectos específicos de representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros no campo internacional.» O princípio da igualdade, inerente ao regime democrático e republicano, está consagrado em diversos dispositivos da Constituição, como v.g., art. 9, caput, inc. I, art. P, XXX, art. 150, II. Representa, por isso, limitação ao legislador e roteiro para o intérprete. Está o legislador, pois, impedido de editar norma que consagre privilégio, ou norma desigualizadora de pessoas que estão em situação de igualdade, mesmo porque qualquer exceção ao princípio isonômico somente à Constituição seria lícito estabelecer, certo que há quem sustente que nem mesmo a Constituição isto poderia fazer, dado que o princípio isonômico é princípio superior da Constituição. Certo é, entretanto, que a prática da igualdade está em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, tal como ensinava Aristóteles. No efetivar esse tratamento, entretanto, é que surgem as dificuldades, porque, na sua efetivação, tem-se que estabelecer, registra Celso Antônio Bandeira de Mello, quem são os iguais e quem são os desiguais («0 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade», Ed. R.T., 1978, pág. 15). Por mais de uma vez versei o tema. Quando do julgamento, no Tribunal Superior Eleitoral, em 1986, do MS n2 746PR, cuidei do assunto, reportando-me a anteriores votos proferidos no antigo TFR. Destaco do voto que proferi no citado MS n2 746-PR: «No voto que proferi, no Egrégio Tribunal Federal de Recursos, por ocasião do julgamento da AMS n9 79.839- R.T.J. — 155 RJ, reportei-me à sentença que proferi, como Juiz Federal em Minas, em que examinei a inconstitucionalidade da Lei n2 5.465, de 1968, que concedera privilégio a agricultores e filhos destes para matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária mantidas pela União Federal (Rev. do TFR, 60/126). Transcrevo tópicos do que escrevi, na ocasião: «12. Os Impetrantes, na inicial — item 42 — argúem a inconstitucionalidade da Lei n2 5.465, de 3-7-68. Dizem que a mesma viola «o princípio basilar da igualdade perante a lei, consagrado em o § 12 do art. 153, da Constituição Federal.» 13. Assim, primeiro que tudo, corre ao juiz o indeclinável dever de examinar se é procedente a argüição. Porque, a partir do célebre Marbury vs. Madison «case», de 1803, o Chef Justice J. Marshall, talvez o maior juiz que o mundo conheceu, assentou, como dogma coastitucional, a teoria da invalidada da lei contrária ou incompatível com a Constituição. E mais, ao Judiciário cabe dizer o que é o direito; em tal operação, pode encontrar duas leis em conflito; neste caso, o juiz deve decidir qual aplicará. Ora, «dá-se o mesmo se uma lei está em oposição à Constituição; se tanto a lei quanto a Constituição se aplicam a um caso particular, de modo que o tribunal se veja compelido a decidir que o caso se acha em conformidade com a lei, desconsiderando a Constituição, ou em conformidade com a Constituição, desconsiderando a lei, o tribunal terá de determinar qual dessas duas regras em conflito rege o caso. É da própria essência do dever judiciário. Se, pois, os tribunais devem considerar a Constituição, e a Constituição é superior a qualquer Ato comum da Legislatura, a Cons- 465 tituição, e não esse Ato comum, é que cabe reger o caso a que ambas se aplicam» (Saul K. Padover, «A Constituição Viva dos Estados Unidos», tradução de A. Della Nina, 1964, p. 91). Noutras palavras: se a lei é incompatível com a Constituição, ao juiz cabe decidir se aplicará a lei, assim violando a Constituição, ou, como é correto, se aplicará a Constituição, assim recusando a lei (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, «Curso de Direito Constitucional», Saraiva, 1971, p. 31). 14. Tal doutrina o Direito Constitucional positivo brasileiro tem como dogma, a partir da primeira República, convindo lembrar a lição sempre atual de Ruy: «A Constituição é ato da nação em atividade soberana de constituir a si mesma. A lei é ato do legislador em atitude de executar a Constituição. A Constituição demarca os seus próprios poderes. A lei tem os seus poderes confinados pela Constituição. A Constituição é criatura do povo no exercício do poder constituinte. A lei, criatura do legislador como órgão da Constituição. A Constituição é o instrumento do mandato outorgado aos vários poderes do Estado. A lei, o uso do mandato constitucional por um dos poderes instituídos na Constituição. «Logo, em contravindo à Constituição, o ato legislativo não é lei; porque transpondo a Constituição, o legislador exorbita do seu mandato, destrói a origem de seu poder, falseia a delegação de sua autoridade. «Assim, entre uni ato legislativo ilegítimo de nascença e a Constituição, cuja legitimidade nenhuma lei pode contestar, entre o ato nulo da legislatura e o ato supremo da sobe- 466 R.T.J. — 155 rania nacional, o Juiz, para executar o segundo, nega execução ao primeiro» (Ruy Barbosa, «Comentários à Constituição Federal brasileira», coligidos por Homero Pires, 1/19-20). Porque fincado firme na Constituição o instituto do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, por vontade do Poder Constituinte originário, forçoso é concluir, como bem preleciona o douto Caio Mário da Silva Pereira, que «julgar a inconstitucionalidade da lei não será, portanto, uma faculdade que o Judiciário exerça em função de poderes discricionários. É um dever inerente à função judicante» («A Competência do Procurador-Geral da República no Encaminhamento da Ação Direta ao STF», voto pronunciado no Conselho Federal da OAB, em 21-4-71, in «Arquivos do Ministério da Justiça, n2 118, p. 23). Tal dever, aliás, é salientado por J. Bryce (The American Commowealth, 1/252) e por Story («Commentaries of the Constitution of the United States», § 1842, p. 586). Sendo assim, passemos ao exame da constitucionalidade da Lei n2 5.465, de 3-7-68. Violaria ela o princípio de isonomia estabelecido no art. 153, § 12, da Constituição Federal, por conceder privilégio a uma determinada classe, a dos agricultores e filhos destes? Respondo, data venia, pela afirmativa. O princípio da isonomia assim se expressa na Constituição Federal, art. 153, § 12, verbis: «Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça.» O princípio da igualdade, consagrado na Constituição , é inerente à de- mocracia, tal como o da legalidade (CF, art. 153, § 22) e o da proteção judiciária (CF, art. 153, § 42). Já na Grécia antiga proclamava Péricles, em honra aos mortos da guerra do Peloponeso, que a isonomia é traço característico fundamental da democracia (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ob. cit. p. 236). Na conceituação desse valor, aliás, pode-se começar a estabelecer as fronteiras entre a concepção democrática ocidental e a concepção marxista da democracia. Segundo Colliard («Les Libertés Publiques», n2 159) é possível distinguir, juridicamente, a igualdade de direitos, ou igualdade civil, da igualdade de fato, ou igualdade real. A democracia, tal como a concebemos, consagra a primeira das formas, conceituada esta como uma «igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades, uma igualdade virtual», na qual «os homens são igualmente aptos a gozar de direitos mas não afirma que têm eles um exercício igual desses direitos» (Colliard, ob. cit.). Esta realmente «é a forma de igualdade consagrada constitucionalmente nas democracias ocidentais. Mantém aberta a possibilidade de distinções, mas de distinções que decorram do valor pessoal. De fato, a igualdade civil rejeita os privilégios de raça, cor, religião, sexo e nascimento, «ensina o emérito Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (ob. cit., p. 237). O outro tipo de igualdade, o que afama «em prol de todos um igual exercício atual de direitos», é o propugnado ou prometido nos regimes marxistas, correto que, «para o atendimento dessa promessa, se possível, não se lhe nega até o sacrifício da liberdade» (M. G. Ferreira Filho, ob. e loc. cits.). Característica, pois, do regime democrático, o princípio da igualdade não admite privilégio decorrente de R.T.J. — 155 raça, cor, religião, trabalho, nascimento, etc. Posto na Constituição, é ele limitador da ação do legislador, de sorte que não pode este, sob pena de aplicar maus tratos na «criatura do povo no exercício do poder constituinte» (Ruy, ob. cit.), «editar regras que estabeleçam privilégios em razão da classe ou posição social, de raça, religião, da fortuna ou do sexo do indivíduo. Inserido na Constituição, a lei que o violar será inconstitucional» (M. O. Ferreira Filho, ob. cit. p. 237).» É certo, reconhecemos, como escreveu o eminente F. C. de San Tiago Dantas, que: «Em princípio, a lei é igual para todos, isto é, o seu comando se dirige a todos os cidadãos, mas é óbvio que ela pode, sem perder o seu caráter de universalidade, estabelecer distinções, dirigir-se a grupos de pessoas, contemplar situações excepcionais em que um número indeterminado de indivíduos se pode colocar.» («Igualdade perante à lei e due process of law» in «Problemas de Direito Positivo», Forense, 1953, p. 38). Mas não é menos certo, todavia, que tais leis, ditas especiais, somente não são arbitrárias, somente se competibilizam com a cláusula do doe proceas ot law do Direito Constitucional americano, se elas têm em mira regular situações especiais. E não basta, data venta, o requisito da generalidade da lei para tomá-la incensurável, sob o ponto de vista da constitucionalidade. Se a generalidade da lei, como ensina San Tiago Dantas, é «a primeira limitação constitucional à função legislativa, no Estado de Direito», tal requisito não é o único «limite constitucional ao arbítrio do Legislativo», aduz o mesmo mestre, que acrescenta que, se se fixasse ali o limite, 467 estaríamos abrindo uma fronteira, «a que apenas interditasse aos órgãos legiferentes o legislarem sobre o caso concreto, pois sempre lhes saia possível aplicar o arbítrio na escolha do caso genérico, e assim abrirem exceções tirânicas ao estatuto comum» (San Tiago Dantas, ob. cit, p. 61). E arremata o saudoso jurista: «Entendo que o mesmo princípio da igualdade perante a lei autoriza o Poder Judiciário a censurar as leis em que se fazem distinções arbitrárias com o fim de modificar, em relação a algumas pessoas ou coisas, o tratamento jurídico comum.» (Ob. cit., p. 62) 28. A lei especial editada para reger casos especiais, com caráter de generalidade, é lei que se compatibiliza com o principio da igualdade civil; é lei, pois, que não violenta a Constituição, pois, a «igualdade civil, como a concebem talvez unanimemente os escritores, não é a uniformidade de tratamento jurídico, mas o tratamento proporcionado e compensado de seres vários e desiguais» (San Tiago Dantas, ob. cit. p. 62). Assim, é válida a lei especial que regula o trabalho masculino, fixando normas de duração, de higiene, etc. «diferentes das que regem o trabalho das mulheres ou dos menores». Essa lei, na expressão feliz de San Tiago Dantas, «é um frisante exemplo da lei igualitária, neste sentido de igualdade proporcional» (ob. cit., p. 62). Ou, como escreve Rene Burnet (Le principe d' égalité, p. 170), «Cele-ci est bien la véritable égalité, atole conforme au principe de l'interdépendance sociale; traite également les hommes sur les points od ils sont inégaux; en un mot les traite proportionnellemente à leurs facultes, telle est la formule qu'impose la doctrine de l'intezdependance sociale». 468 R.T.J. — 155 29. De sorte que o instituto da lei especial que existe para reger casos especiais, ao qual não se nega o caráter de compatível com a Constituição, há de ser compreendido e aplicado com cautela, sob pena de, em seu nome, chancelarem-se leis arbitrárias, leis discriminatórias e que a pretexto de regularem casos especiais, simplesmente estabelecem privilégios, assim aplicando tratos de polé no princípio da isonomia que a Constituição consagra. A lição é ainda do grande inolvidável San Tiago Dantas: rençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa — ao lume do texto constitucional — para o bem público». (Ob. cit., págs. 53-54). Em síntese, o que se deve fazer, no exame de leis que estejam a estabelecer «Mesmo a lei especial, entretanto, discrímens ou desequiparações, é veriisto é, a que contém normas jurídicas ficar se há «correlação lógica entre o aplicáveis a grupos de casos diferenfator erigido em critério de discrímen e ciados, pode ser tachada pelo Poder a discriminação legal decidida em fimJudiciário de inconstitucional. Basta ção dele», por isso que «a discriminação que a diferenciação nela feita fira o não pode ser gratuita ou fortuita. Impenprincípio da igualdade proporciode que exista uma adequação racional nal, isto é, que não se justifquecomo entre o tratamento diferençado construíum reajuste de situações desiguais. do e a razão diferencial que lhe serviu de Desse modo a lei arbitrária, que a supedâneo», ou, noutras palavras: «a lei Corte Suprema não considera due não pode conceder tratamento específiprocess of law, também não é aplico, vantajoso ou desvantajoso, em atencável pelo Supremo Tribunal, por inção a traços e circunstâncias peculiarifringir o princípio da igualdade pezadoras de uma categoria de indivíduos rante a lei.» (Ob. cit. p. 64) se não houver adequação racional entre No julgamento da AMS n 2 81.358o elemento diferencial e o regime disSC , voltei a examinar o tema (DJ pensado aos que se inserem na Catego6-2-1980). ria diferençada» (Celso Antônio Bandeira de Meio, ob. cit., págs. 47/50).» Sustentei, então, forte em Celso Antônio Bandeira de Mello («O ConteúExaminemos o caso sob julgamento. do Jurídico do Princípio da Igualdade», Tem-se, aqui, funcionários da carreira ed. Rev. dos Tribs., 1978), que o discrí- de Diplomata do Serviço Exterior, aos quais men compatível com o princípio isoni3- incumbem atividades de natureza diplomámico seria aquele que fosse integrado de tica e consular, em seus aspectos específiquatro elementos: «a) que a desequipa- cos de representação, negociação, informaração não atinja, de modo atual e abso- ção e proteção de interesses brasileiros no luto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela re- campo internacional (Lei n2 7.501/86, art. gra de direito sejam efetivamente distin- 32). tas entre si, vale dizer, possuam caracteA Lei n2 7.501/86, na redação da Lei n2 rísticas, traços, nelas residentes, dife- 8.028/90, estatuiu, no § 32 do art. 55, que R.T.J. — 155 469 «O Diplomata transferido para o Quadro fator diferencial e a distinção de regime Especial do Serviço Exterior não poderá ser jurídico em função dele estabelecida pela designado para missões permanentes ou norma jurídica. Ou, noutras palavras, não transitórias no exterior». Desigualizou, por- há adequação racional entre o elemento tanto, funcionários integrantes de uma diferencial —ter o funcionário permanecicarreira, desequiparou situações, fazendo- do um cato número de anos na classe —e o mediante a transferência dos funcionários o regime dispensado aos incluídos na catepara o quadro especial, isso pelo fato de o goria diferençada, observada a natureza do servidor ter completado um certo número fato que está subjacente —a carreira diplode anos na classe (Lei n2 7.501/86, art. 55, mática, com a possibilidade de todos que na redação da Lei n2 8.028/90). O critério nela estão incluídos de exercerem todas as adotado para a desigualização, pois, foi o atividades que lhe são próprias. fato de o servidor ter completado um cato Ora, todos os funcionários diplomáticos número de anos na classe. integram uma carreira. Nesta, vale o mérito Essa desequiparação, é certo, não atin- no exercício de funções, o mérito no exergiu apenas um indivíduo. Atinge diversas cício das atividades da carreira. Somente o pessoas, diversos funcionários. Registre- mérito pessoal do funcionário, a sua expese, entretanto, que as situações ou pessoas riência, a sua lucidez, a sua integridade desigualizadas não são, essencialmente, dis- moral, o seu cuidado no trato da coisa piátintas entre si, já que não possuem caracte- Mica, é que poderia autorizar o discrímen: rísticas e traços diferençados (Celso Antó- o funcionário que não tivesse tais qualidanio Bandeira de Mello, ob cit., pág. 53). É des poderia ser impedido de exercer ativique as pessoas desequiparadas são, todas dades de representação no exterior. Não se elas, funcionários integrantes de uma car- justifica, portanto, desequiparar servidores reira, que fizeram um mesmo concurso e com base num fator totalmente estranho à que desempenham funções iguais. O fato carreira, ou seja, ter o funcionário permade terem permanecido, alguns deles, um necido um certo número de anos na classe. certo tempo na classe, autorizaria o discrf- E, observe-se, um certo número de anos na men, autorizaria a proibição de exercerem classe e não num certo cargo. a principal das atividades da carreira — atividades de natureza diplomática e conNão importa, em qualquer carreira do sular, em seus aspectos específicos de re- serviço público, o simples fato de o funciopresentação, negociação, informação e pro- nário ter permanecido um certo espaço de teção de interesses brasileiros no campo tempo na classe, sem promoção. E o que é internacional? Penso que não. Acho que a pior, seria a adoção desse critério para o fim lei pode estabelecer um certo espaço de tem- de impedir que o funcionário exercesse a po para o exercício de certos cargos. Isto é mais importante das tarefas de sua carreira, possível. Mas, após o decurso de um cato de sua profissão. O discrímen, portanto, é espaço de tempo na classe — e não num inconstitucional, porque não haveria, em cargo — impedir que o funcionário exerça abstrato, correlação lógica entre o fato diuma atividade que é a principal da carreira, ferenciador existente e a distinção de regiisto me parece uma discriminação odiosa, me jurídico em função dele estabelecida que trata mal o princípio da igualdade. pela norma jurídica; também o vínculo de correlação supra referido, in concreto, não Não há, por outro lado, em abstrato, ao seria pertinente em função dos interesses que me parece, correlação lógica entre o constitucionalmente protegidos, ou não re- R.T.J. — 155 470 sultaria em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa —ao lume do texto constitucional — para o bem público (Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. e loc. cits.). Noutras palavras, o fator adotado como critério diferenciador, ao invés de estabelecer uma norma especial para reger caso especial, estabelece, isto sim, discriminação entre iguais, assim desequiparando iguais, pelo que aplica maus tratos no princípio isonômico que a Constituição consagra e que, sem ele, não há Estado Democrático de Direito, não há regime republicano. Do exposto, com a vênia dos eminentes Ministros que não pensam desta forma, declarando a inconstitucionalidade do § 32 do art. 55 da Lei n2 7.501/86, na redação da Lei n2 8.028/90, defiro o mandado de segurança, para que o impetrante, no quadro especial, não fique impedido de ter designação também para funções permanentes ou temporárias, no interesse da Administração, no exterior. VOTO O Sr. Ministro Sydney Sanches: Sr. Presidente, eu poderia, em homenagem ao Tribunal, em face de uma divergência tão qualificada, pedir vista dos autos, mas desde o início firmei minha convicção no sentido de que não há inconstitucionalidade, nem nas expressões «ou quinze anos de Classe» e nem no § 32 do art. 55 da Lei Federal n2 7.501 de 1986, com a redação dada pela Lei Federal n2 8.028 de 12-4-90. De maneira que meu pedido de vista seria apenas para fundamentar um pouco melhor o meu voto. Entretanto, a conclusão já a tenho, a convicção Já a formei. Não convém, então, a esta altura e em tal circunstância, retardar, ainda mais, o julgamento do feito, sem nenhum proveito para o julgamento da causa. Com essas breves considerações, limito-me a acompanhar os votos dos Ministros Relator, Celso de Mello, Octavio Gallotti e Moreira Alves, declarando a constitucionalidade das expressões referidas e da norma questionada e, em conseqüência, indeferindo o mandado de segurança com a devida vênia dos que dissentem. EXTRATO DA ATA MS 21.154 — DF — Rel.: Min. Ilmar Gaivão. Impte.: Odilon de Camargo Penteado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e outro). Impdo.: Presidente da República. Decisão: Após os votos dos Ministros Relator, Celso de Mello, Sydney Saches, Moreira Alves e Presidente (Ministro Octavio Gallotti), que indeferiam o mandado de segurança e julgavam constitucional a expressão «ou 15 (quinze) anos de classe», contida no inciso II do art. 55 da Lei ng 7.501, de 27-6-86, com a redação dada pela Lei n2 8.028, de 12-4-90; do voto do Ministro Septfiveda Pertence, que deferia a segurança e julgava inconstitucional essa mesma expressão; e, ainda, dos votos dos Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira e Carlos Velloso, que também julgavam inconstitucional apenas o § 32 do art. 55 da Lei n2 7.501/86, com a redação dada pela Lei n2 8.028/90, e deferiam o «writ»; bem como do voto do Ministro Paulo Brossard, que julgava inconstitucional toda a expressão do inciso II do art. 55, assim como do § 32 do mesmo artigo e deferia a segurança, a proclamação da decisão do julgamento foi adiada. Impedido o Ministro Francisco Rezek. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Saches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, ninar Gaivão e Francisco Rezek. Vice-Procurador-Geral da Repil- R.TJ. — 155 blica, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 16 de junho de 1993 — Luiz Tomhnatsu, Secretário. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM) O Sr. Ministro Octavio Gallotti (Presidente): — Na sessão do dia 16 de junho corrente, depois dos votos dos Ministros Relator, Celso de Mello, Sydney Sanches, Moreira Alves e o meu próprio, indeferindo o mandado de segurança e julgando constitucional a expressão «ou 15 (quinze) anos de classe», contida no inciso II do art. 55 da Lei ng 7.501; do Ministro Sepúlveda Pertence, deferindo a segurança e julgando inconstitucional essa mesma expressão; dos Ministros Marco Aurélio, Néri da Silveira, Carlos Velloso, que também julgavam inconstitucional apenas o 32 do art. 55 da lei citada e deferiam o pedido; do Ministro Paulo Brossard, julgando inconstitucional ambas as normas e deferindo a segurança, adiei a proclamação do resultado porque, tendo-se verificado o empate, não havia uma norma regimental expressa, capaz de dar solução ao problema. Antes, porém, de trazer, ao Tribunal, uma contribuição construtiva nesse sentido, penso que seria desejável esgotar-se a possibilidade de resolver-se a questão, mediante a integração do quorum do Tribunal, com todos os seus Ministros. Por isso, indago ao eminente Ministro Francisco Rezek se S. Exa. consente, dentro desse propósito, em declinar a natureza do impedimento que havia manifestado na sessão anterior e, ainda, após a sua manifestação, ouvir o Tribunal sobre a matéria. VOTO (SOBRE QUESTÃO DE ORDEM) O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): Senhor Presidente, voto no sentido de 471 que seja afastado o impedimento e tomado o voto do eminente Ministro Francisco Rezek. VOTO (S/QUESTÃO DE ORDEM) O Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Presidente, o nosso eminente Colega, Ministro Francisco Rezek, deixa expresso que não há nenhum impedimento objetivo e que também não estaria impedido por motivos subjetivos. Sendo assim, não há como deixar de tomar o voto de S. Exa., que, como é costumeiro, vai enriquecer o acórdão. VOTO (SOBRE QUESTÃO DE ORDEM) O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, não vejo nada que impeça o voto do Sr. Ministro Francisco Rezei Não há impedimento objetivo. S. Exa. acaba de declinar que não tem nenhum motivo de foro íntimo que, de alguma forma, o constranja a participar do julgamento. Assim, também estou de acordo. EXTRATO DA ATA MS 21.154 — DF — Rel.: Min. limar Gaivão. Impte.: Odilon de Camargo Penteado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e outro). Impdo.: Presidente da República. Decisão: Resolvendo questão de ordem suscitada pelo Presidente, e ouvido o Ministro Francisco Rezek, decidiu o Tribunal, por unanimidade, que fosse tomado o voto de S. Exa. Em seguida, foi o julgamento adiado, em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. 472 R.T.J. — 155 tão de ordem, que fosse tomado o voto do Ministro Francisco Rezek, a quem foram remetidos os autos com vista, havendo S. Exa., entretanto, declinado de proferi-lo, por ter referendado, na qualidade de Ministro das Relações Exteriores, o ato impugnado. Sobreveio, na sessão de 29 de setembro próximo passado, perante o Tribunal completo, o julgamento do Mandado de Segurança n2 21.710, impetrado por Ministros RETIFICAÇÃO DE VOTO de Primeira Classe, versando matéria análoga (restrição decorrente de transferência O Sr. Ministro Octavio Collodi: Tra- para o quadro especial). ta-se de mandado de segurança impetrado Foi, então, deferido o pedido, declaranpor Ministro de Segunda Classe da Carreira do-se a inconstitucionalidade do § 32 do art. de Diplomata, para que se lhe reconheça o direito de exercer, no exterior, toda função 55 da lei em causa, por seis votos, sendo compatível com as prerrogativas de seu que um deles (o do Ministro Sepúlveda cargo, independentemente de estar classi- Pertence), além de tal parágrafo, consideficado no «Quadro Permanente», ou no rava igualmente inconstitucionais o caput do art. 55 e todos os seus demais parágra«Quadro Especial». Após dois sucessivos pedidos de vista, fos. Ficamos vencidos os mesmos cinco Miadiou-se, em sessão de 16 de junho do corrente ano, a proclamação do resultado nistros que estamos, no presente Mandado de quando cinco Ministros (Limar Gaivão, Segurança n2 21.154, a indeferir o pedido. Celso de Mello, Sydney Sanches, MoreiDiante dessa recente decisão, tomada ra Alves e eu próprio) indeferíamos o pe- pelo Tribunal Pleno, com a presença de dido, e cinco o deferiam, sendo que, destes, todos os seus Juízes, implicando a declaraum (o Ministro Sepúlveda Per- ção de inconstitucionalidade, mesmo incitence declarava inconstitucional a ex- dental, de lei federal, a ser comunicada ao pressão «ou 15 (quinze) anos na clas- Senado (a própria norma legal aqui quesse»), contida no inciso II da Lei n2 tionada), penso ser dever desta Presidência 7.501/86, com a redação dada pela Lei o de contribuir para a uniformização e a coerência da orientação emanada da Corte, n2 8.028/90; aderindo ao pronunciamento majoritário. três (os Ministros Marco AuréAssim sendo, e com ressalva do ponto lio, Néri da Silveira e Carlos Velloso) de vista pessoal anteriormente expendido, declaravam a inconstitucionalidade do § retifico o meu voto anterior, para fazê-lo 32 do mesmo art. 55; coincidir com o do Ministro Marco Auréc) um (o Ministro Paulo Brossard) lio que, por sua vez, já o ajustara à concludeclarava a inconstitucionalidade, tanto são do Ministro Néri da Silveira. da expressão, como do parágrafo, acima Defiro, em conseqüência, o pedido, para referidos. que o Impetrante, no Quadro Especial, não Em sessão subseqüente, de 16 daquele fique impedido de ter designação também mês de junho, decidiu o Tribunal, em ques- para funções permanentes ou temporárias, Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Venoso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 24 de junho de 1993 — Luiz Tonaimatsu, Secretário. R.T.J. — 155 473 EXTRATO DA ATA no exterior, segundo o interesse da administração e do serviço diplomático, declaMS 21.154 — DF — Rel.: Min. Binar rando a inconstitucionalidade do 32 do art. Gaivão. 'rapte.: Odilon de Camargo Pen55 da Lei n2 7.501/86, na redação da Lei n2 teado (Advs.: Maria José Reis Ferraz e 8.028/90. outro). Impdo.: Presidente da República Consulto o eminente Ministro Sepúlveda Pertence sobre se, também aqui, evolui Decisão: Por maioria de votos, o Tribupara a posição assumida por S. Exa. no nal deferiu o mandado de segurança e deMandado de Segurança n2 21.710, decla- clarou a inconstitucionalidade do § 3 2 do rando a inconstitucionalidade do art. 55, e art. 55 da Lei n2 7.501, de 27-6-86, com a todos os seus parágrafos, da lei retro-citada. redação dada pela Lei n2 8.028, de 12-4-90. Diante da concordância do Ministro Per- Vencido, em parte, o Ministro Sepúlveda tence, consulto o eminente Ministro Paulo Pertence, que também deferia a segurança Bromarei, sobre se ajusta, igualmente, o e declarava a inconstitucionalidade do art. seu voto ao da assentada anterior (MS n2 55 e de todos os sais parágrafos da mesma 21.710), e declara somente a inconstitucio- lei. Vencidos, ainda, os Ministros Relator, Binar Gaivão, Moreira Alves, Celso de nalidarle do 32 do art. 55. Mello e Sydney Sanches, que indeferiam o Em face da manifestação positiva, tam- pedido e declaravam a constitucionalidade bém do Ministro Brossard e tendo em vista dos dispositivos impugnados. O Ministro as retificações de voto verificadas na sessão Octavio Gallotti (Presidente), retificou o de hoje, proclamo o resultado do julgamen- voto anteriormente proferido, havendo reato, coerente como do pretérito Mandado de justado os seus os Ministros Sepúlveda Segurança n2 21.710, deferida, em conse- Pertence e Paulo Brossard. Relator para o qüência a segurança e declarada a inconsti- acórdão o Ministro Mamo Aurélio. Impetucionalidade do § 3 2 do art. 55 da Lei n2 dido o Ministro Francisco Reze.k. Procura7.501/86, com a redação dada pela de n2 dor-Geral da República, Dr. Moacir Anto8.028/90. nio Machado da Silva, na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. VOTO (RETIFICAÇÃO) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, com ressalva da minha opinião de que esse Quadro Especial perde o sentido, se se lhe tira a conseqüência, como no precedente (MS n2 21.170), adiro aos termos do voto da corrente majoritária. Assim, defiro o mandado de segurança, declarando a inconstitucionalidade do art. 55 da Lei n2 7.501, e todos os seus parágrafos. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 10 de novembro de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 474 R.T.J. — 155 RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N2 21.665 — DF (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrentes: Agair da Costa Timotheo e outros — Recorrido: Ministro da Marinha Constitucional. Administrativo. Funcionário. Aposentadoria. Proventos: Igualdade com os vencimentos do pessoal em atividade. CF., art. 40, § I — As normas inscritas no § 42 do art. 40 da Constituição, consistentes em três comandos distintos, não demandam normalização ulterior, vale dizer, são de aplicabilidade imediata. II — Se o que houve foi mero reposicionamento dos cargos, com a progressão de servidores em referência, o que não se confunde com reclassificação de cargos, não há invocar, em favor de servidores inativos, a extensão preconizada no § 4 2 do art. 40 da Constituição. M — Recurso não provido. ACORDÃO O acórdão recorrido foi assim ementado: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, negar provimento ao recurso. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Néri da Silveira, Presidente — Carlos Venoso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Venoso: Tratase de recurso ordinário interposto por Agair da Costa Timotheo e outros (fls. 371/378) contra decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja Primeira Seção, por unanimidade, não conheceu de mandado de segurança por eles impetrado, com o objetivo de obter, com fundamento no parágrafo 49 do art. 40 da Constituição Federal, c/c art. 20 do ADCT, a revisão dos atos de suas aposentadorias para fazer incorporar aos seus proventos as vantagens patrimoniais a que entendem fazer jus. «Direito constitucionaL Mandado de segurança visando o cumprimento de dispositivo constitucional. Impossibilidade. O mandado de segurança não é meio processual adequado para postulação do cumprimento de dispositivo constitucional (ou legal) que versa sobre situações gerais ou impessoais. Mandado de segurança não conhecido. Decisão indiscrepante.» Argumentam, em síntese, os recorrentes: a) que, na qualidade de servidores civis do Ministério da Marinha, aposentados antes da Constituição Federal de 1988, impetraram mandado de segurança contra o Ministro de Estado da Marinha, visando a obter os benefícios da Circular Ministerial n2 1/85, que «reposicionou» os cargos correspondentes do pessoal em atividade; R.T.J. — 155 que a impetração se dirigiu contra omissão da autoridade impetrada e, «segundo a doutrina mais avalizada importa na renovação diária da lesão», pelo que não há falar em marco inicial para fluência do prazo decadencial; que o acórdão recorrido decidiu de modo diametralmente oposto a dois outros acórdãos proferidos pela mesma 1 2 Seção do Egrégio STJ (MMSS es 182-DF e 1.116-DP); que não é correto o entendimento do v. acórdão, no sentido de que a regra do art. 40, parág. 42, da Carta Magna, não é autoaplicável, dependendo de norma infraconstitucional regulamentadora, por ter «feição de generalidade, aplicando-se aos servidores inativos, em geral, sem criar circunstâncias que prejudiquem ou beneficiem os requerentes em particular», porquanto, «os servidores em atividade foram beneficiados pela Circular Ministerial n 2 1/85, norma material que fixou o reposicionamento dos cargos que ocupavam, deixando de lado os funcionários que se encontravam inativos à época»; que não se trata de mandamos contra lei em tese, pois, «nem é racionalmente concebível que mandado de segurança para debelar ato omissivo se direcione contra lei em tese»; t) que, contrariamente ao que consta do voto do Min. Relator, entendem que o art. 169, parágrafo único, I e II, da CF, não constituem óbice para a concessão da segurança. Requerem, por fim, seja dado provimento ao recurso, «a fim de que seja reformado o v. acórdão proferido pelo Excelso Superior Tribunal de Justiça, de modo que a segurança seja afinal concedida para assegurar-lhes o direito às vantagens concedidas aos servidores em atividade, posteriormente às suas aposentadorias, na conformi- 475 dade com a Circular Ministerial n2 1/85, do Ministério da Marinha». Apresentou a União Federal contra-razões (fls. 389/393), sustentando que o acórdão recorrido deve ser mantido, porque o dispositivo constitucional em que se funda a impetração (CF, art. 40, 4°), depende de lei que o regulamente. Oficiando às fls. 398/400, a Procuradoria-Geral da República, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral Odflia Ferreira da Luz Oliveira, opina pelo desprovimento do recurso, por entender que os recorrentes não fazem jus ao que pleiteiam, em primeiro lugar, porque «o chamado reposicionamento não se confunde com reclassificação de cargos, pois foi mera progressão de servidores em doze referências, sem alteração da estrutura dos cargos ou do respectivo quadro» e, em segundo lugar, porque «os impetrantes não fizeram prova de que já estavam aposentados quando a vantagem foi concedida aos servidores ativos e nem de que, se em atividade, teriam direito a ela». Observa o parecer que, em caso de eventual provimento do recurso, deverá o Supremo Tribunal determinar o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, para julgar o mérito, que não chegou a ser apreciado. Registra, ainda, que o acórdão atacado é contraditório, pois, ao mesmo tempo em que diz que o questionado dispositivo constitucional depende de regulamentação, afirma ter ocorrido a decadência do direito à impetração, já que decorridos mais de 120 dias de vigência da Constituição quando foi protocolado o ha- beas corpos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso (Relator): Os recorrentes, servidores civis aposentados do Ministério da Marinha, invo- 476 R.T.J. — 155 cando o art. 40, § 42, da Constituição, pretendem beneficiar-se de reposicionamento que teria sido concedido aos servidores em atividade no ano de 1985. O acórdão recorrido, ao que parece, entende que o benefício inscrito no art. 40, § 42, da Constituição, exige normalização ulterior, ou lei que lhe regule a concessão. Quando integrava eu o Superior Tribunal de Justiça, examinei a questão da aplicabilidade do art. 40, § 42, da Constituição — RMS n2 264-PR, em DJ de 18-6-90. Disse eu: «A questão a saber, então, é esta: diante do que está disposto no art. 40, § 42, da Constituição de 1988, deverão ser observados, no caso, os critérios da norma infraconstitucional estadual, ou ao inativo deverá ser estendida a vantagem, automaticamente, pelo simples fato de estar sendo ela percebida por servidores em atividade? Esta é a questão. Examinemo-la. São três os comandos do § 42 do art. 40 da Constituição: a) os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade; b) serão estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade; c) também serão estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriores concedidos aos servidores em atividade, mesmo quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei. O primeiro, sob «a», me parece, indiscutivelmente, de aplicabilidade imediata: os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade. O que se exige, simplesmente, é a lei modificadora da remuneração dos servidores em atividade. Quer dizer, se uma lei concede aumento salarial ao servidor em atividade, os proventos dos inativos serão revistos, na mesma proporção e na mesma da Também o segundo, sob «b», não me parece que demanda norma regulamentadora: saio estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade. Também aqui o que se exige é que os benefícios ou vantagens hajam sido concedidos aos servidores em atividade, posteriormente ao ato aposentatório dos servidores inativos, por lei, ou na forma da lei. O mesmo deverá ser dito quanto ao terceiro comando inscrito no § 4° doart. 40, posto sob «oè, retro. Isto posto, verifiquemos o caso dos autos. Aqui, trata-se de uma gratificação concedida pelo exercício da função em dedicação exclusiva. Quer dizer, tem ela caráter pessoal: somente fará jus à gratificação o servidor que estiver exercendo a função com observância da condição (a dedicação exclusiva). É certo que a norma infraconstitucional, a lei ordinária, foi generosa, ao estabelecer que o exercício, por um certo número de anos, da função em regime de dedicação exclusiva, importará na incorporação da respectiva gratificação aos proventos do servidor. Isto, entretanto, ao que me parece, não autoriza afirmar que, por estar sendo paga a gratificação a alguns ou até mesmo a todos os servidores em atividade, que estão satisfazendo a condição (trabalhando em dedicação exclusiva) e a muitos outros servidores aposentados R.T.J. —155 que, na ativa, trabalharam em dedicação exclusiva pelo tempo estabelecido para a incorporação, isto não autoriza afirmar, repito, que a citada gratificação deva ser estendida aos aposentados que, em atividade, não exerceram a dedicação exclusiva pelo tempo exigido na lei ordinária para a incorporação. O que o § 49 do artigo 40 da Constituição deseja é que benefícios ou vantagens concedidos aos servidores em atividade, com caráter geral, sejam estendidos aos aposentados. Isto quer dizer que lei estadual, no caso, ao dispor sobre a incorporação aos proventos da gratificação que tem caráter pessoal — pois somente o servidor que atender à condição inscrita na lei (trabalhar em regime de dedicação exclusiva) a ela fará jus — foi recepcionada pela Constituição, art. 40, § 49. Do exposto, nego provimento ao recurso.» No caso sob julgamento, segundo esclarecido nas informações (fls. 278/282), não houve reclassificação dos cargos, mas mero reposicionamento destes, com a progressão de servidores em referências, sem, entretanto, ter havido modificação da estrutura dos cargos. Com propriedade, acentua a Procurador-Geral da República, no parecer de fls. 398/400, lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral Odfiia Ferreira da Luz Oliveira: 4..) De todo modo, convém acrescentar que, em meu entender, os recorrentes não fazem jus ao deferimento da segurança. Em primeiro lugar, porque o chamado reposicionamento não se confunde 477 com reclassificação de cargos, pois foi mera progressão de servidores em doze referências, sem alteração da estrutura dos cargos ou do respectivo quadro. Mesmo que assim não fosse, os impetrantes não fizeram prova de que já estavam aposentados quando a vantagem foi concedida aos servidores ativos e nem de que, se em atividade, teriam direito a ela. BI Em face do exposto, opino pelo desdo recurso.» (Fls. 399/400). O recurso, na verdade, não merece provimento. É como decido. Nego provimento ao recurso. provimento EXTRATO DA ATA RMS 21.665 —DF—Rel.: Min. Carlos Venoso. Redes.: Agair da Costa Timotheo e outros (Advs.: Alnyr Gomes e outros) Recdo.: Ministro da Marinha Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Venoso e Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Secretário. José Wllson Aragão, 478 R.T.J. — 155 MANDADO DE SEGURANÇA N2 21.720 — BA (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira Impetrante: Jeperecê de Brito Lima — Impetrado: Presidente da República — Litisconsorte Passivo: Sandra Ventura Régis Mandado de segurança Juiz Classista de Tribunal Regional do Trabalho. Lista tríplice. Nomeação de integrante de lista apresentada por sindicato com base territorial na região, não organizado em federação, nem filiado a qualquer federação. 2. Constituição, art. 115, parágrafo único, inciso HL Ato n2 246, de 13-9-1990, do Tribunal Superior do Trabalho. 3. Hipótese em que não há cogitar de «dupla indicação», simultaneamente por federação e por sindicato a ela vinculado. 4. Não demonstrada a ilegalidade do ato presidencial que nomeou integrante de uma das listas tríplices, regularmente submetidas ao Chefe do Poder Executivo, para cargo de Juiz Classista de TRT, indefere-se o mandado de segurança. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação unânime, conhecer do pedido, e por maioria, indeferir o mandado de segurança. Brasília, 22 de junho de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente — Néri da Silveira, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): O ilustre Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, em seu parecer de fls. 125/134, assim sumariou a espécie: «Jeperecê de Brito Lima impetra o presente mandado de segurança contra ato do Senhor Presidente da República, consubstanciado em Decreto de 7 de maio de 1993, publicado no Diário Oficial do dia 10 subseqüente, que nomeou Sandra Ventura Régis para o cargo de Juiz Classista, representante dos trabalhadores, no triênio de 1993 a 1996, junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 5' Região, com sede em SalvadorBA. 2. Alega o Impetrante, em síntese, que: a nomeação de Sandra Ventura Régis se fez por indicação do Sindgráficos-BA — Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, entidade sindical de 12 Grau, com violação à Constituição Federal, em seu artigo 115, inciso BI e ao Ato n2 246, de 13 de setembro de 1990, do Tribunal Superior do Trabalho; o dispositivo constitucional preceitua que os magistrados dos Tribunais Regionais do Trabalho serão «classistas indicados em listas tríplices pelas diretorias das federações e dos sindicatos com base territorial na Região»; c) o Ato n2 246, de 1990, do TST, estabelece que o Tribunal Regional do Trabalho, quando do vencimento do mandato dos Juízes Classistas Tempo- R.T.J. — 155 rários, convocará, por edital, «as Diretorias das Federações de Trabalhadores e de Empregadores, 'assim, como os sindicatos inorganizados em Federação', para a apresentação de listas tríplices ao preenchimento de vagas»; julgando o Mandado de Segurança n2 21.357-4-BA, em que foi Relator o Senhor Ministro Marco Aurélio, essa Corte entendeu que «A confecção de lista por sindicato pressupõe a inexistência de federação, exceção aberta observado o sistema sindical pátrio — as confederações participam da nomeação dos classistas do Tribunal Superior do Trabalho, as federações, dos Tribunais Regionais do Trabalho e os sindicatos, das Juntas de Conciliação e Julgamento...»; tendo integrado lista tríplice para a nomeação de Juízes Classistas do Tribunal Regional do Trabalho da 5 4 Região, tem direito público subjetivo a proteger, do que decorre a legitimação ad causam para impugnar o ato de nomeação de Sandra Ventura Régis; 1) SandraVenturaRégis integrou lista tríplice elaborada pelo Sindgráficos-BA — Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, tendo também apresentado lista tríplice a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia; de acordo com o inciso In do artigo 115, da Carta Federal, não é possível a indicação simultânea pela Federação e pelo Sindicato, porque «a confecção de lista por sindicato pressupõe a inexistência de federação...; não se diga que o SindgráficosBA — Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas não integra, em 22 Grau, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia; 479 a Federação tem competência exclusiva para a formação de lista tríplice para a nomeação de Juízes Classistas, representantes dos trabalhadores, para os Tribunais Regionais do Trabalho, só surgindo a competência do sindicato de 1 2 Grau, para essa indicação, na ausência de federação de trabalhadores, pois não se trata de competência concorrente e sim sucessória; o artigo 82 da Carta Federal não derrogou o princípio de organização sindical em três graus: sindicato, federação e confederação; 1) não se pode admitir que após o advento da atual Carta Política, possa um sindicato de trabalhadores, em qualquer ramo da indústria, se desvincular da federação correlata dos trabalhadores nas indústrias existentes no Estado. Isso importaria em atribuir-se ao nuto de um sindicato desvincular-se da federação a que a lei o vincula, inclusive para os fins do imposto sindical. Requereu o Impetrante a concessão de medida liminar, tendo a mesma sido deferida pelo despacho de fl. 37, do Senhor Ministro Marco Aurélio, no exercício eventual da Presidência desta Corte. Assim, foram suspensos «os efeitos do Decreto de nomeação da Sra. Sandra Ventura Régis, para o cargo de Juíza Classista, representante dos Trabalhadores, do Tribunal Regional do Trabalho da 51 Região, afastando-a do exercício do citado cargo». A Autoridade Impetrada prestou suas informações (fls. 48/88), tendo a Advocacia-Geral da União concluído, em seu parecer, que: a) foram juntadas ao processo, recentemente, «cópias autênticas de documentos comprobatórios de que o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias 480 R.T.J. — 155 Gráficas não se organiza em federação, o que o torna destinatário dos artigos r do Ato 246, de 1990, do TST, e 115, parágrafo único, inciso m, da Lei Maior»; a decisão dessa Corte, «a invocada como suporte ao pedido de declaração de nulidade do ato efetivador da nomeação da litisconsorte, no presente mandado de segurança, não socorre à pretensão do Requerente. Serve de base para se demonstrar a licitude do provimento.»; a nomeação de Sandra Ventura Régis «para exercer cargo de Juiz Classista do Tribunal Regional do Trabalho da 58 Região decorreu de indicação feita por sindicato inclusive inorganizado em federação, inexistindo qualquer lesão de direito líquido e certo a ser reparado mediante o instrumento processual da espécie.» S. A seguir, Sandra Ventura Régis requereu sua admissão como Litisconsone Passiva Necessária (fl. 90), pedindo a revogação da liminar concedida ao Impetrante, asseverando que: o Sindgrálloos-BA declarou, quando de sua nomeação (fl. 103), que «não está ligado a Federação, portanto o mesmo é inorganizado em Federação»; o Ministério da Justiça, quando examinou sua indicação, acolheu como verdadeira essa declaração; também a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia expediu declaração (fl. 114), no sentido de que «não representa, no r grau, a categoria profissional de trabalhadores nas indústrias gráficas neste Estado.»; sendo o Sindgrálicos-BA inorganizado em federação, foi legítima a sua participação no processo de forma- e ção das listas tríplices, revestindo-se de total legalidade o ato Presidencial que a nomeou para o cargo de Juiz Classista do Tribunal Regional do Trabalho da 5' Região; igualmente, a Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas declarou (fl. 115) que «o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Salvador, um dos primeiros sindicatos filiados à Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas (FNTIG), que em 1990, com a mudança de seus estatutos, veio por meio de correspondência datada de 12-3-90 pedir sua desfiliação do quadro da FNTIG, estando a partir de 12 de março de 1990 desfdiado desta Federação.»; assim, é inquestionável à toda evidência, a competência sucessória do Sindgráflcos-BA para a indicação de nomes visando a formação de listas tríplices ao cargo de Juiz Classista do Tribunal Regional do Trabalho da Região, não havendo, assim, sequer cogitar da hipótese artificiosamente suscitada pelo Impetrante, de «dupla indicação simultânea da Federação e do Sindicato»; não tem pertinência, ao caso, o precedente dessa Corte, invocado pelo Impetrante, pois, de acordo com essa decisão, «a norma insculpida no inciso III do art. 115 da Constituição Federal não encerra, para as categorias que estejam organizadas em federações, a possibilidade de dupla indicação.»; no presente caso, diversamente, não ocorre tal hipótese de dupla indicação, porque, no Estado da Bahia, a categoria representada pelo Sindgráficos não está organizada em federação; 481 R.T.J. — 155 é absurda a exegese feita pelo Impetrante do artigo 9 da Constituição Federal, no sentido da impossibilidade de «um Sindicato de Trabalhadores em qualquer ramo da indústria se desvincular da federação correlata dos trabalhadores nas indústrias existentes no Estado». Cabe indagar, a respeito, que liberdade de associação profissional ou sindical seria essa, consagrada pelo artigo 82 da Carta Federal, que não admite a desvinculação de uma entidade sindical de outra?; a própria Carta Política, no mesmo artigo 82, inciso I, preceitua que é vedado ao Poder Público interferir e intervir na organinçuo sindical. 6. A medida liminar foi revogada pelo despacho de fls. 118/119, exarado pelo Senhor Ministro-Relator, conclusivo no sentido de que 'Diante das informações e dos documentos agora vindos aos autos, não presentes ao exame do ilustre Ministro prolator do despacho concessivo da cautelar (fl. 37), defiro a petição de fls. 91/100, tornando insubsistente a medida liminar. Autorizo, em decorrência, o retorno da litisconsorte passiva, Sra. Sandra Ventura Régis, ao exercício das funções de Juiz Classista, representante dos Trabalhadores, no TRT — 9 Região, até o julgamento do presente mandado de segurança.'.» O Ministério Público Federal opinou, em seu parecer de fls. 125/134, pelo não conhecimento e pela total improcedência do writ. O impetrante, por fim, argumentando que a litisconsorte passiva Sandra Ventura Régia juntou documentação que não lhe fora dada vista, para exercer o contraditório, reafirma a ilegalidade do ato presidencial porque «a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia que também concorreu elegendo Lista Tríplice para provimento da vaga para que foi nomeada a Litisconsorte Passiva tem abrangência legal do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, enquadrado no Quadro de Atividades e Profissões, no 122 Grupo do CNTI», e, «como a Constituição Federal de 1988 não derrogou o Quadro de Atividades e Profissões a que alude o art. 577 da CLT, Sindicato enquadrado em qualquer dos grupos da CNTI, ex vi lag's, integra a Federação que compreenda os grupos ali discriminados e as respectivas Confederações». Assevera que «a pegar a moda de poder discricionariamente o Sindicato se desvincular da Federação que integra por força do quadro a que se refere o art. 577 da CLT, que regula o enquadramento sindical no Brasil e que foi recepcionado pela Constituição de 1988, ocorreria um verdadeiro caos nas eleições de Classistas». É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): Ao tornar insubsistente medida liminar que afastara a litisconsorte passiva do exercício do cargo de Juiz Classista, representante dos trabalhadores, no TRT-5' Região, após as informações e a defesa da litisconsorte passiva, assim despachei (fls. 118/119): «Jeperect de Brito Lima, havendo integrado uma das listas para nomeação de Juízes Classistas do Tribunal Regional do Trabalho da 52 Região, impetrou mandado de segurança contra o ato presidencial de nomeação, para uma das vagas, de Sandra Ventura Régis, como representante dos trabalhadores, que compôs a lista tríplice elaborada pelo Siadgralllcos-BA — Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas. Alegou, basicamente, que a nomeação desatendeu ao art. 115, parágrafo único, BI, da Constituição. Concorrendo, tam- 482 R.T.J. — 155 bém, candidatos indicados pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia, à qual, alegou-se na inicial, se integraria, em segundo grau, o Sindgráficos-BA, não seria possível «a dupla indicação simultânea da Federação e do Sindicato». Sustentou-se que a indicação pelo Sindicato somente seria possível se não existisse a Federação correspondente. Concedeu-se medida liminar, com a suspensão dos efeitos do Decreto impugnado, do que resultou o afastamento da Sra. Sandra Ventura Régis do exercício do cargo de Juiz Classista, representante dos trabalhadores. Adotou-se, no despacho de fls. 37, esta fundamentação: «2. A interpretação conferida por esta Corte ao artigo 115 da Constituição Federal, isto quando do julgamento do MS ng 21.357-4, no qual funcionei como relator, revela a seriedade da articulação do Impetrante. Conforme consta do citado precedente, aliás em harmonia com ato baixado pelo Tribunal Superior do Trabalho (Ato n2 243, de 11 de setembro de 1990, da lavra do Ministro Marco Aurélio Prates de Macedo — DJ de 20 do citado mês e folhas 17 e 18) o preceito do citado artigo não alberga a possibilidade de dupla indicação. Dá-se a atuação do Sindicato quando a categoria, profissional ou econômica, não esteja organizada em Federação. Quanto ao risco de manter-se com plena eficácia o ato atacado, revela-o a atuação, no campo judicante, de pessoa cujo ato de nomeação apresenta, ao primeiro exame, mácula inafastável.» Na petição de fls. 91/100, a litisconsorte. passiva, Sra. Sandra Ventura Régis, pede a revogação da liminar, tra- zendo, desde logo, os documentos de fls. 103 e 114/116 a comprovarem que o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Salvador não é representado, em segundo grau, pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia, cuidando-se, dessa maneira, de Sindicato «reorganizado em Federação». As informações já prestadas pela autoridade indigitada coatora, na mesma linha, esclarecem, com base em documentos trazidos aos autos, à fl. 87, ver- bis: «17. Nesta oportunidade, estão sendo juntados ao presente expediente cópias autênticas de documentos comprobatórios de que o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas não se organi7a em federação, o que o torna destinatário dos artigos 1 ® do Ato n2 246, de 1990, do TST, e 115, parágrafo único, BI, da Lei Maior.» Verifica-se, em conseqüência disso, que, assim esclarecidos os fatos, não se aplica à espécie o precedente do STF, no MS n2 21.357-4 — Bahia, por não se tratar de sindicato organizado em federação. Dessa maneira, se o Sindgráficos-BA, inorganizado em federação, indicou lista tríplice ao provimento, de vagas de Juiz Classista no TRT — Região, que veio a ser encaminhada à Presidência da República, juntamente com as demais listas tríplices elaboradas por federações e outros sindicatos, com base territorial na região, ut, art.115, parágrafo único, BI, da Constituição, nada está a aconselhar se mantenha afastada do exercício das funções de Juiz Classista da Corte em referência, até o julgamento do mandado de segurança, a litisconsorte passiva, que, constando da R.T.J. — 155 lista tríplice do Sindgráficos-BA, foi nomeada pelo Chefe do Poder Executivo. 6. Diante das informações e dos documentos agora vindos aos autos, não presentes ao exame do ilustre Ministro prolator do despacho concessivo da cautelar (fl. 37), defiro a petição de fls. 91/100, tornando insubsistente a medida liminar. Autorizo, em decorrência, o retomo da litisconsorte passiva, Sra. Sandra Ventura Régis, ao exercício das funções de Juiz Classista, representante dos Trabalhadores, no TRT-5' Região, até o julgamento do presente mandado de segurança.» Quanto à possibilidade de o Sindgráficos-BA, indicar candidatos a vagas, de Juiz Classista do TRT-5' Região, anotou o Dr. Procurador-Geral da República, em seu parecer, às fls. 133/134, verbis: «11. Conforme ficou comproVado, pelas declarações de fls. 103, 114 e 115, o Sindgráficos-BA — Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas é inorganizado em federação, já que não está ligado à Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia e à Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, estando assim enquadrado na norma do artigo 115, inciso BI, da Carta Federal, e do artigo P do Ato n2 246, de 1990, do TST. Os dois dispositivos não prevêem a inexistência de federação para que o sindicato possa indicar seus candidatos, mas que seja ele (sindicato) inorganizado em federação. E é o que ocorre no caso em exame. Todavia, o Impetrante entende que o Sindgráficos-BA não poderia terse desvinculado da federação correlata existente no Estado da Bahia, sob a alegação de que o artigo 82 da Constituição 483 Federal não admite a desvinculação de uma entidade sindical de outra. Examinando o artigo 82, citado, não se depreende essa proibição de desvinculação. É certo que no seu inciso IV o dispositivo prevê o sistema confederativo da representação sindical (sindicato, federação e confederação), mas é assegurada a liberdade de associação sindical. Há limitação, apenas, quanto à existência de mais de um sindicato por categoria na mesma base tenitorial. Aqui, o princípio é da unicidade sindical. O próprio artigo 534 da Consolidação das Leis do Trabalho faculta aos sindicatos organizarem-se em federação. Se há, portanto, uma faculdade no tocante à organização, é livre, também, a desvinculação.» Sustenta-se, pois, contrariamente à impetração, que o Sindgráficos não detinha habilitação para indicar listas tríplices com vistas à nomeação de Juiz Classista do TRT-5' Região. Fez o aludido Sindicato prova de não estar vinculado a qualquer federação, sendo, assim, «inorganizado em federação», na conformidade do que prevê o Ato n2 246/90-TST. Compreendo que procede, nesse sentido, a argumentação que desenvolve a litisconsorte passiva, segundo a qual não há cogitar, na espécie, de «dupla indicação», simultânea da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia e do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas. De forma expressa, tornou inequívoca a Federação em referência, no documento de fl. 114, «que esta Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado da Bahia não representa, no 22 grau, a categoria profissional de trabalhadores nas indústrias gráficas neste Estado». De igual modo, explicita a Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas que o referido Sindgráficos é dela desvinculado, e essa federação não 484 R.T.J. — 155 mais representa no segundo grau a categoria profissional de Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Salvador (fl. 116). Dentre as entidades sindicais que apresentaram listas tríplices, no caso, também, se arrola a Federação aludida. Examinando-se, ademais, as entidades de classe, que manifestaram interesse na concorrência para o preenchimento das vagas e apresentaram listas tríplices (fls. 104/113), é possível verificar que, também, fizeram indicações, as quais lograram curso, diversos Sindicatos, a saber, Sindicato dos Professores no Estado da Bahia, Sindicato dos Operadores Cinematográficos, Empregados em Empresas Distribuidoras Cinematográficas e em Empresas Teatrais e Cinematográficas do Estado da Bahia (fl. 105), Sindicato dos Administradores do Estado da Bahia (fl. 106), Sindicato dos Empregados em Empresas de Contabilidade do Estado da Bahia e outros (fls. 108 e 112), sendo que, de referência a alguns, se fez a anotação de que não haviam comprovado ser «inorganizado em federação». Quanto ao Sindgráflcos, não consta a restrição aludida, como se depreende do relatório, à fl. 107. Tenho, pois, que a indicação da litisconsorte passiva, em lista tríplice, pelo Sindgráficos não desrespeitou o art. 115, parágrafo único, inciso III, da Constituição, ao prever que os juízes classistas dos TRTs serão indicados em listas tríplices «pelas diretorias das federações e dos sindicatos com base territorial na região», nem o Ato it 246, de 13-9-1990, do colando Tribunal Superior do Trabalho, por se cuidar de «sindicato inorganizado em federação». Não demonstrada, destarte, a ilegalidade do ato presidencial que nomeou a litisconsorte passiva, integrante de uma das listas tríplices que foram regularmente submetidas ao Chefe do Poder Executivo, indefiro o mandado de segurança. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, presto, inicialmente, um esclarecimento: atuei nesse caso, como salientou o Ministro Néri da Silveira, no exercício da Presidência e, ao conceder a liminar, não procedi de forma inadvertida, porque não estava diante das informações. Externai convencimento sobre a matéria e nele persisto. Tradicionalmente, sempre tivemos, no âmbito da jurisdição especializada do trabalho, um modo específico para a composição dos órgãos considerado o patamar em que situados. No tocante às Juntas de Conciliação e Julgamento, a clientela se faz em face aos sindicatos da região em que situada a Junta. Elaboram, esses sindicatos, listas tríplices, encaminhadas ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho que, então, nomeia para o lugar de vogal o candidato escolhido. Os Tribunais Regionais do Trabalho sempre foram compostos por egressos de listas tríplices feitas pelas federações, e-o Tribunal Superior do Trabalho, dos relacionados em listas tríplices confeccionadas pelas confederações. O que tivemos com a edição da Lei Básica de 1988? As regras alusivas aos Tribunais Regionais do Trabalho foram constitucionalizadas, foram transportadas para a Cana de 1988 mediante o preceito do artigo 115, inciso III: «Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho serão compostos de juizes nomeados pelo Presidente da República, sendo dois terços de juízes togados vitalícios e um terço de juízes classistas temporários, observada, entre os juízes togados, a proporcionalidade estabelecida no art. 111, § P, inciso L R.T.J. — 155 485 DI — classistas indicados em listas goria profissional a que integrada a litistríplices pelas diretorias das federações consorte? A resposta é afirmativa, porque e dos sindicatos com base territorial na existe, na Bahia, a Federação dos Trabalharegião.» dores na Indústria. Ora, se temos essa Feo Sindicato dos Trabalhadores nas Diante desse contexto, o Tribunal Supe- deração, Indústrias Gráficas não poderia, legitimarior do Trabalho, a uma só voz, aprovou, e mente, segundo a Carta, consoante o ato o Presidente editou um ato sobre a impos- baixado pelo Tribunal Superior do Trabasibilidade de se ter o bis in idem, ou seja, lho proceder à indicação, e, portanto, à uma mesma categoria profissional concor- confecção de lista tríplice para rendo concorrendo com dupla chance. En- mento de vaga de juiz no TribunalpreenchiRegional tendeu-se que a alusão a federações e a do Trabalho. sindicatos tem como razão de ser a circunsDistingo entre categoria inorganizada e tância de, em determinada localidade onde haja Tribunal Regional do Trabalho, não sindicato que se desvincule, que deixe de existirem sindicatos organizados em fede- ser filiado à federação. Categoria inorganizada é aquela que, no âmbito do Estado, ração. não tem, em si, uma federação; não está Da tribuna, o ilustre advogado apontou ligada a uma federação, e os trabalhadores que o Sindicato que confeccionou a lista da na indústria, no Estado da Bahia, contam qual foi retirado o nome da escolhida esteve com a federação que confeccionou e encafiliado — essa foi a expressão utilizada, minhou, ao Tribunal Superior do Trabalho, aliás, com boa técnica — a uma federação. e este, posteriormente ao Executivo, lista A própria Carta de 1988 consagra o sistema tríplice. confederativo e não posso, por isso mesmo Peço vênia ao nobre Relator para, na —em face ao teor do artigo 8s—emprestar hipótese, conceder a ordem. a preceitos nela contidos um sentido que acabe por desestimular o agrupamento, por VOTO esvaziar o sistema confederativo, e isto ocorrerá uma vez assentado que basta o sindiO Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Precato desligar-se da federação para, agru- sidente, no Mandado de Segurança n2 pando integrantes de uma mesma categoria 21.549, votei no mesmo sentido do voto profissional ou econômica organizada em que acaba de proferir o eminente Ministro federação, ter a possibilidade de &retamen- Néri da Silveira. O Sr. Ministro Marco te confeccionar lista para preenchimento de Aurélio, na oportunidade, ficou vencido. S. cargo em Tribunal Regional do Trabalho, Exa. está, portanto, coerente como seu voto indicando, portanto, candidatos. anterior. Senhor Presidente, a unicidade, consaAcompanho o Sr. Ministro Relator, com grada na Carta, diz respeito aos três pata- a vênia do Sr. Ministro Marco Aurélio, mares sindicais: aos sindicatos, às federa- conhecendo do pedido mas indeferindo-o. ções e às confederações. Pelo disposto no artigo 534, 22, da Consolidação das Leis VOTO do Trabalho — preceito que para mim foi O Sr. Ministro Septilveda Pertence: recepcionado pela Carta de 1988 — as federações serão constituídas por Estados. Senhor Presidente, no Mandado de SeguIndaga-se: no Estado da Bahia temos uma rança no 21.549-MA, julgado em 17-11-93, federação congregando, agrupando a cate- de que fui Relator, acórdão ainda não pu- 486 R.T.J. — 155 bficado, na parte da ementa dedicada ao mérito, resumi a tese que então prevaleceu no Tribunal: Justiça do Trabalho: TRT: Juízes dassistas: legitimação para a indicação de candidatos, dos sindicatos com base territorial na região, desde que não filiados a federação. Não inibe por si s6 a participação de sindicatos no procedimento de escolha do juiz classista de TRT que, à mesma vaga, uma ou mais federações hajam indicado candidatos. Nem o princípio da unicidade sindical, nem o sistema confederativo, mantidos pela Constituição, impõem que os sindicatos se filiem à federação que pretenda abranger-lhe a categoria-base; por isso, nenhuma federação pode arrogarse âmbito de representatividade maior que o resultante da soma das categorias e respectivas bases territoriais dos sindicatos que a ela se filiem. 3. Sindicato não filiado a federação alguma pode indicar candidatos a juiz classista do TRT de jurisdição correspondente à sua base territorial.» Por isso, no precedente, julgamos legítima a indicação de candidato a juiz classista do TRT pelo Sindicato Estadual de Guias de Turismo do Maranhão, não obstante também houvesse indicado candidatos a Federação Interestadual de Empregados em Turismo e Hospitalidade dos Estados do Maranhão e do Piauí: em tese, a categoria da Federação abrangeria a do Sindicato; mas este jamais se filiara à Federação. No caso presente, a novidade é apenas que o Sindicato já esteve filiado e se desfifiou, o que, a meu ver, é corolário inafastável da liberdade de associação, aplicada ao âmbito sindical, malgrado o princípio da unicidade. Por isso, peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio, para acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do pedido mas o indeferindo. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, também acompanho o eminente Ministro Relator, observando que se a Constituição quisesse fazer a distinção que o eminente Ministro Marco Aurélio faz teria aludido à diretoria das federações e, na sua falta, aos sindicatos com base territorial. Assim, com a devida vênia, conheço do pedido mas o indefiro. EXTRATO DA ATA MS 21.720 — BA —Rel.: Min. Néri da Silveira. Impte.: Jeperecê de Brito Lima (Adv.: Jorge Messias Borba Froes) Impdo.: Presidente da República. Lit. Pas.: Sandra Ventura Régis (Advs.: Washington Bolívar de Brito e outro) Decisão: Por votação unânime, o Tribunal conheceu do pedido, e por maioria indeferiu o mandado de segurança, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Votou o Presidente. Falou pela litisccmsorte passiva, o Ministro Washington Bolívar de Brito. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Ilmar Gaivão. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, SeptIlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 22 de junho de 1994 -- Luiz Tonalmatsu, Secretário. R.TJ. — 155 487 MANDADO DE SEGURANÇA 1n12 21.721 — RJ (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves Impetrante: Edison Raposo Nogueira — Impetrado: Presidente da República to Mandado de Segurança. Processo administrativo. Cerceamende defesa — Em face da Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, o procedimento do inquérito administrativo tem disciplina diversa da que tinha na Lei n2 1.711152, em que a fase de instrução se processava sem a participação do indiciado, que apenas era citado para apresentar sua defesa, com vista do processo, após ultimada a instrução. Já pela Lei atual, o inquérito administrativo tem de obedecer ao princípio do contraditório (que é assegurado ao acusado pelo seu artigo 153) também na fase imigratória, como resulta inequivocamente dos artigos 151,11, 156 e 159. Somente depois de concluída a fase instrutória (na qual o servidor figura como «acusado»), é que, se for o caso, será tipificada a infração disciplinar, formulando-se a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a de imputados e das respectivas provas (artigo 161, caput), sendo, então, ele, já na condição de «indiciado», citado, por mandado expedido pelo presidente da comissão, para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias (que poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis), assegurando-se-lhe vista do processo na repartição (art. 161, caput e parágrafos 1 ® e 32)». Mandado de segurança deferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros.do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, «por unanimidade de votos, em deferir o mandado de segurança.» Brasília, 13 de abril de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente — Moreira Alves, Relator. ' RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por &bois Raposo Nogueira contra ato do Exmo. Sr. Presidente da República que o demitiu do Serviço Público (decre- to publicado no DO de 22 de abril de 1993). Alega o impetrante nulidades no processo administrativo de que resultou sua demissão (portaria de instauração genérica e não publicada, falta de obediência ao princípio do contraditório e inexistência de interrogatório), bem como nulidade do ato demissório por abuso de poder (deixou de aguardar a decisão do Tribunal de Contas quanto à existência, ou não, de dano ao erário) e desvio de finalidade (por não ter o impetrante poder de mando, elaborando meros cálculos, com fórmulas já aprovadas por superiores e dirigentes do Órgão). Indeferida a cautelar requerida, solicitaram-se informações, que foram prestadas à fl. 133 e seguintes. 488 R.T.J. — 155 Às fls. 277/283, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira: «Trata-se de mandado de segurança impetrado por Edison Raposo Nogueira, contra Decreto demissionário do Exmo. Sr. Presidente da República, publicado no DO de 22 de abril de 1993, onde alega cerceamento de defesa em procedimento administrativo que afirma ter sido nulo e desviado de finalidade. Informa ter sido instaurado o processo administrativo em virtude de procedimento licitatório que não participara, não tendo exercido qualquer cargo comissionado, sendo encarregado, apenas, de cálculos aritméticos, em razão da sua função de contador. Alega ter havido infringência ao artigo 52, LV e 41, § P da Constituição Federal, por ter sofrido restrição no tocante ao Processo Disciplinar, bem como os artigos 151, 153, 156, 159, 161 e 169 da Lei n2 8.112/90. Afirma que a Portaria n2 165/92, instauradora do processo administrativo, foi genérica, por não especificar os atos a serem apurados, os dispositivos legais, não tendo sido o mesmo nomeado. E que, nesse ínterim, foram realizadas várias diligências, perícia e oitiva de testemunhas, tendo sido, somente após tudo isso, citado e intimado para apresentar sua defesa. Utiliza como argumento ainda o fato de ter sido, sua demissão, baseada em cálculos que estavam sendo analisados pelo Tribunal de Contas da União. Avoca a Súmula n2 6 desse Pretório Excelso, afirmando constituir abuso de poder sua demissão antes do pronunciamento definitivo da Corte de Contas. Sustenta ser, a função de contador, subordinada à Diretoria e fiscalizada por Auditor Financeiro. Assim sendo, não podia aprovar licitações, contratações, emitir pareceres jurídicos, fiscalizar contas, aprovar regularidades de contas. E que, caso continuasse a apresentar óbices aos procedimentos adotados pelo Diretor de Administração Geral e pelo Auditor-Chefe (punidos apenas com advertência), seria apenado por insubordinação. Requer, o impetrante, a suspensão liminar do decreto demissionário, e definitivamente, requer a anulação do Processo Administrativo Disciplinar n2 08640.002410/92-35, por inexistência do contraditório na instrução, falta de interrogatório do Impetrante e instauração de Portaria excessivamente genérica e não publicada; e, finalmente, seja declarado nulo o Decreto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República que o demitiu. Foi indeferida a liminar, à fl. 128. Às fls. 135/273, foram apresentadas informações por parte da d. autoridade impetradas através da Advocacia-Geral da União, onde aduz terem sido obedecidos todos os preceitos legais acerca da matéria, à guisa da manifestação requerida por aquele órgão ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, tendo sido juntado aos autos. Este, através de sua Consultoria Jurídica, informa que a instauração do processo administrativo deu-se pelo fato de o Sr. Presidente do INPI ter sido cientificado da existência de possíveis irregularidades na recontratação do preço do serviço ajustado com a empresa vencedora da licitação. Somente após a conclusão dos trabalhos é que foram obtidos os indícios de vinculação de servidores R.T.J. — 155 envolvidos, época em que o impetrante foi citado na condição de indiciado. Aponta o fato de que, na sua defesa, o indiciado, ora autor do presente mandamas, não 'argüiu nenhuma preliminar de nulidade e nem requereu a oitiva de testemunhas ou a produção de qualquer prova, limitando-se a atacar o mérito da imputação'. (P1. 139) Afama não ter havido cerceamento ao princípio da ampla defesa, por ser tal direito conferido ao acusado. Entende não haver direito líquido e certo do impetrante de ser intimado para comparecer às oitivas de testemunhas e acompanhar os exames periciais, antes de sua indiciação, sendo, até então, mera testemunha. Assevera que a Lei n2 8.112/90 não obriga a publicação da Portaria instauradora do inquérito administrativo no Diário Oficial da União, sendo suficiente a sua publicação no Boletim da Autarquia, como foi feito. Aduz ainda não proceder a tentativa de subordinar a decisão do administrador público ao resultado de auditoria do Tribunal de Contas da União. Encerra requerendo o indeferimento da liminar e que seja julgado improcedente o mandado de segurança. O impetrante alega ter havido cerceamento de defesa no processo administrativo, e que, assim sendo, restaria violado o artigo 9, inciso LV da Constituição Federal, que assegura a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos admitidos em direito. Nos termos do artigo 161 da Lei n2 8.112/90, será indiciado o servidor após tipificada a infração disciplinar. Ocorre que, no caso, o processo administrativo foi instaurado com o fito de apurar-se possíveis irregularidades naquela Autarquia. Inexistindo a certeza da ocorrência de infrações disciplinares, saia 489 ato arbitrário da administração, a citação de alguns servidores para participar da instrução, já como indiciados, o fazendo como testemunhas. No entanto, após concluir-se pela afirmativa, foi citado o ora impetrante, juntamente com outros servidores, para apresentar a defesa. Este saia o momento oportuno de o indiciado, descontente com o andamento dos trabalhos da comissão, requeresse o refazimento da instrução probatória, bem como o novo depoimento das testemunhas. Mas isso não ocorreu. O indiciado, na oportunidade, ateve-se somente à alegação de nulidade, por cerceamento de defesa. A respeito da alegação de não ter sido a Portaria instauradora do Inquérito Administrativo publicada no DO, tal não deve prosperar, em função do que vem a ser tal ato administrativo. Portarias são atos administrativos internos pelos quais os chefes dos órgãos expedem determinações gerais ou especiais aos seus subordinados. A finalidade da publicação de tal ato, no caso, é a ciência, por parte dos servidores daquele órgão, que serão investigadas possíveis irregularidades. Para tanto, não é necessária a sua publicação no Diário Oficial da União. Ademais, a Lei n9 8.112/90, no seu artigo 151, inciso I, determina a 'publicação do ato que constituir a comissão', sem, contudo, especificar a sua obrigatoriedade no Diário Oficial. Quanto à alegação de que haveriam de ser analisados os cálculos pelo Tribunal de Contas da União, antes de consumar-se a sua demissão, invocando, para tanto, a Súmula ng 6 desse Pretório Excelso, é importante ressaltar não se tratar, o caso, de situação em que se pode aplicar tal verbete, com o seguinte teor 490 R.T.J. — 155 'A revogação, ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele Tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário.' Os atos administrativos submetidos à apreciação da Corte de Contas são os atos complexos. Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, 'ato complexo é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial, nesta categoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a formação de um ato único' (In Direito Administrativo Brasileiro, 182 ed., pág 154). Desta forma, não haverá de estar condicionada a demissão do servidor à apreciação das contas pelo TCU, e ainda tendo em vista o disposto no artigo 71, inciso III da Constituição Federal, que preceitua: 'Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: — apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório.' (grifamos). Verifica-se não ter o texto constitucional vinculado a demissão de servidor, após o julgamento do processo administrativo, à apreciação das contas pelo Tribunal de Contas da União, sendo descabida, portanto, a alegação do impetrante. De acordo com o artigo 63 da Lei n2 4.320/64, que — estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração de controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal — a 'liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito'. Preceituando o seu § 12: P Essa verificação tem por fmi apurar I — a origem e o objeto do que se deve pagar; II — a importância exata a pagar; III — a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação' (grifamos). Desta forma, comprovada a responsabilidade do liquidante das despesas, função que competia ao ora impetrante, quanto aos cálculos a serem efetuados, quando a lei fala em 'importância exata a pagar'. Não há de querer esquivar-se da responsabilidade inerente ao seu cargo, pois, enquanto detentor do mesmo, era responsável pela apuração do direito adquirido pelo credor, de receber o que devido pelo ente público. Improcedente, portanto, a pretensão do impetrante, de que se anule o processo administrativo, vez estar em conformidade com a lei; que seja declarado nulo o Decreto do Exmo. Sr. Presidente da República que o demitiu, porque de R.T.J. — 155 acordo com o resultado do processo administrativo; ou mesmo que se declare nulo, por desvio de finalidade o ato demissionário, em função do cargo do impetrante, de liquidante de despesas, com o poder de verificar o quantia= a ser pago ao credor, que realizou o serviço ou a obra. Pelo exposto, concluindo-se pela inexistência de direito liquido e certo a ser amparado por mandado de segurança, é o presente no sentido do seu não conhecimento. Caso conhecido, pela denegação da ordem. É o parecer.