Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26

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Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26
Programa de Pós-Graduação em Genética
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Biológicas
Departamento de Genética
Caracterização Molecular de Cepas
de Vibrio cholerae O26, Isoladas de
Processos Entéricos Humanos no
Nordeste do Brasil
Francisco André Marques de Oliveira Cariri
RECIFE – PE
2008
Francisco André Marques de Oliveira Cariri
Caracterização Molecular de Cepas de
Vibrio cholerae O26, Isoladas de Processos
Entéricos Humanos no Nordeste do Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Genética da Universidade Federal
de
Pernambuco,
como
parte
dos
requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em
Genética.
Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Pompílio de Melo
Neto, Depto. de Microbiologia, Centro de Pesquisas
Aggeu Magalhães, CPqAM – FIOCRUZ.
Co-Orientadora: Profa. Dra. Nilma Cintra Leal,
Depto. de Microbiologia, Centro de Pesquisas Aggeu
Magalhães, CPqAM – FIOCRUZ.
RECIFE – PE
ABRIL, 2008
Cariri, Francisco André Marques de Oliveira
Caracterização molecular de cepas de Vibrio
cholerae O26, isoladas de processos entéricos
humanos no nordeste do Brasil. / Francisco André
Marques de Oliveira Cariri. – Recife: O Autor, 2008.
90 fls. .: il.
Dissertação (Mestrado em Genética) – UFPE. CCB
1. Vibrio cholerae 2. Filologia 3. Cólera
I.Título
575.86
576.88
CDU (2ª. Ed.)
CDD (22ª. Ed.)
UFPE
CCB – 2008 –065
Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em Genética
PARECER DA COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE
MESTRADO DE FRANCISCO ANDRÉ MARQUES DE OLIVEIRA CARIRI
“Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio cholerae O26,
Isoladas de Processos Entéricos Humanos no Nordeste do
Brasil”
Área de Concentração: BIOLOGIA MOLECULAR
RECIFE - PE
2008
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Abidias e Maria, que,
que,
acreditando no meu potencial, me prepararam
para a vida. Eles são exemplos e estímulos
estímulos
para a longa e contínua caminhada;
caminhada;
E à Carol por todo carinho, apoio e
compreensão,
compreensão, aceitando terter-me pela metade
durante a realização deste trabalho.
trabalho.
Sonhar, mais um sonho impossível,
Lutar, quando é fácil ceder,
Vencer, o inimigo invencível.
Negar, quando
uando a regra é vender...
Voar, no limite improvável.
Tocar o inacessível chão...
E assim seja lá como for,
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do
do impossível chão.
in: Sonho Impossível
de Chico Buarque e Rui Guerra
artes,, isto é, um veículo
“O processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo das artes
de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no universo.”
in: A Dança do Universo
Marcelo Gleiser
... Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente...
... Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
... É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir
in: Tocando em Frente
Almir Sater e Renato Teixeira
AGRADECIMENTOS
A Deus pela minha saúde, pela minha família, pelos meus amigos e por permitir
que eu realize meus sonhos;
Aos meus orientadores, Dr. Osvaldo Pompílio de Melo Neto e Dra. Nilma Cintra
Leal, pela oportunidade, pela confiaça, pela paciência, pelo incentivo, pelos
ensinamentos, pelos conselhos e, sobretudo, pela amizade. Por eles tenho a mais sincera
admiração pelo brilhantismo acadêmico e um profundo respeito. Serei sempre grato pelas
orientações científicas criteriosas e críticas que muito contribuíram para a minha
formação.
Às doutoras Alzira, Cris e Marise (mãe de Luise) pela consideração, pela
amizade e pelos ensinamentos diários;
Aos colegas de bancada (Alexandra Farias, Ana Paula Campos, Betânia, Bruna
Caiado, Carlos Júnior, Érika Costa, Gerlane Souza, Maria Adelaide Barbosa, Maria
Paloma Barros, Mirele Araújo, Patrícia Rosa, Rosanny Benevides e especialmente à
Ana Paula Costa, Camylla Melo, Carina Mendes, Christian Reis - Negão, Danielle
Moura - Danona, Éden Freire, Eduardo Nunes, Dr. Franklin Magalhães, Isabelle Luz,
Dr. José Ronnie Vasconcelos, Larissa Nascimento, Mariana Andrade, Mariana Marques
Pereira [companheira de disciplinas do mestrado], Mariana Palma, Marília Nascimento,
Patrícia Toniolo, Rafaela Andrade, Rodrigo Lima, Tamara De' Carli Lima, Vladimir
Silveira Filho, Wagner Oliveira e Wellington Silva) pelas experiências trocadas e por
compartilharmos o dia-a-dia. Aos amigos do Departamente de Entomologia;
À Dra. Cássia Docena pela ajuda com o seqüenciamento e pela constante troca
de idéias; e ao Dr. Valdir Balbino pelas valiosas dicas de bioinformática;
Aos funcionários do Departamento de Microbiologia (Bruna Lima, Cláudio
Araújo, Edson Dantas, Fernanda Melo, Isaac Martins - Martináutico, José Dantas, Kátia
Farias, Marcos Marques, Nélson Santos, Patrícia Silva, Tarcísio Oliveira, Rita Silva,
Silvana Santos e Yara Nakazawa) pela ajuda substancial e pela paciência. À Bruna e
Raimundo pelo suporte técnico fotográfico.
Ao Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – FIOCRUZ por ser minha segunda
casa, durante esses nove anos, onde encontrei minha vocação e aprendi que vale a pena
investir cada segundo naquilo que gostamos de fazer;
Aos órgãos de fomento (CNPq, CAPES, FACEPE e FIOCRUZ), pela bolsa
concedida e pelo apoio financeiro para realizar os nossos experimentos;
Aos doutores Antonio Carlos e Valdir Balbino, membros da pré-banca, pelas
sugestões dadas à esta dissertação;
Aos amigos do CCB, em especial, Adri, Airton, Plínio, Pabyton e Wal;
À minha família e à “Carolinda” pelo apoio incondicional, pelo incentivo e pelos
conselhos, quando necessário;
E a todos que não foram citados, mas que foram igualmente importantes nesta
jornada.
ÍNDICE
TABELA.....................................................................................................................VIII
LISTA DE FIGURAS................................................................................................... IX
LISTA DE ABREVIATURAS.......................................................................................X
RESUMO GERAL ....................................................................................................XIII
ABSTRACT ............................................................................................................... XIV
1 – INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
2 – OBJETIVO GERAL .............................................................................................. 17
2.1 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS............................................................................. 17
3 – REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 18
3.1 – CÓLERA............................................................................................................ 18
3.1.1 – SINTOMAS, TRANSMISSÃO E TRATAMENTO ................................ 18
3.1.2 – EPIDEMIOLOGIA DA CÓLERA............................................................ 19
3.1.3 – HISTÓRICO DA CÓLERA ...................................................................... 20
3.1.4 – DIAGNÓSTICO DA CÓLERA ................................................................ 23
3.2 – AGENTE ETIOLÓGICO................................................................................... 25
3.2.1 – ECOLOGIA DO Vibrio cholerae.............................................................. 25
3.2.1.1 – RESERVATÓRIO AMBIENTAL ...................................................... 26
3.2.1.2 – ESTADO VIÁVEL MAS NÃO CULTIVÁVEL................................ 27
3.2.2 - FATORES DE VIRULÊNCIA .................................................................. 29
3.2.2.1 – A VPI................................................................................................... 29
3.2.2.2 – O PROFAGO CTXφ............................................................................ 30
3.2.2.3 – OUTROS FATORES DE VIRULÊNCIA........................................... 32
3.2.3 – TAXONOMIA DO DOMÍNIO BACTÉRIA ............................................ 33
3.2.3.1 – FAMÍLIA VIBRIONACEAE ............................................................. 33
3.2.3.2 – GÊNERO Vibrio.................................................................................. 34
3.2.4 – ESPÉCIE Vibrio cholerae ......................................................................... 35
3.2.4.1 – CLASSIFICAÇÃO ANTIGÊNICA .................................................... 35
3.2.4.2 – Vibrio cholerae O1 .............................................................................. 37
3.2.4.3 – Vibrio cholerae O139 .......................................................................... 37
3.2.4.4 – Vibrio cholerae NÃO-O1/ NÃO-O139 ............................................... 38
3.2.4.5 – Vibrio cholerae O26 ............................................................................ 38
3.2.5 – MÉTODOS MOLECULARES USADOS NA CLASSIFICAÇÃO
BACTERIANA ......................................................................................... 39
3.2.6 – OS GENES DE rRNA COMO MARCADORES MOLECULARES....... 39
3.2.7 – REGIÃO ESPAÇADORA INTERGÊNICA DO rRNA 16S-23S ............ 41
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 44
5 – ARTIGO CIENTÍFICO A SER SUBMETIDO................................................... 56
RESUMO ................................................................................................................... 57
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 58
MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................ 60
RESULTADOS .......................................................................................................... 63
DISCUSSÃO .............................................................................................................. 68
TABELAS .................................................................................................................. 71
FIGURAS ................................................................................................................... 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 79
6 – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES........................................................... 83
7 – CONCLUSÕES....................................................................................................... 84
8 – ANEXO.................................................................................................................... 85
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... VIII
TABELA
Página
Tabela
1
–
Métodos
moleculares
usados
para
classificar
Vibrio
cholerae............................................................................................................................... 40
CARIRI, F.A.M.O.
IX
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 1 – Paciente apresentando sinais típicos da forma grave da cólera ......................... 18
Figura 2 – Esquema evidenciando: A - A secreção da CT no lúmen intestinal; B - O
aumento da concentração intracelular de cAMP; C - A secreção de sódio, cloro e água
do meio intracelular para o lúmen ....................................................................................... 19
Figura 3 – Número de casos de cólera no Mundo e taxa de mortalidade, entre 1991 e
2006 ..................................................................................................................................... 21
Figura 4 – Distribuição da cólera no Brasil, entre 1990 e 1996, evidenciando a rota da
epidemia ............................................................................................................................... 22
Figura 5 – Número de casos de cólera em Brasil e taxa de mortalidade, entre 1991 e
2006 …................................................................................................................................. 23
Figura 6 – Bacias hidrográficas do Estado de Pernmbuco – Brasil ...................................
23
Figura 7 – Esquema do método tradicional de diagnóstico ...............................................
24
Figura 8 – Esquema da Ilha de Patogenicidade evidenciando o conjunto de genes TCP,
responsável pela expressão do fator de colonização, e demais genes envolvidos com a
regulação .............................................................................................................................. 29
Figura 9 – A - Esquema representativo da cascata regulatória que controla a expressão
da toxina colérica (CT), evidenciando a ativação do gene ctxA pelo ToxT e a síntese da
CT. B - Região intergênica onde se encontra as sequências repetidas de
heptanucleotídeos. C - Seqüências parciais de nucleotídeo a montante do gene ctxA das
cepas 0395 (Vibrio cholerae O1 Clássico) e 10259 (V. cholerae não-O1/não-O139) ........ 30
Figura 10 – Esquema do profago CTXφ evidenciando a região central e a região RS2 ....
31
Figura 11 – Fotomicrografia eletrônica evidenciando a morfologia do V. cholerae .......... 35
Figura 12 – Esquema da região intergênica do rDNA (rrn), evidenciando a região
espaçadora intergênica (ISR) composta de genes de tRNA e regiões não codificadores .... 41
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
LISTA DE ABREVIATURAS
µm
Micrômetro
°C
Grau Celsius
A
Adenina
AFLP
Amplified Fragment Length Polymorphism – Polimorfismo do
Comprimento dos Fragmentos Amplificados
Ágar TCBS
Ágar Tiossulfato/Citrato/Bile
APA
Água Peptonada Alcalina
ARDRA
Amplified Ribosomal DNA Restriction Analysis – Análise de Restrição do
DNA Ribossomal Amplificado
C
Citosina
cAMP
Cyclic Adenosine Monophosphate – Adenosina Monofosfato Cíclico
CT
Cholera Toxin – Toxina Colérica
DNA
Deoxyribonucleic Acid – Ácido Desoxirribonucléico
G
Guanina
gap
gene da gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase
gyrB
gene da subunidade B da DNA Girase
HSP
Heat Shock Protein - Proteínas de Choque Térmico
ISR
Intergenic Spacer Regions – Região Espaçadora Intergênica
LPS
Lipopolissacarídeo
MLEE
Multilocus Enzyme Electrophoresis – Eletroforese de Enzima Multilocus
MLST
Multilocus Sequence Typing – Tipagem por Seqüenciamento de
Multilocus
mM
Milimolar
NaCl
Cloreto de Sódio
NaHCO3
Bicarbonato de Sódio
X
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
NH4Cl
Cloreto de Amônio
ORF
Open reading frame – Região gênica codificadora
pb
Pares de Base
PBS
Phosphate Buffered Saline - Tampão Fosfato-Salino
PCR
Polymerase Chain Reaction – Reação em Cadeia da Polimerase
pH
Potencial hidrogeniônico
PVDF
Polyvinylidene Difluoride Membrane - Membranas de Polifluoreto de
Vinilideno
RAPD
Random Amplified Polymorphic DNA – DNA Polimórfico Amplificado
Aleatoriamente
rDNA
Ribosomal DNA – DNA Ribossomal
recA
gene da Recombinase A
REP
Repetitive Extragenic Palindromic – Palíndromos Repetitivos
Extragênicos
RFLP
Restriction Fragment Length Polymorphism – Polimorfismo do
Comprimento dos Fragmentos de Restrição
RNA
Ribonucleic Acid – Ácido Ribonucléico
rpoB
gene da subunidade beta da RNA polimerase
rrn
operon de RNA ribossomal
rRNA
Ribosomal RNA – RNA Ribossomal
RS
Repeats Sequences – Seqüências Repetidas
RTX
Repeat in toxin – Toxina em repetição
TCA
Trichloroacetic Acid - Ácido Tricloroacético
TCBS Agar
Thiosulfate Citrate Bile Salts Sucrose Agar – Agar Tiossulfato Citrato
Bile Sacarose
TCP
Toxin-Coregulated Pilus – Pílus Corregulador de Toxina
tRNA
Transfer RNA – RNA Transportador
tRNAAla
tRNA que transporta o aminoácido Alanina
XI
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
tRNAGlu
tRNA que transporta o aminoácido Ácido glutâmico
tRNAIle
tRNA que transporta o aminoácido Isoleucina
tRNALys
tRNA que transporta o aminoácido Lisina
tRNAVal
tRNA que transporta o aminoácido Valina
U
Uracila
VNC
Viable but Nonculturable – Viável mas não Cultivável
VPI
Vibrio Pathogenicity Island – Ilha de Patogenicidade de Vibrio
VSP
Vibrio seventh pandemic island – Ilha de patogenicidade do Vibrio da
sétima pandemia
XII
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XIII
RESUMO GERAL
A emergência do Vibrio cholerae sorogrupo O139 como um segundo agente
etiológico da cólera serviu de alerta para o surgimento de outros clones epidêmicos que
possam passar despercebidos pelos métodos tradicionais de diagnóstico da cólera,
geralmente baseados no uso de antissoro contra o sorogrupo O1 tradicional. Em estudos
prévios, a partir da análise de 179 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 isoladas de
casos clínicos de cólera no Brasil, foram selecionadas sete cepas de V. cholerae O26, e
outra cepa de sorogrupo não tipável (17155), que possuíam genes de virulência
associados ao desenvolvimento desta enfermidade. Destas, duas cepas (4756 e 17155)
possuíam o gene rfb, específico do sorogrupo O1, sugerindo serem genotipicamente
deste sorogrupo, e também expressaram a toxina colérica (CT) em cultura. Este trabalho
buscou uma análise genética mais detalhada destas oito cepas comparando a
classificação sorológica com outros marcadores moleculares. Neste sentido foi realizada
a amplificação, clonagem e seqüenciamento da região espaçadora ribossomal 16S-23S
(ISR) de diferentes operons de V. cholerae. A partir da análise da seqüência de cinco
grupos de operons distintos (de um total de 210 clones seqüenciados), foram
construídas três árvores filogenéticas em que as cepas 4756 e 17155 ficaram agrupadas
no mesmo clado com cepas O1 controle, e as demais cepas O26 foram agrupadas
separadamente. Conclui-se, desta forma, que as cepas 4756 e 17155 são
filogeneticamente do sorogrupo O1 e a diferença nos resultados de sorologia pode ser
uma conseqüência de soroconversão provocada por mudanças em genes de biossíntese
do antígeno O.
