BES Photo 2014 José Pedro Cortes

Transcription

BES Photo 2014 José Pedro Cortes
BES Photo 2014
José Pedro Cortes
BES Photo 2014
Délio Jasse
José Pedro Cortes
Letícia Ramos
B
BES Photo 2014
José Pedro Cortes
texto BES pt
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texto BES en
texto joe berardo
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texto joe berardo
texto instituto
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texto pedro lapa
texto instituto
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texto pedro lapa
José Pedro Cortes (Porto, 1976) began studying
photography and cinema in Porto. After several
years of travelling and working as a commercial
photographer, he completed an MA in Photography
at the Kent Institute of Art & Design (United
Kingdom) in 2004. In 2006, after having spent
three years in London, he returned to Lisbon
to participate in the Gulbenkian Creativity
and Artistic Creation Programme (in the area
of photography). He has been exhibiting his work
individually and in group shows since 2004,
including solo exhibitions at Centro Português
de Fotografia (2005), Museu da Imagem de Braga
(2006), Módulo – Centro Difusor de Arte (2008
and 2011), Carpe Diem – Arte e Pesquisa (2013)
and group shows at Deichtorhallen Hamburg, the
Centre Calouste Gulbenkian in Paris (2012) and
BES Art e Finança (2010). His most recent institutional projects include European Eyes on Japan
(2012), in which Cortes was one of two European
photographers invited to participate in a project for
the city of Toyama in Japan, and the European
Photo Exhibition Award (2011, curated by Sérgio
Mah), in which he was one of three Portuguese
artists selected to work on a project based on the
theme of ‘European Identity’. From early on,
Cortes has focused his work on book projects,
having published Silence (2005), Things Here and
Things Still to Come (2011) and Costa (2013).
He is also one of the founders and editors of Pierre
von Kleist editions, which has so far published
15 photography books. Cortes’s work is represented
in various public and private collections.
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José Pedro Cortes (Porto, 1976) começou por estudar fotografia e cinema no Porto. Depois de alguns
anos a viajar e a trabalhar comercialmente em fotografia, terminou, em 2004, o Master of Arts in
Photography no Kent Institute of Art & Design
(Reino Unido). Em 2006, após três anos a viver em
Londres, regressou a Lisboa para fazer o Programa
Gulbenkian de Criatividade e Criação Artística
(na área de fotografia). Expõe coletiva e individualmente desde 2004, sendo de destacar as exposições
no Centro Português de Fotografia (2005), no
Museu da Imagem de Braga (2006), no Módulo –
Centro Difusor de Arte (2008 e 2011), Carpe
Diem – Arte e Pesquisa (2013) e as exposições
coletivas no Deichtorhallen Hamburg e no Centre
Gulbenkian Paris (2012) ou BES Art e Finança
(2010). Dos projectos intitucionais mais recentes,
destacam-se o European Eyes on Japan (2012),
sendo José Pedro Cortes um dos dois fotógrafos
europeus convidados para realizarem um trabalho
na prefeitura japonesa da cidade de Toyama e o
European Photo Exhibition Award (2011, comissariado por Sérgio Mah), para o qual foi um dos três
artistas portugueses escolhidos para realizar um
trabalho sobre o tema da “Identidade Europeia”.
Desde cedo que José Pedro Cortes também centra
o seu trabalho nos livros, tendo publicado Silence
(2005), Things Here and Things Still to Come
(2011) e Costa (2013). É ainda um dos fundadores
e editores da Pierre von Kleist editions, que
publicou até à data quinze livros de fotografia.
O trabalho de José Pedro Cortes está representado
em várias coleções públicas e privadas.
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The Seductive Light
José Pedro Cortes, Philippe Azoury
and André Cepeda
A Luz Sedutora
Your fondness for exchanging things, for
making your influences known, the photographers
you admire, the books you read, the albums that
you discover – is this not also a kind of school?
PA, AC
It’s possible. My path isn’t very academic as
I only studied photography when I was already
27 years old in England at the Kent Institute of
Art & Design. Before this, I had done a few fairly
amateur courses in my youth, after which I soon
started to work commercially as a photographer.
The truth is that I learned a lot through books
and magazines, and a lot of this came from sharing
with friends. It was also a time when more things
were shared in a group – a new CD, a book...
José Pedro Cortes, Philippe Azoury
e André Cepeda
Basically, we wanted to open an art
gallery but it didn’t get very far. The idea was to
create a space where we could show our work and
years later, we started Pierre von Kleist editions.
The creation of a publishing house for photography
books came about because we felt that in Portugal,
there hadn’t been any serious thought about what,
in our minds, a book of images should be. So we
created a publishing house with the aim of publishing our work and those of other photographers.
