O que fizemos nós para ainda estarmos aqui?
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O que fizemos nós para ainda estarmos aqui?
Sexta-feira 4 Junho 2010 www.ipsilon.pt Flying Lotus Kelly Reichardt NICOLAS GUERIN/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7365 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Maria do Rosário Pedreira “Eram os anos 80” na Cinemateca O que fizemos nós para ainda estarmos aqui? DESIGN © www.dasein.pt 26 MAIO A 4 JULHO 2010 280 FESTIVAL 26 MAIO QUARTA 21H30 02 JUNHO QUARTA 21H30 14 JUNHO SEGUNDA 21H30 20 JUNHO DOMINGO 21H30 27 JUNHO DOMINGO 21H30 Teatro José Lúcio da Silva / Leiria Teatro José Lúcio da Silva / Leiria Teatro Miguel Franco / Leiria Igreja de São Francisco / Leiria Teatro José Lúcio da Silva / Leiria EUROPA GALANTE FABIO BIONDI ORQUESTRA GULBENKIAN PEDRO NEVES CORO GULBENKIAN MICHEL CORBOZ TALK SHOW A teatralidade barroca imortalizada pela música dos compositores /violinistas italianos Obras de Alexandre Delgado e Joseph Haydn MAESTRO 28 MAIO SEXTA 21H30 Teatro José Lúcio da Silva / Leiria ORQUESTRA DE CÂMARA PORTUGUESA PEDRO CARNEIRO MAESTRO PEDRO LOPES VIOLINO HUGO DIOGO VIOLA LUÍS ANDRÉ FERREIRA VIOLONCELO DAVID COSTA OBOÉ ROBERTO ERCULIANI FAGOTE Convenção e Contemporaneidade 01 JUNHO TERÇA 11H00 E 15H30 Teatro José Lúcio da Silva / Leiria O JAZZ VAI À ESCOLA JOSÉ MENEZES DIRECÇ. E SAXOFONE GONÇALO MARQUES TROMPETE JORGE GONÇALVES GUITARRA PEDRO PINTO CONTRABAIXO JOÃO RIJO BATERIA Uma fantástica viagem ao Mundo do Jazz para o público juvenil e familiar MAESTRO 8 JUNHO TERÇA 21H30 Teatro Miguel Franco / Leiria ANA MARIA PINTO NUNO VIEIRA DE ALMEIDA SOPRANO PIANO Evolução / Contrastes – um recital comentado 13 JUNHO DOMINGO 21H30 Igreja do Convento da Portela, (Franciscanos) / Leiria CORO DO ORFEÃO DE LEIRIA PEDRO MIGUEL DIRECÇÃO Na tradição vocal portuguesa 15 JUNHO TERÇA 21H30 Teatro Cine de Pombal / Pombal VERA DIAS CRISTINA ÁNCHEL PEDRO RIBEIRO FAGOTE FLAUTA OBOÉ ESTHER GEORGIE CLARINETE JONATHAN LUXTON TROMPA A religiosidade operática de Rossini ORQUESTRA FILARMONIA DAS BEIRAS STEPHEN COKER 22 JUNHO TERÇA 21H30 Teatro Miguel Franco / Leiria PEDRO GOMES PIANO 19 JUNHO SÁBADO 21H30 Cine Teatro da Batalha / Batalha Mosteiro de Santa Maria da Vitória / Batalha 26 JUNHO SÁBADO 21H30 DIRECÇÃO ROBERTA MAMELI SOPRANO RENATA SPOTTI VIOLINO EFIX PULEO VIOLINO LUCA MORETTI VIOLA TAKASHI KAKETA VIOLONCELO ALBERTO LO GATTO VIOLONE FULVIO GARLASCHI TIORBA MARTA GRAZIOLINO HARPA DAVIDE POZZI CÍMBALO Patrocínios Empresariais 4 JULHO DOMINGO 21H30 Teatro José Lúcio da Silva / Leiria MAESTRO JOÃO MOREIRA CLARINETE Americanos e Europeus dos séculos XIX e XX Obras de Beethoven, Chopin e Prokofiev 25 JUNHO SEXTA 21H30 A arte de Claudio Monteverdi Patrocínios Institucionais Coreografia de Rui Horta para quatro intérpretes e duas colunas de som Música francesa para sopros no início do século XX LA VENEXIANA CLAUDIO CAVINA ATÉ SE APAGAR O CORPO MAESTRO SÓNIA GRANÉ SOPRANO CÁTIA MORESO MEIO-SOPRANO MÁRIO ALVES TENOR LUÍS RODRIGUES BARÍTONO SIMON SAVOY PIANO NICHOLAS MCNAIR ÓRGÃO Auditório do Museu do Vidro / Marinha Grande QUARTETO BLANC Obras de Mozart, Webern e Chostakovitch PROGRAMA SUJEITO A ALTERAÇÕES RESERVA DE BILHETES No Orfeão de Leiria a partir de 19 Maio VENDA DE BILHETES Espectáculos no Teatro José Lúcio da Silva: a partir de 19 Maio na bilheteira daquele Teatro / Restantes espectáculos: no local do espectáculo, uma hora antes do início. ORGANIZAÇÃO Orfeão de Leiria Conservatório de Artes Av. 25 de Abril, 2400-265 Leiria T 244829550 / 938238700 / F 244829551 [email protected] www.orfeaodeleiria.com Jornal Oficial Flash Sumário Anos 80 6 Quando o cinema começou a deixar de existir Kelly Reichardt 14 Filma a América no tempo de Bush Mª do Rosário Pedreira Na Leya, a reconstruir a literatura nacional 16 Lars Kepler 20 O segredo mais bem guardado do policial sueco Flying Lotus 26 “Cosmogramma”, uma ópera espacial Primavera Sound 28 O mundo indie reunido em Barcelona Toshiki Okada Um japonês em casa no Alkantara 34 Banderas “meets” Almodóvar (e é como se nunca se tivessem separado) Os filmes de Pedro Almodóvar com Antonio Banderas, nos anos 80, foram o inicio de uma bela amizade - e de uma carreira internacional de sucesso, para os dois. Sem Antonio Banderas e Pedro Almodóvar, o cinema espanhol não seria o mesmo. Agora, vão voltar a estar juntos: o novo filme de Almodóvar “starring” Banderas chamar-se-á “La Piel que Habito”, disse o actor ao “El País”. É um projecto que está na gaveta há dez anos: Almodóvar já escreveu e reescreveu nove vezes o guião, baseado em “Tarantula”, livro de Thierry Jonquet. Banderas será um cirurgião plástico que quer vingar a violação da filha, e que não olha a meios para atingir os seus fins. Terror. “Mas sem gritos ou sustos. É difícil de definir e embora se aproxime do género – algo que me interessa porque nunca fiz – não vou respeitar nenhuma das suas regras. É o filme mais duro que já escrevi e a personagem de Banderas é brutal”, vai avançando o cineasta. A rodagem começa a 9 de Agosto, em Espanha. O filme será produzido pela El Deseo, de Almodóvar, e terá figurinos da responsabilidade de Jean Paul Gaultier, que já trabalhou com o cineasta espanhol em “Kika”. Apesar dos dez anos de diferença, o percurso de Almodóvar e Banderas é semelhante. Nasceram em terras pequenas (Banderas em Málaga e Almodóvar em Calzada de Calatrava) e foram para Madrid realizar os seus sonhos. Ali trabalharam juntos em cinco filmes, mas isso foi nos anos 80. Depois, seguiram separados. O actor tentou a sorte em Hollywood e o realizador fez os filmes que lhe deram o reconhecimento internacional. E assim se passaram 20 anos. Continuaram amigos, mas não voltaram a trabalhar juntos. Até ao mês passado. Banderas, diz Ficha Técnica Directora Bárbara Reis Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana Soares Editor de fotografia Miguel Madeira E-mail: [email protected] Banderas vai protagonizar o primeiro filme de terror de Almodóvar Bruce Nauman num contentor em Lisboa O escultor, fotógrafo e performer norte-americano Bruce Nauman é a principal atracção de uma programação de peso pensada para a inauguração de um singular espaço de exposições em Lisboa, no próximo dia 17 de Junho. Mas ninguém vai vê-lo, a não ser a artista plástica Luísa Cunha, que com ele criou “Uma performance e ”. Ninguém uma conversa”. ue a vai vê-lo porque um “work-inperformance (um iado a 20 de progress” iniciado a que, quando Março) implica oporto de chegar ao aeroporto an seja metido Lisboa, Nauman num contentorr e transportado sem que a para o tal ninguém o veja ar nas Docas espaço singular de Lisboa – quatro atro tores outros contentores intados restaurados, pintados de cinzento e colocados sob a ue grande pala que existe há vários os anos debaixo da bril, Ponte 25 de Abril, pela Associação ão de nto Desenvolvimento Criativo e Artístico P28. E isto é só o começo. As o exposições vão suceder-se até ao fim do ano e todas dentro ou fora dos contentores. Depois de Luísa Cunha, que também convida o artista Fernando Ribeiro (17 de Junho a 17 de Julho), haverá a dupla de designers R2 Design, Lizá Defossez Ramalho e Artur Rebelo (24 de Julho a 28 de Agosto), Susanne Themlitz (2 de Setembro a 2 de Outubro), Pedro Cabrita Reis (14 de Outubro a 31 de Outubro) e, para terminar, José Pedro Croft (12 de Novembro a 31 de A passagem de Bruce Nauman será invisível a olho nu: o artista será enfiado num contentor à chegada ao aeroporto Dezembro). “Os contentores, além de serem um suporte artístico alternativo, são por si um objecto artístico, pela forma como foram colocados”, realça Bruno Malveira, responsável da comunicação da P28. Como suporte para os projectos dos artistas, os contentores serão o que estes quiserem. Na maioria dos casos, será na parte exterior dos contentores que os artistas vão desenvolver os seus projectos. Na performance de inauguração, Luísa Cunha e Bruce Nauman estarão dentro, mas será preciso estar fora para perceber como vai desenrolar-se a conversa lá dentro. A ideia da Associação P28 é promover a arte pública, apostar num serviço cultural gratuito e fazer chegar a arte ao maior número de pessoas possível, promovendo o cruzamento, e mesmo a justaposiçã justaposição, dos espaços onde as pessoas da cidade o se movem e dos espaços artísticos, p para que o público se aproxime dos criadores de d forma inesperada e natural. E, para fazer do espaço de arte também um espaço de lazer, ao lado dos passeio e la contentores serão contentore colocados os jardins de oliveiras que redondos d têm estado junto à até aqui tê Praça do Comércio. projecto dos O project contentores, que foram contento por uma cedidos p empresa, teve o apoio da empresa Administração do Porto Adminis de Lisbo Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa, Municip servindo também para servind dinamizar uma zona da dinam cidade pouco utilizada, diz Br Bruno Malveira, e para c continuar a ideia reabilitação de rea subjacente a muito do subja traba trabalho da P28. Ana Dias Cordeiro C Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 3 Flash As cartas são toda uma nova porta de entrada no romance público mais avassalador do século XX Almodóvar, “está exactamente como quando foi embora”: “Quando apareceu, foi como se tivéssemos acabado ‘Ata-me’ na noite anterior”. Mas a história começou dez anos antes de “Atame”, com “Labirinto de Paixões”, de 1982. Quatro anos depois, Banderas entrava em “Matador”, e a seguir no polémico “A Lei do Desejo” – Banderas de novo homossexual, desta vez psicótico - e em “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos”. Em Agosto, os Arcade Fire chegam aos subúrbios Continuamos a aguardar ansiosamente o novo álbum dos Arcade Fire, e a contagem decrescente tem sido fértil em novidades. Os canadianos revelaram finalmente a data de lançamento do novo disco (2 de Agosto), embora sublinhem que “ainda estão a terminar” o álbum (começaram a gravá-lo no mês passado). Na semana passada, os irmãos Will e Win Butler explicaram à rádio americana NPR Music o significado do nome do disco, “The Suburbs” (correm rumores de que será um álbum duplo). “Nascemos numa cidade muito pequena da Califórnia, na fronteira com o Nevada”, explicou Win, citado pelo “New Musical Express”. “Mudámonos para Houston quando éramos novos. Sendo nós crianças tão pequenas, foi como ir para Marte. [No álbum], tentámos falar sobre esse sentimento”. Mais um regresso à infância, portanto. Sobre a música do disco, Will disse que “há dois pólos, um mais rock’n’roll, o outro mais electrónico”, e que o álbum se situa “entre esses dois extremos”. Enquanto esperamos por “The Suburbs”, o site da banda dá-nos muito que fazer: podemos encomendar o álbum, desc ca arrre reg ga ar descarregar as canções “The suburbs” e ““Month Mo M ont nth of May” (uma edição limitada dos singles foi despachada para lojas de discos independentes), ver algum do trabalho gráfico do novo álbum (incluindo uma fotografia antiga dos subúrbios de Houston), e ainda ler a letra da canção que dá o nome ao disco (e brincar com ela...). Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. De volta à Flip está também Salman Rushdie, que esteve em Paraty em 2005. O escritor indiano lançará o O músico Lou Reed, os escritores seu novo romance “Luka e o Fogo Salman Rushdie, Antonio Tabucchi da Vida”, que no Brasil será editado e Isabel Allende, o cartoonista pela Companhia das Letras. A Robert Crumb, os historiadores “multiculturalidade” é, de resto, o Robert Darnton e Peter Burke e o fio condutor desta edição, que crítico literário Terry Eagleton são colocará o israelita Abraham B. as principais atracções da 8ª edição Yehoshua e a iraniana Azar Nafisi a da Flip - Festa Literária debater o processo de paz Internacional de Paraty, entre árabes e que vai decorrer de 4 a israelitas. Wendy 8 de Agosto no Guerra, que Brasil. Este ano, vive em aquela que é a Cuba, e a brasileira maior festa Carola literária Saavedra, brasileira não falarão terá nenhum das convidado diferenças português, de se depois de por escrever lá já terem em passado Reed lança uma colectânea democracia António Lobo das suas letras no Brasil ou sob Antunes, Miguel ditadura. Sousa Tavares, No ano passado, Gonçalo M. Tavares e Richard Dawkins esteve José Luís Peixoto. em Paraty a falar de ateísmo, Lou Reed não vai cantar - estará na ciência e fé. Este ano, em resposta 8ª Flip a propósito da edição no às teorias de Dawkins, a Flip Brasil de “Atravessar o Fogo”, obra convidou um dos mais influentes que reúne 310 canções do norteamericano. O livro chega às livrarias críticos literários contemporâneos, o britânico Terry Eagleton, que irá em Julho e Lou Reed conversará no contra-argumentar o ateísmo festival com o escritor e jornalista apregoado pelo cientista. Arthur Dapieve sobre “os limites Os bilhetes para o evento começam entre arte e contestação, letra e a ser vendidos a partir das 10h (no poesia, alta cultura e rock’n’roll”. Brasil) do dia 5 de Julho no site O escritor homenageado este ano na Flip é o sociólogo Gilberto Freyre www.ticketsforfun.com.br. A partir do dia 4 de Agosto, estarão (1900-1987) e na conferência de disponíveis apenas na bilheteira da abertura, dedicada ao autor de Casa Grande & Senzala Flip em Paraty. Isabel Coutinho “Casa Senzala”,, pa art rticcip ipará o sociólogo e exparticipará Paraty ao som de Lou Reed Mais memórias das dores de crescimento dos Arcade Fire no terceiro disco 4 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Vamos ler as cartas de Richard Burton a Elizabeth Taylor Não houve (e por favor não vamos sequer sujar a boca com aquela a) na coisa chamada Brangelina) história do “star system” (e, vá, na ora o história do cinema, embora sellini com encontro de Roberto Rossellini e europeu Ingrid Bergman, apesar de mbém seja e portanto periférico, também mítico) nenhum romance como o hard de Elizabeth Taylor e Richard mento Burton. Foi uma acontecimento ais eram torrencial, como torrenciais u em um e outro, que começou or, Roma, 1962, quando Taylor, casada, estava a morrer nas filmagens de “Cleópatra” (um filme que, de resto, quase matou o sistema de produção de Hollywood) e Burton, casado, correu para a salvar (já tinha ficado morto de desejo dez anos antes, quando a viu pela primeira vez junto à piscina, numa festa em casa de Stewart Granger e Jean Simmons). O adultério, imediatamente condenado às mais altas instâncias (pelo Vaticano), transformou-se logo ali num épico, possivelmente um épico maior do que o que Joseph L. Mankiewicz estava a tentar filmar. O calor, a derrapagem financeira e depois Burton e Taylor, inseparáveis: Mankiewicz tinha de gritar “vocês os dois importam-se que eu diga ‘Corta’?”. Nos anos que se seguiram, houve altos e baixos, separações e reconciliações, álcool e drogas. Casaram-se duas vezes (de 15 de Março de 1964 a 26 de Junho de 1974, e de 10 de Outubro de 1975 a 29 de Julho de 1976), depois divorciaram-se definitivamente. Agora, 26 anos após a morte de Burton, vamos saber como esse romance era por dentro: Taylor entregou a Sam Kashner e Nancy Schoenberger praticamente todas as cartas que Burton lhe escreveu (apenas uma, que o actor escreveu poucos dias antes da sua morte, em 1984, e que só chegou às mãos de Taylor depois do funeral, ficará inédita). Serão impressas pela primeira vez em “Furious Love: Elizabeth Taylor, Richard Burton, and the Marriage of the Century”, uma edição da Harper Collins disponível nos EUA a partir de 15 de Junho. A “Vanity Fair” pré-publicou excertos de algumas dessas cartas em que Burton usa maravilhosamente a língua para se declarar, insistentemente, a Taylor, lamentar os desentendimentos entre ambos (“Funcionamos em comprimentos de onda completamente diferentes. Tu estás tão longe como Vénus - o planeta, quero dizer - e eu sou surdo à música das esferas”) - e também para lhe dizer que se a perdesse, não havia se não o suicídio: “Não há vida sem ti”. Os inéditos de Vergílio Ferreira na Quetzal A Quetzal vai publicar um romance inédito de Vergílio Ferreira, “Promessa”, no dia 11 de Junho. Teve como primeiro título “Sequência” — foi escrito em 1947 e não chegou a ser publicado. É o único romance inédito completo que existe no espólio de Vergílio Ferreira (1916-1996), e a decisão de o trazer a público não foi fácil de tomar para a equipa de investigadores e professores dirigida por Hélder Godinho (com as professoras Fernanda Irene Fonseca e Ana Isabel Turíbio), que está a estudar, catalogar e anotar o espólio do escritor português. Na sua “Conta-Corrente”, Vergílio Ferreira escreveu que, na sua opinião, “um autor não dá garantias quase nenhumas (mormente quando grande autor) sobre a valia do que realiza” e que “se um artista não quer que se lhe conheça a obra, destrua-a ele.” Há cerca de 30anos, falou da existência deste romance inédito a Hélder Godinho (que estava na altura a preparar uma tese de doutoramento sobre a sua obra) e emprestou-lhe o original dactiloscrito. Também uma novela inédita intitulada “A Curva de Uma Vida”, a primeira história que Vergílio Ferreira escreveu, acaba de ser publicada pela Quetzal e já está nas livrarias. “É o primeiro livro de Vergílio Ferreira, datado de 1938. Só no ano seguinte sairia ‘O Caminho Fica Longe’, que até agora é dado como o seu primeiro romance. É evidente que se trata de um texto muito mais curto, uma novela, mas nela aparecem já os grandes temas que Vergílio marcariam a obra de V Nomeadamente, a Ferreira. Nomeadame ausência do pai, a figura figu da mãe, a culpa, a busca da agência identidade”, disse à ag Lusa Francisco José V Viegas, que está editor da Quetzal, q a reeditar a obra co completa Camões do Prémio Cam 1992. Isabel 1992 “Promessa”, o único romance inédito completo Coutinho C de Vergílio Ferreira, sai no dia 11 de Junho APRESENTAÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre entrada livre APRESENTAÇÃO CICLO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE Por ocasião do Dia Mundial do Ambiente, a Fnac chama a atenção para os problemas ambientais causados pela acção humana, as alterações climáticas e as soluções sustentáveis em defesa do nosso planeta. 01 - 15.06. EM TODAS AS FNAC AO VIVO JOHNWAYNES Novos Talentos Fnac 2010 A diversidade desta banda vai desde o minimalista acid-house, até temas de cariz mais clássico do house ou compostos orquestrais, com um desvio para terrenos como o disco-funk e o boogie. 09.06. 17H00 FNAC CHIADO 09.06. 20H00 FNAC COLOMBO 11.06. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING 12.06. 22H00 FNAC COIMBRA AO VIVO OS CAPITÃES DA AREIA Novos Talentos Fnac 2010 Sintetizadores, guitarras africanas, tambores e electrónicas, formam vozes sem complexos. Praia, calças às cores e desamores juvenis compõem o imaginário destes cinco rapazes de Lisboa. 09.06. 21H00 FNAC CASCAISHOPPING 11.06. 21H00 FNAC VASCO DA GAMA AO VIVO RITA REDSHOES Lights & Darks Rita Redshoes regressa com Lights & Darks, um disco que nos revela uma artista mais madura, desprendida e directa nas suas canções. 14.06. 18H30 FNAC CHIADO EXPOSIÇÃO OS ARQUIVOS DE BERGMAN Fotografias de Rodagem A Fnac expõe 18 momentos da vida de Ingmar Bergman (1918 - 2007), cineasta, escritor e dramaturgo sueco. 21.04. - 21.06.2010 FNAC VASCO DA GAMA Consulte todos os eventos da Agenda, assim como outros conteúdos culturais Fnac em Apoio: AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO anos 80 modo Capa As estreias não tinham dia fixo, os filmes ficavam anos em – esta era uma década de fidelidades. Os autores, aliás, cinema, tal como o conhecíamos, começou a deixar de os Anos 80”. Quem os viu e quem os vê, Coppola, Scorsese, Foram os anos da nossa alteridade e da transição cinéfila. “Eram os anos 80”, diz o ciclo que dia 18 inaugura na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa: Coppola, Scorsese, Woody Allen, Cassavetes, Truffaut, Rohmer, Lynch, Jarmusch (“Stranger than Paradise”, a abrir), Spike Lee, Moretti, Von Trier, Kurosawa, John Huston, Fassbinder, Wenders, Tarkovski ou Leone. Uma década que aqui, em Portugal, começa num misto de ressaca e estado ébrio pósrevolução, mas que abraça também a entrada na então CEE (e queriam desesperadamente ver Portugal na CEE). Queríamos ser outros, como o resto da Europa, e já éramos outros. O fim dos cineclubes – os primeiros multiplex. A cassete, primei- 6 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon ro de áudio, depois de vídeo – os videoclubes. O walkman, bolas, há 30 anos. O cinema só saía à noite e se manifestava em salas, ia parar à TV ou ganhava corpo VHS. Alteridade porque gostávamos de ter dado o salto antes, como os vizinhos espanhóis com a intensa Movida, que deu às artes Almodóvar. Eles, os outros, tinham caramelos, alcagoitas e Danone, marcas da Europa que íamos comprar nas férias. Queríamos a globalização e nem sabíamos que com ela os meios de comunicação colectivos passariam a “self-media”. Será que queríamos tudo isto? Queríamos – esclarece João Pedro Rodrigues, cineasta e cinéfilo “um pouco obsessivo” –, como ele que- ria, “ver todos os filmes de cada realizador”. E eles estavam por aí, nas salas únicas, na Cinemateca, na Gulbenkian, nos institutos, na RTP2. Atenção: havia cinema, sessões cheias, clássicos na Cinemateca e novidades europeias e “matinées” nos cineclubes. Existiria, no final da década, uma febril produção cinematográfica em Portugal, novos e velhos realizadores ao leme, a mexer na moda, no design, na música – o que Inês de Medeiros, deputada, actriz, realizadora, chama “os anos Frágil”, cujas noites começavam na Cinemateca e acabavam no “hub” de Manuel Reis. Mas neste mesmo Portugal, no início dos 80s, acontecia ainda muito pouco. Como fri- sa Inês de Medeiros, este é um olhar “nostálgico, mas sem saudosismo” sobre a década. E como diz Pedro Caldas: hoje não é bom, nem mau; é diferente. O honroso bando de cinéfilos ouvidos pelo Ípsilon nasceu ali, fins da década de 1970, plenos anos 1980. Era uma dependência independente – dependiam dos ciclos, dos festivais, dos programadores para ver cinema e davam-lhes os novos independentes, os velhos clássicos. Fosse na Gulbenkian, nos famosos ciclos do cinema dos anos 1930 (1977), 1940 (1979) ou 1950 (1981), ou no Quarteto, Estúdio 444, Cinebloco, Apolo 70... Há sempre algo de agridoce ao visitar a geografia passada, sobretudo ao tentar e a e A Pedro Almodóvar em retrato oficial de “movida”, Martin Scorsese no final da sua década prodigiosa (os 70s), Rainer Werner Fassbinder com o Urso de Ouro de Berlim (“A Saudade de Veronika Voss”, a exibir no ciclo) e Francis Coppola a pagar pelos seus desvarios do de usar m exibição e certos autores tinham em cada sala o seu poiso ainda eram o “mainstream”. Mas foi a década em que o e existir. A Cinemateca programa, a partir de dia 18, “Eram Almodóvar, Lynch, Oliveira.... Joana Amaral Cardoso* fazer uma história oral da cinefilia 80s. A toponímia mostra a inevitabilidade da nostalgia – ah, o extinto Quarteto; suspiro pelo Império; lamento pela Sala Bebé. Esta foi a década em que, pela última vez, se construía a cinefilia numa sala de cinema. O “home video” e o “home cinema” ainda não existiam. “Home” é onde o futuro estaria. O fim dos cineclubes – os primeiros multiplex. A cassete – os videoclubes. O cinema só saía noite e se à noi manifestava em salas, manif parar à TV ou ia pa ganhava corpo VHS. ga ganh Fim do cinema? O programador do ciclo “Cinema Anos 80”, António Rodrigues, postula: os anos 80 foram “o período em que o cinema propriamente dito começou a deixar de existir”, culpando o vídeo doméstico pelo encerramento de metade das salas europeias. Há mágoa ao pensar na “religiosidade” (Caldas), na “cerimónia” (Medeiros), na “hipnose mágica” (Fellini) da sala de cinema como “sala de espectáculos” (António Roma Torres, psiquiatra, cineclubista e crítico de cinema). As últimas temporadas de “reprises” (os verões do Império p pé pério, Condes, Monumental). Os ccinemas ci inem n eram de bairro e estavam ao a o la lado dos espectadores. “Morávamos no Lumiar. Em 1980, eu tinha 14 anos e os meus pais iam deixar-me ao cinema à tarde. O meu eixo era o Caleidoscópio, o Apolo 70, o Alvalade e o antigo Monumental”, recorda João Pedro Rodrigues. “Um dos primeiros filmes que vi foi ‘O Meu Tio’, do [ Jacques] Tati, no Apolo 70. Mais crescidinho foi o Quarteto e lembro-me do ano em que se estreou ‘Paixão’, do Godard, e ‘Querelle’ [de Fassbinder]”. Pedro Caldas, cujo “Guerra Civil”, sobre um amor jovem nos anos 1980, venceu o IndieLisboa, era mais Avenidas - São Jorge, Império e “‘Apocalipse Now’ numa sala com 4 ou 5 pessoas no Monumental, naquele ecrã monumental”. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 7 chega à Dois em 1978 e programa ciclos. “Descobri o cinema na RTP2. O que mais me marcou foi o ciclo Dreyer. Lembro-me de ver pela primeira vez ‘A Palavra’ na televisão”, rememora Inês de Medeiros. “A programação de cinema do segundo canal foi feita com o tipo de exigência dos cineclubes. Sabíamos que havia um público cinéfilo e não os deixámos sem filmes para verem”, conta-nos Fernando Lopes. Guarda a memória do “mestre” Dreyer, mas também prova física: “Foi duro conseguir encontrar uma cópia. Teve de ser feita uma de propósito para Portugal. Ainda hoje guardo com carinho o primeiro poster do filme ‘A Palavra’, enviado pelo Instituto Dinamarquês de Cinema, que ficou surpreendido com o nosso pedido”. Marcados na memória tem ainda o “Boy Meets Girl” (Leos Caraz), “O Contrato” (Peter Greenaway), “E La Nave Va” (Fellini), “Paris, Texas” (Wenders) propostas do ciclo “Nos anos 1980, estava a meio de um percurso que começou nos anos 1970, com enormes temporadas nos três ciclos da Gulbenkian que me tornaram cinéfilo. Antes disso, ia ao Palácio Foz [extensão da Cinemateca]”. E depois a Cinemateca reabriu e passou a ser a sua sala nos anos 1980. Inês de Medeiros de 16 anos, quando começou a ir à Cinemateca, atalha, lembrando-se de Claudette Colbert na Barata Salgueiro. “A Cinemateca era um sítio a que se ia descobrir cinema, mas também onde o cinema era encarnado por pessoas”. Falemos de João Bénard da Costa, e dos ciclos na Gulbenkian originavam filas madrugadoras nas bilheteiras de cineastas em flor e cinéfilos convictos. “As folhas [de sala] do Bénard da Costa foram importantes. Ele falava de outros filmes daquele realizador, de outros realizadores e fazia uma espécie de montagem de outros filmes. E isso dava-me a vontade de ver mais. Guiava-me muito pelo gosto dele”, diz-nos João Pedro Rodrigues. Tão valorizado quanto Bénard é um cinema na tradição das salas de arte e ensaio. Pedro Bandeira Freire criou no Quarteto o mais invulgar dos multiplexes. Anabela Duarte, cantora, ex-Mler Ife Dada: “um sítio de culto”; Vera Mantero, coreógrafa: “uma coisa bastante extraordinária”; Inês de Medeiros: “um pólo de cinefilia” onde viu o seu primeiro Bergman; Pedro Caldas: “havia coisas que estavam só no Quarteto”. Nas imediações, outras salas. Pedro Caldas lembra que o Londres era a casa de Bergman e Woody Allen – estreavam-se sempre ali. “Íamos ao Londres ver um tipo de cinema, e íamos ao Quarteto ver outro.” Era uma década de fidelidades e de circuitos delineados. Alvalade, Avis, Éden, Odeón, Politeama ou Roma passavam cinema europeu, de terror ou popular; Castil, Condes, Império, Monumental, São Jorge, Star (hoje a Zara na Guerra Junqueiro), Terminal, Tivoli, Vox tinham cinema popular ou de prestígio; Apolo 70, Cinebloco, Estúdio, Estúdio 444, Londres, Nimas, Quarteto, Satélite eram arte e ensaio. No Porto, lembra António Roma Torres, eram os tempos do Nun’Álvares, agora reabertos, da Sala Bebé, do Cinema Charlot, do Passos Manuel, Foco, Pedro Cem e dos Cinemas Lumiére, “com uma programação muito cuidada do Mário Pimentel”. E o Fantas, claro. Esta foi também uma década de finais. As últimas temporadas de “reprises” de clássicos nos grandes ecrãs; o fim do Monumental, demolido, ou de pequenas salas como o Jardim Cinema, o Vox ou o Pathé, convertidos em discotecas (o primeiro foi o Loucuras, depois Zona Mais, o segundo tornou-se na Voxmania em 1985 antes de voltar a ser King, e o último foi a discoteca Metropolis em 1985 antes de ficar devoluto). Com o aproximar do final da década, os circuitos também se iam desagregando. Surgiriam novos espaços – os Alfa em 1981, as Amoreiras em 1985 – e o efeito Pingo Doce ocupa- Com as “technicalities” das últimas décadas, não acabaram os cinéfilos. “O que muda é o sentido da cinefilia”, observa Fernando Lopes. Há menos gente nas salas e “algo mudou, a percepção das imagens é diferente” ria os cinemas de bairro. O Cinema Royal (Graça) ficou supermercado Inô e depois Pingo Doce. O mesmo no Roxy, no Intendente. São as leis da atracção – espaços amplos pouco frequentados geram espaços amplos frutados. Podemos argumentar que seguiram o mesmo fim dos cineclubes, empurrados pelo advento do VHS e dos multiplexes. Mas nem tudo nisso era mau – argumentamos. Tarantino é apenas o exemplo mais conhecido dessa geração videoclube, as cassettes com gravações de filmes guardadas por João Pedro Rodrigues são testemunho da importância de certa TV e Pedro Caldas ia aos “Alfa, às Amoreiras porque havia filmes para ver – a programação não era tão homogénea”. Falar em programação nesta década é também falar de festivais, como o da Figueira da Foz, ou de ciclos como os do Instituto Alemão, com os contemporâneos Schroeter, Fassbinder, Wenders, lembra Pedro Caldas, ou o Franco-Português, com “muitos filmes recentes, sobre os quais lia nos ‘Cahiers...’”, recorda João Pedro. Mas é também falar de televisão. RTP2, mais precisamente, Fernando Lopes, evidentemente. O sr. “Belarmino” Quarteto, o mais invulgar dos multiplexes. Anabela Duarte, cantora, ex-Mler Ife Dada: “um sítio de culto”; Vera Mantero, coreógrafa: “uma coisa bastante extraordinária”... 