revista e-psi - UDIP - Universidade Católica Portuguesa

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REVISTA E-PSI
REVISTA ELETRÓNICA DE
PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SAÚDE
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Ano 3, Volume 1
Dezembro 2013
Temas em Psicologia do
Envelhecimento (Vol.I)
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Índice
Editorial: Três Dimensões do Processo de Envelhecimento
JOSÉ FERREIRA-ALVES .........................................................................................................1
Importância do Rastreio Cognitivo na População Idosa
SANDRA FREITAS, LARA ALVES, MARIO R. SIMÕES, & ISABEL SANTANA ..........................4
O TeLPI e o seu Papel na Identificação do Declínio Cognitivo
LARA ALVES, SANDRA FREITAS, CRISTINA MARTINS, ISABEL SANTANA,
& MÁRIO R. SIMÕES ..........................................................................................................25
Adultos Idosos Como Agentes – O Projeto W2P
MANUEL ORTEGA CABALLERO, MARGARIDA PEDROSO DE LIMA, JOSÉ JOAQUIM COSTA,
& CESAR SOLANO GALVIS ................................................................................................48
Influência da Frequência de uma Universidade Sénior no Nível de Solidão,
Autoestima e Redes de Suporte Social
JOANA GONÇALVES, & FÉLIX NETO .................................................................................69
Perceções de Envelhecimento e Regulação do Self
ANTÓNIO M. FONSECA, DIOGO DUARTE, & SANDRA MOREIRA........................................93
Perspetivas da Morte e Personalidade em Idosos
CATARINA MARQUES-COSTA, & JOSÉ H. BARROS DE OLIVEIRA ....................................118
Editorial
Três Dimensões do Processo de Envelhecimento
Vivemos atualmente o melhor tempo histórico de sempre quanto às descobertas
das mudanças relacionadas com a idade nas condições biopsicossociais dos adultos e
dos adultos idosos. Dizer que é o melhor tempo de todos, não é o mesmo que dizer que
se tem avançado de forma completamente satisfatória; muitas das respostas necessárias
a muitas perguntas inquietantes tardam e, por outro lado, muito daquilo que já se sabe
tem tido um impacto pobre nos planos da prática profissional.
Estudar e conhecer as mudanças associadas com a idade leva a que se compreenda
que o envelhecimento não é só declínio mas, também, mudança e desenvolvimento
como chamavam a atenção Vaillant e Mukamal, já em 20011, a propósito do
entendimento do conceito de envelhecimento bem-sucedido. Todos os menus teóricos e
empíricos são necessários para dar sentido à diversidade, à comunalidade e à
excecionalidade das trajetórias individuais.
Este Volume Temático da Revista E-Psi [Temas em Psicologia do
Envelhecimento (Vol.I)] é genericamente dedicado à apresentação de artigos (teóricos e
empíricos) relevantes no domínio da Psicologia do Envelhecimento, que se centram na
identificação de algumas das problemáticas inerentes às mudanças de idade,
contribuindo assim para uma melhor compreensão das mesmas.
Os seis artigos presentes nesta edição exploram importantes facetas do
conhecimento e das respostas atualmente necessárias na intervenção junto de uma parte
importante de adultos idosos.
Em primeiro lugar, temos dois trabalhos que, muito possivelmente, virão a ser
marcos importantes na nossa capacidade de avaliar precocemente o défice cognitivo em
1
Vaillant, G.E., & Mukamal, K. (2001). Successful aging. American Journal of Psychiatry,
158(6), 839-847.
pessoas idosas e, por isso, de nos capacitar mais para o planeamento de intervenções
otimizadas para cada caso; um apresenta uma versão breve do prestigiado instrumento
de avaliação cognitiva de origem Canadiana, cujo acrónimo é MoCA e cuja versão
completa estava já adaptada para Portugal (Artigo 1: FREITAS, ALVES, SIMÕES, &
SANTANA) e, outro, que discute a utilidade de um outro instrumento, cujo acrónimo é
TeLPi, na avaliação da inteligência pré-mórbida para que se diferencie o declínio
cognitivo normal do patológico na população portuguesa (Artigo 2: ALVES, FREITAS,
MARTINS, SANTANA, & SIMÕES). Salientaria, assim, nestes dois trabalhos, o esforço dos
seus autores para oferecerem aos profissionais da prática e a outros investigadores um
instrumento breve de despiste de défice cognitivo, tão útil quanto necessário e,
paralelamente um instrumento que permite conhecer os precedentes cognitivos do
declínio cognitivo ou a sua “linha base”, muito útil, igualmente, tanto na investigação
(conhecimento da velocidade do declínio, por exemplo) como na intervenção.
Seguidamente temos um trabalho que nos fornece dados preliminares de um
estudo que usou a fotografia como instrumento central do estudo e da prática da
reminiscência (Artigo 3: ORTEGA CABALLERO, LIMA, COSTA, & SOLANO GALVIS).
Como sabemos que esta capacidade está especialmente desenvolvida em idade
avançada, parece de inegável importância o desenvolvimento e a inovação nas formas
como se pratica e usa a reminiscência. E este trabalho parece, pelo menos entre nós, ter
características inovadoras; além disso e, talvez, ainda mais importante, é o facto de
aparecer um trabalho que desoculta a prática da reminiscência, indicando os seus
procedimentos e os seus resultados diferenciados. Porventura, também, este trabalho
pode ser um exemplo de participação, de contribuição social e de ligação com a
comunidade mais ampla, da população idosa.
Um outro trabalho estudou o impacto da participação de cidadãos seniores num
contexto específico, que foi o de uma universidade sénior. Embora os estudantes de
Universidades Seniores sejam frequentemente solicitados a participar de estudos, menos
frequente é o estudo dos efeitos da frequência desse mesmo contexto no
desenvolvimento e no funcionamento psicológico dos adultos idosos. Este estudo cruza
os domínios da psicologia social e da saúde pelo seu foco em variáveis como a
experiência da solidão, a autoestima e as redes sociais dos adultos idosos; de realçar,
neste estudo, o quanto o contexto pode selecionar e por em ação as melhores forças que
as pessoas idosas têm – como de resto acontece em qualquer outra idade (Artigo 4:
GONÇALVES, & NETO).
Um outro estudo com participantes entre 60 e 65 anos pretendeu conhecer as suas
expectativas futuras. O interesse científico e prático de conhecer aquilo que as pessoas
projetam e a forma como se compõem a si mesmas no tempo futuro, deixa-nos com um
conhecimento privilegiado tanto das potencialidades deste período “pré-sénior”, como
dos constrangimentos esperados, que condicionarão a adaptação dos indivíduos agora e
no futuro, naquilo que são e naquilo que poderão vir a ser (Artigo 5: FONSECA, DUARTE,
& MOREIRA).
Por fim, mas não em último lugar temos um estudo que descreveu e analisou os
diferentes significados que a morte apresenta para adultos idosos com funcionamentos
de personalidade distintos; à semelhança do estudo anterior, usou como participantes
estudantes de universidades seniores. A linha de investigação seguida pelos autores
parece ser um contributo importante à literatura nesse domínio, pois para além dos
significados culturais e sociais da morte parece haver uma apropriação única, muitas
vezes transcendente das realidades físicas e materiais, por parte de cada indivíduo
(Artigo 6: MARQUES-COSTA, & BARROS DE OLIVEIRA).
Voltando ao início, para terminar, julgo ter sido uma sorte (ou não!) que num
primeiro número de uma revista de psicologia dedicada ao envelhecimento, tenham
aparecido trabalhos que se focaram precisamente nas três dimensões que de acordo com
Vaillant e Makurama são necessárias para entender como o envelhecimento pode ser
bem-sucedido: o declínio, a mudança e o desenvolvimento.
José Ferreira-Alves
Escola de Psicologia
Universidade do Minho
Campus de Gualtar
4710-057 Braga
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Importância do Rastreio Cognitivo na População Idosa*
SANDRA FREITAS1, LARA ALVES2, MARIO R. SIMÕES3, & ISABEL SANTANA4
Resumo
O aumento da esperança média de vida e a redução da natalidade têm conduzido a uma
tendência preocupante de envelhecimento da população, com implicações nos planos social,
económico e de saúde. A idade é o principal fator de risco para o desenvolvimento de
declínio cognitivo e demência. Nesta realidade de uma população cada vez mais envelhecida,
o aumento das taxas de incidência e prevalência das demências com a idade explicam a sua
relevância em termos assistenciais e de saúde pública. Neste contexto, torna-se imperativo
que o declínio cognitivo e a demência sejam detetados o mais precocemente possível e que o
diagnóstico precoce seja uma prioridade. Os testes neuropsicológicos de rastreio cognitivo
breve continuam a ser os métodos com maior potencial para a precocidade da deteção das
condições clínicas de declínio cognitivo. Um exemplo de instrumento de rastreio cognitivo é o
Montreal Cognitive Assessment (MoCA) que tem vindo a ser alvo de um plano de estudos
sistemático para a população portuguesa, reunindo atualmente as condições necessárias
para uma válida avaliação cognitiva breve.
Palavras-chave: envelhecimento; declínio cognitivo; demência; avaliação neuropsicológica;
rastreio cognitivo.
* Este trabalho teve o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência e do Ensino
Superior (S.F., SFRH/BPD/91942/2012).
1
Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), Universidade de Coimbra. Centro de Investigação do
Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo Comportamental (CINEICC), Universidade de Coimbra.
Endereço Institucional: Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), Universidade de Coimbra, Largo
Marquês de Pombal, 3004-517 Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected].
2
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
3
Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria, Universidade de Coimbra. Centro de Investigação do
Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo Comportamental, Universidade de Coimbra. Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra.
4
Centro de Neurociências e Biologia Celular, Universidade de Coimbra. Centro Hospitalar da Universidade de
Coimbra (CHUC). Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra (FM-UC).
4
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Introdução
O presente artigo tem como objetivo global revisitar o tema da importância da avaliação
neuropsicológica, e mais particularmente do rastreio cognitivo breve, no contexto do
envelhecimento cerebral e demência. Este trabalho reflete a problemática do envelhecimento
populacional e do declínio cognitivo, salientando a importância da deteção precoce das
alterações cognitivas patológicas, nomeadamente no espectro da demência. Posteriormente, é
discutido o papel relevante dos testes de avaliação cognitiva global breve neste contexto e,
mais especificamente, a utilidade de dois instrumentos estudados na população portuguesa, o
Mini Mental State Examination (MMSE; M. Folstein, S. Folstein, & McHugh, 1975; versão
portuguesa, Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, & Garcia, 1994; Morgado,
Rocha, Maruta, Guerreiro, & I. Martins, 2009) e o Montreal Cognitive Assessment (MoCA;
Nasreddine et al., 2005; versão portuguesa, Simões, Freitas, Santana, Firmino, C. Martins,
Nasreddine, & Vilar, 2008) na avaliação e distinção do declínio cognitivo normal e patológico
e no diagnóstico precoce de Demência e de Doença de Alzheimer.
Tendência de Envelhecimento da População
O aumento da esperança média de vida e o decréscimo das taxas de natalidade
constituem alterações demográficas marcantes das últimas décadas nos países desenvolvidos.
Estas mudanças traduzem uma preocupante tendência para um envelhecimento da população.
Uma exemplificação desta realidade inquietante encontra-se expressa nas estimativas do
Federal Interagency Forum on Aging-Related Statistics (2000), que assinalam a evolução em
100 anos (1900-2000) da esperança média de vida nos EUA de 49 para 76.5 anos. No mesmo
sentido, mas à escala mundial, Spar e La Rue (2002) mencionam que o número de pessoas
com mais de 65 anos aumentou de cerca de 10 a 17 milhões, em 1900, para 342 milhões, em
1992, e espera-se que para aproximadamente 2.5 biliões (20% da população total) em 2050.
Em Portugal, a esperança média de vida aumentou de 66.7 anos para o sexo feminino e
61.1 anos para o sexo masculino, em 1960, para 82.2 e 75.9 anos, respetivamente, em 2007
(European Commission, 2010). De acordo com as estimativas de população residente de 2004
(Instituto Nacional de Estatística, 2004), a população idosa com 65 ou mais anos de idade
representava já 17% do total da população portuguesa, tendo aumentado aproximadamente
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3% na última década. O Índice de Envelhecimento (IE) da população portuguesa, traduzido
pelo número de idosos por cada 100 jovens, era de 102, em 2000, tendo aumentado para 116,
em 2009 (Instituto Nacional de Estatística, 2009). Projeções recentes indicam que Portugal irá
manter a tendência de envelhecimento, estimando-se que o IE possa atingir os 398 idosos por
cada 100 jovens, em 2050, o que representa mais do triplo do valor de 2009 (Instituto
Nacional de Estatística, 2004). De acordo com esta tendência, estima-se que a população
idosa represente mais de 32% do total da população portuguesa em 2060 (Instituto Nacional
de Estatística, 2009).
Estes indicadores têm vindo a ser alvo de uma crescente atenção por parte dos
especialistas e autoridades, não só pelas diversas implicações a nível social (nomeadamente
pela atual inexistência de estruturas sociais de resposta aos cuidados que serão necessários
prestar a uma numerosa população envelhecida), mas também a nível macroeconómico e na
esfera específica da gestão dos cuidados de saúde. A gravidade da situação e a preocupação
crescente por todas as autoridades e grupos de interesse compreende-se porque o
envelhecimento da população portuguesa tem vindo a ser consensualmente caracterizado
como uma tendência crónica, isto é, uma alteração demográfica para a qual não existe
perspetiva de alteração.
Envelhecimento e Declínio Cognitivo
De modo consensual, a idade tem sido considerada como o principal fator de risco para
o desenvolvimento de demência, nomeadamente da Doença de Alzheimer (DA) (Seshadri et
al., 1997; Chen, Lin, & Chen, 2009; Herrera-Rivero, Hernández-Aguilar, Manzo, & ArandaAbreu, 2010) e, mais recentemente, do Défice Cognitivo Ligeiro (DCL) (Luck, Luppa, Briel,
& Riedel-Heller, 2010). Numerosos estudos epidemiológicos indicam um aumento da
incidência da DA com a idade e um padrão aproximadamente exponencial das taxas de
prevalência, que duplicam a cada cinco anos após os 60 anos. De facto, se nesta década a taxa
de prevalência estimada é de cerca de 0.7%, alcança os 38.6% aos 90 anos (Jorm, Korten, &
Henderson, 1987; McDowell, 2001; Santana, 2003; Barranco-Quintana, Allam, Castillo, &
Navajas, 2005; Ferri et al., 2005).
Aproximadamente um século depois da primeira descrição clínica por Alzheimer, em
que a DA foi apresentada como uma doença rara e de indivíduos jovens, assiste-se atualmente
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a um crescimento abrupto e continuado do número de casos desta forma de demência
degenerativa, que se tornou numa das causas mais importantes de morbilidade nos idosos. De
acordo com as estimativas mundiais, calcula-se que a DA afete cerca de 24 a 25 milhões de
pessoas, com cerca de 4.6 milhões de novos casos todos os anos (um novo caso a cada 7
segundos) (Wimo, Winblad, Aguero-Torres, & von Strauss, 2004; Ferri et al., 2005). Por
outro lado, a manter-se o cenário de ausência de estratégias preventivas ou tratamentos
eficazes, estima-se que o número de pacientes com demência duplicará a cada 20 anos,
aproximando-se dos 42 milhões em 2020 e dos 81 milhões em 2040 (Ferri et al., 2005). As
estimativas para Portugal, calculadas a partir dos estudos do Sul da Europa, sugerem que em
2010 existiam aproximadamente 153 mil pacientes com demência (Alzheimer Europe, 2010).
Importância da Deteção Precoce do Declínio Cognitivo
O envelhecimento demográfico e o drástico aumento das taxas de incidência e
prevalência das demências com a idade explicam a sua enorme relevância em termos
assistenciais e de saúde pública a nível mundial (Bassuk, Wypij, & Berkman, 2000; ComasHerrera et al., 2011; Langa et al., 2001; Rice et al., 2001). Em 2006, a DA foi considerada a 5ª
causa de morte mais frequente (Federal Interagency Forum on Aging-Related Statistics,
2010), posição que provavelmente seria superior caso tivessem sido contabilizadas todas as
formas de demência.
Talvez mais relevante do que a mortalidade atribuída à demência seja a morbilidade que
lhe está associada. Neste sentido, estima-se que a demência contribua com mais de 11.2% dos
anos vividos com incapacidade nas pessoas acima dos 60 anos, valor superior ao calculado
para os acidentes vasculares cerebrais (9.5%), para as doenças cardiovasculares (5.0%) ou
para todas as formas de cancro (2.4%) (World Health Organization, 2003). Para além disto,
diversos custos diretos (associados ao tratamento, honorários profissionais, exames clínicos,
hospitalizações, serviços de terceiros no apoio aos cuidados quotidianos do paciente, entre
outros) e indiretos (abandono precoce da atividade profissional por parte do doente,
diminuição da assiduidade laboral ou mesmo abandono da atividade profissional dos
cuidadores informais, aumento da morbilidade nos prestadores de cuidados, entre outros)
devem ser considerados no impacto que a demência tem na economia das famílias, nos
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sistemas de saúde e na economia nacional (Bassuk et al., 2000; Rice et al., 2001; Lurders, &
Storani, 2002).
Contudo, ainda que a importância da deteção precoce do declínio cognitivo, em especial
na faixa de população idosa vulnerável seja consensual, ao nível dos cuidados primários esta
tarefa é nos dias de hoje claramente deficitária, verificando-se uma baixa acuidade diagnóstica
das patologias no espectro da demência (Löppönen, Räihä, Isoaho, Vahlberg, & Kivelä, 2003;
Kostopoulou, Delaney, & Munro, 2008; Rait et al., 2010).
Em Portugal, a necessidade e o reconhecimento da “extraordinária importância” de uma
deteção precoce dos casos de DCL encontra-se explicitamente contemplada no Plano
Nacional de Saúde 2004/2010. Neste documento do Ministério da Saúde está formulada a
previsão de 70 mil casos de DA, em Portugal, em 2010; existe uma chamada de atenção para
a prioridade na deteção e seguimento de casos de DCL; as demências são sinalizadas como a
principal causa de gastos na saúde acima dos 65 anos, esperando-se que estes gastos
dupliquem nos próximos 10 anos; é reconhecida a sobrecarga que o doente com demência
representa para as famílias, bem como a necessidade de dados epidemiológicos para uma
estimação mais precisa desta problemática.
Neste contexto, compreende-se o imperativo para que o declínio cognitivo e a demência
sejam detetados o mais precocemente possível e que o diagnóstico precoce se imponha como
uma prioridade assistencial. Na atualidade, a intervenção terapêutica já permite estabilizar ou
melhorar alguns défices cognitivos, potencializar as capacidades funcionais e controlar os
sintomas psicológicos associados, sendo que a eficácia terapêutica se encontra associada à
precocidade da sua implementação. No seu conjunto, estas intervenções aumentam
significativamente período de funcionamento relativamente preservado e já têm um grande
impacto na qualidade de vida dos pacientes e dos seus cuidadores (Sánchez, & Sayago, 2000;
Cummings, 2003/2004; Kopman, 2003/2004; Schimitt, & Wichems, 2006). Num futuro
próximo, espera-se que as estratégias de intervenção preventivas e curativas, tenham impacto
ainda mais relevante, pelo que a deteção e intervenção precoce venham a ser mais cruciais.
Instrumentos de Rastreio Cognitivo e Avaliação Neuropsicológica
No âmbito da prática clínica e da investigação em Neuropsicologia, a avaliação
neuropsicológica assume um papel fundamental. Tendo como objetivo principal a
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determinação da integridade estrutural e funcional dos sistemas cerebrais (Simões, 1997), a
avaliação neuropsicológica consiste «essencialmente num conjunto de procedimentos de
exame clínico (…) e pode ser considerada como um aperfeiçoamento e alargamento da
observação clínica que assenta na descrição mais precisa e fiável dos desempenhos do
paciente, através de instrumentos e procedimentos de teste específicos, que suscitam tipos de
desempenho que não são acessíveis à observação clínica» (Benton, 1991, p.507).
A centralidade e relevância da avaliação neuropsicológica são bem exemplificadas na
amplitude e diversidade dos seus objetivos, que podem incluir: 1) a caracterização das
capacidades cognitivas e a determinação das modificações em relação a um nível prémórbido; 2) a predição das capacidades funcionais; 3) a análise dos sintomas e sinais
presentes e identificação das patologias subjacentes; 4) a recolha de informação útil ao
estabelecimento do diagnóstico diferencial; 5) a recolha de evidências para a análise da
etiologia do quadro clínico; 6) o planeamento de procedimentos terapêuticos e preventivos
adequados; 7) a monitorização da evolução da situação clínica; 8) a avaliação da eficácia de
um procedimento terapêutico; 9) a identificação de populações de risco; 10) a avaliação do
impacto cognitivo de patologias de foro extra neurológico; entre outros e para além dos fins
de investigação, nomeadamente ao nível da operacionalização das hipóteses e objetivos dos
estudos na área (Morris, & Kopelman, 1992; Dastoor, & Mohr, 1996; Lezak, 2003;
Bartolomé, & Ardila, 2005; Guerreiro, 2005; Krishnan, 2007; Sobral, 2006; Veríssimo, 2006).
Os Instrumentos de Rasteio Cognitivo são testes de administração fácil e rápida, os
quais fornecem uma caracterização superficial (aproximada) das várias funções cognitivas e
que têm indicação de uso na discriminação entre condição normal e patológica; estes testes
breves também são muito utilizados na prática clínica como primeiros orientadores no
despiste de disfunções cognitivas focais, associadas a lesões cerebrais localizadas, e no
controlo evolutivo de situações demenciais. Os testes de rastreio cognitivo podem ser
incluídos num protocolo de avaliação que integre Baterias de Avaliação Neuropsicológica
Gerais, Fixas ou Flexíveis (constituídas por provas numerosas e diversificadas, cuja
administração requer habitualmente algumas horas e que analisam mais detalhadamente as
várias funções cognitivas) e Testes Específicos (que podem ser utilizados isoladamente ou em
combinações distintas e que permitem o exame mais individualizado e completo de
determinada função cognitiva na qual tenha sido identificada a presença de desempenho
deficitário aquando de uma avaliação global).
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Convém contextualizar mais os termos da distinção entre testes de rastreio cognitivo
breve e testes de avaliação mais compreensiva. Enquanto os testes de rastreio cognitivo breve
são de grande utilidade nos contextos em que é necessária uma breve avaliação cognitiva
global, nomeadamente em contexto de cuidados de saúde primários e de rastreio na população
da comunidade, os testes de avaliação mais compreensiva correspondem a procedimentos de
avaliação especializados, sendo mais utilizados em cuidados de saúde secundários e terciários
(Lonie, Tierney, & Ebmeier, 2009).
No contexto assistencial, uma apropriada seleção dos instrumentos de avaliação
neuropsicológica (número e conteúdo dos testes) constitui condição essencial para a validade
e utilidade do processo de avaliação. Estes testes devem permitir uma avaliação
individualizada e compreensiva, ajustando-se à natureza das queixas do paciente e do pedido
de avaliação, aos dados relativos à situação clínica do indivíduo, às hipóteses diagnósticas
suscitadas pelos desempenhos do indivíduo durante a avaliação, bem como às características
contextuais de natureza social e cultural (Simões, 1997; American Academy of Clinical
Neuropsychology, 2007).
Os Testes de Rastreio Cognitivo como Método de Deteção Precoce do Declínio Cognitivo
O rastreio cognitivo com testes neuropsicológicos breves continua a ser o método mais
utilizado e o que mais tem contribuído para a deteção precoce do défice cognitivo e estados
pré-demenciais, quer no âmbito de estudos populacionais, quer ao nível dos cuidados de
saúde primários (Fabrigoule, Barberger-Gateau, & Dartigues, 2006; Ismail, & Shulman, 2006;
Cullen, O’Neill, Evans, Coen, & Lawlor, 2007). Efetivamente, a capacidade para distinguir
situações “normais” e “patológicas” no continuum entre o processo de envelhecimento normal
e os quadros patológicos é melhorada pela avaliação neuropsicológica (Smith, & Ivnik,
2003/2004). Neste âmbito, Guerreiro (2005) lembra que a avaliação neuropsicológica
constitui um dos exames complementares de diagnóstico que mais incrementa a precocidade
de deteção de quadros demenciais.
Contudo, os resultados das avaliações neuropsicológicas podem ser fortemente
comprometidos pela ausência de instrumentos reconhecidamente considerados de referência
e/ou pela falta de cuidados metodológicos no trabalho de adaptação cultural e linguística dos
mesmos e/ou pela inexistência de estudos de validação psicométrica e clínica robustos. Deste
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modo, compreende-se a importância de instrumentos de avaliação neuropsicológica
devidamente adaptados, validados e normalizados para a população portuguesa, que ao
mesmo tempo sejam sensíveis e precisos na discriminação entre o défice cognitivo patológico
e o declínio cognitivo associado à idade. Em Portugal, esta é uma necessidade ainda mais
relevante dada a escassez de instrumentos representativos, convenientemente adaptados e
aferidos para a nossa população (Guerreiro, 2005; Simões, 1997).
O MMSE (M. Folstein, S. Folstein, & McHugh, 1975) é o instrumento de rastreio
cognitivo breve mais utilizado em contexto clínico e de investigação, mais amplamente
validado para diversas populações e mais referenciado na literatura. Com uma pontuação total
de 30 pontos, esta prova é de administração fácil e rápida (5 a 10 minutos), permitindo uma
avaliação global das funções cognitivas do indivíduo. Na década de 70, esta prova constituiu
um incontestável avanço no contexto da avaliação cognitiva breve. Contudo, atualmente e
nessa indicação, são-lhe apontadas diversas limitações, designadamente na identificação das
formas mais ligeiras de declínio: a baixa sensibilidade; a reduzida complexidade de muitas
das tarefas incluídas na prova; a relativa incapacidade para diferenciar distintas condições
clínicas; e a ausência de tarefas para a avaliação das funções executivas, o que compromete a
sua sensibilidade na identificação de condições clínicas como a demência Frontotemporal
(DFT) ou o défice cognitivo de origem vascular (Ihl, Frölich, Naugle, & Kawczak, 1989; Ihl,
Frölich, Dierks, Martin, & Maurer, 1992; Tombaugh, & McIntyre, 1992; Wind et al., 1997;
Freitas, Santana, & Simões, 2010). Apesar destas limitações, que podem tornar questionável a
utilização desta prova como instrumento isolado de teste de rastreio cognitivo, a sua utilidade
na avaliação das condições clínicas com nível de gravidade moderada a severa encontra-se
bem documentada. Admite-se que o MMSE possa ser a prova mais adequada para a avaliação
cognitiva breve de populações com baixa escolaridade, sobretudo nas idades mais avançadas.
Em Portugal, o primeiro estudo sistemático com o MMSE foi realizado por Guerreiro
(Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, & Garcia, 1994; Guerreiro, 1998) que
efetuou a adaptação transcultural à nossa população e desenvolveu estudos de carácter
psicométrico e normativo. Posteriormente, Morgado e colaboradores (2009) efetuaram uma
atualização dos dados normativos do MMSE para a população portuguesa. Ambos os estudos
normativos do MMSE para a população não contemplaram uma amostra estratificada e
representativa da população portuguesa, sendo as respetivas amostras residentes apenas na
área metropolitana de Lisboa. Por esta razão, foi recentemente conduzido um estudo
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normativo do MMSE para a população portuguesa com recurso a uma amostra estratificada
de acordo com diversas variáveis sociodemográficas e representativa da população portuguesa
(Freitas, Simões, Alves, & Santana, 2013).
Nos últimos anos, perante as limitações que vinham a ser apontadas ao MMSE e numa
tentativa de potenciar a eficácia e precisão do rastreio cognitivo, nomeadamente na
identificação das formas mais ligeiras de declínio cognitivo, foram sendo desenvolvidos
diversos instrumentos de rastreio cognitivo alternativos.
Neste contexto, o Montreal Cognitive Assessment (MoCA; Nasreddine et al., 2005) é
um dos testes de rastreio cognitivo breve mais promissor, tendo sido desenvolvido
especificamente para a avaliação das formas mais ligeiras de declínio cognitivo. O
desenvolvimento desta prova estendeu-se ao longo de cinco anos, tendo sido efetuados
sucessivos aperfeiçoamentos à sua estrutura (por exemplo, exclusão dos itens não
discriminativos, redução do número de domínios cognitivos considerados, ajuste da
pontuação dos itens de modo a valorizar diferenciadamente os itens mais discriminativos). A
versão final deste instrumento afirma-se como um método rápido, prático e eficaz no seu
objetivo fundamental: a diferenciação entre alterações cognitivas devidas ao envelhecimento e
défices cognitivos patológicos.
O MoCA (teste) é constituído por um protocolo de uma página, cujo tempo de aplicação
é de aproximadamente 10 a 15 minutos, e inclui um manual onde são explicitadas as
instruções para a administração dos itens e definido, de modo objetivo, o sistema de cotação
do desempenho nos itens. O teste permite atingir uma pontuação máxima de 30 (pontos),
sendo que as pontuações mais elevadas indicam melhores desempenhos. O MoCA avalia seis
domínios cognitivos. As funções executivas são avaliadas através de uma tarefa adaptada do
Trail Making Test B (1 ponto), de uma prova de fluência verbal fonémica (1 ponto) e de dois
itens de semelhanças para a avaliação da capacidade de abstração (2 pontos). A cópia do cubo
(1 ponto) e o desenho do relógio (3 pontos) permitem o exame das capacidades
visuoespaciais. A memória a curto prazo é avaliada através da aprendizagem de uma lista de 5
palavras em dois ensaios não pontuáveis com subsequente evocação diferida após 5 minutos
(5 pontos). A atenção, concentração e memória de trabalho são examinadas através da
repetição de uma sequência numérica em sentido direto (1 ponto) e em sentido inverso (1
ponto), de uma tarefa de cancelamento, e ainda de uma tarefa de subtração em série (3
pontos). A nomeação de três animais pouco familiares (3 pontos), a repetição de duas frases
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sintaticamente complexas (2 pontos) e a prova de fluência verbal fonémica (1 ponto)
contribuem para a mensuração das aptidões de linguagem. Por fim, as quatro questões de
orientação no tempo e as duas de orientação no espaço compõem o domínio da orientação
temporal e espacial. De acordo com os resultados do estudo de Shulman e colaboradores
(2006), este conjunto de itens que constituem o MoCA inclui 5 das 6 tarefas mais
frequentemente usadas no rastreio da demência, o que potencia a rápida familiarização com o
teste por parte dos utilizadores. A única medida não incluída no MoCA é o MMSE que surge,
naquele estudo, como a prova mais frequentemente utilizada neste âmbito de rastreio.
Comparativamente ao MMSE, o MoCA avalia mais funções cognitivas, incluindo itens
para a avaliação das funções executivas, e apresenta um maior nível de exigência e
complexidade das suas tarefas (por exemplo, cópia de desenho tridimensional; inclusão do
desenho do relógio por instrução verbal; menor familiaridade nas tarefas de nomeação; mais
palavras e maior intervalo de tempo precedente à evocação na avaliação da memória; maior
complexidade sintática na repetição das frases; inclusão de uma tarefa de fluência fonémica;
inclusão da repetição das sequências numéricas e de uma prova de cancelamento). Deste
modo, o MoCA proporciona uma avaliação mais completa e mais exigente das funções
cognitivas, potenciando a sensibilidade dos seus resultados aos estádios de défice mais
ligeiros e uma melhor adequação ao rastreio cognitivo dos indivíduos com escolaridade mais
elevada.
