ESTUDO SOBRE A REPRESENTAÇÃO MUSICAL DE CRIANÇAS

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ESTUDO SOBRE A REPRESENTAÇÃO MUSICAL DE CRIANÇAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
ESTUDO SOBRE A REPRESENTAÇÃO MUSICAL
DE CRIANÇAS DE TRÊS A SEIS ANOS
JAQUELINE F. CÂNDIDO KLAVA
ORIENTADORA: VIVIANE BEINEKE
Florianópolis, Agosto de 2001
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO apresentado e aprovado como prérequisito parcial para a obtenção do título de licenciatura em música pela comissão de
avaliação composta pelos seguintes professores:
______________________
Prof. Viviane Beineke
______________________________
Prof. Regina Finck
______________________________
Prof. Maria Lúcia K. Bastian
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por mais uma bênção concedida de terminar o
meu trabalho.
A meus pais, que me incentivaram a cursar a faculdade de música.
Ao meu marido, pelas horas que me ajudou no computador e pela compreensão
no tempo que fiquei trabalhando.
À minha orientadora, que foi uma benção na minha vida, me orientando neste
trabalho e pelos incentivos nas horas de angústia.
ÍNDICE DE F IGURAS E TABELAS
Figura 1: Representação de Eduardo (Beineke, 1993) .............................................................................................9
Figura 2: Representação de Régis (Beineke, 1993)................................................................................................10
Figura 3: Representação de Paulo e Flávio (Beineke, 1993) ................................................................................11
Figura 4: Representação de um grupo da 2ª série (Beineke, 1993) .....................................................................12
Figura 5: Representação de Artur (Beineke, 1993) ................................................................................................12
Figura 6: Ritmo nº 1 (Bamberger, 1990) .................................................................................................................. 13
Figura 7: Tipologias para a escrita do ritmo nº 1 (Bamberger, 1990, p. 100)....................................................14
Figura 8: Ritmo nº 2 (Bamberger, 1990) .................................................................................................................. 15
Figura 9: Tipologias para a escrita do ritmo nº 2 (Bamberger, 1990, p.115) .....................................................16
Figura 10: Melodias utilizadas por Frey-Streiff (1990, p.130).............................................................................18
Figura 11: Primeiro tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.134) ..........................................19
Figura 12: Segundo tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.137) ..........................................20
Figura 13: Terceiro tipo (grupo a) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.140) .........................20
Figura 14: Terceiro tipo (grupo b) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.142) .........................21
Figura 15: Terceiro tipo (grupo c) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.144) .........................22
Figura 16: Quarto tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.146) .............................................23
Figura 17: Quinto tipo (exemplo 1) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.151).......................24
Figura 18: Quinto tipo (exemplo 2) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.153).......................25
Figura 19: Sexto tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.156)................................................25
Figura 15: Ritmo da música “Sopa”..........................................................................................................................30
Tabela 1: Cronograma da coleta de dados...............................................................................................................32
Tabela 2: Tipologias encontradas para a representação de sonoridades não convencionais ...........................34
Figura 20: Gustavo Henrique (Infantil II)................................................................................................................35
Figura 21: Heloisa (Infantil IV) .................................................................................................................................36
Figura 22: Camila (Infantil IV) ..................................................................................................................................37
Figura 23: Andrey (Infantil IV)..................................................................................................................................38
Figura 24: Samuel (Infantil IV)..................................................................................................................................39
Tabela 3: Tipologias encontradas para a representação do ritmo ........................................................................ 40
Figura 25: Gustavo Henrique (Infantil II)................................................................................................................41
Figura 26: João Augusto ( Infantil IV) ....................................................................................................................42
Figura 27: Paulo Henrique (Infantil II).....................................................................................................................43
Figura 28: Letícia (Infantil IV)...................................................................................................................................44
Figura 29 (Lucas, Inf. IV) ..........................................................................................................................................45
Figura 30: Samuel (Infantil IV)..................................................................................................................................47
Tabela 4: Tipologias encontradas para a representação da melodia ....................................................................48
Figura 31: Gustavo Henrique (Infantil II)................................................................................................................49
Figura 32: Mariana (Infantil III) ................................................................................................................................50
Figura 33: Guilherme (Infantil II).............................................................................................................................. 51
Figura 34: Heloisa (Infantil IV) .................................................................................................................................52
Figura 35: Andrey (Infantil IV)..................................................................................................................................53
Figura 36: Camila (Infantil IV) ..................................................................................................................................54
Figura 37: Sofhia (Infantil IV) ...................................................................................................................................55
Figura 38: Lucas (Infantil IV) ....................................................................................................................................56
Figura 39: Camila (Infantil IV) ..................................................................................................................................57
SUMÁRIO
RESUMO
VI
INTRODUÇÃO
1
CAPÍTULO I A PRODUÇÃO DE NOTAÇÕES MUSICAIS DA CRIANÇA
5
1.1 Representação de Sons Não Convencionais
1.2 Representação do Ritmo
1.3 Representação da Melodia
8
13
18
CAPÍTULO II METODOLOGIA DE PESQUISA
2.1 Representação de Sons Não Convencionais
2.2 Representação do Ritmo
2.3 Representação da Melodia
2.4 Cronograma da Coleta de Dados
27
29
30
31
32
CAPÍTULO III ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES MUSICAIS
33
3.1 Representação de Sons Não Convencionais
3.2 Representação do Ritmo
3.3 Representação da Melodia
33
40
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
61
ANEXO
63
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo compreender como as crianças de três a seis
anos de idade constroem seus conceitos relativos à representação musical isto é, como
elas escrevem o que cantam, escutam ou executam.
Como referencial teórico foram utilizadas as pesquisas realizadas por Beineke
(1992, 1993), Bamberger (1990) e Frey-Streiff (1990), que tratam sobre a representação
musical em relação à notação de sons não convencionais, ritmos e melodias.
Para a coleta de dados foram selecionadas três canções para serem representadas
graficamente pelas crianças nas aulas de música, cada uma delas focalizando um
elemento para a escrita musical.
A pesquisa foi realizada no Colégio Alpha Objetivo Júnior, com turmas de
crianças de três a quatro anos do infantil II, quatro a cinco anos do infantil III e de cinco
a seis anos do infantil IV. Essas turmas têm aulas de musicalização com a pesquisadora,
com regularidade semanal e duração de 45 minutos. Os dados foram coletados nas
próprias aulas de música, se m quebrar o processo de ensino e aprendizagem proposto.
Dessa forma, os dados consistem em um recorte do processo de musicalização a que as
crianças estão expostas, sendo focalizada na pesquisa apenas a questão da compreensão
dos processos de representação musical das crianças.
Depois que os trabalhos foram produzidos em aula, as grafias das crianças foram
analisadas, encontrando-se diferentes formas de representação musical. Categorizando
vii
estes dados foram encontradas garatujas, gráficos, unidades lingüísticas e símbolos
musicais, entre outros, revelando como as crianças estavam construindo seus conceitos
sobre a representação musical.
Palavras-chave:
(1) Educação Musical
(2) Representação musical infantil
(3) Educação Infantil
(4) Desenvolvimento cognitivo musical
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo compreender como as crianças de três a seis
anos constróem seus conceitos relativos à representação musical. A pesquisa foi
realizada no colégio Alpha Objetivo Júnior, com turmas do infantil II a IV, onde já atuo
como professora de música desde agosto de 2000.
Para quem trabalho com crianças, é importante conhecer sobre os seus processos
cognitivos e de desenvolvimento, principalmente por profissionais da área da educação
e, mais especificamente, da educação musical, pois são poucos os estudos sobre o tema
proposto na faixa etária em questão.
Como trabalho com essa faixa de escolarização, tinha anseio de saber mais sobre
o desenvolvimento cognitivo das crianças, a fim de fundamentar melhor minha prática.
Sendo esta a minha primeira pesquisa, com auxílio da minha orientadora, achamos
relevante estudar sobre o desenvolvimento da representação gráfica das crianças, isto é,
como as crianças pensam e elaboram a idéia de “escrever música”.
2
O objetivo principal com relação à representação musical era ver como crianças
que não são alfabetizadas ou estão em processo de alfabetização, se desenvolvem em
relação à notação musical, isto é, como elas escrevem o que cantam, escutam ou
executam.
