O que fizemos nós para ainda estarmos aqui?

Transcription

O que fizemos nós para ainda estarmos aqui?
Sexta-feira
4 Junho 2010
www.ipsilon.pt
Flying Lotus Kelly Reichardt
NICOLAS GUERIN/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7365 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Maria do Rosário Pedreira
“Eram os anos 80” na Cinemateca
O que fizemos nós para ainda estarmos aqui?
DESIGN ©
www.dasein.pt
26 MAIO
A 4 JULHO
2010
280 FESTIVAL
26
MAIO
QUARTA 21H30
02
JUNHO
QUARTA 21H30
14
JUNHO
SEGUNDA 21H30
20
JUNHO
DOMINGO 21H30
27
JUNHO
DOMINGO 21H30
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
Teatro Miguel Franco / Leiria
Igreja de São Francisco / Leiria
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
EUROPA
GALANTE
FABIO BIONDI
ORQUESTRA
GULBENKIAN
PEDRO NEVES
CORO
GULBENKIAN
MICHEL CORBOZ
TALK SHOW
A teatralidade barroca imortalizada
pela música dos compositores
/violinistas italianos
Obras de Alexandre Delgado
e Joseph Haydn
MAESTRO
28
MAIO
SEXTA 21H30
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
ORQUESTRA
DE CÂMARA
PORTUGUESA
PEDRO CARNEIRO
MAESTRO
PEDRO LOPES VIOLINO
HUGO DIOGO VIOLA
LUÍS ANDRÉ FERREIRA VIOLONCELO
DAVID COSTA OBOÉ
ROBERTO ERCULIANI FAGOTE
Convenção e Contemporaneidade
01
JUNHO
TERÇA 11H00 E 15H30
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
O JAZZ VAI
À
ESCOLA
JOSÉ MENEZES
DIRECÇ. E SAXOFONE
GONÇALO MARQUES TROMPETE
JORGE GONÇALVES GUITARRA
PEDRO PINTO CONTRABAIXO
JOÃO RIJO BATERIA
Uma fantástica viagem ao Mundo
do Jazz para o público juvenil
e familiar
MAESTRO
8
JUNHO
TERÇA 21H30
Teatro Miguel Franco / Leiria
ANA MARIA
PINTO
NUNO VIEIRA
DE ALMEIDA
SOPRANO
PIANO
Evolução / Contrastes – um recital
comentado
13
JUNHO
DOMINGO 21H30
Igreja do Convento da Portela,
(Franciscanos) / Leiria
CORO
DO ORFEÃO
DE
LEIRIA
PEDRO MIGUEL
DIRECÇÃO
Na tradição vocal portuguesa
15
JUNHO
TERÇA 21H30
Teatro Cine de Pombal / Pombal
VERA DIAS
CRISTINA
ÁNCHEL
PEDRO RIBEIRO
FAGOTE
FLAUTA
OBOÉ
ESTHER GEORGIE
CLARINETE
JONATHAN
LUXTON
TROMPA
A religiosidade operática de Rossini
ORQUESTRA
FILARMONIA
DAS
BEIRAS
STEPHEN COKER
22
JUNHO
TERÇA 21H30
Teatro Miguel Franco / Leiria
PEDRO GOMES
PIANO
19
JUNHO
SÁBADO 21H30
Cine Teatro da Batalha
/ Batalha
Mosteiro de Santa Maria da Vitória
/ Batalha
26
JUNHO
SÁBADO 21H30
DIRECÇÃO
ROBERTA MAMELI SOPRANO
RENATA SPOTTI VIOLINO
EFIX PULEO VIOLINO
LUCA MORETTI VIOLA
TAKASHI KAKETA VIOLONCELO
ALBERTO LO GATTO VIOLONE
FULVIO GARLASCHI TIORBA
MARTA GRAZIOLINO HARPA
DAVIDE POZZI CÍMBALO
Patrocínios Empresariais
4
JULHO
DOMINGO 21H30
Teatro José Lúcio da Silva / Leiria
MAESTRO
JOÃO MOREIRA CLARINETE
Americanos e Europeus
dos séculos XIX e XX
Obras de Beethoven,
Chopin e Prokofiev
25
JUNHO
SEXTA 21H30
A arte de Claudio Monteverdi
Patrocínios Institucionais
Coreografia de Rui Horta para quatro
intérpretes e duas colunas de som
Música francesa para sopros no início
do século XX
LA
VENEXIANA
CLAUDIO CAVINA
ATÉ SE APAGAR O CORPO
MAESTRO
SÓNIA GRANÉ SOPRANO
CÁTIA MORESO MEIO-SOPRANO
MÁRIO ALVES TENOR
LUÍS RODRIGUES BARÍTONO
SIMON SAVOY PIANO
NICHOLAS MCNAIR ÓRGÃO
Auditório do Museu do Vidro
/ Marinha Grande
QUARTETO
BLANC
Obras de Mozart, Webern
e Chostakovitch
PROGRAMA SUJEITO A ALTERAÇÕES
RESERVA DE BILHETES
No Orfeão de Leiria a partir de 19 Maio
VENDA DE BILHETES Espectáculos
no Teatro José Lúcio da Silva: a partir
de 19 Maio na bilheteira daquele Teatro
/ Restantes espectáculos: no local do
espectáculo, uma hora antes do início.
ORGANIZAÇÃO
Orfeão de Leiria Conservatório de Artes
Av. 25 de Abril, 2400-265 Leiria
T 244829550 / 938238700 / F 244829551
[email protected]
www.orfeaodeleiria.com
Jornal Oficial
Flash
Sumário
Anos 80
6
Quando o cinema começou a
deixar de existir
Kelly Reichardt
14
Filma a América no tempo de
Bush
Mª do Rosário Pedreira
Na Leya, a reconstruir a
literatura nacional
16
Lars Kepler
20
O segredo mais bem
guardado do policial sueco
Flying Lotus
26
“Cosmogramma”, uma ópera
espacial
Primavera Sound
28
O mundo indie reunido em
Barcelona
Toshiki Okada
Um japonês em casa no
Alkantara
34
Banderas “meets”
Almodóvar (e é como
se nunca se tivessem
separado)
Os filmes de Pedro Almodóvar com
Antonio Banderas, nos anos 80,
foram o inicio de uma bela amizade
- e de uma carreira internacional de
sucesso, para os dois. Sem Antonio
Banderas e Pedro Almodóvar, o
cinema espanhol não seria o
mesmo. Agora, vão voltar a estar
juntos: o novo filme de Almodóvar
“starring” Banderas chamar-se-á
“La Piel que Habito”, disse o actor
ao “El País”. É um projecto que está
na gaveta há dez anos: Almodóvar
já escreveu e reescreveu nove vezes
o guião, baseado em “Tarantula”,
livro de Thierry Jonquet. Banderas
será um cirurgião plástico que quer
vingar a violação da filha, e que não
olha a meios para atingir os seus
fins. Terror. “Mas sem gritos ou
sustos. É difícil de definir e embora
se aproxime do género – algo que
me interessa porque nunca fiz – não
vou respeitar nenhuma das suas
regras. É o filme mais duro que já
escrevi e a personagem de Banderas
é brutal”, vai avançando o cineasta.
A rodagem começa a 9 de Agosto,
em Espanha. O filme será produzido
pela El Deseo, de Almodóvar, e terá
figurinos da responsabilidade de
Jean Paul Gaultier, que já trabalhou
com o cineasta espanhol em “Kika”.
Apesar dos dez anos de diferença, o
percurso de Almodóvar e Banderas
é semelhante. Nasceram em terras
pequenas (Banderas em Málaga e
Almodóvar em Calzada de
Calatrava) e foram para Madrid
realizar os seus sonhos. Ali
trabalharam juntos em cinco filmes,
mas isso foi nos anos 80. Depois,
seguiram separados. O actor tentou
a sorte em Hollywood e o realizador
fez os filmes que lhe deram o
reconhecimento internacional. E
assim se passaram 20 anos.
Continuaram amigos, mas não
voltaram a trabalhar juntos. Até ao
mês passado. Banderas, diz
Ficha Técnica
Directora Bárbara Reis
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais
(adjunta)
Conselho editorial Isabel
Coutinho, Óscar Faria, Cristina
Fernandes, Vítor Belanciano
Design Mark Porter, Simon
Esterson, Kuchar Swara
Directora de arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho, Carla
Noronha, Mariana Soares
Editor de fotografia Miguel
Madeira
E-mail: [email protected]
Banderas vai protagonizar
o primeiro filme de terror
de Almodóvar
Bruce Nauman num
contentor em Lisboa
O escultor, fotógrafo e
performer norte-americano
Bruce Nauman é a principal
atracção de uma
programação de peso
pensada para a inauguração
de um singular espaço de
exposições em Lisboa, no
próximo dia 17 de Junho.
Mas ninguém vai vê-lo, a
não ser a artista plástica
Luísa Cunha, que com ele
criou “Uma performance e
”. Ninguém
uma conversa”.
ue a
vai vê-lo porque
um “work-inperformance (um
iado a 20 de
progress” iniciado
a que, quando
Março) implica
oporto de
chegar ao aeroporto
an seja metido
Lisboa, Nauman
num contentorr e
transportado sem que
a para o tal
ninguém o veja
ar nas Docas
espaço singular
de Lisboa – quatro
atro
tores
outros contentores
intados
restaurados, pintados
de cinzento e
colocados sob a
ue
grande pala que
existe há vários
os
anos debaixo da
bril,
Ponte 25 de Abril,
pela Associação
ão de
nto
Desenvolvimento
Criativo e
Artístico P28.
E isto é só o
começo. As
o
exposições vão
suceder-se até ao
fim do ano e
todas dentro ou
fora dos
contentores. Depois de
Luísa Cunha, que também
convida o artista Fernando
Ribeiro (17 de Junho a 17 de
Julho), haverá a dupla de
designers R2 Design, Lizá
Defossez Ramalho e Artur
Rebelo (24 de Julho a 28 de
Agosto), Susanne Themlitz
(2 de Setembro a 2 de
Outubro), Pedro Cabrita
Reis (14 de Outubro a 31 de
Outubro) e, para terminar,
José Pedro Croft (12 de
Novembro a
31 de
A passagem de Bruce
Nauman será invisível
a olho nu: o artista será
enfiado num contentor
à chegada ao aeroporto
Dezembro).
“Os contentores, além de
serem um suporte artístico
alternativo, são por si um
objecto artístico, pela forma
como foram colocados”,
realça Bruno Malveira,
responsável da
comunicação da P28. Como
suporte para os projectos
dos artistas, os contentores
serão o que estes quiserem.
Na maioria dos casos, será
na parte exterior dos
contentores que os artistas
vão desenvolver os seus
projectos. Na performance
de inauguração, Luísa
Cunha e Bruce Nauman
estarão dentro, mas será
preciso estar fora para
perceber como vai
desenrolar-se a conversa lá
dentro.
A ideia da Associação P28 é
promover a arte pública,
apostar num serviço
cultural gratuito e fazer
chegar a arte ao maior
número de pessoas
possível, promovendo o
cruzamento, e mesmo a
justaposiçã
justaposição, dos espaços
onde as pessoas
da cidade o
se movem e dos espaços
artísticos, p
para que o
público se aproxime dos
criadores de
d forma
inesperada e natural. E,
para fazer do espaço de arte
também um espaço de
lazer, ao lado dos
passeio e la
contentores serão
contentore
colocados os jardins
de oliveiras que
redondos d
têm estado junto à
até aqui tê
Praça do Comércio.
projecto dos
O project
contentores, que foram
contento
por uma
cedidos p
empresa, teve o apoio da
empresa
Administração do Porto
Adminis
de Lisbo
Lisboa e da Câmara
Municipal de Lisboa,
Municip
servindo também para
servind
dinamizar uma zona da
dinam
cidade pouco utilizada,
diz Br
Bruno Malveira, e
para c
continuar a ideia
reabilitação
de rea
subjacente a muito do
subja
traba
trabalho da P28. Ana
Dias Cordeiro
C
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 3
Flash
As cartas são toda uma nova porta de entrada
no romance público mais avassalador do século XX
Almodóvar, “está exactamente
como quando foi embora”:
“Quando apareceu, foi como se
tivéssemos acabado ‘Ata-me’ na
noite anterior”. Mas a história
começou dez anos antes de “Atame”, com “Labirinto de Paixões”,
de 1982. Quatro anos depois,
Banderas entrava em “Matador”, e
a seguir no polémico “A Lei do
Desejo” – Banderas de novo
homossexual, desta vez psicótico - e
em “Mulheres à Beira de Um Ataque
de Nervos”.
Em Agosto, os
Arcade Fire chegam
aos subúrbios
Continuamos a aguardar
ansiosamente o novo álbum dos
Arcade Fire, e a contagem
decrescente tem sido fértil em
novidades. Os canadianos
revelaram finalmente a data de
lançamento do novo disco (2 de
Agosto), embora sublinhem que
“ainda estão a terminar” o álbum
(começaram a gravá-lo no mês
passado).
Na semana passada, os irmãos Will
e Win Butler explicaram à rádio
americana NPR Music o significado
do nome do disco, “The Suburbs”
(correm rumores de que será um
álbum duplo). “Nascemos numa
cidade muito pequena da
Califórnia, na fronteira com o
Nevada”, explicou Win, citado pelo
“New Musical Express”. “Mudámonos para Houston quando éramos
novos. Sendo nós crianças tão
pequenas, foi como ir para Marte.
[No álbum], tentámos falar sobre
esse sentimento”. Mais um regresso
à infância, portanto. Sobre a música
do disco, Will disse que “há dois
pólos, um mais rock’n’roll, o outro
mais electrónico”, e que o álbum se
situa “entre esses dois extremos”.
Enquanto esperamos por “The
Suburbs”, o site da banda dá-nos
muito que fazer: podemos
encomendar o álbum, desc
ca
arrre
reg
ga
ar
descarregar
as canções “The suburbs” e ““Month
Mo
M
ont
nth
of May” (uma edição limitada dos
singles foi despachada para lojas de
discos independentes), ver algum
do trabalho gráfico do novo álbum
(incluindo uma fotografia antiga dos
subúrbios de Houston), e ainda ler a
letra da canção que dá o nome ao
disco (e brincar com ela...).
Presidente da República Fernando
Henrique Cardoso.
De volta à Flip está também Salman
Rushdie, que esteve em Paraty em
2005. O escritor indiano lançará o
O músico Lou Reed, os escritores
seu novo romance “Luka e o Fogo
Salman Rushdie, Antonio Tabucchi
da Vida”, que no Brasil será editado
e Isabel Allende, o cartoonista
pela Companhia das Letras. A
Robert Crumb, os historiadores
“multiculturalidade” é, de resto, o
Robert Darnton e Peter Burke e o
fio condutor desta edição, que
crítico literário Terry Eagleton são
colocará o israelita Abraham B.
as principais atracções da 8ª edição
Yehoshua e a iraniana Azar Nafisi a
da Flip - Festa Literária
debater o processo de paz
Internacional de Paraty,
entre árabes e
que vai decorrer de 4 a
israelitas. Wendy
8 de Agosto no
Guerra, que
Brasil. Este ano,
vive em
aquela que é a
Cuba, e a
brasileira
maior festa
Carola
literária
Saavedra,
brasileira não
falarão
terá nenhum
das
convidado
diferenças
português,
de se
depois de por
escrever
lá já terem
em
passado
Reed lança uma colectânea
democracia
António Lobo
das suas letras no Brasil
ou sob
Antunes, Miguel
ditadura.
Sousa Tavares,
No ano passado,
Gonçalo M. Tavares e
Richard Dawkins esteve
José Luís Peixoto.
em Paraty a falar de ateísmo,
Lou Reed não vai cantar - estará na
ciência e fé. Este ano, em resposta
8ª Flip a propósito da edição no
às teorias de Dawkins, a Flip
Brasil de “Atravessar o Fogo”, obra
convidou um dos mais influentes
que reúne 310 canções do norteamericano. O livro chega às livrarias críticos literários contemporâneos,
o britânico Terry Eagleton, que irá
em Julho e Lou Reed conversará no
contra-argumentar o ateísmo
festival com o escritor e jornalista
apregoado pelo cientista.
Arthur Dapieve sobre “os limites
Os bilhetes para o evento começam
entre arte e contestação, letra e
a ser vendidos a partir das 10h (no
poesia, alta cultura e rock’n’roll”.
Brasil) do dia 5 de Julho no site
O escritor homenageado este ano
na Flip é o sociólogo Gilberto Freyre www.ticketsforfun.com.br. A partir
do dia 4 de Agosto, estarão
(1900-1987) e na conferência de
disponíveis apenas na bilheteira da
abertura, dedicada ao autor de
Casa Grande & Senzala
Flip em Paraty. Isabel Coutinho
“Casa
Senzala”,,
pa
art
rticcip
ipará o sociólogo e exparticipará
Paraty ao som de
Lou Reed
Mais memórias das dores de crescimento
dos Arcade Fire no terceiro disco
4 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Vamos ler as cartas
de Richard Burton a
Elizabeth Taylor
Não houve (e por favor não vamos
sequer sujar a boca com aquela
a) na
coisa chamada Brangelina)
história do “star system” (e, vá, na
ora o
história do cinema, embora
sellini com
encontro de Roberto Rossellini
e europeu
Ingrid Bergman, apesar de
mbém seja
e portanto periférico, também
mítico) nenhum romance como o
hard
de Elizabeth Taylor e Richard
mento
Burton. Foi uma acontecimento
ais eram
torrencial, como torrenciais
u em
um e outro, que começou
or,
Roma, 1962, quando Taylor,
casada, estava a morrer
nas filmagens de
“Cleópatra” (um filme que, de resto,
quase matou o sistema de produção
de Hollywood) e Burton, casado,
correu para a salvar (já tinha ficado
morto de desejo dez anos antes,
quando a viu pela primeira vez
junto à piscina, numa festa em casa
de Stewart Granger e Jean
Simmons). O adultério,
imediatamente condenado às mais
altas instâncias (pelo Vaticano),
transformou-se logo ali num épico,
possivelmente um épico maior do
que o que Joseph L. Mankiewicz
estava a tentar filmar. O calor, a
derrapagem financeira e depois
Burton e Taylor, inseparáveis:
Mankiewicz tinha de gritar “vocês
os dois importam-se que eu diga
‘Corta’?”.
Nos anos que se seguiram, houve
altos e baixos, separações e
reconciliações, álcool e drogas.
Casaram-se duas vezes (de 15 de
Março de 1964 a 26 de Junho de
1974, e de 10 de Outubro de 1975 a
29 de Julho de 1976), depois
divorciaram-se definitivamente.
Agora, 26 anos após a morte de
Burton, vamos saber como esse
romance era por dentro: Taylor
entregou a Sam Kashner e Nancy
Schoenberger praticamente todas
as cartas que Burton lhe escreveu
(apenas uma, que o actor escreveu
poucos dias antes da sua morte, em
1984, e que só chegou às mãos de
Taylor depois do funeral, ficará
inédita). Serão impressas pela
primeira vez em “Furious Love:
Elizabeth Taylor, Richard Burton,
and the Marriage of the Century”,
uma edição da Harper Collins
disponível nos EUA a partir de 15 de
Junho. A “Vanity Fair” pré-publicou
excertos de algumas dessas cartas
em que Burton usa
maravilhosamente a língua para se
declarar, insistentemente, a Taylor,
lamentar os desentendimentos
entre ambos (“Funcionamos em
comprimentos de onda
completamente diferentes. Tu estás
tão longe como Vénus - o planeta,
quero dizer - e eu sou surdo à
música das esferas”) - e também
para lhe dizer que
se a perdesse, não
havia se não o
suicídio: “Não há
vida sem ti”.
Os inéditos
de Vergílio
Ferreira na
Quetzal
A Quetzal vai publicar um
romance inédito de Vergílio
Ferreira, “Promessa”, no dia
11 de Junho. Teve como
primeiro título “Sequência”
— foi escrito em 1947 e não
chegou a ser publicado. É o
único romance inédito
completo que existe no
espólio de Vergílio Ferreira
(1916-1996), e a decisão de o
trazer a público não foi fácil
de tomar para a equipa de
investigadores e professores
dirigida por Hélder Godinho
(com as professoras Fernanda
Irene Fonseca e Ana Isabel
Turíbio), que está a estudar,
catalogar e anotar o espólio
do escritor português.
Na sua “Conta-Corrente”,
Vergílio Ferreira escreveu
que, na sua opinião, “um
autor não dá garantias quase
nenhumas (mormente
quando grande autor) sobre a
valia do que realiza” e que “se
um artista não quer que se
lhe conheça a obra, destrua-a
ele.” Há cerca de 30anos,
falou da existência deste
romance inédito a Hélder
Godinho (que estava na altura
a preparar uma tese de
doutoramento sobre a sua
obra) e emprestou-lhe o
original dactiloscrito.
Também uma novela inédita
intitulada “A Curva de Uma
Vida”, a primeira história que
Vergílio Ferreira escreveu,
acaba de ser publicada pela
Quetzal e já está nas livrarias.
“É o primeiro livro de Vergílio
Ferreira, datado de 1938. Só
no ano seguinte sairia ‘O
Caminho Fica Longe’, que até
agora é dado como o seu
primeiro romance. É evidente
que se trata de um texto
muito mais curto, uma
novela, mas nela aparecem já
os grandes temas que
Vergílio
marcariam a obra de V
Nomeadamente, a
Ferreira. Nomeadame
ausência do pai, a figura
figu da
mãe, a culpa, a busca da
agência
identidade”, disse à ag
Lusa Francisco José V
Viegas,
que está
editor da Quetzal, q
a reeditar a obra co
completa
Camões
do Prémio Cam
1992. Isabel
1992
“Promessa”, o único romance inédito completo
Coutinho
C
de Vergílio Ferreira, sai no dia 11 de Junho
APRESENTAÇÃO
AGENDA CULTURAL FNAC
entrada livre
entrada livre
APRESENTAÇÃO
CICLO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE
Por ocasião do Dia Mundial do Ambiente, a Fnac chama a atenção para os problemas ambientais causados
pela acção humana, as alterações climáticas e as soluções sustentáveis em defesa do nosso planeta.
01 - 15.06. EM TODAS AS FNAC
AO VIVO
JOHNWAYNES
Novos Talentos Fnac 2010
A diversidade desta banda vai desde o minimalista acid-house, até temas de cariz mais clássico do house
ou compostos orquestrais, com um desvio para terrenos como o disco-funk e o boogie.
09.06. 17H00 FNAC CHIADO
09.06. 20H00 FNAC COLOMBO
11.06. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING
12.06. 22H00 FNAC COIMBRA
AO VIVO
OS CAPITÃES DA AREIA
Novos Talentos Fnac 2010
Sintetizadores, guitarras africanas, tambores e electrónicas, formam vozes sem complexos. Praia, calças
às cores e desamores juvenis compõem o imaginário destes cinco rapazes de Lisboa.
09.06. 21H00 FNAC CASCAISHOPPING
11.06. 21H00 FNAC VASCO DA GAMA
AO VIVO
RITA REDSHOES
Lights & Darks
Rita Redshoes regressa com Lights & Darks, um disco que nos revela uma artista mais madura, desprendida
e directa nas suas canções.
14.06. 18H30 FNAC CHIADO
EXPOSIÇÃO
OS ARQUIVOS DE BERGMAN
Fotografias de Rodagem
A Fnac expõe 18 momentos da vida de Ingmar Bergman (1918 - 2007), cineasta, escritor e dramaturgo sueco.
21.04. - 21.06.2010 FNAC VASCO DA GAMA
Consulte todos os eventos da Agenda,
assim como outros conteúdos culturais Fnac em
Apoio:
AO VIVO
LANÇAMENTO
EXPOSIÇÃO
anos 80
modo
Capa
As estreias não tinham dia fixo, os filmes ficavam anos em
– esta era uma década de fidelidades. Os autores, aliás,
cinema, tal como o conhecíamos, começou a deixar de
os Anos 80”. Quem os viu e quem os vê, Coppola, Scorsese,
Foram os anos da nossa alteridade
e da transição cinéfila. “Eram os
anos 80”, diz o ciclo que dia 18 inaugura na Cinemateca Portuguesa,
em Lisboa: Coppola, Scorsese, Woody Allen, Cassavetes, Truffaut, Rohmer, Lynch, Jarmusch (“Stranger
than Paradise”, a abrir), Spike Lee,
Moretti, Von Trier, Kurosawa, John
Huston, Fassbinder, Wenders, Tarkovski ou Leone. Uma década que
aqui, em Portugal, começa num
misto de ressaca e estado ébrio pósrevolução, mas que abraça também
a entrada na então CEE (e queriam
desesperadamente ver Portugal na
CEE). Queríamos ser outros, como
o resto da Europa, e já éramos outros. O fim dos cineclubes – os primeiros multiplex. A cassete, primei-
6 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
ro de áudio, depois de vídeo – os
videoclubes. O walkman, bolas, há
30 anos. O cinema só saía à noite e
se manifestava em salas, ia parar à
TV ou ganhava corpo VHS.
Alteridade porque gostávamos
de ter dado o salto antes, como os
vizinhos espanhóis com a intensa
Movida, que deu às artes Almodóvar. Eles, os outros, tinham caramelos, alcagoitas e Danone, marcas
da Europa que íamos comprar nas
férias. Queríamos a globalização e
nem sabíamos que com ela os meios
de comunicação colectivos passariam a “self-media”.
Será que queríamos tudo isto?
Queríamos – esclarece João Pedro
Rodrigues, cineasta e cinéfilo “um
pouco obsessivo” –, como ele que-
ria, “ver todos os filmes de cada
realizador”. E eles estavam por aí,
nas salas únicas, na Cinemateca, na
Gulbenkian, nos institutos, na
RTP2.
Atenção: havia cinema, sessões
cheias, clássicos na Cinemateca e
novidades europeias e “matinées”
nos cineclubes. Existiria, no final
da década, uma febril produção cinematográfica em Portugal, novos
e velhos realizadores ao leme, a mexer na moda, no design, na música
– o que Inês de Medeiros, deputada,
actriz, realizadora, chama “os anos
Frágil”, cujas noites começavam na
Cinemateca e acabavam no “hub”
de Manuel Reis. Mas neste mesmo
Portugal, no início dos 80s, acontecia ainda muito pouco. Como fri-
sa Inês de Medeiros, este é um olhar
“nostálgico, mas sem saudosismo”
sobre a década. E como diz Pedro
Caldas: hoje não é bom, nem mau;
é diferente.
O honroso bando de cinéfilos ouvidos pelo Ípsilon nasceu ali, fins
da década de 1970, plenos anos
1980. Era uma dependência independente – dependiam dos ciclos,
dos festivais, dos programadores
para ver cinema e davam-lhes os
novos independentes, os velhos
clássicos. Fosse na Gulbenkian, nos
famosos ciclos do cinema dos anos
1930 (1977), 1940 (1979) ou 1950
(1981), ou no Quarteto, Estúdio 444,
Cinebloco, Apolo 70... Há sempre
algo de agridoce ao visitar a geografia passada, sobretudo ao tentar
e
a
e
A
Pedro Almodóvar em retrato
oficial de “movida”, Martin
Scorsese no final da sua década
prodigiosa (os 70s), Rainer
Werner Fassbinder com o Urso
de Ouro de Berlim (“A Saudade
de Veronika Voss”, a exibir no
ciclo) e Francis Coppola a pagar
pelos seus desvarios
do de usar
m exibição e certos autores tinham em cada sala o seu poiso
ainda eram o “mainstream”. Mas foi a década em que o
e existir. A Cinemateca programa, a partir de dia 18, “Eram
Almodóvar, Lynch, Oliveira.... Joana Amaral Cardoso*
fazer uma história oral da cinefilia
80s. A toponímia mostra a inevitabilidade da nostalgia – ah, o extinto
Quarteto; suspiro pelo Império; lamento pela Sala Bebé. Esta foi a
década em que, pela última vez, se
construía a cinefilia numa sala de
cinema. O “home video” e o “home
cinema” ainda não existiam. “Home” é onde o futuro estaria.
O fim dos cineclubes
– os primeiros
multiplex. A cassete
– os videoclubes.
O cinema só saía
noite e se
à noi
manifestava em salas,
manif
parar à TV ou
ia pa
ganhava
corpo VHS.
ga
ganh
Fim do cinema?
O programador do ciclo “Cinema
Anos 80”, António Rodrigues, postula: os anos 80 foram “o período
em que o cinema propriamente dito começou a deixar de existir”,
culpando o vídeo doméstico pelo
encerramento de metade das salas
europeias.
Há mágoa ao pensar na “religiosidade” (Caldas), na “cerimónia”
(Medeiros), na “hipnose mágica”
(Fellini) da sala de cinema como “sala de espectáculos” (António Roma
Torres, psiquiatra, cineclubista e crítico de cinema). As últimas temporadas de “reprises” (os verões do Império
p
pé
pério, Condes, Monumental). Os
ccinemas
ci
inem
n
eram de bairro e estavam
ao
a
o la
lado dos espectadores.
“Morávamos no Lumiar. Em
1980, eu tinha 14 anos e os meus
pais iam deixar-me ao cinema à tarde. O meu eixo era o Caleidoscópio,
o Apolo 70, o Alvalade e o antigo
Monumental”, recorda João Pedro
Rodrigues. “Um dos primeiros filmes que vi foi ‘O Meu Tio’, do [ Jacques] Tati, no Apolo 70. Mais crescidinho foi o Quarteto e lembro-me
do ano em que se estreou ‘Paixão’,
do Godard, e ‘Querelle’ [de Fassbinder]”.
Pedro Caldas, cujo “Guerra Civil”, sobre um amor jovem nos anos
1980, venceu o IndieLisboa, era
mais Avenidas - São Jorge, Império
e “‘Apocalipse Now’ numa sala com
4 ou 5 pessoas no Monumental, naquele ecrã monumental”.
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 7
chega à Dois em 1978 e programa ciclos.
“Descobri o cinema na RTP2. O que
mais me marcou foi o ciclo Dreyer.
Lembro-me de ver pela primeira
vez ‘A Palavra’ na televisão”, rememora Inês de Medeiros. “A programação de cinema do segundo canal foi
feita com o tipo de exigência dos cineclubes. Sabíamos que havia um
público cinéfilo e não os deixámos
sem filmes para verem”, conta-nos
Fernando Lopes. Guarda a memória
do “mestre” Dreyer, mas também prova física:
“Foi duro conseguir encontrar uma
cópia. Teve de ser feita uma de propósito para Portugal. Ainda hoje guardo com carinho o primeiro poster do
filme ‘A Palavra’, enviado pelo Instituto Dinamarquês de Cinema, que
ficou surpreendido com o nosso pedido”.
Marcados na memória tem ainda o
“Boy Meets Girl” (Leos
Caraz), “O Contrato”
(Peter Greenaway), “E La
Nave Va” (Fellini), “Paris,
Texas” (Wenders) propostas do ciclo
“Nos anos 1980, estava a meio de
um percurso que começou nos anos
1970, com enormes temporadas nos
três ciclos da Gulbenkian que me tornaram cinéfilo. Antes disso, ia ao Palácio Foz [extensão da Cinemateca]”.
E depois a Cinemateca reabriu e passou a ser a sua sala nos anos 1980. Inês
de Medeiros de 16 anos, quando começou a ir à Cinemateca, atalha, lembrando-se de Claudette Colbert na
Barata Salgueiro. “A Cinemateca era
um sítio a que se ia descobrir cinema,
mas também onde o cinema era encarnado por pessoas”.
Falemos de João Bénard da Costa,
e dos ciclos na Gulbenkian originavam
filas madrugadoras nas bilheteiras de
cineastas em flor e cinéfilos convictos.
“As folhas [de sala] do Bénard da Costa foram importantes. Ele falava de
outros filmes daquele realizador, de
outros realizadores e fazia uma espécie de montagem de outros filmes. E
isso dava-me a vontade de ver mais.
Guiava-me muito pelo gosto dele”,
diz-nos João Pedro Rodrigues.
Tão valorizado quanto Bénard é um
cinema na tradição das salas de arte
e ensaio. Pedro Bandeira Freire criou
no Quarteto o mais invulgar dos multiplexes. Anabela Duarte, cantora,
ex-Mler Ife Dada: “um sítio de culto”;
Vera Mantero, coreógrafa: “uma coisa bastante extraordinária”; Inês de
Medeiros: “um pólo de cinefilia” onde
viu o seu primeiro Bergman; Pedro
Caldas: “havia coisas que estavam só no Quarteto”.
Nas imediações, outras
salas. Pedro Caldas lembra que o Londres era
a casa de Bergman e
Woody Allen – estreavam-se
sempre ali.
“Íamos ao
Londres
ver um tipo de cinema, e íamos ao
Quarteto ver outro.” Era uma década
de fidelidades e de circuitos delineados. Alvalade, Avis, Éden, Odeón,
Politeama ou Roma passavam cinema
europeu, de terror ou popular; Castil,
Condes, Império, Monumental, São
Jorge, Star (hoje a Zara na Guerra Junqueiro), Terminal, Tivoli, Vox tinham
cinema popular ou de prestígio; Apolo 70, Cinebloco, Estúdio, Estúdio
444, Londres, Nimas, Quarteto, Satélite eram arte e ensaio.
No Porto, lembra António Roma
Torres, eram os tempos do
Nun’Álvares, agora reabertos, da Sala
Bebé, do Cinema Charlot, do Passos
Manuel, Foco, Pedro Cem e dos Cinemas Lumiére, “com uma programação muito cuidada do Mário Pimentel”. E o Fantas, claro.
Esta foi também uma década de
finais. As últimas temporadas de “reprises” de clássicos nos grandes ecrãs;
o fim do Monumental, demolido, ou
de pequenas salas como o Jardim Cinema, o Vox ou o Pathé, convertidos
em discotecas (o primeiro foi o Loucuras, depois Zona Mais, o segundo
tornou-se na Voxmania em 1985 antes
de voltar a ser King, e o último foi a
discoteca Metropolis em
1985 antes de ficar devoluto).
Com o aproximar do final da década, os circuitos também se iam desagregando. Surgiriam novos
espaços – os Alfa em 1981,
as Amoreiras em 1985
– e o efeito Pingo
Doce ocupa-
Com as
“technicalities” das
últimas décadas,
não acabaram
os cinéfilos. “O que
muda é o sentido
da cinefilia”, observa
Fernando Lopes.
Há menos gente
nas salas e “algo
mudou,
a percepção das
imagens é diferente”
ria os cinemas de bairro. O Cinema
Royal (Graça) ficou supermercado Inô
e depois Pingo Doce. O mesmo no
Roxy, no Intendente. São as leis da
atracção – espaços amplos pouco frequentados geram espaços amplos
frutados.
Podemos argumentar que seguiram
o mesmo fim dos cineclubes, empurrados pelo advento do VHS e dos multiplexes. Mas nem tudo nisso era mau
– argumentamos. Tarantino é apenas
o exemplo mais conhecido dessa geração videoclube, as cassettes com
gravações de filmes guardadas por
João Pedro Rodrigues são testemunho
da importância de certa TV e Pedro
Caldas ia aos “Alfa, às Amoreiras porque havia filmes para ver – a programação não era tão homogénea”.
