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Residência médica Para exercer plenamente o nobre ofício da medicina são necessários muitos anos de preparação. E nesse longo percurso, a residência médica é a etapa mais delicada. É neste momento que o futuro médico define a sua área de especialização e faz a ponte entre a vida de estudante e a vida profissional. Os desafios são muitos a começar pela prova de seleção para as poucas vagas oferecidas pelos hospitais. Depois vem a rotina de esforço e dedicação exigida e as dificuldades estruturais encontradas em muitas unidades de saúde. É esse universo que esta edição do Berro traz ao leitor num momento em que as questões referentes à saúde brasileira estão na pauta do dia. Foto e Produção: Thiago Jefferson e Marhyana Lemos Recife | Abril de 2013 O BERRO 2 | Recife, abril de 2013 LUIZA FALCÃO Quando se fala sobre a preparação para um processo seletivo que acontece todos os anos no Brasil, a primeira palavra que vem à cabeça é o vestibular, mas existe uma seleção que pode ser tão árdua quanto entrar em uma universidade: ingressar em uma residência médica. Segundo o Conselho Nacional de Residência Médica (CNRM), por ano, são cerca de sete mil vagas oferecidas para residências no Brasil enquanto são despejados no mercado cerca de dez mil profissionais. Assim, a prova da residência – na qual o médico escolhe a área de especialização desejada - se torna uma nova “peneira” para os recém-formados. De cirurgia geral a acupuntura: o Brasil conta, hoje, com 53 especialidades que os médicos podem fazer na residência. Além do “acesso direto” - quando os médicos ainda não têm nenhuma residência feita – existem especialidades com pré-requisitos. Se um médico quiser se especializar em cirurgia cardiovascular, por exemplo, ele terá de passar, antes, por uma residência em cirurgia. Os médicos que escolhem fazer uma residência vão atuar profissionalmente em instituições de saúde com o acompanhamento de médicos especialistas. Para entrar, os candidatos passam por prova teórica, prática e entrevista em processos que são realizados normalmente entre os meses de novembro e dezembro. No processo seletivo feito em 2012, a Se- cretaria Estadual de Saúde (SES) lançou 430 vagas em Pernambuco. Em 2013, estão disponíveis 653 vagas para novos residentes. Apesar do número de vagas ser aparentemente alto, a quantidade varia de acordo com a especialização, como explica a recém-formada Talita Siqueira pela Universidade de Pernambuco (UPE). “É difícil de passar porque depende do que você quer fazer. Eu escolhi dermatologia e, na minha área, só há, em Pernambuco, sete vagas. Por isso fiz a prova em outros Estados, mas é um processo muito complicado. Psiquiatria, por exemplo, só tem duas vagas”. Em Pernambuco, existem três processos seletivos dentro do programa da Secretaria Estadual de Saúde: o primeiro é realizado pela Universidade Federal de Pernambuco e seleciona estudantes para as vagas na residência no Hospital das Clínicas; o segundo tem a seleção feita pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) para vagas no Hospital de Traumas de Petrolina e outras unidades da região; e o terceiro é feito através do Instituto de Apoio à Universidade de Pernambuco (IAUPE) e preenche vagas nas demais instituições, a exemplo do Hospital da Restauração e do IMIP. DISPUTA Dependendo do número de vagas oferecido em cada instituição a concorrência pode tornar-se até mais alta que a do vestibular. No processo seletivo deste ano, da Universidade Federal de Pernambuco, por exemplo, Foto: Luiza Assis Residência médica é uma nova peneira RESULTADO Larissa Costa comemora a aprovação na Unicamp otorrinolaringologia foi a residência mais disputada: 30 concorrentes por vaga, número próximo ao de inscritos para uma vaga no vestibular de medicina também na instituição (35,3). A médica Débora Coutinho, formada desde 2011, está estudando para tentar a residência neste ano: “eu fiz a seleção em 2011, passei em algumas no interior do Estado, mas não me interessei porque não queria sair do Recife. Tentei novamente em 2012, mas não consegui passar e agora vou tentar de novo”. A médica escolheu como especialidade cirurgia geral e definiu o processo como exaustivo. “Além dos dois anos de cirurgia geral eu ainda quero me especializar em cirurgia cardiovascular, são mais quatro anos e este processo deixa muita gente esgotada”, conta. A preparação para esta nova peneira começa normalmente no último ano da faculdade e já existem cursos de apoio à formação dos alunos. A médica recémformada Larissa Costa começou a estudar com mais de um ano de antecedência: “eu resolvi me preparar antes porque queria tentar residências fora do Estado”, conta. “A maioria dos estudantes, porém, só vai atrás no ano final da graduação e quase todo mundo procura os cursinhos” completa. O resultado do esforço de Larissa veio com a aprovação na residência de anestesiologia na Universidade Estadual de Campinas. PREPARACÃO Entre as empresas que atuam no mercado atual- mente, a mais conhecida é o Medgrupo, rede de ensino preparatório para a prova da residência presente em diversas cidades do país. O professor Alberto Moraes, vinculado à instituição, acredita que os cursos são essenciais: “Hoje, praticamente todo mundo faz. O Medgrupo domina o mercado, nove a cada dez vagas são ocupadas por alunos da rede”. Mas esta preparação pode pesar no bolso dos estudantes. O Medgrupo, por exemplo, oferece duas modalidades: medcurso – indicado para alunos que estão no último ano de medicina – e o MED, para uma formação mais intensa. As mensalidades