a interlocução mediada pelo gênero carta ao autor na sala de aula

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a interlocução mediada pelo gênero carta ao autor na sala de aula
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
A INTERLOCUÇÃO MEDIADA PELO GÊNERO CARTA AO
AUTOR NA SALA DE AULA
Cláudia Vanuza de Barros Macêdo
Campina Grande, março de 2012.
Cláudia Vanuza de Barros Macêdo
A INTERLOCUÇÃO MEDIADA PELO GÊNERO CARTA AO
AUTOR NA SALA DE AULA
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em
Linguagem
e
Ensino
da
Universidade Federal de Campina
Grande, como requisito para a
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Prof. Dr.ª Rossana Delmar de Lima Arcoverde
2012
FOLHA DE APROVAÇÃO
DEDICATÓRIA
Especialmente a minha mãe, Maria Stela, amiga e exemplo de mulher, por me conduzir
nos caminhos da vida e do magistério. Fonte de inspiração e com quem aprendo a
suportar as provações e, principalmente, a perdoar a cada dia. Sua paciência infinita e
sua crença absoluta na capacidade de realização a mim atribuída foram, decisivamente,
os elementos propulsores desta dissertação.
Ao meu pai, José Macêdo (in memoriam), que muito cedo nos deixou sem poder fazer
parte da realização desse grande sonho.
Lembranças de infância permanecem em
minha memória (momento em que meu pai me orientava nas atividades do Jardim da
Infância). Saudades!
À minha irmã, Maristela, pela torcida, incentivo, massagens e oração nos momentos de
crise dessa caminhada. Por me aproximar mais de Deus revigorando minha fé...
À minha irmã, Joselane (in memoriam), que precocemente partiu para o plano espiritual
e, infelizmente, também não teve a oportunidade de compartilhar conosco esse
momento. Saudades!
À minha avó, Mãe Etinha (in memoriam), que muito se alegrava e se sentia orgulhosa por
cada uma de nossas vitórias. Obrigada por tudo!
Ao meu esposo Joab pela força e incentivo, em todos os meus momentos, alegres ou
tristes.
A meu filho muito querido, Lucas Donovan, pela LUZ que tem sido em minha vida e
motivação para continuar a estudar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me proporcionar mais essa oportunidade e especialmente pelos “anjos” que
colocou em minha vida nos momentos em que me sentia angustiada, e sem esperança. A
exemplo da senhora que me presenteou com uma linda papoula rosa numa manhã triste
de dezembro, a moça que me ouviu num banco de Praça na UFCG, quando me sentia
sozinha e sem chão.
À estimada orientadora Professora Dr.ª Rossana Delmar de Lima Arcoverde, pelo seu
acolhimento, por suas orientações e conselhos, por ter me questionado sempre, a cada
passo dado na revisão e reescrita deste trabalho. Serei eternamente grata.
Às Professoras Dr.ª Maria Auxiliadora Bezerra e Dr.ª Roziane Marinho, por fazerem parte
da banca de qualificação, dando sugestões preciosas e pelas exigências requeridas para
esta dissertação.
À coordenação, professores e funcionários, da Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
(Mestrado), pelo compromisso e dedicação ao trabalho.
Aos autores Hélder Pinheiro e Rose Sordi: o primeiro, por me fazer reencantar pela
literatura e ver as diversas possibilidades de trabalho na sala de aula, no momento em
que fui sua aluna na UFCG; a segunda, pela sensibilidade de poeta que nos leva a ver a
vida de outra cor, pelo humor sempre agradável e pela amizade que edificamos ao longo
desse trabalho.
À professora Raimunda Gonzaga, que abriu as portas de sua sala de aula para a
realização da pesquisa e com quem construí laços de respeito e carinho deste estudo.
Aos “participantes da pesquisa”, sem os quais não teria sido possível a realização desta
pesquisa. Agradeço pela disponibilidade, espontaneidade e muito carinho (cartinhas,
bilhetes, abraços e beijos) com que me receberam em sua sala de aula.
Às minhas amigas do Programa Linguagem e Ensino: Rosa Lúcia, Francineide,
Fernanda, Luciene, Glauciara, Symone e Eliete, pelos momentos de aprendizado,
alegrias, preocupações, certezas e incertezas, principalmente nos momentos em que
procurávamos refúgio e motivação para seguirmos adiante. Cada gesto de carinho (emails, visitas e telefonemas) foi muito importante...
Aos amigos (de velhas e novas datas), sempre presentes de alguma forma, ouvindo,
falando, dialogando, bagunçando, rindo comigo e, por vezes, enxugando minhas
lágrimas: Simone Cristina, Francisca Mello, Andréia Fernandes, Mariberto Almeida, Ana
Carolina, Cícero Souto, Carlos Antonio, Eveline Guimarães, Laura Dourado, Miguel
Rodrigues, Armstrong Souto, Vânia Larissa, Vera Lúcia, Jorgeson Pinto e Nelson Júnior.
A Graça, amiga pessoal e de trabalho, minha psicóloga particular, nos assuntos do
coração, e com quem tive a oportunidade de aprender muito nesses anos. Obrigada por
me emprestar os ouvidos, me estender a mão e compreender os momentos em que o
silêncio era necessário para que eu pudesse me recompor.
Às pessoas que, mesmo estando afastadas deste momento especial, incentivaram-me na
realização do projeto de pesquisa e confiaram em minha capacidade, fazendo-me
acreditar que era possível.
Ao grupo espírita SEJA nas pessoas de Ana Paula e Oscar e tantos outros com quem
tenho a oportunidade de aprender e evoluir espiritualmente...
Aos secretários de educação dos municípios de Campina Grande (Flávio Romero) e
Cabaceiras (Rosilene Nunes), por me concederem a licença para que realizasse a
pesquisa.
A Teresa Donato, ex-coordenadora da Universidade do Vale do Acaraú – UVA/
Universidade Aberta Vida - UNAVIDA, pela disposição em colaborar com as questões do
trabalho na Instituição e, sobretudo, por entender quando não podia viajar para cidades
muito distantes.
...E eis que chego aqui materializando mais um sonho desejado.
Outra vez um ciclo se fecha e com ele a alegria da vitória. O
coração transborda de felicidade. E como dizem os grandes poetas
Renato Russo e Flávio Venturine: “Confie em si mesmo/quem
acredita sempre alcança/... quem acredita sempre alcança...”.
RESUMO
O objetivo geral desta pesquisa foi identificar e analisar como se deu a interlocução
estabelecida através de cartas intercambiadas entre crianças e autores de livros infantis.
Parte-se da compreensão de que o uso da língua é uma atividade interativa que, nesse
caso, busca garantir a participação no jogo interacional entre leitores/autores e
autores/leitores. As cartas foram produzidas por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental
em uma escola da rede municipal de educação de Campina Grande - PB. Este estudo
conta com o corpus constituído de 50 cartas, escritas em situação de sala de aula de
Língua Portuguesa, por alunos que compunham a turma. Eram destinadas a dois autores
da literatura infantil: Hélder Pinheiro e Rose Sordi. A partir de uma perspectiva dialógica,
sociodiscursiva e interacionista da língua, enfatizando a importância da mediação do
professor buscou-se, com a prática didática baseada no Caderno de Atividade de Apoio à
Aprendizagem – AAA5 (Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR I), desenvolver a
capacidade linguística dos participantes em relação à produção de cartas. A presente
pesquisa é de base qualitativa e participativa segundo a natureza de seus dados, com a
pesquisadora envolvida no trabalho de sala de aula, articulando a coleta de dados. Para
alcançarmos nossos objetivos, buscamos responder a seguinte questão: Como se deu a
construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de
livros infantis? Este estudo se fundamenta nos pressupostos teóricos discursivos de
Bakhtin (2000) e interacional-sociodiscursivos de Bronckart (2007), os pressupostos
dessa mesma natureza que abordam as questões didáticas do ensino de gêneros (DOLZ
& SCHNEUWLY, 2004) e o estudo da carta (SILVA, 2002; MARCUSCHI, 2002; SOUTO
MAIOR, 2001; PAREDES SILVA, 1997; CHARTIER, 1991). Os procedimentos de análise
adotados neste trabalho contemplam a forma composicional e as marcas da
interatividade das cartas ao autor. No trabalho da produção escrita, o escrevente colocase discursiva e enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse
presente e, assim ao fazê-lo, a carta constitui um espaço em que se efetiva a
interatividade entre os sujeitos. Os resultados obtidos evidenciaram que os participantes
em geral, leitores e autores, conseguiram estabelecer uma interação significativa, apesar
da relação assimétrica no que diz respeito aos papéis comunicativos entre os
interlocutores. Nesse contexto, emergiu o interlocutor interessado, mobilizando recursos
linguístico-discursivos necessários à interação via carta. Em relação ao grau de
formalidade, utilizado na construção da interlocução, os alunos apresentaram pouco
letramento e proficiência de escrita, ou seja, a interatividade estabelecida escapa aos
padrões formais escolares.
PALAVRAS-CHAVE: gênero textual; carta; interlocução; sala de aula.
ABSTRACT
The general objective of this research was to idenify and analyse in which conditions was
stablished the interactivity through out the exchanged letters between children and
childish book authors. It comes from the comprehension that the use of the language is an
interactive activity, and in this case, tries to guarantee the participation in the interactive
game between readers/authors and authors/readers.The letters have were produced by
students from the fifth degree of a Public Elementary School, in Campina Grande – PB.
This research contains 50 (fifty) letters written in Portuguese Language class situation, by
the students. They were destinated to two childish book authors: Hélder Pinheiro and
Rose Sordi. Up from a dialogical perspective, social interactive and discursive about the
language, giving enphasis to the teacher mediation, it was tried to , using a didactic
practice based up on the Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem 5 – AAA5
(School Learning Management – GESTAR I), develop the participating children linguistic
capacity on what concerns to letters production. The present research is set up on a
qualitative and participative base, according to the nature of its data, with the researcher
working in the class, in a permanent data construction. In order to reach out ours
objectives, we tried to answer the following question: In which conditions the interlocution
between authors and readers was taken? This is study based up on the theoretical
discursives bases from (BAKHTIN, 2000), and discursive interactional from
(BRONCKART, 2007) and the same bases concerning to gender teaching (DOLZ AND &
SCHNEUWLY, 2004) and the letter study (SILVA, 2002; MARCUSCHI, 2002; SOUTO
MAIOR, 2001; PAREDES SILVA, 1997; CHARTIER, 1991). The analyse proceedings
adopted to this research contemplates the compositional way and the interactive marks of
letters to authors. About written production, the writer puts himself in a condition of
interlocutional activity, such as he was face to face with his interlocutor. The results
obtained highlighted that interlocutors, in general, got the opportunity to stablish a
significative interlocution, even though it‟s an assimetric one. In this context it came out
the interested interlocutor, moving discursive-interactive resources needed to
communication through letters. According to a formal degree, used on interlocution
construction, students showed up such a few literacy and written proficiency, and it
means, the stablished interactive escapes out of the school formal bases.
KEYWORDS: textual genre; letters; interlocution, classroom.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................15
Capítulo 1 - GÊNERO TEXTUAL: INTERLOCUÇÃO ENTRE LEITOR E
AUTOR....................................................................................................................19
1.1 Gênero textual: enfoques teóricos.................................................................. 19
1.2 O gênero textual no contexto escolar..............................................................43
1.3 O gênero carta.................................................................................................49
1.3.1 Conceitos e variedades do gênero carta......................................................49
1.3.2 A carta ao autor.............................................................................................56
Capítulo 2 – A CONSTRUÇÂO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÂO...................60
2.1 O tipo de pesquisa...........................................................................................60
2.2 O contexto da experiência de ensino...............................................................65
2.2.1 A escola........................................................................................................65
2.2.2 Os sujeitos da pesquisa................................................................................66
2.3
Caracterização
da
prática
didática
de
produção
de
cartas.....................................................................................................................67
2.3.1 Estudo de textos teóricos..............................................................................68
2.3.2 Experiência de ensino baseada no Caderno de Atividade de Apoio à
Aprendizagem 5 – GESTAR I ...............................................................................70
Capítulo 3 – A ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................81
3.1 A estrutura composicional do gênero “carta ao autor”....................................81
3.1.1 Abertura do evento.......................................................................................82
3.1.2 Corpo da carta.............................................................................................86
3.1.3 Encerramento do evento...............................................................................87
3.1.4
A
expressão
de
informalidade
na
“carta
ao
autor”......................................................................................................................91
3.2 As marcas da interatividade do gênero “carta ao autor”..................................94
3.2.1 Marcadores discursivos................................................................................96
3.2.1.1 Marcadores discursivos interrogativos: tá?; ok?; sabe? certo? né? e
viu?.........................................................................................................................96
3.2.1.2 Marcador: “Ah”..........................................................................................99
3.2.2 Os enunciados interrogativos......................................................................101
3.2.2.1 As fórmulas de saudação.........................................................................103
3.2.2.2
Perguntas:
estratégias
de
envolvimento
interpessoal..........................................................................................................104
3.3
Uso
do
verbo
no
futuro
do
pretérito
como
recurso
modalizador..........................................................................................................106
3.4 Estratégias interativas da produção de carta dos autores endereçadas aos
leitores..................................................................................................................108
3.4.1 Carta do autor Hélder Pinheiro...................................................................110
3.4.2 Carta da autora Rose Sordi.....................................................................112
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................115
REFERÊNCIAS...................................................................................................117
ANEXOS.............................................................................................................122
Anexo I - A dança dos bichos......................................................................................................123
Anexo II - Os bichinhos e o homem.....................................................................124
Anexo III – Carta do autor Hélder Pinheiro..........................................................125
Anexo IV - Carta da autora Rose Sordi................................................................126
Anexo V – Cartas do leitor A................................................................................127
Anexo VI – Cartas do leitor B...............................................................................128
Anexo VII – Cartas do leitor C..............................................................................129
Anexo VIII – Cartas do leitor D.............................................................................130
Anexo IX – Cartas do leitor E...............................................................................131
Anexo X – Cartas do leitor F................................................................................133
Anexo XI – Cartas do leitor G..............................................................................134
Anexo XII – Cartas do leitor H.............................................................................136
Anexo XIII – Cartas do leitor I..............................................................................137
Anexo XIV – Cartas do leitor J.............................................................................138
Anexo XV – Cartas do leitor L..............................................................................139
Anexo XVI – Cartas do leitor M............................................................................140
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: fragmento do livro Mariana do Contra....................................................74
Figura 2: modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi...........................75
Figura 3: consigna do Caderno de Apoio à Aprendizagem..................................76
Figura 4: atividade adaptada do caderno de apoio à aprendizagem....................78
Figura 5: Carta do autor Hélder Pinheiro............................................................110
Figura 6: Carta da autora Rose Sordi.................................................................112
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: estudo teórico realizado com a professora...........................................69
Quadro 2: sistematização das atividades de produção da carta ao autor.............73
Quadro 3: a carta ao autor: etapas e sequências discursivas..............................90
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: discriminação das cartas que apresentam abertura do evento.............85
Tabela 2: discriminação das cartas quanto à parte de encerramento...................89
Tabela 3: apresentação das ocorrências dos marcadores discursivos nas cartas
ao autor..................................................................................................................97
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, pesquisadores (GERALDI, 1997; COSTA VAL e ROCHA,
2003; ANTUNES, 2003; RUIZ, 2001; DOLZ, GAGNON & DECÂNDIO, 2010), na área de
aprendizagem da escrita, têm diagnosticado várias dificuldades sobre o ensino de
produção de textos na escola.
Ao tratar do ensino e aprendizagem da produção escrita na escola, nos
reportamos às dificuldades enfrentadas tanto pelos professores quanto pelos alunos. Os
caminhos da produção textual na escola estão sendo repensados por muitos estudiosos,
estes sugerem que o professor de língua materna observe a linguagem como meio de
interação e a língua como um objeto heterogêneo, visando o texto como artifício básico
do ensino-aprendizagem.
Deste modo, para subsidiar a nossa pesquisa, selecionamos como base teórica
autores que abordam o assunto, na linha sociointeracionista, por acreditarmos que o
ensino-aprendizagem da produção de texto só se efetiva, quando é oportunizado ao
aluno interagir pela linguagem em situações significativas de ensino. E “interagir pela
linguagem significa realizar uma atividade discursiva, dizer alguma coisa a alguém de
uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas
circunstâncias de interlocução” (BRASIL, 2001, p. 20-21). Partindo, então, desse
pressuposto, e também por entendermos a linguagem como forma de interação verbal, é
que optamos por realizar esta pesquisa que tem como foco a interlocução na produção
de textos escritos no Ensino Fundamental I.
Desta feita, como profissional responsável pela orientação educacional de três
escolas públicas, na cidade de Campina Grande-PB, nos últimos três anos, temos
acompanhado os professores nos planejamentos pedagógicos, nos cursos de formação
continuada e nas atividades diárias, e observado suas dificuldades ao trabalharem com a
produção escrita em sala de aula. Assim, ao longo dos capítulos que compõem esta
dissertação, procuramos responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como se deu a
construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de
livros infantis?
Esse
quadro
da
nossa
experiência
profissional,
aliado
à
concepção
sociointeracionista de escrita que tomamos como base, deu origem à nossa motivação
em eleger como objeto de pesquisa a interlocução construída por meio de cartas entre
leitores e autores1 de livros.
O estudo que ora apresentamos teve como objetivo geral analisar como se deu a
interlocução estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros
infantis. Nesse sentido, desdobramos este objetivo geral nos seguintes objetivos
específicos:
a)
descrever e explicar como se constrói a interlocução entre leitores/ autores
de livros infantis.
b)
Identificar e discutir a estrutura composicional do gênero carta ao autor na
produção escrita dos alunos;
c)
identificar e discutir marcas ou indícios que apontem a interatividade, e que
sugerem uma relação direta e intencional dos leitores com os autores de
livros.
Acreditamos que os aspectos que aqui serão abordados - a análise das condições
em que se processou a produção de textos dos alunos, a busca do que o professor
propicia em termos de auxiliá-los a dominar, de forma real e significativa, a produção
1
Rose Sordi e Hélder Pinheiro são designados nesta dissertação como autores, embora o
segundo, em “Pássaros e Bichos”, seja organizador da obra. Sendo assim, no contexto deste
trabalho todos serão considerados autores das obras.
escrita do gênero -, poderão servir de subsídios para a reflexão do fazer docente no que
diz respeito ao ensino e aprendizagem da escrita de gêneros textuais.
Neste contexto, elegemos a produção do gênero carta em sala de aula, visto que o
trabalho com esse gênero revela características linguísticas que servem para dinamizar a
didática do ensino de linguagem. A produção do gênero carta ao autor estimula o aluno a
desenvolver seu senso crítico e aperfeiçoar a habilidade de escrita.
Assim sendo, o trabalho com o gênero torna-se um importante meio de
aprendizagem, já que prioriza a leitura e, também, a escrita, viabilizando um processo no
qual o aluno se refaz consecutivamente, “elaborando seu conhecimento do mundo, da
língua, de si mesmo” (PAZINI, 1998, p. 4-5).
As reflexões teóricas, a construção da metodologia e o trabalho de análise
dispensado aos dados conferiram a esta dissertação uma organização em três capítulos.
No primeiro capítulo – Gênero textual: interlocução entre leitor e autor – abordamos
a respeito da noção de Língua e Linguagem. Depois, apresentamos um panorama dos
gêneros e adotamos como pressupostos a concepção de gênero textual: suas
características discursivas e sóciointerativas, bem como sobre a descrição do modelo de
análise proposto por Bronckart (2007). Além disso, discutimos sobre o que propõem os
estudos dos genebrinos, Dolz e Schneuwly (2004) em relação ao ensino do gênero e sua
aplicabilidade na sala de aula. Ainda neste capítulo, delineamos o gênero carta, situandoo como uma prática de linguagem existente na sociedade. Também foram apresentados
alguns conceitos e variedade do gênero. Por fim, na tentativa de situar o objeto de
estudo, carta ao autor, descrevemos os aspectos que demarcam a organização e o
funcionamento desse gênero.
O segundo capítulo – Construindo o objeto de investigação – é dedicado ao
esclarecimento de questões relacionadas à caracterização da pesquisa de base qualitativa
do tipo participativa, da escola, dos sujeitos. Além disso, contempla a ação dos sujeitos
por meio de estudo e reuniões de planejamentos para a composição da prática
implementada, na sala de aula investigada, que resultaram nos textos produzidos pelos
alunos por ocasião da coleta de dados.
O terceiro capítulo – Análise e discussão dos dados – é dedicado às análises das
produções textuais, propostas na prática de sala de aula, no que diz respeito à descrição
e interpretação sobre a composicional do gênero carta ao autor e às marcas da
interatividade presentes nos textos.
Por fim, nas considerações finais, procuramos apresentar nossas reflexões
pautadas nos resultados obtidos por meio da investigação com o gênero, carta ao autor,
na sala de aula.
Capítulo 1 – GÊNERO TEXTUAL: INTERLOCUÇÂO ENTRE LEITOR E AUTOR
Neste capítulo, apresentaremos os pressupostos teóricos que orientam este
trabalho, a fim de relacioná-los com a experiência realizada em sala de aula. As
concepções abordadas pertencem às correntes teóricas discursiva de Bakhtin e
sóciointeracionista de Bronckart, para a qual o conhecimento sobre língua é internalizado
a partir de atividades com a própria linguagem. Em seguida, abordaremos a noção de
gêneros textuais e sua relevância para o ensino na sala de aula.
1.1 Gênero textual: enfoques teóricos
Os conceitos de língua e linguagem tomados na visão bakhtiniana, se afastam de
um olhar para a linguagem como expressão do pensamento e como instrumento de
comunicação e enfatizam a linguagem como processo de interação.
Bakhtin/Volochinov (2004,[1929], p. 123) apresentam o funcionamento da
linguagem e afirmam que a tensão entre locutor e interlocutor adquire sustentação no
ambiente das relações sociais, pois consideram que
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno
social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das
enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental
da língua.
