Aquilo que Marilyn escreveu - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Aquilo que Marilyn escreveu - Fonoteca Municipal de Lisboa
Sexta-feira
11 Março 2011
MICHAEL OCHS ARCHIVES/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7643 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
www.ipsilon.pt
Aquilo que Marilyn escreveu
“Fragments: poems, intimate notes, letters”
Ana Jotta Abel FerraraAnne Teresa de KeersmaekerRicardo Menéndez Salmón
DIRECÇÃO ARTÍSTICA
LUÍSA TAVEIRA
ROMEU
E JULIETA
COREOGRAFIA JOHN CRANKO
MÚSICA SERGEI PROKOFIEV
ARGUMENTO JOHN CRANKO
SEGUNDO
WILLIAM SHAKESPEARE
CENOGRAFIA JOÃO MENDES RIBEIRO
FIGURINOS ANTÓNIO LAGARTO
IMAGENS DANIEL BLAUFUKS
DESENHO DE LUZ CRISTINA PIEDADE
LISBOA,
TEATRO CAMÕES
MARÇO 2011
dias 17, 18, 19, 25 e 26 às 21h
TARDES FAMÍLIA dias 20 e 27 às 16h
ABRIL 2011
dias 01 e 02 às 21h
TARDE FAMÍLIA dia 03 às 16h
ESCOLAS dias 24 e 31 de Março às 15h
BILHETES €5 A €25
TEATRO CAMÕES DIAS DE ESPECTÁCULO // 21 892 34 77
TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS SEGUNDA A SEXTA DAS 13H ÀS 19H // 21 325 30 45 / 6
TICKETLINE WWW.TICKETLINE.PT // 707 234 234
LOJAS ABREU, FNAC, WORTEN, EL CORTE INGLÉS, C.C.DOLCE VITA
Apoios à divulgação:
www.cnb.pt
facebook.com/cnbportugal
M/6
Michelangelo
Pistoletto
“superstar”
em Roma
O fundador da Arte Povera,
Michelangelo Pistoletto (n. Biella,
1933), é desde há uma semana a
estrela do MAXXI - Museo Nazionale
delle Arti del XXI Secolo, de Roma,
que dedica uma imensa
Marilyn Monroe
6
50 anos depois, continua a
assombrar-nos
Ricardo Menéndez
Salmón
12
A escrita como dever moral
14
Fátima Miranda
Vamos estranhá-la na
Culturgest
16
Anne Teresa de
Keersmaeker
A memória dança?
Ana Jotta
A arte é feitiçaria
18
22
SoHo
24
Uma história de Nova Iorque
no Barbican, em Londres
ANDREW COOPER/ REUTERS
Ficha Técnica
Directora Bárbara Reis
Editor Vasco Câmara,
Inês Nadais (adjunta)
Conselho editorial Isabel
Coutinho, Óscar Faria, Cristina
Fernandes, Vítor Belanciano
Design Mark Porter, Simon
Esterson, Kuchar Swara
Directora de arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho,
Carla Noronha, Mariana Soares
Editor de fotografia
Miguel Madeira
E-mail: ipsilon@
publico.pt
superfícies reflectoras iniciadas por
Pistoletto em 1962, como forma de
reivindicar a presença do
espectador na obra; “Ogetti in
meno”, obras da série “Luci i
riflessi” e os famosos “Stracci”,
montes de roupas empilhadas que
Pistoletto produziu entre 1965 e 1966
e que ficaram para a história como
os primeiros objectos Arte Povera;
“Azioni” e performances para o
grupo Lo Zoo, colectivo itinerante
de teatro e performance -, a
exposição coloca a produção de
Pistoletto no contexto das
transformações políticas, sociais e
artísticas que marcaram a Europa do
pós-guerra, explicita as relações
dessa produção com a pop art, o
minimalismo e o conceptualismo, e
sublinha aquele que é talvez o legado
mais produtivo do artista italiano, o
trabalho em regime de colaboração
com artistas provenientes de outras
disciplinas e com amplos sectores da
sociedade civil. A discussão sobre o
papel do espectador e sobre a arte
como forma de partipação política
são, aliás, dois dos temas recorrentes
do catálogo que acompanha esta
exposição, para ver no MAXXI até 15
de Agosto.
“Kill Bill”,
com o
sangue
todo...
Sumário
Abel Ferrara
Homenagem ao Chelsea
Hotel
retrospectiva àquele que considera o
“artista italiano vivo mais relevante a
nível internacional”. “Michelangelo
Pistoletto: Da Uno a Molti, 19561974”, com curadoria de Carlos
Basualdo, chega a Roma vinda do
Philadelphia Museum of Art, e com
ela mais de cem peças provenientes
de colecções públicas e privadas
italianas e norte-americanas que
reconstituem uma obra decisiva
para a arte da segunda metade do
século XX. Organizada em três
grandes grupos - “Quadri
specchianti” e “Plexiglass”, que
reúne as experiências com
MARK BLINCH/ REUTERS
Flash
O fundador da Arte
Povera tem
uma retrospectiva
no MAXXI
Uma Thurman mata
mais e melhor
“Kill Bill: The Whole
Bloody Affair”, versão
integral do díptico de
Quentin Tarantino, tem
datas marcadas num
cinema de Los Angeles, o
New Beverly Cinema,
durante uma semana, de 27
de Março a 2 de Abril. Há
anos, em Cannes, quando
foi presidente do júri,
Quentin apresentou no
último dia do festival, e
com ele próprio na sala,
qual rei a dedicar tempo
aos súbditos, os dois filmes,
com intervalo a meio. A
versão completa integra
ainda material que tinha
sido deixado de fora das
versões oficiais (excepção
ao Japão, que na altura viu
versões mais completas,
mas o Japão é sempre um
país especial...). Cenas
novas: por exemplo, no
final do Vol. 1, Sophie
Fatale ( Julie Dreyfuss), a
secretária das atrocidades
de O-Ren Ishii (Lucy Liu),
ficava sem um braço, que
lhe fora amputado pela
Noiva na ssequência do
Showdown at House of
Blue Leave
Leaves. Agora, antes
de atirar S
Sophie da
bagageira do carro para as
ruas de Tó
Tóquio, A Noiva
amputa-lh
amputa-lhe o segundo
bra
braço.
E há mais
diálogo, no final
O western
(spaghetti?)
ainda é uma
incógnita,
a versão
integral, mais
sangrenta, de
“Kill Bill”
é já para 27
de Março
do que antes era o Vol. 1,
quando Sophie está a ser
consolada por um homem,
Bill, e uma série de vozes se
cruzam na banda de som.
Por falar na sequência do
Showdown... agora é a cores,
não a preto e branco como
no Vol. 1. O que torna “nova”
toda a sequência,
transforma-a: parece que
vemos coisas que não
víramos antes, como aquele
plano rápido em que A Noiva
divide um homem ao meio
com uma espada, como nos
filmes de Takashi Miike
(“Ichi the Killer”). Vemos
coisas novas, realmente, na
sequência de “animé”, na
biografia de O-Ren Ishii:
tripas a saírem do ventre do
algoz da jovem O-Ren Ishii.
E por falar em mais, vamos
ver um western dirigido por
Quentin Tarantino? O
próximo filme é um
“western spaghetti”. O
próximo filme de Quentin
Tarantino é um “western
spaghetti”? Tudo começou
com uma declaração do
actor italiano Franco Nero
(quem haveria de ser?, ícone
do género, o homem de
“Django” e de “Keoma”), ao
site “Movieplayer”. Disse
que o filme se chamaria
“The Angel, the Bad and the
Wise”, homenagem a Sergio
Leone cheia de “humor,
imensa acção, mas também
um grande argumento”, e
que entre os “envolvidos”
estariam Quentin Tarantino,
Keith Carradine, Treat
Williams, “ao todo cerca de
15 pessoas, americanos que
querem produzir o
projecto”. Mas será isto o
próximo filme realizado por
Tarantino? A verdade é que
até o título do filme não será
esse, resultado de um erro
de tradução, segundo o site
“Ain’t It Cool News”. Outro
site, o “Deadline”, terá
“confirmado” junto do
próprio realizador – cenário:
festa da Vanity Fair depois
dos Óscares – que Tarantino
acabou de escrever um
argumento para um
western e que a coisa lhe
saiu de rajada, ao contrário
do que lhe é habitual. Mas é
esse western o western
spaghetti a que se referiu
Franco Nero? Não se sabe.
Não é que a “notícia”
fosse delirante, ela até é
previsível. Afinal, a relação
de Quentin com o “western
spaghetti” está explícita no
seu cinema. O realizador
foi até convidado, há um
par de anos, para
abrilhantar, no Festival de
Veneza, uma retrospectiva
sobre o género. Cujos
melhores exemplos, para
Tarantino, são “O Bom, o
Mau e o Vilão” (1966), “Por
um Punhado de Dólares”
(1965), e “Django”, de
Sergio Corbucci (1966).
Sobre o western não
estamos ainda, portanto,
conversados.
Vasco Câmara
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 3
Há dez anos, quando
Wallace, Gromit e as suas
histórias de ovelhas
tosquiadas e amor ao queijo
acima de todas as coisas
vieram pela primeira vez a
Portugal, os estúdios
Aardman Animations já
tinham três Óscares em cima
mas ainda não eram o
sucesso verdadeiramente
planetário (leia-se:
americano) a que a estatueta
de Melhor Longa-Metragem
para “A Maldição do
Coelhomem” daria, em 2005,
o definitivo empurrão.
“Mundo Aardman”, a
exposição antológica que a
Solar - Galeria de Arte
Cinemática, de Vila do
Conde, inaugura amanhã às
16h, é por isso a continuação
da história que a
retrospectiva Aardman do
Porto 2001 - Capital Europeia
da Cultura contou no Rivoli:
o presente e o futuro dos
estúdios de animação
fundados por Peter Lord e
David Sproxton em formato
fotografia de família. Uma
fotografia de família em
expansão: aos patriarcas
Morph, Wallace e Gromit
juntou-se entretanto uma
nova geração de
personagens, do escatológico
Angry Kid a uma Ovelha
Choné que se tornou animal
de estimação em muito boas
casas. E, claro, Nick Park, o
senhor que ganhou todos os
Óscares da equipa.
Até 5 de Junho, algumas
das marionetas originais
dessas e de outras
personagens da família
Aardman vão estar em
exposição na Solar,
juntamente com cenários
(quatro, no total: um da série
“Creature Comforts” e três da
saga “Wallace & Gromit”),
adereços, desenhos e
“storyboards” habitualmente
guardados na caixa-forte dos
estúdios, em Bristol. Mobília
suficiente p
para q
que q
qualquer
q
visitante
tante (dos 7 aos 77,
porque
que “a Aaardman
é como
omo o Tintin”)
passe
se a sentir-se em
casa
a no mundo
Aardman,
dman, explica
Nuno
no Rodrigues, um
4 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
dos comissários do programa:
“A exposição é uma
introdução a um universo que
foi fundamental para toda uma
geração de novos autores autores como José Miguel
Ribeiro [realizador do
multipremiado ‘A Suspeita’],
altamente inspirado pela
Aardman - e a um modo de
produção quase em
contramão relativamente às
tendências dominantes no
cinema de animação actual. É
muito interessante perceber
como, privilegiando um
processo técnico que já não é
assim tão óbvio, a Aardman
consegue ter uma presença
fortíssima no mercado”.
Como é habitual nas
iniciativas do programa
pedagógico Animar,
desenvolvido há seis anos pela
equipa das Curtas de Vila do
Conde, a exposição da Solar é
só a ponta de um pequeno
icebergue de ateliers, visitas
guiadas e sessões de cinema. A
próxima, em que serão
exibidos episódios das séries
“A Ovelha Choné” (“Foxy
Ladie”, “Shaun Goes Potty” e
“An Ill Wind”) e “A Hora do
Timmy” (“Timmy’s Mask,
Timmy’s Spring Surprise”,
“Timmy Slips Up” e “Timmy’s
Snowman”), é já no dia 19, às
16h, e está aberta a maiores de
três anos.
No momento em que chega
a Vila do Conde, a Aardman
continua activa em várias
frentes. Tem duas longasmetragens em produção, ao
abrigo do acordo de
associação com a Sony
Pictures (“Arthur Christmas”,
com estreia prevista para este
ano, e “Piratas!”, que sairá em
2012), e acaba de chegar aos
“Simpsons”: Nick Park faz um
“cameo” num dos últimos
episódios da série, “Angry
Dad: The Movie”, para
explicar a Bart tudo o que
um nomeado para os
Óscares deve saber antes de
chegar
g ao microfone para
Mas
fazer os agradecimentos.
agradecim
vai estar em
isso, claro, não va
Vila do Conde.
IInês Nadais
W
Wallace
e Gromit são
os anfitriões
o
da exposição
d
que abre
q
amanhã
a
na Solar
n
ED JONES/ AFP
STEPHEN HIRD/ REUTERS
Flash
Wallace & Gromit
em Vila do Conde
O arquitecto
britânico vai
transformar
Kowloon
Oeste
no maior
bairro cultural
do mundo
Norman Foster
vai projectar novo
bairro cultural
em Hong Kong
É o maior projecto cultural
actualmente em curso em todo o
mundo – o bairro cultural de
Kowloon Oeste, em Hong Kong, vai
ser desenhado pelo arquitecto
britânico Norman Foster. Trata-se
de um amplo complexo de 23
hectares, situado junto ao porto da
cidade, que vai ter auditórios e
palcos para música, artes visuais e
performativas, mas também
espaços para espectáculos ao ar
livre, galerias e estúdios.
Reedição
do material
Bad Seeds,
colaboração
com os
UNKLE, dueto
com Matt
Berninger,
livro de
entrevistas:
Nick Cave está
hiperactivo
“É um projecto sem precedentes a
est
esta escala, com este fôlego e esta
visão. Será o catalisador para a
transformação da cidade a nível
local e regional, mas também para a
tornar num grande palco mundial”,
comentou Norman Foster, de 75
anos, após o anúncio da escolha do
seu projecto, há uma semana.
O atelier Foster & Partners foi
escolhido para concretizar o
projecto na sequência de um
concurso internacional lançado em
2008 que começou por contar com
109 candidatos. Destes, foram
seleccionados 12 arquitectos. À fase
final chegaram depois três ateliers,
convidados a desenvolver um
anteprojecto detalhado: o OMA, do
holandês Rem Koolhaas (autor da
Casa da Música no Porto), e o Rocco
Design Architects Ld., com sede em
Hong Kong.
O projecto para Kowloon Oeste
marca o regresso de Norman Foster
a Hong Kong e à China, onde o
arquitecto britânico tem obra desde
há mais de duas décadas. Aí
projectou já, por exemplo, o
aeroporto internacional Chec Lap
Kok e o edifício HSBC, em Hong
Kong, e também o terminal
internacional do aeroporto de
Beijing. “É uma notícia fantástica.
Trabalho em Hong Kong há 23
anos”, disse ainda Foster num
comunicado. E acrescentou que o
seu projecto “está enraizado no
DNA urbano” de Hong Kong,
respeitando “o seu carácter
distintivo, que a torna uma cidade
tão dinâmica”.
Nick Cave
reeditado e não só
UNKLE, “Only the Lonely”. “Sempre
tive um enorme fraquinho pelos
UNKLE - as sensibilidades pop, os
ganchos, os grandes coros, a
produção super-tratada... Por isso
saltei de alegria quando me
mandaram uma música para eu
cantar por cima (...). Escrevi uma
letra desesperada para
contrabalançar a alegria da música. É
um ‘hit’ do caraças”, declara Cave
num “press release” citado pela
“Pitchfork” (que por sua vez bate no
ceguinho: “O homem não é
modesto”).
Não é tudo: no próximo Record
Store Day de 16 de Abril, vamos
finalmente ouvi-lo em dueto com
Matt Berninger, dos The National
(supomos que seja uma fantasia
universal), numa remistura de
“Evil”, que os Grinderman (a actual
banda de Cave) lançarão numa
versão limitada, em vinil vermelho
de 12 polegadas. E para terminar,
agora em livro: ainda este mês, a
Plexus vai publicar “Nick Cave: The
True Confessions”, compilação de
“momentos memoráveis de 30 anos
de entrevistas”. Para quem estava a
ressacar, tememos que isto seja
uma overdose...
A operação de reedição das obras
completas de Nick Cave & the Bad
Seeds continua em marcha: a
segunda tranche de quatro discos,
composta por “Let Love In” (1994),
“Muder Ballads” (1996), “The
Boatman’s Call” (1997) e “No More
Shall We Part” (2001), chega às lojas
europeias a 16 de Maio. Tal como
aconteceu com as quatro reedições
anteriores, cada CD é um disco duplo
que inclui não só o material original
devidamente remasterizado mas
também toda uma série de bónus
(uma curta-metragem especialmente
encomendada à dupla Iain Forsythe
e Jane Pollard, lados B, vídeos, notas
de gravação exclusivas, e por aí fora).
Só por si, uma notícia destas já seria
suficiente para manter os mais
crónicos caveanos saciados (pelo
menos até à próxima tranche de três
discos que completará a reedição
integral do catálogo), mas há mais
novidades na frente Nick Cave, diz a
“Pitchfork”: o cantor faz um
“cameo” em “Money and run”, a
primeira faixa do novo EP dos
APRESENTAÇÃO
MÚSICA AO VIVO
LANÇAMENTO
AGENDA CULTURAL FNAC
entrada livre
APRESENTAÇÃO
FRANCISCO SÁ CARNEIRO: SOLIDÃO E PODER
Livro de Maria João Avillez
Numa conversa aberta ao público, a reconhecida jornalista traça o perfil de uma das figuras incontornáveis
da política portuguesa e reflecte sobre o Portugal pós-25 de Abril.
12.03. 18H00 FNAC MADEIRA
APRESENTAÇÃO
CICLO DE CINEMA DE ANIMAÇÃO
Premiados da edição de 2010 do Festival Monstra
Fernando Galrito, director artístico da Monstra, comenta os filmes que marcaram a edição passada e revela
todos os pormenores acerca da programação de 2011.
16.03. 18H30 FNAC CHIADO
MÚSICA AO VIVO
MÁRCIA
Dá
O primeiro registo de longa duração da autora de A Pele Que Há Em Mim conta com as colaborações de
João Paulo Feliciano e de Luís Nunes (Walter Benjamin).
12.03. 22H00 FNAC COIMBRA
LANÇAMENTO
COMO O AR QUE RESPIRAS
Livro de Maria João Martins
A jornalista do JL apresenta o seu primeiro romance que relaciona a vida de um jovem casal com a obra
da escritora Elizabeth Browning.
15.03. 18H30 FNAC CHIADO
EXPOSIÇÃO
SERGE GAINSBOURG
Fotografias de Tony Frank
No ano em que se assinalam os vinte anos da sua morte, a FNAC expõe uma selecção de momentos da
vida de Serge Gainsbourg que revelam o seu lado mais íntimo e apresentam fragmentos do seu quotidiano
familiar e profissional.
15.03. - 22.05.2011 FNAC COIMBRA
apoio:
Consulte a AGENDA FNAC em:
http://cultura.fnac.pt
EXPOSIÇÃO
JOHN BRYSON/SYGMA/ CORBIS
6 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Marilyn
Já passaram quase 50 anos sobre a sua morte, mas ainda nos assombra.
Nos últimos meses, (re)conhecemos Marilyn a partir do ponto de vista do seu cão,
do seu arquivo, finalmente aberto, e daquilo que escreveu (poemas, cartas, notas...).
Uma digressão de Larry McMurtry, vencedor de um Pullitzer, autor de “A Última Sessão”,
“Lonesome Dove” ou do argumento de “Brokeback Mountain”, refaz o retrato.
Tantas novidades depois, Marilyn continua a ser uma história triste.
1
Ela começou como “pin-up”,
essa forma de excitar tão popular nas décadas de 1940 e
1950. Marilyn passou centenas de horas em frente a máquinas fotográficas; era tal o
seu magnetismo que o famoso fotógrafo Richard Avedon dizia, quando
falava sobre ela: “Ela dava mais à câmara fotográfica do que qualquer
outra actriz – qualquer outra mulher
– que eu alguma vez fotografei… Ela
conseguia fazer fotografias maravilhosas com quase qualquer fotógrafo,
o que é curioso – e muito raro.”
Em “MM – Personal: From the Private Archive of Marilyn Monroe”, editado por Lois Banner, com fotografias
de Mark Anderson, surge um interessante exemplo da sua extrema fotogenia, uma imagem tirada por trás –
não se vê qualquer parte da sua cara.
Apresenta-se com um vestido negro
e tem o cabelo apanhado. Tudo o que
conseguimos obter é uma visão por
trás dos ombros e pescoço, mas ainda
assim a fotografia é tão cativante como qualquer outra deste livro. “MM
– Personal” está recheado de excelentes fotografias, talvez nenhuma melhor do que a série que Cecil Beaton
lhe tirou em 1956. (Beaton, que teve
uma relação amorosa com Greta Garbo, tinha muita experiência com estrelas de cinema.)
No cinema, os talentos de Marilyn
evidenciam-se especialmente em “Os
Homens Preferem as Louras”, “Como
Casar com um Milionário”, “Quanto
Mais Quente Melhor”, “Paragem de
Autocarro” e “Os Inadaptados”. O realizador Billy Wilder discutiu muito
com ela durante as filmagens de
“Quanto Mais Quente Melhor” – mas
Wilder não era nenhum parvo, e era
isto que tinha a dizer sobre ela: “Penso que ela é a melhor actriz cómica
ligeira que temos no cinema hoje em
dia, e qualquer pessoa sabe que a comédia ligeira é o mais difícil dos estilos de representação.”
Ela era quase sempre fotografada
a sorrir, os lábios ligeiramente abertos, a pele a reluzir com uma aura
muito própria, mas mesmo assim havia sempre um toque de tristeza no
sorriso; uma tristeza que conseguia
lutar e surgir à superfície; uma tristeza que era sempre bastante, e por
vezes mesmo imensa.
Senão, vejamos: nasceu na ala para
pobres do Hospital Municipal de Los
Angeles em 1926, com o nome de Norma Jeane Mortenson (por vezes surge
como Nortenson). A mãe, Gladys, trabalhava como ajudante de editores de
filmes; foi assim que conheceu o provável pai de Marilyn, Charles Stanley
Gifford. Sobre Gladys, disse Marilyn:
”Eu fui um erro. A minha mãe não
me queria ter. Acho que ela nunca me
desejou. Provavelmente só a vim atrapalhar. Sei que lhe desgracei a vida.
Uma mulher divorciada já tinha bastantes problemas para arranjar um
homem, parece-me, mas então uma
com uma filha ilegítima… Eu desejava
tanto, e ainda desejo, que ela me quisesse.”
Grace McKee, uma amiga de Gladys, ficou como tutora legal da menina, bem como da própria Gladys,
após esta ter sido diagnosticada como
esquizofrénica. Em 1935 Grace colocou Norma Jeane na Residência para
Órfãos de Los Angeles (mais tarde conhecida como Hollygrove). Uma infância destas é um manancial para os
freudianos, e explica por que razão,
ao longo de toda a sua vida, Marilyn
desejou ter uma família e por vezes
viveu com casais; mas em vez de uma
família teve endometriose e três abortos espontâneos. Não conhecer o verdadeiro pai e viver apenas por breves
períodos com a mãe poderá ser um
destino miserável para a maioria das
pessoas, mas poderia permitir a uma
actriz entrar de forma mais convincente numa personagem após ter conseguido obter o papel. Por fim tem-se
alguém que se pode ser, alguém que
os espectadores desejam.
2
De três livros recentemente publicados – os outros
são “Fragments: Poems,
Intimate Notes, Letters”,
por Marilyn Monroe, e “A
Vida e as Opiniões do Cão
Maf e da Sua Amiga Marilyn Monroe”,
por Andrew O’Hagan – o mais acessível é “MM – Personal”. Marilyn Monroe, particularmente durante as décadas de 1940 e 1950, era, quase sem
discussão, a mulher mais famosa do
mundo. Na Coreia durante a guerra
– período durante a qual ela foi a principal “pin-up” –, arrastava dezenas de
milhares de soldados aos seus concertos. Escreveu e recebeu imensas
cartas. Eis a resposta a uma missiva
que enviou ao escritor Somerset Maugham:
”Querida miss Monroe:
Obrigado pelo seu encantador telegrama a desejar-me os parabéns. Foi
extremamente generoso da sua parte
lembrar-se de mim; fiquei muito emocionado e agradecido. Estou muito
contente por saber que vai fazer de
Sadie na versão televisiva de ‘Rain’.
Estou certo de que será esplêndida
na peça. Desejo-lhe tudo de melhor.
Sinceramente seu, Somerset Maugham.”
Imagine-se, Marilyn Monroe, a estrela que se costuma pensar como
sendo uma cabeça vazia, lembrandose do aniversário de Somerset Maugham e dando-se ao trabalho de lhe
enviar um telegrama.
Esta mensagem surgiu de um de
dois grandes armários que, durante
muitos anos, foram considerados como a pedra de Roseta dos estudos
sobre Marilyn Monroe; estavam na
posse de Inez Melson, que geria a parte empresarial da carreira de Marilyn
em meados dos anos 50. Eles contêm
todos os pedacinhos de papel que
Marilyn guardou: cartas, telegramas,
programas, recortes de imprensa,
contratos (até o que assinou com Ben
Hecht). Inez, que afirmava ter-se apaixonado por Marilyn à primeira vista,
dizia que ela lhe fazia lembrar “um
brinquedo fofinho”.
Os armários contêm cerca de dez
mil itens, e uma selecção deles foi
agora meticulosamente editada por
Lois Banner e fotografada, até às capas das pastas, por Mark Anderson.
Em conjunto, permitem-nos uma empolgante perspectiva da vida de Marilyn e das amizades que manteve.
Dada a sua reputação, é interessante
ver que tinha muito bom gosto. Assim
que pôde, começou a comprar e a
vestir roupas de excelente qualidade,
e guardou os recibos, pelo que, em
alguns casos, podemos saber quais os
criadores envolvidos.
Também não era avarenta. Possuía
uma escultura de Rodin e um quadro
de Degas, um casaco de peles dos
anos 30, e estava constantemente a
receber presentes dos admiradores:
brincos de esmeraldas de Frank Sinatra, pérolas e jade do imperador do
Japão, dados luxuosos de John Huston, que a levou a jogar em Reno durante as filmagens de “Os Inadaptados”. Laurence Olivier e Vivien Leigh
não gostavam dela, mas mesmo assim
deram-lhe um relógio caro.
Nos livros – tinha cerca de 400 – os
seus gostos eram simples: todos os
seus Hemingways eram da colecção
de “best-sellers” da editora Modern
Library. Na maioria das vezes, escrevia com uma boa letra – esperamos
que algum dia as suas cartas venham
a ser compiladas e publicadas.
Tal como muitas mulheres com
uma infância problemática e uma paternidade incerta, como delicadamente escreve Lois Banner, Marilyn
tinha problemas com os homens. O
seu primeiro marido, James Dougherty, foi para a marinha mercante. Arthur Miller afastou-se. Joe Dimaggio
era violento com ela. Quando ela morreu, Arthur Miller terá dito: “Pobre
Marilyn, com um pouco de sorte poderia ter conseguido.”
Quanto a mim, mais rapidamente
pensaria que ela na realidade conseguiu. Os homens, talvez invejosos da
fama dela, diziam coisas pouco agradáveis. Tony Curtis terá dito que beijar Marilyn era como beijar Hitler.