José Pedro Cortes
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PA, AC
What were the most important books for you?
Trying to Dance by JH Engstrom, obviously.
It was a major discovery for me at a period in my
life when I was living abroad in houses with various
friends. The portraits, especially the nudes, taught
me a great deal about how to look at people.
Paulo Nozolino’s work and books by Daido
Moriyama and Boris Mikhailov also taught me a lot.
I remember seeing Case History for the first time;
it was a shock to me, in a good way.
The harshness of the images intermingled with his
text in which he says he paid those poor, homeless
people. It demystified photography’s purest aspect,
that of choosing not to manipulate reality.
JPC
É possível. O meu percurso não é muito
académico pois só estudei a sério fotografia já com
27 anos, em Inglaterra, no Kent Institute of Art &
Design. Antes disso, ainda jovem, tinha frequentado
uns cursos meio amadores e depois comecei cedo
a trabalhar comercialmente. A verdade é que
aprendi muito através de livros e revistas e muito
disso vinha da partilha com amigos. Também
era um tempo em que se partilhavam mais coisas
em grupo – um CD novo, um livro…
JPC
JPC
Philippe Azoury, André Cepeda José, you are both a
photographer and an editor in that you co-manage
(with André Príncipe) Pierre von Kleist editions,
a publisher of photography books. Before we talk
about you, could we begin by asking how this
adventure began?
PA, AC O teu gosto pelo intercâmbio, por dar a
conhecer as tuas influências, os fotógrafos que
admiras, os livros que lês, os discos que descobres,
será também uma forma de escola?
André Cepeda, born in 1976,
lives and works in Porto.
He has collaborated with
various institutions, including
Encontros de Fotografia,
Centro Português de Fotografia
and the Fundação Ilídio Pinho..
In 2007, he was shortlisted for
the EDP Prize for New Artists,
followed by the BES Photo
in 2010 and in 2011 for the
Foam Paul Huf Award. In
2012, he was awarded a grant
from the Calouste Gulbenkian
Foundation. He has exhibited
his work regularly in Portugal
and internationally since 1999
and is a founding member of
the Blues Photography Studio
and the project Inc. Livros
e Edições de Autor, in Porto.
Philippe Azoury, born in 1971,
is a film critic, mainly for the
French newspaper Libération,
since 1999. He also writes
about books and photography
for the French magazine Les
Inrockuptibles, and makes
some collaborations with
Vogue, Cahiers du Cinéma,
GQ, Nobody, Trafic...
This last decade, he published
several books, in 2002,
Fantômas, style moderne, in
2003, Cocteau et le cinéma:,
Désordres (both with JeanMarc Lalanne), in 2006, Stigma
(with Antoine D’Agata), in
2010, À Werner Schroeter,
qui n’avait pas peur de la mort,
in 2013, Philippe Garrel,
en substance, among others.
André Cepeda, nascido em
1976, vive e trabalha no Porto.
Colaborou com diversas
instituições como os Encontros
de Fotografia, o Centro
Português de Fotografia e
a Fundação Ilídio Pinho.
Em 2007 foi selecionado para
o Prémio EDP Novos Artistas,
em 2010 para o Bes Photo e,
em 2011, para a shortlist
do Foam Paul Huf Award.
Em 2012 foi bolseiro da
Fundação Calouste Gulbenkian
em 2012. Expõe regularmente
desde 1999, em Portugal
e no estrangeiro. É membro
fundador do Blues Photography
Studio e do projecto Inc. Livros
e Edições de Autor no Porto.
Philippe Azoury, nascido em
1971, é crítico de cinema, que
publica sobretudo no jornal
francês Libération, desde 1999.
Também escreve sobre livros
e fotografia para a revista
francesa Les Inrockuptibles,
colaborando ainda com revistas
como Vogue, Cahiers du
Cinéma, GQ, Nobody, Trafic...
Nesta última década, escreveu
vários livros, em 2002,
Fantômas, style moderne, em
2003, Cocteau et le cinéma:,
Désordres (ambos com JeanMarc Lalanne), em 2006,
Stigma (com Antoine D’Agata),
em 2010, À Werner Schroeter,
qui n’avait pas peur de la mort,
em 2013, Philippe Garrel,
en substance, entre outros.
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Philippe Azoury, André Cepeda José, és ao mesmo tempo
fotógrafo e editor, na medida em que codiriges
(com André Príncipe) a editora de livros de fotografia Pierre von Kleist editions. Antes de falarmos de
ti, poderíamos começar por saber como começou
essa aventura?
princípio queríamos abrir uma
galeria mas isso não foi para a frente. A ideia era
criar um espaço onde pudéssemos mostrar o nosso
trabalho e, anos mais tarde, começámos a Pierre
von Kleist editions. A criação de uma editora de
livros de fotografia surgiu porque sentimos que
em Portugal não havia um pensamento sério sobre
o que para nós deveria ser um livro de imagens.