É importante que a língua seja analisada nos seus aspectos mais amplos reunida
a uma reflexão sobre a noção de sua verdadeira substância que para Bakhtin é a
interação verbal, pois constitui a realidade fundamental da língua. O autor nos leva a
compreender que todo enunciado comporta uma compreensão responsiva por parte do
interlocutor que se esforça para descodificá-lo dando respostas ao locutor com base na
sua compreensão e, logo após esse ato, existe uma alternância de sujeitos que muda
naturalmente de papel.
Nessa perspectiva Bakhtin/Volochinov (2004, [1929]) concebe a língua como um
fenômeno social, concreto, individualmente manifestado pelo falante. Ainda para o
mesmo autor, “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta” (p.
124).
Deste modo, a língua constitui um processo e, como tal, apresenta uma evolução
ininterrupta, que se concretiza como interação verbo-social dos locutores. Por isso, é que
se pode afirmar que as leis da evolução da língua são leis sociológicas. Assim sendo, é
importante enfatizar que o conceito de língua desenvolvido por Bakhtin tem a ver com o
conceito de dialogismo que, para ele, decorre da interação verbal que se estabelece
entre enunciador e o enunciatário.
Ao introduzir a enunciação no contexto social mais amplo, Bakhtin não só ressalta
a importância da situação de produção, incluindo os “atos sociais de caráter não verbal”,
como apresenta a verdadeira substância da língua, ou seja, sua realidade fundamental,
constituída pelo “fenômeno social da interação verbal”, que propicia as circunstâncias
para a evolução real da língua.
Convém esclarecer que existe diálogo entre as abordagens discursiva de Bakhtin
(2000) e interacional sóciodiscursiva de Bronckart (1999), uma vez que ambas se atêm
ao caráter social da linguagem e contemplam a noção de gênero como ação social, ou
seja, insistem no caráter social dos fatos da linguagem considerando o texto como o
produto da interação social, em que cada palavra é definida como produto de trocas
sociais.
Assim, é no contexto sóciointerativo que os gêneros se constituem como ações
sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum
modo.
Bronckart (2009) em seus estudos considera o momento da interação como
essencial para o agir discursivo, o qual é influenciado e determinado por condições de
produção específicas e normas sociais. A linguagem, neste sentido, é constitutiva do
pensamento e responsável pelo desenvolvimento do pensamento consciente humano.
Para Bronckart (2009, p.112),
os pré-construídos humanos mediatizados orientam o desenvolvimento
das pessoas, estas, por sua vez, com o conjunto de suas propriedades
ativas, alimentam continuamente os pré-construídos coletivos (elas os
desenvolvem, os transformam, os contestam etc.) [...] as mediações
(re)constroem os elementos do meio coletivo, no próprio movimento em
que contribuem para a construção das propriedades psicológicas
individuais.
Ao adotar esse movimento na constituição do desenvolvimento consciente
humano mediatizado pela linguagem e voltado para o estatuto da conduta humana, o ISD
toma para seu quadro as noções de agir, atividade e ação, com contributos de outras
teorias, desenvolvendo as concepções de um agir linguageiro, próprio da conduta
humana, em atividades de linguagem que exercem um papel regulador das atividades
coletivas em uma dada formação social.
Neste contexto, é que esse agir da linguagem se efetiva, por meio dos textos,
organizados em gêneros. Para tanto, apresentaremos a seguir as concepções de agir,
atividade, textos e gêneros assumidos nessa teoria que utilizamos como aporte central.
O termo agir é compreendido, nessa teoria, como um comportamento ativo de
qualquer organismo vivo. Em relação ao agir humano, esse se refere às diferentes
formas de intervenção que os seres humanos exercem no mundo efetivadas por atos ou
gestos. Esse agir humano pode ser distinguido em um agir não verbal (denominado como
agir geral) e um agir verbal (compreendido como um agir de linguagem).
Essas duas dimensões do mesmo agir humano relacionam-se às concepções de
atividade e ação humanas compreendidas sob a ordem do sociológico e do psicológico,
respectivamente. Sob o ângulo do sociológico, encontram-se as atividades coletivas
“estruturas de colaboração que organizam as interações dos indivíduos com o meio”, e a
atividade de linguagem como a reguladora dessa interação nas atividades coletivas. Elas
são responsáveis por “assegurar o entendimento indispensável à realização das
atividades gerais, contribuindo para seu planejamento, sua regulação e sua avaliação”
(BRONCKART, 2009, p. 138).
De acordo com Bronckart (2009), no seio dessas atividades coletivas, estão
articuladas atividades linguageiras com a função de assegurar o entendimento
indispensável para suas realizações, sendo, portanto, responsáveis pela efetiva
regulação das atividades coletivas. Para ele, essas dimensões da atividade humana só
podem ser observadas sob um ângulo relacional, ou seja, tanto a atividade coletiva
quanto a de linguagem dependem uma da outra, sendo problemática, dessa forma, a
distinção entre elas.
No quadro dessas atividades coletivas e de linguagem, são atribuídas ações aos
indivíduos. Essas ações humanas são observadas sob o ângulo do psicológico, pois a
sua efetivação, tanto sob um ponto de vista externo (ação geral) quanto interno (ação de
linguagem), dependem das avaliações sociais referentes a qualquer atividade coletiva,
sendo, assim, o resultado da mobilização das propriedades das atividades mediadas pela
linguagem, carregados de motivos e intenções (BRONCKART, 2009).
Deste modo, é no campo dessas atividades coletivas que as pessoas interagem,
constroem seus conhecimentos, (re) constroem as próprias atividades e criam outras à
medida que a sociedade se transforma, o que se torna possível pelo uso da linguagem
verbal no seio da atividade de linguagem realizada pelo ser humano.
Assim, o agir geral pode ser compreendido no âmbito das atividades coletivas e
das ações realizadas pelos organismos vivos nessas atividades. O agir linguageiro, por
sua vez, no âmbito das atividades de linguagem e das ações de linguagem realizadas por
indivíduos específicos, como o resultado da apropriação, pelo sujeito, dos construtos
sócio-históricos que lhe permite conhecimentos para que possa assumir sua
responsabilidade na interação verbal, tornando-se agente ou o autor da ação. Tanto a
atividade de linguagem quanto a ação de linguagem não são dissociadas das atividades
coletivas e ações, mas constituem-nas e são constituídas por elas, da mesma forma,
como o agir geral e o agir de linguagem não podem ser considerados como partes do agir
humano, mas como dimensões constitutivas dele (BRONCKART, 2009).
As atividades (coletivas ou de linguagem) são organizadas nas formações sociais
compreendidas como formas concretas que as organizações da atividade humana e, de
modo mais geral, da vida humana, assumem, em função dos contextos físicos,
econômicos e históricos (BRONCKART, 2008b, p. 113).
As formações sociais, por sua vez, estabelecem normas e valores a fim de regular
e organizar as interações entre os membros de um determinado grupo social. Essas
interações são mediatizadas pela linguagem verbal em atividades linguageiras, que têm
no texto seus correspondentes empíricos “produzidos com os recursos de uma língua
natural” (BRONCKART, 2008b, p. 113). Ao serem produzidos por uma pessoa, os textos
revelam em si o seu conhecimento sobre os contextos socioculturais e semióticos
organizados em sistemas de representações coletivas, os mundos formais.
Os mundos formais ou representados constituem-se como sistemas de
coordenadas formais que organizam as representações sociais sobre uma determinada
atividade. São compreendidos na ordem do psicológico por se constituírem como
“configurações de conhecimentos” (BRONCKART, 2007, p. 33), adquiridos e exigidos por
uma pessoa para que o seu agir seja considerado válido em uma dada atividade. Assim o
agir humano exibe pretensões à validade sob as quais os membros da sociedade fazem
suas avaliações e/ou controles coletivos (BRONCKART, 2008b). Essas aspirações
regulam e norteiam o agir linguageiro humano no quadro desses sistemas denominados
mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo.
Ao mundo objetivo ligam-se os conhecimentos coletivos adquiridos em relação ao
mundo físico, ou seja, toda e qualquer atividade se realiza no mundo material, constituído
por pessoas e situações concretas. A ação do indivíduo ou grupo nesse meio leva em
consideração o conhecimento abstraído desse mundo material, portanto, é o
conhecimento e as representações criadas socialmente sobre esse espaço que permitem
ao produtor participar eficazmente da atividade na qual está envolvido. Nesse caso, o agir
humano exibe pretensão à verdade.
O mundo social é constituído pelos conhecimentos acumulados pela pessoa em
relação às regras sociais, elaboradas por um grupo particular e específico e aplicadas na
organização das tarefas comuns.
O mundo subjetivo, por sua vez, se constitui pela soma do conhecimento coletivo
acumulado pelo indivíduo engajado nos grupos sociais e de seus traços psíquicos, que
constituem suas características próprias.
De acordo com Bronckart (2008b), no processo de interação verbal, a pessoa
mobiliza o conhecimento desses três mundos representados, que, consequentemente,
aparecerão configurados em suas ações (geral) ou de linguagem. Ou seja, em uma
determinada interação verbal, o produtor, ao produzir seu texto mobiliza o conhecimento
que tem sobre os mundos representados: sobre a atividade na qual será realizada sua
produção, as pessoas envolvidas, o que se espera socialmente dele nessa atividade e o
que ele acredita ser necessário fazer, os conhecimentos internalizados construídos por
sua interação com o meio ao longo da vida e o conhecimento que tem sobre a língua.
Assim, a construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento
consciente humano ocorrem no processo de interação social, regulados pelas atividades
de linguagem que se materializam nos textos organizados em gêneros.
A abordagem dada por essa teoria aos textos e gêneros de textos segue aportes
ligados ao interacionismo social, à psicologia da linguagem (no que se refere à
compreensão de uma linguagem como instrumento fundador dos processos de
percepção, sentimento, cognição, emoções) e à linguística. Segundo Bronckart (2008b),
essa filiação faz parte de um projeto mais amplo que é o de demonstrar o papel central e
fundamental da linguagem no conjunto dos aspectos do desenvolvimento humano e,
consequentemente, ao importante papel das mediações educativas e formativas nas
orientações dadas para esse desenvolvimento.
É sobre a perspectiva de que a linguagem é o elemento central do
desenvolvimento humano, que se efetiva em práticas sociais por meio das interações
verbais, concretizadas nos textos, que o interacionismo sociodiscursivo se volta à
problemática dos textos e gêneros de textos (BRONCKART, 2008b).
Segundo Bronckart (2008b, p. 87), a noção de texto designa “toda unidade de
produção verbal que veicula uma mensagem organizada e que visa a produzir um efeito
de coerência em seu destinatário”, ou, ainda, “unidade comunicativa de nível superior,
correspondente a uma determinada unidade de agir linguageiro” (ibid), podendo ser de
ordem escrita ou oral.
Para esse autor, é por meio dessa unidade de produção verbal ou unidade
comunicativa, o texto, que uma determinada língua natural é apreendida pelos falantes,
ao mesmo tempo em que são com os recursos (lexicais e sintáticos) dessa mesma língua
que um texto é produzido (BRONCKART, 2009). Assim, para ele, o texto é constituído
pela mobilização das unidades linguísticas, acrescentando que as características de
constituição ou composição deste texto também dependerão “das situações de interação
e das atividades gerais que comentam, assim como das condições histórico-sociais de
sua produção” (BRONCKART, 2008b, p. 113). De tal modo, o texto poderia ser visto
como o correspondente empírico/linguístico de uma ação de linguagem e os textos ou
conjuntos de textos ou gêneros de textos como os correspondentes empíricos/linguísticos
das atividades de linguagem de um determinado grupo (BRONCKART, 2006).
Portanto, a construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento
consciente humano ocorrem no processo de interação social, regulados pelas atividades
de linguagem que se materializam nos textos organizados em gêneros.
As noções de gênero de texto propostas pelo interacionismo sociodiscursivo são
constituídas a partir das opções epistemológicas assumidas nesse quadro e remete
também à noção proposta em Bakhtin/ Volochinov (2004).
Bakhtin (2000, [1979], p. 283) define os gêneros do discurso como “tipos
relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, através de enunciados individuais, surge
o gênero, e essa relativa estabilização acontece por meio de seu uso em interações
concretas.
Depreendemos da afirmação, que a ideia de “tipos” usada pelo autor é a de
“tipificação social” dos enunciados, ou seja, uma proximidade de características
semelhantes ou comuns, constituídas não por regras do sistema, mas por situações
socio-históricas dentro das esferas de interação humana.
Para Bakhtin (2000, [1979], p. 312) o gênero discursivo é “uma forma de
enunciado que, como tal, recebe do gênero uma expressividade determinada, típica,
própria do gênero dado”. Concordamos com o autor por entendermos que o discurso só
se efetiva na forma de enunciações concretas de determinados falantes, que são os
sujeitos do discurso. Nesse sentido, fica evidente que o estudo do gênero deve partir do
viés do enunciado, pois cada um deles está repleto de ecos e lembranças de outros
enunciados, aos quais se vinculam no interior de uma esfera comunicativa. As variadas
formas de se dirigir a alguém e as construções de destinatário são as particularidades
que determinam a diversidade dos gêneros discursivos.
No que se refere à diversidade de gêneros Bakhtin (2000, [1979], p. 283) afirma
que ela é enorme e suas formas “[...] são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as
formas da língua”. E complementa:
a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo (p. 262).
Para Bronckart (2008a, p. 88), a noção de gêneros de textos designa “espécies de
textos” que apresentam “características semióticas mais ou menos identificáveis”. O autor
assume a concepção de gênero de texto no lugar de gênero do discurso.
Bronckart, ao trabalhar com a noção gênero de texto, assevera que esses são
espécies de textos e não espécies de discursos, ou seja, conjunto de textos agrupados
por possuírem características relativamente estáveis. Assim sendo, à noção bakhtiniana
de discursos (religioso, literário, jornalístico), atribui as nomenclaturas “espécies de
atividades” e “espécies de atividades de linguagem”, compreendendo “discurso” como os
tipos discursivos que se encontram marcados nos textos, determinando a implicação ou
autonomia das instâncias de agentividade ou o caráter disjunto ou conjunto em relação
ao espaço-temporal.
O estudioso estabelece, ainda, a relação de imbricação dos gêneros de textos às
situações de ação de linguagem, pois, para ele, os gêneros de textos estão organizados
de acordo com os valores de uso presentes nas formações sociais.
De acordo com Bronckart, as formações sociais:
elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características
relativamente estáveis (justificando que sejam chamados de gêneros de
texto) e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados,
para os contemporâneos e para as gerações posteriores (BRONCKART,
2007, p. 137).
Os indivíduos, em uma determinada atividade social, agem linguageiramente
produzindo textos, cujos formatos e modelos já se encontram pré-estabelecidos pela
atividade, num processo denominado por Bronckart (2009, p. 154) de “adoção” ao
gênero.
O produtor ao se apropriar deste modelo não realiza uma cópia, ele realiza suas
próprias adaptações na condição de actante2 das ações de linguagem, de acordo com os
valores pessoais e subjetivos que atribui à situação de produção na qual está envolvido.
Assim, Bronckart (2007) denomina como situação de ação de linguagem e
arquitetura textual, respectivamente. Dessa forma, o produtor acaba por produzir um
texto com um estilo particular, o que pode, com o mesmo, contribuir para a modificação
dos textos pertencentes ao gênero.
Tendo por base essas noções de texto e gênero de texto, o ISD apresenta uma
proposta de organização textual. O modelo de produção e análise, desde a sua primeira
elaboração esboçada na obra „Le fonctionnement des discours‟ (1985), de Bronckart et al,
vem sofrendo ampliações num percurso de três décadas, conforme afirma Bronckart
(2009). Essas elaborações se encontram no segundo modelo explicitado na obra “Activité
langagière, textes et discours. Pour um interactionisme socio-discursif”, de Bronckart
(2007). Convém dizer que essas alterações e ampliações são resultados das abordagens
das pesquisas que são desenvolvidas no quadro teórico do ISD.
De acordo com Bronckart (2008c), esse modelo envolve um olhar sobre as
relações de interdependência entre os mundos representados, a intertextualidade e a
situação de produção com a produção verbal realizada, e, em seguida, a arquitetura
interna dos textos em três níveis organizacionais. Para ele, a situação de ação de
linguagem permite definir as configurações das representações de que dispõe um locutor
e/ou produtor, quanto ao conteúdo temático, assim formulado e organizado, por um lado,
pela semiotização das propriedades materiais e sóciossubjetivas do contexto do agir; e,
por outro, pela arquitetura textual da comunicação verbal, pelos modelos dos gêneros
que estão disponíveis e, mais precisamente, pelos conhecimentos da língua de que
dispõem esse locutor e/ou produtor.
2
Qualquer pessoa implicada no agir (BRONCKART, 2008b, p. 121).
Destacamos que esse modelo de produção e de procedimento de análise só pode
ser compreendido a partir dos posicionamentos teóricos assumidos pelo autor. Quanto às
condições de produção do texto, pautamo-nos na proposta de Bronckart (2009).
O quadro a seguir, exposto em Bronckart (2009), estabelece as condições de
produção para um novo texto (ação de linguagem representações do agente/pessoa e a
arquitetura nebulosa dos gêneros):
(BRONCKART, 2009, p. 146)
Segundo Bronckart (2009), um actante ao produzir um texto é exposto a uma
diversidade de fatores / parâmetros que condicionarão a produção linguageira. Assim, na
análise das condições de produção de um texto, deve-se levar em conta as
representações que uma pessoa tem sobre a situação de ação de linguagem ou situação
de produção, ou seja, as representações que o produtor tem sobre si e o seu papel,
sobre o co-emissor e o papel que esse exerce como destinatário, o tempo e o local de
produção, observando as instituições envolvidas, o quadro social no qual essa ação de
linguagem é realizada e outras representações que possa haver.
Essa situação de ação de linguagem, “situação em que se encontra todo actante
singular que tem de produzir um texto” (BRONCKART, 2008b, p. 88), também
compreendida como situação de produção, pode ser explicada, em uma determinada
atividade de linguagem, pela vivência de uma pessoa em uma situação em que necessita
agir linguageiramente. Ao agir com a linguagem, ela realiza uma ação de linguagem que
pode ser definida como “conhecimento disponível em um organismo ativo sobre as
diferentes facetas de sua própria intervenção verbal” (BRONCKART, 2007, p. 99). Assim,
para a realização dessa ação de linguagem, a pessoa mobiliza o seu conhecimento sobre
essa situação, que, por sua vez, não deve ser entendida como um simples
acontecimento, mas como uma situação de ação de linguagem que assinala as
propriedades dos mundos representados.
Dessa forma, em uma dada situação de produção, uma pessoa age
linguageiramente (ação de linguagem), expondo conhecimentos representativos dos
mundos formais. Nessa situação de produção, o produtor deve ater-se às representações
desses mundos sob duas direções: uma primeira, que é denominada de contexto de
produção, e uma segunda, a do conteúdo temático.
O contexto de produção é definido por “um conjunto dos parâmetros que podem
exercer uma influência na forma como o texto é organizado” (BRONCKART, 2007, p. 93).
Eles são agrupados, pelo autor, em dois subconjuntos, de acordo com a noção dos
mundos formais/representados: o primeiro, o mundo objetivo e o segundo, mundo social
e subjetivo, compreendido como mundo sociosubjetivo.
Em relação aos parâmetros do mundo objetivo, Bronckart (2007) afirma que todo
texto é realizado por um agente, em um momento e em um espaço presentes no contexto
físico. Assim esses parâmetros seriam um conjunto de conhecimentos mobilizados em
relação ao emissor, a pessoa física que produz o texto, chamada de produtor e também
locutor, quando se referir à modalidade oral, ao receptor, a pessoa física que recebe o
texto, denominada como co-produtor ou interlocutor, quando se referir à produção na
modalidade oral e estiver em interação imediata com o produtor. Além disso, todo texto é
produzido em um lugar físico de produção, o lugar onde se realiza a produção verbal, e,
finalmente, em um determinado momento de produção, tempo físico/concreto em que a
ação de linguagem ocorre.
Quanto aos parâmetros do mundo sociossubjetivo, o autor afirma que um texto é
produzido em uma atividade de uma formação social e que essa tem valores e regras a
serem seguidas pelo produtor, que tem, ao mesmo tempo, conhecimentos abstraídos da
própria situação de ação de linguagem. Dessa forma, os parâmetros referentes ao mundo
sociossubjetivo incidem sobre os conhecimentos sobre o enunciador (o papel assumido
pelo emissor), o destinatário (o papel social assumido pelo receptor), lugar social (papel
da instituição) e o objetivo (o efeito que o emissor quer causar no destinatário).
Em relação aos parâmetros emissor / enunciador e receptor / destinatário, o autor
afirma que um mesmo emissor pode produzir textos nos quais desempenha diferentes
papéis enunciativos. Ou seja, a instância responsável pela elaboração de um texto deve
ser definida de um ponto de vista físico e também sociosubjetivo. Assim, para indicar as
instâncias emissor/enunciador no ato da produção verbal, ele aborda as terminologias
“agente-produtor” ou “autor” (BRONCKART, 2007, p. 95).
Em relação ao conteúdo temático referente a um texto, ele pode ser definido como
“o conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas, isto é, que são
traduzidas pelas unidades declarativas da língua natural utilizada” (BRONCKART, 2007,
p. 97). Essas informações resultam das representações e dos conhecimentos adquiridos
pelo produtor no decorrer de suas experiências e se encontram em sua mente antes
mesmo da verbalização.
Além dessas representações, outro elemento a se considerar, nas condições de
produção de um texto, são os modelos dos gêneros já disponíveis e em uso em uma
comunidade, e que podem ser apreendidos “não só em função de suas propriedades
linguísticas objetivas” (BRONCKART, 2007, p.147), mas também pela função que
exercem socialmente. Assim, há de se levar em conta também a relação que a produção
de linguagem tem com a atividade humana, em geral, e a atividade linguageira
(BRONCKART, 2007).
Para Bronckart (2008a p. 40), a “estruturação geral desses gêneros (condições
de abertura e de fechamento, planificação temática)” pode depender das atividades.