vão de R$ 768 para ter acesso ao medcurso até R$ 1.088, preço da modalidade MED. A taxa de inscrição também é mais alta do que a média dos vestibulares. Para se inscrever, o candidato precisa desembolsar cerca de R$ 200 em Pernambuco e essa taxa pode chegar a R$ 620 para quem tenta uma vaga no Hospital das Clínicas de São Paulo. O médico Thiago Souza e Silva decidiu procurar o cursinho. Formado em 2011, conseguiu passar neste ano para a especialização da Universidade Federal de Pernambuco em cirurgia geral. “No primeiro ano, estudei sozinho por uma questão financeira e, no segundo ano, acabei fazendo o cursinho. A diferença é grande porque há macetes e coisas que a gente só encontra em lugares assim, é como o vestibular”. EXPEDIENTE Coordenador do Curso de Jornalismo Juliano Domingues O BERRO é uma publicação da Disciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE 50.050-900 CNPJ 10.847.721/0001-95 Fone: (081) 2119.4000 Fax: 81 2119.4222 | site: www.unicap.br/oberro Professor Orientador Alexandre Figueirôa Repórteres Alexandre Cavalcanti Asaph Saboia Camila Barros Eder Rommel Elton Ponce Itthallyne Marques Joelli Azevedo Junior Aguiar Kelly C. Soares Luciana Amorim Luciana Specht Luiza Falcão Malu Silveira Natássia Almeida Priscila Miranda Raíza Araújo Rebeca Buarque Rudá Cabral Thiago Jefferson Tiago Freitas Baixe a versão digital de O Berro. Revisão Fernando Castim Diagramação Flávio Santos Impressão FASA 1. Abra o leitor QR Code em seu celular; 2. Foque o código com a câmera; 3. Clique em Ler Código para acessar os conteúdos. Caso não tenha o leitor no seu celular, baixe em: http://getreader.com/ O BERRO Recife, abril de 2013 | 3 Hospital das Clínicas, Hospital da Restauração (HR), HosA responsabilidade da se- pital Getúlio Vargas, IMIP, leção dos profissionais recém- Hospital Oswaldo Cruz, Hosformados para a residência pital Agamenon Magalhães, médica é da Secretaria Es- Procape e CISAM. Cada um tadual de Saúde de Pernam- oferece diferentes especialibuco por meio de concurso dades em residência médica e público. Os aprovados pas- enfermagem. A residênsam a trabalhar cia médica é em um grande Na residência uma modalidahospital, cha- o profissional de de ensino de mado Hospi- é submetido a pós-graduação tal de Ensino, (curso de espedentro da es- aulas teóricas cialização), cap e c i a l i d a d e e práticas racterizada por que escolheu. Segundo o portal da educa- treinamento em serviço, função, essas unidades de saúde cionando sob a responsabilisão instituições que se carac- dade de instituições de saúde, terizam por ser um prolonga- com a orientação de médicos mento de um estabelecimen- de elevada qualificação profisto de ensino em saúde. Esses sional. O programa é cumprido centros médicos só são reconhecidos oficialmente como integralmente dentro de uma Hospitais de Ensino, após determinada especialidade, o submetidos a uma supervisão que confere ao médico residende autoridades e profissionais te o título de especialista. A expressão “residência médica” só competentes. Atualmente, o Recife pos- pode ser empregada para prosui oito Hospitais de Ensino: gramas que sejam credenciados LUCIANA SPECHT Foto: Luciana Specht Recife possui oito hospitais de ensino DESTAQUE Hospital das Clínicas é referência no Estado pela Comissão Nacional de Residência Médica. Na residência, o profissional é submetido a aulas teóricas e práticas. Fernando Cabral, vice presidente do Sindicato do Médicos de Pernambuco, Simepe, explica a importância que esse programa traz aos futuros médicos:“É a primeira pós de um médico recém-formado. Um curso reconhecido pelo Ministério da Educação é de fato muito importante. É através da residência que nos especializamos numa área na medicina. A residência é considerada uma pósgraduação que garante a titulação ao profissional”. O processo seletivo para cursar uma residência é anual e o tempo de capacitação varia de acordo com a especialidade escolhida pelo aluno. O estudante escolhe a área de especialização, faz uma prova e, sendo aprovado, a Secretaria de Saúde encaminha para um dos Hospitais de Ensino que atenda a residência escolhida e paga uma bolsa de estudo mensal no valor de R$ 2.384,82. REBECA BUARQUE, LUCIANA AMORIM, RUDÁ CABRAL E ASAPH SABOIA A qualidade do aprendizado de médicos residentes está ameaçada nos dois principais Hospitais de Ensino de Pernambuco - o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), da Universidade de Pernambuco (UPE). A falta de recursos, de apoio estadual e federal e de mão de obra são alguns dos problemas já conhecidos nas instituições de saúde da cidade. Para completar, os alunos ainda têm que lidar com esgotos a céu aberto dentro dos hospitais escolas, materiais inadequados para o trabalho e a falta de segurança. O desmantelo é tão grande que o HUOC teve que fechar, no final do ano passado, 112 dos seus 407 leitos por falta de profissionais e decadência da estrutura física. O estudante do 10º período de medicina da UPE, Vitor Estênio, reclama da falta de equipamentos e estrutura do HUOC. “Muitas vezes quando vamos acompanhar os professores ou estamos de plantão com os médicos, não podemos participar de alguns procedimentos porque não há equipamentos de proteção e higiene suficientes”, reclamou. Segundo o estudante, os próprios tutores se mostram desestimulados com a situação do hospital. André Ayalla está no 12º período e também passou por más experiências.. “Lembro de cirurgias sem equipamentos adequados, fechamento de leitos e alagamento durante o período de chuvas”. Foto: Luciana Amorim Falta de recursos atrapalha alunos