Desta África do Sul ninguém estava à espera

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Desta África do Sul ninguém estava à espera
Sexta-feira
11 Junho 2010
www.ipsilon.pt
SEAN METELERKAMP ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7372 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Pop Dell’ArteColm Tóibín Norman Manea Broken Social Scene Apichatpong Weerasethakul
Die Antwoord
e a nova cultura pós-apartheid
Desta África do Sul ninguém estava à espera
Flash
Sumário
Die Antwoord
A África do Sul de que
ninguém estava à espera
6
Pop Dell’Arte
Renascidos, tantos anos
depois
12
Festival Chopin
18
O maior improvisador de
sempre remisturado
Norman Manea
A vida é um romance
20
Colm Tóibín
24
Um escritor à Henry James
de olho em Thomas Mann
Apichatpong
Weerasethakul
Fantasmas em Londres
Henri Cartier-Bresson
O homem-século
30
32
E.M. Forster no seu quarto de Cambridge:
perdida a virgindade aos 38 anos, numa praia
egípcia, a escrita deixou de lhe ser urgente
Quando
Forster
teve sexo,
deixou de
escrever
romances
Durante anos, o diário
secreto de E.M. Forster
(1879-1970) esteve
guardado em Cambridge,
onde o escritor manteve
um quarto até morrer. Só
em 2008 os investigadores
começaram a ter acesso a
esse manuscrito. E os
resultados estão a aparecer.
Na próxima semana, com
edição da Bloomsbury,
estará nas livrarias a
biografia escrita por
Wendy Moffat, uma
americana filha de ingleses,
professora de literatura
inglesa no Dickinson
College, em Carlisle, na
Pensilvânia.
De acordo com a
imprensa britânica, a
grande revelação é esta:
Forster, que sempre soube
que era homossexual, só
teve sexo aos 38 anos e a
partir daí deixou de
escrever romances. “Eu
teria sido um escritor mais
famoso se tivesse escrito ou
publicado mais, mas o sexo
impediu-o”, escreve
Forster no seu diário.
O último romance que
publicou em vida foi
“Passagem Para a Índia”,
em 1924. Tinha então 35
anos e ainda uma longa vida
pela frente. Depois, até
morrer, aos 91 anos, só
publicou ensaios e relatos de
viagem. Manteve na gaveta
“Maurice”, o romance “gay”
da juventude, lançado após
a sua morte. Sabendo agora
que Forster era virgem
quando o escreveu, Wendy
Moffat diz que “Maurice” é
“um testamento à
extraordinária imaginação”
do escritor.
O crítico da “New
Statesman” acha que o forte
desta nova biografia é
também o seu fraco. Ou seja,
vem preencher lacunas
quanto à vida privada de
Forster, mas concentra-se
demasiado nisso — o sexo.
De acordo com Wendy
Moffat, foi numa praia
egípcia que o escritor
perdeu a virgindade com um
soldado ferido. Eram
conhecidas as experiências
amorosas de Forster no
Ficha Técnica
Directora Bárbara Reis
Editor Vasco Câmara,
Inês Nadais (adjunta)
Conselho editorial Isabel
Coutinho, Óscar Faria, Cristina
Fernandes, Vítor Belanciano
Design Mark Porter, Simon
Esterson, Kuchar Swara
Directora de arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho,
Carla Noronha, Mariana Soares
Editor de fotografia
Miguel Madeira
E-mail: [email protected]
“Hawk”, o novo álbum da dupla, sai já em Agosto
Egipto. Foi para lá em fins da
Primeira Guerra Mundial,
trabalhar com a Cruz
Vermelha. O seu grande
amor em Alexandria terá
sido Mohammed el Ali, um
condutor de eléctricos.
Seguiram-se os tempos da
Índia e o regresso a
Inglaterra.
Segundo esta biógrafa, o
diário de Forster revela que
todos os amantes que foi
tendo eram de origem
operária. “Quero amar um
jovem forte das classes
baixas e ser amado por ele e
até magoado por ele”,
escreve Forster. Isto incluiu
marinheiros e polícias.
Moffat revela que “o amor
da vida” dele foi o polícia
Bob Buckingham. Esse
romance terá começado em
1930 e durado até à morte.
Forster dava-se bem com a
mulher de Buckingham e
gostava muito do filho de
ambos, a ponto de ter
comprado uma casa
para a família, de os ter
ajudado ao longo da vida, e
de lhes ter deixado uma
herança.
O diário britânico “The
Times” ouviu o escritor
Alan Hollinghurst, um
“gay” assumido, sobre
estas revelações: “É
certamente verdade que
para bastantes escritores, e
certamente para Forster, a
supressão da sexualidade é
uma grande força criativa.
E, sim, a felicidade que ele
encontrou numa relação
fez desaparecer a urgência
da escrita.”
Aos 85 anos, Forster
escreveu no diário: “Como
me incomoda que a
sociedade tenha perdido o
meu tempo ao fazer da
homosexualidade um
crime. Os subterfúgios e as
inibições que podiam ter
sido evitadas.”
Alexandra Lucas Coelho
Isobel Campbell
e Mark Lanegan
vão ter mais um
disco a dois
aos anteriores “Ballad of The
Broken Seas” (2006) e “Sunday at
Devil Dirt” (2008). Além da dupla
- com Lanegan a cantar em oito das
canções e Campbell nas cinco
restantes -, participam no álbum
convidados como o “singersongwriter” Willy Mason e o exguitarrista dos Smashing Pumpkins
James Iha. O alinhamento de
“Hawk” inclui ainda duas versões
de temas de Towndes Van Zandt,
figura de culto da poesia e da
música folk norte-americana: “No
place to fall” e “Snake song”.
A ex-Belle and Sebastian Isobel
Campbell e o ex-Screaming Trees (e
às vezes Queens of the Stone Age)
Mark Lanegan vão lançar o terceiro
álbum a meias este Verão: o
lançamento está marcado para o
dia 16 de Agosto no Reino Unido, e o
disco chega uma semana depois aos
EUA. “Hawk”, o novo disco, sucede
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 3
Flash
Espaço
Público
Este espaço vai ser
seu. Que filme, peça de
teatro, livro, exposição,
disco, álbum, canção,
concerto, DVD viu e
gostou tanto que lhe
apeteceu escrever
sobre ele, concordando
ou não concordando
com o que escrevemos?
Envie-nos uma nota até
500 caracteres para
[email protected]. E
nós depois publicamos.
O último filme mudo de Ford, “Upstream”,
foi encontrado quase por acaso na Nova Zelândia
Oito portugueses
em São Paulo
e na Manifesta
singularidade da primeira em
relação à segunda, por vezes
confundidas ao ponto da
indistinção.”
A exposição irá contar com
obras de cerca de 150 artistas
de diferentes gerações,
destacando-se os nomes de
Adrian Piper (EUA), Ai Weiwei
(China), Allan Sekula (EUA),
Amar Kanwar (Índia), Andrea
Geyer (Alemanha), Anri Sala
(Albânia), Apichatpong
Weerasethakul (Tailândia),
Chantal Akerman (Bélgica),
Cildo Meireles (Brasil), David
Goldblatt (África do Sul),
Douglas Gordon (Escócia),
Emily Jacir (Palestina / EUA),
Francis Alÿs (México), Guy de
Cointet (França), Harun
Farocki (Alemanha), Ilya
Kabakov (Rússia), Hélio
Oiticica (Brasil), James
Coleman (Irlanda), Lygia Pape
(Brasil) – de quem foi
escolhida a obra “Divisor”
(1968), que será encenada por
diversas vezes durante o
evento –, Marlene Dumas
(África do Sul), Nan Goldin
(EUA), Steve McQueen
(Inglaterra), Tacita Dean
(Inglaterra) e Yael Bartana
(Israel).
A oitava edição da Manifesta,
uma iniciativa nómada – a
anterior realizou-se no espaço
geográfico do Trentino-Alto
Ádige, em Itália –, é
comissariada por três
colectivos: Alexandria
Contemporary Arts Forum
(Egipto), Chamber of Public
Secrets (Dinamarca) e tranzit.
org, uma rede independente
de curadores que tem
sobretudo operado no eixo
compreendido entre a Áustria,
a República Checa, a Hungria e
a Eslováquia. Um das linhas de
trabalho desta iniciativa são as
questões relacionadas com a
proximidade da região de
Múrcia ao Norte de África.
Catarina Simão foi
convidada pela tranzit.
org – o mesmo colectivo
que desafiou Carla Filipe
– a apresentar na
Manifesta o projecto
“Fora de Campo (Off
Screen)”, realizado a
partir do arquivo de
cinema de
Carlos Bunga e Filipa César integram
Moçambique.
o contingente de portugueses convocados
Óscar Faria
Pedro Barateiro, Artur Barrio,
Carlos Bunga, Pedro Costa,
Filipa César e António Manuel
– nomes a que se pode
acrescentar o de Yonamine
Miguel, angolano, radicado em
Lisboa –, na 29ª Bienal de S.
Paulo; Carla Filipe, Catarina
Simão e novamente Filipa
César, recente vencedora do
prémio BES Photo, na oitava
edição da Manifesta, que este
ano se realiza nas cidades
espanholas de Múrcia e
Cartagena. Estes são os
portugueses presentes em
duas das mais relevantes
exposições deste ano, que
serão inauguradas,
respectivamente, a 21 de
Setembro e a 2 de Outubro.
A Bienal de S. Paulo, com
coordenação curatorial de
Moacir dos Anjos e do crítico
de arte Aganaldo Farias,
intitula-se “Há sempre um
copo de mar para um
homem navegar”, um
verso do poeta Jorge de
Lima, e ancora-se na
ideia da impossível
separação entre a arte e
política.
A escolha do tema deve-se
a duas razões: o facto de
estarmos a viver num
mundo em conflito
permanente, em que
“paradigmas de
sociabilidade são o
tempo inteiro
questionados, e (...)
a arte se afirma
como meio
privilegiado de
apreensão e
simultânea
reinvenção da
realidade”; e a
convicção de que
“por ter sido tão
extenso esse
movimento de
aproximação entre
arte e política nas
duas últimas
décadas, se faz
necessário,
novamente,
destacar a
para a Bienal de São Paulo
4 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Um John Ford
perdido foi
reencontrado
O período do mudo continua a ser
uma das grandes fronteiras da
historiografia do cinema, em
grande parte devido às centenas de
filmes realizados antes de 1927
dados como perdidos, porque as
suas cópias se extraviaram ou se
deterioraram irremediavelmente ao
longo dos anos. Mas muitos desses
filmes “perdidos” estão agora a ser
“encontrados” do outro lado do
mundo. Aconteceu recentemente
com o “Metrópolis” de Fritz Lang
(uma tiragem da versão original
sobrevivia esquecida num acervo de
Buenos Aires) e voltou agora a
acontecer com 75 filmes americanos
do período mudo, entre os quais
um John Ford perdido, “Upstream”,
descobertos quase por acaso na
Nova Zelândia. Steve Russell, gestor
do New Zealand Film Archive, disse
ao “New York Times” que este “é
um dos raros casos em que a tirania
da distância jogou a favor dos
filmes”:
uma vez
terminada a
carreira comercial
neo-zelandesa, os estúdios
proprietários não se quiseram dar
ao trabalho de assumir os portes de
devolução e as cópias por lá
ficaram, semi-esquecidas até uma
visita casual de um arquivista da
Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas em férias.
Embora a colecção do arquivo
neo-zelandês seja muito mais
extensa, a National Film
Preservation Foundation
americana, afiliada com a Biblioteca
do Congresso, concentrou-se em 75
filmes escolhidos pela sua
importância história e cultural. O
mais importante é claramente
“Upstream”, de 1927, um dos
últimos mudos realizados por John
Ford, “inventor” do “western” tal
como o conhecemos, que os
estudiosos consideram um ponto
fulcral no seu desenvolvimento
como cineasta. Mas entre eles estão
também “Won in a Cupboard”,
Ariel Pink já no dia 25 no Espaço M,
Strange Boys a 14 de Julho no MusicBox
Vem aí concertos
de Ariel Pink, Bill
Orcutt e Strange
Boys
Um dos cantores mais populares da
Síria, um mago das gravações de
baixa fidelidade e nomes grandes
da guitarra e música progressiva
nacional. É assim parte da
programação da promotora Filho
Único para os próximos tempos.
Na próxima quarta-feira, às
22h30, no Lounge, em Lisboa, há
“trips” cósmicas induzidas por
sintetizadores, via kosmicdream,
projecto de Guilherme da Luz, dos
Tantra, nome histórico do rock
progressivo português. Segue-se, no
dia 25, no Espaço M, a antiga Casa
d’Os Dias da Água, na Rua Luz
Soriano, em Lisboa, Ariel Pink’s
Haunted Graffitti, poucos dias
depois do lançamento de “Before
Today” – o Ípsilon já ouviu o disco e
podemos afirmar que está aí um
dos grandes álbuns pop do ano,
obra maior de um músico que vive
realizado em
1914 por Mabel
Normand, a estrela
feminina das comédias
de Mack Sennett, ou
“Maytime”, com uma das primeiras
grandes vedetas de Hollywood,
Clara Bow.
Devido à fragilidade da película
de nitrato, altamente inflamável, as
cópias estão a ser transportadas
gradualmente, em pequenas
quantidades acondicionadas em
barris metálicos. A Fundação
iniciou já o restauro de quatro
filmes – dois deles financiados pelos
estúdios “descendentes” dos seus
produtores originais. “Upstream”
está a ser recuperado pela Fox e
“Mary of the Movies”, uma comédia
de 1923, pela Columbia, que
redescobriu aquela que é a sua
produção mais antiga conhecida.
Uma vez terminado o longo
processo de restauro, os filmes
serão apresentados ao público em
projecções especiais e também
disponibilizados online pela
Fundação, no site filmpreservation.
org.
num universo completamente seu
(um elogio contínuo à história da
canção popular eléctrica).
Susan Alcorn, que levou a
guitarra “pedal steel” para as áreas
da improvisação e da
experimentação (colaborou com
Pauline Oliveros, Jandek, entre
outros), apresenta-se na Culturgest
do Porto, a 2 de Julho. No dia
seguinte, Alcorn actua em duo com
o guitarrista português Manuel
Mota, na Casa de Teatro de Sintra,
numa noite que conta também com
Michael Hurley. Com carreira desde
1965, Hurley é admirado pela actual
geração neopsicadélica, que o tem
como uma das suas grandes
influências. Rara aparição europeia
para um segredo da música
americana.
Depois do cancelamento do
concerto de Abril, por causa do
vulcão islandês Eyjafjallajokull,
Bill Orcutt, autor do brilhante
“A New Way To Pay Old Debts”
(a guitarra acústica como nunca
a ouvimos antes), actua na
Culturgest do Porto e no Museu
do Chiado, em Lisboa, a 9 e 10
de Julho, respectivamente.
A programação para Julho da
Filho Único conta ainda com dois
dias de festa em dois espaços de
Lisboa. O primeiro é no dia 14, no
MusicBox, com o rock’n’roll sem
mácula dos Strange Boys (podem
apanhar na Internet Kate Moss a
dançar o saxofone infernal de “Be
brave” numa curta-metragem de
uma cadeia de roupa). Segue-se,
logo no dia seguinte, no Lux, a
música de festa do sírio Omar
Souleyman - que antes actua na
Casa da Música, Porto, a 13 de Julho.
Pedro Rios
APRESENTAÇÃO
AGENDA CULTURAL FNAC
entrada livre
entrada livre
APRESENTAÇÃO
MAESTRO ÁLVARO CASSUTO
Terceiro volume da série dedicada às obras
orquestrais de Luís de Freitas
Apresentação com a presença do mentor deste trabalhos, o Maestro Álvaro Cassuto que dirige nesta série
a RTÉ National Symphony Orchestra.
17.06. 18H30 FNAC CHIADO
AO VIVO
RITA REDSHOES
Lights & Darks
Rita Redshoes regressa com Lights & Darks, um disco que nos revela uma artista mais madura, desprendida
e directa nas suas canções.
14.06. 18H30 FNAC CHIADO
19.06. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE
18.06. 18H00 FNAC GAIASHOPPING 19.06. 21H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING 20.06. 22H00 FNAC COIMBRA
18.06. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 20.06. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING
24.06. 21H30 FNAC COLOMBO
AO VIVO
THE GLOCKENWISE
Novos Talentos Fnac 2010
Os The Glockenwise são de Barcelos. Veloso, Rafa, Nuno e Fiusa movem-se com grande genica pelos
campos mais enérgicos do garage rock.
14.06. 19H00 FNAC BRAGA PARQUE
LANÇAMENTO
HUMANIDADE
Livro de Fernando Nobre
Este livro é um espaço de liberdade e de total frontalidade, onde o autor exprime as suas reflexões e
pensamentos sobre os desafios, ameaças e esperanças globais.
13.06. 16H00 FNAC VISEU
EXPOSIÇÃO
A REVOLUÇÃO DE ABRIL NO OLHAR
DE CARLOS GIL
Fotografias de Carlos Gil
A Fnac, em parceria com a Fundação Mário Soares, expõe um conjunto de imagens que pretende recordar
um percurso deste país, desde o fim da ditadura até ao fim do sonho de uma revolução de esquerda.
17.04. - 11.07.2010 FNAC CHIADO
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Apoio:
AO VIVO
LANÇAMENTO
EXPOSIÇÃO
Na Cidade do Cabo,
como nas restantes
cidades da África
do Sul, a luta ainda
é política. Mas é
também cultural.
Os Die Antwoord
reflectem os
subúrbios brancos
da sua cidade.
São um fenómeno
gerado na net, tão
bizarro quanto
surpreendente. Não
estão sós. Eis a nova
geração artística
pós-apartheid da
África do Sul.
Vítor Belanciano
Die Antwoord: DJ Hi-Tech,
Yo-Landi e MC Ninja
Capa
SEAN METELERKAMP
Geração pós
6 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
s-apartheid
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 7
De um lado do passeio, na baixa da
Cidade do Cabo, uma jovem loira que
parece saída do último desfile de Karl
Lagerfeld. Do outro lado, um jovem
negro pede uns trocos. A luta política
contra o apartheid terminou há muito,
mas ainda existe um importante caminho a percorrer para que a sociedade sul-africana consiga reflectir igualdade de direitos e oportunidades.
A cidade ainda é algo esquizofrénica. Com marcas cosmopolitas, um
traçado urbano por vezes aliciante e
ofertas culturais que fariam inveja a
muitas capitais europeias. É uma mistura encardida de Londres, Amesterdão, Miami e mais qualquer coisa de
indefinível. Mas, como todas as urbes
em transformação, oscila entre o controle e o caos, e as assimetrias entre
ricos e pobres transformam o espaço
numa zona fortificada.
Na Cidade do Cabo, como nas restantes cidades do país, a luta ainda é
política. Mas é também cultural. Há
uma nova geração, pós-apartheid, na
música, nas artes plásticas, no cinema
ou na moda que começa a ser conhecida no Ocidente, projectando as contradições e as sobreposições de um
país que personifica a mudança e o
movimento, mostrando-nos novos
horizontes.
A maior parte desses criadores poderá não ter o profissionalismo de
Nova Iorque ou de Londres. Mas o improviso, o arriscar de novas mesclas,
a ausência de uma noção sagrada da
História e o sentido de urgência devolvem-nos qualquer coisa de novo e
intenso. Não espanta que o Ocidente,
em crise de ideias, olhe para eles com
fascínio. É isso que tem acontecido
nos últimos meses, enquanto o país
se prepara para receber o Campeonato do Mundo de futebol, com os Die
Antwoord, praticantes de rap-rave.
O zef
Foi em Fevereiro. Os vídeos “Enter the
ninja” e “Zef side” foram colocados
na Internet e, do dia para a noite,
transformaram os desconhecidos Die
Antwoord, da Cidade do Cabo, num
dos fenómenos mais surpreendentes
dos últimos tempos. A sua caixa de
email entupiu e nas semanas seguintes, num ápice, cinco milhões de pessoas viram os vídeos no YouTube antes de qualquer contrato discográfico.
Em “Enter the ninja” tomamos contacto com uma sonoridade que tanto
remete para o rap como para referências “rave” dos anos 90 ou para sons
de videojogos. Identificamos os elementos mas o todo é electrizante. No
monólogo introdutório, as primeiras
palavras debitadas em afrikaans (o
idioma oriundo da colonização holandesa) por MC Ninja, 35 anos, branco,
magricela, alto, tatuado, penteado
terrível, dentes dourados, transportam-nos para a mescla da África do
O zef é uma variante rap
adoptada pelas classes
trabalhadoras brancas dos
subúrbios. Personifica as vidas
solitárias que se decidem à
volta de jogos de computador.
A letargia de domingo
em frente à TV
8 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Há uma nova
geração, na música,
nas artes plásticas,
no cinema ou na
moda que começa a
ser conhecida no
Ocidente, projectando
as contradições e as
sobreposições de um
país que personifica
a mudança
Sul. “I represent the South African
culture. In this place, you get a lot of
different things: blacks, whites, coloured, english, afrikaans, xhosa, zulu,
watookal. I’m like all these different
things, all these different people – fucked into one person”, debita.
Pelo meio, surge a pequena Yo-Landi, de idade indefinida, cantando,
ameninada, uma letra tão caricata
quanto pegadiça: “Ai, ai, ai, i am your
butterfly. I need your protection, be
my samurai.”
Quem também anda por lá é Leon
Botha, artista plástico, nascido com
doença genética, responsável pelas
artes visuais do videoclip que podem
ser exploradas na secção “secret
chamber” do soberbo site do grupo.
O videoclip de “Zef side” é ainda
mais desconcertante. Imagens de subúrbios brancos, bêbados cambaleando, motas de grande cilindrada,
vulgaridade incorporada, quase um
documentário. Celebração da cultura
zef da população afrikaner, de tudo o
que é trivial. Frases sem sentido ditas
por Ninja, trajando uma t-shirt de Vanilla Ice e uns boxers com a capa do
álbum “Dark Side Of The Moon” dos
Pink Floyd.
Por cima, um ritmo electrónico que
tanto parece nostálgico como futurista, lançado pelo terceiro membro do
projecto, DJ Hi-Tech, responsável pelas “next-level beats”, como lhes chama Ninja, no sentido de “passagem à
próxima fase”, como nos videojogos.
Por vezes parece que estamos a ver
“Rize”, o documentário de David LaChapelle – que se viu envolvido em
polémica pela dimensão estetizante
dada ao krumping, a dança urbana
dos subúrbios de Los Angeles.
De imediato, em blogues e redes
sociais, começou a discutir-se o fenómeno. Uns juravam que eram a coisa
mais genuína que alguma vez tinham
ouvido. Outros que era apenas uma
paródia. Completamente autênticos
ou totalmente falsificados, nunca mais
pararam de ser comentados. Pela
música, pela imagem, pela atitude
Kwaito
o funk das
townships
Praticada por jovens como DJ Mujava ou Spoek Mathambo,
o kwaito é a música mais ouvida nos bairros da África do
Sul. Mas do rock dos BLK JKS à pop de Thandiswa Mazwai,
há um mundo de músicas a descobrir.
DJ Mujava: a sua música tem um aliado de peso, os táxis
Quando entramos ouve-se uma
não conseguir melhor do que
música com algo de estranho
reciclar-se a si própria, em
e de familiar, em simultâneo.
ciclos cada vez mais curtos, os
Um som sintético, hipnótico,
estilos locais ganham terreno. É
a meio caminho entre o house
neste quadro que deve ser lido
mais profundo, com linhas de
o interesse à volta do kwaito, ou
baixo sombrias e percussões
house da África do Sul, género
que associamos a África. Os
sedimentado, que remonta aos
fraseados vocais parecem
anos 90, e que é agora dado a
inspirados no ragga jamaicano,
conhecer ao mundo, sendo capaz
mas outras vezes remontam
de produzir os seus heróis.
ao estilo rap em zulu, xhosa ou
Entre eles DJ Mujava, 25 anos,
inglês.
que lançou um máxi-single
Foi há três anos, na Cidade
(“Township funk”) há dois anos
do Cabo, numa noite de
na editora de culto inglesa
kwaito. Os corpos balançavam
Warp, que viria a dar que falar
freneticamente. Éramos os
por todo o lado. Habitante de
únicos brancos na sala. Havia
uma township, nos arredores
lascívia no ar e ambiente de
de Pretória, a sua música (e
festa imparável. Às tantas,
dos restantes produtores de
dançava-se em cima das mesas,
kwaito) tem um aliado de peso
em todos os recantos onde era
em termos de divulgação – os
possível. Se o zef é a expressão
táxis. Os condutores gostam de
cultural dos subúrbios brancos,
rivalizar entre si, em matéria
de sistemas de som, e ouvem
o kwaito é-o em relação às
música em altos berros.
chamadas townships, os
Apesar da internet, e de todos
bairros degradados habitados
os outros meios de promoção
maioritariamente por negros.
Como o kuduro luso-angolano,
modernos, continuam a ser
o táxi o instrumento ideal
o baile funk do Rio de Janeiro
para difundir novos gostos
ou a cumbia colombiana, é
musicais junto das franjas mais
mais uma dessas derivações
desfavorecidas da população.
bastardas de géneros
Numa entrevista recente, Elvis
estabelecidos, feitos a partir
de tecnologia rudimentar
Maswanganyi, verdadeiro
por jovens que habitam
nome de Mujava, realçava o
nas periferias das grandes
papel dos táxis na propagação
cidades. É música muitas
da sua música. “Os condutores
vezes estigmatizada, vendida
de táxis gostam imenso da
inicialmente nas ruas, sendo
minha música e recebo-os com
progressivamente legitimada e
regularidade em casa, com o
adquirindo autonomia.
intuito de lhes dar a ouvir as
Nos últimos anos muita dessa
últimas produções.”
música tem sido recebida nos
O único músico africano
palcos europeus e americanos
pertencente à editora
que dançam boquiabertos
electrónica mais conhecida
ao som de irresistíveis
do planeta ainda habita
combinações rítmicas,
numa township e não parece
regressando à expressão mais
interessado em prescindir
simples, vibrante e directa da
dela: “Toda a gente se conhece.
música urbana. Enquanto a pop
Leva-se uma vida muito
ocidental globalizada parece
comunitária. Para muita gente
PEDRO CUNHA
Spoek Mathambo é uma das figuras mais interessantes
na exploração do house africano
são um problema, para mim
parte da população da África do
são um reduto de entusiasmo e
Sul. Mas não existe uma linha
iniciativa”, justifica.
definitiva.
Mas Mujava está longe de
Spoek Mathambo, com álbum
estar só. Há uma infinidade de
a sair em Agosto na editora
produtores com características
americana BBE, é uma das
semelhantes. Alguns deles
figuras mais interessantes na
(Pastor Mbhobho, DJ Cleo, Mgo,
exploração do house africano, a
Survivor, Aero Manyelo, Ntiki
solo, ou com o projecto Sweat.X.
Mazwai ou Shana) acabam
Numa entrevista recente
de ser reunidos por Mujava
tentava dar a ver dimensão do
fenómeno, dizendo que o house
na excelente compilação
ocupa o lugar que a pop ocupa
“Ayobaness! – The Sound Of
noutras latitudes. É som de
South Áfrican House.”
massas, cantada por negros e
Quase todas as narrativas
brancos, jovens e mais velhos.
acerca do kwaito tentam
“Noutros países, o house é
enquadrá-lo no contexto do fim
linguagem de nicho. Aqui o
do apartheid. Como se o género
lugar das estrelas rap ou dos
fosse a banda sonora festiva
cantores pop é ocupado pelos
desse momento. Mas hoje é mais
produtores de house. São eles as
do que isso. É aquilo que o hipnossas celebridades”, diz ele.
hop já foi para os americanos,
Mas nem só de house vivem as
uma voz que narra as lutas e os
novas gerações sul-africanas.
triunfos da vida quotidiana de
Se o zef é a expressão
cultural dos
subúrbios brancos,
o kwaito é-o em
relação às chamadas
townships, os bairros
degradados
habitados
maioritariamente
por negros
Há também o rock alternativo
dos BLK JKS, com álbum
(“After Robots”) lançado o
ano passado na americana
Secretly Canadians. São agentes
sabotadores do som rock, com
elementos de fusão que uma
das bandas mais importantes
dos últimos anos, os novaiorquinos TV On The Radio, não
desdenharia de todo.
São o grupo rock mais
conhecido do momento
no território, apesar da
idiossincrasia da sua música,
não surpreendendo que tenham
actuado ontem, na Joanesburgo
natal, ao lado de Alicia Keys ou
Shakira, na festa de lançamento
do mundial de futebol.
Quem também actuou
nesse cerimónia foram os
Parlotones, praticantes de um
rock sem nada que os distinga.
O mesmo não se pode dizer de
outra estrela em ascensão no
país, Thandiswa Mazwai, que
abandonou o projecto de kwaito,
Bongo Maffin, para se dedicar a
uma carreira a solo. O seu som
afro-pop tem tido um aliado de
peso: o músico-produtor Culoe
de Song, mais um jovem saído
das townships de Joanesburgo,
que pratica uma música house
intensa e hipnótica que promete
vir a dar que falar num Ocidente
que não deixa de se espantar e
influenciar (Vampire Weekend,
Dirty Projectors, Very Best)
com o que as novas gerações
africanas têm para oferecer.
BLK JKS: agentes sabotadores do som rock
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 9
O estilhaçar
pósapartheid
Do design de moda ao cinema, passando pelas artes
plásticas, uma nova geração tenta revelar-se ao mundo.
É como ter um novo brinquedo e
ser criança outra vez, descreve
o designer de moda Floy, do
colectivo Smarteez, quando
lhe pedem para descrever o
momento actual na África do
Sul. “É tudo novo, inclusive a
liberdade”, diz.
É verdade. Para os jovens
negros, depois da liberdade
alcançada pelos pais, trata-se
de conquistar um espaço de
auto-expressão e de alargar
horizontes. Para os jovens
brancos é o momento de
reavaliar a história recente do
país e o papel dos familiares
nela, sem ficarem refém dela.
Há um estilhaçar de
expressões criativas. Não há
grandes meios. Mas há vontade
de dizer, independentemente
deles. Quem o exprime é a
realizadora Claire Angelique,
que assina “My Black Little
Heart”, produzido pela
companhia de Lars Von Trier, a
Zentropa Films.
A câmara segue uma rapariga,
viciada em heroína, pelas
ruas da cidade de Durban e
pelos corredores sombrios da
pornografia da internet. No
filme, Claire, é a protagonista,
Chloe, porque nenhuma actriz
quis expor-se tanto.
O contacto com a Zoetrope
foi fácil. Ela admira o
trabalho de Lars Von Trier.
Enviou-lhe excertos do seu
trabalho. A Zoetrope gostou.
E semanas mais tarde aceitou
o seu projecto. “Quando
existem afinidades criativas,
independentemente da
10 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
nacionalidade, é mais fácil”, diz.
O mesmo poderia dizer
Mikhael Subotzky, 29 anos, um
dos fotógrafos mais novos da
Magnum, mas com uma série
de trabalhos que escapam à
lógica da agência. Ele, e outros
artistas, têm dado corpo ao
projecto Main Street Life, que
consiste na transformação de
edifícios industriais dos anos
70 num complexo criativo com
estúdios, lojas, galerias ou salas
de concertos.
Como em outras cidades, o
propósito é fácil de descortinar:
reconverter uma zona de
Joanesburgo, anteriormente
votada ao esquecimento, e
transformá-la num espaço
voltado para a criação e lazer.
Subotzky tem estúdio em
Joanesburgo, mas é um dos
muitos artistas que a galeria
(Em cima)
Claire
Angelique,
realizadora
que acaba de
ser
produzida
pela
Zentropa de
Lars von
Trier; (em
baixo)
criação do
colectivo
Smarteez:
roupa com
materiais
baratos de
cores
vibrantes
PEDRO CUNHA
Whatiftheworld, na Cidade do
Cabo, tem tentado projectar para
o resto do mundo.
É aí que outros artistas
emergentes, como Rowan Smith,
Dan Halter, Cameron Platter
ou Athi-Patra, têm tido espaço
para mostrar o seu trabalho.
Athi-Patra, por exemplo, utiliza
o vídeo, a fotografia e o design de
moda para interrogar questões
de corpo, de género e políticas
ligadas à roupa, enquanto
revelação do que somos,
individualmente, e enquanto
grupo social.
O propósito principal é daremse a conhecer na Europa e nos
EUA. Sabem que terão mais
possibilidades de o fazer se
apresentarem qualquer coisa
de exclusivo, mas também de
familiar. Como aconteceu com
as animações vídeo do colectivo
The Blackheart Gang ou os
videoclips hiper-realistas de
Sean Metelerkamp, 26 anos,
para os Die Antwoord ou
Sweat.X (são dele as imagens
da capa e do plano de abertura
deste suplemento) qualquer
deles já com convites para
trabalhar na Europa.
O mesmo se podendo dizer do
design de moda. É fácil olhar
para as roupas dos Smarteez,
colectivo de quatro designers
vindos do Soweto, e tentar ler
nelas a influência africana.
Mas esta é a geração que já
cresceu com o YouTube e o
Facebook, sendo capaz de se
inspirar numa cultura visual
global e, ao mesmo tempo, criar
uma narrativa própria, sem se
subjugar pela padronização.
Os Smarteez criam roupa
com materiais baratos de cores
vibrantes, expressando uma
nova atitude, diz Kepi. Os pais
iam à igreja, à escola e, depois,
tentavam arranjar um trabalho
digno para criar a família. Eles
querem mais. Já não se trata
apenas de subsistir. “Queremos
ser felizes.” V.B.
Para os jovens negros,
depois da liberdade
alcançada pelos pais,
trata-se de conquistar
um espaço de autoexpressão e de
alargar horizontes.
Para os jovens
brancos é o momento
de reavaliar
a história recente
do país e o papel dos
familiares nela, sem
ficarem refém dela
e pelos debates, tendo no centro teses de classe, identidade, raça
ou autenticidade.
É natural. O zef é uma variante rap
adoptada pelas classes trabalhadoras
brancas dos subúrbios. Personifica as
vidas solitárias que se decidem à volta de jogos de computador. A letargia
de domingo em frente à TV. Os lugares
de fast-food. Os barbecues da classe
média junto de piscinas de água esverdeada. Um hedonismo sem alegria
de gente contrariada sem perceber
porquê. De rebeldes sem posicionamento político, pouco articulados
quando falam, mas expressivos quando utilizam linguagem vernacular. Não
exactamente os excluídos em que nos
habituámos a pensar quando imaginamos a África do Sul, mas sendo-o
também, no contexto da população
branca afrikaner.
Os Die Antwoord devolvem-nos isso, de forma hiper-realista, através de
uma música ascética para voz e ritmo,
mas com letras excessivas que retratam essa realidade urbana, com qualquer coisa de divertido mas também
de cruel. Entre o senso comum e o
sentido de humor. Entre a crónica social e o puro entretenimento.
A África do Sul natal divide-se quanto ao acontecimento. Os afrikaners
mais velhos vêem-nos como embaraço nacional, pela linguagem suja, enquanto os mais novos os adoram. A
mesma relação têm com a música do
“rapper” branco Jack Parow, que participa no álbum dos Die Antwoord, ou
com a banda rock Fakofpolisiekar. Fazem parte de uma nova geração que
já não tem vergonha de ser afrikaner.
Possuem uma visão crítica sobre o
papel dos pais no processo do apartheid, mas procuram novas formas de
auto-expressão.
Fora de portas nunca a cultura pop
sul-africana tinha sido tão badalada.
As mais influentes publicações americanas e europeias, surpreendidas,
têm-lhes dedicado espaço. Até há pouco, o álbum de estreia, “$O$“, estava
disponível no site para descarregamento gratuito. Mas entretanto, no
Facebook, angariaram quase 80 mil
seguidores. O penteado da loira YoLandi, rapado dos lados, é seguido em
Paris ou Londres. Os Die Antwoord
encontraram-se com o realizador Neill
Blomkamp (“District 9”) e combinaram colaboração. Em Abril, os agentes
da indústria presentes em Los Angeles, para o festival Coachella, viramnos em palco. Conclusão? A gigante
Interscope (Eminem, Black Eyed Peas
ou Lady GaGa) contratou-os, preparando-se para relançar o álbum de
estreia. Depois do acordo, Ninja tratou
de mostrar ao mundo o que pensava
num vídeo provocador, surgindo com
uma tatuagem representado dólares,
ao lado do símbolo ying-yang. Pelo
meio, a Live nation, a maior companhia de eventos do mundo (a tal que
assinou um contrato com Madonna),
quer assinar com eles. E já este mês
iniciam uma digressão pelos EUA, a
Europa e o Japão, com algumas dessas
datas a serem partilhadas com a agora cúmplice de editora, M.I.A.