Para compreender os processos cognitivos da criança, estudei alguns trabalhos
sobre o desenvolvimento infantil e a teoria de Piaget, (BEE, 1986; ANTUNES, 1998,
LINS, 1988), mas estes estudos foram insuficientes para o entendimento da
representação musical das crianças.
Para aprofundar mais o nosso referencial para a investigação, estudei as
pesquisas de Beineke (1993), Bamberger (1990) e Frey-Streiff (1990), que falam sobre a
representação musical na área específica de música. Também estudei o trabalho de
Ferreiro & Teberosky (1999) e Ferreiro (1990), que tratam sobre o processo de
alfabetização do idioma, que não foi incluído nesta pesquisa, por não nos auxiliar a
responder as questões aqui propostas. Com esses referenciais, entre outros, tivemos uma
base para compreender o processo cognitivo no desenvolvimento da representação
musical e, mais especificamente de sons, ritmos e melodias.
Bamberger (1990) contribuiu para o meu trabalho com as pesquisas que ela fez
sobre ritmo, investigando como as crianças de faixas etárias diferentes representavam os
ritmos pedidos. Ela explica como se dá o desenvolvimento das diferentes tipologias
encontradas em suas pesquisas. Cada tipologia evidencia determinada concepção da
criança sobre a notação de ritmos batidos com palmas.
3
Frey-Streiff (1990) pesquisou sobre representações de melodias populares por
crianças que não tinham contato com notações tradicionais. A autora relata que no início
as crianças não representam elementos sonoros propriamente musicais, mas no decorrer
do processo vão melhorando e aparecem características da melodia em suas
representações, aparecendo unidades de propriedades referentes à altura do som.
Beineke (1993) contribuiu com sua pesquisa que fez sobre representações
musicais. Ela trabalhou tanto com sons não convencionais, considerados com ruídos ou
sons onomatopaicos, como com a escrita de ritmos e melodias. Em sua pesquisa, a
autora fez uma analogia com os estudos de Ferreiro & Teberosky, relacionando os
processos de alfabetização musical com os processos de aquisição da língua escrita.
Neste trabalho, Beineke observou a existência de diversos níveis no desenvolvimento e
compreensão da representação musical por crianças que freqüentavam a 1° e 2° série do
1° grau (atualmente chamadas de séries iniciais do ensino fundamental).
Como o meu objetivo é o de compreender a produção escrita das crianças, sobre
como elas elaboram seus conceitos sobre o real e sua representação, selecionei três
músicas para trabalhar nas minhas aulas de música, solicitando que as crianças as
escrevessem “do seu jeito”, de uma maneira que outra criança pudesse entender o que
ela havia escrito. Seguindo o referencial teórico estudado, uma das músicas focaliza a
escrita de sonoridades não convencionais, a outra, a escrita do ritmo e a última, a escrita
de uma melodia. Dessa forma, foram realizadas três coletas de dados com as turmas do
4
infantil II, que abrange crianças de três a quatro anos, infantil III, com crianças de quatro
anos e meio a cinco anos e o infantil IV, com crianças de cinco anos e meio a seis anos.
Depois que os trabalhos foram produzidos em aula, as grafias das crianças foram
analisadas, encontrando-se diferentes formas de notação musical. Categorizando estes
dados, foram encontradas garatujas, gráficos, unidades lingüísticas e símbolos musicais,
entre outros, revelando como as crianças estavam construindo seus conceitos sobre a
representação musical.
CAPÍTULO I
A P RODUÇÃO
DE
NOTAÇÕES M USICAIS
DA
CR I A N Ç A
Quando uma criança entra na escola de educação infantil, está entrando em uma
nova fase no seu processo de desenvolvimento. Ela terá um maior contato com outras
crianças de sua idade e inicia um processo educacional que levará anos.
A preocupação maior de seus pais é que essa criança aprenda a ler, escrever e
socializar-se, entre outros. Quando os pais ficam sabendo que seus filhos terão aula de
música, eles ficam felizes e dizem “meu filho vai aprender a cantar”, mas são mais raras
as expectativas em relação à aprendizagem da notação musical. Como relata Lino:
É comum observarmos os pais solicitarem que seu filho cante uma melodia
qualquer para a avó que acaba de chegar, ou que se divirta ouvindo a fabulação
melódica inventada no ‘jogo de ficção’ que as crianças improvisam vocalmente.
No entanto, é raro ver estes mesmos adultos incentivarem as crianças a escrever
música. Isto porque o domínio do sistema representativo musical ainda não é
visto como necessário ou como indício de habilidade musical, parecendo existir
somente para aqueles “dotados”, aos quais caberia desenvolver a linguagem
musical em sua totalidade, e não em facções de seu fazer, privando-se da
poderosa análise reflexiva assegurada na impressão estética da partitura.” (Lino,
1999, p. 67)
6
Na educação infantil, como no ensino fundamental, são raros os trabalhos de
notação musical com as crianças, sendo priorizada a aprendizagem da escrita do idioma.
A maioria das pesquisas sobre a representação musical refere-se a crianças com mais de
seis anos, que já estão em processo de alfabetização formal. Como afirma Lino (1999),
Estamos buscando uma alfabetização que parta do fazer musical que tem sentido
para a criança e da construção de suas hipóteses sobre o sistema representativo
musical, repensando estratégias de intervenção que possibilitem promover a
aquisição e o desenvolvimento da linguagem musical (Lino, 1999, p. 64).
Em sala de aula, algumas crianças se queixam ao serem solicitadas a anotar o que
estão ouvindo, porque nunca tiveram uma experiência assim, não houve a preocupação
de cantar uma canção e depois escrevê-la no papel. Cabe ao professor incentivar a
criança a escrever música e explicar várias vezes o que foi proposto. De acordo com
Frey-Streiff (1990, p.128) “as longas conversas que podem então preceder a notação
revelam que, naquele momento, as dificuldades não vêm da simbolização, mas da
conceitualização do objeto a anotar”. Muitas vezes, pelo fato da criança não ter um
referencial sobre como se escreve música, ela não sabe como expressar o que ouviu ou
cantou. Nesse sentido, é de suma importância que o professor não induza as respostas ao
trabalho, a fim de que as crianças elaborem suas próprias hipóteses sobre a
representação musical, mas também deve haver um direcionamento do trabalho para que
a criança realmente possa construir seus conhecimentos sobre a grafia musical. Lino
(1999) nos explica que
É importante que a criança crie seus próprios símbolos gráficos para uma
construção, abandonando um pouco os padrões convencionais de grafia. (...)
todo e qualquer símbolo gráfico que a criança utiliza pra significar música é
7
levado em consideração na organização da intervenção docente, servindo de
subsídio para propor estratégias coerentes com a construção do conhecimento
representativo musical (Lino, 1999, p.69).
O processo de alfabetização musical tem passado por diversas concepções. A
primeira foi a “tradicional”, que focaliza a gramática musical, ensinada até hoje nos
conservatórios. A outra é pode ser chamada de “sensibilização à música”, priorizando o
desenvolvimento artístico- musical, centrado no aluno. Nessa concepção, o aluno é
incentivado a explorar os sons, ampliando as suas idéias sobre o uso de instrumentos
musicais, usando o corpo, a voz e não só os instrumentos determinados (ibid.).
Segundo Lino (ibid), em nenhum dos enfoques acima citados existe uma
preocupação real com a concepção pedagógica da alfabetização. Segundo a autora, o que
se procura atualmente é uma alfabetização que parta do fazer musical da criança, que
tenha significado para ela, promovendo a aquisição e o desenvolvimento da linguagem
musical. De acordo com Lino (ibid), é importante que a criança crie seus próprios
símbolos gráficos, abandonando um pouco os padrões convencionais da grafia. Dessa
forma, é necessário que a criança crie sua partitura do seu próprio ponto de vista, porque
assim “a aprendizagem é assegurada pela estruturação cognitiva das hipóteses
espontâneas que a criança constrói quando elabora seu conhecimento musical” (ibid).
A autora explica que é importante o aluno ter uma execução mental da
representação musical. Ao incentivar o aluno à escrita musical, se dá à criança um
espaço de construção e assim, toda representação que a criança faz é de suma relevância,
cabendo ao professor compreender como ela está construindo seu conhecimento
musical, elaborando estratégias de ensino adequadas ao seu desenvolvimento.
