Anexo 1
Transcription
Anexo 1
Lalo de Almeida/Folha Imagem ARTE - Módulo 1 Anexo 1 ARTE - Módulo 1 Anexo 1 A observação atenta de uma imagem como esta pode descortinar inúmeras possibilidades de leitura e interpretação. Podemos nos ater às informações do campo da visualidade e documentação do cotidiano, ou reportar-nos às de ordem social, cultural, artística e educativa. Projeto usa latas para combater violência Em vez de tiros, batidas na lata. Parece maluca, mas essa troca vem dando certo no Jardim Ângela. As latas são batidas pelo Timbalata, um projeto musical que reúne 160 crianças e adolescentes e 80 bailarinas, as Timbaletes. A música funciona como aglutinador de um projeto ramificado em curso gratuito pré-vestibular, aulas de dança, capoeira, teatro, canto e artesanato. “A idéia é promover a educação pela arte e a organização da vida a partir de coisas que a gente gosta: dançar, cantar, batucar”, resume Israel Nascimento Cruz, 30, um dos coordenadores da ONG Cio da Terra, da qual o projeto Timbalata é o filhote mais visível. O sucesso da empreitada é impressionante para uma terra devastada como o Jardim Ângela. Fundada em março do ano passado, a ONG já implantou seus cursos em dez escolas e atinge 1.300 crianças e adolescentes. O nome Timbalata é uma alusão óbvia ao Timbalada, grupo baiano criado por Carlinhos Brown em Salvador, que combina música e preocupações comunitárias. Cruz ‘espelhou-se’ também no Olodum e no Funk’n Lata, grupo do morro da Mangueira, no Rio. A diferença do Timbalata e seus congêneres é a ênfase no combate à violência. Mas o que pode a música contra tiros? Responde Cruz: “Nossa vontade é aproximar as pessoas pela música e desarmar os espíritos pela conversa”. [...] O algo bom a ensinar é a viga-mestra dos projetos do Cio da Terra. “Sempre achei que qualquer um, por mais pobre que seja, sempre tem alguma habilidade para mostrar. O Cio da Terra valoriza a habilidade dessa pessoa, seja na música ou na capoeira. Quando ele descobre que é bom em algo, tudo muda: ele passa a ser um espelho num local onde quase não há bons exemplos. Nossa idéia é multiplicar esses espelhos”, relata. [...] “A coisa aqui funciona porque não desprezamos a cultura do pessoal, e nunca deixamos o prazer de lado”, diz Cruz. O som tocado pelo Timbalata é exemplo de como a cultura local é prezada. Mistura raps dos Racionais MCs (“Diário de um Detento” e “Homem na Estrada”), com músicas de Caetano Veloso (“Tieta”) e Olodum (“Revolta Olodum”).Cerca de 80% do repertório, porém, é do pessoal do bairro. O sucesso do Cio da Terra foi tão fulminante que já conseguiram apoio de duas secretarias do Estado: da Cultura e da Justiça [...]. Folha de S.Paulo, 20/10/1999, p. 3-5. ARTE - Módulo 1 Anexo 2 Cildo Meireles, instalação Desvio para o a vermelho 1968/84. 24 Bienal de São Paulo. ARTE - Módulo 1 Anexo 3 Espaços ígneos – entrevista [...] Cult No momento em que você iniciou sua produção, nos anos 60, o Brasil era cenário de um importante movimento de arte concretista, herdeiro do construtivismo russo e europeu. Em São Paulo, o movimento seguiu caminho ortodoxo. No Rio de Janeiro, no entanto, o neoconcretismo, como foi chamado, elaborou implicações sociais e políticas. Como o seu trabalho se relaciona com esse movimento? Cildo Meireles O neoconcretismo se baseava numa abordagem multissensorial do objeto de arte. [...] Durante dez anos, até os 19, vivi em Brasília, não estava próximo dos neoconcretistas. Acompanhava seus trabalhos lendo revistas de arte e arquitetura. No começo dos anos 70, Oiticica e eu vivemos em Nova York, onde tínhamos participado da mostra “Information”, de arte conceitual, montada no Museu de Arte Moderna de lá. No Rio, a maioria de meus amigos artistas estava na faixa dos 20 anos. A vida cultural era intensa. Havia muito intercâmbio entre artistas plásticos e os que faziam outros tipos de arte. Música, poesia, performance e cinema tinham a mesma importância que artes plásticas. Foi quando comecei a ler Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Bioy Casares. São escritores importantes em minha formação intelectual. Cult O que você produziu inicialmente como artista? C.M. Comecei com o desenho, e um dos motivos é que era muito difícil encontrar materiais no Brasil na época. Eram desenhos figurativos e