ciências veterinárias

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ciências veterinárias
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Lisboa • Ano 107º • Vol. CIII • Nº 567-568 • pp 113 - 248 • Jul - Dez 2008
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Papers submitted for publication are peer reviewed
A Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias foi fundada em 1902
Publicação Semestral
Tiragem 1000 exemplares
Preço 25,00 Euro
Índice
Artigos de revisão
Quando separar o vitelo recém-nascido da vaca leiteira? Uma revisão dos efeitos sobre
bem-estar animal, produção leiteira e reprodução
When to separate the new-born dairy calf? A review of the effects on welfare, milk
production and reproduction
117
George Stilwell
A produção de ovinos Damara e Dorper e de caprinos silváticos em sistemas extensivos de
produção na Austrália
The production of Damara and Dorper sheep and feral goats in extensive production
systems in Australia
127
André Martinho de Almeida
Demodicose canina
Canine demodicosis
135
José Pedro A. Leitão, João Paulo A. Leitão
Memórias científicas originais
Estudo parasitológico em bovinos leiteiros da microrregião do Caparaó, Espírito Santo,
Brasil
Parasitological study in dairy cattle of Caparaó microregion, Espírito Santo State, Brazil
151
Pedro I. F. Junior, Larissa C. Demoner, Barbara R. Avelar, Louisiane C. Nunes,
Dirlei M. Donatele, Isabella V. F. Martins
Lesões renais intersticiais e tubulares na leishmaniose visceral
Renal lesions in interstitium and tubule in visceral leishmaniasis
157
Leopoldina A. Gomes, Hiro Goto, José L. Guerra, Ana L. B. Mineiro, Silvana M. M. S. Silva,
Francisco A. L. Costa
Avaliação clínica neonatal por escore Apgar e temperatura corpórea em diferentes
condições obstétricas na espécie canina
Canine neonatal clinical evaluation through Apgar score and body temperature under
distinct whelping condition
165
Liege C. G. da Silva, Cristina F. Lúcio, Gisele A. L. Veiga, Jaqueline A. Rodrigues,
Camila I. Vannucchi
Flora bacteriana aeróbia em otites caninas
Aerobic bacterial flora of the canine otitis
171
A. C. P Silveira, C. D. R.Roldão, S. C. A Ribeiro, P. F. A. Freitas
Mieloencefalite protozoária eqüina em equinos nativos do município de Bagé-RS, sul do
Brasil
Equine protozoal myeloencephalitis in horses from Bagé, southern Brazil
177
Luciana A. Lins, Friedrich Frey Junior, Maria Elisabeth Aires Berne, Carlos E. W. Nogueira
Effects of two phytotherapics formulations containing Glycine max (L.) Merr on general
reproductive performance in Wistar rats
Efeitos de duas preparações fitoterápicas contendo Glycine max (L.) Merr sobre o
desempenho reprodutivo de ratos Wistar
Clarissa Boemler Hollenbach, Carlos Eduardo Bortolini, Juliana Machado Batista da Silva,
Emanuel Boemler Hollenbach, Lucas Hirtz, Fernanda Bastos de Mello,
João Roberto Braga de Mello
181
Parasitismo intestinal em avestruzes (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) da Região
Sul do Estado do Espírito Santo, no ano de 2006
Intestinal parasitism on ostriches (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) from South
Region of Espírito Santo State, in 2006
189
André M. B. Batista, M. Angélica V. da Costa Pereira, Gilmar F. Vita
Pesquisa de hemoprotozoários em aves de rapina (ordens Falconiformes e Strigiformes) em
centros de recuperação em Portugal
Study of haemoprotozoa in birds of prey (orders Falconiformes and Strigiformes) in
wildlife rehabilitation facilities in Portugal
195
N. G. Santos, M. C. Pereira, P. M. Melo, L. M. Madeira de Carvalho
Enumeração de Escherichia coli em carne bovina e de aves através de metodologia
miniaturizada utilizando-se "eppendorf" e caldo fluorogênico
Enumeration of Escherichia coli in meat and poultry by using a miniaturized methodology
"eppendorf" and fluorogenic broth
201
Robson M. Franco, Samira P. S. Mantilla, Analy M. O. Leite
Ocorrência de Escherichia coli em suínos abatidos nos Estados do Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Paraná e Santa Catarina utilizando diferentes metodologias de isolamento
Occurrence of Escherichia coli in pigs slaughtered in the states of Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Paraná and Santa Catarina using different methodologies of isolation
209
Robson M. Franco, Samira P. S. Mantilla, Raquel Gouvêa, Luiz A. T. de Oliveira
Controle microbiano em linha de produção de queijos Minas frescal e Ricota
Microbial control in line of "Minas frescal" and "Ricota" cheese production
219
Vidiany A. Q. Santos, Catharina C. P. de Carvalho, Tânia M. V. Gonçalves,
Fernando L. Hoffmann
Caso clínico
Severe aortic stenosis in a Persian kitten
Estenose aórtica severa em um gato Persa
229
Marlos G. Sousa, João Paulo da E. Pascon, Alexandre M. de Brum, Priscila A. C. Santos,
Aparecido A. Camacho
Complexo hiperplasia endometrial cística-piometra em uma cadela tratada com acetato de
medroxiprogesterona como método contraceptivo
Cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex in a mongrel bitch treated with
medroxyprogesterone acetate as a contraceptive method
233
Hanniele R. Moreira, Stefânia A. Miranda, Adriel B. de Brito, Washington L. A. Pereira,
Sheyla F. S. Domingues
Suplemento
Elie Metchnikoff na Ilha da Madeira
241
Ciências Veterinárias 2008 | IV Congresso da SPCV | I Congresso Ibérico de
Epidemiologia Veterinária
245
Vida associativa
247
ARTIGO DE REVISÃO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Quando separar o vitelo recém-nascido da vaca leiteira? Uma revisão dos
efeitos sobre bem-estar animal, produção leiteira e reprodução
When to separate the new-born dairy calf? A review of the effects on
welfare, milk production and reproduction
George Stilwell*
Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, TULisbon.
Av. da Universidade Técnica, Alto da Ajuda, 1300-477, Lisboa, Portugal
Resumo: Existem várias variantes quanto ao momento de
separação do vitelo recém-nascido da vaca leiteira. As razões
para a adopção de uma ou outra estratégia dependem quase
sempre de circunstâncias práticas, como o tipo de instalação ou
disponibilidade de mão-de-obra. No entanto, existem outros
factores que deveriam ser levados em conta na escolha do
momento óptimo para se fazer a separação. São exemplos: os
efeitos sobre produção leiteira, sobre o crescimento do vitelo,
sobre o comportamento, sobre o reassumir da actividade
reprodutiva, e sobre a imunidade. Adicionalmente é também
crucial abordar as questões éticas relacionadas com o bem-estar
da vaca e do vitelo. Este tema tem-se relevado de crescente
importância na imagem que as explorações leiteiras transmitem
para o público em geral e para os consumidores de produtos
lácteos em particular. Porque a separação da cria ao nascimento
é um assunto que frequentemente suscita reacções negativas, é
importante que se revejam os efeitos que as várias abordagens
podem ter sobre o bem-estar da vaca e do vitelo.
Neste artigo propomos rever os conhecimentos actuais sobre os
efeitos da separação vitelo-mãe desde o momento do parto até
semanas após o nascimento. O objectivo é proporcionar as bases
científicas para uma escolha mais criteriosa do método.
Summary: There are several ways to handle the dairy cattle
post-partum regarding the time calves should stay with their
dam. The reasons usually behind each strategy are related to
management circumstances, namely man-power availability and
facilities. However, there are several other aspects that should be
addressed and should influence the decision in each farm. For
example, milk yield, calf growth, future fertility, behaviour and
cow and calf immunity. Additionally ethic concerns should be
taken in account because animal welfare is a growing concern
for European consumers, and cow-calf separation a very
sensitive issue. This paper discusses the consequences of
different suckling systems regarding milk production, udder
health, reproduction and behaviour of high producing dairy
cows and also the effects on growth, health and behaviour of the
calves. The main objective is to provide scientific data that will
allow the veterinarian and the farmer to choose the best systems
for their farms.
*Correspondência: [email protected]
Tel: + 351 918476200
Introdução
Um inquérito realizado nos EUA mostra que cerca
de 52% das explorações separa o vitelo imediatamente
após o parto, 22% fazem-no depois do vitelo mamar
mas antes das 12 horas, 16% separam entre as 12 e as
24 horas e cerca de 10% deixa mãe e cria por mais de
24 horas (USDA APHIS, 2002). Números mais
recentes (USDA-APHIS, 2007) não mostram grandes
diferenças com mais de 40% das explorações a
deixarem o vitelo mamar o primeiro colostro na vaca.
Se bem que não existam estudos em Portugal que
garantam os números, diríamos que as proporções
serão bastante parecidas no nosso país. Em contraste,
em alguns países europeus (Grã-Bretanha e países
nórdicos), onde a produção de leite biológico tem uma
crescente expressão, o número de animais que ficam
com as mães durante dias ou semanas é bastante mais
significativo. Por exemplo na Suécia as explorações
produtoras de leite orgânico têm de deixar os vitelos
com as mães durante pelo menos 4 dias (KRAV,
2007) e na Dinamarca pelo menos 24 horas. O mesmo
acontece em sistemas pouco intensivos de países em
vias de desenvolvimento, em que as condições
permitem a criação do vitelo com a mãe associado a
uma ou duas ordenhas diárias (Pérez-Hernandez et al.,
2002; Perea-Ganchou et al., 2005).
As razões por detrás da escolha do momento de
separação variam muito de exploração para exploração e são muitas vezes de índole prática, como por
exemplo, a ausência de mão-de-obra disponível para
vigiar o parto e separar imediatamente o vitelo; a
tentativa de poupar a intervenção humana, permitindo
que o vitelo tome o colostro directamente da mãe; ou
o tipo de maternidade que não permite a manutenção
do vitelo com a mãe (parques com cubículos, por
exemplo). Uma outra razão que leva alguns produtores
a deixar o vitelo algumas horas com a vaca, é a ideia
que a absorção de anti-corpos pelo vitelo é superior se
este mamar na mãe. Raramente existem razões éticas,
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Stilwell G
de bem-estar, de sanidade ou de rendimento futuro a
justificar a opção.
O momento de separação pode influenciar, de uma
forma mais ou menos pronunciada e prolongada, uma
série de aspectos:
- A imunidade activa dos vitelos e da vaca devido
essencialmente aos altos níveis de cortisol e baixa
produção de interferon após a separação (Hudson et
al., 1976; Hickey et al., 2003).
- A libertação de diversas hormonas (ocitocina,
prolactina, gonadotrofinas, cortisol, hormona do
crescimento etc.), que afectam a produção leiteira e o
crescimento.
- A imunidade passiva de origem materna, já que os
vitelos nascem agamaglobulinémicos e precisam da
ingestão do colostro nas primeiras horas de vida para
garantir uma resistência suficiente contra a maioria
dos agentes infecciosos do seu ambiente (Hafez e
Limeweaver, 1968; Bovine Alliance on Management
and Nutrition, 2001). Resultados do inquérito
americano que já se referiu (USDA-APHIS, 2002)
mostram que mais de 60% dos produtores fornece o
primeiro colostro a partir de um balde, 35% confia na
amamentação directa e menos de 5% força a ingestão
do colostro através de sondas esofágicas. Estes
números demonstram que são poucos os produtores
que confiam na capacidade do vitelo em mamar a
tempo na mãe ou então preferem não arriscar e
dão-lhes directamente o colostro.
- O comportamento do vitelo. Vitelos habituados a
mamar podem ter maior dificuldade em habituar-se à
alimentação artificial ou, em contraste, aqueles que
não mamam podem ter a tendência em chupar em
objectos e noutros animais.
- O comportamento da vaca – a agressividade, a
ansiedade, o medo, a recusa em cumprir certas
condutas (e.g. entrar na ordenha, etc.). Estas alterações de comportamento podem, inclusive, conduzir à
ocorrência de mastites por evitarem a descida do leite
na ordenha.
- A visão ética da exploração de leite e a imagem
que esta reflecte para o exterior.
Estes são, de um modo geral, os aspectos que serão
analisados para cada uma das hipóteses de actuação.
Por facilidade de exposição pretendemos reunir as
estratégias de separação em 4 grupos:
a) imediato,
b) precoce (depois da ingestão do colostro – entre as
4 e as 12 horas após o parto),
c) médio (até aos 3 dias),
d) tardio (manutenção do vitelo com a mãe durante
semanas). Este último método parece-nos ser raro ou
inexistente em Portugal, mas encontra cada vez mais
adeptos noutros países, especialmente onde a produção de leite biológico ou orgânico começa a ter
alguma expressão (KRAV, 2007). Por esta razão vale a
pena referir aqui as suas vantagens e desvantagens.
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RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125
Separação imediata
A separação logo após o nascimento é o único
método exequível em explorações pequenas e médias
onde não existem maternidades ou estas apresentam
condições inadequadas à manutenção da cria com a
mãe. É também a estratégia preferida por muitas
explorações de grandes dimensões. No entanto, é
óbvio que nem sempre é possível garantir a remoção
imediata do vitelo, especialmente se o parto ocorrer à
noite.
As razões mais frequentemente apresentadas pelo
produtor para escolher esta estratégia são: falta de
instalações ou má higiene destas, o risco de ocorrência de traumatismos para a cria, a dúvida que pode
ficar quanto à ingestão do colostro no tempo e quantidade certa, a necessidade de introduzir a vaca no
grupo de lactação com melhor acesso à ordenha e a
ideia de que o estabelecimento de um elo mãe-filho
conduz a maiores dificuldades no maneio futuro de
ambos. Muitas destas conclusões baseiam-se em
observações empíricas.
Em contraste, este método é aquele que maiores
reservas provoca no público, como está reflectido em
criticas efectuadas às explorações de leite por organismos de defesa dos direitos dos animais (ver nota de
rodapé)*.
Para conseguir avaliar e comparar os resultados dos
estudos efectuados convém primeiro perceber qual é o
momento crítico para a separação, já que os resultados
mostram que há um período de maior sensibilidade
para o desenvolvimento do elo maternal (Hundson e
Mullord, 1977). Estes autores referem que 5 minutos
de contacto são o suficiente para se formar o elo
vitelo-vaca que se mantêm mesmo se forem separados
durante 12 horas e depois reunidos. Ao fim de 24
horas a vaca ainda mostra sinais de stress da
separação, mas não reconhece o vitelo (Hudson e
Mullord, 1977). Se o contacto não for efectuado nas
primeiras 5 horas após o parto, mais de 50% das
vacas não forma elo maternal com as suas crias. Isto
demonstra que se estabelece uma ligação forte
desde cedo, mas apenas durante as primeiras horas
pós-parto.
A alternativa à amamentação é, quase sempre, a
administração do colostro através de balde, com ou
sem tetinas. Em certos casos e circunstâncias poderá
ser necessário entubar o vitelo e fornecer desta forma
a quantidade adequada de colostro. O fornecimento de
* A criação de vacas leiteiras e toda a produção de leite dependem da
separação da mãe e da sua cria. Os seus bebés são-lhes retirados para que
os humanos bebam o leite que lhes era destinado (…) As vacas podem
chamar durante dias pelas suas crias recém-nascidas que lhes são
retiradas. As vitelas também chamam continuamente pelas mães. Depois
dos bebés lhes serem retirados, as vacas são "ordenhadas" por máquinas
várias vezes ao dia, retirando-lhes o leite que devia ter sido o alimento
dos seus filhos. (In: www.animaisexcepcionais.org).
A separação da vaca e do vitelo logo à nascença é uma forma de os tratar
como objectos (In: www.animalfreedom.org).
Stilwell G
leite far-se-á, depois da fase de colostro, através de
balde, tetinas, distribuidor computorizado ou alimentador (pia) comum a um grupo. Todas estas técnicas,
mesmo aquelas em que é usada uma tetina, não satisfazem o instinto de sugar que os vitelos demonstram
(Broom, 1978). Esta é a razão porque muitas vezes os
vitelos alimentados artificialmente procuram chupar
objectos ou partes do corpo dos outros vitelos
(orelhas, umbigo, focinho). Isto poderá conduzir a
infecções umbilicais, otites e obstruções ou úlceras
abomasais por tricobenzoares.
Quanto à transmissão de imunidade passiva, os
dados resultantes dos estudos científicos são por vezes
contraditórios. Alguns estudos efectuados em vitelos
separados logo após o nascimento e alimentados por
balde, mostram que os níveis de IgG de origem
materna são, em média, superiores àqueles que se
encontram nos que são amamentados pelas mães
(Besser et al., 1991; Franklin et al., 2003), enquanto
outros estudos demonstram que os níveis de
anticorpos são mais elevados nos vitelos que
mamaram nas vacas (Selman et al., 1971; Stott et al.,
1979; Quigley et al., 1995). Esta aparente contradição
poderá estar relacionada com um mau maneio após a
separação (atraso na ordenha da mãe, falta de
paciência na administração do colostro a vitelos mais
debilitados, mistura de leites, etc…) e que podem
conduzir a falhas na transmissão de imunidade
passiva nos vitelos separados imediatamente após o
parto. A comparação da amamentação com a administração por entubação (Besser et al., 1991) mostrou que
havia muito menos vitelos com falha de imunidade
passiva no segundo grupo. Estudos recentes parecem
demonstrar que é a quantidade e qualidade do colostro
administrado, e não tanto o método em si, que
influencia a quantidade de anticorpos absorvida
(Godden, 2008).
A separação imediata do vitelo parece ter efeito
sobre a capacidade de sociabilizar e estabelecer laços
de hierarquia nas vitelas ou novilhas. Os efeitos a
longo prazo do isolamento das vitelas de qualquer
outro animal desde o nascimento parecem ser: maior
dificuldade na socialização com outros animais, o que
conduz a posições mais baixas na hierarquia e,
quando comparadas com vitelas que foram criadas
junto às mães, menor produção de leite (Broom, 1978;
Jensen et al., 1998; Krohn et al., 1999). Nenhum
destes estudos consegue esclarecer se estas diferenças
resultam da falta de contacto com a mãe ou com
outros vitelos.
Em termos dos efeitos da separação imediata sobre
as vacas, esta parece aumentar os comportamentos
orais (cheirar e lamber a palha das camas, restos de
placenta e líquidos amnióticos) seguindo-se de maior
grau de inactividade (Lidfors, 1996b; Krohn, 2001).
Lidfors et al. (1996b) mostraram que, durante o
período de estudo, as vacas separadas imediatamente
comparadas com as que ficavam 5 dias com os vitelos,
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estavam mais tempo deitadas (608 vs 301 minutos),
estavam mais tempo a comer (188 vs 122 min) e mais
tempos a cheirar o ambiente (130 vs 14 min). Não se
encontraram diferenças entre vitelos na actividade e
exibição de outros comportamentos.
Não parece existir diferença no momento da
expulsão da placenta quando foram comparadas vacas
com separação imediata ou ao fim de 10 dias (Metz,
1987).
Separação precoce – após ingestão do
colostro (menos de 24 horas)
A separação após amamentação pode ser uma
alternativa para vacarias que aproveitam o facto para
reduzir a necessidade de alterações na rotina diária e
assim restringir a mão-de-obra. Esta é a prática em
mais de 30% das explorações dos EUA segundo o
mais recente inquérito nacional (USDA-APHIS,
2007). Com esta atitude "deixam" para a vaca o ónus
de garantir a ingestão do colostro suficiente. Este
método exige maternidades espaçosas, com boas
camas e uma densidade animal pouco elevada.
Selman et al. (1971) e Petrie (1984) afirmam que
manter os recém-nascidos com as mães durante as
primeiras 24 horas favorece a ingestão mais precoce e
de maior quantidade de colostro e que isto favorece a
sobrevivência futura dos vitelos. Stott et al. (1979)
sugerem que esta maior taxa de sobrevivência é
explicada não só pela maior quantidade de colostro
ingerida, mas também pela maior absorção de
imunoglobulinas em vitelos amamentados pelas mães.
Como desvantagem surge o facto de ser difícil
assegurar que a ingestão do colostro se fez em
condições adequadas. As razões que podem conduzir
a uma fraca transmissão da imunidade passiva de
origem maternal são: dificuldade da vaca em se
levantar devido, por exemplo, à exaustão, hipocalcémia ou paralisia de parto; prostração da cria por
causa de distócias, partos prolongados, vitelos
pesados, etc.; desvios no instinto maternal (mais
frequente em primíparas); troca de "mãe", levando a
que o vitelo mame noutras vacas do grupo; má
qualidade do colostro devido a mastites; ou ainda, má
conformação do úbere que impede o bom acesso dos
vitelos aos tetos (Edwards et al., 1982; Ventorp e
Michanek, 1991; Wesselink et al., 1999). Lidfors
(1996a) demonstrou que 32% das vitelas não
conseguem mamar nas primeiras 4 horas mesmo após
um parto fácil e Selman et al. (1970) referem que 15
a 40% dos vitelos não encontram o teto da vaca antes
das 6 horas. Será, por isso, de supor que uma percentagem significativa de vitelos não faça a absorção de
IgG antes das 6 horas (momento em que começa a
diminuir a capacidade de absorção de anticorpos pelo
intestino do recém-nascido). Estes inconvenientes
justificam os níveis de falha de imunidade passiva
119
Stilwell G
acima dos 30% que têm sido encontradas em vários
estudos (Wesselink et al., 1999; Weaver et al., 2000;
Bovine Alliance and Management Nutrition, 2001) e
que acontecem mais frequentemente do que se julga
apesar de se ter demonstrado que os vitelos que
ficavam com as vacas levantavam-se mais cedo e
apresentavam maior actividade (Lidfors, 1996a).
Outros riscos de manutenção do vitelo com a mãe
até mais tarde são: possibilidade de traumatismos
(pisadelas etc.) e transmissão mais fácil de agentes
infecciosos (Cryptosporidium, E.coli, Salmonella etc.)
que podem existir nas camas e úberes das vacas.
A manutenção do vitelo com a mãe durante poucos
minutos é o suficiente para se formar um elo muito
forte (Hudson e Mullord, 1977). Depois de 5 minutos
de contacto com o vitelo já se notam sinais do stress
de separação, nomeadamente através do aumento dos
níveis do cortisol plasmático da vaca e vocalizações
(Hudson et al., 1976).
O comportamento da vaca separada do vitelo depois
de se ter estabelecido o elo mas antes das 24 horas tem
demonstrado resultados diferentes, se bem que seja
difícil comparar o desenho experimental de muitos
destes estudos devido às variações nas condições e na
duração do contacto mãe-cria. Por exemplo, a
separação ao fim de 10 horas após parto não causou
inquietude na vaca, mas aumentou comportamentos
de manutenção (Houwing et al., 1990) enquanto que a
comparação do comportamento de vacas separadas
dos vitelos ao fim de 2 horas com o comportamento
de vacas que ficaram com vitelos durante 2 a 3 dias,
não mostrou diferenças em sinais de ansiedade e
procura da cria (Kurosaki et al., 1983). A comparação
do comportamento durante as 2 horas após o parto
mostrou que as vacas que ficavam com os vitelos
deitavam-se menos, vocalizavam mais e estavam
menos tempo inactivas, do que as que viram os vitelos
serem removidos logo após o nascimento (Lidfors,
1996b). Por outro lado os vitelos apresentaram
aumento da frequência cardíaca e mais movimentos de
orelhas e da cabeça ao ouvir a "voz" da mãe em comparação com ruídos neutros (Marchant-Forde et al.,
2002). Stehulova et al. (2008) demonstrou que os
sinais de stress eram muito menores quando as vacas
eram transferidas imediatamente para outro edifício,
em estabulação livre com a restante manada, em
vez de serem mantidas na maternidade ou onde
conseguiam ver ou ouvir o vitelo.
É preciso relembrar que todos estes resultados se
referem apenas às raças leiteiras, essencialmente
Holstein-Frísia e Sueca-vermelha, já que será de
esperar comportamentos diferentes nas raças de carne.
Separação média – ao fim de 2 a 5 dias
Este é um método usado raramente nas explorações
portuguesas pois implica dedicação prolongada das
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RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125
maternidades, maior mão-de-obra e, na perspectiva do
produtor, implica maiores riscos para a saúde do
vitelo (observações pessoais). Isto apesar de estudos
confirmarem que, nas condições de campo, manter o
vitelo com a mãe durante mais de 24 horas reduz o
tempo até o vitelo de levantar, beber leite, defecar e
urinar (Metz e Metz, 1986; Edwards e Broom, 1985)
para além de garantir maiores níveis de IgG, desde
que o vitelo mame nas primeiras horas. Franklin et al.
(2003) demonstraram que os vitelos que ficaram com
as mães durante 3 dias eram desmamados mais cedo,
apesar de não haver diferenças em ganhos médios
diários e peso ao desmame.
O facto do vitelo mamar alguns litros durante alguns
dias (fase do colostro) não influencia o rendimento
directo da vaca pois esse leite não é aproveitado para
consumo humano. O rendimento a médio prazo
também não parece ser afectado apesar de alguns
trabalhos mostrarem que a libertação de prolactina e
ocitocina em resposta à máquina de ordenha é menor
e mais lenta nos primeiros dias pós-parto quando as
vacas estão a amamentar (Akers e Lefcourt, 1984).
Outro estudo não encontrou diferenças na produção,
condição corporal ou incidência de mastites em vacas
separadas imediatamente, ao fim de 1 dia ou de 4 dias
(Weary e Chua, 2000). Em contraste, há indicações de
que a amamentação poderá ter efeitos positivos sobre
a fisiologia e comportamento da vaca a longo prazo –
maior libertação de ocitocina na ordenha, maiores
níveis de insulina, menores níveis de cortisol, pressão
arterial mais baixa e comportamento mais calmo
(Lupoli et al., 2001).
A separação do vitelo ao fim de três dias conduziu
a alguns sinais subtis de stress na vaca, como seja o
aumento momentâneo da frequência cardíaca, mais
vocalizações e mais tempo a olhar para fora do parque
(Hopster et al., 1995). Não houve alterações do
cortisol plasmático. Os autores também demonstraram
que as vacas estavam mais tempo a comer depois de
separadas, mas concluíram que isto se devia ao facto
da manjedoura ser no mesmo local onde se colocavam
para olhar para fora do parque (Hopster et al., 1995).
Lidfors (1996a) mostrou que, depois da separação dos
vitelos às 96 h, as vacas que amamentaram
vocalizaram mais, ruminaram menos e deitaram-se
menos do que as testemunhas separadas imediatamente após o parto. Outros estudos mostraram que a
separação ao fim de dois dias causa alterações nos
parâmetros normais de alimentação e de sono de vacas
(Ruckebush, 1975) e que as vacas separadas aos 4 dias
exibem mais chamamentos (4 vezes mais) e com sons
de intensidade diferente das vacas não separadas
(Weary e Chua, 2000). Em contraste, um outro trabalho mostrou que duas em quinze vacas não reagiram à
separação e que seis em quinze só o fizeram durante
20 minutos (Lidfors, 1996b).
Os efeitos sobre o vitelo da separação média não
são muito evidentes. É admitido que os vitelos reco-
Stilwell G
nhecem a mãe pelo chamamento dos 4 aos 7 dias de
idade, mas só a reconhecem visualmente a partir do 8º
dia (Sambraus, 1971). Isto não quer dizer que não se
forme um elo materno antes disso, mas provavelmente
significa que a ligação não é suficientemente forte
para provocar reacções extremas quando a separação
se faz antes desse período. A variação individual no
tempo necessário para se estabelecer o elo pode
explicar alguns dos resultados contraditórios. Por
exemplo, os vitelos de um estudo não mostraram
sinais de procurar ou chamar pela mãe quando separados às 96 h e colocados numa box mesmo em frente
ao parque da mãe (Lidfors, 1996b) enquanto que um
outro mostrou comportamentos de frustração e stress
durante alguns minutos após a separação de vitelos
amamentados durante 4 dias (Sadem e Braastad,
2005). Observando os vitelos nas suas caixas individuais depois de períodos variáveis com as mães foi
demonstrado que aqueles que eram separados mais
tarde exibiam mais movimentos, estavam mais tempo
em pé e punham mais tempo a cabeça fora da box
(Weary e Chua, 2000). Poderá também ser significativa a observação de comportamentos positivos, como
interagir, lamber, mamar, etc., quando se reuniram
novamente vacas e vitelos que tinham sido separados
durante algumas horas (Sadem e Braastad, 2005).
Esta disparidade, ou a pouca relevância dos sinais
de stress que sucedem a separação, pode resultar de
dois factores: não foram estudados e medidos os sinais
mais significativos, ou a raça Holstein-Frísia não é
muito afectada pela separação. Estes dados são
interessantes se comparados com aqueles que resultam das mesmas observações em vacas de carne em
regime extensivo onde os sinais fisiológicos e
comportamentais são muito evidentes e prolongados.
Separação tardia – manutenção
prolongada do vitelo com a mãe
Geralmente a manutenção prolongada do vitelo com
a mãe não exclui a ordenha da vaca leiteira pelos
métodos mecânicos usuais, sendo a estratégia mais
frequente deixar o vitelo mamar duas vezes ao dia
seguido da ordenha. O sistema de deixar os vitelos
com a mãe durante períodos longos após o parto não é
habitual em Portugal, no entanto, porque tem
numerosos defensores noutros países e porque poderá
ser obrigatório nos sistemas de produção de leite
biológico, parece-nos importante referir alguns dos
efeitos imediatos e a longo prazo sobre a vaca e cria.
Um dos maiores receios quanto à manutenção dos
vitelos com as mães durante semanas após o parto é a
redução na produção leiteira ao longo desse período e
ainda as alterações fisiológicas (atraso na descida do
leite) e comportamentais (mais irrequietas na ordenha
etc.). Se bem que alguns estudos demonstrem
variações das produções (ver abaixo), há autores que
RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125
indicam não haver diferença em produção ou
comportamento na ordenha entre vacas separadas às
24 horas ou aos 14 dias (Flower e Weary, 2001). Estes
resultados foram idênticos independentemente da
paridade. Outros estudos indicam que não há
diferenças estatisticamente significativas nos níveis de
ocitocina entre animais ordenhados após amamentar e
aqueles que são apenas ordenhados (Tancin et al.,
2001) apesar de terem encontrado pequenas reduções
nos níveis de ocitocina nas primeiras ordenhas após a
separação ou quando as vacas eram ordenhadas na
presença do vitelo. Foi sugerido que as cabeçadas do
vitelo no período anterior à ordenha conduz a uma
mais completa descida do leite (Hafez e Limeweaver,
1968) podendo mesmo favorecer e estimular a
produção futura (Haley et al., 1998).
Comparando animais a amamentar durante 6
semanas enquanto também são ordenhados 3 ou 6
vezes ao dia, com vacas que apenas são ordenhadas,
descobriu-se que os animais a amamentar têm níveis
superiores de hormonas de crescimento e IGF-I,
iguais níveis de ocitocina e prolactina, maior ingestão
de matéria seca (apenas grupo das 6 ordenhas) e maior
perda da condição corporal (Bar-peled et al., 1995;
Tancin et al., 2001). Mas o resultado mais surpreendente foi a demonstração de que as vacas ordenhadas
3 vezes ao dia enquanto amamentam conseguiram
produções leiteiras globais superiores às que apenas
foram ordenhadas 3 vezes ao dia. Mais recentemente
de Passilé et al. (2008) contestaram estas conclusões
ao demonstrar que não havia vantagem em termos de
produção entre vacas que amamentavam e eram
ordenhadas duas vezes ao dia durante as primeiras
9 semanas pós-parto e aquelas que eram apenas
ordenhadas. Os autores sugerem que os níveis mais
baixos de ocitocina encontrados na ordenha das vacas
que também amamentavam, justificava essa diferença.
A possibilidade de que a separação depois de vários
dias ou semanas juntos pudesse influenciar a produção
e saúde dos animais, também foi investigada. Após a
separação definitiva do vitelo que esteve com a vaca
3-4 semanas, descobriu-se que a produção leiteira, os
níveis de ocitocina e a velocidade da descida do leite
só foram menores na primeira ordenha após a separação (Tancin et al., 1995). Um outro estudo mostrou
que os níveis de prolactina e ocitocina em resposta à
máquina de ordenha eram iguais aos 9 e 23 dias depois
da retirada de um vitelo que tinha estado com a mãe
durante uma semana comparado com vacas na mesma
fase da lactação, mas que tinham sido separadas logo
após o parto (Akers e Lefcourt, 1984). Comparando a
produção das vacas que continuam a amamentar os
seus vitelos durante 10 dias com as que foram apenas
ordenhadas desde o parto, mostrou-se uma menor
produção durante os cinco dias após a separação (-1,8
kg/dia), mas a mesma produção global nos primeiros
95 dias de lactação (Metz, 1987). O mesmo foi concluído num outro estudo (Walch, 1974) que comparou
121
Stilwell G
produção até à secagem de vacas separadas precocemente ou que amamentaram os vitelos por períodos
longos (6 a 12 semanas) – a produção foi 15%
superior nas que se mantiveram com os vitelos e a
incidência de mastites foi menor. Esta informação
parece indicar que as vacas que se mantêm com os
filhos recuperam alguma produção após a separação,
provavelmente devido aos factores fisiológicos e
comportamentais positivos que já foram descritos.
O risco da separação tardia ameaçar o bem-estar da
vaca e cria é uma possibilidade a ter em conta. As
vacas separadas ao fim de 14 dias apresentaram mais
chamamentos, movimentos aleatórios e olhar para o
exterior do parque, do que os animais-controlo
(Flower e Weary, 2001). O mesmo aconteceu com os
vitelos.
A comparação de vitelos amamentados durante 10
dias com os separados imediatamente após o parto
demonstrou que não existia diferença na velocidade de
habituação ao balde, mesmo sem ajuda humana
(Metz, 1987). Os vitelos mantidos com as mães
durante as primeiras semanas pós-parto, mostraram
maiores níveis de ocitocina (com conhecido efeito
anti-stress), enzimas gastro-intestinais, crescimento
mais rápido, menores níveis de cortisol e um limiar de
tolerância à dor mais elevado (Lupoli et al., 2001).
Também foram demonstrados indicadores de que a
manutenção das vitelas com a mãe pode ter vantagens
a longo prazo sobre a saúde e rendimento. Por
exemplo, vitelas separados mais tarde foram tratados
menos vezes para diarreia (Weary e Chua, 2000) e
cresceram três vezes mais (Flower e Weary, 2001). A
produção leiteira de novilhas que foram amamentadas
por longos períodos pela mãe, apresentam melhores
produções quando entram em lactação (Krohn, 1999).
Outros trabalhos com vitelas amamentadas pelas mães
durante 42 dias demonstraram que maior altura ao
garrote, maior ganho de peso, menor idade ao
primeiro parto e uma tendência para maior produção
de leite (Bar-Peled et al., 1997) Ainda mais interessante é a informação de que vitelos não separados,
mas que não mamavam directamente na mãe, apresentaram maior taxa de crescimento (Krohn, 2001). Roth
et al. (2008) demonstraram que os animais amamentados pelas mães durante 13 semanas, quer sejam
mantidos permanentemente com a vaca ou apenas
para mamarem, mostravam menos necessidade de
chuparem em objectos ou nuns nos outros.
Os vitelos separados ao fim de 14 dias mostraram
um relacionamento social mais intenso com animais
estranhos às 6 semanas de idade quando comparados
com aqueles que foram isolados ao fim de 1 dia
(Weary e Chua, 2000). Os vitelos amamentados por
uma vaca nas primeiras semanas de vida mostraram
mais actividade social do que os que foram isolados à
nascença (Le Neidre e Sourd, 1984). Esta diferença foi
mais evidente em animais de raça Saller do que
Frisian o que parece demonstrar que a genética
122
RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125
também terá alguma influência. Alguns autores
sugerem que presença maternal durante algum tempo
após o nascimento é importante para aprendizagem
social e reduz a timidez (Krohn et al., 1999).
Os efeitos do momento de separação sobre
reprodução futura
Uma outra questão frequentemente suscitada na
discussão da validade ou não da manutenção dos
vitelos com a mãe, é o reassumir da actividade
hormonal reprodutiva e portanto a influência sobre os
índices reprodutivos da vaca. Numa altura em que se
nota a infertilidade generalizada das vacas super-produtoras, poderá ser importante analisar até que
ponto este tipo de estratégia poderá alterar a situação.
Não existem muitos estudos em vacas leiteiras sobre
esta questão e por isso as conclusões são ainda
confusas e contraditórias. No entanto, grande parte
dos estudos efectuados em raças de carne mostra que
há uma correlação directa entre a presença do vitelo a
mamar e o atraso no momento do primeiro cio.
Em vacas leiteiras, a condição corporal, os níveis de
estradiol, de progesterona, de glucocorticóides, de
prolactina e de FSH não mostraram diferenças durante
os 14 dias pós-parto em vacas que amamentaram/ordenhadas ou foram apenas ordenhadas. No
entanto, a amplitude e frequência dos picos de LH
nos13 dias após-parto foram menores em vacas a amamentar (Carruthers et al., 1980b). Isto pode explicar
atraso na primeira ovulação que se demonstrou nesses
animais. No mesmo sentido um outro estudo confirmou que as vacas que amamentaram os vitelos
enquanto eram ordenhadas duas vezes ao dia,
mostraram um maior intervalo parto – 1ª ovulação
pós-parto (39,7 versus 21,2 dias) do que vacas apenas
ordenhadas. Também a frequência e a amplitude dos
picos de LH foram menores aos 7 e 14 dias pós-parto
nas vacas que amamentaram (Carruthers e Hafs,
1980a). No entanto, não foram encontradas diferenças
no tempo até concepção. Outros autores também
demonstraram diferenças entre vacas a amamentar e
vacas controlo no tempo até primeiro cio – 44 vs 31
dias (Krohn et al., 2001) e 66 vs 41 (Thomas et al.,
1981) – mas não encontraram diferenças no tempo até
gestação. Estes resultados parecem indicar que, apesar
do retomar da actividade hormonal completa se fazer
mais tarde nas vacas a amamentar, a fertilidade é
melhor quando finalmente são inseminadas.
Em contraste, Metz (1987), mostrou um reassumir
da actividade reprodutiva mais cedo nas vacas
separadas imediatamente após o parto (intervalo
parto-1º cio mais curto), mas também a um menor
intervalo parto-concepção comparado com as vacas
que amamentaram as crias (66 vs 97 dias).
Um estudo efectuado no México (Perez-Hernandez
et al., 2002), com vacas de duplo propósito que eram
Stilwell G
ordenhadas uma vez ao dia na presença do vitelo e
depois amamentavam vitelos durante o resto do dia,
demonstrou que atrasar a amamentação por 8 horas
após a ordenha manual, reduz o intervalo parto-1º cio
e parto-1ª ovulação.
Conclusões
Definir a melhor estratégia para separação do vitelo
da mãe depende do peso que se dá aos diversos
factores envolvidos. Por exemplo, o peso dos valores
éticos e de bem-estar são muito importantes em alguns
países europeus sendo por isso de esperar que um
período de manutenção do vitelo com a mãe se
mantenha ou prolongue.
Parece ser consensual que o bem-estar dos vitelos, e
mesmo das vacas, é melhor se os dois se mantiverem
juntos durante muitas semanas, mas não perece ser tão
óbvio quando se compara a separação imediata com a
manutenção durante o período de colostro (1 a 3 dias).
Nestes últimos casos os riscos sanitários e o stress da
separação são desvantagens que podem ultrapassar os
benefícios da amamentação. Por outro lado parece
estar comprovado que a produção leiteira global, a
saúde do úbere e mesmo os índices reprodutivos não
são afectados nas vacas que amamentam os vitelos
durante várias semanas.
Finalmente é também de levar em conta o facto de,
nalguns tipos de exploração, o método considerado
ideal para o bem-estar não ser exequível ou poder
conduzir a problemas mais graves.
Ou seja, apesar da abundância de estudos sobre o
assunto não parece ser possível estabelecer qual
o método que associe as maiores vantagens para o
bem-estar animal e para o rendimento da exploração.
Aliás as recomendações da EFSA sobre este tema,
emanadas do relatório final do Working Group in
Dairy Cow Welfare (in Press) comprovam exactamente isso: "The duration and management of the
period during which calves should remain with the
cow after parturition should be further studied" e "The
optimal time and procedure for separating the calf
from the cow needs to be further investigated."
No entanto, a apresentação que aqui se fez dos
estudos mais relevantes permitirá ao produtor escolher
mais racionalmente o método que melhor se adapta às
suas condições, aos seus desejos e às eventuais
exigências dos seus clientes.
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ARTIGO DE REVISÃO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
A produção de ovinos Damara e Dorper e de caprinos silváticos em
sistemas extensivos de produção na Austrália
The production of Damara and Dorper sheep and feral goats in extensive
production systems in Australia
André Martinho de Almeida*
IICT – Centro de Veterinária e Zootecnia & CIISA – Centro Interdisciplinar de Investigação em Sanidade Animal,
Faculdade de Medicina Veterinária, Av. da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa
Resumo: A pecuária australiana tem sido caracterizada desde o
início da colonização europeia por um predomínio de produção
de lã tendo como base a criação de ovinos de raça merina. Ao
longo da última década, uma série de factores, nomeadamente
uma redução dos preços da lã e o aumento dos custos com a
tosquia, têm contribuído para que estes sistemas tendam a ser
substituídos por outros menos convencionais: nomeadamente a
produção de ovinos de raças de pelo e a exploração de caprinos
silváticos. Os objectivos deste artigo são descrever as alterações
que afectam os sistemas extensivos tradicionais de produção de
lã na Austrália e quais as soluções apresentadas localmente por
cientistas, técnicos de extensão e agricultores.
Summary: Australian animal production is characterized since
the begining of the European colonization by a predominance of
wool production based on Merino stock. Over the last decade, a
series of factors, with special reference to a drop in wool prices
and an increase in shearing costs, has lead to the search for
alternative small ruminant production systems such as the use
of hair sheep breeds (Dorper and Damara) or feral goats.
The objective of this paper is to describe the advantages and
inconveniences of such an evolution.
Introdução
Factores limitantes de natureza ambiental, económica,
técnica, bem-estar e maneio animal condicionam e
definem os sistemas de produção animal em qualquer
região do mundo. Os ecossistemas mediterrânicos, em
especial os europeus em que Portugal se insere, têm
uma série de elementos em comum com as designadas
regiões semi-desérticas de continentes tão distantes
como a Austrália, os Estados Unidos ou a América do
Sul. Será lícito pois pensar que as evoluções e
alterações de variada ordem que afectam essas regiões
terão repercussões e poderão constituir exemplos de
interesse extremamente relevantes para os sistemas
produtivos existentes na Europa do Sul e concretamente Portugal. O melhor exemplo do anteriormente
*Correspondência: [email protected]
referido tem sido a aceitação e o êxito que
variedades de plantas pratenses desenvolvidas na
Austrália têm tido em países como Espanha, França,
Portugal, África do Sul ou Estados Unidos. Os objectivos deste artigo são descrever as alterações que
afectam os sistemas extensivos tradicionais de produção
de lã na Austrália e quais as soluções apresentadas
localmente por cientistas, técnicos de extensão e
agricultores. Este artigo resulta de um período de
permanência do autor no Dryland Research Institute
do Department of Agriculture of the Government of
Western Australia, Merredin (WA, Austrália) nos
meses de Setembro a Novembro de 2007.
A pecuária australiana caracteriza-se pela existência
no país de três tipos maioritários de sistemas de exploração de terra, diferenciados entre si essencialmente
pela pluviosidade de cada uma dessas regiões (ver
Figura 1a). Esses três sistemas são: a) zonas de
pluviosidade elevada; b) zonas de produção de trigo e
ovinos merino e c) zonas de pastorícia em sistemas de
ranching. Para informações detalhadas sobre os vários
sistemas de exploração de terra na Austrália recomenda-se a leitura de Jayasuriya (2007). A localização dos
três tipos de sistemas encontra-se descrita na Figura 1b.
O sistema existente em zonas de pluviosidade
elevadas caracteriza-se por uma produção animal e
vegetal de tipo intensivo, nomeadamente culturas de
elevada rentabilidade como frutos, milho ou a
produção de vinhos para exportação. No que diz
respeito à produção animal caracteriza-se pela
produção leiteira (raça Frísia), produção de carne
bovina (animais de raças do tronco britânico como o
Angus) e produção de ovinos merino (ver exemplares
nas Figuras 2a e 2b) e de raças britânicas para
produção de lã e carne (Jayasuriya, 2007).
O segundo sistema conjuga as produções de um
cereal, usalmente trigo para exportação com a
produção de lã, utilizando-se animais de raça merino
australiano. As rotações envolvidas neste tipo de
127
Almeida AM
sistemas são muito simples e incluem uma sucessão
de 2-3 anos de cultivo de um cereal de inverno,
seguido de uma cultura forrageira, habitualmente
lupinos e de um número varíavel de anos como
pastagem para ovinos. A principal produção deste
sistema é o trigo, seguido da lã (Jayasuriya, 2007).
A produção extensiva de ruminantes em sistemas de
ranching é uma das mais conhecidas aptidões da
pecuária da Austrália. Tal produção está baseada na
criação de bovinos de raças zebuínas ou de ovinos de
raça merina em regime extensivo em propriedades de
grande dimensão e utilizando-se àreas não aptas para a
produção de culturas agrícolas, tais como as ilustradas
na Figura 2c (Bindon e Jones, 2001; Chapman et al.,
1996; Khairo et al., 2007; Rovira, 1992).
As propriedades existentes no sistema de ranching
são conhecidas localmente por stations (estações)
envolvendo áreas de muitos milhares de hectares. As
estações são a forma dominante de produção pecuária
em grande parte do continente australiano envolvendo,
áreas em quase todos os estados: o interior e os 2/3
norte da Austrália Ocidental, o Território do Norte, o
Interior e o Norte de Queensland, o interior da
Austrália do Sul, Nova Gales do Sul e Victoria. Tal
região é conhecida localmente por outback.
O maneio dos animais nas estações é extremamente
simplificado na medida em que consiste apenas na recolha dos animais uma vez por ano para a marcação ou
ferra e consequente transporte para o mercado (bovinos)
ou para a tosquia (ovinos), sendo que os animais são
deixados soltos pela estação durante todo o ano alimentando-se de pastagens e arbustos expontâneos (Bindon e
Jones, 2001; Chapman et al., 1996; Khairo et al., 2007;
Rovira, 1992).
No que respeita aos ovinos e como já referido, a raça
usada neste sistema, assim como no de trigo e ovinos é
a raça merino australiano. A principal produção desta
raça é obviamente a lã, sendo que a carne é considerada
um subproduto, na medida em que apenas se aproveitam para produção de carne os animais de refugo com
carcaças de reduzido ou nulo valor comercial. O regime
extensivo de ranching impossibilita a prática de actividades de maneio como as castrações ou o acabamento,
comuns em outros sistemas de engorda de ovinos,
nomeadamente no sistema trigo e ovinos (Rovira, 1992).
A necessidade de alternativas à raça
merina na Austrália
Ao longo da última década, tem-se assistido a uma
série de factores de natureza exógena que têm condicionado fortemente a produção de lã australiana.
O mais importante desses factores consiste na queda
do preço da lã ao produtor que se tem vindo a verificar.
Essa queda do preço, faz com que muitas das unidades
de produção já não sejam tão rentáveis como seriam há
alguns anos atrás, pelo que muitos produtores ponde128
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
ram a conversão das actividades das suas estações.
Por outro lado, os elevados custos com mão-de-obra
de tosquia têm aumentado de forma significativa
recentemente contribuindo igualmente e à semelhança
do que se tem verificado noutros países desenvolvidos
para a perda de interesse de actividades relacionadas
com a produção de lã. A este factor junta-se a impossibilidade de se conseguir equipas de tosquiadores
para a época da tosquia dada a falta de interesse de
jovens pela actividade e a reforma dos tosquiadores
existentes, apesar do nível dos ordenados ser muito
superior aos de outros trabalhadores agrícolas. Para
colmatar esse facto recorre-se frequentememte à importação sazonal de mão-de-obra estrangeira, nomeadamente da Nova Zelândia, prática que se tem no entanto
revelado insuficiente, dadas as necessidades.
Um outro factor que tem contribuído de forma
significativa para a reconversão das explorações
extensivas tem sido uma sequência de vários anos de
seca, factor agravado por expectáveis alterações
climáticas motivadas pelo aquecimento global que se
esperam para os proximos anos. A seca limita por um
lado as disponibilidades de pastagem e água para os
animais domésticos e por outra leva à migração de
animais selvagens como o canguru vermelho ou a ema
provenientes de zonas desérticas para zonas de
pastagem onde competem com os animais domésticos.
Predadores como os dingos tendem igualmente a
seguir as migrações de animais selvagens e a aumentar
a predação sobre animais domésticos.
Finalmente, razões de bem-estar animal, têm levado
a que a prática de mulesing, necessária nas condições
de exploração australianas, esteja a ser progressivamente abandonada (Lee e Fisher, 2007; Petherick,
2006). O mulesing é comum em muitas zonas da
Austrália e consiste na remoção por meio de um
objecto cortante das pregas de pele em redor da cauda
do ovino merino. Tal prática tem como objectivo
impedir que determinadas espécies de moscas da
família Calliphoridae (conhecidas localmente por
blow flies) depositem os seus ovos na lã nessa área do
corpo do animal e dessa forma impedir que as larvas
se alimentem dos tecidos do hospedeiro (Townsend,
1987). Este problema provoca perdas substanciais na
medida em que os animais afectados perdem condição
corporal e a sua recuperação é extremamente díficil e
cara em condições extensivas. O mulesing permite
assim impedir a fixação dos ovos das moscas e o desenvolvimento da parasitose. No entanto, e dado ser realizado sem recurso a anestesia, tem encontrado forte
oposição junto de activistas de direitos dos animais e
prevê-se que seja uma prática proibida em todos os
Estados e Territórios Australianos a partir de 2010
(Blackman, 2005; James, 2006; Palmer, 2004).
A conjunção destes factores faz com que muitos
produtores estejam a perder o interesse pela produção
de merinos e procurem soluções alternativas que lhes
permitam melhorar os seus rendimentos. Tais soluções
Almeida AM
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
nomeadamente as raças Damara e Dorper ou a constituição de um efectivo caprino doméstico.
As raças ovinas Damara e Dorper
Figura 1 - Pluviosidade e Sistemas de exploração de terra na Austrália. a
- Distribuição da pluviosidade anual no continente australiano (adaptado
de Australian Meteorology Bureau); b - Sistemas de exploração de terra na
Austrália com ênfase para a produção de lã. Cada ponto azul representa a
produção de 100 toneladas de lã (Adaptado de Department of Agriculture
of Western Australia, State Government, Perth).
passam pela adopção de novas raças de pequenos
ruminantes e novos nichos de mercado, externos ao
mercado tradicional de lã australiano. As referidas
soluções passam pois pela reconversão progressiva de
um sector baseado na produção de lã para um sector
de produção de carne. Actualmente duas grandes
alternativas estão a ser ensaiadas: a substituição do
efectivo merino por raças ovinas mais rústicas,
A raça Damara tem como origem animais de cauda
gorda e desprovidos de lã (ovinos de pêlo) existentes
na Namíbia e criados pelas tribos Himba, Sjimba e
Herero. A instalação dos primeiros colonos alemães
no Sudoeste Africano (Namíbia) em finais do século
XIX terá deslocado estas tribos para o Norte da
Namíbia, e possivelmente para o Sul de Angola. Em
meados do século XX a Namíbia encontrava-se sob
administração sul africana, existindo a chamada "linha
vermelha", que impedia a passagem de animais do
Norte da Namíbia para o Sul por motivos sanitários.
Havia no entanto quem se dedicasse ao contrabando
de animais através desta linha. Em 1954, uma apreensão
de cinquenta animais ilegais por parte dos serviços
veterinários levou ao seu envio para a estação zootécnica de Omatjenne, onde principiou o desenvolvimento
desta raça nos moldes actuais, sendo que em 1986 se
formou a Associação de Criadores de Damara da
África Austral (de notar que na época a África do Sul
mantinha ainda a administração da Namíbia obtida na
sequência da primeira guerra mundial). Em 1990
(independência da Namíbia) a raça tinha-se já
espalhado por todo o território da Namíbia, bem como
algumas regiões mais desérticas da África do Sul
(Campbell, 1995; Du Toit, 2007).
O ovino Damara (ver Figura 3) poderá ser considerado um animal de tamanho grande em que ambos os
sexos têm cornos em forma de espiral, pernas compridas e acumulação de gordura ao nível da cauda. As
Figura 2 - Merino Australiano (a e b) e paisagem típica das regiões de exploração de ruminantes em sistema de ranching (c). a e b – Merredin Shire,
Western Australia; c – Shire of Westonia, Western Australia.
Figura 3 - Aspectos fenotípicos de ovinos de raça Damara. a – Carneiro Damara; b – Aspectos da cauda gorda em ovinos Damara; c - Heterogeneidade
de pelagens em ovinos Damara. Merredin Shire, Western Australia
129
Almeida AM
cores do Damara são muito variadas, indo do preto ao
branco, passando pelo castanho e ruão, tanto uniforme
como malhados. O pelo é curto ainda que durante o
Inverno e nos animais jovens um pelo mais comprido
surja ocasionalmente (Campbell, 1995).
O ovino Damara está particularmente bem adaptado
às condições semi-desérticas em que evoluiu. É
reputada por possuir uma elevada resistência ao calor,
capacidade de percorrer grandes distâncias e resistência a doenças e parasitas. Outra das características
particulares destes animais prende-se com o seu forte
instinto gregário o que possibilita um melhor maneio
em condições extensivas e reduz as perdas devido a
ataques de animais selvagens como chacais em África
e dingos na Austrália. A este propósito deve-se ainda
referir o forte instinto de protecção das ovelhas que
frequentemente investem contra predadores, cães e até
pessoas para protegerem os borregos (Du Toit, 2007).
De todas as raças de cauda gorda, a raça Damara é
provavelmente aquela que terá uma expressão comercial mais significativa. A raça Damara tem sido ao
longo da última década exportada para a Austrália,
onde se tem vindo a afirmar como uma alternativa
para os sistemas extensivos locais (Fleet et al., 2002),
ainda que haja uma forte resistência à sua introdução
na medida em que a introdução acidental da sua fibra
em lotes de lã fina para os mercados de exportação
tenda a desvalorizar esses mesmos lotes (Fleet et al.,
2001; Fulwood et al., 2002).
Tal como o Damara, o ovino Dorper (ver Fgura 4) é
uma raça oriunda da África do Sul. Esta raça surgiu
nos anos 20 do século XX, em resposta ao aumento da
procura de carne de borrego em Inglaterra, que por
sua vez aceitava bastante mal os animais de cauda
gorda até então muito utilizados na África do Sul. O
desenvolvimento do Dorper deu-se na estação de
Grootfontein e envolveu cruzamentos de Dorset Horn
com animais de raça Persa de cabeça Preta. O Dorper
deveria possuir boa prolificidade, qualidades de
carcaça aceitáveis, produzir um borrego de abate (para
o mercado inglês) com 4 a 5 meses em condições de
produção extensivas, resitência ao frio da estação seca
e ao calor da estação chuvosa, capaz de se reproduzir
durante todo o ano e de se alimentar de arbustos e
gramíneas de escasso valor nutritivo e ainda a ausência
de lã. Actualmente existem dois tipos de Dorpers, o de
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
cabeça negra e o de cabeça branca, sendo o primeiro
bastante mais difundido do que o segundo. O ovino
Dorper (ver Figura 4) poderá ser considerado um
animal de tamanho médio grande desprovida de
cornos, conformação maciça e excelente conformação
de carcaça. Possui uma pelagem homogénea com
corpo branco e cabeça preta. O pelo comprido do
Inverno tende a cair no início da Primavera (Milne,
2000; De Waal e Combrinck, 2000).
Esta raça permitiu elevar de forma significativa os
rendimentos da ovinicultura nas regiões do interior da
África do Sul, espalhando-se por todo o país, assim
como pela Namíbia. Na década de 60 existiam já dois
milhões de animais e hoje existem na África do Sul
mais de 7 milhões de animais. Para além da Namíbia,
encontram-se igualmente explorações com estes
animais em toda a África Austral. Foi igualmente
exportada para o Brasil – onde à semelhança do
caprino Boer, desperta bastante interesse dos criadores
nos estados do Nordeste – para a Austrália, Israel,
Arábia Saudita, México, Canadá e Estados Unidos
(Milne, 2000; De Waal e Combrinck, 2000).