8
Tendo em vista as concepções sobre a importância de trabalhos que procuram
compreender a representação musical de crianças, foram revisadas algumas pesquisas
que abordam essa temática.
1.1 REPRESENTAÇÃO DE S ONS N ÃO CONVENCIONAIS
Beineke (1992, 1993) realizou um trabalho sobre a representação musical com
crianças da primeira e segunda série, fazendo uma analogia entre a escrita alfabética e a
representação musical. Nesse trabalho, a autora classifica os trabalhos das crianças em
níveis, considerando tanto a escrita de sonoridades não convencionais quanto de ritmos e
melodias. A autora descreve os seguintes níveis:
Nível 1: O desenho é fundamental nesse tipo de representação, não havendo
ainda uma escrita formal. O desenho representa o objeto que produz o som. Podem
aparecer símbolos musicais acompanhando o desenho, mas esses símbolos não são
considerados como formas de escrita e sim, como “desenhos de música”, como na figura
1.
9
Figura 1: Representação de Eduardo (Beineke, 1993)
Nível 2: Nesse nível é previsto que para poder ler coisas diferentes e atribuir
significados diferentes deve haver uma diferença objetiva nas escritas. A criança começa
a usar símbolos que têm alguma relação com o som que foi executado. Na escrita
tradicional, a criança começa a usar signos específicos de música, mesmo não tendo
ainda um conhecimento das regras de grafia musical, mas já demonstrando que sabe que
a música tem uma simbologia específica (figura 2).
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Figura 2: Representação de Régis (Beineke, 1993)
Nível 3: A criança consegue eleger qual propriedade do som irá representar. Ela
escolhe se vai representar a intensidade, a altura, a duração ou o timbre. Ela ainda não
consegue representar mais de uma propriedade ao mesmo tempo. Há correspondência
entre o som e a representação. A criança já sabe criar regras para representar o que ouviu
ou cantou. Não precisa necessariamente usar símbolos específicos de música. Por
exemplo, para um som longo desenha sempre círculo e para sons curtos desenha um
quadrado. Como na figura 3, na qual a criança usa os símbolos da escrita musical para
representar cada batida e os timbres da composição.
11
Figura 3: Representação de Paulo e Flávio (Beineke, 1993)
Nível 4: Na escrita convencional, a criança já conhece algumas regras para a
escrita de alturas e durações, mas ainda não consegue coordenar as duas escritas
simultaneamente. Para chegar a ponto de escrever as duas convenções, a criança precisa
de instruções específicas sobre como representá- las, além de precisar dominar os dois
sistemas com relativa fluência. Assim sendo, ela se concentra em apenas uma
propriedade do som. Com relação à escrita de sons não convencionais, a criança
transporta regras da escrita tradicional para outras situa ções. Ela escreve mais de uma
propriedade de uma forma global, escrevendo sistematicamente apenas uma propriedade
do som.
12
Figura 4: Representação de um grupo da 2ª série (Beineke, 1993)
Nível 5: com relação à escrita tradicional, a criança já escreve a altura e a
duração do som, mas sem manter uma proporção exata dos valores das notas. Com
relação à escrita não convencional, existe um grande avanço. A criança já tem
consciência de como usar um tipo de símbolo para representar um determinado som,
dependendo das características da música que ela está representando.
Figura 5: Representação de Artur (Beineke, 1993)
13
1.2 REPRESENTAÇÃO DO RITMO
No estudo da grafia de ritmos, J. Bamberger (1990), contribuiu para este trabalho
escrevendo sobre a representação de ritmos que as crianças executaram e suas diferentes
tipologias. Cada tipologia evidencia determinadas concepções da criança sobre a notação
de batidas de palmas.
Em suas pesquisas, a autora revela como são feitas notações espontâneas de
ritmo. Foram realizados três estudos: um com 25 crianças de 8 a 9 anos, outro com um
grupo maior de 186 crianças com idade de 4 a 12 anos e um estudo com 40 adultos,
leigos em música e músicos profissionais. Nesses trabalhos foram encontradas diferentes
formas de representar os ritmos musicais, sendo que cada tipologia evidencia
determinada concepção sobre a notação de um ritmo batido com palmas.
A primeira tipologia foi feita por crianças do ensino fundamental, durante a aula
de música. O ritmo proposto era composto de duas seqüências idênticas, sendo
encontradas seis tipologias diferentes para escrever o ritmo abaixo:
q q ee q q q ee q
Figura 6: Ritmo nº 1 (Bamberger, 1990)
Conforme mostra a figura 7, o primeiro tipo de notação encontrado por
Bamberger (ibid) foram as “garatujas rítmicas” (tipo O), produzidas por crianças de
quatro e cinco anos. São formas primitivas de escrita, nas quais as crianças reproduzem
14
o movimento das mãos e dos braços que fazem as batidas. Bamberger (ibid., p. 104),diz
que “pode-se dizer que elas não dissociam os efeitos separados e discretos (os sons das
batidas) dos movimentos que as produzem ou que delas são as causas. Em outras
palavras, elas não fazem a distinção entre a ação de bater palmas e as batidas”. Segundo
a autora, a grafia da criança dessa idade está centrada no movimento e na expressão
corporal.
Um outro tipo de representação encontrado é chamado pela autora de versão
precoce da oposição entre representação figural (F1) e representação métrica (M1),
utilizadas por crianças de seis e sete anos. Essa representação mostra o número correto
de eventos, que são dez. São dados dois exemplos dessa tipologia, um figural e outro
métrico (ver figura 7). As notações do tipo figural representam ações que são agrupadas
e o tipo métrico é desagrupado, focalizando o movimento e a contagem de sons (número
de batidas de palmas).
Figura 7: Tipologias para a escrita do ritmo nº 1 (Bamberger, 1990, p. 100)
15
O terceiro tipo (F2), é chamado de “notações figurais elaboradas”. Segundo a
autora, está é uma versão mais elaborada do tipo figural combinado com o tipo métrico.
“Cada evento (batida de palma) é separado claramente do movimento contínuo de bater
palma (como a figura métrica), e as duas partes são agrupadas com clareza (como a
figural)” (ibid, p.108).
O quarto tipo (M2) é a medida de duração relativa. Esse tipo “mostra uma
passagem da centração na reprodução de uma ação efetuada e sentida, da atenção
prestada aos agrupamentos em figuras e à função dos eventos, para uma centração na
medida das durações relativas de todos os eventos” (ibid, p.108). Nesse tipo, os tempos
curtos são representados por figuras pequenas e os longos por figuras maiores.
A ultima tipologia descrita por Bamberger são as “notações métricas precisas”
(M3), que mostram “a duração de cada evento em relação a uma medida estável” (ibid,
p.111). Com esse tipo de escrita, as crianças inventaram uma notação próxima à notação
rítmica tradicional.
Posteriormente a esse primeiro estudo, Bamberger ampliou sua pesquisa
solicitando que 186 crianças entre seis e doze anos escrevessem seis ritmos diferentes,
colocando números que combinassem com o que escreveram. Destes seis ritmos, a
autora selecionou apenas um deles (ver figura 8) na sua análise, comparand o as suas
características em relação ao ritmo nº 1 (figura 6):
q ee q ee q q q
Figura 8: Ritmo nº 2 (Bamberger, 1990)
16
As diferenças entre o primeiro e o segundo ritmo são as seguintes:
a) O segundo trecho comporta apenas nove batidas (o primeiro comportava dez),
mas parece mais longo e mais complexos, posto que não se pode aprende-lo
como dois grupos idênticos; esse trecho não apresenta repetição global.
b) O segundo trecho comporta uma figura repetida igualmente presente no
primeiro. Mas essa figura está encaixada em lugares diferentes do ritmo total
(sua repetição pode não ser percebida).
c) O ritmo do seguindo trecho não pode ser dividido em grupos grandes que
abranjam o mesmo número de batidas. (Bamberger, 1990, p.114)
Nessa pesquisa foram encontradas as mesmas tipologias da primeira experiência,
como pode ser visto na figura 4. A primeira notação é a figural (F1), que consiste em
linhas onduladas, ou em zigue-zague, as quais não são acompanhadas de algarismos,
porque as crianças eram muito pequenas.