derivavam de uma exposição de máscaras e esculturas africanas da coleção da Universidade de Dacar, no Senegal, que vi na Universidade de Brasília em 1963. Fui influenciado também pelo cinema de animação da Europa Central. Os desenhos tinham uma preocupação social e pertenciam à tradição da nova figuração, que dominou a arte latino-americana no final dos anos 60. Mas eu precisava formalizar também idéias conceituais. Comecei então a investigar o que acontece quando você descreve secções de sólidos tridimensionais ou formas bidimensionais indicando-as, por exemplo, com uma linha interrompida. Eram trabalhos que rompiam os princípios euclidianos de espaço: Espaços virtuais: Cantos, de 1967/68, Volumes virtuais, de 1968/69, e Ocupações, também feitos entre 1968 e 1969. Os Espaços virtuais eu terminei por realizar em maquetes de cantos de uma típica sala doméstica e, por fim, com ambientes escultórios. Os Volumes virtuais eram feitos com linhas projetadas em paredes e que constituíam perímetros, áreas ou cantos de sólidos. Ocupações eram construções espaciais, com poucos elemen- ARTE - Módulo 1 Anexo 3 tos, sobretudo grandes telas que cobriam todo o espaço de uma galeria. Cult Em 1970 seu trabalho sofreu uma guinada radical com Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola. Frases antiimperialistas como “Yankees, go home” eram impressas em garrafas de Coca-Cola, que eram repostas em circulação. O projeto porém foi rapidamente abandonado. Por quê? C.M. Meu objetivo era encontrar uma fórmula que tivesse efeito político, e creio que Inserções o conseguiu. [...] Cult Você queria fazer arte ou se engajar em ações políticas? C.M. Eu buscava o sentido duplo desses trabalhos, que podiam abranger duas instâncias, dentro e fora de uma definição artístico-histórica do objeto de arte – na verdade, toda vez que vamos definir arte, nos vemos diante da ambigüidade entre o que é e o que não é considerado objeto de arte. Inserções em circuitos ideológicos questiona a natureza do objeto de arte, fazendo o caminho inverso ao que fez Marcel Duchamp (18871968), isto é, Inserções não são objetos industriais que substituem a arte, mas objetos de arte que se comportam como objetos industriais; além disso, isola e define o conceito de circuito, valendo-se de um sistema de circulação preexistente, isto é, os mecanismos capitalistas de distribuição de bens de consumo e informação. Assim, os textos nas garrafas de CocaCola são uma espécie de grafite móvel. Cult Você começou a criar num momento dramático da história brasileira, o regime militar de 1964. O recrudescimento do regime, com a promulgação do Ato Institucional n. 5, coincide com um índice de politização maior de sua obra. Por exemplo, foi em 1970 que você fez Tiradentes: Totemmonumento ao preso político, em Belo Horizonte. [...] C.M. [...] Tiradentes foi a oportunidade de lidar com a metáfora e o deslocamento do tema vida e morte como matéria-prima da performance. [...] Len Berg, “Espaços ígneos”, revista Cult, fevereiro de 2000, pp. 32-38. ARTE - Módulo 1 Anexo 4 A instalação Desvio para o vermelho foi exposta pela primeira vez no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), em 1984. Uma interpretação possível para essa obra de Cildo Meireles é que ela sintetiza, em sua concepção e forma, metafóras sobre o período da ditadura militar no Brasil. Na realização desse trabalho, o autor usa objetos e líquidos que escorrem, todos na cor vermelha, fazendo conexões entre a arte, as ciências humanas e as da natureza. A superexposição do observador ao vermelho e o envolvimento que provoca no espectador é desafiante e marcadamente sensível, conduzindo à busca de novos sentidos para essa instalação. É uma obra em que Cildo Meireles articula conhecimentos históricos, sociais, artísticos, estéticos, científicos e tecnológicos, ressignificando, assim, aquele período de exceção. ARTE - Módulo 1 Anexo 5 Salas de aula devem ser usadas para convivência Gilberto Dimenstein COLUNISTA DA FOLHA O Liceu de Artes e Ofício, da nos viam nas carteiras um jeito de des- Bahia recolhia parte de sua renda contar os vários ressentimentos, mol- consertando carteiras escolares, dados em diferentes graus de violência destruídas pelos alunos. A cada mês, vivida fora da escola – a violência da chegavam à