Mais tarde explicou que tinha feito
essa afirmação de forma leviana, em
resposta a uma pergunta de um trabalhador, o que não a torna uma coisa menos nojenta de dizer. (Existe
Marilyn Monroe
foi enterrada num
pequeno e modesto
cemitério em
Westwood, Califórnia.
Existem no mundo
vários outros locais
para se ser enterrado
que estão mais
recheados de talento,
mas nenhum me
comove tanto como
este pequeno
e simples terreno
uma fotografia dele prestes a beijá-la,
e parece tudo menos relutante em
fazê-lo.) No auge da sua fama, uma
edição da revista “Life” com ela na
capa vendeu 6 milhões e 300 mil
exemplares, e recebia 20 mil cartas
de fãs por semana.
3
Que Marilyn tinha um
grande interesse por escritores, escrita e literatura é revelado não apenas pelo seu telegrama
para Somerset Maugham.
Existe também a famosa fotografia,
tirada em Long Island, dela a ler “Ulisses” de James Joyce – parece estar
mesmo no final do livro, que é o solilóquio de Molly Bloom: o maior símbolo sexual do Mundo a ler o mais
sensual excerto da literatura inglesa.
Ela própria rabiscava imenso, escrevia receitas, pedaços de poesia, e
coisas desse género. Apesar de ser
uma mulher inteligente, os seus apontamentos, compilados em “Fragments”, são estranhamente básicos e
decepcionantes.
Acerca dos Meus Poemas
Norman—so hard to please
When all I want is to tease
So it might rhyme?
So what’s the crime—
after all this time
on earth
[Norman – tão difícil de agradar
Quando tudo o que quero é provocar
E poderá ser rima?
E qual é o crime –
Após todo este tempo
Na Terra]
Norman é o poeta e romancista Norman Rosten, seu amigo. Os seus versos com pouca rima são, com franqueza, simplesmente horríveis, e as
muitas páginas que reproduzem as
garatujas são um grande desperdício
de papel. Surgem algumas fotografias
curiosas, com ela a ler – “Folhas de
Erva”, “Morte de um Caixeiro Viajante”. Há também uma interessante
página dupla com uma panorâmica
de livros seus: “Sister Carrie”, “Winesburg, Ohio”, “O Sol também se
Levanta”, “Adeus às Armas”, “Tortilla
Flat”, “On The Road”, “O Homem Invisível”, “A Queda”.
Duas fotografias em “Fragments”
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 7
A FOTOGRAFIA FAVORITA
A fotografia favorita de Marilyn foi tirada pelo fotógrafo
britânico Cecil Beaton em Nova Iorque, a 22 de Fevereiro de 1956.
Marilyn mandou fazer dezenas de cópias. O que espantou Beaton
foi a capacidade de ela se transformar vezes sem conta – sem
inibições mas com verdadeira ambiguidade e vulnerabilidade
A PIN-UP
Na Coreia, durante a guerra
– período durante o qual foi a
principal “pin-up” –, arrastava
milhares de soldados aos seus
concertos. Foi quase sempre
fotografada a sorrir, os lábios
ligeiramente abertos, a pele a
reluzir com uma aura própria,
mas mesmo assim havia sempre
um toque de tristeza nesse
sorriso
DO PONTO DE
VISTA DO CÃO
Dois anos antes de ela morrer,
Frank Sinatra ofereceu a
Marilyn um “terrier maltês”
a que ela deu o nome de “Maf”.
Andrew O’Hagan decidiu
escrever [“A Vida e as Opiniões
do Cão Maf e da Sua Amiga
Marilyn Monroe”] sobre
ela a partir do ponto de vista
do seu companheiro canino,
“Maf”, o cão
M.M. E MOLLY
BLOOM
Tinha um grande interesse por
escritores, escrita e literatura.
Na foto, tirada em Long Island,
dela a ler “Ulisses” de James
Joyce, parece estar no final do
livro, que é o solilóquio de Molly
Bloom: o maior símbolo sexual
do Mundo a ler o mais sensual
excerto da literatura inglesa
8 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Ela era quase
sempre
fotografada a
sorrir, os
lábios
ligeiramente
abertos. Mas
mesmo assim
havia sempre
um toque de
tristeza no
sorriso; uma
tristeza que
conseguia
lutar e surgir
à superfície
CORBIS/ VMI
merecem ser mencionadas. Uma é
de Marilyn a dançar com Truman Capote – Capote parece que escapou de
um pelotão de execução. A outra é de
Marilyn sentada com Edith Sitwell – é
a única fotografia que já vi em que
Edith Sitwell surge atraente.
Nestas páginas, lemos muito sobre
a sua relação com Frank Sinatra. Pessoalmente, preferia ter sabido mais
sobre o tempo que passou, durante
a rodagem de “Os Inadaptados”, com
o fatigado e envelhecido Clark Gable.
Apesar de a falta de pontualidade dela o exasperar, Gable adorava-a, e
usou o seu poder contratual para impedir que Arthur Miller atrasasse as
filmagens com as suas intermináveis
reescritas. Em muitas fotografias tiradas nessas filmagens o carinho de
Gable por ela é bem visível, bem como o de John Huston.
4
Dois anos antes de ela
morrer, Frank Sinatra
ofereceu a Marilyn um
“terrier maltês” a que
ela deu o nome de
“Maf”. Andrew O’Hagan
sabe muito acerca de Marilyn Monroe, e decidiu escrever [“A Vida e as
Opiniões do Cão Maf e da Sua Amiga
Marilyn Monroe”] sobre ela a partir
do ponto de vista do seu companheiro canino, “Maf”, o cão – uma iniciativa ousada, se não mesmo descarada.
Ele transformou “Maf” num cão bem
informado, através de muita leitura.
Em cada uma das 277 páginas temos
grandes hipóteses de encontrar algumas referências literárias, talvez do
grupo de Bloomsbury, talvez da comunidade alemã no exílio.
Thomas Mann percebia quão estranho seria para um cão observar tudo
e não dizer nada e viver uma vida plácida, cansado de tanto descansar. O
“pointer alemão” “Bashan” costumava ficar deitar ao lado de Mann, o calor do seu corpo reconfortando o seu
dono e fazendo-o sentir-se menos solitário. “Uma difusa sensação de simpatia e boa disposição invariavelmente me percorre quando estou na companhia dele e a olhar para as coisas
do ponto de vista do cão”, escreveu
Mann a meio da sua vida.
Enquanto nos dirigíamos para a
auto-estrada, lembrei-me da história
de Theodor Adorno, que especulava
sobre a liquefacção do indivíduo, sentado na sua casa nas veredas do paraíso, uma casa em Malibu que dava
para as águas azuis do oceano Pacífico. Ele pode ter sido uma criatura da
época das guerras mundiais, mas o
seu momento de glória chegou com
os anos 60, uma década que para nós
se iniciou efectivamente com o brilho
desvanecente de Marilyn.
A história de “Maf ” começa em
Charleston, a Charleston do grupo de
Bloomsbury e de Vanessa Bell, não a
Charleston na Carolina do Norte; depois, muito rapidamente, chegamos
à mãe de Natalie Wood, uma exilada
russa; segue-se a passagem de Cecil
Beaton – que será citada mais tarde
– acerca de Marilyn após ele lhe ter
tirado a fotografia favorita dela.
Saltemos agora para o ponto de
vista de cão de Roddy McDowall:
“As duas mulheres riram-se. Deduzi que o Sr. McDowall era um grande
amigo de mulheres. Todas elas o adoram porque ele se interessava, de um
modo descuidado, acerca das coisas
que eram importantes para elas. Uma
vez disse que os franceses devem
mesmo adorar as mulheres, visto que
tinham inventado o bidé, e isto era o
tipo de coisas que ele dizia e pelas
quais as mulheres o adoravam. ‘Este
aqui é mais amigável’, disse ele, sem
olhar bem para mim.’ “Deixa-me que
te diga, a ‘Lassie’ armava-se um bocado em estrela.’”
Dizer que o cão “Maf” desencantou
um número verdadeiramente estonteante de referências literárias seria
dizer pouco. O’Hagan vasculhou o
mundo literário à procura de referências a escritores e os seus cães, e conseguiu imensas. Por exemplo, eis Vita Sackville-West, que “numa ocasião
falou da sua admiração por uma certa tapeçaria francesa que mostrava
Ulisses a ser recebido nos degraus de
entrada pelo seu cão, ‘Argos’”. Gostaria de ter uma opinião muito definida sobre o livro de Andrew O’Hagan,
mas não tenho. Provavelmente será
mais seguro chamar-lhe um grande
esforço, e menos seguro chamar-lhe
uma vaidade de 277 páginas, em que
o leitor acredita ou não.
Curiosamente, “MM – Personal”
inclui uma encantadora série de cartas que Marilyn escreveu aos filhos
de Arthur Miller do ponto de vista do
“basset hound” que tinham.
“Uns insectos terríveis que dão pelo nome de carrapatos têm andado a
aborrecer-me nos últimos tempos, e,
Janie, é mesmo horrível mas estou a
conseguir tratar do problema bastante bem, pois sempre que tenho um
em cima de mim simplesmente corro
para o pé do Papá ou da Marilyn e eles
tiram-nos de cima de mim num instantinho.”
Não é claro se O’Hagan tinha conhecimento destas cartas, mas certamente embrenhou-se muito no mundo que Marilyn habitava, e nas suas
personagens.
Por exemplo, Kenneth, que foi um
famoso cabeleireiro com salão na Rua
54 de Nova Iorque.
“Não gostavam de cães no Kenneth,
o salão de cabeleireiro na Rua 54. Não
que isso me aborrecesse muito. Kenneth era um desses tipos com uma
cabeça que parecia uma tarte, densa
e pegajosa... Kenneth sempre imaginara que estava a um pequeno passo
de dominar o Mundo... As suas tesouras sempre prontas para se enterrarem no cabelo de alguma matrona
turbulenta…”
O livro está cheio de passagens deste género. Quem é que actualmente
ainda se lembra de Kenneth? Quem
é que se lembra de Roddy McDowall?
Muita gente lembra-se de Frank Sinatra, uma personagem relevante ao
Transfigurada
pela maravilha
do Technicolor,
ela caminha como
um basilisco
ondulante, arrasando
tudo no caminho…
Talvez tenha nascido
apenas no dia
do pós-guerra em que
tivemos necessidade
dela. Certamente
não tinha nenhum
conhecimento do
passado. Tal como a
Ondina de Giraudoux,
tem apenas 15 anos,
e nunca morrerá
longo da parte inicial do livro de
O’Hagan.
Ler os três livros ao mesmo tempo
faz-me pensar em tanto que desapareceu da vida americana com o falecimento de Marilyn Monroe; o que
era importante nela era o seu espírito,
não se tinha ido para a cama com um
presidente e o irmão dele.
5
A fotografia favorita de
Marilyn foi tirada pelo
fotógrafo britânico Cecil
Beaton em Nova Iorque,
a 22 de Fevereiro de 1956.
Ela gostou tanto da imagem que Josh Logan, que tinha acabado de a dirigir em “Paragem de
Autocarro”, mandou emoldurá-la,
entre duas notas de Beaton. Marilyn
mandou fazer dezenas de cópias. O
que espantou Beaton foi a capacidade
de ela se transformar vezes sem conta – sem inibições mas com verdadeira ambiguidade e vulnerabilidade.
Ela tinha subido vertiginosamente
desde a obscuridade para se tornar o
nosso símbolo sexual do pós-guerra,
a “pin-up” de uma determinada era.
E qualquer que tenha sido o promotor de imprensa ou a ilusão fabricada a acender a faísca, foi o seu próprio e bizarro génio que sustentou o
seu voo.
Transfigurada pela berrante maravilha do cinemascópio em Technicolor, ela caminha como um basilisco
ondulante, arrasando tudo que encontrava no seu caminho… Talvez
tenha nascido apenas no dia do pósguerra em que tivemos necessidade
dela. Certamente não tinha nenhum
conhecimento do passado. Tal como
a Ondina de Giraudoux, tem apenas
15 anos, e nunca morrerá.
A fotografia – tal como muitas das
suas fotografias – é estonteante, mas
ela não parece ter 15 anos e, seis anos
depois, realmente morreu, depois de
dizer a um repórter: “Pode ser quase
um alívio acabar com tudo. É como
se não soubéssemos em que tipo de
competição estamos a correr, mas
depois chegamos à linha de meta e
respiramos fundo – conseguimos! Mas
nunca se consegue – temos sempre
que começar de novo.”
Dizia Richard Avedon:
“As ideias dela eram sempre dominadas pelo que ela sentia que devia
ser a sua imagem pública. Ela passava
horas a escrutinar os rolos de fotografias. Estava sempre à procura daquilo
que ela chamava uma imagem ‘honesta’, ‘real’ ou ‘correcta’.”
Marilyn Monroe foi enterrada num
pequeno e modesto cemitério em
Westwood, Califórnia. Existem no
mundo vários outros locais para se
ser enterrado que estão mais recheados de talento – Abadia de Westminster, Père Lachaise, até mesmo Forest
Lawn –, mas nenhum me comove tanto como este pequeno e simples terreno em Westwood, onde jazem pessoas com quem eu poderia mesmo
ter trabalhado.
Está Natalie Wood, ridícula com
toda aquela maquilhagem, a correr,
a descer uma duna de areia que não
apareceu em “A Desaparecida”. Está
o meu próprio agente, Irving Paul
“Swifty” Lazar, está Truman Capote,
que sem dúvida veio para poder estar
perto de Marilyn, está Jack Lemmon,
está Dean Martin e, a maior estrela
de todas, Marilyn Monroe, que uma
vez disse de si mesma:
“A pequena Norma Jeane, a pequena criada. A única maneira que tinha
de garantir que as pessoas queriam
vê-la era fazê-las esperar por si.”
E há poucas coisas mais tristes do
que isso.
Exclusivo PÚBLICO/
New York Review of Books
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 9
CORBIS/ VMI
É essa a principal mais-valia
destes “Fragmentos”, tanto
mais que, em contraste com os
milhares de páginas que outros
lhe dedicaram, os testemunhos
directos resumiam-se, até agora,
às entrevistas que deu e a um livro
de memórias bastante lacunar
publicado em 1954: “My Story”.
Sol e sombra
“Sou uma
dançarina que
não sabe dançar”
Em “Fragments: Poems, Intimate Notes, Letters”, ouvimos a própria voz de Marilyn falando
consigo própria (uma voz que tem tanto de sol como de sombra). Pode ser uma experiência
fascinante, depois de tantos anos a ouvir o que os outros disseram dela. Luís Miguel Queirós
“Marilyn Monroe: Fragments”
reúne, anuncia a respectiva
capa, “poemas, escritos íntimos
e cartas” daquela que foi a mais
icónica actriz de cinema de todos
os tempos. O livro foi lançado no
final do ano passado e fez furor na
imprensa mundial: a mulher que
que Hollywood nos apresentara
como um paradigma da loura
burra, uma cabeça de adolescente
cândida num desejável corpo de
mulher adulta, era, afinal, uma
alma dilacerada e uma poetisa em
potência, se não de facto.
Antonio Tabucchi, que assina
o prefácio da edição francesa,
pergunta: “E se Marilyn, em lugar
de ter tido essa extraordinária
beleza que a tornou célebre
através do cinema, tivesse sido
uma mulher de aspecto banal?”.
E responde: “Teria publicado
em vida o que agora vamos
ler e ter-se-ia provavelmente
suicidado, como Sylvia Plath”. E
as pessoas possivelmente diriam,
como disseram de Plath, sugere
ainda Tabucchi, que se matara
por ser “demasiado inteligente e
demasiado sensível”.
Na verdade, meio século
decorrido sobre a morte de
Marilyn, e após incontáveis
biografias e documentários,
a possibilidade de a actriz ter
sido apenas uma loura atraente
e desprovida de miolos já só
ressurge em textos como o de
Tabucchi (ou como este que
agora está a ler), que se propõem
demonstrar, não se sabe bem a
quem, que Marilyn, afinal, não era
parva nenhuma.
E há sempre o risco de,
no entusiasmo de revelar a
10 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
“verdadeira” Marilyn, nos
deixarmos levar pelo excesso de
zelo. Veja-se o título, exacto mas
ligeiramente pomposo, do livro
agora lançado: “Fragmentos:
poemas, escritos íntimos e cartas”.
Parece o tipo de designação que
se adoptaria para uma compilação
de papéis póstumos de um autor
conhecido, que não acrescentaria
nada à sua obra, mas permitiria
conhecer um pouco melhor a
“persona” civil por trás dela.
Sucede é que não existe nenhuma
obra de Marilyn, para lá da que
resulta do conjunto das suas
interpretações no cinema, essa
sim, ainda hoje esteticamente
subestimada. Ou existirá a
obra que este livro reúne, mas
nada neste punhado de textos
dispersos permite supor que
a actriz era uma Sylvia Plath,
ou para lá caminhava. Além do
abismo que as separou em termos
de talento literário, não é evidente
que se possam descortinar aqui
indícios de uma pulsão suicida.
É verdade que alguns dos
escritos que o livro arruma
na secção de poemas são
efectivamente poemas, o que é já
surpreendente. E teria sido quase
chocante para a generalidade dos
fãs da actriz, caso este volume
tivesse sido publicado há 50 anos.
Quem imaginaria, então, que a
voluptuosa e apatetada vizinha
de Tom Ewell em “O Pecado Mora
ao Lado” pudesse escrever coisas
como esta: “A verdade é que por
vezes não suporto Seres/ Humanos
– Sei que têm os seus problemas/
como eu tenho os meus – mas
estou realmente/ demasiado
cansada. Tentar perceber,/ fazer
concessões, ver certas coisas/ tudo
isso me esgota.”?
O livro incui sete poemas não
datados, escritos em folhas soltas,
e alguns outros, geralmente
fragmentários ou inacabados,
encontrados em dois cadernos,
misturados com apontamentos
vários. De um desses sete, que
começa com o verso “Vida/ Sou
as tuas duas direcções” – e no
qual Marilyn diz de si própria
que é “forte como uma teia de
aranha/ ao vento” –, conheciam-se
já versões anteriores. Na Internet
podem ainda encontrar-se, de
resto, três ou quatro poemas
atribuídos a Marilyn que este
livro não contempla. Um deles
é possivelmente melhor do que
qualquer um dos agora revelados:
“Ó Tempo/ Sê gentil/ Ajuda este
ser cansado/ a esquecer o que
é triste lembrar/ Solta a minha
solidão/ Sossega o meu espírito/
Enquanto devoras a minha carne.”
Não menos interessantes são
os apontamentos íntimos, as
reflexões sobre si própria e a
sua vida, passagens diarísticas,
olhares sobre episódios e relações
do passado, juízos sobre terceiros,
e ainda a correspondência, que
inclui uma notável carta a um dos
seus psiquiatras, Ralph Greenson.
Quase nada do que está neste
livro terá sido escrito com a
noção de que poderia vir a ser
publicado, e por isso se sente uma
pungente autenticidade. Se não
nos repugnar excessivamente
a dimensão voyeurística que
espreitar a intimidade de outrem
implica, ouvir assim a própria
voz de Marilyn falando consigo
própria pode ser fascinante.
O inesperado aparecimento destes
textos quase meio século após a
morte de Marilyn deve-se a um
acaso. A actriz legou boa parte
dos seus bens, em testamento,
a Lee Strasberg, o seu mestre
no Actor’s Studio, que venerava
como um guru. Quando Strasberg
morreu, em 1982, os pertences
da actriz passaram para as mãos
da sua jovem viúva Anna, com
quem se casara já depois do
presumível suicídio de Marilyn.
Anna Strasberg veio mais tarde a
descobrir duas caixas com papéis
de Marilyn e mostrou o material
a um amigo da família, Stanley
Buchtal, que pediu a opinião do
editor Bernard Comment. Na nota
de abertura do livro que ambos
acabaram por publicar, Buchtal
e Comment agradecem a Anna
Strasberg, enfatizando que as
suas motivações “nunca foram
comerciais”. Uma passagem
a ler com algumas reservas,
sabendo-se que Anna, em 1999,
ganhou mais de 30 milhões de
euros leiloando na Christie’s um
vasto conjunto de “memorabilia”
marilyniana.
A par dos textos, o volume
inclui fotografias, algumas pouco
conhecidas, que corroboram
a imagem de uma Marilyn
intelectual: em fato de banho,
absorta na leitura de um muito
manuseado exemplar do “Ulisses”
do Joyce (a julgar pela foto,
estava quase a acabá-lo), ou no
cimo de um escadote tirando da
estante uma obra sobre Goya,
ou admirando uma escultura
de Degas, ou apropriadamente
deitada na relva enquanto lê as
“Folhas de Erva” de Whitman.
No início da carreira,
Marilyn trabalhava de dia,
fazendo pequenos papéis no
cinema, e estudava à noite na
Universidade da Califórnia,
onde se inscreveu em cursos de
História da Literatura e História
da América. Tinha uma biblioteca
de 500 livros, bem escolhida, e
o seu interesse pela literatura
enquadrava-se num deliberado
desejo de se cultivar. Fê-lo com
sucesso, e este livro é uma prova
disso, já que, estando organizado
cronologicamente – ainda que, na
ausência de datações, a sequência
seja muitas vezes especulativa –,
mostra a evolução da escrita, que
começa por ser um tanto básica,
gramaticalmente desconexa e
salpicada de erros de ortografia
para se tornar mais segura.
O volume abre com um
longo texto em que a actriz
evoca uma relação que teve na
adolescência com um homem
Não existe nenhuma
obra de Marilyn,
para lá da que resulta
do conjunto das suas
interpretações
no cinema, ainda
hoje subestimada
de 21 anos, possivelmente o seu
primeiro marido, o marinheiro
James Dougherty. Explica que
era um dos raros homens pelos
quais, nessa época, “não sentia
repulsa sexual”. Um termo forte,
que poderá explicar-se pelos
presumíveis abusos de que
terá sido vítima nas casas de
acolhimento por onde passou. A
insegurança e a inibição sexual
são tópicos constantes nas suas
notas. “Mesmo fisicamente tive
sempre a certeza de que qualquer
coisa em mim estava errada”,
escreve em meados dos anos 50.
Mais surpreendente é
encontrarmos a mesma
insegurança no que respeita à
representação. “Ponho-me diante
da câmara e a minha concentração,
e tudo o que tento aprender,
desaparece”. Antes de uma
rodagem, escreve: “Estou a tentar
arranjar maneira de interpreter
este papel… Como é que poderei
ser essa rapariga tão alegre?”.
Essa aguda consciência do
abismo entre a imagem que
projecta – a grande actriz de
cinema, a sedutora de poder
magnético, o símbolo sexual – e
a imagem que tem de si própria
(não necessariamente mais
verdadeira do que a anterior),
exprime-a de forma lapidar nesta
frase. “Sou uma dançarina que
não sabe dançar”.
Pouco antes de se envolver
com o dramaturgo Arthur Miller,
a actriz, que já tinha sido casada
duas vezes – a segunda com Joe
DiMaggio –, encara as relações
sentimentais com notório
cepticismo: “Só uma parte de nós
consegue alguma vez tocar uma
parte de alguém”, diz, “e o mais a
que podemos aspirar é a procurar
a solidão do outro”.
Mas o seu casamento com
Miller parece demolir todas as
reservas. É a época, efémera, dos
seus textos mais felizes. “Ter o
teu coração (…) é a única coisa
que alguma vez me aconteceu
completamente”. Um paraíso de
que não tarda a cair, regressando
aos apontamentos melancólicos e
auto-depreciativos.
Um dos textos mais estranhos é
a descrição de um sonho em que
Strasberg, vestido de cirurgião, a
abre, sob o olhar de Miller, e tudo o
que sai de dentro dela é serradura.
E um dos textos mais notáveis é
a carta que escreve ao psiquiatra
a queixar-se do tratamento no
sanatório onde foi internada, ao
mesmo tempo que discute o filme
“Os Inadaptados”, evoca a relação
com Kazan ou a influência de
Strasberg, explica que lhe bastou
um retrato de Freud para perceber
que era “um deprimido”, e ainda
cita Milton: “As pessoas felizes
nunca nasceram”.
Mas este livro não mostra
apenas uma Marilyn sombria. São
também frequentes as referências
a episódios felizes, como uma
calorosa viagem de camioneta
com 60 pescadores italianos –
“nunca conheci cavalheiros mais
encantadores” –, ou, mesmo no
fim da vida, as notas que revelam
que continuava a procupar-se com
o quotidiano, organizando listas
para festas, passando receitas de
cozinha, confiando a Strasberg
a sua intenção de montar uma
produtora, em associação com
Marlon Brando.
Mesmo quando está mais em
baixo, o tom é quase sempre o
de alguém que quer reerguer-se,
e não o de alguém que encara
matar-se.
EDUARD STAN
Recital de Piano
INAUGURAÇÃO DA
FESTA DA FRANCOFONIA
4ª TEMPORADA MUSICAL ROMENA EM PORTUGAL
PALÁCIO FOZ, LISBOA: 14 DE MARÇO DE 2011, 19H00
CASA DA MÚSICA, PORTO: 16 DE MARÇO DE 2011, 19H30
NELSON GARRIDO
O livro que publicou o ano
passado em Espanha, “La Luz es
más antigua que el amor”, foi
uma forma de Ricardo respirar
outro ar, depois de concluída a
Trilogia do Mal com “O Revisor”
“Quando o primeiro comboio foi pelos ares, derramando sobre as nossas
pequenas e esforçadas vidas um aluvião de sangue, cólera e medo, eu
estava sentado diante da minha velha
mesa de freixo australiano e corrigia
umas provas de ‘Os Demónios’ de Fiódor Dostoiévski.” Eis o primeiro parágrafo de “O Revisor”, de Ricardo
Menéndez Salmón, que encerra a Trilogia do Mal (“A Ofensa”, “Derrocada”
e “O Revisor”) publicada em Portugal
pela Porto Editora.
Dentro da história da literatura, a
obra de Dostoiévski gerou muitíssimos diálogos. Era o livro favorito de
Albert Camus (Nobel 1957) e J. M. Coetzee (Nobel 2003) escreveu todo um
romance sobre a sua origem (“O Mestre de Petersburgo”). Agora o espanhol Ricardo Menéndez Salmón incluiu-o na narrativa de “O Revisor”,
romance que se passa no dia dos atentados terroristas em Madrid, o 11 de
Março de 2004. Vladimir, o narrador,
é um revisor que tem o russo por seu
escritor favorito.
“‘Os Demónios’ foi escrito há 140
anos e, surpreendentemente, continua a falar com muita força ao coração dos homens e mulheres do século XXI. Fala sobre a natureza humana
e como, na minha opinião, esta não
muda com o tempo: o livro permanece inamovível, apesar de os tempos
históricos e as sociedades serem outros”, diz-nos Ricardo Menéndez Salmón. “O romance de Dostoiévski reflecte com enorme intensidade sobre
a capacidade de manipulação dos indivíduos.” Era o que lhe interessava
aproveitar para o livro.
Não foi o primeiro escritor espanhol a abordar os atentados de 2004.
Mas os outros aproximaram-se do assunto, “única e exclusivamente”, do
ponto de vista emocional: romances
sobre a dor, sobre sentimentos. Menéndez Salmón queria que o seu livro
tivesse também uma dimensão política. Queria quebrar um “tabu”, o de
que o escritor não deve ser contaminado pelas circunstâncias políticas,
o que na sua opinião deixa temas inéditos na literatura espanhola. “Por
exemplo, a monarquia, o questionamento do modelo de Estado que temos, a possibilidade de uma Espanha
republicana”.