No contexto australiano, estas raças apresentam para
os produtores várias vantagens: 1) Não necessitam de
ser ser tosquiadas pois são desprovidas de lã. Desta
forma evitam-se os gastos em tosquia, necessários e
obrigatórios em sistemas baseados na raça merina; 2)
São raças bastante rústicas, oriundas de zonas desérticas da África do Sul possuem uma reputação de estar
melhor adaptadas a condições de escassez de água e de
pastagem. Por outro lado o seu perfil alto e esguio
(Damara) permite-lhe percorrer maiores distâncias em
busca de alimento; 3) Ao contrário das raças ovinas
europeias, a raça Damara inclui na sua dieta uma proporção bastante grande de folhas e ramagens de arbustos, e cascas de árvore, podendo pois ser considerado
um browser à seme-lhança dos animais da espécie caprina; 4) Ao ter instintos gregários e de protecção muito
desenvolvidos, são capazes de impedir de forma eficaz
a acção de predadores como o dingo (cão selvagem
australiano); 5) A ausência de lã e a forma da cauda
impedem que ovos e larvas de moscas se fixem no seu
corpo, tornado assim desnecessária a prática de
mulesing; 6) No caso do Damara que se trata de um
ovino de cauda gorda, semelhante aos existentes no
Médio Oriente, a sua carcaça é muito apreciada nessas
Figura 4 - Ovinos Dorper. a – borregos dorper; c – detalhe da cabeça de um borrego dorper de cabeça preta; c – borrego dorper. Merredin Shire,
Western Australia
130
Almeida AM
regiões. O ovino Damara possui assim um elevado valor
para exportação nomeadamente para os países árabes
produtores de petróleo e com elevado poder de compra
e que realizam importações significativas de bens alimentares, nomeadamente de animais vivos para abate
segundo o ritual Halal. A raça Dorper não possui cauda
gorda mas tem uma excelente conformação o que a
torna particularmente adequada à exportação de carcaças para os mercados tradicionais de carne ovina
autraliana: Reino Unido, Europa Continental e América
do Norte (Burt et al., 2004).
Na Figura 5a apresentam-se as proporções de ovinos
merino e de outras raças nos vários estados australianos,
assim como um total nacional. Como é patente, a proporção de animais merino é muito superior em todos
os estados (de 68 a 92%), sendo que a de ovinos
não merinos ronda os 8-32% consoante o estado. No
estado da Austrália Ocidental, essa proporção ronda os
10%, sendo que os ovinos de cauda gorda (com
destaque para os Damara), constitutem já 4% do
efectivo. Uma proporção considerável, se se tiver em
conta que a introdução dos primeiros animais de
cauda gorda se realizou em meados da década de
1990.
Performances produtivas de ovinos
Damara e Dorper na Austrália Ocidental
As características produtivas da raça Dorper encontram-se amplamente estudadas sendo de destacar a
título de interesse a revisão sobre o assunto de Cloete et
al. (2000). Já a raça Damara e suas performances é em
grande parte desconhecida, tanto na África do Sul como
fora dela. Na Austrália, os dados produtivos de ambas
as raças são relativamente escassos e de difícil acesso, na
medida em que grande parte do conhecimento gerado ao
nível de ensaios experimentais se encontra disperso por
relatórios oficiais dos serviços e revistas técnicas
locais. Há a destacar os trabalhos de Kilminster (2007)
que compara a performance reprodutiva e de crescimento de animais de raça Damara, Dorper e Merino
Australiano e que parecem indicar uma superioridade
das duas raças Damara e Dorper face aos Merinos
(taxas de natalidade de 88, 93 e 22% respectivamente),
para aquele ensaio e ano em particular. No que respeita
ao crescimento dos borregos, há a destacar um peso
vivo aos 40 dias de 17,8 kg, 18,6 kg e 15,7 kg para
borregos machos Damara, Dorper e Merino respectivamente. Em fêmeas esses valores são respectivamente de
17,1 kg, 20,3 kg e 14,2 kg. Aos cinco meses, os borregos
machos pesavam 32,6 kg, 38,5 kg e 31,0 kg para
Damara, Dorper e Merino respectivamente, o que se
traduz num ganho médio diário entre as duas idades de
134, 181 e 139 g/dia. As fêmeas aos 5 meses pesavam
uma média de 29,6 kg para a raça Damara, 36,7 kg para a
raça Dorper e 28,2 kg para a raça Merino, com os ganhos
médios diários respectivos de 114, 149 e 127 g/dia.
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
a
b
Figura 5 - Proporções relativas de tipos de ovino nos Estados Australianos
e no da Austrália Ocidental. a - Proporções relativas de ovinos de raça
merina e restantes no cômputo geral do efectivo australiano total e por
estado. WA – Austrália Ocidental (Western Australia); SA – Austrália do
Sul (South Australia); QLD – Queensland; NSW – Nova Gales do Sul
(New South Wales); VIC – Victoria e Tas – Tasmânia. b - Proporções relativas de ovino merino, de cauda gorda (e cruzamentos) e dorper / raças
inglesas (e cruzamentos) no estado da Austrália Ocidental. Adaptado de
Burt et al. (2004) e Curtis et al. (2009).
Dado que grande parte destes animais são exportados vivos, os dados de qualidade da carcaça são ainda
mais escassos. É de destacar no entanto os dados
publicados por Scanlon et al. (2008) que parecem
apontar, em borregos de 7-8 meses das três raças
anteriormente mencionadas, para rendimentos de
carcaça de 39,8% em merino, 43,9% em Dorper e
42,7% na raça Damara.
Os caprinos silváticos
Salvo raras excepções, nomeadamente mamíferos
marinhos e morcegos, os mamíferos placentários
apenas foram introduzidos na Austrália aquando da
colonização humana. Alguns dos animais domésticos
introduzidos pelo homem escaparam ao seu controle e
estabeleceram populações selvagens ou silváticas. O
mais antigo desses animais é um canídeo chamado
dingo e com origem nos cães domésticos asiáticos,
tendo colonizado o continente Australiano há cerca de
4.000 anos com os primeiros aborígenes. A colonização europeia iniciada no século XVIII conduziu à
introdução, deliberada ou acidental, de vários
mamíferos e aves, essencialmente de proveniência
europeia. A mais conhecida dessas introduções foi a
do coelho que a partir de alguns animais libertados
131
Almeida AM
numa quinta no leste do país se estabeleceu num curto
espaço de tempo uma população de vários milhões de
animais. Outras introduções ocorreram no entanto
como a da raposa vermelha o que levou à extinção de
várias espécies endémicas, nomeadamente, répteis e
marsupiais. No que respeita aos animais domésticos,
várias espécies foram introduzidas na Austrália:
dromedários, cavalos, burros e búfalos de água
(animais usados para movimentar cargas e que o uso
do automóvel revelou desnecessários, tendo sido
abandonados pelos seus proprietários), mas também
porcos e principalmente cabras (Wilson, 1992).
À semelhança dos suínos, animais da espécie
caprina foram libertados na costa australiana no século
XVIII por marinheiros com vista ao aumento das
disponibilidades alimentares em caso de naufrágio. À
medida que a colonização se estendia ao interior
também as cabras acompanharam os pioneiros como
fornecedoras de leite e carne de baixo custo. No
entanto, intencional ou acidentalmente, muitos desses
animais escaparam aos seus proprietários, estabalecendo-se assim uma população silvática não só no
continente australiano como em pequenas ilhas
adjacentes e na Tasmânia (Mahood, 1983). A distribuição das cabras silváticas engloba a totalidade dos
estados de Nova Gales do Sul e Victoria, a metade
Oeste da Austrália Ocidental, o sul de Queensland, o
leste da Austrália do Sul e do Território do Norte,
assim como o norte e o leste da Tasmânia (ver Figura
6). Com efeito apenas as zonas verdadeiramente
desérticas do centro do país ou as zonas de floresta
tropical do norte de Queensland e do Território do
Norte não possuem estes animais, assim como algumas zonas de reservas naturais onde a sua população
tem sido controlada (Sharp et al., 1999). O governo
Figura 6 - Distribuição geográfica das cabras silváticas na Austrália.
WA – Austrália Ocidental (Western Australia); NT – Território do Norte
(Northern Territory), SA – Austrália do Sul (South Australia); QLD –
Queensland; NSW – Nova Gales do Sul (New South Wales); VT –
Victoria e Tas – Tasmânia (Adaptado de Department of Environment and
Heritage, Canberra, Austrália).
132
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
australiano estima que cerca de 2,3 a 2,6 milhões de
caprinos silváticos existam no país, sendo que no estado da Austrália Ocidental (WA) esses números sejam
de 750.000 (28 a 32%).
As cabras exercem uma pressão notável sobre o
ecossistema. Alimentam-se de espécies vegetais
autóctones, gramíneas, arbustos e árvores. Em
situações de seca e de sobrepastoreio, as cabras
destroem a vegetação autóctone, competem com os
animais selvagens e gado doméstico (nomeadamente
ovinos), conspurcam as fontes de água e contribuem
desta forma para o aumento da erosão e da desertificação em zonas ecologicamente muito frágeis e a sua
erradicação exige um esforço bastante grande por
parte das autoridades (Sharp et al., 1999).
A cabra silvática austaliana é frequentemente
considerada como uma raça ou tipo. No entanto, dada
a sua origem em múltiplas e desconhecidas raças e a
total ausência de critérios de selecção, verifica-se uma
elevada heterogeneidade de animais: pelo comprido
ou curto; côr do preto ao branco; tamanho muito
variado. Na Figura 7a apresenta-se um dos tipos de
animais que se podem encontrar na Austrália
Ocidental. No entanto, é de destacar a extrema adaptabilidade das cabras silváticas às duras condições
australianas, que faz com que sobrevivam em grande
número, mesmo em condições de seca que provocam
elevada mortalidade em ovinos domésticos.
Dado que a maioria dos colonizadores da Austrália
era proveniente das ilhas britânicas, país onde o
consumo de carne de caprino não é a pimeira escolha,
ao contrário dos países mediterrânicos, nunca se
estabeleceu um circuito comercial interno de carne de
caprino. Esse facto, assim como a inacessibilidade
e a parca população de grande parte do interior
australiano poderá explicar o elevado número de
animais existentes. Uma vez que historicamente
sempre se previligiaram as trocas comerciais com a
antiga metrópole, nunca se estabeleceu igualmente um
mercado externo de carne caprina. Assim, os caprinos
foram sempre considerados uma espécie a erradicar
ou a pelo menos tentar controlar (Parkes et al., 1994).
Ao longo dos últimos quinze anos a situação tem-se
alterado na medida em que a procura de carne de
caprino tem aumentado de forma significativa em
determinados mercados asiáticos (nomeadamente
Taiwan, Singapura, Malásia e Coreia), assim como o
mercado hispânico nos Estados Unidos da América ou
os países do Golfo Pérsico. Esse aumento da procura
levou a que Austrália seja actualmente o maior exportador de caprinos do mundo tendo no entanto uma procura interna muito reduzida (Ferrier e McGregor, 2002).
A exportação de carne caprina assenta essencialmente numa "actividade de extracção" das cabras silváticas,
ou seja na recolha dos animais nas estações em que eles
se encontram, de forma muito semelhante à praticada
na obtenção de carne de outros animais como por
exemplo o canguru cinzento (Thompson et al., 2002).
Almeida AM
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
Figura 7 - Caprinos silváticos australianos. a - Exemplar de caprino silvático australiano em liberdade; b e c – detalhes dos cercados usados para a
captura de caprinos silváticos. Shire of Shark Bay, Western Australia.
A recolha de cabras silváticas faz-se com recurso a
cercados móveis no interior dos quais se colocam
pontos de abeberamento (ver figuras 7b e 7c). A
entrada nos cercados faz-se apenas por meio de portas
unidireccionais que impedem a saída dos animais. Os
caprinos são assim recolhidos e transportados para
sacrifício por camião (mercados asiático e norte-americano) ou para exportação de animais vivos
(mercados do médio Oriente).
Performances produtivas de caprinos
silváticos
As performances produtivas dos caprinos silváticos
australianos são muito heterogéneas e têm sido alvo de
trabalhos de investigação de variados autores, envolvendo sistemas de extração como o anteriormente
descrito (Thompson et al., 2002). Recentemente tem-se procurado melhorar o rendimento e a confomação
das carcaças através do cruzamento de cabras
silváticas australianas com machos de raça Boer
(Mills et al., 2002; Kleeman et al., 2002; Sumarmono
et al., 2002). De igual forma têm-se realizado experiências de cruzamento com animais de raça Saanen
(Mcosker et al., 1998; Husain et al., 2000). Em ambas
as situações tem-se registado um aumento das
performances zootécnicas dos animais cruzados
comparativamente aos animais silváticos pelo que será
de esperar que num futuro próximo estes cruzamentos
se tornem prática comercial comum. Na Tabela 1 apresenta-se uma súmula de um conjunto de parâmetros
produtivos de caprinos silváticos, obtida a partir das
referências acima citadas. Os valores permitirão a sua
comparação tanto com sistemas de exploração com
características similares, assim como com sistemas
menos extensivos, nomeadamente de outras regiões do
globo. Finalmente, na Figura 8, apresentam-se curvas
de crescimento para animais de raça silvática
australiana e de animais cruzados de Boer. Tanto na
Figura 8 como na Tabela 1, é patente a vantagem em
termos zootécnicos dos cruzamentos de animais boer
com animais siváticos.
Conclusões
A produção de lã merina tem sido a base da
pecuária australiana ao longo dos últimos 150 anos,
utilizando-se para tal sistemas de exploração extensivos. Recentemente, tem surgido a necessidade de
substituição desses sistemas de exploração por outros
baseados em raças que requeiram menores inputs e
que exijam menos atenção por parte dos produtores.
Estes sistemas priveligiam o mercado de exportação,
com particular relevância para mercados emergentes
Tabela 1 - Parâmetros Produtivos de caprinos silváticos australianos e seus cruzamentos
Parâmetro Produtivo
Taxa Fertilidade caprino silvático puro
Cabritos por cabra prenha cap. Silvático puro
Taxa Sobrevivência de cabritos silváticos puro
Cabritos silváticos p/100 cabras silváticas à cobrição com macho silvático
Taxa Fertilidade caprino silvático cruzado Boer
Cabritos por cabra prenha cap. Silvático cruzado macho Boer
Taxa Sobrevivência de cabritos silváticos cruzados Boer
Cabritos silváticos p/100 cabras silváticas à cobrição com macho Boer
Ganho Médio Diário cabrito silvático (8 semanas)
Ganho Médio Diário cabrito silvático cruzado Boer (8 semanas)
Ganho Médio Diário cabrito silvático cruzado de Saanen (8 semanas)
Rendimento de carcaça (326 dias)
Percentagem de músculo (326 dias)
Rácio Músculo / Osso (326 dias)
Valor alcançado
93,4 %
1,58
91,1 %
132
93,4 %
1,55
89,1 %
129
130 g/dia
150 g/dia
145 g/dia
50,8 %
71,9 %
4,2
Referência
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
Kleeman et al. (2000)
McCosker et al. (1998)
McCosker et al. (1998)
McCosker et al. (1998)
Sumarmono et al. (2002)
Sumarmono et al. (2002)
Sumarmono et al. (2002)
133
RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134
Peso vivo (Kg)
Almeida AM
Silvático
Boer x
Silvático
Idade (dias)
Figura 8 - Curvas de crescimento de animais de raça silvática e cruzados
de Boer (nos dois casos em ambos os sexos), dos 45 aos 495 dias.
Adaptado de Mills et al. (2000).
como o Sudeste Asiático ou as nações Árabes do
Golfo Pérsico. Esta situação é extremamente interessante e poderá ser considerada como um exemplo de
evolução e adaptabilidade de sistemas produtivos
praticados em zonas semi-desérticas que, se
exceptuarmos as devidas salvaguardas sanitárias,
encontram paralelo noutras zonas do globo nomeadamente a África Austral, o Sudoeste dos Estados
Unidos da América o Nordeste do Brasil, a Ásia
Central ou mesmo a bacia do Mediterrâneo.
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ARTIGO DE REVISÃO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Demodicose canina
Canine demodicosis
José Pedro A. Leitão1, João Paulo A. Leitão2*
1
União Zoófila, Rua Padre Carlos dos Santos, São Domingos de Benfica, Lisboa
Centro Médico Veterinário de Cabeço de Mouro, Rua António Tomás Botto, lote3, loja1, Urbanização Cabeço de Mouro.
2785-008 São Domingos de Rana
2
Resumo: A demodicose canina (DC) surge pela multiplicação
exagerada de ácaros do género Demodex. Existem três espécies
descritas de Demodex no cão, sendo a D. canis a mais frequente.
No desenvolvimento da doença interferem vários factores que
condicionam um desequilíbrio na regulação da população
dos ácaros na pele, no qual a predisposição hereditária e a
imunidade celular têm um papel chave. A observação
microscópica do produto da raspagem cutânea permite, salvo
algumas excepções, obter um diagnóstico definitivo e rápido. A
possível presença de outras patologias em simultâneo deve ser
investigada pois influencia o sucesso terapêutico. Estão
descritas várias formas de apresentação de DC, as quais ditam
qual a abordagem diagnóstica e terapêutica a adoptar. O
tratamento é, na maioria dos casos, bem sucedido e existem
poucas recidivas se se cumprirem os protocolos terapêuticos e o
seguimento adequado.
Summary: Canine demodicosis (CD) emerges from exagerated
proliferation of demodectic mites. D. canis is the most frequent
of the three species of Demodex mites in the dog. The course of
disease depends on multiple factors, wich may disrupt the
regulation of skin mite populations. Immunity and genetics play
an important role in the development of CD. Skin scrapings
offers a quick and easy diagnosis in most cases. Concurrent
diseases should be investigated as they influence the treatment
outcome. CD has different clinical presentations. Diagnostic
approach and terapeutics depends on the age of onset of disease
and affected body surface. Prognosis is often good and few
relapses occurs if apropriated treatment protocol and follow-up
are taken.
1996). O tratamento depende das formas de apresentação da doença, é geralmente bem sucedido mas pode
ser bastante difícil e prolongado.
Etiologia
A DC resulta da proliferação excessiva de ácaros
do género Demodex (Figura 1) na pele dos cães
(Guaguère, 1991).
Além de D. canis foram relatadas mais duas
espécies de Demodex no cão: uma forma curta denominada D. cornae, e uma forma longa denominada D.
injai (Tabela 1) (Medleau e Hnilica, 2006). A "forma
curta" apresenta características morfológicas distintas
Introdução
A demodicose canina (DC), dermatite resultante da
multiplicação excessiva de ácaros do género Demodex
na pele dos cães, é uma doença multifactorial onde a
presença do ácaro se conjuga com factores genéticos
e imunológicos do animal (Griffin et al., 1993). A
raspagem da pele em profundidade permite com
facilidade a detecção de ácaros do género Demodex
em cães afectados por esta doença (Mathet et al.,
*Correspondência: Tel/Fax: + 351 214456566
Figura 1 - Raspagem de pele. Note-se a multiplicação excessiva de
ácaros D. canis (objectiva 10x) (original).
Tabela 1 - Dimensões das três espécies do género Demodex (Ferrer,
1997; Scott et al., 2001; Gross et al., 2005)
Demodex canis
Macho adulto
40-250 µm
Fêmea adulta
40-300 µm
Demodex cornae
90-148 µm
abdómen largo
e truncado
Demodex injai
334-368 µm
135
Leitão JPA e Leitão JPA
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
Figura 4 - Raspagem de pele. Ninfa de D. canis (objectiva 40x)
(original).
Bettenay, 1999; Gross et al., 2005) (Figura 6). Até à
data só está descrito na DC generalizada adulta, especialmente nas raças terriers e seus cruzamentos
(Medleau e Hnilica, 2006). O West Highland White
Terrier parece ter a maior incidência (Medleau e
Hnilica, 2006). O modo de transmissão destas espécies é ainda desconhecido (Medleau e Hnilica, 2006).
Figura 2 - Raspagem de pele. Larva e adulto de D. canis (objectiva 40x)
(original).
Ciclo de vida
e habita preferencialmente o estrato córneo da
epiderme (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al.,
2005) (Figura 5). Na maioria dos casos encontra-se
em associação com D. canis (Scott et al., 2001). Os
ácaros da espécie Demodex injai parecem habitar os
folículos pilosos e as glândulas sebáceas (Mueller e
O ciclo de vida de D. canis é homoxeno, tem
duração aproximada de 18 a 35 dias e compreende 4
estádios evolutivos: ovo fusiforme; larva hexápoda
(Figura 2); ninfa e adulto, ambos octópodes (Nesbitt e
Ackerman, 1998) (Figuras 3 e 4). O ácaro habita os
folículos pilosos, as glândulas sebáceas ou, mais raramente, as glândulas sudoríparas apócrinas, alimentando-se de células, secreções e detritos epidérmicos
(Mur, 1997). A presença do ácaro em localizações
extra cutâneas (linfonodos superficiais e profundos,
parede intestinal, baço, rins, bexiga, pulmões, tiróide,
sangue, leite, urina e fezes) resulta da drenagem
linfática e sanguínea após ruptura folicular (Scott et
al., 2001; Gross et al., 2005). Em condições clínicas,
os ácaros da espécie D. canis não sobrevivem fora dos
folículos pilosos, na superfície corporal ou fora do
hospedeiro (Ferrer, 1997).
Transmissão
Figura 3 - Raspagem de pele. Fêmea adulta e ovo de D. canis
(objectiva 40x) (original).
136
A transmissão de D. canis ocorre por contacto
directo da progenitora para a sua ninhada, ou entre os
cachorros da ninhada, durante as primeiras 48 a 72
horas pós-parto (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005).
A transmissão intra-uterina parece não acontecer pois
Leitão JPA e Leitão JPA
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
Figura 5 - Raspagem de pele. Demodex cornae (objectiva 40x)
(original).
Figura 6 - Raspagem de pele. Demodex injai (objectiva 10x) (original).
em cachorros abortados ou nascidos por cesariana e
separados das mães infectadas não foi possível
demonstrar ácaros (Leitão e Oliveira, 2003). O modo
de transmissão de D. injai e de D. cornae não são
conhecidos. A DC não é considerada contagiosa entre
animais saudáveis após o período neonatal, uma vez
que a convivência entre cães com demodicose generalizada e cães saudáveis em ambiente confinado ou a
inoculação de soluções contendo ácaros na pele de
animais saudáveis não produzem doença evolutiva
(Mathet et al., 1996). Quaisquer lesões que surjam
curam espontaneamente (Nesbitt e Ackerman, 1998).
D. canis não é considerado contagioso para gatos ou
seres humanos (Tilley and Smith, 2004).
associação da DC com outras doenças hereditárias em
Beagles (ex. deficiência em factor VII) e por nas
ninhadas afectadas parte ou a totalidade dos cachorros
apresentarem DC generalizada (Scott et al., 2001). As
raças com presisposição para demodicose segundo
Hill, (2002) são: Boston Terrier, Jack Russel Terrier,
Scottish Terrier, Boxer, Bulldog, Chihuahua, Dalmata,
Daschund, Doberman pinscher, Dogue alemão, Galgo
afegão, Malamute do Alasca, Old English Sheepdog,
Pointer, Shar-pei, Weimaraner, West Highland White
Terrier. A eliminação dos animais demodécicos ou
portadores do ácaro (progenitores e crias) dos programas de reprodução permitiu a redução ou mesmo a
erradicação da doença em alguns canis de reprodução
(Scott et al., 2001). A análise da incidência de DC em
alguns canis de criação (Collies e Beagles) sugere
uma transmissão hereditária autossómica recessiva
(Scott et al., 2001; Gross et al., 2005).
Uma disfunção imunitária desempenha um papel
fundamental na patogenia da DC (Mathet et al., 1996).
A DC generalizada pode ser induzida por administração de soro anti-linfócito ou de altas doses de
corticosteróides e é observada em até 8% dos cães
adultos com hiperadrenocorticismo (Nesbitt e
Ackerman, 1998). No entanto, uma imunossupressão
generalizada não explica a maioria dos casos de DC
(Scott et al., 2001). Neste caso, cachorros com DC
generalizada deveriam desenvolver infecções virais,
pneumonias ou outras infecções sistémicas (Scott
et al., 2001). Da mesma forma, cães adultos com
neoplasias, sobretudo do sistema linforreticular,
ou submetidos a tratamentos imunossupressores
deveriam desenvolver DC (Scott et al., 2001).
Adicionalmente, cães com DC são capazes de
desencadear uma resposta humoral normal quando
vacinados contra esgana - hepatite infecciosa canina
(Scott et al., 2001).
Estudos sobre as populações de linfócitos
envolvidos na DC sugerem uma responsabilidade dos
linfócitos T citotóxicos activados por uma irregulari-
Patogenia
D. canis está presente em pequeno número como
comensal na pele e nos condutos auditivos em cerca
de 30% a 80% dos cães saudáveis, mas apenas alguns
desenvolvem a doença (Paradis, 2000; Gross et al,
2005). O agente etiológico não é, portanto, o responsável exclusivo pela patologia (Paradis, 2000).
Nalguns animais, a pele constitui um habitat
favorável para a rápida reprodução e crescimento de
D. canis, gerando a demodicose (Scott et al., 2001).
As condições específicas que favorecem esta proliferação anormal são apenas parcialmente conhecidas
(Griffin et al., 1993). Parece tratar-se de uma doença
multifactorial onde factores genéticos e imunológicos,
parasitários e bacterianos, ecológicos cutâneos e
ambientais se conjugam de forma intrincada (Leitão e
Oliveira, 2003). Os conceitos actuais assentam sobre a
coexistência de uma supressão da imunidade celular e
de uma predisposição hereditária (Griffin et al.,
1993).
A predisposição hereditária tem sido suportada pela
maior prevalência da doença em cães de raça pura, por
certas raças serem mais afectadas do que outras, pela
137
Leitão JPA e Leitão JPA
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
dade na função dos linfócitos T helper (Scott et al.,
2001; Gross et al., 2005). Documentou-se ainda uma
diminuição na produção de interleucina 2 (IL-2) e
do número de receptores para IL-2 nos linfócitos
circulantes (Mathet et al., 1996; Rhodes et al., 2004).
Estes dados indicam um defeito no processamento e
apresentação dos antigénios de D. canis que conduz a
uma resposta inadequada dos linfócitos T helper tipo 1
(Scott et al., 2001). Julga-se que este defeito nos
linfócitos T específicos para D. canis tem uma
componente hereditária de expressão variável (Scott
et al., 2001). A investigação nesta área permitirá
compreender melhor a patogenia e desenvolver
novas formas de tratamento. A criação de modelos
biológicos (usando enxertos de pele de cão em ratos
de laboratório) parece ser um avanço no estudo da
imunopatologia da demodicose (Scott et al., 2001).
Vários factores predisponentes para a DC generalizada, tais como a administração de fármacos imunossupressores (ex: anti-neoplásicos, corticosteróides,
progestagéneos), doenças sistémicas graves, stress
transitório (cirurgia, estro, parto, lactação) e infecção
por Dirofilaria sp. ou Trichuris vulpis, têm sido
sugeridos ou documentados (Griffin et al., 1993;
Rhodes et al., 2004). Apesar de não ter sido estabelecida em definitivo uma relação de causalidade,
diversas doenças metabólicas ou potencialmente
imunossupressoras têm sido associadas a casos de DC
generalizada no cão adulto: hiperadrenocorticismo
espontâneo ou iatrogénico, hipotiroidismo, diabetes
mellitus, neoplasias malignas, leishmaniose, blastomicose e outras micoses profundas (Medleau e Hnilica,
2006). Num estudo a propósito do tratamento de 22
casos de DC generalizada no cão adulto, Guaguère
demonstrou a existência de uma patologia subjacente
em 77,3% dos casos (Guaguère, 1991). Duclos et al.
(1994) e Lemarié e colaboradores (1996) obtiveram
resultados semelhantes (Ferrer, 1997).
A DC pode ser classificada segundo a apresentação
clínica e a idade de início (Nesbitt e Ackerman, 1998).
Na prática, a sobreposição é comum.
De acordo com a apresentação clínica são reconhecidos três tipos de DC: DC localizada (DCL), DC
generalizada (DCG) e pododermatite demodécica
(PD).
A DCL representa cerca de 90% dos casos de DC,
é mais frequente em cães jovens (até 12 meses) e
caracteriza-se pelo desenvolvimento de pequenas
áreas de alopecia (até seis) bem circunscritas, com
descamação e eritema variáveis, geralmente não
pruriginosas (Niemand e Suter, 1992; Rhodes et al.,
2004; Gross et al., 2005) (Figuras 7 e 8). Podem surgir
hiperpigmentação e comedões (Mathet et al., 1996).
Afecta sobretudo a face, a região periocular e as
comissuras labiais, o pescoço e os membros
anteriores, mas qualquer área do corpo pode estar
envolvida (Ferrer, 1997; Rhodes et al., 2004; Gross et
al., 2005). A piodermite secundária é rara (Paradis,
2000). A evolução é benigna e na maioria dos casos
(cerca de 90%) há resolução espontânea em 6 a 12
semanas (Griffin et al., 1993; Rhodes et al., 2004). A
recidiva é rara mas as lesões podem aparecer e desaparecer no decurso de vários meses (Scott et al.,
2001). Cerca de 10% dos casos de DCL evoluem para
DCG, nalguns casos tão rapidamente que a forma
localizada passa despercebida (Ferrer, 1997; Rhodes
et al., 2004). A otite externa ceruminosa bilateral (otite
demodécica - OD), com ou sem prurido associado, é
uma apresentação muito rara nesta forma e pode ser a
Figura 7 - DC Localizada juvenil numa cadela com 6 meses de idade.
Lesão focal alopécica, descamativa e eritematosa na cabeça (original).
Figura 8 - DC Localizada adulta num Pequinês com 8 anos de idade.
Envolvimento do pescoço com lesão alopécica eritematosa (original).
138
Não parece haver predisposição sexual nem
influência da castração no desenvolvimento de uma
DC (Leitão e Oliveira, 2003; Gross et al., 2005).
Sinais clínicos
Leitão JPA e Leitão JPA
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
Figura 9 - DCG juvenil numa cadela com 5 meses de idade.
Distribuição multifocal de lesões alopécicas, eritematosas e descamativas na cabeça, pescoço e membros (original).
Figura 10 - DCG juvenil num Dogue de Bordéus com 12 meses de
idade. Distribuição generalizada de lesões alopécicas, eritematosas e
descamativas (original).
única manifestação clínica da doença, necessitando
tratamento específico (Nesbitt e Ackerman, 1998).
Não foram demonstradas alterações imunológicas em
cães com DCL (Gross et al., 2005). No entanto, um
defeito genético imunitário de expressão focal pode
estar presente na DCJ localizada permitindo a sua
evolução para a forma generalizada (Gross et al.,
2005).
A DCG, mais frequente em cachorros até aos 18
meses, é uma das dermatopatias mais severas dos
canídeos, podendo aparecer generalizada logo de
início ou sob a forma, mais comum, de múltiplas
lesões mal circunscritas que se agravam com o tempo
(Scott et al., 2001; Gross et al., 2005) (Figuras 9 e 10).
Considera-se a existência de DCG sempre que hajam
muitas lesões localizadas (mais que 12), envolvimento
de toda uma região corporal (ex: face) ou envolvimento completo de duas ou mais extremidades podais
(Medleau e Hnilica, 2006). Casos intermédios, com
6 a 12 lesões localizadas, devem ser avaliados de
forma individual (Scott et al., 2001). A DCG afecta
sobretudo a cabeça, o tronco e os membros
(Knottenbelt, 1994; Gross et al., 2005) (Figura 11). O
abdómen é a região menos afectada, possivelmente
pela menor densidade pilosa (Scott et al., 2001). A OD
acompanha com frequência o envolvimento facial mas
pode ser a única manifestação clínica de DCG (Griffin
et al., 1993; Gross et al., 2005) (Figura 12). A pele
afectada pode apresentar eritema, edema e seborreia,
descamação, comedões, liquenificação, hiperpigmentação, pústulas, erosões, crostas ou ulceração
(Medleau e Hnilica, 2006). Ao longo do tempo, as
lesões crescem e coalescem, dando lugar a grandes
áreas afectadas (Mathet et al., 1996; Gross et al.,
2005). A piodermite secundária, comum na DCG,
acompanha-se de graus variados de prurido. O
autotraumatismo agrava as lesões primárias (Griffin et
al., 1993; Gross et al., 2005). Com a foliculite e a
furunculose surgem lesões pio-hemorrágicas com
exsudados abundantes e formação de crostas espessas
e aderentes, em especial na cabeça, pescoço e região
perianal (Scott et al., 2001). Podem mesmo gerar-se
trajectos fistulosos e com o mínimo traumatismo
ocorrer perda de tecido cutâneo (Mathet et al., 1996;
Gross et al., 2005). O dono pode optar pela eutanásia
devido à gravidade das lesões (Mathet et al., 1996).
Animais com piodermite profunda podem revelar
sinais de septicémia com febre, anorexia, letargia e
Figura 11 - DCG juvenil numa cadela com 6 meses de idade. Lesões de
furunculose com eritema, alopecia e seborreia (original).
Figura 12 - Mesmo animal da figura anterior mostrando otite demodécica associada a envolvimento facial grave (original).
139
Leitão JPA e Leitão JPA
debilitação (Gross et al., 2005; Medleau e Hnilica,
2006). A linfadenopatia periférica é geralmente
marcada e generalizada (Niemand e Sutter, 1992).
Staphylococcus intermedius é a bactéria isolada
com maior frequência (Scott et al., 2001). Outras
bactérias importantes incluem Pseudomonas aeruginosa (causando piodermite grave e especialmente
refractária ao tratamento na PD) e Proteus mirabilis
(Scott et al., 2001).
Podem surgir formas atípicas caracterizadas por
múltiplos nódulos (com 2 a 3 mm de diâmetro) ou
alopecias focais bem demarcadas, sobretudo nas raças
braquicefálicas como o Bulldog inglês, o Boxer e
Pittbull Terriers, bem como no Shar-pei (Scott et al.,
2001; (Gross et al., 2005) (Figura 13).
A PD, quando ocorre isoladamente, pode ser o resultado de DCG que curou completamente com excepção
das extremidades podais ou ser a única manifestação da
DC (Mur, 1997; Gross et al., 2005) (Figura 14). Um
inquérito rigoroso permite distinguir os dois casos
(Lopez, 1998). Apesar da doença estar confinada
às extremidades podais, alguns destes cães têm
populações de ácaros mais numerosas que o normal nas
zonas de pele clinicamente saudável (Scott et al., 2001).
Caracteriza-se por uma dermatite papulonodular com
eritema, edema e dor, prurido, alopecia, hiperpigmentação, liquenificação, seborreia, crostas, pústulas,
bolhas e fístulas envolvendo as áreas digital, interdigital e palmar/plantar (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross
et al., 2005). Esta apresentação é particularmente
propensa a infecção bacteriana secundária, podendo
tornar-se crónica e resistente ao tratamento (Mur,
1997). Algumas raças são especialmente afectadas pelo
desconforto e dor da PD: Bobtail, Cão da Terra Nova,
Dogue Alemão e São Bernardo (Scott et al., 2001).
As infestações por D. injai caracterizam-se
tipicamente por seborreia oleosa sobretudo na região
dorsal do tronco mas podem surgir outras lesões como
alopecia, eritema, hiperpigmentação e comedões
(Medleau e Hnilica, 2006).
Segundo a idade em que surge, a DC pode ser
designada como juvenil ou adulta (Ferrer, 1997).
Figura 13 - Forma nodular de demodicose canina numa American
Staffordshire Terrier com cerca de 5 meses de idade (original).
140
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
A DC juvenil (DCJ) é tipicamente observada em cães
desde as 6 semanas até aos 12 a 18 meses de vida
(Nesbitt e Ackerman, 1998). A grande maioria apresenta a forma localizada mas alguns exibem a forma
generalizada desde a infância (Nesbitt e Ackerman,
1998). Parece haver maior incidência nos cães de porte
médio ou grande. A DC generalizada juvenil (DCGJ)
pode ser causada por D. canis bem como por D. cornae
(Medleau e Hnilica, 2006). Julga-se que resulta de um
defeito genético na resposta imunitária específica
contra D. canis (Scott et al., 2001).
A DC adulta (DCA) pode ser causada pelas três
espécies de Demodex e surge em cães com mais de 2
anos de idade (após os 4 anos segundo alguns autores)
(Guaguère, 1991). Nestes casos, doenças concomitantes devem estar presentes para romper o equilíbrio
que permitiu durante anos a existência de ácaros do
género Demodex como parte da fauna cutânea normal,
promovendo a rápida multiplicação do parasita
(Ferrer, 1997). Embora alguns casos relatados
representem animais que "transportaram" a doença
não diagnosticada desde a idade juvenil, a maioria
resulta de condições imunossupressoras na idade
adulta (Ferrer, 1997). A história clínica deve permitir
diferenciar as situações.
Diagnóstico
O método diagnóstico de eleição da DC é a
observação microscópica do produto da raspagem
de pele. O tricograma e a histopatologia de biópsias
de pele podem ser úteis em determinados casos. Os
dados epidemiológicos (idade, raça, existência de
outros membros da ninhada afectados, história
familiar da doença), a anamnese (idade em que surgiu
a doença, evolução, resposta a terapêuticas anteriores)
e o exame clínico permitem obter informação adicional importante para elaborar o plano terapêutico.
A raspagem de pele, além do diagnóstico, permite a
monitorização do animal ao longo do tratamento
(Bensignor, 2002). Todas as lesões de pele, sugestivas
Figura 14 - Pododemodicose no mesmo animal da figura 10.
Tumefacção digital devido a furunculose secundária a demodicose
generalizada (original).
Leitão JPA e Leitão JPA
ou não de DC, devem ser objecto de raspagem e observação microscópica em pequena ampliação (Leitão e
Oliveira, 2003). As raspagens devem ser profundas e
extensas, evitando zonas de elevada fragilidade (a
hemorragia produzida prejudica a interpretação), com
fibrose ou hiperqueratose acentuada (a probabilidade
de captar ácaros nas raspagens é reduzida) (Medleau e
Hnilica, 2006). Por vezes é necessária a sedação para
obter boas raspagens, sobretudo em áreas difíceis
como os lábios, as pálpebras e os espaços interdigitais
(Griffin et al., 1993). O diagnóstico assenta na
demonstração de elevado número de ácaros adultos
vivos ou de um elevado rácio entre formas imaturas
(ovo, larva e ninfa) e formas adultas (Mur, 1997). A
demonstração de um ácaro ocasional não oferece o
diagnóstico mas não deve ser ignorada pois é raro
encontrar D. canis na pele de cães saudáveis (Ferrer,
1997). Raspagens adicionais devem ser realizadas em
diversos outros locais antes de considerar improvável
a existência de DC (Scott et al., 2001). Embora a
raspagem de pele seja um teste rápido e simples, é
comum observar cães com DC que tiveram raspagens
de pele negativas para ácaros (Scott et al., 2001).
Apesar da sua menor sensibilidade, o tricograma
possibilita a recolha de material para diagnóstico em
áreas de difícil execução da raspagem (periocular, perinasal e interdigital) (Bensignor, 2002). Para a recolha
dos pêlos devem ser seleccionadas zonas de pele com
hiperqueratose superficial e folicular. O teste pode ser
negativo em casos de infestação ligeira e nunca deve
substituir a raspagem de pele na monitorização do
animal (Mueller et al., 2000; Scott et al., 2001).
Quando diversas raspagens negativas são obtidas de
um Shar-Pei ou de cães com hiperqueratose ou fibrose
cutâneas, em especial na região interdigital, a histopatologia deve ser realizada antes de descartar a DC
(Griffin et al., 1993; Mueller et al., 2000; Gross et al.,
2005). Mesmo não sendo demonstrados ácaros, a pele
de cães com DC apresenta padrões histopatológicos
característicos (foliculite mural, dermatite nodular e
foliculite e furunculose supurativas) (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al., 2005; Bettenay et al., 2006).
Figura 15 - DCG associada a dermatofitose num cão com 6 anos de
idade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia, descamação e
hiperpigmentação (original).
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
A realização de hemograma, perfil bioquímico
sérico, urianálise, exame fecal para helmintas e
pesquisa de Dirofilaria sp. permite a avaliação mais
completa do estado do animal e mesmo suspeitar ou
diagnosticar uma eventual doença sistémica concomitante. Esta avaliação deve ser realizada em todos os cães
com mais de dois anos com DCG, em cães que não
respondem ao tratamento ou que apresentam recidiva
da doença. Cães com DCG adulta devem realizar testes
de função da tiróide e das glândulas adrenais. Casos
precoces de hiperadrenocorticismo podem ter apenas
expressão dermatológica (incluindo DCG) sem
quaisquer alterações laboratoriais ou sinais sistémicos
clássicos (Griffin et al., 1993). Em cerca de 30% a 60%
dos casos não é possível determinar uma patologia
associada no momento do diagnóstico, sendo prudente
implementar uma vigilância regular, já que doenças
sistémicas graves ou neoplasias podem evidenciar-se
semanas ou meses depois (Mathet et al., 1996).
Diagnóstico diferencial
As situações a considerar mais frequentemente para
o diagnóstico diferencial são: piodermite bacteriana
(superficial ou profunda), dermatofitose, hipersensibilidade (dermatite por alergia à picada de pulga,
hipersensibilidade alimentar, atopia, dermatite de
contacto) e doenças cutâneas imunomediadas
(complexo pemphigus, lúpus eritematoso sistémico,
dermatomiosite facial) (Niemand e Sutter, 1992;
Rhodes et al., 2004; Gross et al., 2005). A raspagem
de pele bem realizada é usualmente diagnóstica, pelo
que a DC não deverá ser confundida com outras
doenças (Leitão e Oliveira, 2003).
Raspagens de pele positivas para D. canis não
devem impedir a realização de outros exames dermatológicos como o exame micológico cultural e a
citologia cutânea. Animais com DC e outras doenças
concomitantes têm sido identificados pelos autores
(Figura 15 e 16). A citologia cutânea torna-se útil para
dirigir a antibioterapia empírica ou sugerir a necessidade
Figura 16 - DCG adulta associada a hiperadrenocorticismo num cão
com 10 anos de idade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia,
seborreia e hiperpigmentação. Note-se a distensão abdominal e a atrofia
muscular das coxas (original).
141
Leitão JPA e Leitão JPA
absoluta de antibiograma (caso evidencie bastonetes
Gram negativos). A leishmaniose pode coexistir com a
DC (Oliveira et al., 2002). Os autores já diagnosticaram quatro cães com DCG e leishmaniose
concomitantes e sugerem a pesquisa de Leishmania
spp., sobretudo nas regiões onde a doença é endémica.
Tratamento
Embora o tratamento varie com a forma de apresentação da doença, alguns princípios gerais são comuns
(Mathet et al., 1996).
O uso de fármacos corticosteróides, em qualquer
dose ou forma de apresentação, está contra-indicado
já que o seu efeito imunossupressor pode levar à
progressão da doença da forma localizada à forma
generalizada (Hill, 2002). Exceptuam-se as situações
que implicam risco de vida para o animal (Scott et al.,
2001; Hill, 2002).
A piodermite bacteriana, o prurido e a seborreia
devem ser controlados, quer se institua ou não um
tratamento acaricida específico (Medleau e Hnilica,
2006). O uso de colares isabelinos ou de T-shirts ajuda
a minimizar o autotraumatismo resultante do prurido e
o agravamento da piodermite (Griffin et al., 1993). O
uso de anti-inflamatórios não esteróides no maneio
inicial da piodermite ajuda a controlar o prurido ao
reduzir a inflamação, a dor e o edema muitas vezes
presentes. Quando o prurido é intenso associamos
anti-histamínicos sem que surjam efeitos colaterais.
A gravidade e a extensão da infecção bacteriana
secundária condicionam o tratamento da piodermite.
Nas piodermites superficiais localizadas, o uso de
champôs à base de clorohexidina (2% a 4%)
(peso/volume) ou de peróxido de benzoílo (2,5%)
(peso/volume) pode ser suficiente (Griffin et al.,
1993). Vários autores preferem o peróxido de benzoílo pelas propriedades antibacteriana, antisseborreica
e antipruriginosa, auxiliando ainda na expulsão do
conteúdo dos folículos pilosos (efeito de flushing)
(Hill, 2002; Rhodes et al., 2004). A antibioterapia
sistémica deve ser associada nas piodermites generalizadas ou profundas (Hill, 2002).
O controlo da piodermite e da seborreia, ainda que
não seja total até que os ácaros sejam eliminados, permite reduzir a irritação cutânea, melhorar a penetração
dos acaricidas tópicos e diminuir a imunodepressão
provocada pelo componente bacteriano secundário
(Scott et al., 2001).
A recuperação da DC depende, pelo menos em
parte, de um bom estado geral. Devido ao carácter
imunodepressivo que acompanha a DC, os cuidados
básicos de saúde como a nutrição, a desparasitação e a
vacinação não devem ser descurados (Paradis, 2000).
A vacinação é geralmente adiada até que a piodermite
seja controlada. Qualquer patologia associada merece
tratamento imediato (Mathet et al., 1996).
142
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
Tratamento da DCL
O tratamento da DCL assenta em quatro premissas
importantes: é uma forma benigna que resolve
espontaneamente em cerca de 90% dos casos; o seu
tratamento não previne a progressão para a forma
generalizada nos restantes 10%; a percentagem de
cura de animais tratados e não tratados não diverge e
as recidivas são raras. De acordo com as premissas
referidas e pelo risco de selecção de estirpes
resistentes aos acaricidas específicos, o seu uso não é
recomendado no tratamento da DCL (Scott et al.,
2001). O tratamento, a realizar algum, deve ser
conservativo à base de peróxido de benzoílo (gel,
loção, creme, champô), aplicado 2 a 3 vezes ao dia e
no sentido de crescimento do pêlo, ou rotenona e
antibioterapia em caso de piodermite (Medleau e
Hnilica, 2006).
A raspagem de pele cada 4 semanas após o diagnóstico (com ou sem tratamento) permite monitorizar a
evolução da doença. Nas lesões em regressão, as raspagens mostram poucas formas imaturas ou adultas.
Se as lesões progridem ou se a contagem de ácaros
aumenta, incluindo a relação formas larvares/formas
adultas, há progressão para a forma generalizada
da doença e o tratamento acaricida específico está
indicado (Griffin et al., 1993; Hill, 2002).
Tratamento da DCG
Apesar do conhecimento sobre a doença ter evoluído
consideravelmente nos últimos anos, continua a ser
uma doença de difícil tratamento, com frequência
oneroso e desgastante para o proprietário (Scott et al.,
2001). A discussão acerca da etiopatogenia, da gravidade dos sinais clínicos, dos tratamentos disponíveis e
do prognóstico da DCG, permite obter confiança e um
maior envolvimento do dono, essencial para o sucesso
do tratamento. A compreensão dos critérios de cura
(clínica, parasitológica e definitiva) é fundamental.
A eficácia do tratamento é monitorizada por raspagens de pele cada 2 a 4 semanas, idealmente sempre
nos mesmos locais (Paradis, 2000).
O tratamento deve ser prolongado por pelo menos
mais 30 dias (60 dias para reduzir as recidivas) após a
obtenção das primeiras raspagens de pele negativas
simultaneamente em 6 a 8 locais diferentes. São então
realizadas novas raspagens. Se forem negativas, o
tratamento pode ser interrompido. Se as raspagens
ainda revelarem ácaros, o tratamento deve continuar
por mais 30 dias (60 dias quando se trata de recidivas)
seguido de novas raspagens (Scott et al., 2001; Hill,
2002; Rhodes et al., 2004).
A cura parasitológica é conseguida quando as
raspagens de pele não revelam ácaros (vivos ou
mortos) em qualquer estádio de desenvolvimento. A
cura definitiva é alcançada quando são obtidas raspagens negativas 4 semanas após a cura parasitológica e
depois cada 3 meses por um período de 12 meses
Leitão JPA e Leitão JPA
(Griffin et al., 1993). Note-se que a cura clínica
antecede em semanas a meses a cura parasitológica e
que muitas recidivas se devem à paragem precoce do
tratamento (Carlotti et al., 1996). A reavaliação
frequente permite reconhecer o desenvolvimento de
recidivas e instituir o tratamento adequado antes do
agravamento das lesões (Griffin et al., 1993; Hill,
2002).
Entre 30% a 50% dos cães com DC com menos de
1 ano de idade e em bom estado geral curam espontaneamente com tratamento sintomático (Paradis,
2000). Nestes casos há redução da contagem de ácaros
e melhoria clínica progressivas. Caso contrário, a cura
espontânea é improvável e o tratamento acaricida
específico está indicado. Cães com DCG e mais de 1
ano de idade necessitam sempre tratamento acaricida
(Scott et al., 2001).
Existem poucos fármacos eficazes contra ácaros do
género Demodex pelo que há que utilizá-los com
prudência. O tratamento da DCG baseia-se no uso de
acaricidas como o amitraz (tratamento tópico) e algumas lactonas macrocíclicas sistémicas (tratamento
sistémico). Apenas a milbemicina oxima e a moxidectina estão licenciadas pelo Instituto Nacional da
Farmácia e do Medicamento (INFARMED) para o
tratamento da DC, pelo que o proprietário deve
autorizar a utilização de fármacos não licenciados.
Tratamento tópico (amitraz)
Apesar de não licenciado pelo INFARMED para
este fim, o amitraz continua a ser uma opção no tratamento da DCG. Esta formamidina, com actividade
agonista α2-adrenérgica e inibidora das monoaminoxidases e da síntese das prostaglandinas, possui
uma acção acaricida baseada na perturbação da transmissão nervosa (antagonista ao nível dos receptores
da octopamina) (Hugnet et al., 1996; Rhodes et al.,
2004).
O amitraz é aplicado sob a forma de banho, por
diluição aquosa da emulsão comercial. Para maximizar os resultados do uso do amitraz, algumas
medidas preparatórias são indispensáveis:
1. Cães de pêlo médio/longo devem ser sujeitos a
tosquia completa, rente e regular de forma a melhorar
o contacto da solução aquosa de amitraz com a pele e
a sua penetração nos folículos pilosos (Hill, 2002).
2. Remoção de todas as crostas. Nalguns casos é
necessária a tranquilização ou mesmo anestesia, já
que a remoção de crostas espessas e aderentes pode
revelar-se muito dolorosa. O uso de agentes sedativos
agonistas α2-adrenérgicos (ex: medetomidina,
xilazina, benzodiazepinas) pode causar toxicidade
sinergística e deve ser evitado. Caso contrário, a
aplicação do amitraz deve ser adiada por 24 horas.
3. Banho completo com champô antisseborreico e
antibacteriano, idealmente antes de cada tratamento
com amitraz. O banho em sistema de whirlpool
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
(corrente suave de água) é benéfico. Estes procedimentos, essenciais para um contacto óptimo da
medicação com a pele afectada, podem conferir à pele
um aspecto irritado. De seguida, o animal é gentilmente enxugado com uma toalha para não haver
diluição adicional da solução de amitraz na água
retida na superfície corporal (Hill, 2002). Outra opção
é aplicar o banho 12 a 24 horas antes da solução de
amitraz, embora a desejada actividade de flushing
folicular possa ser perdida neste intervalo.
4. A solução de amitraz deve ser aplicada continuamente em todo o corpo (nas zonas afectadas e não
afectadas) por um período mínimo de 10 minutos. As
extremidades podais devem ficar submersas ou
envolvidas por um pano embebido na solução e suavemente massajadas, especialmente em caso de PD
(Hill, 2002). O amitraz deve permanecer na pele por
duas semanas. A secagem com toalha ou a sua
remoção através de banhos, incluindo a água da chuva
ou de piscinas está contra-indicada (Hill, 2002). Se
as condições climatéricas constituírem um risco
importante para infecções respiratórias, o uso de
secador de ar quente ou a exposição a um radiador está
sugerido, embora o calor possa agravar o eritema e o
prurido. Se não for possível manter o animal seco
entre as aplicações de amitraz, a aplicação seguinte
pode ser antecipada.
5. A solução de amitraz deve ser usada imediatamente após a sua preparação. O amitraz, por oxidação
e acção dos raios ultravioletas, degrada-se em
N-metilformamidina, substância muito mais tóxica
do que a original. A solução de amitraz deve ser
conservada num recipiente opaco bem fechado e
armazenada ao abrigo da luz (Griffin et al., 1993;
Ferrer, 1997; Scott et al., 2001). Embalagens fora de
prazo, com depósito ou abertas há algum tempo não
devem ser utilizadas (Nesbitt e Ackerman, 1998).
O consenso mais generalizado consiste em iniciar
o tratamento com aplicações quinzenais de amitraz
na concentração de 0,025% (peso/volume). Este
protocolo permite obter percentagens de cura de 60%
a 80% em cães com DCG e idade inferior a 18 meses
(Nesbitt e Ackerman, 1998). Nos casos não responsivos ou quando após 8 a 10 tratamentos não se obtêm
raspagens negativas, está indicado aumentar a
frequência do tratamento para semanal, mantendo a
concentração a 0,025% (peso/volume) ou subindo
para 0,05% a 0,100% (peso/volume). Esta alteração
poderá ser indicada mais cedo se o quadro clínico se
agrava ou se as contagens dos ácaros aumentam ou
não diminuem (Griffin et al., 1993).
Nos casos refractários aos tratamentos quinzenais
ou semanais, recomenda-se utilizar outros fármacos
acaricidas (ex: lactonas macrocíclicas sistémicas) ou
usar o amitraz a 0,125% (peso/volume) em dias alternados em cada metade do corpo (Mathet et al., 1996).
Num estudo realizado por Medleau e Willemse
(1995), este protocolo mostrou uma percentagem de
143
Leitão JPA e Leitão JPA
cura de 81% (38/47) nos cães com DC não tratados
anteriormente com amitraz e de 75% (18/24) nos
casos refractários ao tratamento quinzenal ou semanal
(Griffin et al., 1993; Nesbitt e Ackerman, 1998). A
duração média do tratamento foi de 3,7 meses e não
foi observada toxicidade grave (Mathet et al., 1996;
Nesbitt e Ackerman, 1998).
Acredita-se que até 20% dos casos não atingem raspagens negativas ou recidivam quando o tratamento é
suspenso (Scott et al., 2001). Alguns casos requerem
tratamentos a cada 2 a 4 semanas por toda a vida para
controlar a população de ácaros e manter o animal
assintomático (Griffin et al., 1993).
Um estudo de Christophe Hugnet et al. (2001)
avaliou a eficácia da aplicação semanal de solução de
amitraz a 1,25% (peso/volume) associada à administração de antídotos (atipamezol e yohimbina) no
tratamento da DCG. Este estudo mostrou uma
percentagem de cura de 100% em 8 cães com DC com
idades compreendidas entre os 4 meses e os 12 anos,
previamente resistentes a múltiplos tratamentos de
amitraz. O número médio de banhos necessário para a
cura parasitológica foi de 3 (2-5). O seguimento a
longo prazo permitiu registar a ausência de recidiva 6
a 36 meses após o último banho e por 12 ou mais
meses em seis cães. É essencial testar este protocolo
num número elevado de cães com DCG antes de ser
recomendado (Hugnet et al., 2001).
A OD e a PD podem ser especialmente resistentes
aos tratamentos com a solução aquosa. Vários autores
recomendam a aplicação de amitraz em diluições
(volume/volume) desde 1:9 até 1:60 em parafina
líquida ou propilenoglicol duas a três vezes por
semana nas extremidades podais e no interior dos
condutos auditivos (Knottenbelt, 1994; Rhodes et al.,
2004). No caso de OD isolada, alguns autores sugerem a utilização de uma solução ótica ceruminolítica
antes de recorrer ao amitraz já que o potencial para
ototoxicidade ainda não foi suficientemente estudado.
Protocolos similares são sugeridos para lesões
localizadas, de forma diária ou em dias alternados
(Nesbitt e Ackerman, 1998).