Na perspectiva desse teórico, à arquitetura textual se reservam as propriedades
linguísticas, discursivas e enunciativas que fazem parte da organização estrutural do
texto. É, também, denominada como folhado textual. Essa denominação se dá por
compreender que essas propriedades textuais encontram-se organizadas em três
camadas que estão intimamente ligadas sob uma espécie de camadas superpostas, não
podendo, portanto, ser observadas isoladamente.
As três camadas ou níveis de produção, interpretação e análise estão organizadas
em infraestrutura geral do texto, mecanismos de textualização e mecanismos
enunciativos. Bronckart (2009) propõe um esquema simplificado dos três níveis da
arquitetura textual:
(BRONCKART, 2009; p. 147).
A infra-estrutura é a camada textual de nível “profundo”, assim considerada por
A infraestrutura é a camada textual de nível “profundo”, assim considerada por
apresentar estruturas mais complexas de organização. Constitui-se por dois regimes de
organização diferentes: o primeiro, compreendido como o da planificação geral do
conteúdo temático, e o segundo, o dos tipos de discurso, os quais têm em seu interior os
tipos de sequência. (BRONCKART, 2008, p. 89).
Segundo Bronckart (2009, p. 146), a planificação geral do texto, denominada
também como plano global ou planejamento geral do conteúdo temático, é a forma como
esse conteúdo é organizado, ou seja, as formas de planificação deste conteúdo. Essa
organização é cognitiva e o produtor organiza o conteúdo de acordo com a mobilização
que faz do conhecimento que tem a respeito do tema sobre o qual realiza sua produção
verbal e, sobretudo, sobre os mundos discursivos e os parâmetros gerais do eixo do
Expor e do Narrar, que explicaremos quando abordarmos os tipos de discurso. Para esse
autor, essas coordenadas gerais se configuram nos tipos discursivos que são os
primeiros a influenciarem na organização do plano global.
O plano global ou geral de um texto “pode assumir formas extremamente
variadas”, porque cada texto tem suas particularidades e especificidades que se ligam às
especificidades de um dado gênero. Essas particularidades e especificidades dizem
respeito ao tamanho, conteúdo temático, às condições externas à produção (suporte,
variante oral-escrito), à forma como se articulam no texto os tipos de discurso e os tipos
de sequências.
o plano geral de um texto é descrito não com base em uma análise
detalhada dos tipos de discurso e das diversas formas de planificação
que ele combina, mas na forma de um resumo do conteúdo temático,
que faz abstração exatamente da maior parte dessas formas técnicas de
estruturação interna do texto (BRONCKART, 2007, p. 248).
A partir de agora abordaremos o segundo regime de organização do texto, neste
primeiro nível de análise da arquitetura textual, os tipos de discursos. Os tipos de
discurso são definidos como “formas linguísticas” que são identificáveis nos textos e que
traduzem ou semiotizam os mundos discursivos compreendidos como “atitudes de
locução” (BRONCKART, 2009, p.150). Esses mundos são “formatos organizadores das
relações entre as coordenadas da situação de ação de um actante e as coordenadas dos
mundos coletivamente construídos na textualidade” (BRONCKART, 2008b, p. 91).
Ao propor as noções tipos de discursos e mundos discursivos, Bronckart remete à
descrição dos mundos formais de Habermas3, à interiorização das representações
desses mundos por parte dos produtores e à caracterização das unidades linguísticas
que fazem parte dos segmentos dos textos. Da relação tecida entre e/ou sobre essas três
questões se constrói o que o autor considera como mundo ordinário e mundo discursivo.
O mundo ordinário é identificado como os mundos representados pelos agentes humanos
ou, em outras palavras, o mundo em que se desenvolvem as ações de agentes humanos.
Os mundos discursivos são compreendidos como as atitudes de locução ou os modos de
locução.
A constituição desses mundos discursivos, segundo Bronckart (2008b), é o
resultado de dois subconjuntos de operações. Um subconjunto se refere à relação
existente entre a organização temporal das coordenadas gerais do conteúdo temático e
os parâmetros gerais do mundo ordinário. Em outras palavras, ou as coordenadas que
organizam o conteúdo temático semiotizado nos textos são colocadas à distância das
coordenadas gerais da situação de produção do actante ou do mundo ordinário (ordem
do Narrar) ou elas têm correspondência com as coordenadas gerais da situação de
produção do actante (ordem do Expor). Outro subconjunto se refere às instâncias de
agentividade semiotizadas nos textos, ou essas instâncias se referem aos actantes
envolvidos na situação de produção (implicação) ou não (autonomia). É no quadro dos
mundos discursivos ou “atitudes de locução” em que se inserem os tipos de discursos,
3
Em sua teoria da Ação comunicativa, Jurgen Habermas, parte do princípio de que os homens
são capazes de ação, e para tanto utilizam-se da linguagem para se comunicarem com os seus
pares, buscando chegar a um entendimento.
como
segmentos
linguísticos
que
semiotizam
ou
traduzem
essas
atitudes.
(BRONCKART, 2009, p. 152).
Com isso, o autor distingue os mundos discursivos em quatro mundos: mundo do
expor implicado, mundo do expor autônomo, mundo do narrar implicado e mundo do
narrar autônomo. Ligados a esses mundos discursivos, encontram-se, conforme já
dissemos, os tipos de discursos: ao mundo do expor implicado, o discurso interativo; ao
mundo do expor autônomo, o discurso teórico; ao mundo do narrar implicado, o relato
interativo; e, finalmente, ao mundo do narrar autônomo, a narração.
Os tipos de discursos são, portanto, determinados pela relação de implicação ou
de autonomia do produtor com o conteúdo temático expresso no texto, e pela relação de
disjunção ou conjunção entre a organização temporal expressa no texto com a situação
de produção. Por exemplo, se o conteúdo temático verbalizado se referir a um fato
distante cronologicamente da situação de produção, o tipo de discurso estará no eixo do
Narrar e poderá ser Narrativo ou Relato Interativo, conforme o grau de autonomia ou de
implicação assumido pelo produtor do texto. No caso do conteúdo temático verbalizado
se referir a um fato cronologicamente ligado à situação de produção do actante, o tipo de
discurso estará no eixo do Expor e poderá ser Discurso Teórico ou Discurso Interativo, de
acordo com o grau de autonomia ou de implicação do produtor do texto. Vale ressaltar
que cada tipo discursivo é constituído por um conjunto de marcas linguísticas que ajudam
em sua identificação nos segmentos textuais em que ocorrem.
De acordo com Bronckart (2007, p. 158 - 175), os tipos de discurso apresentam as
seguintes marcas que os identificam, conforme constatamos a seguir.
O discurso interativo pode ser monologado ou dialogado, oral ou escrito,
apresentar frases interrogativas, imperativas ou exclamativas (frases não declarativas),
ter os tempos verbais (presente do indicativo, pretérito perfeito do indicativo e futuro
perifrástico) articulados entre si, possuir dêiticos pessoais, espaciais e temporais,
presença de pronomes e pessoas de modo “poder”, assim como de outros auxiliares de
valor pragmático “querer, dever, ser preciso”.
O discurso relato interativo apresenta as seguintes características: pode ser
monologado, em uma situação de interação que pode ser real ou imaginária, oral ou
escrita, ausência de frases não declarativas, presença dos tempos verbais pretérito
perfeito e imperfeito aos quais, às vezes, são associados o futuro do presente, futuro do
pretérito e/ou o mais-que-perfeito, presença de organizadores temporais (advérbios,
sintagma proposicional, coordenativos e subordinativos), pronomes adjetivos em 1ª e 2ª
pessoa do singular e plural referindo-se ao produtor e ao receptor/destinatário da
interação verbal, e anáforas pronominais associadas às nominais.
O discurso teórico, por sua vez, apresenta as seguintes características:
geralmente, pode ser monologado e escrito, apresenta frases declarativas, pronomes,
verbos e adjetivos de 1ª pessoa plural com valor genérico, presença de organizadores
argumentativos, modalização lógica e o auxiliar de modo „poder‟, a ausência de dêiticos
temporais, espaciais e de pessoas, presença de frases passivas e anáforas nominais,
tempos verbais presente e pretérito perfeito com valor genérico, presença do tempo
verbal futuro do pretérito.
E, por fim, o tipo de discurso narração apresenta as seguintes características:
monologado e geralmente escrito, apresenta como tempos verbais dominantes o pretérito
perfeito e pretérito imperfeito associados ao pretérito mais - que - perfeito e futuro do
pretérito, presença de organizadores temporais, anáforas pronominais e nominais,
ausência de adjetivos, presença dos pronomes de 3ª pessoa e ausência de pronomes de
1ª e 2ª pessoa do singular e plural.
Em relação aos tipos de discurso e às modalidades oral e escrita das produções
textuais, Bronckart (2007) esclarece que o fato de um texto ser originalmente oral ou
escrito não incide exatamente sobre os tipos de discurso, mas sobre o plano do contexto:
[...] devemos considerar que é o contexto da ação de linguagem no seu
conjunto que exerce influência sobre essas diferenças de registro e não
a variante oral/escrita em si mesma, que constitui apenas uma das
propriedades do contexto, desempenhando um papel subordinado ou
indireto (BRONCKART, 2007, p.185).
Essa questão, por exemplo, evita o equívoco de se pensar que, em uma ação de
linguagem oral, o tipo discurso interativo teria características mais acentuadas do que o
tipo de discurso teórico, e que, em uma ação de linguagem escrita, o tipo discurso teórico
contenha características mais acentuadas do que o discurso interativo. Portanto, o que
de fato o autor afirma é que, portanto, não é a modalidade oral ou escrita que determina o
grau de implicação ou autonomia do produtor, mas são essas escolhas e esses graus
que estão de acordo com o contexto de produção e os tipos de discurso, os quais
independentemente da modalidade ser oral ou escrita, apresentam suas características
de acordo com a situação de linguagem em que um texto é produzido (BRONCKART,
2007).
Apresentaremos o terceiro elemento desse primeiro nível de análise, os tipos de
sequências que, para Bronckart (2008b, p.89), são os “modos de planificação” do
conteúdo temático ou ainda uma forma de organização sequencial desse conteúdo. São,
portanto, o “produto de uma re-estruturação de um conteúdo temático já organizado na
memória do produtor na forma de macroestruturas” (BRONCKART, 2007, p. 234). São
assim, segmentos, estritamente, linguísticos. Em sua abordagem sobre os tipos de
sequências, Bronckart retoma Adam (1992) que as distribuem em sequências
prototípicas identificadas como sequência narrativa, argumentativa, descritiva, explicativa
e dialogal, e acrescenta a essa tipologia, a sequência injuntiva e outras formas de
planificação (script e esquematização), como também a noção do caráter dialógico das
sequências.
Segundo Bronckart (2007, p. 234), as sequências e as outras formas de
planificação têm um “estatuto fundamentalmente dialógico”, pois sendo elas uma das
formas de organização do conteúdo temático (que já se encontra organizado na mente do
produtor) expressas linguisticamente, seu uso é motivado pelas representações que esse
agente tem de seus destinatários e do efeito que neles quer causar. Desta forma, o
produtor recorre ao intertexto e opta pelo protótipo de sequência que melhor servirá a
seus interesses, organizando-o de acordo com a situação de produção.
Em Bronckart, as sequências estariam distribuídas em relação aos tipos de
discurso da seguinte forma: as sequências narrativas mais ligadas aos relatos interativos
e às narrações, as sequências argumentativas, explicativas e injuntivas aos discursos
teóricos e interativos, as sequências dialogais aos discursos interativos dialogados e as
sequências descritivas a todos os tipos de discurso (BRONCKART, 2007, p. 252).
Para Bronckart (2007, p. 259),
qualquer que seja a diversidade e a heterogeneidade dos componentes
da infraestrutura de um texto empírico, ele constitui um todo coerente,
uma unidade comunicativa articulada a uma situação de ação e
destinada a ser compreendida e interpretada como tal por seus
destinatários. Essa coerência geral procede, de um lado, do
funcionamento dos mecanismos de textualização e, de outro, dos
mecanismos enunciativos.
Os mecanismos de textualização correspondem às regras de organização geral
do texto que compreende a coesão nominal, a coesão verbal e os mecanismos de
conexão.
Os mecanismos de conexão marcam “as grandes articulações da progressão
temática e são realizados por um subconjunto de unidades a que chamamos
organizadores textuais”, e assinalam “as transições entre os tipos de discurso
constitutivos de um texto, entre fases de uma sequência ou de uma outra forma de
planificação e podem ainda assinalar articulações locais entre frases” (BRONCKART,
2007, p. 263). Ao assinalar a transição entre os tipos de discursos, os organizadores
textuais exercem a função de segmentação; ao assinalar a transição entre as fases de
uma sequência, esses organizadores exercem a função de balizamento. Ao assinalar a
transição entre frases ou períodos coordenados, em um mesmo segmento discursivo ou
fase de uma sequência, eles exercem a função de empacotamento. E, ao assinalar a
transição entre frases sintáticas organizadas pela relação de subordinação, esses
organizadores exercem a função de encaixamento.
Os mecanismos de conexão são marcados linguisticamente por palavras ou
expressões que pertencem às categorias gramaticais advérbio, preposição, substantivo,
conjunções (coordenativas e subordinativas). Além dessas marcas, os mecanismos de
conexão podem ser identificados, na escrita, também por algumas marcas que Bronckart
(2007) chamou de procedimentos paralinguísticos, sendo eles a formatação, os títulos,
marcas de pontuação, e, no oral, as pausas, acentuações entonativas e outros.
É importante ressaltar que esses organizadores textuais podem ser agrupados por
seu valor semântico. “Alguns organizadores têm valor mais temporal (depois, súbito,
antes que); outros, um valor mais „lógico‟ (de um lado, ao contrário, porque); outros ainda,
um valor espacial” (no alto, desse lado, mais longe) (BRONCKART, 2007, p. 267). Os
organizadores temporais são mais frequentes na ordem do narrar, os lógicos na ordem
do expor; entretanto, ambos podem figurar nos dois eixos. Em alguns casos, os
organizadores temporais podem assumir outra função e apresentar-se, assim, com outro
valor, por exemplo, o “agora”, encontrado em alguns dos textos do corpus desta
pesquisa, que pode assumir a função lógica.
Os mecanismos de coesão nominal, que fazem parte também do segundo nível
de análise, marcam as relações de dependências existentes entre argumentos que têm
as mesmas propriedades referenciais, sendo identificados por sintagmas nominais ou por
pronomes que assumem uma função sintática de sujeito ou objeto. Servem para
introduzir uma unidade significativa, um elemento novo, ou realizar uma retomada,
apresentando duas categorias de marcação: anáforas pronominais (pronomes pessoais,
relativos, possessivos demonstrativos e reflexivos), encontradas, com maior frequência,
nos discursos da ordem do Narrar; e as anáforas nominais compostas por sintagmas
nominais de diversos tipos, encontradas com maior frequência em discursos da ordem do
Expor.
Os mecanismos de coesão verbal marcam a relação de “continuidade,
descontinuidade e/ou de oposição existentes entre os elementos de significação
expressos pelos sintagmas verbais” (BRONCKART, 2007, p. 273). A coesão verbal é
marcada pelas escolhas dos lexemas verbais e seus determinantes – os tempos verbais sendo, portanto, os verbos os constituintes obrigatórios da coesão verbal. Os verbos, em
seu conjunto, assumem valores gerais de significado (temporalidade, aspectualidade,
modalidade); valores mais específicos (simultaneidade, anterioridade); valores aspectuais
de realizado, imperfectivo, frequentativo; valores modais de asserção (modalidade
assertiva), de hipótese (modalidade lógica). Em sua relação com os tipos de discurso, é a
temporalidade o aspecto principal, pois é ela que registrará o caráter conjunto e disjunto
presente no eixo do expor e do narrar.
As escolhas verbais são realizadas levando em consideração três parâmetros: o
momento da produção, o momento do processo e o momento psicológico de referência.
A análise, a partir desses parâmetros, permite definir o eixo de referência temporal dos
tipos de discursos em relação ao contexto de produção.
Dos mecanismos apresentados anteriormente, as categorias que colaboram para
explicar os dados são: mecanismos de conexão e mecanismos de coesão verbal.
Acreditamos que essas categorias de análise permitirão visualizar melhor o gênero que
foi objeto de ensino da prática vivenciada em sala de aula.
O último dos três níveis em que o texto se organiza são os mecanismos
enunciativos que, de acordo com Bronckart (2008b, p. 90), contribuem para o
estabelecimento da coerência pragmática (ou interativa) do texto e consistem,
primeiramente, na construção de uma instância geral de gestão, conhecida como
textualizador, a quem o autor empírico confia a responsabilidade sobre o que é dito no
texto, a partir do qual se dá a distribuição ou inserção de vozes (personagens, instâncias
sociais e do próprio autor), no meio das quais se manifestam as avaliações e os
julgamentos do produtor em relação ao conteúdo proposicional, as modalizações.
As marcas de inserção de vozes visam fazer visíveis as instâncias de
agentividade que têm responsabilidade sobre o que é dito em um texto (BRONCKART,
2006, p. 149). Segundo esse mesmo autor, as vozes podem ser definidas como as
“entidades que assumem a responsabilidade do que é enunciado” (BRONCKART, 2007,
p. 326) e podem ser agrupadas em três categorias - vozes de personagens, vozes sociais
e voz do autor.
As vozes de personagens são as vozes de seres humanos ou entidades
humanizadas (animais, por exemplo) que assumem responsabilidade pelo conteúdo
temático.
A voz do autor ou do textualizador, por sua vez, é aquela que procede diretamente
da “pessoa que está na origem da produção textual e que intervém no texto com
comentários,
avaliando
ou
explicando
algum
aspecto
do
conteúdo
temático”
(BRONCKART, 2007, p. 327).
As vozes sociais são as vozes dos grupos sociais expressas nas produções,
sendo mencionadas nos textos como instâncias externas de avaliação de alguns
aspectos do conteúdo temático.
Outros mecanismos de enunciação presentes na constituição de um texto
empírico são as modalizações. Estas são unidades linguísticas responsáveis por
expressar as avaliações, julgamentos e comentários da instância enunciativa sobre o
conteúdo temático exposto na produção de linguagem. Constam de cinco funções
relacionadas ao mundo objetivo e sociossubjetivo. São elas: deôntica, lógica, apreciativa
e pragmática. Suas marcações se agrupam em quatro subconjuntos: o primeiro, os
tempos verbais do futuro do pretérito; o segundo, os auxiliares de modo (querer, dever,
ser necessário e poder), juntamente com outros verbos que podem, às vezes, também
funcionar como auxiliares de modo (crer, pensar, gostar de, desejar, ser obrigado a, ser
constrangido, etc); o terceiro, um conjunto de advérbios e locuções adverbiais
(certamente, provavelmente, evidentemente, talvez, verdadeiramente, sem dúvida,
felizmente, infelizmente, obrigatoriamente, deliberadamente, etc); e, por último, as
orações impessoais e orações adverbiais que geram uma oração subordinada completiva
(é provável que..., é lamentável..., admite-se..., geralmente que..., sem dúvida que...,
etc.).
• as modalizações deônticas expressam valores, opiniões, expressam regras do
convívio social sobre o enunciado;
• as modalizações lógicas têm a função de avaliar elementos do conteúdo temático e
apoiam-se no mundo objetivo, atestam fatos possíveis, necessários, eventuais: é
evidente que; provavelmente, também aparecem com verbos no futuro do pretérito
do indicativo;
• as modalizações apreciativas apresentam avaliações sobre o enunciado que
provêm do mundo subjetivo. São marcadas pelos advérbios e orações adverbiais;
• as modalizações pragmáticas explicitam características da responsabilidade de um
grupo, de uma instituição com relação às intenções, à razão ou capacidade de
ação.
De acordo com Bronckart (2008b, p. 90), tanto as modalizações quanto as vozes
servem para orientar a interpretação dos destinatários. É válido ressaltar também que as
modalizações são independentes dos tipos de discurso, podendo estar relacionadas ao
gênero ao qual pertence o texto (BRONCKART, 2007, p. 334).
Esse modelo de produção, interpretação e análise permite aos pesquisadores no
quadro do ISD utilizá-lo nas mais variadas situações de leituras e interpretações de seus
dados, como também para a análise de gêneros e elaboração de material didático.
Deste modo, tomamos como ponto de apoio os pressupostos teóricos e
metodológicos do interacionismo sociodiscursivo, adotando a noção de gênero e os
aspectos relacionados ao contexto de produção, na perspectiva de Bronckart (2007).
1.2 O gênero textual no contexto escolar
Para refletir sobre o ensino de língua materna é preciso que levemos em
consideração o trabalho linguístico que os sujeitos realizam nas suas ações, com e sobre
a linguagem, e nas ações da linguagem sobre os sujeitos, que configuram os gêneros.
Essas ações permitem que os sujeitos atuem entre os gêneros que já existem e os
novos, construindo novas formas de representação.
Para Dolz e Schneuwly (2004), o desenvolvimento ou aprendizagem se dá através
de um processo de apropriação das experiências acumuladas pela sociedade no curso
de sua história. Essas experiências ganham historicidade porque se apresentam, de certa
maneira, estáveis, chegando a serem reconhecidas como práticas sociais.
Dentre as práticas sociais, estão as práticas de linguagem que se relacionam com
as dimensões particulares do funcionamento linguístico, isto é, as variáveis sociais,
cognitivas e linguísticas. Assim sendo, para analisá-las no âmbito das práticas sociais, é
necessário considerar as interpretações que os sujeitos fazem das situações de
linguagem. Estas interpretações dependem do seu lugar social e da representação que
têm das práticas.
A partir desses pressupostos os autores fazem alguns questionamentos: como
articular as ações que envolvem toda a prática de linguagem com a atividade de um
aprendiz? Como trabalhar as práticas de linguagem na sala de aula, considerando o lugar
ocupado pelos aprendizes e as representações que eles têm dessas práticas?
Os estudiosos Dolz e Schneuwly (2004, p. 74) respondem aos questionamentos
dizendo que não há outra maneira de articulação se não por meio dos gêneros, pois é
através deles “que as práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos
aprendizes”. Portanto, podem ser para os aprendizes uma referência e um suporte para a
atividade linguística nas situações de comunicação.