Falar em programação nesta década é também falar de festivais, como
o da Figueira da Foz, ou de ciclos como os do Instituto Alemão, com os
contemporâneos Schroeter, Fassbinder, Wenders, lembra Pedro Caldas,
ou o Franco-Português, com “muitos
filmes recentes, sobre os quais lia nos
‘Cahiers...’”, recorda João Pedro. Mas
é também falar de televisão. RTP2,
mais precisamente, Fernando Lopes,
evidentemente. O sr. “Belarmino”
Quarteto, o mais invulgar dos
multiplexes. Anabela Duarte,
cantora, ex-Mler Ife Dada: “um
sítio de culto”; Vera Mantero,
coreógrafa: “uma coisa
bastante extraordinária”...
8 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
ciclo Glauber Rocha e os “filmes populares em 31 tardes – Dick Tracy,
Flash Gordon, Homem-Aranha”, a
titilar vários públicos. Outro programador, Alberto Seixas Santos, daria
também fôlego à televisão cinéfila.
Era o tipo de momento que Vera Mantero apreciaria. Ainda hoje, 30 anos
depois de, com o colega bailarino
Francisco Camacho, andar pelas salas
de cinema de Lisboa, prefere ver o
que está a dar na TV do que um DVD.
Porque é “algo que mais pessoas estão
a ver”.
Em plena era dos média pessoais,
há quem ainda precise de organizar
o caos. Seja via programação de festival (Indie ou Doc Lisboa), seja via
qualquer coisa que dê a sensação do
colectivo como os Óscares. “Continuo
a ir ver filmes às salas. Porque é aí que
acontece o cinema”, explica Vera
Mantero. Continua a encontrar salas
em que confia, como uma especial
em Angers, França, onde viu um documentário que a inspirou para a peça que levou ao Festival Alkantara.
Todos referem King e Monumental
como herdeiros das salas de confiança da década de 1980 em Lisboa, da
mesma maneira que António Roma
Torres reporta que cabe aos cinemas
Cidade do Porto, da mesma Medeia
Filmes de Paulo Branco, a honra de
serem as quatro salas “onde ainda há
filmes sem intervalo, sem pipocas e
como eram os Lumière”.
Hoje temos ecrãs para 3D, som
“surround”, salas em carreirinha.
A década em
que o cinema
morreu?
“Eram os Anos 80” propõe um olhar descentrado sobre
a década que mudou o cinema contemporâneo – para
o bem e para o mal. Conversa com António Rodrigues,
programador do ciclo. Jorge Mourinha
António
Rodrigues,
programador
Se está à espera que “Eram
os Anos 80” mostre muito do
cinema que identificamos com
os anos Reagan – de “Blade
Runner” ao “E.T.” ou aos
primeiros filmes de Indiana
Jones, passando por Stallone,
Schwarzenegger ou pelos
êxitos do cinema português
como “Kilas, o Mau da Fita”
ou “O Lugar do Morto”... pode
esperar... Mesmo que haja
Coppola, Scorsese, Woody
Allen, Cassavetes, Truffaut,
Rohmer, Lynch, Jarmusch,
Spike Lee, Von Trier, Kurosawa,
Huston, Fassbinder, Wenders,
Tarkovski ou Leone, estes
anos 80 correspondem ao lado
“autorista” da década que
marcou a entrada do vídeo
caseiro nos hábitos cinéfilos, a
crise das salas de cinema e uma
mudança no modo de ver, pensar
e consumir o cinema.
Curiosamente, António
Rodrigues, o programador que
se abalançou à década depois
de ter organizado os ciclos
sobre os anos 1960 e 1970,
define-se como um “filmista”
mais do que um “autorista”
fanático (“todos os grandes
cineastas fizeram maus filmes
e cineastas medianos fizeram
filmes bons”). Ao Ípsilon, diz que
“cada programador faz as suas
opções e dois programadores
não fariam ciclos iguais”. Assim,
em “Eram os Anos 80” de fora,
propositadamente, ficou o
c
e a popu
a , concentrandoco ce t a do
cinema
popular,
se nos
a
au
tores que
autores
mostraram
durante a
década uma
identidade
estilística
pessoal e
específica,
“resistente” às
formatações
industriais e audiovisuais,
como explica nas linhas que se
seguem.
Porquê focar o ciclo nos autores?
Pelo facto de os anos 80 serem mais
próximos do que os anos 60 e 70, é
mais difícil termos uma perspectiva
de conjunto. E também por outros
motivos: nos anos 60 fiz questão
de programar cronologicamente
porque achei que era interessante
ver Godard ao mesmo tempo que
Christopher Lee. Neste ciclo, pensei
programar por blocos, e procurei
filmes de autor onde houvesse
uma vontade de estilo individual,
uma identidade marcada. No
cinema americano independente,
obviamente que os filmes não se
parecem muito, mas há pontos
comuns. Tanto Jarmusch como o
jovem Gus van Sant têm algo de
muito pessoal, uma busca da forma,
uma narrativa mais oblíqua, menos
ligada aos velhos padrões literários
que ainda predominam.
Um outro aspecto é o cinema
português: Manoel de Oliveira
em 1978 faz o “Amor de Perdição”
e começa o fenómeno do cinema
português, que é incontornável.
Se houve cinema no mundo com
vontade de estilo exagerada foi o
cinema português de autor dos
anos 1980. E ainda uma conclusão
que tirei dos outros dois ciclos, por
ter insistido no cinema popular, é
que muitas vezes ele não é bom.
Em tese é justo insistir, mas na
prática nem sempre os filmes são
interessantes. Foi uma opção tirar
o cinema “mainstream” americano
mais brutal, com a predominância
dos efeitos, das explosões.
M
Mas há cineastas populares
dos anos 80 que têm uma
fforte conotação autoral – John
M
McTiernan, Steven Spielberg...
Claro. A ausência do Spielberg é
uma questão pessoal – representa o
tipo de cinema que não acho muito
interessante. Mas há autores mais
“mainstream” – Scorsese, Coppola,
Cassavetes são autores populares...
A
Até porque nos anos 80 ainda há
uma dimensão popular do cinema
de autor.
Ainda há, e esses são bons
exemplos. Woody Allen, Cassavetes,
alguns europeus – Truffaut, Éric
Rohmer... As “Noites da Lua Cheia”
foram um êxito de público e o
Rohmer passou a ser um cineasta
popular em França. Os anos 80
foram também os anos em que a
relação do espectador com o cinema
mudou com a chegada do vídeo.
As salas fecharam às centenas
no mundo tudo, foi uma mudança
radical, e talvez por isso esta escolha
procure mostrar o “núcleo duro”
do cinema como era então e como
deixou de existir.
Mas ao mesmo tempo o vídeo
abriu uma possibilidade de
cinefilia democrática que não
existia até aí...
Sem dúvida. Ver o “Couraçado
Potemkine” passou a ser fácil. E a
cinefilia “de ponta” até aumentou.
Houve um fanatismo da colecção,
desenvolveu-se brutalmente a
busca da obra rara, aquele cinéfilo
que já viu cem mil filmes e quer ver
aquele de capa e espada chileno... O
que penso é que o vídeo fez com que
os espectadores deixassem de ver o
filme inteiro. Via um trecho, voltava
à cena de que gostava, andava para
a frente quando achava chato, via
ao longo de dois ou três dias... Isso
mudou a relação com o cinema.
Claro, o DVD é outra coisa, trouxe
de volta uma certa cinefilia, com
os complementos, por vezes
magníficos. É uma ferramenta
fantástica para estudo. Acho que o
“Os anos 80 foram
os anos em que a
relação do espectador
com o cinema mudou
com o vídeo. Talvez
por isso esta escolha
procure mostrar
o ‘núcleo duro’
do cinema como era
então e como deixou
de existir”
vídeo e a televisão são bons para
rever, mais do que para descobrir.
Mas houve muita gente que
descobriu a sua cinefilia na
televisão. Havia um lado
pedagógico de ciclos, como o
Hitchcock integral na RTP-2...
Quase como o cine-clube de
antigamente... Mas a televisão em
Portugal perdeu essa função – havia
uma boa programação de clássicos,
os filmes não eram interrompidos
por anúncios, passavam na versão
original, e isso já não acontece
- bom, ainda passam na versão
original...
Os anos 80 foram então uma
década perdida?
Não tenho a certeza que tenha sido
uma década perdida. O que mudou
foi a relação com o cinema – e a
década foi horrível do ponto de vista
político e social, com uma revolta
violentíssima contra tudo o que os
anos 60 e 70 tinham significado,
ao nível dos costumes, da política.
Entre o Reagan e a Sida, foi duro,
foi uma mudança completa. E o
que mudou foi o “mainstream”
americano, que perdeu a capacidade
de contar histórias. O que passou
a interessar foi o número dos
espectadores, filmes feitos para o
público do mundo inteiro, como se
os públicos japonês, português ou
francês fossem iguais. E a “nova
Hollywood” dos anos 70 passou a
ser o “super-mainstream”.
Este programa é uma imagem da
“resistência” a essa formatação?
Não foi um objectivo consciente,
mas sem dúvida nenhuma. Quando
vejo esses nomes europeus –
António Reis, Andrei Tarkovski,
Philippe Garrel, Chantal Akerman —
é óbvio que há algo disso.
Spielberg na
altura de
“Tubarão”, o
ponto de
viragem: “A
ausência do
Spielberg é
uma questão
pessoal –
representa o
tipo de cinema
que não acho
muito
interessante”
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 9
Há cidades, como
o Porto, diz-nos Roma
Torres, que não têm
verdadeiros cinemas
no centro. Está tudo
nos “shoppings”, fora.
“O cinema não
é só o filme que foi
registado”
... ainda em
“Eram os
Anos 80”:
“Identificação
de uma
Mulher”
(Antonioni),
“Nostalgia”
(Tarkovski),
“Irmãos
Inseparáveis”
(Cronenberg)
Contam-se pelos dedos as salas solitárias nas cidades. Aliás, há cidades,
como o Porto, diz-nos Roma Torres,
que não têm verdadeiros cinemas no
centro. Está tudo nos “shoppings”,
fora. “O cinema não é só o filme que
foi registado”, relembra. À coreógrafa Vera Mantero faltam as conversas
pós-filmes. Agora é só “consumir os
objectos a sós e pronto”.
Nova cinefilia
Com as “technicalities” das últimas
três décadas, não acabaram os cinéfilos. “O que muda é o sentido da cinefilia”, observa Fernando Lopes. Há
menos gente nas salas e “algo mudou,
a percepção das imagens é diferente,
as novas tecnologias mudam-nos a
cabeça e o olhar. Não quero fazer um
juízo, é apenas diferente”, diz Pedro
Caldas.
“Deixou de haver convívio cinéfilo
para ir ver filmes”, constata Fernando Lopes. “Há uma possibilidade de
escolha enorme, as novas tecnologias
não trazem só desgraças. Perde-se é
o contacto social. E isso é tão visível
no cinema português – antigamente
convivíamos e agora está cada um
para seu lado”. Ficamos por casa à
descoberta de histórias alternativas
do cinema, mas no DVD, atenta Roma
Torres. “Os anos 80 foram o começo
do declínio dos cinemas como salas
de espectáculo”.
O cinema é espectáculo, como frisa
Inês de Medeiros, e a comunhão que
faz falta vê-se no sucesso do Indie ou
do DocLisboa. João Pedro Rodrigues
é mais cauteloso. Acredita que as pessoas “vão ao Indie e não ver um certo
filme”, só querem “acontecimentos”.
“Às vezes os mesmos filmes passam
na Cinemateca e não está ninguém.”
10 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Tal como Anabela Duarte, o autor
de “Odete” está-se “nas tintas para a
pirataria” e usufrui da Internet quando tem de ser. “Mas antes eu esperava
aquele momento em que ia ver aquele filme sobre o qual tinha lido, naquele dia, àquelas horas. Era uma
emoção. Isso deixou de existir. A não
ser ir a Cannes” – e anseia ver o Palma
de Ouro deste ano, “Uncle Bomee...”,
de
Apichatpong Weerasethakul.
Perdeu-se a “aura”. “É uma sensaboria, não há o sabor da descoberta”,
diz Anabela Duarte. Restam os festivais para ver o que se faz no mundo,
para olhar para outras cinematografias, comenta Pedro Caldas.
Estas conversas reavivaram memórias. “Encontramo-nos no Condes ou
no Éden”, mimetiza Fernando Lopes.
O destino inicial de João Pedro Rodrigues: ornitólogo (“Também observava obsessivamente pássaros”). Pedro
Caldas, voraz na enumeração (“Estou
a ser um bocadinho cinéfilo, acho
eu”). As sessões de “A Mosca”, “Nevoeiro” ou “Alphaville”, os filmes
“mais rock‘n’roll” de Anabela Duarte.
O cinema e a cinefilia são assim, como pré-tertúlias.
Fernando Lopes: “Íamos ao cinema
como qualquer coisa de exaltante, de
estimulante, de convívio e depois iase para a cidade para outras vidas.
Íamos viver os filmes no meio da cidade”.
*com Jorge Mourinha
Crónica
Vanessa
Rato
Uma fronteira aberta
chamada televisão
É
sempre assim. Há, por um lado, o que as
narrativas pop apresentam como um país – e
isso são as grandes capitais –, e, depois, há o
resto – e isso é o rendilhado sem nome nem
história das pequenas cidades. Portanto,
Portugal, década de 80: isso era Lisboa, Porto e Coimbra.
Depois, à volta, paisagem.
Por exemplo, Castelo Branco. Coisa para 30 mil
habitantes, dizem as estatísticas da época. Coisa para
menos de duas dezenas de adolescentes de preto e com
os pés enfiados em Doc Martens vendidas a peso de
ouro na Ex-Sonhos Pop [em Lisboa, claro – e isso era do
outro lado do mundo, a uma eternidade de comboio,
um enjoo de barrancos, penedos e pinhais a desfilar
lentamente pela janela], diz-nos a memória.
Era a época em que
as auto-estradas da CEE
pairavam num futuro por
vir e em que ir de férias
para o Algarve era um épico
sazonal. Um dia inteiro
Alentejo abaixo, a começar
de madrugada. Carro
atulhado, searas de um lado e
outro, tudo a ferver e pardais
a levantar voo do asfalto –
se aquilo era asfalto (porque o que nos vendiam ali na
berma de certeza que não era coca-cola).
Era a época, também, em que as férias pareciam não
acabar, mas acabavam. E depois havia o resto do ano.
Castelo Branco, portanto. Um calor de torrar no Verão
contra um frio de rachar no Inverno. Lá ao fundo, de
manhã, a Serra da Estrela coberta de neve. E aqui, então,
era uma vez uma sala de cinema para toda uma cidade
e arredores. Ou, então, um incêndio mais tarde, uma
cidade sem uma única sala de cinema era uma vez.
Fugiu-se muito a salto de Portugal antes da Revolução,
mas também se fugiu muito a salto depois – por
exemplo, sentados no sofá, com a televisão a debitar a
contemporaneidade via TVE.
A cinefilia numa caixa talvez viesse a ser a pobreza
do futuro, mas foi, sem dúvida, a grande riqueza deste
passado.
Contas: nascidos em 1975 – 9 anos quando nos caiu
no colo um ovni chamado Alaska e uma nave-mãe
conhecida como “A Bola de Cristal”.
Espanha, 1984: neste país havia uma vanguarda que
acreditava que as crianças tinham mais do que idade
para serem tratadas como adultos.
Era tempo de “movida” e a “movida”, quando nasceu,
foi para todos – ou seja, foi para quem a quis apanhar. E,
então, Alaska, a líder “underground” desse terramoto,
com os seus vestidos góticos de teia-de-aranha, as suas
unhas-garra pintadas de preto e a sua melena cor-delaranja. Aos Sábados de manhã ela era a Bruxa Avaria
com um séquito “pós-punk” de Electroduendes que
estavam para o Topo Giggio como “Blade Runner”
estaria para “A Música no Coração”.
Nas letras das músicas que sabemos de cor até
hoje ficámos a conhecer o Mal como sendo o Capital,
começámos a tratar a crise por tu (afinal quando é que
deixámos de estar em crise?) e a reconhecer objectos
não identificados como o “computador pessoal”.
Ela, Alaska, acabava de sair de “Pepi, Luci, Bom” como
uma das “chicas del montón” do primeiro Almodóvar
da década. Nós (e a culpa de tudo ter sido tão rápido foi
de certeza da “Bola de Cristal”) haveríamos de chegar a
tempo de “Matador” e “A Lei do Desejo”.
Isso, na vida real das salas de cinema de Madrid, foi em
1986 e 1987. Na TVE foi por volta de 1989 e, por então, há
quatro anos que o Metrópolis já estava no ar. Primeiro
programa – 21 de Abril de 1985: em reportagem, Tóquio, a
nova grande capital cultural. Cinema, mas também moda
– Yamamoto, Miyake –, música – Sakamoto...
Os mais vorazes descobriram no Metrópolis e depois
puseram-se a gravar em Beta e VHS tudo o que puderam
da Nouvelle Vague francesa e do neo-realismo italiano.
Sim, isso também estava na RTP, dizem-nos. Porque
a RTP tinha Fernando Lopes, Seixas Santos e AntónioPedro Vasconcelos. Foi logo a seguir a Abril. Nós
apanhámos a era mágica de Vasco Granja, o pai da
Pantera Cor-de-Rosa que era também o guardião da chave
para o mundo do cinema de animação de Leste. Mas
a TVE passava em horário nobre o “Arrebato” do Iván
Zulueta, a escorrer negrume, obsessão e heroína tanto
tempo antes de Ferrara e muitos anos antes do escândalo
português do “Império dos Sentidos”. Depois, havia a
Alaska, claro, e isso, caramba!, fazia toda a diferença.
Não pedimos para
estar lá, mas estivémos.
Era uma vez uma
cidade sem uma única
sala de cinema
Almodóvar
nos tempos de
“Matador”
Olhámos para o programa do ciclo e perguntámo-nos:
onde é que (alguns deles) estavam nos anos 80, onde é que estão hoje?
Quem os viu e quem os vê
Jim Jarmusch
Pedro Almodóvar
Stranger than Paradise, 1984
Que fiz eu para merecer isto?, 1984
Nos anos 80, Jarmusch
ajudou a inventar, e tornouse o seu principal expoente
internacional, uma coisa a que
depois, quando se descobriu
como fazer o “marketing” de
filmes que custavam pouco
dinheiro e não davam muito
mais, se chamou o “cinema
independente americano”.
Nos primeiros te
tempos – “Permanent Vacation”,
“Stranger Than Paradise” – a questão era para
ele mais simples: aplicar ao cinema a economia
do “underground” novaiorqu
novaiorquino e os preceitos
do “punk” (três acordes, preto e branco, nada de
sintetizadores), e de co
conjugar isso com
a tradição (Ford, Ozu)
Ozu). O ponto alto veio
a meio da década com “Down by Law”.
empali
A sua estrela empalideceu
depois, e
enc
nem sempre terá encontrado
a melhor
reacção a um circuito “independente”
que depressa incorpor
incorporou as regras da
mantém
indústria. Mas mantém-se
independente
dessa “independência”
“independência”, e se, como escreveu
um crítico amer
americano, o “cinema
independ
independente
americano” se
tornou, na última década, “a
pr
sua própria
auto-paródia”,
Ja
arm
rm
a Jarmusch
poucas
resp
respo
res
re
sp
responsabilidades
devem
a
ser assacadas.
L.M.O.
O Almodóvar de 1984, ano em que dirigiu “Que
fiz eu para merecer isto?”, era uma das figuraschave da Movida madrilena que colocou a
capital espanhola no centro da Europa cultural.
Provocador pós-moderno que reciclava
as tragédias de faca e alguidar do cinema
mediterrânico, deixava-nos sempre na dúvida
sobre o seu kitsch sobrecarregado: irónico ou
sincero, subversivo ou afectuoso? A inventividade
explosivamente multicor do seu cinema sugeria
a subversão matreira de quem crescera com
vontade de reinventar as convenções. Não é certo
que o Almodóvar de 84 viesse dar no de 2010 –
mas, olhando para trás, os seus filmes seguintes,
“Matador” e “A Lei do Desejo”, eram antevisões do
estilista sóbrio em que se transformou. J. M.
Francis Ford Coppola
Cotton Club, 1984
Os anos 80 não foram fáceis para Coppola. À glória dos anos 70 – os “Padrinhos”, o “Apocalypse Now”
– sobreveio a bancarrota da Zoetrope precipitado pelo estrondo na bilheteira desse genial “One From
the Heart”. Para Coppola, os anos 80 foram vividos em deflação, nas expectativas e
nos “budgets”. Maravilhosa deflação, que deu – do “Rumble Fish” à “Peggy Sue” –
tanta coisa fabulosa. Mas hesitava-se entre apreciar estes filmes pelo que eles eram
e “lamentar” que Coppola estivesse arredado das grandes produções. Nos anos 90
fez a vontade aos lamentadores: o “Padrinho 3”, o “Drácula” – alguém os troca pela
eggy Sue
?... Depois
epo s desapareceu,
desapa eceu, em
e filmes
es peque
os e esqu
s tos
s ((“Jack”)
Jac ) ou
“Peggy
Sue”?...
pequenos
esquisitos
elegantemente anónimos (o “Rainmaker”), pôs-se a cuidar das vinhas
sed
da carreira
dos filhos
os.. At
Até
é re
reap
aparecer no final desta década, com mais filmes esquis
sit
itos
o e
lhos.
reaparecer
esquisitos
grot
gr
otes
escos (“Segunda Juventude”, “Tetro”), aprese
se
en
ntados
grotescos
apresentados
((por
(p
or ele) como um grito de uma liberdade
de
e enfi
e m
rreconquistada.
re
conquistada. Sê-lo-á, mas sobre isto
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o estamos
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Coppola
a coisas como “Juventude”
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c
ci
néfilo. L.
.M
M.O
cinéfi
L.M.O.
Gus Van Sant
Mala Noche, 1984
Portland, Oregon, como em futuros filmes de Gus Van Sant. Mas um
amor explícito como nunca mais nos filmes de Gus Van Sant – a não
ser no último, “Milk”. Entre um e outro, o cineasta teve a sua fase
“indie” (influenciada pelo underground dos 60 e 70s), a experiência
(pouco convincente e pouco convicta) “mainstream” e o regresso a
uma linguagem e poética pessoais (reinventando-se no cruzamento
com as artes plásticas – após “Psycho”, 1998). “Mala Noche” é a história de desejo,
de Walt por um imigrante ilegal mexicano, Johnny (história autobiográfica de um
poeta de Portland, Walt Curtis)... sexo e frustração não foram mais expostos assim,
com a frontalidade deste relato “genetiano”, pelo realizador. Que, até “Milk”, deslizou
sobretudo pelos caminhos oblíquos do desejo. V.C.
Abbas Kiarostami
Onde fica a casa do meu amigo?, 1987
Jean-Luc
Godard
Prénom Carmen, 1983
Há quem ache que o Godard dos
anos 1980 — o de “Carmen”,
de “Salve-se Quem Puder”,
“Paixão” e o de “Eu vos Saúdo,
Maria” — foi o último que
ainda valeu a pena. Mas,
independentemente de se gostar
ou não do Godard denso dos
cine-ensaios a que se dedicou
desde os anos 1990, a verdade
é que a única constante nos 50
anos de percurso do provocador
máximo da Nouvelle Vague
tem sido uma vontade de
experimentar com as fronteiras
da narrativa convencional. O
Godard da primeira metade dos
anos 1980, depois da “travessia
do deserto” auto-infligida
dos anos 1970, ainda procura
desmontar a partir de dentro o
conceito tradicional de cinema
(como o fez nos seus grandes
filmes da década de 1960). O
Godard de hoje é um teórico
experimentalista, formalista e
investigador feliz por andar a
pregar aos convertidos. J. M.
Martin Scorsese
A Última
ltima Tentação de Cristo, 1988
Será injusto considerar que quando chegamos
a 1988, ano da “Última Tentação de Cristo”,
Scorsese já fez os seus filmes mais
viscerais? Este, projecto antigo que só
em final dos anos 80 se concretizou
(a actriz Barbara Hershey dera-lhe o
livro de Nikos Kazantzakis no início
dos anos 70, nos tempos de “Boxcar
Bertha”), faz figura de resumo e
explicitação: numa filmografia
povoada por figurações crísticas,
eis o momento, e com uma
variedade de sotaques como se
fosse “Mean
Streets”, de um
Cristo humano,
chocado com a
hipótese da sua
divindade – será o
Diabo? pergunta
Ele, o que irou os
mais conservadores.
Foi o momento de
“filme bíblico” na obra de Scorsese. Que a
partir de então se converteu a uma leitura
oficial dos géneros – explicitando cada
vez mais o desejo de ser reconhecido pelo
“sistema”. V. C.
12 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
A angústia dentro deste filme dava
já para precaver em relação às
etiquetas neo-realistas que o cinema
de Kiarostami poderia atrair... a sua
transparência como documento, a
figura tutelar de Roberto Rossellini,
por exemplo. Atraiu, mas com o passar
dos filmes a transparência foi-se dando
a ver como algo de opaco, perverso – e,
reforçamos, angustiante. A placidez,
afinal, era a máscara da vertigem. É
assim que apetece hoje rever a infância
do cineasta iraniano, hoje quando ele já
evidenciou as máscaras de um cinema
sofisticado, cheio de camadas de verdade
e mentira – veja-se “Shirin” ou “Copie
Conforme”, experiências de
um cineasta conceptual
com a manipulação
e, no último caso,
exercício sobre o
original e a cópia
a partir de um
filme amado,
“Viagem a
Itália”, de...
Rossellini. V.C.
David Lynch
Dune, 1984
O insucesso da aventura de “Dune” pôs fim
ao “flirt” de Lynch com as grandes máquinas
comerciais pré-planeadas, ideia possibilitada
pelo inesperado sucesso de “O Homem Elefante”.
E foi quando voltou a um universo radicalmente
pessoal – tão pessoal que “pessoal” se faz
sinónimo de “críptico” – que estreou o lendário
“Blue Velvet”. Estava-se em 1986 e há toda uma
geração para quem aquilo foi uma bomba que lhe
explodiu nas mãos e na cabeça. Lynch foi o grande
“mindfucker” dos anos 80 (como Hitchcock nos
anos 40 e 50, como Tarantino nos 90), ninguém
como ele fez experiências com a cabeça dos seus
espectadores. Continua a fazê-las – “Mulholland
Drive”, “Inland Empire” – mesmo se há algo neles
que parece manter a perdição de almas num
regime mais controlado. De qualquer modo, é o
grande cineasta contemporâneo para todos os
labirintos “psico” – psicológicos, psiquiátricos,
psicotrópicos e por aí adiante. L.M.O.
Steven Soderbergh
Sexo, Mentiras e Vídeo, 1989
Manoel
de Oliveira
Os Canibais, 1988
Spike Lee
She’s Gotta Have It, 1986
d
Os anos 80 foram determinantes
consagraçã de Oliveira,
para a consagração
nessa década um ““banal”
septuagenário (fez 80 anos
sequ
em 1988). Na sequência
do
“escândalo” de “Am
“Amor Perdição”,
m
em finais de 70, a mera
menção
do seu nome pod
podia gerar
uma batalha campal mas
improváv sucesso
o improvável
público de “Francisca”,
a
em 1981, ajudou
à
entrada d
do seu nome
no imag
imaginário cultural
portugu
português.
Lá fora,
entre a atenção de
festiva
a e da crítica
festivais
es
strrran
an
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estrangeira
(nos
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80 ainda,
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sobretudo,
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francesa),
Oliveira
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reconhecido
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os principais
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nomes
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contemporâneo.
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Em 2010 esse
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ampliado,
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filmes
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de
(101 anos
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kicking). É uma
“instituição” viva
“instituição
e os portugueses,
portugues
mesmo sem lhe verem
passaram a
os filmes, passara
reconhecê-lo e a respeitá-lo.
re
o.
continua
Mais importante: c
em forma. L.M.O.
Filmado em
família por
tuta e meia,
foi a primeira
Spike Lee
“Spike
joint”, em 1986.
Houve quem
diagnosticasse
a comédia
nova-iorquina
orgulh
hosamente negra que marc
e orgulhosamente
marcou a estreia
a de Lee como a descoberta do sucessor
na longa
ericano de Woody Allen (substituindo
afro-americano
tan por Brooklyn), ou um equivalente
Manhattan
e Jim Jarmusch. Mas o que veio depois foi
negro de
oisa: um autor activista e interveniente
outra coisa:
o a mexer nas feridas do sonho
disposto
a ericano (“Não Dês
am
americano
”,
Bronca”,
e
“A Febre
a”,
da Selva”,
eia
“Ela Odeia
When the
Me”, “When
Levees Broke”), e
ineasta negro
o raro cineasta
ao qual Hollywood faz
endas” (“Passadores”, “A Última Hora”,
“encomendas”
nfi
filtrado”)
lt
ltr
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t ado”)
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que respondem ao “caderno
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m deixar de fazer sentido
senttido no seu
encargos”
sem
o de
de au
a
t r. J. M.
to
percurso
autor.
Com a Palma de Ouro de
Cannes na mão, Soderbergh
olhou para o futuro: a partir
dali, disse, ia ser a descer.
Não foi. O filme – um quarteto
e os seus “affairs”, frigidez
emocional e o fétiche do vídeo
– apareceu, com melancolia,
a resumir o espírito do tempo.
Preparando-nos para o luto a
fazer nas décadas seguintes: o
da transparência das imagens.
E antecipando o “hype” “indie”
dos 90s. Soderbergh, esse,
nunca mais foi igual. Estilhaçou
o véu protector que cobre
esse filme e fez-se à
imagem dos tempos
n
ada sacralizantes
nada
q
qu
ue estavam para
que
vir
ir: u
mas vezes
vir:
umas
exper
eri
r me
m ntal,
experimental,
outras
s funcionário
fun
u cionário da
indústria,
a out
a,
o
u ras,
ut
outras,
ainda,
artesão...
V.C.
Pedro C
Costa
O Sangue, 1989
Em 1989 era um rapaz de 30 anos que acabar de rodar uma das mais
primeira obras de todo o cinema português, “O Sangue”. Mas
belas primeiras
mesmo aos qu
que deram logo por isso – que “O Sangue” era “especial”,
que “O Sangue”
Sangu era fabuloso – talvez fosse difícil adivinhar que em
tão pouco tempo
te
– dez, quinze anos – Costa desse a volta ao mundo. A
verdade é q
que os filmes “especiais” se foram sucedendo, da “Casa de
Lava” ao “N
“Ne Change Rien”, e que foram cruzando fronteiras sobre
fronteiras – da América à Ásia, retrospectivas, livros, DVDs. E, da
América à Ásia, Costa é visto, discutido, editado, e é ouvido: não é
cin
só um cineasta,
tornou-se também uma “referência moral” para o
cinema con
contemporâneo. L.M.O.
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 13
Cinema
Wendy (Michelle Williams)
e a cadela Lucy no Oregon
a caminho do Alasca - “Wendy
e Lucy”
Há qualquer coisa com o silvo dos
comboios, à noite... Poderosamente
evocativo, é o som de um mundo esquecido no escuro. E com ele as pessoas que nunca conhecemos, que
ascendem à condição de fantasmas.
Isto nos filmes (ou no “Man Alone”
de Frank Sinatra/Rod McKuen). Chama-se “Night Choir” o livro, de Jonathan Raymond, de que Kelly Reichardt partiu para filmar “Wendy and
Lucy” – o coro na noite é o dos comboios, claro. Esse silvo existia nos filmes americanos a preto e branco –
Ford, Ray ou Walsh, por exemplo, não
é fantasia. E desapareceu.
“Andei por 30 estados do país à
procura do local exacto onde queria
filmar [“Wendy e Lucy”] e acabei no
Oregon. Parava em parques de estacionamento, dormia em motéis, e
onde quer que estivesse ouviam-se os
comboios. Se quisermos mesmo ouvilos eles fazem parte da paisagem.
Mesmo em minha casa, em Nova Iorque, oiço-os. Não sei porque é que
desapareceram. Porque os comboios
andam por aí”, diz Kelly Reichardt.
Kelly trouxe o silvo de volta – é o
mesmo que regressar a uma geografia
humana, social que já não existem no
“mainstream” cinematográfico. Ele
marca o percurso de Wendy (Michelle Williams), e da sua cadela Lucy,
pelo Oregon, onde ficou com o carro
avariado, a caminho do Alasca. Wendy é uma dessas pessoas que não conseguem ser vistas. A vida, económica
e social, é um tecido frágil a esboroarse. Quem é que olha para um vulto
que caminha em direcção ao desaparecimento?
Mas o silvo do comboio acorda-nos.
Na verdade, deve ser por isso que desapareceu. Porque o cinema abdicou
dessa capacidade de assombrar.
Há outro filme de Kelly Reichardt
que também chega a Portugal (em
DVD, igualmente edição da Alambique). Chama-se “Old Joy” (2006).
Aqui não há comboios, mas há outro
som com o qual devemos contar: o
de um programa radiofónico. Perguntas e respostas espalham pela noite a
impotência do liberalismo americano.
É com esse som que dois amigos, Kurt
(Will Oldham) e Mark (Daniel London), partem para um fim-de-semana
de campismo na floresta nos arredores de Portland – paisagem habitual
de Jonathan Raymond, em cujo conto,
de novo, “Old Joy” é baseado.
Sugere-se o que Kurt e Mark foram
um para o outro no passado: uma
cumplicidade de utopias. E o que a
vida de cada um separou, o que perderam. Esta viagem será, não uma
espécie de “Deliverance” ( John Boorman, 1972), embora a inquietação
espreite, será uma elegia.
Comentários silenciosos – parecem
dois filmes mudos – sobre um país e
Quando havia com
Vultos na paisagem, fantasmas de um cinema social que desapareceu, comentários silenciosos s
de Kelly Reichardt, em “Wendy e Lucy” (nas salas) e “Old Joy” (
14 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Elegia por uma amizade
e pelos ideais perdidos - Will
Oldham e Daniel London nas
florestas do Oregon – “Old Joy”
“Quis fazer filmes
sobre um momento
no tempo. Quando
nos sentimos
deslocados a viver nos
anos Bush. E quando
os democratas
não conseguiram ser
eficazes de forma
alguma”
uma sociedade, a da América, e sobre
aquilo que, tal como aconteceu no
cinema, esse país perdeu?
“Quis fazer filmes que fossem sobre
um momento no tempo. Quando o
país mudou para a direita, quando
nos sentimos deslocados aqui, nos
anos Bush. E quando os democratas
não conseguiram ser eficazes. Imagine-se como era profundamente alienante viver neste país e ver uma onda
de direita a tomar conta da América.
Fizemos ‘Wendy e Lucy’[2008] depois do furacão ‘Katrina’, e era claro,
naquela altura, a animosidade contra
os pobres da América. Para além de
desinteresse, havia pura animosidade. Ambos os filmes foram feitos nesses anos, e tentámos detectar a ineficácia do liberalismo na América.”
“Wendy e Lucy” e “Old Joy” são
filmes de época? “Claro que Obama
é uma grande melhoria em relação
Bush, mas o problema é o excesso de
poder corporativo na América. Em
criança, eu atravessava o país com os
meus pais e cada estado era específico. Sabíamos exactamente quando
estávamos num estado ou quando
saíamos de um estado pelos sítios onde comíamos ou onde dormíamos,
pelas estações da rádio. Agora atravesso o país uma vez por ano e percebe-se que os lugares não são diferentes como antes. E isso sinto como
uma perda.”