A segunda notação é a métrica (M1), que também representa a contagem do
número de batidas, como na primeira experiência, sendo esta contagem acompanhada de
algarismos na ordem correta (1 2 3...).
Figura 9: Tipologias para a escrita do ritmo nº 2 (Bamberger, 1990, p.115)
17
A terceira notação é a figural (F2) e mostra agrupamentos figurais por meio de
uma linha que unem três formas. Possuem figuras coloridas e brancas. As coloridas
representam tempos longos e as brancas, tempos curtos.
A quarta notação é a métrica (M2) que “representa de maneira coerente os
eventos de longa duração por meio de formas maiores que os eventos de duração mais
curta”.( ibid, p.115). Os algarismos estão na ordem da duração relativa das batidas em
relação à outra. O número 1 é usado para os sons longos e o 2 para os sons breves.
A última tipologia de notação é parecida com a tradicional (M3), porque
As barras verticais marcam a unidade -tempo invariável e são reforçadas pelo uso
dos X e x: dois pequenos têm a mesma duração de um X grande. Os algarismos
marcam, paralelamente, uma unidade de referência fixa: o batimento rápido.
Assim, a batida longa conta dois, indicada como 1 2, e cada batida rápida conta
um; no interior de cada unidade marcada pelas barras verticais, conta-se ‘pra
frente, em série ordinal’ (Bamberger, 1990, p.116).
Analisando os resultados encontrados em seus estudos, Bamberger conclui que:
As diversas notações produzidas em períodos diferentes do desenvolvimento e
em momentos diferentes de uma certa aprendizagem, mostram-nos o estado real
da capacidade do sujeito de descrever, quer dizer, de exteriorizar certos aspectos
dos fenômenos sem prestar atenção a outros (ou sem poder ainda trata-los tendo
em vista uma descrição). Por vezes, assistimos ao conflito entre a experiência
interior subjetiva e a exteriorização simbólica (Bamberger, 1990, p. 124).
Além dos dois estudos aqui relatados, a autora realizou uma experiência com um
grupo de adultos, os quais analisaram uma amostra dos trabalhos produzidos pelas
crianças, mas não iremos detalhar esta pesquisa, visto que não tem relação direta com o
presente trabalho, que focaliza a representação musical de crianças menores.
18
1.3 REPRESENTAÇÃO DA MELODIA
Os estudos de Frey-Streiff (1990) tratam sobre a notação de melodias com
crianças sem iniciação de notação tradicional. Sua pesquisa focalizou a grafia de
melodias de canções populares, consideradas simples e familiares para as crianças.
A pesquisa foi feita com crianças entre sete e doze anos, que foram divididas em
três grupos de idade. Vinte e oito crianças de sete e oito anos, vinte e oito de nove a dez
anos e vinte oito crianças de onze a doze anos. As crianças estudavam em escolas
públicas em Genebra. As canções trabalhadas foram Au Clair de la lune e Il était une
bergére. Em sua pesquisa as canções foram mantidas em francês.
Foi ensinado para as crianças o começo das duas canções e depois foi solicitado
que elas fizessem a representação gráfica dessas duas melodias (figura 10).
Figura 10: Melodias utilizadas por Frey-Streiff (1990, p.130)
Depois de analisar os dados, a pesquisadora classificou as cento e sessenta e oito
notações obtidas em seis tipos diferentes.
19
As notações produzidas pelos sujeitos foram estudadas principalmente em
função da conceitualização do conteúdo a anotar e, apenas secundariamente, em
função da conceitualização do sistema de notação pelo qual esse conteúdo é
convencionalmente anotado. (...) Constata-se que as notações são, com
freqüência, ambíguas e que não podem, por si mesmas, revelar a intenção e a
conceitualização da criança a quem se tenta compreender. A interpretação das
notações não pode de jeito nenhum se basear somente na notação, mas deve
levar em consideração todos os comportamentos expressos, especialmente a
maneira pela qual a criança-autora efetua e explica a notação (Frey-Streiff, 1990,
p. 129).
A autora diz que inicialmente as crianças não escrevem os elementos sonoros
propriamente musicais, mas com o tempo, a criança vai se familiarizando e desenvolve
uma escrita com mais qualidade e quantidade de elementos melódicos, conseguindo
distinguir as diferentes alturas de uma melodia.
A primeira tipologia (figura 11) é caracterizada pelo desejo da criança “de
representar o desenvolvimento (temporal, sonoro) que forma o começo da canção
proposta, cantando sem texto” (Frey-Streiff, 1990, p. 134).
Figura 11: Primeiro tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.134)
Essa notação é feita com uma séria de sílabas ou sons lingüísticos iguais e
disposta da esquerda para a direita e horizontalmente. Nesse tipo de grafia, a criança tem
intenção de escrever cada uma das unidades lingüísticas cantadas.
20
No segundo tipo de representação (figura 12), a criança se preocupa em
representar as propriedades da música, e não o seu desenvolvimento, como no primeiro
tipo.
Figura 12: Segundo tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.137)
As crianças se preocupam em mostrar quando o som é alto (agudo), baixo
(grave), longo ou curto (duração) e até o fraseado. Ela se preocupa com os elementos da
música. “A criança se centra nas propriedades características do desenvolvimento que a
melodia constitui, enquanto o próprio desenvolvimento não é selecionado para notação”
(ibid, p. 140).
O terceiro tipo de representação está dividido em três grupos. No primeiro grupo
(figura 13) as crianças representam os intervalos melódicos temporais.
Figura 13: Terceiro tipo (grupo a) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.140)
21
Nesse tipo de grafia, a criança separa a melodia escrita por partes. A autora
elabora duas hipóteses do porquê desse tipo de grafia.
A primeira seria que a criança se refere a intervalos temporais apreendidos no
desenvolvimento. De um lado, trata-se do silêncio entre AB e A’B’, logo, de um
intervalo temporal próprio à estrutura da melodia; e por outro lado, de parada
(momentos de respiração) efetuadas entre certas partes de melodia quando de
sua execução. A segunda hipótese seria que a criança se refere a
mudanças/descontinuidades apreendidas no desenvolvimento das melodias
propostas. Essas mudanças/ descontinuidade seriam, portanto, relativas à
organização das melodias em partes, mas sua apreensão não implicaria a
conceitualização de partes de melodia (Frey-Streiff, 1990, p.141-142).
No segundo grupo do terceiro tipo de notações, as crianças representam o
desenvolvimento rítmico das melodias (figura 14).
Figura 14: Terceiro tipo (grupo b) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.142)
Nesse tipo de escrita, as notações são feitas com linhas quebradas ou sílabas
partidas. Sobre isso, as crianças explicavam que não podiam fazer um traço reto, pois
assim não teria a melodia, uma das crianças diz que “ouviu tudo em pedaços”.
No último grupo do terceiro tipo, são representadas as alturas do som (figura 15).
22
Figura 15: Terceiro tipo (grupo c) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.144)
Nos exemplos dados, as crianças se preocuparam com o registro vocal, com o
tom e com todo registro melódico da canção. As grafias estão dispostas na horizontal ou
na vertical.
A natureza da unidade de propriedade anotada, ou das unidades de propriedades
anotadas pela mesma criança para as duas melodias, parece incompatível com
uma referência ao desenvolvimento melódica total ou ao registro no qual a
melodia foi cantada. Portanto, parece justificado supor que a criança atribuía à
totalidade da melodia um movimento melódico particular ou a altura de um ou
alguns sons que a impressionaram (Frey-Streiff, 1990, p. 145-146).
No quarto tipo de representação já é representado mais de um elemento musical,
mostrando que a criança tem consciência de duas a quatro unidades de propriedades para
anotar (figura 16).
23
Figura 16: Quarto tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.146)
Nesse tipo de grafia, a maioria das crianças representa as diferenças relativas à
altura do som, caracterizando a melodia toda, mas no exemplo dado, a criança escreveu
a melodia articulando um “ponto de atração”, unidade que constitui um centro de
gravidade de natureza melódica, harmônica, rítmica e métrica da melodia, demonstrando
assim o movimento melódico em sua grafia.
O quinto tipo (figura 17) possui unidades de propriedade com elementos simples
ou pouco compostos de desenvolvimento. Em alguns casos, as propriedades coincidem
com as partes da melodia.