8 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon ciclo Glauber Rocha e os “filmes populares em 31 tardes – Dick Tracy, Flash Gordon, Homem-Aranha”, a titilar vários públicos. Outro programador, Alberto Seixas Santos, daria também fôlego à televisão cinéfila. Era o tipo de momento que Vera Mantero apreciaria. Ainda hoje, 30 anos depois de, com o colega bailarino Francisco Camacho, andar pelas salas de cinema de Lisboa, prefere ver o que está a dar na TV do que um DVD. Porque é “algo que mais pessoas estão a ver”. Em plena era dos média pessoais, há quem ainda precise de organizar o caos. Seja via programação de festival (Indie ou Doc Lisboa), seja via qualquer coisa que dê a sensação do colectivo como os Óscares. “Continuo a ir ver filmes às salas. Porque é aí que acontece o cinema”, explica Vera Mantero. Continua a encontrar salas em que confia, como uma especial em Angers, França, onde viu um documentário que a inspirou para a peça que levou ao Festival Alkantara. Todos referem King e Monumental como herdeiros das salas de confiança da década de 1980 em Lisboa, da mesma maneira que António Roma Torres reporta que cabe aos cinemas Cidade do Porto, da mesma Medeia Filmes de Paulo Branco, a honra de serem as quatro salas “onde ainda há filmes sem intervalo, sem pipocas e como eram os Lumière”. Hoje temos ecrãs para 3D, som “surround”, salas em carreirinha. A década em que o cinema morreu? “Eram os Anos 80” propõe um olhar descentrado sobre a década que mudou o cinema contemporâneo – para o bem e para o mal. Conversa com António Rodrigues, programador do ciclo. Jorge Mourinha António Rodrigues, programador Se está à espera que “Eram os Anos 80” mostre muito do cinema que identificamos com os anos Reagan – de “Blade Runner” ao “E.T.” ou aos primeiros filmes de Indiana Jones, passando por Stallone, Schwarzenegger ou pelos êxitos do cinema português como “Kilas, o Mau da Fita” ou “O Lugar do Morto”... pode esperar... Mesmo que haja Coppola, Scorsese, Woody Allen, Cassavetes, Truffaut, Rohmer, Lynch, Jarmusch, Spike Lee, Von Trier, Kurosawa, Huston, Fassbinder, Wenders, Tarkovski ou Leone, estes anos 80 correspondem ao lado “autorista” da década que marcou a entrada do vídeo caseiro nos hábitos cinéfilos, a crise das salas de cinema e uma mudança no modo de ver, pensar e consumir o cinema. Curiosamente, António Rodrigues, o programador que se abalançou à década depois de ter organizado os ciclos sobre os anos 1960 e 1970, define-se como um “filmista” mais do que um “autorista” fanático (“todos os grandes cineastas fizeram maus filmes e cineastas medianos fizeram filmes bons”). Ao Ípsilon, diz que “cada programador faz as suas opções e dois programadores não fariam ciclos iguais”. Assim, em “Eram os Anos 80” de fora, propositadamente, ficou o c e a popu a , concentrandoco ce t a do cinema popular, se nos a au tores que autores mostraram durante a década uma identidade estilística pessoal e específica, “resistente” às formatações industriais e audiovisuais, como explica nas linhas que se seguem. Porquê focar o ciclo nos autores? Pelo facto de os anos 80 serem mais próximos do que os anos 60 e 70, é mais difícil termos uma perspectiva de conjunto. E também por outros motivos: nos anos 60 fiz questão de programar cronologicamente porque achei que era interessante ver Godard ao mesmo tempo que Christopher Lee. Neste ciclo, pensei programar por blocos, e procurei filmes de autor onde houvesse uma vontade de estilo individual, uma identidade marcada. No cinema americano independente, obviamente que os filmes não se parecem muito, mas há pontos comuns. Tanto Jarmusch como o jovem Gus van Sant têm algo de muito pessoal, uma busca da forma, uma narrativa mais oblíqua, menos ligada aos velhos padrões literários que ainda predominam. Um outro aspecto é o cinema português: Manoel de Oliveira em 1978 faz o “Amor de Perdição” e começa o fenómeno do cinema português, que é incontornável. Se houve cinema no mundo com vontade de estilo exagerada foi o cinema português de autor dos anos 1980. E ainda uma conclusão que tirei dos outros dois ciclos, por ter insistido no cinema popular, é que muitas vezes ele não é bom. Em tese é justo insistir, mas na prática nem sempre os filmes são interessantes. Foi uma opção tirar o cinema “mainstream” americano mais brutal, com a predominância dos efeitos, das explosões. M Mas há cineastas populares dos anos 80 que têm uma fforte conotação autoral – John M McTiernan, Steven Spielberg... Claro. A ausência do Spielberg é uma questão pessoal – representa o tipo de cinema que não acho muito interessante. Mas há autores mais “mainstream” – Scorsese, Coppola, Cassavetes são autores populares... A Até porque nos anos 80 ainda há uma dimensão popular do cinema de autor. Ainda há, e esses são bons exemplos. Woody Allen, Cassavetes, alguns europeus – Truffaut, Éric Rohmer... As “Noites da Lua Cheia” foram um êxito de público e o Rohmer passou a ser um cineasta popular em França. Os anos 80 foram também os anos em que a relação do espectador com o cinema mudou com a chegada do vídeo. As salas fecharam às centenas no mundo tudo, foi uma mudança radical, e talvez por isso esta escolha procure mostrar o “núcleo duro” do cinema como era então e como deixou de existir. Mas ao mesmo tempo o vídeo abriu uma possibilidade de cinefilia democrática que não existia até aí... Sem dúvida. Ver o “Couraçado Potemkine” passou a ser fácil. E a cinefilia “de ponta” até aumentou. Houve um fanatismo da colecção, desenvolveu-se brutalmente a busca da obra rara, aquele cinéfilo que já viu cem mil filmes e quer ver aquele de capa e espada chileno... O que penso é que o vídeo fez com que os espectadores deixassem de ver o filme inteiro. Via um trecho, voltava à cena de que gostava, andava para a frente quando achava chato, via ao longo de dois ou três dias... Isso mudou a relação com o cinema. Claro, o DVD é outra coisa, trouxe de volta uma certa cinefilia, com os complementos, por vezes magníficos. É uma ferramenta fantástica para estudo. Acho que o “Os anos 80 foram os anos em que a relação do espectador com o cinema mudou com o vídeo. Talvez por isso esta escolha procure mostrar o ‘núcleo duro’ do cinema como era então e como deixou de existir” vídeo e a televisão são bons para rever, mais do que para descobrir. Mas houve muita gente que descobriu a sua cinefilia na televisão. Havia um lado pedagógico de ciclos, como o Hitchcock integral na RTP-2... Quase como o cine-clube de antigamente... Mas a televisão em Portugal perdeu essa função – havia uma boa programação de clássicos, os filmes não eram interrompidos por anúncios, passavam na versão original, e isso já não acontece - bom, ainda passam na versão original... Os anos 80 foram então uma década perdida? Não tenho a certeza que tenha sido uma década perdida. O que mudou foi a relação com o cinema – e a década foi horrível do ponto de vista político e social, com uma revolta violentíssima contra tudo o que os anos 60 e 70 tinham significado, ao nível dos costumes, da política. Entre o Reagan e a Sida, foi duro, foi uma mudança completa. E o que mudou foi o “mainstream” americano, que perdeu a capacidade de contar histórias. O que passou a interessar foi o número dos espectadores, filmes feitos para o público do mundo inteiro, como se os públicos japonês, português ou francês fossem iguais. E a “nova Hollywood” dos anos 70 passou a ser o “super-mainstream”. Este programa é uma imagem da “resistência” a essa formatação? Não foi um objectivo consciente, mas sem dúvida nenhuma. Quando vejo esses nomes europeus – António Reis, Andrei Tarkovski, Philippe Garrel, Chantal Akerman — é óbvio que há algo disso. Spielberg na altura de “Tubarão”, o ponto de viragem: “A ausência do Spielberg é uma questão pessoal – representa o tipo de cinema que não acho muito interessante” Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 9 Há cidades, como o Porto, diz-nos Roma Torres, que não têm verdadeiros cinemas no centro. Está tudo nos “shoppings”, fora. “O cinema não é só o filme que foi registado” ... ainda em “Eram os Anos 80”: “Identificação de uma Mulher” (Antonioni), “Nostalgia” (Tarkovski), “Irmãos Inseparáveis” (Cronenberg) Contam-se pelos dedos as salas solitárias nas cidades. Aliás, há cidades, como o Porto, diz-nos Roma Torres, que não têm verdadeiros cinemas no centro. Está tudo nos “shoppings”, fora. “O cinema não é só o filme que foi registado”, relembra. À coreógrafa Vera Mantero faltam as conversas pós-filmes. Agora é só “consumir os objectos a sós e pronto”. Nova cinefilia Com as “technicalities” das últimas três décadas, não acabaram os cinéfilos. “O que muda é o sentido da cinefilia”, observa Fernando Lopes. Há menos gente nas salas e “algo mudou, a percepção das imagens é diferente, as novas tecnologias mudam-nos a cabeça e o olhar. Não quero fazer um juízo, é apenas diferente”, diz Pedro Caldas. “Deixou de haver convívio cinéfilo para ir ver filmes”, constata Fernando Lopes. “Há uma possibilidade de escolha enorme, as novas tecnologias não trazem só desgraças. Perde-se é o contacto social. E isso é tão visível no cinema português – antigamente convivíamos e agora está cada um para seu lado”. Ficamos por casa à descoberta de histórias alternativas do cinema, mas no DVD, atenta Roma Torres. “Os anos 80 foram o começo do declínio dos cinemas como salas de espectáculo”. O cinema é espectáculo, como frisa Inês de Medeiros, e a comunhão que faz falta vê-se no sucesso do Indie ou do DocLisboa. João Pedro Rodrigues é mais cauteloso. Acredita que as pessoas “vão ao Indie e não ver um certo filme”, só querem “acontecimentos”. “Às vezes os mesmos filmes passam na Cinemateca e não está ninguém.” 10 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Tal como Anabela Duarte, o autor de “Odete” está-se “nas tintas para a pirataria” e usufrui da Internet quando tem de ser. “Mas antes eu esperava aquele momento em que ia ver aquele filme sobre o qual tinha lido, naquele dia, àquelas horas. Era uma emoção. Isso deixou de existir. A não ser ir a Cannes” – e anseia ver o Palma de Ouro deste ano, “Uncle Bomee...”, de Apichatpong Weerasethakul. Perdeu-se a “aura”. “É uma sensaboria, não há o sabor da descoberta”, diz Anabela Duarte. Restam os festivais para ver o que se faz no mundo, para olhar para outras cinematografias, comenta Pedro Caldas. Estas conversas reavivaram memórias. “Encontramo-nos no Condes ou no Éden”, mimetiza Fernando Lopes. O destino inicial de João Pedro Rodrigues: ornitólogo (“Também observava obsessivamente pássaros”). Pedro Caldas, voraz na enumeração (“Estou a ser um bocadinho cinéfilo, acho eu”). As sessões de “A Mosca”, “Nevoeiro” ou “Alphaville”, os filmes “mais rock‘n’roll” de Anabela Duarte. O cinema e a cinefilia são assim, como pré-tertúlias. Fernando Lopes: “Íamos ao cinema como qualquer coisa de exaltante, de estimulante, de convívio e depois iase para a cidade para outras vidas. Íamos viver os filmes no meio da cidade”. *com Jorge Mourinha Crónica Vanessa Rato Uma fronteira aberta chamada televisão É sempre assim. Há, por um lado, o que as narrativas pop apresentam como um país – e isso são as grandes capitais –, e, depois, há o resto – e isso é o rendilhado sem nome nem história das pequenas cidades. Portanto, Portugal, década de 80: isso era Lisboa, Porto e Coimbra. Depois, à volta, paisagem. Por exemplo, Castelo Branco. Coisa para 30 mil habitantes, dizem as estatísticas da época. Coisa para menos de duas dezenas de adolescentes de preto e com os pés enfiados em Doc Martens vendidas a peso de ouro na Ex-Sonhos Pop [em Lisboa, claro – e isso era do outro lado do mundo, a uma eternidade de comboio, um enjoo de barrancos, penedos e pinhais a desfilar lentamente pela janela], diz-nos a memória. Era a época em que as auto-estradas da CEE pairavam num futuro por vir e em que ir de férias para o Algarve era um épico sazonal. Um dia inteiro Alentejo abaixo, a começar de madrugada. Carro atulhado, searas de um lado e outro, tudo a ferver e pardais a levantar voo do asfalto – se aquilo era asfalto (porque o que nos vendiam ali na berma de certeza que não era coca-cola). Era a época, também, em que as férias pareciam não acabar, mas acabavam. E depois havia o resto do ano. Castelo Branco, portanto. Um calor de torrar no Verão contra um frio de rachar no Inverno. Lá ao fundo, de manhã, a Serra da Estrela coberta de neve. E aqui, então, era uma vez uma sala de cinema para toda uma cidade e arredores. Ou, então, um incêndio mais tarde, uma cidade sem uma única sala de cinema era uma vez. Fugiu-se muito a salto de Portugal antes da Revolução, mas também se fugiu muito a salto depois – por exemplo, sentados no sofá, com a televisão a debitar a contemporaneidade via TVE. A cinefilia numa caixa talvez viesse a ser a pobreza do futuro, mas foi, sem dúvida, a grande riqueza deste passado. Contas: nascidos em 1975 – 9 anos quando nos caiu no colo um ovni chamado Alaska e uma nave-mãe conhecida como “A Bola de Cristal”. Espanha, 1984: neste país havia uma vanguarda que acreditava que as crianças tinham mais do que idade para serem tratadas como adultos. Era tempo de “movida” e a “movida”, quando nasceu, foi para todos – ou seja, foi para quem a quis apanhar. E, então, Alaska, a líder “underground” desse terramoto, com os seus vestidos góticos de teia-de-aranha, as suas unhas-garra pintadas de preto e a sua melena cor-delaranja. Aos Sábados de manhã ela era a Bruxa Avaria com um séquito “pós-punk” de Electroduendes que estavam para o Topo Giggio como “Blade Runner” estaria para “A Música no Coração”. Nas letras das músicas que sabemos de cor até hoje ficámos a conhecer o Mal como sendo o Capital, começámos a tratar a crise por tu (afinal quando é que deixámos de estar em crise?) e a reconhecer objectos não identificados como o “computador pessoal”. Ela, Alaska, acabava de sair de “Pepi, Luci, Bom” como uma das “chicas del montón” do primeiro Almodóvar da década. Nós (e a culpa de tudo ter sido tão rápido foi de certeza da “Bola de Cristal”) haveríamos de chegar a tempo de “Matador” e “A Lei do Desejo”. Isso, na vida real das salas de cinema de Madrid, foi em 1986 e 1987. Na TVE foi por volta de 1989 e, por então, há quatro anos que o Metrópolis já estava no ar. Primeiro programa – 21 de Abril de 1985: em reportagem, Tóquio, a nova grande capital cultural. Cinema, mas também moda – Yamamoto, Miyake –, música – Sakamoto... Os mais vorazes descobriram no Metrópolis e depois puseram-se a gravar em Beta e VHS tudo o que puderam da Nouvelle Vague francesa e do neo-realismo italiano. Sim, isso também estava na RTP, dizem-nos. Porque a RTP tinha Fernando Lopes, Seixas Santos e AntónioPedro Vasconcelos. Foi logo a seguir a Abril. Nós apanhámos a era mágica de Vasco Granja, o pai da Pantera Cor-de-Rosa que era também o guardião da chave para o mundo do cinema de animação de Leste. Mas a TVE passava em horário nobre o “Arrebato” do Iván Zulueta, a escorrer negrume, obsessão e heroína tanto tempo antes de Ferrara e muitos anos antes do escândalo português do “Império dos Sentidos”. Depois, havia a Alaska, claro, e isso, caramba!, fazia toda a diferença. Não pedimos para estar lá, mas estivémos. Era uma vez uma cidade sem uma única sala de cinema Almodóvar nos tempos de “Matador” Olhámos para o programa do ciclo e perguntámo-nos: onde é que (alguns deles) estavam nos anos 80, onde é que estão hoje? Quem os viu e quem os vê Jim Jarmusch Pedro Almodóvar Stranger than Paradise, 1984 Que fiz eu para merecer isto?, 1984 Nos anos 80, Jarmusch ajudou a inventar, e tornouse o seu principal expoente internacional, uma coisa a que depois, quando se descobriu como fazer o “marketing” de filmes que custavam pouco dinheiro e não davam muito mais, se chamou o “cinema independente americano”. Nos primeiros te tempos – “Permanent Vacation”, “Stranger Than Paradise” – a questão era para ele mais simples: aplicar ao cinema a economia do “underground” novaiorqu novaiorquino e os preceitos do “punk” (três acordes, preto e branco, nada de sintetizadores), e de co conjugar isso com a tradição (Ford, Ozu) Ozu). O ponto alto veio a meio da década com “Down by Law”. empali A sua estrela empalideceu depois, e enc nem sempre terá encontrado a melhor reacção a um circuito “independente” que depressa incorpor incorporou as regras da mantém indústria. Mas mantém-se independente dessa “independência” “independência”, e se, como escreveu um crítico amer americano, o “cinema independ independente americano” se tornou, na última década, “a pr sua própria auto-paródia”, Ja arm rm a Jarmusch poucas resp respo res re sp responsabilidades devem a ser assacadas. L.M.O. O Almodóvar de 1984, ano em que dirigiu “Que fiz eu para merecer isto?”, era uma das figuraschave da Movida madrilena que colocou a capital espanhola no centro da Europa cultural. Provocador pós-moderno que reciclava as tragédias de faca e alguidar do cinema mediterrânico, deixava-nos sempre na dúvida sobre o seu kitsch sobrecarregado: irónico ou sincero, subversivo ou afectuoso? A inventividade explosivamente multicor do seu cinema sugeria a subversão matreira de quem crescera com vontade de reinventar as convenções. Não é certo que o Almodóvar de 84 viesse dar no de 2010 – mas, olhando para trás, os seus filmes seguintes, “Matador” e “A Lei do Desejo”, eram antevisões do estilista sóbrio em que se transformou. J. M. Francis Ford Coppola Cotton Club, 1984 Os anos 80 não foram fáceis para Coppola. À glória dos anos 70 – os “Padrinhos”, o “Apocalypse Now” – sobreveio a bancarrota da Zoetrope precipitado pelo estrondo na bilheteira desse genial “One From the Heart”. Para Coppola, os anos 80 foram vividos em deflação, nas expectativas e nos “budgets”. Maravilhosa deflação, que deu – do “Rumble Fish” à “Peggy Sue” – tanta coisa fabulosa. Mas hesitava-se entre apreciar estes filmes pelo que eles eram e “lamentar” que Coppola estivesse arredado das grandes produções. Nos anos 90 fez a vontade aos lamentadores: o “Padrinho 3”, o “Drácula” – alguém os troca pela eggy Sue ?... Depois epo s desapareceu, desapa eceu, em e filmes es peque os e esqu s tos s ((“Jack”) Jac ) ou “Peggy Sue”?... pequenos esquisitos elegantemente anónimos (o “Rainmaker”), pôs-se a cuidar das vinhas sed da carreira dos filhos os.. At Até é re reap aparecer no final desta década, com mais filmes esquis sit itos o e lhos. reaparecer esquisitos grot gr otes escos (“Segunda Juventude”, “Tetro”), aprese se en ntados grotescos apresentados ((por (p or ele) como um grito de uma liberdade de e enfi e m rreconquistada. re conquistada. Sê-lo-á, mas sobre isto to o estamos e estamo d acordo: se foram os filmes que de de eram e r deram relevância a Coppola, agora re aé C Co ppola que confere a relevância rele lle evânc e v Coppola a coisas como “Juventude” “Juventu ud de” e “Tetro”. O que d iz diz a al go sobre o po oder od d algo poder d seu nome do e no n imaginário im o c ci néfilo. L. .M M.O cinéfi L.M.O. Gus Van Sant Mala Noche, 1984 Portland, Oregon, como em futuros filmes de Gus Van Sant. Mas um amor explícito como nunca mais nos filmes de Gus Van Sant – a não ser no último, “Milk”. Entre um e outro, o cineasta teve a sua fase “indie” (influenciada pelo underground dos 60 e 70s), a experiência (pouco convincente e pouco convicta) “mainstream” e o regresso a uma linguagem e poética pessoais (reinventando-se no cruzamento com as artes plásticas – após “Psycho”, 1998). “Mala Noche” é a história de desejo, de Walt por um imigrante ilegal mexicano, Johnny (história autobiográfica de um poeta de Portland, Walt Curtis)... sexo e frustração não foram mais expostos assim, com a frontalidade deste relato “genetiano”, pelo realizador. Que, até “Milk”, deslizou sobretudo pelos caminhos oblíquos do desejo. V.C. Abbas Kiarostami Onde fica a casa do meu amigo?, 1987 Jean-Luc Godard Prénom Carmen, 1983 Há quem ache que o Godard dos anos 1980 — o de “Carmen”, de “Salve-se Quem Puder”, “Paixão” e o de “Eu vos Saúdo, Maria” — foi o último que ainda valeu a pena. Mas, independentemente de se gostar ou não do Godard denso dos cine-ensaios a que se dedicou desde os anos 1990, a verdade é que a única constante nos 50 anos de percurso do provocador máximo da Nouvelle Vague tem sido uma vontade de experimentar com as fronteiras da narrativa convencional. O Godard da primeira metade dos anos 1980, depois da “travessia do deserto” auto-infligida dos anos 1970, ainda procura desmontar a partir de dentro o conceito tradicional de cinema (como o fez nos seus grandes filmes da década de 1960). O Godard de hoje é um teórico experimentalista, formalista e investigador feliz por andar a pregar aos convertidos. J. M. Martin Scorsese A Última ltima Tentação de Cristo, 1988 Será injusto considerar que quando chegamos a 1988, ano da “Última Tentação de Cristo”, Scorsese já fez os seus filmes mais viscerais? Este, projecto antigo que só em final dos anos 80 se concretizou (a actriz Barbara Hershey dera-lhe o livro de Nikos Kazantzakis no início dos anos 70, nos tempos de “Boxcar Bertha”), faz figura de resumo e explicitação: numa filmografia povoada por figurações crísticas, eis o momento, e com uma variedade de sotaques como se fosse “Mean Streets”, de um Cristo humano, chocado com a hipótese da sua divindade – será o Diabo? pergunta Ele, o que irou os mais conservadores. Foi o momento de “filme bíblico” na obra de Scorsese. Que a partir de então se converteu a uma leitura oficial dos géneros – explicitando cada vez mais o desejo de ser reconhecido pelo “sistema”. V. C. 12 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon A angústia dentro deste filme dava já para precaver em relação às etiquetas neo-realistas que o cinema de Kiarostami poderia atrair... a sua transparência como documento, a figura tutelar de Roberto Rossellini, por exemplo. Atraiu, mas com o passar dos filmes a transparência foi-se dando a ver como algo de opaco, perverso – e, reforçamos, angustiante. A placidez, afinal, era a máscara da vertigem. É assim que apetece hoje rever a infância do cineasta iraniano, hoje quando ele já evidenciou as máscaras de um cinema sofisticado, cheio de camadas de verdade e mentira – veja-se “Shirin” ou “Copie Conforme”, experiências de um cineasta conceptual com a manipulação e, no último caso, exercício sobre o original e a cópia a partir de um filme amado, “Viagem a Itália”, de... Rossellini. V.C. David Lynch Dune, 1984 O insucesso da aventura de “Dune” pôs fim ao “flirt” de Lynch com as grandes máquinas comerciais pré-planeadas, ideia possibilitada pelo inesperado sucesso de “O Homem Elefante”. E foi quando voltou a um universo radicalmente pessoal – tão pessoal que “pessoal” se faz sinónimo de “críptico” – que estreou o lendário “Blue Velvet”. Estava-se em 1986 e há toda uma geração para quem aquilo foi uma bomba que lhe explodiu nas mãos e na cabeça. Lynch foi o grande “mindfucker” dos anos 80 (como Hitchcock nos anos 40 e 50, como Tarantino nos 90), ninguém como ele fez experiências com a cabeça dos seus espectadores. Continua a fazê-las – “Mulholland Drive”, “Inland Empire” – mesmo se há algo neles que parece manter a perdição de almas num regime mais controlado. De qualquer modo, é o grande cineasta contemporâneo para todos os labirintos “psico” – psicológicos, psiquiátricos, psicotrópicos e por aí adiante. L.M.O. Steven Soderbergh Sexo, Mentiras e Vídeo, 1989 Manoel de Oliveira Os Canibais, 1988 Spike Lee She’s Gotta Have It, 1986 d Os anos 80 foram determinantes consagraçã de Oliveira, para a consagração nessa década um ““banal” septuagenário (fez 80 anos sequ em 1988). Na sequência do “escândalo” de “Am “Amor Perdição”, m em finais de 70, a mera menção do seu nome pod podia gerar uma batalha campal mas improváv sucesso o improvável público de “Francisca”, a em 1981, ajudou à entrada d do seu nome no imag imaginário cultural portugu português. Lá fora, entre a atenção de festiva a e da crítica festivais es strrran an an estrangeira (nos anos 8 80 ainda, sobret sobretudo, a france francesa), Oliveira termi terminou a década recon reconhecido entre pr os principais nom do cinema nomes cont contemporâneo. se Em 2010 esse est tá estatuto está ma do que e mais am ampliado, pelos lm e pela a filmes extr ária extraordinária vital a vitalidade da longevidade sua lon de (101 anos ano & still kicking). É uma “instituição” viva “instituição e os portugueses, portugues mesmo sem lhe verem passaram a os filmes, passara reconhecê-lo e a respeitá-lo. re o. continua Mais importante: c em forma. L.M.O. Filmado em família por tuta e meia, foi a primeira Spike Lee “Spike joint”, em 1986. Houve quem diagnosticasse a comédia nova-iorquina orgulh hosamente negra que marc e orgulhosamente marcou a estreia a de Lee como a descoberta do sucessor na longa ericano de Woody Allen (substituindo afro-americano tan por Brooklyn), ou um equivalente Manhattan e Jim Jarmusch. Mas o que veio depois foi negro de oisa: um autor activista e interveniente outra coisa: o a mexer nas feridas do sonho disposto a ericano (“Não Dês am americano ”, Bronca”, e “A Febre a”, da Selva”, eia “Ela Odeia When the Me”, “When Levees Broke”), e ineasta negro o raro cineasta ao qual Hollywood faz endas” (“Passadores”, “A Última Hora”, “encomendas” nfi filtrado”) lt ltr ltr t ado”) a que respondem ao “caderno “ca aderno de “Infi encargo gos os se os” s m deixar de fazer sentido senttido no seu encargos” sem o de de au a t r. J. M. to percurso autor. Com a Palma de Ouro de Cannes na mão, Soderbergh olhou para o futuro: a partir dali, disse, ia ser a descer. Não foi. O filme – um quarteto e os seus “affairs”, frigidez emocional e o fétiche do vídeo – apareceu, com melancolia, a resumir o espírito do tempo. Preparando-nos para o luto a fazer nas décadas seguintes: o da transparência das imagens. E antecipando o “hype” “indie” dos 90s. Soderbergh, esse, nunca mais foi igual. Estilhaçou o véu protector que cobre esse filme e fez-se à imagem dos tempos n ada sacralizantes nada q qu ue estavam para que vir ir: u mas vezes vir: umas exper eri r me m ntal, experimental, outras s funcionário fun u cionário da indústria, a out a, o u ras, ut outras, ainda, artesão... V.C. Pedro C Costa O Sangue, 1989 Em 1989 era um rapaz de 30 anos que acabar de rodar uma das mais primeira obras de todo o cinema português, “O Sangue”. Mas belas primeiras mesmo aos qu que deram logo por isso – que “O Sangue” era “especial”, que “O Sangue” Sangu era fabuloso – talvez fosse difícil adivinhar que em tão pouco tempo te – dez, quinze anos – Costa desse a volta ao mundo. A verdade é q que os filmes “especiais” se foram sucedendo, da “Casa de Lava” ao “N “Ne Change Rien”, e que foram cruzando fronteiras sobre fronteiras – da América à Ásia, retrospectivas, livros, DVDs. E, da América à Ásia, Costa é visto, discutido, editado, e é ouvido: não é cin só um cineasta, tornou-se também uma “referência moral” para o cinema con contemporâneo. L.M.O. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 13 Cinema Wendy (Michelle Williams) e a cadela Lucy no Oregon a caminho do Alasca - “Wendy e Lucy” Há qualquer coisa com o silvo dos comboios, à noite... Poderosamente evocativo, é o som de um mundo esquecido no escuro. E com ele as pessoas que nunca conhecemos, que ascendem à condição de fantasmas. Isto nos filmes (ou no “Man Alone” de Frank Sinatra/Rod McKuen). Chama-se “Night Choir” o livro, de Jonathan Raymond, de que Kelly Reichardt partiu para filmar “Wendy and Lucy” – o coro na noite é o dos comboios, claro. Esse silvo existia nos filmes americanos a preto e branco – Ford, Ray ou Walsh, por exemplo, não é fantasia. E desapareceu. “Andei por 30 estados do país à procura do local exacto onde queria filmar [“Wendy e Lucy”] e acabei no Oregon. Parava em parques de estacionamento, dormia em motéis, e onde quer que estivesse ouviam-se os comboios. Se quisermos mesmo ouvilos eles fazem parte da paisagem. Mesmo em minha casa, em Nova Iorque, oiço-os. Não sei porque é que desapareceram. Porque os comboios andam por aí”, diz Kelly Reichardt. Kelly trouxe o silvo de volta – é o mesmo que regressar a uma geografia humana, social que já não existem no “mainstream” cinematográfico. Ele marca o percurso de Wendy (Michelle Williams), e da sua cadela Lucy, pelo Oregon, onde ficou com o carro avariado, a caminho do Alasca. Wendy é uma dessas pessoas que não conseguem ser vistas. A vida, económica e social, é um tecido frágil a esboroarse. Quem é que olha para um vulto que caminha em direcção ao desaparecimento? Mas o silvo do comboio acorda-nos. Na verdade, deve ser por isso que desapareceu. Porque o cinema abdicou dessa capacidade de assombrar. Há outro filme de Kelly Reichardt que também chega a Portugal (em DVD, igualmente edição da Alambique). Chama-se “Old Joy” (2006). Aqui não há comboios, mas há outro som com o qual devemos contar: o de um programa radiofónico. Perguntas e respostas espalham pela noite a impotência do liberalismo americano. É com esse som que dois amigos, Kurt (Will Oldham) e Mark (Daniel London), partem para um fim-de-semana de campismo na floresta nos arredores de Portland – paisagem habitual de Jonathan Raymond, em cujo conto, de novo, “Old Joy” é baseado. Sugere-se o que Kurt e Mark foram um para o outro no passado: uma cumplicidade de utopias. E o que a vida de cada um separou, o que perderam. Esta viagem será, não uma espécie de “Deliverance” ( John Boorman, 1972), embora a inquietação espreite, será uma elegia. Comentários silenciosos – parecem dois filmes mudos – sobre um país e Quando havia com Vultos na paisagem, fantasmas de um cinema social que desapareceu, comentários silenciosos s de Kelly Reichardt, em “Wendy e Lucy” (nas salas) e “Old Joy” ( 14 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Elegia por uma amizade e pelos ideais perdidos - Will Oldham e Daniel London nas florestas do Oregon – “Old Joy” “Quis fazer filmes sobre um momento no tempo. Quando nos sentimos deslocados a viver nos anos Bush. E quando os democratas não conseguiram ser eficazes de forma alguma” uma sociedade, a da América, e sobre aquilo que, tal como aconteceu no cinema, esse país perdeu? “Quis fazer filmes que fossem sobre um momento no tempo. Quando o país mudou para a direita, quando nos sentimos deslocados aqui, nos anos Bush. E quando os democratas não conseguiram ser eficazes. Imagine-se como era profundamente alienante viver neste país e ver uma onda de direita a tomar conta da América. Fizemos ‘Wendy e Lucy’[2008] depois do furacão ‘Katrina’, e era claro, naquela altura, a animosidade contra os pobres da América. Para além de desinteresse, havia pura animosidade. Ambos os filmes foram feitos nesses anos, e tentámos detectar a ineficácia do liberalismo na América.” “Wendy e Lucy” e “Old Joy” são filmes de época? “Claro que Obama é uma grande melhoria em relação Bush, mas o problema é o excesso de poder corporativo na América. Em criança, eu atravessava o país com os meus pais e cada estado era específico. Sabíamos exactamente quando estávamos num estado ou quando saíamos de um estado pelos sítios onde comíamos ou onde dormíamos, pelas estações da rádio. Agora atravesso o país uma vez por ano e percebe-se que os lugares não são diferentes como antes. E isso sinto como uma perda.” Actores na paisagem Podemos ver, na passagem de um filme para outro, de Will Oldham para Michelle Williams, um “upgrade” de alienação: ela está tão obcecada com a sua frágil realidade – e a cadela, Lucy, que desapareceu... – que já não olha. Ninguém repara nela, mas ela já não repara nos outros. “Eu diria que as personagens dos meus filmes têm de sobreviver. E perseguem uma ideia de liberdade, de desprendimento. Isso consome-as. Rouba-lhes toda a energia.” Sobre a paisagem comum nos dois filmes, Kelly regressa sempre a ela, e é a paisagem que rodeia o escritor Jon Raymond. “Lembro-me de ter andado seis meses à procura do local para filmar e de ter acabado exactamente no local sobre o qual ele escreveu. Nunca pensei, com ‘Wendy e Lucy’, voltar a filmar no Oregon outra vez [depois de “Old Joy”]. É um estado variado, florestas, cidades, deserto. Jonathan Raymond escreve sobre ele. Mas não é só por isso. É que a minha equipa vive ali, os produtores, por exemplo. Trabalhamos com pequenos orçamentos, torna-se prático. Mas há, de facto, algo no Oregon... olha-se em volta e recolhemos informação sobre o que é o país... a viagem dá-nos tempo para pensar...” E é na paisagem que Kelly lança os seus actores. Como se o trabalho de “casting” fosse descobrir a capacidade de estabelecer relação com uma paisagem. “Não tínhamos controlo sobre a área em que filmámos [em “Wendy e Lucy”], pusemos a Michelle Williams em contacto com um mundo específico. Toda a gente que aparecia no plano ficou a pertencer à paisagem. Para o melhor ou para o pior, é o retrato de um momento e de um tempo.” Mas nesse campo, acrescenta, uma actriz como Michelle Williams ou um cantautor como Will Oldham (esta semana actua em Portugal) equivalemse no mistério. “Representar é um coisa misteriosa. Quer com Michelle quer com Will, o que tentei foi perceber o que eles queriam de mim. Will, de alguma maneira, é escritor, sabe como se aproximar de uma cena.” Com outro escritor, Jonathan Raymond, Kelly estabeleceu uma cumplicidade. Ela não adensa os contos dele – tendência óbvia: multiplicar narrativas para a coisa dar um filme. Procura as suas formas específicas de minimalismo. “‘Old Joy’ é originalmente um conto. Procurei as nascentes de água quente para as quais as personagens se dirige, visitei muitas e encontrei todo o tipo de pessoas, algumas das quais acabaram por reverter para a história que filmei. Por exemplo, na história que Jonathan escreveu os dois amigos são solteiros, mas no filme um deles está à beira de ser pai, e isso foi informação visual que recolhi – vi, por exemplo, várias mulheres grávidas nas visitas às nascentes. Com ‘Wendy e Lucy’, outro conto, antes de Jonathan acabar de escrever comecei eu a escrever o argumento. Houve um vai-e-vem entre nós. Jon é um escritor subtil, todas as suas personagens estão envolvidas por uma paisagem, por isso é que estamos interessados em trabalhar juntos.” “Num mundo ideal”, continua, “penso que se sempre que tirarmos todos os diálogos um filme ainda funciona.” Kelly é professora de “Visual story” e define o seu trabalho de realizadora como uma forma de ser melhor professora e, assim, ser melhor realizadora. “Quando se trabalha com actores, o maior desafio é eles confiarem em nós e fazerem o que nós quisermos independente do diálogo. Fazer com que, através do movimento de câmara, do lugar que destinámos ao actor no plano e na paisagem, consigamos evocar a mesma emoção sem que nada seja dito. É preciso um certo tipo de actor que se abandone a isso. Não tem a ver com improvisação, não tínhamos tempo para improvisar. Tem a ver com pôr os diálogos fora do caminho.” Basta ouvir o silvo do comboio. Ver crítica de filme págs. 52 e segs. Kelly Reichardt omboios... J;NLI=CH;>IL JLCH=CJ;F G?