marcenaria caminhões falta de lazer, do desemprego, dos pais e mais caminhões com restos de me- separados, muitos viciados em bebi- sas e cadeiras. da, da selvageria doméstica, da dro- Investindo contra sua própria fon- ga, dos assaltos. te de renda, o Liceu, apoiado pela Se- Dessas oficinas surgiu, em 1995, cretaria Estadual da Educação, criou “Cuida Bem de Mim”, encenada para com artistas profissionais uma peça os alunos baianos; para a imensa de teatro para convencer os alunos a maioria deles, era a primeira vez que respeitar a escola, ensinar-lhes tam- iam a um teatro. A cadeira transfor- bém o valor da coisa pública. mou-se, ali, não na questão central, Para montar o espetáculo, eles investigaram a percepção dos estudantes. como se planejava, mas apenas em um símbolo, uma síntese. Promoveram oficinas em que os alunos As platéias acompanham silencio- quebravam as cadeiras e diziam o que sas e emocionadas sua própria vida no lhes passava pela cabeça. palco, rindo, chorando, gritando. Em As frases soltas durante a que- pouco tempo começou a diminuir o nú- bradeira desnudavam o ressentimento mero de carteiras destruídas. A peça fez com a escola em que falta quase tudo – o aluno perceber que não seria ali, na de professor a giz, num espaço que re- escola, que resolveria seus ressentimen- força a sensação de marginalidade. tos – justamente a escola deveria ser o Mas logo ficaria nítido que os alu- espaço para construção [...]. Folha de S. Paulo, 27/10/1999, p. 3-9. ARTE - Módulo 1 Anexo 6 [...] Maestros, músicos, cantores Gente de todas as cores Façam este favor pra mim Quem souber cantar que cante Quem souber tocar que toque Flauta, trombone ou clarim Quem puder gritar que grite Quem tocar apito apite Faça esse mundo acordar... Lupicínio Rodrigues. http://www.uol.com.br/lupicinio/ ARTE - Módulo 2 Anexo 1 O ambiente sônico Qualquer coisa que se mova, em nosso mundo, vibra o ar. Caso ela se mova de modo a oscilar mais de 16 vezes por segundo, esse movimento é ouvido como som. O mundo, então, está cheio de sons. Ouça. Abertamente atento a tudo que estiver vibrando, ouça. Sente-se em silêncio por um momento e receba os sons. A classe tinha feito isso por quatro dias seguidos, dez minutos a cada dia, cadeiras voltadas para a parede, recebendo mensagens sonoras. No quinto dia, foi-lhes pedido que descrevessem o que tinham ouvido. Àquela altura todos tinham ouvido um bocado de sons – passos, respiração, movimento de cadeiras, vozes distantes, uma campainha, um trem etc. Mas eles estavam descrevendo o que tinham ouvido? Aquilo não era meramente uma lista de palavras comuns? Todo mundo sabe como é que soa um passo ou uma tosse, ou uma campainha. Mas a diferença entre meus passos e os seus, ou a tosse dele e a dela, como deveríamos descrever isso? Um ou dois tentaram expressar a diferença fazendo desenhos. Não ajudou muito. Se a nova orquestra é o universo sônico, como diferenciarmos os instrumentos? Como poderíamos descrever a biografia completa de um passo, de modo a sabermos que era a história do seu passo e não do meu? Uma garota decidida foi até uma esquina no sábado e tentou elaborar uma notação descritiva para os diferentes pés dos passantes. Ela observou e ouviu a coreografia dos pés e anotou o tamanho do sapato ou bota; a altura de seu passo, agudo ou grave; o timbre de seu som, metálico, arrastado ou pesado; e o tempo de seu movimento, desde o ágil tique-taque dos saltos pontiagudos até o abafado arrastar de pés errantes. Os sons da orquestra universal são infinitamente variados. Foi pedido a todos que passassem dez minutos por dia ouvindo em casa, num ônibus, na rua, numa festa. Foram preparadas listas de sons. Mais listas foram entregues, ainda não descritivas. Mas uma coisa descobrimos que podíamos dizer. Os sons ouvidos podiam ser divididos em sons produzidos pela natureza, por serem humanos e por engenhocas elétricas ou mecânicas. ARTE - Módulo 2 Anexo 1 Dois alunos catalogaram sons. Será que as pessoas sempre escutaram os mesmos sons que escutamos hoje? Para fazer um estudo comparativo, foi pedido a todos que tomassem um documento histórico e listassem todos os sons ou sons em potencial contidos nele. Qualquer documentos serviria: uma pintura, um poema, a descrição de um evento, uma fotografia. Alguém tomou A batalha