PRECARIEDADE Hospitais escola estão abandonados Ayalla diz que, por causa disso, a maioria dos seus colegas planeja trabalhar no setor privado. “A tendência é buscar menos estresse e boa remuneração”, afirma. O governo do Estado anunciou uma série de medidas para melhorar a situação em que se encontra o HUOC. Foram anunciadas mudanças no sistema de administração da unidade e investimento de R$ 21 milhões. “Esperamos que com as mudanças anunciadas pelo governo, venham melhorias e avanços para o Hospital Oswaldo Cruz”, diz o médico residente Marco Cruz. Os problemas não são diferentes na esfera federal. Quando entramos no Hospital das Clínicas, o quadro de precariedade se repete. Para a estudante do 11º período de medicina da UFPE, Mariana Lacerda, o “sucateamento” dos hospitais desestimula os alunos. “Não podemos exercer uma medicina de qualidade”, lamenta. Elton Albuquerque, aluno do 8º período, pede auxílio para melhorar a estrutura do hospital. “Faço parte do Diretório Acadêmico (DA), e luto por melhorias, mas ninguém parece estar preocupado com nosso situação”, reclama. “Gostaríamos de ver, nos hospitais públicos, as mesmas condições particulares”. O vice-presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Fernando Henrique Cabral, critica a situação. “Existe um abandono por parte dos governos federal e estadual, a valorização dos hospitais universitários não pode mais esperar”, afirma. O BERRO 4 | Recife, abril de 2013 RAÍZA ARAÚJO Abordar o dia a dia de um residente é sinônimo de falar sobre tempo, ou melhor, da falta dele, e também do amor e da dedicação de médicos recém-saídos da universidade que optaram em investir em mais conhecimento e especialização. Essa opção, porém, é acompanhada por alguns sacrifícios, começando pelo salário, até cinco vezes menor do que o de um médico fora da residência. Já a carga de trabalho é muito maior, cerca de 60 horas semanais, inclusive, com a exigência do residente abdicar de um dia do final de semana para dar plantão. Sem falar nas horas de estudo fora do hospital, da cobrança dos superiores e desconfiança de alguns dos pacientes. Tarciana Mendonça de Souza Almeida, de 25 anos, está há um ano fazendo a residência na área de pediatria do Instituto de Medicina Integral de Pernambuco (IMIP). Para ela, o dia começa às 6h da manhã, quando acorda para ir ao hospital.“Minha sorte é que eu moro perto. Eu chego lá às 7h, aí normalmente, há uma reunião clínica até às 8h, quando a gente estuda os casos. Depois vou atender aos pacientes, com uma pessoa me supervisionando. Às 12h, eu saio para almoçar, e às vezes, às 13h, temos que voltar para discutir o quadro dos doentes. Vamos para a enfermaria às 14h para providenciar as internações dos casos mais graves”. Pelo menos um dia no final de semana, Tarciana dá plantão. “A gente tem que se virar nos 30 para trocar os plantões quando precisar. Mas sempre tem que ficar dois residentes de plantão de manhã e à noite, nos sábados e domingos”, explicou. Na ala de pediatria do IMIP, Tarciana conta que cada residente fica responsável por 24 pacientes internados. “O hospital escola tem uma hierarquia própria. Tem o chefe, que é o staff, uma pessoa que já fez a residência e possui mais experiência; o doutourando, que ainda não é médico e está ali para aprender; e o médico residente, que está no meio disso tudo, que somos nós”, afirmou. Por volta das 17h, Tarciana volta para casa, mas o dia dela como residente ainda não acabou. Quando chega a casa ainda estuda por cerca Foto: Camila Albuquerqre Uma rotina de esforço e dedicação PEDIATRIA Tarciana Mendonça faz residência há um ano no Imip de três horas. “É muita coisa para estudar porque temos muita coisa nova para aprender. Três horas ainda é pouco, a gente estava acostumado com o ritmo de estudo da faculdade, já que não podíamos trabalhar, sobrava tempo”, disse. Nessas condições, ter uma vida pessoal fora da residência é um desafio à parte para cada um deles. Mas, apesar de todo esse ritmo corrido, Tarciana arruma tempo para ter aulas de inglês, fazer hidroginástica e balé. “Segunda é dia de inglês, terça e quinta balé e quarta e sexta hidroginástica. E eu ainda tenho namorado”. Embora a dedicação seja grande, ela não se arrepende de ter optado por medicina e pela residência. “Eu sou muito feliz. Não me imagino fazendo outra coisa”. A satisfação do paciente é a maior recompensa CAMILA BARROS Após se formar em medicina pela UFPE em 2011, Carolina Barbosa Pereira, de 26 anos, passou seis meses dando plantão em uma policlínica da Prefeitura do Recife e estudando para o concurso da residência, para o qual foi aprovada no final do mesmo ano. Ela escolheu a residência em clínica médica, no Instituto de Medicina Integral de Pernambuco (IMIP), que tem duração de dois anos. “Por ser uma área básica e pré-requisito obrigatório para várias especialidades, a concorrência é grande, porém o número de vagas também é”, explicou. Isso porque ela ainda pretende fazer outra especialização, ou em cardiologia ou em nefrologia, área que estuda o funcionamento do sistema urinário. Na residência, Carolina assume a responsabilidade de trabalhar como médica, mas é supervisionada na maioria das atividades por preceptores. “Minha rotina consiste em trabalhar diariamente na enfermaria e no ambulatório, além de fazer diversos rodízios externos e estágio obrigatório em emergência nal de 12h por fora da residência, e na Unidade de Terapia Intensi- tornando a carga horária semanal va (UTI) por dois anos”, contou. de trabalho maior do que 72h. Às A carga horária de sessenta horas vezes ela chega a