Palavras-chaves: Vibrio cholerae não-O1/ não-O139, conversão sorológica, região
espaçadora intergênica rRNA16S-23S, sistemática molecular
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio... XIV
ABSTRACT
The emergence of the Vibrio cholerae O139 serogroup as a second ethiologic
agent for cholera served as an alert to the rise of other epidemic strains that may pass
unnoticed by traditional methods of diagnosis, usually based on the use of antiserum
directed against the traditional O1 serogroup. In previous studies, out of 179 non-O1/
non-O139 V. cholerae strains isolated from clinical cases during the cholera outbreak in
Brazil, seven strains classified as V. cholerae O26 and one strain defined as not-typable
(17155) were selected which contained virulence genes associated with the development
of this disease. Two strains (4756 and 17155) contained the gene rfbN specific to the
O1 serogroup, suggesting that genotypically they belonged to this serogroup, and were
also able to express the cholera toxin in culture. Here a more detailed genetic analysis of
these eight strains was carried out comparing the serological classification with other
molecular markers. In this respect the 16S-23S rRNA intergenic spacer regions (ISRs)
from the various V. cholerae operons were amplified, cloned and sequenced from each
strain. From the analysis of the sequence of five operons (totalizing 210 sequenced
clones), three phylogenetic trees were built in which strains 4756 and 17155 always
clustered with control O1 strains, whilst the remaining O26 strains clustered separately.
Thus, the two strains 4756 and 17155 phylogenetically belong to the O1 serogroup and
the difference in the serological results may be a consequence of seroconversion caused
by changes in the genes required for the biosynthesis of the antigen O.
Keywords: Vibrio cholerae non-O1/ non-O139, serological conversion, 16S/23S rRNA
intergenic spacer regions, Molecular systematic
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
1 – INTRODUÇÃO
A cólera é uma doença infecciosa intestinal exclusiva dos seres humanos (Kaper
et al., 1995). O seu agente etiológico é o Vibrio cholerae, que foi identificado por Koch,
a partir da correlação entre a etiologia e a transmissão da doença (Sack et al., 2004).
A espécie Vibrio cholerae Pacini, 1854 utiliza a glicose, sacarose e manitol nas
suas vias metabólicas anaeróbicas. A base da identificação e da classificação sorológica
desta espécie é o antígeno “O”, um polissacarídeo termoestável integrante do
lipopolissacarídeo (LPS) de superfície que apresenta uma enorme diversidade (Yamai et
al., 1997). Os determinantes antigênicos do LPS são aglutinados com antissoro para o
antígeno “O” específico. Desta forma, mais de 200 sorogrupos de V. cholerae foram
identificados (Sack et al., 2004) e o primeiro deles foi denominado de V. cholerae
sorogrupo O1.
Os genes de biossíntese do antígeno O estão localizados no conjunto de genes
wbe, que apresenta entre outras características, regiões conservadas nas suas
extremidades. Isso permite que cepas de diferentes sorogrupos possam ser
soroconvertidas em outro sorogrupo após a recombinação homóloga desta região,
aglutinando assim com o mesmo antissoro O (Colwell, 1996). Desta forma, é destacado
o caráter falho da classificação sorológica, que não é coerente com aspectos
filogenéticos.
Historicamente, as cepas de V. cholerae O1 têm sido responsabilizadas pelas
sete pandemias ocorridas (Karaolis et al., 1995). No entanto, em 1992, com a
emergência do novo clone epidêmico, o V. cholerae O139, surgiu um novo modelo de
classificação epidemiológica: V. cholerae O1, V. cholerae O139 e V. cholerae nãoO1/não-O139 (Nair, 1994). O interesse na estrutura patogênica dos sorogrupos de V.
cholerae não-O1/não-O139 só foi concretizado com a emergência deste novo
sorogrupo, que funcionou como um alerta para o surgimento de outros clones
epidêmicos.
A patogenicidade de V. cholerae, em nível molecular, é um processo
multifatorial, que envolve diversos genes que codificam os fatores de virulência,
permitindo sua colonização no intestino (gene tcpA), a expressão coordenada destes
fatores e a secreção da toxina colérica - CT (genes ctxAB). Os principais genes de
virulência estão localizados em duas regiões distintas do cromossomo maior do V.
cholerae: a Ilha de Patogenicidade de Vibrio (VPI - Vibrio Pathogenicity Island) e o
15
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
profago CTXφ. Tais regiões podem propagar-se horizontalmente e dispersar-se entre
diferentes cepas (Waldor e Mekalanos, 1996), permitindo, assim, que cepas de V.
cholerae não-O1/ não-O139 possuam genes de virulência.
Theophilo e colaboradores (2006), a partir da análise de 179 amostras de V.
cholerae não-O1/não-O139, isoladas de casos clínicos e ambientais durante surto de
cólera ocorrido no Brasil (entre 1991 a 2000), destacam 14 cepas de V. cholerae do
sorogrupo O26 e uma cepa de V. cholerae não-O1/não-O139 por possuirem genes do
profago CTXφ. Destas, oito cepas que apresentaram o profago completo foram
selecionadas para o presente trabalho.
Uma vez que a classificação sorológica, utilizada como um importante critério
epidemiológico, não permite a inferência do grau de parentesco entre diferentes
sorogrupos, este trabalho buscou uma análise genética mais detalhada de cepas de V.
cholerae não-O1/não-O139, abordando a região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR)
presente nos operons de rRNA. Neste contexto, a região espaçadora se enquadra por ser
um marcador filogenético robusto, diante da possibilidade de soroconversão de uma
cepa de sorogrupo O1 em outro sorogrupo, mantendo, contudo, o potencial de
virulência do V. cholerae O1.
Este trabalho teve então como objetivo principal analisar região espaçadora
intergênica 16S-23S do rDNA, a fim de estabelecer uma relação de parentesco entre as
cepas de V. cholerae O26 e compará-las com o sorogrupo O1.
16
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
2 – OBJETIVO GERAL
Analisar região espaçadora intergênica 16S-23S do rDNA, a fim de estabelecer
uma relação de parentesco entre as cepas de V. cholerae O26 e compará-las com o
sorogrupo O1.
2.1 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Amplificar as oito regiões espaçadoras 16S-23S de cepas de V. cholerae nãoO1/não-O139 e V. cholerae O1;
Clonar e sequenciar os fragmentos amplificados.
Analisar as seqüências obtidas, comparando-as com aquelas disponíveis de
genomas seqüenciados de V. cholerae e outras bactérias;
Correlacionar os resultados obtidos com a presença ou não de fatores de
virulência e a proximidade destas cepas com o sorogrupo O1.
17
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
3 – REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 – CÓLERA
3.1.1 – SINTOMAS, TRANSMISSÃO E TRATAMENTO
A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda de transmissão fecal-oral, que
acomete os seres humanos (Kaper et al., 1995). Essa infecção é causada pela
enterotoxina do Vibrio cholerae dos sorogrupos O1 e O139, podendo apresentar
manifestações clínicas diversas, que variam da forma branda, que se manifesta com
diarréia leve, à forma grave com diarréia aquosa e profusa, com ou sem vômitos, dor
abdominal e câimbras, que pode evoluir para desidratação, podendo levar a morte em
horas (Nitrini et al., 1997; Fundação Nacional de Saúde, 2002) (Figura 1).
Figura 1 – Paciente apresentando sinais típicos da forma grave da cólera com severa desidratação.
Adaptado de Sack et al., 2004.
A infecção começa com a ingestão de água ou alimentos contaminados com o V.
cholerae. Após atravessar a barreira ácida do estômago, o V. cholerae coloniza o
epitélio do intestino delgado, por meio do Pílus Corregulador de Toxina (TCP) e outros
fatores de colonização, que ainda não estão bem conhecidos, multiplica-se no intestino
delgado proximal e produz enterotoxina. A Toxina Colérica (CT) secretada age sobre o
mecanismo fisiológico de transporte de íons nas células do epitélio intestinal, elevando
a concentração intracelular de cAMP, o qual aumenta a secreção do íon cloro (Cl-) e
diminui a absorção do íon sódio (Na+) pelas células das vilosidades (Field, 1980),
formando um gradiente osmótico que contribui para perda de água intracelular e resulta
na diarréia característica (Figura 2). O vibrião não é invasivo e permanece no lúmen do
intestino durante toda a progressão da doença.
18
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
A
A
B
C
Figura 2 – Esquema do mecanismo de ação da toxina colérica (CT) nos enterócitos: A - Secreção da CT
no lúmen intestinal; B - Aumento da concentração intracelular de cAMP; C - Secreção de sódio, cloro e
água do meio intracelular para o lúmen. Adaptado do site <http://www.techno.msu.ac.th/fn/ecenter/
pathogens/images/anim-cholera.gif>, acesso 28 abr 2008.
3.1.2 – EPIDEMIOLOGIA DA CÓLERA
A cólera, sendo uma doença de veiculação hídrica, apresenta uma disseminação
influenciada pelos aspectos climáticos que afetam a disponibilidade de água. Nas áreas
endêmicas, as taxas anuais de indivíduos com cólera variam de acordo com as
mudanças ambientais e climáticas (Pascual et al., 2000). Tal comportamento sazonal
pode ser observado em Bangladesh, local endêmico, em que ocorrem anualmente dois
surtos de cólera: um registrado antes da estação quente e o outro depois das monções
chuvosas (Siddique et al., 1992; Sack et al., 2003). No Peru, as epidemias de cólera são
restritas às estações quentes (Tauxe et al., 1995). Esta sazonalidade pode estar
relacionada à habilidade do gênero Vibrio em crescer rapidamente sob elevadas
temperaturas ambientais (Faruque et al., 1998a; Pascual et al., 2000). O registro de
casos de cólera, no Brasil, foi maior nos períodos mais secos do ano, quando registrado
19
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
um baixo volume de água nos reservatórios e mananciais, proporcionando a
concentração de vibriões. A elevação da temperatura da água neste período favorece o
rápido crescimento da população de V. cholerae (Sack et al., 2004).
Em algumas áreas, as condições sócio-econômicas e ambientais favorecem a
instalação e rápida disseminação do V. cholerae. Assim, a deficiência do abastecimento
de água tratada, destino inadequado dos dejetos, alta densidade populacional, carências
de habitação, higiene, alimentação e educação, favorecem a ocorrência da doença
(Fundação Nacional de Saúde, 2002; Gonçalves e Hofer, 2005). Outro aspecto que
favorece a disseminação da doença é a forma atenuada da virulência do V. cholerae O1
biotipo El Tor, que apresenta um elevado número de portadores assintomáticos. O
quadro clínico da cólera provocada pelo V. cholerae O1, biotipo El Tor, responsável
pela pandemia atual, é uma síndrome diarréica mais branda do que a provocada pelo
biotipo Clássico, responsável pelas outras seis pandemias (Kaper et al., 1995).
Para causar a cólera em voluntários saudáveis é necessária a ingestão de uma
elevada dose infecciosa (108 bactérias), porém uma dose baixa (105) pode ser suficiente
para causar os mesmos sintomas, se for associada com antiácido ou bicarbonato de
sódio (NaHCO3), que neutralizaram a acidez gástrica dos indivíduos. Logo, a
suscetibilidade do indivíduo aumenta elevando-se o pH gástrico. Ainda assim, sob
circunstâncias naturais, um inóculo menor que 108 bactérias pode causar a doença, visto
que outros fatores interferem na infecção (Sack et al., 1998; Fundação Nacional de
Saúde, 2002).
3.1.3 – HISTÓRICO DA CÓLERA
As seis primeiras pandemias da cólera se originaram na Índia, considerada o
“Berço da cólera”, tendo como agente etiológico o V. cholerae O1 biotipo Clássico. A
disseminação destas pandemias foi associada às peregrinações, às guerras e às rotas
comerciais e migratórias entre os continentes europeu, asiático e americano (Lacey,
1995). Já a atual pandemia, a sétima, com quase cinco décadas de duração, atingiu mais
de 130 países, tendo como agente etiológico o V. cholerae O1 biotipo El Tor (Kaper et
al., 1995; Karaolis et al., 1995). Esta pandemia, originária da Indonésia em 1961,
atingiu a Ásia em 1964, a África e o sul da Europa em 1970, e América do Sul em 1991.
A doença tornou-se agora endêmica em muitos destes lugares, particularmente no sul da
Ásia e na África (Shears, 1994; Faruque et al., 1998a; Sack et al., 2004).
20
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Em janeiro de 1991, após uma ausência de quase 70 anos na América Latina,
uma grande epidemia de cólera desenvolveu-se no Peru, caracterizada por elevados
números de casos e rápida disseminação, nunca vista igual nas outras epidemias (Nitrini
et al., 1997). Estima-se que, no período de 1991 até 1999, o continente americano
notificou 44% dos casos ocorridos mundialmente e no período de 2000 até 2003, apenas
0,65% dos casos (Griffith et al., 2006; World Health Organization, 1992, 1993, 1994,
1995).
Griffith e colaboradores (2006) constataram que, entre o período de 1995 a
2005, 66% dos casos de cólera tiveram origem na África subsaariana, seguido pelos
16,8% originados do sudeste asiático. Os casos de cólera notificados na África tendem a
apresentar grandes proporções, devido às precárias condições sócio-econômicas da
população. O número de casos notificados de cólera em 2006 aumentou
consideravelmente, assumindo proporções típicas de surto da doença (Figura 3). Foram
notificados na África aproximadamente 99% dos casos mundiais. Os três países
africanos mais atingidos não tiveram casos de cólera registrados em 2005 (World Health
24.000
18.000
15.000
12.000
100.000
9.000
Número de óbitos
131.943
111.575
101.383
184.311
236.896
254.310
27.000
21.000
142.311
150.000
30.000
Nº de Casos
Nº de Óbitos
137.071
143.349
200.000
147.425
208.755
277.056
180.348
172.790
Número de casos
250.000
216.555
300.000
293.121
Organization, 2007).
6.000
50.000
3.000
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
0
1991
0
Ano
Figura 3 – Número de casos de cólera no Mundo e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006. Adaptado da
World Health Organization, 1993 – 1995, 2007 e de Griffith et al., 2006.
A re-introdução da cólera no Brasil, em 1991, aconteceu pela selva amazônica,
na fronteira com o Peru e a Colômbia. A partir daí, alastrou-se progressivamente pela
região Norte, seguindo o curso do Rio Solimões/Amazonas e seus afluentes, principal
via de deslocamento de pessoas na região; e para as regiões Nordeste em 1992 e Sudeste
e Sul em 1993, através dos principais eixos rodoviários (Figura 4). Na região Nordeste,
21
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
a epidemia assumiu um caráter acelerado disseminando-se por todos os estados da
região até o fim de 1993 (Hofer, 1993; Toledo, 1993). A chegada desta doença em áreas
indenes e com precárias condições de vida, teve quase sempre características
explosivas, o que justifica esse rápido avanço da cólera no Nordeste.
Figura 4 – Distribuição da cólera no Brasil, entre 1990 e 1996, evidenciando a rota da epidemia.
Adaptado da World Health Organization (1993 - 1997).
A epidemia atingiu o ápice em 1993 com 60.340 casos notificados (Figura 5).
Foi desenvolvida uma campanha nacional de combate à cólera e, em 1994, a doença
começou a retroceder (Guthmann, 1995; Nitrini et al., 1997). A partir de 1995 reduziuse significativamente, tendendo a limitar-se às regiões Nordeste e Norte, onde
prevalecem condições sócio-econômicas menos satisfatórias, sugerindo a tendência de
endemização da doença (Brasil, 2000). Em 1998 e 1999, a seca no Nordeste provocou
uma severa crise de abastecimento de água, favorecendo ao aumento de número de
casos (Figura 5). Em 2004, ocorreu um pequeno surto em Pernambuco, no município de
São Bento do Una, onde foram notificados 21 casos; e no ano seguinte, foram
confirmados mais quatro no mesmo município e um caso no município de Recife
(Figura 6) (Brasil, 2005).
A doença, atualmente, está sendo detectada pela presença do V. cholerae em
águas ambientais em localidades do estado de Pernambuco monitoradas pela Secretaria
estatual de Saúde. Este monitoramento isolou em 2006 uma cepa ambiental toxigênica e
em 2007, quatro cepas de V. cholerae O1 biotipo El Tor (uma no rio Una, duas no rio
Ipojuca e outra no rio Bituri, afluente do rio Ipojuca) (Figura 6). É sempre preocupante
a possibilidade de recrudescimento da epidemia, já que as dimensões continentais do
país, as deficiências de saneamento básico e a precária situação sócio-econômica de
grande parcela da população constituem-se elementos propícios à disseminação e à
persistência da cólera (Brasil, 1992; Gonçalves e Hofer, 2005).