Dolz e Schneuwly (2004) preconizam a ideia do gênero como (mega) instrumento
para agir em situações de linguagem. Assim, se utilizados para o ensino de leitura e
produção textual, poderão contribuir com a apropriação de conhecimentos quanto à
diversidade de composições, aos diferentes estilos e aos variados recursos linguísticos.
Ainda de acordo com esses autores, no contexto escolar, o gênero não é apenas
instrumento de comunicação, mas também, ao mesmo tempo, objeto de ensinoaprendizagem.
A esse respeito, os autores apresentam três maneiras predominantes de a escola
abordar o ensino dos gêneros. A primeira é marcada pelo desaparecimento da
comunicação, abordagem em que, os gêneros são tratados como se fossem desprovidos
de qualquer relação com uma situação de comunicação autêntica, e “elaborados como
instrumentos para desenvolver e avaliar, progressiva e sistematicamente, as capacidades
de escrita dos alunos” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 77).
A segunda abordagem considera a escola como lugar de comunicação, como o
lugar autêntico de produção e utilização de textos. Os gêneros não são descritos nem
ensinados, mas aprendidos pela prática de linguagem escolar porque se acredita que se
aprende escrever, escrevendo.
A terceira abordagem nega a escola como lugar específico de comunicação. Os
gêneros que funcionam nas práticas de linguagem são utilizados pela escola como se o
contexto escolar não os transformasse. Nessa perspectiva, não se analisa que as
práticas de linguagem são, em parte, fictícias, por seus objetivos didáticos.
Concordamos com os autores quando sugerem que o ensino de leitura e
produção textual deve centrar-se nos gêneros textuais. Isso fortalece o pressuposto de se
ter, previamente, a construção de um modelo didático, ou melhor, estratégias de ensino
que possam favorecer ao aluno o domínio dos gêneros textuais em suas diferentes
situações de comunicação.
O papel dos gêneros no aprendizado da linguagem é lembrado em Bakhtin (2000,
[1979], p. 301 - 302) quando afirma:
Esses gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a
língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe
estudemos a gramática [...] Aprender a falar é aprender a estruturar
enunciados [...] Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma
maneira que a organizam as formas gramaticais. [...] Se não existissem
os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de
construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria
quase impossível.
Comungamos
com
Bakhtin,
pois
entendemos que
não
há
como
nos
comunicarmos, a não ser através dos gêneros de texto orais ou escritos. Os gêneros
textuais, como construtos de natureza social, linguística e cognitiva, funcionam como
modelos de referência para o usuário da língua, e são processados pelo sujeito,
automaticamente, intuitivamente no intertexto, em situações imediatas de uso, ou através
de metarreflexão, em situação de aprendizado formal para os gêneros mais complexos.
Dolz e Schneuwly (2004, p. 45) transportam a reflexão de Bakhtin (2000) para o
contexto escolar, pois para eles,
no que concerne às práticas de linguagem, sua apropriação começa no
quadro familiar, mas certas práticas, em particular aquelas que dizem
respeito à escrita e ao oral formal, realizam-se essencialmente em
situação escolar na nossa sociedade.
Ainda de acordo com estes autores o aprendizado da linguagem em ambiente
escolar traz outros desdobramentos. Eles alertam que é na escola, por meio do ensino,
que os alunos se conscientizam dos objetivos relativos à produção e à compreensão
linguística. É o momento de entender as práticas de linguagem utilizando-se de várias
atividades.
Para os suíços Dolz e Schneuwly (2004), o objetivo das aulas de língua materna
deve ser o de instrumentalizar os aprendizes para que eles possam reconhecer e utilizar
todas as particularidades do funcionamento linguístico em situação de comunicação.
Estes mesmos autores alegam em sua crítica,
(...) Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um
saber que a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas
que nasce e se desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea,
sem que pudéssemos ensiná-la sistematicamente. (DOLZ e
SCHNEUWLY, 2004, p.50).
Concordamos com os autores quando defendem que a escola é o lugar reservado
em nossa sociedade para o ensino sistematizado do funcionamento da linguagem em
situações de comunicação, não cabendo a ela apenas monitorar ou acompanhar um
aprendizado natural, espontâneo.
Nesta perspectiva, Dolz e Schneuwly (2004) propõem um trabalho com
sequências didáticas, em torno de um gênero textual. Enaltecemos a sugestão dos
autores, porém organizamos o nosso trabalho tomando como apoio, apenas, alguns
pontos da sequência didática sugerida por eles. Assim sendo, a experiência realizada em
sala de aula não se configura sequência didática.
Na opinião dos autores, nas escolas, o gênero não é somente um instrumento de
comunicação entre os sujeitos que convivem e interagem, mas é ao mesmo tempo,
objeto de ensino e aprendizagem.
Desse modo, eleger os gêneros textuais como objeto de ensino implica conceber
a escrita enquanto prática social mediada pela linguagem que inscreve sujeitos em
diferentes contextos de interação que se tipificam conforme a própria situação, a esfera
social e os objetivos a serem alcançados pelos interlocutores envolvidos. Na seleção de
gêneros textuais para o trabalho na sala de aula é importante selecionar aqueles que
pareçam mais adequados aos alunos.
Na perspectiva do ensino de língua centrado nos gêneros textuais, pode-se criar
condições para a construção dos conhecimentos linguístico-discursivos envolvendo às
práticas de linguagem dentro e fora da sala de aula. Conforme as diretrizes curriculares
para o ensino de Língua Portuguesa, as noções de texto e de gênero devem legitimar os
exercícios de leitura, de produção textual e de análise linguística, focalizando o gênero
como instrumento de ensino-aprendizagem. Desse modo, os PCN (BRASIL, 2001, p. 21 22) destacam:
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero em função das
intenções comunicativas (...). Os gêneros são, portanto, determinados
historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de
enunciados, disponíveis na cultura, que são caracterizados por três
elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. A
noção de gênero refere-se a famílias de textos que compartilham
algumas características comuns, embora heterogêneas, como: visão
geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo,
extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número
quase ilimitado (...) O objeto de ensino (...) é o conhecimento linguístico
e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais
mediadas pela linguagem (...) Ao professor cabe planejar, implementar e
dirigir as atividades didáticas (...) procurando garantir aprendizagem
efetiva.
A alusão dos gêneros como objeto de ensino e aprendizagem para a prática de
compreensão, leitura e construção de sentidos, supõe a adoção da concepção de
linguagem e de escrita como uma prática histórico-social, na qual o sujeito seleciona os
recursos disponíveis na língua para determinadas condições e finalidades, dando formas
diversas aos seus textos, dependendo de suas condições de produção.
Suassuna (1995), considera que a linguagem é antes de qualquer coisa um modo
de vida social, definindo os indivíduos que interagem entre si e com o mundo, afirma que
não se pode separar a linguagem de seu uso efetivo, concreto e social. Por essa razão, o
trabalho com os gêneros textuais abre a possibilidade de se realizar com a linguagem
uma abordagem na sala de aula em que se privilegiem as propriedades discursivas,
interativas ou enunciativas da linguagem. Como bem assinala Bakhtin (2000, [1979], p.
123):
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno
social de interação verbal, realizada através da enunciação ou das
enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental
da língua.
Nesta concepção de linguagem não é o signo, nem a frase o objeto de estudo, e
sim o texto. O trabalho com o texto é que faz professor e aluno ocuparem-se
efetivamente com o uso da língua, pois ele é a própria prática da linguagem.
Nesse sentido, Bronckart (2009) argumenta que é papel da escola assumir-se
enquanto espaço oficial de intervenção para proporcionar ao aprendiz condições para
que ele domine o funcionamento textual de diferentes tipos de discurso, pois os gêneros
textuais são como um instrumento que possibilitam aos agentes leitores uma melhor
relação com os textos, pois, ao compreender como utilizar um texto pertencente a um
determinado gênero, pressupõe-se que esses agentes poderão agir com a linguagem de
forma mais eficaz.
O trabalho com os gêneros textuais na sala de aula demanda cuidado e empenho
por parte do professor, para que não sejam abordados apenas nos aspectos relacionados
à forma composicional e sua função social. É importante que seja trabalhada com os
alunos a reflexão dos aspectos culturais e sociais que estão implícitos à configuração do
gênero.
Diante do exposto, consideramos que o ensino através dos gêneros textuais se
constitui numa possibilidade de lidar com o uso autêntico da língua, já que tendem a
valorizar os atos sociais em que os atos linguísticos estão presentes. Portanto, é de
fundamental importância, um trabalho sistemático com os gêneros textuais na escola,
para que os alunos possam vivenciar situações reais de comunicação e usem com
competência a escrita.
1.3 O gênero carta
Tendo em vista o gênero em estudo (carta), destacaremos as concepções
apresentadas por alguns autores, a exemplo de Silva (2002), Marcuschi (2002), Bakhtin
(2000) e Chartier (1991), como também apresentaremos sua diversidade nos aspectos
formais, funcionais e interacionais. Por fim, caracterizamos a carta ao autor.
1.3.1. Conceitos e variedades do gênero carta
A carta4 é considerada como um dos mais antigos meios de comunicação,
resistindo aos avanços tecnológicos da era comunicacional.
Comte-Sponville (1997)
chama a atenção para determinadas características que os avanços tecnológicos não
conseguiram superar. O ato de escrever carta demanda um tempo de solidão e
introspecção que a fala não permite. Além disso, ao recebermos uma carta, podemos
escolher o momento em que desejamos „ouvir‟ esse remetente, diferente do „tempo real‟
do telefone, da internet ou do encontro face a face.
Reconhecemos e utilizamos, ainda hoje, o gênero carta, pois assim como outro
gênero, ele se define a partir de três características que de acordo com Bakhtin (2000,
4
O uso da denominação, gênero carta, em vez de gênero epistolar, busca dar ênfase ao sentido
de unidade de comunicação construída em contextos funcionais específicos, evitando conotações
literárias.
[1979]) são: pelos conteúdos que são dizíveis através dele; pelo seu estilo verbal; por sua
construção composicional. Tais características se interligam formando um todo verbal e
são determinadas pelas esferas que a utilizam.
Deste modo, concordamos com o autor quando propõe uma ordem metodológica
de estudo do enunciado contemplando o conteúdo, o estilo e a composição, pois
acreditamos que seja esse o caminho de análise para a compreensão de um gênero.
Bakhtin (2000, [1979], p. 281) incluiu a carta entre os gêneros primários, ou seja,
entre aqueles que se constituem em circunstâncias de uma comunicação espontânea.
Situada em espaço e tempo determinados, ela é empregada em situações comunicativas
que se caracterizam pela ausência de contato imediato entre emissor e receptor.
No nosso entendimento a carta ao autor trata de um gênero secundário, propício
para refletir a individualidade daquele que escreve e cuja linguagem é formal, na
variedade padrão e permite, de forma bastante demarcada, a passagem da palavra do
autor para o seu destinatário. A alternância de falantes ocorre porque se trata de um
gênero mais próximo da oralidade e, por isso, permite a quem escreve dizer tudo aquilo
que queria dizer, de tal forma que, ao ler, o destinatário percebe um acabamento do
querer dizer do autor e, simultaneamente adota uma "atitude responsiva" em relação à
provocação feita por este.
Desse modo, Bakhtin (2000, [1979], p. 290) diz que
a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre
acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa
atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e,
de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: (...) o ouvinte que
recebe e compreende a significação de um discurso adota
simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa:
ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta,
apronta-se para executar.
Comungamos com o autor, pois a escrita enquanto prática social conduz a uma
compreensão
responsiva
ativa
(reflexão,
produção
de
novos
enunciados
e
questionamentos) que se constrói nas interações verbais.
Ainda no tocante à atitude responsiva, do leitor-destinatário, entendemos que ela
pode ser retardada pela característica que o gênero oferece - o autor escreve de um
lugar e tempo determinado e o destinatário lê de um outro lugar e em outro tempo. Por
isso, a resposta esperada pelo autor não acontece de imediato, como ocorre em outra
interação face a face, como a conversa, em que destinatário e autor estão num mesmo
espaço/tempo.
A carta é um gênero que se constitui um meio de manter a interação social. De
acordo com Silva (1995, p. 235), ela sempre será uma unidade aos olhos de quem abre o
envelope: o ato de enviar uma carta e o fato de recebê-la já criam uma situação
comunicativa: está feito o contato.
Para Chartier (1991, p. 9) a carta é um texto, ao mesmo tempo, livre e codificado,
íntimo e público, que pode ser considerado como segredo e algo voltado para a
sociabilidade, melhor que qualquer outra expressão de nosso tempo, associando o laço
social e a subjetividade.
Adam, (1998, p. 41- 42) em um artigo sobre cartas, comenta que, em decorrência
da variedade de gêneros epistolares, a composição textual de cada um deles guarda uma
tradição das práticas epistolares do mundo clássico, que se pautaram nos princípios da
retórica clássica. As cartas constituem-se basicamente de três etapas: abertura do
evento, espaço em que se instaura o contato e a interlocução com o destinatário, que
corresponde ao exórdio; o corpo da carta, desenvolvimento do objeto do discurso, o
narratio; e por fim, o encerramento do contato, da interlocução; conclusão.
Silva (2002, p. 133) nos chama a atenção para o fato de que, embora tal modelo
possa servir “como matriz sociocognitiva estandardizada social, histórica e culturalmente,
que se inscreve no conjunto do sistema de estratégias cognitivas de processamento de
produção e recepção dos textos, exemplares de gêneros epistolares em uso na nossa
cultura”, o gênero carta em sua realização empírica pode manifestar-se de forma
relativamente diferenciada.
Embora o gênero carta apresente características formais, não deixaremos de
relacioná-la aos aspectos sóciohistóricos da situação enunciativa, privilegiando a
intenção do autor ao utilizar o gênero para organizar o seu querer-dizer a alguém.
O primeiro elemento comum a todas as cartas responde a uma necessidade
sociointerlocutiva dos sujeitos e ajuda a definir o próprio gênero: a distância que existe
entre os interlocutores no momento da escrita e leitura da carta. As cartas são escritas
quando há ausência de contato imediato entre emissor e destinatário.
O segundo elemento é a interlocução, pois a carta é um gênero por definição
destinado a outra pessoa. Ao analisarmos as reflexões de Bakhtin (2000, [1979]) sobre
enunciado, percebemos que todo texto se dirige a alguém, revelando que “as diversas
formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são
as particularidades constitutivas que determinam a diversidade de gêneros do discurso”.
(p. 325)
O terceiro é a maneira como uma carta se estrutura, já muito conhecida entre os
sujeitos.
Segundo Marcuschi (1995, p.98 apud SILVA, 1999), há um saber social e
intuitivo sobre os gêneros do discurso, construído nas esferas das relações
sociocomunicativas, que permite um sujeito usar ou reconhecer um gênero, a partir de
sua estrutura. Há traços linguísticos, no entanto, que por apresentar-se de modo
recorrente na estrutura formal de alguns gêneros, chegam a ganhar “um alto grau de
estereotipia, ou seja, por exibirem formas relativamente estáveis de manifestação do
discurso, trazem muitas vezes na superfície textual algumas marcas linguísticas
geralmente previsíveis e identificáveis de imediato pelos sujeitos”.
Silva (1999), juntamente com Marcuschi (1995), no entanto, chamam a atenção
para um aspecto importante. Não é pelo fato de determinados traços linguísticos estarem
tão presentes na configuração de alguns gêneros, que podemos concluir que tal gênero
se figura como uma camisa de força, à qual os sujeitos se submetem, impossibilitando-os
de fazer outras escolhas, selecionar outras formas linguísticas. Ao observar esse
fenômeno, é importante considerarmos que essas marcas linguísticas foram construídas
ao longo do tempo e resultam de um trabalho linguístico realizado pelos sujeitos em suas
relações sociointerlocutivas. Estas formas são usadas ao mesmo tempo em que são
atualizadas pelos sujeitos e, se elas se mantêm até hoje é porque são eficazes no que
diz respeito à intenção do autor, quando escolhe determinado gênero, considerando o
tema a ser abordado e o destinatário de sua mensagem.
Assim sendo, a carta, por se tratar de um gênero que vem sendo construído há
dezenas de séculos, pode ser um bom exemplo desse caráter duplo dos gêneros, pois ao
ser utilizado ainda hoje, mantêm em sua estrutura formal características herdadas da
tradição retórica ao mesmo tempo em que pode estar incorporando outras, advindas do
meio eletrônico, por exemplo.
Segundo Marcuschi (2001), um gênero varia de acordo com o contexto discursivo.
A estrutura de uma carta, por exemplo, em geral, é sempre a mesma. Qual seja? De
acordo com o autor: a) local, data; b) saudação; c) texto; d) despedida; e)assinatura.
Entretanto, como afirma Silva (1997 apud BEZERRA, 2003, p. 210),
[…] embora sendo cartas, não são da mesma natureza, pois circulam em
campos de atividades diversos, com funções comunicativas variadas [...]
assim, [estes] tipos de cartas podem ser subgêneros do maior “carta”,
pois todos têm em comum – sua estrutura básica: a seção de contato, o
núcleo da carta, e a seção de despedida – mas são diversificados em
suas formas de realização,suas intenções.
Tal afirmação colabora com a tese de que o esquecimento de um elemento ou
outro não vai impedir que o gênero cumpra sua função social, que é estabelecer
comunicação direta entre os indivíduos numa relação e circunstância específica.
Ao analisar o gênero carta, Paredes Silva (1997) afirma que este permite uma
variedade de tipos de comunicação, tais como: pedido, agradecimento, conselho,
congratulações, desculpas, informações, intimação, prestação de contas, notícias, cartas
de familiares etc. A autora acrescenta que, embora sendo cartas, não são da mesma
natureza, pois circulam em campos de atividades diversos, apresentando funções
comunicativas variadas: nas relações pessoais, nos negócios, entre outras. Desse modo,
esses tipos de cartas podem ser considerados subgêneros do gênero maior “carta”, pois
todos apresentam traços comuns na sua estrutura básica.
Nesse contexto, Souto Maior (2001, p.1-13) realizou uma pesquisa em que
descreve a carta em sua variedade, estrutura e uso, adotando três critérios para suas
análises: o contextual – implica os interlocutores e suas relações, situação e condição de
produção, entre outros aspectos; o
linguístico – remete para traços linguísticos e
textuais; e o funcional – considera os objetivos do texto, intenções almejadas e os atos de
fala, entre outros propósitos. Depreende assim, uma classificação segundo a qual as
cartas receberam uma denominação de acordo com o seu domínio discursivo. As cartas
cujos domínios discursivos são comerciais (bancos, lojas comerciais) são denominadas
„cartas de resposta e comunicado‟; institucionais (universidades, escolas, livros) são
„carta de programa‟, „circulares‟, „respostas‟ e de „apresentação‟; jornalísticas (jornais,
revistas, periódicos) são „carta do leitor‟, „do editor‟, „aos leitores‟, „aberta‟, „propaganda‟,
boas vindas; jurídicas (fórum) são as „cartas de intimação‟; publicitárias (editoriais, lista
telefônica) são „cartas convite‟, „respostas‟, „confirmações‟, „de agradecimento‟,
pedido‟; religiosas (igrejas) são as „cartas de convite‟ ou de „comunicado‟; saúde
clínicas) são „carta de programa‟, „de comunicado‟.
„de
(
Apreendemos que a carta apresenta uma grande variedade de formas, sendo
necessário categorizá-la levantando as semelhanças e as diferenças existentes entre
elas para que se encontre maior facilidade de produzi-las e interpretá-las.
Conforme esclarece Silva (2002, p. 55),
a diversidade das práticas comunicativas epistolares, há mais de 20
séculos, já assinalava a existência não apenas de um gênero, mas, o
surgimento de um sistema (ou constelação) de gêneros epistolares, no
seio das atividades sociais de uma dada cultura, produzidos e difundidos
em esferas sociais distintas, para responder às demandas sociais
particulares dessa cultura.
Para Souto Maior (2001, p. 11) “a carta independente do meio em que é
veiculada (correio, fax ou e-mail), faz parte de uma „constelação‟ que agrupa diversos
textos”.
Deste modo, afirma Chartier (1991, p. 33), as cartas tornam-se destaque nas
relações sociais por serem registros considerados, na maior parte das vezes, “como um
conjunto de práticas de escrituras (...) e uma das formas de escrita ordinária que se
caracterizam por introduzir a ordem do escrito no cotidiano das existências”.
Em se tratando de práticas de escrita, no cotidiano das pessoas, Bollème (1988,
p. 201) elucida: “nunca se escreve se não para viver, a fim de se fazer presente frente a
uma situação, para explicar, justificar-se, informar, dirigir-se a, apelar, queixar-se, sofrer
menos, fazer-se amar, dar-se prazer”.
Assim sendo, diante dos propósitos variados a que o gênero carta se presta,
percebemos que admite uma acentuada heterogeneidade dos elementos que configuram
suas organizações retóricas, uma vez que o propósito comunicativo é refletido na sua
estrutura discursiva.
A seguir, abordaremos o gênero carta ao autor, por ser o objeto de estudo dessa
pesquisa.
1.3.2 A carta ao autor
Entendemos a carta ao autor como a troca de correspondência entre leitor e autor,
é uma manifestação espontânea dos leitores em dialogar com o autor e endereçar suas
perguntas, opiniões, críticas e sugestões. Esse desejo dos leitores reforça a formulação
proposta por Jauss (1979, p. 80) na Teoria da Recepção: a recepção da arte não é
apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade estética, pendente da aprovação e
da recusa, e, por isso, em grande parte não sujeita ao planejamento mercadológico.
A carta entre leitor e autor foi profundamente analisada por Eliane Debus em sua
tese de Doutorado, Monteiro Lobato e o leitor, esse conhecido. Conforme a autora:
O contato epistolar de Monteiro Lobato com seus leitores talvez seja o
mais profícuo e original encaminhamento de recepção mirim de literatura
de que se tem notícia, e acreditamos que essa atuação dos leitores
contribuiu de forma efetiva para o desenvolvimento da sua literatura
infantil impressa. (DEBUS, 2004, p. 18).