Vários autores recomendam que a primeira
aplicação do tratamento tópico seja realizada na
clínica veterinária, não só pela necessidade de um
bom tratamento preparatório mas também como
forma de demonstração para o dono. A vigilância do
animal por um período de 12 a 24 horas permite
reconhecer rapidamente efeitos adversos do
tratamento (Griffin et al., 1993; Scott et al., 2001).
Os efeitos secundários mais comuns são sedação
transitória (pode durar 12 a 24 horas, sobretudo após
o primeiro tratamento) e prurido de intensidade
variável nas primeiras aplicações. O aparente agravamento dos sinais clínicos não deve conduzir à
interrupção do tratamento. À solução aquosa de
amitraz deve adicionar-se um emoliente e hidratante
para minimizar o efeito secante. Irritação cutânea,
144
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
letargia e midríase são menos frequentes e tendem a
reduzir com os tratamentos seguintes. Outros efeitos
secundários incluem reacções alérgicas (urticária e
edema), vómito, diarreia, hiperglicémia, hipotermia,
vasoconstrição, bradicárdia, convulsões e morte
aguda. Deve aplicar-se uma pomada oftálmica nos
olhos dos animais para proteger da acção irritante dos
champôs e do amitraz (Booth e McDonald, 1998;
Adams, 2001; Rhodes et al., 2004).
Cachorros com menos de 4 meses de idade, cães
geriátricos ou debilitados e raças miniatura são mais
sujeitos ao desenvolvimento de reacções adversas.
Nestes casos, o tratamento deve iniciar-se com
soluções mais diluídas [ex: 0,0125% (peso/volume)],
reduzir o tempo de contacto com a solução ou tratar
apenas metade do corpo de cada vez. A concentração,
o tempo de contacto e a extensão da superfície
corporal tratada são gradualmente aumentados se os
primeiros tratamentos são bem tolerados (Griffin et
al., 1993; Booth e McDonald, 1998). O amitraz está
contra-indicado em cães de raça Chihuahua, em cães
diabéticos e também em fêmeas gestantes (por não
haver estudos de avaliação dos efeitos reprodutivos)
(Booth e McDonald, 1998; Tennant, 2005).
Ocasionalmente, os efeitos secundários tornam-se
progressivamente mais severos com os tratamentos
(Scott et al., 2001). A administração de yohimbina
(0,1 mg/kg IV) ou atipamezol (0,2 mg/kg IM) está
indicada para reduzir ou reverter as reacções adversas
importantes. A atropina beneficia alguns animais mas
pode induzir arritmias cardíacas e potenciar a
hipomotilidade gastrointestinal (Booth e McDonald,
1998; Nesbitt e Ackerman, 1998). Se se pretende
manter o tratamento com amitraz após reacções
adversas intensas, o uso profiláctico de yohimbina
(30 µg/kg SC 15 a 30 minutos antes de cada aplicação,
seguido de 10 µg/kg SC cada 3 horas, segundo
necessário, após o banho) está recomendado (Scott
et al., 2001).
Os tratamentos com amitraz devem ser realizados
em local bem ventilado e com uso de protecção pelo
tratador (luvas, máscara e avental). Deve ser evitado o
contacto com os animais logo após o tratamento
(Booth e McDonald, 1998). O amitraz é suspeito de
ser um agente carcinogénico para seres humanos.
Mulheres grávidas e diabéticos não devem manipular
o medicamento (Pucheu-Haston, 1999; Hillier et al.,
2004). Dermatite de contacto, náuseas, vómitos,
cefaleias do tipo enxaquecas, tonturas e episódios
asmatiformes podem afectar o tratador, mesmo que
não haja contacto cutâneo com a solução (toxicidade
por inalação). Os efeitos são mais prováveis em pessoas
medicadas com inibidores da monoaminoxidase (ex:
antidepressivos tricíclicos, anti-hipertensores e antihistamínicos) (Griffin et al., 1993). A solução concentrada de amitraz é inflamável até que se dilua em água
pelo que não deve ser manipulada próximo de faíscas
ou chamas (Tennant, 2005).
Leitão JPA e Leitão JPA
Alguns autores advogam que o uso de coleiras
impregnadas com amitraz a 9% (peso/peso) pode ser
eficaz em cães até 20 kg. A região cervical do animal
deve ser tosquiada para permitir o contacto óptimo da
coleira com a pele e a coleira deve ser renovada cada
2 semanas durante o tratamento. Segundo os mesmos
autores, para cães pequenos, pode ser tão eficaz como
a ivermectina (0,6 mg/kg/dia PO). Ainda, o uso
combinado de coleira impregnada com amitraz e de
ivermectina pode ter efeito sinergístico (Rhodes et al.,
2004; Medleau e Hnilica, 2006).
Tratamento sistémico
Algumas lactonas macrocíclicas como a ivermectina,
a milbemicina oxima e a moxidectina têm actividade
contra ácaros do género Demodex. Estes fármacos
actuam nos invertebrados estimulando a libertação
pré-sináptica do ácido gama-amino-butírico e potenciando a sua ligação aos seus receptores, provocando
o bloqueio neuromuscular, paralisia e morte do parasita (Kwochka et al., 1998). Para alguns autores,
aumentam a penetração dos iões de cloro no neurónio
pós-sináptico pela elevada afinidade pelos canais
cloro-glutamato (Guaguère, 1996; Paradis, 2000).
O uso destes fármacos está indicado em casos
resistentes ao amitraz, quando o amitraz produz
reacções adversas inaceitáveis ou quando a sua
aplicação se torna um problema para os donos (por ser
muito laborioso, implicar bastantes cuidados e ser
potencialmente tóxico). A sua administração a
cachorros com menos de 12 semanas de idade deve
ser rodeada de cuidados adicionais (Nesbitt e
Ackerman, 1998).
Devido à sua acção microfilaricida, os cães devem
apresentar resultados negativos nos testes de pesquisa
de Dirofilaria sp. antes de iniciarem o tratamento com
estes fármacos (Ferrer, 1997). Cães com DCG adulta
ou PD respondem menos do que cães com DCG
juvenil (Nesbitt e Ackerman, 1998). A duração média
de tratamento com as lactonas macrocíclicas é de 4
meses (3-9). O tratamento deve ser continuado por
pelo menos 1 mês após a cura parasitológica (2 a 3
meses para os casos que demoram mais a responder).
A milbemicina oxima é mais dispendiosa mas tem
menor potencial tóxico que a ivermectina e a moxidectina. A moxidectina é mais lipofílica que a
ivermectina e deve ser usada com precaução em
animais magros ou debilitados (Paradis, 2000).
Ivermectina
As formulações de ivermectina sob a forma
de solução injectável e pasta oral são susceptíveis
de administração oral a canídeos de forma não licenciada. O sabor destas formulações pode ser muito
desagradável para alguns cães, induzindo salivação
intensa e perda do medicamento, sendo recomendado
o uso de engodos. A ivermectina administrada na dose
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
de 0,3-0,6 mg/kg/dia PO tem mostrado percentagens
de cura entre 83% e 100% (Scott et al., 2001). Nas
doses superiores, as percentagens de cura são mais
elevadas e as recidivas menos frequentes (0% a 26%),
mesmo nos casos previamente refractários ao
tratamento com amitraz. Está recomendado iniciar
a administração de ivermectina na dose de 0,1
mg/kg/dia e incrementar em 0,1 mg/kg/dia até uma
dose máxima de 0,6 mg/kg/dia para minimizar o risco
de efeitos secundários (Lopez, 1998; Nesbitt e
Ackerman, 1998; Hill, 2002). A duração média do
tratamento até à completa resolução é de 10 a 12
semanas (Mathet et al., 1996) (Figuras 17 e 18). As
reacções adversas à ivermectina incluem midríase,
anorexia, hipersiália, tremores, letargia, depressão,
ataxia, distúrbios comportamentais, cegueira,
decúbito e mesmo coma e morte nos casos muito
graves (Booth e McDonald, 1998; Medleau et al.,
1996; Hill, 2002). Surgem habitualmente 4 a 12 horas
após a administração, são raras e na maioria dos casos
resolvem em alguns dias com a redução da dose ou a
suspensão da administração (Medleau et al., 1996).
Alguns casos necessitam de tratamento de suporte que
pode incluir fluidoterapia endovenosa, administração
de carvão activado, alimentação forçada e prevenção
de úlceras de decúbito (Ristic et al., 1995). A
administração de fisiostigmina e de picrotoxina
também está sugerida nas intoxicações graves
(Guaguère, 1996). A intoxicação pode surgir por
sobredosagem ou por reacção idiossincrática.
Numa investigação do Washington State University
College of Veterinary Medicine em Collies demonstrou-se que a sensibilidade acrescida aos efeitos
neurotóxicos da ivermectina resulta de uma mutação
por delecção do gene MDR1 (gene Multiple Drug
Resistance 1) (Mealey et al., 2001). Esta mutação
provoca uma deslocação de fase que gera uma stop
codon prematura no gene MDR1, resultando numa
proteína (glicoproteína-P) gravemente truncada, não
funcional. Ensaios com murganhos knockout
MDR1a(-/-) demonstraram que a glicoproteína-P
transporta activamente a ivermectina do tecido
cerebral para a circulação periférica, impedindo a sua
acumulação e a sua toxicidade neste tecido (Dicato et
al., 1997). Nos Estados Unidos da América, a
prevalência desta mutação nos Collies é relativamente
alta: 22% são homozigóticos para o alelo normal
(MDR1 selvagem/selvagem), 42% são heterozigóticos
portadores (MDR1 selvagem/mutante) e 35% são
homozigóticos para o alelo mutante (MDR1
mutante/mutante) (Mealey et al., 2002). Dados
semelhantes foram registados a partir de Collies de
França e da Austrália (Margo, 2007). Esta mutação foi
também demonstrada nas raças Pastor Australiano,
Pastor das Shetland, Pastor Alemão branco, entre
outras. Os animais homozigóticos para o gene mutante
exibem sensibilidade à ivermectina, os heterozigóticos
poderão ser sensíveis e os homozigóticos para o gene
145
Leitão JPA e Leitão JPA
normal não são sensíveis à neurotoxicidade da ivermectina. A ivermectina está por isso contra-indicada
nos homozigóticos para o gene MDR1 mutante já que
podem desenvolver reacções adversas graves mesmo
com doses únicas muito baixas (0,1 mg/kg) (Mealey et
al., 2001, 2002). Nos heterozigóticos, o seu uso deve
ser muito prudente. A sensibilidade acrescida está
também descrita no Bobtail (Nesbitt e Ackerman,
1998). A sensibilidade a outras avermectinas em
Collies e noutras raças de cães pastores também foi
referida (Tranquilli et al., 1991; Plumb, 2002). Sem o
acesso a este tipo de informação, o uso das avermectinas nas raças sensíveis identificadas reveste-se de um
risco importante, facto que deve ser compreendido e
aceite pelo proprietário. Dados preliminares de um
estudo sobre a administração de ivermectina (0,45-0,6
mg/kg) em dias alternados sugerem que o tratamento
diário pode não ser necessário. A associação do tratamento tópico semanal com amitraz à administração
oral diária de ivermectina pode desencadear neurotoxicidade grave (Scott et al., 2001; Rhodes et al.,
2004).
Milbemicina oxima
A milbemicina oxima usada na dose de 0,5-2
mg/kg/dia PO, mostra percentagens de cura de 15% a
92% (Nesbitt e Ackerman, 1998; Scott et al., 2001).
As doses mais elevadas estão associadas com as
melhores percentagens de cura. O tratamento dura em
média 3 meses (Nesbitt e Ackerman, 1998). Este
protocolo parece ser bem tolerado nas raças sensíveis
à ivermectina (Garfield e Reedy, 1992; Hill, 2002). As
reacções adversas (estupor, ataxia e tremores transitórios) são raras e desaparecem com a interrupção do
tratamento (Paradis, 2000).
Moxidectina
Existe pouca informação sobre o uso da moxidectina.
Administrada na dose de 0,2-0,4 mg/kg/dia PO,
mostra percentagens de cura entre 88% e 100%
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
(González et al., 1998). A duração do tratamento varia
de 2 a 5 meses (Lopez, 1998). As reacções adversas
(anorexia, letargia, tremores, ataxia e estupor) são
raras e passageiras (Paradis, 2000). Está também
disponível sob a forma de spot on com 2,5%
(peso/volume) de moxidectina para o controlo de
demodicose (causada por D. canis), na dose de 0,1
ml/kg preconizando 2 a 4 aplicações a cada 4
semanas, mas não especificando qual a forma da
doença (Bayer, 2003). Apesar do fabricante reportar
uma redução de 97,84% no número de ácaros nos cães
tratados com este regime, no final do estudo foram
encontrados ácaros num número significativo de cães
(Bayer, 2003). Muitos autores acreditam que a moxidectina neste regime não é eficaz para o tratamento
da DCG, recomendado mais estudos para avaliar a
eficácia de regimes não autorizados (Bonagura e
Twedt, 2009).
Doramectina
Há relatos de que a doramectina na dose de 0,6
mg/kg SC uma vez por semana é eficaz na DC com
percentagens de cura de cerca de 85%. As reacções
adversas (midríase, letargia, cegueira e coma) são
raras (Medleau e Hnilica, 2006; Bonagura e Twedt,
2009).
Em todos os trabalhos publicados, a percentagem de
cura clínica excede a verdadeira percentagem de cura,
com recidivas em 10% a 45% dos casos. As recidivas
podem surgir em qualquer altura mas são mais
observadas nos primeiros 3 meses após o fim do
tratamento, possivelmente por tratamento insuficiente. Se a recidiva surge nos primeiros 3 meses, o
tratamento mais vigoroso (dose e/ou frequência) com
o mesmo fármaco pode levar à cura. Se o segundo
tratamento falha ou se a primeira recidiva ocorre 9 ou
mais meses após o fim do tratamento, provavelmente
tratamentos adicionais com o mesmo fármaco não
conduzem à cura. Fármacos alternativos devem ser
usados.
Com os tratamentos actuais nem todos os cães com
DC alcançam a cura. Nestes casos, o dono pode
escolher entre o tratamento crónico de manutenção e a
eutanásia. Os autores acompanham dois casos em
tratamento com ivermectina em dias alternados (0,6
mg/kg) há cerca de 3 anos sem que tenham manifestado sinais de toxicidade. Outros autores relatam alguns
casos de tratamento oral cada 2 a 3 dias com
ivermectina ou milbemicina oxima por períodos de 4
ou mais anos, igualmente sem efeitos secundários
(Scott et al., 2001).
Imunoestimulantes
Figura 17 - O mesmo cão da figura 10, 87 dias após o início do tratamento. Note-se a melhoria significativa (original).
146
O uso de imunoestimulantes inespecíficos para
melhorar a resposta ao tratamento específico de DC é
advogado por alguns. Um medicamento imunológico
Leitão JPA e Leitão JPA
RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149
recente à base de Propyonibacterium acnes e E. coli,
que induz a activação de macrófagos, a proliferação e
diferenciação de linfócitos B e a produção de
citoquinas, vem colmatar uma lacuna na estratégia de
tratamento da DC. A utilização deste produto como
coadjuvante ao protocolo convencional acaricida pode
permitir reduzir a sintomatologia e o período de
recuperação da DC (Calier, 2006).
Prognóstico
O prognóstico varia com o tipo de demodicose, a
idade de início da doença e a presença de patologias
concomitantes. Os casos de DCL são mais benignos
do que os casos de DCG. A DCG juvenil tem prognóstico menos grave do que a DCG adulta. Os resultados
terapêuticos parecem variar em função da patologia
associada. As causas iatrogénicas e as causas não
identificadas têm melhor prognóstico (100% e 80% de
percentagens de cura, respectivamente) do que o
hiperadrenocorticismo espontâneo (57,1%) ou o
hipotiroidismo (25%). O tempo necessário para a cura
parasitológica parece depender da carga parasitária
inicial (Guaguère, 1991).
Prevenção
A ovario-histerectomia está recomendada por duas
razões: por a doença poder exacerbar ou recidivar
aquando do estro e por afastar as fêmeas afectadas das
linhas de reprodução. (Nesbitt e Ackerman, 1998;
Hill, 2002). Apesar de a American Academy of
Veterinary Dermatology recomendar desde 1981 a
esterilização dos animais com DCG e dos reprodutores
que geram ninhadas afectadas, enquanto o carácter
hereditário da doença não for definitivamente provado
será difícil implementar esta medida no universo dos
criadores de raças puras (Mathet et al., 1996; Gross et
al., 2005).
Conclusão
A DC é uma doença parasitária cutânea grave resultante da multiplicação exagerada de ácaros do género
Demodex na pele dos cães. Das três espécies de
Demodex spp. descritas, a espécie D. canis é a mais
frequentemente diagnosticada. Os ácaros do género
Demodex são habitualmente comensais. Um distúrbio
na regulação da sua população resulta numa multiplicação exagerada e no aparecimento da doença. Pensa-se que em cães jovens até 1 de idade este distúrbio
está relacionado com um defeito genético na resposta
imunitária específica contra o ácaro. Nos cães adultos
parece estar relacionado com outras doenças que
debilitem o sistema imunitário. A observação
Figura 18 - O mesmo cão da figura 8 após tratamento. Note-se a recuperação clínica completa (original).
microscópica do produto de raspagem cutânea é o
principal meio de diagnóstico. Em casos particulares a
biópsia ou o tricograma são necessários para o
diagnóstico. A DC pode manifestar-se por diversas
apresentações clínicas de acordo com a idade de início
da doença (forma juvenil ou forma adulta) e com a
área corporal afectada (forma localizada ou forma
generalizada). A anamnese permite, na maioria dos
casos, a sua distinção. A DC localizada e a DC juvenil
são mais benignas do que a DC generalizada e a DC
adulta. O tratamento da DC localizada é sobretudo
conservativo, baseado na aplicação tópica de champôs
e cremes anti-sépticos, evitando o uso de fármacos
acaricidas. O tratamento da DC generalizada baseia-se
no uso de acaricidas como o amitraz (tratamento
tópico) e algumas lactonas macrocíclicas sistémicas
(tratamento sistémico). O amitraz aplicado em solução
aquosa sobre a pele dos cães com demodicose permite
percentagens de cura elevadas. A utilização das
lactonas macrocíclicas revolucionou a abordagem
terapêutica, melhorando as percentagens de cura e
tornando o tratamento mais cómodo. Em todos os
casos a piodermite associada deve ser tratada. Apesar
das elevadas percentagens de cura podem surgir
recidivas em 10% a 20% dos casos. A investigação dos
factores genéticos e imunitários envolvidos na DC
pode permitir o desenvolvimento de novos fármacos
para o seu tratamento.
147
Leitão JPA e Leitão JPA
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R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Estudo parasitológico em bovinos leiteiros da microrregião do Caparaó,
Espírito Santo, Brasil
Parasitological study in dairy cattle of Caparaó microregion, Espírito
Santo State, Brazil
Pedro I. F. Junior, Larissa C. Demoner, Barbara R. Avelar, Louisiane C. Nunes,
Dirlei M. Donatele, Isabella V. F. Martins*
Universidade Federal do Espírito Santo - Departamento de Medicina Veterinária, Centro de Ciências Agrárias,
CEP 29500-000, Alegre, Espírito Santo, Brasil
Resumo: No período de Março de 2007 a Abril de 2008 foram
avaliados aspectos das parasitoses de bovinos de 51
propriedades da microrregião do Caparaó, localizada no
Espírito Santo, Brasil. Para avaliação foram coletadas amostras
de fezes, sangue e realizados esfregaços sanguíneo de vacas
em lactação e bezerros, ambos escolhidos aleatoriamente, e
realizados inquéritos epidemiológicos com os proprietários das
fazendas visitadas. Após a coleta, as amostras foram encaminhadas para processamento no Laboratório de Doenças
Parasitárias, localizado no Hospital Veterinário da Universidade
Federal do Espírito Santo. Tais amostras foram processadas
seguindo a técnica de MacMaster modificada e coprocultura
para identificação dos gêneros dos parasitos. As lâminas com
esfregaços sanguíneos foram coradas para observação de
hemoparasitoses. Foram analisadas 10% dos animais de cada
propriedade, totalizando 359 animais, sendo 186 vacas e 173
bezerros. Dos animais avaliados, 163 (45,4%) tiveram resultados negativos na contagem de ovos por gramas de fezes (OPG)
e 196 (54,6%) estavam positivos no exame. Dos bezerros
avaliados, 120 (69,36%) apresentaram diagnostico positivo ao
exame de fezes, resultado que confirma a maior prevalência do
parasitismo nos bezerros. As coproculturas revelaram a
presença predominante do gênero Haemonchus. No exame do
esfregaço sanguíneo 29% dos animais que foram avaliados
estavam positivos para Babesia spp e ou Anaplasma marginale.
Com base nos dados observados no inquérito realizado,
notou-se a necessidade da assistência técnica mais ativa nas
propriedades estudadas, diminuindo problemas no controle
parasitário.
Palavras-chave: bovinos, parasitoses, inquérito
Summary: From March 2007 to April 2008, this study evaluated
aspects of cattle parasitosis at 51 properties of Caparaó microregion, Espirito Santo State, Brazil. Samples of stool, blood and
blood smears were collected from dairy cows and calves,
selected at random. Interviews of the owners of the farms were
carried out. Samples were sent to the Laboratory of Parasitic
Diseases, located in the Veterinary Hospital of the Universidade
*Correspondência: [email protected]
Fax: + 55 (28) 3552 8960
Federal do Espírito Santo. Samples of faeces were processed
using the MacMaster modified technique and fecal cultures to
identify the parasites genus. Slides with blood smears were
stained for hemoparasites diagnosis. 10% of animals of each
property were evaluated, totalizing 359 animals, being 186 cows
and 173 calves. Of the animals tested, 163 (45.4%) had negative
results in egg counting (EPG) and 196 (54.6%) were positive.
Of the calves evaluated, 120 (69.36%) had positive diagnostic
examination of the stool, a result that confirms the higher
prevalence of parasitism in calves. The fecal cultures revealed
the presence of Haemonchus. In blood smears examination,
29% were positive to Babesia spp. and Anaplasma marginale.
The survey data identified the need for a more active technical
assistance in the properties studied, specially to control parasites, reducing related problems.
Keywords: cattle, parasites, survey
Introdução
A microrregião do Caparaó é composta pelos
municípios de Alegre, Irupi, Iúna, Ibitirama, Dores do
Rio Preto, Divino de São Lourenço, Guaçui, Muniz
Freire e São José do Calçado, localizada no sul do
estado do Espírito Santo, Brasil. A produção leiteira
nesta região chega a 46.696.000 litros de leite por ano
(IBGE, 2007), possuindo uma grande importância na
economia estadual.
Os prejuízos causados por parasitos se fazem
presentes através da ação direta e indireta, refletindo
num menor ganho de peso, maior mortalidade, menor
rendimento da carcaça, menor produção de leite, gastos com antiparasitários, com mão de obra e outros
parâmetros de produtividade (Scott, 1998).
O efeito do parasitismo na produção animal
pode ser reduzido mediante alterações no manejo das
pastagens e dos animais e com a aplicação de
anti-helmínticos. Para que tais procedimentos possam
ser realizados, é necessário conhecer a biologia dos
parasitos dos bovinos da região (Furlong et al., 1985;
151
Junior PIF et al.
Lima, 2000). Parte da fase do ciclo desses parasitos
ocorre no meio ambiente e entre vários fatores, como
climáticos, genéticos e características das pastagens,
estão diretamente envolvidos no desenvolvimento e na
sobrevivência das larvas nas pastagens e na manutenção das infecções nos animais (Lima et al., 1997).
No Brasil, alguns estudos epidemiológicos foram
encontrados na literatura pesquisada, como estudos de
prevalência de parasitoses, como Avila et al. (2002)
com coccídios, Soares et al. (2000) com babesiose e
Oliveira et al. (2001), Pimentel Neto e Fonseca (2002)
e Araújo e Lima (2005) com helmintoses. No estado
do Espírito Santo apenas Repossi Junior et al. (2006)
publicaram dados epidemiológicos referentes às parasitoses em bovinos de leite, porém o presente trabalho
objetivou avaliar a situação das parasitoses em bovinos
leiteiros na microrregião do Caparaó, Espírito Santo,
buscando traçar um programa de controle estratégico
para a região.
RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156
realizada sempre pelo mesmo entrevistador e sem
intervenção nas respostas, caracterizando um estudo
observacional. As variáveis avaliadas no inquérito
foram: existência de assistência técnica, utilização dos
produtos parasiticidas, assim como a aplicação dos
mesmos e o critério utilizado para tais aplicações. A
importância e aspectos relacionados ao controle
parasitário, como os princípios ativos mais utilizados
nos métodos químicos de controle, a quantidade de
aplicações efetuadas anualmente, as medidas de
manejo utilizadas foram também registadas. Tal como
o conhecimento de resistência parasitaria e a observação desta nas propriedades.
Com os dados obtidos e a realização dos exames dos
animais, foram calculadas as prevalências parasitos
bem como analisados os fatores relacionados ao controle parasitário nas propriedades.
Resultados
152
M
on
ie
zi
a
sp
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Tr
St
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ro
hu
ng
ris
yl
id
sp
io
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s
+
C
oc
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di
os
%
C
oc
ci
di
os
Durante o período de Março de 2007 a Abril de 2008,
51 propriedades leiteiras foram visitadas, na qual
foram distribuídas cinco fazendas para cada um dos
municípios da microrregião do Caparaó, utilizando-se
a técnica de amostragem aleatória simples. Para o
agendamento das visitas utilizou-se listagem obtida do
cadastro do Instituto de Defesa Agropecuária e
Florestal do Espírito Santo (IDAF-ES) e das
Secretarias Municipais de Agricultura. Os produtores
foram contatados por telefone para confirmação de
sua atividade na produção de leite.
Foram analisados 10% dos animais e cada
propriedade, totalizando 359 animais, escolhidos
aleatoriamente, sendo 186 vacas e 173 bezerros. Os
animais, inicialmente foram examinados clinicamente,
em seguida coletadas amostras fecais diretamente da
ampola retal e foi realizada a coleta de sangue da veia
jugular e de sangue periférico em vasos de pequeno
calibre locali-zado no pavilhão auricular de cada
animal. Após a coleta, os esfregaços sanguíneos foram
fixados em metanol a 10%. As amostras de fezes,
sangue e as lâminas fixadas foram encaminhadas para
o Laboratório de Doenças Parasitárias da Universidade Federal do Espírito Santo. As amostras de fezes
foram processadas seguindo a técnica de MacMaster
(Gordon e Whitlock, 1939) modificada para contagem
de ovos por grama de fezes (OPG) e realizada a coprocultura (Robert e O’Sullivan, 1950) para identificação
dos gêneros dos helmintos. As lâminas fixadas no
metanol foram coradas pelo Giemsa para posterior
avaliação da presença das hemoparasitoses em
microscópio óptico.
Nas visitas às propriedades foi realizada uma entrevista ao proprietário ou responsável pela criação,
baseada em questionário pré-formulado sendo
Dos 369 animais avaliados, 163 (45,4%) animais
apresentaram resultados negativos na contagem de
ovos por gramas de fezes (OPG) e 196 (54,6%)
estavam positivos no exame. Dentre os parasitos
encontrados nos animais, 92 (25,62%) apresentaram
ovos de estrongilideos, 45 (12,53%) apresentaram
coccidios, 55 (15,32%) apresentaram ovos de
estrongilideos e coccídios, 9 (2,50%) apresentaram
ovos de Moniezia e 7 (1,94%) apresentan ovos de
Trichuris (Figura 1). Dos bezerros avaliados, 120
(69,36%) apresentaram diagnostico positivo ao exame
de fezes, sendo 103 (85,83%) positivos para ovos do
tipo Strongyloidea e 83 (69,16%) para oocistos de
coccidios. As coproculturas revelaram a presença
predominante do gênero Haemonchus (54,90% das
propriedades), porém foram encontradas larvas também
St
ro
ng
yl
id
io
s
Material e métodos
Figura 1 - Prevalência dos parasitos de bovinos leiteiros da microrregião
do Caparaó, Espírito Santo, no período de Março de 2007 a Abril de
2008.
Junior PIF et al.
de nematóides dos gêneros Cooperia, Oesophagostomum e Trichostrongylus.
No exame do esfregaço sanguíneo, foram avaliados
182 animais, 100 vacas em lactação e 82 bezerros, no
qual 29% dos animais avaliados apresentaram-se
positivos para Babesia sp e ou Anaplasma marginale.
Desses positivos 39%, 39% e 20% estavam parasitados
por Babesia sp, Anaplasma marginale ou por ambos,
respectivamente. Os resultados mostraram que 32%
dos bezerros avaliados, apresentavam alguma dessas
hemopasitoses enquanto nas vacas em lactação foram
encontradas 29% com Babesia spp e ou Anaplasma
marginale.
Os dados do questionário mostraram que apenas
44% das propriedades contam com assistência técnica
de médico veterinário, inclusive com relatos de que a
escolha dos produtos parasiticidas é realizada em
46% pelo proprietário e em apenas 22% dos casos
por médico veterinário. Quando questionados sobre a
importância e aspectos de controle das parasitoses,
88% dos proprietários responderam ser o carrapato a
principal parasitose do rebanho e 92% afirmaram que
utilizam algum método de controle parasitológico. No
entanto, 40%, dos entrevistados, confirmam que não
usam medidas de manejo associadas, inclusive com
utilização de esterqueiras, relatado por apenas 12%
dos proprietários, e consórcio com eqüinos em
68% das propriedades. No controle químico das parasitoses, os produtos à base de ivermectina foram
citados por 62% dos proprietários, sendo que
80% confirmaram utilizar controle para helmintos,
carrapatos e moscas, em 72% dos casos baseando-se
apenas no aspecto dos animais. A vermífugação ocorre
menos de três vezes ao ano em 46% das propriedades,
o tratamento carrapaticida em mais de cinco vezes ao
ano em 44% e o tratamento mosquicida em menos de
três vezes em 38% dos casos. Os proprietários responderam ter conhecimento sobre resistência parasitária
em 62% das respostas e afirmaram ter o problema em
sua propriedade em 56% dos casos (Tabela 1).
RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156
Discussão
A maioria dos trabalhos encontrados na literatura
está em concordância com os dados do presente
estudo quando se trata do mesmo tipo de clima
(Araújo et al., 1992; Guimarães et al., 2000; Oliveira
et al., 2001; Repossi Junior et al., 2006). Repossi
Junior et al. (2006) estudando a prevalência de parasitoses no município de Alegre, Espírito Santo,
relataram que 100% das propriedades apresentaram
animais positivos para oocistos de coccidios e ovos
de Strongyloidea, dados que diferiram do presente
estudo, pois os autores avaliaram apenas amostras
em bezerros, afirmando ainda que é na faixa etária
de 1 a 18 meses que os animais mais apresentam as
infecções por parasitos gastrintestinais. Este dado
corrobora o presente estudo que demonstrou que
aproximadamente 70% dos bezerros apresentaram
diagnóstico positivos ao exame de fezes, em sua maioria oocistos de coccidios e ovos tipo Strongyloidea.
No presente estudo o gênero Haemonchus
predominou nas coproculturas, concordando com os
resultados de Guimarães et al. (2000), que relatam
também Trichostrongylus, Cooperia e Oesophagostomum. Outros autores relatam o gênero Cooperia como
predominante (Grisi e Nuemberg, 1971; Araújo et al.,
1992; Serra-Freire et al., 1995; Oliveira et al., 2001;
Araújo e Lima, 2005; Repossi Junior et al., 2006)
porém todos estes citaram o aparecimento de larvas de
Haemonchus sp.
No exame do esfregaço sanguíneo, 29% dos animais
avaliados apresentaram-se positivos para Babesia spp
e ou Anaplasma marginale, com valores de 32% dos
bezerros infectados, resultados que diferem de
Barcellos et al. (2005) que relataram a presença de
apenas três animais positivos para a Babesia (3,0%)
e 12 para Anaplasma (12,1%), em 99 amostras
processadas no município de Alegre, ES e de
Rodrigues-Vivas et al. (2000) relatado por Barcellos
et al. (2005) que relataram 2,78% para B. bovis, 1,23%
Tabela 1 - Respostas mais frequentes dos produtores de bovinos leiteiros ao controle de parasitoses na microrregião do Caparaó,
Espírito Santo
Respostas ao questionário
Assistência técnica de médico veterinário
Escolha dos produtos parasiticidas realizada pelo proprietário
O carrapato como a principal parasitose do rebanho
Utilização de métodos de controle de parasitoses
Utilização de controle químico para helmintos, carrapatos e moscas
Controle realizado com base apenas no aspecto físico dos animais
Utilização de produtos a base de ivermectina no controle químico
A vermífugação menos de três vezes ao ano
O tratamento carrapaticida em mais de cinco vezes ao ano
O tratamento mosquicida em menos de três vezes ao ano
Conhecimento sobre resistência parasitária
Presença de resistência parasitária na propriedade
Percentual de respostas positivas
44 %
46 %
88 %
92 %
80 %
72 %
62 %
46 %
44 %
38 %
62 %
56 %
153
Junior PIF et al.
para B. bigemina e 15,79% para A. marginale em
bovinos em Yucatan, México. Pela comprovação da
presença de carrapatos transmissores da babesiose nas
propriedades e das próprias respostas dos produtores
quanto a ocorrência dessas doenças nos rebanhos, é
sabido que esta prevalência é maior do que a relatada,
como comprovado por outros autores em outras
regiões através de exames sorológicos (Soares et al.,
2000). Isso ocorre porque a técnica de esfregaço
sanguíneo é um método que possui uma maior
eficiência diagnóstica da doença na fase aguda (Bose
et al., 1995).
Os dados do questionário mostraram que menos
da metade das propriedades conta com assistência
técnica veterinária. Martins (2005), num estudo em
Haras no estado do Rio de Janeiro, relatou que apenas
3,6% das propriedades de eqüinos não tem assistência
técnica, talvez pela cultura de que as criações de
eqüinos normalmente demandam maiores custos e os
cavalos, maiores cuidados, o que não ocorre normalmente para bovinos.
A maioria dos proprietários respondeu ser o
carrapato a principal parasitose do rebanho, tendo
sido percebido pelos produtores de Passos, MG
sua importância com relação aos prejuízos biológicos
causados pela espécie B. microplus (Rocha et al.,
2006). No estudo de Martins (2005) a parasitose
considerada mais importante para os criadores de
eqüinos também foi a infestação por carrapatos
(78,6%). Este resultado sugere que os responsáveis
pelos animais visualizam macroscopicamente os carrapatos, o que normalmente não acontece para os
helmintos. De acordo com Rocha et al. (2006), aquilo
que pode ser observado por inspeção direta é bem
percebido, como no caso dos carrapatos. Assim, como
as helmintoses são na maioria das vezes subclínicas,
não são percebidas, o que tem coerência com a pouca
importância dada pelos mesmos à verminose, além
dessas necessitarem de diagnóstico laboratorial, o que
raramente é solicitado pelo produtor subestimando a
importância das infecções.
A maioria dos proprietários afirmou que utilizam
métodos de controle parasitológico e poucos confirmam que não usam medidas de manejo associadas.
As praticas de manejo associadas são essenciais ao
controle parasitário. No estudo de Martins (2005)
foram avaliadas diferentes práticas para o auxílio
nesse controle como consórcio de ruminantes no
pasto, rotação de pastagem, limpeza de pasto e a
retirada das fezes das baias, medida esta preconizada
por vários outros autores, com alguns preconizando a
retirada de fezes inclusive dos pastos, sendo considerada por Singer et al. (1999) uma técnica altamente
eficaz para diminuir a contaminação dos animais
porém é sabido que no Brasil é uma técnica não
utilizada por ser inviável. No entanto, deve-se
considerar que a maioria das pesquisas que relacionam práticas de manejo ao controle de helmintos
154
RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156
ocorre em países de clima temperado, onde devido a
variações climáticas a sobrevivência das larvas pode
ser menor e assim viabilizar estas práticas.
O uso de esterqueiras, relatado neste trabalho por
apenas 12% dos proprietários corrobora os dados de
Repossi Junior et al. (2006) e Martins (2005) que
afirmaram que na maioria das propriedades estudadas as
fezes retiradas dos currais eram despejadas diretamente
nas capineiras, sem passar pelo processo de compostagem, o que facilita a reinfecção dos animais. E mesmo
as propriedades que possuem esterqueiras, devem fazer
o uso correto das mesmas, seguindo o tempo e temperatura de adequada de estocagem das fezes.
O consórcio com eqüinos foi relatado na maioria
das propriedades. Este fato também foi relatado pelos
criadores de eqüinos que consorciam animais com
ruminantes na maioria das propriedades (Martins,
2005). Esse consórcio é benéfico para a pastagem,
porém deve-se ter cuidados com infecções das espécies comuns que parasitam esses animais. O nematóide Trichostrongylus axei, tendo sido relatado no
Brasil em altas infecções quando se usa consórcio
desses animais e não se preocupa com a rotação de
acordo com o tamanho da pastagem, justificado pelo
hábito diferente de cada espécie de apreender os
alimentos espécies (Bagnola-Junior et al., 1996).
O princípio ativo mais utilizado no controle das
parasitoses para os produtores, ouvido neste estudo,
foi a ivermectina, semelhante ao que ocorreu nos
estudos de Repossi Junior et al. (2006) também para
parasitoses de bovinos de leiteiros e de Martins (2005)
para helmintoses de eqüinos. Rocha et al. (2006)
citam o amitraz e a cipérmetrina como os mais citados
no controle do carrapato bovino, sendo as avermectinas
citadas em terceiro lugar.
A maioria dos produtores afirma fazer controle de
parasitoses e o faz baseando-se apenas no aspecto dos
animais, o que confirma os resultados encontrados por
Repossi Junior et al. (2006) que também relataram tal
fato. Rocha et al. (2006) também afirmam que 64%
dos proprietários afirmaram fazer o controle de carrapato quando os animais estão muito infestados. No
presente estudo também foi verificado que a maioria
dos produtores não calcula a dose dos medicamentos
com base no peso dos animais, fato também observado por Rocha et al. (2006) que constataram que
apenas 24% dos produtores afirmaram usar a bula
para o calculo da dose, e também observado por
Martins (2005), que relataram que 67,9% dos proprietários adotam sempre a mesma dose de vermífugos
para adultos e metade desta para potros. Santos-Filho
(1999) também estudando bovinos verificou a não
utilização de critérios técnicos para estabelecer peso e
dosagem, o que pode estar favorecendo a ineficiência
dos tratamentos e o surgimento de resistência
anti-helmíntica.
A vermífugação ocorre menos de 3 vezes ao ano em
46% das propriedades, o tratamento carrapaticida em
Junior PIF et al.
mais de 5 vezes ao ano na maioria dos casos, dados
que se assemelham aos encontrados por Rocha et al.
(2006) que relataram média de 12 vezes ao ano, com
variação de 8 a 24 vezes, o que os autores consideraram excessivo.
Os proprietários entrevistados neste estudo responderam ter conhecimento sobre resistência parasitária.
No estudo de Rocha et al. (2006), 76% entendiam que
o mecanismo pelo qual ocorre a perda de eficiência
dos produtos carrapaticidas é por criar resistência,
porém a maioria não sabia como isso acontece.
Observando os dados presentes no inquérito,
nota-se que apesar do uso de anti-parasitários nas
propriedades, as prevalências das parasitoses foram
altas, principalmente nos bezerros, o que mostra que o
uso desses produtos está sendo incorreto, dificultando
o controle parasitário das parasitoses no rebanho. Há
necessidade da assistência técnica mais ativa nas
propriedades estudadas, diminuindo problemas no
controle parasitário, principalmente quando se trata da
utilização de critérios técnicos para a realização do
tratamento dos animais e para a implementação de
medidas de manejo associadas ao controle químico
eficazes para a situação de cada propriedade.
Agradecimentos
A FAPES, pelo apoio financeiro ao projeto e de
bolsas dos estudantes; ao IDAF e Secretarias municipais de agricultura, pelo apoio no contato com os
produtores; e aos produtores rurais da microrregião do
Caparaó pela disponibilidade.
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RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Lesões renais intersticiais e tubulares na leishmaniose visceral
Renal lesions in interstitium and tubule in visceral leishmaniasis
Leopoldina A. Gomes1, Hiro Goto2, José L. G. Guerra3, Ana L. B. Mineiro4,
Silvana M. M. S. Silva5, Francisco A. L. Costa6*
1
Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí
Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina e Instituto de Medicina Tropical, Universidade de São Paulo
3
Departamento de Patologia Experimental e Comparada,
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo
4
Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí
5,6
Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí
Campus da Socopo, 64049-550 Teresina-PI
2
Resumo: Neste estudo foram avaliadas as lesões renais
intersticiais e tubulares de 55 cães infectados naturalmente por
Leishmania (L.) chagasi, cinco cães controles não infectados e
32 hâmsteres infectados experimentalmente e sacrificados aos
7, 15 e 90 dias. Tecido renal foi colhido e processado para
análise histopatológica, análise morfométrica e ultra-estrutural.
11 cães foram submetidos a dosagens de creatinina no soro e
proteína e creatinina na urina. Nefrite intersticial foi observada
em 45 e lesões tubulares em 51 cães. O infiltrado inflamatório
intersticial ocupava maior área nas regiões cortical e medular
nos animais infectados e naqueles com glomerulonefrite
membranoproliferativa e glomerulonefrite de alterações mínimas. Em hâmster, nefrite intersticial progressiva foi observada
somente nos grupos de 15 e 90 dias pós-infecção. Na prova de
função renal, seis cães revelaram proteinúria e destes, três apresentaram níveis elevados de creatinina no soro. Os resultados
mostraram que lesões tubulares e intersticiais renais são
próprias da LV, progridem com o tempo de infecção e podem
provocar perda da função renal.
Palavras-chave: leishmaniose visceral, nefrite intersticial, cão,
hâmster.
Summary: This study evaluated the renal alterations of
interstitium and tubule of 55 naturally infected dogs by
Leishmania (L.) chagasi, 5 non-infected dogs and 32 experimentally infected hamsters sacrificed to the 7, 15 and 90 days
pos-infection. Samples of renal tissue were processed
to histopathologic, morphometric and ultraestructural study.
In 11 dogs dosages of creatinine in the serum and protein and
creatinine in the urine were performed. Interstitial nephritis was
observed in 45 and tubular injuries in 51 dogs. The morphometric analyses revealed that the interstitial inflammatory infiltrate
was higher in the cortical and medullar region in the infected
animals compared to the non-infected controls. The area of
interstitial inflammatory infiltratrate was higher in the dogs
with membranoproliferative glomerulonephritis and minor
glomerular abnormalities. In hâmsters, progressive interstitial
nephritis was observed in the groups of 15 and 90 days
pos-infection. Prove of renal function revealed protein in the
*Correspondência: [email protected]
Tel: (86) 3215-5760; Fax: (86) 3215-5753
urine in six dogs and of these three present elevated levels of
creatinine in the serum. The results of this study showed that
interstitial and tubular injuries are proper of the visceral
leishmaniasis, progress with the time of infection and can cause
loss of the renal function.
Keywords: visceral leishmaniasis, interstitial nephritis, dog,
hâmster.
Introdução
A Leishmaniose visceral (LV) é causada no Brasil
pelo protozoário Leishmania (Leishmania) chagasi
(Lainson e Shaw, 1987). Após a infecção inicial o
parasito dissemina-se pelo organismo, comprometendo, principalmente, órgãos do sistema fagocítico
mononuclear (SFM), onde a presença do parasito é
abundante (Marzochi et al., 1981), mas outros órgãos,
também, são comprometidos, embora a presença do
parasito seja escassa (Duarte, 2000).
Apesar de ser rara a presença de parasitos nos rins
na LV, as lesões renais são freqüentes tanto no homem
(Andrade e Iabuki, 1972; Duarte et al., 1983; Dutra et
al., 1985) quanto no cão (Benderitter et al., 1988;
Macianti et al., 1989; Poli et al., 1991; Costa et al.,
2003) e no modelo experimental de hâmster (Mathias
et al., 2001), podendo resultar em grave comprometimento da função renal (Ettinger e Feldman, 1997).
Embora existam claras evidências do comprometimento renal, pouco se conhece sobre as alterações
renais intersticiais e tubulares na LV, em seus aspectos
histopatológicos, morfométricos e ultra-estruturais
(Caravaca et al., 1991). O aprofundamento das
investigações sobre as lesões renais na LV permite
entender a natureza, a extensão e a gravidade da
mesma, bem como permite fornecer parâmetros para
uma classificação mais adequada.
A nefrite intersticial, do ponto de vista fisiopa157
Gomes Leopoldina A et al.
tológico, é uma lesão importante (Olsen et al., 1986),
pois a alteração da função renal está mais relacionada
com alterações intersticiais, do que com alterações
glomerulares (Bohle et al., 1987). Contudo, no caso
particular da leishmaniose visceral canina (LVC), a
interferência de outros processos patológicos,
concomitantemente à nefrite intersticial devida à LV,
como a exposição dos rins a drogas (Linton et al.,
1980) e enfermidades (Tisher e Brenner, 1994;
Kootstra et al., 1998), que fogem ao controle em casos
de infecção natural por Leishmania (L.) chagasi, não
deixa claro se a lesão do interstício renal é específica
da enfermidade ou é decorrente de um processo
secundário de lesão. Para avaliar melhor esta questão,
nesta pesquisa foi utilizado, além do cão, o modelo
experimental de hâmster, por meio do qual se pôde
fazer um melhor controle e acompanhamento da
infecção e das condições de saúde dos animais.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar as
alterações intersticiais e tubulares dos rins de cães
naturalmente infectados e de hâmsteres experimentalmente infectados pela Leishmania (L.) chagasi, de
modo a classificar as lesões, avaliar sua extensão, seus
reflexos sobre a função renal e a dinâmica da evolução
das alterações.
Material e métodos
Foi analisado tecido renal de 60 cães, dos quais 55
apresentavam-se naturalmente infectados por
Leishmania (L.) chagasi e cinco eram controles não
infectados. Os animais eram todos adultos, machos ou
fêmeas, de idades e raças diferentes, e muitos sem raça
definida, provenientes da Gerência de Controle de
Zoonoses do município de Teresina no estado do Piauí
e selecionados de uma população estimada em 61.536
cães (Fundação Municipal de Saúde, 1998).
Foram analisados também tecido renal de hâmsteres
(Mesocricetus auratus), infectados por inoculação
intraperitoneal com 2 x 107 amastigotas de Leishmania (L.) chagasi, amostra MHOM/BR/72/cepa 46
e sacrificados aos 7, 15 e 90 dias pós-infecção. Os
grupos foram compostos, respectivamente, por oito,
seis e oito animais, com idades entre 45 e 60 dias,
mantidos no biotério do Centro de Ciências Agrárias
da Universidade Federal do Piauí (CCA/UFPI), com
ração e água à vontade.
O diagnóstico de LVC foi confirmado pela detecção
de anticorpos anti-Leishmania no soro, por teste de
imunofluorescência indireta (Collins, 1995) e ELISA
(Evans et al., 1990) e exame parasitológico em esfregaço de pele, baço e linfonodo poplíteo e cultura de
material da medula óssea esternal, baço e linfonodo
poplíteo (Evans et al., 1990; Berman, 1997). De dois
animais, foram isoladas leishmânias e enviadas ao
Instituto Evandro Chagas de Belém do Pará para
caracterização do parasito por meio de anticorpos
158
RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163
monoclonais. Em hâmsteres, o diagnóstico de LV
foi determinado pela presença de amastigotas em
esfregaços de baço e fígado corados por Giemsa.
Foram realizadas dosagens bioquímicas no soro
utilizando kits do LABTEST (Labtest Diagnóstica
S.A., Lagoa Santa, MG., Brasil). A concentração de
proteína na urina foi avaliada pelo método de
Bradford modificado (Bradford, 1976) e com o uso do
"kit" LABTEST (Labtest Diagnóstica S.A., Lagoa
Santa, MG., Brazil) foram avaliadas as concentrações
de creatinina (catálogo Nº.35) e colesterol (catálogo
Nº. 60) no sangue e creatinina na urina (catálogo
Nº. 35).
Os fragmentos de rins foram fixados em solução
de Duboscq-Brasil por 60 minutos e, em seguida,
conservados em formol a 10% tamponado com
fosfato 0,01M pH 7,4 (formol tamponado). O tecido
renal foi processado segundo técnicas de rotina e os
cortes corados com hematoxilina-eosina (H-E), ácido
periódico de Schiff (PAS), tricrômico de Masson
(TM), ácido periódico prata metanamine (PAMS) e
vermelho-congo (VC).
Cortes de rim de cães de aproximadamente 3 a 4 µm
de espessura, corados com H-E, foram submetidos a
análise morfométrica utilizando analisador de imagem
computorizado Leica Qwin D-1000, versão 4.1
(Cambridge, UK) do Setor de Patologia animal do
CCA/UFPI. Foi capturado um mínimo de 20 campos
por corte de tecido renal de cada animal, tanto da
região cortical quanto da região medular. Desse total,
foram selecionados, aleatoriamente, de 20 a 50
campos por fragmento de tecido renal por animal, para
análise morfométrica do infiltrado inflamatório em
cães controles não infectados e em cães com padrões
diversos de glomerulonefrite, previamente diagnosticadas e descritas por Costa et al. (2003) como segue:
glomerulonefrite de alterações mínimas (GNAM),
glomeruloesclerose segmentar focal (GESF),
glomerulonefrite proliferativa mesangial (GNPM) e
glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP).
Nos campos selecionados foram mensuradas as áreas
correspondentes à presença de células inflamatórias
em comparação à área total de cada campo.
Tecido renal de cães e de hâmsteres foram
submetidos, também, à técnica de imunohistoquímica,
utilizando anticorpo policlonal de camundongo
anti-Leishmania (L.) amazonensis e o sistema de
amplificação "Catalyzed Signal Amplification (CSA),
system" e "EnVision, peroxidase" (Dako Corporation,
código K4000, Carpinteria, USA). A revelação foi
feita com 0.3 mg/ml 3,3’-diaminobenzidina (Sigma
Chemical Co., St. Louis, MO) em PBS e a contracoloração com hematoxilina de Harrys.
Na avaliação histopatológica, ao microscópio de
luz, foram analisadas as alterações renais intersticiais
e tubulares, de forma semi-quantitativa, de acordo
com a localização, distribuição e intensidade das
lesões, numa escala de 0 a 5, onde 0 = normal, 1 =
Gomes Leopoldina A et al.
mínima ou duvidosa; 2 = média; 3 = moderada; 4 =
moderadamente severa; 5 = severa (Tisher e Brenner,
1994).
Tecido renal de cão foi fixado em glutaraldeído a
2% em tampão fosfato a 0,1 M, pH 7.4, posteriormente pós-fixados em tetróxido de ósmio a 1%,
lavados em solução salina e incubados "overnight" em
solução aquosa de acetato de uranila a 0,5%. As
amostras foram desidratadas em concentrações
crescentes de acetona e embebidas em araldite 502
(Polysciences, Warrington, PA). Os cortes ultrafinos
foram corados com citrato e acetato de uranila para
análise em microscópio eletrônico de transmissão
(Modelo E.M. 201, Philips).
Os resultados quantitativos e semi-quantitativos
foram analisados no programa estatístico Sigma
Stat, por testes não-paramétricos: a) método de
Kruskal-Wallis para análise de variância; b) método
de Mann-Whitney para comparação entre dois grupos.
Havendo diferença significante, aplicava-se o teste de
Dunn, para comparação múltipla de grupos. Adotou-se o nível de significância de p < 0,05.
RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163
zavam-se abaixo da cápsula renal, nas regiões
peritubular, intertubular, periglomerular e perivascular
(Figura 1).
Na maioria dos casos, os focos inflamatórios
apresentaram-se intercalados por regiões de fibrose
intertubular e perivascular na região cortical (Figura
2) e raros casos de calcificação dos túbulos coletores
na região medular. Em hâmsteres as lesões intersticiais progrediram dos 15 aos 90 dias pós-infecção e
eram similares às encontradas em cães, mas, diferentemente do que foi observado nesta espécie, no
grupo de hâms-teres com 90 dias de infecção, havia
deposição de amilóide na parede dos túbulos contornados proximais (Figura 3).
Dos 51 cães com alterações tubulares 38 (63,2%)
apresentaram atrofia tubular, 35 (58,2%) apresen-
Resultados
Foram detectados anticorpos anti-Leishmania em
todos os cães, exceto no grupo controle e o título
variou de 1:40 a 1:1280. Foram observadas Leishmanias em esfregaços de linfonodo poplíteo ou medula
óssea esternal de cães e em esfregaços de baço e fígado de hâmsteres. Nos animais controles, não foram
detectadas leishmânias. De dois cães, leishmânias
foram recuperadas, cultivadas e caracterizadas como
Leishmania (L.) chagasi, pelo Instituto Evandro
Chagas de Belém do Pará.
Em onze cães nos quais foi avaliada a função renal,
seis (54,5%) revelaram proteinúria (taxa de proteína:
creatinina > 1,0); três mostraram creatinina no soro
elevada (creatinina > 1,0 g/dl) e, em dois casos, foram
observadas taxas elevadas de colesterol (colesterol >
210,0 g/dl) (Costa et al., 2003).
A análise dos rins dos 60 cães revelou que somente
nove (15%) não apresentaram alterações histopatológicas; 45 (75,0%) apresentaram nefrite intersticial e
51 (85,0%) apresentaram alterações tubulares. Lesões
simultâneas de nefrite intersticial e lesões tubulares
foram observadas em 49 (81,7%) animais. As
alterações nos animais controles, quando presentes,
limitaram-se a um infiltrado de células inflamatórias
intersticiais de intensidade mínima. As lesões observadas nos cães infectados variaram de intensidade
mínima a severa e consistiram de congestão e reação
inflamatória intersticial com presença, predominante,
de células mononucleadas, caracterizadas como
macrófagos, linfócitos e, mais raramente, células
plasmáticas; eram de distribuição focal nas regiões
cortical, córtico-medular e medular. As lesões locali-
Figura 1 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.)
chagasi. Infiltrado inflamatório intersticial de células mononucleadas,
intertubular, de intensidade severa(seta). H-E. 140 x.
Figura 2 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.)
chagasi. Proliferação de tecido conjuntivo intersticial (cor azul) na
cortical de intensidade severa. TM. 140 x.
Figura 3 - Rim. Hamster infectado experimentalmente por Leishmania
(L.) chagasi. Parede de túbulos com depósito de amilóide (setas). VC.
140 x.
159
Gomes Leopoldina A et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163
Figura 4 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.)
chagasi. Presença de cilindros hialinos (seta) em túbulos renais. PAS.
140 x.
Figura 5 - Rim. Cão infectado naturalmente por Leishmania (L.)
chagasi. Necrose intersticial, restos celulares (seta larga) e proliferação
de colágeno (seta fina). ME.
taram cilindros hialinos (Figura 4), 28 (46,6%)
apresentaram degeneração hidrópica, 25 (41,6%)
apresentaram degeneração hialina goticular, sete
(11,6%) com dilatação tubular e três (5%) apresentaram calcificação. Observaram-se, também, células
epiteliais tubulares de tamanho reduzido e hipercoradas, sugerindo apoptose.
Antígeno de Leishmania foi detectado no interstício
renal em 95% dos cães infectados e em todos os
hâmsteres. O antígeno apresentou-se, principalmente,
sob padrão celular em células do infiltrado mononuclear intersticial, em células epiteliais tubulares e,
em menor proporção, como material extracelular
particulado.
A análise ultra-estrutural do interstício renal de cães
revelou a presença de fibroblastos em atividade com
produção de fibras colagéneas e presença de células
necróticas (Figura 5). No epitélio dos túbulos proximais
foi observado a presença de material eletro-denso
(gotas protéicas) e edema de mitocôndria (Figura 6).
A análise morfométrica realizada em tecido renal,
corado com H-E, de quarenta e sete cães, revelou
que o infiltrado inflamatório intersticial ocupava uma
área maior da região cortical (p = 0,00; teste de
Mann-Whitney) (Figura 7) e da região medular (p =
0,00; teste de Mann-Whitney) nos animais infectados,
comparados aos animais do grupo controle. A análise
realizada entre os animais controles não infectados e
os cães infectados com padrões de glomerulonefrite
previamente definidos (Costa et al., 2003), revelou
que a área ocupada pelo infiltrado inflamatório intersticial era maior nos cães com glomerulonefrite membranoproliferativa (p = 0,002; teste de Kruskal-Wallis
e Dunn) e glomerulonefrite de alterações mínimas
(p = 0,002) quando comparados ao grupo controle
(Figura 8).