Actores na paisagem
Podemos ver, na passagem de um filme para outro, de Will Oldham para
Michelle Williams, um “upgrade” de
alienação: ela está tão obcecada com
a sua frágil realidade – e a cadela,
Lucy, que desapareceu... – que já não
olha. Ninguém repara nela, mas ela
já não repara nos outros. “Eu diria
que as personagens dos meus filmes
têm de sobreviver. E perseguem uma
ideia de liberdade, de desprendimento. Isso consome-as. Rouba-lhes toda
a energia.”
Sobre a paisagem comum nos dois
filmes, Kelly regressa sempre a ela, e
é a paisagem que rodeia o escritor Jon
Raymond. “Lembro-me de ter andado
seis meses à procura do local para
filmar e de ter acabado exactamente
no local sobre o qual ele escreveu.
Nunca pensei, com ‘Wendy e Lucy’,
voltar a filmar no Oregon outra vez
[depois de “Old Joy”]. É um estado
variado, florestas, cidades, deserto.
Jonathan Raymond escreve sobre ele.
Mas não é só por isso. É que a minha
equipa vive ali, os produtores, por
exemplo. Trabalhamos com pequenos orçamentos, torna-se prático. Mas
há, de facto, algo no Oregon... olha-se
em volta e recolhemos informação
sobre o que é o país... a viagem dá-nos
tempo para pensar...”
E é na paisagem que Kelly lança os
seus actores. Como se o trabalho de
“casting” fosse descobrir a capacidade de estabelecer relação com uma
paisagem. “Não tínhamos controlo
sobre a área em que filmámos [em
“Wendy e Lucy”], pusemos a Michelle Williams em contacto com um
mundo específico. Toda a gente que
aparecia no plano ficou a pertencer
à paisagem. Para o melhor ou para o
pior, é o retrato de um momento e de
um tempo.”
Mas nesse campo, acrescenta, uma
actriz como Michelle Williams ou um
cantautor como Will Oldham (esta semana actua em Portugal) equivalemse no mistério. “Representar é um
coisa misteriosa. Quer com Michelle
quer com Will, o que tentei foi perceber o que eles queriam de mim. Will,
de alguma maneira, é escritor, sabe
como se aproximar de uma cena.”
Com outro escritor, Jonathan Raymond, Kelly estabeleceu uma cumplicidade. Ela não adensa os contos
dele – tendência óbvia: multiplicar
narrativas para a coisa dar um filme.
Procura as suas formas específicas de
minimalismo.
“‘Old Joy’ é originalmente um conto. Procurei as nascentes de água
quente para as quais as personagens
se dirige, visitei muitas e encontrei
todo o tipo de pessoas, algumas das
quais acabaram por reverter para a
história que filmei. Por exemplo, na
história que Jonathan escreveu os dois
amigos são solteiros, mas no filme um
deles está à beira de ser pai, e isso foi
informação visual que recolhi – vi, por
exemplo, várias mulheres grávidas
nas visitas às nascentes. Com ‘Wendy
e Lucy’, outro conto, antes de Jonathan acabar de escrever comecei eu
a escrever o argumento. Houve um
vai-e-vem entre nós. Jon é um escritor
subtil, todas as suas personagens estão envolvidas por uma paisagem, por
isso é que estamos interessados em
trabalhar juntos.”
“Num mundo ideal”, continua,
“penso que se sempre que tirarmos
todos os diálogos um filme ainda funciona.” Kelly é professora de “Visual
story” e define o seu trabalho de realizadora como uma forma de ser melhor professora e, assim, ser melhor
realizadora.
“Quando se trabalha com actores,
o maior desafio é eles confiarem em
nós e fazerem o que nós quisermos
independente do diálogo. Fazer com
que, através do movimento de câmara, do lugar que destinámos ao actor
no plano e na paisagem, consigamos
evocar a mesma emoção sem que nada seja dito. É preciso um certo tipo
de actor que se abandone a isso. Não
tem a ver com improvisação, não tínhamos tempo para improvisar. Tem
a ver com pôr os diálogos fora do caminho.” Basta ouvir o silvo do comboio.
Ver crítica de filme págs. 52 e segs.
Kelly Reichardt
omboios...
J;NLI=CH;>IL
JLCH=CJ;F
G?>C;J;LNH?LM
J;NLI=CH;>IL?M
;JICIM
DILH;FI@C=C;F
N?F?PCMÅII@C=C;F
s sobre a América em perda. Vamos escutar o minimalismo
” (DVD). Vasco Câmara
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 15
Maria do Rosário Pedreira, a editora que descobriu três dos seis prémios José
Saramago ( José Luís Peixoto, valter hugo mãe e João Tordo), mudou-se para a
Leya, onde tem agora a missão de atrair os novos autores portugueses para o
grupo. Ler, diz, é o melhor serviço que pode prestar ao país. Raquel Ribeiro
Livros
FOTOGRAFIAS DE MIGUEL MANSO
Missão:
reconstruir uma literatura
Maria do Rosário Pedreira, 50 anos,
poeta, ficcionista e editora, ouve atentamente a voz dos seus autores. Antes,
na Temas&Debates e, depois, na QuidNovi, descobriu (e revelou) jovens
autores portugueses: com três deles
( José Luís Peixoto, valter hugo mãe e
João Tordo) “venceu” prémios José
Saramago. Mas, ao sentir a frustração
de perder os seus autores para edito-
ras mais fortes, aceitou, no final de
2009, o desafio da Leya para ser “editora sem chancela” dos novos autores
portugueses. Na altura, conta, hesitou. Mas reconhece que a Leya lhe deu
a estrutura para fazer aquilo que a
apaixona: ser uma leitora profissional.
Poder “destapar o véu e mostrar o que
é que tanta gente é capaz de fazer num
país com tão poucos recursos”.
A Leya tem uma série de
chancelas e o seu trabalho é
transversal a todas. Como é que
isso funciona na prática?
É um trabalho que tem vantagens e
desvantagens. A primeira vantagem
é poder colocar um autor na melhor
chancela possível. Ou seja, se trabalhamos só numa editora, quando descobrimos um livro ele tem de ser pu-
blicado ali e, às vezes, é um livro que
não tem a cara daquela editora. Como
a Leya é um conjunto de editoras, é
sempre possível afinar a escolha, dizer que este é um livro que fica melhor na ASA, ou na Caminho, porque
é de um africano, ou na Dom Quixote,
porque é mais literário. Essa vantagem é enorme. Por outro lado, também tem desvantagens, porque tem
Aos 50 anos,
Maria do
Rosário
Pedreira
mudou-se
para um
grande grupo
para não ter
de assistir ao
êxodo dos
“seus”
escritores
para editoras
mais fortes
Há muitos livros de bons autores que não deviam ter saído. D
precisou de escrever isto, fez-lhe bem, agora guarde outra v
16 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
ra nacional
de se fazer uma programação com
todos os editores das chancelas para
não chocar com outros autores que
eles tenham para publicar. Às vezes
descobrimos um autor, queremos logo lançá-lo e não podemos, temos de
encontrar o “timing” certo. Encontrar
essa disponibilidade é o mais complicado. Outra coisa complicada para
mim é que acabo por ter muito mais
reuniões do que um editor que tem
só uma chancela. Isso rouba algum
tempo à leitura e à edição.
Os editores das chancelas não
sentem que pode haver uma
ingerência da sua parte nas suas
opções?
Não, porque fui contratada para fazer
uma coisa que a maioria dos editores
não tem tempo para fazer. Uma editora como a Dom Quixote tem imensos autores, estrangeiros e portugueses. Não é humanamente possível a
esse editor fazer o trabalho de sapa
que estou a fazer: ler não sei quantos
originais, corrigir os originais com o
autor. Tem havido abertura, não tenho sentido nenhuma espécie de hostilidade.
A sua função na Leya é de
“editor”. Qual é a diferença
entre um “editor” e um
“publisher”?
O “publisher” (tradicionalmente era
o dono da “publishing house”) é aquele que decide o que se publica e que
compra os livros. O “editor” edita os
textos, trabalha-os com o escritor. É
como um editor no jornal: o jornalista escreve o texto e o editor está lá
com autonomia e autoridade para
cortá-lo. Na tradição anglo-saxónica,
o “editor” existe desde sempre e é
alguém que orienta o original. Dantes,
o que se fazia em Portugal, quando
um escritor aparecia com um livro,
era decidir: ou é publicável ou não é
publicável. Agora, o que faço como
“editor” é: isto ainda não está bem,
mas pode estar. Reúno-me com o autor e faço um trabalho de edição atentíssimo, em que lhe digo: “olhe, porque é que escreveu isto? Tem de pôr
de maneira a que se perceba. Esta
imagem é má. Isto está mal explicado.
Isto é inverosímil.” E ele leva e faz
melhor. Em casos mais extremos, como no Reino Unido, o “editor” chega
a escrever o livro pelo escritor. Isso
não faço, porque acho que não se deve publicar um escritor que não se
aguente sozinho. Faço sugestões, correcções, apanho incongruências.
Faz esse trabalho como leitora
atenta, ou como escritora, que
a Maria do Rosário Pedreira
também é?
Como leitora atenta. Uma pessoa com
prática neste trabalho não precisa nada de ser escritor. Não acho que é por
ter escrito livros que sou melhor do
que outra pessoa que quisesse fazer
este trabalho e se apaixonasse por ele.
É preciso prática, evidentemente, mas
não acho que seja preciso ser escritor.
Pode ser uma vantagem ter,
. Deviam ter-lhes dito:
a vez na gavetinha
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 17
Hoje os autores querem que se invista neles, querem
viver só da escrita, querem vender muito. Percebi que
ia perder todos os autores que tinha feito de raiz se continuasse numa editora pequena
por exemplo, imaginação. Mas não
é preciso ser escritor para se ter imaginação.
O trabalho de “edição” é
um trabalho ainda raro em
Portugal?
Sim, mas nos outros países é uma coisa que existe há anos e que, se calhar,
nos poupou lermos muitos livros
maus que não deviam ter saído. Acho,
sinceramente, que há muitos livros
de bons autores que não deviam ter
saído. Ou que não deviam ter saído
como estavam. Deviam ter-lhes dito:
precisou de escrever isto, fez-lhe bem,
agora guarde outra vez na gavetinha.
Isso nunca se passou em Portugal justamente porque havia poucos escritores e poucos leitores também. Ninguém tinha coragem para dizer a uma
pessoa dessas “isto está mal”. As pessoas sentiam-se intimidadas de dizer,
imaginemos, ao Vergílio Ferreiro “o
senhor fez aqui uma asneira”. Não se
podia dizer. Mas a partir do momento em que há uma vulgarizacão do
escritor – aliás, há demasiada vulgarização, porque também há gente que
nunca deveria ter escrito livros –, acho
que é preciso esse apoio para tornar
a coisa o melhor possível. Muitos dos
livros que publiquei e aos quais fiz
“editing”, provavelmente, não teriam
sido publicados se tivessem aparecido
duas décadas antes, porque o editor
tinha-se limitado a dizer “isto como
está não está bem”.
Diz-se que é uma espécie de
caça-talentos, como os olheiros
no futebol, que vão ver os
jogadores dos outros antes de
os contratar. Essa é também a
função de um editor?
É. O que acontece é que o editor, nos
tempos modernos, é cada vez menos
editor e é cada vez mais um tipo que
compra sucessos que já estão feitos
lá fora. A partir do momento em que
a edição se tornou uma indústria, parece que passou a ser mais importante vender livros do que fazer livros
com qualidade. Para se fazer edição
um bocadinho à antiga, ou seja, trabalhar os livros com os autores, é preciso, em primeiro lugar, experiência.
Quando comecei na edição, não conseguia fazer este trabalho. Tive de
trabalhar 20 anos. Depois é preciso
gostar, e acho que há imensa gente
que não gosta porque para encontrar
um bom autor tem de ler 100 maus.
Há pessoas que não querem ler 100
livros maus. E também é preciso ter
algumas características: é preciso
criar empatia com os autores, é preciso começar com os autores desde o
18 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
primeiro livro, para que eles se habituem a que este é um trabalho normal. Quando me convidaram para ir
para a Leya, tive imensas hesitações,
já tinha trabalhado num grande grupo
e não tinha gostado particularmente.
Gostava mais de uma editora independente, pequena, onde há mais diálogo, mais capacidade de discutir as
coisas. Mas, por outro lado, há muito
menos capacidade para fazer isto,
porque isto custa dinheiro. Perde-se
muito tempo a ler 100 para encontrar
um. Além disso, hoje os autores já não
querem o que queriam antes. Querem
que se invista neles, querem viver só
da escrita, querem vender muito. Numa pequena editora isso não é possível. Sobretudo depois de o valter hugo mãe ter saído da QuidNovi, percebi que ia perder todos os autores que
tinha feito de raiz se continuasse a
trabalhar numa editora pequena.
A Leya tem a estrutura que lhe
permite não os perder.
Tem a estrutura, tem meios e aposta
nisso. Deram-me a possibilidade de
fazer aquilo de que gosto e de poder
acompanhar os meus autores. Tinha
chegado a um ponto em que eles queriam receber mais dinheiro, e queriam vender mais, e acabavam por se
ir embora.
Quantas propostas recebe por
mês? E como é que de 100 chega
a um?
Como agora reúno as propostas que
vão para a Leya, recebo talvez umas
150 por mês. É muito fácil fazer logo
uma primeira selecção: há muita coisa infantil, não é para mim; muita
coisa de não-ficção, não é para mim;
muita coisa de um género mais corde-rosa, não sinto que seja para mim
– vejo se tem pés para andar e mando
para editoras do grupo que têm esse
tipo de coisas. Desses 100, há dez que
tenho de ver com mais atenção. Se
calhar, desses dez só há dois que resistem à página 30. E depois há aqueles que são obviamente bons mal se
começa e outros em que temos de
arrastar a leitura ao longo de 200 páginas para depois chegar ao fim e dizer: “Não há nada de errado aqui, mas
não ficou cá nada dentro”. Esses são
os livros piores, porque nos fazem
perder tempo e depois não recompensam. Mas também há aqueles que
se encontram pelo meio e em que se
vê logo que há ali qualquer coisa que,
na génese, já é muito boa...
Isso é um encontro seu com o
livro?
Não é um encontro só meu. É a sensação de que não vi aquilo em mais
lado nenhum. Já publiquei livros de
que não gostei muito. Eram bons, mas
não tinham um estilo que me tocava.
Mais do que isso, o que importa é a
escrita ser nova. Com autores como
o valter hugo mãe ou o José Luís Peixoto, a sensação que tenho hoje é que
uma pessoa que tenha acompanhado
a obra de ambos, saberá sempre, se
vir a obra num concurso sob pseudónimo, que é um livro do Peixoto ou
do valter hugo mãe. Não há a menor
dúvida: aquilo é deles! É novo, não é
parecido com nada. É isso que procuro, e que encontro, nesses novos autores. Está tudo inventado, mas ainda
é possível encontrar coisas que não
se pareçam com nada. No caso do
Vasco Luís Curado [é o seu primeiro
autor na Leya, onde publica este mês
“A Vida Verdadeira”], há algo muito
curioso na minha relação com este
romance: não consigo escolher entre
a linguagem e a estrutura, as ideias,
ao contrário do que me costuma acontecer quando encontro um autor novo. Há uma coisa poderosa: tem uma
estrutura muito interessante, com
uma linguagem interessante e ideias
interessantes. Sei que daqui a dois
livros toda a gente identifica um livro
do Vasco Luís Curado como sendo
dele e de mais ninguém.
A escrita como uma assinatura?
É uma voz que, apesar de combinar
os mesmos elementos, porque já não
é possível inventar nada, consegue,
nessa combinação dos estilos, das
linguagens todas, aparecer com uma
proposta que é diferente.
Nesse sentido, podia dizer de si
própria que é uma editora que
ouve os seus autores?
Acho que sim. Oiço-os muito, mas ele
também têm de me ouvir [risos].
E por que razão são todos
rapazes? Não há jovens
escritoras?
Não são só rapazes. Espero publicar
em breve uma mulher que vai dar que
falar: Aida Gomes da Silva. Uma angolana com um livro que se vai chamar “Os Pretos de Pousaflores”. Portanto, elas aparecem.
Nesses 150 que recebe por mês,
quantas são mulheres?
Aparecem muitas mulheres a escrever, mas não coisas literárias, coisas
mais comerciais. Como essas não são
aquelas que fui contratada para publicar, passo-as a outras pessoas. Desse tipo de textos, uma literatura mais
“light”, aparece muita mulher a escrever. Literariamente, aparecem
poucas. Acho que isso pode ter uma
explicação: segundo as estatísticas,
as mulheres lêem muito mais hoje em
Portugal do que os homens. Isso pode
obviamente criar-lhes um grau de exigência superior para escrever. Uma
pessoa que lê muito mais tem muito
mais noção dos seus limites como escritor. Acho que as mulheres são mais
críticas em relação àquilo que escrevem do que os rapazes.
É pudor, é medo?
Medo, ou consciência dos limites. Os
homens arriscam mais. Por outro lado, quem está a ler mais também tem
menos tempo para escrever: se calhar, daqui a uma geração vamos apanhar mais mulheres escritoras. Se vir
num nível mais abaixo, na literatura
mais leve, há muito mais mulheres do
que homens. Pode ser que as mulheres estejam mais interessadas em fazer coisas para um público mais alargado. Mas também estamos a assistir
a um número muito grande de mulheres jornalistas – e acho que essa
geração de jornalistas, a médio prazo,
vai dar uma geração de escritoras. Se
calhar estão à espera da maturidade
literária para poder arriscar. Eu, por
exemplo, depois de tudo o que li e
publiquei, tenho uma timidez muito
maior em voltar a publicar um romance.
Ia perguntar-lhe isso, porque é
uma mulher escritora.
Já li e publiquei coisas tão boas que é
difícil pensar que sou capaz de fazer
algo ao mesmo nível. É esse grau de
exigência que vejo nessas mulheres:
lêem coisas tão fascinantes que acham
que não chegariam lá. Mas acredito
que daqui a dez anos possamos ter
uma surpresa. Acima de tudo sou leitora, não sou escritora. Um escritor
vive para escrever, eu sou bastante
preguiçosa. Se não escrevesse nada
não era infeliz por causa disso. Era
infeliz, isso sim, se não me deixassem
ler. Presto um serviço melhor, até à
nação, como leitora. Há pouco falou
em caça-talentos, mas não é bem isso.
É destapar o véu e mostrar o que é
que tanta gente é capaz de fazer num
país com tão poucos recursos. Essa é
a minha missão: reconstruir
uma literatura nacional.
E é uma missão fundamental: não podemos
publicar só “best-sellers”, temos de ter escritores que façam parte
da história da literatura
em todas as gerações.
Estava-se a cair numa literatura muito “mainstream”.
Precisamos de renovar, porque os
nossos autores não são eternos.
Portugal, diz
Maria do
Rosário
Pedreira,
estava “a cair
numa
literatura
muito ‘mainstream’”, e
muito
dependente
dos “bestsellers” mais
velhos
ANNA-LENA AHLSTRÖM
Livros
Alexandra e
Alexander
não dividiram
os capítulos
de “O
Hipnotista”,
escreveram
dentro do
texto um do
outro:
“Concordamos com
tudo porque
sabemos como
é que o Lars
Kepler
escreve”
Tudo começou com uma história de
amor: por carta. A mãe da escritora
sueca Alexandra Coelho Ahndoril nasceu em Cabeça das Mós, num “sítio
que ninguém conhece porque é muito pequenino”, perto do Sardoal.
Quando tinha 12 anos foi viver para
Lisboa e, como queria aprender inglês, colocou um anúncio no jornal a
pedir um “pen-pal” para ter alguém
com quem se corresponder. “O meu
pai, que era marinheiro, respondeu
e ficaram noivos por correspondência”, conta Alexandra, autora do policial “O Hipnotista” que escreveu a
meias com o marido, o escritor Alexander Ahndoril, sob um pseudónimo comum: Lars Kepler. “O navio do
meu pai passou por Lisboa, estiveram
juntos cinco dias e depois casaram. A
minha mãe veio viver para aqui. Foi
muito romântico, apaixonarem-se por
carta”, disse ao Ípsilon, em Estocolmo.
Foi por causa desta paixão que Alexandra Coelho nasceu na Suécia.
Cresceu em Helsingborg, foi actriz e
abandonou a carreira. Há dez anos
resolveu aprender português e estudar literatura portuguesa. Está agora
a escrever a tese sobre Fernando Pessoa. Pelo seu primeiro romance, “Castle of Stars” (2003), recebeu o Catapult Prize para melhor obra de estreia.
Vive em Estocolmo com Alexander
Ahndoril, dramaturgo e autor do ro-
mance “The Director”, inspirado em
Ingmar Bergman. Quando casaram,
passaram a lua-de-mel em Portugal e
regressam este mês para promover o
livro que escreveram juntos.
Queriam descansar entre os romances individuais e por isso atiraram-se
a um policial, “O Hipnotista”, que é
o “bestseller” nórdico dos últimos
tempos. O projecto Lars Kepler começou porque estavam os dois sem
fazer nada: tinham acabado, ao mes-
O segredo por trás de
Toda a vida trabalharam em livros que consideravam sérios e foi com o que escreveram para s
e Alexander Ahndoril, os autores por trás do pseudónimo Lars Kepler, se tornaram m
20 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Caça ao homem
O que apareceu primeiro: o projecto
ou o pseudónimo? “O projecto apareceu primeiro, decidimos escrever
como se não fossemos nós próprios.
Quando o nome apareceu – Lars Kepler –, o tom apareceu com ele [risos]
e também a parte aterradora, negra,
da história. É muito importante para
os autores o som que têm as palavras.
O título do livro e o nome do autor
fazem parte do sentimento que se tem
quando se pega num livro”, argumenta Alexandra.
Ao ler “O Hipnotista”, não se consegue perceber quem escreveu o quê.
“Muitos dos escritores que trabalham
juntos dividem os capítulos, ou as
personagens, entre eles. Nós não fazemos assim. Escrevemos dentro do
texto do outro. Sempre. Ele começa
a escrever uma cena e eu escrevo a
minha cena e depois mandamos por
e-mail as cenas um ao outro.” Mandam os textos por email, na mesma
casa? Gargalhadas: “Estamos sentados mesmo ao lado um do outro. Recebo o texto do Alexander e continuo
a escrever dentro do texto dele, alterando-o.”
“Talvez fosse uma
provocação existir
alguém que não
queria aparecer
na media (...).
[os jornalistas de um
tablóide sueco]
apareceram na nossa
casa de campo a meio
da noite com
uma lanterna.
Quando abrimos
a porta, apontaramnos aquele foco de luz
e disseram: ‘Admitam.
Vocês são Lars
Kepler”
Alexandra Coelho
Ahndoril
Claro que antes de chegarem a essa
fase já tinham decidido o “plot”, a
intriga. “É muito inspirador escrever
assim, temos sempre novos impulsos
quando recebemos os textos do outro.
Seria muito problemático se eu estivesse a escrever como Alexandra Ahndoril, a escrever da maneira como
sinto a língua e como utilizo as metáforas. Mas neste caso, somos um só
autor. Somos o Lars Kepler. Não sei
como é que acontece, mas concordamos com tudo porque sabemos como
é que o Lars Kepler escreve! [gargalhadas]. É muito estranho.”
Foi na Feira do Livro de Frankfurt
que há uns anos se começou a falar
de “O Hipnotista”. Não se sabia quem
era o autor deste policial, mas dizia-se
que podia ter sido escrito por Henning Mankell. “Era segredo na altura.
Mandámos o manuscrito do Kepler
para a nossa editora sem mencionar
os nossos nomes”, conta Alexandra.
Por que é que fizeram isso? “Somos
autores literários, queríamos que a
obra de Lars Kepler fosse lida sem que
nos estivessem a ver por trás. Queríamos mesmo que fizessem uma leitura isenta do livro.”
Criaram então um “hotmail” fictício em nome de Lars Kepler, e apresentaram-se dizendo: “Eu chamo-me
Lars Kepler, sou um pseudónimo. Por
favor comuniquem comigo através
desta conta de e-mail”.
É difícil tentar publicar o primeiro
livro na Suécia, mas ser um policial
facilita as coisas. Neste caso, uns dias
depois do envio do manuscrito todas
as pessoas da editora já o tinham lido.
O editor não gostou de lidar com um
autor que ele não sabia quem era. Começou a ficar muito preocupado e a
achar que poderia tratar-se de um
maluco. Pediu então para saber quem
era Lars Kepler. “Respondemos-lhe
por e-mail que só poderíamos revelar
quem éramos depois de ele ter lido o
livro até ao fim.” Só depois da confirmação de que “O Hipnotista” ia mesmo ser publicado é que Alexander e
Alexandra Ahndoril revelaram a verdadeira identidade por trás de Lars
Kepler. Na editora, só duas pessoas
sabiam do segredo e foram obrigadas
a manter sigilo: “A nossa ideia era escrevermos os livros do Kepler completamente incógnitos.” Mas como,
nos tempos que correm, é difícil promover um livro por e-mail, o editor
de detestou a ideia.
Quando “O Hipnotista” foi para as
livrarias suecas na sua primeira edição, em Julho de 2009, não havia nenhuma fotografia do autor na contracapa do livro. Ninguém sabia quem
era Lars Kepler e os jornais partiram
à caça do autor misterioso. Os direitos
de tradução foram vendidos para 29
países mesmo antes de o livro sair na
Suécia, e a curiosidade tinha ganho
enormes proporções.
Três semanas depois, o segredo foi
descoberto. “Era Verão, não havia
muitas notícias, e talvez fosse uma
provocação existir alguém que não
queria aparecer na media. Os jornalistas suecos decidiram fazer notícia
disso e uma noite apareceram na nossa casa de campo a meio da noite com
uma lanterna”, diz Alexandra. A família estava a deitar-se, já estava escuro lá fora, quando viu pelas janelas
uma estranha luz no jardim. “Quando
abrimos a porta, apontaram aquele
foco de luz para a nossa cara e disseram: ‘Admitam. Vocês são Lars Kepler.” [gargalhadas]
Os escritores não contaram aos
amigos, nem sequer à família, que
eram Lars Kepler. Mas não foram totalmente cuidadosos e por isso um
jornal tablóide descobriu a verdade:
“Nunca imaginámos que houvesse tal
caça ao homem, ao Lars Kepler. Poderíamos ter sido mais cuidadosos,
mas tivemos de criar uma empresa,
e de registar o nosso nome para passar os recibos.”
Negaram? “Eu estava muito assustada. Seria um crime ter um pseudónimo? Não perguntámos nada ao nosso editor, sabíamos que ele iria ficar
contente; no dia seguinte, enviámos
um comunicado para todos os jornais.
Enfiámos as nossas coisas no carro e
regressámos a Estocolmo. Deixámos
o frigorífico cheio de comida, foi mesmo caótico. As crianças tiveram de
correr para o carro, outros jornalistas
estavam a dirigir-se para lá. Foi muito
estranho, muito bizarro.”
Ainda mais estranho quando pensamos que se trata do mundo dos livros. Acontece muitas vezes na ficção,
mas poucas vezes na realidade.
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
mo tempo, de escrever os romances
assinados em nome próprio. “Quando
se acaba de escrever fica-se invadido
por um vazio, uma melancolia ou depressão... temos vontade de permanecer naquele texto. Já tínhamos falado muitas vezes da possibilidade de
escrever em conjunto, mas nunca
conseguimos fazê-lo. Começávamos
sempre a discutir quando tentávamos. Cada um defendia os seus textos
e a sua estética. Por isso, tentámos
escrever sem ser como Alexandra e
Alexander. Quisemos fazer uma coisa
completamente diferente, um novo
género, uma nova linguagem, noutro
tom. E de repente Lars Kepler nasceu!
Foi muito estranho”, conta.
“O Hipnotista” tem como personagem principal Joona Linna, um comissário de polícia judiciária que tem de
descobrir quem assassinou violentamente uma família inteira. Logo no
início do livro, um adolescente de 15
anos de idade, o único sobrevivente
desse massacre, é submetido a hipnose por um médico especialista, Erik
Maria Bark, e confessa o crime. É o
início da história.
Tudo o que está em “O Hipnotista”
é ficção, menos as descrições das técnicas de hipnose e o trabalho dos polícias, que também segue as regras da
profissão. “Queríamos escrever no
presente, aqui e agora, e queríamos
que o livro se lesse rápido”, explica
Alexandra. Alexander tem um irmão
que é hipnotista e, num dos seus espectáculos, ela e o marido viram as
caras das pessoas hipnotizadas – “era
como se estivessem a dormir e, ao
mesmo tempo, pareciam estar acordadas, era assustador e excitante ao
mesmo tempo”. Pareceu-lhes que o
poder da hipnose era muito interessante para usar num livro. “E se ao se
hipnotizar alguém chegássemos a respostas a que nunca se pensaríamos
chegar? Num romance policial entrase na cabeça do culpado.” Exactamente como um hipnotista.
SÃO
LUIZ
MAI/JUN ~1O
EUA
De 21 de Maio
a 9 de Junho, o
alkantara festival,
na sua 3ª edição,
acolhe cerca de
30 performances
de dança, de teatro
e de tudo o que
se encontra entre
eles, de artistas
oriundos de mais
de 20 países.
Mais uma vez,
o São Luiz
é o principal
co-produtor.
4 A 6 JUN
BARE
SOUNDZ
SAVION GLOVER
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00
DOMINGO ÀS 17H00
SALA PRINCIPAL M/6
O bailarino de sapateado que
emprestou os seus pés a Mumble,
o pinguim de Happy Feet,
é hoje visto como um dos grandes
revolucionários deste género.
Portugal
7, 8 E 9 JUN
AMIGOS
COLORIDOS
UM PROJECTO
ALKANTARA
FESTIVAL E PRADO
ÀS 23H00
JARDIM DE INVERNO M/12
Rendez-vous amorosos para
os artistas e blind dates para o
público. Um espaço/tempo para
encontros (im)possíveis, intensos
e apaixonados. Serão todos
encontros irrepetíveis.
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS
O Ípsilon viajou a convite do Ministério
dos Negócios Estrangeiros da Suécia
Ver crítica de livros pág. 49 e segs.
e Lars Kepler
a se divertir, o policial “O Hipnotista”, que Alexandra
m mundialmente conhecidos. Isabel Coutinho, em Estocolmo
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 21
Livros
PEDRO CUNHA
Em “Santa
Maria do
Circo” David
Toscana
apresenta-nos
a um circo com
oito pessoas,
em total
decadência,
que vai
arranjar
sonhos e
forças para
ocupar e
governar a
cidade
abandonada
aonde chega
Bem podem arder as selvas urbanas
da América latina às contas com o
tráfico de droga e todas as outras misérias e guerras que daí brotam.
David Toscana (Monterrey, México,
1961) sabe que não faltam felizmente,
no México, na Colômbia, escritores
que se queimam a lamber essas feridas e chagas em carne viva. E isso
deixa-o mais tranquilo para continuar a inspirar-se no vento que vem das
paisagens áridas. Em nome de uma
certa matriz da literatura dos realismos: os mágicos e os outros aparentados.
A sua teimosia fê-lo marcar pontos:
a sua obra já está traduzida em treze
países com destaque para “O Último
leitor” já traduzido pela Oficina do
Livro.
Em “Santa Maria do Circo” apresenta-nos a um circo com apenas oito
pessoas, em total decadência, que vai
no entanto arranjar sonhos e forças
para ocupar e governar a cidade abandonada aonde chega.
Não se sente a escrever em
contra-corrente? Um teimoso
que não quer abandonar o
deserto?
Aparentemente, escrever sobre aridez e desertos tinha passado à história e tinha sido trocado pelas paisagens urbanas. Mas agora assiste-se ao
lado da literatura urbana, a um regresso à tradição, a uma certa matriz
onde Juan Rulfo e o seu “Pedro Páramo” desempenham papel ainda central.
Quando escrevemos, procuramos
escutar vozes internas, algo que esteja intimamente dentro de nós. E as
minhas histórias e as minhas personagens situam-se em locais primitivos: sem automóveis, semáforos, sem
televisão e sem telemóveis.
Mas apesar de tudo não é
deserto o que vê quando acorda.
Monterrey é uma cidade com
tantos habitantes como Madrid.
Monterrey é uma cidade de quatro
milhões de habitantes, às portas do
deserto. Mas o fenómeno urbano enquanto fonte de inspiração literária
não me interessa: nem o tráfico de
droga, nem as farmácias que vendem
Prozac.
Prefiro frequentar locais e ideias já
visitadas na literatura à procura de
lhes espremer mais sumo. Qualquer
escritor, desde que perceba que há
algo novo para dizer, deve persistir.
Mas o que resta de um circo,
miséria em movimento, não é
novidade.
O pretexto é o circo, mas a essência
do que se vai passar é o que acontece
a um grupo de pessoas que chega a
um local abandonado. William Golding fê-lo com “O senhor das moscas”, José Donoso com “A casa do
campo”.
Procurei desmontar preconceitos.
Nos monólogos das personagens está
patente a necessidade de ir para além
das ideias feitas: o anão tem mais problemas para além de ser baixo, o homem forte é mais que simples músculos, o mágico não é só um tipo que
tira cartas, lenços ou coelhos de um
chapéu, a mulher com barba não se
preocupa só com o facto de ter a cara
coberta de pêlos.
Inventou-lhes um mundo maior
que as suas próprias vidas.
Desdobrou-lhes a personalidade
até obter um micro-cosmos
social.
Com oito pessoas e um cavalo velho
e cansado é preciso traduzir a alegoria
da realidade e o seu mal-estar. Podem
ser oito ou oitenta mil.
O romance aborda também o problema da degradação. “Santa Maria
“Quando rompemos
com a razão,
a linguagem fica mais
livre, qualquer um
se pode apaixonar
por um porco,
transformar-se
num padre,
numa prostituta. As
personagens vivem
a sua liberdade plena
porque já se livraram
do estigma
das palavras”
do Circo” começa como uma ideia de
paraíso, mas depois o choque com a
realidade faz-nos descer à terra. É
uma maquete que traduz uma realidade maior, a das grandes sociedades
no seu confronto com o racismo, com
a homofobia, com a tutela militar dos
que ainda procuram o poder. Aspectos, fantasmas ainda muito presentes
nos países da América Latina. Há ainda referências à história e aos mitos
associados aos fundadores da pátria
que também pesam na organização
da sociedade.
E a degradação convida ao
desleixo: uma cidade composta
de ruínas engole quem lá chega.
Degrada quem tenta começar de
novo. É propensa a delírios.
De certa forma é o que se passa. Hércules é o homem forte que deixa de
ser atractivo à medida que se deixa
engordar e Santa Maria do Circo também é assim. Não há água, nada funciona.
Repare que de todos os animais o
homem é o que se degrada mais rapidamente: não é fácil distinguir entre
um cavalo jovem e um cavalo velho,
mas é fácil reconhecer e distinguir um
homem velho de um jovem.
Eu considero saudável que quem
possa invente outra realidade. A diferença entre a forma como me vêem
e a forma como eu me vejo enquanto
pessoa provoca um choque anímico
em qualquer romance. Em “Santa
Maria do Circo” quando o anão se
transforma num padre é outra pessoa
que aparece à nossa frente. Está feliz
com a sua nova personalidade. Foi
isso que me chamou a atenção e que
me fez imaginar como seria a vida destes eternos ambulantes.