passar 12h sesemanais muitas vezes é extrapo- guidas trabalhando. É muita delada por conta do plantão obriga- dicação, para pouca recompensa. tório semanal, das evoluções em A bolsa fornecida pela Secretaria finais de semana e feriados e das de Saúde custa em torno de R$ 2 diversas pendências nas enferma- mil por mês, sem direito a ganhar o décimo terceiro. rias. Além da parte “Nós já passamos por prática, há também “É muito bom seis anos de faculdaa teórica. Carolina quando consigo de mais alguns anos conta que participa de clube de revista prestar um bom de pós-graduação: no grosso são em torsemanal, atividade atendimento. no de dez anos de em que os residen- Compensa formação. Levando tes e internos levam todos os em conta que muitos artigos científicos entram na faculdapara discutir sobre anos de de após alguns vesas atualizações e as investimento”, tibulares, no fim das novidades do ramo. diz Carolina contas entramos na “Também tem reuniresidência com idade ões clínicas semanais nas quais o residente prepara uma entre 25 e 30 anos, muitos já caapresentação de um caso clínico sados, com filhos, planejando uma difícil de solucionar para discussão casa própria, outros ajudando os com todos os preceptores. Como o pais com as despesas de casa. É ambiente é acadêmico, o estudo é muito complicado financeiramente se manter exclusivamente com a contínuo”, afirmou. Para complementar a renda, bolsa da residência”, disse. Carolina dá mais um plantão semaAo perguntar sobre os desa- fios, Carolina não cita as horas mal dormidas, os fins de semana sacrificados pelo trabalho, nem o investimento que só tem retorno a longo prazo. “O desafio principal certamente é a condição precária da assistência à saúde, enquanto não se investir pesadamente em atenção básica, prevenção primária e educação, as emergências serão sempre uma panaceia. Enquanto as pessoas não souberem nem ler o que está escrito na receita médica, como vão tomar as medicações e manter suas doenças compensadas, evitando idas constantes às emergências?”, questionou. Apesar do trabalho exaustivo, Carolina não desanima. A maior recompensa para ela está na gratidão do aperto de mão de um paciente. “É muito bom quando consigo prestar um bom atendimento, seja em termos de diagnóstico, tratamento ou oferecendo simplesmente qualidade de vida. Compensa todos os anos de investimento, as noites acordadas e os feriados dentro de um hospital enquanto a família está viajando. Vale a pena, sim” finalizou. O BERRO Recife, abril de 2013 | 5 PRISCILA MIRANDA A experiência adquirida numa residência médica é única e vale para a vida profissional inteira de um médico. É após a conclusão do curso de medicina, quando o estudante ganha o direito de tornar-se “médico geral”, que ele sai de baixo do jaleco dos professores e deixa os livros de anatomia na estante para, de fato, pôr em prática todos os ensinamentos teóricos obtidos ao longo de seis anos na academia. Mas encarar pela primeira vez procedimentos que serão hábitos no futuro nem sempre é tarefa fácil. As vivências são enriquecedoras – sejam elas boas ou ruins – e, no fim das contas, cabe aos próprios alunos aprender maneiras de lidar com os desafios do trabalho médico, seja apoiandose na fé em si próprio ou em alguma crença. Atualmente fazendo Foto: Priscila Miranda Primeiras experiências marcam residentes CRENÇA Acompanha os residentes nos procedimentos os primeiros meses da residência em ginecologia e obstetrícia, a estudante da Universidade de Pernambuco (UPE) Fernanda Maria Campelo, de 24 anos, conta que, desde pequena, tinha certeza que queria seguir a carreira de médica. Mas viver a realidade do curso é uma experiência mais desafiadora que o imaginado. “Na teoria tudo é muito pontuado, a sequência é bem clara. Mas, na prática, tudo é diferente”, observa. LEMBRANÇAS Nas suas memórias de estudante, Fernanda relembra a primeira experiência com um procedimento fundamental em sua futura especialidade médica: o parto normal. “Em pleno 10ª período, tive o prazer de realizar o meu primeiro parto normal. Uma cena que fez surgir em mim uma mis- tura de sentimentos. Medo, alegria, realização... tudo junto”, recorda. Durante o nascimento do bebê, a residente contou apenas com o auxílio de uma tutora dentro da sala. “Não havia outros estudantes comigo. Era eu sozinha fazendo o parto com o apoio da médica. Foi no Hospital Agamenon Magalhães”. Ao final do procedimento, a futura médica teve mais certeza de que estava indo pelo caminho certo. “O que ficou dessa experiência foi o quanto isso é importante no curso, pois é só na prática que, de fato, entendemos o que é ser médico”, enfatiza. Além do conhecimento adquirido, Fernanda conta também com o apoio espiritual. “Leio sempre a Bíblia, me ajuda muito quando estou desanimada, mas também quando consigo algo importante. Sempre que posso frequento a igreja”, diz a residente, que acompanha cultos na Igreja Episcopal Carismática de Boa Viagem. MORTE A morte é um fato comum no dia a dia dos hospitais e, por isso mesmo, precisa ser tratada com profissionalismo e atenção. O residente do primeiro ano de urologia Denis Waked, 27 anos, admite que já encarou a morte de pacientes, após a graduação e a primeira residência em clínica geral, ambas feitas na UPE. “Não é uma experiência agradável, mas nunca tive problemas, procuro levar com naturalidade e não me envolver profundamente com os pacientes”, conta. O estudante se lembra da primeira vez que teve que encarar um falecimento dentro do hospital. “Foi um paciente que estava na UTI há um certo tempo. A gente fica com a sensação de