Homens normais, tudo de excepcional

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Homens normais, tudo de excepcional
Sexta-feira
7 Maio 2010
www.ipsilon.pt
Josh e Ben Safdie Delorean Vashti Bunyan Ruy Duarte de Carvalho Stooges Monks
Homens normais, tudo de excepcional
ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7337 D
DO PÚBLICO
CO,, E NÃO
NÃO PODE
PODE SER
SER VEN
E DIDO SEPAR
SEPARADAME
ADAME
D
NTE
The National, “High Violet”
The National
6
Rapazes normais, com um
novo disco todo especial
Vashti Bunyan
Amor, rejeição
e um concerto no Lux
12
The Stooges + The Monks 18
O punk antes do punk, em
duas reedições históricas
Cornelius Cardew
20
Um compositor tão
paradoxal como o século
XX, na Culturgest-Porto
Josh e Ben Safdie
24
Os vencedores do
IndieLisboa em discurso
directo
Ruy Duarte de Carvalho 28
Meteu-se num carro
e fez a volta à África do Sul
FIMFA
Um segredo bem
guardado há dez anos
Ficha Técnica
Directora Bárbara Reis
Editor Vasco Câmara,
Inês Nadais (adjunta)
Conselho editorial Isabel
Coutinho, Óscar Faria, Cristina
Fernandes, Vítor Belanciano
Design Mark Porter, Simon
Esterson, Kuchar Swara
Directora de arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho,
Carla Noronha, Mariana Soares
Editor de fotografia
Miguel Madeira
E-mail: [email protected]
32
ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/ AFP
Flash
Sumário
RUI GAUDÊNCIO
Spielberg vai adaptar “War Horse”,
do escritor inglês Michael Morpurgo
O artista português, Prémio EDP Novos Artistas em 2009, vai levar os seus trabalhos ao Palais
de Tokyo e ao Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris - a seguir, desce à terra em Guimarães
Gabriel Abrantes
sem tréguas em Paris
Gabriel Abrantes (Chapel
Hill, EUA, 1984) é daqueles
artistas que não dá
descanso à obra. Troca-lhe
as voltas (Arte? Cinema?),
confunde-lhe os lugares
(“Black box”? Grande ecrã?
Cubo branco?) e mostra-a,
generosa e furiosamente,
em Portugal (onde foi o
destinatário do Prémio EDP
Novos Artistas em 2009) e
no mundo. Dele vimos há
dias, no IndieLisboa, o filme
“History of Mutual Respect”
(o júri do festival deu-lhe o
Prémio Media Recording
para a melhor curtametragem portuguesa a
concurso); nos próximos
meses, vamos poder visitar
duas exposições, uma lá
fora e outra cá dentro.
Entre 11 de Junho e 5 de
Setembro, na capital
francesa, Abrantes integra
“Dynasty”, que reúne
trabalhos de 40 artistas no
Palais de Tokyo e no Musée
d’Art Moderne de la Ville de
Paris. O comissariado é de
Fabrice Hergott e MarcOlivier Wahler, e a colectiva
tem como objectivo revelar
curtas-metragens “Olympia
I” e “Olympia II” (2008),
até às mais recentes,
passando por “Too Many
Daddies, Mommies and
Babies”, o trabalho com
que venceu o Prémio EDP.
Ao todo, serão mostrados
perto de dez filmes e
vídeos, disponíveis em
projecções e em monitores.
Com a exposição, chegará
um livro editado pelo
próprio, com textos de,
entre outros, Alexandre
Melo e João Ribas, actual
curador do MIT List Visual
Arts Center, em Boston.
Para explorar e revelar o
processo de trabalho de
Gabriel Abrantes,
desenvolvido em guiões,
notas, colagens, desenhos e
fotografias. José Marmeleira
Steven Spielberg
interessa-se pela I
Guerra Mundial
Steven Spielberg já é um veterano
de filmes sobre a II Guerra Mundial
(1939-1945). Com “O Resgate do
Soldado Ryan” (1998), o cineasta
trouxe de novo o conflito ao cinema
e ganhou cinco Óscares; antes, com
“A Lista de Schindler” (1993), tinha
ganho sete. Entre outras obras
sobre o tema, produziu ainda os
filmes “As Bandeiras dos Nossos
Pais” (2006) e “Cartas de Iwo Jima”
(2006), ambos realizados por Clint
Eastwood, e a série “Irmãos de
Armas” (2001), sobre um grupo de
soldados americanos que chega à
Normandia no Dia D (1945). Muito
recentemente, com a mesma
equipa, voltou à II Guerra Mundial
com “The Pacific” (2010), espécie
de “Irmãos de Armas 2”, mas agora
na frente do Pacífico.
Entretanto, ficou a saber-se esta
semana que Spielberg vai, pela
primeira vez, abordar a I Guerra
Mundial (1914-1918) em “War
Horse”, adaptação do livro infantil
com o mesmo nome do escritor
inglês Michael Morpurgo. Publicado
em 1982, o livro relata a amizade
entre um rapaz inglês e um cavalo,
que se separam quando deflagra a I
Guerra Mundial e que voltam a
cruzar-se no decurso do conflito.
“War Horse” já foi adaptado para
teatro e está em cena no National
Theatre, em Londres. O filme da
Dreamworks chegará aos cinemas
dos EUA em Agosto de 2011, meses
antes do aguardadíssimo “Tintin: o
Segredo do Unicórnio”, também de
Spielberg.
“a sensibilidade artística
emergente em França”.
Gabriel Abrantes, que
estudou na École National
des Beaux-Arts de Paris
entre 2005 e 2006,
apresentará dois filmes corealizados com Benjamin
Crotty: “Visionary Iraq”, no
Palais de Tokyo (onde será o
“Metrópolis” vai
primeiro artista português a
voltar, om mais 25
expor desde a
transformação do edifício
minutos
em centro de arte
Realizado por Fritz Lang e estreado
em Berlim em 1927, “Metrópolis” foi
contemporânea), e uma
um dos filmes mais aclamados da
obra inédita a ver no museu
história do cinema. Quase com duas
parisiense.
horas e meia de duração,
ç , foi visto
iel
Em Setembro, Gabriel
na sua totalidade
Abrantes terá uma
o
individual no Centro
Cultural Vila Flor, em
m
Guimarães: “Histories
ies
of Mutual Respect:
Films by Gabriel
Abrantes in
Collaboration with
Benjamin Crotty,
Daniel Schmidt, Katie
tie
Widloski”. Em
ão
destaque, a produção
fílmica e
cinematográfica do
artista/cineasta, dass
Algumas das imagens cortadas pela Paramount para “adaptar”
o filme ao gosto médio americano foram recuperadas e vão ser
mo as
obras seminais, como
incluídas numa nova versão, mais completa, do filme, a sair em DVD
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 3
Flash
apenas por altura da estreia. As
críticas e os lucros de bilheteira na
Europa foram mornos e, por isso, a
Paramount Pictures, o parceiro
americano do estúdio alemão que
produziu o filme, a UFA, retirou
“Metrópolis” de circulação e fez
alguns cortes drásticos na película,
resultando em menos uma hora de
filme. Na altura, a Paramount
justificou a decisão dizendo que a
montagem de Lang era complicada
de mais para o público americano.
A versão original não voltou a ser
vista e pensou-se que tinha sido
irreversivelmente destruída.
Até 2008, altura em que a
perseverança de Fernando Peña,
arquivista de filmes argentino, foi
recompensada. Há 20 anos que
Peña ouvia falar na existência de
uma cópia do filme no Museo del
Cine de Buenos Aires, mas a
burocracia impedia-o de chegar até
ela. Há dois anos, conseguiu. E
descobriu mais 25 minutos de filme
até aqui desconhecidos.
A versão completa da obra-prima
de Fritz Lang foi exibida em
Fevereiro no Festival de Cinema de
Berlim. Agora, o Film Forum, de
Nova Iorque, vai voltar a mostrar
“The Complete Metropolis”, e a
versão aumentada do filme vai
mesmo ser editada em DVD, no
final do ano, depois da projecção
em várias salas dos EUA.
Espaço
Público
Este espaço vai ser
seu. Que filme, peça de
teatro, livro, exposição,
disco, álbum, canção,
concerto, DVD viu e
gostou tanto que lhe
apeteceu escrever
“Metrópolis” é o filme mudo mais
icónico da sua época,
principalmente pela ambição visual
de Lang. Mas, até agora, não
tínhamos a história completa.
“Estes acrescentos são essenciais
para a compreensão total da
narrativa”, disse ao “New York
Times” Noah Isenberg, professor de
cinema na The New School de Nova
Iorque. As imagens são granuladas
e, por isso, distinguem-se
facilmente da versão restaurada em
2001, na qual foram inseridas.
Algumas são cenas mínimas, de
segundos, que ilustram as reacções
das personagens e acentuam o seu
estado de espírito. Mas também há
planos de vários minutos que foram
inteiramente cortados pela
Paramount. Thin Man parece agora
uma personagem muito mais
sinistra, uma combinação de espião
e detective. E o seu assistente
pessoal, que desaparece numa das
cenas iniciais, desempenha um
papel muito maior.
Ainda é o mesmo filme? Não
totalmente. “Já não é um filme de
ficção científica. Agora é um filme
que abrange muitos géneros, um
épico sobre conflitos
antiquíssimos”, argumenta Martin
Koerber, arquivista e historiador
alemão que supervisionou os
restauros de 2001 e 2008.
Todos aos dez anos
da Tate Modern
O “frontman” dos Sonic Youth,
Thurston Moore, e os
portugueses Filipa Oliveira e
Miguel Amado constam entre
as dezenas de artistas,
provenientes de todo o mundo
(do Rio de Janeiro a Xangai),
que foram convidados para
fazer experiências na festa dos
primeiros dez anos de vida da
Tate Modern. Desde que abriu
portas, a 12 de Maio de 2000,,
a galeria londrina dedicada à
arte contemporânea recebeu
45 milhões de visitantes,
número com que se tornou o
museu de arte contemporânea
Mais de 45
milhões de
visitantes
já passaram
pelo principal
museu de
arte contemporânea do
Reino Unido
4 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
mais visitado do mundo. Só
entre 2008 e 2009, a Tate
Modern contabilizou 4,65
mihões de entradas (uma média
de 13 mil por dia); no mesmo
período, o Centro Pompidou, de
Paris, ficou-se por 3,53 milhões
de visitantes e o MoMA, de Nova
Iorque, pelos 2,8 milhões.
O início das comemorações da
primeira década da galeria está
marcado para o próprio dia do
aniversário, 12, com um desfile
de 300 crianças que,
acompanhadas de uma
banda, irão caminhar até ao
edifício com um bolo de
sobre ele, concordando
ou não concordando
com o que escrevemos?
Envie-nos uma nota até
500 caracteres para
[email protected]. E
nós depois publicamos.
Os filmes mudos
de Hitchcock
vão ressuscitar
Antes dos grandes sucessos de
Hollywood, Alfred Hitchcock
realizou uma série de filmes
mudos, que já davam sinais do
estilo, do trabalho de câmara e dos
argumentos de suspense
desenvolvidos pelo realizador nos
trabalhos seguintes. Durante
décadas, esses filmes estiveram
esquecidos. Agora, o British Film
Institute (BFI) vai restaurar nove
dessas obras e apresentá-las numa
série de sessões públicas em 2012,
como peça central de uma
retrospectiva dedicada ao
realizador. Embora o “The
Independent” avance que as
exibições farão parte das
Olimpíadas Culturais, o programa
artístico que decorrerá em
paralelo aos Jogos Olímpicos de
Londres, ainda não há
confirmação.
Alguns dos filmes
serão projectados
no BFI e outros
serão musicados
por músicos
experimentais
e farão parte
do programa
Além de fazer
experiências
com a sua
guitarra,
Thurston
Moore
também vai
ler poesia nos
dez anos da
Tate Modern
O British Film Institute vai
restaurar nove filmes a tempo
dos Jogos Olímpicos de 2012
de diversos festivais de música. Da
retrospectiva também fará parte
uma exposição de objectos
relacionados com os filmes e com
as bandas sonoras do compositor
Bernard Herrmann, que colaborou
com Hitchcock em filmes como
“Psycho”, “O Homem que Sabia
Demasiado” ou “Vertigo - A Mulher
que Viveu Duas Vezes”.
“Queremos analisar a influência
[de Hitchcock] no mundo actual”,
justificou ao “Independent” Eddie
Berg, director artístico do BFI. A
directora do instituto, Amanda
Neville, disse que a iniciativa irá
“ressuscitar os filmes de Hitchcock
que não estão na ponta da língua
de toda a gente”. Alguns dos filmes
precisam de restauro. “Três deles
não poderão ser projectados – a
dimensão dos danos seria
enorme”, acrescentou.
Entre os filmes que serão
restaurados e apresentados
incluem-se “The Pleasure Garden”
(1925), “The Lodger” (1926) e “The
Farmer’s Wife” (1927).
aniversário que será
distribuído pelos visitantes.
Mas o principal item dos
festejos é mesmo o “No Soul
For Sale – A Festival for
Independents”, que decorre
de 14 a 16 deste mês. É
justamente no programa
deste festival que a dupla de
curadores Filipa Oliveira +
Miguel Amado (que já tinha
participado na primeira
edição do No Soul For
Sale em Junho do
ano passado, em
Nova Iorque,
com o projecto
“If you don’t
know what the
South is it’s
simply
because you
are from
the
North”,
incluindo
trabalhos
de Julieta
Aranda,
Lilibeth
Cuenca
Rasmussen,
Carlos Motta
e Miguel
Palma) aparece ao lado de
artistas como
Martin Creed, Prémio Turner
em 2001. A programação do
festival visa misturar diversos
tipos de disciplinas, das artes
plásticas à música, do cinema à
poesia, e culminará na criação,
sem entraves na liberdade
criativa, de uma aldeia de arte
global. Thurston Moore, por
exemplo, vai recitar poesia do
seu “Ecstatic Peace Poetry
Journal” e dedicar-se à
exploração das artes visuais e
da música experimental.
Durante os três dias do festival,
a Tate Modern terá as portas
abertas ao público e, nas duas
primeiras noites, só fechará à
meia-noite, aproveitando a
boleia da iniciativa nacional
“Museums at Night”.
A pretexto dos dez anos, os
visitantes são também
convidados a publicar as suas
memórias relacionadas com a
galeria, e nomeadamente
vídeos e fotos das suas
experiências com as peças da
Unilever Series (um programa
de instalações que já levou
diversos artistas a intervir no
Hall das Turbinas da Tate
Modern, que na sua primeira
encarnação foi uma central
eléctrica), que serão
posteriormente compilados
num filme.
APRESENTAÇÃO
AGENDA CULTURAL FNAC
entrada livre
entrada livre
LANÇAMENTO
OBJECTIVOS DE DESENVOLVIMENTO
DO MILÉNIO
No Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, a Fnac apresenta uma selecção das
imagens premiadas no concurso de fotografia, organizado pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto
e pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo.
11.05. 18H00 FNAC STA. CATARINA
AO VIVO
ANA BEATRIZ MANZANILLA
E PEDRO SAGLIMBENI MUÑOZ
Duos para violino e viola de Villa-Lobos e Martinu
Músicos venezuelanos residentes em Lisboa que fazem parte da Orquestra Gulbenkian e da Orquestra
Sinfónica Portuguesa.
07.05. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING
09.05. 17H00 FNAC CHIADO
AO VIVO
NU SOUL FAMILY
Never Too Late To Dance
Virgul (Da Weasel) e Dino (Expensive Soul) são a cara dos Nu Soul Family. A música de dança conhece
uma versão eclética entre momentos pop, house e disco.
08.05. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING
15.05. 17H00 FNAC GAIASHOPPING
13.05. 22H00 FNAC MAR SHOPPING
21.05. 22H00 FNAC ALMADA
14.05. 22H00 FNAC NORTESHOPPING
22.05. 17H00 FNAC ALFRAGIDE
AO VIVO
TIAGO BETTENCOURT
Em Fuga
Após o sucesso de O Jardim, com o single Canção Simples, Tiago Bettencourt volta à Fnac para uma
actuação ao vivo do seu último disco, gravado entre o Canadá e Lisboa.
21.05. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING
14.05. 21H30 FNAC COLOMBO
22.05. 22H00 FNAC COIMBRA
15.05. 22H00 FNAC NORTESHOPPING
23.05. 17H00 FNAC ALMADA
16.05. 17H30 FNAC CASCAISHOPPING
EXPOSIÇÃO
UMA FOTO DE CADA VEZ
Fotografias de Gonçalo Cadilhe
Gonçalo Cadilhe fotografa desde que iniciou a sua carreira de viajante, há quase vinte anos, mas sempre
canalizou a sua energia para a produção literária. No entanto, a pequena selecção de fotografias aqui
reunida não deixa de piscar o olho à sua produção literária.
18.04. - 12.05.2010 FNAC COLOMBO
Consulte todos os eventos da Agenda,
assim como outros conteúdos culturais Fnac em
Apoio:
AO VIVO
LANÇAMENTO
EXPOSIÇÃO
O caso de amor com os National continua. Porque eles f
personagens grandiosas de um épico. Ao quinto disco, “High
como os U2 ou ser a melhor banda do mundo. Retrato do
tudo no discurso parece ponderado.
Resumindo: está, surpreendentemente, sóbrio.
“Eu não bebo assim tanto”, responde com um certo acossamento. Anos
antes, este homem era o primeiro a
brincar com a sua fama de bebedor
compulsivo. Agora, casado e pai, perto de se tornar uma estrela a sério com
“High Violet”, há nele certos cuidados:
“Nunca começo a beber antes da noite e só bebo no palco, mas antes e depois do concerto não bebo”, repete.
Agora Matt Berninger é pai e não
bebe. Isto é uma grande diferença
face ao que lhe conhecíamos: no Sudoeste, em 2007, não largou uma
garrafa de Porto durante a conversa
de uma hora que mantivemos antes
do concerto. No ano seguinte, na Au-
KEITH KLENOWSKI
É segunda-feira, dez da manhã em
Nova Iorque e há em Matt Berninger,
o barítono que lidera os National, algo diferente, pelo menos tendo em
conta as conversas mantidas com ele
desde que falámos pela primeira vez
há cinco anos: as palavras não lhe
saem entarameladas, não há oscilações entre monólogos sorumbáticos
e explosões verborreicas inacabáveis,
The National
Champanhe nas
la Magna, em Lisboa, nem chegou a
haver a entrevista marcada, porque
estava entretido a beber e a conversar
com fãs e esqueceu-se da conversa
combinada.
Antes do turbilhão de digressões
em que “Boxer” enfiou o grupo, Berninger era uma personagem menos
reservada – com a mesma quantidade
de angústia que hoje lhe notamos,
mas um pouco menos de precaução
na exposição. A pureza em diálogo
nessa altura era tanta que no Sudoeste contou-nos o amor de Bryan Davenport por erva, revelou-nos que na
banda ninguém tomava drogas duras.
Depois acrescentou, quase com vergonha: “Não sei, se calhar devíamos
tomar”.
Bryan Davenport, já agora, é o ba-
terista maravilha, despenteado, barbudo e tremendamente bonito, irmão de Scott, o careca barbeado do
baixo pulsante. O resto da banda é
composto pelos gémeos Bryce e Aaron Dessner, os líderes das guitarras
da banda.
“Mal acabam os concertos vou para o hotel deitar-me ou ler”, diz-nos
Berninger. Um dos gémeos Dessner,
antes do concerto da Aula Magna,
contara-nos o mesmo, acrescentando
um pormenor: Berninger ia logo para o hotel não por uma questão ética,
mas sim “para telefonar à mulher,
que quer saber onde ele anda”.
A mulher de Matt Berninger (que,
tal como os restantes membros da
banda, vem de Cincinnati, Ohio, e é
um produto da classe média local)
Capa
s fazem de nós, gente angustiada com as suas banalidades,
Violet”, a banda de Matt Berninger tem de decidir entre ser
artista neste momento da sua vida. João Bonifácio
s nossas sombras
KEITH KLENOWSKI
tem as suas razões para querer
manter o marido em rédea curta: no
Sudoeste Berninger dizia-nos, com
mais um dos muitos cigarros que fuma quase a cair-lhe da mão: “Já viste
a quantidade de mulheres bonitas
que estão ali fora? Jesus, às vezes olho
para estas mulheres e penso ‘Eu gostava de fazer amor com uma mulher
assim’. Mas depois penso na minha
namorada [à data não estavam casados] e...”. E ficou a olhar para o chão
com um ar tão comiserado consigo
mesmo que parecia uma das personagens das suas canções.
Uma boa parte do charme deste
quinteto de personalidades bem
marcadas reside nesta simultânea
consciência e fascínio com o pecado.
Ninguém disse que era preciso pecar
para haver culpa – e Berninger sabe
bem que se pode sentir uma avassaladora culpa só por se pensar em
pecar.
“Quer dizer, isto não são problemas, não são verdadeiros problemas,
mas todas as canções dos National
são sobre isso”, disse ele nessa noite,
repetidas vezes.
“Isso” é querer e não poder, fazer
e “saber que se está a fazer merda”:
a comichão versus a razão, dicotomia
usada nas canções dos últimos dois
discos dos National, “Alligator”
(2005) e “Boxer” (2007), até à exaustão, e que lhes valeu uma crescente
legião de fãs, invariavelmente literatos e abusadores de medicamentos
de prescrição: membros da geração
recibo verde, da geração a prazo, da
geração sem poiso.
A perfeição da imperfeição
As angústias de Berninger são as dos
fãs e os fãs envelhecem ao mesmo
tempo que Berninger, como se houvesse entre eles um miraculoso
“update” de angústia que os mantivesse em sintonia. Cada vez que um
muda de angústia os outros também
e assim continuam o seu caso de
amor.
O que nos traz de volta à mudança
no discurso de Berninger e às questões
em jogo neste momento decisivo na
vida nos National em que eles lançam
“High Violet”.
A banda tem vindo a subir as vendas
a cada disco, e “Boxer” atingiu os 350
mil exemplares só nos EUA, o que nesta altura da indústria, para uma banda
desta dimensão, é extraordinário.
De “High Violet” espera-se que expluda, embora, como Berninger nos
disse esta semana, com eles “não há
explosões, há um constante crescendo”. Mas não é só em termos de dimensão da banda que estão numa
encruzilhada: eles têm de decidir entre serem como os U2 ou serem a melhor banda do mundo.
Tinham ainda mais um dilema pela
frente: “Alligator” e “Boxer” não foram apenas discos perfeitos, foram os
discos perfeitos na altura perfeita,
com a evolução perfeita para uma geração reconhecida pela sua imperfeição. O que fazer a seguir?
Foi com esses problemas que meio
milhão da melhor gente que aí anda
se relacionou: com o pateta alegre
que cantava “I used to be carried in
the arms of cheerleaders”, com o romântico desesperado que gritava “I
won’t fuck us over”, com o mentiroso confiante nas suas mentiras que
dizia “We’ll stay inside ‘till somebody
finds us do whatever the tv tells us”.
Meio milhão da melhor gente que
tem estas frases tatuadas na rede neuronal, porque elas são simultaneamente grandiosas e íntimas – e é esse,
tanto a nível lírico como a nível musical, o trunfo dos National: conseguirem que algo soe íntimo e tornar
esse íntimo épico.
Como é que eles – problemáticos
profissionais – podiam resolver este
problema sem enlouquecer?
Resposta: não podiam e enlouqueceram.
Como é que eles escolheram o caminho a seguir?
Resposta: não escolheram, estava
mesmo ali.
O que é que eles fizeram?
Juntaram o melhor dos dois mundos anteriores.
Mais importante que tudo: “High
Violet”, vai fazer deles a melhor banda do mundo?
Na mente de Berninger
Retrato do artista neste momento da
sua vida: “Tenho uma filha de 16 meses e isso mudou-me bastante. Quando se tem filhos o mundo deixa de ser
sobre nós – bem, infelizmente continuo obsessivo comigo próprio. Começa-se a tentar perceber como melhorar o mundo só que isso traz ainda
mais raiva porque não só não conseguimos resolver nada como ainda por
cima não podemos fugir da responsabilidade. Não podemos mais querer
que tudo se foda. Antes podíamos
simplesmente ir para uma barraca
longe de tudo e mandar tudo e todos
– problemas, responsabilidades, mulheres, dignidade – para o caralho.
Agora tem de se querer saber, temos
de nos importar. E para ser honesto,
agora nós importamo-nos com muita
coisa. Mas não é fácil”.
Este é um tratado sobre a mente
de Berninger. A oscilação entre o
“eu” e o “nós” é representativa da
confusão entre o caso particular e a
generalização, confusão que o leva a
tantos labirintos lógicos, mas, simultaneamente, dá às suas canções uma
universalidade nada negligenciável
(ele tem um talento imenso em transformar um problema seu numa canção em que todos se possam rever).
A assumpção de um mar de diferença entre o que é certo, o que nos
dizem que é certo, o que nós queremos fazer e o que nós achamos que
devemos fazer está representada
naquele parágrafo – e é destas múltiplas hipóteses que nascem as canções dos National, é esta complexidade que atrai a multidão simultaneamente bibliófila e beberrona que
os segue.
(É curioso reparar como os fãs dos
National são parecidos com os National: gente de classe média, média
alta, angustiada com as suas banali-
Matt
Berninger
entre os
gémeos Bryce
e Aaron
Dessner,
guitarristas;
atrás, à
direita, Bryan
Davenport,
baterista; à
esquerda o
irmão Scott, o
baixo
pulsante dos
National
“É daí que vem a tristeza e a raiva destas canções – das m
toda a gente: queremos ser mais românticos e agradar à nossa m
medrosos. E é muito difícil ser tudo isso”
8 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
Comentário
João
Bonifácio
E finalmente o rock
é perigoso
Eles não fazem as meninas tirar as cuecas e os meninos
tomar drogas. Eles fazem as mulheres divorciar-se
e os homens irem à farmácia buscar medicamentos.
Os National são assunto de gente grande. E isso sim,
é perigoso.
N
ão é propriamente lisonjeiro para o rock’n’roll que a frase
paradigmática que marca o início da sua história seja “A whop
bop-a-lu a whop bam boo”. E não deixa de ser sintomático que
quem melhor a proferiu, Little Richard, fosse um homossexual
que aí fingia ser um galifão com uma mulher em cada esquina.
Nessa maravilhosa canção traçou-se o caminho do rock’n’roll durante
décadas: gente com esqueletos no armário transforma-se numa outra coisa
que sempre desejou ou sempre achou que devia ser, e o sexo era laudado como objectivo único da vida. A mitologia transformou o rock’n’roll na
banda-sonora do sexo, usando para isso todos os truques possíveis – menos
palavras bem medidas.
Tivemos décadas disto e, acima de tudo, tivemos a mitificação “ad nauseum” disto, que atingiu o zénite quando alguém se lembrou de dizer que
os Rolling Stones eram perigosos. Porquê? Porque faziam as meninas tirar as
cuecas e punham os rapazes a tomar drogas. Destruíam os lares.
Não se duvida, mas falta acrescentar um pormenor: um pouco de literatura
diz-nos que as meninas sempre foram céleres a tirar as cuecas, mesmo que
sempre tenham sido magistrais a esconder essa sua excelsa qualidade. Em “O
Cálice e a Espada”, Riane Eisler fala-nos mesmo de sociedades mais próximas
de regimes matriarcais em que o amor era livre e poligâmico. E recordando
a “Medeia” será difícil sustentar que os lares só começaram a ser destruídos
no dia em que as cachopas viram um sujeito de lábio de boi a berrar.
Que não se diminua o valor do rock’n’roll, tanto musical como sociológico.
Mas que não se lhe atribua qualquer perigo – a explosão do rock na década
de 60 é simples consequência da moral sufocante
dos anos 50 que por sua vez é consequência da
grande guerra. O rock estava no lugar certo no
momento certo.
A questão é que para não se ser alinhado é preciso ter-se consciência do que está em jogo e para
se ser rebelde é preciso – ao contrário do título do
filme de Nick Ray – alguma causa. E isto implica
inteligência e capacidade de usar as palavras.
Com a devida excepção do primeiro álbum dos
Velvet Underground, isto só surgiu, no rock, no
final da década de 70 com os Joy Division. Ian Curtis fez o favor de acabar depressa com qualquer veleidade intelectual que o
rock pudesse ter e ainda assim dificilmente se poderá sustentar que os Joy
Division não fossem uma banda adolescente. Os seus seguidores, com o suposto poeta maldito Ian McCuloch à cabeça, idem.
Andámos muitos anos assim até que os Radiohead conseguiram um feito
extraordinário: fazer com que tudo na sua música, do uso de ruídos passando
pela forma como o seu vocalista usava a voz ou as suas estranhas imagens
literárias, se tornasse um símbolo da desagregação emocional que é marca
do século XXI. Foi a primeira vez que o rock esteve próximo de ser adulto
sem ser balofo (ao contrário, por exemplo, dos Pink Floyd).
É por isso que dizemos sem o mínimo pudor que os National são verdadeiramente a primeira banda de rock’n’roll perigosa que existiu ao cimo
da Terra.
Todos os discos dos National são uma variação “ad infinitum” sobre aquilo
a que poderíamos chamar “os indiferenciados”: gente que se destaca pela
sua absoluta falta de destaque, gente que não hesita em hesitar, que caminha
passo firme para o tropeção, gente desconfortável com a sua temperatura,
que não suporta o pouco peso que tem na vida dos outros.
Mas ao contrário dos Stones, as meninas que ouvem pela primeira vez os
National não vão a correr trocar fluidos ou experimentar os simpáticos efeitos do Rohypnol. A descarga épica e emocional que os National produzem,
associada à constante repetição de aforismos eficazes, levam a uma segunda
atenção ao texto. E o texto, que à partida pode ser lido como simples confirmação de que a vida é por norma uma merda, revela-se de uma complexidade
rara, abraça o erro, a queda e o disparate, sem nunca os glorificar (e isto é
extraordinário no rock), comove-se por quem tropeça, não sabe se há-de ser
hedonista e quando o é arrepende-se.
Isto é: está ideologicamente contra tudo o que os Stones representam. O
discurso dos National é o da dúvida incessante, da culpa e do horror à culpa,
do questionamento constante da ideia de identidade, do desdobramento
constante das encruzilhadas que se apresentam ao ser humano.
Eles não fazem as meninas tirar as cuecas e os meninos tomar drogas. Eles
fazem as mulheres divorciar-se e os homens irem à farmácia buscar medicamentos. Pela simples razão de nunca ninguém no rock ter pensado tanto e
de forma tão apelativa com Matt Berninger.
Os Stones sempre foram uma brincadeira de adolescentes da mesma forma
que tomar drogas sempre foi brincadeira de adolescentes, mesmo quando
praticada por adultos, se não for pensada, se apenas for hedonismo puro.
Ao contrário, os National são assunto de gente grande. É a diferença entre
um tipo sentir-se um super-homem porque toma a droga X, ou aguentar as
angústias e calar porque tem crianças para tratar. E isso sim, é perigoso, e
agora sim, há perigo numa guitarra eléctrica.
Os Stones sempre
foram brincadeira de
adolescentes. Os
National são assunto
de gente grande
dades, fechada sobre a sua cabeça,
gente tímida capaz de irrupções psicóticas ou de manifestações de exibicionismo ou decadência a milhas
do seu comportamento normal. Frígidos emocionais capazes de um
grande coração. Não há como não
gostar deles – isto é, de todos nós)
O parágrafo citado vinha a propósito de “Afraid of everyone”, uma das
novas canções, particularmente emblemática da viragem temática que
“High Violet” encerra. Berninger está convencido de que este disco é
radicalmente diferente dos anteriores. Mas Berninger não toca um único instrumento.
“Para mim, vistos agora, ‘Boxer’ e
‘Alligator’ são mundos de fantasia e
‘High Violet’ é um disco de alguém
que se importa. É um disco em que se
diz: ‘Afinal tudo importa’. Tudo importa, o que torna tudo mais assustador. Mas também mais recompensa-
dor”, diz, antes de lançar: “É um disco com o real lá dentro”.
Este é o facto fundamental: Berninger é pai e um solipsista – e um solipsista perante a paternidade, leva um
nó, um “angustiante” nó no seu esquema de sobrevivência. Esse esquema de sobrevivência (fugir) deixa de
ser eficaz quando há um ser que não
sai do mesmo lugar (a filha), pelo que
a angústia retorna e tem de ser canalizada para fora de casa. De onde: “Eu
tive de começar a olhar para o mundo
outra vez”. De onde: os outros discos
são de fantasia e este é sobre o real.
Toda a mudança pessoal implica
uma revisão do passado, mas aqui é
notório que Berninger tenta ver a obra
anterior com olhos mais positivos.
Recordando “Alligator”: “Aquelas afirmações grandiloquentes como ‘I used
to be carried in the arms of cheerleaders’, muito disso é fantasia ou ilusão
– alguém que em desespero se ima-
s mesmas coisas que obcecam
a mulher, queremos ser menos
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 9
ABBEY DRUCKER
gina melhor do que é, de forma
mais ou menos patética. Mas isso também pode ser comovente. Se o nosso
passado não é glorioso, qual o problema? Porque não havemos de inventar
que fomos carregados em ombros por
‘cheerleaders’?”
Faz o mesmo exercício com “Boxer”: “‘Boxer’ não era sobre casais a
esgadanharem-se. Era sobre as pessoas fecharem as portas, desligarem-se
do mundo exterior, procurarem uma
zona de conforto. Era uma rejeição
do mundo exterior, mas eles apreciavam a solidão. Eles não vão matar-se
um ao outro, eles escolheram estar
sozinhos”.
“‘High Violet’ é o oposto. É a escolha
da abertura ao mundo como fuga ao
sufoco. É um disco que confronta o que
há por aí. Lide com o que lidar – tomar
decisões como viver em Nova Iorque
ou no campo ou como gerir o que os
outros pensam de nós, ou a paranóia
informativa –, é um disco sobre o impacto do exterior”. Só mais uma frase:
“Este é um disco de alguém que esteve
fechado sobre si mesmo e está de novo
a tentar entrar no mundo – não porque
queira, mas porque a isso foi obrigado
– e a tentar resolver problemas. Obviamente, não é um caminho cheio de
felicidade”. Isto lembra-vos alguém?
A chatice da classe média
O método de trabalho dos National é
simples: os gémeos Dessner mandam
a Berninger malhas de guitarras por
e-mail, e às que o barítono diz que sim
toda a banda se junta para recriar o
material. Como Berninger reescreve
obsessivamente as letras as canções
acabam por levar milhentas voltas.
Os gémeos Bryce a Aaron Dessner
são os mais musicais da banda, no
sentido em que são os que têm mais
preparação académica. Bryce estudou
na Yale School of Music e, segundo o
“New York Times”, Steve Reich – com
quem já colaborou – é fã da banda.
“O que trabalha mais é o Bryce. O
Bryan é o mais emocional. Eu sou o
mais chato”, dizia Berninger no Sudoeste.
Para “High Violet” excederam-se
na sua obsessão com fazerem algo novo. Berninger recusou uma vintena
de esquissos de canções porque eram
dedilhadas. Queria guitarras eléctricas
e deu como definição do som: “alcatrão quente”.
“Tínhamos feito alguns dos melhores dedilhados que alguma vez ouvi”,
disse Bryce. “E ele atirou-os todos para o lixo”. Todos não: um ou outro
ouvem-se em fundo em duas ou três
canções.
Para algumas canções gravaram 80
versões, para no fim acabarem por
voltar ao som das demos iniciais.
“Acho que nos cansámos da perfeição sónica de ‘Boxer’. Estava tudo
demasiado perfeitinho. Queríamos
um pouco mais da sujeira de ‘Alligator’”, explica-nos Berninger, sem reparar no paradoxo que é fazer 80 versões de uma canção porque não quer
tudo perfeitinho.
“Houve uma grande procura da forma ideal das canções, mas no fim acabámos por voltar às demos, por achar
que a base das canções estavam lá”.
Canções como “Terrible love” ou “Little faith” têm “grandes partes que foram retiradas das demos iniciais”,
mesmo que depois os arranjos de cordas ou os coros ou os metais tenham
sido gravados em estúdio.
Na realidade, reconhece Berninger,
“a maior parte das canções são as mais
complexas que alguma vez escrevemos, têm coros, metais, cordas, mas
queríamos manter o som sujo que tínhamos feito no início”.
Isto é um eufemismo para a carga
de trabalhos que tiveram. No fim acabaram por aproveitar “uma bateria
daqui, uma guitarra dali” para conseguirem o tal som que ele imaginava:
“Uma combinação do sujo primordial
com meticulosas e sofisticadas harmonias posteriores”.
O que é importante notar aqui é a
obsessiva ética de trabalho dos rapazes: levam o perfeccionismo ao limite.
Como se não bastasse, funcionam em
democracia – isto é, uma canção só
vai para a frente se todos estiverem
satisfeitos. O que por vezes leva a que
todos tenham vontade de se aniquilar
mutuamente.
“Fomos educados a fazer o que está certo”, diz Berninger. É filho de um
advogado que, por alguma razão, cismou em viver nos piores bairros de
Cincinnati. E é esta a diferença entre
Matt e os restantes: nenhum deles teve uma infância difícil, mas Matt viu
o que outros não viram.
Lê-se em todas as entrevistas e nota-se em conversa com eles: a cisão
entre “ser normal” (ditame que qualquer filho de classe média conhece
bem) e “fazer bem” (ditame que qualquer filho de classe média conhece
bem) é neles levada ao expoente máximo. É essa ascensão de classe média
que viu o lado sujo que os leva a querer manter as canções, por mais experimentais que sejam, sempre do
lado mais directo possível.
