Maciço Calcário Estremenho

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Maciço Calcário Estremenho
Maciço Calcário Estremenho
Caracterização da Situação de Referência
- Relatório Interno -
Jorge M. F. Carvalho, Carla Midões, Susana Machado, José Sampaio, Augusto Costa e Vítor
Lisboa
21-11-2011
MCE – PNSAC
CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE REFERÊNCIA
Índice
EQUIPA TÉCNICA DO LNEG ........................................................................................................ 3
1.
CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE REFERÊNCIA .............................................................. 4
1.1.
ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO E GEOMORFOLÓGICO ................................................. 6
1.1.1.
O MACIÇO CALCÁRIO ESTREMENHO .......................................................................... 7
1.1.1.1.
Geomorfologia....................................................................................................... 7
1.1.1.2.
Geologia ................................................................................................................ 9
1.1.1.3.
Tectónica ............................................................................................................. 14
1.1.1.4.
Sismicidade.......................................................................................................... 16
1.2.
RECURSOS GEOLÓGICOS DO MACIÇO CALCÁRIO ESTREMENHO................................... 18
1.2.1.
RECURSOS MINERAIS E INDÚSTRIA EXTRATIVA ........................................................ 19
1.2.1.1.
Os Recursos nas Áreas de Intervenção Específica do PNSAC ................................. 23
1.2.1.2.
Avaliação de potencialidades em zonas não intervencionadas ............................. 24
1.2.2.
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS...................................................................... 25
1.2.2.1.
Enquadramento hidrogeológico regional ............................................................. 25
1.2.2.2.
Qualidade das águas subterrâneas ....................................................................... 30
1.2.2.3.
Trabalhos a desenvolver ...................................................................................... 32
1.2.3.
1.2.3.1.
RECURSOS PATRIMONIAIS ....................................................................................... 34
Trabalhos a desenvolver ...................................................................................... 38
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 40
2
EQUIPA TÉCNICA DO LNEG
Augusto Costa
Carla Midões
Jorge Carvalho
José Sampaio
Susana Machado
Vítor Lisboa
Geólogo; Especialidade Hidrogeologia
Geóloga; Especialidade Hidrogeologia
Geólogo; Especialidade Geologia, Tectónica e
Recursos Minerais
Eng. Geólogo; Especialidade Hidrogeologia
Geóloga; Património Geológico
Geólogo; Especialidade Geologia e Recursos
Minerais
3
1. CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE REFERÊNCIA
O Maciço Calcário Estremenho (MCE), cujo limite aproximado está representado na Figura 1,
localiza-se na região central de Portugal, enquadrado pelas cidades de Leiria, Alcobaça, Rio
Maior, Torres Novas e Ourém. Corresponde a uma unidade morfoestrutural do território
português que se individualiza das regiões circundantes pelas suas peculiaridades geológicas e
geomorfológicas.
Figura 1- Enquadramento no território nacional do PNSAC e do MCE (tracejado a preto).
Grande parte da área deste maciço está sujeita a um regime de proteção da natureza por
intermédio do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC). Este ocupa uma área
aproximada de 384 km2, e foi implementado em 1979 através do Decreto Lei nº 118 de 4 de
maio. O seu Plano de Ordenamento foi recentemente revisto por intermédio da Resolução do
Conselho de Ministros nº 57/2010 de 12 de agosto, e nele está preconizado que os principais
núcleos de exploração de recursos minerais na área do PNSAC deverão ser alvo de
intervenções específicas por intermédio de PMOTs – Planos Municipais de Ordenamento do
Território. O POPNSAC (Plano de Ordenamento do PNSAC) também preconiza que esses planos
municipais deverão estar vocacionados para a compatibilização entre a exploração racional
dos recursos e a conservação do património natural, bem como com a recuperação das áreas
degradadas.
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As Áreas de Intervenção Específica (AIE) definidas no POPNSAC para a exploração de recursos
minerais são (Figura 2):
-
Codaçal;
Portela das Salgueiras;
Cabeça Veada;
Pé da Pedreira;
Moleanos;
Alqueidão da Serra.
Figura 2- Áreas de intervenção Específica do POPNSAC.
Excetuando a AIE de Alqueidão da Serra na qual decorre a exploração de calcários para
calçada, todas as restantes referem-se à exploração de blocos de calcário para fins
ornamentais (produção de "chapa"). Contudo, na de Pé da Pedreira tanto ocorre produção de
blocos como de calçada.
O presente projeto incide, unicamente, sobre os recursos em blocos de calcários ornamentais,
através da caracterização e valorização geológica e ambiental das áreas em que ocorrem. No
que respeita aos aspetos geológicos, pretende-se uma atuação em duas perspetivas
complementares. Uma direcionada para o estudo e valorização das AIEs, tendo em vista a
elaboração dos respetivos PMOTS e proposta de gestão de resíduos. Outra, mais prospetiva,
direcionada para a seleção de áreas-alvo com aptidão ornamental.
5
A síntese do estado atual de conhecimentos que aqui se apresenta a respeito do MCE visa
enquadrar essas duas perspetivas de abordagem, mas visa enquadrar também o
conhecimento existente acerca de um dos principais fatores ambientais em causa no MCE: as
águas subterrâneas. Paralelamente, numa visão de complementaridade entre a conservação
dos valores naturais e a exploração dos recursos, pretende-se também a valorização
económica e cultural destas duas vertentes, ou seja, das rochas ornamentais provenientes da
área do PNSAC e do património natural aí existente, especificamente o de índole geológica,
sendo essa a razão inerente à abordagem realizada acerca dos conhecimentos atuais
respeitantes ao património natural de cariz geológico, tomado no seu sentido lato.
1.1. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO E GEOMORFOLÓGICO
O MCE é parte integrante da Bacia Lusitaniana, particularmente, da sub-bacia de Bombarral Alcobaça (Figura 3).
Figura 3-Enquadramento do MCE no Setor Central da Bacia Lusitaniana. Subdivisões da BL de acordo com Kullberg
et al., 2006; geologia adaptada da Carta Geológica de Portugal à escala 1/1000000 (ed. LNEG, 2011).
A Bacia Lusitaniana (BL) é uma bacia intracratónica situada no bordo Oeste da microplaca
Ibérica. Tem a sua origem associada aos episódios distensivos que levaram à abertura do
Oceano Atlântico durante o Mesozoico. Tectonicamente corresponde a um graben alongado
6
segundo NNE-SSW no qual se depositaram sedimentos mesozoicos cuja espessura total ronda
os 4 a 5 km (Ribeiro et al., 1979; Wilson, 1988). Esta depressão tectónica está limitada por
acidentes longitudinais herdados da orogenia varisca: a ocidente, a falha do bordo Este do
horst das Berlengas; a oriente, um sistema complexo de falhas escalonadas das quais se
destacam a Falha de Porto – Tomar, Falha do Arrife e Falha de Setúbal – Pinhal Novo (Ribeiro
et al., 1979; Montenat et al., 1988; Pinheiro et al., 1996; Kullberg, 2000). Diversos outros
acidentes também herdados da orogenia varisca e orientados do mesmo modo, mas também
segundo NE-SW e mesmo segundo W-E, compartimentam fortemente a bacia com reflexos na
sua evolução ao nível da distribuição e espessura das fácies sedimentares (Kullberg et al.,
2006).
A estratigrafia geral da BL está bem estabelecida, tendo sido particularmente descrita por
Ribeiro et al., 1979; Montenat et al., 1988; Wilson, 1988; Cunha & Pena dos Reis, 1992; Soares
& Duarte 1995; Pinheiro et al., 1996; Rocha et al., 1996; Kullberg et al., 2006. A maioria destes
autores considera a existência de grandes sequências sedimentares limitadas por
descontinuidades (unconformity bounded sequences) que refletem as sucessivas etapas
evolutivas da bacia. Estas sequências sedimentares podem considerar-se subdivididas em dois
grandes grupos: as que refletem o período distensivo (Triássico Superior - final do Cretácico) e
que são maioritariamente constituídas por rochas carbonatadas (Jurássico) e siliciclásticas
(Cretácico), e as que refletem o período compressivo, constituídas, essencialmente, por rochas
siliciclásticas. Este período compressivo decorre desde o final do Cretácico até à atualidade,
por colisão da microplaca ibérica com as placas africana e euroasiática. Conduziu à inversão da
BL, justificando a atual exposição subaérea do pacote de rochas carbonatadas do Jurássico.