Várias publicações internacionais têm comprovado as boas propriedades psicométricas
do MoCA, bem como a sua elevada sensibilidade na identificação precoce de pacientes com
DCL e DA (Nasreddine et al., 2005; Smith, Gildeh, & Holmes, 2007; Lee et al., 2008; Koski,
Xie, & Finch, 2009; Luis, Keegan, & Mullan, 2009; Rahman, & Gaafary, 2009; Fujiwara et
al., 2010; Zhao et al., 2011). Apesar de ter sido originalmente desenvolvido para a avaliação
cognitiva global neste espectro clínico, o sucesso obtido na identificação do declínio
cognitivo mais ligeiro, com resultados consistentemente melhores do que obtidos com o
MMSE, conduziram a um uso crescente do MoCA noutras populações clínicas [ex., Défice
Cognitivo Vascular (Hachinski et al., 2006) e outras condições clínicas cerebrovasculares
(Aggarwal, & Kean, 2010; Pendlebury, Cuthbertson, Welch, Mehta, & Rothwell, 2010);
Doença de Parkinson (Hoops et al., 2009); Doença de Huntington (Videnovic et al., 2010);
perturbações do sono (Gagnon, Postuma, Joncas, Desjardins, & Latreille, 2010); população
oncológica (Olson et al., 2010); HIV (Koski et al., 2011); perturbações de abuso de
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substâncias (Copersino et al., 2009); défice visual (Wittich, Phillips, Nasreddine, &
Chertkow, 2010); entre outras].
Esta comprovada utilidade e eficácia do MoCA a par do reconhecimento de diversas
vantagens face ao MMSE, explicam a sua rápida disseminação e afirmação internacional,
sendo que atualmente o MoCA está adaptado e validado em mais de 36 países. Salienta-se
ainda como um método de avaliação cognitiva global breve de qualidade em vários estudos de
avaliação neuropsicológica comparativa (Lerch, Decker-Maruska, & Fleck, 2010; Zhao et al.,
2011); em estudos de revisão (Levey, Lah, Goldstein, Steenland, & Bliwise, 2006; Jacova,
Kertesz, Blair, Fisk, & Feldman, 2007; Moorhouse, & Rockwood, 2008; Lonie, Tierney, &
Ebmeier, 2009; Zhou, & Zhao, 2009; Appels, & Scherder, 2010; Ismail, Rajji, & Shulman,
2010); e em guidelines dirigidas ao DCL e DA (Gauthier et al., 2006; Chertkow et al., 2007;
Robillard, 2007; Gauthier et al., 2011) e a outras condições clínicas, nomeadamente ao Défice
Cognitivo Vascular (Hachinski et al., 2006) e a patologias cardiovasculares (Arnold et al.,
2007). Deste modo, e de acordo com a opinião expressa por alguns autores, o MoCA parece
assumir um papel de relevo enquanto teste de rastreio cognitivo breve, estando «em boa
posição para se impor uma vez que recolhe a informação necessária através de um
instrumento de rastreio eficaz e prático» (Ismail, & Shulman, 2006, p.525).
O MoCA (versão 7.1) tem vindo a ser alvo de um plano de estudos sistemático para a
população portuguesa. Atualmente esta prova está adaptada transculturalmente para a nossa
população (Freitas, Simões, C. Martins, Vilar, & Santana, 2010) e validada em pacientes com
DCL e DA (Freitas, Santana, & Simões, 2010; Freitas, Simões, Alves, & Santana, 2012a),
Demência Frontotemporal (Freitas, Simões, Alves, Duro, & Santana, 2012) e Demência
Vascular (Freitas, Simões, Alves, Vicente, & Santana, 2012). Para além do estudo normativo
com recurso a uma amostra estratificada e representativa da população portuguesa (Freitas,
Simões, Alves, & Santana, 2011), foram ainda realizados outros estudos psicométricos: o
estudo da influência das variáveis sociodemográficas e de saúde no desempenho no MoCA
(Freitas, Simões, Alves, & Santana, 2012b) e o estudo de validade de constructo (Freitas,
Simões, Marôco, Alves, & Santana, 2012). De salientar que o projeto de investigação de
estudos do MoCA na população portuguesa continua em curso. Brevemente, estarão
disponíveis as versões alternativas do MoCA (7.2 e 7.3) adaptadas à população portuguesa,
outros estudos de validação psicométrica (como por exemplo, a análise da prova com recurso
ao Modelo de Rasch e estudos no âmbito da validade concorrente) e estudos de validação
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clínica com outras patologias (por exemplo: Esclerose Múltipla, Epilepsia, Doença de
Parkinson, Demência com Corpos de Lewy, Traumatismo Crânio-Encefálico, entre outras).
Em Portugal, importa ainda sublinhar que a Direção Geral de Saúde publicou
recentemente uma Norma [053/2011; “Abordagem Terapêutica das Alterações Cognitivas”]
recomendando o uso da versão portuguesa do MoCA para o rastreio cognitivo breve e que as
recomendações da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia recomendam igualmente a sua a
utilização. A série Escalas e Testes na Demência, editada pelo Grupo de Estudo de
Envelhecimento Cerebral e Demências (GEECD) integrará o MoCA na sua 3ª edição.
Conclusão
No contexto de uma população cada vez mais envelhecida, a avaliação cognitiva breve
dos adultos e idosos com suspeita de declínio cognitivo, assume um papel fundamental, na
medida em que a precocidade da sua identificação influencia significativamente a intervenção
terapêutica e a evolução clínica. Neste sentido, a eficácia do rastreio cognitivo pode ser
comprometida pela inadequada seleção do instrumento de avaliação. É relevante que a prova
esteja adaptada culturalmente para a população portuguesa, que tenha sido alvo de estudos de
validação psicométrica e clínica para a população alvo e, não menos importante, que disponha
de normas de desempenho para o grupo de referência. Pode afirmar-se que o MoCA reúne
atualmente as condições necessárias para uma eficaz avaliação cognitiva breve dos adultos e
idosos portugueses.
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The Importance of the Elderly Cognitive Screening
Abstract
The increased life expectancy and the declining birth rates have led to a worrying trend of
population aging, with implications in the social, economic and health domains. Age is the
main risk factor for the development of cognitive decline and dementia. In this context of an
increasingly aging population, the increase in the incidence and prevalence of dementia
explains its importance in terms of public health and welfare. Hence it becomes imperative
for cognitive decline and dementia to be detected as early as possible and for early diagnosis
to be regarded as a priority. The neuropsychological brief cognitive screening tests remain
the best approach in the early detection of clinical conditions of cognitive decline. An
example of such a screening instrument is the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) that
has been the target of a systematic study plan for the Portuguese population, currently
gathering the necessary conditions for a valid global and brief cognitive evaluation.
Keywords: aging; cognitive impairment; dementia; neuropsychological assessment; cognitive
screening.
Como citar este artigo: Freitas, S., Alves, L., Simões, M.R., & Santana, I. (2013). Importância do rastreio
cognitivo na população idosa [Temas em Psicologia do Envelhecimento (Vol.I)], Revista E-Psi, 3(1), 4-24.
Received: November 14, 2013 Revision received: November 24, 2013 Accepted: November 26, 2013
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O TeLPI e o seu Papel na Identificação do Declínio Cognitivo
LARA ALVES1, SANDRA FREITAS2, CRISTINA MARTINS3, ISABEL SANTANA4, &
MÁRIO R. SIMÕES5
Resumo
O envelhecimento demográfico e o marcado aumento das taxas de incidência e prevalência
das demências associadas ao aumento da idade evidenciam a sua enorme relevância em
termos de saúde pública nos países desenvolvidos, incluindo Portugal. A avaliação da
Inteligência Pré-Mórbida (IPM) é considerada não só essencial, mas também como um dos
primeiros passos na avaliação neuropsicológica, constituindo a base a partir da qual se pode
aferir o desempenho atual de um indivíduo. Esta baseline é essencial para que a identificação
e caracterização de um eventual declínio cognitivo seja o mais fiável possível. No entanto,
dados relativos ao funcionamento pré-mórbido raramente se encontram disponíveis, sendo
necessário recorrer a métodos indiretos de estimação.
O presente estudo discute o papel da IPM na avaliação do declínio cognitivo, realizando uma
breve abordagem histórica do desenvolvimento das várias metodologias de estimação desta
medida. Conclui-se que a metodologia mais válida, fiável e promissora para a estimação da
IPM combina, em fórmulas de regressão, a informação relativa à capacidade atual do sujeito
e dados referentes a variáveis demográficas. O TeLPI é um instrumento válido de exame da
IPM e o único disponível para a população portuguesa. Os resultados da investigação
evidenciam a validade do TeLPI para uma definição mais rigorosa do diagnóstico de declínio
1
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra (FPCE-UC).
Endereço Institucional: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Rua do
Colégio Novo, Apartado 6153, 3001-802 Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected].
2
Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), Universidade de Coimbra. Centro de Investigação do
Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo Comportamental (CINEICC).
3
Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), Universidade de Coimbra. Faculdade de Letras,
Universidade de Coimbra (FL-UC).
4
Centro de Neurociências e Biologia Celular, Universidade de Coimbra. Centro Hospitalar da Universidade de
Coimbra (CHUC). Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra (FM-UC).
5
Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria, Universidade de Coimbra. Centro de Investigação do
Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo Comportamental, Universidade de Coimbra. Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra.
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cognitivo normal e patológico em Portugal e a utilidade da sua inclusão nos protocolos de
avaliação neuropsicológica.
Palavras-chave: inteligência pré-mórbida; declínio cognitivo; avaliação neuropsicológica.
Introdução
A projeção do Instituto Nacional de Estatística de 2009 alertou para uma tendência
preocupante de envelhecimento da população portuguesa. Estima-se que a população idosa
represente mais de 32% do total da população portuguesa em 2060 (Instituto Nacional de
Estatística, 2009). Estes importantes indicadores têm vindo a ser alvo de uma crescente
preocupação por parte dos especialistas na área do envelhecimento, devido às suas
implicações ao nível dos cuidados de saúde. De facto, a idade é o principal fator de risco para
as diversas formas de demência, nomeadamente para a Doença de Alzheimer (DA) (Seshadri
et al., 1997; J. Chen, Lin, & Y. Chen, 2009; Herrera-Rivero, Hernández-Aguilar, Manzo, &
Aranda-Abreu, 2010) e para a sua forma prodrómica, o Défice Cognitivo Ligeiro (DCL)
(Luck, Luppa, Briel, & Riedel-Heller, 2010). As referidas doenças neurodegenerativas
representam uma das causas mais importantes de morbilidade nos idosos a nível europeu
(Alzheimer Europe, 2010), agravadas pela quase inexistência de estratégias preventivas ou de
tratamentos curativos eficazes que possam alterar esta tendência (Ferri et al., 2005).
O envelhecimento demográfico e o drástico aumento das taxas de incidência e
prevalência das demências associadas ao aumento da idade evidenciam a sua enorme
relevância em termos de saúde pública (Comas-Herrera et al., 2011). Neste sentido, o Plano
Nacional de Saúde Português de 2004/2010 priorizou a deteção precoce e o seguimento de
casos de DCL de modo a evitar, ou, pelo menos, a minimizar, a enorme sobrecarga de gastos
assistenciais aos doentes e às suas famílias. Assim, torna-se evidente o necessário
desenvolvimento de procedimentos e de instrumentos que permitam uma deteção precoce e
fiável do declínio cognitivo. Será neste ponto que a Avaliação Neuropsicológica, com o
objetivo de determinar a integridade funcional dos sistemas cerebrais, assume um papel de
relevância (Simões, 1997; American Psychological Association, 1998).
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A Avaliação Neuropsicológica permite a identificação e a caracterização de uma
eventual disfunção cognitiva, que, na ausência de procedimentos e de instrumentos de medida
específicos, não seria viável na prática clínica (Benton, 1991). Neste âmbito, a avaliação do
declínio cognitivo patológico ou associado ao envelhecimento representa um objetivo
particularmente saliente e especializado da Neuropsicologia (Lezak, Howieson, Bigler, &
Tranel, 2012), atendendo ao impacto que, no indivíduo afetado, terão, para além da própria
lesão, condicionantes intrínsecas, ambientais, ocupacionais, educacionais e sociais. Estas
variáveis, intimamente ligadas, criam uma combinação extraordinária de particularidades
individuais possíveis que tornam a tarefa de avaliação do declínio cognitivo em contexto
clínico (ou de investigação) particularmente difícil (Schoenberg, Lange, Marsh, & Saklofske,
2011; Lezak et al., 2012).
O desenvolvimento de técnicas de diagnóstico não invasivas, sensíveis e válidas (como,
por exemplo, técnicas de neuroimagem) tem, aparentemente, relativizado a utilidade do papel
da avaliação neuropsicológica como instrumento de diagnóstico (Lezak et al., 2012). No
entanto, em certas condições (por exemplo, no caso de doenças neurodegenerativas) as novas
técnicas de imagem não são de todo suficientes para ultrapassar dificuldades de diagnóstico
inerentes a tais patologias. Assim, a avaliação neuropsicológica assume um papel fulcral no
estabelecimento do diagnóstico, sendo considerada essencial para a identificação e
quantificação do défice e de declínio cognitivo do doente (Ricker, & Zafonte, 2000; WelshBohmer, Attix, & Mason 2003; Lezak et al., 2012).
O desenvolvimento da investigação em Neuropsicologia nas últimas décadas tem
contribuído para o aperfeiçoamento desta tarefa. Com efeito, vários instrumentos de rastreio e
de avaliação de funções cognitivas específicas foram adaptados, validados e normalizados
para a população portuguesa nos últimos anos. Não obstante, e considerando que o conceito
de défice cognitivo pressupõe o conhecimento do nível de funcionamento prévio (ou prémórbido) relativamente ao qual os resultados alcançados nos instrumentos de rastreio possam
ser comparados e medidos (APA, 1998; Mackinnon, Ritchie, & Mulligan, 1999; Lezak et al.,
2012), emerge um claro hiato na metodologia da avaliação do declínio cognitivo. Na verdade,
dados relativos ao funcionamento cognitivo pré-mórbido raramente se encontram disponíveis
(Matsuoka, Masatake, Kasal, Koyama, & Kim, 2006). A ausência de dados relativos ao nível
intelectual pré-mórbido do paciente (ou inteligência pré-mórbida) ou de instrumentos que, em
alternativa, os estimem de um modo fiável potencia o risco de diagnósticos erróneos e de
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planos de intervenção (psicoterapia, aconselhamento, reabilitação) desajustados (Starr, &
Lonie, 2007; Budson, & Soloman, 2012).
O presente artigo pretende demonstrar a importância da medida da Inteligência PréMórbida (IPM), as suas implicações para a avaliação do declínio cognitivo, bem como dar a
conhecer o TeLPI (Teste de Leitura de Palavras Irregulares; Alves, Simões, & C. Martins,
2012), um instrumento desenvolvido especificamente para a avaliação da IPM e único em
Portugal.
A Avaliação do Declínio Cognitivo
A avaliação da IPM constitui a base a partir da qual se pode aferir o desempenho atual
de um indivíduo. Se os níveis de desempenho cognitivo pré-mórbido forem estabelecidos com
uma segurança razoável, conclusões sustentadas poderão resultar de tal exercício
comparativo, permitindo o estabelecimento de objetivos realistas e a possibilidade de
mensuração e de monitorização do progresso na recuperação de níveis de funcionamento
cognitivo (Powell, Brossart, & Reynolds, 2003; Schoenberg et al., 2011).
O conhecimento da IPM tornou-se num objetivo central de particular complexidade na
prática de avaliação neuropsicológica e tem vindo a ser objeto de investigação nas últimas
duas décadas (Williams, 1997; Griffin, Mindt, Rankin, Ritchie, & Scott, 2002; Baade,
Heinrichs, Coady, & Stropes, 2011; NCS Pearson Corporation, 2011), originando várias
propostas metodológicas com diferentes graus de validade (Lanham, & Misukanis, 1999;
Lezak et al., 2012). A dificuldade associada à avaliação da IPM radica essencialmente na
reiterada ausência de dados objetivos relativos ao funcionamento cognitivo anterior do
indivíduo que permitam a comparação e a análise da eventual discrepância entre o estado de
funcionamento pré-mórbido (por exemplo, através de resultados obtidos numa escala de
inteligência de Wechsler administrada numa fase presumidamente saudável do individuo) e o
funcionamento cognitivo atual identificado a partir de uma avaliação neuropsicológica
recentemente realizada (Lanham, & Misukanis, 1999; Lezak et al., 2012). Assim, torna-se
necessário recorrer a métodos indiretos que afiram as capacidades cognitivas pré-mórbidas de
um modo fidedigno (Lanham, & Misukanis, 1999; Griffin et al, 2002; Powell et al., 2003;
Baade, & Schoenberg, 2004; Schoenberg et al., 2011; Matsuoka et al, 2006).
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Figura 1 – Metodologias de Avaliação do Funcionamento Pré-mórbido.
Através dos métodos indiretos de avaliação da IPM, o neuropsicólogo compara a
prestação atual do sujeito com uma inferência da sua capacidade cognitiva original. Esta
estimativa pode ser obtida através de várias formas, cabendo ao examinador a tarefa de
selecionar a que lhe assegure maior confiança e a que melhor se adeque ao indivíduo em
questão. Embora não exista uma metodologia objetiva universalmente aceite para a estimação
da IPM, várias abordagens indiretas foram sendo propostas (Lezak et al., 2012), constituindo
metodologias combinadas, nomeadamente aquelas que contemplam instrumentos que
interligam a leitura de palavras irregulares e o uso de variáveis sociodemográficas em
fórmulas de regressão (por exemplo, Crawford, & Allan, 1997; Griffin et al., 2002; Miller,
Marks, & Halperin, 2005; Schoenberg et al., 2011), justificando a preferência e a confiança de
clínicos e investigadores (Lezak et al., 2012) (ver Figura 1).
A necessidade objetiva de uma medida de estimação da IPM nos protocolos de
avaliação neuropsicológica, a ausência de uma tal medida validada para a população
portuguesa, a existência, utilidade, validade e frequência de utilização de testes de leitura de
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palavras irregulares em protocolos de avaliação neuropsicológica noutros países e com
resultados fiáveis justificaram a construção, adaptação e validação do TeLPI (Teste de Leitura
de Palavras Irregulares; Alves, Simões, & C. Martins, 2012), um instrumento especificamente
construído para avaliar a IPM na população portuguesa.
Até ao advento do TeLPI (Alves, Simões, & C. Martins, 2012), em Portugal eram
utilizados dois tipos de metodologias para a avaliação da IPM: (i) O julgamento clínico
subjetivo (método qualitativo) e (ii) a utilização da prova de Vocabulário das escalas de
inteligência de Wechsler.
(i)
Métodos Qualitativos de Estimação da IPM: Julgamento Clínico, Dados Históricos e
Observacionais
Os dados históricos e observacionais obtidos através da entrevista clínica são uma fonte
de informação através da qual se pode avaliar a IPM (Kareken, & Williams, 1994). Esta
abordagem qualitativa abrange áreas como o nível educacional, registos profissionais,
funcionamento familiar e social, história médica e psicológica (Smith-Seemiller, Franzen,
Burgess, & Prieto, 1997) e possibilita a recolha de informação sobre as modificações
ocorridas na vida do sujeito desde a lesão e decorrentes dela, com base no testemunho da
pessoa examinada e no de informadores próximos (Lanham, & Misukanis, 1999). A
fiabilidade desta abordagem fica, pois, dependente da quantidade e da qualidade dos dados
conhecidos acerca do sujeito a avaliar (Crawford, & Allan, 1997).
Dados referentes à performance académica, às avaliações e à progressão na carreira
profissional parecem ter alguma utilidade, já que estas variáveis se correlacionam com a
inteligência num grau médio a elevado (Baade, & Schoenberg, 2004; Alves, Simões, & C.
Martins, 2012). Ainda assim, estes dados devem ser interpretados com precaução, uma vez
que são várias as condicionantes que podem levar a uma performance inferior à que seria
expectável em função da capacidade intelectual do indivíduo (Lanham, & Misukanis, 1999).
Em resposta à necessidade de uma metodologia válida para estimar a IPM, foram
desenvolvidos métodos indiretos numa vertente mais quantitativa (Smith-Seemiller et al.,
1997).
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(ii)
Métodos Quantitativos de Avaliação da IPM
 Subteste de Vocabulário das escalas de inteligência de Wechsler
A primeira tentativa de desenvolver uma metodologia quantitativa para estimar a IPM
derivou da observação clínica de que muitos pacientes com comprovado declínio cognitivo
mantinham certas capacidades cognitivas relativamente intactas, contrariamente ao verificado
em relação a funções mais vulneráveis, como a memória, o raciocínio ou a capacidade
numérica (Schoenberg et al., 2011).
Yates (1954) sugeriu que o desempenho obtido no subteste de Vocabulário das escalas
de inteligência de Wechsler seria o mais resistente ao declínio cognitivo, uma vez que é o
subteste que melhor se correlaciona com o Quociente de Inteligência Escala Completa (QIEC)
e com o nível de escolaridade, sendo este último considerado um bom indicador qualitativo da
IPM (Nelson, & Mckenna, 1975; Johnstone, Slaughter, Schopp, McAllister, Schwake, &
Luebbering, 1997). Vários estudos propuseram outros subtestes destas escalas como bons
indicadores da IPM, como o Completamento de Gravuras (McFie, 1975; Krull, Scott, &
Sherer, 1995) ou a Informação (Vanderploeg, & Schinka, 1995), mas as provas de
Vocabulário são as que têm sido mais consistentemente selecionadas para estimar a IPM
(Lezak et al., 2012). Não obstante, as provas de Vocabulário requerem definições verbais e o
consequente acesso ao significado lexical dos itens, sendo, por isso, consideradas vulneráveis
ao dano cerebral (Fuld, 1983; Del Ser, González-Montalvo, Martinez-Espinosa, DelgadoVillapalos, & Bermejo, 1997), quando comparadas com outro tipo de instrumentos verbais
que visam respostas breves ou que requerem apenas o reconhecimento de palavras (Lezak et
al., 2012). A evidência de que o Vocabulário apresenta, com frequência, declínio após lesão
cerebral (Griffin et al., 2002) e a falta de consistência da investigação científica que apoie que
esta capacidade cognitiva não é afetada pela lesão cerebral (Reynolds, 1997) levaram a que
esta metodologia inicial tenha sido praticamente abandonada (Schoenberg et al., 2011).
 Testes de leitura de palavras irregulares
Na tentativa de melhorar os métodos de estimação baseados no Vocabulário, Nelson
(1982) propôs o uso de testes de leitura de palavras irregulares para estimar a IPM através do
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desenvolvimento do National Adult Reading Test (NART; Nelson, 1982; Nelson, & Wilson,
1991; Crawford, Parker, & Benson, 1988; Crawford, Parker, Stewart, Besson, & Delacey,
1989; Crawford, Deary, Starr, & Whalley, 2001). Esta metodologia correlaciona inteligência
geral e aptidão de leitura (Nelson, & Willison, 1991) e apoia-se no pressuposto de que, em
casos de declínio cognitivo, a componente fonológica da linguagem envolvida na leitura em
voz alta de palavras irregulares (isto é, palavras contendo casos em que a relação entre
grafema e fonema não é unívoca) se encontra mais preservada do que a componente léxicosemântica, uma vez que a primeira parece ser menos dependente da integridade das funções
cognitivas superiores do que a segunda (Bayles, & Boone, 1982). O NART (Nelson, 1982) é
o primeiro instrumento de leitura especificamente desenvolvido para estimar a IPM e a sua
aferição foi realizada simultaneamente com a da Wechsler Adult Intelligent Scale (WAIS).
A tarefa nestes instrumentos consiste na leitura, em voz alta, de cerca de 50 palavras
irregulares apresentadas por ordem de dificuldade. Uma vez que a leitura correta das palavras
não pode ser determinada pelas regras de conversão grafema-fonema, Nelson (1982) defende
que o desempenho nestes instrumentos está mais dependente do conhecimento prévio dos
itens do que da capacidade cognitiva atual do sujeito. Por outro lado, a seleção de itens de
baixa frequência fornece um indicador do nível educacional anterior ou de níveis superiores
de inteligência cristalizada (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006), já que a familiaridade com
palavras pouco frequentes numa dada língua tende a aumentar com o nível educacional do
falante. Vários estudos realizados com instrumentos congéneres ao NART comprovam a
validade desta técnica como medida relativamente precisa e estável para estimar a IPM em
pessoas cognitivamente intactas (Wiens, Bryan, & Crossen, 1993; Johnstone, Hogg, Schoop,
Kapila, & Edwards, 2002). Os desempenhos nestes instrumentos possuem correlações
elevadas com o QIEC das escalas de inteligência de Wechsler e explicam uma quantidade
significativa da sua variância (Crawford, Miller, & Milne, 2001; Morris, Wilson, Dunn, &
Teasdale, 2005), como observado na Tabela 1. A predição da IPM baseada nas fórmulas de
regressão do NART (e suas adaptações) tem-se ainda mostrado mais precisa do que a
realizada através da utilização de variáveis demográficas (Grober, & Sliwinski, 1991; Bright,
Jaldow, & Kopelman, 2002).
32
Tabela 1 – Exemplos de instrumentos de estimação da Inteligência Pré-Mórbida que utilizam Provas de Leitura de Palavras Irregulares.
Nome
Estandardizado
com
País
10 Dias = 0.989
55%7
80-1207
0.9110
0.8411, 13
30 Dias = 0.9711
77%11
ND
65-9414
0.8914
0.7714
ND
34.6%14
73-12414
16-8915
EU: 0.9315
I: 0.9115
0.9715
0.9215
EU: 63%15
I: 51%15
EU: 73-12115
I: 69-12215
ND
0.9616
0.8816
ND
78%16
75-12416
ND
0.9317
0.7817
1 Ano = 0.9217
39%17
90-12517
16-8918
ND
0.7018
21 Dias = 0.9318
63%18
60-14318
16-707
0.937
30
a) TL10
b) TL + PC11
ND
WAIS10
Matrizes de Raven11
BWR-R11
WAIS-R14
Estados Unidos15
Inglaterra15
WAIS-III15
50
Japão16
WAIS-R16
50
NART-SWE17
Suécia17
WAIS-III17
50
TOPF: Test of
Premorbid
Functioning18
Estados Unidos18
WAIS-IV18
66
TOPF-UK: Test of
Premorbid Function UK20
TeLPI: Teste de
Leitura de Palavras
Irregulares21
0.987
a) TL7
b) VD + TL8
Espanha10
Estados Unidos11
Argentina12
França14
HART: Hopkins
Adult Reading Test19
69-1311
75-1316
50
WAIS-R7
fNART14
WTAR: Wechsler
Test of Adult
Reading15
JNART16
55%1
20-70
Inglaterra7
WAT: Word
Accentuation Test10
10 Dias = 0.981
1 Ano = 0.894
4 Anos = 0.67-0.725
50
NART-2: National
Adult Reading Test7
WAIS
Amplitude do
QI Estimado
a) TL1
b) VD + TL2
Inglaterra
1
Variância
do QIEC
explicada
Métodos
NART: National
Adult Reading Test 1
1
Teste-reteste
Nº de
itens
33
TL14
a) VD15
b) TL15
c) VD + TL15
TL16
a) TL17
b) TL + PC17
a) VD18
b) TL18
c) VD + TL18
Idades
1
α
0.93
r
1
0.66
3
73-13119
4.5 a 7 Anos
HART-A = 0.9419
HART-B = 0.9219
61%
--
35
VD + TL
+ PC19
Inglaterra20
WAIS-IV20
66
a) VD20
b) TL20
c) VD + TL20
16-8920
ND
0.7220
21 Dias = 0.9320
65%20
60-14320
Portugal21
WAIS-III21
46
VD + TL21
25-8621
0.9321
0.7321
4 Meses = 0.9521
18 Meses = 0.9821
63%21
66-13121
Estados Unidos
19
ND
0.96
19
0.80
19
19
Nota: Método = Método utilizado nas fórmulas de regressão; α = Alfa de Cronbach; r = Correlação com a versão utilizada da WAIS; QIEC = Quociente de inteligência escala completa; VD = Variáveis demográficas;
TL = Testes de Leitura de Palavras Irregulares; PC = Provas cognitivas; ND = Não disponível; BWR-R = Bateria Woodcock-Munoz-Sandoval – Provas de habilidade cognitiva, versão revista; EU = Estados Unidos;
I = Inglaterra. 1Nelson (1982); 2Crawford et al. (1990); 3Mathias et al. (2007); 4Deary et al. (2004); 5Deary et al. (1998); Kondel et al. (2003); 6Ryan e Paolo (1992); 7Nelson e Willison (1991); 8Willshire et al. (1991);
9
O’Carroll (1987); 10Del Ser et al. (1997); 11Schrauf et al. (2006); 12Burin et al. (2000); 13Correlated with BWR-R; 14Mackinnon et al. (1999); 15The Psychological Corporation (2001); 16Matsuoka et al. (2006); 17Rolstad et al.
(2008); 18NCS Pearson Corporation (2009); 19Schretlen et al. (2009); 20NCS Pearson Corporation (2011); 21Alves, Simões e C. Martins (2012).
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Ainda que existam estudos que demonstrem que o desempenho em testes de leitura não
é completamente insensível à lesão cerebral em estádios de demência ligeira (Stebbins,
Gilley, Wilson, Bernard, & Fox, 1990; Storandt, Stone, & LaBarge, 1995) e demência
moderada (Stebbins, Wilson, Gilley, Bernard, & Fox, 1988; Patterson, Graham, & Hodges,
1994; Johnstone, Callahan, Kapila, & Bouman, 1996; Crawford, Miller, et al., 2001; Bright et
al., 2002), esse desempenho é tipicamente menos afetado do que aquele que se observa com
as provas de QI noutras áreas da cognição (Maddrey, Cullum, Weiner, & Filley, 1996; Paolo,
Troster, Ryan, & Koller, 1997) ou com outros métodos (Stebbins, Wilson, Gilley, Bernard, &
Fox, 1990). Ainda assim, o uso de testes de leitura de palavras irregulares tem vindo a ser
censurado por sobre- ou subestimar a IPM em indivíduos nos extremos das capacidades
cognitivas pré-mórbidas (Crawford, 1992; Ball, Hart, Stutts, Turf, & Barth, 2007; Schoenberg
et al., 2011) e por ser inaplicável em pacientes com problemas articulatórios, redução
significativa da acuidade visual (Crawford, 1992) ou défices de aprendizagem (The
Psychological Corporation, 2001).
Além do NART (Nelson, 1982), National Adult Reading Test-2 (NART-2; Nelson, &
Willison, 1991), North American Adult Reading Test (NAART; Blair, & Spreen, 1989) e
American National Adult Reading Test (AMNART; Grober, & Sliwinski, 1991), vários
instrumentos foram desenvolvidos seguindo a metodologia originalmente proposta por Nelson
(1982), como se pode verificar na Tabela 1.