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. Tem razão o impetrante quanto à inobservância de normas da Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que asseguram a ampla defesa no inquérito administrativo de que resultou sua demissão. Em face da referida lei, o procedimento do inquérito administrativo tem disciplina diversa da que tinha na Lei n2 1.711, de 28 de outubro de 1952, em que a fase de instrução se processava sem'a participação do indiciado, que apenas era citado para apresentar sua defesa, com vista do processo, após ultimada a instrução. Já pela Lei atual, o inquérito administrativo tem de oberleeer ao princípio do contraditório (que é assegurado ao acusado pelo seu artigo 153) também na fase instrutória, como resulta inequivocadamente dos artigos 151, II, 156 e 159, veilbis: «Art. 151. C/ processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: II — inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; 491 «Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. § 12 O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. § 22 Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito»; e «Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158. § 12 No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles. § 22 O procurador do acusado poderá assistir o interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquirilas, porintermédio do presidente da comissão.» Somente depois de concluída a fase instrutória (na qual o servidor figura como acusado), é que, se for o caso, será tipificada a infração disciplinar, formulando-se a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas (artigo 161, caput), sendo, então, ele, já na condição de indiciado, citado, por mandado expedido pelo presi- 492 R.T.J. — 155 dente da comissão, para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias (que poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis), assegurando-se-lhe vista do processo na repartição (art. 161, caput e §§ 12 e 32). No caso, como se vê dos elementos constantes dos autos, na fase instrutória do inquérito administrativo em causa, o impetrante só foi intimado e ouvido como testemunha (Hs. 39, 34/38 e 205), não lhe tendo sido assegurado, portanto, já que não figurava sequer como acusado, o direito de acompanhar os atos dessa fase, nos termos do artigo 156 da Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, nem foi interrogado, na forma do disposto no artigo 159 da mesma Lei. De testemunha passou diretamente a indiciado, sem ter figurado, na fase instrutória, como acusado com os direitos a ele inerentes. Houve, portanto, inequívoco cerceamento de defesa, uma vez que, ao contrário do que pretendem as informações (fl. 141), a ampla defesa que o artigo 153 da referida lei assegura ao acusado, com a observância do princípio do contraditório, não abarca apenas o indiciado, mas também o acusado em sentido estrito, que é a qualificação que se dá, na fase instrutória do inquérito, ao ainda não indiciado. Em outras palavras, acusado é expressão empregada no artigo 153 em sentido amplo, para abranger o acusado em sentido estrito (o acusado ainda não indiciado, conforme resulta dos artigos 159 e 160) e o indiciado (artigos 161 a 164). É o quanto basta para a concessão de segurança, independentemente do exame da alegação de a portaria que constituiu a comissão de inquérito ter sido genérica e não haver sido publicada, ao que parece pretender o impetrante, no Diário Oficial da União. Por outro lado, a acolhida da alegação de cerceamento de defesa, que implica a anulação do inquérito administrativo quanto ao impetrante e a conseqüente nulidade do decreto que o demitiu, prejudica o pedido — que é, em última análise, alternativo — da declaração de nulidade do referido decreto, por abuso de poder ou por desvio de finalidade do ato de demissão. 2. Em face do exposto, defiro o presente mandado de segurança, para, sem prejuízo da instauração de novo inquérito administrativo contra o impetrante, anular, por cerceamento de defesa, o de que resultou sua demissão, declarando, em conseqüência, a nulidade do Decreto do Exmo. Sr. Presidente da República que o demitiu. EXTRATO DA ATA MS 21.721 — RJ — Rel.: Ma Moreira Alves. Impte.: Edison Raposo Nogueira (Adv.: José Alberto Ked). Impdo.: Presidente da República. Decisão: Por votação unânime, o Tribunal deferiu o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Falou pelo impetrante, o Dr. José Alberto Ked. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, da Pertence, Celso de Mello, Carlos Venoso, Marco Aurélio, Limar Gaivão e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 13 de abril de 1994 — Luiz Tominmtsu, Secretário. R.TJ. — 155 493 MANDADO DE SEGURANÇA NIR 21.730 (AgRg-EDd) — SP (Tribunal Pleno) Relata-. O Sr. Ministro Celso de Mello Impetrante: Wong Sin Tak — Impetrado: Procurador-Geral da República Recurso —Advogado que não comprova a regularidade de sua inscrição na OAB —Lei 4.215/63 (ar* 65) —Declaração de inexistência do ato processual praticado — Agravo não conhecida A exigência da comprovação de efetiva habilitação profissional do advogado que atua em Juízo constitui prerrogativa conferida aos magistrados pelo próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 65). A exigência judicial de comprovação da regularidade da habilitação profisisonal do advogado não traduz, enquanto providência expressamente autorizada pela lei, comportamento processual que possa ser qualificado como arbitrário, especialmente naqueles casos em que a atuação desse operador do Direito gera dúvidas fundadas quanto à sua qualificação para o exercido da Advocacia. A ausência de demonstração da regular inscrição do mandatário judicial nos quadros da OAB gera, uma vez decorrido o prazo assinado pelo juiz, a inexistência dos atos processuais'praticados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrlificas, por unanimidade de votos, em não conhecer do agravo. Brasília, 2 de março de 1994 —Octavio Gallotti, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Tratase de mandado de segurança impetrado por Wong Sin Tak contra ato do ProcuradorGaal da República «que arquivou, sem despacho, pedidos de informação feitos pelo peticionário, referente a representações oriundas do Ag 130.802-SP». Tendo em vista a interposição sucessiva, pelo ora impetrante, de inúmeras ações e recursos manifestamente incabíveis e com fundamentação jurídica defeituosa, determinei que os mandatários judiciais do impetrante comprovassem, sob pena de extinção do processo, a sua regular inscrição nos Quadros da OAB. A par de não procederem à comprovação reclamada, esses procuradores limitaram-se a deduzir, em nome do ora agravante, dois incabíveis recursos de embargos de declaração, nos quais renovaram a questão suscitada na impetração. Apreciando o último dos embargos, exarei a seguinte decisão: «A par do evidente descabimento do recurso de embargos de declaração contra decisão monoerática do Relator (MS ng 21.717-DF (AgRg), Rei. Min. 494 R.T.J. — 155 Celso de Mello, Pleno, DJ de 5-10-93), não há como conhecer de postulação subscrita por Advogado que, muito embora instado a fazê-lo, não comprovou sua regular inscrição nos Quadros da OAB/SP. Tenho, pois, por inexistente o ato processual praticado (Lei n2 4.215/63, art. 65, § 22).» Daí o presente agravo regimental, em que o ora recorrente, revelando inconformismo com a exigência imposta aos seus procuradores, recusou-se, de modo expresso, a atendê-la, salientando que caberia à própria autoridade judiciária solicitar diretamente à OAB a informação pretendida. Para apreciação deste recurso, submeto o processo ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello: A exigência de Comprovação da efetiva habilitação profissional do advogado que atua em juízo constitui prerrogativa conferida aos magistrados pelo próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que, em seu art. 65 e respectivos parágrafos, dispõe, verbis: «Art. 65. A exibição da carteira ou cartão de identidade pode ser exigida pelos juízes autoridades ou interessados, a fim de verificar a habilitação profissional. § 12 Será impedida a intervenção do profissional que não comprovar a habilitação, salvo se assinar, sob as sanções civis e penais, o compromisso de fazê-lo no prazo de quinze dias, prorrogável por mais quinze (art. 70, §§ 12 e 22). § 22 Findo o prazo do compromisso, sem aquela comprovação, o ato será tido por inexistente.» A norma inscrita no art. 65 da Lei n2 4.215/63 atribui ao magistrado, enquanto responsável pela condução do processo, o poder de exigir do advogado a comprovação de sua efetiva inscrição nos quadros da OAB. Trata-se de prerrogativa que, fundada em texto legal, tem por finalidade aferir a existência de pressuposto processual subjetivo necessário à válida constituição da própria relação jurídico-processual. Sem que se comprove a posse da capacidade postulatória, toma-se inviável a válida realização de atos processuais que só poderão ser praticados pelo profissional da Advocacia. A exigência judicial de comprovação da regularidade da habilitação profissional do Advogado não traduz, enquanto providência expressamente autorizada pela lei, comportamento processual que possa ser qualificado como arbitrário, especialmente naqueles casos em que a atuação desse operador do Direito gera dúvidas fundadas quanto à sua qualificação para o exercício da Advocacia. A ratio subjacente a essa medida foi bem destacada por Eugênio R. Baddock Lobo e Francisco Costa Neto, para quem a exigência em questão, longe de implicar uma capitis deminutio do Advogado, destina-se a permitir a fiscalização do exercício da atividade profisisonal, a impedir que advogados inabilitados a exerçam impunemente, bem assim a obstar «que se credenciem como advogados pessoas que não o sejam, fato não muito incomum em nossos pretórios...» («Comentários ao Estatuto da OAB e às Regras da Profissão do Advogado», pág. 141, 1978, Editora Rio). No caso específico dos mandatários judiciais do ora agravante, a exigência tanto mais se justifica quando se têm presentes as inúmeras ações e recursos manifestamente incabíveis por eles promovidos pe- R.T.J. — 155 495 rente esta Corte. Cumpre registrar, neste gência de, uma vez mais, ter como Inexisponto, que a exigência ora questionada nes- tente o ato processual praticado. ta sede recursal tem sido igualmente formuSendo assim, não conheço do presente lada por outros eminentes Ministros desta recurso de agravo. Corte, consoante se depreende dos desÉ o meu voto. pachos proferidos no MS n2 21.716, Rel. Min. Marco Aurélio; no MS n2 21.675, EXTRATO DA ATA Rel. Min. Paulo Broesard; na Pet n2 27, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; na Pet n2 MS 21.730 (AgRg-EDcl) — DF — 701, Rel. Min. Carlos Venoso, v.g.. Rel.: Min. Celso de Mello. Agte.: Wong O fato, Sr. Presidente, é que Wong Sin Sin Tak (Adv.: Bany Vichara) Agdo.: ProTak, com o emprego abusivo dos meios curador-Geral da República. processuais e a indevida utilização das vias Decisão: Apresentado o feito em mesa, recursais nesta Corte, e descumprindo o o julgamento foi adiado em virtude do princípio da lealdade processual, tem-se adiantado da hora. Plenário, 24-2-94. caracterizado como improbus litigator, Por votação unânime, o Tribuseja deduzindo pretensões contra texto ex- nal Decisão: não conheceu do agravo regimental. presso de lei ou fatos incontroversos, seja Presidência do Senhor Ministro Octavio procedendo de modo temerário nos diversos atos do processo, seja, ainda, provocan- Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores do incidentes manifestamente infundados Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, (CPC, art. 17). Sydney Sanches, Paulo Brossard, SepúlveIsto posto, tendo presente que os man- da Pertence, Celso de Mello, Carlos Vellodatários judiciais do ora agravante deixa- so, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisram de comprovar a sua regular inscrição co Rezei Procurador-Geral da República, nos quadros da OAB, e considerando, ain- Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. da, a expressa previsão inscrita no art. 65, Brasília, 2 de março de 1994 — Luiz § r, da Lei IP 4.215/63, vejo-me na contin- Tomimatsu, Secretário. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N2 21.770 — DF (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrentes: Ernesto Fabro e outro — Recorrida: União Federal Admististnstiva Apartamentos funcionais: aquisição. Inuiveladrstinistrudo pelas Forças Armadas e destinado à actqtaçáto por nuTttares. Lei n2 &025, d-1990, atrigo P, § I. Decreto n 2 99264 de 1994 art. ng Isca I — Os imóveis residenciais administrados pelas Forças Armadas, destinados à ocupação por militares, não serão vendidos aos seus ocupantes. Lei n2 8.025/90, arL P, 22, I; Decreto n2 99.266/90, art. 12, P, c. O fato de o militar, ocupante do imóvel residencial, ter sido 496 R.T.J. — 155 transferido para a reserva, não muda a questão, vale dizer, não gera para o ocupante o direito à aquisição do imóvel. II — Recurso não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, negar provimento ao recurso. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Néri da Silveira, Presidente — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Vdloso: Contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, indeferiu mandado de segurança impetrado por Ernesto Fabro e Maria Carolina Fabro contra atos do Ministro Chefe da Secretaria da Administração Federal e do Ministro de Estado do Exército, que negaram o pedido de venda de imóvel funcional administrado pelas Forças Armadas, interpuseram os recorrentes recurso ordinário, com fundamento no art. 102, II, a, da Constituição. É deste teor a ementa do acórdão recorrido: «Administrativo. Mandado de segurança. Aquisição de imóvel funcional. Carência de instrução da impetraçãoI — Na aquisição de imóveis funcionais é necessário saber se o imóvel pleiteado é de propriedade das Forças Minadas ou se é da Secretaria de Administração Federal, mas administrado pelas Forças Armadas. II — Se o bem imóvel funcional é de propriedade e administrado pelas Forças Armadas, quer seja ocupado por civis, quer por militares, a segurança não pode ser deferida. III — Se o bem imóvel funcional é de propriedade da Secretaria de Administração Federal, mas cedido ou transferido a sua administração para as Forças Minadas, a segurança deve ser deferida, se atendidos os demais requisitos legais. IV — O presente imóvel não só é próprio de Ministério Militar como por ele administrado. V — Indefiro a segurança» Alegam, em síntese, os recorrentes: que o acórdão recorrido deve ser declarado nulo porque, além de negar vigência ao art. 62, parágrafo único, da Lei n2 1.533/51, ofendeu, também, o disposto nos arts. 5, II e LV, da Constituição, 74, 79 e seu § 1®, 85, I, do Decreto-Lei n' 9.760/46, dc o art. 52, § 12, da Lei e 6.228/75; que, na inicial do mandado de segurança, requereram, em preliminar, a requisição do «Termo de Entrega» referente ao apartamento pretendido pelos ora recorrentes, pedido que não deferido nem indeferido pelo Superior Tribunal de Justiça; que, como as autoridades coatoras não trouxeram para os autos o «Termo de Entrega», «o único documento público capaz de provar quem administrava o imóvel» em questão, presumem-se verdadeiras as assertivas dos recorrentes da sua inexistência no mundo jurídico, aplicando-se ao caso o disposto no art. 285, parte final, dc o art. 302, ambos do CPC; que, estando provado não se tratar de imóvel administrado pelas Forças Arma- RT.J. — 155 das, pela inexistência do «Termo de Entrega» devidamente registrado na SAF, invocam, com base na Súmula n2 157 do antigo TFR, hoje STJ, o direito de permanecerem no imóvel em questão, «com direito adquirido a adquiri-lo na forma prevista na Lei n2 8.025/90, combinado com o artigo 52, caput, da Constituição Federal, que proíbe a existência de distinção de qualquer natureza entre brasileiros». Requerem, por fim, seja o acórdão julgado nulo de pleno direito, «... declarandose inclusive o direito de a recorrente/mulher permanecer no imóvel, preservando-se a entidade familiar de que é parte, por disposição da Súmula do ex-TFR, assegurando-lhe ainda a ver julgado o seu pedido de transferência de titularidade do Termo de Ocupação anteriormente assinado por seu marido ou ainda determinando-se a transferência do imóvel onde reside o ("cal para a administração do Governo do Distrito Federal (Fundação Educacional), órgão público onde vincula-se funcionalmente a mulher, conforme disposição do Decreto rig 85.633/81». Oficiando às fls. 90/92, a ProcuradoriaGeral da República, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral Maria da Glória Ferreira Tamer, opina no sentido de ser negado provimento ao recurso, por não haverem os recorrentes trazido qualquer tese de molde a invalidar o aresto atacado e por constar dos autos «documentos comprobatórios da entrega do referido imóvel pelo Serviço de Patrimônio da União para o Ministério do Exército» (fls. 49/53), conforme observa a União Federal nas contra-razões de fls. 82/84. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso (Relator): A Lei n2 8.025, de 1990, art. 12, § r, 1, exclui da venda os imóveis residenciais 497 administrados pelas Forças Armadas, destinados à ocupação por militares. Na mesma linha, o Decreto n2 99.266, de 1990, art. 12, § 12, c, a estabelecer que não serão vendidos os imóveis residenciais administrados pelas Forças Armadas, destinados à ocupação por militares. No caso, está demonstrado, nos autos, que o imóvel foi entregue ao Ministério do Exército, pelo SPU (fls. 49/55). Trata-se, portanto, de imóvel destinado à ocupação por militar. O fato de o militar que ocupava o imóvel ter sido transferido para a reserva remunerada não muda a questão, vale dizer, não gera para o ocupante o direito à aquisição do imóvel. Com propriedade, escreveu a Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delta Curvello Rocha, no parecer que ofereceu pelo Ministério Público Federal, às fls. 57/58: «(...) 4. No mérito, a Lei n2 8.025/90, ao autorizar a alienação de imóveis funcionais residenciais, de propriedade da União Federal, exclui aqueles administrados pelas Forças Armadas, destinados à ocupação por militares. Isso porque, referidos imóveis, face a sua destinação específica, encontramse afetados a uma finalidade pública permanente, ou seja assegurar a movimentação dos militares no território nacional, especificamente sua estada em Brasília, onde se encontram os Comandos Militares. Vê-se, pois, que imóveis funcionais, administrados pelo EstadoMaior das Forças Armadas encontramse, como bem coloca o colega Fernando Henrique Macedo, entre os meios legítimos e legais de que se valem as Forças Armadas, para darem o possível cumprimento a sua missão constitucional (art. 142, da CF/88 — máxime em seu caput, e em seu 12). Por esse motivo, não auto- 498 — 155 rimou, o Poder Legislativo, a alienação desses imóveis.» (Fls. 57/58). Do exposto, nego provimento ao recur50. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurelio: Sr. Presidente, esclarece o nobre Relator ter ficado evidenciado, nos autos, que o imóvel em litígio é administrado pelas Forças Armadas, mais precisamente pelo Ministério do Exército. Diante dessa premissa e do que previsto na legislação de regência, acompanho-o, negando provimento ao recurso. EXTRATO DA ATA RMS 21.770 —DF—Rel.: Min. Carlos Velloso. Rectes.: Ernesto Fabro e outro (Advs.: José Carlos Silveira e outros) Recda: União Federal (Adv.: Advogado-Geral da União). Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso e Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. Brasília, 30 de novembro de 1993 — José Wilson Aragão, Secretário. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N2 21.777 — DF (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrentes: Maria Inês Fonseca Mendes e outros — Recorrida: União Federal Constitucional. Administrativo. Funcionário. Direito adquirido. Vencimentos. Reajuste de 84,32% Lei n 7.830, de 28-9-89. Lei ng 8.030/90. I — Vencimentos dos funcionários: reajuste de 84,32% decorrente da aplicação da Lei n2 7.830, de 28-9-89, revogada pela Medida Provisória n2 154, de 16-3-90, convertida na Lei n2 8.030, de 1990. Inocorrência de direito adquirido ao reajuste: MS n2 21.216-DF, Tribunal Pleno, 5-12-90, RTJ 134/1112. II — Ressalva do entendimento pessoal do Relator em sentido contrário: voto vencido no citado MS n 2 21.216-DF. III — Recurso improvido. R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, negar provimento ao recurso. Brasília, 7 de dezembro de 1993 —Néri da Silveira, Presidente — Carlos Vdloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Venoso: Contra acórdão da Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, por unanimidade, denegou a segurança impetrada contra ato do Ministro de Estado da Secretaria da Administração Federal, consubstanciado na não inclusão nas pensões das impetrantes do reajustamento de 84,32% assegurado pela Lei n2 7.830/89 e que foi excluído pela Medida Provisória n*154/90, transformada na Lei n2 8.030/90, interpuseram as recorrentes recurso ordinário (fls. 74/81), alegando, em síntese: que têm a seu favor inúmeros julgados da Egrégia Primeira Seção do mesmo Superior Tribunal de Justiça que vem decidindo no sentido da procedência de mandados de segurança idênticos.a este, iraentendimento de que os impetrantes têm direito à percepção e incorporação dos 84,32%; que ocorreu violação ao direito líquido e certo das recorrentes, que já tinham direito adquirido ao reajustamento antes MCS111.0 da edição da Medida Provisória n2 154/90; c) que o eminente Min. Américo Luz, no MS n2 640-DF, de que foi relator, ressaltou, em seu voto, que «... a Medida Provis6ria n2 154/90 não poderia retroagir por alcançar direito já adquirido da impetran- 499 Depois de trazer à colação lição de Clóvis Bevilaqua sobre o conceito de direito adquirido, requerem as recorrentes a concessão do writ para que seja determinada «a incorporação dos 84,32% sobre os vencimentos dos mesmos, assim como todos os demais direitos a que fazem jus...» Assim o acórdão recorrido: «Administrativo. Servidores públicos. Reajuste salarial de 84,32% (Lei n2 8.030/90). Inexistência de direito adquirido. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Segurança denegada.» A União Federal apresentou contra-razões (fls. 83/85). A Procuradoria-Geral da República, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, oficiando às fls. 91/92, opina no sentido do desprovimento do recurso, sobre o fundamento de que esta Corte já se posicionou sobre a matéria, entendendo que não cabe, no caso, invocar a garantia prevista no art. 52, XXXVI, da Constituição (MS n* 21.216-DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 134/1112; RE n2 140.768, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-93; RE n2 141.391, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 7-5-93). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso (Relator): Julgando o RE n* 141.391-DF, por mim relatado, decidiu a 2' Trama: «Ementa: Conslitudonal. Administrativo. Funcionário. Direito adquirido. Vencimentos. Reajuste de 84,32%. Lei n2 7.830, de 28-9-89. Lei n2 8.030/90. 500 R.T.J. — 155 I — Vencimentos dos funcionários: reajuste de 84,32% decorrente da aplicação da Lei n9 7.830, de 28-9-89, revogada pela Medida Provisória n2 154, de 16-3-90, convertida na Lei n2 8.030, de 1990. Inocorrência de direito adquirido ao reajuste: MS rf 21.216DF, Tribunal Pleno, 5-12-90, RTJ 134/1112. II—Ressalva do entendimento pessoal do Relator em sentido contrário: voto vencido no citado MS n9 21.216DF. III—RE conhecido e provido.» (DJ de 7-5-93). No julgamento do citado RE n2 141.391-DF, preferi o seguinte voto: w0 Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS n2 21.216-DF, Relator o Sr. Ministro Octavio Gallotti, decidiu, em Sessão Plenária: `Mandado de segurança contra ato omissivo do Presidente do Supremo Tribunal, em virtude do qual ficaram privados os Impetrantes, funcionários da Secretaria da Corte, do reajuste de 84,32% sobre os seus vencimentos, a decorrer da aplicação da Lei n2 7.830, de 28-9-89. Revogada esta pela Medida Provisória n2 154, de 16-3-90 (convertida na Lei n9 8.030/90), antes de que houvessem consumados os fatos idôneos à aquisição do direito ao reajuste previsto para 1 2-4-91, não cabe, no caso, a invocação da garantia prevista no art. 52, XXXVI, da Constituição. Pedido indeferido, por maioria.' (RTJ 134/1112). No citado julgamento, proferi voto divergente, deferindo a segurança, na companhia honrosa dos Srs. Ministros Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard. Não me convenci do desacerto do entendimento que então sustentei, tanto que , sempre que a matéria é levada ao Tribunal Pleno, tenho reiterado o meu voto. Na Turma, entretanto, não posso afrontar o que decidiu o Plenário. Devo limitar-me, aqui, a ressalvar o meu ponto de vista a respeito do tema. É como procedo. Do exposto, ressalvando o meu entendimento a respeito do tema, posto no voto que proferi no MS n2 21.216-DF (RTJ 134/1112), conheço do recurso e dou-lhe provi:rimam.» Reportando-me ao voto acima transcrito, nego provimento ao presente recurso. EXTRATO DA ATA RMS 21.777 —DF —Rel.: Min. Carlos Velloso. Rectes.: Maria Inês Fonseca Mendes e outros (Adv.: João Cury). Recda.: União Federal (Adv.: Advogado-Geral da União). Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. Brasília, 7 de dezembro de 1993 —José Wilson Aragão, Secretário. R.T.J. —155 501 RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N 2 21.857 — DF (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Limar Gaivão Recorrente: José Tavares Ferreira — Recorrida: União Federal Administrativo. Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. Proventos. Teto previsto no art. 37, 11, da Constituição Federal e no art. 42 da Lei n98.112/90. A norma do art. 17 do ADCT/88 impõe a imediata redução de proventos auferidos em desacordo com os preceitos constitucionais, vedada a alegação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. Matéria que, de resto, está disciplinada no art. 42, caput, da Lei n2 8.11280, o qual, em consonância com o disposto no art. 37, XI, da Constituição, definiu como limite-teto de remuneração do servidor, no âmbito do Poder Executivo, a soma dos valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer titulo, pelos Ministros de Estado. De computarem-se, no cálculo respectivo, por não configurarem vantagem que contemplem condição pessoal do servidor, a Retribuição Adicional Variável — RAV, instituída pela Lei n2 7.711/88 e a Gratificação de Estímulo à Fiscalização e à Arrecadação prevista no art. 13 da Lei Delegada n213/92. Tratamento diverso, relativamente à vantagem de caráter pessoal denominada adicional por tempo de serviço, ao salário-família e ao acréscimo de 20% previsto no art. 184, II, da Lei n2 1.711/52, verbas consideradas vantagem pessoal, por corresponder a particular situação do servidor. Recurso parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir, em parte, o recurso em mandado de segurança, nos termos do voto do Relator. Brasília, 3 de março de 1995 — Moreira Alves, Presidente—limar Gaivão, Relatar. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): O auditor fiscal inativo José Tavares Ferreira interpõe recurso ordinário em face do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a segurança impetrado com objetivo de excluir desconto sobre os seus proventos efetuados a título de ajuste-teto previsto pela Lei n2 8.112/90, com base no art. 37, XI, da Carta Federal. O acórdão recorrido consigna em sua ementa, verbis (fi. 68): «Funcionário público. Proventos. 502 R.T.J. — 155 — Teto. Legalidade da limitação de proventos imposta nos termos das Leis n2s 8.112/90, art. 42, e 8.216/91, art. 24, à sua vez, editadas conforme os arts. 17 e 37 do ADCT/88.» O recurso, em primeiro plano, renova os argumentos que foram lançados na inicial, destacando especialmente, após longa digressão doutrinária, que a limitação imposta pelo art. 37, XI, sobre não ser auto-aplicável, não foi, ainda, regulamentada pela Lei n2 8.112/90 a ponto de autorizar a sua aplicação. Afirma, nesse sentido, que há lacuna quanto ao conceito de «remuneração percebida, em espécie, a qualquer título, pelos Ministros buir coma quanto à regulamentação do caso daqueles «servidores que percebam mensalmente quantias fixas e outras parcelas de natureza variável, de acordo com determinados dispositivos específicos», e, ainda, quanto «a remuneração dos Ministros de Estado, que optam pela remuneração do cargo, em se tratando de servidor público, ou pela remuneração do mandato, em se tratando de parlamentar e, que em tais hipóteses, do mesmo modo percebam as vantagens pecuniárias inerentes ao cargo de Ministro de Estado» (sic). Segundo entende, o art. 17 do ADCT não supera tais dificuldades, mesmo porque teria aplicação restrita aos casos de incorreção de origem, na concessão de remunerações e proventos, decorrentes de ato ou fato jurídico viciado. Prossegue reiterando as duas outras teses, rejeitadas pelo acórdão recorrido. A primeira delas no sentido de que os inativos não poderiam ver-se sujeitos ao teto, cuja incidência estaria restrita às remunerações, conceito que não se confunde com o de proventos. A outra, arvorada nos princípios do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos. Em outro passo das razões, o recorrente argumenta que, para efeito de ajuste, com vista ao art. 37, XI, da Carta Federal, não poderiam ser computadas as vantagens pessoais dos servidores, como é o caso do adicional por tempo de serviço, no que citam as conclusões do julgamento da ADIn n2 14 e o prescrito pelo parágrafo único do art. 42 da lei estatutária vigente. Com esse raciocínio, postulam, ainda, a exclusão, nesse cálculo, da parcela referente ao art. 184, II, da Lei n2 1.711/52. Pede, em conseqüência, a reforma do acórdão para que seja integralmente concedida a ordem, excluindo todo o desconto, mantendo-se, na íntegra, o valor dos respectivos proventos. Nas contra-razões, a União concluiu pela inexistência do direito líquido e certo, invocando um precedente do Superior Tribunal de Justiça. A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do ilustre SubprocuradorGeral Arthur de Castilho Neto, conclui por que seja parcialmente provido o recurso, excluindo-se do desconto somente as verbas referentes ao adicional por tempo de serviço e ao salário-família. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro limar Galvão (Relator): Quanto às primeiras alegações dos recorrentes, tenho por irrepreensíveis as conclusões adotadas pela Corte recorrida. A tese da necessidade de lei para que a limitação do art. 37, XI, adquira eficácia, contraria, de acordo com o magistério de Ivan Barbosa Rigolin («O Servidor Público na Constituição de 1988, Saraiva, 1989, pág. 150), as prescrições do art. 17 do ADCT que, com seu comando imperativo, determina que sejam imediatamente reduzidos os vencimentos, as remunerações e vanta- R.T.J. — 155 gens, os adicionais e os proventos auferidos em desacordo com os preceitos de regência constitucional, vedada a alegação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. Seja como for, o que impende considerar como essencial na solução da causa é que o ajuste efetivado sobre os proventos dos recorrentes iniciou-se a partir do advento da Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, cujo art. 42, caput, com fidelidade ao art. 37, XI, da Constituição, estabeleceu que o limite-teto seria a remuneração percebida, em espécie, a qualquer título, no âmbito de cada Poder, pelos Ministros de Estado, membros do Congresso Nacional e Ministros do Supremo Tribunal Federal. No parágrafo único desse artigo, conforme ressalta o douto parecer, o legislador, influenciado pela decisão da Corte no julgamento da ADIn n2 14, discriminou as parcelas que deveriam ser excluídas da base para a incidência do teto constitucional. Diante desses parâmetros legais, é evidente que não se pode afirmar, em prol dos recorrentes, que o desconto carecia de regramento na extensão necessária à sua execução. Tal conclusão, se confirma o acerto do acórdão quanto à alegação posta, não implica, contudo, restringir aos limites da legislação invocada as hipóteses de exclusão nela indicadas, como se exaustiva fosse, conforme adiante terei oportunidade de analisar. Não pode subsistir, por igual, o argumento de que os inativos se encontram a latere da limitação constitucional, já que, mesmo diante dos termos estritos do art. 37, XI, a exegese necessariamente vinculante é a que, do ângulo sistemático, faz ver que as categorias — ativos e inativos — encontram-se, para efeitos patrimoniais, equipa- 503 radas, tanto que o art. 40, § 42, estabelece que a revisão dos proventos ocorrerá, na mesma data e proporção, sempre que modificada a remuneração dos servidores em atividade. Por isso, a sujeição também dos proventos ao comando transitório da imediata redução, nos casos em que percebidos em desacordo com a Constituição. A última das alegações, centrada no direito adquirido e na impossibilidade de serem reduzidos vencimentos é das mais frágeis, pois o próprio texto constitucional remete à imediata redução de tudo quanto houver sido percebido em desacordo com a Constituição, contra a qual não existe a primeira garantia, por força de conceito — a lei não prejudicará o direito adquirido (art. 52, XXXVI, da CF) —, nem a segunda, em face do que se contém, em essência, no dispositivo transitório. A exegese dos recorrentes é, assim, inadmissível, já que esvaziaria a eficácia da norma, ao pretender sujeitar à imediata redução apenas os valores que, por vício de origem — como algum erro de cálculo —, tivessem sido recebidos indevidamente. Essas considerações permitem reduzir o recurso à sua verdadeira essência, de acordo com as normas legais regentes da espécie, mas com especial atenção aos parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao âmbito — para não dizer base de cálculo — dos descontos para deito de ajuste-teto. O parecer da douta Procuradoria-Geral da República caminha nesse exato sentido, ao concluir, com esses argumentos, pela concessão parcial da ordem, verbis (fls. 107/110): «No caso dos autos, estão em jogo a vantagem do art. 184 da Lei n21.711/52, a RAV, o adicional por tempo de serviço e o salário-família (fl. 14). 504 R.T.J. — 155 Assim, creio eu que se deva excluir do teto apenas o adicional por tempo de serviço e o salário-família. A verba relativa ao art. 184 da Lei n9 1.711/52 já foi suprimida pela CF de 1967 e pela EC 1/69. Quero aqui deixar assinalado que, nesse ponto, reoriento meu entendimento expressado no RE n2 160.860-9/210, onde considerei excluídas, na linha de José Afonso da Silva, as gratificações de Gabinete. Creio eu que a interpretação no caso deva ser restritiva. Devo lembrar, ainda, que recente lei, publicada no Diário Oficial de 7 de fevereiro de 1994, Lei n2 8.852, de 4 de fevereiro do mesmo ano, se orientou sobretudo pela jurisprudência do STF retirando do teto, apenas o adicional por tempo de serviço, as vantagens individuais e as decorrentes das condições de trabalho e as indenizações. Vide a respeito o art. 1 2, inciso III, alíneas a até q: «Art. P Para os efeitos desta Lei, a retribuição pecuniária devida na administração pública direta, indireta e fundacional de qualquer dos Potes da União compreende: I — como vencimento básico: a retribuição a que se refere o art. 40 da Lei n2 8.112, de 11 de dezembro de 1990, devida pelo exercício do cargo, para os servidores civis por ela regidos; o soldo definido nos termos do art 62 da Lei n2 8.237, de 30 de setembro de 1991, para os servidores militares; c) o salário básico estipulado em planos ou tabelas de retribuição ou nos contratos de trabalho, convenções, acordos ou dissídios coletivos, para os empregados de empresas públicas, de sociedades de economia mista, de suas subsidiárias, controladas ou coligadas, ou de quaisquer empresas ou entidades de cujo capital ou patrimônio o poder público tenha o controle direto ou indireto, inclusive em virtude de incorporação ao patrimônio público; II — como vencimentos, a soma do vencimento básico com as vantagens permanentes relativas ao cargo, emprego, posto ou graduação; fil — como renimeração, a soma dos vencimentos com os adicionais de caráter individual e demais vantagens, nestas compreendidas as relativas à natureza ou ao local de trabalho e a prevista no art. 62 da Lei n2 8.112, de 1990, ou outra paga sob o mesmo fundamento, sendo excluídas: diárias; ajuda de custo em razão de mudança de sede ou indenização de transporte; auxílio-fardamento; gratificação de compensação orgânica, a que se refere o art. 18 da Lei n9 8.237, de 1991; salário-família; gratificação ou adicional natalino, ou décimo terceiro salário; abono pecuniário resultante da conversão de até 1/3 (um terço) das férias; adicional ou auxílio-natalidade; adicional ou auxílio-funeral; adicional de férias, até o limite de 1/3 (um terço) sobre a retribuição habitual; R.T.J. — 155 1) adicional pela prestação de serviço extraordinário, para atender situações excepcionais e temporárias, obedecidos os limites de duração previstos em lei, contratos, regulamentos, convenções, acordos ou dissídios coletivos e desde que o valor pago não exceda em mais de 50% (cinqüenta por cento) o estipulado para a hora de trabalho na jornada normal; adicional noturno, enquanto o serviço permanecer sendo prestado em horário que fundamente sua concessão; adicional por tempo de serviço; conversão de licença-prêmio em pecúnia facultada para os empregados de empresa pública ou sociedade de economia mista por ato normativo, estatutário ou regulamentar anterior a 12 de fevereiro de 1994; adicional de insalubridade, de periculosidade ou pelo exercício de atividades penosas percebido durante o período em que o beneficiário estiver sujeito às condições ou aos riscos que deram causa à sua concessão; hora repouso e alimentação e adicional de sobreaviso, a que se referem, respectivamente, o inciso do art. 32 e o inciso II do art. 62 da Lei 5.811, de 1 I de outubro de 1972; (vetado) e § 1 2 O disposto no inciso III abrange adiantamentos desprovidos de natureza indenizatória. §r As parcelas de retribuição excluídas do alcance do inciso III não poderão ser calculadas sobre base su- 505 perior ao limite estabelecido no art 32. Assim sendo, sou pelo provimento parcial do recurso para efeito de excluir do abate, as verbas que assinalei no presente parecer.» Convenço-me, por simples remissão à legislação, de que a base para a incidência do desconto deve excluir o adicional por tempo de serviço e o salário-família (art. 42, parágrafo único, da Lei n2 8.112/90 e art. 12, III, e, da Lei n2 8.852/94). Quanto às demais parcelas — Retribuição Adicional Variável; Gratificação de Estímulo à Fiscalização e Arrecadação; e Adicional do art. 184, II, da Lei n 2 1.711/52 —, sua exclusão, embora não prevista pela legislação, nem por isso fica, desde logo, inviabilizada. É que os critérios da legislação não podem ser considerados exaustivos, se, como na espécie, incide regra constitucional, a delimitar o campo de incidência do ajuste, dele excluindo as vantagens de caráter pessoal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, conjugando os incisos XI e XII do art. 37 da CF, concluiu pela aplicabilidade, para fins de cálculo do art. 39, § 1 2, para fms de isonomia, isto é, ode isentar o cotejo das vantagens de caráter individual (RE n2 141.788, Plenário, Relator Ministro Reptilveda Pertence). Não fixaram os precedentes uma regra genérica para a definição do que seja parcela remuneratória de caráter pessoal, mas o reconhecimento in concreto de algumas, permite extrair os critérios essenciais a uma tal delimitação conceituai. No RE n2 141.788, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, a propósito expendeu as seguintes considerações: «De fato. O critério de classificação das diversas parcelas componentes da 506 R.T.J. — 155 remuneração do servidor público é a causa, o fato gerador do direito à sua percepção. Sob esse prisma, vencimento é a remuneração imputada exclusivamente ao exercício de determinado cargo. Ou, na definição legal vigente (Lei n2 8.112/90, art. 40), wa retribuição pecuniária de- vida pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei». Valor que, por imperativo constitucional (art. 39, § 15, há de ser idêntico para cargos iguais, independentemente de quem seja o ocupante atual de cada um deles. Ao contrário, só pode constituir vantagem pessoal, e não vencimento, a retribuição percebida pelo titular de um cargo, não em razão do exercício dele, mas, sim, em virtude do exercício anterior de cargo diverso.» Partindo do reconhecimento firmado nesses precedentes, em especial atentando para as observações contidas neste último, convenci-me do acerto da definição adotada por Celso Antonio Bandeira de Meio (Curso de Direito Administrativo, Malheifim, 1993, pág. 130, nota de rodapé n2 5): «Vantagem pessoal é aquela que o servidor perceba em razão de uma circunstância ligada à sua própria situação individual — e não ligada pura e simplesmente ao cargo. Além do adicional por tempo de serviço, podem ser citados como exemplo o adicional pela prestação de serviço extraordinário ou pelo trabalho noturno (o efetuado entre 22 horas e 5 horas do dia seguinte) que o servidor desempenhe. Contrapõem-se às vantagens pessoais as denominadas (ainda que inadequadamente) vantagens de carreira. Opostamente às anteriores, sua percepção corresponde a um acréscimo que está associado pura e simplesmente ao cargo ou à função. Qualquer que neles esteja preposto as receberá pelo fato de exercê-los, sem que, para tanto, tenha que concorrer alguma circunstância ou incidente associável aos particulares eventos da vida funcional do agente ou às invulgares condições de trabalho em que preste sua atividade.» Ora, dentro dessas balizas conceituais, não posso considerar como vantagem pessoal a chamada Retribuição Adicional Variável — RAV, instituída para a carreira dos Auditores Fiscais do Tesouro Nacional pela Lei n2 7.711/88, nos seguintes termos: «Art. 52 Para melhor desempenho na administração dos tributos federais, fica instituída retribuição adicional variável aos integrantes da carreira de que trata o Decreto-Lei n2 2.225, de 10 de janeiro de 1985, prevalecentes os quantitativos previstos em seu Anexo I, para o atendimento de cujas despesas serão também utilizados recursos do Fundo referido no artigo anterior. § 1 2 O pagamento da retribuição adicional variável prevista neste artigo somente será devida relativamente aos valores de multas e respectiva correção monetária efetivamente ingressados, inclusive por meio de cobrança judicial. § 22 A retribuição adicional variável será atribuída em função da eficiência individual e plural da atividade fiscal, na forma estabelecida em regulamento.» Ora, a parcela citada é devida a todos os integrantes da carreira, sem que qualquer condição pessoal interfira em sua aquisição, sendo certo que apenas o quantum, mas não a vantagem em si mesma, é que se encontra vinculado à eficiência individual e plural, a ser definida em regulamento próprio. Por isso, a Retribuição Adicional Variável não detém qualificação jurídica para ser R.T.J. — 155 excluída do ajuste para efeito de observância do teto constitucional. Examino, por sua vez, a Gratificação de Estímulo à Fiscalização e à Arrecadação, instituída pelo art. 13 da Lei Delegada n2 13, de 27-8-92, concluindo que se trata de vantagem pecuniária que o magistério de Hely Lopes Meirelles qualifica como gratificação de serviço (Direito Administrativo Brasileiro, RT, 1990, pág. 405), devida em decorrência de fatores da própria atividade profissional, aos quais estão sujeitos todos os integrantes da carreira, sem exame de sitlyição ou condição pessoal, determinando, assim, a sua plena incidência no campo material sujeito ao ajuste-teto. Por fim, resta a vantagem albergada na Lei n2 1.711/52, assim definida: «Art. 184. O funcionário que contar 35 anos de serviço será aposentado: I — (...) Il— com provento aumentado de 20% quando ocupante da última classe da respectiva carreira> O acréscimo em causa, que se incorpora aos proventos de inatividade, é estabelecido em favor dos servidores que, até o primeiro ano seguinte ao do advento do novo estatuto (art. 250 da Lei n2 8.112/90), tenham cumprido certa condição, que concerne à ocupação de cargo na última classe da respectiva carreira. Considera-se, assim, para a aquisição da vantagem uma certa condição pessoal do servidor, que se não está relacionada diretamente ao tempo de serviço, como ocorre no adicional que esta Corte considerou de índole pessoal, toma como causa uma particular situação funcional do servidor dentro da carreira que, por isso mesmo, não se estende automaticamente a todos os seus integrantes. 507 Sendo assim, não se pode qualificá-la como vantagem da carreira, mas vantagem pessoal, baseada na posição funcional do servidor — que lhe é própria e poderia, in tese, não ter sido alcançada —, onde releva, na dição do conceito dado por Celso Antonio Bandeira de Mello, certa «circunstância ou incidente associável aos particulares eventos da vida funcional do agente». Por isso, em conclusão, Senhor Presidente, em relação aos recorrentes, concluo que merece reforma parcial o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, para o fim de que seja determinado à autoridade impetrada que o ajuste-teto da Lei n° 8.112/90 seja, doravante, efetivado sobre os cálculos das parcelas remuneratórias daqueles inativos, excluídas as referentes ao adicional por tempo de serviço, ao salário-família e ao adicional de vinte por cento a que se refere o art. 184, II, da Lei n° 1.711/52, observando-se o disposto no art. 250 da Lei n2 8.112/90. Em relação aos atrasados, deverão ser complementados, na forma solicitada, devidamente atualizados, a contar do mês daimpetração do mandado de segurança. Pelo provimento parcial do recurso ordinário, nos termos acima descritos, é o meu voto. EXTRATO DA ATA RMS 21.857 — DF — Rel.: Min. limar Gaivão. Recte.: José Tavares Ferreira (Advs.: Claudio da Rocha Santos e outro) Recdo.: União Federal (Adv.: AdvogadoGeral da União). Decisão: A Turma deu provimento. em parte. ao recurso em mandado de segurança, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e fintar Gaivão. Subpro- 508 R.T.J. —155 curador-Geral de República, Dr. Miguel Frauzino Pereira. Brasflia, 3 de março de 1995 — Luiz Tomimatsu, Secretário. HABEAS CORPUS N2 69912 — RS (Tribunal Pleno) Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Paciente: Lourival Mucilo Trajano —Impetrante: Aluísio Martins —Coator: Tribunal Regional Federal da 4° Região Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, emas hipóteses e na forma» por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 52, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas carpas pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas carpas, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS n2 21.750, 24-11-93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica — à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la — contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta ((ruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em deferir o pedido de «habeas corpus», para anular o processo a partir da prisão em flagrante, inclusive. Brasília, 16 de dezembro de 1993 — Octavio Gallotti, Presidente — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Na sessão de 25-3-93, assim relatei o caso (leu, fls. 114-118). O meu voto — que deferiu a ordem e declarou a nulidade radical do procedimento, nele incluídos o inquérito e a prisão em flagrante (fls. 119-133) — foi acompanhado, naquele mesmo dia, pelos ems. Ministros Rezek (fl. 134), Gaivão (fl. 136), Marco Aurélio (fl. 138) e, em 30-6-93, depois do voto-vista em contrário, do em. Ministro Paulo Brossard, pelo do em. Ministro Celso de Mello (fl. 174). R.T.J. — 155 De sua vez, pela denegação da ordem, votaram os ems. Ministros Velloso (fl. 140), Brossard (fl. 150), Sanches (fl. 184), Néri (fl. 187), Moreira Alves (fl. 192) e V. Exa., Presidente Gallotti 194). Desse modo, em 30-6-93, proclamou-se o indeferimento do habena corpos por seis votos contra cinco. acórdão será publicado no DJ de 26-11-93. Sucede que, enquanto se reviam as notas taquignificas, o paciente impetrou mandado de segurança, no qual — revelando ter atuado no processo condenatúrio pelo Ministério Público o il. Procurador da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, filho do nobre Ministro Néri da Silveira — pretendia que se alterasse o resultado do julgamento do habena corpus para anunciá-lo como deferido. Na sessão plenária de 24-11-93, relator o em. Ministro Carlos Velloso, o Tribunal não conheceu do mandado de segurança, mas, reconhecendo o impedimento alegado (embora não documentado nos autos do habena carpas), deferiu habeas corpus de oficio para anular o julgamento anterior. Em conseqüência, para a renovação do julgamento, trago o feito à Mesa. É o relatório. VOTO Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O meu voto reafirma o proferido em 25-3-93, quando da primeira chamada do caso, para, nos termos então enunciados, deferir o habena corpos. Às razões então deduzidas —e manifestamente enriquecidas pelos quatro Ministros que fundamentadamente concluíram no mesmo sentido das quais, data veda sigo convencido, soma-se, no caso concreto, que, efetivamente, ao final do primei- 509 ro julgamento, a decisão deveria ter sido a concessão da ordem, dado que, se então revelado o impedimento de um dos juízes, se teria verificado o empe., que favorece o paciente (RISTE, art. 150 § 32). Defiro o babem corpos para anular o feito, desde a prisão em flagrante, inclusive: é o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 69.912 — RS — Rd.: Min. Sept11veda Pertence. Poete.: Lourival Mucilo Trajano. 'rapte.: Aluisio Martins. Coator: Tribunal Regional Federal da 4' Região. Decisão: Adiado o julgamento pelo pedido de vista dos autos, formulado pelo Ministro limar Gabião, depois dos votos dos Ministros Relator e Francisco Rezek, deferindo o pedido de «habeas corpos», para anular o processo a partir da prisão em flagrante, inclusive. Ausentes, justificadamente, os Ministros Moreira Alves e Paulo Brossard. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Impedido o Ministro Néri da Silveira. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezei Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Moreira Alves e Paulo Brossard. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 25 de novembro de 1993 — Luiz Tominzahm, Secretário. VOTO (VISTA) O Sr. Ministro limar Gaivão: Senhor Presidente, o meu pedido de vista, nesse processo, deveu-se à necessidade de certificar-me acerca de fatos que foram referidos nos debates, cuja existência, se com- 510 R.T.J. — 155 provada, determinaria alteração no meu voto. Feito o devido exame verifiquei que os autos não noticiam, realmente, a ocorrência desses fatos. Por isso, não havendo motivo para mudar meu entendimento, ratifico o meu voto proferido, deferindo o pedido. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Ministro-Relator defere o habeas coreus, entendendo que a prova base do próprio inquérito, a notícia em si do crime, foi obtida mediante meio ilícito. Acompanho S. Exa., concedendo a ordem e peço para deixar registrado o que tive oportunidade de consignar sobre o tema em processo diverso: Solicitei vista destes autos, após sinalizar quanto à impropriedade de esta Corte vir a receber a denúncia com base apenas em uma fita gravada clandestinamente. Se é certo que o Código de Processo Civil revela que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados em dispositivo nele contido, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se fundam a ação e a defesa (artigo 332), sendo que qualquer reprodução mecânica — como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie — faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade — artigo 383 — normas aplicáveis subsidiariamente ao processo penal (Código de Processo Penal artigo 32), não menos correto é que os aludidos preceitos não se sobrepõem à Carta da República, no que consigna, como garantias constitucionais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, bem como a inadmissão, em qualquer processo, de provas obtidas por meios ilícitos — incisos X e LVI do artigo 59. Ora, tratando-se de gravação obtida de forma ardilosa e incorreta, mediante a prática condenável de escamotear um gravador visando a obter a armazenagem de informações, forçoso é concluir, que se está diante de prova indiciária alcançada por meio ilícito, ao arrepio não só dos padrões éticos e morais, como também da própria Carta, no que preserva a intimidade da pessoa. Não vejo, Sr. Presidente, diferença substancial entre a gravação feita por terceiro, até mesmo provocada por um dos interlocutores, mediante interceptação, e aquela ~mente da gravação procedida à sorrelfa por um destes últimos. O meio utilizado não merece o endosso desta Suprema Corte, ainda que se tenha em mira a persecução criminal, tendo em conta ato de servidor público ou agente do poder. O interesse público não se sobrepõe aos aspectos éticos e morais, mas com estes deve estar em perfeita comunhão, isto sem que se considere a intimidade protegida constitucionalmente. Não é crível que se confira a uma gravação obtida clandestinamente eficácia suficiente a respaldar o recebimento de uma denúncia para, após, no julgamento da ação penal, declarar-se que se trata de prova conseguida por meio ilícito. O princípio lógico da nãocontradição estará ferido de morte. Contudo, na assentada em que teve início a apreciação deste processo, assaltaram-me dúvidas no tocante à existência de outros indícios, já que o Ministério Público não apresentou a denúncia de imediato, fazendo-o após a tramitação de inquérito por mais de um ano, mediante o qual a Polícia Federal ouviu pessoas e colheu elementos diversos. Examinando estes autos, constatei que a denúncia está respaldada na aludida fita, mas também direciona, no item 10 de R.T.J. — 155 folhas 5 a 7, a outros indícios colhidos. Dentre esses está o relativo ao que seria o empenho do Indiciado, junto ao Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, na 10' reunião realizada no dia 23 de maio de 1991, no sentido de excepcionalmente, vir a ser autorizado o remanejamento de recursos da rubrica «infra-estrutura» para a rubrica «saneamento», visando a propiciar a feitura de obras no Estado do Acre. A Ata de folhas 192 a 215 revela que a reunião foi iniciada pelo Secretário Nacional do Trabalho e que o Indiciado, adentrando o recinto, dela participou, ponderando que os casos do Amapá e do Acre deveriam ser analisados com excepcionalidade e mencionou as preocupações do Sr. Ministro da Saúde com a qualidade da água consumida naqueles Estados e, portanto, com o Cólera. Ora, este aspecto não deixa de ser um indício que, somado a outros, como os depoimentos reveladores de que o interlocutor que obteve a fita procurara autoridades constituídas —parlamentar, pessoas do Gabinete Militar da Presidência da República e do Ministério da Justiça — objetivando dar conta do que ouvira no diálogo mantido com o Indiciado — depoimentos de folhas 56, 145 e 260 — autorizam o recebimento da denúncia. A regra é o Tribunal deliberar pelo recebimento ou rejeição da denúncia, estando no campo do excepcional a improcedência da acusação — parte final do artigo e da Lei n2 8.038/90. Instaurada a ação penal, ter-se-á oportunidade de implementar-se o contraditório com mais largueza, devendo, então, o Ministério Público comprovar a prorMência do que articulado na denúncia, já que o princípio da definição no caso de dúvida passará a beneficiar não a sociedade, mas o Réu. O que transparece impniprio é, diante de situação nebulosa, concluir-se 511 pela improcedência da acusação. A declaração desta há de restar de revelação manifesta, pelos elementos coligidos, da insubsistência do que articulado na denúncia. Por estas razões e declarando a fragilidade dos Indícios coligidos, sem, no entanto, deixar de reconhecer a existência deles, e também, a ausência total de valia da gravação obtida clandestinamente, porque por meio ilícito, acompanho o Relator, recebendo a denúncia. É o meu voto. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Presidente, reitero o voto que proferi no primeiro julgamento, quando sustentei, primeiro, a ilicitude da prova — escuta telefônica — e, segundo, que, afastada .a prova considerada ilícita, há, nos autos, outras provas que autorizam a condenação, o que foi reconhecido, aliás, na instância de apelação, vale dizer, no Tribunal Regional Federal. Não seria possível, ademais, nos estreitos limites do habeas corpos, o exame aprofundado da prova, para verificar se a afirmativa constante do acórdão do Tribunal Regional é ou não verdadeira. Em conclusão, voto no sentido do indeferimento do habeas corpos, com a vênia sempre devida ao eminente Ministro Relator e aos eminentes Ministros que o acompanharam. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello: Impõese destacar, como expressiva conquista dos direitos assegurados àqueles que sofrem a ação persecutória do Estado, a inquestionável hostilidade do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas (aquelas que se produzem com vulneração das normas de direito processual) e às provas • 512 R.T.J. — 155 ilícitas (aquelas que se coligem com transgressão das regras de direito material). A Constituição do Brasil, ao repelir a doutrina do mate captum, bene retentum, saneio. nou, com a inadimissibilidade de sua válida utilização, as provas inquinadas de ilegitimidade ou de ilicitude. A norma inscrita no art. 5 2, LVI, da Lei Fundamental da República promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada Pellegrini Grinover, «Novas Tendências do Direito Porcessual», págs. 60/82, 1990, Forense Universitária; Mauro Cappelletti, «Efficacia di prove illegittimamente ammesse e comportamento della parte», in Rivista di Diritto Civile, pág. 112, 1961; Vicem= Vigorai, «Prove illecite e costituzione», in Rivista di Diritto Processuale, págs. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada — e repudiada sempre —pelos juízes e Tribunais, «por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade...» (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., pág. 62, 1990, Forense Universitária). A cláusula constitucional do due process of law — que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público — tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ou produzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova — de qualquer prova — cuja ilicitude tenha sido reconhecida pelo Poder Judiciário. Ada Pellegrini Grinover («A Eficácia dos Atos Processuais à luz da Constituição Federal», in RPGFSP, vol 37/46-47,1992), ao versar o tema das limitações que, &lidadas em regra de exclusão, incidem sobre o direito à prova, analisa a questão da ilicitude — mesmo da ilicitude por derivação — dos elementos instrutórios produzidos em sede processual, verbis: «A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por meios ilícitos, ou se é também inadimissível a prova, licitamente colhida, mas a cujo conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita. Imagine-se um confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma coação, venham a corroborar aquele depoimento. Imaginem uma interceptação telefônica clandestina, portanto ilícita, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. Essas provas são R.T.J.-155 `ilícitas por derivação', porque, em si mesmas lícitas, são oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os fiutos. (...). Outra tendência que se coloca em relação às provas ilícitas é aquela que pretende mitigar a regra de inadmissibilidade pelo princípio que se chamou, na Alemanha, da 'proporcionalidade' e, nos Estados Unidos da América, da `razoabilidade'; ou seja, embora se aceite o princípio geral da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, propugna-se a idéia de que em casos extremamente graves, em que estivessem em risco valores essenciais, também constitucionalmente garantidos, os tribunais poderiam admitir e valorar a prova ilícita À primeira vista, a Constituição brasileira parece impedir essa solução, quando não abre nenhuma exceção expressa ao princípio da proporcionalidade. (...). A Constituição preocupa-se com o momento da admissibilidade, pretendendo claramente impedir os momentos sucessivos, de introdução e valoração da prova ilícita Mas, suponhamos que a prova, embora considerada inadmissível pela Constituição, venha a ser admitida no processo. E que a prova ingresse no processo, vulnerando a regra constitucional. De duas, uma: ou partimos para a idéia de que nesse caso a atipicidade constitucional acarreta, como conseqüência, a nulidade absoluta e, portanto, no plano processual, a prova admitida 513 contra constitutionem será nula e nula será a sentença que nela se fundar; ou então, numa interpretação mais consentânea com a norma constitucional, firmamos o entendimento de que a Lei Maior, ao considerar a prova inadmissível, não a considera prova, tem-na como `não prova', como prova inexistente juridicamente. Nesse caso, ela será simplesmente desconsiderada. O Código de Processo Penal Italiano de 88 fala, nesses casos, de proibição de utilizar a prova. Nosso ordenamento não prevê expressamente a conseqüência do ingresso, no processo, da prova ilícita, mas sua ineficácia como prova surge do sistema.» O fato irrecusável, Sr. Presidente, é que prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. A Exdtudonary Rute — considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pela Polícia e pelo Ministério Público — destina-se, na abrangência de seu conteúdo, a proteger, pelo banimento processual de evidências ilicitamente coligidas, os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey, 385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v.g.). Essa questão — até em função das razões subjacentes ao tema da inadmissibilidade, em nosso sistema constitucional, das provas ilícitas — assume, a meu ver, inegável relevo jurídico. 514 R.T.J. — 155 Assentadas essas premissas em tomo do tema suscitado na presente impetração — que acentua a ineficácia probatória dos elementos de convicção produzidos, em função de ilícito comportamento, pelos órgãos da persecução penal — impõe-se registrar que a Carta Federal, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, atenuou o primitivo rigor desse tutela estatal. O art. 52, XII, da Lei Fundamental da República, permite, agora, a interceptação das conversações telefônicas. Essa providência excepcional sujeita-se, no entanto, para efeito de sua válida efetivação, a determinados requisitos que, fixados pelo próprio ordenamento constitucional, condicionam a eficácia jurídica desse meio de prova. A derrogação desse princípio tutelar do sigilo telefônico somente legitimar-se-á, desde que a interceptação, sempre precedida de ordem judicial, venha a realizar-se no campo exclusivo da persecução penal e nas hipóteses a serem ainda definidas em numerus clausus pelo legislador, a quem incumbe prescrever, de outro lado, o modo e a forma de sua execução. O preceito constitucional em causa não se reveste, quanto à interceptação das conversações telefônicas, de densidade normativa suficiente. Ele impõe e reclama, para que possa válida e eficazmente atuar, a instauração de um processo de integração normativa de que derive a lei exigida pela Carta da República. Nessa matéria, a só existência de ordem judicial — que não se ajuste às hipóteses ou não observe as formas estipuladas pela lei — não constitui elemento bastante para autorizar a escuta telefônica para fins de persecução penal. O preceito inscrito no art. 5 2, XII, da Lei Fundamental qualifica-se, no que se refere à escuta telefônica, como estrutura jurídica dotada de insuficiente densidade normativa, a tornar imprescindível, para que possa operar, a necessária mediação legislativa concretizadora do comando nele positivado. Na realidade, a norma constitucional em questão — por reclamar a interpositio legislatoris — não opera, em plenitude no plano jurídico, e no que concer- ne à possibilidade das interceptações telefônicas, todas as suas conseqüências e virtualidades eficaciais. A prova oriunda de interceptações telefônicas clandestinas, realizadas com inobservância das prescrições constitucionais, revela-se prova materialmente ilícita. Nem pode fundamentar postulações acusatórias nem conferir substrato a juízos condenatórios . O ato de interceptar clandestinamente comunicações telefônicas, além de criminoso, ofende diretamente a cláusula do devido processo legal. Ninguém pode ser acusado, julgado ou, o que é mais grave, condenado com base em provas ilícitas. Ressalte-se que a exigência do due process of law, destinando-se a garantir a pessoa contra a ação arbitrária do Estado, coloca-a, por isso mesmo, sob a imediata proteção das leis. A ilicitude desse meio de prova, consistente na ilegítima interceptação de comunicação telefônica, foi proclamada pelo STF, que, sob a égide do regime jurídico anterior, desautorizou-a, por incompatível com a tutela constitucional da intimidade (v. RTJ 110/798). A prova ilícita, Sr. Presidente, não se revela idônea, ainda que — a partir dos elementos de informação que eventualmente ministre aos órgãos da persecução penal — possa produzir dados novos que atestem a materialidade ou a autoria do fato delituoso. A ilicitude original da prova transmitese, por repercussão, a outros dados probatórios que nela se apóiem, dela derivem ou nela encontrem o seu fundamento causal. R.T.J. —155 Incensurável a análise que, deste tema, fez o em. Relator, quando salientou, verbis: Estou convencido de que essa doutrina da invalidada probatória dó fruit of the poiSonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das con• versas telefônicas, mas admitir que as finfa mações relacolhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e, não, reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas. Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta telefônica indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a apreensão da droga, elementos também decisivos, de sua vez, na construção lógica da imputação formulada na denúncia, assim como na fundamentação nas decisões condenatórias. Dada essa patente relação genética entre os resultados da interceptação telefônica e as provas subseqüentemente colhidas, não é possível apegar-se a essas últimas — frutos da operação ilícita inicial — sem, de fato, emprestar relevância probatória à escuta vedada.» A absoluta ineficácia probatória dos elementos de convicção — cuja apuração decorreu, em sua própria origem, de comportamento ilícito dos agentes estatais — torna imprestável a prova penal em questão, subtraindo, assim, à própria condena- 515 ção judicial o suporte que lhe dá consistência. Escuta telefônica, ainda que autorizada pelo juiz, constitui, ante a ausência da lei reclamada pelo art. 50, XII, da Carta Política, prova materialmente ilícita. A Lei Fundamental da República impõe, para efeito de atuação da norma que excepcionalmente autoriza a interceptação das conversações telefônicas, a edição — necessária e inelimintivd — de ato legislativo que, para fms de investigação criminal ou de instrução processual penal, indique as hipóteses e defina a forma com que se executará essa grave providência. Sem a lei, revela-se írrita a decisão judicial cuja desvalia decorre de seu frontal desrespeito a um postulado essencial da Constituição, motivo pelo qual ainda subsistem, a meu juízo, as razões proclamadas por esta Suprema Corte no sentido de que «Os meios de prova ilícitos» —como aqueles decorrentes de interceptações ou gravações clandestinas de conversações telefônicas — «não podem servir de sustentação ao inquérito policial ou à ação penal» (RTJ 122/47, rd. Min. Caio Borja). Desse modo, Sr. Presidente, e com estas considerações, peço vénia para, acompanhando o magnífico voto do em. Relator, deferir o pedido de Habeas Corpos. É o meu voto. VOTO (CONFIRMAÇÃO DE VOTO) O Sr. Ministro Paulo Brossard: Senhor Presidente, também mantenho meu voto, que foi no sentido de denegar a ordem. Entendo que, no caso, houve a solicitação da autorização judiciária e o juiz, mais de uma vez, autorizou a escuta, de modo que não vejo a alegada ilicitude, penso mesmo que o procedimento policial foi rigorosamente correto. 516 R.T.J.-155 Quando do julgamento do habeas corpus, examinei a espécie de maneira até minuciosa, razão por que agora me limito a confirmá-lo em todo os seus termos. Indeferi então o habeas corpus e mantenho o voto. EXTRATO DA ATA HC 69.912 — RS — Rel: Min. Septilveda Pertence. Pacte.: Lourival Mucilo Trajano. Impte.: Aluisio Martins. Coator.: Tribunal Regional Federal da 42 Região. Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal deferiu o pedido de «habeas corpus», para anular o processo a partir da prisão em flagrante, inclusive. Vencidos os Ministros Carlos Venoso, Paulo Brossard, Sydney Sanches e Presidente (Min. Octavio Gallot- ti), que o indeferiam. Impedido o Ministro Néri da Silveira Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Venoso, Marco Aurélio e limar Gaivão. Compareceram os Senhores Ministros José Dantas, Torreão Braz e William Patterson, do Superior Tribunal de Justiça, para participarem do julgamento do Mandado de Segurança n2 21.689-DE Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Moreira Alves e Francisco Rezei Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 16 de dezembro de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. HABEAS CORPUS N2 70.422 — (Primeira Turma) Relator. O Sr. Ministro Sydney Sanches Paciente: Josimar Soares de Lima — Impetrante: João Familiar Filho — Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Direito Penal e Processual Penal. Habeas Corra. Crime de uso de documento falso. Art. 304 do Código Penal. Crime impossível. Pratica o crime do art. 304 do Código Penal aquele que, instado, por agente de autoridade policial, a se identificar, exibe cédula de identidade que sabe falsificada. Não se caracteriza hipótese de crime impossível, se o policial conhece o verdadeiro nome do identificando e com isso torna mais fácil a pronta constatação da falsidade na identificação. «HG. indeferido. R.T.J.-155 517 ACÓRDÃO VOTO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de «habeas corpus». O Sr. Ministro Sydney Sambles (Relator): 1. É este o inteiro teor do v. acórdão impugnado (fls. 12/15): Brasília, 3 de maio de 1994 — Moreira Alves, Presidente —Sydney Sanches, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sydney Sanches (Relator): 1. O ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Edson Oliveira de Almeida, no parecer de fls. 29/31, assim resumiu a hipótese: «1. João Familiar Filho, Defensor Público no Rio de Janeiro, impetra ordem de habeas corpus em favor de Josimar Soares de Lima, condenado em segundo grau de jurisdição às penas de 3 anos e 6 meses de reclusão e 25 diasmulta, por infração ao art. 304 c.c. o art. 297, todos do Código Penal. 2. Pugna pela desconstituição do decreto condenatório, com o trancamento da ação penal, argumentando que o fato é atípico.» 2. Em seguida, opinou pelo indeferimento do pedido, ficando sua manifestação sintetizada na ementa de fl. 29, in verbis: «Uso de documento falso. Crime que se consuma com a exibição do documento falso, sendo irrelevante que essa exibição decorra de solicitação da autoridade policial, durante uma «batida». Parecer pelo indeferimento da ordem.» É o relatório. «Poder Judiciário Tribunal de Justiça Primeira Câmara Criminal Apelação Criminal n2 773/91 — Capital Apelante: O Ministério Público Apelado: Josimar Soares Lima Relator: Juiz Paulo Gomes Uso de documento falso. Delito que independe de resultado. Falsificação eficaz. Inatendível alegação de crime impossível. Configura-se o uso de documento falso na conduta de quem exibe a policial, cédula de identidade com adulteração de boa qualidade, sendo inatendível a alegação de haver crime impossível, pois trata-se de delito que independe de resultado, ocorrendo a consumação com o primeiro ato de uso. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Criminal a9 773/91, da Capital em que é apelante o Ministério Público, sendo apelado Josimar Soares Lima. Acordam, por unanimidade de votos, os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em dar provimento ao recurso para julgar procedente a denúncia e condenar o réu, como incurso no art. 304 c/c 297, do Código Penal, a três anos e seis meses de reclusão e vinte e cinco dias-multa no valor unitário mínimo, determinando o regime fechado para o início da execução e a expedição do mandado de prisão, nos termos do voto do Relator. 518 R.T.J. — 155 Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1991. as.) Des. Décio MdreRes Gées — Presidente as.) Juiz Paulo Gomes da Silva Filho — Relator Voto do Relator Não há dúvida sobre a contrafação de documento. O laudo de fl. 29 demonstra que, sobre um «espelho» de boa qualidade, o recorrido colou seu retrato e assim passou a atribuir-se o nome de Sérgio Ricardo de Oliveira. Já estava ele então condenado por tráfico de entorpecentes (fl. 37), mas em janeiro de 1990 fugiu do Instituto Penal Edgar Costa, indo homiziar-se na «Favela do Aço». No curso de diligência policial de cunho preventivo, o recorrido, instado a identificar-se prontamente exibiu o documento falso, expediente que não surtiu o esperado efeito de livrá-lo da investigação porque um dos policiais sabia o seu verdadeiro nome. Com a figura típica em exame tutelase a fé pública, e trata-se de crime instantâneo, consumando-se no momento da utilização do documento falso, ainda que o agente não obtenha a vantagem colimada, ou o fim de fazer-se passar por outrem, ou não haja prejuízo para alguém. Improcede, assim, um dos fundamentos da absolvição, o de que o delito só existirá quando se configure resultado lesivo, como se fora caso de crime material. Basta que a falsificação seja capaz de enganar, o que, no caso, não se discute, diante da afirmação pericial da boa qualidade da adulteração. Não é necessário que haja efetivamente engano. Outro fundamento do decisório é o de que a conduta do acusado não foi voluntária, pois solicitado a identificar- se. Há, realmente, decisões que assim concluem, mas penso, com a máxima vênia, não ser este o entendimento mais acertado, ou o que melhor atenda à objetividade jurídica da incriminação. Admito que não haverá o crinre quando o documento falso não seja exibido pelo portador, mas encontrado com ele, hipótese em que, efetivamente, não há falar em uso. Mas quando, ao contrário, o documento é apresentado, ainda que por solicitação de alguém, o possuidor não o sonega, não diz que não o tem ou que não o traz consigo, e imediatamente o exibe, confiando na eficácia da falsificação, aparece, nítida, a configuração do delito. Nem se haveria de considerar-se este quando o motorista, solicitado a apresentar a carta de habilitação, exibisse uma falsificada; ou quando falso advogado, instado a comprovar sua condição, apresentasse carteira adulterada, ou quando o finmse candidato em concurso público por determinação de examinador no sentido de identificar-se. É, finalmente, de manifesta improcedência o argumento de que seria impossível o crime porque, casualmente, um dos policiais sabia ser outro o prenome do réu. Não há falar em crime impossível quando a infração independe de resultado. A própria lei refere-se a impossibilidade da consumação (art. 17 do Código Penal). No caso, o delito já está consumado com o primeiro ato de uso. A simples tentativa de usar já é uso, consumado o crime (cf. Damásio E. de Jesus, «Código Penal Anotado», pág. 751, ed. 1991). Em face do exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente a imputação e condenar o réu, Josimar Soares Lima, como incurso no art. 304 do Código Penal, com a sanção correspondente ao art. 297 da mesma lei. Consi- R.T.J. — 155 derando que o réu já foi condenado por tráfico de entorpecentes, e fugiu do presídio onde cumpria pena, bem assim que jamais demonstrou o exercício de qualquer atividade lícita, fixo a pena-base em três anos de reclusão, elevando-a para três anos e seis meses em razão da comprovada reincidência (fls. 43v2). Pelos mesmos motivos a pena pecuniária inicialmente estabelecida em vinte diasmulta, ficará concretizada em vinte e cinco dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato, atualizado quando da execução. E as mesmas razões que ditaram a dosimetria da pena determinam a imposição do regime fechado para o início da execução. Fica o réu igualmente condenado ao pagamento de custas, seu nome será inscrito no rol dos culpados e expedir-se-á mandado de prisão. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1991. as.) Juiz Paulo Gomes da Silva Filho Relator.» 2. Ao opinar pelo indeferimento do habeas corpos, disse o Ministério Público federal à fl. 29, item 3, a fl. 21, hem 8: «3. Sem razão o impetrante. Narra denúncia, acolhida pelo r. acórdão do Tribunal de Justiça, que o paciente, durante uma «Operação de Vasculhamento», ao ser abordado por policiais, exibiu identidade falsa, lendose textualmente: «... foi solicitado, pelos policiais, que se identificasse». Não se nega que a questão é controvertida nos tribunais. Contudo, penso que o v. acórdão adotou a tese mais adequada à realidade, pois o crime se consuma com o efetivo 519 uso do documento falso, independentemente da obtenção de proveito ou da produção de dano. Com efeito, para a configuração do delito de uso de documento falso, «é indiferente que o documento falso saia da esfera do agente por iniciativa dele próprio ou por solicitação da autoridade, porque o crime se tipifica se o documento falso for empregado em sua específica destinação probatória, como evidência dos fatos juridicamente relevantes a que seu conteúdo se refere, fazendo-o passar por autêntico ou verdadeiro». É o que decidiu o coleado Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n28.196SP, RSTJ (24):461, ago. 1991). Assim, tendo o agente utilizado o documento falso para o fim a que ele realmente se destinaria se autêntico fosse, qual seja, a identificação civil, praticou o crime do artigo 304 do Código penal. 