entre o Carnaval e a Quaresma de Pieter Brueghel, O Velho, e nos apresentou os sons de uma paisagem urbana holandesa do século XVI. Outra pessoa tomou um trecho de um romance de Arnold Bennett e nos apresentou os sons de uma cidade industrial do norte da Inglaterra no século XIX. Outra pessoa tomou uma aldeia indígena norte-americana, outra, uma cena bíblica, e assim por diante. Tínhamos somente amostras aleatórias, naturalmente, mas talvez pudéssemos extrair delas algumas conclusões. Por exemplo, descobrimos que a princípio, quando havia poucas pessoas e elas levavam uma existência pastoril, os sons da natureza pareciam predominar: ventos, água, aves, animais, trovões. As pessoas usavam seus ouvidos para decifrar os presságios sonoros da natureza. Mais tarde, na paisagem urbana, as vozes das pessoas, seu riso e os sons de suas atividades artesanais pareceram assumir o primeiro plano. Ainda mais tarde, depois da Revolução Industrial, os sons mecânicos abafaram tanto os sons humanos quanto os naturais, com seu onipresente zunido. E Hoje? Eis algumas de nossas tabelas: Sons naturais Sons humanos Sons de utensílios e de tecnologia Culturas primitivas 69% 26% 5% Culturas medieval, renascentista e pré-industrial 34% 53% 14% Culturas pós-industriais 9% 25% 66% Hoje 6% 26% 68% R. Murray Schafer, “A Nova Paisagem Sonora”, in O ouvido pensante. São Paulo, Unesp, 1991, pp. 124-5 e 128. ARTE - Módulo 2 Anexo 2 Aprendendo a ver [...] O trabalho nas escolas abrange um amplo raio de interesses. Isso inclui tudo aquilo que desenvolva um maior grau de conhecimento ambiental; aquilo que constrói um vocabulário relacionado com experiência estética e de design; aquilo que encoraja uma resposta ampla para promover um sentido de lugar. A arte aqui é importante no desenvolvimento do sentido de posse e identidade em relação ao meio ambiente. Ela é usada como um meio de intensificar experiências, influenciar a percepção, permitindo aos estudantes que reflitam sobre a experiência adquirida e possam reprocessá-la para que faça sentido. Ela também encorajou uma abordagem que enfatiza a crítica, como um estudo através do qual os estudantes têm sido ajudados a formar julgamentos de avaliação sobre qualidade e a tentar explicá-los ou justificá-los. Esse tipo de trabalho envolveu, assim, tanto o uso de uma linguagem visual como o uso de palavras. Ele mostrou como em alguns casos isto conduz à atividade de design, onde os estudantes estavam engajados a conceitualizar possibilidades de mudança, utilizando imaginação e fantasia para criar uma nova realidade. [...] Os métodos de estudo procuraram responder a duas perguntas: como podemos ampliar a experiência ambiental dos estudantes? E como podemos aprofundar sua compreensão do meio ambiente? A arte tem sido usada como um meio de intensificar experiências, concentrar a atenção, como um meio de percepção, de análise, de reflexão sobre essas experiências, como meio de reprocessar essa experiência a fim de entendê-la. Ela foi usada não apenas para responder o que ali havia, mas para considerar o que poderia haver, para explorar o significado e o valor e para envolver os estudantes na criação do significado através da avaliação das atividades. A escola propriamente dita age como um poderoso educador ARTE - Módulo 2 Anexo 2 através da linguagem visual, especial e simbólica, que ela emprega e proporciona como uma fonte significativa para educação ambiental, artes e design. Poderíamos perguntar: até que ponto o ambiente escolar, tanto em termos físicos como sociais, destrói as idéias, atitudes e valores que procuramos promover na aula de artes? Como ampliaremos o interesse por valores estéticos e qualidade de projeto introduzindo-os no nosso ambiente do dia-a-dia e nas atividades com ele relacionadas? [...] Estudos de construção ambiental poderiam ser incluídos em pelo menos três áreas: não apenas em geografia, mas em arte e design e design e tecnologia. Podemos de uma forma útil adotar o conceito do praticante, onde, através de reflexão sobre nossa atuação e da sua avaliação, possamos revisar, definir e redefinir nosso trabalho, depois investindo essa compreensão em futuros empreendimentos. De forma igualmente freqüente, o desenvolvimento de currículos requer novos relacionamentos de trabalho, período de