Por exemplo: quando os manos se
põem com experiências artísticas e as
enviam por e-mail para Berninger, ele
manda-os passear. Ao “New York Ti-
Uma parte do
charme deste
quinteto de
classe média
reside no
fascínio com o
pecado
mes” Aaron dizia que “para ele tem
de ser sempre uma experiência emocional”. Berninger não quer cá experiências artísticas só porque sim. É
como se se vigiasse constantemente.
É o dado mais importante acerca dele:
a hiper-activa auto-consciência de Berninger. Longo monólogo de um vocalista quando mencionamos “autoconsciência”:
“A auto-consciência é uma grande
parte das canções dos National. A ansiedade existente em todas as situações
vem da auto-consciência. De não se
gostar de como se está nessas situações, de se desejar ser melhor, mais
simpático, mais bem falante, mais à
vontade. De não se saber como reagir
– seja no trabalho ou na família. Essa
auto-consciência da falha mói muito,
está sempre presente. É acerca de, no
fundo, não se ter muita auto-confiança.
E é daí que vem a tristeza e a raiva que
há nestas canções – das mesmas coisas
que obcecam toda a gente: queremos
ser mais românticos e agradar à nossa
mulher, queremos ser mais simpáticos,
queremos ser menos medrosos. E é
muito difícil ser tudo isso. Por isso
julgamo-nos constantemente. Tudo
isto implica muito trabalho: não é fácil
amarmos a nossa mulher, os nossos
pais, os nossos filhos, os nossos amigos. Não é fácil sequer amarmo-nos. E
isso acarreta ansiedade. Que, no fundo, pode ser muito positiva, porque
funciona como um balanço dos prós
e dos contras, como um alerta que nos
impulsiona a fazer alguma coisa”.
Este é o fio condutor dos discos dos
National: a auto-consciência. Por mais
aberto ao mundo que “High Violet”
seja, é essa auto-consciência que traz
grandiosidade à banda.
Sim, em “High Violet” há mais mundo. Mesmo numa canção como “Sorrow”, “que é uma celebração da tristeza, que é sobre alguém que é triste
desde sempre mas gosta da sua tristeza, que precisa dela”, há um distanciamento maior.
Mesmo numa canção tremenda como “Afraid of everyone”, que é sobre
o medo da paternidade, esse medo é
escudado num olhar mais frio, “uma
espécie de estado de coisas entre as
pessoas normais na América: de um
lado temos os liberais, do outro os
conservadores e vivemos bombardeados por esta dicotomia extremada,
sem saber no que acreditar”.
O medo da paternidade, revelado
na frase “with my kid on my shoulders
I’ll try not to hurt anybody I love”, é
investido de uma outra grandeza: esta torna-se uma canção “sobre não
magoar os outros estando disposto a
tudo para defender a família. Põe-se
a criança aos ombros para a proteger
e tenta-se não ferir os que estão ao
lado. Quando se tem filhos as prioridades mudam e há uma ideia de guerra contra tudo o que possa ferir ou
separar-nos das crianças, mas tem-se
de evitar essa guerra”.
Mas isto são os National e a seguir
a essa frase vem ‘But I don’t have the
drugs to sort this out’. O que significa
isto? “É simples. É que não faço a mínima ideia como resolver este dilema”. Qual dilema? “Tudo isto”.
“Nós só estamos a deitar champanhe para dentro das sombras”, diz
Berninger. “Isso revigora-nos”.
Depois o agente corta a chamada.
Nós cá em baixo abrimos a boca e engolimos o champanhe.
Ver crítica de discos págs. 52 e segs.
“Nós só estamos a deitar champanhe
para dentro das sombras. Isso revigora-nos”
10 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
direcção artística Cesário Costa
METROPOLITANA
80.ª Edição da Feira do Livro de Lisboa
T E M P O R A D A
29 de Abril a 16 de Maio de 2010
Parque Eduardo VII
2 0 0 9 | 2 0 1 0
Livros, Cultura e Animação
07 de Maio | Sex
Tânia Ganho
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
A Lucidez do Amor
Luís
Bigotte Chorão
Lourenço
P. Coutinho
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Cinco de Outubro
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
A Crise da República e a Ditadura Militar
hora do conto
às 16:00
Leonor Mexia
Título editado:
A caixa da avó Maria
atelier/ workshop
de ilustração
às 17:30
Ana Biscaia
Título editado:
Poesia de Luís de Camões para Todos
Xavier Phillips violoncelo
Mark Stringer direcção musical
Orquestra Metropolitana de Lisboa
08 de Maio | Sáb
Paul Hoffman
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Títulos editados:
A Ofensa, Derrocada
Sofia Marrecas
Ferreira
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Poesia de Fernando Pessoa para Todos
Maria C. Vicente
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Os Dias da Febre
J. Pedro
Baltasar
José António
Gomes e António
Modesto
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
O Sangue da Terra
João
Pedro Marques
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Títulos editados:
Rua dos Anjos, Este Lago não Existe
Título editado:
O Braço Esquerdo de Deus
Ricardo
M. Salmón
Vítor
Burity da Silva
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Jaguar
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Bichos faz-de-conta
M. João Lopo
de Carvalho
hora do conto
às 17:00
Títulos editados:
Animais à Solta, Um menino diferente
Ana Fernandes
atelier/ workshop
de ilustração
às 18:00
Título editado:
O Príncipe no Reino dos Lagartos
09 de Maio | Dom
Paul Hoffman
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
O Braço Esquerdo de Deus
Ricardo
M. Salmón
Título editado:
Tartan - As Velas da Liberdade
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Jaguar
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Títulos editados:
A Ofensa, Derrocada
Nuno Silveira
Ramos e Pedro
Silveira Ramos
J. Pedro
Baltasar
Teresa
Champalimaud
e Maria Almada
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
Castelos de Algodão Doce
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Sofia Marrecas
Ferreira
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
Título editado:
O Sangue da Terra
Tânia Ganho
Título editado:
A Lucidez do Amor
Oo
FRANZ SCHUBERT
SINFONIA N.º 8, A GRANDE
sessão
de autógrafos
das 15:00 às 17:00
obras de
Ludwig van Beethoven | Dmitri Chostakovich | Franz Schubert
Domingo, 9 de Maio, 17h00
Centro Cultural de Belém | Grande Auditório
Amor e rejeição
Para esta londrina nascida em 1945,
tudo começou em Nova Iorque com
a descoberta de um músico e de um
disco, “Freewheelin’”, de Bob Dylan.
O início da década de 60 e Vashti expulsa de uma escola de arte, em
Oxford, por se “concentrar demasiado numa expressão artística diferente” – estudava pintura mas dedicava
mais tempo a compor canções. A chegada a Nova Iorque e Bob Dylan: “Toda aquela ideia do músico nómada,
quase um saltimbanco, atraía-me muito. Isso, juntamente com as letras, foi
uma educação extraordinária. Abriu
todo um mundo”. Foi ao ouvi-lo que
decidiu insistir, determinada, numa
carreira musical.
Acontece que Vashti Bunyan, que
olha para os anos 60 e para as transformações que neles ocorreram como
um “levantamento muito pequeno”
– “não éramos tantos quanto isso a
fugir à normalidade” -, “mas muito
eficiente, muito excitante”, não sabia
como se enquadrar neles. “Nunca fiz
parte de qualquer cena. Era muito
solitária e nunca me alinhei a ninguém. Usava jeans e camisolas de homem e recusava que me modelassem
enquanto cara bonita. Além disso,
pensava que ninguém queria fazer o
que eu queria e, portanto, não achava
que fossem possíveis grandes progressos”. Mesmo aqueles que compreendiam a sua música pareciam inacessíveis. Vashti conheceu Nick Drake e
Joe Boyd, produtor do seu primeiro
álbum, “Just Another Diamond Day”
(1970), composto durante a viagem
até à Escócia, queria que gravassem
juntos. Impossível: “Das poucas vezes
que estive com ele, não trocámos uma
palavra. Virava-se de costas, de olhos
na parece. Era um génio e uma alma
perdida, era muito infeliz. Ele tão tímido e eu tão tímida... Nunca nos
conhecemos verdadeiramente”.
Vendo imagens das suas raras aparições televisivas em meados da década de 60, percebemos tudo. “Some
things just stick in your mind”, a canção de Jagger e Richards que Andrew
Loog Oldham lhe ofereceu, e ela a
cantá-la nas suas calças brancas e camisa preta, a desviar os olhos da câmara. Aquele, repare-se, era o auge
da sua carreira – “estava muito determinada a ser uma cantora pop e a
levar as minhas canções às tabelas de
“Voltei à música
onde a tinha deixado,
como se o resto da
minha vida tivesse
continuado numa
dimensão diferente.
Deixei a música com
25 anos e é aí que
ainda estou. Talvez
chegue ao ponto
em que serei eu
35 ANOS o
ro e
aos 30”
Entre o primei
shti
Música
Vashti Bunyan está receosa. Não pelos
concertos que se avizinham e que a
trarão ao Lux, em Lisboa, no próximo
dia 13 de Maio, quinta-feira. Disso falaremos depois. Do seu percurso errante, da preciosidade da sua música,
que viveu primeiro entre sombras e
timidez, descobriu depois uma luminosa intimidade, e se silenciou 35
anos (sim, 35) antes de se fazer ouvir
novamente, quando Devendra Banhart, Joanna Newsom ou os Espers
lhe disseram que sim, a sua música
era especial.
Pouco depois de atender o telefonema do Ípsilon na sua casa em Edimburgo, falou-nos da viagem que faria
no dia seguinte até Estocolmo. Acabada de chegar de Los Angeles, onde
um vulcão islandês (esse, pois claro)
a manteve retida durante duas semanas, prepara-se para viajar novamente e teme que o Eyjafjallajökull lhe
atrapalhe a vida uma segunda vez.
Não deixa de ser curioso este receio
de Vashti Bunyan. Há 40 anos tentou
uma carreira na pop e, desiludida
com o fracasso, deixou tudo para trás.
Tudo: partiu de Londres com o namorado em direcção a uma comuna
na Escócia fundada por Donovan. Não
viajou de comboio, autocarro ou
avião, nada disso: cavalo e carroça.
Assim, teve tempo para compor e gravar um álbum de doces “lullabies”,
ignorado então, reconhecido agora
como um clássico; teve tanto tempo
que, quando chegou à comuna, Donovan já não estava lá. Ei-la então
agora, quatro décadas depois, preocupada com vulcões e aviões, mas a
rir quando lhe sugerimos que, caso
as cinzas vulcânicas atrapalhem, sempre poderá descobrir um meio de
transporte alternativo: “Mas o cavalo
é tão lento, é certo que não chegaria
a tempo a Lisboa”.
Em Lisboa, Vashti Bunyan tocará
principalmente canções de “Lookaftering”, o álbum que editou em 2005,
o tal que pôs fim ao um silêncio de 35
anos. De uma delicadeza comovente,
cantado numa voz que se ergue da
aparente fragilidade, “Lookaftering”
é, com as suas guitarras acústicas dedilhadas, os seus pianos ondulantes,
as flautas, oboés e orquestrações, um
olhar terno sobre o que ficou para
trás. Sem angústia, finalmente.
m, Va
segundo álbu
-se num
ou
ch
fe
an
Buny
ên
longo sil cio,
2005
quebrado em
O próximo
álbum de
Vashti
Bunyan, diz
ela, será
certamente o
último, mas a
história dela é
uma história
de recomeços:
quem sabe...
A longa viagem de Vas
Vashti Bunyan desistiu duas vezes. Quando quis ser cantora e percebeu que n
e quando pôs o sonho bucólico que era a sua vida num álbum ignorado. Três décadas depois, f
12 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
SÃO
LUIZ
ABR/MAI ~1O
29 ABR A 15 MAI
QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00
DOMINGO ÀS 17H30
SALA PRINCIPAL
M/18
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
alizados quando as nossas preocupações são encontrar água, o próximo
prado para o cavalo ou lenha para o
fogo. Tive um filho e estava a viver na
natureza. Os sonhos que estavam nas
canções de ‘Diamond Day’ eram a realidade.”
A viagem, diz, curou-a da “grande
depressão” com que tinha abandonado Londres. O álbum não só não resultou exactamente como pretendia,
como foi responsável por nova desistência. Desta vez total. Foi um rotundo fracasso comercial recebido pela
crítica com escárnio e classificado
como ingénuo e infantil. Vashti baixou
os braços. “Em vez de deixar que
aquilo me destroçasse, decidi simplesmente que não servia para a música, que era óbvio que não era boa o
suficiente. Mesmo que isso fosse uma
terrível rejeição da minha vida e dos
meus sonhos.”
Continuou a viajar com o namorado pela Escócia e pela Irlanda, criou
uma família. Ao longo desses 30 anos,
pegou na guitarra uma única vez, para ensinar o filho a tocá-la.
vendas”. Mas as suas canções eram
de um intimismo desarmante, marcado por frio invernoso e por imagens
de solidão. Não podia resultar. Depois
de dois singles sem sucesso, desistiu
pela primeira vez.
“Cresci no meio de Londres e desde
a infância que sonhava com a paisagem, com o campo”, conta. Quando
a carreira pop falhou, foi procurar
esse sonho. Ela, o namorado e o cão
de ambos, a cavalo até à Escócia. “Éramos muito românticos. Como não
tínhamos dinheiro para gasolina,
achámos que precisávamos apenas
de um cavalo. Afinal, os cavalos só
precisam de erva. Éramos inocentes
a esse ponto... e estúpidos [risos]. Mas
foi uma grande estupidez que se
transformou em grande sabedoria.”
Vêmo-la na capa de “Just Another
Diamond Day”: o lenço na cabeça, o
avental e a saia negra, ela em frente
à portada de uma casa com telhado
de colmo, e à esquerda de um grupo
de animais campestres. Gravado num
intervalo da viagem com músicos dos
Fairport Convention e da Incredible
String Band, com orquestrações a cargo de Robert Kirby, soa a deslumbrante sonho bucólico, uma ode à inocência de dias que correm lentos entre
verde prado e azul lago. Para Vashti,
porém, nada daquilo era sonho. “[Na
viagem] passei de uma infância muito
protegida à vida a sério, o que foi um
choque. Mas aprendi como viver sem
electricidade, sem dinheiro, sem tudo
aquilo que tomamos por garantido.
Aprendi que podemos sentir-nos re-
Um dia, por curiosidade, teclou o seu
nome num motor de pesquisa da Internet e deparou-se com o seu passado, redescoberto. “Just Another Diamond Day” fascinava uma nova geração de melómanos e um deles,
Devendra Banhart, chegou mesmo a
escrever-lhe, declarando toda a sua
admiração. Vashti Bunyan reeditou o
álbum, pegou novamente na guitarra,
cantou. “Era algo que tinha enterrado
tão fundo que perceber que ainda estava ali foi maravilhoso”. Mais, foi
como se todo o tempo em que negara
a música não tivesse existido. “Voltei
à música onde a tinha deixado, como
se o resto da minha vida tivesse continuado numa dimensão diferente.
Deixei a música com 25 anos e é aí que
ainda estou. Talvez chegue ao ponto
em que serei eu aos 30.”
Desde que quebrou o seu voto de
silêncio, muito aconteceu. Gravou
com os Piano Magic ou com os Animal Collective Editou um novo álbum, “Lookaftering”, que considera
o fechar do ciclo iniciado em “Just
Another Diamond Day” e que lhe permitiu começar a pôr em disco “todas
as orquestras” que tem na cabeça –
musicais do início do século XX, Noel Coward, hinos religiosos e canções
de Natal. Em Lisboa, será acompanhada pelo guitarrista Gareth Dixon
e pela multi-instrumentista Jo Mango.
O futuro? Olha para ele sem pressas. Porque esperou 35 anos até gravar novamente. Porque ainda não
superou o desgosto da morte, a 3 de
Outubro de 2009, de Robert Kirby,
com quem começara a trabalhar em
novas formas de “tirar a orquestra da
cabeça”. E porque quer sentir “que
todas as peças se encaixam”, quer ter
a certeza de que se orgulhará da música que gravar.
Será, provavelmente, o último álbum que gravará. Mas nada de angústias. Haverá sempre tempo para um
regresso de Vashti Bunyan.
Ver agenda de concertos na pág. 50 e
segs.
ashti Bunyan
e não se enquadrava na pop dos anos 60,
, faz uma aparição no Lux, a 13 de Maio. Mário Lopes
Texto
MARK RAVENHILL
Tradução
ANA BIGOTTE VIEIRA
Direcção Artística e Encenação
GONÇALO AMORIM
Adereços e Figurinos
ANA LIMPINHO
MARIA JOÃO CASTELO
Sonoplastia
SÉRGIO MILHANO
Desenho de Luz
JOSÉ MANUEL RODRIGUES
Espaço Cénico
RITA ABREU
Direcção de Produção
PAULA FERNANDES
(Primeiros Sintomas)
Interpretação
CARLA MACIEL
CARLOTO COTTA
PEDRO CARMO
PEDRO GIL
ROMEU COSTA
A reposição do espectáculo
é uma co-produção SLTM
/ Primeiros Sintomas
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
© carla rosa baptista
A redescoberta
Shopping & Fucking
Prémio da Crítica
2007 da Associação
Portuguesa de
Críticos de Teatro
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS
SÃO
LUIZ
MAI/JUN ~1O
De 21 de Maio a 9 de Junho, o alkantara festival, na sua 3ª edição,
acolhe cerca de 30 performances de dança, de teatro e de tudo o que
se encontra entre eles, de artistas oriundos de mais de 20 países.
Mais uma vez, o São Luiz é o principal co-produtor.
Alemanha / Egipto
EUA
21 E 22 MAI
4 A 6 JUN
RADIO
MUEZZIN
BARE SOUNDZ
STEFAN KAEGI
(RIMINI PROTOKOLL)
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00
SALA PRINCIPAL M/12
O Ministério dos Assuntos
Religiosos egípcio quer introduzir
um sistema de rádio fechado que
transmitirá a voz de um único
muezim ao vivo e em simultâneo
para todas as mesquitas de Estado.
Cairão no silêncio milhares
de muezins?
Brasil
28 E 29 MAI
H3
BRUNO BELTRÃO
/ GRUPO DE RUA
DE NITERÓI
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00
SALA PRINCIPAL M/6
Beltrão continua a desenvolver o seu
próprio vocabulário, no desafio entre
a coreografia contemporânea e as
várias formas de street dance.
SAVION GLOVER
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00
DOMINGO ÀS 17H00
SALA PRINCIPAL M/6
O bailarino de sapateado que
emprestou os seus pés a Mumble,
o pinguim de Happy Feet,
é hoje visto como um dos grandes
revolucionários deste género.
Portugal
24, 25 E 31 MAI
1, 7, 8 E 9 JUN
AMIGOS
COLORIDOS
UM PROJECTO
ALKANTARA
FESTIVAL E PRADO
ÀS 23H00
JARDIM DE INVERNO M/12
Rendez-vous amorosos para
os artistas e blind dates para o
público. Um espaço/tempo para
encontros (im)possíveis, intensos
e apaixonados. Serão todos
encontros irrepetíveis.
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 13
Música
O Verão azul
dos Delorean
Depois de El Guincho, há outro projecto espanhol que vale a pena conhecer: os Delorean,
praticantes de pop electrónica eufórica, acabam de lançar o álbum “Subiza”. Vítor Belanciano
Os melómanos mais atentos deram
por eles no ano passado, através do
EP “Ayrton Senna”, um curto conjunto de canções assentes numa pop eufórica de vozes juvenis e dinâmicas
electrónicas. Muitos devem ter pensado que se tratava da estreia dos espanhóis Delorean, mas não é bem
assim. O grupo começou há dez anos,
em Zarautz, uma pequena localidade
perto de San Sebastián.
Nessa altura praticavam uma sonoridade muito diferente, esclarece o
vocalista e baixista Ekhi Lopetegi. “No
País Basco existia uma cena ‘hardcore’ muito dinâmica, e durante alguns
anos fomos influenciados por ela. Mas
a partir de determinada altura começámos a sentir vontade de encetar
uma mudança e foi isso que acabou
por acontecer.” Durante esses primeiros tempos, lançaram três álbuns. O
EP do ano passado significou uma
grande viragem e o álbum “Subiza”,
agora mesmo lançado, apenas veio
reafirmá-la.
No espaço de um ano muita coisa
se alterou. O grupo tornou-se conhecido um pouco por todo o lado e o
seu som transformou-se por completo, sendo agora muito mais dançável,
capaz de agradar a quem gosta da pop
caleidoscópica de grupos como Cut
Copy ou das electrónicas de dança
conotadas com editoras como a Kompakt ou a Border Community. “Gostamos de muitos géneros, de house a
dubstep, de rock a pop, de Prefab
Sprout aos Cocteau Twins e a nossa
música reflecte-o”, diz Ekhi.
Hoje é uma pop dançante, quase
sempre à beira da exaltação, aquela
que praticam. Uma transformação
que é capaz de estar relacionada com
uma mudança de residência. Desde
há dois anos, os quatro membros do
grupo vivem em Barcelona. “Há oito
anos queria estudar em Barcelona,
começar vida aqui. Tal como San Sebastián, onde cresci, é uma cidade
com mar por perto e isso é muito
bom.”
Ekhi ri-se quando lhe recordamos
que sempre que a imprensa americana fala deles são imediatamente conotados com a capital da Catalunha.
Como se a costela lúdica da sua música pudesse ser explicada, em exclusivo, pela geografia. “Quando os americanos pensam em Espanha, imaginam logo sol e mar. Com Portugal,
deve ser o mesmo. San Sebastián é
até muito chuvosa. Barcelona é muito
soalheira, mas essa é apenas meia
verdade. Não vale a pena chatearmonos com esses estereótipos. Cada pa-
Naturais de Zarautz,
uma pequena cidade costeira
ao lado de San Sebastián,
os Delorean mudaram-se há
dois anos para Barcelona
14 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
ís tem o seu imaginário, coisas que o
simbolizam e que toda a gente identifica. Quando considero a música que
sai da Suécia, romântica e melodramática, penso logo ‘Oh! Eles não têm
sol, só podem fazer música melancólica!’ Enfim, é apenas a minha ideia
da Suécia. Pode ter um fundo de verdade, mas também de imaginação.”
Manhattan primeiro, a Espanha depois
NACHOALEGRE
Há dois anos, graças à aclamação internacional do álbum “Alegranza”, do
projecto El Guincho, a Espanha que
consome pop e rock anglo-saxónico,
flamenco ou a música ligeira das discotecas de pior fama, o chamado
bakalou, começou a olhar para a sua
pop mais alternativa. A música de El
Guincho é feita de cânticos dançantes, combinação de microrganismos
resgatados à pop africana, a ladainhas
tribalistas, ao calipso das Antilhas, ao
dub jamaicano, ao tropicalismo brasileiro ou ao rock lúdico dos anos 60,
numa toada que resulta hipnótica e
delirante.
A Espanha não lhe prestava muita
atenção, mas quando os mais influentes jornais americanos (do “Washington Post” ao “New York Times”) e sítios da Internet (Pitchfork) começaram a fazer peças sobre El Guincho,
acordou. Com os Delorean aconteceu
exactamente o mesmo. O “El País” de
16 de Abril escrevia sobre eles, a propósito de uma digressão recente pelos
Estados Unidos, e titulava ironicamente o artigo com a frase “Primeiro
conquistaremos Manhattan... e depois a Espanha?”
Para os espanhóis que, tal como
Portugal, nunca tiveram grande tradição de exportar cultura pop, o feito
ainda está a ser digerido. “Sim, claro,
que o interesse internacional é bom
para o nosso reconhecimento em Espanha”, afirma Ekhi, sugerindo que
a visibilidade nos EUA e na Europa se
deve a uma sonoridade diferente,
“que não cabe na prateleira do indierock, mas também não é completamente estranha”, ao factor Internet
e a uma série de remisturas (The xx,
Franz Ferdinand, Cold Cave, Mystery
Jets) que lhes permitiram apurar os
dotes de produção, e expô-los a públicos que nunca deles tinham ouvido
falar.
Existe também um contexto internacional que ajuda a explicar a aceitação do grupo neste momento. Como escrevíamos no ano passado (em
“Brisa de Verão”, 14 de Outubro), não
se pode falar de um movimento à escala global, nem sequer de um som
agregado, mas há sensibilidades comuns em grupos oriundos dos EUA
(Dum Dum Girls, The Drums, Best
Coast, Pearl Harbour ou Washed Out)
ou da Suécia (Studio, JJ, Air France,
The Though Alliance) que permitem
falar da difusão de uma forma de estar, entre o desejo de evasão e a utopia
de um Verão intemporal.
Aliás os títulos do álbum, “Subiza”,
e de algumas canções (“Endless sunset” ou “Warmer places”), evocam
um Verão que já lá vai. “O disco foi
gravado no Verão, na povoação de
Subiza, na região de Navarra, e remete para esse período em que, entre o
trabalho, nadávamos e fazíamos refeições em família”, recorda Ekhi
Em Barcelona, não estão sós. Há
uma série de outros nomes ( John Talabot, Sidechains, Requesters ou Extraperlo) com quem mantêm afinidades criativas, algumas nascidas no
clube Desparrame, onde nos últimos
Os Delorean
partilham com
grupos oriundos
dos EUA ou da Suécia
uma sensilidade
e uma forma de estar,
entre o desejo de
evasão e a utopia de
um Verão intemporal
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tempos têm aprofundado os dotes
como DJs, embora continuem a tocar
num formato clássico de banda, com
guitarra, teclas, baixo e bateria. “O
som das canções ao vivo é muito similar aos discos, é imediatamente
reconhecível, embora seja mais intenso”, nota Ekhi, reconhecendo que não
está posta de parte a hipótese de se
apresentarem noutros formatos.
O que os Delorean desconhecem,
e os espanhóis em geral, é o que se
passa em Portugal em termos de música. E o mesmo se pode dizer no sentido contrário. “Conheço os Buraka
Som Sistema [foram 1º lugar do top
de singles espanhol há meses], mas
pouco mais”, admite Ekhi. “É muito
estranho. Gosto imenso de Portugal,
já estive aí por diversas vezes e não
consigo explicar porque vivemos tão
separados. É embaraçoso estarmos
tão próximos e conhecermos tão pouco dos nossos países. Ainda por cima
a língua não é assim tão diferente. E
mesmo que fosse, a música é uma linguagem internacional.”
A dos Delorean está aí. Uma pop
ultra sintética que parece querer fixar
instantâneos perfeitos da vida para
os devolver em êxtase. Diz Ekhi: “O
que gosto mais de fazer? Ler e estudar
[está a doutorar-se em filosofia], mas
não existe nada como a música. Faznos levitar.”
Ver crítica de discos na pág. 52 e segs.
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 15
ALEXANDRE NOBRE
ções com o seu singular tratamento
de “Povo que lavas no rio”, de Amália
Rodrigues. “Embora não seja o único,
A Naifa tem sido o projecto mais consistente, importante e revolucionário
dentro deste género”, sublinha.
Para o radialista Henrique Amaro,
as iniciativas revolucionárias e pioneiras d’A Naifa começam na própria
estrutura: “Nunca, nem em Portugal,
nem no resto do mundo, se tinha tocado fado com bateria”. “A própria
banda teve de aprender com ela própria como conjugar o timbre e as regras da guitarra portuguesa com uma
secção rítmica rock e uma lírica muito própria”.
Música
E agora, A Naifa?
“Voltem, por favor! Isto aqui ficou um
ambiente subterrâneo depois do vosso pequeno milagre: o pessoal passa
os dias à espera do carteiro”. A mensagem, deixada por um dos seguidores d’A Naifa no blogue do projecto,
podia dar um livro. E deu: “Esta depressão que me anima”, edição de
autor limitada a 500 exemplares, lançada no final do mês passado, documenta a primeira fase de um projecto
que começou em 2004 e que, no ano
passado, fez luto pela morte de um
dos fundadores, João Aguardela, vítima de cancro do estômago.
“O João Aguardela fez parte da última geração que, nos anos 80 e 90,
apostou nas raízes portuguesas para
as transformar em música com uma
componente popular e rural muito
forte”, recorda Miranda, vocalista dos
O’queStrada. Em “3 minutos antes de
a maré encher”, documentário de
2006 que enriquece o DVD incluído
no livro, Aguardela admite fazer parte da última geração que viveu com
uma música portuguesa ainda activa
e presente no quotidiano nacional.
Desde então, os portugueses voltaram a cantarolar música popular na
l í n - gua materna por via de projectos
bem-sucedidos como os Deolinda ou
os próprios O’queStrada. Ao olhar
para trás, Miranda recorda que, no
princípio do novo século, “havia um
vazio desse tipo de bandas”, e considera que A Naifa “teve um papel muito importante no relançamento da
poesia portuguesa em músicas de
abordagem pop”.
“Ao conferir arranjos mais modernos e originais, dentro do fado, A Naifa veio abrir caminhos dentro da música popular”, aponta Tó Trips, guitarrista dos Dead Combo. Juntamente
como os O’queStrada e os Gaiteiros de
Lisboa, actuou em Novembro na “justa homenagem a Aguardela”, noite
que tem sido apontada como o momento em que A Naifa encontrou forças para continuar a rasgar.
“Mais do que pesado, o ambiente
era emotivo, e notei neles uma vontade incrível de continuar o projecto,
o que me deixou muito feliz”, lembra
o jornalista António Pires, confesso
A Naifa faz parte de
“uma linhagem muito
nobre da música
popular portuguesa
que começou uma
adaptação da
electrónica ao fado.
Tem sido
[um] projecto
revolucionário”
António Pires
admirador da banda. A Naifa, diz, faz
parte de “uma linhagem muito nobre,
rara e bastante original da música popular portuguesa que, nos anos 80,
começou uma adaptação da electrónica ao fado”, continuando a fazer o
caminho iniciado por António Varia-
Depois do livro e da homenagem, A
Naifa continua, agora sem Aguardela.
“Convém não esquecer que foram o
João e o Luís [Varatojo] que tornaram
este projecto uma realidade. É uma
ideia repartida que ficará sempre a
perder sem a capacidade criativa do
João. Não podemos ir por aquele cliché de não haver insubstituíveis”,
nota Henrique Amaro.
Na nova formação que chega à estrada hoje, com um concerto no Barreiro, o baixo passa a ser assumido
por Sandra Baptista que, além de ter
realizado o documentário e alguns
videoclips sobre a banda, foi companheira de Aguardela. “Acho que todas
as coisas são o que são e podem renovar-se. A identidade está lá e ninguém
melhor do que a Sandra pode relançar musical e espiritualmente A Naifa”, atenta Miranda.
“Estou cheio de expectativas quanto a este novo alinhamento da banda.
A nova secção rítmica pode trazer-nos
muitas surpresas”, diz António Pires,
que, tal como a vocalista dos
O’queStrada, viu Baptista assumir o
baixo no concerto de homenagem.
Mas o entusiasmo deve-se sobretudo
à outra substituição, a de Paulo Martins por Samuel Palitos (ex-Sitiados e
Censurados) no papel de baterista:
“O Samuel colaborou várias vezes
com eles e chegou a actuar numa festa do Avante [em 2008] a abarrotar.
Sem querer tirar valor ao Paulo, que
também é um óptimo baterista, o Samuel tem uma energia e uma atitude
muito próprias que podem levar a
banda para outros caminhos”.
A nova digressão d’A Naifa passa, à
excepção do último concerto, marcado
para o Castelo de São Jorge, em Lisboa,
apenas por auditórios, o que não surpreende Pires: “É um projecto que
resulta melhor em salas de teatro do
que em festivais”. A viagem pelos mais
diversos pontos do país começa logo,
no Auditório Municipal Augusto Cabrita, e tem paragens previstas em cidades como Cartaxo, Faro, Portalegre,
Aveiro, Horta, Coimbra, Guimarães e
Caldas da Rainha. Depois de um ano
de luto, A Naifa foi ao amolador e promete voltar a cortar tradicionalismos
musicais cristalizados no tempo.
A digressão
d’A Naifa
começa hoje
no Barreiro e
termina em
Lisboa, no
Castelo de São
Jorge
Ver agenda de concertos págs. 50 e segs.
Esta Naifa
que nos anima
Um ano depois do desaparecimento de João Aguardela, A Naifa volta a desferir novos golpes.
Com um livro, “Esta depressão que me anima”, viagem documental (e sentimental) aos
primeiros anos da carreira, e uma digressão. O primeiro concerto é hoje. Luís Carlos Soares
16 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
A C INE M AT E C A P O RT U GU E S A A P R E S E NTA
em colaboração com o
G A B I N ET E E M P O RT U GA L D O PA R L A M E NTO E U R O P E U
P RÉ MIO S D O C I N EM A EU R OPE U - LU X
Criado pelo Parlamento Europeu em 2007, por ocasião das comemorações dos
50 anos do Tratado de Roma, o Prémio Lux tem na escolha do seu nome uma
referência em latim à palavra “luz” e, simultaneamente, aos irmãos Lumière.
A sua instituição representa assim uma homenagem do Parlamento Europeu
ao cinema, procurando distinguir a produção cinematográfica europeia e a sua
diversidade linguística, com o objectivo de promover o cinema na Europa e apoiar
a difusão da produção cinematográfica europeia.
10 Maio às 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
BELLE TOUJOURS
de Manoel de Oliveira
Portugal/França, 2006
70 min / legendado em português
12 Maio às 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
AUF DER ANDEREN SEITE
Do Outro Lado
de Fatih Akin
Alemanha, Turquia, 2007
122 min / legendado em português
12 Maio às 22:00 | Sala Luís de Pina
WELCOME
Welcome – Bem Vindo
de Philippe Lioret
França, 2009
110 min / legendado em português
14 Maio às 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
LE SILENCE DE LORNA
O Silêncio de Lorna
de Luc e Jean-Pierre Dardenne
AUF DER ANDEREN SEITE de Fatih Akin, Alemanha, Turquia, 2007
Bélgica, 2008
105 min / legendado em português
Rua Barata Salgueiro, 39 em Lisboa
www.cinemateca.pt
Música
Quatro americanos em Londres, seres
estranhos. As botas de salto alto e as
roupas brilhantes, a exuberância muito estilizada, as boas maneiras dos
artistas e uma androginia cuidadosamente encenada. Quatro americanos
em Londres, ignorados no seu próprio país, sozinhos em estúdio. Sem
produtor, sem dealers, fotógrafos ou
managers, a recriar um submundo
muito particular. Iggy And The Stooges, ano 1973, o de “Raw Power”. Álbum mítico da história do rock’n’roll,
considerado o rastilho para a explosão cultural do punk, três anos depois, foi agora reeditado em tratamento “deluxe”.
Cinco americanos na Alemanha.
Ex-soldados que, terminado o serviço
militar, escolheram não voltar. “Podem fazer bom dinheiro a tocar por
aqui”. Quatro músicos que percorrem
a Alemanha a tocar Chuck Berry antes
de se transformarem numa outra coisa. Alienígenas, completamente alienígenas. Capas negras, atadas em nó
branco sobre o peito, camisas igualmente negras, cabeça revelando a
tonsura que, se dúvidas houvesse,
provava o seguinte: isto era muito sério, isto não eram cinco estrangeiros
a quererem destacar-se com um truque de imagem. “Isto” eram os Monks,
ano 1965, o do seu único álbum. “Vocês são o som do futuro”, disseramlhes dois alemães que os compreenderam. O mundo demorou a fazê-lo.
“Black Monk Time”, reeditado há alguns meses, é um dos discos mais
singulares da história da música popular urbana – algo que o mundo só
perceberia devidamente quando,
mais de dez anos depois, explodiu o
punk.
Nos Monks e nos Stooges, a préhistória de uma história. A do punk
como afronta estética e violento abanão nos valores do politicamente correcto, como manifestação de liberdade individual, visceral e autodestrutiva. Não é preciso avançar até 1976
para sentir o pulsar dessa vertigem.
Ele está ali, nos Monks, provocadores
que não deixaram nada ao acaso –
eram músicos e artistas dadaístas,
pensamento e acção. Ele está nos
Stooges de Iggy Pop – que eram uma
pulsão física incontrolável, corpo e
impulso.
O som do futuro
Não se chamavam ainda Monks. Os 5
Torquays pareciam simplesmente
uma banda beat inspirada pela British
Invasion, mas havia algo que os distinguia. Nisso repararam Walter Niemann e Karl Remy, o primeiro estudante de design, o segundo de arte.
Nos Monks e nos
Stooges, a pré-história
de uma história.
A do punk como
violento abanão
nos valores do
politicamente
correcto e
manifestação
de liberdade, visceral
e autodestrutiva.
Não é preciso avançar
até 1976 para sentir o
pulsar desta vertigem
Ouviram como aqueles ex-soldados
americanos corroíam as canções com
camadas de feedback, como o público interrompia a dança e os donos
dos clubes exasperavam, culpando o
equipamento, enquanto a banda
apreciava o cenário. No final de um
concerto, Walter e Karl falaram com
eles. “Vocês são o som do futuro”.
Eis então os 5 Torquays a transformar-se, naquele hoje de 1965, no dia
de amanhã. Walter e Karl assumiram
o lugar de managers e ajudaram a dar
corpo às transformações que a música sofria (soubesse disto e o recentemente falecido Malcolm McLaren
teria estado em Hamburgo em 1965,
tirando notas). Nasciam os Monks.
Os cinco membros da banda cortaram o cabelo de acordo com o nome
e passaram a vestir-se como tal, 24
horas sobre 24. Faziam-se acompanhar a maior parte do tempo por um
fotógrafo, Charles Wilt (curiosamente, seria mais tarde fotógrafo oficial
d a Presidência Reagan), que tinha
como missão retratar todos os passos
do quotidiano da banda. Actuavam
todos os dias (seis horas nos dias de
semana, oito aos fins-de-semana) e
viviam em quartos ou caves dos prédios dos clubes que os contratavam.