Na verdade o que o “convidou a dar
forma literária” aos atentados foi uma
comissão senatorial em que o antigo
presidente do Governo ratificou as
ideias que defendera naqueles dias
de Março. “José María Aznar reiterou
a sua ideia de que os autores intelectuais e materiais daquele atentado
provinham do mundo etarra depois
de ter havido uma investigação pericial e policial. Isso provocou em mim
uma indignação”, explica.
Salmón confessa ser-lhe difícil transmitir a um estrangeiro como se viveram aqueles dias em Espanha, com
que grau de intensidade. “Há um antes
e um depois na História recente do
nosso país. Aproximar-me do tema
exigia uma certa distância para que
os sentimentos não ficassem contaminados, por estarem tão próximos do
que tinha sucedido.” Mas ao mesmo
tempo, sentia que a literatura tinha a
responsabilidade de dar conta do que
se tinha passado. Não do ponto de vista emocional ou sentimental, mas do
ponto de vista da intervenção no terreno político. Quis falar do “tipo de
discurso que se lançou desde o poder
a propósito do que sucedeu. E que foi,
ao fim e ao cabo, o que motivou as
mudanças fundamentais na sociedade
espanhola naqueles dias.”
Espanha
unida
pelos
atentados
Ricardo Menéndez Salmón
sentiu que a literatura tinha a
responsabilidade de dar conta do
que se passou a 11 de Março de 2004,
em Madrid. Escreveu “O Revisor”.
Isabel Coutinho
12 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
O paradoxo
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Martim Pedroso
A Philosophia do Gabiru
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Xavier Le Roy fala das suas pesquisas e dúvidas.
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Na sua opinião, os atentados de Madrid criaram uma identidade. “Um
acontecimento tão dramático, tão
terrível, tão trágico foi um aglutinador
de uma identidade nacional que foi
sempre dispersa. Todos sentimos que
fazíamos parte do que a Espanha pode representar como ideia, como imaginário, e que havia sido atacado e
agredido naqueles dias.”
“O Revisor” está escrito na primeira pessoa. “Nunca tinha escrito nada
na primeira pessoa, a não ser algum
relato e o meu último romance - que
saiu agora em Espanha - tem fragmentos publicados na primeira pessoa.
Surgiu de um modo natural, durante
o processo nunca duvidei desta opção. Ao fim e ao cabo é uma voz muito pessoal a que nos acompanha ao
longo da narrativa e há muito de mim
na personagem de Vladimir. É um livro onde a ficção e a autobiografia
dialogam com intensidade.” Há fragmentos que realmente são reais. Por
exemplo, quando Ricardo começou
a escrever este livro, em 2005, era
desconhecido em Espanha. Editava
em pequenas editoras, era revisor e
várias vezes sentiu a tentação de
abandonar a carreira de escritor. “Em
toda a autobiografia há elementos de
ficção e em toda a ficção elementos
autobiográficos. Neste livro tudo isso
está unido e é difícil de separar o que
é realidade do que é ficção. Mas alguns dos episódios que se contam são
da minha vida, parte da recriação do
dia de trabalho da personagem parece-se à minha vida, parte das pessoas
que me rodeiam são como eu as apresento no livro”, conta.
Neste livro o poder é manipulador,
o poder é mentiroso. Vladmir, a personagem principal, indigna-se mas ao
mesmo tempo ele próprio esconde
uma pequena (grande) mentira. “Pareceu-me que esse era um bom retrato. Por muito transparentes que queiramos que os demais sejam, por muita procura da verdade, também
guardamos nas nossas vidas os nossos
esqueletos nos armários. Pareceu-me
interessante introduzir essa vida dupla do protagonista como um espelho
em que mirar-se. Também acredito
que naqueles dias o que sucedeu em
Madrid obrigou-nos a olhar para dentro. Mostrou-nos como é frágil a nossa vida num contexto de terror. Tivemos um momento para ajustar contas
connosco, com os seres que amamos,
que perdemos, com os seres que ganhamos ou nos ganharam. Deu-se
esse duplo movimento para fora, de
expressão de uma dor, e para dentro,
de reflexão sobre a fragilidade da vida. Por isso o romance tem um final
com esperança. Neste caso, o amor
pode ser em momentos de grande dor
uma amarra, um refúgio onde se pode encontrar alívio.”
A Trilogia do Mal começou com “A
Ofensa”, seguiu-se “Derrocada” e “O
Revisor”. Quando acabou Ricardo
sentiu necessidade de respirar outro
ar. O romance que publicou em Espanha o ano passado, “La Luz es más
antigua que el amor”, é um livro sobre
pintura e a criação. “Sobre capacidade da arte para consolar-nos, para ser
uma janela de esperança dentro de
um mundo que às vezes é intolerável”.
On
A acção de “O Revisor” começa às
7h38 com a primeira explosão na estação de Atocha e termina à meianoite desse dia. Tal como a personagem principal, Ricardo Menéndez
Salmón não estava em Madrid quando ocorreram os atentados. Viu pela
televisão. Recorda que passou por
várias fases. “Primeiro, a incredulidade. Chegavam-nos as primeiras notícias a dizer que acontecera um atentado em Madrid e o número de mortos não parava de aumentar. Apesar
de pertencermos a uma sociedade
que vive há 40 anos com o terrorismo
etarra, havia uma dimensão nova.
Nunca tínhamos enfrentado um acontecimento dessa magnitude. Parecia
uma operação militar, com explosões
em locais distintos, sincronizadas, era
indiscriminado demais. O terrorismo
etarra - habitualmente dirigido a militares, políticos, forças armadas, polícias - é selectivo. Neste caso foram
ataques feitos, pela manhã, a comboios que levavam gente que ia trabalhar. O que gerou nas pessoas uma
suspeita, havia algo raro, que não encaixava naquilo que conhecíamos”,
acrescenta.
Por outro lado, lembra, todas as
pessoas tinham na cabeça o contexto
do país, a intervenção de Espanha na
Guerra do Iraque, o único país europeu, além do Reino Unido, que apoiou
a intervenção. “Todos percebemos
que aquilo levava a marca de uma
vingança, de uma resposta à atitude
do nosso país num conflito injusto,
no sentido de que se organizou em
torno de uma mentira. Todos vimos
as fotos dos Açores: Durão Barroso,
Aznar, Bush e Blair.”
Rapidamente apareceram pistas e
as televisões de todo o mundo, principalmente as norte-americanas, indicavam que a raiz dos atentados era
islâmica. “Estávamos a receber a informação em directo mas sempre
através de filtros e de simulacros: telefone, televisão, net. A informação
que recebíamos por parte das autoridades em Espanha não era a mesma
que estávamos a receber dos jornalistas de todo o mundo. Era um paradoxo. Estávamos a ser informados do
que acontecia no nosso país através
dos meios de comunicação estrangeiros. Como se o mundo tivesse recebido a informação fidedigna, verdadeira, verídica antes dos protagonistas
daquele acontecimento, que éramos
nós, os espanhóis. Naqueles dias houve um sentimento no país de que todo
o mundo esteve em Madrid.”
Ricardo Menéndez Salmon hesita
por momentos e avisa que o que vai
dizer pode parecer demasiado forte.
teatro
© Luc Vleminckx
“Todos sentimos
que fazíamos parte
do que a Espanha
pode representar
como ideia, como
imaginário, e que
havia sido atacado
e agredido naqueles
dias”
tel. 218 438 801
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 13
Abel Ferrara
o caça-fantasmas
“Existe lá qualquer coisa”, diz-nos Abel Ferrara.
Memórias de um espaço assombrado, o Chelsea Hotel,
pelos fantasmas de Sid, Nancy, Janis e de todos
os outros. Helen Barlow
“Foi sempre
pre
um local selvagem,
infernal. Mas não
é espelunca.
ca.
Custa dinheiro
heiro
percorrerr as salas
onde Dylan
an Thomas
andou ou morreu
ou se embebedou
bebedou ou
o que querr que seja”
14 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
“Os residentes no hotel agradeceramme. Foi quase como aconteceu com
‘The Thin Blue Line’, em que o documentário o ajudou a resolver os seus
problemas [filme, de 1988, de Errol
Morris, sobre Randall Dale Adams,
condenado à morte por um crime que
não cometeu e que o filme contribuiu
para solucionar o caso]”
Apesar de ser um visitante assíduo,
Ferrara nunca viveu no hotel. “Houve
drogas, prostitutas, e cantores famosos, músicos e actores que viveram
lá”, conta, “mas a energia do hotel foi
sempre maior do que as pessoas que
viviam nele. Existe lá qualquer coisa,
num sentido físico. Quer seja o fantasma do Sid Vicious ou de outra pessoa qualquer, existe uma razão para
a arte ter surgido lá, e continuar a surgir. Actualmente, são os pintores os
heróis daquele edifício. No início
eram os músicos. Acontece que foi
construído com paredes grossas. Não
é fácil encontrar um local sossegado
em Nova Iorque, e é essa a razão por
que os músicos podiam ficar lá, porque podiam tocar música a alto volume.”
“Chelsea on the rocks” foi exibido
em Cannes 2008, seis meses antes de
a crise económica global ter posto a
economia mundial de rastos. O já falecido Dennis Hopper, um dos “habitués” do Chelsea e um dos entrevistados no documentário, apareceu na
conferência de imprensa.
“Senti-me protegido lá, muito seguro”, relembrou. “Bob Dylan andava
por lá, foi um tempo criativo maravilhoso, muito aventureiro. Vivíamos
todos no limite – não sei bem no limite de quê, mas vivíamos no limite disso. Alguns de nós caímos no buraco
e alguns de nós ficámos à beira e alguns de nós conseguimos sair de lá,
mas foi um tempo especial. Nunca me
esquecerei dele.”
A saga de Sid e Nancy
Mas, mais do que com qualquer outra
coisa, Ferrara ficou apanhado pela
saga de Sid Vicious e Nancy Spungen.
“O ‘manager’ deles, Malcolm McLaren
[que morreu em 2010], foi o único
que queria uma pipa de dinheiro para ser entrevistado. ‘Onde é que está
o cheque? Normalmente cobro 10 mil
dólares, mas como és meu amigo faço
por 5 mil.’ Disse-lhe: ‘obrigado, mas
esse é o dinheiro que eu vou ter para
fazer todo o filme’.”
E se as imagens dos Grateful Dead
ficaram de graça após um jantar amigável, já o dono de bobines de filme
em que apareciam Sid e Nancy no hotel também exigia somas avultadas.
Assim, Ferrara filmou a sua versão da
noite da morte de Spungen no hotel
em 1978, com Bijou Phillips, Jamie
Burke, Adam Goldberg e Giancarlo
Esposito nos papéis de Nancy, Sid e
os traficantes de droga que, segundo
acreditam alguns, a mataram.
“É só desse espisódio que as pessoas falam quando passam pelo edifício.
Até lá chegar, eu sempre pensara que
o filme em que Gary Oldman era o
protagonista [“Sid and Nancy”, Alex
Cox, 1986] representava a realidade.
Mas disseram-me: ‘Não! O Sid Vicious
nunca poderia ter morto a Nancy! Toda a gente sabe disso!’ Mas nem
toda a gente
sabia disso,
e de repente trans-
formou-se numa recriação do ‘American Most Wanted’ [programa de TV
sobre criminosos procurados pela
justiça]. Sabe, o Sid era uma superestrela, mas o que ninguém sabe é que
havia naquele quarto 25 mil dólares
de quando ele cantou ‘My way’ na
televisão francesa e que esse dinheiro
nunca foi encontrado. Eu não queria
fazer um filme sobre o Sid e a Nancy;
eu nem queria falar dessa história.
Mas não se consegue evitar.”
Ferrara decidiu não indicar com
legendas quem eram os entrevistados.
“Em que altura é que se pára? Não se
põe o nome por baixo de Andy Warhol, mas põe-se o nome por baixo do
tipo que vem a seguir? Tivemos lutas
tremendas na sala de montagem. Se
é o Joe Smith, o que é que isso diz às
pessoas? E se não sabem quem é o
Andy Warhol, então não temos nada
com que nos preocupar.”
E isto foi outra razão, explica, para
recriar a sua versão dos acontecimentos.
“Aproximar-me da verdade através
da ficção, utilizar actores para recriar
acontecimentos, foi entrar em território novo para mim. Constantemente mudar e deitar abaixo a estrutura
e não ficar preso à narrativa pura foi
emocionante.”
Quando lhe perguntamos acerca
das suas memórias do hotel, fica nostálgico. “A primeira vez que lá estive?
Oh, foi há muito tempo. A minha memória mais antiga é o Dee Dee Ramone a disparar uma espingarda de pressão pela janela. [Baixista, fundador e
compositor do grupo punk The Ramones, morreu em 2002, aos 50 anos,
de “overdose” de heroína.] E eu disselhe ‘Tem cuidado!’, e ele respondeu
‘Estou só a atirar aos pneus, Abel!’”
“Foi sempre um local selvagem,
infernal. Mas não é nenhuma espelunca. Custa muito dinheiro percorrer
as salas onde Dylan Thomas andou
ou morreu ou se embebedou ou o que
quer que seja.” Pára, dando uma das
suas risadas roucas. “Mesmo que seja só para ver outras pessoas à procura do fantasma de Bob Dylan – oh, ele
ainda não é fantasma! –, mas todas
essas pessoas que estiveram lá e morreram. Há qualquer coisa acerca daquele
quel
e e local, uma mística, que atrai as
pessoas. A razão para isto, não sei,
mas agora já sei muito mais do que
sabia.
sabi
ia. É um local muito especial.”
Ver crítica de filmes págs. 35 e segs
Ferrara
dirigindo a
recriação do
“episódio”
Sid Vicious
e Nancy
Spungen
VINCENZO PINTO/ AFP
Tudo começou quando Abel Ferrara
estava a ser entrevistado, para um
documentário sobre o Chelsea Hotel
de Nova Iorque, por Jen Gatien – a filha de um amigo, Peter Gatien. No seu
estilo inimitável, o realizador nascido
no Bronx decidiu que ele mesmo poderia fazer melhor. E Gatien não se
importou.
Dada a fumarenta e narcótica história do local, decidiu que a melhor
opção seria fazer um misto de documentário e recriação. No final, acabou
por usar material de arquivo, ficcionou e entrevistou.
Gatien queria documentar o estatuto, passado e presente, do hotel, no
momento em que este estava a passar
por uma tensa transição: o estimado
gerente do hotel, Stanley Bard, tinha
sido despedido pelos novos proprietários, que queriam tornar o edifício
num hotel de charme. Inquilinos de
há muito foram ameaçados de expulsão, mas a Bolsa de Nova Iorque entrou em colapso e ninguém tinha dinheiro para avançar com um projecto que se opusesse
esse ao do hotel de
charme.
“Quatro pessoas
oas compraram o hotel mesmo antess do início da II Guerra por 50 mil dólares,
lares, e agora tinham
arranjado um grupo
rupo empresarial para o gerir. Mas o grupo empresarial
acabou por ser posto na rua [devido
io]”, explica Ferrara.
ao documentário]”,
GARCIA ALIX
As palavras, impotentes substitutos
das coisas e do intervalo entre elas,
não existem sem razão, peso, medida
ou ordem. O mesmo se pode dizer de
figuras de estilo como a hipérbole: pode ser usada a destempo, com exagero
ou de forma gratuita, mas a sua existência é justificada perante tudo aquilo que parece ser maior que a vida.
É o caso da infinita voz de Fátima
Miranda, descrita vez após outra em
registo hiperbólico – não porque
quem sobre ela escreve padeça de
ciclotimia literária, mas porque o que
sai daquela garganta está para lá de
todas as convenções. Possuída (é o
termo) por mais oitavas que o determinado pelo Senhor quando desenhou a garganta humana, Miranda
levou ao extremo, em discos como
“Las Voces de La Voz” (1992) ou “ArteSonado” (2000), os limites do que
entendemos por voz humana: não há
canções aqui, há como que um recuo
até ao momento em que começámos
a usar a voz para comunicar.
Uma voz assim implica dissenções:
gente que ama e gente que odeia. Miranda, uma conversadora e pensadora nata, capaz de ficar duas horas a
discutir o concerto que vai dar em
Lisboa, sábado, na Culturgest, sabe
disso: “Sinto-me muito amada”, diz,
a rir-se,faceta que pode parecer improvável a quem só a conheça dos
discos. “Quem gosta de mim gosta
ferozmente. Ninguém vai a um concerto meu porque houve uma grande
campanha de marketing ou porque é
moda. Quando vão sabem ao que vão,
ou vão para experimentar, com a cabeça aberta”.
Canções com princípio,
meio e fim
Mas o mundo particular de Miranda,
em que se recupera cantos diafónicos,
se rouba gritos que soam a hienas (e
que ela repetiu ao telefone, com um
timbre imaculado), se põe a natureza
em rebuliço nas cordas vocais, esse
mundo vai alargar-se em Lisboa, como já se alargou na Guarda há meses,
“O que é uma
melodia? Olhe:
[canta] tu tutu tutu tu
tu tu tutu tu tu tu.
Podia ser uma
melodia infantil. Uma
melodia são notas
e o intervalo temporal
entre elas”
aquando da estreia mundial do espectáculo que agora a traz cá, “perVERSIONES”. Agora Miranda vai cantar
canções dos outros. Canções mesmo,
daquelas com princípio, meio e fim.
E isto é o mais estranho que podíamos
esperar dela.
“Agora que estou consagrada”, diz,
com um riso tremendo de quem acha
inusitado poder ser consagrado, “pensei: ‘O que posso fazer para continuar
a explorar?’ e o que me ocorreu é que
nunca tinha cantado canções. O que
é normal para os outros, as canções,
para mim é estranho e difícil. Por isso
é que chamo ao concerto ‘perVERSIONES’, porque não se trata de simples versões: eu interpreto aquelas
canções ao ponto em que elas são minhas. Ou, pelo menos, torno-me coautora. Por isso é que no libreto do
espectáculo vem o nome do compositor, não de quem cantou a versão
mais conhecida da canção”.
Este é um dos temas caros a Fátima
Miranda, o da autoria. Por um lado
não acredita na inovação. “Não inovas
nada, mas podes criar”, diz. E isto fazse “roubando, o que é diferente de
plagiar. Aquelas pessoas da música
new age, copiam cantos ancestrais.
Eu roubo-os, vou à raiz, e como não
posso fazer igual descubro a minha
forma de fazer, que se torna autêntica
e nova”.
Foi à luz desta necessidade de recuo às raizes (mas sem purismo), de
procura do primitivo, que o espectáculo foi criado: Miranda procurou “o
que haveria ainda nas canções por
dizer, o espaço que ficara por explorar”, ou, tão simplesmente, o seu espaço. “Muitas destas canções”, refere,
“já foram versadas centenas de vezes.
Não faria sentido eu tentar fazer igual,
pelo que criei um método de chegar
a resultados diferentes”.
O método é simples: adicionar um
pianista, para mais um pianista “de
formação clássica”, que, por exemplo,
“nunca aprendeu técnicas de jazz”. É
uma decisão radical para uma mulher
que, até hoje, sempre actuou a solo,
muitas vezes usando como acompanhamento materiais que estão longe
de ser considerados instrumentos –
aliás, lembra que no início da sua carreira “toda a gente [que fazia parte do
seu grupo de improvisação] sabia tocar um instrumento” e ela “tocava
tubos de PVC e de canalização”.
O que une cada uma destas canções
é apenas e só o amor de Miranda por
elas. Há de tudo: o clássico “Cry me
a river”, “Walk on the wild side”, de
Lou Reed, a “Internacional, “Estranha
forma de vida”, “La Llorona”, canções de Jobim, de Satie, de Fauré (um
achado), de Kurt Weill. Estão organizados por temas, mini-ciclos, mas
mais interessante que isto é ouvir uma
mulher que tem um timbre perfeito
cantarolar a melodia de “Walk on the
wild the side” para explicar como é
que uma canção funciona para ela:
“O que é uma melodia? Olhe: [canta] tu tutu tutu tu tu tu tutu tu tu tu.
Podia ser uma melodia infantil. Uma
melodia são notas e o intervalo temporal entre elas. Não defendo uma voz
pouco exacta nem deixo de defender.
Há vozes academicamente inatacáveis
que me deixam indiferente e há vozes
pouco tratadas que me emocionam.
E é isso que me interessa e é isso que
quero partilhar”.
Agora Miranda vai experimentar a
normalidade. E isso, apostamos, será
tudo menos banal.
Fátima
Miranda
apresenta no
seu
espectáculo o
que ainda há
para dizer de
canções como
“Cry me a
river”, “Walk
on the wild
side” (Lou
Reed), a
“Internacional, “Estranha
forma de
vida”, “La
Llorona”, ou
ainda canções
de Jobim ou
Kurt Weill
Fátima Miranda vai dar cabo
da normalidade
Possivelmente, é a mais poderosa voz do mundo. Mostra em Lisboa o primeiro espectáculo
em que canta canções “normais”. Mas com ela a normalidade não existe. João Bonifácio
16 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Chet com cobertura
Aos 23 anos, Luísa Sobral estreia-se com “The Cherry
on My Cake” e faz da intersecção entre jazz e pop o seu
território. Uma Norah Jones à portuguesa que soube
esperar pelas suas canções. Gonçalo Frota
Chet Baker,
câmara
improvável
para uma voz
milagrosamente
poupada pela
decadência, é
uma das
maiores
referências de
Luísa Sobral.
Com ele,
aprendeu as
melodias
rigorosas dos
standards de
jazz e a ir
atrás dos solos
Heroinómano, alcoólico, com mais 15
anos na cara e no corpo do que o oficialmente inscrito no BI, gasto, estafado, acabado, caído em desgraça –
até literalmente, de um segundo andar de um hotel em Amesterdão. À
partida, esta imagem em nada coincidiria se justaposta com a figura alva,
delicada, jovem, pop, um cupcake no
lugar de uma garrafa de uísque de
Luísa Sobral. Mas Chet Baker, câmara
improvável para uma voz milagrosamente poupada pela decadência, é
uma das maiores referências da cantora portuguesa. Com ele, aprendeu
as melodias rigorosas dos standards
de jazz e a ir atrás dos solos. Como
não era propriamente um cantor, explica ela, Baker não faz das melodias
festivais aéreos com loopings e voos
picados. Ouve-se na certeza de que a
voz faz uma rota directa, sem desne-
cessárias escalas circenses de virtuosismo musical. E depois, claro, o charme transportado em cada sílaba, que
parecia pisada e esmurrada antes de
poder ser cantada.
Chet Baker chegou-lhe aos ouvidos
através de um amigo, quando frequentava a prestigiada Berklee College of Music, em Boston. Matriculou-se
após um 12º ano feito já nos EUA, de
qual recorda sobretudo ter pertencido a uma daquelas orquestras que
desfila antes de qualquer evento desportivo. Nessa altura, foi percussionista, mas quando voltou no ano seguinte sabia já que era para se dedicar
a estudar um jazz do qual pouco sabia. Tinha pouco mais do que uma
convicção a martelar-lhe a cabeça de
que o caminho deveria ser aquele.
Antes de embarcar para a Berklee pediu ao pai aconselhamento e este, sem
Luísa em ponto de maturação. Ela
olhava, sim, mas apenas via uma miúda desfocada. Recusou por não se
sentir preparada, por achar que as
suas composições não honravam ainda as suas referências, por lhe cheirar
rar
distintamente à ausência de uma palavra a dizer relativamente ao reporortório que lhe seria dado a cantar. “Não
Não
estava confortável com quem era, pororque sabia que precisava de aprender
der
mais, de estudar, de experimentar
tar
coisas, músicas e pessoas diferentes.
es.
Agora sim, sinto que estou preparada
ada
e orgulhosa do que estou a fazer”.
Em vez de abocanhada, mastigada
e cuspida assim que passasse o fugaz
fogacho do programa, Luísa contou
até dez, virou as costas à tentação de
um pequeno sucesso momentâneo e
preferiu ir reclamar o seu anonimato
no meio de uma série de desconhecidos também à procura da sua encruzilhada. Apesar das viagens realizadas
com os pais, turisticamente, que a
tinham levado a África, à América do
Sul ou à Ásia, teve o bom senso de não
achar que havia já comido do mundo
o suficiente para que pudesse deitar
cá para fora música vivida. Antes sequer de poder exibir orgulhosamente quaisquer marcas de guerra, não
valia a pena tornar as suas canções
públicas. Seria como lançá-las para
fora do ninho antes de aprenderem a
bater as asas.
Finda a experiência de Berklee, não
era certo para Luísa que o seu futuro
musical passasse por Portugal. Depois
da faculdade, fez o que quase todos
fazem: foi tentar a sorte para Nova
Iorque. E fez o que quase todos fazem:
não resistiu muito tempo a uma vida
de músico que trata os principiantes
com dureza. Se até mesmo os consagrados têm muitas vezes de tocar em
hotéis e restaurantes para sobreviver
– os clubes são uma miragem e mais
ideia romântica do que realidade que
permita a subsistência –, aqueles que
chegam e tentam vingar acabam por
trocar com naturalidade a luta por
oportunidades mais perto de casa.
Luísa tinha visto de um ano, queria
tratar das papeladas para obter o visto de artista, mas depois surgiu a possibilidade de regressar a Portugal e
aceitou o desafio.
Em Nova Iorque, trabalhava das nove às seis num café e depois passava
as noites a cantar em restaurantes.
Dava para a renda e pouco mais. “Ainda nem sequer tinha conseguido começar a tocar a minha música. Eles
Só esteve seis meses
em Nova Iorque,
a cidade nunca ouviu
as suas canções,
mas acredita que
pode acontecer-lhe
o mesmo que a Björk
e conquistar o mundo
a partir de um país
periférico
não pagam muito bem e é quase impossível. Lá, se não quisermos tocar
em restaurantes temos de pagar para
tocar ou fazê-lo de graça e esperar pelas gorjetas. É um investimento começarmos a tocar as nossas composições”. Luísa tinha acabado de gravar
um EP, mas nem de olhos semicerrados atrás de binóculos avistava um fim
para aquela vida de Nova Iorque, e
numa vinda a Portugal as suas canções
foram parar aos escritórios da Universal. Só esteve seis meses em Nova Iorque, a cidade nunca ouviu as suas
canções, mas acredita que pode acontecer-lhe o mesmo que a Björk e conquistar o mundo a partir de um país
periférico. Por cá, dificilmente não
ficará conhecida como “a Norah Jones
portuguesa” – falem-lhe de Jones e
Regina Spektor e aquilo que ouve são
elogios –, por lá, era mais uma cantora de jazz com uma vantagem: cantava bossa nova com um sotaque irresistível para os norte-americanos. Mas
o câmbio do “exotismo” não está em
alta nos valores de Luísa Sobral.
Ver crítica de discos págs. 33 e segs.
ser um entendido, prescreveu-lhe
uma receita infalível: “Tens de ter a
Ella Fitzgerald, o Miles Davis, o Coltrane e a Billie Holiday”. A partir daí,
a árvore estava plantada; o resto das
referências havia de crescer a partir
deste tronco.
A recusa
Luísa Sobral tinha 16 anos em 2003,
altura em que foi finalista do concurso de talentos “Ídolos”. Andou por lá
a cantar Shakira, Rui Veloso, Michael
Bolton, Zeca Afonso, Fun Lovin’ Criminals, John Lennon ou Ala dos Namorados, uma amálgama própria da
indecisão da idade. Na altura, foi abordada para editar um primeiro disco,
mas não deixou que a sua própria imagem ficasse suficientemente deformada pelo espelho que as editoras lhe
mostravam e que lhe devolviam uma
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 17
HERMAN SOGELOOS
Anne Teresa, a memóri
Chega amanhã a Guimarães com “Rosas danst
Rosas”, clássico da dança contemporânea que
criou em 1983. Foi a peça que nos mostrou
de que matéria era feita esta rapariga que, até
hoje, não sabe explicar o que faz.