 Informação demográfica do indivíduo
Na metodologia que utiliza informações sociodemográficas, variáveis como a
escolaridade, género ou nível socioeconómico são inseridas em fórmulas de regressão de
modo a calcular uma estimativa da IPM (Wilson, Rosenbaum, & Brown, 1979). Esta
abordagem estatística é objetiva e não é afetada por qualquer patologia cerebral adquirida,
mas explica apenas parte da variância do QI pré-mórbido (Reynolds, 1997). As primeiras
fórmulas de regressão com variáveis demográficas foram desenvolvidas por Wilson,
Rosenbaum, Brown, Rouke e Whitman (1978) para a WAIS e depois reformuladas para a
WAIS-R por Barona, Reynolds e Chastain (1984), transformando-se, esta última versão, no
índice mais conhecido desta metodologia (Índice de Barona: IB). Ainda que, devido às
sucessivas revisões das escalas WAIS, estes algoritmos tenham ficado desatualizados, o uso
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de fórmulas de regressão com recurso apenas a variáveis demográficas continua a ser
utilizado como método para estimar a IPM (Schoenberg et al., 2011), tendo levado a que
alguns instrumentos mais complexos e atuais tivessem mantido a possibilidade de estimar a
IPM com recurso exclusivo a fórmulas de regressão com variáveis demográficas (ver Tabela
1). Várias críticas foram sendo apontadas a esta metodologia, limitando a sua aplicabilidade.
O IB, por exemplo, identifica corretamente 38% do QIV, 24% do QIR e 36% do QIEC,
fazendo com que alguns autores descartem por completo esta metodologia, argumentando que
não aperfeiçoaria a estimação da IPM além do acaso (Sweet, Moberg, & Tovian, 1990). Para
além disto, a objetividade desta metodologia na predição da IPM em indivíduos saudáveis
com patologia neurológica ou psiquiátrica foi igualmente questionada (Silverstein, 1987; N.
Wrobel, & T. Wrobel, 1996; Basso, Bornstein, Roper, & McCoy, 2000; Veil, & Koopman,
2001).
 Metodologias combinadas
No sentido de melhorar as estimativas do funcionamento pré-mórbido, desenvolveramse metodologias que combinam a capacidade atual do indivíduo com variáveis demográficas
em fórmulas de regressão (Crawford, Parker, et al., 1989; Vanderploeg, & Schinka, 1995; The
Psychological Corporation, 2001). Destes instrumentos, alguns combinam a capacidade de
leitura de palavras irregulares e variáveis demográficas prevendo, assim, o QIEC, o QIV e o
QIR das escalas de Wechsler [por exemplo, Teste de Leitura de Palavras Irregulares (TeLPI;
Alves, Simões, & C. Martins, 2012); Wechsler Test of Adult Reading (WTAR; The
Psychological Corporation, 2001)], enquanto outros aliam a performance atual em provas
específicas da Wechsler com variáveis demográficas [por exemplo, Oklahoma Premorbid
Intelligence Estimate-3 (OPIE-3; Krull, Scott, & Sherer, 1995)], havendo ainda um outro
instrumento [Hopkins Adult Reading Test (HART; Schretlen, Winicki, Meyer, Testa,
Pearlson, & Gordon, 2009)] que combina os três métodos.
Combinar a performance atual e variáveis demográficas parece aumentar o poder de
predição da IPM (Bilbao-Bilbao, & Seisdedos, 2004), originando uma maior amplitude das
estimações e uma menor sobre- ou subestimação (The Psychological Corporation, 2001;
Strauss et al., 2006). Se, por um lado, a inclusão de variáveis demográficas limita possíveis
efeitos de declínio cognitivo (The Psychological Corporation, 2001), por outro, a inclusão de
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provas que avaliam a capacidade atual do sujeito aumenta o rigor das predições da IPM
(principalmente para os indivíduos com capacidades de leitura mais baixas do que o
expectável, considerando o seu nível educacional) (Gladsjo, Heaton, Palmer, Taylor, & Jeste,
1999).
O TeLPI
A necessidade de uma medida de estimação da IPM para a população portuguesa levou
ao desenvolvimento do Teste de Leitura de Palavras Irregulares (TeLPI; Alves, Simões, & C.
Martins, 2012), o primeiro instrumento de estimação da IPM para a população portuguesa. O
TeLPI é um instrumento constituído por 46 palavras irregulares da língua portuguesa que
apresenta boas qualidades psicométricas (ver Tabela 1), considerando a variável demográfica
escolaridade (Alves, Simões, & C. Martins, 2012; Alves, Simões, C. Martins, & Freitas,
2013). Embora seja válido para indivíduos com idades superiores a 16 anos, os resultados do
TeLPI demonstraram ser particularmente precisos para idades iguais ou superiores a 25 anos
(Alves, Simões, & C. Martins, 2012).
As correlações entre as pontuações do TeLPI e o QIEC da WAIS-III revelaram-se altas
e significativas [r(122)=0.753; p<.001] e a mesma tendência foi observada ao nível da
correlação com o QIV [r(122)=0.732; p<.001]. Embora significativa, a correlação com o QIR
apresentou-se mais baixa [r(122)=0.655; p<.001]. Considerando igualmente as correlações
encontradas entre as pontuações do TeLPI e os subtestes Vocabulário [r(122)=0.787; p<.001]
e Informação [r(122)=0.716; p<.001] e na ausência de outros instrumentos que estimem a
IPM em Portugal, estes dados foram considerados como indicativos da validade concorrente
do TeLPI (Alves, Simões, & C. Martins, 2012).
O TeLPI está normalizado para a população portuguesa de acordo com a variável
escolaridade. Ao contrário de instrumentos como o TOPF-UK (NCS Corporation, 2011), a
inclusão de outras variáveis demográficas, como idade ou género, não originou equações de
regressão significativas pelo que apenas a variável escolaridade foi incluída nas fórmulas de
regressão do TeLPI (Alves, Simões, C. Martins, & Freitas, 2013).
A validade clínica das pontuações do TeLPI foi evidenciada para indivíduos com
diagnóstico de Declínio Cognitivo Ligeiro e Doença de Alzheimer, uma vez que não se
observaram diferenças significativas na pontuação do QI estimado entre amostras clínicas e a
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de indivíduos saudáveis (Alves, Simões, C. Martins, Freitas, & Santana, 2013a; Alves,
Simões, C. Martins, Freitas, & Santana, 2013b). Comprovou-se, assim, que a pontuação no
TeLPI não é influenciada pelo declínio cognitivo, o que torna este instrumento singularmente
útil para estimar a IPM neste espectro de situações clínicas.
Segundo Alves, Simões e C. Martins (2012), o TeLPI apresenta resultados de estimação
do QIEC sólidos. De facto, 85% das predições do QIEC através do TeLPI ocorreram dentro
de 1 desvio-padrão da amostra, tendo o TeLPI estimado corretamente os resultados de 71%
dos sujeitos dentro de ± 5 pontos do QIEC real. A maioria dos erros de estimação ocorre nos
níveis cognitivos superiores (QIEC ≥ 120) e inferiores (QIEC ≤ 89), observando-se que, nas
categorias superiores, o TeLPI subestima os desempenhos, sobrestimando-os nas restantes
categorias (consultar análises detalhadas, Alves, Simões, & C. Martins, 2012). Restrições
psicométricas deste género são conhecidas em instrumentos que utilizam fórmulas de
regressão, particularmente nos casos de pontuações extremas (Veil, & Koopman, 2001;
Schoenberg et al., 2011). No entanto, dados de natureza clínica parecem demonstrar que esta
sobrestimação não é impeditiva de um diagnóstico rigoroso (Alves, Simões, C. Martins,
Freitas, & Santana, 2013a) e que poderá ser compensada com um ajustamento nas pontuações
de instrumentos de rastreio cognitivo (Alves, Simões, C. Martins, Freitas, & Santana, 2013b).
Neste âmbito, convém ainda referir que os investigadores propõem que as pontuações
no Mini-Mental State Examination (MMSE; M. Folstein, S. Folstein, & McHugh, 1975;
versão portuguesa, Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, & Garcia, 1994;
Morgado, Rocha, Maruta, Guerreiro, & I. Martins, 2009) e no Montreal Cognitive Assessment
(MoCA; Nasreddine et al., 2005; versão portuguesa, Simões, Freitas, Santana, Firmino, C.
Martins, Nasreddine, & Vilar, 2008) sejam ajustadas a um nível de funcionamento prémórbido (na medida de 1 ponto no MMSE para cada 15 pontos de QI e 1 ponto no MoCA por
cada 8 de QI), de modo a obter uma classificação mais segura de declínio cognitivo (Alves,
Simões, C. Martins, Freitas, & Santana, 2013b). Tal como expõem Christensen e Jorm (1992),
o ajustamento das pontuações nos instrumentos de rastreio cognitivo a um nível de
funcionamento pré-mórbido poderá evitar que indivíduos com IPM acima da média possam
ser erroneamente classificados como cognitivamente saudáveis e que indivíduos com baixos
níveis de funcionamento pré-mórbido possam ser classificados como evidenciando declínio
cognitivo, validando a necessidade e a importância desta medida em avaliações
neuropsicológicas em pacientes com DCL e patologias do espectro da demência.
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Conclusão
Ainda que nas últimas décadas se tenha assistido a uma grande evolução nas
metodologias de previsão da IPM, nenhuma delas está isenta de limitações. As metodologias
qualitativas foram claramente afastadas do uso clínico e de investigação pela sua falta de
validade, potenciando o desenvolvimento das metodologias quantitativas.
A investigação atual parece demonstrar que os métodos que recorrem a informação
sobre a aptidão atual do sujeito combinada com variáveis demográficas (nomeadamente a
escolaridade) para prever os vários índices cognitivos parecem ser aqueles que fornecem uma
estimativa mais válida da IPM (por exemplo, WTAR, OPIE-3, TeLPI).
Conceptualmente, o uso de metodologias mistas é aconselhável, pois estas permitem
conciliar as vantagens dos métodos exclusivamente demográficos e as dos que utilizam
unicamente uma das metodologias de estimação. No entanto, desta associação também resulta
o efeito cumulativo das desvantagens de cada metodologia. Se, por um lado, a combinação do
desempenho na leitura de palavras irregulares e variáveis demográficas aumenta o poder de
predição da IPM, por outro, o desempenho em instrumentos de leitura de palavras irregulares
parece não ser completamente imune aos efeitos de uma lesão cerebral que afete algum dos
sistemas neurocognitivos implicados no reconhecimento de letras, na leitura ou na articulação
de palavras. É também conhecida a inaplicabilidade destas metodologias em indivíduos
afetados por perturbações da linguagem, dificuldades de aprendizagem ou analfabetos.
Tais factos limitam, mas não invalidam a utilização destas metodologias mistas que têm
demonstrado validade para a estimação da IPM. Será ainda de notar que uma estimação, por
definição, é uma aproximação à realidade e que, por essa razão, dificilmente será previsível o
desenvolvimento de uma metodologia de avaliação da IPM isenta de limitações e
absolutamente objetiva para todos os indivíduos de uma determinada população. Caberá,
portanto, ao avaliador escolher a metodologia disponível mais válida de acordo com as
características do sujeito.
A consideração integrada de dados individuais e normativos pode igualmente traduzirse num aumento da validade das estimativas da IPM. O desenvolvimento das várias
metodologias quantitativas das últimas décadas, na busca de uma metodologia o mais fiável
possível, evidencia o claro interesse da comunidade científica nesta temática e a importância
da estimação da IPM como parâmetro essencial na avaliação cognitiva.
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Neste sentido, a ausência de um instrumento de avaliação neuropsicológica para a
população portuguesa que estimasse a IPM foi a motivação inicial para o desenvolvimento do
TelPI. O TeLPI foi desenvolvido de uma forma rigorosa, validado clinica e
psicometricamente e a influência das suas pontuações analisada na sua relação com as
pontuações do MMSE, do MoCA e relativamente a variáveis sociodemográficas, dispondo,
ainda, de normas representativas para a população portuguesa em função da escolaridade.
Considera-se portanto, que o TeLPI é um instrumento válido para estimar a IPM.
Adicionalmente, o TeLPI é um instrumento de aplicação rápida e de fácil cotação, bem aceite
pelos indivíduos, possuindo as condições necessárias para ser utilizado na prática clínica e em
contexto de investigação (incluído estudos epidemiológicos e populacionais) em Portugal. O
TeLPI contribui, deste modo, para o incremento da validade dos protocolos de avaliação
neuropsicológica em Portugal e, mais especificamente, para uma definição e caracterização
mais rigorosas do declínio cognitivo.
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TeLPI and its Role in Determining the Presence of Cognitive Decline
Abstract
The dramatic increase in incidence and prevalence of age-related dementia is enormously
relevant for public health in developed countries, including Portugal. The assessment of
premorbid intelligence (PI) is considered not only essential, but also as one of the first steps
in neuropsychological assessment, establishing the basis to evaluate the current performance
of an individual. This baseline is essential for determining the presence of cognitive decline
as reliably as possible. However, data on premorbid functioning are rarely available and
clinicians have to infer prior levels of cognitive ability by using indirect methods.
This article provides a historical overview of some of the different methods that have been
developed for PI estimation. It sustains that the most valid methods for PI estimation are
those that combine the subject's current level of performance and demographic variables in
regression formulas. The TeLPI is one such instrument, valid for estimating PI and the only
available for the Portuguese population. Research results have showed the validity of the
TeLPI for a more rigorous definition of the diagnosis of normal and pathological cognitive
decline in Portugal and the usefulness of its inclusion in the protocols for neuropsychological
assessment.
Keywords: premorbid intelligence; cognitive decline; neuropsychological assessment.
Como citar este artigo: Alves, L., Freitas, S., Martins, C., Santana, I., & Simões, M.R. (2013). O TeLPI e o
seu papel na identificação do declínio cognitivo [Temas em Psicologia do Envelhecimento (Vol.I)]. Revista
E-Psi, 3(1), 25-47.
Received: November 15, 2013 Revision received: December 9, 2013 Accepted: December 12, 2013
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ANO 3,, VOLUME 1,, pp.48-68.
ISSN 2182-7591
Adultos Idosos como Agentes – O Projeto W2P
MANUEL ORTEGA CABALLERO 1, MARGARIDA PEDROSO DE LIMA2,
JOSÉ JOAQUIM COSTA3, & CESAR SOLANO GALVIS4
Resumo
O envelhecimento populacional embora uma conquista social e, consequentemente um
privilégio, é também um desafio a que as sociedades contemporâneas têm que responder.
Inúmeras respostas têm sido adiantadas sobretudo com a mira de promover uma última fase
do ciclo de vida com qualidade. Projetos que chamam a pessoa idosa a participar de forma
ativa e comprometida têm vindo a substituir os programas que encaram a pessoa mais velha
como mero recetáculo passivo. Neste contexto, depois de tecidas algumas considerações
sobre as vantagens da utilização da fotografia ao nível da reminiscência, são apresentados
alguns dados preliminares do Projeto W2P (Walking to photo) com adultos a partir dos 50
anos. Este projeto baseia-se numa rota fotográfica feita por opções tomadas pelos
participantes da amostra: por onde ir, que fotografias tirar, que interpretação/história dar às
fotografias tiradas, que recordações são suscitadas pelas mesmas.
Os dados relativos à forma como se organizam as recordações dos sujeitos da nossa amostra
foram analisados em função de três aspetos: faixa etária em que se situa a recordação, área
de vida a que se refere e género dos sujeitos.
Apesar das inúmeras limitações deste estudo exploratório (tamanho da amostra, idade da
amostra e instrumentos utilizados para medir as variáveis em apreço) as recordações dos
adultos e dos idosos a partir da descrição dos locais mais significativos da sua área de
residência bem como das vivências a eles associados parecem trazer benefícios a vários
níveis.
Palavras-chave: envelhecimento ativo; reminiscência; fotografia; W2P.
1
Departamento de Educação, Universidade de Granada. E-mail: [email protected].
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. E-mail: [email protected].
3
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. E-mail: [email protected].
4
Departamento de Educação, Universidade de Granada. E-mail: [email protected].
2
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ANO 3,, VOLUME 1,, pp.48-68.
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Introdução
“Envelhecer é um mau hábito que um homem ocupado não tem tempo para adquirir”
André Maurois
O envelhecimento da população pode ser visto como uma história de sucesso para as
políticas de saúde pública e para o desenvolvimento social. Contudo, acarreta a necessidade
de lidar com desafios vários, de potenciar a capacidade funcional e de saúde dos mais idosos,
bem como a sua participação social e segurança. Estes desafios incluem uma crescente
demanda por cuidados na doença; uma maior necessidade de preparação dos profissionais de
saúde na área da gerontologia; um aumento da procura de cuidados de saúde de longa
duração, particularmente no contacto com a demência; e o combate ao ageism que nega às
pessoas mais velhas os direitos e oportunidades disponíveis para os outros adultos (World
Health Organization, 2011). Implica ainda reinventar a sociedade contemporânea de modo a
criar oportunidades e a modificar práticas e discursos sobre os mais velhos.
Podemos, pois, afirmar que a escalada demográfica e a crescente “pressão” que a
população idosa está a exercer sobre os serviços e as políticas de saúde levam à necessidade
de antecipar, prever e acolher formas de intervenção variadas e multidisciplinares para fazer
face a um número crescente de pessoas que, como consequência da política nacional de
pensões, ganham pouco; que devido à não obrigatoriedade da educação no início do Século
XX são pouco escolarizadas; que como resultado de hábitos alimentares menos sadios e da
falta de cultura desportiva têm múltiplos problemas de saúde; e que, por terem sido de coortes
não habituadas a uma cidadania participativa, são pouco ativas e pouco comprometidas e
interventivas socialmente. Como ajudar este número crescente de pessoas a viver plenamente,
como transformar as estruturas sociais de modo a adaptarem-se às suas necessidades e
interesses de molde a contribuir para o seu bem-estar?
Cientes da diversidade de conceitos que pretendem definir/explicar/operacionalizar o
que é uma vida feliz na idade avançada, estes abarcam, na generalidade, aspetos como a
importância da autonomia, da participação e da atividade. Aliás, grande parte das propostas de
intervenção, surgidas a partir de meados do Século XX, são influenciadas pela conhecida
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teoria da atividade (activity theory). Esta propõe que as pessoas envelhecem melhor quando
participam em muitas atividades (Lemon, Bengtson, & Peterson, 1972, cit. por Lima, 2012) e
explica o aumento do ativismo sénior, iniciado nos anos 60 e 70 do Século XX nos Estados
Unidos da América, e o aparecimento dos centros de dia. Ekerdt (1986, cit. por Lima, 2012)
designou esta perspetiva de “busy ethic”, uma ética que valoriza o estar ocupado. A
investigação, por seu lado, sublinhando a idiossincrasia vivencial das pessoas idosas – em que
algumas pessoas preferem vidas muito menos estruturadas ou não têm nem a saúde nem os
meios para seguirem um calendário de atividades, – tem vindo a sublinhar a importância de
não perder de vista a ideia da enorme heterogeneidade de formas de viver e envelhecer em
função de fatores intrínsecos (genéticos, hereditários), atitudes pessoais e individuais e das
circunstâncias que cercam as nossas vidas. Por outro lado, tem-se vindo a enfatizar que os
alicerces da velhice bem-sucedida são fundados em estilos de vida construídos ao longo de
uma vida. Finalmente, a velhice, como fase do ciclo de vida, tem fugido às múltiplas
tentativas da sua caracterização pelos investigadores da área. Nesta linha, Baltes (1997) e
Baltes e Kunzmann (2003), defenderam que, como fase, a velhice tem uma arquitetura
inacabada, por outras palavras, contornos que não são ainda passíveis de se definir.
Intervenção na idade avançada
A intervenção na idade avançada incluí uma grande amplitude de processos em função
dos objetivos, áreas de intervenção, técnicas a usar, enquadramentos e agentes de mudança
implicados (Lima, 2012). Porém, os modelos de intervenção na idade avançada têm sido
regidos por princípios essencialmente assistencialistas: fazer para e por, apoiar os mais
velhos necessitados e desfavorecidos, pensar/decidir pelos mais velhos. Apesar da
importância e das vantagens deste género de intervenção, sobretudo, junto à população de
pessoas mais velhas carenciadas ao nível social, cognitivo e físico, ela tem ajudado a propagar
os estereótipos sobre os mais velhos. Confirmando que idade avançada é igual a doença,
incapacidade, passividade. Tentando contrariar esta tendência a Organização Mundial de
Saúde (OMS; World Health Organization, WHO) define o envelhecimento ativo de uma
perspetiva holística reconhecendo os direitos das pessoas idosas: «A abordagem do
envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais
velhas e os Princípios das Nações Unidas de independência, participação, dignidade,
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assistência e satisfação dos desejos. Substitui o planeamento estratégico a partir de uma
abordagem baseada em necessidades (que vê as pessoas idosas como alvos passivos) para
uma baseada em direitos, que reconhece os direitos dos idosos à igualdade de oportunidades e
de tratamento em todos os aspetos da vida à medida que envelhecem e apoiar a sua
responsabilidade de exercer a sua participação no processo político e de outros aspetos da
vida da comunidade» (WHO, 2002, p. 79).
Neste
artigo,
enfatizamos
a
importância
da
mudança
de
um
paradigma
predominantemente assistencialista para um potenciador das possibilidades dos mais velhos,
respeitando deste modo a sua vontade, os seus interesses, as suas potencialidades e
conhecimentos, e apresentamos dados do Projeto W2P (Walking to photo) – projeto esse que
coloca como agente a pessoa adulta (relembremos que a velhice está incluída na idade adulta).
O Projeto W2P – Justificação
O Projeto W2P é inspirado no Projeto SenseCam criado por Lyndsay Williams em
1999. No Projeto SenseCam uma câmara minúscula desenvolvida pelos laboratórios de
investigação da Microsoft em Cambridge, no Reino Unido, permite tomar registo de todas as
atividades quotidianas, criando assim uma espécie de diário digital consultável a todo o
momento. A utilização deste dispositivo de fotografia automática e os seus impactos na
melhoria da capacidade de recordar eventos tem sido objeto de extensa pesquisa que foi
sumarizada num número especial da revista Memory (Volume 19, Issue 7, 2011) e, mais
recentemente num outro do American Journal of Preventive Medicine de Março de 2013.
Entre os aspetos abordados contam-se o papel da SenseCam na estimulação e reabilitação da
memória autobiográfica (Hodges, Berry, & Wood, 2011), as diferenças na recordação de
acontecimentos do dia-a-dia associadas ao género (St Jacques, Conway, & Cabeza, 2011), a
exploração das bases e limites da recordação facilitada pela utilização da SenseCam (Barnard,
Murphy, Carthery-Goulart, Ramponi, & Clare, 2011) e uma visão geral da utilização de
câmaras nos estudos sobre a saúde (Doherty, Hodges, King, Smeaton, Berry, Moulin,
Lindley, Kelly, & Foster, 2013).
O Departamento de Pedagogia de Melilla, no ano de 2007, dentro do Programa de
Formação Aberta e mais concretamente em colaboração com a Universidade Sénior local,
dinamizou pela primeira vez um projeto piloto denominado W2P, realizando rotas
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fotográficas com os seus alunos para a sua posterior partilha. A presente investigação é uma
avaliação inicial deste projeto que foi levado a cabo em Melilla (Espanha) e em Coimbra
(Portugal) no ano de 2012.
A principal estratégia deste projeto baseia-se numa rota fotográfica pela cidade
realizada por pessoas adultas a partir dos 50 anos. Rota essa feita por opções tomadas pelas
pessoas da amostra: por onde ir, que fotografias tirar, que interpretação/história dar às
fotografias tiradas, que recordações são suscitadas pelas mesmas. A ideia não consiste em
utilizar a fotografia para substituir a memória, mas sim estimulá-la. Cada fotografia pode
servir como ajuda para recordar. A capacidade de realizar este tipo de viajem no tempo
mental é, precisamente, o que favorece o processo mnésico das pessoas na meia-idade e de
idade avançada. As fotografias e o descritivo sobre as mesmas pode, posteriormente, ser
utilizado em debates ou num processo formativo e/ou divulgativo.
O objetivo do Projeto W2P é o de contribuir para melhorar a qualidade de vida dessas
pessoas, dando-lhes a capacidade de ter um diário visual das suas memórias construído por
elas próprias. O uso da fotografia pode ser uma ferramenta útil para os adultos e para as
pessoas idosas porque lhes permite desenvolver não só a memória no dia-a-dia, mas também
criar e recriar visualmente planos de vida, ensinando, relembrando e partilhando experiências
passadas, presentes e aspirações futuras. W2P é assim uma ferramenta de desenvolvimento
educacional e de inovação que se enquadra nas intervenções promotoras de atividade e que
dão protagonismo à pessoa ao longo da sua vida e quando ela for mais velha.
Este projeto mobiliza vários recursos com implicações ao nível do bem-estar. Ao levar
as pessoas a recordarem aciona a reminiscência que é uma ferramenta terapêutica no
tratamento da depressão (Latorre, Montañés, Serrano, Hernández, Sancho, Alarcón, & Ros,
2005). A reminiscência dá sentido às memórias e experiências. É sempre um processo
dinâmico em que as pessoas vão construindo a sua realidade à medida que explicam ou
lembram. Leva, portanto, a uma cadeia de acontecimentos, histórias, imagens, referências...
uns eventos evocam outros, dadas as múltiplas conexões entre as suas memórias. A
reminiscência permite ainda ajudar a valorizar, a dar sentido e a fazer novas interpretações da
realidade.
Os estudos da reminiscência como um fenómeno mnésico natural abriram caminho para
a sua utilização no contexto de intervenção. Butler (1974) foi um dos primeiros a promover a
revisão da vida como uma intervenção com este propósito. Desde então e até aos princípios
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dos anos 90 do Século XX, as intervenções foram aplicadas em pessoas idosas
institucionalizadas (Fallot, 1980; Fry, 1983), e em pacientes com demência (Goldwasser,
Auerbach, & Harkins, 1987). Estas investigações sublinharam a importância da recordação,
não apenas a médio e a longo prazo, mas também a do dia-a-dia e, como esta, pode servir de
base para recriar o presente-futuro das pessoas idosas. Neste processo, as pessoas mais velhas
têm muitas lembranças que vão surgindo e o nosso trabalho como profissionais é o de facilitar
a ativação dessas memórias favorecendo a estimulação cognitiva geral da pessoa com mais
idade.
Por outro lado, este género de atividades também promove a independência e a
autonomia da pessoa idosa e da pessoa adulta que se pode encontrar numa vida estagnada e
não participativa. Todas as pessoas e todos os idosos têm o direito de desfrutar de um padrão
de vida que lhes permita participar em vários contextos sociais. Para isso, é necessário viver
num ambiente que promova e facilite a autonomia pessoal e social, ou seja, que capacite as
pessoas a viverem as suas vidas de acordo com suas reais potencialidades e interesses e de
acordo com as suas próprias decisões. Este contribui para a promoção da sua autoestima e,
consequentemente, do seu bem-estar (Greve, & Staudinger, 2006) e da sua capacidade para
lidar com as ameaças e a adversidade (Cicchetti, & Rogosch 1997).
Em suma, apesar deste artigo só desenvolver alguns aspetos, o referido projeto tem
como objetivos principais:
 Caracterizar as memórias autobiográficas relatadas pelas pessoas a propósito das
fotografias tiradas na rota fotográfica.
 Avaliar o impacto da metodologia W2P sobre as performances cognitivas, bem-estar e
qualidade de vida da nossa amostra.
Metodologia
Amostra
A amostra é constituída por 20 sujeitos, 10 espanhóis e 10 portugueses, com idades
superiores a 50 anos e com uma distribuição equitativa do género.
A subamostra espanhola apresenta uma idade média para os homens de 56.2 anos
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(DP=6.5 anos) e uma idade média para as mulheres de 56 anos (DP=8.4 anos). Esta
subamostra inclui 1 reformado e 4 ativos, para os homens, e 5 ativos para as mulheres.
A subamostra portuguesa tem uma idade média de 59.8 anos (DP=12 anos) para os
homens e 61.4 anos (DP=6.7 anos) para as mulheres. Os homens apresentam o estatuto
profissional de ativos, 3 sujeitos, e desempregado e reformado com 1 sujeito em cada
condição. As mulheres são ativas, 4 sujeitos, e reformadas, 1 sujeito.
Procedimentos
A um conjunto de 10 sujeitos portugueses e 10 sujeitos espanhóis com idade superior a
50 anos foi pedido que escolhessem 10 locais com especial significado no seu local de
residência.
Os sujeitos foram acompanhados no ato de fotografar os locais escolhidos e as
fotografias foram numeradas de 1 a 10. Para cada fotografia, num momento posterior, foi
pedida a descrição das razões da escolha. Este procedimento foi gravado em vídeo, em
Portugal, e foram anotadas as razões de escolha, em Espanha.
Resultados
As respostas foram analisadas em função de dois parâmetros: faixa etária da vida do
sujeito para o qual remete o local considerado relevante, o tipo de projetos pessoais
envolvidos nas razões da escolha (Little, & Chambers, 2004) e o género.
As respostas foram analisadas tendo em conta os seguintes parâmetros: faixa etária da
vida do sujeito para o qual remete o local considerado relevante; e o tipo de projetos pessoais
envolvidos nas razões da escolha (Little, & Chambers, 2004). Estes parâmetros foram
analisados em função do género e do país dos participantes.
Faixa etária em que se localizam as razões da escolha do local
A análise dos dados relativamente a faixa etária em que se situam as razões da escolha
do local a fotografar foi organizada em dois níveis. No primeiro comparamos as duas
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subamostras de forma global enquanto no segundo analisamos os dados em função do género
dos sujeitos e da sua proveniência de Espanha ou Portugal.
Gráfico 1 – Localização etária das recordações na subamostra portuguesa e espanhola.
O Gráfico 1 permite comparar a localização etária das recordações, em valores
percentuais, em função das etapas de vida. Os dados mostram perfis diferentes entre as duas
subamostras. Enquanto na subamostra espanhola os maiores valores se situam na meia-idade,
infância e adultez, a subamostra portuguesa menciona sobretudo a infância e a meia-idade
com valores muito elevados. Globalmente os valores da localização etária das recordações são
mais uniformes na subamostra espanhola do que na portuguesa (ver Gráfico 1).
Gráfico 1.1 – Localização etária das recordações dos homens e mulheres portuguesas.
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A análise da localização etária das razões da escolha dos locais permite identificar
numerosas semelhanças entre os homens e mulheres portuguesas. Assim, os valores mais
elevados, são para as mulheres e homens localizados na infância e meia-idade enquanto os
mais baixos se encontram na adolescência e adultez, para as mulheres, enquanto para os
homens se situam na adolescência e velhice (ver Gráfico 1.1).
Gráfico 1.2 – Localização etária das recordações dos homens e mulheres espanholas.
A comparação dos dados relativamente à faixa etária associada às recordações dos
homens e mulheres espanholas apresenta um perfil com algumas diferenças. Assim, os
valores mais elevados situam-se, para os homens, na meia-idade e na infância enquanto para
as mulheres se localizam na adultez e na meia-idade. Ambos os grupos não mencionam a
velhice. Saliente-se no entanto que os valores percentuais nas faixas etárias estão bastante
próximos (ver Gráfico 1.2).