Deixaram de existir Gary Burger, Larry Clark, Dave Day, Roger Johnston e
Eddie Shaw. Existiam apenas os
Monks, os anti-Beatles: a banda para
o futuro que não seria bonito.
A música acompanhou a mudança.
“Livrámo-nos da melodia. Tudo era
orientado para o ritmo. Bam, bam,
bam. Concentrámo-nos no ‘over-beat’”, contou Eddie Shaw, baixista de
“fuzz” diabólico. Dave Day, guitarrista, trocou a guitarra por um banjo
electrificado. Roger Johnston, ao perceber que os címbalos da bateria não
estavam afinados com o feedback,
dispensou-os – o som tornou-se seco,
marcial. E Gary Burger, o vocalista,
encarnou o traje que usava de forma
perversa. Vejamos.
“Éramos demasiado estranhos e
indiscretos para que as pessoas se
metessem connosco [na rua]”, recordou Eddie Shaw há alguns anos. “Os
estranhos olhavam-nos com perplexidade porque as nossas acções não
reflectiam o traje. Era andrógino de
uma forma bizarra e quase artificial”.
Gary Burger, que dava voz à congregação, tornou-se vocalista estridente,
à beira de demência, e as letras transformaram canções como “Monk time” (“Why do you kill all those kids
in Vietnam?”), “Shut up” ou “Complication” em campo de batalha.
Na reedição de “Black Monk Time”,
Jochen Irmler, dos alemães Faust, pioneiros da música industrial, do noise,
do rock como performance de vanguarda, resume tudo desta forma:
“Isto era dizer NÃO, uma nova liberdade, um NÃO positivo. Musicalmente era como um novo início.”
Alienígenas em Inglaterra
Oito anos depois, em 1973, Iggy Pop
aterrava em Londres com o seu novo
parceiro musical, o guitarrista James
Williamson. Resgatado por David Bowie, preparava-se para dar início a
uma carreira a solo. Depois da edição
do histórico segundo álbum, “Funhouse”, em 1970, os Stooges, afogados em dívidas e heroína, sem instrumentos (vendidos) ou inspiração (demasiado pedrados), colapsaram. Iggy,
salvo por um fã inglês a caminho do
estrelato, estava pronto para recomeçar.
Longe de casa, da pequena e boémia cidade estudantil de Ann Arbor,
às portas de Detroit, tinha uma vaga
ideia do que faria: ainda nos EUA,
Williamson mostrara-lhe o riff de uma
nova canção, negra e insinuante, qual
dança sexual e ameaçadora. Era o
embrião de “Penetration”, uma das
canções chave de “Raw Power”, o álbum que, à chegada a Londres, Iggy
não sabia ainda que iria gravar.
Se os Monks eram seres alienígenas
Iggy Pop, um
“espinho
encravado na
ordem
estabelecida”
Regresso
ao futuro do punk
Quatro americanos em Londres, estranhos num mundo que lhes era estranho, a fazerem a
única coisa que sabiam: The Stooges e “Raw Power”, 1973. Cinco americanos na Alemanha,
capas negras e cabeça revelando uma tonsura: The Monks e “Black Monk Time”, 1965. Agora
que estão reeditados, voltemos ao punk, quando ainda não tinha nome. Mário Lopes
18 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
passeando pela Alemanha com as suas capas e as suas tonsuras, Iggy Pop
não o seria menos. Basta ver as fotos
da altura: ele em parque londrino no
seu blusão de cabedal com leopardo
estampado, de tronco nu e calças justíssimas de cor berrante.
Na América, os Stooges, confrontantes e excessivos, alimentavam-se
do ódio e do terror que causavam.
Como descreveu o crítico Lester Bangs, pareciam “ter construído uma
carreira ao não ultrapassar os seus
traumas de adolescência”. “São fascinantes e autênticos, a apoteose de
todos os pesadelos dos pais”.
Saídos da Detroit de MC5 ou Mitch
Ryder, não pertenciam realmente a
nenhuma cena. Aguentavam sós as
garrafas atiradas pelo público, o ar
enojado dos que viam Iggy mutilar-se
em palco e saltar sobre a audiência
de tronco nu e ensanguentado (ou
coberto de manteiga de amendoim).
Em Londres, eram respeitados, mas
o fascínio que suscitavam nascia, pre-
cisamente, da sua absoluta singularidade. Por isso Iggy e James Williamson não conseguiram encontrar uma
secção rítmica que os acompanhasse,
não encontraram quem pudesse entrar realmente no gangue – “estes gajos usam roupas estranhas”, recorda
o guitarrista no DVD que acompanha
a reedição de “Raw Power”.
Num ápice, a estreia a solo de Iggy
Pop transforma-se num novo álbum
dos Stooges. Os irmãos Ron (guitarrista) e Scott Asheton (baterista) são
convidados a juntar-se-lhe em Londres e todas as peças se conjugam.
Vivia-se a euforia do glam-rock,
com Marc Bolan, David Bowie ou Mott
The Hoople, mas Iggy Pop, olhando
além da maquilhagem e da roupa exuberante, ouvia Chuck Berry e Little
Richard. Como recordou recentemente à “Clash Magazine”: “Pegámos em
Chuck Berry e Little Richard e filtrámo-los através daquilo que somos”.
O segredo, como se perceberá, está
naquele “aquilo que somos”: o Iggy
que lia o “Times” sob o sol inglês,
imaginando como ser “um espinho
encravado na ordem estabelecida”,
e o grupo que o acompanhava, “sistematicamente preguiçoso, pouco
comunicativo, irrealista, desagradável
– para toda a gente – e absolutamente
intransigente”.
No estúdio em que ninguém entrava, os Stooges gravaram um dos álbuns mais virulentos, selvagens e
provocadores que a história da música popular conheceu: “gimme danger, little stranger, so I can feel your
disease”.
Não há fim para esta história
Na Alemanha, os Monks estavam em
casa. Os estudantes de arte adoravamnos, os habitués dos clubes das zonas
boémias idem. Eram, dizem, os preferidos das prostitutas dos “Red Light
District” de Hamburgo e da lendária
Oma, velhota que, anos antes, introduzira os Beatles às maravilhas do
“speed”. Tudo isto, porém, era pouco. Cruzaram-se com Jimi Hendrix,
os Kinks ou os Troggs, mas “Black
Monk Time” teve edição vedada nos
EUA e em Inglaterra.
Demasiado estranhos e ambiciosos
para o seu tempo, implodiriam pouco
depois. Nas vésperas de uma digressão pelo Vietname – ouvi-los cantar
“My brother died in Vietnam” em Saigão seria a subversão suprema -, Gary
Burger recebeu um postal de Larry
Clark. Voltara aos EUA e despedia-se
dos Monks. O fim de uma história
que, na verdade, não acabou: Mark
E. Smith viria a destacá-los como uma
das suas maiores influências, Colin
Greenwood exulta, “It’s always Monk
time!” e os Black Lips dizem que o seu
mundo mudou depois de os ouvirem.
Quanto aos Stooges, tudo acabou
como tinha começado. Praticamente
ninguém comprou “Raw Power”. A
agência de David Bowie abandonouos, a banda regressou à América e,
ali, enquanto se sucediam os concertos, a espiral de excessos rapidamente se tornou incontrolável. A 9 de
Fevereiro de 1974, a história da banda
acabava onde começara. O último
concerto teve lugar no Michigan Theater, em Detroit.
Dois anos depois, o punk tomava
conta de Inglaterra e alastrava mundo
fora. The Clash, The Damned, Sex
Pistols. Todos eles destacaram um
album específico como influência
fundamental. Esse mesmo: “Raw Power”.
Ver críticas de discos na pág. 52 e segs.
Os Monks
foram grandes
na Alemanha,
e depois nada:
acabaram nas
vésperas de
uma
digressão ao
Vietname que
seria a
suprema
subversão
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 19
Depois de ter abraçado a vanguarda, Cornelius Cardew revoltou-se contra o elitismo e virou à esquerda, m
primeiros anos continuou a inspirar artistas de todos os quadrantes, de Brian Eno a Christian Wolff. Uma e
Cardew e a liberdade de escrita”, reconstitui uma aventura que foi musical, mas também p
, o para
Cornelius Cardew
20 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
com notação musical muito
simples, como sucede em
“The Great Learning”, composição escrita entre 1968 e
1971 a partir das sete passagens iniciais do “Ta Hio”, o
primeiro dos quatro livros
que formam o conjunto clássico de pensamentos morais
atribuídos a Confúcio (ver
caixa). A diversidade das técnicas utilizadas nesta obra
resume praticamente todas
as tentativas de rejuvenescer
a prática musical após o declínio do serialismo enquanto
forma musical predominante,
no período subsequente ao
pós-guerra.
Da liberdade à ditadura
A Scratch
Orchestra
de Cornelius Cardew
incluía
músicos e
não-músicos:
algumas das
suas peças
eram
verdadeiramente conceptuais,
no sentido
em que não
podiam
ser executadas
A reflexão política de Cardew
sobre o estatuto da produção
e da recepção musicais levaram-no a instigar uma das mais
importantes tentativas de reivindicação democrática da cultura de vanguarda através da
criação da Scratch Orchestra.
Nascido a partir das aulas que o
compositor leccionava, em 1968,
no Morley College (um colégio
de educação para adultos no Sul
de Londres), este colectivo questionava as limitações sociais da
A conversão de Cornelius
Cardew (de pé) ao maoísmo
e aos princípios da Revolução
Cultural levou-o a rejeitar
o idioma mais complexo
e avançado das suas
obras anteriores
Cardew trabalhou
com Stockhausen
e ficou fascinado
pelas experiências
de Cage, mas pouco
a pouco começou
a desconfiar
do “elitismo”
da música
contemporânea:
quanto menos
formação musical
prévia melhor
KEITH ROWE
Música
Cornelius Cardew (1936-1981) é uma
das personalidades mais paradoxais
da música do século XX, e o seu percurso criativo inevitavelmente suscita
reações contraditórias. Ao renegar a
vanguarda dos anos 60, da qual tinha
sido um dos membros, em favor de
ideais políticos comunistas e de um
estilo “populista” para as massas, passou a ser olhado de soslaio. Mas o experimentalismo radical que praticou
nos anos anteriores, a relação com as
artes gráficas e com outras formas de
expressão, bem como o questionamento do próprio acto de fazer música e da formação musical convencional, levaram a que se tornasse um figura reverenciada por outros sectores
da criação artística.
É sintomático que a herança de Cardew seja hoje sobretudo reclamada
por compositores como Gavin Bryars,
Brian Eno, Michael Nyman, Frederic
Rzewski ou Christian Wolff, que se
posicionam numa região de fronteira
em relação ao núcleo duro da música
erudita. Independentemente do que
foi feito dele, é um percurso que merece reflexão - e a exposição “Cornelius Cardew e a liberdade da escuta”
que a Culturgest-Porto inaugura amanhã, acompanhada por um programa
de concertos, performances e conversas com curadoria de Dean Inkster,
Jean-Jacques Palix, Lore Gablier e Pierre Bal-Blanc, é uma excelente oportunidade para o fazer.
A formação inicial de Cornelius
Cardew foi bastante convencional e
típica de um músico britânico: recebeu treino musical no Coro da Catedral de Canterbury (1943-50) e prosseguiu depois os estudos na Royal
Academy of Music (1953-57). Uma bolsa permitiu-lhe transferir-se entretanto para Colónia a fim de explorar
o universo da música electrónica,
tornando-se assistente de Stockhausen entre 1958 e 1960. Quando regressou a Londres, em 1961, fez um curso
de design gráfico e em 1967 tornou-se
professor de composição da Royal
Academy of Music.
Enquanto trabalhou com Stockhausen, Cardew tomou contacto com John Cage e ficou fascinado pelas suas
experiências no campo da música aleatória. Era reconhecido como uma das
figuras de vanguarda na cena musical
inglesa, mas pouco a pouco começou
a desconfiar do “elitismo” da música
contemporânea e a questionar a validade de uma educação musical formal: Cardew achava que as respostas
mais criativas vinham de intérpretes
desprovidos de concepções musicais
prévias.
Começou então a conceber partituras usando notação gráfica, como sucede nas 193 páginas de “Treatise”
(1967), que podem ser vistas também
como uma obra visual abstracta. A
interpretação musical era mais problemática, uma vez que não se indicava a ninguém o que tinha de tocar.
“Cada pessoa terá de encontrar o caminho por si própria, lendo a partitura”, escreveu o compositor.
Outras obras, como “The Tiger’s
Mind” (1967), usam instruções verbais
ou combinações destas duas técnicas
, mas o radicalismo experimental dos
a exposição na Culturgest-Porto, “Cornelius
m política. Cristina Fernandes
QUI 20 MAI
radoxal
PETER BRÖTZMANN saxofone, clarinete
JOHANNES BAUER trombone
JEB BISHOP trombone
MATS GUSTAFSSON saxofones
PER-ÂKE HOLMLANDER tuba
KENT KESSLER contrabaixo
FRED LONBERG-HOLM violoncelo
JOE MCPHEE trompete
PAAL NILSSEN-LOVE bateria
KEN VANDERMARK saxofone, clarinete
MICHAEL ZERANG bateria
Dentre os ensembles criados pelo músico
alemão Peter Brötzmann, Chicago Tentet é
o mais reconhecido. Formado em 1997, reúne
improvisadores de grande relevo na cena
de Chicago com alguns dos seus congéneres
europeus e tem tocado desde então em
digressão pelos EUA e Europa. A contribuição
dos seus membros já não passa pelas
composições originais, dado que nos últimos
cinco anos o grupo passou a privilegiar a
improvisação total. A musicalidade de cada
elemento é explorada ao limite e de forma
completamente espontânea.
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APOIO INSTITUCIONAL
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a
arte
e da música como domínios de
cconhecimento e experiência especiallizados, combinando músicos e nãomúsicos. “Estas pessoas podem ser
m
artistas visuais, podem ser pessoas
a
iinteressadas em teatro, podem ser
empregados de escritório perfeitae
mente normais, ou estudantes, ou o
m
que quer que seja. Não têm necessaq
rriamente formação para tocar um
iinstrumento. Alguns deles entregavam-se a actividades de diversos tipos,
v
não produzindo necessariamente
n
ssom”, explicou mais tarde Cardew
numa entrevista à BBC. Algumas das
n
actividades da orquestra “incluíam
a
ttocar instrumentos convencionais,
ccomo saxofones, ou flautas ou o que
quer que fosse”. Outras “envolviam
q
ssimplesmente fazer movimentos com
a mão ou arranjar um lenço, actividades que não produziam necessariad
mente som”, acrescentou o composim
ttor na mesma ocasião.
O repertório da Scractch Orchestra
iincluía vários tipos de peças, “rituais
de improvisação”, novas composições
d
dos membros da orquestra ou parád
ffrases basedas em “clássicos popularres”. Em 1972, Cardew publicou uma
antologia de peças dos 15 membros
a
da orquestra. Muito poucas empregad
vam notação musical definida no senv
ttido convencional, sendo na sua maiorria desenhos ou instruções verbais. O
llivro culmina com a famosa lista das
“1001 actividades dos membros da
“
Scratch Orchestra”, muitas delas apeS
nas conceptuais, no sentido em que
n
podem ser imaginadas mas não conp
ccretizadas literalmente.
O trabalho de Cardew com a Scratch
Orchestra acabaria por ter um forte
O
iimpacto nas suas perspectivas musicais e políticas. Foi mais ou menos
c
n
nessa época que se converteu num
ccomunista militante e rejeitou definittivamente o idioma musical mais complexo e avançado das suas obras anp
tteriores. Na perspectiva da Revolução
Cultural chinesa de Mao Tsé-Tung, via
C
essas técnicas como “desvios burguee
sses” e considerava-as inapropriadas
para “as lutas vitais das classes oprip
midas”, conforme escreveu no Prefám
ccio do seu “Álbum para Piano” (1973).
Voltou-se então para um estilo simV
plista baseado na tonalidade tradiciop
nal, escrevendo canções de intervenn
çção para as massas e peças de concertto baseadas em melodias populares
ccom fortes conotações políticas. Em
11974, publicou “Stockhausen serve o
iimperialismo”, onde faz sarcásticas
ccríticas à vanguarda e à cultura musiccal dominante: “Actualmente um concerto de Cage pode ser um evento
c
ssocial (...). O vazio de Cage não conttradiz a audiência burguesa que está
cconfiante na sua habilidade para culttivar o gosto por virtualmente nada”,
escreveu. Mas algumas das suas últie
mas obras têm uma escrita bastantes
m
virtuosística e requerem intérpretes
v
hábeis, como por exemplo “Boolavoh
gue”, uma composição para dois piag
nos que ficou inacabada quando o
compositor faleceu, em 1981.
A recuperação do legado de Cardew, e a reflexão sobre a dimensão
política do seu percurso, tiveram
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Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 21
O grande ensinamento
“If the root be in confusion, nothing will
be well governed. The solid cannot be
swept away as trivial, nor can trash be
established as solid. It just doesn’t happen.
Take not cliff for morass and treacherous
bramble.”
(“Se a raiz vive na confusão, nada será
bem governado. O sólido não pode
ser varrido enquanto trivial, nem o
lixo ser considerado como sólido. Isso
simplesmente não acontece. Não subas
à falésia pelo caminho do pântano e dos
traiçoeiros arbustos espinhosos.”)
A exposição proposta
pela Culturgest
pode ser mais um
momento do debate
acerca das relações,
nem sempre claras,
entre a arte e a
política
Parágrafo sete de “The Great Learning”,
de Confúcio e discípulos, séculos V-II a.C.
um novo impulso a partir de 2006,
ano do 70º aniversário do seu nascimento. As interpretações da sua obra
tornaram-se mais regulares e foi publicada nesse ano uma antologia dos
seus escritos, “Cornelius Cardew
(1936-1981): A Reader”, seguida em
2008 pela publicação de uma extensa
biografia, “Cornelius Cardew (19361981): A Life Unfinished”, escrita pelo
pianista (e ex-membro da Scratch Orchestra) John Tilbury, que também
estará presente no ciclo que se realiza
no Porto.
Figura controversa, Cardew continua a colocar desafios aos músicos e
não músicos e a fazer-nos reflectir. A
“liberdade da escuta” não pode ser
uma nova ditadura.
Ver agenda de exposições na pág. 39 e
segs.
EscoladeMulheres
oficinadeteatro
22 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
No seu mais
célebre
ensaio,
“Stockhausen
serve o
imperialismo”
(1974),
Cardew
contestou a
transformação da
música de
vanguarda
num acontecimento social
para servir
audiências
burguesas
Traduzido por Ezra Pound em
1928, “The Great Learning”, texto
escrito por Confúcio e pelos seus
discípulos entre os séculos V e
II a.C., é também o título de um
dos mais significativos trabalhos
experimentais de Cornelius
Cardew, tendo sido composto
numa época de revoluções, entre
1968 e 1971. O “Parágrafo 7”, para
um número indeterminado de
vozes amadoras, será interpretado
amanhã, a partir das 16h30, na
Culturgest-Porto, na abertura da
exposição itinerante dedicada
ao compositor inglês, “Cornelius
Cardew e a liberdade da escuta”,
cujos comissários dirigirão o coro.
Como se lê nas notas incluídas no
programa da “performance”, as
instruções verbais que constituem
a partitura “não exigem
experiência musical prévia e são
acessíveis a qualquer grupo de
pessoas que queira interpretá-las.”
A revolução musical de
Cornelius Cardew encontra um
paralelo naquela que Joseph
Beuys tentou realizar no contexto
das artes plásticas. Para o
compositor britânico, qualquer
pessoa podia interpretar algumas
das suas partituras, enquanto o
mote do artista alemão era “cada
homem, um artista” – em pano
de fundo podem detectar-se as
influências quer de John Cage,
quer do movimento Fluxus.
Ambos tiveram igualmente uma
considerável actividade política,
procurando assim prolongar as
suas actividades num campo
social mais alargado. Cardew,
para além de ter ministrado a
cadeira “Songs for Our Society”,
no Goldsmiths, em Londres, foi
um dos fundadores do Partido
Comunista Revolucionário da
Grã-Bretanha, de tendência
marxista-leninista; e Beuys, na V
Documenta de Kassel, em 1972,
apresentou o “gabinete para a
democracia directa” – mais tarde
veio a estar na origem do partido
alemão Os Verdes.
A China, e nomeadamente o
arco que vai de Confúcio a Mao,
foi o horizonte para o qual Cardew
olhou com mais insistência na
fase política da sua actividade
enquanto compositor. Segundo
Brian Dennis, a partir do segundo
dos sete parágrafos de “The
Great Learning”, detecta-se o
envolvimento e a influência da
Scratch Orchestra, nomeadamente
nas “implicações sociais” da obra,
sobretudo ao mudar-se a ideia de
“cada um reagir à sua maneira”,
formulada por Cage, pelo
princípio de “cada um aprender
à sua maneira” – o “trabalho é
educativo no sentido mais amplo”,
nota ainda o ensaísta, num
texto publicado em 1971, em que
assinala o número de páginas da
composição, 23, o azul da capa
e a excelente reprodução da
caligrafia do artista, isto depois
de afirmar a dificuldade de um
“comentário poder prestar a
devida justiça a um trabalho onde
o envolvimento pessoal ‘está
escrito na partitura’.” Leiam-se
novamente as notas do programa
do espectáculo: “O ‘Parágrafo 7’
é, em termos composicionais,
o ponto culminante da obra de
Cardew no que diz respeito à
criação de uma composição que
subverte o virtuosismo técnico e a
concomitante divisão hierárquica
entre intérprete e ouvinte que
tradicionalmente regula a música
enquanto forma cultural.”
Música para as massas
O interesse de Ezra Pound por
Confúcio nasceu em Inglaterra,
na Stone Cottage de William
Butler Yeats, casa partilhada pelos
poetas nos invernos de 1913 a 1916.
Nesse período, ambos estudaram
intensamente o japonês,
nomeadamente o teatro Noh, que
forneceu a Yeats o modelo para a
sua peça “At the Hawk’s Well”, cujo
primeiro esboço foi ditado a Pound
em Janeiro de 1916 – o interesse
pelo Oriente tinha sido potenciado
pelo facto de a viúva de Ernest
Fenollosa ter enviado a Pound
os poemas traduzidos pelo seu
marido, sendo que estes viriam a
ser não só a base do denominado
método “ideogrâmico”, mas
também a origem de “Cathay”,
livro publicado em 1915.
Mais tarde, em 1927, quando
trabalhava nas traduções de
Cavalcanti, o autor dos “Cantos”,
recebeu da Universidade de
Seattle, nos Estados Unidos, um
convite para escrever um texto
autobiográfico, que, depois de
recusado, permitiu ao escritor
contrapor uma sua versão de
“Tao Hio”, “The Great Learning”
– na realidade uma tradução de
“Ta-siue” (“La Grande Étude”),
realizada, no século XIX, pelo
sinólogo francês Jean-PierreGuillaume Pauthier; Pound
ainda chegou a trabalhar uma
introdução ao texto em que
“atacava os valores ocidentais e o
peso da burocracia.”
A tradução usada por Cardew
em “The Great Learning” é a
de Pound; contudo, nos anos
1970, o seu período maoísta, o
compositor realizou uma revisão
do texto de forma a sintonizá-lo
com o pensamento do “Grande
Timoneiro”, tendo-se justificado
com as palavras de Mao TséTung para explicar as alterações
produzidas: “As obras de arte que
não servem as lutas das grandes
massas podem ser transformadas
em obras de arte que o
fazem.” Mais tarde, no célebre
ensaio “Stockhausen serve o
imperialismo” (1974), o compositor
inglês colocou em questão quer a
sua obra, quer a sua tentativa de a
mudar de acordo com princípios
políticos, criticando ainda as
ressonâncias fascistas que o
pensamento de Confúcio adquire
na obra de Pound.
A exposição proposta pela
Culturgest pode ser mais um
momento do debate acerca das
relações, nem sempre claras,
entre a arte e a política. A
mostra, sobretudo documental,
funciona como um dispositivo
para receber o programa de
concertos, conferências, ensaios
e performances. Ela é sobretudo
um lugar de aprendizagem, onde
se pode encontrar a partitura
do “Treatise” (1963-1967) – um
trabalho influenciado por
Wittgenstein –, fotografias,
cartazes, filmes e documentários,
que traduzem não só o percurso
individual de Cardew, mas
também o dos grupos com os
quais colaborou, como a Scratch
Orchestra e os AMM. Haverá ainda
muita música para ouvir, tanto no
átrio do edifício como em diversos
pontos de escuta. E é aqui que
faz sentido evocar as palavras de
Robert Wyatt, escritas em 1991:
“Se a palavra ‘romântico” deve
ser salva dos sentimentalistas
caprichosos, é para que a
possamos aplicar correctamente
a Cornelius Cardew: uma fonte
de música corajosa, de cortar a
respiração.” Óscar Faria
Josh: O nosso pai iniciou-nos ao cinema. Ele fazia sempre de Dustin Hoffman
o seu duplo nos filmes. Mostrou-nos
“Kramer contra Kramer” quando tínhamos seis anos, e disse-nos: “este sou eu,
o miúdo são vocês e a mãe dele é a vossa mãe”.
(Parêntesis: o pai Safdie, na altura em
que mostrou aos filhos a batalha judicial de Dustin Hoffman contra Meryl
Streep pela custódia da criança, já se
tinha separado da mãe Safdie)
Um pai recria
o mundo aos
seus filhos:
“Go get Some
Rosemary”,
o lírico e
anárquico
filme que
venceu o
IndieLisboa
cassetes. É de loucos. Por exemplo, imagens de mim no dia dos meus anos a
agarrar uma chávena e um “zoom” do
meu pai sobre mim. O que é tão importante assim que levou o meu pai a filmar-me? Foi o início dessa coisa do cinema como reflexão. Estamos-lhe imensamente gratos. A personagem de Lenny
[o pai de “Go Get Some Rosemary”] está
também, de alguma maneira, a dar cinema aos filhos. Uma espécie de “cinema” espontâneo, ao vivo: vemos a realidade à medida que ela se desenrola. É
desse tipo de cinema que gostamos. O
estilo de vida que Lenny cria para os
filhos é cinema para nós: o sentido de
anarquia que lhes permite pensar “fora
da caixa”, a ideia de que tudo pode
acontecer a qualquer momento. Caramba, é por isso que nós hoje filmamos!
Josh e Benny,
performers
natos,
transforman
qualquer
espaço num
cenário de
pantomima
Caramba, é por isso que “Go Get Some Rosemary” é assim!
É Lenny, o pai, um projeccionista
MIGUEL MANSO
MIGUEL MANSO
Josh: É uma forma louca de apresentar
o cinema a miúdos. Está-se a dizer que
o cinema é um utensílio importante: um
espelho da vida. Que não é apenas entretenimento. E ele continuou por essa
via, comprando uma câmara, e filmando-nos constantemente. Já nos passou
300 horas de gravações... Há quatro
anos começou a dar-nos as primeiras
“Podemos filmar num
sítio, depois no outro,
mesmo que não haja
ligação entre os dois.
Mas ao fazermos a
ligação, estamos a dar
uma versão da nossa
Nova Iorque, que não
sei se ainda é real ou
se foi real: numa
esquina estamos nos
anos 70, ao darmos
a volta estamos nos
anos 40...”
Benny Safdie
Cinema
A culpa é do pai. A culpa é de “Kramer
contra Kramer”.
Sobre o primeiro, servirá para explicar o facto de os cinéfilos Josh e
Benny Safdie serem cine-filhos - entre
a cinefilia e a biografia, isso fica(-lhes)
bem.
O segundo, um filme de 1979 de
Robert Benton, não é um título óbvio
para se atirar num festival de cinema
“independente” – porque tem estrelas, Dustin Hoffman e Meryl Streep, e
porque tem fama de puxar pelos lenços dos espectadores (já agora: é tão
magnificamente enxuto que as arestas
magoam). Mas nisto do que é “indie”
ou não, os irmãos Josh, 26 anos, e
Benny, 24, não são politicamente correctos nem obedecem ao cliché – lá
chegaremos e à agenda que essa palavra, “indie”, comporta. Fiquemonos, para já, com o pai Safdie, com
Dustin Hoffman e Meryl Streep, e com
a forma como o cinema nasceu para
Josh e Benny, os cineastas que aqui
apresentamos. O seu filme, “Go Get
Some Rosemary”, história de Lenny,
um pai divorciado que recria o mundo para os seus filhos e não os poupa
à sua desordem, venceu o IndieLisboa.
Safdie
O pai mostrou-lhes “Kramer contra Kramer” quando tinham seis anos e foi toda uma educação
e que em Julho chegará às salas, é ao mesmo tempo a cinefilia e a biografia deles, os irmãos J
24 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
MIGUEL MANSO
(interpretado por um amigo dos Safdie, o também realizador Ronald
Bronstein), um corredor de fundo das
suas fantasias – é uma daquelas personagens cuja vertigem, para ser partilhável, exige muito do fôlego do espectador.
É, também, uma energia que não
se extingue, antes pelo contrário, o
que se pode tornar angustiante para
quem está sentado na sala: Josh e
Benny nunca deixam que as cenas,
ou o lirismo, se instalem numa zona
de conforto. Cortam sempre antes de
tudo se fixar, o que abastece o espectador com uma reserva de excitação
que ele não sabe onde gastar - sensação de desconforto, é verdade, que
vai ser apaziguada, que vai ter consolo, como uma epifania final: sentimos,
por isso temos a certeza, que “Go Get
Some Rosemary” é um grande filme.
E ainda, o que não é menos deslumbrante: a forma como nos aparece
Nova Iorque, cidade tão filmada que
aqui, ou nas curtas dos dois realizadores (http://www.redbucketfilms.
com/), parece nunca ter sido antes
vista: algures entre a memória de um
passado – como uma lembrança? – e
a efervescência de um presente. Em
que época se passa “Go Get Some Rosemary”, Josh e Benny: hoje ou num
filme, dos anos 70, de John Cassavetes?
Josh: Passa-se agora, hoje. Mas com as
nossas memórias. Isso tem a ver com o
facto de termos crescido em Nova Iorque, se calhar tem a ver com uma memória cinéfila ou até com um desejo de
nos agarrarmos ao que resta de Nova
Iorque. Nos anos 90 as autoridades tentaram diluir a personalidade da cidade.
Temos, então, o desejo de nos agarrarmos ao que ficou. O nosso pai mudou-se
para Manhattan, decidiu casar com a
nossa mãe, divorciaram-se logo a seguir
– era uma relação terrivel –, começou a
namorar com uma mulher xunga de
Queens, que não podia ser mais Nova
Iorque. Era uma pessoa horrível mas
não podia ser mais Nova Iorque, como
se vivesse num filme dos anos 70. A nossa infância existe nessa Nova Iorque. É
isso o que conhecemos.
Benny: A personagem do filme não tem
um tempo dele próprio, não tem presente, não tem passado. Com muitos
dos nossos filmes, somos atraídos por
lugares intemporais de Nova Iorque. Se
gostamos de um edifício ou de um lugar,
vamos para lá filmar e isso está sempre
ligado a algo que queremos recordar
desse lugar. Ou seja: não estávamos a
querer fazer um filme de época, mas é
possível que tenhamos criado algo de
intemporal.
Josh: O que falta a muitos filmes que se
passam em Nova Iorque hoje é a espontaneidade de acontecer algo de imprevisível numa esquina. Como uma cidade quarteirão a quarteirão. O nosso
cinema existe quarteirão a quarteirão,
literalmente. Numa esquina filma-
e com Safdie
o sentimental. “Go Get Some Rosemary”, o filme com que no sábado ganharam o IndieLisboa
s Josh e Benny Safdie. Numa Nova Iorque como nunca a tínhamos visto. Vasco Câmara
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 25
Cassavetes, mas quem “está vivo!” não
é o insecto, é o filme).
A propósito de energia, se pararmos um bocado para olhar para Josh
e Benny, dá para nos perguntarmos
quais as consequências da exposição
a uma câmara de filmar ou de fotografar: são “performers” natos, transformam qualquer espaço num cenário de pantomima. Benny é um caso
mais agudo – não é por acaso que, nas
curtas dos irmãos, é ele o actor, definindo uma presença algures entre o
“stand-up comedian” e o burlesco do
mudo.
performativa. Dirigir é um performance.
Como co-realizadores, são inseparáveis. Partilham as responsabilidades,
metade/metade. Discutem mais na
escrita, que não é só apenas, dizem,
o argumento de uma história, é também o “script” da direcção deles. Os
ensaios com os actores e a improvisação são forma de continuar o argumento (“de outra forma não podemos
ditar a forma como a pessoa fala”).
Estão tão ligados que ou se juntam
para co-realizarem (trabalham neste
momento num argumento sobre a
indústria de diamantes em Nova Iorque, “Uncut Gems”) ou se afastam
para nenhum deles tocar no projecto
do outro, que é sempre a tendência
que têm. Integram um colectivo de
cinco amigos, a Bucket Films, que decide os projectos a filmar pela sua
“urgência”. Explicam: todo o dinheiro recebido com “projectos comerciais serve apenas para pagar a renda
do estúdio e equipamento”; os projectos pessoais são, assim, investimentos dos próprios, os outros membros do colectivo ajudam, não há
questões monetárias na base das decisões do grupo. A propósito: o que é
ser “indie”, hoje?
Josh: Benny é um performer. Eu posso
interpretar variações de mim; Benny
pode transformar-se em personagens.
Desde miúdos que ele é o performer e
eu o espectador da performance dele
mos um coisa, na esquina seguinte
outra diferente. E geograficamente não
nos importamos: por exemplo, numa
cena podemos estar na esquina da
Third Street e a cena seguinte pode ter
lugar no Harlem.
Benny: E ao fazermos a ligação, estamos a dar uma versão da nossa Nova
Iorque, que não sei se ainda é real ou se
alguma vez foi real: numa esquina estamos nos anos 70, ao darmos a volta
estamos nos anos 40...
Josh: E quanto à excitação da personagem, para nós esse lado maníaco é uma
forma de ela evitar a depressão. Quando se pára para pensar na vida, isso
pode ser deprimente. Se estivermos
sempre em movimento, não deixaremos
que isso aconteça. Do ponto de vista
cinematográfico, é claro que Cassavetes
é o padrinho do cinema indie americano. “Uma Mulher sob Influência” [Cassavetes, 1974] acrescentou algo às nossas vidas. Mas há outras enormes influências: Jean Vigo, por exemplo. Não
tanto as personagens, mas o mundo em
que elas vivem. É isso que domina os
filmes, que controla os filmes, não há
tempo para reflexão. Como se o filme
tivesse vida própria, energia própria.
Ha muitos realizadores que são melhores do que os seus próprios filmes, que
ditam o estilo dos seus filmes. Isso,
quanto a nós, mata os filmes.
A referência a Vigo, ao Vigo de “Zero
em Comportamento”, por exemplo,
à energia anárquica, a algo de incontrolável que invade o filme, faz sentido
quando se vê “Go get Some Rosemary”. Neste filme, o mundo a que chamamos “adulto” está “off limits”. Há
aquele momento, por exemplo, em
que um insecto gigante se materializa,
como numa ficção científica paranóica dos anos 50 (já em “The Pleasure
of Being Robbed”, filme só de Benny
Safdie, a personagem enfrentava quase amorosamente um grande urso
branco), e contra isso não podemos
nada. De não servem os nossos “filtros”. O filme existe como quer (alguém já classificou esse um momento
“cronenberguiano” num pedaço de
26 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
“Os realizadores
têm de actuar para
os seus actores. Por
isso é que gostamos de
não-actores: obrigamnos a ser performers,
a estimular as
pessoas de forma
performativa. Dirigir
é um performance”
Josh Safdie
E Josh conta que quando embarcavam
no avião para Lisboa, Benny subiu as
escadas e acenou ao povo exactamente como um presidente; está em htt p : / /w w w.y o u t u b e . c o m /
watch?v=gwoBXqMl0Yc
Josh: Neste filme não podíamos ser o
pai, não podíamos ser os dois filhos [que
foram descobertos na rua; Josh achou
o miúdo Frey igualzinho ao irmão
Benny quando este tinha oito anos, e
comoveu-se; chegaram aos pais das
crianças, e então descobriam que Sage
e Frey tinham o apelido Ranaldo, são
filhos de Lee Ranaldo dos Sonic Youth].
Mas gosto da ideia dos realizadores como ‘performers’. Têm de actuar para os
seus actores. Por isso é que gostamos de
não-actores: obrigam-nos a ser performers, a estimular as pessoas de forma
Estão tão
ligados que
ou se juntam
para corealizarem
ou se afastam
para nenhum
deles tocar
no projecto
do outro
MIGUEL MANSO
Frey e Sage
foram
“descobertos”
na rua; só
mais tarde os
realizadores
descobriram
que eram
filhos de Lee
Ranaldo
(Sonic Youth)
Benny: É uma palavra pesada. Podemos fazer um filme indie por 100 milhões de dólares. Podemos dizer que
“Avatar” é um filme independente, porque James Cameron passou-se dos carretos. Ou seja, esteve dez anos para
fazer este filme, e segundo ele é exactamente aquilo que ele queria fazer – e
daí talvez não, porque muitas pessoas
meteram ali a mão. Mas é isso que ele
quer que as pessoas pensem: que é um
autor. Ora, há imensos filmes que têm
a pose do filme independente mas estão
apenas a aplicar as regras de um filme
de Hollyood ou da televisão.
Josh: Especialmente na América: “oh,
custou apenas 15 mil dólares, deve ser
independente”. Mas muitas vezes é uma
versão barata de Hollywood. O cinema
pessoal, para mim, é que é o independente. “Duplo Amor”, de James Gray,
tem estrelas de Hollywood, Gwyneth
Paltrow e Joaquin Phoenix, mas é mais
indie do que as porcarias que vejo em
festivais de cinema em que os realizadores dizem “fiz este filme por apenas...”. Independente significa independente dos modelos....