Tiago Bartolomeu Costa
Nos últimos
anos, Anne
Teresa de
Keersmaeker
regressou às
suas
primeiras
peças (“Rosas
danst Rosas”,
de 1983, mas
também
“Fase”, do ano
anterior) não
para as fixar
mas porque
tem “uma
relação muito
forte com
elas”
Anne Teresa De Keersmaeker não
gosta de dar entrevistas. “Não me é
fácil falar do meu trabalho. Prefiro
não o fazer.” Ouvimo-la respirar fundo. Não será a única vez ao longo da
brevíssima conversa telefónica que,
excepcionalmente, acedeu dar. Diz
que fica incomodada com o facto de
ter de explicar o seu trabalho. Diz que
prefere deixar que as coisas se percam a ter de fixá-las por palavras. Diz
que não gosta da ordenação. Mas esta é, afinal, a melhor forma de resumir o conflito no qual sustenta o seu
trabalho: uma oposição entre um movimento formal, quase evidente, e o
modo como ele se vai desmontando,
de sequência em sequência, como se
fosse feito de fios que se enrolaram,
e cujas pontas se perderam com o
tempo.
Parece também perdida no tempo
a estreia de “Rosas danst rosas”, a
peça que amanhã se apresenta no
Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e que faz parte do programa da
primeira edição do GuiDance, o festival internacional de dança contemporânea da cidade. Estávamos em
1983 e Anne Teresa oficializava, aos
23 anos e com esta peça, a constituição, em Bruxelas, da sua companhia,
a Rosas, que viria a transformar-se
num dos motores da revolução coreográfica europeia. “A coreografia é
uma necessidade, era inevitável. Nunca fui capaz de me apropriar dos gestos dos outros”, justificava-se, dez
anos depois da criação da companhia. A peça foi interpretada por um
elenco de 13 bailarinas, em que figurava o núcleo fundador da companhia Rosas: Anne Teresa, Fumiyo
Ikeda, Michele Anne De Mey e Adriana Borriello, bailarinas que encontrara na famosa escola de Maurice
Béjart, a Mudra, onde estudara.
18 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Não é a primeira vez que a peça se
apresenta em Portugal. Em 1987, “Rosas danst Rosas” esteve nos Encontros ACARTE, da Fundação Calouste
Gulbenkian (e encontra-se quase na
totalidade no You Tube). Na altura,
o crítico do “Expresso”, António Pinto Ribeiro, focou-se nos sapatos das
bailarinas (os “roots”) para explicar
o movimento que faziam, e a diferença que logo ali se estabelecia com o
que estávamos acostumados a ver.
Com o calcanhar acima da restante
sola, “o corpo do bailarino desloca o
seu habitual centro de gravidade e é
obrigado a impulsionar o corpo no
sentido contrário ao que lhe é habitual. Com os ‘roots’ o bailarino está
em permanente desequilíbrio, em
permanente suspensão”, escrevia.
Não eram só sapatos, eram “utensílios da transubstanciação (...), o espírito da dança, a razão do júbilo e
da festividade que caracteriza cada
um dos seus espectáculos”.
Kersmaeker diz que “cabe aos críticos lerem as peças numa perspectiva histórica”. E acrescenta: “Nessa
altura eu dançava nas peças, e as peças reflectiam o meu modo de pensar,
o movimento que me era natural, e
que fazia sentido como mulher. As
minhas primeiras peças eram explicitamente femininas. Conhecia menos bem o corpo masculino”. Numa
entrevista publicada dez anos depois
de “Rosas danst Rosas”, num livro
que reúne fotografias de Herman Sorgeloos, tentará uma outra aproximação: “É difícil encontrar bons bailarinos homens. No clássico é mais fácil: os corpos e os movimentos são
dados, são codificados. Para o que
quero fazer, preciso de um certo refinamento, mas não um refinamento
clássico. Uma elegância que não fosse nem feminina nem masculina...
“Estava curiosa, como
quando vamos ao
sótão. Não tem nada
a ver com nostalgia.
Como fonte de
energia, a nostalgia
gasta-se muito
depressa. Devo agora
explicar [o que fiz]
aos outros. Isso
arrasta uma espéciee
de tristeza. E a
sensação de um corpo
po
que envelheceu”
Isso preocupa-me. E creio que é importante.”
e, é
Essa elegância, explica-nos hoje,
o próprio modo como a peça se articula: “Tecnicamente, o vocabulário
ário
é muito preciso. O modo como se ordena no tempo e no espaço pode, por
momentos, parecer muito complexo,
exo,
mas é altamente articulado.”
Lembrar e esquecer
“Rosas danst Rosas” sustentava-se
-se
numa relação muito estreita entre
re
as
música e coreografia, desenvolvidas
em simultâneo. Assinada por Thierrry De Mey e Peter Vermeersch, a
ibanda sonora marcava os movi-
mentos com um ritmo que ia ocupando o espaço em seu redor, definindoos, ampliando-os. “A relação que se
estabelece entre música e coreografia,
quando ambas são escritas ao mesmo
tempo, é absolutamente única”, dizia
em 1994 em entrevista ao PÚBLICO.
“Esta exagerada naturalidade que responde às frustrações da vida é uma
imagem poderosa que se concilia com
uma exigente banda sonora percussiva”, escreveu Sandra Genter num
perfil da coreógrafa publicado em
1999.
g
q
“As imagens
que g
guardo estão, sobretudo, no corpo e na mente, não
no papel”, diz-nos. E é tudo. É
preciso regressar a uma conversa publicada nesse livro
de Sogeloos para a ouvir falar do que significa regressar a uma peça tão fundamental: “As únicas coisas
importantes deviam ser os
vestígios que as
“Rosas danst
Rosas” apoiase em acções
muito
concretas,
movimentos
que eram
naturais à
coreógrafa,
como mulher e
como
bailarina
HERMAN SOGELOOS
ria dança?
representações deixam na cabeça, no
corpo e, sobretudo, no espaço que
elas criam no espírito.” Então porquê
regressar? “Um ‘remake’ de um espectáculo é, evidentemente, outra
coisa: é preciso voltar a trabalhar. Eu
regresso a espectáculos como ´Fase’
[a sua segunda peça, de 1982] ou ‘Rosas danst Rosas’ não para os fixar, mas
porque tenho uma relação muito forte com eles. Estava curiosa, como
quando vamos buscar algo ao sótão.
Não tem nada a ver com nostalgia.
Uma remontagem como ‘Rosas danst
Rosas’ exige muito trabalho; como
fonte de e
energia, a nostalgia gasta-se
muito dep
depressa. O que parecia muito
evidente na primeira versão, aquela
na qual dancei,
d
devo agora saber explicar aos outros, explicar-lhes fisicamente, co
convencer. Isso arrasta uma
espécie de tristeza. Há uma inocência,
uma evid
evidência, que se perde. E a sensação de um corpo que envelheceu.
É sobretu
sobretudo o corpo que se dá conta
das coisa
coisas, que se recorda”.
Hoje, quando
q
tem de explicar às
bailarinas o que devem fazer, substitui
a ideia de repetição pela de confiança:
“O que se deve fazer está contido nos
movimentos, e a dada altura é precimovimen
so confiar nisso”. Em 1994, explicava ao PÚBLICO: “Não
p
ttenho um método único, as
ssoluções encontram-se de
ob para obra, não tenho
obra
uma fórm
fórmula estabelecida. É verdade
que os bailarinos
ba
têm um importante
papel na criação do vocabulário coreográfico e no interior da peça, mas
reográfic
é difícil d
definir o processo.”
Hoje di
diz-nos que “havia desde o inicio coisas naquelas peças” que indicavam pa
para “uma coerência formal
abstracta que excluía uma carga emocional”. Acções.
A
Sentadas em cadeiras, as m
mulheres levavam as mãos à
A maior exposição
de equipamento
de áudio em Portugal.
O melhor do Som e da Imagem
em Estreia Mundial.
cabeça, juntavam-nas no ventre, deitavam a cabeça no chão, ajustavam a
roupa, preenchiam uma mão com um
dos seios, dobravam os braços sobre
o abdómen, caíam e rebolavam no
chão, por cima umas das outras, sentando-se umas em cima das outras...
Este retrato íntimo “era uma peça
de assinatura”, descreveu Sandra
Genter. Hoje, Anne Teresa diz que, na
passagem da peça a outras bailarinas,
fala muito com elas. E defende ainda
o que disse em 1994: “Interessa-me
usar as personalidades dos bailarinos,
pôr em evidência a sua individualidade. Cada bailarino tem a sua identidade, e logo uma influência na escolha do movimento. Isso mexe com o
trabalho.” E acrescenta, agora: “O
processo [de remontagem], alimentou-se de todos os pensamentos que,
de alguma forma, estiveram lá no início”. Mas a memória dança? A resposta é de 1992: “Lembramo-nos de tudo
o que é bem feito. Esquecemos tudo
o que não é rigoroso. Comigo é assim.
Tudo o que foi construído com uma
certa lógica regressa rapidamente. Foi
sempre mais difícil lembrar-me do
que foi intuitivo. A não ser que isso
traga um prazer excepcional ao movimento”.
Coreograficamente, escreveu Maria
José Fazenda, “a evolução do trabalho
de Anne Teresa é marcada por um
desvio para uma fisicalidade mais eufórica, jubilatória”. E, explica Sandra
Genter, “nunca deixou de regressar
às suas temáticas de referência, sobre
o comportamento humano, revelando
a sua ambivalência acerca da natureza e do papel do género feminino”.
Diz-nos que “o indivíduo continua
à procura de um lugar dentro do colectivo”. E ela? “Nos últimos dez anos
tenho feito grandes peças para a companhia e peças mais pequenas onde
eu danço. Todas são um lugar onde eu
posso experimentar e preparar material. Sou uma coreógrafa mas sou, essencialmente, uma bailarina. E é isso
que quero continuar a fazer”.
Respira de alívio mesmo antes de
desligarmos. Ainda se ouve na gravação. O mesmo sentido de explosão em
cada movimento das suas peças. Uma
coisa aspirada e explosiva. Como se o
movimento fosse um buraco negro
que tudo suga. Até as palavras dela.
HOTEL VILLA RICA LISBOA
Uma Organização:
18, 19 e 20 de MARÇO
das 15 às 22 Horas
(Domingo das 15 às 20 Horas)
Ver agenda de espectáculos pág. 30
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 19
Snohetta
Os nórdicos que (também)
constroem no deserto
A obra mais conhecida do atelier de arquitectura Snohetta é a Ópera de Oslo. Mas uma
exposição no Museu da Electricidade mostra como os mais famosos arquitectos noruegueses
tanto sabem construir para sheiks árabes como para as famílias das vítimas do 11 de Setembro.
Alexandra Prado Coelho
Snohetta é o nome de uma das montanhas mais altas da Noruega, sempre coberta de neve. Todos os anos
um grupo de arquitectos junta-se
para a escalar. Vêm de um atelier
de arquitectura chamado... Snohet20 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
ta, que fez a Ópera de Oslo (prémio
Mies van der Rohe 2009) e que é o
mesmo que está a construir um centro cultural em pleno deserto da
Arábia Saudita. O que fazem os arquitectos nórdicos que escalam
montanhas com neve num deserto
escaldante?
Jenny Osuldsen, uma das sócias dos
Snohetta, veio a Portugal apresentar,
na semana passada, a exposição sobre
o trabalho do escritório no Museu da
Electricidade, em Lisboa (iniciativa
organizada pela Trienal de Arquitectura). Jenny é alta, loura, evidentemente nórdica, e transborda de energia entusiástica enquanto vai passando imagens num ecrã e explicando a
forma de trabalhar dos Snohetta. Como foi o encontro destas arquitectas
louras e decididas com os governantes sauditas?
Foi precisamente a forma de trabalhar dos Snohetta – um enorme
querem criar uma coisa nova. As mulheres que trabalham na Aramco são
autorizadas a guiar carros, o que não
acontece no resto do país. Por isso
criámos uma faixa só para mulheres
e assim elas poderão guiar de casa
para o trabalho e estar sozinhas, que
é outra coisa que não é permitida.”
Outra contribuição da mentalidade
nórdica foi o auditório. “Primeiro eles
disseram que só podia ser para homens ou para mulheres, ou que teria
que haver uma parede a dividir. Nós
dissemos que não, que tinha que ser
aberto. Vai ser importante com este
projecto as crianças verem que as
mães podem guiar sozinhas ou que
as raparigas e os rapazes se podem
sentar no mesmo auditório.”
O ovni que pousou ali
“open space”, em que os grupos de
trabalho estão separados precisamente para obrigar as pessoas a percorrer o espaço e a falarem umas com
as outras, o que acontece também
muito na zona das refeições ou nos
degraus a meio da sala – que começou
por parecer estranha aos representantes da Aramco, a empresa petrolífera estatal saudita que está a construir o Centro para a Cultura e Conhecimento Rei Abdulaziz, em
Dahran. “Houve cinco pessoas da
Aramco sentadas no nosso escritório,
em Oslo, durante um ano, trabalhando connosco”, conta Jenny ao Ípsilon
no final da conferência.
“Nós funcionamos num espaço
aberto e eles queriam esconder-se por
detrás de portas e de biombos. Nós
dissemos que não e explicámos que
era importante eles perceberem a
nossa forma de trabalhar.” Ao fim de
um ano, num discurso de despedida,
o responsável desse grupo confessou
que inicialmente se tinha sentido desconfortável e pensava que nunca iria
funcionar mas que no final tinha visto outra forma de trabalhar e queria
levar essa experiência com ele para a
Arábia Saudita.
Jenny tinha contado na conferência
que a decisão de trabalhar para os
sauditas não foi imediata. Os Snohetta discutiram entre si, mas acharam
que, no final, podiam fazer a diferença – e não apenas em termos arquitectónicos. “Com este centro eles
Nas imagens, o centro parece um objecto vindo de outro planeta ou outra
civilização, qualquer coisa entre Stonehedge e a Ilha da Páscoa – um conjunto de pedras negras apoiadas umas
nas outras que se erguem, misteriosas, contra o horizonte do deserto. A
ideia, explica Jenny, surgiu a partir do
programa apresentado e que pedia
“uma série de espaços que deviam ter
a mesma importância” e que incluíam
uma biblioteca, um cinema, um espaço para exposições e outros.
“Achámos que era muito difícil de
o fazer num único edifício. Claro que
podíamos pôr todos os espaços juntos,
enrolá-los em celofane e fazer uma
fachada fantástica”. Mas não era isso
que queriam. Optaram por individualizar os espaços mas torná-los dependentes uns dos outros como um conjunto de pedras que se apoiam entre
si em torno de uma pedra-chave.
E regressaram a um conceito que
já utilizaram em vários projectos e
que tem a ver com o passado, o presente e o futuro – tudo parte de uma
linha que define esses três tempos. O
ponto em que a linha encontra o terreno é o presente, o que fica abaixo
do solo o passado e o que fica para
cima o futuro. “O ponto em que o terreno encontra a forma construída é
muito importante para nós. É aí que
acontecem muitas coisas.”
Dá uma gargalhada. “Concordo que
“Um projecto deve
ser sempre construído
a partir do local. Um
objecto pousado
nem sempre é tão
interessante como
isso. Se criarmos uma
relação com
os utilizadores, com
o local, com os usos,
conseguimos uma
arquitectura muito
mais profunda do que
simplesmente
construindo uma
estrutura”
Jenny Osuldsen
quando se olha para este projecto ele
parece um ovni que pousou ali. Mas
quando se olha para o conceito percebe-se que existe o passado porque
se caminha da superfície para o interior da terra, e aí usamos materiais
muito low-tech que têm a ver com a
geologia do país. Depois, quando começamos a chegar à superfície estamos no presente, e o que dizemos é
que o futuro pode ser realmente um
objecto vindo do espaço.”
No entanto, a ideia de edifícios colocados no terreno sem qualquer relação com este – “objectos pousados”
chama-lhes Jenny – não agrada aos
Snohetta. “Um projecto deve ser sempre construído a partir do local. Um
objecto pousado nem sempre é tão
interessante como isso. Se criarmos
uma relação com os utilizadores, com
o local, com os usos, conseguimos
uma arquitectura muito mais profunda do que simplesmente construindo
uma estrutura.”
Jogar com uma linha e com a relação entre o passado, o presente e o
futuro era algo que já tinham experimentado no primeiro grande projecto que fizeram: a Biblioteca Alexandrina, no Egipto. Foi em 1989, eram
ainda um pequeno atelier a tentar
começar, e decidiram concorrer a
este concurso internacional. “Quando recebemos a chamada a dizer que
tinhamos ganho a linha telefónica
estava má e nós percebemos terceiro
(“third”) e não primeiro (“first”) prémio”, contou Jenny na conferência.
Não queriam acreditar que lhes tinha
saído a sorte grande.
Criaram (projecto construído em
2001) então um edifício que é uma
enorme disco solar junto à baía de
Alexandria. “Empurrámos a tal linha
para baixo”, resume. E parte do edifício levantou (é o futuro), outra parte
ficou enterrada no solo (o passado) e
a linha que toca o terreno é o presente. Nas paredes gravaram em pedra
letras de todas as línguas do mundo.
Acreditaram que este começo auspicioso lhes abriria outras portas no
Médio Oriente – e isso veio a acontecer se bem que não tão rapidamente
como tinham imaginado. Um dos projectos em que trabalharam (e que
pode ser visto na exposição, apesar
de não ter sido construído) foi o Portal de Ras al Khaimah, num dos emirados árabes.
Aqui os governantes queriam construir uma cidade no deserto. Os Snohetta ganharam o concurso “apenas”
para o Portal, o que significava já um
quilómetro de comprimento, três hotéis, um centro de convenções, um
centro comercial. “Era uma coisa do
género ficarmos loucos no deserto,
no tempo em que eles tinham dinheiro para tudo.” O que havia como paisagem eram dunas de areia. Por isso,
“desenhámos o edifício como uma
duna ou um tapete voador”. No início
não tinha torre, “mas depois o cliente chegou e disse ‘onde está a minha
torre?’ e então surgiu a cobra”, conta
Jenny entre gargalhadas. O edifício,
longo e ondulante, ergue-se a certa
altura como se fosse de facto a cabeça
de uma cobra.
Mas se há sítios em que o que lhes
é pedido é que não tenham limites,
noutros é o contrário. É o caso do projecto para o Ground Zero, em Nova
Iorque, o local onde até 11 de Setembro de 2001 se erguiam as Torres Gémeas – um pavilhão que serve de entrada para o Memorial Museum. No
Um objecto vindo de outro
planeta? Um centro cultural em
pleno deserto na Arábia
Saudita (à esquerda); projecto
para o Ground Zero, em Nova
Iorque (à direita, em cima);
Biblioteca Alexandrina, 2001
local há duas grandes piscinas com
enormes quedas de água onde antes
estiveram as torres, e o projecto dos
Snohetta tinha que respeitar todos
esses elementos da envolvente.
“Fomos cuidadosos a falar do que
queríamos fazer, sobretudo com as
famílias das vítimas. E sobretudo ouvimos muito”. Este era um edifício
secundário e tinha que assumir essa
condição. Mas o mais complicado é
a segurança. “Tem mais segurança
do que o maior aeroporto do mundo.
Nada pode acontecer ali. Há tanta
coisa que é preciso ter em conta que
este não pode ser um edifício tão conceptual como outros que fizemos.
Mas vão de facto construí-lo [deverá
estar concluído em 2012] e isso é extraordinário”, diz, com mais uma das
suas sonoras gargalhadas. “Conseguimos comunicar com toda a gente
e não sermos postos fora. Construir
um projecto como este é tão complicado como fazer parte de um processo de paz.”
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 21
NUNO FERREIRA SANTOS
Olha para a
“cena
contemporânea” e sente
poucas coisas:
“as artes
visuais
interessamme muito
pouco, até me
enjoam.
Prefiro viajar
ou ir ao
cinema”
A exposição na Galeria Miguel Nabinho em Lisboa chama-se “Grandes
mestre da literatura policial” e reúne
um conjunto de pinturas feitas para
uma exposição de Pedro Barateiro em
Basel. São cerca de dez obras (carvão
sobre tela pintada) com vistas de cidade e interiores de casas; pinturas
que parecem desenhos atmosféricos.
O título não tem qualquer explicação,
até porque Ana Jotta (n. Lisboa, 1946)
sabe não ter de responder a coisas que
não lhe apetece, como diz. E na conversa com o Ípsilon não lhe apeteceu
explicar o nome da exposição. Um
apetite ao qual se pode acrescentar o
instinto, o humor e a animalidade como as palavras convenientes para a
descrever. Vive da paixão pelo trabalho, o qual diz a ser a coisa mais importante que há e à pergunta se há
vida depois do trabalho responde,
sem hesitação alguma, “claro que
não.”
Numa das novas pinturas lê-se “I
hate your lazy eye” [detesto o teu olho
preguiçoso], a única obra onde existe
uma pessoa, mais do que uma crítica
ao espectador ou ao mundo contemporâneo das imagens, trata-se de
“conversar com o público” porque
para a artista é importante “falar directamente com as pessoas.” Um “falar” que é mais da ordem do provocar: Jotta gosta de provocar sentimentos, experiências, movimentos. E fá-lo
através de uma disciplina rigorosa do
trabalho e de um assumir da sua actividade como magia ou, como gosta
de lhe chamar “feitiçaria.”
“Não me vejo como
artista, nasci assim.
Há pessoas que
nascem com defeitos,
eu nasci com este
de ser artista. Nos
nossos dias as pessoas
estão mais dirigidas
para portfolios
e tecnocracia,
burocracia e eu sou
da velha escola.
Sou uma feiticeira,
uma bruxa ou uma
mágica”
Desde a sua primeira individual
(1985 na EMI – Valentim de Carvalho)
que Ana Jotta é um caso sério na arte
portuguesa. E é-o devido à qualidade
do que faz, à multiplicidade de coisas
que produz e aos diferentes modos
como desenvolve o seu trabalho, isto
é, nunca se sabe o que vai fazer e é
um problema para crítica porque não
consegue com segurança ‘arrumar’
esta artista numa categoria estética.
Podem ser esculturas, pinturas a pastel, óleo, desenhos, ecrãs, instalações, sons. Tudo lhe serve. A condição é a de os objectos feitos por si
conseguirem transportar a energia
que a bruxa-artista usou no seu fabrico.
A magia dos objectos
Diz Jotta: “Eu não faço ‘naturezas
mortas’. O meu trabalho tem de ser
fabricado pelas minhas mãos, porque
só o meu corpo consegue fabricar
aquele objecto que é igual a tantos
outros, mas que por ter sido feito por
mim já não é igual. O meu objecto é
mágico, fala com as pessoas e transmite uma espécie de energia.”
E acrescenta: “Os objectos têm de
ter alguma coisa lá dentro, têm de ser
autónomos. É como nas tribos antigas, os feiticeiros põem umas coisas
‘especiais’ dentro dos objectos que
fabricam e só eles sabem o que está
lá dentro. Acredito que os objectos
têm uma vida própria.”
E é esta vida que guia o fazer da
artista. A magia não significa o resultado final do processo criativo, mas
o modo como o trabalho surge. No
seu caso, trata-se de um processo intuitivo e animal, porque, como diz,
“não tenho ideias, tenho reacções” e
A feiticeira
Ana Jotta não se vê bem como uma
artista, no sentido contemporâneo
do projecto, do portfolio, das insituições e dos financiamentos. Diz: “Não
me vejo como artista, nasci assim. Há
pessoas que nascem com defeitos, eu
nasci com este de ser artista. Nos nossos dias as pessoas estão muito mais
dirigidas para portfolios e tecnocracia, burocracia e eu sou da velha escola. Sou uma feiticeira, uma bruxa
ou uma mágica. Não acredito em santos, nem nessas coisas, mas acredito
no espírito e que sou a mediadora de
uma coisa que nem toda a gente pode
fazer.”
E na folha de sala, escrita por si, a
apresentação da artista-feiticeira cuja
acção e trabalho é fonte de revelações
é ainda tornada mais clara: “já disse
mil vezes, eu sou uma reveladora, por
exemplo como os líquidos nas fotografias; um artista é um criador(a),
não é um autor, uma autoridade. Eu
revelo o que já existe, e que é bem
visível, o espírito; eu revelo/mostro o
espírito, eu Faço o espírito. Evidentemente.” E é este o contexto em que se
deve entender tudo o que diz e faz. Os
seus feitiços é fazer aparecer o espírito onde já só existiam coisas mortas,
e matéria inerte. Fazer o espírito é sublinhar a abundância representada
pela arte num mundo que, como Jotta diz a respeito de uma sua anterior
exposição, é “uma estação rateira” e
nós somos uma espécie de ratos.
A artista-feiticeira
Para Ana Jotta o trabalho é o mais importante que há e a arte é uma forma de transmitir energia e p
22 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
porque é “muito inconsciente e física” e “simplesmente faço coisas.”
Trata-se de uma arte feita por reacção ao mundo entendido enquanto estímulo: “não projecto trabalho.
As minhas séries acontecem e eu nem
sei bem como. É quase como cair um
tijolo na minha cabeça. Com toda a
certeza isso está algures armazenado
em mim, mas eu não sei de onde é
que vem. Não é nada de intelectual,
premeditado ou previsto. Como não
sou opaca, as coisas têm os seus efeitos em mim.”
E essas coisas podem ser tão estranhas como ratos de armas em riste,
como figuras fantásticas ou delírios
sexuais. Mas Jotta gosta de “pintar
coisas clássicas: bairros, casas, casarios, etc.” Um gosto relacionado com
a facilidade que tem em fazer o que
quer, é uma virtuosa: sabe pintar de
todas as formas, usando todos materiais e aplicando todas as técnicas.
Uma facilidade depois traduzida numa enorme polissemia e variedade
de trabalho.
Lutar contra o jeito
Ainda seja uma pintora exímia sabe
bem que “não é o estar bem feito que
faz uma boa pintura.” Diz que a arte
não se ensina: “ninguém me ensinou
a ser artista. Nasci com jeito natural,
a única coisa que fiz foi desaprender
o meu jeito: lutar contra essa facilidade. Podia ter sido uma muito boa
falsificadora: posso pintar em qualquer estilo e em pequena passava
horas a pintar notas de 20 escudos.
Nasci com jeito para falsificadora, o
qual não me serve para nada porque
não é por ai que as coisas ganham
vida.”
Se se fizesse uma exposição imaginária de todos os seus trabalhos
não se conseguiria identificar uma
autoria, mas uma energia comum
entre as coisas tão diferentes que
fez nestes 30 anos de trabalho. Nega a autoria ou autoridade sobre
uma linguagem ou conjunto de coisas, porque “somos feitos de milhares de coisas. E quanto mais sensíveis e inteligentes, mais pedaços
soltos se tem dentro de si.” E é nesta estrutura de fragmentos e diferenças que está a ‘essência’ das coisas que faz.
Dizer que não existe uma obra da
qual se possa dizer ser uma “pura
Ana Jotta” não significa um trabalho
esquizofrénico, porque se se “olhar
bem para os trabalhos percebe-se que
é sempre a mesma pessoa. Quem está desatento pode não o perceber,
mas existe um fio a ligar tudo.”