Salada de frutas
Há semanas, no Festival Spot da Dinamarca, num seminário com agentes
da indústria, eram apontados como
exemplo feliz de uma ideia com características localizadas capaz de ser
apreendida globalmente. Como aconteceu com M.I.A., Buraka Som Sistema ou Major Lazer, que resgataram
linguagens desqualificadas, trazendoas para o centro da pop globalizada.
O facto de tocarem estereótipos sociais contribuiu para que estoirassem
de forma tão rápida. Movem-se numa
linha ténue entre a farsa e a arte performativa. São afrikaners, mas não
Dis Ninja: “O país
é governado por
negros e diferentes
tipos de pessoas
habitam aqui – é uma
salada de frutas
cultural. Mas ainda
não somos um
arco-íris”
atribuem significado particular a esse
facto. Reflecte Yo-Landi: “Na África
do Sul imensa gente fala afrikaans. É
apenas a nossa linguagem, a que usamos para comunicar. Tem charme e
as pessoas riem-se.”
E o que têm a dizer os próprios sobre as ambivalências onde são colocados? Às vezes não se levam a sério.
“As pessoas pensam muito. Não matutamos sobre o que fazemos, é apenas divertimento”, diz Ninja. “O país
é governado por negros e diferentes
tipos de pessoas habitam aqui – é uma
salada de frutas cultural. Mas ainda
não somos um arco-íris. O racismo é
coisa antiga, mas em países como os
EUA não sei se não será bem pior. É
qualquer coisa de escondido. Ao menos, aqui, é declarado.”
Outras vezes levam-se a sério: “Sou
sério acerca de tudo”, afirma Ninja.
“Até sobre o meu penteado. Somos
arte pop em fusão com arte erudita.
Gostamos tanto de actuar ao vivo como gostamos de filmes. Somos sérios
acerca do que fazemos, mas também
temos sentido de humor. Algumas
pessoas não percebem o nosso estilo
e acham que é tudo diversão. Não é
verdade. Mas a nossa música não é
intelectual – fazemos música para o
homem comum.”
Watkin Tudor Jones, o nome que se
esconde por trás de Ninja, sabe mover-se naquele plano inclinado onde
não se percebe onde começa a farsa
e acaba a sinceridade. “Ninja não é
uma personagem, é uma extensão,
uma versão exagerada de mim próprio.” E está longe de ser um novato,
tendo liderado projectos como os
Evergreen, Constructus Corporaton
ou Max Normal. Os Die Antwoord (em
afrikaans: “a resposta”) são vistos pelo próprio como a última oportunidade para triunfar na música.
A ideia para o projecto veio-lhe da
audição da música difundida pelos
táxis do Cabo. “Os táxis, aqui, tocam
muito alto aquele tipo de som rave. É
fácil de ouvir, do outro lado da cidade,
o som ‘dum, dum, dum’ a dar, a dar,
a dar, como se os táxis fossem discotecas ambulantes. Todo o disco foi
concebido a pensar nesses táxis, naquela parada energética sem comparação.”
No meio da excitação que têm criado, até pode acontecer que se transformem apenas numa nota de rodapé
do YouTube e da Internet, mas também pode suceder que venham a ser
o maior colectivo para fomentar festa
desbragada por esse mundo fora. Até
podem ser a próxima Lady GaGa, ironizou o “Los Angeles Times”, por causa da estética bizarra e da atitude provocadora. Por agora é certo que, onde
quer que actuem, vão provocar sorrisos, espanto ou dança descontrolada.
Já ninguém consegue ser neutro em
relação aos Die Antwoord. Talvez nem
Cristiano Ronaldo, Messi ou Káká.
Citações retiradas das publicações
“Vice”, “Dazed & Confused” e “New
York Magazine”
Ver crítica de discos págs. 48 e segs.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 11
Resistentes,
românticos
e trágicos
Música
Os Pop Dell’Arte regressam aos álbuns com “Contra Mundum” – quinze anos
O disco vai de Kurt Weill à new-wave decomposta, a conversa atravessa vinte e muitos anos de
DORA NOGUEIRA
Zé Pedro
Moura e João
Peste
12 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
depois do magistral “Sex Symbol”
Symbol”, oito anos depois do belo EP “So Goodnight”.
mitos e equívocos. Os Pop Dell’Arrte são resistentes, românticos e trágicos. João Bonifácio
E ponto final: não há muitas bandas
assim.
Quem mais chegou, viu, escandalizou, fez um disco, assistiu à criação
ao seu redor de uma tonelada de mitos, e em vez de capitalizar resolveu
não só dar um tiro no pé como cravar
pregos nas mãos e nos pés, lançando
o ocasional single perfeito para o
opróbrio, passando anos sem dar
concertos e regressando a cada dez
ou mais anos para um álbum?
Os Pop Dell’Arte não são, decerto, a primeira banda a ser atravessada por histórias de drogas, falta
de dinheiro, glória e queda, deserções, zangas e regressos. Mas os Pop
Dell’Arte certamente uma das poucas
bandas que renascem quando já
ninguém acredita e voltam
a baralhar o que
quer que pensássemos delas. E
assim sendo,
o que fazem eles
quan-
do, quinze anos depois de “Sex Symbol”, o extraordinário terceiro disco
de originais e último a ser lançado no
mercado, regressam com
c
treze canções novas? Chamam ao disco “Contra
Mundum”.
No mínimo pode dizer-se
diz
que isto
não é a mais sensata ar
arte de sedução
da classe média.
“A ironia do título é total”,
t
diz João
Peste, o eterno líder, n
na sua casa no
centro de Lisboa – Peste
Pe
deixou há
dois anos a sua Camp
Campo de Ourique
nativa, onde a história da banda começou.
Surge vestido de fo
forma discreta,
com ar frágil, de discur
discurso calmo mas
tremendamente sincero.
since Sincero ao
ponto de o ouvirmos di
dizer que naquele título “pode haver um por cento de
amargura – ou até mai
mais”.
Palavra curiosa, esta:
es amargura.
Nas entradas futuras d
das enciclopédias da música portuguesa,
portugu
Peste surgirá inevitavelmente co
como um iconoclasta, um provocador, talvez mesmo
um agitador com o seu quê de exibicionista e o mérito de abordar questões como a homossexualidade,
homoss
a
marginalidade ou as dr
drogas de forma
excessiva mas comovente.
comove
E no entanto, o pro
provocador é um
homem extraordinariamente
extraordinariam
honesto
(isto sempre desconfiá
desconfiámos). “Eu assumo que tenho algum
alguma amargura – e
sempre tive. Até acho que agora tenho menos. Agora te
tenho uma filosofia de vida mais calm
calma. Tinha uma
visão um bocado p
pessimista das
coisas em novo, o q
que alimentava
esse lado amargo”.
É um homem e
extremamente
educado, de voz d
doce, capaz de
dar entrevistas d
de cinco horas
que acabam com entrevistado
e entrevistador a ouvir o lado
B de um sin
single de George
Harrison, “My Sweet
Lord”, chamado
cha
“Isn’t it
a pitty”, a canção mais
melosa que se pode imaginar.
(Tem tamb
também uma bela
colecção de música
mú
clássica e
de DVDs, que vão
v do cinema
mais radical a sséries de TV. E
a determinado momento da
conversa cita a série “Boston
Legal” com comovente
c
determinação. Contamos isto
só para qu
que o real ainda
tenha algu
algum valor sobre
os mitos.)
Com isto
is não se quer
dizer que não tenha sido (ou seja) um tremendo provocador.
Quer dizer que essa
imagem é redutora.
imag
Aliás, quase todas as imagens à volta
dos Pop Dell’Arte são redutoras.
Mitos
“A imagem dos Pop Dell’Arte enquanto vanguardistas é distorcida”, diz Zé
Pedro Moura, membro do grupo desde o início – já não esteve em “Ready
Made”, o segundo disco, de 1991, e
voltou uns anos mais tarde depois de
uma passagem pelos Mão Morta. “O
‘Mai 86’ é absolutamente pop”, atira,
em forma de demonstração.
“Mai 86” é uma daquelas muitas
canções extraordinárias dos Pop
Dell’Arte que só saíram em single ou
em EP e, portanto, nunca chegaram
a um público mais alargado. Até nisso
eles têm uma forma própria de – chamemos-lhe – trabalhar: a obra é escassa e fragmentária, a formação ao longo dos anos inclui uma infindável
lista de nomes.
É por coisas destas – mais os sexos
erectos nos libretos dos discos – que
há mitos à volta do grupo. Mas do ponto de vista deles a coisa é mais simples.
“A nossa discografia ser errática”,
diz Zé Pedro, fazendo uma pausa, “isso tem graça. A graça da pop é essa:
ser livre. Os discos vão saindo quando
faz sentido sair. Não compomos para
cumprir calendário”. E exemplifica
mencionando o caso de “Querelle”
que “só faz sentido naquele maxi pela própria essência da canção”.
Não é caso único: “Esborre” e “Sonhos pop” (single pop perfeito) foram
lançados como singles em Novembro
de 1987, um mês depois do máxi de
“Querelle” e um mês antes de “Free
Pop” - ou seja, de uma penada os Pop
Dell’Arte atiraram fora do disco de
estreia quatro enormes canções. Porquê? Porque “Esborre” e “Sonhos
Pop” “tinham de ser um sete polegadas em vez de saírem em LP”, diz Peste. Tinham. E pronto.
Em 1991 resolveram editar essas
canções dispersas em “Arriba! Avanti!”. É lá que se pode ouvir um Peste
“crooner” a cantar, em “O amor é um
gajo estranho”, “O amor nunca me
mente quando me venho na sua boca”.
Gente a vir-se na boca de outro,
aquela forma de cantar, se isto não
era facilmente comestível para muitos
lisboetas, para os outros eram tremendamente violento.
Peste rejeita de imediato o epíteto
violento, mas contextualizamos: imaginemos um rapaz sufocado nas sebes
altas e nos canteiros aparados da província, com 12 anos à data da edição
de “Free Pop”, a mostrar cassetes aos
amigos.
Prince?
Ok.
Public Enemy?
Coisas de pretos.
Mão Morta?
Ok, grande rockalhada.
Pop Dell’Arte?
Mas que paneleirada é esta? Isto é
música?
Peste pareceu achar graça ao facto
de numa terreola perdida do país os
miúdos acharem os Mão Morta mais
acessíveis que os Pop Dell’Arte, mas
interessa-lhe demonstrar que o mito
que diz que a errância discográfica se
deve a preguiça, drogas e sabe Deus
que mais é mentira.
“Fizemos o primeiro disco e um
single em pouquíssimo tempo, com a
morte do meu pai pelo meio”.
O processo, confessa, deixou-o
queimado e “ainda hoje” quando ouve o disco pensa “que algumas coisas
teriam ficado melhor com mais algum
tempo de trabalho”. Nesse caso não
tem dúvidas: “A pressa prejudicou”.
As razões para a errância da obra
foram mais prosaicas. Exemplifica
Peste que “muitas vezes não houve
pura e simplesmente dinheiro para
A nossa discografia
ser errática... isso tem
graça. A graça da pop
é essa: ser livre.
Os discos vão saindo
quando faz sentido sair.
Não compomos para
cumprir calendário
Zé Pedro Moura
fazer um LP”. O “So Goodnight” [EP
de 2002] era para ser um LP mas não
havia dinheiro”.
Mesmo a imagem que sempre imaginámos que eles tinham de si próprios merece reparos.
Zé Pedro Moura: “A mesma mitificação que dizias sentir em relação aos
Pop Dell’Arte, nós sentíamos em relação a Nova Iorque e a Londres. E depois, às tantas, eram pessoas como
nós”.
Mas, retorque Peste de forma cândida, o seu sonho era tão só “pisar o
palco do Rock Rendez-Vous”.
Nem os rótulos que se lhes foram
sendo colados parecem ser do seu
agrado. Peste não gosta “da expressão
‘experimental’”: “Não andamos aqui
a experimentar a ver o que é que sai
dali. Sabíamos melhor o que é que
queríamos do que as pessoas pensam”.
O termo “vanguarda” – esqueçam:
“É pretensioso”. E com Peste a renegar uma catalogação por ser pretensiosa podem também esquecer o mito
de João Peste enquanto “snob-arty”.
“Talvez o termo ‘alternativo’ combine connosco, porque tentamos criar
alternativas, sim”.
Ainda assim, acrescenta, quando
começou a ouvir música “no final dos
anos 60” na altura “não havia essas
divisões”. “No top 10 inglês havia muita coisa radical. Mais tarde é que se
criaram essas divisões”.
Durante todos estes anos a banda
foi acabando e recomeçando, sempre
com novos membros. Uma das razões
apontadas para as demoras na criação
é bastante proverbial: segundo Zé
Pedro Moura “cada um de nós faz
outras coisas. Para conseguir reunir
toda a gente é preciso muito esforço de cruzar horários”. (E lá se vai
mais um mito.)
Algumas das saídas foram
particularmente acrimoniosas,
mas Peste garante nunca ter
demitido ninguém. “Quando
eu decidia voltar a montar
os Pop Dell’Arte ligava a
quem estava disponível
e quem não estava ficava de fora”, diz.
Não raras vezes
pareceu que poderia haver um
revivalismo
Pop Dell’Arte
– o que ocorreu em
parte há
dois
anos
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 13
Acho que somos desde
o início resistentes.
Mas também
românticos e trágicos.
Devia pensar ‘Cada dia
que passa é menos um
dia’, mas agora penso o
contrário: ‘Cada dia que
passa há mais dias para
fazer o que quero fazer’
João Peste
aquando da saída de “Poplastik”,
colectânea que reunia três novos temas. Mas nunca houve verdadeira
explosão. Peste: “Houve vários momentos certos para a banda. Não sei
se este é um desses. Pessoalmente já
estou a pensar no próximo disco”.
Pelo meio ficou sempre a impressão
de que o grupo nunca se tinha cumprido totalmente: deixou monumentos, mas não poderia ter deixado
mais?
“Quando chegas ao ponto em que
te sentes cumprido, é altura de fechar
a loja”, atira Zé Pedro Moura. “As coisas fazem-se fazendo. Dizer: ‘Vou fazer
isto e acabou’ é muito limitado”. Complementa o pensamento com uma
frase que é fundamental para perceber os Pop Dell’Arte actuais: “Se racionalizares a importância do que já fizeste, não fazes nada. É um peso demasiado grande”.
Essa racionalização foi feita por Luís San Payo, um dos músicos que durou mais tempo na banda – “um dos
músicos mais criativos com que tive a
oportunidade de trabalhar”, faz Peste
questão de dizer.
San Payo “não acreditava que os
Pop Dell’Arte pudessem fazer um disco novo ao nível dos antigos”, conta
Peste. “Para ele devíamos tocar os temas antigos o melhor possível e preservar o património. E eu estava a
borrifar-me para o património. O importante era que os Pop Dell’Arte fizessem um disco novo”.
Por isso San Payo saiu – nem seriam
os Pop Dell’Arte se não houvesse deserções. “Ele tinha um peso muito
grande dentro da banda”, diz Zé Pedro
Moura. “A maneira de trabalhar teve de se alterar”.
Prisioneiros
da liberdade
DORA NOGUEIRA
Os trabalhos para “Contra
Mundum” começaram
em 2007, mas as gravações só chegaram em
2008.
Peste: o iconoclasta,
provocador, talvez
mesmo o agitador
14 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Sendo a banda o que é, houve problemas: “Fiquei doente, no hospital,
com duas vértebras fracturadas”, conta Peste. “Demorei quatro meses a
recuperar. Não dava para gravar a
voz”.
Duas canções antigas foram repescadas para o disco: “Eastern Streets”
era um tema de uma das primeiras
maquetes, “logo de 1985”, diz Zé Pedro Moura. Da autoria de Ondina, que
há muito deixou a banda e agora vive
em Inglaterra.
Outro tema antigo é “La nostra feroche volontà d’amore”, de 2002,
canção que a banda “insistiu muito”
que Peste gravasse. “Eu achava que
podia ficar para outro disco. Pensava
que não ia ficar grande coisa. Afinal,
quando gravei, ficou grande coisa”.
(Peste acrescenta que, “correndo o
risco de soar arrogante”, acha que
“este disco também é um marco”.)
Curiosa esta ideia de pensar que
uma canção pode ficar para outro
disco, numa banda que grava quando
o cometa Halley passa. Mas fiquem
sabendo que ainda há mais canções
já acabadas na gaveta.
Isto levanta um pouco um véu acerca do “modus operandi” do grupo.
Zé Pedro Moura: “O João pode estar
muito empenhado numa música e eu
não acreditar até ver. E depois há frases, como aquela ‘La nostra feroche
volontà d’amore’ que me deixam deslumbrado”.
Trinta anos depois do começo da
amizade, Peste ainda é capaz de deixar os amigos de boca aberta com a
sua capacidade de, nas palavras de Zé
Pedro Moura, criar “frases simples e
fortes” ou aparecer num ensaio com
uma melodia toda feita na cabeça. Mas
isso não lhe é suficiente: “Acho que
ainda não fiz suficientes frases emblemáticas. Gostava de ter mais”.
O que, vinte e três aos depois do
início, João Peste ainda não tem é
“uma vida organizada no sentido de
um emprego de oito horas”, mas “resistir é vencer”: “Acho que somos
desde o início resistentes. Mas também românticos e trágicos. Devia pensar ‘Cada dia que passa é menos um
dia’”, vai dizendo, “mas agora penso
o contrário: ‘Cada dia que passa há
mais dias para fazer o que quero fazer”.
E no fim, revendo a estranha carreira da sua banda e tentando adivinhar o que aí virá e porque raio é
sempre tudo tão complicado, atira
uma frase de fazer inveja a um Bill
Callahan num dia particularmente
mau: “Somos prisioneiros da nossa
liberdade”.
Ver crítica de discos págs. 48 e segs.
Kurosawa. Não diz muito, fica num
canto, a beber o seu saqué, a absorver
tudo, a ouvir, a ver.”
McEntire “tem ouvido para o espaço em torno das notas, faz com que
tudo seja distinto, que se consiga ouvir as partes de forma clara”. Algo
muito diferente da “wall of sound”
que Newfeld ambicionava, qual Phil
Spector dos tempos modernos. “Ele
vivia numa cave e fumava um saco de
erva todos os dias. Phil Spector, meu,
ele queria viver, ouvir e ver como o
Phil Spector. Tem 70 mil compressores e joga com eles como um maestro
numa orquestra. O John também o
faz, mas é mais minimal.”
Morrer para ressuscitar
Tudo nos Broken Social Scene é fluído. Andaram cinco anos sem um disco de originais porque andavam entretidos com outros projectos (Apostle Hustle, Do Make Say Think, discos
a solo, para citar alguns). Conheceram John McEntire, “sem pressões”.
“Fomos a Chicago fazer umas canções, ver como era. A onda foi fixe,
ele quis fazer, nós também”, conta.
Fizeram parte das canções em Toronto, com o núcleo duro da banda. Compuseram 42 canções, gravaram algumas ideias e foram para a casa-estúdio
de McEntire, em Chicago. Finalizaram
24: o disco tem 14 e “Lo-Fi for the Dividing Nights”, EP digital lançado ao
mesmo tempo, dez.
“Geralmente, somos desorganizados. Não temos um plano. Seguimos
o que nos parece bem, o que cada
canção pede, o que cada momento
pede. Vamos escrevendo ao longo do
caminho. Há canções mais sólidas,
verso-refrão-verso, mas, por vezes,
pegamos nessa canção e fazemos estragos. Quem sabe?”, descreve.
Pode também acontecer o contrário: pegarem numa canção, “Sentimental X’s”, que tocavam há um ano
em regime instrumental, e enviá-la
para a “família” à procura de soluções. A “família”, neste caso, foi Feist,
Emily Haines e Amy Millan, cantoras
que já tinham colaborado com o grupo, mas nunca no mesmo tema.
Andrew Whiteman não brinca
quando fala em “família”. “Não há
merdas na minha banda. Todos os
“Não há merdas na
minha banda. Todos
os membros são seres
humanos decentes e
honestos e músicos
muito inspiradores.
Conhecemo-nos tão
bem musicalmente...
Isso não surge muitas
vezes”
Andrew Whiteman
Música
Havemos de o ver, horas depois,
num palco enorme, perante dezenas de milhares de pessoas, fato impecável, guitarra enorme, a gesticular como um rocker, parte da versão
de palco da pandilha talentosa que
dá pelo nome de Broken Social Scene. Sentado no bar de um hotel, a
uns 200 metros da entrada do festival Primavera Sound, em Barcelona,
Andrew Whiteman (guitarrista, baixista e vocalista, conforme as ocasiões) é apenas um tipo normal, encantado com o que a sua banda
acabou de fazer: um grande disco
rock, “Forgiveness Rock Record”,
lançado cinco anos depois do último
álbum de originais.
Em palco, tudo é em grande com
a trupe do Canadá. Em Barcelona,
Owen Pallett acrescentou o seu violino, Emily Haines trouxe a voz. Há
constantes saídas e entradas de músicos em palco e mudanças de instrumentos, num corrupio de guitarras, percussões, trompetes e sintetizadores. Mas em “Forgiveness
Rock Record” a trupe é ainda maior:
mais de 30 pessoas participaram no
novo álbum do grupo formado em
1999, em Toronto. Whiteman agradece aos computadores. “Somos
uma banda de computador. Podemos ter milhões de faixas. As pessoas podem gravar em Nova Iorque,
em Toronto, em Chicago”, diz.
A grandiosidade está no ADN dos
Broken Social Scene, banda de formação variável, mas “Forgiveness
Rock Record” é menos orquestral
do que os antecessores. Está algures
entre a tradição indie rock dos Pavement (traduzindo: canções desconchavadas, sempre com um pé
fora da estrutura, mas com a dose
pop certa) e as aventuras instrumentais típicas do rock canadiano, protagonizado por gente como Do Make
Say Think, mas não são facilmente
catalogáveis. Curiosidade: Spiral
Stairs, um dos Pavement, canta no
disco e Kevin Drew deu uma perninha no concerto dos históricos do
indie rock, no Primavera Sound.
“Somos como [o pintor] Jackson
Pollock: atiramos tudo o que temos
e depois organizamos, de maneira
que faça sentido. Pelo menos para
nós”, diz Whiteman. John McEntire,
dos Tortoise, que produziu o álbum
em parceria com a banda, ajudou
no processo. Foi a primeira vez que
os Broken Social Scene, habituados
a gravar com David Newfeld, trabalharam com McEntire. “Ele é como
um samurai de um filme de Akira
membros são seres humanos decentes e honestos e músicos muito inspiradores. Conhecemo-nos tão bem
musicalmente... Isso não surge muitas vezes.”
É por isso, explica, que os Broken
Social Scene ainda não cumpriram
a promessa, tantas vezes repetida,
de terminarem. Ei-la, de novo: “[Durante estes cinco anos] Não parámos. Estamos sempre a trabalhar.
Concluímos ‘Temos que fazer mais
um [álbum]”. Dissemos que íamos
acabar montes de vezes e falamos
sempre a sério. Sim, estamos acabados.”
Whiteman diz isto, mas reconhece, pouco depois, que, provavelmente, voltarão a fazer música juntos, finda a digressão de ano e meio
que têm pela frente e a conclusão
das canções “incríveis” que gravaram e não entraram no álbum e no
EP. “No núcleo duro da banda há
muita fome musical, muita gente a
levar as coisas a extremos criativos”,
reconhece. A morte será seguida da
ressurreição? “Sim, algo assim.” Sosseguemos, portanto.
A grandiosidade está no ADN
dos Broken Social Scene, banda
de formação variável,
mas “Forgiveness Rock Record”
é menos orquestral do que
os antecessores
Broken Social Scene:
o elogio da família
tradicional
Cinco anos depois, a trupe canadiana volta aos discos, com “Forgiveness Rock Record”.
Falámos com Andrew Whiteman. Pedro Rios, em Barcelona
16 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM
Música
MIGUEL MANSO
Como é que um pianista de jazz e um
pianista clássico vêem a música de
Chopin? Mário Laginha e António Rosado, os dois convidados em destaque
no Festival Chopin promovido pela
Orquestra Metropolitana e pelo Teatro Municipal São Luiz que se inicia
dia 16, têm em comum uma grande
paixão pela obra do compositor polaco, mas abordam-na necessariamente de maneira diferente. Entre o rigor
da partitura e o contributo das suas
magníficas melodias e harmonias como fonte de inspiração na criação de
novos universos sonoros há um mundo de possibilidades e muitas pontes
Um pianista
de jazz,
Mário
Laginha,
um pianista
clássico,
António
Rosado,
e uma paixão:
Chopin
de sentido. E não será uma heresia
abordar Chopin em versão jazzística
e improvisar sobre a sua música?
“De modo algum, pois também
Chopin foi um grande improvisador”,
diz Mário Laginha. António Rosado,
pianista de formação clássica, não
costuma improvisar a partir das partituras, mas refere que estas reflectem
de forma evidente essa vertente.
“Quando Chopin apresenta o mesmo
tema há sempre algo que muda e a
forma como usa a ornamentação resulta numa espécie de improvisação
escrita.”
Entre 16 e 19 de Junho será possível
ouvir no São Luiz as peças originais
de Chopin por um pianista consagrado como António Rosado e por quatro
jovens pianistas finalistas do Concurso Chopin lançado em Março pela
Metropolitana, versões orquestrais
das peças pianísticas realizadas por
outros compositores, mas também
uma série de arranjos criados por Mário Laginha para o seu Trio (formado
pelo pianista, pelo contrabaixista Bernardo Moreira e pelo baterista Alexandre Frazão). E no final haverá uma
“Jam Chopin”, durante a qual todos
os músicos (profissionais e amadores)
presentes serão livres para se senta-
rem ao piano e tocar as suas composições preferidas.
O grande improvisador
“Nos últimos 100 anos apareceu um
estilo, o jazz, que tem quase como
matriz o improviso. De certa forma
tem graça homenagear o grande improvisador que foi Chopin, improvisando agora com outra linguagem a
partir da música dele”, diz Laginha.
“Agora associa-se a ideia da improvisação só ao jazz mas nem sempre foi
assim. Às vezes digo por brincadeira
que o jazz tomou posse do conceito
por mérito próprio, mas por desmé-
Jam Chopin
No próximo Festival Chopin – São Luiz, Lisboa, a partir do dia 16 – António Rosado
toca as peças originais e Mário Laginha dará a conhecer os seus arranjos sobre
a música do compositor polaco. Para ambos, Chopin é uma paixão e um dos
maiores improvisadores de sempre. Cristina Fernandes
18 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
“Tenho prazer
em ouvir [jazz]
mas não toco.
Gostava, mas
reconheço que
ou não tenho talento
suficiente ou que
precisaria de
aprender e praticar
imenso”
António Rosado
“Há pessoas que
pensam que estudei
piano clássico
e depois me decidi
pelo jazz, mas não
foi assim. Isso é
difícil e raramente
funciona”
Mário Laginha
um tema, há muitos, em Chopin a
música sai a jorros. Não podia pegar
naquilo tudo, por isso, por vezes escolhi apenas um tema ou dois em cada peça”, explica Laginha. Nas peças
que seleccionou como ponto de partida tentou passar um pouco por todos os géneros, incluindo a Balada op.
23, o Estudo op. 10 nº6, os Nocturnos
op. 15, nº1, op. 48, nº1, o Prelúdio em
Dó menor op. 28, nº20, o Scherzo op.
31 nº2, a Valsa op. 34 nº2 e a Fantasia
op. 49.
“Achei que seria uma verdadeira
homenagem se agarrasse na música
de Chopin em vez de fazer novas composições em torno desta ideia. Não
compus música, mas fiz arranjos e
tomei muitas liberdades”, refere o
pianista. “Abordei com enorme respeito a música de Chopin, mas não
com deferência. Tentei tomar posse
da sua linguagem e haverá também
espaços para improvisar.”
O grande objectivo para Laginha é
que “as pessoas se libertem e não pensem que deviam era estar a ouvir o
Chopin genuíno.” Diz que não conhece nenhum outro projecto do género
em torno de Chopin, ao contrário do
que acontece com Bach, objecto de
imensas versões jazzísticas.
“É estranho pois algumas obras de
Chopin prestam-se bem a este tratamento ou a realizar coisas do tipo das
que se fazem no jazz mais ‘mainstream’, quando se vai buscar as músicas
da Broadway ou de grandes compositores americanos como [Cole] Porter ou [George] Gershwin.”
Entre os pianistas que Laginha mais
aprecia em Chopin encontram-se
Maurizio Pollini (principalmente por
causa dos Estudos) e Sviatoslav Richter, já que não gosta do “lirismo
excessivo” que por vezes se cola à
música do compositor. Rosado concorda que os Estudos de Pollini foram
u marco e diz que, apesar das
um
diferenças, gosta muito de Rud
b
binstein e Horowitz. Recorda
ttambém Samson François e a forte impressão causada pela descoberta da gravação da integral dos
Nocturnos por Ciccolini.
Juntamente com o maestro Cesário
Costa, António Rosado foi responsável pela selecção dos finalistas do
Concurso Chopin associado ao Festival. Os 14 candidatos têm o seu trabalho divulgado no site da Metropolitana através da disponibilização de vídeos com as suas interpretações e os
quatro finalistas (Marta Menezes, Tomohiro Hatta, Paulo Oliveira e Raul
Peixoto da Costa) têm direito a 500
euros em dinheiro, cada um, e à possibilidade de se apresentarem em recital no São Luiz (de 16 a 18, sempre
às 18h30). Ao vencedor terá o privilégio de tocar em Setembro no 29.º
Festival Internacional “Chopin nas
Noites Outono”, na cidade de Kalisz,
a 275 Km de Varsóvia.
“Fiquei muito satisfeito com esta
iniciativa porque sei que há poucas
oportunidades para os jovens em Portugal”, conta Rosado, sublinhando
que o nível é muito bom.
Na sua opinião, as maiores dificuldades na interpretação de Chopin são
a “subtileza harmónica”, pois é difícil
“colorir de uma forma justa e acertada”, e fazer cantar o piano. “É curioso que Chopin se sirva tão bem de um
instrumento que está nos antípodas
do canto, já que é um dos instrumentos mais mecânicos que podemos
imaginar. Sugerir todo esse cantar,
todas essas melodias fabulosas usando um instrumento de cordas percutidas é um exercício difícil.”
Tanto Laginha como Rosado admiram a vertente inovadora do pianismo de Chopin. “Se conseguimos identificar um compositor através da audição de um único compasso, então
é porque foi novo em qualquer coisa”,
diz Laginha. “É ainda mais surpreendente se pensarmos que Chopin não
estava sozinho no mundo com o piano”, acrescenta Rosado. “Uma coisa
é estar quase sozinho, outra é ser contemporâneo de Liszt, de Schumann
e até de Mendelsshon.”
“Há pessoas que pensam que estudei piano clássico e depois me decidi
pelo jazz, mas não foi assim. Isso é
difícil e raramente funciona”, confessa Laginha. “Inscrevi-me no conservatório para melhorar a técnica, mas
a cultura musical ocidental é tão fascinante e imensa que não pude deixar
de me sentir atraído por ela. No entanto, sei que não é possível conciliar
as duas coisas ao mais alto nível. De
resto, não conheço quem faça bem
as duas coisas. Friedrich Gulda a tocar
jazz era de fugir. Acho que o melhor
ainda é o Keith Jarrett, mas se quando
toca a música dele é grandioso, na
clássica é apenas mais um.” E como
é a relação de António Rosado com o
jazz? “Pacífica!” [risos]. “Tenho prazer em ouvir mas não toco. Gostava,
mas reconheço que ou não tenho talento suficiente ou que precisaria de
aprender e praticar imenso.”
JARDIM DE INVERNO M/12
AUTORIA
NUNO COSTA SANTOS
INTERPRETAÇÃO
DINARTE BRANCO
DIRECÇÃO ARTÍSTICA
NUNO COSTA SANTOS
DINARTE BRANCO
REALIZAÇÃO E
EDIÇÃO DE VÍDEO
PAULO ABREU
SONOPLASTIA
SÉRGIO GREGÓRIO
LUZ
FELICIANO BRANCO
PRODUÇÃO EXECUTIVA
PRODUÇÕES FICTÍCIAS
PRODUÇÃO
TEATRO MICAELENSE
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS
SÃO
LUIZ
JUN~1O
Cláudia Galhos
João Salaviza
António Mega Ferreira
Luísa Taveira
Fernando Lopes
3O JUN
PINA
BAUSCH
UM ANO DEPOIS
Toda a programação em
www.teatrosaoluiz.pt
© josé frade
rito da outra área. É possível
ível
tros
improvisar dentro de outros
paradigmas. Bach, Beethoven,
en,
Chopin eram grandes impro-visadores. Mas o ensino noss
conservatórios deixou de incentivar
a improvisação”, acrescenta.
Também António Rosado considera que seria “interessante e benéfico”
incluir a prática da improvisação no
ensino. “Permitiria uma grande abertura de espírito e elasticidade para
depois abordar mais à vontade o repertório escrito.”
Para António Rosado a primeira
recordação de Chopin está ligada à
interpretação dos Estudos, já que estes fazem parte do programa do curso de piano e de vários concursos.
“Recordo-me também de ter tocado
muito Chopin num momento importante da minha vida musical, os Cursos do Estoril, onde viria a encontrar
o meu professor [Aldo Ciccolini]”,
conta. “É um compositor que tenho
abordado com frequência mas finalmente tenho a oportunidade de apresentar um programa só com as Baladas e os Scherzos. É um velho desafio,
quase uma paixão. Sempre achei interessante esta combinação pois são
dois grupos diferentes de obras que
se equivalem em muitos aspectos.”
No caso de Laginha, a primeira memória de Chopin remonta à infância.
“Tinha começado a estudar piano e
os meus pais achavam que eu e o meu
irmão devíamos assistir ao Concurso
Vianna da Motta. Foi aí que comecei
a sentir o fascínio pela hipótese de
abordar a mesma peça de várias maneiras. Quando mais tarde comecei a
estudar clássico, toquei várias obras
de Chopin. Ficou-me a memória um
universo melódico e harmónico fascinante.” Agora, perante o desafio
lançado pelo maestro Cesário Costa,
que na qualidade de maestro e presidente da Metropolitana concebeu o
projecto de mostrar Chopin de forma
mais imaginativa, e pelo então director do São Luiz, Jorge Salavisa, foi
esse universo que lhe veio à memória.
“Pegamos num Scherzo e não há lá
24, 25 E 26 JUN
QUINTA, SEXTA
E SÁBADO ÀS 22H00
silva!designers
SÃO
LUIZ
JUN~1O
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 19
Livros
Se quiséssemos uma imagem que nos
permitisse sintetizar de forma imediata, ainda que simplista, a extraordinária capacidade que o romeno Norman
Manea tem de convocar contradições,
ele próprio se encarregou de no-la
oferecer há semanas, aquando de um
encontro no Hotel Plaza, em Lisboa,
para promoção de “O Regresso do
Hooligan” – a sua suposta autobiografia. Manea estava a receber-nos numa
das salas do rés-do-chão do hotel.
Perguntámos-lhe onde queria que nos
sentássemos e ele, como um Larry
David com bonomia, atira de imediato: “Ah, meu amigo, por mim pode
deitar-se no sofá, descalçar-se, rebolar
no chão. A festa é sua.”
A frase é seca, mas foi dita com uma
educação tão esmerada que é difícil
não lhe reconhecer humor subtil. Não
é a atitude que corresponda de forma
óbvia à imagem de um judeu ateu,
deportado da Roménia pelos nazis,
cúmplice e posteriormente vítima dos
comunistas, auto-exilado do seu país
natal que nem com a democracia o
soube apreciar. Mas Manea é tudo menos óbvio. Dissemos-lhe que, não o
querendo ofender, estávamos mais
interessados em falar do seu livro como se fosse um romance do que discorrer sobre a sua vida pessoal. (Movia-nos uma espécie de pudor em
remexer numa dor que sabemos ser
verdadeira, mas também verdadeira
admiração pela literatura.) Manea,
judeu, vítima do nazismo, disse exactamente isto: “Ainda bem. Estou há
três dias em Lisboa e só me fazem perguntas sobre mim e a minha desgraça.
Parece que ainda não repararam que
sou escritor. Estou farto de falar sobre
mim. Um livro tem existência própria,
prefiro falar do livro.”
Para a maior parte das pessoas a
última proposição pode parecer estranha: “O Regresso do Hooligan” é,
à partida, uma autobiografia, pelo
que, no mundo convencional da indústria literária, o mais normal será
falar da vida do protagonista. Mas isso não só é tomar por garantido que
uma autobiografia é um simples conjunto de afirmações verdadeiras, como é, na prática, brincar à Oprah com
um grande escritor.