De acordo com Debus (2004), tem-se notícia de que a prática de troca de cartas,
entre leitor e autor, já acontecia na França no século XIX, com Eugène Sue. Esta prática
teria sido motivada pela identificação do público feminino com uma das protagonistas do
romance “Mathilde, mémoires d'une jeune femme”.
No Brasil, acredita-se que o precursor na correspondência com os leitores, tenha
sido Monteiro Lobato, além das diversas facetas do pioneirismo como editor e escritor,
para crianças (DEBUS, 2004, p. 171).
A escrita de cartas ao autor origina-se quase sempre de duas maneiras: por
iniciativa do próprio leitor, que tem contato com o livro e deseja relatar sua experiência de
leitura ou por meio de atividade escolar, orientada pelo professor.
As cartas são enviadas às editoras pelo fato de os leitores não disporem do
endereço pessoal do autor. É interessante mencionar que a maioria das pessoas que
envia esse tipo de correspondência às editoras, pouco acredita de fato que suas cartas
cumpram a função social para a qual é designada: ser lida pelo destinatário. As cartas
geralmente chegam a seus destinatários, o que não se pode garantir é que estes
respondam, considerando o número de correspondências frequentemente endereçadas a
eles.
Na construção da interlocução não existe contato imediato entre leitor e autor,
caracterizando-se por ser uma relação assimétrica, e esta é parte substancial de sua
complexidade. Em relação ao texto, o leitor constrói sentido a partir das suas
interpretações, ou seja, suas disposições individuais, seu referencial literário, linguístico,
social e ideológico, nunca tendo uma certeza se sua compreensão é possível.
Rosenblatt (1994) postula, através de seu modelo teórico, entende que entre o
texto e o leitor deve haver participação mútua. Ela acredita que o texto guie o leitor, mas
exige que este dê sua contribuição, pois o texto está aberto a essa participação,
esperando que o leitor o percorra com sua experiência e sensibilidade para que, a partir
dos sinais do texto, os símbolos sejam elaborados com sentido, correspondente ao texto
outra questão apontada pela estudiosa diz respeito ao caráter estético que igualmente
depende do olhar do leitor. A autora, baseada em Dewey, utiliza uma nomenclatura
apropriada para nomear esta relação de ação recíproca e mútua entre leitor e texto:
“transAÇÃO”5. Ela designa um processo em desenvolvimento em que os elementos
envolvidos são aspectos de uma situação totalizante, cada um condicionado por e
condicionando o outro (John Dewey apud ROSENBLATT, 1994). Parte-se da ideia de
que não só o conhecedor, mas também o conhecido transformam-se durante o processo
do conhecimento.
Conforme Passos (2003, p. 81), a carta do leitor “é veiculada através dos meios
de comunicação escrita, de circulação ampla ou restrita, tem caráter público, cumprindo
importante função social na medida em que possibilita o intercâmbio de informações,
ideias, opiniões entre diferentes pessoas de um determinado grupo”.
5
Tradução do termo “transaction”.
Diferentemente da carta à redação (carta de leitor), em que o leitor escreve para o
veículo de comunicação (jornais ou revistas), com a finalidade de fazer-se ouvir, através
de opiniões, críticas, sugestões, etc, por um número significante de leitores; na carta ao
autor o leitor escreve ao autor com propósitos diversos e não tem como objetivo fazer-se
ouvir por um público maior.
A carta ao autor também difere da carta pessoal, pois esta é um gênero utilizado
para comunicar a amigos, familiares e outros. Nesse tipo de carta predomina o uso de
uma linguagem menos elaborada e mais coloquial, uma vez que a relação que existe
entre remetente e destinatário é de intimidade, notícias ou assuntos de interesse comum,
de forma mais longa e detalhada.
Silva (2002, p. 118) considera que os eventos da carta pessoal são construídos
numa relação simétrica, no que toca aos papéis comunicativos. E, no que diz respeito ao
papel social dos interlocutores, as relações hierárquicas parecem não impor efeitos que
lembre um desequilíbrio ou diferença na interlocução.
Em se tratando da carta ao autor, espera-se, via de regra, que seja escrita numa
condição formal, mais elaborada, visto que a relação entre os interlocutores não
apresenta grau algum de intimidade. Ou seja, a relação construída entre eles seria
assimétrica. Essa tese parece ser desconstruída por Bazerman (2005, p. 83), quando
afirma,
A carta, com sua comunicação direta entre dois indivíduos dentro de
uma relação específica em circunstâncias específicas (tudo que podia
ser comentado diretamente), parece ser um meio flexível no qual muitas
das funções, relações e práticas institucionais podem desenvolver
tornando novos usos socialmente inteligíveis, enquanto permite que a
forma de comunicação caminhe em novas direções.
Concordamos com o estudioso, pois neste sentido, o gênero carta parece
realmente ser flexível em relação à interlocução, embora saibamos que, na maioria das
vezes, o que orienta os interlocutores na escolha de estilo a adotar seja o grau de
familiaridade existente entre eles. Se o destinatário é desconhecido ou ocupa um nível
superior em uma relação assimétrica, impõe-se um estilo mais formal.
A importância, então, do gênero carta ao autor enquanto instrumento de
participação da vida social e comunicativa do ser humano, justifica o estudo do gênero,
visto o significado de seu uso social nos dias atuais.
CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO
Neste capítulo, voltaremos nossa atenção para a exposição dos procedimentos
metodológicos que serviram como suporte e diretriz desta pesquisa de natureza
qualitativa e do tipo participativa cujo objetivo geral foi identificar e analisar como se deu a
interatividade estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros
infantis.
Este capítulo está dividido em três partes. Na primeira, apresentamos o tipo de
pesquisa de base qualitativa participativa, explicitando como os registros foram gerados.
Na segunda, apresentamos o contexto da experiência de ensino: a escola e os sujeitos
da pesquisa. Finalmente, descrevemos como se deu a prática didática com vistas à
produção de cartas.
2.1 O tipo de pesquisa
A pesquisa aqui apresentada é de base qualitativa participativa. Optamos por
utilizar esta abordagem porque ela possui uma metodologia que se identifica mais com
problemas sociais, experiências humanas e suas interpretações. Outra razão para essa
escolha é que ela valoriza as pessoas, as suas vozes, ao invés de tratá-las como objetos
(BAUER; GASKELL, 2002).
A abordagem qualitativa, pela sua essência naturalista, estuda os fenômenos, os
fatos, em seus cenários naturais, tentando entender ou interpretar os significados que as
pessoas lhes conferem. Ela enfatiza os processos e os significados não examinados ou
medidos experimentalmente. Os estudiosos que seguem essa linha de pesquisa
valorizam a natureza socialmente construída, a relação entre o pesquisador e os sujeitos
participantes da pesquisa, o contexto sociocultural ou institucional dos sujeitos que são
estudados e suas limitações situacionais.
As alternativas apresentadas pelas análises chamadas qualitativas compõem um
universo heterogêneo de métodos e técnicas, que vão desde a análise de conteúdo com
toda sua diversidade de propostas, passando pelos estudos de caso, pesquisa
participativa, estudos etnográficos, antropológicos etc. (GATTI, 2001, p. 73).
De acordo com Greenwood & Levin (2006), a pesquisa participativa é reconhecida
como uma forma válida de geração de conhecimento que constrói significados de forma
colaborativa e trata da diversidade de experiências dentro de um grupo local como uma
oportunidade de enriquecimento para todas as partes envolvidas.
Concordamos com os autores, pois a importância deste modelo centra-se na
pesquisa “com” a comunidade envolvida (alunos da sala de aula e pesquisadora),
diferente da pesquisa “para” a comunidade. Assim sendo, objetivou a geração de um
“novo” conhecimento, caracterizado pela integração do saber local com o conhecimento
técnico e científico, resultando numa construção social do conhecimento (a construção da
interlocução via cartas).
Freire (apud Brandão 1986, p. 35) discutindo métodos de pesquisa, nos dá uma
contribuição importante:
Não se pode conhecer a realidade sem a participação daqueles que
estão nela inseridos. A realidade concreta é algo mais que fatos ou
dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e
todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a
população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na
relação dialética entre objetividade e subjetividade.
Concordamos com o autor, pois entendemos
que a realidade só pode ser
reconhecida como concreta se o homem se assume como sujeito histórico-social.
Portanto, se ele é o agente criador da realidade social é também o transformador do seu
contexto. Este princípio fundamental justifica a nossa opção pelo ambiente de sala de
aula.
Brandão e Steck (2006, p. 13) conceituam pesquisa participante como uma
pedagogia que entrelaça atores-autores e que é um aprendizado no qual, mesmo quando
haja diferenças essenciais de saberes, todos aprendem uns com os outros e através dos
outros.
Comungamos com o posicionamento dos autores, porque entendemos que neste
modelo de pesquisa há aprendizado por parte de todos os envolvidos no processo,
através de situações comuns de trabalho tais como: estudo e troca de informação com o
objetivo de colaborar com mudanças significativas.
Para tanto, procuramos responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como se deu
a construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores
de livros infantis?
A pesquisa teve como objetivo geral analisar como se deu a interlocução
estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros infantis. E
como objetivos específicos: descrever e explicar como se constrói a interlocução entre
leitores/autores de livros infantis; identificar e discutir a composição do gênero carta ao
autor na produção escrita dos alunos; identificar e discutir marcas ou indícios que
apontem a interatividade, e que sugerem uma relação direta e intencional dos leitores
com os autores de livros.
Neste contexto, adotamos a sequência metodológica recomendada por Le Boterf
(1999), para a realização de pesquisas participativas, dividida em quatro etapas:
1ª) Montagem institucional e metodológica. É a fase de elaboração das
estratégias adotadas, definição dos sujeitos da pesquisa e da área de atuação;
2ª) Estudo preliminar e provisório. Busca da percepção prévia dos indivíduos
relacionados à pesquisa;
3ª) Análise crítica dos problemas considerados prioritários. Fase de discussões
livres dos sujeitos participantes da pesquisa;
4ª) Programação e execução de um plano de ação (incluindo ações educativas).
Fase de definição da melhor estratégia para atingir os objetivos da pesquisa de
maneira que responda aos questionamentos levantados nas discussões em
grupo.
Seguindo essa perspectiva, adotamos os seguintes procedimentos:
A primeira fase, montagem institucional e metodológica, consistiu na seleção dos
sujeitos envolvidos na pesquisa. Foram convidados a participar da pesquisa: 01
professora, do 5° ano, do ensino fundamental I e 25 alunos dessa mesma turma.
Os critérios adotados para seleção dos participantes basearam-se na
disponibilidade, tanto da professora quanto dos alunos ao “abrirem as portas” da sala de
aula para a pesquisadora. Todos os envolvidos contribuíram ativamente no processo da
pesquisa.
A segunda fase da pesquisa participativa adveio de um estudo preliminar
provisório, no qual buscamos compreender como era trabalhada a produção textual na
sala de aula. Para atingir tal objetivo, participamos das aulas da disciplina língua
portuguesa. Assim, foi possível observar as dificuldades dos escreventes. Tais
informações foram utilizadas como ponto de partida para as discussões, realizadas na
fase subsequente da pesquisa.
Após seleção e convite dos sujeitos da pesquisa, foi organizada a terceira
fase: análise crítica dos problemas considerados prioritários. Para tanto, foi realizado um
encontro inicial para apresentação da proposta ao grupo, no qual foram esclarecidos os
objetivos do estudo. Foi ainda estabelecida a programação dos dias e horários para os
encontros. Nessa fase da pesquisa foram discutidos os principais problemas encontrados
pelos alunos e professora participante, estabelecidos os objetivos da ação didática, bem
como os tópicos que seriam nela incluídos, sua forma de organização e apresentação.
Os encontros tinham como objetivo oportunizar os sujeitos a expressarem suas opiniões
e ideias em relação ao que era discutido.
A última fase da pesquisa consistiu na realização da programação e execução de
um plano de ação, a qual incluiu a produção escrita do gênero carta ao autor. O
desenvolvimento foi conduzido a partir de dados obtidos na literatura e, principalmente,
das ideias, sugestões e críticas fornecidas pelos participantes da pesquisa. A partir da
leitura das cartas produzidas pelos alunos foram escolhidas duas categorias para a
realização das análises: a forma composicional e as marcas da interatividade.
Assim é que, no contexto desta dissertação, a pesquisa participativa se coloca
como
instrumento
metodológico,
uma
vez
que
propicia
aos
participantes
o
desenvolvimento de competências necessárias para refletir sobre suas ações
pedagógicas, colaborando na forma como o conhecimento é produzido e disseminado,
adaptando-o às necessidades locais dos alunos. Trata-se, portanto, de uma experiência
vivenciada em situação real, na qual o pesquisador age conscientemente sobre uma
realidade, a sala de aula de uma escola pública.
Portanto, nesta pesquisa avaliamos que a compreensão é indispensável para
analisar os dizeres dos aprendizes pesquisados, já que não há produção dos sentidos
sem compreensão. Neste caso, é por meio da compreensão e produção dos sentidos que
se procura investigar como deu a interatividade estabelecida por meio da troca de cartas
intercambiadas entre crianças e autores de livros infantis.
Esse perfil da pesquisa qualitativa do tipo participativa norteou nossa vivência do
cotidiano da sala de aula, a partir das quais os alunos produziram suas cartas (geração
dos registros). A seguir, apresentaremos o contexto da pesquisa, bem como a prática
didática de produção de cartas que tomou como base a proposta do Caderno do
professor AAA 56 (Atividade de Apoio à Aprendizagem), do Programa de Formação
Continuada GESTAR - Língua Portuguesa.
2.2 O contexto da experiência de ensino
2.2.1 A escola
A pesquisa foi realizada durante 4 meses no segundo semestre de 2005, numa
escola municipal de Ensino Fundamental I, situada no bairro Monte Castelo, na cidade de
Campina Grande, PB.
A seleção da escola adveio da relação que a pesquisadora mantinha com a
professora, na condição de participante do programa de formação continuada Gestão da
Aprendizagem Escolar (GESTAR), oferecido pela prefeitura municipal de Campina
Grande e vinculado ao FUNDESCOLA. Sobreveio também da participação efetiva da
professora nos encontros de formação continuada, bem como a disponibilidade e
compromisso desta profissional com o processo educativo. Além disso, pretendíamos
contribuir com o ensino público municipal.
Dada a localização da escola, a clientela era constituída, na época da geração
dos registros para esta pesquisa, de cerca de 410 crianças de vários bairros
circunvizinhos, entre eles, Belo Monte, Jardim Quarenta e Jardim Tavares. Essa escola é
subsidiada, desde 1983, pela empresa de mineração Bentonit União Nordeste S.A, que
oferece professores nas áreas de dança, canto, música e teatro, bem como a
6
O caderno AAA 5 estava sendo utilizado em sala de aula, pela professora participante, no
momento da pesquisa. Este caderno é denominado Leitura e Produção de texto poético, epistolar
e informativo (BRASIL, 2002, p. 09) e faz parte do GESTAR, programa instituído pelo MEC,
destinado à qualificação de professores do Ensino fundamental.
manutenção da infraestrutura do prédio, motivo que desperta o interesse da maioria dos
pais e crianças do bairro.
O quadro de pessoal, naquele período, era composto por doze professoras, uma
supervisora, uma assistente social, uma diretora, uma vice-diretora, e dezenove
funcionários, entre eles, vigias, merendeiras e auxiliares de serviço.
Ressaltamos que tanto a estrutura física quanto o quadro de pessoal facilitaram a
dinâmica dos trabalhos desenvolvidos antes e durante a prática didática, pois a diretora,
a professora e demais funcionários sempre disponibilizavam recursos materiais que
viabilizavam a aplicação das atividades em sala de aula.
2.2.2 Os sujeitos da pesquisa
A turma escolhida para a pesquisa foi a do 5º ano “A”, turno tarde, constituída por
25 alunos. Estes têm idades que variam entre 09 e 15 anos e residem na periferia da
cidade. O contato desses com a literatura infantil quase sempre ocorre na sala de aula ou
na biblioteca da escola. Conforme pudemos observar, a maioria deles tem o hábito de
levar livros para ler em casa, repetindo até mesmo títulos já lidos.
Além das aulas com a professora, os 25 alunos participam regularmente das aulas
de canto, música, teatro e dança. É importante destacar que participar dessas atividades
artístico-culturais da escola, para eles, é motivo de orgulho e satisfação. Ademais, estão
sempre dispostos a ensaiar algum número ou fazer apresentações em público.
A professora desta turma possui o curso de magistério (ensino médio), é formada
em Geografia, tem 24 anos de magistério, sendo cinco dedicados ao 5º ano.
Atua
também no ensino fundamental II, lecionando a disciplina Geografia, no período noturno,
em turmas do 6º ano e 9º ano da rede estadual de ensino.
Ao longo desses anos a professora tem participado de cursos de formação
continuada, principalmente os que abordam leitura e escrita, promovidos pelas
secretarias de educação (município/estado) ou pelas universidades públicas da cidade. É
importante ressaltar que, no curso do Gestar; a professora se destacava em relação às
demais nas leituras dos textos que embasavam os módulos, nas discussões e nas
atividades, objetos de discussão nesta formação. Convém acrescentar que a educadora
adquiria, sempre que possível, livros de literatura infantil e histórias em quadrinhos para
implementar o trabalho em sala de aula. É interessante destacar tal iniciativa, porque ela
emerge no trabalho desenvolvido junto aos alunos, conforme será demonstrado na ação
didática realizada em sala de aula.
No tocante à integração estabelecida em sala de aula, entre a professora e seus
alunos, observamos, em toda nossa passagem pela escola, que era permeada de
cordialidade, afetividade e respeito, pois em alguns momentos extraclasse, por exemplo,
durante o horário de intervalo, os alunos compartilhavam experiências que não diziam
respeito às aulas. A professora costumava equilibrar intimidade e responsabilidade. Na
medida do possível, mantinha as famílias informadas quanto à aprendizagem das
crianças e eventuais problemas que surgissem na rotina diária por meio de bilhetes,
telefonemas, reuniões informais e formais com os pais.
2.3 Caracterização da prática didática de produção de cartas
A prática de produção de cartas foi se delineando aos poucos, à medida que
vivenciávamos o trabalho da professora, em sala de aula, com o caderno do Programa de
Formação Continuada GESTAR (Atividades de Apoio à Aprendizagem - AAA5).
A decisão em trabalhar com a produção escrita procedeu se deu em função dos
seguintes motivos: primeiro, a professora ia iniciar, no período da coleta de dados, o
trabalho de leitura e escrita com o texto epistolar7·; segundo, tínhamos conhecimento de
que os alunos sentiam dificuldades relacionadas à produção textual; e, por último, faltava
embasamento teórico à professora para a condução do ensino de revisão e reescrita de
textos. Assim, em decorrência do contexto e das necessidades encontradas,
combinamos que o trabalho com a escrita contemplaria três momentos: estudo de textos
teóricos, planejamento da situação didática e a prática em sala de aula.
2.3.1 Estudo de textos teóricos
O primeiro momento desta ação é caracterizado como um ato conjunto na escola
entre a pesquisadora e a professora participante. Nele, houve leituras e discussões de
textos teóricos voltados para a produção escrita. Essas reflexões colaboraram para
auxiliar a professora no processo ensino-aprendizagem na sala de aula. Os encontros
presenciais, na escola, contemplavam o estudo de textos teóricos e acontecia uma vez
por semana, ocasião em que as crianças participavam das atividades artístico-culturais
(dança, canto, música e teatro) com outros professores.
Sentíamos a necessidade, de realização de estudo, em consequência de o
módulo tratar de alguns assuntos superficialmente, além de não constar o saber de
referência e não aprofundar questões relacionadas às condições de produção, revisão e
reescritura de textos. Logo, os textos estudados são contribuições para melhorar o ensino
com gêneros textuais. A relação dos textos teóricos lidos e discutidos está elencada no
quadro 1 a seguir:
7
Denominação adotada pelo Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem – AAA5.
QUADRO 1 - Estudo teórico realizado com a professora
Encerradas as discussões de textos teóricos, foi iniciada a etapa de elaboração
das aulas, composta por 05 reuniões com duração de 03 horas de planejamento, entre a
professora e a pesquisadora, no ambiente da escola. Nestes encontros, tínhamos como
materiais para elaboração das atividades de produção, o caderno de Atividades de Apoio
à Aprendizagem (AAA5): Leitura e produção de texto poético, epistolar e informativo, já
citado anteriormente; e os textos teóricos estudados. Estes serviriam para auxiliar, mais
especificamente, questões que não eram contempladas no módulo ou pouco trabalhadas
por ele. Podemos aqui lembrar os exemplos: “As condições de produção dos textos” de
Jean Paul Bronckart e “Reescrevendo o texto: a higienização da escrita”, de Conceição
Aparecida de Jesus. Salientamos que não estudamos textos teóricos relativos ao gênero
carta, porque recentemente tínhamos realizado leituras sobre o assunto nos encontros 8
do programa de formação continuada.
Ademais, a ausência de alguns temas, no módulo do Gestar, servia para nortear
os estudos teóricos. Embora o material tenha sido estruturado para orientar a ação do
professor junto aos alunos, toda a organização prevista não era suficiente: é
indispensável que ele planeje a própria intervenção e faça as adequações que se
mostrarem necessárias para tornar o trabalho produtivo, em função das características de
seus alunos. Para tanto, há necessidade de estudo permanente.
2.3.2 Experiência de ensino baseada no Caderno de Atividade de Apoio à
Aprendizagem 5 (Gestar I)
O trabalho com gênero textual foi desenvolvido por meio de uma ação didática
baseada no caderno do professor AAA5 (Atividade de Apoio à Aprendizagem). É
importante mencionar que a maioria das atividades aplicadas na sala de aula advinha do
GESTAR, embora ampliássemos com novas contribuições que julgávamos favorecer o
contexto de ensino.
O caderno AAA5 foi elaborado para ajudar o professor a desenvolver o trabalho
em sala de aula, rever, aprofundar e/ou ampliar a aprendizagem de conceitos,
procedimentos, atitudes, relativas a essa área de conhecimento. Como os demais, ele
está organizado em três unidades. Cada unidade é composta de 8 aulas, nas versões do
aluno e do professor. A versão do professor, além de apresentar as atividades propostas
8
Oficina realizada pelo programa de formação continuada Gestar em maio de 2005 sobre o gênero carta.
para o aluno, desenvolve também orientações de encaminhamento do trabalho a ser
realizado em sala de aula. A partir da avaliação da aprendizagem dos alunos, o professor
poderá organizar o conjunto de aulas a serem desenvolvidas em sua classe para retomar
as aprendizagens não realizadas.