A inexistência da essência da arte
Jotta não é um modo de errância,
porque para artista o seu trabalho,
por mais indiferente e excessivo que
seja, é sagrado. Sabe que faz “umas
merdas”, mas por serem suas são
“holly shit” (que também é o nome
de uma sua instalação de 2005 em
que a artista fez uma reprodução do
interior do seu atelier): “é tudo um
excesso e um lixo, mas o meu lixo é
sagrado, porque tenho uma fé cega
no trabalho.” E com isto não quer
dizer que seja melhor que os outros,
mas expressa a entrega dada em cada
momento ao seu trabalho.
A fé que diz ter implica uma prática da arte como exercício vital e acto
insubstituível: “a fé é uma vitalidade
ou uma energia que só alguns têm. E
esta é a capacidade destas “coisas”
feitas pelos artistas têm de falar com
as pessoas. São as pessoas que fazem
a continuação das coisas, porque se
o espectador não tiver um sentimento as coisas estão mortas. Só com esta vitalidade a arte se pode manter
viva.”
E é esta falta de vitalidade que diagnostica da arte dos nossos dias. Olha
para a “cena contemporânea” e sente poucas coisas, prefere ir ao cinema: “as artes visuais interessam-me
muito pouco, até me enjoam. Prefiro
viajar ou ir ao cinema. Há um ou outro artista que me dão uma energia
maravilhosa, o que não tem que com
o facto de serem artistas plásticos,
mas sim por haver alguma coisa que
me bate.” Mas é certo que lhe dá mais
“alento ver um filme que uma exposição de artes plásticas.”
Um dia perguntaram-lhe qual era
“o cume da estética” e a resposta rápida e sem hesitações é que “para
mim o cume da estética é uma sala de
cinema às escuras e onde, de repente,
sai a luz de um ecrã.” Portanto, o
cume estético encontra-se num lugar
escuro onde acontecem coisas inesperadas e mágicas: imagens a movimentar-se num ecrã que se parecem
com as pessoas da vida real, feitas de
carne e osso a provocar uma sucessão
de sentimentos, experiências e movimentos internos.
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Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 23
Três pioneiros s
na ordem d
A exposição “Pioneers of the Downtown Scene, New York 1970s”, no Barbican, em
e Gordon Matta-Clark para ilustrar o início do movimento artístico
CAROL GOODDEN
“Man Walking
Down Side
of Building”,
1970
No final dos anos 60, a Pop art estava
na moda e Andy Warhol organizava
festas glamorosas para artistas, socialites e celebridades na Factory em
Union Square, Nova Iorque. Mas vinte
quarteirões a sul, um novo movimento artístico estava a nascer como reacção à industrialização da arte na era
da sua reprodutibilidade técnica.
O movimento artístico da Downtown New York, no SoHo, surgiu como
contraponto ao Minimalismo e à Pop
art, mudando, através da interdisciplinaridade dos seus artistas e de um
poderoso espírito de comunidade, a
percepção da arte contemporânea e
a forma como a entendemos hoje.
“Na altura, o SoHo era um lugar
desolador, devoluto e sem infra-estruturas”, explica Lydia Yee, curadora da exposição no Barbican “Pioneers of the Downtown Scence, New
York 1970s”, dedicada ao trabalho de
Laurie Anderson, Trisha Brown e Gordon Matta-Clark. Antes reduto de fábricas de têxteis e outras pequenas
indústrias, em edifícios de ferro fundido, a zona a sul de Houston Street
era agora um espaço decrépito, abandonado, ideal para artistas que encontraram nos “lofts” enormes, baratos e cheios de luz, o lugar para viver e trabalhar.
A exposição, no Barbican de Londres até 22 de Maio, inclui trabalhos
de Anderson, Brown e Matta-Clark,
documentados por fotografia, vídeo,
24 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Antes reduto
de fábricas de têxteis
e outras pequenas
indústrias,
em edifícios de ferro
fundido, a zona a sul
de Houston Street
era nos anos 70
um espaço decrépito,
abandonado, ideal
para artistas
que encontraram nos
“lofts” enormes,
baratos e cheios de
luz, o lugar para viver
e trabalhar
e instalações, e complementados por
performances diárias de Trisha Brown e Gordon Matta-Clark ao vivo; mas
transcende o espaço da galeria e estende-se a outros eventos no Barbican, como a exibição de filmes, palestras, bem como os concertos de
Laurie Anderson (14 a 17 de Abril).
Numa entrevista publicada no belíssimo catálogo da exposição, Laurie
Anderson explicou como era viver
naquele grupo: “Nova Iorque no princípio dos anos 70 era a Paris dos anos
20. Eu pertencia a um grupo de artistas/pioneiros que incluía Gordon Matta-Clark, Gene Highstein, Susie Harris,
Tina Girouard, Richard Nonas, Dickie
Landry, Phil Glass, Keith Sonnier e
muitos outros escultores e músicos.
Trabalhávamos com frequência nas
peças uns dos outros e as fronteiras
entre as formas de arte eram ténues.
[…] Tínhamos a noção completa de
que estávamos a criar um movimento
completamente novo (mais tarde conhecido como ‘Donwtown’)”.
Estes artistas encontraram no SoHo
inspiração, “recolhendo materiais das
ruas que poderiam vir a ser úteis para os seus trabalhos”, fossem eles
dança, arquitectura, performance,
instalação ou música, explica Yee. Os
seus trabalhos emergem da cidade e
são directamente inspirados por ela,
pelo seu esvaziamento para os subúrbios, pelo abandono, pela crise, pelo
semearam o caos
do SoHo
m Londres, centra-se nas figuras e nos trabalhos de Laurie Anderson, Trisha Brown
o do SoHo em Nova Iorque. Raquel Ribeiro, em Londres
“Woman
Walking
Down
Ladder”, 1973,
Trisha Brown
Em “Roof
Piece” (1973),
Trisha
Browncolocou
12 bailarinos
em telhados
por 8
quarteirões
na Downtown
de Manhattan,
em que o
movimento de
um provocava
o de outro,
como um
efeito de
ricochete
desemprego e pela violência na Nova
Iorque do final dos anos 60. A criatividade do movimento é fomentada
precisamente por essa condição desoladora da cidade, usando, então,
os seus restos, os seus dejectos, o lixo,
para criar o novo e se reinventar, afirmando uma nova identidade artística
colectiva. O movimento “fez os artistas perceberem o que se pode fazer
com a arte e como isso não tem necessariamente a ver com esculturas
de grande escala fabricadas industrialmente”, explica a curadora, o que
pode servir “como inspiração para
uma jovem geração de artistas” que
vivem hoje uma recessão semelhante
àquela dos anos 70.
Trisha, arquitectura do corpo
Quando o grupo começou, de facto,
já Trisha Brown estava a viver em Nova Iorque há uma década e era reconhecida como talentosa bailarina e
coreógrafa. Mudou-se do estado de
Washington para Nova Iorque em
1961, trazendo uma mistura de várias
práticas de dança: acrobacia, jazz,
ballet e sapateado dos seus anos de
adolescente, e o know-how de cursos
com Merce Cunningham, que lhe
mostrou caminhos distintos dos convencionais e lhe apresentou o vocabulário da improvisação. Numa entrevista, Brown explica que “na altur a , e s t av a i n t e re s s a d a e m
improvisação. Muitas pessoas rejei-
tavam-na como não sendo respeitável, mas eu adorava o jogo de problema-solução que esta criava tanto
conceptualmente como no corpo”.
Em Nova Iorque, com Simone Forti e Yvonne Rainer, entre outros,
criou a Judson Dance Theatre, colectivo pioneiro da dança “pós-moderna” inspirada nas criações dissonantes de John Cage, confiando o corpo
à improvisação, retirando a dança
do palco para a rua ou para o centro
da cidade. Em “Roof Piece” (1973),
um dos seus trabalhos mais icónicos,
coloca 12 bailarinos em telhados por
8 quarteirões na Downtown de Manhattan, em que o movimento de um
provoca o de outro, como criando
um efeito de ricochete. “Trisha usa
a cidade como uma tela; ela foi muito influenciada pelas artes visuais
nesse período”, diz Lydia Yee. Brown
trabalhou com artistas plásticos, vídeo e cineastas como Yoko Ono, Robert Whitman e Robert Rauschenberg. Em 1970 fundou a Trisha Brown Company, situando-se na
intersecção entre as comunidades
artísticas ligadas à dança e às artes
visuais.
Outra das peças fundamentais de
Brown, e que terá performances diárias nas galerias do Barbican, é
“Walking on the Wall” (1971). Aqui, os
performers (roupa preta) são suspensos na perpendicular com o auxílio
de cordas, criando duas linhas paralelas caminhando simplesmente sobre uma parede branca. Na época, a
crítica escreveu: “A ilusão provoca
estranheza. As t-shirts são escuras
como as cordas, para camuflagem, e
alguns são excelente caminhantes-deparedes (não há cabelo a cair, nem
cabeças tombadas, e as pernas não
os traem). Por vezes sentimo-nos confusos, parece que estamos numa torre a olhar para baixo vendo corpos
vagueando sem destino num cruzamento.”
Gordon, corpo
da arquitectura
A ideia do corpo conjugado com arquitectura ou desafiando a gravidade,
questionando a sua ordem natural é
também trabalhada pelo arquitecto
e performer Gordon Matta-Clark.
Filho de um pintor surrealista chileno e de uma artista americana, nascido em Nova Iorque, Matta-Clark
cresceu num ambiente artístico apadrinhado por Marcel Duchamp (era
seu padrinho), “movendo-se confortavelmente entre a sua casa Downtown no Greenwich Village e o seu colégio privado em Uptown”, diz Lydia
Yee. Estudou arquitectura inspirado
pelo seu pai que trabalhou com Le
Corbusier em Paris, mas foi sobretudo da fusão entre arquitectura, escultura e artes visuais que surgiram os
seus trabalhos inovadores.
Matta-Clark era efectivamente o centro à volta do qual gravitava toda a comunidade do SoHo, não só ideológico
e social (juntando os artistas e estimulando discussões), mas também físico
(construiu o restaurante, Food, que se
tornou o centro da Downtown).
Na contaminação artística do SoHo,
se Trisha Brown estava a usar o corpo
para desafiar as regras da arquitectura e da gravidade, Matta-Clark queria
trazer a metáfora da dança para a rigidez das paredes e das estruturas.
A dança era a metáfora necessária
a um colectivo que misturava arte experimental e performance. A dança
era posta lado a lado com outras artes, instalações ou escultura, e artistas
visuais eram também convidados a
trabalhar em coreografias.
Carol Gooden, na altura mulher de
Matta-Clark, explicou que “Gordon
estava fascinado com a ideia da comparação – a ideia do que a mente de
um fotógrafo pode contribuir e um
artista contribui; ou o que a mente de
um bailarino produz e um escultor
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 25
“Splitting” (1974), de Gordon
Matta-Clark: partiu a casa em
dois, desmantelando-a por
dentro e deixando a sua
estrutura exterior. Este
trabalho, explicou o artista,
deu-lhe a percepção do que uma
casa “é como um parceiro
perfeito para dançar”
produz quando se lhes pergunta
algo relacionado com dança”.
O objectivo de Matta-Clark era criar
extensões da sua prática artística,
usando comida, consumo, lixo e reciclagem nos seus projectos arquitectónicos; ou questionando (e incluindo)
nas suas criações os restos das estruturas, espaços deixados abertos (metafóricos ou literais) pela construção
de edifícios ou pela sua destruição.
O interesse de Matta-Clark em dança e em escultura fez com que explorasse nos seus trabalhos essa ideia de
ruptura do corpo rígido da arquitectura, em criações como “Open House” (1972), em que um contentor de
lixo industrial é colocado na rua e
temporariamente habitado por performers, bailarinos e transeuntes, e
essa apropriação depois filmada por
Matta-Clark; ou em trabalhos como
“Splitting” (1974), numa casa que lhe
foi cedida, em New Jersey. Gordon
partiu a casa em dois, desmantelando-a por dentro e deixando a sua estrutura exterior. Este trabalho, explicou o artista na época, deu-lhe “a
percepção do que uma casa é, quão
solidamente pode ser construída mas
facilmente movida. É como um parceiro perfeito para dançar.”
Laurie, o corpo
e a forma do som
Anderson cresceu numa grande família nos arredores de Chicago. O seu
trabalho até hoje, lembra em várias
entrevistas, comporta traços desse
legado, como ler a Bíblia aos domingos, estudar violino desde a adolescência: “A minha infância passou-se
ouvindo outros membros da minha
família a contar histórias sobe o que
lhes aconteceu. Até temos canções de
família compostas pelos meus irmãos
gémeos. Toda a gente gostava de brincar com as palavras”.
Depois de estudar biologia na Califórnia, muda-se para Nova Iorque em
1966 para estudar História de Arte na
26 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Universidade de Columbia. Desenhava cartoons político-satíricos para o
“Columbia Daily Spectator”, e participava activamente nas actividades
políticas da universidade – em 1966,
a América aumentava a cada mês o
seu contingente de tropas no Vietname e o país explodia em contestações
sociais, dos negros às feministas.
Anderson começa a frequentar os
ensaios de Philip Glass e conhece Robert Morris e Sol LeWitt. Muda-se
para um loft em Murray Street, onde
realiza o seu primeiro conjunto de
trabalhos, esculturas feitas de jornais,
resina e fibra de vidro. Em 1970, regressa a Columbia para estudar escultura e inspira-se em meditação
budista. Dava aulas de história de arte à noite e nos fins-de-semana em
várias universidades da cidade, e escrevia crítica de arte para revistas e
jornais da especialidade.
Muitos dos trabalhos iniciais de Anderson ganharam forma nas ruas de
Nova Iorque, interagindo com os espectadores, inspirados pelas performances de Brown e Matta-Clark. É
nessa altura que começa a trabalhar
com o escultor Richard Nonas, seu
parceiro durante vários anos. Numa
entrevista, explica que “não era uma
crítica de arte. Era uma espécie de
pessoa perdida a fazer muitas coisas
diferentes. Dava aulas em muitos sítios porque simplesmente adorava
História, mas nunca tive aquele momento de ‘agora sou uma artista’.”
Alguns dos seus trabalhos iniciais,
como “Institutional Dream Series”
(1972-1973), estão no Barbican. Esta
O movimento
artístico da
Downtown New York,
no SoHo, surgiu
como contraponto
ao Minimalismo
e à Pop art, mudando
a percepção da arte
contemporânea
e a forma como
a entendemos hoje
série de fotografias é o cruzamento de
um documento com a performance:
Anderson dormia em lugares públicos
(na praia em Coney Island, num tribunal ou numa rua junto ao porto) para
determinar se o espaço do sono influenciava o espaço do sonho. Foi fotografada nesses locais e mantinha um
diário sobre os resultados dos sonhos.
“A combinação de fotografia e texto,
imagem e história, tornou-se uma marca dos seus trabalhos futuros”, escreve
Lydia Yee no catálogo da exposição. No
texto que acompanha a famosa fotografia de Coney Island, Anderson escreveu: “Consigo ouvir a maré subir. A
água começa a cobrir os meus pés gelados. Não consigo perceber se estou
a dormir ou acordada, por isso mantenho os meus olhos bem fechados.”
As sua investigações em som, dissonâncias com performance e instalação,
bem como as suas performances musicais na rua, interagindo directamente com o público de maneira informal, são alguns exemplos dos trabalhos de Anderson que demonstram
o espírito interdisciplinar e as fronteiras ténues entre as várias artes no
colectivo da Downtown.
A morte precoce de Gordon MattaClark, de cancro no pâncreas, em
1978, marca a dissolução do movimento, ainda que muita da colaboração e da contaminação artística do
colectivo seja o seu legado mais importante na arte contemporânea.
Segundo Lydia Yee, a morte de
Matta-Clark não foi a única razão para a dissolução: “As coisas tornaramse mais formais. Os espaços das galerias, anteriormente geridos por grupos de artistas como base para colegas
que aí queriam trabalhar ou expor,
tornaram-se institucionais, começaram a ter programações e para tal tinham de escrever relatórios, pedir
financiamentos. Isso tornou tudo muito mais burocrático. No final década,
as estruturas voltaram a tornar-se
mais formais, a Laurie teve a oportunidade de gravar com a Warner Brothers, a MTV tornou-se um meio importante, e uma série de factores
voltaram a separar as disciplinas nos
seus campos de especialização. As
galerias tornaram-se comercialmente
muito poderosas nos anos 80, e os
artistas tiveram de questionar-se se
deveriam fazer obras para vender ou
tentar manter três ou quarto diferentes actividades para sobreviver.”
Don DeLillo
Inesperado e poético, “Ponto Ómega”
Pág. 28
Uma documentário
sobre uma amizade
e as contradições
do cinema moderno.
Pág. 27
Toro y Moi
O ritmo interior
de Chaz Bundik,
em “Underneath
the Pine”
Pág. 33
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Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 27
Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Ficção
O vazio
dentro
do coração
Mais uma vez, Don Delillo
surpreende com um livro
inesperado e poético:
reflexões sobre o olhar, o
tempo, o espaço e a morte.
José Riço Direitinho
Ponto Ómega
Don DeLillo
(trad. Paulo Faria)
Sextante Editora
mmmmm
No final do Verão
de 2006,
decorreu no
Museu de Arte
Moderna de Nova
Iorque uma vídeoinstalação do
artista escocês
Douglas Gordon,
intitulada “24
Hour Psycho”, que consistia em
projectar o filme de Hitchcock a um
ritmo de dois fotogramas por
segundo (a esta velocidade a
duração total do filme era de 24
horas). É entre dois momentos
reflexivos sobre esta famosa
projecção (poder-se-á dizer, que em
jeito de “prólogo” e de “epílogo”),
que Don DeLillo (n. 1936) “entala” a
história narrada no seu último
romance, “Ponto Ómega”. Os
críticos americanos dividiram-se
entre considerá-lo um romance
menor (estes foram em grande
número) ou uma “obra-prima”. Não
será difícil de entender a indecisão,
habituados que estavam às reflexões
de DeLillo sobre a vida colectiva
americana – escrevendo sobre
política e poder, terrorismo e
demónios da tecnologia, violência e
arte –, fazendo como que uma
espécie de estudo anatómico pósmoderno das suas obsessões,
dissecando uma mistura estranha de
medos primevos (nas suas variantes
mais neuróticas) e de paranóias
delirantes.
Ora, desta vez, ele vem-nos dizer
– e numa escrita mais depurada e
poética do que nunca – que o que
importa é ter “muita atenção para
vermos o que se passa na nossa
frente”, que é “um esforço
dedicado, para vermos aquilo que os
nossos olhos vão captando”, e que a
densidade das coisas nos passa
facilmente despercebida neste nosso
“hábito superficial de ver”. “O que
ele estava a ver parecia um filme em
estado puro, tempo em estado puro”
28 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Don Delilo:
mais
depurado
e poético do
que nunca
O romance, na sua intimidade, no
silêncio críptico deixado entre as
frases, na propositada ambiguidade,
e ao girar em volta de temas como
tempo, morte e extinção, poderá
simbolizar um “ponto de fuga” na já
extensa obra de DeLillo, em que
numa espécie de dissolução dos
planos de tempo e de identidade
eles se vão depois transformando
em algo de novo que surge para
além do limite da linguagem e das
palavras. “A verdadeira vida não é
redutível a palavras, faladas ou
escritas”.
A acção de “Ponto Ómega”
decorre num deserto californiano.
Há de início duas personagens (mais
tarde junta-se uma terceira, mas
acaba por desaparecer): Richard
Elster, 73 anos, intelectual e erudito
contratado pela administração Bush
para trabalhar com “os metafísicos
das agências de espionagem” e com
os “fantasistas do Pentágono” para
cartografar o conceito da Guerra do
Iraque, que se retira para o “tempo
cósmico” do deserto para pensar; e
há um jovem realizador, Jim Findley,
que tem o projecto de fazer um filme
com Elser, com um único planosequência (uma espécie de “Fog of
War”, que Errol Morris fez com
McNamara?), um homem e uma
parede, com o homem a relatar toda
a sua experiência, o que se lembra,
nomes, teorias, sentimentos; e
apenas “o grande plano de um
rosto”. A determinada altura chega
Jessie, filha de Elster; mas acaba por
desaparecer no deserto; o leitor
sente que o livro se transforma num
“thriller”, mas a mestria de DeLillo
supera a ideia.
Como uma personagem anónima
afirma durante a vídeo-instalação,
“o mais ligeiro movimento da
câmara constituía uma mudança
profunda no espaço e no tempo”,
DeLillo sabe que é isso que quer
mostrar ao leitor, que é ele quem
controla a câmara quando os
silêncios ou os ruídos enchem as
páginas, quando faz desaparecer
personagens e não as traz de volta,
que o vazio que o leitor traz dentro
do coração só pode ser preenchido
pelo próprio leitor, mas que para
isso é necessária toda a atenção do
mundo. “Quanto menos havia para
ver, quanto mais atentamente ele
olhava, mais coisas via. Eis o
propósito. Vermos o que aqui está,
olharmos e sabermos finalmente
que estamos a olhar, sentirmos a
passagem do tempo, despertos para
o que está a acontecer nos registos
mais insignificantes do
movimento.” É nestas frases que
DeLillo parece querer encerrar a
chave deste seu romance. Depois de
terminada a leitura do romance, e à
semelhança de muitos textos
poéticos, é que a imaginação do
leitor começará a dar sentido ao
que não foi dito no livro. A última
frase de “Ponto Ómega” deixa o
mote: “Às vezes, um vento levantase antes da chuva e traz aves que
vogam defronte da janela, aves
espectrais a pairar no dorso da
noite, mais estranhas do que
sonhos.”
A definição de “Ponto Ómega” –
postulada pelo jesuíta francês
Teilhard de Chardin – é (e de modo
muito resumido) o estádio terminal
de consciência suprema, partindo
do princípio que no processo
evolutivo do Universo a matéria
tende para a complexidade e está
alinhada com a consciência. O “fim
do mundo”, que sempre preocupou
DeLillo, é, segundo o filósofo
francês, uma espécie de derrocada
em equilíbrio em que, finalmente, o
espírito se liberta para descansar.
Don DeLillo tornou-se num escritor
apaziguado? A sua próxima obra
responderá à pergunta.
Momo
Os romances de Gary
denotam estima por
escroques, saltimbancos
e desapossados de vária
índole. Eduardo Pitta
Uma vida à sua frente
Romain Gary
(Trad. Joana Cabral)
Sextante
mmmnn
Por causa do
gaullismo que lhe
era imputado,
Romain Gary
(1914-1980) tem
sido
negligenciado na
edição
portuguesa:
menos de meia
dúzia de traduções em dezenas de
títulos. Em Portugal, nem “As Raízes
do Céu”, Prémio Goncourt 1956
traduzido em 1958 à boleia do filme
de John Huston (com Errol Flynn,
Juliette Gréco e Orson Welles),
chegou para impor este judeu
lituano naturalizado francês.
Aviador, resistente anti-nazi em
Londres e no Magreb, várias vezes
condecorado, diplomata durante
vinte anos (entre 1952-54
representou a França nas Nações
Unidas), “bon vivant”, marido da
editora da “Vogue” inglesa e de uma
actriz americana, cineasta bissexto
(dirigiu dois filmes de Jean Seberg,
mãe do seu filho), suicidado com um
tiro na cabeça aos 66 anos, deixou
uma obra pontuada de tragédia,
humor e cinismo. “La Promesse de
l’aube” (1960), autobiografia
CARL DE SOUZA/ AFP
A brutal ironia de Faulks não é suficiente
para o redimir de um pessimismo resmungão
e para insuflar “vida” às personagens que
funcionam como arquétipos
traduzida por Augusto Abelaira em
1962, dá a medida do homem que
nasceu e cresceu em Vilnius, quando
a capital lituana era parte do
Império Russo.
“Uma vida à sua frente” tem
antecedentes curiosos: publicado
em Setembro de 1975 sob o
pseudónimo de Émile Ajar, obteve o
Goncourt desse ano. Assim, Gary
tornou-se o único autor a bisar o
prémio. A verdadeira identidade de
Ajar só foi revelada após a morte de
Gary. Porém, Didier Van Cauwelaert
escreveu em “Le Père adopté”
(2007) que o milieu sabia. Seja como
for, o episódio alimenta a lenda. Os
primeiros livros, publicados entre
1935 e 1937, foram assinados com o
nome de baptismo (Roman Kacew).
O fim da guerra trouxe o primeiro
que assinou como Romain Gary,
“Educação europeia” (1945), saga da
Resistência que Sartre elogiou com
ênfase. Também usou os
pseudónimos de Fosco Sinibaldi
(1958), Shatan Bogat (1974) e Émile
Ajar, autor de quatro romances entre
1974-79. Na posse de todos os dados,
a posteridade tem reavaliado a obra,
corrigindo o tiro inicial
(“réactionnaire”, dizia a margem
esquerda), mas o Robert “des grands
écrivains” ainda o deixa de fora.
Os romances de Gary denotam
particular estima por escroques,
saltimbancos e desapossados de
vária índole. “Uma vida à sua frente”
não constitui excepção. A odisseia
de Mohammed em casa de madame
Rosa, prostituta que sobreviveu a
Auschwitz e se retirou das lides, sem
ter esquecido que “não é preciso ter
razões para ter medo”, ilustra bem
esse universo subversor de códigos e
valores. O jovem Momo, como ela
lhe chama — “Momo” é também o
título da edição em língua inglesa —,
cresce no infantário para filhos de
Por causa
do gaullismo
que lhe era
imputado,
Romain Gary
tem sido
negligenciado
na edição
portuguesa
judias e “toleradas” que madame
Rosa explora na rua Blondel. (Quem
viu o filme de Moshé Mizrahi sabe
que Simone Signoret lhe emprestou
o rosto.) Estamos perto do
imaginário e da dicção de Genet,
sem as atribulações do sexo fora-dalei e o lado negro do “gamin” de
Mettray. Digamos que Momo doseia
a vigarice: “Entrei num salão de chá
para senhoras, devorei dois bolos,
éclairs de chocolate, são os meus
preferidos, perguntei onde se podia
mijar e quando voltei fui directo à
porta, e adeus. A seguir, roubei
umas luvas [...] e fui deitá-las ao lixo.
Soube-me bem.” Afinal, Momo tem
apenas 12 anos. É ele o narrador da
história.
Um narrador apesar de tudo bem
articulado: “A primeira coisa que vos
posso dizer é que morávamos num
sexto andar sem elevador...” (No
original: “La première chose que je
peux vous dire c’est qu’on habitait
au sixième à pied...”) Para um garoto
de Bellevile, sem instrução, rodado
no convívio quase exclusivo de
outros como ele, pode-se dizer que a
narrativa segue o cânone, sem a
pretensão de encenar a realidade,
calão reduzido ao mínimo e ausência
de remissões culturalistas. Momo
não é um produto textual como
outros que chegaram depois dele. É
um rapaz à deriva na Paris do pósguerra: “Os chuis, é o que existe de
mais forte no mundo. Um miúdo
com um pai chui é como se tivesse
duas vezes mais pais do que os
outros.” O tipo de aforismo que fez
escola entre modernos afinal tão
antigos.
É provável que o fio da intriga
remonte à Nice anti-semita dos anos
1930, cidade que o acolheu e à mãe
quando deixaram a Lituânia.
Importa pouco. Momo tem vida
própria.