6. Portanto, merece ser prestigiado o v. acórdão impugnado, da lavra do ilustre Juiz Paulo Gomes da Silva Filho: «Admito que não haverá o crime quando o documento falso não seja exibido pelo portador, mas encontrado com ele, hipótese em que, efetivamente, não há falar em uso. Mas quando, ao contrário, o documento é apresentado, ainda que por solicitação de alguém, o possuidor não o sonega, não diz que não o tem ou que não o traz consigo, e imediatamente o exibe, confiando na eficácia da falsificação, aparece, nítida, a configuração do delito. Nem haveria de considerar-se inexistente este quando o motorista, solicitado a apresentar a carta de habilitação, exibisse uma falsificada; ou quando falso advogado, instado a comprovar sua condição, apresentasse carteira adulterada, ou quando o fizesse candidato em 520 R.T.J. — 155 concurso público por determinação de examinador no sentido de identificar-se.» Por outro lado, é improcedente a tese do «crime impossível», como demonstrado pelo r. acórdão; «É, finalmente, de manifesta improcedência o argumento de que seria impossível o crime porque, casualmente, um dos policiais sabia ser outro o prenome do réu. Não há falar em crime impossível quando a infração independe de resultado. A própria lei refere-se à impossibilidade da consumação (art. 17 do Código Penal). No caso, o delito já está consumado com o primeiro ato de uso. A simples tentativa de usar já é uso, consumando crime (cf. Damásio E. de Jesus, 'Código Penal Anotado', pág. 751, ed. 1991).» Ante todo o exposto, é o parecer pelo indeferimento da ordem.» Adoto a fundamentação do acórdão e do parecer do Ministério Público Federal, para indeferir o pedido. E lembro, mutads mutandis, precedente desta Turma, de que fui relator, no mesmo sentido (HC n2 70.512-0-SP, DJU de 24-9-1993): Habeas corpus. Crime de uso de documento falso (carta de habilitação para dirigir veículo motorizado) (artigo 304 do Código Penal). 1. Se o motorista, abordado por agente da autoridade, exibe carta de habilita- ção para dirigir veículo motorizado, que sabe falsificada, incide na prática de crime de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal). 2. Não se caracterizando constrangimento ilegal, na sentença condenatória e nos acórdãos que a mantiveram, diante dos fatos, que consideraram provados, e não se podendo, no âmbito estreito do habeas corpus, reinterpretar, aprofundamente, tais provas, é de se denegar a ordem impetrada. Habeas corpos indeferido.» 5. Valendo-me, ainda, dos fundamentos deduzidos nesse precedente, assim como dos já referidos (do acórdão e do parecer), indefiro o pedido de habeas corpus. EXTRATO DA ATA HC 70.422 — RJ — Rel.: MM Sydney Sanches. Pacte.: Josimar Soares de Lima. hnpte.: João Familiar Filho. Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de «habeas corpus». Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Geraldo Brindeiro. Brasília, 3 de maio de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. 'LUFAS CORPUS N9 70.590 — MG (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves Paciente e Impetrante: Astrogesio Nunes — Coam.: Juiz de Direito da Coma de Monte Carmelo R.T.J. — 155 521 Habeas corna. Tendo o writ caráter de substituto de recurso ordinário de habeas corpus denegado por Tribunal de Justiça, a competência para julgá-lo é do Superior Tribunal de Justiça. Habeas corra não conhecido, determinando-se a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do pedido de «habeas corpus» e determinar a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça. Brasília, 22 de fevereiro de 1994 — Moreira Alves, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): Em petição confusa, o impetrante-paciente alega que vem sofrendo constrangimento ilegal por se encontrar preso desde 9-6-93 sem justificação legal, pois teria sido beneficiado por indulto e não por liberdade condicional. Solicitadas informações, foram elas prestadas, ocasião em que se salientou que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais havia indeferido habeas torpes impetrado pelo mesmo ora paciente por acórdão onde se lê: «Trata-se de habeas corpus impetrado, de próprio punho, por Astrogésio Nunes, fielmente relatado pelo ilustrado Procurador de Justiça, Carlos Augusto Canedo Gonçalves Silva, in verbis: ‘Astrogésio Nunes impetra ordem de babem corpos, dizendo-se coarctado em sua liberdade, posto que encontra-se detido desde o dia 9-6-93, sendo que nenhuma acusa- ção existe contra sua pessoa, não se justificando, assim, sua prisão. À fl. 9, o MM. Juiz de Direito em plantão forense na Comarca de Monte Carmelo presta informações, juntando cópia da sentença que concedeu livramento condicional ao paciente (fls. 10/11), esclarecendo que, por força do descumprimento das condições impostas quando da concessão do livramento, suspendeu-o. Esclarece outrossim, que o paciente foi preso em 9-6-93, portando drogas' (fl. 29). Após relatar a espécie, pela denegação da ordem impetrada opinou o culto parecerista, in verbis: `Nota-se que as circunstâncias em que foi feita a prisão por porte de drogas apontam para a violação, por parte do paciente, das condições impostas nas letras c e f da sentença de fls. 1&11-TJ. O art. 87 do Código Penal faculta ao Juiz revogar o livramento, se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença Ficando claro que uma das condições impostas foi descumprida (e o depoimento do paciente prestado na Polícia mostra isso — fls. 17/19-TJ, Juiz, fundamentadamente, e com base no referido artigo 87, revogou a condicional, agindo, dessa maneira, em absoluta consonância com os parâmetros legais' (fls. 29/30). R.T.J. — 155 522 Denego a ordem impetrada. Faço-o, adotando por razões de decidir as do bem lançado parecer da douta Procuradoria de Justiça. Custas ni101.» (fls. 11/12) À fl. 23, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega: «Astrogésio Nunes, em causa própria, impetra habeas corpus ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o mesmo escopo deste HC 70.590-1/130. O HC perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi indeferido (fls. 9/14). Inequívoco o caráter de substitutivo de recurso, não interposto, deste HC. A competência é do STJ, para o qual peço seja os autos remetidos.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. A pretensão do ora paciente é a mesma que foi objeto de habeas corpus indeferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Trata-se, portanto, de writ que tem o caráter de substituto de recurso ordinário, razão pela qual, segundo a jurisprudência desta Corte, o competente para julgá-lo é o Superior Tribunal de Justiça 2. Em face do exposto, e acolhendo o parecer da Procuradoria-Geral da República, não conheço do presente habeas corpus, e determino a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça EXTRATO DA ATA HC 70.590 —MG —Rel.: Min. Moreira Alves. Pacte.: Astrogésio Nunes. Impte.: O mesmo. Coator: Juiz de Direito da Comarca de Monte Canelo. Decisão: A Turma não conheceu do pedido de «habeas corpus» e determinou a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Migtiel Franzino Pereira. Brasflia, 22 de fevereiro de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. HABEAS CORPUS N2 70.931 — RI (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Pacientes: Aniz Abrahão David e outros — Impetrantes: Fernando da Costa Tourinho Filho e outro — Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Pena: motivação de sua individualização, no máximo, para todos os condenados como integrantes da quadrilha: peculiaridades do caso, que, malgrado certas imperfeições técnicas da fundamentação e o resultado inusitado, não contém nulidade, na medida em que a motivação explicitada, no contexto da sentença, guarda coerência lógico-jurídica com a apenação severíssima imposta a todos os réus. R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de «habeas carpias». Bras/lia, 14 de dezembro de 1993 — Sydney Sanehes, Presidente — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO () Sr. Ministro Sepúlveda Pertence O parecer do iluitre Subprocurador-Geral da República, Edson de Almeida, assim relata o caso com precisão (fls. 211/213): «Cuida-se de ordem de babas corpus impetrada em favor de Aniz Abrahão David, Luiz Pacheco Dnimond e José Canino Estatura, condenados pelo Juízo da 14' Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro à pena de 6 anos de reclusão, em regime fechado, como incursos na prática delituosa inserta no artigo 288, parágrafo único, do Código Penal (fls. 26/150). A condenação foi confirmada, na parte relativa aos ora pacientes, pela eg. Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (fls. 154/166). Argumentam os impetrantes que a eiva ensejadora do constrangimento ilegal reside na nulidade da sentença, porquanto em sua pmlação, a MM' Juíza desconsiderou os critérios legais de individualiiação da pena. Pugnam pela anulação do dentam de primeiro grau, bem como do acórdão que o confirmou, para o fim de que se proceda à «renovação do julgamento com observância das formalidades le- 523 gais, cassando-se os mandados de prisão». As informações foram prestadas pelo ilustre Desembargador Hermano Duncan Ferreira Pinto, Presidente em exercício do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (fls. 173/174): «Os pacientes, todos notórios contraventores, nacionalmente conhecidos por suas vinculações com a loteria ilegal denominada popularmente «jogo do bicho» foram, afinal, condenados a 06 (seis) anos de reclusão em regime fechado, por infração ao disposto no artigo 288, parágrafo único do Código Penal, por sentença proferida pelo Juízo da 14' Vara Criminal da Comarca da Capital deste Estado, a qual, em relação aos mesmos, veio a ser confirmada pela Colenda Terceira Câmara Criminal desta Corte, que, à unanimidade, manteve integralmente a sanção imposta aos infratores (acórdão incluso). Interpostos embargos de declaração, foram eles rejeitados, ante o entendimento de que serviram os mesmos não a procurar suprir lacuna ou omissão do cresto, senão para manifestar inconformismo com o julgamento (acórdão anexo). Na presente impetração, intenta-se o reconhecimento de constrangimento ilegal imposto aos pacientes em decorrência de nulidade ocorrente na sentença e, ipso facto, no acórdão que a confirmou, em razão de inadequada aplicação da pena, o que sucedeu em afronta ao princípio da individualização. A extensão da inicial já revela o esforço em demonstrar o pretenso direito dos pacienta decorrente da tão-só circunstância de que coação ilegal alguma os aflige porquanto basta um exame perfunctório da parte dispositiva do deci- 524 R.T.J. — 155 som para perceber-se que sua digna prolatora esgotou minudentemente a observância aos preceitos insertos no artigo 59 do Foral dos Crimes, dosando, com rigorosa atenção ao que prescreve a lei, as penas impostas aos infratores. Considerá-las excessivas ou inadequadas, porém, é direito que assiste aos pacientes. A questão, todavia, integra o meritum causae e, destarte, não pode ser apreciada na estreita via mandamental, justamente o que pretendem os impetrantes». 2. A petição de babeas corpos transcreve, da sentença, as passagens relativas à individualização da pena de cada um dos três pacientes, de modo a evidenciar que, de um para outro, o que sucede é apenas o nome do condenado, a que invariavelmente se segue (fl. 6): «considerando que o mesmo registra antecedentes desabonadores em suas FACs/IFP/LNI e levando-se em conta a intensidade extrema do dolo com que se houve, sua personalidade distorcida, eis que até então confiante na impunidade de forma a desenvolver sua conduta reprovável com foros pretendidamente naturais, bem como sua conduta social duvidosa que, pelo exercício reiterado da prática contravencional, beirou o esforço de alcançar projeção a partir do cultivo de apologia àquela atividade ilícita, aduzindo-se quanto à repugnância dos motivos que orientaram a realização da figura típica — sede desmesurada de poder, formação de fortunas incalculáveis e derivadas de práticas contravencionais, caracterizando um império, atualmente de estatura nacional, na constituição de um verdadeiro poder político paralelo a serviço da impunidade, além dos conhecidos e violentos meios e circunstâncias utilizados para a consecução dos nefastos resultados ou conse- qüências daí advindos, fixo-lhe a penabase no máximo legal, qual seja, em três anos de reclusão, a qual duplico, por força do contido na forma qualificada e consagrada no parágrafo único do prefalado artigo, tomando-a em seis anos de reclusão, considerando-se caracterizada a circunstância agravante genérica da torpeza da motivação — art. 61, II, a, segunda figura, do Diploma Penal —, sendo certo que ao não ser possível majorá-la além do máximo cominado, ganha foros de definitividade à ausência de incidência à espécie de outras causas modificadoras». 3. A partir daí, a impetração se esforça em demonstrar: que não foi observado o critério trifásico no processo de fixação das penas; que não foram atendidos os parâmetros estabelecidos no art. 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime) para individualização da pena-base, aduzindo (fl. 10): «A pretexto de individualizar a pena, a Juíza não se deteve na consideração das diretrizes do artigo 59 do Código Penal para a fixação da pena-base em relação a cada condenado. Ao contrário, optou por uma argumentação panfletária e padronizada (igual para todos), originada de cópia de um único banco eletrônico de dados, onde apenas os nomes foram modificados» c) que a fixação de penas-base todas no máximo legal sem fundamentos para tanto está em desacordo com a jurisprudência antiga e recente do Supremo Tribunal a respeito do tema. São citados, dentre outros, os seguintes acórdãos: RHC n2 67.294, Rezek, RTJ 128/753; HC n2 68.465, Celso de Mello, 16-4-91, DJ 21-1-92; HC n2 R.T.J. — 155 64.764, Falcão, RTJ 122/80. Acrescentam os impetrantes (fls. 11/12): «Não se diga que para a fixação da pena-base no máximo legal colaboraram os «antecedentes desabonadores» dos pacientes. É que, em face do princípio constitucional da presunção de inocência, não se pode considerar «antecedentes desaboandores», para efeito do artigo 59 do CP, o envolvimento dos Pacientes em outros procedimentos persecutórios penais ainda não julgados (...) d) que, ainda sobre os antecedentes, procedeu de forma incorreta a Juíza sentenciente, utilizando-se de «folha de antecedentes da Polícia, por faltar-lhe o caráter de fé pública» quando «só a certidão cartorária, devidamente circunstanciada pode servir a esse mister». 4. Pedem, ao final, os ilustres impetrantes a concessão da ordem, «para anular a sentença e o acórdão que a confirmou, cassando-se os mandados de prisão expedidos contra os padentes e determiando a renovação do julgamento com observância das formalidades legais». 5. O parecer da Procuradoria-Geral contraria a argumentação dos impetrantes e conclui pelo indeferimento da ordem. 6. O em. Ministro Rezek, sorteado relator, suscitou a prevenção da minha competência, em razão de haver relatado pedidos de habeas corpos anteriores, relativos ao mesmo processo: em conseqüência, foi-me redistribuído o presente caso. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O parecer do Dr. Edson de Almeida, pelo Ministério Público, acentuou, em suas passagens mais relevantes: 525 «Não é demais observar que uma sentença, para ser válida, não necessita ser um modelo de técnica processual. (...) Preliminarmente, lembro que para a configuração do crime de quadrilha é suficiente a associação de mais de três pessoas com o objetivo de praticar crimes, não se fazendo qualquer exigência no atinente à execução dos crimes intentados, como se lê em Nelson Hungria. Ademais, tanto a sentença como o acórdão demonstram de forma clara a configuração da societas deliquendi, inclusive pelo traço de permanência da organização delituosa: «A sentença recorrida, com boa técnica, mostrou a configuração do crime de formação de quadrilha armada, prevista no art. 288, em seu parágrafo único do Código Penal, por parte dos réus, em número de quatorze integrantes, muito superior ao chamado quorum mínimo do delito, que é o de pelo menos quatro integrantes. Mostrou a decisão, com fortíssima travação provatória, que os réus se concertaram para eliminar indesejáveis ou intrusos, em relação ao fomento dos negócios escusos e ilícitos da contravenção do chamado «Jogo dos Bichos». No caso da morte da vítima Mariel Araújo Mariscotte de Mattos, foi assassinada em frente a uma fortaleza da dita contravenção, do contraventor e réu neste processo Raul Correa de Melo, o «Raul Capitão». Como dito anteriormente, a circunstância de não aparecer no referido processo a figura do mandante, não entra em choque com a concha- 526 RT.J. — 155 são de que o crime teve motivação ligada às citadas diretrizes da chamada cúpula do «Jogo dos bichos», de eliminação daqueles considerados indesejáveis, ou intrusos, em relação a tal contravenção. A eliminação de Euclides Penar, mais conhecido como 'China da Cabeça Branca', também seguiu a mesma política delituosa, observando-se que essa vítima prometia exteriorizar pela imprensa os meandros da contravenção. A sentença observa, com acuidade, que a lista de vítimas é longa e sempre excluídas do mundo com violência, com freqüente emprego de arma de fogo. Também a sentença mostra com precisão a vertente da corrupção de policiais civis e militares, fazendo menção a alguns nomes e datas. É de maior importância probatória a locação de imóveis no centro da cidade, por parte dos vários réus no presente processo, em que figuram no mesmo contrato, a demonstrar estreita ligação entre eles, que serve para reforçar a convicção do julgador, como observado na sentença. A freqüência de visitas dos chamados «banqueiros» réus no presente processo, à fortaleza do acusado vulgo «Raul Capitão», noticiada por testemunhas ouvidas na ação penal relativa ao homicídio do aludido Mariel, é também indicativa da existência da quadrilha noticiada na denúncia. Toda a prova está a corroborar a denúncia e a infundir no julgador convicção da existência do crime de formação de quadrilha armada e da culpabilidade dos indigitados co-autores». A MM1 Juíza, atenta às diretrizes contidas no art. 68 do Código Penal, fixou a pena-base no máximo legal, levando em conta, os indicadores do artigo 59 daquele diploma, fazendo-o fundamentadamente. Ainda moldando-se ao critério recomendado por Nelson Hungria, fez incidir na espécie a qualificadora do parágrafo único do artigo 288. Afastou o aumento da pena pela agravante do motivo torpe, ante a impossibilidade de ser ultrapassado o limite legal. A escolha do limite máximo, por si s6, não deve impressionar. Enquanto não se possa cogitar de afronta a princípio legal, a questão se encerra nos limites da discricionariedade judicial. Não se pode olvidar que o juiz da causa é quem está melhor habilitado para avaliar os fatos, as provas, as circunstâncias do crime e sua repercussão dentro da sociedade, sem falar na experiência do contato direto com os réus, e a partir disso, individualizar a pena. Assim, inviável, no âmbito do writ, proceder-se a uma substituição de juízos de valor «Habeas corpus: não comporta a redução da pena imposta, quando a exacerbação questionada não decorreu de ilegalidade ou abuso de poder de verificação objetiva, mas se fundou, bem ou mal, em juízo de valor confiados ao juiz do mérito» (HC n2 67.791-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Ensinam os doutrinadores que a Reforma Penal de 1984, ampliando os limites estabelecidos pelo artigo 42 da antiga Parte Geral, conferiu ao magistrado maior discricionariedade no que R.T.J. — 155 527 tange à fixação da pena, resgatando-o da condição de mero aplicador da norma positiva. Neste sentido, conferiu-se a ele um leque de alternativas para que, dentre elas, venha a escolher a que melhor atenda à redistribuição em razão do desvalor da prática delituosa intentada pelo autor, objetivando não somente a sua reinserção social, como também a defesa da sociedade. Busca-se com esta amplitude, habilitar o juiz a proceder a uma individualização mais justa e eficaz, levando em conta a reprovabilidade da conduta e a prevenção, repise-se, em nível de defesa social. No caso concreto, a repetição idêntica da parte dispositiva para cada réu não tem o condão de anular a sentença «Sentença. Fundamentação. Fixação da pena Se a sentença condenaráfia, ao acertar, à luz da prova a versão do fato delituoso, enuncia claramente circunstâncias de inequívoco relevo para a aplicação da pena, não é de exigir-se que a menção dessas circunstâncias seja explicitamente repetida no capítulo dedicado especificamente à dosimetria da sanção aplicada A repetição é recomendável para a maior clareza, mas não é requisito de validade da sentença se, a final, há perfeita coerência lógica entre a pena aplicada e aquelas circunstâncias que aliunde o contexto da sentençajárelevarw>(HC n267.589MS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 130(3):1098, dez. 89). É que a natureza plurissubjetiva do crime de quadrilha dispensa, em caso de uniforme autoria coletiva, o exame aprofundado do grau de participação de cada um dos réus. Tem aplicação analógica o princípio estabelecido pelo saudoso Ministro Antônio Nadar para a individualização da conduta dos co-autores na narrativa da denúncia: (...) Havendo a integração dos agentes para a consecução do fim comum, em plena harmonia e sintonização de vontades, nada mais lógico que daí decorra a imposição de igual apenação para todos eles. «Nossa jurisprudência tem admitido que a motivação da concretização da pena, quando não se contenha com suficiente precisão no capítulo mesmo a ela dedicado, pode encontrar-se no contexto da restante fundamentação de fato da condenação, quando nesta se dê conta de circunstâncias comprovadas a que simplesmente se alude no momento ulterior de justificar-se a dosagem da sanção aplicada» (HC 67.791-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 143(2):569, fev. 93). Há de ser refutada também a alegação de imprestabilidade de folha de antecedentes fornecida pela Polícia para caracterizar os maus antecedentes dos réus. Não há confundir prova da reincidência com exame de antecedentes. Conforme posição adotada pacificamente pela doutrina, o conceito de antecedentes, de que trata o artigo 59 do Código Penal, refere-se a todos os fatos da vida pregressa do agente, sejam eles bons ou maus (...). Por outro lado, se no próprio corpo da sentença estão enunciadas expressamente circunstâncias de incontestável significância para a aplicação da pena, inexige-se que a menção a essas circunstâncias seja repetida na parte dispositiva do decisum, especificamente destinada à dosimetria da pena. A nova referência, que pode até ser recomendável para maior inteligibilidade, não deve ser erigida à condição de requisito de validade da sentença: e 528 R.T.J. — 155 Ora, apesar de serem os réus tecnicamente primários, não se pode dizer que suas vidas tenham sido isentas de ocorrências ilícitas, mesmo porque é de sabença geral que são profissionais da contravenção, fato que, inclusive, não procuram ocultar. E servem ao exame da vida pregressa dos réus tanto a folha de antecedentes policiais como as certidões judiciais (Celso Delmanto, Código Penal Comentado, 3' ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1991, p. 89). A sentença, ao contrário do que quer o impetrante, analisa o grau de culpabilidade dos pacientes, que resulta da consciência e da vontade de desafiar a ordem constituída, criando uma ordem subterrânea e paralela, avaliando também a personalidade distorcida dos pacientes, sua conduta profundamente anti-social, a repugnância dos motivos, encontrando, enfim, fundamentos suficientes para a majoração da pena-base». De minha parte, não posso negar que a sentença condenatória, tópico da aplicação da pena, objeto desta impetração — é, pelo menos, sumamente inusitada. A identidade literal do discurso de fundamentação da concretização da penabase, no limite máximo da cominação legal, não se reduz aos três impetrantes: é comum a todos os quatorze réus do rumoroso processo. Não participo, entretanto, de todo o número, nem da orientação das críticas, que a essa motivação padronizada endereçaram os impetrantes. De logo, como recorda o parecer da Procuradoria-Geral, tenho insistido, em diversos casos, em que a motivação da concretização da pena, quando não se contenha com suficiente precisão no capítulo mesmo a ela dedicado, pode encontrar-se no contexto da restante fundamentação de fato da condenação, quando nesta se dê conta de circunstâncias comprovadas, às quais simplesmente se alude no momento posterior de justificar-se a dosagem da pena aplicada (v.g. HC ng 67.791, RTJ 143/569; HC 67.589, RTJ 130/1.098). Essa orientação antiformalista, no caso, mediante o cotejo entre a repetida fundamentação da pena máxima aplicada a todos os co-réus e os lanços correspondentes da longa motivação da sentença condenatória, permite identificar a base empírica necessária de diversos dos juízos de valor genericamente explicitados, na primeira, para lastrear a exacerbação da resposta penal. Assim, a extrema gravidade objetiva da associação criminosa, que se reputou provada, afasta, de logo, toda cogitação de pena mínima ou próxima do mínimo, que acaso se pretendesse extrair, no caso, da primariedade dos condenados: é evidente que não se poderia reger o tratamento penal do caso por parâmetros adequados à apenação de um quarteto de descuidistas iniciantes, associados para a comissão de pequenos furtos. 8. Também não se presta, a insistência na incrível primariedade geral dos réus, para refutar a assertiva dos seus antecedentes desabonadores: insistiu a juíza em que, afora os registros policiais a que apelou, os próprios acusados sempre assumiram notória e ostensivamente, inclusive nos veículos de comunicação de massa, a condição de grandes figuras da cúpula da contravenção do «jogo do bicho». Nesse contexto, a impunidade sistemática serve para dar testemunho, não de irrepreensível conduta social, mas antes da tolerância do aparelho repressivo, conquistada, muitas vezes, pela corrupção de agentes policiais de diferentes escalões, que constituía, segundo a sentença, uma das atividades finalísticas da quadrilha. R.T.J. — 155 529 De sua vez, do fato de ser, a formação dos pode haver injustiças, que, perdida a de quadrilha eu bando, um crime de perigo oportunidade da apelação — quando o Triabstrato, que se aperfeiçoa com a simples bunal se limitou a aliviar a pena de três dos convergência de vontades na associação condenados por força de circunstâncias obpara delinqüir, não se extrai, data venia, jetivas —, só a revisão poderá eventualpara fins de individualização da pena, como mente reparar. pretendem os requerentes, a impertinência Na via do habeas corpus, contudo, da alusão aos «nefastos resultados», nem o rigor e a generalidade da pena máxima, a empregados na à «violência dos meios» ação do grupo delituoso: na concretização todos prodigalizada, está suficientemente da pena-base, as circunstâncias e conse- motivada em fundamentos que, em termos qüências do crime a ponderar serão preci- jurídicos, guardam coerência lógica com a samente aquelas que não constituam ele- apenação severíssima. mentos essenciais do tipo, que esses, se Desse modo, indefiro a ordem: é o ausentes, elidiriam a própria condenação. meu voto. Por fim, no que diz com a alegada inobservância do método trifásico de apliEXTRATO DA ATA cação da pena, é certo que a sentença não prima pela clareza. Parece efetivamente desrespeitar o sistema ditado pelo art. 68 HC 70.931 — RJ — Rel.: Min. Sept11CP, quando, entre os dados anteriores à veda Pactes.: Aniz Abrahão Daenunciação da pena-base, inclui a menção vid e Pertence. outros. Imptes.: da Costa «à repugnância dos motivos que orienta- Tourinho Filho e outro.Fernando Coator. Tribunal de a realização da figura típica», quanram Justiça do Estado do Rio de Janeiro. do o motivo torpe é agravante genérica, que deveria ser considerada, para exarcebá-la, Decisão: A Turma indeferiu o pedido de após a fixação da pena-base, à luz dos cri- «habeas corpus», nos termos do voto do térios exclusivos do art. 59 do Código. Não Relator. Unânime. Falou pelo paciente o obstante, a alusão final — depois da explí- Dr. João Costa Ribeiro Filho e pelo Miniscita referência ao reconhecimento da carac- tério Público Federal o Subprocurador-Geterização da torpeza dos motivos, à impos- ral da República, Dr. Arthur de Castilho sibilidade de majoração da pena-base, que Neto. assim ganhou «foros de detinitividade», Presidência do Senhor Ministro Sydney explica que, na individualização, a Juíza Sanches. Presentes à Sessão os Senhores fez abstração daquela agravante. Ministros SepúlvedaPeatence, Celso de MelPor tudo isso — malgrado, no pon- lo e limar Gaivão. Ausente, justificadato, tenha ficado longe da melhor técnica — mente, o Senhor Ministro Moreira Alves. não creio que a aplicação da pena se possa Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur de Castilho Neto. tachar de nula. No tratamento uniformemente rigoroso que dispensou a todos os condena- Brasília, 14 de dezembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. 530 R.T.J. — 155 IIABEAS CORPUS N2 70.998 — RJ (Tribunal Pleno) Relator. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Paciente: Emil Pinheiro — Impetrantes: Alcino Guedes da Silva e outros — Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro I — Suspensão condicional da pena: a permissão do deferimento, segundo o art. 77, CP, ao condenado a pena de até quatro anos, se maior de 70 anos, não dispensa, para a sua concessão, que se verifique a concorrência dos demais pressupostos do sursis, enumerados no caput do dispositivo. II — Suspensão condicional da pena: compatibilidade do exame de ser o caso de concedê-lo, com a determinação de regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena: acaso concedido o sursis porque atendidos os seus pressupostos, a medida substitui a execução da pena, que suspende condicionalmente, seja qual for o regime estabelecido para a sua execução suspensa. lII — Pena: regime inicial de cumprimento: quando cabível, em tese, a concessão de regime menos severo, há de a sentença fundamentar a sua denegação e a imposição, em concreto, do mais rigoroso. r, ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em deferir, em parte, o pedido de «habeas corpus». Brasília, 17 de dezembro de 1993 — Octavio Gallotli, Presidente — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente é um dos condenados por quadrilha armada, no notório processo movido no Rio de Janeiro aos integrantes do que a denúncia denominou a «cúpula do jogo do bicho». Sua pena, fixada na sentença, como a dos treze outros acusados, no máximo legal de seis anos de reclusão, veio a ser reduzida, em apelação, juntamente com a de outro co-réu e em razão de terem ambos mais de setenta anos, a três anos e quatro meses, em regime semi-aberto. Em embargos de declaração, à vista também de sua idade, pleiteou o paciente a concessão do sursis, com base no art. 77, 22, C. Penal: indeferiu-o, contudo, o Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que «é apodítico que o regime prisional semiaberto é inteiramente incompatível com o instituto do sursis e não tinha mesmo o acórdão que abordar tal questão». 4. Os mesmos embargos declaratórios pleitearam ainda, caso denegado o sursis, o deferimento do regime aberto: da matéria, contudo, não cogitou o acórdão que os rejeitou. R.T.J. — 155 Donde, esta impetração de habeas corpus, que postula a concessão do sursis, aduzindo (fl. 6): «Deflui da leitura do 22, que os requisitos para o gozo do beneficio do sursis etário são dois: 12 Ser o condenado maior de setenta anos; 22 A pena imposta não ultrapassar a quatro anos. Trata-se de requisitos objetivos, uma vez que o legislador de 1984 destacou a situação do condenado maior de setenta anos, da categoria do chamado sursis simples, onde, além dos requisitos objetivos previstos no caput do art. 77, há os subjetivos, tratados no seu inciso II. É que o legislador, como é uma constante do Código Penal, tratou de forma desigual quem, pela idade, desigual é. O septuagenário é um ser fragilizado pela própria natureza e como tal, mereceu abordagem distinta. De um lado o legislador o beneficiou ao afastar do Juízo o poder de apreciações subjetivas que pudesse fazer sobre a culpabilidade, os antecedentes e a personalidade do réu e mesmo a ocorrência de reincidência, incisos I e II do art. 77, porém, de outro, ampliou o período de prova, que no sursis simples é de dois anos e quatro anos no etário, parte de um mínimo de quatro e atinge um máximo de seis anos.» De qualquer sorte, argumenta-se, o paciente satisfaz também às condições subjetivas da suspensão condicional da pena (fl. 9): «...ao longo de seus mais de 70 anos de existência, o Paciente distinguiu-se no campo de operações da Itália, no Segundo Conflito Mundial, como combatente, recebendo por isto a honrosa 531 medalha de campanha da FEB como herói de guerra, ao expor sua vida na luta contra o nazismo e o fascismo em defesa dessa mesma sociedade que hoje o acusa e o condena e lhe nega o mínimo, a liberdade provisória (Docs. n°s 8, 9 e 10). Presidiu o Botafogo de Futebol e Regatas e impulsionou a agremiação à vitória no campeonato de 1992 (doe. n° 10a). Ademais nunca deixou de atender ao chamamento judicial, na fase do processo-crime a que responde (doe. n° 11). No curso do processo, judicialmente autorizado, saiu e voltou ao País (doe. n° 12). Cumprindo pena, recebeu no interior de sua cela, comissão de ilustres personalidades, chefiada pelo General R1 do Exército Brasileiro, Paulo de Carvalho que lhe entregou Diploma de bravo combatente como se pode ver das fotografias e cópias anexas e que constituem o doc. 13. Um septuagenário, doente em extremo, portador de enfizema pulmonar e outras graves doenças como hipertensão arterial sistêmica e cardiopatia hipertensiva, não pode, por presunção, ser tido como perigoso, nem, por prognóstico, ser afirmado que solto, delinqüirá (doe. n° 14). Se não ficar indubitavelmente comprovada uma alta probabilidade de reincidência, não há razão para se negar ao Paciente, benefícios legalmente previstos». 7. Por outro lado, no ponto, o acórdão que denegou o sursis, porque com ele incompatível o regime semi-aberto, argumentam os ilustres impetrantes, <mão só não contém fundamentação legal alguma, como é também incongruente uma vez 532 R.T.J. — 155 que o sumis etário é instituto indepenÉ o relatório. dente, não se relacionando com quaisVOTO quer das espécies de regime prisional». Finalmente, sustenta a impetração, o O Sr. Ministro Semilveda Pertence regime aberto foi negado sem motivação (Relator): Senhor Presidente, profiro voto alguma, quando, alega-se, o paciente preen- improvisado à vista da urgência che os requisitos do art. 33, § c, sendoO parecer do Ministério Público Felhe favoráveis as circunstâncias do art. 59 deral assinala (fl. 111): do C. Penal. «O colendo Supremo Tribunal FedeOs autos me vieram redistribuídos ral, em diversos julgados já proferidos, por prevenção, dada a relatoria de impetraentendeu que o julgador deverá sempre ções em favor de co-réus do paciente. se pronunciar sobre a suspensão condiIndeferi a liminar (fl. 106): cional, quando há previsão legal, concedendo-a ou não.» «À primeira vista, o próprio deferimento do habeas corpos dificilmente Transcreve o parecer, nesse sentido, induziria à imediata concessão do sursis a ementa do Habeas Corpos 62.278, da ou do regime aberto, mas somente à lavra do em. Ministro Néri da Silveira, e ordem para que o Tribunal de origem prossegue (fl. 111): reexaminasse, motivadamente, a postu«Julgando a apelação interposta por lação de um e outro dos benefícios: ora, todos os condenados, o Colendo Tribué elementar que a medida cautelar não nal de Justiça do Rio de Janeiro reduziu pode antecipar mais do que o eventual a pena do paciente para três anos e quaprovimento definitivo favorável ao retro meses, a ser cumprido em regime querente. semi-aberto. Os cuidados devidos ao estado de Diz o art. 33, § 22, letra c, do Código saúde do paciente não são incumbência Penal que o condenado não reincidente, nem responsabilidade do STF, mas do cuja pena seja igual ou inferior a quatro juízo à disposição do qual está preso. anos poderá, desde o início, cumpri-la À vista da instrução do pedido, disem regime aberto. penso informações e abro vista à ProcuO paciente é primário, foi condenado radoria-Geral.» a três anos e quatro meses de reclusão e tinha, em tese, o direito de iniciar o Opinou a Procuradoria-Geral com cumprimento da pena em regime aberto. parecer do il. Subprocurador-Geral MarCompetia ao Tribunal, na forma do que dem Costa Pinto pelo indeferimento da ordispõe o § 32 do citado art. 33 do Código dem, mas também pela concessão de habeas corpos de ofício para anular os acórPenal, apresentar as razões que o levaram a fixar o regime inicial semi-aberto, dãos impugnados, por vício de fundamentação. sob pena de nulidade, como aliás já decidiu a egrégia Primeira Turma do Su12. Ontem, conclusos os autos com o premo Tribunal Federal: parecer, os impetrantes juntaram prova do delicado estado de saúde do paciente e in«Ementa: Habeas corpos. Possisistiram na liminar: viável a decisão do bilidade de fixação de regime inihabeas corpos, deixei de decidir o pedido. cial semi-aberto — Determinação e R.T.J. — 155 de regime mais severo, sem qualquer fundamentação — Inobservância do art. 33, 32, do Código Penal — Constrangimento injusto caracterizado — Pedido deferido. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena deve ser feito, fundamentadamente, com estrita observância dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal. Não basta para esse efeito, a genérica referência às circunstâncias judiciais indicadas na norma legal mencionada. Quando possível, em tese, o início do processo de execução penal em regime semi-aberto, impõe -se ao juiz sentenciante a concreta indicação de elementos cuja efetiva ocorrência torna recomendável, ante as razões constantes do ato decisório, a adoção do regime fechado» HC n4 69.118-8/SP — Rel. Min. Celso de Mello — DJ 10-4-92 — pág. 4799. Na hipótese, o v. acórdão fixou o regime semi-aberto sem qualquer justificativa, padecendo assim de grave irregularidade, omissão que se repetiu no acórdão relativo aos Embargos de Declaração. Eivada também de nulidade a decisão, porque não contém fundamentação suficiente quanto ao pedido de surtis, indeferido sem a adequada motivação. Neste sentido, o julgado do Supremo Tribunal Federal: Ementa: Processo penal — Sentença sem fundamentação. Nula é a sentença proferida com a preterição dos requisitos do artigo 381 do Código de Processo Penal, que corresponde ao dever essencial da fundamentação das decisões jurídicas». Ap. Crim. n2 5.419 — Rel. 533 Min. Carlos Madeira — DJ 19-5-83 — pág. 6904. Os acórdãos profligados são, a toda evidência, «nulos», cabendo ao Excelso Pretório declarar a eiva, sem conceder a ordem para que o paciente cumpra a pena em «liberdade provisória», como requerido na página 16, pois cabe ao Tribunal a quo pronunciar, em primeiro lugar, e validamente, sobre a concessão ou não dos benefícios em evidência É que, anulada uma decisão por um Tribunal Superior, a instância a quo deverá proferir outro julgamento, a fim de que não seja suprimido um grau de jurisdição. Eis porque opinamos pelo conhecimento e denegação do writ na forma em que foi requerido, concedendo-se Mimas corpus ex oficio para anular os acórdãos fustigados e determinar ao Colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que profira outro julgamento, pronunciando-se motivadamente sobre a possibilidade ou não da fixação do regime aberto e sobre a concessão ou não do chamado sursis etário». Sr. Presidente, efetivamente também eu não me convenci da tese central da impetração, embora desenvolvida com muita inteligência O art. 77, § r, do C.Pen., efetivamente permite, se o condenado for maior de setenta anos e a pena não ultrapassar quatro, que se lhe possa conceder a suspensão condicional da pena. Não me convenci, entretanto, de que essa permissão, não obstante a gravidade da pena, da concessão do sumis, dispende o exame dos pressupostos específicos da medida, previstos nos incisos do art. 77 do Código. Isso posto, não tenho como, no âmbito de cognição do habeas corpus, dar por 534 R.T.J. — 155 satisfeitos ditos requisitos, que, brevitatis causa, se tem denominado subjetivos. É que, se é certo que o paciente não é reincidente, a avaliação dos critérios do art. 59 do Código Penal, nas instâncias ordinárias, não lhe foi favorável, tanto que se partiu da pena máxima, só atenuada em razão da sua idade. Por outro lado, no que toca à denegação do sursis, fundamentação existe, com a frase que transcrevi no relatório, segundo a qual seria apodítica a incompatibilidade do regime semi-aberto com o sursis. A fundamentação está aí. O que sucede, de fato, é que, data venha, a fundamentação é patentemente equivocada. Concedido o sursis, porque atendidos os seus pressupostos, a medida substitui a execução da pena, que suspende condicionalmente. Logo, seja qual for o regime em que devesse a pena ser cumprida, não há falar que a sua suspensão é incompatível com o regime estabelecido para a execução suspensa. No que toca ao regime de cumprimento de pena, têm razão os impetrantes; as decisões simplesmente se omitiram de considerar a hipótese concessão de regime aberto que, no caso, a pena aplicada tornaria, em tese, admissível. 12. No ponto, é de inteira pertinência a invocação, no parecer da Procuradoria-Geral, do Habeas Corpos n2 69.118, da lavra do eminente Ministro Celso de Mello. 13 O caso é, pois, não de conceder o habeas corpus para deferir o sursis, mas apenas para que o Tribunal de origem, motivadamente, decida sobre o pleito de cumprimento da pena em regime semi-aberto. 14. Não se trata, porém — data venia, do ilustre Subprocurador-Geral da República — de concessão de oficio, mas de deferimento parcial, até porque entre os fundamentos do pedido está explicitamente o de ausência de motivação, que leva não à concessão total, mas à devolução do caso ao Tribunal coator. Nem fiquei insensível às ponderações dos impetrantes sobre o grave estado de saúde do paciente. No entanto, conforta-me saber, pela prova por eles trazida, um laudo do Hospital-Central do Exército — que o paciente apresenta-se assistido, do ponto de vista técnico-médico especializado, em regime de prisão hospitalar, na 132 enfermaria de presos, considerando-se a gravidade do seu estado clínico. De resto, suponho ainda ser verdade que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não entra em recesso hoje, mas no dia 31 de dezembro, até quando pode haver tempo hábil para a complementação do julgamento da apelação, que não é complexo. E, ademais, existe uma Câmara de férias. 17. Nestes termos, concedo parcialmente a ordem, nos termos do voto que acabo de proferir, para o fim de que, motivadamente, o Tribunal, nos autos da Apelação n2 623/93: afastada a razão declarada no acórdão que julgou os embargos de declaração para indeferi-la, decida sobre ser, ou não, o caso de conceder a suspensão condicional da pena (Código Penal, art. 77 e § 2v); acaso denegado o sursis, decida sobre ser, ou não, o caso de deferir o regime aberto para o cumprimento da pena (Código Penal, art. 33, § letra c). É o meu voto. r, VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, temos, no artigo 77, duas espécies de suspensão condicional da pena; a primeira, alusiva aos condenados em geral, impondo-se, como requisitos objetivos, que a pena não seja superior a dois anos e que o condenado não seja reincidente em R.T.J. — 155 crime doloso, e, também, os requisitos que possuem contornos subjetivos, atinentes à culpabilidade, aos antecendentes, à conduta social, à personalidade do agente, bem como aos motivos e circunstâncias que autorizem a concessão do benefício. Em parágrafo lançado a seguir, cuida-se do segundo tipo de suspensão condicional da pena, que é o etário. O preceito revela que a execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, critério objetivo, poderá ser suspensa por quatro a seis anos, com aumento, portanto, do período relativo à suspensão, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade. Senhor Presidente, no dispositivo atendeu-se a uma singularidade: o fato de estar envolvido um condenado maior de setenta anos. Não creio que houvesse necessidade do desdobramento levado a efeito. Diante da regra do artigo 77, seria muito fácil cogitar-se de um inciso ou mesmo de um parágrafo elastecendo o critério objetivo concernente à pena em face de o condenado possuir idade superior a setenta anos. No caso, houve, a meu ver, uma opção legislativa que se mostrou lastreada, que potencializou o fato de o condenado possuir mais de setenta anos e, aí, sem incidir em incoerência, creio que, ante essa circunstância, do fator idade, ficaram em plano secundário os aspectos subjetivos de que trata o inciso II do artigo 77. Preferiuse, na espécie, o reconhecimento da idade, a conduzir à conclusão sobre a ausência de importância maior quanto à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social e à personalidade do agente. Em vista desse critério objetivo, que é o fato do condenado possuir mais de setenta anos, não cabe, de início, porque não há remissão, entender-se pertinente a norma do inciso Dl do artigo 77 aludido. 535 Não posso inserir, no tocante às condições previstas especificamente para a hipótese, outras que não se contém no dispositivo e, o que é pior, em prejuízo do próprio acusado. Assento, também, que o verbo utilizado não revela simples faculdade. Especialmente no campo penal, quando se tem o atendimento dos pressupostos estabelecidos em lei, cumpre ao juiz o reconhecimento do direito subjetivo; cumpre-lhe a observância da regra e a concessão do benefício. A atividade judicante é daquelas vinculadas ao que está na lei, não sendo, portanto, discricionária. Peço vênia ao nobre Relator e aos Ministros que já votaram sobre a matéria para ir um pouco além, concedendo a ordem para reconhecer ao Paciente o direito ao sursis. EXTRATO DA ATA HC 70.998 — RJ — Rel.: Mim Sepúlveda Pertence. Pacte.: Emil Pinheiro. Imptes.: Alcino Guedes da Silva e outros. Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal deferiu, em parte, o pedido de «habeas corpus», nos termos do voto do Relator. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia em maior extensão. Falou, pelo paciente, o Dr. Alcino Guedes da Silva. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio e limar Gaivão. Ausentes, justificamente, os Senhores Ministros Moreira Alves e Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 17 de dezembro de 1993 — Luiz Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 155 536 HABEAS CORPUS N2 71.076 (EDcI) — GO (Primeira Turma) (HC na RTJ 1521895) Relator: O Sr. Ministro Sydney Sanches Embargante: Agripino Gomes de Souza — Embargado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Habeas empas. Sustentação oral. Embargos declaratórios. L Não se encontrando, no acórdão embargado, qualquer omissão, contradição, ambigüidade ou obscuridade, que devam ser sanadas ou supridas, devem ser rejeitados os embargos declaratórios. O Habeas carpas é julgado no STF, segundo seu Regimento Interno (art. 83, 1°, inciso III), independentemente de publicação de pauta, de modo que o Advogado, que deseje fazer sustentação oral, deve estar presente à sessão em que o julgamento ocorrer, ou prevenir o Relator, por intermédio de seu Gabinete, de que pretende realizá-la. Hipótese em que esse alegado propósito da impetrante não chegou ao conhecimento do Relatar. Embargos rejeitados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em rejeitar os embargos de declaração. Brasília, 31 de maio de 1994 — Moreira Alves, Presidente — Sydney Sanches, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sydney Sanches (Relator): 1. Trata-se de embargos declaratórios opostos a acórdão, de que fui relator, e assim ementado (fl. 227): «Ementa: — Direito Penal e Processual Penal. Execução penal. Cumprimento de pena em outra unidade da Federação. Art. 86 da Lei de Execução Penal (Lei n9 7.210, de 11-7-1984). Ao dispor que as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma unidade federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União, nem por isso o art. 86 da Lei ng 7.210, de 11-7-1984, criou para o condenado um direito subjetivo, irrecusável pela administração judiciária. As circunstâncias, em cada caso, é que devem justificar a autorização do Juízo competente, para que a execução assim se proceda. Para concedê-la ou recusá-la, o juiz deve levar em conta, não apenas as conveniências pessoais e familiares do preso, mas, também, os da administração R.T.J. — 155 pública, sobretudo quando relacionadas com o efetivo cumprimento da pena. Quando há risco de cumprimento inadequado da pena, no lugar pretendido pelo sentenciado, deve ser recusado o benefício. «HC» indeferido. 2. Nos embargos, alega e pleiteia, o embargante, o seguinte (fls. 229/233): «Supremo Tribunal Federal Excelentíssimo Senhor Ministro Relator Doutor Sydney Sanches Agripino Gomes de Sousa, já qualificado através de sua advogada infra firmada, vem, nos autos de Habeas Corpus e 71.076, dentro do prazo legal, com fundamento nos artigos 337 e seguintes do Regimento Interno deste r. Tribunal c/c artigos 620 e seguintes do Código de Processo Penal pátrio, opor Embargos de Declaração ao venerando acórdão que denegou o habeas corpus impetrado em favor do paciente, na forma como segue: I — Emérito Senhor Relator, conforme vislumbra-se no pedido de «habeas corpus» impetrado pela esposa do Embargante, Sra. Alvina de Almeida, após a liminar pleiteada, no título «Dos fatos e do direito», foram abordados seis sub-títulos, a saber Do Constrangimento Ilegal Cessação do Motivo que Determinou a Coação Da Aplicação da L.E.P. Do Cabimento do Habeas CorPus Dos Direitos Subjetivos do Paciente Da Sustentação Oral 537 II — Ocorre que, destes subtítulos os de números 1, 2, 3, 5 e 6 não foram objeto de análise pelo venerando acórdão, exigindo, pois, a propositura dos presentes Embargos a fim de sanar as omissões existentes. Habeas corpos e omissões no acbrdão III No sub-título 1, a Impetrante apresenta fatos, provas e fundamentos jurídicos quanto ao constrangimento que se encontra na iminência de sofrer o paciente, ao ser recambiado para um presídio que «é conhecido como palco de grandes tormentas internas, onde rebeliões, mortes e motins acontecem em grande número...» (MirandópolisSP), e finaliza com citações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do reconhecimento de constrangimento em tais casos, permitindo, pois, o «babem corpus». IV — No sub-título 2, reproduz a Impetrante a prova de que o paciente encontra-se no estabelecimento penitenciário goiano há mais de um ano. Que em detrimento de tal fato cai por terra qualquer alegação quanto a privilégio ou inconveniência para que o mesmo continue onde está. Há mais de um ano cessaram os motivos que impuseram o indeferimento do pedido do Embargante junto ao Juiz da Vara de Execução Penal de São Paulo e até hoje relevante e imprescindível fato continua como se não existisse. V —No sob-título 3, abordou o absurdo jurídico, o desvio da finalidade da L.E.P. que existe ao impor a um preso que se encontra cumprindo pena, que seja recambiado para outra unidade da federação, abandonando-o, levando-o ao desespero, simplesmente em detrimento do erro de dois juízes (de São 538 R.T.J. — 155 Paulo e Goiás) que confirmaram que ao tempo da prisão (1992), que fazia jus o mesmo a prisão especial. Repita-se que tal prisão vigorou apenas nos dois primeiros meses do cumprimento da pena. VI—No sub-título 5, simplesmente demonstrou-se que se o paciente já fazia jus à progressão da pena, que é um direito subjetivo, sendo mais um motivo para não ser recambiado para São Paulo. Não se falou em direito subjetivo de cumprir pena no domicilio da residência VII — No sub-título 6, protestou pelo direito de fazer a sustentação oral perante a Turma que iria julgar o HC. E para segurança além de reforçar o pedido junto à folha 134 dos autos, ainda foram mantidos contatos telefônicos diários com o secretariado deste gabinete a fim de tomar conhecimento quanto ao julgamento do mesmo. Desconhece-se por que razão, mesmo tendo efetuado tais ligações telefônicas nas vésperas, no dia e após o dia do julgamento, somente após ter transcorrido o julgamento foi a Impetrante comunicada do fato. Das Omissões VIII—Na verdade o venerando acórdão deixou de apreciar o pedido na forma apresentada. Por não .avaliar a prescindibilidade dos sub-títulos acima mencionados, deixou de satisfazer as exigências da correta prestação jurisdicional. IX — O que se espera desta mais alta corte é que o paciente não seja tratado como um número, que seu caso não seja pré-julgado tendo em vista o pensamento geral que se tem sobre delinqüentes, mas que suas qualidades, os fatos a seu favor e seus direitos sejam apreciados. Do Direito X — Excepcionalmente a jurisprudência e a doutrina têm admitido efeito ofensivo aos Embargos Declaratórios, se da apreciação dos mesmos verificar-se que a modificação é imperiosa. Assim é que a Turma do S.T.J., no RE 6461-SP — DJU 4-2-91, nr. 24, pág. 571, seção I, decidiu: r «Ementa: Recurso Especial — Embargos de Declaração — Inovação do julgado — Os Embargos de Declaração podem ter efeito modificativo quando reconhecida e sempre o terão constatada a omissão». Ou ainda «Ementa: Embargos Declaratórios. Efeitos infringentes, excepcionalidade, questões novas... I — Doutrina e jurisprudência têm admitido o uso de Embargos Declaratórios com efeitos infringentes do julgado, mas apenas em caráter excepcional, quando manifesto e equívoco e não existindo no sistema legal outro recurso para a correção do erro cometido.» RE n2 1.757-SP — Di 9-4-90, NR 68, pág. 2745 XI — Também na Revista Trimestral de Jurisprudência 119/439, em Embargos Declaratórios, onde fizeram parte da Sessão os Ministros: Sydney Sanches e Octavio Gallotti e o Sub-Procurador Dr. Francisco de Assis Toledo, consta a admissão dos efeitos modificativos aos Embargos Declaratórios, cujo extrato da ata assim consta: «Decisão. Receberam os Embargos de Declaração, para conhecer e dar provimento, ao recurso extraordinário, tudo nos termos do R.T.J. —155 voto do Ministro Relator. Unânime.» XII — Fernando da Costa Tourinho Filho, insigne processualista, em sua obra Processo Penal, vol. 4, Ed. Saraiva, ed. 1993, pág. 375, ao discorrer sobre a extensão dos embargos declaratórios, cita jurisprudências e doutrinas favoráveis a emprestar aos Embargos Declaratórios efeitos ofensivos, sendo elas: Ada Pellegrini Grinover, Autonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, as nulidades no Processo Penal, Malheiros, Ed. 1992. P. 188. RT 604/656 Pontes de Miranda, citado em um dos julgados transcritos na Revista dos Tribunais, reforçou a tese do cabimento do efeito infringente aos Embargos Declaratórios, na forma como segue: «Os Embargos de Declaração afirmam e tem de provar que a sentença como está, não satisfaz as exigências da prestação jurisdidonal de que se saiba ao certo de que consta, logo, se a decisão não satisfaz a prestação jurisdidonal, conclui-se que o Ilustre Jurisconsulto quer dizer, pode e deve a sentença ser modificada». RT 606/296 No mesmo acórdão é citado o Eminente Sr. Ministro Rafael Mayer, o qual no RE 100.650-1z-RJ, também posicionou-se favorável à modificação de decisão em Embargos Declaratórios. XIII — A pedra está lançada, possui este Tribunal o poder de fazer justiça, e, através da reparação de uma omissão emprestar aos presentes Embargos os efeitos ofensivos, já admitidos inclusive por Vossa Excelência, e conseqüentemente vir a dar provimento ao habeas corpos pleiteado. e 539 XIV — Poderá, outrossim, persistir omisso, deixar que o paciente seja jogado à «cova dos leões» e ver o que resultará. Do Pedido Ao teor do exposto, requer a Vossa Excelência que conheça os presentes Embargos Declaratórios e suprimindo a omissão do acórdão embargado, dignese em dar-lhe provimento, determinando, por conseguinte a cessação de constrangimento a que está sujeito o Embargante-paciente; que permaneça-o mesmo no Centro Penitenciário Agrícola e Industrial do Estado de Goiás — CEPAIGO, local onde se encontra e só deverá sair quando tiver direito a voltar para casa Que seja a autoridade coatora informada desta justa decisão. Termos em que, por ser de justiça, pede deferimento. Goiânia, 11 de maio de 1.994 as.) Débora Oliveira Lara OAB/GO 11400.» 3. Às fls. 236/238, o ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Claudio Lemos Fontdes opinou pela rejeição dos embargos (fls. 236/238). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sydney Sanches (Rektor): 1. É o seguinte o inteiro teor do parecer do Ministério Público Federal, às fls. 236/238: «1. Tem-se diante Embargos de Declaração opostos pela advogada Débora Oliveira Lara, suscitando o que considera pontos omissos no acórdão, que denegou o HC 71.076, a saber, verbis: e 540 R.T.J. — 155 «Emérito Senhor Relator, conforme vislumbra-se no pedido de «habeas corpus» impetrado pela esposa do Embargante, Sra. Alvina de Almeida, após a liminar pleiteada, no título «Dos fatos e do direito», foram abordados seis subtítulos, a saber Do Constrangimento Ilegal Cessação do Motivo que Determinou a Coação Da Aplicação da L.E.P. Do Cabimento do Habeas CorPus Dos Direitos Subjetivos do Paciente Da Sustentação Oral II — Ocorre que, destes sub-títulos os de número 1, 2, 3, 5 e 6 não foram objeto de análise pelo venerando acórdão, exigindo, pois, a propositura dos presentes Embargos a fim de sanar as omissões existentes. (Fl. 229). Não tem razão, data venia. O voto condutor do il. Min. Sydney Sanches é completo (fia. 203/224). Esquadrinhou o tema desde a promoção do Ministério Público Estadual, em r Grau, até nosso parecer. Com fidelidade, a ementa do julgado definiu plenamente a controvérsia, verbis: «Direito Penal e Processual Penal. Execução penal. Cumprimento de pena em outra unidade da Federação. Art. 86 da Lei de Execução Penal (Lei n2 7.210, de 11-7-1984). Ao dispor que as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma unidade federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União, nem por isso o art. 86 da Lei n2 7.210, de 11-7-1984, criou para o condenado um direito subjetivo irrecusável pela administração judiciária. As circunstâncias, em cada caso, é que devem justificar a autorização do Juízo competente, para que a execução assim se proceda. Para concedê-la ou recusá-la, o juiz deve levar em conta, não apenas as conveniências pessoais e familiares do preso, mas, também, os da administração pública, sobretudo quando relacionadas com o efetivo cumprimento da pena Quando há risco de cumprimento inadequado da pena, no lugar pretendido pelo sentenciado, deve ser recusado o beneficio. «HC» indeferido. (Vide fl. 227) Abonlou-se, portanto, os temas alusivos aos itens 1/5. Quanto àquele alusivo à ausência de sustentação oral não condiz com a temática dos embargos, por constituirse em situação nova, de resto não demonstrada. 8. Pela rejeição dos embargos. Acolho o parecer do Ministério Público Federal. O acórdão embargado, que se desenvolve em vinte e sete folhas (relatório, votos, ementa), enfrentou todas as questões suscitadas na impetração, nele não se vislumbrando qualquer omissão, contradição, dúvida, ambigüidade ou obscuridade, que devam ser sanadas ou supridas. R.T.J. — 155 Quanto à sustentação oral, ela poderia ter sido feita, se a advogada houvesse comparecido à sessão, (já que o feito, por sua natureza, não é incluído em pauta) ou estabelecido contato com meu gabinete, que permitisse aguardar seu comparecimento, na sessão que fosse aprazada. Não foi o que ocorreu, ao que me conste, não tenho recebido qualquer solicitação para que o julgamento só fosse iniciado com a presença da advogada. Por todas essas razões, rejeito os embargos. EXTRATO DA ATA HC 71.076 (EDc1) — GO —Rel.: Min. Sydney Sanches. Embte.: Agripino Gomes 541 de Souza (Advs.: Alvina de Almeida, Débora de Oliveira Lara e outros) Embdo.: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisão: A Turma rejeitou os embargos de declaração. Unanime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Septilveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Compareceu o Sr. Ministro Néri da Silveira, Presidente da 22 Turma, a fim de julgar processos a ele vinculados, assumindo o lugar do Senhor Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur de Castilho Neto. Brasília, 31 de maio de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. HABEAS CORPUS N2 71.288 — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Pacientes: José Rodrigues de Castro e Nilton Neri Santana — Impetrante: Maria Parazoli Garcia — Coator: Superior Tribunal de Justiça Revelia: validamente decretada, a prisão posterior do réu, se e enquanto não comunicada ao Juizo do processo, não induz a nulidade doe atos de instrução subseqüentes realizados sem a sua requisição: precedentes. RELATÓRIO ACÓRDÃO O Sr. Ministro Semüveda Pertence: O paciente foi condenado pelo Juiz de Direito Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Tur- da 10° Vara Criminal de São Paulo (Proc. ma do Supremo Tribunal Federal, na con- n2 928/80), à pena de 6 anos de reclusão e formidade da ata do julgamento e das notas multa de Cr$ 8.000 (oito mil cruzeiros), taquignfficas, por unanimidade de votos, pela prática de roubo à mão armada em em indeferir o pedido de «habeas corpus». estabelecimento comercial (art. 157, 22, I e II, do Código Penal). Brasília, 7 de fevereiro de 1995 — MoAlegando nulidade do processo, porque, reira Alves, Presidente — Sepólveda Per- preso antes do início da instrução, não foi tence, Relator. requisitado para se ver processar, impe- 542 R.T.J. — 155 trou-se habeas corpos ao Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e, denegado este (fl. 41); pedido originário substitutivo dirigido ao STF, que determinei fosse remetido ao Superior Tribunal de Justiça. A Sexta Turma do STJ denegou a ordem, ficando o acórdão resumido nesta ementa (fl. 40): Em 12-4-81, diligenciou-se o chamamento in personam, tendo o oficial de justiça ido ao endereço fornecido nos autos e, no local, soube por urna irmã do citando que o mesmo estava ausente de casa há mais de um ano e em paradeiro ignorado (certidão de fl. 86). «AC — Processual penal — Audiência — Réu preso — Fuga — Ine- Seguem-se, então, regulamente a citação editalícia (fls. 87-88) e a decretação da revelia (fl. 94). riste nulidade, evidenciado que o réu preso, não fora conduzido para a audiência, porque se evadira do presídio, antes da realização do ato processual.» O voto condutor do Ministro Vicente Cernicchiaro está assim fundamentado (fls. 42/43): «O impetrante alega nulidade ocorrida na Ação Penal nQ 928/80. Argumenta: «Nulo é o processo alvo da impetração porque estando o Paciente preso bem antes do início da instrução e o MM. Juiz Processual ciente da prisão, face às comunicações de estilo, deixou de requisitá-lo para se ver processar» (fl. 3).» O v. acórdão, Relator o Eminente Juiz Gonçalves Nogueira, encerra esta fundamentação: (-.) «Corretas as informações do MM. Juiz a quo (fls. 15/16). Havendo notícias de que o Paciente achava-se recolhido na Casa de Detenção (fl. 70) antecipou-se o interrogatório inicialmente designado para 15-4-81 (fl. 67), mas por três vezes consecutivas não obteve êxito a requisição (fls. 71, 72 e 73). Sobreveio comunicado da direção daquele presídio que o réu se evadira em 12-3-81 (fls. 75 e 78). O atestado de fl. 5 não favorece o alegado na impetração. Ali consta apenas que o Paciente dera entrada no cárcere de Jundiaí em 5-6-81 e fora removido para a Casa de Detenção em 29-3-82. Ou seja, datas essas posteriores ao acima referido, e em razão de outra condenação» (fls. 80/82)». Evidencia-se, pois, a regularidade do desenvolvimento processual. Não houve a condução do Paciente para a audiência, em razão da fuga. Ao depois, conseqüência ainda, a citação por edital, precedida de tentativa de intimação pessoal. Ressaltem-se, por fim, as considerações do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega: «Demais disso, por ocasião das razões finais o seu defensor dativo não alegou qualquer nulidade do processo (fl. 60 v.). Além disso, não demonstrou a impetração que da falta de requisição do réu tivesse havido prejuízo para a sua defesa» (fl. 90). Denego a ordem.» Dai a presente impetração, que insiste na nulidade do processo, pelo mesmo fundamento. R.T.J. — 155 Sustenta a impetrante que, decretada a revelia em 27-5-81 e determinado o início da instrução em 20-8-81, «exatamente cinco dias úteis depois» já estava recapturado na cidade de Jundiaí-SP, cuja Justiça não informou a sua prisão ao órgão competente (fl. 03). O Presidente do Superior Tribunal de Justiça encaminhou cópia integral do acórdão impugnado (fls. 40/44). Oficiou pelo Ministério Público Federal o il. Subprocurador-Geral Edson de Almeida, verbis (fls. 46/47): «A irresignação não merece acolhida. Conforme se apurou, «o réu não fora conduzido para a audiência de interrogatório porque se evadira do presídio, antes da realização do ato processual.» Mesmo assim, ainda foi tentada a citação pessoal no endereço fornecido nos autos, seguida a ciraçan-edital, tudo atestando a regularidade na decretação da revelia. Por outro lado, de nada adianta a notícia de nova prisão do paciente, após a decretação da revelia (fl. 8), pois «já se Fumou a jurisprudência do STF no sentido de que, se a prisão do réu se verificou posteriormente à sua revelia e era ignorada do juízo, inexiste nulidade do processo pelo fato de não ter sido ele requisitado para os atos da instrução» (RECr n2 116.421-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 30-9-88 pág. 24988). 543 VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Correto o parecer da Procuradoria-Geral. Válida a decretação da revelia, como demonstrado no acórdão impugnado do STJ, é certo que a prisão a ela posterior, se e enquanto não comunicada ao juízo da causa, não induz à nulidade dos atos de instrução subseqüentemente realizados sem a requisição do réu. • Nesse sentido, além do invocado (RE n2 116.421, 246-88, M. Alves, DJ 30-9-88), alinham-se diversos precedentes do Tribunal (v.g., RE n2 84.076, 145-76, Thompson, RTJ 83/189; HC n 2 56.849, 4-5-79, Peixoto, RTJ 93/529; RE n2 104.484, 15-3-85, Rezek, RTJ 113/1383). Indefiro o habena corpus: é o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 71.288 — SP — Rel.: Min. Sepúlveda Pertence. Pactes.: José Rodrigues de Castro e Nikon Neri Santana. Impte.: Maria Parazoli Garcia. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de «habeas corpus». Unânime. Pelo exposto, opino pelo indeferimento do pedido.» Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Binar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro. É o relatório. cardo Dias Duarte, Secretário. Brasília, 7 de fevereiro de 1995 — Ri- R.T.J. — 155 544 HABEAS CORPUS /%12 71.308 — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sydney Sanches Paciente e Impetrante: Marcelo Brito dos Santos — Coator: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Direito Processual Penal. Prisão preventiva. Pronúncia. Tendo o paciente respondido ao processo, com prisão preventiva, bem fundamentada, que se manteve na sentença de pronúncia, confirmada pelo acórdão impugnado, prestes, portanto, a se submeter a julgamento perante o Tribunal do Júri, não é de se conceder habeas carpas para anulação ou revogação da decisão que a decretou. «HC» indeferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes au- tos, acordam os Ministros do Supremo Tri- bunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráflcas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de «habeas corpus». Brasília, 24 de maio de 1994 — Morei- ra Alves, Presidente — Sydney Sanches, Relator. 1994 deste Tribunal, por votação unânime, negou provimento à irresignação. Encontram-se os autos, no presente momento, na fase do artigo 421, do Código de Processo Penal. É oportuno esclarecer que o paciente teve inicialmente decretada a prisão temporária, em 23 de outubro de 1992, e depois a custódia preventiva. A sua prisão foi mantida na pronúncia e prestigiada por ocasião do julgamento do recurso em sentido estrito tirado contra RELATÓRIO decisão e de ordem de habeas corpus irnpetrada neste Tribunal.» O Sr. Ministro Sydney Sanches (Rela2. O Ministério Público Federal, em tor): 1. 0 ilustre Desembargador Dirceu de Mello, ? Vice-Presidente do E. Tribunal parecer do ilustre Subprocurador-Geral da de Justiça do Estado de São Paulo, ao pres- República Dr. Edson Oliveira de Almeitar as informações de fls. 10111, esclareceu: da, opinou pelo indeferimento do pedido 4<0 paciente foi denunciado e pro- (fls. 34/353). nunciado perante o Juízo de Direito da É o relatório. 10 Vara do Foro Distrital de Vicente de VOTO Carvalho, Comarca de Guarujá, como incurso nos artigos 121, incisos II, ' istro Sydney Sanches (RalaO Sr. Min III, IV, e 211, c.c, o artigo 29, todos do Código Penal. Recorreu o paciente da tor): 1. Ao decretar a prisão preventiva do decisão de pronúncia e a Egrégia Quarta paciente, o MM. Juiz assim fundamentou Câmara Criminal de Férias de janeiro de sua decisão (fl. 15): r, R.T.J. — 155 «Vistos. Os fatos relatados no presente Inquérito são demasiadamente graves e indicam que os indiciados, se mantidos em liberdade, colocarão em risco a ordem pública, pois perigosos. Além do homicídio, na mutilação de cadáver e atos de canibalismo. Dessa forma, presentes um dos requisitos da decretação da prisão preventiva, acolho a representação da autoridade policial e parecer do M. Público, para decretá-la em relação aos indiciados Flavio Vieira dos Santos Filho e Marcelo Brito dos Santos. Expeça-se pois mandado de prisão. Em sega tornem os autos ao KL Público para oferecimento de denúncia, se for o caso, e manifestação acerca da representação feita pela autoridade policial quanto à instauração de incidente de insanidade mental do indiciado Flavio. Int. D.S. as.) Manoel Luiz Ribeiro Juiz Substituto.» 2. Na sentença em que pronunciou o paciente, por homicídio qualificado com três qualifir adoras (fls. 16/29), disse o Magistrado, quanto à manutenção da prisão (fl. 28): «Por permanecerem presentes os pressupostos da prisão preventiva, a saber a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal em plenário e para assegurar a aplicação da Lei Penal, deverá o acusado Marcelo Brito dos Santos aguardar preso o julgamento, recomendando-se o mesmo na prisão em que se encontra.» 545 3. O acórdão, que confirmou a pronúncia e a prisão, ora impugnado, assim se exarou (fls. 30/32): «Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito it 148.620-3/0, da Comarca de Vicente de Carvalho/Guarujá, em que é recorrente Marcelo Brito dos Santos e recorrida a Justiça Pública: Acordam, em Quarta Camara Criminal de Férias de Janeiro de 1994 do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unanime, negar provimento. Marcelo Brito dos Santos foi pronunciado por homicídio triplamente qualificado e pelo crime de ocultação de cadáver. Inconformado, recorreu em sentido estrito buscando a impronúncia. Após as contra-razões, a decisão foi mantida, opinando a Douta Procuradoria de Justiça pelo não provimento. É o relatório. O recorrente, aproveitando-se de problemas mentais do co-réu Flavio Vieira dos Santos Filho, seu primo, conseguiu convencê-lo a matar Manuel Fernandes da Silva Andrade Junior. Na manhã do dia mencionado na denúncia os três se dirigiram à Ponte do Monte Cabrão, onde o co-réu Flávio tirou a vida de Manuel a facadas e com um tiro de espingarda. Em seguida decepou-lhe as mãos e a cabeça, enterrando parte do corpo da vítima em um mangue. 546 R.T.J. — 155 Ademais, cortou um pedaço da coxa ciente e confirmada na sentença de prodo ofendido, fritando e comendo essa núncia. parte. Lê-se nas informações que o paFlávio foi absolvido sumariamente, ciente foi denunciado e pronunciado pesendo imposta medida de segurança, em rante o Juízo de Direito da P Vara do virtude de doença mental. Essa decisão Foro Distrital de Vicente de Carvalho, foi confirmada por esta Egrégia CâmaComarca de Guarujá, como incurso nos ra. artigos 121, § 22, II, 1:11, e IV, e 211, c.c. o art. 29, todos do Código Penal, estanQuanto ao ora recorrente a prova é do os autos na fase do art. 421 do Código suficiente para autorizar a confirmação de Processo Penal. da pronúncia. Ele foi incriminado pelo co-réu, no Esclarece ainda a autoridade ininterrogatório deste (fl. 27) e na acareaformante que o paciente teve inicialção (fl. 56). mente decretada a prisão temporária, em 23 de outubro de 1992, e depois a cusAlém disso, os depoimentos das testódia preventiva. A prisão preventiva foi temunhas Elisabete Vieira dos Santos, mantida na pronúncia e prestigiada pelo Maria Henrique Ribeiro e Jorge Soares eg. Tribunal de Justiça, por ocasião do da Silva dão suporte à acusação. julgamento de recurso em sentido estriE o álibi invocado pelo recorrente to. não foi comprovado. O decreto de prisão preventiva está Realmente, ele alegou em juízo que suficientemente motivado, invocando no dia dos fatos estava dormindo, e, que como fundamentos da prisão preventiva seu pai poderia provar isso. a garantia da ordem pública, ante a peMas, o progenitor declarou que Marriculosidade e perversão dos agentes e a celo saiu de casa às 7:30hs, sendo certo gravidade do crime de homicídio, trique a mãe informou que ele saiu para plamente qualificado, praticado com resurfar e só voltou às 15:00hs. quintes de crueldade e seguido de atos Por conseguinte, a pronúncia, tal de canibalismo. como pleiteada pela Justiça Pública, era Na pronúncia a Màf Juíza confirde rigor. mou a prisão preventiva, entendendo O julgamento teve a participação dos persistirem os fundamentos para a meDesembargadores Denser de Sá (Presidida cautelar. dente e Relator), Dirceu de Mello e Celso Limongi, com votos vencedores. 6. Pelo exposto, não vislumbrando constrangimento ilegal, e lembrando que São Paulo, 19 de janeiro de 1994. a «custódia cautelar é efeito natural da as.) Denser de Sá sentença de pronúncia» (HC ng 69.426Presidente e Relator.» PA, rel. Min. Octavio Gallotti), opinou pelo indeferimento do writ.» 4. O parecer do Ministério Público Federal, pelo indeferimento do habeas cor5. Como se vê, a prisão preventiva foi pus, encontra-se às fls. 34/35, in verbis: bem decretada e fundamentada e, ao de«1. A impetração pretende a revoga- pois, mantida, com a pronúncia confirmação da prisão preventiva imposta ao pa- da pelo acórdão impugnado. Encontra-se, R.T.J. — 155 agora, o paciente prestes a ser julgado perante o Tribunal do Júri, se é que já não foi. 6. Isto posto, indefiro o pedido de habeas corpos. EXTRATO DA ATA HC 71.308 -- SP — Rel.: Min. Sydney Sanches. Pacta.: Marcelo Brito dos Santos. Impte.: O mesmo. Coator. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 547 Decisão: A Turma indeferiu o pedido de ehabeas coipus». Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepillveda Pertence e limar Gabião. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Arthur de Castilho Neto. Brasília, 24 de maio de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. DARRAS CORPUS 71.480 — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira Paciente e Impetrante: Daniel Aureliano da Silva — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Habeas corpus. Co-autoria. Desmembramento do processo. Tratando-se de dois crimes de roubo, em co-autoria, desmembrado o processo e condenado um dos co-réus por delitos tentados, o outro co-réu não poderá ser condenado por um crime tentado e o outro consumado. Aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal. Sendo, no caso, idêntica a situação de dois co-réus no prova" não pode prevalecer, contra um dos acusados, condenação mais gravosa, resultante da natureza diversa atribuída ao mesmo fato, nos dois julgamentos. 4. Caberá às instâncias ordinárias o ajustamento da pena imposta ao paciente, a partir da consideração de ambos os crimes como tentados. 5. Habeas corpus deferido para, mantida a condenação, anular a decisão na parte referente à definição da pena, determinando.se que outra seja proferida, relativamente ao paciente, tidos os dois crimes como tenmdm. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, deferir o ehabeas corpos», nos termos do voto do Relator. Brasfiia, 20 de setembro de 1994 — Néri da Silveira, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): Indicando como coator o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, o qual, julgando recurso, deu parcial provimento ao apelo, fixando em 6 anos, 6 meses e 6 dias a pena de reclusão imposta, além 548 R.T.J. — 155 de 18 dias-multa, Daniel Aureliano da Silva impetrou, em causa própria, ordem de habeas corpus (fls. 2/5). Sustenta o paciente-impetrante, condenado como incurso no art. 157, § 22, itens I e II (duas vezes), a segunda combinada com o art. 14, item II, e o primeiro dispositivo também combinado com o art. 71, caput, todos do Código Penal, após ressaltar ser primário e ter bons antecedentes, que enquanto o co-réu teve confirmada sua condenação por dois crimes tentados, foi o paciente condenado por um crime consumado e outro tentado, daí resultando divergência de entendimento sobre idêntico fato e o conseqüente constrangimento ilegal que afirma lhe ser imposto. Requisitadas as informações, vieram ao feito com o oficia de fls. 36/37, do ilustre Presidente do Tribunal de Alçada Criminal paulista, nestes termos: «Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício n° 621/R, através do qual são solicitadas informações para a instrução do Habeas Comua II° 71.4803/130, em que é impetrante e paciente Daniel Aurelituso da Silva. Alega o impetrante e paciente, em síntese, estar sofrendo constrangimento ilegal, em virtude da errônea dosimetria e insuficiente fundamentação da pena que lhe fora aplicada (Ação Penal n° 55/92, da E. Segunda Vara Criminal da Comarca de Suzano). Cabe-me, a propósito e em atenção ao ofício de Vossa Excelência, transmitir os esclarecimentos que se seguem. Por fatos ocorridos em 5 de fevereiro de 1992, foram o impetrante e paciente e outro co-réu denunciados, perante o MM. Juízo da E. Segunda Vara Criminal da Comarca de Suzano, como incursos nos arts. 157, § I e 11, e 157, § 2°, I e II, c.c. o 14, II, em concurso material, todos do Código Penal (doc. n°1), com base nos elementos colhidos na fase indiciária (doe. n2 2). Recebida a denúncia (doe. n2 3), veio aos autos a certidão criminal (doe. n24), sendo o impetrante e paciente citado e interrogado (doc. n2 5). Realizada a instrução (doe. n° 6) e oferecidas as alegações finais (doe. n° 7), procedeu-se à juntada da folha de antecedentes (doe. n2 8), sobrevindo, então, sentença condenatória, que apenou o impetrante e paciente a 7 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão e 20 dias-multa, por infringência aos arts. 157, § 2°, I e II, e 157, § 22, I e c.c. o 14, II, em concurso material, todos do Código Penal (doc. n2 9). Irresignada, apelou a defesa (doe. n 10), tendo a E. Sexta Câmara desta Corte, à unanimidade, dado provimento parcial ao recurso para condenar o impetrante e paciente como incurso nas penas do art. 157, § 2, I e II, e art. 157, § 22, I e II, combinado com o art. 14, II, combinados com o art. 71, caput, todos do Código Penal, e reduzir suas penas a 6 anos 6 meses e 6 dias de reclusão e 18 dias-multa (doe. n2 11). O ven. acórdão restou irrecorrido (doe. n° 12). Informo, ainda, que foram impetrados neste Tribunal, em favor do impetrante e paciente, os Habeas Corpos n°s 227.818/2, 231.970/6 e 230.352/8, tendo a E. Sexta Câmara, por votação unânime, denegado os dois primeiros e não conhecido do último (doe. n° 13). Permanecendo à disposição para outras informações julgadas necessárias, renovo a Vossa Excelência os protestos da minha alta estima e distinta consideração.» R.T.J. — 155 Opinou a Procuradoria-Geral da República, no parecer de fls. 158/161, «pela concessão da ordem para anular o acórdão e determinar que seja estendido ao paciente o que ficou decidido no julgamento do coréu Antônio Carlos de Oliveira, reconhecendo-se a tentativa nos dois delitos de roubo, fixando-se a reprimenda de acordo com os critérios da lei, em face do princípio da individualização da pena» (fl. 161). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Relator): A espécie está bem analisada no parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Mardem Costa Pinto, às fls. 159/161, verbis: «2. O presente babeas corpus deve ser conhecido, e, no mérito, concedida a ordem. Tem razão o impetrante-paciente quanto à alegação de sofrer constrangimento ilegal em razão da divergência de entendimento em torno do mesmo fato, pois a própria denúncia descreve que os delinqüentes agiram em concurso e com identidade de propósitos (fl. 38). O co-réu Antônio Carlos de Oliveira, julgado em processo desmembrado, foi condenado por dois crimes tentados, reconhecido o concurso material. É o que se tem da leitura de sua sentença verbis: A ação penal portanto neste caso é procedente com ressalva de que ambos os delitos permanecem em grau de nonatas». (...)» (fl. 15). 5. Ora, não pode o mesmo delito praticado por dois ou mais agentes, ser consumado em relação a um e tentado 549 para o outro. Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: «Ementa: Criminal. Crime consumado. Crime tentado. É de considerar como consumado, e não apenas tentado, o roubo, se é certo que sendo dois os agentes, um deles fugiu com a maior parte do dinheiro e foi preso, já a alguma distância do local do crime, e o outro conseguiu escapar com parte, embora bem menor, do produto do roubo. Não é possível, de qualquer sorte, havendo co-autoria e um dos delinqüentes conseguido escapar, que se tenha como ocorrido apenas tentativa por parte de um, quando se tem que a ação foi por ambos conduzida e realizada. Recurso conhecido e provido.» (grifo nosso) — RECr. 99.061-5SP — Rel. Min. Aldir Passarinho — DJ 14-10-83 —pág. 15830. A doutrina, assim como o Código Penal, consagra a teoria monista também chamada teoria unitária, para o concurso de pessoas, dispondo que «Todos os que contribuem para a integração do delito cometem o mesmo crime.» (Damásio E de Jesus, em Código Penal Anotado, Saraiva — SP, 2s edição, 1991, pág. 102). E vai além, consignando que um dos requisitos do concurso de agentes é a identidade de infração a todos os que concorrem para o crime, seja como participe, seja como co-autor. Portanto, se a «infração penal deve ser igual, objetiva e subjetivamente, para todos os concorrentes» (Celso Delmanto in Código Penal Comentado, Renovar — RJ, 3. edição, 1991, pág. 54), a mesma não pode ser tentada para um co-autor e consumada para o outro. 8. Assim também entende Heleno Cláudio Fragoso em sua obra «Lições de 550 R.T.I. — 155 Direito Penal — A Nova Parte Geral» — Ed. Forense, Rio, 7' edição, 1985, págs. 262 e 263, verbis: A lei penal brasileira resolveu em termos simples a questão da codelinqüência, partindo da teoria da equivalência dos antecedentes, adotada quanto à relação de causalidade. Assim como não se distingue entre os vários antecedentes causais do delito, não se distingue também entre os vários partícipes na empresa delituosa comum: todos são co-autores e responderão pelo crime segundo a mesma escala penal. Somente se distingue entre os diversos partícipes na aplicação da pena, que dependerá da culpabilidade maior ou menor de cada urn. O título IV da Parte Geral, sob a rubrica Do Concurso de pessoas, em apenas três artigos disciplina o concurso de agentes. O art. 29, CP, dispõe: «Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas na medida de sua culpabilidade.» Adota assim o CP vigente a teoria monista ou igualitária inspirando-se no CP italiano. C-)». Portanto, se o concurso de agentes se dirige a um resultado comum, o crime é um só, não havendo que isolar a parte de cada partícipe para individualizá-la e torná-la independente. Logo, ou o crime é tentado, ou é consumado. Quanto ao pedido para que se aplique o disposto no art. 71, do CP, o benefício já foi concedido pelo Tribunal a quo, como se observa do acórdão: «(...) Releva notar, ainda, que deve ser afastado o concurso material, re- conhecendo-se o crime continuado, pois «tentada a subtração no posto bancário da metalúrgica, o apelante e os co-autores, no mesmo impulso delituoso e aproveitando as mesmas relações e circunstâncias já existentes, consumaram a subtração do táxi de Donizetti Orion» (fl. 375). (...)» (fls. 122/123). 11. Pelo exposto, opinamos pela concessão da ordem para anular o acórdão e determinar que seja estendido ao paciente o que ficou decidido no julgamento do co-réu Antonio Carlos de Oliveira, reconhecendo-se a tentativa nos dois delitos de roubo, fixando-se a reprimenda de acordo com os critérios da lei, em face do princípio da individualização da pena. Com efeito, houve desmembramento dos processos. Disso resultou a condenação do paciente por roubo consumado e roubo tentado, reconhecida a continuidade delitiva, no acórdão que deu parcial provimento ao recurso da defesa, enquanto o co-réu Antonio Carlos de Oliveira foi condenado por dois crimes tentados. Está na denúncia que os dois co-réus, ainda «em companhia de outros quatro elementos inidentificados», todos agiram «em concurso e com identidade de propósitos, fortemente armados com revólveres e espingarda» (fl. 38), havendo tentado «subtrair, para si, mediante grave ameaça de morte (...) os valores em dinheiro existentes no escritório da empresa, assim como no Posto Bancário do interior da firma, ocasião em que, após dominarem o segurança da mencionada empresa e se dirigirem para a execução da rapina, não conseguiram consumá-la, uma vez que, percebendo a movimentação, um dos vigias sacou de seu revólver e, ameaçando atirar, provocou a fuga dos roubadores, mesmo contra as suas vontades». A seguir, a denúncia acrescenta (fls. 38/39): «Consta, ainda, que, à saída, os dois indiciados R.T.J. — 155 acompanhados dos outros elementos desconhecidos, mediante grave ameaça de morte exercida com o emprego das armas de fogo portadas por eles, subtraíram, para si, o automóvel da marca Volkswagen, tipo Santana Quantum CD, Táxi, ano 1985, de cor vermelha, placa FZ-2646, de Suzano, de propriedade de Donizetti Grion, fl. 20, (...)». De posse do automóvel, três evadiram-se do local. Posteriormente, acionada a Polícia, em diligências bem sucedidas, os indiciados foram encontrados e recuperado o veículo, bem como apreendido um dos revólveres utilizados na empreitada, fl. 18. A sentença condenatória do co-réu Antônio Carlos de Oliveira, como se vê à fl. 14, assentou que, «em ambas as ações, a consumação dos crimes não se operou. No roubo ao posto bancário, enquanto ofendido o bem jurídico liberdade das vítimas, empregados da empresa Uliana, não lograram os agentes subtrair os valores ali depositados; igualmente em face do taxista, malgrado submetido este, a subtração do automóvel não se operou totalmente, tendo o veículo servido apenas na fuga encetada, logo abandonado, ante a perseguição policial que se seguiu, não havendo, ainda que transitoriamente, posse pacífica e mansa do bem». E conclui a sentença, no ponto (fl. 15)• «A ação penal, portanto, neste caso, é procedente, com ressalva de que ambos os delitos permanecem em grau de `conatusi». Quanto ao paciente, o acórdão da Corte indigitada coatora, embora reconhecendo a continuidade delitiva, teve como consumado o crime de subtração do veículo, nestes termos (fl. 122): «Por outro lado, não há tentativa em relação ao roubo do táxi, dado que seu motorista foi deixado na porta da empresa, enquanto que os ladrões se evadiram com o veículo. Em seguida, o ofendido solicitou o concurso da polícia que, depois das buscas já mencionadas, locali- 551 zou o veículo (fls. 78 e 248). Assim, os ladrões conseguiram retirar a perua Volkswagen Quantum (fls. 47/49 e 52) da esfera de disponibilidade da vítima, ainda que não houvesse posse tranqüila (pois fugiam de um segundo roubo tentado). Ocorreu, portanto, a consumação do primeiro roubo (cf. RTJ, 102/1152, 105/344, 114/795-1165, 115/263, 117/889, 125/759, 129/803, 131/873 e 135/161; RSTJ, 29/493).» Embora tenha como em consonância com a jurisprudência do STF a solução do acórdão local, quanto haver sido consumado o delito de roubo do automóvel no qual os co-réus fugiram, certo está que, na espécie, a decisão, de referência ao co-réu Antônio Carlos de Oliveira, foi mais favorável, pois julgou tentados os dois delitos, enquanto acerca do paciente o aresto teve um como tentado e o outro como consumado. A hipótese é, assim, de aplicação do art. 580 do CPP, verbis: «No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros». Sendo, no caso, idêntica a situação de dois co-réus no processo, não pode prevalecer, contra um dos acusados, condenação mais gravosa, resultante da natureza diversa atribuída ao mesmo fato. Caberá, todavia, às instâncias ordinárias o ajustamento da pena, a partir da consideração de ambos os crimes como tentados. Assim sendo, acolhendo o parecer suso transcrito, defiro o habeas corpus, para, mantida a condenação, anular a decisão, na parte referente à definição da pena, determinando que outra seja proferida, relativamente ao paciente, tidos os dois crimes como tentados. 552 R.T.J. — 155 EXTRATO DA ATA BC 71.480 — SP — Rel.: Min. Néri da Silveira. Pacte.: Daniel Aureliano da Silva. lmpte.: O mesmo. Coator Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Decisão: Por unanimidade, a Turma deferiu o «habeas corpus», nos termos do voto do Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Francisco Rezek. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 20 de setembro de 1994 — José Wilson Aragão, Secretário. HABEAS CORPUS N9 71.632 — RJ (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa Paciente: Glória Raquel Rocha Espindula — Impetrante: Adalgisa Maria Steele Macabu — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro Habeas corpus Estelionato privilegiado (art. 171, §.12, do CP). Competência Pena de multa: Cabimento de Habeas Corpus. Pedido de declaração da prescrição da pena de multa (arts. 107, IV, 109, VI, 110, P, e 114 do CP), única aplicada à paciente, sem indicação do ato de coação à liberdade de locomoção e da autoridade coatora (art. 654, a, in fine,e b, do CPP). Habeas corpus não conhecido por incompetência do Supremo Tribunal Federal, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal Estadual para proceder como entender de direito. Voto do Relator que não conhecia do habeas corpus, vencido em parte, por entender incabível contra pena de multa, salvo quando há ameaça concreta, atual ou iminente, da sua conversão em pena de detenção contra paciente insolvente (art. 51 do CP) e no sentido de que a remessa dos autos só deve ser feita quando caracterizada a competência de outro Tribunal, a partir de quem seja a autoridade coatora e, sobretudo, conhecido qual o ato de coação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, não conhecer do «habeas corpus», por incompetência do Supremo Tribunal Federal e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro, vencido, em parte, o Ministro Maurício Corrêa, que não conhecia do pedido por entender incabível, na espécie, o «writ». Brasília, 14 de março de 1995 — Néri da Silveira, Presidente — Maurício Corrêa, Relator. R.T.J. — 155 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa: Esta ordem de habeas corpus foi impetrada para dizer que a paciente esta sofrendo coação por ato do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro. A inicial não indica qual o ato ilegal praticado pelo Tribunal, mas deixa claro que pretende que esta Corte declare a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva superveniente à sentença condenatória, a teor do que dispõem os arts. 107, IV, 109, VI, 110, § 1 2 e 114 do Código Penal. Relata as seguintes ocorrências: 1) a paciente foi condenada pelo Juiz de Direito da 16' Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro às penas de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, e de 10 (dez) diasmulta como incursa nas sanções previstas no art. 171 do Codigo Penal (estelionato) porque, servindo-se do talonário de cheques furtado de Sueli dos Santos Monteiro Azevedo, e fazendo-se passar por ela, emitiu um cheque no valor de Cr$ 5.942,00 em 25-3-91, para pagar despesas de Cr$ 4.085,00 realizadas no Bar Canadá Ltda., eis que o Juiz entendeu que o crime-meio de falsificação de cheque fica absorvido pelo crime-fim de estelionato; 2) contra a sentença condenatória foi interposto apelo para o Tribunal com argüição, em preliminar, de nulidade do processo por cerceamento de defesa ( art. 263 do Código de Processo Penal) porque o Juiz nomeou defensor dativo à paciente em face da ausência do seu advogado na audiência destinada a ouvir a prova da defesa, e, no mérito, com alegação de se tratar de crime impossível, pela ineficácia do meio iludente empregado; 3) no julgamento da apelação foi rejeitada a preliminar e, no mérito, parcialmente provida, para considerar a figura típica de estelionato privilegiado (art. 171, § 1°; do Código Penal) com o cancelamento da pena 553 privativa de liberdade e manutenção, unicamente, da pena de multa. Alega que entre a data da publicação da sentença, passada em julgado para a acusação (7-4-92) até o dia da subscrição da inicial destes autos (26-4-94) transcorreram mais de dois anos, ficando prescrita a pena de multa (art. 114 do Código Penal), vez que não ocorreu causa impeditiva ou suspensiva do curso do lapso prescricional; acrescenta que o acórdão não teve trânsito em julgado para a defesa até a mesma data porque só foi dele intimada em 14-4-94. Pede seja julgado procedente o pedido e declarada a extinção da punibilidade pela prescrição da cobrança da pena de multa (fls. 2/5). Junta documentos (fls. 6/21). Vêm aos autos as informações prestadas pelo Juiz Presidente do Tribunal apontado como coator, confirmando as alegações da impetrante, inclusive quanto à ocorrência da prescrição (fls. 28 e 3W31), e encaminhando documentos (fls. 33/53). Manifesta-se o Ministério Público Federal opinando pelo indeferimento do pedido, por entender que não ocorreu a prescrição, em parecer assim fundamentado, in verbis: «11. Entre a data dos fatos — 25-3 -91 — e o recebimento da denúncia — 11-4-91 —; ou entre esta e a data da publicação da sentença — 7-4-92; ou, ainda, entre a publicação da decisão condenatória recorrível e a data da sessão de julgamento da apelação —17-394, não há o biênio necessário ao reconhecimento da prescrição. 13. Ocorre, no entanto, que a decisão proferida por aquele Colegiado é causa intaruptiva da prescrição, que terá como termo final a data da sessão de julgamento (v: HC n2 67.943-9, Rei. 554 R.T.J. — 155 Min. Paulo Brossard, DJ 29-6-90, p. 6220). 14. Como já dissemos, o lapso prescricional de 2 anos não ocorreu» (fls. 55/58). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): O que se pede neste habeas-corpus é a declaração da extinção da punibilidade pela prescrição da cobrança da pena de multa, sem que haja a mínima indicação de qualquer ato, de juiz ou de tribunal, sugerindo que esteja sendo cobrada. II — Senhor Presidente, as particularidades do caso impõem suscitar uma questão preliminar relativa à fixação da competência desta Corte, segundo quem seja a autoridade coatora e ao cabimento de habeas corpus para atacar questão ligada à imposição de pena de multa em processo criminal. Preliminar. O Sr. Ministro Maurício Corrêa: (Relator): A competência para conhecer, processar e julgar habeas corpus originário é fixada segundo quem seja a autoridade coatora; desta forma, quando o ato de coação parte de juiz singular da justiça estadual comum, a competência para o habeas corpus é do Tribunal estadual (de Justiça ou de Alçada); quando o ato de coação parte destes tribunais, ou por eles é confirmado, a competência é do Supremo Tribunal Federal, conforme reiterada jurisprudência desta Corte. 2. Neste caso, como dito há pouco, a impetração não impugna — e nem existe — qualquer ato praticado por juiz ou por tribunal que ameace a liberdade de locomoção do paciente, não havendo como fixar a competência desta ou de outra Corte. Na verdade, a impetrante pretende transformar o habeas corpus em ação declaratória de extinção de punibilidade, pela ocorrência da prescrição da pena de multa. 3. Além disto, observo que se impõe o exame do cabimento de habeas corpus para questionar a pena de multa, tanto no processo de conhecimento como no de execução criminal. 3.1 A imposição da pena de multa e a sua execução — assim como no caso de perda da função pública, mesmo quando decorrente de processo criminal — não constituem ameaça concreta, atual ou iminente, ao direito do paciente de ir, vir e permanecer. Por esta razão, tais questões não podem ser objeto de habeas corpus, tal como esta Turma decidiu ao julgar o RHC n2 71.882-5-RJ, por mim relatado na Sessão da última terça-feira (7-3-1995), assim ementado: «Ementa: Recurso de Habeas Corpus. Exclusão de praça da Marinha a bem da disciplina. Descabimento de habeas corpus para impugnar atos que não afetam diretamente o direito de locomoção. Não cabe habeas corpus para impugnar atos que não restrigem a liberdade de locomoção, como ocorre coni o que exclui praça da marinha a bem da disciplina. O babeas corpus é instituto constitucional destinado a restabelecer o direito à liberdade de ir, vir e permanecer, quando já violado, ou preservá-lo, quando sob ameaça concreta, atual ou imininente, contra ilegalidade ou abuso de poder. 3. Precedentes. Recurso de habeas corpus improvido. Unânime.» 3.2 Ressalvo quanto à pena de multa a hipótese em que ela pode ser convertida em pena de detenção, ou seja, quando o conde- 555 R.T.J. — 155 nado solvente deixa de pagá-la ou frustra a sua execução (art. 51, caput, do Código Penal), surgindo então, constrição à sua liberdade de locomoção. Mas noto que esta conversão, não pode ocorrer em processo de o, pois é ato privativo do Juiz conheciment da Execução penal, que seria, então, a autoridade coatora. Acrescento que a coação decorrente da conversão da pena de multa em pena de detenção é legal quando se trata de paciente solvente; ao contrário, é ilegal quando o paciente é insolvente, e apenas nesta hipótese cabe a impetração de habeas corpos, isto é, só cabe o writ quando, no processo de execução penal, a pena de multa aplicada a paciente insolvente é convertida em pena de detenção. No presente caso, não se sabe se a pena de multa está sendo executada e se já foi cogitada a sua conversão em pena de detenção e, assim, não é possível divisar risco concreto, atual ou iminente, desta conversão, como previsto no art. 51, caput, do Código Penal. Com relação ao parecer do Ministério Público Federal, assinalo que não há manifestação sobre a competência para processar e julgar este habeas corpos; assinalo, também, que o precedente nele citado dá como interrompido o curso do prazo prescricional no dia da Sessão do Tribunal que julga a apelação, e não no dia da publicação da sentença; desta forma, o precedente só pode ser aplicado aos casos em que há absolvição na primeira instância —eis que sentença absolutória não interrompe a prescrição, a teor do art. 117, IV, do Código Penal — e que sobrevém condenação no acórdão que julga o apelo do órgão acusador, o que não é o caso dos autos. No mesmo sentido deste HC n2 67.943-SP, Rel. Min. Paulo Brossard, RTJ 139/511, há o 11C n2 56.146-SP, Rel. Min.Soares Multoz, RTJ 87/146. 6. Isto posto e com a vênia do parecer do Ministério Público Federal, não conheço da impetração por ser pertinente à pena de multa e por não existir o risco da sua conversão ilegal em pena de detenção. VOTO (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no Habeas Corpos n2 71.632, afirmou-se que estaria sendo veiculada, na inicial, a prescrição da pretensão executória. Verifiquei as datas e constato que, quando do acórdão que implicou a confirmação da sentença, ainda não havia transcorrido o período de dois anos, alusivo à prescricão. Portanto, não podemos falar de ato de constrangimento emanado do Tribunal. Logo, esta Corte não é competente para apreciar o habeas corpus. Concluo dessa forma, assentando, inicialmente, faltar competência ao Supremo Tribunal Federal para decidir o Habeas Corpus n2 71.632. Temos versada a mesma matéria no Habeas Corpus n2 71.054, e, aí, eu preciso cotejar as datas: «Destarte, se entre a publicação do decisório de 12 grau, verificada a 30 de outubro de 1991, e a data do trânsito em julgado para esta Defensoria Pública do v. acórdão testilhado —9 de dezembro de 1993 (ut Doc. n. V), transcorreu lapso de tempo superior a dois (2) anos, exigidos pela lei penal para que o Estado exercesse o direito de punir, que expirou a 30 de outubro de 1991» É mister apurar a data em que proferido o acordão para saber se, à época da decisão condenatória, já incidira a prescrição, que pode e deve ser pronunciada, em matéria penal, de officio. A data do acórdão — 31 de agosto de 1993 — é anterior ao implemento dos dois anos. Logo, não há constrangimento decorrente de ato do Tribunal. Em ambos os casos, Senhor Presidente, concluo pela incompetência do Supremo 556 R.T.J. — 155 Tribunal Federal para apreciar as impetrações, e determino a baixa dos autos à Corte de origem, ou seja, ao Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro. CONFIRMAÇÃO DE VOTO O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Senhor Presidente, quero, apenas, fumar minha posição no sentido do cabimento do habeas corpus quanto à pena de multa. Nesta questão, que ora levanto, o processo versa sobre pena de multa e não se trata de prisão, quer dizer, não há ameaça, direta ou indireta, que ponha em risco a liberdade de locomoção do paciente. E assim o faço tendo em vista que há seis meses, ao julgar o HC n2 71.058-RJ, na Sessão de 6-9-94, rel. Min. Paulo Brossard, esta Turma, pelos votos dos Ministros Marco Aurélio, Carlos Venoso e Néri da Silveira, entendeu que «cabe babais corpos contra condenação por multa, mesmo quando não há ameaça concreta ao direito de locomoção», vencidos os Ministros Relator e Francisco Rezek; assim, não conheço do baixas corpos. Mas não discordo do Senhor Ministro Marco Aurélio no sentido de determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo quando for o caso de economia processual; ocorre que, na espécie, deixo de determinar esta remessa porque a impetrante não indica qual é a autoridade coatora nem qual seja o ato que implica em coaçãoatual ou iminente, à liberdade de locomoção do paciente, como determinam as alíneas a, parte foral, e b do § 12 do art. 654 do Código de Processo Penal; e não se sabendo qual é a autoridade coatora não é possível saber qual é o Tribunal competente e, certamente, a remessa dos autos em casos como este, implica em dispêndio processual desnecessário. Pedindo vênia aos que entendem em contrário, confirmo meu voto no sentido de não conhecer de habeas corpos contra con- deflação por multa, salvo quando há ameaça concreta e ilegal ao direito de locomoção, pela sua conversão em pena de detenção quando o paciente for insolvente (art. 51 do Código Penal), e também no sentido de que a remessa dos autos a outro Tribunal s6 deve ser feita quando caracterizada a sua competência, a partir de quem seja a autoridade coatora, e, sobretudo, conhecido qual o ato de coação, o que não ocorre neste Caso. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, na verdade, o Tribunal de Alçada não praticou nenhum ato que o coloque na situação de coator. Quando o Tribunal decidiu a apelação, confirmando a sentença que impôs a pena de multa, não havia, ainda, a prescrição. Isto quer dizer que o coator, no caso, é o juiz de primeiro grau, que deixou de extinguir a punibilidade em razão da prescrição, se prescrição realmente ocorreu. Assim, a competência é do Tribunal de Alçada. Com estas breves considerações, peço licença ao Sr. Ministro Maurício Corrêa para não conhecer do habeas corpus, em razão da incompetência originária desta Corte. VOTO (Preliminar) O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): Também estou de acordo com o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio para afirmar a incompetência deste Tribunal, tendo em conta que, ao ensejo do julgamento da apelação pelo Tribunal de Alçada Criminal, ainda não se configurava a prescrição invocada nos autos. Ocorrendo, posteriormente, a prescrição, já na fase de execução da sentença, torna-se autoridade coatora o Juiz das Execuções Penais, e, assim, R.T.J. — 155 competente o Tribunal de Alçada Criminal para apreciar o pedido. Não conheço do habeas corpus e determino a remessa dos autos ao Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro. EXTRATO DA ATA HC 71.632 — RJ — Rel.: Min. Mauricio Corrêa. Pacta.: Glória Raquel Rocha Espindula. Impte.: Adalgisa Maria Steele Macabu. Coator.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro. Decisão: Por maioria, a Turma não conheceu do «habeas corpus» por incompe- 557 tência do STF e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro, vencido, em parte, o Ministro Maurício Corrêa, que não conhecia do pedido por entender incabível, na espécie, o ~ib. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Carlos Valioso, Marco Aurélio e Maurício Conta. Ausente, Justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Mardem Costa Pinto. Brasília, 14 de março de 1995 — Wagner de Amorim Madoz, Secretário. MURAS CORPUS N2 71.732 — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa Paciente: Reginaldo Aparecido Braga — Impetrante: Waldir Francisco Fionorato Júnior — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Habeas corpus. Contravenção penal: Falta de habiliMpio para dirigir veiculo (art. 32 da LCP). Pena de multa: Preliminar de cabimento babais corpus. Defensor público: intimação pelo Diário OfidaL Ntdidade. Preliminar. Cabe habeas carpas para impugnar pena de multa. Precedentes da Turma. Voto venddo do Relator no sentido de que só cabe o writ quando há ameaça concreta, atual ou iminente, de conversão da pena de multa em pena de detenção e o padente E insolvente (art. 51 do CP). Mérito. A intimação do defensor público deve ser feita pessoalmente (6 52 do art. 52 da Lei n2 1.060/50, com a redação dada peta Lei n2 7.871/89), ocorrendo a nulidade prevista no art. 564,111,o, do CPP quando feita pelo Diário Oficial ($ 22 do art. 370 do CPP, acrescentado pela Lei n2 8.701/93). Precedentes. 3. Habeas coruta conbeddo e deferido para anular a intimação do Defensor Público e a certidão de trânsito em julgado do acórdão e determinar que nova intimação seja feita pessoalmente, na forma da lei, com a conseqüente reabertura do prazo recursal. R.T.J.— 155 558 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, conhecer do «habeas corpus», vencido o Sr. Ministro Relator, que não conhecia do pedido por entendê-lo incabível. No mérito, por unanimidade de votos, deferir o «habeas corpus» para anular a certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória e determinar que o defensor público seja intimado pessoalmente. Brasília, 14 de março de 1995 — Néri da Silveira, Presidente — Maurício Corrêa, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa: Esta ordem de habeas corpus foi impetrada por membro da Assistência Judiciária Criminal da Procuradoria do Estado de São Paulo, para dizer que o paciente está sofrendo coação por ato ilegal da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, praticado ao intimar o Defensor Público pelo Diário Oficial, da decisão prolatada no Agravo em Execução n2 848.475/2, que manteve o cálculo da pena de multa, homologado pelo Juiz de Direito da 5' Vara Criminal de Ribeirão Preto. Alega que a intimação é nula porque feita como dispõe o art. 370 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei if 8.701/93, eis que o defensor público goza do privilégio de ser intimado pessoalmente, em face do que dispõe o § 52 do art. 52 da Lei n2 1.060, de 5-2-1950, com a redação dada pela Lei n2 7.871/89, ocorrendo a nulidade cominada no art. 564, III, p (rectius: o), do Código de Processo Penal. Esclarece que a tese sustentada no agravo será objeto de Recurso Especial, a qual encontra respaldo na orientação majoritária do Superior Tribunal de Justiça. Invoca o precedente do HC n2 70.521, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12-10-1993, pág. 20215, e o do HC n2 70.100, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 18-3-1994, pág. 5151. Pede a concessão da ordem para ser decretada a nulidade da certidão de trânsito em julgado do acórdão, determinando-se a intimação pessoal do defensor, com a conseqüente reabertura do prazo recursal. Pede, também, liminar para determinar que o valor possa ser depositado em conta judicial até a solução dei-miava da questão (fls. 2/6). Junta documentos (fls. 7/14). A liminar foi concedida nas férias de julho pelo Min. Carlos Venoso, no exercício da Presidência, pela seguinte decisão (fl. 17), in verbis: «Despacho: — Vistos. Requisitemse as informações. A relevância do fundamento da inicial fica de certo modo abalada, ao que penso, tendo em vista que o impetrante e paciente, embora cientes da decisão do Tribunal, dela não recorreram, ao que parece, preferindo pugnar pela anulação do ato que certifica o trânsito em julgado da decisão. Não obstante, defiro a medida liminar, para o fim de «determinar que os valores a serem pagos pelo paciente fiquem depositados em conta judicial até a solução final da questão», tal como requerida. É que a liminar, em tais termos, não causa prejuízo a quem quer que seja.» Feita a comunicação da liminar concedida ao Presidente do Tribunal coator, concomitantemente com o pedido de informações (fl. 21), vieram os autos do Agravo em Execução (apenso) e as informações, R.T.J. — 155 559 imposta ao paciente pela sua condenação no tipo previsto no art. 32 da Lei das Contravenções Penais (falta de habilitação para dirigir veículo). DI — Senhor Presidente as particularidades do caso impõe suscitar uma questão preliminar relativa à fixação da competência desta Corte, segundo quem seja a autoridade coatora e ao cabimento de habeas corpus para atacar questão ligada à imposição de pena de multa em processo criminal. Preliminar. O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Relator): A competência para conhecer, proapoiando-se nos precedentes do HC n2 cessar e julgar habeas corpus originário é 66.937-MG, Rel. Min. Sydney Sanches, fixada segundo quem seja a autoridade coaDJ de 17-2--89, pág. 972, e do HC n2 tora; desta forma, quando o ato de coação 69.380-SP, Rel. Min. Celso de Mdlo, DJ parte de juiz singular da justiça estadual de 8-4-94, pág. 7227. comum, a competência para o habeas corpus é do Tribunal estadual (de Justiça ou É o relatório. de Alçada); quando o ato de coação parte destes tribunais, ou por eles é confirmado, VOTO a competência é do Supremo Tribunal FeO Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Re- deral, conforme reiterada jurisprudência lator): O que se pede neste habeas corpus desta Corte. é a declaração de nulidade da intimação do No caso, como dito há pouco, a imacórdão do Tribunal de Alçada Criminal petração impugna ato do Tribunal de Alçaprolatado em autos de agravo em execução, da Criminal, praticado ao confirmar deciporque feita pelo Diário Oficial, na forma são do Juiz de Direito das execuções crimigeral prevista no § 22 do art. 370 do Código nais, o que, em tese, implicaria em se dede Processo Penal, acrescentado pela Lei n2 clarar a competência do Supremo Tribunal 8.701, de 1-9-93, sem observância do que Federal para examinar este habeas corpus. dispõe a lei especial (§ 52 do art. 52 da Lei Entretanto, observo que se impõe o n2 1.060/50, com a redação dada pela Lei exame do cabimento de habeas corpos n2 7.871/89), que concede ao defensor pú- para questionar a pena de multa. blico os privilégios de ser intimado pes3.1. A imposição da pena de multa e a soalmente e de ter os prazos contados em sua execução — assim como a perda da dobro. função pública, mesmo quando decorrente II — O ato impugnado é do Tribunal de processo criminal — não se constituem de Alçada Criminal paulista e consistiu em em ameaça concreta, atual ou iminente, ao manter a decisão do Juiz singular prolatada direito do paciente de ir, vir e permanecer. em autos de execução de sentença, que Por esta razão, tais questões não podem ser homologou o cálculo da pena de multa objeto de habeas corpus, tal como esta posteriormente encaminhadas (fls. 29/30), limitaram-se a explicar o equívoco 4. Manifesta-se o Ministério Público Federal (fls. 25/27)), opinando pelo não conhecimento do pedido em parecer assim fundamentado, verbis: «Entendemos, data venia, que o presente habeas corpus não deve ser conhecido, já que inexiste ameaça à liberdade de locomoção do paciente, condenado que foi exclusivamente à pena de multa, sem risco efetivo de conversão em pena privativa de liberdade, na linha aliás do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal», 560 R.T.J. — 155 Turma decidiu ao julgar o RHC n2 71.882- iminente desta conversão, como previsto 5-RJ, por mim relatado na Sessão da última no art. 51, caput, do Código Penal, posto que o pedido cautelar formulado e deferido terça-feira (7-3-1995), assim ementado: «Ementa: Recurso de habeas cor- nestes autos demonstra que o paciente é pus. Exclusão de praça da Marinha a solvente: pediu para depositar o valor da bem da disciplina. Descabimento de multa até a solução da pendência. Por fim assinalo, quanto aos precehabeas carpas para impugnar atos que não afetam diretamente o direito dentes indicados na inicial, que nenhum deles cuida da pena de multa, pois no HC de locomoção. Não cabe habeas corpus para irn- n2 70.100-1-SP., Rel. Min. Francisco Repugnar atos que não restringem a liber- za, o paciente foi aperrado com 9 (nove) dade de locomoção, como ocorre com o anos de reclusão, e no acórdão do HC n2 que exclui praça da Marinha a bem da 70.521-9-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, apesar de não haver referência à pena aplidisciplina. cada, os autos arquivados informam que ali O habeas corpus é instituto cons- houve a aplicação da pena de 6 (seis) meses titucional destinado a restabelecer o di- de detenção. reito à liberdade de ir, vir e permanecer, Isto posto e apesar de o ato atacado quando já violado, ou preservá-lo, quanter sido confirmado por Tribunal Estadual, do sob ameaça concreta, atual ou imiacolho o parecer do Ministério Público Fenente, contra ilegalidade ou abuso de deral e não conheço da impetração por ser poder. pertinente à pena de multa, sem risco de 3. Precedentes. conversão ilegal em pena de detenção, fiRecurso de habeas corpus improvi- cando prejudicada a liminar concedida. do. Unânime.» Voto: Mérito 3.2. Ressalvo quanto à pena de multa a O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Rehipótese em que ela pode ser convertida em lator): Vencido na preliminar de conhecipena de detenção, ou seja, quando o conde- mento do habeas corpus quanto à pena de nado solvente deixa de pagá-la ou frustra a multa, sem risco concreto, atual ou iminensua execução (art. 51, caput, do Código te, de sua conversão ilegal em pena de Penal), surgindo então, constrição à sua detenção, concedo a ordem para declarar liberdade de locomoção. Acrescento que a a nulidade da intimação do acórdão do Tricoação decorrente da conversão da pena de bunal de Alçada Criminal do Estado de São multa em pena de detenção é legal quando Paulo prolatado nos autos do Agravo em se trata de paciente solvente; ao contrário, Execução n2 848.475/2, nos termos do art. é ilegal quando o paciente é insolvente, e 564, III, o, do Código de Processo Penal, apenas nesta hipótese cabe a impetração de porque feita pelo Diário Oficial — e não habeas corpos, isto é, só cabe o writ quan- pessoalmente — sem observância do que do, no processo de execução penal, a pena dispõe o § 52 do art. 52 da Lei n2 1.060/50, de multa aplicada a paciente insolvente é com a redação dada pela Lei n2 7.891/89, e convertida em pena de detenção. a conseqüente nulidade da certidão de trân4. No presente caso, ainda que se trate sito em julgado do referido acórdão, e dede execução de pena de multa, não se cogi- terminar que o defensor público seja intitou da sua conversão em pena de detenção mado pessoalmente, na forma da lei, com a e nem é possível divisar o risco concreto e conseqüente reabertura do prazo recursal. R.T.J. — 155 Determino que sejam desapensados os autos do Agravo em Execução e devolvidos ao Tribunal que o encaminhou. VOTO (S/PRELIMINAR) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, pelo que pude perceber, a Corte de origem dirimiu controvérsia sobre a execução da pena. Fê-lo para deferir a incidência de fator alusivo à correção monetária. O Paciente foi condenado como incurso na Lei de Contravenções Penais, artigo 32, ou seja, por dirigir veículo automotor sem a habilitação. Foi condenado também à pena de multa. Quanto à competência desta Corte, ela é ditada pela circunstância de o ato de constrangimento advir de uma decisão de tribunaL Muito embora o tribunal não tenha a qualificação de superior, a jurisprudência até aqui dominante, contra o meu voto e dos Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e limar Gaivão, é no sentido de que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar esses habeas corpus. Conheço, portanto, da impetração. Relativamente ao mérito, peço vênia ao nobre Relator para divergir. O habeas corpus pode ser preventivo. Imposta pena de multa a pessoa que se mostra solvente, há o risco quanto à prisão? Sim, porquanto o artigo 51 do Código Penal preceitua que, não satisfeita a pena de multa por devedor solvente, poderá — inclusive S. Exa. faz essa ressalva ao término do voto — ser convertida em pena de detenção. Houve o depósito, mas persiste a irresignação do Paciente quanto ao valor cobrado e tudo indica que ele não virá a satisfazê-lo pois entende que o valor não é devido, que houve um acréscimo, em virtude da reposição do poder aquisitivo da moeda de forma discrepante da ordem jurídica. Pergunto: existe a potencialidade, pelo menos sob esse ângulo, o risco dele vir a 561 ser preso? Sim, tanto que S. Exa. o Relator, no final do voto, ressalva a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção, tal como previsto no Código Penal. O condenado é solvente e não quer pagar a multa, como arbitrada. Então, exsurge a pertinência, a adequação do remédio utilizado — o habeas corpus. Se procede, ou não, a causa de pedir da impetração, é outra coisa. O que precisamos definir é se, estando a condenação restrita à pena de multa, e se o condenado se insurge em relação à execução dessa pena de multa, fica latente o risco à liberdade. Entendo que sim. E af o habena corpus ganha contornos preventivos. Esta Turma já decidiu, a uma só voz, nesse sentido. Pode ser que hoje, como ontem, modifique tal postura. Refiro-me ao nabais Corpus n2 69.791, de Santa Catarina, do qual fui Relator. A decisão unânime é do dia 2 de março de 1993, e foi publicada no Diário de 23 de abril de 1993. Assentou-se que é apropriado o habeas corpus, se ainda não paga a multa, e até aqui não foi paga; o que houve foi um simples depósito ante a potencialidade da transformação em pena de detenção (artigo 51 do Código Penal). Porque, Presidente, admito o habeas corpus preventivo como harmônico com a ordem jurídica e creio que ninguém ousa asseverar o contrário, a inadmissibilidade, conheço do pedido formulado. VOTO (S/PRELIMINAR) O Sr. Ministro Carlos Vdloso: Sr. Presidente, encaro com largueza a disposição constitucional que, ao instituir o habeas corpus, estabelece que protegerá ele a liberdade de locomoção. Repito, é com a maior largueza que interpreto o dispositivo constitucional. E que se tem, no caso, uma garantia constitucional. As garantias constitucionais, recomendam os hermeneutas 562 R.T.J. — 155 de Direito Constitucional, devem ser interpretadas com a maior largueza, conferindolhes a maior eficácia. Essa é uma regra de hermenêutica constitucional. De modo que, quando se tem um habeas corpos atacando uma pena de multa que, em princípio, não diz respeito à liberdade de locomoção, tenho para mim que o habena corpos deve ser conhecido, porque de modo indireto, de forma indireta a liberdade de locomoção poderá ser atingida. Ora, o condenado a uma pena de multa, se é solvente e não paga, pode ter decretada a sua prisão, pode ser a pena de multa convertida em pena de detenção. Temos que decidir a questão em termos genéricos; a questão é posta em tese: cabe ou não habeas corpos quando a causa do pedir ataca a pena de multa? Penso que cabe, dadas as suas implicações de modo reflexo, de modo indireto, com a liberdade de locomoção. Sr. Presidente, com essas breves considerações reportando-me ao decidido nesta Turma no Habeas Corpos n2 71.632, que cuidou de caso semelhante, meu voto, com a licença do Sr. Ministro-Relator, é no sentido de conhecer do habeas corpos. VOTO (S/PRELIMINAR) O Sr. Ministro Néri da. Silveira (Presidente): Verifico que o Sr. Ministro Relator teve presente a jurisprudência constituída na Turma, inclusive o Habeas Corpus n2 69.791. No caso anterior referido, o paciente depositou em juízo o valor da multa. Ele não poderia se tornar insolvente ou deixar de querer pagar essa multa, pois já manifestara a vontade de fazê-lo pelo valor devido; então não existiria risco à liberdade de ir e vir. De fato, se o juiz decidisse que o valor da multa era efetivamente aquele depositado, esse valor já estaria à disposição do juízo. Penso que, nas circunstâncias, do caso concreto, em que o depósito é insuficiente e o paciente se recusa a efetuar depósito maior, assim como determinado pelo Juiz, há, sem dúvida, o risco de conversão dessa multa em detenção, por não desejar o paciente, até agora, pagar o quantum estabelecido na decisão judicial. Nesse caso, compreendo que cabe o habeas corpus. Na hipótese em apreciação, peço vênia ao ilustre Ministro Maurício Corrêa, para conhecer do habeas corpus. CONFIRMAÇÃO DE VOTO (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Relator): Senhor Presidente, quero, apenas, firmar minha posição no sentido do cabimento do habeas corpus quanto à pena de multa. Nesta questão, que ora levanto, o processo versa sobre pena de multa e não se trata de prisão, quer dizer, não há ameaça, direta ou indireta, que ponha em risco a liberdade de locomoção do paciente. E assim o faço tendo em vista que há seis meses, ao julgar o AC rP 71.058-RJ, na Sessão. de 6-9-94, Rel. Min. Paulo Brossard esta Turma, pelos votos dos Ministros Marco Aurélio, Carlos Venoso e Néri da Silveira, entendeu que «cabe habeas corpus contra condenação por multa, mesmo quando não há ameaça concreta ao direito de locomoção», vencidos os Ministros Relator e Francisco Rezei; assim, não conheço do habeas corpus. EXTRATO DA ATA HC 71.732 —SP —Rel.: Min. Maurício Corrêa. Pacte.: Reginaldo Aparecido Braga. Impte.: Waldir Francisco Honorato Junior. Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Decisão: Preliminarmente, a Turma conheceu do «habeas corpus», vencido o Sr. Ministro Relator que não conhecia do pe- R.T.J. — 155 dido por entendê-lo incabível. No mérito, por unanimidade, a Turma deferiu o «habeas corpus» para anular a certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória e determinar que o defensor público seja intimado pessoalmente. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores 563 Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Maurício Corrêa. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Rezelc Subprocurador-Geral da República, o Dr. Mardem Costa Pinto. Brasília, 14 de março de 1995 — Wagner Amorim Madoz, Secretário. BARRAS CORPUS N2 72.233 — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa Pacientes: Benedito Aparecido de Moraes e José Avelino Soares — Impetrante: José Jorge Filho — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Furto qualificado. Concurso de pessoas. Prestação de serviços à comunidade. Perdão judicial. Indulto. Punibilidade. Prescrição. I. A Constituição Federal preconiza que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a prestação social alternativa (art. 52, XLVI, d). Seu conceito e condições estão definidos no art. 46 e seu parágrafo único, do Código Penal. A imposição da prestação de serviço à comunidade como condição para o sursis não constitui constrangimento ilegal. Mesmo que, porventura, ao estabelecer as tarefas para o cumprimento da pena o Juiz tenha exorbitado, não é de ser conhecida a competência originária da Suprema Corte para processar e julgar o habeas corpos. O habeas empas não é via adequada para requerer perdão judicial ou indulto. Considerados os termos internmtivos (recebimento da denúncia, sentença condenatória e trânsito em julgado), tem-se que, in casu, não transcorreu o prazo necessário à consumação da prescrição pela pena concretizada. Conhecido, em parte, o pedido de habeas anus e, nessa parte, indeferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamen- to e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer, em parte, o pedido e, nessa parte, o indeferir. Brasília, 11 de abril de 1995 —Néri da Silveira, Presidente — Mauricio Corrêa, Relator. 564 R.T.J. — 155 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa: A inicial, dirigida ao Colendo Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, revela que os pacientes foram condenados a dois anos de reclusão e ao pagamento de dez dias-multa, cada um, beneficiando-se DD i DD D 1:111*DDID serviços à comunidade, no primeiro ano do período probatório, por infringência ao art. 155, § 42, IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, cuja sentença resultou confirmada, em grau de apelação, consoante acórdão daquela Corte. Por isso, o mesmo Tribunal, tornandose coator, em tese, deu-se por incompetente para conhecer e decidir o writ e determinou a remessa dos autos para o Supremo Tribunal Federal. Insurge-se a impetração contra a imposição da prestação de serviços à comunidade como condição do sursis, por considerá-la humilhante para os pacientes. Afora esta argüição, requer o reconhecimento da prescrição da punibilidade e, alternativamente, a concessão de perdão judicial ou de indulto em favor dos pacientes. Acolhendo proposta do Ministério Público Federal, deferi diligência para exame da alegada prescrição, cujo cumprimento se deu com as informações complementares contidas no ofício originário do Juiz prolator da sentença, e seus anexos (fls. 50/58). Oficiando às fls. 59/62, a ProcuradoriaGeral da República, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral, Edson Oliveira de Almeida, opinou pelo indeferimento do writ. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Relator): No que concerne ao argumento de que é humilhante a imposição da prestação de serviço à comunidade como condição para o sursis, bem como no referente à concessão de perdão judicial ou indulto, não conheço do pedido. A Constituição Federal preconiza que a lei regulará a individualização da ae . cr. en • outras, a prestação social alternativa (art. 52, XLVI, d). Seu conceito e condições estão definidos no art. 46 e seu parágrafo único, do Código Penal. Como bem salientado no parecer da Procuradoria-Geral da República, mesmo que, porventura, ao estabelecer as tarefas para o cumprimento da medida o juiz tenha exorbitado, não é de ser reconhecida a competência originária da Suprema Corte. É que a especificação das obrigações decorrentes da prestação de serviços à comunidade ficou relegada para a fase da execução, de acordo com o que fora consignado na audiência admonitória (fls. 27/37). Portanto, como bem observado pelo d. parecer de fl. 32, sendo essa coação atribuível ao juízo das execuções, a reparação de eventual ilegalidade ou arbitrariedade deve ser postulada perante o Tribunal de Alçada Criminal. Neste particular aspecto, acresce observar que o pedido está processado sem documentação comprobatória de que o juiz exorbitou ao estabelecer as tarefas. Por outro lado, o habeas corpus não é via adequada para requerer perdão judicial ou indulto. Com bastante propriedade, destacou o douto Procurador de Justiça, à fl. 32: «Se é que possa ser deferida tal pretensão, deve ela ser requerida perante a Vara das Execuções Criminais no âmbito da qual se processa a execução da pena do setenciado e, acaso denegada, o recurso próprio para a reabertura da discussão é o recurso de agravo previsto no art. 197 da L E P.» R.T.J. — 155 Quanto à alegada prescrição, não há como acolhê-la, haja vista para o que se acha inserto no parecer de fls. 59/62: «Os fatos datam de 30-12-87 e a denúncia foi recebida em 15-4-88. A sentença do MM. Juiz de Direito da 1* Vara da Comarca de Amparo-SP, publicada em 11-7-90 (fl. 51), condenou os pacientes a dois anos de reclusão, mais multa, por infringência ao art. 155, § 49, IV, c.c. o art. 29, do Código Penal, sendo concedido o sursis, pelo prazo de dois anos, com prestação de serviços àcomunidade no primeiro ano do período probatório. Essa decisão foi confirmada em segundo grau, por acórdão datado de 9-3-94 (fl. 56), tansitando em julgado em 27-6-94 (fl. 57). Portanto, considerados os termos intaruptivos (recebimento da denúncia, sentença condenatória e trânsito em julgado), tem-se que não transcorreu o prazo de quatro anos necessário à consumação da prescrição pela pena concretizada (art. 109, V, c.c o art. 110, §§ 1 2 e r, do Código Penal).» 565 Evidencia-se que não ocorreu prescrição. Sendo assim, nesta parte, conheço do pedido mas indefiro o habeas corpus. É o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 72.233 — SP — Rel.: Min. Maurício Corrêa. Pactes.: Benedito Aparecido de Moraes e José Avelino Soares. Impte.: José Jorge Filho. Coator.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Decisão: Por unanimidade, a Turma conheceu, em parte, do pedido e, nessa parte, o indeferiu. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Carlos Velloso e Maurício Corrêa. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Marco Aurélio e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República o Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 11 de abril de 1995 — Wagner de Amorim Madoz, Secretário. RABEAS CORPUS N2 72389 — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa Paciente: Mario Germano de Oliveira — Impetrante: Raimundo de Menezes Lima — Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Habeas Corpus. Extorsão qualificada Desclassificação para estelionato. Efeitos estendidos ao co-réu não entbargante. 1. Admissibilidade do habeas compus para conhecer do pedido de extensão da desclassificação do crime de extorsão para o de estelionato, decidida em embargos hdrIngentes, porquanto, não obstante haja o paciente apelado mediante recurso distinto do interposto pelos co-réus, a sentença condenatória que abrangeu todos os apelantes foi 566 R.T.J. — 155 prolatada numa única ação penal em que o delito foi tipificado como extorsão. A desclassificação do tipo extorsão para o tipo estelionato beneficia a todos os agentes, não se admitindo que a mesma prática delitiva descrita nos autos da ação penal seja classificada como estelionato para uns e extorsão para outros. Aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal. 4. Habeas carpas deferido para desclassificar o crime de extorsão para estelionato. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros componentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o «habeas coreus» para desclassificar o crime de extorsão para estelionato, determinado a imediata soltura do paciente, se por «ai» não houver de permanecer preso, em virtude de já ter cumprido a pena resultante desta decisão. Brasília, 23 de maio de 1995 — Néri da Silveira, Presidente — Maurício Corrêa, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O paciente e os co-réus André Anduolo, Antônio Francisco de Siqueira e Luiz Carlos Barbério foram condenados como incursos nas penas do art. 158, 1 2, 1' parte, do Código Penal. Todos apelaram da sentença, sendo que o recurso do paciente (Apelação Criminal n2 807.905/5) tramitou desmembrado do apelo interposto pelos coréus (Apelação Criminal n2 842.829/3). O Tribunal apontado como coator, ao julgar a apelação apresentada pelos três co-réus, decidiu, por maioria, dar provimento parcial ao apelo, apenas para redução da reprimenda, mantendo assim o entendimento de que ocorrera a prática de extor- são qualificada pelo concurso, vencido o Juiz Walter Swemsson que votou pela desclassificação do delito para estelionato, «ajustando-se as penas para 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, expedindo-se alvará de soltura em favor dos apelados, face o cumprimento da pena privativa de liberdade» (fls. 10/22). Com fundamento neste voto vencido, os co-réus André Anduolo e Antônio Francisco de Siqueira interpuseram Embargos Infringentes que, acolhidos, por maioria, resultaram por «desclassificar o crime para estelionato art. 171, caput do CP e reduzir as penas dos embargantes para 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, estendendo os efeitos ao co-réu não embargante, Luiz Carlos Barbério, cuja pena passa a ser de 1 ano, 5 meses de reclusão e 14 dias-multa, expedindo-se alvarás de soltura clausulados em favor de todos eles». (fl. 23) Já no julgamento da apelação do ora paciente, o Tribunal manteve a sua condenação, por maioria de votos, vencido o Juiz Walter Swemsson que também desclassificara o delito para estelionato. Todavia, julgado separadamente e antes dos seus comparsas, o paciente não interpôs embargos infringentes. Daí a presente impetração dirigida ao Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que declinou da sua competências, por haver julgado a apelação criminal R.T.J. — 155 do paciente, remetendo os autos para esta Corte. Oficiando às fls. 66/71, a d. Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do eminente Subprocurador-Geral, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, opina pela concessão da ordem para se estender ao co-réu, ora paciente, a desclassificação operada nos embargos infringentes de outros coréus e, em conseqüência, reajustar a condenação imposta a 1 ano, 2 meses e 11 diasmulta, por estelionato. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauricio Corrêa (Relator): Tenho como inquestionável a admissibilidade do pedido de extensão do julgado, por via deste babeas corpus, a teor do disposto no art. 580 do CPP, porquanto, não obstante haja o paciente apelado mediante recurso distinto do interposto pelos co-réus, a sentença condenatória que abrangeu todos os apelantes foi prolatada numa única ação penal em que o delito foi tipificado como extorsão. Houvesse o paciente interposto embargos infringentes com fundamento no voto vencido, da lavra do Juiz Walter Swemsson, quando do julgamento da sua apelação (Apelação Criminal n2 807.905/5), por certo teria logrado êxito na desclassificação do crime para estelionato, como ocorreu na Apelação Criminal n2 842.829/3 que beneficiou os co-réus, um dos quais não embargante. Entendo que, ao acolher os embargos para desclassificar o crime para estelionato e reduzir as penas dos embargantes, estendendo os efeitos ao co-réu não embargante, Luiz Carlos Barbério, porque este figurava como apelante ao lado dos embargantes (Apelação Criminal n2 842.829/3), o Tribunal poderia, de ofício, ter estendido os mes- 567 mos efeitos ao paciente, embora não embargante e apelante em processo desmembrado. Isto porque, quando do julgamento da apelação dos co-réus (Apelação Criminal n2 842.829/3), o voto vencido se reportou à decisão proclamada após o julgamento da apelação do paciente (Apelação Criminal n2 807.905/5), como noticiado à fl. 20 dos autos. Não posso conceber que diante do nexo causal em identidade de crime com outros acusados, em favor dos quais foram expedidos alvarás de soltura, o paciente permaneça cumprindo pena de reclusão, como incurso no crime de extorsão. A desclassificação do tipo extorsão para o tipo estelionato beneficia a todos os agentes, não se admitindo que a mesma prática delitiva descrita nos autos da ação penal seja classificada como estelionato para uns e extorsão para outros. Ante o exposto, defiro o pedido de habens corpos para estender ao paciente a desclassificação decidida nos referidos embargos infringentes e que beneficiou os outros co-réus, reajustando-se a cominação da pena de 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 11 (onze) dias-multa. Pelas peculiaridades do caso, fixei esta pena, levando-se em conta a mesma que foi aplicada ao co-réu André Anduolo, que havia sido condenado a sete anos, dois meses e vinte dias de reclusão e a dezesseis dias-multa, e que após a decisão embargada teve a pena reduzida, no tipo estelionato, para 1 ano, 2 meses e 11 dias-multa, situação absolutamente idêntica a do paciente. Expeça-se alvará de soltura, tendo em vista que o paciente já cumpriu de sobra a pena. É o meu voto. 568 R.T.J. — 155 EXTRATO DA ATA HC 72.389 — SP — Rel.: Má. Maurício Corrêa. Pacte.: Mario Germano de Oliveira Impte.: Raimundo de Menezes Lima. Coator: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Decisão: Por unanimidade, a Turma deferiu o «habeas corpus» para desclassificar o crime de extorsão para estelionato, determinando a imediata soltura do paciente, se por «ai» não houver de permanecer preso, em virtude de já ter cumprido a pena resultante desta decisão. Presidência do Senhor ministro Néri da Silveira, Presentes à Sessão os Senhores Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 23 de maio de 1995 — Wagner Amorim Madoz, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 117.802 — PR (Primeira Turma) Relator.: O Sr. Ministro Binar Gaivão Recorrente.: Estado do Paraná — Recorrido.: Armando Albini Camati Acórdão que determinou alteração no cálculo de proventos de inatividade de servidor estadual, para que nele fosse considerada gratificação de Salubridade tida por devida ao servidor, em face da prestação de serviços nas condições descritas em lei estadual. Alegada violação à norma do art. 102, § 22, da EC/01169 e à Súmula 339 do STF. Mandado de Segurança que, ademais, teria sido concedido com afronta ao art. 153, § 21, da carta pretérita, porquanto sem que se estivesse diante de direito líquido e certo. Temas não ventilados no acórdão recorrido, contra o qual não foram opostos embargos declaratórios com vistas ao indispensável preqüestionamento. Questões constitucionais que, ademais, não restaram caracterizadas, já que não se pode falar, nas circunstâncias descritas, em aumento de proventos de inatividade para além do valor da remuneração percebida na atrvidade, muito menos mediante indevida aplicação do principio da isonomia. De outra parte, o pressuposto do direito liquido e certo é insuscetível de ser reapreciado em recurso extraordinário, por envolver reexame de prova, no caso, em face de lei local. Recurso não conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes au- tos, acordam os Ministros do Supremo Tri- bunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas por unanimidade de votos, em não conhecer do recurso extraordinário. R.T.J. — 155 Brasília, 26 de abril de 1994 —Moreira Alves, Presidente — limar Gaivão, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): Armando Albini ("Annan, aposentado no cargo de dentista do Instituto de Assistência ao Menor, impetrou mandado de segurança contra o Governador e o Secretário de Administração do Estado do Paraná, pleiteando a inclusão em seus proventos de gratificação pela execução de trabalho de natureza especial, com risco de vida e saúde, prevista no art. 172, V, da Lei Estadual n2 6.174, de 16-11-1970. Alegou que a partir da data de sua designação para operar com instrumentos radiológicos dentários passou a ter direito à percepção da gratificação, mas não obteve atendimento nos vários pedidos que fez pela via administrativa, que sempre eram indeferidos sob a justificativa de que o auferimento estaria a depender da edição de atos regulamentares necessários à execução das disposições da Lei n2 6.174/70. O Tribunal de Justiça paranaense deferiu a ordem nestes termos (fis. 136/138): «A gratificação pedida pelo impetrante é vantagem prevista no artigo 172 inciso V da Lei n2 6.174/70 que atribui ao funcionário «pela execução de trabalho de natureza especial com risco de vida e saúde.» É bem verdade que pelo disposto no artigo 173 do mesmo Estatuto a atribuição das vantagens reger-se-á por regulamentação própria A regulamentação própria exigida pelo disposto no artigo 173, existe e está em pleno vigor, em razão do Decreto n2 14.177, que consolida a legislação sobre a gratificação decorrente de risco de vida ou saúde e dá outras providências, 569 publicada em 20 de fevereiro de 1964, pelo que contém o texto do parágrafo único do artigo 354 da multicitada Lei n2 6.174/70 que preceitua — «Até que sejam expedidos os atos de que trata esse artigo, continuará em vigor a regulamentação existente, excluídas as disposições que conflitam com as da presente lei modifiquem-nas ou, de qualquer forma impeçam o seu integral cumprimento.» Por isso que temos que o direito de receber a gratificação pelo impetrante é inconteste, líquido e certo, tendo em vista que no desempenho de suas funções estava sujeito aos efeitos da radiologia. O Decreto n2 14.177 de 19-2-64 veio regulamentar o pagamento da gratificação de que se trata e, em seu artigo r, inciso I, letra a dispõe: — «Esta vantagem também é devida ao servidor que no exercício peculiar de atribuições próprias de seu cargo ou função: — I — tenha contato habitual direto, permanente e, exclusivo com: a) — material nocivo à vida ou à saúde decorrente de exame de laboratório do qual resultem emanações de gases letais ou provenientes de produtos radioativos». E, pelo disposto no artigo 42, a gratificação corresponde ao máximo sob 1/3 do vencimento-base atribuído à série de classe a que pertencer o beneficiário, com exclusão das demais vantagens. Pela própria Ordem de Serviço n2 22/78 vê-se que o impetrante foi designado como radiologista para atender solicitações de exames radiológicos dentários. Não há como deixar-se de reconhecer o seu direito líquido e certo de ter revisto os seu proventos de aposentado- 570 R.T.J. — 155 ria a fim de neles ser incluída a gratificação pedida. Fácil observar-se pelo parecer encaminhado ao douto Procurador-Geral do Estado (fls. 66/71 — aprovado pelo próprio) que se reconheceu o direito do impetrante, que embora com ele concordasse a Assessora (fls. 74/75) da Casa Civil não viu viabilidade na concessão pela falta de regulamentação. O ato omissivo da administração tornou-se comissivo quando do ato de aposentação não atendeu o pedido administrativo de incorporar aos seus venchnentos a gratificação pedida administrativamente, violando o direito líquido e certo do impetrante. Não havendo o Poder Executivo expedido os atos complementares necessários à plena execução das disposições da Lei n2 6.174/70, em vigor, ficou a legislação deficiente no que tange à sua regulamentação. E como o direito de pleitear na esfera administrativa prescreve em cinco anos no que tange a ato que decorra de aposentadoria (art. 265 inciso Ido Estatuto) e porque a omissão no ato de aposentadoria veio ferir o direito líquido e certo do impetrante de ter aos seus proventos incorporada a gratificação pedida é que se defere a ordem parcialmente no sentido de que a administração promova a implantação da gratificação com risco de saúde aos proventos de aposentadoria do impetrante, na base prevista no artigo 42 do Decreto n2 14.177, em que houver por bem a administração fixar, a partir da data da aposentadoria, devendo o pagamento ser efetuado na forma do disposto no artigo 12 da Lei n2 5.021 de 9 de junho de 1966, ou seja: as prestações vencidas a partir da data do ajuizamento da inicial e o atrasado de confor- midade com o § 32 do mesmo artigo da citada lei.» O Estado do Paraná manifestou recurso extraordinário, com fundamento no art. 119, RI, a e d, da Carta anterior, sustentando que foram malferidos os arts. 102, § e 153, § 21 (citado como 22), da mesma Constituição e que houve dissenso com a Súmula 339 (citada como 330) e com arestos deste Tribunal. Argüiu a relevância da questão federal. Admitido o recurso pelo despacho de fls. 166/168, subiram os autos a esta Corte. O relator que me precedeu, Ministro Sydney Sanches, julgou prejudicada a argüição de relevância e considerou o recurso como a versar apenas tema de índole constitucional (fls. 182). A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não-conhecimento do recurso. É o relatório. r, VOTO O Sr. Ministro Untar Gaivão (Relator): Registre-se, inicialmente, que se trata de recurso anterior à Carta de 1988, com a alegação não apenas de afronta a normas e 153, § 21, constitucionais (arts. 102, § da EC n2 01/69), mas também de divergência com a Súmula 339 que, de sua vez, também encerra questão de natureza constitucional, motivo pelo qual todos os fundamentos seriam passíveis de apreciação. Acontece, entretanto, que nenhum deles foi ventilado pelo acórdão recorrido, não havendo o recorrente, por outro lado, suscitado o necessário pronunciamento da Corte de origem, sobre a matéria, por via de embargos declaratórios. Padece o recurso, portanto, da ausência do pressuposto de preqüestionamento, o que o toma insuscetível de exame nesta instância extraordinária. r, R.T.J. — 155 Ainda que assim não fosse, forçoso seria concluir pela improcedência das alegações da ofensa à Constituição, já que, no caso, o acórdão recorrido, ao deferir o mandado de segurança, em absoluto, não aumentou os proventos de inatividade do recorrido para além do valor da remuneração percebida na atividade, muito menos mediante aplicação do princípio isonômico, tendo-se limitado, ao revés, a acolher o pedido de inclusão, no cálculo da aludida vantagem funcional, da gratificação postulada, tendo em vista a efetiva prestação de serviço nas condições previstas em lei local. De outra parte, não seria suficiente para sustentar o recurso extraordinário a alegação de que o mandado de segurança foi deferido sem que se estivesse diante de direito líquido e certo, conclusão a que não se Chegaria sem revolvimento de prova, providência incomportável no recurso extraordinário. Incidem, pois, como ressaltado pela douta Procuradoria-Geral da República, as 571 Súmulas n2s 280 e 282, razão pela qual meu voto é pelo não-conhecimento. EXTRATO DA ATA RE 117.802 — PR — Rel.: Min. limar Gaivão. Recta: Estado do Paraná (Mv.: Antonio Carlos de Arruda Coelho). Recdo.: Armando Albini Camati (Advs. Gil Cesar Dantas Bruel e outro). Decisão: A Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unânime. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Sepúlveda Pertence e Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso d'e Mello e Limar Gaivão. Compareceu o Sr. Ministro Octavio Gallotti, Presidente do Tribunal, a fim de julgar os processos a ele vinculados. SuprocuradorGeral da República, o Dr. Geraldo Brindeiro. Brasília, 26 de abril de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. 1". RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 129943 — RI (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrente: Estado do Rio de Janeiro —Recorridos: JoséFerreira de Andrade Filho e outros. Constitucional. Servidor público. Ascensão funcional: Inconstitucionalidads. CF, art. 37, II. I — A Constituição de 1988, ao estabelecer, no art. 37, II, que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, não admite o provimento derivado mediante ascensão funcional. II — RE conhecido e provido. 572 R.T.J. — 155 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, conhecer do recurso e lhe dar provimento para cassar a segurança. Brasília, 5 de outubro de 1993 — Néri da Silveira, Presidente — Carlos Veiloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: José Ferreira de Andrade Filho e outros, motoristas policiais da Secretaria da Polícia Civil do Estado &Rio de Janeiro, impetraram mandado de segurança contra ato omissivo do Senhor Secretário de Estado da Policia Civil, consubstanciado na não convocação de motoristas policiais para a realização de prova de seleção destinada à ascensão à Classe de Detetive do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, nos termos da Lei Estadual n2 1.095, de 15-12-86. Os impetrantes narraram que, considerando a urgente necessidade de arregimentar um grande número de integrantes para a referida classe, a Lei n2 1.095/86 concedeu aos motoristas policiais, independentemente de escolaridade, ascensão, determinando que a Academia Estadual de Polícia procedesse à seleção, através de prova, de 400 motoristas. Apesar de tal determinação legal, apenas em 23-2-88 a autoridade impetrada autorizou a abertura de inscrição aos candidatos. Em 12-7-88, foi publicada a relação dos aptos a participar da seleção, mas não houve chamada para a realização da prova. Alegaram que a atitude omissiva da autoridade constitui abuso de poder, violando seu direito adquirido, que não foi suprimido pela nova Constituição Federal. A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 25/29, afirmando, preliminarmente, que o writ é intempestivo. No mérito, sustentou que os impetrantes não têm direito adquirido, mas tãosomente expectativa de direito e que não existiu abuso de poder por parte do administrador, que tem poder discricionário para a escolha do melhor momento para a prática do ato administrativo. O Estado do Rio de Janeiro, às fls. 32/34, argumentou que os autores não têm direito subjetivo, «porque a norma legal mencionada deixou a juízo do Poder Executivo o exame da oportunidade de executar o acesso nela previsto» e, também, «porque o instituto do acesso foi revogado pela Constituição Federal de 1988». O Segundo Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, rejeitou a preliminar de intempestividade e concedeu a segurança, para que, «dentro do prazo de nossértta dias, o Sr. Secretário de Estado da Polícia Civil promova os atos para o cumprimento do disposto no art. 22 da Lei 1.095/86». É a seguinte a ementa do aresto de fls. 49/50: «Lei Estadual n2 1.095, de 15-12-1986. Prova seletiva para ingresso de Motorista Policial na classe inicial de Detetive do Quadro Permanente da Polícia Civil. Sendo o ato omissivo da autoridade pública, é ele renovado a cada dia. Existindo lei, é ela para ser cumprida, salvo sua revogação efetuada pelo órgão competente ou sua argüição de inconstitucionalidade devidamente processada. Concessão da Ordem.» No que tange à alegada violação ao art. 37,11, da Carta Magna, o acórdão ressaltou e R.T.J. — 155 e que não foi pleiteada a revogação da Lei 1.095/86, nem foi argüida a sua inconstitucionalidade, nos termos do art. 100 do Regimento Interno daquela Corte. Concluiu que ao administrador resta cumpri-la, não lhe cabendo, «a esta altura», escolher o melhor momento para fazê-lo. O Estado do Rio de Janeiro opôs embargos de declaração (fls. 53/57), rejeitados à unanimidade. Inconformado, interpôs recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a , da Constituição Federal, alegando que o aresto violou os arts. e 37, II, da Constituição Federal (fls. 74/81). Afirma, em síntese, que: a decisão violou o art. r da Carta Magna, ao obrigar o Poder Executivo a realizar proredimento para o provimento de cargo público, ofendendo o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Cabe exclusivamente ao Executivo julgar a necessidade e a oportunidade de prover os cargos do serviço público. «A lei cabe, nos limites constitucionais, apenas estabelecer as formas e as condições de provimento e de desprovimento»; «o art. da Lei ng 1.095/86, que prevê a ascensão como uma das formas de provimento dos cargos do Quadro da Polícia Civil, foi revogado pelo art. 37, II, da nova Carta Política». A Emenda Constitucional n2 1/69 condicionava apenas a primeira investidura em cargo público à prévia aprovação em concurso público, mas a Constituição Federal ora vigente, no art. 37, caput e inciso II, inovando, exige a aprovação em concurso público para investidura em qualquer cargo ou emprego da administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Extinguiu, portanto, a possibilidade de ascensão; r 2® 573 O despacho de fls. 89/91 admitiu o recurso. A ilustrada Procuradoria-Geral da República, em parecer de fls. 104/111, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso (Relator): Ao julgar as ADIns n2s 231-RJ e 245RJ, relatadas pelo Sr. Ministro Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de que a ascensão funcional não é admitida pela Constituição de 1988, art. 37, II. Os acórdãos das mencionadas ADIns &is 231-RJ e 245-RJ portam as seguintes ementas: ADIn n2 231-RJ «Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. — O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a «promoção». Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público 574 R.T.J. — 155 ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados. O inciso R do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o «aproveitamento», uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os artigos 77 e 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro.» ADIn n2 245-RJ: «Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Polícia Civil. Carreira de Delegado. Ascensão funcional. Se a Constituição Federal, no parágrafo 42 do artigo 144, estabelece que as polícias civis dos Estados serão dirigidas por delegados de polícia de carreira, não será possível, inclusive para as Constituições Estaduais, estabelecer uma carreira única nas polícias civis, dentro da qual se incluam os delegados, ainda que escalonados em categorias ascendentes. O que a Constituição exige é a existência de carreira específica de delegado de policia para que membro seu dirija a polícia civil, tendo em vista, evidentemente, a formação necessária para o desempenho dos cargos dessa carreira. A ascensão funcional não mais é admitida pelo inciso II do artigo 37 da atual Constituição. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucional o parágrafo 1 2 do artigo 185 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro». Do exposto, conheço do recurso e doulhe provimento, para o fim de cassar o mandado de segurança. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, continuo convencido de que não é incompatível com a Carta de 1988 o Instituto da ascensão funcional. O artigo 39 da Carta cogita do estímulo à carreira, e este não pode ficar limitado à mudança de referências; à mudança de níveis, devendo, também, alcançar o que reputo de maior valia — a ascensão a um outro cargo, desde que, para tanto, conte-se com a escolaridade exigida, a colação na carreira, e também, proceda-se à real' raça° de um concurso interno. Todavia, este não é o entendimento do Plenário, conforme salientou o nobre Relator em vários julgados. O Pleno tem consignado a incompatibilidade. Atuando, como atuo, em órgão fracionado, coloco em plano secundário o entendimento pessoal e homenageio a jurisprudência, acompanhando o Relator. Conheço do recurso e lhe dou provimento. EXTRATO DA ATA RE 129.943 — RJ — Rel.: Min. Carlos Velloso. Recte.: Estado do Rio de Janeiro (Adv.: Roberto Benjo). Recdos.: José Ferreira de Andrade Filho e outros (Adv.: Mauricio Vieira). Decisão: Por unanimidade, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, para cassar a segurança. R.T.J. — 155 Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Paulo Brossard. Sub- 575 procurador-Geral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. Brasilia, 5 de outubro de 1993 —José Wilson Aragão, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 135.937 — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves Recorrentes: Fepasa — Ferrovia Paulista S/A — Recorrido: José Rodrigues São João Júnior Servidor inativo da FEPASA —Ferrovia Paulista S/A. Compotência. Se o servidor veio a aposentar-se no regime da CLT, competente para julgar questões relativas à complemeutação de proventos é a Justiça do Trabalho. Inexistência de ofensa ao disposto no artigo 114 da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em não conhecer do recurso extraordinário. Brasflia, 15 de março de 1994 — Moreira Alves, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves: É este o teor do acórdão recorrido (fls. 391/393): «Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n2 148.091-2, da Comarca de São Paulo, em que é apelante José Rodrigues São João Júnior, sendo apelada FEPASA —Ferrovia Paulista S/A. Acordam, em Décima Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, não conhecer do recurso e determinar a remessa dos autos ao Colando Tribunal Regional do Trabalho da 22 Região. Trata-se de ação movida por servidor inativo da FEPASA — Ferrovia Paulista S/A, objetivando a condenação desta última a lhe pagar a diferença de complementação de aposentadoria de acordo com os vencimentos do cargo de chefia, classe 405, nível 6, máximo, conforme paradigma apontado, até novembro de 1983, bem como a promovê-lo ao cargo de Chefe da Divisão, Especialista V, nível 05, igual ao do paradigma indicado, a partir de 1 2 de dezembro de 1983, diferenças vencidas, não prescritas, e vincendas. 576 R.T.J. — 155 A respeitável sentença de fls. 356/360 julgou improcedente o pedido e impôs ao autor o pagamento de 10% do valor da causa. Apelou o vencido, pretendendo a reforma da decisão, para que seja julgada procedente a demanda. Recurso processado regularmente, com o oferecimento de resposta e o preparo anotado. É o relatório, adotado, no mais, o da sentença. A hipótese é de não conhecimento da presente apelação, em face do novo texto constitucional, com a remessa dos autos ao Colendo Tribunal Regional do Trabalho da 2' Região. Com efeito, o autor fez expressa opção pelo regime da CLT e pelo chamado salário compreensivo, com fundamento no que pretende sua equiparação com Elsio Carvalhaes até novembro de 1983, bem como sua promoção ao cargo de Chefe de Divisão, a partir de 1 2 de dezembro de 1983 (fls. 24/28). O regime jurídico a que está sujeito o autor, é o da CLT, com exclusão do estatutário (cláusula 81 do contrato de fls. 24/28), além do que seu pedido se assenta na cláusula estabelecida ou acordo lavrado em dissídio coletivo, devidamente homologado pela Justiça do Trabalho. Ora, conforme dispõe o artigo 114 da Constituição Federal, «compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta a indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas». Tendo em vista que as regras de competência constitucional tem aplicação imediata, a matéria se deslocou para o âmbito da Justiça do Trabalho. Pelo exposto, não conhecem da apelação e determinam a remessa dos autos ao Colendo Tribunal Regional do Trabalho da 2' Região.» Interposto recurso extraordinário, foi ele admitido pelo seguinte despacho: «Cuida-se de recurso extraordinário fundado no artigo 102, inciso III, alínea a da Constituição Federal, contra acórdão unânime proferido pela Décima Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça que não conheceu da apelação, determinando a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região. Alega a recorrente contrariedade ao artigo 114 da Carta Magna. Estão presentes, na espécie, os requisitos de admissão. O recorrido, servidor inativo da FEPASA — Ferrovia Paulista S/A, propôs a presente ação objetivando a condenação desta a lhe pagar a diferença de complementado de aposentadoria de acordo com os vencimentos do paradigma apontado. Assenta o julgado recorrido que ampliou-se a competência da Justiça Trabalhista e restringiu-se a da comum, em virtude do novo texto constitucional. E, «tendo em vista que as regras de competência constitucional tem aplicação imediata, a matéria se deslocou para o âmbito da Justiça do Trabalho». Conquanto fundamentada a conclusão da Egrégia Turma Julgadora, aco- R.T.J. — 155 lhe-se como relevante o ponto de vista da recorrente sobre o tema em discussão, merecendo seguimento o recurso, a fim de que o Supremo Tribunal Federal possa examiná-lo e pronunciar-se a respeito. É certo que a matéria controvertida foi bem exposta na petição de interposição e devidamente examinada pelo acórdão, preenchendo-se, portanto, o requisito do prequestionamento. Bem de ver que, quando são ventiladas ponderáveis teses de direito, sobre as quais ainda não há jurisprudência dominante, recomenda-se tolerância da admissibilidade (cf. RTJ 38/574) Ante o exposto, defiro o processamento.» (fls. 318/319) Às fls. 347/349, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira: «Trata-se de recurso extraordinário interposto por FEPASA — Ferrovia Paulista S/A com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, contra o v. acórdão do Eg. TJSP, que, não conhecendo da sua apelação, determinou a remessa dos autos ao Eg. Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região. Insurge-se a recorrente, alegando violação ao artigo 114 da Constituição Federal. Alega que por ser sua relação de trabalho com o recorrido de natureza estatutária, sendo servidor oriundo da ex-Estrada de Ferro Paulista, a Constituição Federal não deslocou a competência para a Justiça do Trabalho, como decidido no v. acórdão recorrido, competente, portanto, a Justiça comum estadual. O recorrido, funcionário aposentado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, propôs ação objetivando o 577 recebimento de diferença de complementação de aposentadoria. Foi o feito julgado improcedente, e, em sede de apelação, decidiu-se pela incompetência da Justiça comum, face à nova Carta Magna. Quanto à alegação de que a relação jurídica entre as partes é estatutária, verifica-se não ser a mesma procedente, pois demonstrado pelo autor, ora recorrido, a sua opção pelo regime celetista, no documento ne 7 juntado à inicial (fls. 24/28). Essa Eg. Corte, apreciando matéria idêntica, em voto do ilustre Ministro Carlos Madeira, assim decidiu: «Ferroviário da FEPASA. Tendo assinado contrato de trabalho como antigo funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana, que veio a aposentarse no regime celetista, competente é a Justiça do Trabalho para julgar questões relativas a complementação dos proventos, em virtude de horas extraordinárias de sobreaviso. Recurso extraordinário não conhecido.» (RE ne 117.823, ia DJ 6-4-90, pág. 2628). Caso fosse conservada a situação estatutária, competente seria a Justiça comum. No caso em questão, claro restou a situação celetista do recorrido, não havendo que prosperar o inconformismo do recorrente devendo os autos serem remetidos a uma das Juntas de Conciliação e Julgamento de São Paulo, pena de suprimir-se instância. Pelo exposto, é o presente no sentido do não conhecimento do recurso, por inocorrer a alegada violação constitucional. É o parecer.» É o relatório. 578 R.T.J. — 155 VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. No caso, como salientou o acórdão recorrido, «... o autor fez expressa opção pelo regime da CLT e pelo chamado salário compreensivo, com fundamento no que pretende sua equiparação com El sio Carvalhaes até novembro de 1983, bem como sua promoção ao cargo de Chefe de Divisão , a partir de P de dezembro de 1983 (fls. 24/28). O regime jurídico a que está sujeito o autor é o da CLT, com exclusão do estatutário (cláusula 8' do contrato de Fls. 24/28), além do que seu pedido se assenta na cláusula estabelecida ou acordo lavrado em dissídio coletivo, devidamente homologado pela Justiça do Trabalho» (fl. 392). Note-se, aliás, que a própria ora recorrente, em posição antagônica à que assumiu no recurso extraordinário, sustentou, no caso a competência da Justiça do Trabalho, quer na contestação (fl. 149), quer nas razões finais, onde salientou: «Assim, há que se ter por claro, que em todas as ações cujo pleito é complementação de aposentadoria, portanto, direitos ou pretensos direitos e ex-empregados após a aposentação, tem a ré reiterado em suas preliminares a incompetência da justiça obreira, vez que inexistindo o requisito da relação de Trabalho, carece-lhe a competência, conforme se verifica do acórdão abaixo transcrito: «A Justiça do Trabalho é incompetente para a complementação de aposentadoria de ferroviários à FEPASA, conforme reiterados julgados do Supremo. Rescisória Procedente.» (Ac. 1.767/80 — RR 25/77 — e Rel. Min. Rezende Puich in DJ de 3-10-80, pág. 7755). Nesse caso no entanto, sendo o autor celetista, conforme Contrato de Trabalho às fls. dos autos, vem ele a juízo pleitear promoção ao cargo de Chefe de Divisão a partir de 12-11-83. Assim temos claro que, tendo ele se aposentado somente em 4-1-85, sua pretensão à referida promoção, se deu em período de plena vigência do Contrato de Trabalho, razão pela qual pretende ser a Justiça Obreira competente para dirimir tal controvérsia, oriunda dessa relação de trabalho, em período de sua vigência Tanto assim é que o autor na peça vestibular confusamente, pleiteia: Promoção; Implantação na folha de pagamento; FGTS, sobre as parcelas devidas; Correção, juros, etc... Como se vê, a matéria pleiteada é de cunho eminentemente Trabalhista. E em período em que a Relação de Trabalho estava em pleno vigor.» (fls. 342/343) Tem, portanto, razão o parecer da Procuradoria-Geral da República, ao dizer que o caso é análogo ao decidido por esta Corte, ao julgar em 13-3-90, o RE n2 117.823, relator o Sr. Ministro Carlos Madeira (2' Turma): «Ferroviário da FEPASA. Tendo assinado contrato de trabalho como antigo funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana, que veio a aposentar-se no regime celetista, competente é a Justiça do Trabalho para julgar questões relativas à complementação dos proventos, em virtude de horas extraordinárias de sobreaviso». R T.J. — 155 Inexiste, assim, ofensa ao disposto no artigo 114 da Constituição de 1988, o qual se aplica, sem dúvida, às relações de empregado em entes da administração pública direta ou indireta regidas pela CLT e cujo objeto diga respeito a alegados direitos trabalhistas, ainda que com repercussão em complementação de aposentadoria. 2. Em face do exposto, não conheço do presente recurso extraordinário. EXTRATO DA ATA RE 135.937 — SP —Rel.: Min. Moreira Alves. Recte.: FEPASA —Ferrovia Paulista S/A (Advs.: Nádia Bocha Scarati Feijó e 579 outros) Recdo.: José Rodrigues São João Júnior (Advs.: Alberto Viegas Mariz de Oliveira e outros). Decisão: A Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unánime. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur de Castilho Neto. Brasília, 15 de março de 1994 —Ricardo Dias Duarte, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N2 137.410 (AgRg) —DF (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek Agravante: IAP S/A Indústria de Fertilizantes — Agravado: Oswaldo de Oliveira Agravo de instrumento. Acervo documental incompleto. Regularização perante o Supremo Tribunal Impossibilidade. A Súmula 288 — cuja compreensão prevalente no Supremo Tribunal foi mantida no julgamento do Ag n2 137.645 — refere-se não só às peças de traslado obrigatório, como também àquelas que, pela singularidade do caso concreto, são imprescindíveis à avaliação do mérito da inconformidade extraordinária. Fases elementos informadores da pretensão recursiva excepcional devem integrar-se ao traslado do instrumento na corte de origem. Peças necessárias ao entendimento da controvérsia que, de todo modo, sequer acompanharam o acervo anexo ao recurso regimental. Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas Brasília, 7 de junho de 1994 — Néri da Silveira, Presidente — Francisco Rezek, Relator. 580 R.T.J. — 155 RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Rezek: Neguei trânsito ao agravo de instrumento com o seguinte despacho: «Este agravo ataca despacho do Ministro-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho que inadmitiu o extraordinário ao argumento de ausência de matéria constitucional. Fala a agravante em afronta ao artigo 52 — LV da Carta da República, estimando ter ocorrido, em instâncias inferiores, negativa de prestação jurisdicional. A leitura do despacho agravado dá conta, todavia, da ocorrência não de omissão judiciária, mas de efetiva prestação jurisdicional — contrária, sem embargo, às pretensões da agravante. Semelhante assertiva só haveria de ceder frente à comprovação cabal do alegado, com auxílio de peças originárias das instâncias alegadamente omissas. Entretanto, não se fez o traslado de peças como a sentença e os acórdãos do recurso ordinário e dos embargos de declaração oportunamente apresentados —ensejando, de todo modo, a aplicação do enunciado 288 da Súmula do STF. Tais as circunstâncias, nego seguimento ao agravo.». No recurso regimental, a parte pondera que apesar de não ter indicado tais peças para formar o instrumento, é possível sua juntada nesta instância, visto não se tratar dos documentos de traslado obrigatório. Justificaria o procedimento a proposta de abrandamento da Súmula 288, levada a exame do Plenário do Ag n2 137.645. Argumenta, ainda, que a tese de negativa de prestação jurisdicional foi reconhecida pelo Ministro Marco Aurélio, à época Presidente da Primeira Turma do TST, no despacho com que admitiu embargos para a seção especializada em dissídios individuais. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): Estimando ter ocorrido negativa de jurisdição nas instâncias ordinárias — sobretudo na corte regional —, a agravante, munida da regra do artigo 153, § 4 2 da Carta anterior, pretende ver examinada pelo 92 TRT questões relevantes «sobre as quais foi omisso, mesmo após ter sido provocado por embargos de declaração». A tese que se coloca perante a Turma, nesse momento, contaria com o patrocínio do Ministro Marco Aurélio que, na qualidade de Presidente da Primeira Turma da corte superior trabalhista, por esse fundamento admitiu embargos para o órgão especializado. O denodo com que a ilustre advogada defende sua tese fez-me voltar a todas as peças informadoras destes autos. Não encontrei, contudo, algo que me convencesse do desacerto da decisão impugnada. Quero ler trecho do relatório do recurso de revista, feito pelo Ministro Fernando Franco: «Recurso de revista da empresa sustentando, preliminarmente, a nulidade do acórdão regional por omissão quanto a várias questões suscitadas no recurso ordinário, bem como, nos embargos declaratórios, apontando violação aos arts. 832 da CLT, 458 do CPC e 153, § 42, da Constituição Federal (fls. 922/950).» A esse tópico respondeu, à unanimidade de votos, a Primeira Turma do TST: «As preliminares argüidas no recurso não o justificam. A uma porque o acórdão regional apreciou todas as questões ao mesmo dirigidas, dirimindo-as inclusive através de embargos declaratórios. Houve apreciação de forma geral de todo o conteúdo do processo, detalhadamente com relação à prova produzida. A duas, porque a sentença vestibular restou mantida pelo acórdão e contra aquela não se alegou qualquer vício.» R.T.J. — 155 Opostos embargos declaratórios, a mesma Primeira Turma daquele Tribunal decidiu: «O recurso de revista da empresa não mereceu conhecimento pela Eg. Turma que em relação às preliminares argüidas entendeu que todas as questões do processo mereceram análise pelo Regional, e no tocante à relação de emprego, aplicou o Enunciado n2 126 da Súmula deste TST, porque a matéria envolvia somente aspectos afico-probatórios. De qualquer sorte tendo sido apontada violação constitucional, expressamente não restou afastada, motivo por que, acolho os presentes embargos declaratórios tão-somente para esclarecer que inexistiu a pretendida violação ao art. 153, §§ r e 49 da Constituição Federal.» É certo que, mais tarde, o Ministro Marco Aurélio admitiu, por despacho, embargos «sob o prisma da violência ao artigo 8%, consolidado, no que a Egrégia Primeira Turma concluiu não ter havido omissão na entrega da prestação jurisdicional.» Examinando tais embargos, o relator — Ministro Orlando Teixeira da Costa —, depois de analisar as diversas questões sobre as quais o regional teria se omitido, concluiu por negar-lhes seguimento, afirmando: «Face ao exposto, é evidente que não se prestam a confronto os arestos elencados de fls. 1051/1052, já que versam sobre decisões omissas ou sobre falta de prestação jurisdicional, o que não ocorre nos autos, sendo impertinentes, por outro lado, as violações argüidas dos artigos 458 do CPC, 832 da CLT e 153, § 49, da Constituição da República, razão pela qual os embargos não merecem seguimento quanto ao tema, já que não afrontado o art. 896 da CLT. (Enunciado 221).» 581 O agravo regimental que se seguiu foi desprovido por acórdão unânime da seção especializada. Da análise dessas decisões — e a elas acrescento a do Presidente do Tribunal Superior, que não admitiu o extraordinário —, pareceu-me que os documentos mais ilustrativos da pretensão recursiva extraordinária, aqueles que poderiam retratar fielmente a alegada afronta ao preceito constitucional, deviam estar nestes autos. Entende a parte que «na medida em que o eixo da controvérsia se desloca da 'falta de traslado das peças obrigatórias', para o peculiar traslado que comprove a enfocada falta de prestação jurisdicional» — circunstância «muito mais branda que aquelas que informaram a Súmula n2 288» —, «nenhum mal haveria em permitir a complementação do traslado» nesta suprema corte, visto estar «em jogo uma das garantias constitucionais.» Os membros desta Segunda Turma estão lembrados que a rediscussão do Enunciado if 288 foi concluída em fevereiro último, decidindo o Plenário pela sua manutenção com a interpretação que lhe tem dado a casa ao longo dos anos. A propósito do tema suscitado, retomo a seguinte passagem do voto que proferi naquele julgamento, cujo acórdão me coube lavrar «Mas a Súmula n9 288 quer referirse a peças —obrigatórias ou não segundo a lei processual — que, no quadro exato da pretensão recursiva extraordinária, devem ser idôneas, em seu conjunto, para convencer o relator, no Supremo Tribunal Federal, de que aguda pretensão rara deve ter guarida. E por isso que a Súmula não se refere a peças obrigatórias: ela menciona algumas peças que são incontornavelmente necessárias ao entendimento da lide, como o despacho agravado, a decisão recorrida e a petição do recurso extraordinário, e 582 R.T.J. — 155 diz em seguida: «ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia». A Súmula deve ser entendida, na sua linguagem final, como significativa de que uma peça porventura não incluída no rol das óbvias pode, pela singularidade do caso concreto, ser entendida pelo relator como necessária à compreensão da controvérsia, de tal sorte que sua falta no traslado torne impossível a avaliação do mérito da inconformidade extraordinária, e o ponha contingência de não fazer o gesto extremo de desautorizar o presidente do Tribunal de origem, provendo o agravo.» Esta é exatamente a hipótese dos autos: a sentença e os acórdãos do Tribunal Regional eram, à vista da singularidade do caso concreto, necessários à avaliação do mérito da pretensão recursiva extrema. E não há dúvida, à luz do que se decidiu em Plenário, de que o instrumento há de se formar, por completo, na instância de origem. Por fim, observo que mesmo no acervo de documentos que instruem o presente recurso regimental, não figuram os acórdãos do TRT. Nego provimento ao agravo regimental. EXTRATO DA ATA Ag 137.410 (AgRg) —DF —Rel.: Min. Francisco Rezek. Agte.: IAP S/A Indústria de Fertilizantes (Advs.: Madsa Schutzer del Nem Poletti e outros). Agdo.: Oswaldo de Oliveira (Advs.: João Conceição e Silva e outros). Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo regimental. Impedido o Ministro Marco Aurélio. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso, Mamo Aurélio e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasfiia, 7 de junho de 1994 — José Wilson Aragão, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N2 139.647 (AgRg) — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Estado de São Paulo — Agravada: Montenegro Exportação e Importação e Comércio de Café Ltda. ICM — Base de cálculo — Quota de contribuição devida ao IBC — Acórdão recorrido que possui fundamento infraconstitucional suficiente (DL 406/68) — Alegada ausência de recepção do DL 406/68 pela nova carta política — Matéria não prequestionada — Acórdão proferido em setembro/88 — Impossibilidade da aplicação retroativa da CF/88 — Agravo regimental improvido. e A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que não se inclui na base de cálculo do ICM, nas R.T.J. — 155 583 operações de exportações de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. Precedentes. A resolução do litígio com apoio no DL 406/68 confere fundamento infraconstitucional suficiente ao acórdão recorrido. O caráter autônomo dessa motivação revela-se bastante para sustentar a decisão proferida pelo Tribunal a via. O Supremo Tribunal Federal não pode, na apreciação de litígio dirimido por Tribunal inferior, sob a égide da Carta Federal de 1%9, aplicar texto de Constituição superveniente. A regra constitucional superveniente não se reveste de retroprojeção normativa, eis que os preceitos de uma nova Constituição aplicam-se imediatamente, com eficácia ex nana. O principio da imediata incidência das regras jurídico-constitucionais somente pode ser excepcionado, inclusive para efeito de sua aplicação retroativa, quando expressamente assim o dispuser a Carta Política. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigníficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental. Brasília, 25 de maio de 1993 — Moreira Alva, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Tratase de agravo deduzido pelo Estado de São Paulo, com fundamento no art. 28, § 52, da Lei n2 8.038/90, contra decisão, por mim proferida, que negou provimento a agravo de instrumento interposto pela Fazenda Estadual. O ato decisório ora impugnado tem o seguinte teor (fl. 133), verbis: «Trata-se de agravo de instrumento deduzido em face de ato decisório que indeferiu o processamento do recurso extraordinário, interposto pelo ora agravante, contra decisão proferida pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconheceu à empresa agravada o direito de 'excluir da base de cálculo do ICM, nas operações de exportação de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao Instituto Brasileiro do Café'. Observo, no entanto, que o acórdão recorrido possui fundamento infraconstitucional suficiente (Decreto-Lei n2 406/68), que se revela, por seu caráter autônomo, bastante para sustentar a decisão proferida pelo Tribunal local. Por essa razão, nego seguimento ao presente agravo, na linha da orientação firmada no Ag n2 145.959-0 (AgRg), rd. Min. Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ de 30-10-92. Publique-se. Brasília, 30 de abril de 1993. Ministro Celso de Mello Relator» Inconformado com esse pronunciamento jurisdicional que lhe foi desfavorável, o Estado de São Paulo manifestou, sob a forma de «Agravo Regimental», impugnação à decisão em causa (fls. 135/138), verbis: R.T.J. — 155 584 «O ora agravante manifestou irresignação por ter-se concedido a segurança para o fim de excluir o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC, da base de cálculo do ICM, nas operações de exportação de café cm. O ilustre prolator do despacho, ora agravado, negou provimento ao agravo, considerando os precedentes do STF sobre a matéria, e, notadamente, o argumento de possuir o acórdão recorrido fundamento infraconstitucional suficiente (Decreto-Lei n2 406/68) para sustentar a decisão proferida pelo Tribunal local. Entretanto, a r. decisão, assim fundamentada, merece ser revista. Com efeito, este entendimento no sentido de que o acórdão recorrido possui fundamento infraconstitucional suficiente para sustentar a decisão recorrida, qual seja, o Decreto-Lei n2 406/68, não pode prosperar, uma vez que, este Decreto-Lei não foi recepcionado pela Constituição vigente, restando revogado, pois, seu art. r, § 82, ante o disposto no Convênio ICMS n2 66/88, editado pelos Estados na forma da autorização do art. 34, par. do ADCT, da CF/88, bem como na Lei Paulista n2 6.374/89. r, O que se verifica é que, até mesmo para se concluir que não houve a revogação do referido Decreto-Lei, torna-se necessário apreciar a importante questão constitucional, qual seja, a do alcance da competência legislativa conferida aos Estados pelo art. 34, par. 82, do ADCT, da CF/88. Tudo se resume, portanto, em saber se o art. 11, do Convênio ICMS 66/88, no qual está prevista a incidência do ICMS sobre a contribuição devida pelos exportadores de café ao IBC, é, ou não, constitucional, seja pelo prisma dos li- mites da competência prevista no art. 34, par. do ADCT, seja ainda pelo prisma da imunidade recíproca. Se é, revogou o art. r, § 82, do Decreto-Lei e 406/68. Se não é, não revogou. E tal questão, por indiscutivelmente envolver matéria constitucional, só pode ser apreciada via recurso extraordinário, não sendo, em conseqüência, suficiente o fundamento infraconstitucional do acórdão recorrido, consoante consta no despacho, ora agravado. Por estas razões, entende o Agravante poder esperar de Vossa Excelência a reconsideração do v. despacho agravado, de forma a permitir que o tema chegue ao exame colegiado, na sede ampla do recurso extraordinário, para que essa Colenda Corte se pronuncie de modo definitivo sobre ele.» Por não me haver convencido das razões apresentadas, submeto o presente recurso à apreciação desta E. Primeira Turma. É o relatório. r, VOTO O Sr. Ministro Celso:, de Mello (Relator): Não tem qualquer fundamento jurídico a pretensão recursal manifestada pelo Estado de São Paulo, impondo-se, em conseqüência, o não-provimento do presente recurso de agravo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que não se inclui na base de cálculo do ICM, nas operações de exportações de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC (Ag n2 135.824-6, rel. Min. Moreira Alves, DJ, 18-2-92; Ag n2 135.890-4 (AgRg), rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 5-4-91; Ag 112 138.829-3 (AgRg), rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 6-12-91; Ag n2 136.064-0, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 28-10-92; Ag n2 137.006-8, rel. Min. Se- R.T.J. — 155 púlveda Pertence, DJ, 6-3-92; Ag n2 142.045-6, rel. Má. Paulo Brossard, DJ, 21-2-92; Ag n2 145.959-0 (AgRg), rel. Mb. Octavio Gallotti, DJ, 30-10-92; Ag n2 149.320-8, rel. Min. Néri da Silveira, DJ, 15-4-93). É preciso registrar, inicialmente, que o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local tem fundamento infraconstitucional suficiente. Ao apoiar-se no Decreto-Lei n2 406/68, essa decisão encontra suporte em título jurídico que, por seu caráter autônomo, revela-se bastante para sustentá-la na resolução do litígio. A orientação consubstanciada no ato decisório ora impugnado nesta sede recursal reflete pronunciamento especifico sobre o tema, manifestado no Ag n2 145.959-0, rel. Mb. Octavio Gallotti. Não prospera a impugnação da Fazenda do Estado quando afirma a ausência de recepção do Decreto-Lei n2 406/68 pelo vigente ordenamento constitucional. O Estado de São Paulo, para sustentar a revogação dessa espécie normativa, vê-se na contingência de suscitar a questão «do alcance da competência legislativa conferida aos Estados pelo art. 34, 82 do ADCT, da CF/88» (fl. 137). A matéria pertinente à aplicabilidade do art. 34, § do ADC1788 —cuja discussão revela-se essencial à exata compreensão da tese deduzida pelo Estado de São Paulo e, até mesmo, ao acolhimento de sua pretensão recursal — não foi sequer objeto do necessário prequestionamento. r, Na realidade, o acórdão emanado do Tribunal de Justiça local não ventilou essa quaestio juris, até mesmo em face de um relevante motivo de ordem cronológica, eis que essa decisão da Corte Judiciária foi proferida quando ainda vigorava a Carta Federal de 1969 ... (fls. 43/44). 585 A superveniência de direito novo — aquele consubstanciado no art. 34, § 82, do ADCT/88, segundo sustenta o agravante — não tem o condão de justificar a resolução do litígio à luz de uma norma jurídica que sequer estava em vigor quando concretizado o pronunciamento jurisdicional do Estado. O que a Fazenda Estadual efetivamente pretende, não obstante decidida a causa pelo Tribunal de Justiça em setembro de 1988 (fl. 98), é que venha o litígio a ser dirimido, por esta Corte Suprema, à luz de texto constitucional superveniente. A pretensão recursal do Estado de São Paulo, acaso acolhida nos termos em que foi manifestada, importaria em verdadeira aplicação retroativa da Lei Fundamental da República. A regra constitucional superveniente não se reveste de retroprojeção normativa, eis que os preceitos de uma nova Constituição aplicam-se imediatamente, com eficácia ex nunc, ressalvadas as situações excepcionais expressamente definidas no texto da Lei Fundamental. O princípio da imediata incidência das regras jurídico-constitucionais somente pode ser excepcionado, inclusive para efeito de sua aplicação retroativa, quando expressamente assim o dispuser a Carta Política, pois «As Constituições não têm, de ordinário, retroeficácia. Para as Constituições, o passado só importa naquilo que elas apontam ou mencionam. Fora daí, não» (Pontes de Miranda). Sendo assim, nego provimento ao presente recurso. É o meu voto. EXTRATO DA ATA Ag 139.647 (AgRg) — SP —Rel.: Mb. Celso de Mello. Agte.: Estado de São Paulo (Advs.: Marco Antonio Moraes Sophia e 586 — 155 outros) Agda.: Montenegro Exportação e Importação e Comércio de Café Ltda. (Advs.: Emilia Emiko Akamatu e outros) Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Mi- nistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ilmar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Sydney Sanches. Subprocurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 25 de maio de 1993 — Ricar- do Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N 2 140.584 (AgRg) — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS — Agravado: Francisco Cardoso dos Santos Representação processuaL Procuradores autárquicosaratan- do-se de autarquia, a representação por procurador do respectivo quadro funcional independe de instrumento de mandato. Suficiente é a revelação do **tatus», mencionando-se, tanto quanto possível, o número da matrícula. Declinada a simples condição de advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, presume-se a contratação do profissional para o caso concreto, exigindo-se, aí, a prova do credenciamento — a procuração. Precedentes: Agravos Regimentais n2s 173.568-7, 173.6527 e 174.249-7, julgados pela Segunda Turma em 7 de junho de 1994. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental. Brasfiia, 6 de setembro de 1994 — Néri da Silveira, Presidente — Marco Aurélio, Relator. darei a irregularidade da representação processual do Instituto. Sustenta-se que, na espécie, a representação baseia-se não em instrumento de mandato, mas no próprio exercício do cargo de Procurador. Alega-se a violação aos artigos 37 e 131 da Constituição Federal. Recebi estes autos para exame em 13 de junho de 1994 e os liberei em 4 do mês seguinte. É o relatório. VOTO RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio (RelaO Sr. Ministro Marco Aurélio: Este tor): Na protocolação deste agravo foram agravo regimental está dirigido contra a decisão de folha 164, mediante a qual de- observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A esta altura, R.T.J. — 155 tem-se recurso subscrito não por profissional da advocacia estranho aos quadros do Instituto, mas por Procurador Autárquico. Conheço do agravo interposto. No mais, a subscritora do extraordinário Mo se qualificou como Procuradora. Aliás, até aqui, em momento algum veio à balha procedimento objetivando afastar a presunção gerada pelo fato de apenas haver sido indicada, junto à assinatura, a condição de advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, mencionando-se o número respectivo. Daí a insubsistência das razões deste regimental que, em relação à matéria de fundo, distancia-se da decisão atacada. É o meu voto. 587 EXTRATO DA ATA RE 140.584 (AgRg) — SP —Rel.: Min. Marco Aurélio. Agte.: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS. (Adv.: Ivan Ferreira de Souza). Agdo.: Francisco Cardoso dos Santos (Adv.: Nicanor Joaquim Garcia). Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo regimental. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard e Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 6 de setembro de 1994 —José Wilson Aragão, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 141.416 SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro limar Gaivão Recorrente: Estado de São Paulo — Recorrido: Battistella Trading S/A — Comércio Internacional Acórdão que reconheceu a exportador de café cru, em grão, o direito de ver excluído da base de cálculo do ICM incidente sobre o produto exportado o valor alusivo à quota de contribuição paga ao Instituto Brunileito do Café, ao fundamento de afronta ao principio da imunidade tributária prevista no art. 19, III, a, da EC et2 01/69 (art. 150, VI, a, ela Carta atual). O sistema constitucional tributário brasileiro não é infenso ao fenômeno de imposto cuja base de cálculo é integrada por parcelas alusivas a imposto, seja da mesma espécie, seja de outra, tanto que provê acerca de seu controle, ora submetendo-o ao principio da não-cumtdatividade (art. 155, § 22, I), ora vedando-o, em hipóteses especificas (art. 155, § 2, II, b). Por esse motivo e tendo em vista, principalmente, que, no caso sob exame, o tributo não está sendo exigido de nenhum ente público, beneficiário da imunidade tributária, mas de pessoa jurídica de direito privado, que é o exportador, não há espaço para falar-se em afronta às normas do dispositivo constitucional em referência. 588 R.T.J. — 155 Decisão que, dissentindo desse entendimento, não pode sub- sistir. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 7 de junho de 1994 —Moreira Alves, Presidente — limar Gaivão, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): Recurso extraordinário fundado no art. 102,111, a, da Constituição, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, confinnatório de sentença que, em mandado de segurança, reconheceu a exportador de café cru, em grão, o direito de ver excluído da base de cálculo do ICM incidente sobre o produto exportado o valor alusivo à quota de contribuição paga ao Instituto Brasileiro do Café, ao fundamento de afronta ao princípio da imunidade tributária prevista no art. 19, IR, a, da EC n2 01/69 (art. 150, VI, a, da Carta atual). Embargos declaratórios precederam o apelo extremo, objetivando pronunciamento explícito do julgado acerca «da regra estabelecida pelo art. 23, § 62 , da Constituição Federal antecedente, com vista à revogação da isenção parcial pelo Convênio n2 27/87, celebrado em perfeita conformidade com a Lei Complementar n2 24/67», os quais foram rejeitados. Sustentou, em primeiro lugar, haver o acórdão ofendido o art. 155, I, b, e inc. XII, alínea g; e o art. 52, II, da CF/88 (que reproduzem, respectivamente, o art. 23, inc. II, § 62, e art. 153, § r, da EC n201/69), ao argumento, em suma, de que o Convênio n2 27/87, ao revogar ode ri2 5/76, que havia mandado excluir a referida quota de contribuição da base de cálculo do ICM, nas operações em tela, fê-lo nos limites da competência para conceder e revogar isenções tributárias, atribuída aos Estados, nos primeiros dispositivos enfocados, sem majorar tributo, não podendo a Fazenda Estadual, de outra parte, ser compelida a deduzir a referida quota, no cálculo enfocado, sem lei que assim imponha. Por fim, disse que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, a exigência tributária em questão não infringe a vedação contida no art. 19,111, a, da EC n201/69 (150, VI, a, da nova Carta), já que não se institui imposto sobre patrimônio, renda ou serviços da União. O recurso, admitido na origem, foi regularmente processado, havendo a Procuradoria-Geral da República opinado no sentido do não-conhecimento. Paralelamente ao presente recurso, foi manifestado recurso especial, não conhecido pelo STJ. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro limar Gaivão (Relator): O acórdão recorrido, para confirmar a sentença concessiva do mandado de segurança, assim discorreu (fl. 79): «Argumenta a apelante inexistir bitributação; entretanto, a cota de contribuição devida ao IBC, na exportação de R.T.J. — 155 café é sem dúvida um tributo face a sua natureza e objeto. Aliás, como deixou consignado na Apelação rt2 157.168-2 de Santos, odes. Pinto de Sampaio: «Como reconhecido até mesmo pela apelante, as quotas de contribuição e de leilão, devidas ao IBC, em última análise constituem renda da União, como tal evidentemente não podendo ser incluídas na base de cálculo do imposto da competência dos Estados-membros, sob pena de desrespeito à regra de imunidade tributária recíproca, prevista pelo art. 150, VI, letra a e parágrafo da Constituição.» Note-se que o Colendo Supremo Tribunal Federal já inadmitiu que a quota devida ao Instituto do Açúcar e do Álcool fosse incluída para compor a base de cálculo de ICM (RTJ 62/316).» Do trecho transcrito, ressalta à evidência que houve prequestionamento do tema alusivo à imunidade de impostos, tornando o recurso suscetível de apreciação. O nosso sistema tributário, que tem suas bases fincadas na Constituição, não é infenso ao fenômeno do imposto sobre imposto, ou seja, imposto cuja base de cálculo é integrada por parcelas alusivas a imposto, da mesma ou de outra espécie daquele de que se trata. Por isso mesmo é que a Constituição, quando, eventualmente, o tem por intolerável, seja em sua extensão, seja em sua própria existência, provê acerca de seu controle, como fez, v.g., relativamente ao próprio ICMS, na primeira hipótese, submetendo-o ao princípio da não-cumulatividade (art. 155, § 22, I); e, na segunda, vedando a presença, em sua base de cálculo, de parcela abusiva ao IPI cobrado sobre operação sujeita aos dois tributos (art. 155, § 22, XI). r, 589 Veja-se que, no segundo exemplo, a proibição não é recíproca, valendo dizer que não impede a composição, pelo ICMS, da base de cálculo do IPI, fenômeno, aliás, corriqueiro quando se trata de ICMS, imposto que, diferentemente deste último, vem embutido no valor faturado. Justamente per isso, o cálculo do ICMS, feito pelo modo ora impugnado, não pode ser tido por afrontoso ao princípio da imunidade tributa do art. 19, 1, a, da EC n2 01/69 (atual art. 150, VI, a), já que o imposto, não está sendo exigido de nenhum ente público, beneficiário da imunidade em foco, mas de pessoa jurídica de direito privado, que é o exportador. Em voto que, na qualidade de relator, proferi no RE n2 149.922, julgado pelo Plenário do STF, tivera oportunidade de pronunciar-me, conquanto de passagem, sobre essa questão, fazendo-o nestes termos: 4 «Esse fundamento (vigência do § 82 do art. do Decreto-Lei n2 406/68) é bastante para sustentação da decisão recorrida, dispensando a análise da questão da inaplicabilidade, ao caso, do principio da imunidade recíproca, também nela invocada, o que não impede se assinale a absoluta impertinência dessa segunda razão de decidir, já que, desenganadamente, não se está diante de caso de exigência fiscal dirigida ao Poder Público, único beneficiário dessa limitação ao poder tributário.» Aliás, entendimento contrário valeria por uma inversão da titularidade do beneficio constitucional, que possibilitaria a utilização deste às avessas, isto é, em detrimento do próprio Estado. Anote-se, por derradeiro, que o Fisco Estadual, na hipótese apreciada, não majorou a base de cálculo do ICM, havendo-se limitado a revogar isenção parcial anterior- r 590 R.T.J. — 155 mente concedida, por meio de convênio, mediante redução direta da base de cálculo do tributo, como permitido no art. 1 9, caput e parágrafo único, inc. I, da Lei Complementar n9 24/75 e art. 23, § 62, da EC n9 01/69. O acórdão recorrido, por haver decidido em sentido contrário, não tem condições de subsistir. Meu voto, pois, é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para o fim de cassar a segurança. EXTRATO DA ATA RE 141.416 — SP — Rel.: Min. limar Gaivão. Recta: Estado de São Paulo (Advs.: Solange Garcia Reis Freire e outros). Recdo.: Battistella Trading S/A — Comércio Internacional (Advs.: Mario de Paula Nascente e outros). Decisão: A Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Banhes, Sepúlveda Pertence e Ilmar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro. Brasília, 7 de junho de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 141.816 — DF (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Recorrente: União Federal — Recorridos: Aldair Sousa da Hora e outros Mandado de segurança — Leis n es 7.788 e 7.830, ambas de 1989 — Medida Provisória n2 154/90 — Lei de Conversão n2 8.030/90 — Reposição salarial (84,32%) — Servidores públicos — Direito adquirido — Inexistência — Recurso extraordinário conhecido e provido. A revogação da Lei n9 7.830/89 pela Medida Provisória n2 154790 —que se converteu na Lei n9 8.03080 — verificou-se em momento anterior ao da consumação de fatos idôneos necessários à aquisição do direito ao reajuste de vencimentos previsto para 12 de abril de 1990. Tendo-se antecipado, validamente, à incorporação desse direito no patrimônio jurídico dos servidores, o ato ab-rogatório não ofende a cláusula constitucional que tutela a intangibilidade de situações definitivamente consolidadas (CF, art. 9, XXXVI). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri- bunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento. R.T.J. — 155 Brasília, 24 de agosto de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Meio: A União Federal interpõe recurso extraordinário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, em sede de mandado de segurança, reconheceu a servidores públicos, com base nas Leis nos 7.788/89 e 7.830/89, o direito à percepção de reajuste de vencimentos no percentual de 84,32%, referente ao IPC apurado no período de 16-2-90 a 15-3-90, data em que editado o Plano Coltor I. O acórdão recorrido, de que foi Relator o em. Ministro Geraldo Sobral, foi lavrado nos seguintes termos: «Administrativo. Servidor público. Reajuste salarial. Direito adquirido. I — A jurisprudência desta Colenda Corte, por entender que houve ofensa a direito adquirido, firmou-se no sentido de garantir aos servidores públicos federais a aplicação do percentual de 84,32%, uma vez que ao entrar em vigor a Medida Provisória n2 154, de 15 de março de 1990, convertida na Lei 8.030/90, já havia se incorporado ao patrimônio jurídico dos servidores públicos o direito de reajuste dos vencimentos no mês de abril, segundo os dispositivos legais. 11 — Segurança concedida» O recurso foi admitido na origem, em decisão exarada nos seguintes termos (fi. 337): «Com fundamento na alínea a do permissivo constitucional e alegando ofensa ao art. SQ, XXXVI, da Carta Política, a União Federal manifesta Recurso Extraordinário ao v. acórdão da Egré- e 591 gia Primeira Seção, que deferiu a segurança para conceder aos impetrantes o reajuste de 84,32%, correspondente à taxa de variação do IPC no mês de março de 1990. O Supremo Tribunal Federal, na sessão do dia 5-12-90, denegou pleito de funcionários de sua Secretaria que perseguiam idêntica vantagem, repelindo a ocorrência do direito adquirido em que fundavam a sua pretensão. Deste modo e na consonância com precedente do mesmo STF, citado pela recorrente, se o acórdão impugnado reconheceu direito adquirido em hipótese em que ele não existe, malferiu o preceito que lhe serviu de base, qual seja o art. 52, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Assim, presente o pressuposto do art. 102, 111,1etra a, da Carta Magna, admito o recurso.» O Ministério Público Federal, manifestando-se nesta instância, opinou, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral, Dm Odilia Ferreira da Luz Oliveira, pelo conhecimento e provimento do apelo extremo, por considerar inocorrente o direito adquirido, fazendo consignar: O recurso merece conhecimento e provimento. Ao proclamar direito adquirido dos servidores públicos ai, reajuste dos vencimentos no percentual de 84,32%, o acórdão caracterizou mal essa garantia infringindo o preceito constitucional que a prevê. Tal decisão, equivocadamente, admitiu a existência de um direito ao índice de reajuste distinto do direito aos vencimentos, com períodos aquisitivos também distintos. 592 R.T.J. — 155 No regime estatutário da função pública, os direitos, deveres e garantias do funcionário são determinados unilateralmente pelo Estado, por via de normas legais e regulamentares, alteráveis a qualquer tempo, também de modo unilateral. Diante de mudança do regime jurídico, o funcionário só poderá invocar direito adquirido quando tiver preenchido, ainda no regime anterior, todos os seus pressupostos e requisitos. O direito aos vencimentos é pro labore facto, ou seja, só nasce depois de prestado o serviço. O período aquisitivo é a unidade mês, não o dia nem a semana Portanto, só depois de findo o mês de trabalho — no caso, março de 1990 — nasceu para os servidores públicos federais o direito não só ao pagamento de remuneração, mas também a um determinado valor, o que afasta a autonomia do direito ao índice de reajuste e, da mesma forma, a autonomia do correspondente período aquisitivo. Isso quer dizer que não há direito à manutenção de um índice de reajuste antes de completado o período aquisitivo dos vencimentos, que é o mês civil. O período de aferição do índice é irrelevante para a caracterização do direito adquirido. No caso dos autos, o direito aos vencimentos de março só nasceu no dia 12 de abril, posto que o período de aquisição fmdara na véspera. Assim, qualquer alteração em seu valor feita por lei (ou ato normativo de igual eficácia) cuja vigência se tenha dado até 31 de março afetou legitimamente o valor dos vencimentos do mês, pois, até a referida data, o direito não s6 ao pagamento, mas também ao quantum, ainda não se incorporara ao patrimônio dos servidores. Em síntese: o valor dos vencimentos do mês de março de 1990 s6 se consolidou no dia 1 2 de abril. Assim, a alteração do critério de reajuste antes dessa data já era legitimamente eficaz a partir do mesmo mês, nada importando que o índice da lei anterior já tivesse sido aferido, pois ainda não era aplicável.» É de registrar, por último, que os recorridos, ao deduzirem as contra-razões de recurso, alegaram ser «inadmissível o Recurso Extraordinário que aponta contrariedade de dispositivo constitucional de forma implícita ou por via reflexa, pois essa contrariedade há de ser direta e frontal, com tal contrariedade demonstrada objetivamente». Dou por feito o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A nova Constituição do Brasil, ao disciplinar o recurso extraordinário, reservou-lhe domínio temático próprio. E conferiu-lhe, enquanto instituto de direito processual constitucional (Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, «Constituição de 1988 e Processo», pág. 112, 1989, Saraiva), a relevante função de tutela do direito objetivo da União positivado na Lei Fundamental da República. Ao recurso extraordinário reservou-se, em conseqüência, na sua precípua destinação jurídico-processual —a que se revelam estranhas preocupações de ordem ético-deontológica (Alfredo Buzaid, «Estudos de Di10, 1972, reito», vol. 1í136-137, item Saraiva) — a defesa objetiva da integridade da ordem normativa inscrita na Carta Federal. Com esse propósito — o de assegurar o primado do ordenamento constitucional —, delineou-se o perfil do recurso extraordinário, vocacionado a atuar como instru- e R.T.J. — 155 mento excepcional de impugnação de atos decisórios forais, proferidos em única ou última instância, sempre que estes incidirem nas hipóteses taxativas definidas no art. 102, inciso Ill, da Lei Básica. O presente recurso veicula matéria que, por sua índole evidentemente constitucional, situa-se dentro dos limites materiais que se comportam no âmbito do apelo extremo. A controvérsia constitucional instaurada nesta sede processual versa o tema da indevida aplicação, pelo Tribunal a quo, do princípio consagrado pelo art. 52, inciso XXXVI, da Carta Política. Invocando esse postulado constitucional básico, o Tribunal a quo preservou, em favor dos ora recorridos, o direito conferido por legislação que veio a ser revogada pela edição superveniente de medida provisória, posteriormente transformada em lei de conversão. O Superior Tribunal de Justiça, ao acolher a pretensão jurídica dos ora recorridos, com fundamento na alegada vulneração, pelo Poder Público, da garantia constitucional que assegura a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas, declarou, denodo expressivo, ofendida a cláusula de tutela inscrita no art. 52, XXXVI, da Carta Política. Ao considerar violado o direito adquirido, pela aplicação imediata da legislação que revogava a sistemática dos reajustes periódicos de vencimentos contemplada pelas Leis n2s 7.788/89 e 7.830/89, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou tema constitucional, o que autoriza a revisão do julgado, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário. Este particular aspecto da questão foi bem ressaltado pela douta ProcuradoriaGeral da República que, ao sustentar a 593 cognoscibilidade do presente recurso extraordinário, salientou que «Ao proclamar direito adquirido dos servidores públicos ao reajuste dos vencimentos no percentual de 84,32%, o acórdão caracterizou mal essa garantia, infringindo o preceito constitucional que a prevê.» (fl. 343) Ventila tema constitucional o acórdão que, para reconhecer, em favor do servidor público, a oponibilidade de certo direito, prerrogativa ou poder jurídico ao Estado, invoca, como fundamento precípuo de sua afirmação decisória, a necessidade de observância, pela Administração Pública, da garantia tutelar proclamada pelo art. 9, inciso XXXVI, da Carta Política. A quaestio juris que conduz à indagação em torno da aplicação, ou não, pelo acórdão recorrido, de um princípio inscrito na Constituição da República reflete, necessariamente, um tema de direito constitucional positivo, circunstância esta que justifica e legitima a interposição do apelo extremo. Cumpre, neste ponto, registrar o magistério jurisprudencial desta Corte que distinguiu, na palavra autorizada do saudoso Min. Alfredo Buzseid, as diversas situações que podem configurar ofensa à Constituição, para efeito de interposição do recurso extraordinário (RTJ 110/715), verbis: Está em controvérsia a norma constitucional, quando o Tribunal a quo a aprecia em seu merecimento, quando a seu respeito há nu dubla, quando se litiga sobre a sua aplicabilidade, não, porém, quando é excluída de qualquer julgamento, por não incidira norma constitucional.» Presente, pois, no caso, a necessária situação de litigiosidade constitucional, co- 594 R.T.J. — 155 nheço do recurso extraordinário interposto pela União Federal. Quanto ao mérito, impõe-se o provimento do recurso, quer em face das razões a seguir expostas, quer à luz da orientação jurisprudencial desta Corte, definida no julgamento plenário do MS 112 21.216, Rel. Min. Octavio Gallotti, e reafirmada pela Primeira Turma, em 9-3-93, na apreciação do RE n2 140.768 e do RE n2 148.607, de que fui Relator. A questão refere-se ao reajuste de 84,32%, reclamado por servidores públicos sob a alegação de tratar-se de coeficiente relativo à taxa da variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que foi constatada e formalmente fixada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE (Resolução n 2 6, de 29-3-90), com base na média dos preços apurados entre 16 de fevereiro e 15 de março de 1990, com estrita observância da metodologia de cálculo, critérios de sua elaboração e período de apuração estabelecidos pela Lei n2 7.730, de 31-1-89. A matéria, como já referido, não é nova nesta Corte, que, ao julgar o MS n2 21.216DF, rel. Min. Octavio Gallotti, impetrado com igual objetivo por servidores do próprio Tribunal, houve por bem denegar o writ constitucional, em acórdão assim ementado (RTJ 134/1112), verbis: «Mandado de Segurança contra ato omissivo do Presidente do Supremo Tribunal Federal, em virtude do qual ficaram privados os Impetrantes, funcionários da Secretaria da Corte, do reajuste de 84,32% sobre os seus vencimentos, a decorrer da aplicação da Lei n 2 7.830, de 28-9-89. Revogada esta pela Medida Provisória n2 154, de 16-3-90 (convertida na Lei n2 8.030/90), antes de que se houvessem consumados os fatos idôneos à aquisi- ção do direito ao reajuste previsto para 12-4-91, não cabe, no caso, a invocação da garantia prevista no art. 52, XXXVI, da Constituição. Pedido indeferido, por maioria» Reconheço a plena legitimidade do entendimento de que não ocorreu, na espécie, por evidente ausência de incorporação de qualquer direito ao patrimônio jurídico dos recorridos, a alegada desconstituição de situações jurídicas definitivamente consolidadas. Tenho por irrelevante, para efeito de reconhecimento da aquisição de direitos, o fato de haver sido apurado o índice percentual do reajuste postulado, em função de período (16-2 a 15-3-90) que precedeu a revogação legal de seus critérios definidores. A isolada configuração desse elemento não bastava para concretizar e dar dimensão integral ao direito reivindicado. Quando sobreveio a Medida Provisória n2 154/90, posteriormente convertida na Lei n2 8.030/90, estava ainda pendente uma situação jurídica indefinida, cujo processo de formação revelava-se em curso de mera constituição, a exigir, para deito de sua definitiva consolidação, a ocorrência de um segundo elemento positivo, caracterizado pela efetiva prestação de serviços à Administração Pública Ocorre, porém, que esse fato — o desempenho das atividades funcionais no mês de abril/90 — necessário à aquisição, e não ao simples exercício do direito ao reajuste de vencimentos segundo os critérios mais favoráveis da legislação referida, concretizou-se em momento quando já não mais vigorava, em virtude da edição e publicação da Medida Provisória n2 154/90, o ordenamento normativo sobre o qual tem assento toda a pretensão jurídica dos ora recorridos. Os vencimentos correspondentes ao cargo público são pagos, sempre, em razão do exercido das atividades funcionais a ele R.T.J. — 155 inerentes. O direito à percepção do estipêndio e dos reajustes autorizados por lei surge . com a efetiva prestação laborai pelo servidor público, que é remunerado pro labore facto. Daí, a advertência contida no sempre autorizado magistério do saudoso Prof. Hdy Lopes Meireles («Direito Administrativo Brasileiro», pág. 396, 11' ed., 1985, RT): «Vencimentos e vantagens irretiráveis do servidor só são os que já foram adquiridos pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) (...), nunca, porém, os que dependem de um trabalho a ser feito (pro labore (adendo) (...)». Não milita, portanto, em favor dos servidores públicos qualquer direito adquirido a futuros vencimentos ou a reajustes de vencimentos, que correspondam a atividades funcionais ainda não exercidas ou sequer desempenhadas. É de acentuar, no caso, que o ciclo de desenvolvimento e de integral realização da situação jurídica em questão compreendia dois elementos positivos causalmente vinculados, postos em relação de recíproca interação, sem que qualquer deles se revestisse de autonomia suficiente para legitimar, só por si, a definitiva consolidação do direito invocado pelos ora recorridos. Se é inquestionável, no caso, a realização do primeiro elemento (a ocorrência de variação nominal do IPC), que se verificou ainda sob a égide da legislação derrogada, não se revela menos evidente a circunstância de que o segundo e necessário elemento integrador desse ciclo — a efetiva prestação funcional no mês de abril/90 — somente ocorreu quando não mais subsistia o regramento normativo legitimador do direito ao reajuste de vencimentos. Se é certo afirmar que o direito adquirido «é a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de um fato idôneo» (Rubens Limongi França, «Direito Intertemporal Brasileiro», pág. 445, 2' ed., 595 1968, RT), não é menos correto acentuar, tendo presentes as circunstâncias deste caso, que o momento aquisitivo do direito vindicado — não fosse, repita-se, a intercorrente alteração legislativa — ter-se-ia consumado com a conjugação desses dois elementos essenciais já referidos: a ocorrência de variação nominal do Índice de Preços ao Consumidor e a efetivação de prestação labora!, no mês de abril/90, à Pública Administração. Da sucessividade e existência desses elementos positivos — primeiro, a variação nominal do IPC, ocorrida no período legalmente determinado, e, segundo, a realização de trabalho no mês subseqüente (abril/90) — é que poderia emergir, não houvesse sido derrogada a legislação invocada como fundamento da pretensão jurídica dos recorridos, o fato jurígeno ensejador da aquisição do direito postulado. Não se toma possível, nesse contexto, dispensar tratamento diferenciado a esses elementos de integração do direito ao reajuste, pois, individualmente considerados, de nenhuma eficácia jurídica eles se revestem para o fim postulado. Revela-se de extrema pertinência ao caso o magistério de Renato Faggeila («R.etroactività delle Leggi», págs. 170/172, Torino, 1922, apud Rubens Limongi França, op. cit., págs. 462/463), para quem, no domínio dos fatos complexos, compostos de elementos distintos, torna-se imperioso observar, que, «... se esses elementos fossem destacados uns dos outros, não seriam idôneos a produzir efeitos jurídicos». Assim, e no plano estrito da postulação deduzida pelos ora recorridos — e para os fins por eles perseguidos — nenhum relevo possuiria a ocorrência de variação nominal do IPC, sem a ulterior prestação laborai, da mesma forma que saia nula a eficácia da efetivação do trabalho, para efeito do reajuste pretendido, sem que esse prius neces- 596 R.T.J. — 155 sério — a variação nominal do IPC — se direito à percepção reajustada dos vencitivesse concretizado. mentos devidos pro labore facto. Não me parece, outrossim, deva a quesNada impedia, portanto, já que não contão ser analisada sob o prisma das relações figurado em sua integralidade um quadro jurídicas condicionadas, pela simples razão de verdadeira aquisição de direitos, a inode que, inobstante a ocorrência de variação vação legislativa em questão, operada, vanominal do IPC, no período de 16-2-90 a lidamente, em nosso ordenamento nor15-3-90, esse elemento de caráter estatísti- mativo, em face de situação jurídica cujo co-financeiro — que não se confunde e ciclo, como vem sendo enfatizado, sequer nem se reduz à idéia de fato aquisitivo se completara, basicamente pela ausência específico — não geraria, por si só, como de todos os seus elementos positivos e já assinalado, o nascimento do direito ao essenciais já mencionados — e que constireajuste estipendiário, que apenas surgiria tuiriam, a partir de sua efetiva realização com a realização do segundo elemento, este sob o império da legislação derrogada, não de natureza estritamente jurídico-funcio- fosse a interrupção desse processo, fatos nal: a prestação de serviços ao Poder Públi- revestidos de idoneidade e de aptidão juríco no mês subseqüente, ou seja, no mês de dicas bastantes para conferir legitimidade à abriY90. pretensão deduzida em sede mandamento]. Essa inexistência prévia do direito ao A mera expectativa de direito — tal reajuste compromete a tese que procura como a que emerge da situação em que se vislumbrar, nesse ater formativo da situa- acham os recorridos — não constitui situação jurídica a ser ainda constituída, a pre- ção oponível ao Estado e nem pode ser sença de um direito sob condição. Este invocada para inibir-lhe o desempenho de elemento acidental dos atos e negócios uma de suas típicas funções jurídico-instijurídicos supõe, necessariamente, a reali- tucionais: a função de legislar. A alteração dade de uma situação jurídica com eficácia legislativa de diretrizes e critérios de polísuspensa e subordinada a «evento futuro e tica salarial para os servidores públicos, incerto». Por isso mesmo, acentua a doutri- desde que não colha situações jurídicas dena, de Roubier a Dernburg, e de Savigny finitivamente consolidadas, como no caso, ao eminente e saudoso Professor Reynaldo não se caracteriza, em princípio, como ato Porcbat, o direito condicional existe. E concretizador de vulneração do texto consexiste desde o momento mesmo em que titucional. nasceu, inobstante sob condição. A incidência da cláusula inscrita na CarNo caso presente, o direito subjetivo dos ta Federal — que dispõe sobre a tutela da servidores públicos ao reajuste de seus es- incolumidade das situações jurídicas contipêndios apenas surgiria, não fora a edição solidadas, tomadas intangíveis em face de da Medida Provisória n2 154 (que entrou superveniente atuação normativa do Estaem vigor no dia 16-3-90), com a necessária do (art. 52, n2 XXXVI) —pressupõe, necesrealização do segundo fator, a cujo respeito sariamente, a existência de um direito subinexiste dissenso, ou seja, a efetiva execu- jetivo, quer se cuide de um direito de aquição das atividades funcionais. A partir des- sição simples, quer se trate de um direito de se instante, consolidar-se-ia uma situação aquisição imperfeita (a termo ou sob conjurídica que, até então, estivera em proces- dição), para utilizar expressões consagradas so de constituição, dando realidade e con- pelo autorizado magistério de Rubens ferindo essência ao direito reclamado: o Limongi França («A Irretroatividade das R.T.J. — 155 Leis e o Direito Adquirido», pág. 232, item n2 6, 32 ed., 1982, R7'). 597 fredo Buzaid). Daí, a sempre relembrada decisão do eminente Min. Evandro Lins, em julgamento de que foi relator e onde se assentou, no que concerne ao tema em debate, que «O que a irredutibilidade veda é a diminuição, por lei posterior, dos vencimentos que o juiz, em exercido antes de sua vigência, estivesse recebendo» (RTJ 45/355). A só condição de destinatário da proteção constitucional da irredutibilidade de vencimentos não confere ao beneficiário dessa expressiva garantia de ordem jurídico-social o direito à revisão conetiva dos efeitos nocivos gerados pelo processo inflacionário. A jurisprudência deste Tribunal, mesmo quando era mais restrito o universo daqueles que dispunham da prerrogativa da irredutibilidade, já se firmara neste mesmo sentido, repelindo pretensões então deduzidas por magistrados: RTJ 111/835, rel. Min. Djaci Falcão; RTJ 127/742, rel. Min. Francisco Rezek, v.g.. Nem se invoque em favor dos ora recorridos a cláusula da irredutibilidade de seus vencimentos, o que só se justificaria se ato estatal houvesse sido editado em face de situação jurídica definitivamente consolidada, a afetar, de modo a reduzi-la, a remuneração efetiva e regularmente por eles já percebida. Por isso mesmo, esta Corte proclamou inaplicável o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, «que veda a redução do que se tem», naquelas hipóteses em que se discute a negativa de concessão do que nunca se teve» (RTJ 104/808, rel. Min. Moreira Alves). Sempre se reconheceu — e a decisão proferida pela E. 2' Turma desta Corte no RE n2 105.789-MG, rel. Mia Carlos Madeira, bem exprime essa orientação — que constitui objeto da garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, bem assim da cláusula assecuratória da intangibilidade das situações jurídicas consOs índices de desvalorização da moeda tituídas, o direito que já nasceu», e que não geram direito ação e pretensão à revinão pode, em conseqüência, ser afetado ou são automática dos valores remuneratórios mesmo suprimido por ato superveniente do pagos a servidores públicos, pois esses reaEstado (RTJ 118/300). justamentos não constituem decorrência necessária da cláusula constitucional instituSe o reajuste vindicado pelos ora recor- tive da garantia de irredutibilidade de venridos não se incorporou ao seu patrimônio cimentos (RTJ 105/671, rel. Min. Soares jurídico, porque intem3mpido, em seu ciclo Mufioz). O Supremo Tribunal Federal, ainde formação, como salientado, o processo da no regime anterior, ao fixar o alcance de constituição de uma específica relação desse postulado até então inerente ao oficio jurídica (cuja criação ter-se-ia concretizado jurisdicional, mas que se tomou, agora, não fosse a derrogação da legislação de genericamente aplicável à categoria ftmpolítica salarial invocada como suporte da cional dos servidores públicos, deixou popretensão aqui deduzida), não há como im- sitivados os limites de seu conteúdo eficaputar às autoridades impetradas — que não cial, assinalados em douto voto proferido poderia agir senão com estrita observância pelo eminente Ministro Soares Mufloz da lei — o descumprimento de qualquer (RTJ 105/671, 675), verbis: postulado constitucional ou de qualquer comando legal. Afinal, só se protege, pela «... A garantia constitucional da irregarantia da irredutibilidade, aquilo que, a dutibilidade de vencimentos proíbe que título de vencimentos, o servidor já vinha a remuneração dos juízes seja reduzida. percebendo (RTJ 112/768, rel. Min. AlNão os coloca, porém, a salvo das con- 598 R.T.I. — 155 tingências resultantes da inflação, que atinge todos os cidadãos. Nem ela afasta a incidência de outras normas constitucionais, de conformidade com as quais os vencimentos de todos os servidores públicos, inclusive dos magistrados, são fixados em lei...». O princípio da reserva de lei, que submete ao domínio normativo desse ato estatal a disciplinação da matéria pertinente à fixação e ao reajuste de vencimentos, deriva de cláusula constitucional que discrimina determinadas categorias temáticas, como a de que ora se trata, exigindo, para efeito de seu válido regramento normativo, a utilização de diploma legislativo. Sem lei vigorante, que autorize a efetivação do reajuste de vencimentos, não há como a ele proceder, sob pena de grave ofensa a um dos princípios nucleares de nossa organização constitucional: o princípio da divisão funcional do poder. Assim sendo, e considerando, principalmente, a reiterada jurisprudência desta Corte, conheço e dou provimento ao presente recurso, para cassar a segurança concedida. É o meu voto. VOTO (PRELIMINAR) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, data venia fico vencido, nos termos do voto proferido nos precedentes plenários sobre a matéria, a partir do MS 21.216. Não conheço do recurso. EXTRATO DA ATA RE 141.816 — DF — Rel.: Min. Celso de Mello. Recte.: União Federal. Recdos.: Aldair Sousa da Hora e outros (Adv.: Inocencio Oliveira Cordeiro). Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento. Vencido o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence que dele não conhecia Impedido o Senhor Ministro limar Gaivão. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Franzino Pereira. Brasília, 24 de agosto de 1993 —Ricardo Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 145.193 — DF (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Recorrente: União Federal — Recorrido: Luiz Dantas Cruz Anistia — ADCTI88 (art. 82)— Alcance do beneficio constitucional — Promoção do militar — Critérios — Inobservância — RE conhecido e provido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao definir o alcance da norma inscrita no art. ir do ADCT/88, firmou-se no sentido de excluir do âmbito de incidência do beneficio constitucional da anistia tanto as promoções fundadas no critério de merecimento quanto aquelas que pressuponham aprovação em concurso de admissão e posterior R.T.J. — 155 599 aproveitamento em curso exigido por lei ou por atos regulamentares. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento. Brasília, 15 de setembro de 1992 — Moreira Alves — Presidente Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Meio: Tratase de recurso extraordinário interposto pela União Federal, com fundamento no art. 102, IIi, a, da Carta Política, contra decisão proferida pelo Tribunal a quo, cujo pronunciamento — ao interpretar a norma inscrita no art. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — orientouse no sentido de que, para efeito de promoção na inatividade do servidor militar, beneficiário da anistia, basta a observância dos requisitos pertinentes ao prazo de permanência e ao limite de idade. O Superior Tribunal de Justiça, ao deferir o mandado de segurança em beneficio do ora recorrido, assegurou-lhe a promoção ao posto de Capitão, com efeitos financeiros, a partir da vigência do novo texto constitucional. O acórdão ora impugnado contém a seguinte ementa (fl. 225), verbis: «Constitucional. Administrativo. Anistia. Militar. Promoção. EC n2 26, de 1985, art. 42, § 39. Constituição de 1988, art. ir do ADCT. I — O que se exige na norma constitucional de anistia, tanto na EC 1f 26, de 1985, art. 42, § 3 9, quanto no art. 82 r do ADCT à CF de 1988, para a concessão de promoções, na aposentadoria ou na reserva, é a observância, apenas, dos prazos de permanência em atividade inscritos nas leis e regulamentos vigentes, inclusive, em conseqüência, do requisito de idade-limite para ingresso em gra&nine% ou postos, que constem de leis e regulamentos vigentes na ocasião em que o servidor, civil ou militar, seria promovido. II — Mandado de Segurança deferido, em parte.» A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar sobre a pretensão recursal deduzida, manifestou-se no sentido do conhecimento e provimento do presente recurso extraordinário. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Meio (Relakir): O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, assim apreciou a questão suscitada na presente sede recursal extraordinária, verbis: «A União Federal interpõe Recurso Extraordinário, com fundamento na alínea a, III, do art. 102 da CF, contra a v. decisão concessiva de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Exmo. Sr. Ministro do Exército. Sustenta a Recorrente que o v. acórdão recorrido afrontou o art 82 do ADCT da Constituição em vigor porque considerou que, em decorrência da Anistia, se deva conceder as promoções ao impetrante até o posto ou graduação que todos os seus companheiros poderiam ob- R.T.J. — 155 600 ter na atividade, e isto por ficção jurídica. Aduz a recorrente que o art. 82 do ADCT, para esse efeito, manda respeitar as leis e regulamentos vigentes, as peculiaridades da carreira militar e os respectivos regimes jurídicos. No caso, o art. 16 da Lei n2 3.222/57, com as alterações feitas pelas Leis n2s 5.176, de 12-12-66 e 6.010 de 1973, e os arts. 16, 17 e 34 do Decreto 42.251, de 6-9-57, com as alterações fritas pelo Decreto n2 73.551/74, sujeita a promoção a Tenente a um critério de avaliação subjetiva, aferida em decorrência de pontos que o candidato acumula em sua carreira. Daí porque não é automática a promoção e, em conseqüência, não teria ele direito líquido e certo à promoção, se na ativa estivesse. O presente recurso cuida da interpretação do art. 82 do ADCT e por essa razão deve ser conhecido. Preceitua o art. 82 do ADCT que: e r 'Art. 82 É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1964 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n2 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n2 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.' Como se vê a anistia concedida pelo referido artigo assegura promoções na inatividade a que o beneficiário tivesse direito se estivesse no serviço ativo, aplicadas as normas da legislação militar. Conforme demonstrou a recorrente, partindo do disposto nos arts. 16 da Lei n2 3.222/57 e dos arts. 16, 17 e 34 do Decreto n2 42.251157, a promoção a 22 Tenente depende de avaliação subjetiva e, portanto, poderia ou não o recorrido ser promovido. Aliás, vários de seus colegas, não atingidos por atos de exceção, dir-se-ia até que a grande maioria deles não chegou ao posto a que ele pretende. A anistia é aquela que o constituinte concedeu. Não pode o Poder Judiciário, com os argumentos de ficção jurídica, ampliá-la. (...) Pelo provimento do recurso.» Entendo assistir razão ao pronunciamento emanado da douta Procuradoria-Geral da República. Com efeito, a norma inscrita no art. 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao conceder o benefício da anistia aos que foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos fundados no arbítrio revolucionário, assegurou aos servidores públicos civis e militares as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se em serviço ativo estivessem. Essa promoção sofre, no entanto — não obstante tenha como título jurídico a norma consubstanciada no art. 82 do ADCT — os condicionamentos jurídicos nela estabele- R.T.J. — 155 cidos, em ordem a conter, de modo claro — a partir de quanto se enuncia no regramento legal e regulamentar pertinente — a própria eficácia dessa regra constitucional. A progressão vertical dos servidores públicos, civis ou militares, está sujeita, em conseqüência — e por força do próprio conteúdo normativo do preceito constitucional questionado —, ao cumprimento dos prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, submetendo-se a sua promoção, ainda, quanto à sua concretização, à observância necessária dos respectivos regimes jurídicos e à satisfação das características e peculiaridades inerentes às carreiras que então integravam. Isso significa que o militar, destinatário do beneficio constitucional da anistia, não titularia direito líquido e certo à obtenção, automática e compulsória, das promoções referidas no art. 82 do ADCT. Assiste-lhe, em função do próprio contexto normativo que emerge do preceito constitucional transitório, mera expectativa de direito, cuja efetiva realização, concretização e transformação em situação jurídica ativa depende, essencialmente, da satisfação integral dos requisitos impostos e exigidos pelo ordenamento positivo. A existência de mera spes juris não se revela apta, bastante e suficiente para justificar o reconhecimento do direito material reclamado. Essa norma — que constitui o título jurídico qualificador do acesso dos servidores militares aos benefícios da anistia — depende, para que se lhe dê aplicabilidade, do real e concreto preenchimento, pelos interessados, dos requisitos, das condições e dos pressupostos decorrentes do regime jurídico a que se submetem em face de sua própria condição funcional. Sem que tal ocorra, o servidor militar não fará jus à promoção. A simples possibilidade de esse 601 servidor vir a obter o pretendido acesso na Organização Militar a que vinculado não tem o condão — dependente que se acha a efetivação desse ato administrativo da integral satisfação de requisitos estipulados em normas legais e regulamentares — de transmudar mera situação de expectativa em direito público subjetivo titularizável pelo militar interessado. Daí, a clara advertência contida no voto proferido pelo em. Ministro Paulo Bromsard que, como Relator do RE n2140.616DF, observou, a propósito deste específico tema, que, verbis: «A norma constitucional transitória assegurou a quantos foram atingidos por atos de exceção, em decorrência de motivação exclusivamente política, no período que especifica, 'a promoção, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carteiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos'. Quer dizer, observados os respectivos regimes jurídicos, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores civis e militares, observados os prazos de permanência em atividade, ser-lhes-iam asseguradas as promoções a que teriam direito se em serviço ativo. As promoções a que teriam direito. Ora, a nem todas as promoções o servidor militar, de que cuida a espécie, tem direito; há promoções e promoções. A algumas o servidor teve direito; a outras, tem expectativa de direito; em relação a algumas ele há de ser promovido, em relação a outras, ele pode vir a ser promovido. Num caso ele tem direito, noutro direito ele não tem, embora tenha expectativa de direito. 602 R.T.J. — 155 Em resumo, um Cabo, ou seja o menos graduado dos graduados pode chegar a Subtenente que é o mais graduado dos graduados, e pode passar a oficial, como Tenente, e pode ser promovido como Oficial até Capitão. r Pode. Tem a possibilidade. Em linguagem jurídica, tem a expectativa. Não tem o direito. O art. 82 do ADCT assegura na inatividade as promoções 'a que teriam direito se estivessem em serviço ativo'. Não assegura as promoções possíveis, promoções que poderiam vir a alcançar. São situações nitidamente distintas.» A progressão vertical na carreira militar, em suma, quando sujeita a juízo discricionário da autoridade competente, como sucede nas promoções pelo critério de merecimento, cuja efetivação depende — até mesmo em função de exigências legais ou regulamentares — de avaliação, de ordem pessoal, da capacidade, aptidão e qualificação do interessado, não constitui direito público subjetivo do servidor militar, que não se acha garantido, por isso mesmo, e para esse específico efeito, pela norma inscrita no art. 82 do ADCT. O acesso aos postos superiores no plano da hierarquia castrense, depende, fundamentalmente, de escolha sujeita à avaliação discricionária, de ordem subjetiva, da autoridade competente. O regime jurídico das promoções no âmbito militar não sofreu, no ponto, inovação qualquer introduzida pela regra consubstanciada no preceito transitório mencionado. Inexiste, desse modo, para efeito de aplicação da norma inscrita no art. 82 do ADCT, a possibilidade de se admitir, para os fins postulados, uma situação de escolha freta, incompatível como caráter discricio- nário dos atos de promoção pelo critério de merecimento. Sendo assim, e considerando, ainda, as decisões plenárias do Supremo Tribunal Federal proferidas no RE n2140.616-DF, Rel. Min. Paulo Brossard e no RE n2 141.290-DF, Rel. Min. Néri da Silveira, ambos julgados na Sessão de 27-8-92 — e em cujo âmbito se feriu controvérsia idêntica à que se registra na presente causa —, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário interposto. É o meu voto. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, no julgamento plenário do Recurso Extraordinário n2 140.616, votei vencido, não conhecendo do recurso por entender que a matéria envolvia prévia interpretação da legislação ordinária. Cuidando-se, porém, de decisão plenária em que, por ampla maioria, o Tribunal assentou a orientação de conhecer e dar provimento a tais recursos, já não teria sentido a minha dissidência. Por isso ressalvo a minha opinião em contrário e acompanho o voto do eminente Relator. EXTRATO DA ATA RE 145.193 — DF — Rel.: Min. Celso de Mello. Recte.: União Federal. Recdo.: Luiz Dantas Cruz (Advs.: Pedro Pery Mascarenhas Filho e outros). Decisão: A Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Impedido o Sr. Ministro limar Gaivão. Falou pelo recorrido o Dr. Valter Moreira Silva. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subpro- R.T.J. — 155 curador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira 603 Brasília, 15 de setembro de 1992 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N2 146.437 (AgRg) — RJ (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro limar Gaivão Agravante: Município do Rio de Janeiro — Agravados: Theodoro de Sá Campello Faveret e outros Servidor municipal. Reajustes de vencimentos. Aplicação de normas locais. Súmula n9280. O Tribunal a quo, em virtude da legislação municipal atinen- te à espécie, concluiu que os agravados tinham direito de receber seus vencimentos com aplicação de índices da variação do IPC. Sem alcançar a interpretação da lei municipal, não se pode vislumbrar vulneração da Carta Magna ensejadora do conhecimento do recurso extraordinário. Agravo regimental improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo. Brasília, 26 de abril de 1994 — Moreira Alves, Presidente — limar Gaivão, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Ilmar Gaivão (Relator): Manifesta o Município do Rio de Janeiro agravo regimental contra a decisão de fl. 140, do seguinte teor: «Trata-se de ação movida por servidores do Município do Rio de Janeiro visando a receber diferenças de vencimentos correspondentes ao período de março de 1986 a março de 1987, em razão da não aplicação das Leis Munici- pais es 904/86 e 1.016/87, que deferiram o reajuste automático dos vencimentos dos servidores municipais e estabeleceram a data-base dos reajustes e sua antecipação semestral. Acolhida a pretensão, recorre a municipalidade alegando violação aos arts. 29; 30, inc. I; 37, inc. XIII; 167, inc. V;169, parágrafo único e seus ince., todos da Constituição Federal, bem como o art. 38, caput e parágrafo único, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da mesma Carta. Argumenta que a utilização de índice de reajuste automático baseado no Índice de Preços ao Consumidor ditado pelo Governo Federal, para os vencimentos dos servidores municipais, não se harmoniza com os princípios da Constituição mencionados, majorando-se, em conseqüência, a despesa pública. Acrescenta, ainda, que o acórdão recorrido julgou válidas as leis municipais contrariando as mesmas normas constitucionais. 604 R.T.J. — 155 Afastou o despacho presidencial denegatório do processamento do recurso as pretensas violações à Lei Maior. Mantida a decisão agravada, trago o agravo regimental a julgamento desta Turma É o relatório. Embora as questões constitucionais suscitadas tenham sido formalmente preVOTO questionadas, o certo é que o recurso da O Sr. Ministro limar Gaivão (Relamunicipalidade não tem condições de tor): Na verdade, o que o Tribunal decidiu prosperar. foi que, em virtude da legislação municipal Ora, ao reputar devido o pagamento atinente à espécie, os agravados tinham o dos «gatilhos salariais» a Cone de ori- direito de receber seus vencimentos com gem baseou-se unicamente na legisla- aplicação de índices da variação do IPC. ção municipal, cuja interpretação não Urna vez alcançada a intezpretação da lei enseja recurso extraordinário (Súmula municipal, é que, por via reflexa, se deu n2 280). tratamento constitucional à questão, para considerar que o município não havia leQuanto ao exame da incompatibili- vantado a inconstitucionalidade da referida dade das leis municipais com a Consti- legislação. tuição atual, impossível fazê-lo nesta Ora, em assim sendo, não se pode visinstância. Primeiro, porque o acórdão lumbrar da Carta Magna enserecorrido não a examinou, como está jadora dovulneração conhecimento apelo extremo, expresso no acórdão dos embargos de porque a interpretação e do aplicação de direideclaração; segundo, porque a preten- to local não comportam recurso extraordisão dos recorridos abarca período em que a referida Carta não tinha sido pro- nário (Súmula n2 280). Nego provimento ao agravo regimenmulgada, encontrando-se em vigor a mental. cionada legislação. Assim, frente ao art. 38 da Lei nQ 8.038/90 e ao § I Q do art. 21 do RISTF, nego seguimento ao agravo.» Alega que, contrariamente ao afirmado pela decisão agravada, não há necessidade de interpretação de legislação local para o deslinde da controvérsia. Argumenta que a ofensa constitucional está caracterizada pelo fato de o acórdão ter aplicado leis municipais incompatíveis com a Carta Federal, violando-a direta e frontalmente. Acrescenta que não se pode opor obstáculo ao exame da incompatibilidade da legislação municipal com a Constituição, posto que o tema foi explicitamente prequestionado, o que impede a incidência das Súmulas n2s 282 e 356. EXTRATO DA ATA Ag 146.437 (AgRg) — — Rel.: Min. limar Gaivão. Agte.: Município do Rio de Janeiro (Adva.: Fátima Martins Couto) Agdos.: Theodoro de Sá Campello Faveret e outros (Adva.: Márcia Antunes de Faria). Decisão: A Turma negou provimento ao agravo. Unânime. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Sepúlveda Pertence e Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Compareceu o Sr. Ministro Octavio Gallotti, Presidente do Tribunal, a fim de julgar os processos a ele vinculados. Subprocurador- — 155 Geral da República, o Dr. Geraldo Brindei- ro. 605 Brasília, 26 de abril de 1994 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N 2 150.376 (AgRg) — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sydney Sanches Agravante: Estado de São Paulo — Agravado: Cafenorte S/A Importadora e Exportadora Direito conslitudonal. Tributário. ICM. Exportação de café cru. Não incidência sobre a quota devida ao IBC (Instituto Brasileiro do Café). Em face do disposto nos artigos 146, III, a, 150, I,155, 1, b, da parte permanente da Constituição Federal, e do art. 34, §§ 5 2 e 82 ADCT, bem como no f 82 do art. 22 do Decreto-Lei n2 406, de 31-12-1968, que considera não revogado peão art. 11 do Convênio ICMS-66188, é pacífica a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não se inclui, na base de cálculo do ICM, nas operações de exportação de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. Agravo regimental improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental. Brasília, l2 de março de 1994 —Moreira Alves, Presidente — Sydney Sancbes, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sydney Sambes (Relator): 1. Como relator, proferi, à fl. 82, a seguinte decisão: «1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão de Presidente de Tribunal, que indeferiu o processamento de recurso extraordinário fundado em alegação de ofensa à Constituição Federal, já que o acórdão recorrido excluiu, da base de cálculo do ICM, em operações de exportação de café cor, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. É pacífica a jurisprudência de ambas as turmas do Tribunal, no mesmo sentido do aresto impugnado (Agravos Regimentais nas 135.824, 135.890, 138.829, 136.064, 137.006, 142.045, 142.979, 145.959, 149.208 e 149.320). Isto posto, com apoio no art. 38 da Ler n2 8.038, de 28-5-1990, e no art. 21, 12, do RISTF, nego seguimento ao agravo». RT.J. — 155 606 2. Inconformado, interpôs, o Estado de São Paulo, o presente agravo regimental, insistindo no processamento do RE. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sydney Sanches (Relator): 1. Em face do disposto nos artigos 146, III, a, 150, I, 155, I, b, da parte permanente da Constituição Federal, e do art. 34, parágrafos 52 e gg do ADCT, bem como no parágrafo 82 do art. 2 do Decreto-Lei n2 406, de 31-12-1968, que considera não revogado pelo art. 11 do Convênio ICMS66/88, já em pacífica a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não se inclui, na base de cálculo do ICM, nas operações de exportação de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. 2. Nesse sentido, por exemplo: «Recurso extraordinário. ICMS. Operações de exportação de café cru. Não se inclui, na base de cálculo do ICMS, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. Precedentes. Não modifica a orientação referida o disposto no art. 34, § 82, do ADCT, da Constituição de 1988. Não será possível mediante convênio afastar o princípio da imunidade tributária recíproca. Recurso extraordinário não admitido. Agravo regimental a que se nega provimento» (AgRg n2 145.152-2/SP, Rel., Min. Néri da Silveira). «Constitucional. Tributário. ICM. Quota de contribuição do IBC: Inclusão na base de cálculo do ICM. Exportações de café cru. I — Impossibilidade de inclusão, na base de cálculo do ICM, nas exportações de café cru, da cota de contribuição devida ao IBC. 11 — Agravo regimental improvicio» (AgRg n8 148.708-0/SP, Rel., Min. Carlos Velloso). «ICMS —Base de cálculo — Quota de contribuição devida ao. IBC — Alegação de matéria constitucional como fundamento do apelo extremo — CF, art. 155, I, b, e ADCT/88, art. 34, § 8— Ausência de prequestionamento — Tardia suscitação do tema em embargos declaratórios — Acórdão recorrido que possui fundamento infraconstitudonal suficiente (Decreto-Lei at2 406168). Agravo regimental improvido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que não se inclui na base de cálculo do ICM, nas operações de exportações de café cru, o valor correspondente à quota de contribuição devida ao IBC. Precedentes. A invocação de temas constitucionais somente nos embargos declaratórios não é suficiente para afastar o óbice da falta de prequestionamento, não sendo possível, cogitar-se de omissão, a ser suprida por aquela via recursal, se a matéria não foi, oportuna e previamente, levada, pelo recorrente, à cognição do Tribunal a quo. Não supre a exigência indeclinável do prequestionamento a tardia invocação, em sede de embargos declaratórios, da matéria constitucional que deixou de ser veiculada, anteriormente, pela parte recorrente. A resolução do litígio com apoio no Decreto-Lei n2 406/68 confere fundamento infraconstitucional suficiente ao acórdão recorrido. O caráter autônomo dessa motivação revela-se bastante para sustentar a decisão proferida pelo Tribu- R.T.J. —155 nal a quo.» (AgRg 149.205-9/SP, Rel., Min. Celso de Mello). «Imposto sobre circulação de mercadorias — Base de incidência — Contribuição devida ao Instituto Brasileiro do Café. A concessão de segurança contra o Estado não se mostra violadora dos dispositivos constitucionais que disciplina o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias nem do § 8 2 do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo alcance deve ser perquirido em face à regra do § 5 2 do aludido artigo» (AgRg 149.926-6/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). 3. Essa jurisprudência se consolidou em Plenário, por votação unânime, em data de 23-2-1994, quando do julgamento do RE n2 149.922-2, de que foi relator o eminente Ministro limar Gaivão. 607 4. Isto posto, valendo-me dos fundamentos de todos esses precedentes e do que ficou dito na decisão agravada, nego provimento ao agravo regimental. EXTRATO DA ATA Ag 150.376 (AgRg)—SP—Rel.: Min. Sydney Sanches. Agte.: Estado de São Paulo (Advs.: Elizabeth Jane Alva de. Lima e outros) Agda.: Cafenorte S/A Importadora e Exportadora (Advs.: José Eduardo Soares de Melo e outros). Decisão: A Turma negou provimento ao agravo. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepdlveda Pertence, Celso de Mello e Ihnar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 1 9 de março de 1994 —Ricardo Dias Duarte, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N9 150.850 (AgRg) — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sepülveda Pertence Agravante: Estado de São Paulo — Agravada: Pmcafé S/A ICM: exportação de café cru: exclusão da base de cálculo do montante da cota de contribuição devida ao IBC (DL ri2 406/68, art. r, § r, recebido pela Constituição, por força do art. 34, 52, ADCT). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Tur- ma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Septilveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepálveda Pertence: Neguei seguimento ao agravo de instrumento nos seguintes termos (fl. 58): 608 R.T.I. — 155 «Cuida-se de RE, a, da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, contra decisão que reconheceu à empresa agravada o direito de pagar o ICM nas operações de exportação de café cru com exclusão, da base de cálculo, da quota de contribuição devida ao !BC. O Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se por suas duas Turmas, tem reiterada e invariavelmente afirmado a inviabilidade do RE interposto pelo Estado em casos idênticos (1! Turma: AgsRgs-Ags IS 136.228 — 27-8-91, DJ 4-10-91 —, 141.873 — 6-4-93, DJ 7-5-93 — e 149.205 — 25-5-93, DJ 18-6-93, Celso de Mello; 2 ! Turma: AgRg-Ag n2 135.890, Velloso, 19-2-91, DJ 5-4-91; AgsRgs-Ags n2s 136.031 — 7-5-91, DJ 7-6-91 — e 148.846 — 6-4-93, DJ 7-5-93, Marco Aurélio; cf. também decisões singulares: Ag n2 145.770, Sanches, DJ 3-8-93; Ag n2 149.078, Rezek, DJ 24-6-93; Ag n2 137.006, Pertence, DJ 6-3-93; Ag n2 149.320, Néri, DJ 15-4-93; Ag n2 142.045, Brossard, DJ 21-2-92; Ag n2 135.824, Moreira, DJ 18-2-92; Ag n2 142.127, Celso de Mello, DJ 18-5-92; e Ag n2 135.888, Gallotti, DJ 5-3-92, inter alia). À vista dos precedentes citados — nego seguimento ao agravo.» Tempestivamente, opõe o Estado de São Paulo agravo regimental, sustentando a inexistência da ofensa ao princípio constitucional da imunidade recíproca, com estes fundamentos (fls. 60/61): «Não se pode negar que o despacho agravado está em sintonia com a jurisprudência do STF, porém abrangendo período anterior à Constituição de 1988, e ao Convênio ICMS n2 66/88, editado pelos Estados na forma autorizada pelo r art. 34, parág. do ADCT, bem como à Lei Paulista n2 6.374/89. A incidência do ICMS sobre a contribuição devida pela impetrante ao IBC está prevista em termos inequívocos no art. 11, do Convênio ICMS 66/88, ao contrário do que ocorria em relação ao revogado art. r, pár. 2 do Decreto-Lei n2 406/68, que, não sendo explícito a respeito, admitia, em seu sentido literal possível, a interpretação defendida pelos contribuintes. Assim, não havendo mais de unia interpretação plausível para o artigo 11, restarão ao julgador apenas dois caminhos: aplicá-lo em sua incontroversa literalidade, ou declará-lo inconstitucional». É o relatório. 8 VOTO Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Como reconhece o agravante, se o art. 22, § 82, Decreto-Lei n2 406/68 já definia a base de cálculo, da imposição questionada, o art. 34, § 52, ADCT lhe assegurou a recepção pelo novo sistema constitucional tributário, de modo a impe& que, ao invés dele, se invoque preceito de convênio interestadual. Nego provimento ao agravo: é o meu voto. EXTRATO DA ATA Ag 150.850 (AgRg) — SP — Rel.: Min. Sepúlveda Pertence. Agte.: Estado de São Paulo (Advs.: Eleonora Lucchesi Martins Ferreira e outros) Agda.: Procafé S/A (Adv.: Beraldo Fernandes). Decisão: A Turma negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Unânime. R.T.J. — 155 Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ilmar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Sydney Saches. Sub- 609 procurador-Geral da República, Dr. Miguel Franzino Pereira. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. AGRAVO DE INSTRUMENTO N2 152.835 (AgRg) — SP (Primeira Turma) Relator O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Agravante: União Federal — Agravada: Ciba Geyge Química S/A I — Recurso especial: inadmissibilidade: fundamento constitucional suficiente e inatacado. É inadmissível o recurso especial se a decisão recorrida contém fundamento constitucional suficiente e não tiver sido interposto o recurso extraordinário simultâneo. II — Recurso extraordinário: inadndssibilidade: reune das premissas concretas da decisão que conheceu ou não conheceu do recurso especial. A alegação de ofensa do art. 105, III, CF, pode servir de base a recurso extraordinário, quando, para conhecer ou não conhecer do recurso especial, a decisão do STJ contiver proposição contrária, em tese, aos seus pressupostos típicos de admissibilidade, que aquele preceito constitucional define; não cabe, porém, o extraordinário para o 'Interne das premissas concretas de que haja partido a decisão do STJ, em tese, correta. «Cuida-se de RE, a, contra acórdão ACÓRDÃO que, para não conhecer de recurso especial, reputou transitada em julgado a Vistos, relatados e discutidos estes audecisão recorrida, porque o seu fundatos, acordam os Ministros da Primeira Turmento constitucional suficiente for obma do Supremo Tribunal Federal, na conjeto de recurso extraordinário definitiformidade da ata do julgamento e das notas vamente indeferido. taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo. Incensurável o acórdão recorrido e correto também o despacho agravado, Brasília, 30 de novembro de 1993 — que, na mesma linha, não admitiu o reMoreira Alves, Presidente — Sepúlveda curso extraordinário da decisão tomada Pertence, Relator. no recurso especial. O entendimento do Supremo TribuRELATÓRIO nal Federal firmou-se no mesmo sentido: por isso, ao julgar, em 2-9-93, o Ag O Sr. Ministro Seprilveda Pertence: A decisão agravada é do seguinte teor (fi. 40): (AgRg) ng 145.589, de que fui relator, 610 R.T.J. — 155 assentou o plenário da Corte que é inadmissível o RE interposto de decisão do STJ em recurso especial, quando a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido já fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau, de modo a constituir fundamento suficiente da decisão da causa. Não se contesta — acentuou-se, então —que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa. Ademais, na hipótese que é a do caso — em que a solução da questão constitucional, na instância ordinária, constitui fundamento bastante da decisão da causa —, antes que a preclusão da matéria, é a coisa julgada que inibe o conhecimento do recurso especial. Desse modo, inviável o RE, nego seguimento ao agravo.» Donde, o agravo regimental, no qual argumenta a União (fls. 42 ss.): «O caso presente envolve tormentosa questão enfrentada no Superior Tribunal de Justiça quando este, diante de recurso extraordinário inadmitido no Tribunal a quo, sem perquirir as razões de inadmissão, julga prejudicado o recurso especial pelo trânsito em julgado de suposto fundamento constitucional. A matéria de mérito envolve a discussão sobre isenção do imposto relativo à com- pra de câmbio nas operações de importação, abreviadamente grafado em inúmeras ementas como IOF-Câmbio — Decreto-Lei n2 2.434/88. Ante as primeiras decisões do Tribunal Regional Federal da 3' Região — São Paulo prolatadas entre 1989 e 1990, a Procuradoria da Fazenda Nacional interpunha, simultaneamente, os recursos especial e extraordinário. O primeiro vinha sendo admitido. Já o extraordinário não o era, por duas razões alegadas no juízo de admissibilidade a saber: por falta de prequestionamento dos artigos 52 e seu inciso II e 48, I, da Constituição Federal; porque os dispositivos constitucionais tidos como violados não foram sequer objeto da decisão profligado (in casu o Acórdão do Regional). Posteriormente, até o mês de abril de 1992 e deste marco até a presente data, as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal passaram g resumir a seguinte orientação: O Superior Tribunal de Justiça conheceu e deu provimento a inúmeros recursos especiais da Fazenda Nacional e negou a outros tantos recursos dos contribuintes, assentando orientação tume em ambas as Turmas e na Seção, no sentido favorável à União: (v. g. Resp. n2 13.039-SP, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 16-10-91; Resp. n2 32.731-7-SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 22-4-93, pág. 6.846; Emb. Divergência em Resp. ne 17.327-3-SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 3-9-93, pág. 17824). O Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgados dos Senhores Ministros Relatores Paulo Brossard, limar Gaivão, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Sydney Sanches assentaram que não ha- r, R.T.J. —155 via, no caso, tema de violação frontal à Constituição com força suficiente, para ser alçado a uma discussão perante a Colenda Suprema Corte. Isto porque, para se aferir o tema constitucional, haveria necessidade de se penetrar em análise de normas infraconstitucionais;..» (...) «Diante das evidências acima, a União deixou de insistir nos agravos de instrumentos contra a inadmissão de recursos extraordinários, embora centenas tenham prosseguido seu ritmo normal porque preparados e instrumentados anteriormente.» (...) «Assim, no presente caso, chega a União, ao estranho paradoxo de ter e não ter direito, porque o Superior Tribunal de Justiça se nega a examinar o Recurso Especial com base em discatívd aspecto de coisa julgada formal de **andamento constitucional» já reconhecido como inexistente tanto pelo despacho de inadmissibilidade do extraordinário, quanto por inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal.» Em face da decisão plenária dessa Colenda Suprema Corte, de 2 de setembro de 1993, no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 145589-7Rio de Janeiro, houve por bem V. Exa. considerar-se vinculado para negar agasalho ao presente Agravo de Instrumento da União. Entretanto, data venia, o precedente parece não se aplicar inteiramente ao presente caso pelas razões a seguir. O Ilustre Ministro Relator Sepúlveda Pertence, no precedente referido, assentou que «O despacho agravado indeferiu corretamente o extraordinário, sob o fundamento de que este deveria ter sido 611 interposto concomitantemente com o especial, já que a matéria constitucional vinha sendo veiculada desde a instância inferior (fl. 29)» (pág. 2) (grifamos). E ainda, na pág. 10, «8. Mas, com todas as vênias, sigo convencido de que, no sistema da Constituição, a decisão do recurso especial só admitirá recurso extraordinário, se a questão constitucional enfrentada polo STJ for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária (grifamos). FinalO que não é mente, na P411- 11, dado, porém, àquela alta Corte é rever a decisão da questão constitucional do tribunal inferior.» (grifamos) Ora, no presente caso suscitado pela União, a hipótese é diversa pelas razões já expostas e, com ênfase, a seguir repetidas: o Tribunal Regional não decidiu matéria constitucional; o despacho do ilustre Presidente do Tribunal Regional, ao inadmitir o extraordinário, não reconheceu a existência de matéria constitucional na decisão recorrida; o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que não há tema constitucional em discussão, em relação ao I0ECâmbio-Decreto-Lei n2 2.434/88, na linha dos inúmeros precedentes apontados acima: o Superior Tribunal de Justiça, em ambas as turmas, nos casos em que conhecia do recurso especial, assentou orientação totalmente favorável à União, como indicam os precedentes já citados. 7. Estranhamente, a partir da Questão de Ordemde 18-2-92 (DJ de 28-2-92), vislumbrando fundamento constitucional inexistente, passou o Superior Tribunal de Justiça a não conhecer dos 612 R.T.J. —155 recursos especiais interpostos pela União.» (...) Na verdade a União sempre pretendeu buscar no Superior Tribunal de Justiça uma decisão de mérito em sede puramente infraconstitucional, para saber os limites em que se deu a interpretação da norma ordinária cotejada com o Código Tributário nacional, que fixa normas gerais de interpretação em matéria tributária. É preciso recordar que o Tribunal Regional de São Paulo deu interpretação extensiva ao artigo e do Decreto-Lei n2 2.434, de 1988, para beneficiar as importações cujas guias de importação tivessem sido emitidas anteriormente a 12 de julho de 1988. Poderia o Eg. Tribunal a quo ter adotado essa interpretação da norma ordinária sem violação dos artigos 111, 176 e97, todos da Lei n2 5.172, de 25 de fevereiro de 1966 (Código Tributário Nacional)» Como resumo e conclusão, verificase, data nela, que o precedente do Plenário em que V. Exa. fundamentou o R. Despacho de fls. alberga hipótese processual diversa dos autos. Naquele, o tema constitucional vinha sendo discutido desde o 12 grau de jurisdição, restando precluso por ausência de extraordinário. Neste, como demonstrado, não existe matéria constitucional em discussão, mas apenas conflito sobre hermenêutica e aplicação de normas infraconstitucionais e seus limites em matéria tributária de isenção.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Até certo ponto, tem razão a agravante, quando questiona a pertinência ao caso do precedente firmado no AgRgAg n2 145.589, a respeito de hipótese na qual se pretendia reagitar, em recurso extraordinário contra decisão do STJ, tomada em recurso especial, tema constitucional já versado nas instâncias ordinárias. Ora, se o Superior Tribunal de Justiça Aqui, ao contrário, o RE se funda em deixar de apreciar as questões colocadas contrariedade ao art. 105 da Constituição, a debate no recurso especial, negada que o STJ teria violado ao não conhecer de ficará a autoridade das normas federais contidas na Lei supra-referida, especial- recurso especial, sob o argumento — que a mente o art. 111 do CTN. E isso por agravante reputa falso — de que o acórdão mera ilação intelectual de tema consti- do Tribunal Regional teria fundamento tucional inexistente, como prejudicial constitucional suficiente, que não fora obdo especial, invertendo-se a ordem de jeto de recurso extraordinário. Não obstante, estou em que efetivaprejudicial em desfavor do Supremo Tribunal Federal. A partir daí, fácil mente é inviável o RE cujo processamento será rompendo-se todo o arcabouço o agravo persegue. de prévio esgotamento da discussão 4. O acórdão recorrido é do seguinte infraconstitudonal, alçar-se qualquer teor (fl. 16): tema a nível constitudonal assober«Relatório bando-se ainda mais a Suprema CorO Sr Ministro José de Jesus Filho: te com inúmeros processos e incidenA União Federal, com apoio do art. tes processuais.» 105, LU, letras a e c, da Constituição Federal, interpôs Recurso Especial ao v. R.T.J. — 155 acórdão, proferido pela Turma, do TRF da 3' Região, cuja ementa dispõe: «Tributário. Constitucional. Imposto sobre operações de câmbio. Decreto-Lei n2 2.434/88, art. 62 bonomia. Aplicabilidade. I — O princípio da igualdade perante a lei traduz exigência destinada inclusive ao Judiciário que, na aplicação da norma legal, não pode nrilinrcritérios discriminatórios (José Celso de Mello Filho — Constituição Federal Anotada — pág. 152). II — o artigo 61 do DecretoLei n2 2.434/88 traz, em sua parte final, discriminação que pode afrontar os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da proteção à concorrência econômica e da indelegabilidade de atribuições (CF/69, arta. 153, inciso 1, 160, inciso V e 61, parágrafo único). III — É regra elementar de hermenêutica a de que o intérprete deve preferir a opção que evite decretar a inconstitucionalidade de disposição legal. O artigo 61 do DecretoLei if 2.434/88 deve ser entendido no sentido de que a isenção nele prevista abrange à importação de bens, abstraída a data de emissão das guias de importação ou documento assemelhado. V — Remessa oficial a que se nega provimento.» Alega a Recorrente que a decisão atacada negou vigência aos artigos 97, VI, 111, II e 176, do CNT, bem como divergiu da jurisprudência de outros Tribunais Regionais Federais. 613 O Recurso foi contra-arrazoado (fls. 207/211), admitido (fl. 220) e encaminhado a esta Corte. Dispensei a manifestação da douta Subprocuradoria-Geral da República. É o Relatório.» Voto O Sr. Ministro José de Jesus Filho (Relator): Trata-se de Recurso Especial que versa sobre isenção de IOF nas operações de câmbio, realizadas para o pagamento de bens importados, objeto do art. 61, do Decreto-Lei n12.434/88. Tanto a 1' como a 2' Turma deste Tribunal mantiveram entendimento unânime e pacífico, no sentido de que o disposto no citado art. 62 não modificou o fato gerador do imposto em questão, definido no art. 63,11, do CTN, levando em consideração, também, o art. 111, do mesmo código, que trata da interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre isenção. Enfim, o entendimento era o de ser legítima a isenção questionada. Isto vinha ocorrendo até que a Eg. 1' Seção, em 18-2-92, acolhendo Questão de Ordem suscitada pelo ilustre ministro Antônio de Pádua Ribeiro, decidiu que inadimissivel recurso especial, quando o acórdão recorrido assentase em fundamento constitucional e fundamento infraconslitudonal, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário». 5. Em seus termos, a decisão é incensurável: faz perfeita adequação ao novo sistema constitucional de duplicidade de recursos extraordinários — o especial e o extraordinário stricto MEU - do princípio da Súmula 283 — assentado ao tempo dos regimes anteriores, de recurso extraordinário único, que o assento jurisprudencial 614 R.T.J. — 155 declara inadmissível, «quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles». Certo, redargúi a agravante que, no caso, o acórdão objeto do recurso especial não teria fundamento constitucuio nal bastante. De logo, não é o que indica o teor da sua ementa e não se fez trasladar para o instrumento do agravo a íntegra do julgado regional. De qualquer sorte, entretanto, no caso, ainda que a afirmação pelo STJ da existência de fundamento constitucional suficiente derivasse de um equívoco, não seria o recurso extraordinário interposto a via adequada para corrigi-lo. Não nego, em termos absolutos, que a alegação de ofensa do art. 105, CF, possa servir de base a recurso extraordinário: este será admissível, se, para conhecer ou não conhecer do recurso especial, a decisão do STJ acaso contenha proposição contrária, em tese, aos seus pressupostos típicos de admissibilidade, definidos explícita ou implicitamente por aquele preceito constitucional. O recurso extraordinário não caberá, porém, segundo penso, para reexaminar a correção das premissas concretas, da lide ou do processo, de que haja partido a decisão do STJ, em tese, correta. É o que sucede na espécie: correta a tese do acórdão questionado — a de que não se conhece do recurso especial, quando a decisão recorrida contiver fundamento constitucional suficiente e não se haja interposto recurso extraordinário simultâneo —, o recurso extraordinário não é a via adequada ao reex ame da existência ou não, no julgado de segundo grau, do referido motivo constitucional bastante à sua manutenção. 12. O entendimento contrário, data vertia, dinamitaria todo o sistema constitucional de repartição, entre o STF e o STJ, do antigo recurso extraordinário, na medida em que converteria o novo RE em recurso ordinário das decisões tomadas no especial. Desse modo, nego seguimento ao agravo. EXTRATO DA ATA Ag 152.835 (AgRg) — SP —Rel.: Min. Sepúlveda Pertence. Agte.: União Federal (Advs.: PFN — Dirceu Antonio Pastorello e outros) Agda. • Ciba Geyge Química S/A (Advs.: Nelson Augusto Mussolini e Outros). Decisão: A Turma negou provimento ao agravo nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Sydney Sanches. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Franzino Pereira. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 157.109 (AgRg) — SP (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social —INSS —Agravada: Jamira de Oliveira Machado R.T.J. —155 615 Constitucional — Previdenciário — Valor mínimo do beneficio — Fonte de custeio — CF, art. 19.5, § Aplicabilidade imediata da norma inscrita no art. 201, §§ 5 2 e 62, da Carta Política — Precedentes (Plenário e Turmas do STF) — Agravo regimental improvido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se, de modo unânime e uniforme, no sentido da auto-aplicabilidade das normas inscritas no art. 201, ââ 52 e 9, da Constituição da República. A garantia jurídico-previdenciária outorgada pelo art. 201, P e C, da Carta Federal deriva de norma provida de eficácia plena e revestida de aplicabilidade direta, imediata e integral. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora do comando nele positivado. Essa norma constitucional —por não reclamar a interpositio kgislatoris — opera, em plenitude, no plano jurídico, todas as suas virtualidades eficaciais, revelando-se aplicável, em conseqüência, desde a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. A exigência inscrita no art. 195, 9, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere à criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo. Brasília, 28 de setembro de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: O presente recurso de agravo — manifestado pelo INSS sob a forma de «agravo regimental» (RISTF, art. 317) —, insurge-se contra a decisão por mim proferida (fls. 56/57) que negou trânsito, na esfera do Supremo Tribunal Federal, a recurso extraordinário deduzido em face de decisão do Tribunal Regional Federal da 3 2 Região que enten- deu auto-aplicável o art. 201, §§ 5 2 e 62 da Constituição Federal. Em suas razões recursais, expendidas neste agravo, o recorrente deixou consignado que (fls. 6W68), verbis: «Não se conforma o Instituto Agravante com o eminente decisum ora agravado por versar a matéria dos autos sobre auto-aplicabilidade ou não de norma constitucional, cuja interpretação é, inafastavelmente, conjugada com a regra do art. 195, § 52 da própria Constituição Federal e a do art. 59 do ADCT. E, em conseqüência, trata-se de hipótese de preceito constitucional cuja eficácia somente se operou com o advento da Lei n2 8.213/91 — norma regulamentadora do multicitado preceito constitucional. Conseguinte, somente a partir da referida Lei n2 8.213/91, pode-se atribuir 616 R.T.J. — 155 plena eficácia à atinente norma constitucional. Em «Suma», vigora o irrefutável entendimento de que multicitado preceito constitucional (art. 201, § 52) não é autoaplicável, visto que 'para o desfrute do direito garantido pelo texto magno, o legislador constituinte fez depender da vontade integrativa do legislador ordinário'. Enfim, trata-se de 'interpretação conjugada da norma constitucional citada com a regra do art. 195, 52, da Lei Maior, e a do art. 59, parágrafo único, do ADCT.' É 'caso em que, com eficácia operada a partir do advento da Lei n2 8.213/91, diploma normativo-integrativo que lhe dá aplicabilidade plena, sobreveio a atividade regulamentadora do preceito constitucional'. Com efeito, é de se atentar para a litern/idade do disposto no caput do art. 201, cuja redação é absolutamente idêntica ao caput do art. 195, ao remeter à lei a matéria nele disciplinada ('nos termos da lei'). A imperatividade do comando contido no § 9 de ambos os dispositivos fica, claramente, na dependência da lei prevista no respectivo caput, de sorte a inexistir qualquer razão jurídica para se conferir auto-aplicabilidade a um deles, enquanto o outro seria destinado ao legislador. Se este fosse o caso de um dos artigos, deveria ser o art. 201, já que esta regra se reporta aos 'planos de previdência social', por sua vez objeto do art. 59 do ADCT. Nem se poderia distanciar o artigo 201 do parágrafo 9 do art. 195, por força também do disposto no parágrafo 22 desse mesmo dispositivo constitucional (art. 201). Na verdade, data maxima venia, aludido preceito constitucional (§§ 9 e, ainda, o e do artigo 201 da CF), possuindo conteúdo programático, não poderiam ter aplicação imediata Nem prescindir de fonte de custeio total. Isto, mesmo se considerado dito preceito uma garantia fundamental, comportando ainda a seguinte indagação: — de que valeria o Legislador assegurar tal garantia sem o meio de concretizá-la? Despiciendo dizer ao Eminente Julgador que a hipótese dos autos corresponde a Plano de Previdência Soda!, mediante contribuição, no modelo de Seguro Social (Art. 201, caput, da CF). Evidentemente, aqui, não se pode exigir a contraprestação previdendária (beneficio) sem a prestação contributiva, avultando-se, assim, o sentido programático de pertinentes dispositivos constitucionais (00 52 e 62 do art. 201 da CF). Relevante é que o Legislativo, o Executivo e o próprio Judiciário vêm entendendo pela não auto-aplicabilidade dos multicitados dispositivos constitucionais (§§ 52 e &do art. 201 da CF). Mais ainda relevante é que, até mesmo nesse Pret6rio Excelso há precedente neste sentido, com remissão a concernentes proposilegislativas que deram concreção ao art. 201 da Magna Carta, como se demonstra, retro. E, volta-se a repetir, em não se tratando de disposições auto-aplicáveis, unicamente, podem ser tidas como normas regulamentares da mesma espécie das Leis n2s 8.212/91 e 8.213/91. A nenhuma outra lei, data maxima venta, podese atribuir mesma função regulamentadora. De se destacar que a Lei n2 7.787/89, mencionada em inúmeras decisões pertinentes à mesma espécie em r« R.T.J. — 155 exame como geradora de fonte de custeio para aplicação do parágrafo 5° do art. 201 da Constituição Federal, apenas cuidou expressamente de reajustamento de valor de benefício previdenciário, em função do disposto no art. 58 do ADCT (arts. 14 e 15 da Lei n2 7.787/89), bem ainda de alteração de alíquotas para determinadas categorias de contribuintes, sem implicar fonte total de custeio (art. 195, § 5° da CF). Aliás, trata-se, aqui, de divergência entre os próprios Egrégios Tribunais Regionais Federais que entendem pela auto-aplitabilidade de multicitados dispositivos constitucionais, sendo que, dentre ditos tribunais, o da 4' Região modificou o seu posicionamento em relação à mesma matéria, através de incidente de uniformização de jurisprudência. E o ínclito Relator há de convir que se trata de interpretação de lei que não poderá deixar de ser levada ao Plenário dessa Suprema Corte de Justiça. E o que é mais fundamental: Sendo, como também afirma a jurisprudência, conjugada a interpretação do multicitado dispositivo constitucional (art. 201, § 52) com a regra do artigo 195, § 52, da Lei Maior, e a do artigo 59 do ADCT, desta mesma interpretação, data maxima veda, além de não poder se afastar o Julgador, ter-se-ia também matéria que, pelo que se depreende do disposto no art. 52, VII, do RISTF, refoge do âmbito da competência da própria e Egrégia Turma Julgadora. Outrossim, a correlação entre os parágrafos 2°, 52 e 6°, do art. 201 da Lei Máxima, com o art. 195, parágrafo 5° desta mesma lei, bem ainda como os arts. 33, 40 e 145 da Lei n° 8.213M é incompatível com o alcei- 617 ora agravado e, particularmente, não poderia co-existir esse mesmo venerando Despacho agravado com referidos dispositivos legais (art. 33, 40 e 145 da Lei n28.213/91), a não ser que fossem tidos estes (multicitados dispositivos legais) como inconstitucionais, o que é por demais relevante para, por si só, remeter-se o feito ao Plenário dessa Colada Corte de Justiça, em conformidade com o disposto no art. 11, 1, do RISTF. rum Por não me haver convencido das razões apresentadas, submeto o presente recurso à apreciação desta E Primeira Turma. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de recurso extraordinário, no qual o ora agravante busca a reforma do acórdão impugnado no ponto em que este decidiu pela auto-aplicabilidade da norma inscrita no art. 201, §§ 52 e 62, da Constituição Federal. O Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, ao deduzir o recurso extraordinário, (a) alegou que a decisão do Tribunal a qno infringiu o art. 195, § 5°, da CF; (b) sustentou que o preceito inscrito no art. 201, §§ 52 e 6°, da Carta Política depende, para efeito de sua incidência, de necessária complementação normativa a ser concretizada pelo legislador e (c) salientou que o acórdão impugnado ofendeu o art. 59 do ADC1188. Neguei seguimento ao recurso, quer em função da auto-aplicabilidade da norma constitucional em questão, quer pela uniforme orientação jurisprudencial fixada sem maiores disceptações, no tema em exame, por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal. 618 R.T.J. — 155 Com efeito, a garantia jurídico-previdenciária outorgada pelo art. 201, §§ 52 e 9, da Carta Federal deriva de norma provida de eficácia plena e revestida de aplicabilidade direta, imediata e integral. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tomar prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora do comando nele positivado. Sendo assim, desveste-se de qualquer fomento jurídico a pretensão recursal que busca condicionar a aplicabilidade do art. 201, §§ 52 e 62, da Lei Fundamental, quer à edição de lei, quer à implantação progressiva dos planos de custeio e de benefício, nos termos fixados pelo art. 59 do ADCT/88. Na realidade, a norma constitucional em questão — por não reclamar a interpositio legislatoris — opera, em plenitude, no plano jurídico, todas as suas conseqüências e virtualidades eficaciais. De outro lado, a exigência inscrita no art. 195, § 52, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador, no que se refere à criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social. Desse modo, a aplicabilidade do conteúdo normativo do art. 201, §§ 52 e &, da Constituição, por revelar-se plena, imediata e integral, não depende, por isso mesmo, da indicação de qualquer específica fonte de custeio. Impõe-se registrar, por necessário, que a matéria suscitada na presente sede processual já foi apreciada por ambas as Turmas do STF que, em precedentes específicos, repeliram a pretensão recursal ora deduzida pelo INSS: «Previdendário. Beneficio. Piso salarial. Art. 201, §§ 52 e G da Constituição Federal. As normas dos dispositivos acima mencionados, que estabelecem piso igual ao salário-mínimo para os benefícios previdenciários e gratificação natalina dos aposentados e pensionistas equivalente aos proventos do mês de dezembro, são auto-aplicáveis, independendo sua eficácia de edição de lei ordinária regulamentadora. Agravo regimental improvido.» (Ag. n2 147.972-9-SC (AgRg), Rel. Min. limar Gaivão, Primeira Turma, DJ de 12-7-93) «Benefício previdenciário — Piso — Fonte de custeio. As regras contidas nos §§ 9 e 62 do artigo 201 da Constituição Federal têm aplicabilidade imediata. O disposto no § 52 do artigo 195 não as condiciona, já que dirigido ao legislador ordinário, no que vincula a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço da seguridade social à correspondente fonte de custeio total.» (Ag n2 148.401-3-RS (AgRg), Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 26-3-93) «Recurso extraordinário. Previdência Social. Benefício previdenciário. Constituição, art. 201, §§ 9 e 62. Sua auto-aplicabilidade. Não se opõem à sua eficácia plena e imediata aplicação o art. 195, § 52, da Constituição, nem os arts. 58 e 59, do Ato de suas Disposições Transitórias. Hipótese em que o acórdão recorrido estabeleceu a vigência do benefício a que se refere o § 5 2 do art. 201, da Constituição, a partir da Lei n2 7.787/1989, e não a contar de 5-10-1988, conformando-se, entretanto, o autor com o julgado. Recurso extraordinário do INSS não admitido. Agravo regimental a que se nega provimento.» R.T.J. — 155 (RE n9 162.170-3/SP (AgRg), Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ de 11-6-93) Como assinalado, o entendimento exposto vem merecendo, em sucessivos e inúmeros julgados, a adesão uniforme dos membros integrantes desta Suprema Corte, o que toma de todo dispensável — ante a posição comum e convergente de ambas as Turmas -- a submissão do pleito recursal ao Plenário do Tribunal, v.g.: Ag 147.470-0 (AgRg), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ, 13-8-93; RE ng 151.082-1 (AgRg), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ, 20-8-93; Ag n' 149.953-3 (AgRg), Rel. Min. limar Galvio, Primeira Turma, DJ, 12-7-93; Ag 112` 152.407-4 (AgRg), Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ, 10-9-93; Ag n2 152.797-9 (AgRg), Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ, 3-9-93; Ag S2 152.805-3 (AgRg), Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ, 3-9-93. Impõe-se referir, neste ponto, que o INSS, ao sustentar a necessidade de apreciação da presente causa pelo Plenário do STF, deduziu nesta sede recursal questão inteiramente nova, versando a alegada inconstitucionalidade dos arts. 33, 40 e 145 da Lei ng 8.213/91. Esse aspecto da controvérsia, porque sequer ventilado no acórdão recorrido, não se torna passível de cognição na instância recursal extraordinária, por evidente ausência de configuração do requisito do prequestionamento. Não ventilada no acórdão recorrido a quaestio — que somente agora veio a ser suscitada pela parte recorrente —, deixa de caracterizar-se, tecnicamente, o prequestionamento da matéria, necessário ao conhecimento do recurso extraordinário (RTJ 98/754 — 116/451). 619 A hnprescindibilidade do prequestionamento como requisito viabilizador do apelo extremo impõe, consoante adverte Castro Nunes («Teoria e Prática do Podes Judiciário», pág. 345, item ng 11, 1943, Forense), a existência de «uma controvérsia anterior à interposição do recurso», verbis: «... É que pelo recurso extraordinário, o Supremo Tribunal não julga questões novas, que já então seriam por ele decididas em instância única.» É pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal — apoiado no magistério da doutrina (Rodolfo de Camargo Mancuso, «Recurso Extraordinário e Recurso Especial», págs. 123/124, 1990, R7') —, no sentido de que «No exame do recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal, não é aplicável o princípio jura novit curta, pelo que os temas a serem apreciados devem ser anteriormente examinados na instância a quo. É o que resulta danaisprudência consubstanciada nos verbetes 282 e 356 da Súmula.» (RE 119 99.978-7 (EDci), Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 22-8-86). «Não se aplica ao julgamento do recurso extraordinário, pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio jura novit curia.» (Ag n2 141.873-7-SP (AgRg), Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7-5-93). Disso tudo resulta a impossibilidade de apreciar, nesta sede recursal, um tema jurídico que, por ausência de prequestionamento, não pode ter acesso à via do apelo extremo. Não procede, ainda, a alegação do ora agravante de que precedente desta Corte, em matéria análoga, teria merecido, em sede de processo injuncional, decisão incompatível com o teor do ato decisório ora impugnado. 620 Uma leitura atenta da decisão proferida no MI n2 215-1-RS (DJ 16-3-90) evidencia que a referência à incompletude das normas inscritas no art. 201, §§ 5° e 6°, da Constituição Federal foi feita ad argumentandum tantum, com o claro propósito de demonstrar que, mesmo que se reconhecesse a necessidade de ulterior integração normativa dos preceitos em questão (não se declarou, portanto, que era imprescindível a interpositio legislatoris), a ação injuncional de todo modo, não mereceria trânsito pelo fato de, a partir da formalização de proposições legislativas várias concernentes à matéria, não mais ser imputável ao Congresso Nacional, precisamente pelo caráter positivo dessa atuação parlamentar, a inertia agendi vel deliberandi, cuja ocorrência pode, em tese, dar lugar ao mandado de injunção. De outro lado, torna-se inviável discutir a questão à luz das Leis n2s 7.787/89 e 8.213/91, para, em função delas, estipularse o termo inicial da exigibilidade dos benefícios previdenciários em causa O debate desse tema, precisamente por situar-se no plano infraconstitucional, refoge ao domínio temático do recurso extraordinário, cujo âmbito de incidência impõe que as matérias nele veiculadas revistam-se de conteúdo constitucional. Esse particular aspecto da questão foi ressaltado em diversos pronunciamentos singulares do eminente Ministro Sepúlveda Pertence que, ao não conhecer das impugnações recursais extraordinárias deduzidas pelo INSS, tem advertido, verbis: «Cuida-sede ação ordinária proposta por segurado da Previdência Social, com fundamento no art. 201, § 52, da Constituição, a pleitear o reajuste para um salário mínimo, a partir da promulgação da Lei Fundamental, do benefício que percebe. — 155 O Tribunal Regional Federal julgou procedente, em parte, a ação, para conceder o benefício pleiteado a partir da edição da Lei n2 7.787/89. Donde o RE, a, por violação aos arts. 195, § 52 da Constituição e o art. 59 do ADCT, por ter sido autorizado aumento de benefícios sem a criação da correspondente fonte de custeio total, somente provida segundo a autarquia recorrente, a partir da Lei n2 8.213, de 5-4-91. Inviável o RE. Impertinente no caso concreto a questão constitucional aventada pelo recorrente. Fundou-se o acórdão, para conceder o benefício, na Lei n° 7.787, de 30-6-89, e pretende a autarquia recorrente que o reajuste é devido a partir da Lei n2 8.213, de 5-4-91. Discute-se, pois, sobre a aplicabilidade de legislação infraconstitucional, não se configurando violação direta ao texto constitucional que autorizaria o extraordinário. Desse modo, nego seguimento ao tecurso.» (RE n2 162.270-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15-6-93) Assim sendo, nem mesmo esse aspecto da controvérsia pode revelar-se favorável à pretensão recursal do INSS. Impõe-se registrar, fmalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 22-9-93, o Recurso Extraordinário n° 159.413-6-SP, Relator Ministro Moreira Alves, confirmou, por unanimidade, a orientação jurisprudencial das Turmas desta Corte no sentido da auto-aplicabilidade das regras inscritas no art. 201, §§ 52 e 6° da Carta Política, repelindo, desse modo, a pretensão recursal deduzida pelo INSS, ora renovada na presente causa. R.T.J. — 155 Por todos esses motivos, nego provimento ao presente agravo. É o meu voto. EXTRATO DA ATA RE 157.109 (AgRg) — SP — Rel.: Min. Celso de Mello. Agte.: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS (Advs.: Solon Ribeiro Filho e outros). Agda.: Imane de Oliveira Machado (Adv.: José Ferreira das Neves). 621 Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur Castilho Pereira Neto. Brasília, 28 de setembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 159.130 — DF (Tribunal Pleno) Relator. O Sr. Ministro Moreira Alves Recorrente: Ministério Público Federal — Recorridos: Noemia Peneira da Silva e outros Vencimentos. Reajuste. Suspensão. Lei n' 7.730, de 314-89. É indevido o reajuste correspondente à aplicação da URP no mês de fevereiro de 1989, por ter sido ele revogado, sem afronta ao principio do direito adquirido, pela Lei n 2 7.730, de 31-1-89. Recurso extraordinário conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento. Brasília, 29 de junho de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente —Moreira Alves, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves: Tratase de ação ordinária proposta por funcionários públicos federais para obter da União Federal o pagamento da URP correspondente ao mês de fevereiro de 1989, no percentual de 26,05%. A ação foi julgada improcedente pela sentença de primeiro grau, cuja parte decisória tem o teor seguinte: «Trata a espécie de ação proposta por funcionários públicos federais conta a União Federal objetivando compeli-la ao pagamento da URP relativa ao mês de fevereiro de 1989 (26,05%). Os Autores tinham os seus vencimento reajustados através do «gatilho salarial», instituído pelo Decreto-Lei 2.283/86 (Plano Cruzado), até a edição e 622 R.T.J. — 155 do Decreto-Lei n2 2.335, de 12 de junho de 1987, alterado pelo Decreto-Lei n2 2.336, do mesmo mês e ano que, entre outras providências, instituiu a Unidade de Referência de Preços — URP, ao assim dispor no seu artigo 39: «Art. 3' Fica instituída a Unidade de Referência de Preços — (URP) para fins de reajustes de preços e salários. § 12 A URP, de que trata esse artigo, determinada pela média mensal da variação do IPC ocorrida no trimestre imediatamente anterior, será aplicada a cada mês do trimestre subseqüente. Posteriormente, foi editado o Decreto-Lei n" 2.425/88, que congelou os salários, vencimentos, soldos, proventos, pensões e demais remunerações nos meses de abril e maio de 1988 (artigo 12). Esse mesmo Decreto-Lei n" 2.425/88, assim preceituou no seu artigo 52: «Art. 5' Na revisão salarial, a ocorrer na data-base, serão compensados os efeitos da não aplicação da URP em decorrência do disposto neste Decreto-Lei.» Todavia, antes mesmo da data-base, o Governo Federal instituiu o DecretoLei n2 2.453, de 10-8-88, onde estabeleceu, naquele mês, a reposição de 16,19% de reajuste mensal, a título de antecipação referente à URP do mês de abril, e, no tocante à URP congelada do mês de maio de 1988, também antes da data-base, através da Medida Provisória n2 20, de 11-11-88, transformada na Lei n" 7.686, de 2-12-88 (DO de 5-12-88), determinou a reposição de 16,19% do reajuste mensal a título de antecipação. Finalmente, em 15 de janeiro de 1989, a Medida Provisória n' 32/89, convertida na Lei n9 7.730, de 31-1-89, publicada no Diário Oficial da União de 1 2-2-89, revogou o Decreto-Lei n' 2.335/87 e, por conseguinte, extinguiu a URP (artigo 38). Colocada, assim, a questão controvertida, passo a decidir. A Medida Provisória n" 32/89, que resultou na Lei n' 7.730/89, ao revogar o Decreto-Lei n" 2.335, de 1987, estabeleceu novas medidas econômicas que alteraram a fórmula de cálculo do índice inflacionário. Resulta, portanto, que não há como se considerar o índice de 26,05% previsto na Portaria n' 354, de 30-11-88, que fixou a URP dos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, no tocante a este último mês, por isso que representativa da expectativa de inflação projetada para esse período, com base no Decreto-Lei n' 2.335/87 que, repita-se, foi revogado pela Lei n' 7.730/89. Desse modo, não há, por conseguinte, também que se falar, com relação à URP de fevereiro, em direito adquirido, por isso que ocorrente, na espécie, mera expectativa de direito. Finalmente, é de ser assinalado que posteriormente à edição da Lei n9 7.730/89 foi promovida revisão dos valores dos vencimentos dos funcionários públicos federais, em janeiro de 1989, sendo fixado o índice de 64,24% (sessenta e quatro vírgula vinte e quatro por cento), de modo a compensar eventuais perdas salariais ocorridas no ano de 1988 e, bem assim, a propiciar aumento salarial real na respectiva data-base (janeiro). R.T.J.— 155 623 A propósito, nesse sentido assim decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 9 Região: «URP. Pagamento nos meses de abril e maio de 1988 e fevereiro de 1989. Decreto-Lei n2 2.453, de 10-8-88. Lei n27.686, de 2-12-88. Lei n2 7.730, de 31-1-89. Correção monetária. 1 — As URP's dos meses de abril e maio de 1988 foram restituídas pelo DL n2 2.453/88 e pela Lei 7.686, de 2-12-88, respectivamente. «Art. 9 Os salários, vencimentos, soldos, proventos, aposentadorias, e demais remunerações de assalariados, bem como pensões relativos ao mês de fevereiro de 1989, se inferiores ao respectivo valor médio real de 1988, calculado de acordo com o Anexo I, serão para este valor aumentados. Parágrafo P Os estipêndios que forem superiores ao valor médio serão mantidos nos níveis atuais. 2 — A URP do mês de fevereiro de 1989 não é devida por ter sido extinta em janeiro/89 pela Lei n2 7.730, de 31-1-89. Art. 9 Os salários, vencimentos, soldos, aposentadorias, proventos, e demais remunerações dos empregados admitidos, após janeiro de 1988, terão o reajuste a que se refere o artigo anterior calculado mediante a aplicação de critérios que preservem a isonomia salarial». A ementa do referido acórdão, publicado no DJ de 26-3-92, ficou assim redigida: «Funcionário público — Reajustes de vencimentos pela unidade de referência de preços —Sistemática -- Revogação pela Lei n2 7.730/89 do reajustamento de fevereiro de 1989 — Ilegitimidade — Direito adquirido e ato jurídico perfeito existentes — Inconstitucionalidade reconhecida. 1. O direito ao reajuste mensal de vencimentos pela Unidade de Referência de Preços — URP acha-se submetido a um período trimestral de aquisição durante o qual existe, tãosomente, expectativa de direito. Findo, entretanto, o trimestre e havendo variação do índice de Preços ao Consumidor, nasce o direito ao aludido reajuste, em percentual fixo para os três meses imediatamente posterio- e 3 — O pagamento tardio das URP's dos meses de abril e maio de 1988 enseja que se reconheça devida a correção monetária. 4 — Apelação parcialmente provida.» (Apelação Cível n2 7.375 — AL — Rel. Juiz José Delgado — DJ 28-12-90 —pág. 31524). Isto posto, por tais razões e fundamentos, julgo a ação improcedente. Condeno os Autores ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa. Custas ex lege. P.R.I. (fls. 40/42) Essa decisão foi reformada por acórdão onde se lê: «O Plenário deste Egrégio Tribunal, ao apreciar a Argüição de Inconstitucionalidade, suscitada na Apelação Cível n2 90.01.15630-4/DF, declarou inconstitucionais os artigos 52, seu P e 62 da Lei 7.730/89. Tais dispositivos têm a seguinte redação, verbis: e 624 R.T.J. — 155 res, que passa a integrar o patrimônio do funcionário público como direito adquirido, intocável e resguardado por princípio constitucional expresso. (Constituição Federal, art. 9, item XXXVI). 2. Chiando os artigos 9 e seu § 12 e 62, da Lei n2 7.730/89, revogaram, em 31-1-89, o reajuste, pela Unidade de Referência de Preços —URP, dos vencimentos de fevereiro de 1989, não mais poderiam fazê-lo porque o direito a tal reajuste já se incorporara ao patrimônio do funcionário público (direito adquirido) desde 12-12-1988 em decorrência do término do trimestre aquisitivo (setembro, outubro e novembro de 1988), ocorrido CM 30-11-1988, sendo ato jurídico perfeito. Inconstitucionalidade dos artigos 52 e seu § 12 e 62, da Lei n2 7.730/89, reconhecida.» Conseqüentemente, os salários, vencimentos, soldos, aposentadorias, proventos e demais remunerações de assalariados, referentes ao mês de fevereiro de 1989, deverão ser reajustados pelo valor da Unidade de Referência de Preços (URP), apurado consoante prescrevemas normasdoDecreto-Lei n2 2.335/87, ou seja, pelo índice de 26,05%. Portanto, merece reforma a douta sentença recorrida. As parcelas atrasadas deverão ser acrescidas de correção monetária, a partir do vencimento de cada uma, e de juros moratórios de 6% ao ano, a partir da citação. A ré pagará, ainda, verba honorária advocatícia, num percentual de 10% sobre o valor da condenação. Nestas condições, dou provimento ao recurso de apelação para reformar a sentença. É o voto.» (fls. 62/63) Interposto recurso extraordinário com base nas letras a e b do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal — e a ele se juntou cópia do cresto do Plenário invocado no acórdão acima transcrito —, foi esse recurso admitido por este despacho: «Trata-se de recurso extraordinário, interposto com base no artigo 102, III, letras a e b, da Constituição Federal, contra acórdão de Turma deste Egrégio Tribunal que, diante da inconstitucionalidade dos artigos, 9 e seu § 1 2 e 62 da Lei n2 7.730/90, declarada, inddenter tentam, pelo Plenário desta Corte, na AC n2 90.01.15630-4-DF, considerou legítimo o reajuste de vencimentos dos servidores públicos, referentes ao mês de fevereiro, pelo valor da Unidade de Referência de Preços (URP), apurado na forma prescrita no Decreto-Lei n2 2.335/87, isto é, pelo índice de 26,05%. Alega a recorrente ofensa ao artigo 52, XXXVI, da Carta Política da União, reforçando a argumentação deduzida com os fundamentos do acórdão relativo ao MS n2 21.216-1-DF, Relator o eminente Ministro Octavio Gallotti, no qual o Colendo Supremo Tribunal Federal adotou tese desfavorável aos servidores interessados, no tocante ao reajuste de 84,32%, entendendo inexistente o alegado direito adquirido ao aumento reivindicado (DJ de 28-6-91). Satisfeito o requisito do prequestionamento, com a juntada aos autos de cópia do precedente invocado na decisão recorrida (RE n2 135.351-RJ, RE n2 135.362-7-SP e RE n2 135.373-2-RJ, inter plures, Rel. Min. Sydney Sancbes, in DJ de 6-5-91 — Seção I —pág. R.T.J. — 155 5627), é de se dar trânsito à súplica, tanto pela plausibilidade jurídica dos argumentos justiflcadores da sua interposição pela alínea a, quanto por se revelar patente o pressuposto da alínea b do permissivo constitucional, na medida em que o aresto censurado negou aplicação à Lei n2 7.730/90, impugnada em sua validade frente ao artigo 52, XXXVI, do Estatuto Fundamental (Cfr. Pontes de Miranda, in Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n2 1, de 1969», Forense, 1987, Tomo IV, págs. 144/145). Com estas razões, admito o presente recurso. Publique-se.» (fls. 147) À fl. 151, assim se manifesta a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. Arthur de Castilho Neto: «Trata-se de recurso extraordinário que tem como objeto a discussão sobre a constitucionalidade dos artigos 9, copai, parágrafo P, e 62 da Lei a2 7.730, de 31 de janeiro de 1989, resultante da conversão da Medida Provisória n2 32, de 15 de janeiro de 1989. Tais dispositivos suspenderam o reajuste de vencimentos e salários do mês de fevereiro do mesmo ano, com base na Unidade de Referência de Preços — URP do período de setembro a novembro de 1988. Cuida-se de verificar a ocorrência ou não de afronta a direito adquirido. No caso dos autos, a vigência do dispositivo impugnado se deu antes que houvesse consumado o direito ao reajuste. Nem há que se falar em afronta ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. Precedente (MS n2 21.216-1DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 28-6-91). Pelo conhecimento e provimento.» 625 É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves: 1. O que, em última análise, o acórdão recorrido sustenta é que, em fevereiro de 1989, havia direito adquirido ao regime legal de reajuste instituído pela legislação anterior à Lei n2 7.730, de 31-1-89, em virtude da ocorrência do término do trimestre aquisitivo (setembro, outubro e novembro de 1988). Ora, é pacífico nesta Corte o entendimento de que não há direito adquirido a. regime jurídico instituído por lei, como se vê — a título meramente exemplificativo — nas decisões prolatadas nos RREE n2s 99.955, 99.594, 99.522, 92.638, 90.781, 24.362, 130.213, 116.683, e no Mandado de Segurança n2 21.086. O pretenso direito adquirido ao reajuste em causa se baseia em regime jurídico revogado antes da fluência do mês de fevereiro de 1989, uma vez que a legislação que o instituiu foi revogada expressamente pela Medida Provisória n2 32, de 15 de janeiro de 1989, convertida na Lei n2 7.730, de 31 de janeiro de 1989, que entrou em vigor na data da sua publicação em 12 de fevereiro de 1989. O caso é análogo ao que esta Corte, por seu Plenário, decidiu quando do julgamento do Mandado de Segurança n 2 21.216, que também tratava de reajuste revogado quando já vigente o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos dos servidores públicos. Nesse mandado de segurança, o eminente Ministro Coibia, seu relator, bem acentuou: «Há, primeiramente, que distinguir entre as noções de retroatividade da lei, de um lado e seu efeito imediato, de outro. Na espécie em julgamento, basta reconhecer efeito imediato à Medida Pro- 626 R.T.J. — 155 visória n2 154, de 16 de março de 1990 (convertida na Lei 8.030/90), para que possa ela alcançar, validamente, o resultado que, só a partir de 1 2 de abril seguinte, teria vindo a produzir-se. Retroatividade haveria, aí sim, quando a remuneração correspondente a dias já trabalhados (ainda que não efetivamente paga) houvesse sido atingida por lei superveniente, o que não é o caso dos autos. e Não há falar, portanto, em ofensa a direito adquirido, tampouco em desfazimento de situação definitivamente constituída. A revogação precedeu a própria aquisição e não somente o exercício do direito. Para a aquisição do direito, ou seja, para o ingresso deste no património do pretenso titular, seria mister que, antes da revogação, se houvessem reunido e consumado todos os elementos, isto é, os fatos idôneos à sua constituição ou produção. Ou seja, no caso concreto, que algum serviço houvesse sido prestado, sob a égide da lei anterior. Tal porém, não chegou a suceder, eis que não havia principiado, ainda, o mês de abril, quando tolhidos os efeitos da lei revogada, os quais, só a partir daquele mês, viriam a produzir-se. O que, portanto, se frustrou, não passava de expectativa de continuidade do critério ou regime da fixação de remuneração futura, e isso o Supremo Tribunal Federal, repetida e uniformemente, tem-se recusado a admitir como direito adquirido, mesmo em favor de funcionários protegidos pela irredutibilidade (como antes os magistrados e agora os servidores em geral). Recorde-se a época em que a Lei n2 4.439-64 revogou a de n9 3.414-58, reduzindo os percentuais da gratificação por tempo de serviço, devida aos juízes. Só em relação aos qüinqüênios já completos na vigência de norma anterior, veio a ser reconhecido o direito adquirido (em conjugação com a garantia da irredutibilidade): jamais em referência aos que, embora já iniciados, s6 vieram a inteirar-se depois da revogação. Revela-se, por conseguinte, a imprestabilidade, no tocante à relação jurídica de serviço público, da invocação de direito adquirido, a aperfeiçoar-se em tempo determinado, mas a depender do fato de vir a ser efetivamente iniciada a prestação do serviço. Nesse sentido, forma a jurisprudência documentada pelo excelente parecer do ilustre Subprocurador-Geral Moacir Antônio Machado da Silva, cujo conteúdo integra o do eminente ProcuradorGeral da República (fls. 91/2), cabendo aqui especial remissão aos acórdãos de que foram Relatores os eminentes Ministros Leitão de Abreu (RE n g 77.897, DJ 28 - 12 - 78) e Aldir Passarinho (RE n2 99.217, RTJ 110/744). Argumentam, os Impetrantes, afirmando que a compensação reivindicada traduz uma inflação mensurada antes da vigência da lei nova. Mas o Supremo Tribunal sempre encarou o princípio da irredutibilidade como um conceito jurídico, não simplesmente econômico, ficando o direito à majoração do vencimento nominal a depender de indispensável autorização legislativa, no caso, revogada, antes de vir a gerar efeitos financeiros (Cfr. RE n2 94.041, RTJ 105/671); RE n2 96.458, DJ de 18.3.83 e RE n2 100.007, DJ de P-7-83). Indefiro o mandado de segurança.» (RTJ 134, tomo III, págs. 1119 a 1120) Ademais, é de notar-se que esta Corte, na 19s Sessão Administrativa, examinando a questão ora sob julgamento, decidiu: R.T.J. — 155 «Ainda por maioria de votos, o Tribunal entendeu indevido, tanto para seus servidores, quanto para seus Ministros, o reajuste correspondente à aplicação da URP, no mês de fevereiro de 1989, por ter sido revogado pela Lei n2 7.730, publicada no primeiro dia desse mesmo mês, vencidos os Ministros Carlos Venoso, Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard.v Por fim, o Plenário desta Corte, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n2 694, decidiu a propósito: «Revisão de vencimentos — Reposição consideradas a URP de fevereiro de 1989 (26,05%) e as parcelas compreendidas entre o citado mês e o de outubro de 1989. Até o advento da Lei n2 7.730, de 31 de janeiro de 1989, resultante da conversão da Medida Provisória n2 32, de 15 do mesmo mês, salários, vencimentos, soldos e benefícios devidos a servidores civis e militares ou por morte destes eram reajustados mensalmente pela Unidade de Referência de Preços (URP), calculada em face à variação do Índice de Preços ao Consumidor no trimestre anterior e aplicada nos subseqüentes — artigos 32 e 82 do Decreto-Lei n2 2.335/87. A Lei n2 7.730/89, porque editada antes do início do mês de fevereiro de 1989, apanhou as parcelas a este correspondentes, não se podendo cogitar de retroação. O período pesquisado para o efeito de fixação do índice alusivo ao reajuste não se confunde com o elemento temporal referente à aquisição do direito às parcelas a serem corrigidas». 2. Era face do exposto, conheço do presente recurso e lhe dou provimento, para restabelecer o dispositivo da sentença de primeiro grau, que julgou improcedente a ação (ti 42). 627 VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso: Sr. Presidente na ADI n2 694-DF, em que o objeto da ação foi unia resolução do Superior Tribunal Militar, que concedera a URP de 1989 aos seus servidores, esta Corte entendeu indevida a mencionada URP, julgando, assim, procedente a ação direta. Naquele julgamento, restei vencido, na companhia honrosa do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence. Quero reiterar o voto que então proferi. Penso que a lei que suspendeu o pagamento dessa URP praticou duas ofensas à Constituição: ao princípio do direito adquirido e ao princípio da irredutibilidade de vencimentos dos servidores. Assim o voto que proferi na citada ADIn n2 694-DF: «Trata-se de ação direta da inconstitucionalidade ajuizada pelo ProcuradorGeral da República, na qual é argüida a inconstitucionalidade da Resolução Administrativa n2 32, de 9-10-91, do Egrégio Superior Tribunal Militar, que autorizou pagamento das parcelas remanescentes da URP de fevereiro de 1989 (26,05%), no período de fevereiro/89 a outubro/89. Argúi-se a incompatibilidade da referida Resolução como disposto nos artigos 37, X, 96, II, b, 52, XXXVI, 37, XV e 95, III, da Constituição Federal. Na sessão do dia 24-6-93, o eminente Ministro Marco Aurélio, Relator, votou no sentido da procedência da ação, pelo que declarou a inconstitucionalidade da Resolução n2 32, de 9-10-90, do Superior Tribunal Militar. Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento da ação. Passo a votar. O Decreto-Lei n2 2.335, de 12-6-87, instituiu a Unidade de Referência de Preços — URP — para fins de reajustes 628 R.T.J. — 155 de preços e salários (art. 32), estabelecendo que ela seria determinada pela média mensal da variação do 1PC ocorrida no trimestre imediatamente anterior. Essa média seria aplicada a cada mês do trimestre subseqüente pelo seu valor fixo (art. 32, § 12).Noutras palavras, estabelecia a norma legal que a URI', determinada pela média de um trimestre, recomporia perdas salariais no trimestre seguinte. O referido D.L. 2.335/87 assegurou aos trabalhadores em geral, bem assim aos servidores civis e militares da União e de suas autarquias, o reajuste dos salários e vencimentos, em proporção idêntica à variação da URI' (art. 82, § 12). Com base no disposto no art. 15, V, do citado Dec.-Lei n2 2.335/87, o Ministro da Fazenda editou a Portaria GMMF n2 354, de 30-11-88, fixando o índice 26,05% para o reajuste mensal dos vencimentos no trimestre relativo aos meses de dezembro/88 a fevereiro/89. Quer dizer, no trimestre relativo aos meses de setembro, outubro e novembro de 1988, a média aritmética da variação do IPC, assim a URP de setembro, outubro e novembro de 1988, foi determinada em 26,05%. Na forma do estabelecido no Dec.-Lei n2 2.335/87, art. 32, § 12, seria aplicada no trimestre dezembro/88 a fevereiro/89, para o fim de recompor as perdas salariais. Registre-se: para o fim de recompor as perdas salariais, tomar real o salário, e não para o fim de efetivar aumento salarial. Quando já vencido o trimestre de determinação da URP — o trimestre relativo aos meses setembro, outubro e novembro de 1988 — foi editada a Medida Provisória n2 32, de 15-1-89, que foi convertida na Lei n2 7.730 de 31-1- 89, que revogou o D.L. n2 2.335, de 1987 (art. 38), revogando o sistema URP. A Lei n2 7.730, de 31-1-89, revogando o sistema URP, determinou o congelamento de preços e salários e instituiu outro critério de reajustamento. Quanto ao mês de fevereiro de 1989, os vencimentos deveriam ser reajustados em 26,05%, como o foram nos meses de dezembro/88, e janeiro/89. Todavia, não tiveram qualquer atualização. Quer dizer, foram reduzidos. Noutras palavras, vencido o período aquisitivo do direito à reposição —o trimestre relativo aos meses de setembro, outubro e novembro de 1988 — estando os servidores no gozo do direito à reposição, sobreveio a citada Lei n2 7.730, de 31-1-89, que revogou a URP. Não custa repetir que a lei nova, Lei n2 7.730, de 31.1.89, não trouxe compensação pela perda salarial já ocorrida. Na verdade, pelo art. 9 da Lei n2 7.730, de 31-1-89, apenas foi determinado que se observasse o valor médio real de 1988 fazendo-se o congelamento de preços e salários. A norma de congelamento entretanto, não poderia suprimir a parcela da reposição do valor real de 1988, que for previamente assegurada, para incidir em fevereiro de 1989. Suprimindo a referida parcela da reposição, violou o direito adquirido e reduziu vencimentos dos servidores, praticando ofensa, de uma só vez, a dois princípios constitucionais: o do direito adquirido, inscrito no art. 9, XXXVI, e o da irredutibilidade dos vencimentos, consagrado no art. 37, XV, da Constituição. Sustenta a Procuradoria-Geral da República, no parecer de fls. 70/78, que, «na espécie, o direito ao reajuste de 26,05%, no mês de fevereiro, só se constituiria se o Decreto-Lei n2 2.335, de R.T.J. — 155 1987, ainda subsistisse no próprio mês fevereiro de 1989.x. Equivoca-se, data venia, o parecer. O direito à reposição surgiu com a ocorrência da inflação no trimestre relativo aos meses de setembro, outubro e novembro/88, vale dizer, com a perda salarial ocorrida no citado trimestre, fazendo-se a reposição no trimestre seguinte, dezembro/88 a fevereiro/89. Estando o servidor trabalhando em fevereiro de 1989, deveria receber a recomposição. Trabalhar no mês de fevereiro/89 não é condição de nascimento do direito, mas condição de recebimento de recomposição, que viria como seu salário de fevereiro/89.O parecer, data verga, confunde condição de nascimento do direito à reposição com condição de recebimento dessa mesma recomposição. O fato criador do direito, assim o fato jurígeao, foi a perda salarial ocorrida no trimestre mencionado, relativo aos meses setembro, outubro e novembro/88. A lei nova foi editada quando já ocorrido o fato jurfgeno, foi editada quando ocorriam os pagamentos da recomposição salarial. A norma de congelamento não poderia, na verdade suprimir o pagamento da parcela de recomposição salarial, no mês de fevereiro de 1989. Deveria respeitar o valor real do salário ou vencimento. Com propriedade, escreveu o Ministro Dias Trindade, do Superior Tribunal de Justiça, no voto que proferiu a respeito do tema, naquela Corte, por cópia às fls. 34/36: de Ora essa norma de congelamento não poderia abstrair a parcela de reposição do valor real de 1988, previamente assegurada para incidir em fevereiro de 1989, antes, ao contrário, recomenda à preservação desse mesmo valor real. 629 E tanto é assim, que lei de dezembro de 1989, que possibilitou a incorporação da URP, segundo o cálculo do trimestre setembro/novembro de 1988 embutido no reajustamento previsto para novembro de 1989, para o pessoal do Poder Executivo, implicitamente admitiu a supressão irregular do pagamento da parcela na remuneração de fevereiro de 1989. Essa Lei n2 7.923, de 12 de dezembro de 1989, diz com todas as letras que o percentual indicado incidira, a partir de novembro desse ano, «a título de reposição salarial», como tal adquirida desde a edição do ato que definiu a média da variação do IPC, no trimestre mencionado — setembro /novembro de 1988 —e para aplicação no seguinte — dezembro de 1988/fevereiro de 1989. Só que dita reposição se fez apenas a partir de novembro de 1989, sem considerar a sua incidência desde fevereiro, como devido.» No julgamento do MS n221.216-DF, em 5-12-90, Relator o Ministro Octavio Gallotti, a propósito do reajuste de 84,32% suprimido pelo chamado «Plano Collor», a tese jurídica debatida foi semelhante a que está sob julgamento (RTI 134/1112). Proferi, então, voto que, embora vencido, na compahia honrosa dos Ministros Sepdlveda Pertence e Paulo Brossard, não estou convencido do desacerto dos seus termos. Disse eu: «Sr. Presidente, ao que ouvi e apreendi, a Lei n2 7.830, de 28-9-89 estabeleceu, no art. 12, que os vencimentos dos servidores seriam reajustados trimestralmente, em percentual igual à variação acumulada do R.T.I. — 155 630 IPC, verificada nos três meses anteriores, deduzidas as antecipações do art. dando-se o primeiro reajuste trimestral em outubro de 1989. O artigo 22 estatuiu, a seu turno, que sempre que a variação do IPC verificada no mês anterior fosse superior a cinco por cento, os estipêndios dos servidores seriam reajustados, a título de antecipação, pelo percentual correspondente a este excedente (Lei n2 7.830/89, arts. 12 e V). A Lei n2 7.974, de 22-12-89 também dispôs a respeito do tema. A Lei n2 7.830, de 31-1-89, art. 10, determinou que «O 1PC, a partir de março de 1989, será calculado com base na média dos preços apurados entre o início da 2 (segunda) quinzena do mês anterior e término da 12 (primeira) quinzena do mês de referência.» Posta assim a questão, Senhor Presidente, verifica-se que quando veio a lume a MP n2 154, de 15-3-90, publicada no «DO» de 16-3-90, que acabou se convertendo na Lei n2 8.030, de 12-4-90, a condição escolhida pela lei para dar nascimento ao direito subjetivo dos servidores, ou o acontecimento que a lei elegeu para dar nascimento ao direito ao reajuste, já ocorrera, por inteiro, vale dizer, já ocorrera a variação do IPC, de 15-2-90 a 15-3-90, conforme divulgado pelo IBGE, cumprindo ao empregador o pagamento, no mês seguinte, ou no mês de abril. Porque, vale repetir, a Medida Provisória 154, que entrou em vigor no dia 163-90, encontrou condição aperfeiçoada, fato gerador do direito j á ocorrido, por inteiro. r, e A partir de 16-3-90, a lei nova alterou a regra, deixou de considerar o fato atrás mencionado como capaz de dar nascimento a direito subjetivo. A lei nova, entretanto, vale para o futuro, não pode retroagir (Constituição, art. 5, XXXVI). A partir de abril de 1990, desde que os servidores trabalhassem, vale dizer, desde que realizassem a condição para o recebimento do reajuste, reajuste a que fizeram jus no dia 15-3-90, deveriam recebê-lo, porque é necessário distinguir a ~dição ou fato que deu nascimento ao direito ao reajuste da condição para recebimento deste: a condição escolhida pela lei para dar nascimento ao direito, ou o fato gerador deste, é a variação do IPC calculada na forma do art. 10 da Lei n2 7.730, de 31-1-89, verificada no dia 15-3-90; a condição para o recebimento do reajuste, direito ao reajuste adquirido no dia 15-3-90, é ter o servidor trabalhado no mês de abril de 1990, trabalhado ou ter continuado vinculado ao emprego. Do exposto, apesar de compreender a extensão desta decisão, desde que ocorrido o fato gerador do direito subjetivo, não posso deixar de deferir o mandado de segurança, com a vênia do eminente Ministro Relator. Defiro o writ.» A lei nova, Lei rt2 7.730, de 31-1-89, é violadora, portanto, do princípio constitucional do direito adquirido inscrito no art. 52, XXXVI, da Constituição. Há mais. A lei nova, Lei n2 7.730, de 31-1-89, viola, também, o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos dos servidores consagrado no art. 37, XV, da Lei Maior. É que o vencimento do servidor, em dezembro de 1988 e janeiro de 1989, estava fixado, por lei, com a recomposi- R.T.J. — 155 ção salarial. Suprimida, a partir de fevereiro/89, a dita recomposição salarial, houve, inegavelmente redução de vencimentos. Exemplifiquemos com os vencimentos dos magistrados, que são, também, irredutíveis: o salário do magistrado, em julho/93 é de cinqüenta mil cruzeiros reais. Se o magistrado continuar no exercício do seu cargo nos meses seguintes, não poderá receber menos do que recebeu em julhot93.O mesmo exemplo pode se figurado em relação aos vencimentos dos membros do Ministério Público Federal, como em relação aos vencimentos de qualquer servidor público. Lei nenhuma poderá reduzir esse vencimento, não sendo compatível com a Constituição o argumento no sentido de que uma lei poderia reduzir esse vencimento para o futuro. Do exposto, com a vênia do eminente Ministro Relator, meu voto é no sentido de julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.» Com a vênia do Sr. Ministro Relator, não conheço do recurso. VOTO O Sr. Ministro Sepólveda Pertence: Senhor Presidente, apenas para marcar posição, reporto-me ao meu voto no MS n2 21.216, relatado por V. Exa., dado que a 631 equação jurídica do problema é idêntica à do Plano Collor, tratada naquele caso. Acompanho, portanto, o Sr. Ministro Calos Velloso, com a vênia do eminente Relator. Não conheço, preliminarmente, do recurso. EXTRATO DA ATA RE. 159.130 — DF — Rel.: Min. Moreira Alves. Recte.: Ministério Público Federal. Recdos.: Noemia Ferreira da Silva e outros SAdva.: Renilde Terezinha de Resende Avila). Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Carlos Venoso e Sept11veda Pertence, que dele não conheciam. Votou o Presidente. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, limar Gaivão e Francisco Rezei Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Paulo Brossard. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 29 de junho de 1994 — Luiz Tondmatsu, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL N9 160.884 — AM (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek Recorrente: João Guedelha Mourão Neto — Recorrido: Ministério Público Estadual Recurso extraordinário crirninaL Liberdade provisória mediante fiança: artigo 53 LXVI da Constituição. Falta de preqztestionamento. 632 R.T.J. — 155 Se a questão constitucional versada no recurso extraordinário não foi objeto de análise da decisão recorrida, dele não se conhece. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em não conhecer do recurso extraordinário. Brasflia, 31 de maio de 1994 — Paulo Brossard, Presidente— Francisco Rezek, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Rezek: Tomo por relatório o parecer que, em nome do Ministério Público, assim lavrou o Subprocurador-Geral Haroldo Ferraz da Nó!nega: «O Recurso Extraordinário, ora em exame, encontra-se às fls. 104/111. Sustenta o recorrente que: 'Decidindo o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, como decidiu, cassando a fiança arbitrada e determinando a expedição de Mandado de Prisão contra o Recorrente, feriu o texto constitucional, no seu artigo quinto, LXVI, que abaixo se transcreve: respeito do crime, motivo alegado no recurso em sentido estrito. Da documentação juntada vê-se claramente que o Recorrente faz jus a liberdade provisória. Que o crime cometido, é afiançável, conforme já decidiu esta mais alta Corte de Justiça do País. Logo, a roi/ingerida à nossa Constituição, ocorreu, e por esta razão o ato praticado pelo Tribunal recorrido, deve merecer urgente reparo, reformando-se aquela decisão, mantendo-se em favor do Recorrente, a fiança e a liberdade provisória nos termos da decisão recorrida em sentido estrito. Justiça'. O Recurso Extraordinário foi admitido, através de despacho do seguinte teOr. Ninguém será levado à prisão 'Com o Recurso Extraordinário em exame, fundamentado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, pretende o recorrente desconstituir a decisão proferida à unanimidade pela Egrégia 3' Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, que cassou a fiança concedida ao recorrente, nos autos de processo-crime contra ele movido perante a 2' Vara Criminal desta Capital, sob alegativa de ter praticado crime de peculato. ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.' Percebe-se que tanto o M.M. Juiz de Primeira Instância, quanto o órgão graduado do Ministério Público foram de opinião concordes, no sentido de que não houve clamor público a Dá o recorrente como afrontado pela guerreada decisão, o art. 52, LXVI, da Magna Carta Federal, segundo o qual 'ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança', exatamente porque a infração a si imputada é afiançável. 