Alfredo Caminada - KBR Editora Digital
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Alfredo Caminada - KBR Editora Digital
O Parque Alfredo Caminada O parque 1ª Edição POD KBR Petrópolis 2014 Edição de texto Noga Sklar Editoração KBR Capa KBR s/ arquivo Google Foto do autor Ana Hopkins Copyright © 2014 Alfredo Caminada Todos os direitos reservados ao autor. ISBN 978-85-8180-280-0 KBR Editora Digital Ltda. www.kbrdigital.com.br www.facebook.com/kbrdigital [email protected] 55|24|2222.3491 FIC027000 - Romance Alfredo Caminada vive em Petrópolis, RJ. Médico, acupunturista, entomologista e músico, multitalentoso e com vasta cultura, deixou-se cativar pelas letras na maturidade e passou a dedicar-se a elas em 2013. Alfredo é colunista da série Singles K, e O Parque é seu primeiro romance publicado. Email do autor: [email protected] Para Marcia, meu amor. Sumário Prólogo Capítulo 1 Luiza • 15 Capítulo 2 Alice • 75 Capítulo 3 Bernadete • 129 Capítulo 4 Alberto e Luiza • 169 Epílogo | 11 | Prólogo Escrevo esta história para falar da vida de Alberto Silveira. Não é uma biografia. Somente conto o que me pareceu ter sido importante para ele, um homem que construiu um império dentro do Direito: sua firma foi a mais destacada de sua cidade, quem sabe até de seu país. Foi um dos homens mais ricos e poderosos de sua época. Pois este homem, morto há poucos anos, deixou muitos amigos, um rastro de bons sentimentos e muita arte musical. Mas deixou também segredos, que só agora são revelados. Mudou a história de seu país, e, por isso, foi obrigado a tomar atitudes contundentes, que nós, homens comuns, não teríamos a coragem ou o poder de levar a cabo. Viveu numa outra época. Talvez agora, neste mundo tão mudado, as pessoas tenham dificuldade de entender alguns dos seus sentimentos, sua nobreza de caráter e sua paixão por uma mulher. De resto, foi uma pessoa como todos nós, com seus acertos, suas faltas e seus desejos. Quanto a em que cidade e país viveu, deixo aos leitores a tarefa de imaginar. Foi um homem como poucos. Por isso, reconheço que poderia ter vivido em qualquer lugar civilizado. | 15 | Capítulo 1 Luiza Por um momento, tudo veio à tona novamente. Essas lembran- ças voltavam insistentemente com a idade, mais vívidas agora, aos setenta anos. Sentia tudo como se tivesse acontecido ainda há um momento atrás, o burburinho, os cheiros, o vento batendo nele, o farfalhar das folhas, as emoções fazendo com que seu coração se acelerasse, o aperto na garganta, as lágrimas descendo incontroláveis, o sentimento da perda irremediável... Não sabia como havia chegado até ali. Ficou dando voltas sem rumo pela cidade, como um louco. Quando se viu na esquina daquela rua sem saída, percebeu que havia um portão de ferro, no meio do muro branco onde o calçamento terminava. Havia crianças brincando do outro lado. Parou por um momento, admirado, ouvindo os gritos e risos da meninada. Estranho! Não se lembrava de já ter passado por ali. A rua era toda ladeada por casarões antigos, todos muito bem cuidados, com seus muros brancos cobertos de hera. Havia um silêncio que denotava o tipo de etiqueta das pessoas que habitavam aquelas mansões. O contraste entre o que acontecia por trás do muro e a calmaria da rua fez com que tomasse o rumo daquele portão, que parecia ser muito velho — de séculos, talvez —, todo de ferro batido com rebites trabalhados, como no passado. Notou que estava entreaberto e o empurrou para ver melhor. Era um parque. Havia várias entradas, contou pelo menos seis, cada uma com um portão diferente, mas todos trabalhados da | 19 | Alfredo Caminada mesma maneira. Na parte central um pequeno lago, alimentado por um riacho que parecia surgir do nada no meio da vegetação abundante, várias alamedas floridas entre os gramados impecáveis. Em um ponto, uma quadra de areia com vários brinquedos infantis. Tomou um dos caminhos e andou até um lugar de onde podia ver todo o movimento, ainda que distante o suficiente para ter um pouco de privacidade. Sentou-se em um dos muitos bancos espalhados, bastante cansado devido à longa caminhada, mas também, e principalmente, por tudo o que tinha se passado. Achou o banco extremamente confortável, não era como esses bancos normais de jardim. As réguas de madeira que se fixavam nos suportes de ferro eram mais largas, e o encosto não fazia aquela curva antianatômica que normalmente nos impede de ficar sentados por longo tempo. Naquele dia, ainda não fazia ideia de quantas vezes durante a vida voltaria àquele parque, sentando-se sempre no mesmo lugar. De onde estava, podia enxergar longe, por cima dos arvoredos, até