24
Figura 17: Quinto tipo (exemplo 1) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.151)
Esse tipo de notação pode ser considerado parecido com o tipo quatro, mas um
pouco melhorado, porque “a criança pode conceber como parte da melodia, várias
unidades de propriedade diferentes ou, mais precisamente, uma unidade de propriedade
por parte de melodia, bem como uma outra unidade onde começa e/ou acaba a parte da
melodia” (ibid, p. 152).
Em um outro exemplo do tipo cinco, “todas as grafias consistem em uma série de
grafias dispostas e/ou de formas idênticas, entrecortadas por algumas grafias de
disposição e/ou de formas diferentes” (Frey-Streiff, 1990, p. 153), como pode ser visto
na figura 18. A criança faz seu trabalho centrado em momentos diferentes da melodia, se
fixa no que muda ou se diferencia, como o início e o fim, ou os pontos de atração,
anotando propriedades relativas à altura ou à duração do som.
25
Figura 18: Quinto tipo (exemplo 2) de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.153)
O último tipo o é mais completo, no qual a criança representa na sua grafia as
unidades do som e suas propriedades, sendo estas propriedades relatadas ao decorrer de
toda a canção, ou seja, relata toda a melodia que foi dada (figura 19).
Figura 19: Sexto tipo de representação da melodia (Frey-Streiff, 1990, p.156)
26
Quanto ao seu aspecto gráfico, “pode-se destacar o número de níveis à
disposição, as posições, as nuances de gênero ou de forma, variáveis entre dois e oito
(excepcionalmente mais), e a natureza dos meios de simbolização utilizada” (ibid, p.
157). A maioria das crianças se preocupa mais em anotar a altura do som do que o
movimento melódico.
A autora finaliza afirmando que as crianças representam mais as alturas da
melodia do que a duração do som. Ela explica que isso pode acontecer porque a criança
se preocupa em cantar, e assim ela fica analisando as alturas em que a melodia se
movimenta, e como a duração do som não exige tanto esforço da criança, ela não se
preocupa em anotá- la, pois às vezes o ritmo passa despercebido.
A partir das pesquisas aqui relatadas, foi elaborada a metodologia desta pesquisa,
a qual será descrita no próximo capítulo.
CAPÍTULO II
ME T O D O L O G I A D E P E S Q U I S A
A pesquisa foi realizada no Colégio Alpha Objetivo Júnior, com turmas de
crianças de três a quatro anos do infantil II, quatro a cinco anos do infantil III e de cinco
a seis anos do infantil IV. Essas turmas têm aulas de musicalização com a pesquisadora,
com regularidade semanal e duração de 45 minutos.
O Colégio Alpha Objetivo Júnior está situado na rua Sete de setembro, n° 23,
Kobrasol, em São José, município da Grande Florianópolis. É uma escola particular, que
existe há quatro anos, com ensino em educação infantil e fundamental de primeira a
quarta série. O colégio tem um trabalho de educação musical desde a sua fundação,
sendo um colégio que participa de uma rede, com escolas em vários lugares do Brasil.
Por isso, o material didático vem de São Paulo, de forma que todas as turmas utilizam o
material de referência oferecido pelo colégio. Apesar disso, o professor tem certa
liberdade de trabalhar com outras atividades, além daquelas sugeridas pelo material da
escola.
28
O colégio já teve dois professores de música trabalhando com as turmas.
Atualmente, somos em três professores, sendo que eu trabalho no período matutino, uma
outra professora no período vespertino e o professor do coral, que é uma aula
extracurricular, em um horário fora do horário das aulas curriculares.
Para a realização deste estudo, a metodologia de pesquisa foi elaborada tomandose como base o referencial teórico utilizado. Para que houvesse uma relação da
investigação com a atuação profissional da pesquisadora, isto é, com uma situação
concreta de ensino, os dados foram coletados nas próprias aulas de música, sem quebrar
o processo de ensino e aprendizagem proposto. Dessa forma, os dados consistem em um
recorte do processo de musicalização a que as crianças estão expostas, sendo focalizada
na pesquisa apenas a questão da compreensão dos processos de representação musical
das crianças.
Como o nosso objetivo é ver como crianças que não são alfabetizadas, ou estão
começando a ser, se desenvolvem graficamente na música, isto é, como elas escrevem o
que cantam, executam ou escutam, foram realizadas atividades nas aulas abordando a
grafia musical. Assim, foram selecionadas três canções para serem trabalhadas com as
crianças, cada uma delas focalizando um elemento para a escrita musical: a
representação de sonoridades não-convencionais, de ritmos e de melodias. Dessa forma,
foram realizadas três coletas de dados com cada turma, sendo que em cada coleta foi
solicitado que as crianças “escrevessem a música” trabalhada, quando eu pedia às
crianças o seguinte: “escrevam os sons (ou o ritmo, ou a melodia, dependendo da
canção) no papel de uma maneira que possa te ajudar a lembrar dele no outro dia, ou
29
ajudar alguém que não está aqui hoje a tocá- lo”, conforme orientações de Davidson e
Scripp (1988) para trabalhos dessa natureza. Passaremos então ao detalhamento de cada
uma das três coletas de dados realizadas.
2.1 REPRESENTAÇÃO DE S ONS N ÃO CONVENCIONAIS
Na aula em que foi trabalhada a primeira música da pesquisa, fizemos um círculo
e eu disse para as crianças que havia trazido uma música muito legal, que falava de um
castelo mal assombrado. A música chama-se “A noite no castelo” da Banda Rumo 1.
Contei para as crianças que nesse castelo tinha um fantasma. Perguntei qual era o
som que o fantasma fazia. Então elas fizeram o som: UUUUUU! Disse também que
nesse castelo tinha uma bruxa e um vampiro. Perguntei se eles queriam ouvir a música, e
os alunos logo disseram que sim.
Coloquei a música para tocar e as crianças começaram a fazer os sons que o
fantasma fazia, o som da bruxa e do vampiro. Logo eles estavam cantando a música
toda, por sua melodia ser simples e curta.
Então eu solicitei que os alunos “escrevessem a música”, falando que: “agora
vocês vão escrever os sons dessa música de maneira que outra pessoa possa imaginar
como é esse som”. Então pedi para eles sentarem em suas mesas, entreguei folha branca
e eles começaram a trabalhar. Eles pediram para deixar o som tocando a música
1
Cd “Quero Passear”, do Grupo Rumo, gravadora Velas, 1988. A canção é de autoria de Helio Ziskind.
30
enquanto faziam o trabalho, e assim o fiz. Essa atividade teve a duração de uma aula
inteira.
2.2 REPRESENTAÇÃO DO RITMO
Na segunda coleta de dados, o foco foi à notação rítmica. Iniciai a aula sentando
com as crianças em uma roda e, disse que nós iríamos aprender um ritmo. O ritmo era:
q q ee q
Figura 15: Ritmo da música “Sopa”
Comecei a tocar o ritmo com palmas e pedi para as crianças baterem também.
Levamos algum tempo até todas as crianças tivessem aprendido o ritmo. No infantil III,
também pedi para os alunos baterem o ritmo um a um, até que todos o soubessem bem.
Depois eu disse que esse ritmo estava em uma música, e que nós iríamos tocá- lo
junto com a música. Este momento foi um pouco difícil, pois a música selecionada, a
canção “Sopa” 2 era meio rápida e inicialmente eles não conseguiam bater a colcheia, só
a pulsação, que era a semínima.
Então falei para as crianças: “escrevam o ritmo no papel de uma maneira que
possa te ajudar a lembrar dele no outro dia, ou ajudar alguém que não está aqui hoje a
tocá-lo”. A seguir, entreguei papel e lápis e eles começaram o trabalho.
31
2.3 REPRESENTAÇÃO DA MELODIA
As crianças sentaram na roda e eu falei que iríamos aprender a cantar uma
música nova, a canção “Brincar de Cantar”3 . Cantei duas vezes para eles ouvirem e, em
seguida, pedi para eles repetirem a letra que eu ia falando, e assim eles o faziam.
Cantamos a canção três vezes.
