Aquilo que Marilyn escreveu - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Aquilo que Marilyn escreveu - Fonoteca Municipal de Lisboa
Sexta-feira 11 Março 2011 MICHAEL OCHS ARCHIVES/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7643 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE www.ipsilon.pt Aquilo que Marilyn escreveu “Fragments: poems, intimate notes, letters” Ana Jotta Abel FerraraAnne Teresa de KeersmaekerRicardo Menéndez Salmón DIRECÇÃO ARTÍSTICA LUÍSA TAVEIRA ROMEU E JULIETA COREOGRAFIA JOHN CRANKO MÚSICA SERGEI PROKOFIEV ARGUMENTO JOHN CRANKO SEGUNDO WILLIAM SHAKESPEARE CENOGRAFIA JOÃO MENDES RIBEIRO FIGURINOS ANTÓNIO LAGARTO IMAGENS DANIEL BLAUFUKS DESENHO DE LUZ CRISTINA PIEDADE LISBOA, TEATRO CAMÕES MARÇO 2011 dias 17, 18, 19, 25 e 26 às 21h TARDES FAMÍLIA dias 20 e 27 às 16h ABRIL 2011 dias 01 e 02 às 21h TARDE FAMÍLIA dia 03 às 16h ESCOLAS dias 24 e 31 de Março às 15h BILHETES €5 A €25 TEATRO CAMÕES DIAS DE ESPECTÁCULO // 21 892 34 77 TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS SEGUNDA A SEXTA DAS 13H ÀS 19H // 21 325 30 45 / 6 TICKETLINE WWW.TICKETLINE.PT // 707 234 234 LOJAS ABREU, FNAC, WORTEN, EL CORTE INGLÉS, C.C.DOLCE VITA Apoios à divulgação: www.cnb.pt facebook.com/cnbportugal M/6 Michelangelo Pistoletto “superstar” em Roma O fundador da Arte Povera, Michelangelo Pistoletto (n. Biella, 1933), é desde há uma semana a estrela do MAXXI - Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo, de Roma, que dedica uma imensa Marilyn Monroe 6 50 anos depois, continua a assombrar-nos Ricardo Menéndez Salmón 12 A escrita como dever moral 14 Fátima Miranda Vamos estranhá-la na Culturgest 16 Anne Teresa de Keersmaeker A memória dança? Ana Jotta A arte é feitiçaria 18 22 SoHo 24 Uma história de Nova Iorque no Barbican, em Londres ANDREW COOPER/ REUTERS Ficha Técnica Directora Bárbara Reis Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana Soares Editor de fotografia Miguel Madeira E-mail: ipsilon@ publico.pt superfícies reflectoras iniciadas por Pistoletto em 1962, como forma de reivindicar a presença do espectador na obra; “Ogetti in meno”, obras da série “Luci i riflessi” e os famosos “Stracci”, montes de roupas empilhadas que Pistoletto produziu entre 1965 e 1966 e que ficaram para a história como os primeiros objectos Arte Povera; “Azioni” e performances para o grupo Lo Zoo, colectivo itinerante de teatro e performance -, a exposição coloca a produção de Pistoletto no contexto das transformações políticas, sociais e artísticas que marcaram a Europa do pós-guerra, explicita as relações dessa produção com a pop art, o minimalismo e o conceptualismo, e sublinha aquele que é talvez o legado mais produtivo do artista italiano, o trabalho em regime de colaboração com artistas provenientes de outras disciplinas e com amplos sectores da sociedade civil. A discussão sobre o papel do espectador e sobre a arte como forma de partipação política são, aliás, dois dos temas recorrentes do catálogo que acompanha esta exposição, para ver no MAXXI até 15 de Agosto. “Kill Bill”, com o sangue todo... Sumário Abel Ferrara Homenagem ao Chelsea Hotel retrospectiva àquele que considera o “artista italiano vivo mais relevante a nível internacional”. “Michelangelo Pistoletto: Da Uno a Molti, 19561974”, com curadoria de Carlos Basualdo, chega a Roma vinda do Philadelphia Museum of Art, e com ela mais de cem peças provenientes de colecções públicas e privadas italianas e norte-americanas que reconstituem uma obra decisiva para a arte da segunda metade do século XX. Organizada em três grandes grupos - “Quadri specchianti” e “Plexiglass”, que reúne as experiências com MARK BLINCH/ REUTERS Flash O fundador da Arte Povera tem uma retrospectiva no MAXXI Uma Thurman mata mais e melhor “Kill Bill: The Whole Bloody Affair”, versão integral do díptico de Quentin Tarantino, tem datas marcadas num cinema de Los Angeles, o New Beverly Cinema, durante uma semana, de 27 de Março a 2 de Abril. Há anos, em Cannes, quando foi presidente do júri, Quentin apresentou no último dia do festival, e com ele próprio na sala, qual rei a dedicar tempo aos súbditos, os dois filmes, com intervalo a meio. A versão completa integra ainda material que tinha sido deixado de fora das versões oficiais (excepção ao Japão, que na altura viu versões mais completas, mas o Japão é sempre um país especial...). Cenas novas: por exemplo, no final do Vol. 1, Sophie Fatale ( Julie Dreyfuss), a secretária das atrocidades de O-Ren Ishii (Lucy Liu), ficava sem um braço, que lhe fora amputado pela Noiva na ssequência do Showdown at House of Blue Leave Leaves. Agora, antes de atirar S Sophie da bagageira do carro para as ruas de Tó Tóquio, A Noiva amputa-lh amputa-lhe o segundo bra braço. E há mais diálogo, no final O western (spaghetti?) ainda é uma incógnita, a versão integral, mais sangrenta, de “Kill Bill” é já para 27 de Março do que antes era o Vol. 1, quando Sophie está a ser consolada por um homem, Bill, e uma série de vozes se cruzam na banda de som. Por falar na sequência do Showdown... agora é a cores, não a preto e branco como no Vol. 1. O que torna “nova” toda a sequência, transforma-a: parece que vemos coisas que não víramos antes, como aquele plano rápido em que A Noiva divide um homem ao meio com uma espada, como nos filmes de Takashi Miike (“Ichi the Killer”). Vemos coisas novas, realmente, na sequência de “animé”, na biografia de O-Ren Ishii: tripas a saírem do ventre do algoz da jovem O-Ren Ishii. E por falar em mais, vamos ver um western dirigido por Quentin Tarantino? O próximo filme é um “western spaghetti”. O próximo filme de Quentin Tarantino é um “western spaghetti”? Tudo começou com uma declaração do actor italiano Franco Nero (quem haveria de ser?, ícone do género, o homem de “Django” e de “Keoma”), ao site “Movieplayer”. Disse que o filme se chamaria “The Angel, the Bad and the Wise”, homenagem a Sergio Leone cheia de “humor, imensa acção, mas também um grande argumento”, e que entre os “envolvidos” estariam Quentin Tarantino, Keith Carradine, Treat Williams, “ao todo cerca de 15 pessoas, americanos que querem produzir o projecto”. Mas será isto o próximo filme realizado por Tarantino? A verdade é que até o título do filme não será esse, resultado de um erro de tradução, segundo o site “Ain’t It Cool News”. Outro site, o “Deadline”, terá “confirmado” junto do próprio realizador – cenário: festa da Vanity Fair depois dos Óscares – que Tarantino acabou de escrever um argumento para um western e que a coisa lhe saiu de rajada, ao contrário do que lhe é habitual. Mas é esse western o western spaghetti a que se referiu Franco Nero? Não se sabe. Não é que a “notícia” fosse delirante, ela até é previsível. Afinal, a relação de Quentin com o “western spaghetti” está explícita no seu cinema. O realizador foi até convidado, há um par de anos, para abrilhantar, no Festival de Veneza, uma retrospectiva sobre o género. Cujos melhores exemplos, para Tarantino, são “O Bom, o Mau e o Vilão” (1966), “Por um Punhado de Dólares” (1965), e “Django”, de Sergio Corbucci (1966). Sobre o western não estamos ainda, portanto, conversados. Vasco Câmara Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 3 Há dez anos, quando Wallace, Gromit e as suas histórias de ovelhas tosquiadas e amor ao queijo acima de todas as coisas vieram pela primeira vez a Portugal, os estúdios Aardman Animations já tinham três Óscares em cima mas ainda não eram o sucesso verdadeiramente planetário (leia-se: americano) a que a estatueta de Melhor Longa-Metragem para “A Maldição do Coelhomem” daria, em 2005, o definitivo empurrão. “Mundo Aardman”, a exposição antológica que a Solar - Galeria de Arte Cinemática, de Vila do Conde, inaugura amanhã às 16h, é por isso a continuação da história que a retrospectiva Aardman do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura contou no Rivoli: o presente e o futuro dos estúdios de animação fundados por Peter Lord e David Sproxton em formato fotografia de família. Uma fotografia de família em expansão: aos patriarcas Morph, Wallace e Gromit juntou-se entretanto uma nova geração de personagens, do escatológico Angry Kid a uma Ovelha Choné que se tornou animal de estimação em muito boas casas. E, claro, Nick Park, o senhor que ganhou todos os Óscares da equipa. Até 5 de Junho, algumas das marionetas originais dessas e de outras personagens da família Aardman vão estar em exposição na Solar, juntamente com cenários (quatro, no total: um da série “Creature Comforts” e três da saga “Wallace & Gromit”), adereços, desenhos e “storyboards” habitualmente guardados na caixa-forte dos estúdios, em Bristol. Mobília suficiente p para q que q qualquer q visitante tante (dos 7 aos 77, porque que “a Aaardman é como omo o Tintin”) passe se a sentir-se em casa a no mundo Aardman, dman, explica Nuno no Rodrigues, um 4 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon dos comissários do programa: “A exposição é uma introdução a um universo que foi fundamental para toda uma geração de novos autores autores como José Miguel Ribeiro [realizador do multipremiado ‘A Suspeita’], altamente inspirado pela Aardman - e a um modo de produção quase em contramão relativamente às tendências dominantes no cinema de animação actual. É muito interessante perceber como, privilegiando um processo técnico que já não é assim tão óbvio, a Aardman consegue ter uma presença fortíssima no mercado”. Como é habitual nas iniciativas do programa pedagógico Animar, desenvolvido há seis anos pela equipa das Curtas de Vila do Conde, a exposição da Solar é só a ponta de um pequeno icebergue de ateliers, visitas guiadas e sessões de cinema. A próxima, em que serão exibidos episódios das séries “A Ovelha Choné” (“Foxy Ladie”, “Shaun Goes Potty” e “An Ill Wind”) e “A Hora do Timmy” (“Timmy’s Mask, Timmy’s Spring Surprise”, “Timmy Slips Up” e “Timmy’s Snowman”), é já no dia 19, às 16h, e está aberta a maiores de três anos. No momento em que chega a Vila do Conde, a Aardman continua activa em várias frentes. Tem duas longasmetragens em produção, ao abrigo do acordo de associação com a Sony Pictures (“Arthur Christmas”, com estreia prevista para este ano, e “Piratas!”, que sairá em 2012), e acaba de chegar aos “Simpsons”: Nick Park faz um “cameo” num dos últimos episódios da série, “Angry Dad: The Movie”, para explicar a Bart tudo o que um nomeado para os Óscares deve saber antes de chegar g ao microfone para Mas fazer os agradecimentos. agradecim vai estar em isso, claro, não va Vila do Conde. IInês Nadais W Wallace e Gromit são os anfitriões o da exposição d que abre q amanhã a na Solar n ED JONES/ AFP STEPHEN HIRD/ REUTERS Flash Wallace & Gromit em Vila do Conde O arquitecto britânico vai transformar Kowloon Oeste no maior bairro cultural do mundo Norman Foster vai projectar novo bairro cultural em Hong Kong É o maior projecto cultural actualmente em curso em todo o mundo – o bairro cultural de Kowloon Oeste, em Hong Kong, vai ser desenhado pelo arquitecto britânico Norman Foster. Trata-se de um amplo complexo de 23 hectares, situado junto ao porto da cidade, que vai ter auditórios e palcos para música, artes visuais e performativas, mas também espaços para espectáculos ao ar livre, galerias e estúdios. Reedição do material Bad Seeds, colaboração com os UNKLE, dueto com Matt Berninger, livro de entrevistas: Nick Cave está hiperactivo “É um projecto sem precedentes a est esta escala, com este fôlego e esta visão. Será o catalisador para a transformação da cidade a nível local e regional, mas também para a tornar num grande palco mundial”, comentou Norman Foster, de 75 anos, após o anúncio da escolha do seu projecto, há uma semana. O atelier Foster & Partners foi escolhido para concretizar o projecto na sequência de um concurso internacional lançado em 2008 que começou por contar com 109 candidatos. Destes, foram seleccionados 12 arquitectos. À fase final chegaram depois três ateliers, convidados a desenvolver um anteprojecto detalhado: o OMA, do holandês Rem Koolhaas (autor da Casa da Música no Porto), e o Rocco Design Architects Ld., com sede em Hong Kong. O projecto para Kowloon Oeste marca o regresso de Norman Foster a Hong Kong e à China, onde o arquitecto britânico tem obra desde há mais de duas décadas. Aí projectou já, por exemplo, o aeroporto internacional Chec Lap Kok e o edifício HSBC, em Hong Kong, e também o terminal internacional do aeroporto de Beijing. “É uma notícia fantástica. Trabalho em Hong Kong há 23 anos”, disse ainda Foster num comunicado. E acrescentou que o seu projecto “está enraizado no DNA urbano” de Hong Kong, respeitando “o seu carácter distintivo, que a torna uma cidade tão dinâmica”. Nick Cave reeditado e não só UNKLE, “Only the Lonely”. “Sempre tive um enorme fraquinho pelos UNKLE - as sensibilidades pop, os ganchos, os grandes coros, a produção super-tratada... Por isso saltei de alegria quando me mandaram uma música para eu cantar por cima (...). Escrevi uma letra desesperada para contrabalançar a alegria da música. É um ‘hit’ do caraças”, declara Cave num “press release” citado pela “Pitchfork” (que por sua vez bate no ceguinho: “O homem não é modesto”). Não é tudo: no próximo Record Store Day de 16 de Abril, vamos finalmente ouvi-lo em dueto com Matt Berninger, dos The National (supomos que seja uma fantasia universal), numa remistura de “Evil”, que os Grinderman (a actual banda de Cave) lançarão numa versão limitada, em vinil vermelho de 12 polegadas. E para terminar, agora em livro: ainda este mês, a Plexus vai publicar “Nick Cave: The True Confessions”, compilação de “momentos memoráveis de 30 anos de entrevistas”. Para quem estava a ressacar, tememos que isto seja uma overdose... A operação de reedição das obras completas de Nick Cave & the Bad Seeds continua em marcha: a segunda tranche de quatro discos, composta por “Let Love In” (1994), “Muder Ballads” (1996), “The Boatman’s Call” (1997) e “No More Shall We Part” (2001), chega às lojas europeias a 16 de Maio. Tal como aconteceu com as quatro reedições anteriores, cada CD é um disco duplo que inclui não só o material original devidamente remasterizado mas também toda uma série de bónus (uma curta-metragem especialmente encomendada à dupla Iain Forsythe e Jane Pollard, lados B, vídeos, notas de gravação exclusivas, e por aí fora). Só por si, uma notícia destas já seria suficiente para manter os mais crónicos caveanos saciados (pelo menos até à próxima tranche de três discos que completará a reedição integral do catálogo), mas há mais novidades na frente Nick Cave, diz a “Pitchfork”: o cantor faz um “cameo” em “Money and run”, a primeira faixa do novo EP dos APRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre APRESENTAÇÃO FRANCISCO SÁ CARNEIRO: SOLIDÃO E PODER Livro de Maria João Avillez Numa conversa aberta ao público, a reconhecida jornalista traça o perfil de uma das figuras incontornáveis da política portuguesa e reflecte sobre o Portugal pós-25 de Abril. 12.03. 18H00 FNAC MADEIRA APRESENTAÇÃO CICLO DE CINEMA DE ANIMAÇÃO Premiados da edição de 2010 do Festival Monstra Fernando Galrito, director artístico da Monstra, comenta os filmes que marcaram a edição passada e revela todos os pormenores acerca da programação de 2011. 16.03. 18H30 FNAC CHIADO MÚSICA AO VIVO MÁRCIA Dá O primeiro registo de longa duração da autora de A Pele Que Há Em Mim conta com as colaborações de João Paulo Feliciano e de Luís Nunes (Walter Benjamin). 12.03. 22H00 FNAC COIMBRA LANÇAMENTO COMO O AR QUE RESPIRAS Livro de Maria João Martins A jornalista do JL apresenta o seu primeiro romance que relaciona a vida de um jovem casal com a obra da escritora Elizabeth Browning. 15.03. 18H30 FNAC CHIADO EXPOSIÇÃO SERGE GAINSBOURG Fotografias de Tony Frank No ano em que se assinalam os vinte anos da sua morte, a FNAC expõe uma selecção de momentos da vida de Serge Gainsbourg que revelam o seu lado mais íntimo e apresentam fragmentos do seu quotidiano familiar e profissional. 15.03. - 22.05.2011 FNAC COIMBRA apoio: Consulte a AGENDA FNAC em: http://cultura.fnac.pt EXPOSIÇÃO JOHN BRYSON/SYGMA/ CORBIS 6 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Marilyn Já passaram quase 50 anos sobre a sua morte, mas ainda nos assombra. Nos últimos meses, (re)conhecemos Marilyn a partir do ponto de vista do seu cão, do seu arquivo, finalmente aberto, e daquilo que escreveu (poemas, cartas, notas...). Uma digressão de Larry McMurtry, vencedor de um Pullitzer, autor de “A Última Sessão”, “Lonesome Dove” ou do argumento de “Brokeback Mountain”, refaz o retrato. Tantas novidades depois, Marilyn continua a ser uma história triste. 1 Ela começou como “pin-up”, essa forma de excitar tão popular nas décadas de 1940 e 1950. Marilyn passou centenas de horas em frente a máquinas fotográficas; era tal o seu magnetismo que o famoso fotógrafo Richard Avedon dizia, quando falava sobre ela: “Ela dava mais à câmara fotográfica do que qualquer outra actriz – qualquer outra mulher – que eu alguma vez fotografei… Ela conseguia fazer fotografias maravilhosas com quase qualquer fotógrafo, o que é curioso – e muito raro.” Em “MM – Personal: From the Private Archive of Marilyn Monroe”, editado por Lois Banner, com fotografias de Mark Anderson, surge um interessante exemplo da sua extrema fotogenia, uma imagem tirada por trás – não se vê qualquer parte da sua cara. Apresenta-se com um vestido negro e tem o cabelo apanhado. Tudo o que conseguimos obter é uma visão por trás dos ombros e pescoço, mas ainda assim a fotografia é tão cativante como qualquer outra deste livro. “MM – Personal” está recheado de excelentes fotografias, talvez nenhuma melhor do que a série que Cecil Beaton lhe tirou em 1956. (Beaton, que teve uma relação amorosa com Greta Garbo, tinha muita experiência com estrelas de cinema.) No cinema, os talentos de Marilyn evidenciam-se especialmente em “Os Homens Preferem as Louras”, “Como Casar com um Milionário”, “Quanto Mais Quente Melhor”, “Paragem de Autocarro” e “Os Inadaptados”. O realizador Billy Wilder discutiu muito com ela durante as filmagens de “Quanto Mais Quente Melhor” – mas Wilder não era nenhum parvo, e era isto que tinha a dizer sobre ela: “Penso que ela é a melhor actriz cómica ligeira que temos no cinema hoje em dia, e qualquer pessoa sabe que a comédia ligeira é o mais difícil dos estilos de representação.” Ela era quase sempre fotografada a sorrir, os lábios ligeiramente abertos, a pele a reluzir com uma aura muito própria, mas mesmo assim havia sempre um toque de tristeza no sorriso; uma tristeza que conseguia lutar e surgir à superfície; uma tristeza que era sempre bastante, e por vezes mesmo imensa. Senão, vejamos: nasceu na ala para pobres do Hospital Municipal de Los Angeles em 1926, com o nome de Norma Jeane Mortenson (por vezes surge como Nortenson). A mãe, Gladys, trabalhava como ajudante de editores de filmes; foi assim que conheceu o provável pai de Marilyn, Charles Stanley Gifford. Sobre Gladys, disse Marilyn: ”Eu fui um erro. A minha mãe não me queria ter. Acho que ela nunca me desejou. Provavelmente só a vim atrapalhar. Sei que lhe desgracei a vida. Uma mulher divorciada já tinha bastantes problemas para arranjar um homem, parece-me, mas então uma com uma filha ilegítima… Eu desejava tanto, e ainda desejo, que ela me quisesse.” Grace McKee, uma amiga de Gladys, ficou como tutora legal da menina, bem como da própria Gladys, após esta ter sido diagnosticada como esquizofrénica. Em 1935 Grace colocou Norma Jeane na Residência para Órfãos de Los Angeles (mais tarde conhecida como Hollygrove). Uma infância destas é um manancial para os freudianos, e explica por que razão, ao longo de toda a sua vida, Marilyn desejou ter uma família e por vezes viveu com casais; mas em vez de uma família teve endometriose e três abortos espontâneos. Não conhecer o verdadeiro pai e viver apenas por breves períodos com a mãe poderá ser um destino miserável para a maioria das pessoas, mas poderia permitir a uma actriz entrar de forma mais convincente numa personagem após ter conseguido obter o papel. Por fim tem-se alguém que se pode ser, alguém que os espectadores desejam. 2 De três livros recentemente publicados – os outros são “Fragments: Poems, Intimate Notes, Letters”, por Marilyn Monroe, e “A Vida e as Opiniões do Cão Maf e da Sua Amiga Marilyn Monroe”, por Andrew O’Hagan – o mais acessível é “MM – Personal”. Marilyn Monroe, particularmente durante as décadas de 1940 e 1950, era, quase sem discussão, a mulher mais famosa do mundo. Na Coreia durante a guerra – período durante a qual ela foi a principal “pin-up” –, arrastava dezenas de milhares de soldados aos seus concertos. Escreveu e recebeu imensas cartas. Eis a resposta a uma missiva que enviou ao escritor Somerset Maugham: ”Querida miss Monroe: Obrigado pelo seu encantador telegrama a desejar-me os parabéns. Foi extremamente generoso da sua parte lembrar-se de mim; fiquei muito emocionado e agradecido. Estou muito contente por saber que vai fazer de Sadie na versão televisiva de ‘Rain’. Estou certo de que será esplêndida na peça. Desejo-lhe tudo de melhor. Sinceramente seu, Somerset Maugham.” Imagine-se, Marilyn Monroe, a estrela que se costuma pensar como sendo uma cabeça vazia, lembrandose do aniversário de Somerset Maugham e dando-se ao trabalho de lhe enviar um telegrama. Esta mensagem surgiu de um de dois grandes armários que, durante muitos anos, foram considerados como a pedra de Roseta dos estudos sobre Marilyn Monroe; estavam na posse de Inez Melson, que geria a parte empresarial da carreira de Marilyn em meados dos anos 50. Eles contêm todos os pedacinhos de papel que Marilyn guardou: cartas, telegramas, programas, recortes de imprensa, contratos (até o que assinou com Ben Hecht). Inez, que afirmava ter-se apaixonado por Marilyn à primeira vista, dizia que ela lhe fazia lembrar “um brinquedo fofinho”. Os armários contêm cerca de dez mil itens, e uma selecção deles foi agora meticulosamente editada por Lois Banner e fotografada, até às capas das pastas, por Mark Anderson. Em conjunto, permitem-nos uma empolgante perspectiva da vida de Marilyn e das amizades que manteve. Dada a sua reputação, é interessante ver que tinha muito bom gosto. Assim que pôde, começou a comprar e a vestir roupas de excelente qualidade, e guardou os recibos, pelo que, em alguns casos, podemos saber quais os criadores envolvidos. Também não era avarenta. Possuía uma escultura de Rodin e um quadro de Degas, um casaco de peles dos anos 30, e estava constantemente a receber presentes dos admiradores: brincos de esmeraldas de Frank Sinatra, pérolas e jade do imperador do Japão, dados luxuosos de John Huston, que a levou a jogar em Reno durante as filmagens de “Os Inadaptados”. Laurence Olivier e Vivien Leigh não gostavam dela, mas mesmo assim deram-lhe um relógio caro. Nos livros – tinha cerca de 400 – os seus gostos eram simples: todos os seus Hemingways eram da colecção de “best-sellers” da editora Modern Library. Na maioria das vezes, escrevia com uma boa letra – esperamos que algum dia as suas cartas venham a ser compiladas e publicadas. Tal como muitas mulheres com uma infância problemática e uma paternidade incerta, como delicadamente escreve Lois Banner, Marilyn tinha problemas com os homens. O seu primeiro marido, James Dougherty, foi para a marinha mercante. Arthur Miller afastou-se. Joe Dimaggio era violento com ela. Quando ela morreu, Arthur Miller terá dito: “Pobre Marilyn, com um pouco de sorte poderia ter conseguido.” Quanto a mim, mais rapidamente pensaria que ela na realidade conseguiu. Os homens, talvez invejosos da fama dela, diziam coisas pouco agradáveis. Tony Curtis terá dito que beijar Marilyn era como beijar Hitler. Mais tarde explicou que tinha feito essa afirmação de forma leviana, em resposta a uma pergunta de um trabalhador, o que não a torna uma coisa menos nojenta de dizer. (Existe Marilyn Monroe foi enterrada num pequeno e modesto cemitério em Westwood, Califórnia. Existem no mundo vários outros locais para se ser enterrado que estão mais recheados de talento, mas nenhum me comove tanto como este pequeno e simples terreno uma fotografia dele prestes a beijá-la, e parece tudo menos relutante em fazê-lo.) No auge da sua fama, uma edição da revista “Life” com ela na capa vendeu 6 milhões e 300 mil exemplares, e recebia 20 mil cartas de fãs por semana. 