Comparada a localização etária da razão da seleção dos locais nas duas subamostras
consideradas no seu conjunto e em função do género, passamos a comparar os dados em
função do género dos sujeitos e da sua proveniência espanhola ou portuguesa.
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Gráfico 2 – Localização etária das recordações dos homens portugueses e espanhóis.
Os homens da subamostra espanhola localizam as razões da escolha dos locais a
fotografar sobretudo na meia-idade e na infância com valores entre os 38% e os 26%. Já os
homens portugueses optaram sobretudo pela infância e a meia-idade com valores entre os
40% e os 38%. Como na análise anterior, os dados sugerem uma maior homogeneidade nos
homens espanhóis do que nos portugueses (ver Gráfico 2).
Vejamos agora como se organizam os dados quando comparamos as mulheres
portuguesas e espanholas quanto à localização etária das razões da escolha dos locais.
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Gráfico 3 – Localização etária das recordações das mulheres portuguesas e espanholas.
Os dados do Gráfico 3 permitem verificar que a localização etária mas frequente para as
mulheres espanholas se localiza na adultez, infância e meia-idade com valores entre os 30% e
os 20%. Já para as mulheres portuguesas, infância e a meia-idade apresentam são os mais
indicados com valores entre os 36% e os 28%.
Como nas análises anteriores, a homogeneidade da distribuição pelas diferentes faixas
etárias é maior nas mulheres espanholas e verifica-se ainda que só nos homens portugueses é
que existem referências localizadas na velhice.
Analisados os dados relativos à localização no percurso de vida das razões da escolha
dos locais considerados como mais relevantes pelos idosos, passamos à análise do tipo de
razões em função do tipo de projetos pessoais (Little, & Chambers, 2004; ver Quadro 1).
Estes autores consideram seis grandes dimensões na categorização/arrumação dos projetos
pessoais definidos como conjuntos de ações diferidas, pessoalmente relevantes, e
contextualizadas (Little, 2006): académica, ocupacional, saúde, interpessoal, intrapessoal
(subdividida em familiar e relativa ao casal), diversão/lazer e manutenção.
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Quadro 1 – Categorização dos projetos pessoais
Ocupacionais/
académicos
Cursos relacionados
com o trabalho;
Atividades do
trabalho/profissionais;
Projetos relacionados
com escola,
universidade
(aprendizagem
escolar).
Subcategorias:
1. Projetos
académicos;
2. Projetos relativos ao
emprego/trabalho/profi
ssão;
3. Organizações
profissionais.
Nota: não inclui leitura
recreativa ou cursos de
aprendizagem de jogos
(lazer).
Saúde/corpo
Interpessoais
Intrapessoais
Inclui atividades
relativas à
aparência, saúde
ou exercício
físico (e.g.
perder ou
ganhar peso,
dormir, fazer
desporto com
preocupações de
exercício físico
e não
recreativas).
Inclui projetos de
relação com os outros
a um nível pessoal.
Projetos relacionados com o
self (atitudes, apreciação),
Subcategorias:
1. Aparência;
2. Saúde.
Subcategorias:
Lazer
Inclui atividades/projetos
recreativos realizados
individualmente ou com
outros.
Subcategorias:
1. Família (projetos
envolvendo pais,
avós, esposos, filhos,
irmãos, planos de
família (e.g. visitar a
avó, ter filhos,
organização da vida
escolar dos filhos…)
2. Projetos
interpessoais íntimos
(envolvendo outros
íntimos como esposa,
namorado,
sexualidade, relações
íntimas.
3. Interpessoais
secundários…
4. Projetos
comunitários (ajuda,
comunitários,
solidariedade…
5. Meta projetos
Adaptado de Little e Chambers, 2004; Little, 2006.
Administrativos/
manutenção
Projetos relacionados com a
organização ou
administração.
Subcategorias:
1. Projetos espirituais e
filosóficos (clarificação de
crenças religiosas,
questionamento filosófico)
2. Projetos de
aperfeiçoamento do self
(mudanças psicológicas
como oposição a mudanças
físicas)
3. Meta-projetos (e.g. manter
algum sentido de ordem na
minha vida; aumentar o
alcance do meu
conhecimento, ideias e
expressões; pôr a minha vida
em ordem);
4. Projetos de
coping/ajustamento (ajustarme a minha nova situação de
vida; esquecer o abuso
sofrido na infância)
5. Lazer intrapessoais (ver
menos televisão, comprar
menos);
6. Projetos de transição
(planear reforma, subida na
carreira)
Subcategorias:
1. Divertimento (televisão,
cinema, museus, teatro,
concertos);
2. Festas/dança (atividades
sociais, entretenimento);
3. Hobbies/passatempos
(colecionar…);
4. Consumo (comprar por
prazer);
5. Beber/drogas (não é
deixar de, isso é saúde);
6. Projetos de lazer (ler,
escrever...);
7. Projetos de férias
(planear, organizar, fazer)
8. Atividades recreativas
(aprender a jogar um
jogo);
9. Desportos (com
intenção recreativa e não
de saúde exclusivamente);
10. Divertimento com o
animal de estimação
(brincar com ele e não darlhe comida – manutenção);
11.Jardinagem, fotografia,
filmagem…
1. Atividades relacionadas
com encontrar uma casa para
viver, obter um emprego
(registar-se no Centro de
Emprego);
2. Projetos relacionados com
limpeza e reparações na
casa;
3. Projetos relacionados com
a manutenção do carro;
4. Projetos relativo à gestão
económica e financeira da
sua vida;
5. Atividades ligadas à
inscrição em cursos ou
programas ou à obtenção de
documentação;
6. Tarefas envolvendo o
tratamento de animais de
estimação (ir ao veterinário,
dar-lhe comida, levar a
passear);
7. Meta-projetos (gerir as
propriedades e bens,
organizar as crianças).
Outros
Inclui projetos
que não
podem ser
categorizados
nas anteriores
devido a uma
inadequada
informação.
E.G. Compras
de Natal pode
ser de Lazer
ou de
Manutenção/
Administração
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Tipo de projeto pessoal associado à escolha do local fotografado
Como nas análises anteriores, começaremos com uma comparação geral das duas
subamostras para em seguida contrastar os dados em função do género e da proveniência da
amostra espanhola ou portuguesa.
Gráfico 4: Recordações dos sujeitos portugueses e espanhóis em função do projeto de vida.
A comparação dos resultados das subamostras espanhola e portuguesa quanto às áreas
dos projetos de vida (projetos pessoais) mencionadas na justificação da escolha dos locais
fotografados permite identificar algumas diferenças. Os elementos da subamostra espanhola
indicam como aspetos mais relevantes a saúde e o tempo livre com apresentando valores entre
os 25% e 20%. Já os portugueses atribuem quase metade das suas recordações a aspetos
relacionados com o tempo livre (46%) sendo que a área mencionada com valores
imediatamente a seguir é a intrapessoal familiar (15%) (ver Gráfico 4).
Globalmente, verifica-se uma maior distribuição dos valores na subamostra espanhola
do que na portuguesa sendo que nesta a manutenção, os aspetos intrapessoais relacionados
com o casal e a saúde não são mencionados ou apresentam valores muito baixos.
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Gráfico 4.1 – Recordações dos homens e mulheres portuguesas em função do projeto de vida.
A comparação dos dados das recordações dos homens e mulheres portuguesas em
função do projeto de vida permite identificar algumas diferenças embora os valores estejam
bastante próximos. Assim enquanto o tempo livre é a categoria mais mencionada pelos dois
géneros, em segundo lugar o aspeto ocupacional é o mais importante para os homens
enquanto as mulheres mencionam o aspeto interpessoal. Em ambos os grupos os aspetos
intrapessoais relacionados com o casal e a manutenção não são mencionados (ver Gráfico
4.1).
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Gráfico 4.2 – Recordações dos homens e mulheres espanholas em função do projeto de vida.
Os homens e mulheres espanholas apresentam valores bastante semelhantes quanto à
organização das recordações em função do projeto de vida. Para ambos os valores mais
elevados são atribuídos à saúde (com 13% para os homens e 12% para as mulheres)
encontrando-se em segundo lugar o tempo livre (com 11% para os homens e 9% para as
mulheres). Os valores mais baixos situam-se, nos homens, nos aspetos intrapessoais
relacionados com a família e na manutenção e nas mulheres na vertente académica e nos
aspetos intrapessoais familiares (cf. quadro 4.2.).
Caracterizada a distribuição dos valores assumidos pelas diferentes áreas de vida
passaremos a uma análise em que contrastamos os sujeitos em função do género nas duas
subamostras.
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Gráfico 5 – Recordações das mulheres portuguesas e espanholas em função do projeto de vida.
A comparação das recordações das mulheres em função do projeto de vida mostra, de
novo, uma menor amplitude nos valores para as espanholas com valores muito mais
extremados para as portuguesas. Nota-se que nas portuguesas o valor máximo se situa nos
48% para o tempo livre com o valor imediatamente a seguir a situar-se nos 18% para os
aspetos interpessoais. Já, para as espanholas, o valor mais elevado é de 34%, para a saúde
logo seguido dos 18% para o tempo livre e muito próximo dos 16% do aspeto ocupacional
(ver Gráfico 5).
Veremos, a seguir, como se apresentam os dados quando comparamos homens
portugueses e espanhóis.
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Gráfico 6 – Recordações dos homens portugueses e espanhóis em função do projeto de vida.
Os dados do Gráfico 6 demonstram, de forma consistente com as duas últimas análises,
valores mais uniformemente distribuídos para os homens espanhóis quando comparados com
os portugueses. Os valores mais elevados dos homens espanhóis encontram-se na saúde
(26%) e no tempo livre (22%) com os aspetos menos mencionados a incluírem a manutenção
e os aspetos intrapessoais familiares (ambos com 4%). Nos portugueses o valor mais elevados
refere-se, de forma destacada, ao tempo livre (com 44%) seguido do aspeto ocupacional
(22%) enquanto os aspetos menos mencionados incluem a manutenção e os aspetos
intrapessoais relacionados com o casal (com 0%).
Discussão
Os dados relativos à forma como se organizam as recordações dos sujeitos da nossa
amostra, quando lhes é solicitado que escolham 10 locais importantes da sua zona de
residência e justifiquem essa escolha descrevendo o local e indicando a sua importância,
foram analisados em função de três aspetos: faixa etária em que se situa a recordação, área de
vida a que se refere e género dos sujeitos.
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Os dados recolhidos permitem verificar a existência de perfis diferenciados nas duas
subamostras consideradas globalmente e, quando comparamos os resultados, em função do
género. Genericamente, os resultados das duas subamostras centram-se na meia-idade e na
infância com ambas as amostras a não mencionarem a velhice. Quanto à área de vida
mencionada, a subamostra espanhola salienta a saúde e o tempo livre enquanto os sujeitos
portugueses mencionam o tempo livre (com 48% dos casos!) e os aspetos intrapessoais e
familiares.
A reduzida dimensão da amostra e alguma dificuldade em caracterizar as respostas
usando a proposta dos projetos pessoais de Little e Chambers (2004) aconselham a avaliação
com prudência dos dados recolhidos. Por outro lado, a adesão fácil à metodologia por parte
dos sujeitos bem como a grande diversidade de conteúdos evidenciada mostram quão
promissor pode ser o desenvolvimento desta abordagem das recordações dos adultos e dos
idosos a partir da descrição dos locais mais significativos da sua área de residência bem como
das vivências a eles associados.
Esta metodologia revela-se assim promissora para utilizar com adultos não só na meiaidade mas, também, na idade avançada. Enquadrada na perspetiva do envelhecimento ativo
concebido como uma forma de participação social, física e cognitiva ao longo de todo o ciclo
de vida, esta proposta visa dar voz ao adulto de meia-idade e ao adulto idoso. Enquadra-se na
linha de outros projetos como as Lojas de Saber (https://www.facebook.com/pages/Lojas-deSaber/394119003940700) – concebidas como locais de transmissão de conhecimentos e
experiências entre gerações em que um conjunto de cidadãos, concluída uma vida profissional
que lhes garantiu a aquisição de um importante conjunto de conhecimentos, decidiu pôr à
disposição de quem procura melhorar as suas qualificações, o saber e experiência adquiridas,
contribuindo para o desenvolvimento global e evitando que a sociedade venha a perder total e
escusadamente estes importantes acervos.
Esta perspetiva enfatiza a devolução do poder e da responsabilidade propondo uma
narrativa sobre os adultos mais velhos como agentes ativos e não recetáculos passivos. Tratase de trabalhar com as pessoas numa perspetiva coextensiva ao ciclo de vida, de
aprendizagem, de desenvolvimento e construção pessoal. Estas ideias constituem a base deste
projeto exploratório.
Apesar das inúmeras limitações deste estudo exploratório (tamanho da amostra, idade
da amostra e instrumentos utilizados para medir as variáveis em apreço) consideramos que
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todas as atividades direcionadas para o envolvimento e compromisso pessoal são promotoras
de uma sociedade mais justa para todas as idades e, consequentemente, do bem-estar e da
qualidade de vida da população.
Bibliografia
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Elderly as Active Participants – The W2P Project
Abstract
Aging of the population although a social achievement and therefore a privilege, is also a
challenge that contemporary societies have to answer. Numerous responses have been
advanced primarily with the aim of promoting a last phase of the life cycle with quality.
Projects that call the elderly to participate in an active and committed have been replacing
programs that face the older person as a mere passive receptacle. In this context, after
pointing some considerations about the advantages of using photography to enhance
reminiscence, we present some preliminary data of the Project W2P (Walking to photo) with
adults from the age of 50. This project is based on a route made by photographic choices
made by the participants in the sample: where to go, what photographs should be taken, what
interpretation/story to give to the photos taken, which memories are raised.
The data relating to how the memories of the subjects in our sample were organized and were
analyzed in terms of three aspects: age in which happen the memory, living area referred and
gender of the subjects.
Despite the numerous limitations of this exploratory study (sample size, age of the sample and
instruments used to measure the variables in question) the memories of adults and the elderly
based on the description of the most significant places they photographed as well as the
experiences associated with them appear to have benefits on several levels.
Keywords: active aging; reminiscence; photography; W2P.
Como citar este artigo: Ortega Caballero, M., Lima, M.P., Costa, J., & Solano Galvis, C. (2013). Adultos
idosos como agentes – O projeto W2P [Temas em Psicologia do Envelhecimento (Vol.I)]. Revista E-Psi, 3(1),
48-68.
Received: October 15, 2013
Revision received: December 2, 2013
Accepted: December 6, 2013
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Influência da Frequência de uma Universidade Sénior no Nível de Solidão,
Autoestima e Redes de Suporte Social
JOANA GONÇALVES1, & FÉLIX NETO2
Resumo
O objetivo deste trabalho de investigação é estudar o impacto de uma Universidade Sénior no
grau de solidão, na autoestima e nas redes de suporte social dos alunos que frequentam essa
instituição. Para tal efeito, foi realizado um estudo empírico, de natureza longitudinal, o qual
pretendeu analisar o papel que a Universidade Sénior de Gondomar (USG) desempenha na
perceção da solidão, da autoestima e das redes de suporte social, tendo sido usados quatro
instrumentos de medida: o questionário sociodemográfico, a escala de solidão da UCLA, a
escala da autoestima de Rosenberg e a escala do suporte social (SSQ6). A amostra é
constituída por 70 idosos, 35 que frequentam a USG e 35 que não frequentam a mesma. Para
a obtenção dos resultados utilizaram-se os instrumentos de recolha dos dados administrados
em dois diferentes momentos. Os resultados obtidos evidenciaram, após 6 meses de
frequência da USG, diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, no que
respeita aos níveis de solidão, níveis da autoestima, tamanho e grau de satisfação das redes
de suporte social. Assim pode-se confirmar o papel importante que a USG desempenha para
os idosos que a frequentam diminuindo o grau de solidão e aumentando a autoestima, o
número de elementos e grau de satisfação das redes de suporte social.
Palavras-chave: solidão; universidades seniores; autoestima; redes de suporte social.
1
Mestre em Psicologia do Idoso, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Professor Catedrático, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
E-mail: [email protected].
2
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Introdução
O envelhecimento constitui hoje um fenómeno estruturante das nossas sociedades
(Moura, 2006). À semelhança de Portugal, na União Europeia o número de idosos continua a
aumentar. De fato, a esperança de vida cresceu bastante nos últimos 50 anos, e continuará a
aumentar nas próximas décadas, sendo resultado de uma conquista das sociedades e dos seus
sistemas de saúde. Contudo, a evolução demográfica coloca também novos desafios às
sociedades pós-modernas, onde o trabalhador é considerado inativo cedo demais, sendo o
idoso conotado como alguém inútil, privilegiando a juventude, tornando-se num problema
social. Porém, estes pressupostos têm de ser desmistificados, de modo a que o idoso não se
isole, mantendo-se a conviver, pois estas pessoas não se reconhecem como velhos
trabalhadores, mas como pessoas com vitalidade e saúde iguais a muitos outros cidadãos mais
novos. São idosos que pretendem desfrutar de um conjunto de atividades que lhes permitem
valorizar os seus saberes, mantendo-os ativos, e preenchendo os seus dias livres de uma forma
aprazível e agradável. Deste modo é imprescindível implementar medidas sociais que
permitam o desenvolvimento de estratégias de promoção de um envelhecimento saudável.
«Envelhecer com saúde, autonomia e independência, afigura-se presentemente, um desafio
para todos, sendo que a promoção do envelhecimento saudável diz respeito a diferentes
setores, designadamente á saúde, segurança social e educação» (Moura, 2006, p.45).
Com o objetivo de melhorar o bem-estar dos idosos, valorizar socialmente os mesmos,
recuperando a sua autoestima, tornando-os mais ativos e mais participativos, foram criadas as
Universidades Seniores. As Universidades Seniores são vistas como uma resposta social, que
combatem o isolamento e a exclusão social dos mais velhos, principalmente a seguir à
reforma; incentivam a participação dos seniores na sociedade; divulgam os direitos e
oportunidades que existem para esta população; reduzem o risco de dependência e são um
polo de convívio (RUTIS, 2013). «O movimento das Universidades da Terceira Idade
permitiu que os idosos se possam observar como cidadãos ativos e participantes, recuperando
a sua autoestima e mostrar à sociedade e aos seus familiares a sua capacidade de agirem sós e
lutarem pelos seus direitos de cidadania, tornando-se elementos interventores» (Monteiro, &
Neto, 2008, p.51).
Assim por Universidade Sénior entende-se qualquer instituição que procure dar resposta
social e cultural, desenvolvida em equipamentos, que visa criar, dinamizar e organizar
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regularmente atividades culturais, de aprendizagem, recreativas e de convívio, por e para
maiores de 50 anos, e que não exige nenhum grau de habilitações em especial (Jacob, 2008).
As Universidades da Terceira Idade como movimento específico de ensino para os
adultos ou seniores surgiram em França em 1973 na Universidade de Toulouse através do Dr.
Pierre Vellas. Passados sete anos já existiam 52 UTIs em toda a França. O universo das UTIs
hoje em dia é tão vasto e variado quer de país para país como de cidade para cidade. Em
Portugal maior parte das Universidades da Terceira Idade surgiram na década de 90, devido
ao aumento do interesse pelas questões da população idosa por parte do Estado e da
sociedade, existindo atualmente cerca de 15000 alunos a frequentarem as Universidades
Seniores em que 102 estão associadas à Rede de Universidades da Terceira Idade (RUTIS)
que é uma entidade certificadora das Universidades da Terceira Idade, através do Instituto
Português da Propriedade Industrial, e a representação nacional junto da associação
Internacional de Universidades da Terceira Idade e da UNESCO (RUTIS, 2013).
A denominação de “Universidade de Terceira Idade” deveu-se à analogia com o início
histórico das Universidades, no tempo medieval, em que as aulas eram conferências,
procuradas
pelos
indivíduos
interessados.
Relativamente
à
utilização
do
termo
”Universidade”, para designar estas instituições não permanece pacífica, o que levou a
algumas optaram por se auto designarem como “Clubes”, “Academias”, “Institutos Culturais”
ou “Associações”. A Universidade da Terceira Idade de Abrantes é a única que tem
autorização do Ministério da Educação para utilizar esse nome (Portaria nº990/2000 de 14 de
Outubro, cit. por Jacob, 2013). Não obstante toda esta preocupação, no início dos anos oitenta
a utilização do termo Universidade já tinha sido alvo de atenção por parte do Ministério da
Educação, o qual permitiu através do Decreto-lei nº 252/82 de 28 de Junho, o uso da
denominação de Universidade, desde que as Universidades Seniores se comprometessem a
não atribuir nenhum título ou grau académico relativo aos cursos ministrados pelas mesmas
(Jacob, 2013). A maioria são associações sem fins lucrativos. São por volta de 115 as
Universidades Seniores implantadas em Portugal.
Relativamente às atividades letivas, as Universidades Seniores dispõem de um vasto
leque de ofertas, onde as disciplinas podem adotar um caráter teórico, prático ou teóricoprático. Embora cada Universidade Sénior tenha total liberdade para introduzir uma panóplia
de disciplinas variando entre 10 a 64 disciplinas, as mais comuns de carácter teórico
englobam, o Inglês, o Português, a História, a Filosofia, entre outras. Nas disciplinas de
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caráter prático destacam-se a Pintura, o Desenho, a Cerâmica, a Ginástica. Estas são as
disciplinas mais comuns que podemos encontrar nestas instituições. Para além destas, têm
vindo a ser introduzidas outras, tais como: História de Portugal e do Mundo, Cidadania,
Direito e Comunidade, Espanhol, Saúde e Comunidade, Yoga, Atelier de Artes, Teatro, Canto
e Música, a História da Arte, Biografias, Ciclo de Cinema, Pintura em Tela, História e Cultura
das Civilizações Clássicas, entre outras. Para além destas existem outras de carácter
extracurricular que englobam visitas de estudo, palestras, conferências e seminários com uma
periocidade mensal em alguns casos.
Solidão
A solidão é um fenómeno espalhado e um tema central na literatura, na filosofia e na
psicologia. A solidão é um constructo complexo e subjetivo, difícil de definir, existindo
diversas abordagens teóricas e metodológicas que se têm debruçado sobre este tema (Neto,
2000). Para Perlman e Peplau (1981), a solidão é «uma experiência desagradável, que ocorre
quando a rede de relações sociais de uma pessoa é deficiente nalgum aspeto importante, quer
quantitativa quer qualitativamente» (cit. por Neto, 1992, p.17). Assim, «a experiência de
solidão pode incluir, ou dor emocional da perda de um ser amado, ou um sentimento de
exclusão ou de marginalidade de laços sociais» (Monteiro, & Neto, 2008, p.85). Para Pais
(2006, p.18) «A solidão não é um pouso inevitável de quem está só. Resulta de um sentimento
de quem não possui autonomia, e de quem não tem ninguém para preencher esses desígnios.
De fato qualquer pessoa pode estar só sem estar em solidão, e pode viver um sentimento de
solidão quando está com outras pessoas. Por isso a solidão refere-se a um estado (interior) de
subjectividade enquanto o «estar só» se refere mais a uma situação (exterior) visível e
objetiva (…)» (2006, p.18).
Para além das diversas definições existentes acerca deste constructo, também têm sido
utilizadas diversas formas de solidão. Moustakas foi o primeiro autor a apresentar o primeiro
fator de classificação da solidão, distinguindo ansiedade solidão e ansiedade existencial. «A
ansiedade solidão é aversiva e resulta de uma alienação básica entre o homem e homem,
enquanto a ansiedade existencial faz parte integrante da existência humana, implicando
momentos de auto confrontação e proporcionando o autocrescimento» (1961, cit. Neto, 2000,
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p.324). Pais também apresenta diferentes formas de classificar a solidão, pois para este autor,
esta «pode ser vivida quando se está com outros irrelevantes: num centro comercial, num lar
de idosos, numa taberna ou até mesmo em família. Pode-se sentir maior desamparo no meio
da multidão do que em estado solitário. O estar só – mesmo acompanhado – não implica
necessariamente que se viva em solidão. Esta não se encontra dependente da presença ou
ausência física de outros mas do tipo de relacionamento que se tem ou não com esses outros e,
sobretudo, com um estado de ânimo interior, subjectivo emocional. Por outro lado, a solidão
pode ser escolhida como uma opção de vida (…) pode fazer parte do desenvolvimento
emocional de cada um (…) a solidão pode ser essencial para o desenvolvimento da
personalidade e da criatividade» (Pais, 2006, p.353).
De fato, a solidão afeta quase todas as pessoas em qualquer idade e em algum momento
da sua vida, o que não traduz que a pessoa esteja sozinha, pois para isso acontecer é
necessário que a pessoa não se sinta preenchida, sinta-se só ainda que esteja com outros, e não
tendo ninguém para partilhar os seus sentimentos, afetos, experiências, bem como fazer
amizades. Smith e Baltes (1993, cit. por Monteiro, & Neto, 2008, p.107) referem que para «os
adultos mais idosos, a solidão é mais comum: cerca de 50% de adultos com oitenta ou mais
anos de idade se sentiram sós muitas vezes». Emídio, Firmino e Vaz Serra (1989, cit. por
Monteiro, & Neto, 2008, p.107) relatam resultados obtidos no seu estudo sobre a solidão da
população portuguesa em geral, referindo que «a terceira idade foi o período etário mais
vulnerável, sendo que é nesta faixa da população que mais perdas ocorrem, desde a entrada na
reforma, privações económicas, dificuldade em estabelecer contatos sociais devido a doenças
físicas, a morte de familiares, nomeadamente do seu/sua companheiro/a, que muitas vezes
obriga inevitavelmente a ir viver para outros locais». Assim, torna-se pertinente saber quais
serão os preditores da solidão nas pessoas idosas.
Relativamente à idade Russell (1982, cit. por Monteiro, & Neto, 2008, p.95) «verificou
que os sujeitos mais velhos se sentiam menos sós». Mas, isto não significa que os idosos não
sintam solidão, mas talvez porque os idosos à medida que a idade avança as suas vidas
tornam-se mais estáveis, podendo possuir expectativas da vida mais realistas (Neto, 2000).
No que toca ao género Borys e Perlman (1985, cit. por Monteiro, 2008), constataram
que havia pouca diferença relativamente ao género e à idade, mas que os homens pareciam
sentir-se mais sós do que as mulheres.
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O tipo de relação conjugal também pode condicionar o nível de solidão percecionado
pelo idoso. Peplau, Miceli e Morash (1982) concluíram que as pessoas solteiras queixam-se
menos de solidão do que as viúvas, separadas ou divorciadas, lamentando-se mais da sua vida
no presente comparativamente com a sua vida no passado. Izal e Montorio (1999) referem que
a morte do cônjuge constitui um acontecimento da vida, que obriga a alterações e mudanças a
vários níveis no funcionamento do quotidiano, nomeadamente, a uma adaptação e
aprendizagem de viver só.
Outro fator, não menos interessante, aponta para a relação entre a solidão e problemas
de saúde. Hawkley e Cacioppo (2007, cit. por Monteiro, & Neto, 2008, p. 93) «com dois
grupos, um de jovens universitários, e outro de adultos mais velhos com idades
compreendidas entre os 50 e 68 anos, apontam que as pessoas sós relatam acontecimentos
mais stressantes, têm tensão arterial mais elevada e níveis de stress mais elevados do que as
não sós». É importante que o indivíduo encare de modo positivo as mudanças que vão
ocorrendo durante o seu processo de envelhecimento, para se manterem ativos e com elevados
níveis de autoestima.
Autoestima
Para diversos ramos da ciência a autoestima tem sido objeto de estudo pelo fato de ter
uma influência determinante e decisiva no comportamento psicológico dos indivíduos. A
autoestima pode ser definida como a avaliação que fazemos de nós próprios, tendo em conta o
modo como percebemos a avaliação que os outros fazem sobre nós.
Na opinião de Coopersmith (1967), a autoestima consiste num juízo pessoal de mérito,
que se expressa por atitudes que o indivíduo mantém com ele próprio. Estas, podem ser de
aprovação ou de reprovação, sendo expressas através de comportamentos verbais ou não
verbais, e indicam a forma como o indivíduo se avalia como capaz, com sucesso e com valor
ou vice-versa. De acordo com Vaz Serra (1986), a autoestima representa o modo de avaliação
que cada indivíduo faz das suas qualidades, ou seja, é o juízo que o sujeito faz acerca de si
mesmo, podendo ser positivo ou negativo, perante desempenhos e acontecimentos
considerados importantes. Independente da idade, possuir uma boa autoestima favorece a
saúde e a auto realização, enquanto uma baixa autoestima pode causar receios, medos,
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dificuldades interpessoais, aflição, insegurança, desmotivação, depressão, falta de realização
das próprias capacidades, discriminação entre outros.
Em 1979, Rosenberg definiu a autoestima como a avaliação que o indivíduo faz acerca
do seu próprio valor. Esta avaliação, é feita com base em informações de pessoas que o
indivíduo considera importantes, sejam eles familiares, amigos, professores, colegas entre
outros significativos. Para ele, a autoestima divide-se em três componentes: “O eu existente",
que se refere á maneira como cada individuo se observa a si próprio; "O eu desejado", que é o
modo como cada um desejaria ser e por fim "O eu revelado" que corresponde à maneira como
o indivíduo se tenta apresentar ou fazer-se conhecer aos outros. Simmons e Rosenberg (1975),
referem, que a autoestima, constitui-se como um constructo multidimensional, pois reflete
todos os sentimentos de autovalor. Também Spirduso (1995) considera a autoestima como um
constructo multidimensional, porque inclui a visão que cada indivíduo faz de si em todas as
dimensões da sua vida, quer sejam de carater social, psicológico, fisiológico ou físico. O
conceito de autoestima diz respeito, à forma como o individuo elege os seus objetivos; se
aceita a si e à sua imagem; valoriza o outro e planeia as suas expectativas. Assim, a
autoestima, é vista como uma medida avaliativa do seu autoconceito, através do qual o
indivíduo se avalia de forma positiva ou negativa, resultante das suas experiências e vivências
(Hewitt, 2002).
É de extrema importância reconhecer os papéis que os idosos podem e querem
desempenhar, permitindo que se sintam socialmente ativos e úteis, participando de forma
autónoma e independente em atividades que contribuam para o seu bem-estar físico, psíquico,
emocional e social, e que estimule a sua autoestima. Um idoso, com uma boa autoestima
consegue ultrapassar melhor as dificuldades que se lhe avizinham, próprias do processo de
envelhecimento, garantindo a sua inserção na sociedade, possibilitando o incentivo da
mobilidade e da promoção dos seus tempos livres (Moura, 2006). Neste âmbito, destacam-se
os trabalhos realizados nas Universidades da Terceira Idade, que têm como objetivo principal
emendar os estereótipos e preconceitos associados ao envelhecimento, promover a
autoestima, recuperar a cidadania, incentivar a autonomia, a independência, a reinserção
social em busca de um envelhecimento bem-sucedido (Palma, 2000). «A criação de um
espaço de convívio educacional e social representou (…) uma nova perspectiva de viver e de
participar. (…) permitiu que os idosos se pudessem observar como cidadãos ativos e
participantes, recuperando a sua autoestima e mostrar à sociedade e aos seus familiares a sua
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capacidade de agirem sós e lutarem, pelos seus direitos de cidadania, tornando-se elementos
socialmente interventores» (Monteiro, & Neto, 2008, pp.50-51).