22
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
800
37.572
50.000
900
40.000
700
Nº de Casos
Nº de Óbitos
600
500
15.915
30.000
200
7
0
0
21
5
0
2002
2003
2004
2005
2006
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
0
100
2001
715
3.233
2.571
300
2.881
10.000
400
4.634
20.000
2.103
Número de casos
60.000
1000
Número de óbitos
70.000
51.324
60.340
CARIRI, F.A.M.O.
0
ano
Figura 5 – Número de casos de cólera em Brasil e taxa de mortalidade, entre 1991 e 2006. Adaptado da
World Health Organization, 1993 – 1995; 2007 e de Griffith et al., 2006.
Brasil
Figura 6 – Bacias hidrográficas do Estado de Pernmbuco – Brasil. Adaptado de Leal et al., 2008.
3.1.4 – DIAGNÓSTICO DA CÓLERA
O diagnóstico da cólera é a peça fundamental para o êxito das atividades de
prevenção e controle da doença. O diagnóstico laboratorial é o mais indicado para a
identificação do V. cholerae O1, El Tor, responsável pelos casos de cólera branda. Os
países recém-afetados pela doença, quando não estabelecem o diagnóstico laboratorial
nos primeiros casos, prejudicam consideravelmente a implantação de medidas sanitárias
indispensáveis ao controle da doença (Brasil, 1992). Portanto, este diagnóstico deve ser
utilizado para investigação de todos os casos suspeitos, principalmente, quando a área é
considerada livre de circulação do V. cholerae (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
23
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
O V. cholerae pode ser isolado, a partir da cultura de amostras de fezes ou
vômito de doentes, de fezes de portadores e da cultura de amostras ambientais. Os
métodos tradicionais de diagnóstico da cólera, tanto em fezes, quanto em material
proveniente do ambiente (água do mar, de rios e alimentos) consistem em análises
bacteriológicas que visam isolar e identificar o V. cholerae, baseado nas características
fenotípicas (Brasil, 1998). As amostras analisadas pelo método tradicional passam por
dois enriquecimentos sucessivos do vibrião em água peptonada alcalina (APA) e semeio
em meio seletivo indicador (ágar TCBS - ágar tiossulfato/citrato/bile), conforme a
Figura 7. Posteriormente, são realizados testes bioquímicos, confirmando a presença de
características metabólicas e a capacidade de produzir a toxina colérica, e sorológicos,
soroaglutinações frente aos antissoros polivalentes (O1) e monovalentes (Inaba e
Ogawa) (Brasil, 1998).
Figura 7 – Esquema do método tradicional de diagnóstico. Adaptado do Ministério da Saúde
(Brasil, 1998).
24
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
3.2 – AGENTE ETIOLÓGICO
Em 1883, durante a quinta pandemia, o V. cholerae foi identificado como agente
etiológico da cólera por Koch, a partir da correlação entre a etiologia e a transmissão da
doença (Sack et al., 2004). O V. cholerae O1, biotipos Clássico ou El Tor (sorotipos
Inaba, Ogawa ou Hikojima) e o V. cholerae O139 são os agentes etiológicos de cólera
epidêmica.
3.2.1 – ECOLOGIA DO Vibrio cholerae
O ciclo de vida do V. cholerae consiste em duas fases: uma fase no hospedeiro
humano e outra, no ambiente aquático, onde o V. cholerae pode ser encontrado como
célula de vida livre ou associado ecologicamente com fanerógamas aquáticas, algas,
zoobentos, fungos, zoo e fitoplânctons (principalmente copépodes, cladóceros, rotíferos,
clorófitas e cianobactérias), insetos, entre outros organismos (Huq et al., 1984; Islam et
al., 1990; Tamplin et al., 1990; Islam et al., 1993; Colwell, 1996).
Acreditou-se por muito tempo que a distribuição global do V. cholerae estivesse
exclusivamente relacionada à rota da cólera. No entanto, estudos sugerem que o
deslocamento destas bactérias em associação com plânctons é o principal fator de
distribuição global (McCarthy e Khambaty, 1994). Assim, o V. cholerae ambiental
sobrevive e se multiplica em associações ecológicas independentemente do início das
infecções humanas (Sanyal, 2000; Bartlett e Azam, 2005).
Estudos do ambiente aquático mostraram que o V. cholerae, incluindo os
sorogrupos O1 e O139, habita ecossistemas aquáticos, contribuindo para a flora
bacteriana de vida livre em rios e estuários (Colwell e Spira, 1992). Enquanto que as
cepas de V. cholerae toxigênicas podem também habitar o trato gastrointestinal, pois
produzem fatores de colonização que permitem tal feito, as cepas não-O1/não-O139 são
mais freqüentemente isoladas em habitats ambientais. A maioria das cepas toxigênicas
ambientais é isolada em regiões que foram contaminados por indivíduos infectados. Já
as cepas isoladas de ambientes distantes das regiões com casos notificados, geralmente
não possuem os genes da toxina colérica.
O V. cholerae ambiental pode formar biofilme (Watnick et al., 2001) e pode se
apresentar no estado viável mas não-cultivável (VNC), em resposta a um estresse físico
ou nutricional (Colwell, 2000), facilitando a persistência do V. cholerae, em habitats
aquáticos durante períodos interepidêmicos (Reidl e Klose, 2002). Islam e
25
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
colaboradores (1993) verificaram que as cepas de V. cholerae epidêmicas, durante
períodos interepidêmicos, fazem associações ecológicas com organismos aquáticos, na
forma VNC, até o próximo período epidêmico, quando os fatores ambientais estimulam
a multiplicação bacteriana, resultando em um novo surto de cólera.
Embora não se conheça o que determina a sazonalidade da cólera, acredita-se
que a sua presença endêmica no subcontinente indiano e sua re-emergência em outros
continentes pode estar relacionada a fatores ambientais (Pascual et al., 2000; Colwell,
1996). Estudos associam períodos interepidêmicos à alta concentração de bacteriófagos
no ambiente aquático. Tais fagos, além de possuírem importantes genes de virulência da
cólera, como as subunidades da toxina colérica, atuam no controle populacional do V.
cholerae (Faruque et al., 1998b). Assim, a ausência de fagos no ambiente aquático
potencializará a cólera epidêmica, em especial, quando o V. cholerae é introduzido pela
primeira vez em uma dada região. Isso justifica o caráter explosivo das epidemias de
cólera quando o agente etiológico foi recém introduzido em áreas livre da doença, como
ocorreu na América Latina e, mais recentemente, na África (Faruque et al., 2005). O
ciclo de vida do fago pode explicar grande parte da enigmática sazonalidade da cólera
endêmica.
Duas hipóteses são sugeridas para justificar a sazonalidade dos surtos em áreas
endêmicas: seja pelo surgimento periódico das mesmas cepas de V. cholerae, seja pela
emergência contínua de novos clones toxigênicos (Faruque et al., 1997).
3.2.1.1 – RESERVATÓRIO AMBIENTAL
As associações ecológicas prolongam a sobrevivência do V. cholerae, pois são
importantes fontes de nutrientes para o vibrião. No entanto, ainda não se sabe se tais
associações são fenômenos gerais para todos os sorogrupos ou são específicas para os
sorogrupos epidêmicos, tratando-se de um mecanismo seletivo (Bartlett e Azam, 2005).
A infecção do V. cholerae provocada pelo consumo de frutos do mar, crus ou
mal cozidos, é um indício do quão diversificados são os reservatórios ambientais deste
organismo. A ingestão de peixes, ostras, camarões e caranguejos constituem fontes de
infecção, sendo identificados como causa de epidemias ou casos isolados de cólera nos
Estados Unidos, Itália, Portugal e Austrália, entre outros países (Feachem, 1982; Lowry
et al., 1989).
26
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
O V. cholerae possui vários reservatórios ambientais porque desenvolveu ao
longo da evolução mecanismos que o permitem sobreviver no ambiente. Pode-se citar
como exemplo, a produção de quitinase, que permite o uso da quitina como fonte de
carbono bastante abundante no exoesqueleto dos crustáceos (Colwell e Spira, 1992). A
adesão direta de V. cholerae a superfícies contendo quitina permite a formação de
biofilmes favorecendo sua proteção contra os efeitos do pH ácido encontrado
ocasionalmente no ambiente (Nalim et al., 1979; Faruque et al., 2006).
É relatado que existe uma seletiva especificidade da quitinase extracelular do V.
cholerae, contribuindo para a formação preferencial de biofilmes em copépodes (Huq et
al., 1990). Assim, a produção desta enzima permite a relação ecológica entre o V.
cholerae e os crustáceos. Estudos mostram que copépodes marinhos albergam uma flora
bacteriana em seu exoesqueleto e que esta interação pode ser decisiva na sobrevivência
ambiental do V. cholerae por longo período, visto que o mesmo é transportado para o
sedimento, sempre que a coluna de água apresenta grande concentração de matéria
orgânica (Huq et al., 1983; 1984; Araújo et al., 1996; Tamplin et al., 1990). Os víbrios,
quando associados à copépodes vivos em laboratório, sobreviveram por mais tempo e
permaneceram cultiváveis (Huq et al., 1983). A concentração de bactérias do gênero
Vibrio dissolvidas na água estuarina cai consideravelmente na presença de quitina
particulada (Kaneko e Colwell, 1975), demonstrando o quão benéfica é esta associação
para o V. cholerae.
A alta adaptabilidade às variações de temperatura e salinidade favorece a
ocorrência de elevadas concentrações de víbrios em águas com características estuarinas
(Colwell, 1996). Outro mecanismo de persistência desta espécie no ambiente é a sua
capacidade de assumir formas de sobrevivência, como a forma rugosa e o estado viável
mas não-cultivável.
3.2.1.2 – ESTADO VIÁVEL MAS NÃO CULTIVÁVEL
Investigando as condições físico-químicas das regiões estuarinas, verificou-se
que esses ambientes apresentam características que tornam possível a sobrevivência do
V. cholerae O1 (Colwell e Spira, 1992; Colwell e Huq, 1994). A forma como irá
sobreviver pode diferir e a persistência dos fatores envolvidos na conservação dos genes
de virulência não é certa. A sobrevivência depende de diversos fatores, tais como as
27
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
propriedades físico-químicas do ambiente e as associações ecológicas específicas das
bactérias, envolvendo diversos componentes do ambiente aquático. Fatores ambientais,
como pH, temperatura, salinidade e concentração de nutrientes, exercem importante
influência nas interações ecológicas do V. cholerae, principalmente se tais condições
ambientais forem parecidas com as encontradas no estuário (Huq et al., 1984; Patel et
al., 1995).
Os vibriões coléricos sob circunstâncias de estresse (falta de nutrientes, elevação
da salinidade ou redução de temperatura) assumem como estratégia de sobrevivência
um estado de latência. Esta estratégia é conhecida como estado viável mas não
cultivável (VNC) nos meios de culturas convencionais, impossibilitando seu isolamento
por técnicas microbiológicas, embora ainda causem a infecção colérica (Colwell e Huq,
1994). Trata-se, portanto, de uma estratégia da resistência à ambientes aquáticos
oligotróficos, em que a bactéria reduz de tamanho, torna-se ovóide e entra no estado de
dormência permitindo a sua sobrevivência nas condições ambientais adversas por
períodos prolongados (Colwell, 1996). Existe uma hipótese de que o V. cholerae
sobreviveria no meio ambiente durante períodos interepidêmicos no estado VNC. No
entanto, como já foi discutido, a sua interação com o plâncton desempenha um papel
importante na ecologia do microrganismo e facilita a sobrevivência (Lobitz et al.,
2000).
O estado viável mas não cultivável pode ser induzido em laboratório, incubando
a cultura de V. cholerae sob condições de estresse salino a 48 °C, por vários dias.
Segundo estudos preliminares, estas células podem se tornar viáveis quando ingeridas
por voluntários humanos (Colwell e Spira, 1992). A manutenção do potencial infeccioso
da bactéria nessa condição, o torna de grande importância epidemiológica (Colwell,
1996; Binsztein et al., 2004). O emprego da imunofluorescência indireta para a
demonstração da bactéria em amostras de água e, posteriormente, a associação com a
contagem direta de células viáveis permitiu a detecção de formas VNC do vibrião
colérico em ambientes aquáticos (Colwell et al., 1985; Xu et al., 1984).
28
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
3.2.2 - FATORES DE VIRULÊNCIA
No V. cholerae, os principais genes de virulência requeridos para a
patogenicidade estão agrupados e podem aparentemente propagar-se horizontalmente e
dispersar-se entre diferentes cepas. Análises genéticas revelaram a presença de duas
regiões principais que participam diretamente dos mecanismos de virulência: a Ilha de
Patogenicidade de Vibrio (VPI) e o profago CTXφ (Waldor e Mekalanos, 1996).
3.2.2.1 – A VPI
A VPI (Figura 8) é uma região do DNA adquirida, apresentando o conjunto de
genes tcpAHP (toxin-coregulated pilus), que codificam o fator de colonização; e genes
de regulação que atuam em cascata, como o toxR, acfABCD, toxT, aldA e tagAB. A
expressão de genes de virulência em V. cholerae envolve um grande número de etapas
que culminam na ativação do promotor do toxR (Skorupski e Taylor, 1997). O ToxR
liga-se a um motivo de DNA repetido em tandem (TTTTGAT) (Figura 9), localizado
entre os genes zot e ctxA do profago CTXφ para ativar a transcrição dos genes ctxAB
(Withey e Dirita, 2006). Cepas epidêmicas dos sorogrupos O1 e O139 possuem três ou
mais cópias do heptanucleotídeo nessa região. Cepas de V. cholerae que possuem
apenas duas cópias do heptanucleotídeo não são capazes de expressar a CT (Sarkar et
al., 2002).
Figura 8 – Esquema da Ilha de Patogenicidade do Vibrio, evidenciando o conjunto de genes TCP,
responsável pela expressão do fator de colonização, e demais genes envolvidos com a regulação.
Adaptado de Zhang et al. (2003).
29
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
A
C
Figura 9 – A - Esquema representativo da cascata regulatória que controla a expressão da toxina colérica
(CT), evidenciando a ativação do gene ctxA pelo ToxT e a síntese da CT. RNAP, a RNA polimerase.
Pequenas setas abaixo das caixas indicam promotores, assim como a direção da transcrição. A linha
ondulada grossa indica mRNA. B - Região intergênica onde se encontra as sequências repetidas de
heptanucleotídeos. C - Seqüências parciais de nucleotídeo a montante do gene ctxA das cepas 0395
(Vibrio cholerae O1 Clássico) e 10259 (V. cholerae não-O1/não-O139), evidenciando o número de cópias
do heptanucleotídeo nessa região presente em cada uma destas. Adaptado de Sarkar et al. (2002) e de
Sanchez et al. (2004).
3.2.2.2 – O PROFAGO CTXφ
φ
Os genes ctxAB, que codificam a CT, principal fator de virulência do V.
cholerae, estão localizados em um bacteriófago lisogênico conhecido como CTXφ ou
elemento genético CTX (Figura 10). Esse bacteriófago possui uma região central (core),
que é flanqueada por uma ou múltiplas cópias das seqüências repetidas – RS (Pearson et
al., 1993). O profago CTXφ compreende a região do core e a do RS presente antes do
core, denominada RS2. A região central (core) codifica a CT, que não contribui para a
manuntenção do profago, e outros genes que codificam proteínas, como psh, cep, orfU e
ace, que atuam no empacotamento e na liberação do fago (Waldor e Mekalanos, 1996).
30
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Central
Profago CTX
Figura 10 – Esquema do profago CTXφ evidenciando a região central e a região RS2. A região núcleo
apresenta genes ctxAB, codificadores da toxina colérica, e outros genes de virulência. A região RS2
codifica proteínas estruturais do profago. Já região RS1, embora não faça parte do profago, o flanqueia
nas duas estremidades e possui o gene rstC, que traduz uma proteína anti-repressora do profago.
Adaptado de Nandi et al. (2003) e de Maiti et al. (2006).
A molécula da CT é constituída por cinco subunidades B (codificado pelo gene
ctxB) e uma subunidade A (ctxA). A subunidade B é responsável pela ligação da toxina
a um receptor da célula intestinal e a subunidade A é a parte enzimaticamente ativa que
atua sobre as células da mucosa intestinal provocando desequilíbrio hidroeletrolítico,
resultando na secreção abundante de líquido isotônico. Outros peptídeos codificados
pelos genes zot e ace, presentes na região core do CTXφ, também apresentam atividade
enterotóxica (Fasano et al., 1991). Já a região RS2 codifica proteínas que estão
envolvidas na regulação (gene rstR), na replicação (gene rstA) e na integração (gene
rstB) de CTXφ no genoma de V. cholerae (Waldor et al., 1997). A RS1 flanqueia as
extremidades do profago.