Ademais, “O Regresso do Hooligan”
não é uma autobiografia convencional: Manea aparece o menos possível,
enche o romance de “ideias” sobre o
que é ser judeu, recusa-se a oferecer
imagens do horror. Conta uma história em que os heróis estão cheios de
defeitos – inclusive ele próprio, que
aderiu ao aparelho comunista. E depois há o punho de escritor que controla o processo de rememoriação e
entrega a narrativa num registo ambíguo: se não soubéssemos que era
autobiografia, pensaríamos tratar-se
de um romance.
“Isso é óptimo, porque eu queria
que o livro se lesse como um romance”, diz-nos, antes de nos oferecer
mais exemplos de como o seu livro
tem sido difícil de classificar: “Se reparar, o subtítulo do livro é radical-
mente diferente em cada país. Em
alguns países chamaram-lhe ‘romance’, noutros ‘autobiografia’, em terceiros ‘autobiografia romanceada’.
Aqui não tem subtítulo, o que me
agrada, porque assim o leitor tem de
decidir.”
A memória involuntária
A natureza romanceada de tão trágico livro pode bem decorrer da relação
ambígua que o escritor mantém com
a ideia de exposição absoluta. “Foi
desconfortável voltar a esta vida e não
gostei de me pôr no centro e de vender a minha vida numa época em que
este tipo de objectos é tão vulgar.”
Na realidade, nunca teve “nenhum
plano de escrever uma autobiografia”.
Foi “pressionado” pelo editor. Manea
resistiu o mais que pôde, mas a dada
altura resolveu aceder: “Primeiro, podia ser uma experiência interessante,
se fosse uma leitura desconfortável.
Segundo, esperava enganar o meu
editor não escrevendo o tipo de autobiografia de que se está à espera.”
Ambos os feitos foram conseguidos.
Manea poupa nas descrições do Holocausto e da crueldade comunista,
ou seja, poupa detalhes mais óbvios,
mais reconhecíveis e vendáveis para
recriar uma atmosfera: a do homem
que ao nascer já sabe que está condenado a viver nas margens. No fundo,
Manea recria um universo mental judeu universalmente reconhecível enquanto “outcast”.
“Uma autobiografia é acerca de in-
Norman Manea não
é uma vítima, é um
tremendo
escritor
A sua autobiografia narra a história de um judeu ateu deportado
pelos nazis que pertenceu à juventude comunista antes de se
dedicar à escrita e exilar-se. Não é uma biografia de uma tragédia:
é um romance de um grande escritor. João Bonifácio
20 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Judeu ateu,
deportado
da Roménia
pelos nazis,
cúmplice e
posteriormente
vítima dos
comunistas,
auto-exilado
do seu país
natal...
formação. Mas um romance nunca é
sobre informação – está para lá disso.
Um computador não pode escrever
um romance, porque não sabe ser
vago e uma grande parte do mérito
de um romance é saber ser vago, não
ser sempre directo. Pelo que o livro é
um híbrido, como todos os romances
são, e é construído sobre a ideia de
ambiguidade – e isso vem da escrita
e vem dos seres humanos. Tudo isso
afasta o livro da habitual autobiografia.”
Manea, que está hoje com 74 anos
mas mantém uma jovialidade e vontade de diálogo imensas, adora conversar sobre literatura. Tem uma teoria curiosa sobre o que é um romance: “Um romance é uma história
adiada: atrasa-se a história o mais que
se pode. Porque uma história, na verdade, são duas frases. E só com tempo podemos ver como ela é maior do
que parece.”
Na prática esta simples ideia contém a génese da literatura: é nesse
atraso, no espaço que esse atraso concede, que se enche uma personagem.
No caso em concreto a ideia de
“atraso” é tão mais pertinente quanto a personagem principal, durante
mais de meio livro, surge-nos como
um zombie que, tendo de decidir se
aceita voltar à Roménia pela primeira
vez em décadas, é atravessado por
uma avalanche de recordações.
Manea gosta de ater-se nos pormenores técnicos das analepses que conduzem o livro, mas recusa a ideia que
tínhamos de ter trabalhado até ao ínfimo detalhe o momento da entrega
de informação – um dos achados que
torna o livro uma obra-prima: ao suprimir detalhes essenciais às várias
personagens (os familiares) durante
longos períodos Manea consegue
torná-las, a cada revelação, mais contraditórias, mais vivas.
“Não se pode planear tudo num
romance, sabe? Porque os detalhes
aparecem da própria vida interior do
romance. Começa-se de A para B, mas
depois vai-se para F e para B e depois
para Z.” Isto é assim porque, segundo
Manea, “a própria vida é assim, pelo
que a vida dos textos também acaba
por ter de ser assim: nada obedece a
uma lógica linear”.
É por isso, diz, que o livro “não é
uma memória cronológica”. Cita
Proust, dizendo que “a única memória autêntica é involuntária” e há algo
de ético nisto: “Uma memória voluntária é uma memória pré-estabelecida. Não é isso que quero.” Quer a
maior aproximação possível à vida e
na vida “somos atravessados por memórias que não controlamos, em momentos que não controlamos”.
Dá como exemplo o momento, no
livro, em que descobre que antes de
ser casada com o seu pai a sua mãe já
“Foi desconfortável
voltar a esta vida
e não gostei de me pôr
no centro e de vender
a minha vida numa
época em que este
tipo de objectos
é tão vulgar”
fora casada. Isto, um simples divórcio, pode parecer uma questão menor. Mas um divórcio na década de
40, que não é referido durante décadas e décadas, e que surge como um
relâmpago, vindo do nada, sem trovão que o anuncie, no meio do livro
– isto é técnico, e isto dá-nos conta do
silêncio a que uma comunidade está
obrigada.
Porém isto não é só técnica – isto é
vida. “O divórcio da minha mãe surge
de forma tão inesperada como surgiu
na vida real. Ninguém me tinha contado até ao dia em que ela me disse
tudo numa viagem de comboio.”
Manea podia ter ficado por aqui,
mas acrescentou uma simples frase
que demonstra como funciona um
grande romancista: “Agora, num romance, momentos como este são importantes: revelações vindas do nada
que alumiam o que está para trás.”
Outro exemplo dessa ideia de “atraso”, de informação que quando controlada deixa de ser informação para
ser algo maior, é a personagem do pai.
O pai é apresentado ao mesmo tempo
que a mãe e depois fica mais de cem
páginas sem ter protagonismo, antes
de a sua trágica história ser despachada em meia dúzia de linhas pungentes.
“Isso decorre de ele próprio ter sido muito discreto e solitário. Falava
muito pouco e era muito taciturno,
ao contrário da minha mãe. O meu
pai teve uma infância infeliz. Era austero, mas muito gentil. A minha mãe
ocupava a cena. Ela mantinha as relações com os vizinhos, preocupavase com as coisas sociais, etc. Por isso
ele demora tanto a aparecer no livro.”
Voltemos à cisão entre técnica literária e vida: o resultado do silêncio do
pai é uma aparição depurada no livro.
E o resultado dessa aparição é que
“muita gente fica mais impressionada
com a presença económica do pai.
Talvez pela sua dignidade”.
Aqui Manea estipula uma diferença
quase biológica para chegar a uma
das passagens fundamentais do livro:
“A minha mãe não queria saber de
dignidades, mas das relações humanas. Há um momento no livro em
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 21
“Quando escrevi
este livro, já havia
uma data de gente
a escrever sobre o
horror. Há bibliotecas
inteiras sobre o tema.
Do ponto de vista
literário estou
cansado disso.
Parti do princípio
que o leitor já conhece
os truques de escrita
da acumulação de
detalhes do horror.
E acredito na
inteligência do leitor,
com a sua capacidade
de perceber o que está
implícito”
que eles estão a ser deportados e
ele diz que não quer sobreviver, porque a sua camisa tinha ficado suja na
deportação – mas ela diz-lhe que as
camisas voltarão a ficar brancas. São
assim as mães. Todas têm essa força
vital. Não é puro, não é moralmente
perfeito, mas é uma força da vida.”
O intruso
Por tudo isto fica claro que Manea
está longe de ser um parente literário
de Primo Levi. “Quando escrevi este
livro, já havia uma data de gente a escrever sobre o horror. Há bibliotecas
inteiras sobre o tema. Do ponto de
vista literário estou cansado disso.
Parti do princípio que o leitor já conhece os truques de escrita da acumulação de detalhes do horror. E
acredito na inteligência do leitor, com
a sua capacidade de perceber o que
está implícito.”
Por isso lidou com o Holocausto
“de forma oblíqua”. “O que o Primo
Levi faz é mais uma descrição directa.
Foi útil, mas é algo que fica antes da
literatura. É um documento e não necessariamente artístico.”
Levi tem servido para Manea perceber a dificuldade do ser humano
em apreender a ambiguidade da vida.
Manea dá aulas de literatura nos EUA
e costuma entregar aos seus alunos
dois livros, para experimentar a reacção deles.
“Na minha aula ensino o ‘Se Isto É
Um Homem’. No livro há uma personagem, Henry the Dealer, que negoceia sua sobrevivência com toda a
gente. Anos mais tarde, o homem que
inspirou a personagem escreveu seu
próprio livro [“Speak You Also”, de
Paul Steinberg]. É muito interessante
comparar os dois livros: o retrato de
Primo Levi fê-lo sofrer muito pela vida fora, mas mesmo assim no seu livro ele dá ainda mais informação
negativa a seu respeito. O que notei
é que os meus alunos sentiam a necessidade de estar de um dos lados
– ou do lado do Levi ou do lado do
Henry the Dealer.”
Conclusão: “As pessoas procuram
simplificar, têm dificuldade em aceitar que é tudo muito mais complexo
que isso. O que quero dizer é isto:
mesmo numa situação extrema, de
22 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
vida ou morte, em que as opções são
diminutas, eu defendo que a vida é
complicada e ambígua.”
O próprio Manea demonstra isso
em “O Regresso do Hooligan” quando
confessa – de forma narrativa e não
“confessional” – a sua participação na
juventude comunista. Há uma explicação para isto que se entrevê no livro
e que constitui um extraordinário tratado da mente humana – resumível
assim: “Nós, judeus, somos vistos na
Roménia como ‘hooligans’. No meu
caso penso que o termo que mais se
aproxima dessa ideia é ‘intruso’. Eu
fui visto como um ‘intruso’ e queria
ser visto como um ‘cúmplice’.”
É extraordinária a forma como torna viva essa noção de intruso no livro
– de como nos faz sentir que já em
miúdo ele sabia que estava do lado
de fora.
“Esse sentimento de isolamento,
de não merecimento da fortuna, está
no ar, nos cozinhados da mãe, no silêncio do pai – mas ninguém o diz
explicitamente.” O que é magnífico
no livro é a forma como essa exclusão
pode ser universalizável, algo de que
Manea tem plena consciência: “Num
caso essa noção não dita poderá ser
vir da província e ser filho de proletários e torna-se um problema de classe, noutros, como o meu, será um
problema étnico.”
“Enquanto criança sente-se que a
nossa situação é especial. A minha
mãe era extremamente ansiosa, era
uma mulher do gueto. O gueto nunca
a deixou. A província é outro gueto,
um grupo isolado de pessoas que não
são aceites no centro e por isso se
convencem que não querem pertencer ao centro. Essas situações potenciam crescimentos desprovidos da
noção de ‘oportunidade’. Podem, no
entanto, ter um aspecto positivo: os
judeus são considerados inteligentes.
Porquê? Não é nada biológico, é só
que têm de se confrontar com mais
dificuldades. Têm de ser melhores
que os outros porque partem com
desvantagem.”
É isto que um escritor faz: “Mostra
as armas necessárias para um homem
se adaptar. A literatura é uma maneira de questionar a nossa presença
efémera. De propor questões perturbadoras.”
Falar com Norman Manea é ter a
oportunidade de conhecer alguém
que resiste. Resiste ao facilitismo da
biografia trágica, resiste a ser visto
como outra coisa que não um escritor, resiste a não pensar.
Por isso no final arriscámos uma
pergunta a que não temos direito:
– Senhor Manea, as camisas voltaram a ficar brancas?
– Não, nunca mais ficaram.
Se isto é um homem? É mais que
isso. É um escritor. Dos poucos vivos
que merecem ser lidos.
+
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A Vida ƒ um Milagre
de Emir Kusturika
de Ki-duk-Kim
Festival Veneza
2007
Vencedor
PrŽmio
FIPRESCI
Melhor Realizador
Melhor Actriz
Melhor Fotografia
Melhor Guarda-Roupa
18 de Junho
25 de Junho
de Vincent Gallo
de Alain Resnais
The Brown Bunny
Cora›es
PAULO PIMENTA
A escrita de
Colm Tóibín
deve muito às
formas de
restrição da
poesia, diz o
autor, que só
recentemente
leu o “Livro do
Desassossego” de
Pessoa: “Foi
devastador”
24 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
“Interesso-me
por pessoas que
deslizam pela vida”
O escritor irlandês Colm Tóibín, nascido em 1955, celebrizou-se com “O
Mestre”, uma notável biografia romanceada dos últimos anos de Henry
James. Foi em 2004, para azar de David Lodge, cujo romance “Autor, Autor”, também centrado em James, e
publicado no mesmo ano, foi notoriamente abafado pela concorrência.
Tóibín esteve esta semana em Portugal para lançar o seu último livro,
“Brooklyn”, a história de uma rapariga irlandesa, Eilis, que emigra para
os EUA nos anos 50. Um romance bastante “jamesiano”, como reconhece
nesta entrevista, na qual confessa ter
ficado devastado com “O Livro do Desassossego”, diz que gostava que Bille August adaptasse ao cinema um dos
seus livros (uma vez que Bergman já
não está cá para o fazer) , e deixa no
ar a sugestão de que, depois de James,
a sua próxima “vítima” poderá bem
ser Thomas Mann.
As críticas que li a “Brooklyn”
falavam todas de Henry James.
Era uma referência previsível,
já que fizera dele o protagonista
do seu romance anterior, “O
Mestre”, e centrou agora este
livro numa mulher que vai da
Europa para os EUA, o que
sugere um James às avessas. Era
até tão previsível, que confesso
ter começado a ler “Brooklyn”
convencido de que não o iria
achar tão “jamesiano” como
isso. Mas, no fim, a impressão
que me ficou é que é mesmo
uma espécie de James adaptado
às classes média e baixa.
Interessou-me uma coisa que Henry
James aperfeiçoou nos seus romances, um ponto de vista muito difícil,
ao qual podemos chamar a intimida-
“Vi uma exposição
de Jasper John, ‘Gray’.
Fiquei maravilhado
com tudo o que era
possível exprimir só
com o cinzento. Neste
livro tentei ser muito
cuidadoso com isso”
de da terceira pessoa. Tudo é visto
pelos olhos do protagonista, todo o
conhecimento é confinado ao que
essa pessoa vê e pensa. O escritor não
intervém para descrever personagens. O mundo torna-se o mundo do
protagonista, mais do que o mundo
do autor.
Um aspecto bastante
“jamesiano” de “Brooklyn”
é também a sua atenção aos
pequenos sinais de snobismo,
mas aqui entre remediados e
pobres.
Sim, as personagens estão sempre
muito atentas à posição social, à natureza exacta do emprego que cada
um tem, a essas diferenças mínimas.
Tem tudo a ver com poder, talvez ainda mais do que nas classes altas.
Uma coisa bastante óbvia
nos seus livros é que não usa
nenhum desses truques a que
muitos dos actuais autores
de sucesso recorrem para
“prender” o leitor. “Brooklyn”
está cheio de situações que
teria sido fácil desenvolver num
sentido mais dramático. Eilis,
a protagonista, poderia ter
ficado grávida do namorado, ou
poderia ter reagido aos avanços
da Sra. Fortini, ou ter sido
pressionada pela mãe para ficar
na Irlanda. Mas o que acontece
é sempre o mais plausível.
Em certo sentido, diria que a
grande força deste livro vem de
todas essas oportunidades que
deliberadamente desperdiça.
Vi uma exposição de Jasper Johns chamada “Gray” [cinzento]: todos os
quadros eram cinzentos. Fiquei maravilhado com tudo o que era possível
exprimir só com o cinzento, usando
tons e texturas. Ele deve ter tido vontade de fazer ali um grande risco vermelho, e até o fez noutras obras, mas
não nestas. Neste livro tentei ser muito cuidadoso com isso. Garantir que
lidava com elementos fundamentalmente verdadeiros. Chegava a um
ponto e pensava: o que é que vou fazer aqui? Será que existe a possibilidade de não fazer nada? Noutro momento, dizia-me: não está a acontecer
aqui grande coisa, como é que raio
vou continuar? E pensava: “Escreve
apenas umas frases que sejam verdadeiras, junta alguma emoção ao teu
objecto, em vez de partires para grandes momentos de excitação, que não
seriam verdadeiros”.
Livros
Em “Brooklyn”, Colm Tóibin segue a lição de Henry James e cria um mundo estritamente
confinado ao olhar e à mente da protagonista. “É como ter um guardanapo pousado numa
toalha e só poder olhar para o guardanapo”, diz nesta entrevista. Luís Miguel Queirós
Outro ponto forte de “Brooklyn”
parece-me ser o espaço que
dedica à casa da Sra. Kehoe,
onde Eilis fica a viver nos EUA.
Consegue dar uma impressão
quase física daqueles interiores.
Os interiores são um conceito essencial em “Brooklyn”, porque aquilo é
a mente de Eilis. É importante a casa,
e também o seu quarto. O mundo exterior é-lhe estranho e, até certo ponto, ininteligível. O livro passa-se no
pós-guerra, mas não há menção à
guerra.
Há uma breve passagem em
que Eilis quer saber se o que
aconteceu aos judeus…
Sim, mas ela só pergunta: “Foi na
guerra? Foi na guerra?”. Percebe-se
que não sabe nada do que se passou.
E não há também nenhuma referência à política irlandesa. As grandes
questões simplesmente não estão lá.
São as aventuras de uma psicologia.
É uma coisa difícil de fazer. É como
ter um guardanapo pousado numa
toalha e só poder olhar para o guardanapo.
A Filosofia
ALAIN RENAUT
Colecção Pensamento e Filosofia
PF 125 P.V.P.: €37,80
Esta obra permite a todos descobrir, compreender
e aprofundar a Filosofia.
A primeira parte aborda a questão do sujeito político,
sujeito gramatical, sujeito filosófico ao tratar das
noções de consciência, de percepção, do inconsciente, do Outro.
A segunda parte debruça-se sobre a cultura e apela
às questões da linguagem, da arte.
Na terceira parte do livro o autor leva o leitor através
da questão da razão e do real apoiando-se em
noções de teoria, de experiência, de demonstração,
de interpretação, do ser vivo, da matéria.
Na quarta parte a política é questionada através da
sociedade, da justiça, do direito e do Estado.
Na quinta e última parte é feita a síntese das reflexões sobre a moral através dos problemas de liberdade, de dever e de felicidade.
ALAIN RENAUT, autor de uma obra considerável de
Filosofia Política, ensina esta disciplina na Universidade de Paris-IV-Sorbonne.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 25
PAULO PIMENTA
Depois do
Henry James
de “O Mestre”,
Cóibín tem
agora Thomas
Mann debaixo
de olho
A história política da Irlanda
está presente em alguns dos
seus primeiros livros, mas o
tema parece ter deixado de o
interessar.
Comecei a perguntar-me se teria alguma coisa a acrescentar. Havia essa
ideia de que era preciso meter a política nos romances, mas ninguém lê
o Lobo Antunes para saber como Portugal lida com os seus problemas económicos. Se querem a Irlanda contemporânea, comprem jornais, que
são baratos, ou liguem o rádio. Eu
aprendi a fugir disso, a concentrar-me
nos elementos emocionais. O tempo
em que fui jornalista ajudou-me a libertar-me de tudo isso.
A promoção editorial de
“Brooklyn” tem enfatizado a
angustiante indecisão de Eilis,
entre a sua “felicidade” na
Irlanda e a sua promessa de
regressar aos EUA. No entanto,
a impressão com que fico é que
nenhuma das hipóteses lhe
agrada especialmente.
Pois não. Ela não se sente confortável
no mundo, que para ela é um “puzzle”. Há leitores que têm dificuldades
com o livro por Eilis ser tão estranha
e tão passiva. Preferiam uma pessoa
afirmativa, capaz de tomar decisões.
Samuel Beckett refere uma conferência de Jung, em Londres, em que este
falou de um doente que não tinha
nascido como deve ser, no qual algo
de fundamental não tinha emergido.
Beckett, claro, adorou a ideia. Eu tentei lidar com algo semelhante, mas de
uma maneira mais suave. Interessome por pessoas que deslizam pela
vida.
Em 1975, logo após ter-se
licenciado, foi para Barcelona,
onde viveu três anos. O que o
levou a partir?
Alguém me disse que se arranjava
trabalho em Barcelona.
Era assim tão difícil conseguir
um emprego na Irlanda, nessa
altura?
Provavelmente não, mas quando me
disseram aquilo, decidi logo partir.
Nunca lá tinha estado, não falava espanhol. Se fosse Madrid, não teria
ido. Mas Barcelona… até o som da
palavra me fascinava. Não tive noção
de como isso iria mudar tudo na minha vida. Foi uma coisa política, mas
também sexual. Acrescentou uma
grande riqueza à minha vida ter ido
para lá tão novo.
26 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Voltou em 1978, mas só em
1990 publicou o seu primeiro
romance, “South”, inspirado na
sua experiência catalã.
Mas já tinha o livro pronto em 1986.
Demorei quatro anos a conseguir
publicá-lo. Por acaso, uma parte desse romance foi escrita em Lisboa e no
Algarve.
“O Mestre” foi muito lido
como um romance sobre a
homossexualidade de Henry
James. No entanto, apesar de
algumas notáveis cenas de
desejo não consumado, como
aquela em que James partilha
a cama com Oliver Wendell
Holmes, não me pareceu que o
tema fosse assim tão dominante.
Era muito tentador ir mais longe. Mas
interessava-me esfriar isso, tornar
tudo aquilo cinzento. Nesses últimos
anos, em Inglaterra, James estava
muito interessado na ideia de renúncia, e essa ideia do “não” pareceu-me
mais excitante do que as suas aventuras sexuais. Além da cena na cama,
há aquela em que ele ouve Anderson
[o escultor Hendrik Anderson] tirar
a roupa no quarto ao lado. Seria muito menos emocionante, para o leitor,
se Anderson tivesse aberto a porta e
entrado.
Alguns cineastas fazem isso
muito bem.
Há uma cena maravilhosa num filme
de Eric Rohmer , “O Amor às Três da
“Há uma certa
pressão para que
os escritores ‘gay’
não tornem as suas
personagens
homossexuais
demasiado tristes,
como sei que as
minhas são”
Tarde”, quando Chloé vai tirar a blusa, começa a erguê-la, e depois acaba
por voltar a pô-la para baixo.
Em livros seus anteriores, as
ligações homossexuais não
são muito felizes e tendem a
acabar mal, há uma data de
personagens que contraem sida.
No entanto, em “Brooklyn”, a
noite de sexo entre Eilis e Tony,
além de ser muito convincente,
é, tanto quanto isso é possível
num livro seu, uma cena feliz.
Isto não é um bocado atípico
num escritor “gay”?
Sim, é óbvio que Tony quer mesmo a
rapariga, não quer mais nada. Fode-a
e quer repetir. Fica-se com a impressão de que vão ter uma vida sexual
muito interessante. Há uma certa
pressão para que os escritores “gay”
não tornem as suas personagens homossexuais demasiado tristes, como
sei que as minhas são. Mas tenho uma
história já escrita, que sairá em Outubro, em que acho que consigo chegar
lá: são dois homens paquistaneses,
em Londres, que têm sexo muito satisfatório.
Ainda a propósito de “O
Mestre”, o livro saiu em 2004,
um pouco antes de outro
romance sobre James, “Autor,
Autor”, de David Lodge, que
se queixou amargamente de
que a recepção da sua obra
foi prejudicada por essa
coincidência. Quer falar um
pouco desse episódio?
Não creio que tenha sido uma coincidência. No ano em que publicámos
os nossos romances, saíram vários
outros livros sobre James. Todos a
pegar no lado sexual. Quem estivesse
atento veria que James se estava a tornar muito interessante. Sabemos tudo
sobre Joyce ou Eliot. Mas em James
ainda havia muitas zonas misteriosas
e ambíguas. Estava ali à espera de que
alguém pegasse nele. Deve ter sido
difícil para Lodge, porque eu sou irlandês. Como é que o sacana do irlandês, católico, melancólico, que
nunca na vida tinha escrito um romance de temática literária, vai aparecer com um livro destes, surgido
do nada?
Como talvez fosse de esperar,
centrou-se nos anos finais, mais
sombrios, de Henry James.
Interessavam-me esses anos em que
ele não produziu nenhum livro importante, com a possível excepção de
“The Turn of the Screw”. É uma fase
de consciência do fracasso, de envelhecimento, de distância. Estranhamente, “O Mestre” é um livro largamente autobiográfico, porque fui
descobrindo na vida de James várias
coisas que me aconteceram. Os homossexuais da minha geração tendiam a ter relações muito intensas
com mulheres. Depois, tudo mudou
muito rapidamente. Na América, isso
aconteceu nos anos 80, mas na Irlanda foi já nos anos 90, quando já era
tarde para mim. Não havia um modelo a adoptar, não nos conseguíamos
encaixar facilmente. Mesmo em Barcelona, que era muito mais liberal,
quando via um casal “gay” num restaurante, torcia o nariz, não gostava
daquilo, parecia-me esquisito. Só
quando amigos meus começaram a
viver juntos abertamente é que tudo
se foi tornando mais natural. Mas no
meu tempo, na Irlanda, era como tinha sido no século XIX. Além disso,
quando escrevi o romance, estava
sozinho, metido no meio de livros, e
não me foi difícil pôr-me na pele de
James.
A sua escrita ficcional revela um
cuidado decisivo com a forma,
num sentido que associamos
mais facilmente à poesia…
É porque estou mesmo mais interessado na poesia e em certas formas de
restrição. No imenso poder que há
entre as palavras. Não sei bem como
me lerá alguém que não seja um leitor
de poesia. Gosto muito de Elizabeth
Bishop, que li nos anos 70, quando
ainda só havia um livro dela publicado na Irlanda, e também de Thom
Gunn, ou de um poeta como Wallace
Stevens. E interessam-me alguns autores do século XVI, como Fulke Greville.
Eliot também se interessou
bastante por ele.
Sim, e a mim interessa-me o próprio
Eliot, sobretudo o dos “Quatro Quartetos”. Interessam-me essas formas
musicais, que são como uma só linha
com pequenas variações. Bishop ouvia muito Webern, que compunha
dessa maneira: deixava a linha ir até
a um certo ponto, mas não além disso. Interessa-me não fazer o grande
momento Bartók, não ter o chocar
dos címbalos, deixar tudo subsumido.
Na ficção, quem são as suas
referências?
Gosto de Alice Munro e, também no
Canadá, de Alistair MacLeod. Na Irlanda, de John McGahern [19342006].
E, para lá de James, não aprecia
outros romancistas do século
XIX e do início do século XX?
Jane Austen é fascinante, e também
Joseph Conrad. Já em muita ficção
contemporânea só vejo linguagem e
pirotecnia. Mas há surpresas. Só recentemente é que li o “Livro do Desassossego”, de Pessoa, e foi devastador. Não conseguia perceber como é
que aquilo funcionava tão bem. É
uma obra-prima. Também gosto muito de um autor húngaro chamado
László Krasznahorkai, autor de “Melancolia da Resistência” [1989], que
foi adaptado ao cinema por Bélla Tarr.
E há um realizador, Ingmar Bergman,
que é, para mim, uma figura central.
Agora ando a ver se arranjo maneira
de o Bille August ler um dos meus livros, mas não há maneira de o conseguir contactar. Estou farto de perguntar se alguém o conhece.
Também seria de esperar que
gostasse de Thomas Mann.
Ando de olho nele, ando de olho nele. Estive em Princeton, onde ficou
quando chegou à América, e já visitei
a casa onde ele depois viveu, que ainda está nas mãos da família que a
comprou aos Mann.
música
TEMA
ENTRE
MUROS
ÓBIDOS
5 > 27
JUNHO 2O10
FRONTEIRA / DIÁLOGO / MURALHA /
OCUPAÇÃO / PATRIMÓNIO /
HISTÓRIA / MARCO / LIMITES /
INTERVENÇÃO / TERRITÓRIO
Comissária Convidada: FILIPA OLIVEIRA
>
>
>
>
>
>
> DOMINGO A 5.ª FEIRA
10H>13H e 14H>18H
> 6.ª FEIRA, SÁBADO
E VÉSPERAS DE FERIADO
10H>13H e 14H>23H
ARTISTAS
PROJECT ROOMS
EXPOSIÇÕES
CONVERSAS COM...
WORKSHOPS
DJ SETS
JARDIM DO MUSEU MUNICIPAL / PADRÃO CAMONEANO / CDI
CLOSING PARTY > CONVENTO S. MIGUEL DAS GAEIRAS > 26.06 / 20H
> FEIRA DESIGN & CRAFT
The Necks
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Pardal Monteiro O pri
MÁRIO NOVAIS/ BAFCG
Nem damos por isso, mas muitas das construções mais monumentais de Lisboa – do Instituto
Pardal Monteiro. Ana Tostões conta, numa autobiografia, a história do arquitecto
INE
1931
Instituto Superior Técnico, Faculdade
de Letras de Lisboa, Biblioteca Nacional, Instituto Nacional de Estatística,
gare marítima da Rocha Conde de
Óbidos, gare marítima de Alcântara,
Igreja de Nossa Senhora de Fátima,
edifício do Diário de Notícias, Laboratório Nacional de Engenharia Civil,
Hotel Tivoli, Hotel Ritz. Arquitecto:
Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957).
A enumeração não é, certamente,
a melhor forma de começar um texto.
Mas neste caso justifica-se: corresponde à sensação de surpresa e de esmagamento que temos quando folheamos a fotobiografia de Pardal Monteiro escrita por Ana Tostões e
publicada na colecção “Fotobiografias
Século XX”, dirigida por Joaquim Vieira para o Círculo de Leitores (naquela que é, nesta série, a primeira biografia de um arquitecto). As imagens
dos edifícios familiares sucedem-se
página após página, e a pergunta é
inevitável: também fez este?
“O cidadão normal passa por todas
estas obras de Pardal Monteiro e não
tem ideia de que foi tudo feito pelo
mesmo homem”, diz Ana Tostões. “E
estamos a falar de obras que não são
comuns, são grandes equipamentos.
É ele, sem dúvida, que faz as obras
mais importantes de Lisboa entre os
anos 20 e os anos 50”. E é, sobretudo,
“o primeiro moderno em Lisboa, juntamente com Carlos Ramos”.
São, todas elas, obras do Estado
Novo. Ana Tostões chama-lhes no livro “os equipamentos mais monumentalmente vitais do Estado Novo”
e, portanto, “a imagem visível do regime quando, na primeira fase de
afirmação política, interessava inovar
e dar sinal de diferença, competência
e eficiência.” Por tudo isso, o nome
de Pardal Monteiro está sempre inevitavelmente ligado ao do ministro
das Obras Públicas de Salazar, Duarte
Pacheco.
“Ter estas grandes encomendas foi
uma sorte, um destino”, explica Ana
Tostões. “Ele cruza-se com Duarte
Pacheco na altura em que este está a
encomendar os grandes equipamentos para o país e sobretudo para a cidade de Lisboa”. E assim, o jovem
Pardal Monteiro, filho de um canteiro
de Pêro Pinheiro, Sintra (a empresa
familiar ganhou fama com os trabalhos de cantaria) e formado em Arquitectura na Escola de Belas-Artes
de Lisboa, viu, aos 30 anos, ser-lhe
28 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
O SÉCULO ILUSTRADO/ HML
O edifíco do Instituto Nacional de Estatística, junto ao
Instituto Superior Técnico, é a primeira grande obra
pública que Pardal Monteiro inaugura em Lisboa
Igreja de Fátima
1933
A Igreja de Nossa Senhora de Fátima dividiu opiniões.
Sectores mais conservadores entre os católicos
consideraram-na “feia”, mas o cardeal Cerejeira, patriarca
de Lisboa, defendeu a sua modernidade
confiado o ambicioso projecto de
construção do Instituto Superior Técnico.
Foi uma enorme prova de confiança. “Duarte Pacheco também era jovem, tinha mais dois anos do que Pardal Monteiro”, lembra Ana Tostões.
“E se confiava em si próprio também
podia confiar num jovem arquitecto.
Havia, como noutros países da Europa
na altura, nomeadamente a Itália fascista, uma vontade política de marcar
o país com infra-estruturas e edifícios
que assinalassem uma nova época.
Duarte Pacheco precisava de uma nova linguagem.”
Novo mundo
Pardal Monteiro deu-lhe isso. Mas antes manifestou algum incómodo perante este “ajuste directo” da encomenda e sugeriu ao ministro que se
realizasse um concurso público, no
qual também participaria. A reacção
surge no livro nas próprias palavras
de Pardal Monteiro (Ana Tostões teve
acesso às memórias que o arquitecto
escreveu no final da vida, uma das
bases deste livro). “Pacheco mal me
deu tempo para falar porque imediatamente me interrompeu dizendo:
‘Tenho a seu respeito boas informações dadas por pessoas que me merecem a maior confiança. Você é o
arquitecto que eu e o Conselho escolhemos. Portanto só tenho um caminho a seguir: entregar-lhe o projecto
para o Instituto ou confiar este trabalho a um arquitecto estrangeiro, portanto escolha.”
Pardal Monteiro avançou para a
obra – um programa ambicioso e um
orçamento curto (10 500 contos distribuídos por três anos), num terreno
irregular e acidentado. “A vastidão do
programa era praticamente incompatível com aquela verba”, escreveria
mais tarde. A solução que propôs foi
a de evitar uma construção única e
enorme, fragmentar o instituto em
vários blocos, o que lhe permitira
também crescer quando houvesse
vontade (e dinheiro) para isso.
Pardal conhecia bem a arquitectura que se estava a fazer no estrangeiro. “Tinha uma grande ambição como
arquitecto e ela leva-o a viajar, esclarecer-se, informar-se e criar uma rede
internacional.” O Técnico permitialhe pôr em prática essa linguagem
moderna, que se justificava até pelas
limitações orçamentais, que lhe permitiram, nas suas palavras, “abandonar corajosamente qualquer preocupação de formalismo clássico e académico”, de decoração de fachadas.
“Ele está a criar uma linguagem
própria a partir de outro modo de
construir, com betão e de uma maneira muito mais económica.” A Lisboa da época dividiu-se. O Técnico é
“a primeira obra moderna com impacto na cidade”. Sinal disso é a cena
do filme “Maria Papoila”, de Leitão
“[Pardal Monteiro]
Tinha uma grande
ambição como
arquitecto e ela leva-o
a viajar, esclarecer-se,
informar-se e criar
uma rede
internacional”
rnacional
Ana Tostões
Ana Tostões
de Barros, em que a ingénua provinciana que chega a Lisboa para servir,
de repente se descobre na parte nova
da cidade, na escadaria do Técnico.
“Não é por acaso que o IST é escolhido como símbolo de um outro mundo, do novo.”
Duarte Pacheco apoiou sempre as
opções do arquitecto (a ruptura entre
os dois só aconteceria mais tarde por
motivos não inteiramente esclarecidos). Mas a verdadeira polémica pública surgiria com outra obra: a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Se os
lisboetas aceitavam que a linguagem
moderna pudesse ser usada numa
escola para engenheiros, outra coisa
totalmente diferente era usá-la numa
igreja. Mas aí Pardal Monteiro contou
com o mais inesperado dos apoios: o
do cardeal
ca
Cerejeira, patriarca de Lisboa.
Enq
Enquanto os sectores mais conservadores entre os arquitectos considevador
ravam, como escreveu Tomás Ribeiro
ravam
Colaço na “Arquitectura Portuguesa”
Colaç
que “a
“ Igreja Nova é muito feia”, o
cardeal Cerejeira ripostava: “Quancard
to a ser moderna, não compreend
demos sequer que pudesse ser
outra coisa. Todas as formas artísou
ticas do passado foram modernas
tic
em relação ao seu tempo.”