Benny: O cinema indie americano não
é um barco comum para todas as pessoas. Só sentimos que estamos no mesmo barco de alguém quando respeitamos o seu trabalho.
Vamos ouvir falar de Josh e Benny Safdie, seguramente. Aqui mesmo, nestas páginas, quando “Go Get Some
Rosemary”, provavelmente com o
novo título, “Daddy Longlegs”, se estrear comercialmente, dia 15 de Julho
(Midas...)
JORGE SALG
UEIRO
4ª a sáb às
20h30
dom às 16h3
0
© CLEMENTINA CABRAL
| M/6
A FÁBRICA
baseado em O
Segredo do Céu de PÄR LAGERKVIST
encenação Miguel Fonseca co-produção TEATRO AGITA
sala estúdio | 4ª a sáb 21h45 | dom 17h30 | M/12
HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOA
Poemas para a Infância de FERNANDO PESSOA
encenação
Lucinda Loureiro | com José Figueiredo Martins
sáb e dom 15h para toda a família | M/6
para escolas durante a semana | sob marcação
15
MA IO
SÁBADO 23:00
on
Gil Scott-Her
Mind da Gap
Prins Thomas
André Cepeda
Tó Trips
Evols
Álvaro Costa
Pfadfinderei
TODOS OS ESPAÇOS | 18 €
OUTROS ESPAÇOS (EXCEPTO GIL SCOTT-HERON) | 7,5 €
ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DE CADA ESPAÇO
PATROCÍNIO
MECENAS CASA DA MÚSICA
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Ninguém, à excepção do Ruy Duarte
de Carvalho, sabia grande coisa sobre
a África do Sul para além das suas tensões recentes. É ele que vai à frente
nesta viagem de 13 dias e seis mil quilómetros, portanto, e logo a seguir os
seus jovens amigos: o Luhuna, que ia
recolhendo numa câmara materiais
de observação directa; Miguel Carmo,
certeiro nas impressões e navegações
espaciais; e as Martas - a Mestre que
ia avivando a conversa, e a outra Marta, esta que vos escreve, gerindo a
logística de uma viagem redonda, de
Joanesburgo a Joanesburgo, do interior à costa pela outra costa, deixando
de fora a província do Cabo Oriental,
berço de lutadores anti-apartheid,
ainda assim presente nas histórias de
bordo.
Desde cedo até ao fim da tarde:
mãos rotativas ao volante, pneus a
rasgar as boas estradas sul-africanas,
olhos maravilhados e exaustos de reter as paisagens – a cada solidão um
monte ou deserto preferido - e dentro
do carro uma voz que se ouve mais
do que as outras.
Antes da África do Sul, tinha havido
um cozido à portuguesa na Baixa de
Maputo, em Setembro. Decorria, no
Dockanema, “E agora... vamos fazer
mais como?”, ciclo dedicado ao escritor e cineasta angolano Ruy Duarte
de Carvalho, que acumula admiradores no mundo lusófono, e a viagem,
patrocinada pelo Instituto Camões,
começava a ganhar forma. Uma viagem espraiando-se por mudanças de
relevo, animais, campos de pastagem,
cores e brilhos que vão ocorrendo na
paisagem: a sua adaptação morfológica ao clima e a metafísica que nos
faz empatizar com ela. Uma viagem
atenta à história das várias expansões
e colonizações do país. Que fosse a
origem, com base nos materiais recolhidos e nas conversas
semeadas, do livro “As
Paisagens Efémeras,
Atas de Santa Helena”,
de Ruy Duarte de Car-
valho, e também de um possível filme.
Ou não estivesse a viagem sempre
inscrita em tudo o que faz.
Mas há outras ambições nesta viagem: problematizar o processo de
ocidentalização do mundo e os seus
efeitos, focalizados no espaço atlântico. Que relações existiram entre europeus e populações locais? Que fenómenos desencadearam? Isto tudo
pelo gosto de entrelaçar tempos. De
ver naquilo que é já passado, vestígio
só, matéria de conjectura histórica.
De encontrar os traços do antecedente na imagem presente e nas projecções do futuro.
Então lá estamos nós dentro de um
carro dias a fio. E acabamos por
aprender qualquer coisa da complexidade deste país africano que está
nas bocas do mundo por causa do futebol e da persistente violência. Conclusão: a África do Sul é um país bizarro.
O Ruy está contente e só se cala esporadicamente para fixar um pormenor da paisagem e depois dizer coisas
como “na vida ou se escreve ou se
vive”, citando Pirandello, ele que faz
tão bem as duas coisas. Traz leituras
e considerações, enche o espaço de
referências e pensamento, de paisagens efémeras e propícias, de figuras
da História. Conta episódios da vida
e anedotas também. Fala no feminino
quando conversa com as raparigas.
“É uma narrativa sólida e quente que
transforma a paisagem da África do
Sul em nostalgia”, há-de escrever
um de nós.
Angola, aonde regressa
sempre apesar de agora viver em Swakopmund, na
Namíbia, é tema recorrente e que nos
liga naqu e l a
cum-
“Que viagens
poderão dizer-se
‘réussies’
[conseguidas]?
Aquelas em que tudo
‘corre bem’, ou
as outras, recheadas
de imprevisto
e de aventura?”
Ruy Duarte
de Carvalho
Da África do Sul à cont
O escritor e cineasta angolano Ruy Duarte de Carvalho
o
vai à frente nesta viagem redonda, de Joanesburgo
a Joanesburgo, da qual há de sair um livro, e
possivelmente também um filme. A África do Sul em 133
dias e seis mil quilómetros, com cinco pessoas dentro
o
de um carro, e o passado pré e pós-colonial a infiltrar-se
se
no presente, como um palimpsesto. Marta Lança
28 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
Reportagem
plicidade dos territórios do coração.
A comer uma pizza na barragem Gariepdan, abro o seu último livro, “A
Terceira Metade”, e tropeço nisto:
“enrolados para quem não pára – porque não pode, não quer ou não sabe,
tal como nós estamos todos desde há
muito ao corrente – são os caminhos
das voltas que a vida dá, como são os
que no sono levam sempre aos mesmos sonhos recorrentes.”
Brancos contra brancos,
e contra negros
Pernoitamos em Vinburg. Uma cidadezinha de atmosfera “Twin Peaks”
no interior do Free State onde os bóeres, brancos camponeses normalmente enormes, vivem e são senhores. O
bóer é uma produção da África Austral, havemos de saber no curso da
viagem. Na “guesthouse”, um bancário bêbado pergunta-nos, meio em
inglês, meio em afrikaans, crioulização da sua língua materna holandesa,
se estamos a falar russo. Ao pequenoalmoço, a serviçal roliça diz que vai
casar em Março e está muito feliz. “A
minha mãe diz: ‘Vai sempre atrás do
Mãos rotativas ao volante,
pneus a rasgar as boas estradas
sul-africanas, olhos
maravilhados e exaustos: é fácil
viajar pela África do Sul,
contornada a insegurança das
grandes cidades
teu marido’”. E ela foi, e agora serve
salsichas com ovos e carne agridoce
a endinheirados rurais.
A casa é um mausoléu das guerras
anglo-bóeres, mas gloriosa para os
bóeres foi só a primeira, porque a de
1903 levou à anexação das suas repúblicas do Transvaal e do Free State de
Orange à colónia britânica do Cabo,
ao que parece com a ajuda das armas
europeias da revolução industrial. Os
bóeres não gostavam da autocracia
britânica, que degenerava as tradições
holandesas e não os protegia dos ataques dos Xhosa. Já tinham fundado a
república de Natália depois da batalha
de Blood River (da qual vimos a pintura), em 1838, onde derrotaram Dingane, um dos chefes zulu, Haveriam
de perdê-la para os ingleses, com as
suas plantações de cana-de-açúcar.
O que interessa é que já havia uma
sociedade colonial, e o país estava
ocupado por brancos. Os bóeres declaram a República da África do Sul,
com Pretória como capital, em 1854.
Em 1910, as províncias fundavam a
União Sul-Africana, que duraria até
ao fim do apartheid, em 1994.
Ouvimos ainda a história de Shaka
Zulu. Diz-se que era gay. Antes de ser
assassinado, em 1928, com muita estratégia militar e dureza combativa,
fez da etnia zulu um império que ensombrou os desígnios coloniais britânicos. A expansão do estado zulu e o
desarranjo social provocado pelo tráfico de escravos a partir do sul de Moçambique, além de secas e fomes entre o fim do século XVIII e o princípio
do século XIX, estão na origem de
Uma paragem a meio do
caminho e outra a caminho do
fim, em Springbock, região de
flores e prados: cheira a esteva,
e o amarelo-torrado cobre a
pedra
movimentações massivas de populações que convulsionaram a África
Austral.
A maior quezília entre britânicos e
holandeses tinha a ver com as minas
de diamantes encontradas naquele
território. Na pequena localidade de
Kimberley, visitamos o turístico Big
Hole, uma rocha diamantífera cavada
para extrair o famoso kimberlito, composto por minerais de alta pressão
formados a 300 quilómetros de profundidade. Ali se fez uma espécie de
reprodução da vida mineira com barzinhos e lojas. Explicações sobre diamantes, ali descobertos em 1867 em
brincadeiras de crianças. O homem
por trás da mina é Cecil John Rhodes,
co-fundador da poderosa companhia
De Beers. Abandonou a fazenda de
algodão em 1871 para gerir as minas
de Kimberley, e chegou a membro do
Parlamento, com políticas que serviram tanto o Império britânico como
os interesses dos mineiros.
De expansões e opressões
A história da África do Sul é uma história de disputas e de ocupações,
sangue e mais sangue, tudo isto não
há muito tempo atrás. “Demorou
ntracosta, com Ruy Duarte de Carvalho
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 29
A caminho da província do
Cabo da Boa Esperança, depois
do deserto, directos ao extremo
mais Sul de África: vir do
interior para a costa é desaguar
muito até chegar aqui, a este último canto do continente, e mesmo da
terra toda, a que se foram alargando
várias correntes migratórias, gente a
vir de fora para ocupar e controlar
esses territórios segundo os seus interesses, quer dizer os recursos que
aqui lhes cativavam, e perturbar assim, ou a submeter ou a dizimar os
que já cá se encontravam.” Vem em
“A Terceira Metade”, mas podia ser
o Ruy a falar connosco porque ele
escreve como fala e fala como escreve, com reticências e assertividade,
sem isto ser contraditório.
Com uma costa imensa, a África do
Sul é apetitosa para a expansão ocidental mas a sua ocupação é tardia:
deserto, falta de condições para o comércio e práticas esclavagistas. “Quando foi finalmente objecto dessa vaga
ocidentalizante, ofereceu o espectáculo de um vasto território de fronteira a ser em simultâneo acometido
pela expansão dos brancos e pela dos
bantos”, que não gostam de ser lembrados que também foram invasores.
Os bantos desceram desde a África
Oriental, iniciando a sua interminável
expansão, desencadeada pela explosão demográfica que a banana, trazida
pelos malaios que colonizaram Madagáscar, provocou. Ironias e conjurações da história. Ocupações contemporâneas que remetem para os problemas actuais: a terra é de todos,
cada um foi chegando com os seus
motivos e agora todos têm de aprender a conviver, às vezes numa paz podre, às vezes numa guerra infinita.
As várias populações dentro do
país não prosperam todas ao mesmo tempo e isto provoca muitas
30 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
No carro
enumeram-se tantas
etnias e ramificações
- sangue no sangue
no sangue - que
já vamos todos
baralhados. Apesar
de a África do Sul
ser esse
“melting-pot”
de “raças” muito
marcadas, está
em curso
a produção de um
mestiço universal
Nas paisagens áridas do Karoo
profundo, os pensamentos
aquecem: os ocidentais, que
começaram a estabelecer-se
na província do Cabo cerca de
1652, demoraram 150 anos
a aventurar-se nesta
região dominada por
enormes famílias
de zebras e de antílopes
dependências e explorações. Ruy explica nas notas de viagem: “Uns grupos, e certos indivíduos dentro da
cada grupo, mesmo se só à escala da
família, começam a prosperar primeiro, muito antes dos outros e sempre
e ainda senão à custa de outros, a nível da dinâmica interna e da relação
externa.... e os outros, para virem a
prosperar também, há de ser de uma
maneira ou de outra só a reboque
desses, ainda e sempre.... e tem uns
que parece surpreenderem-se, e se
insurgem e denunciam... mas então
não é isso que é próprio do sistema
que todos afinal aceitam e em que se
integram e é nele que se exprimem a
partir do lugar que ocupam na luta
tentando ganhar pontos, conquistas,
dentro do sistema?”
No carro enumeram-se tantas etnias e ramificações dos povos – sangue no sangue no sangue - que já vamos todos baralhados. Os hotentotes,
que são vermelhos e tinham avós pastores - com a instalação dos holandeses na baía da montanha que deu
origem à Cidade do Cabo, para servir
de apoio às rotas comerciais da Índia, tiveram de mudar de vida. Os
San, bosquímanos, franzinos, então
caçadores e recolectores, que não
gostaram nada da instalação dos
bóers: ao trazerem o gado, acabaram-lhes com a caça.
Apesar de a África do Sul ser esse “melting-pot” de “raças” muito
fenotipicamente marcadas, onde
podemos resgatar os vestígios da
ocupação humana de idades recuadas, está em curso a produção
de um mestiço universal, genéti-
ca e culturalmente. “O pleno mestiço
do devir universal, afeiçoado pelo
modelo branco expandido e imposto
à escala do mundo”. O que sobreviver
a isto será apenas folclore, porque a
diferença irá ser extinta, digerida e
consumida. Nisso há “desagrado,
agravo, pela diferença que vai ser, já
está a ser cultivada e que, além de
cristalizada, ou por isso mesmo, é
kitsch. Não é?!”
Mais um cigarro e a viagem prossegue.
Num hotel para
“backpackers”, filmamos a
conversa-base do movimento
neo-animista que Ruy Duarte
de Carvalho quer criar.
Ao jantar, um velho dança como
uma borboleta em frente ao
trio de mulatos que toca jazz.
O Cabo continua uma cidade
de gente bizarra
O Sul do Sul
nho. A Cidade do Cabo surge emoldurada pela Montanha com nome de
Mesa e pela outra, da Cabeça de Leão.
Num hotel para “backpackers” da
Long Street, uma longa conversa fica
filmada como base do movimento
neo-animista que o Ruy quer criar
com a nossa ajuda. Para isso temos
matéria de reflexão e acção. Eis algumas pistas: o Império contém a sua
própria crítica. É preciso criar ilhas
de resistência, e outros paradigmas
que denunciem, critiquem e ofereçam
alternativas ao paradigma humanista
e ao progresso. É preciso dar voz a
narrativas silenciadas ou ignoradas
por outras dominantes. Temos de procurar teses, elites, utopias, literatura
e imagens para dizer várias vezes a
mesma coisa até esta se tornar simples. Tudo se joga na diferença entre
a economia do equilíbrio e a economia
do crescimento, que é obrigada a crescer sempre, porque se não cresce colapsa, como está a acontecer agora.
Comemos carne de caça e no bar
um velho faz-nos hesitar: terá saído
da guerra anglo-bóer ou do “Senhor
Depois das paisagens áridas do Karoo
profundo, onde os pensamentos
aquecem, aproxima-se o mar. Vir do
interior para a costa é desaguar. Port
Elizabeth tem baleias e golfinhos ao
largo e zonas de comércio com ar de
Disneylândia. Segue-se um grande
troço de costa com vegetação mediterrânica até se entrar na província
do Cabo da Boa Esperança. Directos
ao extremo mais a Sul de África, onde se misturam os oceanos Índico e
Atlântico. Perguntamos “where is
Cabo das Agulhas?”, mas ninguém
entende, até que percebem que queremos dizer Agalhas, o lugar onde as
bússolas se desnorteavam. A anglicização dda língua faz parte do que nos
traz aqui.
Terra de revelações, de pedir desejos e afogar mágoas, “uma visão extrema e abismal de inapreensíveis
oceanos”, é o que o poeta Ruy escreve no mesmo livro.
No dia seguinte a um jantar num
restaurante de portugueses fugidos
das ex-colónias, continuamos camiO Cabo das Agulhas é “uma
visão extrema e abismal
de inapreensíveis oceanos”,
zona de confluência do
Atlântico e do Índico.
Perguntamos “where is Cabo
das Agulhas?”, mas ninguém
entende. A anglicização
da língua faz parte do que
nos traz aqui
do Anéis”? É um elfo com enormes
cabelos e barbas brancas num corpo
pequeno e magro, e dança como uma
borboleta em frente ao trio de mulatos que toca jazz. O Cabo continua
uma cidade de boa música e gente
bizarra.
A alma da viagem
Subimos a costa com um cheirinho
do Kalahari, o deserto que liga a África do Sul à Namíbia. Perto da costa,
os vales imensos de castanho e verde,
enormes fendas na profusão da natureza, e a sua violência própria. Ruy
identifica phynbos, a vegetação característica deste lado atlântico (comum à Patagónia e ao Lago Vitória).
Springbok é zona de flores, mas
falhámos por pouco o florir primaveril dos prados, e por isso o amarelotorrado cobre a pedra. Cheira a esteva. Ficamos num albergue perto das
montanhas. É propriedade do pai de
uma velhota de olhos azul-british que
nos recebe com o cabelo apanhado
a descobrir as rugas, numa casa com
um caniche e muitos retratos. Luhuna e Miguel sobem o monte para filmar mais um pôr-do-sol. Já são várias
as cassetes com pôres-do-sol. Mas
nunca se filme o sol de frente que a
câmara pode estoirar, tal como os
olhos podem cegar. O Ruy fica no lugar do braai (grelhador) a fumar cigarros com o seu ar vigilante de lobo
do mar. Eu leio o “Disgrace”, do Coetzee, no cimo de uma rocha. O jardineiro diz-me para ter cuidado com
as cobras, que esta é a hora de dor-
mirem. Um bater de asas, um réptil
que passa, uma brisa.
Ruy fala da sabedoria das idades.
“Que viagens poderão dizer-se ‘réussies’ [conseguidas]? Aquelas em que
tudo ‘corre bem’, ou as outras, recheadas de imprevisto e de aventura?”
Marta Mestre evoca a interioridade
da viagem, o “sairmos de nós mesmos”: “Em viagem descentras-te com
mais intensidade, tornando tudo matéria que relacionamos com a nossa
experiência e preconceito.” Pergunto-lhe o que ficou da viagem à África
do Sul. Pela acumulação de “veld”,
nome que se dá aos grandes espaços
rurais, escreve ela: “Tratei de fazer o
que tinha de fazer: dar lugar em tempo real ao tique crónico de dar sentido e continuar a garantir a vida suportável”. Ou, como escreve o Ruy,
a permanente incomodidade física
da alma. Foi muito tempo à conversa
com o mais-velho.
A viagem no mapa,
o país no chão
Uma última noite nas margens do rio
Orange, em Upington (nome do pri-
Já são várias as cassetes com o
pôr-do-sol, mas nunca se filma
o sol (sobretudo o sol sul-africano) de frente, que a câmara
pode estoirar
meiro-ministro da então colónia inglesa do Cabo), mais uma das muitas
cidades de abastecimento agrícola
que parecem a mais profunda América que eu nunca visitei.
Regressamos na imensa estrada até
Joanesburgo, passando pelos 40 quilómetros do Soweto. A extracção do
ouro para os bolsos do Estado e das
empresas continua imparável. Subscrevemos a facilidade com que se faz
turismo na África do Sul: estradas,
serviços, comida, paz e tranquilidade,
guardada a insegurança para as grandes cidades. O coração acumula simpatias e nenhum percalço, o bolso não
sai muito desforrado.
“We can´t wait, let’s go 2010!” gritam eufóricos os cartazes, com o cuidado de colocar caras negras, brancas e coloridas no país multiracial, a
anunciar o Mundial. Esperança de
que muita coisa mude. Não fosse a
cartografia tão demarcada das “townships”, onde subsiste um forte
apartheid de negros pobres, com focos de indignação para receio dos
ricos - e isto num país onde são assassinadas 50 pessoas por dia, com o
presidente Zuma a ordenar à polícia:
“atirar para matar” -, e o país de primeiro mundo estaria preparado para
receber os turistas e as selecções.
Acabou a viagem e o escritor parece deprimido, não sai do quarto zulu.
Cada caranguejo irá para o seu buraco no dia seguinte: Maputo, Namíbia,
Portugal e Brasil. Um jovem zimbabweano recolhe as beatas dos cigarros que fumamos juntos entre risos.
Numa viagem destas acabamos por
ser todos indispensáveis, e isso resume bem uma ideia de harmonia, efémera, como tudo o que é interessante neste mundo. Como as paisagens.
No jardim leio Coetzee. Conta precisamente como as pessoas da África
tribal emigraram para as cidades em
busca de trabalho, estabelecendo-se
num meio urbano novo e assombroso, que ele considera uma dádiva europeia a África. Diz que o mundo no
qual nascemos é o nosso mundo, tudo o que há agora é, para esta geração, inquestionável. Conhecer a história de um lugar em profundidade,
para ver o seu passado em palimpsesto por baixo do presente, é importante. “Mas a história só tem vida se
lhe derem um poiso na nossa consciência.” Esta viagem foi esse lugar.
Alberto Carneiro | Rui Chafes
Curadoria: Sara Antónia Matos
Exposição: 10 de Março até 21 de Maio de 2010
Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h
Por ocasião da exposição será publicado um catálogo, co-edição fcc / assírio & alvim
Ciclo de conversas:
Paulo Pires do Vale – dia 10 de Abril (sábado) às 17h00
Bernardo Pinto de Almeida – dia 17 de Abril (sábado) às 17h00
João Miguel Fernandes Jorge – dia 15 de Maio (sábado) às 17h00
fundação carmona e costa
Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa)
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa
(Bairro do Rego / Bairro Santos)
Tel. 217 803 003 / 4
www.fundacaocarmonaecosta.pt
Metro: Sete Rios / Praça de Espanha / Cidade Universitária
Autocarro: 31
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 31
despesas que ultrapassam em mais
do dobro o que recebem da Direcção
Geral das Artes para a programação
do festival e a produção regular da
companhia), quando a vontade de
fazer fica refém das condições reais
ou quando as invejas falam mais alto,
é à cumplicidade que encontram nos
diferentes espaços de apresentação
em Lisboa (este ano: Maria Matos,
Museu da Marioneta, CCB, Museu do
Oriente, Largo do Chiado, São Jorge,
Teatro D. Maria II e uma extensão no
Teatro Municipal da Guarda), ao interesse dos voluntários em colaborar,
ao público que logo em Janeiro lhes
começa a perguntar pela programação e aos artistas que aceitam vir a
Lisboa por reconhecerem a liberdade
criativa e programática da programação que vão buscar argumentos para
prosseguir.
Monstros sagrados
Esta dupla dinâmica, de um discurso
entusiasmante que alerta os sentidos
para um entendimento da marioneta
para lá do enclausuramento estilístico, quis, este ano, por ser redondo o
número mas não só, homenagear
“monstros sagrados” do universo da
marioneta, fazendo prova de que há
mais para alem do fugaz entretenimento. A Lisboa vão chegar nomes
fundamentais da história do teatro
contemporâneo, como Toni Rumbau,
que veio ao festival em 2007, e que
em 1974 foi ter aos Açores, vindo de
Espanha e apaixonado por uma portuguesa, empoleirado num jipe militar, para mostrar ao povo como as
marionetas podiam participar das
campanhas de alfabetização e, por
isso mesmo, se tornou marionetista.
“A Manos Llenas” (Museu da Marioneta, 10 e 11) junta o que é classificado
como marioneta de luva popular com
uma manipulação visual de sombras,
mãos e objectos, e onde a música tem
papel fundamental numa história de
personagens clássicas de espectáculos populares.
Como este, também Roman Paska
(“Schoolboy Play”, Teatro Nacional,
28 e 29), nome absoluto do perfeccionismo e da minúcia, norte-americano
de nascença e antigo director da referência mundial que é o festival de
Um
Teatro
Dez anos de um festival não se contam
pelos dedos. Uma a uma, cada edição
do Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas (Fimfa) quis
trazer a Lisboa, e muitas vezes indo
até outras cidades, o que de melhor
se ia fazendo pelo mundo dentro desse vasto conceito que é marioneta.
Este ano, e mais uma vez, o Fimfa,
assinado por Rute Ribeiro e Luís Vieira, marionetistas e directores artísticos quer do Fimfa, quer da companhia Tarumba (este ano a fazer 17 de
percurso), faz das dificuldades uma
força e, em ano redondo, apresenta
uma programação invejável que não
está interessada em discutir o que é
e não é marioneta. Afinal são “seiscentos anos de diferença entre espectáculos e cada um escolhe o que quer
ver”, dizem-nos.
Há-as de todas as formas e feitios:
de sombra, papel, de luva, por fios,
na rua, em caixas de fósforo ou grandes máquinas, adaptando textos clássicos, inventando ficções a partir de
biografias, ou o seu contrário, contando a história do mundo em bonecos feitos de barro ou com gambas,
passando o espelho, inventando circos que não passam de caves, usando
o vídeo e a música não como auxílios
mas como verdadeiros motores dramatúrgicos... e sexo, muito sexo que
as marionetas são iguais a nós.
Dez anos depois, e mesmo se a ideia
inicial de contribuírem para uma evolução da técnica e da estética da criação nacional não produziu resultados
esperados – “vivemos cada edição
abaixo da nossa ambição” –, nem as
programações dos espaços despertaram para a apresentação regular de
espectáculos onde a marioneta esteja presente – “mas têm connosco uma
relação de confiança e cumplicidade,
sem que sejamos obrigados a ceder
no plano estético ou estratégico” –, o
festival faz o papel de momento único
no calendário teatral, “de espaço
mental na cidade para a marioneta”,
como nos diz Luís Vieira.
“Hoje vou lá fora ver espectáculos
sobre os quais tenho que dizer que,
em Lisboa, seriam uma catástrofe. A
recepção do público mudou muito”.
Isso deve-se, em particular, a um regime de não cedência no entendimento generalizado e superficial do que
é uma marioneta. “Atrás de uma marioneta está sempre um marionetista.
É um teatro de duplo para o qual não
faz sentido uma discussão sobre se é
com fios ou sem fios, com papel, de
luva...”, dizem.
O Fimfa tornou-se um dos poucos
casos, em Portugal, que dialoga de
igual para igual com as outras companhias e festivais de teatro dito, agora
sim, convencional. No universo da marioneta contam-se pelos dedos, isso
sim de uma mão, os exemplos de quem
o consegue fazer: Teatro de Marionetas
do Porto (que apresenta o aliciano
“Wonderland”, Teatro Maria Matos, 11
e 12), Teatro do Ferro, Festival Internacional de Marionetas do Porto, Bienal
de Marionetas de Évora e o Fimfa. O
resto é, de facto, paisagem.
A maturidade da programação, a
coerência do percurso e a exigência
falam por si. Quando os apoios tardam (são 150 mil euros por ano de
Toni Rumbau
“A Manos Llenas”
(Museu da Marioneta, 10 e 11) junta
o que é classificado como marioneta de luva popular com uma manipulação visual
de sombras, mãos
e objectos
Charleville-Mézières, em França, faz
de um encontro entre Hitler e Wittgenstein uma parábola sobre as dores
de crescimento. É uma das grandes
peças desta edição pela capacidade
de trabalhar a manipulação das marionetas e, sobretudo, em fazer interligar diferentes modos de narrativa
visual, cénica e dramatúrgica, em tudo semelhante ao aparato técnico e
imagético do colectivo holandês Hotel
Modern, de regresso depois de “The
“São seiscentos anos
de diferença entre
espectáculos e cada um
escolhe o que quer ver”
Rute Ribeiro e Luís
Vieira, marionetistas
e directores artísticos
do Fimfa
fio, outro fio e d
Começou ontem e decorre até 30 de Maio um dos mais belos segredos do país: o Festival
Traz a Lisboa o melhor do que se anda a fazer em nome de uma marioneta cada vez
32 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
está também presente no seminal trabalho da companhia checa Alfa Theatre que com “Os Três Mosqueteiros”
(Museu da Marioneta, 13 a 15), para
alem da óbvia inspiração na obra de
Dumas, junta o burlesco do filme mudo de Max Linder, “L’Étroit Mousquetaire”, para desmontar a ilusão promovida pela manipulação de marionetas de luva. E, claro, porque entre
o teatro e o mundo não há nada a separar, as marionetas são, desde sempre, perfeitos veículos para narrativas
parateatrais. É isso que fazem os Bonecos de Santo Aleixo (“Auto da Criação do Mundo”, 8 e 9, Museu da Marioneta) ex-líbris nacional e presença
obrigatória nesta edição “porque tinha que ser”, dizem-nos sem ironia,
e a companhia do Japão Awa Deco
Hakomawahi Wo Fukkatsuru Kai que,
depois de correr risco de ver desaparecer a tradição, mostra a peça “Hakomawashi” (Museu do Oriente, 13 a 15)
que recupera esse gesto ritualista de
partilha de boas novas e protecção
contra as maleitas, antigamente praticado por indivíduos chamados de
burakumini, pertencentes às minorias
étnicas que, curiosamente, formavam
parte das companhias de onde saíam
os grandes actores do teatro Nô.
Entre outros, estes são casos de peças que dão conta do leque amplo que
tem caracterizado o Fimfa. “Há uma
vontade de mostrar o que de melhor
se faz”, confessam os organizadores.
“Nem sempre podemos trazer tudo
o que queremos. Esforçamo-nos por
programar com a maior antecedência
possível mas há peças que não conseguimos trazer, seja porque saíram
do reportório da companhia, porque
as pessoas morreram ou porque são
caras”. Mas casos há em que a vontade não supera a economia real.
Em ano de celebração o Fimfa ficará marcado pelo confronto entre o
desenvolvimento da estética teatral
por via das marionetas e as condições
de produção desse mesmo desenvolvimento. O Theater Taptoe, companhia belga que veio em 2001, termina
a sua carreira de 42 anos nos dias 27,
28 e 29 de Maio no Teatro Nacional,
apresentando “Geneviève... si chaste,
si pure”, portentosa e imaginativa
construção em papel que revela, num
jogo meta-teatral, a decadência de
uma organização feudal.
O fim desta companhia, dirigida
por um dos mais reputados marionetistas no mundo, não deixa de emocionar duplamente os directores do
Fimfa: por revelar a precariedade
com que se trabalha, mesmo num
país como a Bélgica, berço da contemporaneidade e, num plano mais
pessoal, por escolherem Lisboa para
o fazer.
Esta relação de proximidade está
na base orgânica do Fimfa e enche de
orgulho Rute Ribeiro e Luís Vieira. A
poucos dias do início do festival, e
quando anunciam estar já a preparar
a próxima edição, “mas sem poder
assumir muitos compromissos” por
razões de calendário de abertura de
novos programas de apoio, não querem colocar-se em bicos de pés e festejar os dez anos como se fossem algo
de extraordinário. São-no. Mas dez
anos depois, quando lhes perguntamos se se lembram porque quiseram
fazer um festival, dizem-nos: “era coisa mais evidente”. A evidência acampa, uma vez mais, em Lisboa por um
mês.
PAULINE KALKER
NICK MANGAFAS
JORGE RAEDÓ
Great War” (2007) e “Kamp” (2008),
com “The Shrimp Tales” (Maria Matos, 14 e 15), que analisa o estado do
mundo, e o caminho até a este estado
de coisas, usando como modelos para compreender o humano 300 gambas embalsamadas.
Esta noção de que o espectáculo de
marionetas é mais amplo do que aquilo que dá a ver, e sobretudo dando a
ver um mundo tão ou mais igual ao
que é apresentado no “outro” teatro,
Roman
Paska
Em “Schoolboy
Play” (Teatro
Nacional, 28
e 29) faz de
um encontro
entre Hitler
e Wittgenstein
uma parábola
sobre as dores
de crescimento
Hotel
Modern
e depois...
HAKO
“The Shrimp
Tales” (Maria
Matos, 14 e 15),
analisa o estado
do mundo
usando como
modelos para
compreender
o humano
300 gambas
embalsamadas
de
athol fugard
Awa Deco
Hakomawahi Wo
Fukkatsuru
Kai
“Hakomawashi”
(Museu do
Oriente, 13 a 15) ,
a recuperação
de gestos
ritualistas
e de tradições
à beira do fim
tudo
l Internacional de Marionetas e Formas Animadas.
z menos presa por fios. Tiago Bartolomeu Costa
De 6 de Maio a 6 de Junho
Tradução: Jaime Salazar Sampaio; Encenação: Beatriz Batarda; Cenário e figurinos:
Cristina Reis; Desenho de luz: José Nuno Lima; Sonoplastia: Sérgio Milhano.
Interpretação: Catarina Lacerda e Dinarte Branco.
Co-produção
Apoios
De 3ª a Sábado às 21.00h. Domingo às 16.00h TEATRO DO BAIRRO ALTO
R.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250 Lisboa Telef: 213961515 / Fax 213954508
e-mail: [email protected]
http://www.teatro-cornucopia.pt
Estrutura financiada pelo
2010
M/12
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 33
Para “o mundo secreto das feridas”
sobre o qual Athol Fugard gosta de
trabalhar, Ester e Johnnie são seres
perfeitos. Os dois irmãos são as únicas personagens na peça “Olá e Adeusinho” que o sul-africano escreveu,
encenou e representou (enquanto
Johnnie) nos anos 1960. Dois seres
sozinhos, que desembrulham a podridão das suas vidas, aos poucos, no
palco. Não são fantasmas, mas neles
a vida quase desaparece de tão corroída por recordações que são só erros e feridas.
Beatriz Batarda deixou-se tentar
por essa forma de Fugard tratar as
feridas familiares e convidou Catarina
Lacerda (Ester) e Dinarte Branco ( Johnnie) para o seu primeiro trabalho
como encenadora (Teatro da Cornucópia, em Lisboa, até 6 de Junho, depois da estreia em Março no Cartaxo
e de uma digressão pelo país que continuará em Julho em Beja e Faro).
“Interessam-me estes temas da família, da infantilização dos adultos
quando confrontados com feridas
antigas e de como perdemos o nosso
chão de adultos quando estamos dentro do seio familiar”, expõe Batarda,
que diz ter construído o espectáculo
“com uma visão próxima da representação”. “A encenação foi muito
marcada pelas minhas preocupações
enquanto actriz.”
Ester é abrupta na sua forma de
chegar e de ser. E ainda mais abrupta
quando tem à frente o irmão num es-
tado de confusão que, por momentos,
se confunde com submissão. A força
está nela, que o confronta com a verdade e o contagia com o ódio que
sempre sentiu e só isso o faz reagir.
Ele deambula, perdido na ausência
do pai, na indefinição do seu ser, misturando a sua inércia com uma sempre presente vontade de Deus.
Ester, “pessoa seca e irónica”, desenvolveu pelo sofrimento formas de
se relacionar com o outro “sem se
deixar tocar”, descreve a actriz Catarina Lacerda. “No processo de criação, falámos muito da máscara, dos
mecanismos de defesa” que ela cria
na sua procura “de uma recordação,
de algo que a faça olhar para o passado e ver uma motivação para seguir
em frente”, continua a actriz. Nesta
“viagem turbulenta”, a mais velha dos
dois irmãos transforma-se aos olhos
do público e dela própria. Quando
volta a casa, à procura do dinheiro de
uma herança e dessa recordação,
muitos anos depois de ter partido,
encontra o irmão, Johnnie, “à beira
da loucura e do suicídio”, explica, por
sua vez, o actor Dinarte Branco.
O choque de Johnnie é brutal no
seu confronto com sonhos nunca concretizados e com a incapacidade de
fazer algo por si próprio depois de
toda a vida a cuidar de um pai deficiente. É a irmã que diz a Johnnie
quem ele é, que o obriga a encarar
que Deus não existe. E que não existindo Deus, não há pretexto, nem
desculpa, nem perdão.
Os dois actores, como as suas personagens “em estado de vítimas”,
carregam uma fatalidade e um passado que os asfixia e, que a Johnnie,
paralisa.
No desembrulhar de caixas e caixotes, no desfiar de recordações,
vislumbra-se uma possibilidade de
vida. Nas palavras do irmão, há ironia
que provoca o riso, mas não sem dor,
e uma leveza momentânea, mas afinal falsa. “É um riso, mas é um riso
nervoso, por causa da tensão”, diz
Batarda. “E isso é muito interessante
no texto.”
A escolha da encenadora e dos actores foi “não lhes dar perdão, não
acreditar que há redenção”, explica
Batarda. “Há um renascer mas um
renascer igualmente podre.” Uma
esperança quando a luz aponta para
uma porta e nos mostra que o beco
afinal tem saída? “Uma esperança de
sobrevivência mas não de felicidade.
Nem de perdão.” Nesta encenação,
“há menos pensamentos poéticos
sobre a vida”. “Não interessam nada.
É teatro e é catarse, e a catarse também se manifesta de forma poética”,
diz a encenadora.
Retrato psicólogo e social
Encorajada a experimentar a encenação por Luís Miguel Cintra e Carlos
Aladro que a encenou em “De Homem para Homem”, em 2008, Batarda foi à prateleira onde guarda os
“Interessam-me
os temas da família,
da infantilização
dos adultos quando
confrontados com
feridas antigas
e de como perdemos
o nosso chão
de adultos dentro
do seio familiar”
Beatriz Batarda
textos que gostaria de trabalhar. Desta vez não como actriz, mas como
encenadora. E escolheu Fugard por
ser um autor de temas que lhe interessam “como a injustiça, a segregação, a exclusão, sempre escritos de
maneira muito humana”. Nota: “Fugard, para além de dramaturgo, é
encenador e actor, e isso reflecte-se
na maneira como escreve. As personagens são construídas de forma concreta do ponto de vista psicológico e
comportamental. Mas a peça fala-nos
de mais coisas do que de psicologia
humana.”