3 Que Marilyn tinha um grande interesse por escritores, escrita e literatura é revelado não apenas pelo seu telegrama para Somerset Maugham. Existe também a famosa fotografia, tirada em Long Island, dela a ler “Ulisses” de James Joyce – parece estar mesmo no final do livro, que é o solilóquio de Molly Bloom: o maior símbolo sexual do Mundo a ler o mais sensual excerto da literatura inglesa. Ela própria rabiscava imenso, escrevia receitas, pedaços de poesia, e coisas desse género. Apesar de ser uma mulher inteligente, os seus apontamentos, compilados em “Fragments”, são estranhamente básicos e decepcionantes. Acerca dos Meus Poemas Norman—so hard to please When all I want is to tease So it might rhyme? So what’s the crime— after all this time on earth [Norman – tão difícil de agradar Quando tudo o que quero é provocar E poderá ser rima? E qual é o crime – Após todo este tempo Na Terra] Norman é o poeta e romancista Norman Rosten, seu amigo. Os seus versos com pouca rima são, com franqueza, simplesmente horríveis, e as muitas páginas que reproduzem as garatujas são um grande desperdício de papel. Surgem algumas fotografias curiosas, com ela a ler – “Folhas de Erva”, “Morte de um Caixeiro Viajante”. Há também uma interessante página dupla com uma panorâmica de livros seus: “Sister Carrie”, “Winesburg, Ohio”, “O Sol também se Levanta”, “Adeus às Armas”, “Tortilla Flat”, “On The Road”, “O Homem Invisível”, “A Queda”. Duas fotografias em “Fragments” Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 7 A FOTOGRAFIA FAVORITA A fotografia favorita de Marilyn foi tirada pelo fotógrafo britânico Cecil Beaton em Nova Iorque, a 22 de Fevereiro de 1956. Marilyn mandou fazer dezenas de cópias. O que espantou Beaton foi a capacidade de ela se transformar vezes sem conta – sem inibições mas com verdadeira ambiguidade e vulnerabilidade A PIN-UP Na Coreia, durante a guerra – período durante o qual foi a principal “pin-up” –, arrastava milhares de soldados aos seus concertos. Foi quase sempre fotografada a sorrir, os lábios ligeiramente abertos, a pele a reluzir com uma aura própria, mas mesmo assim havia sempre um toque de tristeza nesse sorriso DO PONTO DE VISTA DO CÃO Dois anos antes de ela morrer, Frank Sinatra ofereceu a Marilyn um “terrier maltês” a que ela deu o nome de “Maf”. Andrew O’Hagan decidiu escrever [“A Vida e as Opiniões do Cão Maf e da Sua Amiga Marilyn Monroe”] sobre ela a partir do ponto de vista do seu companheiro canino, “Maf”, o cão M.M. E MOLLY BLOOM Tinha um grande interesse por escritores, escrita e literatura. Na foto, tirada em Long Island, dela a ler “Ulisses” de James Joyce, parece estar no final do livro, que é o solilóquio de Molly Bloom: o maior símbolo sexual do Mundo a ler o mais sensual excerto da literatura inglesa 8 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Ela era quase sempre fotografada a sorrir, os lábios ligeiramente abertos. Mas mesmo assim havia sempre um toque de tristeza no sorriso; uma tristeza que conseguia lutar e surgir à superfície CORBIS/ VMI merecem ser mencionadas. Uma é de Marilyn a dançar com Truman Capote – Capote parece que escapou de um pelotão de execução. A outra é de Marilyn sentada com Edith Sitwell – é a única fotografia que já vi em que Edith Sitwell surge atraente. Nestas páginas, lemos muito sobre a sua relação com Frank Sinatra. Pessoalmente, preferia ter sabido mais sobre o tempo que passou, durante a rodagem de “Os Inadaptados”, com o fatigado e envelhecido Clark Gable. Apesar de a falta de pontualidade dela o exasperar, Gable adorava-a, e usou o seu poder contratual para impedir que Arthur Miller atrasasse as filmagens com as suas intermináveis reescritas. Em muitas fotografias tiradas nessas filmagens o carinho de Gable por ela é bem visível, bem como o de John Huston. 4 Dois anos antes de ela morrer, Frank Sinatra ofereceu a Marilyn um “terrier maltês” a que ela deu o nome de “Maf”. Andrew O’Hagan sabe muito acerca de Marilyn Monroe, e decidiu escrever [“A Vida e as Opiniões do Cão Maf e da Sua Amiga Marilyn Monroe”] sobre ela a partir do ponto de vista do seu companheiro canino, “Maf”, o cão – uma iniciativa ousada, se não mesmo descarada. Ele transformou “Maf” num cão bem informado, através de muita leitura. Em cada uma das 277 páginas temos grandes hipóteses de encontrar algumas referências literárias, talvez do grupo de Bloomsbury, talvez da comunidade alemã no exílio. Thomas Mann percebia quão estranho seria para um cão observar tudo e não dizer nada e viver uma vida plácida, cansado de tanto descansar. O “pointer alemão” “Bashan” costumava ficar deitar ao lado de Mann, o calor do seu corpo reconfortando o seu dono e fazendo-o sentir-se menos solitário. “Uma difusa sensação de simpatia e boa disposição invariavelmente me percorre quando estou na companhia dele e a olhar para as coisas do ponto de vista do cão”, escreveu Mann a meio da sua vida. Enquanto nos dirigíamos para a auto-estrada, lembrei-me da história de Theodor Adorno, que especulava sobre a liquefacção do indivíduo, sentado na sua casa nas veredas do paraíso, uma casa em Malibu que dava para as águas azuis do oceano Pacífico. Ele pode ter sido uma criatura da época das guerras mundiais, mas o seu momento de glória chegou com os anos 60, uma década que para nós se iniciou efectivamente com o brilho desvanecente de Marilyn. A história de “Maf ” começa em Charleston, a Charleston do grupo de Bloomsbury e de Vanessa Bell, não a Charleston na Carolina do Norte; depois, muito rapidamente, chegamos à mãe de Natalie Wood, uma exilada russa; segue-se a passagem de Cecil Beaton – que será citada mais tarde – acerca de Marilyn após ele lhe ter tirado a fotografia favorita dela. Saltemos agora para o ponto de vista de cão de Roddy McDowall: “As duas mulheres riram-se. Deduzi que o Sr. McDowall era um grande amigo de mulheres. Todas elas o adoram porque ele se interessava, de um modo descuidado, acerca das coisas que eram importantes para elas. Uma vez disse que os franceses devem mesmo adorar as mulheres, visto que tinham inventado o bidé, e isto era o tipo de coisas que ele dizia e pelas quais as mulheres o adoravam. ‘Este aqui é mais amigável’, disse ele, sem olhar bem para mim.’ “Deixa-me que te diga, a ‘Lassie’ armava-se um bocado em estrela.’” Dizer que o cão “Maf” desencantou um número verdadeiramente estonteante de referências literárias seria dizer pouco. O’Hagan vasculhou o mundo literário à procura de referências a escritores e os seus cães, e conseguiu imensas. Por exemplo, eis Vita Sackville-West, que “numa ocasião falou da sua admiração por uma certa tapeçaria francesa que mostrava Ulisses a ser recebido nos degraus de entrada pelo seu cão, ‘Argos’”. Gostaria de ter uma opinião muito definida sobre o livro de Andrew O’Hagan, mas não tenho. Provavelmente será mais seguro chamar-lhe um grande esforço, e menos seguro chamar-lhe uma vaidade de 277 páginas, em que o leitor acredita ou não. Curiosamente, “MM – Personal” inclui uma encantadora série de cartas que Marilyn escreveu aos filhos de Arthur Miller do ponto de vista do “basset hound” que tinham. “Uns insectos terríveis que dão pelo nome de carrapatos têm andado a aborrecer-me nos últimos tempos, e, Janie, é mesmo horrível mas estou a conseguir tratar do problema bastante bem, pois sempre que tenho um em cima de mim simplesmente corro para o pé do Papá ou da Marilyn e eles tiram-nos de cima de mim num instantinho.” Não é claro se O’Hagan tinha conhecimento destas cartas, mas certamente embrenhou-se muito no mundo que Marilyn habitava, e nas suas personagens. Por exemplo, Kenneth, que foi um famoso cabeleireiro com salão na Rua 54 de Nova Iorque. “Não gostavam de cães no Kenneth, o salão de cabeleireiro na Rua 54. Não que isso me aborrecesse muito. Kenneth era um desses tipos com uma cabeça que parecia uma tarte, densa e pegajosa... Kenneth sempre imaginara que estava a um pequeno passo de dominar o Mundo... As suas tesouras sempre prontas para se enterrarem no cabelo de alguma matrona turbulenta…” O livro está cheio de passagens deste género. Quem é que actualmente ainda se lembra de Kenneth? Quem é que se lembra de Roddy McDowall? Muita gente lembra-se de Frank Sinatra, uma personagem relevante ao Transfigurada pela maravilha do Technicolor, ela caminha como um basilisco ondulante, arrasando tudo no caminho… Talvez tenha nascido apenas no dia do pós-guerra em que tivemos necessidade dela. Certamente não tinha nenhum conhecimento do passado. Tal como a Ondina de Giraudoux, tem apenas 15 anos, e nunca morrerá longo da parte inicial do livro de O’Hagan. Ler os três livros ao mesmo tempo faz-me pensar em tanto que desapareceu da vida americana com o falecimento de Marilyn Monroe; o que era importante nela era o seu espírito, não se tinha ido para a cama com um presidente e o irmão dele. 5 A fotografia favorita de Marilyn foi tirada pelo fotógrafo britânico Cecil Beaton em Nova Iorque, a 22 de Fevereiro de 1956. Ela gostou tanto da imagem que Josh Logan, que tinha acabado de a dirigir em “Paragem de Autocarro”, mandou emoldurá-la, entre duas notas de Beaton. Marilyn mandou fazer dezenas de cópias. O que espantou Beaton foi a capacidade de ela se transformar vezes sem conta – sem inibições mas com verdadeira ambiguidade e vulnerabilidade. Ela tinha subido vertiginosamente desde a obscuridade para se tornar o nosso símbolo sexual do pós-guerra, a “pin-up” de uma determinada era. E qualquer que tenha sido o promotor de imprensa ou a ilusão fabricada a acender a faísca, foi o seu próprio e bizarro génio que sustentou o seu voo. Transfigurada pela berrante maravilha do cinemascópio em Technicolor, ela caminha como um basilisco ondulante, arrasando tudo que encontrava no seu caminho… Talvez tenha nascido apenas no dia do pósguerra em que tivemos necessidade dela. Certamente não tinha nenhum conhecimento do passado. Tal como a Ondina de Giraudoux, tem apenas 15 anos, e nunca morrerá. A fotografia – tal como muitas das suas fotografias – é estonteante, mas ela não parece ter 15 anos e, seis anos depois, realmente morreu, depois de dizer a um repórter: “Pode ser quase um alívio acabar com tudo. É como se não soubéssemos em que tipo de competição estamos a correr, mas depois chegamos à linha de meta e respiramos fundo – conseguimos! Mas nunca se consegue – temos sempre que começar de novo.” Dizia Richard Avedon: “As ideias dela eram sempre dominadas pelo que ela sentia que devia ser a sua imagem pública. Ela passava horas a escrutinar os rolos de fotografias. Estava sempre à procura daquilo que ela chamava uma imagem ‘honesta’, ‘real’ ou ‘correcta’.” Marilyn Monroe foi enterrada num pequeno e modesto cemitério em Westwood, Califórnia. Existem no mundo vários outros locais para se ser enterrado que estão mais recheados de talento – Abadia de Westminster, Père Lachaise, até mesmo Forest Lawn –, mas nenhum me comove tanto como este pequeno e simples terreno em Westwood, onde jazem pessoas com quem eu poderia mesmo ter trabalhado. Está Natalie Wood, ridícula com toda aquela maquilhagem, a correr, a descer uma duna de areia que não apareceu em “A Desaparecida”. Está o meu próprio agente, Irving Paul “Swifty” Lazar, está Truman Capote, que sem dúvida veio para poder estar perto de Marilyn, está Jack Lemmon, está Dean Martin e, a maior estrela de todas, Marilyn Monroe, que uma vez disse de si mesma: “A pequena Norma Jeane, a pequena criada. A única maneira que tinha de garantir que as pessoas queriam vê-la era fazê-las esperar por si.” E há poucas coisas mais tristes do que isso. Exclusivo PÚBLICO/ New York Review of Books Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 9 CORBIS/ VMI É essa a principal mais-valia destes “Fragmentos”, tanto mais que, em contraste com os milhares de páginas que outros lhe dedicaram, os testemunhos directos resumiam-se, até agora, às entrevistas que deu e a um livro de memórias bastante lacunar publicado em 1954: “My Story”. Sol e sombra “Sou uma dançarina que não sabe dançar” Em “Fragments: Poems, Intimate Notes, Letters”, ouvimos a própria voz de Marilyn falando consigo própria (uma voz que tem tanto de sol como de sombra). Pode ser uma experiência fascinante, depois de tantos anos a ouvir o que os outros disseram dela. Luís Miguel Queirós “Marilyn Monroe: Fragments” reúne, anuncia a respectiva capa, “poemas, escritos íntimos e cartas” daquela que foi a mais icónica actriz de cinema de todos os tempos. O livro foi lançado no final do ano passado e fez furor na imprensa mundial: a mulher que que Hollywood nos apresentara como um paradigma da loura burra, uma cabeça de adolescente cândida num desejável corpo de mulher adulta, era, afinal, uma alma dilacerada e uma poetisa em potência, se não de facto. Antonio Tabucchi, que assina o prefácio da edição francesa, pergunta: “E se Marilyn, em lugar de ter tido essa extraordinária beleza que a tornou célebre através do cinema, tivesse sido uma mulher de aspecto banal?”. E responde: “Teria publicado em vida o que agora vamos ler e ter-se-ia provavelmente suicidado, como Sylvia Plath”. E as pessoas possivelmente diriam, como disseram de Plath, sugere ainda Tabucchi, que se matara por ser “demasiado inteligente e demasiado sensível”. Na verdade, meio século decorrido sobre a morte de Marilyn, e após incontáveis biografias e documentários, a possibilidade de a actriz ter sido apenas uma loura atraente e desprovida de miolos já só ressurge em textos como o de Tabucchi (ou como este que agora está a ler), que se propõem demonstrar, não se sabe bem a quem, que Marilyn, afinal, não era parva nenhuma. E há sempre o risco de, no entusiasmo de revelar a 10 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon “verdadeira” Marilyn, nos deixarmos levar pelo excesso de zelo. Veja-se o título, exacto mas ligeiramente pomposo, do livro agora lançado: “Fragmentos: poemas, escritos íntimos e cartas”. Parece o tipo de designação que se adoptaria para uma compilação de papéis póstumos de um autor conhecido, que não acrescentaria nada à sua obra, mas permitiria conhecer um pouco melhor a “persona” civil por trás dela. Sucede é que não existe nenhuma obra de Marilyn, para lá da que resulta do conjunto das suas interpretações no cinema, essa sim, ainda hoje esteticamente subestimada. Ou existirá a obra que este livro reúne, mas nada neste punhado de textos dispersos permite supor que a actriz era uma Sylvia Plath, ou para lá caminhava. Além do abismo que as separou em termos de talento literário, não é evidente que se possam descortinar aqui indícios de uma pulsão suicida. É verdade que alguns dos escritos que o livro arruma na secção de poemas são efectivamente poemas, o que é já surpreendente. E teria sido quase chocante para a generalidade dos fãs da actriz, caso este volume tivesse sido publicado há 50 anos. Quem imaginaria, então, que a voluptuosa e apatetada vizinha de Tom Ewell em “O Pecado Mora ao Lado” pudesse escrever coisas como esta: “A verdade é que por vezes não suporto Seres/ Humanos – Sei que têm os seus problemas/ como eu tenho os meus – mas estou realmente/ demasiado cansada. Tentar perceber,/ fazer concessões, ver certas coisas/ tudo isso me esgota.”? O livro incui sete poemas não datados, escritos em folhas soltas, e alguns outros, geralmente fragmentários ou inacabados, encontrados em dois cadernos, misturados com apontamentos vários. De um desses sete, que começa com o verso “Vida/ Sou as tuas duas direcções” – e no qual Marilyn diz de si própria que é “forte como uma teia de aranha/ ao vento” –, conheciam-se já versões anteriores. Na Internet podem ainda encontrar-se, de resto, três ou quatro poemas atribuídos a Marilyn que este livro não contempla. Um deles é possivelmente melhor do que qualquer um dos agora revelados: “Ó Tempo/ Sê gentil/ Ajuda este ser cansado/ a esquecer o que é triste lembrar/ Solta a minha solidão/ Sossega o meu espírito/ Enquanto devoras a minha carne.” Não menos interessantes são os apontamentos íntimos, as reflexões sobre si própria e a sua vida, passagens diarísticas, olhares sobre episódios e relações do passado, juízos sobre terceiros, e ainda a correspondência, que inclui uma notável carta a um dos seus psiquiatras, Ralph Greenson. Quase nada do que está neste livro terá sido escrito com a noção de que poderia vir a ser publicado, e por isso se sente uma pungente autenticidade. Se não nos repugnar excessivamente a dimensão voyeurística que espreitar a intimidade de outrem implica, ouvir assim a própria voz de Marilyn falando consigo própria pode ser fascinante. O inesperado aparecimento destes textos quase meio século após a morte de Marilyn deve-se a um acaso. A actriz legou boa parte dos seus bens, em testamento, a Lee Strasberg, o seu mestre no Actor’s Studio, que venerava como um guru. Quando Strasberg morreu, em 1982, os pertences da actriz passaram para as mãos da sua jovem viúva Anna, com quem se casara já depois do presumível suicídio de Marilyn. Anna Strasberg veio mais tarde a descobrir duas caixas com papéis de Marilyn e mostrou o material a um amigo da família, Stanley Buchtal, que pediu a opinião do editor Bernard Comment. Na nota de abertura do livro que ambos acabaram por publicar, Buchtal e Comment agradecem a Anna Strasberg, enfatizando que as suas motivações “nunca foram comerciais”. Uma passagem a ler com algumas reservas, sabendo-se que Anna, em 1999, ganhou mais de 30 milhões de euros leiloando na Christie’s um vasto conjunto de “memorabilia” marilyniana. A par dos textos, o volume inclui fotografias, algumas pouco conhecidas, que corroboram a imagem de uma Marilyn intelectual: em fato de banho, absorta na leitura de um muito manuseado exemplar do “Ulisses” do Joyce (a julgar pela foto, estava quase a acabá-lo), ou no cimo de um escadote tirando da estante uma obra sobre Goya, ou admirando uma escultura de Degas, ou apropriadamente deitada na relva enquanto lê as “Folhas de Erva” de Whitman. No início da carreira, Marilyn trabalhava de dia, fazendo pequenos papéis no cinema, e estudava à noite na Universidade da Califórnia, onde se inscreveu em cursos de História da Literatura e História da América. Tinha uma biblioteca de 500 livros, bem escolhida, e o seu interesse pela literatura enquadrava-se num deliberado desejo de se cultivar. Fê-lo com sucesso, e este livro é uma prova disso, já que, estando organizado cronologicamente – ainda que, na ausência de datações, a sequência seja muitas vezes especulativa –, mostra a evolução da escrita, que começa por ser um tanto básica, gramaticalmente desconexa e salpicada de erros de ortografia para se tornar mais segura. O volume abre com um longo texto em que a actriz evoca uma relação que teve na adolescência com um homem Não existe nenhuma obra de Marilyn, para lá da que resulta do conjunto das suas interpretações no cinema, ainda hoje subestimada de 21 anos, possivelmente o seu primeiro marido, o marinheiro James Dougherty. Explica que era um dos raros homens pelos quais, nessa época, “não sentia repulsa sexual”. Um termo forte, que poderá explicar-se pelos presumíveis abusos de que terá sido vítima nas casas de acolhimento por onde passou. A insegurança e a inibição sexual são tópicos constantes nas suas notas. “Mesmo fisicamente tive sempre a certeza de que qualquer coisa em mim estava errada”, escreve em meados dos anos 50. Mais surpreendente é encontrarmos a mesma insegurança no que respeita à representação. “Ponho-me diante da câmara e a minha concentração, e tudo o que tento aprender, desaparece”. Antes de uma rodagem, escreve: “Estou a tentar arranjar maneira de interpreter este papel… Como é que poderei ser essa rapariga tão alegre?”. Essa aguda consciência do abismo entre a imagem que projecta – a grande actriz de cinema, a sedutora de poder magnético, o símbolo sexual – e a imagem que tem de si própria (não necessariamente mais verdadeira do que a anterior), exprime-a de forma lapidar nesta frase. “Sou uma dançarina que não sabe dançar”. Pouco antes de se envolver com o dramaturgo Arthur Miller, a actriz, que já tinha sido casada duas vezes – a segunda com Joe DiMaggio –, encara as relações sentimentais com notório cepticismo: “Só uma parte de nós consegue alguma vez tocar uma parte de alguém”, diz, “e o mais a que podemos aspirar é a procurar a solidão do outro”. Mas o seu casamento com Miller parece demolir todas as reservas. É a época, efémera, dos seus textos mais felizes. “Ter o teu coração (…) é a única coisa que alguma vez me aconteceu completamente”. Um paraíso de que não tarda a cair, regressando aos apontamentos melancólicos e auto-depreciativos. Um dos textos mais estranhos é a descrição de um sonho em que Strasberg, vestido de cirurgião, a abre, sob o olhar de Miller, e tudo o que sai de dentro dela é serradura. E um dos textos mais notáveis é a carta que escreve ao psiquiatra a queixar-se do tratamento no sanatório onde foi internada, ao mesmo tempo que discute o filme “Os Inadaptados”, evoca a relação com Kazan ou a influência de Strasberg, explica que lhe bastou um retrato de Freud para perceber que era “um deprimido”, e ainda cita Milton: “As pessoas felizes nunca nasceram”. Mas este livro não mostra apenas uma Marilyn sombria. São também frequentes as referências a episódios felizes, como uma calorosa viagem de camioneta com 60 pescadores italianos – “nunca conheci cavalheiros mais encantadores” –, ou, mesmo no fim da vida, as notas que revelam que continuava a procupar-se com o quotidiano, organizando listas para festas, passando receitas de cozinha, confiando a Strasberg a sua intenção de montar uma produtora, em associação com Marlon Brando. Mesmo quando está mais em baixo, o tom é quase sempre o de alguém que quer reerguer-se, e não o de alguém que encara matar-se. EDUARD STAN Recital de Piano INAUGURAÇÃO DA FESTA DA FRANCOFONIA 4ª TEMPORADA MUSICAL ROMENA EM PORTUGAL PALÁCIO FOZ, LISBOA: 14 DE MARÇO DE 2011, 19H00 CASA DA MÚSICA, PORTO: 16 DE MARÇO DE 2011, 19H30 NELSON GARRIDO O livro que publicou o ano passado em Espanha, “La Luz es más antigua que el amor”, foi uma forma de Ricardo respirar outro ar, depois de concluída a Trilogia do Mal com “O Revisor” “Quando o primeiro comboio foi pelos ares, derramando sobre as nossas pequenas e esforçadas vidas um aluvião de sangue, cólera e medo, eu estava sentado diante da minha velha mesa de freixo australiano e corrigia umas provas de ‘Os Demónios’ de Fiódor Dostoiévski.” Eis o primeiro parágrafo de “O Revisor”, de Ricardo Menéndez Salmón, que encerra a Trilogia do Mal (“A Ofensa”, “Derrocada” e “O Revisor”) publicada em Portugal pela Porto Editora. Dentro da história da literatura, a obra de Dostoiévski gerou muitíssimos diálogos. Era o livro favorito de Albert Camus (Nobel 1957) e J. M. Coetzee (Nobel 2003) escreveu todo um romance sobre a sua origem (“O Mestre de Petersburgo”). Agora o espanhol Ricardo Menéndez Salmón incluiu-o na narrativa de “O Revisor”, romance que se passa no dia dos atentados terroristas em Madrid, o 11 de Março de 2004. Vladimir, o narrador, é um revisor que tem o russo por seu escritor favorito. “‘Os Demónios’ foi escrito há 140 anos e, surpreendentemente, continua a falar com muita força ao coração dos homens e mulheres do século XXI. Fala sobre a natureza humana e como, na minha opinião, esta não muda com o tempo: o livro permanece inamovível, apesar de os tempos históricos e as sociedades serem outros”, diz-nos Ricardo Menéndez Salmón. “O romance de Dostoiévski reflecte com enorme intensidade sobre a capacidade de manipulação dos indivíduos.” Era o que lhe interessava aproveitar para o livro. Não foi o primeiro escritor espanhol a abordar os atentados de 2004. Mas os outros aproximaram-se do assunto, “única e exclusivamente”, do ponto de vista emocional: romances sobre a dor, sobre sentimentos. Menéndez Salmón queria que o seu livro tivesse também uma dimensão política. Queria quebrar um “tabu”, o de que o escritor não deve ser contaminado pelas circunstâncias políticas, o que na sua opinião deixa temas inéditos na literatura espanhola. “Por exemplo, a monarquia, o questionamento do modelo de Estado que temos, a possibilidade de uma Espanha republicana”. Na verdade o que o “convidou a dar forma literária” aos atentados foi uma comissão senatorial em que o antigo presidente do Governo ratificou as ideias que defendera naqueles dias de Março. “José María Aznar reiterou a sua ideia de que os autores intelectuais e materiais daquele atentado provinham do mundo etarra depois de ter havido uma investigação pericial e policial. Isso provocou em mim uma indignação”, explica. Salmón confessa ser-lhe difícil transmitir a um estrangeiro como se viveram aqueles dias em Espanha, com que grau de intensidade. “Há um antes e um depois na História recente do nosso país. Aproximar-me do tema exigia uma certa distância para que os sentimentos não ficassem contaminados, por estarem tão próximos do que tinha sucedido.” Mas ao mesmo tempo, sentia que a literatura tinha a responsabilidade de dar conta do que se tinha passado. Não do ponto de vista emocional ou sentimental, mas do ponto de vista da intervenção no terreno político. Quis falar do “tipo de discurso que se lançou desde o poder a propósito do que sucedeu. E que foi, ao fim e ao cabo, o que motivou as mudanças fundamentais na sociedade espanhola naqueles dias.” Espanha unida pelos atentados Ricardo Menéndez Salmón sentiu que a literatura tinha a responsabilidade de dar conta do que se passou a 11 de Março de 2004, em Madrid. Escreveu “O Revisor”. Isabel Coutinho 12 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon O paradoxo © António Duarte Martim Pedroso A Philosophia do Gabiru O momento é único: vai perder-se amanhã. 10 a 14 Março segunda a sábado 21h30 | domingo 18h00 12€ / Com desconto 6€ | M/16 no âmbito da rede co-financiado por dança Xavier Le Roy Product of other circumstances Será possível aprender a dança japonesa butoh em apenas duas horas? Xavier Le Roy fala das suas pesquisas e dúvidas. Um percurso fascinante, entre o rigor científico e a intuição artística. 