incapacidade na hora, mas depois supera”, descreve Denis. Um “vilão” chamado desconfiança ELTON PONCE Desconfiança é um sentimento que assomba qualquer tipo de relação humana. No trabalho, essa sensação pode causar muitos prejuízos e até inviabilizar o rendimento. Obviamente, não seria diferente no caso dos médicos. Particularmente dos residentes. Muitos precisam superar as situações inusitadas e de alta complexidade que surgem, sem contar com o mais grave: a descredibilidade do seu trabalho junto ao paciente, apenas por ser um médico jovem. Para quem acha que o estetoscópio e o jaleco torna-os senhores de tudo, mal sabem que a juventude é o maior vilão daqueles que escolheram a profissão. Não é difícil encontrar um médico residente pernambucano - ou um recémformado - que já tenha sofrido com esse tipo de conduta. Muitos preferem não falar. Já outros encaram a desconfiança com naturalidade, e mostram que, com o trabalho bem executado, esse tipo de conduta escorre pelo ralo. Oscar Capistrano, 28 anos, é um exemplo. Recémformado, ele é Clínico no Hospital Jesus Menino em Bezerros, Agreste do Estado. Ele foi enfático aos ser questionado sobre se já sofreu preconceito pela idade. “Você não imagina, já sofri bastante”, enfatiza. “Mas, geralmente, essa visão estigmatizada se vai conforme a consulta vai sendo realizada.” . Mesmo com a queda da discriminação ao decorrer do atendimento, Oscar acredita que muito precisa melhorar. E que o ponto chave para isso é a educação. “Muitos dos que olham para os médicos residentes ou recém-formados com desconfiança são pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar. Pessoas que não sabem o quão sérias são as nossas escolas formadores de médicos. Já escutei muitas vezes paciente dizer que ‘queria ser atendido por um doutor de cabelo branco” lamenta. Mas eu costumo dizer que preconceito nenhum resiste a um trabalho bem Pouca idade dos residentes e recémformados é vista como problema por pacientes feito” Janete Costa, 59, precisou recorrer a um médico residente no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A dor nas costas a consumia. “Cheguei lá toda desconfiada. Como é que um médico novinho daquele iria resolver o meu problema?”, confessa. Mas Janete sucumbiu à boa conduta do médico. “Mesmo com aquela cara de menino ele me atendeu superbem!”, diz. No interior, a relação de respeito do paciente com o médico é mais acentuada. A médica Marta Vasconcelos, 27 anos, formada há 3, e que trabalha em hospitais no Recife e em Vitória de Santo Antão, diz que, no interior, acontece com mais frequência esse tipo de desconfiança. “No Hospital das Clínicas nunca percebi, mas no João Murilo (em Vitória), sim. As pessoas te olham de um jeito diferente, mas depois ficam mais tranquilas com o passar do tempo” . Mesmo com a frequente queda da discriminação no decorrer do atendimento, Oscar ainda acredita que muito precisa melhorar. E que o ponto chave para isso é a educação. “Muitos dos que olham para os médicos residentes ou recémformados com desconfiança são pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar e que não sabem o quanto nos especializamos, nem tampouco o quão sérias são nossas escolas formadores” diz. É difícil imaginar que um profissional que estuda por vários anos e passa nos vestibulares mais concorridos, apesar de estar na residência - que já o habilita a realizar procedimentos - sofra com a desconfiança de pessoas que chegam aos consultórios precisando de auxílio Apesar do preconceito, os residentes e recém-formados seguem ocupando os seus postos seguros de que a desconfiança pode ser superada com um pouco mais de esclarecimento. O BERRO 6 | Recife, abril de 2013 Onde estão os futuros pediatras? porcionar uma expectativa de vida saudável para a fase adulta”, falou a profissional. O entusiasmo de Ana, todavia, não é compartilhado por outros colegas. O pediatra do IMIP, Ruben Maggi, afirma que há um crescente desinteresse dos médicos jovens em seguir essa especialidade. “Atualmente, a pediatria no Brasil apresenta uma circunstância especial. Uma das explicações é que se trata de uma especialidade pouco atrativa do ponto de vista financeiro”, ponderou. A médica pediatra Maria de Fátima Ribeiro é especialista há mais de trinta anos e não se faz de rogada quando o assunto é “desvantagens”. “Eu sou realizada como pediatra, mas é inegável que existem fatos que, às vezes, desestimulam. Receber ligações fora de hora é apenas uma das razões. O pediatra trabalha muito, recebe telefonema em casa, tem que estar à disposição da família e ganha Após seis anos em uma faculdade de medicina, é chegada a hora de escolher uma especialidade. E é na residência médica que a vida desse profissional começa a tomar um rumo que marcará toda a sua trajetória. Existem as especialidades que nunca saem de moda. Otorrinolaringologia, oftalmologia, intervenções cardíacas e medicina estética são as mais procuradas. Essa última, por exemplo, que inclui a dermatologia, é cada vez mais demandada graças ao culto à beleza. No outro extremo, está a pediatria, hoje pouco procurada como afirma os próprios candidatos às residências. Segundo eles, a especialidade médica dedicada à assistência à criança e ao adolescente é a que oferece menos vantagens financeiras. O mercado que dita as regras. Apesar do desinteresse pela pediatria, Pernambuco Foto: Eder Rommel EDER ROMMEL PEDIATRIA A saúde do adulto nasce na infância tem um centro de excelência nesta área, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, mais conhecido como IMIP. O antigo Instituto Materno Infantil de Pernambuco é