>C;J;LNH?LM J;NLI=CH;>IL?M ;JICIM DILH;FI@C=C;F N?F?PCMÅII@C=C;F s sobre a América em perda. Vamos escutar o minimalismo ” (DVD). Vasco Câmara Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 15 Maria do Rosário Pedreira, a editora que descobriu três dos seis prémios José Saramago ( José Luís Peixoto, valter hugo mãe e João Tordo), mudou-se para a Leya, onde tem agora a missão de atrair os novos autores portugueses para o grupo. Ler, diz, é o melhor serviço que pode prestar ao país. Raquel Ribeiro Livros FOTOGRAFIAS DE MIGUEL MANSO Missão: reconstruir uma literatura Maria do Rosário Pedreira, 50 anos, poeta, ficcionista e editora, ouve atentamente a voz dos seus autores. Antes, na Temas&Debates e, depois, na QuidNovi, descobriu (e revelou) jovens autores portugueses: com três deles ( José Luís Peixoto, valter hugo mãe e João Tordo) “venceu” prémios José Saramago. Mas, ao sentir a frustração de perder os seus autores para edito- ras mais fortes, aceitou, no final de 2009, o desafio da Leya para ser “editora sem chancela” dos novos autores portugueses. Na altura, conta, hesitou. Mas reconhece que a Leya lhe deu a estrutura para fazer aquilo que a apaixona: ser uma leitora profissional. Poder “destapar o véu e mostrar o que é que tanta gente é capaz de fazer num país com tão poucos recursos”. A Leya tem uma série de chancelas e o seu trabalho é transversal a todas. Como é que isso funciona na prática? É um trabalho que tem vantagens e desvantagens. A primeira vantagem é poder colocar um autor na melhor chancela possível. Ou seja, se trabalhamos só numa editora, quando descobrimos um livro ele tem de ser pu- blicado ali e, às vezes, é um livro que não tem a cara daquela editora. Como a Leya é um conjunto de editoras, é sempre possível afinar a escolha, dizer que este é um livro que fica melhor na ASA, ou na Caminho, porque é de um africano, ou na Dom Quixote, porque é mais literário. Essa vantagem é enorme. Por outro lado, também tem desvantagens, porque tem Aos 50 anos, Maria do Rosário Pedreira mudou-se para um grande grupo para não ter de assistir ao êxodo dos “seus” escritores para editoras mais fortes Há muitos livros de bons autores que não deviam ter saído. D precisou de escrever isto, fez-lhe bem, agora guarde outra v 16 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon ra nacional de se fazer uma programação com todos os editores das chancelas para não chocar com outros autores que eles tenham para publicar. Às vezes descobrimos um autor, queremos logo lançá-lo e não podemos, temos de encontrar o “timing” certo. Encontrar essa disponibilidade é o mais complicado. Outra coisa complicada para mim é que acabo por ter muito mais reuniões do que um editor que tem só uma chancela. Isso rouba algum tempo à leitura e à edição. Os editores das chancelas não sentem que pode haver uma ingerência da sua parte nas suas opções? Não, porque fui contratada para fazer uma coisa que a maioria dos editores não tem tempo para fazer. Uma editora como a Dom Quixote tem imensos autores, estrangeiros e portugueses. Não é humanamente possível a esse editor fazer o trabalho de sapa que estou a fazer: ler não sei quantos originais, corrigir os originais com o autor. Tem havido abertura, não tenho sentido nenhuma espécie de hostilidade. A sua função na Leya é de “editor”. Qual é a diferença entre um “editor” e um “publisher”? O “publisher” (tradicionalmente era o dono da “publishing house”) é aquele que decide o que se publica e que compra os livros. O “editor” edita os textos, trabalha-os com o escritor. É como um editor no jornal: o jornalista escreve o texto e o editor está lá com autonomia e autoridade para cortá-lo. Na tradição anglo-saxónica, o “editor” existe desde sempre e é alguém que orienta o original. Dantes, o que se fazia em Portugal, quando um escritor aparecia com um livro, era decidir: ou é publicável ou não é publicável. Agora, o que faço como “editor” é: isto ainda não está bem, mas pode estar. Reúno-me com o autor e faço um trabalho de edição atentíssimo, em que lhe digo: “olhe, porque é que escreveu isto? Tem de pôr de maneira a que se perceba. Esta imagem é má. Isto está mal explicado. Isto é inverosímil.” E ele leva e faz melhor. Em casos mais extremos, como no Reino Unido, o “editor” chega a escrever o livro pelo escritor. Isso não faço, porque acho que não se deve publicar um escritor que não se aguente sozinho. Faço sugestões, correcções, apanho incongruências. Faz esse trabalho como leitora atenta, ou como escritora, que a Maria do Rosário Pedreira também é? Como leitora atenta. Uma pessoa com prática neste trabalho não precisa nada de ser escritor. Não acho que é por ter escrito livros que sou melhor do que outra pessoa que quisesse fazer este trabalho e se apaixonasse por ele. É preciso prática, evidentemente, mas não acho que seja preciso ser escritor. Pode ser uma vantagem ter, . Deviam ter-lhes dito: a vez na gavetinha Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 17 Hoje os autores querem que se invista neles, querem viver só da escrita, querem vender muito. Percebi que ia perder todos os autores que tinha feito de raiz se continuasse numa editora pequena por exemplo, imaginação. Mas não é preciso ser escritor para se ter imaginação. O trabalho de “edição” é um trabalho ainda raro em Portugal? Sim, mas nos outros países é uma coisa que existe há anos e que, se calhar, nos poupou lermos muitos livros maus que não deviam ter saído. Acho, sinceramente, que há muitos livros de bons autores que não deviam ter saído. Ou que não deviam ter saído como estavam. Deviam ter-lhes dito: precisou de escrever isto, fez-lhe bem, agora guarde outra vez na gavetinha. Isso nunca se passou em Portugal justamente porque havia poucos escritores e poucos leitores também. Ninguém tinha coragem para dizer a uma pessoa dessas “isto está mal”. As pessoas sentiam-se intimidadas de dizer, imaginemos, ao Vergílio Ferreiro “o senhor fez aqui uma asneira”. Não se podia dizer. Mas a partir do momento em que há uma vulgarizacão do escritor – aliás, há demasiada vulgarização, porque também há gente que nunca deveria ter escrito livros –, acho que é preciso esse apoio para tornar a coisa o melhor possível. Muitos dos livros que publiquei e aos quais fiz “editing”, provavelmente, não teriam sido publicados se tivessem aparecido duas décadas antes, porque o editor tinha-se limitado a dizer “isto como está não está bem”. Diz-se que é uma espécie de caça-talentos, como os olheiros no futebol, que vão ver os jogadores dos outros antes de os contratar. Essa é também a função de um editor? É. O que acontece é que o editor, nos tempos modernos, é cada vez menos editor e é cada vez mais um tipo que compra sucessos que já estão feitos lá fora. A partir do momento em que a edição se tornou uma indústria, parece que passou a ser mais importante vender livros do que fazer livros com qualidade. Para se fazer edição um bocadinho à antiga, ou seja, trabalhar os livros com os autores, é preciso, em primeiro lugar, experiência. Quando comecei na edição, não conseguia fazer este trabalho. Tive de trabalhar 20 anos. Depois é preciso gostar, e acho que há imensa gente que não gosta porque para encontrar um bom autor tem de ler 100 maus. Há pessoas que não querem ler 100 livros maus. E também é preciso ter algumas características: é preciso criar empatia com os autores, é preciso começar com os autores desde o 18 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon primeiro livro, para que eles se habituem a que este é um trabalho normal. Quando me convidaram para ir para a Leya, tive imensas hesitações, já tinha trabalhado num grande grupo e não tinha gostado particularmente. Gostava mais de uma editora independente, pequena, onde há mais diálogo, mais capacidade de discutir as coisas. Mas, por outro lado, há muito menos capacidade para fazer isto, porque isto custa dinheiro. Perde-se muito tempo a ler 100 para encontrar um. Além disso, hoje os autores já não querem o que queriam antes. Querem que se invista neles, querem viver só da escrita, querem vender muito. Numa pequena editora isso não é possível. Sobretudo depois de o valter hugo mãe ter saído da QuidNovi, percebi que ia perder todos os autores que tinha feito de raiz se continuasse a trabalhar numa editora pequena. A Leya tem a estrutura que lhe permite não os perder. Tem a estrutura, tem meios e aposta nisso. Deram-me a possibilidade de fazer aquilo de que gosto e de poder acompanhar os meus autores. Tinha chegado a um ponto em que eles queriam receber mais dinheiro, e queriam vender mais, e acabavam por se ir embora. Quantas propostas recebe por mês? E como é que de 100 chega a um? Como agora reúno as propostas que vão para a Leya, recebo talvez umas 150 por mês. É muito fácil fazer logo uma primeira selecção: há muita coisa infantil, não é para mim; muita coisa de não-ficção, não é para mim; muita coisa de um género mais corde-rosa, não sinto que seja para mim – vejo se tem pés para andar e mando para editoras do grupo que têm esse tipo de coisas. Desses 100, há dez que tenho de ver com mais atenção. Se calhar, desses dez só há dois que resistem à página 30. E depois há aqueles que são obviamente bons mal se começa e outros em que temos de arrastar a leitura ao longo de 200 páginas para depois chegar ao fim e dizer: “Não há nada de errado aqui, mas não ficou cá nada dentro”. Esses são os livros piores, porque nos fazem perder tempo e depois não recompensam. Mas também há aqueles que se encontram pelo meio e em que se vê logo que há ali qualquer coisa que, na génese, já é muito boa... Isso é um encontro seu com o livro? Não é um encontro só meu. É a sensação de que não vi aquilo em mais lado nenhum. Já publiquei livros de que não gostei muito. Eram bons, mas não tinham um estilo que me tocava. Mais do que isso, o que importa é a escrita ser nova. Com autores como o valter hugo mãe ou o José Luís Peixoto, a sensação que tenho hoje é que uma pessoa que tenha acompanhado a obra de ambos, saberá sempre, se vir a obra num concurso sob pseudónimo, que é um livro do Peixoto ou do valter hugo mãe. Não há a menor dúvida: aquilo é deles! É novo, não é parecido com nada. É isso que procuro, e que encontro, nesses novos autores. Está tudo inventado, mas ainda é possível encontrar coisas que não se pareçam com nada. No caso do Vasco Luís Curado [é o seu primeiro autor na Leya, onde publica este mês “A Vida Verdadeira”], há algo muito curioso na minha relação com este romance: não consigo escolher entre a linguagem e a estrutura, as ideias, ao contrário do que me costuma acontecer quando encontro um autor novo. Há uma coisa poderosa: tem uma estrutura muito interessante, com uma linguagem interessante e ideias interessantes. Sei que daqui a dois livros toda a gente identifica um livro do Vasco Luís Curado como sendo dele e de mais ninguém. A escrita como uma assinatura? É uma voz que, apesar de combinar os mesmos elementos, porque já não é possível inventar nada, consegue, nessa combinação dos estilos, das linguagens todas, aparecer com uma proposta que é diferente. Nesse sentido, podia dizer de si própria que é uma editora que ouve os seus autores? Acho que sim. Oiço-os muito, mas ele também têm de me ouvir [risos]. E por que razão são todos rapazes? Não há jovens escritoras? Não são só rapazes. Espero publicar em breve uma mulher que vai dar que falar: Aida Gomes da Silva. Uma angolana com um livro que se vai chamar “Os Pretos de Pousaflores”. Portanto, elas aparecem. Nesses 150 que recebe por mês, quantas são mulheres? Aparecem muitas mulheres a escrever, mas não coisas literárias, coisas mais comerciais. Como essas não são aquelas que fui contratada para publicar, passo-as a outras pessoas. Desse tipo de textos, uma literatura mais “light”, aparece muita mulher a escrever. Literariamente, aparecem poucas. Acho que isso pode ter uma explicação: segundo as estatísticas, as mulheres lêem muito mais hoje em Portugal do que os homens. Isso pode obviamente criar-lhes um grau de exigência superior para escrever. Uma pessoa que lê muito mais tem muito mais noção dos seus limites como escritor. Acho que as mulheres são mais críticas em relação àquilo que escrevem do que os rapazes. É pudor, é medo? Medo, ou consciência dos limites. Os homens arriscam mais. Por outro lado, quem está a ler mais também tem menos tempo para escrever: se calhar, daqui a uma geração vamos apanhar mais mulheres escritoras. Se vir num nível mais abaixo, na literatura mais leve, há muito mais mulheres do que homens. Pode ser que as mulheres estejam mais interessadas em fazer coisas para um público mais alargado. Mas também estamos a assistir a um número muito grande de mulheres jornalistas – e acho que essa geração de jornalistas, a médio prazo, vai dar uma geração de escritoras. Se calhar estão à espera da maturidade literária para poder arriscar. Eu, por exemplo, depois de tudo o que li e publiquei, tenho uma timidez muito maior em voltar a publicar um romance. Ia perguntar-lhe isso, porque é uma mulher escritora. Já li e publiquei coisas tão boas que é difícil pensar que sou capaz de fazer algo ao mesmo nível. É esse grau de exigência que vejo nessas mulheres: lêem coisas tão fascinantes que acham que não chegariam lá. Mas acredito que daqui a dez anos possamos ter uma surpresa. Acima de tudo sou leitora, não sou escritora. Um escritor vive para escrever, eu sou bastante preguiçosa. Se não escrevesse nada não era infeliz por causa disso. Era infeliz, isso sim, se não me deixassem ler. Presto um serviço melhor, até à nação, como leitora. Há pouco falou em caça-talentos, mas não é bem isso. É destapar o véu e mostrar o que é que tanta gente é capaz de fazer num país com tão poucos recursos. Essa é a minha missão: reconstruir uma literatura nacional. E é uma missão fundamental: não podemos publicar só “best-sellers”, temos de ter escritores que façam parte da história da literatura em todas as gerações. Estava-se a cair numa literatura muito “mainstream”. Precisamos de renovar, porque os nossos autores não são eternos. Portugal, diz Maria do Rosário Pedreira, estava “a cair numa literatura muito ‘mainstream’”, e muito dependente dos “bestsellers” mais velhos ANNA-LENA AHLSTRÖM Livros Alexandra e Alexander não dividiram os capítulos de “O Hipnotista”, escreveram dentro do texto um do outro: “Concordamos com tudo porque sabemos como é que o Lars Kepler escreve” Tudo começou com uma história de amor: por carta. A mãe da escritora sueca Alexandra Coelho Ahndoril nasceu em Cabeça das Mós, num “sítio que ninguém conhece porque é muito pequenino”, perto do Sardoal. Quando tinha 12 anos foi viver para Lisboa e, como queria aprender inglês, colocou um anúncio no jornal a pedir um “pen-pal” para ter alguém com quem se corresponder. “O meu pai, que era marinheiro, respondeu e ficaram noivos por correspondência”, conta Alexandra, autora do policial “O Hipnotista” que escreveu a meias com o marido, o escritor Alexander Ahndoril, sob um pseudónimo comum: Lars Kepler. “O navio do meu pai passou por Lisboa, estiveram juntos cinco dias e depois casaram. A minha mãe veio viver para aqui. Foi muito romântico, apaixonarem-se por carta”, disse ao Ípsilon, em Estocolmo. Foi por causa desta paixão que Alexandra Coelho nasceu na Suécia. Cresceu em Helsingborg, foi actriz e abandonou a carreira. Há dez anos resolveu aprender português e estudar literatura portuguesa. Está agora a escrever a tese sobre Fernando Pessoa. Pelo seu primeiro romance, “Castle of Stars” (2003), recebeu o Catapult Prize para melhor obra de estreia. Vive em Estocolmo com Alexander Ahndoril, dramaturgo e autor do ro- mance “The Director”, inspirado em Ingmar Bergman. Quando casaram, passaram a lua-de-mel em Portugal e regressam este mês para promover o livro que escreveram juntos. Queriam descansar entre os romances individuais e por isso atiraram-se a um policial, “O Hipnotista”, que é o “bestseller” nórdico dos últimos tempos. O projecto Lars Kepler começou porque estavam os dois sem fazer nada: tinham acabado, ao mes- O segredo por trás de Toda a vida trabalharam em livros que consideravam sérios e foi com o que escreveram para s e Alexander Ahndoril, os autores por trás do pseudónimo Lars Kepler, se tornaram m 20 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Caça ao homem O que apareceu primeiro: o projecto ou o pseudónimo? “O projecto apareceu primeiro, decidimos escrever como se não fossemos nós próprios. Quando o nome apareceu – Lars Kepler –, o tom apareceu com ele [risos] e também a parte aterradora, negra, da história. É muito importante para os autores o som que têm as palavras. O título do livro e o nome do autor fazem parte do sentimento que se tem quando se pega num livro”, argumenta Alexandra. Ao ler “O Hipnotista”, não se consegue perceber quem escreveu o quê. “Muitos dos escritores que trabalham juntos dividem os capítulos, ou as personagens, entre eles. Nós não fazemos assim. Escrevemos dentro do texto do outro. Sempre. Ele começa a escrever uma cena e eu escrevo a minha cena e depois mandamos por e-mail as cenas um ao outro.” Mandam os textos por email, na mesma casa? Gargalhadas: “Estamos sentados mesmo ao lado um do outro. Recebo o texto do Alexander e continuo a escrever dentro do texto dele, alterando-o.” “Talvez fosse uma provocação existir alguém que não queria aparecer na media (...). [os jornalistas de um tablóide sueco] apareceram na nossa casa de campo a meio da noite com uma lanterna. Quando abrimos a porta, apontaramnos aquele foco de luz e disseram: ‘Admitam. Vocês são Lars Kepler” Alexandra Coelho Ahndoril Claro que antes de chegarem a essa fase já tinham decidido o “plot”, a intriga. “É muito inspirador escrever assim, temos sempre novos impulsos quando recebemos os textos do outro. Seria muito problemático se eu estivesse a escrever como Alexandra Ahndoril, a escrever da maneira como sinto a língua e como utilizo as metáforas. Mas neste caso, somos um só autor. Somos o Lars Kepler. Não sei como é que acontece, mas concordamos com tudo porque sabemos como é que o Lars Kepler escreve! [gargalhadas]. É muito estranho.” Foi na Feira do Livro de Frankfurt que há uns anos se começou a falar de “O Hipnotista”. Não se sabia quem era o autor deste policial, mas dizia-se que podia ter sido escrito por Henning Mankell. “Era segredo na altura. Mandámos o manuscrito do Kepler para a nossa editora sem mencionar os nossos nomes”, conta Alexandra. Por que é que fizeram isso? “Somos autores literários, queríamos que a obra de Lars Kepler fosse lida sem que nos estivessem a ver por trás. Queríamos mesmo que fizessem uma leitura isenta do livro.” Criaram então um “hotmail” fictício em nome de Lars Kepler, e apresentaram-se dizendo: “Eu chamo-me Lars Kepler, sou um pseudónimo. Por favor comuniquem comigo através desta conta de e-mail”. É difícil tentar publicar o primeiro livro na Suécia, mas ser um policial facilita as coisas. Neste caso, uns dias depois do envio do manuscrito todas as pessoas da editora já o tinham lido. O editor não gostou de lidar com um autor que ele não sabia quem era. Começou a ficar muito preocupado e a achar que poderia tratar-se de um maluco. Pediu então para saber quem era Lars Kepler. “Respondemos-lhe por e-mail que só poderíamos revelar quem éramos depois de ele ter lido o livro até ao fim.” Só depois da confirmação de que “O Hipnotista” ia mesmo ser publicado é que Alexander e Alexandra Ahndoril revelaram a verdadeira identidade por trás de Lars Kepler. Na editora, só duas pessoas sabiam do segredo e foram obrigadas a manter sigilo: “A nossa ideia era escrevermos os livros do Kepler completamente incógnitos.” Mas como, nos tempos que correm, é difícil promover um livro por e-mail, o editor de detestou a ideia. Quando “O Hipnotista” foi para as livrarias suecas na sua primeira edição, em Julho de 2009, não havia nenhuma fotografia do autor na contracapa do livro. Ninguém sabia quem era Lars Kepler e os jornais partiram à caça do autor misterioso. Os direitos de tradução foram vendidos para 29 países mesmo antes de o livro sair na Suécia, e a curiosidade tinha ganho enormes proporções. Três semanas depois, o segredo foi descoberto. “Era Verão, não havia muitas notícias, e talvez fosse uma provocação existir alguém que não queria aparecer na media. Os jornalistas suecos decidiram fazer notícia disso e uma noite apareceram na nossa casa de campo a meio da noite com uma lanterna”, diz Alexandra. A família estava a deitar-se, já estava escuro lá fora, quando viu pelas janelas uma estranha luz no jardim. “Quando abrimos a porta, apontaram aquele foco de luz para a nossa cara e disseram: ‘Admitam. Vocês são Lars Kepler.” [gargalhadas] Os escritores não contaram aos amigos, nem sequer à família, que eram Lars Kepler. Mas não foram totalmente cuidadosos e por isso um jornal tablóide descobriu a verdade: “Nunca imaginámos que houvesse tal caça ao homem, ao Lars Kepler. Poderíamos ter sido mais cuidadosos, mas tivemos de criar uma empresa, e de registar o nosso nome para passar os recibos.” Negaram? “Eu estava muito assustada. Seria um crime ter um pseudónimo? Não perguntámos nada ao nosso editor, sabíamos que ele iria ficar contente; no dia seguinte, enviámos um comunicado para todos os jornais. Enfiámos as nossas coisas no carro e regressámos a Estocolmo. Deixámos o frigorífico cheio de comida, foi mesmo caótico. As crianças tiveram de correr para o carro, outros jornalistas estavam a dirigir-se para lá. Foi muito estranho, muito bizarro.” Ainda mais estranho quando pensamos que se trata do mundo dos livros. Acontece muitas vezes na ficção, mas poucas vezes na realidade. WWW.TEATROSAOLUIZ.PT mo tempo, de escrever os romances assinados em nome próprio. “Quando se acaba de escrever fica-se invadido por um vazio, uma melancolia ou depressão... temos vontade de permanecer naquele texto. Já tínhamos falado muitas vezes da possibilidade de escrever em conjunto, mas nunca conseguimos fazê-lo. Começávamos sempre a discutir quando tentávamos. Cada um defendia os seus textos e a sua estética. Por isso, tentámos escrever sem ser como Alexandra e Alexander. Quisemos fazer uma coisa completamente diferente, um novo género, uma nova linguagem, noutro tom. E de repente Lars Kepler nasceu! Foi muito estranho”, conta. “O Hipnotista” tem como personagem principal Joona Linna, um comissário de polícia judiciária que tem de descobrir quem assassinou violentamente uma família inteira. Logo no início do livro, um adolescente de 15 anos de idade, o único sobrevivente desse massacre, é submetido a hipnose por um médico especialista, Erik Maria Bark, e confessa o crime. É o início da história. Tudo o que está em “O Hipnotista” é ficção, menos as descrições das técnicas de hipnose e o trabalho dos polícias, que também segue as regras da profissão. “Queríamos escrever no presente, aqui e agora, e queríamos que o livro se lesse rápido”, explica Alexandra. Alexander tem um irmão que é hipnotista e, num dos seus espectáculos, ela e o marido viram as caras das pessoas hipnotizadas – “era como se estivessem a dormir e, ao mesmo tempo, pareciam estar acordadas, era assustador e excitante ao mesmo tempo”. Pareceu-lhes que o poder da hipnose era muito interessante para usar num livro. “E se ao se hipnotizar alguém chegássemos a respostas a que nunca se pensaríamos chegar? Num romance policial entrase na cabeça do culpado.” Exactamente como um hipnotista. SÃO LUIZ MAI/JUN ~1O EUA De 21 de Maio a 9 de Junho, o alkantara festival, na sua 3ª edição, acolhe cerca de 30 performances de dança, de teatro e de tudo o que se encontra entre eles, de artistas oriundos de mais de 20 países. Mais uma vez, o São Luiz é o principal co-produtor. 4 A 6 JUN BARE SOUNDZ SAVION GLOVER SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00 DOMINGO ÀS 17H00 SALA PRINCIPAL M/6 O bailarino de sapateado que emprestou os seus pés a Mumble, o pinguim de Happy Feet, é hoje visto como um dos grandes revolucionários deste género. Portugal 7, 8 E 9 JUN AMIGOS COLORIDOS UM PROJECTO ALKANTARA FESTIVAL E PRADO ÀS 23H00 JARDIM DE INVERNO M/12 Rendez-vous amorosos para os artistas e blind dates para o público. Um espaço/tempo para encontros (im)possíveis, intensos e apaixonados. Serão todos encontros irrepetíveis. SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA [email protected] / T: 213 257 640 BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; [email protected] BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS O Ípsilon viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Suécia Ver crítica de livros pág. 49 e segs. e Lars Kepler a se divertir, o policial “O Hipnotista”, que Alexandra m mundialmente conhecidos. Isabel Coutinho, em Estocolmo Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 21 Livros PEDRO CUNHA Em “Santa Maria do Circo” David Toscana apresenta-nos a um circo com oito pessoas, em total decadência, que vai arranjar sonhos e forças para ocupar e governar a cidade abandonada aonde chega Bem podem arder as selvas urbanas da América latina às contas com o tráfico de droga e todas as outras misérias e guerras que daí brotam. David Toscana (Monterrey, México, 1961) sabe que não faltam felizmente, no México, na Colômbia, escritores que se queimam a lamber essas feridas e chagas em carne viva. E isso deixa-o mais tranquilo para continuar a inspirar-se no vento que vem das paisagens áridas. Em nome de uma certa matriz da literatura dos realismos: os mágicos e os outros aparentados. A sua teimosia fê-lo marcar pontos: a sua obra já está traduzida em treze países com destaque para “O Último leitor” já traduzido pela Oficina do Livro. Em “Santa Maria do Circo” apresenta-nos a um circo com apenas oito pessoas, em total decadência, que vai no entanto arranjar sonhos e forças para ocupar e governar a cidade abandonada aonde chega. Não se sente a escrever em contra-corrente? Um teimoso que não quer abandonar o deserto? Aparentemente, escrever sobre aridez e desertos tinha passado à história e tinha sido trocado pelas paisagens urbanas. Mas agora assiste-se ao lado da literatura urbana, a um regresso à tradição, a uma certa matriz onde Juan Rulfo e o seu “Pedro Páramo” desempenham papel ainda central. Quando escrevemos, procuramos escutar vozes internas, algo que esteja intimamente dentro de nós. E as minhas histórias e as minhas personagens situam-se em locais primitivos: sem automóveis, semáforos, sem televisão e sem telemóveis. Mas apesar de tudo não é deserto o que vê quando acorda. Monterrey é uma cidade com tantos habitantes como Madrid. Monterrey é uma cidade de quatro milhões de habitantes, às portas do deserto. Mas o fenómeno urbano enquanto fonte de inspiração literária não me interessa: nem o tráfico de droga, nem as farmácias que vendem Prozac. Prefiro frequentar locais e ideias já visitadas na literatura à procura de lhes espremer mais sumo. Qualquer escritor, desde que perceba que há algo novo para dizer, deve persistir. Mas o que resta de um circo, miséria em movimento, não é novidade. O pretexto é o circo, mas a essência do que se vai passar é o que acontece a um grupo de pessoas que chega a um local abandonado. William Golding fê-lo com “O senhor das moscas”, José Donoso com “A casa do campo”. Procurei desmontar preconceitos. Nos monólogos das personagens está patente a necessidade de ir para além das ideias feitas: o anão tem mais problemas para além de ser baixo, o homem forte é mais que simples músculos, o mágico não é só um tipo que tira cartas, lenços ou coelhos de um chapéu, a mulher com barba não se preocupa só com o facto de ter a cara coberta de pêlos. Inventou-lhes um mundo maior que as suas próprias vidas. Desdobrou-lhes a personalidade até obter um micro-cosmos social. Com oito pessoas e um cavalo velho e cansado é preciso traduzir a alegoria da realidade e o seu mal-estar. Podem ser oito ou oitenta mil. O romance aborda também o problema da degradação. “Santa Maria “Quando rompemos com a razão, a linguagem fica mais livre, qualquer um se pode apaixonar por um porco, transformar-se num padre, numa prostituta. As personagens vivem a sua liberdade plena porque já se livraram do estigma das palavras” do Circo” começa como uma ideia de paraíso, mas depois o choque com a realidade faz-nos descer à terra. É uma maquete que traduz uma realidade maior, a das grandes sociedades no seu confronto com o racismo, com a homofobia, com a tutela militar dos que ainda procuram o poder. Aspectos, fantasmas ainda muito presentes nos países da América Latina. Há ainda referências à história e aos mitos associados aos fundadores da pátria que também pesam na organização da sociedade. E a degradação convida ao desleixo: uma cidade composta de ruínas engole quem lá chega. Degrada quem tenta começar de novo. É propensa a delírios. De certa forma é o que se passa. Hércules é o homem forte que deixa de ser atractivo à medida que se deixa engordar e Santa Maria do Circo também é assim. Não há água, nada funciona. Repare que de todos os animais o homem é o que se degrada mais rapidamente: não é fácil distinguir entre um cavalo jovem e um cavalo velho, mas é fácil reconhecer e distinguir um homem velho de um jovem. Eu considero saudável que quem possa invente outra realidade. A diferença entre a forma como me vêem e a forma como eu me vejo enquanto pessoa provoca um choque anímico em qualquer romance. Em “Santa Maria do Circo” quando o anão se transforma num padre é outra pessoa que aparece à nossa frente. Está feliz com a sua nova personalidade. Foi isso que me chamou a atenção e que me fez imaginar como seria a vida destes eternos ambulantes. Não há, portanto, nenhum ajuste de contas com as suas memórias dos circos que viu, como qualquer um de nós na infância. Não. A mim o que me interessava não era ser enciclopédico, viver com o circo e contar a experiência. A mim chega-me a imaginação. Na literatura o importante é que aquilo que imaginemos seja sedutor, emocionante e não tanto real. Por essa ordem de ideias um escritor de ficção científica só poderia escrever depois de viajar pelo espaço. A imaginação é o disfarce literário da mentira. Para si o circo já nasceu literatura? Quase. Para mim o mistério do circo é esse. Custa-me acreditar que alguém realmente chegue a gostar dele mesmo na infância. As habilidades, os malabarismos podem deslumbrarnos, surpreender-nos, mas o conjunto instala em cada um uma tristeza e uma angústia. Tive sempre a sensação de entrar num mundo de total ausência de felicidade. Mas não resistiu à ideia do movimento perpétuo. Os seus “oito magníficos” não ficam em Santa Maria do Circo. Voltam ao pó da estrada. Aí a metáfora é outra: levamos uma vida inteira, e às vezes esse tempo parece não chegar, a desprezar o que nos pode salvar. Quando somos jovens somos orgulhosos e desprezamos muitas coisas que mais tarde valorizamos. Aqui, com as minhas personagens, é o que acontece. Em “Santa Maria do Circo” elas despejamse de preconceitos, ficam mais livres e já podem voltar a partir, com alguma, pouca, tranquilidade. É nisso que consiste o seu realismo que definiu algures como “transtornado”? Romântico, transtornado. Quando rompemos com a razão, a linguagem fica mais livre, qualquer um se pode apaixonar por um porco, transformarse num padre, numa prostituta. As personagens vivem a sua liberdade plena porque já se livraram do estigma das palavras. Ver crítica de livros págs. 49 e segs. David Toscana: “A imaginação é o disfarce literário da mentira” A matriz da literatura mexicana do século XX feita de desertos áridos e oásis temporários encontrou um herdeiro desassombrado. Rui Lagartinho 22 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Coleco 10 Livros+CD Ð PVP cada: 5,95Û - Preo total da Coleco 59,5Û. Incio da Coleco: 24 Maio Ð Fim da Coleco: 26 Julho. Promoo limitada ao stock existente. Lisboa menina e Os poetas deram-lhe as palavras. Ele deu-lhes a voz. e olum o 3.