a interlocução mediada pelo gênero carta ao autor na sala de aula
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a interlocução mediada pelo gênero carta ao autor na sala de aula
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO A INTERLOCUÇÃO MEDIADA PELO GÊNERO CARTA AO AUTOR NA SALA DE AULA Cláudia Vanuza de Barros Macêdo Campina Grande, março de 2012. Cláudia Vanuza de Barros Macêdo A INTERLOCUÇÃO MEDIADA PELO GÊNERO CARTA AO AUTOR NA SALA DE AULA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Prof. Dr.ª Rossana Delmar de Lima Arcoverde 2012 FOLHA DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA Especialmente a minha mãe, Maria Stela, amiga e exemplo de mulher, por me conduzir nos caminhos da vida e do magistério. Fonte de inspiração e com quem aprendo a suportar as provações e, principalmente, a perdoar a cada dia. Sua paciência infinita e sua crença absoluta na capacidade de realização a mim atribuída foram, decisivamente, os elementos propulsores desta dissertação. Ao meu pai, José Macêdo (in memoriam), que muito cedo nos deixou sem poder fazer parte da realização desse grande sonho. Lembranças de infância permanecem em minha memória (momento em que meu pai me orientava nas atividades do Jardim da Infância). Saudades! À minha irmã, Maristela, pela torcida, incentivo, massagens e oração nos momentos de crise dessa caminhada. Por me aproximar mais de Deus revigorando minha fé... À minha irmã, Joselane (in memoriam), que precocemente partiu para o plano espiritual e, infelizmente, também não teve a oportunidade de compartilhar conosco esse momento. Saudades! À minha avó, Mãe Etinha (in memoriam), que muito se alegrava e se sentia orgulhosa por cada uma de nossas vitórias. Obrigada por tudo! Ao meu esposo Joab pela força e incentivo, em todos os meus momentos, alegres ou tristes. A meu filho muito querido, Lucas Donovan, pela LUZ que tem sido em minha vida e motivação para continuar a estudar. AGRADECIMENTOS A Deus, por me proporcionar mais essa oportunidade e especialmente pelos “anjos” que colocou em minha vida nos momentos em que me sentia angustiada, e sem esperança. A exemplo da senhora que me presenteou com uma linda papoula rosa numa manhã triste de dezembro, a moça que me ouviu num banco de Praça na UFCG, quando me sentia sozinha e sem chão. À estimada orientadora Professora Dr.ª Rossana Delmar de Lima Arcoverde, pelo seu acolhimento, por suas orientações e conselhos, por ter me questionado sempre, a cada passo dado na revisão e reescrita deste trabalho. Serei eternamente grata. Às Professoras Dr.ª Maria Auxiliadora Bezerra e Dr.ª Roziane Marinho, por fazerem parte da banca de qualificação, dando sugestões preciosas e pelas exigências requeridas para esta dissertação. À coordenação, professores e funcionários, da Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (Mestrado), pelo compromisso e dedicação ao trabalho. Aos autores Hélder Pinheiro e Rose Sordi: o primeiro, por me fazer reencantar pela literatura e ver as diversas possibilidades de trabalho na sala de aula, no momento em que fui sua aluna na UFCG; a segunda, pela sensibilidade de poeta que nos leva a ver a vida de outra cor, pelo humor sempre agradável e pela amizade que edificamos ao longo desse trabalho. À professora Raimunda Gonzaga, que abriu as portas de sua sala de aula para a realização da pesquisa e com quem construí laços de respeito e carinho deste estudo. Aos “participantes da pesquisa”, sem os quais não teria sido possível a realização desta pesquisa. Agradeço pela disponibilidade, espontaneidade e muito carinho (cartinhas, bilhetes, abraços e beijos) com que me receberam em sua sala de aula. Às minhas amigas do Programa Linguagem e Ensino: Rosa Lúcia, Francineide, Fernanda, Luciene, Glauciara, Symone e Eliete, pelos momentos de aprendizado, alegrias, preocupações, certezas e incertezas, principalmente nos momentos em que procurávamos refúgio e motivação para seguirmos adiante. Cada gesto de carinho (emails, visitas e telefonemas) foi muito importante... Aos amigos (de velhas e novas datas), sempre presentes de alguma forma, ouvindo, falando, dialogando, bagunçando, rindo comigo e, por vezes, enxugando minhas lágrimas: Simone Cristina, Francisca Mello, Andréia Fernandes, Mariberto Almeida, Ana Carolina, Cícero Souto, Carlos Antonio, Eveline Guimarães, Laura Dourado, Miguel Rodrigues, Armstrong Souto, Vânia Larissa, Vera Lúcia, Jorgeson Pinto e Nelson Júnior. A Graça, amiga pessoal e de trabalho, minha psicóloga particular, nos assuntos do coração, e com quem tive a oportunidade de aprender muito nesses anos. Obrigada por me emprestar os ouvidos, me estender a mão e compreender os momentos em que o silêncio era necessário para que eu pudesse me recompor. Às pessoas que, mesmo estando afastadas deste momento especial, incentivaram-me na realização do projeto de pesquisa e confiaram em minha capacidade, fazendo-me acreditar que era possível. Ao grupo espírita SEJA nas pessoas de Ana Paula e Oscar e tantos outros com quem tenho a oportunidade de aprender e evoluir espiritualmente... Aos secretários de educação dos municípios de Campina Grande (Flávio Romero) e Cabaceiras (Rosilene Nunes), por me concederem a licença para que realizasse a pesquisa. A Teresa Donato, ex-coordenadora da Universidade do Vale do Acaraú – UVA/ Universidade Aberta Vida - UNAVIDA, pela disposição em colaborar com as questões do trabalho na Instituição e, sobretudo, por entender quando não podia viajar para cidades muito distantes. ...E eis que chego aqui materializando mais um sonho desejado. Outra vez um ciclo se fecha e com ele a alegria da vitória. O coração transborda de felicidade. E como dizem os grandes poetas Renato Russo e Flávio Venturine: “Confie em si mesmo/quem acredita sempre alcança/... quem acredita sempre alcança...”. RESUMO O objetivo geral desta pesquisa foi identificar e analisar como se deu a interlocução estabelecida através de cartas intercambiadas entre crianças e autores de livros infantis. Parte-se da compreensão de que o uso da língua é uma atividade interativa que, nesse caso, busca garantir a participação no jogo interacional entre leitores/autores e autores/leitores. As cartas foram produzidas por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental em uma escola da rede municipal de educação de Campina Grande - PB. Este estudo conta com o corpus constituído de 50 cartas, escritas em situação de sala de aula de Língua Portuguesa, por alunos que compunham a turma. Eram destinadas a dois autores da literatura infantil: Hélder Pinheiro e Rose Sordi. A partir de uma perspectiva dialógica, sociodiscursiva e interacionista da língua, enfatizando a importância da mediação do professor buscou-se, com a prática didática baseada no Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem – AAA5 (Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR I), desenvolver a capacidade linguística dos participantes em relação à produção de cartas. A presente pesquisa é de base qualitativa e participativa segundo a natureza de seus dados, com a pesquisadora envolvida no trabalho de sala de aula, articulando a coleta de dados. Para alcançarmos nossos objetivos, buscamos responder a seguinte questão: Como se deu a construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de livros infantis? Este estudo se fundamenta nos pressupostos teóricos discursivos de Bakhtin (2000) e interacional-sociodiscursivos de Bronckart (2007), os pressupostos dessa mesma natureza que abordam as questões didáticas do ensino de gêneros (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004) e o estudo da carta (SILVA, 2002; MARCUSCHI, 2002; SOUTO MAIOR, 2001; PAREDES SILVA, 1997; CHARTIER, 1991). Os procedimentos de análise adotados neste trabalho contemplam a forma composicional e as marcas da interatividade das cartas ao autor. No trabalho da produção escrita, o escrevente colocase discursiva e enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse presente e, assim ao fazê-lo, a carta constitui um espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos. Os resultados obtidos evidenciaram que os participantes em geral, leitores e autores, conseguiram estabelecer uma interação significativa, apesar da relação assimétrica no que diz respeito aos papéis comunicativos entre os interlocutores. Nesse contexto, emergiu o interlocutor interessado, mobilizando recursos linguístico-discursivos necessários à interação via carta. Em relação ao grau de formalidade, utilizado na construção da interlocução, os alunos apresentaram pouco letramento e proficiência de escrita, ou seja, a interatividade estabelecida escapa aos padrões formais escolares. PALAVRAS-CHAVE: gênero textual; carta; interlocução; sala de aula. ABSTRACT The general objective of this research was to idenify and analyse in which conditions was stablished the interactivity through out the exchanged letters between children and childish book authors. It comes from the comprehension that the use of the language is an interactive activity, and in this case, tries to guarantee the participation in the interactive game between readers/authors and authors/readers.The letters have were produced by students from the fifth degree of a Public Elementary School, in Campina Grande – PB. This research contains 50 (fifty) letters written in Portuguese Language class situation, by the students. They were destinated to two childish book authors: Hélder Pinheiro and Rose Sordi. Up from a dialogical perspective, social interactive and discursive about the language, giving enphasis to the teacher mediation, it was tried to , using a didactic practice based up on the Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem 5 – AAA5 (School Learning Management – GESTAR I), develop the participating children linguistic capacity on what concerns to letters production. The present research is set up on a qualitative and participative base, according to the nature of its data, with the researcher working in the class, in a permanent data construction. In order to reach out ours objectives, we tried to answer the following question: In which conditions the interlocution between authors and readers was taken? This is study based up on the theoretical discursives bases from (BAKHTIN, 2000), and discursive interactional from (BRONCKART, 2007) and the same bases concerning to gender teaching (DOLZ AND & SCHNEUWLY, 2004) and the letter study (SILVA, 2002; MARCUSCHI, 2002; SOUTO MAIOR, 2001; PAREDES SILVA, 1997; CHARTIER, 1991). The analyse proceedings adopted to this research contemplates the compositional way and the interactive marks of letters to authors. About written production, the writer puts himself in a condition of interlocutional activity, such as he was face to face with his interlocutor. The results obtained highlighted that interlocutors, in general, got the opportunity to stablish a significative interlocution, even though it‟s an assimetric one. In this context it came out the interested interlocutor, moving discursive-interactive resources needed to communication through letters. According to a formal degree, used on interlocution construction, students showed up such a few literacy and written proficiency, and it means, the stablished interactive escapes out of the school formal bases. KEYWORDS: textual genre; letters; interlocution, classroom. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................15 Capítulo 1 - GÊNERO TEXTUAL: INTERLOCUÇÃO ENTRE LEITOR E AUTOR....................................................................................................................19 1.1 Gênero textual: enfoques teóricos.................................................................. 19 1.2 O gênero textual no contexto escolar..............................................................43 1.3 O gênero carta.................................................................................................49 1.3.1 Conceitos e variedades do gênero carta......................................................49 1.3.2 A carta ao autor.............................................................................................56 Capítulo 2 – A CONSTRUÇÂO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÂO...................60 2.1 O tipo de pesquisa...........................................................................................60 2.2 O contexto da experiência de ensino...............................................................65 2.2.1 A escola........................................................................................................65 2.2.2 Os sujeitos da pesquisa................................................................................66 2.3 Caracterização da prática didática de produção de cartas.....................................................................................................................67 2.3.1 Estudo de textos teóricos..............................................................................68 2.3.2 Experiência de ensino baseada no Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem 5 – GESTAR I ...............................................................................70 Capítulo 3 – A ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................81 3.1 A estrutura composicional do gênero “carta ao autor”....................................81 3.1.1 Abertura do evento.......................................................................................82 3.1.2 Corpo da carta.............................................................................................86 3.1.3 Encerramento do evento...............................................................................87 3.1.4 A expressão de informalidade na “carta ao autor”......................................................................................................................91 3.2 As marcas da interatividade do gênero “carta ao autor”..................................94 3.2.1 Marcadores discursivos................................................................................96 3.2.1.1 Marcadores discursivos interrogativos: tá?; ok?; sabe? certo? né? e viu?.........................................................................................................................96 3.2.1.2 Marcador: “Ah”..........................................................................................99 3.2.2 Os enunciados interrogativos......................................................................101 3.2.2.1 As fórmulas de saudação.........................................................................103 3.2.2.2 Perguntas: estratégias de envolvimento interpessoal..........................................................................................................104 3.3 Uso do verbo no futuro do pretérito como recurso modalizador..........................................................................................................106 3.4 Estratégias interativas da produção de carta dos autores endereçadas aos leitores..................................................................................................................108 3.4.1 Carta do autor Hélder Pinheiro...................................................................110 3.4.2 Carta da autora Rose Sordi.....................................................................112 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................115 REFERÊNCIAS...................................................................................................117 ANEXOS.............................................................................................................122 Anexo I - A dança dos bichos......................................................................................................123 Anexo II - Os bichinhos e o homem.....................................................................124 Anexo III – Carta do autor Hélder Pinheiro..........................................................125 Anexo IV - Carta da autora Rose Sordi................................................................126 Anexo V – Cartas do leitor A................................................................................127 Anexo VI – Cartas do leitor B...............................................................................128 Anexo VII – Cartas do leitor C..............................................................................129 Anexo VIII – Cartas do leitor D.............................................................................130 Anexo IX – Cartas do leitor E...............................................................................131 Anexo X – Cartas do leitor F................................................................................133 Anexo XI – Cartas do leitor G..............................................................................134 Anexo XII – Cartas do leitor H.............................................................................136 Anexo XIII – Cartas do leitor I..............................................................................137 Anexo XIV – Cartas do leitor J.............................................................................138 Anexo XV – Cartas do leitor L..............................................................................139 Anexo XVI – Cartas do leitor M............................................................................140 LISTA DE FIGURAS Figura 1: fragmento do livro Mariana do Contra....................................................74 Figura 2: modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi...........................75 Figura 3: consigna do Caderno de Apoio à Aprendizagem..................................76 Figura 4: atividade adaptada do caderno de apoio à aprendizagem....................78 Figura 5: Carta do autor Hélder Pinheiro............................................................110 Figura 6: Carta da autora Rose Sordi.................................................................112 LISTA DE QUADROS Quadro 1: estudo teórico realizado com a professora...........................................69 Quadro 2: sistematização das atividades de produção da carta ao autor.............73 Quadro 3: a carta ao autor: etapas e sequências discursivas..............................90 LISTA DE TABELAS Tabela 1: discriminação das cartas que apresentam abertura do evento.............85 Tabela 2: discriminação das cartas quanto à parte de encerramento...................89 Tabela 3: apresentação das ocorrências dos marcadores discursivos nas cartas ao autor..................................................................................................................97 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, pesquisadores (GERALDI, 1997; COSTA VAL e ROCHA, 2003; ANTUNES, 2003; RUIZ, 2001; DOLZ, GAGNON & DECÂNDIO, 2010), na área de aprendizagem da escrita, têm diagnosticado várias dificuldades sobre o ensino de produção de textos na escola. Ao tratar do ensino e aprendizagem da produção escrita na escola, nos reportamos às dificuldades enfrentadas tanto pelos professores quanto pelos alunos. Os caminhos da produção textual na escola estão sendo repensados por muitos estudiosos, estes sugerem que o professor de língua materna observe a linguagem como meio de interação e a língua como um objeto heterogêneo, visando o texto como artifício básico do ensino-aprendizagem. Deste modo, para subsidiar a nossa pesquisa, selecionamos como base teórica autores que abordam o assunto, na linha sociointeracionista, por acreditarmos que o ensino-aprendizagem da produção de texto só se efetiva, quando é oportunizado ao aluno interagir pela linguagem em situações significativas de ensino. E “interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva, dizer alguma coisa a alguém de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução” (BRASIL, 2001, p. 20-21). Partindo, então, desse pressuposto, e também por entendermos a linguagem como forma de interação verbal, é que optamos por realizar esta pesquisa que tem como foco a interlocução na produção de textos escritos no Ensino Fundamental I. Desta feita, como profissional responsável pela orientação educacional de três escolas públicas, na cidade de Campina Grande-PB, nos últimos três anos, temos acompanhado os professores nos planejamentos pedagógicos, nos cursos de formação continuada e nas atividades diárias, e observado suas dificuldades ao trabalharem com a produção escrita em sala de aula. Assim, ao longo dos capítulos que compõem esta dissertação, procuramos responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como se deu a construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de livros infantis? Esse quadro da nossa experiência profissional, aliado à concepção sociointeracionista de escrita que tomamos como base, deu origem à nossa motivação em eleger como objeto de pesquisa a interlocução construída por meio de cartas entre leitores e autores1 de livros. O estudo que ora apresentamos teve como objetivo geral analisar como se deu a interlocução estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros infantis. Nesse sentido, desdobramos este objetivo geral nos seguintes objetivos específicos: a) descrever e explicar como se constrói a interlocução entre leitores/ autores de livros infantis. b) Identificar e discutir a estrutura composicional do gênero carta ao autor na produção escrita dos alunos; c) identificar e discutir marcas ou indícios que apontem a interatividade, e que sugerem uma relação direta e intencional dos leitores com os autores de livros. Acreditamos que os aspectos que aqui serão abordados - a análise das condições em que se processou a produção de textos dos alunos, a busca do que o professor propicia em termos de auxiliá-los a dominar, de forma real e significativa, a produção 1 Rose Sordi e Hélder Pinheiro são designados nesta dissertação como autores, embora o segundo, em “Pássaros e Bichos”, seja organizador da obra. Sendo assim, no contexto deste trabalho todos serão considerados autores das obras. escrita do gênero -, poderão servir de subsídios para a reflexão do fazer docente no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da escrita de gêneros textuais. Neste contexto, elegemos a produção do gênero carta em sala de aula, visto que o trabalho com esse gênero revela características linguísticas que servem para dinamizar a didática do ensino de linguagem. A produção do gênero carta ao autor estimula o aluno a desenvolver seu senso crítico e aperfeiçoar a habilidade de escrita. Assim sendo, o trabalho com o gênero torna-se um importante meio de aprendizagem, já que prioriza a leitura e, também, a escrita, viabilizando um processo no qual o aluno se refaz consecutivamente, “elaborando seu conhecimento do mundo, da língua, de si mesmo” (PAZINI, 1998, p. 4-5). As reflexões teóricas, a construção da metodologia e o trabalho de análise dispensado aos dados conferiram a esta dissertação uma organização em três capítulos. No primeiro capítulo – Gênero textual: interlocução entre leitor e autor – abordamos a respeito da noção de Língua e Linguagem. Depois, apresentamos