1.1.1.
O MACIÇO CALCÁRIO ESTREMENHO
1.1.1.1.
Geomorfologia
O MCE foi definido enquanto unidade geomorfológica elevada acima da Bacia do Tejo, da
Plataforma Litoral e da Bacia de Ourém, por A. Fernando Martins na sua tese de
Doutoramento (Martins, 1949). Esta constitui, ainda, um trabalho de referência atual sobre a
geomorfologia deste maciço.
O MCE corresponde a uma unidade morfoestrutural que se individualiza pelas suas
peculiaridades de âmbito litoestratigráfico e tectónico. Peculiaridade litoestratigráfica porque
nele se regista a maior extensão de afloramentos em rochas calcárias do Jurássico Médio no
território nacional. Tal é resultado de se encontrar sobrelevado relativamente às regiões
limítrofes, donde a singularidade tectónica.
Em termos mais específicos, a morfologia do MCE está condicionada pela natureza calcária das
rochas que o compõem, que acentuam a imponência das escarpas e condicionam o
desenvolvimento de uma morfologia cársica bem característica. No entanto, a arquitetura do
7
maciço é resultado, fundamentalmente, dos movimentos tectónicos, nomeadamente, das
falhas que o afetam (Rodrigues, 1998).
Figura 4- Carta hipsométrica do MCE. 1 - Serra dos Candeeiros; 2 - Planalto de Sto. António; 3 - Planalto de S.
Mamede; 4 - Serra de Aire; 5 – Depressão da Mendiga; 6 - Depressão de Alvados; 7 - Depressão de Minde; 8 Alinhamento diapírico Rio Maior – Batalha; 9 - Sulco tectónico Rio Maior-Porto de Mós; 10 - Sulco tectónico
Rio Maior-Moitas Vendas (adaptado de Martins, 1949)
O maciço encontra-se dividido em três regiões elevadas (Martins, 1949): a Serra dos
Candeeiros, o Planalto de Santo António e o Planalto de São Mamede e Serra de Aire. A
separá-las encontram-se os dois grandes sulcos tectónicos de Rio Maior-Porto de Mós e de
Porto de Mós-Moitas Vendas, ao longo dos quais se formaram as depressões de Mendiga, no
primeiro, e de Alvados e de Minde, no segundo. Distingue-se ainda um alinhamento diapírico
alongado entre Rio Maior e Batalha.
Dada a natureza carbonatada do maciço, a rede de drenagem superficial é praticamente
inexistente, sendo quase exclusivamente subterrânea. A morfologia cársica caracteriza de
modo marcante este maciço. A espessa sequência de calcários com elevado grau de pureza do
Jurássico Médio permitiu o desenvolvimento de diversos fenómenos de carsificação dando
origem a uma pluralidade de estruturas que não têm paralelo no país. As formas de exocarso
mais frequentes e notórias no MCE são as depressões fechadas de tipo dolina ou uvala, os
poljes (dos quais o polje de Minde apresenta um conjunto de características endocársicas e
exocársicas de tal modo completo que se pode considerar um exemplo de manual da definição
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de “polje”), os vales secos e os extensos campos de lapiás (Santos, 2007). Existem, ainda,
formas que testemunham paleorelevos resultantes de períodos de erosão normal no MCE,
como sejam os Vales Suspensos da Serra dos Candeeiros (Martins, 1949).
As principais lacunas de conhecimento acerca da geomorfologia do MCE prendem-se com os
seus aspetos evolutivos, em particular no que respeita ao significado dos vários tipos de
depósitos siliciclásticos que preenchem as formas cársicas, atapetam o fundo da maioria das
dolinas a diferentes cotas e cobrem áreas deprimidas relativamente extensas, também a
diferentes cotas. Outras lacunas importantes respeitam à ausência de uma carta
geomorfológica atualizada e ao conhecimento da rede de drenagem subterrânea.
1.1.1.2.
Geologia
Como anteriormente referido, no MCE distinguem-se três unidades morfoestruturais elevadas
separadas por depressões a que estão associadas importantes acidentes tectónicos:
-
-
A Depressão da Mendiga (associada às falhas da Mendiga e de Rio Maior – Porto de Mós) e
sua continuação para Norte, pela Depressão de Alqueidão (associada à Falha de Reguengo
do Fetal), separam a Serra dos Candeeiros do Planalto de Santo António e do Planalto de
São Mamede, respetivamente;
As Depressão de Alvados e de Minde, associadas ao sistema de Falhas de Alvados – Minde,
separam o Planalto de Santo António do Planalto de São Mamede e da Serra de Aire.
Conforme se pode constatar no Mapa Geológico Simplificado do MCE que se apresenta na
as rochas aflorantes neste Maciço datam do Hetangiano ao Pliocénico mas,
maioritariamente, são do Jurássico Médio e Superior. É notório que o Jurássico Médio ocorre
nas zonas sobre-elevadas, ao passo que o Jurássico Superior ocupa, sobretudo, as regiões
deprimidas atrás mencionadas. O Hetangiano, a que correspondem depósitos de natureza
evaporítica, aflora ao longo duma estreita faixa entre Rio Maior e Porto de Mós que
corresponde a uma "parede de sal" (Kullberg, 2000), ou seja, acidente tectónico ao longo do
qual se deu a ascensão dos depósitos evaporíticos. Junto às cidades mencionadas verifica-se o
alargamento dessa estrutura.
Figura 5,
Quanto à litoestratigrafia, apresenta-se na Figura 6 a coluna respeitante ao MCE. Foi elaborada
tendo em conta a nomenclatura formal mais recente apresentada em Carvalho, 2011. Para os
casos em que a nomenclatura das unidades ainda não foi formalizada ou existem dúvidas
quanto à sua integração nas unidades formais já definidas, apresentam-se as designações
constantes das cartas geológicas à escala 1/50000 que abrangem o MCE. Na coluna não se
respeitou proporcionalidade no respeitante à geocronologia e deu-se particular destaque às
unidades do Jurássico Médio. A sucinta descrição que se segue das unidades litoestratigráfica
do MCE tem como base as Notícias Explicativas das Folhas 27-A e 27-C da Carta Geológica de
Portugal à escala 1/50000, editadas pelo Instituto Geológico e Mineiro (Manuppella et al.,
2000; Manupella et al., 2006), bem como os trabalhos de Azerêdo et al., 2002; Azerêdo et al.,
2003; Azêredo, 2007; Carvalho, 2011.
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Figura 5- Mapa geológico do MCE (in Carvalho, 2011).
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Figura 6- Coluna litoestratigráfica do MCE (in Carvalho, 2011).
O Sistema Jurássico inicia-se pela formação de Dagorda que, na realidade, é uma unidade
diacrónica cuja deposição se iniciou no Triássico. É constituída por rochas margosas e
evaporíticas. Sobre estas ocorre a Formação Coimbra, também diacrónica mas essencialmente
do Sinemuriano. É constituída por rochas dolomíticas mas, no MCE, aflora apenas a Sul de
Porto de Mós, numa estreita faixa sem representatividade à escala do mapa que se apresenta.
O Jurássico Inferior termina com a Formação de Fórnea (Pliensbaquiano a Toarciano),
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constituída, essencialmente, por sequências rítmicas de margas e calcários margosos em
bancos de espessura centimétrica. Localmente ocorrem sequências em que os brancos
apresentam espessuras de ordem decimétrica. O conjunto total apresenta uma possança de
220-250 m. A área de afloramento desta formação é também relativamente reduzida,
unicamente numa faixa orientada segundo a direção NW-SE, a Sul de Porto de Mós.