Realismo “à la carte”
Uma Semana em Dezembro
Sebastian Faulks
(Tradução Ana Baer)
Ed Civilização
mmmnn
“Uma Semana em
Dezembro” de
Sebastian Faulks,
para além de
prender a atenção
desde as primeiras
páginas, pode
funcionar como
manual de
instruções para quem quiser escrever,
aqui e agora, um romance “realista”,
uma vez que possui os ingredientes
certos, reconhecíveis: personagens
“familiares” que aparecem
regularmente na televisão – ou nos
ecrãs dos iPads ou dos telemóveis –
com as preocupações, angústias e
medos que se encontram infiltrados
no tecido individual e social do nosso
quotidiano; um tempo
imediatamente identificável –
perigoso, instável, caótico,
superficial; o espaço de uma
metrópole como Londres –
efervescente, diversificada, antiga e
moderna, decadente e florescente;
uma trama que não provoca
surpresas ou sobressaltos, confinada
a uma janela temporal precisa – sete
dias antes do Natal de 2007; e uma
técnica que ajuda a guiar o leitor e
que consiste em acompanhar os
passos das personagens, cruzando-as
aleatoriamente e fazendo-as confluir
para um final, neste caso pouco
apoteótico – um jantar festivo – que
serve o propósito de encerrar a acção.
Faulks é um romancista e jornalista
inglês que anteriormente se
aventurou por territórios distintos,
em histórias passadas durante as
duas Grandes Guerras e a Guerra
Fria, numa sequela das aventuras de
James Bond à maneira de Ian
Flemming, em biografias, pastiches e
anedotas para a BBC Rádio 4. Em
“Uma Semana em Dezembro”
abalança-se numa réplica às grandes
sátiras sociais e políticas saídas da
pena de escritores como William
Makepeace Thackeray (“Feira das
Vaidades: um Romance sem Herói”,
1847-1848), Tom Wolfe (“Chique
Radical” e “A Fogueira das Vaidades”,
anos 70-80 do século XX) e Alan
Hollinghurst (“A Linha da Beleza”,
2004).
Durante “esta” semana específica de
Dezembro de 2007, em Inglaterra,
Tony Blair já deu lugar ao ensonado
Gordon Brown, o sistema de ensino
evidencia sinais de colapso
catastrófico, os mercados mostram
uma instabilidade aterradora, a
política encontra-se em águas mais do
que lamacentas, a ameaça do
terrorismo islâmico é uma realidade
palpável e a cultura, ou mais
especificamente, a literatura está nas
mãos de agentes, mecenas duvidosos
– há a referência a um prémio literário
financiado por uma cadeia de
restauração especializada em pizzas – e
críticos com propósitos pouco nobres.
Parece-lhe um cenário demasiado
familiar? Pois continue a ler: a mulher
do “político do momento” e
candidato Tory preocupa-se com a
organização do jantar perfeito, os
ricos ocupam-se com o dinheiro e
com as falcatruas correspondentes, o
crítico literário congemina e leva a
cabo vinganças mesquinhas para
afastar a concorrência de um rival
mais novo e mais popular, o
professor do secundário idealista
sofre às mãos dos alunos – feios,
porcos e maus – a jovem condutora
do metro – mulher e da classe
trabalhadora – anda às voltas
“debaixo da terra”, o jihadista
islâmico entretém-se com as acções
do costume a pretexto de servir Deus
e a sua fé, o menino-família viciado
em “reality shows” – este, em
especial, segue as atribulações,
histórias e “expulsões” de um grupo
de doentes mentais fechados numa
casa – apanha pedradas de skunk e
aguenta ressacas monumentais, o
ingénuo e pouco inteligente jogador
de futebol do Leste (polaco) com a
sua namorada espalhafatosa vê-se em
palpos de aranha para se integrar na
equipa, o magnata dos pickles
angustia-se com a cerimónia em que
irá ser condecorado pela rainha,
enquanto a cidade, o poder e os
deuses, observam com olímpica
indiferença o desmoronar de uma
civilização que, supostamente,
deveria ser a mais avançada,
progressista, abundante e esclarecida
de todos os tempos.
Faulks não está interessado em
divagações mais ou menos filosóficas
e prefere a narrativa pura e dura dos
acontecimentos. No Reino Unido há
já quem clame que este é um ”roman
à clef”, o que obviamente significa
que cada personagem equivale a
alguém bem real – por exemplo, o
jovem crítico Alexander Sedley seria
uma cópia do bem conhecido e
polémico James Wood – e Londres
assume, mais uma vez, o seu estatuto
de cidade/personagem (à semelhança
do que acontece em “Sábado” de
McEwan e em “Tempestade” de
William Boyd), rivalizando com Nova
Iorque que sempre foi uma estrela
com lugar cativo na imaginação de
romancistas e poetas como Walt
Whitman, Scot Fitzgerald, Edith
Wharton, J.D. Salinger, Jay McInerney
e Don DeLillo. No entanto, Faulks
pouco faz para criar a atmosfera
melancólica da “cidade irreal” que
T.S. Eliot cantou, para seguir o rasto
das vielas e das mansardas dos
romances de Dickens ou para
acompanhar as reflexões de Henry
James ou Bernard Shaw. A Londres
contemporânea assume-se como
retocada, ampliada e degradada por
diversas operações de cosmética e os
velhos mitos e fantasias que
alimentaram uma relação intensa
com a literatura e as artes em geral feita de apreciação estética e a
vertente ética – desaparecem para
dar lugar a um labirinto caótico onde
se evidenciam diferenças sociais,
raciais, religiosas e de género, bem
disfarçados por detrás de fachadas
exuberantes e de vidas
aparentemente desafogadas.
A brutal ironia de Faulks não é
suficiente para o redimir de um
pessimismo resmungão e para
insuflar “vida” às personagens que
funcionam como arquétipos: os
jovens sem ideais nem rumo, o
financeiro corrupto e amoral, o
intelectual árido e cabotino, as
mulheres fúteis e desinteressantes, o
advogado de causas perdidas, os
detentores de fortunas recentes que
não sabem integrar-se no “jet set”, o
terrorista estúpido, etc. As horas dos
sete dias destas personagens são
preenchidas com relatos retirados das
páginas dos jornais ou das coberturas
televisivas mostrando como é fácil,
com uma consulta rápida na net, ficar
ao par, e até avançar com opiniões,
sobre todo e qualquer assunto. Por
exemplo, acompanhar John Veals, o
gestor de fundos, equivale a uma dose
maciça de leitura do “Economist” e
do “Financial Times”, uma vez que
são fornecidos os detalhes de todo o
tipo de transacções financeiras e de
manipulação de operações com
nomes tão “poéticos” como “ratings”,
“swaps”, “gilts”, “shortings”, etc.
Ficamos também esclarecidos quanto
à prática do “bullying” e à indigência
no ensino ou, ainda, ficamos
informados da pobreza de espírito
que preside ao universo literário e
editorial, na pessoa do repugnante R.
Tranter. A óbvia e insistente
referência à leitura e aos livros – o
novo rico que precisa de “lições” de
literatura, os clubes de leitura para
donas-de-casa enfastiadas e solitárias,
a leitura do Corão como guia, a
necessidade de convidar
“intelectuais” para o jantar – e a
metáfora da condutora do metro que
cruza a cidade em todos os sentidos,
carregando as existências ténues e
pouco heróicas de toda esta gente,
não são suficientes para emprestar
fulgor a esta história hábil que é um
retrato fiel de um certo universo que
nos é familiar, mas que peca por
falhas de ritmo e pela insípida
caracterização das personagens
encerradas em espaços restritos e
sufocantes. O jantar final, organizado
pela mulher do deputado a necessitar
de apoios para a sua carreira – a lista
dos convidados e a estratégia dos
lugares ocupa grande parte do seu
tempo – demonstra a preocupação
em juntar à mesma mesa os
representantes das várias áreas da
sociedade, misturando a alta e a baixa
cultura, os mais e os menos ricos, os
mais velhos e os mais novos,
caricatura perfeita de uma pretensa
elite, amarrada ao vazio da sua
existência. Helena Vasconcelos
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 29
Teatro
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
“Missa do Galo” em Matosinhos
Um trabalho
que rouba
a alma
“Hilda” encena uma história
de subordinação social e
afectiva entre uma dona de
casa da classe média-alta e a
sua empregada doméstica.
Cláudia Carvalho
Hilda
De Marie Ndiaye. Encenação de Cilla
Back. Com Minna Haapkylä, Robert
Enckell, Johanna Jauhiainen.
Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno
Auditório. Pç. Império. De 17/03 a 19/03. 5ª a Sáb. às
21h. Tel.: 213612400. 10€ a 12,5€.
PETRI KOVALAINEN
Hilda é figura quase ausente
em “Hilda”: a história é contada
pelo seu marido, Frank, e pela
senhora Lemarchand
“Hilda”, que vai estar em cena no
Centro Cultural de Belém a partir de
quinta-feira, é uma peça escrita pela
romancista e dramaturga francosenegalesa Marie NDiaye, e encenada
pela finlandesa Cilla Back. A história
retrata a obsessão da Senhora
Lemarchand, uma mulher rica, que
se apodera da nova empregada
contratada não só para cuidar da casa
mas também dos seus três filhos.
A Senhora Lemarchand é uma
dona de casa da classe média-alta,
que ao contratar Hilda para sua
empregada doméstica não perde
tempo em estabelecer as regras em
casa. Entre elogios e chantagens,
passando pela sedução, são muitos
os jogos mentais usados pela patroa
para conquistar a empregada,
pressionando-a em tudo o que faz e
centrando a vida de Hilda em torno
“Kabaret Keuner e Outras
Histórias” nas Caldas da Rainha
apenas das suas necessidades. A
Senhora Lemarchand conduz assim
a inocente Hilda a uma armadilha
sem escapatória, apoderando-se do
seu corpo e da sua mente.
“O que vemos em Hilda são jogos
muito poderosos e que acabam por
retratar um pouco da mentalidade
moderna. A peça retrata as
neuroses, os medos, as obsessões, o
niilismo e a vontade de controlar
que define o indivíduo burguês”,
explicou a encenadora Cilla Back ao
Ípsilon, ao telefone desde Berlim,
acrescentando que estás histórias
conseguem ser sempre actuais. “Os
humanos nunca mudam e estas
questões sociais estão sempre em
discussão.”
Apesar de ser o tema principal da
peça, Hilda é uma personagem
silenciosa, ausente e quase
inexistente. A história é contada
através da Senhora Lemarchand e
do marido de Hilda, Frank, um faztudo que luta para sustentar a sua
família.
A encenadora Cilla Back traz à
cena uma história sobre a
subordinação social e afectiva,
contada com um humor absurdo.
“Hilda” (1999) é o único texto
inteiramente dialogado – e, por isso,
normalmente representado em
teatro – de Marie NDiaye, vencedora
do Prémio Goncourt em 2009.
“O que me fascina em Hilda é
precisamente esta experiência de
identificação, a perda de distância
em relação às personagens e suas
actividades. Marie NDiaye não deixa
que o espectador se distancie e
rejeite os acontecimentos. A
intensidade da peça é baseada neste
sentimento inquietante e assustador
de familiaridade que as personagens
evocam”, conclui a encenadora.
“Holiday”, dos irmãos Cortese,
em Lisboa
Agenda
Teatro
Pç. D. Pedro IV. Até 20/03. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.
às 16h15. Tel.: 213250835. 6€ a 12€.
Estreiam
Caminhos
De Truman Capote. Encenação de
Joana Brandão. Com Joana Brandão.
Exactamente Antunes
De Jacinto Lucas Pires. Encenação
de Cristina Carvalhal, Nuno
Carinhas.
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De
17/03 a 17/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
223401910. 7,5€ a 16€.
Kabaret Keuner e Outras
Histórias
De Bertold Brecht. Pelo Teatro da
Rainha. Encenação de Fernando
Mora Ramos. Com José Carlos Faria.
Caldas da Rainha. Teatro da Rainha - Sala-Estúdio.
Tv. Acipreste, 20 - 3º Dto. De 12/03 a 27/03. 6ª a
Dom. às 21h30. Tel.: 262823302. 7,5€.
Holiday
De Raimondo Cortese. Pelo Ranters
Theatre. Encenação de Adriano
Cortese.
Lisboa. Culturgest R. Arco do Cego. De 17/03 a
19/03. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.
Frida Frida
De Monica Garcez. Pela Karnart.
Encenação de Luís Castro.
Lisboa. Galeria Monumental. Cp. Mártires da
Pátria, 101. De 16/03 a 3/04. 4ª a Dom. às 22h. Tel.:
213466411.
Cemitério dos Prazeres
Pela Companhia do Chapitô.
Encenação de John Mowatt.
Missa do Galo
De Carlos Tê, Manuel Paulo.
Encenação de Luisa Pinto.
Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av.
Serpa Pinto. Até 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às
16h. Tel.: 229392320. 7,5€.
Vida de Artista
De Luísa Costa Gomes. Encenação de
António Pires.
Lisboa. Teatro do Bairro. R. Luz Soriano, 63. Até
26/03. 4ª a Sáb. às 21h. Tel.: 213473358. 12,5€.
A Acácia Vermelha
De Manuel Poppe. Pelo Teatro
Art’Imagem. Encenação de
Valdemar Santos.
Porto. Teatro Latino. R. Sá da Bandeira. Até 13/03.
3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 222003051. 5€.
Brilharetes
De Antonio Tarantino. Pelos Artistas
Unidos. Encenação de Jorge Silva Melo.
Sintra. Espaço Reflexo. Av. Heliodoro Salgado, 41 1º Fundo. De 11/03 a 12/03. 6ª e Sáb. às 22h. Tel.:
214213188. 3€.
Lisboa. Chapitô. Costa do Castelo, 7. De 17/03 a
24/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 7,5€ a 12€.
Dança
Vitória
De Athol Fugard. Pelo Teatro dos
Aloés. Encenação de José Peixoto.
Estreiam
Amadora. Espaço Cultural Recreios. Av. Santos
Mattos, 2. De 16/03 a 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30.
Dom. às 16h. Tel.: 214927315.
D. Pura e os Camaradas de Abril
De Germano de Almeida. Pelo
Teatro das Beiras. Encenação de
Pompeu José.
Covilhã. Teatro das Beiras. Tv. Trapa, 2. De 11/03 a
18/03. 3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 275336163. 6€.
Rosas Danst Rosas
De Anne Teresa de Keersmaeker.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 12/03.
Sáb. às 22h. Tel.: 253424700. 12,5€.
GUIdance.
Ver texto na pág. 18 e segs.
entre todas as coisas
De Teresa Prima.
Continuam
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 16/03.
4ª às 22h. 5ª às 11h. Tel.: 253424700. 5€.
A Philosophia do Gabiru
De Nelson Guerreiro, a partir de
Raul Brandão. Encenação de Martim
Pedroso.
Romeu e Julieta
De John Cranko. Pela Companhia
Nacional de Bailado.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei
Miguel Contreiras, 52. Até 14/03. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às
21h30. Dom. às 18h. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.
Mansarda
Pelo Circolando. Encenação de
André Braga, Cláudia Figueiredo.
Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal.
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 12/03 a 13/03.
Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€.
1974
Pelo Teatro Meridional. Encenação
de Miguel Seabra.
Bragança. Teatro Municipal de Bragança. Pç
Cavaleiro Ferreira. Dia 12/03. Sáb. às 21h30. Tel.:
273302740. 7€.
A Cacatua Verde
De Arthur Schnitzler. Pelo Teatro da
Cornucópia. Encenação de Luis
Miguel Cintra.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.
Pç. D. Pedro IV. Até 27/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom.
às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€.
Azul Longe nas Colinas
De Dennis Potter. Encenação de
Beatriz Batarda.
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio.
30 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Almada. Teatro Municipal - Sala Principal. Av.
Professor Egas Moniz. Até 13/03. 4ª a Sáb. às 21h30.
Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 12€.
Lisboa. Teatro da Trindade - Sala-Estúdio. Lg.
Trindade, 7 A. De 17/03 a 10/04. 4ª a Sáb. às 21h45.
Dom. às 17h. Tel.: 213420000. 8€.
GUIdance.
Lisboa. Teatro Camões. Parque das Nações. Tel.:
218923470. 5€ a 25€.
Dervish
De e com Ziya Azazi.
Guarda. Teatro Municipal da Guarda. R. Batalha
Reis, 12. Dia 12/03. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241.
Continuam
Product of other circumstances
De e com Xavier Le Roy.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 16/03 a
18/03. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.
Electra + A Sagração da
Primavera
De Olga Roriz.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 17/03.
5ª às 22h. Tel.: 253424700. 12,5€.
GUIdance.
Mapacorpo
De Amélia Bentes, Lia Rodrigues.
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Dia 11/03.
6ª às 22h. Tel.: 253424700. 7,5€ a 10€.
GUIdance.
Concertos
Isto é
?
Jazz?
Pop
Música
é liberdade
!Calhau! e Sistema Tango no
encerramento do programa
Arte, Política, Globalização,
em Serralves. Pedro Rios
!Calhau!
Porto. Feira da Vandoma.
a. Alam. Fontaínhas.
Amanhã, às 11h.
Sistema Tango
Porto. Auditório de
Serralves. R. Dom João dee
Castro, 210. Dom., 13, às 22h.
Tel.: 226156500. 5€.
Programa Arte,
Política, Globalização.
ação.
É o grande final do
o
programa “Arte, Política,
Globalização”, ciclo
clo paralelo à
exposição “Às Artes,
es Cidadãos”,
Cidadãos” que,
que
desde Novembro do ano passado,
pôs os visitantes de Serralves a
pensar nas múltiplas linhas de
cruzamento entre a arte e a política.
Marta Ângela e João Alves, os
!Calhau! (o nome do projecto muda
de concerto para concerto, de microedição para micro-edição, mas gira
sempre em torno da entidade
“calhau”), levam amanhã a sua
música à Feira da Vandoma, uma
instituição portuense da venda de
coisas usadas. Duo multidisciplinar,
os !Calhau! movimentam-se com o
mesmo à vontade nas áreas da
música (ruidosa e surreal), da
performance e das artes plásticas,
cruzando-as. Já os vimos, por
exemplo, num bar de hotel do Porto
a accionar geradores de som apenas
com os pés (de mãos atadas e com
muita fé no que haveria de surgir
dali). Têm novo disco (“Quadrologia
Pentacónica”), mas cada concerto é
um acontecimento imprevisível - o
que é que
q
q irão fazer no meio dos
vendedores da Vandoma?
No domingo, o último dia da
exposição, há Sistema Tango, que se
apresenta em trio com o cantor de
flamenco Tomás de Perrate, o
saxofonista Juan M. Jiménez e o
pianista Daniel B. Marente.
Acreditam que a abertura estilística
que gente como Astor Piazolla e
Polaco Goyeneche trouxeram para o
tango não foi suficiente explorada. O
concerto incluirá uma peça escrita
especialmente para o programa da
exposição e uma versão especial de
“Estranha Forma de Vida”, de Amália
Rodrigues, para além de temas de
Piazzola, Virgilio Expósito (um
anarquista),
(um
a
a qu sta), Kurt
u t Weill
e (u
socialista), Stravinski
e Shostakovich. O
tango é, está
visto, um
estado de
espírito.
A soprano
Measha
Bruggergosman
interpretará
“Recital I
(for Cathy)”,
de Berio
A
Abstracção
p
pura,
conceptualismo
co
noise e um
uma
ausê
total ausência
de
preconcei
preconceitos
musicais.
É isto que podemos
esperar do encontro,
domingo à noite, no
Pequeno A
Auditório
Culturg
da Culturgest,
entre
guitarris Luís
o guitarrista
s
Lopes e o saxofonista
G
Jean-Luc Guionnet.
Personalid
Personalidades
d um jazz (?)
maiores de
europeu que persiste
em crescer e afirmar
a sua independência
estética, Lopes e
Guionnet partilham
uma enorme atracção
pelo risco e pela
aventura musical,
orpo
dedicando-se de corpo
ca
e alma a uma música
que é sinónimo de
etes
liberdade. Os bilhetes
ais
para o concerto, mais
um do Ciclo Isto é
o
Jazz?, custam cinco
euros.
Clássica
Conversas
entre os
séculos XX
e XXI
Na Gulbenkian, o Ensemble
Intercontemporain cruza
Interco
clássicos do século XX com
clássico
criações recentes. Cristina
criaçõe
Fernandes
Fernan
Ensembl
Ensemble Intercontemporain
Direcção Musical de Peter Eötvös.
Measha Bruggergosman
Com Mea
(soprano).
(sopran
Lisboa. F
Fundação Calouste Gulbenkian Grande Auditório. Av. Berna, 45A. 3ª, 15, às
21h. Tel.:
Te 217823000. 12,5€ a 25€.
Obr de Mantovani, Ligeti,
Obras
Eötvös e Berio.
Eöt
Criado por Pierre Boulez em 1976, o
Ensemble Intercontemporain
rapidamente adquiriu um estatuto
mítico na interpretação da música da
segunda metade do século XX. No
século XXI permanece como uma
referência mundial e, em paralelo
com a encomenda e a interpretação
de novas obras, tem alargado a sua
actividade à colaboração com outras
áreas artísticas (dança, teatro,
cinema, vídeo e artes plásticas) e
investido em acções pedagógicas.
Este agrupamento, com residência na
Cité de la Musique de Paris, visitou já
várias vezes a Fundação Gulbenkian
e está de regresso para mais um
concerto na próxima terça-feira, dia
15. O programa inclui obras
fundamentais de duas figuras
tutelares da música do século
passado, como o “Concerto de
Câmara”, de Gyorgy Ligeti, e “Recital
I (for Cathy)”, de Luciano Berio, peça
estreada em 1972 na sequência de
uma encomenda da Gulbenkian e
criada a pensar na versatilidade e nas
capacidades vocais e teatrais de
Cathy Berberian, com quem o
O que irão fazer os !Calhau!
no meio dos vendedores
da Vandoma?
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 31
Concertos
Joan as a Police Woman
de Tróia a Guimarães
O uzbeque Eldar Nebolsin cruza o virtuosismo e a poesia na sua relação com o piano
compositor italiano foi casado.
Desta vez “Recital I” será
interpretado pela canadiana Measha
Bruggergosman. Estas duas
composições alternam com páginas
do francês Bruno Mantovani (n. 1974)
e do húngaro Peter Eötvös (n. 1944),
dois importantes compositores da
actualidade, de diferentes gerações.
Do primeiro será possível ouvir “Les
Danses Interrompues” e do segundo
“Snatches of a Conversation”, uma
obra que evoca livremente a
experiência do cruzamento no
espaço sonoro das várias conversas
que se podem ouvir num café.
Peter Eötvös será também
responsável pela direcção do
concerto. Nascido na Transilvânia,
tem desenvolvido uma notável
carreira como maestro (à frente de
formações como as Orquestras
Sinfónicas da BBC, da Rádio de
Estugarda e de Gotemburgo) em
paralelo com a composição. Em 1978,
a convite de Pierre Boulez, dirigiu o
concerto inaugural do IRCAM e foi
posteriormente nomeado director
musical do Ensemble
Intercontemporain, cargo que
desempenhou até 1991. Entre as suas
composições mais relevantes
encontram-se, por exemplo,
“Chinese Opera”, “Psychokosmos”,
“Atlantis”, “ Two monologues” e as
óperas “Three sisters”, “Le Balcon” e
“Angels in America”. Uma hora antes
do concerto, às 20h, dará uma
conferência no Auditório 2.
Lopes-Graça segundo Nebolsin
Orquestra Sinfónica do Porto Casa
da Música
Direcção Musical de Matthias
Bamert. Com Eldar Nebolsin (piano).
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, Hoje, às 21h. Tel.: 220120220.
Obras de Rossini, Lopes-Graça e
Brahms.
As primeiras gravações de Eldar
Nebolsin, dedicadas respectivamente
a Rachmaninov e Liszt (Naxos, 2007 e
2009), foram recebidas com grande
entusiasmo da crítica e do público,
dando consistência uma carreira de
sucesso, que já se adivinhava quando
este jovem pianista nascido em 1974
no Uzbequistão foi distinguido com
os primeiros prémios dos concursos
internacionais de Santander (1992) e
AGENDA CULTURAL FNAC
entrada livre
AO VIVO
THE GLOCKENWISE
Sviatoslav Richter (2005). Intérprete
que combina o poder do virtuosismo
com a dimensão poética da música,
nas palavras de um dos críticos da
revista “Gramophone”, Nebolsin
iniciou os estudos musicais aos cinco
anos na sua cidade natal e formou-se
na Escola Superior Reina Sofia de
Madrid na classe de Dmitri Bashkirov.
Esta noite, às 21h, toca o Concerto
para Piano nº1, de Fernando LopesGraça, com a Orquestra Sinfónica do
Porto, sob a direcção de Matthias
Bamert.
Lopes-Graça escreveu o seu
Concerto para Piano nº1 em Lisboa,
após o regresso de Paris, onde viveu
e estudou entre 1937 e 1939. A obra,
distinguida com o primeiro prémio
de composição do Círculo de Cultura
Musical em 1940, combina
influências do impressionismo
musical francês com matrizes da
música tradicional portuguesa, pilar
essencial da linguagem do
compositor. Também para esta
temporada, está prevista a
interpretação do Concerto nº2 do
compositor português, com vista a
uma futura gravação. O programa de
hoje inclui ainda duas obras
orquestrais: a Abertura “La Gazza
Ladra”, de Rossini, e a célebre
Sinfonia nº4, de Brahms. O concerto
será precedido por uma palestra pela
musicóloga Teresa Cascudo, autora
de uma tese de doutoramento sobre
Lopes-Graça. C.F.
Jazz
Na tradição
dos grandes
Kurt Elling
Com Kurt Elling (voz), Laurence
Hobgood (piano), Ulysses Owens Jr
(bateria), Harish Raghavan
(contrabaixo), John McLean (guitarra).
Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. Império. 4ª, 16,
às 21h. Tel.: 213612400. 15€ a 25€.
Castelo Branco. Cine-Teatro Avenida. Av. General
Humberto Delgado. 5ª, 17, às 21h30. Tel.:
272349560. 12€.
Todos aqueles que dedicaram algum
tempo a ouvir cantores como Frank
Sinatra,
a, JJimmy
y Scott, Mark
a Murphy,
u p y,
Jon Hendricks
endricks ou Tony
Bennett
ett sabem qual o
poderr de uma
determinada
minada forma
de frasear
sear as notas,
de uma
ma articulação
que tem
em tanto de
rigor como de
mágico
co e
profundamente
ndamente
emocional.
ional. Kurt
Elling é
actualmente
lmente o
cantorr que
melhor
or
Agenda
Sexta 11
Maria Gadú
Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. Império, às 21h.
Tel.: 213612400. 20€ a 40€.
Julianna Barwick + Diamond
Gloss
Coimbra. Oficina Municipal do Teatro. R. Pedro
Nunes, às 23h. Tel.: 239718238. 10€.
Arthur Doyle
Porto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às
22h. Tel.: 222058351. 5€.
Glass Candy
32 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às
17h30 e 21h30. Tel.: 220120220. 17,5€.
Maria Gadú
Porto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 22h. Tel.:
707100021. 25€.
Segunda 14
Orquestra Buena Vista Social
Club feat. Omara Portuondo
Katie Melua
Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96,
às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 50€.
Joan As Police Woman
Tróia. Casino. Marina de Tróia, às 21h30. Tel.:
265498000. 10€.
Dead Combo & Royal Orquestra
das Caveiras
Arcos de Valdevez. Casa das Artes. Jardim dos
Centenários, às 23h. Tel.: 258520520. 8€.
Rodrigo Leão
Guimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D.
Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 5€.
Zeca Medeiros
Sines. Centro de Artes de Sines. R. Cândido dos Reis,
às 22h. Tel.: 269860080. 10€.
The Legendary Tigerman
Águeda. Cine-Teatro São Pedro. Lg. Dr. António
Breda, às 21h30. Tel.: 234622837. 10€.
Os Golpes
Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç.