um panorama dos gêneros e adotamos como pressupostos a concepção de gênero textual: suas características discursivas e sóciointerativas, bem como sobre a descrição do modelo de análise proposto por Bronckart (2007). Além disso, discutimos sobre o que propõem os estudos dos genebrinos, Dolz e Schneuwly (2004) em relação ao ensino do gênero e sua aplicabilidade na sala de aula. Ainda neste capítulo, delineamos o gênero carta, situandoo como uma prática de linguagem existente na sociedade. Também foram apresentados alguns conceitos e variedade do gênero. Por fim, na tentativa de situar o objeto de estudo, carta ao autor, descrevemos os aspectos que demarcam a organização e o funcionamento desse gênero. O segundo capítulo – Construindo o objeto de investigação – é dedicado ao esclarecimento de questões relacionadas à caracterização da pesquisa de base qualitativa do tipo participativa, da escola, dos sujeitos. Além disso, contempla a ação dos sujeitos por meio de estudo e reuniões de planejamentos para a composição da prática implementada, na sala de aula investigada, que resultaram nos textos produzidos pelos alunos por ocasião da coleta de dados. O terceiro capítulo – Análise e discussão dos dados – é dedicado às análises das produções textuais, propostas na prática de sala de aula, no que diz respeito à descrição e interpretação sobre a composicional do gênero carta ao autor e às marcas da interatividade presentes nos textos. Por fim, nas considerações finais, procuramos apresentar nossas reflexões pautadas nos resultados obtidos por meio da investigação com o gênero, carta ao autor, na sala de aula. Capítulo 1 – GÊNERO TEXTUAL: INTERLOCUÇÂO ENTRE LEITOR E AUTOR Neste capítulo, apresentaremos os pressupostos teóricos que orientam este trabalho, a fim de relacioná-los com a experiência realizada em sala de aula. As concepções abordadas pertencem às correntes teóricas discursiva de Bakhtin e sóciointeracionista de Bronckart, para a qual o conhecimento sobre língua é internalizado a partir de atividades com a própria linguagem. Em seguida, abordaremos a noção de gêneros textuais e sua relevância para o ensino na sala de aula. 1.1 Gênero textual: enfoques teóricos Os conceitos de língua e linguagem tomados na visão bakhtiniana, se afastam de um olhar para a linguagem como expressão do pensamento e como instrumento de comunicação e enfatizam a linguagem como processo de interação. Bakhtin/Volochinov (2004,[1929], p. 123) apresentam o funcionamento da linguagem e afirmam que a tensão entre locutor e interlocutor adquire sustentação no ambiente das relações sociais, pois consideram que a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. É importante que a língua seja analisada nos seus aspectos mais amplos reunida a uma reflexão sobre a noção de sua verdadeira substância que para Bakhtin é a interação verbal, pois constitui a realidade fundamental da língua. O autor nos leva a compreender que todo enunciado comporta uma compreensão responsiva por parte do interlocutor que se esforça para descodificá-lo dando respostas ao locutor com base na sua compreensão e, logo após esse ato, existe uma alternância de sujeitos que muda naturalmente de papel. Nessa perspectiva Bakhtin/Volochinov (2004, [1929]) concebe a língua como um fenômeno social, concreto, individualmente manifestado pelo falante. Ainda para o mesmo autor, “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta” (p. 124). Deste modo, a língua constitui um processo e, como tal, apresenta uma evolução ininterrupta, que se concretiza como interação verbo-social dos locutores. Por isso, é que se pode afirmar que as leis da evolução da língua são leis sociológicas. Assim sendo, é importante enfatizar que o conceito de língua desenvolvido por Bakhtin tem a ver com o conceito de dialogismo que, para ele, decorre da interação verbal que se estabelece entre enunciador e o enunciatário. Ao introduzir a enunciação no contexto social mais amplo, Bakhtin não só ressalta a importância da situação de produção, incluindo os “atos sociais de caráter não verbal”, como apresenta a verdadeira substância da língua, ou seja, sua realidade fundamental, constituída pelo “fenômeno social da interação verbal”, que propicia as circunstâncias para a evolução real da língua. Convém esclarecer que existe diálogo entre as abordagens discursiva de Bakhtin (2000) e interacional sóciodiscursiva de Bronckart (1999), uma vez que ambas se atêm ao caráter social da linguagem e contemplam a noção de gênero como ação social, ou seja, insistem no caráter social dos fatos da linguagem considerando o texto como o produto da interação social, em que cada palavra é definida como produto de trocas sociais. Assim, é no contexto sóciointerativo que os gêneros se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo. Bronckart (2009) em seus estudos considera o momento da interação como essencial para o agir discursivo, o qual é influenciado e determinado por condições de produção específicas e normas sociais. A linguagem, neste sentido, é constitutiva do pensamento e responsável pelo desenvolvimento do pensamento consciente humano. Para Bronckart (2009, p.112), os pré-construídos humanos mediatizados orientam o desenvolvimento das pessoas, estas, por sua vez, com o conjunto de suas propriedades ativas, alimentam continuamente os pré-construídos coletivos (elas os desenvolvem, os transformam, os contestam etc.) [...] as mediações (re)constroem os elementos do meio coletivo, no próprio movimento em que contribuem para a construção das propriedades psicológicas individuais. Ao adotar esse movimento na constituição do desenvolvimento consciente humano mediatizado pela linguagem e voltado para o estatuto da conduta humana, o ISD toma para seu quadro as noções de agir, atividade e ação, com contributos de outras teorias, desenvolvendo as concepções de um agir linguageiro, próprio da conduta humana, em atividades de linguagem que exercem um papel regulador das atividades coletivas em uma dada formação social. Neste contexto, é que esse agir da linguagem se efetiva, por meio dos textos, organizados em gêneros. Para tanto, apresentaremos a seguir as concepções de agir, atividade, textos e gêneros assumidos nessa teoria que utilizamos como aporte central. O termo agir é compreendido, nessa teoria, como um comportamento ativo de qualquer organismo vivo. Em relação ao agir humano, esse se refere às diferentes formas de intervenção que os seres humanos exercem no mundo efetivadas por atos ou gestos. Esse agir humano pode ser distinguido em um agir não verbal (denominado como agir geral) e um agir verbal (compreendido como um agir de linguagem). Essas duas dimensões do mesmo agir humano relacionam-se às concepções de atividade e ação humanas compreendidas sob a ordem do sociológico e do psicológico, respectivamente. Sob o ângulo do sociológico, encontram-se as atividades coletivas “estruturas de colaboração que organizam as interações dos indivíduos com o meio”, e a atividade de linguagem como a reguladora dessa interação nas atividades coletivas. Elas são responsáveis por “assegurar o entendimento indispensável à realização das atividades gerais, contribuindo para seu planejamento, sua regulação e sua avaliação” (BRONCKART, 2009, p. 138). De acordo com Bronckart (2009), no seio dessas atividades coletivas, estão articuladas atividades linguageiras com a função de assegurar o entendimento indispensável para suas realizações, sendo, portanto, responsáveis pela efetiva regulação das atividades coletivas. Para ele, essas dimensões da atividade humana só podem ser observadas sob um ângulo relacional, ou seja, tanto a atividade coletiva quanto a de linguagem dependem uma da outra, sendo problemática, dessa forma, a distinção entre elas. No quadro dessas atividades coletivas e de linguagem, são atribuídas ações aos indivíduos. Essas ações humanas são observadas sob o ângulo do psicológico, pois a sua efetivação, tanto sob um ponto de vista externo (ação geral) quanto interno (ação de linguagem), dependem das avaliações sociais referentes a qualquer atividade coletiva, sendo, assim, o resultado da mobilização das propriedades das atividades mediadas pela linguagem, carregados de motivos e intenções (BRONCKART, 2009). Deste modo, é no campo dessas atividades coletivas que as pessoas interagem, constroem seus conhecimentos, (re) constroem as próprias atividades e criam outras à medida que a sociedade se transforma, o que se torna possível pelo uso da linguagem verbal no seio da atividade de linguagem realizada pelo ser humano. Assim, o agir geral pode ser compreendido no âmbito das atividades coletivas e das ações realizadas pelos organismos vivos nessas atividades. O agir linguageiro, por sua vez, no âmbito das atividades de linguagem e das ações de linguagem realizadas por indivíduos específicos, como o resultado da apropriação, pelo sujeito, dos construtos sócio-históricos que lhe permite conhecimentos para que possa assumir sua responsabilidade na interação verbal, tornando-se agente ou o autor da ação. Tanto a atividade de linguagem quanto a ação de linguagem não são dissociadas das atividades coletivas e ações, mas constituem-nas e são constituídas por elas, da mesma forma, como o agir geral e o agir de linguagem não podem ser considerados como partes do agir humano, mas como dimensões constitutivas dele (BRONCKART, 2009). As atividades (coletivas ou de linguagem) são organizadas nas formações sociais compreendidas como formas concretas que as organizações da atividade humana e, de modo mais geral, da vida humana, assumem, em função dos contextos físicos, econômicos e históricos (BRONCKART, 2008b, p. 113). As formações sociais, por sua vez, estabelecem normas e valores a fim de regular e organizar as interações entre os membros de um determinado grupo social. Essas interações são mediatizadas pela linguagem verbal em atividades linguageiras, que têm no texto seus correspondentes empíricos “produzidos com os recursos de uma língua natural” (BRONCKART, 2008b, p. 113). Ao serem produzidos por uma pessoa, os textos revelam em si o seu conhecimento sobre os contextos socioculturais e semióticos organizados em sistemas de representações coletivas, os mundos formais. Os mundos formais ou representados constituem-se como sistemas de coordenadas formais que organizam as representações sociais sobre uma determinada atividade. São compreendidos na ordem do psicológico por se constituírem como “configurações de conhecimentos” (BRONCKART, 2007, p. 33), adquiridos e exigidos por uma pessoa para que o seu agir seja considerado válido em uma dada atividade. Assim o agir humano exibe pretensões à validade sob as quais os membros da sociedade fazem suas avaliações e/ou controles coletivos (BRONCKART, 2008b). Essas aspirações regulam e norteiam o agir linguageiro humano no quadro desses sistemas denominados mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo. Ao mundo objetivo ligam-se os conhecimentos coletivos adquiridos em relação ao mundo físico, ou seja, toda e qualquer atividade se realiza no mundo material, constituído por pessoas e situações concretas. A ação do indivíduo ou grupo nesse meio leva em consideração o conhecimento abstraído desse mundo material, portanto, é o conhecimento e as representações criadas socialmente sobre esse espaço que permitem ao produtor participar eficazmente da atividade na qual está envolvido. Nesse caso, o agir humano exibe pretensão à verdade. O mundo social é constituído pelos conhecimentos acumulados pela pessoa em relação às regras sociais, elaboradas por um grupo particular e específico e aplicadas na organização das tarefas comuns. O mundo subjetivo, por sua vez, se constitui pela soma do conhecimento coletivo acumulado pelo indivíduo engajado nos grupos sociais e de seus traços psíquicos, que constituem suas características próprias. De acordo com Bronckart (2008b), no processo de interação verbal, a pessoa mobiliza o conhecimento desses três mundos representados, que, consequentemente, aparecerão configurados em suas ações (geral) ou de linguagem. Ou seja, em uma determinada interação verbal, o produtor, ao produzir seu texto mobiliza o conhecimento que tem sobre os mundos representados: sobre a atividade na qual será realizada sua produção, as pessoas envolvidas, o que se espera socialmente dele nessa atividade e o que ele acredita ser necessário fazer, os conhecimentos internalizados construídos por sua interação com o meio ao longo da vida e o conhecimento que tem sobre a língua. Assim, a construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento consciente humano ocorrem no processo de interação social, regulados pelas atividades de linguagem que se materializam nos textos organizados em gêneros. A abordagem dada por essa teoria aos textos e gêneros de textos segue aportes ligados ao interacionismo social, à psicologia da linguagem (no que se refere à compreensão de uma linguagem como instrumento fundador dos processos de percepção, sentimento, cognição, emoções) e à linguística. Segundo Bronckart (2008b), essa filiação faz parte de um projeto mais amplo que é o de demonstrar o papel central e fundamental da linguagem no conjunto dos aspectos do desenvolvimento humano e, consequentemente, ao importante papel das mediações educativas e formativas nas orientações dadas para esse desenvolvimento. É sobre a perspectiva de que a linguagem é o elemento central do desenvolvimento humano, que se efetiva em práticas sociais por meio das interações verbais, concretizadas nos textos, que o interacionismo sociodiscursivo se volta à problemática dos textos e gêneros de textos (BRONCKART, 2008b). Segundo Bronckart (2008b, p. 87), a noção de texto designa “toda unidade de produção verbal que veicula uma mensagem organizada e que visa a produzir um efeito de coerência em seu destinatário”, ou, ainda, “unidade comunicativa de nível superior, correspondente a uma determinada unidade de agir linguageiro” (ibid), podendo ser de ordem escrita ou oral. Para esse autor, é por meio dessa unidade de produção verbal ou unidade comunicativa, o texto, que uma determinada língua natural é apreendida pelos falantes, ao mesmo tempo em que são com os recursos (lexicais e sintáticos) dessa mesma língua que um texto é produzido (BRONCKART, 2009). Assim, para ele, o texto é constituído pela mobilização das unidades linguísticas, acrescentando que as características de constituição ou composição deste texto também dependerão “das situações de interação e das atividades gerais que comentam, assim como das condições histórico-sociais de sua produção” (BRONCKART, 2008b, p. 113). De tal modo, o texto poderia ser visto como o correspondente empírico/linguístico de uma ação de linguagem e os textos ou conjuntos de textos ou gêneros de textos como os correspondentes empíricos/linguísticos das atividades de linguagem de um determinado grupo (BRONCKART, 2006). Portanto, a construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento consciente humano ocorrem no processo de interação social, regulados pelas atividades de linguagem que se materializam nos textos organizados em gêneros. As noções de gênero de texto propostas pelo interacionismo sociodiscursivo são constituídas a partir das opções epistemológicas assumidas nesse quadro e remete também à noção proposta em Bakhtin/ Volochinov (2004). Bakhtin (2000, [1979], p. 283) define os gêneros do discurso como “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, através de enunciados individuais, surge o gênero, e essa relativa estabilização acontece por meio de seu uso em interações concretas. Depreendemos da afirmação, que a ideia de “tipos” usada pelo autor é a de “tipificação social” dos enunciados, ou seja, uma proximidade de características semelhantes ou comuns, constituídas não por regras do sistema, mas por situações socio-históricas dentro das esferas de interação humana. Para Bakhtin (2000, [1979], p. 312) o gênero discursivo é “uma forma de enunciado que, como tal, recebe do gênero uma expressividade determinada, típica, própria do gênero dado”. Concordamos com o autor por entendermos que o discurso só se efetiva na forma de enunciações concretas de determinados falantes, que são os sujeitos do discurso. Nesse sentido, fica evidente que o estudo do gênero deve partir do viés do enunciado, pois cada um deles está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais se vinculam no interior de uma esfera comunicativa. As variadas formas de se dirigir a alguém e as construções de destinatário são as particularidades que determinam a diversidade dos gêneros discursivos. No que se refere à diversidade de gêneros Bakhtin (2000, [1979], p. 283) afirma que ela é enorme e suas formas “[...] são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua”. E complementa: a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (p. 262). Para Bronckart (2008a, p. 88), a noção de gêneros de textos designa “espécies de textos” que apresentam “características semióticas mais ou menos identificáveis”. O autor assume a concepção de gênero de texto no lugar de gênero do discurso. Bronckart, ao trabalhar com a noção gênero de texto, assevera que esses são espécies de textos e não espécies de discursos, ou seja, conjunto de textos agrupados por possuírem características relativamente estáveis. Assim sendo, à noção bakhtiniana de discursos (religioso, literário, jornalístico), atribui as nomenclaturas “espécies de atividades” e “espécies de atividades de linguagem”, compreendendo “discurso” como os tipos discursivos que se encontram marcados nos textos, determinando a implicação ou autonomia das instâncias de agentividade ou o caráter disjunto ou conjunto em relação ao espaço-temporal. O estudioso estabelece, ainda, a relação de imbricação dos gêneros de textos às situações de ação de linguagem, pois, para ele, os gêneros de textos estão organizados de acordo com os valores de uso presentes nas formações sociais. De acordo com Bronckart, as formações sociais: elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características relativamente estáveis (justificando que sejam chamados de gêneros de texto) e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados, para os contemporâneos e para as gerações posteriores (BRONCKART, 2007, p. 137). Os indivíduos, em uma determinada atividade social, agem linguageiramente produzindo textos, cujos formatos e modelos já se encontram pré-estabelecidos pela atividade, num processo denominado por Bronckart (2009, p. 154) de “adoção” ao gênero. O produtor ao se apropriar deste modelo não realiza uma cópia, ele realiza suas próprias adaptações na condição de actante2 das ações de linguagem, de acordo com os valores pessoais e subjetivos que atribui à situação de produção na qual está envolvido. Assim, Bronckart (2007) denomina como situação de ação de linguagem e arquitetura textual, respectivamente. Dessa forma, o produtor acaba por produzir um texto com um estilo particular, o que pode, com o mesmo, contribuir para a modificação dos textos pertencentes ao gênero. Tendo por base essas noções de texto e gênero de texto, o ISD apresenta uma proposta de organização textual. O modelo de produção e análise, desde a sua primeira elaboração esboçada na obra „Le fonctionnement des discours‟ (1985), de Bronckart et al, vem sofrendo ampliações num percurso de três décadas, conforme afirma Bronckart (2009). Essas elaborações se encontram no segundo modelo explicitado na obra “Activité langagière, textes et discours. Pour um interactionisme socio-discursif”, de Bronckart (2007). Convém dizer que essas alterações e ampliações são resultados das abordagens das pesquisas que são desenvolvidas no quadro teórico do ISD. De acordo com Bronckart (2008c), esse modelo envolve um olhar sobre as relações de interdependência entre os mundos representados, a intertextualidade e a situação de produção com a produção verbal realizada, e, em seguida, a arquitetura interna dos textos em três níveis organizacionais. Para ele, a situação de ação de linguagem permite definir as configurações das representações de que dispõe um locutor e/ou produtor, quanto ao conteúdo temático, assim formulado e organizado, por um lado, pela semiotização das propriedades materiais e sóciossubjetivas do contexto do agir; e, por outro, pela arquitetura textual da comunicação verbal, pelos modelos dos gêneros que estão disponíveis e, mais precisamente, pelos conhecimentos da língua de que dispõem esse locutor e/ou produtor. 