Pedi a atenção dos alunos e disse que eu iria fazer algo com a música e que eles
teriam que dizer se eu cantei ou falei. Então eu recitei o texto da música e perguntei se
eu tinha cantado ou tinha falado, e eles responderam que eu tinha falado. Desta maneira
eu expliquei a diferença entre cantar e falar, e que isso se chamava melodia quando a
música “passeia” entre as notas agudas e graves. Expliquei também o que era agudo e
grave.
Em seguida, eu pedi para eles sentarem em seus lugares, entreguei papel e folha e
pedi que eles escrevessem a melodia que aprendemos, e que fizessem de um jeito que
depois pudessem saber que melodia era aquela.
2
Cd “Canções de Brincar”, da Coleção Palavra Cantada, gravadora Velas, 1996. A canção é de autoria de
Sandra Peres.
3
A canção é de autoria de Thelma Chan e a partitura está em anexo. Nesta música não foi utilizada
gravação.
32
2.4 CRONOGRAMA DA C OLETA DE DADOS
As coletas de dados foram realizadas nas seguintes datas:
MÚSICA:
A noite no
castelo
Sopa
Vamos brincar
Infantil I e II
25 de maio de
2001
2 de maio de
2001
16 de maio de
2001
Infantil III
25 de maio de
2001
2 de maio de
2001
16 de maio de
2001
Infantil IV
4 de maio de 2001 8 de maio de
2001
18 de maio de
2001
TURMA:
Tabela 1: Cronograma da coleta de dados
Passaremos então à análise e interpretação das representações musicais
elaboradas pelas crianças.
CAPÍTULO III
ANÁLISE
DAS
REPRESENTAÇÕES M USICAIS
Utilizando o referencial teórico descrito no capítulo I, foi feita a análise do das
representações musicais produzidas pelas crianças, procurando-se compreender como
elas elaboram a idéia de “escrever música”.
3.1 REPRESENTAÇÃO DE S ONS N ÃO CONVENCIONAIS
Na representação de sonoridades não convencionais, conforme explicado no
capítulo II, as crianças foram solicitadas a escrever os sons da música “A noite no
Castelo”. Na análise das representações das crianças foram encontradas cinco tipologias,
classificadas como: (1) garatujas; (2) objeto que produz o som; (3) sons musicais
representados por letras; (4) símbolos gráficos; e (5) símbolos musicais, como mostra a
tabela a seguir:
34
TIPOS
INF. II
INF. III
INF. IV
TOTAL
1- Garatujas
4
1
-
5
2 - Objeto que produz
som
3
2
9
14
3 - Sons musicais
representados por letras
-
-
6
6
4 - Símbolos gráficos
-
1
1
2
5 - Símbolos musicais
-
1
1
2
Total de trabalhos: 29
Tabela 2: Tipologias encontradas para a representação de sonoridades não convencionais
Tipo 1: Garatujas
Foram encontrados quatro trabalhos no infantil II e um no infantil III.
Bamberger (1990) a considera esta uma forma primitiva de representar. Não há
diferenciação entre a escrita e o desenho. “O ato de desenhar é em si um passo
importante para a exteriorização que o torna visível e simultâneo o que é evanescente,
invisível, e que desaparece de imediato, exceto em sua reconstrução experimental e
corporal” (Bamberger, 1990, p. 105). Mesmo que a pesquisa de Bamberger refira-se
apenas à escrita do ritmo, também encontramos essa tipologia nas representações de
35
sons não convencionais. Em sua representação, quando questionado sobre o seu
trabalho, Gustavo Henrique disse que fez um fantasma grande, como mostra a figura 20.
Figura 20: Gustavo Henrique (Infantil II)
Tipo 2: Objeto que produz o som
Foram encontrados quatorze trabalhos em que as crianças representaram o objeto
que produz o som: três no infantil II, dois no infantil III e nove no infantil IV. Ao invés
de representar o som em si mesmo, as crianças desenharam os personagens da música.
Nesse nível, conforme explica Beineke (1993), o desenho é fundamental nesse tipo de
representação, garantindo o significado da escrita.
Um exemplo desse tipo de representação pode ser visto na figura 21.
36
Figura 21: Heloisa (Infantil IV)
Tipo 3: Sons musicais representados por letras.
Foram encontrados seis trabalhos, todos no infantil IV. As crianças distinguiram
os objetivos dos sons produzidos e representaram os sons com letras. “No que diz
respeito à interpretação da escrita, está claro que (...) a intenção subjetiva do escritor
conta mais que as diferenças objetivas no resultado: todas as escritas se assemelham
muito entre si, o que não imp ede que a criança as considere como diferentes, visto que a
intenção que presidiu a sua realização era diferente” (Ferreiro & Teberosky, 1991, p.
183-184) Todas os trabalhos usaram as mesmas letras para representar o som: “SS” para
37
representar o som do vampiro; “UU” para representar o som do fantasma; e “ARARA”
para o som da bruxa.
Figura 22: Camila (Infantil IV)
Tipo 4: Símbolos gráficos
Foram encontrados apenas dois trabalhos, um no infantil III e um no infantil IV.
O aluno Andrey estipulou gráficos como quadrado para o som da bruxa, triângulo para o
som do fantasma e retângulo para o som do vampiro. Nessa tipologia, como explica
Beineke (1993), as crianças já perceberam que para escrever coisas diferentes, é
necessário diferenciar as escritas. Assim, “avanço deve-se ao fato de haver diferenciação
dos traçados em função de propriedades dos sons” (ibid, p.15). A autora também
38
observa que esse tipo de escrita costuma ser acompanhado de desenhos, isto é, a criança
representa “objetos que fazem sons” (o exe mplo de Beineke para esse tipo de notação
pode ser visto na figura 1). É importante destacar que para cada som há uma
representação diferente, o que já demonstra uma abstração por parte da criança.
Figura 23: Andrey (Infantil IV)
Tipo 5: Símbolos musicais
Foram encontrados dois trabalhos, um no infantil III e um no infantil IV. Beineke
(1993, p. 6), nos diz que “estas crianças já tiveram contato com a grafia musical e
39
passaram a utilizar esses símbolos para representar música. Nessa escrita o desenho
também tem a função de garantir o significado da escrita e identificar a fonte sonora”. O
Samuel, do infantil IV, usou colcheias para representar o som da bruxa. Ele não se
preocupou com os valores das figuras, mas utilizou-as para dizer que era “o som da
bruxa”, isto é, a criança já sabe que existe uma simbologia específica para escrever
música, mesmo que ainda não saiba o que estes símbolos representam.
Figura 24: Samuel (Infantil IV)
40
3.2 REPRESENTAÇÃO DO RITMO
Na representação de ritmo, conforme explicado anteriormente, as crianças foram
solicitadas a escrever o ritmo da música “Sopa”. Na análise das representações das
crianças foram encontradas quatro tipologias, classificadas como: (1) garatujas; (2)
objeto que produz o som; (3) sons musicais representados por letras; e (4) símbolos
musicais, como mostra a tabela a seguir:
TIPOS
INF. II
INF. III
INF. IV
1 - Garatujas
2
1
-
3
2 - Objeto que produz o
som
2
2
3
7
3 - Sons musicais
representados por letras
-
1
8
9
4 - Símbolos musicais
-
-
2
2
Total de trabalhos: 21
Tabela 3: Tipologias encontradas para a representação do ritmo
TOTAL
41
Tipo 1: Garatujas
Esse tipo de notação foi encontrado em dois trabalhos do infantil II e um no
infantil III. Esse tipo pode ser considerado como equivale nte ao tipo 1 da representação
de sons não convencionais. As crianças reproduzem no papel o movimento das mãos
fazendo o ritmo, como explica Bamberger (1990, p.103-104): “Pode-se dizer que elas
não dissociam os efeitos separados e discretos (os sons das batidas) dos movimentos que
as produzem ou que deles são causa. Em outras palavras, elas não fazem a distinção
entre a ação de bater palmas e as batidas” O aluno Gustavo Henrique, do Infantil II,
quando foi questionado sobre o seu trabalho disse: “o marrom é a nossa mão que está
batendo, olha os dedos”. O exemplo mostrado na figura 25 é bem representativo do que
a autora explica.
Figura 25: Gustavo Henrique (Infantil II)
42
Tipo 2: Objeto que produz o som
Esse tipo de representação foi encontrado em dois trabalhos do Infantil II, dois
no infantil III e três no infantil IV. Ele corresponde ao tipo 2 da representação do som.