Redes de Suporte Social
«Um sistema de apoio é uma rede social, isto é, um conjunto de pessoas ligadas por um
conjunto de laços, por exemplo, relações de apoio emocional ou apoio instrumental»
(Monteiro, & Neto, 2008, p.99). Singer e Lord (1984, cit. por Ribeiro, 1999, p.548) «referem
que o suporte social pode ser informacional, emocional ou material e, em termos de quem o
fornece, pode ser pessoal ou interpessoal, fornecido por amigos, familiares, conhecidos: pode
ser relativamente formal, fornecido por organizações e associações tais como grupos
religiosos, ou organizações não-governamentais de base comunitária: ou pode ser do tipo
profissional em termos de consulta ou terapia». Elas podem ser categorizadas quanto às suas
propriedades estruturais, quanto ao tamanho, à sua estabilidade, homogeneidade, simetria,
complexidade e grau de ligação entre os seus membros.
Dunst e Trivette (1990, cit. por Ribeiro, 1999) apresentam as seguintes dimensões de
suporte social que consideram as que se têm mostrado importantes para o bem-estar: tamanho
da rede social; existência de relações sociais; frequência de contatos; necessidade de suporte;
tipo e quantidade de suporte; a coerência entre a extensão em que o suporte social disponível
equipara com a que o indivíduo necessita; o número de vezes que utiliza; dependência;
reciprocidade; a proximidade e a satisfação com a mesma. Na opinião de Stokes (1985) uma
rede social apresenta quatro dimensões: 1) o tamanho da rede, inclui as pessoas significativas
na vida e com quem contacta regularmente; 2) o número de pessoas íntimas da rede,
corresponde ao número de pessoas a quem pode recorrer em qualquer situação; 3) a
percentagem de familiares da rede, e por fim 4) a densidade da rede, que se relaciona com a
intensidade das relações estabelecidas com os membros da rede.
À semelhança do que acontece com indivíduos noutras faixas etárias, a existência de
redes de suporte social constituem um elemento crucial para bem-estar e saúde física e mental
dos idosos. Para alguns autores (Lang, & Carstensen, 2002, cit. por Lang, 2001), a interação
social concorre de duas formas na acomodação à fase designada de terceira idade. Por um
lado, a frequência de relacionamentos no âmbito social estabelece um meio relevante na
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qualidade de vida, e por outro, possibilita que as pessoas controlem a qualidade, a estrutura e
a utilidade das redes sociais de modo a aumentar os próprios recursos sociais. Embora muitos
pensem que envelhecer significa desmedrar, definhar, adoecer e afastar-se de tudo,
contrariamente, a velhice é o momento certo para que cada pessoa continue ativa e tenha uma
boa qualidade de vida (Vitta, 2000). Com base num rastreio efetuado no Reino Unido sobre a
qualidade de vida da população idosa, os resultados de Bowling (1995) mostram que os
aspetos mais valorizados pelos idosos a residir na comunidade são: possuir boas relações com
a família e amigos, ter papéis sociais, ocupar os seus tempos livres, usufruir de boa saúde e
funcionalidade, ter boa vizinhança e manter o controlo de independência. A participação dos
idosos em grupos enquanto um movimento social que busca a transformação da velhice,
permite ao idoso, reinventar a realidade do envelhecer e recriar relacionamentos saudáveis.
Assim, as atividades grupais com pessoas da mesma idade parecem favorecer um
envelhecimento bem-sucedido e com qualidade, porque possibilitam a convivência, a
conquista de novas amizades e a obtenção de suporte social, ajudando-os em qualquer
situação ou circunstância.
É necessário, quer para o idoso, quer para a sociedade envolvente, ajudá-los a
envelhecer criativamente, promovendo as suas capacidades, e potencialidades, tornando-os
mais felizes (Oliveira, 2010). São necessárias, cada vez mais, atividades que valorizem o
idoso e os seus saberes, permitindo-lhes encarar a reforma como mais um estádio da sua vida
e não como o fim. Deste modo, o projeto das Universidades representa uma resposta social,
que visa criar e dinamizar regularmente atividades sociais, culturais, educacionais e de
convívio, proporcionando a retirada dos idosos do isolamento e da solidão.
Metodologia
Objetivos e Hipóteses
Após a introdução teórica, o presente estudo pretende analisar de que forma a
participação na Universidade Sénior de Gondomar influencia os níveis de solidão, da
autoestima e tamanho das redes sociais dos idosos que a frequentam, comparando com um
grupo de idosos que não frequentam qualquer Universidade Sénior. Só assim podemos
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percecionar se a USG é uma ferramenta muito útil na luta contra a solidão, influência os
níveis de autoestima, o tamanho e o grau de satisfação das redes de apoio social. Como
objetivos específicos o que se pretende é perceber em que medida a frequência da USG (ao
longo de 6 meses) diminuem os níveis de solidão, aumenta os níveis da autoestima, o
tamanho e o grau de satisfação das redes de apoio social, em comparação com um grupo de
idosos com caraterísticas semelhantes mas que não frequentam qualquer Universidade Sénior.
Face ao exposto, consideram-se hipóteses para este trabalho de investigação as
seguintes:
H1- Espera-se que frequentar a Universidade Sénior de Gondomar influencie o grau de
solidão dos idosos, comparativamente com idosos que não a frequentam.
H2 – Espera-se que os idosos que frequentam a USG apresentem níveis de autoestima
mais elevados, comparativamente com o grupo de idosos que não frequentam.
H3 - Espera-se que os idosos que frequentam a USG beneficiem de mais suporte
social, comparativamente com o grupo dos idosos que não a frequentam.
Amostra
A nossa amostra é constituída por 70 elementos, 35 pertencentes ao grupo de
controlo – elementos que não frequentam nem frequentaram a Universidade Sénior de
Gondomar – e 35 pertencentes ao grupo experimental (alunos da Universidade Sénior). Em
função dos grupos em estudo, verifica-se que não existe independência entre os grupos
uma vez que p>0.05 (neste caso não se apresenta o valor do χ2 pois, em tabelas de 2x2, o
SPSS apenas apresenta o valor de p, uma vez que é calculado em tabelas desta natureza o
teste exato de Fisher): idade, estado civil, escolaridade, situação profissional e
rendimentos.
A média de idades da amostra é de 63.14 anos de idade para o grupo de controlo e
63.25 anos de idade para o grupo Universidade Sénior. Quanto ao estado civil, de modo
geral, a amostra é composta por 65.7% de casados/união de fato, 17.9% de viúvos, 9.0% de
divorciados/separados e 7.5% de solteiros. Relativamente à escolaridade dos inquiridos, de
modo geral, 29.9% indicam ter o ensino superior, 25.4% o terceiro ciclo do ensino básico,
23.9% o primeiro ciclo do ensino básico, 14.9% o ensino secundário e 6.0% o segundo
ciclo do ensino básico. De modo geral, 89.4% da amostra indica estar reformada, sendo
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que relativamente ao grupo de controlo 82.9% indica estar reformado e relativamente ao
grupo Universidade Sénior 96.8% indica encontrar-se reformada. No que concerne aos
rendimentos, 66.7% indica ter rendimentos superiores a 1000€, 21.2% indica ter
rendimentos situados entre os 500€ e os 1000€ e 12.1% da amostra indica ter rendimentos
inferiores a 500€.
Instrumentos
Neste estudo, serão adotadas três medidas de recolha de dados, a Escala da Solidão, a
Escala da Autoestima, o Questionário de Suporte Social (SSQ6), e um Questionário
Sociodemográfico, com o objetivo de identificar um conjunto de caraterísticas dos idosos,
como a idade, género, estado civil, o nível socioeconómico/rendimento mensal, e estado atual
de saúde.
Escala da Solidão da UCLA É constituída por 18 itens de avaliação do nível de
solidão sentida, apresentando 4 possibilidades de resposta, em que 1 corresponde a
“nunca”, 2 “raramente”, 3 “algumas vezes” e 4 a“ muitas vezes” (Neto, 1989).
Escala de Autoestima de Rosenberg Esta escala compreende 5 itens considerados como
indicadores de atitudes positivas (por exemplo ”Globalmente estou satisfeita comigo própria”)
e 5 itens representando atitudes negativas acerca do self (por exemplo: ”Por vezes penso que
nada valho”). Trata-se de uma escala de seis pontos do tipo Likert (6 – “Concordo
Totalmente”; 5 – “Concordo”; 4 – “Concordo Parcialmente”; 3 - “Discordo”; 2 – “Discordo
Parcialmente”; e 1 – “Discordo Totalmente”.
Questionário de Suporte social (SSQ6) O SSQ6 é composto por 6 itens. O número
(N) de cada item do SSQ é o número das pessoas da lista que dão apoio e é avaliado numa
escala ordinal de “muito satisfeito” a “muito insatisfeito” (muito descontente). A segunda
parte avalia o grau de satisfação social (S) utilizando uma escala de tipo Likert com 6
pontos que vão desde insatisfeito (1) a muito satisfeito (2) (Pinheiro e Ferreira, 2002).
Procedimentos
A recolha dos dados foi efetuada em dois momentos. Assim num primeiro momento, os
dados foram recolhidos entre Setembro e Outubro de 2011. E, num segundo momento, os
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dados foram recolhidos entre Março e Abril de 2012. Numa primeira fase foi feito um pedido
formal de autorização através de carta ao Presidente da Universidade Sénior de Gondomar
para administração dos instrumentos e recolha de dados, explicando a natureza do estudo e
garantindo o respeito de todas as normas éticas e deontológicas no que se refere ao sigilo e
confidencialidade dos dados recolhidos. Foi elaborada uma carta de consentimento informado
onde constava o pedido de participação de cada idoso, que foi preenchida pelo próprio idoso.
A intervenção para a recolha dos dados teve início com uma breve apresentação da
investigadora, sobre o objetivo do estudo, bem como a explicação acerca do propósito das
escalas e do questionário sociodemográfico, e a recolha dos dados ocorreu nas salas da
própria instituição que estavam disponíveis para o efeito.
Resultados
No sentido de se verificar se a frequência da Universidade Sénior influencia os níveis de
solidão, da autoestima, o tamanho e o grau de satisfação das redes de apoio social da nossa
amostra recorreu-se ao teste t para amostras emparelhadas para comparar se, nos dois
momentos de medição, as pontuações médias obtidas pelos inquiridos diferem. Quanto às
caraterísticas psicométricas das escalas, verifica-se que, quanto à Escala de Solidão o valor de
Alfa de Cronbach é de 0.90, sendo este valor verificado por Neto (1992) aquando da aferição
da escala à população portuguesa que foi de (α=0.87). Relativamente à Escala de Autoestima
o valor de Alfa de Cronbach é de 0.70. Estes valores indicam que as escalas apresentam
valores de consistência interna satisfatórios. Quanto à Escala de Suporte Social por ser
composta por duas subescalas, o valor de Alfa de Cronbach relativamente ao número de
elementos da sua rede (SSQ6 N) é de 0.91, e o valor correspondente à satisfação com essa
rede (SSQ6 S) é de 0.93. Estes valores não se afastam demasiado dos verificados por
Saranson, Saranson, Shearin e Pierce (1987) que foram de (α= 0.97) e (α= 0.98).
De seguida apresentam-se os resultados obtidos. Relativamente à Escala da Solidão no
grupo de controlo – grupo que não frequenta a Universidade Sénior – o que se verificou foi
que, nos dois momentos de medição, as diferenças encontradas nas pontuações médias obtidas
na Escala de Solidão não são estatisticamente significativas (t=1.78; p> 0.05). No entanto,
relativamente ao grupo que frequenta a Universidade Sénior observou-se que entre os dois
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momentos de medição, as diferenças encontradas nas pontuações médias da Escala de Solidão
foram estatisticamente significativas (t=3.42; p<0.05).
Escala da Solidão
51
50,54
50
50,46
49,77
49
48
Grupo Controlo
47
46,83
46
Grupo Universidade
Sénior
45
44
1 Momento
2 Momento
Figura 1 – Valores médios de solidão em função da frequência [grupo de controlo versus grupo
experimental (Universidade Sénior)] e do tempo.
Concretamente, o que se verificou foi que, no segundo momento de medição, após 6
meses de ingressarem na Universidade Sénior, as pontuações médias obtidas foram mais
baixas (M= 46.83; DP=2.62) que no primeiro momento de medição (M= 49.77; DP=5.95),
altura do ingresso na Universidade Sénior.
No que diz respeito à análise específica de cada momento de medição, o que se
verificou foi a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre as pontuações
médias obtidas por ambos os grupos (controlo e experimental) no primeiro momento de
medição (t=0.66; p> 0.05), ainda que o grupo de controlo tenha pontuações médias mais
elevadas que o grupo Universidade Sénior. Relativamente ao segundo momento de medição –
6 meses depois – o que se observou foi a existência de diferenças estatisticamente
significativas entre o grupo de controlo e o grupo experimental (t=4.95; p<0.05), sendo que o
grupo experimental apresenta pontuações médias mais baixas que o grupo de controlo.
Relativamente à Escala de Autoestima, o que se observou foi a não existência de
diferenças estatisticamente significativas entre as pontuações médias obtidas na Escala de
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Autoestima (t=-1.44; p>0.05) nos diferentes momentos de medição no grupo de controlo,
ainda que no segundo momento se tenha verificado um aumento das pontuações médias da
Escala de Autoestima. No que diz respeito ao grupo experimental, o que se observou foi a
existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos de medição
(t=-72.74; p<0.05), sendo que no segundo momento se verifica uma diferença das pontuações
médias obtidas mais acentuada (M=56.71; DP=2.77) que no primeiro momento (M=46.91;
DP=2.77).
Autoestima
60
50
40
56,71
48,37
46,91
48,42
Grupo de controlo
30
Grupo Universidade
Sénior
20
10
0
1 Momento
2 Momento
Figura 2 – Valores médios da autoestima em função da frequência [grupo de controlo versus grupo
experimental (Universidade Sénior)] e do tempo.
No que concerne à análise específica de cada momento de medição, o que se verificou
foi a não existência de diferenças estatisticamente significativas entre as pontuações médias
obtidas na Escala de Autoestima em função dos dois grupos em análise – controlo e
experimental – no primeiro momento de medição (t=1.36; p>0.05), ainda que o grupo
experimental tenha obtido pontuações médias mais elevadas que o grupo controlo.
Relativamente ao segundo momento de medição – 6 meses depois – o que se observou foi a
existência de diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de controlo e o grupo
experimental (t=-7.89; p<0.05), sendo que o grupo que frequenta a Universidade Sénior
apresenta pontuações médias mais elevadas que o grupo de controlo. Confirma-se assim os
dados obtidos no gráfico anterior.
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Por último no que diz respeito à análise específica de cada momento de medição
relativamente à influência da Universidade Sénior no aumento do Suporte Social dos
inquiridos (SSQ6 N), o que se verificou foi a não existência de diferenças estatisticamente
significativas entre as médias dos elementos pertencentes a ambos os grupos relativamente ao
Suporte Social (controlo e experimental) no primeiro momento de medição (t=0.20; p>0.05),
ainda que o grupo de controlo tenha em média um maior suporte social que o grupo
experimental. Relativamente ao segundo momento de medição – 6 meses depois – o que se
observou foi a existência de diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de
controlo e o grupo experimental (t=-3.41; p<0.05), sendo que o grupo experimental apresenta
relativamente ao grupo de controlo, em média, um maior e mais acentuado Suporte Social do
primeiro momento (M=2.4; DP=1.82) para o segundo momento (M=4.00; DP=1.82).
Suporte Social N
4,5
4
4
3,5
3
2,5
2
2,31
2,4
Grupo Controlo
2,43
Grupo Universidade
Sénior
1,5
1
0,5
0
1 Momento
2 Momento
Figura 3 – Valores médios do suporte social N (tamanho da rede) em função da frequência [grupo
de controlo versus grupo experimental (Universidade Sénior)] e do tempo.
No que diz respeito ao grau de satisfação (SSQ6 S), no primeiro momento de medição
não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de controlo e o
grupo que frequenta a Universidade Sénior (t=0.05; p>0.05). Já no segundo momento de
medição – 6 meses depois – o que se observou foi que o grupo Universidade Sénior
apresentou pontuações médias mais elevadas que o grupo de controlo revelando um maior
grau de satisfação com o suporte social dos inquiridos, sendo essa diferença estatisticamente
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significativa (t=0.81; p<0.05). O que também se verificou – recorrendo à mesma estratégia
estatística usada para o caso da Escala de Solidão – foi que no grupo de controlo não existem
diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos de medição (t=-1.00;
p>0.05), ainda que se verifique um aumento relativamente ao suporte social dos inquiridos
(SSQ6 N). No entanto, no grupo experimental, o que se verificou foi um aumento médio mais
acentuado do número de elementos pertencentes ao suporte social dos inquiridos no segundo
momento de medição, sendo essa diferença estatisticamente significativa (t=-8.18; p <0.05).
O mesmo se verifica quando foram comparados, nos dois momentos de medição, o grau de
satisfação do suporte social (SSQ6 S). Assim, no grupo de controlo não se verificaram
diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos de medição (t=0.20;
p>0.05), ou seja, não se verificou um aumento significativo no grau de satisfação dos
inquiridos. Já relativamente ao grupo Universidade Sénior foi possível verificar, no segundo
momento de medição, uma diferença estatisticamente significativa no grau de satisfação dos
inquiridos (t=-1.50; p<0.05), sendo que do primeiro momento (M=5.33; DP=0.50) se
verificou para o segundo momento de medição um aumento nesse mesmo grau de satisfação
(M=5.45; DP=0.47).
Suporte Social S
5,46
5,45
5,44
5,42
5,4
5,38
5,36
5,34
5,32
5,34
5,34
Grupo Controlo
Grupo Universidade Sénior
5,33
5,3
5,28
5,26
1 Momento
2 Momento
Figura 4 – Valores médios do suporte social S (grau de satisfação dos elementos da rede) em função da
frequência [grupo de controlo versus grupo experimental (Universidade Sénior)] e do tempo.
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Discussão
Neste estudo foram alcançadas três leituras. Relativamente à primeira hipótese que se
refere à variável solidão, pode-se observar que os idosos que frequentam a USG (grupo
experimental), após seis meses da sua frequência, possuem menor nível de solidão
comparativamente com os idosos que não a frequentam (grupo de controlo), sendo estas
diferenças significativas. Estes resultados confirmam a primeira hipótese. Estes resultados
corroboram com Russell, Cutrona, Rose e Yurko (1984) os quais verificaram que a solidão
social e emocional estavam inversamente associadas com as redes sociais e satisfação com as
medidas de relacionamento românticas e com os amigos. O grupo de idosos que frequenta a
USG revela que, de fato, a escolha de amigos, a integração numa rede de apoio social, é
benéfico porque pode contribuir para o evitamento ou combate da solidão. Os idosos que
mantêm mais contato com os amigos apresentam menos sentimentos de solidão (Giles,
Glonek, Luszcz, & Andrews, 2005). Aprofundar relações de amizade, sociais e comunitárias,
são uma estratégia para lidar, confrontar a solidão. No mesmo sentido, Pedrozo e Portela
(2003) referem que para encarar a solidão é primordial que o idoso participe em grupos de
idosos, pois só assim consegue dar um novo sentido a esta nova etapa da sua vida, que deve
ser vivida de forma mais positiva, recriando relacionamentos saudáveis, fato com o qual estes
idosos parecem estar de acordo. A participação destes idosos em atividades que lhes dão
prazer, fazem-nos sentir saudáveis uteis e em liberdade, satisfaz a sua vida diária contribuindo
para suprir a solidão. De fato «nas Universidades da Terceira Idade as pessoas que as
frequentam têm a possibilidade de se interrelacionarem umas com as outras de uma forma
satisfatória aliviando a solidão» (Monteiro, & Neto, 2008, p.147).
A segunda hipótese que se refere á autoestima revelou que os idosos que frequentam a
USG apresentam níveis de autoestima mais elevados que o grupo de idosos que não a
frequentam. As diferenças apresentaram-se significativas após 6 meses da sua frequência, pois
é possível que as atividades e o convívio com os amigos proporcionam a melhoria da
autoestima do idoso, a construção de novos laços, a partilha de significados sobre a velhice,
garantindo a sua autonomia e independência (Moura, 2006). Pode-se inferir que os idosos
quando integrados e envolvidos em atividades seniores ajuda-os a distanciarem-se das
imagens negativas e possíveis problemas, atribuindo a si próprios valorização pessoal, uma
atitude positiva, mente ocupada assegurando uma auto imagem e auto estima positivas. Assim
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um idoso capaz de se dedicar a fazer coisas de que gosta, estimula a sua autoestima passando
o processo de envelhecimento de modo saudável.
A última hipótese, a qual refere que frequentar a USG influencia o nível de suporte
social dos idosos que a frequentam em relação aos idosos que não a frequentam, constatou-se
que as diferenças são significativas após os 6 meses da sua frequência, quer em relação aos
elementos que constituem a sua rede, bem como ao grau de satisfação face a essa mesma rede,
ou seja, os idosos que frequentam a USG há 6 meses apresentam níveis de suporte social mais
elevado quanto ao número e grau de satisfação em relação ao grupo de idosos que não a
frequentam. Este fato foi referido por Peplau e Perlman (1982), que referem que as pessoas
idosas privilegiam o estabelecimento de contatos com amigos da mesma idade em detrimento
de contatos com pessoas da família, pois a perceção recebida desses contatos são importantes
para ultrapassar diferentes provisões sociais. Considerando a USG como uma rede de apoio
social, verificou-se neste estudo que a sua perceção em termos de quantidade e qualidade
constitui um vasto grupo de benefícios que proporciona o aumento da autoestima, promove o
humor positivo, o optimismo, permite a diminuição do stress, sentimentos de solidão e de
fracasso (Pinheiro, & Ferreira, 2002). Os estudos realizados têm vindo a legitimar a ideia de
que o suporte social constitui-se como promotor do bem-estar e da saúde do indivíduo.
Segundo Vaux (1988), o apoio social promove e contribui para que os idosos sejam
capazes de se ajustar a situações impostas pela sociedade, e de enfrentar problemas,
permitindo o aumento da autoconfiança e da autoestima assim como proporciona o seu bemestar físico e psicológico, satisfação com a vida e vontade de viver. Os contatos sociais, a
escolha dos amigos, a integração num grupo são meios válidos para manter um bom estado de
saúde, valorização permitindo lidar com a solidão (Berger, 1995). Deps (1993) defende a
ideia de que o convívio grupal entre idosos possibilita a ocorrência de significados comuns e a
aproximação interpessoal, facilitando a obtenção de suporte social.
Através deste estudo pode inferir-se que estas instituições representam um enorme e
duplo significado. A nível pessoal, representam uma oportunidade para cada idoso melhorar
como individuo, acreditando nos seus potenciais e capacidades, reconquistando uma imagem
positiva de si, muitas vezes esquecida, permitindo a concretização de projetos de vida e
sonhos até então inatingíveis pelos desígnios da vida. No plano coletivo representam um
espaço de participação e integração, de troca e partilha de experiências, de motivações,
criando e desenvolvendo laços de amizades e, em alguns casos, para quem já não tem
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ninguém, encontram uma nova família, atenuando momentos de isolamento social e solidão.
Os idosos ao participarem em diversas atividades passam a sentir-se mais ativos e com mais
entusiasmo para a vida. Também um estudo, realizado na Universidade Aberta à Terceira
Idade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, demonstrou ter contribuído
efetivamente para bem-estar na velhice, melhorando na globalidade a saúde dos idosos, visto
que, ocorreu uma mudança no estilo de vida dos idosos, em diversas dimensões, envolvendo
aumento de autoestima, interação social, estímulo à aprendizagem, alcançando autonomia e
independência, diminuição dos estereótipos atribuídos à velhice e um sentimento de satisfação
tanto pessoal como grupal, o que se pode traduzir numa busca do pleno exercício de cidadania
(Jacob, 2005). Deste modo procurar ocupações e incentivos de vida fomenta pensamentos e
modos de estar na vida positivos, eliminando momentos de sofrimento e sentimentos
negativos para alguns dos idosos participantes, permitindo viver o processo de
envelhecimento de forma plena, e prolongar a vida atribuindo-lhe significado. Estas
instituições ajudam as pessoas a (re)socializarem-se, formar novos grupos, e aumentar o seu
interesse pela vida (Formosa, 2000).
Embora a amostra tenha sido pequena, não se podendo generalizar os resultados obtidos
neste estudo empírico, conclui-se que frequentar a USG permite beneficiar de menos solidão,
mais autoestima e mais suporte social. Estes indicadores são, sem dúvida, alguns que a
Universidade Sénior de Gondomar pretendeu implementar através das atividades que dispõe
para os seus alunos disfrutarem e que se puderam aqui constatar. Alguns idosos apresentam-se
inicialmente nos programas desenvolvidos pela USG com baixa autoestima e isolados, por
vezes queixosos da forma como são tratados não só pela família como também pela sociedade
que, em geral, ainda cultiva uma representação bastante negativa e estereotipada sobre a
velhice, como uma etapa de vida repleta de sucessivas perdas ou aquisição de doenças,
considerando um tempo de desinvestimento e desinteresse. No entanto, o que se consegue
observar é que, após um tempo a frequentar a USG, estes idosos demonstram interesse em
desenvolver novas habilidades e novos conhecimentos, ao mesmo tempo que ampliam a sua
rede de relações, dando novo significado à velhice.
Neste sentido, este estudo revela a importância desta instituição para a população idosa,
pois, frequentar as atividades que a mesma dispõe, promovem uma mudança no seu estilo de
vida, envolvendo mudanças nos níveis de autoestima, na interação social, no estímulo de
aprendizagem, proporcionando a recuperação de autonomia e independência, preocupando-se
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não apenas com a sua sobrevivência mas fundamentalmente em envelhecer bem. O que se
pode constatar, através dos alunos que participaram neste estudo, que após 6 meses o grupo
de idosos que frequenta a USG apresenta níveis de solidão menores, níveis de autoestima
mais elevados e níveis mais elevados de suporte social quanto ao tamanho e grau de
satisfação comparativamente com o outro grupo. É que se torna possível substituir o
envelhecimento como um processo negativo caracterizado por um período de perdas, por um
estádio de vida perspetivado de modo positivo, associado a momentos de prazer, realização,
satisfação pessoal e otimismo (Débert, 1999). Estas instituições «surgiram voltadas para a
promoção da sociabilidade através do lazer» (Lima, 2001, p.97), propõem-se a alçar a
autoestima, e melhorar as relações sociais e familiares dos seus participantes contribuindo
para o seu bem-estar, fazendo reflorescer a energia que move a vida e o prazer de cada idoso.
Fortalecem vínculos grupais positivos, transformam a sua realidade diária, descobrem novos
papéis, estimula as suas capacidades intelectuais e físicas, preenchendo em alguns casos o
total vazio que assombrava as suas vidas. Estas instituições apresentam-se como uma
excelente alternativa à indesejável e perigosa inatividade, abrindo portas a uma nova vida, que
alia o saber à satisfação de viver, através dos novos contactos e trocas de experiências,
«ajudam as pessoas sós a (res)ponsabilizarem-se, permitindo-lhes formar novos grupos e
aumentar o seu interesse pela vida» (Formosa, 2000, p.325). Parece que, manter atividades de
lazer na terceira idade, permite suscitar nos idosos sentimentos de satisfação e prazer com a
vida em geral, pois estas atividades pressupõem que o idoso envelheça num ambiente ativo e
saudável, promovendo um constante investimento na realidade de envelhecer (Simões, 1982).
Pode-se assim concluir que a existência destas instituições, contribuem para que os
idosos vivenciem o envelhecimento como um processo contínuo, desenvolvendo uma nova
postura crítica e reflexiva perante os problemas com que se deparam nesta fase do processo
vital, estimulando as potencialidades e a criatividade dos seus alunos. Também permitem uma
constante estimulação a nível físico e cognitivo, a promoção da participação social dos idosos,
ajuda a elevar a autoestima, a partilhar interesses e conhecimentos, e oferece ao idoso um
sentimento renovado na atribuição de importância pessoal, apresentando-se como uma
condição para uma velhice bem-sucedida (RUTIS, 2013). Um estudo realizado por Monteiro
e Neto (2008) faz referência à importância e aos benefícios da participação dos idosos nas
Universidades da Terceira Idade. Os alunos procuram nestas instituições encontros,
atividades, festas, piqueniques, jogos, que proporcionam o convívio, a ocupação do tempo
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livre, conduzindo ao bem-estar e satisfação com a vida, afastando-os do isolamento social e
da solidão. A visibilidade dada à população sénior torna-se cada vez mais prioritária, é
importante investir em programas e estruturas socioeducativas que procurem promover
condições para que os idosos se mantenham ativos e autónomos, contribuindo para uma
sociedade mais justa para todas as gerações.
Por fim, e apesar de se ter ficado com a sensação de se terem alcançado os objetivos
propostos, ainda muito ficou por fazer, dado os constrangimentos encontrados, quer temporais
como até espaciais, sugerindo que no futuro, seria importante realizar um estudo que
abrangesse diferentes áreas geográficas, sendo necessário o acompanhamento com entrevistas
em que se torne possível obter em profundidade, através das amostras, a influência das
variáveis sociodemográficas e comportamentais, e em que medida os idosos seriam capazes
de nos explicitar a circunstância e a frequência das suas vivências na sua vida diária. Por outro
lado, seria necessário introduzir outras variáveis que, possivelmente, pudessem interferir nos
resultados.
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The impact of the Frequency of a Senior University on the Level of Loneliness, Selfesteem, and Social Support Networks
Abstract
The purpose of this investigation is the study of a Senior University impact on the level of
loneliness, self-esteem, and social support networks of students from that institution. For that
purpose a longitudinal study was conducted to analyze the role that Senior University of
Gondomar has in the perception of loneliness, self-esteem and social support networks. Four
instruments were used: the social-demographic questionnaire, the UCLA Loneliness Scale,
the Rosenberg Self-Esteem Scale and the Social Support Scale (SSQ6). The sample is
composed by 70 elderly persons, 35 students of Senior University of Gondomar and 35 that
are not students of any senior university. The data were collected in two different moments.
The obtained results showed that after 6 months of USG frequency, there were significant
differences between the two groups, in respect of loneliness levels, self-esteem levels, and size
and satisfaction of social networks. This study supports the important role that USG has to
the elderly that are there students increasing their self-esteem, the number of social support
networks and decreasing the level of loneliness.
Keywords: loneliness; self-esteem; senior universities; social support networks.
Como citar este artigo: Gonçalves, J., & Neto, F. (2013). Influência da frequência de uma Universidade
Sénior no nível de solidão, autoestima e redes de suporte social [Temas em Psicologia do Envelhecimento
(Vol.I)], Revista E-Psi, 3(1), 69-92.