E assim, criámos uma editora com intuito de publicar os nossos trabalhos e os de outros também.
Quais foram os livros mais importantes
para ti?
PA, AC
José Pedro Cortes A
to Dance de JH Engstrom, claramente.
Foi uma grande descoberta num período em que
também vivia fora de Portugal, em casas com vários
amigos. Os retratos, principalmente os nus, ensinaram-me muito a olhar para pessoas. Mas também
o trabalho de Paulo Nozolino ou os livros de
Daido Moriyama ou Boris Mikhailov. Lembro-me
de ver pela primeira vez o Case History e ser um
choque, no bom sentido. A dureza das imagens
misturada com o texto dele onde dizia que tinha
pago àqueles pobres sem-abrigo. Desmitificou-me
o lado mais puro da fotografia, o da escola da não
manipulação da realidade.
JPC Trying
Publicaste o teu primeiro livro, Silence,
muito cedo, em 2006. É também a primeira
publicação da Pierre von Kleist.
PA, AC You published your first book, Silence, very
early on in 2006. It’s also the first book published
by Pierre von Kleist.
PA, AC
JPC That’s right. At the end of 2005, I had planned
to have an exhibition at Centro Português de
Fotografia [Portuguese Centre for Photography].
As they had some money to produce a catalogue,
I convinced them to first publish a book without
any text, through a publishing house named Pierre
von Kleist editions. And they accepted! [laughs].
It was the first book produced by Pierre von Kleist,
although it stood alone in our catalogue for three
years. It’s a book with a number of problems that
time and experience helped me to understand.
It has a side to it that is too diaristic; even so,
I think it was crucial to what I do today. Some
problems only come to light after the book
is in one’s hands and after it circulates.
JPC É. Em final de 2005 tinha planeado uma exposição no Centro Português de Fotografia. Como eles
tinham algum dinheiro para fazer um catálogo,
convenci-os a publicar antes um livro sem texto
e através de editora chamada Pierre von Kleist.
E eles aceitaram! [risos] Foi o primeiro livro da
Pierre von Kleist editions, se bem que viveu «sozinho» no nosso catálogo durante três anos. É um
livro com alguns problemas, que o tempo e a experiência me ajudaram a ver. Tem um lado demasiado
diarístico, mas mesmo assim acho que foi fundamental para o que faço hoje. Certos problemas
só se descobrem depois de ter o livro na mão
e de o fazer circular.
Em Silence pareces querer servir-te da fotografia para te infiltrares num grupo de pessoas e
produzires um diário íntimo dos teus dias e noites
com esse grupo. É ainda muito espontâneo, embora
aqueles que te conhecem possam já sentir toda
a tua discrição, a tua distância, talvez, o teu silêncio
em todo o caso, quando te fundes num grupo.
Do mesmo modo, ao deixares passar cinco anos
entre Silence e Things Here and Things Still to
Come, assiste-se a uma transformação profunda
da tua abordagem, do teu projeto fotográfico…
PA, AC
In Silence, it seems you want to use photography to infiltrate a group of people and produce an
intimate diary about your days and nights with
this group. It’s still very spontaneous, though those
who know you can already feel your discretion,
your distance, and perhaps your silence, all of that,
when you meld into a group. Likewise, in letting
five years pass between Silence and Things Here
and Things Still to Come, one witnesses a profound
change in your approach and in your photographic
work...
PA, AC
Silence, 2006
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JPC If you think about the period between the dates
of publication, yes... However, Things Here and
Things Still to Come, which came out in 2011, was
all produced in nine months in Tel Aviv between
2008 and 2009. Silence already had a lot of the
ideas that flow through my work – the relationship
between private and public space, the traces of
human presence, distance and the superficiality of
the image. Formally, the book spreads out to places
that no longer interest me, with photographs of the
underground or the street. After Silence, however,
technical decisions were made that allowed me to
develop a more “confrontational” photography,
including the use of flash or tripod... which also
implied a less fleeting relationship with the people
that I photographed. I began to stop more and let
myself be confronted [by people], and it’s in this
vein that the Tel Aviv book is developed. If you
think seriously about it, though, I still photograph
people who are in the same age group as me and
Things... is a book about a group of people. Perhaps
the biggest change was moving from an elliptical
and open narrative to a book in which page three
postulated, in a very factual way, where we were
and who we would see: four women, whom I’d met
in Tel Aviv, who were born in the United States and
decided, at age 18, to stay in Israel to do two years
of military service. It was a decision that actually
gave me more freedom than I had thought...