No caso de Ester e Johnnie, a mãe
é de origem inglesa e o pai afrikaner.
No caso de Athol Fugard, nascido e
criado, como eles, em condições humildes, em Port Elizabeth na África
do Sul, o pai é de origem inglesa e de
mãe afrikaner. “O Fugard é os dois,
Ester e Johnnie, é aquela divisão.” O
texto “é muitíssimo pessoal, adaptado e invertido, mas muito pessoal”,
continua Batarda.
O texto retrata o empobrecimento
dos afrikaners, que imigraram no século XVII com a crença enraizada de
que eram o povo eleito numa Terra
Prometida, mas que dois séculos depois se confrontam com a chegada e
o domínio económico dos ingleses,
simbolizado pela expansão dos caminhos-de-ferro, onde trabalhou o pai
de Ester e Johnnie e onde sonhou trabalhar Johnnie.
Fugard trata nesta peça esse cruzamento que cria “conflitos de identidade grandes”. Além da tensão psicológica e do retrato social, a peça
contém “uma forte componente de
pensamento filosófico e teológico”,
com o questionamento da existência
de Deus. “Não há povo eleito coisa
nenhuma”, conclui a encenadora.
“Os afrikaners estão numa situação
de beco sem saída e de crise com a
sua fé. Portanto, povo eleito, olá e
adeusinho.”
MIGUEL
MIGUE
U L MADEIRA
UE
no mundo secreto
de Athol Fugard
Encorajad a experimentar
Encorajada
a encenação
encenaçã por Luís Miguel
Cintra e Ca
Carlos Aladro, Batarda
foi à prate
prateleira onde guarda
os textos que gostaria
de trab
trabalhar
Passa de actriz a encenadora com uma peça do sul-africano Athol Fugard. “Olá
P
e Adeusinho” fala de temas que lhe interessam – identidade, a existência ou não
de Deus, a diferença entre culpa e responsabilidade. Ana Dias Cordeiro
NUNO FERREIRA SANTOS
Teatro
Beatriz Batarda
Rubem Fonseca
como nunca o vimos
Foi em 1996, quando estava em viagem pelo Brasil, que uma amiga lhe
pôs nas mãos “Feliz Ano Novo”, de
Rubem Fonseca. O encenador António Augusto Barros recorda esse seu
primeiro contacto com a obra do escritor brasileiro: “Foi um livro providencial para mim”, diz. Não descansou enquanto não leu tudo. E enquanto não levou aquelas palavras para
cima do palco.
Está a acontecer agora: pela primeira vez em Portugal, a obra do escritor
brasileiro que venceu o Prémio Camões em 2003, foi transposta para
teatro. A Escola da Noite e a Companhia de Teatro de Braga juntaram-se
e criaram, a partir de contos do autor,
a trilogia “1.José 2.Rubem 3.Fonseca”:
um conjunto de três espectáculos sobre os temas da violência, da sexualidade e da solidão. Sempre na cidade.
Depois da estreia em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo, a trilogia segue para o Theatro Circo, em
Braga, já a partir de amanhã. Em Junho, Rubem Fonseca volta a Coimbra:
“José” pode voltar a ser visto a 4 e 5;
“Rubem” a 8 e 9, e “Fonseca” a 11 e 12.
Com Rubem Fonseca, frisa António
Augusto Barros, há um “corte” com
o ruralismo na literatura brasileira.
Nascem as cidades e os confrontos,
com sangue, morte, crueldade. Ninguém é poupado. Diz-se tudo com
todas as letras, mostra-se a realidade
com todas as suas agruras. Mas há
comédia também, apesar da tragédia.
As duas fundem-se num humor negro
que faz o público rir, mesmo quando
há cabeças cortadas.
Todos estes temas interessaram à
Escola da Noite, de Coimbra, e à Companhia de Teatro de Braga, que voltaram a juntar-se – depois de “Sabina
Freire”, em 2009 – para se debruçarem sobre a obra do contista, romancista e ensaísta,
sa sta, vencedor
e cedo ta
também
bé do
Prémio Juan
uan Rulfo. Quanto tempo levaram a descobrir a obra, a seleccionar os contos,
ontos, a estudá-los, a pô-los
em palco?
o? António Augusto Barros
até se ri. Uma odisseia. A
ideia inicial
ial
até era faazer um só e s pectáculo,
lo, mas o material era de tal forma
e acabaram
rico que
por querer
er fazer três.
Podem ser
er vistos separadamente,
e, mas há diálogos
entre os três módulos que
apenas fazem
azem sentido para
quem virr a trilogia completa, admite
te o encenador.
AUGUSTO BAPTISTA
Teatro
Dois grupos portugueses, a Escola da Noite e a Companhia de Teatro de Braga, juntaramse para montar mais de 20 contos do escritor brasileiro. “1.José 2.Rubem 3.Fonseca” chega
amanhã, com toda a sua violência, ao Theatro Circo, em Braga. Maria João Lopes
Com Rubem Fonseca
emergem as cidades
e os confrontos
com sangue, morte,
crueldade. Ninguém
é poupado.
Diz-se tudo com todas
as letras
As personagens de Rubem
Fonseca sucedem-se
vertiginosamente nesta trilogia
Apesar da aventura que foi pegar
nestes contos, a encenação acabou
por ser uma tarefa facilitada pelo
“elenco muito variado” (em que se
cruzam os actores das duas companhias)
as) e pe
pela
a “força
o ça dos te
textos”.
to
A
escrita “veloz” de Rubem FonseF
ca, com “uma grande inte
intensidade dramática”, revela uma “proximidade grande ao te
teatro”.
Ao ritmo própri
próprio das
c i d a d e s gran
grandes,
os contos
c
suceem paldem-se
co e enchem-no de tal
t forma, através das narrativas
narr
e do corpo das per
personaencen
gens, que o encenador
acabou por optar p
por um
cenário simples. “A cenografia é essencialista e limpa, a ideia era que joga
jogasse ao
contrário. A primeira tenta-
ção era fazer um espaço urbano, mas
assim salta mais a palavra e o jogo dos
actores”, explica. Em palco, por vezes há biombos, mas o elemento fundamental é apenas um “estrado”. É
nele que tudo se passa: é quarto, consultório de dentista, escritório, cama…
homem, em “A Escolha”, que se divide entre uma cadeira de rodas e uma
dentadura. É um dos desdentados do
universo de Rubem Fonseca. Os po-
bres não têm dinheiro para arranjar
os dentes.
Mas uma das personagens mais
marcantes de “José” é o Cobrador (do
conto homónimo), um homem que
cobra dívidas à sociedade, sobretudo
aos que pertencem às classes mais
abastadas. Devem-lhe a dignidade,
argumenta: “Tão me devendo colégio,
namorada, aparelho de som, respeito,
sanduíche de mortadela no botequim
da rua Vieira Fazenda, gelado, bola
de futebol”, diz. Com o Cobrador, sim,
há morte e sangue em palco. Como
na vida.
Ver agenda de espectáculos pág. 38
Conhecer mais
Vistos os três espectáculos – cerca de
sete horas ao todo –, António Augusto
Barros acredita que o espectador fica
com “uma paleta da obra” de Rubem
Fonseca. Mas sobretudo com vontade
de conhecer mais: “Acho que é preciso ser muito insensível para não querer conhecer mais”, diz. De resto, é
uma pena que o escritor seja tão pouco conhecido em Portugal: “Falta intercâmbio entre real entre as duas
culturas [a portuguesa e a brasileira]”,
defende, notando que, em todos os
espectáculos, se manteve a maioria
das expressões brasileiras.
Os temas que marcam o universo
de Rubem Fonseca – o dia-a-dia das
grandes cidades, a violência física e
psicológica, o sexo, a dificuldade de
comunicação entre as pessoas, a morte, a indiferença, o crime, a riqueza,
o trabalho, a pobreza – cruzam-se nos
três espectáculos, ainda que seja possível ver em “José” a violência como
fio condutor, em “Rubem” a sexualidade, e em “Fonseca” a solidão.
Em “José”, por exemplo, há sangue
e morte em vários contos. E, mesmo
naqueles em que a violência não se
manifesta de forma explícita, como
“Agora você” (ou “José e seus irmãos”), ela está lá. É o caso de “Hildete” que, para António Augusto Barros, é “um dos contos mais violentos”.
Mesmo sem tiros e facas, fala sobre
uma outra violência, cada vez mais
visível nas sociedades contemporâneas e mediatizadas: a violência de
fabricar e de expor, através de manobras de marketing, a vida das pessoas.
Há ainda “Raimundinha”, que não
sabe reconhecer os inimigos que se
aproveitam da sua ingenuidade. E um
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 35
Dança
Ela anda há mais de dez anos a deixarse ir aonde a levam os vídeos de Daniel Blaufuks – e os vídeos de Daniel
Blaufuks levaram-na a sair (“Vooum”,
de 1999) e a entrar (“No Fly Zone”, de
2000), a sair e a entrar constantemente, como se não houvesse vida onde
não há viagem (muito depois disso,
em 2007, o Teatro Nacional S. João
voltou a olhar para essas peças, juntou-as num ciclo e chamou-lhes “movimentantes”: parecia óbvio). Agora
há vida outra vez, em “a praça”, a nova criação de Né Barros que tem hoje
estreia na Culturgest, em Lisboa: vida
em todos os centímetros da Djemaa
El-Fnaa, a praça de carne e osso que
Daniel Blaufuks filmou numa cidade
mais velha do que o mundo, Marraquexe, e vida em todos os centímetros
da praça virtual que a coreógrafa
constrói em palco, organizando, desorganizando e reorganizando os corpos dos quatro bailarinos (Ángel Montero Vázquez, Joana Castro, Katja Juliana Geiger e Pedro Rosa), enquanto
a banda sonora criada de raiz por Alexandre Soares e Jorge Queijo fala pelo menos tantas línguas quantas as
que ouviríamos se andássemos por
aí, sem parar, e o mundo inteiro fosse
o sítio a que chamamos casa.
Casa é isso, diz Né Barros: andar
por aí. “‘a praça’ vem na sequência
“Estar no meio
de uma praça faz-nos
ser qualquer coisa.
É o tipo de sítio
que está sempre
preparado para
que algo aconteça”
Né Barros
dos outros trabalhos que eu fiz com
o Daniel Blaufuks, muito centrados
na ideia da viagem, da paisagem, do
humano enquanto paisagem, do nomadismo vivido quase como condição e motor existencial”, explica. Tal
como os movimentantes que habitavam as suas criações anteriores, e que
agora regressam, a praça onde tudo
isto se passa é um lugar ambulante:
“[Atravessar uma praça] não é como
atravessar uma rua (...). Quando estamos na praça deambulamos. Derivamos (...). Representamos também”,
escreveu a coreógrafa no programa
que acompanha a peça. Viu vários
vídeos de Daniel Blaufuks antes de
fazer “pause” a estes, e de querer ficar por ali, na Djemaa El-Fna, a praça
das praças, entre marroquinas às
compras, turistas de máquina fotográfica, cegos vindos dos relatos de
Elias Canetti, contadores de histórias,
encantadores de serpentes, cozinheiros de branco, miúdos da escola, no
ponto exacto onde o Ocidente se passa para o lado de lá, explica ao Ípsilon: “É uma praça muito particular,
porque tem uma diversidade cultural
extremamente evidente. Há marcas
muito evidentes das diferenças culturais nestas imagens. Havia outras
hipóteses, outras imagens que o Daniel tinha feito na Índia, ou em Nova
Iorque, mas todas essas outras viagens, acabam por estar ali”.
A praça é a própria viagem.
Barulhos de fundo
Também houve outra coisa que se
tornou evidente à medida que a praça ganhou vida, nos ensaios: a praça,
enquanto lugar de representação social, é uma metáfora do palco (ou então é o palco que é uma metáfora da
praça, de qualquer praça). “Estar no
meio de uma praça faz-nos ser qualquer coisa. É o tipo de sítio que está
sempre preparado para que algo
aconteça. Exactamente como um pal-
co. O [filósofo francês] Michel Serres
fala disso, da praça como um corpo
nu, à espera de ser construído”, sublinha Né Barros.
Depois de ter visto as imagens da
praça, repetidamente, trabalhou sozinha em cima delas. Mais do que um
cenário, o vídeo de Daniel Blaufuks
é de certa forma o coração do espectáculo: “O vídeo interessou-me por
esse lado mais abstracto da praça como sítio onde tudo está em potência,
mas também pelo concreto do que
lá se passa – aquela passagem incessante, aquela frequência, aquela afluência sem objectivo”. Há elementos
disso no espectáculo – Né Barros andou sozinha pelas ruas do Porto, a
fotografar bandos de pássaros, porque eles são como a multidão da Djemaa El-Fnaa: às vezes parecem coreografados – e cenas que funcionam
quase como uma extensão ou um
contraponto das narrativas sugeridas
pelo vídeo, ainda que “a praça” não
pretenda ser um duplo da Djemaa
El-Fna.
Podemos imaginar “mil histórias”
para toda aquela gente, e ela imaginou algumas: a história da banda decadente, por exemplo, que criou para que o grupo de turistas amontoado
dentro do vídeo tivesse um espelho
ao qual se pudesse olhar. Podemos
imaginar “mil histórias”, dizíamos,
mas não podemos fixar-nos em nenhuma. “a praça” está viva, e vai em
todas as direcções ao mesmo tempo.
Tudo o que vemos são barulhos de
fundo: pessoas de passagem, conversas apanhadas a meio, noutras línguas, mundos paralelos. “As personagens falam, mas não dizem nada.
São só vozes. Um dos livros de que
chegámos a falar foi ‘As Vozes de Marraquexe’, do Elias Canetti”, nota Né
Barros.
Há uma parte nesse livro, mesmo
antes de acabar, em que Canetti conta como “ao anoitecer” se punha a
caminho da Djemaa El-Fna à procura
de “uma pequena trouxa castanha”
que emitia “um ‘a-a-a-a-a-a-a’ profundo, contínuo”, perceptível “entre as
mil vozes e gritos da praça”: “Nunca
a via apanhar as moedas que lhe atiravam. Poucas, porque nunca lá estavam mais de duas ou três. Talvez
não tivesse braços para apanhar as
moedas. Talvez não tivesse língua para dizer todos os sons de ‘Alá’, reduzindo o nome de Deus a ‘a-a-a-a-a-a-a’!
Mas vivia, e com total entrega e perseverança dizia o único som que podia dizer, e dizia-o durante horas e
horas, até se tornar o único de todo
aquele imenso lugar, o som que, afinal, sobrevivia a todos os outros”.
A-a-a-a-a-a-a. Se escutarmos com
atenção, também o ouvimos aqui.
Podemos
imaginar mil
histórias para
toda a gente
que se cruza
na Djemaa ElFna, mas não
podemos
fixar-nos em
nenhuma: são
barulhos de
fundo,
conversas
apanhadas a
meio
Ver agenda de espectáculos pág. 38.
A praça
está viva
Né Barros deixou-se ir até Marraquexe nos vídeos de Daniel Blaufuks e fez “pause” à Djemaa
El-Fna, a praça das praças. É o tipo de sítio onde tudo pode acontecer - exactamente como
esta peça, com estreia hoje em Lisboa, na Culturgest. Inês Nadais
36 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
The
Divine
Comedy
Ninguém faz Neil
Hannon melhor
que Neil Hannon.
Eis “Bang Goes
The Knighthood”
Pág. 52
Mathias Énard
The National O
problema é quando “High Violet”
acaba: volta-se à vida. Pág. 52
Escreveu “Zona”, uma epopeia
contemporânea. Cabe tudo
numa viagem nocturna de
comboio. Pág. 46
“Líbano” Um “tour de
force”, a guerra na primeira pessoa.
Pág. 42
13ª edição
Termina em 15 de Maio o prazo para a recepção das obras destinadas à 13ª edição
do Prémio Literário Fernando Namora. A este prémio no valor de 25 mil euros,
podem concorrer autores portugueses, individualmente, através das editoras
ou de outras entidades.
Mais informações www.casino-estoril.pt
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 37
Teatro/Dança
38 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Antestreia
A estreia oficial é no dia
21, em Lisboa, no Centro
Cultural de Belém, mas até
lá os Artistas Unidos vão
andar a ap
apresentar o seu
novo espectáculo, dupl
dupla
investida em
H
Ha
rold Pinte
Harold
Pinter,
um pouco
por todo o
país. Dep
Depois
de uma
p imei
pr
primeira
apresentação ontem,
“Comemoração” e “A
Nova Ordem Mundial”
regressam hoje, às
21h45, ao palco do Teatro
Aveirense, de onde
seguem para o Teatro
Municipal da Guarda
(quinta-feira, dia 13, às
21h30) e para o Teatro
da Terra, em Ponte de
Sôr (sexta-feira, dia 14, e
sábado, dia 15, às 21h30).
“Comemoração” é a última
Depois do absurdo de Beckett, o absurdo
de Ionesco na temporada da Comuna
peça que o dramaturgo
britânico, Nobel da
Literatura em 2005,
escreveu - uma guerra de
palavras que anuncia o
capitalismo maiz feroz,
possivelmente a “Nova
Ordem Mundial” que dá
título à peça curta com
que os Artistas Unidos
sita
encerram esta nova visita
a Harold Pinter.
Agenda
Teatro
Estreiam
Keskusteluja
De e com Ville Walo, Kalle
Hakkarainen.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei
Miguel Contreiras, 52. De 07/05 a 08/05. 6ª e Sáb.
às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.
FIMFA LX10 - Festival Internacional
de Marionetas e Formas Animadas.
Ver texto na pág. 32 e segs.
Continuam
Olá e Adeusinho
De Athol Fugard. Encenação de
Beatriz Batarda. Com Catarina
Lacerda e Dinarte Branco.
Nós somos
o rei
Um clássico do absurdo
na Comuna, “O Rei Está a
Morrer, de Ionesco, sobre
a maior certeza da vida: a
morte. Clara Campanilho
Barradas
O Rei Está a Morrer
De Eugène Ionesco. Encenação:
João Mota. Com Carlos Paulo, Ana
Lúcia Palminha, Tânia Alves, Rui
Neto, Alexandre Lopes, Mia Farr.
Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/06.
4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€.
O título já dá uma ideia. Mas, nos
primeiros momentos da peça, a
dúvida, se a houver, logo se dissipa.
Somos informados – e o próprio
também – de que, dentro de hora e
meia, Bérenger, o rei, estará morto.
É o absurdo de um mestre do
Teatro do Absurdo, em cena na
Comuna – Teatro de Pesquisa, até 27
de Junho. O essencial de “O Rei está
a morrer”, do romeno Eugène
Ionesco (1909-1994), é “a angústia da
morte, o pavor da morte”, resume
João Mota, o encenador.
O Rei Bérenger – ditador,
autoritário, arrogante – chefia um
reino decadente. A sua hora
aproxima-se. A primeira rainha,
Margarida, confronta-o com a sua
inevitável morte, que ele não quer
aceitar. A segunda rainha, Maria,
também não aceita. O médico
garante que já nada há a fazer. É
inevitável, o rei vai mesmo morrer.
Ele é ditador, mas “a grande
ditadora é a morte”.
Para João Mota, este rei
representa todos nós. “Há um lado
na peça de que eu gosto muito: cada
um de nós é rei do seu reino. E
quando morremos, o mundo acaba.
E nós esquecemos isso durante a
vida. Fala-se pouco sobre a morte”.
É “difícil passar para o outro lado”,
por isso, temos de saber encarar o
facto de que vamos morrer: “O Rei
diz uma frase que eu acho genial:
‘Porque é que eu nasci, se foi para
morrer? Malditos pais.’ É uma frase
horrível”, e portanto “é bom saber
viver com alegria, com energia, para
poder passar a ponte”, diz o
encenador.
O próprio Ionesco tinha pavor da
morte. “Todos nós temos, em parte.
Mas nunca pensamos nela. Por isso é
que vivemos erradamente. Se
convivêssemos melhor com a morte,
éramos todos muito mais felizes”.
As duas rainhas são dois lados da
mesma moeda. O rei Bérenger “é
bígamo. Tem duas mulheres: a
morte e a vida”.
É a primeira vez que João Mota se
aventura pelos textos de Ionesco.
“Este ano, abrimos com Samuel
Beckett, numa encenação do Álvaro
Correia [“A Felicidade, Amanhã...”].
Ora, se fizemos um mestre do
absurdo, Beckett, tínhamos de fazer
também o outro, o Ionesco”. Beckett
e Ionesco (“eu gosto muito dos dois”,
diz Mota) “têm sempre um lado
cómico, eles são todo o absurdo.
Quase que podemos dizer que [esta
peça] é uma comédia. Trágica, mas é
uma comédia”, diz Mota.
A encenação – ao contrário das
indicações típicas na dramaturgia de
Ionesco – é despida, leve. “Foi para
que cada espectador se sinta com
aquele problema. Para pensar como
é que a gente acorda amanhã,
porque é que a gente vive”, justifica
o encenador. “Valoriza o texto e o
que está por trás dele. Penso que se
o Ionesco visse este espectáculo,
gostava!”.
As pessoas não se levantam, no
final da peça. “Ficam paradas, até
falam baixinho. É preciso dizer:
‘pronto, acabou’. Gosto do silêncio
que fica, é sinal de que a pessoa
interiorizou coisas que eu penso que
são muito importantes”, conta João
Mota.
“O Rei Está a Morrer” é “uma peça
que dá para pensar muito”. Como
Bérenger, “todos nós somos
bígamos”.
“Relativamente”
chega às Caldas
da Rainha na
encenação de
João Lagarto
Lisboa. Teatro do Bairro Alto. R. Tenente Raul
Cascais, 1 A. Até 06/05. 3ª a Sáb. às 21h. Dom. às
16h. Tel.: 213961515. 7,5€ a 15€.
Ver texto na pág. 34.
José. Rubem. Fonseca.
A partir de Rubem Fonseca. Pela
CTB - Companhia de Teatro de Braga
e Escola da Noite. Encenação de
António Augusto Barros. Com
António Jorge, Carlos Feio, Igor
Lebreaud, Rogério Boane, Solange
Sá, entre outros.
Braga. Theatro Circo - Pequeno Auditório. Av. da
Liberdade, 697. De 8/05 a 22/05. 3ª a Dom. às
21h30. Tel.: 253203800. 5€ a 10€.
Ver texto na pág. 35.
Salto.Lamento
Lisboa. Museu da Marioneta. R. da Esperança, 146
- Convento das Bernardas. Até 07/05. 5ª e 6ª às
21h30. Tel.: 213942810.
FIMFA Lx10 - Festival Internacional
de Marionetas e Formas Animadas.
Ver texto na pág. 32 e segs.
Paisagens em Trânsito
De e com Patrick Murys.
Lisboa. Museu da Marioneta. R. da Esperança, 146
- Convento das Bernardas. Dia 12/05. 4ª às 21h30.
Tel.: 213942810.
FIMFA LX10 - Festival Internacional
de Marionetas e Formas Animadas.
Wonderland
Companhia de Teatro de Braga.
Encenação de Joaquim Benite. Com
André Silva, Luís Vicente, Mário
Spencer, entre outros.
Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas
Moniz. Até 16/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h.
Tel.: 212739360. 6€ a 13€.
Jardim Suspenso
De Abel Neves. Encenação: Alfredo
Brissos. Com Carla Chambel, Simone
de Oliveira, entre outros.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio.
Pç. D. Pedro IV. Até 30/05. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às
21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.
Foder e Ir às Compras
De Mark Ravenhill. Encenação de
Gonçalo Amorim. Com Pedro
Carmo, Carla Maciel, Carloto Cotta,
Pedro Gil, Romeu Costa.
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria
Cardoso, 38-58. Até 09/05. 4ª a Sáb. às 21h. Dom.
às 17h30. Tel.: 213257650. 15€.
A Rainha da Beleza de Leenane
De Martin McDonagh. Pelo Teatro
Meridional. Encenação de Nuria
Mencía. Com Almeno Gonçalves,
Elisa Lisboa, José Mata, Natália Luíza.
Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço
do Bispo. Até 30/05. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às
17h. Tel.: 218689245.
Miserere
A partir de Gil Vicente. Pelo Teatro da
Cornucópia. Encenação de Luis
Miguel Cintra. Com João Grosso, José
Airosa, Luis Miguel Cintra, Rita
Blanco, entre outros.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.
Pç. D. Pedro IV. Até 23/05. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às
21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835.
Relativamente
De Alan Ayckbourn. Encenação de
João Lagarto. Com António Pedro
Cerdeira, Isabel Montellano, João
Lagarto, Patrícia Tavares.
Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos. R.
Doutor Leonel Sotto Mayor. De 07/05 a 08/05. 6ª e
Sáb. às 21h30. Tel.: 262889650. 12,5€.
O Vampiro de Belgrado
De Gonçalo M. Tavares. Pelo Teatro
Bruto. Encenação de Miguel Cabral.
Com Isabel Nunes, Pedro Mendonça.
Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. R. da
Fábrica Social. Até 22/05. 5ª a Sáb. às 22h. Tel.:
220109020. 5€ a 7€.
Dança
Estreiam
A partir de Lewis Carroll. Pelo Teatro
de Marionetas do Porto. Encenação
de João Paulo Seara Cardoso. Com
Edgard Fernandes, Sara Henriques,
Sérgio Rolo, Shirley Resende.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei
Miguel Contreiras, 52. De 11/05 a 12/05. 3ª e 4ª às
21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.
FIMFA LX10 - Festival Internacional
de Marionetas e Formas Animadas.
Agora a Sério
De Tom Stoppard. Encenação: Pedro
Mexia. Com Ana Brandão, João Reis,
São José Correia, entre outros.
Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até
31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
213880089. 7,5€ a 15€.
Troilo & Créssida
De Shakespeare. Pela Companhia de
Teatro de Almada, ACTA,
A Praça
De Né Barros. Com Ángel Montero
Vázquez, Joana Castro, Katja Juliana
Geiger, Pedro Rosa. Alexandre
Soares, Jorge Queijo.
Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da
CGD. De 07/05 a 08/05. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.:
217905155. 5€ a 18€.
Ver texto na pág. 36.
Local Geographic
De Rui Horta.
Lisboa. CCB - Sala de Ensaio. Praça do Império. De
11/05 a 16/05. 3ª a 6ª às 21h (excepto à 5ª). Sáb. e
Dom. às 19h. Tel.: 213612400. 12€.
Béjart Ballet Lausanne
Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,
96. De 13/05 a 16/05. 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. às 16h30
e 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213240580. 25€ a 47€.
“Local Geographic”, de Rui Horta
Design
português
português
Os prodígios
do Uno
Uma exposição alquímica
de Raquel Feliciano.
Óscar Faria
Matéria Prima
De Raquel Feliciano.
Porto. Tabacaria. Rua Pinto Bessa, 170, r/c
traseiras, 122 armazém 4/5. Tel.: 220938372. Até
22/05. 3ª a Sáb. das 14h às 20h.
Fotografia. Escultura.
mmmmn
No antigo Egipto, um dos elementos
constituintes do humano era o “ba”,
que pode ser traduzido pela palavra
“alma” – ao corpo, no momento da
sua modelação pelo deus khnum na
sua roda de oleiro, unia-se uma
outra substância, o “ka”, uma
designação para a energia vital de
um ser. Depois da morte, o “ka”,
representado por uns braços
erguidos na direcção do céu, e o
“ba”, figurado por um falcão com
cabeça humana, unem-se no “akh”,
uma força luminosa. A crença na
vida além da morte era
acompanhada pela deposição de
estatuetas junto da múmia: estas
deviam ser alimentadas pelos vivos
através de oferendas. E, enquanto o
“ka” habitava o defunto, o “ba”
abandonava o corpo no momento da
sua extinção, tendo então a
possibilidade de revisitar os lugares
conhecidos pelo morto ou de viajar
até às estrelas; contudo, à noite, o
“ba” entregava ao “ka” a energia
acumulada nas dádivas entregues
nesse dia pelos vivos.
Em “Matéria Prima”, Raquel
Feliciano (Caldas da Rainha, 1983)
Depois de países como
a Finlândia, o Brasil
e o Japão, Portugal é
finalmente o país-tema
do Destination: Design
Series, um projecto
do MoMA (Museum
of Modern Art) que
tem vindo a fazer
uma cartografia das
tendências actuais do
design em vários países
do mundo. A partir de dia
13, e até ao final de Junho,
estarão à venda na loja do
MoMA, em Nova Iorque,
diversos produtos de
designers portugueses
- incluindo estes
“Montaditos” de António
Azevedo, entre outros
objectos que revisitam
revela um trabalho intitulado
precisamente “ba”, uma fotografia
em que se observa uma “alma”
desfocada – a imagem foi captada na
secção de antiguidades egípcias de
um museu. A evocação dos
elementos primordiais é uma
constante da exposição: há uma
espécie de alquimia que atravessa os
trabalhos apresentados; a
transmutação operada durante o
processo fotográfico pode ser
mesmo lida como uma metáfora
para essa vontade de encontrar a
pedra filosofal. As imagens visíveis
na Tabacaria – um dos novos
espaços situados nas imediações da
Estação de Campanhã, no Porto –
são todas provas de brometo de
prata em papel baritado, uma
escolha que acentua essa
proximidade a uma essência para
além do real.
A exposição organiza-se
sobretudo através de fotografias que
nos indicam essa proximidade à
natureza. A primeira imagem
intitula-se “chama” e o díptico que
se lhe segue “a guia” – na verdade,
estes instantâneos mostram uma
águia nos seus movimentos
ascendente e descendente,
compondo-se assim uma trajectória
virtual; um eco deste voo pode ser
lido em dois outros trabalhos,
“descida (nascente)” e “subida
(recomeço)”, que traduzem
igualmente uma reflexão acerca da
paisagem. A água, a terra, o fogo e o
ar atravessam estas obras,
recordando uma síntese realizada
por Empédocles de Agrigento: para
este filósofo pré-socrático, o nascer e
o morrer não existiam, porque eram
apenas instantes de junção ou
separação das quatro substâncias
que estão na origem de todas as
outras.
Um objecto, uma caixa em
as artes e os ofícios de
gerações passadas,
como acessórios de
moda em cortiça e jóias
contemporâneas de
filigrana. Em Portugal,
será a Loja de Serralves,
parceira da MoMA Design
Store neste projecto, a
comercializar a colecção.
madeira com imagens de diversas
proveniências – “O Nascimento de
Vénus”, de Sandro Botticelli, uma
estátua renascentista de um
Mercúrio alado da autoria de
Giambologna, uma fotografia da lua,
um fragmento de uma gravura de
um sol, um escultura do deus Ares,
etc. –, dá outras pistas relativamente
à dimensão alquímica da mostra.
Para além de o trabalho ser
elaborado a partir construção
geométrica do rectângulo de ouro,
nele dá-se corpo à máxima “ce qui
est en haut est comme ce qui est en
bas.” A frase faz parte da “Tábua de
Esmeralda” (“Tabula Smaragdina”),
atribuída a Hermes Trismegisto, cuja
representação mística era associada
a um faraó lendário – a actual
datação do texto é situada entre os
séculos VI e VIII d.C., sendo o “três
vezes altíssimo” uma combinação
helenística dos deuses Hermes
(Grécia) e Thot (Egipto).
“Na verdade, na verdade, sem
dúvidas e incertezas:/ o que está em
baixo assemelha-se ao que está em
cima, e o que está em cima ao que
está em baixo, para realizar os
prodígios do Uno./ E como todas as
coisas emanam do Uno, da
meditação do Uno, assim também
todas as coisas nasceram desse Uno
por adaptação. / O Sol é o pai, a Lua
a mãe; o Vento transportou-o no seu
ventre e a Terra é a sua ama”, lê-se
na “Tábua de Esmeralda.” A
exposição, com uma montagem
rigorosa, espelha esta unidade. Dois
exemplos: “seca/ húmida” – areia e
água, em permanentes trocas,
definem a imagem de um mundo
gerado pela “força de todas as
forças” – e “rotação da terra”, uma
escultura apresentada recentemente
no Museu Geológico, em Lisboa, que
põe tudo a funcionar à sua volta. É o
motor da mostra.
ADRIANO MIRANDA
Exposições
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
As imagens de “Matéria Prima”, provas de brometo de prata em papel baritado,
acentuam a proximidade a uma essência para além do real
O paraíso
à mão de
semear
Escultura e desenho de
Gabriela Albergaria no
Pavilhão Branco.
Luísa Soares de Oliveira
Térmico
De Gabriela Albergaria.
Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo Grande,
245. Tel.: 217513200. Até 13/06. 3ª a Dom. das 10h às
18h.
Desenho, Escultura.
mmmmn
O Pavilhão Branco, estrutura
moderna inserida nos jardins
barrocos e românticos do conjunto
do Museu da Cidade, é decerto um
dos lugares ideais para uma artista
como Gabriela Albergaria realizar
uma exposição. A escultora, que
tem dividido a sua actividade entre
Lisboa e Berlim, elege como tema
da sua obra a reflexão sobre o
jardim: simultaneamente
microcosmo (porque concentra
dentro dos seus limites um número
vasto de espécies), museu (porque
as cataloga, classifica e expõe), e
espelho, já que em teoria se propõe
revelar a essência de um eu
supostamente afastado da sua
verdadeira natureza pelas
vicissitudes da vida
contemporânea. Longe da paisagem
romântica, que é sempre
considerada como a representação
da natureza indomável, o jardim
concretiza o espaço da natureza à
escala do humano. Mesmo quando,
nos tempos medievais, ele
pretendia traduzir uma
representação possível do paraíso
celeste.
Daqui decorre que a concepção
do jardim, como os diversos
significados que lhe atribuímos, é
ideológica e estritamente
dependente de dado contexto
histórico, económico ou social.
Gabriela Albergaria sabe-o. E nesta
exposição, como noutras que já
realizou, estabelece pontes visuais
entre a natureza e a cultura, entre o
espaço exterior, domado e
civilizado pelo homem, e a força da
natureza que irrompe nas peças
expostas.
No rés-do-chão estão duas
esculturas de realização muito
recente. A primeira é uma árvore
trazida para uma das salas,
ocupando invasoramente quase
todo o espaço disponível. O caule,
no lugar do corte, ostenta uma
ponta de metal que justifica o nome:
“Árvore com parafuso”. A peça
invoca a impossível hipótese do
retorno à terra, a mesma que se
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 39
Exposições
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
“Nenhum Lugar”,
de André Príncipe,
na Galeria Arthobler, Porto
Ana Hatherly
encontra-se com Manuel
Poppe na Arte Contempo
amontoa, por camadas, na
segunda escultura, “couche sourde”:
um corte de terra de estufa
interrompido por camadas de
plantas que, desde a inauguração da
exposição, germinam teimosamente.
Esta peça, que convoca o objecto
minimalista pela rudeza do material,
as dimensões importantes e o modo
como interfere eficazmente no
espaço, é aquela que mais
surpreende em toda a exposição e
melhor interpela o pensamento do
visitante.
No piso superior situam-se
desenhos mais antigos. O desenho
de Gabriela Albergaria apropria-se
sempre do traço clássico, mas
insere-o numa exploração da folha
de papel que se confunde com a
ocupção do espaço que as suas
esculturas realizam. Num destes
desenhos, intitulado “Un jardin à
ma façon”, os signos que figuram
rochas, folhas, árvores e arbustos
decantam-se progressivamente
para se transformarem numa
quadrícula evocadora de um
revestimento arquitectónico, que
Gabriela Albergaria
elegeu como tema da sua obra
a reflexão sobre o jardim
termina, decerto não por acaso,
numa das janelas de tijolo de vidro
do edifício. Este, que funciona
como uma estufa, permite a
migração do olhar entre o interior
e o exterior, entre a natureza
domesticada para gozo de uns e a
arte que reflecte sobre esse
processo para estímulo de outros.
Assim, os jardins de Gabriela
Albergaria são sempre produto de
contaminações entre a natureza e o
espaço da arte. Contaminações essas
que sempre existiram, mas que
também quase sempre estiveram
ocultas debaixo de um discurso
histórico que as justificava e
ocultava: o jardim, esse lugar de
deleite e encontro com a verdadeira
essência do homem de que
falávamos no início, foi sempre a
tradução de uma apropriação que
confortava e tranquilizava. Ele não é
o lugar do selvagem, do
desconhecido, do Outro que nos
pode destruir; ou, visto de modo
diverso, não é a rua urbana onde se
manifesta a mudança política e
social. Oásis e paraíso: na sua
diversidade e mesmo na aclimatação
de espécies exóticas, este é o local
onde se encontram refúgio e
tranquilidade. Tudo o que a arte já
deu, e hoje não pode de maneira
nenhuma dar. Gabriela Albergaria
merecia ser melhor conhecida em
Portugal.
Steffan Brüggemann
na Kunsthalle Lissabon
Agenda
Inauguram
Cornelius Cardew e a Liberdade
da Escuta
De Hanne Boenisch, Luke Fowler,
Nicolas Tilly, Lore Gablier.
Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 Edifício da CGD. Tel.: 222098116. De 08/05 a 26/06.
2ª a 6ª e Sáb. das 10h às 18h. Inaugura 8/5 às 16h.
Vídeo, Fotografia, Outros.
Escultura, Outros.
Sem Rede
De Joana Vasconcelos.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império.
Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a
6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h.
Instalação, Outros.
Ver texto na pág. 20 e segs.
Sub Rosa
De Nuno Ramalho.
Correspondência #2
De Ana Hatherly, António Poppe.
Porto. Espaço Fundação. R. do Bonjardim, 951.
Tel.: 919059992. De 30/04 a 29/05. Sáb. das 16h às
20h.