Embora a forma lisogênica do profago CTXφ seja mantida pela proteína
repressora fágica RstR, a proteína anti-repressora RstC, que influencia a replicação e
transmissão do CTXφ, é codificada na RS1, região adjacente ao seu genoma (Davis et
al., 2002). Por outro lado, a região RS1 necessita de cópias dos genes de manuntenção
do CTXφ (rstR, rstA e rstB) para produzir partículas RS1 (Figura 10), demonstrando
que existe uma interação simbiótica e parasitária entre o fago e a região RS1 (Faruque et
al., 2002). Portanto, a interação entre o profago CTXφ e RS1 promove a eficiente
propagação dos genes produtores da CT, intensificando a virulência e as relações
evolutivas das cepas de V. cholerae.
São relatados diferentes alelos para o gene rstR, estando cada alelo associado a
um tipo distinto de profago CTXφ. O profago que apresenta o alelo rstR El Tor, típico
do V. cholerae O1 El Tor, é denominado CTXETφ. Assim, o CTXclassφ é típico do V.
cholerae O1 Clássico; o CTXCalcφ do V. cholerae O139 (Davis et al., 1999); o CTXEnvφ
31
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
do V. cholerae não-O1/ não-O139 (Mukhopadhyay et al., 2001); e o CTXvarφ presentes
nos isolados de V. cholerae El Tor pré-O139 (Nandi et al., 2003).
O profago CTXφ pode ser encontrado intracelularmente como um plasmídeo ou
incorporado a um dos cromossomos do V. cholerae. Sob condições apropriadas, as
cepas toxigênicas do V. cholerae podem ser induzidas a produzir várias partículas do
CTXφ (Waldor e Mekalanos, 1996; Faruque et al., 1998b). Nas culturas de V. cholerae,
que apresentam o CTXφ na fase de replicação, são encontradas elevadas concentrações
deste fago no sobrenadante. As cepas ambientais não toxigênicas podem ser convertidas
por transdução, surgindo assim novas cepas toxigênicas (Reidl e Klose, 2002).
3.2.2.3 – OUTROS FATORES DE VIRULÊNCIA
É evidente o papel crucial desempenhado pelos fagos filamentosos na
transferência horizontal de genes entre cepas de V. cholerae. Isto não ocorre apenas
porque alguns fagos possuem em seu genoma grupos gênicos associados à virulência,
mas também porque a estrutura flexível do capsídeo permite transferir DNA heterólogo
(Faruque e Mekalanos, 2003).
Os clones de V. cholerae patogênicos evoluíram, provavelmente, de clones
aquáticos de vida livre que adquiriram a capacidade de colonizar o intestino humano
pela aquisição de novas informações genéticas (Colwell e Spira, 1992). A ausência de
conjuntos de genes associados à virulência nas cepas não patogênicas é uma evidência
que corrobora a hipótese evolutiva acima. De fato, a análise da estrutura, do conteúdo
GC e da freqüência de códons (codon usage) da VPI sugere que esta região foi
recentemente adquirida pelo V. cholerae. O CTXφ, que codifica CT, utiliza a TCP como
sua receptora para infectar novas cepas (Waldor e Mekalanos, 1996), e, portanto, estes
dois elementos adquiridos horizontalmente estão ligados evolutivamente.
Outros conjuntos de genes que têm papéis adicionais hipotéticos na patogênese
do V. cholerae também foram relatados, e segundo alguns indícios, foram também
recentemente adquiridos. Estes incluem o conjunto de genes RTX (toxina em repeat)
(Lin et al., 1999), o novo conjunto de genes pílus tipo IV (Fullner e Mekalanos, 1999) e
as Ilhas do Vibrio da sétima pandemia (VSP-1 e VPS-2) (O’Shea et al., 2004).
32
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
3.2.3 – TAXONOMIA DO DOMÍNIO BACTÉRIA
O Manual de Sistemática Bacteriológica de Bergey descreve 32 agrupamentos
de bactérias pertencentes ao domínio Bactéria (Eubactéria), compreendendo 384
gêneros. Segundo Woese (1987), a análise de seqüências de rDNA 16S de organismos
cultivados permite descrever 12 divisões para o domínio Bactéria. O termo divisão é
aplicado para um grupo filogenético contendo duas ou mais seqüências de rDNA 16S
monofiléticas e não similar a outros grupos filogenéticos que integram o domínio.
Utilizando o mesmo marcador molecular, Hugenholtz e colaboradores (1998),
acrescentou ao domínio Bactéria 12 novas divisões hipotéticas, descritas em um
levantamento metagenômico do meio ambiente e outras 12 divisões descendentes
descritas em outros estudos (Maidak et al., 1999). Assim, este Domínio compreende 36
divisões.
A divisão Proteobacteria, também conhecida como bactérias púrpuras, é
merecedora de destaque por constituir o maior e mais diverso grupo de bactérias
cultivadas, com cerca de 1.600 espécies descritas (Thompson et al., 2004a). Segundo
Kersters e colaboradores (2003), a classificação das Proteobactérias na categoria
taxonômica “divisão” teria caído em desuso, sendo recomendado o uso da categoria
“filo”. De acordo com esta nova classificação, o filo Proteobacteria é dividido em 5
classes fenotipicamente indistinguíveis (Thompson et al., 2004a): Alfa (α), Beta (β),
Gama (γ), Delta (δ) e Epsilonproteobacteria (ε).
As Proteobactérias apresentam coloração Gram-negativa e uma enorme
diversidade morfológica e fisiológica (sobretudo metabólica), apesar de estarem no
mesmo clado. As estratégias para obtenção de energia são variadas, incluindo
organismos com metabolismo quimiolitotrófico, quimiorganotróficos e fototrófico, além
de outras vias metabólicas especializadas em organismos adaptados a diversos nichos
ecológicos. A classe Gamaproteobacteria compreende várias famílias, entre estas
Aeromonadaceae, Chromatiaceae, Enterobacteriaceae, Legionellaceae, Pasteurellaceae,
Xanthomonadaceae e Vibrionaceae (Thompson et al., 2004a).
3.2.3.1 – FAMÍLIA VIBRIONACEAE
O V. cholerae é uma bactéria Gram-negativa toxigênica pertencente à família
Vibrionaceae. O gênero-tipo desta família é Vibrio Pacini, 1854 (Baumann e Schubert,
1984). As espécies pertencentes a esta família são bacilos retos ou curvos, móveis por
33
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
meio de flagelo polar. Quando cultivadas em meio de cultura sólido apresentam flagelos
laterais, podendo cada célula possuir até 100 flagelos. Não formam endósporos nem
microcistos.
São
organismos
quimiorganotróficos
e
anaeróbios
facultativos,
apresentando metabolismo oxidativo e fermentativo. O oxigênio é o aceptor universal
de elétrons durante a respiração. A maioria das espécies desta família é oxidase positiva.
Todos utilizam a D-glicose como principal fonte de carbono e energia. A maioria dos
indivíduos utiliza sais de amônio como fonte de nitrogênio.
Originalmente, são habitantes aquáticos encontrados no mar, em água doce e em
associações ecológicas com seres aquáticos. Algumas espécies são patogênicas para
vertebrados e invertebrados (Baumann e Schubert, 1984). Uma importante função
ecológica dessas bactérias é a degradação da quitina, o segundo biopolímero mais
comum no mundo e o mais abundante no ambiente aquático (Meibom et al., 2004).
Quando a família Vibrionaceae foi proposta por Véron em 1965, compreendia
vários gêneros que apresentavam indivíduos oxidase positivos e que se deslocavam por
meio de flagelo polar. Tais características sinapomórficas não implicam numa relação
evolutiva entre as espécies, mas foi proposto por conveniência para diferenciação das
espécies pertencentes à família Enterobacteriaceae, que são, por sua vez, oxidase
negativas e possuem flagelos peritriquiais. Estudos posteriores de fisiologia e genética
comparada, com membros das duas famílias, sugerem que evoluíram de um ancestral
comum próximo (Baumann e Schubert, 1984). A origem evolutiva comum foi
evidenciada a partir comparação de seqüências 5S do RNA ribossomal e hibridização do
rRNA utilizando sonda de DNA (Baumann e Baumann, 1981).
A família Vibrionaceae abriga oito gêneros (Vibrio, Allomonas, Catenococcus,
Enterovibrio, Grimontia, Listonella, Photobacterium e Salinivibrio), sendo o gênero
Vibrio o mais abundante (Thompson e Swings, 2006).
3.2.3.2 – GÊNERO Vibrio
A espécie-tipo deste gênero é Vibrio cholerae Pacini, 1854 (Baumann et al.,
1984). As espécies do gênero Vibrio são bacilos com 0,5-0,8 µm de diâmetro e 1,4-2,6
µm de comprimento. Algumas espécies podem crescer em meio mineral contendo
apenas D-glicose e NH4Cl. Os íons de sódio estimulam o crescimento de todas as
espécies e são de extrema importância para algumas. Algumas espécies crescem bem
em meio à base de água do mar. Todas as espécies utilizam D-glicose, D-frutose,
34
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
maltose e glicerol. A fermentação de D-glicose, geralmente, não produz gás. A maioria
das espécies cresce a 20ºC (Baumann et al., 1984).
Os membros deste gênero são encontrados em associações ecológicas com
organismos bênticos, fito e zooplâncton e em ambientes marinhos e estuarinos, com
ampla faixa de variação de salinidade. São encontradas também algumas espécies em
habitats de água doce. Algumas espécies deste gênero são patogênicas para o homem e
outras para os animais marinhos (Baumann et al., 1984).
Este gênero compreende 47 espécies (Euzéby, 1997), entre as quais se destaca o
V. cholerae por ser o agente etiológico de sete pandemias de cólera. O V. cholerae e o
V. mimicus são filogeneticamente próximos dentro do gênero Vibrio (Thompson et al.,
2004a). Estas duas espécies apresentam genomas bastante relacionados, sugerindo um
ancestral comum recente.
3.2.4 – ESPÉCIE Vibrio cholerae
O Vibrio cholerae Pacini, 1854 (Figura 11) utiliza em suas vias metabólicas
anaeróbicas glicose, sacarose e manitol e é lisina e ornitina descarboxilases positivas.
Esse organismo é classificado por testes bioquímicos e é subdividido em sorogrupos
baseados no antígeno somático “O” (Sack et al., 2004).
Figura 11 – Fotomicrografia eletrônica evidenciando a morfologia do V. cholerae. Adaptado de
Albert (1994).
3.2.4.1 – CLASSIFICAÇÃO ANTIGÊNICA
O antígeno “O” é um polissacarídeo termoestável integrante do lipolissacarídeo
(LPS) da parede celular das bactérias Gram-negativas, sendo constituído de três frações
(“A”, “B” e “C”). Por apresentar uma enorme diversidade, este antígeno é a base da
identificação e da classificação sorológica da espécie V. cholerae (Yamai et al., 1997).
Os determinantes antigênicos de superfície são aglutinados com antissoro para o
35
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
antígeno “O” específico, sendo identificados mais de 200 sorogrupos de V. cholerae
(Sack et al., 2004). O primeiro a ser identificado foi denominado de V. cholerae
sorogrupo O1.
Os diferentes sorogrupos “O” de V. cholerae não podem ser distingüidos
bioquimicamente, portanto a sua identificação baseia-se no fato de que o sorogrupo O1
possui apenas um antígeno “O”, o qual reagirá especificamente aglutinando-se com o
antissoro O1. Epidemiologicamente, a espécie V. cholerae tem sido dividida em cepas
do sorogrupo O1 e de sorogrupos diversos, denominados não-O1, as quais se imaginou,
por muito tempo, que tinham diferentes capacidades patogênicas (Colwell, 1996).
Porém, em 1992, surgiu um novo clone epidêmico, o V. cholerae O139, dando origem a
um novo modelo de classificação epidemiológica: V. cholerae O1, V. cholerae O139 e
V. cholerae não-O1/ não-O139 (Nair, 1994, Sack et al., 2004).
O conjunto de genes wbe de V. cholerae O1, constituído de genes de biossíntese
do antígeno O (O-PS), está localizado no cromossomo maior, entre as ORFs VC0240
(gene gmhD) e VC0264 (gene rjg) (Heidelberg et al., 2000). Este conjunto de genes
consiste em cinco regiões: 1 – biossíntese da perosamina, compreendendo os genes
manC, manB, gmd e wbeE (Stroeher et al., 1995); 2 – transportador do antígeno O,
compreendendo os genes wbeG, wzm e wzt (Manning et al., 1994; Manning et al.,
1995); 3 – biossíntese do tetronato, compreendendo os genes wbeK, wbeL, wbeM,
wbeN e wbeO (Stroeher et al., 1998); 4 – modificador de antígeno O, compreendendo o
gene wbeT (Stroeher et al., 1992; Hisatsune et al., 1993); e 5 – genes adicionais,
compreendendo o gene wbeU, wbeV e wbeW (Fallarino et al., 1997).
A possibilidade de recombinação homóloga entre o conjunto de genes de
biossíntese do antígeno O foi testada em 300 cepas de V. cholerae não-O1 e não-O139
(Li et al., 2002). Destas, quatro cepas não-O1, sorogrupos O27, O37, O53 e O65,
apresentaram a organização genética similar à do sorogrupo O1, sugerindo a
recombinação desta região. Yamasaki e colaboradores (1999) sugerem que a
emergência do sorogrupo O139 é resultado da transferência horizontal de genes do
sorogrupo O1 e O22.
O estreito parentesco genético da linhagem ancestral do V. cholerae O1 El Tor
com o novo serogrupo O139 (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), a existência de
diferentes cassetes codificadores do antígeno O presentes no mesmo locus
cromossômico (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), bem como a presença de regiões
similares em ambos os lados deste cluster (Stroeher et al., 1997), apoiam firmemente a
36
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
hipótese de que algum tipo de transferência horizontal de genes teria ocorrido (Li et al.,
2002; Mooi e Bik, 1997; Faruque et al., 2003; Chatterjee e Chaudhuri, 2004). No
entanto, nem o mecanismo de transferência genética, nem o contexto ecológico em que
este ocorreu foram elucidados (Blokesch e Schoolnik, 2007).
3.2.4.2 – Vibrio cholerae O1
O V. cholerae O1 tem sido associado à cólera pandêmica. No entanto, cepas
ambientais O1, de áreas não epidêmicas, usualmente não produzem a toxina colérica
(CT), sendo, portanto, consideradas não patogênicas (Levine et al., 1982). Este
sorogrupo, a depender da constituição antigênica, pode ser subdividido em três
sorotipos: Inaba, Ogawa e Hikojima. O sorotipo Inaba possui as frações de antígeno
“A” e “C”; e o Ogawa possui as frações “A” e “B”. O Hikojima é um sorotipo muito
raro e instável, possuindo as três frações do antígeno “O”, sendo considerado como um
sorotipo de transição (Manning et al., 1994).
Além dos sorotipos, o V. cholerae O1 pode ser dividido em dois biotipos: o
Clássico e o El Tor, que são diferenciados através de características fenotípicas, como a
sensibilidade ao bacteriófago IV e a polimixina B (Kay et al., 1994). As cepas de cada
biotipo podem ser Inaba, Ogawa ou Hikojima, elaborando a mesma enterotoxina, de
forma que o quadro clínico é bastante semelhante. Em uma epidemia, tende a
predominar um único sorotipo (São Paulo, 2001).
O biotipo El Tor, isolado por Gotschlich, em 1906, que foi examinado na
estação de quarentena de El Tor, no Egito, é o agente etiológico da atual pandemia de
cólera. A virulência deste biotipo é atenuada apresentando um considerável aumento no
número de portadores sadios. Além disso, a resistência deste biotipo é maior que o
Clássico, o que lhe confere condições de sobreviver por mais tempo no meio ambiente,
crescer melhor e mais rápido em meios de cultura, ser menos susceptível aos agentes
químicos e ter maior tendência à endemização (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
3.2.4.3 – Vibrio cholerae O139
O V. cholerae O139 foi o primeiro sorogrupo não-O1 identificado, em 1992,
como agente etiológico de uma grande epidemia no sul da Ásia, com considerável
mortalidade. Até então, acreditava-se que apenas o sorogrupo O1 era patogênico. As
37
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
enterotoxinas elaboradas pelo sorogrupo O139 são similares e ocasionam quadros
clínicos muito semelhantes aos do sorogrupo O1 (Fundação Nacional de Saúde, 2002).