Não há, portanto, nenhum ajuste
de contas com as suas memórias
dos circos que viu, como
qualquer um de nós na infância.
Não. A mim o que me interessava não
era ser enciclopédico, viver com o
circo e contar a experiência. A mim
chega-me a imaginação. Na literatura
o importante é que aquilo que imaginemos seja sedutor, emocionante e
não tanto real. Por essa ordem de
ideias um escritor de ficção científica
só poderia escrever depois de viajar
pelo espaço. A imaginação é o disfarce literário da mentira.
Para si o circo já nasceu
literatura?
Quase. Para mim o mistério do circo
é esse. Custa-me acreditar que alguém
realmente chegue a gostar dele mesmo na infância. As habilidades, os
malabarismos podem deslumbrarnos, surpreender-nos, mas o conjunto instala em cada um uma tristeza e
uma angústia. Tive sempre a sensação
de entrar num mundo de total ausência de felicidade.
Mas não resistiu à ideia do
movimento perpétuo. Os seus
“oito magníficos” não ficam em
Santa Maria do Circo. Voltam ao
pó da estrada.
Aí a metáfora é outra: levamos uma
vida inteira, e às vezes esse tempo
parece não chegar, a desprezar o que
nos pode salvar. Quando somos jovens somos orgulhosos e desprezamos muitas coisas que mais tarde
valorizamos. Aqui, com as minhas
personagens, é o que acontece. Em
“Santa Maria do Circo” elas despejamse de preconceitos, ficam mais livres
e já podem voltar a partir, com alguma, pouca, tranquilidade.
É nisso que consiste o seu
realismo que definiu algures
como “transtornado”?
Romântico, transtornado. Quando
rompemos com a razão, a linguagem
fica mais livre, qualquer um se pode
apaixonar por um porco, transformarse num padre, numa prostituta. As
personagens vivem a sua liberdade
plena porque já se livraram do estigma das palavras.
Ver crítica de livros págs. 49 e segs.
David Toscana: “A imaginação é
o disfarce literário da mentira”
A matriz da literatura mexicana do século XX feita de desertos áridos e oásis temporários
encontrou um herdeiro desassombrado. Rui Lagartinho
22 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Colec‹o 10 Livros+CD Ð PVP cada: 5,95Û - Preo total da Colec‹o 59,5Û. In’cio da Colec‹o: 24 Maio Ð Fim da Colec‹o: 26 Julho. Promo‹o limitada ao stock existente.
Lisboa menina e
Os poetas
deram-lhe as
palavras.
Ele deu-lhes
a voz.
e
olum o
3.¼ V
nh
7 JuositoresÓ
a
i
D omp
C
CD
ÒOs
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LIV MAIS
POR ,95
Û5
CARLOS DO CARMO, 100 CAN‚ÍES - UMA VIDA.
COLEC‚ÌO INƒDITA DE 10 LIVROS+CD.
De Ary dos Santos a Nuno Jœdice. Dos poemas musicados aos fados populares da
sua Lisboa menina e moa. Carlos do Carmo deu voz e alma a alguns dos maiores xitos do
fado e da can‹o portuguesa. Conhea a obra de uma vida, com textos de Ana Sousa Dias,
numa colec‹o inŽdita de 10 Livros+CD com o Pœblico.
Livros
O inglês James Wood (n. 1965) passou
alguns anos da infância e da adolescência internado naquela que é, provavelmente, uma das mais distintas,
selectas e anacrónicas escolas do
mundo, o Eton College, em Windsor,
que se orgulha de ter começado a formar (ou a formatar!) 18 primeirosministros do reino. Por lá passaram,
e continuam a passar, os mais dotados
membros masculinos da nobreza inglesa e da família real britânica. Depois da passagem por Eton, estudou
Literatura Inglesa
g
em Cambridge.
g Mas
foii em 1199
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1990,
990,
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atribuído
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buíd
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prémio “British Press Young Journalist of the Year”, que James Wood começou
meço
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bastante
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te n
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notado,
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tão
o a sua
sua carcarreira
reir
i a progredi
progrediu
diu em saltos
salltos
singulares.
Durante três
anos
an
os ((19
(1992-1995),
1992
92-199
1995)
5),
foii o pr
fo
prin
principal
inci
cipa
pall cr
críí
tico
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co literário
llit
iter
erár
ário
io d
do
o
jornal “The Guardian”
dian
di
an” e da “
“LonLonLo
ndon Review of
Books” – em
1994, fez parte
do júri do
Booker Prize –,
até que se
mudou para os Estados Unidos
para se tornar editor
sénior da
revista “The
New Republic”. Pouco
tempo depois,
começou a dividir com o escritor
Saul Bellow as
aulas de Literatura na
Univer-
“A literatura difere
da vida na medida
em que esta é repleta
de detalhes,
e raramente chama
a atenção para eles”
James Wood
sidade de Boston; e, em 2003, foi convidado para o cargo de “Visiting Lecturer” na Universidade de Harvard,
onde actualmente é professor de Prática da Crítica Literária. Há algum
tempo que é colaborador assíduo da
“The New Yorker” (até à morte de John Updike, eram ambos as estrelas da
crítica daquela revista de culto).
Da teoria à prática
Em “A Mecânica da Ficção”, James
Wood reúne mais de uma centena de
pequenos
p
q
ensaios (precisamente 123,
assim
assi
as
sim
m numerados)
nume
nu
mera
rado
doss que raramente ultrapassam as dua
duas ou três páginas. É
uma colectânea de
d textos em jeito de
“paciente
“pac
“p
acie
ient
nte
e ca
cart
cartilha”
rtil
ilh
h para o “leitor comum”
m
mu
m” (o
(o qu
q
que
e qu
q
quer que seja que isso
signifique),
si
ignif
ifiq
i ue), pelo
pe que o autor tenttou
to
u aqui redu
reduzir ao mínimo aquilo a que Joyce
Joy chamava de “genuíno
nuín
nu
íno
o fedor
fe
escolástico”.
Depois
Depo
De
pois
is de reconhecer o valorr intelectual
lo
intt
in
do formalista russo
r
Viktor Chklovsky
vs
ky e do formalista-estrut
truturalista francês
Roland Barthes (especiaRola
listas que escreviam palista
ra es
especialistas), Wood
acusa-os de, como crítiacus
cos, terem pensado como es
escritores “alienados
dos seus
se instintos criativos” e de
d recorrerem repetidamente à mesma fonte,
tidamen
o estilo literário.
li
Exactamente o cont
contrário do que Wood
faz nos sseus ensaios: ao pensar como um escritor, ele vai
dissecar com
co minúcia criativa
– e com isso passar da teoria à
prática, o qu
que justifica o curioso
título da disc
disciplina que lecciona
em Harvard – os vários aspectos
dos textos, das personagens à linguagem, passando
passand pelo ponto de vista, o estilo, a narrativa,
nar
o diálogo e a
percepção do det
detalhe. É singularmen-
te curioso o que ele diz sobre este
último aspecto: “Usamos o detalhe
para focar, para fixar uma impressão,
para recordar. E como anzol. (…) A
literatura difere da vida na medida
em que a vida é homogeneamente
repleta de detalhes, e raramente chama a atenção para eles, enquanto a
literatura nos ensina a reparar – a reparar na maneira como a minha mãe,
digamos, limpa os lábios antes de me
beijar; no som de berbequim de um
táxi londrino, quando o seu motor
entra flacidamente em ponto morto;
(…); na maneira como a neve ‘range’
debaixo dos pés; na maneira como
os braços de um bebé são tão gordos
que parecem atados com cordéis.”
Nos seus textos, Wood coloca ao
leitor perguntas teóricas, mas apresenta respostas práticas. Questões
como “o que é uma metáfora bemsucedida”, “o que é uma personagem”, como é que o escritor faz para
lhe soprar a “vida” (assemelhando-se
nisto a Deus) ou porque é que a ficção
nos consegue comover são respondidas com múltiplos exemplos práticos
que o crítico vai buscar ao seu imenso manancial de leituras, que vai desde os clássicos gregos e da Bíblia até
Saramago ou os mais recentes David
Foster Wallace e Philip Roth. James
Wood defende que a ficção é “simultaneamente artifício e verosimilhança”, e que estes dois predicados são
antagónicos apenas na aparência. Os
seus pequenos ensaios, por vezes
quase em jeito de relatórios ou de fichas, tentam conciliar a técnica desse
artifício com o mundo real.
Com Wood, a crítica literária transformou-se mais num estímulo à reflexão do leitor comum do que num
julgamento de valores (que obviamente não está ausente). E é o facto
de mostrar, da maneira que mostra
(recorrendo por vezes a metáforas),
os mecanismos da ficção que o torna
tão singular.
Nas suas
críticas,
James Wood
reduz ao
mínimo aquilo
a que
Joyce
chamava o
“fedor
escolástico”
para se dirigir
ao “leitor
comum”
James Wood
o grande
cirurgião
da literatura
Trouxe a crítica literária para fora do mundo académico e quase lhe deu uma roupagem
pop. Revistas como a “The New Yorker” ou a “London Review of Books” não o largam. Por
cá, “A Mecânica da Ficção”, colectânea que reúne ensaios de um dos melhores críticos anglosaxónicos, acaba de ser traduzida pela Quetzal. José Riço Direitinho
24 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
fantasias, apontamentos, aos quais
vou atribuindo sentido. Neste caso
aconteceu-me com frequência acordar de noite para rabiscar alguns sonhos, mas diria que eles não têm uma
tradução directa no som do disco.”
Já perceberam. Steve Ellison é um
alquimista do som. Alguém que pensa a música a partir de noções como
espaço, tempo, temperatura, texturas, ideias rítmicas, estruturas que
fogem à norma. Sobretudo espaço:
“Vejo este disco como se fosse uma
ópera espacial, qualquer coisa perdida num lugar que pode ser reconstruído, idealmente, a cada nova audição”.
Na maior parte dos temas que compõem “Cosmogramma”, o seu terceiro álbum (o segundo para a Warp,
editora de culto inglesa), não há vozes, mas quando há são de gente conhecida. Uma dessas vozes é de um
admirador – Thom Yorke dos Radiohead, que surge no tema “...And the
world laughts with you”, e com quem
andou em digressão há pouco tempo.
Para essa faixa, gravou o som dos últimos sinais vitais do monitor do hospital onde a sua mãe viria a falecer
em 2008. “Prefiro utilizar sons originais, nunca antes utilizados, mas se
isso não acontecer não é o fim do
mundo”, afirma, acrescentando que
grava imensos sons concretos – “ando
sempre com um pequeno gravador”.
A ideia do título foi do próprio Steve.
“Era uma canção que me dizia muito,
pessoalmente, e fiquei muito satisfeito por Thom Yorke ter entrado no seu
universo sem problemas, adaptandose a ele e enriquecendo-o com a sua
visão.”
A sua música nem sempre entra à
primeira. Às vezes nem à segunda.
Obriga a algum tempo de habituação.
É exigente. “Se tenho consciência
disso?”, interroga-se, “de alguma forma sim, porque não me interessa fazer uma música qualquer, variação
do que já foi feito inúmeras vezes, já
existe por aí muita gente a fazê-lo”,
“Quando oiço
a minha música,
é como se fosse uma
espécie de meditação,
qualquer coisa que
me liga com aquilo
que sou e com aquilo
que me rodeia. É uma
espécie de hipnose”
continua, referindo-se a grupos rock
que foi vendo nos festivais por onde
transitou.
Portáteis e Alice Coltrane
Nos últimos meses, também se falou de Flying Lotus por ter participado no magnífico álbum “A Sufi And
A Killer”, do americano Gonjasufi.
Ele e Gaslamp Killer – outro dos participantes nesse disco – constituem o
rosto de uma comunidade de artistas
que trabalha em Los Angeles, na fronteira de várias linguagens, entre as
electrónicas, o dubstep ou o hip-hop.
Utilizam o computador com à-vontade, recorrem à biblioteca de sons do
mundo, são virtuosos do portátil.
Ellison conhece-os a todos, quando
referimos nomes como Madlib, Daedelus, Sa-Ra Creative Partners, Nosaj
Thing ou Ras G mas prefere realçar
que cada um tem a sua identidade
própria, destacando Gaslamp Killer.
“É fantástico! Consegue buscar sons
que nunca ouvi em nenhum lado.
Música
É mais um daqueles discos que nasceram no dia a seguir ao juízo final.
Vulcões que cospem fogo. Paisagem
árida. Restos de civilização industrial.
Lixo. Cacos. Uma pilha de computadores portáteis. Consolas de jogos
vídeo necessitadas de respiração
boca-a-boca. E alguns sobreviventes.
Entre eles Steve Ellison, 27 anos, mais
conhecido por Flying Lotus. E o que
faz ele enquanto a terra desaba em
redor? Tenta consertar um computador. Quase consegue. Mas, mesmo
com um computador avariado, não
desiste. Começa a criar música. Cola
as peças que tem à sua disposição. E
o que sai de lá é um som desengonçado, titubeante, hip-hop sem ser
hip-hop, com qualquer coisa de psicadélico, caldeirão borbulhante de
alusões cósmicas, andamentos elásticos, recorte de sonhos e realidade.
“Não tenho nenhuma ideia em particular em mente quando parto para
um disco”, diz-nos ele, “são esboços,
Flying Lotus,
aliás Steve
Ellison,
integra uma
comunidade
de artistas de
Los Angeles
que partem do
hip-hop para
todos os sons
do mundo e
têm o portátil
na cabeceira
A ópera espacial
É o homem de quem se fala em L.A. Motivo: “Cosmogramma”, o disco em que mistura jazz,
hip-hop, videojogos e electrónica e nos devolve um mundo novo. Vai haver concertos no
Sónar, na Corunha e em Barcelona. Vítor Belanciano
26 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Consegue quase sempre surpreender,
o que não é nada fácil.”
Partilham a mesma cidade, Los Angeles, e, mesmo que não sejam uma
família, alguns deles representam a
alternativa mais consistente aos padrões mais massificados das linguagens urbanas. Quase todos emergiram no seio da cultura hip-hop, mas
a sua perspectiva é ampla. Mais do
que a retórica, assimilaram os procedimentos criativos. E todas as músicas em volta. No caso de Steve, o jazz
teve uma importância decisiva na sua
formação.
É vizinho do primo Ravi Coltrane,
o saxofonista de jazz que participa
em três faixas do novo álbum. Mas
foi a tia-avó Alice Coltrane, mulher e
colaboradora do lendário John Coltrane, e líder da sua própria formação, numa linha jazz cósmica, que
mais o marcou. Harpista e pianista,
Alice morreu em 2007. “Na verdade
oiço mais jazz agora do que quando
era mais novo, mas é claro que Alice
é uma referência muito importante”,
explica, recordando que ela era capaz
de cantar e tocar horas numa igreja.
“Gostava que as pessoas a recordassem para sempre e, em parte, foi por
ela que utilizei uma série de sons de
harpa neste disco.”
O título do álbum é, também em
parte, uma referência a ela. “Gostava
de se referir a uma espécie de mapa
do universo do qual faríamos parte.
Dizia que o mundo material era ilusório e que tínhamos que ser nós a
atribuir sentido ao mundo, criando
talvez outro, mais ilimitado, no interior de cada um de nós.” A música,
para ele, pode ter essa faculdade:
“Quando oiço a minha música, é como se fosse uma espécie de meditação, qualquer coisa que me liga com
aquilo que sou e com aquilo que me
rodeia. É uma espécie de hipnose.”
Tal como acontece nos discos, ao
vivo Steve é um desses raros manipuladores de computador que surpreendem. Produz um cosmos próprio.
Interage com a assistência. Cria momentos de improviso. “Nunca sei por
onde vou”, ri-se, antecipando os concertos que dará no Festival Sónar da
Galiza, na Corunha (19 Junho), e de
Barcelona (18 Junho). “Nunca repito
combinações de sons, gosto de me
pôr em causa, de arriscar; às vezes
nem sempre resulta, mas se fosse de
outro modo seria uma mentira e a
isso não estou disposto. Quem quiser
ouvir os meus discos que os oiça. Ao
vivo é diferente.”
Em “Cosmogramma”, há um fluxo
contínuo de informação. Sons ambientais, ruídos obscuros, linhas de
baixo jazzisticas, orquestrações, vozes, desvios súbitos e toques que parecem extraviados de jogos vídeo,
numa colisão de partículas infinita,
recompondo cenários conhecidos ou
provocando embates inéditos. No
centro, a imaginação transbordante
de Flying Lotus.
Ver crítica de discos págs. 46 e segs.
Sónar, agora também
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Este ano, o festival de Barcelona fica mais perto:
extensão na Corunha, de 17 a 19 de Junho.
A grande novidade da edição
2010 do Festival Sónar, que se
realiza há 17 anos em Barcelona,
é a extensão para a Corunha, na
Galiza. Entre 17 e 19 de Junho, o
mundo das electrónicas, e tudo
à volta, vai concentrar-se nessas
duas cidades.
O menu é tão vasto e diverso
que cada um pode construir o
seu festival. Para além de Flying
Lotus, há LCD Soundsystem,
Air, Hot Chip, Matthew Herbert,
Uffie, Broadcast, Alva Noto
& Blixa Bargeld, Delorean,
2ManyDjs, Aeroplane,
Caribou, Dizzee Rascal, Joy
Orbison, King Midas Sound,
Moodyman, Plastikman, Roxy
Music ou Zomby. Nos últimos
anos, os Buraka Som Sistema,
representaram em grande
estilo Portugal. Desta feita,
vão estar presentes os Octa
Push (Corunha) e os Photonz
(Barcelona).
Um festival, quando é
realmente bom, não se esgota
nos dias em que decorre. Deixa
uma marca ao longo do ano.
Quem tem acompanhado o Sónar
sabe que é assim. O seu impacto
já não se mede, em exclusivo,
pelos acontecimentos musicais,
mais ou menos relevantes, mas
sim pelo que acontece em redor.
Pelo que provoca. Pelo rasto que
deixa. Nesse sentido, o Sónar
acompanhou o crescimento
da cidade de Barcelona.
Impulsionou-o. Deu-lhe sentido,
atraindo gente de todo o mundo.
Hoje o Sónar é marca universal.
É um evento verdadeiramente
internacional, criado para um
público não passivo, convidado
a criar o seu próprio roteiro,
por entre propostas de música,
mas também exposições,
cinema, arte multimédia
ou conferências. Todos os
anos o festival se reinventa e
permanece o mesmo. A linha
programática mantém-se, num
compromisso entre os mais
recentes rumos da música
popular e formas embrionárias,
num todo em que convivem
figuras históricas que marcaram
o presente e muitas revelações.
No final de cada edição,
sintetizam-se os últimos meses e
lançam-se os próximos.
Em Barcelona, de há alguns
anos a esta parte, a procura
de bilhetes – para as sessões
diurnas – tem sido superior
à oferta. A organização tem
tentado que o festival não
cresça, desvirtuando-se.
Também por isso, surge agora
este Sónar em versão dupla. V.B.
Entrega de originais: 1 a 30 Junho 2010
Informações: Fundação INATEL – Sede / Agências
Calçada de Sant’Ana, 180 | 1169-062 LISBOA
t. 210 027 141 /150 | f. 210 027 140 | [email protected]
Regulamento em www.inatel.pt
de Flying Lotus
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 27
Música
A sucessão de êxitos dos Pavement (melhor momento do festival) e o “best of” dos Pixies: os anos 90 são um filão nostálgico em
exploração
Algures entre
o veraneante e
o pósindustrial (há
uma piscina
natural, uma
estrutura
gigantesca
com painéis
solares), o
Primavera
Sound é uma
montra de
tendências do
mundo
musical
independente
seis palcos principais. O bilhete para
três noites pode custar até 180 euros,
mas muitos espanhóis (e muitos estrangeiros) não se importam de os
pagar e ver numas dezenas de horas
mais concertos de topo do que veriam
ao longo de um ano.
Prova de que o Primavera não é só
um festival de música, mas uma plataforma para a afirmação de tendên-
cias noutras áreas. Não por acaso, a
Ray-Ban, fabricante dos já referidos
Wayfarer, patrocinou um palco gigantesco. À entrada, várias tendas vendiam t-shirts (dos Black Flag aos Real
Estate) e vinil, muito vinil. Até a comida é indie: havia sandes com os nomes
“Wilco”, “Pixies”, “The Fall” e outra
iguaria chamada “Ket Shup Boys”.
É um festival para jovens adultos
(não contámos um único adolescente)
e crescentemente internacional (a
organização estima que 35 por cento
dos festivaleiros sejam estrangeiros)
- nas “ramblas” e no metro, é fácil
descobrir alguém com a pulseira
branca e as letrinhas mágicas “Primavera”. É também um ponto de encontro da indústria, aspecto reforçado
este ano com a abertura do Primave-
ANA SOFIA MARQUES
Óculos com hastes coloridas e Wayfarer metidos na cara em plena noite.
Um moço com mala Marc Jacobs verde fluorescente e um paninho a sair
do bolso (não nos perguntem para
quê). Mil outros rapazes e raparigas
com calças justinhas, ténis brancos
ou sapatos de pele impecáveis e cabelo milimetricamente despenteado.
Uma convenção de “hipsters”, de
malta com gosto desmesurado pelo
“cool”? Sim, mas também música. E
em doses generosas: com 240 concertos para mais de 100 mil pessoas, a
edição 2010 do Primavera Sound (entre 27 e 29 de Maio, em Barcelona,
Espanha) reforçou o estatuto do festival como um dos maiores eventos
indie do mundo.
Montado no Parc del Fórum, espaço junto ao mar algures entre o veraneante e o pós-industrial (há uma
piscina natural, uma estrutura gigantesca com painéis solares), é uma
montra de tendências do mundo musical independente.
Desde a primeira edição, em 2001,
tem crescido, procurando misturar
os pais do indie, velhas glórias, com
os filhos e o sabor do momento amplificado por publicações como o “site” Pitchfork e a revista “Vice”, não
por acaso responsáveis por dois dos
Os pais e os filhos do indie
Montado no Parc del Fórum, espaço junto ao mar algures entre o veraneante e o pósindustrial (há uma piscina natural, uma estrutura gigantesca com painéis solares), o Primavera
Sound é uma montra de tendências do mundo musical independente. Houve históricos, como
Pavement e Pixies, mas também o sangue novo do indie. Pedro Rios, em Barcelona
28 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
ANA SOFIA MARQUES
Atlas Sound (Bradford Cox, todo ele contenção, guitarra acústica, harmónica, um músico completamente franco.); The Drums, já uma das certezas da pop independente e
Best Coast (misto de Ramones, “girl groups” e proclamações de amor à erva)
raPro, espaço destinado aos agentes
do sector, das editoras às instituições
culturais, e que incluiu concertos de
banhas espanholas.
De horário na mão
Os três dias de Primavera são um
quebra-cabeças. Há quem faça (e partilhe na Internet) tabelas com os horários dos palcos lado a lado, para
melhor escolher o que vai ver e decidir se vê um concerto do início ao fim
ou se abandona uma actuação, caminha 200 metros até outro palco para
apanhar metade de outro.
Best Coast ou Thee Oh Sees? Broken
Social Scene ou Tortoise? O “best of”
dos Pixies ou o turbilhão Major Lazer, que misturaram Ace of Base,
dubstep e as já de si mestiças canções
de “Guns Don’t Kill People... Lazers
Do” e ainda puseram Skerrit Bwoy, o
animador de serviço, a atirar-se para
cima de uma moça? A pop electrónica dos espanhóis Delorean (dia 25 de
Julho no festival Milhões de Festa, em
Barcelos) ou a música de dança perspectivada pelos Fuck Buttons?
A sucessão de êxitos dos Pavement, glórias do rock independente
dos anos 90, ou a pop em frangalhos
dos Sleigh Bells, acabados de editar
o maravilhoso “Treats”? Engolimos
em seco e ficamo-nos pelos Pavement,
de regresso aos concertos depois de
um hiato de uma década. Aposta ganha: foi o melhor momento do festival. Stephen Malkmus e companheiros estão mais velhos do que nos cartazes espalhados pelo recinto, mas
canções como “Range life” ou “Stereo” não perderam ponta da energia
pós-adolescente. Com Pavement, Pixies, Built to Spill e Superchunk a darem nas vistas perante uma multidão,
ficou patente que os anos 90 são um
filão nostálgico em exploração.
Na quinta-feira, a noite dos Pavement, houve também Surfer Blood,
esses sim, verdadeiros pós-adolescentes. Revelaram no palco Pitchfork o
seu rock derivado dos Weezer e dos
Vampire Weekend, com um vocalista
convictamente beto. Na audiência
detectámos um inacreditável “menino Tonecas”, boné para trás, calções
curtíssimos, óculos garrafais, com tshirt dos Nirvana.
Os norte-americanos foram um dos
exemplos claros da função divulga-
Desde a primeira
edição, em 2001, tem
crescido, procurando
misturar os pais do
indie, velhas glórias,
com os filhos e o sabor
do momento
amplificado por
publicações como
o “site” Pitchfork e a
revista “Vice”,
responsáveis por dois
dos seis palcos
principais
Um festival para jovens adultos
dora do festival, com boa parte do
cartaz composto por novos nomes
vindos, sobretudo, do outro lado do
Atlântico.
Os Best Coast, misto de Ramones,
“girl groups” e proclamações de amor
à erva, deixaram boas pistas para o
que vai ser o seu primeiro disco de
maior exposição, “Crazy for You” ( Julho). Em águas não muito distantes
mergulharam as Dum Dum Girls,
algures entre as Shangri-Las e uns Jesus and Mary Chain de saias, que contaram com um discreto Edward Droste, dos Grizzly Bear, na audiência.
Os Titus Andronicus transpuseram
para o palco Pitchfork o cruzamento
da euforia punk rock com a música
tradicional irlandesa patente em “The
Monitor” (2010), algo muito diferente
do psicadelismo de baixa definição dos
Ganglians e das canções simples e veraneantes dos Real Estate, que estiveram em Portugal há meses.
Ainda no lote das promessas, o destaque maior vai para The Drums,
que ainda não lançaram o primeiro
álbum (têm apenas um EP) e são já
uma das certezas da pop independente em 2010. Foram conotados com a
vaga de pop soalheira que marcou o
indie em 2009 (têm culpas no cartório: chamaram ao EP “Summertime!”
e o seu maior êxito – utilizado num
anúncio de automóveis – chama-se
“Let’s go surfing”), mas, para além
das “girl groups” e praias, quase omnipresentesem 2009, metem os New
Order e alguns dos maneirismos vocais de Morrissey ao barulho. A confiança demonstrada em palco impressiona, sobretudo porque são uma
banda formada no final de 2008: é
quase garantido que 2010 vai ser
(também) deles.
No palco Ray-Ban, os The xx cimentaram o estatuto de culto perante dezenas de milhares de pessoas
(apesar de a sua música e postura,
milimetricamente estudadas, não
provocarem a empatia que outros
grupos conseguiram) e os Broken
Social Scene mostraram porque são
uma das bandas definitivas do indie
contemporâneo (e com a vénia dos
veteranos: Kevin Drew, o vocalista,
cantaria uma canção com os Pavement, umas horas depois). Os concertos dos Beach House e dos Grizzly
Bear também permitiram confirmar
que são candidatos naturais à presidência do actual indie rock.
Na noite de sexta-feira, Noah Lennox (Panda Bear) apresentou pedaços de “Tomboy”, agendado para
Setembro. Sem as projecções vídeo,
que teimaram em não arrancar, sobressaiu a qualidade mais austera das
novas canções do músico dos Animal
Collective, que incluem um “sample”
do que parece um estádio de futebol
e mais batidas dançáveis do que no
brilhante “Person Pitch”.
Ao mesmo tempo, noutro ponto
do recinto, Tim Harrington, o barbudo vocalista dos Les Savy Fav, filhos
do hardcore, irrompia pela multidão
para distribuir beijos na boca a homens e mulheres. Harrington – músico e fã - também cantou durante o
concerto de Pavement, estremeceu
com o ataque virulento dos Shellac e
dançou Liquid Liquid na lateral dos
palcos e ainda entrou numa canção
dos Superchunk.
Se os nova-iorquinos ganharam o
prémio de momento mais expansivo
de todo o festival, Atlas Sound (actua
hoje no Lux), projecto solitário de
Bradford Cox, líder dos Deerhunter,
protagonizou um dos mais calmos,
todo ele contenção, guitarra acústica,
harmónica e um músico completamente franco.
Foi de Cox – e de Michael Rother a
passar pelo património dos eternos
Neu! – o último fim de tarde do Primavera. Horas depois, era hora de
regressar, descansar os pés e jejuar,
por uns dias, de música ao vivo.
e celebraram a Primavera
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 29
António Chainho
em Oriente duplo
Música
Uma aventura levou-o à Índia, outra à China. Da primeira saiu um disco, “LisGoa”, agora
editado. Da segunda nasceu um dueto com a cantora chinesa Gong Linna, com quem andará
pela China já a partir de dia 7, com partida de Xangai. Nuno Pacheco
um dos seus instrumentais, “LisGoa”)
teve gravações em Panjim, Bangalore,
Londres e Lisboa. Da Índia, tiveram
as vozes de Remo Fernandes e Sonia
Shirsat, além de Natasha Lewis, residente em Londres. E em Portugal,
para lá de uma quarta voz, a da jovem
fadista Isabel de Noronha (que tem
acompanhado Chainho nos últimos
anos), foram incorporados vários músicos: “Paulo Sousa, que viveu na Índia e aprendeu sitar com os grandes
mestres; Raimund Engelhardt, um
alemão que viveu 15 anos na Índia,
onde aprendeu a tocar tablas; o Carlos Barreto Xavier, pianista e professor, que é filho de goeses e conhece
bem a música indiana; e Tiago Oliveira, que é quase um concertista de
guitarra clássica e toca muito bem fado e qualquer género”. Além deles,
participaram nalguns temas Ruca Rebordão, nas percussões, e Rodrigo
Ferrão, no contrabaixo.
“Não quero estar na moda”
Muitos chamam-lhe “mestre”, mas
António Chainho defende-se com a
simplicidade de quem sabe que é nas
suas mãos que tudo repousa. Mais
orgulho do que vaidade. “Tive muita
sorte com a minha vida, com a minha
carreira. Isto é sorte, não é só o trabalhar, que realmente trabalhei muito. O que eu andei!”
Nascido em São Francisco da Serra
(Santiago do Cacém), em 1938, Chainho tocou pela primeira vez em público aos 13 anos. Depois, acompanhou nomes como Maria Teresa de
Noronha, Lucília do Carmo, Carlos do
Carmo, Francisco
isco José, Tony de Matos,
António Mourão,
rão, Frei Hermano
da Câmara, Hermínia Silva.
Mas nenhum em exclusivo::
“Nunca fui privativo
vativo de
ninguém. Usava
ava uma
agenda (nunca
nca falei
nisto) onde tomava
mava nota
de tudo, e havia
ia cantores
que tinham poucos espectáculos. Ora eu tinha
um gravador, dos primeiros
que apareceram,
am, levavao para os ensaios
nsaios e
gravava tudo. Quando me pediam
m para ir a um espectáectáculo desses cantontores, eu ouvia tudo
udo
outra vez e, quanuan-
“Ouvi [Gong Linna] e
pensei: que voz é esta?
Ela atinge uns
agudos, com uma
potência e uma força
incríveis,
afinadíssima, que
grande cantora! Ela
vibra, não ‘despeja’”
‘despe
do tocava, dizia
diziam-me: ‘Eh
pá, você tem um
uma memória, lembra-se d
de tudo!’”.
E assim cham
chamavam-no
sempre. Não e
era truque,
era trabalho. E a “memória” fazia pela arte.
ar
Há 30 anos
anos, gravou o
primeiro disco de
longa-du
longa-duração em
nome próprio:
“Guitar
“Guitarra Portuguesa” (1980).
(
Seguiram
guiram-se “The
London Philarmo-
nic Orchestra” (1996), “A Guitarra e
Outras Mulheres” (1998), “Lisboa-Rio”
(2000) e “António Chainho e Marta
Dias ao vivo no CCB” (2003). Isso fê-lo
percorrer os caminhos de Portugal,
em várias latitudes sonoras, e também os do Brasil. Mas a irrequietude
levou-o à Índia e ao Sri Lanka, há seis
anos. Foi tocar, mas também fazer um
“workshop”. “A Fundação Oriente
tem uma sala que leva umas cem pessoas, estava repleta. Abriram janelas
e portas para se ouvir cá fora. Lembro-me de um padre que fez perguntas incríveis sobre o fado, sabia muito
da nossa cultura. O ‘workshop’ teve
tamanho impacto que o espectáculo
que íamos fazer a seguir, numa sala
para 1400 pessoas, esgotou.”
Voltou mais duas vezes. Conheceu
músicos indianos. Ouviu o sitar, e os
violinos do Sul: “São uma coisa incrível. Tocam-nos sentados no chão,
com o violino preso entre o pescoço
e o calcanhar, e as duas mãos direitas.” E disse que sim, quando Sérgio
Mascarenhas, presidente da Fundação Oriente, lhe falou num disco.
Do sitar à guitarra portuguesa
A experiência já o levara, em 2004, a
tocar em palcos indianos com guitarra portuguesa, viola e sitar. “Comecei
a conhecer o Remo Fernandes, a Sonia Shirsat [ambos cantores] e pensei
“LisGoa” é o cruzamento da
guitarra portuguesa de
Chainho com o sitar e os
violinos do Sul da Índia: uma
ponte de lá para cá
que era interessante fazer alguma coisa com eles.” Até que formalmente
lhe propuseram a ideia, e as coisas
começaram a tomar forma. Chainho
gostara muito da sonoridade do sitar.
E entre as várias músicas que lhe arranjaram para ouvir, algumas delas
clássicos de Bollywood, fez uma selecção. “Quis compor coisas que ficassem bem no sitar e vice-versa, escolher coisas que encaixassem bem
com a guitarra portuguesa.”
A abrir o disco, há desde logo um
toque envolvente e melancólico, “Ao
encontro do Oriente”: “Agarrei no
fado menor, que dos três fados principais é o que mais tem a ver com o
sentimento português, e fui por ali
fora. Depois o [pianista] Carlos Barreto Xavier trabalhou bem e o tema
tem esse ambiente, mas com um cheirinho já a Goa.” Doze faixas depois,
o disco fecha com “De Mandovi ao
Tejo”, viagem no sentido inverso: “Filo como uma balada da Índia para
Lisboa, é a ponte de lá para cá.”
Entre Janeiro e Dezembro de 2009,
o disco (que veio a ganhar o nome de
Mas agora que “LisGoa” é lançado em
Portugal, Chainho faz as malas direito
à China. Na Womex de 2009, em Copenhaga, a agência do guitarrista procurou quem pudesse acompanhá-lo
à Expo de Xangai, em Junho. Conheceram um músico alemão casado com
uma cantora chinesa, a viver em Berlim. A agência mandou-lhe gravações
de Chainho e ele gostou de “Voando
sobre o Alentejo”, ”Valsinha mandada”, “Sentir em português”. Em troca,
enviou a Chainho quatro ou cinco músicas cantadas por Gong Linna. “Ouvi
e pensei: que voz é esta? Ela atinge uns
agudos, com uma potência e uma força incríveis, afinadíssima, que grande
cantora! Depois é que vim a saber que
era também uma grande vedeta”. Há
duas semanas, Gong Linna esteve em
Portugal, a ensaiar em casa de Chainho, já rendido: “Ela vibra, não ‘despeja’. Mesmo nos ensaios, parece que
já está no espectáculo.”