O Jurássico Médio inicia-se pela Formação de Barranco do Zambujal (Aaleniano – Bajociano
inf.) que é constituída por margas e calcários mais ou menos margosos que, à semelhança da
Formação anterior, também se apresentam em bancadas de espessura reduzida. Aflora em
grande extensão no Planalto de Sto. António, apresentando uma espessura máxima a rondar
os 220-250 m, tal como a Formação anteriormente descrita. Passa gradualmente à Formação
que se lhe sobrepõe, ou seja a de Chão de Pias (Bajociano sup.). Esta é constituída por um
membro dolomítico (Dolomitos do Furadouro) e por outro essencialmente calcário tipificado
pela ocorrência de nódulos siliciosos (Calcários de Vale da Serra). As bancadas do membro
dolomítico atingem, por vezes, espessuras consideráveis, até 1,5 m e afloram em 3 manchas
principais: na região Nordeste da Serra de Aire, na região central do Planalto de S. Mamede e
numa faixa estreita na região Sul da Serra dos Candeeiros. A espessura deste Membro é
variável, mas terá o seu valor máximo no extremo nordeste da Serra de Aire onde alcança os
80 m. Já os Calcários de Vale da Serra apresentam-se em bancadas de espessura reduzida,
centimétrica a decimétrica, por vezes de caráter laminítico, e afloram numa grande mancha na
região central e Sudoeste da Serra de Aire, no Planalto de Sto. António e também na região Sul
da Serra dos Candeeiros. A espessura máxima deste Membro ronda os 50-60 m.
Sobre as litologias anteriores sucedem-se duas formações coevas do Batoniano e que se
interdigitam, nomeadamente a Formação de Serra de Aire e a Formação de Sto. António –
Candeeiros. A primeira, com uma espessura na ordem dos 350-400 m, é constituída por uma
grande diversidade de calcários micríticos mudstone a wackstone, mais ou menos
biocalciclásticos e pelóidicos e com maior ou menor abundância de finas vesículas de calcite.
Apresentam elevado grau de pureza, donde os tons bastante claros que ostentam. A espessura
das bancadas ronda os 0,5 m, embora localmente surjam sequências de níveis bem menos
espessos, entre 0,05 m a 0,2 m. Também localmente surgem bancadas com espessuras que
podem alcançar 1,5 m. Os afloramentos desta Formação ocupam grande extensão em grande
parte das zonas mais soerguidas do MCE.
No que respeita à Formação de Sto. António – Candeeiros, a sua idade prolonga-se até ao
Caloviano e é constituída pelos membros de Codaçal, de Pé da Pedreira e de Moleanos. Os
dois primeiros estão datados do Batoniano, ao passo que o membro de Moleanos representa a
quase totalidade do Caloviano. Não se conhece a totalidade deste andar, pois a sua parte
superior está truncada pelas rochas sobrejacentes do Oxfordiano médio. Essa truncatura chega
mesmo a atingir os os calcários representativos do Batoniano.
Os membros referidos são, genericamente, constituídos por calcários esparríticos packstone a
grainstone, biocalciclásticos, mais ou menos oolíticos e pelóidicos. Apresentam, de modo mais
ou menos marcado por diferenças de granularidade e de cor, feixes de laminações
sedimentares paralelas e oblíquas. A cor geral é creme, com tendência para tons bastante
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claros, demonstrativos do elevado grau de pureza que os caracteriza em termos de
percentagem de óxido de cálcio (Manuppella et al., 1985). As bancadas são muito espessas,
alcançando, por vezes, valores superiores a 20 m. Quanto à espessura destes membros, ela é
muito variável. O Membro de Codaçal apresenta, em média, uma espessura de 50-60 m.
Contudo, alcança valores de 150 m. O Membro de Pé da Pedreira apresenta morfologia
lenticular com uma espessura máxima de 60 m (Carvalho, 1997). O de Moleanos apresenta
uma espessura máxima de 150 m.
Quanto à distribuição dos afloramentos dos membros da Formação em causa, o Membro de
Codaçal aflora, quase exclusivamente, numa grande extensão do Planalto de Sto. António.
Afloramentos de reduzidas dimensões, como os que ocorrem na região de Abrã, não têm
representatividade no mapa da
Figura 5. O Membro de Pé da Pedreira aflora em vários locais: na zona central da Serra dos
Candeeiros, numa pequena mancha junto à povoação Portela das Salgueiras, na Depressão da
Mendiga, numa estreita faixa soerguida e alongada N-S, numa mancha com alguma expressão
cartográfica imediatamente a Norte da povoação que lhe deu o nome, numa faixa extensa e
larga no Planalto de São Mamede, paralelamente à Falha de Reguengo do Fetal, e noutra
mancha com dimensões apreciáveis junto à povoação de Casal Farto, ainda neste Planalto,
para Sul de Fátima. No que respeita ao Membro de Moleanos, ele ocorre em duas extensas
manchas de afloramentos no sopé e vertente ocidental da Serra dos Candeeiros. Ocorre,
ainda, no Planalto de São Mamede, numa faixa arqueada que se desenvolve para Sul e sudeste
de Fátima, estabelecendo o contacto com as rochas do Jurássico Superior.
O Jurássico Superior inicia-se pela formação de Cabaços (Oxfordiano médio) que apresenta
uma espessura máxima de 80 m. É constituída, na base, por calcários conglomeráticos e
margas amareladas com concreções ferruginosas, a que se seguem calcários micríticos, mais
ou menos argilosos e mais ou menos biocalciclásticos e pelóidicos. As bancadas apresentam
espessuras centimétricas a decimétricas, raramente ultrapassando 0,5 m. Por vezes ocorrem
sequências mais ou menos espessas em que as bancadas denotam um caráter laminítico.
Quanto à cor, estas rochas apresentam-se amareladas-ferruginosas e cinzentas.
Esta formação aflora, sobretudo, na região central da Serra dos Candeeiros e no seu sopé
ocidental. Contudo, aflora também, de modo indiferenciado da formação de Montejunto que
se lhe sobrepõe, nas depressões de Alqueidão e Mendiga e, ainda, na região de Fátima.
A formação de Montejunto (Oxfordiano médio-superior), por sua vez, ocupa largas extensões
de afloramento no MCE, nomeadamente nas zonas antes referidas e a Oeste da Serra dos
Candeeiros, já na chamada Depressão de Alcobaça. É constituída por calcários micríticos de
cores cinzentas, mais ou menos oolíticos, pelóidicos e bioclásticos. Para o topo desta unidade
surgem calcários argilosos. As bancadas apresentam espessuras muito variáveis, desde alguns
centímetros até 2 m. Predominam, no entanto, os termos decimétricos. A possança total da
unidade é muito variável; desde 320 m, na Depressão de Alcobaça, a 600 m e 700 m nas
depressões de Alqueidão e Reguengo do Fetal, respetivamente, onde a sua deposição foi
controlada por subsidência tectónica.
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Segue-se a formação de Alcobaça (Kimeridgiano) que aflora nas depressões de Alqueidão e de
Alcobaça e a Sul da Depressão da Mendiga. É constituída por alternância de calcários argilosos
e margas de tons cinzentos. Localmente surgem níveis de argilitos, arenitos micáceos e, ainda,
níveis lenhitosos. As bancadas apresentam espessuras centimétricas a decimétricas e a
possança total da unidade é variável, tal como a da Formação anterior. A possança máxima
reconhecida é de 269 m. Sobre a formação anterior assenta a formação de Bombarral
(Titoniano). É constituída por arenitos micáceos e argilitos, estando truncada superiormente
pelas rochas de idade cretácica. Aflora predominantemente na Depressão de Alcobaça e a Sul
da Depressão da Mendiga.
No que respeita ao Sistema Cretácico e aos pós-Cretácico, não se apresenta a respetiva
subdivisão em unidades litoestratigráficas no mapa da
Figura 5. São constituídos, no essencial, por rochas siliciclásticas mais ou menos consolidadas
(siltitos, arenitos e conglomerados). Excetuam-se os andares Cenomaniano (Cretácico) e
Tortoniano? (Miocénico; Barbosa, 1995) que são de natureza carbonatada. Este último ocorre
já na Bacia Terciária do Tejo.
Na área do MCE ocorrem também rochas ígneas. São pouco abundantes e estão dispersas por
todo o Maciço, à exceção da Serra de Aire e Planalto de São Mamede. Podem-se subdividir em
três grupos principais, consoante o tipo de estruturas a que se encontram associados:
-
Corpos instalados em falhas de orientação NW – SE a WNW – ESE;
Corpos associados às estruturas diapíricas;
Corpos isolados com correspondência a aparelhos vulcânicos.
Os correspondentes ao primeiro grupo afetam todo o Jurássico. As datações radiométricas
disponíveis apontam idades para a sua instalação que variam entre os 154 Ma e os 93 Ma.