Muitas crianças não distinguem os objetos que produzem as batidas, nem sua própria
ação, do efeito da ação de bater palmas. Com isso, elas desenham as mãos, que é o
objeto que produz o som do ritmo. Muitas traçam com uma mão em volta da outra
colocada sobre o papel.
O João Augusto, do Infantil IV, desenhou a sua mão para representar o ritmo e,
para completar o seu trabalho, ele desenhou algumas mãos pequeninas e disse que era o
ritmo “ta-ta-tata-ta”.
Figura 26: João Augusto ( Infantil IV)
43
O trabalho do Paulo Henrique, do Infantil II, foi um pouco diferente, mas segue o
mesmo princípio: a indiferenciação do objeto que produz o ritmo do ritmo em si mesmo.
Ele desenhou um menino fazendo o ritmo. Para fazer esse trabalho, antes de começar a
escrever ele me disse que fez o ritmo, então ele chegou à conclusão de que teria que
fazer um menino batendo o ritmo com as mãos.
Figura 27: Paulo Henrique (Infantil II)
Tipo 3: Sons musicais representados por letras
Esse tipo de grafia musical foi encontrado no trabalho de uma criança do infantil
III e de oito no infantil IV. Para compreender melhor o ritmo, as crianças usaram
unidades lingüísticas com TA e PA. Com isso, conseguiram compreender a quantidade
44
de sons do ritmo ensinado, procurando fazer uma correspondência termo a termo entre
cada som e sua representação. Cognitivamente, corresponde ao tipo três da
representação de sons não convencionais.
A Letícia, do infantil IV, desenhou o neném tomando sopa e escreveu o ritmo em
cima, com o número correto de unidades, mas não se preocupou com as distâncias das
representações entre os sons, isto é, com a relação espaçamento e duração do som.
Figura 28: Letícia (Infantil IV)
45
O Lucas, também do infantil IV, fez um desenho para completar o trabalho, o
qual não tinha relação com música da sopa, mas a sua representação do ritmo estava
correta, sendo cada agrupamento rítmico separado. Ele fez cada seqüência em um lugar
distinto do papel, e sempre com o número correto de unidades rítmicas.
Figura 29 (Lucas, Inf. IV)
46
Tipo 4: Símbolos musicais
Foram encontrados dois trabalhos no infantil IV. Esse tipo corresponde ao tipo
cinco da representação de sonoridades não convencionais, nas quais as crianças utilizam
símbolos da grafia musical tradicional para escrever os sons. Esse tipo de escrita é
utilizado por crianças que já tiveram contato com a notação tradicional. As crianças
usam os símbolos musicais para representar o ritmo, mas não escrevendo o ritmo
propriamente dito, e sim, significando que “é música”. Como explica Beineke (1993, p.
15), “os signos musicais são usados como forma de escrever música. O uso é arbitrário,
sem conhecimento das regras do sistema, mas a criança sabe que assim escreve-se
música, que há uma simbologia própria”. Nas representações desse tipo, as crianças
escreveram as figuras musicais para dizer que era o ritmo, mesmo sem conhecer as
regras desse sistema de escrita.
O Samuel, que faz aulas de piano, desenhou o menino batendo palmas e fez
colcheias para dizer que era o ritmo que o menino estava batendo. Ele não se preocupou
em contar quantas unidades rítmicas havia no ritmo ensinado.
47
Figura 30: Samuel (Infantil IV)
3.3 REPRESENTAÇÃO DA MELODIA
Na representação da melodia, conforme explicado no capítulo II, as crianças
foram solicitadas a escrever a melodia da música “Brincar de Cantar”. Na análise das
representações das crianças foram encontradas seis tipologias, classificadas como: (1)
garatujas; (2) sons musicais representados com letras; (3) objeto que produz o som; (4)
símbolos gráficos, (5) desenvolvimento da melodia: música sem texto; e (6) símbolos
musicais, como mostra a tabela a seguir:
48
TIPOS
INF. II
INF. III
INF. IV
TOTAL
1 - Garatujas
7
3
-
10
2 - Sons musicais
representados com letras
-
7
1
8
3 – Objeto que produz o
som
1
-
6
7
4 - Símbolos gráficos
1
2
6
9
5 - Desenvolvimento da
melodia: música sem
texto
-
-
6
6
6 - Símbolos musicais
-
-
3
3
Total de trabalhos: 43
Tabela 4: Tipologias encontradas para a representação da melodia
Tipo 1: Garatujas
Foram encontradas sete representações desse tipo no infantil II e três no infantil
III, dentre trinta e oito trabalhos. Como nas representações anterior, Bamberger (1990)
nos explica que estas são formas primitivas de reproduzir o som. Todos os trabalhos se
assemelham entre si, mas para as crianças eles são diferentes.
Na representação de melodia pelo aluno Gustavo Henrique, do Infantil II, eu
perguntei onde estava escrita a melodia e ele me mostrou todo o “desenho” e disse:
49
“tudo é música”. Para ele, estava claro que suas garatujas correspondiam à melodia da
música “Brincar de Cantar”.
Figura 31: Gustavo Henrique (Infantil II)
Tipo 2: Sons musicais representados com letras
Dentre todos os trabalhos desse tipo, foram encontrados seis representações no
infantil III e uma no infantil IV. Por serem crianças que estão começando a ser
alfabetizadas, estão tendo contato com as letras, e para as crianças, escrever significa
utilizar as letras do alfabeto, de forma que quando são solicitadas a escrever a melodia,
50
elas associam com o uso das letras. Elas ainda não sabem que a música tem uma
simbologia própria. Como explica Frey-Streiff (1990, p. 128), “para algumas crianças, o
texto fica sendo o único conteúdo admissível, mesmo ao fim da sessão experimental”,
porque para elas, escrever é sinônimo de usar as letras do alfabeto, mesmo que utilizadas
de maneira arbitrária.
Figura 32: Mariana (Infantil III)
Algumas crianças tentaram escrever a letra da música e outras colocaram letras
aleatórias e disseram que era a melodia. A Mariana, do infantil III, colocou várias letras
e disse que era a letra da música. Nessa tipologia as crianças também associam a
melodia com a letra da música. Não tendo correspondência entre o som e sua
reprodução, esse tipo de representação pode ser considerado como equivalente ao tipo
três da representação do ritmo.
51
Tipo 3: Objeto que produz o som.
Foram encontrados apenas um trabalho no infantil II e seis trabalhos no infantil
IV. As crianças associaram a melodia com elas mesmas cantando. Frey-Streiff (1990, p.
128) nomeou como “Desenhos sem propriedades da melodia” ela diz que “a produção de
desenhos ou de esboços relativos ao texto, bem como a escrita do texto ou do título, em
muitos casos, precedem a produção da notação solicitada”.
Figura 33: Guilherme (Infantil II)
O Guilherme, do infantil II, desenhou a turma na rodinha cantando a música.
Nessa escrita, o desenho tem a função de garantir o seu significado, neste caso, a
melodia.
Um outro exemplo desse tipo é o trabalho da Heloisa, do infantil IV. Ela levou
muito tempo para começar a fazer a atividade, assim ela escreveu o objeto que produz a
52
melodia, que no caso era a turma cantando. Essa tipologia corresponde ao tipo dois da
representação do som e também ao tipo dois do ritmo.
Figura 34: Heloisa (Infantil IV)
Tipo 4: Símbolos gráficos
Dentre os trabalhos foram encontrados um no infantil II, dois no infantil III e seis
no infantil IV. Foram encontrados duas formas de representação gráfica para essa
tipologia. Na primeira forma, as crianças estipularam símbolos diferentes para o som
grave e para o som agudo (figura 35), mas sem que haja realmente consistência no uso
dos gráficos, e na outra forma a criança mostra o movimento melódico, indo do grave
para o agudo e vice- versa (figura 36).
53
Figura 35: Andrey (Infantil IV)
O aluno Andrey, do infantil IV, estipulou símbolos sendo que o quadrado
representa o som agudo, considerado por ele como o “som fino”, e o círculo
representava o som grave, para ele o “som grosso”. Ele disse que “a primeira parte vai
para o fino, depois vai para o grosso”.