Neste contexto, a prática realizada em sala de aula diz respeito à unidade 2, que
tem como objetivo específico: identificar os elementos constitutivos do texto epistolar.
Assim, os conteúdos abordados na unidade são: os elementos constitutivos do texto
epistolar informal: carta e bilhete; os elementos constitutivos do texto epistolar formal:
ofício, requerimento, convite e carta de solicitação; os elementos que compõem o texto
epistolar: local e data, invocação, desenvolvimento do assunto, despedida, assinatura;
mecanismos de produção do texto epistolar: conexão das partes, coesão nominal,
coesão verbal; índices referentes ao contexto e ao modo como o produtor do texto
epistolar se situa em relação a esse contexto: a interlocução a distância, a pressuposição
e recriação de uma imagem do destinatário, a finalidade e os modos de dizer; os recursos
linguísticos próprios do texto epistolar: a adequação da linguagem mais ou menos formal
de acordo com a finalidade do texto; o emprego dos tempos verbais, os tipos de frases,
os organizadores textuais; atividades de leitura e produção de textos epistolares formais
e informais.
Consequentemente, a cada conjunto de aulas são desenvolvidas atividades para
apoiar a aprendizagem de determinados conteúdos e possibilitar o domínio das
habilidades associadas a esses conteúdos. Fica, no entanto, a possibilidade de
planejar/replanejar as atividades e intervenções a partir das necessidades dos alunos.
Apesar do suporte pedagógico que o Gestar I oferece, grande parte do curso depende da
dedicação do professor em estudar os TP‟s9, fazendo uma cuidadosa leitura e análise de
todo o seu conteúdo, realizando as atividades propostas e aplicando a seus alunos
9
Cadernos de Teoria e Prática destinados ao professor participante do Programa GESTAR.
aquelas que forem possíveis, fazendo adaptações necessárias para que atenda à
realidade do público com o qual trabalha.
Praticar esse programa na sala de aula, nos moldes expostos, modifica o papel do
docente, porque esse profissional terá de se conscientizar da necessidade de uma busca
constante da atualização e da transformação de sua práxis num movimento contínuo de
AÇÃO→REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO→NOVA AÇÃO; terá de planejar situações
significativas de aprendizagem, estabelecendo a mediação entre o aluno e o conteúdo a
ser aprendido; terá de considerar a importância da mobilização de experiências prévias, a
natureza ativa e progressiva da aprendizagem e a importância do trabalho cooperativo na
construção do conhecimento; e de preparar contextos favoráveis ao aprendizado, com
postura investigativa para acompanhar esse processo e nele poder colaborar.
Assim, a abordagem do gênero carta ao autor na sala de aula deve ser pensada
não só como objeto de análise, mas também como uma ferramenta para o
desenvolvimento da linguagem, no sentido de que o educando possa conhecer o gênero,
assim como compreender o lugar social e, principalmente, a função social dele fora da
escola, na comunidade ou na sociedade.
Nos preocupamos em relatar o contexto em que as cartas foram geradas, com o
objetivo de evidenciar que elas foram uma atividade realizada em sala de aula utilizada,
estrategicamente, para estabelecer a interação entre leitores e autores.
Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram motivados a compartilhar da
interlocução mediada pela escrita de cartas aos autores de dois livros infanto-juvenis Mariana do Contra, de Rose Sordi e Pássaros & Bichos na voz dos poetas populares, de
Hélder Pinheiro.
As aulas foram planejadas, de modo que a professora desenvolvesse atividades
de leitura, de produção escrita e de revisão e reescrita das cartas solicitadas. Todas as
atividades aconteceram na sala de aula, semanalmente, no primeiro horário da tarde,
momento em que os alunos estavam dispostos a ler, discutir e produzir textos. A título de
apresentação, segue o quadro 2, que descreve como se deu a orientação para as
produções escritas na pesquisa participativa:
QUADRO 2 – Sistematização das atividades de produção da carta ao autor
Para a construção do objeto de investigação, carta ao autor, trabalhamos o
fragmento do livro “Mariana do contra”, de Rose Sordi, proveniente do caderno AAA5.
Este serviu para provocar a vontade dos alunos em realizar a leitura do livro na íntegra.
Isso só veio ocorrer posteriormente.
Figura 1 – Fragmento do livro Mariana do Contra
Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético,
epistolar e informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002.
No intuito de aproximar os alunos do gênero carta ao autor, a professora
apresentou dois modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi, retiradas do
caderno de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA5). As cartas-modelo estão na
figura 2, a seguir:
Figura 2 - Modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi
10
11
Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético, epistolar e
informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002.
Nesta proposta, o aluno é orientado, primeiro, a ler dois modelos de cartas
oferecidos pelo módulo e endereçadas a Rose Sordi. Em seguida, a professora solicitou
a elaboração de uma carta à autora do livro Mariana do contra, a partir da seguinte
consigna, extraída do caderno de Apoio à aprendizagem (AAA5):
10
11
A carta A não possui a assinatura da autora
A carta B não possui o cabeçalho
Figura 3 – Consigna do Caderno de Apoio à Aprendizagem
Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético, epistolar e
informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002.
A atividade solicitada pela professora apresentou o gênero textual especificado
“carta”, subentendendo que o aluno tem uma noção do gênero. A atividade ainda expôs a
função do gênero, pois requisita do aluno uma posição sobre “o que você pensa sobre a
maneira de agir do personagem”. As informações fornecidas às crianças indicam que a
professora supõe que elas sejam necessárias para a produção de uma carta.
Após a produção da carta escrita em sala, a professora propôs a revisão e
reescrita coletiva de uma carta que apresentava problemas de adequação ao gênero. Por
fim, a professora entregou para cada um a sua versão inicial, e orientou a revisão e
reescrita, individual.
Destacamos que, após a revisão e reescrita, os alunos foram orientados a enviar
suas cartas à autora, ficando sob a responsabilidade deles, da professora e da
pesquisadora o encaminhamento das correspondências.
Dando continuidade ao trabalho com o gênero, carta ao autor, a professora
procurou introduzir a temática bichos com seus alunos por meio da leitura de músicas
que abordavam o mesmo tema do livro “Pássaros & bichos”, a ser posteriormente
trabalhado. A primeira canção foi “A dança dos bichos”, de autoria de Edgard Poças, e a
segunda “Os bichinhos e o homem”, da Arca de Noé, de autoria de Toquinho e Vinicius
de Moraes.
A professora e a pesquisadora iniciaram o trabalho com os alunos com a leitura
do livro “Pássaros & Bichos”, organizado por Hélder Pinheiro. Concluída essa etapa,
solicitamos a produção de uma carta ao autor, orientada pela instrução a seguir:
Figura 4 – Atividade adaptada do Caderno de Apoio à aprendizagem
Figura 4: Modelo de atividade adaptada do caderno de Apoio à Aprendizagem- FUNDESCOLA/MEC,
2002.
A proposta cria situação de interlocução efetiva, na medida em que sugere o envio
da correspondência a seu destinatário, o que possibilita o uso social da escrita.
Posicionar-se enquanto leitor/interlocutor provocou um efeito instigante, basicamente, em
toda a turma como se pode deduzir nos textos produzidos.
Após a revisão e reescrita final das cartas, coube à pesquisadora e à professora a
responsabilidade de remeter as cartas dos alunos, uma vez que as crianças não tinham
facilidade de se dirigirem aos correios.
Em resposta às correspondências enviadas, os alunos receberam as cartas
reproduzidas. O mais importante é que padronizada ou personalizada a resposta se
confirmou e a relação leitor/autor certamente saiu fortalecida.
Após este momento de recebimento das cartas agendamos o dia do encontro com
o autor Hélder Pinheiro, a data foi socializada com as crianças que, numa atitude
espontânea, quiseram reler o livro e ilustrá-lo, através de desenhos, os versos que mais
gostaram, para decorar a sala de aula no momento da visita do autor.
No dia do encontro, apesar da euforia, motivada, parece, pela chegada de Hélder
Pinheiro à escola, os alunos pareciam curiosos e tímidos inicialmente. Com o intuito de
fazê-los falar, o autor se encarregou de contar um pouco sobre sua infância no interior do
Ceará. Lembrou, com saudades, os momentos em que seus familiares recitavam
quadrinhas e liam cordéis que encantavam as crianças na época. Assim, ele aproveitou o
espaço e se prontificou a recitar alguns versinhos do livro “Pássaros & Bichos” para os
alunos. Todos prestavam muita atenção e sorriam muito após cada rima. O que chamou
a atenção para uma das crianças foi o fato de que Hélder recitava diferente: “era mais
bonito como lia”. As demais crianças concordaram e uma delas também comentou
“mesmo que a professora falou que ele recitava bonito!”. O autor comentou que todos
também podiam ler bonito, bastava ler com prazer e sentir o encanto que os versos
possuem.
Em seguida, as crianças começaram a fazer perguntas sobre o livro, os poetas
populares, e também queriam saber sobre quais eram as etapas e quais as dificuldades
encontradas para se fazer um livro. Ele respondia à medida que surgiam as perguntas
feitas. Por fim, agradeceu ao convite dirigido a ele, por meio de cartas, para visitar à
escola. Entregou à professora três livros para a biblioteca escolar e sugeriu que as
crianças pedissem emprestados para levar para casa e ler para os avós, pais, irmãos etc.
Num gesto espontâneo, os alunos fizeram uma fila para que Hélder autografasse
seus cadernos e outras folhas que serviriam para presentear amigos e irmãos.
Capítulo 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Neste capítulo o trabalho de análise das produções textuais ocorre sobre três
aspectos da produção da carta ao autor que concorrem para a sua configuração: o
primeiro diz respeito a como se constrói a interlocução entre leitores/autores; o segundo
diz respeito às etapas e às sequências discursivas que organizam a estrutura
composicional desse gênero; o terceiro, às marcas de interatividade presentes nos
textos.
Vale lembrar que neste trabalho serão apenas analisadas as cartas referentes à
primeira versão uma vez que as produções reescritas na segunda versão assemelham-se
às escritas inicialmente. Tal análise tem como enfoque os mecanismos enunciativos de
Bronckart (2003). Embora não tenham sido identificados avanços significativos nos textos
das crianças, houve alterações, talvez esse resultado se deva ao pouco tempo da
realização da proposta em sala de aula (4 meses).
3.1 A estrutura composicional do gênero “carta ao autor”
As cartas aos autores possuem como estrutura básica: abertura do evento, corpo
da carta e encerramento. As etapas de abertura e de encerramento do evento são
compostas de sequências discursivas que expressam, de forma clara, a finalidade que
cumpre a interação e, sobretudo, o caráter dialogal e dialógico desse gênero. Em relação
à etapa que compreende o corpo da carta não apresenta marcas que sinalizem o seu
início ou o seu fim. As etapas de abertura e de encerramento acabam cumprindo o papel
de indicar o momento quando se inicia e finaliza o corpo da carta.
Passemos à apresentação dos dados do corpus (1ª versão das cartas) de modo
que se possam descrever e explicar, do ponto de vista funcional, as etapas e as
sequências discursivas constitutivas da estrutura composicional do gênero carta ao autor.
3.1.1 Abertura do evento
A abertura do evento comunicativo é composta de cabeçalho e exórdio. A
primeira parte da abertura exerce a função de contextualizador do evento. Ela apresenta
o texto na situação comunicativa e informa a origem e a época em que o texto foi
produzido. É o que podemos ver nas cartas em análise, as quais 49, correspondentes a
98% do total iniciaram indicando a cidade e a data de sua produção, conforme mostram
os exemplos 1 e 2, a seguir.
Exemplo: 1
Carta do aluno A
Campina Grande, 18 de julho de 2005.
Exemplo: 2
Carta do aluno H
Campina Grande, 09 de novembro de 2005.
O exemplo 1 refere-se à carta a autora Rose Sordi, tendo em vista que foi a
primeira a ser estudado (em julho de 2005) e o exemplo 2, consequentemente, à carta ao
autor Hélder Pinheiro, que ocorreu em novembro do mesmo ano.
Na segunda parte da abertura do evento, encontra-se o exórdio que se constitui
de saudação e vocativo ou algum tipo de solicitude. Os primeiros são sequências
discursivas que acolhem rotinas comunicativas que se caracterizam como verdadeiras
estratégias interativas introdutórias da atividade de interlocução; objetivam, ainda
expressar uma atitude de amabilidade do remetente para com o destinatário, indicando a
natureza do relacionamento dos interlocutores. O segundo diz respeito ao espaço
discursivo em que são expressos os votos de saúde e paz. Em síntese, a abertura, na
constituição do evento comunicativo, exerce predominantemente uma função de natureza
pragmática e interativa, independentemente do volume de informação, conforme vemos
nos exemplos, a seguir.
Exemplo: 3
Carta do aluno F
Olá Rose!
Como vai você?
Rose eu sou F e quero muito conhecer você em pessoa gostei do livro “Mariana do Contra”.
Exemplo: 4
Carta do aluno C
Boa tarde!
Oi tudo bem Rose?
Meu nome é C, estudo na Escola Y, e faço a 4ª série com uma excelente professora Z.
Exemplo: 5
Carta do aluno I
Querido Hélder!
Como vai o senhor? Gostei muito do seu livro que a professora leu, é interessante, adorei todos os
poemas do seu livro: “Pássaros e Bichos”.
Exemplo: 6
Carta do aluno G
Olá!
Tudo bem? Espero que sim.
Exemplo: 7
Carta do aluno M
Oi Hélder!
Você não me conhece, mas eu já ouvi falar muito de você.
Os sete exemplos são representativos do formato que assume a etapa de
abertura da carta ao autor, revelam, enunciativa e interativamente, a voz do escrevente,
ao instaurar, através da escrita, o diálogo com seu interlocutor, ou seja, o conjunto de
estratégias interativas – saudação, o uso recorrente de vocativo e as interpelações – são
as formas recorrentes nos textos através das quais se anuncia o encontro dos
interlocutores (Olá Rose! Como vai você? / Boa tarde! Oi tudo bem Rose?/ Querido
Hélder! Como vai o senhor?/ Olá! tudo bem?/ Oi Hélder!). Através do uso dessas
expressões, o locutor manifesta confiança no seu destinatário, na sua simpatia, na
sensibilidade e boa vontade de sua compreensão responsiva (BAKHTIN, 2000, p. 323).
As perguntas são recursos linguístico-discursivos comuns ao gênero carta, na
qual são usadas como uma estratégia para o estabelecimento do diálogo. Nas
mensagens que compõem o corpus, as perguntas são uma estratégia de envolvimento
interpessoal, pois seu conteúdo faz preferencialmente referência a situações que
envolvem a vida dos autores, conforme os exemplos demonstrados.
O exemplo sete constitui um modelo de carta atípico, pois logo no início, a partir
da abertura do evento, o escrevente procura construir o dialogo com o seu interlocutor
esclarecendo – Você não me conhece, mas eu já ouvi falar muito de você. Para ele essa
forma de se apresentar implicará a interlocução.
Na análise do corpus, verificamos que, na abertura das cartas, regularmente
figuram as sequências discursivas constituintes do cabeçalho e exórdio. A tabela 1, a
seguir, apresenta o percentual de cartas que contém a abertura e suas características.
Tabela 1 – Discriminação das cartas que apresentam abertura do evento
ABERTURA
PERCENTUAL DE
CARTAS
Cabeçalho e exórdio (saudação e as solicitudes)
10 = 20 %
Cabeçalho e saudação
39 = 78 %
Solicitudes
01 = 2%
Verificamos após a realização da experiência de ensino, que a maioria dos
escreventes demonstrou ter conhecimento em relação à abertura do evento “carta ao
autor”, pois 20% deles produziram seus textos de maneira mais complexa, ou seja,
composto de cabeçalho e exórdio (saudação e as solicitudes), 78% dos escreventes
produziram seus textos com cabeçalho e saudação, e apenas 2% dos escreventes
apresenta dificuldade na elaboração da abertura do gênero solicitado, constando apenas
solicitudes, assemelhando-se a escrita do bilhete. Tal fato sinaliza desconhecimento a
respeito dessa característica do gênero.
3.1.2 Corpo da carta
Essa etapa da interação define-se caracteristicamente como o momento em que o
escrevente traz para a interlocução os mais variados temas que reportam seu cotidiano.
O corpo compreende a parte mais extensa da carta e nele o escrevente tende a falar de
si mesmo e/ou daqueles com quem convive. Essa intenção do escrevente, não faz da
interação um monólogo ou discurso centrado no mundo do escrevente. Estrategicamente,
por meio de perguntas e outros recursos linguísticos, ao longo da interação, o
destinatário vai sendo envolvido no que está sendo enunciado e instigado a participar da
interação.
Basicamente, a interlocução, nesse momento da interação, é orientada pelo
propósito de fazer com que o destinatário partilhe o que está ocorrendo na vida cotidiana
do escrevente. Consideremos o exemplo, a seguir:
Exemplo: 8
Carta do aluno M
Li o livro “Pássaros e Bichos” todinho umas três vezes e toda vez morro de rir com as coisas
engraçadas sobre os animais que os poetas populares escreveram, as rimas são muito
inteligentes. Quem trouxe o livro pra gente conhecer foi a professora Z.
Esse exemplo 8 pertence a uma carta cujos interlocutores são leitor (M) e autor
(Hélder Pinheiro), sendo o leitor o remetente. Nele, basicamente, a função discursiva
predominante é a de compartilhar os fatos que vêm ocorrendo com o escrevente na sala
de aula (Li o livro “Pássaros e Bichos” todinho umas três vezes e toda vez morro de rir
com as coisas engraçadas sobre os animais que os poetas populares escreveram).
Verificamos neste exemplo o cotidiano escolar, trazido em forma de relato. O leitor
procura elogiar o livro e contextualizar como ficou conhecendo. Isso fica evidente nos
enunciados: “(...) as rimas são muito inteligentes. Quem trouxe o livro pra gente conhecer
foi a professora Z”.
Como apontam os dados, ao longo da interlocução entre os correspondentes, são
efetivadas várias estratégias, linguisticamente materializadas, que revelam que a
intenção do escrevente é a de instaurar um espaço interlocutivo em que formas de
polidez positiva prevaleçam.
3.1.3 Encerramento do evento
No encerramento do evento constam o pré-encerramento, a despedida e a
assinatura. O primeiro diz respeito ao espaço em que o escrevente anuncia para seu
interlocutor que o encontro em curso está terminando. Geralmente, são selecionadas
fórmulas linguísticas que permitem ao destinatário identificar esse momento de interação
verbal. O segundo é o recurso que formaliza o desfecho da interação, por meio de rotinas
comunicativas que expressam uma afetividade entre os interlocutores. O terceiro é a
unidade que, simbolicamente, pretende deixar clara a autoria do texto, que equivale a
assinalar a validação do que foi ali enunciado, escrito.
Vejamos agora as passagens que formatam o (pré)-encerramento do evento.
Nessa etapa da interação, as sequências discursivas que aí se atualizam,
caracteristicamente, incorporam atos de fala, como: “aguardo sua resposta”. Esse
enunciado é também interpretado com uma estratégia interativa cujo efeito de sentido
ultrapassa o de um mero ato de pedido de que tal ação seja cumprida. Em outras
palavras, tendo em vista a natureza do evento, pode-se inferir que o propósito discursivo
do remetente, naquele momento da interação – em que se anuncia o término do
encontro– é o de convocar o seu destinatário a assumir uma nova interação, o que o
constituirá como o próximo remetente. Em suma, essa convocação ou esse incentivo
para levar o outro a agir, além de refletir a posição comunicativa de ambos os parceiros
no evento, deixa revelar a natureza das relações interpessoais entre eles.
Exemplo: 9
Carta do aluno C
Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito.
Tchau
Um beijo,
C
Exemplo: 10
Carta do aluno L
Aguardo a sua resposta ok?
Um beijo e até logo.
L
Exemplo: 11
Carta do aluno C
Sabe? Eu sou uma menina tímida, mas eu queria pedir três coisas: um autógrafo, um exemplar do
livro e que me mandasse cartas. Desejo muito sucesso na sua vida de escritora. Tá na hora de
terminar a cartinha.
Um grande abraço ok?
C
Nos três exemplos apresentados os escreventes não encerram de forma
inesperada a interação. Ao que parece eles vão preparando o destinatário para o término
do encontro, engajando-o numa espécie de um ritual de separação, para, em seguida,
finalizar o evento comunicativo (Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito/
Aguardo a sua resposta ok?/ Tá na hora de terminar a cartinha).
No exemplo 11 observa-se que o escrevente expõe seu desejo em relação ao
interlocutor – “Desejo muito sucesso na sua vida de escritora” - para, em seguida,
formalizar o fecho da interlocução, mediante a despedida. Essa rotina comunicativa,
como se pode ver, anuncia, por meio de fórmulas linguísticas prototípicas, a afeição do
escrevente pelo seu interlocutor. Para concluir essa etapa, registra-se a assinatura, que
pode variar desde o primeiro nome ao apelido “Um grande abraço, ok? C”.
Para melhor visualizar, em termos quantitativos, o que registra o corpus, a tabela
2 expõe o percentual de cartas que contempla o encerramento e seus componentes.
Tabela 2 – Discriminação das cartas quanto à parte de encerramento
ENCERRAMENTO
Pré-encerramento,
despedida
PERCENTUAL DE CARTAS
e
25 = 50%
assinatura
Somente despedida e assinatura
24 = 48%
Sem despedida e assinatura
01 = 2%
Quanto à parte de encerramento das cartas podemos observar que 25 alunos
fizeram uso do “pré-encerramento, despedida e assinatura”, 24 utilizaram “despedida e
assinatura” e somente 01 aluno não empregou “despedida e assinatura” em seu texto.