O V. cholerae O139, também conhecido como Bengal, é um híbrido dos
sorogrupos O1 El Tor e O22, apresentando características importantes de virulência
típicas do V. cholerae O1 (Rhine e Taylor, 1994), como os genes da toxina colérica
(ctxAB) e do pílus corregulador da toxina (tcpA); e a capacidade de expressar um
cápsula polissacarídica, típica dos sorogrupos não-O1 (Hall et al., 1993).
3.2.4.4 – Vibrio cholerae NÃO-O1/ NÃO-O139
Embora a grande maioria das cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 não seja
toxigênica, algumas possuem a capacidade de produzir toxinas e outros fatores
associados à virulência da espécie. Estas cepas já foram identificadas como
responsáveis por ocasionar patologias extra-intestinais, diarréias com desidratação
severa semelhante à cólera, estando associados a casos isolados ou surtos muito
limitados (Morris Jr. et al., 1990; Sack et al., 2004). A ocorrência de tantos fatores de
virulência nos diferentes sorogrupos não-O1/não-O139, sugere que a patogenicidade
destas bactérias seja multifatorial, não dependendo de um único mecanismo para causar
a doença. O interesse na estrutura patogênica V. cholerae não-O1/não-O139 só foi
concretizado com a emergência do sorogrupo O139, cuja epidemia funcionou como um
alerta para o surgimento de outros clones epidêmicos. De forma similar ao sorogrupo
O1, estas cepas não obedecem a um critério rígido de classificação quanto ao seu poder
toxigênico.
3.2.4.5 – Vibrio cholerae O26
Cepas de V. cholerae O26 representaram 7,8% das 179 amostras de V. cholerae
não O1/ não O139, isoladas de casos clínicos e do meio ambiente, durante o surto de
cólera no Brasil (1991 a 2000) (Theophilo et al., 2006). Predominantemente, nesse
sorogrupo (e em outra cepa de V. cholerae de sorogrupo não tipável) foi evidenciado o
cassete de virulência CTXφ intacto.
38
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
3.2.5 – MÉTODOS MOLECULARES USADOS NA CLASSIFICAÇÃO
BACTERIANA
Uma variedade de técnicas fenotípicas e genômicas tornou-se disponível para a
identificação do V. cholerae nas últimas três décadas (Thompson et al., 2004a). A
Tabela 1 apresenta algumas destas técnicas que contribuem com valiosas informações
sobre a classificação e estrutura populacional do V. cholerae. Diante destas técnicas, o
seqüenciamento da região espaçadora intergênica de rRNA 16S-23S (ISR) se destaca
por ter a capacidade discriminatória de classificar níveis taxonômicos inferiores a
espécie.
3.2.6 – OS GENES DE rRNA COMO MARCADORES MOLECULARES
As bactérias apresentam variações morfológicas simples, não sendo, portanto,
um caráter robusto para a sua classificação filogenética. A fisiologia bacteriana, embora
limitada com alguns agrupamentos artificiais, auxilia melhor esta classificação, pois
características fisiológicas são compartilhadas entre grupos próximos de espécies
bacterianas (Woese, 1987). Com o advento do seqüenciamento de ácidos nucléicos, a
sistemática molecular bacteriana ganhou a sua principal ferramenta. Na prática, todas as
relações filogenéticas puderam ser determinadas de forma mais fácil, com maior
profundidade e riqueza de detalhes (Lane et al., 1985). As moléculas mais úteis para a
medida filogenética possuem uma alta estabilidade funcional compartilhada entre
diversos grupos taxonômicos e são conhecidas como marcadores filogenéticos (Gevers
et al., 2004). Entre os marcadores mais promissores para a inferência filogenética
bacteriana destacam-se as proteínas de choque térmico HSP60 e HSP70, e os genes
rRNAs 16S e 23S, recA, gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (gap), rpoB e gyrB
(Byun et al., 1999).
Nas últimas duas décadas, o uso de seqüências codificadoras de rRNAs (5S, 16S
e 23S), como marcadores para identificação taxonômica, permitiu a restruturação da
filogenia bacteriana. Em muitos casos, os resultados filogenéticos obtidos pelo
seqüenciamento de genes de rRNA sugeriram que os agrupamentos de bactérias feitos
pelos critérios clássicos, aspectos morfológicos e bioquímicos, eram inconsistentes.
Nesse aspecto, o gene do rRNA 5S, apesar de sua seqüência ter sido utilizada para
reclassificar algumas espécies da família Vibrionaceae (MacDonell e Colwell, 1985), é
de uso limitado para reconstruir filogenias, provavelmente devido ao seu pequeno
tamanho (cerca de 120 pb) (Woese, 1987). Já o gene de rRNA 16S, que apresenta cerca
39
Princípio do método
Poder discriminatório
Referências
Hibridação DNA-DNA
A região específica do genoma ou o DNA genômico purificado
da amostra a ser testada é hibridizado com DNA marcado da
linhagem de referência.
De gênero a sorogrupo
Pang et al., (2007)
RFLP
Fragmentos de genes amplificados por PCR (rRNA 16S, gyrB e
rpoD) ou o DNA genômico é digerido com uma enzima de
restrição e, posteriormente, esse material é separado por
eletroforese em gel de agarose. Pode-se, hibridizar com sondas
marcadas para reduzir o número de bandas.
De espécie a sorogrupo
Qu et al., (2003); Nandi et al., (2003)
Amplificação de DNA
(AFLP, ARDRA, ERIC-PCR,
RAPD, rep-PCR e RibotipagemPCR)
Amplificação do DNA por PCR, produzindo diferentes perfis
associado ou não, a digestão com enzimas de restrição.
De gênero a sorogrupo
Singh et al., (2001); Theophilo et al.,
(2006); Leal et al., (2004); Lee et al.,
(2006); Chun et al., (1999); DaninPoleg et al., (2007)
MLEE
Eletroforese de enzimas constitutivas.
De gênero a sorogrupo
Farfan et al., (2000)
MLST
PCR e seqüenciamento.
De gênero a sorogrupo
Rivera et al., (1995)
Seqüenciamento do gene rRNA
16S e recA
PCR e seqüenciamento.
De família a espécie
Thompson et al., (2004b)
Seqüenciamento da região
intergênica ribossomal - ISR
PCR e seqüenciamento.
De espécie a sorogrupo
Chun et al., (1999); Ghatak et al.,
(2005)
Amplificação dos genes rfb
PCR com primers específicos para a região do antígeno O1 e
O139.
Sorogrupo
Hoshino et al., (1998)
Micro arranjo de DNA
Amplificação de 4.600 cDNA conhecidos e catalogados,
posterior fixação destes numa lâmina especial e hibridação com
as sondas de interesse.
De gênero a sorogrupo
Pang et al., (2007)
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Método
CARIRI, F.A.M.O.
Tabela 1 – Métodos moleculares usados para classificar Vibrio cholerae.
40
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
de 1.500 pb, inclui regiões altamente conservadas, que permitem o agrupamento em
categorias taxonômicas maiores, como classes e filos; e regiões variáveis, que podem
discriminar espécies dentro do mesmo gênero. Esta característica fez com que as
seqüências de rRNA 16S fossem amplamente utilizadas como uma ferramenta na
identificação e como um marcador filogenético (Wiik et al., 1995). Para se ter idéia foi
criado o projeto Banco de Dados Ribossomal II (Ribosomal Database Project II Maidak et al., 1999) que possui mais de 75.000 seqüências de rRNA 16S disponíveis
Online, podendo ser facilmente consultadas. Apesar de toda versatilidade, o gene de
rRNA 16S, apresentando regiões conservadas e variáveis, não é indicado para inferência
filogenética de categorias taxonômicas menores que espécie (Tabela 1). Para essas
situações é indicado usar como marcador molecular a região espaçadora intergênica
16S-23S presente nos operons de rRNA.
3.2.7 – REGIÃO ESPAÇADORA INTERGÊNICA DO rRNA 16S-23S
A região espaçadora intergênica (ISR) entre os genes de rRNA 16S e 23S
(Figura 12) é compreendida geralmente de genes de tRNA e de regiões nãocodificadoras, propensas a mais variações genéticas por possuírem pressões seletivas
mínimas durante a evolução (Berthier e Ehrlich, 1998; Villard et al., 2000). Estas
regiões são menos conservadas quando comparadas com o gene do rRNA 16S (rDNA
16S).
16S
23S
5S
rDNA
ISR
Figura 12 – Esquema da região intergênica do rDNA (rrn), evidenciando a região espaçadora intergênica
(ISR) composta de genes de tRNA e regiões não codificadores.
A seqüência do rDNA 16S é muito utilizada para inferências filogenéticas e
identificação dos procariotos. Esta é uma ferramenta comumente usada para distinguir
indivíduos em diferentes gêneros, como também, distinguir pequenas diferenças
intergênicas, permitindo a análise filogenética. Já na análise baseada na ISR, os perfis
encontrados podem ser distinguidos como característica individual de cada cepa
41
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
bacteriana (Berthier e Ehrlich, 1998; Villard et al., 2000). O tamanho das regiões
espaçadoras pode ser bastante variado, assim, pode-se fazer uma análise baseada nesta
região para diferenciar bactérias relacionadas, somente pela separação do tamanho de
produtos de PCR na eletroforese pela técnica de Ribotipagem-PCR (Bidet et al., 1999).
Nesta técnica, o polimorfismo é estabelecido pelas inserções ou deleções encontradas na
ISR (Anton et al., 1998; Luz et al., 1998), sendo esta abordagem recomendada para
detectar variações interespécies e interlinhagens (Gürtler e Barrie, 1995). No entanto, a
Ribotipagem-PCR apresenta limitações, uma vez que os perfis idênticos vizualizados
após a eletroforese podem possuir seqüências de ISRs diferentes (Gürtler, 1999).
O número de operons de rRNA (rrn) em bactérias varia de 1 a 11. Estudos
demonstram que cepas epidêmicas de V. cholerae O1 e O139 possuem entre 8 e 9
operons rrn, enquanto que as não-O1/não-O139 possuem 10 operons (Nandi et al.,
1997; Ghatak et al., 2005). A partir da análise de Chun e colaboradores (1999)
percebeu-se que as cepas de V. cholerae e V. mimicus eram estreitamente relacionadas,
apresentando seqüências de rRNA 16S quase idênticas. Assim foi utilizada a ISR para
diferenciar estas duas espécies. Nas amplificações por PCR da ISR foram encontrados
três fragmentos: 500pb (contendo os genes tRNAGlu ou tRNAAla); 580pb (tDNAIle e
tDNAAla); e 750pb (tRNAGlu, tRNALys e tRNAVal). Foi encontrada pouca variação (0 a
0,4%) entre cepas epidêmicas de V. cholerae O1, biotipos Clássico e El Tor e V.
cholerae O139. Uma maior variação foi encontrada entre cepas de V. cholerae nãoO1/não-O139 (1%) e V. mimicus (2 a 3%). Este estudo aplicou pela primeira vez esta
ferramenta molecular para a identificação da espécie V. cholerae (Chun et al., 1999). É
importante destacar que este trabalho foi realizado antes da divulgação do genoma do V.
cholerae O1.
Ghatak e colaboradores (2005) analisaram cinco classes de ISR (rrnA, rrnBE,
rrnCDF, rrnG e rrnH) de cepas de V. cholerae O1 El Tor isoladas antes, durante e
depois do surto da cólera provocada pela cepa de V. cholerae O139. Não foram
encontradas variações nas classes da ISR do rrnA e rrnG, a classe do rrnB apresentou
pouca variação e enquanto que a do rrnC e rrnH revelou a variação máxima. Os
resultados obtidos sugerem que as cepas pré-O139 e pós-O139 são dois clones
independentes.
42
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
As diferenças intra-cromossomais entre os espaçadores foram encontradas no
tamanho e na composição do gene do tRNA, bem como na seqüência das regiões nãocodificadoras. O uso das regiões espaçadoras pode ser muito útil na elucidação da
dinâmica de patogenicidade das cepas de V. cholerae O26 e na elucidação da linha
evolutiva de cada operon de RNA ribosomal (operon rrn).
43
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
5 – ARTIGO CIENTÍFICO A SER SUBMETIDO
Caracterização do potencial de virulência de cepas de Vibrio cholerae não-O1/ nãoO139 isoladas de processos entéricos humanos
1
Francisco A M O Cariri , Ana Paula R Costa1, Camylla C de Melo1, Grace N D
Theophilo2, Ernesto Hofer2, Osvaldo P de Melo Neto1 and Nilma C Leal1
1
Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz, Departamento de Microbiologia, Av.
Moraes Rego s/n, Campus UFPE. Recife, PE, Brazil. 50670-420.
²Institute Oswaldo Cruz/Fiocruz, Departamento de Bacteriologia, Avenida Brasil, 4365,
Manguinhos. Rio de Janeiro, RJ, Brazil. 21045-900.
Palavras-chaves: Vibrio cholerae não-O1/ não-O139, conversão sorológica, região
espaçadora intergênica rRNA16S-23S, sistemática molecular
Autor para correspondência: Nilma C Leal
e-mail: [email protected]
Tel: 55 81 2101 2568
Fax: 55 81 2101 2516
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
RESUMO
A emergência do Vibrio cholerae sorogrupo O139 como um segundo agente
etiológico da cólera epidêmica, serviu de alerta para o surgimento de outros clones
epidêmicos. A partir da análise de 179 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 isoladas
de casos clínicos e do ambiente durante o surto de cólera no Brasil (1991-2000), foi
possível selecionar oito cepas que apresentaram três genes de virulência do profago
CTXφ (ctxA, zot e ace), sugerindo serem possuidoras do profago intacto. Ao analisar a
classificação antigênica destas cepas, com exceção de uma cepa (17155), que se
apresentou como não tipável, foram classificadas sorologicamente como V. cholerae
O26. Cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 toxigênicas podem estar passando
despercebidas pelo método tradicional de diagnóstico da cólera no Brasil, visto que tais
cepas, por possuírem os genes de virulência, são agentes etiológicos da cólera em
potencial. Este trabalho buscou uma análise genética mais detalhada das oito cepas de
V. cholerae não-O1/não-O139 selecionadas, verificando se a classificação sorológica é
coerente com marcadores moleculares do antígeno O, se essas cepas expressam a toxina
colérica (CT) e se são agrupadas monofileticamente, a partir da análise de seqüências da
região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR) presente nos operons de rRNA. Duas
cepas (4756 e 17155) se destacaram, por possuírem o gene rfb (wbe), específico do
sorogrupo O1, sugerindo que estas duas seriam genotipicamente do sorogrupo O1. As
mesmas cepas foram as únicas a expressar a CT em cultura e a ter quatro repetições
intactas do heptanucleotídeo TTTTGAT, responsável pela ativação do gene ctxAB, na
sua região promotora. O mesmo número de repetições foi encontrado na cepa 63, V.
cholerae O1 biotipo El Tor. Uma das hipóteses plausíveis para justificar a presença de
genes de virulência nestas cepas seria a soroconversão das cepas de V. cholerae O1 em
outros sorogrupos. Assim, foi seqüenciada a ISR dos operons ribossomais para verificar
a relação filogenética destas cepas de V. cholerae com as do sorogrupo O1. Foram
construídas três árvores filogenéticas baseadas nos operons rrnB, rrnC e rrnH em que
as cepas de V. cholerae sorogrupo O1, 4756 e 17155 ficaram agrupadas no mesmo
clado, não sendo verificada nenhuma distância genética entre estas. Já as demais cepas
de V. cholerae O26 foram agrupadas em outro clado, apresentando distâncias genéticas
entre as cepas. A principal conclusão desta análise, e de acordo com os resultados
obtidos, é que as duas cepas 4756 e 17155 seriam filogeneticamente do sorogrupo O1.
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
INTRODUÇÃO
A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda, de veiculação
predominantemente hídrica, exclusiva dos seres humanos (Kaper et al., 1995). Seu
agente etiológico, o Vibrio cholerae, é classificado sorologicamente baseado no
antígeno “O”, um polissacarídeo termoestável integrante do lipopolissacarídeo de
membrana (LPS) que apresenta uma enorme diversidade (Yamai et al., 1997). Mais de
200 sorogrupos de V. cholerae foram identificados (Sack et al., 2004), mas durante
muito tempo acreditou-se que as cepas de V. cholerae do sorogrupo O1 seriam as únicas
responsáveis pelas grandes epidemias de cólera (Karaolis et al., 1995). No entanto, em
1992, um novo clone epidêmico no sul da Índia (Albert, 1994), possuidor de alto poder
de propagação e de todo o arsenal patogênico descrito para o sorogrupo O1, foi
identificado como um novo sorogrupo e denominado V. cholerae O139.