Figura 6 - Rim. Cão infectado naturalmente por Leishmania (L.)
chagasi. Edema de mitocôndria (seta). ME. Aumento: 10000 x.
N = 42
N=5
Figura 7 - Análise morfométrica da área de infiltrado inflamatório
intersticial em tecido renal de cães controles não infectados e
infectados por Leishmania (L.) chagasi. Analisados 50 campos da
região cortical / animal. N = número de animais por grupo, p = 0,00.
(Teste de Mann-Whitney).
160
Figura 8 - Análise morfométrica da área de infiltrado inflamatório
intersticial renal em cães controles não infectados e infectados por
Leishmania (L.) chagasi. Analisados 50 campos da região cortical /
caso. N = número de casos por grupo, p = 0,002 em relação ao grupo
controle não infectado. (Testes de Kruskal Wallis e Dunn).
Gomes Leopoldina A et al.
Discussão
Os títulos de anticorpos anti-Leishmania não
apresentaram relação com as manifestações clínicas da
enfermidade; animais com baixa titulação apresentaram
sintomas evidentes da doença e animais com alta
titulação apresentaram poucos sintomas ou eram
assintomáticos.
A presença de amastigotas, vistas no exame
citológico, era mais evidente em linfonodo poplíteo
do que em medula óssea de cão e em baço do que em
fígado de hâmsteres.
A análise da função renal revelou que nos animais
com proteinúria, creatinemia e hipercolesterolemia,
nefrite intersticial e alterações tubulares estavam
presentes. Na ausência de nefrite intersticial e
alterações tubulares, mesmo com presença de glomerulonefrite, não havia alterações da função renal, o que
indica que a nefrite intersticial é uma lesão grave. Sabe-se que em lesões do tecido renal, é observada uma
maior relação entre as alterações intersticiais e
tubulares e a presença de insuficiência renal, do que
entre a severidade da lesão glomerular e o comprometimento da função excretora do rim (Bohle et al., 1987).
No presente estudo esta relação entre lesões intersticiais e tubulares e insuficiência renal foi observada.
A diferença no padrão da alteração intersticial do cão,
onde não foi detectada a presença de amiloidose, em
relação ao modelo experimental de hâmster, onde foi
detectada a presença de amiloidose, parece decorrer de
alterações do sistema retículo-endotelial do hâmster,
devido a fatores como: superistimulação do sistema
imune provocada pela elevada carga parasitária, com o
aparecimento de amiloidose inespecífica (Brito et al.,
1975); alta dose de antígeno usado na indução da
infecção experimental (Benderitter et al., 1988), ou à
via de inoculação intraperitoneal (Duarte, 1978) usada
para reproduzir a doença. Essa via é completamente
diferente da via de infecção natural que é feita através
da pele por um vetor, como ocorreu com os cães deste
estudo, a Lutzomia longipalpis (Magil, 1995), que
possui propriedades intrínsecas importantes na
definição do quadro evolutivo da doença (Donnelly et
al., 1998; Yin et al., 2000).
A análise histopatológica e ultra-estrutural revelaram
que muitas lesões, destacando-se o infiltrado inflamatório celular, atrofia e fibrose, eram de natureza grave,
pois provocaram alterações celulares (Tisher e Brenner,
1994) que levaram seis dos 11 cães, em que foram
realizadas provas de função renal, a manifestarem
proteinúria.
Deve-se salientar que nefrite intersticial em cães é
uma lesão frequentemente encontrada, pois a mesma
está presente no decurso de várias enfermidades que
acometem essa espécie ao longo da vida (Jubb et al.,
1994; Oliveira et al., 2005; Camargo et al., 2006).
Contudo, no presente estudo as observações sugerem
que tais lesões estavam associadas à leishmaniose
RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163
visceral, pois em 95% dos cães e em todos os hâmsteres
foi detectada a presença de antígeno de leishmânia em
células do infiltrado inflamatório intersticial e em
células epiteliais tubulares, não sendo encontrado nos
animais controles. Amastigotas íntegras no interstício
renal não foram detectadas em nenhum dos casos,
revelando que a presença do parasito no rim é bastante
rara. Visto que não foram detectadas amastigotas no
rim, nem por histopatologia e nem por imunohistoquímica, a presença do antígeno de Leishmania foi
fundamental para estabelecer relação entre a infecção
leishmaniótica e as lesões intersticiais no tecido renal
dos animais analisados.
Mesmo não tendo sido possível um controle ou
conhecimento prévio das condições sanitárias e
nutricionais em que viviam os cães deste estudo, que
pudessem descartar a possibilidade de outras infecções,
pois se tratavam de animais de rua que foram capturados para o controle da leishmaniose visceral e da raiva
urbana, o estudo em hâmsteres, em que tal controle
pôde ser feito, revelou alterações intersticiais e
tubulares similares àquelas encontradas nos cães,
demonstrando que a nefrite intersticial observada é
própria da leishmaniose visceral.
Células epiteliais tubulares mostraram-se de tamanho
reduzido e hipercoradas, provavelmente, devido à
condensação citoplasmática, cariólise e picnose
nuclear, o que permitiu classificá-las, pelo aspecto
morfológico, como células em apoptose, conforme
definido por Zeiss (2003). A participação de apoptose
no mecanismo de lesão é um evento bem conhecido em
vários processos patológicos renais (Wong et al., 2001).
Apoptose é evidente nos rins em casos de cisto renal,
inflamação intersticial e glomerulonefrite, cicatrização
e esclerose renal (Mené e Amore, 1998), tendo grande
importância na regulação do número de células durante
a indução e resolução de uma lesão (Ortiz et al., 2000).
Em outras enfermidades, como nas leptospiroses, tem
sido observado apoptose de células epiteliais tubulares
de rim (Carvalho, 2005).
Os rins possuem grandes reservas funcionais e a
manifestação de insuficiência renal somente é observada quando 2/3 ou 3/4 do tecido renal de ambos os
órgãos está comprometido (Tisher e Brenner, 1994). No
presente estudo, a análise morfométrica revelou a
presença de nefrite intersticial em todos os 47 cães,
significantemente maior na região cortical que na
medular, entretanto a prova de função renal, realizada
em 11 animais, revelou manifestação de insuficiência
renal em apenas seis (54,5%), o que demonstra que
em quase metade dos animais (45,5%) a lesão não foi
suficientemente extensa para comprometer a função
renal. Tendo em vista que não foi possível avaliar o
tempo de infecção dos cães, por se tratar de infecção
natural, não foi possível estabelecer, nesta espécie,
relação entre a gravidade da lesão renal e a progressão
da infecção; mas no modelo experimental de hâmster,
onde a lesão se agravou com o tempo de infecção, essa
161
Gomes Leopoldina A et al.
relação pôde ser observada, o que permitiu inferir que o
comprometimento renal, pela sua gravidade, pode ser
causa de morte de animais com leishmaniose visceral,
como tem sido sugerido por outros autores (Keenan et
al., 1984). Não foi observada diferença significante da
área de nefrite intersticial nos grupos com padrões
distintos de glomerulonefrite, o que leva a acreditar
que a nefrite intersticial não está relacionada e não
influencia o tipo de glomerulonefrite presente na
leishmaniose visceral.
Conclusões
Os resultados obtidos revelaram que a leishmaniose
visceral provoca lesões renais intersticiais e tubulares
graves, específicas da doença, estreitamente relacionadas com alteração da função renal, independente da
presença de alterações glomerulares. As lesões renais
progridem com o tempo de infecção e são capazes
de comprometer área de tecido renal suficiente para
provocar perda da função do órgão.
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Avaliação clínica neonatal por escore Apgar e temperatura corpórea
em diferentes condições obstétricas na espécie canina
Canine neonatal clinical evaluation through Apgar score and body
temperature under distinct whelping condition
Liege C. G. da Silva1*, Cristina F. Lúcio1, Gisele A. L. Veiga1, Jaqueline A. Rodrigues1,
Camila I. Vannucchi2
1
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia,
Universidade de São Paulo (FMVZ – USP)
Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia,
Universidade de São Paulo (FMVZ – USP)
2
Resumo: Em medicina veterinária, a mortalidade neonatal
nas primeiras semanas de vida alcança percentuais próximos a
30%. A inabilidade em proceder a correta análise clínica e o
déficit no conhecimento técnico-científico são os principais
responsáveis pelos elevados índices reportados. Neste trabalho,
objetivou-se padronizar a avaliação clínica neonatal por meio do
escore Apgar e temperatura corpórea em neonatos caninos
nascidos sob diferentes condições obstétricas. Foram estudados
48 neonatos caninos, alocados em três grupos: grupo A – eutocia; grupo B – distocia materna; grupo C – cesariana. Aos 0, 5
e 60 minutos do nascimento foram avaliados: temperatura retal,
freqüências cardíaca (FC) e respiratória (FR), coloração de
mucosas, tônus muscular e irritabilidade reflexa. Às cinco
últimas análises foram atribuídas notas (0-2), conferindo aos
neonatos o escore Apgar (0-10). Os dados foram analisados
utilizando-se ANOVA e Newman-Keuls (p≤0,05). Houve queda
significativa da temperatura retal e hipotermia ao longo dos 60
minutos para todos os grupos. Aos 0 e 5 minutos, a temperatura
corporal do grupo C foi inferior aos demais. Neonatos nascidos
por cesariana apresentaram menor vitalidade aos 0 e 5 minutos
pós-natal, como conseqüência dos agentes anestésicos. A FC,
tônus muscular e irritabilidade reflexa foram superiores no
grupo B imediatamente ao nascimento, em função da maior
liberação de corticóides por estresse fetal. A avaliação isolada
da FR não foi precisa para identificar possíveis alterações
respiratórias, sendo recomendado associá-la a outros métodos
semiológicos e exames complementares. A inspeção de
mucosas demonstrou ser uma variável pouco fidedigna para
predizer neonatos com graus leves de alterações cardiorrespiratórias. Em contraste aos demais filhotes, os nascidos de
cesariana apresentaram cianose imediatamente ao nascimento.
Summary: It is known that canine mortality rate is up to 30%
in the first weeks of life. Technical and scientific deficit related
to veterinary neonatology is conspicuous. The aim of this study
was to standardize neonatal clinical evolution through the Apgar
score and body temperature under distinct obstetric condition.
*Correspondência: [email protected];
[email protected]
Tel: 00 (55) 11-3091-1423
Forty-eight canine neonates were allocated into 3 groups
according to whelping condition: group A – eutocia; group B –
maternal dystocia; group C – cesarean section. Immediately
after birth, 5 and 60 minutes later, the following assessments
were performed: Apgar score (0-10; heart beat, respiratory
effort, muscle tone, reflex irritability and mucous color) and
rectal temperature. Data were analyzed using ANOVA and
Newman-Keuls at p≤0.05. There was a significant reduction in
rectal temperature and hypothermia for all groups along the
60 minutes of birth. Group C neonates presented lower body
temperature at birth and 5 minutes later. Cesarean section
newborns showed lower vitality, as a consequence of fetal
cardiorespiratory and nervous depression caused by anesthetic
agents. Muscle tone, heart rate and reflex irritability were
higher in group B immediately at birth because of an increased
corticosteroids release due to the fetal stress. Respiratory rate
was not accurate to predict respiratory distress; hence detailed
pulmonary auscultation should be performed. Mucous membrane color assessment was not reliable for the diagnosis of
superficial to mild cardio-respiratory alterations. Cesarean
section newborns presented cyanosis immediately after birth,
however all evolve satisfactorily at 5 minutes of life.
Introdução
O período neonatal para a espécie canina
corresponde ao intervalo de tempo entre o nascimento
e o décimo quarto dia de vida. A esta fase atribui-se
expressivas adaptações a inúmeros fatores simultaneamente ao desenvolvimento de funções vitais não
efetuadas durante a vida intra uterina, como a respiração pulmonar previamente de responsabilidade
placentária. Estima-se que a mortalidade neonatal nas
primeiras semanas de vida em Medicina Veterinária
seja de 30% (Freshman, 1998). Em análise comparativa, o índice de mortalidade de filhotes caninos
nascidos de parto eutócico é de 5,55%; significativamente menor aos nascidos de distocia, com percentual
de 33% (Moon et al., 2001). Em casos de cesariana
165
Silva LCG et al.
eletiva ou emergencial na espécie canina, Moon et al.
(2000) constataram perda neonatal de 6 a 11%,
durante a primeira semana de vida. Em geral, diversas
são as causas para morte neonatal, desde defeitos
congênitos ou genéticos, desnutrição, condições de
saúde materna inadequadas, enfermidades infecciosas
ou parasitárias, falhas de assistência ao parto ou
distocias, senilidade materna ou neonatos nascidos de
fêmeas multíparas (Davidson, 2003) e, ainda, falha no
diagnóstico e tratamento das afecções neonatais.
A avaliação clínica dos recém-nascidos, bem como
a definição da conduta terapêutica adotada figuram
como expressivos desafios ao médico veterinário. A
inabilidade em proceder ao exame físico minucioso
associada à carência do conhecimento técnico-científico em Neonatologia Veterinária corroboram o
diagnóstico impreciso e o tratamento empírico
das afecções e justificam os elevados índices de
mortalidade apresentados. O neonato não deve ser
considerado como a miniatura do indivíduo adulto e a
compreensão de suas características fisiológicas
singulares é condição sine qua non para o sucesso
terapêutico.
Em Medicina, a avaliação da vitalidade neonatal ao
nascimento é freqüentemente realizada por meio do
escore Apgar. Tal parâmetro, criado em 1952 pela
médica anestesiologista Virginia Apgar, avalia as
principais funções vitais durante os primeiros minutos
de vida e permite a indicação de métodos preventivos
ou corretivos das alterações encontradas. Yeomans et
al. (1985) afirmam que o escore Apgar pode auxiliar
na diferenciação de neonatos hígidos e severamente
comprometidos. Em Medicina Veterinária, são escassos os estudos que consolidem o escore Apgar para
diferentes espécies animais. Algumas adaptações
sugerem a avaliação da freqüência cardíaca, atividade
respiratória, tônus muscular, coloração de mucosas e
vocalização ao nascimento (Moon et al., 2000). Em
recente estudo, Veronesi et al. (2009) avaliaram a
confiabilidade do escore Apgar modificado em
recém-nascidos caninos, correlacionando-o com a
viabilidade neonatal e o prognóstico de sobrevivência
imediata. Como resultado, constataram que 88,2% dos
neonatos com escore Apgar inferior a 7 sobreviveram
após a instituição de tratamento médico adequado.
Ademais, a mortalidade neonatal foi significativamente superior nos animais com escore Apgar abaixo
de 7. Todavia, o tipo de parto não afetou o percentual
de mortalidade, como atestado em estudos anteriores
(Moon et al., 2000; Moon et al., 2001). O escore
Apgar pode variar de 0 a 10 e para a espécie equina,
considera-se ideal ao nascimento valores entre 9 e 10.
Notas entre 6 e 8 indicam asfixia moderada e sugere-se adotar medidas de estimulação neonatal (Vaala et
al., 2006).
Neonatos caninos são incapazes de manter a temperatura corpórea estável, visto que os reflexos de
vasoconstrição e a capacidade de produzir tremores
166
RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170
são afuncionais ao nascimento. Ainda, possuem
escasso tecido adiposo subcutâneo, superfície
corpórea relativamente extensa e imaturidade
hipotalâmica (Johnston et al., 2001). As respostas
fisiopatológicas à hipotermia incluem bradicardia,
falência cardiovascular, injúria cerebral e atonia
gastrintestinal (Johnston et al., 2001). No período
neonatal, temperaturas ambientais inferiores a 27 ºC
causam hipotermia e quando superiores a 33 ºC e
associadas a elevados índices de umidade relativa do
ar (85 a 90%) presdispõem a graves problemas respiratórios (Prats e Prats, 2005). Veronesi et al. (2009)
constataram que a manutenção da temperatura
ambiental em 32 ºC garantiu a normotermia dos
recém-nascidos, com valores de temperatura corpórea
entre 35,5 ºC e 36,5 ºC. Destarte, o correto manejo
ambiental é essencial para o controle da temperatura
corpórea do neonato.
Estudos aprofundados concernentes à fisiologia
do recém-nato, bem como sua evolução clínica no
período pós-parto imediato devem fomentar o
aprimoramento da Neonatologia Veterinária. Desta
maneira, os objetivos deste estudo foram: avaliar os
elementos clínicos adotados pelo escore Apgar e a
temperatura corpórea de neonatos caninos à primeira
hora de vida e comparar tais variáveis em diferentes
condições de parto (eutocia, distocia vaginal e
cesariana).
Materiais e métodos
Para o presente experimento, foram utilizados
quarenta e oito neonatos das raças Bulldog, Golden
Retriever, Labrador, Cavalier King Charles Spainel,
Chow-chow e Doberman nascidos de gestações
normais e a termo. Deste número amostral, vinte eram
nascidos em eutocia (Grupo EUT), oito oriundos de
distocia materna (hipotonia ou atonia uterina) (Grupo
DIST) e vinte nascidos por cesariana (Grupo CES). O
protocolo anestésico para as operações cesarianas
constituiu da sedação com acepromazina (0,02 mg/kg)
associada ao tramadol (1 mg/kg), indução anestésica
com propofol (1 mg/kg) e anestesia epidural com
cloridrato de bupivacaína (0,5 mg/kg) associado ao
fentanil (3 g/kg). Para tratamento da inércia uterina,
adotou-se administração intravenosa lenta de 1-3 UI
de ocitocina e 150-500 mg/animal de gluconato de
cálcio em solução fisiológica.
Simultâneo à reanimação neonatal, ao nascimento,
após cinco e sessenta minutos, foram aferidos temperatura corpórea (TC), freqüência cardíaca (FC),
freqüência e esforço respiratórios (FR), inspecionados
a coloração da mucosa gengival, tônus muscular e
irritabilidade reflexa, atribuindo-lhes notas de 0 a 2,
conforme Quadro 1. A somatória das notas específicas
de cada variável conferiu aos neonatos o escore Apgar
total de 0 a 10. O tônus muscular foi avaliado pela
Silva LCG et al.
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Quadro 1 - Parâmetros adotados para o escore Apgar de vitalide neonatal em Medicina Veterinária
Freqüência Cardíaca
0
Ausente
Esforço Respiratório
Ausente
Tônus muscular
Irritabilidade Reflexa
Coloração de mucosas
Escore
1
Bradicárdica
FC < 180 bpm
Irregular
FR < 15 mpm
Alguma flexão
Algum movimento
Cianose
Flacidez
Ausente
Cianose e palidez
capacidade do neonato em flexionar membros e
musculatura abdominal quando em posição ventro-dorsal, enquanto a irritabilidade reflexa foi observada
por meio da resposta neonatal à manipulação durante
o exame clínico. Os intervalos de referência adotados
para FC, FR e TC foram 180 a 250 bpm, 15 a 40 mpm
e 34,4 a 36,0 ºC, respectivamente (Moon et al., 2000).
Durante a primeira hora de vida, os neonatos foram
mantidos junto à mãe ou abrigados em caixa de isopor,
sem a incidência de calor artificial.
Os dados foram submetidos à análise de variância
para medidas repetidas (ANOVA). O teste de
Newman-Keuls foi utilizado como método complementar de comparações múltiplas, com níveis de significância iguais ou menores a 5% (p ≤ 0,05).
Resultados
Foram observadas diferenças estatísticas do escore
Apgar entre os grupos e tempos estudados, como
demonstrado na Tabela 1. Houve significativo aumento
dos valores de Apgar no decorrer da primeira hora de
2
Presente e normal
FC = 180-250 bpm
Regular e vocalização
FR = 15-40 mpm
Flexão
Hiperatividade
Rósea
vida, independente do tipo de parto. Entretanto, os
neonatos nascidos de cesariana apresentaram escore
inferior aos demais indivíduos imediatamente ao
nascimento e após cinco minutos.
Neonatos nascidos em eutocia e cesariana apresentaram discreta bradicardia ao nascimento. Para o
Grupo EUT houve significativa melhora após cinco
minutos. Não houve diferença estatística temporal
para os demais grupos (Tabela 2).
Todos os grupos apresentaram FR dentro do
intervalo de normalidade, como demonstrado na
Tabela 3. Após uma hora, a FR dos neonatos nascidos
em eutocia foi significativamente maior aos de cesariana. A auscultação pulmonar ao nascimento indicou
irregularidade do padrão respiratório, com alteração
no intervalo entre as inspirações associada à presença
de ruído respiratório de moderado a intenso e episódios de agonia respiratória em 77,2% dos neonatos
nascidos em eutocia, 87,5% para os de distocia e em
65% de cesariana. Aos cinco e sessenta minutos pósnatais tais percentuais diminuíram para 27,3 e 5% para
o Grupo EUT; 62,5 e 12,2% para o Grupo DIST e 40
e 10% para o Grupo CES, respectivamente.
Tabela 1 - Médias e desvios-padrão dos valores de Apgar aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
Escore Apgar
Tempo pós-natal
0 minuto
5 minutos
60 minutos
ab
AB
Grupo EUT
7,4 ± 1,76aA
9,25 ± 0,72bA
9,75 ± 0,44c
Grupo DIST
7,75 ± 1,04aA
9,12 ± 0,64bcA
9,87 ± 0,53c
Grupo CES
5,1 ± 1,57aB
7,6 ± 1,15bB
8,85 ± 0,87c
na mesma coluna indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
Tabela 2 - Médias e desvios-padrão da FC (bpm) aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
Tempo pós-natal
0 minuto
5 minutos
60 minutos
ab
AB
Grupo EUT
164 ± 37,95aB
198 ± 35,15b
198 ± 27,50b
Freqüência Cardíaca (bpm)
Grupo DIST
201 ± 35,34A
204 ± 17,20
209 ± 14,17
Grupo CES
164 ± 34,20B
181 ± 24,90
189 ± 27,60
na mesma coluna indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
Tabela 3 - Médias e desvios-padrão da FR (mpm) aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
Tempo pós-natal
0 minuto
5 minutos
60 minutos
AB
Freqüência Respiratória (mpm)
Grupo EUT
Grupo DIST
36 ± 10,21
34 ± 12,15
40 ± 11,70
34 ± 5,66
43 ± 7,60A
36 ± 12,26AB
Grupo CES
29 ± 9,78
35 ± 6,21
31 ± 9,07B
na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
167
Silva LCG et al.
Os valores de temperatura corpórea neonatal apresentaram significativa queda ao longo da primeira hora
de vida para todos os grupos estudados (Gráfico 1). Ao
nascimento, os indivíduos nascidos por via vaginal
(Grupos EUT e DIST) apresentaram-se hipertérmicos.
Após cinco minutos, somente os neonatos nascidos de
eutocia mantiveram a normotermia, os demais já apresentavam hipotermia. Aos sessenta minutos pós-natal,
todos os animais encontravam-se em hipotermia, independente do tipo de parto.
Gráfico 1 - Evolução da temperatura corpórea (ºC) aos 0,5 e
60 minutos do nascimento para os neonatos dos grupos EUT,
DIST e CES
no mesmo grupo indicam diferença estatística (p ≤ 0,05).
AB
no mesmo momento de avaliação indicam diferença estatística
(p ≤ 0,05).
RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170
Ao nascimento, apenas 30 e 38% dos neonatos
nascidos em eutocia e distocia, respectivamente,
apresentaram mucosas cianóticas, em contraste aos
85% dos nascidos de cesariana. Todavia, após cinco
minutos, o percentual de cianose decresceu para 5,
12,5 e 16% nos respectivos grupos EUT, DIST e CES.
Aos sessenta minutos do parto, acima de 80% dos
neonatos apresentaram mucosas normocoradas em
todos os grupos avaliados (Gráfico 2).
Ao nascimento, neonatos nascidos em distocia
apresentaram tônus e irritabilidade mais acentuados
que os demais grupos (Gráficos 3 e 4). Por outro lado,
aproximadamente 40% dos recém-nascidos de
cesarianas receberam baixo escore (nota 0) para as
variáveis tônus muscular e irritabilidade reflexa logo
após o parto. A avaliação aos cinco minutos mostrou
que neonatos nascidos em distocia tendem a perder
tônus muscular, porém o restabelecem aos sessenta
minutos do parto.
Discussão
ab
Gráfico 2 - Coloração das mucosas aos 0,5 e 60 minutos do
nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
Gráfico 3 - Evolução do tônus muscular aos 0,5 e 60 minutos
do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
Gráfico 4 - Evolução da irritabilidade reflexa aos 0,5 e 60
minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES
168
O período de transição da vida fetal para a extra-uterina impõe ao recém-nascido a necessidade de
ajustar-se rapidamente a novas funções, tais como
adaptações cardiovasculares e respiração espontânea.
Neonatos nascidos via vaginal receberam escore
Apgar significativamente superior aos de cesariana
nos primeiros minutos de vida. Sabe-se que a anestesia epidural, em comparação a protocolos que adotam
agentes anestésicos voláteis, acarreta menor depressão
dos reflexos neurológicos neonatais (Luna et al.,
2004). Veronesi et al. (2009) não encontraram
diferença no escore Apgar de recém-nascidos
oriundos de parto vaginal em comparação aos nascidos por cesariana, com a dministração de propofol
(2 a 4 mg/kg), isofluorano e bloqueio linear com
butorfanol. Ainda assim, devido às características
físico-químicas da maioria dos medicamentos
anestésicos (baixo peso molecular, alta capacidade de
difusão, rápida solubilidade lipídica e baixo grau de
ionização), todos são potencialmente capazes de
atravessar a barreira hematoplacentária e suscitar
depressão fetal em diferentes graus (Thurmon et al.,
1996).
Com relação ao aparelho circulatório, o período
neonatal imediato é caracterizado por expressivas
adaptações. Em distocias maternas ou fetais, o período
de isquemia uteroplacentária mais prolongado pode
acarretar hipóxia fetal, hipercapnia e acidose
metabólica (Vestweber, 1997). A acidose lática possui
ação depressora direta sobre a contratilidade e débito
cardíacos que, no animal adulto, pode ser compensada
pela estimulação simpática do miocárdio por aumento
da FC (Robertson, 1989). Entretanto, Grundy (2006)
afirmou que este mecanismo compensatório é
ineficiente em neonatos, em razão do incompleto
Silva LCG et al.
desenvolvimento do sistema simpático. Como resultado, o coração é incapaz de aumentar sua força
contração e o débito cardíaco depende precipuamente
da freqüência de contração do miocárdio. Vivan et al.
(2009) constataram que a dosagem de lactato no
sangue do cordão umbilical imediatamente ao nascimento é um indicador seguro da viabilidade neonatal,
com valores significativamente superiores em indivíduos que evoluíram para o óbito. Recém-nascidos
com valores de lactato próximos a 10 mM
faleceram precocemente, já ao longo da primeira hora
de vida. Os resultados de FC aferidos neste estudo
confrontam as citações prévias. Ao nascimento,
a FC de indivíduos nascidos em distocia foi significativamente superior aos demais. Admite-se que a
compressão das artérias uterinas e vasos umbilicais
em situações de pouca contratilidade miometrial
(hipotonia ou atonia) não seja prolongada e a indução
de hipóxia e acidose fetal seja mais branda. Em
somatória, a adoção de medicamentos ecbólicos
acelerou o parto e asseverou a higidez neonatal.
Supõe-se que a administração parenteral de gluconato
de cálcio para cadelas do grupo DIST tenha elevado a
FC fetal e a neonatal, pois estudos em Medicina
Humana relatam elevação na FC fetal em mães submetidas a 1 mg de gluconato de cálcio endovenoso por
hipocalcemia intra-parto (Hagay et al., 1986).
O disparo para o início da respiração pulmonar em
neonatos ocorre por estímulos táteis, térmicos e é
decorrente da moderada privação de oxigênio durante
o parto. A expansão dos pulmões pelo ar promove a
diminuição da resistência vascular local, aumento do
fluxo sangüíneo, elevação da oxigenação do sangue e
rápida absorção dos fluidos pulmonares fetais
(Vestweber, 1997). Durante a primeira inspiração,
somente parte dos alvéolos são inflados e, portanto,
qualquer influência pode comprometer a adequada
expansão alveolar. A discreta taquipnéia observada
aos sessenta minutos do nascimento para o grupo EUT
ocorreu possivelmente como mecanismo compensatório às restrições de trocas gasosas pulmonares.
Neonatos nascidos em distocia apresentaram evolução
mais lenta do padrão respiratório. A ausência do
estímulo compressivo do canal vaginal nos neonatos
nascidos por cesariana reduz a respiração reflexa e,
em associação à depressão respiratória decorrente dos
agentes anestésicos, pode ser a causa para o maior
acúmulo de fluidos no interstício pulmonar. Crianças
nascidas de cesariana podem apresentar estresse respiratório transitório, por não reabsorverem o fluido
pulmonar de maneira eficaz (Solas et al., 2001). A
avaliação isolada da FR não se mostrou precisa para
identificação de recém-natos com possíveis alterações
respiratórias, pois tal variável não apresentou comportamento estável nas populações estudadas, independente da condição de parto. Finister et al. (2005)
relataram que o escore Apgar não deve ser aplicado
para avaliação da hipóxia neonatal humana, todavia é
RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170
um método confiável para a definição da viabilidade
neonatal imediatamente ao parto e da eficácia da
ressuscitação. Sendo assim, é recomendado associar a
FR à auscultação minuciosa dos campos pulmonares e
a outros exames mais específicos na avaliação do
aparelho respiratório, como a análise hemogasométrica.
Em recém-nascidos, a termorregulação não é
totalmente desenvolvida e respostas fisiológicas à
hipotermia incluem bradicardia, falência cárdio-vascular, falha da sucção e parada gastrintestinal,
desidratação e morte (Johnston et al., 2001). A
temperatura mais elevada imediatamente após o parto
nos grupos EUT e DIST denota a influência da
temperatura materna, superior no trabalho de parto
em comparação às fêmeas submetidas à anestesia e
cesariana. Como resposta à hipotermia e à condição
pecilotérmica, o primeiro reflexo neonatal a se desenvolver é o termotropismo positivo, presente nos
primeiros quatro dias de vida e essencial para estabelecer o vínculo do recém-nascido com a mãe e a
ninhada (Prats e Prats, 2005).
Neonatos hígidos devem apresentar mucosas de
coloração rósea intenso. Quando cianóticas, sinalizam
severa hipoxemia (Spreng, 2004). Como citado
anteriormente, neonatos provenientes de cesariana
apresentam depressão respiratória e discreto estímulo
à respiração reflexa. Desta meneira, a troca gasosa
ocorrida durante as primeiras inspirações é menos
eficiente e acarreta severa hipóxia e cianose central.
Contudo, aos cinco minutos do nascimento somente
16% dos neonatos do grupo CES apresentavam
mucosas de coloração cianótica, apesar da depressão
cardiorrespiratória associada aos agentes anestésicos
empregados. A inspeção de mucosas aparentes
mostrou-se uma variável pouco fidedigna na identificação de neonatos com graus leves de alterações cardiorrespiratórias. Para tal avaliação, recomenda-se a
análise dos gases sangüíneos, como pO2, pCO2 e SO2.
As variáveis tônus muscular e irritabilidade reflexa
exprimem o grau de depressão do sistema nervoso
central neonatal. Neonatos nascidos por via vaginal
demonstraram excelente evolução destas variáveis,
com notas máximas para a maioria dos neonatos no
primeiro momento de avaliação. O prolongado
período em que os fetos permaneceram no útero
ou canal vaginal em distocia induziu a liberação de
corticosteróides. O estresse gerado é responsável pelo
estímulo do sistema nervoso simpático e acarretou
aumento da FC, da irritabilidade reflexa e do tônus
muscular imediatamente ao nascimento.
Com base nos resultados obtidos, o escore Apgar
demonstrou ser um método diagnóstico eficiente na
avaliação inicial do neonato. Como meio de triagem, o
escore Apgar adaptado à Medicina Veterinária
colaborou para a identificação de alterações inespecíficas do período neonatal imediato, como por exemplo
depressão e alterações respiratórias. A associação das
cinco variáveis estudadas asseverou maior amplitude à
169
Silva LCG et al.
avaliação clínica dos recém-nascidos. A avaliação
isolada da FR não permitiu estabelecer o diagnóstico
das possíveis alterações respiratórias, sendo recomendado associá-la à auscultação minuciosa de campos
pulmonares e a exames complementares, como
radiografia torácica e hemogasometria sangüínea. A
inspeção isolada das mucosas aparentes demonstrou
ser um recurso semiológico pouco fidedigno na identificação de neonatos com graus leves de alterações
cardiorrespiratórias, entretanto ao associá-la às
demais variáveis do escore Apgar obtém-se maior
acurácia na identificação de distúrbios gerais.
Neonatos nascidos em distocia materna por hipotonia
uterina apresentaram maior vitalidade imediatamente
após o parto, em função do estresse fetal mais prolongado, em contraste àqueles nascidos de cesariana,
deprimidos pela ação dos medicamentos anestésicos.
Neonatos caninos apresentaram comportamento
pecilotérmico, com significativa queda da temperatura corpórea no decorrer da primeira hora de vida,
independente da condição obstétrica.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, pelo auxílio financeiro para a realização deste
experimento. Processos: 06/52766-3, 06/59315-7.
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R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Flora bacteriana aeróbia em otites caninas
Aerobic bacterial flora of the canine otitis
A. C. P. Silveira*, C. D. R. Roldão, S. C. A Ribeiro, P. F. A. Freitas
Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia/MG, Brasil
Resumo: O presente trabalho teve como objetivo estudar
bacteriologicamente otites clínicas em cães, determinando a
freqüência das bactérias e a sensibilidade bacteriana frente a
diferentes antimicrobianos, por meio de um antibiograma. Foi
avaliada a influencia do sexo, raça e idade dos animais nas otites
bacterianas. Foram analisados 231 cães com sinais clínicos de
otite e em 89,2% foram isoladas bactérias, com prevalência
de Staphylococcus epidermidis (31,5%) e Staphylococcus
aureus (20,7%). Houve maior isolamento bacteriano nas otites
clínicas na faixa etária de 1 a 3 anos em animais sem raça
definida e em cães da raça Pastor Alemão, não havendo
diferença entre os sexos. Kanamicina (93,9%), Cloranfenicol
(85,2%), Gentamicina (85,2%) e Amicacina (81,9%) foram os
antibióticos que promoveram uma atividade antimicrobiana
sobre as bactérias isoladas.
Palavras-chave: canina, otite, flora bacteriana
Summary: The objective of the present work was the
bacteriological study of otitis in dogs, with the assessment of
bacteria frequency and sensitivity to antibiotics, as well as the
characterization of the ill animals in relation to sex, breed and
age. Dogs with clinical signals of otitis (n=231) were analyzed
and in 89.2% bacteria were isolated; with Staphylococcus
epidermidis in 31.5% and Staphylococcus aureus in 20.7%.
Dogs in the age class of 1 to 3 years old had higher prevalence
of bacterial isolation. The SRD and German Shepherd breeds
were the most affected and there were no differences between
sex. Kanamycin (93.9%), Chloramphenicol and Gentamicin
(85.2%) and Amikacin (81.9%) were the antibiotics with better
antimicrobial activity on the isolated bacteria.
Keywords: canine, otitis, bacterial flora
*Correspondência: [email protected]
Tel: + 55 (34) 3237-6174
Introdução
A otite canina, um dos principais motivos de
consultas desta espécie a médicos veterinários, causa
efeitos de grande desconforto ao paciente e ao
proprietário, tais como vocalização, nervosismo,
agitação, dor, prurido, secreção e odor, sendo imprescindível à busca por uma cura rápida (Tuleski, 2007).
Resulta de qualquer inflamação do conduto auditivo
com numerosos agentes etiológicos envolvidos e
fatores predisponentes que se relacionam com a
infecção (Greene, 1993), sendo uma síndrome que
freqüentemente reflete uma doença dermatológica
sistêmica (Jacobson, 2002).
São causadas por fatores primários, predisponentes
e perpetuantes (August, 1993; Logas, 1994). Os fatores
primários compreendem: hipersensibilidade alterada
(Curtis, 2004), presença de parasitas, presença de
corpos estranhos, desordens de ceratinização, imunopatias (Oliveira, 2004), tumores e pólipos auriculares
(Little e Lane, 1989), celulite juvenil (Carlotti, 2003).
Os fatores predisponentes incluem: conformação das
orelhas, morfologia do conduto auditivo, maceração
do epitélio, limpeza excessiva das orelhas (Griffin,
1996), doenças sistêmicas, alterações climáticas
(Harvey et al., 2004), adenites anais e febre (Oliveira,
2004). Já os fatores perpetuantes são: infecção bacteriana e/ou fúngica no conduto auditivo, cicatrizações
crônicas ou infecção subclínica (Leite, 2000).
É considerada a doença de orelha mais comum em
cães e gatos. Estima-se que em torno de 5 a 20% dos
cães apresentam otite (August, 1988) e que sua prevalência seja ainda maior em regiões que apresentam
clima tropical como o da cidade de Uberlândia, Minas
Gerais, Brasil, provavelmente próxima a 30 ou 40%
(Logas, 1994). Além disso, autores discutem que sua
incidência pode variar de acordo com raça, idade e
sexo dos cães.
O diagnóstico deve ser realizado mediante um
exame sistemático e completo de todo animal, o qual
deve sempre incluir anamnese, exame físico, otoscopia
e citologia da secreção auricular, realizando-se sempre
que possível cultura microbiana e antibiograma
171
Silveira ACP et al.
(Matousek, 2004). Desta forma, poder-se-á recomendar para o tratamento de otites bacterianas infecciosas
os produtos comerciais otológicos adequados, que
apresentem maior eficácia. O uso à revelia desses
produtos, sem a realização prévia de cultura microbiana e do devido antibiograma, aumenta o risco do
microrganismo envolvido na infecção mostrar-se
resistente ao antimicrobiano contido no mesmo e
poderá ainda induzir o desenvolvimento da cronicidade infecciosa, aumentando ainda a possibilidade de
resistência bacteriana devido às subdosagens (Tuleski,
2007).
Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi identificar a microbiota bacteriana presente nas otites infecciosas caninas, bem como avaliar a susceptibilidade
destes agentes infeciosos a diferentes antimicrobianos. Possibilitou, ainda, verificar a distribuição de
casos de otites por meio da obtenção de dados epidemiológicos sobre essa afecção, tais como raça, sexo e
faixa etária predominante.
Material e métodos
Durante o período de Agosto de 1986 a Dezembro
de 2002 foram enviadas 231 amostras de otite para o
Laboratório de Doenças Bacterianas da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), provenientes de cães
(94 fêmeas e 137 machos) atendidos no Hospital
Veterinário da UFU, localizado na cidade de
Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Base física da investigação clínico-laboratorial
A investigação clínico-laboratorial teve como base
os cultivos microbianos obtidos e os testes de sensibilidade realizados a partir de amostras da secreção
auricular de cães com sinais clínicos de otite, sendo os
procedimentos microbiológicos realizados de forma
padronizada.
RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175
0,9%, o qual foi enviado ao laboratório logo após a
colheita, ou imerso em meio de transporte de Stuart,
mantido em temperatura ambiente ou refrigeração, e
enviado ao laboratório em até 24 horas a partir do
momento da colheita.
As colheitas realizadas pelos clínicos veterinários
do Hospital Veterinário da UFU foram procedidas
no ambulatório, sem sedação, introduzindo-se um
zaragatoa estéril dentro do canal auditivo vertical, com
o cuidado de não contaminá-lo por meio do contato
com o pavilhão externo.
Citologia e cultura bacteriana
As amostras, recolhidas por meio de zaragatoas
estéreis, após a limpeza do pavilhão auricular com
solução fisiológica de NaCl a 0,9%, eram semeadas
em caldo simples, e 24 horas após eram cultivadas em
meios de cultura para bactérias aeróbias. Após isso, as
bactérias, representadas na Tabela 4, foram classificadas de acordo com Osbaldiston (1975) cuja técnica
baseia-se, de maneira geral, no conhecimento: da
capacidade da bactéria em crescer em ágar sangue e
em ágar de MacConkey; da coloração das colônias em
ágar de MacConkey; da utilização da glicose e
produção de H2S em ágar TSI; da reação de catalase;
da coloração de Gram; do lugar de isolamento e
animal hospedeiro.
Para cada bactéria isolada, foram feitas provas de
sensibilidade aos antibióticos, segundo a técnica
preconizada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) (1961) durante o período de coleta dos dados
(para justificar o não uso da técnica atualmente
preconizada pela OMS), estando expostas na Tabela 6.
Teste de sensibilidade bacteriana
Para realização dos testes de sensibilidade in vitro,
utilizou-se o método de difusão em disco único
(Bauer et al., 1966), testando-se sete antimicrobianos:
ampicilina; amicacina; gentamicina; tetraciclina;
cloranfenicol; sulfazotrin e kanamicina.
Critérios técnicos para inclusão das amostras
Os critérios para inclusão da amostra otológica na
investigação clínico-laboratorial foram: amostras de
secreção otológica de paciente canino, acompanhadas
de dados referentes à idade, sexo e raça do cão,
encaminhadas para cultura bacteriana, provenientes
do Hospital Veterinário da UFU.
Foram desconsiderados fatores como: cronicidade
da doença, medicações prévias ou em andamento,
doenças dermatológicas ou sistêmicas concomitantes,
otite média, bem como número de amostras por animal.
Colheita das amostras
As amostras de secreção auricular foram colhidas
com auxílio de zaragatoa estéril após a limpeza do
pavilhão auricular com solução fisiológica de NaCl a
172
Epidemiologia da otite em cães
Os dados epidemiológicos observados nesta
investigação referentes a sexo, faixa etária e raça do
cão foram avaliados conforme:
1) Sexo: verificou-se a proporção de casos de otite
em cães machos ou fêmeas, submetendo-se esses
valores à análise estatística.
2) Faixa etária: os animais foram classificados em
quatro faixas etárias:
- grupo ‘A’: até um ano de idade;
- grupo ‘B’: acima de um ano até três anos;
- grupo ‘C’: acima de três até sete anos;
- grupo ‘D’: acima de sete anos.
3) Raça: os animais foram classificados com relação à
raça, submetendo os valores obtidos à análise estatística.
Silveira ACP et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175
Análise estatística
Para determinar a relação entre otites bacterianas
e sexo, raça e idade dos animais aplicou-se a prova
do Qui-Quadrado (Spiegel, 1993) com nível de
significância de 0,05.
Resultados e discussão
Tabela 1 – Distribuição de casos de otite clínica, de acordo com
o sexo, em 231 cães com otite atendidos no Hospital Veterinário
da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – Minas
Gerais, Brasil, de Agosto de 1986 a Dezembro de 2002
Sexo
Isolamento Bacteriano
Positivo
%
Negativo
%
Total
Fêmeas
84
89,36%
10
10,64%
94
Machos
122
89,05%
15
10,95%
137
Total
206
89,17%
25
10,83%
231
p=0,00 < 0,05 - não significativo
Do total de 231 amostras submetidas à cultura
bacteriana, 206 (89,17%) apresentaram crescimento
bacteriano, enquanto que 25 (10,83%) resultaram em
cultivos bacterianos negativos corroborando com os
achados de Fachini (1981); Magalhães et al. (1985);
Zanabria e Ruiz (1988). Entretanto, Ribeiro et al.
(2000) ressaltam que a demonstração da presença
de bactérias no conduto auditivo não significa
necessariamente que estes microrganismos sejam
patógenos primários totalmente responsáveis pelo
desenvolvimento da otite. Quanto ao sexo, não houve
diferença estatisticamente significativa entre machos e
fêmeas (p=0,00) (Tabela 1).
Spaniel e Poodle (terceira e quarta maiores ocorrências) no nosso meio, onde a preferência recai sobre os
cães de guarda. Já quanto a faixa etária, encontrou-se
que, 40,26% dos casos ocorreram entre 1 e 3 anos de
idade; 27,7% entre 3 e 7 anos; 17,5% em cães acima
de 7 anos e 14,29% em filhotes menores de 1 ano
(Tabela 2), diferindo dos resultados expostos por
Macy (1992), que cita que a otite externa é observada
mais freqüentemente em cães entre 5 e 8 anos de
idade.
Em relação às raças, a maioria dos casos de otite foi
em cães SRD (Sem Raça Definida) e Pastor Alemão,
com 40,69% e 34,63% do total (Tabela 2), respectivamente, concordando com as colocações expostas
por Magalhães et al. (1985) que observaram uma
predominância de otite bacteriana nos SRD e Pastor
Alemão, justificando estes dados como decorrente
do menor número de exemplares das raças Cocker
As bactérias mais recorrentes no isolamento
bacteriano foram Staphylococcus epidermidis e
Staphilococcus aureus com 31,47% e 20,71% da
ocorrência total, seguidos pela Enterobacter spp e
Escherichia coli, com 12,35% e 10,35, respectivamente (Tabela 3). Estes dados são ratificados em parte
por Fachini (1981), Cerri et al. (1983), Woody e Fox
(1986) e Muller e Heusinger (1994).
Tabela 2 – Distribuição de casos de otite clínica, de acordo com raça e idade, em 231 cães com otite atendidos no Hospital Veterinário
da Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais, Brasil, de Agosto de 1986 a Dezembro de 2002
Raça
SRD*
Pastor alemão
Poodle
Cocker spaniel
Doberman
Dálmata
Fila
Teckel
Pequinês
Pastor belga
Rotweiller
Pinsher
Setter inglês
Fox terrier
Husky siberiano
Boxer
Weimaraner
Yorkshire
Total
<1
15
11
02
01
02
--01
---01
------33
%
6,5
4,76
0,87
0,43
0,87
--0,43
---0,43
------14,29
1a3
39
32
02
02
04
04
03
01
-01
02
---01
01
-01
93
Número de animais com otite clínica / idade (anos)
%
3a7
%
>7
%
16,89
24
10,39
16
6,93
13,85
25
10,82
12
5,2
0,87
04
1,73
03
1,3
0,87
01
0,43
05
2,17
1,73
01
0,43
--1,73
02
0,87
--1,3
03
1,3
--0,43
01
0,43
---02
0,87
01
0,43
0,43
--01
0,43
0,87
-------01
0,43
-01
0,43
-----01
0,43
0,43
----0,43
-------01
0,43
0,43
----40,26
64
27,7
41
17,75
TOTAL
94
80
11
09
07
06
06
03
03
02
02
02
01
01
01
01
01
01
231
%
40,69
34,63
4,76
3,90
3,03
2,60
2,60
1,30
1,30
0,87
0,87
0,87
0,43
0,43
0,43
0,43
0,43
0,43
100%
173
Silveira ACP et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175
Tabela 3 – Freqüência de bactérias isoladas em caso de otite
clínica, em cães atendidos no Hospital Veterinário da
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG. Agosto
de 1986 a Dezembro de 2002
Bactérias
Número
%
Staphylococcus epidermidis
79
31,47
Staphylococcus aureus
52
20,71
Enterobacter spp
31
12,35
Escherichia coli
26
10,35
Proteus spp
18
7,17
Citrobacter diversus
15
5,97
Bacillus spp
10
3,98
Aeromonas spp
06
2,40
Micrococcus spp
04
1,60
Streptococcus viridans
03
1,20
Alcaligenes spp
02
0,80
Streptococcus faecalis
01
0,40
Acinectobacter spp
01
0,40
Streptococcus B hemolítico
01
0,40
Corynebacterium pyogenes
01
0,40
Arizona spp
01
0,40
Total
251
100
Por meio dos testes de sensibilidade aos antibióticos,
verificou-se que as bactérias mais freqüentemente isoladas foram mais sensíveis a Kanamicina (93,93%),
Cloranfenicol e a Gentamicina (85,21%), e a
Amicacina (81,88%) (Tabela 4), diferindo em parte
dos resultados observados por Magalhães et al.
(1985), nos quais os microorganismos mais isolados
foram mais sensíveis a Gentamicina, Amicacina e
Nitrofurano.
Tabela 4 – Eficiência dos antibióticos aos agentes microbianos
mais comumente isolados de cães com otite clínica atendidos no
Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia – MG. Agosto de 1986 a Dezembro de 2002
Antibióticos S. epidermidis
SEN
S. aureus
Total
SEN
%
SEN
%
12/14 85,71
15/15
100
31/33
93,93
Cloranfenicol 61/69 88,40
43/50
86
Kanamicina
%
121/142 85,21
Gentamicina
57/69 82,60
49/51 96,07
121/142 85,21
Amicacina
55/69 79,71
38/45 84,44
113/138 81,88
Sulfazotrim
38/51 74,50
24/35 68,57
78/111 70,27
Tetraciclina
48/66 72,72
34/46 73,91
91/132 68,93
Ampicilina
25/62 40,32
17/48 35,41
54/129 41,86
A ausência de um acompanhamento laboratorial no
tratamento das otites pode levar a um desenvolvimento
de resistência aos agentes causadores, e conseqüentemente ocasionar uma terapêutica insuficiente, causando
muitas vezes uma recidiva ou até a cronicidade do
processo. No entanto, em muitas situações nas quais
estes estudos laboratoriais não sejam possíveis,
sugere-se o uso dos medicamentos que mais freqüentemente têm demonstrado eficiência geral.
174
Conclusão
Em 89,17% foram isoladas bactérias com prevalência
de Staphylococcus epidermidis (31,47%) e Staphylococcus aureus (20,71%), na faixa etária de 1 a 3 anos
em animais sem raça definida e em cães da raça Pastor
Alemão, não havendo diferença entre os sexos.
Kanamicina (93,93%), Cloranfenicol (85,21%) e
Gentamicina (85,21%) e Amicacina (81,88%) foram
os antibióticos que promoveram uma atividade antimicrobiana sobre as bactérias isoladas.
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Mieloencefalite protozoária eqüina em equinos nativos do município de
Bagé-RS, sul do Brasil
Equine protozoal myeloencephalitis in horses from Bagé, southern Brazil
Luciana A. Lins1*, Friedrich Frey Junior1,
Maria Elisabeth Aires Berne2, Carlos E. W. Nogueira1
1
Departamento de Clínicas Veterinária/FV-UFPel
Departamento de Parasitologia Animal/FV-UFPel
2
Resumo: A Mieloencefalite Protozoária Eqüina (MEP) é uma
doença neurológica infecciosa causada pelo protozoário
Sarcocystis neurona. O objetivo deste estudo foi avaliar a
presença de anticorpos anti-S. neurona no soro e líquido
cefalorraquidiano de cavalos Puro Sangue Inglês nativos do
município de Bagé-RS no sul do Brasil. Foram avaliados 970
eqüinos, dos quais 27 (2,8%) apresentavam histórico de
incoordenação motora. Estes foram acompanhados clínica e
sorologicamente para a presença de MEP. Na avaliação clínica
destes animais, 10 (37%) apresentaram alteração clínica
neurológica durante o exame e presença de anticorpos anti-S.
neurona no soro e líquido cefalorraquidiano. Outros 8 (29,6%)
animais também demonstraram soropositividade para o agente,
mas não apresentaram alterações clínicas compatíveis com a
doença. Sete (26%) dos animais soropositivos eram nascidos
e criados em Bagé-RS no sul do Brasil, o que indica que
ocorre infecção por S. neurona em animais desta região, sendo
necessário conhecer e eliminar os fatores de risco envolvidos na
transmissão deste protozoário.
Palavras-chave: Mieloencefalite Protozoária Equina, Sarcocystis neurona, Western blot
Summary: Equine Protozoal Myeloencephalitis (EPM) is an
infectious neurologic disease caused by Sarcocystis neurona
protozoan. This paper evaluates the presence of anti-S. neurona
antibodies in the serum and cerebrospinal fluid from
Thoroughbred horses raised in the Bagé city, in southern Brazil;
970 horses were evaluated, of which 27 (2,8%) presented
history of lack of coordination. Those signs led to clinical and
serological examination of the horses in order to collect
evidence of EPM. At the clinical evaluation, 10 (37%)
presented neurological alteration and the presence of anti-S.
neurona antibodies in the serum and cerebrospinal fluid. Eight
(29,6%) animals also presented serum reaction, without
showing clinical evidence of the disease. Seven (26%) of these
horses were born and raised in Bagé city in the southern Brazil,
showing that the S. neurona infection occurs in this region,
indicating the need to know and eliminate the risk factors
involved in the transmission of this protozoan.
*Correspondência: [email protected]
Rua Quinze de Novembro, n° 1550-Centro, Pelotas-RS, Brasil
CEP 96015-000
Tel: +55 (53) 92416001
Keywords: Equine Protozoal Myeloencephalitis, Sarcocystis
neurona, Western blot
Introdução
A Mieloencefalite Protozoária Eqüina (MEP) é uma
doença neurológica infecciosa muitas vezes fatal
(Mayhew, 1999), causada pelo protozoário Sarcocystis
neurona (Blythe et al., 1997; MaCkay et al., 2000).
O hospedeiro definitivo do parasito é o gambá,
que infesta-se ao ingerir sarcocistos presentes na musculatura do hospedeiro intermediário, provavelmente
aves. Após a ingestão dos sarcocistos contendo
bradizoítos, estes alcançam o intestino delgado, onde
realizam a reprodução sexuada, dando origem ao
oocisto. Este rompe a célula e é eliminado no
ambiente já esporulado (esporocisto) juntamente com
as fezes do hospedeiro. O cavalo infecta-se pela
ingestão do esporocisto com alimentos ou água. Após
ingestão ocorre liberação de esporozoítos no intestino
delgado e inicia-se a reprodução assexuada no
endotélio vascular (Mackay et al., 2000). A apresentação clínica pode ser de forma aguda ou crônica,
dependendo do estágio da enfermidade (Dubey et al.,
1996), envolvendo principalmente alterações na
andadura do animal, sendo a incoordenação motora,
fraqueza e atrofia muscular os sinais típicos da MEP
(Mayhew, 1999).
O diagnóstico da MEP não deve ser baseado apenas
nos sinais clínicos porque estes são comuns a diversas
doenças do sistema nervoso. O diagnóstico pode ser
feito através do teste de Western Blot, utilizando o
soro ou o fluido cerebroespinhal do animal. O resultado positivo do teste no soro sangüíneo indica a
exposição do animal ao parasita, enquanto que o
resultado positivo no fluido cerebroespinhal indica
que o parasita penetrou na barreira hematoencefálica
estimulando uma resposta imune local. A presença
de anticorpos específicos no líquido cefalorraquidiano
177
Lins LA et al.
é mais sugestiva de infecção, porém pode ocorrer
resultado falso-positivo se no momento da coleta
houver contaminação da amostra com sangue (Furr,
2006). Também é utilizado um teste de PCR
para detecção do DNA de S. neurona no líquido
cefalorraquidiano, porém este teste apresenta menor
sensibilidade, provavelmente porque merozoítos
intactos raramente circulam no líquor e o DNA livre
do parasito é rapidamente destruído por ação enzimática (Dubey et al., 2001).
A maior incidência de MEP ocorre nas Américas,
em países como Estados Unidos, Canadá, Brasil e
Argentina. Casos de MEP também foram diagnosticados em países da Europa, África do Sul e Ásia, porém
em animais importados de países do hemisfério oeste
(Mayhew e Greiner, 1986; Ronen, 1992; Lam et al.,
1999). A distribuição da MEP ocorre de acordo com a
distribuição do gambá, principal hospedeiro definitivo
de S. neurona (Dubey, 2000). Em estudo conduzido
em diferentes regiões do Brasil, Hoane et al. (2006)
encontraram 69,6% dos eqüinos reagentes. Estes
resultados demonstram uma alta exposição dos
cavalos no Brasil aos esporocistos de S. neurona,
sendo aproximadamente o dobro da soroprevalência
encontrada na América do Sul em um estudo prévio.
Porém, estes dados não são conclusivos em afirmar
que os animais soropositivos tiveram esta reação no
Brasil, ou se vieram de outros países já infectados. Por
isso, foi proposto o presente estudo com o objetivo de
detectar a presença de anticorpos anti-S. neurona no
soro e líquido cefalorraquidiano de eqüinos nascidos e
criados no município de Bagé-RS, avaliando a relação
da presença de anticorpos com o aparecimento de
sinais clínicos.