Os corpos ígneos associados às estruturas diapíricas são pequenas intrusões dispersas que
ocorrem no interior do diapiro das Caldas da Rainha (já fora do MCE), afetando o Hetangiano,
e os aflorantes ao longo do acidente de Rio Maior – Porto de Mós, cortando as formações
jurássicas. As datações disponíveis variam entre os 136 Ma e os 103 Ma. Neste grupo destacase o extenso filão-camada de Teira, a Norte de Rio Maior.
Nos aparelhos vulcânicos incluem-se a brecha vulcânica de Abrã que afeta rochas do Cretácico
e o corpo de Alqueidão da Serra que afeta o Jurássico Superior e que parece associado a um
acidente de orientação NW-SE. A instalação deste último terá ocorrido aos 140 Ma (Ferreira &
Macedo, 1983) ou aos 136 Ma (Willis, 1988).
1.1.1.3.
Tectónica
O estilo tectónico pantenteado pelo MCE é, em grande parte, herdado das estruturas
originadas no decorrer da orogenia varisca que afetou o território nacional durante o
Paleozoico. Está muito influenciado pelo facto de, no decorrer do Hetangiano, se ter
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depositado uma espessa sequência de depósitos evaporíticos (formação de Dagorda) que
funcionou como base de descolamento entre as rochas do soco e as meso-cenozoicas durante
os episódios extensivos da deformação Alpina. Assim, nos locais onde esses depósitos
evaporíticos apresentavam espessura reduzida, a reativação dos acidentes variscos levou-os a
cortar toda a sequência mesozoica como falhas normais. Nos locais em que esses depósitos
apresentavam espessura elevada, os acidentes variscos não se prolongaram para a superfície.
Antes surgiram novas falhas normais acima da sequência evaporítica, a mimetizar as
subjacentes. Verifica-se, portanto, a conjugação de tectónica de soco com tectónica pelicular
(thick and thin skin tectonics) (Kullberg, 2000; Carvalho, 2011). Durante os episódios de
compressão Alpina as estruturas terão voltado a rejogar, mas agora em movimentação inversa
e desligante.
Os sedimentos evaporíticos terão ainda desempenhado papel importante na estruturação
atual do MCE. A tectónica distensiva terá despoletado a formação de anticlinais salíferos ou
mesmo a extrusão de sal em alguns locais (Carvalho, 2001; 2011). A tectónica compressiva, em
particular a de maior intensidade, no decorrer do Miocénico, terá levado ao recrudescer das
estruturas salíferas anteriores.
Os principais acidentes tectónicos que dominam o MCE correspondem a falhas orientadas
segundo três direções principais: NNE-SSW, NW-SE e NE-SW.
Os acidentes NNE-SSW são os mais frequentes e integram 4 grandes falhas: a Falha dos
Candeeiros que limita, a Oeste, a Serra com o mesmo nome, a Falha de Rio Maior – Porto de
Mós que limita essa serra do lado oriental, e o sistema constituído pela Falha da Mendiga (no
bordo ocidental do Planalto de Sto. António) e pela Falha de Reguengo do Fetal (no bordo
ocidental do Planalto de São Mamede). Estes acidentes terão funcionado como falhas normais
durante as fases extensionais mesozoicas e, pelo menos algumas delas, terão sofrido inversão
durante o Cenozoico.
No que respeita aos acidentes NW-SE, eles estão fundamentalmente representados pelo
sistema de falhas escalonadas de Alvados e Minde as quais estão interligadas na região de
Alvados, limitando uma zona deprimida. À semelhança das anteriores, terão funcionado como
falhas normais durante o período distensivo Mesozoico. A sua atividade terá conduzido à
estruturação em roll over do bloco a teto, ou seja, o Planalto de São Mamede. Conforme o
mapa da Figura 5 elucida, este sistema terá sido reativado posteriormente como rampa lateral
dextrógira do Cavalgamento do Arrife, durante o período de inversão (Manuppella et al.,
2000).
Ribeiro et al., 1996, referem a existência, sob o roll over de São Mamede, de uma espessa
sequência pelito-evaporítica hetangiana, com aproximadamente dois mil metros de espessura.
Associam-na a um graben no soco triássico, na continuação de um outro a Norte da Falha da
Nazaré (graben de Monte Real) e admitem que não terá sido remobilizada halocineticamente.
O sistema de falhas de Alvados – Minde estará na continuação do bordo ocidental desse
graben (Kullberg, 2000).
15
A direção NW-SE está ainda representada por acidentes que compartimentam os dois
planaltos, estando alguns deles intruídos por rochas doleríticas. A par com outros de grandes
dimensões que afetam sobretudo a Depressão de Alcobaça e se prolongam para a Bacia
Terciária do Tejo, constituem um dos traços distintivos do MCE. Wilson et al., 1989, associam
estes acidentes às fases distensivas mesozoicas. Como consequência da posterior compressão
miocénica terão sido reativados como desligamentos direitos (Pinheiro et al., 1996).
Quanto à direção NE-SW, ela está sobretudo representada pela Falha do Arrife. Esta limita o
MCE a SE. Durante as fases de compressão alpina foi reativada como cavalgamento vergente
para SE (Kullberg, 2000; Manuppella et al., 2000; Carvalho, 2011).
As bancadas sedimentares no MCE apresentam-se, no geral, subhorizontais, em função de
ligeiros basculamentos induzidos pela movimentação das falhas ou devido a dobramentos de
grande raio de curvatura. De entre estes destaca-se a já referida estruturação anticlinal do
Planalto de São Mamede, a qual tem correspondência com um roll-over a teto do sistema de
Falhas de Alvados-Minde. Destaca-se ainda a estruturação anticlinal dos depósitos do Jurássico
Superior na Depressão de Alqueidão, a qual está truncada por sedimentos de idade cretácica,
e os anticlinais a que correspondem a Serra dos Candeeiros e a Serra de Aire. Estes dois
últimos estão, provavelmente associados a domas salíferos (Kullberg, 2000).
De modo localizado ocorrem, também, dobramentos apertados que acompanham algumas
das principais falhas, sendo indicativos da sua reativação sob efeito de campo tectónico
compressivo. É o caso particular dos dobramentos na Depressão da Mendiga, entre a falha
com o mesmo nome e a Falha de Rio Maior – Porto de Mós, e os que ocorrem nas imediações
do Cavalgamento do Arrife, paralelamente a esse acidente.
1.1.1.4.
Sismicidade
A Figura 7 mostra um extrato da Carta Neotectónica de Portugal Continental (Cabral & Ribeiro,
1988) que enquadra a região do MCE. Os acidentes representados são aqueles para os quais
existem evidências de atividade desde o final do Pliocénico, ou seja para os últimos dois
milhões de anos, aproximadamente (Cabral, 1995).
Os principais acidentes condicionadores da sismicidade nesta região são, de acordo com
Cabral, 1995, a Falha do Vale Inferior do Tejo que se densenvolve por Lisboa – Vila Franca de
Xira – Santarém – Entroncamento, e a Falha da Nazaré. Com efeito, segundo o mesmo autor,
existe um notável alinhamento de epicentros sísmicos na região limitada por esses acidentes e
ao longo deles. São essas as razões que permitem entender os mapas que se apresentam na
Figura 8, relativos à intensidade sísmica e à sismicidade histórica desta região.
16
Figura 7- Carta neotectónica da região enquadrante do PNSAC (adaptado de Cabral & Ribeiro, 1988).
Figura 8- Registo da intensidade sísmica e da sismicidade histórica para o território de Portugal Continental (Atlas do
Ambiente (http://sniamb.apambiente.pt/webatlas/index.html, em 04Nov2011)). Mapa de intensidades sísmicas
refere-se às zonas de intensidade máxima (escala internacional) para o período 1901-1972. Mapa de Sismicidade
Histórica representa as isossistas de intensidades máximas, escala de Mercalli modificada 1956, para o período
1755-1996.
17
Por seu turno, esses dois mapas permitem
compreender que, de acordo com o Decreto-Lei nº
235/83, de 31 de maio, que aprova o Regulamento
de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e
Pontes, a região do MCE se integre na Zona de
Sismicidade B, correspondente a um coeficiente de
sismicidade de 0,7, e que se pode interpretar como
uma zona de perigosidade sísmica relativamente
elevada (Figura 9). Convém, no entanto, notar que os
riscos associados a esta perigosidade estão muito
associados à vulnerabilidade dos centros urbanos e
estruturas edificadas, sendo que a região do MCE é,
essencialmente, uma região de características rurais,
com baixa densidade populacional e núcleos urbanos
de reduzida dimensão.