uma referência na área pediátrica. Ele é a única instituição do país a oferecer curso de mestrado e doutorado em saúde materno-infantil. Lá são oferecidas vagas para outras áreas que vão muito além do campo da pediatria, mas o lidar com crianças virou a sua marca. Para a médica residente em pediatria do IMIP, Ana Cristina Germano, a escolha da especialidade e, sobretudo, da instituição, não ocorreu por acaso. “A saúde do adulto começa na infância; e isso eu aprendi na faculdade. Assim como na educação familiar e escolar, os cuidados e acompanhamento constantes na vida de uma criança irão pro- pouco”, disparou a médica. O médico e orientador do Programa de Mestrado em Saúde Materno Infantil do IMIP, Edvaldo da Silva Souza, falou que o aluno busca algo mais complexo. “Ele quer trabalhar com procedimentos, porque isso leva a uma melhor remuneração”, justificou. Atualmente, menos de 10% dos médicos escolhem a pediatria como especialidade. Entretanto, os hospitais e maternidades estão com uma demanda muito alta por esses profissionais. O papel da pediatria é fundamental quando o assunto é saúde de uma nação. “Após o nascimento, e até o final da adolescência, numa fase fundamental de formação, crescimento e desenvolvimento, não só do corpo como também dos valores, é o pediatra, juntamente com a família e os professores, que passa a ter ativa participação no cuidado com a criança”, concluiu Souza. IT THALLYNE MARQUES Desde fevereiro do ano passado, o programa de residência médica do Hospital-Escola de Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no bairro de Dois Irmãos, Zona Norte do Recife, foi desativado. O Ministério da Educação (MEC), para autorizar o retorno do programa, exige o modelo de residência vigente nos hospitais com plantão 24 horas, mas a clínica da UFRPE só funciona de segunda a sexta, das 7h às 18h e não faz internamento. Para que os residentes voltem ao local, o MEC também exige melhorias na parte física e locação de pessoas. Apesar da extinção do programa de residência e da deficiência no quadro de funcionários e estrutura, o Hospital-Escola da UFRPE permanece funcionando e conta com seis médicos veterinários e 13 estagiários do curso. “É muito importante para os alunos terem essa vivência prática, se preparando para o mercado. Embora nós tenhamos deficiências, aqui eles são preparados para o dia a dia na profissão e até os médicos que não são professores da Universidade têm o hábito de orientar os estudantes”, afirmou Acácio Teófilo, 49, Técnico Administrativo do Hospital Veterinário da UFRPE. Além da experiência, alguns desses alunos também recebem uma bolsa. Os “pacientes” são animais domésticos, como cães e gatos, e de produção, como bois e cavalos. No hospital, são feitos atendimentos clínicos, cirúrgicos, exames laboratoriais, e a vantagem é que a consulta é gratuita. Atrativo que faz com que o prédio esteja sempre cheio, atendendo, em média, a trinta animais por dia. A estudante de Medicina Veterinária da UFRPE, Nayara Bezerra, 23, trabalha no ambulatório da clínica desde janeiro deste ano e já faz curativos, dá anestesias, etc. Ela contou que, apesar da estrutura física do hospital ser precária, o lugar é uma escola para a carreira e a vida. “Estagiando nós conhecemos gente de outros períodos e trocamos vivências. Sem contar que há coisas que a gente nem viu na faculdade e aprende na prática”, afirma a jovem. Se Nayara ainda é uma recém-chegada ao Hospital, o estudante do 11° período de Veterinária, Sebastião Barbosa, 26, estagiou lá por dois anos e hoje está fazendo o Estagio Supervisionado Obrigatório (ESO) no Assentamento Chico Mendes, em São Lourenço da Mata. O jovem quer trabalhar na aca- Foto: Itthallyne Marques Residência veterinária está desativada ALUNA Nayara estagia na parte ambulatorial da clínica demia ou seguir a extensão rural. Confessou não ter perfil para a clínica, mas considerou esses dois anos muito válidos para sua for- mação. “Essa experiência é essencial, porque nos mostra a realidade do serviço público, suas qualidades e seus defeitos”, disse. O BERRO Recife, abril de 2013 | 7 saram na hora de correr atrás de um emprego, mesmo sem a residência. “Eu tinha acabado a faculdade e sentia que precisava me testar como médico. Além disso, queria ajudar a família no pagamento das contas”, ressalta. O jovem médico exercia a profissão em dois hospitais não muito conhecidos, distantes da região metropolitana - os quais o rapaz não quis identificar. Em paralelo com as horas que dedicava aos seus pacientes, o jovem médico estudava para conseguir uma vaga na residência médica legal. Atualmente, José conseguiu espaço em um centro reconhecido na medicina no Estado. “Hoje tenho uma estabilidade financeira bem interessante. Tenho a certeza de que toda aquela correria no início da carreira me ajudou. Não posso dizer jamais que me arrependi. Foi um passo para frente”, finaliza o médico. A reportagem do Berro foi atrás do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE) para receber uma resposta oficial sobre o assunto. O retorno veio em nota oficial: “O exercício ilegal TIAGO FREITAS A Constituição Brasileira não deixa margem para interpretações. Médico que não passou pela residência não está apto a exercer a função de forma plena - ele só pode atuar como clínico geral. Contudo, as leis não são respeitadas. Durante a produção desta matéria, a reportagem do Berro identificou e tentou o contato com diversas pessoas que já praticaram a medicina como especialistas na área sem ter passado por um período como residente, que integraram o universo clandestino dos