experiências, assumir riscos, questionamento e reavaliação, e implica estar preparado para trabalhar em favor de e aceitar um inevitável grau de mudança. [...] Eileen Adams, “Aprendendo a ver”, in Ana Mae Barbosa, Tópicos utópicos. Belo Horizonte, C/Arte, 1998. (Eileen Adams é arte-educadora e atua na Inglaterra) ARTE - Módulo 2 Anexo 3 Reprodução de cartão-postal: Torre Eiffel. ARTE - Módulo 2 Anexo 3 Reprodução de foto do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, São Paulo. ARTE - Módulo 2 Anexo 3 Reprodução de cartão-postal: Palácio da Alvorada. ARTE - Módulo 2 Anexo 3 Reprodução de cartão-postal: Foz do Iguaçu. ARTE - Módulo 2 Anexo 4 Texto 1 O olhar [...] O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade ou, ao menos, alguma reserva. Nele um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas; e as espelha e registra, reflete e grava. [...] Com o olhar é diferente. [...] Ele perscruta e investiga, indaga a partir e para além do visto, e parece originar-se sempre da necessidade de “ver de novo” (ou ver o novo), como intento de “olhar bem”. [...] O olhar não descansa sobre a paisagem contínua de um espaço inteiramente articulado, mas se enreda nos interstícios de extensões descontínuas, desconcertadas pelo estranhamento. Aqui o olho defronta constantemente limites, lacunas, divisões e alteridade, conforma-se a um espaço aberto, fragmentado e lacerado. Assim, trinca e se rompe a superfície lisa e luminosa antes oferecida à visão, dando lugar a um lusco-fusco de zonas claras e escuras, que se apresentam e se esquivam à totalização. E o impulso inquiridor do olho nasce justamente dessa descontinuidade, deste inacabamento do mundo: o logro das aparências, a magia das perspectivas, a opacidade das sombras, os enigmas das falhas, enfim, as vacilações das significações, ou as resistências que encontra a articulação plena da sua totalidade. [...] Ela, a simples visão, supõe e expõe um campo de significações. Ele, o olhar – necessitado, inquieto e inquiridor – as deseja e procura, seguindo a trilha do sentido. O olhar pensa; é a visão feita interrogação. Adauto Novaes, O olhar. São Paulo, Companhia das Letras, 1988, pp. 348-9. ARTE - Módulo 2 Anexo 4 Texto 2 Memórias do social Com o advento da modernidade, e especificamente a partir da Revolução Francesa, começa-se a coletar o passado. A uma aceleração do tempo histórico rumo ao futuro corresponderia, paradoxalmente, um interesse em relação ao passado. Esse interesse começou como um colecionismo, voltado para o objeto: a arte e a arquitetura colocam em ordem os valores do grupo social. Assim como o indivíduo precisa de memória, a coletividade precisa de uma representação constante de seu passado. A idéia de um patrimônio que reproduza a mentalidade coletiva se apóia, primeiramente, na monumentalidade: castelos, igrejas, obras de arte. O crivo para seleção do que deveria ser preservado vinha da base política e histórica com que se procurava entender as idéias e os acontecimentos que informavam o grupo social; a noção estética – o belo – também se enraizava nessa base. Com o tempo, a ‘monumentalidade bela’ foi cedendo espaço para outros tipos de seleção patrimonial: prédios industriais, cafés, objetos de uso cotidiano ou de caráter técnico foram sendo incorporados ao ‘teatro de memórias’ do grupo social. A prática de incorporação patrimonial foi se tornando mais e mais especializada, mais e mais ‘científica’. O patrimônio deixava de ser ‘em si’, e passava a ser socialmente apropriado. As táticas de inventário e classificação, bem como o ordenamento da conservação, passavam a ser objeto de estudo, isto é, a lógica da conservação patrimonial, com suas normas e seus ideais, passava a ser processada epistemologicamente. Esse movimento em direção ao exame crítico da função patrimonial seria, na visão de Jeudy, indicativo da crescente desmaterialização do patrimônio. ARTE - Módulo 2 Anexo 4 A tendência atual seria a coletar ‘modos de vida’, ‘modos de comunicação’, isto é, os valores sociais é que se tornam patrimônio. A idéia de conservação é substituída pela de resgate. A questão do patrimônio deixa de ser o objeto e passa a ser a função social da memória. Em vez de sacramentar, a memória interroga. É a própria cultura que vira objeto: ela não está mais na cabeça