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Se pensares no intervalo entre as datas de publicação sim… mas Things Here and Things Still
to Come, que saiu em 2011, foi todo feito durante
um período de nove meses em Telavive, entre 2008
e 2009. Em Silence já havia muitas das ideias que
perseguem o meu trabalho, a relação entre os espaços privados e públicos, os resquícios da presença
humana, a distância e a superficialidade da
imagem. Formalmente o livro dispersa-se para lugares que já não me interessam, com as fotografias
no metro ou na rua. Mas, a seguir a Silence, houve
decisões técnicas que permitiram que eu passasse
a fazer uma fotografia mais «confrontativa»,
com o uso do flash, o uso do tripé… o que também
implicou uma relação menos fugidia com as pessoas
que fotografava. Comecei a parar mais e a deixar-me confrontar e é neste campo que o livro de
Telavive se desenvolve. Mas se pensarmos bem,
continuo a fotografar numa faixa etária semelhante
à minha e Things… é um livro sobre um grupo de
pessoas. Talvez a mudança mais radical tenha sido
passar de uma narrativa elíptica e aberta para um
livro que à terceira página postulava, de uma forma
muito concreta, onde estaríamos e quem iríamos
ver: quatro mulheres, que conheci em Telavive, que
nasceram na América e que decidiram, aos dezoito
anos, fixar-se em Israel para aí fazerem os dois anos
de serviço militar. Foi uma decisão que me deu
na verdade mais liberdade do que pensava…
PA, AC Didn’t you worry that you would over contextualise your photographs, saying too much with a
title or added text, as is common, at the beginning
of the book?
JPC
Yes, I worried about this and resisted it in the
beginning. But then I saw that the book’s open
structure would only work if you knew exactly
who these women were...
JPC
Did you have a precise project in mind
when you went to Israel?
PA, AC
JPC Not at all. I was there for personal reasons.
And my decision to photograph those four young
women happened by accident when we met. There
was nothing premeditated or specific about it. It’s
interesting because the text in the beginning of the
book gives the impression of there being an idea for
the book that was very well thought out, which
actually wasn’t the case. The story of these women
is more like background music than the main theme
– a kind of cushion for the reader. So, chance plays
some role in my work and what the outside world
brings me continues to be my main source of inspiration. It’s all true and Tel Aviv is really an idyllic
city...
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Não tiveste receio, nessa altura, de contextualizar excessivamente as tuas fotografias, de dizer
demasiado com um título ou um texto que incluísses, como é frequente, no princípio do livro?
PA, AC
Sim, tive esse medo e no início resisti.
Mas depois percebi que a estrutura aberta do livro
só funcionaria se não se questionasse quem eram
estas mulheres...
JPC
Tinhas na cabeça um projeto preciso quando
foste para Israel?
PA, AC
JPC Não, de modo nenhum. Estava lá por razões
pessoais. E a decisão de fotografar aquelas quatro
raparigas surgiu por acaso, ao sabor dos encontros.
Não havia nada de premeditado nem de específico.
É curioso porque o texto inicial do livro dá uma
ideia muito trabalhada deste livro, o que não é
verdade. A história destas mulheres é mais uma
música de fundo do que a questão principal – uma
espécie de almofada para o leitor. Na verdade, esta
casualidade que o mundo exterior me traz continua
a ser a minha maior fonte de inspiração. E aquilo
é tudo verdade e Telavive é mesmo uma cidade
idílica…
PA, AC É a palavra que usas no teu texto de
introdução. Mas Telavive é uma cidade complicada,
disputada, e descrevê-la como «idílica» pode
surpreender…
Claro, mas sabes que a grande maioria das
pessoas que falam de Israel nunca lá foram e
Telavive é confundido com o resto do território.
Telavive é uma cidade muito bonita, o local do
mundo com mais edifícios nos estilos Bauhaus
ou Internacional, muito jovem, com aquilo que
se chama uma boa qualidade de vida. Mas sim,
estamos em Israel e isso é problemático, principalmente nos primeiros tempos. Mas depois, quando
entramos na vida diária, com os seus problemas,
esquecemo-nos e deixamos de ter o mapa político
sempre na nossa cabeça. De vez em quando lemos
sobre uns rockets, veem-se no telejornal uns militares israelitas a destruírem bairros palestinianos
e o assunto volta um pouco à tona e discute-se.
Quer dizer, não deixei de ter as minhas ideias,
mas a vida da cidade, com os seus habitantes,
acaba sempre por puxar-nos para o nosso pequeno
mundo, com os amigos e os seus problemas.