S
q
rimeiro
moderno em Lisboa
Para os vitrais, Pardal Monteiro convidou o artista que foi sempre o seu
maior colaborador, Almada Negreiros, mas na igreja intervieram vários
outros artistas, dos escultores Francisco Franco e Leopoldo de Almeida,
a pintores como Henrique Franco e
Lino António. O mesmo Almada fez
as pinturas murais das duas gares, a
da Rocha do Conde de Óbidos e a de
Alcântara, os frescos no edifício do
Diário de Notícias, as tapeçarias do
Hotel Ritz (“um novo conceito de hotel de luxo introduzido em Portugal
pela mão de Pardal Monteiro”), e os
desenhos nas fachadas da Cidade Universitária.
Pardal Monteiro e Almada – que
desenhou o amigo, com um longo nariz e os óculos redondos, num retrato
dedicado “Ao arquitecto Pardal Monteiro que me fez vitralista e fresquista
e amigo” – estavam ligados “por uma
ideia de excelência”, acredita Ana
Tostões. “O melhor arquitecto e o melhor pintor – Pardal Monteiro encontrava em Almada um artista à altura
da sua modernidade –, e o melhor
político, Duarte Pacheco”.
Mas com o ministro a relação não
sobreviveria e no final da década de
30 deu-se a ruptura. Os motivos não
estão esclarecidos. A autora cita o livro de João Vieira Caldas sobre Pardal
Monteiro para recordar “o que se dizia à boca fechada”: que Duarte Pacheco costumava “comentar os desenhos que lhe eram apresentados
riscando-os com o lápis, hábito que
irritava profundamente Pardal Monteiro”.
Quando lhe mostrou os desenhos
para o arranjo do Terreiro do Paço
Ducal em Vila Viçosa, o arquitecto
resolveu apresentá-los cobertos por
um vidro que impedia os tão odiados
traços. “Duarte Pacheco não disse
nada na altura, nem voltaria a falar
no assunto, mas a sua relação com
Pardal Monteiro esfriou completamente e não voltou a chamá-lo para
qualquer tipo de trabalho ou de conselho.”, conta Vieira Caldas.
Ana Tostões admite, contudo, que
possa ter sido outra a causa da zanga.
“Julgo que possa ter a ver com o processo das gares marítimas. É a obra
em que Pardal Monteiro se empenha
mais, e eram inicialmente uma coisa
monumental. Vinham de Alcântara à
1949
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil é feito já
na última fase de trabalho de Pardal Monteiro, que Ana
Tostões descreve como “prodigiosa”, com “um conjunto
excepcional de projectos” feito em apenas dez anos (entre
os quais a Biblioteca Nacional, a Cidade Universitária e o
Hotel Ritz)
Rocha, as duas gares eram ligadas por
uma galeria coberta por um terraço
de betão armado, havia um enorme
farol que era a entrada da barra”. O
projecto foi substancialmente reduzido e perdeu muito do seu impacto.
“Pardal Monteiro ficou muito incomodado com isso e deve ter reagido”.
Segue-se um período difícil. Com
um atelier profissional montado e
com pouco trabalho, Pardal dedica-se
sobretudo a fazer habitação, prédios
de rendimento. Em Março de 1940
lança, por carta, um apelo desesperado a Salazar: “Condenado ao suicídio profissional, último e inesperado
passo da carreira que tanto me apaixonou, apelo para V.Exª como última
esperança de salvação.” Mas será só
depois da morte de Duarte Pacheco,
num acidente de viação em 1943, e
terminada a II Guerra, que consegue
recuperar – é aí que surgem o LNEC,
a Biblioteca Nacional, a Cidade Universitária, o Ritz.
A Biblioteca Nacional será o seu
último grande projecto, iniciado em
1954, mas já terminado pelo sobrinho
António Pardal Monteiro, doze anos
após a morte do tio. Em Setembro de
1956 sofre um acidente vascular cerebral, e em Novembro outro. É na
cama, durante a doença, que dita à
mulher (entre Outubro e Novembro
de 56) as memórias que servem de
base ao trabalho de Ana Tostões neste livro.
Incapaz de suportar a invalidez,
desesperado com a situação em que
se encontra, mergulha numa profunda depressão. A 12 de Janeiro de 57,
pouco antes de cumprir 60 anos, escreve, com dificuldade (os médicos
tinham-lhe aconselhado a fazer testes
de caligrafia como terapia): “Percalços vários atiraram comigo para uma
depressão moral que me tirou o ânimo para tudo. Não posso porém estar
nesta apatia que me embrutece.”
Em Dezembro do mesmo ano, no
dia 16, toma um frasco de barbitúricos
e põe termo à vida. “Não suportou
ser visto como uma pessoa deficiente,
com incapacidade, matou-se com 60
anos. O projecto final foi o do suicídio”, diz Ana Tostões. Ficou a obra –
ligada ao Estado Novo, sim, “mas com
uma linguagem tão seca, tão dura,
que resiste ao tempo, uma modernidade com um sentido clássico, feita
para durar.”
Pardal
Monteiro na
juventude
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO
Pardal, Almada
e Duarte Pacheco
LNEC
Livros
MÁRIO NOVAIS/ BIBLIOTECA DE ARTE DA FUNDAÇÃO GULBENKIAN
Superior Técnico à Biblioteca Nacional, passando pelo Hotel Ritz – têm a mesma assinatura:
que, durante o Estado Novo, modernizou a cidade. Alexandra Prado Coelho
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 29
Ao aceitar a Palma de Ouro de Cannes, em Maio, Apichatpong Weerasethakul agradeceu a “todos os espíritos
e todos os fantasmas da Tailândia”,
acrescentando: “Eles tornaram possível eu estar aqui”. Não era uma piada (como aquela em que elogiou o
cabelo do presidente do júri, Tim
Burton), ninguém se riu, prova de
que o público sabia do que é feito o
cinema de Apichatpong. Os seus filmes têm feito os críticos admitirem
que não têm a certeza do que se trata, o que não os impede de fixarem
este tailandês como um dos autores
mais estimulantes do cinema contemporâneo.
Enraizado no budismo e num gosto de infância pela ficção científica,
bem como no contacto com a técnica
surrealista do “cadavre exquis” (espécie de jogo colectivo, em que cada
participante faz um desenho numa
folha de papel e esconde-o parcialmente, passando-o ao participante
seguinte, para que ele o continue)
que lhe apontou o caminho para a
estrutura elíptica dos seus filmes, o
cinema de Apichatpong tem-se furtado ao “name-dropping” de referências, como se tivesse constituído um
território todo seu. O realizador tem
explicitado o desejo de trabalhar fora
das convenções narrativas (realismo,
linearidade, causalidade estão fora
de jogo), e ao pô-lo em prática tem
mostrado que aquilo a que chamamos cinema também pode ser outra
coisa. “Temos tendência para estabelecer uma certa lógica quando vemos filmes”, disse ao jornal “The
Guardian”. “Mas para mim eles são
mais poderosos e diversos do que isso. Eu quero abrir o mistério da vida.
Encontram-se coisas que não conseguimos explicar, e esse é o prazer de
viver.”
É essa disponibilidade – ou de desejo de descoberta – que o cinema de
Apichatpong Weerasethakul espera
do espectador; o realizador faz questão de dizer que a montagem dos filmes é sempre completada pela imaginação de quem os vê. “Tropical
Malady” (2004, exibido no IndieLisboa em 2005 e posteriormente na
Cinemateca) e “Syndromes and a
Century” (2006) são filmes-bifurcação, com duas partes distintas, a primeira centrada num ambiente de
vila e a segunda embrenhando-se na
floresta, uma espécie de mundo paralelo onde figuras humanas podem
assumir a forma de animais – uma
metáfora dos sonhos, ou do inconsciente. Imagens ou figuras da primeira parte reaparecem na segunda parte, como se esta fosse uma versão
(não-explícita) da primeira.
“Uncle Boonmee Who Can Recall
His Past Lives”, que lhe valeu a Palma
de Ouro, e que a Midas vai estrear em
Dezembro (será a primeira obra de
Weerasethakul a estrear comercialmente em Portugal), é sobre um homem que está a morrer e que passa
os seus últimos dias rodeado pela fa-
Ao aceitar a Palma de Ouro
de Cannes Apichatpong
Weerasethakul agradeceu a
“todos os espíritos e todos os
fantasmas da Tailândia”
mília: o fantasma da mulher reaparece, o filho pródigo regressa sob
uma forma não humana. E, claro,
também há a floresta. Os “Cahiers du
Cinéma” já classificaram o trabalho
de Apichatpong como “cinema da
reincarnação”. O próprio, que acredita na transmigração de almas entre
humanos, plantas, animais e fantasmas, tem comparado o cinema à reincarnação. “O cinema”, diz na sua
nota de intenções sobre “Uncle Boonmee”, “é a maneira do homem de
criar universos alternativos, outras
vidas”.
“Uncle Boonmee” é baseado num
livro de um monge budista do nordeste da Tailândia, território onde
Apichatpong, 39 anos, nasceu e cres-
ceu. Ele relata a experiência de um
velho homem que um dia chegou a
um templo do nordeste da Tailândia
para aprender meditação. Ele contou
ao monge que enquanto meditava
profundamente, conseguia ver as suas vidas passadas desfilarem, como
se fosse um filme. E nelas assumia a
figura de animais ou até de um espírito vagueando pelas planícies. O
monge publicou o seu livro em 1983,
reunindo essa e outras experiências
semelhantes.
Foi esse livro que levou Apichatpong a realizar uma viagem de pesquisa à província de Isan, nordeste
da Tailândia, em 2008 (o próprio realizador é natural de uma pequena
vila de Isan chamada Khon Kaen), em
busca do verdadeiro Boonmee, que
já falecera. Apichatpong conheceu e
falou com os dois filhos do homem,
mas o argumento do filme é inteiramente ficcional.
Primitive
“Uncle Boonmee” faz parte de um
projecto em múltiplos suportes, “Primitive”. Além do filme, ele consiste
numa instalação de sete ecrãs, chamada “Primitive” (mostrada em Munique, Liverpool e Paris, no ano passado), na curta “A Letter to Uncle
Boonmee” (exibida no IndieLisboa),
num livro e numa video-instalação
de 11 minutos, “Phantoms of Nabua”,
que pode ser vista no British Film
Institute, em Londres. Todos parti-
lham o facto de se situarem na província de Isan, em Nabua, vila junto
à fronteira com o Laos com uma história de violência: tornou-se um bastião da resistência ao governo totalitário da Tailândia nos anos 60, palco
de confrontos violentos entre a comunidade local, tida como comunista (apesar de muitos camponeses
nem sequer conhecerem o significado do termo “comunismo”, sublinha
Weerasethakul), e os militares, que
resultou em várias mortes e levou os
homens da vila a refugiarem-se na
selva. Nabua continuou ocupada pelos militares até à década de 1980.
Apichatpong permaneceu meses
na região, falando com os habitantes
locais, filmando e gravando depoi-
O fogo encantado de A
Começam a faltar razões para não saber pronunciar Apichatpong Weerasethakul: ganhou a P
Vimos a instalação “Phantoms of Nabua” (obra ao negro, iluminada pelo f
Tanto cinema em apenas 11 minutos. Kathleen G
30 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
mentos. “Foi como uma recolha de
informação”, explicou ao “New York
Times”. “Eu tinha uma vaga ideia do
que acontecera em Nabua”, disse à
revista britânica “Sight & Sound”,
“mas aprendi muito mais com as pessoas de lá. A dimensão completa da
violência nunca foi relatada, e ainda
hoje não é muito conhecida no resto
da Tailândia”.
O projecto “Primitive”, nota, é diferente do seu trabalho anterior, porque até agora os seus filmes lidavam
com a sua memória pessoal, a sua
família, o seu círculo de amigos. “Esta é a memória de outras pessoas. Eu
estava interessado nisso porque aquele território tem uma história muito
intensa”, explicou à revista “Dazed
& Confused”. “Tive de passar algum
tempo lá para formar a minha memória do lugar e descobrir as histórias
secretas que as pessoas partilharam
comigo” (“New York Times”).
Este é o “background” das várias
componentes do projecto “Primiti-
ve”, mesmo que elas não assumam
contornos explicitamente políticos e
possam ser fruídas, sem que o espectador tenha noção do trauma histórico que deixou os jovens de Nabua
órfãos de pai. Foi sobre esses rapazes
– os descendentes dos camponeses
rebeldes, mortos pelos militares – que
Apichatpong se concentrou, levandoos a recriar histórias e mitos locais.
“Durante o tempo em que o exército ocupou a vila, a maior parte dos
homens fugiram para a selva”, diz
Weerasethakul. “Só ficaram as mulheres e as crianças. Para mim, é uma
espécie de ‘statement’ só ter homens.
Eles foram libertados. Eles estão na
terra que lhes pertence. Não estão a
ser perseguidos na sua própria casa.”
Exposições
O projecto
“Primitive” :
a curta
“A Letter to
Uncle
Boonmee”
(o IndieLisboa
exibiu-a),
a instalação
“Phantoms
of Nabua”
(por ser vista
no British
Film Institute,
Londres)
e a longa,
e Palma
de Ouro de
Cannes,
“Uncle
Boonmee
Who Can
Recall His
Past Lives”
funcionário aponta a lanterna para
o meio da sala, para indicar os pufs
brancos no chão, frente ao ecrã). É
uma instalação ou uma curta-metragem? Difícil traçar a linha: o contexto
de apresentação é semelhante a uma
sala de cinema e o filme parece mais
narrativo do que o cinema de Apichatpong – o realizador não usa as instalações para ser, digamos, mais livre.
Filmado no crepúsculo e à noite,
“Phantoms of Nabua” abre com um
plano de uma lâmpada florescente
rodeada de árvores, e depois prossegue com uma sucessão de planos de
relâmpagos caindo sobre o solo, que
se assemelham a bombas. A seguir,
um grupo de rapazes joga futebol
num campo aberto com uma bola a
arder. Aí voltamos a ver a lâmpada
florescente do plano inicial: está fixa
num poste junto a um ecrã onde as
imagens dos relâmpagos são projectadas – o filme dentro do filme. A bola em fogo acerta no ecrã, que acaba
por se incendiar, e a tela branca consume-se rapidamente, sob o olhar
dos rapazes, até sobrar apenas a estrutura (semelhante a uma baliza). O
desaparecimento da tela revela o projector, que se encontrava por detrás
e que continua a funcionar, apontado
aos espectadores, projectando os clarões dos relâmpagos no fumo. (Não
deixa de ser curioso, uma obra denominada de “instalação” e apresentada numa galeria, ser tão irredutivelmente cinematográfica, e reflectir
sobre a natureza do cinema; o plano
frontal do projector parece dizer: “O
cinema são vocês, espectadores”.)
“Phantoms of Nabua” reflecte a
habitual dualidade dos filmes de Api-
“Temos tendência
para estabelecer
uma certa lógica
quando vemos
filmes”, disse ao
“The Guardian”.
“Mas eles são mais
poderosos
do que isso”
chatpong (as luzes e o negro, o filme
dentro do filme). Como é habitual no
cinema do tailandês, ele trabalha a
memória e a reminiscência, mas de
forma oblíqua, não directa (no caso
de “Phantoms of Nabua”, por exemplo, é preciso ler a folha de sala do
BFI para ter noção do contexto político das imagens). Foi feito para ser
mostrado “online” no “site” www.
animateprojects.com, onde pode ser
visto (mas, desconfiamos, não é a
mesma coisa que uma sala escura).
Há uma personagem em “Uncle
Boonmee Who Can Recall His Past
Lives” que pergunta: “O que há de
errado com os meus olhos? Estão
abertos, mas não consigo ver.” É uma
interpelação que o cinema de Apichatpong Weerasethakul faz aos espectadores: “Estão a ver-me?” Vê-lo
importa mais do que saber pronunciar o seu nome.
Fantasmas de Nabua
“Phantoms of Nabua”, que o Ípsilon
viu em Londres, no BFI de Southbank, onde permanece até 3 de Julho,
é projectado numa galeria escura (o
e Apichatpong Weerasethakul
a Palma de Ouro de Cannes, e está em todo o lado.
o fogo e por relâmpagos) em Londres.
n Gomes em Londres
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 31
O espelho do mun
Henri Cartier-Bresson, um dos pais da fotografia moderna, como já não se via há três décadas
em solo americano: retrospectiva no MoMA, em Nova Iorque, até ao final do mês. Mais do que
uma obra, é todo um século que está em revista. Francisco Valente, em Nova Iorque
Nascido em 1908, desaparecido 96
anos mais tarde, Henri Cartier-Bresson foi das poucas pessoas que puderam testemunhar a passagem de um
dos séculos mais importantes da História. Mas não fosse ele um dos chamados “pais” da fotografia moderna
e talvez esse facto tivesse sido pouco
relevante. “Henri Cartier-Bresson:
The Modern Century”, a retrospectiva que o Museum of Modern Art (MoMA), de Nova Iorque, acolhe até ao
próximo dia 28, omostra justamente
como os dois, Cartier-Bresson e o século XX, caminharam lado a lado.
Vindo de uma família burguesa parisiense cuja fortuna assentara numa
fábrica têxtil, Henri Cartier-Bresson
mostrou cedo o seu desconforto relativamente aos modos de vida, ainda
que seguros, do seu círculo de sangue
mais próximo. Recusando um futuro
numa empresa familiar, encontraria
um estímulo nos circuitos intelectuais
de Paris, onde travou conhecimento
com as ambições artísticas e políticas
das sensibilidades intelectuais da cidade. Estamos nos anos 20 e 30 da
Europa pré-guerra: vive-se um ambiente fervilhante na arte europeia,
assim como tempos revolucionários
na sua sociedade industrial.
É então que se aproxima dos surrealistas. Conhece Max Ernst e Julien
Levy (que viria a mostrar o seu trabalho mais tarde), entre outros que,
como acontecerá com grande parte
dos seus encontros na vida, permanecerão sempre seus amigos (e de
quem mais tarde fará retratos). As
origens do surrealismo viriam a darlhe o estímulo que procurava fora do
seu meio: uma fuga da moral burguesa e um refúgio na vanguarda. Sendo
esse, antes de mais, um movimento
baseado no amor, Cartier-Bresson
aprendeu a abrir a sua mente às sensibilidades emocionais e intelectuais
de um outro mundo. As suas origens
encontravam-se para além de uma
cidade - um mundo de novas formas
cubistas cuja inspiração caía na arte
africana, que se revia na exaltação
romântica de Rimbaud, nas possibilidades narrativas de Joyce, na justiça
e no idealismo de Hegel. Será a influência deste grupo que o fará ver a
paridade entre ideias e culturas, a
existência de um mundo sem hegemonias explícitas.
Peter Galassi, curador da exposição
agora patente no MoMA – a primeira
retrospectiva do fotógrafo em solo
americano em três décadas, numa
altura em que merece, depois da sua
morte em 2004, um novo tratamento
e uma reapreciação institucional – sublinha a sensibilidade do fotógrafo:
“Tinha uma inteligência muito grande
32 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
A China em movimento de Mao
Tsé-Tung, e do “grande salto
em frente”, que Cartier-Bresson
fotografou durante quatro
meses em 1958
e precoce. Tinha uma cultura muito
rica, uma bagagem que levava com
ele quando se escapava para tirar fotografias pelo mundo. Era um rebelde, mas ao mesmo tempo não deixou
de ser um ‘grande burguês’. No entanto, as suas fotografias eram óptimas, porque em qualquer situação
em que se encontrasse, em qualquer
patamar da escala social, conseguia
adaptar-se a ela e percebê-la. E isso
reflecte-se muito no seu trabalho”.
O momento decisivo
Com a Europa ainda (mas cada vez
menos) em paz, Cartier-Bresson explora as suas motivações criativas,
sem sucesso, na pintura. Será na fotografia que virá a formar o seu caminho: uma estrada onde travará
conhecimento com as civilizações e
as culturas que rodeiam a europeia,
então ainda o centro do planeta.
Numa primeira fase, vira-se para o
cenário da rua e para as suas personagens, um palco que irá definir as
suas primeiras fotografias conhecidas: o momento mágico em que o
fotógrafo captura o acto de vida e o
preserva na possibilidade fotográfica
de parar o tempo. É o seu “momento
decisivo”, aquele que define algumas
das suas imagens mais emblemáticas,
mostrando o cenário essencial e despido do tempo. Daqui sairá a fotografia moderna, a captação do movimento da vida como tema fotográfico.
Cartier-Bresson acrescentar-lhe-ia o
seu instinto gráfico: um corpo que
nunca irá tocar no chão alagado das
traseiras da estação de Saint-Lazare,
ou jovens crianças que se multiplicam geometricamente nas janelas e
nos destroços de uma paisagem que
parece não existir.
Em 1939, a Europa entra em guer-
ra e o fotógrafo é chamado. Com a
rendição francesa, torna-se prisioneiro de guerra, condição da qual conseguirá sair após fugir do seu campo
de detenção. Será depois do fim do
conflito, com um continente devastado e traumatizado, que decide ir ao
encontro do mundo. Um outro colega e amigo, Robert Capa, convence-o
a enveredar pelo fotojornalismo. Juntos, estão na origem da criação da
agência Magnum, que se irá tornar
num dos mais fortes espelhos da realidade humana, e Cartier-Bresson,
talvez o único fotógrafo do grupo que
conseguiu sempre estar entre a função do jornalista e a visão criativa de
um artista, fará do mundo uma plataforma para o seu trabalho. A dualidade de espírito entre a fotografia
como arte e como profissão acabaria
por marcar a sua carreira, criando,
segundo Peter Galassi, uma tensão
positiva, e abrindo o caminho para a
descoberta e a assimilação de outras
culturas: “A sua opção pelo fotojornalismo enriqueceu muitíssimo o seu
trabalho”, afirma o curador. A profissão de fotojornalista, tal como ela
se reconfiguraria depois da guerra,
era um veículo perfeito para um olhar
independente. “É essa a importância
da Magnum: permitir aos fotógrafos
trabalhar para as publicações sem
serem empregados delas. [A agência]
dava uma forma ao desejo de CartierBresson de encontrar o mundo e tentar apreendê-lo.”
Estudar o mundo
A partir de 1947, Cartier-Bresson deu
sequência às suas primeiras viagens
de antes da guerra, tornando-se num
“funcionário artista” em permanente deslocação. A fotografia era o seu
modo de viagem e a viagem era o seu
“Temos aqui
um europeu branco
de uma classe
confortável que
vai dar uma volta
ao mundo. Podemos
dizer que isso é a
personificação de
uma atitude colonial,
mas podemos
também dizer que
é o desafio de ver
o mundo como um
conjunto de culturas
muito diferentes, e de
as apreciar, assimilar
e respeitar”
Peter Galassi,
curador
modo de vida; como objecto, interessava-lhe o Homem e a sua intervenção na paisagem. Uma atitude original dentro de um mundo ainda colonial e assente em supremacias
civilizacionais, caracterizada pelo
estudo atempado da realidade e pelo
respeito por quem é fotografado. No
fundo, a aceitação precoce de um interesse na verdade multicultural da
humanidade. Galassi fala desta sensibilidade específica do fotógrafo: “O
mais extraordinário no trabalho de
Cartier-Bresson é toda a sua amplitude geográfica e histórica. É o único
fotógrafo em que isso é verdade: vemos o mundo tal como era antes da
revolução industrial, e que ele adorava tanto”. O comissário evoca, como exemplo, as fotografias tiradas
em Portugal (na Nazaré, em 1955): “A
fotografia dos pescadores portugueses com as redes de pesca poderia ter
sido feita há centenas de anos atrás.
Esse mundo não tinha realmente desaparecido, apesar de o trabalho dele também entrar pelo nosso mundo
da tecnologia e do mercado. É essa a
amplitude extraordinária do seu trabalho.”
O interesse de Cartier-Bresson pelas diferentes civilizações, assim como o desejo de assimilação dos seus
diferentes modos de vida, resultam
num retrato honesto dos povos, despojado de dramatização ou de artifícios. Tal como os seus primeiros trabalhos, as imagens do pós-guerra são
marcadas por um respeito igualitário
pelos seus intervenientes. Para Cartier-Bresson, nenhum assunto e nenhuma pessoa estava abaixo do seu
interesse. “Temos aqui um europeu
branco de uma classe confortável que
vai dar uma volta ao mundo. Podemos dizer que isso é a personificação
de uma atitude colonial, mas podemos também dizer que é o desafio de
ver o mundo como um conjunto de
culturas muito diferentes, e de as
apreciar, assimilar e respeitar”, nota
o comissário.
O instinto do fotógrafo levou-o ainda a estar presente em vários momentos decisivos desses outros mundos,
nomeadamente no funeral de Gandhi
na Índia, cujas imagens foram as únicas que o Ocidente recebeu. Nesses
anos, Cartier-Bresson explorou ainda
vários países da Ásia: o Paquistão, o
Sri Lanka, a Indonésia, a Singapura e
a China (a sua estadia de quatros me-
Exposições
undo
ses em 1958 resultou
no trabalho “The
Great
Leap
Forward”, o retrato da industrialização chinesa de Mao,
presente na exposiç ão). Tornou- se
igualmente no primeiro ocidental a fazer um
retrato fotográfico do povo da União Soviética após
a morte de Estaline em
1953, abrindo o olhar da Europa para um mundo que chegava apenas como mito aos ouvidos do resto do continente. Um
retrato que não se diferenciava,
afinal, assim tanto da imagem daqueles que o viam do outro lado. CartierBresson iria contrapor essas imagens
com várias outras de muitas viagens
aos Estados Unidos, o país estrangeiro que mais visitou, estabelecendo,
assim, um verdadeiro retrato comparativo do empenho físico e laboral do
mundo comunista e da ordem corporativa do Ocidente capitalista: o mundo enquanto ele acontecia.
O elogio da diferença
Mas se Cartier-Bresson funcionou como os olhos do Ocidente para tantas
partes inacessíveis do planeta, o que
dizer hoje da sua relevância numa
época em que as distâncias deixam
de existir?
“Claro que, agora, tudo mudou”,
diz Paul Galassi. “Não apenas a maneira de viajar, mas aquilo que ele
sentia que era a força da modernidade, a tecnologia e o mundo do consumismo. Nesse sentido, o mundo está
muito diferente, mais nivelado, e, se
Henri Cartier-Bresson tivesse surgido no mundo actual, talvez seguisse outro caminho”. O fotógrafo
mantinha uma preocupação de tolerância nas
suas imagens - a
própria luz
CHARLES PLATIAU/ REUTERS
Cartier
-Bresson,
o século XX
numa
máquina
fotográfica
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 33
“O mais
extraordinário
no trabalho de
Cartier-Bresson é
toda a sua amplitude
geográfica e histórica.
É o único fotógrafo
em que isso é verdade:
vemos o mundo tal
como era antes da
revolução industrial,
e que ele adorava
tanto (...), [e] o nosso
mundo da tecnologia
e do mercado.
É essa a amplitude
extraordinária
do seu trabalho”
Peter Galassi,
curador
das fotografias dá igual relevância
aos seus elementos, mantendo uma
coesão e uma harmonia que respeitam uma superfície uniforme.
Por outro lado, o estudo cultural
que o seu trabalho oferece sobressai
ainda mais nos dias de hoje. Galassi
continua: “Quanto mais as superfícies de duas culturas se parecem uma
com a outra, maiores são as diferenças culturais que as caracterizam por
baixo delas. Henri Cartier-Bresson
estava interessado em explorar essas
diferenças, em conhecê-las e inscrevê-las no seu trabalho. A oportunidade que a fotografia tem de se inscrever e apreender um mundo diferente ainda existe. Consegue imaginar o
quão divertido seria para ele fotografar-nos com todos os nossos pequenos aparelhos? Podia-se fazer um livro só sobre isso.”
Se a distância entre culturas não
se extingue, Cartier-Bresson ter-nosá ajudado a vê-la melhor. No entanto,
é necessário um tempo de assimilação intrínseco ao método de captação do momento fotográfico. Algo
que também hoje é relevante, numa
época em que se pede uma imagem
urgente e imediata, sem pensamento.
“O desafio ainda existe”, diz Galassi.
“É verdade que estamos enterrados
em imagens. Mas ainda temos o controlo sobre o que fazemos com elas.
As fotografias podem ser parte de
uma maneira de apreender e perceber o mundo.”
A gestão de uma herança
“Henri Cartier-Bresson: The Modern
Century” questiona ainda o excesso
As traseiras da Gare
de Saint-Lazare, em Paris,
uma das primeiras imagens
carismáticas de CartierBresson
34 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
de controlo editorial que as imagens
fotográficas sofrem desde a segunda
metade do século XX, indo ao encontro da dificuldade que o fotógrafo
sentiu em relação às várias intervenções que as suas fotografias sofreram,
algumas das quais não sabemos sequer se correspondem, de facto, à
visão original que o autor tinha delas.
A turbulência desses processos, assim como o desejo impulsivo de captar o próximo momento de vida, levaram-no a criar um sentimento de
indiferença em relação ao modo como eram expostas as suas imagens
nas plataformas de comunicação da
altura e a concluir que o essencial da
fotografia estava antes e no exacto
momento em que a captava, sem artifícios posteriores.
Galassi nota que Cartier-Bresson
se encontrava “num extremo” do
modo como os fotógrafos tentavam
gerir a recepção do seu trabalho. A
herança que instituições como o MoMa têm de gerir torna-se, deste modo, na verdadeira pós-produção das
suas imagens. “Ele deu-nos a responsabilidade de montar o seu trabalho.
As suas imagens são tão ricas que
irão surgir ao longo do tempo através de maneiras de ver diferentes.”
Diferenças que Cartier-Bresson nos
mostrou através de um olhar respeitoso da cultura e da vida em todas
as suas formas e feitios, e de valores
universais como o tempo, a tolerância e a compreensão da matéria humana. De todas as épocas, esta é
aquela em que podemos escolher
devolver a ética desses valores às
imagens.
MIGUEL MANSO
Die Antwoord
David Leavitt
Dos táxis da Cidade do Cabo
para o mundo. Pág. 48
A matemática da sociedade
britânica em “O Escriturário
Indiano”. Pág. 42
Simon
Schama
Jia Zhang-ke
O cronista da transformação
da China regressa com
“24 City”. Pág. 52
CHRISTOPHE SIMON/ AFP
O historiador inglês
cruza o Atlântico
para concluir que
nunca devemos
desistir da América.
Pág. 41
Inauguração
trabalhos da artista que
constituem, segundo a
crítica e historiadora de
arte Jennifer P. Borum,
“uma peça absolutamente
vital do discurso autoetnográfico” americano.
A mais recente exposição
de João Penalva é um
desconcertante elogio â
cumplicidade entre a obra
de arte, a ficção e o sonho.
José Marmeleira
Pavlina e o Dr. Erlenmeyer
De João Penalva.
Lisboa. Chiado 8 Arte Contemporânea. Largo do
Chiado, nº8. Tel.: 213237346. Até 25/06. 2ª a 6ª das
12h às 20h.
Instalação, Outros.
mmmmn
Na companhia de “Ich bin ein
Baixinher”, de Fernando Brito,
“Pavlina e o Dr. Erlenmeyer”, de João
Penalva (n. 1949) é já uma das
melhores exposições da
programação iniciada no ano
passado pelo curador Bruno
Marchand no espaço Chiado 8 Arte
Contemporânea. E a justificação
afigura-se elementar. O artista, que
vive em Londres desde 1976,
transforma a exposição numa câmara
escura onde cabem história, ficção e
sonho. Para tal, reutiliza alguns dos
elementos ou modos de fazer que
têm caracterizado a sua produção,
nomeadamente no seguimento da
individual “A Colecção Ormsson”,
realizada em 1997 no Pavilhão Branco
do Museu da Cidade: a sugestão de
narrativas entre a ficção e realidade,
a diluição das competências do
“Pavlina e o Dr. Erlenmeyer” reproduz, ampliando-o
depois por via da imagem em movimento, o modelo da exposição de “foyer”
artista e do curador, e o
entendimento da exposição não
enquanto apresentação determinada
de obras, mas como obra.
“Pavlina e o Dr. Erlenmeyer” é
constituída por duas peças ou,
antes, dois momentos organizados a
partir de intervenções na luz e na
arquitectura. O primeiro reproduz o
modelo da exposição de “foyer”
para introduzir o espectador à
história de Dr. Emil Erlenmeyer,
químico alemão do século XIX que
propôs a fórmula moderna da
naftalina. E assim que isso acontece,
por meio de uma apurada
cenografia, a realidade suspende-se.
Da penumbra emergem bancos de
veludo e, à volta destes, uma
enorme vitrina e vários objectos e
imagens dispostas na parede. Que o
espectador é convidado a ver ou a
ler: uma fotografia e um retrato
expressionista do cientista, textos
sobre a sua biografia, fórmulas
escrita a giz, números sobre papel,
esculturas em pedra, um cartaz
publicitário do início do século XX,
um recipiente de vidro.
A natureza diversa das peças, o
facto de nunca se complementarem,
a ausência de ilustração e a absurdo
de algumas passagens escritas
impedem a construção de uma
ficção efectiva e articulada. Aqui, a
existir, ela é construída pelo espaço
entre os “objectos” e os documentos
reunidos por João Penalva; por
aquilo que neles conseguimos
projectar, com ou sem a anuência do
artista-curador: o nosso prazer de
olhar e as memórias das nossas
ficções e histórias.
Algumas imagens indiciam,
entretanto, o segundo momento: a
instalação “Pavlina”, afinal a
suposta “continuação” da
exposição do “foyer”. Encontramo-
Outros.
De Collier Schorr.
Der Geist Unserer Zeit
De Fernando Brito.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império
- Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 15/08.
Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.
De Si Scott, Tavo, António Cerveira
Pinto, entre outros.
Agenda
Inauguram
A Invenção Da Glória. D,Afonso
V e as Tapeçarias de Pastrana
Tapeçaria, Outros.
Oceans
De Richard Schur.
Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea.
Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831.
Até 06/08. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das
12h30 às 19h30. Inaugura 16/6 às 21h30.
Pintura.
Continuam
Tudo O Que é Sólido Dissolve-Se
no Ar: O Social na Colecção
Berardo
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império
- Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até
12/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h
às 19h.
Pintura, Outros.
Mais Que a Vida
De Vasco Araújo, Javier Téllez.
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.
Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 06/09.
3ª a Dom. das 10h às 18h.
Vídeo, Fotografia, Instalação,
36 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
de Junho, uma exposição
no Porto, a sua primeira
em Portugal. “Gangs of
New York” inaugura às
18h, na Wrong Weather
(Av. da Boavista, 754).
A exposição inclui 30
O prazer
da ficção
Lisboa. Museu Nacional de Arte Antiga. Rua das
Janelas Verdes - Palácio do Alvor. Tel.: 213912800.
De 12/06 a 12/09. 3ª das 14h às 18h. 4ª a Dom. das
10h às 18h. Inaugura 12/6 às 10h30.
Richard Schur
na Carlos Carvalho,
em Lisboa
A fotógrafa, cineasta e
videasta nova-iorquina
Katrina Del Mar, que
chegou a trabalhar com
Nan Goldin como gestora
do seu estúdio, tem a
partir de hoje, e até 30
DANIEL MALHÃO
Exposições
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.
Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 27/6. 3ª a
sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e
feriados das 14h às 19h.
Fotografia.
Sines. Centro Cultural Emmerico Nunes. Largo do
Muro da Praia, 1. Tel.: 914827713. Até 10/07. 2ª a
Sáb. das 14h30 às 18h30.
Ilustração, Design, Outros.
Escultura, Pintura, Outros.
41º 52’ 59’’ Latitude N / 8º 51’ 12’’
Longitude O
De Jorge Barbi.
Uma Casa
De Pedro Cabrita Reis.
Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:
217823474 . Até 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h.
Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António
Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 10/07. 3ª a
Sáb. das 14h às 20h.
Fotografia, Outros.
Fotografia, Desenho, Vídeo, Outros.
Para o Cego no Quarto Escuro à
Procura do Gato Preto Que Não
Está Lá
De Dave Hullfish Bailey, Marcel
Broodthaers, Hans-Peter Feldmann,
Peter Fischli, David Weiss, entre
outrros.
En El Escenario Del Tiempo
De Gerado Sanz.
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da
CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das
11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.
The Last Cigarette
De Rita
Barros.
Lisboa. Caroline Pagès Gallery. Rua Tenente Ferreira
Durão, 12 - 1º Dto. T. 213873376. Até 31/7. 2ª a sáb. 15h
às 20h.
Desenho, Fotografia.
Outros Sítios Mais
De Pedro Cabrita Reis.
Lisboa. Galeria Miguel Nabinho - Lisboa 20. Rua
Tenente Ferreira Durão, 18B. T. 213830834. Até 31/7.
3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.
Desenho, Fotografia.
Pra Quem Mora Lá,
O Céu é Lá - OSGEMEOS
De Gustavo Pandolfo, Otávio Pandolfo
(OSGEMEOS).