Com isso, ao que parece, a maioria dos alunos entendeu que o gênero estudado requer
um ritual de separação, formalizar o fecho da interlocução para concluir o evento
comunicativo.
Resumindo o que foi exposto, segue um exemplar das cartas do corpus que
permite melhor visualizar, em seu conjunto, as etapas e as sequências discursivas, que,
como dito, são vistas por este estudo como movimentos interativos e discursivos,
organizadores da estrutura composicional desse gênero. A seguir um exemplo da carta
ao autor que evidencia o aspecto em foco.
Quadro 3 - A Carta ao autor: etapas e sequências discursivas
Cabeçalho
Campina Grande, 18 de julho de 2005.
Saudação e vocativo
Oi Rose Sordi!
Tudo bem com você? Espero que sim. Estou escrevendo esta carta para
Solicitudes
contar a senhora que li a história Mariana do contra.
Estudo a 4ª série na Escola X no Jardim com a professora Y. Ela quem
Corpo da carta
levou a história para a turma ler. Gostei muito da personagem que você
criou porque ela é engraçada e brincalhona. Daí eu fiquei com vontade de
ler mais histórias sua entende?
Por isso estou escrevendo para saber se escreveu outros livros. Você
escreveu outros? Também gostaria de pedir que se tiver um livro sobrando
na sua casa pra enviar pra nossa escola, lá pra biblioteca porque ela é
muito pobre de livros.
Nossa turma ia ficar muito feliz viu Rose?
Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito.
Pré-encerramento
Tchau
Despedida
Um beijo
Assinatura
D
Carta do aluno D
3.1.4 A expressão de informalidade na carta ao autor
Os critérios adotados para estabelecer a distinção entre eventos comunicativos
formais e eventos informais partem de fatores ligados à natureza e à finalidade social do
evento do gênero, o que, certamente, implica a atuação dos papéis comunicativos e
social dos participantes, o relacionamento interpessoal, o espaço social em que se dão
os eventos comunicativos e, por extensão, o propósito comunicativo, as atitudes
enunciativas e as normas de polidez, assumidas no curso da interação, que podem
promover, em níveis os graus diferenciados, os efeitos de formalidade e informalidade.
Em relação às questões de simetria e assimetria, a formalidade e informalidade, de
igual modo, não devem ser tratadas como um dado a priori. Ambos os traços são fruto de
uma série de fatores modelados pela natureza e finalidade social do evento do gênero.
Nos eventos comunicativos do gênero em análise, carta ao autor, observamos que
os textos dos sujeitos deste estudo expressam um caráter de informalidade. Isto se
evidencia logo na abertura com as fórmulas de tratamento revelando proximidade,
intimidade, afeto. Dentre as evidências sinalizadoras de informalidade destacam-se as
expressões afetivas: querido (a), a abundância de vocativo. Incluímos, assim, o uso
recorrente de pronomes de primeira e segunda pessoas, marcas evidentes das relações
dialógicas que, no caso das cartas, asseguram a simetria na interação. Por meio desses
recursos linguísticos, estratégica e polidamente, o escrevente dirige-se ao interlocutor,
para interpelá-lo, incitá-lo a envolver-se com o que está sendo anunciado.
Para exemplificar essa observação, apresentamos quatro exemplos que se
reportam ao uso dessas expressões:
Exemplo: 12
Carta do aluno A
Oi Rose!
Tudo bem?
Exemplo: 13
Carta do aluno A
Beijos e abraços de A.
Exemplo: 14
Querido Hélder!
Como vai o senhor?
Carta do aluno I
Exemplo: 15
Carta do aluno L
Beijossss de quem é tua fã.
Nessa sequência, os dados mostram, outros indicadores de expressão de
informalidade e são representados por algumas formas gramaticais e lexicais do registro
linguístico coloquial. Podemos exemplificar por meio da redução da preposição para
(pra), redução da forma verbal está (tá); o léxico constituído de palavras de uso mais
corriqueiro.
Exemplo: 16
Carta do aluno G
Queria saber se você tem outros livros. Por favor, mande um pra mim.
Exemplo: 17
Carta do aluno M
Queria que enviasse um pra gente conhecer na escola tá?
De um modo geral, julgamos inadequado o grau de intimidade, recorrente na
escrita da carta ao autor pelos alunos, uma vez que o gênero exige formalidade. Os
escreventes empregaram um modo de uso da linguagem. Talvez esse dado confirme a
tese de Bazerman (2005) da flexibilidade do próprio gênero carta. Além disso, os
modelos que eles usaram podem ter influenciado essa relação de proximidade na
composição do estilo de linguagem usada. Cabe à escola viabilizar as condições
necessárias para que os alunos se tornem proficientes do uso da linguagem e,
consequentemente mais letrados.
O esboço que procuramos delinear da composição textual do gênero estudado
apresenta três etapas (abertura, corpo e encerramento) e evidencia que elas são
imprescindíveis à organização do evento comunicativo. No tocante a esse aspecto, é
importante ressaltar a regularidade do emprego de sequências discursivas que abrem e
fecham o evento, além, do próprio corpo da interação. Por fim, no processo de edição, os
desenhos, adesivos, molduras, põem em evidência que o jogo dialógico que se
estabelece nas cartas é constituído por um conjunto de normas. De tal modo, que nesse
jogo, o escrevente por querer conhecer o autor, por meio da escrita, vai se desvendando
para ele.
Seguindo essa linha de pensamento passemos ao próximo item, em que
procuramos confirmar traços da carta que revelam indícios de interatividade.
3.2 As marcas da interatividade do gênero carta ao autor
Muitas marcas linguísticas, selecionadas para efetivar os atos de interatividade,
podem ser vistas como formas através das quais são atualizadas estratégias de polidez,
ou seja, procedimentos discursivos e interativos que, estrategicamente, são mobilizados
para manter o equilíbrio interpessoal da interação.
Particularmente, no conjunto das 50 cartas analisadas, como apresentaremos
mais adiante, o escrevente é um produtor que sempre está atento ao seu destinatário,
mobilizando uma série de estratégias de modo que torne possível e facilite a construção
de um diálogo. Na verdade, como nos indica o corpus, o destinatário, enunciativamente,
instala-se no próprio movimento da produção do texto, na medida em que o escrevente o
interpela,
estimula,
convoca,
orienta,
monitora
sua
atenção,
pressupõe
um
compartilhamento de informações e negocia saberes. Em outros termos, há sinalizações
de procedimentos discursivos e interativos que podem representar fortes estratégias
interativas que envolvem as rotinas de polidez.
Tais rotinas muitas vezes são previstas e ajustadas nas relações interativas dos
eventos comunicativos do gênero carta em nossa cultura (saudações e despedidas),
outras supomos que são geradas na própria condução da interação.
No caso das cartas, considerando-se os propósitos que cercam o evento
comunicativo, pode-se admitir que a construção das faces, modelada ao longo do evento,
parece que o escrevente tem uma preocupação de ser solícito; apresentar-se íntimo, sem
pretender ameaçar o território privado do outro e o seu próprio; envolver o interlocutor
com o que está sendo anunciado; tecer elogios.
Os dados nos apontam que ao longo da interlocução entre os correspondentes
são efetivadas várias estratégias, linguisticamente materializadas, que revelam que a
intenção do escrevente é a de tentar um espaço interlocutivo em que formas de cortesia
positiva predominem. Como nos apontam os dados, ao longo da interlocução entre os
escreventes são efetivadas várias estratégicas, linguisticamente materializadas, que
revelam que a intenção do escrevente é a de instaurar um espaço interlocutivo.
Deste modo, apresentaremos as marcas linguísticas presentes no texto das
cartas, que expressam atos de interatividade. Na exploração do corpus, ficou evidente
que carta ao autor constitui um texto rico de ocorrências de expressões linguísticas e
mecanismos de organização textual que concorrem para promover atos de interatividade.
Tais elementos caracterizam-se como formas concretas para efetivar as estratégias
interativas, delineadas pelo escrevente no curso do evento.
No conjunto das cartas examinadas, as pistas linguísticas identificadas como atos
de interatividade no texto são as seguintes: marcadores discursivos, enunciados
interrogativos (saudação, perguntas diretas), uso do verbo no futuro do pretérito, vocativo
e fórmulas de despedida.
3.2.1 Marcadores discursivos
Verificamos no corpus em análise um número significativo dos marcadores
discursivos, que, do ponto de vista funcional, podem ser enquadrados em dois blocos: os
que são basicamente de natureza interativa, com forte orientação interpessoal e os que
são relativamente interativos, ou seja, tanto indicam a mudança de tópicos ou sequência
de tópicos como sugerem monitorar a atenção do destinatário.
3.2.1.1 Marcadores discursivos interrogativos: tá?; ok?; sabe? certo? né? e
viu?
Os marcadores discursivos podem ser considerados como uma das pistas
linguístico-discursivas por meio das quais verificamos como se deu a manifestação de
interesse pelo interlocutor. Eles são um dos mecanismos envolvidos na organização
textual interativa da língua falada. Nas cartas que compõem o corpus há influência das
estratégias utilizadas em gêneros orais como a conversa, por exemplo.
A presença dos marcadores discursivos nas cartas pressupõe a presença de um
leitor, o qual é convidado a se engajar na interação. Na exploração do corpus,
verificamos que esse grupo de marcadores discursivos é bastante expressivo, em termos
de número de ocorrências, conforme especifica a tabela 3, a seguir.
Tabela 3 – Apresentação das ocorrências dos marcadores discursivos nas cartas
autor
Marcadores
discursivos
interrogativos
Ocorrências
Quantidade de
cartas
Número de vezes
Tá?
18
21
Ok?
07
09
Sabe?
04
06
Certo?
04
04
Né?
04
05
Viu?
02
02
A seguir apresentaremos alguns exemplos retirados do corpus:
Exemplo: 18
Carta do aluno L
Aguardo a sua resposta ok?
Exemplo:19
Carta do aluno M
Queria que enviasse uma pra gente conhecer na escola tá?
Exemplo: 20
Carta do aluno G
Responda certo?
Exemplo: 21
Carta do aluno J
Adoro literatura e você parece que também né?
Para efeito de análise, consideraremos o exemplo 21. Nele vemos que, por meio
do uso do marcador discursivo (né?), o escrevente age sobre seu destinatário, na medida
em que busca uma aprovação discursiva para o que declara nos enunciados que
antecedem o marcador discursivo. Quando o escrevente afirma que “Adoro literatura e
você parece que também né?”, podemos apreender que o tom conferido por ele a esse
enunciado não é marcadamente o de uma interrogação ou de uma interpelação, mas a
pretensão é confirmar algo, supostamente, tomado como certo ou possível aos olhos do
escrevente. Eles são utilizados a fim de se conseguir a aprovação discursiva do
destinatário (SILVA, 2002).
Verificamos que, nas cartas ao autor, o escrevente, ao mesmo tempo em que se
mostra ao seu destinatário, no sentido de pressupor uma concordância com o que é dito,
estimula a envolver-se com o que é anunciado, um envolvimento que sugere ser
proveniente de um compartilhamento de saberes, de posições sobre o que está em jogo,
o que pode levar a uma intercompreensão.
No trabalho de produção do texto, o escrevente coloca-se discursiva e
enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse presente e, assim
ao fazê-lo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos.
Com a finalidade de efetivar a interatividade, o texto se tece em movimentos que
serão reconstituídos cooperativamente pelo destinatário, no ato da leitura. Assim sendo,
com sua interpretação, a sua marca pessoal, o destinatário completa o circulo
comunicativo previsto pelo evento da carta.
3.2.1.2 Marcador: “Ah”
Observamos no corpus, em análise, que o marcador discursivo Ah apresentou 10
ocorrências distribuídas em 06 cartas. Este se apresenta nas cartas de forma sempre
exclamativa e sugere traduzir um tom mais evocativo que o de surpresa ou admiração em
torno do que está sendo anunciado. Apresenta-se como uma estratégia interativa, um
detalhe de sua expressividade diante do destinatário em relação a uma informação nova
trazida à cena enunciativa ou a um tópico já em andamento.
Em termos funcionais, podemos dizer que o movimento discursivo apreendido na
atuação do “ah” aponta para uma ação de envolvimento da parte do escrevente tanto
com o que diz como com o seu destinatário em relação ao que está sendo ali enunciado,
como podemos ver no exemplo 21, a seguir. O aluno, ao escrever: “Ah! Já ia esquecendo
é que a tia só leu pra gente um pedacinho da sua história” traz a cena enunciativa uma
informação/comentário porque parece que se lembrou, em tempo, de algo que não
poderia deixar de levar ao conhecimento de seu interlocutor (SILVA, 2002, p.175).
Nas cartas analisadas, percebemos que o uso de “ah” incorpora, a um só tempo,
uma atitude de subjetividade, no sentido do produtor envolver-se com o que está sendo
anunciado, e de intersubjetividade, na medida em que ele busca prender a atenção do
destinatário, envolvendo-o no que está sendo exposto, pois como afirma Silva (2002) o
movimento que o marcador “ah” promove, no seio da interlocução, é o de conferir à
interação um avanço em seu curso, mediante a mudança no foco da discussão.
É importante assinalar alguns aspectos sobre o efeito evocatório que o “ah”
sugere promover. Se considerarmos os ambientes de sua ocorrência em relação ao
andamento dos tópicos na interação, ao que parece, para o escrevente, é indispensável,
no momento da interação, trazer à cena enunciativa uma informação, um comentário
porque julga pertinente ao tópico em andamento, e ao mesmo tempo, parece ter
lembrado algo que não poderia deixar de informar a seu interlocutor.
Nessa perspectiva, a função do “ah”, no curso da interlocução, que introduz uma
informação importante, não necessariamente ao tópico em andamento, sinaliza que o
escrevente tem anseio de alertar o seu interlocutor e que está introduzindo uma
informação que não deve passar sem que seja notada.
O movimento discursivo obtido na atuação do “ah” aponta para uma ação de
envolvimento da parte do escrevente, tanto com o que diz com o seu destinatário em
relação ao que está sendo ali anunciado. Sob essas condições, no conjunto dos textos
em análise, percebe-se que, na atuação do “ah”, mescla-se, a um só tempo, uma atitude
de subjetividade, no sentido de auto-envolvimento do produtor com o que está sendo
anunciado, e de intersubjetividade, na medida em que ele busca captar a atenção do
destinatário. Para se ter uma ideia mais clara sobre o assunto, apresentaremos quatro
exemplos:
Exemplo: 21
Carta do aluno L
Aqui na minha turma gostamos muito do jeito de Mariana porque ela é engraçada e divertida. Eu
queria muito ler a história dela toda. Ah! Já ia esquecendo é que a tia só leu pra gente um
pedacinho da sua história.
Exemplo: 22
Carta do aluno L
Rose eu gostei muito da história que você escreveu “Mariana do contra” porque ela é diferente. Eu
ri muito quando tava lendo (risos). Ah! Me diga você já escreveu muito livros parecidos com esse?
Exemplo: 23
Carta do aluno J
Queria muito conhecer você por isso estou convidando para fazer uma visita na minha escola.
Minha professora falou que lhe conhece e acha você legal.
Ah! Já ia me esquecendo, gostei das poesias do livro Pássaros e Bichos viu?
Exemplo: 24
Carta do aluno J
Gostei das rimas das poesias, das gravuras e mais ainda da que fala do papagaio. Achei
engraçado demais, todo mundo ri com ela. Ah! Será que é essa a poesia que você também mais
gosta no livro?
Deste modo, o movimento que promove o marcador discursivo “ah”, no seio da
interlocução, é o de atribuir à interação um avanço em seu curso, mediante a mudança
no foco da discussão, quando explicitamente propõe o abandono do tópico em pauta.
Não obstante essa singularidade que encerra esse marcador discursivo, sua a atuação,
contudo, continua mesclada por uma atitude de subjetividade e intersubjetividade.
3.2.2 Os enunciados interrogativos
Podemos verificar no conjunto de cartas que compõe o corpus, que há um número
bastante considerável de enunciados interrogativos os quais, podemos observar, são
realizados pelo escrevente, na interlocução, para atender os propósitos discursivos
distintos, tais como: efetivar um cumprimento/saudação na abertura do evento (Olá!
Hélder Pinheiro); saber sobre algo, que recorrentemente envolve o destinatário (E você
escreve muita poesia?) e, em menor proporção, avaliar o conteúdo de uma proposição
enunciada (Quem já viu escrever tudo ao contrário?). Como podemos averiguar, são
enunciados interrogativos que nem sempre encerram uma pergunta, como nos casos de
saudação e da avaliação. Observemos os exemplos retirados do corpus.
Exemplo: 25
Carta do aluno L
Oi Rose!
Como vai você?
Saudação
Quantos livros você já escreveu?
Qual é o que mais gosta? Quando você era
pequena parecia com Mariana? Fazia tudo ao
Perguntas sobre algo
contrário como ela?
Exemplo: 26
Carta do aluno J
Olá!
Saudação
Hélder Pinheiro como vai? Boa tarde
Você já fez outros livros?
Poderia doar alguns exemplares para minha
Perguntas sobre algo
escola?
Em relação ao gênero estudado, é preciso reconhecer, entretanto, que os seus
textos não contam com a realização de pares adjacentes que conjugam as duas partes,
isto é, na carta, a segunda parte, aquela pretensamente proferida após o cumprimento ou
a pergunta ou o pedido etc; não se atualiza por razões do próprio esquema de produção
e recepção de texto. Podemos dizer que se flagram nas cartas enunciados interrogativos
cuja formatação linguística, se apresentam relativamente semelhantes às partes
introdutória de pares adjacentes que realizam uma saudação e as perguntas sobre algo,
estas explicitamente diretivas.
Observemos isso com mais atenção nos itens a seguir: “Oi Rose! Como vai você?
Quantos livros você já escreveu? Qual é o que mais gosta? Quando você era pequena
parecia com Mariana? Fazia tudo ao contrário como ela?”.
O item a seguir presta-se à exposição das fórmulas de saudação do gênero em
estudo.
3.2.2.1 As fórmulas de saudação
Averiguamos nas cartas analisadas que os escreventes abrem o contexto de
interação utilizando-se de uma interrogação que incide na realização do ato de
cumprimentar. Essa ação discursiva de natureza dialógica configura-se como mais uma
das estratégias interativas que integra a rotina comunicativa embutida no evento desse
gênero. Como podemos verificar nos exemplos que seguem, a ação de saudar,
geralmente assume, em termos linguísticos, o seguinte formato: interjeição + nome do
destinatário + expressão interrogativa.
É interessante assinalar que, no conjunto das 50 cartas, (35 = 70%) agem com
variações já previstas no modelo, (09 = 18%) das cartas utilizam esse modelo linguístico;
e somente (06 = 12%) delas abrem o evento sem recorrer a essa estratégia. Façamos a
análise dos exemplos retirados do corpus:
Exemplo: 27
Carta do aluno A
Oi Rose! Tudo bem?
Exemplo: 28
Carta do aluno B
Boa tarde Rose Sordi! Como vai?
Exemplo: 29
Carta do aluno I
Querido Hélder! Como vai o senhor?
Exemplo: 30
Carta do aluno G
Olá! Tudo bem?
Através dos modelos de cumprimento, os participantes têm sua face preservada,
positivamente. Em outras palavras, isso equivale dizer que, através dessa estratégia
interativa, o efeito discursivo que o escrevente deseja promover é de o parecer gentil, e
próximo ao seu interlocutor. Apreciemos o exemplo 29 em que o interlocutor é saudado
com um tratamento carinhoso “Querido Hélder! Como vai o senhor?”.
Por meio do diálogo escrito, o escrevente se faz presente ao seu interlocutor e,
enunciativamente, este é envolvido na interação. Em outras palavras, as formas
interrogativas: como vai? ou tudo bem? dão a impressão de que o escrevente põe-se
próximo ao seu destinatário, recriando uma situação de uma conversa informal e íntima.
3.2.2.2 Perguntas: estratégias de envolvimento interpessoal
De acordo com os dados analisados, (45 = 90%) das cartas que compõem o
corpus trazem em seus textos enunciados interrogativos que concluem claramente uma
interpelação ou uma indagação do escrevente com o objetivo de saber sobre como está o
seu interlocutor.
Nas saudações, as perguntas que abrem o evento comunicativo das cartas não
ocupam um lugar determinado no interior do evento. Em alguns momentos elas se
encontram na abertura, em outros no corpo do evento, e em outros aparecem com as
sequências de encerramento.
A seguir exemplos de perguntas que demonstram o
universo cotidiano que os envolve.
Exemplo: 31
Carta do aluno B
Quero saber se a senhora escreveu outros livros? Como se chamam? A senhora poderia mandar
um livro para mim?
Exemplo: 32
Carta do aluno M
Hélder outra que gostei foi a do porco, acho que todo mundo ia correr da festa se um porco
chegasse embriagado de verdade, quem já viu isso?
Se considerarmos a natureza do relacionamento dos correspondentes, podemos
pensar que os destinatários interpretarão as perguntas como aquelas através das quais o
interlocutor tenta obter informações para partilhar do universo de sua vida cotidiana. Ao
querer saber algo, a atitude do escrevente pode ser entendida como uma manifestação
de engajamento afetivo que por meio da carta tenta conseguir um relacionamento
interpessoal.
Nos exemplos podemos perceber que o escrevente se faz presente ao seu
interlocutor, e este, ao mesmo tempo, é estimulado a envolver-se no diálogo. Esse
evento revela-se como mais um forte indicação de interatividade, dada a orientação
interpessoal atribuída à interlocução. Apresentemos fragmentos que exemplificam
quando o objeto perguntado é o próprio destinatário, ou seja, é a respeito dele que se
fala, é sobre ele que se quer saber.
Exemplo: 33
Carta do aluno E
Queria saber se você escreveu outros livros e como se chamam? Acho que vou gostar de
conhecer outros da senhora...
Exemplo: 34
Carta do aluno H
Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola?
Julgamos oportuno relembrar que o escrevente instiga o destinatário, interpelando
como se estivesse face a face (Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia
doar alguns exemplares para minha escola?). Fica evidente que o ato de perguntar
acontece, num primeiro momento, sobre o sujeito interpelado e não sobre aquilo que se
deseja saber.