Figura 9- Zonagem sísmica de Portugal Continental de acordo
com o Decreto-Lei nº 235/83, de 31 de maio, onde a sismicidade
decresce da zona A para a zona D.
1.2. RECURSOS GEOLÓGICOS DO MACIÇO CALCÁRIO ESTREMENHO
Os recursos geológicos conhecidos do MCE incluem os recursos minerais, os hidrogeológicos e
os patrimoniais. No que respeita aos primeiros destacam-se os recursos em calcários para fins
ornamentais e industriais. Relativamente aos hidrogeológicos há que considerar o MCE como
um aquífero de muita elevada importância para o abastecimento das populações. Atualmente
é explorada a exsurgência dos Olhos de Água do Alviela, em Amiais de Baixo, pela EPAL. Serve
a região de Lisboa desde os finais do século XIX, com uma capacidade de produção diária atual
de 50000 m3 (EPAL, 2011).
No que diz respeito aos recursos patrimoniais destacam-se os de natureza geomorfológica e
paleontológica. Nos primeiros integra-se uma extensa rede de galerias subterrâneas, de que as
grutas de Santo António, de Mira d'Aire, da Moeda, de Alvados e do Algar do Pena são os
testemunhos conhecidos mais emblemáticos. Relativamente aos de natureza paleontológica
merecem realce primordial os abundantes icnofósseis de dinossáurios do período Jurássico, de
que os mais representativos são os da Pedreira do Galinha, junto à povoação Bairro e os de
Vale de Meios, junto a Pé da Pedreira.
18
1.2.1.
RECURSOS MINERAIS E INDÚSTRIA EXTRATIVA
O conhecimento existente acerca dos recursos minerais do MCE deriva, em grande parte, do
conhecimento da indústria extrativa que nele opera. Como se pode observar no mapa da
Figura 10, esses recursos respeitam a calcários explorados em diversos locais para fins
ornamentais e para agregados para a construção civil, para o fabrico de cal, para a indústria
siderúrgica e para aplicações diversas na indústria química.
Para a indústria química e siderúrgica exploram-se dolomitos e calcários dolomíticos na Serra
dos Candeeiros e na Serra de Aire. Exploram-se também britas basálticas nas proximidades de
Rio Maior, em Teira. Nas regiões de Ourém, Alcanede e Juncal exploram-se os afloramentos
cretácicos que aí ocorrem para a produção de argilas comuns para a indústria cerâmica, tendo
como subproduto areias e saibros para a construção civil. Ainda a partir dos afloramentos
cretácicos, mas apenas na região de Mosteiros (Alcanede), exploram-se argilas cauliníticas
para fins cerâmicos. Em Rio Maior produzem-se areias especiais para a indústria vidreira e
caulino para a indústria cerâmica, a partir dos arenitos pliocénicos que aí ocorrem. Embora
atualmente inativas, algumas pedreiras exploravam calcite na Serra dos Candeeiros, a mais
importante das quais situa-se em Casais Monizes (Alcobertas), sobre a Falha de Rio Maior –
Porto de Mós.
Embora não explorada, importa referir a espessa sequência de evaporitos ricos em sal que
ocorre em profundidade no Planalto de São Mamede. A sua importância decorre, não só do
recurso mineral em si próprio, mas também das suas potencialidades de armazenamento. Em
Rio Maior o sal é explorado em salinas por intermédio de métodos tradicionais.
Particularmente no que respeita aos recursos minerais calcários, os agregados para a
construção civil são explorados sobretudo no Planalto de São Mamede. Maioritariamente, a
unidade explorada corresponde a calcários micríticos da Formação de Serra de Aire. Embora
algumas das explorações se situem sobre o Membro de Pé da Pedreira da Formação de Sto.
António – Candeeiros, nomeadamente os afloramentos na região a Leste de Reguengo do
Fetal, na realidade, as pedreiras há muito que alcançaram os calcários micríticos subjacentes.
Em função das caraterísticas topográficas, a maioria das pedreiras desenvolvem-se em poço
(Figura 11).
No extremo Nordeste da Serra de Aire, um pequeno núcleo de pedreiras explora os Dolomitos
de Furadouro. A par com calcários micríticos, também são explorados calcários dolomíticos
num núcleo que se desenvolve na região Sul da Serra dos Candeeiros.
Os agregados com destino ao fabrico de cal são explorados em pequeno núcleo na região de
Pé da Pedreira. As pedreiras aí existentes iniciaram o seu desenvolvimento nos calcários
oolíticos de Pé da Pedreira. Contudo, também já há muito tempo que alcançaram os calcários
micríticos subjacentes, à semelhança do que foi referido para a região de Reguengo do Fetal.
Devido à sua elevada pureza em termos de teor em óxido de cálcio (Manuppella et al., 1985),
as duas fácies apresentam aptidão para o fabrico de cal, sendo necessário, unicamente, ajustar
os parâmetros de moagem e cozedura.
19
Figura 10- Núcleos de Indústria extrativa no MCE delimitados a partir de observações em Google EarthTM (in Carvalho, 2011).
20
Figura 11- Pedreiras em poço no MCE.
Os calcários explorados para fins ornamentais no MCE compreendem os explorados sob a
forma de blocos, a calçada e a laje (Figura 12) Enquanto a calçada e a laje saem da pedreira já
como produto final, os blocos são dirigidos para unidades transformadoras onde são sujeitos a
esquadrejamentos diversos até alcançarem a forma final pretendida.
As explorações de blocos são as mais importantes do MCE, quer do ponto de vista do número
de núcleos de exploração e área ocupada, quer do ponto de vista económico. Os principais
núcleos de exploração localizam-se no Planalto de Santo António, nomeadamente o núcleo de
Pé da Pedreira e o núcleo do Codaçal. Outros núcleos importantes em termos de volume de
produção são o núcleo de Moleanos e o de Casal Farto.
Figura 12- Rochas ornamentais no MCE (A- Laje, B- Calçada e C- Blocos).
À exceção do núcleo do Azul de Valverde (a Sul de Pé da Pedreira) que explora calcários da
formação Montejunto ao longo de um filão dolerítico, todas as restantes pedreiras exploram
calcários do Jurássico Médio.
21
Os blocos comercializados correspondem a paralelepípedos que se pretendem o mais
regulares possível. As suas dimensões médias rondam 2,8 x 1,8 x 1,5 m. No processo
transformativo posterior à extração os blocos são serrados "a favor" ou "ao contra". A
designação "a favor" refere-se à situação em que o corte é efetuado paralelamente à
estratificação ou laminação sedimentar. Inversamente, a designação "ao contra" refere-se a
corte perpendicular à estratificação.
As diferentes variedades ornamentais produzidas no MCE resultam, não só da fácies litológica,
mas também do modo como é efetuado o corte dos blocos. Uma mesma fácies pode dar
origem a diferentes designações comerciais, por diferente aspeto estético, em função do
processo de serragem dos blocos ser efetuado a favor ou ao contra.
Figura 13- Principais variedades ornnamentais provenientes do MCE.
Embora existam muitas designações comerciais para os calcários ornamentais provenientes do
MCE, a maioria tem correspondência com um número bem mais reduzido de variedades. De
acordo com o Catálogo das Rochas Ornamentais Portuguesas (IGM, 1983-1994), essas
variedades são o Moca Creme, o Semi Rijo, o Relvinha, o Vidraço de Moleanos, o Vidraço de
Ataíja, a Brecha de Santo António, o Azul de Valverde e o Alpinina (Figura 13).
Tipicamente, as explorações desenvolvem-se em flanco de encosta, com vários pisos (Figura
14). A altura total das frentes de exploração é variável. Desde um mínimo a rondar os 6 m,
como é o caso das pedreiras no pequeno núcleo de Casal do Rei que se iniciou há pouco
tempo, até um máximo próximo dos 50 m, como é o caso do núcleo do Codaçal. Em Moleanos
e em Casal Farto as explorações são do tipo Poço (Figura 11).