Material e métodos
Durante 12 meses, foram avaliados 970 eqüinos da
raça Puro Sangue Inglês provenientes de três
propriedades criatórias do município de Bagé -RS, no
sul do Brasil. Os animais que apresentaram histórico
de incoordenação motora foram submetidos à avaliação clínica e sorológica para caracterização da
presença de infecção por S. neurona.
A avaliação clínica constou de histórico, anamnese
e exame clínico geral e específico do sistema nervoso.
O exame específico do sistema nervoso foi conduzido
para se detectar alguma alteração neurológica. Neste
exame foi realizada avaliação do comportamento,
estado mental, postura, avaliação dos nervos cranianos, andadura e propriocepção, além da inspeção geral
para evidenciar possível assimetria, conforme descrito
por Mayhew (1989). Somente os animais que
apresentaram alterações neurológicas foram avaliados
por sorologia.
Para a realização da sorologia para S. neurona,
trimestralmente foi realizada coleta de sangue sem
178
RPCV (2008) 103 (567-568) 177-180
anticoagulante dos animais que apresentaram alterações neurológicas. O soro sanguíneo foi separado e
enviado ao Laboratório de referência nos EUANeogen®- para verificar a presença de anticorpos
anti-S. neurona através de Western Blot.
A pesquisa de anticorpos anti-S. neurona no líquido
cefalorraquidiano foi realizado nos animais que
mostraram sinais clínicos compatíveis com alteração
neurológica e foram positivos para pesquisa de anticorpos anti-S. neurona no soro, desta forma buscando
a confirmação do resultado obtido na sorologia.
Resultados
De 970 animais avaliados 27 (2,8%) apresentaram
histórico de incoordenação motora e foram acompanhados para a pesquisa de S. neurona. Deste total, 12
eram potros com idades entre 3 e 16 meses, todos
nascidos em Bagé e 15 éguas com idades entre 10 e 15
anos, a maioria delas com histórico de viajem aos
estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.
Na avaliação clínica dos 27 animais, 10 (37%)
demonstraram sintomatologia clínica de alterações
neurológicas no momento do exame e destes, 9 (90%)
demonstraram sorologia positiva para o agente no
Western Blot sérico, sendo 1 (1%) fraco positivo. Os
10 animais que demonstraram sinais clínicos foram
submetidos à avaliação do líquido cefalorraquidiano
por Western Blot, sendo os 10 (100%) positivos para
S. neurona.
Dos 17 (63%) animais que não demonstraram
sintomatologia neurológica durante o exame, 2
(11,8%) foram positivos e 6 (35,3%) foram
fraco-positivos no Western Blot sérico, como pode
ser observado na Tabela 1.
Dentre os 27 equinos submetidos à avaliação
sorológica, 18 (66,6%) apresentaram reação positiva
para o agente, sendo que 7 (39%) deles eram potros
nascidos e criados em Bagé-RS.
Discussão
De acordo com Furr (2006), o Western Blot para
pesquisa de anticorpos específicos para S. neurona
apresenta até 90% de sensibilidade e especificidade,
porém, a presença de anticorpos no soro indica apenas
o contato do animal com o agente, e não a presença da
doença clínica. A presença de anticorpos contra S.
neurona no fluido cérebro-espinhal é mais sugestiva
à infecção, porém não é definitivo (Furr, 2006).
Neste estudo, os 10 animais que apresentaram
sintomatologia clínica neurológica tiveram o líquor
analisado por Western Blot a fim de se obter um resultado comparativo com o soro. Todos os animais
demonstraram presença de anticorpos anti-S. neurona
no líquor.
Lins LA et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 177-180
Tabela 1 - Sinais clínicos, presença de anticorpos anti-S. neurona soro e líquor por Western Blot em 27 eqüinos da região sul do Rio
Grande do Sul
Égua
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
Potro
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
Sinais
clínicos
+
+
+
+
+
+
+
Sinais
clínicos
+
+
+
Soro*
Soro*
Soro*
Soro*
Líquor
Negativo
Fraco-Positivo
Positivo
Positivo
Positivo
Negativo
Positivo
Negativo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Positivo
Negativo
Positivo
Negativo
Negativo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Positivo
Negativo
Fraco-Positivo
Positivo
Positivo
Positivo
Negativo
Positivo
Negativo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Positivo
Negativo
Fraco-Positivo
Positivo
Positivo
Positivo
Negativo
Positivo
Negativo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Fraco-Positivo
Fraco-Positivo
Positivo
NR
NR
Positivo
Positivo
Positivo
NR
Positivo
NR
NR
NR
NR
Positivo
Positivo
NR
Positivo
Soro*
Soro*
Soro*
Soro*
Líquor
Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Positivo
Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Positivo
Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Positivo
Fraco-Positivo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Fraco-Positivo
Negativo
Positivo
Positivo
Positivo
NR
NR
NR
NR
NR
NR
NR
NR
NR
Positivo
Positivo
NR – Não Realizado
*As 4 colunas identificadas como "soro" correspondem a colheitas seriadas com intervalos de 3 meses
O diagnóstico da MEP é observado com maior
freqüência em cavalos mais velhos, mostrando que
com o passar da idade o animal tem maior probabilidade de entrar em contato com o agente causador
desta enfermidade (Blythe et al., 1997). Entre as 15
éguas avaliadas, 11 (73,3%) apresentaram soro reatividade para S. neurona. Este percentual elevado reflete
a exposição aos fatores de risco que estes
animais sofreram durante a vida, principalmente nos
centros de treinamento. O estresse gerado pelos transportes e gestações pode propiciar o desenvolvimento
da doença, conforme foi descrito por Saville et al.
(1999). Porém, estes dados não permitem afirmar que
existiu a soro reação para S. neurona em cavalos no
sul do Brasil, já que grande parte destas éguas reprodutoras mantidas nos centros de manejo nesta região
do país é oriunda de outros estados e países.
Entretanto, dos 12 potros avaliados, 3 (25%)
apresentaram diagnóstico clínico, sorológico e do
licor positivo para MEP. Como estes animais
nasceram e foram criados na região de Bagé, pode-se
afirmar que desenvolveram a infecção na região, já
que, diferente dos outros animais, estes nunca saíram
do local. Quatro (33,3%) animais também nascidos na
região, apesar de não apresentar sinais clínicos foram
soro reagentes, demonstrando que tiveram contato
com S. neurona, porém não contraíram a doença.
Confirmando a observação de Furr (2006), que
descreve que embora seja freqüentemente a exposição
a esse protozoário, é baixa a porcentagem de animais
que desenvolvem a doença clínica.
Conclusão
Com base nestes dados é possível afirmar que
ocorre infecção por S. neurona em eqüinos criados no
município de Bagé-RS no sul do Brasil, já que sete
(39%) dos animais que foram soropositivos para este
protozoário nasceram e foram criados nesta região.
Estes dados demonstram a importância de se conhecer a epidemiologia para trabalhar na eliminação dos
179
Lins LA et al.
fatores de risco envolvidos na infecção, evitando o
acesso de hospedeiros transmissores às instalações
utilizadas pelos eqüinos.
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RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Effects of two phytotherapics formulations containing Glycine max (L.)
Merr on general reproductive performance in Wistar rats
Efeitos de duas preparações fitoterápicas contendo Glycine max (L.) Merr
sobre o desempenho reprodutivo de ratos Wistar
Clarissa Boemler Hollenbach1*, Carlos Eduardo Bortolini1,
Juliana Machado Batista da Silva1, Emanuel Boemler Hollenbach1, Lucas Hirtz1,
Fernanda Bastos de Mello2, João Roberto Braga de Mello1
1
Departamento de Farmacologia, Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS).
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Sarmento Leite n° 500, sala 204, 90046-900, Porto Alegre, RS, Brazil
2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil
Abstract: The soybean Glycine max (L.) Merr contents
isoflavones, which are powerful phytoestrogens that can
influence many biochemical and physiological processes and
that occur naturally in plants. This paper reports the effects of
two phytotherapics formulations containing Glycine max (L.)
Merr on general reproductive performance in female rats. The
females were treated before and during mating, pregnancy and
lactation using tree different doses. Half of the pregnant females
were submitted to a cesarean section on the 21st day of
pregnancy while the remaining females were allowed to give
birth. The data showed that the phytotherapics formulations
caused change in the growth in pre-mating increased the
number of resorptions and interfered in reproductive rates as
measured according to the doses tested.
Keywords: Glycine max, phytoestrogens, reproduction, fertility, rats
Resumo: A soja Glycine max (L.) Merr contém isoflavonas,
compostos naturais das plantas, poderosos fitoestrógenos que
podem influenciar muitos processos bioquímicos e fisiológicos.
Neste trabalho são testados os efeitos de duas formulações
fitoterápicas contendo Glycine max (L.) Merr sobre o
desempenho reprodutivo de fêmeas de ratos Wistar. As fêmeas
foram tratadas antes e durante o acasalamento, gestação e
lactação utilizando três diferentes doses das formulações.
Metade das fêmeas gestantes foi submetida a uma cesariana no
21º dia de gestação e o restante das fêmeas pariu a termo. Os
dados mostraram que as formulações fitoterápicas alteraram o
crescimento pré-acasalamento, aumentaram no número de
reabsorções e modificaram as taxas reprodutivas mensuradas de
acordo com as dosagens testadas.
Palavras-chave: Glycine max, fitoestrógenos, reprodução,
fertilidade, ratos
*Correspondence: [email protected]
Clarissa Boemler Hollenbach – Rua da República, nº 604/6,
Cidade Baixa, Porto Alegre, RS, Brazil
Tel: + 55 (51) 32091249
Introduction
Isoflavones are phenolic compounds and chemicals
widely distributed in the plant kingdom. The concentrations of these compounds are relatively larger in
legumes and, in particular, in the soybean Glycine
max (L.) Merr, with various biological properties
(antioxidant activity, inhibition of enzyme activity and
others) that can influence many biochemical and
physiological processes. The chemical structure of
isoflavones is similar to that of estrogen, such as 17 ßestradiol (Setchell, 1998).
Estrogens are responsible for feminine characteristics,
reproductive control pregnancy and also influence the
skin, bones, the cardiovascular system and immunity
(Tapiero et al., 2002). The properties of estrogen and
anti-estrogen of phytoestrogens depends on its
concentration, on the concentration of endogenous sex
steroids as well as the specific target organ involved in
the interaction with the estrogens receptors
(Nachtigall, 2001).
Regarding the usage in peri-menopause, multicenter
studies have produced contradictory results. In a study
with 145 postmenopausal women receiving a diet
rich in phytoestrogens for 12 weeks Brzezinski
and Schenker (1997) concluded that menopause
symptoms were decreased by 50%, while hot
flushes and vaginal dryness fell by 54% and 60%,
respectively. Albertazzi et al. (1998), and Upmalis
et al. (2000), carrying out multicenter, double-blind,
randomized, placebo-account studies concluded that
phytoestrogens decreased vasomotor symptoms and
the incidence and severity of heat waves. Secreto et al.
(2004), conducting a multicenter, double-blind,
randomized study concluded, in turn that isoflavones
and melatonin have not shown any advantage as
181
Hollenbach CB et al.
compared to the placebo in relieving menopause
symptoms.
The best documented effects of isoflavones are
related to activity on reproduction. In that regard,
soybean and its isoflavones are classified as
endocrinal disrupters.
Adverse effects of soy-containing foods and soy
components on reproductive processes of animals
have been reported. Histopathological changes in
ovarian and uterine administration of genistein and
reduced fertility of exposed females are reported in
rats (Nagao et al., 2001), while Chan (2009) found
that 1–10 M genistein has injury effects on mouse
oocyte maturation, fertilization, and subsequent
embryonic development.
A systematic review conducted by Huntley and Ernst
(2004), regarding the use of soy in the treatment of
menopause symptoms showed that of 13 multicenter
studies, ten were included within acceptable criteria.
Of the ten, four studies suggested that the preparations
of soybeans were beneficial in the treatment of perimenopausal symptoms, six showed negative results.
Based on the survey of these studies, Huntley and
Ernst (2004) concluded that there is some evidence of
efficacy of preparations of soybeans for the treatment
of symptoms of menopause, but because of the
heterogeneity of results it is difficult to establish a
definitive postulation.
Reproductive toxicity tests are conducted to
determine the direct effects of a chemical on the
process of reproduction of mammals. The aim of this
study was to evaluate the reproductive toxicity of soy
on the fertility and reproductive performance of
Wistar rats as recommended by guidelines defined by
the Food and Drug Administration (FDA), and the
Organization for Economic Cooperation and
Development (OECD).
Material and methods
Phytotherapic formulations
The phytotherapic formulations used in the
experiments were acquired in local drug stores. The
formulations contained the batch number, date of
manufacture and were within the sell-by date.
Corporate names: Phytotherapic I: Ache Laboratórios
Farmacêuticos S/A and Phytotherapic II: Herbarium
Laboratório Botânico Ltda. The declared composition
in the package leaflet of Phytotherapic I: dry Glycine
extract max (L.) Merr. 40% = 150 mg and of
Phytoterapic II: extract max Glycine (L.) Merr 40% =
75 mg. The phytotherapic formulations were obtained
through the dilution of the contents of the capsules of
the medicine, using distilled water as a vehicle. The
doses were prepared according to the manufacturers’
recommendations.
182
RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
Experimental animals
The 24 males and 72 females of albino Wistar rats
used in the present study were kept under constant
conditions: on a daily light cycle of 12 h light/12 h
dark, room temperature 21 ºC ± 1 ºC, and 50% ± 5%
relative humidity. The animals received a standard
pelleted diet (Nuvilab CR1®, Paraná, Brazil) and tap
water ad libitum during all the experiment. All rats
were adapted to the conditions of our animal quarters
for 3 weeks before starting the experiment. Breeding,
housing and experimental procedures followed the
guidelines published in the NIH Guide for Care and
Use of Laboratory Animals and obeyed current
Brazilian laws and were in accordance with current
Brazilian regulations including approval by the Ethics
Committee in search of Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Mating procedure
Males were housed individually per cage with wood
shavings as bedding. Three virgin females were placed
into a cage of one male for 2 h each day (7:00–9:00
o’clock) and vaginal smears were evaluated for sperm.
The first 24-h period following the mating procedure
was called day 0 of pregnancy if sperm was detected
in the smear. The mating procedure was repeated from
Monday to Friday for 3 weeks.
Treatment
The animals were divided in six experimental groups,
one control group (CG), which received vehicle (n=32)
and six groups (GPI1, n=32; GPI2, n=28; GPI3, n=24;
GPII1, n=32; GPII2, n=20; and GPII3, n=12) that were
treated with three concentrations of the two Phytotherapic were administered as the therapeutic dose, a
solution equivalent to five times the therapeutic dose
and a solution equivalent to 10 times the therapeutic
dose (4.3 mg/kg, 21.5 mg/kg and 43 mg/kg, respectively). All experimental groups were treated by gavage
every day. The females were treated before mating (14
days) and during mating (21 days), pregnancy (21
days), and lactation periods (21 days). The males were
treated for 91 days before mating (70 days) and during
mating (21 days).
Evaluation of the animals
All males and females were evaluated for weight
development and signs of toxicity. Pregnant females
were observed for weight gain, signs of dystocia,
post-implantation loss and prolonged duration of
pregnancy. Litter size, litter weight, sex ratio were
recorded.
Cesarean section
On day 21 of pregnancy half of the females were
anaesthetized with tiletamin/ zolazepan 50% and
Hollenbach CB et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
euthanized by decapitation. The gravid uterus was
weighed with contents. Resorptions as well as living
and dead fetuses were counted. The number of
implantation sites was determined. All the living
fetuses were immediately weighed, numbered with
marker pen, examined for externally visible malformations and fixed in a 5% formalin solution.
X 100;
- Weanling index: number of live offspring at day
21/number of live offspring born X 100;
- Post-implantation loss index: number of implantation sites-number of live fetuses/number of implantation sites X 100.
Statistical analysis
Lactation
Data were analyzed by one-way analysis of
variance. The Bonferroni test was used to test
differences between groups. Proportions were
analyzed by the Chi-square test. Statistical evaluation
was performed using the SPSS and EXCEL programs,
and a difference was considered statistically significant at P < 0.05.
The other pregnancy females were allowed to give
birth to their offspring. At weaning (postnatal day 21)
all dams were anaesthetized and euthanized by
decapitation and underwent postmortem examination.
All major organs were macroscopically inspected and
weighed (liver, heart, spleen, kidneys, ovaries and
uterus). The organs were fixed in a 10% neutral
buffered formalin solution for routine processing and
light-microscopic evaluation.
Results
Index analyzed
Body weight changes and toxicity in female rats
- Mating index: number of sperm positive females/
number of mated females X 100;
- Pregnancy index: number of pregnant females/
number of sperm positive females X 100;
- Delivery index: number of females delivering/
number of pregnant females X 100;
- Birth live index: number of live offspring/number
of offspring delivered X 100;
- Viability index: number of live offspring at
lactation day 4/number of live offspring delivered
The female rats treated orally with Phytotherapic I
and Phytotherapic II in three doses during prior
to mating, at mating, pregnancy and lactation, as
21.5 mg/kg and 43 mg/kg suffered changes in the
growth in prior the mating period. No statistically
significant differences among control group and
Phytotherapic I and Phytotherapic II treated groups
were found with regard to maternal and offspring
weight changes during the pregnancy and lactation
period (Table 1). There were no differences in both
Table 1 - Weight development (g) of female rats orally treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), with three doses
4.3, 21.5 and 43 mg/kg, respectively, GPI1 (n= 32), GPI2 (n= 28), GPI3 (n= 24), GPII1 (n= 32), GPII2 (n= 20) and GPII3 (n= 12),
during pregnancy and lactation period (p= pregnancy, L= lactation)
Days of pregnancy and
lactation period (A)
1p
7p
14p
21p
1L
7L
14L
21L
Days of pregnancy and
lactation period (B)
1P
7P
14P
21P
1L
7L
14L
21L
Control
GPI1
GPI2
GPI3
213.9 ± 3.4
227.3 ± 4.1
245.3 ± 4.3
291.7 ± 4.8
229.3 ± 5.3
241.9 ± 4.7
248.8 ± 4.3
243.1 ± 4.9
223.2 ± 4.5
235.8 ± 5.2
254.6 ± 5.6
299.3 ± 5.6
226.1 ± 5.1
236.9 ± 5.2
256.1 ± 5.9
253.3 ± 5.3
234.1 ± 6.1
248,0 ± 5.9
243.4 ± 5.7
254.7 ± 6.3
-
233.8 ± 6.3
244.8 ± 6.4
269.3 ± 6.1
282.3 ± 5.7
245.4 ± 6.3
257.1 ± 6.5
268.4 ± 6.3
267.4 ± 6.1
Control
GPII1
GPII2
213.9 ± 3.4
227.3 ± 4.1
245.3 ± 4.3
291.7 ± 4.8
229.3 ± 5.3
241.9 ± 4.7
248.8 ± 4.3
243.1 ± 4.9
223.2 ± 4.5
235.8 ± 5.2
254.6 ± 5.6
299.3 ± 5.6
226.1 ± 5.1
236.9 ± 5.2
256.1 ± 5.9
253.3 ± 5.3
224.4 ± 5.1
237.4 ± 5.9
244.4 ± 6.3
259.1 ± 5.8
227.6 ± 6.1
235.5 ± 5.9
245.3 ± 6.8
244.2 ± 6.2
Values are given as means ± SE. Data were analyzed by ANOVA. Days of pregnancy and days of lactation are indicated by subscripts P and L
respectively. No significant difference among groups was observed.
183
Hollenbach CB et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
absolute and relative organs weight among the groups
(Table 2).
Outcome of fertility tests
Statistically significant differences were observed
in the mating index (the proportion of females
impregnated by male rats) only when Phytotherapic I
was administered at the highest dose (43 mg/kg) as
compared to the control group. Statistically significant differences were observed in the pregnancy index
(the proportion of pregnant females and females with
sperm positive) only when Phytotherapic II was used
at the highest dose as compared to the control group
(Table 3). There was statistical difference among
Phytotherapic I and II as compared to the control
group in the post-implantation loss index. The other
indexes are shown in Tables 4 and 5. The index of
delivery was statistically different from the control
group using both phytotherapics as the 21.5 mg/kg
dose. The indexes of weaning and viability were
different only when Phytotherapic I was used as
21.5 mg/kg and 43 mg/kg doses, when compared to
the control group. Concerning the index of viability,
Phytotherapic I differed from control group in the
21.5 mg/kg dose. Regarding birth rates, only the
Table 2 - Relative organ weight (%) from dams treated before the mating, at mating, pregnancy and lactation periods, with
Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B)
Relative organ weight (%)
(A)
Heart
Spleen
Liver
Right kidney
Left kidney
Right ovary
Left ovary
Uterus
Relative organ weight (%)
(B)
Heart
Spleen
Liver
Right kidney
Left kidney
Right ovary
Left ovary
Uterus
Control
(n = 7)
0.73 ± 0.02
0.47 ± 0.01
10.3 ± 0.33
0.84 ± 0.01
0.80 ± 0.03
0.06 ± 0.01
0.07 ± 0.02
0.37 ± 0.11
Control
(n = 7)
0.73 ± 0.02
0.47 ± 0.01
10.3 ± 0.33
0.84 ± 0.01
0.80 ± 0.03
0.06 ± 0.01
0.07 ± 0.02
0.37 ± 0.11
GPI1
(n = 5)
0.79 ± 0.03
0.54 ± 0.02
10.3 ± 0.47
0.89 ± 0.01
0.83 ± 0.02
0.07 ± 0.02
0.06 ± 0.01
0.48 ± 0.04
GPII1
(n = 5)
0.74 ± 0.02
0.44 ± 0.02
10.0 ± 0.54
0.85 ± 0.01
0.81 ± 0.02
0.04 ± 0.02
0.05 ± 0.01
0.49 ± 0.03
GPI2
(n = 2)
0.77 ± 0.04
0.52 ± 0.02
9.7 ± 0.36
0.76 ± 0.02
0.74 ± 0.03
0.05 ± 0.01
0.04 ± 0.01
0.42 ± 0.03
GPI2
(n = 2)
0.73 ± 0.03
0.42 ± 0.02
9.82 ± 0.25
0.80 ± 0.02
0.79 ± 0.03
0.05 ± 0.01
0.04 ± 0.01
0.43 ± 0.03
GPI3
(n = 1)
0.80 ± 0.02
0.61 ± 0.02
8.9 ± 0.14
0.89 ± 0.02
0.43 ± 0.03
0.07 ± 0.01
0.07 ± 0.01
0.41 ± 0.05
Data are given as means ± SE. Data were analyzed by ANOVA. No significant difference among groups was observed.
Table 3 - Outcome of fertility tests (%) in rats treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B)
Outcome (A)
Mated females (n)
Mated males (n)
Sperm-positive females (n)
Pregnant females (n)
Mating Index (%)
Pregnancy Index (%)
Post-implantation loss Index (%)
Outcome (B)
Mated females (n)
Mated males (n)
Sperm-positive females (n)
Pregnant females (n)
Mating Index (%)
Pregnancy Index (%)
Post-implantation loss Index (%)
Control
24
8
18
13
69.2
81.25
0
Control
24
8
18
13
69.2
81.25
0
GPI1
24
8
13
12
46.5
92.3
3,6
GPII1
24
8
6
6
22.2a
100
11.1a
Data were analyzed by Chi-square test. a Significantly different (P > 0.05) from control group.
184
GPI2
10
7
7
7
70
100
4
GPII2
9
5
2
2
22a
100
8a
GPI3
10
5
3
3
30a
66.6a
21a
GPI3
10
5
3
0
37.5a
0a
0
Hollenbach CB et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
highest dose of Phytotherapic II showed statistically
significant difference in relation to the control group.
Discussion
The results obtained in the present study suggested
that female fertility was affected by continuous treatment with Phytotherapic I and Phytotherapic II, for 14
days prior to mating and during the mating period. The
index of mating presented statistic difference among
the groups treated with the three Phytotherapic II
doses, as compared to the negative control group,
while the groups treated with Phytotherapic I this was
observed only when the highest dose was used.
The indexes of pregnancy have presented statistic
difference among the groups related to the control
group in the highest dose of Phytotherapic II.
In this study, the exposure of the females to phytotherapics formulations I (GPI) and II (GPII) in three
doses, 4.3 mg/kg, 21.5 mg/kg and 43 mg/kg, before
mating did not alter the absolute weight of the reproductive organs uterus and ovaries, The same was
observed for the other organs evaluated (liver, kidney
and spleen). No macroscopic signs of toxicity were
observed in the organs examined. However, the gain in
body weight before mating was altered in GPI2, GPI3
and GPII1, GPII2, GPII3 differed significantly
between the treated groups and the control. During the
period of gestation and lactation the growth of females
treated was not altered. The same was observed for the
absolute weight of the reproductive organs. Similarly,
no macroscopic signs or histopathological lesions
were detected in the organs analyzed.
Adverse alterations in the nonpregnant female
reproductive system have been observed at dose levels
below those that resulted in reduced fertility or produced other overt effects on pregnancy or pregnancy
outcomes (Sonawane and Yaffe, 1983; Cummings and
Gray, 1987).
The preimplatation period of pregnancy is considered to be an ‘all-or-none’ period, the period during
Table 4 - Reproductive index (%) from dams treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), to give birth
Reproductive index (A)
Nº (dams) pups
Number of pups per litter
Pups body weight
Delivery index
Birth live index
Viability index
Weanling index
Reproductive Index (B)
Nº (dams) pups
Number of pups per litter
Pups body weight
Delivery index
Birth live index
Viability index
Weanling index
Control
(7) 47
10.2 ± 1.6
5.6 ± 0.14
100%
100%
100%
98.4%
Control
(7) 47
10.2 ± 1.6
5.6 ± 0.14
100%
100%
100%
98.4%
GPI1
(5) 36
10.2 ± 0.8
6 ± 0.2
100%
87.5%
97.7%
95.3%
GPII1
(4) 13
5.3 ± 1.5
5.3 ± 0.1
100%
100%
95.5%
90.9%
GPI2
(2) 13
7.3 ± 1.8
5.4 ± 0.3
50%a
83%
60%a
0%a
GPII2
(1) 9
9
6 ± 0.3
50%a
55.5%a
100%
100%
GPI3
(2) 15
7.5 ± 1.8
6 ± 0.5
100%
100%
100%
61.5%a
Data were given as means ± SE and proportions. Proportions were analyzed by Chi-square test. Data are given as means ± SE were analyzed by
ANOVA. a Statistically significant difference from the control group was considered when P > 0.05.
Table 5 - Reproductive index (%) from dams treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), and parameters evaluated at
the caesarian section performed on pregnancy day 21
Reproductive index (A)
Nº (dams) pups
Gravid uterus weight (g)
Litter size
Pups body weight (g)
Nº of pups with external malformations
Reproductive index (B)
Nº (dams) pups
Gravid uterus weight (g)
Litter size
Pups body weight (g)
Nº of pups with external malformations
Control
(5) 61
68.35 ± 8.0
10.2 ± 1.6
4.8 ± 0.1
Control
GC(5) 61
68.35 ± 8.0
10.2 ± 1.6
4.8 ± 0.1
GPI1
(8) 69
74.24 ± 4.6
10.2 ± 0.8
5.11 ± 0.05
GPII1
GI1
(2) 17a
64.21 ± 3.6
10.2 ± 0.8
5.17 ± 0.6
GPI2
(3) 22a
33.05 ± 9.2a
7.3 ± 1.8
3.5 ± 0.8
-
Data are given as mean ± SE. Data were analyzed by ANOVA. a Significantly different (P > 0.05) from control group.
185
Hollenbach CB et al.
which maternal exposure to exogenous agents may
cause either embryo lethality or normal development
of the embryo with a normal fetus at delivery
(Lemonica et al., 1996).
The administration of both phytotherapic at doses
investigated did not affect the duration of pregnancy
and the number of pups born from females treated
with GPI, but it interfered in the birth rate when the
largest dose of Phytotherapic II was used (GPII),
showing statistically significant difference in relation
to the control group. In females who suffered cesarean section on the 21st day of pregnancy, both groups
treated with phytotherapics, GPI2 (21.5 mg/kg) and
GPII1 (4.3 mg/kg), in the highest doses used, no
difference in the number of pups was observed in
comparison to the control group.
In the number of implants, there were significant
differences between the groups treated in comparison
with the control group. In the both phytotherapic all
the doses used were post-implantation losses; however,
in GPI the highest dose, the 43 mg/kg dose caused the
most losses.
In another study, rats treated with hydroalcoholic
extract from Lantana camara var. aculeata, for 14 days
prior to mating, at mating, gestation and lactation were
evaluated as to the overall reproductive performance.
The increase in post-implantation loss index was
statistically different from the control and LC 3 and
LC 7 groups, suggesting that the extract induced
embryotoxicity in these groups, without any sign of
maternal toxicity. The tendency to an increase in the
post implantation loss reported in that study may have
occurred due to a toxic effect of the extract on the
embryo (Mello et al., 2005).
An investigation on the effects of the presence of
genistein concentrations in the diet of Sprague-Dawley rats from the seventh day of pregnancy
through the end of breastfeeding showed that even
indices of human exposure are capable of producing
reduction in the weight of litter, hyperplasia of
alveolar ducts of the mammary glands of females,
mature abnormal vaginal cells, among other effects.
The conclusion was that the consequence of exposure
to genistein has effects on multiple tissues sensitive to
estrogen in females (Delclos et al., 2001).
The rates of birth and viability were statistically
different from the control group. GPI2 and GPII2 were
different in the rate of birth. Considering the rate of
viability, only the GPI2 revealed statistically significant difference as compared to the control group.
Kang et al. (2002) investigated the exposure of
Sprague-Dawley rats to concentrations of genistein
consistent with those obtained in humans. The use of
genistein (0.4 mg/kg and 4 mg/kg) during gestation
and lactation on reproductive variables of F1 showed
that the number of pups born alive, sites of deployment,
proportion between the sexes, year-genital distance,
vaginal opening of the channel were not affected.
186
RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187
The administration of the two phytotherapic formulations containing soybean Glycine max (L.) Merr
before mating, at mating, pregnancy and lactation, in
the groups GPI2, GPII2, GPI3 and GPII3 (doses 21.5
mg/kg and 43 mg/kg) caused change in the growth in
prior to mating, caused increase in the number of
resorptions and modification of the reproductive rates
calculated.
Given the range of potential effects of soy and
its components and the potential for increase in
the consumption of products containing soy, it is
important to carry out comprehensive toxicological
evaluations of these agents to better understand the
potential adverse effects that could result from their
use. A growing body of toxicological data on the
isoflavones in rodents is accumulating, which confirms the importance of dose, time, target organ, route
of administration and context and the species on the
effects.
Phytoestrogens act as natural estrogenic agonists or
antagonists occupying prominent place in the group of
endocrine disrupters. So far, studies in vitro and in
vivo showed no consistent results regarding the possibility that the phytoestrogens could mimic estrogenic
actions in all target organs (Clapauch et al., 2002).
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187
RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Parasitismo intestinal em avestruzes (Struthio camelus australis Linnaeus,
1786) da Região Sul do Estado do Espírito Santo, no ano de 2006
Intestinal parasitism on ostriches (Struthio camelus australis Linnaeus,
1786) from South Region of Espírito Santo State, in 2006
André M. B. Batista1, M. Angélica V. da Costa Pereira1*, Gilmar F. Vita2
1
Setor de Parasitologia, Hospital Veterinário, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias,
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
Fundação Estadual do Norte Fluminense (FENORTE)/Parque de Alta Tecnologia do Norte Fluminense (TECNORTE),
Graduando do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Castelo Branco (UCB)
2
Resumo: O avestruz (Struthio camelus australis Linnaeus,
1786) é originário da África e foi introduzido no Brasil na
década de 90. Apesar de serem aves bastante resistentes, estas
apresentam grande disposição a desenvolver doenças, principalmente parasitárias. Nossa pesquisa, nesse mérito, teve então
como propósito primário, realizar exames coproparasitológicos
e subseqüentemente identificar a presença de ovos de endoparasitas intestinais, verificar possibilidades de contaminações
cruzadas entre espécies animais e viabilizar a melhor escolha
de procedimentos para o seu manejo, combate e profilaxia.
Após todo o experimento, ficou evidenciado nas análises de
diagnóstico, a existência de oocistos de Isospora sp. e ovos de
Alaria sp., Ascaris sp., Baylisascaris sp., Strongyloides sp. e
tricostrongilídeos. Desta forma, nossa pesquisa termina
comprovando a existência de ovos de endoparasitas intestinais
pertencentes a outras espécies animais em fezes de avestruzes,
que o parasitismo/parasitose se mostra menor quanto maior for
as condições sanitárias e de manejo e que os gêneros de parasitas encontrados deveu-se provavelmente ao trânsito de outras
espécies no plantel.
Palavras-chave: Avestruz, endoparasitoses intestinais, métodos
de diagnóstico
Summary: The ostrich (Struthio camelus australis Linnaeus,
1786), which originates from Africa, was introduced in Brazil in
the 1990’s. Whilst these birds are considered to be extremely
resistant, they present a tendency to develop diseases,
particularly the parasitic ones. This study aimed to carry out
coproparasitological tests in ostriches and to identify the
presence of eggs of intestinal endoparasites to verify the
possibility of cross contaminations among animal species and
to make the best choice for their handling, as well as control and
prophylaxis. Analyses demonstrated the presence of Isospora
sp. oocysts, as well as Alaria sp., Ascaris sp., Baylisascaris sp.,
Strongyloides sp. and trichostrongylides eggs. As such, our
research demonstrated the presence of intestinal endoparasite
eggs that belong to other animal species in ostrich feces.
*Correspondência: [email protected]
Tel: +55 (22) 2739-6370
Parasite infection was observed to be lower when animals were
maintained under better sanitary conditions and handling,
furthermore, the parasite genera encountered were probably
passed on due to the presence of other species in pens.
Keywords: Ostrich, intestinal endoparasitosis, diagnostic
method
Introdução
O avestruz (Struthio camelus australis Linnaeus,
1786), Ostrich na língua inglesa, é pertencente ao
grupo das ratitas (aves não voadoras) sendo originário
da África (Namíbia Botswana, África do Sul). Seu
nome provém de duas importantes características dos
avestruzes: correr em zigue zague para escapar de
predadores (Struthio) e ser altamente resistente à falta
de água (camelus) (Giannoni, 2004).
Estas aves são bastante resistentes a doenças, tendo
uma ótima capacidade de adaptação. São criadas com
sucesso em países como Canadá, Estados Unidos da
América, Europa, Israel e Austrália, e suportam bem
temperaturas muito baixas ou muito altas (Duane e
Mary, 1996; Cooper e Horbanczuk, 2002).
Tem grande potencial para ser criado com sucesso
no Brasil, graças a sua rusticidade, excelente
adaptação e produtividade nas condições de nosso
país, que por sua vez possui enormes áreas disponíveis
para construção de inúmeros plantéis, e ainda conta
com excelente clima e qualidade de terras para
implantação desta atividade (Souza, 2004).
A importância econômica da avaliação da
população parasitológica destas aves se faz muito
significante pela incerteza da dimensão do impacto
destes parasitas na criação de avestruzes. O aspecto
mais importante a ser considerado é se tais parasitas
observados são ou não específicos de avestruzes, e se
189
Batista AMB et al.
sua patogenicidade é também estendida a outras
espécies de animais comumente criados no nosso país,
tais como outras aves e mamíferos. Também paira a
dúvida se estes parasitas são recentes ou não, e até que
ponto pode influenciar na saúde humana (Reissig et
al., 2001; Gordo et al., 2002).
Avestruzes podem ser acometidos por uma ampla
gama de parasitas, como o Toxoplasma gondii, que
tem as aves como hospedeiros secundários (Foreyt,
2005; Hove e Mukaratirwa, 2005). Os parasitas do
gênero Entamoeba acometem peixes, anfíbios,
mamíferos e pássaros, entretanto, já foram detectados
a presença de trofozoítas e cistos de Entamoeba em
amostras de fezes de avestruzes em fazendas na
Europa (Espanha). Estudos posteriores avaliaram
características morfológicas destes cistos encontrados,
e indicam uma nova espécie de Entamoeba nestas aves
(Diaz et al., 2000; Gordo et al., 2004).
Como para outras espécies animais, a maior parte
dos parasitas referidos no avestruz encontram-se nas
penas e no trato gastrointestinal (Gordo et al., 2002;
Foreyt, 2005). Sendo estas aves também parasitadas
por Culicoides sp., notabilizados em fazendas de
avestruzes em Botswana, África (Mushi et al., 1999).
Análises experimentais já identificaram 29 espécies
de parasitas nos avestruzes, incluindo-se trematóides,
cestóides e nematóides.
Gordo et al. (2002) identificaram uma espécie de
cestóide em seus experimentos, o Houttuynia struthionis, encontrando proglotes em aves mortas e em fezes
de pintos da mesma criação analisada. Observou-se
ainda fases adultas do parasita em aves adultas e
proglotes na superfície fecal dos animais mais jovens.
Dentre os parasitas, as helmintoses se destacam como
importantes causadores de doenças, sendo algumas
espécies responsáveis por taxas de mortalidade de até
50% entre filhotes (Bonadiman et al., 2006).
Através do panorama exposto, nossa pesquisa
objetivou a realização de exames coproparasitológicos,
tendo como propósito primário identificar a presença
de ovos de endoparasitas intestinais, numa contribuição
à tão diversificada literatura, verificando também as
possibilidades de contaminações cruzadas entre
espécies animais, e viabilizando a melhor escolha
de procedimentos para o seu manejo, combate e
profilaxia.
Material e métodos
Foram realizadas duas coletas de amostras de
material fecal de avestruzes no período entre julho a
outubro de 2006, com intervalo médio de dois meses
(julho/setembro) entre elas, em uma propriedade rural,
localizada na região sul do estado do Espírito Santo,
Brasil, cujo sistema de criação adotado é o semi-intensivo. A propriedade apresenta uma área de grande
extensão, aproximadamente 50 hectares, com criação
190
RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193
de avestruzes há mais de 10 anos, todos originários de
Botswana, África. Existe nesta propriedade a presença
de outras espécies animais, como é o caso de suínos,
bovinos, ovinos, cães, gatos e aves, os quais circulam
livremente pela localidade, inclusive com acesso aos
piquetes dos avestruzes.
A mesma possui assistência médico-veterinária,
presença de rodolúvio, esquemas estratégicos de
desparasitação, registro no Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) e boas condições
sanitárias, segundo a normativa vigente para tal
atividade (Instrução Normativa Conjunta, 2003).
Em cada coleta obteve-se 45 amostras, provenientes
de três grupos planejados, assim definidos: filhotes
(15 dias a seis meses), engorda (10 a 18 meses) e
reprodução (superior a dois anos), totalizando um total
de 270.
As fezes frescas dos avestruzes foram extraídas
diretamente do chão, seguindo o protocolo determinado por Hoffmann (1987), ou seja, sempre evitando a
coleta de materiais com sujidades, retirando apenas as
partes superiores e internas das amostras. As mesmas
foram acondicionadas em potes coletores de fezes
devidamente etiquetados, mantidas à temperatura de
4 °C, com auxílio de caixa térmica e gelo para o
transporte.
Após esse procedimento, foram direcionadas ao
Setor de Parasitologia do Laboratório de Sanidade
Animal, Centro de Ciências e Tecnologias
Agropecuária, Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Cada amostra foi
submetida aos métodos de análises qualitativas Willis
Molley e Sedimentação Simples (Hoffmann, 1987;
Bowman, 1995). Posteriormente, as mesmas foram
conduzidas ao microscópio óptico, onde através de
aumentos de 4, 10, 40 e 100X, os ovos dos parasitas
presentes foram observados, analisados e devidamente
diagnosticados, de acordo com critérios estabelecidos
por Keith (1953), Freitas (1981), Ueno e Gonçalves
(1998) e Sequeira e Amarante (2002).
Resultados
Nas amostras fecais obtidas de ambas as coletas,
foram diagnosticados: 1) no grupo de filhotes - oocistos
de Isospora sp., ovos de Baylisascaris sp. e
Strongyloides sp.; 2) no grupo de engorda - oocistos
de Isospora sp., ovos de Alaria sp., Baylisascaris sp.,
Strongyloides sp. e tricostrongilídeos; e, 3) no grupo
de reprodução - oocistos de Isospora sp., ovos de
Alaria sp., Ascaris sp. e Strongyloides sp. (Tabela 1).
Na tabela apresentada é possível observar o grau
de eliminação de ovos de parasitas em cada fase de
criação.
Para melhor compreensão dos resultados obtidos,
consideramos as legendas classificatórias: ++++ grau
máximo, +++ grau elevado, ++ grau médio e + grau
Batista AMB et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193
mínimo, como quantidade de ovos eliminados de
parasitas diagnosticados nos métodos aplicados.
Os valores de quantidades demonstrados acima são
apenas aparentes, sem qualquer afirmação numérica,
uma vez que neste trabalho não se contou com a
realização da técnica de ovos por grama de fezes
(OPG), mas tomou como parâmetro o número aparente
de ovos de parasitas por campo microscópico.
Ficaram evidenciadas as boas condições em que os
avestruzes se encontravam alojados nesta propriedade
rural.
Os pintos eram alocados em creche que possuía uma
área aberta e outra coberta, onde os comedouros eram
afastados do chão e dos bebedouros, e as fezes das
aves removidas diariamente. Nesta creche não havia
superlotação de animais. Ficavam alojadas nesta área
as aves de um dia até três meses, sendo esta fase da
vida dos avestruzes crucial para sua sobrevivência,
uma vez que são nestas idades que surgem os maiores
problemas em relação ao surgimento de doenças e
problemas como diarréia e impactação. Nesta
propriedade, as taxas de mortalidade de pintos de
avestruz estavam entre 10 e 15%, e na maioria das
vezes a perda das aves se dava por casos de fraturas e
impactação, não sendo muito observado casos de
diarréias entre os filhotes.
Com relação às condições dos grupos de engorda,
foi possível observar que as aves se encontravam em
boas condições de saúde, sem sinais clínicos de
alterações patológicas, além de ser possível notar as
boas condições higiênicas e de manejo. Também
observou-se que os grupos eram bastante amplos, o
que é ideal para o desenvolvimento destas aves, uma
vez que estas são corredoras e precisam se exercitar
para um bom desenvolvimento muscular, principalmente das coxas e dorso, partes nobres e mais
valorizadas.
Já os grupos de reprodução, apresentavam-se
bastante grandes, com área de pastagem e ótimas
condições de higiene e sanidade animal. Esta exploração adota o sistema de casais e não de trios ou
grupos de animais, o que além de reduzir bastante o
estresse por parte das aves (competição por fêmeas,
comida, sombra, entre outras), facilita bastante o
manejo e monitoramento de cada casal em especial.
Como os machos desta espécie tendem a "eleger" uma
fêmea como predileta, e como conseqüência disto,
tende a realizar mais coberturas nesta, o sistema de
casais evita o problema de ovos não fecundados, como
é comum ocorrer entre fêmeas que são criadas em
grandes grupos. Ovos inférteis significam menos
filhotes e maiores custos com incubadora, mão de
obra e energia elétrica.
Discussão
Os avestruzes são aves que tem o hábito de se
alimentar de praticamente quase tudo que está à
disposição, graças ao seu paladar pouco desenvolvido
e ao hábito de engolir direto o alimento. Também é
comum entre os filhotes o hábito de se alimentar de
fezes dos avestruzes adultos (coprofagia) e algumas
vezes de outros animais, e por isso estes são freqüentemente acometidos por uma ampla gama de parasitas.
A infecção, na maioria das vezes se dá de forma
direta, ou seja, no momento em que a ave ingere ovos
ou larvas infectantes de parasitas, presentes em folha-
Tabela 1 – Ovos de parasitos diagnosticados, com seus devidos graus de infecção, obtidos das amostras fecais de avestruzes, de
ambas as coletas, nos piquetes de filhotes, engorda e reprodução
Ovos de parasitos
Infecção
Primeira coleta
Segunda coleta
Piquetes de filhotes
Baylisascaris sp.
-
+
Strongyloides sp.
+++
+++
Oocistos de Isospora sp.
++
++
Piquetes de engorda
Alaria sp.
+
+
Baylisascaris sp.
++
++
Ostertagia sp.
+
+
Strongyloides sp.
+++
+++
Oocistos de Isospora sp.
++
+++
Piquetes de reprodução
Ascaris sp.
Alaria sp.
++
++
+
+
Strongyloides sp.
++++
+++
Oocistos de Isospora sp.
+++
+++
++++ = grau máximo; +++ = grau elevado; ++ = grau médio; + = grau mínimo.
191
Batista AMB et al.
gens, que compõem parte de sua alimentação na
forma de volumoso, que chega a compor até 70% de
sua alimentação em algumas explorações. Desta
forma, o tipo de manejo e sistema de criação adotado
pelas explorações influencia de maneira direta nos
níveis de infestação por parasitas do trato gastrointestinal (Giannoni, 2004).
Alguns estudos já mostraram que os avestruzes são
aves bastante vulneráveis a diversos tipos de parasitas,
principalmente os que parasitam o intestino, uma vez
que outros órgãos não parecem albergar taxas significativas de parasitas. Mesmo quando em grande
quantidade, a presença de parasitas nestas aves pode
não ser acompanhada de sinais clínicos característicos,
o que torna ainda mais interessante e importante à
análise das amostras de fezes (Barton e Seward, 1993;
Gordo et al., 2002; Foreyt, 2005; Bonadiman et al.,
2006).
Nesta pesquisa foram observados oocistos de
Isospora sp. em pouca quantidade aparente, ovos de
Ascaris sp., Baylisascaris sp. e Strongyloides sp. em
média quantidade, e Alaria sp. e tricostrongilídeos em
pequena quantidade.
O gênero Strongyloides sp. está presente em outras
espécies, como o caso dos bovinos e ovinos, e como
esta propriedade conta com a presença destes animais
com acesso direto à área reservada aos avestruzes,
parecem estes estarem adquirindo tais parasitos
através destas outras espécies. Parasitos destes
gêneros foram freqüentemente encontrados em
amostras de fezes de avestruzes em estudos anteriores
(Barton e Seward, 1993; Huchzermeyer et al., 2000;
Martins et al., 2005; Bonadiman et al., 2006).
Baylisascaris sp. também foi diagnosticado neste
experimento, talvez pelo mesmo motivo do gênero
anterior, ou seja, as condições falhas de manejo estão
favorecendo sua sobrevivência entre os avestruzes. Por
este parasito ter potencial de acometer o homem, se
faz necessária à realização de mais estudos sobre eles
e a adoção de medidas de controle e erradicação
destes parasitos (Willians et al., 1997; Kohek Junior,
1998).
Outros ovos diagnosticados foram do gênero
Ascaris, parasita gastrointestinal bastante difundido. É
freqüentemente observado em aves domésticas, como
perus, galinhas, entre outras (Shivaprasad, 2002;
Foreyt, 2005). Já foi identificado em peixes, répteis
aquáticos e mamíferos marinhos, demonstrando a
ampla gama de possíveis hospedeiros (Nadler e
Hudspeth, 2000). Este parasita compete com o
hospedeiro pelos nutrientes, podendo debilitar as aves
por ele acometidas, retardando o crescimento, sendo
que, as aves mais jovens são mais suscetíveis a
infecções (Aguilar et al., 2005). Como já descrito por
Cooper (2005) e Foreyt (2005), os avestruzes podem
ter seu trato gastrointestinal parasitado por esta
helmintose.
192
RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193
Oocistos de Isospora sp. foram, assim como nos
demais, diagnosticados nesta pesquisa, uma possível
explicação para a existência de tais ovos nas amostras,
pode ser o fato de que cães e gatos transitam nesta área
e os vermicidas da linha pet de maneira geral não se
mostrarem eficientes no seu combate (Katagiri e
Oliveira-Sequeira, 2007; Lorenzini et al., 2007). Então,
apesar de existir algum programa de desparasitação,
pode não estar sendo eficaz para este tipo de parasita.
Alguns ovos de tricostrongilídeos foram diagnosticados, reforçando a hipótese de que a presença de
cabras e ovelhas, tenha influenciado na parasitose dos
avestruzes (Mattos et al., 1992, 2003).
Neste estudo foram diagnosticados ovos do
trematóide Alaria sp., em quantidade pequena, pois
foram visualizados apenas alguns. Estes trematóides
já foram estudados em experimentos anteriores e
diagnosticados através de métodos qualitativos
comuns em animais como martas, gatos e cães, entre
outros carnívoros (Rigonatto et al., 2000). A presença
deste tipo de ovo nas amostras fecais sugere que os
avestruzes ao co-existirem com gatos domésticos
estão se infectando. A não ocorrência de sinais clínicos
característicos da infecção por parte destes parasitas,
como é o caso de diarréia, algumas vezes com sangue,
não os isenta da possibilidade de estarem infectados
(Rigonatto et al., 2000).
As doenças parasitárias das aves em geral são
causadas por protozoários, nematóides, trematóides,
cestóides e ectoparasitos, que são responsáveis por
perdas consideráveis em um plantel (Aguilar et al.,
2005). Parece haver entre os avestruzes uma maior
pré-disposição a doenças nas aves jovens, principalmente com idades entre um dia a três meses (Carrer et
al., 2004). As medidas de higiene efetuadas de
maneira correta, assim como o manejo destas aves e
desparasitação regular são fundamentais na prevenção
e combate às parasitoses. O ideal seria que houvesse
um diagnóstico coproparasitológico e posteriormente
uma terapia de desparasitação em intervalos predeterminados e repetições subseqüentes periodicamente.
Desta forma, nossa pesquisa termina estabelecendo
as seguintes conclusões: 1) ficou comprovada como
objetivo primário a identificação da presença de ovos
de endoparasitas intestinais pertencentes a outras
espécies animais em fezes de avestruzes; 2) os
mesmos podem se comportar tanto como hospedeiros
definitivos, quanto como hospedeiros paratênicos de
diversos gêneros de parasitas; 3) alguns gêneros de
parasitas encontrados deveu-se provavelmente ao
trânsito de outras espécies nos piquetes; 4) quanto
melhor as condições sanitárias e de manejo, menor a
quantidade de parasitoses/parasitismo encontrada;
e, 5) devido à inexistência de literatura e por ser a
estrutiocultura uma inovação no Brasil, torna-se
imprescindível maiores estudos, uma vez que alguns
de seus parasitas exóticos em nosso país, podem
acometer inclusive o ser humano.
Batista AMB et al.
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RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Pesquisa de hemoprotozoários em aves de rapina (ordens Falconiformes e
Strigiformes) em centros de recuperação em Portugal
Study of haemoprotozoa in birds of prey (orders Falconiformes and
Strigiformes) in wildlife rehabilitation facilities in Portugal
N. G. Santos1, M. C. Pereira2, P. M. Melo3, L. M. Madeira de Carvalho4
1
Pygargus, Serviços Veterinários Lda, Rua de Goa, 108, 4830-589 Póvoa de Lanhoso,
tel: 91-9251736, fax: 253-634239 ([email protected])
2
Av. República, A5, R/C E, 4830 Póvoa de Lanhoso
3
Centro de Recuperação de Aves Silvestres do Parque Florestal de Monsanto
Estrada do Barcal, Monte das Perdizes, Parque Florestal de Monsanto 1500 Lisboa
4
Centro Interdisciplinar de Investigação em Saúde Anima, Faculdade de Medicina Veterinária,
Universidade Técnica de Lisboa (TULisbon), Pólo Universitário do Alto da Ajuda,
Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa ([email protected])
Resumo: Estudou-se a infecção por hemoprotozoários em aves
de rapina das Ordens Falconiformes e Strigiformes alojadas em
dois Centros de Recuperação portugueses. Foram analisadas
113 aves de 15 espécies de rapinas diurnas e 4 espécies de
rapinas nocturnas. Foram identificadas duas espécies do Género
Leucocytozoon (L. toddi e L. ziemanni) e seis espécies do
Género Haemoproteus (H. elani, H. nisi, H. noctuae, H. syrnii,
H. tinnunculi e H. tytoni). Todas as associações parasita-hospedeiro encontradas estavam descritas na literatura. A taxa de
prevalência de amostras positivas a pelo menos um agente foi de
20,4%, 15,9% para Leucocytozoon spp. e 5,3% para
Haemoproteus spp.. A prevalência de amostras positivas para
Leucocytozoon spp., foi significativamente maior em
Strigiformes do que em Falconiformes. Todos os outros factores
analisados não afectaram de forma significativa a percentagem
de amostras positivas de cada um dos Géneros de hemoprotozoários identificados. O significado geográfico, parasitológico,
clínico e epidemiológico destes resultados é discutido, tendo em
atenção a importância que estes parasitas podem assumir em
aves de rapina de vida livre ou em cativeiro.
Palavras-chave: aves de rapina, hemoprotozoários, Leucocytozoon, Haemoproteus, recuperação de fauna selvagem
Summary: The infection of birds of prey (order Falconiformes
and Strigiformes) by haemoprotozoa was studied in two
portuguese wildlife rehabilitation facilities. 113 birds belonging
to 15 species of diurnal birds of prey and 4 species of nocturnal
birds of prey were sampled. Two Leucocytozoon species (L.
toddi and L. ziemanni) and six Haemoproteus species (H. elani,
H. nisi, H. noctuae, H. syrnii, H. tinnunculi and H. tytoni) were
identified. All host-parasite relationships found were already
described in the literature. Prevalence rate of samples positive
for at least one agent was 20.4 %, 15,9 % for Leucocytozoon
spp. and 5.3 % for Haemoproteus spp. Leucocytozoon prevalence rate was significantly higher in Strigiformes than in
Falconiformes. All the other determinants studied didn’t affect
apparent prevalence rate. These results are discussed in terms of
geography, parasitology, clinics and epidemiology, concerning
both free-living and captive populations of birds of prey.
Keywords: birds of prey, haemoprotozoa, Leucocytozoon,
Haemoproteus, wildlife rehabilitation
Introdução
O termo "aves de rapina" é utilizado para designar
as aves das Famílias Falconidae (falcões), Accipitridae
(abutres, águias, milhafres e outros) e Strigidae
(mochos e corujas). Os estudos sobre parasitologia de
aves de rapina são escassos em Portugal, com
excepção de alguns trabalhos sobre hemoprotozoários
efectuados no início do século XX (Bettencourt e
França, 1907; França, 1912). Embora pioneiros a nível
mundial, estes estudos permaneceram no esquecimento
praticamente até à actualidade, seguindo a tendência
geral do continente europeu até à década de 1980
(Bennett et al., 1982). Mais recentemente, foram apresentados alguns dados relativamente ao parasitismo
por hemoprotozoários em aves de rapina a nível
nacional (Madeira de Carvalho et al., 1997; Rebêlo,
2006).
De um modo geral, os hemoprotozoários são
considerados pouco patogénicos para aves de rapina,
no entanto foram implicados em casos de mortalidade
em juvenis no ninho, aves debilitadas e em populações
sem contacto prévio com os parasitas (Olsen e Gaunt,
1985; Jenkins et al., 1989; Peirce, 1989; Ashford et
al., 1990; Hunter et al., 1997; Peirce et al., 2004;
Valkiunas, 2005). Existe alguma evidência de que
estes parasitas podem diminuir os índices reprodutivos
das aves e, segundo alguns autores, podem ser considerados como agentes de selecção natural das espécies
(Korpimaki et al., 1993; Hakkarainen et al., 1998; Sol
et al., 2003; Marzal et al., 2005; Tomé et al., 2005).
195
Santos NG et al.
Após os trabalhos pioneiros de Bettencourt e França
(Bettencourt e França, 1907, França, 1912), pretendeu-se com este estudo uma primeira abordagem
sistemática ao tema em Portugal, conglutinando
diverso material e resultados já apresentados (Madeira
de Carvalho et al., 1997). O trabalho foi realizado com
base em aves de rapina presentes em Centros de
Recuperação, pela impossibilidade de conseguir uma
amostra significativa destas aves em liberdade. Este
estudo teve por objectivos a identificação de espécies
de hemoprotozoários envolvidas e das associações
parasita-hospedeiro, a determinação da sua prevalência
em aves de rapina alojadas em Centros de Recuperação
portugueses e a verificação do efeito de algumas
variáveis, como a época do ano, na prevalência do
parasitismo. Com este trabalho esperamos preencher
algumas lacunas nesta área da Parasitologia dos
animais silvestres em geral e das aves de rapina em
particular, bem como proporcionar dados de interesse
para os profissionais responsáveis na reabilitação e
manutenção destas aves em cativeiro.
RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200
nocturnas). No PNRF foram analisados 67 aves, e no
PNPG os restantes 46.
Os factores registados foram a espécie, época do
ano e hora da colheita da amostra. Estes factores
foram registados como variáveis qualitativas categóricas (espécie, época do ano) ou quantitativas discretas
(hora). A época do ano foi definida como Verão/época
de reprodução (Abril a Julho), Inverno (Outubro a
Janeiro) e Intermédia (Fevereiro, Março, Agosto e
Setembro). A hora da colheita da amostra foi
agrupada em 08.00-11.59 h, 12.00-15.59 h e 16.0019.59 h.
Os dados de estatística descritiva foram obtidos com
o programa "Microsoft Excel 97®". As diferenças de
prevalências de acordo com a Ordem e Família das
aves estudadas, tipo de alojamento, época de colheita
e hora do dia foram analisadas pelo método do χ2 com
um grau de significância de 0,05, com o programa
"STATISTIX 7® for Windows, 2000, Analytical
Software Version 7.0®.
Resultados
Material e métodos
O estudo foi desenvolvido nos Centros de
Recuperação do Parque Nacional da Peneda-Gerês
(PNPG) e do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF),
com base nas aves de rapina presentes (Ordem
Falconiformes e Strigiformes, respectivamente rapinas
diurnas e nocturnas). O trabalho incluiu aves em fase
de recuperação e aves irrecuperáveis (aves cuja
condição física ou comportamental não permite a sua
libertação na natureza), desde que os animais se
apresentassem clinicamente estáveis. Os trabalhos de
campo decorreram entre Novembro de 1995 e Março
de 1997.
As aves foram capturadas nos seus alojamentos,
com auxílio de um camaroeiro e luvas de couro, e
posteriormente manipuladas com contenção física e a
visão obstruída por um caparão. Após o exame do
estado geral, foram colocadas em decúbito dorsal,
com uma das asas em extensão. Em cada ave foi
colhida uma pequena quantidade de sangue (até
0,1 ml) a partir da veia braquial, com seringas de 1 ou
5 ml e agulhas 23 G de 30 mm de comprimento. O
sangue colhido foi utilizado para efectuar entre 1 e 4
esfregaços por escorregamento, os quais foram fixados por dessecação numa primeira fase e por imersão
em metanol puro numa segunda fase, sendo então
corados pelo corante de Giemsa. Em seguida foram
observados ao microscópio óptico (Olympus CH2),
durante 30 minutos, na ampliação 1000 x, e os parasitas presentes identificados de acordo com Bennett e
Peirce (1988), Bishop e Bennett (1989), Peirce et al.
(1990) e Bennett et al. (1992).
Foram colhidas amostras em 113 aves pertencentes
a 19 espécies (15 de rapinas diurnas e 4 de rapinas
196
Os hospedeiros observados, Géneros de hemoprotozoários assinalados e as respectivas prevalências
aparentes estão descriminadas no Quadro 1. As
espécies de hemoprotozoários infectantes e de
hospedeiros infectados estão listadas nos Quadros 2
e 3, respectivamente para os Falconiformes e
Strigiformes. Alguns exemplares dos Géneros
Leucocytozoon e Haemoproteus estão assinalados nas
Fotos 1 a 4.
A percentagem de amostras positivas a pelo menos
um agente foi de 20,4%, sendo esta proporção de
9,9% para os Falconiformes e de 63,6% para os
Strigiformes. A diferença de taxa de prevalência
entre Falconiformes e Strigiformes foi altamente
significativa (p<0,01). Nos Falconiformes, não foram
observadas diferenças significativas entre as famílias
Accipitridae e Falconidae (p=0,740), nem entre as três
espécies hospedeiras mais frequentes na amostra,
Águia de asa redonda Buteo buteo, Águia cobreira
Circaetus gallicus e Peneireiro de dorso malhado
Falco tinnunculus (p=0,341).
Também não foram encontradas diferenças
significativas na prevalência consoante o Centro de
Recuperação de alojamento (p>0,05). A prevalência
de amostras positivas foi mais baixa no 4º trimestre e
mais elevada no 3º, sobretudo devido às infecções por
Leucocytozoon, enquanto as de Haemoproteus
são mais comuns no 2º trimestre (Gráfico 1). No
entanto as diferenças não foram significativas
(p=0,135).
A percentagem de amostras positivas a Haemoproteus foi mais elevada nas amostras colhidas
nas últimas horas do dia (Gráfico 2), no entanto a
diferença não foi significativa (p>0,05).
Santos NG et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200
Tabela 1 - Hospedeiros, Géneros de hemoprotozoários assinalados e percentagem de positivos
Hospedeiro
Aquila chrysaetus – Águia real
Accipiter gentilis – Açor
Aegypius monachus – Abutre negro
Buteo buteo – Águia de asa redonda
Circaetus gallicus – Águia cobreira
Circus pygargus – Tartaranhão cinzento
Gyps fulvus – Grifo
Hieraaetus fasciatus – Águia de Bonelli
Hieraaetus pennatus – Águia calçada
Milvus migrans – Milhafre preto
Milvus milvus – Milhafre real
Total Accipitridae
Falco biarmicus – Falcão alfeneque
Falco peregrinus – Falcão peregrino
Falco subbuteo – Falcão tagarote
Falco tinnunculus – Peneireiro dorso malhado
Total Falconidae
Total Falconiformes
Asio flammeus – Coruja do nabal
Bubo bubo – Bufo real
Strix aluco – Coruja do mato
Tyto alba – Coruja das torres
Total Strigiformes
Total geral
N
Infectados
(%)
Infectados por
Leucocytozoon
(%)
Infectados por
Haemoproteu
(%)
1
6
1
34
11
3
2
1
5
7
1
72
1
1
3
13
19
91
3
14
3
2
22
113
0
2 (33,3)
0
5 (14,7)
0
0
0
0
0
0
0
7 (9,7)
0
0
1 (33,3)
1 (7,7)
2 (10,5)
9 (9,9)
2 (66,7)
8 (57,1)
3 (100)
1 (50,0)
14 (63,6)
23 (20,4)
0
2 (33,3)
0
5 (14,7 )
0
0
0
0
0
0
0
7 (9,7)
0
0
0
0
0
7 (7,7)
1 (33,3)
8 (57,1)
2 (66,7)
0
11 (50,0)
18 (15,9)
0
1 (16,7)
0
1 (2,9)
0
0
0
0
0
0
0
2 (2,8)
0
0
0
1 (7,7)
1 (5,3)
3 (3,3)
1 (33,3)
0
1 (33,3)
1 (50,0)
3 (13,6)
6 (5,3)
Gráfico 1 - Taxa de prevalência de Haemoproteus e
Leucocytozoon por trimestre
Gráfico 2 - Taxa de prevalência de Haemoproteus e
Leucocytozoon ao longo do dia
Haemoproteus
Leucocytozoon
Haemoproteus
Leucocytozoon
% positivos
% positivos
Infectados por
hemoprotozoário
não identificado
(%)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1 (33,3)
0
1 (5,3)
1 (1,1)
0
0
0
0
0
1 (0,9)
1º trimestre
2º trimestre
3º trimestre
4º trimestre
Figura 1 e 2 - Gametócitos de Haemoproteus elani em Águia de asa redonda (Buteo buteo), em esfregaços corados pelo Giemsa.
Objectiva de 100 X (Original)
197
Santos NG et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200
Figura 3 e 4 - Gametócitos de Leucocytozoon ziemanni em Bufo real (Bubo bubo), em esfregaços corados pelo Giemsa. Objectiva
de 40 X (Original).
Os resultados foram idênticos ao analisar a taxa de
prevalência amostral do Género Leucocytozoon, isto é,
apenas foram assinaladas diferenças significativas
entre Ordens taxonómicas (p<0,01). Por outro lado, a
percentagem de amostras positivas do Género
Haemoproteus não apresentou diferenças significativas entre grupos taxonómicos (Ordem ou Família) ou
qualquer outro dos factores analisados.
Foram encontrados dois casos de infecção mista, um
por Leucocytozoon toddi e Haemoproteus nisi num
Açor (Accipiter gentilis) e outro por Leucocytozoon
toddi e Haemoproteus elani numa Águia de asa
redonda (Buteo buteo).
Discussão
Do total de 113 aves de rapina examinadas, 20,4%
estavam infectadas com hemoprotozoários, com uma
taxa de prevalência de amostras positivas de 9,9% em
Falconiformes e 63,6% em Strigiformes. O Género
Leucocytozoon foi identificado em 15,9% da amostra
e o Género Haemoproteus em 5,3% da amostra.
Em trabalhos efectuados com aves de rapina em
França, foram assinalados 29 a 39% de Falconiformes
infectados por hemoprotozoários, valores superiores
aos registados no presente estudo. Nos rastreios
franceses, a espécie que apresentou uma taxa de
prevalência mais elevada foi também a Águia de asa
redonda (Buteo buteo), embora com níveis muito
superiores (44 a 69%) comparativamente aos
assinalados em Portugal. No entanto, estes autores
encontraram uma taxa de prevalência em Strigiformes
(24 a 43%) inferior à reportada no presente estudo
(Lepoutre, 1982; Mikaelian e Bayol, 1991; Fromont,
1993).
Krone et al. (2001) encontraram, em aves de rapina
alojadas em Centros de Recuperação alemães, uma
taxa de prevalência semelhante à do presente estudo
para Falconiformes (11%), mas muito inferior para
Strigiformes (13%). Este facto é particularmente
evidente no Bufo real (Bubo bubo), em que esses
autores não encontraram hemoprotozoários em
nenhuma das 8 aves estudadas.
Sacchi e Prigioni (1984), citados por Krone et al.
(2001), referem 22% de Falconiformes e Strigiformes
infectados em Itália. Em Espanha, Muñoz et al. (1999)
encontraram uma taxa de prevalência muito superior
Tabela 2 - Distribuição de espécie de hemoprotozoário por hospedeiro e associações parasita-hospedeiro em Falconiformes.
Hospedeiro
Accipiter gentilis – Açor
Buteo buteo – Águia de asa redonda
Falco tinnunculus – Peneireiro de dorso malhado
Total
Leucocytozoon
toddi
2
5
0
7
Haemoproteus
nisi
1
0
0
1
Haemoproteus
elani
0
1
0
1
Haemoproteus
tinnunculi
0
0
1
1
Tabela 3 - Distribuição de espécie de hemoprotozoário por hospedeiro e associações parasita-hospedeiro em Strigiformes.
Hospedeiro
Asio flammeus – Coruja do nabal
Bubo bubo – Bufo real
Strix aluco – Coruja do mato
Tyto alba – Coruja das torres
Total
198
Leucocytozoon
ziemanni
1
8
2
0
11
Haemoproteus
syrnii
0
0
1
0
1
Haemoproteus
noctuae
1
0
0
0
1
Haemoproteus
tytoni
0
0
0
1
1
Santos NG et al.
em Falconiformes (46,3%) mas inferior em
Strigiformes (30,5%). No Japão, 17 de 30 aves de
rapina nocturnas admitidas num Centro de
Recuperação estavam infectadas por hemoprotozoários, principalmente Haemoproteus, mas não foi
detectada infecção em 19 Falconiformes (Murata,
2002).
Lepoutre (1982), Muñoz et al. (1999) e Krone et al.
(2001) referem taxas de prevalência mais elevadas
para o Género Leucocytozoon comparativamente a
Haemoproteus, em Falconiformes, à semelhança do
registado no nosso estudo. No entanto, Mikaelian e
Bayol (1991) apresentam prevalências superiores para
Haemoproteus. Krone et al. (2001) referem prevalências semelhantes para Leucocytozoon e Haemoproteus
em Strigiformes, em desacordo com o que encontrámos
nos Centros de Recuperação portugueses. De referir
que, em Espanha, Peirce et al. (1983) apenas encontraram rapinas infectadas com Leucocytozoon e
Muñoz et al. (1999) encontraram uma prevalência de
Leucocytozoon muito superior, quer em Falconiformes
quer em Strigiformes.
Em Portugal, Tomé et al. (2005) encontraram
Leucocytozoon ziemanni, numa população selvagem
de Mocho galego (Athene noctua) no sul de Portugal,
numa percentagem de 41%. Enquanto mais de 80%
das aves adultas desta população tinham infecções
patentes, menos de 10% dos juvenis estavam na
mesma situação. A composição etária da amostra
estudada pode assim influenciar a prevalência
amostral.
Estes dados parecem confirmar a hipótese de que a
prevalência de Leucocytozoon decresce de norte para
sul no continente europeu, embora apenas em
Falconiformes (Peirce, 1981). Uma variação geográfica semelhante também foi proposta para o Género
Leucocytozoon no continente americano, mas não
para Haemoproteus, o qual apresenta uma distribuição
mais homogénea (Greiner et al., 1975). Este
fenómeno pode ser explicado pela ubiquidade do
principal vector de Haemoproteus (insectos do Género
Culicoides), ao contrário do vector de Leucocytozoon
(insectos da família Simuliidae), cujas necessidades
de habitat são mais restritas, nomeadamente quanto a
cursos de água corrente. No entanto foi sugerido
que, na Europa, também Leucocytozoon pode ser
transmitido por Culicoides (Ashford et al., 1991).
O facto de não termos encontrado diferenças
significativas na prevalência de Leucocytozoon entre
os dois Centros de Recuperação, um situado num
habitat propício para Simuliidae (PNPG, com muitos
rios de montanha) e outro num habitat desfavorável
(PNRF, numa zona costeira plana) sugere que a
infecção não ocorre nos Centros de Recuperação, mas
que as aves dão entrada nos mesmos já infectadas.
Os nossos dados sugerem também que a época do
ano parece afectar a prevalência da infecção por
hemoprotozoários em aves de rapina, embora de
RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200
forma estatisticamente não significativa. O aumento
muito marcado da sua prevalência na época de reprodução, verificado em aves em liberdade, pode estar
associado com mudanças hormonais e com o desvio
de recursos energéticos para a actividade reprodutiva
(Ashford et al., 1990, 1991; Fromont, 1993; Deerenberg
et al., 1997; Valkiunas, 2005). O facto das aves por
nós estudadas se encontrarem em cativeiro, com
pouca actividade de natureza reprodutiva, pode
explicar a redução da amplitude desta flutuação
sazonal da prevalência. No entanto Krone et al. (2001)
detectaram diferenças sazonais na prevalência de
hemoprotozoários em Águias de asa redonda (Buteo
buteo) alojadas em Centros de Recuperação na
Alemanha.
Todas as associações parasita-hospedeiro por nós
encontradas já estavam descritas na literatura
(Fromont, 1993). Não foi encontrada sintomatologia
associada à infecção por hemoprotozoários em nenhuma das aves incluídas neste estudo, nomeadamente
anemia e emagrecimento, como referido por outros
autores.
Neste estudo reportamos dados sobre o parasitismo
por hemoprotozoários em aves de rapina alojadas em
Centros de Recuperação em Portugal, onde se destaca
uma taxa de infecção de nível médio, cerca de 20%, e
a alta taxa de infecção das aves de rapina nocturnas
(Ordem Strigiformes), cerca de 64%. O facto de estas
rapinas estarem infectadas em maior percentagem
poderá, por um lado, ser consequência da sua maior
actividade noctívaga e, por outro, da sua nidificação
em buracos nas árvores e edifícios, coincidindo com a
maior actividade dos vectores destes hemoprotozoários e com locais que podem constituir microbiótopos óptimos para o desenvolvimento destes mesmos
vectores.
Atendendo à importância deste tipo de parasitas em
termos de ecologia, evolução e conservação das aves
de rapina, é fundamental obter dados tanto sobre
espécimes em liberdade como sobre aves em centros
de recuperação, para determinar a influência do
stresse de cativeiro, incluindo a manipulação, no
favorecimento de infecções por hemoprotozoários e
na sua expressão em termos clínicos.
Agradecimentos
Aos responsáveis pelos Centros de Recuperação do
PNRF e do PNPG por terem permitido o acesso às
aves em recuperação, e aos respectivos tratadores por
terem auxiliado na colheita das amostras. Ao Centro
de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal,
Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade
Técnica de Lisboa (CIISA/FMV) por ter financiado
este estudo e ao seu Coordenador, Professor Doutor
Luís Manuel Morgado Tavares, pelo interesse manifestado no desenvolvimento deste trabalho.
199
Santos NG et al.
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R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Enumeração de Escherichia coli em carne bovina e de aves através de
metodologia miniaturizada utilizando-se "eppendorf" e caldo fluorogênico
Enumeration of Escherichia coli in meat and poultry by using a
miniaturized methodology "eppendorf" and fluorogenic broth
Robson M. Franco1*, Samira P. S. Mantilla2, Analy M. O. Leite3
1
Departamento de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal Fluminense
Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal da UFF
3
Universidade Federal do Rio de Janeiro
2
Resumo: A Escherichia coli é considerada um patógeno
emergente e pode ocasionar doenças de origem alimentar de
sintomas brandos até quadros mais graves como a colite
hemorrágica. Estas bactérias estão presentes no trato gastrointestinal dos animais, sendo comum a contaminação da carcaça
e cortes de carne durante o abate e o processamento. A
metodologia tradicional de enumeração de E. coli em alimentos
é muito demorada e dispendiosa, por conseguinte, métodos
miniaturizados vêm sendo pesquisados por diversos cientistas
na área de microbiologia. Além disso, vem ocorrendo grande
interesse pelos métodos microbiológicos que visem a redução
de gastos na aplicação das técnicas analíticas laboratoriais alimentícias, desde que apresentem sensibilidade e especificidade
da metodologia tradicional. Nesta pesquisa, a partir de amostras
de acém (inteiro e moído) e de carne de aves, enumerou-se
coliformes totais e E. coli através de metodologia miniaturizada
e comparou-se os resultados com os padrões estabelecidos pela
legislação brasileira. Das amostras de carne bovina e de aves
analisadas, 13,33% e 20% respectivamente, apresentaram-se
fora do padrão estabelecido. Metodologias rápidas e miniaturizadas apresentam vantagens sobre a metodologia tradicional
com diminuição dos custos e menor tempo de análise,
proporcionando um diagnóstico fidedigno e com maior rapidez.
Summary: Escherichia coli is considered an emerging
pathogen and can cause food-borne illnesses from mild
symptoms to the most serious such as hemorrhagic colitis.
These bacteria are present in the gastrointestinal tract of animals
and are common to contamination of carcasses and cuts of meat
during slaughter and processing. The traditional method of
enumeration of E. coli in food is very time consuming and
expensive, therefore, miniaturized methods are being
researched by several scientists in the field of microbiology.
Furthermore, much interest has occurred by microbiological
methods to reduce costs of the application of analytical
techniques laboratory products, provided that they have
sensitivity and specificity of traditional methodology. In this
research, from chuck steak samples (whole and ground) meat
and poultry, it listed total coliform and E. coli through miniaturized methodology and compared the results with the
*Correspondência: [email protected]
Tel: +55 (21) 26283221/ 26299542/ 88828287
standards established by Brazilian legislation. Samples of beef
and poultry examined, 13.33% and 20% respectively, showed
up outside the established standard. Rapid and miniaturized
methods have advantages over the traditional methodology with
lower costs and shorter time of analysis, providing an accurate
diagnosis and more quickly.
Introdução
A carne bovina é considerada um alimento de
origem animal com elevado teor de proteínas de alto
valor biológico, necessárias para a manutenção do
estado hígido. Porém, ao cominuir esse alimento
nobre com alto valor nutricional, muitos fatores
podem colaborar em comprometer este alimento nos
aspectos de inocuidade, pois a moagem ao aumentar
a área de superfície, facilita o crescimento e
desenvolvimento microbiano. Aliado a este fato, a alta
manipulação com baixo padrão higiênico-sanitário
permite a multiplicação bacteriana e o desenvolvimento de bactérias patogênicas como E. coli. A carne
de aves é também um alimento de alto valor nutritivo
e de grande importância à viabilidade orgânica e
recuperação das funções fisiológicas. Porém, devido à
excelente composição nutricional, é um alimento
muito perecível.
Como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), através da Resolução RDC nº 12, de 02 de
janeiro de 2001 (Brasil, 2001), exige a enumeração
de coliformes como prova analítica para liberação
de carnes bovinas e de aves para consumo, essa
enumeração em produtos cárneos é largamente
pesquisada por diversos autores na área de microbiologia, e muitos deles detectaram altas contagens
dessas bactérias em carnes bovinas e de aves como
descrito por Leite et al. (1988), Costa et al. (2000),
Delú et al. (2006) e Cardoso et al. (2005).
A Escherichia coli é a espécie predominante entre
201
Franco RM et al.
os diversos microrganismos anaeróbios facultativos
que fazem parte da microbiota intestinal de animais de
sangue quente. O significado da sua presença nos
alimentos indica contaminação microbiana de origem
fecal e, portanto condições higiênicas insatisfatórias;
e o outro aspecto a ser considerado é que diversas
linhagens são comprovadamente patogênicas para o
Homem e os animais. A enumeração laboratorial de E.
coli auxilia na detecção do perigo potencial de uma
toxinfecção alimentar através da água e dos alimentos
fornecidos ao consumo (Franco e Landgraf, 1996).
O método tradicional da técnica de tubos múltiplos
para detecção de coliformes totais e termotolerantes é
laborioso e demorado, pois envolve várias etapas
presuntiva e confirmativa, levando no mínimo 48
horas para identificação presuntiva. Recentemente,
novos métodos vêm sendo desenvolvidos como forma
alternativa para os métodos convencionais, baseados
na tecnologia de substratos específicos marcados com
indicadores cromogênicos e/ou fluorogênicos. A
incorporação desses substratos em um meio seletivo
pode eliminar a necessidade de subculturas e
posteriores testes bioquímicos para identificação de
certos microrganismos (Manafi, 2000). Segundo
Bastholm et al. (2008) e Nikaeen et al. (2009), a
bioluminescência baseada em atividade enzimática
pode reduzir potencialmente o tempo de análise de
bactérias indicadoras, tais como coliformes, em água
potável.
A enumeração de E. coli em alimentos deve ser
realizada de forma rápida e fidedigna para que o laudo
microbiológico seja expedido o quanto antes para a
liberação do produto no mercado. Desta forma,
métodos miniaturizados vêm sendo pesquisados por
diversos cientistas na área de microbiologia. Ao invés
da metodologia tradicional de enumeração de coliformes, que demora em torno de uma semana para
concluir-se o diagnostico, outros meios de cultuta vêm
sendo utilizados para agilizar o procedimento como o
Caldo "Fluorocult".
O meio "Fluorocult Broth" é um caldo de
enriquecimento seletivo para a detecção simultânea
de coliformes totais e E. coli em água e em alimentos.
Através da adição de um substrato cromogênico,
5-bromo-4-cloro-3-indolil-D-galactopiranoside
(X-GAL), que é quebrado pelos coliformes, e um substrato fluorogêncio, 4-metilumberiferi-D-glucoronide
(MUG), que é muito específico para E. coli, a
detecção simultânea de coliformes totais e E. coli é
possível. Este método agiliza o diagnóstico proporcionando um resultado em até 24 h de incubação. A
presença de coliformes é indicada pela coloração
verde azulada do caldo e a E. coli pela fluorescência
quando visualizada sob iluminação ultavioleta.
Posteriormente, a reação do indol confirma a presença
de E. coli (Merck, 2007).
Algumas autoridades internacionais em microbiologia alimentar industrial têm desenvolvido trabalhos
202
RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207
enfatizando métodos rápidos, miniaturizados e de
automação para que sejam validados e aceitos internacionalmente, tais como os descritos por: Fung e Cox
(1981), Cox et al. (1984), Fung et al. (1984), Fung et
al. (1988), Ligugnana e Fung (1990).
Nos trabalhos acima aludidos, as modificações
inseridas nos métodos aplicados na indústria e
comercialização de alimentos, são sumariadas em
cinco categorias: aperfeiçoamento da amostragem e
preparação das amostras; miniaturização dos procedimentos convencionais e desenvolvimento de "kits"
para diagnósticos; modificações nos procedimentos
de contagem de células viáveis; desenvolvimento de
novos métodos para estimar a população microbiana
e identificar microrganismos por instrumentos e
métodos sofisticados.
Os objetivos desta pesquisa foram enumerar
coliformes totais e Escherichia coli, a partir de carne
bovina e de aves, comparando os resultados obtidos
frente aos padrões de identidade e qualidade nacionais
vigentes, constantes na Resolução RDC nº 12 e avaliar
a eficiência da metodologia rápida e miniturizada e do
meio fluorogênico para enumeração destas bactérias.
Material e métodos
Foram analisadas quinze amostras de carne bovina
inteira, onde o corte selecionado foi o acém, e quinze
amostras desta carne moída adquiridas em estabelecimentos comercias incluindo supermercados e
açougues de diferentes níveis sociais do município de
Niterói – RJ, totalizando trinta amostras de acém e
também trinta amostras de coxas de frango obtidas em
abatedouros e supermercados do Município do Rio de
Janeiro, RJ.
As análises bacteriológicas foram realizadas no
laboratório de Controle Microbiológico de Produtos
de Origem Animal da Faculdade de Veterinária da
Universidade Federal Fluminense, onde foram realizados a enumeração de coliformes totais e de bactérias
da espécie Escherichia coli.
Neste projeto foram efetuadas algumas mudanças
operacionais nas técnicas laboratoriais, objetivando
maior rapidez e economia no diagnóstico bacteriológico. Os tubos de ensaio foram substituídos por
"eppendorf", utilizaram-se pipetadores automáticos
acoplados com pontas esterilizadas para preparo e
inoculações de 0,1 mL (100 µL) das diferentes
diluições em 1 mL (1000 µL) do meio caldo seletivo
"Fluorocult". As pontas contidas em "rack"
apropriados foram esterilizadas em autoclave a
121 ºC/15 minutos, tal como os meios de cultura,
cujo controle da esterilização era confirmado com o
uso de ampolas (bioindicador). Foram utilizados
0,9 mL de solução salina peptonada 0,1% para
diluições em série, em "eppendorf" ao invés de 9 mL
desta solução; os meios de cultura foram acondiciona-
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207
dos assepticamente no volume de 1 mL (1000 µL) ao
invés de 10 mL, em tubos "eppendorf" , no momento
de uso. A tabela de Mac Crady (Tabela 1) foi utilizada
para o cálculo do número mais provável. Entretanto, a
unidade subamostral permaneceu original (25 g
homogeneizada em 225 mL), isto é, a proporção entre
a alíquota semeada e a solução diluente permaneceu
constante 1:10 para não ocorrerem resultados falso
negativos.
A metodologia utilizada para enumeração, isolamento e identificação de Escherichia coli foi a descrita por
Merck (2000) onde foram pesados assepticamente
25 g da amostra e homogeneizados juntamente com
225 mL de solução salina peptonada a 0,1% em
"stomacher". Prosseguiu-se fazendo as diluições 10-2,
10-3, 10-4,10-5, 10-6 e 10-7. Foram semeadas séries de três
"eppendorf" contendo cada um 1 mL (1000 µL) do
meio "Fluorocult LMX Broth Modified acc. to
Marrafi and Osmer". A incubação foi a 35-37 ºC
por 24-48 horas e logo após procedeu-se a leitura e
interpretação do teste. Foi determinado o Número
Mais Provável (NMP), tanto para coliformes totais
como para fecais, de acordo com os "eppendorf" positivos. Os "eppendorf" que apresentaram fluorescência
Tabela 1 - Tabela de Mac Crady utilizada para a determinação do número mais provável
0,1
0
0
0
0
0
0
1
1
1
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
Número de Tubos Positivos
0,01
0
0
1
1
2
3
0
0
0
1
1
2
2
3
0
0
0
1
1
1
2
2
2
3
3
0
0
0
1
1
1
1
2
2
2
2
3
3
3
3
NMP/g ou mL
0,001
0
1
0
1
0
0
0
1
2
0
1
0
1
0
0
1
2
0
1
2
0
1
2
0
1
0
1
2
0
1
2
3
0
1
2
3
0
1
2
3
<3,0
3,0
3,0
6,1
6,2
9,4
3,6
7,2
11
7,4
11
11
15
16
9,2
14
20
15
20
27
21
28
35
29
36
23
38
64
43
75
120
160
93
150
210
290
240
460
1100
>1100
Intervalo Confiança (95%)
Inferior
Superior
-.9,5
0,15
9,6
0,15
11
1,2
18
1,2
18
3,6
38
0,17
18
1,3
18
3,6
38
1,3
20
3,6
38
3,6
42
4,5
42
4,5
42
1,4
38
3,6
42
4,5
42
3,7
42
4,5
42
8,7
94
4,5
42
8,7
94
8,7
94
8,7
94
8,7
94
4,6
94
8,7
110
17
180
9
180
17
200
37
420
40
420
18
420
37
420
40
430
90
1000
42
1000
90
2000
180
4100
420
-.-
Fonte: Brasil, 2003
203
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207
verde azulada na presença da luz ultravioleta eram
considerados coliformes fecais. Por outro lado, os que
demonstraram somente coloração verde azulada, eram
tidos como coliformes totais. Para a confirmação,
realizou-se a prova do indol nos "eppendorf"
Fluorocult positivos, pingando-se gotas de reativo de
Kovacs sobre o cultivo. Aqueles cultivos que apresentaram um anel vermelho na superfície foram considerados positivos para E. coli.
Resultados e discussão
Para melhor entendimento dos resultados encontrados
nas provas analíticas deste experimento, sugere-se a
consulta da Tab. 2 onde consta que, na amostra de
carne bovina inteira o número de coliformes totais
variou de 2,8x102 NMP/g a >1,1x107 NMP/g, e o de
coliformes termotolerantes variou de <3 NMP/g a
1,5x105 NMP/g. As quinze amostras de carne bovina
inteira (100%) apresentavam-se contaminadas por E.
coli patogênicas.
Nesta mesma tabela, observa-se para a amostra
moída que o número de coliformes totais variou de
2,1x102 NMP/g a >1,1x107 NMP/g, e o de coliformes
termotolerantes variou de 4,0x10 NMP/g a 7,5x105
NMP/g.
Além dos coliformes totais oriundos de ambientes
não fecais, a presença de E. coli, indica que também
houve contaminação de origem fecal na produção,
processamento, armazenamento inadequado das
amostras e/ou falta de higiene dos manipuladores,
podendo indicar até a presença de enteropatógenos e
deterioração potencial do alimento.
De acordo com a Resolução RDC número 12, de 02
de janeiro de 2001 (Brasil, 2001), a qual aprova o
Regulamento sobre padrões microbiológicos para
alimentos, a tolerância para amostra indicativa de
coliformes termotolerantes para carne refrigerada é no
máximo 104. Assim sendo, verifica-se que 13,33% das
amostras inteiras apresentaram contaminação por
coliformes termotolerantes acima do permitido. Em
relação às amostras moídas, não existe um padrão
específico para a quantidade de coliformes termotolerantes presente na amostra, entretanto comparando-se
com a amostra inteira, 26,66% das amostras moídas
mostraram-se contaminadas com número acima do
máximo permitido.
Kasnowski (2004) apresentou resultados semelhantes
quando analisou amostras de carne bovina (alcatra)
inteira e moída, através da utilização do caldo
"Fluorocult", onde a variação do resultado da enumeração de coliformes totais e termotolerantes foi
respectivamente de 4,0x103 NMP/g a 1,1x106 NMP/g
e 0 NMP/g a 2,4x103 NMP/g para carne interia e de
4,4x103 NMP/g a 2,5x107 NMP/g e 0 NMP/g a
3,0x105 NMP/g para moída. Leite et al. (1988)
analisou diferentes alimentos e observou que 100% as
amostras examinadas apresentaram coliformes totais
em contagens significativas e 56% tiveram NMP de
coliformes termotolerantes acima de 5,0x102 NMP/g,
inclusive as amostras de carne moída que apresentaram 3,5x104/g coliformes. Resultados semelhantes
em análise bacteriológicas de carne bovina também
Tabela 2 - Resultados das análises de coliformes a partir de amostras de cortes de carne bovina (acém, peça inteira e moída)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
MÉDIA
Amostras inteiras
CT(NMP)
NMP/g
3,6x104
2,8x102
2,4x104
5,3x104
>1,1x107
5,3x105
2,1x104
2,1x105
1,5x104
1,9x105
>1,1x107
1,5x106
1,1x107
>1,1x107
1,5x104
3,1x106
CTer(NMP)
NMP/g
1,5x102
1,5x10
2,3x10
7,5x10
1,1x10
1,5x104
4,3x10
1,5x105
2,3x10
7,0x103
4,0x102
7,0x103
4,0x102
0,9x10
<3
1,2x104
CT – Coliformes totais
CTer – Coliformes termotolerantes
NMP – Número mais provável
NMP/g –Unidades Formadoras de Colônia por grama de alimento
204
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
Amostras moídas
CT(NMP)
NMP/g
2,9x103
1,2x104
>1,1x107
2,3x103
>1,1x107
2,1x105
2,1x102
4,3x103
3,9x104
4,4x105
>1,1x107
>1,1x107
>1,1x107
>1,1x107
4,2x105
4,5x106
CTer(NMP)
NMP/g
4,3x102
9,x102
4,3x10
9,3x10
4,3x10
7,5x104
7,0x10
2,3x103
3,0x102
3,0x103
4,0x10
7,5x105
2,3x104
2,1x104
4,0x10
5,8x104
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207
foram encontradas por Costa et al. (2000) ao
verificarem que 10% das 30 amostras estavam contaminadas com coliformes totais, 90% com coliformes
termotolerantes e 40% positivas para E. coli.
Conforme resultados encontrados demonstrado na
Tab. 3, a média do NMP de coliformes termotolerantes nas amostras de carne de aves analisadas foi
9,8x105 NMP/g, variando de <3 NMP/g a 2,9x107
NMP/g, ocorrendo em doze amostras (40%). Na
contagem de coliformes totais, a média foi 2,0x107
NMP/g com valores variando de <3 NMP/g a
>2,4x108 NMP/g, sendo que somente uma (3,33%)
amostra apresentou o menor valor.
Das treze amostras positivas para E. coli, nove
(69%) foram adquiridas em abatedouros clandestinos,
evidenciando que os cuidados com as práticas higiênicas muitas vezes são negligenciados, confirmando o
perigo da comercialização da carne clandestina e a
necessidade de uma inspeção sanitária eficiente.
Dentre as amostras de carne de aves analisadas, 24
(80%) enquadraram-se nos padrões de qualidade e
identidade da legislação vigente, consideradas
próprias para o consumo. Enquanto que seis (20%),
obtiveram contagem de E. coli superior ao estabelecido pelo padrão (104 NMP/g), sendo cinco delas
(83%), provenientes de abatedouros sem inspeção.
Delú et al. (2006), avaliaram as condições higiênicosanitárias de trinta amostras de cortes de frango
resfriados, comercializados em dez estabelecimentos
diferentes do município de Lavras - MG e revelaram
que 100% das amostras estavam contaminadas com
coliformes totais e fecais, porém dentro dos padrões
estabelecidos pela legislação. Cardoso et al. (2005)
também avaliaram a qualidade microbiológica de
29 carcaças e 35 cortes de frango oriundos de
abatedouros avícolas de São Paulo, e os valores
mínimos e máximos do NMP para coliformes fecais
por grama de carcaça (<3 NMP/g e 9,6x102 NMP/g) e
cortes de frango (<3 NMP/g e 11,2 x102 NMP/g)
obtidos foram bem mais baixos que o presente
Tabela 3 - Resultados das análises de coliformes de amostras de coxas de frango
Amostra
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Média
Origem
Trailer
Aviário
Supermercado
Supermercado
Supermercado
Açougue
Supermercado
Supermercado
Supermercado
Supermercado
Trailer
Açougue
Açougue
Supermercado
Supermercado
Açougue
Supermercado
Açougue
Feira
Supermercado
Supermercado
Supermercado
Supermercado
Feira
Feira
Supermercado
Aviário
Aviário
Feira
Açougue
CT (NMP)
NMP/g
1,1x105
2,3x103
4,0x103
<3,0
2,7x104
>1,1x106
4,3x103
4,0x102
1,1x104
3,5x104
2,1x108
1,1x105
1,1x107
4,0x103
>1,1x106
>1,1x107
2,4x108
6,2x102
2,4x105
2,3x103
4,3x104
1,5x104
2,8x104
2,0x105
>1,1x108
2,9x105
2,4x107
4,0x102
2,4x105
9,3x103
2,0x107
CTer(NMP)
NMP/g
2,4x104
2,3x103
<3,0
<3,0
<3,0
<3,0
9,0x102
<3,0
7,0x103
1,1x104
2,9x107
9,3x104
2,9x105
<3,0
<3,0
<3,0
<3,0
<3,0
4,3x103
<3,0
<3,0
<3,0
2,3x103
9,3x103
9,3x103
<3,0
4,3x104
<3,0
<3,0
<3,0
9,8x105
CT – Coliformes Totais
CF – Coliformes termotolerantes
205
Franco RM et al.
trabalho, todas consideradas próprias para o consumo.
A metodologia rápida e miniaturizada mostraram-se
eficiente para enumeração de coliformes totais e E.
coli nas amostras de carne bovina e de aves, podendo
ser utilizada de forma rotineira nas pesquisas microbiológicas de alimentos por ser um método mais rápido,
econômico e com sensibilidade e especificidade
semelhantes a metodologia tradicional. Estudo prévio
realizado por Beloti et al. (2002) em amostras de leite,
também revelou eficiência do caldo "Fluorocult" para
enumeração de coliformes, com a vantagem de ser
facilmente utilizado e requerer menor tempo de
análise do que a metodologia convencional. Gleissler
et al. (2000) e Suwansonthichai e Rengpipat (2003)
compararam a eficiência destes métodos rápidos com
os convencionais em amostras de água do mar e
camarão, respectivamente, e concluíram que o meio
"Fluorocult" é sensível e específico na determinação
de E. coli, sendo uma alternativa apropriada na enumeração deste microrganismo.
Manafi e Kremsmaier (2001) compararam diferentes meios de cultura fluorogênicos/cromogênicos
para detecção de E. coli O157:H7 com o ágar convencional Mac Conkey Sorbitol e relataram que na análise
de amostras de alimentos, o ágar Mac Conkey Sorbitol
apresentava 57,3% de resultados falso positivos,
enquanto que o ágar "Fluorocult" O157:H7 6,2%,
indicando comportamento insatisfatório do ágar
convencional.
Na pesquisa realizada por Mantilla et al. (2005)
onde comparou-se a eficiência do método fluorogênico (meio "Fluorocult") utilizando-se tubos
"eppendorf" para a enumeração de coliformes fecais
com a metodologia tradicional em amostras de frango
resfriadas, foi comprovada a inexistência de diferença
estatisticamente significativa entre os dois métodos,
concluindo-se, assim, que este método rápido pode ser
utilizado para a enumeração de coliformes fecais,
possuindo a vantagem de ser um método mais prático
e econômico.
E de acordo com o resultado obtido por Bastholm et
al. (2008) em seu estudo, a análise de água potável
apresentou resultados comparáveis para enumeração
de coliformes através da técnica tradicional, Colilert18 e da bioluminescência com o Caldo "Fluorocult".
No trabalho desenvolvido por Dogan et al. (2002),
comparou-se a metodologia tradicional (tubos
múltiplos com o Caldo LST) para enumeração de E.
coli com o método fluorogênico rápido (MUG) em
500 amostras de alimentos. Foi encontrada uma
conformidade entre os dois métodos em 81,8% das
amostras analisadas, em 16,2% das amostras houve
um resultado numericamente maior no método
fluorogênico. De acordo com a análise estatística
realizada por esses autores, através do coeficiente de
correlação de Pearson e teste do qui-quadrado, foi
constatada uma diferença significativa entre os dois
métodos, indicando que o método rápido foi mais
206
RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207
confiável que o tradicional, visto que das 500
amostras analisadas, 409 (81,8%) apresentaram
resultados idênticos para os dois métodos, enquanto
81 (16,2%) apresentaram valores mais elevados na
contagem bacteriana pelo método rápido e apenas 10
(2,0%) apresentaram maiores valores de contagem
pelo método tradicional.
Nikaeen et al. (2009) comparou o desempenho
de caldo LMX ("Fluorocult") como um ensaio
enzimático com a metodologia tradicional dos tubos
múltiplos para a detecção de coliformes em amostras
de água potável. Das 50 amostras testadas, 8 (16%) e
7 (14%) continham coliformes totais e E. coli, como
indicado pelas duas técnicas. Embora em média, a
contagem de coliformes totais e E. coli foi mais altas
no método LMX, não houve diferença significativa.
Esses autores concluíram que o ensaio enzimático
demonstrou ser um método rápido e menos
dispendioso, permitindo a detecção simultânea de
coliformes totais e E. coli.
Conclusões
Verificou-se que 13,33% das amostras de carne
bovina inteiras apresentaram contaminação por
coliformes termotolerantes acima do permitido pela
legislação brasileira, não sendo consideradas aptas
para consumo. Em relação às amostras moídas, não
existe um padrão específico para este grupo bacteriano, entretanto comparando-se com a amostra inteira,
26,66% das amostras moídas mostraram-se contaminadas com número acima do máximo permitido.
Das treze amostras de carne de frango, 24 (80%) se
enquadraram nos padrões de qualidade e identidade da
legislação vigente, enquanto que seis (20%), obtiveram
contagem de E. coli superior ao estabelecido pelo
padrão (104), sendo portanto, impróprias ao consumo.
Fato este, que deve servir como alerta às autoridades
sanitárias, sendo motivo de maior fiscalização aos
estabelecimentos, principalmente sobre os clandestinos.
A metodologia miniaturizada foi eficaz na enumeração de coliformes totais e termotolerantes quer seja
em amostras inteiras e moídas de carne bovina e de
carne de aves, pois em nenhuma delas ocorreu
resultado falso negativo. Nesta metodologia pode ser
observado que o NMP do coliforme total foi sempre
superior ao NMP do coliforme termotolerante, o que
conclui-se que além de coliformes totais oriundos de
ambientes não fecais, também houve contaminação no
processamento tecnológico de obtenção das amostras
por coliformes termotolerantes que denotam contaminação de origem fecal.
Além disso, a miniaturização tornou o procedimento
técnico mais fácil e minimizou os riscos de manipulação; as pontas e pipetas automáticas otimizaram a
técnica por reduzir o tempo no preparo das diluições e
Franco RM et al.
os riscos de acidentes quando se trabalha com pipetas
de vidro; a redução dos volumes de solução salina
peptonada de 9 mL para 0,9 mL (900 µL) e dos meios
de cultura de 10 mL para 1 mL (100 µL), economizaram em 10 vezes as quantidades utilizadas,
reduzindo os custos.
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207
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Ocorrência de Escherichia coli em suínos abatidos nos Estados do Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina utilizando diferentes
metodologias de isolamento
Occurrence of Escherichia coli in pigs slaughtered in the states of Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Paraná and Santa Catarina using different
methodologies of isolation
Robson M. Franco*, Samira P. S. Mantilla, Raquel Gouvêa, Luiz A. T. de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
Resumo: No mundo inteiro, ultimamente tem ocorrido surtos
de doenças transmissíveis por alimentos tendo como agente
etiológico cepas de Escherichia coli, colocando em alerta o
serviço de vigilância sanitária de alimentos e a comunidade
científica, havendo necessidade de suporte para inspeção
sanitária de métodos de análises bacteriológicas em produtos de
origem animal, para diagnóstico completo e definitivo. A
pesquisa teve como objetivo enumerar, isolar e identificar
sorogrupos de E. coli em 100 amostras de suínos abatidos em
matadouro mediante aplicação de quatro metodologias
diferentes. Entre os tipos de amostras comestíveis analisadas,
aquelas que apresentaram menor e maior enumeração de E. coli
foram as da cavidade torácica e as da cavidade pélvica respectivamente. O método que possibilitou o isolamento de maior
número de colônias foi o de Mehlman e Lovett (1984)
modificado. Foram isolados sorogrupos EPEC, EIEC e EHEC.
A reação de polimerase em cadeia demonstrou a presença de
estirpe O157:H-. A presença dos sorogrupos de E. coli nas
amostras comestíveis, ressalta a necessidade de se colocar em
prática o sistema nacional e internacional da inocuidade de
produtos de origem animal, para que a carne suína não seja
veiculadora de enfermidades transmissíveis por alimentos,
tendo como agente etiológico sorogrupos patogênicos ou
oportunistas de E. coli, e que através de dejetos industriais, não
tratados, estas cepas, inclusive O157:H-, não seja inserida na
cadeia alimentar.
Palavras-chave: Escherichia coli, comparação de métodos,
carne suína
Summary: Recently, throughout the world, there have been
outbreaks of diseases transmissible through food, whose
etiological agents are variants of E. coli, putting food safety
services and the scientific community on alert, with the
consequent need to support the sanitary inspection services with
methods of bacteriological analysis of products of animal
*Correspondência: [email protected]
Tel: + 55 (21) 2629 9045
origin, for complete and definitive diagnosis. This study aimed
to enumerate, isolate and identify serum groups of E. coli in
100 samples of swine collected in slaughterhouse through
application of four different methodologies. Among the types of
samples analyzed, those that had lower and higher enumeration
of E. coli were the thoracic cavity and pelvic cavity respectively.
The method which allowed the isolation of the highest number
of colonies was that of Mehlman and Lovett (1984) modified.
The serum groups EPEC, EIEC and EHEC were isolated. The
polymerise chain reaction technique showed the presence of
variant O157:H-. The presence of serum groups of E. coli in the
samples highlights the need to put into practice the national and
international system of safety of products of animal origin, so
that pork will not be a source of illness caused by etiological
agents such as pathogen or opportunistic E. coli, and that
through non-treated industrial waste these variants, including
O157:H-, do not contaminate the food chain.
Keywords: Escherichia coli, comparative methods, pork meat
Introdução
A carne suína pode sofrer contaminações e
possíveis alterações bacterianas em função de fatores
intrínsecos e extrínsecos tais como: sanidade animal,
criação zootécnica (raça, tipo de manejo, alimentação,
prevenção de doenças pelo uso adequado de vacinas);
pH, potencial de oxi-redução e umidade da própria
carne. Estes fatores podem determinar contaminações
cruzadas, resultando em carnes com elevada carga
bacteriana e possível contaminação de origem fecal,
onde a Escherichia coli se destaca no cenário nacional
e internacional como um microrganismo de importância em sanidade animal, higiênico-sanitária e saúde
coletiva.
A espécie bacteriana denominada Escherichia coli é
um bastonete Gram negativo, não esporulado, oxidase
negativa, móvel por flagelos peritríquios ou não
móvel, anaeróbia facultativa capaz de fermentar a
209
Franco RM et al.
glicose e a lactose com produção de ácidos e gases,
pertencente à família Enterobacteriaceae (Acha e
Szyfres, 2001).
Com base nos fatores de virulência, manifestações
clínicas, epidemiologia e sorotipagem, as estirpes de
E. coli consideradas patogênicas são agrupadas em
cinco classes: EPEC (E. coli enteropatogênica
clássica), EIEC (E. coli enteroinvasora), ETEC (E.
coli enterotoxigênica), EHEC (E. coli entero-hemorrágica) e EAggEC (E. coli enteroagregativa), sendo
que a E. coli patogênica pode ser diferenciada das
variedades não patogênicas através da imunologia e de
outros métodos incluindo a sorotipagem essencial
para os estudos epidemiológicos (Trabulsi e Toledo,
1989).
No Brasil, EPEC é responsável por cerca de 30%
dos casos de diarréia aguda em crianças pobres com
idade inferior a seis meses, com predominância dos
sorotipos O111:[H-], O111:[H2], O119:H6 e O55:H6.
As bactérias pertencentes ao grupo ETEC são
importantes causas de diarréia. A doença atinge pessoas de todas as faixas etárias, sendo considerados um
dos principais agentes etiológicos da chamada
"diarréia dos viajantes", acometendo indivíduos que
se locomovem de áreas desenvolvidas para regiões
com problemas de saneamento básico (Franco e
Landgraf, 2008).
A Escherichia coli sorotipo O157:H7, tida como
uma bactéria emergente, causa um quadro agudo de
colite hemorrágica, através da produção de grande
quantidade de toxina, provocando severo dano à
mucosa intestinal. O quadro clínico é caracterizado
por cólicas abdominais intensas e diarréia, inicialmente líquida, mas que se torna hemorrágica na
maioria dos pacientes. A doença é auto-limitada, com
duração de 5 a 10 dias. Aproximadamente 15% das
infecções por E. coli O157:H7, especialmente em
crianças menores de cinco anos e idosos, podem
apresentar uma complicação chamada Síndrome
Hemolítica Urêmica (SHU), caracterizada por destruição das células vermelhas do sangue e falência renal
que pode ser acompanhada de deterioração neurológica
e insuficiência renal crônica (Divisão de Doenças de
Transmissão Hídrica e Alimentar, 2009).
As técnicas convencionais de cultivo compreendem
a fase de recuperação da célula danificada, enriquecimento seletivo, plaqueamento seletivo e técnica
sorológica para a detecção específica de Escherichia
coli produtora de diarréia (diarreiogênica). Inúmeros
meios líquidos são usados para enriquecimento
seletivo de Escherichia coli. Os mais comumente
usados são caldo EC e caldo lauril sulfato; que
possuem agentes seletivos como verde brilhante e bile,
e lauril sulfato de sódio respectivamente (Merck,
1994). Usa-se ainda caldo MacConkey e caldo GN
(Varnam e Evans, 1996).
O sorotipo O157:H7 possui características fenotípicas que são utilizadas no desenvolvimento de meios
210
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
seletivos para seu isolamento. MacConkey-sorbitol
ágar foi desenvolvido para isolamento e identificação
presuntiva deste sorotipo incapaz de fermentar o
sorbitol em 24 horas (CDC, 2000).
A Reação de Polimerização em Cadeia (PCR) é um
método rápido, sensível e específico, freqüentemente
usado para determinar a presença de patógenos em
humanos, bovinos e alimentos. Recentemente,
numerosos grupos têm desenvolvido protocolos PCR
multiplex usando dois ou mais pares de "primer" para
aumentar a especificidade para identificação de
Escherichia coli O157:H7, mantendo sua habilidade
em detectar outros sorotipos (Franco & Landgraf,
1996; Gomes et al., 1999). De acordo com Kawasaki
et al. (2009), a PCR é um método valioso de avaliação
rápida para a detecção de E. coli O157:H7 em alimentos, incluindo produtos cárneos.
Após a reflexão da importância que a E. coli vem
ocupando na higiene de produtos de origem animal, na
análise de perigos e pontos críticos de controle e no
controle de qualidade bacteriológica desses produtos,
foi desenvolvida pesquisa com objetivo de avaliar a
ocorrência de Escherichia coli em 100 amostras de
suínos abatidos em matadouros e isolar e identificar
sorogrupos de E. coli, mediante aplicação de quatro
metodologias diferentes: método 1 - Enumeração de
coliformes, onde utilizou-se a metodologia descrita
por Hitchins et al. (1995) e Kornacki e Johnson
(2001); método 2 - Método SimplateTM para coliformes totais e Escherichia coli, o qual seguiu as
recomendações descritas por Townsend et al. (1996);
método 3 - Isolamento e diferenciação de estirpes
enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli
O157:H7, onde utilizou-se a metodologia preconizada
pela Merck (1996); método 4 - Pesquisa de colônias
de Escherichia coli enteropatogênica que utilizou-se a
metodologia descrita por Mehlman e Lovett (1984)
com algumas modificações.
Material e métodos
Foram analisadas, após a divisão de 20 animais em
meias carcaças, 100 amostras de carne suína, sendo 20
amostras da região interna da papada (correspondente
à área de ferida de sangria), 20 de pleura e músculos
intercostais (cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas),
20 da cavidade pélvica (região sub-sacral próxima à
base da cauda), 20 de linfonodos mesentéricos e 20 de
fezes da região íleo-ceco-cólica de suínos escolhidos
aleatoriamente, abatidos em abatedouro frigorífico,
sob a Inspeção Estadual, clinicamente saudáveis e
julgados aptos para o consumo após inspeção "ante e
post - mortem", e provenientes dos estados do Rio de
Janeiro (Magé e Rio Bonito), Minas Gerais, Paraná e
Santa Catarina. Sendo que os linfonodos mesentéricos
e fezes que foram obtidas antes da divisão, em bolsas
plásticas para "stomacher" esterilizadas. Dos dife-
Franco RM et al.
rentes pontos de obtenção das amostras, somente
foram semeadas subamostras da parte carnosa, pois a
parte gordurosa sempre foi retirada assepticamente,
através de bisturis e lâminas esterilizadas e
descartáveis. No caso dos linfonodos houve a total
separação do "epíploon" e gordura.
As amostras foram, então, identificadas, numeradas
e transportadas sob refrigeração (em caixa isotérmica
sob ação indireta do gelo) ao laboratório onde foram
mantidas congeladas a -18 ºC, em conformidade com
o armazenamento das carnes suínas, até o momento
em que foram descongeladas "over night", em
geladeira, a 2 ºC para serem analisadas bacteriologicamente.
Foram utilizados quatro métodos, no método 1
(enumeração de coliformes) utilizou-se a metodologia
descrita por Hitchins et al. (1995) e Kornacki e
Johnson (2001). Esta metodologia foi usada nas
amostras de carne da região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria, da cavidade
torácica entre 4ª e 7ª costelas, e da cavidade pélvica
por estar em concordância com o protocolo dos
padrões microbiológicos de identidade e qualidade
vigentes (Brasil, 2001). Essa metodologia é dividida
em teste presuntivo onde 25 gramas da amostra foram
homogeneizadas com 225 mL de Solução Fosfatada
Tamponada (SFT) de Butterfield e realizaram-se as
diluições e o Caldo Lauril Sulfato (CLS), teste confirmativo onde o subcultivo de cada tubo positivo de
CLS foi transferido para tubos contendo Caldo Verde
Brilhante Bile Lactose "VBBL" e tubos com Caldo
EC contendo um tubo de Durham invertido. Analisou-se a produção de gás, registrando-se os tubos
positivos de cada diluição a partir dos quais foi calculado o Número Mais Provável (NMP) de coliformes
totais e termotolerantes por grama da amostra,
conforme Tabela 1. Posteriormente, realizou-se o teste
completo onde usou-se o Ágar Eosina Azul de
Metileno Lactose, de onde foram selecionadas
colônias típicas e procedeu-se a bacterioscopia por
imersão para verificar-se a presença de bastões Gram
negativos. Foram realizadas as seguintes provas
bioquímicas: Ágar SIM, Ágar Tríplice Açúcar Ferro,
Agar Citrato de Simmons. Vermelho de metila, Voges
Proskauer, oxidação e fermentação do sorbitol,
oxidação e fermentação do manitol, oxidação e
fermentação da celobiose, descarboxilação da l-ornitina, Ágar EPM, Ágar MILI. As colônias típicas foram
estocadas em caldo Infusão Cérebro Coração com
20% de glicerol à temperatura de -20 ºC, para em
seguida serem sorotipadas. Para a soroaglutinação em
placa com anti-soros poli e monovalentes seguiu-se a
metodologia descrita por Ewing (1986). A confirmação bioquímica dos isolados foi verificada pelo
sistema API20 E utilizado conforme especificação do
fabricante.