Na China, Gong Linna vai cantar em
português parte de um tema de Chainho, “Trago ruas no meu peito”, e
Isabel de Noronha (que já cantou em
concanim, da Índia) vai cantar em
chinês. Os concertos começam em
Xangai (dia 7), seguindo-se Whuan
(8), Pequim, na Cidade Proibida (9),
Macau (11) e Shenzen (12). Chainho
não vai só: “Comigo vão a Isabel de
Noronha e o Tiago Oliveira, que é o
pilar do meu trabalho nestes últimos
anos. Porque aquilo a que quero estar
sempre ligado é ao fado. Foi onde nasci e é onde quero morrer. Às vezes
perguntam-me porque não faço agora um disco de fado. Sei que está na
moda, mas eu não quero estar na moda. Talvez o último trabalho seja um
disco de fado. Mas nunca sei o que
vou fazer amanhã.”
Ver crítica de discos págs. 46 e segs.
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MVÖT÷NÓSJP÷MPQFT
JUNHO
05
SÁBADO 22:30
anbb Alva Noto & Blixa Bargeld
Beak (Geoff Barrow, Portishead)
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Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 31
Caveiras por trás
dos Dead Combo
Música
Enquanto trabalham no sucessor de “Lusitânia Playboys”, os Dead Combo lançam em DVD o
concerto-duplo que encerrou a última digressão. A antestreia e o novo concerto com a Royal
Orquestra das Caveiras estão marcados para mais logo, no São Jorge. Luís Carlos Soares
Pedro
Gonçalves, o
contrabaixo
dos Dead
Combo, e Tó
Trips, a
guitarra da
dupla
No final do ano passado, os Dead
Combo voltavam a Lisboa para, no
Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz, encerrarem uma digressão que os havia levado a diversas
salas portuguesas. As pequenas dimensões do país não impediram que
só então terminassem o périplo nacional de apresentação de “Lusitânia
Playboys”, álbum de 2008. O registo
deste concerto-duplo originou um
DVD, “Dead Combo and Royal Orquestra das Caveiras Ao Vivo no São
Luiz”, que, logo à noite, terá antestreia numa outra sala da capital, a
terceira do Cinema São Jorge. Já lá
vamos, voltemos a Novembro de
2009.
A noite, com lotação esgotada, começou ao som de “Despedida (até
sempre)”. Abrir um concerto com
semelhante título não causa estranheza quando sabemos que estamos perante uma banda sem vocalista. Continuando no álbum que, há dois anos,
tanto empolgou a “intelligentsia” portuguesa, o ritmo aumenta aos primeiros acordes de “Sopa de cavalo cansado”. Até aqui, nada de novo no figurino habitual dos Dead Combo: a
guitarra de Tó Trips do costume, o
contrabaixo de Pedro Gonçalves do
costume. A cartola e os óculos de sol
ostentados, respectivamente, por cada metade deste duo, também marcam presença. Até que surge a principal novidade.
A condizer com o preto que predomina no palco, entra a Royal Orquestra das Caveiras. Ana Araújo senta-se
ao piano e Alexandre Frazão na bateria. Ao fundo alinham-se João Cabrita no saxofone, João Marques no
trompete e Jorge Ribeiro no trombone. “Aquela secção de sopros é a secção de sopros em Portugal”, conta,
ao Ípsilon, um orgulhoso Pedro Gonçalves. “Foi a junção de pessoas mais
feliz que, até hoje, tivemos na nossa
música”.
A primeira faixa tocada pela Royal
Orquestra das Caveiras foi “Rodada”,
uma das raras excepções num alinhamento repleto de temas “Lusitânia
Playboys”. O regresso a esse disco seria feito com “Cuba 1970”. O concerto desenrola-se ao som da descarga
de energia de “Malibu fair”, e a viagem pelas canções que nos levam aos
mais diversos cantos do mundo traznos de volta a Portugal, com “Rak
song”. Cada aplauso entre canções
surge como uma surpresa. As câmaras
estão tão focadas nas almas em palco
que nos esquecemos que estamos perante um registo ao vivo.
O fime mostra uns Dead Combo
iguais a eles próprios: de rostos cerrados e a soltar apenas as palavras
necessárias. Não faziam ideia do que
é que este concerto originaria, mas
acreditamos que, mesmo que soubessem, agiriam da mesma forma.
Acontecimentos fortuitos
“A história deste lançamento é um
feliz acaso, ideia de um amigo nosso,
o [realizador] Daniel Neves. Ele já
trabalhou umas mil vezes connosco
e, poucos dias antes, sugeriu que era
porreiro filmarmos o espectáculo”,
lembra Gonçalves. “Esta ideia surgiu
bastante tempo depois. Ele andava
sempre a perguntar o que queríamos
fazer com aquilo. Pensámos em meter na net, fazer isto ou aquilo. A Pa-
“A história deste
lançamento é um feliz
acaso”, diz Pedro
Gonçalves. A carreira
dos Dead Combo está
marcada por vários
acontecimentos
fortuitos
trícia Gonçalves [da editora] é que
sugeriu lançarmos um DVD associados a um jornal”, revela o contrabaixista, a apontar para o primeiro
exemplar. A data de lançamento está
prevista para terça-feira, com o PÚBLICO.
A verdade é que a carreira dos Dead Combo parece marcada por vários
acontecimentos fortuitos. O projecto
nasceu quando, no princípio da década, no final de um concerto do
norte-americano Howe Gelb, ao qual
ambos tinham assistido sozinhos, Tó
Trips pediu uma boleia a Pedro Gonçalves. Em vão. Acabaram por seguir
para o Bairro Alto, numa conversa
que levou Tó Trips a convidar Gonçalves para, no contrabaixo, o acompanhar numa colectânea sobre Carlos
Paredes.
Após a criação dos Dead Combo,
seguiu-se o lançamento de quatro discos de originais. O sucessor de “Lusitânia Playboys” encontra-se em “préprodução”. Tó Trips diz que o lançamento será “entre o final de Setembro
e o princípio de Outubro”. Para já,
“apesar de as câmaras municipais andarem todas a choramingar a crise”,
pretendem fazer-se acompanhar pelos
Royal Orquestra das Caveiras nos mais
diversos palcos. O primeiro é hoje,
precedendo a antestreia do DVD.
Ver agenda de concertos págs. 44 e
segs.
32 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
O DVD regista
o encontro dos
Dead Combo
com a Royal
Orquestra das
Caveiras: “Foi
a junção de
pessoas mais
feliz que, até
hoje, tivemos
na nossa
música”
ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM
Teatro
Toshiki Okada
e a geração perd
Vindo do Japão, chega amanhã
a Lisboa um dos mais talentosos
encenadores contemporâneos.
Toshiki Okada é tudo aquilo
que achávamos não existir no teatro
japonês: toda a verdade sobre
nós, deste lado do sol.
Tiago Bartolomeu Costa
16 de Maio de 2007 foi um dia de intensa chuva em Bruxelas. A noite foi
toda uma outra coisa: parou de chover e um encenador japonês cujo nome ninguém tinha ouvido e que, exactamente por isso, ainda nenhum programador tinha arriscado apresentar
apresentou-se pela primeira vez na
Europa com “Five Days in March”. O
director do Kunsten Festival, Christophe Slagmuylder, tinha visto Toshiki
Okada no Japão, e assim começou a
aventura de um encenador de 35 anos
(mas com ar de ter menos dez) que,
mesmo sem falar inglês, passou a fazer o pleno dos festivais europeus até
chegar, finalmente, ao Alkantara, onde se apresenta este fim-de-semana,
no Teatro Nacional D. Maria II, com
“Hot Pepper, Air Conditioner and the
Farewell Speech”.
São sete da tarde no Japão quando
ligamos a Toshiki Okada, ainda a manhã começa em Lisboa. Está prestes
a entrar num ensaio, no mesmo dia
em que saiu de cena, em Nova Iorque,
a versão norte-americana de “Five
Days in March”, tomada agora de assalto por um grupo local interessado
nas analogias possíveis com a vida dos
jovens adultos japoneses de Yokohama, grande cidade industrial na cintura de Tóquio, durante os dias que
mediaram o anúncio da invasão do
Afeganistão e a entrada das tropas naquele território do (sic) “Eixo do Mal”.
A vida daquelas pessoas, iguais a tantas outras em outros tantos lugares do
mundo, não ficou necessariamente
marcada por esses acontecimentos
concretos, mas eles dão o enquadramento necessário a uma “certa infantilização dos jovens adultos japoneses
em sofrimento com o sistema”, escreveu Jean-Louis Perrier na revista francesa “Mouvement”, em 2008.
Okada lembra-se mal dessa noite
em Bruxelas. Mas ainda sabe o que
esperava encontrar: “Não sei se há
diferença entre os jovens adultos japoneses e os europeus. Nunca tinha
estado na Europa. Sabia que aquilo
34 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
que estava a fazer dizia respeito à realidade que conhecia. Se há uma identificação, isso deve-se a factores externos, como a expectativa em relação
às obras, e ao poder do teatro, no geral”. O seu teatro, nessa peça como na
que apresenta amanhã e depois em
Lisboa, estreada em 2009, revela uma
geração perdida, presa entre o que
deveria ser “e o que já não é”, diz-nos.
Lembramo-nos das notícias dos adolescentes japoneses que se fecham nos
quartos e cortam laços com a família
durante dias, “ou meses e anos”, alerta o encenador. “Estamos a falar para
essas pessoas ou dessas pessoas?”
No Japão como na Europa, a geração apresentada pelo encenador (que
é, aliás, a sua própria geração, da qual
nunca se demarca) está “perdida” na
“encruzilhada de dois mundos (família/tribo, trabalho/desemprego, passado/futuro, Oriente/Ocidente)”, sublinha ainda Perrier. Os jovens adultos
do teatro de Toshiki Okada são “os
arautos incertos de um Japão incapaz
de acelerar a mudança. Revelam as
falhas de uma sociedade arquitectada
nas suas convenções, na sua rigidez,
nas suas hierarquias, na sua história
e na sua aparência. Eles desesperam
e divertem-se, não sem escândalo, na
medida em que aceitam perder docemente a face, exibindo relaxadamente os seus traços em público, como se
se encontrassem sozinhos perante a
privacidade do espelho.”
O que mais impressiona nas peças
de Okada é o modo como desmonta
um certo exotismo que possamos ainda sentir em relação ao Oriente, e em
particular à eficácia da máquina social
japonesa, e releva uma agrura social
que imaginávamos mas não sabíamos
tão presente, e tão premente, numa
sociedade hiper-mediatizada que
acontece ser japonesa, mas podia ser
norte-americana ou da Europa no eixo Paris-Bruxelas-Londres-Berlim.
O teatro da normalidade
“Hot Pepper, Air Conditioner, and the
rdida
Em “Hot Pepper, Air Conditioner
and the Farewell Speech”, os
corpos não estabelecem uma
relação directa com o texto: um
actor em palco, acredita Okada,
diz mais coisas do que aquelas
que sabe que está a dizer
As personagens
de Toshiki Okada são
figuras “normais”,
em vidas “normais”,
a fazerem coisas
“normais”: “Há algo
de mais teatral do que
a normalidade?”,
pergunta
o encenador
texto, numa lógica de diálogo ampliador. “São duas coisas que não se separam e, no entanto, um corpo em
palco, feito por um actor que está só
a representar, diz mais coisas do que
aquelas que o actor sabe”. O teatro,
disse à “Mouvement”, está melhor
colocado do que a dança para representar a dimensão social da vida porque há esta relação entre corpo e
linguagem.
As suas personagens são, concorda, figuras “normais”, em vidas “normais”, a fazerem coisas “normais”.
“Há algo de mais teatral do que a normalidade?”, pergunta. Essa normalidade, em Okada entendida como
veículo para entrar a fundo nos sonhos traídos de uma geração sem
rumo, é apresentada através de um
modelo expositivo, que em nada parece impor uma ordem, e muito menos uma solução. Diz-nos em conversa que “não acredita que o teatro
possa ser um veículo moralizador e
muito menos capaz de apresentar um
modelo convincente para entender
o mundo”.
Será, eventualmente por isso que,
nas suas peças, é através do corpo,
muitas vezes mudo, que sentimos a
velocidade do tempo a passar. São
situações do quotidiano: em “Five
Days in March”, o pano de fundo era
a espera pela guerra, mas as conversas das pessoas eram sobre outra coisa, sobre nada, e isso dizia tudo sobre
a impossibilidade de falar de outra
coisa; em “Hot Pepper...”, os corpos
falam de ar condicionado, de espaços
para festa, de uma hipótese de sociabilização que nunca vai existir, de
uma ideia de mundo falsa, consciente dessa falsidade mas ainda assim a
tentar sobreviver. São corpos de uma
geração que “em tudo gostaria de se
assemelhar a algo inacabado, sem antecedentes conhecido (...), girando
sem cessar num vazio que os aspirasse se não se obstinassem em vivê-lo”,
escreveu Jean-Louis Perrier. “São pessoas que pertencem
pe te ce a qu
quê?”, pergunta-nos Okada.
É isso que quer dos seus
s
actores.
Que
Q
Qu
e perguntem e expliq
expliquem mesmo
aquilo que não sabem
sabem. “Talvez esteja aí a solução”, diz. Okada pedelhes “para se afastarem
afastar
do texto,
como contrapeso a uma consciência demasiado pre
presente durante o discurso. Texto e movimento
devem neutralizar-se para darem
lugar a um impulso m
mais ‘puro’”.
É uma estratégia d
de procura (e,
para nós, de d
descoberta):
Okada a expor
exp a cultura
contemporâ
contemporânea japonesa
“com as sua
suas experiências severam
severamente introvertidas”, escreveu
es
Lieve
Dierckx no jo
jornal flamengo “Rekto:Verso”,
“Rekto:Ve
depois
dessa estreia mítica, depois de um d
dia de chuva
intensa, em 2
2007.
Ver agenda de espectáculos
na pág. 38.
QUA 09 JUN
22:00 SALA SUGGIA | € 15
Mathias Rüegg direcção musical
l
Third Dream
ÁUSTRIA 2010
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220
Farewell Speech”, a peça que Okada
traz ao Alkantara, estreou em 2009
em Berlim como resultado de uma
extensão de “Air Conditioner”, pequena encruzilhada estilística e súmula do pensamento de um encenador que considera “necessário trabalhar o que está entre o corpo e a
imagem” (“Se o movimento do corpo
segue o sentido da palavra, isso não
tem nenhum interesse”, resume).
Quando escreve, diz-nos Okada, pensa “no corpo dos actores”: “As palavras, as expressões surgem quando
já tenho uma ideia genérica da história. É a linguagem que se impõe à
escrita. A linguagem está em mim.
Não sou nem tradutor nem reprodutor, mas produtor”, clarifica.
Toshiki Okada entende o teatro, ou
“a tradução fictícia da realidade”,
como um espaço de pesquisa sobre
o real poder de intervenção na sociedade. “Hot Pepper, Air Conditioner
and the Farewell Speech” apresenta
corpos sem relação directa com o
Aproveitando o grande número de
instrumentistas que aí se encontram, tanto
na área da música clássica como no jazz, a
Vienna Art Orchestra assumiu recentemente
uma nova configuração que remete para ambas
as expressões: uma orquestra de câmara que
integra naipes de cordas, madeiras e metais
e solistas improvisadores. A formação
dirigida por Mathias Rüegg não se acomoda
aos múltiplos prémios arrecadados, deixa
para trás o formato clássico de big band
e apresenta um programa conceptual onde a
música original é protagonista.
JANTAR + CONCERTO € 30
MECENAS CICLO JAZZ
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APOIO INSTITUCIONAL
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Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 35
Junichiro Tanizaki
50 anos depois da sua morte,
uma descoberta sumarenta:
“Uma
Um Gata,
Um Homem
U
e Duas
M
Mulheres”.
P 49
Pág.
Bonnie Prince
Billy Ao vivo em Lisboa e
Flying Lotus L.A. é o
psicadelismo dele. Pág. 46
Aveiro, no
cinema em
m
“Wendy e
Lucy” e “Old
ld
Joy”. Págs. 44
e 52
Robert
Wyatt
Um
dos maiores músicos
da actualidade,
como comprova
uma antologia agora
editada. Pág. 46
Teatro/Dança
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito
mBommmmmMuito BommmmmmExcelente
BommmmmmExc
Mett
e
Ingv
ar
no CC tsen
B
“Deserve” no Alkantara Festival
A mãe
das peças
de Pinter
Hoje nas Caldas da Rainha,
e a partir de quarta-feira
em Almada, os Artistas
Unidos juntam “O Quarto” a
“Comemoração”. Quarenta
anos de Pinter, tal como
ele os quis ver. Clara
Campanilho Barradas
O Quarto + Comemoração
De Harold Pinter. Pelos Artistas
Unidos. Encenação de Jorge Silva
Melo. Com Cândido Ferreira, Daniel
Martinho, João Meireles, João Miguel
Rodrigues, Lia Gama, Sylvie Rocha,
entre outros.
Caldas da Rainha. Centro Cultural e de Congressos.
R. Dr. Leonel Sotto Mayor. De 4/06 a 5/06. 6ª e Sáb.
às 21h30. Tel.: 262889650. 7€ a 10€.
Almada. Teatro Municipal - Sala Principal. Av.
Professor Egas Moniz. De 9/06 a 20/06. 4ª a Sáb. às
21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€.
Três semana depois da estreia do
díptico “Comemoração”-“A Nova
Ordem Mundial” no Centro Cultural
de Belém, os Artistas Unidos fazem
outra investida em Harold Pinter: sai
“A Nova Ordem Mundial”, e entra “O
Quarto”, que se junta a
“Comemoração” para uma
temporada no Teatro Municipal de
Almada, de 9 a 20 de Junho . A
antestreia é hoje e amanhã, no
Centro Cultural e de Congressos das
Caldas da Rainha. Quarenta anos do
teatro de Harold Pinter contidos em
duas peças, tal como ele as quis ver:
abre o pano, “Comemoração”, fecha
o pano, intervalo, abre o pano, “O
Quarto”, fecha o pano.
“É exactamente como o Pinter
estreou. ‘Comemoração’ primeiro e
‘O Quarto’ depois. Ele dizia com
graça: ‘Quero que me digam quem é
o autor jovem e quem é o autor
velho’. Queria iludir os
espectadores, fazendo pensar que
‘Comemoração’ era a obra de um
autor jovem e que ‘O Quarto’ era de
um autor velho”, diz Jorge Silva
Lia Gama, a senhora Rose,
vive no quarto número sete,
o melhor do prédio
“Cratera” nos Festivais Gil Vicente
Melo. Mas não é assim, é
exactamente ao contrário: “O
Quarto” (1957) é a primeira peça do
dramaturgo inglês. Nela, estão as
sementes das peças seguintes. Com
“Comemoração”, de 1999, encerra a
carreira literária.
Quando escreveu a sua última
peça, Pinter decidiu estreá-la
juntando-lhe “O Quarto” para
“juntar os seus vários fantasmas”.
“Era um homem que em 99 já tinha
70 anos, todas as condecorações;
mas estava a ver a vida a acabar. Se
calhar é isso que a Rose, em ‘O
Quarto’, está a ver”, propõe o
encenador. É, sublinha, “uma peça
muito engraçada por causa dos
temas que Pinter vai desenvolver nas
peças seguintes: a ocupação do
quarto, as pessoas que entram
inesperadamente e são
ameaçadoras, o tempo a passar, a
cegueira, a violência, a morte, e
claro, as três paredes”.
Pinter era muito tradicional na sua
abordagem do teatro (começou a
carreira como actor em companhias
tradicionais inglesas): “Se Samuel
Beckett escrevia para um palco
vazio, Pinter escreve sempre para
um cenarinho de teatro, tal e qual
como deve ser: mesas, cadeiras,
cadeirinhas, janelas, tudo. Excepto
em ‘Comemoração’. Liberta-se
finalmente, mesmo no fim da vida,
dessas coisas. Esta encenação é um
jogo sobre as convenções teatrais, o
que não é convencional são as
narrativas”.
As três paredes são um “mundinho
perdido” no grande palco do Teatro
Municipal de Almada. “É mesmo
para ficar pequenino”, diz Jorge Silva
Melo. Ao centro, as três paredes do
“Quarto” de Pinter; à volta, “umas
sombras ameaçadoras, que põem em
causa a segurança da senhora,
coitadinha”. A senhora é Rose (Lia
Gama), moradora no quarto número
sete, o melhor do prédio. Lá, sente-se
segura. Até ao dia em que chegam
visitas inesperadas.
Na obra de Pinter, estes dois
textos são o “princípio e o fim. Ou o
fim e o princípio”. Diz Silva Melo
que “o mundo visto por dentro
começa em ‘O Quarto’, a sociedade
vista de fora, culmina na
‘Comemoração’”.
O “Va
le
Mada ” de
le
Victo na
r
Serra ino no
lves
em F
e st a
Agenda
Teatro
Mulher Mim
De e com Rafaela Santos.
Santos
Estreiam
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 4/06. 6ª às
22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€.
Hot Pepper, Air Conditioner and
The Farewell Speech
De Toshiki Okada. Pela Chelfitsch
Theater Company.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.
Pç. D. Pedro IV. De 5/06 a 6/06. Sáb. e Dom. às 21h.
Tel.: 213250835. 5€ a 12€.
Alkantara Festival.
Ver texto na pág. 34 e segs.
Filho da Europa
A partir de Peter Handke. Encenação
de João Garcia Miguel. Com Nuno
Cardoso, Sara Ribeiro.
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De
4/06 a 5/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 223401905. 5€
a 15€.
FITEI.
Answer Me
De Gerardjan Rijnders. Pelos Dood
Paard.
Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço
do Bispo. De 7/06 a 9/06. 2ª e 3ª às 19h. 4ª às 21h.
Tel.: 218689245. 5€ a 12€
Alkantara Festival.
Epílogos: Confessions Sans
Importance
A partir de Max Aub. Pela
Compagnie Toujours après Minuit.
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De
8/06 a 9/06. 3ª às 21h30. 4ª às 18h30. Tel.:
223401905. 5€ a 15€.
FITEI.
Uma Grosseira Imitação da Vida
Pelo Théâtre de la Démesure.
Porto. Maus Hábitos. R. Passos Manuel, 178. Dia
8/06. 3ª às 23h. Tel.: 222087268. 10€.
Festivais Gil Vicente.
Cratera
De valter hugo mãe. Pelo Teatro
Bruto. Encenação de Ana Luena.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 5/06. Sáb.
às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€.
Festivais Gil Vicente.
Uma Família Portuguesa
De Filomena Oliveira, Miguel Real.
Pelo Teatro Aberto. Encenação de
Cristina Carvalhal.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 10/06. 5ª
às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€.
Festivais Gil Vicente.
Noites Brancas
De Dostoiévski. Encenação de
Francisco Salgado.
Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7
A. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.:
213420000.
Dança
Estreiam
Boa Goa
A partir de Fernando Pessoa. Pela
Pigeons International.
Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.
Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal,
39). Dia 6/06. 2ª às 18h30. Dom. às 21h30. Tel.:
225189982. 10€.
Lisboa. Teatro Camões. Pq. das Nações. De 9/06 a
10/06. 4ª às 21h30. 5ª às 18h. Tel.: 218923470. 7,5€ a
12€.
FITEI.
FITEI.
Deserve
De Jorge Leon, Simone Aughterlony.
Dies Irae, en el Requiem de
Mozart
De Marta Carrasco.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 8/06 a
9/06. 3ª às 21h. 4ª às 19h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.
Porto. Teatro Nacional S. João. Pç. Batalha. 7/06. 2ª
às 21h30. Tel.: 223401910. 7,5€ a 16€.
Alkantara Festival.
FITEI.
Fim de Partida
De Samuel Beckett. Encenação de
Julio Castronuovo.
Giant City + Evaporated
Landscapes
De Mette Ingvartsen.
Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida
Serpa Pinto. De 9/06 a 10/06. 4ª às 21h30. 5ª às 18h.
Tel.: 229392320. 5€.
Alkantara Festival.
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Continuam
ECJ # El Jardin de los Cerezos
A partir de Tchékhov. Pela Rayuela.
Porto. Palacete Pinto Leite. R. da Maternidade, 3/9.
Até 4/06. 3ª a 6ª, às 23h. Tel.: 222082432. 10€.
FITEI.
C’est du Chinois
s
De Edit Kaldor.
Lisboa. Teatro Municipal
Maria Matos. Av. Frei
Miguel Contreiras, 52. Até
5/06. 5ª a Sáb. às 19h.
Tel.: 218438801. 5€ a
12€.
Alkantara
Festival.
Se Uma Janela Se
Abrisse
De Tiago Rodrigues.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II Sala-Estúdio. Pç. D. Pedro IV. Até 5/06. 4ª
a Sáb. às 23h. Tel.: 213250835. 5€ a 12€.
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Lisboa.CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império. De
6/06 a 7/06. Dom. e 2ª às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 12€.
Continuam
Vamos sentir falta de tudo aquilo
de que não precisamos
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Alkantara
A
Alk
antara Festival.
Bare Soundz
D Savion Glover.
De
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz.
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De
4/06
4// a 6/06. 6ª e Sáb. às 21h.
4
Dom.
Dom
Do
D
o às 17h. Tel.: 213257650.
5€
5€ a 12€.
Alkantara Festival.
Vale
De Madalena
Victorino.
Victorino.
Porto. Museu de Serralves - Auditório. R.
D
Dom
om João de Castro, 210. De 5/06 a 6/06.
6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 226156500.
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Serralves
S
Ser
ralves em Festa.
“Dies Irae”, da coreógrafa catalã Marta Carrasco, no FITEI
38 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
AL
RS
& THE CUBAN MESSENGE
IO
EJANDRO VARGAS NEW TR
DOM 27 JUN
22:00 PRAÇA | € 15
CICLO JAZZ GALP
O instrumentista virtuoso e figura patriarcal
do jazz latino Chucho Valdés, dono de uma
extensa discografia e de 5 Grammys, apresenta
o novo octeto, The Cuban Messengers, pela
primeira vez em tournée na Europa.
Com uma inspiração estética oriental e uma
linguagem que remete para a música popular
rural, o folclore cubano e o jazz, o trio de
Alexandre Vargas abre esta noite dedicada ao
jazz latino de origem cubana.
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VERÃO NA CASA
MECENAS CICLO JAZZ
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SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO
PARA O CONCERTO DE CHUCHO VALDÉS & THE CUBAN MESSENGERS. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701.
10/06. 5ª às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€.
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O Argumento - Product
De Mark Ravenhill. Pela Escola de Mulheres. Encenação de Isabel
Medina. Com Hugo Sequeira.
Lisboa. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. Até 30/06. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às
16h. Tel.: 213542249. 7,5€ a 10€.
Cabeças Falantes - Festival de Monólogos.
Amor com Amor se Paga
A partir de Anton Tchékhov, August Strindberg, Henrik Ibsen,
Karl Valentin. Pela Companhia Teatral do Chiado. Encenação de
Juvenal Garcês. Com Alexandra Sargento, Emanuel Arada, João
Carracedo, Manuela Cassola.
Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viega/Companhia Teatral do Chiado. Lg. Picadeiro, 40. Até
31/12. 6ª às 22h. Tel.: 707302627. 25€.
Noites Brancas
De Fiódor Dostoiévski. Encenação de Francisco Salgado. Com
Sofia Dinger, Bernardo Almeida.
Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às
17h30. Tel.: 213420000.
Os Cães
De Alexander Gerner. Encenação de Alexander Gerner. Com
Gonçalo Ruivo, João Saboga, Miguel Telmo, Tiago Fernandes.
Lisboa. Teatro Turim. Estrada de Benfica, 723 A. Até 26/06. 4ª a Sáb. às 21h30.
Homens de Escabeche
De Ana Istarú. Pela Seiva Trupe. Encenação de António Feio. Com
Joana Estrela, José Fidalgo.
Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Até 30/06. 3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às
16h. Tel.: 226063000.
Exposições
Pedro Cabrita Reis sujeita a planta da galeria Caroline Pagès (curiosamente,
a casa onde nasceu) a uma série de “experiências” (ao lado) e mostra
o seu próprio arquivo fotográfico na Miguel Nabinho (em baixo, à esquerda)
Os sítios
de Pedro
Cabrita Reis
Desenhos de uma casa e
um arquivo de imagens
fotográficas, ou a inutilidade
da biografia perante a arte.
José Marmeleira
Uma Casa
De Pedro Cabrita Reis.
Lisboa. Caroline Pagès Gallery. Rua Tenente
Ferreira Durão, 12 - 1º Dto. T. 213873376. Até 31/7. 2ª
a sáb. 15h às 20h.
Desenho, Fotografia.
mmmmn
Outros Sítios Mais
De Pedro Cabrita Reis.
Lisboa. Galeria Miguel Nabinho - Lisboa 20. Rua
Tenente Ferreira Durão, 18B. T. 213830834. Até
31/7. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.
Desenho, Fotografia.
mmmnn
Pedro Cabrita Reis (Lisboa, 1956) é
um artista que
entende, mesmo
que por breves
instantes,
instante a sua
obra co
como o
mundo todo, e a
sua po
pose ou
persona
perso como
realidades
realid
indissociáveis
indis
de um
u corpo;
um corpo que
viaja,
via
constrói,
co
trabalha,
tr
pinta,
p
enfim, vive. O seu. É no
sentido mais amplo destas
conclusões que nos abeiramos da
última exposição do artista, dividida
(dobrada?) em duas: “Uma Casa”, na
Galeria Caroline Pagès, e “Outros
sítios Mais”, na Galeria Miguel
Nabinho.
Sigamos primeiro para esta última
(a título de curiosidade, ambas as
galerias se situam na Rua Tenente
Ferreira Durão). No interior,
fotografias dispostas sobre papel
enchem as paredes. Mostram o
artista no atelier, em viagens, na
praia, em casa. A única figura visível
é, quase sempre, o próprio Cabrita
Reis, enquanto a família, os amigos,
os colaboradores, embora
omnipresentes, permanecem fora
de campo. Algumas imagens são
“classificadas”, identificadas com
datas, locais (museus, galerias,
casas, projectos), legendas e círculos
que assinalam momentos. Um
imenso arquivo parcialmente
revelado e cuja existência Pedro
Cabrita Reis já havia sugerido na
conversa com Augusto M. Seabra e o
arquitecto Eduardo Souto Moura
publicada no catálogo de “Pedro
Cabrita Reis: colecções privadas”,
exposição de 2008 no Palácio da
Galeria, em Tavira.
O auto-retrato e a figura
apresentam-se enquanto “assuntos”
das fotografias (vejam-se os
exercícios com a sombra, as poses, o
olhar para a câmara), mas, ao
contrário do que acontecia noutras
obras de cariz biográfico (“Meus pais
deram-me aquilo, alma da sua
diversa”, de 1993, “À propos des
lieux d’origine”, de 2005-2009),
agora são os outros, velados pela
objectiva, ou até tornados anónimos
pelo esquecimento, que fazem as
imagens. Pedro Cabrita Reis limitouse a coleccioná-las antes de as
transformar num corpo de trabalho
onde o espectador navega confuso.
Repetem-se as cenas, os gestos, as
paisagens, o sujeito, sem narrativa,
fic
ficção
ou a forma de uma memória
plenamente edificada. Apenas uma
pl
ve
vertigem absoluta e exasperante,
destituída de “punctum”. Dados que
de
of
ofuscam a visão.
A dimensão (auto)biográfica
continua patente na Caroline Pagès
co
– a galeria foi, curiosamente, o lugar
onde nasceu e viveu o próprio
on
Cabrita Reis –, embora com outra
Ca
(convoquemos esta palavra)
(c
generosidade. Em desenhos
ge
diferentes (pendurados quase como
di
pinturas), a planta da casa é
pi
apagada, alterada, redesenhada,
ap
reescrita e sujeita a um conjunto de
re
matérias e elementos: o fogo, a tinta,
m
o papel, a mão, o vinho. A
abstracção daí resultante é sensual,
ab
líquida, violenta, mas não mostra
líq
nada para além de si mesma.
na
Pedro Cabrita Reis furta-se, assim,
à revelação ou à representação, mas
ao habitar de novo aquela casa, na
condição de demiurgo
co
(transformando-a em espaço da
(tr
obra de arte), permite-nos a
ob
possibilidade de as imaginarmos. Os
po
desenhos não são “acessíveis”, nem
estão cheios de informação como as
fotografias de “Outros Sítios Mais”.
Apenas existem, abertos à presença
do olhar e da imaginação do
espectador.
Fora e dentro
de campo
Encontro e confronto das
obras de Vasco Araújo e
Javier Téllez, dois artistas
com preocupações comuns
e formas de fazer distintas.
José Marmeleira
Mais Que a Vida
De Vasco Araújo, Javier Téllez.
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.
Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 06/09.
3ª a Dom. das 10h às 18h.
Vídeo, Fotografia, Instalação, Outros.
mmmnn
No texto que Isabel Carlos assina no
catálogo de “Mais Que a Vida”, o
trabalho com referências do cinema
“Mulheres d’Apolo” (2010),
de Vasco Araújo, uma das
narrativas que constituem
“Mais Que a Vida”
e a dimensão psicológicopsiquiátrica são apontados como
motivos que explicam o encontro
das obras de Vasco Araújo (Lisboa,
1975) e do artista venezuelano Javier
Téllez (1969) na Fundação Calouste
Gulbenkian. Depois de vista a
exposição, poderíamos acrescentar
mais dois: a apresentação de
realidades em que o “ser sujeito” (ou
o ser “humano”) é objecto de um
discurso, e a produção de histórias,
situações, narrativas.
“Mais Que a Vida” é,
fundamentalmente, uma exposição
de narrativas: melodramáticas,
como as vidas sentimentais de várias
mulheres (quais Gloria de “Que Fiz
Eu para Merecer Isto?, de Pedro
Almodóvar) em “Mulheres de
Apolo” (2010), de Vasco Araújo; ou
inusitadas como a viagem de um
rinoceronte embalsamado pelo
Pavilhão de Segurança do Hospital
Psiquiátrico Miguel Bombarda, em
“O Rinoceronte de Dürer”, de Javier
Téllez. É nessa componente
narrativa (do documentário à ficção,
da citação e da apropriação do
cinema à alegoria e ao registo de um
performance musical) que se
concretiza o confronto, inevitável,
entre as propostas dos dois artistas.
Os filmes e as instalações de Javier
Téllez entrecruzam, tematicamente,
a loucura, a doença e o cinema
enquanto mecanismo que regista e
projecta imagens em movimento.
Pretendem “curar a lucidez do são”
– sugeriu o próprio, numa entrevista
à publicação americana “Bomb
Magazine” – através de uma
renovação do acto de ver e olhar.
Dessa vontade são exemplares
“Caligari and the Sleepwalker”
(2008), onde a hipnose é, ao mesmo
tempo, um efeito da experiência do
cinema e um meio da psiquiatria, ou
“La Passion de Jeanne d´Arc
(Rozelle Hospital Sydney)”, uma
dupla projecção composta pelo
filme original de Carl Dreyer, com as
legendas reescritas por doentes de
um hospital psiquiátrico, e um
documentário com os testemunhos
de 12 pacientes. Esta é a peça mais
complexa e interessante de Téllez:
ao escreverem as legendas, num
quadro a giz, as doentes introduzem
a sua voz na ficção de Dreyer.