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império
- Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 19/09.
Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h
às 19h.
Pintura, Outros.
German Faces - Collier Schorr
Photoespaña 2010
Fotografia, Outros.
Nasreen Mohamedi: Notas Reflexões Sobre o Modernismo
Indiano
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da
CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das
11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.
Pintura, Fotografia.
Sines Digital (SD’10)
Entre-Campo
De Carlos Mélo.
Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:
222076310. Até 11/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,
Dom. e Feriados das 10h às 19h.
Fotografia.
Lisboa. Ermida
de Nossa
Senhora da
Conceição.
Travessa do
Marta Pinto, 12.
Tel.: 213637700.
Até 18/07. 3ª, 4ª,
5ª e 6ª das 11h às
18h. Sáb. e Dom.
das 14h às 18h.
Fotografia, Outros.
Um desejo
de tempo
la, formada por som, vídeo e uma
projecção de slides, numa pequena
sala onde não faltam cadeiras (e
onde algo nos aguarda). A narrativa
agora é a de um sonho que as
legendas, reveladas pelo
movimento dos “slides”, contam. E
Pintura de João Jacinto na
o que contam? Um encontro
Fernando Santos, Porto.
imaginado entre uma traça e uma
Óscar Faria
etimologista reformada, de nome
Pavlina. A descrição tem, diz-nos
Pele Atrasada
um texto, pretensões científicas (o
De João Jacinto.
sonho é da própria Pavlina e
Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel
elemento de uma investigação
Bombarda, 526. Tel.: 226061090. Até 31/07. 3ª a 6ª
sobre o fenómeno do inconsciente
das 10h às 12h30 e das 15h às 19h30; 2ª e Sáb. das
15h às 19h30.
nos reformados), mas no fim, pela
sua confusão e arbitrariedade,
Pintura.
furta-se a qualquer ordem ou
interpretação. Resta para ser lida ou mmmmn
olhada como os objectos da outra
sala. Ou o lento clarão que desenha
Em 2005, a Kunsthaus Baselland, em
no vídeo um contorno ampliado da
Basileia, na Suíça, acolheu a
traça, sempre que o nome do
exposição “Space invaders: a
insecto aparece nomeado no sonho. discussion about painting, space ant
Fragmentos de uma exposição que
its hybrids.” Comissariada por
é uma obra.
Sabine Schaschl-Cooper, a mostra
Há uma palavra que se adequa à pintura de João Jacinto: informe
2009
ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA
APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA
5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO.
DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO
/// ENTRADA GRATUITA
Graça Morais
Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos
Anjos. Alameda Hermano Patrone. Tel.: 214111400.
Até 19/09. 3ª a Dom. das 11h às 18h.
Pintura.
Por Paris
De Vieira da Silva, Júlio Pomar, René
Bértholo, Lourdes Castro, entre
outros.
Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos
Anjos. Alameda Hermano Patrone. Tel.: 214111400.
Até 19/09. 3ª a Dom. das 11h às 18h.
Pintura, Outros.
Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 04/09. 3ª a Sáb.
das 11h às 19h.
Pintura, Desenho, Instalação,
Escultura, Fotografia.
Cornelius Cardew e a Liberdade
da Escuta
Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 Edifício da CGD. Tel.: 222098116. Até 26/06. 2ª a 6ª
e Sáb. das 10h às 18h.
Vídeo, Fotografia, Outros.
Constant Le Breton
(1895-1985)
Les Limites Du Désert
De João Tabarra.
Lisboa. Galeria Graça Brandão. Rua dos Caetanos,
26A (Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 26/06. 3ª a
Sáb. das 11h às 20h.
Fotografia, Vídeo.
Fotografia Sem Fotógrafo
De Ed Ruscha, Hans-Peter Feldmann,
Christian Boltanski, Sol LeWitt,
Joseph Kosuth, entre outros.
Porto. Museu de Serralves - Biblioteca. Rua Dom João
de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 31/08. 2ª a Sáb.
das 10h às 18h.
Fotografia, Outros.
A Museum is to Art What a Great
Translator is to a Writer
De André Gomes, Gonçalo Sena, Sara
& André, Yonamine, entre outros.
Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.
Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 08/08.
3ª a Dom. das 10h às 18h.
Pinturas, Aguarelas.
Investigations of a Dog
De vários autores.
Alcoitão. Ellipse Foundation - Art Centre. Alameda
das Fisgas, 79. Tel.: 214691806. Até 05/09. 6ª, Sáb.
e Dom. das 11h às 18h.
// MORADA
Praça Marquês de Pombal
nº3, 1250-161 Lisboa
// HORÁRIO
Segunda a Sexta
das 9h às 21h
// TELEFONE
21 359 73 58
// EMAIL
[email protected]
Pintura, Outros.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 37
Exposições
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
pretendia testemunhar um
suposto renascimento da pintura,
que curiosamente surgia, desta vez,
no pós-11 de Setembro – uma
sobrevida para a qual haverá
diversas explicações, sendo porém
relevante pensar-se se essa situação
não advirá de uma contínua
reinvenção do meio, muitas vezes
decorrente de um qualquer efeito
pós-traumático: do expressionismo
abstracto após a Segunda Guerra
Mundial ao “efeito Tuymans”,
designação cunhada em 2004 por
Jordan Kantor, em artigo publicado
na “Artforum”.
As recorrentes mortes e
ressurreições da pintura
provocaram, provocam ainda, uma
cadeia infinita de equívocos,
distraindo muitas vezes das questões
essenciais próprias a um meio, que,
sublinhe-se uma vez mais, não cessa
de expandir as suas condições de
existência no mundo, um processo
em que assume uma particular
relevância a experiência adquirida
na prática do ateliê. É esse lugar
onde a obra ganha consistência,
espessura e densidade que faz com
que a sua aparição nos conduza
sempre a uma origem relacionável
com um aumento da potência de
agir: há uma outra vida após o
contacto com esse instante em que o
desejo se cumpre.
A pintura pode ser assim definida
como a concretização de um desejo:
um desejo de tempo, de um outro
tempo em contraponto a este,
quotidiano. Um tempo mais lento ou
mais veloz. Um tempo que se
acumula camada a camada, se
expande para as bordas, escorre na
direcção do centro da terra, ou se
eleva para o céu. Um tempo cheio de
cores e de sensações. É uma
acumulação de experiências, esse
tempo, tal como nos ensina Rainer
Maria Rilke numa das páginas mais
belas de “Os Cadernos de Malte
Laurids Brigge”, onde se pode ler:
“Devia-se esperar e acumular
sentido e doçura durante toda a vida
e se possível durante uma longa
vida, e então, só no fim, talvez se
pudessem escrever dez versos que
fossem bons. Porque os versos não
são, como as gentes pensam,
sentimentos (esses têm-se cedo
bastante), - são experiência.”
João Jacinto (Mafra, 1966) propõe
uma série de trabalhos em que o
tema é a própria pintura, a sua
condição de existência no contexto
da arte actual. As diversas
declinações a que o artista sujeita as
suas obras provêm de um mesmo
exercício: testar os limites estruturais
de uma obra que ora se afasta de um
centro para evocar uma paisagem –
abstracta, é certo –, ora se aproxima
de uma fisicalidade determinada
pela acumulação de matérias, ora
assume uma vontade de abarcar
outros territórios, dirigindo-se, sem
medo, ao exterior de si, e aceitando
o erro e a justaposição como
elementos de composição. As
pinturas, por vezes, são viradas do
avesso, outras expõem a sua nudez,
mas é sobretudo a sua dimensão
corpórea, colorida, excessiva, que
aqui importa: há uma palavra que
parece adequar-se a estes trabalhos,
informe.
Onze telas grandes. Nove telas
pequenas. Óleos sobre tela, datados
de 2008 a 2010. E ainda 15 papéis
– auto-retratos, casas de pintores
A pintura vista como texto,
numa exposição exigente,
ontem como hoje refractária
aos esquemas da arte para
consumo massificado
mortos e rosas, temas recorrentes na
obra do artista. Há qualquer coisa de
carne, em algumas obras; noutras
sente-se a intimidade da pele. Vê-se
também uma permanente corrosão
e imaginam-se fungos, líquenes,
pequenos acontecimentos minerais
e vegetais que se cristalizaram numa
acumulação cores: materializações
de um tempo que se procura a si
próprio nesse espaço de solidão, de
abandono, o lugar certo para o acto
criativo. Imagens da ruína? Da
decomposição que sucede à morte?
Há nestes trabalhos um desafio às
certezas, aos compromissos
mediados, aos discursos eficazes.
Por vezes, eles parecem falhar, mas,
de facto, estão absolutamente
certos: sem títulos.
Uma informação complementar,
que sintetiza a exposição, tal como
nos é dada na folha de sala: “Pintura
abstracta, sobre tela, sobre papel.
João Jacinto pinta no chão e desenha
na parede… Pintura a óleo
(muitíssimo óleo…), desenhos a
carvão e a cinza de charuto…”.
O charme
discreto do
texto escrito
A arte também se faz sobre
a palavra: a colecção de Eric
Fabre prova-o.
Luísa Soares de Oliveira
Algumas Obras a Ler - Colecção
Eric Fabre
De Joseph Kosuth, Isidore Isou,
Joseph Wolman, Laurence Winner,
Victor Burgin, Raymond Hains,
entre outros.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império
- Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até
15/08. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Sáb. das 10h às
22h.
Desenho, Outros.
mmmmn
A exposição “Algumas Obras a Ler”,
inaugurada recentemente no Museu
38 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Colecção Berardo, não será das mais
fáceis que esta instituição tem
apresentado. Resulta de um convite
ao galerista belga Eric Fabre para
mostrar a sua colecção pessoal,
reunida durante anos em torno do
conceito do texto escrito como
suporte da obra artística. Muitas das
obras exigem uma atenção
demorada que hoje, na época em
que a visita de uma exposição é
frequentemente feita à velocidade
com que se consomem montras num
qualquer centro comercial, é difícil
de prestar. A velocidade que aqui se
pede é outra; as obras vivem do
achado conceptual, para além das
designações que este tipo de
atitudes artísticas foi tomando: arte
conceptual, letrismo ou neodadaísmo, e que são afinal a
tentativa (falhada à partida) de
recuperar, já em tempos de
contemporaneidade, a atitude
provocadora e optimista das
primeiras vanguardas.
O começo da exposição
exemplifica bem o que afirmamos.
Um manifesto de Isidore Isou, figura
central deste tipo de prática do lado
de cá do Atlântico, é atravessado por
traços de tinta que deixam
transparecer uma ligação à pintura
que o artista acabou por nunca
descurar. Em frente, uma série de
telas viradas ao contrário, dispostas
ao longo da parede, mostram do
avesso a inicial do seu autor, Gil
Joseph Wolman: trata-se da série das
pinturas “dépeintes”, um adjectivo
que tanto pode traduzir-se por
“pintadas” como por “descritas”. A
ambiguidade que o título introduz
em ambas as peças acaba por
concentrar toda a riqueza de
sentidos que estes, como outros
artistas, quiseram imprimir às suas
obras.
Esta é, de facto, a grande
constante de toda a exposição. Se a
pintura pode ser lida como um texto
– se ela foi de facto lida por um
número impressionante de teóricos
e historiadores que, nos últimos cem
anos, de Panofsky a Benjamin, se
esforçaram por abstrair da emoção
estética que a obra provoca, parece
que esse indizível, esse algo que a
radicalidade da proposta letrista ou
conceptual trazia consigo irrompe a
cada passo do que vemos. Quer se
trate dos “Modelos Comparativos”
do grupo Art & Language (um
colectivo formado por Terry
Atkinson, David Bainbridge, Michael
Baldwin, Ian Burn, Charles Harrison,
Joseph Kosuth e outros), um estudo
das críticas publicadas numa famosa
revista de arte visando destacar
modelos e tiques de linguagem, das
charadas, da pasta com livros ou da
própria biblioteca de Isou (recriada
para a exposição segundo a ordem
pré-definida pelo seu autor), das
definições de dicionário de Kosuth
(impressas também para a
exposição, já que algumas só
existiam em projecto), do fascínio
pelas técnicas fotomecânicas de
reprodução do texto, das traduções
que se esbatem até destruírem o
texto, é uma multiplicidade de
criadores e obras inesperada e
gratificante que aqui se exibe.
Há aliás um parentesco evidente
entre estes trabalhos e o dadaísmo.
À imagem do movimento que surgiu
em Berlim em 1916, a negação da
arte, tal como ela é entendida e
alimentada pela socidade ocidental,
é aqui um princípio de que não se
abdica. Tal como sucedeu nessa
altura, a aceitação pública destas
obras não foi nem é fácil, tanto mais
que muitos dos artistas aqui
representados nunca se coibíram de
atacar o “establishment”, quer pela
via dos directores dos museus, quer
dos críticos de arte, quer de quem
exercesse o poder de decisão e
compra no meio artístico. Por isso,
passados 30 ou 40 anos da
realização destas obras, é ainda
difícil encontrá-las nos museus.
Paradoxalmente, como dizíamos no
começo deste texto, todas elas
relevam de uma extrema
sofisticação teórica. Não se dirigiam
ao grande público, com ainda hoje
se percebe. O letrismo, como a arte
conceptual, só poderiam ter nascido
num meio restrito de grande
exigência cultural: não o da
televisão, da revista de actualidades,
ou o da arte para as massas; mas o
da elite educada, do museu, da
universidade, da biblioteca. E nada
mudou a este respeito.
Teatro/Dança
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Um auto sacramental de Calderón de la Barca
para o Convento dos Cardaes, em Lisboa
Calderón
de la Barca
numa missa
do século
XXI
O novo Teatro do Ourives
recupera um texto barroco
e a tradição de o encenar
nas ruas como festa social
e exaltação barroca da fé
católica. António Marujo
Os Mistérios da Missa
De Calderón de la Barca. Pelo Teatro
do Ourives. Encenação de Júlio
Martin da Fonseca. Com José
Nogueira Ramos, José Reis Jorge e
ainda Sara Ideias, Carla do Carmo
Bulhões, José Sebastião, Bruno
Couto e Bruno Moreira.
Lisboa. Convento dos Cardães. R. do Século, 123. De
16/06 a 18/06. 4ª a 6ª às 21h30. Tel.: 213427525.
Entrada gratuita.
Pegue-se num auto sacramental de
Calderón de la Barca, num grupo de
teatro que nasce ao mesmo tempo
que ensaia e numa encenação que
procura reconstituir a festa social
que, por esta altura do ano, o teatro
barroco propunha na Espanha
católica do século XVII. É de tudo
isto que nasce a peça “Os Mistérios
da Missa”, a primeira criação do
Teatro do Ourives – e já lá vamos ao
nome.
O texto é um entre as dezenas de
autos sacramentais escritos por
Pedro Calderón de la Barca para
serem representados nas ruas, por
altura do Corpo de Deus, festa
católica que o Concílio de Trento
promovera com mais intensidade
para exaltar a fé católica, afirmando
a sua diferença em relação às fés dos
judeus e dos protestantes. As
pessoas vinham para a rua, em
massa, assistir à procissão do Corpus
Christi, que culminava com a
encenação de um dos mistérios – no
caso de Madrid, onde Calderón
viveu a maior parte da sua vida, na
Plaza Mayor.
Estas encenações eram “um
espectáculo operático”, explica ao
Ípsilon Júlio Martin, 48 anos,
encenador do Teatro do Ourives (e
do TUT-Teatro da Universidade
Técnica, onde substituiu Jorge
Listopad, desde 2009). Os autos
eram sempre à volta do sacramento
da missa, mas tinham “uma
infinidade de argumentos”. Nas
ruas, quatro carros andavam pelas
cidades, convergindo depois para
uma praça e para o cenário já
preparado no local.
Calderón de la Barca não é um
estranho para Martin que, enquanto
actor do TUT, protagonizou o
Segismundo de “A Vida é Sonho”, na
Torre de Belém. O dramaturgo
espanhol, recorda Martin, trabalhou
com engenheiros italianos na
criação do “espectáculo total” que
caracterizou o teatro barroco
espanhol. Os anjos voavam, os
demónios saíam de alçapões em
fogo, havia trombones e música,
danças… No caso dos autos
sacramentais, explica, o que
Calderón de la Barca “pretendia era
envolver os mistérios num ambiente
de festa, e que a alegria desse
cobertura ao mistério.”
A presente encenação de “Os
Mistérios da Missa” optou, no
entanto, por levar o texto para dentro
de igrejas e capelas – depois de ter
passado pelo Castelo de Sesimbra e
pelo Seminário de Almada, chega na
quarta-feira ao Convento dos
Cardaes, em Lisboa. Não é uma
escolha casual: ali foi encenada “A
Troca”, de Paul Claudel, já há mais de
20 anos, pelo Teatro do Mundo, após
o que o espaço tem acolhido
intervenções artísticas muito
diversas. “Este texto tem um lado
mais intimista, optámos por fazê-lo
dentro de uma igreja”, argumenta o
encenador. A proximidade e a festa
são dadas pela deambulação dos
actores entre os espectadores e pela
presença dos músicos – que tocam ao
vivo – num espaço, o de uma igreja,
que remete também para uma
experiência comunitária.
O texto agora usado é uma
adaptação em prosa (o original é em
verso) do actor alemão Harry Hardt,
traduzida para português por Costa
Ferreira. Nesta encenação, foram
introduzidas ligeiras alterações: a
figura do Judeu é substituída pelo
Farisaísmo e o Romano dá lugar ao
Paganismo. Opções que pretenderam
retirar alguma virulência à linguagem
da época, “muito datada e que
surgiria como ruído” – o mesmo
sucedeu com referências litúrgicas
entretanto em desuso.
Estamos, por isso, perante uma
versão que humaniza o ritual
litúrgico e acentua a dimensão
teatral dos rituais católicos. Nesse
sentido, é um texto contemporâneo
– ou, melhor ainda, intemporal, já
que é essa justamente “a marca da
criação artística”.
O Teatro do Ourives, enfim:
inicialmente constituído por
profissionais e amadores apenas para
este espectáculo, o grupo evoluiu e,
enquanto ensaiava, ficou a ideia de
prosseguir. Como nasceu à sombra
da Vale d’Ácor, instituição católica
M;F;;TOF
ëFNCG;ML?JL?M?HN;{Æ?M
Mç;N|+->?DOHBI
NIGMNIJJ;L>
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Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 39
Teatro
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
estreou-se anteontem no Estúdio
Zero, Porto.
É um texto difícil – confirma-nos o
encenador Rogério de Carvalho -,
pleno de adjectivos fortes e
advérbios incisivos, cuja linguagem
autêntica estabelece pontes com a
tragédia contemporânea, de Beckett
a Fassbinder. Aqui há um jogo de
poder com trejeitos orwellianos,
onde a linguagem é acção.
Duas mulheres em tensão latente,
em busca da dignidade perdida, num
cenário intencionalmente inóspito,
vazio, testemunha de uma mudança.
“As coisas alteram-se”, e o
desconforto instala-se, com a
inversão das dependências e das
relações. “Não se trata de um jogo de
classes. Estas mulheres são algo. Uma
catarse pós-apocalíptica”, esclarecenos Rogério de Carvalho. Algo mudou
na relação das mulheres, talvez se
esteja no “limite da possibilidade de
reprodução humana”.
Qualquer coisa acaba para
Sôfregas e sufocantes, as
outra começar, na nova
protagonistas abrem espaço à livre
incursão das Boas Raparigas descodificação da linguagem de
Barker, com reminiscências do Genet
num texto de Howard
de “As Criadas”. Às duas mulheres,
Barker. Filipa Mora
junta-se um “pérfido animal”, qual
“cão mecânico”. Talvez invenção das
“Mulheres Profundas, Animais
duas mulheres, talvez o reflexo da
Superficiais”
personalidade do marido que “tem
De Howard Barker. Pelas Boas
de ter” a antiga senhora, propõe
Raparigas. Encenação de Rogério de
Rogério de Carvalho. Assim se figura
Carvalho. Com Carla Miranda, Maria
um intermediário entre o interior e o
do Céu Ribeiro, Miguel Eloy.
exterior, quem sabe delas próprias.
Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. Até 4/07. 3ª
Os temas do futuro da humanidade,
a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 225373265.
da alienação e da crise da cultura
aproximam a mensagem de alguns
Perdidos os valores, encenados os
pensamentos de Heidegger, sugere o
jogos e estimuladas as expectativas,
encenador. Pistas: o mundo
que mulheres profundas são estas,
encontra-se esgotado e a única
vítimas da repulsa e do prazer dos
certeza é a própria indefinição; a
percalços da vida? “As coisas
impossibilidade da sobrevivência
alteram-se”, dizem, e tudo se
humana não se coloca, não existe
transforma.
simplesmente.
“O meu marido tem de te ter”,
Tudo é possível nesta peça aberta.
ouve-se em tom imperativo. No
A condição humana e os seus
cenário, restos de qualquer coisa,
limites, os valores e/ou a ausência
vestígios de um paradigma perdido,
deles. ”As coisas alteram-se”,
e duas mulheres de identidades
ouvimos. Para o encenador, uma
algures trocadas pela mudança, a tal
mudança implica sempre uma
mudança. “Mulheres Profundas,
contra-revolução. Talvez este seja
Animais Superficiais” é uma obra
um grito surdo à sociedade
aberta, e uma peça sobre a própria
contemporânea, onde a voz que se
indefinição: encomenda especial da
levanta é a do teatro de Howard
companhia a Howard Barker, autor
Barker. Talvez.
predilecto das Boas Raparigas,
Duas mulheres (Maria do Céu Ribeiro e Carla
Miranda) trocam de identidade nesta peça aberta
de recuperação de
toxicodependentes, o nome foi Júlio
Martin buscá-lo à peça “A Loja do
Ourives”, de Karol Wojtyla – o Papa
João Paulo II, que “era apaixonado
pelo teatro e foi actor.” Mas remete
também para as “pedras preciosas
que são as pessoas e as situações”.
Ficou a vontade de continuar, com
outros projectos, mas sem qualquer
carácter confessional: “Somos um
grupo de teatro.”
No início do auto, diz a Sabedoria
à Ignorância: “Em breve tu própria
saberás, compreenderás, verás
claramente a essência do grande
mistério deste mundo.”
Tudo se
transforma
Agenda
Teatro
Estreiam
Testosterona
Pelo Grupo Chévere. De e com
Patricia de Lorenzo, Natalia Outeiro,
Xron.
Tondela. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.
Ricardo Mota. Dia 12/06. Sáb. às 21h45. Tel.:
232814400.
Continuam
O Quarto + Comemoração
De Harold Pinter. Encenação de
Jorge Silva Melo. Pelos Artistas
Unidos. Com Cândido Ferreira, João
Meireles, João Miguel Rodrigues, Lia
Gama, Sylvie Rocha, Alexandra
Viveiros, António Simão, João
Meireles, Pedro Carraca, Sílvia
Filipe, Sylvie Rocha, Carlos Paca,
Américo Silva, Tiago Matias, Vânia
Rodrigues.
Neto, Alexandre Lopes, Mia Farr.
Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/06.
4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€.
Agora a Sério
De Tom Stoppard. Encenação de
Pedro Mexia. Com Afonso Lagarto,
Ana Brandão, Diana Costa e Silva,
João Reis, Nuno Casanovas, Pedro
Lima, São José Correia.
Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até
31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
213880089. 7,5€ a 15€.
A Casa dos Anjos
De Luís Mário Lopes. Encenação de
Ana Nave. Pelo Teatro Aberto. Com
Custódia Gallego, Pedro Laginha,
Sandra Barata Belo.
Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç. Espanha.
Até 11/07. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
213880089. 7,5€ a 15€.
Confissões de um carrasco na
hora de ir para a cama
IN Possibilidade
De Joana Furtado. Encenação de
Joana Furtado. Com José Mateus,
Nuno Bernardo, Pedro Barbeitos,
Ruben Garcia, Ruben Saints.
Lisboa. Casa Conveniente. Rua Nova do Carvalho,
11 (ao Cais do Sodré). Até 28/06. 2ª a Dom. às 22h.
Tel.: 964407007.
O Argumento - Product
De Mark Revenhill. Pela Escola de
Mulheres. Encenação de Isabel
Medina. Com Hugo Sequeira.
Lisboa. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A.
Até 30/06. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
213542249. 7,5€ a 10€.
Cabeças Falantes - Festival de
Monólogos.
O Rei Está a Morrer
Homens de Escabeche
De Ana Istarú. Encenação de
António Feio. Pela Seiva Trupe. Com
Joana Estrela, José Fidalgo.
Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n.
Até 30/06. 3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.:
226063000.
Quixote
De António José da Silva. Pelo
Bando. Encenação de João Brites.
Com Catarina Félix, Félix Lozano,
Joana Bergano, Joana Manaças,
Pedro Ramos, Sandra Rosado,
Susana Blazer.
Continuam
De Nuno Preto. Pelo Mau Artista.
Encenação de Nuno Preto. Com Nuno
Preto, Paulo Calatré, Sara Costa, Sara
Pinto Pereira, Susana Madeira, Tânia
Dinis, Teresa Alpendurada.
Festivais Gil Vicente.
Lisboa. Teatro Turim. Estrada de Benfica, 723 A.
Até 26/06. 4ª a Sáb. às 21h30.
Dança
Ivanov
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.
Afonso Henriques, 701. Dia 11/06. 6ª às 22h. Tel.:
253424700. 5€ a 7,5€.
Os Cães
De Alexander Gerner. Encenação de
Alexander Gerner. Com Gonçalo
Ruivo, João Saboga, Miguel Telmo,
Tiago Fernandes.
Lisboa. Teatro da Trindade - Sala Principal. Largo
da Trindade, 7 A. Até 13/06. 4ª a Sáb. às 20h30.
Dom. às 16h30. Tel.: 213420000. 8€ a 14€.
Almada. Teatro Municipal de Almada - Sala
Principal. Av. Professor Egas Moniz. Até 20/06. 4ª a
Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a
13€.
De Anton Tchékhov. Pela Truta.
Encenação de Tonan Quito. Com
António Fonseca, Carla Galvão, João
Pedro Vaz, Joaquim Horta, Paula
Diogo, Pedro Lacerda, Raul Oliveira,
Rita Durão, Sílvia D. Filipe, Tónan
Quito.
Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.:
213420000.
Até Que Deus é Destruído Pelo
Extremo Exercício da Beleza
Porto. Sala-Estúdio Latino. R. Sá da Bandeira, 108.
Até 18/07. 4ª a Dom. às 21h45. Tel.: 919917835. 7,5€ a
10€.
O Saguão
De Spiro Scimone. Encenação de
Jorge Silva. Com Daniel Martinho,
João de Brito, Luis Barros.
Monte Estoril. Teatro Municipal Mirita Casimiro.
Avenida Fausto Figueiredo. Até 12/06. 4ª a Sáb. às
21h30. Dom. às 17h. Tel.: 214670320.
Amor de D. Perlimplim com
Belisa em seu Jardim
De Federico Garcia Lorca. Pela
Candilejas del Desierto Compañia
Teatral. Encenação de José Blanco Gil.
Com José Blanco Gil, Virgínia
Ordoñez, Maria de la Luz Peréz,
Manuela Gomes, Carlos Catarino,
Sérgio Coragem, Manuela Gomes.
Lisboa. Teatro Ibérico. R. Xabregas, 54. Até 13/06. 5ª
a Sáb. às 21h30. Tel.: 218682531. 10€.
Medeia, a Estrangeira
De Patrícia Carreira. Encenação de
Patrícia Carreira. Com Nicole Pschetz,
Carlos Viera de Almeida, André
Amálio, Carolina Matos.
De Vera Mantero. Com Brynjar
Bandlien, Loup Abramovici, Marcela
Levi, Pascal Quéneau, Vera Mantero,
Andrea Stotter.
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.
Dia 12/06. 2ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110.
5€ a 10€.
Los Girasoles Rotos
De Sabine Dahrendorf. Pelo Ballet
Contemporâneo de Burgos. Com
Javier Semprún, Sara Sáiz Oyarbide,
Carlota de Luís Mazagatos, Laura
Molina Herrera, Erick Patrick
Jiménez Vindas, Cristina Calleja
Volado.
Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande
Auditório. Rua Batalha Reis, 12. Dia 12/06. Sáb. às
21h30. Tel.: 271205241. 7,5€.
As Bodas + Fauno + A Sagração
da Primavera
Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 13/06.
4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 22h00. Dom. às 17h. Tel.:
217221770.
Amor com Amor se Paga
De Tchékhov, Strindberg, Ibsen, Karl
Valentin. Pela Companhia Teatral do
Chiado. Encenação de Juvenal Garcês.
Com Alexandra Sargento, Emanuel
Arada, João Carracedo, Manuela
Cassola.
Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viegas/Companhia
Teatral do Chiado. Lg. Picadeiro, 40. Até 31/12. 6ª às
22h. Tel.: 707302627. 25€.
De Eugene Ionesco. Encenação de
João Mota. Com Carlos Paulo, Ana
Lúcia Palminha, Tânia Alves, Rui
40 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Noites Brancas
De Fiódor Dostoiévski. Encenação de
Francisco Salgado. Com Sofia Dinger,
Bernardo Almeida.
Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A.
Pela Companhia Nacional de
Bailado.
Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.
Liberdade, 697. Dia 11/06. 6ª às 21h30. Tel.:
253203800. 12€ a 16€.
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
História
A complexidade da
América
Uma História do Futuro é
uma contradição nos termos.
Schama é um historiador tão
célebre quanto polémico. O
resultado é um contributo
luminoso para se perceber
esse grande país que
funciona (ainda) como o El
Dorado do mundo.
Teresa de Sousa
O Futuro da América
Simon Schama
Civilização
mmmmm
A primeira cena
começa numa
tarde gélida nas
ruas de Des
Moine, Iowa, a 3
de Janeiro de
2008. Termina (na edição inglesa)
com uma terrível interrogação,
inspirada no “Anjo da História” de
Klee. Será Barack Obama o “Anjo da
História” ou o “Anjo impotente” da
História? No caminho, Simon
Schama percorre a história da
América da maneira mais
improvável: a partir de alguns dos
seus actores, na sua maioria figuras
de segundo plano, que representam
as pulsões contraditórias entre o seu
lado luminosos e o seu lado obscuro.
Como ele próprio diz, “é a história
das tensões entre as diferentes
formas de se olhar a si própria”.
Mas comecemos pelo próprio autor. Simon Schama é um historiador
britânico com a sua vida divida irmãmente entre os Estados Unidos (ensina na Universidade de Colúmbia) e
a sua terra natal. Na melhor tradição
britânica, já contou a história da GrãBretanha em 15 episódios transmitidos pela BBC ou, noutra série televisiva famosa, analisou a importância da
pintura na história europeia a partir
de oito quadros consagrados, de Caravaggio a Rothko. A sua obra “The
American Future – a History”, publicada em 2008 e traduzida agora pela
Civilização para língua portuguesa,
serviu de base a uma outra série para
a BBC. É um grande comunicador e
um grande divulgador. Criticado entre alguns dos seus pares por subordinar a form
forma
ma ao conteúdo, a verdade
é que
q e os seus livros se tornam
qu
numa
n
nu
ma leitura compulsiva.
A sua narrativa da
América
a é construc nstruco
ída através de uma viagem com personagens reais que atravessa a Guerra
da Independência e a Guerra Civil,
passa pela emancipação dos escravos no século XIX ou pelo combate
pelos direitos cívicos dos negros nos
anos 60 do século XX, pelas sucessivas vagas de imigrantes que formam
o “melting pot” que faz da América o único país do mundo em que
a multiculturalidade é congénita. O
seu objectivo é descrever o combate de ideias sobre quatro grandes
traços que definem historicamente
a nação americana: a guerra, a religião, a imigração/etnicidade e a abundância. Ele próprio reconhece que a
necessidade de filmar essa história o
levou, muitas vezes, à descoberta das
personalidades que simbolizam este
combate de ideias. Numa entrevista
à PÚBLICA quando do lançamento
da edição portuguesa, dá um exemplo: “Eu andava a tentar encontrar
um fio condutor para a América de
Bush e da Halliburton para a forma
como a guerra do Iraque foi travada,
que corresponde a uma visão brutal
da forma como os problemas devem
ser resolvidos através dos meios militares”. Foi aí que se deparou com
a figura de Montgomery Meigs, um
militar do tempo da Guerra Civil que
simbolizava a tradição oposta sobre o
poder militar. E é daí que parte para
o debate fundador entre Jefferson e
Hamilton para compreender a natureza da República americana: a maior
democracia do mundo versus o maior
império do mundo. “O império da liberdade versus a república cezarista”. Este é o capítulo sobre a guerra.
Há um terceiro sobre a etnicidade
ou, se se quiser, o que significa ser
americano: a tensão entre a América
como o “cadinho de Deus onde todas
as raças da Europa se fundem e se
reforma” (século XIX) ou a América
nativista que combate primeiros os
irlandeses e os alemães, depois os
chineses, depois os mexicanos. “O
fervor da América”, o segundo capítulo, opõe o racionalismo iluminado
de Jefferson e a moralidade cristã oficial de Adams. Um último, sobre a
ideia de abundância, descreve uma
nação que se habituou a não conhecer limites e que se vê hoje diaria-
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“O Futuro da América” é uma leitura obrigatória
para quem quer perceber o que está hoje em jogo
nos EUA e, portanto, no resto do mundo
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Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 41
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Leitura
mente confrontada com os seus
próprios limites.
O livro, como o próprio autor admite, é sobre a complexidade da América e a sua inesgotável capacidade de
superar as crises. Tem uma conclusão:
que “nunca é aconselhável desistir da
América”. Por isso, Schama escreve
na sua introdução: “Poderei indicarvos o preciso momento em que a democracia americana ressuscitou: foi
às 19h45 (hora da Europa Central) do
dia 3 de Janeiro de 2008. O céu cinzento não ostentava nenhum sinal a
dizer ‘Dia Histórico’”. O dia em que o
Iowa fez a sua escolha para candidato
democrata à Casa Branca. Se queremos perceber o que hoje está em jogo,
então a leitura do livro é obrigatória.
A tradução é competente.
Ensaio
O design e as
suas palavras
Uma obra excêntrica mas
essencial: vinte e dois textos
curtos que desmontam
de modo quase casual as
palavras mais comuns do
discurso do design.
Mário Moura
Uma Filosofia do Design
- A Forma das Coisas
Vilém Flusser
(Trad. Sandra Escobar)
Editora: Relógio de Água
mmmmn
No que diz
respeito ao
design, este não é
um livro
particularmente
bonito, nem por
dentro, nem por
fora – o que talvez
afugente algum
do seu público
alvo. É pena, porque é uma obra
excêntrica mas essencial, vinte e
dois textos curtos, cheios de
reviravoltas que, escapando-se a
exemplos óbvios e a nomes
sonantes, desmontam de modo
quase casual as palavras mais
comuns do discurso do design,
desarticulando finalmente a própria
relação deste com a sociedade, a
arte, a ciência, a ética e a cultura.
Começa-se, justamente, pela própria palavra “design”, descobrindolhe novos sentidos a partir de velhas
interpretações. Hoje o termo é associado a “desenho” ou “projecto”,
mas Flusser recupera-lhe outros
significados, mais negativos, como
“conspiração”, “trama” ou “intriga”,
todos sinónimos de “design” na língua inglesa. Visto deste modo, o de42 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Graça Lobo, Virgílio
Castelo e Jorge Silva
Melo lêem excertos de
Samuel Beckett e James
Joyce, no Instituto
sign deixa de ser uma acção neutra,
mas passa a ser visto como algo que
engana, que se atravessa no caminho, nem sempre com as melhores
intenções; quanto ao designer, passa
a ser “um conspirador dissimulado
que estende as suas armadilhas”.
Através do design, engana-se a natureza, substituindo “o que é natural
pelo que é artificial”, transformando
“dissimuladamente simples mamíferos condicionados pela natureza em
artistas livres”. Esta análise etimológica torna-nos “conscientes de toda
a cultura ser uma fraude, de nós sermos burlões burlados, e de qualquer
interesse pela cultura equivaler a um
auto-engano”. Mas será que se pode
redimir o design depois desta tomada de consciência? Flusser confessa
finalmente que a intenção – mais um
sinónimo de design – do seu ensaio é
mostrar os seus aspectos insidiosos;
poder-se-ia igualmente sublinhar a
relação da palavra design com termos
mais optimistas, como as palavras
alemãs Zeichen, “sinal”, Anzeichen,
“indício”, Vorzeichen, “presságio” ou
Abzeichen, “marca distintiva” – tudo
dependendo da intenção ou seja do
design.