22
No que respeita às explorações de calçada, o mais importante núcleo situa-se em Pé da
Pedreira, anexo ao da exploração de blocos. Ocupa uma área muito extensa sobre os Calcários
Micríticos de Serra de Aire. Ainda explorando esta unidade de calcários de cor creme e tons
claros, existem outros dois núcleos de dimensões menores, nomeadamente no Cabeço de
Marvila (Planalto de São Mamede) e no Casal de Vale de Ventos (Serra dos Candeeiros).
Figura 14- Pedreira em flanco de encosta no núcleo de exploração do Codaçal.
Na Depressão de Alqueidão existem outros núcleos de exploração de calçada, mas agora sobre
calcários da Formação de Montejunto. As litologias aqui exploradas apresentam cor castanho
acinzentada. O núcleo de maiores dimensões circunda uma intrusão subvulcânica. Esta é
responsável pela intensificação dos tons escuros da calçada aqui explorada, chegando mesmo
a apresentar cor negra.
As pedreiras de calçada, salvo raras exceções, não ultrapassam os 10 m de altura. Em média
terão cerca de 4 m de altura repartidos por 2 pisos e desenvolvem-se em flanco de encosta ao
longo da direção das bancadas com aptidão. Apenas no processo de desmonte se faz uso de
uma retroescavadora, sendo o processo de fabrico artesanal.
No que respeita à exploração de laje, os principais núcleos situam-se na Serra dos Candeeiros,
na região compreendida entre o Casal de Vale de Ventos e Portela do Pereiro. Os calcários
explorados, de características laminíticas, fazem parte da Formação Cabaços. Outros núcleos
de dimensões bem menores ocorrem no Planalto de Santo António. Neles exploram-se
também calcários de características laminíticas que ocorrem nas unidades litoestratigráficas de
Barranco do Zambujal e de Vale da Serra. A tipologia das explorações é idêntica às da calçada,
ou seja, em flanco de encosta e com frentes pouco altas.
1.2.1.1.
Os Recursos nas Áreas de Intervenção Específica do PNSAC
As AIEs são as áreas-alvo em que se pretendem desenvolver os estudos conducentes à
implementação de lavra integrada e ordenamento do território. Para tal há que recorrer a
23
levantamentos topográficos atualizados das áreas em causa e a um conhecimento adequado
da localização e disponibilidade dos recursos existentes.
Das 5 AIEs consideradas neste projeto, 4 delas já foram alvo de estudos geológicos de
pormenor tendentes à avaliação dos recursos em rochas ornamentais nelas existentes. Tais
estudos referem-se às AIEs de Moleanos (Carvalho, 1996), Pé da Pedreira (Carvalho, 1997),
Codaçal (Quartau, 2000) e Cabeça Veada (Quartau, 1998). A AIE de Salgueiras nunca foi objeto
de estudos geológicos detalhados.
Como é óbvio, a geologia das áreas em causa não sofreu alterações. Contudo, para se
alcançarem os objetivos de lavra integrada e ordenamento atrás mencionados, os
conhecimentos geológicos adquiridos a respeito dessas áreas não podem ser integrados de
modo direto. Com efeito, embora a geologia não tenha sofrido alteração, mudaram as
capacidades de interpretação dos dados de campo e mudou enormemente a fisionomia das
frentes de exploração, pondo em evidência novos dados. Por outro lado, os levantamentos
geológicos realizados nas quatro áreas referidas tiveram como suporte levantamentos
topográficos de cartas cadastrais à escala 1/2000 que já na altura se mostravam bastante
desatualizadas. Trata-se de um fator com influência direta na cartografia geológica e,
consequentemente, com influência no planeamento integrado que se pretende realizar.
Assim, os trabalhos geológicos a realizar tendentes à avaliação dos recursos disponíveis, como
suporte ao planeamento da lavra e ao ordenamento do território assentam, sobretudo, na
atualização da cartografia existente e sua adaptação aos novos levantamentos topográficos
realizados especificamente para este projeto, à escala 1/2000. Recorrer-se-á, ainda, à
realização de novas sondagens para validação das interpretações realizadas.
Na AIE de Salgueiras, os trabalhos geológicos serão realizados de raiz à escala 1/2000. Terão,
contudo, o suporte inicial de dados de sondagens realizadas pelos industriais que operam na
área.
1.2.1.2.
Avaliação de potencialidades em zonas não intervencionadas
Tal como para outros recursos, a indústria extrativa de rochas ornamentais ocupa o território
temporariamente, enquanto há disponibilidade do recurso e/ou enquanto a sua exploração se
revela economicamente viável. Uma gestão empresarial adequada necessita de conhecer a
disponibilidade dos recursos que são alvo da sua atividade, perspetivando as ações futuras a
adotar.
Embora os conhecimentos existentes acerca dos principais núcleos de exploração de rochas
ornamentais existentes no MCE permitam afirmar que a disponibilidade de recursos nesses
núcleos ainda é relativamente elevada, outros fatores condicionam a sua exploração, em
particular a profundidade a que ocorrem e as questões de acessibilidade ao território
decorrentes dos planos de ordenamento em vigor.
24
Numa perspetiva de acautelar a disponibilidade de recursos em rochas ornamentais no MCE
pretendem-se levar a cabo trabalhos de prospeção que permitam determinar a localização de
locais com eventual aptidão para a exploração destes recursos.
Esses trabalhos incluem várias etapas (Jimeno, 1996; Carvalho et al., 2008; Carvalho, 2010). A
primeira consiste, com base nos conhecimentos disponíveis, na demarcação de grandes áreas
potenciais. Suporta-se, sobretudo, numa análise faciológica regional, à escala 1/50000, das
unidades litoestratigráficas do MCE, a par com uma análise dos padrões de fraturação que
caracterizam esse maciço, também a nível regional.
A segunda etapa consiste na elaboração de Cartas de Aptidão ainda de âmbito regional, mas à
escala 1/25000. Tem como suporte, ainda, a análise faciológica das unidades litoestratigráficas,
mas entrando em linha de conta com a tendência média da espessura das bancadas e com a
determinação das principais famílias de fraturas a partir de reconhecimentos de campo.
Desta segunda etapa resultarão áreas-alvo para estudos de âmbito mais localizado, a realizar à
escala 1/10000, numa terceira etapa, com recurso a cartografia geológica e sondagens de
reconhecimento. Permitirão nova seleção de áreas-alvo cujos estudos subsequentes já
deverão ser realizados fora do âmbito deste projeto, mas no contexto da atividade empresarial
de pesquisa, tendentes à efetiva abertura de pedreiras.
1.2.2.
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
1.2.2.1.
Enquadramento hidrogeológico regional
Tendo como base os Sistemas Aquíferos de Portugal Continental (Almeida et al., 2000), em
termos hidrogeológicos, a área de intervenção insere-se no Sistema Aquífero Maciço Calcário
Estremenho, parte integrante da unidade hidrogeológica Orla Ocidental que pode ser
identificada em http://snirh.pt/index.php?idMain=1&idItem=1.4&uh=O. As formações
geológicas que suportam o sistema são maioritariamente rochas carbonatadas de idade
Jurássica.
Este sistema aquífero ocupa uma área de 767,6 km 2, situando-se na região centro-oeste, entre
Rio Maior, a Sul, Fátima a Nordeste, e Porto de Mós, a Norte (Figura 15). Constitui uma das
principais reservas de água subterrânea de Portugal, com importância relevante no
abastecimento de água a nível regional e correspondendo a um centro de irradiação de
diversos cursos de água de superfície distribuídos por três bacias hidrográficas, Tejo, Lis e
Ribeiras do Oeste.
Os limites do sistema não correspondem totalmente aos limites da unidade geomorfológica
designada por Maciço Calcário Estremenho, pois a circulação subterrânea estende-se para lá
dos limites deste maciço. Assim, a Oeste o sistema inclui a Plataforma de Aljubarrota
25
(Depressão de Alcobaça), estendendo-se até à nascente de Chiqueda. A Sul e a Este, o sistema
é delimitado pelo cavalgamento das formações do Maciço Calcário Estremenho sobre a Bacia
Terciária do Tejo.
A base deste sistema aquífero é constituída por sequências rítmicas de litologias
essencialmente margosas, com intercalações mais calcárias ou mais argilosas. Correspondem à
Formação Fórnea, de idade Jurássico Inferior, que anteriormente foi apresentada (Figura 6)
Figura 15- Localização do sistema aquífero MCE, segundo Almeida et al., 2000.