¼ V nh 7 JuositoresÓ a i D omp C CD ÒOs RO + LIV MAIS POR ,95 Û5 CARLOS DO CARMO, 100 CANÍES - UMA VIDA. COLECÌO INDITA DE 10 LIVROS+CD. De Ary dos Santos a Nuno Jdice. Dos poemas musicados aos fados populares da sua Lisboa menina e moa. Carlos do Carmo deu voz e alma a alguns dos maiores xitos do fado e da cano portuguesa. Conhea a obra de uma vida, com textos de Ana Sousa Dias, numa coleco indita de 10 Livros+CD com o Pblico. Livros O inglês James Wood (n. 1965) passou alguns anos da infância e da adolescência internado naquela que é, provavelmente, uma das mais distintas, selectas e anacrónicas escolas do mundo, o Eton College, em Windsor, que se orgulha de ter começado a formar (ou a formatar!) 18 primeirosministros do reino. Por lá passaram, e continuam a passar, os mais dotados membros masculinos da nobreza inglesa e da família real britânica. Depois da passagem por Eton, estudou Literatura Inglesa g em Cambridge. g Mas foii em 1199 fo 1990, 990, 0, a ao o se serser-lhe r lh lhe e at atri atribuído ribu buíd ído oo prémio “British Press Young Journalist of the Year”, que James Wood começou meço me çou u a to torn tornar-se rnar ar-s -se e ba bast bastante stan ante te n not notado, otad ado, o, e a partir p rt pa rtir ir de de então entã en tão o a sua sua carcarreira reir i a progredi progrediu diu em saltos salltos singulares. Durante três anos an os ((19 (1992-1995), 1992 92-199 1995) 5), foii o pr fo prin principal inci cipa pall cr críí tico ti co literário llit iter erár ário io d do o jornal “The Guardian” dian di an” e da “ “LonLonLo ndon Review of Books” – em 1994, fez parte do júri do Booker Prize –, até que se mudou para os Estados Unidos para se tornar editor sénior da revista “The New Republic”. Pouco tempo depois, começou a dividir com o escritor Saul Bellow as aulas de Literatura na Univer- “A literatura difere da vida na medida em que esta é repleta de detalhes, e raramente chama a atenção para eles” James Wood sidade de Boston; e, em 2003, foi convidado para o cargo de “Visiting Lecturer” na Universidade de Harvard, onde actualmente é professor de Prática da Crítica Literária. Há algum tempo que é colaborador assíduo da “The New Yorker” (até à morte de John Updike, eram ambos as estrelas da crítica daquela revista de culto). Da teoria à prática Em “A Mecânica da Ficção”, James Wood reúne mais de uma centena de pequenos p q ensaios (precisamente 123, assim assi as sim m numerados) nume nu mera rado doss que raramente ultrapassam as dua duas ou três páginas. É uma colectânea de d textos em jeito de “paciente “pac “p acie ient nte e ca cart cartilha” rtil ilh h para o “leitor comum” m mu m” (o (o qu q que e qu q quer que seja que isso signifique), si ignif ifiq i ue), pelo pe que o autor tenttou to u aqui redu reduzir ao mínimo aquilo a que Joyce Joy chamava de “genuíno nuín nu íno o fedor fe escolástico”. Depois Depo De pois is de reconhecer o valorr intelectual lo intt in do formalista russo r Viktor Chklovsky vs ky e do formalista-estrut truturalista francês Roland Barthes (especiaRola listas que escreviam palista ra es especialistas), Wood acusa-os de, como crítiacus cos, terem pensado como es escritores “alienados dos seus se instintos criativos” e de d recorrerem repetidamente à mesma fonte, tidamen o estilo literário. li Exactamente o cont contrário do que Wood faz nos sseus ensaios: ao pensar como um escritor, ele vai dissecar com co minúcia criativa – e com isso passar da teoria à prática, o qu que justifica o curioso título da disc disciplina que lecciona em Harvard – os vários aspectos dos textos, das personagens à linguagem, passando passand pelo ponto de vista, o estilo, a narrativa, nar o diálogo e a percepção do det detalhe. É singularmen- te curioso o que ele diz sobre este último aspecto: “Usamos o detalhe para focar, para fixar uma impressão, para recordar. E como anzol. (…) A literatura difere da vida na medida em que a vida é homogeneamente repleta de detalhes, e raramente chama a atenção para eles, enquanto a literatura nos ensina a reparar – a reparar na maneira como a minha mãe, digamos, limpa os lábios antes de me beijar; no som de berbequim de um táxi londrino, quando o seu motor entra flacidamente em ponto morto; (…); na maneira como a neve ‘range’ debaixo dos pés; na maneira como os braços de um bebé são tão gordos que parecem atados com cordéis.” Nos seus textos, Wood coloca ao leitor perguntas teóricas, mas apresenta respostas práticas. Questões como “o que é uma metáfora bemsucedida”, “o que é uma personagem”, como é que o escritor faz para lhe soprar a “vida” (assemelhando-se nisto a Deus) ou porque é que a ficção nos consegue comover são respondidas com múltiplos exemplos práticos que o crítico vai buscar ao seu imenso manancial de leituras, que vai desde os clássicos gregos e da Bíblia até Saramago ou os mais recentes David Foster Wallace e Philip Roth. James Wood defende que a ficção é “simultaneamente artifício e verosimilhança”, e que estes dois predicados são antagónicos apenas na aparência. Os seus pequenos ensaios, por vezes quase em jeito de relatórios ou de fichas, tentam conciliar a técnica desse artifício com o mundo real. Com Wood, a crítica literária transformou-se mais num estímulo à reflexão do leitor comum do que num julgamento de valores (que obviamente não está ausente). E é o facto de mostrar, da maneira que mostra (recorrendo por vezes a metáforas), os mecanismos da ficção que o torna tão singular. Nas suas críticas, James Wood reduz ao mínimo aquilo a que Joyce chamava o “fedor escolástico” para se dirigir ao “leitor comum” James Wood o grande cirurgião da literatura Trouxe a crítica literária para fora do mundo académico e quase lhe deu uma roupagem pop. Revistas como a “The New Yorker” ou a “London Review of Books” não o largam. Por cá, “A Mecânica da Ficção”, colectânea que reúne ensaios de um dos melhores críticos anglosaxónicos, acaba de ser traduzida pela Quetzal. José Riço Direitinho 24 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon fantasias, apontamentos, aos quais vou atribuindo sentido. Neste caso aconteceu-me com frequência acordar de noite para rabiscar alguns sonhos, mas diria que eles não têm uma tradução directa no som do disco.” Já perceberam. Steve Ellison é um alquimista do som. Alguém que pensa a música a partir de noções como espaço, tempo, temperatura, texturas, ideias rítmicas, estruturas que fogem à norma. Sobretudo espaço: “Vejo este disco como se fosse uma ópera espacial, qualquer coisa perdida num lugar que pode ser reconstruído, idealmente, a cada nova audição”. Na maior parte dos temas que compõem “Cosmogramma”, o seu terceiro álbum (o segundo para a Warp, editora de culto inglesa), não há vozes, mas quando há são de gente conhecida. Uma dessas vozes é de um admirador – Thom Yorke dos Radiohead, que surge no tema “...And the world laughts with you”, e com quem andou em digressão há pouco tempo. Para essa faixa, gravou o som dos últimos sinais vitais do monitor do hospital onde a sua mãe viria a falecer em 2008. “Prefiro utilizar sons originais, nunca antes utilizados, mas se isso não acontecer não é o fim do mundo”, afirma, acrescentando que grava imensos sons concretos – “ando sempre com um pequeno gravador”. A ideia do título foi do próprio Steve. “Era uma canção que me dizia muito, pessoalmente, e fiquei muito satisfeito por Thom Yorke ter entrado no seu universo sem problemas, adaptandose a ele e enriquecendo-o com a sua visão.” A sua música nem sempre entra à primeira. Às vezes nem à segunda. Obriga a algum tempo de habituação. É exigente. “Se tenho consciência disso?”, interroga-se, “de alguma forma sim, porque não me interessa fazer uma música qualquer, variação do que já foi feito inúmeras vezes, já existe por aí muita gente a fazê-lo”, “Quando oiço a minha música, é como se fosse uma espécie de meditação, qualquer coisa que me liga com aquilo que sou e com aquilo que me rodeia. É uma espécie de hipnose” continua, referindo-se a grupos rock que foi vendo nos festivais por onde transitou. Portáteis e Alice Coltrane Nos últimos meses, também se falou de Flying Lotus por ter participado no magnífico álbum “A Sufi And A Killer”, do americano Gonjasufi. Ele e Gaslamp Killer – outro dos participantes nesse disco – constituem o rosto de uma comunidade de artistas que trabalha em Los Angeles, na fronteira de várias linguagens, entre as electrónicas, o dubstep ou o hip-hop. Utilizam o computador com à-vontade, recorrem à biblioteca de sons do mundo, são virtuosos do portátil. Ellison conhece-os a todos, quando referimos nomes como Madlib, Daedelus, Sa-Ra Creative Partners, Nosaj Thing ou Ras G mas prefere realçar que cada um tem a sua identidade própria, destacando Gaslamp Killer. “É fantástico! Consegue buscar sons que nunca ouvi em nenhum lado. Música É mais um daqueles discos que nasceram no dia a seguir ao juízo final. Vulcões que cospem fogo. Paisagem árida. Restos de civilização industrial. Lixo. Cacos. Uma pilha de computadores portáteis. Consolas de jogos vídeo necessitadas de respiração boca-a-boca. E alguns sobreviventes. Entre eles Steve Ellison, 27 anos, mais conhecido por Flying Lotus. E o que faz ele enquanto a terra desaba em redor? Tenta consertar um computador. Quase consegue. Mas, mesmo com um computador avariado, não desiste. Começa a criar música. Cola as peças que tem à sua disposição. E o que sai de lá é um som desengonçado, titubeante, hip-hop sem ser hip-hop, com qualquer coisa de psicadélico, caldeirão borbulhante de alusões cósmicas, andamentos elásticos, recorte de sonhos e realidade. “Não tenho nenhuma ideia em particular em mente quando parto para um disco”, diz-nos ele, “são esboços, Flying Lotus, aliás Steve Ellison, integra uma comunidade de artistas de Los Angeles que partem do hip-hop para todos os sons do mundo e têm o portátil na cabeceira A ópera espacial É o homem de quem se fala em L.A. Motivo: “Cosmogramma”, o disco em que mistura jazz, hip-hop, videojogos e electrónica e nos devolve um mundo novo. Vai haver concertos no Sónar, na Corunha e em Barcelona. Vítor Belanciano 26 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Consegue quase sempre surpreender, o que não é nada fácil.” Partilham a mesma cidade, Los Angeles, e, mesmo que não sejam uma família, alguns deles representam a alternativa mais consistente aos padrões mais massificados das linguagens urbanas. Quase todos emergiram no seio da cultura hip-hop, mas a sua perspectiva é ampla. Mais do que a retórica, assimilaram os procedimentos criativos. E todas as músicas em volta. No caso de Steve, o jazz teve uma importância decisiva na sua formação. É vizinho do primo Ravi Coltrane, o saxofonista de jazz que participa em três faixas do novo álbum. Mas foi a tia-avó Alice Coltrane, mulher e colaboradora do lendário John Coltrane, e líder da sua própria formação, numa linha jazz cósmica, que mais o marcou. Harpista e pianista, Alice morreu em 2007. “Na verdade oiço mais jazz agora do que quando era mais novo, mas é claro que Alice é uma referência muito importante”, explica, recordando que ela era capaz de cantar e tocar horas numa igreja. “Gostava que as pessoas a recordassem para sempre e, em parte, foi por ela que utilizei uma série de sons de harpa neste disco.” O título do álbum é, também em parte, uma referência a ela. “Gostava de se referir a uma espécie de mapa do universo do qual faríamos parte. Dizia que o mundo material era ilusório e que tínhamos que ser nós a atribuir sentido ao mundo, criando talvez outro, mais ilimitado, no interior de cada um de nós.” A música, para ele, pode ter essa faculdade: “Quando oiço a minha música, é como se fosse uma espécie de meditação, qualquer coisa que me liga com aquilo que sou e com aquilo que me rodeia. É uma espécie de hipnose.” Tal como acontece nos discos, ao vivo Steve é um desses raros manipuladores de computador que surpreendem. Produz um cosmos próprio. Interage com a assistência. Cria momentos de improviso. “Nunca sei por onde vou”, ri-se, antecipando os concertos que dará no Festival Sónar da Galiza, na Corunha (19 Junho), e de Barcelona (18 Junho). “Nunca repito combinações de sons, gosto de me pôr em causa, de arriscar; às vezes nem sempre resulta, mas se fosse de outro modo seria uma mentira e a isso não estou disposto. Quem quiser ouvir os meus discos que os oiça. Ao vivo é diferente.” Em “Cosmogramma”, há um fluxo contínuo de informação. Sons ambientais, ruídos obscuros, linhas de baixo jazzisticas, orquestrações, vozes, desvios súbitos e toques que parecem extraviados de jogos vídeo, numa colisão de partículas infinita, recompondo cenários conhecidos ou provocando embates inéditos. No centro, a imaginação transbordante de Flying Lotus. Ver crítica de discos págs. 46 e segs. Sónar, agora também em galego atro0 e T | EL xtos’1uesa T A N I e rgia portug 0 T o 14 s ã ç i o 0 tu Ed Naolovres na draméamio INATEoL –– €€520500 V vos e No s e r uto os A Nov ) Pr visc 25 anos l Ro ande é • Gr io Migue turgos at ém (drama • Pr Este ano, o festival de Barcelona fica mais perto: extensão na Corunha, de 17 a 19 de Junho. A grande novidade da edição 2010 do Festival Sónar, que se realiza há 17 anos em Barcelona, é a extensão para a Corunha, na Galiza. Entre 17 e 19 de Junho, o mundo das electrónicas, e tudo à volta, vai concentrar-se nessas duas cidades. O menu é tão vasto e diverso que cada um pode construir o seu festival. Para além de Flying Lotus, há LCD Soundsystem, Air, Hot Chip, Matthew Herbert, Uffie, Broadcast, Alva Noto & Blixa Bargeld, Delorean, 2ManyDjs, Aeroplane, Caribou, Dizzee Rascal, Joy Orbison, King Midas Sound, Moodyman, Plastikman, Roxy Music ou Zomby. Nos últimos anos, os Buraka Som Sistema, representaram em grande estilo Portugal. Desta feita, vão estar presentes os Octa Push (Corunha) e os Photonz (Barcelona). Um festival, quando é realmente bom, não se esgota nos dias em que decorre. Deixa uma marca ao longo do ano. Quem tem acompanhado o Sónar sabe que é assim. O seu impacto já não se mede, em exclusivo, pelos acontecimentos musicais, mais ou menos relevantes, mas sim pelo que acontece em redor. Pelo que provoca. Pelo rasto que deixa. Nesse sentido, o Sónar acompanhou o crescimento da cidade de Barcelona. Impulsionou-o. Deu-lhe sentido, atraindo gente de todo o mundo. Hoje o Sónar é marca universal. É um evento verdadeiramente internacional, criado para um público não passivo, convidado a criar o seu próprio roteiro, por entre propostas de música, mas também exposições, cinema, arte multimédia ou conferências. Todos os anos o festival se reinventa e permanece o mesmo. A linha programática mantém-se, num compromisso entre os mais recentes rumos da música popular e formas embrionárias, num todo em que convivem figuras históricas que marcaram o presente e muitas revelações. No final de cada edição, sintetizam-se os últimos meses e lançam-se os próximos. Em Barcelona, de há alguns anos a esta parte, a procura de bilhetes – para as sessões diurnas – tem sido superior à oferta. A organização tem tentado que o festival não cresça, desvirtuando-se. Também por isso, surge agora este Sónar em versão dupla. V.B. Entrega de originais: 1 a 30 Junho 2010 Informações: Fundação INATEL – Sede / Agências Calçada de Sant’Ana, 180 | 1169-062 LISBOA t. 210 027 141 /150 | f. 210 027 140 | [email protected] Regulamento em www.inatel.pt de Flying Lotus Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 27 Música A sucessão de êxitos dos Pavement (melhor momento do festival) e o “best of” dos Pixies: os anos 90 são um filão nostálgico em exploração Algures entre o veraneante e o pósindustrial (há uma piscina natural, uma estrutura gigantesca com painéis solares), o Primavera Sound é uma montra de tendências do mundo musical independente seis palcos principais. O bilhete para três noites pode custar até 180 euros, mas muitos espanhóis (e muitos estrangeiros) não se importam de os pagar e ver numas dezenas de horas mais concertos de topo do que veriam ao longo de um ano. Prova de que o Primavera não é só um festival de música, mas uma plataforma para a afirmação de tendên- cias noutras áreas. Não por acaso, a Ray-Ban, fabricante dos já referidos Wayfarer, patrocinou um palco gigantesco. À entrada, várias tendas vendiam t-shirts (dos Black Flag aos Real Estate) e vinil, muito vinil. Até a comida é indie: havia sandes com os nomes “Wilco”, “Pixies”, “The Fall” e outra iguaria chamada “Ket Shup Boys”. É um festival para jovens adultos (não contámos um único adolescente) e crescentemente internacional (a organização estima que 35 por cento dos festivaleiros sejam estrangeiros) - nas “ramblas” e no metro, é fácil descobrir alguém com a pulseira branca e as letrinhas mágicas “Primavera”. É também um ponto de encontro da indústria, aspecto reforçado este ano com a abertura do Primave- ANA SOFIA MARQUES Óculos com hastes coloridas e Wayfarer metidos na cara em plena noite. Um moço com mala Marc Jacobs verde fluorescente e um paninho a sair do bolso (não nos perguntem para quê). Mil outros rapazes e raparigas com calças justinhas, ténis brancos ou sapatos de pele impecáveis e cabelo milimetricamente despenteado. Uma convenção de “hipsters”, de malta com gosto desmesurado pelo “cool”? Sim, mas também música. E em doses generosas: com 240 concertos para mais de 100 mil pessoas, a edição 2010 do Primavera Sound (entre 27 e 29 de Maio, em Barcelona, Espanha) reforçou o estatuto do festival como um dos maiores eventos indie do mundo. Montado no Parc del Fórum, espaço junto ao mar algures entre o veraneante e o pós-industrial (há uma piscina natural, uma estrutura gigantesca com painéis solares), é uma montra de tendências do mundo musical independente. Desde a primeira edição, em 2001, tem crescido, procurando misturar os pais do indie, velhas glórias, com os filhos e o sabor do momento amplificado por publicações como o “site” Pitchfork e a revista “Vice”, não por acaso responsáveis por dois dos Os pais e os filhos do indie Montado no Parc del Fórum, espaço junto ao mar algures entre o veraneante e o pósindustrial (há uma piscina natural, uma estrutura gigantesca com painéis solares), o Primavera Sound é uma montra de tendências do mundo musical independente. Houve históricos, como Pavement e Pixies, mas também o sangue novo do indie. Pedro Rios, em Barcelona 28 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon ANA SOFIA MARQUES Atlas Sound (Bradford Cox, todo ele contenção, guitarra acústica, harmónica, um músico completamente franco.); The Drums, já uma das certezas da pop independente e Best Coast (misto de Ramones, “girl groups” e proclamações de amor à erva) raPro, espaço destinado aos agentes do sector, das editoras às instituições culturais, e que incluiu concertos de banhas espanholas. De horário na mão Os três dias de Primavera são um quebra-cabeças. Há quem faça (e partilhe na Internet) tabelas com os horários dos palcos lado a lado, para melhor escolher o que vai ver e decidir se vê um concerto do início ao fim ou se abandona uma actuação, caminha 200 metros até outro palco para apanhar metade de outro. Best Coast ou Thee Oh Sees? Broken Social Scene ou Tortoise? O “best of” dos Pixies ou o turbilhão Major Lazer, que misturaram Ace of Base, dubstep e as já de si mestiças canções de “Guns Don’t Kill People... Lazers Do” e ainda puseram Skerrit Bwoy, o animador de serviço, a atirar-se para cima de uma moça? A pop electrónica dos espanhóis Delorean (dia 25 de Julho no festival Milhões de Festa, em Barcelos) ou a música de dança perspectivada pelos Fuck Buttons? A sucessão de êxitos dos Pavement, glórias do rock independente dos anos 90, ou a pop em frangalhos dos Sleigh Bells, acabados de editar o maravilhoso “Treats”? Engolimos em seco e ficamo-nos pelos Pavement, de regresso aos concertos depois de um hiato de uma década. Aposta ganha: foi o melhor momento do festival. Stephen Malkmus e companheiros estão mais velhos do que nos cartazes espalhados pelo recinto, mas canções como “Range life” ou “Stereo” não perderam ponta da energia pós-adolescente. Com Pavement, Pixies, Built to Spill e Superchunk a darem nas vistas perante uma multidão, ficou patente que os anos 90 são um filão nostálgico em exploração. Na quinta-feira, a noite dos Pavement, houve também Surfer Blood, esses sim, verdadeiros pós-adolescentes. Revelaram no palco Pitchfork o seu rock derivado dos Weezer e dos Vampire Weekend, com um vocalista convictamente beto. Na audiência detectámos um inacreditável “menino Tonecas”, boné para trás, calções curtíssimos, óculos garrafais, com tshirt dos Nirvana. Os norte-americanos foram um dos exemplos claros da função divulga- Desde a primeira edição, em 2001, tem crescido, procurando misturar os pais do indie, velhas glórias, com os filhos e o sabor do momento amplificado por publicações como o “site” Pitchfork e a revista “Vice”, responsáveis por dois dos seis palcos principais Um festival para jovens adultos dora do festival, com boa parte do cartaz composto por novos nomes vindos, sobretudo, do outro lado do Atlântico. Os Best Coast, misto de Ramones, “girl groups” e proclamações de amor à erva, deixaram boas pistas para o que vai ser o seu primeiro disco de maior exposição, “Crazy for You” ( Julho). Em águas não muito distantes mergulharam as Dum Dum Girls, algures entre as Shangri-Las e uns Jesus and Mary Chain de saias, que contaram com um discreto Edward Droste, dos Grizzly Bear, na audiência. Os Titus Andronicus transpuseram para o palco Pitchfork o cruzamento da euforia punk rock com a música tradicional irlandesa patente em “The Monitor” (2010), algo muito diferente do psicadelismo de baixa definição dos Ganglians e das canções simples e veraneantes dos Real Estate, que estiveram em Portugal há meses. Ainda no lote das promessas, o destaque maior vai para The Drums, que ainda não lançaram o primeiro álbum (têm apenas um EP) e são já uma das certezas da pop independente em 2010. Foram conotados com a vaga de pop soalheira que marcou o indie em 2009 (têm culpas no cartório: chamaram ao EP “Summertime!” e o seu maior êxito – utilizado num anúncio de automóveis – chama-se “Let’s go surfing”), mas, para além das “girl groups” e praias, quase omnipresentesem 2009, metem os New Order e alguns dos maneirismos vocais de Morrissey ao barulho. A confiança demonstrada em palco impressiona, sobretudo porque são uma banda formada no final de 2008: é quase garantido que 2010 vai ser (também) deles. No palco Ray-Ban, os The xx cimentaram o estatuto de culto perante dezenas de milhares de pessoas (apesar de a sua música e postura, milimetricamente estudadas, não provocarem a empatia que outros grupos conseguiram) e os Broken Social Scene mostraram porque são uma das bandas definitivas do indie contemporâneo (e com a vénia dos veteranos: Kevin Drew, o vocalista, cantaria uma canção com os Pavement, umas horas depois). Os concertos dos Beach House e dos Grizzly Bear também permitiram confirmar que são candidatos naturais à presidência do actual indie rock. Na noite de sexta-feira, Noah Lennox (Panda Bear) apresentou pedaços de “Tomboy”, agendado para Setembro. Sem as projecções vídeo, que teimaram em não arrancar, sobressaiu a qualidade mais austera das novas canções do músico dos Animal Collective, que incluem um “sample” do que parece um estádio de futebol e mais batidas dançáveis do que no brilhante “Person Pitch”. Ao mesmo tempo, noutro ponto do recinto, Tim Harrington, o barbudo vocalista dos Les Savy Fav, filhos do hardcore, irrompia pela multidão para distribuir beijos na boca a homens e mulheres. Harrington – músico e fã - também cantou durante o concerto de Pavement, estremeceu com o ataque virulento dos Shellac e dançou Liquid Liquid na lateral dos palcos e ainda entrou numa canção dos Superchunk. Se os nova-iorquinos ganharam o prémio de momento mais expansivo de todo o festival, Atlas Sound (actua hoje no Lux), projecto solitário de Bradford Cox, líder dos Deerhunter, protagonizou um dos mais calmos, todo ele contenção, guitarra acústica, harmónica e um músico completamente franco. Foi de Cox – e de Michael Rother a passar pelo património dos eternos Neu! – o último fim de tarde do Primavera. Horas depois, era hora de regressar, descansar os pés e jejuar, por uns dias, de música ao vivo. e celebraram a Primavera Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 29 António Chainho em Oriente duplo Música Uma aventura levou-o à Índia, outra à China. Da primeira saiu um disco, “LisGoa”, agora editado. Da segunda nasceu um dueto com a cantora chinesa Gong Linna, com quem andará pela China já a partir de dia 7, com partida de Xangai. Nuno Pacheco um dos seus instrumentais, “LisGoa”) teve gravações em Panjim, Bangalore, Londres e Lisboa. Da Índia, tiveram as vozes de Remo Fernandes e Sonia Shirsat, além de Natasha Lewis, residente em Londres. E em Portugal, para lá de uma quarta voz, a da jovem fadista Isabel de Noronha (que tem acompanhado Chainho nos últimos anos), foram incorporados vários músicos: “Paulo Sousa, que viveu na Índia e aprendeu sitar com os grandes mestres; Raimund Engelhardt, um alemão que viveu 15 anos na Índia, onde aprendeu a tocar tablas; o Carlos Barreto Xavier, pianista e professor, que é filho de goeses e conhece bem a música indiana; e Tiago Oliveira, que é quase um concertista de guitarra clássica e toca muito bem fado e qualquer género”. Além deles, participaram nalguns temas Ruca Rebordão, nas percussões, e Rodrigo Ferrão, no contrabaixo. “Não quero estar na moda” Muitos chamam-lhe “mestre”, mas António Chainho defende-se com a simplicidade de quem sabe que é nas suas mãos que tudo repousa. Mais orgulho do que vaidade. “Tive muita sorte com a minha vida, com a minha carreira. Isto é sorte, não é só o trabalhar, que realmente trabalhei muito. O que eu andei!” Nascido em São Francisco da Serra (Santiago do Cacém), em 1938, Chainho tocou pela primeira vez em público aos 13 anos. Depois, acompanhou nomes como Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Carlos do Carmo, Francisco isco José, Tony de Matos, António Mourão, rão, Frei Hermano da Câmara, Hermínia Silva. Mas nenhum em exclusivo:: “Nunca fui privativo vativo de ninguém. Usava ava uma agenda (nunca nca falei nisto) onde tomava mava nota de tudo, e havia ia cantores que tinham poucos espectáculos. Ora eu tinha um gravador, dos primeiros que apareceram, am, levavao para os ensaios nsaios e gravava tudo. Quando me pediam m para ir a um espectáectáculo desses cantontores, eu ouvia tudo udo outra vez e, quanuan- “Ouvi [Gong Linna] e pensei: que voz é esta? Ela atinge uns agudos, com uma potência e uma força incríveis, afinadíssima, que grande cantora! Ela vibra, não ‘despeja’” ‘despe do tocava, dizia diziam-me: ‘Eh pá, você tem um uma memória, lembra-se d de tudo!’”. E assim cham chamavam-no sempre. Não e era truque, era trabalho. E a “memória” fazia pela arte. ar Há 30 anos anos, gravou o primeiro disco de longa-du longa-duração em nome próprio: “Guitar “Guitarra Portuguesa” (1980). ( Seguiram guiram-se “The London Philarmo- nic Orchestra” (1996), “A Guitarra e Outras Mulheres” (1998), “Lisboa-Rio” (2000) e “António Chainho e Marta Dias ao vivo no CCB” (2003). Isso fê-lo percorrer os caminhos de Portugal, em várias latitudes sonoras, e também os do Brasil. Mas a irrequietude levou-o à Índia e ao Sri Lanka, há seis anos. Foi tocar, mas também fazer um “workshop”. “A Fundação Oriente tem uma sala que leva umas cem pessoas, estava repleta. Abriram janelas e portas para se ouvir cá fora. Lembro-me de um padre que fez perguntas incríveis sobre o fado, sabia muito da nossa cultura. O ‘workshop’ teve tamanho impacto que o espectáculo que íamos fazer a seguir, numa sala para 1400 pessoas, esgotou.” Voltou mais duas vezes. Conheceu músicos indianos. Ouviu o sitar, e os violinos do Sul: “São uma coisa incrível. Tocam-nos sentados no chão, com o violino preso entre o pescoço e o calcanhar, e as duas mãos direitas.” E disse que sim, quando Sérgio Mascarenhas, presidente da Fundação Oriente, lhe falou num disco. Do sitar à guitarra portuguesa A experiência já o levara, em 2004, a tocar em palcos indianos com guitarra portuguesa, viola e sitar. “Comecei a conhecer o Remo Fernandes, a Sonia Shirsat [ambos cantores] e pensei “LisGoa” é o cruzamento da guitarra portuguesa de Chainho com o sitar e os violinos do Sul da Índia: uma ponte de lá para cá que era interessante fazer alguma coisa com eles.” Até que formalmente lhe propuseram a ideia, e as coisas começaram a tomar forma. Chainho gostara muito da sonoridade do sitar. E entre as várias músicas que lhe arranjaram para ouvir, algumas delas clássicos de Bollywood, fez uma selecção. “Quis compor coisas que ficassem bem no sitar e vice-versa, escolher coisas que encaixassem bem com a guitarra portuguesa.” A abrir o disco, há desde logo um toque envolvente e melancólico, “Ao encontro do Oriente”: “Agarrei no fado menor, que dos três fados principais é o que mais tem a ver com o sentimento português, e fui por ali fora. Depois o [pianista] Carlos Barreto Xavier trabalhou bem e o tema tem esse ambiente, mas com um cheirinho já a Goa.” Doze faixas depois, o disco fecha com “De Mandovi ao Tejo”, viagem no sentido inverso: “Filo como uma balada da Índia para Lisboa, é a ponte de lá para cá.” Entre Janeiro e Dezembro de 2009, o disco (que veio a ganhar o nome de Mas agora que “LisGoa” é lançado em Portugal, Chainho faz as malas direito à China. Na Womex de 2009, em Copenhaga, a agência do guitarrista procurou quem pudesse acompanhá-lo à Expo de Xangai, em Junho. Conheceram um músico alemão casado com uma cantora chinesa, a viver em Berlim. A agência mandou-lhe gravações de Chainho e ele gostou de “Voando sobre o Alentejo”, ”Valsinha mandada”, “Sentir em português”. Em troca, enviou a Chainho quatro ou cinco músicas cantadas por Gong Linna. “Ouvi e pensei: que voz é esta? Ela atinge uns agudos, com uma potência e uma força incríveis, afinadíssima, que grande cantora! Depois é que vim a saber que era também uma grande vedeta”. Há duas semanas, Gong Linna esteve em Portugal, a ensaiar em casa de Chainho, já rendido: “Ela vibra, não ‘despeja’. Mesmo nos ensaios, parece que já está no espectáculo.” Na China, Gong Linna vai cantar em português parte de um tema de Chainho, “Trago ruas no meu peito”, e Isabel de Noronha (que já cantou em concanim, da Índia) vai cantar em chinês. Os concertos começam em Xangai (dia 7), seguindo-se Whuan (8), Pequim, na Cidade Proibida (9), Macau (11) e Shenzen (12). Chainho não vai só: “Comigo vão a Isabel de Noronha e o Tiago Oliveira, que é o pilar do meu trabalho nestes últimos anos. Porque aquilo a que quero estar sempre ligado é ao fado. Foi onde nasci e é onde quero morrer. Às vezes perguntam-me porque não faço agora um disco de fado. Sei que está na moda, mas eu não quero estar na moda. Talvez o último trabalho seja um disco de fado. Mas nunca sei o que vou fazer amanhã.” Ver crítica de discos págs. 46 e segs. M;F;;TOF ëFNCG;ML?JL?M?HN;{Æ?M Mç;N|+->?DOHBI NIGMNIJJ;L> NIGMNIJJ;L> Ug)+0W M;F;P?LG?FB; KO;LN;;Mà<;>I ,+B-* >IGCHAIÉG;NCH|? +0B** ?MNLONOL;@CH;H=C;>;J?FI ?MNLONOL;@CH;H=C;>;J?FI MVÖT÷NÓSJP÷MPQFT JUNHO 05 SÁBADO 22:30 anbb Alva Noto & Blixa Bargeld Beak (Geoff Barrow, Portishead) Orquestra Nacional do Porto Magnus Lindberg Moderat Cluster + Chrome Hoof Todd Terje Mystery Jets DJs Mikado Lab Álvaro Costa Fadi Dorninger Pfadfinderei TODOS OS ESPAÇOS | € 18 OUTROS ESPAÇOS (EXCEPTO anbb E BEAK) | € 7,5 ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DE CADA ESPAÇO PATROCÍNIO MECENAS ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA [email protected] SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CLUBBING (EXCEPTO anbb E BEAK). OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 31 Caveiras por trás dos Dead Combo Música Enquanto trabalham no sucessor de “Lusitânia Playboys”, os Dead Combo lançam em DVD o concerto-duplo que encerrou a última digressão. A antestreia e o novo concerto com a Royal Orquestra das Caveiras estão marcados para mais logo, no São Jorge. Luís Carlos Soares Pedro Gonçalves, o contrabaixo dos Dead Combo, e Tó Trips, a guitarra da dupla No final do ano passado, os Dead Combo voltavam a Lisboa para, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz, encerrarem uma digressão que os havia levado a diversas salas portuguesas. As pequenas dimensões do país não impediram que só então terminassem o périplo nacional de apresentação de “Lusitânia Playboys”, álbum de 2008. O registo deste concerto-duplo originou um DVD, “Dead Combo and Royal Orquestra das Caveiras Ao Vivo no São Luiz”, que, logo à noite, terá antestreia numa outra sala da capital, a terceira do Cinema São Jorge. Já lá vamos, voltemos a Novembro de 2009. A noite, com lotação esgotada, começou ao som de “Despedida (até sempre)”. Abrir um concerto com semelhante título não causa estranheza quando sabemos que estamos perante uma banda sem vocalista. Continuando no álbum que, há dois anos, tanto empolgou a “intelligentsia” portuguesa, o ritmo aumenta aos primeiros acordes de “Sopa de cavalo cansado”. Até aqui, nada de novo no figurino habitual dos Dead Combo: a guitarra de Tó Trips do costume, o contrabaixo de Pedro Gonçalves do costume. A cartola e os óculos de sol ostentados, respectivamente, por cada metade deste duo, também marcam presença. Até que surge a principal novidade. A condizer com o preto que predomina no palco, entra a Royal Orquestra das Caveiras. Ana Araújo senta-se ao piano e Alexandre Frazão na bateria. Ao fundo alinham-se João Cabrita no saxofone, João Marques no trompete e Jorge Ribeiro no trombone. “Aquela secção de sopros é a secção de sopros em Portugal”, conta, ao Ípsilon, um orgulhoso Pedro Gonçalves. “Foi a junção de pessoas mais feliz que, até hoje, tivemos na nossa música”. A primeira faixa tocada pela Royal Orquestra das Caveiras foi “Rodada”, uma das raras excepções num alinhamento repleto de temas “Lusitânia Playboys”. O regresso a esse disco seria feito com “Cuba 1970”. O concerto desenrola-se ao som da descarga de energia de “Malibu fair”, e a viagem pelas canções que nos levam aos mais diversos cantos do mundo traznos de volta a Portugal, com “Rak song”. Cada aplauso entre canções surge como uma surpresa. As câmaras estão tão focadas nas almas em palco que nos esquecemos que estamos perante um registo ao vivo. O fime mostra uns Dead Combo iguais a eles próprios: de rostos cerrados e a soltar apenas as palavras necessárias. Não faziam ideia do que é que este concerto originaria, mas acreditamos que, mesmo que soubessem, agiriam da mesma forma. Acontecimentos fortuitos “A história deste lançamento é um feliz acaso, ideia de um amigo nosso, o [realizador] Daniel Neves. Ele já trabalhou umas mil vezes connosco e, poucos dias antes, sugeriu que era porreiro filmarmos o espectáculo”, lembra Gonçalves. “Esta ideia surgiu bastante tempo depois. Ele andava sempre a perguntar o que queríamos fazer com aquilo. Pensámos em meter na net, fazer isto ou aquilo. A Pa- “A história deste lançamento é um feliz acaso”, diz Pedro Gonçalves. A carreira dos Dead Combo está marcada por vários acontecimentos fortuitos trícia Gonçalves [da editora] é que sugeriu lançarmos um DVD associados a um jornal”, revela o contrabaixista, a apontar para o primeiro exemplar. A data de lançamento está prevista para terça-feira, com o PÚBLICO. A verdade é que a carreira dos Dead Combo parece marcada por vários acontecimentos fortuitos. O projecto nasceu quando, no princípio da década, no final de um concerto do norte-americano Howe Gelb, ao qual ambos tinham assistido sozinhos, Tó Trips pediu uma boleia a Pedro Gonçalves. Em vão. Acabaram por seguir para o Bairro Alto, numa conversa que levou Tó Trips a convidar Gonçalves para, no contrabaixo, o acompanhar numa colectânea sobre Carlos Paredes. Após a criação dos Dead Combo, seguiu-se o lançamento de quatro discos de originais. O sucessor de “Lusitânia Playboys” encontra-se em “préprodução”. Tó Trips diz que o lançamento será “entre o final de Setembro e o princípio de Outubro”. Para já, “apesar de as câmaras municipais andarem todas a choramingar a crise”, pretendem fazer-se acompanhar pelos Royal Orquestra das Caveiras nos mais diversos palcos. O primeiro é hoje, precedendo a antestreia do DVD. Ver agenda de concertos págs. 44 e segs. 32 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon O DVD regista o encontro dos Dead Combo com a Royal Orquestra das Caveiras: “Foi a junção de pessoas mais feliz que, até hoje, tivemos na nossa música” ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM Teatro Toshiki Okada e a geração perd Vindo do Japão, chega amanhã a Lisboa um dos mais talentosos encenadores contemporâneos. Toshiki Okada é tudo aquilo que achávamos não existir no teatro japonês: toda a verdade sobre nós, deste lado do sol. Tiago Bartolomeu Costa 16 de Maio de 2007 foi um dia de intensa chuva em Bruxelas. A noite foi toda uma outra coisa: parou de chover e um encenador japonês cujo nome ninguém tinha ouvido e que, exactamente por isso, ainda nenhum programador tinha arriscado apresentar apresentou-se pela primeira vez na Europa com “Five Days in March”. O director do Kunsten Festival, Christophe Slagmuylder, tinha visto Toshiki Okada no Japão, e assim começou a aventura de um encenador de 35 anos (mas com ar de ter menos dez) que, mesmo sem falar inglês, passou a fazer o pleno dos festivais europeus até chegar, finalmente, ao Alkantara, onde se apresenta este fim-de-semana, no Teatro Nacional D. Maria II, com “Hot Pepper, Air Conditioner and the Farewell Speech”. São sete da tarde no Japão quando ligamos a Toshiki Okada, ainda a manhã começa em Lisboa. Está prestes a entrar num ensaio, no mesmo dia em que saiu de cena, em Nova Iorque, a versão norte-americana de “Five Days in March”, tomada agora de assalto por um grupo local interessado nas analogias possíveis com a vida dos jovens adultos japoneses de Yokohama, grande cidade industrial na cintura de Tóquio, durante os dias que mediaram o anúncio da invasão do Afeganistão e a entrada das tropas naquele território do (sic) “Eixo do Mal”. A vida daquelas pessoas, iguais a tantas outras em outros tantos lugares do mundo, não ficou necessariamente marcada por esses acontecimentos concretos, mas eles dão o enquadramento necessário a uma “certa infantilização dos jovens adultos japoneses em sofrimento com o sistema”, escreveu Jean-Louis Perrier na revista francesa “Mouvement”, em 2008. Okada lembra-se mal dessa noite em Bruxelas. Mas ainda sabe o que esperava encontrar: “Não sei se há diferença entre os jovens adultos japoneses e os europeus. Nunca tinha estado na Europa. Sabia que aquilo 34 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon que estava a fazer dizia respeito à realidade que conhecia. Se há uma identificação, isso deve-se a factores externos, como a expectativa em relação às obras, e ao poder do teatro, no geral”. O seu teatro, nessa peça como na que apresenta amanhã e depois em Lisboa, estreada em 2009, revela uma geração perdida, presa entre o que deveria ser “e o que já não é”, diz-nos. Lembramo-nos das notícias dos adolescentes japoneses que se fecham nos quartos e cortam laços com a família durante dias, “ou meses e anos”, alerta o encenador. “Estamos a falar para essas pessoas ou dessas pessoas?” No Japão como na Europa, a geração apresentada pelo encenador (que é, aliás, a sua própria geração, da qual nunca se demarca) está “perdida” na “encruzilhada de dois mundos (família/tribo, trabalho/desemprego, passado/futuro, Oriente/Ocidente)”, sublinha ainda Perrier. Os jovens adultos do teatro de Toshiki Okada são “os arautos incertos de um Japão incapaz de acelerar a mudança. Revelam as falhas de uma sociedade arquitectada nas suas convenções, na sua rigidez, nas suas hierarquias, na sua história e na sua aparência. Eles desesperam e divertem-se, não sem escândalo, na medida em que aceitam perder docemente a face, exibindo relaxadamente os seus traços em público, como se se encontrassem sozinhos perante a privacidade do espelho.” O que mais impressiona nas peças de Okada é o modo como desmonta um certo exotismo que possamos ainda sentir em relação ao Oriente, e em particular à eficácia da máquina social japonesa, e releva uma agrura social que imaginávamos mas não sabíamos tão presente, e tão premente, numa sociedade hiper-mediatizada que acontece ser japonesa, mas podia ser norte-americana ou da Europa no eixo Paris-Bruxelas-Londres-Berlim. O teatro da normalidade “Hot Pepper, Air Conditioner, and the rdida Em “Hot Pepper, Air Conditioner and the Farewell Speech”, os corpos não estabelecem uma relação directa com o texto: um actor em palco, acredita Okada, diz mais coisas do que aquelas que sabe que está a dizer As personagens de Toshiki Okada são figuras “normais”, em vidas “normais”, a fazerem coisas “normais”: “Há algo de mais teatral do que a normalidade?”, pergunta o encenador texto, numa lógica de diálogo ampliador. “São duas coisas que não se separam e, no entanto, um corpo em palco, feito por um actor que está só a representar, diz mais coisas do que aquelas que o actor sabe”. O teatro, disse à “Mouvement”, está melhor colocado do que a dança para representar a dimensão social da vida porque há esta relação entre corpo e linguagem. As suas personagens são, concorda, figuras “normais”, em vidas “normais”, a fazerem coisas “normais”. “Há algo de mais teatral do que a normalidade?”, pergunta. Essa normalidade, em Okada entendida como veículo para entrar a fundo nos sonhos traídos de uma geração sem rumo, é apresentada através de um modelo expositivo, que em nada parece impor uma ordem, e muito menos uma solução. Diz-nos em conversa que “não acredita que o teatro possa ser um veículo moralizador e muito menos capaz de apresentar um modelo convincente para entender o mundo”. Será, eventualmente por isso que, nas suas peças, é através do corpo, muitas vezes mudo, que sentimos a velocidade do tempo a passar. São situações do quotidiano: em “Five Days in March”, o pano de fundo era a espera pela guerra, mas as conversas das pessoas eram sobre outra coisa, sobre nada, e isso dizia tudo sobre a impossibilidade de falar de outra coisa; em “Hot Pepper...”, os corpos falam de ar condicionado, de espaços para festa, de uma hipótese de sociabilização que nunca vai existir, de uma ideia de mundo falsa, consciente dessa falsidade mas ainda assim a tentar sobreviver. São corpos de uma geração que “em tudo gostaria de se assemelhar a algo inacabado, sem antecedentes conhecido (...), girando sem cessar num vazio que os aspirasse se não se obstinassem em vivê-lo”, escreveu Jean-Louis Perrier. “São pessoas que pertencem pe te ce a qu quê?”, pergunta-nos Okada. É isso que quer dos seus s actores. Que Q Qu e perguntem e expliq expliquem mesmo aquilo que não sabem sabem. “Talvez esteja aí a solução”, diz. Okada pedelhes “para se afastarem afastar do texto, como contrapeso a uma consciência demasiado pre presente durante o discurso. Texto e movimento devem neutralizar-se para darem lugar a um impulso m mais ‘puro’”. É uma estratégia d de procura (e, para nós, de d descoberta): Okada a expor exp a cultura contemporâ contemporânea japonesa “com as sua suas experiências severam severamente introvertidas”, escreveu es Lieve Dierckx no jo jornal flamengo “Rekto:Verso”, “Rekto:Ve depois dessa estreia mítica, depois de um d dia de chuva intensa, em 2 2007. Ver agenda de espectáculos na pág. 38. QUA 09 JUN 22:00 SALA SUGGIA | € 15 Mathias Rüegg direcção musical l Third Dream ÁUSTRIA 2010 www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220 Farewell Speech”, a peça que Okada traz ao Alkantara, estreou em 2009 em Berlim como resultado de uma extensão de “Air Conditioner”, pequena encruzilhada estilística e súmula do pensamento de um encenador que considera “necessário trabalhar o que está entre o corpo e a imagem” (“Se o movimento do corpo segue o sentido da palavra, isso não tem nenhum interesse”, resume). Quando escreve, diz-nos Okada, pensa “no corpo dos actores”: “As palavras, as expressões surgem quando já tenho uma ideia genérica da história. É a linguagem que se impõe à escrita. A linguagem está em mim. Não sou nem tradutor nem reprodutor, mas produtor”, clarifica. Toshiki Okada entende o teatro, ou “a tradução fictícia da realidade”, como um espaço de pesquisa sobre o real poder de intervenção na sociedade. “Hot Pepper, Air Conditioner and the Farewell Speech” apresenta corpos sem relação directa com o Aproveitando o grande número de instrumentistas que aí se encontram, tanto na área da música clássica como no jazz, a Vienna Art Orchestra assumiu recentemente uma nova configuração que remete para ambas as expressões: uma orquestra de câmara que integra naipes de cordas, madeiras e metais e solistas improvisadores. A formação dirigida por Mathias Rüegg não se acomoda aos múltiplos prémios arrecadados, deixa para trás o formato clássico de big band e apresenta um programa conceptual onde a música original é protagonista. JANTAR + CONCERTO € 30 MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 35 Junichiro Tanizaki 50 anos depois da sua morte, uma descoberta sumarenta: “Uma Um Gata, Um Homem U e Duas M Mulheres”. P 49 Pág. Bonnie Prince Billy Ao vivo em Lisboa e Flying Lotus L.A. é o psicadelismo dele. Pág. 46 Aveiro, no cinema em m “Wendy e Lucy” e “Old ld Joy”. Págs. 44 e 52 Robert Wyatt Um dos maiores músicos da actualidade, como comprova uma antologia agora editada. Pág. 46 Teatro/Dança aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito mBommmmmMuito BommmmmmExcelente BommmmmmExc Mett e Ingv ar no CC tsen B “Deserve” no Alkantara Festival A mãe das peças de Pinter Hoje nas Caldas da Rainha, e a partir de quarta-feira em Almada, os Artistas Unidos juntam “O Quarto” a “Comemoração”. Quarenta anos de Pinter, tal como ele os quis ver. Clara Campanilho Barradas O Quarto + Comemoração De Harold Pinter. Pelos Artistas Unidos. Encenação de Jorge Silva Melo. Com Cândido Ferreira, Daniel Martinho, João Meireles, João Miguel Rodrigues, Lia Gama, Sylvie Rocha, entre outros. Caldas da Rainha. Centro Cultural e de Congressos. R. Dr. Leonel Sotto Mayor. De 4/06 a 5/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 262889650. 7€ a 10€. Almada. Teatro Municipal - Sala Principal. Av. Professor Egas Moniz. De 9/06 a 20/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€. Três semana depois da estreia do díptico “Comemoração”-“A Nova Ordem Mundial” no Centro Cultural de Belém, os Artistas Unidos fazem outra investida em Harold Pinter: sai “A Nova Ordem Mundial”, e entra “O Quarto”, que se junta a “Comemoração” para uma temporada no Teatro Municipal de Almada, de 9 a 20 de Junho . A antestreia é hoje e amanhã, no Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha. Quarenta anos do teatro de Harold Pinter contidos em duas peças, tal como ele as quis ver: abre o pano, “Comemoração”, fecha o pano, intervalo, abre o pano, “O Quarto”, fecha o pano. “É exactamente como o Pinter estreou. ‘Comemoração’ primeiro e ‘O Quarto’ depois. Ele dizia com graça: ‘Quero que me digam quem é o autor jovem e quem é o autor velho’. Queria iludir os espectadores, fazendo pensar que ‘Comemoração’ era a obra de um autor jovem e que ‘O Quarto’ era de um autor velho”, diz Jorge Silva Lia Gama, a senhora Rose, vive no quarto número sete, o melhor do prédio “Cratera” nos Festivais Gil Vicente Melo. Mas não é assim, é exactamente ao contrário: “O Quarto” (1957) é a primeira peça do dramaturgo inglês. Nela, estão as sementes das peças seguintes. Com “Comemoração”, de 1999, encerra a carreira literária. Quando escreveu a sua última peça, Pinter decidiu estreá-la juntando-lhe “O Quarto” para “juntar os seus vários fantasmas”. “Era um homem que em 99 já tinha 70 anos, todas as condecorações; mas estava a ver a vida a acabar. Se calhar é isso que a Rose, em ‘O Quarto’, está a ver”, propõe o encenador. É, sublinha, “uma peça muito engraçada por causa dos temas que Pinter vai desenvolver nas peças seguintes: a ocupação do quarto, as pessoas que entram inesperadamente e são ameaçadoras, o tempo a passar, a cegueira, a violência, a morte, e claro, as três paredes”. Pinter era muito tradicional na sua abordagem do teatro (começou a carreira como actor em companhias tradicionais inglesas): “Se Samuel Beckett escrevia para um palco vazio, Pinter escreve sempre para um cenarinho de teatro, tal e qual como deve ser: mesas, cadeiras, cadeirinhas, janelas, tudo. Excepto em ‘Comemoração’. Liberta-se finalmente, mesmo no fim da vida, dessas coisas. Esta encenação é um jogo sobre as convenções teatrais, o que não é convencional são as narrativas”. As três paredes são um “mundinho perdido” no grande palco do Teatro Municipal de Almada. “É mesmo para ficar pequenino”, diz Jorge Silva Melo. Ao centro, as três paredes do “Quarto” de Pinter; à volta, “umas sombras ameaçadoras, que põem em causa a segurança da senhora, coitadinha”. A senhora é Rose (Lia Gama), moradora no quarto número sete, o melhor do prédio. Lá, sente-se segura. Até ao dia em que chegam visitas inesperadas. Na obra de Pinter, estes dois textos são o “princípio e o fim. Ou o fim e o princípio”. Diz Silva Melo que “o mundo visto por dentro começa em ‘O Quarto’, a sociedade vista de fora, culmina na ‘Comemoração’”. O “Va le Mada ” de le Victo na r Serra ino no lves em F e st a Agenda Teatro Mulher Mim De e com Rafaela Santos. Santos Estreiam Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 4/06. 6ª às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Hot Pepper, Air Conditioner and The Farewell Speech De Toshiki Okada. Pela Chelfitsch Theater Company. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pç. D. Pedro IV. De 5/06 a 6/06. Sáb. e Dom. às 21h. Tel.: 213250835. 5€ a 12€. Alkantara Festival. Ver texto na pág. 34 e segs. Filho da Europa A partir de Peter Handke. Encenação de João Garcia Miguel. Com Nuno Cardoso, Sara Ribeiro. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De 4/06 a 5/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 223401905. 5€ a 15€. FITEI. Answer Me De Gerardjan Rijnders. Pelos Dood Paard. Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço do Bispo. De 7/06 a 9/06. 2ª e 3ª às 19h. 4ª às 21h. Tel.: 218689245. 5€ a 12€ Alkantara Festival. Epílogos: Confessions Sans Importance A partir de Max Aub. Pela Compagnie Toujours après Minuit. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De 8/06 a 9/06. 3ª às 21h30. 4ª às 18h30. Tel.: 223401905. 5€ a 15€. FITEI. Uma Grosseira Imitação da Vida Pelo Théâtre de la Démesure. Porto. Maus Hábitos. R. Passos Manuel, 178. Dia 8/06. 3ª às 23h. Tel.: 222087268. 10€. Festivais Gil Vicente. Cratera De valter hugo mãe. Pelo Teatro Bruto. Encenação de Ana Luena. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 5/06. Sáb. às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Festivais Gil Vicente. Uma Família Portuguesa De Filomena Oliveira, Miguel Real. Pelo Teatro Aberto. Encenação de Cristina Carvalhal. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 10/06. 5ª às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Festivais Gil Vicente. Noites Brancas De Dostoiévski. Encenação de Francisco Salgado. Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. Dança Estreiam Boa Goa A partir de Fernando Pessoa. Pela Pigeons International. Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R. Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal, 39). Dia 6/06. 2ª às 18h30. Dom. às 21h30. Tel.: 225189982. 10€. Lisboa. Teatro Camões. Pq. das Nações. De 9/06 a 10/06. 4ª às 21h30. 5ª às 18h. Tel.: 218923470. 7,5€ a 12€. FITEI. FITEI. Deserve De Jorge Leon, Simone Aughterlony. Dies Irae, en el Requiem de Mozart De Marta Carrasco. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 8/06 a 9/06. 3ª às 21h. 4ª às 19h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. Porto. Teatro Nacional S. João. Pç. Batalha. 7/06. 2ª às 21h30. Tel.: 223401910. 7,5€ a 16€. Alkantara Festival. FITEI. Fim de Partida De Samuel Beckett. Encenação de Julio Castronuovo. Giant City + Evaporated Landscapes De Mette Ingvartsen. Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida Serpa Pinto. De 9/06 a 10/06. 4ª às 21h30. 5ª às 18h. Tel.: 229392320. 5€. Alkantara Festival. FITEI. Continuam ECJ # El Jardin de los Cerezos A partir de Tchékhov. Pela Rayuela. Porto. Palacete Pinto Leite. R. da Maternidade, 3/9. Até 4/06. 3ª a 6ª, às 23h. Tel.: 222082432. 10€. FITEI. C’est du Chinois s De Edit Kaldor. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 5/06. 5ª a Sáb. às 19h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. Alkantara Festival. Se Uma Janela Se Abrisse De Tiago Rodrigues. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II Sala-Estúdio. Pç. D. Pedro IV. Até 5/06. 4ª a Sáb. às 23h. Tel.: 213250835. 5€ a 12€. Alkantara Festival. Lisboa.CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império. De 6/06 a 7/06. Dom. e 2ª às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 12€. Continuam Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos De Vera Mantero. Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. R. Arco do Cego - Ed. da CGD. De 7/06 a 9/06. 2ª a 4ª às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 12€. Alkantara A Alk antara Festival. Bare Soundz D Savion Glover. De Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 4/06 4// a 6/06. 6ª e Sáb. às 21h. 4 Dom. Dom Do D o às 17h. Tel.: 213257650. 5€ 5€ a 12€. Alkantara Festival. Vale De Madalena Victorino. Victorino. Porto. Museu de Serralves - Auditório. R. D Dom om João de Castro, 210. De 5/06 a 6/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 226156500. Entrada gratuita. Serralves S Ser ralves em Festa. “Dies Irae”, da coreógrafa catalã Marta Carrasco, no FITEI 38 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon AL RS & THE CUBAN MESSENGE IO EJANDRO VARGAS NEW TR DOM 27 JUN 22:00 PRAÇA | € 15 CICLO JAZZ GALP O instrumentista virtuoso e figura patriarcal do jazz latino Chucho Valdés, dono de uma extensa discografia e de 5 Grammys, apresenta o novo octeto, The Cuban Messengers, pela primeira vez em tournée na Europa. Com uma inspiração estética oriental e uma linguagem que remete para a música popular rural, o folclore cubano e o jazz, o trio de Alexandre Vargas abre esta noite dedicada ao jazz latino de origem cubana. APOIO PATROCINADOR VERÃO NA CASA MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA PATROCINADOR VERÃO NA CASA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CONCERTO DE CHUCHO VALDÉS & THE CUBAN MESSENGERS. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. 10/06. 5ª às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Festivais Gil Vicente. O Argumento - Product De Mark Ravenhill. Pela Escola de Mulheres. Encenação de Isabel Medina. Com Hugo Sequeira. Lisboa. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. Até 30/06. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213542249. 7,5€ a 10€. Cabeças Falantes - Festival de Monólogos. Amor com Amor se Paga A partir de Anton Tchékhov, August Strindberg, Henrik Ibsen, Karl Valentin. Pela Companhia Teatral do Chiado. Encenação de Juvenal Garcês. Com Alexandra Sargento, Emanuel Arada, João Carracedo, Manuela Cassola. Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viega/Companhia Teatral do Chiado. Lg. Picadeiro, 40. Até 31/12. 6ª às 22h. Tel.: 707302627. 25€. Noites Brancas De Fiódor Dostoiévski. Encenação de Francisco Salgado. Com Sofia Dinger, Bernardo Almeida. Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. Os Cães De Alexander Gerner. Encenação de Alexander Gerner. Com Gonçalo Ruivo, João Saboga, Miguel Telmo, Tiago Fernandes. Lisboa. Teatro Turim. Estrada de Benfica, 723 A. Até 26/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Homens de Escabeche De Ana Istarú. Pela Seiva Trupe. Encenação de António Feio. Com Joana Estrela, José Fidalgo. Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Até 30/06. 3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 226063000. Exposições Pedro Cabrita Reis sujeita a planta da galeria Caroline Pagès (curiosamente, a casa onde nasceu) a uma série de “experiências” (ao lado) e mostra o seu próprio arquivo fotográfico na Miguel Nabinho (em baixo, à esquerda) Os sítios de Pedro Cabrita Reis Desenhos de uma casa e um arquivo de imagens fotográficas, ou a inutilidade da biografia perante a arte. José Marmeleira Uma Casa De Pedro Cabrita Reis. Lisboa. Caroline Pagès Gallery. Rua Tenente Ferreira Durão, 12 - 1º Dto. T. 213873376. Até 31/7. 2ª a sáb. 15h às 20h. Desenho, Fotografia. mmmmn Outros Sítios Mais De Pedro Cabrita Reis. Lisboa. Galeria Miguel Nabinho - Lisboa 20. Rua Tenente Ferreira Durão, 18B. T. 213830834. Até 31/7. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h. Desenho, Fotografia. mmmnn Pedro Cabrita Reis (Lisboa, 1956) é um artista que entende, mesmo que por breves instantes, instante a sua obra co como o mundo todo, e a sua po pose ou persona perso como realidades realid indissociáveis indis de um u corpo; um corpo que viaja, via constrói, co trabalha, tr pinta, p enfim, vive. O seu. É no sentido mais amplo destas conclusões que nos abeiramos da última exposição do artista, dividida (dobrada?) em duas: “Uma Casa”, na Galeria Caroline Pagès, e “Outros sítios Mais”, na Galeria Miguel Nabinho. Sigamos primeiro para esta última (a título de curiosidade, ambas as galerias se situam na Rua Tenente Ferreira Durão). No interior, fotografias dispostas sobre papel enchem as paredes. Mostram o artista no atelier, em viagens, na praia, em casa. A única figura visível é, quase sempre, o próprio Cabrita Reis, enquanto a família, os amigos, os colaboradores, embora omnipresentes, permanecem fora de campo. Algumas imagens são “classificadas”, identificadas com datas, locais (museus, galerias, casas, projectos), legendas e círculos que assinalam momentos. Um imenso arquivo parcialmente revelado e cuja existência Pedro Cabrita Reis já havia sugerido na conversa com Augusto M. Seabra e o arquitecto Eduardo Souto Moura publicada no catálogo de “Pedro Cabrita Reis: colecções privadas”, exposição de 2008 no Palácio da Galeria, em Tavira. O auto-retrato e a figura apresentam-se enquanto “assuntos” das fotografias (vejam-se os exercícios com a sombra, as poses, o olhar para a câmara), mas, ao contrário do que acontecia noutras obras de cariz biográfico (“Meus pais deram-me aquilo, alma da sua diversa”, de 1993, “À propos des lieux d’origine”, de 2005-2009), agora são os outros, velados pela objectiva, ou até tornados anónimos pelo esquecimento, que fazem as imagens. Pedro Cabrita Reis limitouse a coleccioná-las antes de as transformar num corpo de trabalho onde o espectador navega confuso. Repetem-se as cenas, os gestos, as paisagens, o sujeito, sem narrativa, fic ficção ou a forma de uma memória plenamente edificada. Apenas uma pl ve vertigem absoluta e exasperante, destituída de “punctum”. Dados que de of ofuscam a visão. A dimensão (auto)biográfica continua patente na Caroline Pagès co – a galeria foi, curiosamente, o lugar onde nasceu e viveu o próprio on Cabrita Reis –, embora com outra Ca (convoquemos esta palavra) (c generosidade. Em desenhos ge diferentes (pendurados quase como di pinturas), a planta da casa é pi apagada, alterada, redesenhada, ap reescrita e sujeita a um conjunto de re matérias e elementos: o fogo, a tinta, m o papel, a mão, o vinho. A abstracção daí resultante é sensual, ab líquida, violenta, mas não mostra líq nada para além de si mesma. na Pedro Cabrita Reis furta-se, assim, à revelação ou à representação, mas ao habitar de novo aquela casa, na condição de demiurgo co (transformando-a em espaço da (tr obra de arte), permite-nos a ob possibilidade de as imaginarmos. Os po desenhos não são “acessíveis”, nem estão cheios de informação como as fotografias de “Outros Sítios Mais”. Apenas existem, abertos à presença do olhar e da imaginação do espectador. Fora e dentro de campo Encontro e confronto das obras de Vasco Araújo e Javier Téllez, dois artistas com preocupações comuns e formas de fazer distintas. José Marmeleira Mais Que a Vida De Vasco Araújo, Javier Téllez. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 06/09. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Vídeo, Fotografia, Instalação, Outros. mmmnn No texto que Isabel Carlos assina no catálogo de “Mais Que a Vida”, o trabalho com referências do cinema “Mulheres d’Apolo” (2010), de Vasco Araújo, uma das narrativas que constituem “Mais Que a Vida” e a dimensão psicológicopsiquiátrica são apontados como motivos que explicam o encontro das obras de Vasco Araújo (Lisboa, 1975) e do artista venezuelano Javier Téllez (1969) na Fundação Calouste Gulbenkian. Depois de vista a exposição, poderíamos acrescentar mais dois: a apresentação de realidades em que o “ser sujeito” (ou o ser “humano”) é objecto de um discurso, e a produção de histórias, situações, narrativas. “Mais Que a Vida” é, fundamentalmente, uma exposição de narrativas: melodramáticas, como as vidas sentimentais de várias mulheres (quais Gloria de “Que Fiz Eu para Merecer Isto?, de Pedro Almodóvar) em “Mulheres de Apolo” (2010), de Vasco Araújo; ou inusitadas como a viagem de um rinoceronte embalsamado pelo Pavilhão de Segurança do Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda, em “O Rinoceronte de Dürer”, de Javier Téllez. É nessa componente narrativa (do documentário à ficção, da citação e da apropriação do cinema à alegoria e ao registo de um performance musical) que se concretiza o confronto, inevitável, entre as propostas dos dois artistas. Os filmes e as instalações de Javier Téllez entrecruzam, tematicamente, a loucura, a doença e o cinema enquanto mecanismo que regista e projecta imagens em movimento. Pretendem “curar a lucidez do são” – sugeriu o próprio, numa entrevista à publicação americana “Bomb Magazine” – através de uma renovação do acto de ver e olhar. Dessa vontade são exemplares “Caligari and the Sleepwalker” (2008), onde a hipnose é, ao mesmo tempo, um efeito da experiência do cinema e um meio da psiquiatria, ou “La Passion de Jeanne d´Arc (Rozelle Hospital Sydney)”, uma dupla projecção composta pelo filme original de Carl Dreyer, com as legendas reescritas por doentes de um hospital psiquiátrico, e um documentário com os testemunhos de 12 pacientes. Esta é a peça mais complexa e interessante de Téllez: ao escreverem as legendas, num quadro a giz, as doentes introduzem a sua voz na ficção de Dreyer. Nem todos os trabalhos possuem tal engenho formal. Por vezes a aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente “Entre-Campo”, de Carlos Mélo, na 3+1 Agenda Inauguram As “German Faces” de Collier Schorr Sines Digital (SD’10) De Si Scott, Tavo, António Cerveira Pinto, Seed Studios, entre outros. Sines. Centro Cultural Emmerico Nunes. Largo do Muro da Praia, 1. Tel.: 914827713. Até 10/07. 2ª a Sáb. das 14h30 às 18h30. Inaugura 4/6 às 22h30. Ilustração, Design, Outros. Entre-Campo De Carlos Mélo. Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 10/07. 3ª a Sáb. das 14h às 20h. Inaugura 4/6 às 22h. Fotografia, Desenho, Vídeo, Outros. En El Escenario Del Tiempo Para o Cego no Quarto Escuro à Procura do Gato Preto Que Não Está Lá De Peter Fischli, David Weiss, Giorgio Morandi, Matt Mullican, entre outros. 2009 Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. Fotografia, Outros. Por Paris De Vieira da Silva, René Bértholo, Lourdes Castro, Vasarely, Christo, Niki Saint-Phalle, entre outros. Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos Anjos. Alam. Hermano Patrone. Tel.: 214111400. Até 19/09. 3ª a Dom. das 11h às 18h. Pintura, Outros. Les Limites Du Désert De João Tabarra. Lisboa. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26A (Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 26/06. 3ª a Sáb. das 11h às 20h. ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA 5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO. DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO Fotografia, Vídeo. Fotografia Sem Fotógrafo De Hans-Peter Feldmann, Christian Boltanski, Sol LeWitt, entre outros. /// ENTRADA GRATUITA Porto. Museu de Serralves - Biblioteca. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 31/08. 2ª a Sáb. das 10h às 18h. Fotografia, Outros. De Gerardo Sanz. Porto. Centro Português de Fotografia. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 11/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inaugura 4/6 às 18h30. A Museum is to Art What a Great Translator is to a Writer De André Gomes, Bruno Cidra, Carlos Correia, entre outros. Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 04/09. 3ª a Sáb. das 11h às 19h. Fotografia. Pintura, Desenho, Instalação, Escultura, Fotografia. The Last Cigarette De Rita Barros. Cornelius Cardew e a Liberdade da Escuta Lisboa. Ermida de Nossa Sra da Conceição. Trav. do Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. Até 18/07. 3ª a 6ª das 11h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h às 18h. Inaugura 5/6 às 18h. Fotografia, Outros. Tudo O Que é Sólido Dissolve-Se no Ar: O Social na Colecção Berardo Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 12/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Pintura, Outros. Continuam Pra Quem Mora Lá, O Céu é Lá De Gustavo Pandolfo, Otávio Pandolfo (OSGEMEOS). Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 19/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h. Porto. Culturgest. Av. dos Aliados, 104 - Ed. da CGD. Tel.: 222098116. Até 26/06. 2ª a 6ª e Sáb. das 10h às 18h. Vídeo, Fotografia, Outros. Investigations of a Dog De vários autores. Alcoitão. Ellipse Foundation - Art Centre. Alam. das Fisgas, 79. Tel.: 214691806. Até 05/09. 6ª, Sáb. e Dom. das 11h às 18h. Pintura, Outros. Espelho (Meu) De Catarina Saraiva. Lisboa. Módulo - Centro Difusor de Arte. Calçada dos Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 05/06. 3ª a 6ª e Sáb. das 15h às 20h. Instalação, Outros. Nasreen Mohamedi: Notas Reflexões Sobre o Modernismo Indiano Pintura, Outros. German Faces De Collier Schorr. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Fotografia. Algumas Obras a Ler - Colecção Eric Fabre De Joseph Kosuth, Isidore Isou, Joseph Wolman, entre outros. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império CCB. Tel.: 213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Desenho, Outros. Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. // MORADA Praça Marquês de Pombal nº3, 1250-161 Lisboa // HORÁRIO Segunda a Sexta das 9h às 21h // TELEFONE 21 359 73 58 // EMAIL [email protected] Pintura, Fotografia. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 41 Exposições VídeodeoArte rte forma não resiste ao conteúdo, ao “tema”. Veja-se, a propósito, “Letter on the Blind for the Use of Those Who See”, que documenta as experiências tácteis de um grupo de cegos sobre a pele de um elefante, ou “O Rinoceronte de Dürer”. Nos dois, o conceito não acompanha ou acompanha demasiado depressa a representação. Desse ponto de vista, as obras de Vasco Araújo logram outra harmonia entre suporte e significado, texto e voz, conceito e imagem em movimento. Sobretudo “Far de Donna” (2005), o seu melhor trabalho na exposição, e “Mulheres d’Apolo” (2010), o mais recente. No primeiro, uma mulher conta, através da linguagem gestual, uma história de ressonâncias edipianas: perdeu a voz no dia em que o filho descobriu ter qualidades vocais de “castrato”. A narração é acompanhada de um ensaio do intérprete masculino, entrecortado pela gestualidade da personagem feminina que descreve, de modo expressivo (quase dramático), a morte (e o renascimento) da sua voz. É uma peça forte e curta, com uma tensão emocional organizada pela música e pelas legendas. Algo semelhante acontece em “Mulheres d’Apolo”, mas com menos gravidade. Mulheres de meiaidade dançam num salão de baile. Algumas fazem-no sozinhas, saem e entram no plano, na dança. E pelas roupas parecem ser as que depois ouvimos a falar, em “voice-over”, sobre a felicidade, a espera, o papel passivo da mulher. Parecem, pois os seus rostos durante esses testemunhos nunca nos são mostrados. Ficam fora de campo e podem estar – ou estiveram sempre – noutro corpo, noutro sujeito. O espírito do tempo Fernando Brito no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Óscar Faria Der Geist Unserer Zeit De Fernando Brito. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 27/6. 3ª a sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e feriados das 14h às 19h. Escultura, Pintura, Outros. mmmnn Raoul Hausmann (Viena, 1886 – Limoges, 1971) conheceu, em 1916, o psicanalista Otto Gross e o escritor anarquista Franz Jung. O encontro com estes autores ajudou-o a estabelecer as bases da sua “dádásofia”, que tinha como ponto de partida a ideia de destruição 42 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Vídeos V ídeos de Lee Ranaldo e Leah Singer, Phil Niblock e Jeff Keen (na imagem), entre outros artistas, integram a próxima ronda do ciclo “Video Mechanics”, s subordinada às r relações entre a música músi e a vídeoarte, que qu decorre de segund segunda a quarta-feira (7 a 9) em Coimbra. As sessões integram a mostra internacional Cycle Mechanics e são às 21h30 na SalaEstúdio do CITAC. A antológica de Fernando Brito centra-se na dimensão escultórica da sua obra enquanto acto criativo, uma forma de se estabelecer as condições necessárias para o aparecimento do “homem novo” – neste contexto, é também de assinalar a influência de Friedrich Nietzsche. O artista austríaco foi ainda fundador do Clube Dádá, em Berlim e colaborou com inúmeras iniciativas relacionadas com o movimento, como a organização da primeira feira internacional, a redacção de manifestos ou a edição de revistas. É também autor de uma das obras mais significativas do dadaísmo, a escultura “Der Geist unserer Zeit. Mechanischer Kopf.” Apelidado de “Dádásofo”, Hausmann realizou esta peça por volta de 1920. O trabalho foi fabricado, segundo o artista, com a ideia de “revelar o espírito do tempo, o espírito de cada um no seu estado rudimentar.” Sobre uma cabeça em madeira para fazer cabeleiras postiças, o dadaísta acrescentou uma série de próteses que procuram traduzir essa dimensão espiritual da existência humana. Crítico de qualquer forma de poder, o autor consegue, com a sua assemblage, produzir uma imagem clara das diferenças entre a natureza do humano e aquilo que a ela se cola, da ciência até à arte académica, burguesa. “Der Geist unserer Zeit” é também o título da exposição antológica de Fernando Brito (Pampilhosa da Serra, 1957), comissariada por Pedro Cabral Santo. O trabalho de Hausmann é prolongado numa obra homónima, um projecto do artista datado de 1995 e agora materializado – neste caso, o espírito do nosso tempo é uma cabeça de manequim, feminina, com auscultadores, óculos de sol cor-de-laranja e um boné de marca desportiva. Entre os dois trabalhos, um arco que vai das primeiras vanguardas do século XX até ao presente: uma perpétua alienação. Há três anos, na Galeria Presença, no Porto, revelava uma outra cabeça, um auto-retrato de 360 graus, inspirada em “Perfil Contínuo” (1933), escultura em cerâmica do futurista italiano Renato Giuseppe Bertelli que sugere uma visão da cabeça Mussolini em rotação permanente: o veloz movimento do pensamento, sinónimo de uma ideia de progresso. É, portanto, com as vanguardas do século XX que o artista procura dialogar, criando, contudo, uma distância crítica relativamente a esses períodos. E fá-lo introduzindo não só elementos de derrisão – como a ironia, a sátira ou a paródia -, mas também, e sobretudo, através da inclusão de situação autobiográficas que contaminam quer a pureza de um objecto minimal, quer qualquer estratégia de afastar a arte do quotidiano – e aqui faz todo o sentido recuperar as teorias de Hal Foster expressas em “The Return of the Real”, nomeadamente a análise da dimensão escatológica dos trabalhos de Mike Kelley e John Miller e ainda a tendência para redefinir a experiência em termos de trauma: “Este estranho renascimento do autor, esta condição paradoxal de autoridade ausente, é uma viragem significativa na arte contemporânea.” A exposição centra-se na dimensão escultórica do trabalho de Fernando Brito, deixando de lado a sua actividade enquanto desenhador, uma das mais significativas do seu percurso. Há outras lacunas, nomeadamente os trabalhos revelados recentemente na mostra “Ich bin ein Baixinher” (Espaço Fidelidade Mundial Chiado 8 Arte Contemporânea, Lisboa), que é já uma das individuais do ano, na qual, através de três instantes, o artista trouxe à tona os falhanços revolucionário, tecnológico e modernista, neste caso através de um exemplo vindo da arquitectura, outra das artes que fazem parte do seu motor de pensamento. Com alguns problemas de montagem – o espaço é bastante complicado, tantas são as janelas e os obstáculos visuais –, a exposição patente no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, sabe a pouco, tornando urgente uma visão retrospectiva desta obra, das mais relevantes das últimas décadas. Assinale-se ainda a publicação, no catálogo, de “Loop”, uma banda desenhada que merece ser vista e revista, lida e relida, depois de anos na gaveta. SÃO LUIZ JUN ~ 1O 16 A 19 JUN FESTIVAL WWW.TEATROSAOLUIZ.PT silva!designers CHOPIN ANTÓNIO ROSADO 16 JUN RECITAL DE PIANO QUARTA ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 17 E 18 JUN COM A ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA MAESTRO JEAN-SÉBASTIEN BÉREAU QUINTA E SEXTA ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 19 JUN MÁRIO LAGINHA TRIO SÁBADO ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 APOIOS SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA [email protected] / T: 213 257 640 BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; [email protected] BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS Oferta educativa 2010|2011 Formação Avançada em Gestão e Empreendorismo Cultural Mestrado em Gestão Cultural * Duração 2 anos. 120 ECTS Mestrado em Gestão de Mercados de Arte • Inclui duas semanas de aulas nos: Sotheby’s Institute of Art (Londres) e Institute d’Etudes Supérieures des Arts (Paris) • Parceria com a Faculdade de Letras (UL) Duração 2 anos. 120 ECTS Pós-Graduação em Gestão e Empreendorismo Cultural e Criativo * Parceria com o Ministério da Cultura Duração 1 ano. 60 ECTS * Colaboração docente Prof. François Colbert (HEC de Montreal) Prof. Arjo Klamer (Erasmus University Rotterdam) Candidaturas De 10 de Maio a 9 de Julho Contacto Email [email protected] Para mais informações http://gestaocultural.gestin.iscte.pt Concertos Bonnie “Prince” Billy, uma instituição da música americana 44 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon A voz visceral de Blixa Bargeld encontra as electrónicas de Alva Noto Pop As máscaras de Will Oldham Bonnie “Prince Billy”, uma das personas de um gigante da música moderna, apresenta “The Wonder Show of the World”. Pedro Rios Bonnie “Prince” Billy & The Cairo Gang + Susanna Lisboa. Soc. de Geografia. R. Portas de Santo Antão, 100. Amanhã, 5, às 21h. Tel.: 213425401.15€. Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç. República. Dom., 6, às 22h. Tel.: 234400922. 10€ a 12€. Bonnie “Prince” Billy nunca é o mesmo. Na verdade, Bonnie não existe se não na música: é o pseudónimo, há mais de dez anos, de Will Oldham, que fala de Bonnie na terceira pessoa, como se fosse um amigo imaginário. Mas quem é Oldham? O músico que é também actor (já o era antes de fazer um disco), o fã de R. Kelly ou o bardo que, há uns dois meses, apareceu numa remistura dos Hot Chip para “I feel better”? “Por vezes, de repente, percebo que não há Will ao todo, nem Bonnie ao todo”, disse no ano passado à revista “Wire”, numa das suas raras entrevistas. Logo no primeiro disco, fartou-se que lhe perguntassem “porquê, porquê, porquê?”, quando ele “só tinha feito um disco”. Oldham pega na tradição americana, mas sem ponta de reverência ou colagem aos tutores, de Young a Cash. Como acontece com os grandes, parte de uma linha histórica identificável, ao mesmo tempo que se solta dela. Nesse processo, encontrou um lugar só seu, algures na intersecção da folk, da country, dos blues e da música independente de guitarras. No último disco, “The Wonder Show of the World”, gravado com Cairo Gang (Emmett Kely), há também psicadelismo eléctrico a quebrar o silêncio cerimonioso (ouça-se “Teach me to bear you”, com entrada directa para a nata do cancioneiro de Oldham), maravilhosos coros, a mesma sensação de pacificação interior dos seus últimos discos, a milhas do negrume da obra-prima “I See a Darkness” (1999), mas sem as camadas e camadas de instrumentos do penúltimo álbum, “Beware”. Amanhã, Bonnie actuará num cenário especial, a sala principal da Sociedade de Geografia, com Emmet Kelly, na guitarra e na voz, e Susanna Wallumrod, vocalista de Susanna and The Magical Orchestra, na voz e no piano acústico. Domingo, o trio ruma ao Teatro Aveirense. Susanna Wallumrod actuará sozinha nas primeiras partes. Experimentação bargeldiana Blixa Bargeld cruza-se com Alva Noto na Casa da Música. Luís Carlos Soares Annb (Blixa Bargeld + Alva Noto) Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Amanhã, 5, às 22h30. Tel.: 220120220. 18€. Clubbing. A inspiração para o pseudónimo provém de Johannes Theodor Baargeld, mas, na actualidade, o reconhecimento internacional superou o do pintor dadaísta falecido em 1927. Falamos de Blixa Bargeld, cujo nome tendemos a confundir com o dos Einstürzende Neubauten. O equívoco não é completamente descabido. Afinal, há três décadas que, da escrita à interpretação das canções, Bargeld lidera a maior parte do processo criativo da histórica banda alemã. À escala adequada, podemos comparar esta influência com a que Trent Reznor tem, para o bem e para o mal, nos também industriais Nine Inch Nails. Tal como o norte-americano, Bargeld tem passeado um projecto a solo. Se Reznor, nos How To Destroy Angels, se faz acompanhar da esposa, o alemão tem-se apresentado em público na companhia compositor de música electrónica Alva Noto. O produto final, que vamos poder ver amanhã em mais um Clubbing da Casa da Música, é o que está a imaginar. Os cenários cantados pela voz compulsiva, perturbada e visceral de Bargeld são reforçados pela electrónica de Noto. Descrever o que se poderá passar é difícil: resumir tanta experimentação a meia dúzia de palavras será sempre limitador. Terapia pop Atlas Sound + Aquaparque Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique Armazém A. Hoje, às 22h. Tel.: 218820890. 15€. Em miúdo, Bradford Cox gravou centenas (literalmente) de cassetes numa máquina de “karaoke” que lhe permitia colar guitarra, voz e outras camadas de som, usando uma técnica artesanal. Encontrou o nome Atlas Sound nessa altura, algures em 1994, mas o primeiro álbum surgiu só em 2008, já depois da estreia da sua banda, os Deerhunter. Cox já não grava dessa forma, mas continua a compor letras e música à medida que grava, camada sobre camada, até achar que a canção não pede mais nada. É também assim em “Logos” (2009). Panda Bear, dos Animal Collective, e Laetitia Sadier, dos ídolos de adolescência Stereolab, deram uma ajuda, mas “Logos”, como o antecessor, é, sobretudo, um disco de quarto, obra solitária feita com recurso aos instrumentos virtuais de um computador, guitarra acústica e voz. É uma música entre dois mundos, a pop e o “ambient”. “A música ambiental tende a ser mais emotiva para mim”, explicou à Prefixmag. com.. “Mas apela co as o que me e ape a mesmo es o é quando as coisas coisas se misturam e se gera uma confusão ou uma bizarria. Acho muito interessante passar um disco de ‘doo-wop’ por um monte de ‘reverb’ até se tornar algo cavernoso e cheio de eco. É pegar em algo, despir-lhe o lado mais directo e deixar apenas uma impressão.”” É impossível desligar o que Cox faz musicalmente e as palavras que canta da biografia atribulada. Sofre da síndrome de Marfan, doença a genética associada a deficiências as do tecido conjuntivo, passou parte da infância em hospitais, teve problemas de dependências de drogas, temas que aborda, sem complexos, em entrevistas. A música, aprendeu com a acordeonista experimental Pauline Oliveros, é uma terapia. Hoje, no Lux, com os portugueses Aquaparque a prometerem mostrar novas canções na primeira parte, Cox poderá mostrar por que é que a pop terapêutica que tem feito merece chegar a mais pessoas. Pedro Rios Clássica A Metropolitana na maioridade A Orquestra festeja os 18 anos no dia 10 com um grande concerto dirigido por maestrina Joana Carneiro, maestrin formada numa das suas Fernandes escolas. Cristina Fernan Orquestra Metropolitana de Lisboa Carneiro. Direcção Musical de Joana Carn Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império. 5ª, 10, às 21h. Te Tel.: 213612400. 5€ a 15€. Obras de Dvorák e Elgar, entre outros. Atlas Sound, o rapaz dos Deerhunter, leva a sua pop ambiental ao Lux A 10 de Junho de Orquestra Metropolitana a de Lisboa 1992, a (OML) (O dava o seu concerto conce inaugural. Não era apenas uma orquestra que nascia, mas um projecto inovador, que associa a prática musical de nível profissional com o ensino. ensin Passaram 18 anos e, ape apesar de algumas vicissitudes vicissitudes, a Ao vivo vo A banda band ba nda d dele, ele, os Real Estate, é uma coqueluche indie, mas Matt Mondanile também opera a solo, enquanto Ducktails. No ano passado lançou d dois discos muito r recomendáveis, algures e entre a “kosmische m musik” (tal como seria vi vista por um miúdo de de anos às voltas com dez o Casio), a new age e a pop de baixa definição. Com um gravador barato, guitarra e ritmos básicos da caixa de ritmos, Mondanile faz música para Verões mitificados, férias grandes e outras memórias de tempos mais simples. Actua segunda, dia 7, no Porto (à hora do fecho desta edição, o local era ainda desconhecido), e quarta, dia 9, no terraço da ZDB, em Lisboa. JOANA NEVES Metropolitana impôs-se pela sua qualidade artística e pedagógica. Actualmente, gere três escolas (Academia Nacional Superior de Orquestra, Conservatório Metropolitano de Música de Lisboa e Escola Profissional Metropolitana) e três orquestras (Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Académica Metropolitana e a Orquestra Sinfónica Metropolitana), tendo servido de suporte à formação de cerca de duas centenas de c instrumentistas que instrumentis entretanto ingressaram na vida ingressa profissional. profis Pioneira em Pi Portugal no Por ensino da en direcção de d orquestra, o conta, entre c os licenciados pela instituição, com a Joana Carneiro, maestrina que saiu das escolas Joana J da orquestra, dirige Carneiro, C a Metropolitana actualmente a ac na festa dos fazer faz carreira 18 anos internacional e inte titular titula da Orquestra Orques Sinfónica de Berkekey, Berkek que irá dirigir quinta-feira, no quinta Centro Cultural de Belém, o concerto comemorativo do 18º aniversário. Nesta ocasião, juntamse à formação habitual da OML professores, alunos e ex-alunos da Metropolitana para interpretar algumas obras famosas do grande repertório sinfónico, nomeadamente a Sinfonia n.º 9, Op. 95, “Do novo mundo”, de Dvorák, e a Marcha Militar n.º 1, Op. 39, “Pompa e Circunstância”, de Elgar. Será um encontro festivo, reunindo várias gerações de músicos e que trará ainda várias surpresas. Antes e depois do concerto, agrupamentos com jovens alunos das diferentes escolas tocarão também algumas peças. “18 Anos – Idade Maior” foi o mote da programação desta temporada, assinalando a passagem m para uma nova etapa, marcada por uma maturidade que já começou a manifestar-se em numerosos concertos de óptimo nível e na solidez da formação das novas gerações. alemão de instrumentos de tecla: cravos, clavicórdios, órgãos e pianofortes. Ficou sobretudo conhecido como organeiro (tal como o seu irmão Andreas) e pelo seu contributo no desenvolvimento do piano, na sequência de algumas trocas de opinião com J. S. Bach, mas foi também autor de cravos com características únicas ao nível do som e da construção. Estes instrumentos são bastante raros, mas em 2009 Matthias Kramer construiu para o cravista Cristiano Holtz uma réplica de um instrumento de Gottfried Silbermann (Saxónia, c. 1740), que se encontrava no museu instrumental de Berlim. Depois de ter sido apresentado num concerto em Hamburgo, este cravo será ouvido pela primeira vez em público em Portugal no dia 8, num recital na Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves, em Lisboa, com transmissão directa pela Antena 2. O programa será integralmente preenchido com obras de Bach, incluindo a Fantasia Cromática e Fuga, Tocatas, Prelúdios e Fugas e outras peças, que o cravista irá interpretar “ao sabor do momento”. Nascido no Brasil em 1972, Cristiano Holtz reside actualmente em Lisboa, onde é professor no Instituto Gregoriano e no Conservatório Nacional. Começou a tocar cravo aos 12 anos e aos 15 foi para os Países Baixos, onde estudou com Jaques Ogg e Gustav Leonhardt. Frequentou também masterclasses com Miklós Spanyi (clavicórdio) e Pierre Hantaï (cravo). Tem tocado na Europa, na América Latina e na Ásia, e participou em diversas gravações para a rádio e a televisão portuguesa e brasileira. Entre os seus discos, destaca-se o CD dedicado às Suites de J. Mattheson (Ramée, 2006), dintinguido com o Preis der Deutschen Schallplattenkritik e com cinco estrelas na revista de música antiga Goldberg. a t ga G oldb ol d erg. g C.F. C . C. Um novo cravo para Bach Cristiano Holtz Lisboa, Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves. Av. 5 de Outubro, 6-8. 3ª, 8, às 19h. Tel.: 213540823. Entrada gratuita. Concertos Antena 2. Obras de J. S. Bach. Gottfried Silbermann (1683-1753) foi um importante construtor Cristiano Holtz dá a ouvir pela primeira vez em Portugal a réplica de um cravo Silbermann de 1740 FRANCESCA PFEFFER A Burnt Sugar The Arkestra Chamber encerra o Serralves em Festa Agenda sexta 4 República, às 22h. Tel.: 239855636. 7€. Dead Combo Orquestra Sinfónica Portuguesa Direcção Musical de Ira Levin. Jazz Ao Centro. Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175, às 23h30. Tel.: 213103400. Entrada gratuita. Os jogos sem fronteiras da Vienna Art Orchestra na Casa da Música Jazz Valsa jazz Uma das poucas formações a cruzar com sucesso as fronteiras do jazz e da clássica contemporânea brilha no Porto. Rodrigo Amado. Vienna Art Orchestra Direcção Musical de Mathias Rüegg. Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. 4ª, 9, às 22h. Tel.: 220120220. 15€. Ciclo Jazz Galp - Áustria 2010. A Vienna Art Orchestra (VAO) é, talvez, a mais importante orquestra internacional de jazz da Europa. Formada em 1977 por Mathias Ruegg e sediada numa cidade feita de música onde o clássico e o contemporâneo se cruzam de forma natural, a VAO tem sido, durante anos, o contexto ideal para desenvolvimento de um ensemble pouco dado a fronteiras estilísticas, que está na origem de uma música sofisticada, profundamente contemporânea e inovadora, respeitando sempre as grandes tradições jazz da Europa e dos Estados Unidos. Responsável, nos anos 80, por gravações de referência como “From No Time To Rag Time” e “A Notion In Perpetual Motion”, cada vez mais conceptual, a VAO abandonou recentemente o formato clássico de big band para assumir uma nova configuração: uma orquestra de câmara que integra naipes de cordas, madeiras deiras e metais e solistas improvisadores. res. Quartafeira, mostra-se no Porto, rto, para um concerto integrado o no programa que a instituição uição dedica ao país-tema deste este ano, a Áustria. Os Deolinda chegam esta semana à Casa da Música, no Porto, e ao CCB, em Lisboa Festas de Lisboa’10. Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. do Império, às 21h. Tel.:213612400. 5€ a 20€. Ver texto na pág. 32. Homenagem a Schumman. Alice Russell domingo 6 Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 23h. Tel.: 253547028. 15€ a 20€. Burnt Sugar The Arkestra Chamber Guarda. Teatro Municipal - Pequeno Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€. Porto. Fundação de Serralves - Prado. R. Dom João de Castro, 210, às 23h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita. Jean-Luc Guionnet + Seijiro Murayama Rodrigo Tim Berne + Bruno Chevillon Serralves em Festa. Coimbra. Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. R. Barreiras, às 19h00. Tel.: 239801160. 5€. Lisboa. CCB - Sala Luís de Freitas Branco. Pç. do Império, às 17h00. Tel.: 213612400. 5€. Jazz Ao Centro. Festa do Fado 2010. Cristina Branco + João Paulo Esteves da Silva + Carlos Bica segunda 7 Lisboa. Castelo de São Jorge, às 22h. Tel.: 218800620. 12,5€. Deolinda Festa do Fado 2010. Gli Incogniti Direcção Musical de Amandine Beyer. Funchal. Igreja do Colégio. R. dos Ferreiros, 105, às 21h30. Tel.: 291233534. 10€ (dia) a 50€ (passe). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 20€. Pedro Burmester Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av. Arriaga, às 21h30. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€ (passe). XXXI Festival de Música da Madeira. XXXI Festival de Música da Madeira. terça 8 sábado 5 Deolinda Bonaparte + dOP Porto. Fundação de Serralves - Prado. R. Dom João de Castro, 210, às 0h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita. Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. do Império, às 21h. Tel.: 213612400. 10€ a 25€. Son of Dave Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República, às 21h30. Tel.: 239855636. 15€. Serralves em Festa. Alice Russell Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 22h. Tel.: 218884503. 20€. Deolinda Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes dos Santos, às 21h30. Tel.: 249839309. 15€. A Naifa + Celeste Rodrigues Ricardo Rocha Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7, às 23h. Tel.: 218855550. Entrada gratuita. Ghédalia Tazartès no Museu do Chiado Lisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 22h. Tel.: 218800620. 12,5€. Festa do Fado 2010. Joker Com Nuno Rebelo (guitarra), Drumming - Grupo de Percussão. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque, às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€. Samuel Úria Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Tel.: 289820300. 7€. Virgem Suta Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. da Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€. Sam The Kid Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos . Av. Frei Miguel Contreiras, 52, às 18h30. Tel.: 218438801. Entrada gratuita. Big Ba Band Hot Clube de Portugal Festa do Fado 2010. Gustav Leonhardt Funchal. Igreja do Colégio. R. dos Ferreiros, 105, às 21h30. Tel.: 291233534. 10€ (dia) a 50€ (passe). XXXI Festival de Música da Madeira. quarta 9 Ghédalia Tazartès + Calhau! Lisboa. Museu do Chiado. R. Serpa Pinto, 4, às 22h. Tel.: 213432148. 7€. Elena Vorobey Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.: 223394947. 20€ a 50€. Emir Kusturica & No Smoking Orchestra + Melech Mechaya Lisboa. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30. Tel.: 213240580. 25€. Terrakota Lisboa. Cinema São Jorge - Sala 1. Av. Liberdade, 175, às 23h30. Tel.: 213103400. 12€. Festas de Lisboa’10. Porto. Fu Fundação de Serralves - Prado. R. Dom João de C Castro, 210, às 18h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita. quinta 10 Serralves em Festa. Serral Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, 108, às 22h. Tel.: 222003595. 15€. Or Orquestra de Guitarras e Baixos Eléctricos B P Porto. Fundação de Serralves - Prado. R. D Dom João de Castro, 210, às 15h30. Tel.: 22 226156500. Entrada gratuita. Ser Serralves rra r em Festa. Tim m Berne + Bruno Chevillon Coimbra. Coim m Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. Son of Dave Samuel Úria Lisboa. Maxime. Praça da Alegria, 58, às 22h. Tel.: 213467090. Aldina Duarte Lisboa. Museu do Fado. Largo do Chafariz de Dentro, 1, às 19h. Tel.: 218823470. Entrada gratuita. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 45 Discos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Espaço Público não concordando com o que escrevemos? Envienos uma nota até 500 caracteres para ipsilon@ publico.pt. E nós depois publicamos. Cantor e músico singular, a obra de Wyatt atravessa vários idiomas, folk, pop experimental, psicadelismos ou jazz Pop Wyatt total Um gigante da música popular numa magnífica antologia de canções vulneráveis, com desenhos seus quando tinha seis anos. Vítor Belanciano Robert Wyatt His Greatest Misses Domino, distri. Edel mmmmm Originalmente editada em 2004 apenas no Japão, é agora reeditada para o mundo inteiro a antologia “His Greatest Misses” do veterano Robert Wyatt. Um acontecimento, ou não fosse o inglês um dos músicos maiores do nosso tempo. É uma boa introdução para quem nunca tomou contacto com o seu trabalho e uma boa continuação de aventuras para quem apenas o começou a seguir nos últimos anos (álbuns “Cuckooland” de 2003 ou “Comicopera” de 2007), desde que tem vindo a ser resgatado ao esquecimento pelas novas gerações e pela actividade da editora Domino. Cantor e músico singular, a sua obra atravessa vários idiomas, folk, pop experimental, psicadelismos ou jazz, mas fixando-se sempre em canções ou baladas vulneráveis, com 46 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon Este espaço vai ser seu. Que filme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre ele, concordando ou qualquer coisa de dramático mas nunca deixando de procurar a luz. O seu sentido de humor é ácido mas sempre possuído por grande humanidade. A propósito desta antologia, dizia recentemente: “é um autêntico luxo esta compilação, contendo desenhos meus feitos à mais de sessenta anos, não se pode pedir uma retrospectiva mais completa!” É verdade. A capa, e todo o trabalho artístico no interior, é composto por desenhos da sua autoria, feitos quando tinha seis anos de idade. Desde que caiu de uma janela, numa festa, e ficou paralisado da cintura para baixo, Wyatt iniciou uma carreira a solo ímpar na alvorada dos anos 70 – depois dos anos como baterista nos Soft Machine na década de 60. Esta antologia contém 17 momentos altos desse percurso, como “I’m a beliver”, “The age of self ”, “Memories of you” ou “Shipbuilding”, canções onde a sua voz aguda, vulnerável e acolhedora se deixa ir por entre atmosferas evocadoras, andamentos lentos e um sentido melódico raros. Apesar de não ser um homem do jazz, o seu vocabulário parte de uma ligação profunda com elementos jazzisticos. São canções à flor da pele, onde a dimensão politica está sempre presente, mesmo quando pensamos que estamos a aceder à sua intimidade. Apesar de ser uma colectânea, as canções fluem, coerentes. Há quatro anos, em entrevista, dizia-nos que aspirava, cada vez mais, ao isolamento, saturado do ruído contemporâneo. Felizmente, temos as canções. Um outro mundo no p computador álbum, Steven Ellison, ou seja Flying Lotus, projectou um lugar só seu. Até aqui existia a tentação de o colar ao núcleo de produtores pós-hiphop. Mas nitidamente essa é uma etiqueta cada vez mais redutora. Sim, é verdade, o ponto de partida, a estrutura base do edifício, ainda remete para o legado do hip-hop. Mas cada vez mais o resultado final é qualquer coisa de indefinível, resgatando elementos do jazz, das electrónicas abstractas, da saturação dubstep ou até do som dos videojogos. Nem sempre é um disco fácil. Há momentos em que é preciso mergulhar nele para sairmos de lá com pontas de inteligibilidade. O jazz é uma das grandes influências, ao nível das estruturas mas também na formatação de sons, em particular a música de Alice Coltrane. Quase todos os temas têm diferentes níveis de leitura, camadas sobrepostas que nem sempre parecem formar um todo coerente num primeiro momento, para de seguida, adquirirem formas perceptíveis. Mas Steven Ellison nunca facilita. Nem quando ao seu lado está Thom Yorke, dos Radiohead, com a sua voz a ser tratada como qualquer outro instrumento. Algures entre os impulsos rítmicos do falecido J Dilla, as atmosferas nocturnas de Burial e o jazz cósmico de Coltrane, arquitecta um cosmos só seu, num álbum Dêem-me um computador dor e eu darvos-ei todo o um novo mundo, parece arece dizer Flying ng Lotus. Vítor or Belanciano no Flying Lotus us Cosmogramma ma Warp, distri. Symbiose mmmmn n Dêem-me um m gira-discos e uma mesa de mistura tura e dar-vos-ei o mundo, dizia a há anos DJ Spooky, afirmando ass técnicas de cortee-colagem, provenientes do hip-hop, como mo possibilidade e de revelação de novos mundos undos ao mundo. Hoje e a ferramenta é outra. Dêem-me m-me um computador e eu darvos-ei todo um novo mundo parece ce dizer Flying Lotus.. Ao terceiro o Ao terceiro álbum, Steven Ellison, ou seja Flying Lotus, projectou um lugar só seu fascinante, daqueles que prometem sempre novas descobertas a cada audição. Chunga funk Anos 70, artifício e humor sórdido. É a estreia dos Glimmers na produção, depois de duas décadas de DJing e remisturas. Luís Maio The Glimmers: artifício sórdido The Glimmers The Glimmers Present Disko Drunkards Glimmers, distri. Popstock mmmmn Primeiro soa familiar. Depois percebe-se que é, ou melhor, só pode ser a gozar. Finalmente dá vontade de abanar o capacete e dançar até que a casa venha abaixo. É mais ou menos assim “Disko Drunkards”, o primeiro álbum que a dupla belga produz, assumindo um formato parecido com o de uma banda convencional (acompanhados de guitarrista, baixista e percussionista). É uma estreia, mas os autores são tudo menos novatos: Mo Becha (1970) e David Fouquaert (1969) começaram a por discos há mais de duas décadas, lançaram uma pilha de compilações no selo próprio Eskimo e, mais recentemente também remisturas, como a que assinaram para “Querelle” dos Pop Dell Arte e a série DJ Kicks. Verdadeiras enciclopédias pop, os Glimmers têm, porém, uma fixação especial nos anos 70, numa variedade de estilos que vai do funk e do rock progressivo ao punk e ao disco mutante. É um ramalhete de gosto duvidoso que eles praticam na sua vertente mais barata, plástica e delirante. Os temas funk dominam metade do alinhamento e conjugam baixos oleosos, guitarras chocalhadas e baterias matraquedas com jogos fonéticos desconjuntados. Tanto poderia ser Bootsy Collins com oss copos, um animador a gozar com James Brown, uma homenagem a ambos por uma banda japonesa lançada na Brownswood, ou uma K7 compilada por Quentin Tarantino. o. Pelo meio há uma versão refundida da de Olivia Newton-John (“Physical”), ”), uma fusão contra-natura de Gainsbourg com os Kraftwerk (“Who you gonna call”), antes de um punhado de solos de guitarra estridentes à mistura com m teclados pomposos, não sem analogias com os Daft Punk. No meio de todo este “name dropping” ng” é inevitável chamar à conversa os conterrâneos belgas 2 many djs, mas neste caso para marcar as devidas distâncias. Porque se o sentido de humor na revisão do passado pop é comum, já o artifício sórdido com que os Glimmers invocam memórias ligeiras é uma história completamente diferente. Se não veja-se essa prodigiosa comédia softporno que é o teledisco de “Oh!Oh!Oh!”, disponível no You Tube. António Chainho LisGoa Movieplay mmmmn Só o simples facto de ter procurado um diálogo entre a guitarra portuguesa e o sitar indiano, concretizado-o pela primeira vez em “LisGoa”, chegaria para dar relevo a este novo trabalho de António Chainho. Mas ele quis ir mais longe: nesta aproximação, que se segue a experiências com o fado e com músicas de África e do Brasil, procurou algo que não estava em nenhuma das culturas que aqui se cruzam, uma espécie de híbrido improvável. “Ao Encontro do Oriente”, logo de início, transfigura o fado menor num nocturno, a abrir caminho à guitarra. Que convive, nas faixas seguintes, com tablas, sitar, viola, contrabaixo, percussões, sintetizadores e vozes portuguesas e indianas. Os originais, apesar das letras algo ingénuas de “Beijo de sal” e “Disseste-me”, impõem-se em grande parte pelo lirismo e pelo vigor dos instrumentais: “Alísios”, onde guitarra e sitar rivalizam; “LisGoa”, uma quase-suite; “Bangalore”, onde vibra o fantástico som dos violinos do sul da Índia; ou “De Mandovi ao Tejo”, singela despedida em forma de balada. Isto depois do tradicional “Adeus”, onde Índia e Portugal se enlaçam em harmonias. Ou dos temas marcados pela voz de Natasha Lewis. Nesta viagem pelo Oriente, a guitarra portuguesa não se perdeu, reencontrou-se. Graças a Chainho. Nuno Pacheco confirma não apenas essa ideia como consolida uma aliança entre o fado e a música tradicional, que é já inerente à sua expressão artística. E se do ponto de vista vocal há uma evolução clara, nota-se a dificuldade de entrar na pele de certas canções, como da difícil “Da morte não espero nada” (com a marca indelével de Amélia Muge, que assina três temas no disco), isto a par de um maior à-vontade e envolvimento emocional em temas como “Condição”, “Não sou nascida do fado”, “Adeus” (uma revisão em alta, sóbria e actual, do velho tema de Raul Ferrão) ou “Parolagem da vida”, poema de Drummond de Andrade passado inteligentemente a canção por Filipe Raposo (muito bom é também o trabalho de José Manuel David com o poema “A ti”, de Ruben Darío). Já noutra canção de Amélia, “Beijo-de-moça”, é notável a forma como Ana Laíns se molda às exigências dos jogos de palavras e nos oferece uma interpretação singular, para a qual contribui a contenção dos arranjos, que são, aliás, por contraste, um bom exemplo num disco onde várias vezes os instrumentos se acotovelam sem necessidade. Para o ecoar de refrões na plateia vão ficar sobretudo “Quatro caminhos” e “Afinal”, ambas de contornos épicos. Com “Quatro Caminhos”, Ana Laíns abre vários outros. E fica mais perto do que há-de ser. N.P. Jazz Clássicos e originais Dois álbuns clássicos, gravados em 1957 e 1973, brilham forte na entrada deste novo século. Rodrigo Amado Sonny Rollins Way Out West Contemporary, dist. Universal mmmmm Joe Pass Virtuoso Pablo, dist. Universal mmmmm Integrados na série Original Jazz Classics Remasters, estes álbuns representam duas visões intemporais do jazz. Na capa de “Way Out West”, numa fotografia famosa da autoria de William Claxton tirada no deserto americano, Sonny Rollins veste roupas de cowboy (coldre de pistolas incluido) e segura na mão o seu saxofone tenor. Uma imagem que se tornou emblemática de um dos registos mais amados do jazz. Ao escutarmos a liberdade das linhas Ana Laíns Sonny Rollins: grandioso Quatro Caminhos Difference mmmnn António Chainho Quando lançou o seu primeiro la disco, “Sentidos” (2006), Ana Laíns disco, “Sen negava ter qualquer pretensão de modernizar o fado. Quatro anos moderniza passados, ““Quatro Caminhos” Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 47 Discos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente aMaumMedíocremmRazoável O percussionista Nuno Aroso do saxofone de Rollins – grandioso, projectando um centro tonal como poucos saxofonistas alcançaram – é difícil imaginar que o disco tenha sido gravado na década de 50. O contrabaixista Ray Brown e o baterista Shelly Manne formam a secção rítmica que fez de “Way Out West” uma espécie de “blueprint” para todos os trios de saxofone que se lhe seguiram. Em “Virtuoso”, o guitarrista Joe Pass gravou, sem “overdubs”, aquilo que parecia ser impossível; versões rápidas de clássicos bop como “How High The Moon”, “Cherokee” ou “All The Things You Are”, a solo, na sua guitarra semi-acústica, com uma técnica convencional prodigiosa que lhe permitia tocar simultaneamente o acompanhamento harmónico e as partes solistas. Mas o que é mais extraordinário é que o tenha feito sem que essa técnica se sobrepusesse ao verdadeiramente essencial; a música e as emoções. Uma capacidade notável para manter um fluxo de energia musical constante, mesmo com variações grandes de tempo ou explosões bruscas de fraseados à velocidade da luz, fez de “Virtuoso” um modelo para futuras gravações de guitarra solo e transformou Pass numa estrela internacional. Clássica Percussão em technicolor A arte da percussão como cinema num original projecto de Nuno Aroso. Cristina Fernandes Thechnicolor Nuno Aroso (percussão) Obras de Aroso Luís Tinoco, Luís Pena, Mário Laginha, Eduardo Patriarca e Amanda Cole Aroso 001CD – SPA mmmmn Membro do Drumming-Grupo de Percussão, Nuno Aroso tem desenvolvido paralelamente uma interessante carreira a solo, bem como várias colaborações que envolvem intercâmbios com outras artes. O seu mais recente álbum (“Technicolor”) é um projecto invulgar, já que o intérprete não se limita a tocar obras previamente concebidas. Foi antes pensado como um trabalho de autor em que o 48 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon percussionista lança um desafio a vários criadores a partir de uma ideia base. Não obstante as diferenças de estilo e dos materiais utilizados, a percussão assume uma dimensão cinematográfica que evoca imagens e cores na mente do ouvinte, como se fossem pequenas bandas sonoras para filmes imaginários. Em “Vibraphone Theories”, da australiana Amanda Cole, que trabalha também como “sound designer”, a ideia da imagem toma forma literalmente através da associação ao vídeo. As suas sonoridades subtis, quase etéreas, jogando com os efeitos do vibrafone e dos sons puros, contrastam por exemplo com “Três Quadros sobre Pedra”, de Luís Pena, para percussão e sons pré-gravados. Esta obra constitui uma original exploração de sonoridades, ritmos e texturas obtidas a partir de pedras de diversos tamanhos e formas. Longe de ser um catálogo de efeitos, resulta numa composição minuciosamente elaborada e solidamente arquitectada. Mas o alinhamento contém ainda outras imaginativas narrativas sonoras: “Samplers’Union”, página de atmosfera inquietante criada numa parceria entre Nuno Aroso e Luís Tinoco; “Frame”, de Mário Laginha, com a sua rítmica contagiante; e “Lux in Tenebrae (the mercy seat)”, de Eduardo Patriarca. No início, no meio e no fim, o próprio Nuno Aroso criou miniaturas — “Intro to Technicolor in Orange”, “Hearts and White”, “Red Cage Intermission” e “Fim” — que revelam o seu talento criativo a par da exímia técnica e expressividade como intérprete que mostra na execução de todas as peças. O trabalho cuidadoso estende-se ao design gráfico do álbum e aos textos de Jorge Castro Ribeiro e valter hugo mãe que o acompanham. Imponente, mas superficial Handel Ildebrando d’Arcangelo (baixo-barítono) Arie Italiane per basso Modo Antiquo Federico Maria Sardelli (direcção) Deutsche Grammophon 477 8361 mmmnn Ildebrando d’Arcangelo é Ildebrando d’Arcangelo um notável intérprete mozartiano e tem realizado uma importante carreira no repertório de Rossini, Bellini e mesmo Puccini. O Barroco tem ocupado pouco espaço no seu percurso, resultando portanto surpreendente que tenha escolhido Handel para o seu primeiro CD a solo. O baixo-barítono italiano recorda que Handel é uma memória de infância, já que o seu pai era organista, e efectivamente a qualidade da música e o seu potencial dramático são um forte atractivo para além de estar na moda. O cantor tem uma voz poderosa e uma técnica sólida, que se adequa bem às árias de carácter mais impetuoso e heróico, e corresponde aos desafios de agilidade do “bel canto” barroco com fluência e desenvoltura. A sua prestação é quase sempre imponente, mas relativamente uniforme, carecendo de contrastes mais acentuados entre as peças, bem como de maior subtileza expressiva (por exemplo na variação do colorido vocal). Não se trata apenas de uma questão de estilo, mas de descobrir todas as potencialidades emocionais e expressivas da retórica barroca. Se nas óperas de Mozart, Ildebrando d’Arcangelo se move como peixe na água, em Handel flutua por enquanto à superfície. Pelo contrário, a orquestra barroca Modo Antico oferece-nos uma interpretação eloquente, plena de cores e estilisticamente consistente. Com a excepção do célebre arioso “Ombra mai fu” da ópera “Serse”, que foi transposto, as restantes árias seleccionadas (extraídas de óperas como “Agrippina”, “Orlando”, “Siroe”, “Ariodante”, “Rinaldo”, “Ézio”, “Giulio Cesare”, entre outras) foram escritas originalmente para baixo, mostrando uma faceta menos conhecida de uma época que dava especial atenção às vozes agudas dos “castrati”. Apesar das reservas, tratase de um programa a merecer atenção. C.F. Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Ficção Por amor de Lily Duas mulheres disputam um homem. A vencedora ronrona de prazer. Rui Catalão Uma gata, um homem e duas mulheres Junichiro Tanizaki (Trad. Telma Costa) Teorema mmmmm “Querida Fukuko”. Esta pequena novela – tão perfeita e deliciosa como uma refeição completa em miniatura – inicia-se com uma carta escrita por uma esposa abandonada à nova mulher do seu ex-marido. O conteúdo é de uma tal perversidade que hesitamos a quem atribuir a autoria da perfídia maior no resto da história: se à autora da carta (Shinako), se à sua destinatária (Fukuko), se ao marido dela (Shozo), se à mãe deste (O-rin), se à personagem principal da história (a lúbrica Lily), se ao pai de todos, que os ensinou a serem eróticodependentes (falamos, claro está, do escritor japonês Junichiro Tanizaki, 1886-1965). Publicado em 1936, “Uma Gata, um Homem e Duas Mulheres” encerra um ciclo de grande virtuosismo criativo do escritor, em que assina Quase meio século depois da morte de Junichiro Tanizaki, esta obra marcada pelos temas do erotismo, da possessão e do desejo continua a ser uma descoberta sumarenta “Alguns preferem urtigas”, assim como o ensaio “Elogio da sombra” (menciono apenas obras disponíveis em português). É um período em que procede a uma transição dos modelos de inspiração ocidental para os da tradição japonesa, ao mesmo tempo que elege temas e personagens em que os conflitos Oriente-Ocidente e modernidadetradição, representam os nódulos do seu trabalho. O erotismo, a possessão, o prazer, o desejo são os temas que deram fama a Tanizaki. No caso português, foi há quase 20 anos que a Assírio & Alvim lhe publicou “Confissão impúdica” (tradução da versão francesa da novela; entretanto, a Teorema publicou “A chave”, tradução da versão inglesa). Quase meio século depois da sua morte, a descoberta da sua obra é ainda sumarenta. No caso de “Uma Gata…” trata-se de uma sensualíssima articulação de enredos: cada personagem é autor, digamos assim, de uma trama narrativa própria, envolvendo as outras personagens em manipulações que visam uma tomada de posse, e em que só aqueles que triunfam nas suas intenções ganham consciência do preço a pagar, pela perversidade da recompensa e pelos jogos de mentira-e-estratégia necessários para manterem as suas conquistas. O passado de libertinagem da privilegiada Fukuko redu-la a casarse com um pequeno lojista influenciável, mas depois tem de disputar a sua atenção à gata da casa; Shinako, humilde costureira, já se casara para ascender um degrau na escala social, mas é humilhada com a expulsão de casa planeada pela sogra; O-rin faz de alcoviteira do filho para conquistar o dote de Fukuko e a sobrevivência financeira da fazenda familiar, mas a paz doméstica tem o tempo de duração do dinheiro oferecido pelo pai da nova nora; quanto a Shozo, mal daria conta pela troca de mulheres, não se desse o caso de perder quem de facto ama… O amor de Lily é o tema e a poética desta história, que oscila requintadamente entre a paródia erótica e o melodrama patético, com m inúmeros pormenores de dedicação e devoção ao ser amado: “Sempre que ia para a cama, Shozo tinha que estender um braço como almofada e depois tentar dormir numa posição estudada e mexer-se o mínimo possível. Assim deitado, usava a outra mão para afagar a zona do pescoço, que é onde os gatos mais gostam de festinhas; e Lily respondia a imediatamente ronronando de satisfação. Até podia começar a morder-lhe o dedo, ou deitar-lhe gentilmente as garras, ou babar-se um pouco: tudo sinais de que estava excitada.” A matéria amorosa concretiza-se até nos odores fisiológicos: “Ela soltou um traque malcheiroso que o apanhou em cheio na cara. Admitamos que Shozo, por descuido, tinha apertado com ambas as mãos a barriga de Lily, mesmo no ponto onde guardava a refeição acabada de comer. E, infelizmente, o seu ânus estava naquele momento situado logo abaixo da cara de Shozo, de modo que o ‘hálito das tripas’ acertou nele em pleno. O fedor era tal que mesmo uma pessoa como Shozo, com tão grande amor aos gatos, se viu forçada a corrê-la para o chão com um – Ught! –: o proverbial ‘peido de mestre’ deve cheirar assim.” A intimidade que Shozo melhor conhece é a de Lily: “Sempre que Shozo tinha uma discussão com Shinako por causa da gata, não falhava dizer, sarcasticamente – Vê bem que a Lily e eu somos tão unidos que já cheirámos os traques um do outro!” O erotismo, em Tanizaki, para além dos perversos jogos de possessão, é também uma estética da subtileza, insinuando-se em maravilhosas descrições paisagísticas, cuja contemplação sugere a lembrança do ser amado. O frio, a espera amorosa, e a urina são eixos temáticos desta novela desopilante, que parece escolher os motivos mais triviais e risíveis para expressar a composição literária sob o efeito do êxtase. Atentem nos excertos que se seguem do mesmo parágrafo: o reencontro de Shozo com Lily é a descrição de uma atmosfera doméstica, que provoca uma recordação olfactiva e o desenlace do tema da urina. “As cortinas estavam corridas e não deixavam entrar a luz forte da tarde. Shinako, cautelosa como sempre, devia tê-las corrido ao sair. E daí as sombras tornarem o quarto indistinto. Na penumbra, Shozo distinguiu uma braseira de louça de Shigaraki e, ao lado, a sua querida Lily, sentada numa pilha de almofadas (…). Detectou de súbito o cheiro característico, de que se tinha esquecido passadas tantas semanas. Antigamente, infiltrava-se nos pilares, paredes, chãos e tectos da sua casa; agora, enche este quartinho. A tristeza instalou-se dentro de si e chamou alto – Lily! – com voz estrangulada.” O livro inclui ainda dois contos, ambos tendo professores como protagonistas. O primeiro, “O pequeno reino”, surpreende pela forma como o autor aborda a corrupção, ou a lógica do surgimento de máfias em sociedades deprimidas pela crise financeira. Nota final sobre a tradução: é uma pena não haver ainda quem traduza directamente do japonês para o português. A obra de Tanizaki sobrevive ao trânsito de línguas intermediárias, e parece artificial o uso de coloquialismos por parte da tradutora, como “soma jeitosa”, “o que tem que ser tem muita força” ou “amochado”. Palavras como “esbotenada” e “abalone” parecem convites a uma charada. A frase “embora fique à face da estrada nacional” entende-se, mas é mau português. O circo chegou à cidade “Santa Maria do Circo” mostra como a herança do realismo mágico ainda pesa na literatura mexicana. Rui Lagartinho Santa Maria do Circo David Toscana (Trad. Jorge Fallorca) Oficina do Livro mmmmn É difícil aceitar que a chegada de um circo a uma qualquer cidade represente uma novidade. Tudo muda quando esse circo traz em si uma ideia de refundação, porque o circo comandado pelo velho Alejo chega afinal a uma terra A força de David Toscana está em deserta onde é impossível conseguir ultrapassar o diálogo de vender as almejadas surdos entre sombras e sobreviventes centenas de bilhetes: na desolação do deserto mexicano “No meio da para a partir daí inventar um futuro Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 49 Livros Prémio mio Ciberescritas E-books no telemóvel, em português N Isabel Coutinho ão comecem a fazer caretas. Ler livros no telemóvel é melhor do que não ter acesso a livro nenhum. Na semana passada, a TMN lançou no seu portal centenas de e-books, incluindo títulos em português, que podem ser lidos em mais de 80 telefones de vários sistemas operativos (na TMN App Store é possível fazer um teste e verificar quais são os telemóveis compatíveis). Trata-se de uma parceria com a Mobcast Services Limited, a empresa que trata dos direitos de autor dos livros electrónicos que ali estão à venda. Rita Teixeira, responsável e gestora deste novo serviço, contou ao Ípsilon que a Mobcast já está a contactar e a conversar com os editores portugueses para no futuro estarem disponíveis mais livros. Os e-books em língua portuguesa que lá estão agora são quase todos grátis porque estão em domínio público (“A Relíquia”, de Eça de Queirós; “Viriatho”, de Teófilo Braga; e “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, de Júlio Dinis, a 1,50€). Mas vai haver mais títulos, tanto em inglês como em português. “Somos a primeira operadora a disponibilizar e-books em Portugal e para todos os clientes”, explica Rita Teixeira (a Vodafone também disponibiliza este tipo de conteúdos, mas só para os clientes 360). O catálogo de e-books na TMN App Store está organizado por categorias: romance, “thriller”, humor, clássicos, títulos em português, biografias, livros grátis, humor, etc. Além dos títulos gratuitos, existem os pagos, entre 1,50€ e 9,99€. Por agora estão disponíveis “best-sellers” em língua inglesa, como a trilogia de Stieg Larsson (“The Girl with the Dragon Tattoo”), o “Angels and Demons”, de Dan Brown, e a saga “True Blood” de Charlaine Harris. Está lá também “Get Skin”, de Mo Hayder; “The Associate”, de John Grisham, o prémio Man Booker “Wolf Hall”, de Hilary Mantel, etc. Quem quiser experimentar ler um destes livros no seu telemóvel pode fazê-lo gratuitamente. Basta aceder ao portal, por exemplo, através de um computador, escolher um dos títulos gratuitos que existem na loja de aplicações e clicar em comprar. Aparece então um quadro onde nos é pedido para colocar o número de telemóvel para onde queremos enviar o livro. Pouco tempo depois, o telemóvel apita. A mensagem chega: “Aceite, faça o download no seu telemóvel e divirtase!” Claro que, se o seu telemóvel for daqueles mais ultrapassados, pode não conseguir ler a mensagem, nem clicar no “link”, nem ler o livro. Outra forma de se aceder à TMN App Store é através da Internet no telemóvel. O e-book ficará instalado no aparelho telefónico, dispensando qualquer ligação à Internet para acesso ou leitura do mesmo. Os livros estão em formato java e, uma vez descarregados para o nosso telemóvel, ficam ali disponíveis para sempre. Podemos passar as páginas, andar para a frente e para trás, ir directamente para o capítulo que nos interessa ler. Fiquemos agora à espera das novidades em português. Uma vez descarregados para o nosso telemóvel, os livros ficam ali disponíveis para sempre A colecção de llivros iv com a chancela M Minotauro, do g do gru rupo po A grupo Almedina, recebeu um “silver re “s award” nos European praça erguia-se a estátua de pedra de um homem a cavalo. O animal, com o focinho aberto, apoiava-se nas patas de trás, enquanto o ginete, com a espada a apontar para a igreja, parecia convocar um exército nas suas costas. O pedestal de granito levantava-se no centro do que parecia ter sido a pia de uma fonte, sem pinga de água, cheia de terra e folhas secas, e num dos lados podia ler-se a inscrição: ‘A minha vida pela tua honra’” (p. 57). Está encontrado o território onde o circo Mantécon se vai instalar, não temporariamente mas para ficar. Oito descamisados que resolvem fundar uma nova sociedade com vícios velhos. Reunidos em assembleia, de um saco preto retiram o nome da sua nova identidade. Entre outras transformações, o anão passa a ser padre, o dono do circo jornalista, o homem borracha apenas um simples negro, e Hércules, másculo e poderoso, chega mesmo a mudar de sexo para conseguir ser uma prostituta convincente. A partir daqui imagine-se o delírio. “Santa Maria do Circo” encavalita mundos que se atropelam a partir de uma ideia mitológica do espaço literário da literatura mexicana: a do deserto árido, despovoado, onde nem as almas penadas aceitam viver. A força da prosa de David Toscana está no facto de não se ater a um diálogo ao sol entre sombras de pedras e alguns sobreviventes, e de tentar inventar um futuro que pressentimos já não poder ser, mesmo antes de estes candidatos a identidade uma nova identidad a e abrirem a boca. Para que ea identificação identificaçã ç o seja mais fácil, nada por aqui aq qui u tem m datas da atass concretas.. Design Awards 2010. A medalha de prata do Festival Europeu de Design foi atribuída aos designers portugueses Ana Boavida e João Bicker, responsáveis pela Realismo mais ou menos mágico, a questão é apenas de grau: se intemporal, incomoda mais. É um mundo sórdido e degradante onde quem encontra uma sanita pode ter um poder até aí insuspeito numa economia paralela, e onde quem aceitou ser prostituta recusa olhar para as marcas do sexo ou do tempo: “Mandrake empurrou a porta e enfiou-se sorrateiro na casa de Hércules. O leve ranger dos gonzos competiu apenas com o jacto de água na praça. Lá dentro, uma luz de vela deixava ver, estendido num catre, o físico mais desleixado do que fora o homem forte, a enxerga encostada num canto e as calças penduradas num prego na parede” (p. 207). Com um humor corrosivo e de uma fidelidade absoluta ao poder mágico de cada palavra na tradução dos pensamentos, David Toscana desmonta duas metáforas recorrentes na literatura: a dos espaços que pedem para ser reinventados e a do circo como universo em perpétuo movimento carregado de sonhos e contradições. E estamos tão entretidos com este exercício que mal reparamos que estamos afinal a entrar num terreno armadilhado: o que podemos fazer com os nossos sonhos, com as nossa fantasias, quando um dia simplesmente paramos para os olhar de frente? Vale a pena pôr algo em prática, para confirmar que o pior dos fantasmas negros vence a mais ingénua das ilusões? E, logo a seguir: conseguimos que o mago volte a lamparina, entrar para a lamparin i a, que a caixa caix ca i a de Pandora se feche, e regresse que o coelho regre qu resse e à cartola? Aqui o concepção gráfica do projecto. Esta colecção das Edições 70, do grupo Almedina, reúne autores de referência da literatura espanhola contemporânea. mundo dos oito circenses cinde-se entre os que sobrevivem, os que partem e os que ficam. O padre e a prostituta: “O anão apertou a mão porque sentiu que Hércules lhe soltava, e puxou-o para a desolação dos bancos vazios, do confessionário sem pecados e de um altar como mesa de sacrifícios” (p. 299). A poeira levantada pelos que partem encarregar-se-á do resto. Se não for suficiente, com o tempo o vento traz mais. Feroz insanidade Um policial sueco, com pouco de “nórdico”, tenta mergulhar o leitor nas águas negras e geladas da mente humana. José Riço Direitinho O Hipnotista Lars Kepler (Trad. Jaime Bernardes) Porto Editora mmmnn O romance policial sueco – que mais tarde acabaria por contaminar os seus vizinhos nórdicos – não é uma moda recente na Escandinávia. Tudo começou nos anos 70 com a dupla Per Wahlöö Portal TMN http://www. tmn.pt [email protected] Portal internet no telemóvel m.tmn.pt (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ ciberescritas) 50 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon “O Hipnotista” liberta-se da tradição do policial nórdico, recuperando alguns arquétipos do “hard-boiled” norte-americano corporizados na fascinante figura do comissário Joona Linna, uma das melhores invenções do romance de Alexandra Coelho Ahndoril e Alexander Ahndoril, a dupla Lars Kepler aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente e Maj Sjöwall, marido e mulher, que criaram a figura do primeiro inspector sueco, ainda muito dentro do cânone do “hard-boiled” norte-americano. Foi só a partir do final da década de 80 que o “policial” escrito por autores suecos se começou a alterar, e houve uma razão forte para isso: a sociedade sueca não se refez do trauma do assassinato do primeiroministro Olof Palme numa rua do centro de Estocolmo, em 1986, quando uma noite regressava a casa a pé com a mulher. (Curiosamente, o facto é mencionado pelo menos três vezes neste “O Hipnotista”, do casal Alexandra Coelho Ahndoril e Alexander Ahndoril, que assina com o pseudónimo Lars Kepler.) Os autores suecos quase deixaram de estar interessados em resolver o puzzle constituído pelos factos mais ou menos óbvios de um crime (por vezes há mesmo uma ambiguidade final, o que lhes dá uma singular delicadeza), ou na arquitectura de uma experiência sanguinolenta, e passaram antes a centrar-se nas causas e nos efeitos de um acto violento no tecido social. E surge ainda a ideia de um Estado que se supunha modelar, mas que afinal parece controlado por poderosas e ocultas forças malévolas; nela radica a trilogia “Millennium” do malogrado Stieg Larsson. O “crime nórdico” passou assim a ter quase sempre uma inscrição no campo social; raros são os casos de histórias em que o acto violento é gratuito, passional ou familiar, ou entre sócios desavindos por uns milhares de coroas. Há quase sempre a presença extra de uma qualquer força dificilmente controlável, quer seja política, económica, social ou mesmo religiosa. E, como consequência, as personagens personagens principais deixaram de ser obrigatoriamente os habituais polícias A poesia de Luís Quintais é uma poesia do desamparo, cujo lirismo é logo abafado por um ambiente inumano de sonhos desfeitos e futuros incompletos ou detectives privados, e passaram a ser também os advogados intuitivos, escritores, jornalistas de investigação ou “hackers”. Estranhamente (ou talvez não), “O Hipnotista” não se inscreve completamente nesta tradição nórdica. Aqueles que o apontam como um “filho” de Stieg Larsson só poderão referir-se ao êxito de vendas já obtido em muitos países, pois no resto há como que uma recuperação de velhos arquétipos: a feroz e insana violência, regada a sangue, o investigador que é polícia (apesar de não ser mais um alcoólico solitário de meia-idade), e a resolução óbvia do puzzle de uns quantos crimes, com a única preocupação de cariz social ou cultural a poder resumir-se a umas quantas linhas sobre o povo sami (que habita a Lapónia): “Dirige um olhar vazio para os gorros lapões. Sente uma certa tristeza por essa cultura milenar de caçadores, que se vê obrigada a ressuscitar na forma de gorros coloridos, com bolas vermelhas, diante de turistas folgazões. O tempo levou consigo o xamanismo dos lapões. Nas casas, o tambor lapão está pendurado na parede, por cima do sofá” (p. 535). Em “O Hipnotista” conta-se uma teia de histórias (que decorrem durante 16 dias de um mês de Dezembro) que parte de uma série de assassinatos horrendos: um pai é morto e desmembrado no ginásio de um liceu, e de seguida, já em casa, é a vez de uma mãe e de uma criança pequena serem também esquartejadas com requintes sádicos, que vão desde a abertura na barriga da mulher da cicatriz da cesariana até ao desmembramento da criança; mas há um rapaz de 15 anos (da mesma família) que sobrevive na cozinha em estado muito grave, com centenas de facadas no corpo. Falta a filha mais velha, que vive algures. Numa tentativa de a descobrir e proteger, a polícia socorre-se dos serviços de um médico psiquiatra especialista em traumas t aumas agudos, tr Erik Maria Bark, que q e é também um qu famoso hipnotista que q e há dez anos qu jurara jju urara publicamente não não tornar a praticar a hipnose. hipnose. Face à hipótese de o rapaz se lembrar da d cara do assassino e de a polícia ter a possibilidade p ssibilidade de salvar po a irmã que escapou ao massacre, Erik aceita massacre, hipnotizá-lo. O que se segue está longe da sua imaginação, mas ele vai ter de lidar com isso, mais o facto de o seu casamento se estar a desfazer e de o filho hemofílico necessitar de medicação diária. “O Hipnotista” fascina pelo ritmo vertiginoso da narração (apesar de alguma profusão de pormenores desnecessários), mas sobretudo pela figura do comissário Joona Linna, com os seus tiques de linguagem, um polícia deveras merecedor de uma série de