A patogenicidade de V. cholerae O1, em nível molecular, é um processo
multifatorial, que envolve diversos genes que codificam os fatores de virulência,
permitindo sua colonização no intestino e a secreção da toxina colérica (CT). A
molécula da CT é constituída por cinco subunidades B (codificado pelo gene ctxB) e
uma subunidade A (ctxA). A subunidade B é responsável pela ligação da toxina a um
receptor da célula intestinal e a subunidade A é a parte enzimaticamente ativa que atua
sobre as células da mucosa intestinal provocando desequilíbrio hidroeletrolítico,
resultando na secreção abundante de líquido isotônico (Fasano et al., 1991). Em V.
cholerae, os principais genes de virulência requeridos para a patogenecidade estão
agrupados e podem aparentemente propagar-se horizontalmente, dispersando-se entre
diferentes cepas (Waldor e Mekalanos, 1996).
No cromossomo maior de V. cholerae, duas regiões distintas se destacam por
participarem diretamente dos mecanismos de virulência: o profago CTXφ e a Ilha de
Patogenicidade de Vibrio (VPI - Vibrio Pathogenicity Island). Os genes que codificam a
toxina colérica (CT), principal fator de virulência do V. cholerae, estão localizados em
um bacteriófago lisogênico conhecido como CTXφ. Esse bacteriófago possui uma
região central, flanqueada por uma ou múltiplas cópias da seqüência repetida – RS
(Pearson et al., 1993). A região central possui os genes ctxA e ctxB que codificam a CT
e outros genes, como cep, orfU, zot e ace que codificam proteínas que atuam na
manuntenção do profago e ainda podem apresentar atividade enterotóxica (Waldor e
Mekalanos, 1996; Fasano et al., 1991). A expressão de genes de virulência em V.
58
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
cholerae envolve um grande número de etapas que culminam na ativação do promotor
do gene toxT, presente na VPI (Skorupski e Taylor, 1997). A proteína ToxT liga-se
então a um heptanucleotídeo de DNA repetido em tandem (TTTTGAT), localizado
entre os genes zot e ctxA do profago CTXφ, para ativar a transcrição dos genes ctxAB
(Withey e Dirita, 2006). Cepas epidêmicas dos sorogrupos O1 e O139 possuem três ou
mais cópias desse heptanucleotídeo, enquanto cepas de V. cholerae que não expressam a
CT possuem apenas duas cópias (Sarkar et al., 2002).
Cepas de V. cholerae não-O1/não-O139, classificadas como não epidêmicas,
podem apresentar os genes de virulência presentes no profago CTXφ (Li et al., 2002).
Uma justificativa para tal fato, além da mobilidade de tais elementos de virulência, é a
possibilidade de recombinação homóloga entre o conjunto de genes de biossíntese do
antígeno O (wbe), também conhecido como soroconversão (Blokesch e Schoolnik,
2007). A soroconversão pode permitir que cepas de V. cholerae O1 soroconvertidas
passem a ser classificadas sorologicamente de acordo com os novos genes wbe
adquiridos, mantendo-se, contudo, potencialmente epidêmicas. A inclusão da reação de
PCR voltada para o gene rfb (wbe) O1 e O139, utilizando primers específicos para cada
sorogrupo (Hoshino et al., 1998), de forma complementar a sorologia pode ser útil na
identificação das cepas de V. cholerae O1 e O139 soroconvertidas.
O uso de marcadores moleculares, como a região espaçadora intergênica (ISR)
do RNA ribossomal (rrn), pode ser de grande utilidade para identificar cepas de V.
cholerae soroconvertidas. Nesta região intergênica são encontrados genes de RNA
transportadores (tRNA), que são altamente conservadas nos domínios Bacteria e
Archaebacteria. A ISR dos operons rrn apresentam uma maior variabilidade na sua
seqüência do que a encontrada no gene de rRNA 16S, permitindo um maior poder de
resolução para diferenciar categorias taxonômicas de bactérias estreitamente
relacionadas (Gürtler 1999).
Desde a reintrodução da cólera no Brasil em 1991, o V. cholerae de sorogrupo
O1, biotipo El Tor, se destacou como o principal causador da síndrome diarréica. No
entanto, também tem sido verificada a ocorrência de processos entéricos causados por
cepas de sorogrupos não-O1/não-O139 que apresentam genes de virulência típicos do V.
cholerae O1. A emergência de um segundo sorogrupo (O139) como agente etiológico
da cólera epidêmica (Nair et al., 1994; Morris Jr. et al., 1990), a plasticidade do genoma
de V. cholerae fruto das múltiplas vias de transferência genética horizontal (Heidelberg
59
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
et al., 2000), a elucidação da VPI e do profago CTXφ como elementos genéticos móveis
(Hacker et al., 1997; Karaolis et al., 1998; 1999) e a possibilidade de conversão entre
sorogrupos (Blokesch e Schoolnik, 2007), chamam a atenção para o estudo de cepas de
V. cholerae não O1/não O139, sobretudo por serem potenciais agentes etiológicos para
novas epidemias.
No estudo de Theophilo et al. (2006) foram analisadas 179 amostras de V.
cholerae não-O1/ não-O139, isoladas entre 1991 e 2000 durante o surto de cólera no
Brasil. As amostras de V. cholerae do sorogrupo O26 representaram 7,8% do total de
amostras analisadas e em oito destas cepas foi detectada por PCR a presença do
fragmento do gene ctxA. O presente trabalho aprofunda a análise genética nas cepas
O26, na tentativa de confirmar a identidade dos genes de virulência do profago CTXφ;
verificar a expressão da CT e o número de cópias de heptanucleotídeo presentes em
cada amostra. Com base no seqüenciamento da região espaçadora situada entre os genes
de rDNA 16S e 23S foi possível fazer uma comparação filogenética entre estas cepas e
ainda verificar sua proximidade evolutiva com cepas de V. cholerae O1. Buscou-se
assim conhecer melhor estas cepas potencialmente epidêmicas que passam
despercebidas pelo método tradicional de diagnóstico da cólera. Os resultados obtidos
indicam que cepas geneticamente próximas às cepas O1 e potencialmente patogênicas
deixam de ser identificadas pela sorologia convencional.
MATERIAL E MÉTODOS
Cepas bacterianas e condições de cultivo – Foram analisadas 14 cepas de V.
cholerae O26 e uma cepa de sorogrupo não tipável, isoladas entre 1991 e 2000 de
processos entéricos humanos e do ambiente no Brasil, cedidas pelo Centro de
Referência Nacional de Cólera e Enteroinfecções Bacterianas (CRNCEB – FIOCRUZ,
RJ - Brasil). A cepa 569B, V. cholerae O1 biotipo Clássico, isolada em 1948 de caso
clínico na Índia e a cepa 63, V. cholerae O1 biotipo El Tor, ambiental, isolada em
Pernambuco - Brasil, foram utilizadas como controle. Previamente, as várias cepas
foram classificadas no National Institute of Health, Tóquio – Japão, para a identificação
sorológica (Tabela 1). Ao final do estudo, nova classificação das cepas, em O1/não O1,
foi realizada por meio da reação de aglutinação rápida em lâmina com o antissoro
polivalente O1, utilizando a suspensão em salina 0,85% do crescimento bacteriano em
gelose inclinada (Brasil, 1992).
60
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Para extração de DNA as cepas foram cultivadas em meio Água Peptonada
Alcalina (APA) a 37 °C por 24 horas. Nos ensaios de expressão da CT alíquotas destas
culturas foram semeadas em meio seletivo indicador TCBS e novamente incubadas a 37
°C por 24 horas. Colônias sacarose positivas isoladas foram inoculadas em meio AKI,
nas condições descritas por Iwanaga et al. (1986) para expressar a CT.
Expressão de CT e Western-blot – Culturas crescidas em meio AKI, sob
condições de indução de CT, foram centrifugados a 14.000 rpm por cinco minutos e o
sobrenadante incubado em gelo por duas horas com 5% de TCA (ácido tricloroacético)
(Brzostek e Raczkowska, 2001). Esse material foi centrifugado sob refrigeração, a
14.000 rpm, por três minutos e o sedimento lavado por três vezes com acetona gelada.
O sedimento foi ressuspendido em tampão de amostra para SDS-PAGE e os extratos
protéicos fracionados em gel 20% seguido de transferência para membranas PVDF
(“Polyvinylidene Difluoride Membrane” – Immobilon-P – Millipore®, Burlington, MA).
Estas membranas foram bloqueadas com solução de PBS, contendo leite desnatado em
pó a 1%, antes da incubação com soro policlonal de coelho específico contra a
subunidade A da toxina colérica (cedido pelo Centro de Referência Nacional de Cólera
e Enteroinfecções Bacterianas – CRNCEB – FIOCRUZ, RJ - Brasil), na diluição de 1:
40.000. O segundo anticorpo, anti-IgG de coelho, conjugado a peroxidase foi utilizado
na diluição de 1:15.000 e o Western blot foi revelado por quimioluminescência.
Extração de DNA e PCR – O DNA total purificado foi extraído das cepas
segundo protocolo descrito por Ausubel et al. (1987), sem adição de lisozima. O
fragmento do gene rfb (wbe) foi amplificado por PCR utilizando os primers descritos
por Hoshino et al. (1998). A região intergênica zot – ctxA foi amplificada utilizando os
primers zotF 5’ – GCT ATC GAT ATG CTG TCT CCT CAA – 3’ (Leal et al., 2004) e
ctxAR 5’ – ACA GAG TGA GTA CTT TGA CC – 3’ (Li et al., 2002). Os produtos de
PCR foram purificados com o Kit QIAquick PCR Purification (Qiagen Inc., Valencia,
CA) para serem seqüenciados. Já a região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR) do
RNA ribossomal foi amplificada utilizando os primers 5’ – TTT CTG CAG YGG NTG
GAT CAC CTC CTT – 3’ e 5’ – ACG AAT TCT GAC TGC CMR GGC ATC CA – 3’
(Chun et al., 1999) e utilizadas nas reações de clonagem como descritas a seguir. Todas
as reações de amplificação foram preparadas em volume total de 25 µL por tubo,
contendo MgCl2 1,5 mM; 20 ng de DNA genômico; e 1 U de Taq DNA polimerase
recombinante (Invitrogen Corp., Carlsbad, California, USA). As amplificações foram
realizadas em um termociclador Biometria TRIO-ThermoblockTM, programado para 30
61
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
ciclos térmicos: um minuto a 92°C, um minuto a 55ºC e um minuto a 72°C, terminando
com uma etapa de alongamento final de sete minutos a 72°C. Em cada partida de
amplificação, o DNA das cepas 569B e 63, ambas V. cholerae O1, foi utilizado como
controle positivo de reação e um tubo contendo todos os componentes da mistura na
ausência de DNA molde, o controle negativo. Após a amplificação cinco microlitros do
produto de amplificação de PCR foi separado por eletroforese em gel de agarose 1%. O
DNA foi corado com brometo de etídio e os produtos de amplificação foram
visualizados em luz UV e digitalizados em câmara digital Kodak 1D Image Analysis
Software, versão 3.5 para Windows.
Clonagem e seleção dos clones – Os produtos amplificados da região
espaçadora 16S-23S (ISR) foram submetidos à extração com fenol-clorofórmio e
posterior precipitação em álcool etílico. O plasmídeo pGEM3zf+ (Promega Inc.,
Madison, WI) foi linearizado por digestão com as enzimas de restrição PstI e EcoRI. Os
produtos de PCR foram digeridos com as mesmas enzimas. O plasmídeo e os insertos
(produtos de PCR) foram separados por eletroforese em gel de agarose 1%, purificados
com o QIAEX II Gel Extraction Kit® (Qiagen® Chatsworth, CA) e ligados utilizando a
enzima T4 DNA ligase (BioLabs 400 U/µl). Células de Escherichia coli DH5α foram
transformadas com o plasmídeo recombinante. Foram selecionadas 50 colônias brancas
de cada cepa, crescidas em meio LB contendo 100 mg/mL ampicilina e utilizadas para
extração de DNA plasmidial segundo o método de lise alcalina (adaptado de Sambrook
e Russell, 2001). Posteriormente, estes plasmídeos foram digeridos com EcoRI e PstI e
o tamanho dos insertos clonados foram estimados, após migração por eletroforese em
gel de agarose 1%, com o auxílio do programa da câmara digital Kodak 1D Image
Analysis Software®. Os clones contendo fragmentos de tamanho compreendido entre
450 – 600pb e 700 – 800pb foram selecionados para o seqüenciamento utilizando os
primers universais M13 Forward e M13 reverse. Foram seqüenciados estes clones e os
fragmentos amplificados da região intergênica zot – ctxA no seqüenciador automático
ABI Prism 3100 Genetic Analyzer® (Applied Biosytems, Foster City, CA).
Análise in silico – As seqüências obtidas foram analisadas através dos
programas SeqManTM II e EditSeqTM (pacote de programas Lasergene, version 4.01,
DNASTAR Inc., Madison, WI), para avaliar o padrão de qualidade das seqüências e
montar as seqüências contíguas. O programa Clustal X 1.83 (Thompson et al., 1997) foi
utilizado para fazer o alinhamento múltiplo das seqüências. Foi analisada a similaridade
das seqüências da região intergênica zot – ctxA obtidas comparando-as com as
62
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
seqüências de V. cholerae O1, depositadas no Genbank, através do programa BLAST
(Altschul et al.,1997). O mesmo programa foi utilizado na identificação dos operons
ribossomais (rrn) correspondentes às seqüências produzidas. Para a construção da
árvore filogenética com as seqüências ISR de cada operon rrn foi utilizado o método
Neighbor-Joining, com um bootstrap de 1.000 replicatas, e o programa Mega 4 (Tamura
et al., 2007).
RESULTADOS
A partir da análise de 179 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139, isoladas de
casos clínicos e do ambiente, oito apresentaram os três genes de virulência do profago
CTXφ (ctxA, zot e ace), sugerindo a presença deste profago intacto. Estes resultados
sugerem que cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 toxigênicas podem estar passando
despercebidas pelo método tradicional de diagnóstico da cólera no Brasil, o que é
preocupante, visto que tais cepas são agentes etiológicos da cólera em potencial. Ao
analisar a classificação antigênica das cepas selecionadas, com exceção da cepa 17155,
que se apresentou como não tipável, as demais foram classificadas sorologicamente
como V. cholerae O26 (Theophilo et al., 2006). Outras sete cepas também foram
classificadas como O26 mas, embora em todas tenha sido detectada a presença dos
genes zot ou zot e ace, confirmando a presença de parte do profago CTXφ, estas não
possuíam o gene ctxA que é essencial para a toxicidade do V. cholerae. Neste trabalho
se buscou uma melhor caracterização das cepas O26 identificadas, incluindo também
nessa análise a cepa 17155.
Detecção do gene rfb (wbe)
Inicialmente foi questionado se as cepas selecionadas, sobretudo as que possuíam
os genes do profago CTXφ, não teriam o conjunto de genes rfb (wbe) de biossíntese do
antígeno O, típico do sorogrupo O1. Desta forma, as 15 cepas de V. cholerae nãoO1/não-O139 foram submetidas a reação de PCR utilizando primers específicos para o
sorogrupo O1. Analisando os resultados foi observado que além das cepas de V.
cholerae O1 (569B e 63) usadas como controle, apenas as cepas 4756 (sorogrupo O26)
e 17155 (não tipável) apresentaram o fragmento de 192 pb (Figura 1). De acordo com
este resultado, estas duas cepas seriam genotipicamente do sorogrupo O1.
63
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Análise da expressão da toxina colérica
Apesar de sete destas, potencialmente epidêmicas, terem sido isolados de casos
humanos e apresentarem genes do profago CTXφ, restava saber se expressavam a toxina
colérica (CT). Assim, em um primeiro momento, estas cepas foram cultivadas em
condições de indução da produção da CT por cepas de V. cholerae O1 biotipo El Tor. A
presença da CT foi investigada por Western blot nos sobrenadantes das respectivas
culturas. Em apenas duas das oito cepas, 4756 e 17155, as mesmas que apresentavam o
gene rfb, foi detectada a expressão da subunidade A da toxina colérica (Figura 2).
Seqüenciamento da região em tandem heptanucleotídica
A não expressão da CT por seis das oito cepas de V. cholerae não-O1/ nãoO139 sugere alterações na cascata regulatória. Partiu-se então para a amplificação e
seqüenciamento da região intergênica zot – ctxA destas cepas e a identificação do
número de cópias do heptanucleotídeo. A ausência da produção de CT nas demais
cepas de V. cholerae O26 (3340, 4010, 6958, 11159 e 13151) pode ser atribuída à
presença de somente duas cópias íntegras do heptanucleotídeo (Figura 3). As cepas de
V. cholerae não-O1/ não-O139 (4756 e 17155), nas quais a toxina foi identificada,
possuem quatro cópias do heptanucleotídeo (Figura 3), o mesmo número de repetições
encontrado na cepa 63, V. cholerae O1 biotipo El Tor. Já a cepa 569B, V. cholerae O1
biotipo clássico, apresentou seis cópias.