A Camila, também do infantil IV, fez diferente, representando a melodia com
linhas onduladas. Ela explicou que “a música está subindo e descendo”.
54
Figura 36: Camila (Infantil IV)
Tipo 5: Desenvolvimento da melodia: música sem texto
Foram encontrados seis trabalhos no infantil IV. Frey-Streiff (1990, p. 134)
explica esse tipo de notação dizendo que essa forma de representação “é caracterizada
pela intenção da criança de representar o desenvolvimento (temporal, sonoro) que forma
o começo da canção proposta, cantando sem texto”. A autora também nos diz que essa
tarefa traz dificuldades para as crianças, pois elas não conseguem estabelecer uma
correspondência entre as unidades escritas e a unidade lingüística cantada, ou seja, o
número de sons cantados da melodia não são os mesmos anotados. Um exemplo disso é
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o trabalho de representação da Sofhia, do infantil IV, no qual ela escreve a melodia
ensinada, com unidades lingüísticas, ta-ta-ra, mas não ocorre o mesmo número de
unidades cantadas. Observando o seu trabalho, para completar a sua representação,
vendo que o texto não foi o suficiente, ela desenhou o coral cantando a música.
Figura 37: Sofhia (Infantil IV)
Já na representação do Lucas, também do infantil IV, há uma maior coerência,
mas ele não começou escrevendo a melodia do início, ele começou pelo meio. Para o
início das frases ele estabeleceu a sílaba “TA”, e para o resto da linha, “RA”.
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Figura 38: Lucas (Infantil IV)
Tipo 6: Símbolos musicais
Nesse tipo foram encontrados três trabalhos na turma do infantil IV. As crianças
usaram símbolos musicais, mas não como significando a melodia em si, mas para dizer
que é a música, o som. Essa tipologia pode ser relacionado com o tipo cinco da
representação de sonoridades não convencionais e com o tipo quatro da representação do
ritmo. As qualidades sonoras não são observadas nestas representações. Nessa escrita, o
desenho também tem a função de garantir o significado da escrita e identificar a fonte
sonora (Beineke, 1993).
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Figura 39: Camila (Infantil IV)
A Camila, do infantil IV, desenhou as figuras musicais, fez a quantidade de
colcheias em relação às sílabas da música, mas não soube explicar o que tinha feito, foi
algo inconsciente. Primeiro ela desenhou as crianças cantando, e então complementou
sua notação com as figuras musicais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa foi possível observar que existe um desenvolvimento
seqüencial das tipologias encontradas para a representação musical infantil. Quanto aos
diferentes tipos de sons representados pelas crianças, sons não convencionais, ritmo e
melodia, foram encontrados quase sempre os mesmos tipos de representação,
independentemente do parâmetro musical que estava sendo escrito. As representações mais
freqüentes foram: garatujas, representação do objeto que produz o som, símbolos gráficos e
utilização arbitrária de símbolos musicais.
Com relação ao referencial teórico utilizado para a elaboração da pesquisa e análise
das representações das crianças, as tipologias encontradas por Bamberger (1990) foram as
que mais se assemelharam às encontradas por mim. Provavelmente pelo fato de Bamber ger
ter estudado as representações de crianças menores, sua pesquisa me deu um suporte maior
para a interpretação dos dados. Mesmo quando as crianças estavam representando
sonoridades não convencionais ou a melodia, o trabalho de Bamberger me ajudou a
compreender as representações das crianças.
Já as tipologias encontradas por Frey-Streiff (1990) foram, em sua maioria, bem
diferentes das que encontrei em meu estudo, mas como a autora trabalhou com crianças
mais velhas, é de se esperar que as representações das crianças sejam diferentes, não
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podendo ser feitas comparações mais diretas. A pesquisa de Beineke (1993) também foi
feita com crianças um pouco mais velhas e que já estavam em processo de alfabetização
musical, e por isso os resultados encontrados por essa autora também não são muito citados
nas minhas análises. O importante é que mesmo não encontrando os mesmos tipos de
representação citados pelas autoras estudadas, este estudo, por abordar as notações de
crianças mais jovens, pode revelar um pouco ma is sobre a gênese do desenvolvimento da
grafia musical infantil.
A realização desta pesquisa foi muito importante para minha prática como
professora de música, pois pude compreender melhor os processos de desenvolvimento
cognitivo da criança com relação à forma como ela elabora seus conhecimentos sobre a
grafia musical. Com essa prática pude observar que as crianças se desenvolveram
musicalmente, além de ter sido despertado o seu interesse em aprender a representar a
música, tanto que depois de aprender uma música nova, as crianças queriam escrever o que
tinham escutado, cantado ou executado.
Participando desta pesquisa, as crianças aprenderam que a música pode ser escrita
de diferentes maneiras, e isso era algo que eu ainda não havia trabalhado com as turmas da
Educação Infantil. Antes de realizar a pesquisa, eu ainda não conhecia os processos de
desenvolvimento da representação musical de crianças pequenas, e com a realização do
trabalho, poderei sustentar minhas práticas e ampliá- las a partir dos resultados encontrados.
Pelo que conheço, a maioria dos professores de música que trabalham a representação
musical o fazem apenas depois no Ensino Fundamental, quando a criança já tem outro nível
de elaboração cognitiva. E quando a notação musical é trabalhadas nas aulas de música,
muitas vezes as crianças não têm a oportunidade de criar suas próprias formas de
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representação, o que é fundamental para que elas possam atribuir significado à escrita
musical, construindo seu conhecimento de forma ativa e participativa .
A minha preocupação com o ensino de música na Educação Infantil aumentou à
medida que tomei conhecimento das complexidades que caracterizam os processos de
desenvolvimento musical e a necessidade de compreender como as crianças “pensam” a
música, e por isso tomarei mais cuidado em relação à minha metodologia com as crianças,
procurando valorizar e respeitar seus processos de desenvolvimento.
Com a realização desta pesquisa observei que ela abre alguns caminhos que podem
ser explorados em várias outras pesquisas nessa área. Para dar continuidade a trabalhos
dessa natureza, poderia sugerir que fosse observado, através de um estudo longitudinal de
maior duração, como uma mesma criança desenvolve a capacidade de representar música.
Na área de Educação Infantil, ainda são muitos os campos em aberto, sendo necessária a
realização de muitos trabalhos, em situações concretas de educação musical, para que
possamos compreender melhor como se desenvolve o pensamento musical das crianças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Janeiro: Vozes, 1998.
BAMBERGER, Jeanne. As estruturações cognitivas da apreensão e da notação de
ritmos simples. In: SINCLAR, Hermine (org). A produção de notações na criança:
linguagem, número, ritmo e melodias. São Paulo, Cortez, 1990, p. 97-124.
BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Harbra, 1986.
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DAVIDSON, Lyle & SCRIPP, Lawrence. Young Children’s musical representations:
windows on music cognition. In: SLOBODA, J. Generative process in music. Oxford,
Claredon Press, 1988.
FERREIRO, Emília & TEBERROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:
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de notações na criança: linguagem, número, ritmo e melodias. São Paulo: Cortez,
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FREY-STREIFF, Marguerite. A notação de melodias extraídas de canções populares. In:
SINCLAR, Hermine (org). A produção de notações na criança: linguagem, número,
ritmo e melodias. São Paulo: Cortez, p. 115-168, 1990.
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JANNIBELLI. Emília D’anniibelle. A musicalização na escola. Rio de Janeiro:
Lidador, 1971.
LINO, Dulcimarta Lemos. As letras de música. In BEYER, Esther (org.). Idéias em
Educação Musical. Porto Alegre: Meditação, 1999.
LINS. Maria J. S.da Costa. A teoria de Piaget-sua importância na compreensão do
processo de desenvolvimento. Congresso brasileiro de psicomotricidade.
Porto
Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora,
1988.
RAPPAPORT, Clara Regina. Modelo Piagetiano. In: RAPPAPORT, Clara Regina (coord.):
Teorias do desenvolvimento conceitos fundamentais. São Paulo: E.P.U, 1981.
SINCLAR, Hermine (org). A produção de notações na criança: linguagem, número, ritmo
e melodias. São Paulo: Cortez, 1990.
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ANEXO
Partitura da canção “Brincar de Cantar”, de Thelma Chan.