Lisboa. Arte Contempo. Rua dos Navegantes, 46A.
Tel.: 213958006. Até 12/06. 5ª a Sáb. das 14h30 às
19h30. Inaugura 7/5 às 19h.
Desenho, Outros.
Desenho.
Recanto do Oceano
Memória é uma Ilha de Edição
De Sérgio Fernandes.
Lisboa. Galeria Arte Periférica. Praça do Império Centro Cultural de Belém, Loja 3. Tel.: 213617100.
Até 03/06. 2ª a 6ª, Sáb. e Dom. das 10h às 20h.
Inaugura 8/5 às 15h30.
Pintura.
Espelho (Meu)
De Catarina Saraiva.
Lisboa. Módulo - Centro Difusor de Arte. Calçada
dos Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 05/06. 3ª a
6ª e Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 8/5 às 18h.
Instalação, Outros.
De Luís Viegas Belchior, Colecção
Alcídia.
Dentro Do Labirinto - Pierre
Coulibeuf
De Pierre Coulibeuf.
Porto. Centro Português de Fotografia. Campo
Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a
22/05. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados
das 10h às 19h.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império.
Tel.: 213612878. Até 21/06. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a
6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h.
Instalação, Outros. Inaugura 10/5 às
19h30.
Continuam
41º 52’ 59’’ Latitude N / 8º 51’ 12’’
Longitude O
De Jorge Barbi.
Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:
217823474 . De 06/05 a 11/07. 3ª a Dom. das 10h às
18h.
Fotografia.
Sussuro
De Henrique Silva.
Porto. Centro Português de Fotografia. Campo
Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a
25/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados
das 10h às 19h.
Fotografia.
Mystic Diver
De Catarina Dias.
Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa - Pavilhão Preto.
Campo Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 13/06. 3ª a
Dom. das 10h às 18h.
Fotografia, Outros.
Desenho, Performance, Objectos,
Outros.
A Matéria Negra da Luz dos
Media
De Dara Birnbaum.
O Ofício de Viver
De Daniel Blaufuks.
Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro,
210. Tel.: 226156500. Até 04/07. 3ª a 6ª das 10h às
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.
Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea.
Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831.
Até 15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h
às 19h30.
Vídeo, Outros.
Fotografia, Vídeo.
O Dia Pela Noite
De Gabriel Abrantes, Vasco Araújo,
Pedro Barateiro, João Pedro Vale,
entre outros.
Viagem Ao Meio
De Alexandre Estrela.
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,
Armazém A. Tel.: 218820890. Até 26/02. 5ª a Sáb.
das 23h às 06h.
Video, Outros.
Instalação, Outros.
This Is My Condition
De Ryan McGinley, Ryan McNamara,
Ryan Trecartin, Slater Bradley, Jack
Pierson.
Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 11/09. 3ª a
Sáb. das 10h às 20h.
Pintura, Vídeo, Instalação,
Fotografia, Escultura, Outros.
Show Titles
De Stefan Brüggemann.
Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9.
Tel.: 918156919. Até 06/06. 5ª, 6ª e Sáb. das 15h às
19h.
Instalação.
Lourdes Castro e Manuel
Zimbro: A Luz da Sombra
Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro,
40 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 22h.
Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 Bairro Alto. Tel.: 213430205. Até 29/05. 4ª a Sáb.
das 15h às 23h.
Em Nenhum Lugar
De André Silva.
Porto. Galeria Arthobler. R. Miguel Bombarda, 624.
Tel.: 226084448. De 17/04 a 17/05. 3ª a Sáb. das 15h
às 19h30.
Pintura, Desenho, Instalação,
Escultura.
The Absent Space
De José María Yturralde.
Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada de Tibães.
Quinta da Igreja (Parada de Tibães). Tel.:
253602550. Até 29/05. 2ª a 6ª das 13h às 19h. Sáb.
das 15h às 19h.
Pintura.
Soft Theraphy
De Santiago Villanueva.
Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada de Tibães.
Quinta da Igreja (Parada de Tibães). Tel.:
253602550. Até 29/05. 2ª a 6ª das 13h às 19h. Sáb.
das 15h às 19h.
Escultura, Outros.
Cinema
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Merecidíssimo Leão de Ouro em Veneza 2009, é uma experiência cinemática de cortar o fôlego
Estreiam
Sentir
a guerra
Um extraordinário “tourde-force” que, mais do
que mostrar a guerra, faznos sentir a guerra. Jorge
Mourinha
Líbano
Lebanon
De Samuel Maoz,
com Yoav Donat, Itay Tiran, Oshri
Cohen. M/16
MMMMn
Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de
Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h20,
19h15, 21h45, 00h15 Sábado Domingo 12h, 14h05,
16h20, 18h30, 21h45, 00h15; CinemaCity Classic
Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h45, 17h40,
19h35, 21h30 6ª 13h50, 15h45, 17h40, 19h35, 21h30,
00h10 Sábado 11h50, 13h50, 15h45, 17h40, 19h35,
21h30, 00h10 Domingo 11h50, 13h50, 15h45, 17h40,
19h35, 21h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine
Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h,
18h, 20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte
Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,
19h, 21h35, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h,
21h35, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h, 22h,
00h15;
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 14h30, 16h55, 19h25, 21h50, 00h15 3ª
4ª 16h55, 19h25, 21h50, 00h15;
série ípsilon II
Sexta-feira,
dia 14 de Maio,
o DVD “A Estação”,
de Thomas McCarthy
Todas as sextas,
por €1,95.
20
anos
Vamos, por um momento, esquecer
que “Líbano” se passa dentro de um
tanque israelita durante a primeira
invasão do Líbano em Junho de 1982.
É difícil, sabemos, até porque
Samuel Maoz nunca escamoteou que
o filme se inspira nas suas
experiências como artilheiro num
tanque de guerra, e porque sempre
que as palavras “Médio Oriente”
vêm ao de cima há uma imagem que
se instala para nunca mais sair.
Mas a verdade é que o filme de
Maoz não é tanto sobre o Líbano (ou
sobre o estado constantemente “em
guerra” de Israel) como é sobre a
guerra, “tout court”, e sobre o modo
como o homem a vive (ou aprende a
vivê-la). Para isso, o cineasta arrisca
um “tour de force” na corda bamba,
tanto mais arriscado quanto estamos
a falar de um primeiro filme: fazer o
espectador sentir a guerra na
primeira pessoa, restringi-lo ao
espaço confinado de um tanque,
fechá-lo durante hora e meia com os
quatro homens da tripulação e com
o modo como cada um deles
enfrenta a sua primeira experiência
de combate e descobre algo sobre si
próprio no processo.
E ganha a aposta em toda a linha.
Muito se tem falado sobre o
“voyeurismo” ou o “mau gosto” de
algumas cenas vistas através do
“periscópio” do tanque, mais
violentas ou desconfortáveis, com a
mira telescópica a deixar no campo
tanto quanto fica de fora. Mas o que
Maoz está a fazer é apenas reduzir a
experiência da guerra, mesmo que
mediada por um dispositivo tão
cinemático como este (o periscópio
é, literalmente, a lente da câmara, o
olho que vê sem conseguir parar de
ver), à sua essência urgente, à
necessidade de decidir agora, já,
imediatamente, sucumbindo ou
resistindo ao instinto primal de
sobrevivência, tornando tangível o
conflito entre a moral e o instinto.
Como quem diz: é demasiado fácil
olhar para as coisas de fora,
portanto venham vê-las de dentro.
Fechados num esquife de metal
onde só se mata ou se morre. Sem
heroísmos hollywoodianos nem
finais felizes de filme de guerra,
“Líbano” dá corpo aos suores frios,
ao cheiro a pólvora e metal e sangue
de um modo que raros filmes
conseguiram fazer.
Merecidíssimo Leão de Ouro em
Veneza 2009, é uma experiência
cinemática de cortar o fôlego que
pode e deve ser lida como
complemento ao excelente e
Oscarizado “Estado de Guerra”
(2008) de Kathryn Bigelow. E bem
merecia um programa duplo com a
“Valsa com Bashir” de Ari Folman
(2008) ou com o (inédito por cá)
“Z32” de Avi Mograbi (2008), para
perceber como o cinema israelita já
é capaz de olhar para os seus
conflitos de modos muito diferentes
e igualmente estimulantes.
Tanto
sentimento!
Será que Andrew e Ben vão
mesmo filmar-se num porno
gay? Isso, em “Humpday”,
é como o “McGuffin” de
Hitchcock: está ali para
distrair. Vasco Câmara
Humpday - Deu para o torto
Humpday
De Lynn Shelton,
com Mark Duplass, Joshua Leonard,
Alycia Delmore. M/16
MMMnn
Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª
Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Medeia
Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 24h; UCI
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 2: 5ª 6ª Sábado 2ª
3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20 Domingo
11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20;
Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h05, 21h30, 00h10 3ª
4ª 16h45, 19h05, 21h30, 00h10;
Se alguém, por facilidade, resumir
“Humpday” a “uma história de dois
amigos heterossexuais que resolvem
participar num filme porno gay”, o
filme que se “vê” (com a ajuda da
tradução portuguesa: “Deu para o
torto”) será algo próximo da
comédia que lança personagens aos
leões para gáudio do espectador nas
bancadas. Mas “Humpday” não é
isso, sendo que é a história de dois
heterossexuais, Ben (Mark Duplass)
e Andrew ( Joshua Leonard), que
resolvem participar num filme
porno gay.
Não se viam há muito e
(tipicamente) não podiam ser mais
diferentes: Ben está casado,
assentou, Andrew vai enviando, de
tempos a tempos, postais do seu
périplo. Um dia Andrew entra na
conjugalidade de Ben; regressa a
Ben. Tanto sentimento!
Na comunidade liberal e colorida
onde vive Ben, organiza-se um
festival de filme pornográfico. E é
assim que estes trintões liberais
querem contribuir com a sua
criatividade. Sai de Ben e Andrew o
desafio: em nome da arte, filmaremse num porno gay.
Por esta altura no filme já se
percebeu que “Humpday” não é a
comédia javarda do costume. É
demasiado tagarela. Há nestas
personagens um voluntarismo que
as torna mais próximas dos
estrategas (condenados ao falhanço,
hélas...) que são os homens e
mulheres dos filmes de Rohmer. As
personagens de “Humpday” são
menos teimosas, é verdade. São
mais doces na forma como se
interrogam, como se deixam sabotar
pelas suas certezas. Ou como se
aventuram por lugares para onde
não estão preparadas para ir – não,
não são figuras olímpicas capazes de
ultrapassar limites...
Mas tanto sentimento! Não
abunda no cinema americano actual
esta abundância – pelo menos desde
o cinema de John Cassavetes, em
que as personagens eram,
literalmente, derrubadas pelo que
sentiam. O que titila em “Humpday”
é a utopia de um desejo de fusão
– sentimental. E um olhar tão
melancólico sobre uma geração e as
suas impossibilidades...Sendo
verdade que não há aqui nenhum
Cassavetes ou Rohmer atrás da
câmara e que o filme não está
É verdade que até ao fim o espectador se pergunta: Andrew
e Ben vão mesmo fazê-lo num quarto de hotel? Mas isso, em
“Humpday”, é como o “McGuffin” de Hitchcock...
Pa
Passaram
21 anos
d
desde
que
A
Antonio
B
Banderas
p
participou
num filme
de Pedro
ReenR
een-o
contro
propriamente virado para a
transgressão (ou não é capaz dela),
Lynn Shelton está, como cineasta
(também é uma das actrizes,
interpreta Monica), totalmente
metida com as personagens. Esta
serena promiscuidade parece ser a
natureza da coisa. Ppromiscuidade é
também um dos dados deste novo
naturalismo do “indie” americano a
que chamam “mumblecore”
(algumas indicações: poucos meios,
diálogos atrás de diálogos, exposição
dos sentimentos, improvisação,
actores que também são
realizadores envolvidos nos filmes
dos amigos e envolvendo-se com os
amigos...)
É verdade que até ao fim o
espectador se pergunta: será que
Andrew e Ben vão mesmo fazê-lo
num quarto de hotel? Isso, em
“Humpday”, é como o “McGuffin”
de Hitchcock: está ali só para
distrair.
Sem desejo
Como Desenhar um Círculo
Perfeito
How to Draw a Perfect Circle
De Marco Martins,
com Rafael Morais, Joana de Verona,
Daniel Duval, Beatriz Batarda. M/16
MMnnn
Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 7: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,
21h50, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h35, 22h,
00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h50, 21h,
23h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h15,
21h, 23h50;
Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,
21h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40, 18h20,
21h10, 23h50;
“Como Desenhar um Círculo
Perfeito” dá sequência a “Alice”, o
filme com que Marco Martins se
estreou na longa-metragem. Dá
sequência, e não apenas numérica:
reconhecem-se alguns
apontamentos estilísticos e/ou
“atmosféricos” que parecem criar
uma continuidade com “Alice”. Por
exemplo, o desenho da cidade feito
de pura meteorologia invernal –
húmida, escura, cinzenta – e o modo
como os interiores (de que se diria
serem mais predominantes aqui do
que em “Alice”), preservando essas
características, não estabelecem
uma fronteira clara com os
exteriores, como se fossem eles
próprios dominados pela invernia
citadina. Evidentemente, entre o
clima e a definição psicológica das
personagens as coincidências são
tudo menos casuais, como se
também para a dramaturgia as
questões a resolver fossem, digamos,
“nórdicas”.
Nesta disposição para a bruma há
alguma singularidade em “Como
Almodóvar. Os dois vão
voltar a trabalhar juntos
em “La Piel que Habito”.
O filme, que começa a ser
rodado este Verão em
Espanha, baseia-se no
livro de Thierry Jonquet
“Tarantula”. Almodóvar
disse ao “El País” que o
filme “será de terror, mas
sem gritos ou sustos. É
difícil de definir e embora
se aproxime do género
– algo que me interessa
porque nunca fiz –, não
vou respeitar nenhuma
das regras. É o filme mais
duro que já escrevi e a
personagem de Banderas
é brutal. Um homem
que encarna o abuso do
poder mais absoluto, sem
nenhum escrúpulo”.
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200
“Como Desenhar...”
revela incapacidade
para encontrar
a intensidade à altura
da profundidade
psicológica
que quer exprimir
Sexta, 07
Bulle Ogier, Ricardo Trepa. 68 min.
M12.
Desapareceu Um dos Nossos
Aviões
One of Our Aircraft Is Missing
De Michael Powell, Emeric
Pressburger. Com Godfrey Tearle,
Eric Portman, Hugh Williams. 106
min. M12.
19h - Sala Félix Ribeiro
15h30 - Sala Félix Ribeiro
To Sir, with Love II
De Peter Bogdanovich. Com Sidney
Poitier, Christian Payton, Dana
Eskelson. 92 min.
19h - Sala Félix Ribeiro
Desenhar um Círculo Perfeito”, a
mesma que havia em “Alice”. Mas
“Alice” tinha, porventura, uma
narrativa mais coesa, ou pelo menos
um centro narrativo mais forte.
“Como Desenhar…” tem uma
estrutura mais vaga, ainda que
plenamente determinada – pois se o
filme mostra, de facto, “como
desenhar um círculo perfeito”, a
perfeição circular é a figura que mais
se ajusta à evolução e ao desenlace
do principal eixo da narrativa (a
história dos dois irmãos). Narrativa
de passagem (à idade adulta) e de
descoberta, “Como Desenhar…”
joga-se sobretudo na cabeça das
personagens, em particular na do
adolescente protagonista e na
relação com os outros –
especialmente a irmã e o pai (que,
interpretado pelo granítico Daniel
Duval, actor de Garrel e de Haneke,
é a presença mais forte do filme). É
aí que “Como Desenhar” revela
alguma incapacidade para, além de
uma ideia de atmosfera, encontrar a
intensidade – a intensidade
narrativa, mas também a
intensidade visual: as imagens, os
planos – que esteja à altura da
profundidade psicológica que
parece querer exprimir.
Fica-se com a ideia de um filme
controlado, até demasiado
controlado, que espera até ao fim
por um momento libertador, por um
gesto que o rasgue, que vire do
avesso o seu torpor descritivo, que
faça aparecer um desejo – não “o
desejo”, nem um desejo qualquer,
mas o desejo do próprio filme.
2ª 13h45, 16h25, 19h10, 21h55, 00h35 3ª 4ª 16h25,
19h10, 21h55, 00h35;
Muita curiosidade girava à volta da
estreia de “A Religiosa Portuguesa”
de Eugène Green, talvez devido à
atávica mania lusitana de que os
nossos mitos e paisagens interiores
ganham novas e mais ricas
dimensões quando percepcionadas
de fora. Foi assim com “A Cidade
Branca” de Alain Tanner, com
“Lisbon Story” de Wim Wenders,
com os romances de António
Tabucchi (e respectivas adaptações
cinematográficas), para nomear
apenas uns poucos exemplos. Ora,
desta vez a almejada montanha
pariu um minúsculo rato: desde as
primeiras imagens nos apercebemos
que estamos confrontados com uma
sequência descontrolada de bilhetespostais ilustrados de Lisboa, sem
tom nem som, presos a um fascínio
aleatório da imagem, mas esvaziados
de formas, jogados como
estereótipos para cima da tela.
A estratégia de um cinema autoreflexivo, embora pareça
acrescentar mais-valias, possui
riscos graves, capazes de
desencadear um perverso
mecanismo de distanciamento
destrutivo: a ideia de transpor a
história da suposta freira de Beja,
Sóror Mariana Alcoforado,
ficcionada por um exotismo francês
do século XVII, para um processo de
filmagens na Lisboa moderna, com
actores que macaqueiam os estados
de alma (e os seus próprios
problemas metafísicos e outros de
Somewhere in Between +
Magnetic Cinema
De Pierre Coulibeuf. 70 min.
19h30 - Sala Luís de Pina
Ninguém Sabe
Dare mo Shiranai
Nobody Knows
De Hirokazu Koreeda. Com Yûya
Yagira, Ayu Kitaura, Hiei Kimura. 141
min. M12.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
22h - Sala Luís de Pina
O Falsário
The Impostor
De Julien Duvivier. Com Jean Gabin,
Richard Whorf, Ellen Drew. 92 min.
Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª
13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª
13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 00h15; UCI
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª
3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Domingo
11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; ZON
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 14h, 17h, 21h35, 00h25;
Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo
21h30 - Sala Félix Ribeiro
No Quarto da Vanda
De Pedro Costa. Com Lena Duarte,
Vanda Duarte, Zita Duarte . 179 min.
M16.
22h - Sala Luís de Pina
Quarta, 12
O Extravagante Sr. Ruggles
Ruggles of Red Gap
De Leo McCarey. Com Charles
Laughton, Charles Ruggles, Mary
Boland. 91 min. M12.
Do Outro Lado
Auf der Anderen Seite
De Fatih Akin. Com Baki Davrak,
Tuncel Kurtiz, Nurgül Yesilçay. 122
min. M12.
A Barreira Invisível
The Thin Red Line
15h30 - Sala Félix Ribeiro
A Loira Explosiva
Will Sucess Spoil Rock Hunter?
De Frank Tashlin. Com Jayne
Mansfield, Betsy Drake, Tony
Randall. 95 min. M12.
19h - Sala Félix Ribeiro
Crise
Kris
De Ingmar Bergman. Com Dagny
Lind, Stig Olin, Allan Bohlin,
Marianne Lofgren. 88 min. M16.
19h30 - Sala Luís de Pina
Teorema + O Noivo, a Actriz e o
Proxeneta
De Pier Paolo Pasolini. Com Massimo
Girotti, Silvana Mangano, Terence
Stamp. 95 min. M16.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Segunda, 10
0
O Vale era Verde
e
How Green Was My Valley
De John Ford. Com
m Anna
Lee, Maureen O Hara,
Walter Pidgeon.
118 min. M12.
A
Quando Passam as Cegonhas
Letjat Zhuravli
De Mikhail Kalatozov. Com Aleksei
Batalov, Tatyana Samojlova, Vasili
Merkuryev. 97 min.
19h – Sala Félix Ribeiro
Sábado, 08
22h - Sala Luís de Pina
A Religiosa Portuguesa
De Eugène Green,
com Leonor Baldaque, Francisco
Mozos, Diogo Dória. M/12
19h30 - Sala Luís de Pina
15h30 - Sala Félix Ribeiro
Correspondances + Les Signes +
Le Nom Du Feu
De Eugène Green. Com François
Rivière, Delphine Hecquet, Christelle
Prot.
O Monte dos Vendavais
Abismos de Pasión
sión
De Luis Buñuel. Com
om Irasema Dilián,
a Prado. 90 min.
Jorge Mistral, Lilia
O fado é que instrói?
Os Treze
Trinadtsat
De Mikhail Romm. 90 min.
De Terrence Malick. Com George
Clooney, Nick Nolte, Sean Penn. 170
min. M16.
21h30 - Sala Félix Ribeiro
Welcome
De Philippe
Lioret. Com
Vincent
Lindon, Firat
Ayverdi,
Audrey
Audrey Dana.
1110
10 min. M12.
22h - Sala Luís de
Pina
15h30 - Sala Félix Ribeiro
o
Belle Toujours
De Manoel de Oliveira.
veira.
Com Michel Piccoli,
li,
Uma caricatura?
“Belle Toujours”
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 43
Cinema
relevância contemporânea) das
personagens, revela-se de uma
inutilidade confrangedora e encaixa
num patético sonambulismo que
pouco acrescenta seja ao que for.
Uma actriz luso-francesa, como
convém (Mónica Baldaque, em
registo de zombie, como se quisesse
citar Oliveira e o mundo oliveiriano
se reduzisse àquele olhar oco para a
câmara), chega à Albergaria da
Senhora do Monte, visivelmente
escolhida para iniciar um catálogo
de miradouros sobre a cidade,
debita sem convicção nem tom, de
olhos esbugalhados, os mais
inacreditáveis diálogos de que nos
recordamos e prepara-se para rodar,
sob a batuta de um realizador
internacional (Eugène Green, ele
próprio), uma versão congelada dos
amores descabelados da religiosa do
título.
Por aqui, não viria grande mal ao
mundo das letras, nem pelo facto de
Lisboa não funcionar como o lugar
histórico ideal, nem pelo travesti
descontextualizado de um barroco
de pacotilha, uma vez que o texto
44 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
As estrelas do público
Jorge
Mourinha
Luís M.
Oliveira
Mário
J. Torres
Vasco
Câmara
Aquário
mmmmn
nnnnn
nnnnn
mmnnn
Como desenhar um círculo perfeito
mnnnn
mmnnn
nnnnn
mnnnn
Ervas Daninhas
nnnnn
mmmnn
mmmmm
mmmmn
Eu Amo-te Philip Morris
mmnnn
nnnnn
mmnnn
mmnnn
Fantasia Lusitana
mmmnn
mmmnn
mmmmn
mmmnn
Greenberg
mmmmn
mmmnn
nnnnn
nnnnn
Humpday
mmmnn
nnnnn
nnnnn
mmmnn
Líbano
mmmmn
nnnnn
nnnnn
mmmmn
9
mmmnn
nnnnn
nnnnn
nnnnn
A Religiosa Portuguesa
A
nnnnn
A
mnnnn
original se reveste de características
obviamente mistificadoras. O caldo
começa a entornar-se quando as
ideias feitas de uma Lisboa turística,
composta de luzinhas tremeluzentes
e da acumulação de monumentos a
granel (das ruínas do convento do
Carmo à Torre de Belém, da Alfama
das escadinhas de Santo Estêvão à
ermida da Senhora do Monte)
descamba para a fancaria de um
imaginário possidónio de guia para
deslumbrado visitante francês (ou
de qualquer outra origem, tanto faz),
deambulando sem Norte (nem Sul)
por painéis de azulejos (por acaso
quase todos do século XVIII), que
servem de fundo a telediscos de
Fados – o fado podia lá faltar nesta
concepção de um Portugal folclórico
– cantados por Camané e Aldina
Duarte, o melhor do filme, embora
com função decorativa.
Não contente com tal disparate
acumulativo, “A Religiosa
Portuguesa” não resiste a inscrever
na ficção dentro da ficção (dentro da
ficção) um Duque (ou é Conde?) de
Viseu, suicidário, entregue a Diogo
Dória (irónico ou a levar-se a sério?)
que se diz originário de um romance
russo (dá para acreditar?), pretexto
para invocar os fantasmas do 25 de
Abril (claro que o 25 de Abril não
podia faltar), de olho em alvo e
habitando um palácio, também ele
fantasmático à luz de velas. Mas, se
julgam que os amorosos romances
reflectores da actriz-freira se ficam
por aqui, desenganem-se, pois o
melhor está para vir: envolve-se,
como também é de cartilha, com o
actor francês com quem contracena,
feliz no casamento mas a precisar de
estímulos sexuais, e descobre numa
discoteca um jovem de impecável
cachecol branco que toma pela
reencarnação de D. Sebastião (claro
que faltava o D. Sebastião!),
“tornado heterossexual” por séculos
de espera (não estamos a inventar,
faz parte integrante dos mimosos
diálogos), voltando a encontrá-lo por
acaso em Alfama, quando faz as
“démarches” para adoptar o
rapazinho órfão que encontrara
num dos primeiros planos do filme.
Este episódio proletário serve ainda
para expor uma das maiores actrizes
do cinema português, Beatriz
Batarda, brilhante como sempre,
numa rábula inconsequente, e para
mostrar os azulejos da interior da
casa, caricatura (haverá alguma
coisa no filme que não funcione em
registo de caricatura?) dos azulejos
barrocos das capelas e das
sequências fadistas, numa das quais
desfila a equipa de produção, como
convém à auto-reflexividade
dominante.
Mas não é tudo: no interior da
capela, passa as noites uma
misteriosa freira (pobre Ana
Moreira, outra das remissões para o
cinema português que se pretende
“homenagear”?), uma espécie de
duplo da protagonista, com a qual
ela troca mais alguns dos
imperdíveis diálogos de recorte
metafísico, não escapando nem
sequer referências aos êxtases
místicos de Santa Teresa de Ávila e
às várias componentes do amor.
Para o final, fica o mais
inacreditável dos planos do filme,
aquele em que ondulam ao vento as
bandeiras do Benfica e do Sporting
(propositadamente encenadas ou
simplesmente revelando o “bom
gosto” da câmara inclusiva?) e não
resistimos a lembrar a frase feita,
apropriada a um filme todo feito de
clichés: “O vinho é que induca, o
fado é que instrói e quem não é do
Benfica (ou do Sporting, para o caso)
não é bom chefe de família”.
E fica-nos a dúvida ingente: tratase de uma comédia voluntária, um
irrisório, “chunga”, quase
insultuoso, olhar sobre a
portugalidade, ou comédia
involuntária, a força de tanto se
querer homenagear o cinema
português? O tom sério,
contemplativo e laudatório leva-nos
a inclinarmo-nos para a segunda,
mas lá ficam dúvidas, lá isso
ficam. Mário Jorge Torres
9
De Shane Acker,
com Christopher Plummer, Martin
Landau, John C. Reilly, Elijah Wood.
MMMnn
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h20, 18h15, 20h10, 22h,
23h50 Domingo 11h30, 14h15, 16h20, 18h15, 20h10,
22h, 23h50; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40,
19h40, 21h45, 23h50; ZON Lusomundo Amoreiras:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h20,
17h30, 19h40, 21h50, 23h50; ZON Lusomundo
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h30, 16h10, 18h50, 21h40, 23h50; ZON
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 12h55, 15h15, 17h20, 19h30, 21h40,
23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 6ª
Sábado 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 23h30; ZON
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40,
18h20, 21h40 6ª 15h40, 18h20, 21h40, 24h Sábado
13h10, 15h40, 18h20, 21h40, 24h Domingo 13h10,
15h40, 18h20, 21h40; ZON Lusomundo Oeiras
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,
15h10, 17h20, 19h30, 21h40, 00h05; ZON
Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h25, 17h30, 19h30, 21h40,
23h45; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h25, 18h, 21h,
23h30;
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 14h05, 16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25 3ª 4ª
16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25; ZON
Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h,
15h, 17h, 19h, 21h20, 24h Sábado Domingo 10h55,
13h, 15h, 17h, 19h, 21h20, 24h; ZON Lusomundo
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h40, 16h10, 19h, 21h50, 00h40; ZON Lusomundo
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10,
17h15, 19h30, 21h40, 23h50 Domingo 10h40, 13h,
15h10, 17h15, 19h30, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h,
17h10, 19h30, 21h40, 23h50 Domingo 11h, 13h, 15h,
17h10, 19h30, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo
Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20,
18h45, 21h10 6ª Sábado 13h50, 16h20, 18h45, 21h10,
23h50;
O nome do produtor de “9” não
engana quanto ao facto de este não
ser um filme de animação para
miúdos – Tim Burton, nem mais nem
menos, que se associou ao
realizador azeri Timur
Bekmambetov (“Guardiões da
Noite” e “Procurado”) para
apadrinhar a primeira longa do
animador americano Shane Acker,
“versão longa” de uma curta de
2005 nomeada para um Óscar. Mas
não se espere de “9” um
“pastiche”/“ersatz” de Burton –
apesar da presença de
colaboradores habituais do autor de
“Eduardo Mãos-de-Tesoura” (Pamela
Pettler, argumentista de “A Noiva
Cadáver”, ou o compositor Danny
Elfman), o filme de Acker é um
objecto autónomo, um equivalente
animado das distopias tecnológicas
das séries “Matrix” ou
“Exterminador Implacável”
transposto para um ambiente retrofuturista “steampunk”. Um boneco
de trapos vem a si numa cidade
destruída onde nada se mexe, a não
ser outros como ele e uma
misteriosa “besta” mecânica, únicos
sobreviventes de uma guerra sem
quartel entre a extinta raça humana
e um cérebro electrónico que,
inadvertidamente, acaba de ser
reacordado. Não convém deixaremse enganar pelo aspecto “fofinho”
dos bonecos de trapos, nove ao
todo, cada um deles reproduzindo
uma faceta emocional do seu
criador, com as vozes entregues a
Elijah Wood, Jennifer Connelly,
Christopher Plummer, John C. Reilly
ou Martin Landau. A intensidade da
acção coloca “9” muito mais do lado
da ficção científica ou do fantástico
adultos, lança o filme para uma
bizarra “terra de ninguém”
demasiado madura para os miúdos e
insuficientemente sólida para os
graúdos. Mas isso não pode servir de
desculpa para menorizar a pequena
surpresa que este filme constitui,
pela invenção visual de que faz
prova, pela adequação entre estilo,
concepção e história, pela ousadia
de propor um objecto
deliberadamente fora das fronteiras
tradicionais do que deve ser uma
animação. J.M.
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Projecto
Um
to
contracto
entre a
al
Universal
bro,
e a Hasbro,
a
empresa
ra
produtora
de jogos de tabuleiro,
vai permitir que seis
realizadores desenvolvam
Gore Verbinski (Cluedo),
Peter Berg (Touché),
Kevin Lima (Candy Land)
e Michael Bay (Ouija).
Ainda não é conhecida
a data de lançamento de
nenhum dos filmes.
proj
pr
ojectos
projectos
i
cos
cinematográfi
baseados em jogos de
sociedade Já foram
sociedade.
divulgados os nomes
dos cineastas e os jogos:
Ridley Scott (Monopólio),
Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt
Cine-Teatro S. Pedro
Largo S. Pedro- Abrantes
“Greenberg”: uma carta de amor a Los Angeles
Ágora
De Alejandro Amenabar, 2009, M/12
12/5, 21.30h
Cinema Teixeira de
Pascoaes
Centro Comercial Santa Luzia - Amarante
Indie Lisboa – Filmes Premiados
7/5, 21.30h
My Childhood + My Ain’ Folk
De Bill Douglas, 1972 e 1973 8/5, 21.30h
Rua da PSP - Faro
Um dia de cada vez
De Mike Leigh, 2008, M/12
10/5, 21.30h
Casa das Artes de Vila
Nova de Famalicão
Parque de Sinçães – Famalicão
Estrela Cintilante
De Jane Campion, 2009, M/12
21.30h - Pequeno Auditório
Rua Diog
Diogo Cão, 8 – Évora
Continuam
Greenberg
De Noah Baumbach,
com Ben Stiller, Greta Gerwig, Jennifer
Jason Leigh. M/12
MMMMn
Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª
Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª
3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 24h Domingo
11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 24h; ZON
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h40, 24h; ZON
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h40, 21h05,
23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 12h45, 15h25, 18h15, 21h35, 00h10
4ª 12h45, 15h25, 18h15, 00h10; ZON Lusomundo
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
12h55, 15h25, 18h, 21h05, 23h40;
Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 14h10, 16h45, 19h15, 21h50, 00h30 3ª 4ª 16h45,
19h15, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
12h30, 17h50, 21h20;
Um neurótico quarentão que nunca
fez a transição para o mundo adulto
aterra em Los Angeles para passar
algumas semanas em casa do irmão
e embarca num romance
desastrado com a governanta –
posto desta maneira, “Greenberg” é
uma comédia romântica, só que
não é bem comédia e é ainda menos
romântica. O neurótico é Ben Stiller
forçando a sua imagem pública ao
limite, personagem quezilenta,
narcisista e misantropa, a
governanta, gémeo inseguro e sem
rumo de Stiller, é a encantadora
Greta Gerwig, revelação deste filme
inteligente e desconfortável sobre
gente à procura de si própria sem o
saber. Mistura da flânerie curiosa de
Eric Rohmer, dos novos hipernaturalistas do movimento
independente “mumblecore” e do
cinema americano da década de
1970, “Greenberg” é também
uma enorme carta de amor a Los
Angeles e um dos melhores
filmes americanos dos últimos
anos. J.M.
Ruín + Canções de
Ruínas
Amor e Saúde
Amo
De M
Manuel Mozos, 2009
+ João Nicolau, 2009 12/5,
21h3
2
0
21h30
A
Auditório
do
IIPJ (Faro)
Cinema Verde Viana
X Encontros de Viana
Até 9 de Maio
Centro Cultural Vila
Flor
Um Homem Singular
De Tom Ford, 2009, M/16
13/5, 21.30h
Praça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do
Castelo
13/5,
Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães
Auditório Soror
Mariana
Precious
De Lee Daniels, 2009, M/16 9/5, 21.30h
Quatro Noites Com Anna
De Jerzy Skolimovski, 2008, M/16
9/5, 21.45h -
Pequeno Auditório
Cinemas Ria Shoping
Estrada Nacional 125, 100 - Olhão
Consultórios de Deus
De Claire Simon, 2008, M/16 11/5, 21.30h
Cine-Teatro António
Pinheiro
R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira
Consultar www.ao-norte.com
2010_x_encontros.htm
Teatro Municipal de
Vila do Conde
Av. João Canavarro - Vila do Conde
Deixa Chover
De Agnès Jaoui, 2008, M/12
9/5, 16.00h e 21.00h
Auditório do IPJ
(Viseu)
R. Dr. Arestides de Sousa Mendes, 33 - Viseu
Um homem singular
De Tom Ford, 2009, M/16 11/5, 21.45h
“Um Homem Singular “
Fantasia Lusitana
De João Canijo . M/12
MMMMn
Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de
Touros: Sala 6: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 17h50,
19h10, 21h40, 23h, 00h25 Sábado Domingo 16h15,
17h50, 19h10, 21h40, 23h, 00h25;
Porto: Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 4ª 19h;
“9”: não convém deixarem-se
enganar pelo aspecto “fofinho”
dos bonecos de trapos
Um filme todo feito de colagens de
colagens de documentários do
Estado Novo, embora com a
inteligente intromissão de uma
textualidade exterior, que os
recontextualiza de modo
contemporâneo, poderá possuir
limites evidentes, mas o resultado é
estimulante, porque Canijo entende
os materiais com que trabalha e se
apercebe da sua desgarrada
eloquência. Por isso, “Fantasia
Lusitana” ultrapassa a soma das suas
partes constituintes e traça um dos
olhares mais negros sobre o
“fascismo português” e, sem sombra
de demagogia, mostra como os anos
40, neste “jardim à beira mar
plantado”, podem funcionar
enquanto chave para entender a
nossa presente “apagada e vil
tristeza”. M.J.T.
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 45
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Quando “Zona” foi publicado em França houve
quem dissesse que há muto não se via nas letras
francesas um projecto tão desmesurado e audaz
Ficção
Viagem ao
fim da noite
Inventivo e ambicioso,
Mathias Énard compôs uma
epopeia contemporânea por
onde passa a violência da
história do século XX. José
Riço Direitinho
Zona
Mathias Énard
(traduzido por Pedro Tamen)
Dom Quixote
MMMMM
Há dois anos a “rentrée” literária
francesa foi surpreendida por um
livro ambicioso, “Zona”; houve
46 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
quem dissesse que
não se via nas letras
francesas um
projecto tão
desmesurado e
audaz desde a
publicação do
alucinado romance
de Olivier Rolin “A
Invenção do Mundo” (ASA, 1997). O
autor, Mathias Énard (n. 1972), não
era um estreante: “La Perfection du
Tir”, a história de um “sniper” na
guerra do Líbano, tinha já chamado
a atenção dos leitores e dos críticos
havia cinco anos.
“Zona” é uma récita em jeito de
confissão, uma epopeia
contemporânea que, entre outras
coisas, narra a história bélica da
Europa e do Médio-Oriente durante
o último século, mas sem nunca
perder de vista os deuses antigos e
os heróis míticos da “Íliada”, a
viagem de Ulisses, a cólera de
Aquiles e a guerra de Tróia, como
que a querer justificar o verso de
Apollinaire no poema homónimo: “À
la fin tu es las de ce monde ancien”.