hospitais em Pernambuco. Apesar desta prática ilegal ser um fato incontestável, poucos se dispõem a falar sobre o assunto. De todos os rapazes que foram procurados para comentar o assunto, apenas um resolveu abrir o jogo. Para termos de identificação, este médico, que não quis revelar o nome, será chamado de José. Ele não se utiliza mais da residência ilegal, porém admitiu que esteve por dentro deste mundo durante os anos de 2006 e 2007. José explica que a experiência profissional e o fator financeiro pe- Foto: Gustavo Cunha Ilegalidade compromete formação CREMEPE Entidade trata clandestinidade como segredo de estado é exercido quando não existe inscrição no Conselho Regional de Medicina. O médico residente é médico inscrito no Conselho e pode atuar com legalidade. O Cremepe instaura sindicância em relação aos fatos, encaminhando às instâncias jurídicas legais e competentes, assim como faz denúncia junto ao Tribunal de Contas do Estado”. De fato, o Cremepe não se mostrou muito disposto a entrar em detalhes sobre os casos de residência ilegal. Uma reação esperada, segundo pessoas ligadas à entidade. Informações de bastidores dão conta de que o problema é levado muito a sério no Conselho Regional e que os processos são encarados como segredo de estado. Entidades fiscalizam normas MALU SILVEIRA Como em qualquer profissão, a união de uma classe trabalhadora faz a força, e com os médicos residentes não é diferente. Os jovens que escolhem especializar-se têm o amparo da Comissão de Residência Médica (Coreme), da Comissão Estadual de Residência Médica (Cerem) que irão fazer cumprir as normas da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), válidas para o Brasil todo. Se um residente tem um problema disciplinar, o caso é enviado à Coreme. Se há algum problema estrutural, como a falta de dormitórios, e a entidade não consegue resolver, a demanda será encaminhada para a Cerem. Se a situação não for resolvida, ou for muito grave, será encaminhado para a CNRM. Os residentes pernambucanos também contam com a Associação dos Médicos Residentes de Pernambuco (APMR), do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) e do Conselho Regional de Medicina (Cremepe). A Associação é formada apenas Foto: Divulgação JOELLI AZEVEDO LUTA Residentes reinvidicam melhorias nas condições de trabalho por residentes, enquanto o Simepe por profissionais já formados que lutam pelos direitos da classe. Quando não há solução, entra o Conselho de Medicina de Pernambuco (Cremepe), que atua na garantia do exercício ético da medicina, com assessoria jurídica. O conselho também pode fiscalizar unidades de saúde e tem o poder de realizar interdições éticas nas unidades. O presidente da APRMR, Carlos Tadeu, lamenta os problemas, mas comemora também algumas vitórias dos residentes. “Depois de uma greve em 2010, conseguimos ratificar muitas coisas que a gente reivindicava, como o ajuste de bolsa da residência médica e a legalização da questão da licença maternidade”. O grupo também levantou uma bandeira importante no final de 2012: os problemas enfrentados pelo Hospital Oswaldo Cruz. A principal dificuldade, porém, está na incompatibilidade de horários dos associados. “O residente tem mais dificuldade de ir à associação, então temos problema em dar continuidade a uma pauta; nosso trabalho termina sendo muito pontual”. O residente de pediatria, Ricardo Gurgel, atua no Hospital das Clíni- cas da Universidade Federal de Pernambuco (HC) e denuncia a falta de profissionais na unidade, apesar de alas suficientes (maternidade, pediatria e sala de parto). Segundo o residente, quando o médico neonatologista vai para a sala de parto ou assume algum caso específico, a ala da pediatria fica desassistida, apenas o residente assume os pacientes. “O problema é que é muito importante para o residente ter um pediatra para discutir os casos e assumir um paciente mais complicado”, ressaltou. Gurgel também pontuou que os médicos da especialidade já se reuniram com a direção do hospital. “Já fizemos um ofício e falamos com o supervisor da Coreme, cobrando a contratação de um médico plantonista, mas não tivemos resposta”. Sem a resposta, o residente resolveu ir até a sede do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), em busca de soluções para o caso. Com a pressão das entidades, o governo do Estado abriu concurso para contratação de 248 médicos em 2013 que podem ser chamados em até dois anos: destas oportunidades 26 vagas são para pediatras. O BERRO 8 | Recife, abril de 2013 KELLY C. SOARES ALEXANDRE CAVALCANTI Inicialmente limitada à área médica, o desenvolvimento da sociedade provocou a ampliação da residência para outras áreas de saúde, como psicologia, nutrição, fonoaudiologia, educação física, medicina veterinária, com a criação, em 2005, da residência multiprofissional. O processo de ingresso é semelhante ao da residência médica. Para fazer parte do programa de capacitação profissional promovido pelo Governo de Pernambuco, o profissional tem que aguardar o lançamento do edital, que normalmente acontece no mês de novembro, fazer a prova em janeiro, a matrícula em fevereiro, se aprovado, e, enfim, iniciar as atividades em março, acompanhado de um preceptor – professor que acompanha o aluno no dia a dia de aulas práticas. Para este ano foram aprovados 222 multiprofissionais, que precisam cumprir uma carga horária de 60 horas mensais, por um período de dois a três anos – a depender da área de atuação -, em diversas instituições de saúde. A residência não se restringe aos hospitais. Além das turmas serem multiprofissionais, é possível