'Art. 9, LXVI R.T.J. — 155 O Órgão graduado do Ministério Público, com assento perante a Egrégia 3° Câmara, à guisa de contra-razões de recursos, pede o seu provimento, para restaurar a fiança cassada. Estando demonstrada de forma indiscutível a afronta, pela decisão recorrida, ao retroreferido dispositivo da Constituição Federal, admito o Recurso Extraordinário em exame, determinando que, atendidas as formalidades de praxe, sejam os autos remetidos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal'. (autos, fi. 163). Vê-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática de peculato, delito em tese afiançável, não se admitindo porém a fiança quando for o caso de prisão preventiva (já que o delito é punido com reclusão, art. 324, IV do CPP). Antes do oferecimento da denúncia, o réu fora preso em razão de prisão preventiva. Posteriormente ao oferecimento da denúncia e atendendo a requerimento da defesa, o Magistrado concedeu liberdade provisória ao acusado, mediante fiança (fis. 47/54). O Ministério Público Estadual, inconformado com esta decisão, recorreu em sentido estrito, o qual foi provido através de acórdão, do qual se destaca: 'Saliento que o Recorrido, antes deste processo, já respondeu a outro, por delito da mesma natureza. Ademais disto, a gravidade dos crimes de peculato por ele cometidos é manifesta. Foram crimes perpetrados através de refinada maquinação intelectual. Suas condutas delitivas foram sutis, frias e preordenadas, a demonstrar que é perigoso e voltará a delinqüir se em liberdade ficar. E, para arrema- 633 tar, não indicou os seus comparsas, numa atitude de desdém para com a Justiça. O Recorrido já foi processado criminalmente anteriormente. Não tem bons antecedentes, portanto. Mesmo se tivesse, não impediria a decretação da custódia provisória. Como assinala Mirabete na obra citada, pág. 369: 'Desde que a prisão preventiva se revele necessária, na conformidade do art. 312, não elide a decretação da prisão preventiva as circunstâncias de ser o acusado primário e de bons antecedentes, de ter residência fixa e profissão definida, de ter instrução superior, ser industrial, ter família etc.' O professor Weber Martins Batista, in 'Liberdade Provisória', Forense, 1981, pág. 13, ressalta que 'desde que seja provável o resultado do processo principal, que se pretende garantir, está satisfeito um dos pressupostos da concessão da providência, a existência do fumos boni iuris' . No caso vertente dos autos, a probabilidade de que a ação penal seja julgada procedente está clara demais, porquanto é o próprio Recorrido quem confessa com detalhes todas as práticas delituosas. E a confissão se encaixa no quadro circunstancial veementemente. Presentes, pois, os pressupostos exigíveis para a decretação da medida cautelar. O periculum in mora, ou seja, a necessidade dela, como demonstrado retro, é patente, diante da gravidade dos delitos cometidos pelo recorrido, a sua repercussão para a ordem pública. A prisão provisória, arremata Weber Martins Batista, agrava sensivelmente o risco de aro contra o R.T.J. — 155 634 acusado, mas a omissão da medida pode concorrer para que não se consiga provar sua culpabilidade. Posto isso, contra o parecer do Graduado Órgão Ministerial, conheço do recurso em sentido estrito e lhe dou provimento, para cassar a fiança concedida ao Recorrido e decretar sua prisão preventiva com fulcro no art. 312 do Código de Processo Penal — garantia da ordem pública' (autos, fls. 94/6). É contra esta decisão que se insurge o ora recorrente, através do Recurso Extraordinário já focalizado. Parece-me que a hipótese é de não conhecimento. Embora não se negue que a fiança seja uma garantia constitucional, a questão no caso não se soluciona sob a ótica constitucional. Em verdade, aqui não houve a negação do direito à prestação de fiança. Cassou-se a fiança porque se entendeu que era o caso de prisão preventiva, que foi decretada pelo Tribunal a quo, dando provimento a recurso do MP. O ponto central da questão, no caso, diz respeito à aplicação dos artigos 312 e 324, IV do CPP, matéria infraconstitucional, desenganadamente. O parecer, ante o exposto, é pelo não conhecimento do RE.» (fls. 169/174) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): Como pondera o Ministério Público Federal, foi mediante a análise de normas ordinárias que o Tribunal de Justiça ama- zonense decidiu cassar a fiança e decretar a prisão preventiva do acusado. Não se vê, no acórdão recorrido, menção alguma a tema constitucional que justifique correção extraordinária. Cassou-se a fiança — e isto está registrado num único parágrafo do aresto impugnado — porque a série de crimes de peculato, cometidos em concurso material, não permitia conceder liberdade provisória, visto que a pena mínima cominada em abstrato, ante a regra do artigo 69 do Código Penal, era superior a dois anos de reclusão. De resto, o tribunal recorrido concentrou-se nas razões e nos fundamentos que entendeu suficientes para a custódia preventiva. Parece-me, assim, que estamos frente a mais uma daquelas hipóteses em que a alegada afronta à Carta dar-se-ia de modo reflexo — não direto, como exige a jurisprudência do Tribunal. Tais as circunstâncias, não conheço do extraordinário. EXTRATO DA ATA RECr 160.884 — AM — Rel.: Min Francisco Rezek. Recte.: João Guedelha Mourão Neto (Adv.: Elias Brasil Benjo) Recdo.: Ministério Público Estadual. Decisão: Por unanimidade, a Turma não conheceu do recurso extraordinário. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Néri da Silveira, Presidente. Presidiu o julgamento o Ministro Paulo Brossard. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, O Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 31 de maio de 1994 — José Wilson Aragão, Secretário. R.T.J. — 155 635 RECURSO EXTRAORDINÁRIO IsI2 161.712 — RS (Tribunal Pleno) Relator p/ o acórdão: O Sr. Ministro Francisco Rezek Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul — Recorridos: André Lipp João e outros — Recorrido: Fátima Beatriz Haag de Moraes. Recurso extraordinário. Defensores públicos. Interpretação do artigo 22 do ADCT. Servidor investido na função de defensor público até a data em que foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte tem direito à opção pela carreira, independentemente da forma da investidura originária. Interpretação do artigo 22 do ADCT. Recurso extraordinário não conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em não conhecer do recurso. Brasflia, r de dezembro de 1994 — Octavio Gallotti, Presidente —Francisco Rezek, Relator p/acórdão. RELATÓRIO O Sr. Ministro Paulo Brossard: O Estado do Rio Grande do Sul, invocando o art. 102, III, a e c, da Constituição Federal, recorre extraordinariamente do acórdão prolatado pelo 2" Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça em autos de embargos infringentes, fls. 375/386. Os autores, com base no art. 22 do ADCT, pedem na inicial a procerlPncia da ação para que seja declarado «por sentença, o direito de ingressarem, na carreira de Defensor Público quando esta, por lei, for regulamentada, assegurando-se, outrossim, o direito de permanecerem exercendo as funções de defensor público nas comarcas ou locais em que, na data do ingresso da cautelar, estavam exercendo», fls. 2/13. A sentença julgou improcedentes as ações declaratória e cautelar, por entender que, in verbis: «Não há, ... outra interpretação possível senão a de que a regra excepcional em discussão é dirigida, ao menos no Estado do Rio Grande do Sul, aos Assistentes Judiciários concursados e integrantes do quadro pela Lei 5.161/65 e alterado pela similar n2 7.779/83», fls. 162/163. Os autores apelaram e obtiveram a reforma da decisão em acórdão majoritário assim ementado: «Inteligência do art. 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Esse dispositivo assegura aos defensores públicos investidos na função, até a data da ANC, o direito de opção pela carreira, independente de concurso. Não fora isso, o texto legal seria totalmente desnecessário e inútil. A norma de caráter temporário, se refere ao passado e é curial que a exigência de concurso é para o futuro, para quem não está investido na função», fls. 312/323. e 636 R.T.J. — 155 Contra a decisão da apelação o Estado interpôs embargos infringentes, que foram rejeitados, por maioria, em acórdão assim fundamentado: «O Da João Aymoré Barros Costa (Relator): O que criou dissenso na Colenda Câmara foi o art. 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias__ Como a Lei Complementar da União ainda não existe, o Estado do RGS promulgou a Lei n 9.230, de 6-12-91, criando e dispondo sobre a estrutura, competência e funcionamento da Defensoria Pública no Estado. Tal lei foi objeto do memorial apresentado pelos apelantes, após o relatúrio da apelação, invocando inconstitucionalidade do art. 17 e seus §§. Aliás, o próprio Procurador do Estado ao interpor os embargos infringentes, diz, verbis: «trata-se de norma inconstitucional.» A toda evidência não se trata de argüição de inconstitucionalidade inddenter tantum, visto que o desate da questão não levou em consideração a invocada inconstitucionalidade, por isso • apenas se faz referência. «Os embargados são servidores públicos estaduais em desvio da função», afirmação do Estado embargante. «Estavam exercendo por cedência as funções de Assistentes Judiciários na Procuradoria-Geral do Estado, desde antes de 12 de fevereiro de 1987.» A norma permanente da CF/88, art. 134 e seu parágrafo único, institui a Defensoria Pública, devendo a lei complementar organizá-la em cargos de carreira, providos na classe inicial, mediante concurso público. Isto consoa com o princípio da moralidade insculpido na mesma CF/88, art. 37 e inciso I, que assegura aos brasileiros o acesso aos cargos, empregos e funções públicas, desde que preencham os requisitos esta- belecidos em lei. Assim sendo, os cargos da carreira de defensor público ainda não existem e, quando vierem a existir deverão ser providos por concurso público. Pela norma constitucional permanente ninguém é titular de cargo público de defensor. E o provimento, necessariamente inicial, é de competência privativa do Presidente da República. (CF/88, art. 84, XXV). O cargo não é provido por lei, mas por nomeação da autoridade competente, constituindose na primeira investidura, conforme a CF/88, art, 37, H. Os embargados passaram a exercer as funções de Assistentes Judiciários na Procuradoria-Geral do Estado por cedência, tratando-se pois, de investidura derivada, típico ato administrativo passível do ato de desinvestidura pelo Executivo. Cretella Jr. deu «o nome de Inação pública a toda atividade praticada por agente, funcionário ou não, para a consecução de um fim de interesse da coletividade.» Ora, prestar assistência jurídica e judiciária aos necessitados interessa à coletividade, daí estarem os embargados investidos da função de defensores públicos, ou assistentes judiciários, abroquelados pela quebra do princípio de moralidade imposto nas normas permanentes, pela norma transitória do art. 22 que, entretanto, manda observar as garantias e vedações do art. 134 e parágrafo único, o que poderá vir a se constituir, se a lei complementar atentar para os princípios constitucionais, na obrigação de prestarem concurso público para ingresso na classe inicial da carreira. Isto posto, Sr. Presidente, voto no sentido de desacolher os embargos interpostos pelo Estado do Rio Grande do Sul, na conformidade dos doutos votos majoritários, rogando vênia ao eminente Des. Manica, prolator do voto vencido. R.T.J. — 155 É o voto. Des. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister: Sr. Presidente. Conto revisor, também rejeito, nos termos do voto do eminente relator. Des. João Loureiro Ferreira: Mantenho o meu voto, Sr. Presidente. Rejeito os embargos. (Voto mantido: ... o Ministro Carlos Thornpson Flores, em seu judicioso parecer disse: «considero que a opção pela carreira», na expressão da norma, importou no direito de nela, carreira, ingressar independentemente de concurso, ou exigência outra, na classe inicial. Não fora assim, sem sentido ficariam a investidura, o prazo e a opção exigidas, pois o concurso público imposto para o inicio da carreira se ofereceria igual aos dos demais concorrentes (parágrafo único do art. 134), sem aqueles requisitos. E não foi esse, claramente, o propósito consubstanciado no citado art. 22». A norma estabeleceu dois pressupostos para o benefício: a «opção que se deve entender como a vinculação do interessado com a Administração Pública, em data anterior à fixada no art. 22 e, o outro, a investidura nas funções de defensor público até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Por isso, entendo que é errônea a posição dos que querem introduzir, no texto legal, uma condição que nele não existe, ou seja, a exigência de concurso público. Também não me parece cena a interpretação do art. 22, em consonância com o parágrafo único do art. 134 da Constituição, para se estabelecer a exigência de concurso público. A consonância é somente no que diz respeito à garantia da inamovibilidade e vedação do exer- 637 cicio da advocacia fora das atribuições institucionais. É verdade que até está inserido que os cargos serão providos na classe inicial mediante concurso público de provas e títulos. Mas, à toda evidência o texto se refere ao futuro, ... Não abrange, pois, os não concursados que já estavam investidos na função até a data da Assembléia Constituinte. Exatamente essa é a posição do governo federal, pois no anteprojeto de Lei Complementar instituindo a Defensoria Pública, estabeleceu no seu art. 22: ... A sentença confundiu cargo com função e o art. 22 fala na investidura em função, não em cargo. ... É muito elucidativo o parecer da Procuradoria Especializada Administrativa da Bahia, Da Carla GUIMellIda Fonseca Magalhães: continua a entender que, por aludir, sem ressalvas, a investidura na função — e não em cargo de Defensor Público — o legislador constituinte quis, de fato, alcançar os que, até 12-2-87, já habilitados para a advocacia particular e sendo servidores públicos, em sentido lato, mas como estatutários efetivos ou celetistas, estivessem formalmente designados para a prestação de atividade próprias de defensoria e assistência judiciária gratuita, em órgão permanente da estrutura do Estado, ou serviço organizado com o mesmo fim, em desvio de atribuições inerentes ao cargo ou emprego de origem no serviço público». É irrelevante a citação do art. 37, inc. II da Constituição, que estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, posto que o art. 22 do ADCT é uma exceção, com caráter temporário. Finalmente, não cabe ao julgador perquirir da moralidade da lei e deixar 638 R.T.J. — 155 de aplicá-la. Como adverte o eminente Ministro Mário Guimarães, no seu «O Juiz e a Função Jurisdicional», ao juiz é dado valorar a lei, ajustá-la ao fato, lapidando-a, melhorando-a. Não lhe é dado, porém, ir para o sul quando o texto legal, certo ou não, claramente lhe aponta para o norte! Por esses motivos, dou provimento à apelação (fls. 317/319). O Des. Baldai= Manica: Mantenho o meu voto e acolho os embargos. O Des. Gervásio Barcellos: Sr. Presidente. Também entendo, do exame da matéria, ser indisputável o direito dos embargados à estabilidade especial extraordinária e à efetivação assegurada pelo art. 22 do ADCT e pelo art. 134, parágrafo único, da Constituição Federal. Acompanho integralmente o eminente Relator. O Des. Décio Antonio Erpen: Sr. Presidente. Quando da votação na Câmara, tive ensejo de pedir vista dos autos, o que me conferiu fazer exame profundo do tema. Lancei meu voto e hoje, mais do que nunca, estou convencido do acerto da decisão, em especial sobrevindo a decisão, agora, do Superior Tribunal de Justiça. Pediria vênia ao eminente colega Manica, que divergiu na oportunidade, e me reportaria aos argumentos já expendidos no voto anterior, desacolhendo os embargos.» (Voto mantido: ...nenhuma incoerência se vê por parte do Constituinte que, no exercício do poder soberano nacional, dispôs que o acesso a cargos públicos se desse através de concurso público, e concomitantemente, ele próprio quebra o princípio ao instituir a estabilidade aos contratados há mais de cinco anos (art. 19, ADCT). O Constituinte pode legitimar tudo. O fato social e a vocação política o inspiram para tanto. Ademais, é inconsistente a tese do Estado de que se faz necessária a realização de concurso público para o provimento dos cargos, isto porque a subsistir esse entendimento o preceito excepcional e específico do art. 22 do ADCT perderia completamente sua utilidade. A matéria estaria disciplinada no comando permanente da norma constitucional. E o bom exegeta sabe que os preceitos legais existem para produzir resultados úteis. Há que se dar a máxima eficiência na interpretação da norma maior. Não se deve interpretar contra a Constituição, mas favoravelmente a ela para que não se tome árida, e sim fértil. Volvendo ao preceito em questão — art. 22 do ADCT nele não se depara como pressuposto para desfrutar do direito à opção, seja o funcionário efetivo ou estável. Exigiu, tão-somente, investidura legal na função. Deduzo, então, que paira sobranceira a exegese de que o Constituinte quis mesmo ressalvar a situação dos atuais defensores públicos, esse em lato seusu, ou seja, aqueles servidores que sendo bacharéis em direito, estivessem aptos ao exercício da advocacia, e que exercessem tal mister, quando da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Necessários o vínculo e a atividade. Deve ser, a rigor, servidor estranho à carreira, pois do contrário não haveria necessidade de opção. A existência de tal requisito — a opção — dá a nítida idéia de que o funcionário era estranho ao mister que exercia. Disciplinada a situação, tenho que a Constituição criou um estabilidade especial ou extraordinária, mas, de caráter provisório. E durante esse interstício, enquanto não editada a Lei Complementar e não sobrevier lei criando cargos e abrindo ensejo R.T.J.-155 à opção, são os mesmos funcionários tidos como inamovíveis. O primeiro provimento, pois, segundo o preceito constitucional, se dará de forma anômala, ou seja, mediante direito à opção. E somente num segundo estágio, exaurido o ml dos que portam o direito à opção é que se volverá à forma mais lídima e consagrada de prover os cargos públicos, qual seja, o concurso público. Mas, os atuais defensores públicos têm direito inequívoco a optarem pelo ingresso na carreira regular. Não há melhor interpretação a se extrair da citada disposição. O contrário conduziria à absoluta imprestabilidade da Lei. ... Proclamaria o direito à opção dos cargos futuros, dizendo também que para resguardo de tal direito, desfrutam os autores de uma estabilidade especial, e da inamovibilidade até que sobrevenha o novo regramento legal. Dou pela procedência da ação. Promovo a inversão do ônus da sucumbência, fls. 319/323). O Sr. Presidente (Des. Elias Elmyr Manssour): Embargos Infringentes n2 591079330, de Porto Alegre: Rejeitaram os embargos, vencido o Des. Manica», fls. 368/372. O recorrente diz que o acórdão violou o art. 22 do ADCT, combinado com o art. 134 e seu parágrafo único, da Constituição ao declarar que os autores, «independente de sua condição originária e pelo só fato de estarem exercendo as funções de assistente judiciário em 1 2 de fevereiro de 1987, têm direito à opção dos cargos futuros de Defensores Públicos, desfrutando para resguardo de tal direito de uma estabilidade especial, e da inamovibilidade até que sobrevenha o novo regramento legal», fls. 381. Sustenta também a inconstitucionalidade do art. 17 da Lei Complementar estadual n2 9.230/91 em face do art. 134 e seu parágrafo único, combinado com o art. 37 639 e seu inciso II, da Constituição, alegando que o art. 22 do ADCT não tem a abrangência que lhe deu o acórdão impugnado, pois assegura, apenas, «o direito de opção pela carreira de Defensor Público, aos que estiverem investidos na função até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte (12-2-87)», sendo necessário «investidura legal nas atribuições da Defensoria Pública e criação dos cargos da carreira de Defensor Público», fls. 383, e «conclui pela exigência do concurso público aos recorridos para poderem ingressar na carneira da Defensoria Pública». Pede o provimento do recurso para restabelecimento da sentença, fls. 386. Contra-arrazoaram os recorridos, fls. 400/401, inclusive a litisconsorte, fls. 389/395. O recurso foi admitido na origem por ser a matéria relevante e não estar consolidada e, também por não existir óbices ao seu trânsito, eis que o tema está amplamente prequestionado, fls. 407/408. 4. Manifestou-se a Procuradoria-Geral da República opinando pelo não conhecimento do recurso ou pela confirmação do acórdão atacado em parecer assim fundamentado: «O recurso extraordinário não merece ser conhecido. Pela alínea a, face à inocorrência da alegada violação constitucional, como será demonstrado. Com relação à alínea b, em face de não ter, o v. acórdão hostilizado, em momento algum, julgado válida lei local em face da Constituição. Consoante a doutrina administrativa, cargo público é um lugar na administração, criado por lei, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas, para ser provido e exercido por um titular, pago pelos cofres públicos Sendo função o conjunto de atribuições conferidas a cada categoria pro- 640 R.T.J. — 155 fissional, pela administração. Desta forma, definidas são as funções do cargo, pois todo cargo tem uma funcão correspondente. Tendo em vista a obrigatoriedade de que as funções permanentes da Administração sejam desempenhadas pelos titulares dos cargos, a Constituição Federal condicionou a estabilidade à aprovação em concurso público. Este, então, passou a ser o requisito para o preenchimento dos cargos efetivos, na forma dos princípios estatuídos no caput do seu art. 37. Acontece que, assim como o legislador constituinte é legitimado para dispor acerca da estabilidade, também o é no sentido de estabelecer exceções à regra principal, tal como no art. 22 das disposições transitórias da Constituição Federal. O ilustre Desembargador Décio Erpen, no seu voto, à fl. 321, discorrendo sobre a situação do serviço de assistência judiciária no Estado, muito bem explicou que: «os assistentes concursados e os funcionários designados passaram a exercer a atividade que a atual Constituição adjetivou de própria da Defensoria Pública. A investidura do funcionário era regular, e como não havia número correspondente de cargos, exerciam eles uma autêntica função». E prossegue: «o jurista que for analisar todo o texto constitucional se flagrará que o constituinte soube diferenciar o vocábulo «cargo» do «função». Também estava alertado do que constitui uma investidura, mas não se estando a construir, pois, uma tese com base na utilização equivocada de termos técnicos.» Prossegue no sentido de que é o art. 22 das disposições da Constituição que dá azo à presente causa, uma vez que o objetivo do Constituinte foi o de regular situações já consolidadas. Ainda, que a investidura era regular, pois a designação para as atribuições que competiam aos assistentes judiciários era feita pelo Poder Executivo estadual, sendo o mesmo competente para fazê-lo. De outra parte, a edição da Lei Complementar n9 80, ocorrida em 12 de janeiro próximo passado, que «Organiza a Denferoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para a sua organização nos Estados, e dá outras providências», não deixou dúvidas sobre a questão, ao estatuir em seu art. 137: «Art. 137. Aos Defensores Públicos investidos na função até a data da Assembléia Geral Constituinte é assegurado o direito de opção pela carreira, garantida a inamovibilidade e vedado o exercício da advogacia fora das atribuições constitucionais». Note-se: investidos na função e não no cargo, como pretende o recorrente. E no art. 142 da Lei Complementar determina que «os Estados adaptarão a organização de suas Denfesorias Públicas aos preceitos desta Lei Complementar, no prazo de cento e oitenta dias». Assim sendo, e diante do fato de os recorridos já exercerem as funções de Defensores Públicos, ainda que com o nomen juris de Assistentes Judiciários quando da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, têm eles assegurado o direito de optarem pela nova carreira», fls. 421/425. 5. Peticiona a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio Grande do Sul, manifestando interesse no rápido julgamento do recurso, para definir a situação dos advogados em desvio de função e viabilizar a realização de concurso público, fls. R.T.J. — 155 É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Paulo Brassard (Relator): As ações, cautelar e principal, foram propostas e decididas em face do art. 22 do ADCT Federal. O extraordinário da ré vencida, funda-se nas alíneas a e c, do art. 102, IR, da Constituição. Pela alínea a o recorrente afirma que a decisão recorrida contraria o que dispõem os arts. 22 do ADCT e 134 da Constituição, assim redigidos: «Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.» «Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos neressitados, na forma do art. 5°, LXXIV. Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.» A ação cautelar foi proposta em 11-4-89 e a principal em 8-5-89, portanto, antes da promulgação da Constituição sulrio-grandense, em 3-10-89, antes do advento da Lei Complementar n2 9.230, de 6-2-91, que cria a Defensoria Pública estadual cantes da Lei Complementar n2 80, em 641 12-1-94, que «organiza a Defensoria Pública da União ... e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados». O recorrente admite que os recorridos «são servidores estaduais do Estado do Rio Grande do Sul, diferenciados nos cargos ou funções: a) funcionários concursados; b) detentores de cargos em comissão; c) servidores contratados; em comum detêm a condição de que estavam cedidos à Procuradoria-Geral do Estado desde antes de 12 de fevereiro de 1987, instalação da Assembléia Nacional Constituinte, exercendo as funções de assistentes judiciários.» 4. Recordo três precedentes. Esta Corte, ao julgar o pedido de liminar na ADIn n° 175-PR, requerida pelo Governador do Estado do Paraná contra a Assembléia Legislativa, relatado pelo Min. Octavio Gallotti na Sessão de 9-2-90, RTJ 132/1026, suspendeu, à unanimidade, a eficácia do art. 55 do ADCT da Constituição paranaense, contestado em face do art. 22 do ADCT do art. 134 e seu parágrafo único da Constituição Federal, assim redigido: «Art. 55. Fica assegurado aos advogados e assistentes jurídicos estáveis do Quadro Único do Poder Executivo, em exercício na data da instalação da Assembléia Legislativa Constituinte estadual, na função de assistência judiciária no órgão referido no art. 22 do Regulamento aprovado pelo Decreto n2 1.185, de 19 de agosto de 1987, e nas funções jurídicas do Departamento Penitenciáno do Estado, o enquadramento no cargo inicial da carreira de defensor público referida nos arts. 127 e 128 desta Constituição», por considerar que a disposição, ia verbis: «assegura o enquadramento, na carreira de Defensor Público, de ocupantes de outros cargos ou função independen- 642 R.T.J. — 155 temente de concurso público, a cuja exigibilidade se tem mostrado particularmente sensível o Tribunal, em especial como critério de concessão da providência cautelar», tendo o Min. Sepúlveda Pertence feito a seguinte observação: «acompanho o Relator, embora à primeira vista me pareça, se bem entendi a condição atual dos beneficiários, que talvez o art. 22 do Ato das Disposições Transitórias Federal venha em seu favor, e não em seu prejuízo. Mas, por ora, em termos de cautelar, acompanho o Relator.» Ao julgar o pedido de liminar na ADIn n1 494-MT, requerida pelo Procurador-Geral da República, a pedido do ProcuradorGeral da Justiça de Mato Grosso, contra o Governador do Estado e a Assembléia Legislativa, relatado pelo Min. Marco Aurélio na Sessão de 16-8-91, RTJ 139/755, esta Corte não suspendeu, em acórdão unânime, a eficácia do art. 43 da Lei Complementar estadual n1 7, de 28-12-90, que organiza a Defensoria Pública do Estado, que assim dispõe: «Art. 43. O quadro inicial da Defensoria Pública será integrado pelos Procuradores do Estado em exercício que optarem, no prazo de que trata o art. 71 das Disposições Transitórias da atual Constituição Estadual, com os mesmos direitos e vantagens da categoria em que se encontram, inclusive com exercício nas Comarcas de Cuiabá e Várzea Grande», por considerar que: «o dispositivo legal prevê a formação do quadro inicial da Defensoria Pública mediante, também aproveitamento dos Procuradores do Estado em exercício que optarem, como previsto no art. 71 do Ato das Disposições Constitucionais Tran- sitórias da Constituição do Estado de Mato grosso, pela nova função. No caso, adotou-se procedimento objetivando viabilizar a atuação imediata da Defensoria Pública, Órgão indispensável à administração da Justiça. Não vislumbro relevância suficiente a condição à concessão da cautelar. O argumento relativo ao concurso público é pelo menos ambíguo, portanto o ingresso dos Procuradores se fez por tal modo. Indefiro assim a cautelar.» O RE n1 141.323-MG interposto pelo Estado de Minas Gerais, relatado na 11 Turma pelo Min. Moreira Alves na Sessão de 17-3-92, RTJ 146/927, que restou não conhecido por erros técnicos na sua interposição, impugna a «concessão, a servidores investidos na função de defensores públicos, da opção pela carreira, com base no artigo 22 do ADCT da Constituição Federal de 1988», tendo o Min. Sepúlveda Pertence feito a seguinte observação: «Na ação direta julgada em 9 de fevereiro de 1990, de que foi relator o eminente Ministro Octavio Gallotti, realmente se referiu a suspensão cautelar de preceito que, salvo engano meu, assegurava ao Assistente Jurídico do Estado aproveitamento ou opção pela carreira de Defensoria Pública, que se determinava fosse criada. Lembro-me que, então, ao acompanhar o Ministro Octavio Gallotti, ressalvei exatamente a melhor análise do tema à luz do art. 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: se ali bastava qualquer investidura, ou se se pressupunha efetividade, estabilidade ou, pelo menos, investidura regular. Pensei que esta causa pudesse antecipar o momento desta análise, mas mostrou o eminente relator que, realmente, o recurso extraordinário, para fugir da discussão do texto constitucional federal, buscou R.T.J. — 155 643 introduzir na causa algo que jamais nela da de provimento derivado, da União, do fora posto, que é o dispositivo da Cons- Distrito Federal e dos Territórios e dos tituição Estadual.» Estados, o direito à opção pela carreira, desde que investidos na função até 1 2 de Senhor Presidente, a regra geral diz fevereiro de 1987, garantindo a inamovibique «a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em lidade e exigindo dedicação exclusiva. Em concurso público de provas ou de provas e suma, o direito à opção não é dirigido apetítulos», art. 37, II, da Constituição. Ao nas aos que estavam investidos por concurtratar da Defensoria Pública o texto consti- so na função de defensor público, mas tamtucional disse, pleonasticamente, que são bém aos que estavam investidos de forma seus «cargos de carreira, providos, na clas- derivada. se inicial, mediante concurso público de Isto posto, e acolhendo o parecer do provas e títulos», art. 134, par. único. Ministério Público Federal, não conheço Contudo, o art. 22 do ADCT, norma de do recurso pela alínea a porque a decisão transição entre duas ordens constitucio- impugnada, ao reconhecer o direito de opnais, traz uma exceção à regra geral, ao ção dos recorridos, não contrariou o art. 22 exigir apenas a investidura na função de do ADCT. Defensor Público até uma determinada data Pela alínea c também conheço do para facultar ao servidor o direito de opção recurso porque não está prequestionada pela carreira, não ressalvando nem qualifi- a declaração de inconstitucionalidade do cando a forma de investidura, se por con- art. 17 da Lei Complementar estadual n2 curso ou não. Noto que é próprio do ADCT 9.230/91 em face dos arts. 134, parágrafo abrir exceções: veja-se a relativa à estabili- único, e 37, II, da Constituição, tema que, dade concedida apenas aos servidores con- aliás, está expressamente afastado da decicursados após dois anos de exercício, art são recorrida, como se ve no voto do De41 do texto permanente, que foi estendida sembargador-Relator dos Embargos Infrinaos servidores não concursados em exercí- gentes. cio há pelo menos cinco anos continuados, É como voto, Senhor Presidente. na data da promulgação da Constituição, com a ressalva de que a efetivação se dá por VOTO concurso, art. 19 e seu § 12 do ADCT. O Sr, Ministro Marco Aurélio: Senhor Assinalo, também, que o art 22 do ADI-1' Presidente, esta Corte tem proclamado que corresponde exatamente ao art. 25 aprovao norte previsto na Carta de 1988, quanto do no primeiro turno das votações da Assembléia Nacional Constituinte. Para o se- ao ingresso em cargo público, é o concurso gundo turno foram reunidos, sob n 2 1.122, público. Não tem admitido, sequer, o prodiversos destaques e emendas e submetidos vimento derivado decorrente da ascenção à votação com a exigência de que os desti- funcional, apontando-a como banida do cenatários da norma estivessem investidos nário constitucional. por concurso na função, mas a nova redaNa espécie dos autos, cuida-se de uma ção foi rejeitada e assim permaneceu a re- decisão judicial que se diz calcada no artigo dação original, sem a exigência de concur- 22 do Ato das Disposições Constitucionais so, fls. 181/194. Transitórias. O art. 22 concede aos defensores púRelativamente aos servidores públicos blicos providos de forma anômala, chama- civis da União, dos Estados, do Distrito 644 R.T.J. — 155 Federal, àqueles que vinham prestando serviços à administração direta, autárquica e fundações públicas, o artigo 19 do próprio Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988 disciplinou sobre a efetivação, sobre a estabilidade. No tocante à estabilidade, apontou-se como requisito indispensável estarem esses prestadores de serviços integrados ao serviço públicos há mais de cinco anos. No que concerne à efetivação, impôs o legislador constituinte de 1988, no § 12 do artigo 19, a feitura de concurso. Portanto, não afastou o concurso. Indaga-se: qual o. sentido da norma do artigo 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias quando preceitua que «é assegurado aos defensores públicos investidos na função» — pressupondo-se, portanto, uma investidura legal — «até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no artigo 134, parágrafo único, da Constituição»? Senhor Presidente, vejo o alcançe dessa norma como semelhante àquela alusiva aos Procuradores da República; como semelhante ao do § 22 do artigo 29: «Aos atuais Procuradores da República, nos temos da lei complementar, será facultada a opção, de forma irretratável, entre as carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União». O objetivo e o sentido do artigo 22 foi, justamente, viabilizar a opção pela carreira da Defensoria Pública àqueles que, tendo cargo público no qual ingressaram por concurso público, vinham prestando serviços no âmbito da assistência pública. Tínhamos — e temos até hoje — uma variedade de situações: nos Estados do Rio Grande do Norte, Acre, Alagoas, Rondô- nia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Amazonas, Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Piauí esse serviço, ligado à Defensoria, à assistência aos necessitados, vinha sendo prestado pela Procuradoria do Estado e, portanto, por prestadores de serviço que ingressaram no serviço público via concurso. No Distrito Federal, o próprio Ministério Público, os promotores, é que atuavam, não sei se ainda continuam atuando nessa área. Em Santa Catarina, esse serviço vinha sendo prestado por advogados, sem qualquer vínculo efetivo como serviço público. Senhor Presidente, será que é o alcançe do artigo 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias efetivar em cargo —no início da carreira, ou não, não importa — pessoas detentoras de cargos comissionados, os chamados «celetistas cedidos» de sociedades de economia mista, como se tem no Rio Grande do Sul? A meu ver, não! A regra do artigo 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias somente agasalha aquelas hipóteses em que, detentor de um cargo público, no qual ingressou mediante concurso, o prestador dos serviços vinha atuando, quando da instalação da Constituinte, no âmbito do gênero Defensoria Pública, porque somente assim poderá haver a opção — entre a carreira de origem e a criada com a instituição do Órgão. Não tenho como, desconhecendo os demais preceitos contidos até mesmo nas Disposições Constitucionais Transitórias, sem concurso público, efetivar pessoas que vinham atuando no âmbito da Defensoria Pública, tendo na origem, em si, um emprego para o qual foram contratadas sem o concurso público. Peço vênia, ao Ministro-Relator para, no caso, entender que a decisão prolatada pela Corte de origem vulnera o artigo 22 do Ato R.TJ. —155 das Disposições Constitucionais Transitórias, razão pela qual conheço do recurso extraordinário interposto e o provejo para restringir a decisão àqueles que ingressaram no serviço público via concurso. EXTRATO DA ATA RE 161.712 — RS — Rel.: Mia. Paulo Brossard. Rede.: Estado do Rio Grande do Sul (Adv.: Ricardo Koch) Recdos.: Andre Lipp João e outros (Advs.: Marisa Schutzer Del Nero Poletti e outros) Recda.: Fátima Beatriz Haag de Moraes (Advs.: Hermann Homem de Carvalho Roenick e Haag de Moraes) Decisão: Por unanimidade, a Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento do presente feito. 2' Turma, 18-10-94. Decisão: Adiado o julgamento pelo pedido de vista do Ministro Carlos Velloso, depois dos votos dos Ministros Relator, Francisco Rezek e limar Gaivão, não conhecendo do recurso, e do voto do Ministro Marco Aurélio, conhecendo do recurso e lhe dando provimento em parte. Declarou impedimento o Ministro Néri da Silveira. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Gaivão e Francisco Rezek. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva. Brasília, 20 de outubro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. VOTO (VISTA) O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Procuradoria-Geral da República, no parecer de fls. 421-425, lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral Francisco José Teixeira de Oliveira, assim resume a controvérsia: 645 «Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra o v. acórdão do Eg. TJRS, que entendeu assegurar, o artigo 22 das disposições transitórias da Constituição Federal, aos defensores públicos investidos na função, até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, o direito à opção pela carreira independente de concurso. Ainda, se referir, a norma, ao passado, uma vez que a exigência de concurso é para o futuro, a quem não está investido na função. Insurge-se, o Estado recorrente, alegando contrariedade aos artigos 22 do ADCT e 134 e seu parágrafo único da Constituição Federal. Argúi ainda a inconstitucionalidade do artigo 17 da Lei Complementar Estadual n2 9.230/90, face aos artigos 134 e seu parágrafo único, c/c os artigos 37, inciso 11 da Carta Magna. Contra-razões às fls. 389/399 e 400/401. Os recorridos são servidores estaduais, exercendo a função de Assistentes Judiciários na Procuradoria-Geral do Estado, sendo que alguns são integrantes da própria Procuradoria, e outros foram cedidos de outros órgãos. Alguns foram exonerados, tendo outros retomado à repartição de origem. Segundo o recorrente, os recorridos são diferenciados nos cargos ou funções da seguinte forma: servidores concursados, detentores de cargos em comissão, e servidores contratados, tendo, em comum, a condição de estarem cedidos à Procuradoria do Estado desde antes de 12 de fevereiro de 1987, data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, exercendo as funções de Assistentes Judiciários. 646 R.T.J. — 155 Afirma que os recorridos não podem se valer da Lei Complementar estadual n2 9.230/91, especificamente dos seus artigos 16 e 17. O artigo 16 transpõe os Assistentes Judiciários à carreira de Defensoria Pública, sem criar os cargos correspondentes — como era devido, segundo o artigo 19 da Constituição EstaduaL Sustenta também a inconstitucionalidade do artigo 17 daquela lei estadual, em confronto com os artigos 134 e seu parágrafo único, c/c os artigos 37 e seu inciso II da Constituição Federal, isso porque por força de tal dispositivo, os servidores designados para as atividades de Assistentes Judiciários, permanecerão no exercício da Defensoria Pública, desde a instalação da Constituinte, até a promulgação da lei. Ainda, na forma do artigo 22 do ADCT para que se concretize tal opção, é necessária a investidura legal nas atribuições da Defensoria Pública, e a criação dos correspondentes cargos da carreira de Defensor Público. E que todas as vezes que o legislador constituinte permitiu a efetivação em cargos públicos, o fez com referência a titulares aprovados em concurso público para o exercício das suas funções. Não tendo motivos por conseguinte, para que com os Defensores Públicos fosse diferente, mormente porque exercendo suas atribuições em desvio de função.» (fls. 421/423). O eminente Relator, Ministro Paulo Brossard, no seu voto, acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, não conheceu do recurso pela alínea a porque a decisão impugnada, ao reconhecer o direito de opção dos recorridos, não contrariou o art. 22 do ADCT. Pela alínea c o recurso também não foi conhecido, dado que não foi prequestionada a declaração de inconstitucio- nalidade do art. 17 da Lei Complementar Estadual n2 9.230/91 em face dos arte. 134, parágrafo único, e 37, II, da Constituição, tema afastado expressamente da decisão recorrida. Os Srs. Ministros Francisco Rezek e Ilmar Gaivão acompanharam o Sr. Ministro Relator, não conhecendo do recurso. Divergiu o Sr. Ministro Marco Aurélio, que conheceu do recurso e deu-lhe provimento. Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento do recurso. Quando do julgamento, neste Plenário, do RE n2 170.672-PE, examinei a questão ora em debate. Destaco do voto que proferi: «Sr. Presidente, o art. 22 do ADCT da Constituição de 1988 estabelece: 'É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.' Sr. Presidente, o art. 22, assim dispondo, está se referindo àqueles que exerciam a função de defensores públicos sem estarem investidos no cargo de defensor público. Em outras palavras, o servidor detinha um certo cargo na administração pública e fora designado para o exercício da função de defensor público. Se assim não fosse, não se justificaria assegurar-se a quem já era defensor público o direito de optar por esse cargo. O que, na verdade, se estabelece aqui, é uma concessão, feita pelo poder constituinte originário, aos servidores que prestavam serviços aos necessitados: o direito de optarem pela carreira de defensor público. Ora, repito, se o servidor já fosse defensor público, para que o R.T.J. — 155 direito de opção? Assento, Sr. Presidente, essa primeira premissa. O que o art. 22 assegurou foi o direito de opção pela carreira, a quem não exercia de direito o cargo de defensor público, mas que exercia de fato as funções de defensor público, com observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição. Sr. Presidente, d o que penso a respeito desse art. 22. Agora, o que dispõe o §. 1 2 do art. 18 do ADCT da Constituição pernambucana é o seguinte: 'Os atuais assessores jurídicos com exercício na assistência jurídica do Estado e na superintendência do sistema penitenciário de Pernambuco, titulares de cargos efetivos que contem com mais de dez anos de exercício na função e quinze anos de serviço público que nela estivessem investidos, na data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, passarão a denominar-se defensores públicos'. Sr. Presidente, esse dispositivo — § r do art. 18 do ADCT da Constituição pernambucana -- está na linha do disposto no art. 22 do ADCT da Constituição Federal: aos assessores jurídicos que estavam exercendo funções de defensores públicos, porque prestavam serviços na assistência jurídica e na superintendência do sistema penitenciário de Pernambuco, foi assegurado o direito ao cargo de defensor público. Ao que apreendi, repito, da leitura feita pelo Sr. Ministro Moreira Alves, esses assessores estavam, à data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, exercendo funções de assistência aos necessitados, estavam, portanto, exercendo funções próprias dos defensores públicos. Meu voto, pois, é no sentido de dar pela constitucionalidade da norma ins- 647 crita no § 1 2 do art. 18, da Constituição do Estado de Pernambuco. Rejeito, em conseqüência, a preliminar de ilegitimidade dos recorridos.» Em síntese, aos servidores públicos que, na data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, estavam investidos em tais funções — e não investidos no cargo de defensor público —a Constituição assegurou, no art. 22, ADCT, o direito de opção pela carreira, com observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição. Num primeiro momento, entendi que a Constituição não dispensava do concurso público os beneficiários do art. 22, ADCT. Meditando sobre o tema, entretanto, concluí de modo diverso. A uma, porque a Constituição, criatura do poder constituinte originário, pode estabelecer exceções à regra, regra salutar, democrática, republicana, do concurso público, inscrita no art. 37, II. E, no caso, a exceção encontra justificativa: os servidores vinham exercendo as funções de defensores públicos, defensores dos necessitados. A defesa dos necessitados nem sempre é desejada, dado que é trabalhosa e nada retribui, em termos materiais. A retribuição, gratificante, ocorre em termos morais, apenas. A exceção estabelecida pela Constituição, portanto, encontra justificação e é justa. A duas, porque não se pode afirmar que na cláusula — «com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição», inscrita no art. 22, ADCT, —deva ser incluído o concurso público. A garantia assegurada no art. 134, parágrafo único, da Constituição, é «a garantia da inamovibilidade»; e a vedação também ali inscrita é esta: «vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais». É conferir: «Art. 134. 648 R.T.J. — 155 Parágrafo único. Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.» O eminente Desembargador Décio Erpen, no voto que proferiu por ocasião do julgamento da apelação, voto que reiterou quando do julgamento dos embargos infringentes, a tudo esclareceu, com a maior propriedade. Destaco do voto de S. Exa: «O que objetivou o Constituinte foi placitar situações já consolidadas, e nessas circunstâncias deparam-se: 1) — os assistentes judiciários concursados nomeados em exercício; 2) — funcionários públicos nomeados para outros cargos, mas designados para desempenho que hoje tocaria aos defensores públicos; 3) — funcionários nomeados, mesmo em comissão e designados para o mesmo mister; 4) — funcionários contratados, com função específica ou mesmo em desvio de atribuições e; 5) — funcionários estáveis na função pública, mercê de normas extravagantes. Na primeira hipótese, estamos frente a uma forma originária de investidura. Já nos demais, cuida-se de forma derivada Não se cuida, em absoluto, de se placitar a usurpação porque a designação para as atribuições que competiam aos assistentes judiciários se dava pelo Executivo Estadual, que era o Poder Competente para tanto. A investidura, pois, era regular. Não procede a tese ostentada pelo Estado de que o cargo de defensor pú- blico é privativo do assistente judiciário concursado, nomeado e efetivado. Se assim fosse, e se assim pretendesse o Constituinte e sabendo proclamar o que pretendia, bastaria transformar os cargos de assistente ou nome similar para defensor. Mas, surge a vigorosa expressão «investidos na função», que é bem mais ampla do que a restrita denominação de «cargos de assistente judiciário». A esse equívoco não incorreriam os Constituintes. Ademais, é inconsistente a tese do Estado de que se faz necessária a realização de concurso público para o provimento de cargos, isso porque a subsistir esse entendimento o preceito excepcional e específico do art. 22 do ADCT perderia completamente sua utilidade. A matéria estaria disciplinada no comando permanente da norma constitucional. E o bom exegeta sabe que os preceitos legais existem para produzir resultados úteis. Há que se dar a máxima eficiência na interpretação da norma maior. Não se deve interpretar contra a Constituição, mas favoravelmente a ela para que não se tome árida, e sim fértil. Volvendo ao preceito em questão — o art. 22 do ADCT —nele não se depara como pressuposto para desfrutar do direito à opção, seja o funcionário efetivo ou estável. Exigiu, tão-somente, investidura legal na função. Deduzo, então, que paira sobranceira a exegese de que o Constituinte quis mesmo ressalvar a situação dos atuais defensores públicos, esses em lato sensu, ou seja, aqueles servidores que sendo bacharéis em direito, estivessem aptos ao exercício da advocacia, e que exercessem tal mister, quando da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Necessários o vínculo e a atividade. Deve ser, a rigor, servidor estranho R.T.J. — 155 649 à carreira, pois do contrário não haveria Disposições Finais e Transitórias — art. necessidade de opção. A existência de 137, que «Aos Defensores Públicos investal requisito — a opção — dá a ntida tidos na função até a data da instalação da idéia de que o funcionário era estranho Assembléia Nacional Constituinte é assegurado o direito de opção pela carreira, ao mister que exercia. Disciplinada a situação, tenho que a garantida a inamovibilidade e vedado o Constituição criou uma estabilidade es- exercício da advocacia fora das atribuições pecial ou extraordinária, mas de caráter constitucionais.» provisória. E durante esse interstício, A Lei Complementar 112 80, de 1994, não enquanto não editada a Lei Complemen- exigiu, no que procedeu corretamente, a tar e não sobrevier lei criando cargos e investidura no cargo de Defensor Público abrindo ensejo à opção, são os mesmos quando da instalação da Assembléia Nafuncionários tidos como inamovíveis. cional Constituinte, mas a investidura na função de Defensor Público; e se referiu O primeiro provimento, pois, segundo o preceito constitucional, se dará de acertadamente às «garantias e vedações forma anômala, ou seja, mediante direi- previstas no art. 134, parágrafo único, da to à opção. E somente num segundo Constituição» (ADCT, art. 22) — «garanestágio, exaurido o rol dos que portam o tida a inamovibilidade e vedado o exercício direito à opção é que se volverá à forma da advocacia fora das atribuições constitumais lídima e consagrada de prover os cionais.» cargos públicos, qual seja, o concurso Exigir o concurso público é exigir mais público. Mas, os atuais defensores pú- do que exige a Constituição, o que é forma blicos têm direito inequívoco a optarem de aplicar-lhe maus-tratos. pelo ingresso na carreira regular. Não há O acórdão recorrido não violou, portanmelhor interpretação a se extrair da citada disposição. O contrário conduziria to, o art. 22, ADCT (alínea a), tampouco julgou válida lei local em detrimento da à absoluta imprestabilidade da Lei. Constituição Federal (alínea c). Não deferiria o pedido com a agudeDo exposto, adiro ao voto do eminente za que se fez, no sentido de se compelir o Estado a baixar atos e deferir venci- Ministro Relator, pelo que não conheço do mentos correspondentes ao cargo. Pro- recurso. clamaria o direito à opção dos cargos futuros, dizendo também que para resVOTO guardo de tal direito, desfrutam os Autores de uma estabilidade especial, e da O Sr. Ministro Sydney Sanhas: Sr. inamovibilidade até que sobrevenha o Presidente, é possível que o propósito do novo regramento legal. Dou pela proce- constituinte tenha sido o que vem sendo dência da ação. Promovo a inversão do prestigiado pela douta maioria, formada até ônus da sucumbência.» (fls. 321/323). aqui. Mas como o texto se refere a direito O Congresso Nacional, ao editar a Lei de opção, devo inferir que só pretendeu Complementar n2 80, de 12-1-94, que orga- beneficiar quem, até a data da instalação da niza a Defensoria Pública da União, do Assembléia Nacional Constituinte, já se Distrito Federal e dos Territórios, apreen- encontrasse investido em algum cargo púdeu e aplicou a meus legis do art. 22, blico ou em função pública e estável, sob ADCT, ao estabelecer, no Título V — Das pena de não haver opção propriamente dita. 650 R.T.J. — 155 Assim, quem ingressou no serviço público por concurso, para qualquer cargo, mas se encontrava no exercício da função de defensor público, naquela ocasião, pode ingressar na respectiva carreira por opção, sem fazer o concurso específico. Este foi o propósito do art. 22, a meu ver. Não foi dar a quem não ingressou no serviço público, pela via constitucional, ser efetivado num cargo público de carreira diversa. Peço vênia ao Relator e aos que o seguiram para acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio, que conhece do recurso e lhe dá provimento, em parte. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, a extensão que se está dando a esse dispositivo se me afigura inadmissível, porque, em verdade, se está concedendo efetividade como defensor a quem não era titular de cargo obtido por concurso nem mesmo tinha a estabilidade constitucional em alguma função, o que evidentemente não se coaduna com o direito de opção que é o benefício que o texto constitucional em causa outorga. Com efeito, não há que se falar em opção entre o nada e o alguma coisa, que é, em última análise, a opção que se está dando, ao admitir-se que o não-efetivo ou o não-estável escolha entre o ser exonerado, por não ter título que lhe assegure a permanência no serviço público, ou ser efetivado no cargo de defensor público. se o constituinte tivesse o propósito de conceder tal efetivação tê-lo-ia dito expressamente, tão excepcional seria essa exdrúxula concessão. O que não me parece possível é, em face de uma Constituição que elevou o princípio da moralidade administrativa a preceito constitucional, se dê ao dispositivo em causa uma interpretação que fira frontalmente esse princípio, uma vez que essa interpretação, sem nenhuma razão plausível, afasta o princípio moralizante do concurso público que a própria Constitui- ção quando excepcionalmente o quis afastar o fez concedendo apenas a estabilidade excepcional, subordinada a condição temporal, e exigindo, para a obtenção da efetividade, concurso. Portanto, Sr. Presidente, com a devida vênia, conheço do presente recurso e lhe dou provimento em parte, por não admitir interpretação caritativa da Constituição. VOTO O Sr. Ministro Octavio Gallotti (Presidente): Aos eminentes Ministros que não conhecem do recurso, peço vênia para dele conhecer e dar-lhe provimento parcial, nos termos dos votos dos Ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches, limar Gaivão e Moreira Alves. Considero, em suma, que o acórdão recorrido abrangeu uma gama de situações funcionais mais ampla do que aquela que seria lícito extrair do texto do art. 22 do Ato das Disposições Transitórias, quando alude «aos defensores públicos investidos na função», tida essa expressão em consonância com o princípio geral da exigência do concurso público para o exercício dos cargos públicos. VOTO (RETIFICAÇÃO DE VOTO) O Sr. Ministro limar Gaivão: Senhor Presidente, tenho convicção formada a respeito da matéria versada neste recurso, daí minha surpresa com a proclamação do resultado, ocasião, em que, após os debates, verifiquei que duas correntes se formaram a partir do voto do Senhor Ministro Marco Aurélio. Uma, pelo que pude perceber, não distingue entre os servidores que estão exercendo a defensoria pública e que teriam direito de opção pela carreira; e, outra corrente que, a partir do voto do senhor Ministro Marco Aurélio, distingue sobre quem pode exercer essa opção, excluindo os servidores contratados e que não tenham ainda R.T.J. — 155 adquirido a estabilidade constitucional do art. 19. Por estar de acordo com essa última corrente, supmendi-me quando o meu nome foi proclamado entre aqueles que sufragavam o voto do eminente Ministro Relator, cujo voto, inadvertidamente, acompanhei, sem estar perfeitamente consciente do que havia sustentado por S. Exa. Por essas razões, peço a V. Exa. que faça constar a retificação do meu voto, que é no sentido do voto do eminente Ministro Marco Aurélio. VOTO (S/IMPEDIMENTO) O Sr. Ministro Néri da Silveira: Sr. Presidente. Tenho acompanhado a situação dos defensores públicos no País e as dificuldades de implantação dos serviços previstos no art. 134 e parágrafo único da Constituição. Verifico, agora, que acabaria eu sendo causa do impasse que resulta da conclusão do julgamento em curso; num ponto, há empate na votação. O Ministro Maurício Corrêa, que assumirá o cargo em breve, não poderá votar porque ele sucede o ilustre Ministro Paulo Brossard, relator. Ora, falta exatamente o meu voto para compor o Tribunal. Quero esclarecer ao Tribunal que a razão que me levou a afirmar impedimento, no início do julgamento, decorreu da circunstância de possuir um parente, no Rio Grande do Sul, servidor estadual, que exerce, há muitos anos, a função de defensor público, na condição de professor que ingnessou por concurso público. Não pretendia, assim, manifestar-me sobre o art. 22 do ADCT, até que o Tribunal firmasse orientação, sem meu voto. Meu parente não é parte neste processo, e sua posição, ao que vejo dos votos proferidos, como servidor concursado, não está em discussão, na divergência parcial ocorrida nestes autos. Os dez votos entendem que os servidores efe- 651 tivos estão amparados pelo art. 22 do ADCT. Considero, assim, que não decorrerá de meu voto nenhuma significação quanto aos servidores efetivos, que ingressaram por concurso público, deixando de possuir sentido e objeto a causa que me levara a não querer proferir voto nesta assentada. Como anotei, há unanimidade no Tribunal quanto aos servidores estaduais efetivos, quer dizer, de referência àqueles que já detêm cargo de carreira provido por concurso. A divergência que existe é, tão-só, quanto àqueles servidores que não ingressaram por concurso público e estavam no exercício das funções de assistência judiciária, à data da Assembléia Nacional Constituinte. Preocupa-me, assim, criar ao Tribunal essa dificuldade para a conclusão do julgamento e dar solução definitiva à matéria em julgamento. De outro lado, esse processo não teria nenhuma possibilidade de ter seu julgamento concluído no ano em curso, e é sabido que, em todo o País, existe expectativa em tomo da interpretação que o Supremo Tribunal Federal dará ao art. 22 do ADCT, exatamente, para que se organizem, em definitivo, os serviços de defensorias públicas nos Estados, salvo os Estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, onde essas carreiras estão, há muitos anos, organizadas e não existem esses problemas, quanto ao art. 22, do ADCT. Diante do que acima expus, não vejo, a esta altura, Senhor Presidente, motivo para que mantenha meu intento de não votar no presente feito. Com a preocupação, assim, de não criar dificuldade à Corte, submeto ao Tribunal minha disposição de viabilizar a conclusão do julgamento, proferindo voto. VOTO (S/IMPEDIMENTO) O Sr. Ministro Octavlo Gallotli (Presidente): Eminente Ministro Néri da Silveira, louvo a ponderação de V. Exa., como 652 R.T.J. — 155 sempre baseada no espírito público, que o caracteriza, e na identificação com o interesse institucional do Supremo Tribunal Federal tendo como finalidade a sua missão constitucional. VOTO O Sr. Ministro Md da Silveira: Senhor Presidente. Tenho me preocupado muito com os serviços de assistência judiciária. Essa preocupação não é recente; posso marcá-la no tempo, desde os anos de 19651967, quando exerci o cargo de ConsultorGeral do Estado do Rio Grande do Sul. Além da parte consultiva, incumbia ao Órgão prestar assistência judiciária aos necessitados. Quando se cuidou da organização da Consultoria-Geral do Estado, depois transformada em Procuradoria-Geral do Estado, criaram-se, precisamente, as duas carreiras: a de consultor jurídico e a de advogado de oficio, denominação que corresponde, hoje, à de defensor público. Implantou-se a carreira no Estado sulino, em 1966, quando se realizou concurso público para provimento dos cargos então criados. Posteriormente, por razões administrativas, foi modificada a estrutura do órgão, extinguindo-se a referida carreira, com a criação apenas de trinta e três cargos isolados de assistentes judiciários, que se proveram mediante concurso público. Houve necessidade, entretanto, de se manterem servidores públicos, bacharéis, particularmente do Estado, à disposição da PGE, para a execução das tarefas de assistência judiciária. Penso que se trata, efetivamente de atividade da maior importância, porque imprescindível à boa administração da justiça, à eficiente prestação jurisdicional ao povo, e a fim de o acesso à justiça não ficar limitado apenas àqueles cidadãos que dispõem de recursos econômicos. Por isso, os Estados, ao longo do tempo, obrigados como estão, desde a Constitui- ção de 1934, a manter assistência judiciária aos pobres, de uma forma ou de outra vêm procurando atender à demanda desse serviço público. Na maioria dos Estados, por falta de regular funcionamento da carreira de defensores públicos, a assistência judiciária, enquanto serviço público, é, ainda, muito precária, salvo no Estado do Rio de Janeiro onde realmente há uma organização modelar e no Estado de Mato Grosso do Sul, que, embora novo, desde o início já criou, ao lado da Procuradoria do Estado e do Ministério Público, também a Defensoria Pública. Nos dias em curso, o Estado de Mato Grosso do Sul tem uma situação privilegiada, no particular, porque, junto a cada Vara, existe um defensor designado. Participei, há algum tempo, em Corumbá, de um Congresso Nacional dos Defensores Públicos e pude verificar que, nessa Comarca, com seis Varas, estavam seis defensores públicos lotados. Pode-se mesmo afirmar que atingiu a uma situação ideal, qual seja, haver, exatamente, um defensor público com dedicação exclusiva, como quer a Constituição, junto a cada Vara, notadamente, criminal. Dessa maneira, os Estados, antes da Constituição de 1988, procuravam recrutar servidores das próprias repartições estaduais, como, também, se valeram, por vezes, de servidores contratados pelos Municípios, ou pertencentes a quadros municipais, postos à disposição do Estado, para a execução do serviço de assistência judiciária, servindo nas comarcas respectivas. Em Minas Gerais, onde proferi palestra, durante congresso estadual de defensores públicos, verifiquei que alguns profissionais recebiam dois salários mínimos, porque contratados por municípios pequenos, postos à disposição do Serviço de Assistência Judiciária estadual, vindo atuar no foro da pequena Comarca; outros servidores, pertencentes ao Quadro de Defensores do Estado de Minas Gerais, percebem tanto quanto R.T.J. — 155 procurador de Estado, como decorre da Constituição (art. 135). Tal diferença, em termos de níveis remuneratórios, é generalizada em todo o País. Em quase todos os Estados, ocorre essa situação de disparidade no tratamento salarial entre contratados, funcionários de quadro, professores concursados, técnicos de administração e assessores administrativos, todos trabalhando em serviços de assistência judiciária. Pois bem, reza o art. 22 do ADCT de 1988: «Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.» A meu ver, a norma editou-se, precisamente, com a preocupação de atendera essa situação que existia nos Estados à data da Assembléia Nacional Constituinte. Dir-se-á, por primeiro, que essa regra transitória deve merecer interpretação que a compatibilize com o sistema da Constituição (arts. 134 e 37, II). Com a devida vênia, cumpre visualizar a regra em apreço, posta entre as disposições transitórias, com a natureza excepcional que o constituinte quis conferir-lhe. De fato, não mantendo a União Federal, até agora, organizados serviços de assistência judiciária, salvo no âmbito da Justiça Militar, só os Estados da Federação é que, em realidade, possuíam a situação descrita no dispositivo em exame. A partir da análise estrita da letra do art. 22 do ADCT, a exegese que se poderia dizer mais ortodoxa, de acordo com o sistema geral da Constituição, seria, decerto, a interpretação da segunda corrente ora formada nesta Plenário, segundo a qual o direito de opção pressuporia titularidade efe- 653 tiva de uma certa situação funcional, atingindo, desse modo, os servidores efetivos, integrantes de uma carreira no serviço público. A esses servidores estaria, então, assegurada a opção entre a carreira a que pertencem e a carreira nova de defensor público. Essa corrente inclui, ainda, entre os beneficiados pelo art. 22 do ADCT, os servidores estáveis, ut art. 19 do ADCT de 1988. Penso, entretanto, que o art. 22 do ADCT possui compreensão mais ampla. Em primeiro lugar, regra excepcional, inseriu-se, no ADCT, o art. 22, com o objetivo de viabilizar a absorção de todos aqueles servidores públicos que estivessem trabalhando nos serviços de assistência judiciária, à data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Certo, dos servidores admitidos por contrato, significativo é o número dos que se tornaram estáveis, et art. 19 do ADCT. Os demais, a esta altura, possuem mais de cinco anos de atividade nos serviços de assistência judiciária, porque a norma só poderá beneficiar os que estivessem em exercício nos Serviços em foco, à data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. De outra parte, destinando-se o dispositivo a resolver as situações existentes nos Estados, quanto à prestação dos serviços de assistência judiciária, pressuposto será a condição de servidor público, pois a norma confere direito à opção: de uma situação funcional detida no serviço público para a situação de Defensor Público, ut art. 134 e parágrafo único da Lei Magna. Importa, assim, se cuide de servidor estadual, municipal ou federal, inclusive autárquico, posto à disposição de serviço de assistência judiciária, à data da instalação da Assembléia Nacional Constitàem 1987. À evidência, o art. 22 do não ampara servidor que haja sido posto à disposição 654 R.T.J. — 155 de serviços de assistência judiciária, nos Estados, após a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, a 112-2-1987. Entendo, destarte, que o art. 22, do ADCF, efetivamente, beneficia todos aqueles servidores públicos que estivessem no exercício da função de assistência judiciária aos necessitados, à data referida, e nela se hajam mantido. Todos estão, a meu ver, amparados pela norma citada da Constituição de 1988. É uma regra de transição que apanhará número certo de servidores, constituído pelos exercentes da dita função antes da Assembléia Nacional Constituinte e que detivessem a condição de servidores públicos. O art. 22 do ADCF, desse modo, não pode ser invocado por quem não fosse servidor público, à data mencionada. Não bastaria, pois, no mero exercício de atividade de assistência judiciária, gratuita, sem a condição de servidor público. A norma atinge o servidor público investido em serviços de assistência judiciária, à data mencionada. Desse modo, na linha de tal entendimento, excluo, evidentemente, eventuais empregados de sociedade de economia mista ou de empresas públicas que estivessem em serviço de assistência judiciária, porque esses não detêm a condição de servidor público e, assim, não estão intitulados à opção entre a situação de servidor público detida e a carreira de Defensor Público. Do exposto, não conheço do recurso, acompanhando, dessa maneira, o voto do Sr. Ministro Relator. De acordo como voto do Sr. Ministro Relator, os recorridos são todos servidores públicos e estavam no exercício das funções de assistência judiciária no Estado, à data da Assembléia Nacional Constituinte. EXTRATO DA ATA RE 161.712 — RS — Rel.: Min. Paulo Brossard. Recte.: Estado do Rio Grande do Sul (Mv.: Ricardo Koch) Recdos.: André Lipp João e outros (Advs.: Mansa Schutzer Del Nero Poletti e outros) Recria.: Fátima Beatriz Haag de Moraes (Advs.: Hermann Homem de Carvalho Roenick e Haag de Moraes) Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal não conheceu do recurso, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches, Moreira Alves, Presidente (Ministro Octavio Gallotti) e Ihnar Gaivão, que dele conheciam e lhe davam provimento, em parte, nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio. Retificou o voto anteriormente proferido o Ministro limar Gaivão. Votou o Ministro Néri da Silveira depois de afastado pelo Tribunal o impedimento declarado por S. Pica na assentada anterior. Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Presidência do Senhor Ministro Octavio Gallotti. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio e limar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Brasília, 0 de dezembro de 1994 — Luiz Tomimatsu, Secretário. —155 655 RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 162.713 — RS (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrente: Banco Bradesco S/A — Recorridos: Indústria e Comércio de Cereais Stefani Ltda. e outro Constitucional. Juros reais. CF, art. 192, § 72. 1 — O Supremo Tribunal Federal, julgando a AM) n2 04-DF, decidiu que a norma insulta no do art. 192 da Constituição não é de eficácia plena, condicionada a eficácia do citado dispositivo constitucional, 32 do art. 192, à edição da Lei Complementar referida no eaput do art. 192. II — RE conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro Relator. Brasília, 4 de outubro de 1993 — Néri da Silveira, Presidente — Carlos Venoso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Tratase de embargos do devedor, ajuizados por Indústria e Comércio de Cereais Stefani Ltda. e outro, contra o Banco Bradesco S/A, no processo de execução decorrente de contrato de financiamento de capital de giro, em que os embargantes sustentam a ilegalidade dos acréscimos financeiros ao valor financiado, o que deu causa à inadimplência dos executados. A sentença de fls. 16/19 julgou parcialmente procedente os embargos para, mantendo a cobrança da multa contratual pelo inadimplemento verificado, afastar a cobrança do índice de 11,3601%, mantidos os juros de 1% ao mês e a correção monetária de 16,6399% para o período do contrato. Ambas as partes apelam, tentando a reforma parcial da decisão. A Nona Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, por unanimidade, nega provimento às apelações, às fls. 44/48, em acórdão assim ementado: «Juros -- Auto-aplicabilidade da norma constitucional. Ex vi do art. 1 2 do Dec. n222.626/33, combinado com o art. 1.062 do CCB, art. 32, IX, da Lei n2 4.595/64 e art. 192, § 32, da CF, os juros são de 12% ao ano. Mora ex re. Vigora o princípio dies interpellat pro homine, incorrendo, de pleno direito, em mora, o devedor, desde o vencimento do pacto não cumprido. Inteligência dos arts. 921 dc 960, ambos do CCB. Sentença mantida in totum.» Inconformado, o Banco Bradesco S/A interpõe recurso extraordinário, com fardamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, combinado com o art. 26 da Lei ng 8.038/90. Ao argüir a violação do art. 192, § 32, da mesma Carta, alega o recorrente que: 656 R.T.J. — 155 a limitação dos juros em 12% ao ano, segundo o disposto no texto constitucional, depende de regulamentação, tanto que no próprio art. 192 está afirmado que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por lei complementar e enumera as diretrizes para sua elaboração; o então Procurador-Geral da Fazenda Nacional Cid &Táctil° de Queiroz, manifestando-se sobre o tema, em parecer, considerou que «a auto-aplicabilidade do parágrafo 32 do art.192 do Estatuto Político importaria, outrossim, em admitir, nesse dispositivo, inserto no capítulo pertinente a um sistema, uma regra assistêmica, pré-sistêmica, supra-sistêmica, ou seja, excluída do âmbito do sistema financeiro nacional e a ele anterior e superior»; o conceito de «juros reais» inexiste no direito positivo, assim sendo, é impossível ao intérprete afirmar os limites e a legalidade das taxas de juros estipuladas nas inúmeras operações de crédito existentes no mercado financeiro; o posicionamento da doutrina, nas palavras do Professor Caio Mário da Silva Pereira, é no mesmo sentido: «Nos termos em que redigido, o dispositivo constitucional é uma lei imperfeita (ler imperfecta), que estatui uma proibição, desacompanhada de sanção específica, enquanto a lei ordinária não regulamentar sua aplicação será ela uma «norma sem sanção» insuscetível, portanto, de aplicação na justiça. Até que o legislador discrimine a sua executoriedade a disposição não tem obrigatoriedade»; na jurisprudência, sucedem-se os acórdãos confirmando não ser auto-aplicável o dispositivo questionado, inclusive decisão do Supremo Tribunal Federal; diante das argumentações expendidas, não se pode deixar de inferir que as instituições financeiras continuam a ser reguladas pela Lei n2 4.595/64 e pelo dispo- sitivo da Súmula n2 596, que regem o Sistema Financeiro Nacional. Admitido o recurso pelo despacho de fls. 75/76, subiram os autos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Venoso (Relator): O Supremo Tribunal Federal, julgando a ADIn n2 4-DF, Relator o Sr. Ministro Sydney Sanches, entendeu que a norma inscrita no § 32 do art. 192 da Constituição Federal não é de eficácia plena, ou que a eficácia do citado § 32 está condicionada à edição da Lei Complementar referida no caput do art. 192; enquanto essa lei não vier a lume, a norma do mencionado § 32 do art. 192 é de eficácia limitada. No julgamento da citada ADIn n2 4-DF, fiquei vencido, sustentando o contrário, ou seja, que a norma do § 32 do art.192 da Constituição é de eficácia plena. Assim o voto que proferi: «Senhor Presidente, os que sustentam que a norma do § 32 do art. 192 da Constituição é meramente programática, assim o fazem, ao que apreendi, sobre dois fundamentos: a) a eficácia do § 32 do art. 192 estaria condicionada à edição da Lei Complementar referida no caput do art. 192; enquanto essa lei não vier a lume, a norma do citado § 3 ® do art. 192 é de eficácia limitada, declaratória de princípios programáticos; b) a locução «taxa de juros reais» não teria sido definida juridicamente, o que impediria a imediata aplicação da norma limitadora dos juros. Examinemos esses argumentos. Os estudiosos de hermenêutica constitucional ensinam que as normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou que declarem direitos são, de R.T.J. regra, de eficácia plena. Assim, no Brasil, contemporaneamente, a lição de José Afonso da Silva (aplicabilidade das Normas Constitucionais», Ed. Rev. dos Tribs., 2' ed., 1982, pág. 89), na linha, aliás, da doutrina e da jurisprudência americanas, que Rui Barbosa expôs, admiravelmente. Em voto que proferir neste Plenário, disse eu que a regra que vem do Direito americano é esta: as normas constitucionais que veiculam declarações de direito, imunidades e vedações são, de regra, auto-executáveis. Assim a lição de Rui: «As proibições constitucionais e as declarações de direitos articuladas nas Constituições adicionam os arestos americanos, como dotadas, igualmente, de vigor imediato e anterior a qualquer explanação legislativa, as isenções constitucionalmente decretadas. «Exemptions may be regarded as pmhibitions» (16 LRA, 284, not ).» Rui Barbosa, «Comentários à Const. Brasileira», coligidos por Homero Pires, 1933, 11/485. Thomas M. Cooley resume a jurisprudência americana a respeito do tema: «Pode-se dizer que uma disposição constitucional é auto-executável (self-executing), quando nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto, e que não é auto-aplicável, quando meramente indica princípios, sem estabelecer normas, por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei». (T. Cooley, «Treatise on the Coastitutional Limitations», ap.. Rui Barbosa, ob. e loc. cita., pág. 495). Celso Antônio Bandeira de Mello, escrevendo sobre a «Eficácia das Normas Constitucionais Sobre Justiça Social», registrou que o critério classifica- 155 657 dor da eficácia é a consistência e amplitude dos direitos imediatamente resultantes para os indivíduos. (Celso Antônio Bandeira de Mello, «Eficácia das Normas Constitucionais Sobre Justiça Social», RDP, 57-58/233). O § 32 do art. 192 da Constituição, Senhor Presidente, contém, sem dúvida, uma vedação. E contém, de outro lado, um direito, ou, noutras palavras, ele confere, também, um direito, um direito aos que operam no mercado financeiro. Em trabalho doutrinário que escreveu sobre a taxa de juros do § 3 2 do art. 192 da Constituição, lecionou o Desembargador Régis Fernanda de Oliveira: «Percebe-se, claramente, que a norma constitucional gerou um direito exercitável no círculo do sistema financeiro, criador de uma limitação. Está ela plenamente delimitada no corpo da norma constitucional, independentemente de qualquer lei ou norma jurídica posterior. Bem se vê que «as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano...». Segue a redação após o ponto e vírgula estabelecendo que o descumprimento do preceito será estabelecido em lei (ordinária, porque definidora de infração penal). O desfrute de tal limitação constitucional àqueles que lidam no mercado financeiro (qualquer do povo) é imediato. A limitação aos que operam no sistema, emprestando dinheiro é imediata. Do direito de um nasce a obrigação do outro. A relação jurídica intersubjetiva que se instaura gera a perspectiva do imediato desfrute da limitação imposta». (Régis Fernandes de Oliveira. «Taxa de Ju- 658 R.T.J. — 155 ros», inédito. O autor enviou-me cópia do Trabalho). Contém, já falamos, o citado § 32, do art. 192, da Constituição, uma vedação: «as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano». Porque ela é uma norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou é ela uma norma auto-aplicável. E porque confere ela, também, direito aos que operam no mercado financeiro, também por isso a citada norma é de eficácia plena. Não me refiro, evidentemente, à segunda parte do § 32 do art. 192, que sujeita a cobrança acima do limite a sanções penais, porque esse dispositivo não precisa ser trazido ao debate. Mas não é só por isso, Senhor Presidente, que me convenci de que o citado dispositivo constitucional é auto-aplicável. Há mais. As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis, vale dizer, são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Já foi o tempo em que predominava a doutrina no sentido de que seriam excepcionais as normas constitucionais que seriam, por si mesmas, executórias. Leciona José Afonso da Silva que, «hoje, prevalece entendimento diverso. A orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócio-ideológicas, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Torna-se cada vez mais concreta a outorga dos direitos e garantias sociais das constituições». (José Afonso da Silva, ob. cit., pág. 76). Nem poderia ser de outra forma. É que o legislador constituinte não depende do legislador ordinário. Este é que depende daquele. Então, o que deve o intérprete fazer, diante de um texto constitucional de duvidosa autoaplicabilidade, é verificar se lhe é possível, mediante os processos de integração, integrar a norma à ordem jurídica. Esses métodos ou processos de integração são conhecidos: a analogia, que consiste na aplicação a um caso não previsto por norma jurídica uma norma prevista para hipótese distinta, porém semelhante à hipótese não contemplada; o costume; os princípios gerais de direito e o juízo da eqüidade, que se distingue da jurisdição de eqüidade. De outro lado, pode ocorrer que uma norma constitucional se refira a instituto de conceito jurídico indeterminado. Isto tomaria inaplicável a norma constitucional? Não. É que a norma dependeria, apenas, de «interpretação capaz de precisar e concretizar o sentido de conceitos jurídicos indeterminados», interpretação que daria à norma «sentido operante, atuante», ensina o Professor e Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, com a sua peculiar acuidade jurídica (José Carlos Barbosa Moreira «Mandado de Injunção», in «Estudos Jurídicos», Rio, 1991, pág. 41). É o caso da «taxa de juros reais» inscrita no § 32 do art. 192 da Constituição, que tem conceito jurídico indeterminado, e que, por isso mesmo, deve o juiz concretizar-lhe o conceito, que isto constitui característica da função jurisdicional. Busco, novamente, a lição de J.C. Barbosa Moreira a dizer que «todo conceito jurídico indeterminado é suscetível de concretização pelo juiz, como é o conceito de boa-fé, como é o conceito de bons costumes, como é o conceito de ordem pública e tantos outros com os R.T.J. — 155 quais estamos habituados a lidar em nossa tarefa cotidiana». (J.C. Barbosa Moreira, ob. e loc. cits.). Não seria procedente, portanto, o segundo argumento dos que entendem que o § 32 do art. 192 não é auto-aplicável: a locução «taxa de juros reais» não teria sido definida juridicamente, o que impediria a imediata aplicação da norma limitadora dos juros. Celso Antônio Bandeira de Mello, no trabalho já mencionado, registra que «a imprecisão ou fluidez das palavras constitucionais não lhes retira a imediata aplicabilidade dentro do campo induvidoso de sua significação. Supor a necessidade de lei para delimitar este campo, implicaria outorgar à lei mais força do que à Constituição, pois deixaria sem resposta a seguinte pergunta: de onde a lei sacou a base significativa para dispor do modo em que o fez, ao regular o alcance do preceito constitucional? É puramente ideológica — e não científica — a tese que faz depender de lei a fruição dos poderes ou direitos configurados em termos algo fluidos». Cita, a seguir, em abono da tese, lição de Garcia de Enterria (Curso de Derecho Administrativo, Civitas, Madri, 1974, vol. I, págs. 293294): «La tecnica de los concretos juriditos indeterminados (que, no obstante su nombre, um tanto general, son conceptos de valor ou de experiencia utilizados por las Leyes) es común a todas Ias esferas del Derecho. Así en el Derecho Civil (buena fé, diligencia del buen padre de familia, negligencia etc.), o en el Penal (noctumidad, alevosia; abusos deshonestos etc.), o en el Procesal (dividir la continuencia de la causa, conexión directa, pertinencia de los inteirogatorios, medidas adecuadas para promover la ejecución, pajuicio irreparable etc.) o en Mercantil (interés social, sottesci- 659 mento general en los pagos, etc.)». E conclui Celso Antônio Bandeira de Mello: 'Ora bem, se em todos os ramos do Direito as normas fazem uso deste tipo de conceito, sem que jamais fosse negado caber aos juizes fixar seu alcance nos casos concretos — o que está a demonstrar a possibilidade de sacar deles uma certa significação — por que negar que possam fazê-lo quando se trata de extrair o cumprimento da vontade constitucional? Por que imaginar necessário que o Poder Legislativo disponha sobre a matéria para, só então, considerado Poder Executivo ou terceiro obrigado a respeitá-los em matéria de liberdades públicas ou de direitos sociais9' (Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. e loc. cita). O Professor Eros Roberto Grau cuidou, também, do tema e anotou que «a linguagem jurídica, toda ela, apresenta zonas de penumbra e é, atual ou potencialmente vaga e imprecisa», convindo acentuar, entretanto, «que não há conceitos indeterminados, mas sim conceitos cujos termos são indeterminados» e que «ao Poder Judiciário, em última instância, compete operar a determinação desses conceitos». («Direito, Conceitos e Nania$ Jurídicas», págs. 184/186). No que toca ao conceito de juros reais, acrescenta Eros Grau, em trabalho específico sobre a questão dos juros reais, que «toda a gente sabe — não é preciso ser economista para tanto -- que juros reais são as quantias que ultrapassam o volume de inflação no período de sua contagem, delas descontadas incidências tributárias, as tarefas admitidas pelo Banco Central e as parcelas atribuídas a juros de mora». (Eros Roberto Grau, «As Normas Constitucionais Pmgramá- 660 R.T.J. — 155 ficas», em «A Luta Contra a Usura», Ed. Graal, págs. 37-49). E, no rumo do que linhas atrás ficou exposto, conclui que, «a dar-se crédito ao entendimento de que não tem aplicação o § 32 do art. 192 da Constituição, porque inexiste definição legal de juros reais», por idêntico motivo não teriam aplicação outros preceitos constitucionais de conceitos também imprecisos, como «tratamento desumano ou degradante» (art. 52, III), «iminente perigo público» (art. 52, XXV), «consumidor» (art. 9, XXXII), «contraditório e ampla defesa» (art. 52, LV). (Eros Roberto Grau, ob. e loc. cits.). Essas considerações, Senhor Presidente, me parecem acertadas. Na verdade, a imprecisão das palavras inscritas na Constituição não lhes retira a aplicabilidade, como bem anotou o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, no trabalho mencionado. É que a concretização desses conceitos cabe ao juiz, é uma tarefa nossa. A formulação do conceito de juros reais ou a concretização desse conceito não oferece, ao que penso, maiores dificuldades. Juros reais diferem de juros nominais. Os juros reais constituem efetiva ou real remuneração do capital. Assim, incidem eles sobre o capital corrigido monetariamente, por isso que a doutrina e a jurisprudência já estabeleceram que a correção monetária não constitui acréscimo, sendo mera atualização do capital. Em outras palavras, os juros reais são juros deflacionados, são os juros que se calculam desprezando-se a parcela referente à correção monetária. Li, com o cuidado que se requer, e tendo em vista a responsabilidade que temos, cada um de nós, como juiz da Corte Suprema, os inúmeros pareceres que nos foram oferecidos, estando quase todos eles publicados na RDP 88 e 89. Na RDP 88 estão os pareceres de Hely Lopes Meirelles, Caio Tácito, José Frederico Marques, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (RDP 88, págs. 147 e segs.). Na RDP 89, encontram-se os pareceres de Rosah Russomano (págs. 63 e segs.), José Alfredo de Oliveira Baracho (págs. 71 e segs.) e Cd Bedelho de Queiroz (págs. 246 e segs.). A RDP 91 voltou a publicar o parecer do Prof. Caio Tácito (págs. 236 e segs.). São trabalhos jurídicos, todos eles, do melhor nível e fazem justiça à fama de que gozam esses eminentes juristas. Detive-me, especialmente, sobre o parecer do Prof. Caio Tácito, no ponto em que o eminente publicista, examinando o conceito jurídico de juros reais e sustentanto que esse conceito é de difícil formulação, invoca, em apoio de sua conclusão, a lição de Irving Fischer, economista que escreveu, em 1930, obra que é considerada clássica — «A Teoria do Juro», e que foi traduzida no Brasil. Escreveu o Prof. Caio Tácito: «Em verdade, não há, em nosso Direito Positivo, um conceito de juros reais, que somente ingressa na terminologia legal com o advento do § 32 do art. 192 da nova Constituição. Irving Fischer, em obra clássica de 1930 (na qual desenvolveu a teoria do juro expressa no início do século), vulgarizou a distinção entre o juro monetário e o juro real: «Se o padrão monetário fosse sempre estável em relação aos bens, a taxa de juro, calculada em termos do dinheiro, seria a mesma como se calculada em termos de bens. Quando, porém, o dinheiro e os bens mudam em relação um ao outro — em outras palavras, quando o padrão monetário valoriza ou desvaloriza em termos de bens — os números que expressam as duas taxas de juro, uma calculada em termos de R.T.J. — 155 dinheiro e outra calculada em termos de bens, serão um tanto diferentes. Além do mais, a primeira, ou a taxa monetária, a única cotada no mercado, será influenciada pela valorização ou desvalorização». (Caio Tácito, parecer, «O art. 192 da Constituição Federal e seu parágrafo 32», RDP 88/151). A complexidade do conceito dos juros reais estaria, está-se a ver, na instabilidade do padrão monetário. O Prof. Caio Tácito, aliás, registra que a advertência de Fischer «antecipa o reconhecimento da correção monetária como um processo de atualização do poder aquisitivo da moeda aviltada pelo efeito da inflação.» (ob. e loc. cits.). Ora, certo é que, na quadra atual, temos o mecanismo da correção monetária, que atualiza a moeda, correção aceita tanto pelo Governo quanto pelos entes privados, comerciantes, empresários e por todos os que lidam no mercado financeiro. Sendo assim, e porque afirmamos que juro real é o juro nominal deflacionado, perderia sentido o fator que emprestaria complexidade à formulação do conceito de juro real. Em Ciência Econômica, registra o Juiz Sérgio Gischkow Pereira, forte em Antônio Carlos Marques de Matos («A Inflação Brasileira», Vozes, 1987, pág. 74), «Os vocábulos «valor nominal» e «valor real» são assim definidos: valor nominal é o valor tal e qual se apresenta; o valor real é o nominal deflacionado (se houver inflação), ou inflacionado (se houver deflação).» E acrescenta o Juiz Gischkow, alicerçado no magistério de Paul Singer (Curso de Introdução à Economia Política, Forense, 11' ed., 1987, págs. 105/107): «Dentro desta visão, a taxa de juros reais não é apenas constituída pelo juro puro ou básico, compreendido como remuneração pela re- 661 núncio à liquidez, mas abrange o elemento de risco e os custos da transação ou remuneração do intermediário.» (a Luta Contra a Usura», citada, pág. 64). Parece-me, Senhor Presidente, que somos fiéis à Constituição quando afirmamos que a taxa de juros reais segundo está no § 32 do art. 192, é mesmo o juro nominal deflacionado; ou é o juro que se obtém a partir do capital corrigido monetariamente. Esse juro nominal deflacionado remunerará o capital e os custos permitidos, incluindo-se, evidentemente, os tributos que têm como contribuinte de direito o emprestador do dinheiro. Os tributos de que o tomador do empréstimo for o contribuinte de jure não estariam contidos no conceito de juros reais. Ontem, Senhor Presidente, no discurso que fiz, nesta Corte, em memória do Ministro Adalício Nogueira, ressaltei a importância do método sociológico ou do elemento político-social na interpretação, de que Holmes, Benjamin Cardozo e Roscoe Pound foram grandes expositores, os dois primeiros na Corte Suprema americana e o terceiro na doutrina, especialmente na Filosofia do Direito. Vale, Senhor Presidente, a invocação do elemento político-social na interpretação do § 32 do art. 192 da Constituição. O eminente advogado do autor da ação direta expôs da tribuna elementos políticos, sociológicos, que nós, juízes, sabemos que existem e que não podem ficar ao largo da questão quando o Supremo Tribunal, Corte Constitucional, profere um julgamento que tem muito de político, político, evidentemente, no exato sentido da palavra, no sentido grego do vocábulo. Nós sabemos, Senhor Presidente, que as taxas de juros que estão sendo prati- 662 R.T.J.