O livro tenta mostrar também esta ambiguidade.
Um corpo de uma mulher é uma história individual, mas junto a uma parede esburacada de
Telavive ganha novas leituras, mais densas.
JPC
Things Here and Things Still to Come, 2011
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It’s a word that you use in the introduction.
But Tel Aviv is a city that is complicated and
contested, so describing it as “idyllic” might
surprise people...
PA, AC
Sure, but you know, most people who talk
about Israel have never been there and Tel Aviv gets
confused with the rest of the territory. Tel Aviv is a
beautiful city. It has the greatest number of Bauhaus
and International style buildings in the world, it’s
very young, and it has what’s called a good quality
of life. But yes, we are in Israel and this is problematic, especially when you first get there. Later,
though, when we adapt to everyday life and its
problems, we forget about it and our minds leave
behind the political map. Now and again, we read
about rockets and we see Israeli soldiers destroying
Palestinian neighbourhoods on the televised news,
and the subject comes up again and is discussed.
What I mean is, I still have my ideas, but life in the
city, with its residents, always ends up pushing us
back to our own little world with its friends and
problems. The book tries to show this ambiguity.
A woman’s body is an individual story, but
combined with a bullet-riddled wall in Tel Aviv,
it acquires new and deeper readings.
JPC
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Were you impressed by the idea that these
four young women had made an important decision
in their lives?
PA, AC
JPC Yes, but I think that the root of this decision
is deeper than being a simple act of bravery. What
interested me more than the initial decision was
their experiences in the military. Almost everyone
I met described it as the best period of their lives,
with a spirit of brotherhood and comradeship
coming from a firmly united community.
Everyone is responsible for the actions of their
comrades. This is an image that is very distant
from our modern society... Leonard Cohen also
went to Israel on a dime to participate in the
Yom Kippur war.
PA, AC
When did you begin taking these portraits?
JPC After the first two months. I understood that
I wouldn’t get anywhere with my photographs of
the city and that I needed to find something different. It was a time when I forced myself to look
for something new. And by chance, I met one
of the women. Then it all happened spontaneously,
beginning with the nudes. And later, I met the
other women.
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PA, AC A ideia de que estas quatro raparigas tinham
tomado uma decisão importante para a vida delas
impressionava-te?
PA, AC
JPC Sim, mas acho que a raiz dessa decisão
é mais profunda do que ser simplesmente um
acto de coragem. E mais do que a decisão inicial,
interessavam-me muito as experiências no exército.
Quase todas as pessoas que conheci descreviam esse
período com o melhor que viveram, com um espírito de irmandade e camaradagem próprias de uma
comunidade muito unida. Todos são responsáveis
pelas ações dos seus companheiros. Uma imagem
muito longe da nossa sociedade moderna…
O Leonard Cohen também foi para Israel espontaneamente para participar na guerra do Yom Kippur.
PA, AC Olhando para as tuas fotografias, umas vezes
acontece-me achá-las poderosas ou, pelo contrário,
muito frágeis, trespassadas de dúvidas…
PA, AC
JPC A
Quando começaste estes retratos?
seguir aos dois primeiros meses. Apercebi-me
que não ia a lado nenhum com as minhas fotografias da cidade, que era preciso encontrar alguma
coisa diferente. Foi um período em que me forcei
a procurar algo novo. E por acaso conheci uma das
raparigas. Depois surgiu tudo de forma espontânea,
a começar pela nudez. E mais tarde conheci
as outras mulheres.
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JPC
Elas conheciam-se?
Sim.
JPC Pode ser. São quatro raparigas fortes postas à
prova pela situação em Israel… A primeira fotografia do livro mostra uma das raparigas de costas,
numa varanda. A posição dela é semelhante à de
um sniper, e todas as fotografias da cidade a partir
daí vão ser tratadas como uma zona de combate.
Mas a rapariga está de cuecas e sutiã, o que desvia
toda a questão do militar para o íntimo…
PA, AC Também se encontra aqui, nesta maneira de
organizar a sequência, a tua maneira de intercalar
presença e ausência. Há muito da presença física
delas, muito forte, e uma sensação igualmente forte
de ausência. Algo que estava embrionário em
Silence e que é ainda mais evidente em Costa,
o teu livro mais recente.
PA, AC
JPC
Did they know each other?
Yes.
Looking at your photographs, sometimes
the women seem very powerful, while at other
times, they look the opposite, very fragile, filled
with doubts...
PA, AC
JPC That could be. They are four strong, young
women put to the test by the situation in Israel...
The first photograph in the book shows one of the
women with her back to the camera on a balcony.