Nem todos os trabalhos possuem
tal engenho formal. Por vezes a
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
“Entre-Campo”, de
Carlos Mélo, na 3+1
Agenda
Inauguram
As “German Faces”
de Collier Schorr
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De Si Scott, Tavo,
António Cerveira Pinto,
Seed Studios, entre
outros.
Sines. Centro Cultural Emmerico
Nunes. Largo do Muro da Praia,
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Sáb. das 14h30 às 18h30.
Inaugura 4/6 às 22h30.
Ilustração, Design,
Outros.
Entre-Campo
De Carlos Mélo.
Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António
Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 10/07. 3ª a
Sáb. das 14h às 20h. Inaugura 4/6 às 22h.
Fotografia, Desenho, Vídeo, Outros.
En El Escenario Del Tiempo
Para o Cego no
Quarto Escuro à
Procura do Gato
Preto Que Não Está
Lá
De Peter Fischli, David
Weiss, Giorgio Morandi,
Matt Mullican, entre
outros.
2009
Lisboa. Culturgest. R. Arco do
Cego - Ed. da CGD. Tel.:
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6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e
Feriados das 14h às 20h.
Fotografia, Outros.
Por Paris
De Vieira da Silva, René Bértholo,
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Niki Saint-Phalle, entre outros.
Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos
Anjos. Alam. Hermano Patrone. Tel.: 214111400. Até
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Fotografia Sem Fotógrafo
De Hans-Peter Feldmann, Christian
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6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às
19h. Inaugura 4/6 às 18h30.
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Translator is to a Writer
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Fotografia.
Pintura, Desenho, Instalação,
Escultura, Fotografia.
The Last Cigarette
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Cornelius Cardew e a Liberdade
da Escuta
Lisboa. Ermida de Nossa Sra da Conceição. Trav. do
Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. Até 18/07. 3ª a 6ª
das 11h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h às 18h. Inaugura
5/6 às 18h.
Fotografia, Outros.
Tudo O Que é Sólido Dissolve-Se
no Ar: O Social na Colecção
Berardo
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 12/09. Sáb. das 10h às 22h.
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Continuam
Pra Quem Mora Lá, O Céu é Lá
De Gustavo Pandolfo, Otávio
Pandolfo (OSGEMEOS).
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 19/09. Sáb. das 10h às 22h.
2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h.
Porto. Culturgest. Av. dos Aliados, 104 - Ed. da CGD.
Tel.: 222098116. Até 26/06. 2ª a 6ª e Sáb. das 10h às
18h.
Vídeo, Fotografia, Outros.
Investigations of a Dog
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Fisgas, 79. Tel.: 214691806. Até 05/09. 6ª, Sáb. e
Dom. das 11h às 18h.
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Lisboa. Módulo - Centro Difusor de Arte. Calçada
dos Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 05/06. 3ª a
6ª e Sáb. das 15h às 20h.
Instalação, Outros.
Nasreen Mohamedi: Notas Reflexões Sobre o Modernismo
Indiano
Pintura, Outros.
German Faces
De Collier Schorr.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h.
2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.
Fotografia.
Algumas Obras a Ler - Colecção
Eric Fabre
De Joseph Kosuth, Isidore Isou,
Joseph Wolman, entre outros.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h.
2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.
Desenho, Outros.
Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.
Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às
19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.
// MORADA
Praça Marquês de Pombal
nº3, 1250-161 Lisboa
// HORÁRIO
Segunda a Sexta
das 9h às 21h
// TELEFONE
21 359 73 58
// EMAIL
[email protected]
Pintura, Fotografia.
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 41
Exposições
VídeodeoArte
rte
forma não resiste ao conteúdo, ao
“tema”. Veja-se, a propósito, “Letter
on the Blind for the Use of Those
Who See”, que documenta as
experiências tácteis de um grupo de
cegos sobre a pele de um elefante,
ou “O Rinoceronte de Dürer”. Nos
dois, o conceito não acompanha ou
acompanha demasiado depressa a
representação.
Desse ponto de vista, as obras de
Vasco Araújo logram outra harmonia
entre suporte e significado, texto e
voz, conceito e imagem em
movimento. Sobretudo “Far de
Donna” (2005), o seu melhor
trabalho na exposição, e “Mulheres
d’Apolo” (2010), o mais recente. No
primeiro, uma mulher conta, através
da linguagem gestual, uma história
de ressonâncias edipianas: perdeu a
voz no dia em que o filho descobriu
ter qualidades vocais de “castrato”.
A narração é acompanhada de um
ensaio do intérprete masculino,
entrecortado pela gestualidade da
personagem feminina que descreve,
de modo expressivo (quase
dramático), a morte (e o
renascimento) da sua voz. É uma
peça forte e curta, com uma tensão
emocional organizada pela música e
pelas legendas.
Algo semelhante acontece em
“Mulheres d’Apolo”, mas com
menos gravidade. Mulheres de meiaidade dançam num salão de baile.
Algumas fazem-no sozinhas, saem e
entram no plano, na dança. E pelas
roupas parecem ser as que depois
ouvimos a falar, em “voice-over”,
sobre a felicidade, a espera, o papel
passivo da mulher. Parecem, pois os
seus rostos durante esses
testemunhos nunca nos são
mostrados. Ficam fora de campo e
podem estar – ou estiveram sempre
– noutro corpo, noutro sujeito.
O espírito
do tempo
Fernando Brito no Centro
Cultural Vila Flor, em
Guimarães. Óscar Faria
Der Geist Unserer Zeit
De Fernando Brito.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.
Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 27/6. 3ª a
sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e
feriados das 14h às 19h.
Escultura, Pintura, Outros.
mmmnn
Raoul Hausmann (Viena, 1886 –
Limoges, 1971) conheceu, em 1916, o
psicanalista Otto Gross e o escritor
anarquista Franz Jung. O encontro
com estes autores ajudou-o a
estabelecer as bases da sua
“dádásofia”, que tinha como ponto
de partida a ideia de destruição
42 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Vídeos
V
ídeos de Lee
Ranaldo e Leah Singer,
Phil Niblock e Jeff
Keen (na imagem),
entre outros artistas,
integram a próxima
ronda do ciclo
“Video Mechanics”,
s
subordinada
às
r
relações
entre
a música
músi e a vídeoarte, que
qu decorre de
segund
segunda a quarta-feira
(7 a 9) em Coimbra.
As sessões integram a
mostra internacional
Cycle Mechanics e
são às 21h30 na SalaEstúdio do CITAC.
A antológica
de Fernando Brito
centra-se na
dimensão
escultórica
da sua obra
enquanto acto criativo, uma forma
de se estabelecer as condições
necessárias para o aparecimento do
“homem novo” – neste contexto, é
também de assinalar a influência de
Friedrich Nietzsche. O artista
austríaco foi ainda fundador do
Clube Dádá, em Berlim e colaborou
com inúmeras iniciativas
relacionadas com o movimento,
como a organização da primeira
feira internacional, a redacção de
manifestos ou a edição de revistas. É
também autor de uma das obras
mais significativas do dadaísmo, a
escultura “Der Geist unserer Zeit.
Mechanischer Kopf.”
Apelidado de “Dádásofo”,
Hausmann realizou esta peça por
volta de 1920. O trabalho foi
fabricado, segundo o artista, com a
ideia de “revelar o espírito do
tempo, o espírito de cada um no seu
estado rudimentar.” Sobre uma
cabeça em madeira para fazer
cabeleiras postiças, o dadaísta
acrescentou uma série de próteses
que procuram traduzir essa
dimensão espiritual da existência
humana. Crítico de qualquer forma
de poder, o autor consegue, com a
sua assemblage, produzir uma
imagem clara das diferenças entre a
natureza do humano e aquilo que a
ela se cola, da ciência até à arte
académica, burguesa.
“Der Geist unserer Zeit” é também
o título da exposição antológica de
Fernando Brito (Pampilhosa da
Serra, 1957), comissariada por Pedro
Cabral Santo. O trabalho de
Hausmann é prolongado numa obra
homónima, um projecto do artista
datado de 1995 e agora materializado
– neste caso, o espírito do nosso
tempo é uma cabeça de manequim,
feminina, com auscultadores, óculos
de sol cor-de-laranja e um boné de
marca desportiva. Entre os dois
trabalhos, um arco que vai das
primeiras vanguardas do século XX
até ao presente: uma perpétua
alienação. Há três anos, na Galeria
Presença, no Porto, revelava uma
outra cabeça, um auto-retrato de
360 graus, inspirada em “Perfil
Contínuo” (1933), escultura em
cerâmica do futurista italiano Renato
Giuseppe Bertelli que sugere uma
visão da cabeça Mussolini em
rotação permanente: o veloz
movimento do pensamento,
sinónimo de uma ideia de progresso.
É, portanto, com as vanguardas
do século XX que o artista procura
dialogar, criando, contudo, uma
distância crítica relativamente a
esses períodos. E fá-lo introduzindo
não só elementos de derrisão – como
a ironia, a sátira ou a paródia -, mas
também, e sobretudo, através da
inclusão de situação autobiográficas
que contaminam quer a pureza de
um objecto minimal, quer qualquer
estratégia de afastar a arte do
quotidiano – e aqui faz todo o
sentido recuperar as teorias de Hal
Foster expressas em “The Return of
the Real”, nomeadamente a análise
da dimensão escatológica dos
trabalhos de Mike Kelley e John
Miller e ainda a tendência para
redefinir a experiência em termos de
trauma: “Este estranho
renascimento do autor, esta
condição paradoxal de autoridade
ausente, é uma viragem significativa
na arte contemporânea.”
A exposição centra-se na
dimensão escultórica do trabalho de
Fernando Brito, deixando de lado a
sua actividade enquanto
desenhador, uma das mais
significativas do seu percurso. Há
outras lacunas, nomeadamente os
trabalhos revelados recentemente
na mostra “Ich bin ein Baixinher”
(Espaço Fidelidade Mundial Chiado
8 Arte Contemporânea, Lisboa), que
é já uma das individuais do ano, na
qual, através de três instantes, o
artista trouxe à tona os falhanços
revolucionário, tecnológico e
modernista, neste caso através de
um exemplo vindo da arquitectura,
outra das artes que fazem parte do
seu motor de pensamento. Com
alguns problemas de montagem – o
espaço é bastante complicado,
tantas são as janelas e os obstáculos
visuais –, a exposição patente no
Centro Cultural Vila Flor, em
Guimarães, sabe a pouco, tornando
urgente uma visão retrospectiva
desta obra, das mais relevantes das
últimas décadas. Assinale-se ainda a
publicação, no catálogo, de “Loop”,
uma banda desenhada que merece
ser vista e revista, lida e relida,
depois de anos na gaveta.
SÃO
LUIZ
JUN ~ 1O
16 A 19 JUN FESTIVAL
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16 JUN
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RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS
Oferta educativa 2010|2011
Formação Avançada em Gestão
e Empreendorismo Cultural
Mestrado em Gestão Cultural *
Duração 2 anos. 120 ECTS
Mestrado em Gestão
de Mercados de Arte
• Inclui duas semanas de aulas nos:
Sotheby’s Institute of Art (Londres)
e Institute d’Etudes Supérieures
des Arts (Paris)
• Parceria com a Faculdade de Letras
(UL)
Duração 2 anos. 120 ECTS
Pós-Graduação em Gestão
e Empreendorismo Cultural
e Criativo *
Parceria com o Ministério da Cultura
Duração 1 ano. 60 ECTS
* Colaboração docente
Prof. François Colbert (HEC de Montreal)
Prof. Arjo Klamer (Erasmus University
Rotterdam)
Candidaturas
De 10 de Maio a 9 de Julho
Contacto
Email [email protected]
Para mais informações
http://gestaocultural.gestin.iscte.pt
Concertos
Bonnie “Prince” Billy, uma
instituição da música americana
44 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
A voz visceral de Blixa Bargeld encontra as electrónicas de Alva Noto
Pop
As máscaras
de Will
Oldham
Bonnie “Prince Billy”,
uma das personas de um
gigante da música moderna,
apresenta “The Wonder
Show of the World”. Pedro
Rios
Bonnie “Prince” Billy & The Cairo
Gang + Susanna
Lisboa. Soc. de Geografia. R. Portas de Santo Antão,
100. Amanhã, 5, às 21h. Tel.: 213425401.15€.
Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç. República.
Dom., 6, às 22h. Tel.: 234400922. 10€ a 12€.
Bonnie “Prince” Billy nunca é o
mesmo. Na verdade, Bonnie não
existe se não na música: é o
pseudónimo, há mais de dez anos,
de Will Oldham, que fala de Bonnie
na terceira pessoa, como se fosse um
amigo imaginário. Mas quem é
Oldham? O músico que é também
actor (já o era antes de fazer um
disco), o fã de R. Kelly ou o bardo
que, há uns dois meses, apareceu
numa remistura dos Hot Chip para “I
feel better”?
“Por vezes, de repente, percebo
que não há Will ao todo, nem Bonnie
ao todo”, disse no ano passado à
revista “Wire”, numa das suas raras
entrevistas. Logo no primeiro disco,
fartou-se que lhe perguntassem
“porquê, porquê, porquê?”, quando
ele “só tinha feito um disco”.
Oldham pega na tradição
americana, mas sem ponta de
reverência ou colagem aos tutores,
de Young a Cash. Como acontece
com os grandes, parte de uma linha
histórica identificável, ao mesmo
tempo que se solta dela. Nesse
processo, encontrou um lugar só
seu, algures na intersecção da folk,
da country, dos blues e da música
independente de guitarras.
No último disco, “The Wonder
Show of the World”, gravado com
Cairo Gang (Emmett Kely), há
também psicadelismo eléctrico a
quebrar o silêncio cerimonioso
(ouça-se “Teach me to bear you”,
com entrada directa para a nata do
cancioneiro de Oldham),
maravilhosos coros, a mesma
sensação de pacificação interior dos
seus últimos discos, a milhas do
negrume da obra-prima “I See a
Darkness” (1999), mas sem as
camadas e camadas de instrumentos
do penúltimo álbum, “Beware”.
Amanhã, Bonnie actuará num
cenário especial, a sala principal da
Sociedade de Geografia, com Emmet
Kelly, na guitarra e na voz, e Susanna
Wallumrod, vocalista de Susanna
and The Magical Orchestra, na voz e
no piano acústico. Domingo, o trio
ruma ao Teatro Aveirense. Susanna
Wallumrod actuará sozinha nas
primeiras partes.
Experimentação
bargeldiana
Blixa Bargeld cruza-se com
Alva Noto na Casa da Música.
Luís Carlos Soares
Annb (Blixa Bargeld + Alva Noto)
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de
Albuquerque. Amanhã, 5, às 22h30. Tel.:
220120220. 18€.
Clubbing.
A inspiração para o pseudónimo
provém de Johannes Theodor
Baargeld, mas, na actualidade, o
reconhecimento internacional
superou o do pintor dadaísta
falecido em 1927. Falamos de Blixa
Bargeld, cujo nome tendemos a
confundir com o dos Einstürzende
Neubauten. O equívoco não é
completamente descabido. Afinal,
há três décadas que, da escrita à
interpretação das canções, Bargeld
lidera a maior parte do processo
criativo da histórica banda alemã. À
escala adequada, podemos
comparar esta influência com a que
Trent Reznor tem, para o bem e para
o mal, nos também industriais Nine
Inch Nails.
Tal como o norte-americano,
Bargeld tem passeado um projecto a
solo. Se Reznor, nos How To Destroy
Angels, se faz acompanhar da
esposa, o alemão tem-se
apresentado em público na
companhia compositor de música
electrónica Alva Noto.
O produto final, que vamos poder
ver amanhã em mais um Clubbing
da Casa da Música, é o que está a
imaginar. Os cenários cantados pela
voz compulsiva, perturbada e
visceral de Bargeld são reforçados
pela electrónica de Noto. Descrever
o que se poderá passar é difícil:
resumir tanta experimentação a
meia dúzia de palavras será sempre
limitador.
Terapia pop
Atlas Sound + Aquaparque
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique Armazém A. Hoje, às 22h. Tel.: 218820890. 15€.
Em miúdo, Bradford Cox gravou
centenas (literalmente) de cassetes
numa máquina de “karaoke” que lhe
permitia colar guitarra, voz e outras
camadas de som, usando uma
técnica artesanal. Encontrou o nome
Atlas Sound nessa altura, algures em
1994, mas o primeiro álbum surgiu
só em 2008, já depois da estreia da
sua banda, os Deerhunter.
Cox já não grava dessa forma, mas
continua a compor letras e música à
medida que grava, camada sobre
camada, até achar que a canção não
pede mais nada. É também assim em
“Logos” (2009). Panda Bear, dos
Animal Collective, e Laetitia Sadier,
dos ídolos de adolescência
Stereolab, deram uma ajuda, mas
“Logos”, como o antecessor, é,
sobretudo, um disco de quarto, obra
solitária feita com recurso aos
instrumentos virtuais de um
computador, guitarra acústica e voz.
É uma música entre dois mundos,
a pop e o “ambient”. “A música
ambiental tende a ser mais emotiva
para mim”, explicou à Prefixmag.
com.. “Mas
apela
co
as o que me
e ape
a mesmo
es o é
quando as
coisas coisas
se
misturam
e se gera
uma confusão ou uma bizarria. Acho
muito interessante passar um disco
de ‘doo-wop’ por um monte de
‘reverb’ até se tornar algo cavernoso
e cheio de eco. É pegar em algo,
despir-lhe o lado mais directo e
deixar apenas uma impressão.””
É impossível desligar o que Cox
faz musicalmente e as palavras que
canta da biografia atribulada. Sofre
da síndrome de Marfan, doença
a
genética associada a deficiências
as
do tecido conjuntivo, passou
parte da infância em hospitais,
teve problemas de
dependências de drogas,
temas que aborda, sem
complexos, em entrevistas.
A música, aprendeu com a
acordeonista experimental
Pauline Oliveros, é uma
terapia. Hoje, no Lux, com os
portugueses Aquaparque a
prometerem mostrar novas
canções na primeira parte,
Cox poderá mostrar por que é
que a pop terapêutica que tem
feito merece chegar a mais
pessoas. Pedro Rios
Clássica
A Metropolitana na
maioridade
A Orquestra festeja os 18
anos no dia 10 com um
grande concerto dirigido por
maestrina
Joana Carneiro, maestrin
formada numa das suas
Fernandes
escolas. Cristina Fernan
Orquestra Metropolitana de
Lisboa
Carneiro.
Direcção Musical de Joana Carn
Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande
Auditório. Praça do Império. 5ª, 10, às 21h. Te
Tel.:
213612400. 5€ a 15€.
Obras de Dvorák e Elgar, entre
outros.
Atlas Sound, o rapaz dos
Deerhunter, leva a sua pop
ambiental ao Lux
A 10 de Junho de
Orquestra
Metropolitana
a
de Lisboa
1992, a
(OML)
(O
dava o
seu concerto
conce
inaugural. Não era
apenas uma orquestra que
nascia, mas um projecto
inovador, que associa a
prática musical de nível
profissional com o ensino.
ensin
Passaram 18 anos e, ape
apesar
de algumas vicissitudes
vicissitudes, a
Ao vivo
vo
A banda
band
ba
nda d
dele,
ele, os Real
Estate, é uma coqueluche
indie, mas Matt Mondanile
também opera a solo,
enquanto Ducktails.
No ano passado lançou
d
dois discos muito
r
recomendáveis,
algures
e
entre
a “kosmische
m
musik”
(tal como seria
vi
vista
por um miúdo de
de anos às voltas com
dez
o Casio), a new age e a
pop de baixa definição.
Com um gravador barato,
guitarra e ritmos básicos
da caixa de ritmos,
Mondanile faz música
para Verões mitificados,
férias grandes e outras
memórias de tempos mais
simples. Actua segunda,
dia 7, no Porto (à hora do
fecho desta edição, o local
era ainda desconhecido),
e quarta, dia 9, no terraço
da ZDB, em Lisboa.
JOANA NEVES
Metropolitana impôs-se pela sua
qualidade artística e pedagógica.
Actualmente, gere três escolas
(Academia Nacional Superior de
Orquestra, Conservatório
Metropolitano de Música de Lisboa e
Escola Profissional Metropolitana) e
três orquestras (Orquestra
Metropolitana de Lisboa, Orquestra
Académica Metropolitana e a
Orquestra Sinfónica Metropolitana),
tendo servido de suporte à formação
de cerca de duas centenas
de
c
instrumentistas
que
instrumentis
entretanto
ingressaram
na vida
ingressa
profissional.
profis
Pioneira
em
Pi
Portugal
no
Por
ensino
da
en
direcção
de
d
orquestra,
o
conta,
entre
c
os
licenciados
pela
instituição,
com a
Joana Carneiro,
maestrina
que saiu das escolas Joana
J
da orquestra, dirige Carneiro,
C
a Metropolitana
actualmente
a
ac
na festa dos
fazer
faz carreira
18 anos
internacional
e
inte
titular
titula da
Orquestra
Orques Sinfónica
de Berkekey,
Berkek que irá
dirigir quinta-feira,
no
quinta
Centro Cultural de Belém, o
concerto comemorativo do 18º
aniversário. Nesta ocasião, juntamse à formação habitual da OML
professores, alunos e ex-alunos da
Metropolitana para interpretar
algumas obras famosas do grande
repertório sinfónico,
nomeadamente a Sinfonia n.º 9, Op.
95, “Do novo mundo”, de Dvorák, e
a Marcha Militar n.º 1, Op. 39,
“Pompa e Circunstância”, de Elgar.
Será um encontro festivo, reunindo
várias gerações de músicos e que
trará ainda várias surpresas. Antes e
depois do concerto, agrupamentos
com jovens alunos das diferentes
escolas tocarão também algumas
peças. “18 Anos – Idade Maior” foi o
mote da programação desta
temporada, assinalando a passagem
m
para uma nova etapa, marcada por
uma maturidade que já começou a
manifestar-se em numerosos
concertos de óptimo nível e na
solidez da formação das novas
gerações.
alemão de instrumentos de tecla:
cravos, clavicórdios, órgãos e
pianofortes. Ficou sobretudo
conhecido como organeiro (tal como
o seu irmão Andreas) e pelo seu
contributo no desenvolvimento do
piano, na sequência de algumas
trocas de opinião com J. S. Bach, mas
foi também autor de cravos com
características únicas ao nível do
som e da construção. Estes
instrumentos são bastante raros,
mas em 2009 Matthias Kramer
construiu para o cravista Cristiano
Holtz uma réplica de um
instrumento de Gottfried
Silbermann (Saxónia, c. 1740), que se
encontrava no museu instrumental
de Berlim. Depois de ter sido
apresentado num concerto em
Hamburgo, este cravo será ouvido
pela primeira vez em público em
Portugal no dia 8, num recital na
Casa Museu Dr. Anastácio
Gonçalves, em Lisboa, com
transmissão directa pela Antena 2. O
programa será integralmente
preenchido com obras de Bach,
incluindo a Fantasia Cromática e
Fuga, Tocatas, Prelúdios e Fugas e
outras peças, que o cravista irá
interpretar “ao sabor do momento”.
Nascido no Brasil em 1972,
Cristiano Holtz reside actualmente
em Lisboa, onde é professor no
Instituto Gregoriano e no
Conservatório Nacional. Começou a
tocar cravo aos 12 anos e aos 15 foi
para os Países Baixos, onde estudou
com Jaques Ogg e Gustav Leonhardt.
Frequentou também masterclasses
com Miklós Spanyi (clavicórdio) e
Pierre Hantaï (cravo). Tem tocado na
Europa, na América Latina e na Ásia,
e participou em diversas gravações
para a rádio e a televisão portuguesa
e brasileira. Entre os seus discos,
destaca-se o CD dedicado às Suites
de J. Mattheson (Ramée, 2006),
dintinguido com o Preis der
Deutschen Schallplattenkritik e com
cinco estrelas na revista de música
antiga
Goldberg.
a t ga G
oldb
ol
d erg.
g C.F.
C .
C.
Um novo cravo
para Bach
Cristiano Holtz
Lisboa, Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves. Av. 5
de Outubro, 6-8. 3ª, 8, às 19h. Tel.: 213540823.
Entrada gratuita.
Concertos Antena 2. Obras de J. S.
Bach.
Gottfried Silbermann (1683-1753)
foi um importante construtor
Cristiano Holtz dá a ouvir pela
primeira vez em Portugal
a réplica de um cravo
Silbermann de 1740
FRANCESCA PFEFFER
A Burnt Sugar The Arkestra Chamber encerra o Serralves em Festa
Agenda
sexta 4
República, às 22h. Tel.: 239855636. 7€.
Dead Combo
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Direcção Musical de Ira Levin.
Jazz Ao Centro.
Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175, às
23h30. Tel.: 213103400. Entrada gratuita.
Os jogos sem fronteiras
da Vienna Art Orchestra
na Casa da Música
Jazz
Valsa jazz
Uma das poucas formações
a cruzar com sucesso as
fronteiras do jazz e da
clássica contemporânea
brilha no Porto. Rodrigo
Amado.
Vienna Art Orchestra
Direcção Musical de Mathias Rüegg.
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque. 4ª, 9, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.
Ciclo Jazz Galp - Áustria 2010.
A Vienna Art Orchestra (VAO) é,
talvez, a mais importante orquestra
internacional de jazz da Europa.
Formada em 1977 por Mathias Ruegg
e sediada numa cidade feita de
música onde o clássico e o
contemporâneo se cruzam de forma
natural, a VAO tem sido, durante
anos, o contexto ideal para
desenvolvimento de um ensemble
pouco dado a fronteiras estilísticas,
que está na origem de uma música
sofisticada, profundamente
contemporânea e inovadora,
respeitando sempre as grandes
tradições jazz da Europa e dos
Estados Unidos. Responsável, nos
anos 80, por gravações de referência
como “From No Time To Rag Time”
e “A Notion In Perpetual Motion”,
cada vez mais conceptual, a VAO
abandonou recentemente o formato
clássico de big band para assumir
uma nova configuração: uma
orquestra de câmara que integra
naipes de cordas, madeiras
deiras e metais
e solistas improvisadores.
res. Quartafeira, mostra-se no Porto,
rto, para
um concerto integrado
o no
programa que a instituição
uição
dedica ao país-tema deste
este
ano, a Áustria.
Os Deolinda chegam
esta semana à Casa
da Música, no Porto,
e ao CCB, em Lisboa
Festas de Lisboa’10.
Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. do Império, às
21h. Tel.:213612400. 5€ a 20€.
Ver texto na pág. 32.
Homenagem a Schumman.
Alice Russell
domingo 6
Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e
Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 23h.
Tel.: 253547028. 15€ a 20€.
Burnt Sugar The Arkestra
Chamber
Guarda. Teatro Municipal - Pequeno Auditório. R.
Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.
Porto. Fundação de Serralves - Prado. R. Dom João
de Castro, 210, às 23h. Tel.: 226156500. Entrada
gratuita.
Jean-Luc Guionnet + Seijiro
Murayama
Rodrigo
Tim Berne + Bruno Chevillon
Serralves em Festa.
Coimbra. Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. R.
Barreiras, às 19h00. Tel.: 239801160. 5€.
Lisboa. CCB - Sala Luís de Freitas Branco. Pç. do
Império, às 17h00. Tel.: 213612400. 5€.
Jazz Ao Centro.
Festa do Fado 2010.
Cristina Branco + João Paulo
Esteves da Silva + Carlos Bica
segunda 7
Lisboa. Castelo de São Jorge, às 22h. Tel.:
218800620. 12,5€.
Deolinda
Festa do Fado 2010.
Gli Incogniti
Direcção Musical de Amandine
Beyer.
Funchal. Igreja do Colégio. R. dos Ferreiros, 105, às
21h30. Tel.: 291233534. 10€ (dia) a 50€ (passe).
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 20€.
Pedro Burmester
Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av.
Arriaga, às 21h30. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€
(passe).
XXXI Festival de Música da Madeira.
XXXI Festival de Música da Madeira.
terça 8
sábado 5
Deolinda
Bonaparte + dOP
Porto. Fundação de Serralves - Prado. R. Dom João
de Castro, 210, às 0h. Tel.: 226156500. Entrada
gratuita.
Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. do Império, às
21h. Tel.: 213612400. 10€ a 25€.
Son of Dave
Coimbra. Teatro Académico de
Gil Vicente. Pç. República, às
21h30. Tel.: 239855636. 15€.
Serralves em Festa.
Alice Russell
Lisboa. Café Teatro Santiago
Alquimista. R. Santiago, 19, às
22h. Tel.: 218884503. 20€.
Deolinda
Torres Novas. Teatro Virgínia.
Largo São José Lopes dos Santos,
às 21h30. Tel.: 249839309. 15€.
A Naifa + Celeste
Rodrigues
Ricardo Rocha
Lisboa. Chapitô. R. Costa do
Castelo, 1/7, às 23h. Tel.:
218855550. Entrada gratuita.
Ghédalia
Tazartès
no Museu
do Chiado
Lisboa. Castelo de São Jorge.
Castelo, às 22h. Tel.: 218800620. 12,5€.
Festa do Fado 2010.
Joker
Com Nuno Rebelo (guitarra),
Drumming - Grupo de Percussão.
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque,
às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€.
Samuel Úria
Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Tel.:
289820300. 7€.
Virgem Suta
Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. da
Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€.
Sam The Kid
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos . Av. Frei
Miguel Contreiras, 52, às 18h30. Tel.: 218438801.
Entrada gratuita.
Big Ba
Band Hot Clube de Portugal
Festa do Fado 2010.
Gustav Leonhardt
Funchal. Igreja do Colégio. R.
dos Ferreiros, 105, às 21h30.
Tel.: 291233534. 10€ (dia) a 50€
(passe).
XXXI Festival de Música da Madeira.
quarta 9
Ghédalia Tazartès + Calhau!
Lisboa. Museu do Chiado. R. Serpa Pinto, 4, às 22h.
Tel.: 213432148. 7€.
Elena Vorobey
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.:
223394947. 20€ a 50€.
Emir Kusturica & No Smoking
Orchestra + Melech Mechaya
Lisboa. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30.
Tel.: 213240580. 25€.
Terrakota
Lisboa. Cinema São Jorge - Sala 1. Av. Liberdade,
175, às 23h30. Tel.: 213103400. 12€.
Festas de Lisboa’10.
Porto. Fu
Fundação de Serralves - Prado. R. Dom
João de C
Castro, 210, às 18h. Tel.: 226156500.
Entrada gratuita.
quinta 10
Serralves em Festa.
Serral
Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira,
108, às 22h. Tel.: 222003595. 15€.
Or
Orquestra de Guitarras e
Baixos Eléctricos
B
P
Porto. Fundação de Serralves - Prado. R.
D
Dom João de Castro, 210, às 15h30. Tel.:
22
226156500. Entrada gratuita.
Ser
Serralves
rra
r
em Festa.
Tim
m Berne + Bruno Chevillon
Coimbra.
Coim
m
Teatro Académico de Gil Vicente. Pç.
Son of Dave
Samuel Úria
Lisboa. Maxime. Praça da Alegria, 58, às 22h. Tel.:
213467090.
Aldina Duarte
Lisboa. Museu do Fado. Largo do Chafariz de
Dentro, 1, às 19h. Tel.: 218823470.
Entrada gratuita.
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 45
Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Espaço
Público
não concordando com o
que escrevemos? Envienos uma nota até 500
caracteres para ipsilon@
publico.pt. E nós depois
publicamos.
Cantor e músico singular, a obra de Wyatt atravessa vários idiomas,
folk, pop experimental, psicadelismos ou jazz
Pop
Wyatt total
Um gigante da música
popular numa magnífica
antologia de canções
vulneráveis, com desenhos
seus quando tinha seis anos.
Vítor Belanciano
Robert Wyatt
His Greatest Misses
Domino, distri. Edel
mmmmm
Originalmente
editada em 2004
apenas no Japão, é
agora reeditada
para o mundo
inteiro a antologia
“His Greatest Misses” do veterano
Robert Wyatt. Um acontecimento,
ou não fosse o inglês um dos
músicos maiores do nosso tempo. É
uma boa introdução para quem
nunca tomou contacto com o seu
trabalho e uma boa continuação de
aventuras para quem apenas o
começou a seguir nos últimos anos
(álbuns “Cuckooland” de 2003 ou
“Comicopera” de 2007), desde que
tem vindo a ser resgatado ao
esquecimento pelas novas gerações
e pela actividade da editora
Domino.
Cantor e músico singular, a sua
obra atravessa vários idiomas, folk,
pop experimental, psicadelismos ou
jazz, mas fixando-se sempre em
canções ou baladas vulneráveis, com
46 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
Este espaço vai ser seu.
Que filme, peça de teatro,
livro, exposição, disco,
álbum, canção, concerto,
DVD viu e gostou tanto
que lhe apeteceu escrever
sobre ele, concordando ou
qualquer coisa de dramático mas
nunca deixando de procurar a luz. O
seu sentido de humor é ácido mas
sempre possuído por grande
humanidade. A propósito desta
antologia, dizia recentemente: “é
um autêntico luxo esta compilação,
contendo desenhos meus feitos à
mais de sessenta anos, não se pode
pedir uma retrospectiva mais
completa!”
É verdade. A capa, e todo o
trabalho artístico no interior, é
composto por desenhos da sua
autoria, feitos quando tinha seis
anos de idade.
Desde que caiu de uma janela,
numa festa, e ficou paralisado da
cintura para baixo, Wyatt iniciou
uma carreira a solo ímpar na
alvorada dos anos 70 – depois dos
anos como baterista nos Soft
Machine na década de 60. Esta
antologia contém 17 momentos altos
desse percurso, como “I’m a
beliver”, “The age of self ”,
“Memories of you” ou
“Shipbuilding”, canções onde a sua
voz aguda, vulnerável e acolhedora
se deixa ir por entre atmosferas
evocadoras, andamentos lentos e
um sentido melódico raros. Apesar
de não ser um homem do jazz, o seu
vocabulário parte de uma ligação
profunda com elementos jazzisticos.
São canções à flor da pele, onde a
dimensão politica está sempre
presente, mesmo quando pensamos
que estamos a aceder à sua
intimidade. Apesar de ser uma
colectânea, as canções fluem,
coerentes. Há quatro anos, em
entrevista, dizia-nos que aspirava,
cada vez mais, ao isolamento,
saturado do ruído contemporâneo.
Felizmente, temos as canções.
Um outro
mundo no
p
computador
álbum, Steven Ellison, ou seja Flying
Lotus, projectou um lugar só seu.
Até aqui existia a tentação de o colar
ao núcleo de produtores pós-hiphop. Mas nitidamente essa é uma
etiqueta cada vez mais redutora.
Sim, é verdade, o ponto de partida, a
estrutura base do edifício, ainda
remete para o legado do hip-hop.
Mas cada vez mais o resultado final é
qualquer coisa de indefinível,
resgatando elementos do jazz, das
electrónicas abstractas, da saturação
dubstep ou até do som dos
videojogos.