Received: September 2, 2013
Revision received: October 29, 2013
Accepted: November 8, 2013
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Perceções de Envelhecimento e Regulação do Self
ANTÓNIO M. FONSECA1, DIOGO DUARTE2, & SANDRA MOREIRA3
Resumo
O envelhecimento bem-sucedido requer do indivíduo uma postura ativa perante o modo como
envelhece. À medida que envelhece, o indivíduo utiliza mecanismos de seleção, otimização e
compensação, que lhe permitem controlar a sua vida num processo individual de regulação
do self. Um aspeto relevante para a criação de self possíveis é a forma como os indivíduos
concebem o processo de envelhecimento e o que estão dispostos a fazer para moldar o seu
desenvolvimento. O presente estudo procura conhecer as expectativas, relativamente ao seu
próprio envelhecimento, de um grupo de portugueses de ambos os sexos, com idades
compreendidas entre os 60 e 65 anos. Os resultados indicam que, apesar de os indivíduos
julgarem poder ser exemplos de envelhecimento bem-sucedido no futuro, existem
preocupações associadas à condição de idoso, nomeadamente, no que diz respeito à perda de
funcionalidade e situação económica.
Palavras-chave: perceções de envelhecimento; regulação do self; envelhecimento bemsucedido.
Introdução
Podemos
distinguir
três
modos
de
envelhecer:
envelhecimento
patológico;
envelhecimento normal; envelhecimento bem-sucedido (Fonseca, 2005a). No primeiro caso,
1
Professor Associado na Faculdade de Educação e Psicologia, Universidade Católica Portuguesa, Porto.
Investigador no Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano (CEDH).
E-mail: [email protected].
2
Universidade Católica Portuguesa, Porto.
3
Universidade Católica Portuguesa, Porto.
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trata-se de um processo de envelhecimento marcado por doença mental ou física debilitante e
a que frequentemente se associa um estado de dependência face a outrem. O segundo referese a um envelhecimento sem condições patológicas, seja de ordem física ou mental, embora
se reconheça a existência de riscos de ameaça à saúde. Por último, podemo-nos referir ao
envelhecimento bem-sucedido, ótimo ou ativo, como sendo um envelhecimento caracterizado
por um bom funcionamento físico e cognitivo, participação social, qualidade de vida e bemestar psicológico, aspetos que diminuem o risco de aparecimento de patologias (Ribeiro, &
Paúl, 2011).
Ao contrário do padrão de envelhecimento normal, atingido desde que as condições
ambientais e o património genético assim o permitam, o envelhecimento bem-sucedido requer
do indivíduo que envelhece uma postura ativa perante o modo como se envelhece. O estilo de
vida adotado assume uma enorme preponderância na forma como tal processo se desenrola,
constituindo aspetos-chave desse mesmo estilo de vida o exercício físico, uma alimentação
saudável, atividades que estimulem a mente, ações que visem a manutenção e o
desenvolvimento de competências e redes sociais, e iniciativas que promovam a segurança
individual e previnam situações passíveis de ameaçar o bem-estar (Ribeiro, & Paúl, 2011).
Lazarus e Lazarus (2006) mencionam uma lista de princípios em que definem o que é
necessário a um envelhecimento bem-sucedido: estar consciente das realidades da sua
situação; aceitar essas realidades e procurar encará-las de forma positiva; ser capaz de lidar de
forma eficaz com as suas realidades e conseguir compensar as perdas e défices decorrentes da
sua situação; empenhar-se e esforçar-se de forma intencional em atividades sociais e de
ocupação do tempo; selecionar de forma sábia as atividades em que se envolve; manter laços
próximos com os outros; manter uma autoestima positiva, independentemente das perdas e
défices que possam ocorrer.
Quando se fala em envelhecimento bem-sucedido ou ativo, pode parecer que se está a
negar o envelhecimento, ignorando o facto de ser inevitável que a balança entre ganhos e
perdas desenvolvimentais tenda, à medida que se envelhece, a pender mais para estas últimas
em vários aspetos. Contudo, apesar das perdas inevitáveis que vão acontecendo, é cada vez
mais possível envelhecer com qualidade, quer retardando o momento ou a velocidade em que
as perdas ocorrem, quer adotando comportamentos que permitam uma adaptação satisfatória
face a essas perdas. Entende-se aqui por adaptação satisfatória um processo simultâneo de
otimização dos ganhos que ainda se registarem na velhice e de compensação dos
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constrangimentos que acompanham essas perdas, muito embora, por vezes, «a adaptação e
aquilo que dela resulta (bem-estar psicológico, autoeficácia, etc.) não dependem do controlo
que a pessoa exerce sobre a sua vida e sobre o seu desenvolvimento, mas também da sua
capacidade para aceitar o que é inalterável e para se ajustar às circunstâncias que já não terá
oportunidade de alterar» (Fonseca, 2011, p.57).
O meio envolvente, não só do ponto de vista físico, como também social, desempenha
um papel importante na concretização de um envelhecimento com sucesso. Um contexto que
providencie condições materiais de conforto e segurança, onde o indivíduo receba
estimulação apropriada, que fomente autonomia e independência, e em que é percecionada
uma visão positiva do processo de envelhecimento, tenderá certamente a contribuir para um
envelhecimento tão bem sucedido quanto possível (Fonseca, 2005b).
O Ajustamento do Self ao Processo de Envelhecimento
Na perspetiva de Baltes e Baltes (1993), em todas as fases do desenvolvimento humano,
e particularmente à medida que envelhecem, os indivíduos procuram controlar a sua vida
através da aplicação de três componentes: seleção, otimização e compensação. A seleção
refere-se ao desenvolvimento e escolha de objetivos, ou seja, atendendo às perdas decorrentes
do envelhecimento as pessoas focam o seu interesse em experiências que lhes proporcionem
maior satisfação pessoal, a otimização diz respeito à aplicação de meios para atingir níveis
elevados de funcionamento e objetivos desenvolvimentais desejáveis e a compensação referese ao uso de recursos (internos e externos) que possam auxiliar o indivíduo a atingir os seus
objetivos, bem como a substituição dos recursos, se os utilizados anteriormente não foram
eficazes.
O modelo SOC (Seleção-Otimização-Compensação) postula que um «processo
adaptativo bem-sucedido e com efeitos desenvolvimentais positivos consiste na obtenção de
um resultado desenvolvimental, onde se conjuguem uma maximização de ganhos e uma
minimização de perdas» (Fonseca, 2005a, p.102). Ao falarmos neste processo de
autorregulação do self, através do qual se verifica um considerável cunho pessoal no modo
como a trajetória de vida individual se desenvolve, torna-se pertinente abordar a questão dos
self possíveis (desejáveis ou temidos), os quais consistem em representações do self no futuro
(Markus, & Nurius, 1986).
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Com efeito, relativamente a diferentes papéis que a pessoa desempenha e/ou a
diferentes dimensões da sua vida (saúde, família, vida profissional), existe a tendência para
criar representações do self não só relativas à situação presente como também relativas ao
futuro. Assim, formam-se imagens desejáveis do self que os indivíduos gostariam que se
tornassem realidade (por exemplo, self saudável) e imagens temidas do self que os sujeitos
não desejam que se venham a concretizar (por exemplo, self com saúde debilitada) (Frazier,
Hooker, Johnson, & Kaus, 2000; Murru, & Ginis, 2010). Desta forma, o indivíduo procura ao
longo da sua vida aproximar-se dos self desejáveis e afastar-se dos self temidos; tais
representações são importantes para o processo de autorregulação do self, agindo como
motores de mudança e desenvolvimento (VanDellen, & Hoyle, 2008).
Um aspeto relevante para a criação de self possíveis é a forma como os indivíduos
percebem o processo de envelhecimento (Furstenberg, 2002). As perceções do
envelhecimento referem-se ao modo como os indivíduos concebem o seu processo de
envelhecimento e a sua experiência pessoal de transição para a velhice. As perceções que os
indivíduos têm acerca do envelhecimento implicam uma apreciação individual, refletindo as
suas formas de pensar face às suas experiências (Furstenberg, 2002) e ao modo como
estabelecem metas e objetivos futuros (Röcke, & Lachman, 2008).
As perceções de envelhecimento representam um constructo multidimensional que
contemplam a satisfação com o envelhecimento e a idade subjetiva (Kotter-Gruhn,
Kleinspehn, Gerstorf, & Smith, 2009). Planear o futuro pode ser considerado um processo de
autorregulação na medida em que é uma forma de moldar o desenvolvimento do indivíduo.
Os autores referem ainda, no que diz respeito às perceções associadas ao envelhecimento, que
os homens apresentam perceções mais positivas que as mulheres, as quais diminuem à medida
que o funcionamento cognitivo e a saúde também diminuem. Os indivíduos que percecionam
a sua saúde como pobre poderão, contudo, não querer fazer planos para o futuro (KotterGruhn, & Smith, 2011).
De acordo com o English Longitudinal Study of Ageing (ELSA), em comparação com
os homens, as mulheres tendem a sentir-se mais jovens do que cronologicamente o são na
verdade (Demakakos, Hacker, & Gjonça, 2006). A partir de uma amostra de 8781 sujeitos,
dividida por três grupos etários (50-59; 60-74; 75 e mais anos), foi no grupo de sujeitos entre
os 60 e os 74 que mais sobressaiu esta diferença de género (Demakakos et al., 2006).
Paralelamente, o mesmo estudo revelou também que as mulheres consideram que o início da
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terceira idade surge mais tarde do que os homens, sendo que essa diferença de avaliação é
atenuada à medida que aumenta a idade dos respondentes.
Uma explicação para as diferenças de género no que se refere às perceções associadas
ao envelhecimento, nomeadamente, uma perceção de envelhecimento tendencialmente mais
positiva por parte dos homens, uma maior tendência das mulheres para se considerarem mais
jovens do que a sua idade cronológica, e uma perceção de início da terceira idade percebida
pelas mulheres como mais tardia, poderá estar relacionada com o facto de a desvalorização
social do idoso afetar mais a mulher do que o homem ou, pelo menos, o seu efeito fazer
sentir-se mais cedo. De fato, a busca de uma juventude eterna e a procura de um aspeto
sempre jovem parecem ser já considerados normativos ou mesmo “prescritivos” na
atualidade, sobretudo entre as mulheres (Marques, & Lima, 2010). Envelhecer comporta uma
perda de estatuto social no género feminino pelo simples fato de o envelhecimento tornar a
sua imagem menos atrativa numa sociedade onde a “atratividade da imagem” é um dos
aspetos que seguramente mais influência produz na valorização social da mulher (Fonseca,
2010).
O modo como os indivíduos concebem o processo de envelhecimento e a velhice tende,
com efeito, a ser influenciado pelo conjunto de representações sociais vigentes acerca do
envelhecimento e da velhice (Marques, 2011). Atualmente, apesar dos progressos
tecnológicos e médicos ocorridos nas sociedades permitirem que mais pessoas durem cada
vez mais tempo e experimentem até idades mais tardias uma boa qualidade de vida, marcada
por considerável funcionalidade física e mental (Baltes, & Smith, 2003; Fonseca, 2010),
continua a verificar-se uma tendência geral para a desvalorização das pessoas idosas. Esta
desvalorização traduz-se em ideias correntes – as pessoas idosas são incapazes de se
desenvolverem, a velhice corresponde a uma “segunda infância”, os idosos são inflexíveis,
resistentes à mudança, possuem um poder de iniciativa limitado e dificuldade em abraçar
novos projetos – e em imagens que associam o envelhecimento a doença, inatividade,
depressão, aborrecimento e incapacidades várias. Poderíamos ainda acrescentar outras
representações de cariz negativo: na velhice é demasiado tarde para se adotar estilos de vida
saudáveis, os idosos apresentam um desinteresse pela vida e não têm qualquer possibilidade
de manter uma vida afetivamente compensadora ou sexualmente ativa (Fonseca, 2010).
Wurtele (2009), num artigo que aborda o modo como estudantes veem a velhice
(definida como tendo início aos 65 anos de idade), demonstra através de dados provenientes
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de uma amostra composta por 1340 estudantes norte-americanos de psicologia recolhida ao
longo de dez anos, que a imagem comum associada à velhice é uma imagem negativa,
caracterizada pela passividade. A estes estudantes foi pedido para listarem individualmente
um conjunto de cinco atividades ligadas à vida na velhice, tendo as cinco atividades mais
frequentemente mencionadas sido as seguintes: socializar (que passava por falar com
familiares por telefone, mas que excluía sair para jantar fora, ir ao cinema ou socializar com
pessoas fora da família); fazer exercício (que consistiria apenas em caminhar ou jogar golf);
ver televisão; dormir; ler. Quando confrontados com este conjunto de atividades mais
mencionadas, os estudantes consideraram tal vida como solitária e aborrecida.
Tais representações, socialmente disseminadas e partilhadas, tornam propício o
surgimento de afetos negativos, cognições e comportamentos discriminatórios face às pessoas
idosas, discriminação que, por ter como base a idade cronológica, pode ser designada por
idadismo, um fenómeno que marca presença em várias sociedades (Marques, & Lima, 2010;
Marques, 2011). Como refere Marques (2011), o nosso processo de categorização tende a ser
influenciado pelas representações socialmente aceites relativas a cada categoria, sendo que, se
à categoria “idoso” a sociedade em geral associa conceitos negativos como inatividade,
incompetência, doença, etc., haverá tendência, à partida, para a ativação destes conceitos
quando lidamos com uma pessoa que consideramos idosa, colocando todas as pessoas idosas
num mesmo saco virtual de inutilidade. Fonseca (2005a) salienta a preocupação expressa por
diferentes investigadores quanto à possibilidade de as próprias pessoas idosas internalizarem
as crenças de idadismo e de isso se refletir na postura que assumem perante a sua vida,
fazendo por comportar-se não de acordo com o que a sua idade funcional lhes permite, mas
sim em função do que estas crenças negativistas estabelecem como sendo normativo para a
sua idade cronológica, numa lógica de profecia autocumprida (Marques, 2011).
Com efeito, quanto mais o idoso estiver exposto a comentários ou conceções negativas
a seu respeito, mais terá tendência a desenvolver uma visão negativista do seu próprio
envelhecimento. De acordo com Levy, Slade, Kasl e Kunkel (2002), a integração de tal tipo
de crenças, às quais se refere como autoestereótipos de envelhecimento, inicia-se desde cedo.
Enquanto jovens, os indivíduos cresceram numa sociedade caracterizada por crenças idadistas
e acabaram por integrar essas crenças, pelo que, quando idosos, muitas vezes nem chegam a
questioná-las (Marques, & Lima, 2010). A internalização de autoestereótipos de
envelhecimento não tem efeitos apenas nas escolhas e comportamentos dos indivíduos,
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podendo também ter influência no seu próprio rendimento cognitivo (Levy, 1996). Num
estudo em que se procurou ativar subliminarmente estereótipos sobre o envelhecimento junto
de uma amostra de 90 sujeitos com idade igual ou superior a 60 anos, o autor descobriu que
ativar estereótipos positivos tende a melhorar não só as visões sobre o envelhecimento, mas
também o desempenho e a autoeficácia, enquanto a ativação de estereótipos negativos tende a
ter um efeito diametralmente inverso (Levy, 1996).
Metodologia
Esta investigação, de cariz qualitativo, tem como objetivo principal explorar as
expectativas em relação ao próprio envelhecimento de um grupo de portugueses de ambos os
sexos que, dada a sua idade cronológica (60-65 anos), se encontram em vias de serem
rotulados como “idosos”. Especificamente, procuramos conhecer as perceções individuais
face às trajetórias de envelhecimento esperadas e qual o projeto de vida que os indivíduos
constroem para lidar com essas mesmas perceções.
Com o intuito de orientar a procura e análise de informação para satisfazer os objetivos
desta investigação, formularam-se as seguintes questões:
1. Há preocupação com o avanço da idade?
2. Como é que os indivíduos se sentem em relação à sua idade?
3. Que fatores são importantes para a classificação de alguém como idoso(a)?
4. Que vantagens e desvantagens estão associadas ao avanço da idade e à velhice?
5. O que significa “envelhecer bem”?
6. Que objetivos de futuro são enunciados?
7. Após os 65 anos de idade, “amar” e “aprender coisas novas” continuam a ser
possibilidades?
Amostra
Neste estudo participaram 16 homens e 15 mulheres, com idades compreendidas entre
os 60 e 65 anos, casados ou mantendo uma relação estável, vivendo na sua residência e com
níveis de escolaridade diferenciados (ver Quadro 1).
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Quadro 1 – Características dos participantes.
Participantes
Estado civil
6
Casados
10
Casados
8
Casadas
Mulheres (15)
7
Casadas
Nível de escolaridade médio/alto: maior ou igual a
médio/baixo: menor que 9 anos de escolaridade.
Homens (16)
Idade
60-65
60-65
60-65
60-65
9 anos
Nível de
Local de
escolaridade
residência
médio/baixo
médio/alto
Grande Porto
médio/baixo
médio/alto
de escolaridade. Nível de escolaridade
Tratou-se de uma amostra de conveniência, formada através do contacto pessoal com
sujeitos que reuniam as características pretendidas e que foram recrutados na comunidade em
locais como cafés, serviços paroquiais, universidades sénior e centros sociais. Para que a
investigação respeitasse os indispensáveis princípios éticos, foram explicados aos
participantes a natureza e o propósito do estudo, assegurando a confidencialidade e o
anonimato dos dados recolhidos.
Instrumentos
Para a recolha de dados recorremos aos focus groups (grupos de focagem) (Morgan,
1997), designação atribuída a um tipo específico de entrevista em grupo que é estruturada a
fim de obter opiniões detalhadas dos participantes sobre assuntos específicos. Enquanto
técnica de investigação qualitativa, os focus groups consistem na realização de discussões em
grupo, baseadas em tópicos fornecidos pelo investigador, que deverá essencialmente assumir
um papel de moderador e privilegiar a interação entre os participantes. De acordo com
Morgan (1997), o que faz com que a discussão sobre um dado assunto em focus group seja
mais do que a simples soma de várias entrevistas individuais, é o facto de os participantes se
questionarem uns aos outros e de explicarem em grande grupo a razão de um determinado
posicionamento, o que permite, a quem investiga, ficar com uma ideia mais clara da medida
de consenso e diversidade de opiniões entre os participantes. Para orientar o decorrer do focus
groups foi criado um guião composto por questões de resposta aberta (equivalentes às
questões de investigação atrás indicadas), as quais permitiram explorar as perceções dos
indivíduos relativamente a dimensões, conceitos, ideias e sentimentos face ao processo de
envelhecimento, bem como destacar as expectativas pessoais relativamente à vivência da
etapa da vida que se aproxima.
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Procedimentos
Foram realizados seis focus groups (ver Quadro 2), com duração entre 60 a 75 minutos
cada, em espaços que garantiam a privacidade desejada, cedidos por universidades seniores e
centros sociais. As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. O
processo de recolha de dados decorreu entre Novembro de 2011 e Abril de 2012. Antes de
cada focus group, os objetivos da entrevista eram novamente explicados aos participantes e
asseguradas as questões éticas.
Os critérios de inclusão nos focus groups foram os seguintes: (i) idade compreendida
entre os 60 e os 65 anos, segmento etário em que os indivíduos estão em vias de ser rotulados
como “idosos” pela sociedade; (ii) casados ou mantendo uma relação estável, tendo em conta
o impacto negativo que a viuvez pode ter na adaptação do sujeito ao seu envelhecimento
(Fonseca, 2011); (iii) viverem na sua residência, o que confere uma sensação de
independência e autonomia que influencia o modo como os indivíduos percecionam o seu
futuro, pois autonomia e domínio do meio são dimensões relevantes para o bem-estar
psicológico à medida que se envelhece (Fonseca, 2006); (iv) nível de escolaridade médio
(menor ou igual a nove anos de escolaridade) ou superior (maior ou igual a 12 anos de
escolaridade), dado que, segundo Fonseca (2011), as pessoas que possuem habilitações mais
elevadas atribuem maior importância aos fatores de bem-estar, o que por sua vez poderá
influenciar a tomada de decisão face a diferentes perspetivas de envelhecimento.
Quadro 2 – Constituição dos focus-groups.
Número de
elementos
Nível de
escolaridade
Local de
realização
Universidade
Sénior
Universidade
Sénior
Universidade
sénior
Universidade
Sénior
Focus Group 1
4
Médio/alto
Focus Group 2
6
Médio/alto
Focus Group 3
6
Médio/baixo
Focus Group 4
5
Médio/alto
Focus Group 5
4
Médio/baixo
Centro Social
Focus Group 6
6
Médio/baixo e
Médio/alto
Centro Social
Género
Masculino
Masculino
Masculino
Feminino
Feminino
Feminino
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Uma vez transcritas as entrevistas, procedeu-se à leitura flutuante do material recolhido
de forma a obter uma visão global das respostas dos participantes, sendo possível, desta
forma, produzir notas facilitadoras para posterior codificação e interpretação dos conteúdos
obtidos. Posteriormente, procedemos ao processo de categorização, em que os dados foram
decompostos em unidades de análise. Para codificação dos dados, as entrevistas foram
inseridas no programa informático de análise qualitativa de dados NVivo8, programa que
facilita a análise da informação recolhida e permite a comparação dos dados dos diferentes
focus groups. Com o auxílio deste programa o discurso dos participantes foi codificado,
analisando-se as transcrições e agrupando-se unidades de texto (frases ou expressões) com
base na analogia existente entre elas, em categorias temáticas mutuamente exclusivas
(Fernandes, & Maia, 2001).
Resultados
Os resultados permitem constatar que, globalmente, tanto homens como mulheres na
faixa etária considerada tendem a encarar o avanço da idade como algo que não constitui
motivo de preocupação. Mesmo aqueles participantes que revelam alguma preocupação
associada ao fato de que envelhecer implica deixar de ser novo e, consequentemente, que o
fim se aproxima, não atribuem grande relevo a esse fato.
Todos os homens e a maior parte das mulheres da amostra referem sentir-se bem com a
idade que têm, alegando experimentarem elevada vitalidade e funcionalidade. Embora alguns
homens tenham reconhecido que algumas limitações físicas, ligeiras, se vão fazendo sentir
[«Também me sinto bem, embora reconheça que há algumas limitações. Estas trocas dos
óculos, põe óculos, tira óculos, às vezes irrita-me um bocadinho, limitações que não havia
antes, e pronto, em termos de esforço também é preciso dosear um bocadinho.»], isso não
invalida um sentimento geral de satisfação com a idade atual, baseado sobretudo nos
indicadores: saúde, energia e autonomia.
Outros aspetos pontualmente referidos pelos participantes, homens e mulheres, para
justificar o facto de se sentirem bem com a sua idade foram os seguintes: estar saudável,
acompanhar a juventude, boa transição da vida ativa para a reforma, aceitar e adaptar-se às
mudanças que o avanço da idade vai trazendo. Estas evidências suportam Fonseca (2011,
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p.57) quando defende que a «capacidade para aceitar o que é inalterável e para se ajustar às
circunstâncias que já não terá oportunidade de alterar» promove cenários de adaptação
satisfatória ao envelhecimento. Para além disso, a aceitação e adaptação às mudanças que o
avanço da idade vai trazendo salienta a importância das expectativas para o bem-estar do
indivíduo quanto ao que se considera normativo para uma determinada idade (Furstenberg,
2002).
Estar ativo ou ter uma ocupação foram os aspetos que mais sobressaíram nos focus
groups masculinos como fatores associados ao bem-estar com a vida atual. Por outro lado,
“sinto-me bem” e “sinto-me jovem” foram expressões usadas pelos participantes (femininos e
masculinos) como sinónimos, podendo daqui inferir-se a interiorização de uma cultura da
juventude e crenças idadistas, com consequente favoritismo exo-grupal (Kite, Stockdale,
Whitley, & Johnson, 2005; Marques, & Lima, 2010). De facto, todos os sujeitos referiram ora
de modo mais implícito, ora de modo mais explícito, não se sentirem idosos. Montepare e
Lachman (1989) afirmam, a este propósito, que a maior parte dos indivíduos com idades
acima dos 60 anos relatam sentir-se mais novos do que a sua idade cronológica evidencia,
sendo que esta perceção associada à idade parece ser um melhor preditor do funcionamento
físico e psicológico do que a sua idade cronológica. Esta idade subjetiva poderá estar
associada a um conjunto de receios face ao seu próprio envelhecimento, funcionando a
desvalorização da idade cronológica como um processo adaptativo.
Nesta investigação sobressaiu uma visão eminentemente negativa da expressão “idoso”.
No entanto, enquanto a esmagadora maioria dos homens considerava a idade cronológica e
certas características físicas (rugas, cabelos brancos) como irrelevantes para a atribuição dessa
designação, as mulheres não desprezavam estes aspetos, considerando-os relevantes. Homens
e mulheres estão de acordo, porém, com o facto de que a forma como a pessoa se sente, vive e
pensa sobre as coisas são aspetos determinantes para a atribuição do rótulo de “idoso” a
alguém. Neste estudo, “idoso” foi associado a alguém com mentalidade “fechada” e
“retrógrada”, sem interesse pela vida, com menor capacidade de adaptação, com perda
simultânea de capacidades físicas e mentais, dependente, desanimado.
Posto isto, não admira que nenhum dos participantes se considere idoso nem queira ser
visto como tal. Com efeito, notou-se uma tentativa constante de argumentação contra esse
rótulo, negando que aspetos que a eles se começam a aplicar, ou já se aplicam (como a
reforma, a idade cronológica e certas características físicas), sejam distintivas do idoso. Para
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eles, ser idoso está essencialmente ligado a critérios de perda de funcionalidade e a questões
mais subjetivas (como perder o “gosto pela vida”) nas quais estes participantes não se
reconhecem.
Num estudo realizado por Minichiello, Browne e Kendig (2000), os autores concluíram
que a imagem que os participantes do seu estudo tinham do que é ser velho baseava-se numa
lista de termos negativos, como por exemplo, desligado, isolado, irritante, desinteressante,
frágil, senil, só, vulnerável, não produtivo e um fardo. Para estes autores, o facto de as pessoas
afirmarem que não se sentem velhas e que mantêm uma atitude positiva face ao
envelhecimento é uma forma de se dissociarem do grupo dos “velhos”, ao qual não
pertencem. Na mesma linha, Bradley e Longino (2003) defendem que, a não ser que estejam
doentes ou deprimidas, as pessoas de idade não se sentem velhas, sendo que tendem a
associar a imagem de “velho” a pessoas residentes em lares de idosos, imagem da qual se
procuram distanciar.
Apesar da aparente ausência de preocupação com o avanço da idade, ou pouca
relevância dada à mesma, quando levados a refletir sobre o futuro em termos de trajetórias de
envelhecimento, homens e mulheres apresentam outras preocupações relativas a aspetos que,
não estando apenas associados ao avanço da idade, o podem acompanhar (como a solidão ou
a falta de saúde). O que se percebe pela análise dos resultados é que o envelhecimento, em si
mesmo, não é para já uma preocupação ou, pelo menos, não é uma preocupação importante
para estes indivíduos. O que verdadeiramente os preocupa é a qualidade de vida que
acompanhará o seu envelhecimento no futuro, sendo que essa “qualidade de vida” implicará a
manutenção da máxima funcionalidade possível, com ausência de doença e de dependência.
A este nível podemos então apreciar a grande preponderância do tópico saúde. Segundo
Paúl, a saúde continua a ser vista pelos idosos como um elemento essencial da qualidade de
vida, «sendo talvez o indicador mais valioso do bem-estar do sujeito» (Paúl, 2005b, p.38).
Independentemente do focus group em questão, foi expressa preocupação com a possível
deterioração da saúde com o avanço da idade, nomeadamente, com situações de dependência
decorrentes de um envelhecimento patológico. Com efeito, Fonseca (2006) refere que a saúde
é uma preocupação prioritária para os idosos e esta preocupação tem certamente por base a
consciência de que a maior vulnerabilidade a patologias de ordem diversa tende a aumentar
com o avanço da idade e espelha a tendência já referida de que, com o envelhecimento, os
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possíveis self associados à condição da saúde começam a assumir uma cada vez maior
importância na vida dos sujeitos (Frazier et al., 2000).
Outra fonte de preocupação com bastante representatividade nos sujeitos do sexo
masculino é a conjuntura socioeconómica e política do país, nomeadamente, as consequências
desta conjuntura para a população mais envelhecida. Salientam-se preocupações com
consequências económicas [«Isto tem a ver com as nossas preocupações em termos do que é
que nos vai acontecer. Eu não sei se a minha reforma atual se vai manter no futuro. Tal como
cortaram o décimo terceiro e o décimo quarto, não sei se amanhã não cortam 50%!»] e com
consequências ao nível da própria postura da sociedade face aos mais velhos [«(…) por acaso
no outro dia estava a pensar nisso, com estas coisas todas de dizer que há muitos velhos, que
a sociedade envelhece, a pirâmide está virada ao contrário, a malta nova não tem filhos, os
“velhos” que seremos nós a começar a ser uma chatice, que incomodam e ocupam espaço.»;
«Eu acho, eu por acaso penso um bocado nisso, que é esta malta nova está a começar a
dizer, “Isto agora é uma porra que o dinheiro não dá, não estica e que, por isso, se nós
conseguirmos que aquela velhada toda desapareça.”»]. Esta última preocupação parece
assaltar os indivíduos desde cedo, coincidindo com a antecipação ou concretização da entrada
na reforma e consequente transformação em mais um encargo para a Segurança Social. De
acordo com Marques (2011), a inatividade das pessoas idosas e a perceção de gastos com o
envelhecimento por parte da sociedade é uma das fontes de idadismo.
A crença na falta de preparação do Estado português para responder às necessidades da
população mais velha surge como fonte de preocupação para muitos sujeitos desta amostra,
sendo apontada ao Estado falta de preparação para responder a necessidades de saúde e
mesmo necessidades de subsistência por vezes apresentadas pela população envelhecida.
Embora desejando que tal panorama se modifique, as expectativas a esse nível não são, regra
geral, favoráveis. Importa referir que, no que toca a este aspeto da preocupação com os apoios
para os mais velhos no futuro, surgiram poucas mas importantes referências em que sujeitos
relativizam essa questão em relação a si próprios, referindo não pensar nisso ou, então, que os
verdadeiros problemas a este nível já não serão sentidos pela sua geração.
Finalmente, apenas no focus group constituído por sujeitos do sexo masculino com
menos escolaridade foi manifestado o receio, ainda que de modo muito modesto, de a família
não prestar apoio em situações de dependência, diferença intergrupos que foi notada também
em Furstenberg (2002).
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Nesta investigação, a normatividade associada ao facto de que, à medida que se
envelhece, a balança entre ganhos e perdas desenvolvimentais pender essencialmente para as
perdas em várias dimensões (Fonseca, 2005), não foi negada pelos participantes. Estes
salientaram mais aspetos negativos associados ao envelhecimento e à velhice do que aspetos
positivos, tendo até o grupo de homens com menos escolaridade sido incapaz de encontrar um
único aspeto positivo. Em linha com o já anteriormente exposto, a deterioração da saúde com
o aparecimento de doenças, limitações, incapacidades e situações de dependência, com tudo o
que isso implica em termos do impacto no autoconceito e nas relações interpessoais, dominou
o espectro de aspetos negativos associados ao envelhecimento, tendo surgido com relevância
em todos os focus groups realizados.