O Jurássico Médio (onde se encontram as formações aquíferas) compreende inúmeras
variedades composicionais de calcários e margas, predominando, no entanto, calcários com
elevado grau de pureza.. As suas unidades litoestratigráficas correspondem às formações
cársicas por excelência. O Jurássico Superior, que apresenta grandes variações de fácies de E
para W, é essencialmente constituído por argilas, margas e, novamente, inúmeras variedades
composicionais de calcários. As formações do Jurássico Superior podem ser consideradas
aquitardos ou barreiras parciais (lateralmente, a teto ou a muro) em relação ao aquífero do
Jurássico Médio (Crispim, 1995).
Como abordado anteriormente, a espessura das diferentes unidades litoestratigráficas é muito
variável, podendo atingir algumas centenas de metros.
A tectónica é condicionada pelos acidentes tardi-variscos que afetaram o soco e cuja
reativação influenciou a cobertura mesozoica (Ribeiro et al., 1979). Como também já abordado
em maior pormenor atrás, os acidentes mais importantes, em extensão e rejeito, apresentamse orientados segundo as direções NNE-SSW, NE-SW e NW-SE e individualizam vários blocos
soerguidos no MCE: Serra dos Candeeiros, Planalto de Sto. António e Planalto de São Mamede
– Serra de Aire. A Serra dos Candeeiros encontra-se individualizada do Planalto de Sto. António
pela Depressão da Mendiga que corresponde a uma zona tectonicamente deprimida. Por seu
26
turno, esse Planalto encontra-se individualizado do de São Mamede por outras duas zonas
tectonicamente deprimidas, as quais correspondem às Depressões de Alvados e de Minde.
A carsificação desta região é intensa, apesar de corresponder a um carso jovem. As estruturas
cársicas presentes são muito variadas (megalapiás, lapiás, dolinas, uvalas, algares e redes de
galerias subterrâneas). As dolinas, em conjunto com os lapiás, constituem a principal forma de
exocarsificação. Relativamente ao endocarso, ele está representado por algares, galerias e
condutas. As galerias e condutas surgem a profundidades variáveis, ocorrendo por vezes a 80
m abaixo do nível das nascentes (Crispim, 1995). Os algares são estruturas relativamente
antigas e abundantes neste maciço; possuem profundidades variáveis, podendo intersetar
zonas com vestígios de circulação fóssil ou atual e as maiores profundidades situam-se entre
os 100 e os 150 m.
Este sistema é muito complexo. Apresenta um comportamento típico de aquífero cársico,
caracterizado pela existência de um número reduzido de nascentes perenes e várias nascentes
temporárias com caudais elevados mas com variações muito acentuadas ao longo do tempo. É
constituído por vários subsistemas cuja delimitação coincide aproximadamente com grandes
as unidades morfoestruturais que constituem o MCE. Cada um desses subsistemas está
relacionado com uma nascente cársica perene e, por vezes, com várias nascentes temporárias
que descarregam apenas em períodos de ponta. A delimitação das áreas de alimentação de
cada nascente apresenta grandes dificuldades devido ao padrão altamente complexo do
escoamento em meios cársicos.
Uma característica comum dos maciços cársicos desenvolvidos é a dificuldade de captar água
através de furos, pois na maioria dos casos estes são pouco produtivos ou mesmo
improdutivos, dado que a água circula essencialmente através de galerias cársicas, por vezes
de grande capacidade, inseridas em maciços rochosos de permeabilidade muito mais baixa.
Esta dificuldade de captar água neste tipo de meios é bem demonstrada neste Sistema
Aquífero onde os dados referentes a sondagens realizadas no seu interior, embora escassos,
indicam caudais em geral fracos ou nulos. As captações com mais sucesso localizam-se perto
das principais áreas de descarga.
A evolução natural dos maciços cársicos faz-se no sentido de uma hierarquização progressiva
dos escoamentos, caracterizados pela existência de um número reduzido de eixos de
drenagem subterrânea ligados a nascentes, por vezes muito caudalosas, a que se subordina
um grande número de linhas de fluxo de reduzida importância. Esta organização da drenagem
subterrânea pode ser avaliada, no caso presente, pelo facto de ser efetuada apenas por cinco
nascentes perenes e algumas temporárias para uma área de recarga de quase 800 km 2. A
drenagem superficial é praticamente inexistente.
As cinco nascentes com maior débito estão localizadas nos limites do maciço, na zona de
contacto com rochas menos permeáveis do Jurássico, Cretácico ou do Cenozoico. Duas delas
situam-se no bordo Oeste (Liz e Chiqueda) e as restantes três no bordo S e E (Almonda, Alviela
e Alcobertas).
27
A nascente mais importante do Maciço Calcário Estremenho (Olhos de Água do Alviela) fica
situada num pequeno bloco calcário separado por um afloramento do Cretácico preservado no
interior do sinclinal de Monsanto (a Este do sistema aquífero). Esta nascente possui débitos de
30 000 m3/dia na estação seca, sendo que, a descarga média anual é de 120 hm 3 (Almeida et
al., 2000).
O Sistema possui contudo, muitas outras exsurgências de menor importância. Crispim, 1995,
apresenta um inventário bastante completo onde contabiliza 120 nascentes.
A produtividade deste sistema aquífero pode ser avaliada, em termos globais, a partir das
estatísticas de 28 dados de caudais de exploração, apresentadas na Tabela 1.
A transmissividade estimada a partir de caudais específicos de captações situa-se entre
1 m2/dia e 4 800m2/dia sendo esta dispersão característica de maciços cársicos com elevado
grau de organização das drenagens subterrâneas.
Tabela 1- Produtividade das captações instaladas no Sistema Aquífero Maciço Calcário Estremenho (l/s).
M ÉDIA
DESVIO PADRÃO
M ÍNIMO
Q1
M EDIANA
Q3
M ÁXIMO
2,3
4,5
0
0,5
0,8
1,2
20
Tendo em conta aspetos hidrogeológicos, geomorfológicos e estruturais, consideram-se, sob o
ponto de vista hidrogeológico, os seguintes setores para o sistema aquífero:
-
Serra de Candeeiros e Plataforma de Aljubarrota (ou Depressão de Alcobaça);
Planalto de Santo António;
Planalto de S. Mamede e Serra de Aire;
Depressões de Alvados e Minde.
Duas das 5 Áreas de Intervenção Específica definidas no POPNSAC para a indústria extrativa de
blocos de calcários para fins ornamentais, nomeadamente a de Codaçal e a de Pé da Pedreira,
situam-se no Planalto de Santo António. A de Moleanos enquadra-se na Depressão de
Aljubarrota, a de Salgueiras pode considerar-se integrada na Serra dos Candeeiros e, por fim, a
de Cabeça Veada integra-se na Depressão da Mendiga, entre os setores da Serra dos
Candeeiros e do Planalto de Sto. António.
Os conhecimentos de maior detalhe existentes sobre o sistema aquífero MCE respeitam ao
Planalto de Sto. António. Este alimenta a nascente mais importante do sistema: a dos Olhos de
Água do Rio Alviela. A área de alimentação desta nascente deverá ser constituída pela quase
totalidade do planalto, que apresenta declive geral para sul, aproximadamente coincidente
com o suave pendor das camadas calcárias. Algumas das falhas neste planalto que apresentam
uma orientação geral NW-SE, estão injetadas por filões de natureza básica. De acordo com
Crispim, 1995, estes deverão funcionar como barreiras hidráulicas, totais ou parciais, com
28
tendência para impedir o escoamento para Sul e a desviá-lo no sentido da nascente dos Olhos
de Água. O remanescente dessa circulação deverá ser drenado por várias nascentes situadas
no bordo Sul, perto do contacto com os terrenos menos permeáveis. As nascentes com caráter
garantidamente cársico, ligadas a galerias subterrâneas, são o Olho de Água de Alcobertas,
com circulação predominantemente perene, e o Olho da Mata do Rei, esta temporária.
Ainda de acordo com Crispim, 1995, uma pequena área noroeste do planalto, incluindo a
depressão cársica de Chão das Pias, é drenada pelas nascentes do Lena. Esta ligação ficou
provada através de traçagens tendo como ponto de injeção o Algar da Arroteia situado no
bordo da referida depressão. Uma parte da circulação é descarregada pelas nascentes
temporárias situadas na Fórnea de Alvados, das quais a mais importante é a Cova da Velha.