17 e 18 Março 21h30 12€ / Com desconto 6€ | Em inglês sem legendagem M/3 www.teatromariamatos.pt Co m pr a l in e Na sua opinião, os atentados de Madrid criaram uma identidade. “Um acontecimento tão dramático, tão terrível, tão trágico foi um aglutinador de uma identidade nacional que foi sempre dispersa. Todos sentimos que fazíamos parte do que a Espanha pode representar como ideia, como imaginário, e que havia sido atacado e agredido naqueles dias.” “O Revisor” está escrito na primeira pessoa. “Nunca tinha escrito nada na primeira pessoa, a não ser algum relato e o meu último romance - que saiu agora em Espanha - tem fragmentos publicados na primeira pessoa. Surgiu de um modo natural, durante o processo nunca duvidei desta opção. Ao fim e ao cabo é uma voz muito pessoal a que nos acompanha ao longo da narrativa e há muito de mim na personagem de Vladimir. É um livro onde a ficção e a autobiografia dialogam com intensidade.” Há fragmentos que realmente são reais. Por exemplo, quando Ricardo começou a escrever este livro, em 2005, era desconhecido em Espanha. Editava em pequenas editoras, era revisor e várias vezes sentiu a tentação de abandonar a carreira de escritor. “Em toda a autobiografia há elementos de ficção e em toda a ficção elementos autobiográficos. Neste livro tudo isso está unido e é difícil de separar o que é realidade do que é ficção. Mas alguns dos episódios que se contam são da minha vida, parte da recriação do dia de trabalho da personagem parece-se à minha vida, parte das pessoas que me rodeiam são como eu as apresento no livro”, conta. Neste livro o poder é manipulador, o poder é mentiroso. Vladmir, a personagem principal, indigna-se mas ao mesmo tempo ele próprio esconde uma pequena (grande) mentira. “Pareceu-me que esse era um bom retrato. Por muito transparentes que queiramos que os demais sejam, por muita procura da verdade, também guardamos nas nossas vidas os nossos esqueletos nos armários. Pareceu-me interessante introduzir essa vida dupla do protagonista como um espelho em que mirar-se. Também acredito que naqueles dias o que sucedeu em Madrid obrigou-nos a olhar para dentro. Mostrou-nos como é frágil a nossa vida num contexto de terror. Tivemos um momento para ajustar contas connosco, com os seres que amamos, que perdemos, com os seres que ganhamos ou nos ganharam. Deu-se esse duplo movimento para fora, de expressão de uma dor, e para dentro, de reflexão sobre a fragilidade da vida. Por isso o romance tem um final com esperança. Neste caso, o amor pode ser em momentos de grande dor uma amarra, um refúgio onde se pode encontrar alívio.” A Trilogia do Mal começou com “A Ofensa”, seguiu-se “Derrocada” e “O Revisor”. Quando acabou Ricardo sentiu necessidade de respirar outro ar. O romance que publicou em Espanha o ano passado, “La Luz es más antigua que el amor”, é um livro sobre pintura e a criação. “Sobre capacidade da arte para consolar-nos, para ser uma janela de esperança dentro de um mundo que às vezes é intolerável”. On A acção de “O Revisor” começa às 7h38 com a primeira explosão na estação de Atocha e termina à meianoite desse dia. Tal como a personagem principal, Ricardo Menéndez Salmón não estava em Madrid quando ocorreram os atentados. Viu pela televisão. Recorda que passou por várias fases. “Primeiro, a incredulidade. Chegavam-nos as primeiras notícias a dizer que acontecera um atentado em Madrid e o número de mortos não parava de aumentar. Apesar de pertencermos a uma sociedade que vive há 40 anos com o terrorismo etarra, havia uma dimensão nova. Nunca tínhamos enfrentado um acontecimento dessa magnitude. Parecia uma operação militar, com explosões em locais distintos, sincronizadas, era indiscriminado demais. O terrorismo etarra - habitualmente dirigido a militares, políticos, forças armadas, polícias - é selectivo. Neste caso foram ataques feitos, pela manhã, a comboios que levavam gente que ia trabalhar. O que gerou nas pessoas uma suspeita, havia algo raro, que não encaixava naquilo que conhecíamos”, acrescenta. Por outro lado, lembra, todas as pessoas tinham na cabeça o contexto do país, a intervenção de Espanha na Guerra do Iraque, o único país europeu, além do Reino Unido, que apoiou a intervenção. “Todos percebemos que aquilo levava a marca de uma vingança, de uma resposta à atitude do nosso país num conflito injusto, no sentido de que se organizou em torno de uma mentira. Todos vimos as fotos dos Açores: Durão Barroso, Aznar, Bush e Blair.” Rapidamente apareceram pistas e as televisões de todo o mundo, principalmente as norte-americanas, indicavam que a raiz dos atentados era islâmica. “Estávamos a receber a informação em directo mas sempre através de filtros e de simulacros: telefone, televisão, net. A informação que recebíamos por parte das autoridades em Espanha não era a mesma que estávamos a receber dos jornalistas de todo o mundo. Era um paradoxo. Estávamos a ser informados do que acontecia no nosso país através dos meios de comunicação estrangeiros. Como se o mundo tivesse recebido a informação fidedigna, verdadeira, verídica antes dos protagonistas daquele acontecimento, que éramos nós, os espanhóis. Naqueles dias houve um sentimento no país de que todo o mundo esteve em Madrid.” Ricardo Menéndez Salmon hesita por momentos e avisa que o que vai dizer pode parecer demasiado forte. teatro © Luc Vleminckx “Todos sentimos que fazíamos parte do que a Espanha pode representar como ideia, como imaginário, e que havia sido atacado e agredido naqueles dias” tel. 218 438 801 Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 13 Abel Ferrara o caça-fantasmas “Existe lá qualquer coisa”, diz-nos Abel Ferrara. Memórias de um espaço assombrado, o Chelsea Hotel, pelos fantasmas de Sid, Nancy, Janis e de todos os outros. Helen Barlow “Foi sempre pre um local selvagem, infernal. Mas não é espelunca. ca. Custa dinheiro heiro percorrerr as salas onde Dylan an Thomas andou ou morreu ou se embebedou bebedou ou o que querr que seja” 14 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon “Os residentes no hotel agradeceramme. Foi quase como aconteceu com ‘The Thin Blue Line’, em que o documentário o ajudou a resolver os seus problemas [filme, de 1988, de Errol Morris, sobre Randall Dale Adams, condenado à morte por um crime que não cometeu e que o filme contribuiu para solucionar o caso]” Apesar de ser um visitante assíduo, Ferrara nunca viveu no hotel. “Houve drogas, prostitutas, e cantores famosos, músicos e actores que viveram lá”, conta, “mas a energia do hotel foi sempre maior do que as pessoas que viviam nele. Existe lá qualquer coisa, num sentido físico. Quer seja o fantasma do Sid Vicious ou de outra pessoa qualquer, existe uma razão para a arte ter surgido lá, e continuar a surgir. Actualmente, são os pintores os heróis daquele edifício. No início eram os músicos. Acontece que foi construído com paredes grossas. Não é fácil encontrar um local sossegado em Nova Iorque, e é essa a razão por que os músicos podiam ficar lá, porque podiam tocar música a alto volume.” “Chelsea on the rocks” foi exibido em Cannes 2008, seis meses antes de a crise económica global ter posto a economia mundial de rastos. O já falecido Dennis Hopper, um dos “habitués” do Chelsea e um dos entrevistados no documentário, apareceu na conferência de imprensa. “Senti-me protegido lá, muito seguro”, relembrou. “Bob Dylan andava por lá, foi um tempo criativo maravilhoso, muito aventureiro. Vivíamos todos no limite – não sei bem no limite de quê, mas vivíamos no limite disso. Alguns de nós caímos no buraco e alguns de nós ficámos à beira e alguns de nós conseguimos sair de lá, mas foi um tempo especial. Nunca me esquecerei dele.” A saga de Sid e Nancy Mas, mais do que com qualquer outra coisa, Ferrara ficou apanhado pela saga de Sid Vicious e Nancy Spungen. “O ‘manager’ deles, Malcolm McLaren [que morreu em 2010], foi o único que queria uma pipa de dinheiro para ser entrevistado. ‘Onde é que está o cheque? Normalmente cobro 10 mil dólares, mas como és meu amigo faço por 5 mil.’ Disse-lhe: ‘obrigado, mas esse é o dinheiro que eu vou ter para fazer todo o filme’.” E se as imagens dos Grateful Dead ficaram de graça após um jantar amigável, já o dono de bobines de filme em que apareciam Sid e Nancy no hotel também exigia somas avultadas. Assim, Ferrara filmou a sua versão da noite da morte de Spungen no hotel em 1978, com Bijou Phillips, Jamie Burke, Adam Goldberg e Giancarlo Esposito nos papéis de Nancy, Sid e os traficantes de droga que, segundo acreditam alguns, a mataram. “É só desse espisódio que as pessoas falam quando passam pelo edifício. Até lá chegar, eu sempre pensara que o filme em que Gary Oldman era o protagonista [“Sid and Nancy”, Alex Cox, 1986] representava a realidade. Mas disseram-me: ‘Não! O Sid Vicious nunca poderia ter morto a Nancy! Toda a gente sabe disso!’ Mas nem toda a gente sabia disso, e de repente trans- formou-se numa recriação do ‘American Most Wanted’ [programa de TV sobre criminosos procurados pela justiça]. Sabe, o Sid era uma superestrela, mas o que ninguém sabe é que havia naquele quarto 25 mil dólares de quando ele cantou ‘My way’ na televisão francesa e que esse dinheiro nunca foi encontrado. Eu não queria fazer um filme sobre o Sid e a Nancy; eu nem queria falar dessa história. Mas não se consegue evitar.” Ferrara decidiu não indicar com legendas quem eram os entrevistados. “Em que altura é que se pára? Não se põe o nome por baixo de Andy Warhol, mas põe-se o nome por baixo do tipo que vem a seguir? Tivemos lutas tremendas na sala de montagem. Se é o Joe Smith, o que é que isso diz às pessoas? E se não sabem quem é o Andy Warhol, então não temos nada com que nos preocupar.” E isto foi outra razão, explica, para recriar a sua versão dos acontecimentos. “Aproximar-me da verdade através da ficção, utilizar actores para recriar acontecimentos, foi entrar em território novo para mim. Constantemente mudar e deitar abaixo a estrutura e não ficar preso à narrativa pura foi emocionante.” Quando lhe perguntamos acerca das suas memórias do hotel, fica nostálgico. “A primeira vez que lá estive? Oh, foi há muito tempo. A minha memória mais antiga é o Dee Dee Ramone a disparar uma espingarda de pressão pela janela. [Baixista, fundador e compositor do grupo punk The Ramones, morreu em 2002, aos 50 anos, de “overdose” de heroína.] E eu disselhe ‘Tem cuidado!’, e ele respondeu ‘Estou só a atirar aos pneus, Abel!’” “Foi sempre um local selvagem, infernal. Mas não é nenhuma espelunca. Custa muito dinheiro percorrer as salas onde Dylan Thomas andou ou morreu ou se embebedou ou o que quer que seja.” Pára, dando uma das suas risadas roucas. “Mesmo que seja só para ver outras pessoas à procura do fantasma de Bob Dylan – oh, ele ainda não é fantasma! –, mas todas essas pessoas que estiveram lá e morreram. Há qualquer coisa acerca daquele quel e e local, uma mística, que atrai as pessoas. A razão para isto, não sei, mas agora já sei muito mais do que sabia. sabi ia. É um local muito especial.” Ver crítica de filmes págs. 35 e segs Ferrara dirigindo a recriação do “episódio” Sid Vicious e Nancy Spungen VINCENZO PINTO/ AFP Tudo começou quando Abel Ferrara estava a ser entrevistado, para um documentário sobre o Chelsea Hotel de Nova Iorque, por Jen Gatien – a filha de um amigo, Peter Gatien. No seu estilo inimitável, o realizador nascido no Bronx decidiu que ele mesmo poderia fazer melhor. E Gatien não se importou. Dada a fumarenta e narcótica história do local, decidiu que a melhor opção seria fazer um misto de documentário e recriação. No final, acabou por usar material de arquivo, ficcionou e entrevistou. Gatien queria documentar o estatuto, passado e presente, do hotel, no momento em que este estava a passar por uma tensa transição: o estimado gerente do hotel, Stanley Bard, tinha sido despedido pelos novos proprietários, que queriam tornar o edifício num hotel de charme. Inquilinos de há muito foram ameaçados de expulsão, mas a Bolsa de Nova Iorque entrou em colapso e ninguém tinha dinheiro para avançar com um projecto que se opusesse esse ao do hotel de charme. “Quatro pessoas oas compraram o hotel mesmo antess do início da II Guerra por 50 mil dólares, lares, e agora tinham arranjado um grupo rupo empresarial para o gerir. Mas o grupo empresarial acabou por ser posto na rua [devido io]”, explica Ferrara. ao documentário]”, GARCIA ALIX As palavras, impotentes substitutos das coisas e do intervalo entre elas, não existem sem razão, peso, medida ou ordem. O mesmo se pode dizer de figuras de estilo como a hipérbole: pode ser usada a destempo, com exagero ou de forma gratuita, mas a sua existência é justificada perante tudo aquilo que parece ser maior que a vida. É o caso da infinita voz de Fátima Miranda, descrita vez após outra em registo hiperbólico – não porque quem sobre ela escreve padeça de ciclotimia literária, mas porque o que sai daquela garganta está para lá de todas as convenções. Possuída (é o termo) por mais oitavas que o determinado pelo Senhor quando desenhou a garganta humana, Miranda levou ao extremo, em discos como “Las Voces de La Voz” (1992) ou “ArteSonado” (2000), os limites do que entendemos por voz humana: não há canções aqui, há como que um recuo até ao momento em que começámos a usar a voz para comunicar. Uma voz assim implica dissenções: gente que ama e gente que odeia. Miranda, uma conversadora e pensadora nata, capaz de ficar duas horas a discutir o concerto que vai dar em Lisboa, sábado, na Culturgest, sabe disso: “Sinto-me muito amada”, diz, a rir-se,faceta que pode parecer improvável a quem só a conheça dos discos. “Quem gosta de mim gosta ferozmente. Ninguém vai a um concerto meu porque houve uma grande campanha de marketing ou porque é moda. Quando vão sabem ao que vão, ou vão para experimentar, com a cabeça aberta”. Canções com princípio, meio e fim Mas o mundo particular de Miranda, em que se recupera cantos diafónicos, se rouba gritos que soam a hienas (e que ela repetiu ao telefone, com um timbre imaculado), se põe a natureza em rebuliço nas cordas vocais, esse mundo vai alargar-se em Lisboa, como já se alargou na Guarda há meses, “O que é uma melodia? Olhe: [canta] tu tutu tutu tu tu tu tutu tu tu tu. Podia ser uma melodia infantil. Uma melodia são notas e o intervalo temporal entre elas” aquando da estreia mundial do espectáculo que agora a traz cá, “perVERSIONES”. Agora Miranda vai cantar canções dos outros. Canções mesmo, daquelas com princípio, meio e fim. E isto é o mais estranho que podíamos esperar dela. “Agora que estou consagrada”, diz, com um riso tremendo de quem acha inusitado poder ser consagrado, “pensei: ‘O que posso fazer para continuar a explorar?’ e o que me ocorreu é que nunca tinha cantado canções. O que é normal para os outros, as canções, para mim é estranho e difícil. Por isso é que chamo ao concerto ‘perVERSIONES’, porque não se trata de simples versões: eu interpreto aquelas canções ao ponto em que elas são minhas. Ou, pelo menos, torno-me coautora. Por isso é que no libreto do espectáculo vem o nome do compositor, não de quem cantou a versão mais conhecida da canção”. Este é um dos temas caros a Fátima Miranda, o da autoria. Por um lado não acredita na inovação. “Não inovas nada, mas podes criar”, diz. E isto fazse “roubando, o que é diferente de plagiar. Aquelas pessoas da música new age, copiam cantos ancestrais. Eu roubo-os, vou à raiz, e como não posso fazer igual descubro a minha forma de fazer, que se torna autêntica e nova”. Foi à luz desta necessidade de recuo às raizes (mas sem purismo), de procura do primitivo, que o espectáculo foi criado: Miranda procurou “o que haveria ainda nas canções por dizer, o espaço que ficara por explorar”, ou, tão simplesmente, o seu espaço. “Muitas destas canções”, refere, “já foram versadas centenas de vezes. Não faria sentido eu tentar fazer igual, pelo que criei um método de chegar a resultados diferentes”. O método é simples: adicionar um pianista, para mais um pianista “de formação clássica”, que, por exemplo, “nunca aprendeu técnicas de jazz”. É uma decisão radical para uma mulher que, até hoje, sempre actuou a solo, muitas vezes usando como acompanhamento materiais que estão longe de ser considerados instrumentos – aliás, lembra que no início da sua carreira “toda a gente [que fazia parte do seu grupo de improvisação] sabia tocar um instrumento” e ela “tocava tubos de PVC e de canalização”. O que une cada uma destas canções é apenas e só o amor de Miranda por elas. Há de tudo: o clássico “Cry me a river”, “Walk on the wild side”, de Lou Reed, a “Internacional, “Estranha forma de vida”, “La Llorona”, canções de Jobim, de Satie, de Fauré (um achado), de Kurt Weill. Estão organizados por temas, mini-ciclos, mas mais interessante que isto é ouvir uma mulher que tem um timbre perfeito cantarolar a melodia de “Walk on the wild the side” para explicar como é que uma canção funciona para ela: “O que é uma melodia? Olhe: [canta] tu tutu tutu tu tu tu tutu tu tu tu. Podia ser uma melodia infantil. Uma melodia são notas e o intervalo temporal entre elas. Não defendo uma voz pouco exacta nem deixo de defender. Há vozes academicamente inatacáveis que me deixam indiferente e há vozes pouco tratadas que me emocionam. E é isso que me interessa e é isso que quero partilhar”. Agora Miranda vai experimentar a normalidade. E isso, apostamos, será tudo menos banal. Fátima Miranda apresenta no seu espectáculo o que ainda há para dizer de canções como “Cry me a river”, “Walk on the wild side” (Lou Reed), a “Internacional, “Estranha forma de vida”, “La Llorona”, ou ainda canções de Jobim ou Kurt Weill Fátima Miranda vai dar cabo da normalidade Possivelmente, é a mais poderosa voz do mundo. Mostra em Lisboa o primeiro espectáculo em que canta canções “normais”. Mas com ela a normalidade não existe. João Bonifácio 16 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Chet com cobertura Aos 23 anos, Luísa Sobral estreia-se com “The Cherry on My Cake” e faz da intersecção entre jazz e pop o seu território. Uma Norah Jones à portuguesa que soube esperar pelas suas canções. Gonçalo Frota Chet Baker, câmara improvável para uma voz milagrosamente poupada pela decadência, é uma das maiores referências de Luísa Sobral. Com ele, aprendeu as melodias rigorosas dos standards de jazz e a ir atrás dos solos Heroinómano, alcoólico, com mais 15 anos na cara e no corpo do que o oficialmente inscrito no BI, gasto, estafado, acabado, caído em desgraça – até literalmente, de um segundo andar de um hotel em Amesterdão. À partida, esta imagem em nada coincidiria se justaposta com a figura alva, delicada, jovem, pop, um cupcake no lugar de uma garrafa de uísque de Luísa Sobral. Mas Chet Baker, câmara improvável para uma voz milagrosamente poupada pela decadência, é uma das maiores referências da cantora portuguesa. Com ele, aprendeu as melodias rigorosas dos standards de jazz e a ir atrás dos solos. Como não era propriamente um cantor, explica ela, Baker não faz das melodias festivais aéreos com loopings e voos picados. Ouve-se na certeza de que a voz faz uma rota directa, sem desne- cessárias escalas circenses de virtuosismo musical. E depois, claro, o charme transportado em cada sílaba, que parecia pisada e esmurrada antes de poder ser cantada. Chet Baker chegou-lhe aos ouvidos através de um amigo, quando frequentava a prestigiada Berklee College of Music, em Boston. Matriculou-se após um 12º ano feito já nos EUA, de qual recorda sobretudo ter pertencido a uma daquelas orquestras que desfila antes de qualquer evento desportivo. Nessa altura, foi percussionista, mas quando voltou no ano seguinte sabia já que era para se dedicar a estudar um jazz do qual pouco sabia. Tinha pouco mais do que uma convicção a martelar-lhe a cabeça de que o caminho deveria ser aquele. Antes de embarcar para a Berklee pediu ao pai aconselhamento e este, sem Luísa em ponto de maturação. Ela olhava, sim, mas apenas via uma miúda desfocada. Recusou por não se sentir preparada, por achar que as suas composições não honravam ainda as suas referências, por lhe cheirar rar distintamente à ausência de uma palavra a dizer relativamente ao reporortório que lhe seria dado a cantar. “Não Não estava confortável com quem era, pororque sabia que precisava de aprender der mais, de estudar, de experimentar tar coisas, músicas e pessoas diferentes. es. Agora sim, sinto que estou preparada ada e orgulhosa do que estou a fazer”. Em vez de abocanhada, mastigada e cuspida assim que passasse o fugaz fogacho do programa, Luísa contou até dez, virou as costas à tentação de um pequeno sucesso momentâneo e preferiu ir reclamar o seu anonimato no meio de uma série de desconhecidos também à procura da sua encruzilhada. Apesar das viagens realizadas com os pais, turisticamente, que a tinham levado a África, à América do Sul ou à Ásia, teve o bom senso de não achar que havia já comido do mundo o suficiente para que pudesse deitar cá para fora música vivida. Antes sequer de poder exibir orgulhosamente quaisquer marcas de guerra, não valia a pena tornar as suas canções públicas. Seria como lançá-las para fora do ninho antes de aprenderem a bater as asas. Finda a experiência de Berklee, não era certo para Luísa que o seu futuro musical passasse por Portugal. Depois da faculdade, fez o que quase todos fazem: foi tentar a sorte para Nova Iorque. E fez o que quase todos fazem: não resistiu muito tempo a uma vida de músico que trata os principiantes com dureza. Se até mesmo os consagrados têm muitas vezes de tocar em hotéis e restaurantes para sobreviver – os clubes são uma miragem e mais ideia romântica do que realidade que permita a subsistência –, aqueles que chegam e tentam vingar acabam por trocar com naturalidade a luta por oportunidades mais perto de casa. Luísa tinha visto de um ano, queria tratar das papeladas para obter o visto de artista, mas depois surgiu a possibilidade de regressar a Portugal e aceitou o desafio. Em Nova Iorque, trabalhava das nove às seis num café e depois passava as noites a cantar em restaurantes. Dava para a renda e pouco mais. “Ainda nem sequer tinha conseguido começar a tocar a minha música. Eles Só esteve seis meses em Nova Iorque, a cidade nunca ouviu as suas canções, mas acredita que pode acontecer-lhe o mesmo que a Björk e conquistar o mundo a partir de um país periférico não pagam muito bem e é quase impossível. Lá, se não quisermos tocar em restaurantes temos de pagar para tocar ou fazê-lo de graça e esperar pelas gorjetas. É um investimento começarmos a tocar as nossas composições”. Luísa tinha acabado de gravar um EP, mas nem de olhos semicerrados atrás de binóculos avistava um fim para aquela vida de Nova Iorque, e numa vinda a Portugal as suas canções foram parar aos escritórios da Universal. Só esteve seis meses em Nova Iorque, a cidade nunca ouviu as suas canções, mas acredita que pode acontecer-lhe o mesmo que a Björk e conquistar o mundo a partir de um país periférico. Por cá, dificilmente não ficará conhecida como “a Norah Jones portuguesa” – falem-lhe de Jones e Regina Spektor e aquilo que ouve são elogios –, por lá, era mais uma cantora de jazz com uma vantagem: cantava bossa nova com um sotaque irresistível para os norte-americanos. Mas o câmbio do “exotismo” não está em alta nos valores de Luísa Sobral. Ver crítica de discos págs. 33 e segs. ser um entendido, prescreveu-lhe uma receita infalível: “Tens de ter a Ella Fitzgerald, o Miles Davis, o Coltrane e a Billie Holiday”. A partir daí, a árvore estava plantada; o resto das referências havia de crescer a partir deste tronco. A recusa Luísa Sobral tinha 16 anos em 2003, altura em que foi finalista do concurso de talentos “Ídolos”. Andou por lá a cantar Shakira, Rui Veloso, Michael Bolton, Zeca Afonso, Fun Lovin’ Criminals, John Lennon ou Ala dos Namorados, uma amálgama própria da indecisão da idade. Na altura, foi abordada para editar um primeiro disco, mas não deixou que a sua própria imagem ficasse suficientemente deformada pelo espelho que as editoras lhe mostravam e que lhe devolviam uma Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 17 HERMAN SOGELOOS Anne Teresa, a memóri Chega amanhã a Guimarães com “Rosas danst Rosas”, clássico da dança contemporânea que criou em 1983. Foi a peça que nos mostrou de que matéria era feita esta rapariga que, até hoje, não sabe explicar o que faz. Tiago Bartolomeu Costa Nos últimos anos, Anne Teresa de Keersmaeker regressou às suas primeiras peças (“Rosas danst Rosas”, de 1983, mas também “Fase”, do ano anterior) não para as fixar mas porque tem “uma relação muito forte com elas” Anne Teresa De Keersmaeker não gosta de dar entrevistas. “Não me é fácil falar do meu trabalho. Prefiro não o fazer.” Ouvimo-la respirar fundo. Não será a única vez ao longo da brevíssima conversa telefónica que, excepcionalmente, acedeu dar. Diz que fica incomodada com o facto de ter de explicar o seu trabalho. Diz que prefere deixar que as coisas se percam a ter de fixá-las por palavras. Diz que não gosta da ordenação. Mas esta é, afinal, a melhor forma de resumir o conflito no qual sustenta o seu trabalho: uma oposição entre um movimento formal, quase evidente, e o modo como ele se vai desmontando, de sequência em sequência, como se fosse feito de fios que se enrolaram, e cujas pontas se perderam com o tempo. Parece também perdida no tempo a estreia de “Rosas danst rosas”, a peça que amanhã se apresenta no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e que faz parte do programa da primeira edição do GuiDance, o festival internacional de dança contemporânea da cidade. Estávamos em 1983 e Anne Teresa oficializava, aos 23 anos e com esta peça, a constituição, em Bruxelas, da sua companhia, a Rosas, que viria a transformar-se num dos motores da revolução coreográfica europeia. “A coreografia é uma necessidade, era inevitável. Nunca fui capaz de me apropriar dos gestos dos outros”, justificava-se, dez anos depois da criação da companhia. A peça foi interpretada por um elenco de 13 bailarinas, em que figurava o núcleo fundador da companhia Rosas: Anne Teresa, Fumiyo Ikeda, Michele Anne De Mey e Adriana Borriello, bailarinas que encontrara na famosa escola de Maurice Béjart, a Mudra, onde estudara. 