Her position is similar to that of a sniper, and
all of the photographs of the city that follow are
treated as if it were a combat zone. But the woman
is wearing only knickers and a bra, which diverts
the whole question of the military to something
more intimate...
One also finds here, in the way in which the
sequence is arranged, your way of intermingling
presence with absence. They have a very strong
physical presence and there is an equally strong
feeling of absence, something that was embryonic
in Silence and is very evident in your most recent
book Costa.
PA, AC
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JPC Yes, that’s true. This equation between absence
and presence always arises out of a non-linear
sequencing, from a choice of images that also
reflects my doubts. In my books, I take formal
risks with colour and black and white, for example,
precisely because I think photography is fundamentally a fragile medium for dealing with history.
This fragility is echoed in the people and spaces
that interest me, which are normally banal and
have nothing of the monumental in them.
PA, AC Your new book Costa doesn’t have any photographs of people yet shows vestiges of humanity
in nature. Do you also consider it a personal one?
JPC Yes, in the sense that the others are as well.
What I mean is, they are the product of me being
in a certain moment in a certain place. In relation
to Costa da Caparica, where these images were
shot, I don’t have a relationship to the place beyond
anything ordinary. I’ve lived in Lisbon for nine
years and it was only recently that I went there
for the first time.
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JPC Sim, é verdade. E essa equação entre ausência
e presença vem sempre de uma sequenciação não
linear e de uma escolha de imagens que espelhe
também as minhas dúvidas. Nos meus livros, corro
riscos formais, como por exemplo com a cor e o
preto e branco, exactamente porque na sua base
a fotografia parece-me um meio frágil de lidar
com um história. E essa fragilidade ecoa nas
pessoas e nos espaços que me interessam, que
normalmente nada têm de monumental, são banais.
O teu novo livro, Costa, que não tem
nenhuma fotografia de pessoas, embora às vezes
mostre vestígios dos seres humanos na natureza,
também é um livro pessoal?
PA, AC
É, na medida em que outros também o são,
ou seja, resultam da minha condição de estar num
momento num certo sítio. Em relação à Costa da
Caparica, de onde são essas imagens, eu não tenho
nenhuma relação com esse local para além do
normal. Vivo em Lisboa há nove anos e fui lá pela
primeira vez nessa altura.
JPC
Costa, 2013
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Costa is, on the other hand, your first
book that is entirely set in Portugal...
PA, AC
Yes, although it has a lot of old images. In any
case, I’ve recently been feeling a particular need to
work close to home. Nowadays I live in Lisbon, in
a country that has become harsh and where I own
a house. I’ve recently become a father and suddenly
there are urgent questions: why is it so difficult
to look at what is so familiar to us? How is it that
I give meaning to these landscapes and the people
who grew up close to me? It was in the first images
I made of Costa da Caparica that I discovered the
fragility of that landscape. There’s abandonment,
the dunes, the snakes... nature has reclaimed its
rights over the beach. It was from that that
I became interested in this place. It became a place
of the mind. The writer Paul Bowles has described
a lot of places with an ambiguity that combines the
sensual with the mortal. In his book Sheltering Sky,
the desert is an idyllic place to which people escape,
but one of them also ends up dying there. In Costa,
there is a harsh light that cuts across the book.
It is also the seductive light from the south, but also
a light that burns everything and makes life difficult
for people... and in a way, it has to do with what
is happening now in Portugal.
JPC
Costa was both an exhibition and a book.
Are these two different processes for you?
PA, AC
Yes. My thinking about exhibitions is
circumstantial. With books, it’s different because
I organise my work into groups of images. I think
in sequences of images, in a rhythm, in the object,
its size, the paper, even the title and the book cover.
And because it isn’t a book of my best photographs,
I try to make it as truthful to my experience as
possible. That’s why it has more erratic images that
come out of the blue, along with others that make
us pause longer, just like in our everyday lives,
sometimes clearer and at other times, cloudy.
Um Eclipse Distante, 2014
JPC
PA, AC
And now?
Now, I continue to work in Lisbon. The images
that will be shown in the prize exhibition are a kind
of equation of my state of affairs. For the last few
months, I’ve been walking around with this phrase
in my head: “the year that Lou Reed died”. It’s
a phrase that doesn’t offer any kind of script, but
it pulls me suddenly towards the present. I’ve been
working close to my house in a neighbourhood that
has a very interesting relationship between architecture and vegetation. What I’m going to show isn’t a
project, but more of a vision of where my photography is currently. Actually, in working close to home,
new directions have emerged, including working
with people in a more controlled way, almost
as if it were in studio.