romances. Poesia A palavra rasurada Luís Quintais extrai do negrume uma espécie de eloquência da sombra. Pedro Mexia Riscava a palavra dor no quadro negro Luís Quintais Cotovia mmmmn Uma chave partida, uma fechadura bloqueada, impossível entrar em casa, assim começa este livro de Luís Quintais, um único poema em 33 fragmentos. Mesmo leitores de poesia experimentados hão-de querer perceber que chave é essa que se partiu, quem bloqueou a fechadura; porém, Quintais habituou-nos a um discurso densamente pessoal, mas pouco confessional. A biografia dita algumas necessidades, algumas urgências, e o texto assume isso, mas a da poesia à biografia. Ou a incapacidade de resposta. O texto está cheio de alusões elegíacas ou apocalípticas, embora menos descritivas do que nos livros propriamente fúnebres de Quintais. O tom é solipsista, quase não há diálogo com terceiros. São assumidamente poemas de desamparo, que têm a sua imagem objectivada na eliottiana “cidade irreal” que conhecemos já de anteriores colectâneas, urbe de metal e asfalto, de consumo e resíduos, de angústia e vazio. Não é por acaso que a ideia de “mapa” aparece tantas vezes, mas é sempre um mapa inútil, como se não houvesse caminho possível para o sujeito perdido na multidão. Baudelaire ainda é convocado, mas Quintais já não acredita na redenção num mundo caído. Talvez nem na redenção pela poesia. O que é a poesia? Som ou sentido? Reiteração? Imprecisa melancolia? Possivelmente apenas um conjunto de “massas escuras” que foram “tomadas de assalto pela linguagem”. A linguagem é também um muro, um monólito tétrico e ilegível. Na poesia de Luís Quintais, o “real quotidiano” sempre esteve submetido a uma “ideia de ordem” verbalmente construída, como em Wallace Stevens. Mas aqui a própria ordem hesita, soçobra, porque as palavras foram submergidas por uma vaga angustiante que desfaz o sentido. Daí as definições hesitantes, jogos precários de linguagem como em Wittgenstein, daí as palavras como a “dor” riscada do título, palavras rasuradas que subsistem, que exibem a sua impossível eliminação. E no entanto, Luís Quintais extrai deste negrume uma espécie de eloquência da sombra, um discurso rigoroso em dísticos elegantes e exigentes, pensantes. Sempre que se nomeiam terceiros, o lirismo respira um pouco, mas é logo abafado por um ambiente inumano, de sonhos desfeitos e futuros incompletos. “Nós somos frágeis, de ossos e consentimento somos frágeis. / Tocamos os dias e os dias tocam-nos, como se fôssemos // dos dias o mapa. Podemos depois enaltecer a espuma / que esses dias fazem na pele, vergões de alguém // espancado, adormecido à nossa porta, sem remissão, / sem entrada. A mente não é a mente não é a mente. // A difusa clareza que a preenche preenche-nos / a sala na antecipação da nossa morte, // e tudo é antecipação do repetível / e do diferente, como imagem, semelhança // de animal ferido. A beleza foi esconjurada / sob o cristal desse território sem som” (p. 23). A poesia não salva? Provavelmente não. concepção do poema tende aqui para uma certa opacidade, e evita toda a transparência. “O que fazer da biografia, quando ela já não responde?”, pergunta o poeta a dado d do passo, e talvez da esta sequência de textos seja sobre isso, sobre a resposta mútua mú m úttu ua Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 51 Cinema série ípsilon II Sexta-feira, dia 11 de Junho, o DVD “A Vida É um Milagre”, de Emir Kusturika Estreiam Crónica de um desaparecimento “Wendy e Lucy” é o fantasma de um cinema – como dizer: “cinema social”? – que há muito se extinguiu. Vasco Câmara Wendy and Lucy De Kelly Reichardt, com Michelle Williams, Walter Dalton, Larry Fessenden, Will Oldham. M/12 MMMnn Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 24h; Lucy, a cadela, desapareceu no Oregon. E Wendy, que estava a caminho do Alasca, vê-se sem carro e sem animal, as posses visíveis de uma existência tão fina como o papel que se o vento soprar mais forte ela vai desaparecer (e Wendy responde à invisibilidade social que parece condená-la com tamanha obsessão pelas suas pequenas coisas que ela própria já não consegue ver os outros.) A Wendy (Michelle Williams e aquela sua agreste doçura que começa a ser um traço...) de “Wendy e Lucy” é uma progressão, em termos de alienação, das personagens de “Old Joy” (2006), anterior filme de Kelly Reichardt que esta semana também está disponível no mercado português – este em DVD, aquele em sala. Os filmes são, ambos, crónicas de um desaparecimento: o da paisagem liberal americana, algo de mítico que o vento dos anos Bush arrasou (na entrevista que publicamos neste suplemento, a realizadora assume ter querido fixar um momento no tempo da América). E são, ambos, fantasmas de um cinema – como dizer: “cinema social”? – que há muito se extinguiu, com a sua geografia e a sua paisagem humana. Reichardt consegue fazer com que oiçamos esse som, o traço ainda possível e visível de algo, personagens e paisagens, que constituiu património cinematográfico americano, mesmo nos tempos da Hollywood clássica, e que já está ao longe, como o silvo dos comboios que se perdem na noite. Não há como escutá-los, “Wendy e Lucy” e “Old Joy”, filmes em que a realizadora, com uma abordagem próxima do documental, e correndo os riscos de um certo minimalismo (os riscos, isto é, a ameaça de desagragação), expõe actores e um fio de ficção ao Oregon, a paisagem predilecta do seu cúmplice nestas coisas, Jonathan Raymond, escritor de Portland – quer um quer outro filme são adaptados de contos de Raymond. Falar numa disponibilidade para a escuta – de algo que já não se consegue ver mas do qual conseguimos ainda ouvir o som – não é aqui uma figura de estilo. A “banda sonora” de “Wendy e Lucy” é constituída pelo silvo dos comboios (tal como em “Old Joy” se insinua o som de um programa radiofónico...), e isso Reichardt utiliza como coro ou comentário– vamos escrever “silencioso”, porque nada aqui grita redundância – à fragilidade social da sua personagem, à sua incapacidade de protagonizar o seu destino (logo, de ascender a protagonista do filme) e a um próprio cinema que já não existe. Eis a delicadeza, e a fragilidade, de “Wendy e Lucy”: a sua natureza de filme-fantasma, também com dificuldade em existir. Um Funeral à Chuva De Telmo Martins, com Sandra Santos, Pedro Gorgia, Alexandre Silva, Hugo Tavares, João Ventura, Luís Dias, Pedro Diogo, Sílvia Almeida. M/16 Mnnnn Lisboa: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 17h, 21h35, “Wendy e Lucy”: crónica da alienação na América de Bush +4 DVD Todas as sextas, por €1,95. aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente 20 anos 52 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h35, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h, 19h, 22h; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h45, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 00h05; Porto: Vivacine - Maia: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h40, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h45, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 14h30, 17h35, 21h10 6ª Sábado 4ª 14h30, 17h35, 21h10, 00h15; Não há nada de mal em querer fazer uma versão portuguesa (mesmo que tardia e actualizada para os nossos dias) dos “Amigos de Alex” (1983) de Lawrence Kasdan, com seis antigos colegas de faculdade a reunirem-se para o funeral de um sétimo e a fazer o ponto da situação sobre o modo como as suas vidas mudaram. E deve-se louvar o voluntarismo de fazer um filme em Portugal fora do sistema de produção tradicional, sem subsídios nem produtores, em regime quase de “carolice” - e o trunfo de “Um Funeral à Chuva” é que esse lado “amador” não transparece de uma produção que parece muito mais cara e consegue até ser superior à maior parte do que passa por televisão hoje em dia. Infelizmente, parecer não chega – é preciso p eciso ser, e pr este projecto simpático desintegrad sintegrade se se muito rapidamente num guião cheio de banalidades redundantes e pontas soltas que nunca ficam resolvidas, que Telmo Martins filma sem ritmo (duas horas e dez porquê?) e ao qual nem a evidente cumplicidade do elenco consegue emprestar interesse. “Um Funeral à Chuva” não é, felizmente, um desses produtos formatados televisualmente que se querem fazer passar por cinema, mas também não é suficientemente sólido para ser um bom filme. J. M. Sexo e a Cidade 2 Sex and the City 2 De Michael Patrick King, com Sarah Jessica Parker, Kristin Davis, Cynthia Nixon, Kim Cattrall. M/16 a Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30; Castello Lopes Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30 6ª Sábado 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h25, 21h25, 00h20; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª Sábado Domingo 15h55; CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 21h30, 00h25; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h25, 21h20, 00h15; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª Sábado Domingo 16h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h35, 21h30, 00h25; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 4ª 21h55; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª Domingo 15h, 17h50, 21h30 6ª 4ª 13h35, 16h25, 21h30, 00h20 Sábado 15h, 17h50, 21h30, 00h20 2ª 3ª 13h35, 16h25, 21h30; Medeia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15, 21h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; Medeia Saldanha Residence: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h30, 19h15, 22h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h, 18h15, 21h30, 00h25; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 00h15; UCI Tejo: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª Dolce Vita T 15h10, 18h15, 18h15 21h15 6ª Sábado 15h10, 18h15, 21h15, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h50, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, 21h, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h30, 21h05, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 00h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 21h30, 00h3 5ª 2ª 3ª 4ª 15h, 18h20, 21h30 6ª 17h, 21h, 24h Sábado 13h3 13h30, 17h, 21h, 24h Domingo 13h30, 17h, Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado 21h; ZON Lusomundo Lu Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h, 00h05; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 13h50, 17h30, 21h, 00h25; ZON 2ª 3ª 4ª 13h Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h45, 18h40, 21h35, Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1: 5ª 00h30; Castello Cast Domingo 12h 12h40, 15h30, 18h30, 21h30 6ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 21h30 00h20 Sábado 12h40, 15h30, 18h30, 21h30, 00h20 00h2 2ª 3ª 15h30, 18h30, 21h30; Castello Lopes - Fórum Fóru Barreiro: Sala 4: 5ª Domingo 12h30, 18h30, 21h30 6ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 15h30, 18h30 Sábado 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h20 00h20 Sába 2ª 3ª 15h30 15h30, 18h30, 21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala S 1: 5ª Sábado Domingo 12h35, 15h30, 18h30 18h30, 21h30, 00h30 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 21h30 00h30; UCI Freeport: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10, 21h15 6ª Sábado 15h15, 18h10, 18h10 21h15, 00h10; UCI Freeport: Sala 4: 5ª 00h05; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Dom Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h30, 21h10, 00h10; ZON ZO Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado D Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h20, 00h25; Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Domin Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h20, 21h40, 00h4 Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 00h40; Dom Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h45, 19h30, 22h Vivacine - Maia: Sala 1: 5ª 6ª 22h15; Sá Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, 20 20h50, 24h; ZON Lusomundo Dolce Vita P Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4 12h30, 15h20, 18h20, 21h20, 4ª As estrelas do público Jorge Mourinha Luís M. Oliveira Mário J. Torres Vasco Câmara Alma Perdida mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn Eu Sou o Amor mmmmm nnnnn mmmmn nnnnn Histórias da Idade de Ouro mmmnn mmmnn mmnnn nnnnn A Mente dos Famosos mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn Noite e Dia mnnnn mmmmn mmnnn nnnnn Polícia Sem Lei mmmmn nnnnn nnnnn mmmmn Príncipe da Pérsia mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn Vencer mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn Sexo e a Cidade 2 A nnnnn nnnnn nnnnn Wendy e Lucy mmmmn mmnnn nnnnn mmmnn Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt Cine-Teatro S. Pedro Largo S. Pedro - Abrantes 8 ½ FESTA DO CINEMA ITALIANO – 3ª edição Programação em www. espalhafitas.org 2 a 6/6, 19h e 21.30h Morrer Como um Homem De João Pedro Rodrigues, 2009, M/16 9/6, 19h e 21.30h “Sexo e a Cidade 2”: pior filme do ano, até agora Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão Parque de Sinçães – Famalicão O Vale Era Verde De John Ford, 1941, M/12 8/6, 21:30h Pequeno Auditório O Mensageiro De Oren Moverman, 2009; M/16 10/6, 21:30h - Pequeno Auditório Fundação Cupertino Miranda, Famalicão Rostos De John Cassavetes, 1968, M/12 4/6, 21:30h Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães Fantasia Lusitana De João Canijo, 2009, M/6 6/6, 21.45h - Pequeno Auditório Cinemas Ria Shoping Estrada Nacional 125, 100 - Olhão Bobby Cassidy De Bruno de Almeida, 2009, M/12 8/6, 21.30h Cine-Teatro António Pinheiro R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira Irina Palm De Sam Gabarski, 2007, M/12 4/6, 21.30h Este é o Meu Sangue De Chan-Wook Park, 2009, M/16 6/6, 21.30h Teatro Virgínia Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas O Meu Amigo Eric De Ken Loach, 2009, M/12 9/6, 21:30h Cinema Verde Viana Praça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do Castelo Tony Manero Realização: Pablo Larraín, 2008, M/16 10/6, 21.45h “Morrer Como um Homem” em Abrantes 00h25; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 4ª 12h40, 15h40, 18h40, 21h30, 00h30 Domingo 2ª 3ª 12h40, 15h40, 18h40, 21h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h50, 17h15, 21h30 6ª Sábado 4ª 13h50, 17h15, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h30, 00h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h10, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 18h, 21h20, 00h30; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª Domingo 12h50, 15h50, 18h40, 21h20 6ª 4ª 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 Sábado 12h50, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 2ª 3ª 15h50, 18h40, 21h20; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h50, 17h10, 21h15 6ª Sábado 4ª 13h50, 17h10, 21h15, 00h35; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h40, 21h, 00h20; viagem ao Abu Dhabi que serve de pano de fundo à história é filmada como um qualquer exterior de fancaria. A única justificação para a existência deste objecto é a batelada de dinheiro que o primeiro filme rendeu e a batelada que este também vai render – e isso chateava menos se houvesse aqui nem que fosse um grama de cinema. Pior filme do ano, até agora. J. M. Polícia Sem Lei The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans De Werner Herzog, com Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer. M/16 MMMMn Lisboa: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h10; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h20, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h50; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h35, 18h25, 21h15, 24h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h15, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h20, 00h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h30, 00h20; Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40, 19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h35; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Seja responsável. Beba com moderação. www.jameson.pt Continuam Noite e Dia Bam gua nat/Night and Day Qualquer semelhança destas De Hong Sang-Soo, intermináveis duas horas e meia com Kim Young-ho, Park Eun-hye, com cinema (ou sequer com a Hwang Su-jung. M/12 comédia clássica que invoca, qual sacrilégio, em excertos de “Uma MMMMn Noite Aconteceu”, 1934, Frank Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Capra, e “O Assunto do Dia”, 1942, Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 21h30; George Stevens) é puro acaso. Chamar “filme” a “Sexo e a Cidade A “fuga” – em sentido geográfico e 2” é uma conveniência de “existencial” – é um tema que vem formulação, porque o que aqui se vê dos primeiros filmes de Hong Sangnão passa de um episódio da série (e Soo, e normalmente conclui-se em um episódio desinspirado) esticado desolação, em regresso ao ponto para lá do ponto de saturação. Não inicial, pois que tudo é círculo. Em é, atenção, que não haja o gague “Noite e Dia” a fuga é apresentada pontual com piada (quase sempre como facto consumado, uma devido à ninfomaníaca legenda no ge genérico: um a Samantha de Kim Cattrall), nem que coreano um avião e haja alguma corean ano apanha ap coisa de mal em quererr fornecer para escapar a pa ara r Paris para p uma noite de entretenimento um imbróg imbróglio com a imento descomprometido. O justiça. E depois é uma problema é que “Sexo e a saga, saga uma epopeia Cidade 2” acha do preguiçosamente que basta desenraizamento de fazer mais do mesmo em numa Paris n maior para se ter um filme transformada em ilme tr “Noite e Dia”: a (havia uma razão pela colónia de co observação de uma qual a série se limitava coreanos, dias e aa co psique masculina meia-hora semanal). Não noites (e sonhos e no particular (e de há aqui uma única ideia vigílias) ia vig umas quantas de cinema: tudo é confundindo-se, con femininas), com televisão no grande como com se perante a humor, acidez écrã, e televisão mal poderosa po feita, onde até a espaço todo o tempo desaparecesse (e tivesse, por isso, que ser marcado obsessivamente, dia a dia, como entradas dum diário). Hong SangSoo filma maravilhosamente, como de costume, e é extraordinária a maneira como em cada plano, cada cena, há uma proeza a ultrapassar – reencontrar o caminho de casa debaixo de uma carga de água, resistir a uma ex-namorada em trajos menores, comprar preservativos sem saber falar francês, etc. E, a alimentar isto, a observação de uma psique masculina particular (e de umas quantas femininas), com humor, acidez, e uma “gravitas” servida em rajadas súbitas como aguaceiros (as nuvens são, de resto, o leit-motiv visual). Um filme soberbo, que conviria não tomar pela superficialidade das aparências (Paris…) nem confundir com modelos que não têm, nem tiveram, qualquer relevância especial para o cinema de Hong Sang-Soo.Luís Miguel Oliveira . Easygoing Irish. Para quem leva o riso bem a sério e se aplica na boa disposição, a Jameson preparou um conjunto de festas verdadeiramente divertidas. Entre num caso sério de gosto pela vida. Há poucas oportunidades assim. estranheza do es Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 53 Cinema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Sábado 4ª 21h55, 00h45 Domingo 2ª 3ª 21h55; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h, 15h55,18h50, 21h45 6ª Sábado 4ª 13h, 15h55,18h50, 21h45, 00h40; Apesar de Werner Herzog negar a relação de “remake” (ou sequela, ou o que for) entre o seu filme e o de Abel Ferrara, é estimulante ver os dois “Polícia sem Lei”. Comparar, por exemplo, os uivos de angústia de Harvey Keitel com os furores nada religiosos e mais irrisórios de Nicolas Cage que, à medida que o filme progride, vai ficando cada vez mais torto (é o mal das costas...) e mais parecido com o amigo/inimigo preferido de Herzog, o diabólico Klaus Kinski. Isso também é interessante: ver como Herzog faz seu um argumento que serviria às maravilhas o “thriller” urbano dos anos 70 americanos, sendo o mais possível ele próprio, Herzog, mostrando-se como artesão a cumprir eficazmente a encomenda – ou seja, algo de reptilíneo por aqui, o que não é de espantar perante o restante da obra de um cineasta que em 2009 ainda se fez passar (com menos graça) por David Lynch em “My Son, My Son, What Have Ye Done”. Vasco Câmara Alma Perdida Cold Souls De Sophie Barthes, com Paul Giamatti, David Strathairn, Dina Korzun, Katheryn Winnick. M/12 MMnnn Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 4: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 22h, 00h20 Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 19h20, 22h, 00h20; Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h30, 16h55, 19h25, 21h50, 00h20 3ª 4ª 16h55, 19h25, 21h50, 00h20; Sem ter as subtilezas e as bizarrias de um filme como “Queres Ser John Malkovitch?”, este argumento de Charlie Kaufman pedia uma realização mais imaginativa. “Alma FORMAÇÃO INICIAL EM REPRESENTAÇÃO PARTICIPAÇÃO: ACTRIZ TERESA TAVARES FORMADORA: ANDREIA DAMAS INSCRIÇÕES: 96 205 27 15 LISBOA – JUNHO/JULHO PREÇO: 290€ 54 • Sexta-feira 4 Junho 2010 • Ípsilon “Polícia sem Lei”: o alemão Herzog reinventando-se como artesão do “thriller” americano “Alma perdida”: falta-lhe estilo... Perdida” esboça um tom de comédia tresloucada, mas carece de um ritmo imparável que fizesse das suas peripécias disparatadas uma revisita aos lugares mais estimulantes da “screwball”, cruzada com uma espécie de Ficção Científica desregulada, quase surrealista. Falta-lhe estilo e vontade de não se conformar às regras de uma primeira tentativa. Mas para estreante não é pouco: mesmo o lado auto reflexivo e metafísico que pesa na narrativa justifica que se fixe “Vencer”: esta loucura não “voa” um nome fácil de reter, por razões extra-cinematográficas – Barthes, Sophie. Mário Jorge Torres Vencer Vincere De Marco Bellocchio, com Filippo Timi, Giovanna Mezzogiorno, Michela Cescon, Fausto Russo Alesi. M/12 também não ajuda a fazer “voar” a loucura. Dito isto, Giovanna Mezzogiorno e Filippo Timi valem o filme. M. J.T. MMnnn Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo Prince of Persia: The Sands of Time De Mike Newell, com Jake Gyllenhaal, Ben Kingsley, Gemma Arterton, Alfred Molina. M/12 Lisboa: Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; MMnnn Marco Bellocchio é um sobrevivente do cinema italiano de autor e isso nota-se no modo como inicia esta ficção histórica, com uma definição segura das personagens e com bom cruzamento entre a narrativa que constrói e as imagens de arquivo que instrumentaliza – a fazer recordar outros tempos de militância. O que limita, então, esta estranha história, baseada em factos verídicos, vindo a lume há pouco tempo sobre o primogénito de Mussollini e a mãe, Ida Dalser? “Vencer” começa bem, com uma espécie de histeria visual em que Bellocchio sempre foi mestre, mas acaba por perder-se em episódios repetitivos, de manicómio em manicómio, num estilo de reportagem melodramática que cansa à força de quer funcionar em vários registos simultâneos, inclusive o operático que lhe não vai a capricho. A fotografia soturna Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h45; Castello Lopes Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h45 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h45, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h35, 24h; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h, 18h30, 21h35, 24h; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h35, 19h, 21h35, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h30, 21h40, 24h; Medeia Fonte Nova: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h40, 19h15, 21h50, 00h15 Domingo 11h30, 14h05, 16h40, 19h15, 21h50, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h15, 19h, 21h40 6ª Sábado 13h50, 16h15, 19h, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h10, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h50, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h15, 21h20, 00h05; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h10 6ª Sábado 15h10, 18h10, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 12h50, 15h40, 18h30, 21h20 6ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20, 00h05 Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, 00h05 2ª 3ª 15h40, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h30, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h40, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h55, 18h20, 21h15, 24h; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª Domingo 13h20, 16h10, 18h40, 21h10 6ª 4ª 16h10, 18h40, 21h10, 23h40 Sábado 13h20, 16h10, 18h40, 21h10, 23h40 2ª 3ª 16h10, 18h40, 21h10; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª Domingo 13h, 15h40, 18h20, 21h20 6ª 4ª 15h40, 18h20, 21h20, 24h Sábado 13h, 15h40, 18h20, 21h20, 24h 2ª 3ª 15h40, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª Sábado Domingo 13h, 15h40, 18h40, 21h40, 00h10 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h40, 00h10; UCI Freeport: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h25 6ª 15h40, 18h30, 21h25, 23h55 Sábado 13h20, 15h40, 18h30, 21h25, 23h55 Domingo 13h20, 15h40, 18h30, 21h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h15, 21h05, 23h45; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h25, 21h30, 00h10; Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h35, 19h15, 21h55, 00h30 3ª 4ª 16h35, 19h15, 21h55, 00h30; Arrábida 20: Sala 12: 5ª 15h20, 00h15 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h15; Cinemax - Cinema da Praça : Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45 6ª 15h30, 21h45, 24h Sábado 17h30, 21h45, 24h Domingo 15h, 21h45; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h35 6ª 15h30, 21h35, 00h20 Sábado 15h, 17h40, 21h35, 00h20 Domingo 15h, 17h40, 21h35; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h25, 21h50; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 15h50, 18h40, 21h40 6ª Sábado 4ª 15h50, 18h40, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 4ª 13h15, 16h05, 18h45, 21h20, 00h25 Domingo 2ª 3ª 13h15, 16h05, 18h45, 21h20; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40 6ª Sábado “Books Alive Alive” é o nome da retrospectiv retrospectiva de filmes adaptados ou baseados basead em obras literárias que qu o crítico Ciclo o Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 Sexta, 04 Du Grand Large aux Grands Lacs De Jacques-Yves Cousteau Abraço Mortal A Double Life De George Cukor 19h30 - Sala Luís de Pina O Rei das Rosas Der Rosen König De Werner Schroeter 15h30 - Sala Félix Ribeiro O Mundo sem Sol Le Monde Sans Soleil De Jacques-Yves Cousteau 19h - Sala Félix Ribeiro L’ora di Religione (Il sorriso di mia madre) De Marco Bellocchio 19h30 - Sala Luís de Pina 21h30 - Sala Félix Ribeiro Zorns Lemma + Gloria Zorn’s Lemma De Hollis Frampton 22h - Sala Luís de Pina Terça, 08 Maria Stuart, Rainha da Escócia Mary of Scotland De John Ford O Navio E la Nave Va 15h30 - Sala Félix Ribeiro Il Regista di Matrimoni De Marco Bellocchio 19h - Sala Félix Ribeiro E era o Mar + A Metafísica dos Chocolates + Cidade + Regresso à Terra do Sol A Cidade De José Fonseca e Costa De Federico Fellini 21h30 - Sala Félix Ribeiro Karagoez catalogo 9,5 + Cesare Lombroso Karagoez catalogo 9,5 De Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi 19h30 - Sala Luís de Pina de cinema do PÚBLICO, Luís Miguel Oliveira, programou para o FEST – Festival Internacional Cinema Jovem que irá decorrer de 20 a 27 de Junho, em Espinho. “Tempos Difíceis”, de João Botelho; “O Fio do 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50, 21h40, 00h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h10, 21h40, 00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 2: 5ª Domingo 13h, 15h30, 18h50, 21h40 6ª 4ª 15h30, 18h50, 21h40, 00h15 Sábado 13h, 15h30, 18h50, 21h40, 00h15 2ª 3ª 15h30, 18h50, 21h40; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 14h10, 17h, 21h 6ª Sábado 4ª 14h10, 17h, 21h, 23h55; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h55, 21h15, 00h05; Depois de reinventar o filme de piratas para o século XXI com “Piratas das Caraíbas” (o primeiro tinha graça, daí para a frente foi o descalabro), o produtor Jerry Bruckheimer atira-se às aventuras orientais de capa e espada com esta versão cinematográfica dos jogos de computador criados por Jordan Melcher. O resultado não é desengraçado, em grande parte porque rapidamente o veterano britânico Mike Newell se desenvencilha das grilhetas do videojogo para instalar um clima de aventura exótica conscientemente fajuta onde não faltam os diálogos em Horizonte”, de Fernando Lopes; “Sinais de Fogo” de Luís Filipe Rocha e “Amor de Perdição” de Manoel de Oliveira são algumas das obras. tom de guerra-dos-sexos/“screwball comedy”. E ter actores que pensam à frente da câmara ajuda – Jake Gyllenhaal e Gemma Arterton divertem-se claramente a invocar os grandes heróis das aventuras clássicas e contribuem grandemente para a eficácia do filme. Mas não se confunda este “ersatz fast-food” do cinema clássico com um grande filme – é apenas um entretenimento despretensioso mastiga-deita-fora, melhor feito do que é habitual... J. M. Estômago - Uma história nada infantil sobre poder, sexo e gastronomia Estômago De Marcos Jorge, com João Miguel, Fabiula Nascimento, Babu Santana. M/16 MMnnn Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45, 24h; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h50, 00h30; UCI Cinemas El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h10, 00h20; Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 00h05 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h15, 00h05; Habituados que estamos a uma certa pobreza do cinema brasileiro exibido entre nós, não certamente representativa do muito que se faz além-Atlântico ( Júlio Bressane continua ausente da exibição comercial), este “Estômago”, comédia negra bem engendrada e com um olhar bizarro e criativo sobre as contradições sociais do “país irmão”, merecia, apesar de alguma facilidade expressiva (a gastronomia como metáfora carece de maiores ambições narrativas), uma mais cuidada atenção por parte de um público português desconfiado, devido à oscilação entre indigestos “novelões” e insuportáveis demagogias populistas. “Estômago” é um pequeno filme sobre o poder e sobre o fascínio dos pormenores insignificantes, simpático e despretensioso: o suficiente para despertar a curiosidade e o respeito pela diferença. M.J.T. O Leopardo Il Gattopardo De Luchino Visconti. 21h30 - Sala Félix Ribeiro 22h - Sala Luís de Pina Profit Motive and the Whispering Wind + National Archive V.1 De John Gianvito Sábado, 05 A Manada Perdida Cattle Drive De Kurt Neumann 22h - Sala Luís de Pina SÁB 21:00 SALA SUGGIA | € 15 ÁUSTRIA 2010 15h30 - Sala Félix Ribeiro Quarta, 09 Fim-de-Semana Week End De Jean-Luc Godard Um Caso de Vida ou de Morte A Matter of Life and Death De Emeric Pressburger, Michael Powell 19h - Sala Félix Ribeiro 15h30 - Sala Félix Ribeiro True Heart Susie 19JUN OBRAS DE ALBAN BERG FRANZ LISZT JOHANNES BRAHMS Turbilhão Whirpool De Otto Preminger 19h - Sala Félix Ribeiro www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220 Viver Não Custa The Young in Heart De Richard Wallace 19h30 - Sala Luís de Pina Quintã - Memórias De Ricardo Machado. Mac De D.W. Griffith 19h30 - Sala Luís de Pina 21h30 - Sala Félix Ri Ribeiro Sete Mulheres Seven Women De John Ford 21h30 - Sala Félix Ribeiro A Comédia do Dinheiro heiro Komedie om Geld De Max Ophüls 22h - Sala Luís de Pina A Morte e o Diabo + Verteidingung der Verteiding Zeit Tod Und Teufel Teu De Peter Nestler. Nest 59 min. 22h - Sala S Luís de Pina Segunda, 07 Abraço Mortal A Double Life De George Cukor JORGE MOYANO MECENAS CICLO PIANO 15h30 - Sala Félix Ribeiro Bom Dia, Noite Buongiorno, Notte De Marco Bellocchio 19h - Sala Félix Ribeiro O ciclo Marco Bellochio continua na Cinemateca... MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Ípsilon • Sexta-feira 4 Junho 2010 • 55
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