Sorologia
Diante das evidências até o momento apresentadas, as cepas 4756 (V. cholerae
O26) e 17155 (V. cholerae sorogrupo não tipável) além de serem potencialmente
epidêmicas, são molecularmente do sorogrupo O1. Para confirmar o diagnóstico destas
cepas como não O1, de forma comparativa com as demais cepas O26, foi realizada a
sorologia das cepas 6958, 4756, 17155 e 569B (V. cholerae O1 controle) testando o
antissoro para o sorogrupo O1 utilizado de forma rotineira no diagnóstico laboratorial.
Os resultados confirmam o não reconhecimento das cepas 4756 e 17155 pelo antissoro
O1, uma vez que só a cepa 569B apresentou aglutinação com o antissoro O1 (Figura 4).
A possibilidade da ocorrência de uma soroconversão é corroborada com a não
aglutinação das cepas 4756 e 17155.
64
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Amplificação da região espaçadora intergênica 16S-23S
Por perceber que a classificação sorológica é um critério taxonômico pouco
robusto e sujeito a fenômenos mutacionais, como a soroconversão, que a tornam ainda
mais limitada, procurou-se então utilizar uma nova alternativa que pudesse analisar de
forma mais detalhada as relações de parentesco entre as cepas de V. cholerae nãoO1/não-O139, comparando-as ainda com cepas O1 mais bem caracterizadas. Optou-se
por analisar a região espaçadora intergênica 16S-23S ribossomal (ISR), um marcador
molecular filogenético com poder de resolução infraespecífico. Em V. cholerae já foram
descritos oito operons rrn contendo o conjunto completo de genes de RNA ribossomal
organizados na seqüência 16S, 23S e 5S e separados por seqüências espaçadoras não
codificantes que entretanto podem conter genes de tRNA. Estes operons podem ser
agrupados em cinco classes baseado na presença de genes de tRNA específicos dentro
das ISRs (Ghatak et al., 2005; Stewart et al., 2007).
Com base na seqüência genômica da cepa N16961, V. cholerae O1 El Tor
(Heidelberg et al., 2000), disponível no Genbank, realizamos inicialmente uma análise
in silico para identificar o conjunto de fragmentos de ISRs passíveis de amplificação
com os referidos primers. Assim, uma amplificação de ISRs da cepa N16961 deve
produzir
fragmentos
referentes
às
classes
listadas
a
seguir,
e
mostradas
esquematicamente na Figura 5A, com os respectivos genes de tRNA que permitem sua
identificação: rrnA com 544pb (tRNAAla
- GGC (anticódon)
); rrnB e rrnE com 490pb
(tRNAGlu - UUC), idênticos; rrnD com 570pb, rrnC e rrnF com 569pb (tRNAAla - UGC e
tRNAIle - GAU), inclusos em uma mesma classe mas com variações mínimas de seqüência
entre os três operons, fora dos genes de tRNA; rrnG com 831pb (tRNAAla - UGC, tRNAVal
- UAC
, tRNALys - UUU e tRNAGlu - UUC); e rrnH com 745pb (tRNAVal - UAC, tRNALys - UUU e
tRNAGlu
- UUC
). Partiu-se então para a amplificação do conjunto de ISRs das 8 cepas
não-O1/não-O139 objeto desse estudo e da cepa 63, V. cholerae O1 El Tor, como
controle positivo. Conforme ilustrado na Figura 5B, todas apresentaram o mesmo
padrão de cinco fragmentos amplificados, indicando uma maior proximidade
filogenética. Os fragmentos produzidos em sua maioria possuem tamanhos equivalentes
às classes de ISR preditas com base no genoma da cepa N16961 a exceção do
fragmento maior, equivalente ao rrnG.
65
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Análise das seqüências de ISRs
Uma vez que a ribotipagem-PCR não se mostrou capaz de discriminar entre as
cepas estudadas, e buscando-se poder quantificar de forma mais precisa o grau de
parentesco entre as mesmas, partiu-se para realizar o seqüenciamento do conjunto de
ISRs das cepas em estudo. Neste sentido, para cada cepa, os fragmentos amplificados de
ISRs foram purificados em conjunto e submetidos a ligação e clonagem em vetor da
série pGEM. Cerca de 50 minipreparações de DNA foram realizadas em cada etapa de
clonagem e a presença de insertos confirmadas por digestão com enzimas de restrição.
De acordo com o tamanho do fragmento liberado, por volta de 25 clones foram
submetidos ao seqüenciamento dos insertos (totalizando 210 clones seqüenciados para
as nove cepas estudadas – oito cepas de V. cholerae não-O1/ não-O139 e a cepa 63).
Estes clones foram selecionados de forma a maximizar o seqüenciamento das 5 classes
de ISRs. As seqüências obtidas foram então analisadas para classificá-las de acordo com
as classes conhecidas de V. cholerae. A exceção do rrnG, que não foi recuperado de
duas das cepas (6958 e 13151) e cujo seqüenciamento para as demais não foi completo,
ISRs representativas de todos as demais classes de operons foram recuperadas, a grande
maioria representada por vários clones. Todas as seqüências produzidas de uma mesma
classe foram então alinhadas e comparadas entre si e também com a seqüência
genômica disponível.
Um primeiro resultado da análise do alinhamento das seqüências, diz respeito ao
operon rrnA. Foi observado que a cepa N16961 apresenta uma inserção de 60pb na
região intergênica do operon rrnA (Tabela 2 e Figura 5A). Quando foram comparadas
as seqüências da ISR do operon rrnG, foi observado também uma inserção de 60pb
(Figura 5A). O alinhamento entre essas inserções mostra que 59pb são idênticos,
variando apenas uma base na extremidade da região. A ausência desta inserção foi
também observada na cepa 63 (V. cholerae O1). A partir da análise de Ghatak e
colaboradores (2005), foi observado que os operons rrnA e rrnG não foram bons
marcadores para distinguir cepas de V. cholerae O1 e O139. Entretanto, como mostrado
na Tabela 2, os resultados obtidos a partir da análise de seqüências da ISR do operon
rrnA mostram duas variações (posição 244 e 474) que foram compartilhadas pelas cepas
V. cholerae O26 não produtoras de CT (2494, 3340, 4010, 6958, 11159 e 13151). Por
sua vez, as cepas de V. cholerae O1, 63 e N16961, compartilham as mesmas mutações
das cepas 4756 e 17155.
66
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
No que diz respeito as demais ISRs, a seqüência da rrnG não foi utilizada em
outros estudos devido a sua pouca representatividade. Com relação às demais, quando
comparadas entre si e com a seqüência da cepa N16961, percebeu-se que apresentaram
um tamanho uniforme e relativamente baixa freqüência de mutações. Porém, em todos
os operons analisados era nítida a presença de mutações compartilhadas entre o V.
cholerae sorogrupo O1, 4756 e 17155 e outras entre as cepas de V. cholerae O26,
mostrando o quanto este marcador molecular é apropriado para a inferência filogenética
de cepas de V. cholerae de diferentes sorogrupos.
Análise filogenética das seqüências da ISRs
De forma a melhor visualizar os resultados obtidos com o seqüenciamento das
ISRs e também identificar como estas se comparam na elucidação de relações de
parentesco entre cepas, foram construídas árvores filogenéticas utilizando as seqüências
dos operons rrnB, rrnC e rrnH. Para dar robustez às árvores filogenéticas, foram
utilizadas, como grupo externo, seqüências de V. mimicus, cepas RC5 (operons rrnB e
rrnH) e RC55 (operon rrnC), depositadas no NCBI (Chun et al., 1999). As espécies V.
cholerae e V. mimicus apresentam um ancestral comum recente, possuindo genomas
bastante relacionados. A análise de seqüências multilocos (rRNA 16S, rpoA, recA e
pyrH) confirma esta estreita relação filogenética (Thompson et al., 2005).
Nas árvores filogenéticas dos operons rrnB (Figura 6A), rrnC (Figura 6B) e rrnH
(Figura 6C), as cepas 63, 4756, 17155 e N16961 se agruparam no mesmo clado. A
árvore que apresentou um maior poder discriminatório foi a do operon rrnH sendo
visualizada neste operon mais mutações compartilhadas pelos dois grupos analisados.
As demais cepas de V. cholerae O26, nas três árvores construídas ficaram agrupadas no
mesmo clado. Entre estas a cepa 11159 se apresentou diferenciada das demais em duas
das árvores produzidas, com os operon rrnC e rrnH, sugerindo um distanciamento
genético real em relação às demais. A principal conclusão desta análise, e de acordo
com os demais resultados obtidos, é que as duas cepas 4756 e 17155 seriam
geneticamente do sorogrupo O1.
67
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
DISCUSSÃO
Foi possível evidenciar a ocorrência de soroconversão das cepas 4756 e 17155
através do estudo da região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR) dos operons de
rRNA, que se mostra uma ferramenta robusta para a análise filogenética de cepas de V.
cholerae de diferentes sorogrupos. A partir da análise de cepas de V. cholerae O1 e
O139, Ghatak e colaboradores (2005) recomendam o uso das ISRs dos operons rrnB,
rrnC e rrnH, não encontrando variações significativas nos operons rrnA e rrnG. Tais
achados são corroborados com a proximidade genética entre o V. cholerae O139 e os
sorogrupos O1 (biotipo El Tor) e O22 (Li et al., 2002) e com a presença de genes
conservados que flanqueiam o conjunto de genes wbe, como o gmhD e rjg (Chen et al.,
2007), reforçando a hipótese de recombinação homóloga desta região, resultando na
substituição do cluster gênico O1 original com o cluster gênico O139 de uma cepa de V.
cholerae ambiental (Li et al., 2002; Mooi e Bik, 1997; Faruque et al., 2003; Chatterjee e
Chaudhuri, 2004; Blokesch e Schoolnik, 2007). Neste trabalho, foi observado que todos
os operons eram informativos para mostrar diferenças entre o sorogrupo O1 e O26,
destacando a ISR do operon de rRNA H por apresentar mais mutações compartilhadas
entre cepas de V. cholerae O26.
Dois eventos podem ter ocorridos entre as cepas de V. cholerae não-O1/não-O139
analisadas. As cepas 4756 (V. cholerae O26) e 17155 (V. cholerae sorogrupo não
tipável) provavelmente sofreram uma conversão sorológica por modificação na cascata
de biossíntese do antígeno O enquanto que outras cepas de V. cholerae O26 adquiriram
os profagos das cepas epidêmicas por transferência horizontal. A partir da análise de Li
e colaboradores (2002), ao estudar 300 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139,
encontraram quatro cepas de V. cholerae (sorogrupos O27, O37, O53 e O65) com
indícios de recombinação homóloga do conjunto de genes de biossíntese do antígeno O,
típico do sorogrupo O1. Ao analisar os genes de virulência destas quatro cepas foi
observado que são bastante heterogêneos, incluindo as cepas O53 e O65 que
apresentavam o profago CTXφ do V. cholerae O1 clássico incompleto (os genes ctxAB
ausentes) e a cepa O27 que apresentou um tipo ambiental do profago, até então
desconhecido. Isso mostra que a ocorrência da soroconversão em cepas de V. cholerae
sorotipadas como não-O1/não-O139 é freqüente, o que as tornam importante objeto de
estudo epidemiológico, por serem agentes potencialmente etiológicos da cólera
(Blokesch e Schoolnik, 2007). Uma abordagem necessária seria a análise do conjunto de
68
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
genes de biossíntese do antígeno O (região wbe) das cepas de V. cholerae não-O1/nãoO139 produtoras de CT (4756 e 17155). É possível que esclareça a modificação da
expressão fenotípica do antígeno O, que o torna não aglutinável com o antissoro O1,
elucidando quais eventos evolutivos estariam envolvidos na soroconversão destas cepas.
Os profagos CTXφ com duas cópias do heptanucleotídeo presentes nas cepas de
V. cholerae O26 devem ser comparados com os profagos das cepas epidêmicas da
mesma época, para verificar se existe um tipo predominante de profago ou se são
encontrados novos alelos dos genes de virulência. Tal abordagem é pertinente,
sobretudo, pelo fato de não se conhecer quais são os tipos de profagos CTXφ circulantes
nas cepas de V. cholerae isoladas no Brasil. A possibilidade de detecção de homólogos
funcionais dos genes de virulência presentes nas cepas de V. cholerae ambientais pode
contribuir para a compreensão da origem e da evolução destes genes. É recomendável
ainda, que seja aprofundada a análise dos genes presentes na VPI (Ilha de
Patogenicidade de Vibrio) das cepas de V. cholerae não-O1/não-O139.
O presente trabalho chama a atenção para a forma como é realizado o método
tradicional de diagnóstico da cólera no Brasil, que utiliza como critério de triagem para
realizar os demais testes bioquímicos apenas a reação de soroaglutinação das cepas de
V. cholerae isolodas. Caso a cepa de V. cholerae seja não-O1/não-O139, provavelmente
será descartada da triagem, desconsiderando a possibilidade destas cepas possuírem os
genes de virulência ou serem uma cepa de V. cholerae O1 soroconvertida em outro
sorogrupo (Li et al., 2002). Cepas de V. cholerae toxigênicas podem, assim, não ser
detectadas pelo diagnóstico tradicional da cólera. Além do mais, tal método de
diagnóstico depende basicamente do crescimento bacteriano em meios de culturas
convencionais (Ágar TCBS e Água Peptonada Alcalina), o que demanda tempo para a
conclusão do diagnóstico e está sujeito a não identificar as cepas de V. cholerae no
estado viável mas não cultivável (VNC). Trata-se de uma estratégia de sobrevivência do
V. cholerae quando submetido a estresse, seja pela falta de nutrientes, pela elevação da
salinidade ou pela redução da temperatura (Aulet et al., 2007). O V. cholerae neste
estado de latência não é cultivável nos meios de culturas convencionais,
impossibilitando seu isolamento por técnicas microbiológicas, embora ainda possam
ocasionar a infecção colérica (Colwell e Huq, 1994). A manutenção do potencial
infeccioso da bactéria nessa condição, o torna de grande importância epidemiológica
(Colwell, 1996; Binsztein et al., 2004).
69
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Embora apresente limitações, a técnica de soroaglutinação é indispensável na
classificação sorológica do V. cholerae. Diante da ocorrência de cepas soroconvertidas,
sugere-se o uso complementar de métodos moleculares, como a PCR do gene rfb (wbe),
para que seja feita a confirmação do sorogrupo. Desta forma, recomenda-se a inclusão
da reação de PCR para detecção simultânea do gene ctxA e rfb O1 (wbe) na rotina
diagnóstica (Mendes et al., 2008), possibilitando identificar cepas de V. cholerae O1
soroconvertidas ou cepas ambientais que carregam o profago CTXφ.
70
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
TABELAS
Tabela 1 – Cepas de V. cholerae O26 utilizadas neste trabalho, evidenciando oito cepas
que apresentam os genes de virulência do profago CTXφ (destacadas em negrito).
Amostra
N° IOC
Sorogrupo
Ano
Origem
63
569 B
01 – El Tor
O1 – Clássico
1999
1948
* Pernambuco - Brasil
Índia
2494
3340
4010
4756
6958
11159
13151
17155
O26
O26
O26
O26
O26
O26
O26
Não tipável
1992
1992
1992
1992
1992
1993
1994
2000
* Bahia - Brasil
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
Ceará - Brasil
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
1717
3647
10626
11043
13663
15677
16352
O26
O26
O26
O26
O26
O26
O26
1992
1992
1993
1993
1994
1998
1999
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
Bahia - Brasil
Pernambuco - Brasil
Pernambuco - Brasil
Ceará - Brasil
Ceará - Brasil
*Cepas ambientais.
Tabela 2 – Resumo das posições nas seqüências da ISR do operon rrnA em que foram
visualizadas mutações
Posições
Cepas
Inserções
244
474
533
534
4010
A
A
C
G
-
4756
T
G
C
G
-
17155
T
G
C
T
-
3340
A
A
C
G
-
6958
A
A
C
G
-
11159
A
A
C
G
-
13151
A
A
C
T
-
2494
A
A
C
G
-
63
T
G
C
G
-
N16961
T
G
T
G
327 - 386
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
FIGURAS
Figura 1 – Eletroforese em gel de agarose 1% de produtos de PCR do gene rfbN a partir do DNA total de
cepas de V. cholerae O26, temperatura de pareamento 55°C. M = marcador de peso molecular (Ladder
100 pb) e CN = controle negativo.