2 Qualquer pessoa implicada no agir (BRONCKART, 2008b, p. 121). Destacamos que esse modelo de produção e de procedimento de análise só pode ser compreendido a partir dos posicionamentos teóricos assumidos pelo autor. Quanto às condições de produção do texto, pautamo-nos na proposta de Bronckart (2009). O quadro a seguir, exposto em Bronckart (2009), estabelece as condições de produção para um novo texto (ação de linguagem representações do agente/pessoa e a arquitetura nebulosa dos gêneros): (BRONCKART, 2009, p. 146) Segundo Bronckart (2009), um actante ao produzir um texto é exposto a uma diversidade de fatores / parâmetros que condicionarão a produção linguageira. Assim, na análise das condições de produção de um texto, deve-se levar em conta as representações que uma pessoa tem sobre a situação de ação de linguagem ou situação de produção, ou seja, as representações que o produtor tem sobre si e o seu papel, sobre o co-emissor e o papel que esse exerce como destinatário, o tempo e o local de produção, observando as instituições envolvidas, o quadro social no qual essa ação de linguagem é realizada e outras representações que possa haver. Essa situação de ação de linguagem, “situação em que se encontra todo actante singular que tem de produzir um texto” (BRONCKART, 2008b, p. 88), também compreendida como situação de produção, pode ser explicada, em uma determinada atividade de linguagem, pela vivência de uma pessoa em uma situação em que necessita agir linguageiramente. Ao agir com a linguagem, ela realiza uma ação de linguagem que pode ser definida como “conhecimento disponível em um organismo ativo sobre as diferentes facetas de sua própria intervenção verbal” (BRONCKART, 2007, p. 99). Assim, para a realização dessa ação de linguagem, a pessoa mobiliza o seu conhecimento sobre essa situação, que, por sua vez, não deve ser entendida como um simples acontecimento, mas como uma situação de ação de linguagem que assinala as propriedades dos mundos representados. Dessa forma, em uma dada situação de produção, uma pessoa age linguageiramente (ação de linguagem), expondo conhecimentos representativos dos mundos formais. Nessa situação de produção, o produtor deve ater-se às representações desses mundos sob duas direções: uma primeira, que é denominada de contexto de produção, e uma segunda, a do conteúdo temático. O contexto de produção é definido por “um conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência na forma como o texto é organizado” (BRONCKART, 2007, p. 93). Eles são agrupados, pelo autor, em dois subconjuntos, de acordo com a noção dos mundos formais/representados: o primeiro, o mundo objetivo e o segundo, mundo social e subjetivo, compreendido como mundo sociosubjetivo. Em relação aos parâmetros do mundo objetivo, Bronckart (2007) afirma que todo texto é realizado por um agente, em um momento e em um espaço presentes no contexto físico. Assim esses parâmetros seriam um conjunto de conhecimentos mobilizados em relação ao emissor, a pessoa física que produz o texto, chamada de produtor e também locutor, quando se referir à modalidade oral, ao receptor, a pessoa física que recebe o texto, denominada como co-produtor ou interlocutor, quando se referir à produção na modalidade oral e estiver em interação imediata com o produtor. Além disso, todo texto é produzido em um lugar físico de produção, o lugar onde se realiza a produção verbal, e, finalmente, em um determinado momento de produção, tempo físico/concreto em que a ação de linguagem ocorre. Quanto aos parâmetros do mundo sociossubjetivo, o autor afirma que um texto é produzido em uma atividade de uma formação social e que essa tem valores e regras a serem seguidas pelo produtor, que tem, ao mesmo tempo, conhecimentos abstraídos da própria situação de ação de linguagem. Dessa forma, os parâmetros referentes ao mundo sociossubjetivo incidem sobre os conhecimentos sobre o enunciador (o papel assumido pelo emissor), o destinatário (o papel social assumido pelo receptor), lugar social (papel da instituição) e o objetivo (o efeito que o emissor quer causar no destinatário). Em relação aos parâmetros emissor / enunciador e receptor / destinatário, o autor afirma que um mesmo emissor pode produzir textos nos quais desempenha diferentes papéis enunciativos. Ou seja, a instância responsável pela elaboração de um texto deve ser definida de um ponto de vista físico e também sociosubjetivo. Assim, para indicar as instâncias emissor/enunciador no ato da produção verbal, ele aborda as terminologias “agente-produtor” ou “autor” (BRONCKART, 2007, p. 95). Em relação ao conteúdo temático referente a um texto, ele pode ser definido como “o conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas, isto é, que são traduzidas pelas unidades declarativas da língua natural utilizada” (BRONCKART, 2007, p. 97). Essas informações resultam das representações e dos conhecimentos adquiridos pelo produtor no decorrer de suas experiências e se encontram em sua mente antes mesmo da verbalização. Além dessas representações, outro elemento a se considerar, nas condições de produção de um texto, são os modelos dos gêneros já disponíveis e em uso em uma comunidade, e que podem ser apreendidos “não só em função de suas propriedades linguísticas objetivas” (BRONCKART, 2007, p.147), mas também pela função que exercem socialmente. Assim, há de se levar em conta também a relação que a produção de linguagem tem com a atividade humana, em geral, e a atividade linguageira (BRONCKART, 2007). Para Bronckart (2008a p. 40), a “estruturação geral desses gêneros (condições de abertura e de fechamento, planificação temática)” pode depender das atividades. Na perspectiva desse teórico, à arquitetura textual se reservam as propriedades linguísticas, discursivas e enunciativas que fazem parte da organização estrutural do texto. É, também, denominada como folhado textual. Essa denominação se dá por compreender que essas propriedades textuais encontram-se organizadas em três camadas que estão intimamente ligadas sob uma espécie de camadas superpostas, não podendo, portanto, ser observadas isoladamente. As três camadas ou níveis de produção, interpretação e análise estão organizadas em infraestrutura geral do texto, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. Bronckart (2009) propõe um esquema simplificado dos três níveis da arquitetura textual: (BRONCKART, 2009; p. 147). A infra-estrutura é a camada textual de nível “profundo”, assim considerada por A infraestrutura é a camada textual de nível “profundo”, assim considerada por apresentar estruturas mais complexas de organização. Constitui-se por dois regimes de organização diferentes: o primeiro, compreendido como o da planificação geral do conteúdo temático, e o segundo, o dos tipos de discurso, os quais têm em seu interior os tipos de sequência. (BRONCKART, 2008, p. 89). Segundo Bronckart (2009, p. 146), a planificação geral do texto, denominada também como plano global ou planejamento geral do conteúdo temático, é a forma como esse conteúdo é organizado, ou seja, as formas de planificação deste conteúdo. Essa organização é cognitiva e o produtor organiza o conteúdo de acordo com a mobilização que faz do conhecimento que tem a respeito do tema sobre o qual realiza sua produção verbal e, sobretudo, sobre os mundos discursivos e os parâmetros gerais do eixo do Expor e do Narrar, que explicaremos quando abordarmos os tipos de discurso. Para esse autor, essas coordenadas gerais se configuram nos tipos discursivos que são os primeiros a influenciarem na organização do plano global. O plano global ou geral de um texto “pode assumir formas extremamente variadas”, porque cada texto tem suas particularidades e especificidades que se ligam às especificidades de um dado gênero. Essas particularidades e especificidades dizem respeito ao tamanho, conteúdo temático, às condições externas à produção (suporte, variante oral-escrito), à forma como se articulam no texto os tipos de discurso e os tipos de sequências. o plano geral de um texto é descrito não com base em uma análise detalhada dos tipos de discurso e das diversas formas de planificação que ele combina, mas na forma de um resumo do conteúdo temático, que faz abstração exatamente da maior parte dessas formas técnicas de estruturação interna do texto (BRONCKART, 2007, p. 248). A partir de agora abordaremos o segundo regime de organização do texto, neste primeiro nível de análise da arquitetura textual, os tipos de discursos. Os tipos de discurso são definidos como “formas linguísticas” que são identificáveis nos textos e que traduzem ou semiotizam os mundos discursivos compreendidos como “atitudes de locução” (BRONCKART, 2009, p.150). Esses mundos são “formatos organizadores das relações entre as coordenadas da situação de ação de um actante e as coordenadas dos mundos coletivamente construídos na textualidade” (BRONCKART, 2008b, p. 91). Ao propor as noções tipos de discursos e mundos discursivos, Bronckart remete à descrição dos mundos formais de Habermas3, à interiorização das representações desses mundos por parte dos produtores e à caracterização das unidades linguísticas que fazem parte dos segmentos dos textos. Da relação tecida entre e/ou sobre essas três questões se constrói o que o autor considera como mundo ordinário e mundo discursivo. O mundo ordinário é identificado como os mundos representados pelos agentes humanos ou, em outras palavras, o mundo em que se desenvolvem as ações de agentes humanos. Os mundos discursivos são compreendidos como as atitudes de locução ou os modos de locução. A constituição desses mundos discursivos, segundo Bronckart (2008b), é o resultado de dois subconjuntos de operações. Um subconjunto se refere à relação existente entre a organização temporal das coordenadas gerais do conteúdo temático e os parâmetros gerais do mundo ordinário. Em outras palavras, ou as coordenadas que organizam o conteúdo temático semiotizado nos textos são colocadas à distância das coordenadas gerais da situação de produção do actante ou do mundo ordinário (ordem do Narrar) ou elas têm correspondência com as coordenadas gerais da situação de produção do actante (ordem do Expor). Outro subconjunto se refere às instâncias de agentividade semiotizadas nos textos, ou essas instâncias se referem aos actantes envolvidos na situação de produção (implicação) ou não (autonomia). É no quadro dos mundos discursivos ou “atitudes de locução” em que se inserem os tipos de discursos, 3 Em sua teoria da Ação comunicativa, Jurgen Habermas, parte do princípio de que os homens são capazes de ação, e para tanto utilizam-se da linguagem para se comunicarem com os seus pares, buscando chegar a um entendimento. como segmentos linguísticos que semiotizam ou traduzem essas atitudes. (BRONCKART, 2009, p. 152). Com isso, o autor distingue os mundos discursivos em quatro mundos: mundo do expor implicado, mundo do expor autônomo, mundo do narrar implicado e mundo do narrar autônomo. Ligados a esses mundos discursivos, encontram-se, conforme já dissemos, os tipos de discursos: ao mundo do expor implicado, o discurso interativo; ao mundo do expor autônomo, o discurso teórico; ao mundo do narrar implicado, o relato interativo; e, finalmente, ao mundo do narrar autônomo, a narração. Os tipos de discursos são, portanto, determinados pela relação de implicação ou de autonomia do produtor com o conteúdo temático expresso no texto, e pela relação de disjunção ou conjunção entre a organização temporal expressa no texto com a situação de produção. Por exemplo, se o conteúdo temático verbalizado se referir a um fato distante cronologicamente da situação de produção, o tipo de discurso estará no eixo do Narrar e poderá ser Narrativo ou Relato Interativo, conforme o grau de autonomia ou de implicação assumido pelo produtor do texto. No caso do conteúdo temático verbalizado se referir a um fato cronologicamente ligado à situação de produção do actante, o tipo de discurso estará no eixo do Expor e poderá ser Discurso Teórico ou Discurso Interativo, de acordo com o grau de autonomia ou de implicação do produtor do texto. Vale ressaltar que cada tipo discursivo é constituído por um conjunto de marcas linguísticas que ajudam em sua identificação nos segmentos textuais em que ocorrem. De acordo com Bronckart (2007, p. 158 - 175), os tipos de discurso apresentam as seguintes marcas que os identificam, conforme constatamos a seguir. O discurso interativo pode ser monologado ou dialogado, oral ou escrito, apresentar frases interrogativas, imperativas ou exclamativas (frases não declarativas), ter os tempos verbais (presente do indicativo, pretérito perfeito do indicativo e futuro perifrástico) articulados entre si, possuir dêiticos pessoais, espaciais e temporais, presença de pronomes e pessoas de modo “poder”, assim como de outros auxiliares de valor pragmático “querer, dever, ser preciso”. O discurso relato interativo apresenta as seguintes características: pode ser monologado, em uma situação de interação que pode ser real ou imaginária, oral ou escrita, ausência de frases não declarativas, presença dos tempos verbais pretérito perfeito e imperfeito aos quais, às vezes, são associados o futuro do presente, futuro do pretérito e/ou o mais-que-perfeito, presença de organizadores temporais (advérbios, sintagma proposicional, coordenativos e subordinativos), pronomes adjetivos em 1ª e 2ª pessoa do singular e plural referindo-se ao produtor e ao receptor/destinatário da interação verbal, e anáforas pronominais associadas às nominais. O discurso teórico, por sua vez, apresenta as seguintes características: geralmente, pode ser monologado e escrito, apresenta frases declarativas, pronomes, verbos e adjetivos de 1ª pessoa plural com valor genérico, presença de organizadores argumentativos, modalização lógica e o auxiliar de modo „poder‟, a ausência de dêiticos temporais, espaciais e de pessoas, presença de frases passivas e anáforas nominais, tempos verbais presente e pretérito perfeito com valor genérico, presença do tempo verbal futuro do pretérito. E, por fim, o tipo de discurso narração apresenta as seguintes características: monologado e geralmente escrito, apresenta como tempos verbais dominantes o pretérito perfeito e pretérito imperfeito associados ao pretérito mais - que - perfeito e futuro do pretérito, presença de organizadores temporais, anáforas pronominais e nominais, ausência de adjetivos, presença dos pronomes de 3ª pessoa e ausência de pronomes de 1ª e 2ª pessoa do singular e plural. Em relação aos tipos de discurso e às modalidades oral e escrita das produções textuais, Bronckart (2007) esclarece que o fato de um texto ser originalmente oral ou escrito não incide exatamente sobre os tipos de discurso, mas sobre o plano do contexto: [...] devemos considerar que é o contexto da ação de linguagem no seu conjunto que exerce influência sobre essas diferenças de registro e não a variante oral/escrita em si mesma, que constitui apenas uma das propriedades do contexto, desempenhando um papel subordinado ou indireto (BRONCKART, 2007, p.185). Essa questão, por exemplo, evita o equívoco de se pensar que, em uma ação de linguagem oral, o tipo discurso interativo teria características mais acentuadas do que o tipo de discurso teórico, e que, em uma ação de linguagem escrita, o tipo discurso teórico contenha características mais acentuadas do que o discurso interativo. Portanto, o que de fato o autor afirma é que, portanto, não é a modalidade oral ou escrita que determina o grau de implicação ou autonomia do produtor, mas são essas escolhas e esses graus que estão de acordo com o contexto de produção e os tipos de discurso, os quais independentemente da modalidade ser oral ou escrita, apresentam suas características de acordo com a situação de linguagem em que um texto é produzido (BRONCKART, 2007). Apresentaremos o terceiro elemento desse primeiro nível de análise, os tipos de sequências que, para Bronckart (2008b, p.89), são os “modos de planificação” do conteúdo temático ou ainda uma forma de organização sequencial desse conteúdo. São, portanto, o “produto de uma re-estruturação de um conteúdo temático já organizado na memória do produtor na forma de macroestruturas” (BRONCKART, 2007, p. 234). São assim, segmentos, estritamente, linguísticos. Em sua abordagem sobre os tipos de sequências, Bronckart retoma Adam (1992) que as distribuem em sequências prototípicas identificadas como sequência narrativa, argumentativa, descritiva, explicativa e dialogal, e acrescenta a essa tipologia, a sequência injuntiva e outras formas de planificação (script e esquematização), como também a noção do caráter dialógico das sequências. Segundo Bronckart (2007, p. 234), as sequências e as outras formas de planificação têm um “estatuto fundamentalmente dialógico”, pois sendo elas uma das formas de organização do conteúdo temático (que já se encontra organizado na mente do produtor) expressas linguisticamente, seu uso é motivado pelas representações que esse agente tem de seus destinatários e do efeito que neles quer causar. Desta forma, o produtor recorre ao intertexto e opta pelo protótipo de sequência que melhor servirá a seus interesses, organizando-o de acordo com a situação de produção. Em Bronckart, as sequências estariam distribuídas em relação aos tipos de discurso da seguinte forma: as sequências narrativas mais ligadas aos relatos interativos e às narrações, as sequências argumentativas, explicativas e injuntivas aos discursos teóricos e interativos, as sequências dialogais aos discursos interativos dialogados e as sequências descritivas a todos os tipos de discurso (BRONCKART, 2007, p. 252). Para Bronckart (2007, p. 259), qualquer que seja a diversidade e a heterogeneidade dos componentes da infraestrutura de um texto empírico, ele constitui um todo coerente, uma unidade comunicativa articulada a uma situação de ação e destinada a ser compreendida e interpretada como tal por seus destinatários. Essa coerência geral procede, de um lado, do funcionamento dos mecanismos de textualização e, de outro, dos mecanismos enunciativos. Os mecanismos de textualização correspondem às regras de organização geral do texto que compreende a coesão nominal, a coesão verbal e os mecanismos de conexão. Os mecanismos de conexão marcam “as grandes articulações da progressão temática e são realizados por um subconjunto de unidades a que chamamos organizadores textuais”, e assinalam “as transições entre os tipos de discurso constitutivos de um texto, entre fases de uma sequência ou de uma outra forma de planificação e podem ainda assinalar articulações locais entre frases” (BRONCKART, 2007, p. 263). Ao assinalar a transição entre os tipos de discursos, os organizadores textuais exercem a função de segmentação; ao assinalar a transição entre as fases de uma sequência, esses organizadores exercem a função de balizamento. Ao assinalar a transição entre frases ou períodos coordenados, em um mesmo segmento discursivo ou fase de uma sequência, eles exercem a função de empacotamento. E, ao assinalar a transição entre frases sintáticas organizadas pela relação de subordinação, esses organizadores exercem a função de encaixamento. Os mecanismos de conexão são marcados linguisticamente por palavras ou expressões que pertencem às categorias gramaticais advérbio, preposição, substantivo, conjunções (coordenativas e subordinativas). Além dessas marcas, os mecanismos de conexão podem ser identificados, na escrita, também por algumas marcas que Bronckart (2007) chamou de procedimentos paralinguísticos, sendo eles a formatação, os títulos, marcas de pontuação, e, no oral, as pausas, acentuações entonativas e outros. É importante ressaltar que esses organizadores textuais podem ser agrupados por seu valor semântico. “Alguns organizadores têm valor mais temporal (depois, súbito, antes que); outros, um valor mais „lógico‟ (de um lado, ao contrário, porque); outros ainda, um valor espacial” (no alto, desse lado, mais longe) (BRONCKART, 2007, p. 267). Os organizadores temporais são mais frequentes na ordem do narrar, os lógicos na ordem do expor; entretanto, ambos podem figurar nos dois eixos. Em alguns casos, os organizadores temporais podem assumir outra função e apresentar-se, assim, com outro valor, por exemplo, o “agora”, encontrado em alguns dos textos do corpus desta pesquisa, que pode assumir a função lógica. Os mecanismos de coesão nominal, que fazem parte também do segundo nível de análise, marcam as relações de dependências existentes entre argumentos que têm as mesmas propriedades referenciais, sendo identificados por sintagmas nominais ou por pronomes que assumem uma função sintática de sujeito ou objeto. Servem para introduzir uma unidade significativa, um elemento novo, ou realizar uma retomada, apresentando duas categorias de marcação: anáforas pronominais (pronomes pessoais, relativos, possessivos demonstrativos e reflexivos), encontradas, com maior frequência, nos discursos da ordem do Narrar; e as anáforas nominais compostas por sintagmas nominais de diversos tipos, encontradas com maior frequência em discursos da ordem do Expor. Os mecanismos de coesão verbal marcam a relação de “continuidade, descontinuidade e/ou de oposição existentes entre os elementos de significação expressos pelos sintagmas verbais” (BRONCKART, 2007, p. 273). A coesão verbal é marcada pelas escolhas dos lexemas verbais e seus determinantes – os tempos verbais sendo, portanto, os verbos os constituintes obrigatórios da coesão verbal. Os verbos, em seu conjunto, assumem valores gerais de significado (temporalidade, aspectualidade, modalidade); valores mais específicos (simultaneidade, anterioridade); valores aspectuais de realizado, imperfectivo, frequentativo; valores modais de asserção (modalidade assertiva), de hipótese (modalidade lógica). Em sua relação com os tipos de discurso, é a temporalidade o aspecto principal, pois é ela que registrará o caráter conjunto e disjunto presente no eixo do expor e do narrar. As escolhas verbais são realizadas levando em consideração três parâmetros: o momento da produção, o momento do processo e o momento psicológico de referência. A análise, a partir desses parâmetros, permite definir o eixo de referência temporal dos tipos de discursos em relação ao contexto de produção. Dos mecanismos apresentados anteriormente, as categorias que colaboram para explicar os dados são: mecanismos de conexão e mecanismos de coesão verbal. Acreditamos que essas categorias de análise permitirão visualizar melhor o gênero que foi objeto de ensino da prática vivenciada em sala de aula. O último dos três níveis em que o texto se organiza são os mecanismos enunciativos que, de acordo com Bronckart (2008b, p. 90), contribuem para o estabelecimento da coerência pragmática (ou interativa) do texto e consistem, primeiramente, na construção de uma instância geral de gestão, conhecida como textualizador, a quem o autor empírico confia a responsabilidade sobre o que é dito no texto, a partir do qual se dá a distribuição ou inserção de vozes (personagens, instâncias sociais e do próprio autor), no meio das quais se manifestam as avaliações e os julgamentos do produtor em relação ao conteúdo proposicional, as modalizações. As marcas de inserção de vozes visam fazer visíveis as instâncias de agentividade que têm responsabilidade sobre o que é dito em um texto (BRONCKART, 2006, p. 149). Segundo esse mesmo autor, as vozes podem ser definidas como as “entidades que assumem a responsabilidade do que é enunciado” (BRONCKART, 2007, p. 326) e podem ser agrupadas em três categorias - vozes de personagens, vozes sociais e voz do autor. As vozes de personagens são as vozes de seres humanos ou entidades humanizadas (animais, por exemplo) que assumem responsabilidade pelo conteúdo temático. A voz do autor ou do textualizador, por sua vez, é aquela que procede diretamente da “pessoa que está na origem da produção textual e que intervém no texto com comentários, avaliando ou explicando algum aspecto do conteúdo temático” (BRONCKART, 2007, p. 327). As vozes sociais são as vozes dos grupos sociais expressas nas produções, sendo mencionadas nos textos como instâncias externas de avaliação de alguns aspectos do conteúdo temático. Outros mecanismos de enunciação presentes na constituição de um texto empírico são as modalizações. Estas são unidades linguísticas responsáveis por expressar as avaliações, julgamentos e comentários da instância enunciativa sobre o conteúdo temático exposto na produção de linguagem. Constam de cinco funções relacionadas ao mundo objetivo e sociossubjetivo. São elas: deôntica, lógica, apreciativa e pragmática. Suas marcações se agrupam em quatro subconjuntos: o primeiro, os tempos verbais do futuro do pretérito; o segundo, os auxiliares de modo (querer, dever, ser necessário e poder), juntamente com outros verbos que podem, às vezes, também funcionar como auxiliares de modo (crer, pensar, gostar de, desejar, ser obrigado a, ser constrangido, etc); o terceiro, um conjunto de advérbios e locuções adverbiais (certamente, provavelmente, evidentemente, talvez, verdadeiramente, sem dúvida, felizmente, infelizmente, obrigatoriamente, deliberadamente, etc); e, por último, as orações impessoais e orações adverbiais que geram uma oração subordinada completiva (é provável que..., é lamentável..., admite-se..., geralmente que..., sem dúvida que..., etc.). • as modalizações deônticas expressam valores, opiniões, expressam regras do convívio social sobre o enunciado; • as modalizações lógicas têm a função de avaliar elementos do conteúdo temático e apoiam-se no mundo objetivo, atestam fatos possíveis, necessários, eventuais: é evidente que; provavelmente, também aparecem com verbos no futuro do pretérito do indicativo; • as modalizações apreciativas apresentam avaliações sobre o enunciado que provêm do mundo subjetivo. São marcadas pelos advérbios e orações adverbiais; • as modalizações pragmáticas explicitam características da responsabilidade de um grupo, de uma instituição com relação às intenções, à razão ou capacidade de ação. De acordo com Bronckart (2008b, p. 90), tanto as modalizações quanto as vozes servem para orientar a interpretação dos destinatários. É válido ressaltar também que as modalizações são independentes dos tipos de discurso, podendo estar relacionadas ao gênero ao qual pertence o texto (BRONCKART, 2007, p. 334). Esse modelo de produção, interpretação e análise permite aos pesquisadores no quadro do ISD utilizá-lo nas mais variadas situações de leituras e interpretações de seus dados, como também para a análise de gêneros e elaboração de material didático. Deste modo, tomamos como ponto de apoio os pressupostos teóricos e metodológicos do interacionismo sociodiscursivo, adotando a noção de gênero e os aspectos relacionados ao contexto de produção, na perspectiva de Bronckart (2007). 