das pessoas, mas diante delas. A cultura se exibe. Uma das chaves para a compreensão dessa mudança de enfoque é dada pela etnologia. O patrimônio não é apenas o depósito da memória. Ele necessita de uma teatralização. Essa memória teatralizada é, assim, uma arqueologia social. A teatralização dos diversos modos de vida, o interesse recíproco dos grupos sociais por práticas diferentes das suas originais, a escrita de uma memória coletiva e partilhável, apontam para um olhar etnológico, de respeito às especificidades e às práticas culturais. Síntese elaborada pela professora Lilian Amaral, com base em Henry-Pierre Jeudy, Memórias do Social. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990. ARTE - Módulo 3 Anexo 1 Observar e trabalhar com estas questões: 1. Tradicionalmente, em nossa cultura, o ritmo é tido como um elemento das linguagens musical e da dança, com ‘pulsação básica’ bastante evidente. Já na tradição musical japonesa do Shakuhachi, conforme o vídeo Ritmo, isso não acontece. Discutam esse fato. 2. No mesmo vídeo há uma tela também japonesa. Vocês observaram o ritmo presente na pintura? Escolham uma obra de arte visual conhecida e conversem sobre a presença do ritmo nela. Depois, comparem o contraste de ritmos entre ela e a tela japonesa exibida no vídeo. 3. Relacionem maneiras de dançar com as culturas e contextos geosocioculturais aos quais pertencem. 4. As estéticas das visualidades, das roupas, adornos, ambiências e cenários eram bastante distintas. Ao distingui-las, relacione-as com as características de modo de vida e meio ambiente dos povos aos quais pertencem. 5. Quais as semelhanças e diferenças entre as performances musicais e as performances da dança que esse vídeo apresenta? 6. Comparem os recursos expressivos das linguagens musical e da dança, tal como apresentados no vídeo. 7. Quais são as funções da Arte, se pensarmos nas manifestações artísticas de diferentes povos? 8. Quais as performances artísticas que mais chamaram a atenção? Quais relações se pode estabelecer entre elas e as condições socioculturais em que ocorrem? ARTE - Módulo 3 Anexo 2 Trecho de correspondência entre Koellheutter e Tanaka em torno das artes oriental e ocidental Tóquio, 7 de abril de 1975. Prezado professor Tanaka O senhor tem razão, sou realmente de opinião de que o exame crítico dos valores de culturas alienígenas e a aceitação dos mesmos – na medida em que tenham ou possam ter validade universal – se tornaram, em nosso tempo, absolutamente imprescindíveis. Porque o desenvolvimento imprevisível da tecnologia deve fazer-se acompanhar por reformas sociais e morais mais amplas e universais, reformas que ficarão incompletas sem o exame crítico dos valores de outras culturas. Acredito que deveríamos estar prontos, e não receosos, para receber valores de culturas alheias. A unidade a que somos exortados a aspirar requer de nós a compreensão e o reconhecimento de todos os valores culturais que a humanidade já criou e continua criando, e nos obriga a integrá-los e compreendê-los como partes de um todo. Esta tese, caro professor, de maneira alguma encontra-se em contradição com a minha constatação de que seria errôneo julgar valores de determinada cultura, com os critérios de valor de uma outra. Muito pelo contrário. A discussão de valores de culturas alheias só é possível se formos capazes de reconhecer e compreender suas leis e qualidades específicas, independentemente de sua validade em nossa própria cultura. Porque, como já contei em minha última carta, valores culturais são o produto de uma determinada situação social e só podem ser compreendidos a partir dela. Koellheutter H.J. Koellheutter, in Estética – À procura de um mundo sem “vis-a-vis”– Reflexões estéticas em torno das artes oriental e ocidental. São Paulo, Novas Metas, 1984, p. 25. ARTE - Módulo 3 Anexo 3 Trecho de correspondência entre Koellheutter e Tanaka, em torno das artes oriental e ocidental [...] Nós, do Ocidente, temos que reaprender o pensar globalizante. Desde há muito nossos cientistas mais avançados têm nos alertado para a perda da faculdade do pensamento globalizante, como um dos fatores que contribuem para privar o homem de uma parte essencial de sua capacidade cognitiva. Em seu livro Física e Filosofia, escreve o físico Werner Heisenberg: “a grande contribuição científica feita pelos japoneses, a partir da última guerra, à física teórica, pode ser interpretada como sintoma de certas relações entre idéias tradicionais do extremo oriente e a substância filosófica da Teoria Quântica. O homem se acostumará talvez mais facilmente ao conceito quântico da realidade, se não passar pelo pensamento materialista ingênuo, ainda vigente na Europa das primeiras décadas deste século”.