72
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Figura 2 – Western Blot: Detecção por quimioluminescência em filme fotosensível confirmando a
secreção da sub-unidade A da toxina colérica (CT) nas cepas de Vibrio cholerae não-O1/não-O139. Esta
subunidade possui 27,2 kDa.
73
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
CLUSTAL X (1.83) multiple sequence alignment
3340
4010
6958
13151
11159
4756
17155
63
569B
78
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTCTGAT---------------------TTCAAATAATACAAATTTTATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTCTGAT---------------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTCTGAT---------------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTCTGAT---------------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTCTGAT---------------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGAT--------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGAT--------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGAT--------------TTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
TAAATAGTATATTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGATTTTTGATTTCAAATAATACAAATTT-ATTTACT
*************************** ****
58
57
57
57
57
64
64
64
****************** *******
Figura 3 – Alinhamento das seqüências obtidas destacando as repetições do heptanucleotídeo
TTTTGAT. Vale ressaltar a ocorrência de uma mutação de T/C que inativa um dos heptanucleotídeos de
algumas das cepas de V. cholerae O26
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
A
C
Cepa 17155
Cepa 569B
D
B
Cepa 4756
Cepa 6958
Figura 4 – Reação de soroaglutinação com soro polivalente O1. A) cepa 17155 - não reagente (V.
cholerae sorogrupo não tipável); B) cepa 4756 - não reagente (V. cholerae O26); C) cepa 569B - reação
positiva (controle positivo – V. cholerae O1); D) cepa 6958 - não reagente (controle negativo - cepa V.
cholerae O26).
75
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Figura 5 – (A) Esquema representativo das cinco classes da região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR)
do operon de rRNA, baseado nas seqüências da cepa N16961 (Vibrio cholerae O1 El Tor), evidenciando
o tamanho de cada ISR, a presença dos genes de tRNAs (caixas cinzas) e a presença de duas inserções
encontradas nos operons rrnA e rrnG (caixas pretas). (B) Gel representativo do perfil de RibotipagemPCR apresentado por todas as cepas analisadas.
76
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
69 6958
12
A
13151
11159
65
2494
4010
3340
63
4756
88 17155
N16961
V.mimicus
0.002
3340
B
2494
65
13151
4010
71
6958
11159
63
17155
64 N16961
4756
V.mimicus
0.005
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
70 4010
C
79
6958
11159
78
3340
13151
61
2494
4756
17155
98 63
N16961
V.mimicus
0.001
Figura 6 – Árvores filogenéticas construídas a partir das seqüências dos operons rrnB (A), rrnC (B) e
rrnH (C), no programa Mega 4 (Tamura; Dudley; Nei; Kumar, 2007). Foi adotado o método NeighborJoining com um bootstrap de 1.000 replicatas. O comprimento dos ramos horizontais é proporcional à
distância genética entre os diferentes sorogrupos de V. cholerae. Os números sobre os ramos verticais
indicam a porcentagem de repetições da análise de bootstrap, na qual as ramificações foram observadas.
Foram incluídas uma amostra de V. cholerae O1 (N16961) e amostras de V. mimicus (grupo externo),
ambas disponíveis no NCBI.
78
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
6 – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Tabela – Representatividade dos clones seqüenciados, correlacionando a cepa e a classe de rrn ao qual as
seqüências pertencem.
Operons
Cepas
Total de
rrn A
rrn BE
rrn CDF
rrn G
rrn H
amostras
63
3
7
9
2
4
25
4010
4
6
6
4
3
23
4756
4
5
7
2
5
23
17155
5
6
6
4
4
25
3340
7
6
10
1
4
28
6958
3
6
7
0
2
18
11159
4
4
13
1
3
25
13151
5
4
11
0
4
24
2494
1
8
6
2
2
19
Total
36
52
75
16
31
210
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
Figura – Perfil de amplificação das cepas de V. cholerae O26 após a reação de PCR utilizando os primers
descritos por Chun et al., 1999. 1 – Marcador de peso molecular 100pb Ladder; 2 – 569B (V. cholerae O1
biotipo Clássico); 3 – 63 (V. cholerae O1 biotipo El Tor); 4 – 1717; 5 – 3647; 6 – 4010; 7 – 4756; 8 –
15677; 9 – 17155; 10 – 3340; 11 – 6958; 12 – 10626; 13 – 11159; 14 – 13151; 15 – 2494; 16 – 13663; 17
– 16352; 18 – Staphilococcus aureus.
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
7 – CONCLUSÕES
- As cepas 4756 e 17155 são filogeneticamente do sorogrupo O1, conclusão
corroborada pelos experimentos realizados neste trabalho, exceto pela soroaglutinação;
- As seqüências da ISR dos operons ribossomais das cepas de V. cholerae O26
compartilham várias mutações quando comparada com as das cepas de V. cholerae O1,
sendo estas mutações interessantes marcadores genéticos para a inferência filogenética;
- Recomenda-se a inclusão da reação de PCR para o gene ctxA e rfb O1 (wbe) na rotina
do diagnóstico sorológico do V. cholerae, sobretudo após comprovada limitação da
técnica, possibilitando assim identificar cepas de V. cholerae O1 soroconvertidas ou
cepas ambientais que carregam o profago CTXφ.
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8 – ANEXO
INSTRUCTIONS TO AUTHORS
Scope and policy
Submission of papers
SCOPE AND POLICY
Genetics and Molecular Biology (formerly named Revista Brasileira de
Genética/Brazilian Journal of Genetics - ISSN 0100-8455) is published by the
Sociedade Brasileira de Genética (Brazilian Society of Genetics).
The Journal considers contributions that present the results of original research
in genetics, evolution and related scientific disciplines.
Although Genetics and Molecular Biology is an official publication of the
Brazilian Society of Genetics, contributors are not required to be members of the
Society.
It is a fundamental condition that submitted manuscripts have not been and will
not be published elsewhere. With the acceptance of a manuscript for publication, the
publishers acquire full and exclusive copyright for all languages and countries.
Manuscripts considered in conformity with the scope of the journal as judged by
the Editor in conjunction with the Editorial Board are reviewed by the Associate Editors
and two or more external reviewers. Acceptance by the Editor is based on the quality of
the work as substantial contribution to the field and on the overall presentation of the
manuscript.
SUBMISSION OF PAPERS
1. Manuscripts should be submitted to:
Angela M. Vianna-Morgante , Editor-in-Chief Genetics and Molecular Biology
Postal Address:
Rua Capitão Adelmio Norberto da Silva, 736
14025-670 Ribeirão Preto, SP – Brazil
Electronic Address: [email protected]
2.A submission package sent to the Editorial Office must contain
a) A cover letter stating that all authors have approved the submission of the
manuscript. The letter must be signed by the Corresponding Author and must inform the
e-mail addresses of all other authors so that they can be contacted by the Editorial
Office for confirmation of the submission.
b) An electronic copy of the text, tables and figures, including supplementary material
to be published online only. Formats for text are Word or RTF in Windows platform.
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Images in TIFF or JPEG formats should be sent in separate files (For Figures, see
detailed instructions in 3.1.h). Mailed CD-ROMs must be labeled with the first author’s
last name, platform and software. Failure to adhere to these guidelines can delay the
handling of your contribution and manuscripts may be returned before being reviewed.
c) Manuscripts including photos or any other identifiable data of human subjects must
be accompanied by a copy of the signed consent by the individual or his/her guardian.
3. Categories of Contribution
3.1. Research Articles
Manuscripts must be written in English in double-spaced, 12-point type
throughout; formatted to A4 paper with 2.5 cm margins; marked with consecutive line
and page numbers, beginning with the cover page.
The following elements must start on a new page and be ordered as they are
listed below:
a) The title page must contain: a concise and informative title; the authors’ names (first
name at full length); the authors’ institutional affiliation, including department,
institution, city, state or province and country; different affiliations indicated with
superscript numbers; a short running title of about 35 characters, including spaces; up to
five key words; the corresponding author’s name, postal address, phone and fax
numbers and email address. The corresponding author is the person responsible for
checking the page proofs, arranging for the payment of color illustrations and author’s
alteration charges.
b) The Abstract must be a single paragraph that does not exceed 200 words and
summarizes the main results and conclusions of the study. It should not contain
references.
c) The text must be as succinct as possible. Text citations: articles should be referred to
by authors’ surnames and date of publication; citations with two authors must include
both names; in citations with three or more authors, name the first author and use et al.
List two or more references in the same citation in chronological order, separated by
semi-colons. When two or more works in a citation were published in the same year, list
them alphabetically by the first author surname. For two or more works by the same
author(s) in a citation, list them chronologically, with the years separated by commas.
(Example: Freire-Maia et al., 1966a, 1966b, 2000). Only articles that are published or in
press should be cited. In the case of personal communications or unpublished results, all
contributors must be listed by initials and last name (et al. should not be used).
Numbers: In the text, numbers nine or less must be written out except as part of a date, a
fraction or decimal, a percentage, or a unit of measurement. Use Arabic numerals for
numbers larger than nine. Avoid starting a sentence with a number. Binomial Names:
Latin names of genera, species and intraspecific taxa in the text must be printed in
italics; names of orders and families should appear in the Title and also when first
mentioned in the text. URLs for programs, data or other sources should be listed in the
Internet Resources Section, immediately after the References Section, not in the text.
URLs for citations of publications in electronic journals should appear in the reference
section
The text includes the following elements:
86
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Introduction –Description of the background that led to the study.
Material (or Subjects) and Methods – Details relevant to the conduct of the study.
Statistical methods should be explained at the end of this section.
Results – Undue repetition in text and tables should be avoided. Comment on
significance of results is appropriate but broader discussion should be part of the
Discussion section.
Discussion – The findings of the study should be placed in context of relevant published
data. Ideas presented in other publications should not be discussed solely to make an
exhaustive presentation.
Some manuscripts may require different formats appropriate to their content.
d) The Acknowledgments must be a single paragraph that immediately follows the
discussion and includes references to grant support.
e) The References Section:references must be ordered alphabetically by the first author
surname; references with the same first author should be ordered as follows: first, as
single author in chronological order; next, with only one more co-author in alphabetical
order by the second author; and finally followed by references with more than two coauthors, in chronological order, independent of the second author surnames. In
references with more than 10 authors only the first ten should be listed, followed by et
al. Use standard abbreviations for journal titles as suggested by ISI Web of Knowledge
(http://apps.isiknowledge.com/WoS/help/C_abrvjt.html)
or
PubMed
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov).
Only articles that are published or in press should be included in this section. Works
submitted for publication but not yet accepted, personal communications and
unpublished data must be cited within the text. “Personal communication” refers to
individuals other than the authors of the manuscript being submitted; “unpublished
data” refers to data produced by at least one of the authors of the manuscript being
submitted.
Sample journal article citation:
Breuer ME and Pavan C (1955) Behaviour of polytene chromosomes of Rhynchosciara
angelae at different stages of larval development. Chromosoma 7:371-386.
Yonenaga-Yassuda Y, Rodrigues MT and Pellegrino KCM (2005) Chromosomal
banding patterns in the eyelid-less microteiid lizard radiation: The X1X1X2X2:X1X2Y
sex chromosome system in Calyptommatus and the karyotypes of Psilophtalmus and
Tretioscincus (Squamata, Gymnophthalmidae). Genet Mol Biol 28:700-709.
Sample book citation:
Dobzhansky T (1951) Genetics and Origin of Species. 3rd edition. Columbia University
Press, New York, 364 pp.
Sample chapter-in-book citation:
Crawford DC and Howard-Peebles PN (2005) Fragile X: From cytogenetics to
molecular genetics. In: Gersen SL and Keagle MB (eds) The Principles of Clinical
Cytogenetics. 2nd edition. Humana Press, New Jersey, pp 495-513.
Sample Electronic Article citation:
87
CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
Simin K, Wu H, Lu L, Pinkel D, Albertson D, Cardiff RD and Van Dyke T (2004) pRb
inactivation in mammary cells reveals common mechanisms for tumor initiation and
progression in divergent epithelia. Plos Biol 2:194-205. http://www.plosbiology.org .
f) Internet Resources Section
this section should contain a list of URLs referring to data presented in the text,
software programs and other Internet resources used during data processing. Date of
consultation must be stated.
Sample Internet Resource citation :
Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM), http://www.ncbi.nlm.nih.gov/OMIM
(September 4, 2005)
LEM
Software,
http://dir.niehs.nih.gov/dirbb/weinbergfiles/hybrid_design.htm
(September 4, 2005)
g) Tables: must be inserted at the end of the main text file, each table starting on a new
page. A concise title should be provided above the table. Tables must be numbered
consecutively in Arabic numerals. Each column must have a title in the box head.
Footnotes typed directly below the table should be indicated in lowercase superscript
numbers.
h) Figures must be numbered consecutively in Arabic numerals. Legends should be
typed on a new page that immediately follows the tables. Images should be in TIFF or
JPEG format and provided in separate files. Identify each illustration by the first author
name and the number of the respective figure. Figures in Word format cannot be
published. Journal quality reproduction will require grayscale and color at resolution
yielding 300 dpi. Authors should submit bitmapped line art at resolution yielding 6001200 dpi. These resolutions refer to the output size of the file; if it is anticipated that
images will be enlarged or reduced, the resolutions should be adjusted accordingly.
Scanned figures should not be submitted. Color illustration can be accepted, but authors
may be asked to defray the cost.
i) Nomenclature should adhere to current international standards.
j) Sequences may appear in text or in figure. DNA, RNA and protein sequences equal to
or greater than 50 units must be entered into public databases. The accession number
must be provided and released to the general public together with publication of the
article. Long sequences requiring more than two pages to reproduce will not be
published unless the Editorial decision is that the publication is necessary. Complete
mtDNA sequence will not be published.
k) Data access: reference should be made to availability of detailed data and materials
used for reported studies.
l) Ethical issues: Reports of experiments on live vertebrates must include a brief
statement that the institutional review board approved the work and the protocol number
must be provided. For experiments involving human subjects, authors must also include
a statement that informed consent was obtained from all subjects. If photos or any other
identifiable data are included, a copy of the signed consent must accompany the
manuscript.
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CARIRI, F.A.M.O.
Caracterização Molecular de Cepas de Vibrio...
m) Supplementary Material: Data that the authors consider of importance for
completeness of a study, but which are too extensive to be included in the published
version, can be submitted as Supplementary Material. This material will be made
available together with the electronic version. In case a manuscript contains such
material, it should be appropriately identified within the text. Supplementary material in
tables should be identified as Table S1, Table S2, etc., in case of figures they should be
named accordingly, Figure S1, Figure S2. For online access, supplementary material
should be in PDF, JPEG or GIFF formats.
In addition, a list of this material should be presented at the end of the manuscript text
file, containing the following statement: Supplementary material - the following online
material is available for this article:
- Table S1 – < short title >
- Figure S1 – < short title >
This material is available as part of the online article from http://www.scielo.br/gmb
3.2 Short Communications
Present brief observations that do not warrant full-length articles. They should not be
considered preliminary communications. They should be 15 or fewer typed pages in
double spaced 12-point type, including literature cited. They should include an Abstract
no longer than five percent of the paper’s length and no further subdivision with
introduction, material and methods, results and discussion in a single section. Up to two
tables and two figures may be submitted. The title page and reference section format is
that of full-length article.
3.3 Letters to the Editor
Relate or respond to recent published items in the journal. Discussions of political,
social and ethical issues of interest to geneticists are also welcome in this form.
3.4 Review Articles
Review Articles are welcome.
3.5 Book Reviews
Publishers are invited to submit books on Genetics, Evolution and related disciplines,
for review in the journal. Aspiring reviewers may propose writing a review.
3.6 History, Story and Memories
Accounts on historical aspects of Genetics relating to Brazil.
4.Proofs and Copyright Transfer
Page proofs will be sent to the corresponding author. Changes made to page proofs,
apart from printer’s errors, will be charged to the authors. Notes added in proof require
Editorial approval. A form of consent to publish and transfer of copyright will have to
be signed by the corresponding author, also on behalf of any co-authors.
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5. Reprints
Reprints are free of charge and provided as a pdf-file.
Subscription
Membership to the Brazilian Society of Genetics entitles subscription to Genetics and
Molecular Biology.
For nonmembers and institutions, the annual subscriptions rates (four issues/year) are:
Brazil and other South American Countries (Air Mail):
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Other Countries (Air Mail):
Institutional - US$ 300.00
Personal - US$ 100.00.
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