1.2 O gênero textual no contexto escolar Para refletir sobre o ensino de língua materna é preciso que levemos em consideração o trabalho linguístico que os sujeitos realizam nas suas ações, com e sobre a linguagem, e nas ações da linguagem sobre os sujeitos, que configuram os gêneros. Essas ações permitem que os sujeitos atuem entre os gêneros que já existem e os novos, construindo novas formas de representação. Para Dolz e Schneuwly (2004), o desenvolvimento ou aprendizagem se dá através de um processo de apropriação das experiências acumuladas pela sociedade no curso de sua história. Essas experiências ganham historicidade porque se apresentam, de certa maneira, estáveis, chegando a serem reconhecidas como práticas sociais. Dentre as práticas sociais, estão as práticas de linguagem que se relacionam com as dimensões particulares do funcionamento linguístico, isto é, as variáveis sociais, cognitivas e linguísticas. Assim sendo, para analisá-las no âmbito das práticas sociais, é necessário considerar as interpretações que os sujeitos fazem das situações de linguagem. Estas interpretações dependem do seu lugar social e da representação que têm das práticas. A partir desses pressupostos os autores fazem alguns questionamentos: como articular as ações que envolvem toda a prática de linguagem com a atividade de um aprendiz? Como trabalhar as práticas de linguagem na sala de aula, considerando o lugar ocupado pelos aprendizes e as representações que eles têm dessas práticas? Os estudiosos Dolz e Schneuwly (2004, p. 74) respondem aos questionamentos dizendo que não há outra maneira de articulação se não por meio dos gêneros, pois é através deles “que as práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes”. Portanto, podem ser para os aprendizes uma referência e um suporte para a atividade linguística nas situações de comunicação. Dolz e Schneuwly (2004) preconizam a ideia do gênero como (mega) instrumento para agir em situações de linguagem. Assim, se utilizados para o ensino de leitura e produção textual, poderão contribuir com a apropriação de conhecimentos quanto à diversidade de composições, aos diferentes estilos e aos variados recursos linguísticos. Ainda de acordo com esses autores, no contexto escolar, o gênero não é apenas instrumento de comunicação, mas também, ao mesmo tempo, objeto de ensinoaprendizagem. A esse respeito, os autores apresentam três maneiras predominantes de a escola abordar o ensino dos gêneros. A primeira é marcada pelo desaparecimento da comunicação, abordagem em que, os gêneros são tratados como se fossem desprovidos de qualquer relação com uma situação de comunicação autêntica, e “elaborados como instrumentos para desenvolver e avaliar, progressiva e sistematicamente, as capacidades de escrita dos alunos” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 77). A segunda abordagem considera a escola como lugar de comunicação, como o lugar autêntico de produção e utilização de textos. Os gêneros não são descritos nem ensinados, mas aprendidos pela prática de linguagem escolar porque se acredita que se aprende escrever, escrevendo. A terceira abordagem nega a escola como lugar específico de comunicação. Os gêneros que funcionam nas práticas de linguagem são utilizados pela escola como se o contexto escolar não os transformasse. Nessa perspectiva, não se analisa que as práticas de linguagem são, em parte, fictícias, por seus objetivos didáticos. Concordamos com os autores quando sugerem que o ensino de leitura e produção textual deve centrar-se nos gêneros textuais. Isso fortalece o pressuposto de se ter, previamente, a construção de um modelo didático, ou melhor, estratégias de ensino que possam favorecer ao aluno o domínio dos gêneros textuais em suas diferentes situações de comunicação. O papel dos gêneros no aprendizado da linguagem é lembrado em Bakhtin (2000, [1979], p. 301 - 302) quando afirma: Esses gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a gramática [...] Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados [...] Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais. [...] Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. Comungamos com Bakhtin, pois entendemos que não há como nos comunicarmos, a não ser através dos gêneros de texto orais ou escritos. Os gêneros textuais, como construtos de natureza social, linguística e cognitiva, funcionam como modelos de referência para o usuário da língua, e são processados pelo sujeito, automaticamente, intuitivamente no intertexto, em situações imediatas de uso, ou através de metarreflexão, em situação de aprendizado formal para os gêneros mais complexos. Dolz e Schneuwly (2004, p. 45) transportam a reflexão de Bakhtin (2000) para o contexto escolar, pois para eles, no que concerne às práticas de linguagem, sua apropriação começa no quadro familiar, mas certas práticas, em particular aquelas que dizem respeito à escrita e ao oral formal, realizam-se essencialmente em situação escolar na nossa sociedade. Ainda de acordo com estes autores o aprendizado da linguagem em ambiente escolar traz outros desdobramentos. Eles alertam que é na escola, por meio do ensino, que os alunos se conscientizam dos objetivos relativos à produção e à compreensão linguística. É o momento de entender as práticas de linguagem utilizando-se de várias atividades. Para os suíços Dolz e Schneuwly (2004), o objetivo das aulas de língua materna deve ser o de instrumentalizar os aprendizes para que eles possam reconhecer e utilizar todas as particularidades do funcionamento linguístico em situação de comunicação. Estes mesmos autores alegam em sua crítica, (...) Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que pudéssemos ensiná-la sistematicamente. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.50). Concordamos com os autores quando defendem que a escola é o lugar reservado em nossa sociedade para o ensino sistematizado do funcionamento da linguagem em situações de comunicação, não cabendo a ela apenas monitorar ou acompanhar um aprendizado natural, espontâneo. Nesta perspectiva, Dolz e Schneuwly (2004) propõem um trabalho com sequências didáticas, em torno de um gênero textual. Enaltecemos a sugestão dos autores, porém organizamos o nosso trabalho tomando como apoio, apenas, alguns pontos da sequência didática sugerida por eles. Assim sendo, a experiência realizada em sala de aula não se configura sequência didática. Na opinião dos autores, nas escolas, o gênero não é somente um instrumento de comunicação entre os sujeitos que convivem e interagem, mas é ao mesmo tempo, objeto de ensino e aprendizagem. Desse modo, eleger os gêneros textuais como objeto de ensino implica conceber a escrita enquanto prática social mediada pela linguagem que inscreve sujeitos em diferentes contextos de interação que se tipificam conforme a própria situação, a esfera social e os objetivos a serem alcançados pelos interlocutores envolvidos. Na seleção de gêneros textuais para o trabalho na sala de aula é importante selecionar aqueles que pareçam mais adequados aos alunos. Na perspectiva do ensino de língua centrado nos gêneros textuais, pode-se criar condições para a construção dos conhecimentos linguístico-discursivos envolvendo às práticas de linguagem dentro e fora da sala de aula. Conforme as diretrizes curriculares para o ensino de Língua Portuguesa, as noções de texto e de gênero devem legitimar os exercícios de leitura, de produção textual e de análise linguística, focalizando o gênero como instrumento de ensino-aprendizagem. Desse modo, os PCN (BRASIL, 2001, p. 21 22) destacam: Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero em função das intenções comunicativas (...). Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, que são caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. A noção de gênero refere-se a famílias de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como: visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (...) O objeto de ensino (...) é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem (...) Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas (...) procurando garantir aprendizagem efetiva. A alusão dos gêneros como objeto de ensino e aprendizagem para a prática de compreensão, leitura e construção de sentidos, supõe a adoção da concepção de linguagem e de escrita como uma prática histórico-social, na qual o sujeito seleciona os recursos disponíveis na língua para determinadas condições e finalidades, dando formas diversas aos seus textos, dependendo de suas condições de produção. Suassuna (1995), considera que a linguagem é antes de qualquer coisa um modo de vida social, definindo os indivíduos que interagem entre si e com o mundo, afirma que não se pode separar a linguagem de seu uso efetivo, concreto e social. Por essa razão, o trabalho com os gêneros textuais abre a possibilidade de se realizar com a linguagem uma abordagem na sala de aula em que se privilegiem as propriedades discursivas, interativas ou enunciativas da linguagem. Como bem assinala Bakhtin (2000, [1979], p. 123): A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social de interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. Nesta concepção de linguagem não é o signo, nem a frase o objeto de estudo, e sim o texto. O trabalho com o texto é que faz professor e aluno ocuparem-se efetivamente com o uso da língua, pois ele é a própria prática da linguagem. Nesse sentido, Bronckart (2009) argumenta que é papel da escola assumir-se enquanto espaço oficial de intervenção para proporcionar ao aprendiz condições para que ele domine o funcionamento textual de diferentes tipos de discurso, pois os gêneros textuais são como um instrumento que possibilitam aos agentes leitores uma melhor relação com os textos, pois, ao compreender como utilizar um texto pertencente a um determinado gênero, pressupõe-se que esses agentes poderão agir com a linguagem de forma mais eficaz. O trabalho com os gêneros textuais na sala de aula demanda cuidado e empenho por parte do professor, para que não sejam abordados apenas nos aspectos relacionados à forma composicional e sua função social. É importante que seja trabalhada com os alunos a reflexão dos aspectos culturais e sociais que estão implícitos à configuração do gênero. Diante do exposto, consideramos que o ensino através dos gêneros textuais se constitui numa possibilidade de lidar com o uso autêntico da língua, já que tendem a valorizar os atos sociais em que os atos linguísticos estão presentes. Portanto, é de fundamental importância, um trabalho sistemático com os gêneros textuais na escola, para que os alunos possam vivenciar situações reais de comunicação e usem com competência a escrita. 1.3 O gênero carta Tendo em vista o gênero em estudo (carta), destacaremos as concepções apresentadas por alguns autores, a exemplo de Silva (2002), Marcuschi (2002), Bakhtin (2000) e Chartier (1991), como também apresentaremos sua diversidade nos aspectos formais, funcionais e interacionais. Por fim, caracterizamos a carta ao autor. 1.3.1. Conceitos e variedades do gênero carta A carta4 é considerada como um dos mais antigos meios de comunicação, resistindo aos avanços tecnológicos da era comunicacional. Comte-Sponville (1997) chama a atenção para determinadas características que os avanços tecnológicos não conseguiram superar. O ato de escrever carta demanda um tempo de solidão e introspecção que a fala não permite. Além disso, ao recebermos uma carta, podemos escolher o momento em que desejamos „ouvir‟ esse remetente, diferente do „tempo real‟ do telefone, da internet ou do encontro face a face. Reconhecemos e utilizamos, ainda hoje, o gênero carta, pois assim como outro gênero, ele se define a partir de três características que de acordo com Bakhtin (2000, 4 O uso da denominação, gênero carta, em vez de gênero epistolar, busca dar ênfase ao sentido de unidade de comunicação construída em contextos funcionais específicos, evitando conotações literárias. [1979]) são: pelos conteúdos que são dizíveis através dele; pelo seu estilo verbal; por sua construção composicional. Tais características se interligam formando um todo verbal e são determinadas pelas esferas que a utilizam. Deste modo, concordamos com o autor quando propõe uma ordem metodológica de estudo do enunciado contemplando o conteúdo, o estilo e a composição, pois acreditamos que seja esse o caminho de análise para a compreensão de um gênero. Bakhtin (2000, [1979], p. 281) incluiu a carta entre os gêneros primários, ou seja, entre aqueles que se constituem em circunstâncias de uma comunicação espontânea. Situada em espaço e tempo determinados, ela é empregada em situações comunicativas que se caracterizam pela ausência de contato imediato entre emissor e receptor. No nosso entendimento a carta ao autor trata de um gênero secundário, propício para refletir a individualidade daquele que escreve e cuja linguagem é formal, na variedade padrão e permite, de forma bastante demarcada, a passagem da palavra do autor para o seu destinatário. A alternância de falantes ocorre porque se trata de um gênero mais próximo da oralidade e, por isso, permite a quem escreve dizer tudo aquilo que queria dizer, de tal forma que, ao ler, o destinatário percebe um acabamento do querer dizer do autor e, simultaneamente adota uma "atitude responsiva" em relação à provocação feita por este. Desse modo, Bakhtin (2000, [1979], p. 290) diz que a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: (...) o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar. Comungamos com o autor, pois a escrita enquanto prática social conduz a uma compreensão responsiva ativa (reflexão, produção de novos enunciados e questionamentos) que se constrói nas interações verbais. Ainda no tocante à atitude responsiva, do leitor-destinatário, entendemos que ela pode ser retardada pela característica que o gênero oferece - o autor escreve de um lugar e tempo determinado e o destinatário lê de um outro lugar e em outro tempo. Por isso, a resposta esperada pelo autor não acontece de imediato, como ocorre em outra interação face a face, como a conversa, em que destinatário e autor estão num mesmo espaço/tempo. A carta é um gênero que se constitui um meio de manter a interação social. De acordo com Silva (1995, p. 235), ela sempre será uma unidade aos olhos de quem abre o envelope: o ato de enviar uma carta e o fato de recebê-la já criam uma situação comunicativa: está feito o contato. Para Chartier (1991, p. 9) a carta é um texto, ao mesmo tempo, livre e codificado, íntimo e público, que pode ser considerado como segredo e algo voltado para a sociabilidade, melhor que qualquer outra expressão de nosso tempo, associando o laço social e a subjetividade. Adam, (1998, p. 41- 42) em um artigo sobre cartas, comenta que, em decorrência da variedade de gêneros epistolares, a composição textual de cada um deles guarda uma tradição das práticas epistolares do mundo clássico, que se pautaram nos princípios da retórica clássica. As cartas constituem-se basicamente de três etapas: abertura do evento, espaço em que se instaura o contato e a interlocução com o destinatário, que corresponde ao exórdio; o corpo da carta, desenvolvimento do objeto do discurso, o narratio; e por fim, o encerramento do contato, da interlocução; conclusão. Silva (2002, p. 133) nos chama a atenção para o fato de que, embora tal modelo possa servir “como matriz sociocognitiva estandardizada social, histórica e culturalmente, que se inscreve no conjunto do sistema de estratégias cognitivas de processamento de produção e recepção dos textos, exemplares de gêneros epistolares em uso na nossa cultura”, o gênero carta em sua realização empírica pode manifestar-se de forma relativamente diferenciada. Embora o gênero carta apresente características formais, não deixaremos de relacioná-la aos aspectos sóciohistóricos da situação enunciativa, privilegiando a intenção do autor ao utilizar o gênero para organizar o seu querer-dizer a alguém. O primeiro elemento comum a todas as cartas responde a uma necessidade sociointerlocutiva dos sujeitos e ajuda a definir o próprio gênero: a distância que existe entre os interlocutores no momento da escrita e leitura da carta. As cartas são escritas quando há ausência de contato imediato entre emissor e destinatário. O segundo elemento é a interlocução, pois a carta é um gênero por definição destinado a outra pessoa. Ao analisarmos as reflexões de Bakhtin (2000, [1979]) sobre enunciado, percebemos que todo texto se dirige a alguém, revelando que “as diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade de gêneros do discurso”. (p. 325) O terceiro é a maneira como uma carta se estrutura, já muito conhecida entre os sujeitos. Segundo Marcuschi (1995, p.98 apud SILVA, 1999), há um saber social e intuitivo sobre os gêneros do discurso, construído nas esferas das relações sociocomunicativas, que permite um sujeito usar ou reconhecer um gênero, a partir de sua estrutura. Há traços linguísticos, no entanto, que por apresentar-se de modo recorrente na estrutura formal de alguns gêneros, chegam a ganhar “um alto grau de estereotipia, ou seja, por exibirem formas relativamente estáveis de manifestação do discurso, trazem muitas vezes na superfície textual algumas marcas linguísticas geralmente previsíveis e identificáveis de imediato pelos sujeitos”. Silva (1999), juntamente com Marcuschi (1995), no entanto, chamam a atenção para um aspecto importante. Não é pelo fato de determinados traços linguísticos estarem tão presentes na configuração de alguns gêneros, que podemos concluir que tal gênero se figura como uma camisa de força, à qual os sujeitos se submetem, impossibilitando-os de fazer outras escolhas, selecionar outras formas linguísticas. Ao observar esse fenômeno, é importante considerarmos que essas marcas linguísticas foram construídas ao longo do tempo e resultam de um trabalho linguístico realizado pelos sujeitos em suas relações sociointerlocutivas. Estas formas são usadas ao mesmo tempo em que são atualizadas pelos sujeitos e, se elas se mantêm até hoje é porque são eficazes no que diz respeito à intenção do autor, quando escolhe determinado gênero, considerando o tema a ser abordado e o destinatário de sua mensagem. Assim sendo, a carta, por se tratar de um gênero que vem sendo construído há dezenas de séculos, pode ser um bom exemplo desse caráter duplo dos gêneros, pois ao ser utilizado ainda hoje, mantêm em sua estrutura formal características herdadas da tradição retórica ao mesmo tempo em que pode estar incorporando outras, advindas do meio eletrônico, por exemplo. Segundo Marcuschi (2001), um gênero varia de acordo com o contexto discursivo. A estrutura de uma carta, por exemplo, em geral, é sempre a mesma. Qual seja? De acordo com o autor: a) local, data; b) saudação; c) texto; d) despedida; e)assinatura. Entretanto, como afirma Silva (1997 apud BEZERRA, 2003, p. 210), […] embora sendo cartas, não são da mesma natureza, pois circulam em campos de atividades diversos, com funções comunicativas variadas [...] assim, [estes] tipos de cartas podem ser subgêneros do maior “carta”, pois todos têm em comum – sua estrutura básica: a seção de contato, o núcleo da carta, e a seção de despedida – mas são diversificados em suas formas de realização,suas intenções. Tal afirmação colabora com a tese de que o esquecimento de um elemento ou outro não vai impedir que o gênero cumpra sua função social, que é estabelecer comunicação direta entre os indivíduos numa relação e circunstância específica. Ao analisar o gênero carta, Paredes Silva (1997) afirma que este permite uma variedade de tipos de comunicação, tais como: pedido, agradecimento, conselho, congratulações, desculpas, informações, intimação, prestação de contas, notícias, cartas de familiares etc. A autora acrescenta que, embora sendo cartas, não são da mesma natureza, pois circulam em campos de atividades diversos, apresentando funções comunicativas variadas: nas relações pessoais, nos negócios, entre outras. Desse modo, esses tipos de cartas podem ser considerados subgêneros do gênero maior “carta”, pois todos apresentam traços comuns na sua estrutura básica. Nesse contexto, Souto Maior (2001, p.1-13) realizou uma pesquisa em que descreve a carta em sua variedade, estrutura e uso, adotando três critérios para suas análises: o contextual – implica os interlocutores e suas relações, situação e condição de produção, entre outros aspectos; o linguístico – remete para traços linguísticos e textuais; e o funcional – considera os objetivos do texto, intenções almejadas e os atos de fala, entre outros propósitos. Depreende assim, uma classificação segundo a qual as cartas receberam uma denominação de acordo com o seu domínio discursivo. As cartas cujos domínios discursivos são comerciais (bancos, lojas comerciais) são denominadas „cartas de resposta e comunicado‟; institucionais (universidades, escolas, livros) são „carta de programa‟, „circulares‟, „respostas‟ e de „apresentação‟; jornalísticas (jornais, revistas, periódicos) são „carta do leitor‟, „do editor‟, „aos leitores‟, „aberta‟, „propaganda‟, boas vindas; jurídicas (fórum) são as „cartas de intimação‟; publicitárias (editoriais, lista telefônica) são „cartas convite‟, „respostas‟, „confirmações‟, „de agradecimento‟, pedido‟; religiosas (igrejas) são as „cartas de convite‟ ou de „comunicado‟; saúde clínicas) são „carta de programa‟, „de comunicado‟. „de ( Apreendemos que a carta apresenta uma grande variedade de formas, sendo necessário categorizá-la levantando as semelhanças e as diferenças existentes entre elas para que se encontre maior facilidade de produzi-las e interpretá-las. Conforme esclarece Silva (2002, p. 55), a diversidade das práticas comunicativas epistolares, há mais de 20 séculos, já assinalava a existência não apenas de um gênero, mas, o surgimento de um sistema (ou constelação) de gêneros epistolares, no seio das atividades sociais de uma dada cultura, produzidos e difundidos em esferas sociais distintas, para responder às demandas sociais particulares dessa cultura. Para Souto Maior (2001, p. 11) “a carta independente do meio em que é veiculada (correio, fax ou e-mail), faz parte de uma „constelação‟ que agrupa diversos textos”. Deste modo, afirma Chartier (1991, p. 33), as cartas tornam-se destaque nas relações sociais por serem registros considerados, na maior parte das vezes, “como um conjunto de práticas de escrituras (...) e uma das formas de escrita ordinária que se caracterizam por introduzir a ordem do escrito no cotidiano das existências”. Em se tratando de práticas de escrita, no cotidiano das pessoas, Bollème (1988, p. 201) elucida: “nunca se escreve se não para viver, a fim de se fazer presente frente a uma situação, para explicar, justificar-se, informar, dirigir-se a, apelar, queixar-se, sofrer menos, fazer-se amar, dar-se prazer”. Assim sendo, diante dos propósitos variados a que o gênero carta se presta, percebemos que admite uma acentuada heterogeneidade dos elementos que configuram suas organizações retóricas, uma vez que o propósito comunicativo é refletido na sua estrutura discursiva. A seguir, abordaremos o gênero carta ao autor, por ser o objeto de estudo dessa pesquisa. 