o limite do horizonte. Era tudo tão lindo! Mas sua alma estava triste, tão triste que não conseguia conter as emoções e as lágrimas. O que havia lhe acontecido era tão grave que ele estava confuso, sem um rumo certo a tomar. Ainda se lembrava bem de como tudo havia começado. Conhecera Luiza no colegial, estavam na mesma turma do preparatório para o curso de Direito. No primeiro dia, sentara-se, como de hábito, na fileira de carteiras encostada nas janelas. Sempre gostara de olhar para fora durante as aulas, dava-lhe uma sensação de liberdade. Os lugares fechados sempre o oprimiam, e algumas aulas enfadonhas acentuavam essa sensação. Na segunda fileira à sua direita, dois lugares à frente, sentou-se uma menina que o impressionou de pronto por seus cabelos negros, lisos e muito brilhantes: Luiza. Ao seu lado sentou-se outra de cabelos louros, e as duas começaram a conversar animadamente, como duas velhas amigas. A aula era de Filosofia, assunto que ele adorava, mas teve muita dificuldade para prestar atenção ao que o professor, seu velho conhecido, dizia com a eloquência | 20 | O parque costumeira. Ambos gostavam muito de Platão, tema de introdução dessa primeira aula, mas nem o banquete, a erótica e o mito da caverna foram bastantes para tirá-lo da embriaguez que aqueles cabelos negros provocavam. Pensou que aquela beleza deveria realmente ter sido trazida diretamente do Hiperurânio. Na segunda aula, foi despertado do enlevo em que se encontrava ao ouvir seu nome repetido em altos brados pela professora de Português: “Alberto Silveira!” Respondeu “Presente!”, um pouco envergonhado. Notou que Luiza o olhara com um sorriso. Outros deveriam ter rido de sua distração, mas ele só tinha olhos para aquele sorriso lindo. A chamada continuou, e pôde descobrir o nome das duas: Luiza Almeida da Silva e Fabiana Fontes, a amiga. Anotou os nomes rapidamente para não esquecê-los. Durante o recreio, não conseguiu tirar os olhos dela, que olhou para ele por duas vezes, rapidamente. Na segunda deu um sorriso. Seus olhos eram também negros, com um brilho de tirar o fôlego. Naquele dia, voltou para casa com um único pensamento: precisava arrumar uma maneira de conversar com ela. Imaginou inúmeras situações para abordá-la, mas nenhuma o satisfez, todas pareciam ridículas. Não conseguia saber o que estava acontecendo: ele, que sempre fora tão destemido, mais parecia um menino tímido. Nessa época já havia namorado várias meninas, tinha experiência com mulheres. Não poderia jamais ser chamado de inocente ou puro. No dia seguinte levantou-se animado, imaginando que alguma oportunidade iria surgir e poderia se aproximar. Novamente ela chegou com a amiga, e as duas ficaram conversando. Alberto arrumou uma desculpa boba, jogou algo no lixo para poder passar por elas e dizer um olá, como se falava na época. Luiza retribuiu o cumprimento, mas Fabiana fez cara de desagrado. Notou que as duas logo discutiram sobre alguma coisa, provavelmente sobre a atitude dele, e Luiza ficou aborrecida. Algum tempo depois, ela se virou e olhou para ele rapidamente, mas não sorriu. Ficou realmente preocupado com a situação. No recreio, a preocupação aumentou, porque ela não olhou para ele nem uma vez, e Fabiana parecia fazer de tudo para evitar que isso aconteces| 21 | Alfredo Caminada se. Alguns colegas mais chegados notaram sua expressão fechada, perguntaram se ele se sentia mal. Estranharam o fato de ele estar sério, uma vez que sempre estava sorridente. Deu uma desculpa de que não estava muito bem de saúde, precisava ouvir umas piadas que o animassem. Assim todos se distraíram, e ele pôde esquecer o motivo do seu aborrecimento. *** — Seu Alberto! Está na hora da sua injeção — falou com voz potente dona Ângela, sua enfermeira. Virou-se resignado, abaixou um pouco a calça do pijama. Ela cuidava dele com paciência e carinho, mas estava sempre interferindo em seus pensamentos. Ultimamente ele estava cada vez mais ensimesmado, fora do mundo real. A impotência física que a doença lhe impusera fez com que se afastasse cada vez mais das coisas mundanas. De que adiantava lutar, se o ir e vir eram tão penosos? Melhor ficar quieto no seu canto. A introspecção era agora a sua melhor companheira. À noite tinha mais sossego, porque havia troca de enfermeiras e dona Maria, a noturna, era calada, gostava de tirar uns cochilos, uma transgressão sempre muito bem-vinda. Como não conseguia dormir a noite inteira devido às sonecas diurnas, durante a noite Alberto voava nas suas memórias com prazer. Já bocejando, lembrou que Tonico vinha lhe fazer uma visita no dia seguinte. *** | 22 |