A equivalência entre intenção e design introduz um tema recorrente ao
longo do livro: a responsabilidade do
designer e a dificuldade de manter
uma ética convincente dentro do design. A industrialização veio fragmentar os processos de trabalho; tarefas
que eram produzidas por uma única
pessoa, neste momento são distribuídas por longas cadeias de produção,
sendo a responsabilidade dispersa de
igual modo. Já não é possível, portanto, isolar a responsabilidade quando
as coisas correm mal.
É uma visão pessimista, mas Flusser apresenta também algumas soluções. No ensaio “O design: um obstáculo à remoção de obstáculos”, por
exemplo, ele lembra que a palavra
“objecto” se aproxima bastante de
“obstáculo” mas também de “objectar”; um objecto é, portanto, algo que
– tal como o design – se atravessa no
caminho das pessoas. Mesmo quando
se produzem objectos com o intuito
de resolver um problema, de remover
um obstáculo, está-se a criar novos
problemas, novos obstáculos. No
entanto, é possível – e aqui entra de
novo em jogo a intenção – criar objectos não com o fim de se atravessarem
no caminho, mas de dialogarem com
outras pessoas, comunicando com
elas. Para Flusser, a “responsabilidade é a decisão de responder por algo
perante outras pessoas. Significa lealdade em relação aos outros”; estes
objectos, ao colocarem a sua ênfase na comunicação, encarnam uma
responsabilidade perante os outros,
perante a sociedade.
Qualquer um destes ensaios demonstra bem o método de Flusser:
através da etimologia de uma palavra
descobrem-se sentidos inesperados
que permitem pôr em relevo o papel
que esse conceito desempenha ac-
Franco-Português, Lisboa
(inserido no Festival do
Silêncio) a 16 de Junho às
21h30.
tualmente ou a forma como poderá
evoluir no futuro. Por vezes, não se
trata apenas da maneira como uma
palavra muda ao longo do tempo,
mas do modo como é interpretada
em diferentes lugares. Flusser recorre frequentemente ao inglês, ao
alemão, ao francês para ilustrar os
seus argumentos, uma versatilidade
linguística que deriva sem dúvida do
seu percurso: nascido em Praga, em
1920, foi o único sobrevivente da sua
família, desaparecida nos campos de
extermínio; emigraria para São Paulo
em 1940, onde foi director de uma
fábrica de transformadores e professor universitário de filosofia; do
Brasil, voltaria a emigrar nos anos 70,
desta vez para França, tendo vindo
a falecer em 1991, num acidente de
automóvel na sua cidade natal, Praga, à qual regressou para dar uma
conferência.
Os seus textos sobre design, embora publicados num sem número
de revistas e antologias entre 1970
e 1991, só seriam reunidos em livro
depois da sua morte, revelando uma
forma extremamente critica de pensar o design, que não resvala porém
para o moralismo fácil e típico de o
apresentar como algo simplesmente
reprovável, publicidade e consumo
com aspirações a forma de arte, vendo-o sempre como uma tarefa que,
quando é executada de modo responsável é tão importante, complexa, útil
e digna de consideração como outra
coisa qualquer.
Muita desta reflexão será desperdiçada nos próprios designers, para
quem um livro sobre palavras parecerá talvez supérfluo. Por tradição,
os designers não gostam de falar, a
maioria nem gosta de palavras – se
não estivermos a falar de letras, das
suas formas, do seu desenho. Falar
sobre design é uma espécie de derrota, uma admissão que este às vezes
precisa de um empurrãozinho para
funcionar. Dito de outro modo: uma
filosofia do design parece supérflua.
Porém, mesmo o designer mais pragmático passa mais tempo a falar, a
discutir e a argumentar do que gostaria de admitir – também para ele,
as palavras são ferramentas.
Presença da
“presença”
Indícios de Oiro – Volume I
Eugénio Lisboa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
mmmnn
Publicado há
vários meses mas
tardiamente
distribuído,
“Indícios de Oiro”
assinala os oitenta
anos de Eugénio
Lisboa, que
correspondem a
décadas de
intervenção crítica. Autor de obras
ensaísticas importantes, como
“Crónica dos Anos da Peste” (19731975), Lisboa andou na órbita
“presencista”, tendo estudado em
especial a obra de José Régio, de
quem foi amigo.
Os dois grossos volumes de “Indícios de Oiro”, que reúnem textos
dispersos, também são, de algum
modo, crítica presencista. Não porque se ocupam apenas dos escritores
ligados à revista coimbrã, mas porque os ensaios partem de pressupostos críticos afins aos de Régio e seus
colegas. O próprio título é, além da
homenagem poética óbvia, um sinal:
Lisboa procura “indícios”, ou seja,
intuições críticas, do “oiro”, que
corresponde ao que Régio chamava
“um caso”. Interessa-lhe encontrar
intuitivamente os grandes casos da
literatura, nomeadamente da portuguesa. Embora tenha sido professor
universitário, Eugénio Lisboa tem
uma mentalidade ostensivamente
não-académica, e a sua tendência
polémica tem como alvo frequente a
universidade portuguesa, e o cânone
que esta terá estabelecido.
Lisboa rejeita algumas ideias dominantes. O domínio do significante
sobre o significado, a tendência hermética, e aquilo a que chama o “vocabulário ingramável” e a “sintaxe
teratológica”. Por mais equívoca que
sejam essas palavras, defende no essencial uma literatura de realismo e
claridade. Um realismo plural, aberto
ao social e ao metafísico. E uma claridade de simplicidades aparentes, com
zonas de sombra. Ocupando-me nesta
recensão apenas do primeiro volume
(sobre autores portugueses), direi que
é notória a valorização de autores que
estão do lado de uma certa “legibilidade”, como Namora ou Eugénio. No
que ao romance diz respeito, a bíblia
de Lisboa é o Forster de “Aspects of
the Novel” (1927). O ensaísta faz justiça
aos contistas portugueses, em textos
lúcidos sobre Domingos Monteiro,
Branquinho da Fonseca e Maria Judite
de Carvalho, que apontam diferentes
caminhos realistas, do comezinho ao
inquietante: “ (…) nas narrativas de
Domingos Monteiro, nada é só o que
parece: o real não é só real e sugere
ou coabita com ou promove o sobrenatural, as pessoas são mais do que à
primeira vista nos é transmitido, as
histórias despretensiosamente contadas são mais do que histórias bem
contadas, a vida aparentemente mais
banal transmuta-se em destino, o banal quotidiano enche-se inesperadamente de conteúdo mítico ou simbólico (…)” (pág. 210).
O ensaísta também não aceita certos “diktats” intelectuais, como aquele que menospreza o biografismo. Ao
contrário, acha úteis as biografias bem
feitas, e na recensão a uma vida de
Júlio Dinis (paradigma da legibilidade) mostra como se criam falsas imagens dos escritores, no caso de um romancista que, segundo Eça, “viveu
de leve, escreveu de leve, morreu de
leve”, resumo que Eugénio Lisboa
considera escandaloso. Lisboa recupera igualmente autores ignorados por
causa da sua discrição, enaltecendo
o regionalismo vernáculo de João de
Araújo Correia ou o minimalismo ensimesmado de Saul Dias. O negregado
“psicologismo” também é resgatado, e
Lisboa diz que o que serve para Proust
também há-de servir para a pátria. E
há ainda um perceptivo ensaio que
demonstra que David Mourão-Ferreira
não é, como se julga, um poeta totalmente luminoso.
Às vezes aparecem juízos bastante
discutíveis. Será verdade que Urbano
Tavares Rodrigues nunca é toldado
pela cegueira partidária, como aqui
se diz? Que Sílvio Lima foi o nosso
maior ensaísta? Que o instinto sexual é decisivo em Torga? Pontos que
ficam por provar. Em contrapartida,
o autor tem intuições e deduções excelentes, como as páginas sobre um
Rodrigues Miguéis americano que
nunca saiu de facto de Lisboa, ou
sobre a correspondência de Jorge
de Sena que rasura a interioridade.
E também há belos textos de literatura comparada: a aproximação de
“A Selva” a “Heart of Darkness” ou a
noção de exílio em Pessoa e Cavafis.
Nem todos os ensaios são elogios: o
autor é severo com a obsessão Nobel de Vergílio, e ajusta velha contas
presencistas com Casais Monteiro. Se
Eugénio Lisboa abusa das citações, é
verdade que também regista os factos, alguns menos conhecidos, para
que possamos formar o nosso juízo.
O volume I de “Indícios de Oiro”
acaba menos bem, com um punhado
de textos sobre alguns autores dispensáveis que deslustram um pouco
o critério exigente de Eugénio Lisboa.
Mas começa muito bem, com evocações em que a literatura não se distingue da vida. É o caso de um Camões
visto do Índico (o autor nasceu em
Moçambique), ou dos tocantes textos
sobre Camilo como autor que nos faz
companhia (com o pai em fundo). É
também na “vida” (e não apenas nos
“textos”) que encontramos o oiro e
os indícios. Pedro Mexia
Um bispo e um
céptico olham-se
na praça
Diálogo em Tempo de Escombros
Manuel Clemente com José Manuel
Fernandes
Pedra da Lua
mmmnn
A primeira
virtude desta obra
é trazer para o
espaço público o
debate de ideias,
raro em Portugal.
Não é conversa de
café ao sabor do
vento circulante,
nem uniformizada no politicamente
correcto dominante sobre cada
tema. Antes aprofunda razões,
cruzando referências e saberes, com
uma linguagem acessível de invulgar
qualidade e riqueza.
O debate protagonizado em “Diálogo em Tempo de Escombros” por
José Manuel Fernandes, ex-director
do PÚBLICO, “duplamente céptico,
face ao país e face a Deus”, e Manuel
Clemente, bispo católico do Porto,
coloca questões arredadas do debate político e social: a actual situação
portuguesa e as suas causas históricas, a educação, economia, papel do
Estado, lugar da Igreja Católica e da
afirmação crente no espaço público,
e a figura de Bento XVI.
Há três textos de cada autor, iniciados com perguntas de José Manuel
Fernandes. O prefácio é de José Tolentino Mendonça.
Não é nova a experiência de ler um
crente e um não-crente em diálogo,
há experiências anteriores: Umberto
Eco e o cardeal Carlo Martini (“Em
que Crê Quem Não Crê”, ed. Gráfica de Coimbra); Joseph Ratzinger (o
actual Bento XVI) com Jürgen Habermas (revista Estudos) ou com Flores
d’Arcais (“Existe Deus?”, ed. Pedra
Angular); ou Eduardo Prado Coelho
e D. José Policarpo (“Diálogos sobre
a Fé”, ed. Notícias).
Sendo um debate de ideias, vale a
pena enunciar e discutir algumas. José Manuel Fernandes manifesta o seu
pessimismo em relação a Portugal,
país “estruturalmente pobre” e dependente dos poderes públicos; per-
gunta se os católicos mais aguerridos
não são os que têm orientações mais
conservadoras e se a moral sexual da
Igreja não está hoje ultrapassada; interpela a capacidade de intervenção
da Igreja no espaço público ou as mudanças que Bento XVI deveria protagonizar; enuncia as ideias da “terceira
vaga de ateísmo”; e reconhece que
o sistema de ensino perpetua desigualdades.
Manuel Clemente defende a democracia mais participada, com escuta
e ponderação, na qual crentes e nãocrentes se encontrem numa cidadania comum; reconhece a “escassa”
qualidade do catolicismo português;
admite a possibilidade do debate sobre temas como o celibato; verifica o
individualismo da pós-modernidade;
lamenta a extinção da componente
religiosa da educação portuguesa em
1759 (expulsão dos jesuítas) e em 1834
(extinção das ordens religiosas); defende a pedagogia que valorize cada
aluno e observa a esperança que se
descobre no trabalho de muitas instituições, pessoas e grupos.
Dois tópicos para a discussão: José
Manuel Fernandes coloca o ónus de
muitos dos problemas do lado da política. Mas, hoje, o verdadeiro poder
está nos grandes grupos financeiros,
que ninguém elegeu e dos quais dependem os próprios políticos. Basta
ver a actual crise e as promessas de
maior regulação dos “mercados”. E
ver como não estamos perante empresas do PSI20 cujo destino depende
“das suas relações com o governo”,
mas precisamente do seu contrário:
FERNANDO VELUDO/ NFACTOS
ENRIC VIVES-RUBIO
O debate protagonizado por um José Manuel Fernandes “duplamente céptico, face ao país e face a Deus”,
e Manuel Clemente, o bispo do Porto, coloca questões arredadas do debate mais mediático
governo e políticos dependentes de
interesses de empresas. A encíclica
de Bento XVI Caritas in Veritate (Caridade na Verdade), que o ex-director
do PÚBLICO bem cita, diz que “é causa de graves desequilíbrios separar o
agir económico do agir político, cuja
função seria buscar a justiça através
da redistribuição”.
D. Manuel Clemente nota, a propósito da pós-modernidade e do
subjectivismo subjacente, que “palavras como efémero, intenso, lúdico
tornaram-se vulgares”. Mas este é o
quadro ao qual o catolicismo é hoje
chamado a responder. A própria fé é
individual, mesmo se vivida em matriz comunitária, genética ao cristianismo. O próprio D. Manuel escreve:
“Cristo converte-nos à realidade de
cada pessoa, não à irrealidade do todo.” Por isso, a subjectividade há-de
ser tida em conta em questões como a
moral sexual. Para evitar que muitos
católicos convivam mal com o facto
de outros terem posições diferentes
sobre o aborto, por exemplo, mas
não se espantem com os católicos que
defendem actos como a intervenção
dos Estados Unidos no Iraque, apesar de a guerra ser “uma derrota da
humanidade” na expressão de João
Paulo II.
Última nota: José Manuel Fernandes reconhece o “preconceito
anti-religioso hoje dominante na
maioria dos meios de comunicação
social”; D. Manuel Clemente fala de
uma “resistência à crença” na política e nos média; no prefácio, a ler
também com atenção, Tolentino
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 43
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Bestseller
Ficção
Matemática
da sociedade
britânica
Um romance sobre a
diferença – de culturas,
de classes, de orientações
sexuais – e sobre as ideias
contraditórias num tempo
particular.
Helena Vasconcelos
O Escriturário Indiano
David Leavitt
Ed. Teorema
mmmmn
Em 1913, a crise
política e
económica na
Europa é já uma
realidade mas em
Cambridge,
Inglaterra, a vida
segue as mesmas
rotinas. Na
Universidade
centenária que observa ainda, quase
intactos, os preceitos e normas
medievais, a busca do conhecimento
e as demonstrações de sabedoria
convivem com praxes e rituais fora
de moda. A Matemática mantém-se,
desde Sir Isaac Newton, como
disciplina obrigatória para todos os
cursos, sendo os alunos obrigados a
passar o “Tripos”, teste rebuscado e
inútil contra o qual se rebela G.H.
Hardy, figura central de “O
Escriturário Indiano”, romance
histórico do americano David Leavitt
que regressa (depois do arriscado
“Enquanto a Inglaterra Dorme” que
lhe valeu um processo por plágio
interposto por Stephen Spender) ao
tema da complexa e hierarquizada
sociedade britânica.
Hardy, um matemático famoso e
uma das mentes mais brilhantes da
sua geração, trabalha na demonstração da hipótese de Riemann, um
problema que envolve os números
primos – Leavitt é, também, autor de
uma breve biografia do matemático
Alan Turing, o “pai” dos computadores –, quando recebe uma carta vinda
da Índia, enviada por S. Ramanujan,
um simples empregado num escritório em Madras, que afirma que descobriu sozinho, e sem o benefício de
qualquer formação académica, a so44 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
dos mais vendidos do
mercado nacional. É
uma extensão do volume
“Eclipse” e é contada pela
voz da jovem vampira
Bree Tanner, que tem uma
breve aparição nesse
livro. Na Grã-Bretanha, no
primeiro dia, venderamse 79 exemplares por
lução para esse e outros problemas. mais uma vítima colateral devido às literalmente de Ramanunjan. A sua
Deslumbrado com os exemplos doenças que contrai nesse período – atitude possessiva é, no romance,
apresentados por Ramanujan, Har- consequência da má nutrição e falta semelhante à de Alice Neville, a mudy desenvolve esforços – juntamen- de vitaminas – em que a escassez de lher de outro matemático que acote com o seu colega e amigo J.E. Lit- alimentos se torna ainda mais cruel lhe o indiano nos primeiros tempos
tlewood – para trazer “a máquina para um vegetariano convicto.
e se preocupa com o seu bem-estar,
calculadora indiana” para InglaterNuma época em que o individualis- lançando-se em cómicas aventuras
ra. Depois de grandes dificuldades, mo é exaltado, G.H. Hardy surge, em culinárias vegetarianas e alegando
Ramanujan chega e, com ele, uma “O Escriturário Indiano”, como um que Ramanujan só é bem tratado em
torrente de exotismo e estranheza. herói moderno: um matemático so- sua casa. Os seus ciúmes erótico-maEntre Hardy, o revolucionário que bredotado, o único que, inicialmente, ternais competem com os de Hardy
se libertou da tradicional corrente compreende o valor de Ramanujan, que, para além de ignorar a cultura e
newtoneana, conhecido pelas suas o intelectual dedicado, o esteta, o necessidades do seu excêntrico condescobertas no âmbito da Teoria dos homossexual discreto, o pacifista e vidado, desenvolve um certo fascínio
números e da Análise matemática, e o homem coerente e corajoso que predatório por Ramanujan que ele
o indiano que desde criança se en- apoia Bertrand Russell quando este imagina como “um jovem Gurka de
tretém a formular “quadrados mági- é julgado e preso. No entanto, o au- espada em punho”.
cos” e que faz descobertas sucessivas, tor não foca apenas estes aspectos da
Mais do que a história de uma relacriando teoremas e conjugações de sua personalidade, detendo-se em ção extraordinária num tempo extrarara beleza, surge uma colaboração zonas bem mais obscuras como o seu ordinário, “O Escriturário Indiano” é
estreita mas não isenta de atritos. sentimento de culpa pelo suicídio do um romance sobre a diferença – de
Mais tarde, Hardy dirá que a convi- amante, o desprezo pela vida conju- culturas, de classes, de orientações
vência com Ramanujan foi o único gal dos seus colegas heterossexuais, a sexuais – e sobre as ideias contradiepisódio romântico da sua vida mas arrogância intelectual e os complexos tórias num tempo particular. Leavitt
engane-se quem pensa que ele esta- por não pertencer ao mesmo estra- aproveita para retratar Cambridge
ria a referir-se (apenas) a um aspecto to social que os seus amigos. Hardy como um microcosmos onde alguns
sentimental.
também é criticado pela forma co- dos melhores pensadores acabam
Hardy é um homem de Cambridge, mo, em nome da Ciência, se apodera por ser derrotados pela máquina de
um membro activo da célebre sociepropaganda bélica e introduz aparidade secreta “Os Apóstolos” – à qual
ções relâmpago de, por exemplo, Witpertenceram figuras ilustres como
tgenstein e D. H. Lawrence, bem com
Bertrand Russell, G. E. Moore, John
referências especiais aos membros
Maynard Keynes e Lytton Strachey –,
do Bloomsbury Group que acolhia
um homossexual assumido e um ateu
os pacifistas mais ferrenhos.
convicto; Ramanujan é “o outro”, o
A Guerra, para além do campo de
estrangeiro oriundo de uma terra
batalha que clama milhões de vidas
exótica e distante, o hindu ortodoxo,
e tudo destrói (a Biblioteca de Louvegetariano, ascético e distante que
vaina, onde estudou Damião de Góis,
afirma que a sua singularidade como
é arrasada pelos alemães que assim
matemático é devida à intervenção
fazem desaparecer milhares de madirecta de uma deusa (Namagiri) – o
nuscritos góticos e renascentistas)
é, também, a arena onde a Razão
que, obviamente, irrita Hardy.
Com o deflagrar da Guerra, Raé destronada pela barbárie,
manujan é obrigado a ficar em
onde os nacionalismos se
Cambridge mais cinco anos,
sobrepõem aos princípios
um tempo que Leavitt desfilosóficos e científicos –
creve com (demasiada)
Hardy afirma não distinlentidão e minúcia. Mais
guir um matemático frando que contar as pecês de um alemão, de um
ripécias do trabalho
inglês, de um indiano, uma
em conjunto dos
vez que o que interessa são os
respectivos trabalhos – e onde
dois matemátios melhores amigos se tornam
cos, aproveita
inimigos.
para perspecNeste livro, Leavitt trata a Mativar o início
temática como uma metáfora da
do século XX
individualidade, da liberdade, da
e o despertar
inteligência e da criatividade em
do Modernistempos sombrios, sem descurar a
mo, com a sua
crença inicial no
verosimilhança e vivacidade que
poder do ser humainsufla nas suas personagens, mesno para recriar e memo nas que são fictícias, como
lhorar o mundo, com Mais do que sobre uma relação extraordinária num Anne, a amante de Littlewood, e
a ajuda da Ciência, tempo extraordinário, David Leavitt debruça-se
Thaye, o soldado amante de Haraqui sobre a diferença – de culturas, de classes,
dy, que dão corpo a algumas das
crença essa que é
de orientações sexuais
cenas mais eróticas do livro.
duramente posta à
prova pela barbárie
No final, fica o som da voz
da Guerra que acacáustica de Hardy, o seu voo
ba por reclamar
pelas alturas da matemática
um número astropura e o que escreveu na sua
nómico de vítimas.
“Apologia de um Matemático”
Ramanujan, que
: “nada do que fiz ao longo da
vida teve a menor utilidade
nunca consegue
adaptar-se ao Inprática. Nenhuma das miverno, aos trajes,
nhas descobertas fez ou
à alimentação,
fará, para o bem ou para o
mal, a menor diferença paaos costumes ingleses, morrerá, será
ra melhorar o mundo”
ZUNINO CELOTTO/GETTY IMAGES)
Mendonça nota o “paradoxo” de
“idealizar uma sociedade aberta e,
ao mesmo tempo, clandestinizar uma
porção fundamental dela”, como seja a experiência crente. A debater.
António Marujo
“A Breve Segunda Vida de
Bree Tanner: Uma Novela
de Eclipse” (ed. Gailivro),
o novo livro da Saga Luz
e Escuridão, de Stephenie
Meyer, publicado em
Portugal a 5 de Junho
em simultâneo com a
edição norte-americana
e inglesa, já está na lista
minuto. E até à meia-noite
de 5 de Julho, o original,
“The Short Second Life
of Bree Tanner”, pode ser
lido online, de graça, em
www.breetanner.com.
Uma prenda de Stephenie
Meyer para os seus fãs.
A haver um traço distintivo
na escrita de Elsa Morante,
o sentimento de perda será
o mais eloquente
Iniciação
e castigo
Elsa Morante coloca as suas
personagens no centro
da mais absoluta solidão.
Eduardo Pitta
A Ilha de Arturo
Elsa Morante
(Trad. Hermes Serrão)
Relógio D’Água
mmmmn
Ao contrário de
seu marido,
Alberto Moravia, a
poeta e escritora
italiana Elsa
Morante (19121985) é uma
ilustre ausente da
edição
portuguesa.
Agora, ao fim de 50 anos, “A Ilha de
Arturo” volta às livrarias.
Aparentemente, a tradução de 1960
não suscitou o interesse pela obra,
nem sequer por “Il mondo salvato
dai ragazzini”, os magníficos poemas
que coligiu em 1968.
Elsa Morante escreveu “L’Isola di
Arturo” em 1956. Este romance de
iniciação obteve instantâneo sucesso
de público e de crítica, valendo-lhe
o Prémio Strega. Em 1962, Damiano
Damiani adaptou-o ao cinema. “Memorie di un fanciullo” (subtítulo do
livro) tem acção localizada na ilha de
Prócida, onde vive Arturo. A casa que
serve de cenário à intriga foi durante
dois séculos um convento de frades,
passando depois a quartel. É nesse
território masculino que Arturo cresce, ao lado de Silvestro, um antigo co-
SÃO
LUIZ
JUN ~1O
16 A 19 JUN FESTIVAL
CHOPIN
silva!designers
Ciberescritas
Ponto de não retorno
Q
uando S. chegou a Lisboa, depois de uma
viagem a Nova Iorque, sentou-se no sofá da
sala e lamentou não ter trazido na mala um
iPad, o novo tablet da Apple, que ainda não
se sabe quando estará à venda em Portugal.
M. não foi a Nova Iorque, mas mal soube
que o iPad ia ser vendido em Espanha, encomendou um
através da net para ser entregue na morada de familiares
que vivem naquele país. Quando o aparelho chegou às
suas mãos, em Lisboa, M. percebeu que nada ia voltar
a ser como antes. Percebeu que está a acontecer uma
revolução na forma como lemos jornais e revistas. Para
isso bastou-lhe ir buscar a nova aplicação que a revista
norte-americana “Wired” fez para o iPad. Ler esta revista
num iPad, com todas as possibilidades que um ecrã táctil
dá ao leitor, é fantástico. De repente, uma publicidade
a um carro transforma-se num jogo interactivo. Uma
imagem numa entrevista passa a ser, ao toque de um
dedo, um vídeo com o entrevistado. Uma infografia
ganha vida, muda de cor. Tudo isso graças ao deslizar e
toque dos dedos. Há uma sensação de proximidade que
não se tem quando se lê num computador.
Quando peguei num iPad pela primeira vez, não foi
amor à primeira vista. Mas as semanas vão passando, e
agora o tablet da Apple não me sai da cabeça.
Um iPad é muito mais pesado que um Kindle.
Escrever no iPad é uma maçada e as dedadas ficam no
ecrã e os reflexos também. Mas a rapidez do aparelho
é impressionante. Ler banda-desenhada, por exemplo,
com a aplicação da Marvel para o iPad, é entrar noutra
dimensão. Ler livros infantis
no iPad ou a versão de “Alice
no País das Maravilhas”
da AtomicAntelope é um
divertimento. No You Tube já
se encontram vídeos onde se
podem ver crianças de dois
anos e meio a interagirem
com o aparelho.
Na segunda-feira, Steve
Jobs, durante a apresentação
do novo modelo do iPhone, o smartphone da Apple,
disse que se vende um iPad em cada três segundos e
que já foram vendidos mais de um milhão de aparelhos
em 28 dias. Acrescentou: foram descarregados mais
de 5 milhões de livros para estes aparelhos, durante os
primeiros 65 dias de funcionamento da loja dedicada aos
livros em formato electrónico da Apple, a iBookstore.
Falou em 2,5 livros por cada aparelho vendido, mas não
especificou se os livros descarregados eram gratuitos.
A aplicação iBooks, além de estar disponível no iPad,
vai passar a estar também disponível no iPhone 4 como
um download gratuito através da App Store. A aplicação
inclui a iBookstore, que permite procurar, comprar
e ler livros num dispositivo móvel e que tem mais de
60 mil títulos disponíveis. Quando se estiver a ler um
livro podem fazer-se marcas, destaques e notas. Os
utilizadores do iBooks poderão também ler e gravar PDF
directamente na aplicação. E vão poder ler o mesmo
livro no seu iPad, no iPhone ou no iPod touch.
A Sony fez uma sondagem nos EUA e percebeu que
11 por cento dos americanos que compraram um iPad o
fizeram porque queriam ler livros. “Daqui a cinco anos
vai ser vendido mais conteúdo digital do que impresso”,
afirmou ao “The Telegraph” Steve Haber, o presidente
da divisão da Sony que se dedica aos leitores digitais. No
mercado editorial e dos e-books, diz ele, chegou-se ao
ponto de não-retorno.
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
zinheiro, “doublé” de ama-seca, que
o alimenta com leite de cabra.
No tempo do anterior proprietário,
Romeo, o Amalfitano, ficaram famosas as festas onde só eram admitidos
rapazes muito jovens, grande parte
dos quais, depois da sua morte, apareceram a reclamar presentes. Na
Casa dos Guaglioni, assim chamada
na terra, não entravam mulheres (em
dialecto local, “guaglioni” é um termo pejorativo para rapazinho). Romeo era o amigo dilecto de Wilhelm
Gerace, a quem deixou a propriedade
em herança. É ali que Wilhelm instala a mulher e o amante, inibindo
a primeira de interferir na sua vida:
“E não será a ti, minha menina, que
terei de dar conta das minhas fantasias! [...] E se tu pensas, pobre boneca piolhosa, se tu pensas que, lá
por sermos casados, tenho de ficar
agarrado aos teus farrapos, é melhor
que te desenganes desde já.” Fez-lhe
um filho, naturalmente.
Arturo, o protagonista, tem catorze
anos. Órfão de mãe, mantém com o
pai uma relação distante. Vive encerrado no mundo da heroicidade viril
das narrativas de cavalaria, tendo
por horizonte a baía de Nápoles e o
afecto da cadela Immacolatella. Mas
Immacolatella morre ao parir cinco cachorrinhos. À ilha, Arturo viu
chegar Nunziata, nova mulher do
pai, adolescente pouco mais velha do
que ele: “Ninguém pensaria que fosse
uma noiva [...] Ora, é verdade que
uma mulher com quinze ou dezasseis
anos [...] já é grande e desenvolvida,
ao passo que um rapaz [...] é considerado uma criança.” A pouco e pouco, Arturo desenvolve uma atracção
pela madrasta, ao mesmo tempo que
o pai se apaixona por Tonino Stella,
um recluso da penitenciária local que
beneficiou de amnistia. Arturo não
gosta desse homem de musculatura
ostensiva e “passo elástico e vigoroso
de jóquei” que domina o pai. Um dia,
abandona Prócida na companhia de
Silvestro: “À volta do nosso navio, o
mar era todo uniforme, infinito como
um oceano. Já não se via a ilha.” A
guerra está iminente, e Arturo disposto a oferecer-se como voluntário
para escapar ao “huis clos” em que
a casa se transformara.
Filha “bastarda”, como então se
dizia, Elsa Morante coloca as suas
personagens no centro da mais absoluta solidão. Se podemos isolar
um traço distintivo, o sentimento de
perda será o mais eloquente. Sobre
este livro em particular, disse várias
vezes (como Flaubert da Bovary)
“Arturo sou eu”. Nunca saberemos
como seria se o tivesse escrito hoje,
livre de ambiguidades identitárias e
do discurso oblíquo (e oblíquo apesar
do realismo das imagens) dos anos
1950. Ou se a dicotomia entre uma tez
loura e outra morena — Wilhelm Gerace, filho de mãe alemã, é um louro
genuíno; Arturo, como Tonino Stella
e os habitantes da ilha, são morenos
de olhos escuros — seria expressa do
mesmo modo.
ANTÓNIO
ROSADO
16 JUN
RECITAL DE PIANO
QUARTA ÀS 21H00
SALA PRINCIPAL M/3
17 E 18 JUN
COM A ORQUESTRA
METROPOLITANA
DE LISBOA
MAESTRO
JEAN-SÉBASTIEN BÉREAU
QUINTA E SEXTA ÀS 21H00
SALA PRINCIPAL M/3
19 JUN
MÁRIO
LAGINHA
TRIO
SÁBADO ÀS 21H00
SALA PRINCIPAL M/3
APOIOS
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS
Quando peguei num
iPad não foi amor à
primeira vista. Mas
agora o tablet da Apple
não me sai da cabeça
iPad
http://www.
apple.com/pt/
ipad/
http://www.apple.com/pt/ipad/
apps-for-ipad/
iBooks
http://www.apple.com/pt/ipad/
features/ibooks.
html
As crianças
e o iPad
http://www.
youtube.com/wa
tch?v=pT4EbM7
dCMs&feature=r
elated
[email protected]
http://www.youtube.com/watch?
v=bhdoHtnD4Ts
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/
ciberescritas)
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 45
Concertos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito
mmmmmMuito BommmmmmExcelente
Bomm
mm
m
mm
mm
mmE
Ex
xc
ce
elente
Festival
Os The Fall, uma das mais
resistentes instituições
nascidas do pós-punk
britânico (acabam de
lançar “Your Future Our
Clutter”, o seu 28.º álbum
de estúdio), são o nome
maior do festival
M
Milhões de
F
Festa, que vai
acontecer
em Barcelos,
rock dos Valient Thorr,
a pop electrónica de
Appaloosa, a estranha
música de dança dos
Crystal Fighters, bem
como os filhos da terra
Black Bombaim, Aspen,
Alto!, entre outros. O
cartaz, que ainda não
está fechado, pode ser
consultado em http://
www.milhoesdefesta.com.
O activismo de Ursula Rucker quinta-feira
em Lisboa, no Festival Silêncio!
Pop
Com que voz
Meredith Monk num
concerto único na Guarda.
Mário Lopes
Meredith Monk Vocal Quartet
Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande
Auditório. Rua Batalha Reis, 12. 5ª, 17, às 21h30.
Tel.: 271205241. 15€.
Dizer que a música de Meredith
Monk é única, sendo certo que o é,
soa tanto a cliché quanto a perene
classificação dos Rolling Stones
como “reis do rock’n’roll”. Mas a
verdade é esta: Meredith Monk,
nascida em 1942 em Nova Iorque,
preservou para si um espaço
singular na música das últimas três
décadas. Música, compositora,
performer, coreógrafa ou
realizadora, Monk nunca
conteve a sua criatividade
em espaços estanques,
como se revelará ao
público que assistir na
próxima quinta-feira, dia
16, ao seu concerto no
Teatro Municipal da
Guarda, data única em
Portugal.
A sua marca mais
identificável é a
voz que Meredith
Monk despe de
palavras para
descobrir
novos
Meredith Monk, a voz interior mais singular
da América, faz-se acompanhar por três
elementos do seu Vocal Ensemble
46 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
entre 23 e 25 de Julho.
A banda de Mark E.
Smith, o único membro
permanente dos Fall,
actua no segundo dia
do festival. O cartaz,
com mais de 60
bandas, produtores e
DJ, repartidos por três
palcos, conta ainda
com a electrónica cheia
de sol dos Delorean, o
significados no som, mas esse é
“apenas” um dos elementos da sua
intervenção. Exemplo fácil: na
década de 1980, realizou os filmes
“Ellis Island” e “Book of Days”. Claro
que não eram apenas cinema, eram
ópera e instalação, e tiveram
também existência em palco e em
disco.
“Formada” nos circuitos
vanguardistas nova-iorquinos na
década de 1960, movimentando-se
entre as artes de palco e as formas
musicais, teria no minimalismo de
Steve Reich ou de Philip Glass as
suas bases fundadoras.
O óbvio, pela segunda vez, será
referirmo-nos à densidade onírica
da sua música, que Björk, para o
bem e para o mal, tomou como
referência, e à forma como as suas
técnicas vocais nos ligam a algo tão
próximo do animismo quanto de
uma ideia de meditação (budista?).
Abrangente, presente em
bandas sonoras de
Godard e dos Coen,
com obra exposta no
passado no Lincoln
Center ou no
Whitney Museum,
Meredith Monk
apresentou na
primeira década
do século XXI a
sua primeira
peça para
orquestra,
“Possible
Sky”,
encomendada pela New World
Symphony, e a primeira composição
para quarteto de cordas,
“Stringsongs”, para o Kronos
Quartet. Na Guarda, surge em
formato mais “clássico”. Ou seja,
incluída no Vocal Ensemble que
fundou em 1978 e que vem sendo
um dos seus formatos de actuação
musical privilegiados. A acompanhála estarão Theo Bleckmann, Allison
Sniffin e Katie Geissinger.
O silêncio
é uma arma
Ursula Rucker + JP Simões
Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do
Sodré. 5ª, 17, às 23h. Tel.: 213430107. 12€.
Festival Silêncio! 2010 - Lisboa
Capital da Palavra.
O silêncio, como bem sabemos, é
um bem cada vez mais raro. Na
cidade então, é praticamente
inacessível. Caminhamos a olhar
para ecrãs, a ouvir vozes debitarem
informações e publicidade, a
receber música a toda a hora, em
todo o lado, numa lógica que reduz
tudo a um ruído de fundo
incessante, ladainha contínua a que
já não reconhecemos sentido.
O Festival Silêncio surge, logo pelo
título, como uma espécie de
resistência. Porque é um festival das
palavras, da força do verbo. Porque
pretende que o público seja
transportado no que ouve, que
discuta o que lê. A segunda edição,
que decorre entre 16 e 26 de Junho,
será um evento multidisciplinar
espalhado por toda a cidade de
Lisboa, entre o Goethe-Institut, o
Instituto Franco-Português, o Maria
Matos, o cinema Nimas e o MusicBox.
Dia 17, quinta-feira, este último acolhe
os primeiros grandes destaques
musicais do festival, a americana
Ursula Rucker e o português JP
Simões.