1.3.2 A carta ao autor Entendemos a carta ao autor como a troca de correspondência entre leitor e autor, é uma manifestação espontânea dos leitores em dialogar com o autor e endereçar suas perguntas, opiniões, críticas e sugestões. Esse desejo dos leitores reforça a formulação proposta por Jauss (1979, p. 80) na Teoria da Recepção: a recepção da arte não é apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade estética, pendente da aprovação e da recusa, e, por isso, em grande parte não sujeita ao planejamento mercadológico. A carta entre leitor e autor foi profundamente analisada por Eliane Debus em sua tese de Doutorado, Monteiro Lobato e o leitor, esse conhecido. Conforme a autora: O contato epistolar de Monteiro Lobato com seus leitores talvez seja o mais profícuo e original encaminhamento de recepção mirim de literatura de que se tem notícia, e acreditamos que essa atuação dos leitores contribuiu de forma efetiva para o desenvolvimento da sua literatura infantil impressa. (DEBUS, 2004, p. 18). De acordo com Debus (2004), tem-se notícia de que a prática de troca de cartas, entre leitor e autor, já acontecia na França no século XIX, com Eugène Sue. Esta prática teria sido motivada pela identificação do público feminino com uma das protagonistas do romance “Mathilde, mémoires d'une jeune femme”. No Brasil, acredita-se que o precursor na correspondência com os leitores, tenha sido Monteiro Lobato, além das diversas facetas do pioneirismo como editor e escritor, para crianças (DEBUS, 2004, p. 171). A escrita de cartas ao autor origina-se quase sempre de duas maneiras: por iniciativa do próprio leitor, que tem contato com o livro e deseja relatar sua experiência de leitura ou por meio de atividade escolar, orientada pelo professor. As cartas são enviadas às editoras pelo fato de os leitores não disporem do endereço pessoal do autor. É interessante mencionar que a maioria das pessoas que envia esse tipo de correspondência às editoras, pouco acredita de fato que suas cartas cumpram a função social para a qual é designada: ser lida pelo destinatário. As cartas geralmente chegam a seus destinatários, o que não se pode garantir é que estes respondam, considerando o número de correspondências frequentemente endereçadas a eles. Na construção da interlocução não existe contato imediato entre leitor e autor, caracterizando-se por ser uma relação assimétrica, e esta é parte substancial de sua complexidade. Em relação ao texto, o leitor constrói sentido a partir das suas interpretações, ou seja, suas disposições individuais, seu referencial literário, linguístico, social e ideológico, nunca tendo uma certeza se sua compreensão é possível. Rosenblatt (1994) postula, através de seu modelo teórico, entende que entre o texto e o leitor deve haver participação mútua. Ela acredita que o texto guie o leitor, mas exige que este dê sua contribuição, pois o texto está aberto a essa participação, esperando que o leitor o percorra com sua experiência e sensibilidade para que, a partir dos sinais do texto, os símbolos sejam elaborados com sentido, correspondente ao texto outra questão apontada pela estudiosa diz respeito ao caráter estético que igualmente depende do olhar do leitor. A autora, baseada em Dewey, utiliza uma nomenclatura apropriada para nomear esta relação de ação recíproca e mútua entre leitor e texto: “transAÇÃO”5. Ela designa um processo em desenvolvimento em que os elementos envolvidos são aspectos de uma situação totalizante, cada um condicionado por e condicionando o outro (John Dewey apud ROSENBLATT, 1994). Parte-se da ideia de que não só o conhecedor, mas também o conhecido transformam-se durante o processo do conhecimento. Conforme Passos (2003, p. 81), a carta do leitor “é veiculada através dos meios de comunicação escrita, de circulação ampla ou restrita, tem caráter público, cumprindo importante função social na medida em que possibilita o intercâmbio de informações, ideias, opiniões entre diferentes pessoas de um determinado grupo”. 5 Tradução do termo “transaction”. Diferentemente da carta à redação (carta de leitor), em que o leitor escreve para o veículo de comunicação (jornais ou revistas), com a finalidade de fazer-se ouvir, através de opiniões, críticas, sugestões, etc, por um número significante de leitores; na carta ao autor o leitor escreve ao autor com propósitos diversos e não tem como objetivo fazer-se ouvir por um público maior. A carta ao autor também difere da carta pessoal, pois esta é um gênero utilizado para comunicar a amigos, familiares e outros. Nesse tipo de carta predomina o uso de uma linguagem menos elaborada e mais coloquial, uma vez que a relação que existe entre remetente e destinatário é de intimidade, notícias ou assuntos de interesse comum, de forma mais longa e detalhada. Silva (2002, p. 118) considera que os eventos da carta pessoal são construídos numa relação simétrica, no que toca aos papéis comunicativos. E, no que diz respeito ao papel social dos interlocutores, as relações hierárquicas parecem não impor efeitos que lembre um desequilíbrio ou diferença na interlocução. Em se tratando da carta ao autor, espera-se, via de regra, que seja escrita numa condição formal, mais elaborada, visto que a relação entre os interlocutores não apresenta grau algum de intimidade. Ou seja, a relação construída entre eles seria assimétrica. Essa tese parece ser desconstruída por Bazerman (2005, p. 83), quando afirma, A carta, com sua comunicação direta entre dois indivíduos dentro de uma relação específica em circunstâncias específicas (tudo que podia ser comentado diretamente), parece ser um meio flexível no qual muitas das funções, relações e práticas institucionais podem desenvolver tornando novos usos socialmente inteligíveis, enquanto permite que a forma de comunicação caminhe em novas direções. Concordamos com o estudioso, pois neste sentido, o gênero carta parece realmente ser flexível em relação à interlocução, embora saibamos que, na maioria das vezes, o que orienta os interlocutores na escolha de estilo a adotar seja o grau de familiaridade existente entre eles. Se o destinatário é desconhecido ou ocupa um nível superior em uma relação assimétrica, impõe-se um estilo mais formal. A importância, então, do gênero carta ao autor enquanto instrumento de participação da vida social e comunicativa do ser humano, justifica o estudo do gênero, visto o significado de seu uso social nos dias atuais. CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO Neste capítulo, voltaremos nossa atenção para a exposição dos procedimentos metodológicos que serviram como suporte e diretriz desta pesquisa de natureza qualitativa e do tipo participativa cujo objetivo geral foi identificar e analisar como se deu a interatividade estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros infantis. Este capítulo está dividido em três partes. Na primeira, apresentamos o tipo de pesquisa de base qualitativa participativa, explicitando como os registros foram gerados. Na segunda, apresentamos o contexto da experiência de ensino: a escola e os sujeitos da pesquisa. Finalmente, descrevemos como se deu a prática didática com vistas à produção de cartas. 2.1 O tipo de pesquisa A pesquisa aqui apresentada é de base qualitativa participativa. Optamos por utilizar esta abordagem porque ela possui uma metodologia que se identifica mais com problemas sociais, experiências humanas e suas interpretações. Outra razão para essa escolha é que ela valoriza as pessoas, as suas vozes, ao invés de tratá-las como objetos (BAUER; GASKELL, 2002). A abordagem qualitativa, pela sua essência naturalista, estuda os fenômenos, os fatos, em seus cenários naturais, tentando entender ou interpretar os significados que as pessoas lhes conferem. Ela enfatiza os processos e os significados não examinados ou medidos experimentalmente. Os estudiosos que seguem essa linha de pesquisa valorizam a natureza socialmente construída, a relação entre o pesquisador e os sujeitos participantes da pesquisa, o contexto sociocultural ou institucional dos sujeitos que são estudados e suas limitações situacionais. As alternativas apresentadas pelas análises chamadas qualitativas compõem um universo heterogêneo de métodos e técnicas, que vão desde a análise de conteúdo com toda sua diversidade de propostas, passando pelos estudos de caso, pesquisa participativa, estudos etnográficos, antropológicos etc. (GATTI, 2001, p. 73). De acordo com Greenwood & Levin (2006), a pesquisa participativa é reconhecida como uma forma válida de geração de conhecimento que constrói significados de forma colaborativa e trata da diversidade de experiências dentro de um grupo local como uma oportunidade de enriquecimento para todas as partes envolvidas. Concordamos com os autores, pois a importância deste modelo centra-se na pesquisa “com” a comunidade envolvida (alunos da sala de aula e pesquisadora), diferente da pesquisa “para” a comunidade. Assim sendo, objetivou a geração de um “novo” conhecimento, caracterizado pela integração do saber local com o conhecimento técnico e científico, resultando numa construção social do conhecimento (a construção da interlocução via cartas). Freire (apud Brandão 1986, p. 35) discutindo métodos de pesquisa, nos dá uma contribuição importante: Não se pode conhecer a realidade sem a participação daqueles que estão nela inseridos. A realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade. Concordamos com o autor, pois entendemos que a realidade só pode ser reconhecida como concreta se o homem se assume como sujeito histórico-social. Portanto, se ele é o agente criador da realidade social é também o transformador do seu contexto. Este princípio fundamental justifica a nossa opção pelo ambiente de sala de aula. Brandão e Steck (2006, p. 13) conceituam pesquisa participante como uma pedagogia que entrelaça atores-autores e que é um aprendizado no qual, mesmo quando haja diferenças essenciais de saberes, todos aprendem uns com os outros e através dos outros. Comungamos com o posicionamento dos autores, porque entendemos que neste modelo de pesquisa há aprendizado por parte de todos os envolvidos no processo, através de situações comuns de trabalho tais como: estudo e troca de informação com o objetivo de colaborar com mudanças significativas. Para tanto, procuramos responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como se deu a construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de livros infantis? A pesquisa teve como objetivo geral analisar como se deu a interlocução estabelecida por meio da troca de cartas entre crianças e autores de livros infantis. E como objetivos específicos: descrever e explicar como se constrói a interlocução entre leitores/autores de livros infantis; identificar e discutir a composição do gênero carta ao autor na produção escrita dos alunos; identificar e discutir marcas ou indícios que apontem a interatividade, e que sugerem uma relação direta e intencional dos leitores com os autores de livros. Neste contexto, adotamos a sequência metodológica recomendada por Le Boterf (1999), para a realização de pesquisas participativas, dividida em quatro etapas: 1ª) Montagem institucional e metodológica. É a fase de elaboração das estratégias adotadas, definição dos sujeitos da pesquisa e da área de atuação; 2ª) Estudo preliminar e provisório. Busca da percepção prévia dos indivíduos relacionados à pesquisa; 3ª) Análise crítica dos problemas considerados prioritários. Fase de discussões livres dos sujeitos participantes da pesquisa; 4ª) Programação e execução de um plano de ação (incluindo ações educativas). Fase de definição da melhor estratégia para atingir os objetivos da pesquisa de maneira que responda aos questionamentos levantados nas discussões em grupo. Seguindo essa perspectiva, adotamos os seguintes procedimentos: A primeira fase, montagem institucional e metodológica, consistiu na seleção dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Foram convidados a participar da pesquisa: 01 professora, do 5° ano, do ensino fundamental I e 25 alunos dessa mesma turma. Os critérios adotados para seleção dos participantes basearam-se na disponibilidade, tanto da professora quanto dos alunos ao “abrirem as portas” da sala de aula para a pesquisadora. Todos os envolvidos contribuíram ativamente no processo da pesquisa. A segunda fase da pesquisa participativa adveio de um estudo preliminar provisório, no qual buscamos compreender como era trabalhada a produção textual na sala de aula. Para atingir tal objetivo, participamos das aulas da disciplina língua portuguesa. Assim, foi possível observar as dificuldades dos escreventes. Tais informações foram utilizadas como ponto de partida para as discussões, realizadas na fase subsequente da pesquisa. Após seleção e convite dos sujeitos da pesquisa, foi organizada a terceira fase: análise crítica dos problemas considerados prioritários. Para tanto, foi realizado um encontro inicial para apresentação da proposta ao grupo, no qual foram esclarecidos os objetivos do estudo. Foi ainda estabelecida a programação dos dias e horários para os encontros. Nessa fase da pesquisa foram discutidos os principais problemas encontrados pelos alunos e professora participante, estabelecidos os objetivos da ação didática, bem como os tópicos que seriam nela incluídos, sua forma de organização e apresentação. Os encontros tinham como objetivo oportunizar os sujeitos a expressarem suas opiniões e ideias em relação ao que era discutido. A última fase da pesquisa consistiu na realização da programação e execução de um plano de ação, a qual incluiu a produção escrita do gênero carta ao autor. O desenvolvimento foi conduzido a partir de dados obtidos na literatura e, principalmente, das ideias, sugestões e críticas fornecidas pelos participantes da pesquisa. A partir da leitura das cartas produzidas pelos alunos foram escolhidas duas categorias para a realização das análises: a forma composicional e as marcas da interatividade. Assim é que, no contexto desta dissertação, a pesquisa participativa se coloca como instrumento metodológico, uma vez que propicia aos participantes o desenvolvimento de competências necessárias para refletir sobre suas ações pedagógicas, colaborando na forma como o conhecimento é produzido e disseminado, adaptando-o às necessidades locais dos alunos. Trata-se, portanto, de uma experiência vivenciada em situação real, na qual o pesquisador age conscientemente sobre uma realidade, a sala de aula de uma escola pública. Portanto, nesta pesquisa avaliamos que a compreensão é indispensável para analisar os dizeres dos aprendizes pesquisados, já que não há produção dos sentidos sem compreensão. Neste caso, é por meio da compreensão e produção dos sentidos que se procura investigar como deu a interatividade estabelecida por meio da troca de cartas intercambiadas entre crianças e autores de livros infantis. Esse perfil da pesquisa qualitativa do tipo participativa norteou nossa vivência do cotidiano da sala de aula, a partir das quais os alunos produziram suas cartas (geração dos registros). A seguir, apresentaremos o contexto da pesquisa, bem como a prática didática de produção de cartas que tomou como base a proposta do Caderno do professor AAA 56 (Atividade de Apoio à Aprendizagem), do Programa de Formação Continuada GESTAR - Língua Portuguesa. 2.2 O contexto da experiência de ensino 2.2.1 A escola A pesquisa foi realizada durante 4 meses no segundo semestre de 2005, numa escola municipal de Ensino Fundamental I, situada no bairro Monte Castelo, na cidade de Campina Grande, PB. A seleção da escola adveio da relação que a pesquisadora mantinha com a professora, na condição de participante do programa de formação continuada Gestão da Aprendizagem Escolar (GESTAR), oferecido pela prefeitura municipal de Campina Grande e vinculado ao FUNDESCOLA. Sobreveio também da participação efetiva da professora nos encontros de formação continuada, bem como a disponibilidade e compromisso desta profissional com o processo educativo. Além disso, pretendíamos contribuir com o ensino público municipal. Dada a localização da escola, a clientela era constituída, na época da geração dos registros para esta pesquisa, de cerca de 410 crianças de vários bairros circunvizinhos, entre eles, Belo Monte, Jardim Quarenta e Jardim Tavares. Essa escola é subsidiada, desde 1983, pela empresa de mineração Bentonit União Nordeste S.A, que oferece professores nas áreas de dança, canto, música e teatro, bem como a 6 O caderno AAA 5 estava sendo utilizado em sala de aula, pela professora participante, no momento da pesquisa. Este caderno é denominado Leitura e Produção de texto poético, epistolar e informativo (BRASIL, 2002, p. 09) e faz parte do GESTAR, programa instituído pelo MEC, destinado à qualificação de professores do Ensino fundamental. manutenção da infraestrutura do prédio, motivo que desperta o interesse da maioria dos pais e crianças do bairro. O quadro de pessoal, naquele período, era composto por doze professoras, uma supervisora, uma assistente social, uma diretora, uma vice-diretora, e dezenove funcionários, entre eles, vigias, merendeiras e auxiliares de serviço. Ressaltamos que tanto a estrutura física quanto o quadro de pessoal facilitaram a dinâmica dos trabalhos desenvolvidos antes e durante a prática didática, pois a diretora, a professora e demais funcionários sempre disponibilizavam recursos materiais que viabilizavam a aplicação das atividades em sala de aula. 2.2.2 Os sujeitos da pesquisa A turma escolhida para a pesquisa foi a do 5º ano “A”, turno tarde, constituída por 25 alunos. Estes têm idades que variam entre 09 e 15 anos e residem na periferia da cidade. O contato desses com a literatura infantil quase sempre ocorre na sala de aula ou na biblioteca da escola. Conforme pudemos observar, a maioria deles tem o hábito de levar livros para ler em casa, repetindo até mesmo títulos já lidos. Além das aulas com a professora, os 25 alunos participam regularmente das aulas de canto, música, teatro e dança. É importante destacar que participar dessas atividades artístico-culturais da escola, para eles, é motivo de orgulho e satisfação. Ademais, estão sempre dispostos a ensaiar algum número ou fazer apresentações em público. A professora desta turma possui o curso de magistério (ensino médio), é formada em Geografia, tem 24 anos de magistério, sendo cinco dedicados ao 5º ano. Atua também no ensino fundamental II, lecionando a disciplina Geografia, no período noturno, em turmas do 6º ano e 9º ano da rede estadual de ensino. Ao longo desses anos a professora tem participado de cursos de formação continuada, principalmente os que abordam leitura e escrita, promovidos pelas secretarias de educação (município/estado) ou pelas universidades públicas da cidade. É importante ressaltar que, no curso do Gestar; a professora se destacava em relação às demais nas leituras dos textos que embasavam os módulos, nas discussões e nas atividades, objetos de discussão nesta formação. Convém acrescentar que a educadora adquiria, sempre que possível, livros de literatura infantil e histórias em quadrinhos para implementar o trabalho em sala de aula. É interessante destacar tal iniciativa, porque ela emerge no trabalho desenvolvido junto aos alunos, conforme será demonstrado na ação didática realizada em sala de aula. No tocante à integração estabelecida em sala de aula, entre a professora e seus alunos, observamos, em toda nossa passagem pela escola, que era permeada de cordialidade, afetividade e respeito, pois em alguns momentos extraclasse, por exemplo, durante o horário de intervalo, os alunos compartilhavam experiências que não diziam respeito às aulas. A professora costumava equilibrar intimidade e responsabilidade. Na medida do possível, mantinha as famílias informadas quanto à aprendizagem das crianças e eventuais problemas que surgissem na rotina diária por meio de bilhetes, telefonemas, reuniões informais e formais com os pais. 2.3 Caracterização da prática didática de produção de cartas A prática de produção de cartas foi se delineando aos poucos, à medida que vivenciávamos o trabalho da professora, em sala de aula, com o caderno do Programa de Formação Continuada GESTAR (Atividades de Apoio à Aprendizagem - AAA5). A decisão em trabalhar com a produção escrita procedeu se deu em função dos seguintes motivos: primeiro, a professora ia iniciar, no período da coleta de dados, o trabalho de leitura e escrita com o texto epistolar7·; segundo, tínhamos conhecimento de que os alunos sentiam dificuldades relacionadas à produção textual; e, por último, faltava embasamento teórico à professora para a condução do ensino de revisão e reescrita de textos. Assim, em decorrência do contexto e das necessidades encontradas, combinamos que o trabalho com a escrita contemplaria três momentos: estudo de textos teóricos, planejamento da situação didática e a prática em sala de aula. 2.3.1 Estudo de textos teóricos O primeiro momento desta ação é caracterizado como um ato conjunto na escola entre a pesquisadora e a professora participante. Nele, houve leituras e discussões de textos teóricos voltados para a produção escrita. Essas reflexões colaboraram para auxiliar a professora no processo ensino-aprendizagem na sala de aula. Os encontros presenciais, na escola, contemplavam o estudo de textos teóricos e acontecia uma vez por semana, ocasião em que as crianças participavam das atividades artístico-culturais (dança, canto, música e teatro) com outros professores. Sentíamos a necessidade, de realização de estudo, em consequência de o módulo tratar de alguns assuntos superficialmente, além de não constar o saber de referência e não aprofundar questões relacionadas às condições de produção, revisão e reescritura de textos. Logo, os textos estudados são contribuições para melhorar o ensino com gêneros textuais. A relação dos textos teóricos lidos e discutidos está elencada no quadro 1 a seguir: 7 Denominação adotada pelo Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem – AAA5. QUADRO 1 - Estudo teórico realizado com a professora Encerradas as discussões de textos teóricos, foi iniciada a etapa de elaboração das aulas, composta por 05 reuniões com duração de 03 horas de planejamento, entre a professora e a pesquisadora, no ambiente da escola. Nestes encontros, tínhamos como materiais para elaboração das atividades de produção, o caderno de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA5): Leitura e produção de texto poético, epistolar e informativo, já citado anteriormente; e os textos teóricos estudados. Estes serviriam para auxiliar, mais especificamente, questões que não eram contempladas no módulo ou pouco trabalhadas por ele. Podemos aqui lembrar os exemplos: “As condições de produção dos textos” de Jean Paul Bronckart e “Reescrevendo o texto: a higienização da escrita”, de Conceição Aparecida de Jesus. Salientamos que não estudamos textos teóricos relativos ao gênero carta, porque recentemente tínhamos realizado leituras sobre o assunto nos encontros 8 do programa de formação continuada. Ademais, a ausência de alguns temas, no módulo do Gestar, servia para nortear os estudos teóricos. Embora o material tenha sido estruturado para orientar a ação do professor junto aos alunos, toda a organização prevista não era suficiente: é indispensável que ele planeje a própria intervenção e faça as adequações que se mostrarem necessárias para tornar o trabalho produtivo, em função das características de seus alunos. Para tanto, há necessidade de estudo permanente. 