[...] Trecho de carta de Koellheutter ao prof. Tanaka, em 11/07/75. In, H.J. Koellheutter, op. cit., p. 36. ARTE - Módulo 3 Anexo 4 Trecho de entrevista com Terezinha Rios Pode-se concluir que todo professor é professor de moral? Isto pode parecer complicado, mas o que se quer trazer é a referência a uma característica fundamental do processo educativo, que é a de transmitir valores no ensinamento que se faz cotidianamente. Ensinando Português, Matemática, Geografia, História e Artes, por exemplo, o professor está trazendo e revelando valores que sustentam sua prática e a da sociedade em que vive. Afinal, o objetivo é ampliar o conceito de currículo? Isso pode ser verdade se chamarmos de currículo a escola em movimento. Na verdade, o currículo é a vida da escola e necessita ter vigor transformador. Ao refletir sobre a organização curricular, tenho pensado no trânsito que é preciso fazer das grades às redes. Quando o currículo é reduzido à grade curricular ele imobiliza, aprisiona, impede o contato com o exterior, fecha a escola. Afinal, grade é uma espécie de muro e, como os muros, pode proteger, mas corre o risco de isolar. Uma transformação? Penso numa transformação que aponte para redes, mais flexíveis do que grades. Redes tecidas a partir de um objetivo comum, com o trabalho conjunto de educadores, com o entrelaçamento de todos os saberes, numa prática interdisciplinar. “Ética, para alargar a consciência”. Entrevista de Terezinha Azeredo Rios, Jornal do MEC. Brasília, DF, Maio de 1999, p. 10. ARTE - Módulo 3 Anexo 5 Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Arte Adolescentes, jovens e adultos, na escola média, podem desenvolver competências em Arte, na medida em que praticam modos de fazer produtos artísticos (experimentando elaborações inventivas – percepções e imaginações com significado sobre a cultura – , expressões sínteses de sentimentos) e maneiras de fazer apreciações e fruições em cada linguagem da Arte ou em várias possibilidades de articulação. Na medida em que tais fazeres são acompanhados de reflexões, trocas de idéias, pesquisas e contextualizações históricas e socioculturais sobre essas práticas, transformam conhecimentos estéticos e artísticos anteriores em compreensões mais amplas e em prazer de conviver com a arte. Ao serem expostos de maneira viva, instigante, os conteúdos e métodos trabalhados no Ensino Médio podem ajudar os alunos a produzirem e apreciarem as linguagens artísticas e a continuar a aprender arte a vida toda. Ao mesmo tempo, os assuntos e as atividades de aprender arte, propostos no Ensino Médio, precisam ser cuidadosamente escolhidos, no sentido de possibilitar aos jovens o exercício de colaboração artística e estética com outras pessoas com as quais convivem, com a sua cultura e com o patrimônio artístico da humanidade. O intuito do processo de ensino e aprendizagem de Arte é, assim, capacitar os estudantes a humanizarem-se melhor como cidadãos inteligentes, sensíveis, estéticos, reflexivos, criativos e responsáveis, no coletivo, por melhores qualidades culturais na vida dos grupos e das cidades, com ética e respeito pela diversidade. Nesse âmbito, entre as competências gerais em Arte no Ensino Médio, propomos que os alunos aprendam, de modo sensível-cognitivo e predominantemente, as competências arroladas neste texto: realizar produções artísticas e compreendê-las; apreciar produtos de arte e compreendê-los; analisar manifestações artísticas, conhecendo-as e compreendendo-as em sua diversidade histórico-cultural. PCNEM, p. 173. ARTE - Módulo 4 Anexo 1 O reconhecimento do corpo como origem de um universo pessoal que, por sua vez, generaliza grande parte dos significados através dos quais experimentamos o mundo exterior nos faz entender melhor a função que cumprem as expressões faciais e as posições da cabeça. O rosto é realmente uma espécie