Primeiro sobe a palco JP Simões, o
músico, cantor e compositor que,
quer nos Quinteto Tati quer no seu
trabalho a solo (“1970” é um dos
álbuns portugueses mais marcantes
da década), se firmou como um dos
nossos grandes “prosadores” em
canção, um ensaísta (a contragosto,
certamente) da sua geração. Depois
dele, chega Ursula Rucker, uma das
mais célebres representantes da
“spoken word” na música popular. No
mundo pós hip-hop, a cantora e poeta
nascida em Filadélfia descobriu na
palavra a força do seu activismo. A
sua música, onde a electrónica e o
hip-hop se juntam a ecos da soul e
do jazz das décadas de 60 e 70,
existe para dar força àquilo que
Rucker tem para dizer. Vence pelo
poder da sua expressividade e pela
justeza das palavras sobre a condição
feminina, a política (com Rucker à
esquerda), a ecologia, a igualdade.
Em álbuns como “Supa Sista”, ou no
último, “Ruckus Soundsysdom”, de
2008, não abre novos campos de
debate, intensifica o discurso sobre os
de sempre.
Até 26 de Junho, o Festival Silêncio
acolhe debates e conferências,
tertúlias em volta de livros, concertos
e “poetry slams”, contando com a
presença, no que à música diz
respeito, de nomes como Saul
Williams e João Peste (dia 25) ou
David Maranha, Richard Youngs e
Manuel Mota, estes últimos reunidos
em formato trio no Maria Matos (dia
21).
Jazz
Inclassificáveis!
Uma das maiores bandas do
mundo (“New York Times”
dixit) de visita a Lisboa: The
Necks. Rodrigo Amado
The Necks
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 4ª, 16, às
22h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.
Os australianos The Necks, que
chegam à sala principal do Maria
Matos, em Lisboa, na próxima
quarta-feira, têm vindo a conquistar
a unânimidade da crítica e do
público num ponto essencial – os
seus espectáculos são considerados
uma das melhores experiências em
concerto da actualidade. E porquê?
Aparentemente ninguém o sabe
dizer, mas os inúmeros relatos de
concertos que a banda tem realizado
por todo o mundo referem coisas
como “uma experiência quase
religosa”; “é um total mistério como
três músicos conseguem soar como
18”, “uma vibrante viagem
emocional para o desconhecido”.
Partindo do zero absoluto, sem
regras ou planos pré-definidos, Chris
Abrahams no piano, Lloyd Swanton
no contrabaixo e Tony Buck na
bateria conjuram um novo mundo
sónico que se encontra em
permanente mutação, de disco para
disco, de concerto para concerto,
iludindo classificações e executando
La Shica, da Andaluzia
para o Theatro Circo, em Braga
The Necks, ninguém no jazz
faz concertos como os deles
O Keefe Jackson Quartet aterra
em Viseu e Lisboa vindo de Chicago,
a cidade do jazz
uma alquimia rigorosa cujos
ingredientes são o minimalismo, a
livre improvisação, o rock, o jazz, o
experimentalismo, a erudita
contemporânea ou, pura e
simplesmente, o som.
contemporânea nascida a partir do
duo de flauta de flauta e percussão
de Paula Azguime e Miguel Azguime,
têm este fim-de-semana uma
segunda etapa no Centro Cultural de
Cascais. Será uma dupla
comemoração, uma vez que se
assinalam também os 50 anos de
Miguel Azguime com um concerto
pelo Sond’Ar-te Electric Ensemble
(hoje, às 21h30) integralmente
Keefe Jackson Quartet
preenchido com obras a solo deste
Viseu. Teatro Viriato - Café-Concerto. Lg. Mouzinho
compositor e percussionista, que ao
Albuquerque. 4ª, 16, às 22h. Tel.: 232480110. 3,5€.
longo das últimas décadas tem
Lisboa. Centro Cultural de Belém - Cafetaria
desenvolvido uma linguagem de
Quadrante. Praça do Império. 5ª, 17, às 22h. Tel.:
grande liberdade e mostrado uma
213612400. Entrada gratuita.
inquietação constante na procura de
novos caminhos. Serão
Chicago ameaça, cada vez mais,
interpretadas as obras “De l’Étant
roubar o título de “cidade do jazz” a
Qui Le Nie” para piano e electrónica
Nova Iorque, vivendo dias de uma
(encomenda do Ministério da
actividade musical febril onde se
cruzam e misturam centenas de
Cultura); “Soit Seul Sûr de Son” para
instrumentistas de uma nova
violino (encomenda da Casa da
geração de músicos para os quais
Música); “Le Dicible Enfin Fini”
não existem fronteiras ou limites
(electrónica); “moment à
entre estilos musicais. Digno
l’extrêmement...”, para violoncelo e
representante de toda essa vibração,
electrónica (encomenda do Collectif
“Seeing you See” é o nome do
éOle); e “No Oculto Profuso”, para
registo de estreia do Keefe Jackson
clarinete e electrónica.
Quartet, editado recentemente para
Hoje ainda, o compositor belga
a editora nacional Clean Feed - uma
Peter Swinnen dará uma conferência
mistura poderosa de pós-bop, blues,
às 11h na Escola Superior de Música
melodias harmolódicas e livre
de Lisboa, com o título “A guide to
improvisação. Liderado por Jackson, contemporary music in Flanders”, e
um jovem saxofonista em ascenção a o Sond’Ar-te Electric Ensemble
destacar-se como compositor e
(agrupamento criado em 2007 por
improvisador, o quarteto integra
iniciativa da Miso Music) apresenta
ainda três experientes
às 15h um ensaio aberto de leituras
improvisadores que têm vindo a
com o objectivo de promover a
marcar a vanguarda musical da
escrita musical para a sua formação
cidade do vento: o trombonista Jeb
de base e oferecer um laboratório
Bishop (membro da formação
experimental para os compositores.
original dos Vandermark 5), o
Amanhã, também às 21h30, o
contrabaixista Jason Roebke
Sond’Ar-te Electric Ensemble
(colaborações com Fred Lonberg
interpreta um programa centrado na
Holm e Mike Reed, entre muitos
criação musical contemporânea no
outros) e o baterista Nori Tanaka
feminino, do qual se destaca a estreia
( Jeff Parker ou Jim O’Rourke, entre
absoluta de “Le Navigateur du Soleil
outros).
Incandescent – quatrième lettre”, de
Isabel Soveral (encomenda da Miso
Music), e faz também a primeira
audição de uma obra colectiva,
concebida à maneira de um “cadavre
exquis” surrealista, com a
participação de 20 compositores.
Trata-se da terceira experiência do
género promovida pela Miso Music,
uma vez que em Abril foram já
apresentados outros dois “cadavres
Os 25 anos da Miso Music
exquis” no Instituto
Franco-Português,
e os 50 de Miguel Azguime
um deles com a
num programa de concertos.
participação de 25
Cristina Fernandes
compositores e
outro com 50. No
Sond’Ar-te Electric Ensemble
final do concerto de
Direcção Musical de Pedro Neves.
amanhã, será ainda
Cascais. Centro Cultural de Cascais. Av. Rei
apresentado o CD
Humberto II de Itália. Hoje e
“Pas de Deux”
amanhã, às 21h30. Tel.:
214848900. Entrada gratuita.
(etiqueta
Portugaler),
As comemorações
um projecto
dos 25 anos da Miso
de Isabel
Music Portugal,
Soveral e
associação
António
destinada à
Chagas
promoção e
Ao longo das últimas décadas,
Rosa.
divulgação da
Miguel Azguime tem desenvolvido
criação musical
uma linguagem musucal de grande liberdade
Chicago, Portugal
O russo Grigory Solokov
no Festival de Sintra
Agenda
Bana em homenagem esta noite, no São Luiz
Sexta 11
Bana - A Homenagem
Com Celina Pereira, Dany Silva,
Mayra Andrade, entre outros.
Lisboa. Teatro Municipal de São Luiz – Sala
Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h.
Tel.: 213257650. 15€ a 25€.
Kap Bambino
+ Shy Child
+ Danger
Kap Bambino
Porto. Teatro Sá da
Bandeira. R. Sá da
Bandeira, 108, às 23h59.
Tel.: 222003595. 17,5€
(dia) a 27€ (passe).
Clashclub.
Son of Dave
Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista.
R. Santiago, 19, às 22h. Tel.: 218884503. 15€.
JP Simões
Coimbra. Oficina Municipal do Teatro
– Sala Grande. Rua Pedro Nunes, às 21h30.
Tel.: 239714013. 12€.
LAURA HAANPAA
96, às 18h30. Tel.: 213240580. 20€ a 60€.
Yuksek + The Whip + Motor
Jamie Cullum
Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira,
108, às 23h59. Tel.: 222003595. 17,5€ (dia) a 27€
(passe).
Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Largo de
S. João, às 21h30. Tel.: 296308340. 25€ a 30€.
La Shica
Concerto Campestre
& Quarteto Arabesco
Direcção Musical de Pedro Castro.
Braga. Theatro Circo – Sala Principal. Av.
Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 12€.
MUSA - Ciclo no Feminino.
Alcobaça. Mosteiro de Alcobaça - Sacristia, às 18h.
Tel.: 262505120. 8€.
Pablo Milanés
Cistermúsica - XVIII Festival
de Música de Alcobaça.
Serpa. Pç. República, às 21h30. Tel.: 284540100.
Entrada gratuita.
Son of Dave
Segunda 14
Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e
Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h.
Tel.: 253547028. 12,5€ a 15€.
Grigory Sokolov
Dan Riverman
Festival de Sintra 2010. Obras
de Bach, Brahms e Schumann.
Coimbra. Oficina Municipal do Teatro - Tabacaria.
Rua Pedro Nunes, às 22h. Tel.: 239714013. 5€.
Teresa Salgueiro & Lusitânia
Ensemble
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.
Francisco Sá Carneiro, às 21h30. Tel.: 219107110.
15€ a 20€.
Terça 15
Christian Muthspiel Trio
B Fachada
Vila Real. Teatro de Vila Real – Auditório Exterior.
Alameda de Grasse, às 22h30. Tel.: 259320000.
Entrada gratuita.
Aveiro. Teatro Aveirense – Sala Principal.
Pç. República, às 22h. Tel.: 234400922. 8€.
Jorge Palma
Batucada Sound Machine
Anaquim
Olhão. Auditório Municipal. Av. Dr. Francisco
Sá Carneiro, lote B3 r/c, às 21h30. Tel.: 289710170.
10€ a 12€.
Sérgio Godinho
Quarta 16
Sines. Centro de Artes - Auditório.
R. Cândido dos Reis, às 22h. Tel.: 269860080. 5€.
Pedro Moutinho + Tiago
Bettencourt
Lisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 22h.
Tel.: 218800620. 12,5€.
Festa do Fado 2010.
Noiserv
Barcelos. Biblioteca Municipal - Auditório. Largo
Doutor José Novais, 47, às 22h. Tel.: 253809641. 3€.
Lisboa. Casa Fernando Pessoa. Rua Coelho
da Rocha, 16, às 21h30. Tel.: 213913270.
Entrada gratuita.
Cacique 97
Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos
– Grande Auditório. Rua Doutor Leonel Sotto
Mayor, às 21h30. Tel.: 262889650. 10€ a 12,5€
Subscuta.
Bilan + Marenostrum
+ Batucada Sound Machine
Angela Maria + Cacique 97
+ Malick Pathé Sow
+ Moya Kalongo
Vila do Conde. Cais da Alfândega, às 22h.
Tel.: 229351641/42. Entrada gratuita.
3.º Ollin Kan - Festival Internacional
das Culturas em Resistência.
Custódio Castelo
Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30.
Tel.: 289820300. 10€.
I Festival Guitarra Portuguesa
- Algarve 2010.
Trio
Com Isabel Alcobia (soprano),
Jorge Vaz de Carvalho (barítono),
Carla Seixas (piano).
Clássica
Duplo
aniversário
213612400. 10€.
Cacique 97
Vila do Conde. Cais da Alfândega, às 22h. Tel.:
229351641/42. Entrada gratuita.
3.º Ollin Kan - Festival Internacional
das Culturas em Resistência.
Todd Terje + Pinkboy + Pan
Sorbe
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo
obrigatório.
Vienna Mozart Trio
Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av.
Arriaga, às 21h30. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€
(passe).
Sintra. Quinta da Regaleira. Rua Barbosa
du Bocage, às 17h. Tel.: 219106650. 20€.
Festival de Sintra 2010.
Obras de Schumann.
Concerto Campestre & Quarteto
Arabesco
Direcção Musical de Pedro Castro.
Castelo Branco. Igreja de Santa Maria do Castelo,
às 21h30. Tel.: 272348590. 5€ (concerto) a 25€
(passe).
16.º Festival Internacional
de Música de Castelo Branco.
Quinteto Drummond
de Vasconcelos
XXXI Festival de Música da Madeira.
Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av.
Arriaga, às 18h. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€
(passe).
Paulo Soares
XXXI Festival de Música da Madeira.
Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Tel.:
289820300. 10€.
I Festival Guitarra Portuguesa Algarve 2010.
Sábado 12
Sequeira Costa
Lisboa. Centro Cultural de Belém – Pequeno
Auditório. Praça do Império, às 19h. Tel.:
Porto. Casa da Música – Sala 2. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 10€.
Ciclo Jazz Galp - Áustria 2010.
Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24
- Cais do Sodré, às 22h30. Tel.: 213430107. 6€.
António Rosado
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz
– Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58,
às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.
Festival Chopin.
Ver texto na pág. 18 e segs.
Fuck Buttons
Lisboa. Lux. Av. Infante D. Henrique
- Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. 15€.
Sandy Kilpatrick
Braga. Theatro Circo – Sala Principal. Av.
Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 8€.
Kosmicdream
Lisboa. Lounge. R. Moeda, 1, às 22h30.
Tel.: 213953204. Entrada gratuita.
Cynic
Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24
- Cais do Sodré, às 22h. Tel.: 213430107. 20€ a 22€.
Histórias do Castelo
Com Bernardo Sassetti (piano),
Sinfonietta de Lisboa.
Lisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 22h.
Tel.: 218800620. 12,5€.
Quinta 17
António Rosado e Orquestra
Metropolitana de Lisboa
Direcção Musical de Jean-Sébastien
Béreau.
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz – Sala
Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h00.
Tel.: 213257650. 10€ a 20€.
Festival Chopin.
Ver texto na pág. 18 e segs.
Capella Pratensis, Miguel
Borges Coelho e Marta Zabaleta
Domingo 13
Lisboa. Centro Cultural de Belém
– Pequeno Auditório. Praça do Império,
às 21h30. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€
(passe).
Rodrigo Leão & Cinema
Ensemble + Danças Ocultas
De Bach a Kurtág, nas Fronteiras
da Clareza.
Porto. Casa da Música – Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, às 21h30. Tel.: 220120220. 30€.
Elena Vorobey
Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,
The Ruby Suns
Coimbra. Oficina Municipal do Teatro
- Tabacaria. Rua Pedro Nunes, às 22h.
Tel.: 239714013. 8€.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 47
Discos
48 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Pop
Belo pagode
Uma patuscada do subúrbio
sul-africano. Revitalizante.
Vítor Belanciano
Die Antwoord
$0$
(www.dieantwoord.com)
mmmmn
Podem ser apenas
mais um episódio
do “grande
barrete do rock &
roll”, tal como ele
nos foi contado
por Malcolm Maclaren e os Sex
Pistols. Podem ser apenas uma
caricatura. Uma farsa. Um pagode
para ver se pega. Mas que belo e tão
singular pagode são os sul-africanos
Die Antwoord. Uma patuscada de
subúrbio que pode ter sido gerada
ao milímetro, mas ainda assim
revitalizante.
Pode-se pegar neles por diversos
ângulos, dos mais enaltecedores aos
mais depreciativos, mas ainda assim
o que sobreviverá será a sua
peculiaridade. Como tantos outros
antes deles nos últimos anos – de
M.I.A. aos portugueses Buraka Som
Sistema –, pegaram em linguagens
musicais e códigos culturais
desacreditados pelo bom gosto
instituído e atribuíram-lhe
renovadas propriedades.
Em primeiro lugar o que
surpreende é a língua, mistura de
inglês com afrikander, debitada ao
estilo do rap de forma singular. Ninja
é o durão, o poeta de rua que diz
palavrões de forma quase
irreflectida. Yo-Landi é a menina
inocente, a quem é alterada
sinteticamente a voz para ser ainda
mais ameninada. Depois existe a
música, mistura de linguagens
ouvidas nas raves de qualidade
duvidosa dos primórdios dos anos
90, um tecno e house encardido e
trivial, mas permeável a batidas
sintéticas do hip-hop.
Aquilo que, no papel, pode soar
mal, em disco sobrevive à discrição.
Algumas canções subsistem pela
sensibilidade pop. Outras, pelo
contrário, pelo seu efeito imediato,
sem mediação. Em parte pelos
excelentes videoclips, algumas delas
já são clássicos da internet, em
pouco mais de três meses. É o que
acontece com “Beat boy”, batida
electrónica generosa nos graves,
com a voz de Yo-Landi em duelo
verbal com Ninja, ou “Enter the
ninja”, o tipo de rap electrónico que
possui propriedades aditivas.
Até há poucos dias este álbum
encontrava-se disponível para
descarregamento gratuito no site
oficial do grupo (www.dieantwoord.
Die Antwoord: o epíteto de sensação da internet já ninguém lhes tira
com), tendo sido entretanto retirado.
Ao que parece está a ser preparada
uma versão ligeiramente diferente
desta, com convidados, para ser
editada oficialmente no mercado
físico. Mas o epíteto de sensação da
internet já ninguém lhes retira.
Perto do
coração
O melhor Lokua Kanza é o
que regressa à fonte. Aquele
mesmo que se reencontra
em “Nkolo”. Luís Maio
Lokua Kanza
Nkolo
World Village, distri. Harmonia
Mundi
mmmmn
Depois de duas
décadas passadas
em Paris, Lokua
Kanza mudou-se
para o Rio de
Janeiro. É do
outro lado do Atlântico, no entanto,
que assina uma dos álbuns mais
próximos das suas raízes e um dos
seus melhores de sempre. Nascido
na República Democrática do Congo
(antigo Congo Belga) de pai congolês
e mãe ruandesa, foi na juventude
apadrinhado por Ray Lema,
depressa ganhando protagonismo na
cena musical de Kinshasa, onde veio
a liderar o ensemble do Ballet
National com apenas 19 anos.
Chegado a Paris, em 1984, foi
chamado a arranjar e produzir uma
infinidade de artistas world,
incluindo estrelas como Youssou
N’Dour, Miriam Makeba e Papa
de piano ou de sanza (piano de dedos
Wemba. O seu álbum de estreia
congolês) ali, umas percussões
chegou dez anos depois e revelou
artesanais pelo meio - a
uma voz límpida e melíflua,
instrumentação nunca vai muito para
cantando as suas raízes sobre
além disso, sobretudo nunca sobe o
instrumentação acústica e esparsa. A
volume acima da música de fundo. O
suave quietude dessa estreia veio
acento é decididamente colocado no
depois dar lugar a álbuns de
trabalho das vozes, em primeiro
colorações mais pop, fusões
lugar na de Kanza, que hoje, aos 52
anos, domina na perfeição todas as
electrónicas e produções artificiosas,
particularidades do seu tremolo
raramente convincentes. Pelo meio
extraordinário. Uma voz que, no
regressou às fontes no bem mais
entanto, nunca está sozinha, e talvez
conseguido “Toyebi Te”(2002),
mais que em todos os discos
direcção que agora volta a tomar
precedentes, a aposta é nos jogos de
depois de “Plus Vivant” (2005),
parada e de resposta com o seu
experiência fracassada de cantar um
grupo de coristas, mas também com
álbum inteiro em francês.
outras vozes solistas masculinas,
“Nkolo” é, então, de novo um
incluindo o primo Rene e o
disco de matriz acústica. Uns acordes
evangelista Kool Matope. É evidente a
de guitarra acústica aqui, umas notas
Lokua Kanza: ternura e encantamento
VIVA A SARDINHA!
14 MAIO / 15 JULHO
Tudo pela
canção
Nem revolução nem
subversão, tudo pela canção.
Mais de uma mão cheia delas
são de excepção, três eram
dispensáveis.
João Bonifácio
Pop Dell’Arte
Contra Mundum
Presente
mmmnn
DORA NOGUEIRA
Tentar situar ou
definir
esteticamente um
disco dos Pop
Dell’Arte,
qualquer disco
dos Pop Dell’Arte, no próprio
“corpus” da banda é um exercício
ingrato, porque a obra é uma manta
de retalhos incompreensível pelos
padrões habituais. Nos Pop Dell’Arte
um terceiro disco de originais (“Sex
Symbol”, 1995) pode distar doze
anos do anterior disco de estúdio e
um EP como “Ilogik Plastik” (1989)
pode conter uma pérola como “O
amor é... um gajo estranho” e ser tão
fundamental quanto o primeiro e
mítico disco, “Free Pop” (1987).
Estamos perante uma banda
errática, que deita trunfos fora, que
parece quase sabotar as suas
possibilidades de êxito (e isto
mesmo tendo em conta que muitas
das canções dos EPs e singles
acabaram recolhidas no magistral
“Arriba! Avanti! Pop Dell’ Arte”).
Além disso, esteticamente os Pop
Dell’Arte sempre pareceram tão
propensos a estilhaçar a new-wave e
todas as regras da pop convencional
como a fazer refrões (notáveis em
“Sex Symbol”).
O que leva à questão: o que pode
significar hoje um novo álbum dos
Pop Dell’Arte? Não havia música
nova desde 2002, com o belíssimo
EP “So Goodnight”, e para encontrar
o anterior álbum da discografia é
preciso recuar ao magistral “Sex
Symbol”. Temos que lidar com a
questão de outra forma: cada
objecto assinado pelos Pop Dell’Arte
deve ser visto como um objecto em
si mesmo, esquecendo o que está
para trás, não procurando incluí-lo
em nada, excepto no seu próprio
mundo. Ou pelo menos era assim até
agora, porque “Contra Mundum”
tem, em metade do disco, marcas
estéticas que o aproximam de “Free
Pop”, em particular nessa espécie de
desconstrução da new-wave que os
marcou no início. Isso é notório na
estupenda canção de abertura,
“Ritual Transdisco”, em que um beat
semi-disco suporta a refrega entre as
malhas de teclas e de guitarra (tão
bom quanto qualquer coisa dos LCD
Soundsystem), é notório em
“Eastern Streets”, em que uma
estupenda figura de guitarra se
apoia num beat que lembra os Konk,
é notório em “Mr Sorry”, percorrido
pela sombra das Delta 5, é notório
em “Electric G”, electro negro
percorrido pela sombra de uns tais
Pop Dell’Arte. Isto é um território
que lhes pertence, uma espécie de
autofagia pop em que linhas de
baixo repetitivas, percussões em
tempos inusitados e guitarras
angulares colidem de modo a que
um manco com prisão de ventre
dance com a graciosidade de uma
Ruth Bryden aristocrata.
Mas “Contra-Mundum” não é só
isso. Há por ali psicadelismos negros
(“Wild’n’chic”), homenagens a Kurt
Weill (“My rat ta-ta”), avarias que
lembram ou os Radiohead de “Kid
A” ou os Pop Dell’Arte de “All you
need is money” (“Slave for sale”) ou
o regresso ao universo onírico de
“So Goodnight” em “La nostra
feroche volontà d’amore”.
O pior do disco, o dispensável,
está nas faixas melancólicas,
dominadas pela presença das teclas
(“Diary of a soldier” ou “Har
megido’s lullaby”) ou na faixa a
capella fadista “Noite de chuva em
campo de Ourique”. Sabemos o que
vão dizer por aí: que “Contra
Mundum” é uma súmula dos
caminhos percorridos ou um
regresso a “Free Pop” em que o
“free” já não soa a novo. Mas nunca
foi importante o “free” ou o “novo”.
Importantes são as canções. E
“Contra Mundum” tem mais de uma
mão cheia delas que entram para o
canône dos Pop Dell’Arte. Digamos
Mais uma mão cheia de canções que entram para o cânone Pop Dell’Arte
assim: enquanto o melómano
adolescente anda aos pulos pela
nova cena estranha que apareceu
aqui no bairro recusando tudo o
resto, o melómano batido borrifa-se
para a revolução e a subversão e
quer é a canção. Portanto, quando
vos disserem que isto é igual a “Free
Pop” (o que é mentira) respondam
que John Ford fez sempre o mesmo
filme e que Philip Roth fez sempre o
mesmo livro. Quanto a João Peste:
veja se volta antes dos nossos netos
morrerem, ok?
Rusko
O.M.G.!
Mad Decent, distri. Popstock
mmnnn
Nos últimos
tempos, vários
artistas dubstep
ensaiaram
movimentos de
emancipação face
aos ditames mais rígidos do género.
A compilação “5 Years of
Hyperdub”, editada em 2009, foi
elucidativa a esse respeito. Também
“O.M.G.!”, primeiro álbum em nome
próprio de Rusko, autor do hino do
género “Cockney Thug”, mostra que
o dubstep tem vindo a misturar-se
com outras linguagens da música de
dança, ao ponto de nos
questionarmos se ainda estamos
perante dubstep. Em “O.M.G.!”,
Rusko propõe uma música quase
pop, com canções a rondar os
quatro minutos e convidados como
Gucci Mane (na exuberante “Got Da
Groove”, com efeitos robóticos a
esculpir a voz do “rapper”) e Amber
Coffman, dos Dirty Projectors,
transformada em diva “garage” na
orelhuda “Hold On”, potencial êxito
de pista. “I Love You” opera uma
curiosa síntese entre a tareia de
linhas de baixo característica do
dubstep e o “auto-tune” típico das
últimas produções R&B, “Kumon
Kumon” vai beber ao jungle e
“District Line” é dub, sem “step”.
Apesar destes bons sinais, “O.M.G.!”
é também pródigo em momentos
dispensáveis, como o dancehall de
“Rubadub Shakedown”, a milhas
dos companheiros de editora Major
Lazer, e, com excepção de “Hold
On”,, nenhum tema faz mossa ou
On
perdura nos ouvidos. Pedro Rios
FESTA DO FADO
3 A 27 JUNHO
PÔR-DO-FADO
3, 10, 17, E 24 JUNHO, 19H
MUSEU DO FADO M/3
17 JOSÉ MANUEL NETO CONVIDA MARIA AMÉLIA PROENÇA
FADO NO CASTELO
4, 5, 11, 18, 19, 25 E 26 JUNHO, 22H
CASTELO DE SÃO JORGE 12,5Ô M/3
11 PEDRO MOUTINHO & TIAGO BETTENCOURT
18 PAULO DE CARVALHO CONVIDA ANA SOFIA VARELA
19 JOÃO FERREIRA ROSA, MARIA DA FÉ, BEATRIZ DA CONCEIÇÃO
E MARIA DA NAZARÉ CONVIDAM ARGENTINA SANTOS
NOITES DE FADO
5, 12, 19 E 26 JUNHO, 22H
FÁBRICA BRAÇO DE PRATA 8Ô M/16
HÉLDER MOUTINHO, RICARDO PARREIRA,
MARCO OLIVEIRA E YAMI
NO ADRO DA IGREJA
RODRIGO
6, 20, 27 JUNHO
MIRADOURO DE SANTO ESTÊVÃO M/3
FERNANDO SILVA, JAIME SANTOS E ANTÓNIO MOLIÇAS
NOITES DE FADO
8, 15 E 22 JUNHO, 23H
CHAPITÔ M/16
RICARDO ROCHA, MARCO OLIVEIRA E JOÃO PENEDO
O FADO E A REPÚBLICA
JUNHO E JULHO, TERÇA A DOMINGO, 10H ÀS 18H
MUSEU DO FADO PARA TODAS AS IDADES
JUNHO E JULHO, SEGUNDA A SÁBADO, 14H ÀS 20H
SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES PARA TODAS AS IDADES
EXPOSIÇÃO
ANDAR EM FESTA
AS FESTAS DE LISBOA NOS TRANSPORTES PÚBLICOS
11, 13, 16 A 20 JUNHO, 16H E 19H
FADO NOS ELÉCTRICOS
ELÉCTRICO 28 ACESSO NORMAL PARA VIAGEM DE COMBOIO / PARA TODAS AS IDADES
MARCHAS
POPULARES
12 JUNHO, 21H
AVENIDA DA LIBERDADE ENTRADA LIVRE / PARA TODAS AS IDADES
DESFILE
TODA A PROGRAMAÇÃO EM
WWW.FESTASDELISBOA.COM
J;NLI=CH;>IL
JLCH=CJ;F
G?>C;J;LNH?LM
J;NLI=CH;>IL?M
;JICIM
DILH;FI@C=C;F
N?F?PCMÅII@C=C;F
silva!designers / andré da loba
conexão com os espirituais negros e
o regresso de Lokua às suas
memórias de menino de coro em
escolas católicas de Kinshasa, mas
essa herança é sempre ou quase
recriada em arranjos vocais
inusitados, que produzem os
melhores momentos deste seu sexto
álbum a solo. Para o fim há um tema
cantado em francês, outro em
português abrasileirado (a meio
caminho entre Caetano e Milton).
Não chegam, porém, a constituir
desvios significativos num disco que
destila ternura e encantamento.
Rusko: isto ainda
é dubstep?
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 49
FERNANDO VELUDO
Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
RED Trio: novos caminhos, irresistíveis turbulências sonoras
Os Blind Zero nunca ultrapassam a mediania em “Luna Park”
clássico de Bill Evans, com o qual
gravou “Sunday at the Village
Vanguard” e “Waltz for Debby”, e no
quarteto americano do pianista
Keith Jarrett valeram-lhe ainda um
mmnnn
convite por parte de John Coltrane
Cinco anos depois
para integrar o seu grupo. Convite
de “The Night
que Motian recusaria. Mas a sua
Before And A New relevância é enorme, não apenas
Day”, os Blind
como “sideman”, mas também
Zero regressam
como compositor e líder dos seus
com um disco que projectos, nomeadamente os trios
os põe, em definitivo, à vontade com que gravou com Joe Lovano e Bill
uma luminosidade pop que os
Frisell, formação responsável pelos
primeiros álbuns não fariam
superlativos “It Should’ve Happened
adivinhar. “Snow girl” (refrão sólido, a Long Time Ago” e “Monk in
sábias intromissões de teclas), “Slow
Motian”. O seu estilo,
time love” (melodia de teclado a
simultaneamente subtil e poderoso,
lembrar a pop lúdica de David
evoca o método de um pintor,
Fonseca, refrão épico), os dois
colorindo cada traço, cada nova
“singles” já editados, e “Back to the
direcção sugerida pelos restantes
fire” (crescendo final que indicia
músicos, com absoluta segurança e
uma rara visão do resultado final a
audições repetidas dos Arcade Fire)
alcançar.
são boas canções apontadas às
Tendo cumprido 79 anos, Motian
rádios e que mostram uma banda
já raramente toca ao vivo, o que
sem medo de encaixar na categoria
torna este “Lost in a Dream”,
genérica “pop-rock”. É, aliás, neste
gravado ao vivo o ano passado no
novo registo (que, na verdade, os
Village Vanguard de Nova Iorque,
Blind Zero já tinham aflorado no
um “acontecimento”. Rodeado de
disco anterior) que geram melhores
dois grandes músicos, Chris Potter
resultados. “Violent day”, com um
no saxofone e Jason Moran no piano,
piano discreto e um baixo
Motian constrói um registo poético,
propulsivo, também dá bons sinais,
onde um crescendo subtil de energia
mas “Luna Park” nunca ultrapassa a
transporta o trio da enorme
mediania e, em algumas canções,
contenção dos primeiros temas, com
como “Hanging wall” e “Loose
destaque para o tema título - de uma
ends” (balada cliché, agravada por
intensidade lírica que nos faz suster
um piano lamechas), parece não ter
a respiração - ao ímpeto rítmico e
direcção. Pouco para uma banda
que já gravou um bom disco rock, “A maior angularidade de “Ten”,
“Drum music” ou “Abacus” (com um
Way to Bleed Your Lover” (2003).
extraordinário solo de bateria).
Pedro Rios
Mais do que a enorme vitalidade
de Motian, a grande surpresa de
“Lost in a Dream” vem de Moran –
mais contido, com um toque
europeu que lhe assenta como uma
luva – e acima de tudo, de Potter,
que aqui utiliza uma
subtileza e
Aos 79 anos, Paul Motian,
suavidade
mestre do drumming jazz,
tímbrica que
raramente
edita um dos registos mais
lhe é
tocantes da sua carreira.
ouvida.
Blind Zero
Luna Park
Redlemon Music, distri. EMI
Jazz
Drumming
Rodrigo Amado
Vermelho
vivo
Uma das mais originais
propostas nacionais no
domínio da improvisação.
Nuno Catarino
RED Trio
RED Trio
Clean Feed, dist. Trem Azul
mmmmn
O RED Trio é um
grupo nacional
dedicado à
improvisação.
Junta Gabriel
Ferrandini
(bateria), Hernâni Faustino
(contrabaixo) e Rodrigo Pinheiro
(piano) e, tendo os pés assentes no
jazz, vai mais além. A música do RED
Trio assim é herdeira do jazz nas
suas premissas base, a improvisação
e a comunicação, mas incorpora
também uma vertente exploratória
que a leva para outra dimensão. Os
instrumentos são criativamente
explorados até ao tutano, tendo
como objectivo final uma
sonoridade original. Subvertendo
ideias tradicionais, o trio esquece
noções de melodia e harmonia e
trabalha ao nível das texturas,
desenvolvendo uma
música que não é
Paul Motian
Lost in a Dream
ECM, dist. Dargil
Há muito que Paul
Motian garantiu
um lugar de
destaque
entre
os
50 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Clássica
Chopin com
pronúncia
original
No seu primeiro registo com
orquestra, o vencedor do
Concurso Chopin de 2005,
Rafal Blechacz, interpreta
os dois concertos do seu
compatriota. Rui Pereira
Chopin
Concertos para piano e orquestra
Rafal Blechacz, piano
Jerzy Semkov, direcção de orquestra
Royal Concertgebow Orchestra
DG 477 8088
mmmmn
grandes nomes do
jazz. As suas
participações no trio
alimentada por momentos
individuais, mas pela noção da
unidade colectiva.
Antes de mais, o piano está
subjugado a um papel democrático,
colocando-se ao mesmo nível que
contrabaixo e bateria; os três
instrumentos trabalham num
mesmo patamar, desenvolvendo
esforços partilhados num trabalho
de pesquisa, de entrelaçar das
pontas soltas resultantes da
composição no momento,
elementos comuns que vão sendo
progressivamente aperfeiçoados.
Com este método de trabalho o RED
Trio vai à procura de novos
caminhos e nesse processo vai
descobrindo irresistíveis
turbulências sonoras. O resultado é
absolutamente original, criativo,
exemplar.
mmmmn
Paul Motian: um acontecimento
discográfico com registos de
qualidade inteiramente dedicados
ao romântico de Varsóvia. Numa
interpretação que peca por
manifestar as estratégias expressivas
de forma um pouco óbvia, com
demasiada transparência agógica, o
jovem vencedor do Concurso
Chopin de Varsóvia em 2005, Rafal
Blechacz, faz o seu primeiro registo
com orquestra interpretando os dois
concertos do seu mais célebre
compatriota, mostrando grandes
qualidades sonoras e um
virtuosismo técnico de grande
consistência. Com uma boa fluência
rítmica, fraseados muito claros onde
demonstra uma articulação perfeita,
Blechacz é acompanhado pela
Orquestra do Concertgebow, aqui
dirigida pelo veterano Jerzy Semkov,
maestro polaco particularmente
apreciado no repertório russo do
período romântico. No conjunto,
merece destaque o extraordinário
resultado nos últimos andamentos
de ambos os concertos, onde o
pianista obtém um efeito
impressionantemente cristalino,
com um virtuosismo quase
musculado, em sintonia com a
escrita “em estilo brilhante” de
Chopin.
Após dois bem sucedidos registos
a solo, um primeiro com os
Prelúdios de Chopin e um segundo
dedicado à Primeira Escola de
Viena, o jovem pianista polaco
mantém-se como uma das grandes
promessas da nova geração de
pianistas.
O ano de 2010,
bicentenário do
nascimento de
Chopin, continua
a pontuar o
mercado
Rafal Blechacz é uma
das grandes promessas da nova
geração de pianistas
TER 29 JUN
21:00 SALA SUGGIA | € 15
1ª PARTE
CÉU
2ª PARTE
ROBERTA SÁ
Apontada por Caetano Veloso como
o futuro da MPB, Céu é considerada
uma importante revelação da música
brasileira. Melodias simples e
belas, várias referências musicais e
sofisticação são aspectos que marcam as
suas canções.
Roberta Sá destaca-se pelas soberbas
interpretações de canções históricas
da MPB, tendo colaborado com grandes
figuras como Ney Matogrosso ou Chico
Buarque, mas consagra também as canções
dos novos autores. Em palco, conta com
a participação de António Zambujo.