2.3.2 Experiência de ensino baseada no Caderno de Atividade de Apoio à Aprendizagem 5 (Gestar I) O trabalho com gênero textual foi desenvolvido por meio de uma ação didática baseada no caderno do professor AAA5 (Atividade de Apoio à Aprendizagem). É importante mencionar que a maioria das atividades aplicadas na sala de aula advinha do GESTAR, embora ampliássemos com novas contribuições que julgávamos favorecer o contexto de ensino. O caderno AAA5 foi elaborado para ajudar o professor a desenvolver o trabalho em sala de aula, rever, aprofundar e/ou ampliar a aprendizagem de conceitos, procedimentos, atitudes, relativas a essa área de conhecimento. Como os demais, ele está organizado em três unidades. Cada unidade é composta de 8 aulas, nas versões do aluno e do professor. A versão do professor, além de apresentar as atividades propostas 8 Oficina realizada pelo programa de formação continuada Gestar em maio de 2005 sobre o gênero carta. para o aluno, desenvolve também orientações de encaminhamento do trabalho a ser realizado em sala de aula. A partir da avaliação da aprendizagem dos alunos, o professor poderá organizar o conjunto de aulas a serem desenvolvidas em sua classe para retomar as aprendizagens não realizadas. Neste contexto, a prática realizada em sala de aula diz respeito à unidade 2, que tem como objetivo específico: identificar os elementos constitutivos do texto epistolar. Assim, os conteúdos abordados na unidade são: os elementos constitutivos do texto epistolar informal: carta e bilhete; os elementos constitutivos do texto epistolar formal: ofício, requerimento, convite e carta de solicitação; os elementos que compõem o texto epistolar: local e data, invocação, desenvolvimento do assunto, despedida, assinatura; mecanismos de produção do texto epistolar: conexão das partes, coesão nominal, coesão verbal; índices referentes ao contexto e ao modo como o produtor do texto epistolar se situa em relação a esse contexto: a interlocução a distância, a pressuposição e recriação de uma imagem do destinatário, a finalidade e os modos de dizer; os recursos linguísticos próprios do texto epistolar: a adequação da linguagem mais ou menos formal de acordo com a finalidade do texto; o emprego dos tempos verbais, os tipos de frases, os organizadores textuais; atividades de leitura e produção de textos epistolares formais e informais. Consequentemente, a cada conjunto de aulas são desenvolvidas atividades para apoiar a aprendizagem de determinados conteúdos e possibilitar o domínio das habilidades associadas a esses conteúdos. Fica, no entanto, a possibilidade de planejar/replanejar as atividades e intervenções a partir das necessidades dos alunos. Apesar do suporte pedagógico que o Gestar I oferece, grande parte do curso depende da dedicação do professor em estudar os TP‟s9, fazendo uma cuidadosa leitura e análise de todo o seu conteúdo, realizando as atividades propostas e aplicando a seus alunos 9 Cadernos de Teoria e Prática destinados ao professor participante do Programa GESTAR. aquelas que forem possíveis, fazendo adaptações necessárias para que atenda à realidade do público com o qual trabalha. Praticar esse programa na sala de aula, nos moldes expostos, modifica o papel do docente, porque esse profissional terá de se conscientizar da necessidade de uma busca constante da atualização e da transformação de sua práxis num movimento contínuo de AÇÃO→REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO→NOVA AÇÃO; terá de planejar situações significativas de aprendizagem, estabelecendo a mediação entre o aluno e o conteúdo a ser aprendido; terá de considerar a importância da mobilização de experiências prévias, a natureza ativa e progressiva da aprendizagem e a importância do trabalho cooperativo na construção do conhecimento; e de preparar contextos favoráveis ao aprendizado, com postura investigativa para acompanhar esse processo e nele poder colaborar. Assim, a abordagem do gênero carta ao autor na sala de aula deve ser pensada não só como objeto de análise, mas também como uma ferramenta para o desenvolvimento da linguagem, no sentido de que o educando possa conhecer o gênero, assim como compreender o lugar social e, principalmente, a função social dele fora da escola, na comunidade ou na sociedade. Nos preocupamos em relatar o contexto em que as cartas foram geradas, com o objetivo de evidenciar que elas foram uma atividade realizada em sala de aula utilizada, estrategicamente, para estabelecer a interação entre leitores e autores. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram motivados a compartilhar da interlocução mediada pela escrita de cartas aos autores de dois livros infanto-juvenis Mariana do Contra, de Rose Sordi e Pássaros & Bichos na voz dos poetas populares, de Hélder Pinheiro. As aulas foram planejadas, de modo que a professora desenvolvesse atividades de leitura, de produção escrita e de revisão e reescrita das cartas solicitadas. Todas as atividades aconteceram na sala de aula, semanalmente, no primeiro horário da tarde, momento em que os alunos estavam dispostos a ler, discutir e produzir textos. A título de apresentação, segue o quadro 2, que descreve como se deu a orientação para as produções escritas na pesquisa participativa: QUADRO 2 – Sistematização das atividades de produção da carta ao autor Para a construção do objeto de investigação, carta ao autor, trabalhamos o fragmento do livro “Mariana do contra”, de Rose Sordi, proveniente do caderno AAA5. Este serviu para provocar a vontade dos alunos em realizar a leitura do livro na íntegra. Isso só veio ocorrer posteriormente. Figura 1 – Fragmento do livro Mariana do Contra Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético, epistolar e informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002. No intuito de aproximar os alunos do gênero carta ao autor, a professora apresentou dois modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi, retiradas do caderno de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA5). As cartas-modelo estão na figura 2, a seguir: Figura 2 - Modelos de cartas endereçadas à autora Rose Sordi 10 11 Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético, epistolar e informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002. Nesta proposta, o aluno é orientado, primeiro, a ler dois modelos de cartas oferecidos pelo módulo e endereçadas a Rose Sordi. Em seguida, a professora solicitou a elaboração de uma carta à autora do livro Mariana do contra, a partir da seguinte consigna, extraída do caderno de Apoio à aprendizagem (AAA5): 10 11 A carta A não possui a assinatura da autora A carta B não possui o cabeçalho Figura 3 – Consigna do Caderno de Apoio à Aprendizagem Fonte: Caderno de Apoio à Aprendizagem – Leitura e produção de texto poético, epistolar e informativo, unidade 2, FUNDESCOLA/MEC, 2002. A atividade solicitada pela professora apresentou o gênero textual especificado “carta”, subentendendo que o aluno tem uma noção do gênero. A atividade ainda expôs a função do gênero, pois requisita do aluno uma posição sobre “o que você pensa sobre a maneira de agir do personagem”. As informações fornecidas às crianças indicam que a professora supõe que elas sejam necessárias para a produção de uma carta. Após a produção da carta escrita em sala, a professora propôs a revisão e reescrita coletiva de uma carta que apresentava problemas de adequação ao gênero. Por fim, a professora entregou para cada um a sua versão inicial, e orientou a revisão e reescrita, individual. Destacamos que, após a revisão e reescrita, os alunos foram orientados a enviar suas cartas à autora, ficando sob a responsabilidade deles, da professora e da pesquisadora o encaminhamento das correspondências. Dando continuidade ao trabalho com o gênero, carta ao autor, a professora procurou introduzir a temática bichos com seus alunos por meio da leitura de músicas que abordavam o mesmo tema do livro “Pássaros & bichos”, a ser posteriormente trabalhado. A primeira canção foi “A dança dos bichos”, de autoria de Edgard Poças, e a segunda “Os bichinhos e o homem”, da Arca de Noé, de autoria de Toquinho e Vinicius de Moraes. A professora e a pesquisadora iniciaram o trabalho com os alunos com a leitura do livro “Pássaros & Bichos”, organizado por Hélder Pinheiro. Concluída essa etapa, solicitamos a produção de uma carta ao autor, orientada pela instrução a seguir: Figura 4 – Atividade adaptada do Caderno de Apoio à aprendizagem Figura 4: Modelo de atividade adaptada do caderno de Apoio à Aprendizagem- FUNDESCOLA/MEC, 2002. A proposta cria situação de interlocução efetiva, na medida em que sugere o envio da correspondência a seu destinatário, o que possibilita o uso social da escrita. Posicionar-se enquanto leitor/interlocutor provocou um efeito instigante, basicamente, em toda a turma como se pode deduzir nos textos produzidos. Após a revisão e reescrita final das cartas, coube à pesquisadora e à professora a responsabilidade de remeter as cartas dos alunos, uma vez que as crianças não tinham facilidade de se dirigirem aos correios. Em resposta às correspondências enviadas, os alunos receberam as cartas reproduzidas. O mais importante é que padronizada ou personalizada a resposta se confirmou e a relação leitor/autor certamente saiu fortalecida. Após este momento de recebimento das cartas agendamos o dia do encontro com o autor Hélder Pinheiro, a data foi socializada com as crianças que, numa atitude espontânea, quiseram reler o livro e ilustrá-lo, através de desenhos, os versos que mais gostaram, para decorar a sala de aula no momento da visita do autor. No dia do encontro, apesar da euforia, motivada, parece, pela chegada de Hélder Pinheiro à escola, os alunos pareciam curiosos e tímidos inicialmente. Com o intuito de fazê-los falar, o autor se encarregou de contar um pouco sobre sua infância no interior do Ceará. Lembrou, com saudades, os momentos em que seus familiares recitavam quadrinhas e liam cordéis que encantavam as crianças na época. Assim, ele aproveitou o espaço e se prontificou a recitar alguns versinhos do livro “Pássaros & Bichos” para os alunos. Todos prestavam muita atenção e sorriam muito após cada rima. O que chamou a atenção para uma das crianças foi o fato de que Hélder recitava diferente: “era mais bonito como lia”. As demais crianças concordaram e uma delas também comentou “mesmo que a professora falou que ele recitava bonito!”. O autor comentou que todos também podiam ler bonito, bastava ler com prazer e sentir o encanto que os versos possuem. Em seguida, as crianças começaram a fazer perguntas sobre o livro, os poetas populares, e também queriam saber sobre quais eram as etapas e quais as dificuldades encontradas para se fazer um livro. Ele respondia à medida que surgiam as perguntas feitas. Por fim, agradeceu ao convite dirigido a ele, por meio de cartas, para visitar à escola. Entregou à professora três livros para a biblioteca escolar e sugeriu que as crianças pedissem emprestados para levar para casa e ler para os avós, pais, irmãos etc. Num gesto espontâneo, os alunos fizeram uma fila para que Hélder autografasse seus cadernos e outras folhas que serviriam para presentear amigos e irmãos. Capítulo 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Neste capítulo o trabalho de análise das produções textuais ocorre sobre três aspectos da produção da carta ao autor que concorrem para a sua configuração: o primeiro diz respeito a como se constrói a interlocução entre leitores/autores; o segundo diz respeito às etapas e às sequências discursivas que organizam a estrutura composicional desse gênero; o terceiro, às marcas de interatividade presentes nos textos. Vale lembrar que neste trabalho serão apenas analisadas as cartas referentes à primeira versão uma vez que as produções reescritas na segunda versão assemelham-se às escritas inicialmente. Tal análise tem como enfoque os mecanismos enunciativos de Bronckart (2003). Embora não tenham sido identificados avanços significativos nos textos das crianças, houve alterações, talvez esse resultado se deva ao pouco tempo da realização da proposta em sala de aula (4 meses). 3.1 A estrutura composicional do gênero “carta ao autor” As cartas aos autores possuem como estrutura básica: abertura do evento, corpo da carta e encerramento. As etapas de abertura e de encerramento do evento são compostas de sequências discursivas que expressam, de forma clara, a finalidade que cumpre a interação e, sobretudo, o caráter dialogal e dialógico desse gênero. Em relação à etapa que compreende o corpo da carta não apresenta marcas que sinalizem o seu início ou o seu fim. As etapas de abertura e de encerramento acabam cumprindo o papel de indicar o momento quando se inicia e finaliza o corpo da carta. Passemos à apresentação dos dados do corpus (1ª versão das cartas) de modo que se possam descrever e explicar, do ponto de vista funcional, as etapas e as sequências discursivas constitutivas da estrutura composicional do gênero carta ao autor. 3.1.1 Abertura do evento A abertura do evento comunicativo é composta de cabeçalho e exórdio. A primeira parte da abertura exerce a função de contextualizador do evento. Ela apresenta o texto na situação comunicativa e informa a origem e a época em que o texto foi produzido. É o que podemos ver nas cartas em análise, as quais 49, correspondentes a 98% do total iniciaram indicando a cidade e a data de sua produção, conforme mostram os exemplos 1 e 2, a seguir. Exemplo: 1 Carta do aluno A Campina Grande, 18 de julho de 2005. Exemplo: 2 Carta do aluno H Campina Grande, 09 de novembro de 2005. O exemplo 1 refere-se à carta a autora Rose Sordi, tendo em vista que foi a primeira a ser estudado (em julho de 2005) e o exemplo 2, consequentemente, à carta ao autor Hélder Pinheiro, que ocorreu em novembro do mesmo ano. Na segunda parte da abertura do evento, encontra-se o exórdio que se constitui de saudação e vocativo ou algum tipo de solicitude. Os primeiros são sequências discursivas que acolhem rotinas comunicativas que se caracterizam como verdadeiras estratégias interativas introdutórias da atividade de interlocução; objetivam, ainda expressar uma atitude de amabilidade do remetente para com o destinatário, indicando a natureza do relacionamento dos interlocutores. O segundo diz respeito ao espaço discursivo em que são expressos os votos de saúde e paz. Em síntese, a abertura, na constituição do evento comunicativo, exerce predominantemente uma função de natureza pragmática e interativa, independentemente do volume de informação, conforme vemos nos exemplos, a seguir. Exemplo: 3 Carta do aluno F Olá Rose! Como vai você? Rose eu sou F e quero muito conhecer você em pessoa gostei do livro “Mariana do Contra”. Exemplo: 4 Carta do aluno C Boa tarde! Oi tudo bem Rose? Meu nome é C, estudo na Escola Y, e faço a 4ª série com uma excelente professora Z. Exemplo: 5 Carta do aluno I Querido Hélder! Como vai o senhor? Gostei muito do seu livro que a professora leu, é interessante, adorei todos os poemas do seu livro: “Pássaros e Bichos”. Exemplo: 6 Carta do aluno G Olá! Tudo bem? Espero que sim. Exemplo: 7 Carta do aluno M Oi Hélder! Você não me conhece, mas eu já ouvi falar muito de você. Os sete exemplos são representativos do formato que assume a etapa de abertura da carta ao autor, revelam, enunciativa e interativamente, a voz do escrevente, ao instaurar, através da escrita, o diálogo com seu interlocutor, ou seja, o conjunto de estratégias interativas – saudação, o uso recorrente de vocativo e as interpelações – são as formas recorrentes nos textos através das quais se anuncia o encontro dos interlocutores (Olá Rose! Como vai você? / Boa tarde! Oi tudo bem Rose?/ Querido Hélder! Como vai o senhor?/ Olá! tudo bem?/ Oi Hélder!). Através do uso dessas expressões, o locutor manifesta confiança no seu destinatário, na sua simpatia, na sensibilidade e boa vontade de sua compreensão responsiva (BAKHTIN, 2000, p. 323). As perguntas são recursos linguístico-discursivos comuns ao gênero carta, na qual são usadas como uma estratégia para o estabelecimento do diálogo. Nas mensagens que compõem o corpus, as perguntas são uma estratégia de envolvimento interpessoal, pois seu conteúdo faz preferencialmente referência a situações que envolvem a vida dos autores, conforme os exemplos demonstrados. O exemplo sete constitui um modelo de carta atípico, pois logo no início, a partir da abertura do evento, o escrevente procura construir o dialogo com o seu interlocutor esclarecendo – Você não me conhece, mas eu já ouvi falar muito de você. Para ele essa forma de se apresentar implicará a interlocução. Na análise do corpus, verificamos que, na abertura das cartas, regularmente figuram as sequências discursivas constituintes do cabeçalho e exórdio. A tabela 1, a seguir, apresenta o percentual de cartas que contém a abertura e suas características. Tabela 1 – Discriminação das cartas que apresentam abertura do evento ABERTURA PERCENTUAL DE CARTAS Cabeçalho e exórdio (saudação e as solicitudes) 10 = 20 % Cabeçalho e saudação 39 = 78 % Solicitudes 01 = 2% Verificamos após a realização da experiência de ensino, que a maioria dos escreventes demonstrou ter conhecimento em relação à abertura do evento “carta ao autor”, pois 20% deles produziram seus textos de maneira mais complexa, ou seja, composto de cabeçalho e exórdio (saudação e as solicitudes), 78% dos escreventes produziram seus textos com cabeçalho e saudação, e apenas 2% dos escreventes apresenta dificuldade na elaboração da abertura do gênero solicitado, constando apenas solicitudes, assemelhando-se a escrita do bilhete. Tal fato sinaliza desconhecimento a respeito dessa característica do gênero. 3.1.2 Corpo da carta Essa etapa da interação define-se caracteristicamente como o momento em que o escrevente traz para a interlocução os mais variados temas que reportam seu cotidiano. O corpo compreende a parte mais extensa da carta e nele o escrevente tende a falar de si mesmo e/ou daqueles com quem convive. Essa intenção do escrevente, não faz da interação um monólogo ou discurso centrado no mundo do escrevente. Estrategicamente, por meio de perguntas e outros recursos linguísticos, ao longo da interação, o destinatário vai sendo envolvido no que está sendo enunciado e instigado a participar da interação. Basicamente, a interlocução, nesse momento da interação, é orientada pelo propósito de fazer com que o destinatário partilhe o que está ocorrendo na vida cotidiana do escrevente. Consideremos o exemplo, a seguir: Exemplo: 8 Carta do aluno M Li o livro “Pássaros e Bichos” todinho umas três vezes e toda vez morro de rir com as coisas engraçadas sobre os animais que os poetas populares escreveram, as rimas são muito inteligentes. Quem trouxe o livro pra gente conhecer foi a professora Z. Esse exemplo 8 pertence a uma carta cujos interlocutores são leitor (M) e autor (Hélder Pinheiro), sendo o leitor o remetente. Nele, basicamente, a função discursiva predominante é a de compartilhar os fatos que vêm ocorrendo com o escrevente na sala de aula (Li o livro “Pássaros e Bichos” todinho umas três vezes e toda vez morro de rir com as coisas engraçadas sobre os animais que os poetas populares escreveram). Verificamos neste exemplo o cotidiano escolar, trazido em forma de relato. O leitor procura elogiar o livro e contextualizar como ficou conhecendo. Isso fica evidente nos enunciados: “(...) as rimas são muito inteligentes. Quem trouxe o livro pra gente conhecer foi a professora Z”. Como apontam os dados, ao longo da interlocução entre os correspondentes, são efetivadas várias estratégias, linguisticamente materializadas, que revelam que a intenção do escrevente é a de instaurar um espaço interlocutivo em que formas de polidez positiva prevaleçam. 3.1.3 Encerramento do evento No encerramento do evento constam o pré-encerramento, a despedida e a assinatura. O primeiro diz respeito ao espaço em que o escrevente anuncia para seu interlocutor que o encontro em curso está terminando. Geralmente, são selecionadas fórmulas linguísticas que permitem ao destinatário identificar esse momento de interação verbal. O segundo é o recurso que formaliza o desfecho da interação, por meio de rotinas comunicativas que expressam uma afetividade entre os interlocutores. O terceiro é a unidade que, simbolicamente, pretende deixar clara a autoria do texto, que equivale a assinalar a validação do que foi ali enunciado, escrito. Vejamos agora as passagens que formatam o (pré)-encerramento do evento. Nessa etapa da interação, as sequências discursivas que aí se atualizam, caracteristicamente, incorporam atos de fala, como: “aguardo sua resposta”. Esse enunciado é também interpretado com uma estratégia interativa cujo efeito de sentido ultrapassa o de um mero ato de pedido de que tal ação seja cumprida. Em outras palavras, tendo em vista a natureza do evento, pode-se inferir que o propósito discursivo do remetente, naquele momento da interação – em que se anuncia o término do encontro– é o de convocar o seu destinatário a assumir uma nova interação, o que o constituirá como o próximo remetente. Em suma, essa convocação ou esse incentivo para levar o outro a agir, além de refletir a posição comunicativa de ambos os parceiros no evento, deixa revelar a natureza das relações interpessoais entre eles. Exemplo: 9 Carta do aluno C Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito. Tchau Um beijo, C Exemplo: 10 Carta do aluno L Aguardo a sua resposta ok? Um beijo e até logo. L Exemplo: 11 Carta do aluno C Sabe? Eu sou uma menina tímida, mas eu queria pedir três coisas: um autógrafo, um exemplar do livro e que me mandasse cartas. Desejo muito sucesso na sua vida de escritora. Tá na hora de terminar a cartinha. Um grande abraço ok? C Nos três exemplos apresentados os escreventes não encerram de forma inesperada a interação. Ao que parece eles vão preparando o destinatário para o término do encontro, engajando-o numa espécie de um ritual de separação, para, em seguida, finalizar o evento comunicativo (Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito/ Aguardo a sua resposta ok?