JPC
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PA, AC Costa é, por outro lado, o primeiro dos
teus livros inteiramente situado em Portugal…
Sim, muito embora, como disse antes, tenha
imagens bastante antigas. De qualquer maneira,
recentemente tive uma certa urgência em trabalhar
perto de casa. Hoje vivo em Lisboa, num país que
se torna agreste e onde tenho uma casa. Acabei
de ter um filho e de repente há perguntas urgentes:
porque é que é tão difícil olhar para o que nos
é mais familiar? Como é que dou sentido a estas
paisagens e pessoas que cresceram perto de mim?
Foi nas primeiras imagens que fiz na Costa que
fui descobrindo a fragilidade daquela paisagem.
Há o abandono, as dunas, as cobras… a natureza
que reconquistou os seus direitos, tudo num local
de praia. E foi a partir daí que este lugar me interessou. Tornou-se um lugar mental. O escritor Paul
Bowles é que descrevia muitos locais com uma
ambiguidade que unia o sensual e o mortal. No seu
livro Sheltering Sky o deserto é um local idílico,
para onde os personagens fogem, mas onde também
um deles acaba por morrer. Em Costa, há uma luz
dura que atravessa o livro e que é também a luz
sedutora do sul, mas também a luz que queima
tudo, que dificulta a vida das pessoas... e que,
de certa maneira, tem a ver com aquilo que agora
se vive em Portugal.
JPC
Costa foi simultaneamente uma exposição e
um livro. Estes são dois processos diferentes para ti?
PA, AC
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JPC São. O meu pensamento para as exposições é
circunstancial. Já com os livros é diferente porque
eu estruturo o meu trabalho em grupos de imagens.
Penso em sequências de imagens, em ritmo,
no objeto, no seu tamanho e no papel e mesmo
no título ou na capa. E, não sendo um livro um
conjunto das melhores fotografias, tento que seja
o mais justo possível com a minha experiência.
Por isso há imagens mais erráticas, que vêm do
acaso, junto a outras que nos fazem parar mais,
tal como a nossa vivência quotidiana, umas vezes
mais nítida outras mais turva.
PA, AC
E agora?
JPC Agora continuo a trabalhar em Lisboa.
As imagens que estarão em exposição no prémio
são uma espécie de equação do meu estado das
coisas. Durante estes últimos meses andei sempre
com esta frase na cabeça: «o ano em que Lou Reed
morreu». É uma frase que não oferece nenhum
guião, mas que subitamente me atrai para o
presente. Tenho estado a trabalhar próximo de
minha casa, num bairro que tem uma relação muito
interessante entre arquitectura e vegetação. Aquilo
que irei expor não é um projeto mas uma visão
sobre o momento da minha fotografia. A verdade
é que, ao trabalhar próximo de casa, têm surgido
novas direções, como por exemplo trabalhar com
pessoas de uma forma mais controlada, quase
como se fosse em estúdio.
PA, AC
What advantages does this control bring you?
JPC When I talk about control, it’s only in the
sense that it’s me who goes looking for people and
I photograph them in the location that I choose...
I don’t know if there are any advantages. It’s my
choice. In these situations, with a person in front
of me, it forces me to see a body, sometimes nude
and sometimes clothed. And what is it that is seen?
Maybe our fears, fetishes, shame…and the longer
someone stays in front of the camera, the more
difficult it is to have an idea of the kind of image
one wants...
Do you want to arrange this together with
photographs of the territory?
PA, AC
JPC Yes, I always need these kinds of maps, which
give me clues as to where we are, without revealing
everything. And I always see a very close relationship between a body and the architecture and the
space of the city.
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I also see something different in your new
photographs, a slight contradiction: you make a
point of taking your photographs here in Portugal,
while at the same time, you don’t want to show the
exact location where these photographs are taken...
This question wasn’t raised in Israel...
PA, AC
It’s a strategy and I’m interested in isolating
several elements that I consider important in this
space.
JPC
Because, for the first time, you already
know the places that you photograph...
PA, AC
Yes, this is a little new for me, to be so close to
home. As always, though, it’s important that the
work isn’t just a representation of a neighbourhood
or a city. These places where I normally photograph
are in a neighbourhood in Lisbon, in 2014
and I don’t shy away from this. But is it really
necessary to know where the photograph was shot?
I think I’ll go back to the previous idea about
the relationships that I’m interested in creating
in my work. A more intimate space, like images
of a woman confronted with buildings, vegetation
and objects. I try to create tensions, connections
or oppositions that reveal my vision of the world.
JPC
PA, AC
Que vantagens tem para ti esse controlo?