se deparar com o que chamam de grupo da saúde coletiva. Dos 27 aprovados, 12 vão estudar na Faculdade de Ciências Médicas na Universidade de Pernambuco (FCM/ UPE), enquanto que 15, vão para o Núcleo de Saúde Coletiva, do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, a Fundação Oswaldo Cruz (NESC/ CpqAM/FIOCRUZ). Nas duas instituições, os estudantes vão trabalhar com o estudo das doenças no campo da estatística - origem, causas, dados demográficos, história -, como também com o Sistema Único de Saúde (SUS), visando à criação, às reformas necessárias, o planejamento de gestão e à implementação de políticas assistenciais. “É muito difícil alguém se interessar pela saúde coletiva. Na graduação, quase não se fala disso”, diz Juliana Gon- Foto: Divulgação Multiprofissional ganha espaço JUNIOR AGUIAR RESIDENTE Juliana Gondim (E) com a preceptora Ana Paula (D) dim, 34 anos, fisioterapeuta. A escolha por uma especialização tão pouco difundida foi fruto do seu interesse natural de conhecer como funciona a saúde pública, na prevenção e combate das doenças comuns na sociedade. Juliana começou a residência em 2011, com aulas teóricas, no NESC/CpqAM/ FIOCRUZ, em uma turma multiprofissional. No meio do ano passou para as aulas práticas no Distrito Sanitário V, ligado à Prefeitura do Recife. Em 2012, foi transferida para a Secretaria de Saúde do Estado, primeiro na Diretoria de Planejamento e, atualmen- te, na de Educação em Saúde, onde recebe orientações da preceptora Ana Paula. “Estudamos a informação sanitária e todas as áreas de vigilância, de educação em saúde, a regulação e o trâmite interno do sistema único de saúde”, relata. Caminhando para conclusão da residência, a estudante conta que pretende seguir carreira na saúde coletiva. “Muita gente fica dividido entre a profissão original ou ser sanitarista. Eu me encontrei com a saúde coletiva e não vou voltar a clinicar, desencanteime com a fisioterapia.” THIAGO JEFFERSON O Hospital das Clínicas (HC) em parceria com a UFPE oferece o Programa de Residência em Enfermagem (Prenf). O Programa existe desde 1993, conta com uma carga horária de 5.760 h sendo 4.600 h de prática. São oferecidas dez vagas por ano, duas para cada especialidade, enfermagem cirúrgica, nefrologia, saúde da mulher, saúde da criança e UTI. As vagas mais concorridas são para nefrologia e saúde da mulher. A residência tem duração de dois anos com 60 h/semanais. Para ingressar no programa é necessário ser graduado em enfermagem e prestar concurso que é realizado uma vez ao ano e aberto para o todo Brasil. Durante a residência 80% é de prática onde os enfermeiros desenvolvem atividades ligadas direta e indiretamente ao atendimento dos pacientes e 20% de teoria. Mesmo depois de graduados eles tem outras sete disciplinas que são obrigatórias. Participam de simpósios, seminários, análises de pacientes externos, entre outras atividades. Enquanto os enfermeiros estiverem participando do programa eles não podem exercer nenhum outro tipo de atividade. Atualmente em Recife existem quinze programas de residência em enfermagem, sendo o HC o mais concorrido. Para muitos residentes o começo é muito difícil, Foto: Raitza Vieira Experiência é positiva para enfermeiros NATÁSSIA ALMEIDA Vivência em saúde pública DEDICAÇÃO Patrícia coordena residência em Enfermagem pois tem que abdicar da vida pessoal e se entregar totalmente ao trabalho. De acordo com Patrícia Madruga, coordenadora da residência de enfermagem do HC “O aluno que pensa em fazer residência precisa estar muito focado, procurar saber como as residências funcionam, como essa carga horária é dis- tribuída porque são dois anos de abnegação, você deixa de estar com sua família porque trabalha final de semana e feriado”. A residência não é obrigatória para quem faz graduação em enfermagem, “mas é valiosa para a vida profissional”, como atesta Melissa Castro, enfermeira residentes do HC. Antes de se formar e concorrer a vagas para a residência multiprofissional, os estudante que desejam ser um bom profissional na área de saúde pública podem participar do programa Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS). Criado em 2002, a iniciativa é uma proposta do Governo Federal junto às Secretariais Municipais de Saúde tendo como objetivo oferecer estágios de quinze a vinte dias para que os estudantes experimentem o cotidiano de trabalho das organizações de redes e sistemas de saúde, ficando por dentro do funcionamento das unidades públicas além dos subsídios de reforço na formação de trabalhadores comprometidos. O VER-SUS acontece anualmente em todo o Brasil. Aqui no Estado, a escolha dos estudantes para a vivência é feita por meio de uma seleção realizada no mês de julho na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).Para o professor de enfermagem Itamar Lajes da Universidade de Pernambuco, o programa é um momento em que se propicia sensibilização dos futuros profissionais para que eles se aproximem e se interessem cada vez mais pela assistência pública. “É um processo de imersão de pessoas com interesse no serviço de saúde municipal. O VER-SUS não é muito conhecido, mas traz uma importância muito grande para o futuro da saúde pública porque motivamos os discentes para atuar no cargo público”, disse Lajes, um dos avaliadores da seleção aqui em Recife. O universitário Pedro Domingos, 21 anos, do curso de Farmácia pela UFPE, explica que sua participação no estágio em 2012 foi de grande importância na formação. “A oportunidade para mim foi ótima já que estou prestes a me formar e pretendo fazer concursos públicos na área”, comentou.