Nem sempre é um disco fácil. Há
momentos em que é preciso
mergulhar nele para sairmos de lá
com pontas de inteligibilidade. O
jazz é uma das grandes influências,
ao nível das estruturas mas também
na formatação de sons, em
particular a música de Alice
Coltrane. Quase todos os temas têm
diferentes níveis de leitura, camadas
sobrepostas que nem sempre
parecem formar um todo coerente
num primeiro momento, para de
seguida, adquirirem formas
perceptíveis.
Mas Steven Ellison nunca facilita.
Nem quando ao seu lado está Thom
Yorke, dos Radiohead, com a sua voz
a ser tratada como qualquer outro
instrumento. Algures entre os
impulsos rítmicos do falecido J Dilla,
as atmosferas nocturnas de Burial e
o jazz cósmico de Coltrane,
arquitecta um cosmos só seu, num
álbum
Dêem-me um
computador
dor e eu darvos-ei todo
o um novo
mundo, parece
arece
dizer Flying
ng
Lotus. Vítor
or
Belanciano
no
Flying Lotus
us
Cosmogramma
ma
Warp, distri.
Symbiose
mmmmn
n
Dêem-me um
m gira-discos e uma
mesa de mistura
tura e dar-vos-ei o
mundo, dizia
a há anos DJ Spooky,
afirmando ass técnicas de cortee-colagem, provenientes do
hip-hop, como
mo
possibilidade
e de revelação
de novos mundos
undos ao
mundo. Hoje
e a ferramenta
é outra. Dêem-me
m-me um
computador e eu darvos-ei todo um novo
mundo parece
ce dizer
Flying Lotus..
Ao terceiro
o
Ao terceiro álbum, Steven Ellison,
ou seja Flying Lotus,
projectou um lugar só seu
fascinante, daqueles que prometem
sempre novas descobertas a cada
audição.
Chunga funk
Anos 70, artifício e humor
sórdido. É a estreia dos
Glimmers na produção,
depois de duas décadas de
DJing e remisturas. Luís
Maio
The Glimmers: artifício sórdido
The Glimmers
The Glimmers Present Disko
Drunkards
Glimmers, distri. Popstock
mmmmn
Primeiro soa
familiar. Depois
percebe-se que é,
ou melhor, só pode
ser a gozar.
Finalmente dá
vontade de abanar o capacete e
dançar até que a casa venha abaixo.
É mais ou menos assim “Disko
Drunkards”, o primeiro álbum que a
dupla belga produz, assumindo um
formato parecido com o de uma
banda convencional (acompanhados
de guitarrista, baixista e
percussionista). É uma estreia, mas
os autores são tudo menos novatos:
Mo Becha (1970) e David Fouquaert
(1969) começaram a por discos há
mais de duas décadas, lançaram
uma pilha de compilações no selo
próprio Eskimo e, mais
recentemente também remisturas,
como a que assinaram para
“Querelle” dos Pop Dell Arte e a
série DJ Kicks. Verdadeiras
enciclopédias pop, os Glimmers
têm, porém, uma fixação especial
nos anos 70, numa variedade de
estilos que vai do funk e do rock
progressivo ao punk e ao disco
mutante.
É um ramalhete de gosto duvidoso
que eles praticam na sua vertente
mais barata, plástica e delirante. Os
temas funk dominam metade do
alinhamento e conjugam baixos
oleosos, guitarras chocalhadas e
baterias matraquedas com jogos
fonéticos desconjuntados. Tanto
poderia ser Bootsy Collins com oss
copos, um animador a gozar com
James Brown, uma homenagem a
ambos por uma banda japonesa
lançada na Brownswood, ou uma K7
compilada por Quentin Tarantino.
o.
Pelo meio há uma versão refundida
da
de Olivia Newton-John (“Physical”),
”),
uma fusão contra-natura de
Gainsbourg com os Kraftwerk
(“Who you gonna call”), antes
de um punhado de solos de
guitarra estridentes à mistura com
m
teclados pomposos, não sem
analogias com os Daft Punk. No
meio de todo este “name dropping”
ng”
é inevitável chamar à conversa os
conterrâneos belgas 2 many djs, mas
neste caso para marcar as devidas
distâncias. Porque se o sentido de
humor na revisão do passado pop é
comum, já o artifício sórdido com
que os Glimmers invocam memórias
ligeiras é uma história
completamente diferente. Se não
veja-se essa prodigiosa comédia
softporno que é o teledisco de
“Oh!Oh!Oh!”, disponível no You
Tube.
António Chainho
LisGoa
Movieplay
mmmmn
Só o simples facto
de ter procurado
um diálogo entre a
guitarra
portuguesa e o
sitar indiano,
concretizado-o pela primeira vez em
“LisGoa”, chegaria para dar relevo a
este novo trabalho de António
Chainho. Mas ele quis ir mais longe:
nesta aproximação, que se segue a
experiências com o fado e com
músicas de África e do Brasil,
procurou algo que não estava em
nenhuma das culturas que aqui se
cruzam, uma
espécie de
híbrido
improvável. “Ao
Encontro do
Oriente”, logo de início, transfigura o
fado menor num nocturno, a abrir
caminho à guitarra. Que convive, nas
faixas seguintes, com tablas, sitar,
viola, contrabaixo, percussões,
sintetizadores e vozes portuguesas e
indianas. Os originais, apesar das
letras algo ingénuas de “Beijo de sal”
e “Disseste-me”, impõem-se em
grande parte pelo lirismo e pelo vigor
dos instrumentais: “Alísios”, onde
guitarra e sitar rivalizam; “LisGoa”,
uma quase-suite; “Bangalore”, onde
vibra o fantástico som dos violinos do
sul da Índia; ou “De Mandovi ao
Tejo”, singela despedida em forma de
balada. Isto depois do tradicional
“Adeus”, onde Índia e Portugal se
enlaçam em harmonias. Ou dos
temas marcados pela voz de Natasha
Lewis. Nesta viagem pelo Oriente, a
guitarra portuguesa não se perdeu,
reencontrou-se. Graças a Chainho.
Nuno Pacheco
confirma não
apenas essa ideia
como consolida
uma aliança entre
o fado e a música
tradicional, que é
já inerente à sua expressão artística.
E se do ponto de vista vocal há uma
evolução clara, nota-se a dificuldade
de entrar na pele de certas canções,
como da difícil “Da morte não
espero nada” (com a marca indelével
de Amélia Muge, que assina três
temas no disco), isto a par de um
maior à-vontade e envolvimento
emocional em temas como
“Condição”, “Não sou nascida
do fado”, “Adeus” (uma revisão
em alta, sóbria e actual, do velho
tema de Raul Ferrão) ou
“Parolagem da vida”, poema
de Drummond de Andrade passado
inteligentemente a canção
por Filipe Raposo (muito bom é
também o trabalho de José Manuel
David com o poema “A ti”, de Ruben
Darío). Já noutra canção de Amélia,
“Beijo-de-moça”, é notável a forma
como Ana Laíns se molda às
exigências dos jogos de palavras e
nos oferece uma interpretação
singular, para a qual contribui a
contenção dos arranjos, que são,
aliás, por contraste, um bom
exemplo num disco onde várias
vezes os instrumentos se acotovelam
sem necessidade. Para o ecoar de
refrões na plateia vão ficar
sobretudo “Quatro caminhos” e
“Afinal”, ambas de contornos épicos.
Com “Quatro Caminhos”, Ana Laíns
abre vários outros. E fica mais perto
do que há-de ser. N.P.
Jazz
Clássicos e
originais
Dois álbuns clássicos,
gravados em 1957 e 1973,
brilham forte na entrada
deste novo século. Rodrigo
Amado
Sonny Rollins
Way Out West
Contemporary, dist.
Universal
mmmmm
Joe Pass
Virtuoso
Pablo, dist.
Universal
mmmmm
Integrados na série Original Jazz
Classics Remasters, estes álbuns
representam duas visões
intemporais do jazz. Na capa de
“Way Out West”, numa fotografia
famosa da autoria de William
Claxton tirada no deserto
americano, Sonny Rollins veste
roupas de cowboy (coldre de
pistolas incluido) e segura na mão o
seu saxofone tenor. Uma imagem
que se tornou emblemática de um
dos registos mais amados do jazz. Ao
escutarmos a liberdade das linhas
Ana Laíns
Sonny Rollins: grandioso
Quatro Caminhos
Difference
mmmnn
António Chainho
Quando lançou
o seu primeiro
la
disco,
“Sentidos” (2006), Ana Laíns
disco, “Sen
negava ter qualquer pretensão de
modernizar o fado. Quatro anos
moderniza
passados, ““Quatro Caminhos”
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 47
Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
aMaumMedíocremmRazoável
O percussionista Nuno Aroso
do saxofone de Rollins –
grandioso, projectando um centro
tonal como poucos saxofonistas
alcançaram – é difícil imaginar que o
disco tenha sido gravado na década
de 50. O contrabaixista Ray Brown e
o baterista Shelly Manne formam a
secção rítmica que fez de “Way Out
West” uma espécie de “blueprint”
para todos os trios de saxofone que
se lhe seguiram.
Em “Virtuoso”, o guitarrista Joe
Pass gravou, sem “overdubs”, aquilo
que parecia ser impossível; versões
rápidas de clássicos bop como “How
High The Moon”, “Cherokee” ou “All
The Things You Are”, a solo, na sua
guitarra semi-acústica, com uma
técnica convencional prodigiosa que
lhe permitia tocar simultaneamente
o acompanhamento harmónico e as
partes solistas. Mas o que é mais
extraordinário é que o tenha feito
sem que essa técnica se
sobrepusesse ao verdadeiramente
essencial; a música e as emoções.
Uma capacidade notável para
manter um fluxo de energia musical
constante, mesmo com variações
grandes de tempo ou explosões
bruscas de fraseados à velocidade da
luz, fez de “Virtuoso” um modelo
para futuras gravações de guitarra
solo e transformou Pass numa
estrela internacional.
Clássica
Percussão
em
technicolor
A arte da percussão como
cinema num original
projecto de Nuno Aroso.
Cristina Fernandes
Thechnicolor
Nuno Aroso (percussão)
Obras de Aroso
Luís Tinoco, Luís Pena, Mário
Laginha, Eduardo Patriarca e
Amanda Cole
Aroso 001CD – SPA
mmmmn
Membro do
Drumming-Grupo
de Percussão, Nuno
Aroso tem
desenvolvido
paralelamente uma
interessante carreira a solo, bem
como várias colaborações que
envolvem intercâmbios com outras
artes. O seu mais recente álbum
(“Technicolor”) é um projecto
invulgar, já que o intérprete não se
limita a tocar obras previamente
concebidas. Foi antes pensado como
um trabalho de autor em que o
48 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
percussionista lança um desafio a
vários criadores a partir de uma
ideia base. Não obstante as
diferenças de estilo e dos materiais
utilizados, a percussão assume uma
dimensão cinematográfica que
evoca imagens e cores na mente do
ouvinte, como se fossem pequenas
bandas sonoras para filmes
imaginários. Em “Vibraphone
Theories”, da australiana Amanda
Cole, que trabalha também como
“sound designer”, a ideia da imagem
toma forma literalmente através da
associação ao vídeo. As suas
sonoridades subtis, quase etéreas,
jogando com os efeitos do vibrafone
e dos sons puros, contrastam por
exemplo com “Três Quadros sobre
Pedra”, de Luís Pena, para
percussão e sons pré-gravados. Esta
obra constitui uma original
exploração de sonoridades, ritmos e
texturas obtidas a partir de pedras
de diversos tamanhos e formas.
Longe de ser um catálogo de efeitos,
resulta numa composição
minuciosamente elaborada e
solidamente arquitectada.
Mas o alinhamento contém ainda
outras imaginativas narrativas
sonoras: “Samplers’Union”, página
de atmosfera inquietante criada
numa parceria entre Nuno Aroso e
Luís Tinoco; “Frame”, de Mário
Laginha, com a sua rítmica
contagiante; e “Lux in Tenebrae (the
mercy seat)”, de Eduardo Patriarca.
No início, no meio e no fim, o
próprio Nuno Aroso criou
miniaturas — “Intro to Technicolor in
Orange”, “Hearts and White”, “Red
Cage Intermission” e “Fim” — que
revelam o seu talento criativo a par
da exímia técnica e expressividade
como intérprete que mostra na
execução de todas as peças. O
trabalho cuidadoso estende-se ao
design gráfico do álbum e aos textos
de Jorge Castro Ribeiro e valter hugo
mãe que o acompanham.
Imponente,
mas superficial
Handel
Ildebrando d’Arcangelo
(baixo-barítono)
Arie Italiane per basso
Modo Antiquo
Federico Maria
Sardelli (direcção)
Deutsche Grammophon
477 8361
mmmnn
Ildebrando
d’Arcangelo é
Ildebrando d’Arcangelo
um notável
intérprete
mozartiano e tem
realizado uma
importante carreira
no repertório de
Rossini, Bellini e mesmo Puccini. O
Barroco tem ocupado pouco espaço
no seu percurso, resultando
portanto surpreendente que tenha
escolhido Handel para o seu
primeiro CD a solo. O baixo-barítono
italiano recorda que Handel é uma
memória de infância, já que o seu
pai era organista, e efectivamente a
qualidade da música e o seu
potencial dramático são um forte
atractivo para além de estar na
moda. O cantor tem uma voz
poderosa e uma técnica sólida, que
se adequa bem às árias de carácter
mais impetuoso e heróico, e
corresponde aos desafios de
agilidade do “bel canto” barroco
com fluência e desenvoltura. A sua
prestação é quase sempre
imponente, mas relativamente
uniforme, carecendo de contrastes
mais acentuados entre as peças,
bem como de maior subtileza
expressiva (por exemplo na variação
do colorido vocal).
Não se trata apenas de uma
questão de estilo, mas de descobrir
todas as potencialidades emocionais
e expressivas da retórica barroca. Se
nas óperas de Mozart, Ildebrando
d’Arcangelo se move como peixe na
água, em Handel flutua por
enquanto à superfície. Pelo
contrário, a orquestra barroca Modo
Antico oferece-nos uma
interpretação eloquente, plena de
cores e estilisticamente consistente.
Com a excepção do célebre arioso
“Ombra mai fu” da ópera “Serse”,
que foi transposto, as restantes árias
seleccionadas (extraídas de óperas
como “Agrippina”, “Orlando”,
“Siroe”, “Ariodante”, “Rinaldo”,
“Ézio”, “Giulio Cesare”, entre
outras) foram escritas originalmente
para baixo, mostrando uma faceta
menos conhecida de uma época que
dava especial atenção às
vozes agudas dos
“castrati”. Apesar
das reservas, tratase de um programa
a merecer
atenção. C.F.
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Ficção
Por amor
de Lily
Duas mulheres disputam
um homem. A vencedora
ronrona de prazer.
Rui Catalão
Uma gata, um homem e duas
mulheres
Junichiro Tanizaki
(Trad. Telma Costa)
Teorema
mmmmm
“Querida Fukuko”.
Esta pequena
novela – tão perfeita
e deliciosa como
uma refeição
completa em
miniatura – inicia-se
com uma carta
escrita por uma
esposa abandonada à nova mulher
do seu ex-marido. O conteúdo é de
uma tal perversidade que hesitamos
a quem atribuir a autoria da perfídia
maior no resto da história: se à
autora da carta (Shinako), se à sua
destinatária (Fukuko), se ao
marido dela (Shozo), se à
mãe deste (O-rin), se à
personagem principal
da história (a lúbrica
Lily), se ao pai de
todos, que os ensinou
a serem eróticodependentes (falamos,
claro está, do escritor
japonês Junichiro
Tanizaki, 1886-1965).
Publicado em 1936,
“Uma Gata, um Homem e
Duas Mulheres” encerra
um ciclo de grande
virtuosismo
criativo do
escritor, em
que
assina
Quase meio século depois da morte de Junichiro Tanizaki,
esta obra marcada pelos temas do erotismo, da possessão
e do desejo continua a ser uma descoberta sumarenta
“Alguns preferem urtigas”, assim
como o ensaio “Elogio da sombra”
(menciono apenas obras disponíveis
em português). É um período em que
procede a uma transição dos
modelos de inspiração ocidental para
os da tradição japonesa, ao mesmo
tempo que elege temas e
personagens em que os conflitos
Oriente-Ocidente e modernidadetradição, representam os nódulos do
seu trabalho.
O erotismo, a possessão, o prazer,
o desejo são os temas que deram
fama a Tanizaki. No caso português,
foi há quase 20 anos que a Assírio &
Alvim lhe publicou “Confissão
impúdica” (tradução da versão
francesa da novela; entretanto, a
Teorema publicou “A chave”,
tradução da versão inglesa). Quase
meio século depois da sua morte, a
descoberta da sua obra é ainda
sumarenta.
No caso de “Uma Gata…” trata-se
de uma sensualíssima articulação de
enredos: cada personagem é autor,
digamos assim, de uma trama
narrativa própria, envolvendo as
outras personagens em
manipulações que visam uma
tomada de posse, e em que só
aqueles que triunfam nas suas
intenções ganham consciência do
preço a pagar, pela perversidade da
recompensa e pelos jogos de
mentira-e-estratégia necessários
para manterem as suas conquistas.
O passado de libertinagem da
privilegiada Fukuko redu-la a casarse com um pequeno lojista
influenciável, mas depois tem de
disputar a sua atenção à gata da
casa; Shinako, humilde costureira, já
se casara para ascender um degrau
na escala social, mas é humilhada
com a expulsão de casa planeada
pela sogra; O-rin faz de alcoviteira
do filho para conquistar o dote de
Fukuko e a sobrevivência financeira
da fazenda familiar, mas a paz
doméstica tem o tempo de duração
do dinheiro oferecido pelo pai da
nova nora; quanto a Shozo, mal
daria conta pela troca de mulheres,
não se desse o caso de perder quem
de facto ama…
O amor de Lily é o tema e a
poética desta história, que oscila
requintadamente entre a paródia
erótica e o melodrama patético, com
m
inúmeros pormenores de dedicação
e devoção ao ser amado: “Sempre
que ia para a cama, Shozo tinha que
estender um braço como almofada e
depois tentar dormir numa posição
estudada e mexer-se o mínimo
possível. Assim deitado, usava a
outra mão para afagar a zona do
pescoço, que é onde os gatos mais
gostam de festinhas; e Lily respondia
a
imediatamente ronronando de
satisfação. Até podia começar a
morder-lhe o dedo, ou deitar-lhe
gentilmente as garras, ou babar-se
um pouco: tudo sinais de que estava
excitada.”
A matéria amorosa concretiza-se
até nos odores fisiológicos: “Ela
soltou um traque malcheiroso que o
apanhou em cheio na cara.
Admitamos que Shozo, por
descuido, tinha apertado com ambas
as mãos a barriga de Lily, mesmo no
ponto onde guardava a refeição
acabada de comer. E, infelizmente, o
seu ânus estava naquele momento
situado logo abaixo da cara de
Shozo, de modo que o ‘hálito das
tripas’ acertou nele em pleno. O
fedor era tal que mesmo uma pessoa
como Shozo, com tão grande amor
aos gatos, se viu forçada a corrê-la
para o chão com um – Ught! –: o
proverbial ‘peido de mestre’ deve
cheirar assim.”
A intimidade que Shozo melhor
conhece é a de Lily: “Sempre que
Shozo tinha uma discussão com
Shinako por causa da gata, não
falhava dizer, sarcasticamente – Vê
bem que a Lily e eu somos tão
unidos que já cheirámos os traques
um do outro!”
O erotismo, em Tanizaki, para
além dos perversos jogos de
possessão, é também uma estética
da subtileza, insinuando-se em
maravilhosas descrições
paisagísticas, cuja contemplação
sugere a lembrança do ser amado.
O frio, a espera amorosa, e a urina
são eixos temáticos desta novela
desopilante, que parece escolher os
motivos mais triviais e risíveis para
expressar a composição literária sob
o efeito do êxtase. Atentem nos
excertos que se seguem do mesmo
parágrafo: o reencontro de Shozo
com Lily é a descrição de uma
atmosfera doméstica, que provoca
uma recordação olfactiva e o
desenlace do tema da urina. “As
cortinas estavam corridas e não
deixavam entrar a luz forte da tarde.
Shinako, cautelosa como sempre,
devia tê-las corrido ao sair. E daí as
sombras tornarem o quarto
indistinto. Na penumbra, Shozo
distinguiu uma braseira de louça de
Shigaraki e, ao lado, a sua querida
Lily, sentada numa
pilha
de almofadas (…).
Detectou de
súbito o cheiro
característico,
de que se tinha
esquecido
passadas
tantas
semanas.
Antigamente, infiltrava-se nos
pilares, paredes, chãos e tectos da
sua casa; agora, enche este
quartinho. A tristeza instalou-se
dentro de si e chamou alto – Lily! –
com voz estrangulada.”
O livro inclui ainda dois contos,
ambos tendo professores como
protagonistas. O primeiro, “O
pequeno reino”, surpreende pela
forma como o autor aborda a
corrupção, ou a lógica do
surgimento de máfias em
sociedades deprimidas pela crise
financeira.
Nota final sobre a tradução: é uma
pena não haver ainda quem traduza
directamente do japonês para o
português. A obra de Tanizaki
sobrevive ao trânsito de línguas
intermediárias, e parece artificial o
uso de coloquialismos por parte da
tradutora, como “soma jeitosa”, “o
que tem que ser tem muita força” ou
“amochado”. Palavras como
“esbotenada” e “abalone” parecem
convites a uma charada. A frase
“embora fique à face da estrada
nacional” entende-se, mas é mau
português.
O circo
chegou
à cidade
“Santa Maria do Circo”
mostra como a herança do
realismo mágico ainda pesa
na literatura mexicana.
Rui Lagartinho
Santa Maria do Circo
David Toscana
(Trad. Jorge Fallorca)
Oficina do Livro
mmmmn
É difícil aceitar
que a chegada de
um circo a uma
qualquer cidade
represente uma
novidade. Tudo
muda quando esse
circo traz em si
uma ideia de
refundação, porque o circo
comandado pelo velho Alejo
chega afinal a uma terra
A força de David Toscana está em
deserta onde é impossível
conseguir ultrapassar o diálogo de
vender as almejadas
surdos entre sombras e sobreviventes
centenas de bilhetes:
na desolação do deserto mexicano
“No meio da
para a partir daí inventar um futuro
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 49
Livros
Prémio
mio
Ciberescritas
E-books no telemóvel,
em português
N
Isabel
Coutinho
ão comecem a fazer caretas. Ler livros no
telemóvel é melhor do que não ter acesso a
livro nenhum. Na semana passada, a TMN
lançou no seu portal centenas de e-books,
incluindo títulos em português, que podem
ser lidos em mais de 80 telefones de vários sistemas
operativos (na TMN App Store é possível fazer um teste e
verificar quais são os telemóveis compatíveis).
Trata-se de uma parceria com a Mobcast Services
Limited, a empresa que trata dos direitos de autor dos
livros electrónicos que ali estão à venda. Rita Teixeira,
responsável e gestora deste novo serviço, contou ao
Ípsilon que a Mobcast já está a contactar e a conversar
com os editores portugueses para no futuro estarem
disponíveis mais livros. Os e-books em língua portuguesa
que lá estão agora são quase todos grátis porque estão
em domínio público (“A Relíquia”, de Eça de Queirós;
“Viriatho”, de Teófilo Braga; e “Os Fidalgos da Casa
Mourisca”, de Júlio Dinis, a 1,50€). Mas vai haver mais
títulos, tanto em inglês como em português. “Somos
a primeira operadora a
disponibilizar e-books
em Portugal e para todos
os clientes”, explica Rita
Teixeira (a Vodafone também
disponibiliza este tipo de
conteúdos, mas só para os
clientes 360).
O catálogo de e-books
na TMN App Store está
organizado por categorias:
romance, “thriller”, humor, clássicos, títulos em
português, biografias, livros grátis, humor, etc. Além dos
títulos gratuitos, existem os pagos, entre 1,50€ e 9,99€.
Por agora estão disponíveis “best-sellers” em língua
inglesa, como a trilogia de Stieg Larsson (“The Girl with
the Dragon Tattoo”), o “Angels and Demons”, de Dan
Brown, e a saga “True Blood” de Charlaine Harris. Está
lá também “Get Skin”, de Mo Hayder; “The Associate”,
de John Grisham, o prémio Man Booker “Wolf Hall”, de
Hilary Mantel, etc.
Quem quiser experimentar ler um destes livros no
seu telemóvel pode fazê-lo gratuitamente. Basta aceder
ao portal, por exemplo, através de um computador,
escolher um dos títulos gratuitos que existem na loja
de aplicações e clicar em comprar. Aparece então um
quadro onde nos é pedido para colocar o número de
telemóvel para onde queremos enviar o livro. Pouco
tempo depois, o telemóvel apita. A mensagem chega:
“Aceite, faça o download no seu telemóvel e divirtase!” Claro que, se o seu telemóvel for daqueles mais
ultrapassados, pode não conseguir ler a mensagem, nem
clicar no “link”, nem ler o livro.
Outra forma de se aceder à TMN App Store é através
da Internet no telemóvel. O e-book ficará instalado no
aparelho telefónico, dispensando qualquer ligação à
Internet para acesso ou leitura do mesmo. Os livros estão
em formato java e, uma vez descarregados para o nosso
telemóvel, ficam ali disponíveis para sempre. Podemos
passar as páginas, andar para a frente e para trás, ir
directamente para o capítulo que nos interessa ler.
Fiquemos agora à espera das novidades em português.
Uma vez descarregados
para o nosso telemóvel,
os livros ficam ali
disponíveis para
sempre
A colecção de
llivros
iv
com
a chancela
M
Minotauro,
do g
do
gru
rupo
po A
grupo
Almedina,
recebeu um “silver
re
“s
award” nos European
praça erguia-se a estátua de pedra
de um homem a cavalo. O animal,
com o focinho aberto, apoiava-se
nas patas de trás, enquanto o ginete,
com a espada a apontar para a
igreja, parecia convocar um exército
nas suas costas. O pedestal de
granito levantava-se no centro do
que parecia ter sido a pia de uma
fonte, sem pinga de água, cheia de
terra e folhas secas, e num dos lados
podia ler-se a inscrição: ‘A minha
vida pela tua honra’” (p. 57). Está
encontrado o território onde o circo
Mantécon se vai instalar, não
temporariamente mas para ficar.
Oito descamisados que resolvem
fundar uma nova sociedade com
vícios velhos. Reunidos em
assembleia, de um saco preto
retiram o nome da sua nova
identidade. Entre outras
transformações, o anão passa a ser
padre, o dono do circo jornalista, o
homem borracha apenas um
simples negro, e Hércules, másculo
e poderoso, chega mesmo a mudar
de sexo para conseguir ser uma
prostituta convincente. A partir
daqui imagine-se o delírio.
“Santa Maria do Circo” encavalita
mundos que se atropelam a partir de
uma ideia mitológica do espaço
literário da literatura mexicana: a do
deserto árido, despovoado, onde
nem as almas penadas aceitam viver.
A força da prosa de David Toscana
está no facto de não se ater a um
diálogo ao sol entre sombras de
pedras e alguns sobreviventes, e de
tentar inventar um futuro que
pressentimos já não poder ser,
mesmo antes de estes candidatos a
identidade
uma nova identidad
a e abrirem a boca.
Para que
ea
identificação
identificaçã
ç o seja
mais fácil, nada
por aqui
aq
qui
u tem
m
datas
da
atass
concretas..
Design Awards 2010.
A medalha de prata do
Festival Europeu de
Design foi atribuída aos
designers portugueses
Ana Boavida e João
Bicker, responsáveis pela
Realismo mais ou menos mágico, a
questão é apenas de grau: se
intemporal, incomoda mais.
É um mundo sórdido e degradante
onde quem encontra uma sanita
pode ter um poder até aí insuspeito
numa economia paralela, e onde
quem aceitou ser prostituta recusa
olhar para as marcas do sexo ou do
tempo: “Mandrake empurrou a
porta e enfiou-se sorrateiro na casa
de Hércules. O leve ranger dos
gonzos competiu apenas com o jacto
de água na praça. Lá dentro, uma
luz de vela deixava ver, estendido
num catre, o físico mais desleixado
do que fora o homem forte, a
enxerga encostada num canto e as
calças penduradas num prego na
parede” (p. 207).
Com um humor corrosivo e de
uma fidelidade absoluta ao poder
mágico de cada palavra na tradução
dos pensamentos, David Toscana
desmonta duas metáforas
recorrentes na literatura: a dos
espaços que pedem para ser
reinventados e a do circo como
universo em perpétuo movimento
carregado de sonhos e contradições.
E estamos tão entretidos com este
exercício que mal reparamos que
estamos afinal a entrar num terreno
armadilhado: o que podemos fazer
com os nossos sonhos, com as nossa
fantasias, quando um dia
simplesmente paramos para os olhar
de frente?
Vale a pena pôr algo em prática,
para confirmar que o pior dos
fantasmas negros vence a mais
ingénua das ilusões? E, logo a seguir:
conseguimos que o mago volte a
lamparina,
entrar para a lamparin
i a, que a
caixa
caix
ca
i a de Pandora se feche,
e
regresse
que o coelho regre
qu
resse
e
à cartola?
Aqui o
concepção gráfica do
projecto. Esta colecção
das Edições 70, do
grupo Almedina, reúne
autores de referência
da literatura espanhola
contemporânea.
mundo dos oito circenses cinde-se
entre os que sobrevivem, os que
partem e os que ficam. O padre e a
prostituta: “O anão apertou a mão
porque sentiu que Hércules lhe
soltava, e puxou-o para a desolação
dos bancos vazios, do confessionário
sem pecados e de um altar como
mesa de sacrifícios” (p. 299).
A poeira levantada pelos que
partem encarregar-se-á do resto. Se
não for suficiente, com o tempo o
vento traz mais.
Feroz
insanidade
Um policial sueco, com
pouco de “nórdico”, tenta
mergulhar o leitor nas
águas negras e geladas da
mente humana. José Riço
Direitinho
O Hipnotista
Lars Kepler
(Trad. Jaime Bernardes)
Porto Editora
mmmnn
O romance policial sueco – que mais
tarde acabaria por contaminar os
seus vizinhos nórdicos – não é uma
moda recente na Escandinávia. Tudo
começou nos anos 70 com a dupla
Per Wahlöö
Portal TMN
http://www.
tmn.pt
[email protected]
Portal internet
no telemóvel
m.tmn.pt
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/
ciberescritas)
50 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
“O Hipnotista” liberta-se da tradição do policial nórdico, recuperando alguns arquétipos do “hard-boiled”
norte-americano corporizados na fascinante figura do comissário Joona Linna, uma das melhores
invenções do romance de Alexandra Coelho Ahndoril e Alexander Ahndoril, a dupla Lars Kepler
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
e Maj Sjöwall,
marido e mulher,
que criaram a figura
do primeiro
inspector sueco,
ainda muito dentro
do cânone do
“hard-boiled”
norte-americano.
Foi só a partir do final da década de
80 que o “policial” escrito por
autores suecos se começou a alterar,
e houve uma razão forte para isso: a
sociedade sueca não se refez do
trauma do assassinato do primeiroministro Olof Palme numa rua do
centro de Estocolmo, em 1986,
quando uma noite regressava a casa a
pé com a mulher. (Curiosamente, o
facto é mencionado pelo menos três
vezes neste “O Hipnotista”, do casal
Alexandra Coelho Ahndoril e
Alexander Ahndoril, que assina com
o pseudónimo Lars Kepler.)
Os autores suecos quase deixaram
de estar interessados em resolver o
puzzle constituído pelos factos mais
ou menos óbvios de um crime (por
vezes há mesmo uma ambiguidade
final, o que lhes dá uma singular
delicadeza), ou na arquitectura de
uma experiência sanguinolenta, e
passaram antes a centrar-se nas
causas e nos efeitos de um acto
violento no tecido social. E surge
ainda a ideia de um Estado que se
supunha modelar, mas que afinal
parece controlado por poderosas e
ocultas forças malévolas; nela radica
a trilogia “Millennium” do
malogrado Stieg Larsson. O “crime
nórdico” passou assim a ter quase
sempre uma inscrição no campo
social; raros são os casos de histórias
em que o acto violento é gratuito,
passional ou familiar, ou entre sócios
desavindos por uns milhares de
coroas. Há quase sempre a presença
extra de uma qualquer força
dificilmente controlável, quer seja
política, económica, social ou
mesmo religiosa. E, como
consequência, as personagens
personagens
principais
deixaram de ser
obrigatoriamente os
habituais
polícias
A poesia de Luís Quintais é
uma poesia do desamparo, cujo
lirismo é logo abafado por um
ambiente inumano de sonhos
desfeitos e futuros incompletos
ou detectives privados, e passaram a
ser também os advogados intuitivos,
escritores, jornalistas de
investigação ou “hackers”.
Estranhamente (ou talvez não), “O
Hipnotista” não se inscreve
completamente nesta tradição
nórdica. Aqueles que o apontam
como um “filho” de Stieg Larsson só
poderão referir-se ao êxito de vendas
já obtido em muitos países, pois no
resto há como que uma recuperação
de velhos arquétipos: a feroz e insana
violência, regada a sangue, o
investigador que é polícia (apesar de
não ser mais um alcoólico solitário de
meia-idade), e a resolução óbvia do
puzzle de uns quantos crimes, com a
única preocupação de cariz social ou
cultural a poder resumir-se a umas
quantas linhas sobre o povo sami
(que habita a Lapónia): “Dirige um
olhar vazio para os gorros lapões.
Sente uma certa tristeza por essa
cultura milenar de caçadores, que se
vê obrigada a ressuscitar na forma de
gorros coloridos, com bolas
vermelhas, diante de turistas
folgazões. O tempo levou consigo o
xamanismo dos lapões. Nas casas, o
tambor lapão está pendurado na
parede, por cima do sofá” (p. 535).
Em “O Hipnotista” conta-se uma
teia de histórias (que decorrem
durante 16 dias de um mês de
Dezembro) que parte de uma série de
assassinatos horrendos: um pai é
morto e desmembrado no ginásio de
um liceu, e de seguida, já em casa, é a
vez de uma mãe e de uma criança
pequena serem também
esquartejadas com requintes sádicos,
que vão desde a abertura na barriga
da mulher da cicatriz da cesariana até
ao desmembramento da criança; mas
há um rapaz de 15 anos (da mesma
família) que sobrevive na cozinha em
estado muito grave, com centenas de
facadas no corpo. Falta a filha mais
velha, que vive algures. Numa
tentativa de a descobrir e proteger, a
polícia socorre-se
dos serviços de um
médico psiquiatra
especialista em
traumas
t aumas agudos,
tr
Erik Maria Bark,
que
q e é também um
qu
famoso hipnotista
que
q e há dez anos
qu
jurara
jju
urara publicamente
não
não tornar a praticar a
hipnose.
hipnose. Face à hipótese
de o rapaz se lembrar
da
d cara do assassino e
de a polícia ter a
possibilidade
p ssibilidade de salvar
po
a irmã que escapou ao
massacre, Erik aceita
massacre,
hipnotizá-lo. O que se
segue está longe da
sua imaginação, mas ele vai ter de
lidar com isso, mais o facto de o seu
casamento se estar a desfazer e de o
filho hemofílico necessitar de
medicação diária.
“O Hipnotista” fascina pelo ritmo
vertiginoso da narração (apesar de
alguma profusão de pormenores
desnecessários), mas sobretudo pela
figura do comissário Joona Linna,
com os seus tiques de linguagem,
um polícia deveras merecedor de
uma série de romances.