18 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Não é a primeira vez que a peça se apresenta em Portugal. Em 1987, “Rosas danst Rosas” esteve nos Encontros ACARTE, da Fundação Calouste Gulbenkian (e encontra-se quase na totalidade no You Tube). Na altura, o crítico do “Expresso”, António Pinto Ribeiro, focou-se nos sapatos das bailarinas (os “roots”) para explicar o movimento que faziam, e a diferença que logo ali se estabelecia com o que estávamos acostumados a ver. Com o calcanhar acima da restante sola, “o corpo do bailarino desloca o seu habitual centro de gravidade e é obrigado a impulsionar o corpo no sentido contrário ao que lhe é habitual. Com os ‘roots’ o bailarino está em permanente desequilíbrio, em permanente suspensão”, escrevia. Não eram só sapatos, eram “utensílios da transubstanciação (...), o espírito da dança, a razão do júbilo e da festividade que caracteriza cada um dos seus espectáculos”. Kersmaeker diz que “cabe aos críticos lerem as peças numa perspectiva histórica”. E acrescenta: “Nessa altura eu dançava nas peças, e as peças reflectiam o meu modo de pensar, o movimento que me era natural, e que fazia sentido como mulher. As minhas primeiras peças eram explicitamente femininas. Conhecia menos bem o corpo masculino”. Numa entrevista publicada dez anos depois de “Rosas danst Rosas”, num livro que reúne fotografias de Herman Sorgeloos, tentará uma outra aproximação: “É difícil encontrar bons bailarinos homens. No clássico é mais fácil: os corpos e os movimentos são dados, são codificados. Para o que quero fazer, preciso de um certo refinamento, mas não um refinamento clássico. Uma elegância que não fosse nem feminina nem masculina... “Estava curiosa, como quando vamos ao sótão. Não tem nada a ver com nostalgia. Como fonte de energia, a nostalgia gasta-se muito depressa. Devo agora explicar [o que fiz] aos outros. Isso arrasta uma espéciee de tristeza. E a sensação de um corpo po que envelheceu” Isso preocupa-me. E creio que é importante.” e, é Essa elegância, explica-nos hoje, o próprio modo como a peça se articula: “Tecnicamente, o vocabulário ário é muito preciso. O modo como se ordena no tempo e no espaço pode, por momentos, parecer muito complexo, exo, mas é altamente articulado.” Lembrar e esquecer “Rosas danst Rosas” sustentava-se -se numa relação muito estreita entre re as música e coreografia, desenvolvidas em simultâneo. Assinada por Thierrry De Mey e Peter Vermeersch, a ibanda sonora marcava os movi- mentos com um ritmo que ia ocupando o espaço em seu redor, definindoos, ampliando-os. “A relação que se estabelece entre música e coreografia, quando ambas são escritas ao mesmo tempo, é absolutamente única”, dizia em 1994 em entrevista ao PÚBLICO. “Esta exagerada naturalidade que responde às frustrações da vida é uma imagem poderosa que se concilia com uma exigente banda sonora percussiva”, escreveu Sandra Genter num perfil da coreógrafa publicado em 1999. g q “As imagens que g guardo estão, sobretudo, no corpo e na mente, não no papel”, diz-nos. E é tudo. É preciso regressar a uma conversa publicada nesse livro de Sogeloos para a ouvir falar do que significa regressar a uma peça tão fundamental: “As únicas coisas importantes deviam ser os vestígios que as “Rosas danst Rosas” apoiase em acções muito concretas, movimentos que eram naturais à coreógrafa, como mulher e como bailarina HERMAN SOGELOOS ria dança? representações deixam na cabeça, no corpo e, sobretudo, no espaço que elas criam no espírito.” Então porquê regressar? “Um ‘remake’ de um espectáculo é, evidentemente, outra coisa: é preciso voltar a trabalhar. Eu regresso a espectáculos como ´Fase’ [a sua segunda peça, de 1982] ou ‘Rosas danst Rosas’ não para os fixar, mas porque tenho uma relação muito forte com eles. Estava curiosa, como quando vamos buscar algo ao sótão. Não tem nada a ver com nostalgia. Uma remontagem como ‘Rosas danst Rosas’ exige muito trabalho; como fonte de e energia, a nostalgia gasta-se muito dep depressa. O que parecia muito evidente na primeira versão, aquela na qual dancei, d devo agora saber explicar aos outros, explicar-lhes fisicamente, co convencer. Isso arrasta uma espécie de tristeza. Há uma inocência, uma evid evidência, que se perde. E a sensação de um corpo que envelheceu. É sobretu sobretudo o corpo que se dá conta das coisa coisas, que se recorda”. Hoje, quando q tem de explicar às bailarinas o que devem fazer, substitui a ideia de repetição pela de confiança: “O que se deve fazer está contido nos movimentos, e a dada altura é precimovimen so confiar nisso”. Em 1994, explicava ao PÚBLICO: “Não p ttenho um método único, as ssoluções encontram-se de ob para obra, não tenho obra uma fórm fórmula estabelecida. É verdade que os bailarinos ba têm um importante papel na criação do vocabulário coreográfico e no interior da peça, mas reográfic é difícil d definir o processo.” Hoje di diz-nos que “havia desde o inicio coisas naquelas peças” que indicavam pa para “uma coerência formal abstracta que excluía uma carga emocional”. Acções. A Sentadas em cadeiras, as m mulheres levavam as mãos à A maior exposição de equipamento de áudio em Portugal. O melhor do Som e da Imagem em Estreia Mundial. cabeça, juntavam-nas no ventre, deitavam a cabeça no chão, ajustavam a roupa, preenchiam uma mão com um dos seios, dobravam os braços sobre o abdómen, caíam e rebolavam no chão, por cima umas das outras, sentando-se umas em cima das outras... Este retrato íntimo “era uma peça de assinatura”, descreveu Sandra Genter. Hoje, Anne Teresa diz que, na passagem da peça a outras bailarinas, fala muito com elas. E defende ainda o que disse em 1994: “Interessa-me usar as personalidades dos bailarinos, pôr em evidência a sua individualidade. Cada bailarino tem a sua identidade, e logo uma influência na escolha do movimento. Isso mexe com o trabalho.” E acrescenta, agora: “O processo [de remontagem], alimentou-se de todos os pensamentos que, de alguma forma, estiveram lá no início”. Mas a memória dança? A resposta é de 1992: “Lembramo-nos de tudo o que é bem feito. Esquecemos tudo o que não é rigoroso. Comigo é assim. Tudo o que foi construído com uma certa lógica regressa rapidamente. Foi sempre mais difícil lembrar-me do que foi intuitivo. A não ser que isso traga um prazer excepcional ao movimento”. Coreograficamente, escreveu Maria José Fazenda, “a evolução do trabalho de Anne Teresa é marcada por um desvio para uma fisicalidade mais eufórica, jubilatória”. E, explica Sandra Genter, “nunca deixou de regressar às suas temáticas de referência, sobre o comportamento humano, revelando a sua ambivalência acerca da natureza e do papel do género feminino”. Diz-nos que “o indivíduo continua à procura de um lugar dentro do colectivo”. E ela? “Nos últimos dez anos tenho feito grandes peças para a companhia e peças mais pequenas onde eu danço. Todas são um lugar onde eu posso experimentar e preparar material. Sou uma coreógrafa mas sou, essencialmente, uma bailarina. E é isso que quero continuar a fazer”. Respira de alívio mesmo antes de desligarmos. Ainda se ouve na gravação. O mesmo sentido de explosão em cada movimento das suas peças. Uma coisa aspirada e explosiva. Como se o movimento fosse um buraco negro que tudo suga. Até as palavras dela. HOTEL VILLA RICA LISBOA Uma Organização: 18, 19 e 20 de MARÇO das 15 às 22 Horas (Domingo das 15 às 20 Horas) Ver agenda de espectáculos pág. 30 Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 19 Snohetta Os nórdicos que (também) constroem no deserto A obra mais conhecida do atelier de arquitectura Snohetta é a Ópera de Oslo. Mas uma exposição no Museu da Electricidade mostra como os mais famosos arquitectos noruegueses tanto sabem construir para sheiks árabes como para as famílias das vítimas do 11 de Setembro. Alexandra Prado Coelho Snohetta é o nome de uma das montanhas mais altas da Noruega, sempre coberta de neve. Todos os anos um grupo de arquitectos junta-se para a escalar. Vêm de um atelier de arquitectura chamado... Snohet20 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon ta, que fez a Ópera de Oslo (prémio Mies van der Rohe 2009) e que é o mesmo que está a construir um centro cultural em pleno deserto da Arábia Saudita. O que fazem os arquitectos nórdicos que escalam montanhas com neve num deserto escaldante? Jenny Osuldsen, uma das sócias dos Snohetta, veio a Portugal apresentar, na semana passada, a exposição sobre o trabalho do escritório no Museu da Electricidade, em Lisboa (iniciativa organizada pela Trienal de Arquitectura). Jenny é alta, loura, evidentemente nórdica, e transborda de energia entusiástica enquanto vai passando imagens num ecrã e explicando a forma de trabalhar dos Snohetta. Como foi o encontro destas arquitectas louras e decididas com os governantes sauditas? Foi precisamente a forma de trabalhar dos Snohetta – um enorme querem criar uma coisa nova. As mulheres que trabalham na Aramco são autorizadas a guiar carros, o que não acontece no resto do país. Por isso criámos uma faixa só para mulheres e assim elas poderão guiar de casa para o trabalho e estar sozinhas, que é outra coisa que não é permitida.” Outra contribuição da mentalidade nórdica foi o auditório. “Primeiro eles disseram que só podia ser para homens ou para mulheres, ou que teria que haver uma parede a dividir. Nós dissemos que não, que tinha que ser aberto. Vai ser importante com este projecto as crianças verem que as mães podem guiar sozinhas ou que as raparigas e os rapazes se podem sentar no mesmo auditório.” O ovni que pousou ali “open space”, em que os grupos de trabalho estão separados precisamente para obrigar as pessoas a percorrer o espaço e a falarem umas com as outras, o que acontece também muito na zona das refeições ou nos degraus a meio da sala – que começou por parecer estranha aos representantes da Aramco, a empresa petrolífera estatal saudita que está a construir o Centro para a Cultura e Conhecimento Rei Abdulaziz, em Dahran. “Houve cinco pessoas da Aramco sentadas no nosso escritório, em Oslo, durante um ano, trabalhando connosco”, conta Jenny ao Ípsilon no final da conferência. “Nós funcionamos num espaço aberto e eles queriam esconder-se por detrás de portas e de biombos. Nós dissemos que não e explicámos que era importante eles perceberem a nossa forma de trabalhar.” Ao fim de um ano, num discurso de despedida, o responsável desse grupo confessou que inicialmente se tinha sentido desconfortável e pensava que nunca iria funcionar mas que no final tinha visto outra forma de trabalhar e queria levar essa experiência com ele para a Arábia Saudita. Jenny tinha contado na conferência que a decisão de trabalhar para os sauditas não foi imediata. Os Snohetta discutiram entre si, mas acharam que, no final, podiam fazer a diferença – e não apenas em termos arquitectónicos. “Com este centro eles Nas imagens, o centro parece um objecto vindo de outro planeta ou outra civilização, qualquer coisa entre Stonehedge e a Ilha da Páscoa – um conjunto de pedras negras apoiadas umas nas outras que se erguem, misteriosas, contra o horizonte do deserto. A ideia, explica Jenny, surgiu a partir do programa apresentado e que pedia “uma série de espaços que deviam ter a mesma importância” e que incluíam uma biblioteca, um cinema, um espaço para exposições e outros. “Achámos que era muito difícil de o fazer num único edifício. Claro que podíamos pôr todos os espaços juntos, enrolá-los em celofane e fazer uma fachada fantástica”. Mas não era isso que queriam. Optaram por individualizar os espaços mas torná-los dependentes uns dos outros como um conjunto de pedras que se apoiam entre si em torno de uma pedra-chave. E regressaram a um conceito que já utilizaram em vários projectos e que tem a ver com o passado, o presente e o futuro – tudo parte de uma linha que define esses três tempos. O ponto em que a linha encontra o terreno é o presente, o que fica abaixo do solo o passado e o que fica para cima o futuro. “O ponto em que o terreno encontra a forma construída é muito importante para nós. É aí que acontecem muitas coisas.” Dá uma gargalhada. “Concordo que “Um projecto deve ser sempre construído a partir do local. Um objecto pousado nem sempre é tão interessante como isso. Se criarmos uma relação com os utilizadores, com o local, com os usos, conseguimos uma arquitectura muito mais profunda do que simplesmente construindo uma estrutura” Jenny Osuldsen quando se olha para este projecto ele parece um ovni que pousou ali. Mas quando se olha para o conceito percebe-se que existe o passado porque se caminha da superfície para o interior da terra, e aí usamos materiais muito low-tech que têm a ver com a geologia do país. Depois, quando começamos a chegar à superfície estamos no presente, e o que dizemos é que o futuro pode ser realmente um objecto vindo do espaço.” No entanto, a ideia de edifícios colocados no terreno sem qualquer relação com este – “objectos pousados” chama-lhes Jenny – não agrada aos Snohetta. “Um projecto deve ser sempre construído a partir do local. Um objecto pousado nem sempre é tão interessante como isso. Se criarmos uma relação com os utilizadores, com o local, com os usos, conseguimos uma arquitectura muito mais profunda do que simplesmente construindo uma estrutura.” Jogar com uma linha e com a relação entre o passado, o presente e o futuro era algo que já tinham experimentado no primeiro grande projecto que fizeram: a Biblioteca Alexandrina, no Egipto. Foi em 1989, eram ainda um pequeno atelier a tentar começar, e decidiram concorrer a este concurso internacional. “Quando recebemos a chamada a dizer que tinhamos ganho a linha telefónica estava má e nós percebemos terceiro (“third”) e não primeiro (“first”) prémio”, contou Jenny na conferência. Não queriam acreditar que lhes tinha saído a sorte grande. Criaram (projecto construído em 2001) então um edifício que é uma enorme disco solar junto à baía de Alexandria. “Empurrámos a tal linha para baixo”, resume. E parte do edifício levantou (é o futuro), outra parte ficou enterrada no solo (o passado) e a linha que toca o terreno é o presente. Nas paredes gravaram em pedra letras de todas as línguas do mundo. Acreditaram que este começo auspicioso lhes abriria outras portas no Médio Oriente – e isso veio a acontecer se bem que não tão rapidamente como tinham imaginado. Um dos projectos em que trabalharam (e que pode ser visto na exposição, apesar de não ter sido construído) foi o Portal de Ras al Khaimah, num dos emirados árabes. Aqui os governantes queriam construir uma cidade no deserto. Os Snohetta ganharam o concurso “apenas” para o Portal, o que significava já um quilómetro de comprimento, três hotéis, um centro de convenções, um centro comercial. “Era uma coisa do género ficarmos loucos no deserto, no tempo em que eles tinham dinheiro para tudo.” O que havia como paisagem eram dunas de areia. Por isso, “desenhámos o edifício como uma duna ou um tapete voador”. No início não tinha torre, “mas depois o cliente chegou e disse ‘onde está a minha torre?’ e então surgiu a cobra”, conta Jenny entre gargalhadas. O edifício, longo e ondulante, ergue-se a certa altura como se fosse de facto a cabeça de uma cobra. Mas se há sítios em que o que lhes é pedido é que não tenham limites, noutros é o contrário. É o caso do projecto para o Ground Zero, em Nova Iorque, o local onde até 11 de Setembro de 2001 se erguiam as Torres Gémeas – um pavilhão que serve de entrada para o Memorial Museum. No Um objecto vindo de outro planeta? Um centro cultural em pleno deserto na Arábia Saudita (à esquerda); projecto para o Ground Zero, em Nova Iorque (à direita, em cima); Biblioteca Alexandrina, 2001 local há duas grandes piscinas com enormes quedas de água onde antes estiveram as torres, e o projecto dos Snohetta tinha que respeitar todos esses elementos da envolvente. “Fomos cuidadosos a falar do que queríamos fazer, sobretudo com as famílias das vítimas. E sobretudo ouvimos muito”. Este era um edifício secundário e tinha que assumir essa condição. Mas o mais complicado é a segurança. “Tem mais segurança do que o maior aeroporto do mundo. Nada pode acontecer ali. Há tanta coisa que é preciso ter em conta que este não pode ser um edifício tão conceptual como outros que fizemos. Mas vão de facto construí-lo [deverá estar concluído em 2012] e isso é extraordinário”, diz, com mais uma das suas sonoras gargalhadas. “Conseguimos comunicar com toda a gente e não sermos postos fora. Construir um projecto como este é tão complicado como fazer parte de um processo de paz.” Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 21 NUNO FERREIRA SANTOS Olha para a “cena contemporânea” e sente poucas coisas: “as artes visuais interessamme muito pouco, até me enjoam. Prefiro viajar ou ir ao cinema” A exposição na Galeria Miguel Nabinho em Lisboa chama-se “Grandes mestre da literatura policial” e reúne um conjunto de pinturas feitas para uma exposição de Pedro Barateiro em Basel. São cerca de dez obras (carvão sobre tela pintada) com vistas de cidade e interiores de casas; pinturas que parecem desenhos atmosféricos. O título não tem qualquer explicação, até porque Ana Jotta (n. Lisboa, 1946) sabe não ter de responder a coisas que não lhe apetece, como diz. E na conversa com o Ípsilon não lhe apeteceu explicar o nome da exposição. Um apetite ao qual se pode acrescentar o instinto, o humor e a animalidade como as palavras convenientes para a descrever. Vive da paixão pelo trabalho, o qual diz a ser a coisa mais importante que há e à pergunta se há vida depois do trabalho responde, sem hesitação alguma, “claro que não.” Numa das novas pinturas lê-se “I hate your lazy eye” [detesto o teu olho preguiçoso], a única obra onde existe uma pessoa, mais do que uma crítica ao espectador ou ao mundo contemporâneo das imagens, trata-se de “conversar com o público” porque para a artista é importante “falar directamente com as pessoas.” Um “falar” que é mais da ordem do provocar: Jotta gosta de provocar sentimentos, experiências, movimentos. E fá-lo através de uma disciplina rigorosa do trabalho e de um assumir da sua actividade como magia ou, como gosta de lhe chamar “feitiçaria.” “Não me vejo como artista, nasci assim. Há pessoas que nascem com defeitos, eu nasci com este de ser artista. Nos nossos dias as pessoas estão mais dirigidas para portfolios e tecnocracia, burocracia e eu sou da velha escola. Sou uma feiticeira, uma bruxa ou uma mágica” Desde a sua primeira individual (1985 na EMI – Valentim de Carvalho) que Ana Jotta é um caso sério na arte portuguesa. E é-o devido à qualidade do que faz, à multiplicidade de coisas que produz e aos diferentes modos como desenvolve o seu trabalho, isto é, nunca se sabe o que vai fazer e é um problema para crítica porque não consegue com segurança ‘arrumar’ esta artista numa categoria estética. Podem ser esculturas, pinturas a pastel, óleo, desenhos, ecrãs, instalações, sons. Tudo lhe serve. A condição é a de os objectos feitos por si conseguirem transportar a energia que a bruxa-artista usou no seu fabrico. A magia dos objectos Diz Jotta: “Eu não faço ‘naturezas mortas’. O meu trabalho tem de ser fabricado pelas minhas mãos, porque só o meu corpo consegue fabricar aquele objecto que é igual a tantos outros, mas que por ter sido feito por mim já não é igual. O meu objecto é mágico, fala com as pessoas e transmite uma espécie de energia.” E acrescenta: “Os objectos têm de ter alguma coisa lá dentro, têm de ser autónomos. É como nas tribos antigas, os feiticeiros põem umas coisas ‘especiais’ dentro dos objectos que fabricam e só eles sabem o que está lá dentro. Acredito que os objectos têm uma vida própria.” E é esta vida que guia o fazer da artista. A magia não significa o resultado final do processo criativo, mas o modo como o trabalho surge. No seu caso, trata-se de um processo intuitivo e animal, porque, como diz, “não tenho ideias, tenho reacções” e A feiticeira Ana Jotta não se vê bem como uma artista, no sentido contemporâneo do projecto, do portfolio, das insituições e dos financiamentos. Diz: “Não me vejo como artista, nasci assim. Há pessoas que nascem com defeitos, eu nasci com este de ser artista. Nos nossos dias as pessoas estão muito mais dirigidas para portfolios e tecnocracia, burocracia e eu sou da velha escola. Sou uma feiticeira, uma bruxa ou uma mágica. Não acredito em santos, nem nessas coisas, mas acredito no espírito e que sou a mediadora de uma coisa que nem toda a gente pode fazer.” E na folha de sala, escrita por si, a apresentação da artista-feiticeira cuja acção e trabalho é fonte de revelações é ainda tornada mais clara: “já disse mil vezes, eu sou uma reveladora, por exemplo como os líquidos nas fotografias; um artista é um criador(a), não é um autor, uma autoridade. Eu revelo o que já existe, e que é bem visível, o espírito; eu revelo/mostro o espírito, eu Faço o espírito. Evidentemente.” E é este o contexto em que se deve entender tudo o que diz e faz. Os seus feitiços é fazer aparecer o espírito onde já só existiam coisas mortas, e matéria inerte. Fazer o espírito é sublinhar a abundância representada pela arte num mundo que, como Jotta diz a respeito de uma sua anterior exposição, é “uma estação rateira” e nós somos uma espécie de ratos. A artista-feiticeira Para Ana Jotta o trabalho é o mais importante que há e a arte é uma forma de transmitir energia e p 22 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon porque é “muito inconsciente e física” e “simplesmente faço coisas.” Trata-se de uma arte feita por reacção ao mundo entendido enquanto estímulo: “não projecto trabalho. As minhas séries acontecem e eu nem sei bem como. É quase como cair um tijolo na minha cabeça. Com toda a certeza isso está algures armazenado em mim, mas eu não sei de onde é que vem. Não é nada de intelectual, premeditado ou previsto. Como não sou opaca, as coisas têm os seus efeitos em mim.” E essas coisas podem ser tão estranhas como ratos de armas em riste, como figuras fantásticas ou delírios sexuais. Mas Jotta gosta de “pintar coisas clássicas: bairros, casas, casarios, etc.” Um gosto relacionado com a facilidade que tem em fazer o que quer, é uma virtuosa: sabe pintar de todas as formas, usando todos materiais e aplicando todas as técnicas. Uma facilidade depois traduzida numa enorme polissemia e variedade de trabalho. Lutar contra o jeito Ainda seja uma pintora exímia sabe bem que “não é o estar bem feito que faz uma boa pintura.” Diz que a arte não se ensina: “ninguém me ensinou a ser artista. Nasci com jeito natural, a única coisa que fiz foi desaprender o meu jeito: lutar contra essa facilidade. Podia ter sido uma muito boa falsificadora: posso pintar em qualquer estilo e em pequena passava horas a pintar notas de 20 escudos. Nasci com jeito para falsificadora, o qual não me serve para nada porque não é por ai que as coisas ganham vida.” Se se fizesse uma exposição imaginária de todos os seus trabalhos não se conseguiria identificar uma autoria, mas uma energia comum entre as coisas tão diferentes que fez nestes 30 anos de trabalho. Nega a autoria ou autoridade sobre uma linguagem ou conjunto de coisas, porque “somos feitos de milhares de coisas. E quanto mais sensíveis e inteligentes, mais pedaços soltos se tem dentro de si.” E é nesta estrutura de fragmentos e diferenças que está a ‘essência’ das coisas que faz. Dizer que não existe uma obra da qual se possa dizer ser uma “pura Ana Jotta” não significa um trabalho esquizofrénico, porque se se “olhar bem para os trabalhos percebe-se que é sempre a mesma pessoa. Quem está desatento pode não o perceber, mas existe um fio a ligar tudo.” A inexistência da essência da arte Jotta não é um modo de errância, porque para artista o seu trabalho, por mais indiferente e excessivo que seja, é sagrado. Sabe que faz “umas merdas”, mas por serem suas são “holly shit” (que também é o nome de uma sua instalação de 2005 em que a artista fez uma reprodução do interior do seu atelier): “é tudo um excesso e um lixo, mas o meu lixo é sagrado, porque tenho uma fé cega no trabalho.” E com isto não quer dizer que seja melhor que os outros, mas expressa a entrega dada em cada momento ao seu trabalho. A fé que diz ter implica uma prática da arte como exercício vital e acto insubstituível: “a fé é uma vitalidade ou uma energia que só alguns têm. E esta é a capacidade destas “coisas” feitas pelos artistas têm de falar com as pessoas. São as pessoas que fazem a continuação das coisas, porque se o espectador não tiver um sentimento as coisas estão mortas. Só com esta vitalidade a arte se pode manter viva.” E é esta falta de vitalidade que diagnostica da arte dos nossos