JPC Quando falo em controlo é apenas no sentido
em que sou eu que procuro as pessoas e fotografo-as num local que escolho… Não sei se há
vantagens. É uma opção minha. Nestas situações,
com uma pessoa à frente, forço-me a ver um corpo,
às vezes nu outras vezes vestido. E o que é que se
vê? Vê-se o que está nas nossas cabeças, os medos,
os fetiches, os pudores… E quanto mais tempo
se tem alguém à frente mais difícil é ter-se uma
ideia de que imagem se quer...
PA, AC Queres combinar isso com as fotografias
do território?
Sim, preciso sempre dessa espécie de mapas,
que nos dão pistas de onde estamos, sem revelar
totalmente tudo. E vejo sempre uma relação muito
próxima no estudo de um corpo e a arquitetura
e espaço da cidade.
JPC
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PA, AC Vejo também algo de diferente nas tuas novas
fotografias, uma ligeira contradição: fazes questão
em fazer as tuas fotografias aqui, no contexto
português, e ao mesmo tempo em nenhuma destas
fotografias queres mostrar onde estás exatamente…
Esta questão não se colocava em Israel…
É uma estratégia, e interessa-me isolar alguns
elementos que considero importante neste espaço.
JPC
Porque, pela primeira vez, já conheces
os lugares que fotografas…
PA, AC
JPC Sim, e isso é um pouco novo para mim, estar tão
próximo de casa. Mas, como sempre, é importante
que o trabalho não seja uma mera representação
de um bairro, ou de uma cidade. Estes locais onde
normalmente fotografo estão num bairro de Lisboa
e no ano de 2014, e disso não fujo. Mas será que
temos de saber de onde vem a fotografia? Acho
que volto à ideia anterior, sobre as relações que me
interessa criar no meu trabalho. Um espaço mais
íntimo, como imagens de uma mulher são confrontadas com edifícios, vegetação ou objetos. E tento
criar tensões, ligações ou oposições que mostram
a minha visão do mundo.
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Does it seem to you that your work has
changed a lot between what you did in Israel
in 2009 and what you’ve managed to do now?
PA, AC
JPC In some things, yes. Perhaps there’s more
confidence; I don’t know how to explain it...
A confidence that surprises me and comes from
the fact that now I’m more aware of what I do.
Some of these women that now I photograph are
models (not fashion models, but in drawing classes,
for example) and they don’t have any inhibitions
about being there in the nude, looking at me.
For many years, I would shoot a lot of images
that I would later edit out. Nowadays, I’m more
demanding and I review many of these images
in my mind before I make them; I struggle more.
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Parece-te que o teu trabalho mudou muito
entre o que fazias em Israel em 2009 e o que consegues fazer agora?
However, I always try to keep in mind the need
to incorporate error and instinct in what I do,
which leads to a struggle between what is controlled
and what isn’t. That’s why there needs to be
some discomfort and ambiguity in the images,
as if I was losing control of reality.
In Tel Aviv or Costa da Caparica, I’m driven by
the place, by a story and by the past of the people
I met. In Tel Aviv, it was the young women who
had control over me. Naturally, though, I try to
take back this control through photography and
I try to lose it again in the way the photographs
end up being organised in sequence in the book.
It’s as if you wanted the images to have never
belonged to you...
PA, AC
JPC Em certas coisas, sim. Há talvez uma maior
confiança, não sei como explicar… Uma confiança
que me assusta e que advem do facto de eu estar
mais consciente do que faço agora. Algumas destas
mulheres que tenho fotografado são modelos (não
de moda, mas por exemplo posam para desenho)
e têm a desinibição de estar ali, sem roupa, a olhar
para mim. Há uns anos iria fazer muitas imagens
para depois, mais tarde, as recusar. Hoje sou mais
exigente e revejo mentalmente muitas destas
imagens antes as fazer; luto mais.
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No entanto, tento sempre ter em mente que é precisar incorporar o erro e o instinto naquilo que faço,
o que me conduz à oposição entre o que é controlado e o que não é. E por isso tem que haver algum
desconforto e alguma ambiguidade nas imagens,
como se estivesse a perder o controlo da realidade.
Em Telavive, ou na Costa da Caparica, sou dirigido, pelo lugar, por uma história, pelo passado
das pessoas que encontrei. Em Telavive eram
as raparigas que tinham o controlo sobre mim.
Mas, naturalmente, eu tento retomar esse controlo
através da fotografia e tento voltar a perdê-lo na
maneira como as fotografias acabam por se organizar em sequência no livro. É como se quisesses
que as imagens nunca realmente te pertencessem..
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LISTA DE OBRAS
ficha técnica
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ficha técnica
BES Photo 2014
Délio Jasse
José Pedro Cortes
Letícia Ramos
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Museu Coleção Berardo
Instituto Tomie Ohtake