-155 cadas, hoje, no Brasil, são taxas que nenhum empresário é capaz de suportar. N6s sabemos que o fenômeno que se denomina, pitorescamente, de «ciranda financeira», é que é a tônica, hoje, do mercado financeiro, engordando os lucros dos que emprestam dinheiro e empobrecendo a força do trabalho e do capital produtivo. Tudo isso eu devo considerar e considero, Senhor Presidente, quando sou chamado, como juiz da Corte Constitucional, a dizer o que é a Constituição. Também esses elementos, Senhor Presidente, levam-me, interpretando o § 3" do art. 192 da Constituição de 1988, a emprestar-lhe aplicabilidade imediata, eficácia plena. Com essas considerações, peço vênia ao eminente Ministro Sydney Sanches, cujas opiniões temos o costume de respeitar, para divergir, aqui, de S. Exa. E, divergindo, declaro a inconstitucionalidade do ato normativo objeto da ação. Julgo, portanto, procedente a ação direta.» Reporto-me ao voto acima transcrito, dado que não me convenci do seu desacerto. Não posso, entretanto, na Turma, arrostar a jurisprudência do Supremo Tribunal, tomada em sessão plenária. Ajusto-me, portanto, ao decidido na ADIn n2 4-DF, ressalvando, entretanto, o meu ponto de vista pessoal a respeito do tema. Do exposto, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Acompanho o Relator, com a ressalva do convencimento pessoal, tal como fez S. Exa. VOTO O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): O meu voto acompanha o Sr. Ministro Relator, em face da decisão adotada pelo Plenário, ressalvando, entretanto, meu ponto de vista, nos termos que deduzi no voto vencido na decisão da ADIn n2 4-7. EXTRATO DA ATA RE 162.713 —RS —Rel.: Min. Carlos Velloso. Recte.: Banco Bradesco S/A. (Advs.: Liamara LUila Caleffi Duarte e outros). Recdos: Indústria e Comércio de Cereais Stefani Ltda. e outro. (Adv.: Valdir Scherer). Decisão: Por unanimidade, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Ministro Relator. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Carlos Venoso e Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Paulo Brossard e Francisco Rezei:. Subprocurador-Creral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. Brasília, 4 de outubro de 1993 — José Wilson Aragão, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 164.174 — SP (Segunda Turma) Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS — Recorrido: Felipe Luis dos Santos — 155 663 Constitucional. Precatório. Ação acidentária. Crédito de natureza alimentícia Constituição, artigo 100. I — O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn n2 47-SP, ocorrido em 22-10-92, decidiu, por maioria de votos, que a exceção estabelecida no art. 100, «caput», da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa o precatório, mas se limita a isentá-los da observância da ordem cronológica em relação às dividas de outra natureza. II — Ressalva do ponto de vista pessoal do relator deste. III — RE conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Brasília, 14 de dezembro de 1993 — Néri da Silveira, Presidente — Carlos Valioso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Vdloso: Tratase de liquidação em ação de revisão de beneficio previdenciário, ajuizada por Felipe Luis dos Santos, contra o Instituto Nacional de Previdência Social, em que o autor interpôs agravo de instrumento contra despacho que determinou a expedição de precatório, para o cumprimento de benefício previdenciário de natureza alimentar. A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3° Região, por unanimidade, deu provimento ao recurso, entendendo aquela Corte que os créditos de natureza alimentícia estão exonerados da necessidade de precatório. Inconformada, interpõe a autarquia recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, alegando negativa de vigência do art. 100, da mesma Cana. Sustenta a recorrente que a expedição do precatório não foi abolida pelo constituinte, mas priorizado o pagamento dos créditos de natureza alimentícia, devidos pelas entidades públicas. O recurso foi admitido na origem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O acórdão recorrido afastou a exigência de precatório para o recebimento de benefício concedido em ação acidentária. Daí o recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, 111, a, da Constituição, sustentando-se ofensa ao art. 100 da mesma Carta, por Isso que esta não aboliu o precatório, mas apenas priorizou o pagamento dos créditos de natureza alimentícia devidos pela Fazenda Pública. Quando do julgamento da ADIn n2 47SP, em 22-10-92, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que a exceção estabelecida no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa o precatório, mas se limita n isentá-los da observância da ordem cronológica em relação às dívidas de outra natureza, porventura mais antigas. Nesse julgamento, fiquei vencido, sustentando que o art. 100 da Constituição R.T.J. — 155 exclui, em definitivo, os créditos de natureza alimentícia dos precatórios, desejando que tais créditos sejam pagos de imediato. Assim o voto que então proferi: «Sr. Presidente, peço vênia para dissentir. O art. 100 da Constituição exclui, em definitivo, os créditos de natureza alimentícia dos precatórios, desejando que tais créditos sejam pagos de imediato. É o que me parece resultar, na verdade, da leitura da norma constitucional inscrita no art. 100: 'À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.' A Constituição de 1988 inova em diversos dispositivos, em diversos pontos. Uma dessas inovações é esta, no que toca ao pagamento de créditos de natureza alimentícia, parecendo-me que é acertada a inovação, porque sabemos todos como se torna difícil e tormentosa a execução contra a Fazenda Pública, mediante precatórios, especialmente num regime de inflação monetária. Então, tratando-se de crédito de natureza alimentícia, impõe-se o seu imediato pagamento. É conhecida, Senhor Presidente, a divisão formal-conceitual do Estado, em Estado-Ordem Jurídica, que compreende a sua estrutura legislativa, e em Estado-sujeito-de-Direito, compreendendo os órgãos que compõem o Estado como poderes ou não (H. Nawiasky, Teoria General del Derecho, 1960, pág. 94; H. Kelsen, Théorie Pure du Droit, 1962, págs. 378 e ss). Ora, o Estado-sujeitode-Direito submete-se à lei e à jurisdição —e por isso é ele Estado-de-Direito — tal qual e nas mesmas condições dos administrados. Deve o Estado proceder, pois, da mesma forma como procedem os administrados, pagando, prontamente, os créditos de natureza alimentícia. A meu ver, toma-se necessário lei disciplinando a matéria posta na ressalva inscrita no art. 100 da Constituição. Não é possível, entretanto, ao governador de Estado-membro, a pretexto de regulamentar a matéria, submeter créditos de natureza alimentícia a precatórios, quando a Constituição exclui esses créditos dessa forma de execução. Pois, não custa relembrar, o art. 100 da Constituição, que cuida da execução mediante precatórios, começa por proclamar a exceção no sentido de que os créditos de natureza alimentícia, devidos pela Fazenda Pública, não serão pagos mediante precatório, mas de imediato. E de imediato porque, não fora assim, não se justificaria a exceção inscrita no art 100, já que outra forma seria pior do que a forma dos precatórios, e isto representaria interpretação absurda. Senhor Presidente, o que está acontecendo é que a Administração quer resolver questão nova, inovação introduzida pela Lei Maior, com regras e procedimentos antigos. É preciso que a Administração compreenda que está diante de questão nova, que precisa, por isso mesmo, aplicar idéias novas, que é preciso criar, para o fim de fazer realizar o que deseja a Constituição, o que está na Constituição. Assim, com essas breves considerações, concluo o meu voto. Peço vênia ao Sr. Ministro Relator para dar pela inconstitucionalidade do art. 12 e seus parágrafos e dos artigos 22 e 42 do Decreto R.T.J. — 155 665 n2 29.463, de 29-12-88, que submetem os créditos de natureza alimentícia ao sistema de pagamento mediante precatório.» Quando do julgamento da cautela requerida na ADIn n2 673/DF, Relator o Sr. Ministro Paulo Brossard, reiterei o entendimento acima exposto, o mesmo tendo ocorrido por ocasião do julgamento da cautelar pedida na ADIn 571-DF. EXTRATO DA ATA RE 164.174 — SP — Rel.: Min. Carlos Velloso. Recte.: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS. (Advs.: Tereza Marlene F. Meirelles e outros). Recdo.: Felipe Luis dos Santos. (Advs.: Edimir Penem e outros). Voltando a questão ao Plenário, vou perseverar no entendimento acima exposto, dado que não estou convencido do seu desacato. Certo é, entretanto, que não posso, na Turma, arrostar o decidido pelo Plenário. Por isso, com ressalva do meu ponto de vista pessoal a respeito do tema, com base no precedente — ADIn n2 47-SP — conheça do presente recurso e lhe dou provimento. Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso e Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Francisco Rezek. Subprocurador-Geral da República, o Dr. Francisco José Teixeira de Oliveira. e Decisão: Por unanimidade, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento. Brasília, 14 de dezembro de 1993 — José Wilson Aragão, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1%72 166.261 — RJ (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Recorrente: Belocap Produtos Capilares Ltda. — Recorrida: União Federal Contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas — Lei ne 7.689/88 — Natureza jurídica — A questão da Lei Complementar — Princtrio da irretroatividade das leis tributárias — Inconstiftscionalidade da cobrança com referência ao período-base de 1988 — Precedentes do STF — Recurso extraordinário provido em parte. A qualificação jurídica da exação instituída pela Lei n° 7.689/88 nela permite identificar espécie tributária que, embora não se reduzindo à dimensão conceituai do imposto, traduz típica contribuição social, constitucionalmente vinculada ao financiamento da seguridade social. Tributo vinculado, com destinação constitucional específica (CF, art. 195, I), essa contribuição social sujeita-se, dentre outras, às limitações instituídas pelo art. 150, I e III, a, da Carta Política, que consagra, como instrumentos de proteção jurídica do contribuinte, os 666 R.T.J. — 155 postulados fundamentais da reserva legal e da irretroatividade das leis tributárias. A norma inscrita no art. 82 da Lei n9 7.689/88 — que tornou exigível a contribuição social em questão «a partir do resultado apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988» — vulnerou, de modo frontal, o princípio da irretroatividade das leis tributárias, que veda a cobrança de tributos «em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado» (CF, art. 150, III, a). VOTO ACÓRDÃO O Sr. Ministro Celso de Meio (Rela- Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer, em parte, do recurso e nessa parte, lhe dar provimento. tor): A questão da constitucionalidade da contribuição social instituída pela Lei n2 7.689/88 já foi objeto de apreciação pelo Plenário desta Corte, que, ao julgar o RE n2 138.284-PA, Rel. Min. Carlos Vdloso, estatuiu, verbis: Brasília, 10 de agosto de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Celso de Mello, Relator. «Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n 7.689, de 15-12-88. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Meio: Tratase de causa em que se discute a legitimidade constitucional da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, instituída pela Lei n2 7.689, de 15-12-88, para financiamento da seguridade social. r O Tribunal Regional Federal da Região, ao julgar a ação em grau de recurso, reportou-se a precedente jurisprudencial do Plenário da Corte, para declarar a constitucionalidade do próprio ato legislativo de que derivou a criação da contribuição referida. Daí o presente recurso extraordinário, interposto pela empresa contribuinte, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição, que venho submeter à apreciação desta Primeira Turma. É o relatório. I — Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. CF, art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. CF, arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. II — A contribuição da Lei n2 7.689, de 15-12-88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 42 do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (CF, art. 195, párag. 42; CF, art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, R.T.J. — 155 não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (CF, art. 146, IQ, a). IQ— Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada. IV —Irrelevancia do fato de a/aceita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. P). V Inconstitucionalidade do art. 82, da Lei n2 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (CF, art. 150, Dl, a) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro do prazo de noventa dias da publicação da lei (CF, art. 195, parág. e). Vigência e eficácia da lei: distinção. VI — Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 82 da Lei n2 7.689, de 1988.» A qualificação jurídica da exação instituída pela Lei n2 7.689/88 nela permite distinguir uma espécie tributária que, embora não se reduzindo à dimensão conceituai do imposto, traduz típica contribuição social, constitucionalmente vinculada ao financiamento da seguridade social. Tributo vinculado, com destinação constitucional específica (CF, art. 195, I), essa contribuição social sujeita-se às limitações instituídas peio art. 150, I e BI, a, da Carta Política, que consagra, como instrumentos de proteção jurídica do contribuinte, os postulados fundamentais da reserva legal e da irretroatividade das leis tributárias. No caso, o princípio da reserva absoluta de lei foi observado, eis que, para efeito de criação da contribuição prevista no inciso I do art. 195 da Constituição Federal, não se revela exigível lei complementar, só reclamada para instituição de «outras fontes e 667 destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social...» (grifei — CF, art. 195, § 42). Não se pode desconhecer, a propósito do tema concernente à exigibilidade de lei complementar para a disciplinação normativa de certas matérias, que «É doutrina pacífica, em face do direito constitucional federal, que só se exige lei complementar para aquelas matérias para as quais a Carta Magna Federal, expressamente, exige essa espécie de lei...» (RTJ 113-392, 398, Rel. Min. Moreira Alves). As leis complementares, assim qualificadas em função de expressa designação formal pela Carta Federal, constituem espécies normativas típicas ou nomhutdas. A sua designação jurídica emerge, desse modo, do próprio documento constitucional. Rege-as, portanto, um princípio de índole constitucional — o da tipicidade positiva, que só considera leis complementares aquelas que ostentem, no plano da Constituição, esse notnemjuris. A Carta Federal, na realidade, prestigiou o conceito formal ou jurídico-positivo de lei complementar, para, com isso, distingui-la das demais leis integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada (v. Geraldo Ataliba, «Lei Complementar na Constituição», pág. 30, 1971, RT; José Souto Maior Borges, «Lei Complementar Tributária», pág. 34/35, 1975, RT/FDUC; Cdso Bastos, «Lei Complementar», pág. 16/17, 1985, Saraiva). Esse, também, o magistério de José Afonso da Silva (v. «Aplicabilidade das Normas Constitucionais», pág. 235, 1968, RI), verbis: «Devemos, desde a vigência da Constituição de 1967, modificar essa terminologia, reservando a expressão leis complementares da Constituição apenas para designar aquelas assim previstas no Estatuto Básico da República...» 668 R.T.I. — 155 O novo ordenamento constitucional não submeteu ao domínio normativo de lei complementar a instituição das contribuições sociais previstas no art. 195, I, o que legitima, em conseqüência, a sua veiculação mediante simples lei ordinária. Não há, pois, como tratar desse tema em sede de legislação complementar. Afinal, como ressalta Geraldo Ataliba (v. «Interpretação no Direito Tributário», pág. 131, 1975, EDUC/Saraiva), «(...) só cabe lei complementar, quando expressamente requerida por texto constitucional explícito. O Congresso Nacional não faz lei complementar à sua vontade, ao seu talante. No sistema brasileiro, só há lei complementar exigida expressamente pelo texto constitucional.» (grifei) Por outro lado, a existência de expressa autorização constitucional para a cobrança das contribuições sociais (CF, art. 195, I) afasta, por si só, a alegada ofensa ao art. 154, I, do ordenamento constitucional, que proclama o princípio do non bis in idem. Impõe-se observar, finalmente, que apenas a norma inscrita no art. 82 da Lei n2 7.689/88 — que tomou exigível a contribuição social em questão «a partir do resultado apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988» — foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por vulnerar, de modo frontal, o princípio da irretroatividade das leis tributárias, que veda a cobrança de tributos «em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado» (CF, art. 150, III, a). Daí, a advertência desta Corte, quando do julgamento do RE n2 146.733-SP, Rel. Min. Moreira Alves, no sentido de que «... a Lei e 7.689/88, (...) ao determinar, em seu artigo 82, que essa contribuição já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encenado em 31 de dezembro de 1988, violou o princípio da irretroatividade contido no artigo 150, III, a, da Constituição Federal, que proíbe que a lei que instituiu tributo tenha como fato gerador desse tributo fato ocorrido antes do início da vigência dela.» Com estas considerações, e na linha da jurisprudência desta Corte, firmada a partir do julgamento do RE n2 146.733-SP, Rel. Min. Moreira Alves, conheço em parte do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento, para, declarando a inconstitucionalidade do art. 82 da Lei n2 7.689/89, julgar procedente a ação ordinária tão-somente no que concerne ao recolhimento da contribuição social referente ao período-base de 1988. Custas proporcionais. Nesse sentido é o meu voto. EXTRATO DA ATA RE 166.261 — RJ — Rel.: Min. Celso de Mello. Recta.: Belocap Produtos Capilares Ltda. (Advs.: Julio Cesar da Silva e outros). Recda.: União Federal (Adva.: Procuradoria da Fazenda Nacional). Decisão: A Turma conheceu, em parte, do recurso e, nessa, lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepdlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Franzino Pereira. Brasília, 10 de agosto de 1993 —Ricardo Dias Duarte, Secretário. R.T.J. — 155 669 RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 168.776 —DF (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Moreira Alves Recorrente: Ministério Público Federal — Recorrido: Joaquim Domingos Roriz e outros Ação Penal. Crime de imprensa. Prescrição. Ocorrência da prescrição da preterição punitiva antes da distribuição, nesta Corte, do recurso extraordinário. Concessão, de oficio, de habeas capas para declarar a extinção da punibilidade dos ora recorridos, julgando-se, em conseqüência, prejudicado o recurso extraordinário. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primaria Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráflcas, por unanimidade de votos, conceder de ofício «habeas corpus» para declarar a extinção da punibilidade dos ora recorridos em virtude da ocorrência, da prescrição da pretensão punitiva, e, em conseqüência, julgar prejudicado o presente recurso extraordinário. Brasília, 12 de abril de 1994—Moreira Alves, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): A ementa do acórdão recorrido tem o seguinte teor «Ação penal movida por advogados de empresas públicas contra o governador do Distrito Federal. Legitimidade de parte. Coisa julgada. Juízo prévio de admissibilidade da seu-o. 1. Não se equiparando os querelantes a funcionários públicos ou a 'órgão ou entidade que exerça função de auto- ridade admissível a propositura da ação penal privada. Inocorrência de coisa julgada formal, até porque a ação penal possui abrangência maior (fatos diversos) em relação aos inquéritos mandados arquivar. Ainda que a Lei Orgânica do Distrito Federal esteja em processo de elaboração, cabível é o juízo prévio de admissibilidade da acusação pela Câmara Legislativa do DF. Agravo improvido.» (fl. 1323) Interposto recurso extraordinário, foi ele admitido pelo seguinte despacho (fls. 1346/1347): «Julgando agravo regimental, manifestado contra despacho proferido nos autos da presente Ação Penal, assim decidiu a Egrégia Corte Especial, em acórdão relatado pelo Ministro Barros Monteiro ( fl. 12123): 'Ação penal movida por advogados de empresa pública contra o governador do Distrito Federal. Legitimidade de parte. Coisa julgada. Juízo prévio de admissibilidade da acusação. 670 R.T.J. — 155 Não se equiparando os querelantes a funcionários públicos ou a `órgão ou entidade que exerça função de autoridade pública', admissível a pmpositura da ação penal privada. gão federal, no caso esta Corte, circunstância que repele qualquer interferência dos poderes locais no processo, principalmente quando condicionante da sua admissibilidade. Inocorrencia de coisa julgada formal, até porque a ação penal possui abrangência maior (fatos diversos) em relação aos inquéritos mandados arquivar. 3. Ainda que a Lei Orgânica do Distrito Federal esteja em processo de elaboração, cabível é o juízo prévio de admissibilidade da acusação pela Câmara Legislativa do DF. A relevância da matéria, envolvendo aspectos que dizem respeito a dispositivo constitucional que regula competência do Colegiado, recomenda que se procure solução definitiva para a espécie, já que a interpretação oferecida recebe contestação no próprio Tribunal. O caminho, portanto, é submeter o assunto à apreciação do Pretório Excelso'. Agravo improvido.' Ir resignado, interpôs o Ministério Público Federal recurso extraordinário, amparado na alínea a da norma autorizadora. Alega haver o acórdão violado os arts. 32, 105, I, a, da Constituição Federal. Argumenta que o Distrito Federal ainda não tem sua Lei Orgânica aprovada e conclui afirmando que mesmo que se estivesse diante de princípio de extensão obrigatória aos Estados-membros, não se poderia exigir a licença da Assembléia Distrital, já que não há qualquer previsão legal sobre o assunto. Ao apreciar matéria semelhante assim se pronunciou esta Presidência nos autos dos recursos extraordinários no Agravo Regimental na Ação Penal n° 27-BA e no Agravo Regimental na Petição n2 277-5-DF, a saber: 'Todavia, conforme ressai, dos votos proferidos no julgamento deste Processo, a questão é polêmica e acolhe teses, em sentido contrário, de valor jurídico inestimável, onde se põe em realce a nova sistemática de julgamento dos Governadores dos Estados, nos crimes comuns, conferindo a Lei Maior competência a ór- Ante o exposto, admito o recurso. Publique-se.» Às fls. 1351/1354, assim se manifesta a Procuradoria-Geral, em parecer do Dr. Mudem Costa Pinto: «Joaquim José Safe Carneiro, Edmundo Adriano de Mello Baptista, Jonas Filho Fontanela de Carvalho, Sandra Alexandre Pedreira e Marly da Costa, oferenceram queixa-crime perante o Superior Tribunal de Justiça, contra o Sr. Joaquim Domingos Roriz, Governador do Distrito Federal, e outros auxiliares graduados de sua administração, atribuindo-lhes a prática dos crimes de calúnia, injúria e difamação, tipificados nos arts. 20, 21 e 22 da Lei n2 5.250/67 (fls. 2/43), tendo o ilustre relator do feito, Ministro Barros Monteiro, determinado a expedição de ofício à Câmara Legislativa do Distrito Federal, 'comunicando o ajuizamento da queixa-crime movida contra o Governador Joaquim D. Roriz, sobre cuja admissibilidade deverá pronunciar-se' (fls. 1261/1262, 62 volume). 2. Inconformado com o despacho acima referido, o representante do Ministério Público Federal interpôs agravo R.T.J.— 155 regimental, pugnando pela dispensa do juízo de admissibilidade pela Câmara Legislativa (fls. 1267/1270). 3. Julgando o agravo regimental a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, negar provimento ao mesmo, entendendo cabível o Juízo prévio de admissibilidade da acusação pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (fls. 1291/1323). Ainda inconformado o representante do Ministério Público Federal interpôs recurso extraordinário, com base no art. 102, inciso Dl, letra a, da Constituição Federal, insistindo na tese de que é incabível o Juízo prévio de admissibilidade da acusação, por parte da Câmara Legislativa do Distrito Federal (fls. 1326/1333), tendo o recurso sido admitido pelo r. despacho de fls. 1346/1347. Trata-se, entretanto, de procedimento penal em que ocorreu a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. É que após descrever os fatos considerados ofensivos da honra, referindose a declarações dos querelados e notas do Governo do Distrito Federal publicadas na imprensa, citando-se expressamente os jornais 'Correio Braziliense', 'Jornal de Brasília' , 'Jornal BsB Brasil', os querelantes tipificaram os crimes com base na Lei de Imprensa (fls. 36/43), embora façam também alusão aos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal (fl. 3), meação que reputamos despropositada, data venia, vez que na descrição dos fatos os querelantes deixam claro que as referências tidas por delituosas foram extraídas de publicações na imprensa, aplicando-se à hipótese exclusivamente a Lei n2 5.250/67, por ser norma especial, estando extinta a punibilidade pela prescrição de pretensão punitiva, como 671 preceitua o art. 41 do citado dispositivo legal. Com efeito, tomando-se como marco inicial as publicações mais antigas, ocorridas no dia 2 de maio de 1991, o prazo prescricional de dois anos, previsto no art. 41 da Lei n2 5.250/67, que se conta após a data da publicação, está vencido desde o dia 3 de maio de 1993, como aliás salientou o eminente Ministro Assis Toledo, quando do julgamento do agravo regimental pelo Superior Tribunal de Justiça, em relação ao Governador Joaquim Domingos Roriz, mas que se aplica aos demais recorridos, verbis: 'O Sr. Ministro Assis Toledo: Pedi vista destes autos para melhor exame da questão da decadência e da prescrição, aventadas durante os debates ocorridos na sessão de 10-9-92. Afasto, logo de início, a decadência, visto como a ação penal privada foi ajuizada neste Tribunal no dia 19-7-91 e se reporta a fatos reputados ofensivos à honra dos querelantes, ocorridos entre 2 a 5-5-91. Como a decadência, pelo prazo menor da Lei de Imprensa, ocorre em três meses, é evidente que tal lapso de tempo não transcorreu antes do exercício do direito de queixa. Passo ao exame da prescrição. A queixa, no tocante ao Governador Joaquim Roriz, capitula os fatos na Lei de Imprensa, nestes termos: 'A conduta interativa do Querelado, afrontosa e ofensiva à honra dos querelantes, constitui-se em conduta penal típica de calunia (art. 20 da Lei n2 5.250/67), quando aos mesmos se imputa falsamente a prática de fatos definidos como crimes de patrocínio infiel (art. 355 do CP), prevaricação (art. 319 CP), advoca- 672 R.T.J. — 155 eia administrativa (art. 321 do CP), e até se insinuando, falsa e aleivosamente, a possível corrupção passiva (art. 317 CP), tudo conforme os fatos já descritos. Também dos aludidos escritos, oferecidos em entrevistas não negadas (conforme notificações anexas) em resposta oferecida pelo querelado, infere-se a prática da difamação (art. 21 da Lei n2 5.250/67), quando aos querelantes se imputam fatos altamente desabonadores, ofensivos à sua reputação de cidadão. Por último sentiram-se os querelantes profundamente injuriados, com suas dignidades retaliadas pela leviandade de quem, data venia, esperava-se dose maior de responsabilidade e respeito pela honra alheia. Tais ofensas se subsumem na figura do art. 22 da norma citada, injúria, (fls. 36/37, 12 vol.) Na parte descritiva, refere-se a peça acusatória a declarações do Governador, publicadas no Jornal do Brasil de 3-5-91, Correio Braziliense de 2-5-91, 3-5-91 e 4-5-91, Jornal de Brasília de 2-5-91 e 3/5/91, Jornal BsB Brasil de 2-5-91 e 4-5-91 (v. fls. 4/16, 1® vol.). Tomando-se como data mais antiga as publicações de 2-5-91, o prazo prescricional de dois anos do art. 41 da Lei n2 5.250/67, que se conta após a data da publicação, vencer-se-á no dia 3/5/93, não tendo, igualmente, transcorrido. Assim, afasto também a hipótese de prescrição' (fls. 1306/1307, vol. 7v). O Ministério Público Federal opina, assim, no sentido de se declarar, preliminarmente, extinta a punibilidade dos recorridos pela prescrição da pretensão punitiva, na forma do que dispõe o art. 61 do Código de Processo Penal, julgando-se prejudicado o presente recurso extraordinário, conforme aliás já decidiu o Supremo Tribunal Federal: 'Ementa: Recurso extraordinário em matéria penal —Prescrição da pretensão punitiva — Extinção da punibilidade — Recurso prejudicado. Consumada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, e declarada extinta a punibilidade dos recorridos pelo Supremo Tribunal Federal, é de julgar-se prejudicado, em consequência, o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público' — RE n2 115.002-5/PE — Rel. Min. Celso de Mello — DJ 10-8-90 — pág. 7775. É o parecer.» É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Moreira Alves (Relator): 1. Como bem demonstra o parecer da Procuradoria-Geral da República, desde o início de maio de 1993 — antes de o recurso extraordinário me ter sido distribuído (o que ocorreu em 21 de setembro de 1993) — já ocorrera a prescrição da pretensão punitiva, que, no caso, se rege pela Lei de Imprensa Observo, ainda, que, não obstante tenha sido solicitado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 15 de março de 1993, ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Distrital que submetesse a esta a acusação em causa, não há texto constitucional ou legal que confira a essa solicitação efeito suspensivo do fluxo do prazo da prescrição, não cabendo, sequer —uma vez que a prescrição no direito brasileiro é regulada por normas de direito R.T.J. — 155 material —, a aplicação analógica do disposto no § 29 do artigo 53 da Constituição Federal com a interpretação que lhe deu esta Corte. 2. Em face do exposto, e acolhendo o parecer da Procuradoria-Geral da República, concedo de ofício habeas corpus para declarar a extinção da punibilidade dos ora recorridos em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, e, em conseqüência, julgo prejudicado o presente recurso extraordinário. EXTRATO DA ATA RE 168.776 — DF — Rel.: Min. Moreira Alves. Recte.: Ministério Público Federal. Recdos.: Joaquim Domingos Roriz e Outros (Advs.: Pedro Gordilho e outros). 673 Decisão: A Turma concedeu de oficio «habeas corpus» para declarar a extinção da punibilidade dos ora recorridos em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, e, em cons'equência, julgou prejudicado o presente recurso extraordinário. Unânime. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence. Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur de Castilho Neto. Brasília, 12 de abril de 1994 —Ricardo Dias Duarte, Secretário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N2 171.645 — DF (Primeira Turma) Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Recorrentes: Concretex S/A e outros — Recorrida: União Federal Finsocial (Decreto-Lei n2 1.940/82): sua incidência, por força do art. 56 ADCT, alteração de sua natureza originária de imposto federal inominado e de sua alkmota, até o termo inicial da exigibilidade da COFINS, conforme o disposto no art. 13, da LC n2 70/91: aplicação ao caso do decidido no RE n2 150.764, Plenário, 16-12-92, Marco Aurélio: RE parcialmente provido. ACÓRDÃO Brasília, 14 de dezembro de 1993 — Sydney Banhes, Presidente—Sepúlveda Pertence, Relator. Vistos, relatados e discutidos estes auRELATÓRIO tos, acordam os Ministros da Primeira Tur- O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: ma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas As recorrentes — empresas que, «confortaquigráficas, por unanimidade de votos, me demonstram os anexos Estatutos e Conem conhecer, em parte, do recurso extraor- tratos Sociais, tem por objeto socialpdncidinário e, nessa parte, dar-lhe provimento. pal a atividade industrial ligada ao ramo da 674 R.T.J. — 155 construção e atividades correlatas», ajuizaram ação contra a União, visando à declaração de inexistência de obrigação de recolher qualquer quantia a título de Finsocial, dada a inconstitucionalidade da exigência a partir da entrada em vigor da Lei n2 7.689/88, que instituiu a contribuição social sobre o lucro e completou o rol de contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, previsto no artigo 195, I, da Constituição. Sustentaram as autoras: que a contribuição questionada, instituída pelo Decreto-Lei n2 1.940/82 «para custeio de investimentos de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação, justiça e amparo ao pequeno agricultor», com a edição do Decreto-Lei n2 2.397/87, teve «uma sexta parte de sua arrecadação destinada a fornecer recursos para financiamentos da reforma agrária (art. 13)». que são obrigadas, pela sistemática em vigor, «a contribuir ao Finsocial sobre as suas respectivas receitas brutas das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços de qualquer natureza, à alíquota de 1.2% (um inteiro e dois décimos porcento), conforme art. 1 2, § 12, letra a do DecretoLei n2 1.940/82 com as alterações do art. 22 do Decreto-Lei n2 2.397/87, da Lei n2 7.787 de 30-6-89, Lei n2 7.894, de 24-11-89 e Ato Declaratório Normativo CST n 2 26, de 14-12-89);» que a partir do mês de março de 1991, por força da Lei n2 8.147, de 28-12-90 e conforme a Instrução Normativa n2 1 de 16-1-91, a aliquota exigida passa a ser de 2% sobre a mesma base de cálculo; que a chamada contribuição ao Finsocial tornou-se incompatível com o atual Sistema Constitucional Tributário; que a contribuição para o Finsocial, tal como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal (RE ng 103.778, RTJ 116/1138), tem natureza de imposto da competência residual atribuída à União Federal; que a destinação obrigatória do Finsocial prevista no artigo 56 do ADCT/88, — «que não alterou a sua natureza jurídica (4 deixou de existir a partir da entrada em vigor da Lei n2 7.689/88, quando, então, formou-se o quadro das contribuições do art. 195, I, da CF (folha de salários, faturamento e lucro).» que, como imposto, deveria atender ao artigo 154, I, CF, o que não ocorre, dado o seu caráter cumulativo, a exigência de lei complementar não observada, e a base de cálculo própria do ICMS; que, admitindo-se que não seja tributo, impossível o seu enquadramento entre as contribuições ditas sociais do art. 195 da Constituição Federal. A sentença de primeiro grau julgou procedente a ação, para declarar a inexigibjlidade da contribuição ao Finsocial em relação às autoras, em face de sua manifesta inconstitucionalidade (fl. 165). O TRF da 18 Região, contudo, deu provimento à remessa para julgar improcedente o pedido. O acórdão ficou resumido nesta ementa (fl. 175): «Tributário. Constitucional. Pinsocial. Decreto-Lei n2 1.940, de 25582. Lei complementar. Princípio da recepção. 1. A contribuição para o Finsocial, ao ser instituída, em 1982, não tinha por finalidade apenas custear investimentos para a assistência social (hoje seguridade social). Tinha por fim, também, custear investimentos de caráter assistencial em habitação popular, educação, R.T.J. — 155 amparo ao pequeno agricultor. Logo, ainda que o art. 195, inc. I, da CF/88, seja regulamentado o Finsocial não deixa de existir. Não previa a Constituição de 69 a exigência de lei complementar para a criação de tributo. Ainda que se considere a contribuição para o Finsocial como imposto foi a mesma recepcionada pela nova Constituição porque não é cumulativa nem tem fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos por ela discriminados. Não é contribuição para o Finsocial, pois, incompatível com a Constituição de 88, não havendo motivo para não integrar o novo ordenamento jurídico. Remessa provida.» Foram interpostos recursos extraordinário e especial, deferido o primeiro (fl. 318) e indeferido o último (fl. 317), sem interposição de agravo de instrumento (fl. 320 v.). O RE, a, alegou violação dos artigos 195, 1, e 154, I, da CF/88 e do art. 56 das Disposições Transitórias, à base dos argumentos da inicial, já resumidos. É o relatório. 675 venda de mercadoria e da prestação de serviços, o precedente adequado é o do RE n2 150.764, relator para o acórdão o em. Ministro Marco Aurélio, no qual se declarou a inconstitucionalidade do art. 92 da Lei n2 7.689/88, e dos surecsivos preceitos legais que elevaram a alíquota da exação questionada (Lei n2 7.787/89, art. 72; Lei n2 7.894/89, art. e Lei n2 8.147/90, art. 72). Relator originário do recurso, fiquei vencido, na honrosa companhia dos Ministros Rezek, Gaivão, Gallotti e Néri da Silveira. Rendo-me, no entanto, à decisão plenária, nos termos do art. 101, R1STF, não obstante tomada pela diferença de um só voto: não faz sentido, nas circunstâncias, cogitar de revisão da declaração de inconstitucionalidade, mormente quando se cuida de diplomas legais já superados pelo advento da LC n2 70/91, cuja validez constitucional, no que interessa, vem de ser afirmada pela unanimidade do Tribunal (ADC n2 1, 12-12-93, Moreira Alves). Daí, entretanto, não advém a procedência total da demanda da recorrente, que pretendia exaurida, desde a Lei n27.689/88, a eficácia do art. 56 ADCT e, conseqüentemente, a subsistência, nele determinada, do DL n2 1.940/82: ao contrário, nos votos vencedores no RE 150.764, ficou explícito que o DL n2 1.940 vigorou, sem novação VOTO da sua natureza originária, até a sua revogação expressa pela LC n2 70/91, ou meO Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não se trata, no caso, de empre- lhor, nos termos do seu art. 13, até o tenno sas dedicadas exclusivamente à prestação inicial da exigibilidade da COFINS, então de serviços, cuja situação, relativamente ao instituída. Finsocial, sob a Constituição vigente, objeVeja-se, nesse sentido, a conclusão do to do art. 28 da Lei n2 7.738/89, foi objeto voto do em. Ministro Moreira Alves: da decisão plenária do RE n2 150.755, de «Portanto, Sr. Presidente, considero 18-11-92, de que fui Relator. que este artigo 92 é inconstitucional. SenCuidando-se, na espécie, de empresas do inconstitucional, as alterações que foram feitas com relação àquela alíquota que se ocupem apenas da venda de mercasão inconstitucionais, por via de consedoria ou como parece ser o caso — da 676 R.T.J. — 155 qüência. E também, conseqüentemente, o Decreto-Lei n2 1.940, por serem inconstitucionais esse artigo 9 2 e as alterações que se lhe fizeram, permaneceu em vigor até o momento em que houve a sua ab-rogação. Nesse instante, extinguiu-se do cenário jurídico nacional aquela figura que até então se mantinha: o imposto inominado que servia como uma das fontes de custeio do sistema de seguridade». Desse modo, conheço do recurso em parte e, na mesma extensão, lhe dou provimento, para subtrair as recorrentes da incidência do art. 92 da Lei e 7.689/88 e dos demais preceitos referidos, declarados inconstitucionais no RE n4 150.764, sem prejuízo, contudo, da incidência, até o fim da sua eficácia, do Decteo-Lei n 2 1.940/82: é o meu voto. EXTRATO DA ATA RE 171.645 — DF — Rel.: Min. Sept11veda Pertence. Rectes.: Concretex S/A e outros (Advs.: Fernanda G. H. Guerra de Andrade e outros). Recda.: União Federal (Adv.: PFN — Gilda Maria Freire Garcia). Decisão: A Turma conheceu, em parte, do recurso extraordinário e, nessa parte, lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Falou pelos recorrentes a Dra. Fernanda G. 11. Guerra de Andrade. Presidência do Senhor Ministro Sydney Sanches. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sepülveda Pertence, Celso de Mello e limar Gaivão. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Moreira Alves. Subprocurador-Geral da República, Dr. Arthur de Castilho Neto. Brasília, 14 de setembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. ÍNDICE ALFABÉTICO A Ct Ct Ct Ct PrPn Adm Adm PrCv PrCv Pn Ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade ativa. Federação Nacional das Associações Economiárias — FENAE. Entidade Nacional de Classe. Economiários (CEF). Constituição Federal/88, art. 103, IX. ADIn 987 (Medida liminar). RTJ 155/416 Ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade ativa. União Nacional dos Estudantes-UNE. Entidade de classe de âmbito nacional (não caracterização). ADIn 894 RTJ 155/406 Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital n2 709/94. Promoção de ex-combatente (autorização ao Executivo). Medida liminar (indeferimento). ADIn 1.136 (Medida liminar) RTJ 155/433 Ação direta de inconstitucionalidade. Portaria n2 368/93 do Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (suspensão). Contribuição sindical (pedido de desconto). Medida liminar (deferimento). ADIn 1.088 (Medida liminar) RTJ 155/430 Açãopesud. Crime de imprensa. Prescrição dapretensão punitiva. RE 168.776 RTJ 155/669 ADCT/88, art. 82 (alcance) (...) Militar. RE 145.193 RTJ 155/598 ADCT/88, art. 22 (interpretação) (...) Defensor público. RE 161.712 RTJ 155/635 Advogado (irregularidade) (...) Representação processual. MS 21.730 (AgRg-EDcI) RTJ 155/493 Agravo de instrumento. Traslado deficiente. Regularização perante o STF (impossibilidade). Súmula 288 (aplicação). Ag 137.410 (AgRg) RTJ 155/579 Ajustamento da pena (...) Roubo. HC 71.480 RTJ 155/547 IV Adm Mim Adm Ct Adm Int PrCv Adm TrPrv — ÍNDICE ALFABÉTICO Alienação (impossibilidade) (...)Imóvelfuncional. RMS 21.770 RD. 155/495 Anistia (...) Militar. RE 145.193 RTJ 155/598 Anulação (...) Processo administrativo. MS 21.721 RTJ 155/487 Aplicação imediata (ausência) (...) Sistema Financeiro Nacional. RE 162.713 RTJ 155/655 Ascenção funcional (inconstitucionalidade) (...) Servidor público. RE 129.943 RTJ 155/571 Associação para fins de tráfico (...) Extradição. Extr 624 RTJ 155/387 Atos processuais declarados inexistentes (...) Representação processual. MS 21.730 (AgRg-EDcl) RTJ 155/493 Auditor Fiscal do Tesouro Nacional (...) Funcionário público. RMS 21.857 RTJ 155/501 Auto-aplicabilidade (...) Beneficio previdenciário. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 B Trbt TrPrv TrPrv TrPrv Base de cálculo (...) ICM. Ag 139.647 (AgRg) RTJ 155/582 — RE 141.416 RTJ 155/587 — Ag 150.376 (AgRg) RTJ 155/605 — Ag 150.850 (AgRg) RTJ 155/607 Base (proventos do mês de dezembro) (...) Beneficio previdenciário. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 Beneficio previdenciário. Décimo terceiro salário (gratificação de natal). Base (proventos do mês de dezembro). Auto-aplicabilidade. Constituição Federal/88, art. 201, parágrafos 9 e 6 2. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 Beneficio previdenciário. Piso mínimo. Salário mínimo. Auto-aplicabilidade. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 C PrPn Adm Adm PrPn Pn Trbt Pn Cabimento (...) Habeas corpus. HC 71.732 RTJ 155/557 Cargo público (investidura) (...) Servidor público. RE 129.943 RU 155/571 Cerceamento de defesa (...) Processo administrativo. MS 21.721 RTJ 155/487 Citação por edital. Revelia. Prisão posterior à revelia. Instrução criminal (réu não requisitado). Prisão não noticiada nos autos. Nulidade inexistente. HC 71.288 RTJ 155/541 Co-autoria (...) Roubo. HC 71.4•30,RTJ 155/547 Cobrança (...) Finsocial. RE 171.645 RTJ 155/673 Código de Processo Penal, art. 580 (...) Roubo. HC 71.480 RTJ 155/547 ÍNDICE ALFABÉTICO — Pn PrPn PrPn PrTr PrPn PrPn Int PrPn Ct Adm Ct PrCv O TrPrv PrPn PrPn Ct Trbt Trbt Trbt PrCv Pn Int V Código Penal, art. 304 (...) Crime. HC 70.422 RTJ 155/516 Competência. «Habeas corpus». Prescrição de pena de multa. Remessa dos autos ao tribunal de origem. HC 71.632 RTJ 155/552 Competência. «Habeas corpos». Substituição de recurso ordinário. Competência do STJ. HC 70.590 RTJ 155/520 Competência. Justiça do Trabalho. Servidor inativo da FEPASA. Proventos (complementação). Regime jurídico da CLT. RE 135.937 RTJ 155/575 Competência do STJ (...) Competência. HC 70.590 RTJ 155/520 Concessão de perdão judicial e indulto (...) Habeas capim. HC 72.233 RTJ 155/563 Condenação no Brasil (...) Extradição. Extr 624 RTJ 155/387 Condição (...) Sursis. HC 72.233 RTJ 155/563 Constituição Federal, art. 115, parágrafo único, inciso III (...) Poder Judiciário. MS 21.720 RTJ 155/478 Constituição Federal/88, art. 40, parágrafo 42 (inaplicabilidade) (...) Servidor público. RMS 21.665 RTJ 155/474 Constituição Federal/88, art. 53, «caput» (...) Imunidade parlamentar. Inq 681 (Queixa-crime Q. de Ordem) RTJ 155/396 Constituição Federal/88, art. 100 (...) Precatório. RE 164.174 RTJ 155/662 Constituição Federal/88, art. 103, IX (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 987 (Medida liminar) RTJ 155/416 Constituição Federal/88, art. 201, parágrafos 52 e 62 (...) Benefício previdenciário. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 Constrangimento ilegal (inexistência) (...) Sursis. HC 72.233 RTJ 155/563 Contravenção penal (...)Habeas corpos. HC 71.732 RTJ 155/557 Contribuição sindical (pedido de desconto) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.088 (Medida liminar) RTJ 155/430 Contribuição social. Lucro das pessoas jurídicas. Principio da irretroatividade (ofensa). Inconstitucionalidade. Lei n 2 7.689/88. RE 166.261 RTJ 155/665 Cota de contribuição ao IBC (...)ICM. Ag 139.647 (AgRg) RTJ 155/582 — Ag 150.376 (AgRg) RTJ 155/605 — Ag 150.850 (AgRg) RTJ 155/607 Cota devida ao IBC (...) ICM. RE 141.416 RTJ 155/587 Crédito de natureza alimentícia (...) Precatório. RE 164.174 RTJ 155/662 Crime. Uso de documento falso. Falsidade de identificação a autoridade policial. Código penal, art. 304. HC 70.422 RTJ 155/516 Crime (atipicidade) (...) Extradição. Extr 606 RTJ 155/377 VI Cri-Da — ÍNDICE ALFABÉTICO Ct Crime comum (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Ct Crime contra a honra (ausência) (...) Imunidade parlamentar. Inq 681 (Queixa-crime Q. de Ordem) RTJ 155/396 PrPn Int Crime de imprensa (...) Ação penal. RE 168.776 RTJ 155/669 PrPn Critério trifásico (...) Pena. HC 70.931 RTI 155/522 Crimes de fraude (...) Extradição. Ext 600 RTJ 155/352 D TrPrv Décimo terceiro salário (gratificação de natal) (...) Beneficio previdencidrio. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 Adm Adm Decisão administrativa (suspensão cautelar) (...) Tribunal de Contas estadual. ADIn 1.249 (Medida liminar) RTJ 155/437 Decreto de demissão (nulidade) (...) Processo administrativo. MS 21.721 RTJ Adm Defensor público. Servidor investido na função. Opção pela carreira (direito 155/487 anterior à instalação da Assembléia Nacional Constituinte). ADCT art. 22 (interpretação). RE 161.712 RTJ 155/635 PrPn Defensor público intimado pelo Diário Oficial (...) Intimação criminal. HC 71.732 RTJ 155/557 Deferimento (...) Habeas sorvas. HC 72.389 RTJ 155/565 Int Deferimento com restrições (...) Extradição. Extr 606 RTJ 155/377 Int Defesa baseada em negativa de autoria e nulidade da revelia (impertinência) (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Depoimento em comissão parlamentar de inquérito (inviabilidade) (...) Imunidade parlamentar. Inq 681 (Queixa-crime Q. de Ordem) RTJ 155/396 PrPn Ct Ct Deputado Federal (imunidade material) (...) Imunidade parlamentar. Inq 681 (Queixa-crime Q. de Ordem) RTJ 155/396 PrPn Descabimento (...) Habeas corpus. HC 72.233 RTJ 155/563 Desclassificação de crime de extorsão qual Meada para estelionato (...)Habeas corpus. HC 72.389 RTJ 155/565 Descumprimento de decisão do STF (ausência) (...) Reclamação. Rcl 435 RTJ 155/343 Descumprimento de decisão judicial (alegação) (...) Intervenção Federal. Rcl 464 RTJ 155/348 fl`t n-n a Designação para missões no exterior (viabilidade) (...) Diplomata. MS 21.154 RTJ 155/440 PrPn PrPn Ct Adm ÍNDICE ALFABÉTICO — Des-Ext Pn Adm Adm PrCv Ct VII Desmembramento do processo em crime consumado e tentativa (impossibilidade) (...) Roubo. HC 71.480 RTJ 155/547 Diplomata. Quadro especial. Designação para missões no exterior (viabilidade). Lei n2 8.028/90, art. 40 (inconstitucionalidade). MS 21.154 RTJ 155/440 Direito adquirido (inexistência) (...) Servidor público. RMS 21.777 RTJ 155/498 — RE 141.816 RTJ 155/590 — RE 159.130 RTJ 155/621 Direito local (...) Recurso extraordinário. Ag 146.437 (AgRg) RTJ 155/603 Dupla indicação (inocorrência) (...) Poder Judiciário. MS 21.720 RTJ 155/478 E Ct Ct Ct PrPn Int Int Trbt PrPn In Int Int Int Int Economiários (CEF) (...) Ação direta de inconstitudonalidade. ADIn 987 (Medida liminar) RTJ 155/416 Entidade de classe de âmbito nacional (não caracterização) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 894 RTJ 155/406 Entidade Nacional de Classe (...)Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 987 (Medida liminar) RTJ 155/416 Escuta telefônica mediante autorização judicial (...) Prova criminal. HC 69.912 RTJ 155/508 Estrangeiro foragido (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Exame de mérito (impossibilidade de apreciação) (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Exportação de café em grão (...) ICM. Ag 139.647 (AgRg) RTJ 155/582 — RE 141.416 RTJ 155/587 —Ag 150.376 (AgRg) RTJ 155/605 —Ag 150.850 (AgRg) RTJ 155/607 Extensão a co-réu (...) Habeas corpos. HC 72.389 RTJ 155/565 Extradição. Crime (atipicidade). Lei brasileira. Deferimento com restrições. Extr 606 RTJ 155/377 Extradição. Crimes de fraude. Promessa de reciprocidade pelo governo requerente. Requerimento por via diplomática (autenticidade). Extradição deferida. Extr 600 RTJ 155/352 Extradição. Estrangeiro foragido. Prisão não concretizada. Suspensão do processo. Extr 604 RTJ 1551370 Extradição. Exame de mérito (impossibilidade de apreciação). Defesa baseada em negativa de autoria e nulidade da revelia (impertinência). Extr 604 RTJ 155/370 Extradição. Formalização do pedido. Tempestividade. Extr 604 RTJ 155/370 VIII Int Ext-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO Extradição. Tráfico internacional de entorpecentes. Associação para fins de tráfico. Condenação no Brasil. Lei n° 6.815/80, art. 77, V. Extr 624 RTI 155/387 Int Extradição. Tráfico internacional de entorpecentes. Prisão decretada por juiz Int competente (fundamentação). Extr 617 RTJ 155/380 Extradição deferida (...) Extradição. Extr 600 RTJ 155/352 F Pn Falsidade de identificação a autoridade policial (...) Crime. HC 70.422 RTJ 155/516 Ct Adm Federação Nacional das Associações Economiárias — FENAE (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 987 (Medida liminar) RTJ 155/416 Finsocial. Cobrança. Inconstitucionalidade. RE 171.645 RTJ 155/673 Forças Armadas (administração) (...) Imóvel funcional. RMS 21.770 RTJ Int Formalização do pedido (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Adm Funcionário público. Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. Proventos. Teto Trbt 155/495 constitucional (ajuste). Vantagens da caráter pessoal (exclusão). RMS 21.857 RTJ 155/501 PrPn Pn PrPn Fundamentação (...) Pena. HC 70.931 RTJ 155/522 Fundamentação da sentença (exigência) (...) Pena. HC 70.998 RTJ 155/530 Fundamentação suficiente (...) Prisão preventiva. HC 71.308 RTJ 155/544 G Ct Governador (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 PrCv Gratificação de insalubridade (inclusão) (...) Recurso extraordinário. RE 117.802 RTJ 155/568 Grave lesão à saúde pública (...) Suspensão de segurança. SS 702 (AgRg) RTJ 155/402 PrCv H PrPn Habeas corpus. Cabimento. Pena de multa (impugnação). Habilitação para PrPn dirigir veículo (falta). Contravenção penal. HC 71.732 RTJ 155/557 «Habeas corpus» (...) Competência. HC 70.590 RTJ 155/520 — HC 71.632 RTJ 155/552 PrPn Habeas corpus. Deferimento. Desclassificação de crime de extorsão qualificada para estelionato. Extensão a co-réu. HC 72.389 RTJ 155/565 ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Int PrPn PrPn PrPn Trbt 'Mn Ct Adm Ct Ct Trbt Trbt Trbt Adm PrPn PrCv PrPn Ct IX Habeas corpus. Descabimento. Concessão de perdão judicial e indulta HC 72.233 RTJ 155/563 Habeas corpus. Publicação da pauta de julgamento (não exigência). Sustentação oral (empenho do advogado). HC 71.076 (Mc» RTJ 155/536 Habilitação para dirigir veículo (falta) (...) Habeas corpos. HC 71.732 RTJ 155/557 ICM. Base de cálculo. Exportação de café em grão. Cota de contribuição ao IBC. Inclusão (impossibilidade). Ag 139.647 (AgRg) RTJ 155/582 — Ag 150.376 (AgRg) RTJ 155/605 — Ag 150.850 (AgRg) RTJ 155/607 ICM. Base de cálculo. Exportação de café em grão. Cota devida ao 133C. Pessoa jurídica de Direito Privado (exportador). RE 141.416 RTJ 155/587 Ilegitimidade ativa (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 894 RTJ 155/406 — ADIn 987 (Medida liminar) RTJ 155/416 Imóvel funcional. Forças Armadas (administração). Ocupação por militar. Alienação (impossibilidade). RMS 21.770 RTJ 155/495 Imunidade parlamentar. Deputado Federal (imunidade material) Crime contra a honra (ausência). Depoimento em comissão parlamentar de inquérito (inviabilidade). Constituição Federal/88, art. 53, «caput». Inq 681 (Queixacrime Q. de Ordem) RTJ 155/396 Imunidade processual (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Inclusão (impossibilidade) (...) ICM. Ag 139.647 (AgRg) RTJ 155/582 —Ag 150.376 (AgRg) RTJ 155/605 — Ag 150.850 (AgRg) RTJ 155/607 Inconstitucionalidade (...) Contribuição social. RE 166.261 RTJ 155/665 Inconstitucionalidade (...) Finsocial. RE 171.645 RTJ 155/673 Índice de 84,32% (...) Servidor público. RMS 21.777 RTJ 155/498 — RE 141.816 RTJ 155/590 Individualização (...) Pena. HC 70.931 RTJ 155/522 Inscrição na OAB (falta) (...) Representação processual. MS 21.730 (AgRgEDcI) RTJ 155/493 Instrução criminal (réu não requisitado) (...) Citação por edital. HC 71.288 RTJ 155/541 Intervenção Federal. Descumprimento de decisão judicial (alegação). Pedido de encaminhamento (indeferimento por Tribunal de Justiça). Rcl 464 RTJ 155/348 X PrPn Adm Int-Luc — ÍNDICE ALFABÉTICO Intimação criminal. Nulidade. Defensor público intimado pelo Diário Oficial. HC 71.732 RTJ 155/557 Isonomia de vencimentos dos auditores assistentes estaduais e municipais (concessão) (...) Tribunal de Contas estadual. ADIn 1 249 (Medida liminar) RTJ 155/437 J PrPn Ct Ct PrTr Jogo do bicho (...) Pena. HC 70.931 RTJ 155/522 Juiz classista (...) Poder Judiciário. MS 21.720 RTJ 155/478 Juros reais (...) Sistema Financeiro Nacional. RE 162.713 RTJ 155/655 Justiça do Trabalho (...) Competência. RE 135.937 RTJ 155/575 L Int Ct Lei brasileira (...) Extradição. Extr 606 RTJ 155/377 Lei complementar (exigência) (...) Sistema Financeiro Nacional. RE 162.713 RTJ 155/655 Ct Lei distrital n2 709/94 (...)Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.136 (Medida liminar) RTJ 155/433 PiCv Lei n2 4.215/63, art. 65 (...) Representação processual. MS 21.730 (AgRgEDcl) RTJ 155/493 Int Lei n2 6.815/80, art. 77, V (...) Extradição. Extr 624 RTJ 155/387 Trbt Lei n2 7.689/88 (...) Contribuição social. RE 166.261 RTJ 155/665 Mm Lei n2 7.730/89 (...) Servidor público. RE 159.130 RTJ 155/621 Adm Lei n2 8.028/90, art. 40 (inconstitucionalidade) (...) Diplomata. MS 21.154 RTJ 155/440 Lei regulamentadora (ausência) (...) Prova criminal. HC 69.912 RTJ 155/508 Liberdade provisória (fiança) (...) Recurso extraordinário criminal. RECr 160.884 RTJ 155/631 Limitação constitucional (...) Sistema Financeiro Nacional. RE 162.713 RTJ 155/655 Lista tríplice apresentada por sindicato não organizado nem filiado a federação (...)Poder Judiciário. MS 21.720 RTJ 155/478 Lucro das pessoas jurídicas (...) Contribuição social. RE 166.261 RTJ 155/665 PrPn PrPn Ct Ct Trbt ÍNDICE ALFABÉTICO — Man-Pen Ct PrCv PrCv PrCv Ct Ct Ct Adm XI Mandato eletivo (vigência) (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Matéria constitucional (ofensa inexistente) (...) Recurso extraordinário. RE 117.802 RTJ 155/568 Matéria constitucional (preclusão) (...) Recurso extraordinário. Ag 152.835 (AgRg) RTJ 155/609 Medicamentos importados (aquisição) (...) Suspensão de segurança. SS 702 (AgRg) RTJ 155/402 Medida liminar (deferimento) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.088 (Medida liminar) RTJ 155/430 Medida liminar (deferimento) (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Medida liminar (indeferimento) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.136 (Medida liminar) RTJ 155/433 Militar. Anistia. Promoção. ADCT/88, art. 82 (alcance). RE 145.193 RTJ 155/598 N PrPn PrPn Nulidade (...) Intimação criminal. HC 71.732 RTJ 155/557 Nulidade inexistente (...) Citação por edital. HC 71.288 RTJ 155/541 o Adm Adm PrCv Ocupação por militar (...) Imóvel funcional. RMS 21.770 RTJ 155/495 Opção pela carreira (direito anterior à instalação da Assembléia Nacional Constituinte) (...) Defensor público. RE 161.712 RTJ 155/635 Ordem cronológica (...) Precatório. RE 164.174 RTJ 155/662 P Ct Pedido de encaminhamento (indeferimento por Tribunal de Justiça) (...) Intervenção Federal. Rcl 464 RTJ 155/348 PrPn Pena. Individualização. Fundamentação. Pena-base (limite máximo). Critério Pn trifásico. Quadrilha (gravidade objetiva). Jogo do bicho. HC 70.931 RTJ 155/522 Pena. Regime de cumprimento. Regime menos severo (denegação). Fundamentação da sentença (exigência). HC 70.998 RTJ 155/530 Pena-base (limite máximo) (...) Pena. HC 70.931 RTJ 155/522 PrPn XII Pen-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO PrPn PrPn Pena de multa (impugnação) (...) Habeas corpus. HC 71.732 RTJ 155/557 Periculosidade e perversão do réu (...) Prisão preventiva. HC 71.308 RTJ 155/544 PrPn Trbt Permissão de deferimento (...) Sursis. HC 70.998 RTJ 155/530 Pessoa jurídica de Direito Privado (exportador) (...) ICM. RE 141.416 RTJ 155/587 TrPrv Ct Piso mínimo (...)Benefício previdenciário. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 Poder Executivo. Governador. Imunidade processual. Crime comum. Prisão permitida após sentença condenatória. Medida liminar (deferimento). ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Ct Poder Executivo. Governador. Imunidade processual. Mandato eletivo (vigência). Responsabilidade por atos estranhos ao exercício de suas funções (ausência). Medida liminar (deferimento). ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Ct Poder Judiciário. TRT. Juiz classista. Lista tríplice apresentada por sindicato não organizado nem filiado a federação. Dupla indicação (inocorrência). Constituição Federal, art. 115, parágrafo único, inciso III. MS 21.720 RTJ 155/478 Ct Portaria n2 368/93 do Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (suspensão) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.088 (Medida liminar) RTJ 155/430 PrCv Precatório. Crédito de natureza alimentícia. Ordem cronológica. Constituição PrCv PrPn PrPn PrPn PrPn PrPn Trbt Adm Int Int Federal/88, art. 100. RE 164.174 RTJ 155/662 Prequestionamento (falta) (...) Recurso extraordinário. RE 117.802 RTJ 155/568 Prequestionamento (falta) (...) Recurso extraordinário criminal. RECr 160.884 RTJ 155/631 Prescrição da pretensão punitiva (...) Ação penal. RE 168.776 RTJ 155/669 Prescrição de pena de multa (...) Competência. HC 71.632 RTJ 155/552 Pressupostos (exigência) (...) Sursis. HC 70.998 RTJ 155/530 Prestação de serviço à comunidade (...) Sursis. HC 72.233 RTJ 155/563 Princípio da irretroatividade (ofensa) (...) Contribuição social. RE 166.261 RTJ 155/665 Princípio do contraditório (ofensa) (...) Processo administrativo. MS 21.721 RTJ 155/487 Prisão decretada por juiz competente (fundamentação) (...) Extradição. Extr 617 RTJ 155/380 Prisão não concretizada (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Rec PrPn Ct PrPn PrPn Adm Prev Adm Int Adm Ct PrPn PrPn Adm PrCv PYFr Adm PrPn XIII Prisão não noticiada nos autos (...)Citação por edital. HC 71.288 RTJ 155/541 Prisão permitida após sentença condenatória (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Prisão posterior à revelia (...) Citação por edital. HC 71.288 RTJ 155/541 Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Periculosidade e perversão do réu. Revogação (descabimento). HC 71.308 RTJ 155/544 Processo administrativo. Anulação. Princípio do contraditório (ofensa). Cerceamento de defesa. Decreto de demissão (nulidade). MS 21.721 RTJ 155/487 Procuradores autárquicos (...) Representação processual. RE 140.584 (AgRg) RTJ 155/586 Progressão de servidores em atividade (reposicionamento) (...) Servidor público. RMS 21.665 RTJ 155/474 Promessa de reciprocidade pelo governo requerente (...)Extradição. Extr 600 RTJ 155/352 Promoção (...) Militar. RE 145.193 RTJ 155/598 Promoção de ex-combatente (autorização ao Executivo) (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 1.136 (Medida liminar) RTJ 155/433 Prova criminal. Escuta telefónica mediante autorização judicial. Lei regulamentadora (ausência). Prova ilícita. HC 69.912 RTJ 155/508 Prova ilícita (...) Prova criminal. HC 69.912 RTJ 155/508 Proventos (...) Funcionário público. RMS 21.857 RTJ 155/501 Proventos (...) Recurso extraordinário. RE 117.802 RTJ 155/568 Proventos (complementação) (...) Competência. RE 135.937 RTJ 155/575 Proventos da aposentadoria (descabimento da extensão do benefício) (...) Servidor público. RMS 21.665 RTJ 155/474 Publicação da pauta de julgamento (não exigência) (...) Habeas carpiu. HC 71.076 (EDcI) RTJ 155/536 Q PrPn Adm Quadrilha (gravidade objetiva) (...) Pena. HC 70.931 RTJ 155/522 Quadro especial (...) Diplomata. MS 21.154 RTJ 155/440 R Adm PrPn Reajuste de vencimentos (revogação) (...) Servidor público. RE 159.130 RTJ 155/621 Reclamação. Descumprimento de decisão do STP (ausência). Sentença criminal (fixação da pena). Rcl 435 RTJ 155/343 XIV Adm Prev Prev Rec-Sal — ÍNDICE ALFABÉTICO Reclassificação de cargos (inocorrência) (...) Servidor público. RMS 21.665 RTJ 155/474 Recurso especial (inadmissibilidade) (...) Recurso extraordinário. Ag 152.835 (AgRg) RTJ 155/609 Recurso extraordinário. Direito local. Servidor público municipal. Vencimentos (reajuste). Súmula 280. Ag 146.437 (AgRg) RTJ 155/603 Plev Recurso extraordinário. Matéria constitucional (ofensa inexistente). Prequestionamento (falta). Servidor público. Proventos. Gratificação de insalubridade (inclusão). RE 117.802 RTJ 155/568 Prev Recurso extraordinário. Matéria constitucional (preclusão). Recurso especial PrPn Recurso extraordinário criminal. Prequestionamento (falta). Liberdade pro- (inadmissibilidade). Ag 152.835 (AgRg) RTJ 155/609 Pb Perr Pn PiO PrPn Prev visória (fiança). RECr 160.884 RTJ 155/631 Regime de cumprimento (...) Pena. HC 70.998 RTJ 155/530 Regime jurídico da CLT (...) Competência. RE 135.937 RTJ 155/575 Regime menos severo (denegação) (...) Pena. HC 70.998 RTJ 155/530 Regularização perante o STF (impossibilidade) (...) Agravo de Instrumento. Ag 137.410 (AgRg) RTJ 155/579 Remessa dos autos ao tribunal de origem (...) Competência. HC 71.632 RTJ 155/552 Representação processual. Advogado (irregularidade). Inscrição na OAB (falta). Atos processuais declarados inexistentes. Lei n2 4.215/63, art. 65. MS 21.730 (AgRg-EDcI) RTJ 155/493 Prev Int Ct PrPn PrPn Pn TrPrv Representação processual. Procuradores autárquicos. RE 140.584 (AgRg) RTJ 155/586 Requerimento por via diplomática (autenticidade) (...) Extradição. Extr 600 RTJ 155/352 Responsabilidade por atos estranhos ao exercício de suas funções (ausência) (...) Poder Executivo. ADIn 1.011 (Medida liminar) RTJ 155/424 Revelia (...) Citação por edital. HC 71.288 RTJ 155/541 Revogação (descabimento) (...) Prisão preventiva. He 71.308 RTJ 155/544 Roubo. Co-autoria. Desmembramento do processo em crime consumado e tentativa (impossibilidade). Ajustamento da pena Código de Processo Penal, art. 580. HC 71.480 RTJ 155/547 Salário mínimo (...) Benefício previdenciário. RE 157.109 (AgRg) RTJ 155/614 ÍNDICE ALFABÉTICO — Sen-Sus PrPn PrTr Adm Adm Adm Adm PrCv Adm PrCv Ct PrPn PrCv PrCv PrPn PrPn XV Sentença criminal (fixação da pena) (...) Reclamação. Rei 435 RTJ 155/343 Servidor inativo da FEPASA (...) Competência. RE 135.937 RTJ 155/575 Servidor investido na função (...) Defensor público. RE 161.712 RTJ 155/635 Servidor público. Cargo público (investidura). Ascensão funcional (inconstitucionalidade). RE 129.943 RTJ 155/571 Servidor público. Progressão de servidores em atividade (reposicionamento). Proventos da aposentadoria (descabitnento da extensão do benefício). Reclassificação de cargos (inocorrência). Constituição Federal/88, art. 40, parágrafo 42 (inaplicabilidade). RMS 21.665 RTJ 155/474 Servidor público. Reajuste de vencimentos (revogação). URV. Direito adquirido (inexistência). Lei n2 7.730/89. RE 159.130 RTJ 155/621 Servidor público (...) Recurso extraordinário. RE 117.802 RTJ 155/568 Servidor público. Vencimentos (reajuste). Índice de 84,32%. Direito adquirido (inexistência). RMS 21.777 RTJ 155/498 — RE 141.816 RTJ 155/590 Servidor público municipal (...) Recurso extraordinário. Ag 146.437 (AgRg) RTJ 155/603 Sistema Financeiro Nacional. Juros reais. Limitação constitucional. Aplicação imediata (ausência). Lei complementar (exigência). RE 162.713 RTJ 155/655 Substituição de recurso ordinário (...) Competência. HC 70.590 RTJ 155/520 Súmula 280 (...) Recurso extraordinário. Ag 146.437 (AgRg) RTJ 155/603 Súmula 288 (aplicação) (...) Agravo de Instrumento. Ag 137.410 (AgRg) RTJ 155/579 Sursis. Condição. Prestação de serviço à comunidade. Constrangimento ilegal (inexistência). MC 72.233 RTJ 155/563 Sursis. Permissão de deferimento. Pressupostos (exigência). HC 70.998 RTJ 155/530 Prev Suspensão de execução de liminar (...) Suspensão de segurança. SS 702 (AgRg) RTJ 155/402 Prev Suspensão de segurança. Suspensão de execução de liminar. Medicamentos importados (aquisição). Grave lesão à saúde pública SS 702 (AgRg) RTJ 155/402 Suspensão do processo (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Sustentação oral (empenho do advogado) (...) Habeas anus. HC 71.076 (Mel) RTJ 155/536 Int PrPn XVI Tem-Ven — ÍNDICE ALFABÉTICO T PrCv Tempestividade (...) Extradição. Extr 604 RTJ 155/370 Teto constitucional (ajuste) (...) Funcionário público. RMS 21.857 RTJ 155/501 Tráfico internacional de entorpecentes (...) Extradição. Extr 617 RTJ 155/380 — Extr 624 RTJ 155/387 Traslado deficiente (...) Agravo de Instrumento. Ag 137.410 (AgRg) RTJ Adm 155/579 Tribunal de Contas estadual. Decisão administrativa (suspensão cautelar). Ct Isonomia de vencimentos dos auditores assistentes estaduais e municipais (concessão). ADIn 1.249 (Medida liminar) RTJ 155/437 TRT (...) Poder Judiciário. MS 21.720 RTJ 155/478 Int Adm Int Cf Adm Pn União Nacional dos Estudantes —UNE (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADIn 894 RTJ 155/406 URV (...) Servidor público. RE 159.130 RTJ 155/621 Uso de documento falso (...) Crime. FIC 70.422 RTJ 155/516 V Adm PtCv Adm Vantagens de caráter pessoal (exclusão) (...) Funcionário público. RMS 21.857 RTJ 155/501 Vencimentos (reajuste) (...) Recurso extraordinário. Ag 146.437 (AgRg)RTJ 155/603 Vencimentos (reajuste) (...) Servidor público. RMS 21.777 RTJ 155/498 — RE 141.816 RTJ 155/590 ÍNDICE NUMÉRICO ACÓRDÃOS 435 (Rd) 464 (Rei) 600 (Extr) 604 (Extr) 606 (Extr) 617 (Extr) 624 (Extr) 681 (Inq-Queixa-crime Q. de Ordem) 702 (SS-AgRg) 894 (ADIn) 987 (ADIn-Medida liminar) 1.011 (ADIn-Medida liminar) 1.088 (ADIn-Medida liminar) 1.136 (ADIn-Medida liminar) 1.249 (ADIn-Medida liminar) 21.154 (MS) 21.665 (RMS) 21.720 (MS) 21.721 (MS) 21.730 (MS-AgRg-EDc1) 21.770 (RMS) 21.777 (RMS) 21.857 (RMS) 69.912 (HC) Rel.: Mia Moreira Alves Rel.: Má. Octavio Gallotti Rel.: Má. Sydney Sanches Rel.: Mia limar Gaivão Rel.: Má. Marco Aurélio Rel.: Min. Néri da Silveira Rel.: Má. Francisco Rezek 155/343 155/348 155/352 155/370 155/377 155/380 155/387 Rel.: Má. Celso de Mello Rel.: Má. Octavio Gallotti Rel.: Má. Néri da Silveira Rel.: Min. limar Gaivão Rel.: Má. limar Gaivão Rel.: Má. Francisco Rezek Rel.: Mui. Francisco Rezek Rel.: Min. Maurício Corrêa Rel. p/o acórdão: Má. Marco Aurélio Rel.: Má. Carlos Velloso Rel.: Alia Néri da Silveira Rel.: Má. Moreira Alves Rel.: Má. Celso de Mello Rel.: Má. Carlos Velloso Rel.: Má. Carlos Velloso Rel.: Min. limar Gaivão Rel.: Má. Sepúlveda Pertence 155/396 155/402 155/406 155/416 155/424 155/430 155/433 155/437 155/440 155/474 155/478 155/487 155/493 155/495 155/498 155/501 155/508 ÍNDICE NUMÉRICO 70.422 70.590 70.931 70.998 71.076 71.288 71.308 71.480 71.632 71.732 72.233 72.389 117.802 129.943 135.937 137.410 139.647 140.584 141.416 141.816 145.193 146.437 150.376 150.850 152.835 157.109 159.130 160.884 161.712 162.713 164.174 166.261 168.776 171.645 (HC) (HC) (HC) (HC) (HC-EDc1) (HC) (MC) (HC) (HC) (HC) (HC) (HC) (RE) (RE) (RE) (Ag-AgRg) (Ag-AgRg) (RE-AgRg) (RE) (RR) (RE) (Ag-AgRg) (Ag-AgRg) (Ag-Agltg) (Ag-AgRg) (RE-AgRg) (RE) (RECr) (RE) (RE) (RE) (RE) (RE) (RE) Rel.: Min. Sydney Sanches Rel.: Min. Moreira Alves Rel.: Min. Sepúlveda Pertence Rel.: Má. Sepúlveda Pertence Rel.: Min. Sydney Sanches Rel.: Min. Sepdlveda Pertence Rel.: Má Sydney Sanches Rel.: Min. Néri da Silveira Rel.: Min. Maurício Corrêa Rel.: Min. Maurício Corrêa Rel.: Min. Maurício Corrêa Rel.: Min. Maurício Corrêa Rel.: Min. limar Gaivão Rel.: Min. Carlos Venoso Rel.: Min. Moreira Alves Rel.: Min. Francisco Rezek Rel.: Difin. Celso de Mello Rel.: Má. Marco Aurélio Rel.: Min. Limar Gaivão Rei.: Má Celso de Mello Rel.: Min. Celso de Mello Rel.: Min. limar Gaivão Rel.: Min. Sydney Sanches Rel.: Min. Sepúlveda Pertence Rel.: Min. Sepúlveda Pertence Rel.: Min. Celso de Mello Rel.: Min. Moreira Alves Rel.: Min. Francisco Rezek Rel. p/o acórdão: Min. Francisco Rezek Rel.: Min. Carlos Venoso Rel.: Min. Carlos Velloso Rel.: Min. Celso de Mello Rel.: Min. Moreira Alves Rel.: Min. Sepúlveda Pertence XX 155/516 155/520 155/522 155/530 155/536 155/541 155/544 155/547 155/552 155/557 155/563 155/565 155/568 155/571 155/575 155/579 155/582 155/586 155/587 155/590 155/598 155/603 155/605 155/607 155/609 155/614 155/621 155/631 .155/635 155/655 155/662 155/665 155/669 155/673