Republica, 39, às 21h30. Tel.: 245307498. 8€.
Linda Martini + Filho da Mãe
Viana do Castelo. Café do Teatro. Rua Sá Miranda,
às 22h30. Tel.: 917532256. 10€.
David Fonseca
Os Golpes + Samuel Úria
Quinta 17
Torres Novas. Teatro Virgínia. Lg. São José Lopes dos
Santos, às 21h30. Tel.: 249839309. 5€.
Gala Drop + Bandidos
Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às 0h.
Tel.: 213430107. 10€.
Rita Redshoes
Vila Real. Teatro de Vila Real - Grande Auditório.
Alam. Grasse, às 21h30. Tel.: 259320000. 12€.
Lisboa. Teatro Tivoli. Av. Liberdade, 182, às 21h30.
Tel.: 213572025. 20€ a 30€.
Krissy Matthews Band
Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç.
República, às 21h30. Tel.: 239855636. 12€.
Coimbra em Blues.
Loulé. Cine-Teatro Louletano. Av. José da Costa
Mealha, às 21h30. Tel.: 289400820. 8€ a 10€.
Estarreja. Cine-Teatro Municipal. R. Visconde de
Valdemouro, às 21h30. Tel.: 234811300. 15€ a 18€.
Adolfo Luxúria Canibal + António
Rafael: Estilhaços
Hermeto Pascoal
Ílhavo. CC de Ílhavo. Av. 25 de Abril, às 22h. Tel.:
234397260. 10€.
Melingo
Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian - Grande
Auditório. Av. Berna, 45A, às 19h. Tel.: 2178
217823000.
15€ a 20€.
Katie M
Melua
Lisboa. Pr
Praça de
Touros. Ca
Campo
Pequeno, às 21h.
217820575.
Tel.: 217
2
22,5
€ a 75€.
22,5€
Sábado 12
Fátima Miranda
Joa As
Joan
Police
Po
Woman
Wo
Lisboa. Culturgest - Grande Auditório.
o.
R. Arco do Cego, às 21h30. Tel.:
217905155. 5€ a 18€.
Ver texto na pág. 16.
Ao vivo, Kurt Elling é um “crooner” impressionante
The Gift
Joan As Police Woman
Zeca Medeiros
Lisboa. Fundação Gulbenkian - Grande
de
Auditório. Av. Berna, 45A, às 19h. Tel.:
.:
217823000. 10€ a 20€.
personifica
personifica essa tradição, a
de pegar num tema de
alguém e o
Joan As Police Woman
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de
Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 5€.
Domingo 13
Espinho. Auditório de Espin
Espinho.
nho. Rua 34,
Quarta 16
Eduard Stan
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.
Francisco Sá Carneiro, às 22h. Tel.: 219107110. 15€.
Melingo
Porto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 22h.
Tel.: 707100021. 15€.
Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim, 19,
às 21h30. Tel.: 261338131. 15€.
Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos - Salão Nobre.
Lg. S. Carlos, 17, às 18h. Tel.: 213253045. 10€.
Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. Barroc
Barroca,
ca, 59, às 23h.
Tel.: 213430205. 8€.
Joan As Police Woman
David Fonseca
Laurent Filipe & António
Zambujo
Julianna Barwick + Magina
Mag
gina
Terça 15
Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e
Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 21h30.
Tel.: 253547028. 15€ a 20€.
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Direcção Musical de Pedro Neves.
The Swingle Singers e
Orquestra Gulbenkian
Direcção Musical de François-Xavier
ois-Xavier
Roth.
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.:
223394947. 20€ a 55€.
Palmela. Cine-Teatro S. João. R. Gago Coutinho - Sacadura Cabral, às 21h30. Tel.: 212336630. 15€ a 20€.
Tomar. Cine-Teatro Paraíso. Rua da Infantaria, 15,
às 21h30. Tel.: 249329190. €12,5 a €15.
17.03. 22H00 FNAC GAIASHOPPING
Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt
884, às 21h30. Tel.: 227340469. 20€.
Melingo em
Espinho
e Lisboa
Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras
- EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 11€ a 15€.
Os Golpes + Samuel Úria
Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo
Cortez Pinto,
into, às
21h30. Tel.:
244834117.
17. 7,5€.
Sei
Miguel
el
Unit
Core
Lisboa.
Galeria Zé dos
Bois. R.
Barroca,, 59, às
22h. Tel.::
213430205.
05. 5€.
Miyavi
vi
Lisboa. Café
Teatro Santiago
antiago
Alquimista.
sta. R.
Santiago,
o, 19, àss
21h30. Tel.:
03.
218884503.
20€.
Lisboa. Casino
Lisb
Lisboa.
Lisbo Alam.
Oceanos,
Ocean às
21h30. Tel.:
218929070.
2189290 20€.
David
Fonseca
Fonsec
Porto. Cas
Casa da
tornar sseu, cantando-o com uma
intensidade,
uma alegria e uma
intensid
espontaneidade
que nos fazem entrar
esponta
por
no espírito do tema.
p r completo
po
co
Possuidor
de uma extraordinária
Possu
técnica
técn vocal, que nunca
sobrepõe
ao equilibrio de cada
sob
canção,
Elling é particularmente
can
impressionante
ao vivo,
im
deixando
as suas plateias
de
sideradas
por uma mistura
sid
explosiva
de crooning, hardex
Julianna Barwick
na ZdB
swinging e scat (melodia improvisada
apenas com sons). Ao vivo em Lisboa,
dia 16, e em Castelo Branco, dia 17,
num espectáculo em que apresentará
o seu mais recente álbum, “The
Gate”, Elling conta com uma primeira
parte pelo Quinteto de Joana
Machado, uma das mais interessantes
cantoras nacionais, aqui numa
apresentação do seu mais recente
projecto, “Travessia dos Poetas /
Rosapeixe”. Rodrigo Amado
Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
O ritmo
interior
Canções dinâmicas que
nem por isso deixam de ser
introspectivas.
Vítor Belanciano
Toro Y Moi
Underneath The Pine
Carpark Records, distri. Flur
mmmmn
Ideia solitária
desenvolvida pelo
americano Chaz
Bundick, a partir
da Carolina do
Sul, eis que chega
o segundo álbum de Toro Y Moi.
Quando foi editado o primeiro,
“Causers Of This”, foi conotado com
a vaga de projectos que nascem de
um só homem e do seu afecto pelas
máquinas, como Neon Indian,
Washed Out ou Memory Tapes. Ou
seja, gente que cria ritmos e toda a
sua organização espacial e temporal
com muito clima estival à mistura.
Quem o tivesse visto ao vivo
percebia que, no entanto, as
ambições de Chaz Bundick não se
restringiam à pop sonhadora
ancorada na tecnologia portátil.
“Underneath The Pine” é outra
coisa. Não só porque sonicamente
opta por um tipo de aproximação
mais orgânica e instrumental,
criando uma sonoridade menos
compactada e tecnológica, sem
‘samples’, como agora as suas
rreferências
re
f rê
fe
r nc
ncias são outras,
concentrando-se
conc
co
ncentrando-se em
linguagens
lliing
n uagens de fronteira
front
da
d
a passagem da
década
para a
década de 70 par
de
de 80, como o ‘disco’
‘di
contaminado
pelo
contaminado pel
jazz-funk
canções
ja
ou canç
pop electrónicas dos
d
anos 80, de movimento
movim
rítmico sincopado e
cadencial, que os
entendedores
entendedore
agora
denominam como “boogie”.
Na verdade trata-se de mais um
daqueles discos dos dias de hoje que
parecem carregar consigo uma série
de influências à flor da pele, mas
que depois de ouvidos não são fáceis
de cartografar. Há harmonias na
esteira dos Beach Boys, linhas
sintéticas de funk que Dâm-Funk
não se importaria de ter desenhado,
figuras rítmicas “disco” orquestradas
como Arthur Russell poderia ter
feito ou mensagens de jazz
alienígena que Herbie Hancock
poderia ter lançado nos seus
melhores dias. Dito assim, parece
um disco dançável, de grande
balanço rítmico, mas não. Não é que
essa vivacidade rítmica não se faça
sentir, mas nitidamente não se trata
de obra virada para o exterior.
Não parece, de todo, que a intenção
tenha sido essa. É antes o tipo de
álbum que encontrou o seu ritmo
interior, expondo canções dinâmicas
que nem por isso deixam de ser
introspectivas, feitas de uma superfície
luxuriante, dominada por camadas de
teclados. E isso é muito bom.
Mineiros de Athens
R.E.M.
Collapse Into Now
Warner
mmmnn
Nada como baixar
as expectativas.
“Around the Sun”
(2004) e
“Accelerate”
(2008) mostraram
que também os
R.E.M. eram capazes da absoluta
irrelevância artística. A banda da
qual todos dizíamos à boca cheia ser
incapaz de fazer um mau disco não
chegava exactamente a um nível de
mediocridade gritante, antes parecia
estar a ser lentamente engolida pelo
chão e a desaparecer do nosso
campo de visão/audição. Deixaria de
existir sem que déssemos por isso.
Seria consumida pelas suas próprias
canções requentadas, traria
constantemente aquela sensação
que se tem em jantares/festas de que
ouvi-los seria estarmos a
desperdiçar-nos na conversa errada.
Os R.E.M. caminhavam para uma
situação inimaginável há uns anos:
quando já ninguém sabe muito bem
se ainda existem ou não, alguns têm
quase a certeza que sim mas não
arriscam comprometer-se, outros
têm a vaga impressão de que
ouviram falar de um disco novo dos
três de Athens, mas é verdade que
podia ser um qualquer outro “faitdivers” – Eddie Vedder com uma
unha encravada depois de acidente
no surf ou Evan Dando a reclamar
que os seus braços são demasiado
compridos para tocar guitarra em
condições. Ou teriam sido coisas tão
improváveis (mas reais) quanto
Michael Stipe ter convidado James
Franco para realizar dois vídeos
para os R.E.M. ou Trent Reznor ter
recebido um Óscar?
Daí que “Collapse Into Now”, de
repente, até seja enganador e pareça
maior do que é. Recupera algum do
prestígio criativo do grupo, de
acordo, mas o simples facto de
vermos a sociedade musical de
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Pop
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BARES 1 E 2
Toro Y Moi
encontrou
o seu ritmo - interior
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Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 33
Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
a graça e luminosidade californiana
de “Reveal” (2001), por exemplo. É,
por assim dizer, um grito de
sobrevivência e uma prova firme de
que ainda podemos
contar com
os R.E.M. por mais uns anos. Mas
nenhuma destas canções – por mais
Patti Smith que incluam – marcará a
história do grupo. Gonçalo Frota
facto. Não estava particularmente
preocupada com a categoria que lhe
teriam destinado. O disco de estreia
de Luísa Sobral, embora não se
permita os passeios pelas mesmas
zonas vagamente soul e country que
Jones junta à sua cartografia, surge
nesse mesmo lugar de fronteira
entre o jazz vocal e a pop. E também
aqui não parecem detectar-se dores
de cabeça antecipando o carimbo
que lhe cairá fatalmente em cima.
Luísa não está, como é evidente, no
mesmo campeonato do jazz vocal
que Joana Machado ou Sara Serpa.
Luísa rodeia-se e fascina-se com os
standards, mas avança com as suas
próprias composições de construção
pop, sem vestígio da carga dramática
que se ouvia, por exemplo, em Billie
Holiday. Luísa tem 23 anos e não tem
vergonha de tê-los: apesar de este
ser um disco de estreia seguro de si,
sem hesitações, é assumidamente
inocente e nem tangencialmente
pretende ditar verdades sobre a
vida. Para além de que a voz mostra
um enorme potencial, de uma
rouquidão que desliza pelas
melodias como gente grande, e
exibe uma noção de caminho,
arriscando (e ganhando) fazer
dixieland em português (“Xico”).
“The Cherry on My Cake” é uma
daquelas estreias que vale tanto por
aquilo que já contém quanto por
aquilo que prenuncia.
Gonçalo Frota
Luísa Sobral
The Cherry on My Cake
Universal
Danças Ocultas
Alento
iPlay
mmmnn
mmmmn
Nenhuma
destas
canções
marcará
a história
dos R.E.M.
Stipe, Mills e Buck resgatada do
fundo da sua própria mina chilena,
onde estavam quase soterrados,
transmite uma momentânea euforia
em torno do disco que importa
controlar com a ingestão em barda
de calmantes. Ainda por cima, a
cápsula que os trouxe de volta à
superfície surge com o alto
patrocínio de gente como Patti
Smith, Eddie Vedder e Peaches. Mas
refreiem-se os ânimos, por favor,
que este é disco para ser ouvido no
dia seguinte.
A excitação foi, no entanto,
tamanha que houve quem
apressadamente ligasse o novo disco
aos brilhantes primeiros álbuns do
grupo – “Murmur”, “Reckoning”,
“Fables of the Reconstruction” ou
“Life’s Rich Pageant”. Ejaculação
precoce. Não são os R.E.M.
propulsionadores do college rock
que aqui encontramos, nem sequer
a banda marcadamente sulista que
praticava uma sonoridade que
tresandava à América folk, ligada ao
rock quase por capricho de
juventude, e que ajudou a dar forma
a uma das vozes mais originais da
música popular norte-americana na
década de 80. Quando muito,
“Collapse Into Now” é um digno
sucessor daquilo que foi gizado a
partir de “Out of Time” (1991),
quando essa sonoridade se
transformou numa coisa adulta,
rock de estádio, canções (quase
sempre inspiradas, ressalve-se) para
musicar os vídeos que
habitualmente são mostrados aos
concorrentes expulsos de reality
shows ou que embalam as
montagens de fotografias de infância
e adolescência dos noivos que
abrilhantam os casamentos.
Perfeitas para puxar a lágrima.
“Collapse Into Now” é um bom
regresso, mas que não alcança ainda
34 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Diana Krall já
tinha começado a
forçar o namoro
entre os standards
de jazz e a pop.
Mas os seus discos
continuavam a ser
desconfiada e desconfortavelmente
enfiados nas prateleiras do jazz.
Quando Norah Jones apareceu em
2002, com “Come Away With Me”,
estalou o verniz e ninguém quis vê-la
perto da mesma secção que
albergava Billie Holiday, Ella
Fitzgerald ou Sarah Vaughan. Quase
se conseguiam perceber as veias a
latejar descontroladas e salientes
nos pescoços dos
puristas. O que Jones
fazia era pop e, para
evitar confusões,
havia que içar
rapidamente as
pontes levadiças e
deixar que o fosso
impedisse qualquer
tentativa de
contacto. Havia um
medo, quase medieval,
de contágio. A filha de
Ravi Shankar nunca se
importou
especialmente com o
Com quatro
discos gravados,
o grupo Danças
Ocultas quis
retratar-se num
disco só. O
resultado, a que
Luísa Sobral
vale pelo
que anuncia
e pelo que
prenuncia
chamaram “Alento”, é uma
colectânea brilhante e madura. A
abrir, a respiração ofegante de
“Folia” antecede a hipnótica
evolução harmónica e melódica de
“Tarab”ou as “Danças” I e II do
disco de estreia, por onde passam
traços matriciais da música
tradicional portuguesa, seguindo
depois para cinco temas onde são
chamadas a intervir “vozes”
instrumentais convidadas como o
bandolim, o violão, o clarinete
baixo, o piano, o acordeão, o
contrabaixo, ou até mesmo a voz,
no caso a de Abed Azrié. Estas
experiências são todas do álbum
“Pulsar”, intercaladas com duas
gravações recentes de “Tarab”
(“Héptimo”, “Fábula”) e com
“Dança d’Alba”, único tema nesta
compilação recuperado do segundo
disco do grupo, “Ar”. O fecho, com
“Queda d’água” e “Moda assim ao
lado” (este ao vivo), faz-nos
regressar ao universo onírico do
disco de estreia. Desta viagem, os
Danças Ocultas saem reforçados,
como se renascessem. O fôlego
ganho em “Tarab”, talvez o seu
melhor disco, só podia resultar
numa escolha assim.
Nuno Pacheco
Jazz
Manhã
submersa
Revelação de um novo
talento nacional do piano.
Nuno Catarino
Luís Figueiredo Trio
Manhã
JACC Records
mmmnn
O elogioso texto
de apresentação
deste disco vem
assinado por
Mário Laginha.
Nos
agradecimentos, Luís
Figueiredo classifica Laginha
de “verdadeiro mestre”.
Contudo, a referência
que imediatamente nos
ocorre ao ouvirmos
este disco é
Bernardo Sassetti.
Nesta estreia
discográfica o
jovem pianista
de Coimbra
apresenta uma
música
marcadamente
original, onde
está
sobretudo
patente,
Luís
Figueiredo:
um óptimo
valor
nacional do
piano
mais do que a exuberância de
Laginha, a contenção que é
habitualmente associada aos
trabalhos de Sassetti.
Figueiredo revela-se ao mundo
com uma abordagem cautelosa,
trabalhando maioritariamente temas
com tempos lentos, trocando uma
eventual sumptuosidade sonora em
favor de uma clara elegância. Sem
arriscar, este álbum de Figueiredo
inscreve-se num metódico
classicismo, num caminho com
poucos desvios. As pequenas fugas à
rota chegam para o final do disco: a
ligação a Laginha torna-se evidente
no penúltimo tema, “De olhos bem
abertos”, que poderia fazer parte do
repertório do histórico pianista pela
vertigem rítmica; o último tema, “No
Escuro”, mostra um tímido lado
experimental, antes de embarcar
num rumo previsível.
O piano de Luís Figueiredo tem
um óptimo som e ao longo do disco
vão sendo reveladas boas ideias e
deliciosos detalhes. Nélson Cascais
(contrabaixo) e Bruno Pedroso
(bateria), dois valores seguros da
cena nacional, cumprem a função
rítmica com a tradicional
competência. Pianista com uma
sólida formação académica
(Licenciatura em Piano na
Universidade de Aveiro, Doutorando
em Música - Performance Jazz,
passou pelo Hot Clube de Portugal e
ainda estudou com Mário Laginha),
Figueiredo tem aqui a sua
confirmação na prática, afirmandose um bom executante e compositor
- dos nove temas do disco apenas um
não é da sua autoria, o standard
eterno “I fall in love too easily”. Um
óptimo valor nacional do piano. E
um disco ao qual vale a pena dar
toda a atenção.
Cinema
Distristriição
buição
Estreiam
Amigos
inimigos
Um óptimo documentário
sobre uma época crucial na
história do cinema europeu.
Luís Miguel Oliveira
Os 2 da (Nova) Vaga
Deux de la Vague
De Emmanuel Laurent,
com Anouk Aimée, Jean-Pierre
Aumont, Charles Aznavour, Jean-Paul
Belmondo. M/12
MMMnn
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 19h10, 23h50 Domingo
11h30, 14h30, 19h10, 23h50
Os “dois da (nova) vaga” são JeanLuc Godard e François Truffaut. O
filme de Emmanuel Laurent conta a
história deles, no período em que
ela foi comum: da amizade e da
cumplicidade seladas, muito cedo,
pela cinefilia, à ruptura (pessoal)
definitiva no princípio dos anos 70,
já a cumplicidade se perdera há
muito, queimada pelo acentuar das
diferenças idiossincráticas, e a
amizade seguiu o mesmo destino, na
sequência de uma violentíssima
troca de correspondência depois de
Godard ter saido (muito) irritado de
O filme “Mistérios de Lisboa”,
ad
adaptação
do romance de Camilo
C
Castelo
Branco feita pelo chileno Raul
R
Ruiz, já tem estreia marcada para
Ta
Taiwan
no fim-de-semana. E a Music
Box, uma das principais distribuidoras
in
independente nos E.U.A, adquiriu os
d
direitos de distribuição do filme. Tem
ai
ainda lançamento assegurado no
B
Brasil e estreia marcada em Espanha,
a 16 de Março, e no Reino Unido, em
A
Abril.
A versão televisiva, com seis
h
horas,
vai ser exibida pela televisão
g
grega
e pela RAI, em Itália.
uma projecção de “A Noite
Americana” (de Truffaut). Os amigos
tornaram-se inimigos, não voltaram
a ver-se (cara a cara, pelo menos),
nem a trocar, publicamente ou em
privado, qualquer manifestação de
estima. Para o filme (que foi escrito
por Antoine de Baecque, crítico e
historiador que tem estudado a
geração da “nouvelle vague” e
assinou uma recente biografia de
Godard), essa ruptura assinala um
momento simbólico: o momento em
que o cinema francês (o novo
cinema francês, saído da “nouvelle
vague”) se cindiu, e os seus
principais pontos de referência
seguiram rumos inconciliáveis. A
orfandade resultante é simbolizada
por Jean-Pierre Léaud, actor de
Truffaut e actor de Godard, e o
primeiro filho legítimo da “nouvelle
vague” (houve outros). É com ele
que o filme acaba, muito miúdo, a
ser entrevistado no “casting” para os
“400 Golpes” de Truffaut.
Podemos dizer, como Jacques
Rivette disse uma vez, que o que
espanta não é que Godard e Truffaut
se tenham zangado, antes que
tenham demorado tanto tempo a
fazê-lo. As diferenças - profundas,
ideologica e esteticamente - estavam
lá desde o princípio, e não fizeram
senão vincar-se, sobretudo a partir
do final dos anos 60, quando a
geração da “nouvelle vague” chocou
de frente com um tema que, em boa
verdade, só Godard não fizera por
explicitamente evitar: a política.
Sem insistir muito - alguns
“Chelsea Hotel”: um filme para preservar a “filosofia” do hotel
apontamentos alternando
declarações de um e de outro - o
filme sinaliza essas diferenças, mas o
seu investimento é sobretudo na
amizade entre os dois, contada
como se fosse o cimento que,
justamente, permitia agregar duas
personalidades tão distintas. O que
faz sentido: em 1973 os filmes de
Godard e Truffaut já não tinham
quase nada em comum, mas foi a
explosão da relação pessoal que
tornou isso evidente.
Centrada nestes dois rostos, é
portanto a história da “nouvelle
vague” e do período que se lhe
seguiu que “Os Dois da (Nova) Vaga”
conta. Forçosamente resumida, às
vezes até com simplicidade
excessiva e algum pendor próTruffaut na explicação da ruptura,
ou no mínimo uma maior
disponibilidade para compreender a
posição dele. Em todo o caso, com a
sua excelente recolha de material de
arquivo e o seu texto claro e
argumentado, “Os Dois da (Nova)
Vaga” é um óptimo documentário
sobre uma época crucial na história
do cinema europeu, e o seu capital
pedagógico não é,
consequentemente, nada
negligenciável.
Salvem o Chelsea
Hotel
Chelsea Hotel
Chelsea on the Rocks
De Abel Ferrara,
com . M/12
MMnnn
Lisboa: Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h20, 19h30,
21h30, 24h
Podemos dizer, como Jacques Rivette
disse uma vez, que o que espanta
não é que Godard e Truffaut se tenham
zangado, antes que tenham demorado
tanto tempo a fazê-lo
Se havia alguém para fazer um
documentário sobre o Chelsea
Hotel, lugar mítico da boémia novaiorquina, Abel Ferrara seria sempre
um candidato apropriado (até
porque quase todos os outros já
morreram). O problema é que, como
todos os filmes que se façam hoje
sobre a Nova Iorque boémia, é
demasiado tarde para encontrar
outra coisa se não ecos e memórias.
Janis Joplin “giving head on an
unmade bed” (como cantou Leonard
Cohen em “Chelsea Hotel #2”), ou as
“Chelsea Girls” de Andy Warhol: o
Hotel Chelsea pode ser um
monumento, mas, mais importante,
já inspirou mais monumentos do
que o mais monumental dos hoteis.
Foi disto tudo, desta
“ressonância”, que Ferrara foi à
procura. É um filme de histórias:
Ferrara passeia a câmara pelo hotel
e pelas imediações, mas o que quer
mesmo é ouvir relatos e
recordações. Dos que lá trabalham,
dos que lá vivem, dos que lá viveram
nalgum momento das suas vidas.
Algumas celebridades (Dennis
Hopper, ainda com óptimo aspecto,
num depoimento muito curto; ou
Milos Forman, em visita guiada) e
sobretudo muita reminiscência. Mas
esse é o busílis: nunca se vai ao
fundo de nada, a certos episódios (a
história de Sid Vicious e Nancy
Spungen) é dado um relevo
desmesurado, a utilização de
imagens de época, por preguiça ou
por impossibilidade de ir mais além,
é pobre. Na maior parte do tempo,
Ferrara conversa com actuais
moradores do hotel, artistas e
“boémios” que não têm nada de
interessante a contar (a não ser
sobre eles próprios). E Ferrara
também não tem nada de
interessante para fazer com os
depoimentos deles, filmando-os e
montando-os no estilo mais casual
que conseguiu. É Ferrara em modo
“relax”, para desenjoar da tensão
nervosa que as suas ficções
costumam ter.
Há uma coisa que talvez explique
isto. “Chelsea Hotel” foi filmado
numa altura em que os proprietários
se preparavam para passar a
gerência a uma empresa externa,
receando-se que a nova gerência
trouxesse alterações à identidade
tradicional do hotel, nomeadamente
subindo os preços ou deixando de
permitir a permanência de hóspedes
por prazos indefinidos. É um tema
de várias conversas. E a intenção de
Ferrara, no fundo, parece ser apenas
esta: criar um pequeno instrumento
de pressão, defender a preservação
da “filosofia” do hotel como parte
essencial da sua identidade. O que
está, com certeza, muito bem. Mas o
filme serve para pouco mais do que
isso.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 35
Cinema
MMnnn
Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª
3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30,
00h10 Sábado 13h, 15h40, 18h30, 21h30, 00h10
Domingo 13h, 15h40, 18h30, 21h30; Castello Lopes Loures Shopping: Sala 6: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª
13h10, 16h, 18h30, 21h30 6ª Sábado 13h10, 16h,
18h30, 21h30, 23h50; CinemaCity Alegro
Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h40,
17h45, 19h50, 21h55, 24h Sábado Domingo 11h30,
13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55, 24h; CinemaCity
Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h45,
21h50, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça de
Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 22h, 00h05; Medeia
Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª
4ª 13h20, 15h25, 17h30, 19h35, 21h40, 00h15; UCI
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª
3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h15, 21h45, 00h10 Domingo
11h30, 14h15, 16h50, 19h15, 21h45, 00h10; UCI Dolce
Vita Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10,
16h40, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h10, 16h40, 19h15,
21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h40, 18h05,
21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h,
21h40, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h30,
21h20, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55, 18h25,
21h20, 23h55; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,
21h20, 23h55; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30, 21h,
23h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h10,
21h30, 00h10; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala
4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h40, 21h30 6ª 15h30, 18h40,
21h30, 24h Sábado 13h, 15h30, 18h40, 21h30, 24h
Domingo 13h, 15h30, 18h40, 21h30; Castello Lopes Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50,
21h50 6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h20 Sábado 13h30,
16h, 18h50, 21h50, 00h20 Domingo 13h30, 16h,
18h50, 21h50; Castello Lopes - Setúbal: Sala 1: 5ª 2ª
Jorge
Mourinha
Luís M.