Nos dois grupos masculinos de escolaridade mais elevada foi particularmente salientado
o facto de as pessoas mais velhas passarem a ser vistas como um estorvo para a sociedade,
confrontando-se com estereótipos relativos à sua funcionalidade [por exemplo: «E fazem-se
logo debates! E fazem-se logo debates porque não sei quê! Que eu já vi pessoas a insurgiremse as pessoas, os velhinhos conduzir. Velhinhos de 60 anos! Os velhinhos não são de 90, são
de 60! Já não (…) cuidado com eles a conduzir, senão (…) Às vezes irrita-me.»] e com a
rotulagem pejorativa de “idoso” baseada exclusivamente na idade cronológica, sem ter em
conta o estado do indivíduo em termos funcionais e psicológicos [por exemplo: «Há aqui
outra referência para o termo idoso, que é a esperança média de vida. Se nos homens a
esperança média de vida está nos 79 ou 80, bom, um indivíduo com 65 (…) claro que,
independentemente do que se passa, está-se velho, não é? Agora o problema é o velho no
sentido depreciativo e é isso que nós genericamente rejeitamos.»].
Nos focus groups masculinos, a potencial solidão e a menor capacidade de adaptação
foram outras desvantagens mencionadas, embora de forma mais modesta. Quanto às
vantagens do avanço da idade, a maior tolerância para com o outro aparece como uma
vantagem [«(…) há uma capacidade de aceitação de cada um em relação a todos os outros
(…) eu acho, para mim isso é amor, quer dizer, não vejo (…) Por exemplo, numa aula,
alguém com algumas limitações, faz perguntas que num contexto mais jovem, davam uma
risada geral e não, as pessoas aceitam. Têm a capacidade de reconhecer que há ali uma
limitação e, portanto, não há risota. Isto é amor.»], a par da maior experiência de vida e
liberdade de expressão [«Não (…) muitas vezes não se tomam posições porque o tomar de
determinadas posições pode pôr em causa determinados cordões umbilicais que nos ligam à
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sobrevivência no dia-a-dia (…) e as pessoas, por muito corajosas que sejam, e muitas são e
arriscam tudo e mais alguma coisa (…) outras pesam as consequências das suas atitudes (…)
a nível de jornalistas, a nível de políticos e portanto temos o tal discurso politicamente
correto e o artigo de jornal que não vai ferir os interesses instalados porque (…) isso já se
sabe, é disso que estamos libertos, não é? Não temos ninguém que nos vá (…)»], e de se
assistir ao crescimento dos netos, com a sensação de continuidade que isso implica. Este
último ponto destaca a importância da dimensão “imortalidade através da família” que,
segundo Paúl (2005), está implícita em ser-se avô/avó.
Também as mulheres da amostra enalteceram este último aspeto – ser avó – como algo
de positivo que o avanço da idade pode trazer, dando-lhe mesmo um destaque superior ao que
foi dado na amostra masculina. De acordo com Lazarus e Lazarus (2006), a família adquire
grande relevância para o idoso, desempenhando um importante papel na qualidade de vida e
no bem-estar. Os autores destacam a oportunidade para tomar conta ou passar mais tempo
com os netos, sendo de facto este o aspeto positivo mais elencado pelas participantes deste
estudo.
A American Association for Retired Persons (AARP) publicou em 2012 o resultado de
um estudo efetuado junto de pessoas com mais de 50 anos, o qual consistia em avaliar como
estes se sentiam no seu papel de avós. Os resultados mostram que os avós sentem pelos netos
um amor incondicional e que estão conscientes de que desempenham um papel importante
nas suas vidas. Quer seja no desenvolvimento de valores morais, ao tornarem-se seus
conselheiros, ou mesmo através dos momentos de diversão que passam em conjunto, a
presença dos avós é extremamente importante para o desenvolvimento da criança e do jovem
(AARP, 2012). Outros autores (por exemplo, Lopes, Neri, & Park, 2005) acrescentam ainda
que ser avô ou avó produz nos indivíduos um sentimento de realização pessoal e dever
cumprido, permitindo aos mais ou menos idosos terem companhia e afastarem o sentimento
de solidão.
Contrariando o que sucedeu no estudo de Nuttman-Shwartz (2007) com uma amostra de
indivíduos israelitas do sexo masculino com idades coincidentes com a amostra desta
investigação, em que tentando analisar o modo como os reformados percebem a reforma e a
possibilidade de trabalhar após a reforma, se verificou que a maioria não conseguia conceber
a vida sem trabalho, neste estudo a maioria dos sujeitos, independentemente do sexo, olha
para a reforma como um momento de gozo e liberdade, à semelhança do que se verificou nos
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resultados do ELSA, com população britânica (Demakakos et al., 2006), e nos resultados de
Furstenberg (2002) com população americana, sugerindo diferenças em termos culturais na
forma de encarar esta transição.
Segundo Fonseca (2011), a reforma pode ser vista de duas formas, ou como um
momento de libertação – e aqui o indivíduo vê a reforma como a oportunidade pela qual
esperou para poder fazer tudo o que até então não lhe foi possível devido aos seus
compromissos profissionais, ou como um momento de sofrimento e perda – em que, devido à
sua condição de reformado, o indivíduo perde a sua identidade profissional, as relações de
trabalho, o prestígio e a capacidade financeira. No entanto, os mecanismos de coping
utilizados pelo indivíduo para fazer face às mudanças decorrentes deste acontecimento de
vida é que vão determinar o aparecimento, ou não, de alterações no seu funcionamento. No
caso das mulheres que integraram a amostra, a maior disponibilidade de tempo foi associada
não apenas à reforma mas também ao facto de os seus filhos já serem adultos independentes e
exigirem menos delas enquanto mães.
No que se refere à opinião dos sujeitos quanto ao significado de se envelhecer bem, era
de adivinhar, face ao que já foi exposto, que a saúde fosse um tópico tido em conta pelos
participantes deste estudo. Envelhecer bem significa, acima de tudo, envelhecer com saúde.
Neste âmbito, os homens referiram a importância da carga genética dos indivíduos para
se envelhecer com saúde, mas em ambos os grupos (masculino e feminino) o indivíduo foi
visto como tendo um papel de relevo na promoção de um envelhecimento com saúde, não
cometendo excessos, nomeadamente alimentares, praticando exercício físico e esforçando-se
por estimular a mente, indo na prática ao encontro de algumas das sugestões feitas na obra
Manual de Envelhecimento Ativo (Ribeiro & Paúl, 2011).
Se a questão da hereditariedade já traz alguma diversidade às trajetórias de
envelhecimento por si só, esta noção de papel ativo no desenvolvimento individual levou os
participantes a reconhecerem que o envelhecimento é um processo pessoal, variando de
pessoa para pessoa os critérios de um envelhecimento bem-sucedido (Fonseca, 2005b) [por
exemplo: «para mim envelhecer bem é manter a minha sensibilidade àquilo que me rodeia,
envelhecer bem é eu sentir-me bem permanentemente comigo mesmo, quer eu tenha 70 ou 90,
se lá chegar.»].
Os homens consideraram ainda que, para além da saúde, envelhecer bem implica estar
atualizado e ocupar o tempo com atividades, sobretudo atividades de que se gosta. Para além
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de tudo o resto, a ocupação promove uma sensação de utilidade e dignidade, aspetos
associados a um envelhecimento com sucesso. Já nos grupos femininos, amor, sensação de
dever cumprido e uma vida serena foram aspetos enfatizados.
Ter recursos económicos capazes de proporcionar uma vida confortável, do ponto de
vista da satisfação de necessidades de primeira ordem, foi algo que tanto homens como
mulheres salientaram como necessário para um envelhecimento bem-sucedido, a par da
importância das relações interpessoais, tendo as mulheres dado nesta matéria importância
particular às relações de âmbito familiar. Os homens defenderam a expansão e fortalecimento
das relações sociais e consideraram, à semelhança das mulheres, que o isolamento está
associado a um mau envelhecimento.
Um rastreio sobre qualidade de vida na população idosa no Reino Unido, conduzido por
Bowling, Banister e Sutton (2003), permitiu concluir que o bom relacionamento familiar e
social, o desempenho de papéis sociais, a saúde e a funcionalidade, o local de residência e as
condições de alojamento, ter uma visão positiva da vida e manter controlo e independência,
são os aspetos mais valorizados pelos idosos. Paúl (2005a) refere que ao longo de toda a vida
e, por isso, também na velhice, a rede de suporte social que cada um possui é um recurso de
grande importância para o bem-estar físico e psicológico, destacando-se a este nível a medida
de apoio percebido, isto é, o apoio que o sujeito percebe como disponível caso precise. Dada a
maior vulnerabilidade individual que pode acompanhar o envelhecimento, tais redes de
suporte informal podem tornar-se ainda mais determinantes para os sujeitos, tendo em conta a
sua função enquanto protetora da saúde mental ao poder diminuir o impacto de fatores de
stresse (Paúl, 2005b) ou mesmo prevenir que fatores de stresse como a solidão e o isolamento
surjam, contribuindo para um envelhecimento satisfatório.
Apesar de alguns homens (uma minoria) terem considerado não ser fácil envelhecer
bem, todos os participantes acreditam que envelhecerão bem no futuro no que deles depender
para isso, isto é, acreditam que o seu estilo de vida é compatível com um envelhecimento de
sucesso, mas têm em conta que há fatores que não dependem apenas deles. O facto de todos
os participantes conhecerem pessoas que envelheceram e envelhecem bem, sejam elas figuras
públicas ou alguém das suas relações sociais, serve de suporte para crenças mais otimistas. De
acordo com o que já foi referido no enquadramento teórico, as perceções de envelhecimento
refletem a maneira de pensar e os julgamentos dos indivíduos face às suas experiências,
podendo influenciar o modo como o indivíduo estabelece metas e objetivos para o futuro.
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Assim, acreditar que se vai conseguir, ou não, envelhecer bem, dependerá da forma como se
encara o futuro baseado nas suas próprias experiências e na observação de outros
(Furstenberg, 2002).
Desta análise dos resultados deduz-se, sobretudo, que nesta faixa etária vive-se
essencialmente no presente, sem pensar muito no futuro. Essencialmente, os sujeitos da
amostra não pretendem alterar nada no seu estilo de vida, nem têm objetivos já pensados para
o futuro para além da manutenção do estilo de vida atual, com o qual estão satisfeitos e
acreditam ser o ideal para envelhecer satisfatoriamente.
Nos focus groups femininos algumas participantes apresentaram como justificação para
não traçarem objetivos para o futuro a situação económica que o país atravessa, o fator idade
[«estabelecer objetivos a longo prazo nesta idade é uma coisa complicada»] e ainda a
ansiedade face à não concretização desses objetivos [«Muitas vezes as pessoas definem
objetivos, depois não os conseguem alcançar e depois ficam frustradas. Não, não vou viver
nessa ansiedade.»]. Nestes grupos, apenas duas pessoas relataram ter objetivos definidos para
o futuro: inscrever-se numa universidade sénior e fazer voluntariado. Nos grupos masculinos,
ninguém apresentou objetivos de curto prazo, mas a longo prazo alguns sujeitos perspetivam a
institucionalização como uma possibilidade ou mesmo como uma certeza.
Para terminar este momento de análise e discussão de resultados, resta tentar responder
à última questão de investigação: “Após os 65 anos de idade amar e aprender coisas novas
continuam a ser possibilidades?”.
Todos os participantes mostraram acreditar que o amor ou a capacidade de amar é
intemporal, obviamente persistindo após os 65 anos de idade. No que diz respeito à relação
íntima entre homem e mulher, em todos os focus groups foi referido que o amor em idades
mais avançadas apresenta diferenças em relação ao que é vivido em períodos anteriores da
vida. Homens e mulheres consideraram que o amor deixa de ter a sua componente física tão
ativa, caracterizando-se essencialmente por carinho, companheirismo e maior profundidade
(na opinião dos homens), e por entendimento, amizade e cumplicidade (na opinião das
mulheres). Nos focus groups masculinos, o amor não só foi visto como uma possibilidade
como foi mesmo apelidado de “uma necessidade” por um dos participantes.
Na velhice, a relação entre o casal deixa de estar focada na atração física para se focar
em aspetos que visem o cuidado de um parceiro para com o outro, estabelecendo uma relação
assente no carinho e companheirismo (Arcoverde, 2006), o que vem suportar a opinião
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manifestada pelas participantes deste estudo quando referiram o entendimento, a amizade e a
cumplicidade como substitutos do amor erótico e da paixão que caracterizam o tipo de amor
associado às pessoas mais novas.
No que toca à aprendizagem depois dos 65 anos, todos os participantes concordam que
é ainda tempo de aprender, sendo que os limites que podem surgir à aprendizagem estarão
mais ligados aos limites das próprias pessoas e não tanto ao avanço da idade. Tal vai de
encontro à ideia defendida por Azevedo e Teles (2011) para quem, ao longo da vida, existe
um grande potencial de aprendizagem, ideia que se baseia na evidência empírica de que até
idades muito avançadas podem ser apreciadas boas reservas cognitivas (Baltes & Smith,
2003).
Withnall (2010) afirma que a aprendizagem desempenha uma função protetora
relativamente ao declínio cognitivo, bem como em relação a outras perturbações mentais, tais
como a depressão e ansiedade. A aprendizagem pode ainda proporcionar ao indivíduo um
aumento de autoestima e promover as redes sociais, através de intervenções em grupo, sendo
este em parte o objetivo das universidades sénior, de onde provem a maioria dos participantes.
Ao longo dos focus groups, os participantes foram apoiando as suas opiniões e
sustentando as suas expectativas recorrendo, por vezes, a exemplos de pessoas que
conheciam. Verifica-se aqui a importância do ambiente social (Kim, 2009), mais
especificamente, da observação e comparação social na construção de perceções relativas ao
envelhecimento e à velhice, logo, também na construção de expectativas quanto à trajetória
individual de desenvolvimento (Heckhausen & Krueger, 1993).
Porém, analisando os segmentos de discurso incluídos em algumas das categorias
criadas, verifica-se alguma incongruência em exemplos dados no sentido de desmistificar o
facto de o aumento da idade cronológica trazer falta de vitalidade e dinamismo, isto é, de esse
fator poder converter o indivíduo num “idoso” (com todas as características negativas que
atribuem a essa designação). Com efeito, estes exemplos constavam de referências a pessoas
que, apesar da sua idade avançada, conseguiam fazer isto ou aquilo, possuíam esta ou aquela
característica antagónica à conceção de “idoso”, sendo estas pessoas consideradas casos
excepcionais. Este é um aspeto curioso que também foi notado no estudo de Furstenberg
(2002) e parece ter implícita a interiorização de expectativas negativas quanto ao potencial da
pessoa de idade mais avançada (Fonseca, 2006), que embora explicitamente negadas por
muitos participantes acabam por tornar-se aqui visíveis. Por outro lado, receando vir a ser
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portadores das características negativas que atribuem aos “idosos”, também pode estar aqui
implícita a necessidade destes participantes em fundamentar as expectativas quanto à sua
trajetória de envelhecimento tomando estes “exemplos excecionais” como bitola possível de
se alcançar.
Discussão
Este estudo permitiu aceder às perceções que um grupo de homens e mulheres
portugueses que se encontram em vias de serem rotulados como “idosos” pela sociedade
possuem em relação ao seu envelhecimento, bem como relativamente à sua trajetória
individual de envelhecimento.
Embora o envelhecimento traga consigo ideias incómodas, como a consciência de que
se está a deixar de ser novo e de que a finitude se aproxima, o avanço da idade não é olhado
como uma preocupação de relevo pela grande maioria dos participantes. Refletindo no modo
como será vivida a velhice, a principal preocupação que surge é que ela seja acompanhada de
perda de qualidade de vida. Com efeito, os indivíduos temem que a sua saúde se deteriore no
futuro, abalando a sua funcionalidade e colocando-os em situações de dependência.
Paralelamente a esta preocupação, a conjuntura socioeconómica e política do país foi
persistentemente referida em todos os focus groups masculinos como podendo colocar em
causa a qualidade de vida num prazo mais curto de tempo do que o envelhecimento biológico,
já que, presentemente, os homens dizem sentir-se bem com a idade que têm, desvalorizando
as leves limitações eventualmente presentes. Receiam que a crise económica traga
consequências negativas para as suas vidas, tanto em termos da postura que a sociedade
poderá começar a assumir face à população mais envelhecida, como em termos de
consequências económicas que ponham em risco a respetiva sobrevivência com o conforto
desejado.
Em todos os focus groups os participantes demonstraram uma visão negativa da palavra
“idoso”; no entanto, enquanto a esmagadora maioria dos participantes masculinos considerava
a idade cronológica e as características físicas como irrelevantes para a atribuição dessa
designação a alguém, as mulheres atribuíam-lhes importância. Verificou-se consenso entre
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sexos no que se refere ao facto de a forma como a pessoa sente, vive e pensa sobre as coisas,
serem aspetos determinantes para a atribuição do rótulo de “idoso”.
Nenhum dos participantes se considera, portanto, idoso, e nos focus groups masculinos
pôde-se apreciar um esforço permanente de argumentação no sentido do afastamento de tal
rótulo, negando que aspetos como a idade cronológica e determinadas características físicas,
ou a reforma, sejam distintivos do idoso. Esta postura surge, claramente, como uma resposta
adaptativa para combater os estereótipos associados à velhice, “forçando” a sociedade a tratálos como sempre o fez desde que atingiram a maioridade.
Apesar dos aspetos negativos associados ao avanço da idade, os participantes acreditam
que não só estão a envelhecer bem, como serão, à partida, no futuro, exemplos de
envelhecimento bem-sucedido no que deles depender para que tal suceda. A par de questões
ambientais e até genéticas, foi destacada a importância do papel ativo do indivíduo no modo
como se envelhece. Neste sentido, cuidar da saúde surge como um aspeto a ter em conta para
os dois sexos; para as mulheres, o amor, a sensação de dever cumprido e levar uma vida
serena são importantes, enquanto os homens valorizam a ocupação do tempo com atividades
gratificantes, manter-se atualizado e investir nas relações sociais. Todos os participantes
avaliam os seus estilos de vida como adequados a um envelhecimento bem-sucedido e por
isso desejam mantê-los. As únicas alterações apontadas passam unicamente pela
consideração, a longo prazo e apenas caso a funcionalidade diminua consideravelmente, de
recorrerem à institucionalização.
No estudo de Furstenberg (2002), os resultados foram semelhantes, isto é, os sujeitos
referiram a manutenção dos estilos de vida atuais, com cuidado com a saúde e manutenção de
atividades. Apenas a antecipação de alguma deterioração futura os levava a considerar a
procura de apoios sociais, nomeadamente, a institucionalização. Porém, no estudo
Furstenberg houve quem referisse planos relativamente à sua morte, o que não aconteceu
nesta investigação, o que poderá estar relacionado com a maior amplitude de idades
considerada na sua amostra (58-92 anos de idade). Em ambas as investigações é notória uma
especial preocupação com a deterioração da saúde no futuro, apoiando a noção de que os self
possíveis relacionados com este aspeto assumem progressiva importância com o avanço da
idade (Frazier et al., 2000). Aliás, provavelmente devido à diferença entre as amostras em
termos etários, no estudo americano registaram-se já sentimentos de tristeza em alguns
sujeitos, atendendo à experiência de alguma deterioração do respetivo estado de saúde.
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No que se refere a aspetos positivos associados ao avanço da idade, comparando este
estudo com o de Furstenberg (2002), a alteração nas atividades decorrente da reforma e a
oportunidade de crescimento em termos culturais foram salientados em ambos, tendo esta
investigação registado maior diversidade de aspetos positivos do que o estudo norteamericano, designadamente, quanto à possibilidade de acompanhar o desenvolvimento dos
netos. Em ambos os estudos, o conhecimento de exemplos de outros indivíduos surgiu como
importante fonte de dados para a construção das expectativas dos sujeitos, salientando a
importância da observação social neste processo (Heckhausen & Krueger, 1993); todavia, a
influência dos media foi menos preponderante neste estudo do que na investigação de
Furstenberg (2002).
Terminando o paralelismo com o estudo de Furstenberg (2002), ambos apontam para o
facto de a trajetória imaginada de um indivíduo poder apresentar similitudes com trajetórias
imaginadas por outros sujeitos, dada a influência que sobre elas recai do que de normativo se
estipula para determinadas idades. Para além disso, ambos apontam, igualmente, para o facto
de as expectativas influenciarem a procura de objetivos de desenvolvimento. Nenhum dos
estudos responde, porém, ao modo como se equaciona a relação entre a visão que os
indivíduos têm do seu futuro e o seu comportamento, tema pertinente para ser abordado em
estudos futuros. Com efeito, fica em aberto perceber: (i) que variáveis poderão ser
preponderantes para que alterações no comportamento dos indivíduos sejam efetivamente
implementadas, em função do modo como estes perspetivam o seu futuro; (ii) que variáveis
gravitam em torno das expectativas, conferindo-lhes maior ou menor probabilidade de
afetarem o comportamento dos indivíduos.
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Perceptions of Ageing and Self-Regulation
Abstract
Successful aging requires an active attitude, by the individual, as he grows older. As that
happens, the individual uses mechanisms of selection, optimization and compensation that
allow him to control his own life through a self-regulation process. A relevant aspect of the
creation of possible selves is how individuals perceive ageing process and what are they
willing to do to shape their own development. The aim of this study is to understand the
expectations of a group of Portuguese people, from 60 to 65 years old, concerning their own
ageing process. Results show that although individuals consider they will be an example of
successful ageing in the future, they are concerned with their future condition, particularly
with the loss of autonomy and economic situation.
Keywords: perceptions of ageing; self-regulation; successful ageing.
Como citar este artigo: Fonseca, A., Duarte, D., & Moreira, S. (2013). Perceções de envelhecimento e
regulação do self [Temas em Psicologia do Envelhecimento (Vol.I)], Revista E-Psi, 3(1), 93-117.
Received: June 20, 2013
Revision received: October 28, 2013
Accepted: November 4, 2013
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Perspetivas da Morte e Personalidade em Idosos
CATARINA MARQUES-COSTA1, & JOSÉ H. BARROS DE OLIVEIRA2
Resumo
O presente trabalho privilegiou como objeto de análise as perspetivas da morte em alunos
seniores e a sua possível relação com a personalidade. A amostra é constituída por 114
seniores. Os instrumentos utilizados foram o Questionário de Personalidade de Eysenck
(EPQ) e as Escalas Breves de Perspectivas da Morte. Os questionários foram aplicados em
diversas Universidades Seniores da Região Centro de Portugal.
Os resultados mostram que o Neuroticismo se relaciona de modo positivo com a Morte como
Vida de Além de Recompensa, a Extroversão de modo negativo com a Morte como Natural, e
o Psicoticismo de modo negativo com a Morte como Desconhecido. Apesar de se verificar a
existência de correlações significativas entre as variáveis em estudo, estas assumem uma
intensidade moderada. Estes resultados realçam a necessidade de mais estudos neste âmbito,
assim como a necessidade de adaptação e construção de instrumentos que sejam adequados
a esta população, isto é, que sejam claros, que tenham boas qualidades psicométricas e que
sejam de rápida aplicação.
Palavras-chave: idoso; envelhecimento bem-sucedido; perspetivas da morte; personalidade.
Introdução
No Século XX, as alterações demográficas traduziram-se, por vezes, numa inversão das
pirâmides etárias, refletindo o envelhecimento populacional. Estas modificações vieram
1
Mestre em Psicologia do Idoso, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
(FPCE-UP). E-mail: [email protected].
2
Professor Jubilado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE-UP).
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colocar aos governos, às famílias e à sociedade em geral, desafios para os quais não estavam
preparados. Assim, envelhecer com saúde, autonomia e independência, o mais tempo
possível, constitui hoje um desafio para a responsabilidade individual e coletiva, com
tradução significativa no desenvolvimento económico dos países.
A promoção de um envelhecimento saudável diz respeito a diversos sectores, que
envolvem nomeadamente a saúde, a educação, a segurança social, os aspetos económicos, a
justiça, o desenvolvimento rural e urbano, os transportes, a habitação, o turismo, as novas
tecnologias, a cultura e os valores que cada sociedade defende e que cada cidadão tem como
seus. Se por um lado, os determinantes individuais, biológicos, genéticos e psicológicos
contribuem para a forma como se envelhece e para a ocorrência de doenças ao longo da vida,
por outro, em muitas situações, o declínio das funções que se associa ao envelhecimento está
relacionado com fatores de ordem externa (ambientais e sociais).
Assim, a importância educativa da faixa etária dos idosos é imensa, na medida em que
poderá promover uma maior interação indivíduo-meio, o que por sua vez trará uma maior
adaptação e um maior bem-estar ao idoso. Foi no sentido de dar resposta a esta necessidade
que surgiram as Universidades Seniores (Monteiro, & Neto, 2008). Os alunos que as
frequentam constituem exemplos de um envelhecimento bem-sucedido, pois estão inseridos
num meio dinamizante, tanto em termos de atividades (novas aprendizagens) como em termos
sociais (rede social).
Personalidade no Idoso
Para Wilson (1986), quase todos os adjetivos que se possam utilizar para resumir o
comportamento de uma pessoa – ansioso, falador, agressivo, deprimido, entre outros – se
referem às características comportamentais e emocionais que diferenciam as pessoas (traços
de personalidade) ou às flutuações de ordem temporária nas disposições do mesmo indivíduo
(estados). Com efeito, a personalidade diz fundamentalmente respeito às características
permanentes do indivíduo, isto é, remete mais para os traços do que para os estados.
No modelo psicobiológico de Hans Eysenck (Modelo P-E-N; cf. H. Eysenck, & M.
Eysenck, 1985), que se insere nas denominadas Perspetivas dos Traços (cf. Mathews, &
Deary, 1998), a personalidade é considerada como uma organização mais ou menos estável e
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perdurável do carácter, do temperamento e dos aspetos intelectuais e físicos, que determina o
ajustamento único de cada indivíduo ao meio ambiente (H. Eysenck, 1970). Estas dimensões
são assim responsáveis pela consistência e estabilidade das ações, pelas reações emocionais e
pelos estilos cognitivos dos sujeitos.
A dimensão de Extroversão (E) organiza-se num continuum que abrange num polo a
personalidade extrovertida, caracterizada pela sociabilidade, atividade, assertividade,
vivacidade, procura de sensações, entre outros traços, e no outro polo, a personalidade
introvertida, cujo indivíduo tende a ser calmo, passivo, cuidadoso, pensativo, mentalmente
ativo e pessimista.
A dimensão de Neuroticismo (N) organiza-se também ela num continuum abrangendo a
personalidade neurótica, que se caracteriza pela ansiedade, tensão, irritabilidade fácil,
hiperpreocupação, depressão, sentimentos de culpa, baixa autoestima, tristeza, emotividade,
irracionalidade, entre outros traços, e a personalidade estável, que remete para características
como a serenidade, o controlo, a boa disposição, entre outras.
A dimensão de Psicoticismo (P) descreve a personalidade fria, impessoal, egocêntrica,
impulsiva e agressiva, ou seja, a personalidade que caracteriza os indivíduos pouco
empáticos, pouco sociáveis, desconfiados, rudes e que gostam de coisas pouco habituais (H.
Eysenck, & M. Eysenck, 1985; Wilson, 1986; Castro Fonseca, 1989).
Dimensões E e N
As dimensões E e N encontram-se fortemente relacionadas com o bem-estar subjetivo: a
dimensão E está relacionada com os afetos positivos e a dimensão N com os afetos negativos
(cf. Diener, & Lucas, 1999).
Em Espanha, Chico Librán (2006) estudou o bem-estar subjetivo e os fatores de
personalidade que lhe estão associados. Os resultados indicaram que a dimensão E é um bom
indicador do nível de bem-estar subjetivo, uma vez que se associa aos constructos de
satisfação com a vida e de otimismo. O mesmo se verificou em relação à dimensão N, na
medida que as correlações encontradas são elevadas e significativas com a insatisfação com a
vida e com o negativismo. Neste estudo, verificou-se ainda que a satisfação com a vida é mais
fortemente determinada pela dimensão N do que pela dimensão E. Ou seja, o afeto negativo é
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mais determinado pela dimensão N, enquanto que o afeto positivo é determinado tanto pela
dimensão N como pela dimensão E.
No estudo de Krause, Liang e Keith (1990), os autores constataram que os idosos mais
extrovertidos tendiam a procurar mais contactos sociais do que os introvertidos. De acordo
com Brennan, Schutte e Moos (2006), a rede social tem efeitos positivos na prevenção ou
diminuição do distress que é causado pelos acontecimentos de vida – os idosos com um maior
apoio social possuem melhores capacidades para resolver os seus problemas.
Segundo Vitterso e Nilsen (2002), as dimensões E e N são frequentemente consideradas
como as duas dimensões de personalidade mais relevantes para o estudo da felicidade. No
entanto, segundo alguns autores (cf. Costa, & McCrae, 1980; Diener, & Larsen, 1993;
Rusting, & Larsen, 1997; entre outros), a extroversão tende a ser vista como a dimensão mais
importante neste âmbito.
Estes dados parecem ir ao encontro da hipótese levantada por Baltes, Lindenberger e
Staudinger (1999), mediante a qual as dimensões de personalidade teriam uma importante
função no processo de adaptação do sujeito ao envelhecimento, influenciando a saúde e a
longevidade na velhice.
Personalidade e Morte
No que concerne à relação com a morte de outrem e a personalidade, Meuser e Marwit
(2000) verificaram que determinadas dimensões e traços de personalidade predispõem os
sujeitos a usar de modo mais ou menos efetivo as estratégias de coping3 para melhorar a
intensidade do luto. Assim, os resultados destes investigadores demonstraram que N e as
características do distress se associam a uma maior tristeza e sofrimento nas viúvas.
Middleton, Franzp, Raphael, Burnett e Martinek (1997) constataram também a existência da
relação desta dimensão com os sintomas de distress oriundos do luto sentido por pais,
esposas, e filhos adultos.
3
Segundo White (1985, cit. por Vaz Serra, 1988, p.303) «(...) tendemos a falar de coping quando temos em
mente uma modificação relativamente drástica ou um problema que desafia as formas familiares de pessoa se
comportar e requer a produção de um comportamento novo. Dá origem, com frequência, a afetos desconfortáveis
como a ansiedade, o desespero, a culpa, a vergonha, ou o pesar, o alívio dos quais faz parte da necessidade de
adaptação. O coping refere-se a esta adaptação em condições relativamente difíceis».
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Feifel (1969) evidenciou que os humores depressivos, o medo das perdas, e os diversos
sintomas psicossomáticos possuem afinidades com o constructo de ansiedade face à morte.
Por seu turno, o medo da morte tende a relacionar-se com o distress, através de ruminações ou
da antecipação ansiosa de um futuro incerto, reforçando as apreensões do sujeito relativas à
morte (Neimeyer, & Werth, 2005). Para o autor, as perspetivas da morte refletem mudanças
desenvolvimentais, condicionamentos culturais, orientações religiosas, e remetem para o grau
de ameaça sentido pelo indivíduo e para as características da sua personalidade.
De acordo com Neimeyer, Wittkowski e Moser (2004), cuja perspetiva corrobora com a
de Feifel (1969), as experiências de vida são cumulativas e contribuem para a evolução das
perspetivas da morte; por seu turno, estas experiências são influenciadas pela personalidade
do indivíduo.
Perspetivas da Morte e o Modelo Compreensivo da Ansiedade face à Morte
A reflexão sobre o fim da vida é um elemento essencial para se poder viver, existindo
ganhos e perdas na revisão do significado pessoal atribuído à morte. Esta revisão é
influenciada em todas as idades pelo nível de maturação cognitiva, pelas relações
interpessoais, e pelo stress. Para Damásio (2003, p. 301), «a perspetiva de sofrimento e morte
compromete o processo homeostático de quem os confronta».