dias. Olha para a “cena contemporânea” e sente poucas coisas, prefere ir ao cinema: “as artes visuais interessam-me muito pouco, até me enjoam. Prefiro viajar ou ir ao cinema. Há um ou outro artista que me dão uma energia maravilhosa, o que não tem que com o facto de serem artistas plásticos, mas sim por haver alguma coisa que me bate.” Mas é certo que lhe dá mais “alento ver um filme que uma exposição de artes plásticas.” Um dia perguntaram-lhe qual era “o cume da estética” e a resposta rápida e sem hesitações é que “para mim o cume da estética é uma sala de cinema às escuras e onde, de repente, sai a luz de um ecrã.” Portanto, o cume estético encontra-se num lugar escuro onde acontecem coisas inesperadas e mágicas: imagens a movimentar-se num ecrã que se parecem com as pessoas da vida real, feitas de carne e osso a provocar uma sucessão de sentimentos, experiências e movimentos internos. Concertos para Famílias DOMINGO, DE MARÇO, H GRANDE AUDITÓRIO DO CCB Orquestra Metropolitana de Lisboa Marina Camponês flauta Scott Sandmeier direcção musical obras de Ralph Vaughan Williams, Joaquín Rodrigo e Antonín Dvořák CO-PRODUÇÃO APOIOS PREÇO ÚNICO: 5€ SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA [email protected]; TEL: 213 257 640 SÃO LUIZ MAR~11 BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSAOLUIZ.PT, WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00 TEL: 213 257 650 / [email protected] www.teatrosaoluiz.pt Cristina Branco Não há só tangos em Paris 31 Mar 21h M/3 PRODUÇÃO APOIO À DIVULGAÇÃO provocar sentimentos. Nuno Crespo Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 23 Três pioneiros s na ordem d A exposição “Pioneers of the Downtown Scene, New York 1970s”, no Barbican, em e Gordon Matta-Clark para ilustrar o início do movimento artístico CAROL GOODDEN “Man Walking Down Side of Building”, 1970 No final dos anos 60, a Pop art estava na moda e Andy Warhol organizava festas glamorosas para artistas, socialites e celebridades na Factory em Union Square, Nova Iorque. Mas vinte quarteirões a sul, um novo movimento artístico estava a nascer como reacção à industrialização da arte na era da sua reprodutibilidade técnica. O movimento artístico da Downtown New York, no SoHo, surgiu como contraponto ao Minimalismo e à Pop art, mudando, através da interdisciplinaridade dos seus artistas e de um poderoso espírito de comunidade, a percepção da arte contemporânea e a forma como a entendemos hoje. “Na altura, o SoHo era um lugar desolador, devoluto e sem infra-estruturas”, explica Lydia Yee, curadora da exposição no Barbican “Pioneers of the Downtown Scence, New York 1970s”, dedicada ao trabalho de Laurie Anderson, Trisha Brown e Gordon Matta-Clark. Antes reduto de fábricas de têxteis e outras pequenas indústrias, em edifícios de ferro fundido, a zona a sul de Houston Street era agora um espaço decrépito, abandonado, ideal para artistas que encontraram nos “lofts” enormes, baratos e cheios de luz, o lugar para viver e trabalhar. A exposição, no Barbican de Londres até 22 de Maio, inclui trabalhos de Anderson, Brown e Matta-Clark, documentados por fotografia, vídeo, 24 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Antes reduto de fábricas de têxteis e outras pequenas indústrias, em edifícios de ferro fundido, a zona a sul de Houston Street era nos anos 70 um espaço decrépito, abandonado, ideal para artistas que encontraram nos “lofts” enormes, baratos e cheios de luz, o lugar para viver e trabalhar e instalações, e complementados por performances diárias de Trisha Brown e Gordon Matta-Clark ao vivo; mas transcende o espaço da galeria e estende-se a outros eventos no Barbican, como a exibição de filmes, palestras, bem como os concertos de Laurie Anderson (14 a 17 de Abril). Numa entrevista publicada no belíssimo catálogo da exposição, Laurie Anderson explicou como era viver naquele grupo: “Nova Iorque no princípio dos anos 70 era a Paris dos anos 20. Eu pertencia a um grupo de artistas/pioneiros que incluía Gordon Matta-Clark, Gene Highstein, Susie Harris, Tina Girouard, Richard Nonas, Dickie Landry, Phil Glass, Keith Sonnier e muitos outros escultores e músicos. Trabalhávamos com frequência nas peças uns dos outros e as fronteiras entre as formas de arte eram ténues. […] Tínhamos a noção completa de que estávamos a criar um movimento completamente novo (mais tarde conhecido como ‘Donwtown’)”. Estes artistas encontraram no SoHo inspiração, “recolhendo materiais das ruas que poderiam vir a ser úteis para os seus trabalhos”, fossem eles dança, arquitectura, performance, instalação ou música, explica Yee. Os seus trabalhos emergem da cidade e são directamente inspirados por ela, pelo seu esvaziamento para os subúrbios, pelo abandono, pela crise, pelo semearam o caos do SoHo m Londres, centra-se nas figuras e nos trabalhos de Laurie Anderson, Trisha Brown o do SoHo em Nova Iorque. Raquel Ribeiro, em Londres “Woman Walking Down Ladder”, 1973, Trisha Brown Em “Roof Piece” (1973), Trisha Browncolocou 12 bailarinos em telhados por 8 quarteirões na Downtown de Manhattan, em que o movimento de um provocava o de outro, como um efeito de ricochete desemprego e pela violência na Nova Iorque do final dos anos 60. A criatividade do movimento é fomentada precisamente por essa condição desoladora da cidade, usando, então, os seus restos, os seus dejectos, o lixo, para criar o novo e se reinventar, afirmando uma nova identidade artística colectiva. O movimento “fez os artistas perceberem o que se pode fazer com a arte e como isso não tem necessariamente a ver com esculturas de grande escala fabricadas industrialmente”, explica a curadora, o que pode servir “como inspiração para uma jovem geração de artistas” que vivem hoje uma recessão semelhante àquela dos anos 70. Trisha, arquitectura do corpo Quando o grupo começou, de facto, já Trisha Brown estava a viver em Nova Iorque há uma década e era reconhecida como talentosa bailarina e coreógrafa. Mudou-se do estado de Washington para Nova Iorque em 1961, trazendo uma mistura de várias práticas de dança: acrobacia, jazz, ballet e sapateado dos seus anos de adolescente, e o know-how de cursos com Merce Cunningham, que lhe mostrou caminhos distintos dos convencionais e lhe apresentou o vocabulário da improvisação. Numa entrevista, Brown explica que “na altur a , e s t av a i n t e re s s a d a e m improvisação. Muitas pessoas rejei- tavam-na como não sendo respeitável, mas eu adorava o jogo de problema-solução que esta criava tanto conceptualmente como no corpo”. Em Nova Iorque, com Simone Forti e Yvonne Rainer, entre outros, criou a Judson Dance Theatre, colectivo pioneiro da dança “pós-moderna” inspirada nas criações dissonantes de John Cage, confiando o corpo à improvisação, retirando a dança do palco para a rua ou para o centro da cidade. Em “Roof Piece” (1973), um dos seus trabalhos mais icónicos, coloca 12 bailarinos em telhados por 8 quarteirões na Downtown de Manhattan, em que o movimento de um provoca o de outro, como criando um efeito de ricochete. “Trisha usa a cidade como uma tela; ela foi muito influenciada pelas artes visuais nesse período”, diz Lydia Yee. Brown trabalhou com artistas plásticos, vídeo e cineastas como Yoko Ono, Robert Whitman e Robert Rauschenberg. Em 1970 fundou a Trisha Brown Company, situando-se na intersecção entre as comunidades artísticas ligadas à dança e às artes visuais. Outra das peças fundamentais de Brown, e que terá performances diárias nas galerias do Barbican, é “Walking on the Wall” (1971). Aqui, os performers (roupa preta) são suspensos na perpendicular com o auxílio de cordas, criando duas linhas paralelas caminhando simplesmente sobre uma parede branca. Na época, a crítica escreveu: “A ilusão provoca estranheza. As t-shirts são escuras como as cordas, para camuflagem, e alguns são excelente caminhantes-deparedes (não há cabelo a cair, nem cabeças tombadas, e as pernas não os traem). Por vezes sentimo-nos confusos, parece que estamos numa torre a olhar para baixo vendo corpos vagueando sem destino num cruzamento.” Gordon, corpo da arquitectura A ideia do corpo conjugado com arquitectura ou desafiando a gravidade, questionando a sua ordem natural é também trabalhada pelo arquitecto e performer Gordon Matta-Clark. Filho de um pintor surrealista chileno e de uma artista americana, nascido em Nova Iorque, Matta-Clark cresceu num ambiente artístico apadrinhado por Marcel Duchamp (era seu padrinho), “movendo-se confortavelmente entre a sua casa Downtown no Greenwich Village e o seu colégio privado em Uptown”, diz Lydia Yee. Estudou arquitectura inspirado pelo seu pai que trabalhou com Le Corbusier em Paris, mas foi sobretudo da fusão entre arquitectura, escultura e artes visuais que surgiram os seus trabalhos inovadores. Matta-Clark era efectivamente o centro à volta do qual gravitava toda a comunidade do SoHo, não só ideológico e social (juntando os artistas e estimulando discussões), mas também físico (construiu o restaurante, Food, que se tornou o centro da Downtown). Na contaminação artística do SoHo, se Trisha Brown estava a usar o corpo para desafiar as regras da arquitectura e da gravidade, Matta-Clark queria trazer a metáfora da dança para a rigidez das paredes e das estruturas. A dança era a metáfora necessária a um colectivo que misturava arte experimental e performance. A dança era posta lado a lado com outras artes, instalações ou escultura, e artistas visuais eram também convidados a trabalhar em coreografias. Carol Gooden, na altura mulher de Matta-Clark, explicou que “Gordon estava fascinado com a ideia da comparação – a ideia do que a mente de um fotógrafo pode contribuir e um artista contribui; ou o que a mente de um bailarino produz e um escultor Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 25 “Splitting” (1974), de Gordon Matta-Clark: partiu a casa em dois, desmantelando-a por dentro e deixando a sua estrutura exterior. Este trabalho, explicou o artista, deu-lhe a percepção do que uma casa “é como um parceiro perfeito para dançar” produz quando se lhes pergunta algo relacionado com dança”. O objectivo de Matta-Clark era criar extensões da sua prática artística, usando comida, consumo, lixo e reciclagem nos seus projectos arquitectónicos; ou questionando (e incluindo) nas suas criações os restos das estruturas, espaços deixados abertos (metafóricos ou literais) pela construção de edifícios ou pela sua destruição. O interesse de Matta-Clark em dança e em escultura fez com que explorasse nos seus trabalhos essa ideia de ruptura do corpo rígido da arquitectura, em criações como “Open House” (1972), em que um contentor de lixo industrial é colocado na rua e temporariamente habitado por performers, bailarinos e transeuntes, e essa apropriação depois filmada por Matta-Clark; ou em trabalhos como “Splitting” (1974), numa casa que lhe foi cedida, em New Jersey. Gordon partiu a casa em dois, desmantelando-a por dentro e deixando a sua estrutura exterior. Este trabalho, explicou o artista na época, deu-lhe “a percepção do que uma casa é, quão solidamente pode ser construída mas facilmente movida. É como um parceiro perfeito para dançar.” Laurie, o corpo e a forma do som Anderson cresceu numa grande família nos arredores de Chicago. O seu trabalho até hoje, lembra em várias entrevistas, comporta traços desse legado, como ler a Bíblia aos domingos, estudar violino desde a adolescência: “A minha infância passou-se ouvindo outros membros da minha família a contar histórias sobe o que lhes aconteceu. Até temos canções de família compostas pelos meus irmãos gémeos. Toda a gente gostava de brincar com as palavras”. Depois de estudar biologia na Califórnia, muda-se para Nova Iorque em 1966 para estudar História de Arte na 26 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Universidade de Columbia. Desenhava cartoons político-satíricos para o “Columbia Daily Spectator”, e participava activamente nas actividades políticas da universidade – em 1966, a América aumentava a cada mês o seu contingente de tropas no Vietname e o país explodia em contestações sociais, dos negros às feministas. Anderson começa a frequentar os ensaios de Philip Glass e conhece Robert Morris e Sol LeWitt. Muda-se para um loft em Murray Street, onde realiza o seu primeiro conjunto de trabalhos, esculturas feitas de jornais, resina e fibra de vidro. Em 1970, regressa a Columbia para estudar escultura e inspira-se em meditação budista. Dava aulas de história de arte à noite e nos fins-de-semana em várias universidades da cidade, e escrevia crítica de arte para revistas e jornais da especialidade. Muitos dos trabalhos iniciais de Anderson ganharam forma nas ruas de Nova Iorque, interagindo com os espectadores, inspirados pelas performances de Brown e Matta-Clark. É nessa altura que começa a trabalhar com o escultor Richard Nonas, seu parceiro durante vários anos. Numa entrevista, explica que “não era uma crítica de arte. Era uma espécie de pessoa perdida a fazer muitas coisas diferentes. Dava aulas em muitos sítios porque simplesmente adorava História, mas nunca tive aquele momento de ‘agora sou uma artista’.” Alguns dos seus trabalhos iniciais, como “Institutional Dream Series” (1972-1973), estão no Barbican. Esta O movimento artístico da Downtown New York, no SoHo, surgiu como contraponto ao Minimalismo e à Pop art, mudando a percepção da arte contemporânea e a forma como a entendemos hoje série de fotografias é o cruzamento de um documento com a performance: Anderson dormia em lugares públicos (na praia em Coney Island, num tribunal ou numa rua junto ao porto) para determinar se o espaço do sono influenciava o espaço do sonho. Foi fotografada nesses locais e mantinha um diário sobre os resultados dos sonhos. “A combinação de fotografia e texto, imagem e história, tornou-se uma marca dos seus trabalhos futuros”, escreve Lydia Yee no catálogo da exposição. No texto que acompanha a famosa fotografia de Coney Island, Anderson escreveu: “Consigo ouvir a maré subir. A água começa a cobrir os meus pés gelados. Não consigo perceber se estou a dormir ou acordada, por isso mantenho os meus olhos bem fechados.” As sua investigações em som, dissonâncias com performance e instalação, bem como as suas performances musicais na rua, interagindo directamente com o público de maneira informal, são alguns exemplos dos trabalhos de Anderson que demonstram o espírito interdisciplinar e as fronteiras ténues entre as várias artes no colectivo da Downtown. A morte precoce de Gordon MattaClark, de cancro no pâncreas, em 1978, marca a dissolução do movimento, ainda que muita da colaboração e da contaminação artística do colectivo seja o seu legado mais importante na arte contemporânea. Segundo Lydia Yee, a morte de Matta-Clark não foi a única razão para a dissolução: “As coisas tornaramse mais formais. Os espaços das galerias, anteriormente geridos por grupos de artistas como base para colegas que aí queriam trabalhar ou expor, tornaram-se institucionais, começaram a ter programações e para tal tinham de escrever relatórios, pedir financiamentos. Isso tornou tudo muito mais burocrático. No final década, as estruturas voltaram a tornar-se mais formais, a Laurie teve a oportunidade de gravar com a Warner Brothers, a MTV tornou-se um meio importante, e uma série de factores voltaram a separar as disciplinas nos seus campos de especialização. As galerias tornaram-se comercialmente muito poderosas nos anos 80, e os artistas tiveram de questionar-se se deveriam fazer obras para vender ou tentar manter três ou quarto diferentes actividades para sobreviver.” Don DeLillo Inesperado e poético, “Ponto Ómega” Pág. 28 Uma documentário sobre uma amizade e as contradições do cinema moderno. Pág. 27 Toro y Moi O ritmo interior de Chaz Bundik, em “Underneath the Pine” Pág. 33 AUDITÓRIO 26 e 27 MARÇO 21.30H M/18 Godard/ Truffaut BILHETES À VENDA NA SALA DO ESPECTÁCULO / FNAC / WORTEN / WWW.BILHETEIRAONLINE.PT / WWW.TICKETLINE.PT INFO: 214 416 200 WWW.UGURU.NET Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 27 Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Ficção O vazio dentro do coração Mais uma vez, Don Delillo surpreende com um livro inesperado e poético: reflexões sobre o olhar, o tempo, o espaço e a morte. José Riço Direitinho Ponto Ómega Don DeLillo (trad. Paulo Faria) Sextante Editora mmmmm No final do Verão de 2006, decorreu no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque uma vídeoinstalação do artista escocês Douglas Gordon, intitulada “24 Hour Psycho”, que consistia em projectar o filme de Hitchcock a um ritmo de dois fotogramas por segundo (a esta velocidade a duração total do filme era de 24 horas). É entre dois momentos reflexivos sobre esta famosa projecção (poder-se-á dizer, que em jeito de “prólogo” e de “epílogo”), que Don DeLillo (n. 1936) “entala” a história narrada no seu último romance, “Ponto Ómega”. Os críticos americanos dividiram-se entre considerá-lo um romance menor (estes foram em grande número) ou uma “obra-prima”. Não será difícil de entender a indecisão, habituados que estavam às reflexões de DeLillo sobre a vida colectiva americana – escrevendo sobre política e poder, terrorismo e demónios da tecnologia, violência e arte –, fazendo como que uma espécie de estudo anatómico pósmoderno das suas obsessões, dissecando uma mistura estranha de medos primevos (nas suas variantes mais neuróticas) e de paranóias delirantes. Ora, desta vez, ele vem-nos dizer – e numa escrita mais depurada e poética do que nunca – que o que importa é ter “muita atenção para vermos o que se passa na nossa frente”, que é “um esforço dedicado, para vermos aquilo que os nossos olhos vão captando”, e que a densidade das coisas nos passa facilmente despercebida neste nosso “hábito superficial de ver”. “O que ele estava a ver parecia um filme em estado puro, tempo em estado puro” 28 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Don Delilo: mais depurado e poético do que nunca O romance, na sua intimidade, no silêncio críptico deixado entre as frases, na propositada ambiguidade, e ao girar em volta de temas como tempo, morte e extinção, poderá simbolizar um “ponto de fuga” na já extensa obra de DeLillo, em que numa espécie de dissolução dos planos de tempo e de identidade eles se vão depois transformando em algo de novo que surge para além do limite da linguagem e das palavras. “A verdadeira vida não é redutível a palavras, faladas ou escritas”. A acção de “Ponto Ómega” decorre num deserto californiano. Há de início duas personagens (mais tarde junta-se uma terceira, mas acaba por desaparecer): Richard Elster, 73 anos, intelectual e erudito contratado pela administração Bush para trabalhar com “os metafísicos das agências de espionagem” e com os “fantasistas do Pentágono” para cartografar o conceito da Guerra do Iraque, que se retira para o “tempo cósmico” do deserto para pensar; e há um jovem realizador, Jim Findley, que tem o projecto de fazer um filme com Elser, com um único planosequência (uma espécie de “Fog of War”, que Errol Morris fez com McNamara?), um homem e uma parede, com o homem a relatar toda a sua experiência, o que se lembra, nomes, teorias, sentimentos; e apenas “o grande plano de um rosto”. A determinada altura chega Jessie, filha de Elster; mas acaba por desaparecer no deserto; o leitor sente que o livro se transforma num “thriller”, mas a mestria de DeLillo supera a ideia. Como uma personagem anónima afirma durante a vídeo-instalação, “o mais ligeiro movimento da câmara constituía uma mudança profunda no espaço e no tempo”, DeLillo sabe que é isso que quer mostrar ao leitor, que é ele quem controla a câmara quando os silêncios ou os ruídos enchem as páginas, quando faz desaparecer personagens e não as traz de volta, que o vazio que o leitor traz dentro do coração só pode ser preenchido pelo próprio leitor, mas que para isso é necessária toda a atenção do mundo. “Quanto menos havia para ver, quanto mais atentamente ele olhava, mais coisas via. Eis o propósito. Vermos o que aqui está, olharmos e sabermos finalmente que estamos a olhar, sentirmos a passagem do tempo, despertos para o que está a acontecer nos registos mais insignificantes do movimento.” É nestas frases que DeLillo parece querer encerrar a chave deste seu romance. Depois de terminada a leitura do romance, e à semelhança de muitos textos poéticos, é que a imaginação do leitor começará a dar sentido ao que não foi dito no livro. A última frase de “Ponto Ómega” deixa o mote: “Às vezes, um vento levantase antes da chuva e traz aves que vogam defronte da janela, aves espectrais a pairar no dorso da noite, mais estranhas do que sonhos.” A definição de “Ponto Ómega” – postulada pelo jesuíta francês Teilhard de Chardin – é (e de modo muito resumido) o estádio terminal de consciência suprema, partindo do princípio que no processo evolutivo do Universo a matéria tende para a complexidade e está alinhada com a consciência. O “fim do mundo”, que sempre preocupou DeLillo, é, segundo o filósofo francês, uma espécie de derrocada em equilíbrio em que, finalmente, o espírito se liberta para descansar. Don DeLillo tornou-se num escritor apaziguado? A sua próxima obra responderá à pergunta. Momo Os romances de Gary denotam estima por escroques, saltimbancos e desapossados de vária índole. Eduardo Pitta Uma vida à sua frente Romain Gary (Trad. Joana Cabral) Sextante mmmnn Por causa do gaullismo que lhe era imputado, Romain Gary (1914-1980) tem sido negligenciado na edição portuguesa: menos de meia dúzia de traduções em dezenas de títulos. Em Portugal, nem “As Raízes do Céu”, Prémio Goncourt 1956 traduzido em 1958 à boleia do filme de John Huston (com Errol Flynn, Juliette Gréco e Orson Welles), chegou para impor este judeu lituano naturalizado francês. Aviador, resistente anti-nazi em Londres e no Magreb, várias vezes condecorado, diplomata durante vinte anos (entre 1952-54 representou a França nas Nações Unidas), “bon vivant”, marido da editora da “Vogue” inglesa e de uma actriz americana, cineasta bissexto (dirigiu dois filmes de Jean Seberg, mãe do seu filho), suicidado com um tiro na cabeça aos 66 anos, deixou uma obra pontuada de tragédia, humor e cinismo. “La Promesse de l’aube” (1960), autobiografia CARL DE SOUZA/ AFP A brutal ironia de Faulks não é suficiente para o redimir de um pessimismo resmungão e para insuflar “vida” às personagens que funcionam como arquétipos traduzida por Augusto Abelaira em 1962, dá a medida do homem que nasceu e cresceu em Vilnius, quando a capital lituana era parte do Império Russo. “Uma vida à sua frente” tem antecedentes curiosos: publicado em Setembro de 1975 sob o pseudónimo de Émile Ajar, obteve o Goncourt desse ano. Assim, Gary tornou-se o único autor a bisar o prémio. A verdadeira identidade de Ajar só foi revelada após a morte de Gary. Porém, Didier Van Cauwelaert escreveu em “Le Père adopté” (2007) que o milieu sabia. Seja como for, o episódio alimenta a lenda. Os primeiros livros, publicados entre 1935 e 1937, foram assinados com o nome de baptismo (Roman Kacew). O fim da guerra trouxe o primeiro que assinou como Romain Gary, “Educação europeia” (1945), saga da Resistência que Sartre elogiou com ênfase. Também usou os pseudónimos de Fosco Sinibaldi (1958), Shatan Bogat (1974) e Émile Ajar, autor de quatro romances entre 1974-79. Na posse de todos os dados, a posteridade tem reavaliado a obra, corrigindo o tiro inicial (“réactionnaire”, dizia a margem esquerda), mas o Robert “des grands écrivains” ainda o deixa de fora. Os romances de Gary denotam particular estima por escroques, saltimbancos e desapossados de vária índole. “Uma vida à sua frente” não constitui excepção. A odisseia de Mohammed em casa de madame Rosa, prostituta que sobreviveu a Auschwitz e se retirou das lides, sem ter esquecido que “não é preciso ter razões para ter medo”, ilustra bem esse universo subversor de códigos e valores. O jovem Momo, como ela lhe chama — “Momo” é também o título da edição em língua inglesa —, cresce no infantário para filhos de Por causa do gaullismo que lhe era imputado, Romain Gary tem sido negligenciado na edição portuguesa judias e “toleradas” que madame Rosa explora na rua Blondel. (Quem viu o filme de Moshé Mizrahi sabe que Simone Signoret lhe emprestou o rosto.) Estamos perto do imaginário e da dicção de Genet, sem as atribulações do sexo fora-dalei e o lado negro do “gamin” de Mettray. Digamos que Momo doseia a vigarice: “Entrei num salão de chá para senhoras, devorei dois bolos, éclairs de chocolate, são os meus preferidos, perguntei onde se podia mijar e quando voltei fui directo à porta, e adeus. A seguir, roubei umas luvas [...] e fui deitá-las ao lixo. Soube-me bem.” Afinal, Momo tem apenas 12 anos. É ele o narrador da história. Um narrador apesar de tudo bem articulado: “A primeira coisa que vos posso dizer é que morávamos num sexto andar sem elevador...” (No original: “La première chose que je peux vous dire c’est qu’on habitait au sixième à pied...”) Para um garoto de Bellevile, sem instrução, rodado no convívio quase exclusivo de outros como ele, pode-se dizer que a narrativa segue o cânone, sem a pretensão de encenar a realidade, calão reduzido ao mínimo e ausência de remissões culturalistas. Momo não é um produto textual como outros que chegaram depois dele. É um rapaz à deriva na Paris