O romance é uma espécie de fresco
que se vai completando, de
palimpsesto erudito composto por
24 partes (mais uma vez, à
semelhança dos 24 Cantos da
“Ilíada”) onde se juntam de maneira
inventiva a história antiga e a
contemporânea, a literatura, a
geografia, a ciência das armas e a
arte da guerra, e ainda reflexões
sobre o amor e as contradições da
natureza humana, tudo isto numa
única frase de mais de 400 páginas
– interrompida poucas vezes para
nela se intrometer uma história
pungente de dois amantes libaneses
– e em que a pontuação (vírgulas)
apenas serve para marcar o ritmo,
que vai sofrendo alterações.
Toda a narração é feita durante a
viagem de um comboio nocturno
que atravessa parte de Itália, entre
Milão e Roma. O viajante, a caminho
do “fim do mundo” como um Ulisses
moderno a caminho da redenção, é
um agente dos serviços secretos,
“homem da sombra”, na sua última
missão: entregar em Roma, a um
representante papal, uma maleta
(qual caixa de Pandora!) com as
informações coligidas durante os
últimos anos sobre terroristas;
receber uma importante maquia de
dinheiro, e “desaparecer mais ou
menos definitivamente”. Francis
Servain Mirkovi, o narradorconfessor que viaja sob o falso nome
Yvan Deroy, é um franco-croata com
um passado de militante na extremadireita, antes de fazer “todas as
preparações militares possíveis” e
de combater em sucessivas guerras
na ex-Jugoslávia, “pela Croácia livre
e independente, e depois pela
Herzegovina livre e independente e
finalmente pela Bósnia croata livre e
independente”. Depois torna-se
agente secreto a trabalhar na “Zona”
(o Médio-Oriente, da Argélia ao
Egipto, passando pelo Líbano, Síria e
Israel). Nos intervalos das missões,
dá largas à sua imoderada paixão
pelo álcool sempre pontuada por
sucessivas histórias com mulheres. É
em Alexandria, “um belo sítio para
esperar pelo fim do mundo
comendo peixe frito sob um grande
Sol de Inverno aninhado no céu
limpo pelo vento”, que se encontra
com Marianne, a primeira das três
mulheres que surgem de maneira
recorrente nas suas memórias. E
também a encontra em Veneza,
onde num bar conhece um
misterioso sírio que “era muito
religioso, rezava, jejuava e nunca
bebia do álcool que servia aos
clientes, o seu fraco eram as
raparigas, sobretudo as putas, coisa
que ele justificava dizendo que o
Profeta tivera cem mulheres”.
Énard vai-se servindo da violência
da história do século XX (da
Primeira Guerra Mundial, à Guerra
Civil de Espanha, aos campos de
concentração nazis, à guerra do
Líbano, e mais recentemente às
guerras nos Balcãs) para fazer uma
erudita reflexão literária (onde não
faltam as vozes modernas de Ezra
Pound, Céline, Conrad, Genet ou W.
G. Sebald, entre outras) sobre a
complexidade das contradições da
natureza humana e da
“aleatoriedade” da História, que é
sempre escrita pelos vencedores.
Neste sentido, o narrador, que
também terá a sua conta de “crimes
contra a Humanidade”, não poderia
de deixar de ir a Haia, num dos seus
intervalos entre missões (depois de
um derradeiro copo bebido num bar
a olhar o pôr-do-sol em Jerusalém),
assistir incógnito ao julgamento de
um general bósnio no Tribunal Penal
Internacional, onde os juízes
procuram averiguar, à luz do Direito
Internacional, “em que momento
uma bala na cabeça era legítima e
em que momento constituía uma
grave infracção ao direito e aos
costumes da guerra”.
De facto, “tudo é mais difícil
Edição
ção
O novo
livro do jornalista e
quando se é homem feito” (frase
recorrente no romance), mas a
possibilidade de redenção nunca
nos abandona, ao contrário dos
deuses, nem que seja num comboio
para o fim do mundo. Numa viagem
ao fim da noite.
Vidas sem
futuro
No ano em que se
completam 60 anos da
publicação original, nova
tradução de uma das obras
mais importantes do século
XX. Eduardo Pitta
O Coração é um Caçador Solitário
Carson McCullers
(Trad. Marta Mendonça)
Presença
MMMMM
Se tivermos de citar
ícones da literatura,
a escritora
americana Carson
McCullers (19171967) tem lugar
cativo na primeira
meia dúzia. O livro
de estreia, “O
Coração é um Caçador Solitário”,
publicado em 1940, não foi um fogo
fátuo. Obras posteriores, como
“Reflections in a Golden Eye”,
romance de 1941, ou os contos
reunidos em “The Ballad of the Sad
Café” (1951), para só citar algumas
das que o cinema popularizou,
confirmaram o fôlego desta mulher
que fala de desolação e esperança
sem beliscar a tessitura da voz.
Em Portugal, “The Heart is a
Lonely Hunter” foi traduzido em
1958, nada menos que por José
Rodrigues Miguéis, com o título
“Coração Solitário Caçador”. Agora,
Marta Mendonça fez nova tradução,
alinhando o título português com o
das edições brasileiras. No ano em
que se completam 60 anos da
publicação original, é importante
que esta reedição tenha sido feita.
Tudo se passa numa cidadezinha
da Geórgia, durante a Grande
Depressão (a recessão económica
dos anos 1930). A história é contada
a partir do ponto de vista das
diferentes personagens: John Singer,
judeu surdo-mudo, confidente dos
outros todos; Mick Kelly, adolescente
de 14 anos que gosta de Beethoven;
Jake Blount, agitador “marxista” em
permanente estado de embriaguês;
Biff Brannon, dono do New York
Café; Benedict Copeland, médico
negro em luta com a injustiça e as
humilhações do racismo (ao
contrário dos quatro filhos). Não foi
por acaso que a autora centrou o
historiador
t
historiador
José
Milhazes, “Samora
Machel – Atentado ou
Acidente?” cruza três
Acidente?”,
“plot” na Geórgia, o Estado que a viu
nascer. Na cultura americana, o Sul
foi sempre o território
idiossincrático por excelência.
Lendo Eudora Welty, Truman
Capote, Flannery O’Connor e outros,
percebemos porquê. McCullers tem
a seu favor uma inesperada
humanidade que dispensa o
naturalismo clássico de Welty, a bílis
de Capote e o catolicismo
apocalíptico de O’Connor. Aqui, o
“gótico sulista” sublinha a
inescapável e geral
incomunicabilidade.
Assim que foi publicado, “O
Coração é um Caçador Solitário” foi
rotulado de “anti-fascista”.
McCullers, então com 23 anos, vivia
já em Nova Iorque, onde frequentava
com dificuldade a Julliard School of
Music e um curso de escrita criativa
em Columbia. A rapariga frágil cuja
débil saúde impedira de prosseguir
estudos, estava prestes a divorciar-se
de Reeves McCullers quando
surpreendeu toda a gente com esse
violento libelo (escrito antes dos vinte
anos) contra o modo de vida sulista.
Na realidade, é mais uma polifonia a
cinco vozes que um libelo. Num
ápice, a autora tornou-se famosa. E
depressa engrossou o número de
membros da comuna de Brooklyn
Heights que abrigava Erika Mann,
com quem teve uma relação
amorosa, W. H. Auden, Benjamin
Britten, Peter Pears, Gipsy Rose Lee,
Jane e Paul Bowles.
Relato do quotidiano dos
desapossados do Dustbowl,
McCullers ilumina com pudor e
sensibilidade essas vidas sem futuro.
A ligação de natureza homossexual
entre Singer e o grego Antonapoulos
é descrita com subtileza. No dia em
que Antonapoulos vai para o
hospício, por decisão de um primo
que não queria “problemas”, a vida
de Singer muda. A cena em que os
dois (ambos mudos) por fim se
reencontram, é de antologia:
“Antonapoulos! Assim que entraram
na enfermaria, Singer avistou logo o
amigo. [...] Vestia um roupão
vermelho e um pijama de seda
verde. [...] A exuberância da
indumentária de Antonapoulos
deixou-o perplexo. Enviara-lhe
aquelas peças de roupa em ocasiões
separadas, sem a intenção de que
fossem usadas em simultâneo. [...]
Singer ergueu timidamente as mãos
e começou a falar. Os seus dedos
fortes e experientes deram forma às
palavras com uma precisão delicada.
[...] Os seus gestos eram cada vez
mais rápidos. Antonapoulos acenava
com a cabeça, devagar.
Entusiasmado, Singer aproximou-se
mais, respirou fundo e os seus olhos
estavam cheios de lágrimas.”
O dinheiro (melhor dito: a falta
dele) é o móbil da intriga. Os
protagonistas têm duas coisas: fome
e dívidas. À doença reservam
parcimónia: “o médico extraiu-lhe
um tumor do tamanho de um
fo
fontes
soviéticas e
c
conclui que o avião onde
s
seguia o Presidente de
Moçambique em 19 de
Outubro de 1986 caiu
po desleixo da tripulação
por
e não por ser alvo de
at
atentado.
A partir de hoje
na livrarias.
nas
Carson McCullers: uma desenraizada na sua própria terra
recém-nascido.” O horizonte é de
chumbo. McCullers dá vida a
personagens que podem parecer
excessivas no traço grosso do
retrato, como sucede com Portia, a
filha do médico: “Eu cá não sou
mulher de grandes alaridos. Faço
parte da Igreja Presbiteriana e nós
não costumamos atirar-nos pró chão
[...] nem chafurdamos todos juntos.”
O desamparo comum mantém as
suas vidas em equilíbrio.
É difícil esquecer a mulher que
está por trás deste livro. Carson
McCullers foi uma desenraizada na
sua própria terra, a doença minou-a
desde cedo (morreu hemiplégica),
viveu dependente do álcool, tentou
o suicídio, casou duas vezes com o
mesmo homem (Reeves era
bissexual; em 1953, suicidou-se em
Paris, onde o casal vivia) e manteve
várias ligações lésbicas. Deixou uma
obra impressiva, onde se destaca “O
Coração é um Caçador Solitário”.
Não por acaso, nos últimos 60 anos,
todas as listas incluem o livro entre
as obras mais importantes
do século XX.
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 47
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Ciberescritas
Poesia
possivelmente a melhor estreia de
uma poeta portuguesa desde “Um
Jogo Bastante Perigoso” (Adília
Lopes, 1985).
A escritora assume a “condição
feminina” em praticamente todos os
poemas. Especialmente a condição
feminina portuguesa. Os textos têm
ecos da “Menina e Moça”, donzelas
A melhor estreia de uma
prendadas do Estado Novo, raparigas
poeta portuguesa nas
que ficavam em casa enquanto os
últimas décadas. Pedro
homens tratavam da política, esposas
dedicadas, irmãs pacientes, freiras
Mexia
sofridas, legiões compulsoriamente
dóceis, pacientes, esperando,
Mulher ao Mar
costurando, virgens e putas,
Margarida Vale de Gato
degredadas filhas de Eva.
Mariposa Azual
Em vez de “homem ao mar” gritase “mulher ao mar” nestes poemas,
MMMMM
e não é a mesma coisa. Eis o poema
que dá título ao livro: “MAYDAY
Margarida Vale de
lanço, porque a guerra dura / e está
Gato (n. 1973) é
vazio o vaso em que parti / e cede
uma das nossas
ao fundo onde a vaga fura, / suga a
melhores
fissura, uma falta – não / um tarro
tradutoras, como
de cortiça que vogasse; / especifico:
se comprova
é terracota e fractura, / e eu sou
lendo as suas
esparsa, e a liquidez maciça. /
versões de Lewis
Tarde, sei, será, se vier socorro: / se
Carroll, Christina
transluz pouco ao escuro este sinal,
Rossetti, Wilde, Yeats, Melville,
/ e a água não prevê qualquer
James, Char, Michaux, Sarraute,
escritura / se jazo aqui:
Dickens ou Poe. Há muito que
aq rasura
apenas, branda / a costura,
fará a
também publica poemas em
co
onda em ponto / lento
revistas, mas só agora editou a
len um manto
sobre o afogamento” (pág. 8). A
primeira colectânea. A espera valeu
mulher destes poemas,
que é
a pena, pois
poem
arquétipo mas também
“Mulher ao
també sujeito
concreto e vivido, herda
toda uma
Mar” é
he
carga cultural, e procura
uma
pro
linguagem em que encontre
a sua
en
autonomia. O “eu” d
destes poemas é
rigoroso e esquivo, sexual
e cultista,
s
vulnerável e orgulho
orgulhoso. Nos últimos
anos, nenhum livro de
d poemas
autobiográficos evito
evitou com tal
mestria as armadilhas
armadilha da primeira
pessoa, do cabotinismo
ao
cabotinis
prosaísmo, da trivialidade
ao
trivial
derrame sentimenta
sentimental.
A mulher que cai ao
a mar, ou se
lançou, ou a ele regr
regressou, fazendo
o caminho inverso de Vénus,
quem é? É uma
mulher
u
determinada
determina pelos seus
desejos, pela
maternidade,
pela
matern
experiência
de uma
experiê
domesticidade
domes
agreste
agrest ou azeda,
muitas
muita vezes
sarcástica:
sarcá
“Costumes
que
“Cost
frequentamos:
/o
frequ
arame
aram da loiça, os
panos
pano dos pratos,
os ganchos
e as
g
linhas
linh / do
estendal,
a vinhaeste
de-alhos,
o fogão, /
deo alguidar,
a
guardamos
os
gua
restos,
torcemos /
res
os trapos, os
Margarida Vale de Gato escreve uma poesia
nossos
recados, os
no
relacional, em constante diálogo com pessoas
nossos
sacos, / os
no
que passaram, que são passado, que não estão
nossos
ovos” (pág.
no
ultrapassadas, em geral homens que deixaram
45).
45) O livro é ao
um agudo sentimento de orfandade ou decepção.
mesmo
tempo
me
N
Isabel
Coutinho
unca mais me esqueci. Foi há anos num
colóquio em sobre Machado de Assis, em
Lisboa, que o professor de Literatura
Brasileira na Universidade Nova de Lisboa,
Abel Barros Baptista, disse que “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” era “uma obra extravagante em
qualquer parte do mundo”. Sabe-se que Machado de Assis
(1839-1908) frequentou o Real Gabinete Português de
Leitura, no Rio de Janeiro, que servia também de depósito
legal, todos os autores portugueses estavam ali
disponíveis. Aos 13 e 14 anos já por lá andava e leu aqueles
que para o professor e filólogo brasileiro Evanildo
Bechara, são “incontestavelmente os grandes mestres da
ilustração da língua”. Na impossibilidade de irmos
também passar os nossos dias no Real Gabinete Português
de Leitura podemos navegar na Internet e encontrar as
obras deste filho de um escravo mulato (pintor de tectos
de casas e igrejas) e de uma portuguesa açoriana que
passou a infância no “morro” do Livramento, no Rio do
Janeiro, mas frequentava o mundo dos ricos na “chacra”
do Livramento, a casa de Dona Maria José de Mendonça
Barroso, sua madrinha. Fez carreira como funcionário
público no Ministério da Agricultura e só depois de ter
casado, em 1869, com Carolina, uma portuguesa, culta,
mais velha do que ele, é que começou a produzir as obras
que lhe trouxeram a posteridade.
É um divertimento ler a obra de Machado de Assis em
hipertexto no “site” lançado pela Fundação Casa de Rui
Barbosa. Ainda não está disponível o famoso “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” mas já estão acessíveis os seus
primeiros romances “Ressurreição”, “A mão e a luva”,
“Helena” e “Iaiá Garcia”. De que se trata? Estamos a ler
o romance e vamos clicando nas palavras sublinhadas.
São “links” para explicações mais aprofundadas do que
ali se passa. Para entendermos tudo. Na introdução, a
investigadora Marta de Senna explica: “Nesta edição,
preparada com o cuidado
necessário para torná-la
fidedigna, o leitor poderá não
apenas desfrutar o romance
em si, mas também achar,
nas notas em forma de ‘links’,
explicações sobre todas as
citações e alusões do texto:
tanto as de natureza simbólica (autores, obras de arte,
personagens, fatos históricos referidos por Machado de
Assis), como as menções a lugares e instituições nãoficcionais (bairros e ruas da cidade do Rio de Janeiro,
lojas, teatros, cafés que as personagens machadianas
frequentam).”
Também no “site” Machado de Assis.net, lançado
pela Fundação Casa de Rui Barbosa, está disponível o
número 4 da revista electrónica de estudos machadianos,
“Machado de Assis em linha”. A revista é semestral e
esta edição tem um ensaio da tradição crítica escrito por
Lucia Miguel Pereira, pioneira dos estudos sobre o autor
no Brasil e um artigo inédito do académico Alfredo Bosi.
Para quem ainda não sabe: no Portal Domínio Público - a
biblioteca digital do Ministério da Educação brasileiro,
estão disponíveis em PDF, para serem descarregados
para o computador ou leitores de e-books, as obras
machadianas : “Ressurreição” (1872), “A Mão e a Luva”
(1874), “Helena” (1876), “Iaiá Garcia” (1878), “Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881), “Casa Velha” (1885),
“Quincas Borba” (1891), “Dom Casmurro” (1899), “Esaú e
Jacó” (1904) e “Memorial de Aires” (1908). Gratuitamente.
É um divertimento ler
a obra de Machado de
Assis em hipertexto
Machado de
Assis em linha
http:
/www.machadodeassis.net/
Na Academia
Brasileira de
Letras
http:
/www.machadodeassis.org.br/
Obra completa
em PDF
http:
/machado.mec.
gov.br
[email protected]
(Ciberescritas é um blogue
http://blogs.publico.pt/ciberescritas)
48 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
PAULA MESQUITA
Para que não restem Se vier
dúvidas
socorro
afirmação e luto, gémeos
incindíveis.
Alheia a todo o solipsismo,
Margarida Vale de Gato escreve uma
poesia relacional, em constante
diálogo com pessoas que passaram,
que são passado, que não estão
ultrapassadas, em geral homens que
deixaram um agudo sentimento de
orfandade ou decepção. A amargura
cultíssima e vagamente niilista
nunca impede momentos a que
podemos chamar “românticos”, de
entrega confiada e apaixonada. É o
caso um notável poema chamado
“Intercidades”, no qual a tristeza do
mundo e a inquietação individual é
atravessada pelo comboio que
engole eucaliptos na paisagem
portuguesa. Mas há também uma
constante queda no “bathos”
quotidiano, feito de segundas
escolhas e de quedas conscientes e
sem culpabilidade: “Foi como amor
aquilo que fizemos / ou acto tácito?
– os dois carentes / e sem manhã
sujeitos ao presente; / foi logro
aceite quando nos fodemos // Foi
circo ou cerco, gesto ou estilo / o
acto de abraçarmos? foi candura / o
termos juntos sexo com ternura /
num clima de aparato e de sigilo. //
Se virmos bem ninguém foi iludido /
de que era a coisa em si – só o
placebo / com algum excesso que
acelera a libido. // E eu, palavrosa,
injusta desconcebo / o zelo de que
nada fosse dito / e quanto quis tocar
em estado líquido” (pág. 23).
A sensação de catástrofe é
omnipresente neste conjunto, e tem
tradução numa espessura verbal
quase visceral ou quase maneirista
(mas apenas quase).O discurso é por
isso denso, propenso à surpresa
sintáctica ou vocabular, às vezes
enigmático. Os textos, no entanto,
nunca são herméticos ou
desajeitadamente subjectivos, e isso
deve-se ao domínio da linguagem e da
tradição cultural. Estes poemas são
tudo menos precipitados ou frouxos,
e talvez a estreia tardia tenha
contribuído para a notória depuração,
incomum em primeiras obras. Esse
investimento na palavra amadurecida
é acompanhado por uma espécie de
sumário civilizacional, que evoca
como aliadas artistas que
interrogaram a sua condição através
da criação. E reparem que nenhuma
delas é puro espírito, todas viveram
carnalmente, na solidão, na cama, na
maternidade, na doença. O martírio
dessas mulheres é resumido em
versos percutidos, zangados: “Se há
uma falha um abalo / Dickinson Plath
Woolf Kahlo / onde foram estavam
loucas / queriam coisas eram ocas /
queriam chique eram pedras /
queriam arte eram merdas / tentando
o voo eram estacas / punho em riste
eram farpas / fornos hortos seu
delírio / nunca foi santo martírio”
(pág. 50). É a partir dessas histórias,
contra essas histórias, que esta
mulher se lança ao mar, e assim se
salva.
Edição
ição
o
Biografia
Horror
ao poder
A vida de Eric Blair e a obra
do seu pseudónimo George
Orwell, cuja grandiosidade
se devia mais à imaginação
do que às teias ideológicas
em que se enredou. Rui
Catalão
George Orwell –
Uma biografia
política
John Newsinger
(Trad. Fernando
Gonçalves)
MMMMM
Livros & Cigarros
George Orwell
(trad. Paulo Faria)
Antígona
MMMMM
MM
MMM
M M
John Newsinger inicia o primeiro
capítulo desta biografia política,
originalmente publicada em 1999,
com uma frase que se revelará
edipiana: “Eric Blair foi um filho do
Império”. A vida de Eric Blair (19031950) e a obra do seu pseudónimo
George Orwell foram uma
caminhada até à extinção das
colónias britânicas em que nasceu e
cresceu. Quanto às suas restantes
lutas e opções políticas, perdeu ou
enganou-se em todas. Só nos últimos
anos o activista político se rendeu ao
escritor, cuja grandiosidade se devia
mais à imaginação do que às teias
ideológicas em que se enredou.
O seu anti-imperialismo teve
origem na Birmânia, onde nasceu e
foi polícia (experiência que deu
origem a “Os Dias da Birmânia” e a
um dos seus mais belos ensaios,
“Shooting an elephant”). É já na
Europa que desenvolve uma versão
politizada e comprometida daquilo a
que hoje se chama “jornalismo
literário”, com Orwell a preferir o
papel de agente infiltrado ao de
repórter:
“A ideia era escrever a partir de
dentro, acerca do modo como vivem
os pobres, mas tendo por alvo o
público da classe média. Como seria
de esperar, este projecto não estava
e
isento de problemas; as suas
incursões não passavam disso
mesmo,
entre os
m
me
smo, raids temporários en
sem-abrigo, efectuados por
alguém tão distante nas suas
su
origens e educação que mais
m
parecia de outro mundo. Este
E
exercício continha,
dimensão
inevitavelmente, uma dime
colonial: Orwell andava a explorar
exp
de
o lado negro da Inglaterra (e d
Paris), regressando depois à
exóticas
civilização com histórias exótic
para contar”.
a
Esta técnica de recolher material
mat
partir do interior da realidade
abordada foi utilizada em “Na
penúria em Paris e em Londres”
Londre
(sobre mendigos e desempregados),
desempreg
“O caminho para Wigan Pier” (sobre
os mineiros no norte de Inglaterra),
Inglat
a
“Homenagem à Catalunha” (tema
(te
que haveria de voltar no ensaio
“Recordando a guerra civil
espanhola”). Acumula-se nele o antiimperialista, o socialista, o socialistasoc
revolucionário, anti-estalinista:
anti-estalinista
“Tudo o que escrevi desde 1936
foi escrito, directa ou
indirectamente, contra
c
o totalitarismo
totalitarism e a
favor do
socialismo
socialis
democrádemo
tico”.
Para Orwell não existia literatura desligada da política
“Os Íntimos”, novo
romance de Inês
Pedrosa, será
apresenta
apresentado
no dia 10,
segunda
segundafeira,
18h30, no restaurante
do piso 7 do El Corte
Inglês, em Lisboa
(Av. António Augusto
de Aguiar, 31).
Participação especial
dos Jograis- U...Tópico.
Com o surgimento da Segunda
Guerra Mundial, vê a oportunidade
de operar-se na Inglaterra a
revolução socialista, mas aquele que
sonhava em “construir um socialista
sobre o esqueleto de um patriota
empedernido”, desenterra o
patriota em si e abdica da revolução,
que troca por um “trotskismo
literário”.
“Como explicou Orwell o fracasso
dos seus anseios revolucionários?”,
pergunta Newsinger. Na “carta de
Londres” que assina para a revista
norte-americana “Partisan Review”,
“faz um notável pedido de desculpas
pelas suas ‘muitas previsões erradas’
(...) a ideia de que a guerra e a
revolução era inseparáveis revelarase ‘um erro tremendo’”.
Com a febre revolucionária a
baixar, um analista mais ponderado
sobreveio. “À medida que as
esperanças de derrube
revolucionário do capitalismo se
desvaneciam”, escreve Newsinger,
“assim Orwell se afastava da
ideologia revolucionária”, sem
abandonar a sua “hostilidade para
com o comunismo soviético, uma
brutal tirania mascarada de
socialismo”.
“A quinta dos animais” era uma
sátira à revolução soviética “com um
sentido mais amplo”. Qualquer
“revolução conspiratória violenta
conduzida por gente
inconscientemente faminta de
poder” teria como resultado “a mera
troca de amos”; com “Mil
novecentos e oitenta e quatro”
Orwell “conseguiu fixar, com
enorme êxito, a sua particular e
sinistra visão de um regime
totalitário no imaginário popular”.
Mas “para grande surpresa dele, a
obra foi largamente apreciada
enquanto ataque ao socialismo em si
mesmo”. Orwell vê-se na obrigação
de defender o livro contra os seus...
defensores de direita! Tal como as
crianças que, na fase edipiana, não
dominam o pai e entram na fase de
latência, seria Orwell “um
conservador latente”?
Newsinger, historiador socialista,
pretende encaminhar o seu leitor
para outra questão. A recusa da
esquerda em reconhecer o que se
passava na Rússia estalinista
permitiu o uso de “Mil novecentos e
oitenta e quatro” contra a própria
ideia de socialismo. O estalinismo
“levou os melhores e mais corajosos
intelectuais, activistas e militantes
socialistas a fazerem a apologia de
uma ditadura criminosa, talhando a
respectiva actividade política à
medida dos interesses da política
externa e das ambições imperiais
dessa ditadura, e fazendo da
desonestidade política um modo de
vida para os que mantiveram o
mesmo rumo. Os danos que esta
atitude infligiu à causa socialista são
incalculáveis.”
O seu maior erro foi não ter dado
maior ênfase ao imaginário do
poder, por oposição à análise
política. Mas, para Orwell, não
existia literatura desligada da
política: “A literatura é um esforço
para influenciar o ponto de vista dos
nossos contemporâneos, registando
as nossa experiências”, escreveu em
“A prevenção da literatura”
(publicado em 1946 e incluído na
colectânea de ensaios “Livros &
Cigarros”, igualmente publicado
pela Antígona), onde também
defende que a “imaginação, à
semelhança de certos animais
selvagens, não vinga em cativeiro”.
Dos sete textos incluídos na
colectânea, cinco foram escritos
depois da Segunda Guerra Mundial e
o único que foi escrito durante alude
a memórias anteriores à Primeira
Grande Guerra! “Tenho de
reconhecer que não houve nada no
decurso da guerra que me tenha
emocionado tanto como a perda do
Titanic (…) o que mais me
impressionou foi o facto de, no
derradeiro momento, o Titanic se ter
elevado subitamente na vertical (…)
as pessoas agarradas à popa foram
erguidas no ar (…) Isto causava-me
na barriga uma impressão de
afundamento que ainda hoje consigo
sentir, ou quase. Nada do sucedido
na guerra alguma vez me causou a
mesma sensação.”
Orwell é um escritor
espantosamente vívido em imagens
subjectivas. Uma simples palavra
(margarina) basta para dar ideia do
“horrível egoísmo das crianças”,
indiferentes à guerra, mas não ao
estômago. Em “Assim morrem os
pobres”, memória de uma estadia
num hospital em Paris, um pai,
internado, e uma filha, de visita,
reencontram-se para o aguardado
gesto da “rapariga a ajoelhar junto
da cama” e “a mão do velho
pousando-lhe na cabeça”. “Em vez
disso, porém, ele limitou-se a
estender-lhe o urinol, que ela lhe
tomou prontamente das mãos e
esvaziou para dentro do
receptáculo.”
O seu olhar mordaz sobre as
riquezas da pobreza mantém intacta
a vivacidade expedita da juventude e
atinge o limite da sua maestria em
“Ah, ledos, ledos dias”, sobre os
anos de internato em Cyprian’. Nele
se revela como se molda um ser às
necessidades de um império, e
como, criando um eu alternativo,
germina uma semente de rebelião:
“uma criança aceita os códigos de
conduta que lhe apresentam,
mesmo quando os viola. Desde os
oito anos de idade, ou antes até, a
consciência do pecado nunca me
abandonou por completo. Se
procurava parecer insensível e
desafiador, tratava-se apenas de uma
fina película a cobrir uma amálgama
de vergonha e desânimo. Ao longo
de toda a minha meninice, habituoume a profunda convicção de que não
prestava, de que estava a
desperdiçar o meu tempo, a
esbanjar os meus dotes, a dar
mostras de uma monstruosa
loucura, maldade e ingratidão – e
não havia forma de escapar a isto,
parecia-me, porque vivia rodeado de
leis que eram absolutas, como a lei
da gravidade, mas a que não me era
possível obedecer.”
Fernando Gonçalves traduziu
Newsinger; Paulo Faria traduziu
Orwell. Trabalho impecável de
ambos, tal como a parte gráfica.
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 49
Pop
Encontro
de gigantes
Cesária Évora encontra
Bonga no Coliseu dos
Recreios. Mário Lopes
Cesária Évora + Bonga
Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96.
Amanhã, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 50€.
DANIEL ROCHA
Concertos
Minidigressão
o
David Viner é inglês
mas fala blues e
folk, devidamente
adaptados da terra
mãe, os Estados
Unidos. Parceiro
musical de Soledad
Brothers ou
Von Bondies,
companheiro de
digressão dos
White Stripes
Será noite de gala. E seria noite de
gala se tivéssemos apenas Cesária
Évora a apresentar o seu último
álbum, “Nha Sentimento”, que ela
pensou primeiro como colecção de
mornas mas acabou com
alinhamento com doses generosas
de coladeras, para dar um pouco de
movimento à anca (a nossa).
Acontece que não temos apenas
Cesária Évora. Afinal, o espectáculo
de amanhã no Coliseu dos Recreios
tem por título “Encontro das Vozes”.
Noite de gala, repetimos pela última
vez. Cesária Évora, nome maior da
música cabo-verdiana, encontra
e
da
Bonga, representante inigualável
in
para a
música angolana. Dia grande
gr
música lusófona.
Puxando do cliché, podemos
p
apontar que Bonga cantou
cant “Sodade”
primeiro, no impressionante
impression
“Angola 74”, álbum que com o seu
antecessor, “Angola 72”,
72”
do seu país
transformou a música d
apontando um
em ecos do passado apo
novo futuro – em som e palavra.
depois,
Cesária Évora celebrizou-a
celebriz
quando deixou de sser “apenas”
Cabo Verde
a grande voz de Ca
transformar numa
para se transform
mais
das cantoras ma
respeitadas e ccelebradas da
em 2007, Viner,
impecável classicista,
contador de histórias
irrepreensível, estará
em Portugal em
Maio para um minidigressão: dia 20 no
Teatro de Vila Real,
dia 21 no Salão Brazil
(Coimbra), e dia 22 no
Cine-Teatro Rio Maior.
chamada “world music”.
Recorrendo à objectividade:
antecipa-se noite de mornas e
coladeras, de sembas de bom
balanço e de dikanza (que não é reco
reco) a marcar o ritmo da dança.
Noite grandiosa, para resumir tudo
muito resumido.
Viagem
telúrica
Os britânicos The Unthanks
levam Braga, Espinho e
Sintra a Northumberland.
Luís Carlos Soares
The Unthanks
Braga. Theatro Circo - SalaPrincipal. Av. Liberdade,
697. Amanhã, às 23h59. Tel.: 253203800. 8€.
MUSA - Ciclo no Feminino.
Espinho. Auditório de Espinho. Rua 34, 884. Dom.,
9, às 21h30. Tel.: 227340469. 15€.
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval - Auditório
Jorge Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro. 2ª,
10, às 21h30. Tel.: 219107110. 20€ a 25€.
Há dois meses, celebrámos o
terceiro disco dos Galandum
Galundaina. Vem isto a propósito
porque, tal como os mirandeses, os
Unthanks são um colectivo que vive
na raia nordestina do país –
Inglaterra, neste caso - e têm na
etnografia da região pão para a boca
das letras das suas canções telúricas.
Novamente em paralelo aos
Galundaina, este quinteto britânico
tem andado a apresentar o terceiro
disco – a apresentação ao nosso país
passará, nos próximos três dias, por
Braga, Espinho e Sintra.
“Here’s The Tender Coming” é o
sucessor de “The Bairns” (2007),
disco que foi nomeado para melhor
álbum folk nos Mercury Music Prize
As irmãs Unthank trazem as canções
da terra do seu terceiro álbum
e entrou na lista de melhores discos
da década da “Uncut”. Perante os
elogios, os britânicos não criaram
uma fórmula. Aliás, por via da
aproximação de Becky Unthank aos
microfones domados pela irmã mais
velha, Rachel, o nome Rachel
Unthank And The Winterset deu
lugar a The Unthanks.
Num disco com um quinteto a
vaguear entre instrumentos tão
distintos como o piano, o violino, o
ukelele, o acordeão, a marimba, a
auto-harpa e até gongos chineses,
“Here’s The Tender Coming”
incorpora, pela primeira vez, o
baixo e a bateria nos arranjos
cuidados e delicados da banda. Tudo
a postos para a viagem, portanto:
vamos com as irmãs Unthank até às
paisagens do condado de
Northumberland.
Mika (menos)
efusivo
Mika
Lisboa. Praça de Touros do Campo Pequeno. Campo
Pequeno. 3ª, 11, às 22h. Tel.: 217820575. 30€ a 35€.
Parece que foi ontem. Um
hiperactivo rapaz escanzelado, com
cabelo aos caracóis, entrava-nos
pelos ouvidos a gritar, em falsete,
que podia ser de várias cores. “Grace
Kelly”, o tema que apresentou ao
mundo o anglo-libanês Mika, conta
quão difícil foi ser aceite pelas
editoras discográficas que, ávidas de
encontrar figuras icónicas como a
desaparecida actriz norte-
americana, pretendiam moldar o
seu trabalho. Após ter conseguido
vender o seu peixe a uma editora
multinacional, o ritmo efusivo do
álbum de estreia, “Life In Cartoon
Motion” (2006), espalhou as
canções de Mika por todo o lado, e o
hino “feelgood” “Relax take it easy”
tornou-se um dos temas mais
samplados de 2007, presença
assídua nas “playlists” de DJ um
pouco por todo o mundo.
Após o impacto da estreia, o
segundo álbum, “The Boy Who
Knew Too Much”, lançado no ano
passado, mostrava um Mika
menos efusivo, ainda
que não descartasse
totalmente a
jovialidade do
antecessor. Na era
dos singles, “We are
golden” é o tema
mais festejado do
disco a apresentar
neste concerto - o
segundo em
Portugal -, que
substitui uma data
cancelada por
causa da nuvem
vulcânica
procedente da
Islândia. L.C.S.
As cinzas do vulcão
islandês adiaram o concerto:
Mika tarda mas não falha
Agenda
A
genda
Pedro Jóia e Ricardo Ribeiro
Barreiro. Auditório M
Municipal Augusto
Cabrita. Estrada Fuzileiros
Fuz
Navais, às
21h30. Tel.: 212147400.
21214740 10€.
Ver texto na pág
pág. 16.
Rufus Wainwright
Wain
Lisboa. Aula Mag
Magna. Alam.
às 21h. Tel.:
Universidade, à
217967624. 32,5€
32,5 a 45€.
Gotan Pro
Project
Cesária Évora vai ter Bonga
com ela no Coliseu dos Recreios
Lisboa. Colise
Coliseu dos Recreios.
R. Portas St. A
Antão, 96, às 22h.
Tel.: 2132405
213240580. 27,5€ a 30€.
B Fachada
Facha
Portalegre Centro de Artes do
Portalegre.
Espectácu
Espectáculo - Café-Concerto.
Praça da R
Republica, 39, às
23h. Tel.: 245307498. 3€.
João Coração
C
Faro. Teatro
Te
Lethes. R.
Portugal, 58, às 21h30.
Portuga
289820300. 7€.
Tel.: 28
Norberto Lobo
Norb
Guarda. Teatro
Guard
50 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
Municipal da Guarda - Pequeno Auditório. Rua
Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.
Gotan Project
Deolinda
Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às
22h. Tel.: 223394947. 27,5€ a 32,5€.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande
Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às
22h. Tel.: 253424700. 15€.
Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das
Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 15€.
Cansei de Ser Sexy + José Cid + Os
Homens da Luta + The Doups
Rodrigo Leão & Cinema Ensemble
Lisboa. Estádio do Restelo. Av. do Restelo, às 19h. Tel.:
213032653. 10€ a 12€.
Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 de
Abril, às 22h. Tel.: 249889115. 12€.
Katia Guerreiro
Barcelos. Auditório São Bento Menni. Av. Paulo
Felisberto, às 22h. Tel.: 253808210. 10€.
Subscuta.
Deolinda
Ílhavo. Centro Cultural de Ílhavo - Auditório.
Avenida 25 de Abril, às 22h. Tel.: 234397260.
15€.
Sofia Ribeiro
Espinho. Auditório de Espinho. Rua 34,
884, às 21h30. Tel.: 227340469. 7€.
Coro Gulbenkian
Direcção Musical de Jorge Matta.
Orquestra Barroca Casa da
Música
Direcção Musical de Laurence
Cummings.
Lisboa. Igreja de São Roque. Lg. Trindade Coelho, às
21h. Tel.: 213235383. 15€.
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€.
Ciclo de Música Antiga.
Áustria 2010. Serenatas Nocturnas:
obras de Schmelzer, Biber, Muffat,
Mozart e Bach.
XXVI Semana Académica de Lisboa.
Orquestra Nacional do Porto
Direcção Musical de Martin André.
Com Piia Komsi (soprano).