/ Tá na hora de terminar a cartinha). No exemplo 11 observa-se que o escrevente expõe seu desejo em relação ao interlocutor – “Desejo muito sucesso na sua vida de escritora” - para, em seguida, formalizar o fecho da interlocução, mediante a despedida. Essa rotina comunicativa, como se pode ver, anuncia, por meio de fórmulas linguísticas prototípicas, a afeição do escrevente pelo seu interlocutor. Para concluir essa etapa, registra-se a assinatura, que pode variar desde o primeiro nome ao apelido “Um grande abraço, ok? C”. Para melhor visualizar, em termos quantitativos, o que registra o corpus, a tabela 2 expõe o percentual de cartas que contempla o encerramento e seus componentes. Tabela 2 – Discriminação das cartas quanto à parte de encerramento ENCERRAMENTO Pré-encerramento, despedida PERCENTUAL DE CARTAS e 25 = 50% assinatura Somente despedida e assinatura 24 = 48% Sem despedida e assinatura 01 = 2% Quanto à parte de encerramento das cartas podemos observar que 25 alunos fizeram uso do “pré-encerramento, despedida e assinatura”, 24 utilizaram “despedida e assinatura” e somente 01 aluno não empregou “despedida e assinatura” em seu texto. Com isso, ao que parece, a maioria dos alunos entendeu que o gênero estudado requer um ritual de separação, formalizar o fecho da interlocução para concluir o evento comunicativo. Resumindo o que foi exposto, segue um exemplar das cartas do corpus que permite melhor visualizar, em seu conjunto, as etapas e as sequências discursivas, que, como dito, são vistas por este estudo como movimentos interativos e discursivos, organizadores da estrutura composicional desse gênero. A seguir um exemplo da carta ao autor que evidencia o aspecto em foco. Quadro 3 - A Carta ao autor: etapas e sequências discursivas Cabeçalho Campina Grande, 18 de julho de 2005. Saudação e vocativo Oi Rose Sordi! Tudo bem com você? Espero que sim. Estou escrevendo esta carta para Solicitudes contar a senhora que li a história Mariana do contra. Estudo a 4ª série na Escola X no Jardim com a professora Y. Ela quem Corpo da carta levou a história para a turma ler. Gostei muito da personagem que você criou porque ela é engraçada e brincalhona. Daí eu fiquei com vontade de ler mais histórias sua entende? Por isso estou escrevendo para saber se escreveu outros livros. Você escreveu outros? Também gostaria de pedir que se tiver um livro sobrando na sua casa pra enviar pra nossa escola, lá pra biblioteca porque ela é muito pobre de livros. Nossa turma ia ficar muito feliz viu Rose? Vou terminar a cartinha porque acho que já falei muito. Pré-encerramento Tchau Despedida Um beijo Assinatura D Carta do aluno D 3.1.4 A expressão de informalidade na carta ao autor Os critérios adotados para estabelecer a distinção entre eventos comunicativos formais e eventos informais partem de fatores ligados à natureza e à finalidade social do evento do gênero, o que, certamente, implica a atuação dos papéis comunicativos e social dos participantes, o relacionamento interpessoal, o espaço social em que se dão os eventos comunicativos e, por extensão, o propósito comunicativo, as atitudes enunciativas e as normas de polidez, assumidas no curso da interação, que podem promover, em níveis os graus diferenciados, os efeitos de formalidade e informalidade. Em relação às questões de simetria e assimetria, a formalidade e informalidade, de igual modo, não devem ser tratadas como um dado a priori. Ambos os traços são fruto de uma série de fatores modelados pela natureza e finalidade social do evento do gênero. Nos eventos comunicativos do gênero em análise, carta ao autor, observamos que os textos dos sujeitos deste estudo expressam um caráter de informalidade. Isto se evidencia logo na abertura com as fórmulas de tratamento revelando proximidade, intimidade, afeto. Dentre as evidências sinalizadoras de informalidade destacam-se as expressões afetivas: querido (a), a abundância de vocativo. Incluímos, assim, o uso recorrente de pronomes de primeira e segunda pessoas, marcas evidentes das relações dialógicas que, no caso das cartas, asseguram a simetria na interação. Por meio desses recursos linguísticos, estratégica e polidamente, o escrevente dirige-se ao interlocutor, para interpelá-lo, incitá-lo a envolver-se com o que está sendo anunciado. Para exemplificar essa observação, apresentamos quatro exemplos que se reportam ao uso dessas expressões: Exemplo: 12 Carta do aluno A Oi Rose! Tudo bem? Exemplo: 13 Carta do aluno A Beijos e abraços de A. Exemplo: 14 Querido Hélder! Como vai o senhor? Carta do aluno I Exemplo: 15 Carta do aluno L Beijossss de quem é tua fã. Nessa sequência, os dados mostram, outros indicadores de expressão de informalidade e são representados por algumas formas gramaticais e lexicais do registro linguístico coloquial. Podemos exemplificar por meio da redução da preposição para (pra), redução da forma verbal está (tá); o léxico constituído de palavras de uso mais corriqueiro. Exemplo: 16 Carta do aluno G Queria saber se você tem outros livros. Por favor, mande um pra mim. Exemplo: 17 Carta do aluno M Queria que enviasse um pra gente conhecer na escola tá? De um modo geral, julgamos inadequado o grau de intimidade, recorrente na escrita da carta ao autor pelos alunos, uma vez que o gênero exige formalidade. Os escreventes empregaram um modo de uso da linguagem. Talvez esse dado confirme a tese de Bazerman (2005) da flexibilidade do próprio gênero carta. Além disso, os modelos que eles usaram podem ter influenciado essa relação de proximidade na composição do estilo de linguagem usada. Cabe à escola viabilizar as condições necessárias para que os alunos se tornem proficientes do uso da linguagem e, consequentemente mais letrados. O esboço que procuramos delinear da composição textual do gênero estudado apresenta três etapas (abertura, corpo e encerramento) e evidencia que elas são imprescindíveis à organização do evento comunicativo. No tocante a esse aspecto, é importante ressaltar a regularidade do emprego de sequências discursivas que abrem e fecham o evento, além, do próprio corpo da interação. Por fim, no processo de edição, os desenhos, adesivos, molduras, põem em evidência que o jogo dialógico que se estabelece nas cartas é constituído por um conjunto de normas. De tal modo, que nesse jogo, o escrevente por querer conhecer o autor, por meio da escrita, vai se desvendando para ele. Seguindo essa linha de pensamento passemos ao próximo item, em que procuramos confirmar traços da carta que revelam indícios de interatividade. 3.2 As marcas da interatividade do gênero carta ao autor Muitas marcas linguísticas, selecionadas para efetivar os atos de interatividade, podem ser vistas como formas através das quais são atualizadas estratégias de polidez, ou seja, procedimentos discursivos e interativos que, estrategicamente, são mobilizados para manter o equilíbrio interpessoal da interação. Particularmente, no conjunto das 50 cartas analisadas, como apresentaremos mais adiante, o escrevente é um produtor que sempre está atento ao seu destinatário, mobilizando uma série de estratégias de modo que torne possível e facilite a construção de um diálogo. Na verdade, como nos indica o corpus, o destinatário, enunciativamente, instala-se no próprio movimento da produção do texto, na medida em que o escrevente o interpela, estimula, convoca, orienta, monitora sua atenção, pressupõe um compartilhamento de informações e negocia saberes. Em outros termos, há sinalizações de procedimentos discursivos e interativos que podem representar fortes estratégias interativas que envolvem as rotinas de polidez. Tais rotinas muitas vezes são previstas e ajustadas nas relações interativas dos eventos comunicativos do gênero carta em nossa cultura (saudações e despedidas), outras supomos que são geradas na própria condução da interação. No caso das cartas, considerando-se os propósitos que cercam o evento comunicativo, pode-se admitir que a construção das faces, modelada ao longo do evento, parece que o escrevente tem uma preocupação de ser solícito; apresentar-se íntimo, sem pretender ameaçar o território privado do outro e o seu próprio; envolver o interlocutor com o que está sendo anunciado; tecer elogios. Os dados nos apontam que ao longo da interlocução entre os correspondentes são efetivadas várias estratégias, linguisticamente materializadas, que revelam que a intenção do escrevente é a de tentar um espaço interlocutivo em que formas de cortesia positiva predominem. Como nos apontam os dados, ao longo da interlocução entre os escreventes são efetivadas várias estratégicas, linguisticamente materializadas, que revelam que a intenção do escrevente é a de instaurar um espaço interlocutivo. Deste modo, apresentaremos as marcas linguísticas presentes no texto das cartas, que expressam atos de interatividade. Na exploração do corpus, ficou evidente que carta ao autor constitui um texto rico de ocorrências de expressões linguísticas e mecanismos de organização textual que concorrem para promover atos de interatividade. Tais elementos caracterizam-se como formas concretas para efetivar as estratégias interativas, delineadas pelo escrevente no curso do evento. No conjunto das cartas examinadas, as pistas linguísticas identificadas como atos de interatividade no texto são as seguintes: marcadores discursivos, enunciados interrogativos (saudação, perguntas diretas), uso do verbo no futuro do pretérito, vocativo e fórmulas de despedida. 3.2.1 Marcadores discursivos Verificamos no corpus em análise um número significativo dos marcadores discursivos, que, do ponto de vista funcional, podem ser enquadrados em dois blocos: os que são basicamente de natureza interativa, com forte orientação interpessoal e os que são relativamente interativos, ou seja, tanto indicam a mudança de tópicos ou sequência de tópicos como sugerem monitorar a atenção do destinatário. 3.2.1.1 Marcadores discursivos interrogativos: tá?; ok?; sabe? certo? né? e viu? Os marcadores discursivos podem ser considerados como uma das pistas linguístico-discursivas por meio das quais verificamos como se deu a manifestação de interesse pelo interlocutor. Eles são um dos mecanismos envolvidos na organização textual interativa da língua falada. Nas cartas que compõem o corpus há influência das estratégias utilizadas em gêneros orais como a conversa, por exemplo. A presença dos marcadores discursivos nas cartas pressupõe a presença de um leitor, o qual é convidado a se engajar na interação. Na exploração do corpus, verificamos que esse grupo de marcadores discursivos é bastante expressivo, em termos de número de ocorrências, conforme especifica a tabela 3, a seguir. Tabela 3 – Apresentação das ocorrências dos marcadores discursivos nas cartas autor Marcadores discursivos interrogativos Ocorrências Quantidade de cartas Número de vezes Tá? 18 21 Ok? 07 09 Sabe? 04 06 Certo? 04 04 Né? 04 05 Viu? 02 02 A seguir apresentaremos alguns exemplos retirados do corpus: Exemplo: 18 Carta do aluno L Aguardo a sua resposta ok? Exemplo:19 Carta do aluno M Queria que enviasse uma pra gente conhecer na escola tá? Exemplo: 20 Carta do aluno G Responda certo? Exemplo: 21 Carta do aluno J Adoro literatura e você parece que também né? Para efeito de análise, consideraremos o exemplo 21. Nele vemos que, por meio do uso do marcador discursivo (né?), o escrevente age sobre seu destinatário, na medida em que busca uma aprovação discursiva para o que declara nos enunciados que antecedem o marcador discursivo. Quando o escrevente afirma que “Adoro literatura e você parece que também né?”, podemos apreender que o tom conferido por ele a esse enunciado não é marcadamente o de uma interrogação ou de uma interpelação, mas a pretensão é confirmar algo, supostamente, tomado como certo ou possível aos olhos do escrevente. Eles são utilizados a fim de se conseguir a aprovação discursiva do destinatário (SILVA, 2002). Verificamos que, nas cartas ao autor, o escrevente, ao mesmo tempo em que se mostra ao seu destinatário, no sentido de pressupor uma concordância com o que é dito, estimula a envolver-se com o que é anunciado, um envolvimento que sugere ser proveniente de um compartilhamento de saberes, de posições sobre o que está em jogo, o que pode levar a uma intercompreensão. No trabalho de produção do texto, o escrevente coloca-se discursiva e enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse presente e, assim ao fazê-lo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos. Com a finalidade de efetivar a interatividade, o texto se tece em movimentos que serão reconstituídos cooperativamente pelo destinatário, no ato da leitura. Assim sendo, com sua interpretação, a sua marca pessoal, o destinatário completa o circulo comunicativo previsto pelo evento da carta. 3.2.1.2 Marcador: “Ah” Observamos no corpus, em análise, que o marcador discursivo Ah apresentou 10 ocorrências distribuídas em 06 cartas. Este se apresenta nas cartas de forma sempre exclamativa e sugere traduzir um tom mais evocativo que o de surpresa ou admiração em torno do que está sendo anunciado. Apresenta-se como uma estratégia interativa, um detalhe de sua expressividade diante do destinatário em relação a uma informação nova trazida à cena enunciativa ou a um tópico já em andamento. Em termos funcionais, podemos dizer que o movimento discursivo apreendido na atuação do “ah” aponta para uma ação de envolvimento da parte do escrevente tanto com o que diz como com o seu destinatário em relação ao que está sendo ali enunciado, como podemos ver no exemplo 21, a seguir. O aluno, ao escrever: “Ah! Já ia esquecendo é que a tia só leu pra gente um pedacinho da sua história” traz a cena enunciativa uma informação/comentário porque parece que se lembrou, em tempo, de algo que não poderia deixar de levar ao conhecimento de seu interlocutor (SILVA, 2002, p.175). Nas cartas analisadas, percebemos que o uso de “ah” incorpora, a um só tempo, uma atitude de subjetividade, no sentido do produtor envolver-se com o que está sendo anunciado, e de intersubjetividade, na medida em que ele busca prender a atenção do destinatário, envolvendo-o no que está sendo exposto, pois como afirma Silva (2002) o movimento que o marcador “ah” promove, no seio da interlocução, é o de conferir à interação um avanço em seu curso, mediante a mudança no foco da discussão. É importante assinalar alguns aspectos sobre o efeito evocatório que o “ah” sugere promover. Se considerarmos os ambientes de sua ocorrência em relação ao andamento dos tópicos na interação, ao que parece, para o escrevente, é indispensável, no momento da interação, trazer à cena enunciativa uma informação, um comentário porque julga pertinente ao tópico em andamento, e ao mesmo tempo, parece ter lembrado algo que não poderia deixar de informar a seu interlocutor. Nessa perspectiva, a função do “ah”, no curso da interlocução, que introduz uma informação importante, não necessariamente ao tópico em andamento, sinaliza que o escrevente tem anseio de alertar o seu interlocutor e que está introduzindo uma informação que não deve passar sem que seja notada. O movimento discursivo obtido na atuação do “ah” aponta para uma ação de envolvimento da parte do escrevente, tanto com o que diz com o seu destinatário em relação ao que está sendo ali anunciado. Sob essas condições, no conjunto dos textos em análise, percebe-se que, na atuação do “ah”, mescla-se, a um só tempo, uma atitude de subjetividade, no sentido de auto-envolvimento do produtor com o que está sendo anunciado, e de intersubjetividade, na medida em que ele busca captar a atenção do destinatário. Para se ter uma ideia mais clara sobre o assunto, apresentaremos quatro exemplos: Exemplo: 21 Carta do aluno L Aqui na minha turma gostamos muito do jeito de Mariana porque ela é engraçada e divertida. Eu queria muito ler a história dela toda. Ah! Já ia esquecendo é que a tia só leu pra gente um pedacinho da sua história. Exemplo: 22 Carta do aluno L Rose eu gostei muito da história que você escreveu “Mariana do contra” porque ela é diferente. Eu ri muito quando tava lendo (risos). Ah! Me diga você já escreveu muito livros parecidos com esse? Exemplo: 23 Carta do aluno J Queria muito conhecer você por isso estou convidando para fazer uma visita na minha escola. Minha professora falou que lhe conhece e acha você legal. Ah! Já ia me esquecendo, gostei das poesias do livro Pássaros e Bichos viu? Exemplo: 24 Carta do aluno J Gostei das rimas das poesias, das gravuras e mais ainda da que fala do papagaio. Achei engraçado demais, todo mundo ri com ela. Ah! Será que é essa a poesia que você também mais gosta no livro? Deste modo, o movimento que promove o marcador discursivo “ah”, no seio da interlocução, é o de atribuir à interação um avanço em seu curso, mediante a mudança no foco da discussão, quando explicitamente propõe o abandono do tópico em pauta. Não obstante essa singularidade que encerra esse marcador discursivo, sua a atuação, contudo, continua mesclada por uma atitude de subjetividade e intersubjetividade. 3.2.2 Os enunciados interrogativos Podemos verificar no conjunto de cartas que compõe o corpus, que há um número bastante considerável de enunciados interrogativos os quais, podemos observar, são realizados pelo escrevente, na interlocução, para atender os propósitos discursivos distintos, tais como: efetivar um cumprimento/saudação na abertura do evento (Olá! Hélder Pinheiro); saber sobre algo, que recorrentemente envolve o destinatário (E você escreve muita poesia?) e, em menor proporção, avaliar o conteúdo de uma proposição enunciada (Quem já viu escrever tudo ao contrário?). Como podemos averiguar, são enunciados interrogativos que nem sempre encerram uma pergunta, como nos casos de saudação e da avaliação. Observemos os exemplos retirados do corpus. Exemplo: 25 Carta do aluno L Oi Rose! Como vai você? Saudação Quantos livros você já escreveu? Qual é o que mais gosta? Quando você era pequena parecia com Mariana? Fazia tudo ao Perguntas sobre algo contrário como ela? Exemplo: 26 Carta do aluno J Olá! Saudação Hélder Pinheiro como vai? Boa tarde Você já fez outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha Perguntas sobre algo escola? Em relação ao gênero estudado, é preciso reconhecer, entretanto, que os seus textos não contam com a realização de pares adjacentes que conjugam as duas partes, isto é, na carta, a segunda parte, aquela pretensamente proferida após o cumprimento ou a pergunta ou o pedido etc; não se atualiza por razões do próprio esquema de produção e recepção de texto. Podemos dizer que se flagram nas cartas enunciados interrogativos cuja formatação linguística, se apresentam relativamente semelhantes às partes introdutória de pares adjacentes que realizam uma saudação e as perguntas sobre algo, estas explicitamente diretivas. Observemos isso com mais atenção nos itens a seguir: “Oi Rose! Como vai você? Quantos livros você já escreveu? Qual é o que mais gosta? Quando você era pequena parecia com Mariana? Fazia tudo ao contrário como ela?”. O item a seguir presta-se à exposição das fórmulas de saudação do gênero em estudo. 3.2.2.1 As fórmulas de saudação Averiguamos nas cartas analisadas que os escreventes abrem o contexto de interação utilizando-se de uma interrogação que incide na realização do ato de cumprimentar. Essa ação discursiva de natureza dialógica configura-se como mais uma das estratégias interativas que integra a rotina comunicativa embutida no evento desse gênero. Como podemos verificar nos exemplos que seguem, a ação de saudar, geralmente assume, em termos linguísticos, o seguinte formato: interjeição + nome do destinatário + expressão interrogativa. É interessante assinalar que, no conjunto das 50 cartas, (35 = 70%) agem com variações já previstas no modelo, (09 = 18%) das cartas utilizam esse modelo linguístico; e somente (06 = 12%) delas abrem o evento sem recorrer a essa estratégia. Façamos a análise dos exemplos retirados do corpus: Exemplo: 27 Carta do aluno A Oi Rose! Tudo bem? Exemplo: 28 Carta do aluno B Boa tarde Rose Sordi! Como vai? Exemplo: 29 Carta do aluno I Querido Hélder! Como vai o senhor? Exemplo: 30 Carta do aluno G Olá! Tudo bem? Através dos modelos de cumprimento, os participantes têm sua face preservada, positivamente. Em outras palavras, isso equivale dizer que, através dessa estratégia interativa, o efeito discursivo que o escrevente deseja promover é de o parecer gentil, e próximo ao seu interlocutor. Apreciemos o exemplo 29 em que o interlocutor é saudado com um tratamento carinhoso “Querido Hélder! Como vai o senhor?”. Por meio do diálogo escrito, o escrevente se faz presente ao seu interlocutor e, enunciativamente, este é envolvido na interação. Em outras palavras, as formas interrogativas: como vai? ou tudo bem? dão a impressão de que o escrevente põe-se próximo ao seu destinatário, recriando uma situação de uma conversa informal e íntima. 