do pósguerra: “Os chuis, é o que existe de mais forte no mundo. Um miúdo com um pai chui é como se tivesse duas vezes mais pais do que os outros.” O tipo de aforismo que fez escola entre modernos afinal tão antigos. É provável que o fio da intriga remonte à Nice anti-semita dos anos 1930, cidade que o acolheu e à mãe quando deixaram a Lituânia. Importa pouco. Momo tem vida própria. Realismo “à la carte” Uma Semana em Dezembro Sebastian Faulks (Tradução Ana Baer) Ed Civilização mmmnn “Uma Semana em Dezembro” de Sebastian Faulks, para além de prender a atenção desde as primeiras páginas, pode funcionar como manual de instruções para quem quiser escrever, aqui e agora, um romance “realista”, uma vez que possui os ingredientes certos, reconhecíveis: personagens “familiares” que aparecem regularmente na televisão – ou nos ecrãs dos iPads ou dos telemóveis – com as preocupações, angústias e medos que se encontram infiltrados no tecido individual e social do nosso quotidiano; um tempo imediatamente identificável – perigoso, instável, caótico, superficial; o espaço de uma metrópole como Londres – efervescente, diversificada, antiga e moderna, decadente e florescente; uma trama que não provoca surpresas ou sobressaltos, confinada a uma janela temporal precisa – sete dias antes do Natal de 2007; e uma técnica que ajuda a guiar o leitor e que consiste em acompanhar os passos das personagens, cruzando-as aleatoriamente e fazendo-as confluir para um final, neste caso pouco apoteótico – um jantar festivo – que serve o propósito de encerrar a acção. Faulks é um romancista e jornalista inglês que anteriormente se aventurou por territórios distintos, em histórias passadas durante as duas Grandes Guerras e a Guerra Fria, numa sequela das aventuras de James Bond à maneira de Ian Flemming, em biografias, pastiches e anedotas para a BBC Rádio 4. Em “Uma Semana em Dezembro” abalança-se numa réplica às grandes sátiras sociais e políticas saídas da pena de escritores como William Makepeace Thackeray (“Feira das Vaidades: um Romance sem Herói”, 1847-1848), Tom Wolfe (“Chique Radical” e “A Fogueira das Vaidades”, anos 70-80 do século XX) e Alan Hollinghurst (“A Linha da Beleza”, 2004). Durante “esta” semana específica de Dezembro de 2007, em Inglaterra, Tony Blair já deu lugar ao ensonado Gordon Brown, o sistema de ensino evidencia sinais de colapso catastrófico, os mercados mostram uma instabilidade aterradora, a política encontra-se em águas mais do que lamacentas, a ameaça do terrorismo islâmico é uma realidade palpável e a cultura, ou mais especificamente, a literatura está nas mãos de agentes, mecenas duvidosos – há a referência a um prémio literário financiado por uma cadeia de restauração especializada em pizzas – e críticos com propósitos pouco nobres. Parece-lhe um cenário demasiado familiar? Pois continue a ler: a mulher do “político do momento” e candidato Tory preocupa-se com a organização do jantar perfeito, os ricos ocupam-se com o dinheiro e com as falcatruas correspondentes, o crítico literário congemina e leva a cabo vinganças mesquinhas para afastar a concorrência de um rival mais novo e mais popular, o professor do secundário idealista sofre às mãos dos alunos – feios, porcos e maus – a jovem condutora do metro – mulher e da classe trabalhadora – anda às voltas “debaixo da terra”, o jihadista islâmico entretém-se com as acções do costume a pretexto de servir Deus e a sua fé, o menino-família viciado em “reality shows” – este, em especial, segue as atribulações, histórias e “expulsões” de um grupo de doentes mentais fechados numa casa – apanha pedradas de skunk e aguenta ressacas monumentais, o ingénuo e pouco inteligente jogador de futebol do Leste (polaco) com a sua namorada espalhafatosa vê-se em palpos de aranha para se integrar na equipa, o magnata dos pickles angustia-se com a cerimónia em que irá ser condecorado pela rainha, enquanto a cidade, o poder e os deuses, observam com olímpica indiferença o desmoronar de uma civilização que, supostamente, deveria ser a mais avançada, progressista, abundante e esclarecida de todos os tempos. Faulks não está interessado em divagações mais ou menos filosóficas e prefere a narrativa pura e dura dos acontecimentos. No Reino Unido há já quem clame que este é um ”roman à clef”, o que obviamente significa que cada personagem equivale a alguém bem real – por exemplo, o jovem crítico Alexander Sedley seria uma cópia do bem conhecido e polémico James Wood – e Londres assume, mais uma vez, o seu estatuto de cidade/personagem (à semelhança do que acontece em “Sábado” de McEwan e em “Tempestade” de William Boyd), rivalizando com Nova Iorque que sempre foi uma estrela com lugar cativo na imaginação de romancistas e poetas como Walt Whitman, Scot Fitzgerald, Edith Wharton, J.D. Salinger, Jay McInerney e Don DeLillo. No entanto, Faulks pouco faz para criar a atmosfera melancólica da “cidade irreal” que T.S. Eliot cantou, para seguir o rasto das vielas e das mansardas dos romances de Dickens ou para acompanhar as reflexões de Henry James ou Bernard Shaw. A Londres contemporânea assume-se como retocada, ampliada e degradada por diversas operações de cosmética e os velhos mitos e fantasias que alimentaram uma relação intensa com a literatura e as artes em geral feita de apreciação estética e a vertente ética – desaparecem para dar lugar a um labirinto caótico onde se evidenciam diferenças sociais, raciais, religiosas e de género, bem disfarçados por detrás de fachadas exuberantes e de vidas aparentemente desafogadas. A brutal ironia de Faulks não é suficiente para o redimir de um pessimismo resmungão e para insuflar “vida” às personagens que funcionam como arquétipos: os jovens sem ideais nem rumo, o financeiro corrupto e amoral, o intelectual árido e cabotino, as mulheres fúteis e desinteressantes, o advogado de causas perdidas, os detentores de fortunas recentes que não sabem integrar-se no “jet set”, o terrorista estúpido, etc. As horas dos sete dias destas personagens são preenchidas com relatos retirados das páginas dos jornais ou das coberturas televisivas mostrando como é fácil, com uma consulta rápida na net, ficar ao par, e até avançar com opiniões, sobre todo e qualquer assunto. Por exemplo, acompanhar John Veals, o gestor de fundos, equivale a uma dose maciça de leitura do “Economist” e do “Financial Times”, uma vez que são fornecidos os detalhes de todo o tipo de transacções financeiras e de manipulação de operações com nomes tão “poéticos” como “ratings”, “swaps”, “gilts”, “shortings”, etc. Ficamos também esclarecidos quanto à prática do “bullying” e à indigência no ensino ou, ainda, ficamos informados da pobreza de espírito que preside ao universo literário e editorial, na pessoa do repugnante R. Tranter. A óbvia e insistente referência à leitura e aos livros – o novo rico que precisa de “lições” de literatura, os clubes de leitura para donas-de-casa enfastiadas e solitárias, a leitura do Corão como guia, a necessidade de convidar “intelectuais” para o jantar – e a metáfora da condutora do metro que cruza a cidade em todos os sentidos, carregando as existências ténues e pouco heróicas de toda esta gente, não são suficientes para emprestar fulgor a esta história hábil que é um retrato fiel de um certo universo que nos é familiar, mas que peca por falhas de ritmo e pela insípida caracterização das personagens encerradas em espaços restritos e sufocantes. O jantar final, organizado pela mulher do deputado a necessitar de apoios para a sua carreira – a lista dos convidados e a estratégia dos lugares ocupa grande parte do seu tempo – demonstra a preocupação em juntar à mesma mesa os representantes das várias áreas da sociedade, misturando a alta e a baixa cultura, os mais e os menos ricos, os mais velhos e os mais novos, caricatura perfeita de uma pretensa elite, amarrada ao vazio da sua existência. Helena Vasconcelos Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 29 Teatro aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente “Missa do Galo” em Matosinhos Um trabalho que rouba a alma “Hilda” encena uma história de subordinação social e afectiva entre uma dona de casa da classe média-alta e a sua empregada doméstica. Cláudia Carvalho Hilda De Marie Ndiaye. Encenação de Cilla Back. Com Minna Haapkylä, Robert Enckell, Johanna Jauhiainen. Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno Auditório. Pç. Império. De 17/03 a 19/03. 5ª a Sáb. às 21h. Tel.: 213612400. 10€ a 12,5€. PETRI KOVALAINEN Hilda é figura quase ausente em “Hilda”: a história é contada pelo seu marido, Frank, e pela senhora Lemarchand “Hilda”, que vai estar em cena no Centro Cultural de Belém a partir de quinta-feira, é uma peça escrita pela romancista e dramaturga francosenegalesa Marie NDiaye, e encenada pela finlandesa Cilla Back. A história retrata a obsessão da Senhora Lemarchand, uma mulher rica, que se apodera da nova empregada contratada não só para cuidar da casa mas também dos seus três filhos. A Senhora Lemarchand é uma dona de casa da classe média-alta, que ao contratar Hilda para sua empregada doméstica não perde tempo em estabelecer as regras em casa. Entre elogios e chantagens, passando pela sedução, são muitos os jogos mentais usados pela patroa para conquistar a empregada, pressionando-a em tudo o que faz e centrando a vida de Hilda em torno “Kabaret Keuner e Outras Histórias” nas Caldas da Rainha apenas das suas necessidades. A Senhora Lemarchand conduz assim a inocente Hilda a uma armadilha sem escapatória, apoderando-se do seu corpo e da sua mente. “O que vemos em Hilda são jogos muito poderosos e que acabam por retratar um pouco da mentalidade moderna. A peça retrata as neuroses, os medos, as obsessões, o niilismo e a vontade de controlar que define o indivíduo burguês”, explicou a encenadora Cilla Back ao Ípsilon, ao telefone desde Berlim, acrescentando que estás histórias conseguem ser sempre actuais. “Os humanos nunca mudam e estas questões sociais estão sempre em discussão.” Apesar de ser o tema principal da peça, Hilda é uma personagem silenciosa, ausente e quase inexistente. A história é contada através da Senhora Lemarchand e do marido de Hilda, Frank, um faztudo que luta para sustentar a sua família. A encenadora Cilla Back traz à cena uma história sobre a subordinação social e afectiva, contada com um humor absurdo. “Hilda” (1999) é o único texto inteiramente dialogado – e, por isso, normalmente representado em teatro – de Marie NDiaye, vencedora do Prémio Goncourt em 2009. “O que me fascina em Hilda é precisamente esta experiência de identificação, a perda de distância em relação às personagens e suas actividades. Marie NDiaye não deixa que o espectador se distancie e rejeite os acontecimentos. A intensidade da peça é baseada neste sentimento inquietante e assustador de familiaridade que as personagens evocam”, conclui a encenadora. “Holiday”, dos irmãos Cortese, em Lisboa Agenda Teatro Pç. D. Pedro IV. Até 20/03. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 6€ a 12€. Estreiam Caminhos De Truman Capote. Encenação de Joana Brandão. Com Joana Brandão. Exactamente Antunes De Jacinto Lucas Pires. Encenação de Cristina Carvalhal, Nuno Carinhas. Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De 17/03 a 17/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401910. 7,5€ a 16€. Kabaret Keuner e Outras Histórias De Bertold Brecht. Pelo Teatro da Rainha. Encenação de Fernando Mora Ramos. Com José Carlos Faria. Caldas da Rainha. Teatro da Rainha - Sala-Estúdio. Tv. Acipreste, 20 - 3º Dto. De 12/03 a 27/03. 6ª a Dom. às 21h30. Tel.: 262823302. 7,5€. Holiday De Raimondo Cortese. Pelo Ranters Theatre. Encenação de Adriano Cortese. Lisboa. Culturgest R. Arco do Cego. De 17/03 a 19/03. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€. Frida Frida De Monica Garcez. Pela Karnart. Encenação de Luís Castro. Lisboa. Galeria Monumental. Cp. Mártires da Pátria, 101. De 16/03 a 3/04. 4ª a Dom. às 22h. Tel.: 213466411. Cemitério dos Prazeres Pela Companhia do Chapitô. Encenação de John Mowatt. Missa do Galo De Carlos Tê, Manuel Paulo. Encenação de Luisa Pinto. Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av. Serpa Pinto. Até 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 229392320. 7,5€. Vida de Artista De Luísa Costa Gomes. Encenação de António Pires. Lisboa. Teatro do Bairro. R. Luz Soriano, 63. Até 26/03. 4ª a Sáb. às 21h. Tel.: 213473358. 12,5€. A Acácia Vermelha De Manuel Poppe. Pelo Teatro Art’Imagem. Encenação de Valdemar Santos. Porto. Teatro Latino. R. Sá da Bandeira. Até 13/03. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 222003051. 5€. Brilharetes De Antonio Tarantino. Pelos Artistas Unidos. Encenação de Jorge Silva Melo. Sintra. Espaço Reflexo. Av. Heliodoro Salgado, 41 1º Fundo. De 11/03 a 12/03. 6ª e Sáb. às 22h. Tel.: 214213188. 3€. Lisboa. Chapitô. Costa do Castelo, 7. De 17/03 a 24/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 7,5€ a 12€. Dança Vitória De Athol Fugard. Pelo Teatro dos Aloés. Encenação de José Peixoto. Estreiam Amadora. Espaço Cultural Recreios. Av. Santos Mattos, 2. De 16/03 a 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 214927315. D. Pura e os Camaradas de Abril De Germano de Almeida. Pelo Teatro das Beiras. Encenação de Pompeu José. Covilhã. Teatro das Beiras. Tv. Trapa, 2. De 11/03 a 18/03. 3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 275336163. 6€. Rosas Danst Rosas De Anne Teresa de Keersmaeker. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 12/03. Sáb. às 22h. Tel.: 253424700. 12,5€. GUIdance. Ver texto na pág. 18 e segs. entre todas as coisas De Teresa Prima. Continuam Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 16/03. 4ª às 22h. 5ª às 11h. Tel.: 253424700. 5€. A Philosophia do Gabiru De Nelson Guerreiro, a partir de Raul Brandão. Encenação de Martim Pedroso. Romeu e Julieta De John Cranko. Pela Companhia Nacional de Bailado. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 14/03. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 18h. Tel.: 218438801. 6€ a 12€. Mansarda Pelo Circolando. Encenação de André Braga, Cláudia Figueiredo. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 12/03 a 13/03. Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€. 1974 Pelo Teatro Meridional. Encenação de Miguel Seabra. Bragança. Teatro Municipal de Bragança. Pç Cavaleiro Ferreira. Dia 12/03. Sáb. às 21h30. Tel.: 273302740. 7€. A Cacatua Verde De Arthur Schnitzler. Pelo Teatro da Cornucópia. Encenação de Luis Miguel Cintra. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pç. D. Pedro IV. Até 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€. Azul Longe nas Colinas De Dennis Potter. Encenação de Beatriz Batarda. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio. 30 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Almada. Teatro Municipal - Sala Principal. Av. Professor Egas Moniz. Até 13/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 12€. Lisboa. Teatro da Trindade - Sala-Estúdio. Lg. Trindade, 7 A. De 17/03 a 10/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 213420000. 8€. GUIdance. Lisboa. Teatro Camões. Parque das Nações. Tel.: 218923470. 5€ a 25€. Dervish De e com Ziya Azazi. Guarda. Teatro Municipal da Guarda. R. Batalha Reis, 12. Dia 12/03. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. Continuam Product of other circumstances De e com Xavier Le Roy. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 16/03 a 18/03. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 218438801. 6€ a 12€. Electra + A Sagração da Primavera De Olga Roriz. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 17/03. 5ª às 22h. Tel.: 253424700. 12,5€. GUIdance. Mapacorpo De Amélia Bentes, Lia Rodrigues. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 11/03. 6ª às 22h. Tel.: 253424700. 7,5€ a 10€. GUIdance. Concertos Isto é ? Jazz? Pop Música é liberdade !Calhau! e Sistema Tango no encerramento do programa Arte, Política, Globalização, em Serralves. Pedro Rios !Calhau! Porto. Feira da Vandoma. a. Alam. Fontaínhas. Amanhã, às 11h. Sistema Tango Porto. Auditório de Serralves. R. Dom João dee Castro, 210. Dom., 13, às 22h. Tel.: 226156500. 5€. Programa Arte, Política, Globalização. ação. É o grande final do o programa “Arte, Política, Globalização”, ciclo clo paralelo à exposição “Às Artes, es Cidadãos”, Cidadãos” que, que desde Novembro do ano passado, pôs os visitantes de Serralves a pensar nas múltiplas linhas de cruzamento entre a arte e a política. Marta Ângela e João Alves, os !Calhau! (o nome do projecto muda de concerto para concerto, de microedição para micro-edição, mas gira sempre em torno da entidade “calhau”), levam amanhã a sua música à Feira da Vandoma, uma instituição portuense da venda de coisas usadas. Duo multidisciplinar, os !Calhau! movimentam-se com o mesmo à vontade nas áreas da música (ruidosa e surreal), da performance e das artes plásticas, cruzando-as. Já os vimos, por exemplo, num bar de hotel do Porto a accionar geradores de som apenas com os pés (de mãos atadas e com muita fé no que haveria de surgir dali). Têm novo disco (“Quadrologia Pentacónica”), mas cada concerto é um acontecimento imprevisível - o que é que q q irão fazer no meio dos vendedores da Vandoma? No domingo, o último dia da exposição, há Sistema Tango, que se apresenta em trio com o cantor de flamenco Tomás de Perrate, o saxofonista Juan M. Jiménez e o pianista Daniel B. Marente. Acreditam que a abertura estilística que gente como Astor Piazolla e Polaco Goyeneche trouxeram para o tango não foi suficiente explorada. O concerto incluirá uma peça escrita especialmente para o programa da exposição e uma versão especial de “Estranha Forma de Vida”, de Amália Rodrigues, para além de temas de Piazzola, Virgilio Expósito (um anarquista), (um a a qu sta), Kurt u t Weill e (u socialista), Stravinski e Shostakovich. O tango é, está visto, um estado de espírito. A soprano Measha Bruggergosman interpretará “Recital I (for Cathy)”, de Berio A Abstracção p pura, conceptualismo co noise e um uma ausê total ausência de preconcei preconceitos musicais. É isto que podemos esperar do encontro, domingo à noite, no Pequeno A Auditório Culturg da Culturgest, entre guitarris Luís o guitarrista s Lopes e o saxofonista G Jean-Luc Guionnet. Personalid Personalidades d um jazz (?) maiores de europeu que persiste em crescer e afirmar a sua independência estética, Lopes e Guionnet partilham uma enorme atracção pelo risco e pela aventura musical, orpo dedicando-se de corpo ca e alma a uma música que é sinónimo de etes liberdade. Os bilhetes ais para o concerto, mais um do Ciclo Isto é o Jazz?, custam cinco euros. Clássica Conversas entre os séculos XX e XXI Na Gulbenkian, o Ensemble Intercontemporain cruza Interco clássicos do século XX com clássico criações recentes. Cristina criaçõe Fernandes Fernan Ensembl Ensemble Intercontemporain Direcção Musical de Peter Eötvös. Measha Bruggergosman Com Mea (soprano). (sopran Lisboa. F Fundação Calouste Gulbenkian Grande Auditório. Av. Berna, 45A. 3ª, 15, às 21h. Tel.: Te 217823000. 12,5€ a 25€. Obr de Mantovani, Ligeti, Obras Eötvös e Berio. Eöt Criado por Pierre Boulez em 1976, o Ensemble Intercontemporain rapidamente adquiriu um estatuto mítico na interpretação da música da segunda metade do século XX. No século XXI permanece como uma referência mundial e, em paralelo com a encomenda e a interpretação de novas obras, tem alargado a sua actividade à colaboração com outras áreas artísticas (dança, teatro, cinema, vídeo e artes plásticas) e investido em acções pedagógicas. Este agrupamento, com residência na Cité de la Musique de Paris, visitou já várias vezes a Fundação Gulbenkian e está de regresso para mais um concerto na próxima terça-feira, dia 15. O programa inclui obras fundamentais de duas figuras tutelares da música do século passado, como o “Concerto de Câmara”, de Gyorgy Ligeti, e “Recital I (for Cathy)”, de Luciano Berio, peça estreada em 1972 na sequência de uma encomenda da Gulbenkian e criada a pensar na versatilidade e nas capacidades vocais e teatrais de Cathy Berberian, com quem o O que irão fazer os !Calhau! no meio dos vendedores da Vandoma? Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 31 Concertos Joan as a Police Woman de Tróia a Guimarães O uzbeque Eldar Nebolsin cruza o virtuosismo e a poesia na sua relação com o piano compositor italiano foi casado. Desta vez “Recital I” será interpretado pela canadiana Measha Bruggergosman. Estas duas composições alternam com páginas do francês Bruno Mantovani (n. 1974) e do húngaro Peter Eötvös (n. 1944), dois importantes compositores da actualidade, de diferentes gerações. Do primeiro será possível ouvir “Les Danses Interrompues” e do segundo “Snatches of a Conversation”, uma obra que evoca livremente a experiência do cruzamento no espaço sonoro das várias conversas que se podem ouvir num café. Peter Eötvös será também responsável pela direcção do concerto. Nascido na Transilvânia, tem desenvolvido uma notável carreira como maestro (à frente de formações como as Orquestras Sinfónicas da BBC, da Rádio de Estugarda e de Gotemburgo) em paralelo com a composição. Em 1978, a convite de Pierre Boulez, dirigiu o concerto inaugural do IRCAM e foi posteriormente nomeado director musical do Ensemble Intercontemporain, cargo que desempenhou até 1991. Entre as suas composições mais relevantes encontram-se, por exemplo, “Chinese Opera”, “Psychokosmos”, “Atlantis”, “ Two monologues” e as óperas “Three sisters”, “Le Balcon” e “Angels in America”. Uma hora antes do concerto, às 20h, dará uma conferência no Auditório 2. Lopes-Graça segundo Nebolsin Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música Direcção Musical de Matthias Bamert. Com Eldar Nebolsin (piano). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, Hoje, às 21h. Tel.: 220120220. Obras de Rossini, Lopes-Graça e Brahms. As primeiras gravações de Eldar Nebolsin, dedicadas respectivamente a Rachmaninov e Liszt (Naxos, 2007 e 2009), foram recebidas com grande entusiasmo da crítica e do público, dando consistência uma carreira de sucesso, que já se adivinhava quando este jovem pianista nascido em 1974 no Uzbequistão foi distinguido com os primeiros prémios dos concursos internacionais de Santander (1992) e AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre AO VIVO THE GLOCKENWISE Sviatoslav Richter (2005). Intérprete que combina o poder do virtuosismo com a dimensão poética da música, nas palavras de um dos críticos da revista “Gramophone”, Nebolsin iniciou os estudos musicais aos cinco anos na sua cidade natal e formou-se na Escola Superior Reina Sofia de Madrid na classe de Dmitri Bashkirov. Esta noite, às 21h, toca o Concerto para Piano nº1, de Fernando LopesGraça, com a Orquestra Sinfónica do Porto, sob a direcção de Matthias Bamert. Lopes-Graça escreveu o seu Concerto para Piano nº1 em Lisboa, após o regresso de Paris, onde viveu e estudou entre 1937 e 1939. A obra, distinguida com o primeiro prémio de composição do Círculo de Cultura Musical em 1940, combina influências do impressionismo musical francês com matrizes da música tradicional portuguesa, pilar essencial da linguagem do compositor. Também para esta temporada, está prevista a interpretação do Concerto nº2 do compositor português, com vista a uma futura gravação. O programa de hoje inclui ainda duas obras orquestrais: a Abertura “La Gazza Ladra”, de Rossini, e a célebre Sinfonia nº4, de Brahms. O concerto será precedido por uma palestra pela musicóloga Teresa Cascudo, autora de uma tese de doutoramento sobre Lopes-Graça. C.F. Jazz Na tradição dos grandes Kurt Elling Com Kurt Elling (voz), Laurence Hobgood (piano), Ulysses Owens Jr (bateria), Harish Raghavan (contrabaixo), John McLean (guitarra). Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. Império. 4ª, 16, às 21h. Tel.: 213612400. 15€ a 25€. Castelo Branco. Cine-Teatro Avenida. Av. General Humberto Delgado. 5ª, 17, às 21h30. Tel.: 272349560. 12€. Todos aqueles que dedicaram algum tempo a ouvir cantores como Frank Sinatra, a, JJimmy y Scott, Mark a Murphy, u p y, Jon Hendricks endricks ou Tony Bennett ett sabem qual o poderr de uma determinada minada forma de frasear sear as notas, de uma ma articulação que tem em tanto de rigor como de mágico co e profundamente ndamente emocional. ional. Kurt Elling é actualmente lmente o cantorr que melhor or Agenda Sexta 11 Maria Gadú Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 20€ a 40€. Julianna Barwick + Diamond Gloss Coimbra. Oficina Municipal do Teatro. R. Pedro Nunes, às 23h. Tel.: 239718238. 10€. Arthur Doyle Porto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às 22h. Tel.: 222058351. 5€. Glass Candy 32 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 17h30 e 21h30. Tel.: 220120220. 17,5€. Maria Gadú Porto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 22h. Tel.: 707100021. 25€. Segunda 14 Orquestra Buena Vista Social Club feat. Omara Portuondo Katie Melua Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 50€. Joan As Police Woman Tróia. Casino. Marina de Tróia, às 21h30. Tel.: 265498000. 10€. Dead Combo & Royal Orquestra das Caveiras Arcos de Valdevez. Casa das Artes. Jardim dos Centenários, às 23h. Tel.: 258520520. 