No ponto de vista de Espinosa (cit. por Damásio 2003, p.311), o medo da morte é o
resultado de um «conflito entre a ideia de que o sofrimento e a morte são fenómenos
biológicos naturais que devemos aceitar com equanimidade (…) e a inclinação, não menos
natural, da mente humana de se sentir insatisfeita com essa sageza». Este medo da morte, ou
tanatofobia, pode incluir diversos aspetos como o medo da morte em si, o medo do que
poderá acontecer depois da morte, e o medo de “deixar de ser” (Barros, 2005). Com efeito, o
medo da morte encontra-se ligado ao tempo e/ou às circunstâncias, à fé ou descrença (Barros,
2005), e parece ser universal (Cox, 2006).
Na tentativa de integração dos conhecimentos filosóficos, psicológicos e empíricos que
se foram somando ao longo de décadas, Tomer e Eliason (2000a) conceberam o Modelo
Compreensivo da Ansiedade face à Morte (ver Figura 1). Este modelo identifica possíveis
determinantes da ansiedade face à morte e as relações entre eles.
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IMPORTÂNCIA DA
MORTE
Crenças acerca do
Mundo
Amplitude/Plenitude
da Palavra Morte
Processos de Coping
Crenças acerca do Self
Arrependimento com o
passado
Arrependimento com o
futuro
ANSIEDADE FACE À
MORTE
Figura 1 – Modelo Compreensivo da Ansiedade face à Morte [adaptado de Tomer e Eliason (2000a)].
Como se pode ver na Figura 1, existem três antecedentes diretos da Ansiedade Face à
Morte: a Amplitude/Plenitude da palavra Morte, o Arrependimento com o Passado e o
Arrependimento com o Futuro. Neste sentido, um elevado nível de Ansiedade face à Morte
será experienciado pelos sujeitos que veem a morte como algo sem sentido, pelos sujeitos que
se arrependem de não terem cumprido os objetivos definidos no passado, e pelos sujeitos que
não podem realizar os seus objetivos no futuro (Tomer, & Eliason, 2000a).
A Importância da Morte (que advém do pensamento do indivíduo sobre a sua própria
mortalidade) afeta diretamente estas variáveis, ligando-se a elas de três modos diferentes
(Tomer, & Eliason, 2000a): (i) pela ativação de sentimentos de arrependimento e
pensamentos que remetem para a Amplitude/Plenitude da palavra Morte; (ii) pela
modificação das crenças do indivíduo sobre ele próprio – Crenças acerca do Self – e/ou sobre
o mundo – Crenças acerca do Mundo; e (iii) pela ativação de uma variedade de mecanismos
de coping – Processos de Coping –, designadamente a revisão do significado pessoal da vida,
o planeamento da vida, a identificação com uma cultura, a autotranscendência, entre outros.
Conforme mencionado, neste modelo compreensivo, existem três fatores que
influenciam a Ansiedade face à Morte: a Amplitude/Plenitude da palavra Morte (na qual se
incluem as Perspetivas da Morte), o Arrependimento com o Passado e o Arrependimento com
o Futuro. Por conseguinte, as Perspetivas da Morte são diretamente influenciadas pela
Importância da Morte, pelas Crenças acerca do Self, e pelas Crenças acerca do Mundo.
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Por seu turno, os Processos de Coping moderam os efeitos nas Crenças acerca do Self e
nas Crenças acerca do Mundo. A Amplitude/Plenitude da palavra Morte refere-se ao facto da
morte fazer ou não sentido emocionalmente para um determinado sujeito (Tomer, & Eliason,
2000b). A morte ligada à possibilidade do fim da existência dos outros poderá aumentar a
Importância da Morte, mas não a Ansiedade face à Morte de modo direto (Tomer, & Eliason,
2000a).
Tomer e Eliason (2000b) constataram, num estudo realizado com idosos, que existe
uma relação positiva entre as Crenças positivas relativas ao Self, as Crenças positivas
relativas ao Mundo, e a Perspetiva de Morte como Natural. Este modelo providencia assim
algum suporte para a compreensão das relações entre a Importância da Morte, as Crenças
acerca do Self e as Crenças acerca do Mundo, as Perspetivas da Morte, e a Ansiedade face à
Morte.
De acordo com N. Tubesing e D. Tubesing (1994, cit. por Vaz Serra, 2002, p.583), uma
das grandes fontes de stress remete para as «ocorrências que surgem devido aos traços da
personalidade de dado indivíduo que o levam a reagir com o meio ambiente de determinada
maneira (…)». Os resultados obtidos em alguns estudos apontam nesse mesmo sentido,
sugerindo que os elevados níveis de ansiedade face à morte são habitualmente acompanhados
por elevados níveis de N (numa relação direta), a par da elevada preocupação, da tendência
para autoculpabilização, entre outras características (Howells, & Field, 1982; Loo, 1984;
Vargo, & Black, 1984; Westman, & Brackney, 1990, cit. por Neimeyer et al., 2004).
No estudo de Maltby (1999), a orientação religiosa intrínseca (quando a religião é algo
de pessoal e central ao indivíduo) relacionou-se com um elevado N do Eysenck Personality
Questionnaire – Revised (EPQ-R; S. Eysenck, H. Eysenck, & Barrett, 1985) e com a morte
como Além (relação moderada e positiva) (Spilka, Stout, Minton, & Sizemore, 1977). Por sua
vez, neste mesmo estudo, a orientação extrínseca relacionou-se com o N e com os sintomas
obsessivos (Maltby, 1999); a orientação extrínseca diz respeito à valorização da participação
religiosa do individuo por ser membro de um grupo poderoso que lhe proporciona proteção,
consolidação e estatuto social (Allport, & Ross, 1967). Spilka e colaboradores (1977)
encontraram correlações moderadas e significativas com a morte como sofrimento e solidão, a
morte como indiferença, a morte como desconhecido, a morte como abandono, a morte como
fracasso, e a morte como fim natural.
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Estes resultados sugerem que N se irá correlacionar positivamente com a morte nas
seguintes perspetivas: como sofrimento e solidão, como vida de Além e de recompensa, como
fracasso, como indiferença, como desconhecido, e como abandono dos que dependem de nós.
Se por um lado, as perspetivas da morte são influenciadas de modo direto pela
importância da morte, pelas crenças acerca do self, e pelas crenças acerca do mundo, por
outro, a personalidade medeia os efeitos nas crenças acerca do self e acerca do mundo
(Tomer, & Eliason, 2000b).
No que respeita às relações entre a personalidade e o modo como cada um é
influenciado por ela, é de relembrar que na importância dada à morte pelo Modelo
Compreensivo de Ansiedade face à Morte entram processos que por si só se relacionam com a
personalidade, tais como os processos de coping e a avaliação das crenças acerca do self e do
mundo, da plenitude da palavra morte, do arrependimento com o passado e com o futuro
(Tomer, & Eliason, 2000a).
Assim, sendo a personalidade um conjunto de traços que tendencialmente se mantêm
estáveis ao longo do tempo, e tendo em conta que a personalidade molda muitas das relações
do indivíduo com o meio, supõe-se que determinadas dimensões da personalidade poderão
estar relacionadas com certas perspetivas da morte.
Metodologia
Amostra
Neste estudo, participaram alunos idosos de Universidades Seniores provenientes da
Região Centro de Portugal. Os dados foram recolhidos nos Distritos de Aveiro, Coimbra,
Guarda e Viseu. Para obter uma amostra mais diversificada, optou-se por uma amostragem
polietápica (cf. Almeida, & Freire, 2003).
A amostra deste estudo foi inicialmente constituída por 151 sujeitos, dos quais 23
(15.23%) não responderam às Escalas Breves de Perspectivas da Morte, e 14 (9.27%)
obtiveram pontuações superiores às que eram esperadas (para a sua faixa etária) na escala L
do EPQ. Por conseguinte, a amostra definitiva é constituída por 114 sujeitos, 29 homens
(25.44%) e 85 mulheres (74.56%), com idades compreendidas entre os 55 e os 84 anos.
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No que diz respeito à escolaridade, 22 sujeitos (19.30%) completaram o 1º ciclo do
Ensino Básico (até à 4ª classe), 21 sujeitos (18.40%) completaram os 2º e 3º ciclos do Ensino
Básico (até ao 9º ano), 28 sujeitos (24.60%) completaram o Ensino Secundário (ou
Profissional), 41 sujeitos (36.00%) possuem Bacharelato ou Licenciatura, e 2 sujeitos (1.80%)
possuem Mestrado ou Doutoramento. Esta amostra apresenta alguma diversidade em termos
de escolaridade.
No que concerne ao estado civil, são 67 sujeitos (58.80%) casados, 27 sujeitos (23.70%)
viúvos, 13 sujeitos (11.40%) solteiros, e 7 sujeitos (6.10%) divorciados. Quanto à religião,
104 sujeitos (91.20%) são católicos e 10 (8.80%) são ateus ou agnósticos, ou possuem outra
religião (o que não inclui o Protestantismo, o Judaísmo, ou o Islamismo).
Instrumentos
A presente investigação procura estudar em alunos de Universidades Seniores as
relações entre as diversas perspetivas da morte, caracterizadas através das Escalas Breves de
Perspectivas da Morte, e as dimensões de personalidade, avaliadas por meio do Questionário
de Personalidade de Eysenck (EPQ).
As Escalas Breves de Perspectivas da Morte (Spilka, Stout, Minton, e Sizemore, 1977;
versão portuguesa, Barros, & Neto, 2004) têm 43 itens distribuídos por 8 subescalas que
avaliam os diferentes aspetos das reações emotivas face à ideia da (própria) morte. Cada
subescala tem entre 4 e 6 itens, num formato de Likert [de “totalmente em desacordo” (1
ponto) a “totalmente de acordo” (6 pontos)]. As 8 subescalas são: Morte como Sofrimento e
Solidão; Morte como Vida do Além de Recompensa; Indiferença Frente à Morte; Morte como
Desconhecido; Morte como Abandono dos que Dependem de Nós com Culpabilidade; Morte
como Coragem; Morte como Fracasso; Morte como Fim Natural.
O Questionário de Personalidade de Eysenck (EPQ; H. Eysenck, & S. Eysenck, 1975;
versão portuguesa, Castro Fonseca, Simões, & S. Eysenck, 1991) é um questionário de
personalidade com 73 itens, que avalia, através de respostas dicotómicas – “sim” ou “não” –,
as três dimensões fundamentais da personalidade: o Psicoticismo, a Extroversão e o
Neuroticismo. Este questionário contém ainda uma escala de Mentira/Desejabilidade Social, a
escala L. Os quatro fatores demonstraram ser ortogonais.
A administração dos instrumentos de avaliação foi realizada de modo individual e em
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grupo. Os dados recolhidos foram analisados com o programa estatístico SPSS versão 17.0.
Procedimentos
Na seleção da amostra, utilizou-se como critério de exclusão a pontuação na escala L
(Mentira/Desejabilidade Social) do EPQ, por esta ser uma escala de validade. Por
conseguinte, foram eliminados todos os sujeitos cuja pontuação nesta escala (L) excedeu o
limite superior do desvio-padrão [homens com idades entre 51 e 60 anos: M=11.72, DP=4.31;
mulheres com idades entre 51 e 60 anos: M=13.66, DP=3.64; homens com idades entre 61 e
70 anos: M=14.00, DP=4.93; mulheres com idades entre 61 e 70 anos: M=13.27, DP=2.20].
Devido à heterogeneidade do processo de envelhecimento, alguns aspetos foram tidos
em consideração na seleção da amostra. De acordo com as duas correntes mais importantes
sobre o envelhecimento bem-sucedido – os modelos de Rowe e Kahn (1987, 1997) e de P.
Baltes (1987; P. Baltes, Staudinger, & Lindenberger, 1999) –, uma velhice bem-sucedida
pode ser promovida através da frequência das Universidades Seniores, uma vez que o seu
principal objetivo incide na manutenção da saúde (psicológica e física), assim como da
qualidade de vida, do aumento dos conhecimentos e do desenvolvimento de modos de vida
sãos (Osorio, 2005; Monteiro, & Neto, 2008). Como refere Osorio (2005, p.280), o propósito
da gerontologia educativa é «prevenir o declínio prematuro, facilitar o desenvolvimento de
papéis significativos para as pessoas seniores, fomentar o desenvolvimento psicológico de
modo a prolongar a saúde e anos produtivos e aumentar a qualidade de vida das pessoas
seniores». Ou seja, a frequência nas Universidades Seniores vai ao encontro das condições
essenciais para um envelhecimento bem-sucedido (cf. Fontaine, 2000; Cavanaugh, &
Blanchard-Fields, 2006; Monteiro, & Neto, 2008). Por esta razão, recorreu-se a uma amostra
de alunos de Universidades Seniores para examinar as perspetivas da morte e a sua relação
com as dimensões de personalidade.
Nesta investigação, todos os alunos foram instruídos sobre os objetivos do presente
estudo, sobre a voluntariedade da sua participação, sobre a não existência de respostas certas
ou erradas, e sobre a confidencialidade dos dados recolhidos.
Na análise dos dados, consideraram-se as sugestões evocadas por Cicirelli (2002, 2006)
em relação ao medo da morte, cuja tendência pode ser mais eficientemente determinada se o
investigador distinguir os jovens idosos (com idades entre os 65 e 74 anos), os idosos (com
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idades entre os 75 e 84 anos) e os muito idosos (com idades superiores a 85 anos). Por
conseguinte, foram constituídos três grupos para examinar pormenorizadamente as relações
entre as variáveis: Grupo 1 [55-64 anos]; Grupo 2 [65-74 anos]; Grupo 3 [75-84 anos].
Resultados
Na Tabela 1, encontram-se expostas as pontuações obtidas nas Escalas Breves de
Perspectivas da Morte e no EPQ para esta amostra (N=114), em termos de médias e desviospadrão.
Tabela 1 – Valores médios e desvios-padrão obtidos nas Escalas de Perspectivas da
Morte e no EPQ, no total e em função dos grupos etários.
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 3
[55-64]
[65-74]
[75-84]
N
114
43
47
24
M
17.31
15.42
18.74
17.87
M_Sof.
DP
8.38
8.74
8.11
7.94
M
23.01
18.56
26.38
24.38
M_Al.
DP
10.34
10.22
9.37
9.85
M
15.78
15.77
16.60
14.21
M_Indi.
DP
6.93
6.73
7.04
7.10
M
26.96
25.63
27.94
27.46
M_Des.
DP
8.47
9.56
7.46
8.30
M
15.60
15.35
16.45
14.38
M_Aban.
DP
6.87
6.69
7.40
6.11
M
20.61
17.09
23.96
20.33
M_Cora.
DP
9.87
9.03
9.47
10.21
M
14.32
13.26
15.00
14.88
M_Frac.
DP
7.39
6.32
7.73
8.52
M
21.18
21.19
21.19
21.17
M_Nat.
DP
4.26
3.91
4.65
4.24
M
1.10
1.26
1.11
0.79
P
DP
1.23
1.51
1.11
0.78
M
10.23
10.12
10.26
10.38
E
DP
4.19
4.67
3.83
4.13
M
9.05
8.67
10.23
7.42
N
DP
4.10
4.07
4.05
3.67
Nota: M_Sof. = Morte como Sofrimento e Solidão; M_Al.= Morte como Vida do
Além de Recompensa; M_Indi.= Indiferença Frente à Morte; M_Des. = Morte
como Desconhecido; M_Aban. = Morte como Abandono dos que Dependem de Nós
com Culpabilidade; M_Cora.= Morte como Coragem; M_Frac. = Morte como
Fracasso; M_Nat. = Morte como Fim Natural; P = Psicoticismo; E = Extroversão;
N = Neuroticismo; N = participantes; M = Média; DP = Desvio-Padrão.
Total
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Na análise das correlações, recorreu-se ao critério de Cohen (1988) para interpretar os
dados. Segundo o autor, a correlação de Pearson (r) é fraca quando o valor absoluto do
coeficiente (positivo ou negativo) se situa entre 0.10 e 0.30; é moderada quando se situa entre
0.30 e 0.50; e é elevada quando alcança valores entre 0.50 e 1.
Na Tabela 2 encontram-se as correlações obtidas entre as Escalas Breves de
Perspectivas da Morte e o EPQ, na amostra total (N=114). Deste modo, observam-se
correlações fracas (significativas) entre: a Morte como Abandono e P (r=-0.19; p<0.05); a
Morte como Além e E (r=0.20; p<0.05); a Morte como Sofrimento e N (r=0.21; p<0.05); e a
Morte como Fracasso e N (r=0.20; p<0.05).
A par disso, verifica-se uma correlação negativa e moderada (significativa) entre P e a
Morte como Desconhecido (r=-0.33; p<0.01). É de relembrar que para Tomer e Eliason
(2000b), as perspetivas da morte referem-se ao facto da morte fazer ou não sentido
emocionalmente.
Tabela 2 – Correlações das Escalas Breves de Perspectivas da Morte com EPQ na amostra global.
Escalas de Perspectivas da Morte
M_Sof.
P
EPQ
M_Indi.
a)
M_Des.
M_Aban.
-0.33**
-0.19*
M_Cora.
M_Frac.
M_Nat.
0.20*
E
N
M_Al.
0.21*
0.20*
*
p<0.05; ** p<0.01; a) as correlações não significativas foram suprimidas.
[M_Sof. = Morte como Sofrimento e Solidão; M_Al.= Morte como Vida do Além de Recompensa;
M_Indi.= Indiferença Frente à Morte; M_Des. = Morte como Desconhecido; M_Aban. = Morte
como Abandono dos que Dependem de Nós com Culpabilidade; M_Cora.= Morte como Coragem;
M_Frac. = Morte como Fracasso; M_Nat. = Morte como Fim Natural; P = Psicoticismo;
E = Extroversão; N = Neuroticismo].
Na Tabela 3, observam-se os resultados obtidos no Grupo 1 (N=43), com os sujeitos
com idades entre os 55 e os 64 anos, que estão num período de pré-reforma. Nesta faixa
etária, apenas se verifica uma correlação negativa e moderada (significativa) entre P e a Morte
como Desconhecido (r=-0.36; p<0.05).
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Tabela 3 – Correlações das Escalas Breves de Perspectivas da Morte com o EPQ [55-64].
Escalas de Perspectivas da Morte
M_Sof.
P
EPQ
M_Al.
M_Indi.
a)
M_Des.
-0.36
M_Aban.
M_Cora.
M_Frac.
M_Nat.
*
E
N
*
p<0.05; ** p<0.01; a) as correlações não significativas foram suprimidas.
[M_Sof. = Morte como Sofrimento e Solidão; M_Al.= Morte como Vida do Além de Recompensa;
M_Indi.= Indiferença Frente à Morte; M_Des. = Morte como Desconhecido; M_Aban. = Morte
como Abandono dos que Dependem de Nós com Culpabilidade; M_Cora.= Morte como Coragem;
M_Frac. = Morte como Fracasso; M_Nat. = Morte como Fim Natural; P = Psicoticismo;
E = Extroversão; N = Neuroticismo].
Na Tabela 4, encontram-se expostas as correlações obtidas no Grupo 2 (N=47) para a
faixa etária dos 65-74 anos. Neste grupo, as correlações são negativas e moderadas
(significativas) entre P e a Morte como Desconhecido (r=-0.43; p<0.01), e entre E e a Morte
como Natural (r=-0.32; p<0.05).
Tabela 4 – Correlações das Escalas Breves de Perspectivas da Morte com o EPQ [65-74].
Escalas de Perspectivas da Morte
M_Sof.
P
EPQ
a)
M_Al.
M_Indi.
M_Des.
-0.43
M_Aban.
M_Cora.
M_Frac.
M_Nat.
**
E
-0.32*
N
*
p<0.05; ** p<0.01; a) as correlações não significativas foram suprimidas.
[M_Sof. = Morte como Sofrimento e Solidão; M_Al.= Morte como Vida do Além de Recompensa;
M_Indi.= Indiferença Frente à Morte; M_Des. = Morte como Desconhecido; M_Aban. = Morte
como Abandono dos que Dependem de Nós com Culpabilidade; M_Cora.= Morte como Coragem;
M_Frac. = Morte como Fracasso; M_Nat. = Morte como Fim Natural; P = Psicoticismo;
E = Extroversão; N = Neuroticismo].
As correlações no Grupo 3 (N=24), com sujeitos com idades compreendidas entre os 75
e os 84 anos, são apresentadas na Tabela 5. Neste grupo, existe uma correlação positiva e
moderada (significativa) entre N e a Morte como Além (r=0.42; p<0.01).
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Tabela 5 – Correlações das Escalas Breves de Perspectivas da Morte com o EPQ [75-84].
Escalas de Perspectivas da Morte
M_Sof.
P
EPQ
M_Al.
M_Indi.
M_Des.
M_Aban.
M_Cora.
M_Frac.
M_Nat.
a)
E
N
0.42**
*
p<0.05; ** p<0.01; a) as correlações não significativas foram suprimidas.
[M_Sof. = Morte como Sofrimento e Solidão; M_Al.= Morte como Vida do Além de Recompensa;
M_Indi.= Indiferença Frente à Morte; M_Des. = Morte como Desconhecido; M_Aban. = Morte
como Abandono dos que Dependem de Nós com Culpabilidade; M_Cora.= Morte como Coragem;
M_Frac. = Morte como Fracasso; M_Nat. = Morte como Fim Natural; P = Psicoticismo;
E = Extroversão; N = Neuroticismo].
Para verificar se existem diferenças estatísticas significativas entre os grupos – Grupo 1
[55-64] (N=43), Grupo 2 [65-74] (N=47), Grupo 3 [75-84] (N=24) –, em relação às diversas
variáveis em análise, aplicou-se o método do Teste t (t-student test) e o método do Teste U de
Mann Whitney.
No que respeita às perspetivas da morte, os resultados obtidos confirmam a existência
de algumas diferenças significativas entre o Grupo 1 [55-64] e o Grupo 2 [65-74]: na Morte
como Além [t(88)=-3.584; p<0.001] (Grupo 1: M=18.56; DP=10.22; Grupo 2: M=26.38;
DP=9.37) e na Morte como Coragem [t(88)=-3.538; p<0.001] (Grupo 1: M=17.09; DP=9.03;
Grupo 2: M=23.96; DP=9.47). Por conseguinte, neste estudo, os sujeitos com idades
compreendidas entre 65 e 74 anos acreditam mais na Morte como Além e perspetivam mais a
Morte como Coragem.
Para equilibrar o tamanho das amostras nas comparações com o Grupo 3 [75-84]
(N=24), optou-se por aleatorizar os sujeitos das amostras (Grupo 1 e Grupo 2) através do
SPSS. Seguidamente, aplicou-se o teste U. As amostras comparadas (Grupo 1, Grupo 2,
Grupo 3) são constituídas por 24 sujeitos cada.
Deste modo, verificou-se uma diferença estatística significativa na Morte como Além
entre o Grupo 1 [55-64] (M=16.17; DP=9.39) e o Grupo 3 [75-84] (M=24.38; DP=9.85).
Neste estudo, o nível de significância do teste U de Mann-Whitney [U=160.00; p<0.01]
revelou que os sujeitos do Grupo 3 [75-84] acreditam mais na Morte como Além do que os
sujeitos do Grupo 1 [55-64].
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Com estes resultados, pode-se concluir que o grupo que menos acredita na Morte como
Além é o Grupo 1 [55-64]. No que respeita às restantes análises, os resultados obtidos na
comparação das perspetivas da morte em função dos grupos etários não foram significativos.
Discussão
De um modo geral, os resultados desta pesquisa sugerem a existência de relações entre
determinadas perspetivas da morte e as dimensões de personalidade avaliadas, ainda que as
correlações encontradas sejam de intensidade moderada: o Neuroticismo relaciona-se de
modo positivo com a Morte como Vida de Além de Recompensa, a Extroversão relaciona-se
de modo negativo com a Morte como Fim Natural, e o Psicoticismo relaciona-se de modo
negativo com a Morte como Desconhecido.
No grupo de sujeitos com idades entre os 55 e os 64 anos apenas se verifica uma
correlação negativa entre o Psicoticismo e a Morte como Desconhecido. Na faixa etária dos
65-74 anos, verificam-se correlações negativas entre o Psicoticismo e a Morte como
Desconhecido, e entre a Extroversão e a Morte como Fim Natural. No grupo dos sujeitos mais
idosos, com idades entre os 75 e os 84 anos, verificou-se uma correlação positiva entre o
Neuroticismo e a Morte como Vida de Além de Recompensa.
Os sujeitos que mais acreditam na Morte como Vida de Além de Recompensa e que
encaram a Morte como Coragem pertencem ao Grupo 2 [65-74]. Em relação à Morte como
Vida de Além de Recompensa, não existem diferenças entre o Grupo 2 [65-74] e o Grupo 3
[75-84], sendo que os sujeitos deste último grupo também acreditam mais na Morte como
Vida de Além de Recompensa do que os sujeitos do Grupo 1 [55-64].
No que concerne à personalidade, a correlação positiva obtida no presente estudo entre
o Neuroticismo e a Morte como Vida de Além de Recompensa para o Grupo 3 [75-84] vai ao
encontro dos dados do estudo de Thorson e Powell (1994). Estes autores verificaram que os
idosos (66-88 anos), quando comparados com os sujeitos de outras faixas etárias, tendem a
identificar-se mais com as perspetivas relativas à perda de controlo e à existência de uma vida
no Além. No entanto, como estes autores não tiveram em conta a consideração de Cicirelli
(2006), não se pode dizer que os resultados, independentemente dos testes utilizados, foram
iguais nas faixas etárias destes dois estudos, pois a amplitude da faixa etária dos idosos
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considerados por Thorson e Powell (1994) foi maior e os dados do Grupo 2 [65-74] não
confirmam esta tendência.
O elevado Neuroticismo predispõe o indivíduo para apresentar com facilidade estados
afetivos desagradáveis e para lidar de modo inadequado com os problemas, sentindo um
grande mal-estar em situações de stress (Vaz Serra, 2000). Ora, ao possuir um elevado
Neuroticismo, a crença de uma vida eterna fomentada pela religião poderá ser reconfortante
para o sujeito lidar com a sua própria morte (Malinowski, 1948, cit. por Cox, 2006). A relação
encontrada entre o Neuroticismo e a Morte como Vida de Além de Recompensa parece ir ao
encontro de outros estudos (por exemplo, Maltby, 1999; Spilka, Stout, Minton, & Sizemore,
1977).
A correlação negativa entre o Psicoticismo e a Morte como Desconhecido poderá ser
explicada através da visão/conceção da morte como misteriosa e ambígua (cf. Spilka et al.,
1977). Os resultados da presente pesquisa indicam que quanto maior o nível de Psicoticismo,
menor será a tendência do sujeito para ver a morte como desconhecida, misteriosa e ambígua.
Estes dados poderão estar relacionados com a natureza da dimensão de Psicoticismo, a qual
caracteriza os indivíduos que são frios, distantes e que gostam de coisas pouco habituais
(entre outros traços); esta questão também poderá ser explicada pela reduzida emotividade
(inibição emocional) dos sujeitos com um elevado Psicoticismo (H. Eysenck, & M. Eysenck,
1985).
Apenas no Grupo 2 [65-74] se verifica uma correlação negativa entre a Extroversão e a
Morte como Fim Natural. Ver a morte deste modo significa vê-la como uma conclusão
natural da vida, como um ponto terminal (Spilka et al., 1977). Ora, se o indivíduo extrovertido
se caracteriza por ser sociável, animado, ativo e aventureiro (H. Eysenck, & M. Eysenck,
1985), ver a morte como uma conclusão natural ou como um ponto terminal para quem é
ativo parece, segundo mostram os resultados deste estudo, pouco viável. Neste sentido,
quanto mais extrovertido for o indivíduo, menor a sua tendência para conceber a Morte como
Fim Natural. Em consequência, os indivíduos introvertidos (baixo nível de Extroversão), por
serem calmos, passivos, cuidadosos, pensativos, mentalmente ativos e introspetivos (Wilson,
1986), terão mais tendência para perspetivar a Morte como Fim Natural. É de relembrar que
ver a morte como um fim natural, ou seja aceitar a morte, é considerado como um marco de
verdadeira maturidade (Cox, 2006).
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A presente investigação possui algumas limitações. Neste âmbito, pretendia-se realizar
análises referentes ao género, mas os sujeitos avaliados do sexo masculino estão
representados em menor número nas Universidades Seniores (ou seja, existem mais mulheres
a frequentá-las). Por outro lado, procurou-se obter uma amostra diversificada em termos de
habilitações literárias e de estado civil, recolhendo dados em diversos pontos da Zona Centro
de Portugal. No entanto, a amostra não foi suficientemente grande e diversificada para efetuar
as análises respeitantes a estas variáveis.
No que concerne à aplicação dos instrumentos sentiu-se alguma dificuldade na
compreensão das Escalas Breves de Perspectivas da Morte e registaram-se algumas queixas
dos idosos quanto à duração do protocolo. O que vem realçar a necessidade de se adaptarem
mais instrumentos adequados às características desta franja da população, que sejam
relativamente breves, com um português claro e com boas propriedades psicométricas.
Futuramente será interessante colmatar as limitações deste trabalho e estudar outros
constructos no domínio das perspetivas da morte nos idosos, como a ansiedade, a depressão, o
locus de controlo, a ansiedade face à morte, e as estratégias de coping.
De um ponto de vista prático, a importância do estudo da morte reside no facto desta
constituir um dos alicerces para o acompanhamento do doente terminal, para a educação
tanatológica, para a possibilidade de uma redução do medo face à morte no indivíduo através,
por exemplo, do aumento da revisão do significado pessoal da vida ou autotranscendência.
Deste modo, o estudo da morte permite obter uma educação tanatológica mais personalizada e
orientada para as necessidades individuais da pessoa. O seu estudo permite também uma
formação mais adequada dos agentes que trabalham na área de geriatria para que estejam
sensibilizados em relação a esta temática, proporcionando um maior bem-estar e tranquilidade
aos idosos.
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Death Perspectives and Personality in the Elderly
Abstract
The present investigation was primary focused on the analysis of the senior student’s death
perspectives and its possible relationship with the personality. A sample of 114 senior
subjects participated in this study. The instruments of psychological assessment used were the
Eysenck Personality Questionnaire (EPQ), and the Death Perspectives Scale. These
instruments were applied to the subjects on Senior Universities in the Central Region of
Portugal.
The obtained results show that Neuroticism has a positive relation with the death as an
alterlife-of-reward scale, Extraversion has a negative relation with death as a natural end
scale, and Psychoticism has a negative relation with the death as unknown scale. In spite of
these correlations were statistically significant, they had a moderated intensity. The results
have shown the importance of producing more studies about these issues and the necessity on
the adaptation of some psychological instruments to assess them or the necessity on the
construction of new ones. They must be more adequate to this kind of population, clearer,
with quick application, and they must have good psychometric properties.
Keywords: elderly; successful aging; death perspectives; personality.
Como citar este artigo: Marques-Costa, C., & Barros, J. (2013). Perspetivas da morte e personalidade em
idosos [Temas em Psicologia do Envelhecimento (Vol.I)]. Revista E-Psi, 3(1), 118-138.
Received: January 2, 2013
Revision received: March 15, 2013
Accepted: September 23, 2013
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