3.2.2.2 Perguntas: estratégias de envolvimento interpessoal De acordo com os dados analisados, (45 = 90%) das cartas que compõem o corpus trazem em seus textos enunciados interrogativos que concluem claramente uma interpelação ou uma indagação do escrevente com o objetivo de saber sobre como está o seu interlocutor. Nas saudações, as perguntas que abrem o evento comunicativo das cartas não ocupam um lugar determinado no interior do evento. Em alguns momentos elas se encontram na abertura, em outros no corpo do evento, e em outros aparecem com as sequências de encerramento. A seguir exemplos de perguntas que demonstram o universo cotidiano que os envolve. Exemplo: 31 Carta do aluno B Quero saber se a senhora escreveu outros livros? Como se chamam? A senhora poderia mandar um livro para mim? Exemplo: 32 Carta do aluno M Hélder outra que gostei foi a do porco, acho que todo mundo ia correr da festa se um porco chegasse embriagado de verdade, quem já viu isso? Se considerarmos a natureza do relacionamento dos correspondentes, podemos pensar que os destinatários interpretarão as perguntas como aquelas através das quais o interlocutor tenta obter informações para partilhar do universo de sua vida cotidiana. Ao querer saber algo, a atitude do escrevente pode ser entendida como uma manifestação de engajamento afetivo que por meio da carta tenta conseguir um relacionamento interpessoal. Nos exemplos podemos perceber que o escrevente se faz presente ao seu interlocutor, e este, ao mesmo tempo, é estimulado a envolver-se no diálogo. Esse evento revela-se como mais um forte indicação de interatividade, dada a orientação interpessoal atribuída à interlocução. Apresentemos fragmentos que exemplificam quando o objeto perguntado é o próprio destinatário, ou seja, é a respeito dele que se fala, é sobre ele que se quer saber. Exemplo: 33 Carta do aluno E Queria saber se você escreveu outros livros e como se chamam? Acho que vou gostar de conhecer outros da senhora... Exemplo: 34 Carta do aluno H Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola? Julgamos oportuno relembrar que o escrevente instiga o destinatário, interpelando como se estivesse face a face (Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola?). Fica evidente que o ato de perguntar acontece, num primeiro momento, sobre o sujeito interpelado e não sobre aquilo que se deseja saber. Nas produções textuais analisadas, o escrevente coloca-se discursiva e enunciativamente, na interlocução como se o seu interlocutor estivesse presente. Deste modo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos. 3.3 Uso do verbo no futuro do pretérito como recurso modalizador Outras marcas linguísticas também identificadas como elementos que denotam interatividade, na carta, são os verbos no futuro do pretérito do modo indicativo. Eles correspondem a 35 textos, do total de 50 = 70% e caracterizam-se pelo valor injuntivo. O desejo do escrevente está em evidência e pode ser expresso de maneira polida e formal, marcando um distanciamento entre o interlocutor. Construções como “Gostaria de saber mais do senhor. Pode ser?”, presentes no exemplo 35, a seguir, em que o verbo aparece no futuro do pretérito do modo indicativo são bastante frequentes no corpus. Este tipo de construção, que é feita sempre com os verbos gostar, poder, está presente em um número considerável de cartas. O uso de tal construção permite manifestar, de uma forma polida, o desejo de receber a resposta do autor (a). As modalizações aparecem para orientar o interlocutor na interpretação do conteúdo temático do texto (BRONCKART, 2007). É interessante assinalar que o escrevente utiliza a forma “gostaria” (modalização) com valor nocional de desejo, expressando-se polidamente. Tal escolha pode ser justificada pela posição social dos destinatários (professor universitário, escritor). No corpus em análise encontramos o futuro do pretérito com valor nocional de desejo através de outra forma verbal, como o verbo poder, o valor de desejo expresso pelo futuro do pretérito ocorre de forma mais indireta. Vejamos os exemplos as seguir. Exemplo: 35 Carta do aluno I Eu gostaria de saber mais do senhor. Pode ser? Exemplo: 36 Carta do aluno D ...Também gostaria de pedir que se tiver um livro sobrando na sua casa para enviar pra nossa escola... Exemplo: 37 Carta do aluno B A senhora poderia mandar um livro para mim? Exemplo: 38 Carta do aluno H Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola? Os exemplos apresentados denotam assimetria entre o escrevente e destinatário, ou seja, indicam uma relação de desigualdade entre o escrevente/autor literário que, na maioria das vezes, desempenham papéis sociais diferentes. Conforme pudemos observar os escreventes estão realizando um pedido a alguém que é autoridade. Assim sendo, para não parecer incômodo, ameaça, falta de respeito, utilizam o futuro do pretérito demonstrando a interação assimétrica, confirmando o que diz Silva (2002, p. 157) sobre o assunto: “... a escolha de estratégias de polidez ou interativas traduzem singularidade e individualidade do escrevente”. No exemplo 35, o uso da forma, “gostaria”, no futuro do pretérito na construção da pergunta, também é uma forma de polidez. Notamos que tanto o uso do futuro do pretérito, como procedimento de atenuação, quanto a utilização da pergunta, demonstram uma preocupação do escrevente em suavizar os efeitos dessa ameaça à face do interlocutor. Com base no exemplo 38 “Você já escreveu ou organizou outros livros? Poderia doar alguns exemplares para minha escola?”, verificamos, que o uso do “poderia”, além do efeito de polidez, deixa implícita a liberdade do interlocutor em atender ou não o que está sendo pedido. A modalização com o verbo poder é um recurso linguístico-discursivo que aparece em menor proporção que o verbo gostar. 3.4 Estratégias interativas da produção de carta dos autores endereçada aos leitores A interação verbal é, pois, uma troca de enunciados entre um locutor e um interlocutor, estando os dois em um mesmo campo de compreensão ativa. Nesse contexto, a interação entre leitores e autores é assimétrica, assim como são assimétricos os papéis institucionais assumidos pelos autores e leitores. Eles possuem conhecimentos diferentes. A assimetria talvez seja o traço caracterizador mais relevante quando se tem em foco a interação que se estabelece entre autores e leitores, mesmo tal característica não sendo exclusiva desse contexto. O fato de as cartas terem sido enviadas aos autores, todavia, sinaliza uma diferença em relação às atividades tradicionalmente realizadas na escola cujo único interlocutor é o professor. A interação entre os leitores e os autores por intermédio da carta prevê uma ação por parte dos autores. Entendemos como interlocutor interessado aquele que deseja construir a interação em um tom cordial e amigável e que manifesta interesse pelo que tem a dizer o(s) interlocutor (es). O fato de os autores responderem as cartas que receberam é um indício de que aderiram à interlocução. Em virtude disso, o interlocutor interessado atribui legitimidade ao enunciado do(s) outro(s), procurando compreender a vontade enunciativa desse enunciado ao qual prontamente responde. As estratégias interacionais utilizadas nas mensagens, dada a vontade enunciativa, a esfera de circulação e os papéis institucionais desempenhados pelos interlocutores, adquiriram características específicas. Assim, os autores demonstraram interesse no que o leitor tem a dizer. As estratégias interacionais utilizadas para iniciar e/ou manter o tipo de diálogo desejado é que provoca a construção de uma interação em tom cordial e afetivo. Elas se materializam linguisticamente no corpus através do uso de enunciados interrogativos e marcadores discursivos. No jogo dialógico, os alunos leitores incitavam os seus interlocutores a constituírem-se como correspondentes, e, como se pressupõe nas relações interativas mediadas por cartas, espera-se sempre uma resposta. Essa resposta como era de se esperar veio endereçada a todos os leitores do 5º ano “A”. Passemos aos exemplos das cartas do corpus investigado. 3.4.1 Carta do autor Hélder Pinheiro Analisaremos a seguir a carta endereçada pelo autor Hélder Pinheiro aos leitores do livro Pássaros e Bichos. Esta revela como, interativamente, no texto da carta, o escrevente cria espaços discursivos e enunciativos para trazer à cena enunciativa a voz a seus interlocutores. Figura 5 – Carta do autor Hélder Pinheiro Meus queridos alunos da Escola X: Recebi com alegria as cartinhas que me enviaram. Fico feliz que tenham gostado do Pássaros e Bichos na Voz de Poetas Populares. Este livro nasceu do desejo de levar às crianças um pouco dos tesouros da poesia popular. Quando eu era criança, como vocês, ouvia de meus pais, meus irmãos, e de pessoas da região, muitos versos como estes que estão nos livros. Gostaria de agradecer as palavras carinhosas de todos vocês. Queria lembrar que não sou autor dos poemas, sou apenas organizador. O grande mérito é dos poetas que sabem fazer coisas lindas. Sugiro que brinquem muito com os poemas, leiam em casa para os irmãos ou irmãs, os pais e quem mais quiser ouvir. E também leiam uns para os outros. É gostoso ouvir poesia, ouvir histórias, não é? Quanto aos pedidos que me fazem, infelizmente não posso enviar um livro a cada um de vocês, mas estou enviando 2 (dois) para a biblioteca da escola para vocês poderem pedir emprestado e levar para casa. Deixo a todos um grande abraço e mais uma vez meus agradecimentos. Se quiserem, posso ir visitá-los na escola para conversarmos um pouco. Até breve, José Hélder Pinheiro Alves Na carta em análise, são várias as estratégias interativas utilizadas pelo autor, para levar a efeito o seu projeto discursivo: estabelecer com seus interlocutores uma relação cordial. Observamos a partir da abertura do evento, através da saudação, que o autor procura instaurar uma interação solícita, gentil, próxima aos seus interlocutores. O interlocutor é saudado polidamente, mediante um tratamento carinhoso “Meus queridos alunos da Escola X”. Nele o tratamento é personalizado. Mais adiante verificamos a marca de interação quando o escrevente afirma que “...é gostoso ouvir poesia, ouvir histórias, não é?” pode-se entender que o tom conferido por ele a este enunciado não é, marcadamente, o de uma interrogação ou de uma interpelação, pois a força ilocutória da ação discursiva nela instaurada não é de uma pergunta ou pedido, mas a de uma carga argumentativa. O efeito é o de confirmar ou frisar algo, supostamente, tomado como certo, ou possível, aos olhos do escrevente. Parece acreditar que o destinatário está em plena aceitação. Verificamos que o escrevente, por meio de uma estratégia de polidez para com o destinatário, admite: “Quanto aos pedidos que me fazem, infelizmente não posso enviar um livro a cada um de vocês, mas estou enviando 2 (dois) para a biblioteca da escola para vocês poderem pedir emprestado e levar para casa”. A atitude de não explicar poderia causar alguma decepção a seus interlocutores, contudo compreendemos que há interesse de informar sobre o assunto aos interlocutores. Vejamos as passagens que formatam o pré-encerramento do evento “Deixo a todos um grande abraço e mais uma vez meus agradecimentos. Se quiserem, posso ir visitá-los na escola para conversarmos um pouco”. No momento da interação - em que se anuncia o término do encontro- o autor dá a entender aos seus leitores que a interlocução continua. Isso se confirma na despedida “Até breve”. Assim, recursos dessa natureza promovem efeitos de interatividade. 3.4.2 Carta da autora Rose Sordi Apresentaremos a seguir a carta escrita pela autora Rose Sordi, endereçada aos leitores do livro “Mariana do Contra”. Figura 6 – Carta da autora Rose Sordi Londrina, 10 de janeiro de 2006. Queridos leitores, Primeiramente, peço-lhes desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem muito trabalho no final do ano. Vocês entendem, não é mesmo? Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom quando gostam do trabalho que fazemos, porque isto serve como estímulo para outras tarefas. Todos me perguntam se já escrevi outros livros. Sim, escrevi vários deles: A estrela de cada um, Cabeça de minhoca, Carnaval na Floresta, Ave, Poesia cheia de graça! Também sou autora de livros didáticos: Magistrando a Língua Portuguesa e Língua Portuguesa – Comunicação Oral e Escrita. Gostei de saber que a professora Y os estimula para a leitura. Posso garantir que formar leitores é o trabalho mais importante que a escola pode fazer por vocês. A leitura é como uma caderneta de poupança. Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza de valor incalculável. Um tesouro somente nosso, que ninguém pode roubar-nos. Ninguém! Lamento dizer que, no momento, não tenho exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O jeito, então, é procurá-los na biblioteca. Tomara que vocês os encontrem! Um abraço bem carinhoso para todos que me escreveram: X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X , X, X, X, X, X, X, X, X, X, X e X. Ué! E, claro, para a professora Y também. Rose Sordi N.B.- Gostei do capricho das cartinhas: os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas também está muito bonita. No exemplo apresentado a marca que introduz a sequência de abertura do evento é “Queridos leitores”. Nela há evidência sinalizadora de informalidade destacando-se a expressão afetiva “queridos”, estratégica e polidamente, a escrevente dirige-se aos seus interlocutores para envolverem-se com o que vai ser enunciado. Recurso dessa natureza, no contexto das cartas, promove efeito de interatividade e informalidade. Para efeito de explicação, consideremos o fragmento “Primeiramente, peço-lhes desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem muito trabalho no final do ano. Vocês entendem, não é mesmo?“, no qual se atualiza o ato de desculpas. Verificamos na justificativa da escrevente um distanciamento quando se refere ao todo. Nesse caso, uma vez apresentadas as desculpas por que ainda não havia escrito, percebe-se que o objetivo da escrevente é o de avançar na interação, isto é, trazer à cena enunciativa as notícias do cotidiano. Dessa forma, na formulação de seu texto, a escrevente lança mão do marcador discursivo “não é mesmo?” em questão, que estrategicamente, contribui para promover o efeito de finalizar um tópico para iniciar outro. Mais adiante verificamos um momento de interação, ritualisticamente, instaurando-se, por assim dizer, o encontro dos correspondentes, mediante o texto escrito “Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom quando gostam do trabalho que fazemos...”. Posteriormente a escrevente tenta se aproximar dos interlocutores citando a professora deles “Gostei de saber que a professora Y os estimula para a leitura”. E mais adiante apresenta o discurso moralista “... A leitura é como uma caderneta de poupança. Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza de valor incalculável...”. No trecho mais adiante podemos depreender mais uma vez uma interlocução distanciada mediante a explicação “Lamento dizer que, no momento, não tenho exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O jeito, então, é procurá-los na biblioteca. Tomara que vocês os encontrem!”. Salientamos que antes de encerrar o evento comunicativo a escrevente procura estreitar os laços por meio da polidez expressa “Um abraço bem carinhoso para todos que me escreveram: X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X, X e X. Ué! E, claro, para a professora Y também”. Com isso, a escrevente procura preservar a interação. Isso se confirma na nota de rodapé “N.B.- Gostei do capricho das cartinhas: os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas também está muito bonita”. Assim sendo, o presente estudo, objetivou explicar como os escreventes estabelecem uma interlocução efetiva, mediada pela escrita, com os seus destinatários, utilizando, estrategicamente, uma série de recursos linguísticos e mecanismos enunciativos. No trabalho da produção do texto, os escreventes colocam-se, discursiva e enunciativamente, na interlocução como se os seus interlocutores estivessem presente e, assim ao fazê-lo, a carta constitui o espaço em que se efetiva a interatividade entre os sujeitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho com qualquer gênero textual propicia o desenvolvimento do aluno não só para a escola, como também o prepara para diferentes práticas sociais a partir dos textos que circulam na sociedade. No caso do gênero carta ao autor, é a oportunidade de professor e aluno extrapolarem os aspectos formais dos textos geralmente utilizados em sala, e buscarem usar a linguagem de forma mais efetiva. A carta se define como gênero na medida em que compartilha um determinado propósito comunicativo e estabelece uma interlocução do leitor com o autor. Partindo, então, dessa perspectiva de que as situações de interação verbal efetivam-se por meio de gêneros textuais Araújo (2004, p.82) afirma que o aspecto convencionalizado de uma interação escrita é reconhecido como fazendo parte de um gênero particular. Assim, ao interagir no texto, os produtores devem ter não só conhecimento das normas e convenções desse texto (gênero textual), estabelecido pela comunidade discursiva, mas também, dentre outras coisas, sobre a consciência da audiência a quem o texto se destina e uma habilidade para refletir e explorar essa consciência sobre como o texto deve ser escrito. A partir destas reflexões, o que se anseia é que o ensino de língua materna se torne mais concreto, que o espaço de sala de aula seja um ambiente de interlocução viva entre os alunos e professores. A carta ao autor é um gênero textual que pode ser levado para a sala de aula porque é constituído pela linguagem, com a qual o cidadão se posiciona. Ao fazer uso da linguagem de maneira efetiva, comunica ao mesmo tempo em que exercita práticas discursivas e participa das relações sociais que ela implica. Deste modo, neste trabalho, nos baseamos em 50 produções textuais para procurar responder a questão: como se deu a construção da interlocução mediada por cartas intercambiadas entre leitores e autores de livros infantis? Com base nos resultados obtidos na pesquisa pudemos verificar que o funcionamento do gênero carta ao autor é constituído por movimentos essencialmente dialógicos e se refletem no processo de textualização da escrita. Essa dimensão manifesta-se em vários planos do funcionamento do gênero: no movimento dialogal, que promove as relações interpessoais; na atividade de troca de cartas, pressupõe-se um compromisso ou a chamada atitude responsiva ativa da parte dos correspondentes, aos quais são dados o mesmo direito e dever de escrita; na estrutura da composição textual, atuam-se etapas cujas sequências discursivas modelam o movimento e o curso da interação; na expressão da informalidade presente no texto; e, por fim na superfície textual, na qual inúmeras marcas linguísticas atuam como indícios de interatividade, reveladores do resultado concreto do jogo de atuação interativa, discursiva, cognitiva e enunciativa, concebido no evento comunicativo das cartas. Quanto à configuração do texto, ou melhor, o conjunto de traços que imprimiram nas cartas aos autores um caráter de informalidade, uma das evidências mais claras é que ela revela traços pessoais do escrevente e preserva marcas de singularidade do autor e do texto. Nesse caso, a informalidade das cartas sinaliza que os escreventes (leitores) possuem pouco letramento e proficiência de escrita. Para tanto, a experiência realizada em sala de aula aponta para a necessidade de novas práticas contextualizadas de ensino da produção do gênero textual “carta ao autor”. No que diz respeito às atividades de leitura e escrita um aspecto positivo apontado por nós é que foram proporcionados aos alunos leituras de obras literárias, tendo sido comentadas e discutidas amplamente, com o objetivo de levar os estudantes a realizarem as inferências relevantes à atividade. Nos momentos que antecediam de preparação das produções escritas fizemos discussões sobre os livros, que propiciaram aprendizagens significativas, como no caso dos escritores que os alunos não conheciam e que foram comentados, aspectos das suas vidas. Entendemos que o conhecimento de um gênero deve ser visto sob a perspectiva das condições de produção, de seus domínios comunicativos e dos aspectos formais implicados. Desse modo, o trabalho didático de ensino deve ser elaborado de modo a considerar esses aspectos, para possibilitar que os alunos percebam que a produção escrita é um processo interativo em virtude de os sentidos serem construídos pela interação leitor/autor e texto em processos complexos que envolvem experiências e∕ou conhecimentos anteriores, além do propósito discursivo do(s) interlocutor (es). Portanto, acreditamos que o ensino através do gênero textual possibilita ao aluno contato com textos reais inseridos no contexto sociocultural, bem como se pode explorar o conhecimento prévio que ele tenha, propondo uma relação mais efetiva entre a teoria e a prática na medida em que o aluno é levado a produzir efetivamente e com isso ele se aproprie dessa ferramenta e faça uso dela na vida prática. Destacamos que o gênero pesquisado permite um trabalho didático com o contexto de produção atual, e possibilita instrumentalizar o aluno para que cada vez mais ele possa agir e interagir com o outro e com o mundo, ao menos no que diz respeito ao âmbito de ensino/aprendizagem da língua materna em contextos escolares. REFERÊNCIAS ADAM, Jean-Michel. Les textes: types et prototypes: récit, description, argumentation, explication et dialogue. Geneve : Nathan, 1992. __________, Les genres du discours épistolaire. De la rhétorique à l'analyse pragmatique des pratiques discursives, in J. 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Poças - Marcos Levy Essa é a dança dos bichos Palma, pata, pé, pé, pé Essa é a dança dos bichos E ai que bicho voce é Dança Dança Dança Dança passarinho perereca peru canguru Dança Dança Dança Dança bicho-grilo jacare urubu chipansé Essa é a dança dos bichos Palma, pata, pé, pé, pé Essa é a dança dos bichos E ai que bicho voce é E gato ou cachorro Rato ou leão Coelho ou tartaruga Porquinho ou lobão Perua ou barata Pavão ou tubarão É bicho da seda Ou é bicho papão Cama, cama, camaleão Essa é a dança dos bichos Palma, pata, pé, pé, pé Essa é a dança dos bichos E ai que bicho voce é E gato ou cachorro Rato ou leão Coelho ou tartaruga Porquinho ou lobão Perua ou barata Pavão ou tubarão É bicho da seda Ou é bicho papão Cama, cama, camaleão Essa é a dança dos bichos Palma, pata, pé, pé, pé Essa é a dança dos bichos E ai que bicho voce é. ANEXO II Os Bichinhos E O Homem Arca De Noé Composição: Toquinho & Vinicius de Moraes Nossa irmã, a mosca É feia e tosca Enquanto que o mosquito É mais bonito É mais bonito Nosso irmão besouro Que é feito de couro Mal sabe voar Mal sabe voar Mal sabe voar Mal sabe voar Nossa irmã, a barata Bichinha mais chata É prima da borboleta Que é uma careta Que é uma careta Nosso irmão, o grilo Que vive dando estrilo Só pra chatear Só pra chatear Só pra chatear Só pra chatear E o bicho-do-pé Que gostoso que ele é Quando dá coceira Coça que não é brincadeira Nosso irmão carrapato Que é um outro bicho chato É primo-irmão do bacilo Que é um irmão tranqüilo Que é um irmão tranqüilo E o homem que pensa tudo saber Não sabe o jantar que os bichinhos vão ter Quando o seu dia chegar Quando o seu dia chegar ANEXO III Carta do autor Hélder Pinheiro ANEXO IV Carta da autora Rose Sordi Londrina, 10 de janeiro de 2006. Queridos leitores, Primeiramente, peço-lhes desculpas pela demora deste retorno. Acontece que professor tem muito trabalho no final do ano. Vocês entendem, não é mesmo? Fiquei muito feliz em saber que vocês gostaram do meu livro. É muito bom quando gostam do trabalho que fazemos, porque isto serve como estímulo para outras tarefas. Todos me perguntam se já escrevi outros livros. Sim, escrevi vários deles: A estrela de cada um, Cabeça de minhoca, Carnaval na Floresta, Ave, Poesia cheia de graça! Também sou autora de livros didáticos: Magistrando a Língua Portuguesa e Língua Portuguesa – Comunicação Oral e Escrita. Gostei de saber que a professora Raimunda os estimula para a leitura. Posso garantir que formar leitores é o trabalho mais importante que a escola pode fazer por vocês. A leitura é como uma caderneta de poupança. Ao lermos, um pouquinho por dia, vamos acumulando uma riqueza de valor incalculável. Um tesouro somente nosso, que ninguém pode roubar-nos. Ninguém! Lamento dizer que, no momento, não tenho exemplares dos meus livros para enviar-lhes. O jeito, então, é procurá-los na biblioteca. Tomara que vocês os encontrem! Um abraço bem carinhoso para todos que me escreveram: Thereza, Thaynara, Mayara, Ângela, Verônica, Laise, Manuela, Renally, Caroline e Aline. Ué! E, claro, para a professora Raimunda também. Rose Sordi N.B.- Gostei do capricho das cartinhas: os desenhos estão alegres e criativos, e a letra de todas também está muito bonita. ANEXO V ANEXO VI ANEXO VII ANEXO VIII ANEXO IX ANEXO X ANEXO XI ANEXO XII ANEXO XIII ANEXO XIV ANEXO XV ANEXO XVI
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