Nas produções textuais analisadas, o escrevente coloca-se discursiva e
enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse presente. Deste
modo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos.
3.3 Uso do verbo no futuro do pretérito como recurso modalizador
Outras marcas linguísticas também identificadas como elementos que denotam
interatividade, na carta, são os verbos no futuro do pretérito do modo indicativo. Eles
correspondem a 35 textos, do total de 50 = 70% e caracterizam-se pelo valor injuntivo. O
desejo do escrevente está em evidência e pode ser expresso de maneira polida e formal,
marcando um distanciamento entre o interlocutor.
Construções como “Gostaria de saber mais do senhor. Pode ser?”, presentes no
exemplo 35, a seguir, em que o verbo aparece no futuro do pretérito do modo indicativo
são bastante frequentes no corpus. Este tipo de construção, que é feita sempre com os
verbos gostar, poder, está presente em um número considerável de cartas. O uso de tal
construção permite manifestar, de uma forma polida, o desejo de receber a resposta do
autor (a). As modalizações aparecem para orientar o interlocutor na interpretação do
conteúdo temático do texto (BRONCKART, 2007).
É interessante assinalar que o escrevente utiliza a forma “gostaria” (modalização)
com valor nocional de desejo, expressando-se polidamente. Tal escolha pode ser
justificada pela posição social dos destinatários (professor universitário, escritor).
No corpus em análise encontramos o futuro do pretérito com valor nocional de
desejo através de outra forma verbal, como o verbo poder, o valor de desejo expresso
pelo futuro do pretérito ocorre de forma mais indireta. Vejamos os exemplos as seguir.
Exemplo: 35
Carta do aluno I
Eu gostaria de saber mais do senhor. Pode ser?
Exemplo: 36
Carta do aluno D
...Também gostaria de pedir que se tiver um livro sobrando na sua casa para enviar pra nossa
escola...
Exemplo: 37
Carta do aluno B
A senhora poderia mandar um livro para mim?
Exemplo: 38
Carta do aluno H
Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola?
Os exemplos apresentados denotam assimetria entre o escrevente e destinatário,
ou seja, indicam uma relação de desigualdade entre o escrevente/autor literário que, na
maioria das vezes, desempenham papéis sociais diferentes.
Conforme pudemos observar os escreventes estão realizando um pedido a
alguém que é autoridade. Assim sendo, para não parecer incômodo, ameaça, falta de
respeito, utilizam o futuro do pretérito demonstrando a interação assimétrica, confirmando
o que diz Silva (2002, p. 157) sobre o assunto: “... a escolha de estratégias de polidez ou
interativas traduzem singularidade e individualidade do escrevente”.
No exemplo 35, o uso da forma, “gostaria”, no futuro do pretérito na construção da
pergunta, também é uma forma de polidez. Notamos que tanto o uso do futuro do
pretérito, como procedimento de atenuação, quanto a utilização da pergunta,
demonstram uma preocupação do escrevente em suavizar os efeitos dessa ameaça à
face do interlocutor.
Com base no exemplo 38 “Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia
doar alguns exemplares para minha escola?”, verificamos, que o uso do “poderia”, além
do efeito de polidez, deixa implícita a liberdade do interlocutor em atender ou não o que
está sendo pedido. A modalização com o verbo poder é um recurso linguístico-discursivo
que aparece em menor proporção que o verbo gostar.
3.4 Estratégias interativas da produção de carta dos autores endereçada aos
leitores
A interação verbal é, pois, uma troca de enunciados entre um locutor e um
interlocutor, estando os dois em um mesmo campo de compreensão ativa. Nesse
contexto, a interação entre leitores e autores é assimétrica, assim como são assimétricos
os papéis institucionais assumidos pelos autores e leitores. Eles possuem conhecimentos
diferentes. A assimetria talvez seja o traço caracterizador mais relevante quando se tem
em foco a interação que se estabelece entre autores e leitores, mesmo tal característica
não sendo exclusiva desse contexto.
O fato de as cartas terem sido enviadas aos autores, todavia, sinaliza uma
diferença em relação às atividades tradicionalmente realizadas na escola cujo único
interlocutor é o professor. A interação entre os leitores e os autores por intermédio da
carta prevê uma ação por parte dos autores.
Entendemos como interlocutor interessado aquele que deseja construir a
interação em um tom cordial e amigável e que manifesta interesse pelo que tem a dizer
o(s) interlocutor (es). O fato de os autores responderem as cartas que receberam é um
indício de que aderiram à interlocução. Em virtude disso, o interlocutor interessado atribui
legitimidade ao enunciado do(s) outro(s), procurando compreender a vontade enunciativa
desse enunciado ao qual prontamente responde.
As estratégias interacionais utilizadas nas mensagens, dada a vontade
enunciativa, a esfera de circulação e os papéis institucionais desempenhados pelos
interlocutores, adquiriram características específicas. Assim, os autores demonstraram
interesse no que o leitor tem a dizer. As estratégias interacionais utilizadas para iniciar
e/ou manter o tipo de diálogo desejado é que provoca a construção de uma interação em
tom cordial e afetivo. Elas se materializam linguisticamente no corpus através do uso de
enunciados interrogativos e marcadores discursivos.
No jogo dialógico, os alunos leitores incitavam os seus interlocutores a
constituírem-se como correspondentes, e, como se pressupõe nas relações interativas
mediadas por cartas, espera-se sempre uma resposta. Essa resposta como era de se
esperar veio endereçada a todos os leitores do 5º ano “A”. Passemos aos exemplos das
cartas do corpus investigado.
3.4.1 Carta do autor Hélder Pinheiro
Analisaremos a seguir a carta endereçada pelo autor Hélder Pinheiro aos leitores
do livro Pássaros e Bichos. Esta revela como, interativamente, no texto da carta, o
escrevente cria espaços discursivos e enunciativos para trazer à cena enunciativa a voz a
seus interlocutores.
Figura 5 – Carta do autor Hélder Pinheiro
Meus queridos alunos da Escola X:
Recebi com alegria as cartinhas que me enviaram. Fico feliz que tenham gostado do Pássaros
e Bichos na Voz de Poetas Populares. Este livro nasceu do desejo de levar às crianças um pouco
dos tesouros da poesia popular. Quando eu era criança, como vocês, ouvia de meus pais, meus
irmãos, e de pessoas da região, muitos versos como estes que estão nos livros.
Gostaria de agradecer as palavras carinhosas de todos vocês. Queria lembrar que não sou autor
dos poemas, sou apenas organizador. O grande mérito é dos poetas que sabem fazer coisas lindas.
Sugiro que brinquem muito com os poemas, leiam em casa para os irmãos ou irmãs, os pais e
quem mais quiser ouvir. E também leiam uns para os outros. É gostoso ouvir poesia, ouvir
histórias, não é?
Quanto aos pedidos que me fazem, infelizmente não posso enviar um livro a cada um de
vocês, mas estou enviando 2 (dois) para a biblioteca da escola para vocês poderem pedir
emprestado e levar para casa.
Deixo a todos um grande abraço e mais uma vez meus agradecimentos.
Se quiserem, posso ir visitá-los na escola para conversarmos um pouco.
Até breve,
José Hélder Pinheiro Alves
Na carta em análise, são várias as estratégias interativas utilizadas pelo autor,
para levar a efeito o seu projeto discursivo: estabelecer com seus interlocutores uma
relação cordial.
Observamos a partir da abertura do evento, através da saudação, que o autor
procura instaurar uma interação solícita, gentil, próxima aos seus interlocutores. O
interlocutor é saudado polidamente, mediante um tratamento carinhoso “Meus queridos
alunos da Escola X”. Nele o tratamento é personalizado.
Mais adiante verificamos a marca de interação quando o escrevente afirma que
“...é gostoso ouvir poesia, ouvir histórias, não é?” pode-se entender que o tom conferido
por ele a este enunciado não é, marcadamente, o de uma interrogação ou de uma
interpelação, pois a força ilocutória da ação discursiva nela instaurada não é de uma
pergunta ou pedido, mas a de uma carga argumentativa. O efeito é o de confirmar ou
frisar algo, supostamente, tomado como certo, ou possível, aos olhos do escrevente.
Parece acreditar que o destinatário está em plena aceitação.
Verificamos que o escrevente, por meio de uma estratégia de polidez para com o
destinatário, admite: “Quanto aos pedidos que me fazem, infelizmente não posso enviar
um livro a cada um de vocês, mas estou enviando 2 (dois) para a biblioteca da escola
para vocês poderem pedir emprestado e levar para casa”. A atitude de não explicar
poderia causar alguma decepção a seus interlocutores, contudo compreendemos que há
interesse de informar sobre o assunto aos interlocutores.
Vejamos as passagens que formatam o pré-encerramento do evento “Deixo a
todos um grande abraço e mais uma vez meus agradecimentos. Se quiserem, posso ir
visitá-los na escola para conversarmos um pouco”. No momento da interação - em que se
anuncia o término do encontro- o autor dá a entender aos seus leitores que a interlocução
continua. Isso se confirma na despedida “Até breve”. Assim, recursos dessa natureza
promovem efeitos de interatividade.
3.4.2 Carta da autora Rose Sordi
Apresentaremos a seguir a carta escrita pela autora Rose Sordi, endereçada aos
leitores do livro “Mariana do Contra”.
Figura 6 – Carta da autora Rose Sordi
Londrina, 10 de janeiro de 2006.
Queridos leitores,
Primeiramente, peço-lhes desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem
muito trabalho no final do ano. Vocês entendem, não é mesmo?
Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom quando gostam do
trabalho que fazemos, porque isto serve como estímulo para outras tarefas.
Todos me perguntam se já escrevi outros livros. Sim, escrevi vários deles: A estrela de cada um,
Cabeça de minhoca, Carnaval na Floresta, Ave, Poesia cheia de graça! Também sou autora de
livros didáticos: Magistrando a Língua Portuguesa e Língua Portuguesa – Comunicação Oral e
Escrita.
Gostei de saber que a professora Y os estimula para a leitura. Posso garantir que formar leitores
é o trabalho mais importante que a escola pode fazer por vocês. A leitura é como uma caderneta de
poupança. Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza de valor
incalculável. Um tesouro somente nosso, que ninguém pode roubar-nos. Ninguém!
Lamento dizer que, no momento, não tenho exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O
jeito, então, é procurá-los na biblioteca. Tomara que vocês os encontrem!
Um abraço bem carinhoso para todos que me escreveram: X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X,
X, X , X, X, X, X, X, X, X, X, X, X e X. Ué! E, claro, para a professora Y também.
Rose Sordi
N.B.- Gostei do capricho das cartinhas: os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas
também está muito bonita.
No exemplo apresentado a marca que introduz a sequência de abertura do evento
é “Queridos leitores”. Nela há evidência sinalizadora de informalidade destacando-se a
expressão afetiva “queridos”, estratégica e polidamente, a escrevente dirige-se aos seus
interlocutores para envolverem-se com o que vai ser enunciado. Recurso dessa natureza,
no contexto das cartas, promove efeito de interatividade e informalidade.
Para efeito de explicação, consideremos o fragmento “Primeiramente, peço-lhes
desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem muito trabalho no final
do ano. Vocês entendem, não é mesmo?“, no qual se atualiza o ato de desculpas.
Verificamos na justificativa da escrevente um distanciamento quando se refere ao todo.
Nesse caso, uma vez apresentadas as desculpas por que ainda não havia escrito,
percebe-se que o objetivo da escrevente é o de avançar na interação, isto é, trazer à
cena enunciativa as notícias do cotidiano. Dessa forma, na formulação de seu texto, a
escrevente lança mão do marcador discursivo “não é mesmo?” em questão, que
estrategicamente, contribui para promover o efeito de finalizar um tópico para iniciar
outro.
Mais
adiante
verificamos
um
momento
de
interação,
ritualisticamente,
instaurando-se, por assim dizer, o encontro dos correspondentes, mediante o texto
escrito “Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom
quando gostam do trabalho que fazemos...”.
Posteriormente a escrevente tenta se aproximar dos interlocutores citando a
professora deles “Gostei de saber que a professora Y os estimula para a leitura”. E mais
adiante apresenta o discurso moralista “... A leitura é como uma caderneta de poupança.
Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza de valor
incalculável...”.
No trecho mais adiante podemos depreender mais uma vez uma interlocução
distanciada mediante a explicação “Lamento dizer que, no momento, não tenho
exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O jeito, então, é procurá-los na biblioteca.
Tomara que vocês os encontrem!”.
Salientamos que antes de encerrar o evento comunicativo a escrevente procura
estreitar os laços por meio da polidez expressa “Um abraço bem carinhoso para todos
que me escreveram: X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X e
X. Ué! E, claro, para a professora Y também”. Com isso, a escrevente procura preservar
a interação. Isso se confirma na nota de rodapé “N.B.- Gostei do capricho das cartinhas:
os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas também está muito bonita”.
Assim sendo, o presente estudo, objetivou explicar como os escreventes
estabelecem uma interlocução efetiva, mediada pela escrita, com os seus destinatários,
utilizando, estrategicamente, uma série de recursos linguísticos e mecanismos
enunciativos. No trabalho da produção do texto, os escreventes colocam-se, discursiva e
enunciativamente, na interlocução como se os seus interlocutores estivessem presente e,
assim ao fazê-lo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os
sujeitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com qualquer gênero textual propicia o desenvolvimento do aluno não
só para a escola, como também o prepara para diferentes práticas sociais a partir dos
textos que circulam na sociedade. No caso do gênero carta ao autor, é a oportunidade de
professor e aluno extrapolarem os aspectos formais dos textos geralmente utilizados em
sala, e buscarem usar a linguagem de forma mais efetiva. A carta se define como gênero
na medida em que compartilha um determinado propósito comunicativo e estabelece uma
interlocução do leitor com o autor.
Partindo, então, dessa perspectiva de que as situações de interação verbal
efetivam-se por meio de gêneros textuais Araújo (2004, p.82) afirma que
o aspecto convencionalizado de uma interação escrita é reconhecido
como fazendo parte de um gênero particular. Assim, ao interagir no
texto, os produtores devem ter não só conhecimento das normas e
convenções desse texto (gênero textual), estabelecido pela comunidade
discursiva, mas também, dentre outras coisas, sobre a consciência da
audiência a quem o texto se destina e uma habilidade para refletir e
explorar essa consciência sobre como o texto deve ser escrito.
A partir destas reflexões, o que se anseia é que o ensino de língua materna se
torne mais concreto, que o espaço de sala de aula seja um ambiente de interlocução viva
entre os alunos e professores. A carta ao autor é um gênero textual que pode ser levado
para a sala de aula porque é constituído pela linguagem, com a qual o cidadão se
posiciona. Ao fazer uso da linguagem de maneira efetiva, comunica ao mesmo tempo
em que exercita práticas discursivas e participa das relações sociais que ela implica.
Deste modo, neste trabalho, nos baseamos em 50 produções textuais para
procurar responder a questão: como se deu a construção da interlocução mediada por
cartas intercambiadas entre leitores e autores de livros infantis?
Com base nos resultados obtidos na pesquisa pudemos verificar que o
funcionamento do gênero carta ao autor é constituído por movimentos essencialmente
dialógicos e se refletem no processo de textualização da escrita. Essa dimensão
manifesta-se em vários planos do funcionamento do gênero: no movimento dialogal, que
promove as relações interpessoais; na atividade de troca de cartas, pressupõe-se um
compromisso ou a chamada atitude responsiva ativa da parte dos correspondentes, aos
quais são dados o mesmo direito e dever de escrita; na estrutura da composição textual,
atuam-se etapas cujas sequências discursivas modelam o movimento e o curso da
interação; na expressão da informalidade presente no texto; e, por fim na superfície
textual, na qual inúmeras marcas linguísticas atuam como indícios de interatividade,
reveladores do resultado concreto do jogo de atuação interativa, discursiva, cognitiva e
enunciativa, concebido no evento comunicativo das cartas.
Quanto à configuração do texto, ou melhor, o conjunto de traços que imprimiram
nas cartas aos autores um caráter de informalidade, uma das evidências mais claras é
que ela revela traços pessoais do escrevente e preserva marcas de singularidade do
autor e do texto. Nesse caso, a informalidade das cartas sinaliza que os escreventes
(leitores) possuem pouco letramento e proficiência de escrita. Para tanto, a experiência
realizada em sala de aula aponta para a necessidade de novas práticas contextualizadas
de ensino da produção do gênero textual “carta ao autor”.
No que diz respeito às atividades de leitura e escrita um aspecto positivo
apontado por nós é que foram proporcionados aos alunos leituras de obras literárias,
tendo sido comentadas e discutidas amplamente, com o objetivo de levar os estudantes a
realizarem as inferências relevantes à atividade. Nos momentos que antecediam de
preparação das produções escritas fizemos discussões sobre os livros, que propiciaram
aprendizagens significativas, como no caso dos escritores que os alunos não conheciam
e que foram comentados, aspectos das suas vidas.
Entendemos que o conhecimento de um gênero deve ser visto sob a perspectiva
das condições de produção, de seus domínios comunicativos e dos aspectos formais
implicados. Desse modo, o trabalho didático de ensino deve ser elaborado de modo a
considerar esses aspectos, para possibilitar que os alunos percebam que a produção
escrita é um processo interativo em virtude de os sentidos serem construídos pela
interação leitor/autor e texto em processos complexos que envolvem experiências e∕ou
conhecimentos anteriores, além do propósito discursivo do(s) interlocutor (es).
Portanto, acreditamos que o ensino através do gênero textual possibilita ao aluno
contato com textos reais inseridos no contexto sociocultural, bem como se pode explorar
o conhecimento prévio que ele tenha, propondo uma relação mais efetiva entre a teoria e
a prática na medida em que o aluno é levado a produzir efetivamente e com isso ele se
aproprie dessa ferramenta e faça uso dela na vida prática. Destacamos que o gênero
pesquisado permite um trabalho didático com o contexto de produção atual, e possibilita
instrumentalizar o aluno para que cada vez mais ele possa agir e interagir com o outro e
com o mundo, ao menos no que diz respeito ao âmbito de ensino/aprendizagem da
língua materna em contextos escolares.
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SUASSUNA, L. Ensino de língua portuguesa – uma abordagem pragmática. Campinas: Papirus,
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Anexos
ANEXO I
A Dança dos Bichos
Eliana
Composição: Edgard B. Poças - Marcos Levy
Essa é a dança dos bichos
Palma, pata, pé, pé, pé
Essa é a dança dos bichos
E ai que bicho voce é
Dança
Dança
Dança
Dança
passarinho
perereca
peru
canguru
Dança
Dança
Dança
Dança
bicho-grilo
jacare
urubu
chipansé
Essa é a dança dos bichos
Palma, pata, pé, pé, pé
Essa é a dança dos bichos
E ai que bicho voce é
E gato ou cachorro
Rato ou leão
Coelho ou tartaruga
Porquinho ou lobão
Perua ou barata
Pavão ou tubarão
É bicho da seda
Ou é bicho papão
Cama, cama, camaleão
Essa é a dança dos bichos
Palma, pata, pé, pé, pé
Essa é a dança dos bichos
E ai que bicho voce é
E gato ou cachorro
Rato ou leão
Coelho ou tartaruga
Porquinho ou lobão
Perua ou barata
Pavão ou tubarão
É bicho da seda
Ou é bicho papão
Cama, cama, camaleão
Essa é a dança dos bichos
Palma, pata, pé, pé, pé
Essa é a dança dos bichos
E ai que bicho voce é.
ANEXO II
Os Bichinhos E O Homem
Arca De Noé
Composição: Toquinho & Vinicius de Moraes
Nossa irmã, a mosca
É feia e tosca
Enquanto que o mosquito
É mais bonito
É mais bonito
Nosso irmão besouro
Que é feito de couro
Mal sabe voar
Mal sabe voar
Mal sabe voar
Mal sabe voar
Nossa irmã, a barata
Bichinha mais chata
É prima da borboleta
Que é uma careta
Que é uma careta
Nosso irmão, o grilo
Que vive dando estrilo
Só pra chatear
Só pra chatear
Só pra chatear
Só pra chatear
E o bicho-do-pé
Que gostoso que ele é
Quando dá coceira
Coça que não é brincadeira
Nosso irmão carrapato
Que é um outro bicho chato
É primo-irmão do bacilo
Que é um irmão tranqüilo
Que é um irmão tranqüilo
E o homem que pensa tudo saber
Não sabe o jantar que os bichinhos vão ter
Quando o seu dia chegar
Quando o seu dia chegar
ANEXO III
Carta do autor Hélder Pinheiro
ANEXO IV
Carta da autora Rose Sordi
Londrina, 10 de janeiro de 2006.
Queridos leitores,
Primeiramente, peço-lhes desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem
muito trabalho no final do ano. Vocês entendem, não é mesmo?
Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom quando gostam do
trabalho que fazemos, porque isto serve como estímulo para outras tarefas.
Todos me perguntam se já escrevi outros livros. Sim, escrevi vários deles: A estrela de cada
um, Cabeça de minhoca, Carnaval na Floresta, Ave, Poesia cheia de graça! Também sou
autora de livros didáticos: Magistrando a Língua Portuguesa e Língua Portuguesa –
Comunicação Oral e Escrita.
Gostei de saber que a professora Raimunda os estimula para a leitura. Posso garantir que
formar leitores é o trabalho mais importante que a escola pode fazer por vocês. A leitura é como
uma caderneta de poupança. Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza
de valor incalculável. Um tesouro somente nosso, que ninguém pode roubar-nos. Ninguém!
Lamento dizer que, no momento, não tenho exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O
jeito, então, é procurá-los na biblioteca. Tomara que vocês os encontrem!
Um abraço bem carinhoso para todos que me escreveram: Thereza, Thaynara, Mayara,
Ângela, Verônica, Laise, Manuela, Renally, Caroline e Aline. Ué! E, claro, para a professora
Raimunda também.
Rose Sordi
N.B.- Gostei do capricho das cartinhas: os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas
também está muito bonita.
ANEXO V
ANEXO VI
ANEXO VII
ANEXO VIII
ANEXO IX
ANEXO X
ANEXO XI
ANEXO XII
ANEXO XIII
ANEXO XIV
ANEXO XV
ANEXO XVI