de fachada que atua como sistema fundamental de transmissão de signos e mensagens do corpo. As expressões faciais não são senão metáforas das expressões que podem ser, ou têm sido já, consumadas no corpo. [...] Como conseqüência, em função de sua capacidade para abstrair, simplificar e referir a determinadas necessidades, as expressões faciais, atuando como fachada do corpo, podem ser utilizadas tanto para mostrar como para dissimular os sentimentos autênticos de uma pessoa. Kent Bloomer & Charles Moore, Cuerpo, memoria y arquitetura. Madri, H. Blume, 1979, p. 55. ARTE - Módulo 4 Anexo 2 Herbert de Souza, o Betinho. Foto de Oscar Cabral. Veja, março de 1993. Cortador de cana. Foto de Paulo Wolfgang. Veja, agosto de 1994. “Sem bons dentes, como namorar?”. Colagem para editoria Pesquisa. São Paulo, Jornal da USP. Divisão de Editoração e Jornalismo da Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade de São Paulo, 8 a 14 de maio de 2000. Chico Caruso, caricatura de personagens de Chico Anísio. In Fora Collor. O fenômeno em decomposição. São Paulo, Globo, 1992. Alex Ross & Paul Dini (argumento e roteiro); Alex Ross (arte). Batman. Guerra ao crime. São Paulo, abril de 2000. ARTE - Módulo 4 Anexo 3 Ana Mariani, Fachadas e caatinga (díptico fotográfico, série “Nordeste”, detalhe), 1988. ARTE - Módulo 4 Anexo 4 [...] vendo essas casas reduzidas a sua essência formal em retratos frontais, sobretudo aquelas que Ana foi encontrar longe da minha microrregião, no sertão, onde elas exibem mais inspiração e rigor, eu me pergunto qual o caráter do ensinamento que elas trazem. O impacto estético que elas produzem em nós sem dúvida confirma e ultrapassa o sentido de superação da miséria. Os homens que desenvolveram esse estilo visual numa região tão pobre do Brasil nos fazem ver que há muitos níveis insondados, muitos estágios misteriosos nas relações entre as massas e o que se convencionou chamar de modernidade. Caetano Veloso in Façades: maisons populaires du nordeste. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. ARTE - Módulo 4 Anexo 5 Fachada de casa da cultura africana Sotho. In The African Mural. Fotographs by Paul Changuion. Londres, New Holland, 1989. ARTE - Módulo 4 Anexo 6 Emanuel Nassar, Liberdade e amizade, 1996, tecido. Ivens Machado, Mapa mudo, 1979, concreto e vidro. ARTE - Módulo 4 Anexo 6 Bem baixinho Gosto dela meio velha assim mesmo Ainda ontem eu comentei com meu amigo: Ele é meio velha mas é tão bonita! E ele disse: puxa! É mesmo! Ela é assim meio velha mas é tão bonita! E é uma beleza espontânea, natural Não tem medo de dizer Que está amando outra vez E não diz de qualquer jeito, não Num momento que você está atento Ela cochicha baixinho e tão pertinho Que só pode ser você dessa vez E essa nação é assim mesmo com todo mundo Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto E quando você menos espera ela diz: Estou livre outra vez! Letra de Bem baixinho, de Luis Tatit, grupo Rumo, 1982. http://www.mpbnet.com.br/musicos/luiz.tatit/letras ARTE - Módulo 4 Anexo 7 Preferências pessoais Iniciamos este Módulo com a premissa de que nosso gosto e nossas preferências pessoais interferem em como aprendemos e ensinamos Arte na escola. De fato, nosso gosto pessoal tem relação com quem somos, com nosso ambiente familiar, com nosso grupo de amigos, com a escola e os cursos que fizemos, com nossas expectativas e interesses, com o que vemos da produção dos artistas e dos comunicadores culturais. A escola é o ambiente privilegiado para a exploração dessa paisagem de interesses diversificados, terreno de vivências e confrontação do amplo espectro de percepções e sensibilidades que dão forma às culturas que conhecemos. E é essa a tarefa que nos propomos, como educadores do Ensino Médio: de ampliação e consciência de quem somos e de como respondemos às demandas de nosso cotidiano, atentos ao simples e ao singelo dos pequenos gestos, dos pequenos objetos de nosso ambiente pessoal e familiar, de nossos caminhos de todos os dias, da nossa rua e nossa cidade e, simultaneamente, ligados no dinamismo da contemporaneidade, em suas múltiplas formas e organizações. Nosso gosto é construído e está em construção nessa dupla mão de sentidos. A arte aí coopera com a perspectiva das linguagens e a concisão de seus dispositivos.