JANTAR+CONCERTO € 30
APOIO
PATROCINADOR
VERÃO NA CASA
MECENAS CASA DA MÚSICA
APOIO INSTITUCIONAL
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA
PATROCINADOR VERÃO NA CASA
FILMES CONCERTO:
7 de Julho (00:30)
Rita Red Shoes
“Thirteen Films About Lights And Darks”
SHOWCASE
8 de Julho (00:30)
Orelha Negra
"Soundtracks for the city"
FILME CONCERTO
9 de Julho (00:30)
Drumming e François Sahran
"Enciclopédia da Fauna"
FILME CONCERTO
10 de Julho (00:30)
Bruno de Almeida, Tó Trips e Pedro Gonçalves
"Esse Olhar Que Era Só Teu"
CONCERTO INSTALAÇÃO A PARTIR DE IMAGENS DOCUMENTAIS DE
AMÁLIA RODRIGUES
WWW.CURTAS.PT
Competições de Curtas/ Programas Especiais de
Filmes/ Concertos/ Exposições/ Festas/ Workshops
e Debates/ Curtinhas (filmes e actividades para
crianças) +info: www.curtas.pt/festival
WWW.NOTYPE.PT ©2010
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO
PARA O CONCERTO DE ROBERTA SÁ | CÉU. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Cinema
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
O que motiva Jia Zhang-ke é ser testemunha do momento
em que o comunismo e o capitalismo ainda
coexistem na China
Estreiam
Nas ruínas
de Chengdu
Jia Zhang-ke filma o
irreversível – as mudanças
na China – na certeza de
que o irreversível dispensa
comentários e juízos de
valor. Luís Miguel Oliveira
24 City
Er shi si cheng ji
De Jia Zhang-ke,
com Joan Chen, Zhao Tao, Lv Liping.
M/12
MMMnn
Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª
14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 2ª 14h, 16h30,
19h, 21h30, 24h
série ípsilon II
Sexta-feira,
dia 18 de Junho,
o DVD “The Brown
Bunny”, de
Vincent Gallo
+4 DVD
Todas as sextas,
por €1,95.
20
anos
52 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Agora que o poder – o económico,
pelo menos – se vai lenta mas parece
que firmemente trasladando para
oriente, haveria muito boas razões
para, e mesmo se não pelo cinema
(sim, sim, é muito “parado”), se ir
prestando atenção aos filmes de Jia
Zhang-Ke. Eles são como
“despachos”, no sentido noticioso
do termo (sendo que não se
confundem seguramente com
“despachos” da Xinhua), mostramnos um bocadinho do que vai
acontecendo “lá bas”. “Lá bas”, na
sua China natal, que vai trocando
(ou “adaptando”) as suas raízes
comunistas por uma nova e bem
exibida condição de potentado
capitalista à escala global. Jia ZhangKe (que nasceu em 1970) tem sido
um cronista desta transformação ou,
melhor dizendo, dos efeitos,
verificáveis no terreno, desta
transformação. Uma China que se
moderniza, que “racionaliza” a sua
vocação camponesa e operária para
se converter aos “serviços”, e já não
tem pruridos em – como se vê em
“24 City” – fechar e demolir um
parque industrial para no mesmo
espaço fazer erguer um complexo de
condomínios de luxo e hotéis de 5
estrelas. É esta China, ou o que desta
China fica entalado no meio da
“mudança de paradigma”, que Jia
Zhang-Ke vem contando há anos,
como aos espectadores que viram
“Plataforma” (desolado épico
geracional que foi o primeiro Jia
estreado em Portugal, e um dos
“filmes da década”), “O Mundo”
(sobre um parque temático nos
arredores de Pequim que é a
“globalização” em auto-paródia
involuntária) ou “Still Life” (sobre
uma cidade prestes a ser submergida
pela construção de uma barragem)
não é preciso explicar.
Em “24 City” a crónica de Jia
chega-nos de Chengdu, cidade que
durante décadas teve o seu coração
numa unidade industrial dedicada
ao fabrico de motores para os aviões
da Força Aérea Chinesa. A fábrica foi
desactivada, as instalações estão em
demolição (no fim do filme já foram
demolidas) e no lugar delas vai
nascer um moderníssimo bairro
habitacional a que chamam a
“Cidade 24”, a 24 City. É claro que, e
pese toda a introdução acima, os
adeptos do maniqueísmo bem
explicadinho (comunismo = mau /
capitalismo = bom – ou vice-versa)
mais vale ficarem em casa a ler os
cronistas dos jornais portugueses.
Jia não é mais crítico, ou mais
entusiasta, de um “sistema” ou de
outro, e não é de todo esse o plano
do seu discurso ou do seu interesse.
O que o motiva é a transformação, e
ser testemunha do momento – curto,
na grande escala das coisas – em que
esses dois mundos ainda coexistem,
numa expressão palpável e
verificável de tudo aquilo em que
chocam e se contradizem. Na
verdade, e isto é nítido pelo menos
desde “Still Life”, Jia está para a
China contemporânea como Tati
esteve para o avanço da
“urbanidade” sobre a “ruralidade”
na França do pós-II guerra. Filma o
irreversível, na certeza de que o
irreversível dispensa comentários e
juízos de valor. Se alguma coisa
balança, é (como sempre) o coração:
Jia está com os que ficam para trás,
com os que trabalharam na fábrica,
com os que acreditaram (mais ou
menos) na retórica política e
patriótica com que os educaram, e
está com os filhos deles, os que já
são doutro mundo e querem
comprar apartamentos para os pais.
Vemo-los e ouvimo-los, em relatos e
depoimentos, reencontros (logo a
abrir, entre dois antigos operários),
passeios pela carcaça da fábrica de
Chengdu, e curtos apontamentos
ficcionais cuja natureza é não se
distinguirem fundamentalmente das
cenas propriamente documentais (é,
digamos, a “mesma coisa”, sem
hierarquia de “verdades” ou
“mentiras”). Há uma cena em que a
câmara segue uma personagem no
momento em que ela passa por dois
jactos da Força Áerea Chinesa que
agora, com as insígnias desbotadas,
estão a ganhar pó antes de seguirem
para a sucata – e esses dois jactos,
que já foram certamente um
“orgulho” e agora são dois trastes
que para ali estão, exprimem
maravilhosamente o sentido de
perda (em toda a perda é o sentido
que importa, não o que se perde) de
que todo o filme se embebe, e que
Jia incentiva recorrendo a
intertítulos com fragmentos de
poemas chineses (mais dois de
Yeats) e a um manancial de
belíssimas e muito melancólicas
canções chinesas, quase sempre
“lançadas” por uma passagem
dalgum testemunho (quer dizer: a
força das canções amplia-se porque
a gente percebe a que ponto o seu
poder evocativo é real e está
incrustado nas vidas daquela gente).
E também pensamos num filme
português recente, que encontrava a
sua maneira de filmar – com o
mesmo sentido de perda – os
despojos de um Portugal
desaparecido sem dizer
forçosamente que esse Portugal era
melhor do que o que temos hoje: as
“Ruínas” de Manuel Mozos.
Estas “ruínas” de Chengu vistas
por Jia Zhang-Ke não serão o filme
mais notável, ou mais importante,
que o seu realizador já fez – não são
uma “Plataforma”, não são um “Still
Life”. Mas também já percebemos
que Jia Zhang-Ke avança como um
coleccionador, e que cada nova peça
– cada novo filme, cada novo lugar
– vale por si mas vale ainda mais pela
amplitude que acrescenta à
colecção. Evidentemente, é um filme
a não perder.
A Mulher do Viajante no Tempo
The Time Traveler’s Wife
De Robert Schwentke,
com Eric Bana, Rachel McAdams, Ron
Livingston, Arliss Howard. M/12
MMMnn
Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª
Domingo 13h20, 16h10, 18h50, 21h50 6ª 16h10,
18h50, 21h50, 00h10 Sábado 13h20, 16h10, 18h50,
21h50, 00h10 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50, 21h50; Medeia
Saldanha Residence: Sala 7: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h30, 19h40,
21h50, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala
12: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h50,
00h10 Sábado 14h10, 16h40, 19h10, 21h50 Domingo
11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h50, 00h10; ZON
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h45, 16h30, 19h, 21h40, 00h15; ZON
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h20, 18h, 21h40,
00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h35, 18h10, 21h10,
23h50; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª
Domingo 13h20, 16h, 18h40, 21h40 6ª 16h, 18h40,
21h40, 00h15 Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h40,
00h15 2ª 3ª 16h, 18h40, 21h40; ZON Lusomundo
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h05, 15h40, 18h20, 21h30, 00h05; ZON
Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 4ª 13h45, 16h25, 18h55, 21h45, 00h30; ZON
Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30, 21h50,
00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 4ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h45,
00h25 3ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h45
Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h20, 22h, 00h35 3ª 4ª
16h45, 19h20, 22h, 00h35; ZON Lusomundo Dolce
Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h50, 16h20, 19h30, 22h, 00h30; ZON Lusomundo
GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 13h15, 15h55, 18h30,
21h30, 00h10 Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55,
18h30, 21h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª
Domingo 2ª 3ª 13h40, 16h30, 19h15, 22h 6ª Sábado
4ª 13h40, 16h30, 19h15, 22h, 00h40; ZON
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h30,
00h10; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h50,
21h30, 00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h10,
21h55, 00h40
“A Mulher do Viajante
no Tempo”: à moda antiga
Andamos todos a resmungar que
Hollywood já não sabe fazer filmes
“à moda antiga” e, nem de
propósito, cai-nos no colo esta
fantasia melodramática que remete
para os grandes melodramas
clássicos (“Vitória Negra”, 1939, de
Edmund Goulding, é citado
directamente) e para os romances
fantásticos que fitas como “O
Fantasma Apaixonado” ( Joseph L.
Mankiewicz, 1947) e “O Retrato de
Jennie” (William Dieterle, 1948)
popularizaram e Hollywood
retomou a espaços — mais
recentemente com o êxito-surpresa
de “A Casa da Lagoa” (Alejandro
Agresti, 2006). Obviamente, este
romance impossível entre uma
artista sonhadora (Rachel McAdams)
e um bibliotecário com uma bizarra
anomalia genética (Eric Bana) que o
propulsiona para a frente e para trás
no tempo não está ao nível desses
clássicos, mas também não quer
estar — contenta-se em fazer um
eficientíssimo melodrama onde a
plausibilidade científica sucumbe
rapidamente às emoções
arrebatadas do grande amor face às
grandes questões da vida. E o
alemão Robert Schwentke
(“Flightplan – Pânico a Bordo”,
2005) encena a sua história com a
quantidade exacta de contenção e
elegância, consciente que há uma
fronteira fina entre o ridículo e o
grandioso e determinado a manterse sempre do lado certo, muito
ajudado pela convicção do elenco e
por uma produção técnica
impecável a todos os títulos. É o tipo
de filme modesto mas desenvolto
que o sistema de estúdios fazia com
uma perna atrás das costas,
aproveitando para rodar as suas
equipas e actores, mas que hoje
parece perdido numa paisagem
industrial virada para o
“blockbuster” formatado. Não por
acaso, este filme “fora de tempo” na
Hollywood moderna ficou na
prateleira seis meses enquanto a
produtora New Line era absorvida
pela casa-mãe Warner, acabando por
se tornar num pequeno êxito no
Verão americano de 2009 – era
simpático que o mesmo acontecesse
por cá, embora o ano de atraso com
que estreia e o lançamento algo
despachado não o façam prever...
Jorge Mourinha
Nada Pessoal
Nothing Personal
De Urszula Antoniak,
com Lotte Verbeek, Stephen Rea. M/12
MMMnn
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª
2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h Sábado 14h,
16h, 18h, 20h, 22h Domingo 11h30, 14h, 16h, 18h,
20h, 22h, 24h
É uma das melhores estreias que
tivemos oportunidade de ver nos
últimos anos – pelo absoluto
controlo formal que a polaca
As estrelas do público
Jorge
Mourinha
Luís M.
Oliveira
Mário
J. Torres
Vasco
Câmara
A Mulher do Viajante no Tempo
mmmnn
nnnnn
nnnnn
nnnnn
Eu Sou o Amor
mmmmm
mnnnn
mmmmn
nnnnn
Um Funeral à Chuva
mnnnn
nnnnn
A
A
Muitos Dias Tem o Mês
mmnnn
nnnnn
nnnnn
nnnnn
Noite e Dia
mnnnn
mmmmn
mmnnn
nnnnn
Nada de Pessoal
mmmnn
nnnnn
nnnnn
nnnnn
24 City
mmmnn
mmmnn
nnnnn
mmmnn
Vencer
mmmmn
mmmnn
mmnnn
mmnnn
Sexo e a Cidade 2
A
nnnnn
nnnnn
nnnnn
Wendy e Lucy
mmmmn
mmnnn
nnnnn
mmmnn
radicada na Holanda Urszula
Antoniak manifesta nesta primeira
longa-metragem, pelo modo como
“Nada Pessoal” trilha um caminho
intensamente (diríamos
casmurramente) pessoal que
subverte deliberadamente as
convenções da narrativa tradicional
e onde tudo é dito sem o ser, ou
antes, é mais sugerido do que
explicado. É a história do encontro,
num remoto ponto da costa
irlandesa, entre duas pessoas que
decidiram, cada uma a seu modo,
deixar para trás o mundo na
sequência do fim de uma história de
amor (ele por viuvez, ela nunca o
saberemos). Misantropos e eremitas,
Anne e Martin acabam por construir
aos poucos uma relação tocante e
silenciosa, ancorada na decisão
comum de não fazer perguntas
sobre o passado e de viver apenas no
momento presente, que vacila entre
a necessidade de contacto e a
vontade de não deixar mais ninguém
entrar para não voltar a sofrer.
Magnificamente fotografado por
Daniel Bouquet, “Nada Pessoal” vive
não apenas da delicada gestão dos
silêncios e dos ritmos que Antoniak
domina com fluência como
sobretudo das magníficas
interpretações de Lotte Verbeek e do
veterano irlandês Stephen Rea (que
reconhecemos como cúmplice
habitual de Neil Jordan). É, por isso,
pena que a realizadora/argumentista
estique o seu determinismo quase
niilista ao ponto de ruptura num
“último acto” cuja opacidade
procurada sublinha a tal
“casmurrice” de que falámos e corre
o risco de perder o espectador. Nada
que, no entanto, estrague a surpresa
de uma das melhores primeiras
obras europeias recentes e a
revelação de uma realizadora a
seguir com atenção. J. M.
portugueses que se endividou para
lá das suas capacidades financeiras,
substituindo a proverbial voz-off
pelo modo como deixa os seus
“heróis” contarem as suas histórias
em off enquanto os mostra a
fazerem as suas vidas no dia-a-dia. É
nesse contraste entre o sofrimento
resignado das vozes e o quotidiano
normalíssimo de uma lida da casa,
uma conversa na rua, uma refeição
que se cozinha que o filme se ganha
e dá corpo e espessura a figuras que
de outro modo seriam apenas
estatísticas ou números. Não é,
felizmente, uma reportagem
televisiva alargada (apesar de
sentirmos que pontualmente há
redundâncias que não adiantam
nada), mas a sua estreia em sala não
deixa de ser algo surpreendente na
medida em que é um objecto que
tem uma respiração muito mais de
pequeno écrã. J. M.
Continuam
Wendy and Lucy
De Kelly Reichardt
com Michelle Williams, Walter
Dalton, Larry Fessenden, Will
Oldham. M/12
para as margens que habitualmente
não vemos — e estamos também a
olhar para um realismo quase táctil
no modo como se instala de pedra e
cal no meio do mundo real, e no
modo como o transfigura num
espaço de solidão e desespero pela
simples força do seu olhar e pela
presença extraordinária de Michelle
Williams. J. M.
Um Funeral à Chuva
De Telmo Martins
com Sandra Santos, Pedro Gorgia,
Alexandre Silva, Hugo Tavares, João
Ventura, Luís Dias, Pedro Diogo,
Sílvia Almeida. M/16
a
Lisboa: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 18h10, 21h35, 00h25; ZON
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h15; ZON
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
4ª 20h50, 23h45 3ª 23h45; ZON Lusomundo Dolce
Vita Miraflores: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
18h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 21h10, 24h; ZON Lusomundo
Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
21h40, 00h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h10
Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h, 21h, 23h50; ZON
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 21h, 23h50 4ª 23h50; ZON Lusomundo
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
21h, 23h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h10, 23h55; ZON
Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª
14h10, 17h10, 21h30 6ª Sábado 14h10, 17h10, 21h30,
00h30
“Um Funeral à Chuva” é um filme
incipiente, cheio de buracos e de
incompetências narrativas, mas não
adianta chover no molhado: trata-se
quase de um filme de amadores,
sem meios, nem pretensões por aí
além; a fórmula óbvia de fazer “Os
Amigos de Alex” à portuguesa pode
ter funcionado na estranha (e
suicida) estratégia de o projectar em
tantas salas, na esperança de o
transformar (pelas piores razões?)
num “filme de culto”. O filme é mau,
mas porquê arrasá-lo quando se
resgatam tantas outras aventuras
recentes, igualmente indigentes, de
“profissionais” com outras
responsabilidades? O melhor é
esquecê-lo e tomá-lo por um
exercício escolar, fora de tempo.
M.J.T.
Seja responsável. Beba com moderação.
www.jameson.pt
MMMMn
Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª
13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª
13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15
Muitos Dias Tem o Mês
De Margarida Leitão
com . M/12
MMnnn
Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 1: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45
6ª Sábado 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45, 23h50
A primeira longa-metragem de
Margarida Leitão foi apresentada
pela primeira vez no IndieLisboa
2009, mas a sua temática não
perdeu actualidade com o ano que
decorreu até esta chegada surpresa
às salas. “Muitos Dias Tem o Mês” é
um documentário que segue o
quotidiano de um grupo de
Filme de hoje na evidente
“economia da pobreza” que
manifesta — uma actriz e uma mão
cheia de personagens fugazes,
ausência de música, quase total
ausência de cenários que não sejam
pré-existentes - “Wendy and Lucy” é
também um filme que ressoa com as
grandes ficções sociais da
“americana”, clássica (as “Vinhas de
Ira” de Steinbeck filmadas por Ford,
as imagens clássicas da Grande
Depressão) ou moderna (a
impossível nostalgia do “Lado
Selvagem” de Sean Penn). Porque é
um filme sobre o que resta quando
se perdeu tudo, sobre a força que
tem de se arrancar das entranhas
para sobreviver quando já não
parece haver mais força, e sobre o
modo como a comunidade (não)
está lá para nos ajudar. Estamos na
América de Bush mas já com um
olho na América de Obama, a olhar
.
Easygoing Irish.
Para quem leva o riso bem a sério e se aplica
na boa disposição, a Jameson preparou um
conjunto de festas verdadeiramente divertidas.
Entre num caso sério de gosto pela vida.
Há poucas oportunidades assim.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 53
Cinema
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Elizabeth Taylor,“Cleópatra”
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200
Segunda, 14
Quarta, 16
A Loja da Esquina
The Shop Around the Corner
De Ernst Lubitsch. Com Frank
Morgan, James Stewart, Margaret
Sullavan. 97 min. M12.
Feras Humanas
Man Hunt
De Fritz Lang. Com George Sanders,
Joan Bennett, John Carradine, Roddy
McDowall, Walter Pidgeon. 105 min.
15h30 - Sala Félix Ribeiro
A Minha História
Hold Back the Dawn
De Mitchell Leisen. Com Charles
Boyer, Olivia de Havilland, Paulette
Goddard. 116 min.
O Lamento da Imperatriz
Bénédicte Billet
De Pina Bausch. Com Mariko
Aoyama, Anne Marie Benati,
Bénédicte Billet. 106 min.
19h30 - Sala Luís de Pina
O Touro Enraivecido
Raging Bull
De Martin Scorsese. Com Cathy
Moriarty, Frank Vincent, Joe Pesci,
John Turturro, Robert De Niro. 128
min.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Os Verdes Anos
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Palermo ou Wolfsburg
Palermo oder Wolfsburg
De Werner Schroeter. Com Nicola
Zarbo, Otto Sander, Ida di Benedetto.
176 min.
19h - Sala Félix Ribeiro
The Ring
De Alfred Hitchcock. Com Carl
Brisson, Lillian Hall-Davies, Ian
Hunter, Gordon Harker. 73 min.
19h30 - Sala Luís de Pina
Cleópatra
Cleopatra
De Joseph L. Mankiewicz. Com
Elizabeth Taylor, Pamela Brown, Rex
Harrison, Richard Burton. 243 min.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Nobreza de Campeão
The Set-Up
De Robert Wise. Com Robert Ryan,
Audrey Totter, George Tobias. 70
min.
22h - Sala Luís de Pina
Quinta, 17
Um Eléctrico Chamado Desejo
A Streetcar Named Desire
De Elia Kazan. Com Karl Malden,
Kim Hunter, Marlon Brando, Vivien
Leigh. 117 min.
De Paulo Rocha. Com Isabel Ruth,
Paulo Renato, Rui Gomes, Ruy
Furtado. 90 min.
22h - Sala Luís de Pina
Terça, 15
O Grito
Il Grido
De Michelangelo Antonioni. Com
Steve Cochran, Alida Valli, Betsy
Blair. 105 min.
15h30 - Sala Félix Ribeiro
As Minas de São Pedro da Cova +
Uma Fábrica de Trigo + Tin
Sardines / Conservas de
Sardinha. 37 min.
19h30 - Sala Luís de Pina
O Grande Ditador
The Great Dictator
Fala com Ela
Hable con Ella
De Pedro Almodóvar. Com Darío
Grandinetti, Javier Cámara, Leonor
Watling, Rosario Flores. 112 min.
M16.
O Mundo do Silêncio
Le Monde du Silence
De Jacques-Yves Cousteau, Louis
Malle. 86 min.
De Charles Chaplin. Com Billy
Gilbert, Charles Chaplin, Henry
Daniell, Jack Oakie, Reginald
Gardiner. 123 min. M6.
19h - Sala Félix Ribeiro
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Perdida Mente + O Espelho Lento
Perdida Mente
De Margarida Gil. Com José Airosa,
Eunice Correia, José Pinto. 63 min.
O Lamento da Imperatriz
Bénédicte Billet
De Pina Bausch. Com Mariko
Aoyama, Anne Marie Benati,
Bénédicte Billet. 106 min.
Walkower
De Jerzy Skolimowski. Com Elzbieta
Czyzewska, Joanna Jedlewska, Teresa
Belczynska. 75 min.
22h - Sala Luís de Pina
22h - Sala Luís de Pina
54 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon
Lisboa: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h10;
Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 24h;
UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª
4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Sábado 14h,
16h35, 19h10, 21h45 Domingo 11h30, 14h, 16h35,
19h10, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 23h50; ZON
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
4ª 21h30, 00h25 3ª 00h25; ZON Lusomundo Oeiras
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h25,
00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h20, 24h
Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40,
19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Fórum
Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55, 18h50,
21h45 6ª Sábado 13h, 15h55, 18h50, 21h45, 00h40
O filme de Herzog não precisa de
comparações com o homónimo de
Abel Ferrara (“remake” ou não,
interessa pouco) para fazer todo o
sentido: há um outro tipo de
transcendência, uma redução da
tragédia às leis de um acaso jogado
com a costumeira noção de excesso
visual, ainda que controlado.
Podemos até embirrar com o estilo
de Herzog, pouco previsível para
repegar nas profundezas do “film
noir”, mas como paródia (num
sentido sério do termo) acaba por
funcionar, não sem que sintamos um
certo vazio indefinível de exercício
sem rede. Subverter é um dos
prazeres do cineasta e como
subversão o prazer das imagens
acaba por triunfar do aleatório.
M.J.T.
Noite e Dia
Bam gua nat/Night and Day
De Hong Sang-Soo,
com Kim Young-ho, Park Eun-hye,
Hwang Su-jung. M/12
Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre:
Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
22h;
19h - Sala Félix Ribeiro
19h30 - Sala Luís de Pina
MMMnn
Mnnnn
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Nobreza de Campeão
The Set-Up
De Robert Wise. Com Robert Ryan,
Audrey Totter, George Tobias. 70
min.
Polícia Sem Lei
The Bad Lieutenant:
Port of Call - New Orleans
De Werner Herzog
com Nicolas Cage, Eva Mendes, Val
Kilmer. M/16
21h30 - Sala Félix Ribeiro
É a primeira vez que o coreano Hong
Sang-soo, aclamado ao longo dos
últimos anos pela comunidade
crítica e de festivais, vê um filme seu
chegar ao circuito comercial
português – pena é que a estreia não
seja mais auspiciosa, porque “Noite
e Dia” é um filme algo atípico no seu
percurso, rodado em Paris sob os
auspícios do Musée d’Orsay ao
abrigo do mesmo programa que que
levou ao “Voo do Balão Vermelho”
de Hou Hsiao-Hsien e “Tempos de
Verão” de Olivier Assayas. Hong tem
sido considerado o Éric Rohmer
coreano – percebe-se porquê na
história de um pintor coreano que,
fugindo a uma possível pena de
prisão por ter fumado um charro, se
instala dois meses em Paris e alterna
chorosas chamadas para a esposa
com tentativas de sedução de uma
compatriota estudante com
tendências mitómanas. Estruturado
como o diário do pintor, que vai
flanando por Paris em busca da sua
identidade, “Noite e Dia” é mais
interessante no modo como
transfere a “coreanidade” das suas
personagens intacta para o ambiente
parisiense, mas perde-se na duração
excessiva (duas horas e meia) que
distende até à irritação o charme
desastrado dos encontros e mentiras
da pequena comunidade exilada e a
dilui numa sensação de
aborrecimento que é fatal para o
filme. J.M.
Eu Sou o Amor
Io Sono l’Amore
De Luca Guadagnino,
com Tilda Swinton, Flavio Parenti,
Edoardo Gabbriellini. M/12
Mnnnn
Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª
Sábado Domingo 12h50, 15h40, 18h10 6ª 2ª 3ª 4ª
15h40, 18h10; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13:
5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15
Sábado 14h10, 16h40, 19h10, 21h45 Domingo 11h30,
14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15
Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 13h55, 16h40, 19h20, 22h, 00h45 3ª 4ª
16h40, 19h20, 22h, 00h45
Esforçado “pastiche” de qualquer
coisa que se imagina representar, na
cabeça de Guadagnino, o
“melodrama clássico”, aqui
confundido com uma acumulação
de sinais - aristocratas italianos, a
mulher de meia idade revigorada
pela paixão, a ópera (com citação do
“Philadelphia” de Jonathan Demme!)
– postos a funcionar como as
campainhas do Sr. Pavlov.
Kitschíssimo, e frequentemente
intragável: que horrorosa é aquela
“epifania com gambas”, por
exemplo, e que enervantes aqueles
planos com folhinhas e insectos a
acompanhar o sexo entre a
aristocrata e o cozinheiro (folhinhas
e insectos que, quase de certeza,
Guadagnino foi pilhar à “Lady
Chatterley” de Pascale Ferran, que
por sua vez os tinha ido buscar a
Renoir - mas “Eu Sou o Amor” é isto:
citação de citação). E da citação nem
Hitchcock escapa, naquele
apontamento “Vertigo em San
Remo” (caracol capilar e tudo), tão a
despropósito que quase chegava a
ter graça não fosse o estilo
“clipesco” e publicitário daquilo (até
se fica à espera de ver aparecer o
“Martini man”). Mas a câmara de
Guadagnino é quase sempre
bastante irritante, género mexe e
remexe só para não estar quieta
(aqueles movimentos em frente tão
curtos que parecem pulinhos), e o
único “excesso” que há aqui é o
ornamental, que seria interessante
se fosse capaz de se tornar no centro
do próprio filme, de se constituir em
razão de ser de alguma coisa digna
de ver (isso era mais para um
Schroeter, mas o segredo deve ter
ido para a cova com ele). À
desmesura – “clássica”, digamos –
não se chega com fantasias
borboleteantes mas pelo seu oposto:
pelo físico, pela gravidade, pelo
movimento em rasgo que converte a
paixão em energia e a inscreve, para
assim o transfigurar, no espaço da
banalidade quotidiana. Ora ide lá –
por exemplo tão bom como
qualquer outro - perguntar ao Sr.
Mur Oti por um certo
“travelling”.L.M.O.
Estômago - Uma história nada
infantil sobre poder, sexo e
gastronomia
Estômago
De Marcos Jorge,
com João Miguel, Fabiula Nascimento,
Babu Santana. M/16
MMnnn
Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h50; Medeia
Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h50, 00h30; UCI Freeport:
Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h45, 21h30 6ª 15h50,
18h45, 21h30, 23h50 Sábado 13h30, 15h50, 18h45,
21h30, 23h50 Domingo 13h30, 15h50, 18h45, 21h30
Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30
Habituados que estamos a uma certa
pobreza do cinema brasileiro
exibido entre nós, não certamente
representativa do muito que se faz
além-Atlântico ( Júlio Bressane
continua ausente da exibição
comercial), este “Estômago”,
comédia negra bem engendrada e
com um olhar bizarro e criativo
sobre as contradições sociais do
“país irmão”, merecia, apesar de
alguma facilidade expressiva (a
gastronomia como metáfora carece
de maiores ambições narrativas),
uma mais cuidada atenção por parte
de um público português
desconfiado, devido à oscilação
entre indigestos “novelões” e
insuportáveis demagogias
populistas. “Estômago” é um
pequeno filme sobre o poder e sobre
o fascínio dos pormenores
insignificantes, simpático e
despretensioso: o suficiente para
despertar a curiosidade e o respeito
pela diferença. M.J.T.
DVD
Deneuve (“O Último Metro”), Ardant
(“Finalmente Domingo”), Moreau (“Jules e Jim”)
Cinema
O homem
que gostava
das mulheres
Jeanne, Catherine, Fanny
ou Françoise - tal como
François as amou.
Mário Jorge Torres
O Amor e as
Mulheres
Caixa François
Truffaut
Jules e Jim
mmmmm
Angústia
mmmmm
As Duas Inglesas e o Continente
mmmmn
Uma Bela Rapariga
mnnnn
O Último Metro
mmmmn
A Mulher do Lado
mmmmn
Sem extras
MK2, Distribuição: Valentim de
Carvalho Multimédia
Se há cineastas bem representados
no nosso mercado de vídeo,
certamente que François Truffaut
funciona como um dos nomes de
topo: desde a caixa que inclui a saga
Doinel até versões soltas de filmes
de vários momentos da sua carreira,
em diferentes editoras, temos um
pouco de tudo. O que esta caixa
propõe é uma espécie de visão
temática, com a designação global
de “O Amor e as Mulheres”, o que
inclui seis películas,
mas poderia
estender-se, pelo
menos, a outras
tantas. Não
discutimos a
selecção da
maior parte dos
objectos, mas
estranhamos a
ausência de, por
exemplo, “O Homem
Que Gostava das
Mulheres” (1977), “A História
de Adèle H” (1975) ou “A Sereia do
Mississipi” (1969). Dito isto, uma
escolha é uma escolha e a ela nos
devemos limitar, até porque passa
por edições estrangeiras (no caso
vertente, a da MK2, no que parece
constituir uma vontade de integrar a
obra completa em segmentos
temáticos), distribuídas entre nós, e
por questões de direitos
videográficos.
“Jules e Jim” (1962), o primeiro
cronologicamente, expõe muitas das
premissas depois desenvolvidas:
obra-prima da inscrição da paixão
no contexto histórico, o filme
encena um “ménage à trois”, no
final da “belle époque”, culminando
com a Grande Guerra de 1914-1918 e
com um trágico final, contrastante
com a alegria de viver e a força do
capricho, que a famosa canção do
filme cristaliza. No centro, está uma
das cinco grandes divas do universo
do cineasta, quase todas
representadas nesta caixa (só falta a
Adjani, para já não falar de Julie
Christie), Jeanne Moreau, belíssima
e prodigiosamente tentadora: da sua
emancipação resulta o triângulo
amoroso, a paixão em estado puro,
o amor louco jogado com maestria.
Tudo está no sítio certo, tudo abre
para a paisagem e para os rostos dos
actores, em deslumbrante
Cinemascope e glorioso preto-ebranco. A boémia de um mundo em
convulsão e o prazer de viver
reflectem o mundo de Truffaut com
todas as suas contradições.
Se “Jules e Jim” apresenta o “amor
livre”, “Angústia” (1964) –
continuamos a preferir o magnífico
título original, “La Peau Douce” –
debruça-se sobre a trangressão, o
adultério, a história de um homem
casado ( Jean Desailly, como uma
espécie duplo
adulto do
realizador)
que se
apaixona por
uma jovem,
uma
perturbante
Françoise
Dorléac – irmã
de Catherine
Deneuve na vida e
no ecrã (“As Donzelas
de Rochefort” de Demy)
no seu máximo esplendor cedo
ceifado por uma morte prematura.
Como pano de fundo, não a leveza
transgressora dos romances de
Pierre Henri-Roché, mas a tessitura
complexa de Balzac, as traições, as
mentiras, as verdades dolorosas e
fracturantes. Parcialmente filmado
em Lisboa, onde o protagonista vem
fazer uma conferência sobre o
romancista, é um dos mais filmes
secretos a agridoces de Truffaut e,
provavelmente, o mais devedor da
estética da “Nouvele Vague”: tudo é
misterioso, subtil, intuído, mesmo as
angústias de uma relação
avassaladora, mas controlada.
“As Duas Inglesas e o Continente”
(1971) regressa à escrita de Roché,
como em “Jules e Jim”, evidenciando
no início as marcas literárias, e
inverte o triângulo anterior, desta
vez, um homem e duas mulheres,
centrado no “alter ego” Jean Pierre
Léaud (o Doinel da saga) e sem a
força das outras actrizes
emblemáticas: Kika Markham
fotografa bem a cores, mas carece da
densidade das suas demais
“heroínas”. Percebe-se a inclusão
para permitir visionar o díptico, a
atracção pelo eterno feminino, mas
falta a loucura da Moreau ou a
incandescência de Fanny Ardant.
Dito isto, o filme corresponde a uma
espécie de aguarela, espantosa
variação sobre a obsessão e o desejo.
“Uma Bela Rapariga” (1972) não
fazia qualquer falta neste contexto,
mesmo para quem queira fazer da
insuportável histeria de Bernadette
Lafont uma aspiração ao estrelato.
Trata-se, rivalizando com “L’Argent
de Poche” (1976), do pior filme do
realizador: nem “policial”, nem
história de amor, passa por um tom
de comédia inconsequente de uma
ex-presidiária e de um sociólogo que
se deixa prender pelo seu objecto de
estudo, sem que se vislumbre o
objectivo último de tão pobre
exercício. A Lafont corta todas as
hipóteses de rima com as grandes
divas do realizador, sempre
demasiado histriónica e fazendo do
esgar a sua expressão preferida. Por
que razão preferir tal descalabro às
profundidades de “Adèle H”?
“O Último Metro” (1980) ganhou
imenso com o tempo e revê-lo agora
significa redescobrir um olhar
inteligente sobre os tempos da
ocupação, sobre a paixão oculta em
olhares e jogos de acaso: Catherine
Deneuve é magnífica, Depardieu
perfeito, a metáfora do teatro
funciona na perfeição, com um
fabuloso final em “trompe l’oeil”,
complexificando a “velha” ideia
“truffautiana” do trio amoroso. E, se
a reconstituição histórica é cuidada,
da fotografia pastosa às velhas
canções da guerra, dos penteados às
curiosidades de época, o melhor
passa pela poderosa universalização
da acção, de forma a traçar um
retrato profundo da alma humana,
da representação, dos sentimentos
exacerbados, dos medos e pequenas
traições, tudo disfarçado de
memória magoada e transversa dos
anos 40.
“A Mulher do Lado” (1981) tinha
que figurar nesta “antologia” sobre o
amor e as mulheres: rima com “La
Peau Douce”, muitos anos depois,
no modo como encena os limites do
casamento burguês, o adultério e a
atracção irresistível. E, depois,
introduz no mundo do realizador a
sua diva final (e definitiva), Fanny
Ardant. A clandestinidade, o
regresso a antigos amores, o
imponderável da paixão sem freios,
tudo irrompe pelo ecrã dentro em
golfadas de cor, em olhares furtivos,
em descontrolado erotismo, como
se Truffaut tivesse a noção de que
estava a fechar todos os ciclos,
iniciados com “Jules e Jim”.
No cômputo geral, uma
importante revisita em excelentes
cópias de imagem e som, razoável
legendagem e boa apresentação
gráfica. Só é pena não possuir
nenhum extra, para além dos
“trailers”, a permitir contextualizar
a reunião temática sugerida.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 55