O método 2 (Método SimplateTM para coliformes
totais e Escherichia coli) seguiu as recomendações
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
descritas por Townsend et al. (1996), sendo usada nas
mesmas amostras de carne suína citadas para o
método 1. A tampa da base da placa do Simplate foi
removida em condições de esterilidade, sendo dois
mililitros do homogeneizado vertidos na plataforma
central da base da placa e imediatamente foram
adicionados 10 mL do meio para coliformes totais e
Escherichia coli. O conteúdo da placa (homogeneizado + meio) foi distribuído uniformemente pelas concavidades girando-se gentilmente a placa no sentido
horário e anti-horário. Procedeu-se à incubação das
placas invertidas por 24 horas à 37 ºC. Após este
período, as concavidades coloridas (do laranja ao
vermelho) foram contadas e consideradas positivas
para coliformes totais. Paralelamente, a placa foi
exposta à radiação ultravioleta a para contagem das
concavidades fluorescentes consideradas positivas
para Escherichia coli. As concavidades coloridas que
não fluoresciam foram positivas para coliformes
totais, porém negativas para Escherichia coli. O
número de concavidades coloridas e o número de
concavidades fluorescentes foi comparado com a
tabela de NMP para obter-se o NMP de coliformes
totais e Escherichia coli, respectivamente.
No método 3 (Isolamento e diferenciação de
estirpes enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia
coli O157:H7), utilizou-se a metodologia preconizada
pela Merck (1996), sendo aplicado nas mesmas
amostras de carne suína citadas para o método 1 e
também nos linfonodos mesentéricos e fezes da região
íleo-ceco-cólica. Para o preparo, 25 gramas de cada
tipo de amostra que foram acondicionadas em bolsa
"stomacher" e adicionadas de 225 mL de caldo Lauril
Sulfato sendo homogeneizadas. O homogeneizado foi
incubado por 24 horas à 37 ºC e foram semeados
0,1 mL do subcultivo crescido no caldo, na superfície
de Agar Escherichia coli O157:H7 fluorocult em placas. As colônias sorbitol negativas ou positivas foram
analisadas mediante uma lâmpada Ultra Violeta com
referência à formação de fluorescência. As colônias
sorbitol negativas ou positivas, com ou sem
fluorescência e isoladas, foram identificadas por
biotipificação e testes sorológicos conforme descritos
anterioremente.
Para o método 4 (Pesquisa de colônias de
Escherichia coli enteropatogênica) utilizou-se a
metodologia descrita por Mehlman e Lovett (1984)
com algumas modificações, sendo analisada as
mesmas amostras referidas no método 2. As amostras
analisadas foram pesadas em 25 gramas e acondicionadas em bolsa "stomacher", adicionadas de 225 mL
de Caldo Infusão Cérebro Coração. O homogeneizado
foi transferido para um frasco Erlenmeyer de capacidade de 500 mL e incubado por três horas à 35 ºC para
a recuperação das células danificadas. Foi feita a
semeadura direta em placas contendo Ágar Eosina
Azul de Metileno Lactose seg Levine, Ágar
MacConkey Sorbitol, Ágar Telurito Cefixima Sorbitol
211
Franco RM et al.
MacConkey, Ágar Escherichia coli O157:H7
Fluorocult e Ágar "Hemorrhagic colitis" isento
de MUG. Sendo todos os meios incubados por
18 - 24 horas à 35 ºC. Posteriormente foi feito um
enriquecimento seletivo para isolar Escherichia coli
enteropatogênica com o Caldo Triptona Fosfato com
dupla concentração e incubados à 44 ºC ± 0,2 ºC por
20 horas. O subcultivo crescido no Caldo foi semeado
nos mesmos meios utilizados na semeadura direta. Por
fim foi realizada a biotipificação conforme anteriormente descrito.
A colônia sorotipada como EHEC foi testada para
PCR, utilizando-se PCR multiplex para os genes
"shiga toxin" stx1, stx2, eaeA sendo PCR1 segundo
China et al. (1996) e PCR2 segundo Paton e Paton
(1998) no Laboratório de Microbiologia e Imunologia
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), usando-se a amostra
de Escherichia coli K-12DH5∝ como controle
negativo e as amostras Escherichia coli E40705
(O157:H7, stx1/eaeA) e Escherichia coli E30138
(O157:H7, stx2/eaeA) como controles positivos, sendo
estas oriundas da CPHL-UK.
Para a amplificação dos genes que codificam a
subunidade A de stx1, a subunidade A stx2 (incluindo
as variantes conhecidas de stx2) e a região do gene que
codifica eaeA, foram utilizados os "primers" descritos
originalmente por China, Pirson e Mainil (1996).
Estes "primers" foram originalmente denominados
stx1-F(5’AGA GCG ATG TTA CGG TTT G 3’) e
stx1-R(5’ TTG CCC CCA GAG TGG ATG 3’);
stx2-F(5’ TGG GTT TTT CTT CGG TAT C3’); stx2-R
(5’ GAC ATT CTG GAC TCT CTT 3’) e EP1(5’ AGG
CTT CGT CAC AGT TG 3’) e EP2 (5’ CCA TCG TCA
CCA GAG GA 3’) para eaeA. O produto da amplificação da seqüência stx1 consiste em um fragmento de
DNA com peso molecular de 388 pb, da seqüência
stx2 em fragmento de 807 pb da seqüência eaeA em
fragmento de 570 pb. A análise dos fragmentos
amplificados procedeu-se em eletroforese, em gel
agarose a 1,8% por 50 minutos em 130v/130mA, com
brometo de etídeo (5 mg/mL). Para aumentar a
densidade do DNA, facilitar a dispersão das bandas e
acompanhamento da corrida acrescentou-se o corante
azul de bromofenol. Observaram-se os brancos em
aparelho transiluminador e fotografaram-se as bandas
em câmara polaróide.
Resultados
Enumeração de coliformes, coliformes fecais e
Escherichia coli – métodos 1 e 2
Nas amostras da região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria para o método 1
a variação de coliformes, coliformes fecais e
Escherichia coli foi respectivamente < 2 UFC/g a
212
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
46 UFC/g, < 2 UFC/g a 33 UFC/g e de ausência a
33 UFC/g, sendo que cinco (25%) amostras, quatro
(20%) amostras e quatro (20%) amostras estavam
contaminadas por coliformes, coliformes fecais e
Escherichia coli, respectivamente. Para fins estatísticos o NMP < 2 UFC/g foi considerado como zero,
pelo fato de tal resultado oferecer a combinação de
0 – 0 – 0 na primeira, segunda e terceira séries, respectivamente, significando ausência de crescimento
(Tabela 1). O NMP de coliformes fecais foi o mesmo
de Escherichia coli, pois todos coliformes fecais
foram identificados como Escherichia coli.
O NMP para o método 2 teve variação, respectiva,
de coliformes totais e Escherichia coli de zero
(ausência) a 28 UFC/g e de zero (ausência) a
18 UFC/g, nas amostras. Cinco (25%) amostras
estavam contaminadas por coliformes totais e
Escherichia coli.
As amostras da cavidade torácica entre 4ª e 7ª
costelas apresentaram-se contaminadas por coliformes, as demais estavam isentas deste grupo. Em
nenhuma das amostras foram encontrados coliformes
fecais ou Escherichia coli. Para o método 2, duas
(10%) amostras apresentaram-se contaminadas por
coliformes totais (dois coliformes por amostra) e em
nenhuma amostra foi detectada a presença de
coliformes fecais ou Escherichia coli.
Pelo método 1, para as amostras da cavidade
pélvica, os coliformes, coliformes fecais e Escherichia
coli, variaram respectivamente de < 2 UFC/g a 1600
UFC/g, de < 2 UFC/g a 1600 UFC/g e de ausência
a 1600 UFC/g, cujo percentual de contaminação
ocorreu em 14 (70%) amostras para os respectivos
microrganismos. O NMP dos coliformes fecais foi o
mesmo de Escherichia coli e todos os coliformes
fecais foram identificados como Escherichia coli.
Considerando-se o método 2, o NMP para coliformes
totais e Escherichia coli, variou de zero a 276 UFC/g,
e de zero a 195 UFC/g, respectivamente; sendo que
em treze (65%) amostras foram encontrados os
microrganismos em questão.
Isolamento e diferenciação de estirpes
enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli
O157:H7 – método 3
O número de colônias suspeitas de Escherichia coli
nas diferentes amostras pelo método 3, foram as
seguintes: na região interna da papada correspondente
à área de ferida de sangria 18 (sendo nenhuma
EHEC e nem EPEC), na cavidade torácica entre 4ª e 7ª
costelas 20 (sendo nenhuma EHEC e nem EPEC); na
cavidade pélvica 24 (sendo nenhuma EHEC e nem
EPEC); nos linfonodos mesentéricos 36 sendo 1
EPEC e nas fezes 48 sendo 1 EHEC, deixando claro
que dentre os tipos de amostras que são usadas para
consumo, àquelas oriundas da cavidade pélvica apresentaram maior número de colônias confirmadas,
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
Tabela 1- Tabela de Mac Crady utilizada para a determinação do número mais provável
Número de Tubos Positivos
0,1
0,01
NMP/g ou mL
0,001
Intervalo Confiança (95%)
Inferior
Superior
0
0
0
<3,0
-.-
9,5
0
0
1
3,0
0,15
9,6
0
1
0
3,0
0,15
11
0
1
1
6,1
1,2
18
0
2
0
6,2
1,2
18
0
3
0
9,4
3,6
38
1
0
0
3,6
0,17
18
1
0
1
7,2
1,3
18
1
0
2
11
3,6
38
1
1
0
7,4
1,3
20
1
1
1
11
3,6
38
1
2
0
11
3,6
42
1
2
1
15
4,5
42
1
3
0
16
4,5
42
2
0
0
9,2
1,4
38
2
0
1
14
3,6
42
2
0
2
20
4,5
42
2
1
0
15
3,7
42
2
1
1
20
4,5
42
2
1
2
27
8,7
94
2
2
0
21
4,5
42
2
2
1
28
8,7
94
2
2
2
35
8,7
94
2
3
0
29
8,7
94
2
3
1
36
8,7
94
3
0
0
23
4,6
94
3
0
1
38
8,7
110
3
0
2
64
17
180
3
1
0
43
9
180
3
1
1
75
17
200
3
1
2
120
37
420
3
1
3
160
40
420
3
2
0
93
18
420
3
2
1
150
37
420
3
2
2
210
40
430
3
2
3
290
90
1000
3
3
0
240
42
1000
3
3
1
460
90
2000
3
3
2
1100
180
4100
3
3
3
>1100
420
-.-
Fonte: Brasil, 2003
213
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
Tabela 2 - Eficiência dos diferentes tipos de meios empregados no método 4 (semeadura direta e enriquecimento) nos diferentes tipos
de amostras, para isolamento de E. coli
Tipo
de amostra
A
B
C
D
E
Tipo
de semeadura
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Total
Meio de cultura
EMB
Mac Lac
Mac Sorb
TC-Smac
O157:H7
HC 35 °C
HC 44,5 °C
EMB
6
28
0
30
10
22
12
33
18
30
189
Mac
Lac
4
26
0
24
6
48
6
42
24
42
222
Mac
Sorb
2
16
0
20
0
34
11
42
12
36
173
Desvio padrão
4,09
10,71
11,08
3,89
18,70
12,59
11,45
TCSmac
0
2
0
6
0
10
0
0
0
6
24
O157:H7
HC35°C
HC44,5°C
0
11
0
22
0
57
0
48
12
36
186
4
7
0
30
0
28
6
27
24
42
168
4
11
0
21
0
39
6
30
12
36
159
Mediana
30
42
34
6
36
28
30
Total
(colônias)
20
101
0
153
16
238
41
222
102
228
1121
Média *
26,6 a
36,4 a
29,6 a
4,8 b,c
34,8 a,c
26,8 a
27,8 a
* Letras iguais: não há diferenças; e letras diferentes; têm diferenças estatíticas significativas (p<0,05)
Sendo:
A- Região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria
B- Cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas (pleura e músculos intercostais)
C- Cavidade pélvica (região sub-sacral próxima à base da cauda)
D- Linfonodos mesentéricos (região íleo-ceco-cólica)
E- Fezes (região íleo-ceco-cólica)
porém, nenhuma delas pertence às categorias EPEC
ou EHEC.
Pesquisa de Escherichia coli enteropatogênica
(Mehlman e Lovet, 1984c)
modificado – método 4
Encontra-se na Tabela 2 o número de colônias de
Escherichia coli confirmadas por tipo de amostra no
método acima mencionado, onde o número de colônias isoladas por enriquecimento sempre foi superior
ao número de colônias isoladas por plaqueamento
direto.
O meio Ágar Escherichia coli O157:H7 e Meio
MacConkey sorbitol apresentaram número maior e
igual de sorogrupos identificados entre os meios de
plaqueamento testados. Pela análise de variância os
dados não apresentaram diferença significativa entre
si.
Na Tabela 3 é encontrado o número de colônias
suspeitas e confirmadas pelos métodos um, três e
quatro onde no método 4 sempre houve maior número
de colônias suspeitas e confirmadas pela semeadura,
após enriquecimento, do que pela semeadura direta,
sendo que das 1584 colônias suspeitas, 59,47%
214
(942/1584) foram confirmadas.
Pela análise estatística houve diferença significativa
(p<0,05) entre os tipos de métodos utilizados no
isolamento e identificação de Escherichia coli. Tais
diferenças entre os métodos pelo teste de TukeyKramer, ocorreram entre Met1cT X Met4B, Met1cF X
Met4B, Met3 X Met4B. Considerando-se que entre os
métodos testados, o método 4 foi o que apresentou o
maior número de colônias confirmadas.
Na Tabela 4 é encontrado o número de colônias
isoladas em cada um dos meios de plaqueamento
seletivo quer seja por plaqueamento direto quer por
enriquecimento em cada tipo de amostra pesquisada.
Pela análise de variância houve diferença estatística
significativa (p<0,05) entre a semeadura direta e
enriquecimento independentemente do tipo de meio
de plaqueamento usado. Não ocorreu diferença
estatística significativa entre os tipos de meios usados
nas semeaduras entre os diferentes tipos de amostras
analisadas. Isto possivelmente, foi prejudicado pela
grande quantidade de zeros (resultados negativos).
Pelo método de Tukey-Kramer houve diferença
(P<0,05) entre: EMB e TC-SMAC, MAC-LAC e
TC-SMAC, MAC SORB e TC-SMAC, TC-SMAC e
O157:H7.
Utilizou-se PCR em apenas um isolamento identifi-
Franco RM et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
Tabela 3 - Ocorrência de colônias H2S (+) e de sorogrupos de Escherichia coli identificados nos diferentes métodos analíticos
bacteriológicos aplicados
Método
Total
de colônias
66
78
0
264
306
1584
2298
Mét.1 CT
Mét.1 CF
Mét.2*
Mét.3
Mét.4A
Mét.4B
Colônias
H2S (+)
39
17
0
118
121
642
937
Colônias (+)
nos T.B.
27
61
0
146
185
942
1361
Sorologia
EIEC
EHEC
0
0
0
0
0
0
0
1
1
0
3
0
4
1
EPEC
0
0
0
1
2
9
12
Total
0
0
0
2
3
12
17
* Mét2 foi excluído da análise estatística por diferença discrepante dos demais, por apresentar valores iguais a zero.
Método
Mét.1 CT
Mét.1 CF
Mét.3
Mét.4A
Mét.4B
Desvio padrão
27,39
36,56
107,57
126,43
653,36
Mediana
33
39
132
153
792
Média * *
33,00 a
39,00 a
132,50 a
153,75 a,b
795,00 b
* * Letras iguais; não há diferenças; e letras diferentes: têm diferenças estatísticas significativas (p<0,05).
Tabela 4 - Eficiência dos diferentes tipos de meios empregados no método 4 (semeadura direta e enriquecimento) nos diferentes tipos
de amostras, para isolamento de E. coli.
Tipo
de amostra
A
B
C
D
E
Tipo
de semeadura
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Direta
Enriquecimento
Total
Meio de cultura
EMB
Mac Lac
Mac Sorb
TC-Smac
O157:H7
HC 35°C
HC 44,5°C
EMB
6
28
0
30
10
22
12
33
18
30
189
Mac
Lac
4
26
0
24
6
48
6
42
24
42
22
Mac
Sorb
2
16
0
20
0
34
11
42
12
36
17
Desvio padrão
4,09
10,71
11,08
3,89
18,70
12,59
11,45
TCSmac
0
2
0
6
0
10
0
0
0
6
24
O157:H7
HC35°C
HC44,5°C
0
11
0
22
0
57
0
48
12
36
186
4
7
0
30
0
28
6
27
24
42
168
4
11
0
21
0
39
6
30
12
36
159
Mediana
30
42
34
6
36
28
30
Total
(colônias)
20
101
0
153
16
238
41
222
102
228
1121
Média *
26,6 a
36,4 a
29,6 a
4,8 b,c
34,8 a,c
26,8 a
27,8 a
* Letras iguais: não há diferenças; e letras diferentes; têm diferenças estatíticas significativas (p<0,05).
cado sorologicamente como EHEC-O157, pois
apesar do mesmo apresentar-se como sorbitol positivo
e MUG positivo, comportou-se negativamente frente
aos sorogrupos pertencentes às categorias (EPEC A,
EPEC B, EPEC C, EIEC A e EIEC B). A sorologia
positiva foi também confirmada em testagem no
Laboratório de Microbiologia e Imunologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo em seguida
corroborada com a identificação de cepa O157:H- por
PCR nesta mesma Universidade.
Discussão
A ocorrência das categorias de Escherichia coli foi
relativamente baixa, sendo este resultado similar aos
encontrados por outros pesquisadores ao estudarem
Escherichia coli em produtos cárneos. Reis et al.
(1980) encontraram Escherichia coli patogênica em
5%, 7,5% e 10% de amostras de quibe, hambúrguer
e salsicha, respectivamente. Franco et al. (1991)
encontraram baixíssima freqüência do sorogrupo O15
em carne crua bovina das 306 colônias testadas.
215
Franco RM et al.
Lenahan et al. (2008), coletou amostras fecais de
suínos e amostras de suabes de carcaça em quatro
matadouros de suínos irlandês objetivando analisaram
a presença de E. coli O157: H7 essa não foi
encontrada nos suabes das carcaças. Entretanto, San
Juan et al. (2007) ao determinarem as condições
microbiológicas durante o processo de abate de um
matadouro municipal do México, verificou que das
158 amostras analisadas, coliformes totais e E. coli
foram detectados na maioria das amostras, sendo mais
abundante na linha de abate de suíno que do bovino.
Nesta pesquisa, nas amostras comestíveis analisadas
pelos métodos 1 e 2, que foram positivas, o NMP de
coliformes totais foi na maioria das vezes superior ao
de Escherichia coli concordando com pesquisa
desenvolvida por Laubach et al. (1998) em carne de
cabeça de suíno.
No presente trabalho, para as amostras da região
interna da papada correspondentes à área de ferida de
sangria os achados estabelecem que houve correspondência entre ausência e presença de coliformes e
Escherichia coli, entre as amostras, pelos métodos
empregados, entretanto, em 95% dos casos, no
método 1, o NMP de coliformes e Escherichia coli foi
superior ao do método 2, embora o método 2 não
caracterizasse a presença de coliformes fecais. A
Resolução RDC nº 12 (Brasil, 2001) não estabelece
padrões qualitativos ou quantitativos para quaisquer
tipos de coliformes entre as amostras comestíveis
investigadas, recomendando que, caso seja determinada a presença de Escherichia coli, deve constar no
laudo analítico.
Geralmente, as carnes oriundas da ferida de sangria
são usadas para a produção de embutidos, entretanto,
em muitos casos são usadas para consumo humano "in
natura", que sugere o procedimento analítico destas
amostras. Matsubara (2005) avaliou as condições
higiênico-sanitárias de 240 meias-carcaças de suínos
realizando a contagem de coliformes totais e de
Escherichia coli em três regiões pré-definidas (face
lateral externa do pernil, do peito e da papada) e
verificou-se coliformes totais em 98,7% e Escherichia
coli em 90,7% das meias-carcaças analisadas. A partir
de seus dados estatísticos, observaram-se que não
houve diferença entre a contaminação de coliformes
totais nas diferentes regiões analisada, porém, houve
diferença para a contagem de E. coli, sendo mais
elevada na papada, no pernil e por último, no peito.
Os métodos 3 e 4 de enriquecimento das amostras a
serem pesquisadas quanto a presença de Escherichia
coli foram comparados entre si. No método 3 ocorreu
maior recuperação e confirmação de isolados de
Escherichia coli que no método 4 por semeadura
direta; porém, no método 4, com enriquecimento,
independentemente do meio usado e temperatura de
incubação, o número de isolados suspeitos e confirmados foi sempre foi maior. Nestes procedimentos
analíticos o método 4 apresentou maior número
216
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
de colônias confirmadas em relação ao número de
isolados triados, e o meio com maior percentual de
recuperação foi MAC LAC (54,2%) confirmando,
como indica a técnica original, que o uso do MAC
LAC apresentou bons resultados para determinação de
Escherichia coli em alimento, tal como ocorreu com
as amostras em epígrafe.
Na aplicação dos métodos 3 e 4, o enriquecimento
não seletivo das amostras tem como objetivo
revitalizar as células danificadas objetivando melhor
eficácia na determinação da microbiota em questão.
Esta afirmação torna-se fundamentada, pois no
método 3 e no método 4 com enriquecimento, ao ser
comparado o número de colônias suspeitas e confirmadas nos meios de plaqueamento seletivo com o
meio de plaqueamento no método 1 e na detecção pelo
método 2, os números de colônias naqueles métodos
são bem mais superiores que nestes. O método 4 por
semeadura direta apresentou crescimento menor. Tais
observações deixam claro que o enriquecimento teve
importância na estimativa de um maior número de
colônia suspeita e confirmada nos testes bioquímicos.
Entre os métodos aplicados, observa-se que o
enriquecimento não seletivo também foi fundamental
na recuperação e confirmação de colônias típicas de
Escherichia coli. Os meios MAC LAC e HC a
35 °C foram os mais apropriados por apresentarem
maior número de colônias suspeitas e confirmadas
bioquimicamente.
Comparando-se os tipos de amostras comestíveis
pesquisadas entre si observa-se que independente do
método aplicado, as amostras da cavidade pélvica
apresentaram maiores valores bacteriológicos. As
pesquisas nacionais não revelam estudo colimétrico
em carnes de suíno na área anatômica em questão,
contudo quando Gill et al. (1995) procederam estudo
semelhante em carcaça bovina, embora com método
de coleta diferenciado e meio similar, também sugeriram, como nossos achados, que esta área seja a mais
contaminada entre as outras pesquisadas. Gill e Jones
(1998) ao enumerarem Escherichia coli em carcaça
suína pelo método de "zaragatoa" na região anatômica
correlacionada com esta pesquisa sugeriram, também,
contaminação elevada.
Os linfonodos podem conter microbiota muito
intensa e diversificada. Nesta pesquisa conforme
consta na Tabela 3, a suspeita e confirmação de
Escherichia coli em linfonodos mesentéricos foram
maiores, no total geral, considerando-se os métodos
3 e 4 aplicados aos demais tipos de amostras cárneas
analisadas, mostrando que este órgão pode ser um
veiculador de microbiota para os diferentes nichos
ecológicos, quando do rompimento de sua cápsula
durante as fases de processamento tecnológico de
abate.
Apesar da utilização do MUG seja atualmente
muito divulgada não foram encontrados trabalhos
determinando a presença de Escherichia coli por
Franco RM et al.
fluorescência, em meios de plaqueamento, em
amostras originárias de suínos. Foi observado neste
experimento que o meio ágar Escherichia coli
O157:H7 em cuja composição, possui o MUG,
quando comparado com os meios tradicionalmente
utilizados como ágar EMB, ágar MacConkey lactose,
ágar MacConkey sorbitol, não ocorreu diferença
estatística significativa. Estes resultados vão em
desencontro com os descritos por Venkateswaran et al.
(1996) onde afirmam que o MUG adicionado ao meio
ágar bile vermelho violeta, tornou-o duas vezes mais
eficaz que o ágar EMB para isolar Escherichia coli em
produtos cárneos, muito embora o meio agar
Escherichia coli O157:H7 não tenha a mesma
composição básica que o ágar bile vermelho violeta.
Ao aplicar-se o método sorológico em paralelo com
aplicação da PCR, muitas das vezes os resultados
podem ser conflitantes, pois a reação cruzada ou
divergente pode existir, tal proposição é colocada em
discussão por Aleksic et al. (1992) que ao pesquisarem o esquema de biotipificação para Escherichia coli
O157:H7 concluíram que dez (25,6%) das estirpes de
Escherichia coli produtoras de SLT foram sorbitol
positivas e não reconhecidas em placas MacConkey
sorbitol e relatam que as duas estirpes sorotipadas
com O157 foram sorbitol e glucuronidase positivas
não foram produtoras de SLT. Estas afirmações
apresentam paralelismo à amostra aqui isolada como
EHEC-O157:H-, em resultados, pelo fato de que o
sorogrupo apresentou, no meio de plaqueamento ágar
Escherichia coli O157:H7 colônias esverdeadas não
se caracterizando como sorbitol positivas, porém
foram diagnosticadas como positivas, para este carboidrato, nas provas bioquímicas e comportaram-se
com glucuronidase positivas, sem produzir SLT no
estudo de PCR.
RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218
devem ser consideradas processadas em condições
inadequadas na aplicação das Boas Práticas (origem
da matéria prima, higiene e processamento) e não
devem ser consumidas ou processadas industrialmente.
O método 3, ao ser aplicado nas diferentes amostras
permitiu revelar a confirmação de EPEC e EHEC em
amostra de linfonodos e fezes, respectivamente.
A fase de enriquecimento no método 4, independentemente do tipo de amostra analisada permitiu uma
recuperação significativamente maior de colônias
de Escherichia coli, sendo o meio Mac Lac seguido
do EMB os que apresentaram maiores números de
colônias isoladas. Esta fase ainda permitiu uma
recuperação significativamente maior de colônias de
EPEC, EIEC, e na detecção de amostras comestíveis e
não comestíveis contaminadas por grupos de Escherichia coli.
As amostras de pleura e músculos intercostais
analisadas não apresentaram nenhuma cepa EPEC,
EIEC ou EHEC, sendo portanto consideradas em
condições próprias de consumo.
O meio ágar Escherichia coli O157:H7 apesar de ser
indicado para isolamento e diferenciação de estirpes
enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli
O157:H7, conforme ocorreu o isolamento da cepa
O157:H- na amostra de fezes pelo método 3, ainda
ofereceu condições próprias para o isolamento de
estirpes EPEC em amostra de linfonodos mesentéricos.
A cepa sorotipada como EHEC O157 foi confirmada como O157:H- em PCR.
A presença de Escherichia coli em alimentos
e Escherichia coli O157:H-, O157:H7, ressalta a
necessidade de se colocar em prática o sistema nacional e internacional de inocuidade dos alimentos
objetivando eliminar do abastecimento os alimentos
para o consumo humano e os animais enfermos ou
portadores assintomáticos, cuja carne possa transmitir
enfermidades aos comensais.
Conclusões
As amostras de carne suína oriundas da área de
ferida de sangria que apresentaram contaminação por
coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli
quando analisadas pelos métodos 1 ou 2 devem ser
consideradas impróprias para o consumo ou para
uso industrial, entretanto a Resolução RDC nº12
(Brasil, 2001) não estabelece padrões para o germe
em questão. Todas as amostras de pleura e músculos
intercostais que apresentaram ausência de coliformes,
coliformes fecais e Escherichia coli pela prova analítica do método 1, devem ser consideradas próprias para
processamento ou consumo; entretanto aquelas em
que o método 2 revelou a presença de coliformes
totais e ausência de Escherichia coli, devem ser
consideradas impróprias para o consumo ou uso
industrial. As amostras da região sub-sacral próxima à
base da cauda que possuíam coliformes, coliformes
fecais e Escherichia coli, quer seja pelo método 1 e 2,
Bibliografia
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R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Controle microbiano em linha de produção de queijos Minas Frescal e
Ricota
Microbial control in line of "Minas Frescal" and Ricotta cheese
production
Vidiany A. Q. Santos*, Catharina C. P. de Carvalho,
Tânia M. V. Gonçalves, Fernando L. Hoffmann
Laboratório de Microbiologia de Alimentos - Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos - UNESP
Campus de São José do Rio Preto – São Paulo – Brasil
Resumo: Queijos frescos como o Minas Frescal e a Ricota
apresentam elevada actividade de água e diversidade nutricional, factores que propiciam a proliferação de microbiota
oportunista, reduzindo a segurança destes alimentos. Diversos
microrganismos são propostos como bioindicadores de
contaminação da matéria-prima e/ou do produto pronto para o
consumo. Nesse contexto, este trabalho teve por objectivo,
avaliar as condições higio-sanitárias de uma linha de processamento de queijos Minas frescal e Ricota, localizada em São José
do Rio Preto - São Paulo - Brasil, analisando, conforme o
fluxograma de fabrico, as seguintes etapas: água, leite pasteurizado, coalho (complexo enzimático coagulante), coalhada, soro
e queijos logo após o processamento e com cinco dias de vida
de prateleira. Para tanto, foram efetuadas as seguintes análises:
contagem de bactérias aeróbias mesófilas e Staphylococcus
aureus, determinação do número mais provável (NMP) de
coliformes totais e fecais, pesquisa de Escherichia coli,
Salmonella spp. e Listeria monocytogenes. A água e o coalho
encontraram-se de acordo com os padrões preconizados pela
legislação brasileira, para todos os bioindicadores. Em relação
ao leite houve desacordo em duas amostras, somente para
coliformes fecais. A legislação brasileira (Brasil, 2001) não
estabelece padrões para a coalhada e soro, porém os resultados
apresentaram contagens elevadas para todos os microrganismos,
excepto para Salmonella spp. Os queijos, nos tempos zero e
cinco dias de vida de prateleira, não atenderam aos padrões para
Staphylococcus aureus, coliformes fecais e E. coli. Tais
contaminações podem estar relacionadas com falhas no
processo de higienização e a não aplicação das boas práticas de
fabrico.
Palavras-chave: Queijo Minas Frescal, Ricota, microorganismos, DTA
Abstract: Fresh cheeses, as "Minas Frescal" and Ricotta, have
high water activity and nutritional diversity, factors that make
the development of opportunist microorganisms favorable,
reducing the safety of these foods. Several microorganisms are
proposed as bioindicators of raw material and/or contaminated
product, ready for consumption. In this context, the aim of this
*Correspondência: [email protected]
Rua Cristóvão Colombo, 2265, Bairro: Jardim Nazareth
CEP: 15054-000
Tel.: + 55 (17) 3221 2200, ramal: 2714
study was to evalute the hygienic-sanitary conditions of a
Ricotta and "Minas Frescal" cheese processing line, situated in
São José do Rio Preto, SP, Brazil. The analysis was performed
in six collections, according to the manufacturing steps, water,
pasteurized milk, rennet, curd, whey and cheeses right after
the processing and with five days of shelf life. For this, the
following analyses were carried out: mesophilic aerobic bacteria and Staphylococcus aureus count, determination of the most
probable number (MPN) of total and detection of Escherichia
coli, Salmonella spp. and Listeria monocytogenes detection.
Water and curd were in accordance with the standards recommended by Brazilian legislation for all bioindicators. In relation
to milk, two collections showed thermotolerant coliforms,
which did not meet the required standards. Microbiological
parameters are not established and there are not standards for
curd and whey, however, the results were high for all the
microorganisms, except for Salmonella spp. Cheeses ranging
from zero to five days of shelf life, were not in accordance with
the standards, namely for Staphylococcus aureus, thermotolerant
coliforms and Escherichia coli. Such contamination can be
related to mistakes in the hygienization process and lack of
application of good manufacturing practices.
Keywords: Minas fresh cheese; Ricotta cheese; microorganism;
DTA
Introdução
A indústria brasileira de produtos lácteos tem
importância sócio-económica, em especial no fabrico
de queijos, ocupando o sexto lugar em produção
mundial, com 945 mil toneladas em 2006 (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa,
2006).
Dentre os queijos frescos, ou com elevada umidade,
destacam-se o Minas frescal e a Ricota. São produtos
muito consumidos pelo reduzido teor de gordura e
baixo custo, sendo bastante indicados em dietas com
restrições em lípidios, além de serem acessíveis à
maioria das classes sociais (Lisita, 2005).
O queijo Minas frescal é um dos derivados lácteos
219
Santos VAQ et al.
mais apreciados no Brasil, sendo o estado de Minas
Gerais o maior produtor com cerca de 30.000
toneladas por ano (Pereira et al., 2006). Segundo a
Associação Brasileira das indústrias de queijos ABIQ, em 2007 a produção deste queijo foi de 33.075
toneladas.
Este queijo é definido como fresco, obtido por
coagulação enzimática do leite por meio da adição de
coalho e/ou outras enzimas coagulantes apropriadas,
complementada ou não pela ação de bactérias láticas
específicas (Portaria n.146/1996).
De acordo com Portaria n.146 (1996) e Campos et
al. (2006) o queijo Minas frescal é classificado como
um queijo macio, semi-gordo (25,0% - 44,9%), rico
em cálcio, fósforo e vitamina A. Apresenta também
reduzida porcentagem de cloreto de sódio (1,4 1,6%), pH pouco ácido (5,1 - 5,6) e alta umidade
(> 55,0%), consistência mole, cor esbranquiçada,
formato cilíndrico, odor suave e característico, com
vida útil de até 15 dias sob refrigeração (Portaria
n.146, 1996); Gonzalez et al., 2000; Hoffmann, et al.,
2002).
A Ricota é um queijo de origem italiana, constituído
basicamente de lactoalbumina e lactoglobulina.
Também tem grande aceitação pelos consumidores,
principalmente por apresentar teores reduzidos de
gordura e sal (Raimundo et al., 2005).
Com base na legislação brasileira (Portaria n.146,
1996), é considerada como um produto obtido por
coagulação ácida das proteínas do soro, sendo permitido adicionar até 20,0% de leite ao volume total.
Deve ter formato cilíndrico, peso de 300 g a 1 Kg,
crosta rugosa, consistência mole, não pastosa, friável,
textura fechada, cor branco-creme, odor e sabor
próprios. O rendimento médio situa-se em torno de
4,0 a 5,0% (Portaria n.146, 1996; Piccoli et al., 2005).
A população microbiana contaminante descrita para
estes tipos de queijos podem incluir microrganismos
pertencentes ao grupo dos coliformes, Salmonella
spp., Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus
(Nicolau et al., 2001).
A presença destes microrganismos no alimento,
assim como de contaminantes químicos e físicos, pode
estar relacionada com a má qualidade da matéria-prima e a adoção de técnicas higiénicas inadequadas,
que comprometem a segurança do produto (Portaria
n. 46/1998; Timm et al., 2004).
As indústrias de pequeno porte produtoras de
queijos são uma importante fonte de geração de
empregos em todo o país. Essas empresas, de forma
geral, apresentam pouca ou nenhuma orientação sobre
as BPF, muitas vezes devido à falta de acesso a essas
informações, as quais são imprescindíveis para a
garantia da qualidade de seus produtos.
Conforme o exposto e levando-se em conta a
popularidade e as excelentes características destes
produtos para o desenvolvimento microbiano, torna-se
importante avaliar as condições higio-sanitárias de
220
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
uma linha de processamento de queijos Minas frescal
e Ricota, localizada em São José do Rio Preto – SP –
Brasil.
Materiais e métodos
Obtenção das amostras
Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório de
Microbiologia da Universidade Estadual Paulista UNESP. As recolhas foram efectuadas a uma fabrica
de lacticinios de pequeno porte, produtor de queijos
Minas frescal e Ricota, localizado no município de
São José do Rio Preto – SP, de acordo com o
fluxograma de fabrico descrito na figura 1. Foram
efectuadas recolhas nas seguintes etapas: água, leite
pasteurizado, coalho, coalhada, soro e queijos Minas
frescal e Ricota logo após o processamento (t0) e com
cinco dias de vida de prateleira (t5). As recolhas foram
realizadas semanalmente durante três meses, pelo
próprio examinador, ao longo da linha de produção
(com vestimenta adequada e autorização previa
da empresa), sob condições assépticas e levadas para
o laboratório para analise imediata. As recolhas
constaram de 6 (seis) repetições, cada uma delas em
duplicata.
Preparo das amostras
A partir de 10 g ou 10 mL de cada recolha foram
preparada em água destilada estéril, a diluição mãe
(10-1) e as diluições decimais sucessivas, utilizando o
mesmo diluente, sendo utilizadas quando necessário.
Análises microbiológicas
A contagem de bactérias aeróbias mesófilas foi
efetuada apenas nas amostras de água. A determinação do Número Mais Provável (NMP) de
coliformes totais, fecais e a pesquisa de Escherichia
coli foram realizadas para a água, leite pasteurizado,
coalho, coalhada, soro e queijos Minas frescal e
Ricota. A contagem de Staphylococcus aureus e a
pesquisa de Salmonella spp. foram realizadas para
todas as amostras citadas anteriormente, exceto para
a água. A pesquisa de Listeria monocytogenes foi
realizada somente para os queijos Minas frescal e
ricota (Silva et al., 2007).
Contagem de bactérias aeróbias mesófilas
Foram pipetados assepticamente 1 mL das diluições
previamente preparadas e colocados em placas de
Petri estéreis devidamente identificadas. Adicionou-se
a seguir 15 mL de Ágar Padrão para Contagem (PCA
- Merck), e após a homogeneização, incubaram-se a
35 ºC por 24 e 48 horas. Após a contagem de colônias
calculou-se o número de unidade formadoras de
colônias por unidade de volume (Silva et al., 2007).
Santos VAQ et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
Recepção do leite
in natura
Pasteurização do leite (500 L)
à 65 ºC/30 min
Resfriamento à 37 ºC
Adição de (300 ml) coalho
líquido Estrela
Coagulação 45 min
Corte e mexedura
da massa (cubos de 2-3 cm)
Repouso e decantação
da massa (5-6 min)
Remoção do soro
Salga diretamente na massa
(9 kg/ 500 L)
Soro à 65 ∞C + 20% de leite
pasteurizado
Enformagem
Aquecimento a 85 ºC
Refrigeração à 7-9 ºC
Adição de ácido acético (5,5 L)
Coagulação à 100 ºC
Corte e mexedura da massa
Refrigeração à 7-9 ºC
Enformagem
Figura 1 - Fluxograma de fabrico dos queijos Minas frescal e Ricota adotado pelo laticínio.
Contagem de Staphylococcus aureus
Transferiu-se assepticamente 0,1 mL de cada diluição
para a superfície do Ágar Baird-Parker (BP - Merck),
suplementado com emulsão de gema de ovo e telurito
de potássio. O inóculo foi espalhado em todo o meio
com ansa de Drigalsky esterilizada. Em seguida as
placas foram incubadas em estufa a 35 ºC por 24-48
horas. Após a incubação, contam-se as colonias para se
calcularem as UFC que se apresentam de cor negra,
brilhantes, com uma zona de precipitação na sua
periferia e circundadas por halo claro. A confirmação
do resultado foi feita por meio do teste de catalase,
coagulase e também pela coloração de Gram para a
verificação da morfologia celular (Silva et al., 2007).
Determinação do número mais provável (NMP) de
coliformes totais
Foi utilizada a técnica dos tubos múltiplos empregando-se o Caldo Lauril Sulfato (Merck), com
incubação a 35 ºC durante 48 horas.
Determinação do NMP de coliformes
termotolerantes
Empregou-se o método dos tubos múltiplos,
utilizando-se o Caldo EC (Merck) com incubação a
44,5 ºC durante 24 horas. A determinação do NMP de
coliformes totais e termotolerantes foi realizada
empregando-se a tabela de Hoskins.
Pesquisa de Escherichia coli
A partir das culturas de coliformes em Caldo EC,
que apresentaram gás no interior do tubo de Durham,
retirou-se uma alíquota de inóculo, a qual foi semeada
por esgotamento em placas contendo Ágar Eosina
Azul de Metileno (EMB - Merck). Após incubação
por 24 h à 35 ºC. As colônias que apresentaram
coloração negra com brilho verde metálico, foram
isoladas e submetidas aos testes bioquímicos de indol,
IMVIC (indol/vermelho de metila/Voges-Proskauer/
citrato) (Silva et al., 2007).
221
Santos VAQ et al.
Pesquisa de Salmonella spp.
Em 225 mL de Caldo Lactosado (LB - Merck)
foram homogeneizados, respectivamente 25 g/25 mL
de cada amostra. Depois da incubação a 35 ºC por 24
horas, 1 mL de cada cultivo foi transferido para tubos
contendo 9 mL de Caldo Selenito Cistina (CBS Merck). Após 24, 48 e 120 horas realizaram-se
sementeiras em placas de Petri contendo Ágar
Salmonella Shigella (SSA - Merck). As colônias que
apresentaram coloração creme com ou sem centro
negro, foram submetidas ao teste sorológico (Silva et
al., 2007).
Pesquisa de Listeria monocytogenes
Foram adicionados 25 g/25 mL de cada amostra em
225 mL de Caldo de Enriquecimento para Listeria
monocytogenes (LEB - Merck) sendo homogeneizados e incubados a 35 ºC por 24 e 48 horas. Após o
período de 24 horas, foram retiradas alíquotas de
0,1 mL e inoculadas em tubos contendo o Caldo de
Enriquecimento Secundário de Fraser (Dfico), os
quais foram incubados a 35 ºC por 24 horas.
Após a incubação, uma alíquota dos Caldos de
Enriquecimento para Listeria monocytogenes e Caldo
de Enriquecimento Secundário de Frasier foram
semeadas por esgotamento em duas placas de Petri
contendo Ágar Seletivo Palcam-Listeria (Dfico) e
incubadas a 35 ºC em microaerofilia, por 24 e 48
horas. As colônias típicas de Listeria monocytogenes,
apresentam-se com coloração verde claro, pequenas,
esféricas, quase transparentes e circundadas por halo
negro (Silva et al., 2007).
Resultados e discussão
Os padrões microbiológicos para os microrganismos
testados nas diferentes etapas de processamento estão
apresentados no Quadro 1. Os resultados das análises
microbiológicas de água, leite pasteurizado, coalho,
coalhada, soro e queijos Minas frescal e Ricota, logo
após o processamento (t0) e com cinco dias da data de
fabricação (t5), estão apresentados respectivamente
nos Quadros 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8.
Água
Na legislação brasileira há recomendação quanto à
contagem de bactérias aeróbias mesófilas e ausência
de padrão para coliformes totais em água (Portaria
n.518/2004), conforme apresentado do Quadro 1.
Para bactérias aeróbias mesófilas, duas amostras
apresentaram valores acima do indicado pela legislação
brasileira (Portaria n. 518/2004), com contagens de
5,39 e 2,74 log UFC/100 mL, totalizando 33,3%,
conforme demonstrado o Quadro 2. Para coliformes
totais, verificou-se resultado elevado apenas em uma
222
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
amostra avaliada (16,6%), com 1,11 log NMP/100
mL. Para coliformes fecais e pesquisa de Escherichia
coli obteve-se ausência em todas as amostras testadas.
A água utilizada pelo estabelecimento não é obtida
da rede pública, e portanto, deve ser submetida a tratamento por cloração periódica. Os resultados obtidos
indicam a ocorrência de falhas no tratamento, como
por exemplo, a ausência de clorador nos reservatórios
ou utilização inadequada do mesmo. Durante a coleta
dos dados, observou-se que há a presença de clorador
nos reservatórios da empresa, porém, este não é
utilizado de forma periódica.
Para coliformes fecais e E. coli, a legislação federal
estabelece ausência em 100 mL da amostra (Portaria
n. 518/2004). Neste estudo, verificou-se que todas as
amostras encontravam-se de acordo com o preconizado
(Quadro 1).
Marçal et al. (1994), ao avaliarem a potabilidade da
água consumida em residências, verificaram que 36%
das amostras foram satisfatórias. Os maiores índices
de contaminação foram para coliformes totais (64%) e
fecais (25%), indicando que os mesmos poderiam ser
oriundos das redes de fornecimento.
Em contrapartida, Alves et al. (2002), ao analisarem
as condições higio-sanitárias de água para consumo,
verificaram que 5,5% das amostras coletadas apresentaram contaminação por coliformes totais e 94,5%
estavam aptas para o consumo. Resultado satisfatório,
uma vez que a presença de microrganismos como a E.
coli podem causar danos a saúde do consumidor.
Leite pasteurizado
Com relação a Staphylococcus aureus, verificou-se
valores elevados em uma (16,6%) das seis amostras
testadas, com 5,3 log UFC/mL, conforme demonstrado
no Quadro 3.
Lisita (2005), ao analisar amostras de leite pasteurizado, obteve valores de < 10 a 1,0 x 101 UFC/mL para
Staphylococcus coagulase positiva, os quais são
inferiores aos encontrados neste trabalho.
Para coliformes fecais, verificou-se valores acima
do preconizado pela legislação brasileira (Quadro 1)
em 33,3% das amostras analisadas, com valores de
1,30 e 3,04 log NMP/mL (Quadro 2). Verificou-se
ainda, presença de Escherichia coli em 50 % das
amostras avaliadas.
Catão e Ceballos (2001), ao avaliarem quinze
amostras de leite pasteurizado, constataram a presença
de coliformes totais em 46,6% e fecais em 60,0%,
resultado semelhante ao observado neste estudo.
Entre os microrganismos que comprometem a
qualidade sanitária dos produtos de origem láctea, o S.
aureus e os coliformes são importantes patógenos e
sua presença no leite pasteurizado reafirma a
importância da pasteurização adequada, bem como da
adoção de técnicas higiênico-sanitárias satisfatórias.
Santos VAQ et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
Quadro 1 - Padrões microbiológicos vigentes, segundo a Portaria n. 518/ 2004 e a Resolução RDC n. 12/2001, para os
microrganismos testados nas diferentes etapas da linha de processamento dos queijos Minas frescal e Ricota
Amostras
Bactérias
aeróbias mesófilas
Log
UFC/mL/g
5 x 102
Log
UFC/mL/g
-
Coliformes
totais
Log
NMP/mL/g
-
Coliformes
fecais
Log
NMP/mL/g
aus./
100 mL
Leite
Pasteurizado
-
-
-
Coalho
-
-
Massa
Soro
Queijo Minas
frescal
Ricota
-
Água
-
S. aureus
E. coli
Salmonella spp.
Pres./aus.
Pres./aus.
Listeria
monocytogenes
Pres./aus.
aus./
100 mL
-
-
máx. 4
-
-
-
máx. 5
-
máx. 5x102
-
máx. 5 x102
-
aus./
25 mL
aus./
25 mL
aus./25 g
aus./25 g
máx. 5x102
-
máx. 5 x102
-
aus./25 g
aus./25 g
-
-
Quadro 2 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de água
Amostras
1
2
3
4
5
6
Bactérias aeróbias
mesófilas
(Log UFC / mL)
2,49
1,65
5,39
1,66
0,95
2,74
Coliformes
totais
(Log NMP / 100 mL)
1,11
0
0
0
0
0
Coliformes
fecais
(Log NMP / 100 mL)
0
0
0
0
0
0
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Quadro 3 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de leite pasteurizado
Amostras
1
2
3
4
5
6
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
0,95
0,95
0,95
2
0,95
1,39
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
0,30
0,60
0,30
0,30
0,30
0,30
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,30
0,30
0,30
0,30
0,30
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Quadro 4 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de coalho
Amostras
1
2
3
4
5
6
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
0,95
0,95
1,04
5,30
0,95
0,95
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
0,30
2,17
3,04
1,63
0,30
3,04
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,30
1,30
0,60
0,30
3,04
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(+)
(+)
(-)
(+)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
223
Santos VAQ et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
Coalhada
NMP/g e fecais de 3,38, 1,95, 3,38 e 2,38 log NMP/g.
Apesar da inexistência de padrões microbiológicos
para coalhada, esta apresentou valores elevados para
todos os microrganismos avaliados, exceto para
Salmonella spp., a qual foi ausente (Quadro 5).
Para Staphylococcus aureus, observou-se, valores
elevados para três das amostras analisadas, com
contagens de 7,14; 5,82 e 5,75 log UFC/g, conforme
demonstrado no Quadro 5.
Ao contrário do obtido neste estudo, Lisita (2005), ao
avaliar a presença de S. coagulase positiva em quatro
amostras de coalhada de queijo Minas frescal, verificou
ausência deste bioindicador em todas as amostras.
Segundo Leite et al. (2005), a presença de S. aureus
em derivados lácteos, ocorre normalmente, por
pasteurização inadequada ou contaminações nas
etapas de produção ou pós-processamento.
Com relação aos coliformes totais, observou-se
valores elevados em todas as amostras testadas com
valores de 2,66 a 3,04 log UFC/g, conforme apresentado no Quadro 5. Para coliformes fecais observou-se
valores elevados para três amostras (50%), com
valores de 1,32; 1,87 e 2,32 log UFC/g. A presença de
Escherichia coli foi confirmada em 83,3% das
amostras testadas.
Os resultados obtidos para esta etapa do processamento, indicam falta de cuidados higiênico-sanitários
durante a manipulação da matéria prima, o que pode
levar a maior proliferação de microrganismos
patogênicos e consequentemente a ocorrência de
doenças transmitidas por alimentos.
Para coliformes totais e fecais resultados elevados
também foram verificados por Lisita (2005), verificando para coliformes totais valores de 3,38, 1,95 e 3,38 log
Soro
Conforme apresentado no Quadro 6, verificou-se
para Staphylococcus aureus resultados elevados em
três das amostras testadas, com contagens de 6,17,
5,75 e 9,08 logUFC/mL. Estes resultados indicam
contaminações pós-processamento, uma vez que a
matéria prima apresentou de forma geral, baixas
contagens para este microrganismo.
Para coliformes totais foram obtidos valores altos
em cinco das amostras analisadas, com valores de 3,04
e 2, 66 log NNP/mL conforme demonstrado no Quadro
6 e para fecais, apenas duas foram positivas, com
valores de 1,87 e 1,44 log NMP/mL. Em todas as
amostras avaliadas, não foi detectada a presença de
Salmonella spp.
A presença de coliformes nestas amostras de soro
ressalta ainda mais, a falta de cuidados higio-sanitários adotados pelos manipuladores, durante a
manipulação dos queijos e também da inadequada
higienização dos equipamentos/utensílios. Tal comportamento é preocupamente pois tais microrganismos
podem ocasionar infecções de origem alimentar.
Resultados semelhantes aos verificados nesse
estudo, foram observados por Nicolau et al. (2001),
avaliando oito amostras de soro de queijo Minas
frescal, verificaram a presença de coliformes totais em
62,5% e fecais em 37,5%.
Em contrapartida, Chiappini et al. (1995), ao
avaliarem 30 amostras de soro de queijos quanto à
presença de coliformes totais e fecais, verificaram que
estas apresentaram-se em condições insatisfatórias
somente para coliformes totais.
Quadro 5 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de coalhada
Amostras
1
2
3
4
5
6
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
1,99
2
7,14
5,82
5,75
1,99
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
3,04
3,04
3,04
2,66
2,66
3,04
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,60
1,87
0,84
1,32
2,32
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(+)
(+)
(+)
(+)
(+)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Quadro 6 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de soro
Amostras
1
2
3
4
5
6
224
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
0,95
0,95
6,17
5,75
3,38
9,08
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
3,04
3,04
3,04
2,66
0,30
3,04
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,30
1,87
0,30
0,30
1,45
Santos VAQ et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227
Queijo Minas frescal
As amostras de queijo Minas frescal avaliadas,
apresentaram nos tempos zero e cinco dias, contagens
acima do estabelecido pela legislação brasileira (5,0 x
102 UFC/g) para Staphylococcus aureus, em duas
(33,33%) e cinco (83,33%) das amostras estudadas,
conforme demonstrado no Quadro 7 (Resolução n.
12/2001).
Barros et al. (2004), também verificaram valores
elevados para este microrganismo, onde das 30
amostras testadas, 27% encontravam-se acima do
limite estabelecido pela legislação brasileira.
Resultados semelhantes aos verificados neste
estudo foram observados por Ávila et al. (2002),
analisando 33 amostras de queijo Minas frescal em
diferentes períodos de vida de prateleira, observaram
que, 24,24% destas encontravam-se acima do estabelecido legalmente para S. coagulase positiva.
Com relação a coliformes totais, nos tempo zero e
cinco dias de fabricação, verificou-se valores elevados
em todas as amostras avaliadas, com resultados de
3,04 log NMP/mL, conforme demonstrado no Quadro
7. Não foram detectadas Salmonella spp. e Listeria
monocytogenes em nenhuma das amostras analisadas.
Para coliformes fecais, observaram-se valores acima
do permitido legalmente em 16,7% das amostras no
tempo zero, indicando possíveis falhas durante a
manufatura do produto e/ou manipulação inadequada
(Resolução n. 12/2001). No tempo cinco, não foram
observados valores acima do preconizado, conforme
apresentado no Quadro 7. Foi observada positividade
para E. coli em 50% das amostras no tempo zero e
33,33% no tempo cinco, conforme descrito no Quadro 7.
Resultados inferiores aos obtidos neste trabalho
foram verificados por Loguercio e Aleixo (2001), ao
analisarem 30 amostras de queijo Minas frescal,
observaram que somente uma (3,33%) apresentou
contagem para coliformes fecais superior a 103 UFC/g.
Ricota
Para Staphylococcus aureus as amostras de Ricota,
nos tempos zero e cinco dias, apresentaram percentuais acima do estabelecido pela legislação (5,0 x 102
UFC/g) em 16,67%, com valores de 2,95 e 4,65 log
UFC/g, conforme demonstrado no Quadro 8.
Carnicel et al. (2003), ao submeterem 26 amostras
Quadro 7 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de queijo Minas frescal - tempo (t): 0 e 5 dias
Amostras
1
2
3
4
5
6
t0
t5
t0
t5
t0
t5
t0
t5
t0
t5
t0
t5
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
1,99
5,04
1,99
3,27
1,99
9
7
5,32
5,45
5,98
1,99
1,99
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
3,04
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,30
0,30
0,30
2,07
0,30
2,17
0,95
0,30
0,30
3,04
1,96
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(+)
(+)
(-)
(-)
(+)
(+)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Listeria
monocytogene
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Quadro 8 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de ricota - tempo (t): 0 e 5 dias
Amostras
1
2
3
4
5
6
t0
t5
t0
T5
t0
t5
t0
t5
t0
t5
t0
t5
Staphylococcus
aureus
(Log UFC / mL)
1,99
1,99
2
1,99
1,99
4,65
2,95
1,99
1,99
1,99
1,99
1,99
Coliformes
totais
(Log NMP / mL)
0,30
0,95
0,30
0,30
0,30
3,04
3,04
0,30
0,30
0,30
3,04
3,04
Coliformes
fecais
(Log NMP / mL)
0,30
0,30
0,30
0,30
0,30
0,84
0,30
0,30
0,30
0,30
3,04
0,47
Escherichia
coli
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(+)
Salmonella
spp.
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
Listeria
monocytogene
(- / +)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
225
Santos VAQ et al.
de Ricota à análise quanto à presença de S. coagulase
positiva, verificaram que destas, 88,46% encontraram-se acima do estabelecido pelo padrão legal.
Quanto à presença de coliformes totais,
verificaram-se valores altos em duas amostras nos
tempos zero e cinco dias, com valor de 3,04 log
MNP/g para ambos, conforme demonstrado no Quadro
8. Para coliformes fecais, verificou-se que 16,70%
das amostras no tempo zero, estiveram acima do
estabelecido pela legislação brasileira (Resolução
n.12/2001).
Raimundo et al. (2005), ao analisarem amostras de
Ricota, obtiveram para coliformes fecais percentual de
83,3% acima do padrão vigente.
Com relação à positividade para E. coli, obteve-se
16,7% das amostras nos tempos zero e cinco dias. Por
outro lado, não foi detectada a presença de Salmonella
spp. e Listeria monocytogenes nas amostras avaliadas.
Conclusão
Diante dos resultados obtidos por meio da avaliação
microbiológica nas diferentes etapas da linha de
processamento de queijos Minas frescal e Ricota, é
possível inferir que, as amostras de água apresentaram
positividade para coliformes totais e valores acima do
preconizado para bactérias aeróbias mesófilas; em
leite pasteurizado, soro, coalhada, queijos Minas
frescal e Ricota verificou-se a valores elevados para
S. aureus e coliformes fecais na maioria das amostras
analisadas. Não foi observada a presença de
Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em
nenhuma das amostras estudadas. A presença de
microrganismos como E. coli e S. aureus nas etapas e
produtos avaliados, podem desencadear surtos de
doenças transmitidas por alimentos e devem ser
motivo de preocupação por parte das autoridades de
saúde pública. Vale destacar também, que a indústria
em questão deve adotar práticas higiênico-sanitárias
adequadas a fim de reduzir tais contaminações.