Poesia
A palavra
rasurada
Luís Quintais extrai do
negrume uma espécie de
eloquência da sombra.
Pedro Mexia
Riscava a palavra dor
no quadro negro
Luís Quintais
Cotovia
mmmmn
Uma chave partida,
uma fechadura
bloqueada,
impossível entrar em
casa, assim começa
este livro de Luís
Quintais, um único
poema em 33
fragmentos. Mesmo
leitores de poesia experimentados
hão-de querer perceber que chave é
essa que se partiu, quem bloqueou a
fechadura; porém, Quintais
habituou-nos a um discurso
densamente pessoal, mas pouco
confessional. A biografia dita
algumas necessidades,
algumas urgências,
e o texto assume
isso, mas a
da poesia à biografia. Ou a
incapacidade de resposta.
O texto está cheio de alusões
elegíacas ou apocalípticas, embora
menos descritivas do que nos livros
propriamente fúnebres de Quintais.
O tom é solipsista, quase não há
diálogo com terceiros. São
assumidamente poemas de
desamparo, que têm a sua imagem
objectivada na eliottiana “cidade
irreal” que conhecemos já de
anteriores colectâneas, urbe de
metal e asfalto, de consumo e
resíduos, de angústia e vazio. Não é
por acaso que a ideia de “mapa”
aparece tantas vezes, mas é sempre
um mapa inútil, como se não
houvesse caminho possível para o
sujeito perdido na multidão.
Baudelaire ainda é convocado, mas
Quintais já não acredita na redenção
num mundo caído. Talvez nem na
redenção pela poesia.
O que é a poesia? Som ou sentido?
Reiteração? Imprecisa melancolia?
Possivelmente apenas um conjunto
de “massas escuras” que foram
“tomadas de assalto pela linguagem”.
A linguagem é também um muro, um
monólito tétrico e ilegível. Na poesia
de Luís Quintais, o “real quotidiano”
sempre esteve submetido a uma
“ideia de ordem” verbalmente
construída, como em Wallace
Stevens. Mas aqui a própria ordem
hesita, soçobra, porque as palavras
foram submergidas por uma vaga
angustiante que desfaz o sentido. Daí
as definições hesitantes, jogos
precários de linguagem como em
Wittgenstein, daí as palavras como a
“dor” riscada do título, palavras
rasuradas que subsistem, que exibem
a sua impossível eliminação.
E no entanto, Luís Quintais extrai
deste negrume uma espécie de
eloquência da sombra, um discurso
rigoroso em dísticos elegantes e
exigentes, pensantes. Sempre que se
nomeiam terceiros, o lirismo respira
um pouco, mas é logo abafado por
um ambiente inumano, de sonhos
desfeitos e futuros incompletos.
“Nós somos frágeis, de ossos e
consentimento somos frágeis. /
Tocamos os dias e os dias tocam-nos,
como se fôssemos // dos dias o
mapa. Podemos depois enaltecer a
espuma / que esses dias fazem na
pele, vergões de alguém //
espancado, adormecido à nossa
porta, sem remissão, / sem entrada.
A mente não é a mente não é a
mente. // A difusa clareza que a
preenche preenche-nos / a sala na
antecipação da nossa morte, // e
tudo é antecipação do repetível / e
do diferente, como imagem,
semelhança // de animal ferido.
A beleza foi esconjurada / sob o
cristal desse território sem som”
(p. 23). A poesia não salva?
Provavelmente não.
concepção
do poema tende aqui
para uma certa
opacidade, e evita
toda a transparência.
“O que fazer da
biografia, quando ela
já não responde?”,
pergunta o poeta a
dado
d do passo, e talvez
da
esta sequência de
textos seja sobre
isso, sobre a
resposta
mútua
mú
m
úttu
ua
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 51
Cinema
série ípsilon II
Sexta-feira,
dia 11 de Junho,
o DVD “A Vida
É um Milagre”,
de Emir Kusturika
Estreiam
Crónica de
um desaparecimento
“Wendy e Lucy” é o fantasma
de um cinema – como dizer:
“cinema social”? – que há
muito se extinguiu. Vasco
Câmara
Wendy and Lucy
De Kelly Reichardt,
com Michelle Williams, Walter
Dalton, Larry Fessenden, Will
Oldham. M/12
MMMnn
Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 13h45,
15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 4ª 13h45,
15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 24h;
Lucy, a cadela, desapareceu no
Oregon. E Wendy, que estava a
caminho do Alasca, vê-se sem carro
e sem animal, as posses visíveis de
uma existência tão fina como o
papel que se o vento soprar mais
forte ela vai desaparecer (e Wendy
responde à invisibilidade social que
parece condená-la com tamanha
obsessão pelas suas pequenas coisas
que ela própria já não consegue ver
os outros.)
A Wendy (Michelle Williams e
aquela sua agreste doçura que
começa a ser um traço...) de “Wendy
e Lucy” é uma progressão, em
termos de alienação, das
personagens de “Old Joy” (2006),
anterior filme de Kelly Reichardt que
esta semana também está disponível
no mercado português – este em
DVD, aquele em sala.
Os filmes são, ambos, crónicas de
um desaparecimento: o da paisagem
liberal americana, algo de mítico que
o vento dos anos Bush arrasou (na
entrevista que publicamos neste
suplemento, a realizadora assume
ter querido fixar um momento no
tempo da América). E são, ambos,
fantasmas de um cinema – como
dizer: “cinema social”? – que há
muito se extinguiu, com a sua
geografia e a sua paisagem
humana. Reichardt
consegue fazer
com
que
oiçamos esse som, o traço ainda
possível e visível de algo,
personagens e paisagens, que
constituiu património
cinematográfico americano, mesmo
nos tempos da Hollywood clássica, e
que já está ao longe, como o silvo
dos comboios que se perdem na
noite.
Não há como escutá-los, “Wendy e
Lucy” e “Old Joy”, filmes em que a
realizadora, com uma abordagem
próxima do documental, e correndo
os riscos de um certo minimalismo
(os riscos, isto é, a ameaça de
desagragação), expõe actores e um
fio de ficção ao Oregon, a paisagem
predilecta do seu cúmplice nestas
coisas, Jonathan Raymond, escritor
de Portland – quer um quer outro
filme são adaptados de contos de
Raymond.
Falar numa disponibilidade para a
escuta – de algo que já não se
consegue ver mas do qual
conseguimos ainda ouvir o som –
não é aqui uma figura de estilo. A
“banda sonora” de “Wendy e Lucy”
é constituída pelo silvo dos
comboios (tal como em “Old Joy” se
insinua o som de um programa
radiofónico...), e isso Reichardt
utiliza como coro ou comentário–
vamos escrever “silencioso”, porque
nada aqui grita redundância – à
fragilidade social da sua
personagem, à sua incapacidade de
protagonizar o seu destino (logo, de
ascender a protagonista do filme) e a
um próprio cinema que já não
existe.
Eis a delicadeza, e a fragilidade,
de “Wendy e Lucy”: a sua
natureza de filme-fantasma,
também com dificuldade em
existir.
Um Funeral à Chuva
De Telmo Martins,
com Sandra Santos, Pedro
Gorgia, Alexandre Silva,
Hugo Tavares, João
Ventura, Luís Dias, Pedro
Diogo, Sílvia Almeida. M/16
Mnnnn
Lisboa: ZON Lusomundo
Alvaláxia: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h55, 17h,
21h35,
“Wendy e Lucy”: crónica da alienação na América de Bush
+4 DVD
Todas as sextas,
por €1,95.
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
20
anos
52 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h30, 21h20,
00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h35, 21h30,
00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado
15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h05, 16h, 19h, 22h; ZON Lusomundo Vasco da
Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,
15h50, 18h45, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 00h05;
Porto: Vivacine - Maia: Sala 2: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h20,
00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30,
21h10, 00h10; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,
18h40, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h10, 16h, 18h45, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 15h30, 21h; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª
Domingo 2ª 3ª 14h30, 17h35, 21h10 6ª Sábado 4ª
14h30, 17h35, 21h10, 00h15;
Não há nada de mal em querer fazer
uma versão portuguesa (mesmo que
tardia e actualizada para os nossos
dias) dos “Amigos de Alex” (1983) de
Lawrence Kasdan, com seis antigos
colegas de faculdade a reunirem-se
para o funeral de um sétimo e a fazer
o ponto da situação sobre o modo
como as suas vidas mudaram. E
deve-se louvar o voluntarismo de
fazer um filme em Portugal fora do
sistema de produção tradicional,
sem subsídios nem produtores, em
regime quase de “carolice” - e o
trunfo de “Um Funeral à Chuva” é
que esse lado “amador” não
transparece de uma produção que
parece muito mais cara e consegue
até ser superior à maior parte do
que passa por televisão hoje em dia.
Infelizmente, parecer
não chega – é
preciso
p eciso ser, e
pr
este projecto
simpático
desintegrad sintegrade
se
se muito
rapidamente
num guião
cheio de
banalidades
redundantes
e pontas soltas
que nunca
ficam resolvidas,
que Telmo
Martins filma
sem ritmo
(duas horas
e dez
porquê?) e
ao qual
nem a
evidente cumplicidade do elenco
consegue emprestar interesse. “Um
Funeral à Chuva” não é, felizmente,
um desses produtos formatados
televisualmente que se querem fazer
passar por cinema, mas também não
é suficientemente sólido para ser um
bom filme. J. M.
Sexo e a Cidade 2
Sex and the City 2
De Michael Patrick King,
com Sarah Jessica Parker, Kristin
Davis, Cynthia Nixon, Kim Cattrall.
M/16
a
Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30; Castello Lopes Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h15, 16h,
18h45, 21h30 6ª Sábado 4ª 13h15, 16h, 18h45,
21h30, 00h15; Castello Lopes - Loures
Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 12h40, 15h30, 18h25, 21h25, 00h20; CinemaCity
Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª Sábado Domingo
15h55; CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30,
21h30, 00h25; CinemaCity Beloura
Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 13h30, 16h25, 21h20, 00h15; CinemaCity Campo
Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª Sábado
Domingo 16h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça
de Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 13h35, 16h35, 21h30, 00h25; CinemaCity Campo
Pequeno Praça de Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 4ª
21h55; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª
Domingo 15h, 17h50, 21h30 6ª 4ª 13h35, 16h25,
21h30, 00h20 Sábado 15h, 17h50, 21h30, 00h20 2ª
3ª 13h35, 16h25, 21h30; Medeia Fonte Nova: Sala 1:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15,
21h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45,
21h30, 00h15; Medeia Saldanha Residence: Sala 6:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h30,
19h15, 22h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª
6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30, 00h25
Domingo 11h30, 15h, 18h15, 21h30, 00h25; UCI
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 00h15; UCI
Tejo: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª
Dolce Vita T
15h10, 18h15,
18h15 21h15 6ª Sábado 15h10, 18h15, 21h15,
00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h50, 21h20,
00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, 21h, 00h10; ZON
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h30, 21h05,
00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 17h30, 21h, 00h10; ZON
Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª
3ª 4ª 15h30
15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30,
00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque:
21h30, 00h3
5ª 2ª 3ª 4ª 15h, 18h20, 21h30 6ª 17h, 21h, 24h
Sábado 13h3
13h30, 17h, 21h, 24h Domingo 13h30, 17h,
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado
21h; ZON Lusomundo
Lu
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h, 00h05; ZON
Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo
13h50, 17h30, 21h, 00h25; ZON
2ª 3ª 4ª 13h
Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h45, 18h40, 21h35,
Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1: 5ª
00h30; Castello
Cast
Domingo 12h
12h40, 15h30, 18h30, 21h30 6ª 4ª 15h30,
18h30, 21h30,
21h30 00h20 Sábado 12h40, 15h30, 18h30,
21h30, 00h20
00h2 2ª 3ª 15h30, 18h30, 21h30; Castello
Lopes - Fórum
Fóru Barreiro: Sala 4: 5ª Domingo 12h30,
18h30, 21h30 6ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30,
15h30, 18h30
Sábado 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h20
00h20 Sába
2ª 3ª 15h30
15h30, 18h30, 21h30; Castello Lopes - Rio Sul
Shopping: Sala
S
1: 5ª Sábado Domingo 12h35,
15h30, 18h30
18h30, 21h30, 00h30 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,
18h30, 21h30,
21h30 00h30; UCI Freeport: Sala 1: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h15 6ª Sábado
15h15, 18h10,
18h10 21h15, 00h10; UCI Freeport: Sala 4: 5ª
00h05; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Dom
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h30, 21h10,
00h10; ZON
ZO Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª
Sábado D
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h20,
00h25;
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado
Domin
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h20, 21h40,
00h4 Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado
00h40;
Dom
Domingo
2ª 3ª 4ª 14h, 16h45, 19h30,
22h Vivacine - Maia: Sala 1: 5ª 6ª
22h15;
Sá
Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h,
20
20h50,
24h; ZON Lusomundo Dolce Vita
P
Porto:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4 12h30, 15h20, 18h20, 21h20,
4ª
As estrelas do público
Jorge
Mourinha
Luís M.
Oliveira
Mário
J. Torres
Vasco
Câmara
Alma Perdida
mmmnn
nnnnn
mmnnn
nnnnn
Eu Sou o Amor
mmmmm
nnnnn
mmmmn
nnnnn
Histórias da Idade de Ouro
mmmnn
mmmnn
mmnnn
nnnnn
A Mente dos Famosos
mmnnn
nnnnn
nnnnn
nnnnn
Noite e Dia
mnnnn
mmmmn
mmnnn
nnnnn
Polícia Sem Lei
mmmmn
nnnnn
nnnnn
mmmmn
Príncipe da Pérsia
mmnnn
nnnnn
mmnnn
nnnnn
Vencer
mmmmn
mmmnn
mmnnn
mmnnn
Sexo e a Cidade 2
A
nnnnn
nnnnn
nnnnn
Wendy e Lucy
mmmmn
mmnnn
nnnnn
mmmnn
Cineclubes
para mais informações consultar www.fpcc.pt
Cine-Teatro S. Pedro
Largo S. Pedro - Abrantes
8 ½ FESTA DO CINEMA ITALIANO
– 3ª edição
Programação em www.
espalhafitas.org 2 a 6/6, 19h e 21.30h
Morrer Como um Homem
De João Pedro Rodrigues, 2009,
M/16
9/6, 19h e 21.30h
“Sexo e a Cidade 2”: pior filme do ano, até agora
Casa das Artes
de Vila Nova de
Famalicão
Parque de Sinçães – Famalicão
O Vale Era Verde
De John Ford, 1941, M/12 8/6, 21:30h Pequeno Auditório
O Mensageiro
De Oren Moverman, 2009; M/16
10/6, 21:30h - Pequeno Auditório
Fundação Cupertino Miranda, Famalicão
Rostos
De John Cassavetes, 1968, M/12 4/6,
21:30h
Centro Cultural Vila
Flor
Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães
Fantasia Lusitana
De João Canijo, 2009, M/6 6/6, 21.45h
- Pequeno Auditório
Cinemas Ria
Shoping
Estrada Nacional 125, 100 - Olhão
Bobby Cassidy
De Bruno de Almeida, 2009, M/12
8/6, 21.30h
Cine-Teatro António
Pinheiro
R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira
Irina Palm
De Sam Gabarski, 2007, M/12 4/6,
21.30h
Este é o Meu Sangue
De Chan-Wook Park, 2009, M/16
6/6, 21.30h
Teatro Virgínia
Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas
O Meu Amigo Eric
De Ken Loach, 2009, M/12 9/6, 21:30h
Cinema Verde Viana
Praça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do
Castelo
Tony Manero
Realização: Pablo Larraín, 2008,
M/16 10/6, 21.45h
“Morrer Como
um Homem”
em Abrantes
00h25; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª
Domingo 2ª 3ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 4ª
15h30, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo
GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 4ª 12h40, 15h40,
18h40, 21h30, 00h30 Domingo 2ª 3ª 12h40, 15h40,
18h40, 21h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª
Domingo 2ª 3ª 13h50, 17h15, 21h30 6ª Sábado 4ª
13h50, 17h15, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
14h, 17h30, 21h30, 00h40; ZON Lusomundo
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h50, 17h10, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 14h40, 18h, 21h20, 00h30; Castello Lopes - 8ª
Avenida: Sala 1: 5ª Domingo 12h50, 15h50, 18h40,
21h20 6ª 4ª 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 Sábado
12h50, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 2ª 3ª 15h50,
18h40, 21h20; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª
Domingo 2ª 3ª 13h50, 17h10, 21h15 6ª Sábado 4ª
13h50, 17h10, 21h15, 00h35; ZON Lusomundo
Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20,
17h40, 21h, 00h20;
viagem ao Abu Dhabi que serve de
pano de fundo à história é filmada
como um qualquer exterior de
fancaria. A única justificação para a
existência deste objecto é a batelada
de dinheiro que o primeiro filme
rendeu e a batelada que este
também vai render – e isso chateava
menos se houvesse aqui nem que
fosse um grama de cinema. Pior
filme do ano, até agora. J. M.
Polícia Sem Lei
The Bad Lieutenant: Port of Call
- New Orleans
De Werner Herzog,
com Nicolas Cage, Eva Mendes, Val
Kilmer. M/16
MMMMn
Lisboa: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40,
00h10; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10,
21h40, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10:
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45,
00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45,
00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h20, 21h40,
00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 23h50; ZON Lusomundo
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
21h, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h35, 18h25,
21h15, 24h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h15,
21h10, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h20, 00h10; ZON
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 21h30, 00h20;
Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40,
19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40,
00h35; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª
Seja responsável. Beba com moderação.
www.jameson.pt
Continuam
Noite e Dia
Bam gua nat/Night and Day
Qualquer semelhança destas
De Hong Sang-Soo,
intermináveis duas horas e meia
com Kim Young-ho, Park Eun-hye,
com cinema (ou sequer com a
Hwang Su-jung. M/12
comédia clássica que invoca, qual
sacrilégio, em excertos de “Uma
MMMMn
Noite Aconteceu”, 1934, Frank
Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado
Capra, e “O Assunto do Dia”, 1942,
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 21h30;
George Stevens) é puro acaso.
Chamar “filme” a “Sexo e a Cidade
A “fuga” – em sentido geográfico e
2” é uma conveniência de
“existencial” – é um tema que vem
formulação, porque o que aqui se vê
dos primeiros filmes de Hong Sangnão passa de um episódio da série (e
Soo, e normalmente conclui-se em
um episódio desinspirado) esticado
desolação, em regresso ao ponto
para lá do ponto de saturação. Não
inicial, pois que tudo é círculo. Em
é, atenção, que não haja o gague
“Noite e Dia” a fuga é apresentada
pontual com piada (quase sempre
como facto consumado, uma
devido à ninfomaníaca
legenda no ge
genérico: um
a Samantha de
Kim Cattrall), nem que
coreano
um avião
e haja alguma
corean
ano apanha
ap
coisa de mal em quererr fornecer
para
escapar a
pa
ara
r Paris para
p
uma noite de entretenimento
um imbróg
imbróglio com a
imento
descomprometido. O
justiça. E depois é uma
problema é que “Sexo e a
saga,
saga uma epopeia
Cidade 2” acha
do
preguiçosamente que basta
desenraizamento
de
fazer mais do mesmo em
numa
Paris
n
maior para se ter um filme
transformada
em
ilme
tr
“Noite e Dia”: a
(havia uma razão pela
colónia
de
co
observação de uma
qual a série se limitava
coreanos,
dias e
aa
co
psique masculina
meia-hora semanal). Não
noites
(e sonhos e
no
particular
(e
de
há aqui uma única ideia
vigílias)
ia
vig
umas quantas
de cinema: tudo é
confundindo-se,
con
femininas),
com
televisão no grande
como
com se perante a
humor, acidez
écrã, e televisão mal
poderosa
po
feita, onde até a
espaço todo o tempo desaparecesse
(e tivesse, por isso, que ser marcado
obsessivamente, dia a dia, como
entradas dum diário). Hong SangSoo filma maravilhosamente, como
de costume, e é extraordinária a
maneira como em cada plano, cada
cena, há uma proeza a ultrapassar
– reencontrar o caminho de casa
debaixo de uma carga de água,
resistir a uma ex-namorada em
trajos menores, comprar
preservativos sem saber falar
francês, etc. E, a alimentar isto, a
observação de uma psique
masculina particular (e de umas
quantas femininas), com humor,
acidez, e uma “gravitas” servida em
rajadas súbitas como aguaceiros (as
nuvens são, de resto, o leit-motiv
visual). Um filme soberbo, que
conviria não tomar pela
superficialidade das aparências
(Paris…) nem confundir com
modelos que não têm, nem tiveram,
qualquer relevância especial para o
cinema de Hong Sang-Soo.Luís
Miguel Oliveira
.
Easygoing Irish.
Para quem leva o riso bem a sério e se aplica
na boa disposição, a Jameson preparou um
conjunto de festas verdadeiramente divertidas.
Entre num caso sério de gosto pela vida.
Há poucas oportunidades assim.
estranheza
do
es
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 53
Cinema
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Sábado 4ª 21h55, 00h45 Domingo 2ª 3ª
21h55; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo
2ª 3ª 13h, 15h55,18h50, 21h45 6ª Sábado 4ª 13h,
15h55,18h50, 21h45, 00h40;
Apesar de Werner Herzog negar a
relação de “remake” (ou sequela, ou
o que for) entre o seu filme e o de
Abel Ferrara, é estimulante ver os
dois “Polícia sem Lei”. Comparar,
por exemplo, os uivos de angústia de
Harvey Keitel com os furores nada
religiosos e mais irrisórios de Nicolas
Cage que, à medida que o filme
progride, vai ficando cada vez mais
torto (é o mal das costas...) e mais
parecido com o amigo/inimigo
preferido de Herzog, o diabólico
Klaus Kinski. Isso também é
interessante: ver como Herzog faz
seu um argumento que serviria às
maravilhas o “thriller” urbano dos
anos 70 americanos, sendo o mais
possível ele próprio, Herzog,
mostrando-se como artesão a
cumprir eficazmente a encomenda
– ou seja, algo de reptilíneo por aqui,
o que não é de espantar perante o
restante da obra de um cineasta que
em 2009 ainda se fez passar (com
menos graça) por David Lynch em
“My Son, My Son, What Have Ye
Done”. Vasco Câmara
Alma Perdida
Cold Souls
De Sophie Barthes,
com Paul Giamatti, David Strathairn,
Dina Korzun, Katheryn Winnick. M/12
MMnnn
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 4: 5ª 6ª
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 22h, 00h20
Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 19h20, 22h, 00h20;
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 14h30, 16h55, 19h25, 21h50, 00h20 3ª 4ª 16h55,
19h25, 21h50, 00h20;
Sem ter as subtilezas e as bizarrias
de um filme como “Queres Ser John
Malkovitch?”, este argumento de
Charlie Kaufman pedia uma
realização mais imaginativa. “Alma
FORMAÇÃO
INICIAL EM
REPRESENTAÇÃO
PARTICIPAÇÃO:
ACTRIZ TERESA TAVARES
FORMADORA:
ANDREIA DAMAS
INSCRIÇÕES: 96 205 27 15
LISBOA – JUNHO/JULHO PREÇO: 290€
54 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon
“Polícia sem Lei”: o alemão Herzog reinventando-se
como artesão do “thriller” americano
“Alma perdida”: falta-lhe estilo...
Perdida” esboça um tom de comédia
tresloucada, mas carece de um ritmo
imparável que fizesse das suas
peripécias disparatadas uma revisita
aos lugares mais estimulantes da
“screwball”, cruzada com uma
espécie de Ficção Científica
desregulada, quase surrealista.
Falta-lhe estilo e vontade de não se
conformar às regras de uma
primeira tentativa. Mas para
estreante não é pouco: mesmo o
lado auto reflexivo e metafísico que
pesa na narrativa justifica que se fixe
“Vencer”: esta loucura não “voa”
um nome fácil de reter, por razões
extra-cinematográficas – Barthes,
Sophie. Mário Jorge Torres
Vencer
Vincere
De Marco Bellocchio,
com Filippo Timi, Giovanna
Mezzogiorno, Michela Cescon, Fausto
Russo Alesi. M/12
também não ajuda a fazer “voar” a
loucura. Dito isto, Giovanna
Mezzogiorno e Filippo Timi valem o
filme. M. J.T.
MMnnn
Príncipe da Pérsia: As Areias do
Tempo
Prince of Persia: The Sands of
Time
De Mike Newell,
com Jake Gyllenhaal, Ben Kingsley,
Gemma Arterton, Alfred Molina. M/12
Lisboa: Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30;
MMnnn
Marco Bellocchio é um
sobrevivente do cinema italiano de
autor e isso nota-se no modo como
inicia esta ficção histórica, com uma
definição segura das personagens e
com bom cruzamento entre a
narrativa que constrói e as imagens
de arquivo que instrumentaliza – a
fazer recordar outros tempos de
militância. O que limita, então, esta
estranha história, baseada em factos
verídicos, vindo a lume há pouco
tempo sobre o primogénito de
Mussollini e a mãe, Ida Dalser?
“Vencer” começa bem, com uma
espécie de histeria visual em que
Bellocchio sempre foi mestre, mas
acaba por perder-se em episódios
repetitivos, de manicómio em
manicómio, num estilo de
reportagem melodramática que
cansa à força de quer funcionar em
vários registos simultâneos,
inclusive o operático que lhe não vai
a capricho. A fotografia soturna
Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h45; Castello Lopes Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,
19h, 21h45 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h45,
24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,
21h35, 24h; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 2: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h, 18h30,
21h35, 24h; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 4:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h35,
19h, 21h35, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça
de Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 13h45, 16h05, 18h30, 21h40, 24h; Medeia Fonte
Nova: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
14h30, 17h, 19h30, 22h; Medeia Saldanha
Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h30; UCI Cinemas
- El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª
14h05, 16h40, 19h15, 21h50, 00h15 Domingo 11h30,
14h05, 16h40, 19h15, 21h50, 00h15; UCI Dolce Vita
Tejo: Sala 10: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h15,
19h, 21h40 6ª Sábado 13h50, 16h15, 19h, 21h40,
00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h10, 18h50, 21h30,
00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h50, 21h40,
00h30; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20,
21h30, 00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h15,
21h20, 00h05; ZON Lusomundo Dolce Vita
Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10,
21h10 6ª Sábado 15h10, 18h10, 21h10, 00h10; ZON
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 12h50,
15h40, 18h30, 21h20 6ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20,
00h05 Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, 00h05
2ª 3ª 15h40, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,
15h40, 18h30, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo
Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h15, 16h, 18h40, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo
Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h10, 15h55, 18h20, 21h15, 24h; Castello Lopes - C.
C. Jumbo: Sala 3: 5ª Domingo 13h20, 16h10, 18h40,
21h10 6ª 4ª 16h10, 18h40, 21h10, 23h40 Sábado
13h20, 16h10, 18h40, 21h10, 23h40 2ª 3ª 16h10,
18h40, 21h10; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala
2: 5ª Domingo 13h, 15h40, 18h20, 21h20 6ª 4ª
15h40, 18h20, 21h20, 24h Sábado 13h, 15h40, 18h20,
21h20, 24h 2ª 3ª 15h40, 18h20, 21h20; Castello
Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª Sábado
Domingo 13h, 15h40, 18h40, 21h40, 00h10 6ª 2ª 3ª
4ª 15h40, 18h40, 21h40, 00h10; UCI Freeport: Sala
5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h25 6ª 15h40,
18h30, 21h25, 23h55 Sábado 13h20, 15h40, 18h30,
21h25, 23h55 Domingo 13h20, 15h40, 18h30,
21h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h15,
21h05, 23h45; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,
21h20, 24h; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h25,
21h30, 00h10;
Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 14h, 16h35, 19h15, 21h55, 00h30 3ª 4ª
16h35, 19h15, 21h55, 00h30; Arrábida 20: Sala 12:
5ª 15h20, 00h15 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
15h20, 18h20, 21h20, 00h15; Cinemax - Cinema da
Praça : Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45 6ª 15h30,
21h45, 24h Sábado 17h30, 21h45, 24h Domingo 15h,
21h45; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª
15h30, 21h35 6ª 15h30, 21h35, 00h20 Sábado 15h,
17h40, 21h35, 00h20 Domingo 15h, 17h40,
21h35; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h25,
21h50; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,
00h15; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,
21h30, 00h20; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª
Domingo 2ª 3ª 15h50, 18h40, 21h40 6ª Sábado 4ª
15h50, 18h40, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo
GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 4ª 13h15, 16h05,
18h45, 21h20, 00h25 Domingo 2ª 3ª 13h15, 16h05,
18h45, 21h20; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª
Domingo 2ª 3ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40 6ª Sábado
“Books Alive
Alive”
é o nome da
retrospectiv
retrospectiva
de filmes
adaptados
ou baseados
basead
em obras
literárias que
qu
o crítico
Ciclo
o
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200
Sexta, 04
Du Grand Large aux Grands Lacs
De Jacques-Yves Cousteau
Abraço Mortal
A Double Life
De George Cukor
19h30 - Sala Luís de Pina
O Rei das Rosas
Der Rosen König
De Werner Schroeter
15h30 - Sala Félix Ribeiro
O Mundo sem Sol
Le Monde Sans Soleil
De Jacques-Yves Cousteau
19h - Sala Félix Ribeiro
L’ora di Religione (Il sorriso di
mia madre)
De Marco Bellocchio
19h30 - Sala Luís de Pina
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Zorns Lemma + Gloria
Zorn’s Lemma
De Hollis Frampton
22h - Sala Luís de Pina
Terça, 08
Maria Stuart, Rainha da Escócia
Mary of Scotland
De John Ford
O Navio
E la Nave Va
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Il Regista di Matrimoni
De Marco Bellocchio
19h - Sala Félix Ribeiro
E era o Mar + A Metafísica dos
Chocolates + Cidade + Regresso à
Terra do Sol
A Cidade
De José Fonseca e Costa
De Federico Fellini
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Karagoez catalogo 9,5 + Cesare
Lombroso
Karagoez catalogo 9,5
De Yervant Gianikian, Angela Ricci
Lucchi
19h30 - Sala Luís de Pina
de cinema do PÚBLICO,
Luís Miguel Oliveira,
programou para o FEST
– Festival Internacional
Cinema Jovem que irá
decorrer de 20 a 27 de
Junho, em Espinho.
“Tempos Difíceis”, de
João Botelho; “O Fio do
4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; ZON
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50, 21h40,
00h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h10,
21h40, 00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 2:
5ª Domingo 13h, 15h30, 18h50, 21h40 6ª 4ª 15h30,
18h50, 21h40, 00h15 Sábado 13h, 15h30, 18h50,
21h40, 00h15 2ª 3ª 15h30, 18h50, 21h40; ZON
Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª
14h10, 17h, 21h 6ª Sábado 4ª 14h10, 17h, 21h,
23h55; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h55, 21h15, 00h05;
Depois de reinventar o filme de
piratas para o século XXI com
“Piratas das Caraíbas” (o primeiro
tinha graça, daí para a frente foi o
descalabro), o produtor Jerry
Bruckheimer atira-se às aventuras
orientais de capa e espada com esta
versão cinematográfica dos jogos de
computador criados por Jordan
Melcher. O resultado não é
desengraçado, em grande parte
porque rapidamente o veterano
britânico Mike Newell se
desenvencilha das grilhetas do videojogo para instalar um clima de
aventura exótica conscientemente
fajuta onde não faltam os diálogos em
Horizonte”, de Fernando
Lopes; “Sinais de Fogo” de
Luís Filipe Rocha e “Amor
de Perdição” de Manoel de
Oliveira são algumas das
obras.
tom de guerra-dos-sexos/“screwball
comedy”. E ter actores que pensam à
frente da câmara ajuda – Jake
Gyllenhaal e Gemma Arterton
divertem-se claramente a invocar os
grandes heróis das aventuras
clássicas e contribuem grandemente
para a eficácia do filme. Mas não se
confunda este “ersatz fast-food” do
cinema clássico com um grande filme
– é apenas um entretenimento
despretensioso mastiga-deita-fora,
melhor feito do que é habitual... J. M.
Estômago - Uma história nada
infantil sobre poder, sexo e
gastronomia
Estômago
De Marcos Jorge,
com João Miguel, Fabiula Nascimento,
Babu Santana. M/16
MMnnn
Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 9: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45, 24h; Medeia
Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h50, 00h30; UCI Cinemas El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 19h10, 00h20;
Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 00h05 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 21h15, 00h05;
Habituados que estamos
a uma certa pobreza do cinema
brasileiro exibido entre nós, não
certamente representativa
do muito que se faz além-Atlântico
( Júlio Bressane continua
ausente da exibição comercial),
este “Estômago”, comédia negra
bem engendrada e com um olhar
bizarro e criativo sobre as
contradições sociais do “país
irmão”, merecia, apesar de alguma
facilidade expressiva
(a gastronomia como metáfora
carece de maiores ambições
narrativas), uma mais cuidada
atenção por parte de um público
português desconfiado, devido à
oscilação entre indigestos
“novelões” e insuportáveis
demagogias populistas. “Estômago”
é um pequeno filme sobre o poder e
sobre o fascínio dos pormenores
insignificantes, simpático e
despretensioso: o suficiente para
despertar a curiosidade e o respeito
pela diferença. M.J.T.
O Leopardo
Il Gattopardo
De Luchino Visconti.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
22h - Sala Luís de Pina
Profit Motive and the
Whispering Wind + National
Archive V.1
De John Gianvito
Sábado, 05
A Manada Perdida
Cattle Drive
De Kurt Neumann
22h - Sala Luís de Pina
SÁB 21:00 SALA SUGGIA | € 15
ÁUSTRIA 2010
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Quarta, 09
Fim-de-Semana
Week End
De Jean-Luc Godard
Um Caso de Vida ou de Morte
A Matter of Life and Death
De Emeric Pressburger, Michael
Powell
19h - Sala Félix Ribeiro
15h30 - Sala Félix Ribeiro
True Heart Susie
19JUN
OBRAS DE
ALBAN BERG
FRANZ LISZT
JOHANNES BRAHMS
Turbilhão
Whirpool
De Otto Preminger
19h - Sala Félix Ribeiro
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220
Viver Não Custa
The Young in Heart
De Richard Wallace
19h30 - Sala Luís de Pina
Quintã - Memórias
De Ricardo Machado.
Mac
De D.W. Griffith
19h30 - Sala Luís de Pina
21h30 - Sala Félix Ri
Ribeiro
Sete Mulheres
Seven Women
De John Ford
21h30 - Sala Félix Ribeiro
A Comédia do Dinheiro
heiro
Komedie om Geld
De Max Ophüls
22h - Sala Luís de Pina
A Morte e o Diabo +
Verteidingung
der
Verteiding
Zeit
Tod Und Teufel
Teu
De Peter Nestler.
Nest
59
min.
22h - Sala
S
Luís de
Pina
Segunda, 07
Abraço Mortal
A Double Life
De George Cukor
JORGE
MOYANO
MECENAS CICLO PIANO
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Bom Dia, Noite
Buongiorno,
Notte
De Marco Bellocchio
19h - Sala Félix Ribeiro
O ciclo Marco Bellochio continua na Cinemateca...
MECENAS CASA DA MÚSICA
APOIO INSTITUCIONAL
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 55

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