Oliveira
Vasco
Câmara
Os Agentes do Destino
mmnnn
nnnnn
nnnnn
Chelsea Hotel
mmmnn
mmnnn
mnnnn
O discurso do Rei
mmnnn
mmnnn
mnnnn
Os 2 da (Nova) Vaga
nnnnn
mmmnn
mmnnn
127 Horas
mnnnn
nnnnn
A
Filme Socialismo
nnnnn
mmmmm
mmnnn
Igualdade de Sexos
mmnnn
nnnnn
nnnnn
As Múmias do Faraó
mmnnn
nnnnn
nnnnn
Poesia
mmmmn
mmmnn
mmmnn
Somewhere-Algures
mmmnn
nnnnn
mnnnn
“As Múmias do Faraó:
As Aventuras de Adèle
Blanc-Sec”: a memória
do cinema popular
europeu pós II Guerra
“Os Agentes do Destino” é a mais
recente incursão de Hollywood
pelo universo de Philip K. Dick
Os Agentes do Destino
The Adjustment Bureau
De George Nolfi,
com Matt Damon, Emily Blunt,
Anthony Mackie, John Slattery,
Terence Stamp. M/12
As estrelas do Público
3ª 4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª 15h30, 18h, 21h30, 24h
Sábado 13h10, 15h30, 18h, 21h30, 24h Domingo 13h10,
15h30, 18h, 21h30; ZON Lusomundo Almada Fórum:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30,
18h20, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Fórum
Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,
15h45, 18h20, 21h25, 24h; Zon Lusomundo Freeport:
5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h25 6ª 16h, 18h50, 21h25,
24h Sábado 13h25, 16h, 18h50, 21h25, 24h Domingo
13h25, 16h, 18h50, 21h25
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 14h, 16h25, 19h05, 21h45, 00h25 3ª 4ª
16h25, 19h05, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo Dolce
Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo
GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50,
18h50, 21h50 6ª Sábado 13h10, 15h50, 18h50,
21h50, 00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h40 6ª
Sábado 13h40, 16h20, 19h, 21h40, 00h25; ZON
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 18h20, 21h30, 00h10; ZON
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h10, 22h,
00h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h40,
21h30, 00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1:
5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h50 6ª 15h40, 18h40,
21h50, 00h10 Sábado 13h20, 15h40, 18h40, 21h50,
00h10 Domingo 13h20, 15h40, 18h40, 21h50; ZON
Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª
13h20, 16h10, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h20, 16h10,
18h50, 21h30, 00h20
“Os Agentes do Destino” é a mais
recente incursão de Hollywood pelo
universo de Philip K. Dick, o
visionário autor de ficção científica
que já esteve na origem de “Blade
Runner”, “Desafio Total” ou
“Relatório Minoritário”. Nas mãos
de George Nolfi, realizador estreante
e argumentista dos filmes Bourne e
do “Ocean’s Twelve” de Soderbergh,
a paranóia alucinada de Dick dá
lugar a uma série B escorreita sobre
um deputado americano (Matt
Damon, sólido) que descobre a
existência de uma sociedade
dedicada a garantir que os humanos
cumprem o destino que lhes coube
em sorte – o que, no seu caso,
implica uma carreira política
meteórica mas nunca mais voltar a
ver a mulher por quem se apaixonou
(Emily Blunt, encantadora).
Podemos olhar para “Os Agentes do
Destino” como uma espécie de
versão “light” da “Cidade
Misteriosa” de Alex Proyas, mas o
que é original na estreia de Nolfi é o
modo como o mistério sobrenatural
(exposto de modo suficientemente
aberto para permitir todo o tipo de
leituras) se entrelaça com a comédia
romântica num todo despretensioso e
despachado que remete forçosamente
para as grandes séries B de género dos
anos 1950. Não é um grande filme,
mas sabe ser sério sem ser sisudo e
leve sem cair no superficial, o que
hoje em dia é obra. J. M.
Igualdade de Sexos
Made in Dagenham
De Nigel Cole,
com Sally Hawkins, Bob Hoskins,
Miranda Richardson, Geraldine
James, Rosamund Pike, Andrea
Riseborough. M/12
MMnnn
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 3: 5ª 6ª
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,
00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h40,
00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50,
00h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h35, 18h20,
21h10, 24h
Porto: ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h,
21h50, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h20,
18h, 21h15, 23h50
“Igualdade de Sexos”: como uma “Britcom” optimista e solarenga
36 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Reza a frase que “por trás de um
grande homem há sempre uma
grande mulher” - mas, no caso
verídico que “Igualdade de Sexos”
romanceia, as mulheres não têm
mesmo nenhum grande homem à
frente, fartam-se de ser
espezinhadas e decidem erguer-se
pelos seus direitos. O filme do inglês
Nigel Cole é a história das operárias
da fábrica inglesa da Ford em
Dagenham, no Leste de Londres,
que, em 1968, cansadas de
receberem menos que os homens e
de não serem levadas a sério como
operários, partiram para a greve e,
sem terem noção do que estavam a
fazer, puseram a Inglaterra fabril de
joelhos. Antes que se pense,
contudo, que estamos perante mais
uma obra do neo-realismo inglês,
Cole conta a história das mulheres
de Dagenham como uma “Britcom”
optimista e solarenga que fala sem
esforço de coisas sérias com a
despreocupação e o bom humor que
costumamos identificar com os
“swinging sixties”. É fita eficaz e
simpática, com o rigor de
reconstituição e a qualidade de
representação a que a produção
inglesa nos habituou, com bonecos
bem sacados de Sally Hawkins (a
líder relutante da revolta feminina),
Bob Hoskins (o sindicalista que se vê
ultrapassado pelos acontecimentos)
e Miranda Richardson (a ministra
secretamente apoiante das
mulheres), mesmo que sem sinais
particulares que a distingam de
tantas outras “Britcoms” sobre gente
que toma o destino nas mãos, como
“Ou Tudo ou Nada” por exemplo. E
a diferença entre isto e “O Discurso
do Rei”, para que conste, é mínima:
são ambos boas histórias bem
contadas, que só o “cair no goto”
separou quando foi altura de somar
as votações para as nomeações nos
Óscares... J.M.
As Múmias do Faraó: As
Aventuras de Adèle Blanc-Sec
Les Aventures Extraordinaires
d’Adèle Blanc-Sec
De Luc Besson,
com Louise Bourgoin, Mathieu
Amalric, Gilles Lellouche, Jean-Paul
Rouve. M/12
MMnnn
Lisboa: Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; ZON
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h15, 21h15, 23h50; ZON
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 13h30, 16h05, 18h40, 21h40, 00h15
Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h15,
21h50, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente:
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,
19h10, 22h, 00h30 ; ZON Lusomundo Fórum Aveiro:
5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h10, 22h 6ª
Sábado 13h40, 16h30, 19h10, 22h, 00h40;
Para quem lamenta que Luc Besson
nunca mais tenha reencontrado o
“estado de graça” de “O Quinto
Elemento”, perdido na sua ambição
de “magnata” e concorrente local
das máquinas de produção
americanas, “As Múmias do Faraó”
pode servir de reencontro com o
realizador. Adaptando os álbuns da
personagem de BD criada nos anos
1970 por Tardi, Besson constrói uma
comédia de aventuras sobre as
peripécias rocambolescas de uma
jornalista aventureira na Paris da
Belle Époque que remete ao mesmo
tempo para os velhos folhetins e
seriados e para o grande cinema
popular europeu do pós-II Guerra
Mundial. Não resulta inteiramente,
porque Besson dá sempre a
sensação de estar a brincar ao
cinema mais do que a estruturar um
filme solidamente, e isso torna “As
Múmias do Faraó” demasiado
desconjuntado e episódico. Mas a
heroína pespineta encontra em
Louise Bourgoin intérprete à altura,
e a irrisão dos álbuns originais é
respeitada, resultando em duas
horas de entretenimento bemhumorado e despretensioso que não
fica atrás da concorrência
americana. J.M.
Continuam
Poesia
Shi
De Lee Chang-Dong,
com Yun Jung-hee, Lee David, Kim
Hira. M/12
MMMMn
Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª
13h30, 16h15, 19h, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h30, 16h15,
19h, 21h45, 00h30
É a primeira vez que o coreano Lee
Chang-Dong, regular dos grandes
festivais de cinema, chega às salas
portuguesas, e fá-lo com esta pérola
preciosa que venceu o prémio de
Melhor Argumento em Cannes 2010.
Quem tiver visto o excelente
“Mother” de Bong Joon-hoo poderá
encontrar pontos em comum entre
os dois filmes – que têm como
heroínas matriarcas que lutam com
os actos menos próprios dos
adolescentes – mas Lee opta por um
modo de pastoral bucólica e
existencialista para o seu conto
moral sobre a vida, acompanhando
uma avó generosa (extraordinária
Yun Jung-hee) que enceta uma
verdadeira travessia do deserto onde
a doença e a morte vão
inevitavelmente de braços dados
com o amor e a poesia.
Enganadoramente simples, “Poesia”
utiliza uma elegante acumulação de
pormenores para construir um filme
assombrosamente denso sobre a
memória e o esquecimento que fica
connosco muito para lá dos planos
finais (que, apropriadamente,
fecham o círculo do rio que corre na
cena de abertura). Belíssimo. J.M.
Exposições
LUÍS RAMOS/ARQUIVO
Retros
Retrospectiva
O M-Museum, em Lovaina, Bélgica,
inaug
inaugurou
dia 24 de Fevereiro uma
r trr
re
retrospectiva
dedicada a Pedro
Ca
a
Cabrita
Reis (Lisboa, 1956). “One
aff
after
another, a few silent steps”
é a mais completa revisão da
o
obra
do artista, reunindo cerca
d 60 trabalhos (escultura,
de
p
pintura,
fotografia e instalação)
pr
produzidos
entre 1985 e 2010
a
- alguns
deles especificamente
par esta exposição, que já passou
para
pell Hamburger Kunsthalle e pelo
pelo
Mu
Musée
Carré d’Art in Nímes, e que
ain
n este ano chegará ao Museu
ainda
Co
Coleccão
Berardo.
Maravilhoso
laboratório
Três artistas internacionais
reúnem-se numa exposição
sob o signo do “atelier”,
num diálogo surpreendente
com a fotografia e a imagem
em movimento. Entre a
ilusão e a realidade. José
Marmeleira
1+1+1=3
De Hermann Pitz, Michael Snow,
Bernard Voïta.
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da
CGD. Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª
das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às
20h.
Fotografia, Vídeo.
mmmmn
“WVLNT”, de Michael Snow,
aponta para o atelier como
imagem e como lugar onde se
produzem imagens
A série “1 + 1 + 1 = 3” é um projecto da
Culturgest, concebido por Miguel
Wandschneider, que converte três
exposições individuais numa única
exposição colectiva, iluminando
entre as obras “parentescos” e
analogias inesperadas. Tem agora um
segundo “capítulo”, revelado ao
espectador a partir de trabalhos do
canadiano Michael Snow, do suiço
Bernard Voïta e do alemão Hermann
Pitz, com o comissariado de
Friedrich Meschede.
O ponto de partida, o conceito
inicial, ameaça, desta vez, ser menos
sensível ao “diálogo”. Referimo-nos
ao “atelier”, lugar apartado da
realidade exterior, pertencente à
esfera privada do artista, onde este
trabalha e produz arte. Portanto,
território exclusivo, misterioso. Mas
também elemento, entre outros,
desse espaço simultâneo de
experiências, objectos e imagens que
é a arte contemporânea.
Enfim, imagem e
lugar onde se descobrem imagens.
Por exemplo, em “WVLNT
(Wavelength for Those Who Don’t
Have the Time. Originally 45 minutes.
Now 15!)”, versão reduzida do mítico
filme de Michael Snow (1929): o
cenário desta pesquisa sobre o
espaço e o tempo, a ilusão e o real,
continua a ser o “atelier” (vemo-lo
sob uma sucessão de transparências,
cromatismos, “zooms”). Depois,
assinalam-se outras pesquisas, outros
cenários, e entramos na narrativa
que a exposição sugere.
Em “Condensation – A Cove Story”
(2009) não descobrimos um filme
(para ser visto com um filme), mas
imagens em movimento que se
contemplam distraidamente.
Durante dois Verões, Snow captou
com uma máquina fotográfica vários
fenómenos atmosféricos no Norte do
Canadá e com esses registos compôs
um vídeo que representa a relação
(ora tumultuosa, ora pacífica) de uma
paisagem com a luz e o tempo (“Cove
Story” podia ser “Love Story”). Já em
“Localidade” (2010), estamos no
domínio da instalação. Fortes luzes
são projectadas sobre transparências
que se multiplicam em cores,
sombras, superfícies. E envolvem o
espectador que, assim, vê em
simultâneo várias “paisagens”.
Se, nestas obras de Michael Snow,
o “atelier” aparece como imagem
para se subsumir noutras imagens,
no trabalho de Hermann Pitz revelase como sujeito, “personagem” de
um processo. Veja-se “Sofortbilder”,
(1981-1995), uma das obras mais
fascinantes da exposição. Trata-se de
uma série de polaróides que
documentam, com textos descritivos
da autoria do próprio artista, a
história do seu “atelier” e as histórias,
as epifanias, as ideias e os projectos
que aí prometeram nascer ou
nasceram. Algumas dessas fotos
mostram perspectivas deformadas
dos objectos, feitas por lentes ou
espelhos côncavos. Que
reencontramos na fotografia
(1992) ou na
“Studio Düsseldorf”
Düsseld
intrigante e escultórica
“Nachbild”
esc
(1997-2010).
Mas é nas o
obras de Bernard
Voïta que a relação
com o atelier
re
emerge mais erótica, com outra
intensidade ontológica. Nas
estranhas p
paisagens (da série
“Paysages Ahah”, 2010), nas
fotografias
fotografia das “falsas”
máquinas (fotográficas e não
só, em “Machine
II” ou
“M
“Camera I”) ou nas
paisagens
paisage minerais e
abstractas
abstrac que se movem
em “Trax”
(2010). E
“T
também
també aqui há “zooms”,
sobreposições,
texturas,
sobre
fenómenos
fenó
atmosféricos.
Todos
atm
criados
nesse
cria
maravilhoso
ma
laboratório
que dá
la
pelo
nome de
p
“atelier”
de arte.
“
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente
Alexandre
Farto na
Presença
Wendelien
van
Olderborgh
na Carpe
Diem
Inês d’Orey
no CPF
Agenda
Inauguram
Inaugura hoje às 21h30.
Lecture/Audience/Camera
De Wendelien van Oldenborgh.
Detritos
De Alexandre Farto.
Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século,
79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.
Inaugura hoje às 21h30.
Fotografia, Vídeo.
Vídeo, Instalação.
Porto. Galeria Presença. R. Miguel Bombarda, 570.
Tel.: 226060188. De 12/03 a 23/04. 2ª a 6ª das 10h
às 19h30. Sáb. das 15h às 19h30. Inaugura amanhã
às 16h.
Corredor com Abertura Zenital
para Capela
De Ramiro Guerreiro.
Paisagens VI
De Maria Caldas Ribeiro.
Instalação, Outros.
Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século,
79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.
Inaugura hoje às 21h30.
Porto. Serpente - Galeria de Arte Contemporânea.
Rua Miguel Bombarda, 558. Tel.: 226099440. De
12/03 a 16/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.
Instalação, Outros.
Pintura.
Os Jardins de Lisboa
De Gabriela Machado.
Porto Interior
De Inês d’Orey.
Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século,
79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.
Inaugura hoje às 21h30.
Porto. Centro Português de Fotografia. Cp. Mártires
da Pátria. Tel.: 222076310. De 12/03 a 15/05. 3ª a 6ª
das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 15h às
19h. Inaugura amanhã às 17h.
Pintura.
Flávio Cerqueira
Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século,
79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.
Inaugura hoje às 21h30.
Instalação, Escultura.
The Best of All Possible World
Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século,
79. De 11/03 a 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.
Fotografia.
BES Photo 2010
De Carlos Lobo, Kiluanji Kia Henda,
Manuela Marques, Mário Macilau,
Mauro Restiffe.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. Império. Tel.:
213612878. De 14/03 a 13/06. Sáb. das 10h às 22h. 2ª
a Dom. das 10h às 19h. Inaugura 14/3 às 19h30.
Fotografia.
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 37
Sandra Bullock macht frei
O entretenimento Americano regressou triunfantemente ao “status quo” na noite dos Óscares, que
recuperou o seu estatuto de evento mais reaccionário do planeta.
D
epois de uma ofensiva concertada das
forças fracturantes, o entretenimento
Americano regressou triunfantemente
ao “status quo” na noite dos Óscares,
que recuperou o seu estatuto de evento
mais reaccionário do planeta. O homem
responsável pela reacção foi Bruce Vilanch, guionista
veterano e reserva moral da Califórnia, que, dois dias
antes da restauração, criticara o tom e o conteúdo do
desempenho de Ricky Gervais
(esse perigoso radical) nos Globos
de Ouro - para depois coordenar
a cerimónia mais soporífera
de que há memória. James
Franco foi quase unanimemente
reponsabilizado pelo calamidade,
mas creio que se limitou a
dramatizar a sua própria
avaliação crítica do texto que
lhe deram, afundando-se com a
dignidade possível: na vertical,
como um cavalheiro, de vestido
cor-de-rosa, peruca amarela e
sorriso magenta, ignorando os
esforços hiperventilados de Anne
Hathaway para fingir que estava
numa audição para um musical
de La Féria.
Vilanch, cujo aspecto geofísico
evoca um Hermeto Pascoal com o ADN adulterado por
longa adesão à dieta oficial de Los Angeles, cumpriu a
tarefa com brio. De acordo com algumas insuspeitas
“mailing lists” neo-nazis que subscrevi por acidente, ele
é simultaneamente gay e judeu, pertencendo portanto
à elite demográfica que desde sempre manipulou as
estruturas de poder de Hollywood, e que acolheu com
legítimos receios a possibilidade de o “caso Gervais”
gerar uma escalada de liberalização social sem
precedentes. Vilanch liderou o contra-ataque, purgando
o guião final dos Óscares não apenas de piadas, mas
também de qualquer referência passível de agradar
a minorias historicamente oprimidas, como os antisemitas ou os homofóbicos.
As minhas impecáveis credenciais humanistas deixamme à vontade para aplaudir o sucesso da iniciativa (não
tenho nada contra anti-semitas,
e alguns dos meus melhores
amigos são homofóbicos), mas
não posso deixar de lamentar
a sucessão de oportunidades
perdidas que Holywood tem
vindo a acumular. Durante
quanto tempo podem as elites
artísticas do globo continuar a
manter os seus mais enraizados
preconceitos, marginalizando
comunidades inteiras cujo
único pecado é a procura de
estilos de ódio alternativos? O
mainstream gay, por exemplo,
gosta de pensar na comunidade
homofóbica como uma massa
homogénea, com sentimentos,
maneirismos, apetites e armas
brancas idênticas. Mas dentro
de cada homófobo há um atavismo único e especial que
apenas procura a liberdade para florescer à sua maneira.
E não será vedando à homofobia o acesso aos rituais da
comédia ocidental que alcançaremos uma sociedade
mais justa e igualitária.
Enquanto estas esotéricas escaramuças identitárias
eram encenadas em código, breves e fortuitas simetrias
Durante quanto tempo
podem as elites
artísticas continuar a
manter os seus
preconceitos,
marginalizando
comunidades cujo
único pecado é a
procura de estilos de
ódio alternativos?
38 • Sexta-feira 11 Março 2011 • Ípsilon
Rogério Casanova
GABRIEL BOUYS/AFP
Opinião
A Vírgula de Oxford
encheram o palco do Kodak Theater. Centenas
de celebridades temporariamente exumadas dos
seus jazigos assistiram a monólogos de Bob Hope,
temporariamente exumados dos seus arquivos.
Melissa Leo deixou escapar um palavrão; Christian
Bale escondeu com competência os quinze que lhe
ocorreram. Charles Ferguson, o argumentista de “Inside
Job”, lamentou que “três anos depois da horrível
crise financeira” nem um único executivo tenha sido
julgado e condenado pelos seus crimes; manteve-se um
decoroso silêncio sobre Alejandro González Iñárritu
que, nove meses depois da estreia de “Biutiful”,
continua a passear-se impunemente, e com acesso livre
a equipamento cinematográfico. Os galardões técnicos
foram mais uma vez empurrados para a véspera e para
a cave (“Congratulations, nerds!”, gritou suavemente
James Franco, com timing perfeito). Uma excepção: o
Óscar honorário para a arte da taxidermia, atribuído
ao responsável pela complexa estrutura biomecânica
situada entre o pescoço e o cabelo de Sandra Bullock.
Este anónimo visionário idealizou um aparato
fisionómico não apenas para o presente, mas para
o futuro. Embora capaz de reproduzir grande parte
dos efeitos de um rosto humano normal, o rosto de
Sandra Bullock obedece um princípio arquitectónico
certamente inspirado pela “Teoria do Valor da Ruína”,
formulada por Albert Speer, segundo a qual a construção
de um monumento deve ter em conta o aspecto que
as suas ruínas terão um ou dois milénios mais tarde. O
rosto de Sandra Bullock, como a postura martirizada
de James Franco, não é um artefacto que almeje à mera
eficiência ou preservação; é uma intrépida manifestação
de decadência controlada, um apoteótico memorando
para a memória colectiva. Ainda serão estudados pelas
civilizações anfíbeas do futuro, muitas gerações depois
de “O Discurso do Rei” ter sido justamente esquecido.
Política cultural
A partir do cinema
Foi um dos primeiros filmes que apresentava ao grande público (em Portugal chamava-se “A Minha
Bela Lavandaria”) a temática do Multiculturalismo. Vem esta evocação a propósito das declarações
do primeiro ministro inglês David Cameron e da chanceler alemã Angela Merkel que decretavam
a morte do Multiculturalismo.
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OUTROS APOIOS
CO-PRODUÇÃO
PARCERIA ESTRATÉGICA
ORGANIZAÇÃO
recentes gerações. Não haverá pior perversidade do
que esta que tem por único objectivo a conservação do
poder pelo poder. O argumento de que apenas seguem
a vontade do povo - termo este também da terminologia
populista - é um argumento que revela da falta de
espessura política destes governantes. Se há alguma
coisa que se espera de um cidadão com espessura
política é que seja capaz de,
argumentando, argumentando
sempre, conseguir transformar
a comunidade, o país, tendo
em vista uma paz universal. E o
argumento de que os imigrantes
só têm ganhos nos países de
acolhimento é de uma enorme
falácia. Têm muitas perdas e
uma das quais, porventura
irreversível, é aquela perda
continuada da língua mãe,
o matricídio ( Julia Kristeva)
como bem sabem os milhares
de imigrantes portugueses.
Duas décadas depois de Frears,
o realizador português Serge
Tréfaut fez “Lisboetas” e “Os
Novos Lisboetas”, naquilo que
é um clássico do documentário
sobre situações interculturais, sobre como ouvir
o estrangeiro, ressalvando as diferenças culturais,
reivindicando os direitos, assumindo os deveres que são
temas de cidadania universal e sobretudo negar qualquer
justificação para o sofrimento do outro ou para a sua
morte a pretexto do relativismo cultural e assim aprender
a viver em comum.
Cameron e Merkel
servem-se de
estratégias populistas
para colocarem os
cidadãos brancos
contra os que pela cor
da pele sejam
identificados como
estrangeiros
imigrantes
OUTRAS PARCERIAS
Cinema São Jorge
Cinema City Classic Alvalade
Museu da Marioneta
Museu Nacional de Etnologia
Teatro Meridional
Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária D. Dinis
FNAC
Multiculturalismo evoluiu para formas de debate mais
político em que o viver em comum passa pela exigência
inequívoca da democracia nestas comunidades, bem
como do reconhecimento recíprco da história dos
imigrantes e dos anfitriões e, fundamentalmente, pelo
debate ideológico sobre o futuro de cada comunidade
multicultural. Por uma questão de exigência semântica
diremos que o Multiculturalismo
evoluiu para estratégias e situações
de interculturalidade. O mais
perverso dos equívocos gerados
pelas declarações de Cameron e
de Merkel é aquele que, focando
o problema nos árabes, começa
por identificar todos os árabes
como muçulmanos e todos os
muçulmanos com islamistas.
Se é um facto que as culturas
expressam modos de ver o mundo,
expectativas face ao mesmo e
representações dos outros e por
isso o confronto cultural é sempre
tensional, embora muitas vezes
produtivo, não é por maioria
destas razões que pequenos
grupos de fundamentalistas se
tornam terroristas. As razões
serão muitas e conterão uma dimensão irracional. E se
há decepção entre os jovens muçulmanos em Londres
ou turcos em Berlim tem também a ver com o mercado
do emprego, como tem também com a denegação de
idealismos. Subtrair a política e a ideologia foi um dos
maiores atentados que os políticos europeus no poder
ou com vontade de o terem cometeram contra as mais
festival de animação de
MEDIA PARTNER
21 a 27 Mar
APOIOS INSTITUCIONAIS
António Pinto Ribeiro
ata de 1985 o filme de Stephen Frears
“My Beautiful Laundrette”. O filme
realizado no contexto da Inglaterra da
primeira ministra Margaret Thatcher
relatava os êxitos e as vicissitudes dos
membros de uma família paquistanesa a
viver em Londres e os impactos e as tensões familiares,
sentimentais, financeiras nas vidas dos cidadãos
paquistaneses e dos londrinos envolvidos nesta
época. Foi um dos primeiros filmes que apresentava
ao grande público (em Portugal chamava-se “A Minha
Bela Lavandaria”) e de uma forma clara a temática
do Multiculturalismo. Vem esta evocação a propósito
das recentes declarações do primeiro ministro inglês
David Cameron e da chanceler alemã Angela Merkel
que decretavam a morte do Multiculturalismo. A
chanceler utilizava, aliás, o termo “Multikulti” que em
si é uma expressão pejorativa quando utilizada pelo
sector conservador alemão. O que é manifestamente
interessante do ponto de vista intelectual e urgente
desconstruir do ponto de vista político é o efeito de
derrocada que estas declarações pretendem ter no
espaço mediático e simultaneamente revelam a total
ausência da compreensão e da história do fenómeno a
que supostamente se referem.
Que multiculturalismo afinal terá falhado? Voltando
novamente ao filme de Frears, um dos aspectos mais
interessantes é que o realizador não coloca nunca
em confronto uma suposta e homogénea cultura
paquistanesa contra uma suposta cultura inglesa. O
filme relata tensões entre os membros da mesma família
paquistanesa, como entre a comunidade londrina,
diferencia as opções e os anseios e até a orientação
sexual que é múltipla em cada uma destes agrupamentos,
ou seja, explicita que a identidade de cada pessoa é
múltipla e por vezes antagónica no seio da mesma
comunidade étnica tal como o afirmam Edward Said e
Dispech Chakrabaty. O que está em causa neste filme
é uma sociedade que tem ricos e pobres, que nem
todos os pobres são paquistaneses nem todos os ricos
ingleses, o que este filme põe em causa é que o chamado
multiculturalismo é muito mais do que uma convivência
anódina entre comunidades culturais diferenciadas e
que essa diferenciação passa necessariamente pela classe
social, a riqueza, a religião, a sexualidade de cada um.
Cameron e Merkel servem-se de estratégias populistas
para, num momento de crise de emprego, por um
lado, e de potencial aumento de imigração, por outro,
utilizarem mecanismos de distracção colectiva para
colocarem os cidadãos brancos contra os cidadãos que,
essencialmente, pela cor da pele sejam identificados
(estratégia racista) como estrangeiros imigrantes. Os
outros equívocos produzidos pelas declarações destes
políticos é o de pretenderem globalizar este suposto
falhanço do multiculturalismo. Ora, e que tal pensar o
multiculturalismo na sua expressão mais complexa a
partir de casos de sucesso como no Canadá, na Austrália,
em cidades como Tóquio, Nova Iorque ou regiões como
Reggio Emilia?! E como pensar esse novo fenómeno que
é a emigração partir da Europa para países africanos? O
Ípsilon • Sexta-feira 11 Março 2011 • 39

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