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227
CASO CLÍNICO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Severe aortic stenosis in a Persian kitten
Estenose aórtica severa em um gato Persa
Marlos G. Sousa1*, João Paulo da E. Pascon2, Alexandre M. de Brum3,
Priscila A. C. Santos2, Aparecido A. Camacho2
1
College of Veterinary Medicine and Animal Science, The Federal University of Tocantins (UFT),
Campus of Araguaína, Brazil
2
College of Agricultural and Veterinary Sciences, São Paulo State University (UNESP),
Campus of Jaboticabal, Brazil
3
College of Veterinary Medicine, University of Franca (UNIFRAN), Franca, Brazil
Summary: A case of severe aortic stenosis in a kitten is
reported. Although no obvious clinical signs were observed
initially, congestive left heart failure developed seven months
later. On presentation, severe pulmonary edema was diagnosed
and an incidental thrombus within the enlarged left atrium was
disclosed on echocardiographic examination. Clinical features
and diagnostic methods are discussed in this paper.
Keywords: congenital heart disease, echocardiography,
thromboembolism, concentric hypertrophy, pulmonary edema
Resumo: Relata-se um caso de estenose aórtica severa em
um gato Persa. Apesar da inexistência de sinais clínicos
inicialmente, desenvolveu-se insuficiência cardíaca congestiva
sete meses após o atendimento inicial, sendo diagnosticado
edema pulmonar e, ao exame ecocardiográfico, um trombo
incidental no interior do átrio esquerdo dilatado. Neste artigo,
são discutidas as características clínicas e os métodos diagnósticos empregados nesse caso de cardiopatia congênita.
Palavras-chave: doença cardíaca congênita, ecocardiografia,
tromboembolismo, hipertrofia concêntrica, edema pulmonar
Introduction
Aortic stenosis is a congenital narrowing of the left
ventricular outflow tract, aortic valve, or supravalvular
aorta (Bolton and Liu, 1977; Liu, 1977; Kienle, 1998).
Wherever it is located, obstruction to left ventricular
outflow increases left ventricular systolic pressure,
resulting in concentric hypertrophy of the left ventricle (Sisson et al., 2000).
Although reported as one of the most common
congenital heart disease in dogs, aortic stenosis has
only been described in a few cats (Liu, 1968; Stepien
* Correspondence: [email protected]
BR 153, Km 112, Campus EMVZ/UFT, Araguaína, TO, Brazil,
77804-970
Tel: +55 (63) 2112 2113; Fax: +55 (63) 2112 2136
and Bonagura, 1991; King, 1997). To date, Harpster
(1986) has documented this defect to count for only
6% of all congenital heart disease in domestic felines.
The increased left ventricular systolic pressure
propels blood at a higher velocity across the stenotic
area, thereby resulting in a turbulent flow that is
associated with a systolic ejection murmur (Bolton
and Liu, 1977; Stepien and Bonagura, 1991), which
may eventually be accompanied by a soft diastolic
murmur secondary to aortic valve insufficiency
(Sisson et al., 2000).
Clinical signs may be absent in many mildly-tomoderately affected patients, and most affected cats are
recognized when an ejection murmur is auscultated at
the time of initial vaccinations (Bonagura, 1994;
Kienle, 1998). In severely affected animals, exertional
fatigue, syncope, and even signs related to congestive
heart failure may be observed (Stepien and Bonagura,
1991; Kienle, 1998).
Definitive diagnosis of aortic stenosis requires
angiocardiography, or echocardiography (Bonagura,
1994). A fibrous obstructing lesion, left ventricular
concentric hypertrophy, and post-stenotic dilatation
may be observed on two-dimensional echocardiography (Belerenian, 2007; Ferraris, 2007). Doppler
echocardiography should reveal an increased peak
velocity of aortic flow. In dogs, Sisson et al. (2000)
documented that aortic velocity over 2.2 m/s is
regarded as indicative of aortic stenosis, whereas in
cats, Stepien and Bonagura (1991) reported that peak
aortic velocity greater than 2 m/s might suggest a
narrowed aortic tract.
As documented in literature, aortic stenosis is an
uncommon congenital heart defect in cats. Therefore,
the aim of this paper is to report a case of severe
aortic stenosis in an initially asymptomatic Persian
kitten, followed by the development of left atrial
thrombus and signs of congestive heart failure.
229
Sousa MG et al.
RPCV (2008) 103 (567-568) 229-232
Case description
A 5-month-old male Persian kitten weighing 2.5 kg
was brought to consultation for initial vaccination.
Except for a grade 3/6 systolic ejection murmur heard
best over the left basilar region and radiating both
cranially and dorsally, no obvious abnormalities were
found on physical examination.
The caretaker noted that the kitten had an adequate
appetite and was as active as its sibling. Although the
cat had demonstrated normal behavior and physical
activity with no overt medical conditions, ancillary
exams were requested to investigate the murmur.
Thoracic radiographs disclosed a normal cardiac
silhouette and no evidence of congestive heart failure.
Cardiac examination consisted in a 6-lead computerized electrocardiogram and echocardiography with
Doppler examination. Only sinus tachycardia was
documented on electrocardiography (200 bpm).
Echocardiography was performed from the right
parasternal and left apical locations. On two-dimensionally-guided M-mode echocardiography, a mildly
decreased left ventricular systolic diameter (0.55 cm),
decreased left ventricular diastolic diameter (1.26
cm), and increased fractional shortening (56%) were
consistent with mild left ventricular concentric hypertrophy. Left atrial diameter was within the reference
range. On the apical five-chamber view, a severely
increased peak aortic velocity (6.03 m/s) was identified using continuous-wave Doppler (Figure 1). Based
on the echocardiographic findings, the diagnosis of
aortic stenosis was established.
Four months later, the cat was brought to the
Veterinary Teaching Hospital for a follow-up consultation. On presentation, he weighed 4.7 kg, was very
active and his owner reported no abnormalities since
we last saw him. We auscultated a grade 4/6 systolic
ejection murmur, still radiating cranially and dorsally,
but the remainder of the physical examination findings were unremarkable. M-mode echocardiography
showed a moderate left atrial enlargement (1.74 cm,
with a left atrium-to-aorta ratio of 2.3), increased
interventricular septal thickness in systole (0.98 cm)
and diastole (0.89 cm), and decreased left ventricular
systolic (0.55 cm) and diastolic diameter (1.00 cm).
Color-flow and spectral Doppler demonstrated a highvelocity turbulent flow across the aorta.
Three months later, the cat was presented to the
Veterinary Teaching Hospital emergency service
with acute difficulty in breathing and tachypnea. On
physical examination, the patient had mildly cyanotic
mucous membranes, and was tachypneic, dyspneic,
and tachycardic. Peripheral pulse rate matched the
heart rate at 210 pulses/minute. Cardiac sounds were
inaudible over pulmonary crackles and wheezes.
Lateral radiographs showed severe pulmonary edema
and left atrial enlargement. Short-term emergency
therapy was immediately initiated and included
230
Figure 1 – Continuous-wave Doppler interrogation at initial
presentation showed a severely increased peak aortic velocity (6.03
m/s) and a turbulent flow across the aortic valve (arrow). (Ao: Aorta;
LA: left atrium; LV: left ventricle).
Figure 2 – Echocardiographic findings in a kitten with aortic stenosis:
Left atrial thrombus (between arrows) seen on the long-axis view. (LA:
left atrium; RA: right atrium; LV: left ventricle).
furosemide and a nitroglycerin transdermal patch
placed over a shaved area on lateral thorax. The patient
was continually supplemented with 100% oxygen
via a face mask, resulting in improvement in the color
of the mucous membranes. An ultrasonographic
examination of the heart disclosed a large thrombus
(approximately 0.94 x 0.52 cm) (Figure 2) inside the
severely enlarged left atrium (2.38 cm). Due to respiratory distress, the echocardiogram was not fully
performed. Therefore, no measures of left ventricular
chamber and aortic peak velocity were done at this
time.
Although every effort was made to treat pulmonary
edema, cardiopulmonary arrest occurred about three
hours after initial presentation.
Sousa MG et al.
Discussion
Congenital cardiac disease comprises about 10% of
cardiology cases in domestic mammals (Keirstead et
al., 2002). In cats, however, congenital heart diseases
are less common, counting for approximately 0.02%
to 0.1% of hospital admissions (Goodwin, 2001).
Although rare, some reports of congenital fixed aortic
stenosis in cats exist (Liu, 1968; Stepien and
Bonagura, 1991).
Although no clinical signs were observed at initial
presentation, a congenital heart disease was suspected
due to a loud systolic ejection murmur loudest over
the left basilar region. Cote et al. (2004) reported that
many murmurs detectable in overtly healthy cats
appear to be caused by a latent structural heart disease.
Because young animals can have physiologic or
innocent heart murmurs, it is important to consider
that, in general, loud heart murmurs are indicative of
cardiac disease (Kittleson, 1998). Therefore, ancillary
exams were requested to confirm the suspected heart
pathology.
Initial thoracic radiographs did not show any abnormalities. Left ventricular enlargement and widening of
the mediastinum (poststenotic dilatation) may be
detected by radiography in severely affected animals
(Liu, 1968; Bolton and Liu, 1977; Stepien and
Bonagura, 1991). In some cases, however, thoracic
radiographs may be normal (Sisson et al., 2000). Only
sinus tachycardia was observed on the electrocardiogram. Although the electrocardiogram is generally
normal in dogs with subaortic stenosis, severely
affected dogs may eventually have ventricular premature contractions (Kienle, 1998). Nevertheless, we did
not observe any abnormality in nearly three minutes of
ECG recording in this cat.
The suspected congenital heart anomaly was
confirmed by Doppler echocardiography. The highly
increased velocity across aortic valve is the definitive
diagnosis of aortic stenosis (Stepien and Bonagura,
1991; Ferraris, 2007), which has been recognized to
occur in subvalvular, valvular, and supravalvular
forms in cats (Kienle, 1998). Also, an incomplete
subaortic stenotic ring was detected at necropsy in one
cat (King et al., 1988). The obstruction was assumed
to be fixed rather than dynamic owing to the lack of a
delayed systolic peak in the continuous-wave Doppler
tracing of the left ventricular outflow tract (Thomas et
al., 1984; Kienle, 1998). Chronic pressure overload
associated to a normal or enhanced myocardial function resulted in secondary left ventricular concentric
hypertrophy, which is usually appreciated in moderately-to-severely affected animals (Kienle, 1998).
Interestingly, no poststenotic dilatation was recognized. In dogs, however, the dilatation may be slight
before 6 months of age (Kienle, 1998), which is likely to be similar in affected cats.
Due to questionable or unproven value, medical
RPCV (2008) 103 (567-568) 229-232
therapy was not initiated in this kitten (Fox, 1991;
Bonagura, 1994). Although the kitten was asymptomatic and had no electrocardiographic abnormalities,
the owner was informed of the possibility of starting a
beta-adrenergic receptor blocking drug and an
angiotensin-converting enzyme inhibitor empirically
(Kienle, 1998; Sisson et al., 2000; Belerenian, 2007),
since a severely increased gradient was measured
across aortic valve. By decreasing heart rate and
cardiac contractility, beta-blockers may reduce
myocardial oxygen demand and increase coronary
perfusion, thereby reducing the occurrence of
malignant arrhythmias (Kienle, 1998). However, this
option was declined and only restriction to vigorous
exercise was recommended.
Cats with cardiac disease are prone to develop
thromboembolism (Laste and Harpster, 1995; Smith
and Tobias, 2004). In general, the thrombus is formed
in the enlarged left atrium due to blood stasis,
endothelial damage, and altered coagulability (Pion
and Kittleson, 1989; Bonagura, 1994). In the case
reported herein, the abnormal diastolic filling pattern
as a consequence of concentric hypertrophy and
ventricular stiffness resulted in left atrial enlargement,
therefore predisposing for thrombogenesis (Bonagura,
1994; Kienle, 1998). On presentation, however, the
thrombus had not caused clinical abnormalities and
was an incidental finding. The thrombus within left
atrium was large enough to be easily observed on
standard long-axis four-chamber and short-axis views.
Although reports of intracardiac thrombi exist (Venco,
1997), we did not find any report of intracardiac
thrombus formation in a cat with aortic stenosis.
Conclusion
Although rare, aortic stenosis may occur in cats.
Loud heart murmurs auscultated in overtly healthy
kittens may indicate a congenital heart disease.
Therefore, clinicians are reminded to perform a
detailed physical examination prior to routine
vaccinations or exams. Also, cats with aortic stenosis
and enlarged left atrium should be considered at
risk for developing intracardiac thrombi and even
thromboembolism.
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CASO CLÍNICO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Complexo hiperplasia endometrial cística-piometra em uma cadela tratada
com acetato de medroxiprogesterona como método contraceptivo
Cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex in a mongrel bitch
treated with medroxyprogesterone acetate as a contraceptive method
Hanniele R. Moreira1, Stefânia A. Miranda1, 3, 4, Adriel B. de Brito1,
Washington L. A. Pereira2, 3, Sheyla F. S. Domingues1, 2*
1
Laboratório de Biologia e Medicina de Animais Domésticos e Silvestres da Amazônia (BIOMEDAM),
Faculdade de Medicina Veterinária, Campus de Castanhal, Universidade Federal do Pará (UFPA)
Rua Hernane Lameira, 532, Castanhal, Pará, Brasil - CEP: 68743- 050
2
Medicina Veterinária, Instituto de Saúde e Produção Animal, Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)
Presidente Tancredo Neves, 2501, Belém, Pará, Brasil - CEP: 66077-530
3
Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, UFPA. Rua Augusto Correa, 01, Belém, Pará, Brasil - CEP: 66075-900
4
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Resumo: O objetivo deste estudo foi relatar o caso clínico, os
achados ultrassonográficos e histopatológicos do complexo
hiperplasia endometrial cística - piometra (HEC-P) em uma
cadela sem raça definida, tratada pelo proprietário com
medroxiprogesterona durante três anos sem a orientação
médica veterinária, bem como mostrar a importância da utilização do exame ultrassonográfico na clínica veterinária para
o diagnóstico precoce de HEC associada ou não à piometra,
quando métodos contraceptivos com análogos da progesterona
forem empregados.
Palavras-chave: Cadela, medroxiprogesterona, ultrassonografia, complexo hiperplasia endometrial cística-piometra
Summary: The aim of the current study was to report the
clinical case, ultrasonographic and histopathologic findings of
cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex (CHE-P)
in a mongrel bitch, which the owner treated with medroxyprogesterone acetate, continuously, during three years without
veterinary’s orientation, as well as to demonstrate the importance of using exams like ultrasonography in veterinary clinic
for early diagnosis of CEH associated or not to pyometra, when
contraceptive methods like progesterone acetate analog were
employed.
Keywords: Bitch, medroxyprogesterone acetate, ultrasonography, cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex
Introdução
Nos últimos anos, métodos de prevenção ou
interrupção da gestação vêm sendo descritos para o
controle populacional de cães e gatos e, entre esses
métodos estão o cirúrgico (Brunckhorst et al., 2000), o
*Correspondência: [email protected]
imunológico (Lopes et al., 2005) e o hormonal
(Brunckhorst et al., 2000; Oliveira e Marques Jr, 2006).
Atualmente, os tratamentos hormonais com análogos
da progesterona, como o acetato de medroxi-progesterona, são utilizados na Medicina Veterinária visando a
contracepção de cadelas e gatas (Kim e Kim, 2005;
Oliveira e Marques Jr, 2006). A exposição à progesterona por períodos prolongados associada a infecção
bacteriana pode resultar em hiperplasia endometrial
cística e o surgimento de piometra (HEC-P) (Hidalgo et
al., 1986; Grooters, 1994).
A HEC é uma enfermidade polissistêmica que pode
ser aguda ou crônica (Dow, 1957; Kennedy e Miller,
1993), sendo a HEC-P uma causa comum de mortes em
fêmeas da espécie canina (Hardy, 1980; Arthur et al.,
1989; Coggan et al., 2004). Histologicamente, a HECP caracteriza-se por hiperplasia do endométrio, infiltração de células inflamatórias em todas as camadas
teciduais do útero: endométrio, miométrio e perimétrio
(Dow, 1957; Kennedy e Miller, 1993). Ocorre um acúmulo de exsudato no lúmen uterino e nas glândulas
endometriais (Feldman e Nelson, 1996), bem como um
aumento no tamanho e número destas glândulas (De
Bosschere et al., 2001), a dilatação das mesmas confere
o aspecto cístico (Johnson, 1992).
Para o diagnóstico da HEC-P, a ultrassonografia (US)
bidimensional (2D) em modo B pode ser utilizada, por
permitir a visualização detalhada do conteúdo intraluminal, bem como das camadas teciduais e contornos
uterinos (Nyland, 2002), sendo empregada no diagnóstico de doenças do sistema reprodutor, como a endometrite e a HEC associada ou não à piometra (Gonzalez et
al., 2003) e, de outros diagnósticos quando há presença
de material intraluminal uterino, como a mucometra,
hidrometra e hemometra (Nyland, 2002).
233
Moreira HR et al.
O uso da US como um procedimento de diagnóstico por imagem na medicina veterinária é de grande
importância por não ser invasivo, não causar efeito
biológico prejudicial, ser seguro para o paciente e para
o operador, sendo possível executá-la sem a necessidade de medidas de segurança específicas (King,
2006).
O objetivo deste trabalho foi relatar o caso clínico
e os respectivos achados ultrassonográficos e
histopatológicos da HEC-P em uma cadela sem raça
definida (SRD), que foi tratada a critério do proprietário com medroxiprogesterona por três anos, sem a
orientação do Médico Veterinário, assim como,
chamar a atenção para a importância da incorporação
de exames complementares, como a US, à rotina da
clínica veterinária para subsidiar o diagnóstico
precoce da HEC, associada ou não à piometra,
quando métodos contraceptivos à base de análogos da
progesterona forem empregados.
RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238
Doppler pulsátil, registro das ondas de fluxo e cálculo
de ambos índices de resistividade (IR) e de pulsatilidade (IP), sendo estes calculados automaticamente
pelo software do ultrassom de acordo com as
seguintes fórmulas propostas por Pourcelot (1974) e
Gosling et al. (1974), respectivamente:
IR = Pico de velocidade sistólica – Velocidade diastólica final
Pico de velocidade sistólica
IP = Pico de velocidade sistólica – Velocidade diastólica final
Velocidade média do ciclo
A partir dos achados ultrassonográficos indicativos
de HEC-P, a fêmea foi submetida à ovariohisterectomia. Fragmentos do útero foram fixados em formol
tamponado a 10%, inclusos em parafina e seccionados
a uma espessura de 5 µm, sendo posteriormente corados
pelo método de Hematoxilina-Eosina (H-E) para
exame histopatológico.
Resultados e discussão
Material e métodos
Uma cadela sem raça definida (SRD), com 10 anos
de idade, pesando 9 kg e não castrada foi atendida no
Laboratório de Biologia e Medicina de Animais
Domésticos e Silvestres da Amazônia (BIOMEDAM),
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade
Federal do Pará (UFPA), por apresentar, segundo o
proprietário, sinais de anorexia, apatia, gemidos,
êmese, tenesmo, poliúria, polidpsia e edema vulvar
com eliminação de secreção vaginal mucopurulenta
de odor pútrido. O proprietário relatou que administrava medroxiprogesterona à fêmea como método
contraceptivo por 3 anos consecutivos, a cada 4 meses,
sem a prescrição de um Médico Veterinário.
O exame clínico da fêmea foi conduzido, estendendo-se com a colpocitologia, posteriormente com a
coleta de sangue para hemograma completo, e,
adicionalmente, realizou-se a US transabdominal.
Para a US, procedeu-se uma ampla tricotomia das
regiões abdominal e pélvica. Em seguida, aplicou-se à
pele um gel de transmissão hidrossolúvel para ultrassom (Aquasonic® 100, Parker Laboratories, INC.,
Fairfield, New Jersey, USA), com o objetivo de
assegurar um bom contato entre o transdutor e a pele
do animal.
A US foi realizada com o ultrassom PHILIPS
modelo HDI 4000 (Philips Medical Systems, Bothel,
WA, EUA), equipado com um transdutor linear multifrequencial de 5–12 MHZ e dispositivos Doppler
Colorido e Doppler de Fluxo. O útero foi localizado
com a US 2D em modo B, usando a bexiga urinária
visualmente anecóica como órgão de referência. Com
o auxílio do Doppler Colorido, as artérias uterinas
direita e esquerda foram identificadas lateralmente ao
longo de cada corno uterino. Em seguida, o Doppler
de Fluxo foi acionado para a obtenção do amostral do
234
No presente caso, a HEC-P provavelmente decorreu
do uso prolongado e indiscriminado de medroxiprogesterona. De acordo com Gobello et al. (2003), esse
processo pode se desenvolver após o uso de progesterona que promove o bloqueio do estro. Estudos
experimentais conseguiram reproduzir esta patologia
por meio da inoculação intra-uterina de Escherichia
coli, durante simulação do diestro com benzoato de
estradiol e acetato de megestrol em cadelas ovariectomizadas (Arora et al., 2006). Portanto, é crucial o
papel representado pela progesterona exógena na
manifestação de alterações uterinas, que levarão ao
desenvolvimento da HCE.
O histórico clínico do presente caso corrobora com
o que é descrito na literatura disponível sobre HEC-P
(Bigliardi et al., 2004), uma vez que as queixas mais
freqüentes dos proprietários de animais com esta
doença consistem em vômito, anorexia, depressão,
eliminação de secreção vaginal purulenta, que pode
estar presente em até 75% das cadelas com HEC-P
(Hardy e Osborne, 1974), poliúria e polidipsia, sendo
esses dois últimos sinais uma forma compensatória da
diminuição da capacidade de concentração tubular
renal (Birchard e Sherding, 2003).
Ao exame físico não foram evidenciadas alterações
na auscultação cardiopulmonar. A coloração das
mucosas, o tempo de preenchimento capilar e a
temperatura retal estavam normais. A febre é um
achado variável e freqüentemente está ausente
(Birchard e Sherding, 2003). Entretanto, Johnson
(1992) descreve que animais com HEC-P geralmente
apresentam a temperatura retal normal, porém os que
estão com septicemia ou endotoxemia podem estar
hipotérmicos. Durante a palpação abdominal, a fêmea
demonstrou acentuada sensibilidade e o abdômen
estava aumentado de tamanho devido ao acúmulo de
Moreira HR et al.
líquido no lúmen uterino.
A colpocitologia confirmou o histórico de secreção
vaginal mucopurulenta. Essa técnica, além do baixo
custo é de fácil execução, sendo importante a sua
realização durante o exame físico para a detecção da
secreção recorrente do trato reprodutor feminino,
visto que as secreções podem não estar visíveis no
momento da chegada da paciente ao consultório,
como aconteceu nesse relato.
Com relação aos achados hematológicos, o eritrograma apresentou apenas uma discreta redução no
número de eritrócitos com valores de 4,8 x 1012/L
(Valor referencial: 5,5-8,5 x 1012/L) e aumento do
VCM (87,5 fL) e HCM (29,2 pg), considerando os
valores de referência de 60-72 fL e 19,9-24,5 pg,
respectivamente (Meyer et al., 1995). O leucograma
apresentou-se sem alterações. O hemograma em
cadelas com HEC-P geralmente indica um leucograma
tipicamente inflamatório, caracterizado por neutrofilia
extrema com desvio à esquerda regenerativo (Johnson,
1992; Birchard e Sherding, 2003), porém pode ocorrer
leucograma normal que está geralmente associado
com cérvix aberta (Birchard e Sherding, 2003), onde
há eliminação de secreção vaginal purulenta proveniente do útero.
No exame de US 2D em modo B, foram evidenciadas as seguintes alterações: cornos uterinos direito
e esquerdo com contornos levemente irregulares e
diâmetros aumentados medindo 2,52-2,59 cm e
1,5-1,9 cm (Figura 1A), respectivamente; presença de
conteúdo anecóico no lúmen uterino; e endométrio
repleto de lesões multifocais papiliformes hiperecóicas e císticas anecogênicas (0,99 cm) (Figura 1B).
Considerando os achados ultrassonográficos, foi
possível demonstrar que a US 2D em modo B é um
exame importante para o diagnóstico da HCE-P, por
possibilitar a visualização da espessura do endométrio
e do diâmetro uterino, bem como a presença de
líquido no lúmen uterino e de hiperplasia cística das
glândulas endometriais, conforme também já descrito
por Bigliardi et al. (2004). Bigliardi et al. (2004)
ressaltam ainda que quando os sinais clínicos HEC-P
são severos é necessário realizar um exame ultrassonográfico para diagnósticar o grau das lesões.
As lesões multifocais papiliformes hiperecóicas e
císticas anecogênicas presentes no endométrio foram
visualizadas com bordos ricamente vascularizados
facilmente evidenciada pela US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido (Figuras 1C e 1D). Com o
US 2D em modo B, associada ao Doppler Colorido e
Doppler de Fluxo (Triplex Doppler) foram obtidos os
valores de 0,82 e 0,99; 2,31 e 3,78 para os IR e IP de
ambas as artérias uterinas direita e esquerda, respectivamente (Figuras 1E e 1F). Em cadelas adultas na fase
de anestro, Miranda et al. (2007) descreveram que não
ocorrem diferenças estatísticas entre os IR e IP das
artérias uterinas direita e esquerda, sendo as médias
desses índices as seguintes: 0,87 ± 0,01 e 3,00 ± 0,2.
RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238
A
Figura 1A - Exame Ultrassonográfico. US 2D em modo B mostrando
secção longitudinal do corno uterino com acentuado aumento de tamanho.
B
Figura 1B - US 2D em modo B do corno uterino em secção longitudinal
mostrando o endométrio com lesões císticas anecóicas (seta branca preenchida) e espessamento papiliforme hiperecóico (seta branca pontilhada)
C
Figura 1C - US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido
demonstrando o corno uterino em secção longitudinal com lesão
papiliforme endometrial apresentando bordos vascularizados.
D
Figura 1D - US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido
demonstrando o corno uterino em secção transversal com lesões
císticas apresentando bordos acentuadamente vascularizados de fácil
evidenciação pelo Doppler Colorido.
235
Moreira HR et al.
A elevação ou a diminuição dos IR e IP são resultantes
da diminuição ou aumento do fluxo sanguíneo,
respectivamente, sendo que ambas as situações podem
ser em decorrência de possível processo patológico
(Domingues et al., 2007), como observou-se no resultado desse trabalho, em que se configurou uma
assimetria do fluxo sangüíneo uterino, onde a AU
esquerda apresentou IR e IP aumentados, demonstrando uma vasoconstrição neste vaso com aumento da
resistência no fluxo sanguíneo.
No procedimento cirúrgico (ovário-histerectomia)
constatou-se que o útero apresentava-se aumentado de
tamanho, conforme observado no exame ultrassonográfico. Confirmando a importância da avaliação do
sistema reprodutor da fêmea por meio da US para a
escolha do tratamento, pois na HEC, com ou sem
piometra, o tratamento indicado é a ovário-histerectomia (Johnson, 1992; Birchard e Sherding, 2003;
Lyman, 2003). Bigliardi et al. (2004) relataram que
nunca obtiveram sucesso no tratamento com
prostaglandina e antibióticos em casos severos de
HEC, sendo estes medicamentos utilizados somente
em casos mais brandos da doença. Porém o que determina se o tratamento deve ser clínico ou cirúrgico é a
condição em que o animal se encontra no momento do
exame clínico, além da idade da paciente (Birchard e
Sherding, 2003) e da importância para o proprietário
de preservar a capacidade reprodutiva do animal
(Allen, 1995). Vinte dias após a cirurgia houve a
recuperação total da paciente.
Nos casos onde é de interesse do proprietário
manter a integridade do aparelho reprodutor e, conseqüentemente, a capacidade reprodutiva da cadela,
optando-se pelo uso de derivados de progesterona
como método contraceptivo, é aconselhável que se
faça um acompanhamento ultrassonográfico periódico
por um Médico Veterinário, visto que qualquer patologia indesejada (endometrite, mucometra, HEC-P, entre
outras) pode vir a ser diagnosticada precocemente.
No exame macroscópico foi observado o útero
RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238
E
F
Figuras 1E e 1F - Triplex Doppler das artérias uterinas (AU) direita
(E) e esquerda (F). Os índices de resistividade (IR) e pulsatilidade (IP)
da AU direita estão normais (0,82 IR e 2,31 IP), enquanto que na AU
esquerda estes índices encontram-se aumentados (0,99 IR e 3,78 IP),
demonstrando uma vasoconstrição na AU esquerda com aumento da
resistência no fluxo sanguíneo.
aumentado de tamanho com artérias uterinas (AU) e
seus ramos congestos, hiperêmicos e dilatados (Figura
2A). O endométrio apresentava-se espessado com
zonas de hipertrofia papilomatosas (Figura 2B) e
presença de conteúdo mucopurulento intraluminal.
O estudo histopatológico revelou hiperplasia do
epitélio de revestimento uterino, configurando um
Figura 2 - (A) Útero após ovário-histerectomia (amostra preservada em formol). Observa-se o útero aumentado de tamanho. Artéria uterina (AU) e
seus ramos congestos, hiperêmicos e dilatados. (B) Endométrio com aspecto papiliforme e presença de secreção mucopurulenta.
236
Moreira HR et al.
aspecto papiliforme com projeções para o lume,
incluindo as glândulas endometriais; no interstício
houve predomínio de macrófagos e de células
neutrofílicas (Figura 3). Ainda no tecido conjuntivo
endometrial, os vasos mostraram-se túrgidos por
sangue, e presença de áreas hemorrágicas e de fibroplasia. Além da hiperplasia do epitélio superficial
e glandular endometrial, observou-se destruição de
glândulas e muitas mostraram-se com distensão
cística do lúmen por exsudato mucoso (Figura 4) e
células piocitárias. O miométrio encontrava-se com
vasos congestos e perimétrio sem alterações. Noakes
et al. (2001) e Chu et al. (2002) consideram que essas
alterações na estrutura do endométrio canino podem
ser associadas com degeneração do epitélio luminal,
hiperplasia endometrial cística, piometra, o que no
presente caso atribui-se à HEC-P em conseqüência da
administração de altas doses de medroxiprogesterona
como método contraceptivo, por período prolongado.
Frente à freqüente ocorrência na clínica veterinária
de pequenos animais do complexo HEC-P, cadelas
Figura 3 - Fotomicrografia de HEC crônica. Hiperplasia da glândula
endometrial com projeções papiliformes no lume (setas). O tecido
conjuntivo perigrandular densamente infiltrado por neutrófilos e
macrófagos (A). H.E. 40x.
Figura 4 - Fotomicrografia de HEC crônica. Denso infiltrado
inflamatório endometrial (A). Varias glândulas endometrias com
distensão cística (B). O epitélio do lume uterino hiperplásico e com
formações polipóides (setas). H.E. 20x.
RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238
submetidas ao uso prolongado de análogos da
progesterona como método contraceptivo devem ser
monitoradas por exames ultrassonográficos, uma vez
que a ultrassonografia possibilita o diagnóstico de
HEC-P, antes mesmo que exames laboratoriais
(hemograma) indiquem a presença desta patologia,
possibilitando a escolha do melhor tratamento. Daí a
importância do acompanhamento ultrassonográfico
periódico do sistema reprodutor da fêmea pelo
médico veterinário, quando métodos contraceptivos
forem empregados. Vale também ressaltar que a
orientação de um profissional médico veterinário
capacitado é imprescindível para a prescrição de
métodos contraceptivos.
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Suplemento
DA REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Vol. CIII · Nº 567-568
SUPLEMENTO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Elie Metchnikoff na Ilha da Madeira
António Martins Mendes1 e Alexandre Cameira Leitão2
1
Faculdade de Medicina Veterinária, TULisbon. Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa
Instituto de Investigação Científica Tropical, CVZ - CIISA. FMV - Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa
2
Elie Metchnikoff (Kharkoff, 1845 – Paris, 1916) foi
laureado em 1908 com o Prémio Nobel da Medicina,
em reconhecimento pelos seus trabalhos sobre
imunidade.
A ideia de apresentar esta nota surgiu quando um
de nós remexendo nos restos do que foi a esplêndida
biblioteca da Escola Superior de Medicina Veterinária
que ainda se encontravam no sótão do edifício da Rua
de Gomes Freire, deparou com um maço do Boletim
Internacional do Instituto Oswaldo Cruz. Num dos
números existia uma biografia do seu patrono e, nesse
escrito, o autor afirma que Oswaldo Cruz, fundador
do internacionalmente conhecido Instituto de Manguinhos, Rio de Janeiro, enquanto estudava no Instituto
Pasteur de Paris, conversava com Metchnikoff em
português que ele aprendera na Ilha da Madeira
(Coura, 1994).
Evidentemente que para nenhum de nós
Metchnikoff era um desconhecido mas a sua estadia
na Madeira foi uma surpresa. Decidimos então aprofundar o assunto. O "Elucidário Madeirense"
(Augusto da Silva e Azevedo de Meneses, 1984) ou
"As Ilhas de Zargo" (Pereira, 1967) nada referem.
Infelizmente não nos foi possível deslocarmo-nos ao
Funchal para consultar os respectivos Arquivos
Históricos. Contudo ficámos com a ideia de que,
provavelmente, pouco ou nada encontraríamos. Todas
as obras respeitantes à Imunologia e à Microbiologia,
com maior ou menor destaque, continuam a referir
Metchnikoff e o seu trabalho fundamental, mas
ficam-se por aí. Para este escrito, baseámo-nos na
biografia escrita por Olga Metchnikoff (1920) e no
discurso de agradecimento proferido pelo próprio
quando lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Medicina,
em 11 de Dezembro de 1908, bem como na biografia
que o acompanha em "Nobel Lectures" (Sem autor,
1967).
Vejamos então. Elie Metchnikoff (a forma francesa
do seu nome que ele usou durante os últimos 25 anos
da sua vida) foi um zoologista e biologista, nascido
numa pequena aldeia perto de Kharkoff, na Ucrânia,
ao tempo parte integrante do Império Russo, a 16 de
Maio de 1845. Seu pai era oficial da guarda imperial
russa e proprietário de terras. Elie foi o último dos
seus cinco filhos. Sua mãe era judia e Metchnikoff foi
educado nessa religião. Mais tarde porém, afirmou-se
ateu e elegeu o racionalismo e a ciência como sua
religião. Depois dos estudos nas escolas primária e
secundária, matriculou-se na Universidade de
Kharkoff realizando uma licenciatura em Ciências
Naturais de quatro anos, em apenas dois. Desde muito
cedo se sentira atraído pelo estudo da Natureza, sendo
fortemente influenciado pela leitura da "Origem das
espécies" de Charles Darwin, publicada em Novembro
de 1959, tinha Metchnikoff 14 anos. De 1864 a 1867
realizou uma viagem de estudo por várias cidades da
Europa, trabalhando em Zoologia e Botânica.
Finalmente, em Nápoles e em colaboração com
Kowalevsky, estudando a reprodução dos chocos
(género Sepia) lançou as bases da Embriologia. Em
1867 apresentou na Universidade de S. Petersburgo
tese de Doutoramento consagrada à sua teoria dos
folhetos embrionários. Foi depois admitido como
docente da nova Universidade de Odessa e, em 1870,
foi nomeado Professor titular de Zoologia da mesma
Universidade. Entretanto, em Janeiro de 1869, em
S. Petersburgo, casara em primeiras núpcias com
Ludmilla Feodorovitch que sofria de uma tuberculose
tão avançada que foi levada para a cerimónia numa
cadeira de rodas. Durante os anos seguintes passou
diversos períodos nas costas do Mediterrâneo, realizando estudos da fauna marítima e procurando um
clima mais favorável para a saúde de sua esposa.
Naquele tempo a Madeira era afamada pelo seu
clima temperado. Foram os ingleses os primeiros que
a privilegiaram como aconselhável para a cura das
doenças pulmonares. A propósito deste assunto, Jessie
Edith Hutcheon, membro da Royal Geographical
Society, Londres, escrevia num livro dedicado à
Madeira (Hutcheon, 1928): «Há cinquenta anos a
Madeira era considerada como possuidora de um
clima favorável para os doentes de tuberculose e recebia muitos inválidos para uma longa permanência.
Arrendavam-se quintas, traziam-se pianos e outros
bens de conforto da Inglaterra». O mesmo autor cita
uma Miss North que num dos seus livros, em sua
opinião, dava uma imagem talvez pouco correcta do
Funchal desse tempo: «Apesar da maravilhosa beleza
de tudo quanto nos rodeava, ela [uma sua prima que
vivia no Funchal com o marido tuberculoso] fazia-me
241
SUPLEMENTO
compaixão por estar rodeada de tantos inválidos sem
esperança. Ouvia tosses e gemidos em todos os lados
e via as faces exangues dos doentes que eram transportados em redes cobertas com colchas brancas aos
ombros de dois homens como se fossem cadáveres».
Muito diferente era a imagem expressa pelos naturais
da Ilha que falavam da admirável alegria e do espírito
dos inválidos, das "garden-parties" e dos passeios a
cavalo – os dois grandes atractivos dos que ainda não
haviam perdido de todo a esperança. Para Hutcheon,
no entanto, tudo isso estava já muito distante. Desses
tempos passados ficara somente a memória expressa
nas lápides das sepulturas. E é o referido autor que nos
dá uma curiosa imagem do cemitério britânico, tal
como o encontrou: «... o cemitério britânico, situado
na rua do Dr. Vieira, é uma comovente mancha, um
jardim diferente, onde, à sombra de palmeiras e
ciprestes, jazem os estrangeiros do outro lado do mar;
a chuva dourada da begónia vetusta reveste amorosamente as paredes de cores cintilantes, com as
montanhas à volta fazendo guarda. Choca-nos ler as
idades de tantas jovens vidas adormecidas que vieram
à Madeira à procura de saúde e somente encontraram
um túmulo».
Mas, para além de ingleses, naquele tempo,
cidadãos de outras nacionalidades, incluindo portugueses, procuravam na Madeira cura para a sua
doença. Embora um pouco à margem deste escrito,
damos dois exemplos. A princesa D. Maria Amélia,
filha única da Imperatriz do Brasil, viúva de D. Pedro I
(do Brasil) que em 1852 morreu tuberculosa no
Funchal. Sua mãe, D. Amélia, ao deixar o Funchal
escrevia a D. Maria II de Portugal comunicando-lhe
a resolução de mandar construir nessa cidade um hospício para tuberculosos pobres que ficasse testemunhando o carinho e o apoio que ambas haviam
recebido dos seus bons habitantes. Como sinal de
reconhecimento passou também a existir no Funchal a
rua da Imperatriz. Com o passar do tempo o hospício
edificado transformou-se num asilo para crianças
desamparadas e assim se mantém na actualidade.
Outro caso a referir é o do escritor Júlio Diniz,
pseudónimo literário do médico Joaquim Guilherme
Gomes Coelho que terminou o curso na Escola
Médico-cirúrgica do Porto em Julho de 1861, onde
veio a ser lente substituto, secretário e bibliotecário.
Em 1866 procurou na Madeira alívio para a tuberculose que se tinha manifestado já no segundo ano da
licenciatura. Não encontrou grandes melhoras mas
efectuou várias viagens entre Lisboa, Porto e Funchal.
Morreu no Porto em 12 de Setembro de 1871, com
31 anos de idade. Nas suas permanências no Funchal
não encontrara cura para a doença que lhe matara a
mãe e os seus 8 irmãos. Pensa-se que alguns dos seus
livros ou, mais provavelmente, "Os Fidalgos da Casa
Mourisca" tenham sido escritos, pelo menos parcialmente, no Funchal.
Com o decorrer dos tempos a Madeira deixou de ser
242
RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244
considerada como uma estação climática para doentes
pulmonares transformando-se numa alternativa à
Riviera. Passou então a ser visitada por pessoas
seduzidas pelo seu clima temperado no Inverno e,
mais ainda, durante o Verão, transformando-se numa
estância turística internacional.
Mas regressemos a Metchnikoff. Durante 5 anos fez
tudo quanto lhe foi possível para salvar a vida de sua
esposa. A última tentativa foi o Funchal. Ludmilla
tinha ouvido falar dos efeitos mágicos dos ares da
Madeira nos casos de tuberculose e agarrou-se a essa
ideia como a uma tábua de salvação. Não encontrámos
a data da chegada do casal à Ilha. Partilharam o arrendamento de uma casa com jardim com um jovem
Russo, de nome Mertens, que tinha viajado no mesmo
barco. Olga Metchnikoff (1920) descreve uma dicotomia angustiante entre o conforto do lar num lugar de
incomparável beleza natural, toda perfumes e flores, e
estas duas jovens vidas, uma que se esvaía e outra que
se entregava a uma batalha inútil para a salvar.
Ludmilla, que já tinha ilustrado diversos trabalhos
científicos de Metchnikoff, desenhava flores, lia e
interessou-se pelas crianças pobres da Ilha. Metchnikoff que antes de partir para a Madeira tinha obtido
subsídio da Sociedade dos Amigos das Ciências
Naturais de Moscovo, sentia-se na obrigação de obter
resultados mas a costa escarpada batida pelas ondas
dificultava-lhe o acesso ao seu objecto de estudo, a
fauna marinha. Entregou-se ao estudo da embriologia
dos miriápodes (Metchnikoff, 1872), até então
desconhecida. Mas, por dificuldades técnicas, estes
trabalhos foram uma fonte de desespero. Nestas
circunstâncias, o pessimismo natural de Metchnikoff,
que escrevera um dia numa carta a sua mãe: «...como
sabe, não sou dado a olhar para a vida com óculos
cor-de-rosa...», acentuava-se. Entretanto, no seguimento de um trabalho que tinha publicado antes de ir
para a Madeira sobre "A educação do ponto de vista
antropológico", escreveu um artigo intitulado
"O tempo para o casamento" no qual discutia as
consequências do aumento progressivo, por razões
culturais e civilizacionais, do tempo que decorre entre
a puberdade e o casamento. Mais tarde veio a retomar
este assunto numa publicação que teve grande impacto
na comunidade científica da época (Metchnikoff,
1903). Equacionou demitir-se de todos os cargos e
abrir uma pequena livraria no Funchal para poder ficar
independente e junto a sua esposa, mas as suas dificuldades financeiras inviabilizaram o projecto.
Deslocou-se a Tenerife em busca de matéria para um
artigo e regressou logo que lhe foi possível para junto
de sua esposa. Nada se tinha alterado e Metchnikoff
tinha de regressar a Odessa. Pediu a sua cunhada que
fosse para a Madeira e quando ela chegou confiou as
duas irmãs a Mertens, com quem tinha desenvolvido
estreita amizade, e aos cuidados do Dr. Goldschmidt.
Partiu para Odessa no Outono de 1872. Más notícias,
contudo, fizeram-no regressar ao Funchal em finais
SUPLEMENTO
de Janeiro de 1873. Ludmilla estava gravemente
doente e faleceu a 20 de Abril. Para Metchnikoff a sua
morte foi um choque muito intenso. Ao desgosto
juntaram-se perturbações visuais, que o impediam
de trabalhar ao microscópio. Desesperado, fez uma
tentativa de suicídio ingerindo uma elevada quantidade de ópio. Mas sobreviveu. Voltou aos seus estudos
sobre as raças humanas e obteve financiamentos para
duas Missões nas estepes de Astrakan.
Em 1875 casou-se em Odessa com Olga
Belokopytova. Olga em 1880 fez uma grave infecção
de Febre Tifóide e Metchnikoff, que estava ainda com
graves problemas de saúde, voltou a tentar o suicídio,
dando-lhe uma forma de experiência científica.
Auto-infectou-se com sangue de doentes de Febre
Recorrente procurando demonstrar que a doença era
transmissível pelo sangue. A infecção foi muito grave
mas, mais uma vez, sobreviveu.
Em 1882 demitiu-se da Universidade de Odessa, no
período perturbado que se seguiu ao assassinato de
Alexandre II, e regressou a Messina para trabalhar no
laboratório onde realizara os seus trabalhos de
Embriologia. Retomou então os seus estudos sobre a
fauna pelágica e o desenvolvimento embrionário dos
organismos. Quando observava células móveis nas
larvas transparentes de estrelas-do-mar pensou que
elas deveriam ser consideradas como uma parte das
defesas desses organismos. Para testar a sua hipótese
introduziu no corpo das larvas alguns pequenos
espinhos de uma tangerineira que havia sido preparada como árvore de Natal para seus filhos. No dia
seguinte observou que os espinhos estavam cercados
pelas células móveis e, sabendo que quando surge
uma inflamação nos animais com aparelho vascular
os leucócitos saem dos seus vasos, admitiu que elas
deviam também envolver e digerir as bactérias que
tivessem entrado no organismo. Ao regressar a Odessa
passou por Viena e expôs as suas ideias ao Professor
de Zoologia da respectiva Universidade, Dr. Claus,
que em reposta ao pedido de sugestão de um termo
grego para designar "célula devoradora" lhe sugeriu
"fagocito". Em 1883, encorajado pelos investigadores
alemães Kleinenberg e Virchow, que tinham estado
presentes em Messina aquando dos seus estudos,
publicou nos Trabalhos do Instituto de Zoologia da
Universidade de Viena uma notícia sobre as reacções
celulares dos animais invertebrados, na qual aparece,
pela primeira vez a palavra fagócito (Metchnikoff,
1883a) e, nesse mesmo ano, um outro sobre a fagocitose em alguns vertebrados (Metchnikoff, 1883b).
Ainda no Outono desse ano apresentou em Odessa o
seu primeiro trabalho sobre a fagocitose.
A interpretação do fenómeno da fagocitose e a
dedução do seu significado na defesa do organismo
eram o oposto da teoria estabelecida na época. Mesmo
antes da primeira publicação de Metchnikoff sobre o
fenómeno que agora se passava a designar fagocitose
(Metchnikoff, 1880), a ingestão de partículas inertes,
RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244
eritrócitos e até de agentes infecciosos tinha já sido
observada (ver Ambrose, 2006). Todavia a maioria das
opiniões defendia que o fenómeno promovia a dispersão dos agentes infecciosos pelo organismo e era,
portanto, deletério. Poucos admitiam um papel de
defesa. Mas a hipótese de Metchnikoff ia mais longe e
colocava a fagocitose no centro da inflamação e da
imunidade. Alterou completamente a sua personalidade, abandonou o pessimismo e procurou evidências
experimentais para a sua teoria. A primeira confirmação terá sido a observação de que os esporos dos
fungos que atacavam os crustáceos de água doce do
género Daphnia eram atacados pelos respectivos
fagocitos. Estudou depois o carbúnculo interno e viu
que as estirpes mais virulentas não eram atacadas
pelos leucócitos enquanto que as mais atenuadas o
eram. Por fim, em 1900, apresentou ao Congresso
Internacional, em Paris, o conjunto dos resultados de
vinte anos de investigação, rebatendo sistematicamente as posições dos seus opositores e, convicto da
solidez das suas deduções, começou a escrever o seu
livro "A imunidade nas doenças infecciosas"
(Metchnikoff, 1901).
Mas regressemos um pouco atrás. Em 1885, em
consequência da descrição da vacina anti-rábica por
Louis Pasteur e sua equipa, a municipalidade de
Odessa encarregou N. Gamaleia de estudar o novo
método de tratamento, em Paris. Após o seu regresso,
a mesma municipalidade e o governo de Kherson
fundaram o Instituto Bacteriológico de Odessa e
entregaram a direcção científica a Metchnikoff,
Gamaleia e Bardach. Na cidade gerou-se uma grande
hostilidade contra as vacinações anti-rábicas e
Metchnikoff pensou que a causa do mau ambiente que
estava enfrentando seria devida ao facto de ele não ser
médico. Escreveu então a Pasteur, que também não o
era, pedindo-lhe conselho, e Pasteur em resposta
ofereceu-lhe um laboratório no seu Instituto. Em 1888
foi nomeado director do Serviço de Microbiologia
Morfológica do Instituto Pasteur, em 1890 entrou
para o grupo de redacção dos Annales de l’ Institut
Pasteur e em 1904 foi nomeado subdirector do
Instituto Pasteur, lugares que desempenhou até ao seu
falecimento.
Durante o que se pode considerar primeiro período
no Instituto, além de continuar o seu trabalho sobre a
fagocitose, publicou numerosos textos sobre a embriologia dos invertebrados com destaque para os insectos
e as medusas. Em colaboração com Émile Roux
estudou a sífilis e descobriu que era transmissível ao
macaco. Deu igualmente muita atenção ao estudo das
doenças infecciosas, ao microbismo intestinal – que
considerava uma podridão no interior dos organismos
superiores – e ao problema do envelhecimento. É hoje
considerado o pioneiro também da gerontologia.
Desenvolveu a teoria de que a senilidade era a consequência do desenvolvimento de algumas das bactérias
intestinais. Para controlar esse desenvolvimento
243
SUPLEMENTO
recomendava uma dieta rica em leite fermentado por
bacilos que produzem uma grande quantidade de
ácido láctico. Ele mesmo seguia essa dieta para grande
estranheza de muitos dos seus contemporâneos que o
apelidavam de "russo comedor de iogurte", mas
pensemos na profusão e popularidade actuais de leites
fermentados para percebermos a razão que lhe assistia.
Durante a sua vida recebeu numerosas distinções,
tais como: Doutor em Ciências Honorário pela Universidade de Cambridge, a medalha Copley da Real
Sociedade da qual era Membro, Membro Honorário
das Academias de Medicina e das Ciências de Paris,
Membro Honorário da Academia de Medicina de S.
Petersburgo e em 1908 foi distinguido com o prémio
Nobel de Fisiologia e Medicina, juntamente com Paul
Ehrlich, pelos seus trabalhos sobre a Imunidade.
Com a idade a sua personalidade adquire aspectos
pitorescos. Diz-se que usava galochas e um chapéu-de-chuva durante todo o ano, sem atender ao passar
das estações. Os seus bolsos estavam sempre cheios de
papéis com apontamentos científicos, usava sempre o
mesmo chapéu e quando se excitava sentava-se sobre
ele. Depois de 1913 começou a sofrer de frequentes
alterações cardíacas. A guerra de 1914-1918
provocou-lhe grandes perturbações. Faleceu no
Hospital do Instituto Pasteur, em Paris, a 16 de Julho
de 1916.
Hoje, estamos certos de que Metchnikoff se
sentaria sobre o seu chapéu se assistisse à verificação
molecular do que pôde deduzir através das lentes meio
sujas do seu microscópio.
244
RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244
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Metchnikoff O (1920). Vie d’Elie Mectchnikoff 1845-1916.
Librairie Hachete, Paris, França.
Pereira ECN (1967). Ilhas de Zargo. 3ª edição. Câmara
Municipal do Funchal, Funchal.
Sem autor (1967). Nobel Lectures, Physiology or Medicine
1901-1921. Elsevier Publishing Company, Amsterdam.
SUPLEMENTO
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS 2008
IV Congresso da SPCV
I Congresso Ibérico de Epidemiologia Veterinária
INRB – INIA/Fonte Boa, Vale de Santarém, 27, 28 e 29 de Novembro de 2008
A Sociedade Portuguesa de Ciências Veterenárias
(SPCV) organizou, em colaboração com o Instituto
Nacional de Recursos Biológicos INRB - INIA/Fonte
Boa, as Sociedades Científicas sectoriais, a Sociedade
Espanhola de Epidemiologia Veterinária, os Cursos de
Medicina Veterinária e as Associações Profissionais, o
Congresso Ciências Veterinárias 2008, que reuniu o
IV CONGRESSO DA SPCV e o I Congresso Ibérico
de Epidemiologia Veterinária.
O evento teve lugar no INRB - INIA/Fonte Boa,
Vale de Santarém, nos dias 27, 28 e 29 de Novembro
e contou com a presença de cerca de 320 participantes.
O Congresso contou ainda com a contribuição de
cientistas convidados de reconhecido mérito nacional
e internacional, nomeadamente:
- Segurança Alimentar: Dr. Sérgio Rodeia (European
Food Safety Agency)
- Qualidade Alimentar: Engª. Ana Soeiro (ExIDRH, MADRP)
- Epidemiologia e Medicina Veterinária Preventiva:
Prof. Kenton Morgan (Univ. Liverpool, UK)
- Patologia: Prof. Peter Moore (University of Davis,
USA)
- Formação Veterinária: Prof. Cristina Vilela
(FMV-UTL).
A responsabilidade das sessões de especialidade
esteve a cargo das Sociedades ou Associações acima
referidas, tendo a seguinte distribuição:
- Animais de Companhia: Associação Portuguesa
dos Méd. Veterinários Especialistas em Animais de
Companhia (APMVEAC)
- Aquacultura: Faculdade de Medicina Veterinária/
UTL (FMV-UTL)
- Avicultura: Secção Portuguesa da Associação
Mundial de Ciência Avícola (SPAMCA)
- Buiatria: Associação Portuguesa de Buiatria
(ABP)
- Epidemiologia: Sociedade Portuguesa de
Epidemiologia e Medicina Veterinária Preventiva
(SPEMVP) e Sociedad Espanola de Epidemiolgia
Veterinaria
- Segurança Alimentar: SPCV e FMV-UTL
- Equinos: Associação dos Médicos Veterinários de
Equinos (AMVE)
- Genética e Melhoramento: Sociedade Portuguesa
de Recursos Genéticos Animais (SPRGA)
- Patologia: Sociedade Portuguesa de Patologia
Animal (SPPA)
- Pequenos Ruminantes: Sociedade Portuguesa de
Ovinotecnia e Caprinotecnia (SPOC)
245
SUPLEMENTO
RPCV (2008) 103 (567-568) 245-246
- Reprodução: Sociedade Portuguesa de Reprodução Animal (SPRA)
- Microbiologia: SPCV
- Suínos: Sociedade Científica de Suinicultura (SCS)
- Formação: SPCV.
Alltech Portugal, Arbuset, Bayer Portugal SA Divisão Animal, Iapsa Portuguesa Pecuária, Vetlima,
Vétoquinol Unipessoal, Atral Cipan, Agroquisa,
Bioconsulting, Elanco, TNA - Tecnologia e Nutrição
Animal Lda e Valormed.
Para a organização do evento, contou-se com o
apoio de várias organizações. Os apoios institucionais
foram fornecidos por: INRB - INIA/FonteBoa, Ordem
dos Médicos Veterinários, Direcção Geral de
Veterinária, Câmara Municipal de Santarém e
Faculdade de Medicina Veterinária - UTL.
Os patrocínios e outros apoios foram dados pelas
seguintes empresas: CEVA - Saúde Animal, Merial
Portuguesa - Saúde Animal, Laboratórios Pfizer,
O sucesso do Congresso, traduzido pelo elevado
número de trabalhos submetidos e pela afluência de
congressistas, confirma o interesse da comunidade
veterinária pela realização periódica de um congresso
de ciências veterinárias combinando as várias áreas de
intervenção profissional e constituindo-se como uma
ocasião excepcional de encontro e de partilha de
experiência entre as várias áreas de conhecimento
médico-veterinárias.
246
SUPLEMENTO
RPCV (2008) 103 (567-568) 247
Vida Associativa
Movimento de sócios
Necrologia
De 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2008 foram
admitidos os sócios que a seguir se indicam.
Efectivos: 2410 Patrícia Alexandra Curado Quintas
Dinis Poeta, 2413 Mário Fernandes da Silva, 2414
José Bernardo Archer de Menezes Castro Fraga.
Estudantes: 2411 Susana Alexandra Ruivo dos Santos
Castro, 2412 Diogo Filipe Pereira Marques, 2415
Maria Goreti Gaspar de Oliveira Cardoso, 2416
Carolina Sant' Ana da Silva Rebelo, 2417 Cláudia
Filipa Ferreira Ramos Alves.
No segundo Semestre de 2008, deixaram infelizmente a nossa companhia os colegas Fernando
Augusto da Silva Teixeira, sócio nº 1202, falecido em
Novembro e João Inácio Barata Freixo, sócio nº 852,
a 2 de Dezembro. Chegou também agora ao nosso
conhecimento o falecimento, em Fevereiro passado,
de João Mendonça Braga, sócio nº 629. Às suas
famílias as nossas sentidas condolências.
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