8€. Rodrigo Leão Guimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 5€. Zeca Medeiros Sines. Centro de Artes de Sines. R. Cândido dos Reis, às 22h. Tel.: 269860080. 10€. The Legendary Tigerman Águeda. Cine-Teatro São Pedro. Lg. Dr. António Breda, às 21h30. Tel.: 234622837. 10€. Os Golpes Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. Republica, 39, às 21h30. Tel.: 245307498. 8€. Linda Martini + Filho da Mãe Viana do Castelo. Café do Teatro. Rua Sá Miranda, às 22h30. Tel.: 917532256. 10€. David Fonseca Os Golpes + Samuel Úria Quinta 17 Torres Novas. Teatro Virgínia. Lg. São José Lopes dos Santos, às 21h30. Tel.: 249839309. 5€. Gala Drop + Bandidos Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às 0h. Tel.: 213430107. 10€. Rita Redshoes Vila Real. Teatro de Vila Real - Grande Auditório. Alam. Grasse, às 21h30. Tel.: 259320000. 12€. Lisboa. Teatro Tivoli. Av. Liberdade, 182, às 21h30. Tel.: 213572025. 20€ a 30€. Krissy Matthews Band Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República, às 21h30. Tel.: 239855636. 12€. Coimbra em Blues. Loulé. Cine-Teatro Louletano. Av. José da Costa Mealha, às 21h30. Tel.: 289400820. 8€ a 10€. Estarreja. Cine-Teatro Municipal. R. Visconde de Valdemouro, às 21h30. Tel.: 234811300. 15€ a 18€. Adolfo Luxúria Canibal + António Rafael: Estilhaços Hermeto Pascoal Ílhavo. CC de Ílhavo. Av. 25 de Abril, às 22h. Tel.: 234397260. 10€. Melingo Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Av. Berna, 45A, às 19h. Tel.: 2178 217823000. 15€ a 20€. Katie M Melua Lisboa. Pr Praça de Touros. Ca Campo Pequeno, às 21h. 217820575. Tel.: 217 2 22,5 € a 75€. 22,5€ Sábado 12 Fátima Miranda Joa As Joan Police Po Woman Wo Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. o. R. Arco do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 18€. Ver texto na pág. 16. Ao vivo, Kurt Elling é um “crooner” impressionante The Gift Joan As Police Woman Zeca Medeiros Lisboa. Fundação Gulbenkian - Grande de Auditório. Av. Berna, 45A, às 19h. Tel.: .: 217823000. 10€ a 20€. personifica personifica essa tradição, a de pegar num tema de alguém e o Joan As Police Woman Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 5€. Domingo 13 Espinho. Auditório de Espin Espinho. nho. Rua 34, Quarta 16 Eduard Stan Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, às 22h. Tel.: 219107110. 15€. Melingo Porto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 22h. Tel.: 707100021. 15€. Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim, 19, às 21h30. Tel.: 261338131. 15€. Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos - Salão Nobre. Lg. S. Carlos, 17, às 18h. Tel.: 213253045. 10€. Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. Barroc Barroca, ca, 59, às 23h. Tel.: 213430205. 8€. Joan As Police Woman David Fonseca Laurent Filipe & António Zambujo Julianna Barwick + Magina Mag gina Terça 15 Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 21h30. Tel.: 253547028. 15€ a 20€. Orquestra Sinfónica Portuguesa Direcção Musical de Pedro Neves. The Swingle Singers e Orquestra Gulbenkian Direcção Musical de François-Xavier ois-Xavier Roth. Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.: 223394947. 20€ a 55€. Palmela. Cine-Teatro S. João. R. Gago Coutinho - Sacadura Cabral, às 21h30. Tel.: 212336630. 15€ a 20€. Tomar. Cine-Teatro Paraíso. Rua da Infantaria, 15, às 21h30. Tel.: 249329190. €12,5 a €15. 17.03. 22H00 FNAC GAIASHOPPING Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt 884, às 21h30. Tel.: 227340469. 20€. Melingo em Espinho e Lisboa Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras - EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 11€ a 15€. Os Golpes + Samuel Úria Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto, into, às 21h30. Tel.: 244834117. 17. 7,5€. Sei Miguel el Unit Core Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. Barroca,, 59, às 22h. Tel.:: 213430205. 05. 5€. Miyavi vi Lisboa. Café Teatro Santiago antiago Alquimista. sta. R. Santiago, o, 19, àss 21h30. Tel.: 03. 218884503. 20€. Lisboa. Casino Lisb Lisboa. Lisbo Alam. Oceanos, Ocean às 21h30. Tel.: 218929070. 2189290 20€. David Fonseca Fonsec Porto. Cas Casa da tornar sseu, cantando-o com uma intensidade, uma alegria e uma intensid espontaneidade que nos fazem entrar esponta por no espírito do tema. p r completo po co Possuidor de uma extraordinária Possu técnica técn vocal, que nunca sobrepõe ao equilibrio de cada sob canção, Elling é particularmente can impressionante ao vivo, im deixando as suas plateias de sideradas por uma mistura sid explosiva de crooning, hardex Julianna Barwick na ZdB swinging e scat (melodia improvisada apenas com sons). Ao vivo em Lisboa, dia 16, e em Castelo Branco, dia 17, num espectáculo em que apresentará o seu mais recente álbum, “The Gate”, Elling conta com uma primeira parte pelo Quinteto de Joana Machado, uma das mais interessantes cantoras nacionais, aqui numa apresentação do seu mais recente projecto, “Travessia dos Poetas / Rosapeixe”. Rodrigo Amado Discos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente O ritmo interior Canções dinâmicas que nem por isso deixam de ser introspectivas. Vítor Belanciano Toro Y Moi Underneath The Pine Carpark Records, distri. Flur mmmmn Ideia solitária desenvolvida pelo americano Chaz Bundick, a partir da Carolina do Sul, eis que chega o segundo álbum de Toro Y Moi. Quando foi editado o primeiro, “Causers Of This”, foi conotado com a vaga de projectos que nascem de um só homem e do seu afecto pelas máquinas, como Neon Indian, Washed Out ou Memory Tapes. Ou seja, gente que cria ritmos e toda a sua organização espacial e temporal com muito clima estival à mistura. Quem o tivesse visto ao vivo percebia que, no entanto, as ambições de Chaz Bundick não se restringiam à pop sonhadora ancorada na tecnologia portátil. “Underneath The Pine” é outra coisa. Não só porque sonicamente opta por um tipo de aproximação mais orgânica e instrumental, criando uma sonoridade menos compactada e tecnológica, sem ‘samples’, como agora as suas rreferências re f rê fe r nc ncias são outras, concentrando-se conc co ncentrando-se em linguagens lliing n uagens de fronteira front da d a passagem da década para a década de 70 par de de 80, como o ‘disco’ ‘di contaminado pelo contaminado pel jazz-funk canções ja ou canç pop electrónicas dos d anos 80, de movimento movim rítmico sincopado e cadencial, que os entendedores entendedore agora denominam como “boogie”. Na verdade trata-se de mais um daqueles discos dos dias de hoje que parecem carregar consigo uma série de influências à flor da pele, mas que depois de ouvidos não são fáceis de cartografar. Há harmonias na esteira dos Beach Boys, linhas sintéticas de funk que Dâm-Funk não se importaria de ter desenhado, figuras rítmicas “disco” orquestradas como Arthur Russell poderia ter feito ou mensagens de jazz alienígena que Herbie Hancock poderia ter lançado nos seus melhores dias. Dito assim, parece um disco dançável, de grande balanço rítmico, mas não. Não é que essa vivacidade rítmica não se faça sentir, mas nitidamente não se trata de obra virada para o exterior. Não parece, de todo, que a intenção tenha sido essa. É antes o tipo de álbum que encontrou o seu ritmo interior, expondo canções dinâmicas que nem por isso deixam de ser introspectivas, feitas de uma superfície luxuriante, dominada por camadas de teclados. E isso é muito bom. Mineiros de Athens R.E.M. Collapse Into Now Warner mmmnn Nada como baixar as expectativas. “Around the Sun” (2004) e “Accelerate” (2008) mostraram que também os R.E.M. eram capazes da absoluta irrelevância artística. A banda da qual todos dizíamos à boca cheia ser incapaz de fazer um mau disco não chegava exactamente a um nível de mediocridade gritante, antes parecia estar a ser lentamente engolida pelo chão e a desaparecer do nosso campo de visão/audição. Deixaria de existir sem que déssemos por isso. Seria consumida pelas suas próprias canções requentadas, traria constantemente aquela sensação que se tem em jantares/festas de que ouvi-los seria estarmos a desperdiçar-nos na conversa errada. Os R.E.M. caminhavam para uma situação inimaginável há uns anos: quando já ninguém sabe muito bem se ainda existem ou não, alguns têm quase a certeza que sim mas não arriscam comprometer-se, outros têm a vaga impressão de que ouviram falar de um disco novo dos três de Athens, mas é verdade que podia ser um qualquer outro “faitdivers” – Eddie Vedder com uma unha encravada depois de acidente no surf ou Evan Dando a reclamar que os seus braços são demasiado compridos para tocar guitarra em condições. Ou teriam sido coisas tão improváveis (mas reais) quanto Michael Stipe ter convidado James Franco para realizar dois vídeos para os R.E.M. ou Trent Reznor ter recebido um Óscar? Daí que “Collapse Into Now”, de repente, até seja enganador e pareça maior do que é. Recupera algum do prestígio criativo do grupo, de acordo, mas o simples facto de vermos a sociedade musical de www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220 Pop ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DOS ESPAÇOS SALA SUGGIA SALA 2 RESTAURANTE CIBERMÚSICA BARES 1 E 2 Toro Y Moi encontrou o seu ritmo - interior PATROCÍNIO MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES E VÁLIDA APENAS PARA UM CONVITE POR JORNAL E POR LEITOR. Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 33 Discos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente a graça e luminosidade californiana de “Reveal” (2001), por exemplo. É, por assim dizer, um grito de sobrevivência e uma prova firme de que ainda podemos contar com os R.E.M. por mais uns anos. Mas nenhuma destas canções – por mais Patti Smith que incluam – marcará a história do grupo. Gonçalo Frota facto. Não estava particularmente preocupada com a categoria que lhe teriam destinado. O disco de estreia de Luísa Sobral, embora não se permita os passeios pelas mesmas zonas vagamente soul e country que Jones junta à sua cartografia, surge nesse mesmo lugar de fronteira entre o jazz vocal e a pop. E também aqui não parecem detectar-se dores de cabeça antecipando o carimbo que lhe cairá fatalmente em cima. Luísa não está, como é evidente, no mesmo campeonato do jazz vocal que Joana Machado ou Sara Serpa. Luísa rodeia-se e fascina-se com os standards, mas avança com as suas próprias composições de construção pop, sem vestígio da carga dramática que se ouvia, por exemplo, em Billie Holiday. Luísa tem 23 anos e não tem vergonha de tê-los: apesar de este ser um disco de estreia seguro de si, sem hesitações, é assumidamente inocente e nem tangencialmente pretende ditar verdades sobre a vida. Para além de que a voz mostra um enorme potencial, de uma rouquidão que desliza pelas melodias como gente grande, e exibe uma noção de caminho, arriscando (e ganhando) fazer dixieland em português (“Xico”). “The Cherry on My Cake” é uma daquelas estreias que vale tanto por aquilo que já contém quanto por aquilo que prenuncia. Gonçalo Frota Luísa Sobral The Cherry on My Cake Universal Danças Ocultas Alento iPlay mmmnn mmmmn Nenhuma destas canções marcará a história dos R.E.M. Stipe, Mills e Buck resgatada do fundo da sua própria mina chilena, onde estavam quase soterrados, transmite uma momentânea euforia em torno do disco que importa controlar com a ingestão em barda de calmantes. Ainda por cima, a cápsula que os trouxe de volta à superfície surge com o alto patrocínio de gente como Patti Smith, Eddie Vedder e Peaches. Mas refreiem-se os ânimos, por favor, que este é disco para ser ouvido no dia seguinte. A excitação foi, no entanto, tamanha que houve quem apressadamente ligasse o novo disco aos brilhantes primeiros álbuns do grupo – “Murmur”, “Reckoning”, “Fables of the Reconstruction” ou “Life’s Rich Pageant”. Ejaculação precoce. Não são os R.E.M. propulsionadores do college rock que aqui encontramos, nem sequer a banda marcadamente sulista que praticava uma sonoridade que tresandava à América folk, ligada ao rock quase por capricho de juventude, e que ajudou a dar forma a uma das vozes mais originais da música popular norte-americana na década de 80. Quando muito, “Collapse Into Now” é um digno sucessor daquilo que foi gizado a partir de “Out of Time” (1991), quando essa sonoridade se transformou numa coisa adulta, rock de estádio, canções (quase sempre inspiradas, ressalve-se) para musicar os vídeos que habitualmente são mostrados aos concorrentes expulsos de reality shows ou que embalam as montagens de fotografias de infância e adolescência dos noivos que abrilhantam os casamentos. Perfeitas para puxar a lágrima. “Collapse Into Now” é um bom regresso, mas que não alcança ainda 34 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Diana Krall já tinha começado a forçar o namoro entre os standards de jazz e a pop. Mas os seus discos continuavam a ser desconfiada e desconfortavelmente enfiados nas prateleiras do jazz. Quando Norah Jones apareceu em 2002, com “Come Away With Me”, estalou o verniz e ninguém quis vê-la perto da mesma secção que albergava Billie Holiday, Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan. Quase se conseguiam perceber as veias a latejar descontroladas e salientes nos pescoços dos puristas. O que Jones fazia era pop e, para evitar confusões, havia que içar rapidamente as pontes levadiças e deixar que o fosso impedisse qualquer tentativa de contacto. Havia um medo, quase medieval, de contágio. A filha de Ravi Shankar nunca se importou especialmente com o Com quatro discos gravados, o grupo Danças Ocultas quis retratar-se num disco só. O resultado, a que Luísa Sobral vale pelo que anuncia e pelo que prenuncia chamaram “Alento”, é uma colectânea brilhante e madura. A abrir, a respiração ofegante de “Folia” antecede a hipnótica evolução harmónica e melódica de “Tarab”ou as “Danças” I e II do disco de estreia, por onde passam traços matriciais da música tradicional portuguesa, seguindo depois para cinco temas onde são chamadas a intervir “vozes” instrumentais convidadas como o bandolim, o violão, o clarinete baixo, o piano, o acordeão, o contrabaixo, ou até mesmo a voz, no caso a de Abed Azrié. Estas experiências são todas do álbum “Pulsar”, intercaladas com duas gravações recentes de “Tarab” (“Héptimo”, “Fábula”) e com “Dança d’Alba”, único tema nesta compilação recuperado do segundo disco do grupo, “Ar”. O fecho, com “Queda d’água” e “Moda assim ao lado” (este ao vivo), faz-nos regressar ao universo onírico do disco de estreia. Desta viagem, os Danças Ocultas saem reforçados, como se renascessem. O fôlego ganho em “Tarab”, talvez o seu melhor disco, só podia resultar numa escolha assim. Nuno Pacheco Jazz Manhã submersa Revelação de um novo talento nacional do piano. Nuno Catarino Luís Figueiredo Trio Manhã JACC Records mmmnn O elogioso texto de apresentação deste disco vem assinado por Mário Laginha. Nos agradecimentos, Luís Figueiredo classifica Laginha de “verdadeiro mestre”. Contudo, a referência que imediatamente nos ocorre ao ouvirmos este disco é Bernardo Sassetti. Nesta estreia discográfica o jovem pianista de Coimbra apresenta uma música marcadamente original, onde está sobretudo patente, Luís Figueiredo: um óptimo valor nacional do piano mais do que a exuberância de Laginha, a contenção que é habitualmente associada aos trabalhos de Sassetti. Figueiredo revela-se ao mundo com uma abordagem cautelosa, trabalhando maioritariamente temas com tempos lentos, trocando uma eventual sumptuosidade sonora em favor de uma clara elegância. Sem arriscar, este álbum de Figueiredo inscreve-se num metódico classicismo, num caminho com poucos desvios. As pequenas fugas à rota chegam para o final do disco: a ligação a Laginha torna-se evidente no penúltimo tema, “De olhos bem abertos”, que poderia fazer parte do repertório do histórico pianista pela vertigem rítmica; o último tema, “No Escuro”, mostra um tímido lado experimental, antes de embarcar num rumo previsível. O piano de Luís Figueiredo tem um óptimo som e ao longo do disco vão sendo reveladas boas ideias e deliciosos detalhes. Nélson Cascais (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria), dois valores seguros da cena nacional, cumprem a função rítmica com a tradicional competência. Pianista com uma sólida formação académica (Licenciatura em Piano na Universidade de Aveiro, Doutorando em Música - Performance Jazz, passou pelo Hot Clube de Portugal e ainda estudou com Mário Laginha), Figueiredo tem aqui a sua confirmação na prática, afirmandose um bom executante e compositor - dos nove temas do disco apenas um não é da sua autoria, o standard eterno “I fall in love too easily”. Um óptimo valor nacional do piano. E um disco ao qual vale a pena dar toda a atenção. Cinema Distristriição buição Estreiam Amigos inimigos Um óptimo documentário sobre uma época crucial na história do cinema europeu. Luís Miguel Oliveira Os 2 da (Nova) Vaga Deux de la Vague De Emmanuel Laurent, com Anouk Aimée, Jean-Pierre Aumont, Charles Aznavour, Jean-Paul Belmondo. M/12 MMMnn Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 19h10, 23h50 Domingo 11h30, 14h30, 19h10, 23h50 Os “dois da (nova) vaga” são JeanLuc Godard e François Truffaut. O filme de Emmanuel Laurent conta a história deles, no período em que ela foi comum: da amizade e da cumplicidade seladas, muito cedo, pela cinefilia, à ruptura (pessoal) definitiva no princípio dos anos 70, já a cumplicidade se perdera há muito, queimada pelo acentuar das diferenças idiossincráticas, e a amizade seguiu o mesmo destino, na sequência de uma violentíssima troca de correspondência depois de Godard ter saido (muito) irritado de O filme “Mistérios de Lisboa”, ad adaptação do romance de Camilo C Castelo Branco feita pelo chileno Raul R Ruiz, já tem estreia marcada para Ta Taiwan no fim-de-semana. E a Music Box, uma das principais distribuidoras in independente nos E.U.A, adquiriu os d direitos de distribuição do filme. Tem ai ainda lançamento assegurado no B Brasil e estreia marcada em Espanha, a 16 de Março, e no Reino Unido, em A Abril. A versão televisiva, com seis h horas, vai ser exibida pela televisão g grega e pela RAI, em Itália. uma projecção de “A Noite Americana” (de Truffaut). Os amigos tornaram-se inimigos, não voltaram a ver-se (cara a cara, pelo menos), nem a trocar, publicamente ou em privado, qualquer manifestação de estima. Para o filme (que foi escrito por Antoine de Baecque, crítico e historiador que tem estudado a geração da “nouvelle vague” e assinou uma recente biografia de Godard), essa ruptura assinala um momento simbólico: o momento em que o cinema francês (o novo cinema francês, saído da “nouvelle vague”) se cindiu, e os seus principais pontos de referência seguiram rumos inconciliáveis. A orfandade resultante é simbolizada por Jean-Pierre Léaud, actor de Truffaut e actor de Godard, e o primeiro filho legítimo da “nouvelle vague” (houve outros). É com ele que o filme acaba, muito miúdo, a ser entrevistado no “casting” para os “400 Golpes” de Truffaut. Podemos dizer, como Jacques Rivette disse uma vez, que o que espanta não é que Godard e Truffaut se tenham zangado, antes que tenham demorado tanto tempo a fazê-lo. As diferenças - profundas, ideologica e esteticamente - estavam lá desde o princípio, e não fizeram senão vincar-se, sobretudo a partir do final dos anos 60, quando a geração da “nouvelle vague” chocou de frente com um tema que, em boa verdade, só Godard não fizera por explicitamente evitar: a política. Sem insistir muito - alguns “Chelsea Hotel”: um filme para preservar a “filosofia” do hotel apontamentos alternando declarações de um e de outro - o filme sinaliza essas diferenças, mas o seu investimento é sobretudo na amizade entre os dois, contada como se fosse o cimento que, justamente, permitia agregar duas personalidades tão distintas. O que faz sentido: em 1973 os filmes de Godard e Truffaut já não tinham quase nada em comum, mas foi a explosão da relação pessoal que tornou isso evidente. Centrada nestes dois rostos, é portanto a história da “nouvelle vague” e do período que se lhe seguiu que “Os Dois da (Nova) Vaga” conta. Forçosamente resumida, às vezes até com simplicidade excessiva e algum pendor próTruffaut na explicação da ruptura, ou no mínimo uma maior disponibilidade para compreender a posição dele. Em todo o caso, com a sua excelente recolha de material de arquivo e o seu texto claro e argumentado, “Os Dois da (Nova) Vaga” é um óptimo documentário sobre uma época crucial na história do cinema europeu, e o seu capital pedagógico não é, consequentemente, nada negligenciável. Salvem o Chelsea Hotel Chelsea Hotel Chelsea on the Rocks De Abel Ferrara, com . M/12 MMnnn Lisboa: Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h20, 19h30, 21h30, 24h Podemos dizer, como Jacques Rivette disse uma vez, que o que espanta não é que Godard e Truffaut se tenham zangado, antes que tenham demorado tanto tempo a fazê-lo Se havia alguém para fazer um documentário sobre o Chelsea Hotel, lugar mítico da boémia novaiorquina, Abel Ferrara seria sempre um candidato apropriado (até porque quase todos os outros já morreram). O problema é que, como todos os filmes que se façam hoje sobre a Nova Iorque boémia, é demasiado tarde para encontrar outra coisa se não ecos e memórias. Janis Joplin “giving head on an unmade bed” (como cantou Leonard Cohen em “Chelsea Hotel #2”), ou as “Chelsea Girls” de Andy Warhol: o Hotel Chelsea pode ser um monumento, mas, mais importante, já inspirou mais monumentos do que o mais monumental dos hoteis. Foi disto tudo, desta “ressonância”, que Ferrara foi à procura. É um filme de histórias: Ferrara passeia a câmara pelo hotel e pelas imediações, mas o que quer mesmo é ouvir relatos e recordações. Dos que lá trabalham, dos que lá vivem, dos que lá viveram nalgum momento das suas vidas. Algumas celebridades (Dennis Hopper, ainda com óptimo aspecto, num depoimento muito curto; ou Milos Forman, em visita guiada) e sobretudo muita reminiscência. Mas esse é o busílis: nunca se vai ao fundo de nada, a certos episódios (a história de Sid Vicious e Nancy Spungen) é dado um relevo desmesurado, a utilização de imagens de época, por preguiça ou por impossibilidade de ir mais além, é pobre. Na maior parte do tempo, Ferrara conversa com actuais moradores do hotel, artistas e “boémios” que não têm nada de interessante a contar (a não ser sobre eles próprios). E Ferrara também não tem nada de interessante para fazer com os depoimentos deles, filmando-os e montando-os no estilo mais casual que conseguiu. É Ferrara em modo “relax”, para desenjoar da tensão nervosa que as suas ficções costumam ter. Há uma coisa que talvez explique isto. “Chelsea Hotel” foi filmado numa altura em que os proprietários se preparavam para passar a gerência a uma empresa externa, receando-se que a nova gerência trouxesse alterações à identidade tradicional do hotel, nomeadamente subindo os preços ou deixando de permitir a permanência de hóspedes por prazos indefinidos. É um tema de várias conversas. E a intenção de Ferrara, no fundo, parece ser apenas esta: criar um pequeno instrumento de pressão, defender a preservação da “filosofia” do hotel como parte essencial da sua identidade. O que está, com certeza, muito bem. Mas o filme serve para pouco mais do que isso. Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 35 Cinema MMnnn Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h40, 18h30, 21h30; Castello Lopes Loures Shopping: Sala 6: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h30, 21h30 6ª Sábado 13h10, 16h, 18h30, 21h30, 23h50; CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55, 24h Sábado Domingo 11h30, 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55, 24h; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h50, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 22h, 00h05; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h25, 17h30, 19h35, 21h40, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h15, 21h45, 00h10 Domingo 11h30, 14h15, 16h50, 19h15, 21h45, 00h10; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h10, 16h40, 19h15, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h40, 18h05, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55, 18h25, 21h20, 23h55; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h20, 23h55; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30, 21h, 23h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h10, 21h30, 00h10; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h40, 21h30 6ª 15h30, 18h40, 21h30, 24h Sábado 13h, 15h30, 18h40, 21h30, 24h Domingo 13h, 15h30, 18h40, 21h30; Castello Lopes Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h50 6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Sábado 13h30, 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Domingo 13h30, 16h, 18h50, 21h50; Castello Lopes - Setúbal: Sala 1: 5ª 2ª Jorge Mourinha Luís M. Oliveira Vasco Câmara Os Agentes do Destino mmnnn nnnnn nnnnn Chelsea Hotel mmmnn mmnnn mnnnn O discurso do Rei mmnnn mmnnn mnnnn Os 2 da (Nova) Vaga nnnnn mmmnn mmnnn 127 Horas mnnnn nnnnn A Filme Socialismo nnnnn mmmmm mmnnn Igualdade de Sexos mmnnn nnnnn nnnnn As Múmias do Faraó mmnnn nnnnn nnnnn Poesia mmmmn mmmnn mmmnn Somewhere-Algures mmmnn nnnnn mnnnn “As Múmias do Faraó: As Aventuras de Adèle Blanc-Sec”: a memória do cinema popular europeu pós II Guerra “Os Agentes do Destino” é a mais recente incursão de Hollywood pelo universo de Philip K. Dick Os Agentes do Destino The Adjustment Bureau De George Nolfi, com Matt Damon, Emily Blunt, Anthony Mackie, John Slattery, Terence Stamp. M/12 As estrelas do Público 3ª 4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª 15h30, 18h, 21h30, 24h Sábado 13h10, 15h30, 18h, 21h30, 24h Domingo 13h10, 15h30, 18h, 21h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h20, 21h25, 24h; Zon Lusomundo Freeport: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h25 6ª 16h, 18h50, 21h25, 24h Sábado 13h25, 16h, 18h50, 21h25, 24h Domingo 13h25, 16h, 18h50, 21h25 Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h25, 19h05, 21h45, 00h25 3ª 4ª 16h25, 19h05, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h50, 21h50 6ª Sábado 13h10, 15h50, 18h50, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h40 6ª Sábado 13h40, 16h20, 19h, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 18h20, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h10, 22h, 00h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h50 6ª 15h40, 18h40, 21h50, 00h10 Sábado 13h20, 15h40, 18h40, 21h50, 00h10 Domingo 13h20, 15h40, 18h40, 21h50; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h20, 16h10, 18h50, 21h30, 00h20 “Os Agentes do Destino” é a mais recente incursão de Hollywood pelo universo de Philip K. Dick, o visionário autor de ficção científica que já esteve na origem de “Blade Runner”, “Desafio Total” ou “Relatório Minoritário”. Nas mãos de George Nolfi, realizador estreante e argumentista dos filmes Bourne e do “Ocean’s Twelve” de Soderbergh, a paranóia alucinada de Dick dá lugar a uma série B escorreita sobre um deputado americano (Matt Damon, sólido) que descobre a existência de uma sociedade dedicada a garantir que os humanos cumprem o destino que lhes coube em sorte – o que, no seu caso, implica uma carreira política meteórica mas nunca mais voltar a ver a mulher por quem se apaixonou (Emily Blunt, encantadora). Podemos olhar para “Os Agentes do Destino” como uma espécie de versão “light” da “Cidade Misteriosa” de Alex Proyas, mas o que é original na estreia de Nolfi é o modo como o mistério sobrenatural (exposto de modo suficientemente aberto para permitir todo o tipo de leituras) se entrelaça com a comédia romântica num todo despretensioso e despachado que remete forçosamente para as grandes séries B de género dos anos 1950. Não é um grande filme, mas sabe ser sério sem ser sisudo e leve sem cair no superficial, o que hoje em dia é obra. J. M. Igualdade de Sexos Made in Dagenham De Nigel Cole, com Sally Hawkins, Bob Hoskins, Miranda Richardson, Geraldine James, Rosamund Pike, Andrea Riseborough. M/12 MMnnn Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h20, 21h10, 24h Porto: ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h20, 18h, 21h15, 23h50 “Igualdade de Sexos”: como uma “Britcom” optimista e solarenga 36 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Reza a frase que “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher” - mas, no caso verídico que “Igualdade de Sexos” romanceia, as mulheres não têm mesmo nenhum grande homem à frente, fartam-se de ser espezinhadas e decidem erguer-se pelos seus direitos. O filme do inglês Nigel Cole é a história das operárias da fábrica inglesa da Ford em Dagenham, no Leste de Londres, que, em 1968, cansadas de receberem menos que os homens e de não serem levadas a sério como operários, partiram para a greve e, sem terem noção do que estavam a fazer, puseram a Inglaterra fabril de joelhos. Antes que se pense, contudo, que estamos perante mais uma obra do neo-realismo inglês, Cole conta a história das mulheres de Dagenham como uma “Britcom” optimista e solarenga que fala sem esforço de coisas sérias com a despreocupação e o bom humor que costumamos identificar com os “swinging sixties”. É fita eficaz e simpática, com o rigor de reconstituição e a qualidade de representação a que a produção inglesa nos habituou, com bonecos bem sacados de Sally Hawkins (a líder relutante da revolta feminina), Bob Hoskins (o sindicalista que se vê ultrapassado pelos acontecimentos) e Miranda Richardson (a ministra secretamente apoiante das mulheres), mesmo que sem sinais particulares que a distingam de tantas outras “Britcoms” sobre gente que toma o destino nas mãos, como “Ou Tudo ou Nada” por exemplo. E a diferença entre isto e “O Discurso do Rei”, para que conste, é mínima: são ambos boas histórias bem contadas, que só o “cair no goto” separou quando foi altura de somar as votações para as nomeações nos Óscares... J.M. As Múmias do Faraó: As Aventuras de Adèle Blanc-Sec Les Aventures Extraordinaires d’Adèle Blanc-Sec De Luc Besson, com Louise Bourgoin, Mathieu Amalric, Gilles Lellouche, Jean-Paul Rouve. M/12 MMnnn Lisboa: Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h15, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h05, 18h40, 21h40, 00h15 Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h15, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h10, 22h, 00h30 ; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h10, 22h 6ª Sábado 13h40, 16h30, 19h10, 22h, 00h40; Para quem lamenta que Luc Besson nunca mais tenha reencontrado o “estado de graça” de “O Quinto Elemento”, perdido na sua ambição de “magnata” e concorrente local das máquinas de produção americanas, “As Múmias do Faraó” pode servir de reencontro com o realizador. Adaptando os álbuns da personagem de BD criada nos anos 1970 por Tardi, Besson constrói uma comédia de aventuras sobre as peripécias rocambolescas de uma jornalista aventureira na Paris da Belle Époque que remete ao mesmo tempo para os velhos folhetins e seriados e para o grande cinema popular europeu do pós-II Guerra Mundial. Não resulta inteiramente, porque Besson dá sempre a sensação de estar a brincar ao cinema mais do que a estruturar um filme solidamente, e isso torna “As Múmias do Faraó” demasiado desconjuntado e episódico. Mas a heroína pespineta encontra em Louise Bourgoin intérprete à altura, e a irrisão dos álbuns originais é respeitada, resultando em duas horas de entretenimento bemhumorado e despretensioso que não fica atrás da concorrência americana. J.M. Continuam Poesia Shi De Lee Chang-Dong, com Yun Jung-hee, Lee David, Kim Hira. M/12 MMMMn Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h30, 16h15, 19h, 21h45, 00h30 É a primeira vez que o coreano Lee Chang-Dong, regular dos grandes festivais de cinema, chega às salas portuguesas, e fá-lo com esta pérola preciosa que venceu o prémio de Melhor Argumento em Cannes 2010. Quem tiver visto o excelente “Mother” de Bong Joon-hoo poderá encontrar pontos em comum entre os dois filmes – que têm como heroínas matriarcas que lutam com os actos menos próprios dos adolescentes – mas Lee opta por um modo de pastoral bucólica e existencialista para o seu conto moral sobre a vida, acompanhando uma avó generosa (extraordinária Yun Jung-hee) que enceta uma verdadeira travessia do deserto onde a doença e a morte vão inevitavelmente de braços dados com o amor e a poesia. Enganadoramente simples, “Poesia” utiliza uma elegante acumulação de pormenores para construir um filme assombrosamente denso sobre a memória e o esquecimento que fica connosco muito para lá dos planos finais (que, apropriadamente, fecham o círculo do rio que corre na cena de abertura). Belíssimo. J.M. Exposições LUÍS RAMOS/ARQUIVO Retros Retrospectiva O M-Museum, em Lovaina, Bélgica, inaug inaugurou dia 24 de Fevereiro uma r trr re retrospectiva dedicada a Pedro Ca a Cabrita Reis (Lisboa, 1956). “One aff after another, a few silent steps” é a mais completa revisão da o obra do artista, reunindo cerca d 60 trabalhos (escultura, de p pintura, fotografia e instalação) pr produzidos entre 1985 e 2010 a - alguns deles especificamente par esta exposição, que já passou para pell Hamburger Kunsthalle e pelo pelo Mu Musée Carré d’Art in Nímes, e que ain n este ano chegará ao Museu ainda Co Coleccão Berardo. Maravilhoso laboratório Três artistas internacionais reúnem-se numa exposição sob o signo do “atelier”, num diálogo surpreendente com a fotografia e a imagem em movimento. Entre a ilusão e a realidade. José Marmeleira 1+1+1=3 De Hermann Pitz, Michael Snow, Bernard Voïta. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. Fotografia, Vídeo. mmmmn “WVLNT”, de Michael Snow, aponta para o atelier como imagem e como lugar onde se produzem imagens A série “1 + 1 + 1 = 3” é um projecto da Culturgest, concebido por Miguel Wandschneider, que converte três exposições individuais numa única exposição colectiva, iluminando entre as obras “parentescos” e analogias inesperadas. Tem agora um segundo “capítulo”, revelado ao espectador a partir de trabalhos do canadiano Michael Snow, do suiço Bernard Voïta e do alemão Hermann Pitz, com o comissariado de Friedrich Meschede. O ponto de partida, o conceito inicial, ameaça, desta vez, ser menos sensível ao “diálogo”. Referimo-nos ao “atelier”, lugar apartado da realidade exterior, pertencente à esfera privada do artista, onde este trabalha e produz arte. Portanto, território exclusivo, misterioso. Mas também elemento, entre outros, desse espaço simultâneo de experiências, objectos e imagens que é a arte contemporânea. Enfim, imagem e lugar onde se descobrem imagens. Por exemplo, em “WVLNT (Wavelength for Those Who Don’t Have the Time. Originally 45 minutes. Now 15!)”, versão reduzida do mítico filme de Michael Snow (1929): o cenário desta pesquisa sobre o espaço e o tempo, a ilusão e o real, continua a ser o “atelier” (vemo-lo sob uma sucessão de transparências, cromatismos, “zooms”). Depois, assinalam-se outras pesquisas, outros cenários, e entramos na narrativa que a exposição sugere. Em “Condensation – A Cove Story” (2009) não descobrimos um filme (para ser visto com um filme), mas imagens em movimento que se contemplam distraidamente. Durante dois Verões, Snow captou com uma máquina fotográfica vários fenómenos atmosféricos no Norte do Canadá e com esses registos compôs um vídeo que representa a relação (ora tumultuosa, ora pacífica) de uma paisagem com a luz e o tempo (“Cove Story” podia ser “Love Story”). Já em “Localidade” (2010), estamos no domínio da instalação. Fortes luzes são projectadas sobre transparências que se multiplicam em cores, sombras, superfícies. E envolvem o espectador que, assim, vê em simultâneo várias “paisagens”. Se, nestas obras de Michael Snow, o “atelier” aparece como imagem para se subsumir noutras imagens, no trabalho de Hermann Pitz revelase como sujeito, “personagem” de um processo. Veja-se “Sofortbilder”, (1981-1995), uma das obras mais fascinantes da exposição. Trata-se de uma série de polaróides que documentam, com textos descritivos da autoria do próprio artista, a história do seu “atelier” e as histórias, as epifanias, as ideias e os projectos que aí prometeram nascer ou nasceram. Algumas dessas fotos mostram perspectivas deformadas dos objectos, feitas por lentes ou espelhos côncavos. Que reencontramos na fotografia (1992) ou na “Studio Düsseldorf” Düsseld intrigante e escultórica “Nachbild” esc (1997-2010). Mas é nas o obras de Bernard Voïta que a relação com o atelier re emerge mais erótica, com outra intensidade ontológica. Nas estranhas p paisagens (da série “Paysages Ahah”, 2010), nas fotografias fotografia das “falsas” máquinas (fotográficas e não só, em “Machine II” ou “M “Camera I”) ou nas paisagens paisage minerais e abstractas abstrac que se movem em “Trax” (2010). E “T também també aqui há “zooms”, sobreposições, texturas, sobre fenómenos fenó atmosféricos. Todos atm criados nesse cria maravilhoso ma laboratório que dá la pelo nome de p “atelier” de arte. “ aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Alexandre Farto na Presença Wendelien van Olderborgh na Carpe Diem Inês d’Orey no CPF Agenda Inauguram Inaugura hoje às 21h30. Lecture/Audience/Camera De Wendelien van Oldenborgh. Detritos De Alexandre Farto. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Inaugura hoje às 21h30. Fotografia, Vídeo. Vídeo, Instalação. Porto. Galeria Presença. R. Miguel Bombarda, 570. Tel.: 226060188. De 12/03 a 23/04. 2ª a 6ª das 10h às 19h30. Sáb. das 15h às 19h30. Inaugura amanhã às 16h. Corredor com Abertura Zenital para Capela De Ramiro Guerreiro. Paisagens VI De Maria Caldas Ribeiro. Instalação, Outros. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Inaugura hoje às 21h30. Porto. Serpente - Galeria de Arte Contemporânea. Rua Miguel Bombarda, 558. Tel.: 226099440. De 12/03 a 16/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h. Instalação, Outros. Pintura. Os Jardins de Lisboa De Gabriela Machado. Porto Interior De Inês d’Orey. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Inaugura hoje às 21h30. Porto. Centro Português de Fotografia. Cp. Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 12/03 a 15/05. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 15h às 19h. Inaugura amanhã às 17h. Pintura. Flávio Cerqueira Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Inaugura hoje às 21h30. Instalação, Escultura. The Best of All Possible World Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Fotografia. BES Photo 2010 De Carlos Lobo, Kiluanji Kia Henda, Manuela Marques, Mário Macilau, Mauro Restiffe. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. Império. Tel.: 213612878. De 14/03 a 13/06. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a Dom. das 10h às 19h. Inaugura 14/3 às 19h30. Fotografia. Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 37 Sandra Bullock macht frei O entretenimento Americano regressou triunfantemente ao “status quo” na noite dos Óscares, que recuperou o seu estatuto de evento mais reaccionário do planeta. D epois de uma ofensiva concertada das forças fracturantes, o entretenimento Americano regressou triunfantemente ao “status quo” na noite dos Óscares, que recuperou o seu estatuto de evento mais reaccionário do planeta. O homem responsável pela reacção foi Bruce Vilanch, guionista veterano e reserva moral da Califórnia, que, dois dias antes da restauração, criticara o tom e o conteúdo do desempenho de Ricky Gervais (esse perigoso radical) nos Globos de Ouro - para depois coordenar a cerimónia mais soporífera de que há memória. James Franco foi quase unanimemente reponsabilizado pelo calamidade, mas creio que se limitou a dramatizar a sua própria avaliação crítica do texto que lhe deram, afundando-se com a dignidade possível: na vertical, como um cavalheiro, de vestido cor-de-rosa, peruca amarela e sorriso magenta, ignorando os esforços hiperventilados de Anne Hathaway para fingir que estava numa audição para um musical de La Féria. Vilanch, cujo aspecto geofísico evoca um Hermeto Pascoal com o ADN adulterado por longa adesão à dieta oficial de Los Angeles, cumpriu a tarefa com brio. De acordo com algumas insuspeitas “mailing lists” neo-nazis que subscrevi por acidente, ele é simultaneamente gay e judeu, pertencendo portanto à elite demográfica que desde sempre manipulou as estruturas de poder de Hollywood, e que acolheu com legítimos receios a possibilidade de o “caso Gervais” gerar uma escalada de liberalização social sem precedentes. Vilanch liderou o contra-ataque, purgando o guião final dos Óscares não apenas de piadas, mas também de qualquer referência passível de agradar a minorias historicamente oprimidas, como os antisemitas ou os homofóbicos. As minhas impecáveis credenciais humanistas deixamme à vontade para aplaudir o sucesso da iniciativa (não tenho nada contra anti-semitas, e alguns dos meus melhores amigos são homofóbicos), mas não posso deixar de lamentar a sucessão de oportunidades perdidas que Holywood tem vindo a acumular. Durante quanto tempo podem as elites artísticas do globo continuar a manter os seus mais enraizados preconceitos, marginalizando comunidades inteiras cujo único pecado é a procura de estilos de ódio alternativos? O mainstream gay, por exemplo, gosta de pensar na comunidade homofóbica como uma massa homogénea, com sentimentos, maneirismos, apetites e armas brancas idênticas. Mas dentro de cada homófobo há um atavismo único e especial que apenas procura a liberdade para florescer à sua maneira. E não será vedando à homofobia o acesso aos rituais da comédia ocidental que alcançaremos uma sociedade mais justa e igualitária. Enquanto estas esotéricas escaramuças identitárias eram encenadas em código, breves e fortuitas simetrias Durante quanto tempo podem as elites artísticas continuar a manter os seus preconceitos, marginalizando comunidades cujo único pecado é a procura de estilos de ódio alternativos? 38 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon Rogério Casanova GABRIEL BOUYS/AFP Opinião A Vírgula de Oxford encheram o palco do Kodak Theater. Centenas de celebridades temporariamente exumadas dos seus jazigos assistiram a monólogos de Bob Hope, temporariamente exumados dos seus arquivos. Melissa Leo deixou escapar um palavrão; Christian Bale escondeu com competência os quinze que lhe ocorreram. Charles Ferguson, o argumentista de “Inside Job”, lamentou que “três anos depois da horrível crise financeira” nem um único executivo tenha sido julgado e condenado pelos seus crimes; manteve-se um decoroso silêncio sobre Alejandro González Iñárritu que, nove meses depois da estreia de “Biutiful”, continua a passear-se impunemente, e com acesso livre a equipamento cinematográfico. Os galardões técnicos foram mais uma vez empurrados para a véspera e para a cave (“Congratulations, nerds!”, gritou suavemente James Franco, com timing perfeito). Uma excepção: o Óscar honorário para a arte da taxidermia, atribuído ao responsável pela complexa estrutura biomecânica situada entre o pescoço e o cabelo de Sandra Bullock. Este anónimo visionário idealizou um aparato fisionómico não apenas para o presente, mas para o futuro. Embora capaz de reproduzir grande parte dos efeitos de um rosto humano normal, o rosto de Sandra Bullock obedece um princípio arquitectónico certamente inspirado pela “Teoria do Valor da Ruína”, formulada por Albert Speer, segundo a qual a construção de um monumento deve ter em conta o aspecto que as suas ruínas terão um ou dois milénios mais tarde. O rosto de Sandra Bullock, como a postura martirizada de James Franco, não é um artefacto que almeje à mera eficiência ou preservação; é uma intrépida manifestação de decadência controlada, um apoteótico memorando para a memória colectiva. Ainda serão estudados pelas civilizações anfíbeas do futuro, muitas gerações depois de “O Discurso do Rei” ter sido justamente esquecido. Política cultural A partir do cinema Foi um dos primeiros filmes que apresentava ao grande público (em Portugal chamava-se “A Minha Bela Lavandaria”) a temática do Multiculturalismo. Vem esta evocação a propósito das declarações do primeiro ministro inglês David Cameron e da chanceler alemã Angela Merkel que decretavam a morte do Multiculturalismo. D lisboa animated f ilm festival MON ST RA Workshop Workshops ops e M Master aster CClass lass e em m www.monstrafestival.com OUTROS APOIOS CO-PRODUÇÃO PARCERIA ESTRATÉGICA ORGANIZAÇÃO recentes gerações. Não haverá pior perversidade do que esta que tem por único objectivo a conservação do poder pelo poder. O argumento de que apenas seguem a vontade do povo - termo este também da terminologia populista - é um argumento que revela da falta de espessura política destes governantes. Se há alguma coisa que se espera de um cidadão com espessura política é que seja capaz de, argumentando, argumentando sempre, conseguir transformar a comunidade, o país, tendo em vista uma paz universal. E o argumento de que os imigrantes só têm ganhos nos países de acolhimento é de uma enorme falácia. Têm muitas perdas e uma das quais, porventura irreversível, é aquela perda continuada da língua mãe, o matricídio ( Julia Kristeva) como bem sabem os milhares de imigrantes portugueses. Duas décadas depois de Frears, o realizador português Serge Tréfaut fez “Lisboetas” e “Os Novos Lisboetas”, naquilo que é um clássico do documentário sobre situações interculturais, sobre como ouvir o estrangeiro, ressalvando as diferenças culturais, reivindicando os direitos, assumindo os deveres que são temas de cidadania universal e sobretudo negar qualquer justificação para o sofrimento do outro ou para a sua morte a pretexto do relativismo cultural e assim aprender a viver em comum. Cameron e Merkel servem-se de estratégias populistas para colocarem os cidadãos brancos contra os que pela cor da pele sejam identificados como estrangeiros imigrantes OUTRAS PARCERIAS Cinema São Jorge Cinema City Classic Alvalade Museu da Marioneta Museu Nacional de Etnologia Teatro Meridional Fundação Calouste Gulbenkian Escola Secundária D. Dinis FNAC Multiculturalismo evoluiu para formas de debate mais político em que o viver em comum passa pela exigência inequívoca da democracia nestas comunidades, bem como do reconhecimento recíprco da história dos imigrantes e dos anfitriões e, fundamentalmente, pelo debate ideológico sobre o futuro de cada comunidade multicultural. Por uma questão de exigência semântica diremos que o Multiculturalismo evoluiu para estratégias e situações de interculturalidade. O mais perverso dos equívocos gerados pelas declarações de Cameron e de Merkel é aquele que, focando o problema nos árabes, começa por identificar todos os árabes como muçulmanos e todos os muçulmanos com islamistas. Se é um facto que as culturas expressam modos de ver o mundo, expectativas face ao mesmo e representações dos outros e por isso o confronto cultural é sempre tensional, embora muitas vezes produtivo, não é por maioria destas razões que pequenos grupos de fundamentalistas se tornam terroristas. As razões serão muitas e conterão uma dimensão irracional. E se há decepção entre os jovens muçulmanos em Londres ou turcos em Berlim tem também a ver com o mercado do emprego, como tem também com a denegação de idealismos. Subtrair a política e a ideologia foi um dos maiores atentados que os políticos europeus no poder ou com vontade de o terem cometeram contra as mais festival de animação de MEDIA PARTNER 21 a 27 Mar APOIOS INSTITUCIONAIS António Pinto Ribeiro ata de 1985 o filme de Stephen Frears “My Beautiful Laundrette”. O filme realizado no contexto da Inglaterra da primeira ministra Margaret Thatcher relatava os êxitos e as vicissitudes dos membros de uma família paquistanesa a viver em Londres e os impactos e as tensões familiares, sentimentais, financeiras nas vidas dos cidadãos paquistaneses e dos londrinos envolvidos nesta época. Foi um dos primeiros filmes que apresentava ao grande público (em Portugal chamava-se “A Minha Bela Lavandaria”) e de uma forma clara a temática do Multiculturalismo. Vem esta evocação a propósito das recentes declarações do primeiro ministro inglês David Cameron e da chanceler alemã Angela Merkel que decretavam a morte do Multiculturalismo. A chanceler utilizava, aliás, o termo “Multikulti” que em si é uma expressão pejorativa quando utilizada pelo sector conservador alemão. O que é manifestamente interessante do ponto de vista intelectual e urgente desconstruir do ponto de vista político é o efeito de derrocada que estas declarações pretendem ter no espaço mediático e simultaneamente revelam a total ausência da compreensão e da história do fenómeno a que supostamente se referem. Que multiculturalismo afinal terá falhado? Voltando novamente ao filme de Frears, um dos aspectos mais interessantes é que o realizador não coloca nunca em confronto uma suposta e homogénea cultura paquistanesa contra uma suposta cultura inglesa. O filme relata tensões entre os membros da mesma família paquistanesa, como entre a comunidade londrina, diferencia as opções e os anseios e até a orientação sexual que é múltipla em cada uma destes agrupamentos, ou seja, explicita que a identidade de cada pessoa é múltipla e por vezes antagónica no seio da mesma comunidade étnica tal como o afirmam Edward Said e Dispech Chakrabaty. O que está em causa neste filme é uma sociedade que tem ricos e pobres, que nem todos os pobres são paquistaneses nem todos os ricos ingleses, o que este filme põe em causa é que o chamado multiculturalismo é muito mais do que uma convivência anódina entre comunidades culturais diferenciadas e que essa diferenciação passa necessariamente pela classe social, a riqueza, a religião, a sexualidade de cada um. Cameron e Merkel servem-se de estratégias populistas para, num momento de crise de emprego, por um lado, e de potencial aumento de imigração, por outro, utilizarem mecanismos de distracção colectiva para colocarem os cidadãos brancos contra os cidadãos que, essencialmente, pela cor da pele sejam identificados (estratégia racista) como estrangeiros imigrantes. Os outros equívocos produzidos pelas declarações destes políticos é o de pretenderem globalizar este suposto falhanço do multiculturalismo. Ora, e que tal pensar o multiculturalismo na sua expressão mais complexa a partir de casos de sucesso como no Canadá, na Austrália, em cidades como Tóquio, Nova Iorque ou regiões como Reggio Emilia?! E como pensar esse novo fenómeno que é a emigração partir da Europa para países africanos? O Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 39
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