Porto. Casa da Música - Sala
Suggia. Pç. Mouzinho de
Albuquerque, às 18h. Tel.:
220120220. 16€.
Obras de
Sibelius,
Tinoco,
ariaho e
Saariaho
aga Santos.
Braga
Sábado 8
A Naifa
Cartaxo. Centro Cultural do Cartaxo. Rua 5
de Outubro, às 21h30. Tel.: 243701600. 8€.
Ver texto na pág. 16.
Domingo 9
Jon Rose em Serralves
Segunda 10
Patrícia Vasconcelos
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz
- Jardim de Inverno.
rno. R. Antº Maria Cardoso
38-58, às 19h. Tel.:
el.: 213257650. 10€.
Gotan Project
oject
eus
nos Coliseus
Martin André
dirige a ONP
NELSON GARRIDO/ PÚBLICO
NE
Sexta 7
A Naifa
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Donny McCaslin abre o Ciclo
Internacional de Jazz de Oeiras
Emanuel Ax a solo
e com a Orquestra Gulbenkian,
a partir de terça-feira
Xavier Phillips vai
ao Centro Cultural de Belém
O violoncelo em
ascensão de Xavier
Phillips
Clássica
Um pianista
multifacetado
Concerto para Piano nº5
(“Imperador”), de Beethoven, e na
semana seguinte estará na Casa da
Música, no Porto, para mais um
recital a solo.
Admirado pelo seu lirismo poético
e pela sua técnica brilhante,
Emanuel Ax é detentor de um
repertório amplo, que se estende de
Bach a figuras tão diversificadas da
música do século XX como Michael
Tippett, Hans Werner Henze, Paul
Hindemith ou Astor Piazolla,
passando pelas grandes páginas do
classicismo e do romantismo.
Nascido em 1949, em Lvov (Polónia),
começou a estudar piano aos seis
anos em Varsóvia. A sua família
mudou-se em 1961 para a América
do Norte, permitindo-lhe continuar
a sua formação na prestigiada
Juilliard School de Nova Iorque.
Estreou-se em 1969, mas foi apenas a
partir de 1974 — ano em que foi o
vencedor da primeira edição do
Concurso Internacional de Piano
Arthur Rubinstein, em Telavive —
que Ax começou a sua carreira
internacional. Artista exclusivo da
editora Sony desde 1987, Emmanuel
Ax possui uma vast discografia que
inclui, por exemplo, os concertos de
Liszt, Schönberg e Brahms, tangos
de Astor Piazzolla, sonatas para
piano de Haydn (distinguidas com
um Grammy), o Concerto para Piano
“Century Rolls”, de John Adams, ou
“Red Silk Dance” de Bright Sheng.
Apresentou-se também numerosas
vezes em quarteto com o falecido
Isaac Stern, Jaime Laredo e Yo-Yo Ma
— uma frutuosa colaboração da qual
resultaram também várias discos na
Sony, com obras de Brahms, Fauré,
Beethoven, Schumann e Mozart.
Emanuel Ax traz à
Gulbenkian um aliciante
programa dedicado às
Sonatas de Beethoven
e Schubert.
Cristina Fernandes
Emanuel Ax
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian
- Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 3ª, 11,
às 19h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.
Ciclo de Piano.
Obras de Beethoven e Schubert.
Emanuel Ax e Orquestra
Gulbenkian
Direcção Musical de Bernhard Klee.
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian
- Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 5ª, 13,
às 21h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€.
Obras de Beethoven,
Webern e Haydn.
Para a sua actuação no Ciclo
de Piano da Fundação
Gulbenkian no próximo dia 11,
Emanuel Ax escolheu um
aliciante programa centrado
nas Sonatas de Beethoven e
Schubert, ilustrativo de
diferentes períodos criativos
destes compositores. De
Beethoven interpreta as Sonatas
op. 2, nº3, e op.81a (“Les
Adieux”), e de Schubert as Sonatas
op. 42 e op. 120. O pianista polaco
apresenta também nos dias 13 e 14,
com a Orquestra Gulbenkian, o
Orquestra Metropolitana
de Lisboa
Direcção Musical de Mark Stringer.
Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande
Auditório. Praça do Império. Dom., 9, às 17h.
Tel.: 213612400. 5€ a 15€.
Obras de Beethoven,
Schostakovich e Schubert.
Antigo aluno de Paul Tortelier e de
Mstislav Rostropovitch, dois gigantes
do violoncelo do século XX, o jovem
instrumentista francês Xavier
Phillips (n. 1971) tem desenvolvido
nos últimos uma bem sucedida
carreira internacional, que inclui
vários prêmios da crítica
discográfica. Em paralelo com
recitais a solo, tem tocado com
orquestras europeias e americanas
como a Orquestra de Paris, a
Orquestra Nacional de França, a
Filarmónica de Nova Iorque e as
Sinfónicas de Berlim, Chicago,
Houston, Seattle e Bamberg, entre
outras. A sua gravação dedicada à
música de câmara de Alberic
Magnard foi distinguida com o
“Grand Prix du Disque” e o seu disco
com o pianista turco Hüseyin
Sermet, dedicado às Sonatas de
Schnittke, Chostakovitch e
Prokofiev, recebeu um “Choc” na
revista “Le Monde de la Musique”.
Registou ainda com sucesso o
Concerto para Violoncelo, de Lalo, e
um CD dedicado a Kodaly com JeanMarc Phillips-Varjabédian.
No próximo domingo, Xavier
Phillips apresenta-se no Centro
Cultural de Belém com a Orquestra
Metropolitana de Lisboa na
interpretação do Concerto para
Violoncelo nº1, op. 107, de
Chostakovich. O programa, dirigido
Quinta 13
PerKool Quartet
Vashti Bunyan + B Fachada
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de
Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém
A, às 22h. Tel.: 218820890. 12 €.
Matosinhos em Jazz 2010 - Festival
Internacional de Jazz de Matosinhos.
Obras de Mário Laginha, FustéLambezat, Carlos Azevedo.
Ver texto na pág. 12.
A Silent Film
Patrícia Vasconcelos
A Naifa
Lisboa. Aula Magna. Alam. Universidade, às 21h30.
Tel.: 217967624. 19€ a 24€.
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de
Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 19h. Tel.:
213257650. 10€.
Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras
- EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 12€.
Sofia Ribeiro Quarteto
Ver texto na pág. 16.
Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das
Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€.
Porto. Auditório de Serralves. Rua Dom João
o de
Castro, 210, às 22h. Tel.: 226156500. 3,75€ a 7,5€.
Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida
Serpa Pinto, às 21h30. Tel.: 229392320. Entrada
gratuita.
inhos
Orquestra de Jazz de Matosinhos
Di
evedo,,
Direcção Musical de Carlos Azevedo,
tro
Caldas da Rainha. Centro
Cultural e Congressos - Grande
Auditório. Rua Doutor Leonel
Sotto Mayor, às 21h30. Tel.:
262889650. 5€ a 10€.
Ricardo Ribeiro
oO
junta-se a Pedro
dro Jóia O
RUI GAUDÊNCIO
Sofia Ribeiro
Quatro diferentes visões do
jazz actual na edição 2010
do Ciclo Internacional de
Jazz de Oeiras.
Rodrigo Amado
Som da Surpresa 2010
Com Donny McCaslin Trio (hoje),
Don Byron Ivey Divey Trio
(amanhã), Edward Simon Trio (dia
21) e Jamie Baum Septet (dia 22).
Oeiras. Auditório Municipal Eunice Muñoz. Rua
Mestre de Aviz. Hoje e amanhã, às 22h. Tel.:
214408411. 7,5€.
Começa hoje a edição 2010 do Som
da Surpresa, Ciclo Internacional de
Leça da Palmeira. Exponor, às 21h30. Tel.:
229981300. 10€.
Ciclo Documente-se! 2010. “Violino
olino
Escravo - a true story of a slave
violinist”.
Matosinhos em Jazz 2010 - Festival
Internacional de Jazz de Matosinhos.
Donny
McCaslin
e outras
surpresas
RITA CARMO
Jon Rose
Biel Ballester Trio
Jazz
Jazz de Oeiras, com as honras de
abertura a caberem ao trio de Donny
McCaslin, um saxofonista que tem
construido uma percurso brilhante e
que se tornou um dos solistas mais
requisitados da actualidade.
Colaborações com a Big Band de
Maria Schneider ou o quinteto de
Dave Douglas, entre muitos outros,
transformaram um relativo
academismo de início de carreira
numa poderosa versatilidade
musical. Com ele, estarão em palco
Scott Colley (contrabaixo) e Antonio
Sanchez (bateria).
Amanhã, sábado, é a vez do trio
Ivey Divey, do clarinetista e (agora)
saxofonista Don Byron, um dos
notáveis sobreviventes da geração
Knitting Factory. Considerado um
dos grandes mestres do clarinete
jazz, Byron combina elementos tão
diversos como o klezmer, o funk, o
hip-hop ou o blues, para destilar um
estilo profundamente pessoal que,
aqui, presta homenagem a Lester
Young. De destacar ainda a presença
de Uri Caine, no piano.
No fim-de-semana seguinte, é a vez
de subir ao palco o trio de Edward
Simon, pianista de origem
venezuelana que tem vindo a
conquistar uma crescente, e
merecida, notoriedade. Integrando
actualmente os SF Jazz Collective,
Simon brilha particularmente num
contexto de trio, formação que
permite observar de perto todas as
subtilezas do seu estilo. Para
terminar, apresenta-se o septeto da
flautista e compositora Jamie Baum,
música norte-americana que esteve já
por diversas vezes no nosso país com
o seu jazz de câmara, sofisticado e
pleno de swing.
Pedro Guedes.
Terça 11
Quarta 12
pelo maestro Mark Stringer, inclui
ainda a Abertura “Rei Estevão”, op.
117, de Beethoven, e a Sinfonia nº 8,
em Dó Maior, D. 944, “A Grande”, de
Schubert. Esta última obra, a mais
extraordinária partitura orquestral
do compositor austríaco, é também
conhecida por alguns melómanos e
citada em obras de referência como
a Nona Sinfonia de Schubert,
devendo-se essa divergência a
diferentes critérios de catalogação
usados ao longo do tempo. C.F.
Deolinda
em digressão
nacional
Cansei de Ser Sexy em Lisboa
C
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 51
Discos
Sequela
Pop
Está tudo
bem, foi tudo
perdoado
Os National resistem à
tentação de se tornarem
os U2 e em vez disso
resolveram mostrar que
são os únicos homens
crescidos a fazer música.
Impressionante. João
Bonifácio
The National
High Violet
4Ad; distri. Popstock
mmmmm
Até certo ponto
sabemos como
funcionam as
canções dos
National: Matt
Berninger, o
vocalista, primeiro sussurra depois
berra quase-aforismos
grandiloquentes, em que o universo
do americano médio é transformado
em épico semi-patético. Ao redor da
voz de barítono há uma segunda
melodia dividida entre as duas
guitarras; quando uma linha de
guitarra se repete,
g
p , a linha de baixo
altera-se; quando o ritmo se repete,
as frases das guitarras fogem do seu
lugar; e em fundo, a percussão, mais
que marcar o tempo, amplia a
“emoção”
que a voz
procura.
No entanto, a fórmula resulta em
objectos radicalmente diferentes. Em
“Alligator” (2005) tínhamos o fim da
juventude retratada em indie-rock
explosivo e ébrio, enquanto em
“Boxer” (2010) tínhamos a entrada
na idade adulta em registo de
câmara. Agora temos o “lá fora”, o
mundo, e, musicalmente, um
cruzamento exponenciado dos
universos dos dois discos
precedentes: voltam as guitarras e os
ritmos mais acelerados, mas os
arranjos são ainda mais
proeminentes – coros, metais,
cordas, há de tudo e por todo o lado.
É admirável como esse improvável
ponto de encontro entre “Alligator” e
“Boxer” é encontrado em canções
lindíssimas como “Bloodbuzz Ohio”
(guitarras à frente e metais por cima,
a agigantá-la), a magnífica “Terrible
love” (toalhas de guitarras que
terminam num crescendo e o baixo
marcado no piano), “Vanderlyle
crybaby geeks” (piano lento, arrepio
de cordas, coros, um hossana para a
classe média como Nick Cave nunca
foi capaz de escrever), a
extraordinária “Afraid of everyone”
(um comovente ensaio sobre o medo
da paternidade) ou “Anyone’s ghost”,
noir de guitarras para almas de
predação nocturna .
Mas, nesta última, atentem nos
coros em fundo, no cuidado posto
nos sombreados de oboés e, na
ponte, no pontilhismo dos
violoncelos. E em “Afraid of
everyone” notem o truque da
segunda frase melódica começar a
ser feita pela guitarra para ser
completada
por um oboé,, antes da
p
p
entrada dos metais à medida que a
intensidade aumenta. Notem o
trabalho de harmonia dos coros.
São nano-detalhes que só à
audição
enésima
a dição se
au
em toda
revelam
Um dos álbuns
históricos do hip-hop
vai ter um segundo
capitulo. GZA está a
trabalhar em “Liquid
Swords II”, sequela
do disco, de 1995,
dos Wu-Tang Clan.
Apesar de se tratar de
um projecto a solo, o
disco contará com a
produção de RZA, outro
dos elementos do grupo
nova-iorquino.
a sua grandiosidade e que servem
não apenas para embelezar mas sim
causar – por régua e esquadro –
emoção, e através desta pôr as gentes
a olhar para as suas vidinhas e, por
mais que isso aí ao espelho moa e
doa, fazê-las encontrar algum
conforto na sua sarjeta privada.
Como com todos os discos dos
National, entra-se nisto com um
encolher de ombros e acaba-se, um
mês de escutas depois, com um vago
sentimento adolescente, de braços
levantados para os céus como se isto
fosse a última alegria antes de
voltarmos para o cárcere da gordura
no fogão, felizes por existirmos na
mesma época que estes tipos, por
podermos admirar isto antes de o
cuidado com a carreira, com a
meticulosa falsa polidez dos sorrisos
diários, nos levarem de vez o pouco
de humanidade e dignidade que nos
resta. E não há mais ninguém neste
mundo cheio de vencedores, de
gente bonita e séria, que nos faça
lembrar o lixo todo que fizemos – e o
faça com um abraço.
Como canta Berninger a fechar o
disco: “Man, it’s all been fogiven”.
Está tudo bem, gente boa. Não se
esqueçam é que depois acaba o disco
e volta-se à vida.
Mudar para
quê?
Décimo Divine Comedy traz
Neil Hannon de volta ao seu
melhor. Luís Maio
The Divine Comedy
Bang Goes The Knighthood
Divine Comedy Records Edel
mmmmn
Como com todos os discos dos National, entra-se nisto com um encolher de ombros
e acaba-se, um mês de escutas depois, de braços levantados para os céus
52 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
Neil Hannon na
banheira vestido só
com um laço, um
chapéu de coco e
um cachimbo, a
dar banho ao cão,
acompanhado por uma garrafa de
champanhe e no canto inferior
direito, quase a sair da fotografia, o
inevitável pato de borracha. A capa é
o perfeito epítome visual do que tem
sido a carreira de Hannon/Divine
Comedy, revista e actualizada em
grande estilo neste seu décimo
álbum de estúdio.
Antes houve discos conceptuais e
introspectivos, inflexões eléctricas e
electrónicas, álbuns de versões e
canções para outras vozes. Hannon
nunca deixou, porém, de fazer o que
sempre fez melhor: canções
narrativas, retratos irónicos mas
generosos da sociedade britânica,
em formato pop e arranjos
sinfónicos, na linha de Jacques Brel e
Scott Walker. Agora, em “Bang Goes
The Knighthood”, as experiências
The Divine Comedy: um
triunfo no capítulo das
sinfonias pop que comentam
a vida de todos os dias
passam para segundo plano, para
dar lugar a uma nova celebração do
que é vocação e o verdadeiro talento
de Hannon. Não será a sua obraprima, não porque seja inferior,
simplesmente porque antes houve
“Promenade”, “Casanova” ou “Fin
de Siècle”.
Todas as canções oferecem
melodias trauteáveis e arranjos
sofisticados, não há em 12 títulos um
só que seja descartável. Desta feita,
no entanto, as canções que primam
pelo humor são as que mais se
destacam. “At the indie disco”, o
primeiro single, invoca os posters de
Morrissey com ramos de flores ou os
ritmos de “Blue Monday” dos New
Order para pintar a cena rock
alternativa, num misto delicioso de
ironia e de cumplicidade. Tanto ou
mais vai dar que falar “The complete
banker”, delirante sátira ao mundo
da alta finança, escrita do ponto de
vista dos banqueiros viciados em
especulação, responsáveis pela
actual crise mundial. Corre o risco
de ser banida em Wall Street a não
ser que os corretores da bolsa
ganhem um insuspeito sentido de
humor (ou de arrependimento).
Há, depois, canções sobre gente
que aposta o que tem e não tem no
jogo (“Bang goes the knighthood”),
sobre raparigas que ganham a vida
como amantes de hora de almoço
(“Neapolitan girl”). Mas a piada
musical mais excêntrica acaba por
ser a mais inócua: chama-se “Can
you stand upon one leg” e prova que
Hannon consegue estar a cantar a
mesma nota de um único sopro,
durante meio minuto. Pelo meio há
um par de celebrações do romance e
do easy listening (“Island life”,
“Have you ever been in love”), outro
par de épicos sinfónico-humanistas
(“Down in the street below” e
“When a man cries”), que também
recriam território familiar aos fãs de
Divine Comedy. É claro que não há
novidades de maior em lado
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Nice Nice: respeito, senhoras
e senhores, muito respeito
mmmmm
Se um álbum
começa com estes
versos, “I’m a street
walking cheetah
with a heart full of
napalm / I’m a
runaway son of the nuclear a-bomb /
I am a world’s forgotten boy / The
one who searches and destroys”,
exige-se que a música o traduza
devidamente. Pode parecer
estranho, no ano da Graça de 2010,
37 passados desde a edição de “Raw
Power”, escrever a frase anterior.
Afinal, crescemos com “Raw Power”
e têmo-lo por garantido. Sabemos
que aquela letra não existe sem a
música visceral que a acompanha,
qual granada atirada ao coração do
rock’n’roll para o regenerar
definitivamente.
No entanto, ouvindo novamente
“Raw Power” nesta reedição que ao
álbum original acrescenta um
concerto em Atlanta, registado em
1973 (existe também uma versão
deluxe, em edição limitada, que
inclui ainda um CD de outtakes e
raridades e um “making of” em
DVD), percebe-se como o terceiro
álbum dos Stooges só existe
enquanto corpo e verbo,
inseparáveis. Porque a raiva e a
vertigem autodestrutiva de Iggy Pop
Somos todos Monks!
The Monks
Black Monk Time
Light In The Attic; distri. Flur
mmmmm
“Raw Power” é um disco de
sexo e violência, é um disco
violentamente sexy e inspirador
Nada aqui é
inocente. Não o é a
produção, que
procurou a forma
exacta de transpôr
para disco uma
ideia sónica, pensada como
verdadeiro ataque aos sentidos. Não
o é o banjo em que Dave Day
colocou cordas de guitarra eléctrica,
resultando num “clang clang”
mecânico que transforma um
instrumento tradicional em
matraquear de música industrial.
Não o é a guitarra eléctrica de Gary
Burger, que potencia o tom
paranóico da sua voz, que é toda ela
ritmo e dissonância de feedbacks
infernais. Não o é o órgão de Larry
Clark, que não ilumina nem pontua,
que atravessa as canções em
“flashadas” que cegam,
incandescentes. E não o é a secção
rítmica de Roger Johnston, baterista
de precisão tensa, marcial (tudo
timbalões e tarola, nada de pratos),
e Eddie Shaw, o baixista do “fuzz”
endemoninhado. Não, nada em
“Black Monk Time” é inocente.
Justíssima premonição a daqueles
que, em 1966, disseram a cinco exsoldados americanos a viver na
Alemanha que a sua banda era o
som do futuro. “Black Monk Time”,
único e inesgotável, continua a sê-lo
em 2010. Não acreditem quando um
arauto new-age ou um rapaz cheio
de boas intenções com guitarra
acústica a tiracolo vos cantar ao
ouvido que o yoga conduz à salvação
e que um pôr-do-sol na Arrábida
pode conduzir uma vida de
beatitude. Concedemos com
moderada relutância que até pode
suceder assim - nos intervalos.
Quanto ao resto, quanto à vida ela
mesma, ouçam-se os Monks.
Não, não está tudo bem: “Alright,
my name’s Gary. Let’s go, it’s beat
time, it’s hop time, it’s monk time!
You know we don’t like the army.
What army? Who cares what army?”
Não, não está tudo bem: “Stop it
stop it, I don’t like it… stop it! It’s too
loud for my ears.” No início era isto,
“Monk time”: garage para destruir
salões nobres e danças hedonistas
sem sentido. Depois, a canção de
ódio para acabar com as canções de
amor, paranóia violenta que inventa
os Stooges sem os Stooges o
saberem: “I hate you with a passion
baby, yeah I do! (But call me!)”; e
depois a paranóia que é já neurose
quando chegamos a “Complication”
e a natureza humana se revela em
todo o seu tenebroso esplendor:
“People cry / Complication! / People
die for you. / People kill /
Complication! / People will for you. /
People run / Complication / Ain’t it
fun for you?”
Verdadeiramente impressionante
o alcance de “Black Monk Time”,
incrível tudo aquilo que contém de
invenção, de prenúncio de futuro. A
sôfrega inocência dos Beatles
tornada intervenção dadaísta em
“We do wie du”, a gravilha sónica
dos Velvet de “White light, white
heat” antecipada na guitarra de
“Higgle-dy – piggle-dy” (“way down
to heaven, Yeah!”). O pôr em cena
do pós-punk no tom repetitivo,
insistente, de “Blast Off!” e o
nonsense da desmontagem pop de
“Cuckoo”, que podemos jurar que
David Byrne terá ouvido antes de
decidir tornar-se vocalista de uma
banda chamada Talking Heads.
Os Monks de “Black Monk Time”
me”
são supostamente heróis do “garage
rock” de 1960 que reedições como
esta (que ao álbum original
acrescentam um par de singles
posteriores ou uma canção ao vivo)
transformaram em culto bem
alimentado ao longo dos anos. Grave
erro. São o elo perdido da história
do rock’n’roll, o ponto onde todo
um futuro de marginalidade,
confronto, acção e invenção bebeu
algo.
Escapar-lhes não é uma
possibilidade: “You’re a monk, I’m a
monk, we’re all monks!”. Estamos
todos comprometidos. M.L.
Maravilhosa
M
aravilhosa
alucinação
Nice Nice
Extra Wow
Warp; distri. Symbiose
mmmmn
O apreço, ou
melhor, a obsessão
que Jason Buehler e
Mark Shirazi têm
pela repetição está
desde logo inscrita
no nome da banda. Nice? Nice! O
apreço, corrijamos, a obsessão
SÃO
LUIZ
MAI~1O
1O E 11 MAI
PATRÍCIA
VASCONCELOS
LET’S DO IT,
LET’S FALL
IN LOVE
CONVIDADOS
SEGUNDA E TERÇA ÀS 19H30
JARDIM DE INVERNO M/3
BENVINDO FONSECA
CAMANÉ
LÚCIA MONIZ
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA
[email protected] / T: 213 257 640
© Carlos Ramos
Iggy And The Stooges
Raw Power
Columbia/Legacy; distri. Sony Music
The Monks: o ponto onde todo um futuro de marginalidade,
confronto, acção e invenção bebeu algo
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
Caos perfeito
encontra tradução perfeita nos
Stooges, máquina rock’n’roll em que
a decrepitude é manifesto urgente e
a ilusão do descontrolo o auge da
sofisticação – algo acentuado pela
mistura escolhida, a original de
David Bowie. Não é por acaso que,
no concerto, ouvimos uma miúda
lamentar-se (“I don’t think he likes
us”) quando terminam os oito
minutos de “Head on”, um violento
triturar de Jagger e Morrison, dos
The Who e do “Hey Joe” – é a mesma
voz que, depois, há-de berrar uma e
outra vez “Iggy, I want your body!”
enquanto Iggy vocifera “it’s time to
search and destroy cause all this
gotta go”, enquanto Iggy pergunta
“Can anybody hear me?” para se
irritar logo a seguir: “I didn’t mean
with your ears! Oh, you ignorant
mother…”
“Raw Power” é um disco de sexo e
violência, é um disco violentamente
sexy e inspirador. E é um álbum
impossível de reproduzir porque,
apesar de se pressupor alguém do
outro lado a reagir a toda a fúria e
desconforto, tudo nele nasce de uma
quase assustadora intimidade. É a
música que emanou daqueles quatro
músicos (Iggy Pop, James
Williamson, Ron e Scott Asheton),
naquele momento específico.
Sozinhos perante o mundo,
escolheram atirar-se à jugular do
conforto a serem engolidos por ele.
O paraíso não existe e só o perigo e o
excesso, só a destruição podem
regenerar-nos.
“Penetration” e “Raw power”:
“Gimme danger, little stranger”.
Nunca o caos foi tão perfeito. Mário
Lopes
APOIOS
nenhum, que tudo não passa de uma
revisão actualizada da matéria dada
ao longo de uma dezena de álbuns.
Não é menos certo que são um
triunfo no capítulo das sinfonias pop
que comentam a vida de todos os
dias. Ou que ninguém faz Neil
Hannon melhor que Neil Hannon.
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H
T: 213 257 650; [email protected]
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Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 53
Discos
que têm pelo poder do som, som
simplesmente, descarregado em
doses cavalares sobre os nossos
ouvidos, está por sua vez inscrito no
nome do álbum. Um tipo chega
muito descontraído a casa, olha para
a simplicidade da capa que vêm
acima e, inadvertidamente, sem
qualquer protecção, põe a rodar a
peça. Cinquenta e tal minutos
depois o diagnóstico, sem hipótese
de erro, é precisamente aquele:
“Wow! Extra Wow!”
A descrição do novo álbum da
banda de Portland, formada por um
baterista e um guitarrista e,
principalmente, pela imaginação
transbordante que os leva a
sobrepor camadas e camadas de
instrumentos, de ruídos, de fitas
manipuladas, nunca fará justiça ao
que aqui se ouve. Falar-se-á de
violenta trip shoegaze, daquela que
liquefaz o cérebro até que nada reste
senão o zumbido de um mantra
eléctrico, de doses elevadas de
motorika e kozmische tal como
explicado por Neu! e Harmonia,
falar-se-á do rock que é já outra coisa
dos Battles, da África vista por olhos
ocidentais que se vai desenhando
em lofts de Brooklin, do
psicadelismo da década de 1970,
esse de rigorosíssima dieta de
cogumelos seleccionados, ou das
maquinações electrónicas que o
magnífico Dan Deacon vem
orquestrando lá para os lados de
Baltimore. Poderemos falar de tudo
isto, citar tudo isto, mas depois
chegamos a “Extra Wow” e tal
revela-se deveras insuficiente.
Montado como um contínuo
musical, praticamente sem pausas,
“Extra Wow” é um OVNI que tinha
tudo para correr mal – com esta
salgalhada de referências, o mais
provável seria transformar-se num
“District 9” onde sobreviveriam,
perante a fraca tolerância da
população, juntamente com toda a
vasta lista de armados ao pingarelho
ngarelho
que tentam mostrar-se mais espertos
do que são realmente. Mas, “arrojo!,
audácia!, emoção!”, nada corre
rre mal
em “Extra Wow”, um verdadeiro
deiro
tratado em alucinações pop, sem
fronteiras definidas e sem outro
utro
propósito que não sugar o ouvinte
uvinte
para o coração desta deliciosa
sa e
inebriante “freakalhada”.
Quando, depois das percussões
ssões
em loop e das guitarras
cósmicas, depois dos teclados
os
planando o espaço e de todoss
aqueles sons que nos assaltam
m de
proveniência indefinida,
percebemos que isto é o trabalho
balho
de dois tipos que actuam como
mo
meticulosos cientistas sónicos
os
procurando infatigavelmente
eo
Santo Graal do psicadelismo – algo
que provoque a mesma sensação
ação de
maravilhamento e euforia de
e
“Tomorrow never knows” -, os Nice
Nice ganham uma outra dimensão.
ensão.
Respeito, senhoras e senhores,
es,
muito respeito. M.L.
54 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Delorean: talvez seja tempo de reavaliar a forma como olhamos
a pop vinda de Espanha
Delorean
Subiza
Mushroom, distri. PopStock
mmmmn
O ano passado,
descrevíamos
nestas páginas a
música dos
espanhóis Delorean
como sendo pop
dançante à beira da euforia. O
álbum “Subiza” confirma-o. É uma
obra de canções solarengas,
descomprometidas e simples,
assentes em dinâmicas rítmicas
electrónicas, grande acessibilidade
melódica, vozes entusiásticas e
estruturas ensaiadas em tantas
outras canções pop. À superfície
encontramos um misto de exaltação
à Animal Collective, de jovialidade à
Cut Copy e de electrónica
minimalista em crescendo como a
desenvolvida por DJs e produtores
como James Holden. Há uma junção
de afectividade pop, rasgos diluídos
de rock e um rol infinito de camadas
electrónicas, que nos levam a
pensar em discos de outros tempos
– de “Screamadelica”
Screamadelica dos Primal
Scream aos New Order da primeira
metade dos anos
80 – feitos por grupos oriundos do
rock que, de repente, se
entusiasmaram com as
propriedades hipnóticas da música
de dança. Depois da magia tropical
de El Guincho, eis os Delorean.
Talvez seja tempo de reavaliar a
forma como olhamos a pop vinda de
Espanha. Vítor Belanciano
Sharon Jones & The Dap-Kings
I Learned The Hard Way
Daptone. Distri. Massala
mmmnn
“Eu aprendi da
maneira dura” é o
nome do álbum e a
perfeita epígrafe
para o que tem sido
a carreira de mais
baixos que altos de Sharon Jones.
Nascida na Geórgia, em 1956,
começou por fazer coros para
artistas funk e disco sound, na Nova
Iorque de meados dos anos 70. Mas
ninguém a quis assinar em nome
próprio – era demasiado velha (ou
seja, mais de 20 anos de idade),
demasiado gorda, demasiado negra,
ou demasiado feia - ou pelo menos
foi as desculpas que foi ouvindo.
Decidiu então experimentar
profissões mais
Sharon Jones & The Dap-Kings: o artigo genuíno
Meshell Ndegeocello: a cada audição, uma nova descoberta
musculares, passando a ganhar a
vida como segurança em carros
forte e carcereira em prisões novaiorquinas. A sua sorte começou a
mudar no dia em que o marido
entrou para a editora “familiar”
Daptone e ela se associou à banda de
virtuosos soul Dap-Kings (2001).
Quando, em meados da década
passada, explodiu a moda das novas
cantoras soul, incluindo Amy
Winehouse e Duffy, as atenções
finalmente convergiram sobre
Sharon, celebrada como uma figura
tutelar delas todas. Ela tem, no
entanto, pouco ou nada a ver com
essa vaga de artifício pop, diferença
que justamente se comprova neste
seu quarto álbum com os Dap-Kings.
Voz calejada e rugosa, mas nem por
menos acetinada, canta os pequenos
dramas do quotidiano como
tragédias bíblicas, acompanhada por
majestosos arranjos de sopros e de
cordas. Não se vislumbra qualquer
pretensão de ser original, ou
minimamente actual. Sharon é o
artigo genuíno, a verdadeira diva
soul “velha escola” em todo o seu
esplendor revivalista. A sua
prestação no Meco (18 de Julho)
anuncia-se, aliás, como um dos
momentos mais altos do próximo
Super Bock Super Rock. L.M.
Meshell Ndegeocello
Devil’s Halo
Mercer Street, distri. PopStock
mmmnn
Intrigante, como
sempre, Meshell.
Nunca se sabe o que
esperar dela a cada
álbum. E já lá vão
nove, ao longo de
uma carreira com quase vinte anos.
“Devil’s Halo” é mais uma dessas
obras onde para além dos géneros –
soul, rock, jazz, funk – expõe sempre
intensidade e letras que
complexificam temas de sexo,
género, amor, política. Muitas vezes
conotada com o centro do mercado,
por ter sido uma das pioneiras do
moderno R&B e por ter feito parte
das apostas de Madonna na editora
Maverick, a americana é alguém
difícil de situar, mais aventureira e
livre do que algumas das figuras
conotadas com linguagens
alternativas. Talvez o nova-iorquino
Carl Hancock Rux seja alguém que
se aproxime dela, na forma orgânica
como se relaciona com a música.
Mas mesmo assim nos últimos
álbuns tem ido por outros
territórios, nunca escolhendo
trajectórias fáceis. Seria uma pena se
o novo álbum – agora editado na
Europa, depois de o ter sido em
Dezembro, nos EUA – passasse
despercebido. Na maior parte das
canções há uma voz profunda, um
som encorpado, que começa por
norma de forma subtil, segregando
intimidades, para ser desconstruído
com virulência. É uma obra diversa,
que se desenvolve entre a
envolvência jazzistica de “Tie one
on” e o rock de “Brigh shiny
morning”, deixando entrever a cada
audição uma nova descoberta. V.B.
Clássica
Trio ao rubro
Lang Lang estreia-se na
gravação de música de
câmara ao lado de dois
gigantes. Rui Pereira
Tchaikovsky e Rachmaninov
Trios com piano
Lang Lang, Vadim Repin e Mischa
Maisky
DG 4778099
mmmnn
Dizer-se que em
música de câmara
os músicos devem
ter a capacidade
de se contagiarem
uns aos outros é,
geralmente, um elogio. No entanto,
quando o foco de contágio dá pelo
nome de Mischa Maisky, devemos
ter reservas e prescrever uma
quarentena artística ou, então, uma
vacina contra o “ímpeto à flor da
pele”.
O cenário é o seguinte: três
grandes solistas, Lang Lang, Repin e
Maisky, juntos para gravarem
repertório russo. Ao que parece, foi
Lang Lang quem escolheu o
repertório e os músicos. Começaram
a gravação com o Trio elegíaco de
Rachmaninov, um compositor
maravilhoso mas cuja música já tem,
por si só, um grande número de
clímaxes. Mischa Maisky é um
músico ímpar e com imensas
qualidades mas, desculpem-me a
comparação, parece um daqueles
condutores que se põe a acelerar
antes do semáforo passar a verde. A
sua forma de tocar é arrebatadora,
disso não restam dúvidas, e até pode
haver quem fique rendido ao seu
encanto, ou paixão, mas uma outra
forma mais contida de passar esse
ímpeto favorece, na maior parte dos
casos, a chamada expressão de
emoções na música e não se torna
tão cansativa. A música de
Tchaikovsky, o Trio à memória de
um grande artista, também tem esse
arrebatamento que os músicos
russos tão bem expressam e, justiça
seja feita, resiste melhor à
interpretação ao rubro deste trio.
O veredicto é o seguinte: um trio
de grandes solistas ao rubro; quem
gostar de arrebatamento total, da
primeira à última nota, deve ir a
correr comprar o disco; quem não
for sensível a esse tipo de
interpretação e procurar uma
expressão de emoções mais contida
deve esquecer que o disco existe.
Jazz
Miguel Amado com
“groove”
Miguel Amado
This is Home
Toneofapitch, distri. Dargil
mmmnn
Além de virtuoso
executante no baixo
eléctrico, Miguel
Amado é um
músico
extremamente
versátil, atributos que lhe têm valido
participação regular em projectos
tão distintos quanto o Lisbon
Underground Music Ensemble
(LUME), o trio/quarteto do
guitarrista Pedro Madaleno, o grupo
sPILL, o quinteto de Rodrigo
Gonçalves ou o Septeto do Hot
Clube. Para tocar na maior parte das
faixas deste segundo álbum em seu
nome, Amado reuniu o trompetista
João Moreira, o guitarrista André
Fernandes, o pianista/teclista Ruben
Alves e o baterista Vicky, contando
ainda com a participação especial do
baixista Yuri Daniel e do baterista
Alexandre Frazão numa faixa, do
baterista Bruno Pedroso em duas
faixas e do percussionista João
Ferreira noutras quatro.
Tudo começa bem com “Yellow
box”, tema com um balanço
irresistível e com belíssimas
improvisações por João Moreira e
pelo próprio Miguel Amado. O
melhor do álbum é ouvido ainda em
“The one you know”, “Fatherhood”
(tema que apresenta Amado no
contrabaixo, em
trio com
om
Pedroso
so e
Fernandes,
ndes,
e que soa
como uma
composição
osição
do
guitarrista)
rista)
e “Five
e
steps”,,
onde
mais
uma vez
ez
se
destaca
ca
João
Moreira
ra e
o seu
minucioso
ioso
controlo
olo dos
pedais de efeitos. Outras faixas,
como a mais africana “Mojo dance”
ou o explícito “Rock attempt”,
ambas valorizadas pela prestação de
André Fernandes, contribuem de
forma mais modesta para o sucesso
do disco, sendo bem menos
interessante o que se passa na faixatítulo e na escusada demonstração
de virtuosismo de Amado e dos
convidados Yuri Daniel e Alexandre
Frazão numa versão de “Solar” (de
Miles Davis, o único não original do
álbum). Absolutamente dispensável
é a faixa de encerramento do álbum,
na qual, com gosto bastante
questionável, Amado e Ruben Alves
desfilam os seus instrumentos ao
ritmo de quem vai apagar fogo.
“This is Home” poderá não
garantir o interesse da ala mais
purista de amantes do jazz, mas não
deixa por isso de estar recheado de
situações capazes de seduzir
ouvidos mais sequiosos do
tipo de “groove” raramente
presente no tal jazz dito
mais puro. Paulo
Barbosa
Miguel Amado: pode não
interessar aos puristas,
mas seduzirá os sequiosos
de “groove”
Lang Lang
Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 55

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