Das nascentes do Lena apenas uma, Olho de Água da Ribeira de Cima, tem caráter
permanente. As restantes, de montante para jusante, Fontainha, Nascente do Cabeço da
Pedra, Nascente da Tapada das Freiras e Nascente das Arregatas, são temporárias.
No bordo SE do sistema, a N dos Olhos de Água do Alviela, fica a nascente de Vila Moreira
(Olho da Mari'Paula ou Olho do Rabaçal). Esta nascente temporária pode debitar um caudal
muito elevado em períodos de ponta. Tanto esta nascente, como os Olhos de Água do Alviela,
recebem uma contribuição proveniente da Depressão de Minde (Polje de Minde). De facto, as
traçagens efetuadas provaram a existência de uma ligação muito rápida entre sumidouros
situados no fundo do Polje, perto de Minde, e as referidas nascentes, tendo sido o traçador
recuperado fundamentalmente em Vila Moreira, mas verificando-se uma deflecção
significativa para os Olhos de Água do Alviela. Presumivelmente, nos períodos em que a
nascente de Vila Moreira permanece inativa, toda a drenagem se faz para os Olhos de Água do
Alviela.
Traçadores injetados também no fundo do Polje de Minde, noutros sumidouros, provaram
uma ligação com a nascente do Rio Almonda (Crispim, 1986). Isto significa que aquela área
coincide com uma zona de divergência de fluxo, nas direções NE e SE. É possível que o padrão
de drenagem mude em função dos níveis piezométricos, isto é, ao longo do ano hidrológico.
Esse tipo de comportamento é relativamente frequente em maciços cársicos.
Em conclusão, na análise espaço-temporal da piezometria do Sistema, deve ter-se em conta
que os dados disponíveis não permitem efetuar uma caracterização de forma pormenorizada.
No entanto, as observações que se tem vindo a fazer permitem esboçar uma panorâmica das
tendências principais das direções e sentidos de fluxo. Essas direções estão condicionadas
essencialmente pela posição das nascentes principais. Partes das conclusões que foi possível
obter devem-se a resultados de traçagens e a deduções baseadas nas características
geológicas, estruturais e geomorfológicas da região. Assim, a definição rigorosa das linhas
divisórias de águas subterrâneas é, nalgumas áreas, razoavelmente conhecida sendo que
noutras está sujeita a confirmação, à medida que mais dados forem sendo obtidos.
29
Quanto às tendências temporais, é possível afirmar a inexistência de qualquer tendência de
período longo. Como é típico de aquíferos cársicos, as flutuações interanuais são de grande
amplitude podendo, nalgumas regiões, ultrapassar os 80 m.
Para o cálculo do balanço hídrico do sistema, considera-se uma precipitação média anual da
ordem dos 1000 a 1500 mm/ano. Com base neste valor, diversos autores chegaram aos
valores de recarga para o Maciço Calcário Estremenho que se apresentam na Tabela 2.
Considerando que da área total do sistema, uma parte é constituída por rochas com menor
aptidão aquífera e menor capacidade de infiltração, é provável que os recursos hídricos
médios, renováveis, sejam da ordem dos 300 hm3/ano a 350 hm3/ano.
O total escoado através das 3 nascentes principais, Alviela, Almonda e Fontes (Lis), é estimado
em cerca de 275 hm3/ano, correspondendo ao Lis 60 a 70 hm3/ano (Almeida et al., 2000).
Considerando como válido o valor acima indicado para as entradas, as restantes nascentes
debitarão entre 25 e 75 hm3/ano, ou seja, entre 10 e 20% do total.
Tabela 2- Valores de recarga para o Maciço Calcário Estremenho.
AUTOR
PRECIPITAÇÃO EFICAZ
R ECARGA
Oliveira & Lobo-Ferreira, 1994
-
342 mm/ano = 299,9 hm3 /ano
Crispim & Romariz, 1990; Almeida, 1992
50%
500 hm3 /ano
Novo et al., 1991
37 a 43%
550 a 650 mm/ano = 434,7 a
513,8 hm 3 /ano
Lobo-Ferreira & Rodrigues, 1988
-
260 mm/ano = 205,5 hm3 /ano
Lobo-Ferreira, 1982
-
287 mm/ano = 226,9 hm3 /ano
1.2.2.2.
Qualidade das águas subterrâneas
A caracterização da situação de referência em termos de qualidade das águas subterrâneas
baseou-se principalmente no trabalho “Sistemas Aquíferos de Portugal Continental” da autoria
de Almeida et al., 2000, e na informação contida com base em dados do Sistema Nacional de
Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), consultável em http://snirh.pt/. Nestes documentos
discute-se um conjunto de análises químicas de elementos maiores presentes em águas
referentes a um período compreendido entre 1970 e 1995. A maioria das águas tem
mineralização total mediana, são moderadamente duras a muito duras e exibem fácies
bicarbonatada cálcica. As estatísticas que se apresentam na Tabela 3 foram obtidas com base
em análises de nascentes referentes a um período compreendido entre 1988 e 1991.
30
Numa perspetiva de classificação da qualidade das águas com vista à sua utilização para
consumo humano tem-se que, sob o ponto de vista químico, estas águas podem ser
consideradas de boa qualidade pois não se verifica nenhum caso de violação dos VMAs,
situando-se a maioria dos parâmetros abaixo dos respetivos VMRs (VMA = Valor máximo
admissível; VMR = Valor máximo recomendado; valores de norma de qualidade constantes no
DL nº236/98, de 1 de agosto). Registam-se, no entanto, algumas exceções. Assim, em relação
aos cloretos verifica-se que 20% excedem o VMR, alcançando o valor máximo de 157 mg/L.
Para o nitrato apenas se obtiveram 10 valores (análises de um período entre 1966 e 1991).
Uma das análises excede o VMR, situando-se as restantes abaixo daquele limite. Por último,
mais de metade dos valores de condutividade (55%) excede o VMR.
No entanto, dada a vulnerabilidade deste tipo de sistema aquífero, podem ocorrer
contaminações súbitas de diversos tipos, sendo conhecidos casos pontuais de excesso de
gorduras, hidrocarbonetos, metais pesados, etc.
Tabela 3- Principais estatísticas relativas às águas do sistema MCE.
N
MÉDIA
DESVIO
MÍNIMO
Q1
M EDIANA
Q3
M ÁXIMO
PADRÃO
Condutividade
(µS/cm)
98
415
90
275
374
406
424
940
pH
98
7,3
0,2
6,8
7,2
7,4
7,4
7,7
Bicarbonato (mg/L)
98
228
25
161
214
220
240
299
Cloreto (mg/L)
98
23,6
21,4
12.8
14,9
16,3
21,7
156,9
Sulfato (mg/L)
68
5,7
3,4
0,3
3,1
5,7
7,1
18,4
Sódio (mg/L)
43
12,5
18,8
4,3
6,1
6,7
9,7
110,3
Potássio (mg/L)
43
0,9
0,5
0,1
0,7
0,9
1,1
2,7
Cálcio (mg/L)
98
61,1
19,9
20
44,4
65,6
74,4
99,2
Magnésio (mg/L)
98
13,8
9,5
0
6,3
10
20,3
38,5
Do ponto de vista bacteriológico, a qualidade pode-se considerar deficiente pois ocorrem
frequentemente valores muito superiores aos admissíveis, nomeadamente de coliformes
fecais e totais, estreptococos e mesmo salmonelas, certamente relacionados com as
deficientes condições de saneamento básico no interior do Maciço (Almeida et al., 2000) e
com as explorações pecuárias que aí também existem.
No que respeita ao uso agrícola destas águas, a maioria (95,3%) pertence à classe C 2S1 pelo
que representam um perigo de salinização médio e perigo de alcalinização baixo, de acordo
com a classificação do U. S. Salinity Laboratory Staff (Richards, 1954). As restantes pertencem
31
à classe C3S1. Os parâmetros físico-químicos cumprem todos os VMA e VMR, exceto o cloreto
em duas amostras que se situam acima do último daqueles limites.
Na caracterização de âmbito geográfico regional com base em dados do SNIRH consideraramse os dados analíticos de 16 pontos de água da rede de monitorização da qualidade da água
subterrânea (Figura 16). Foram considerados unicamente os respeitantes ao Planalto de Santo
António. Tratam-se principalmente de furos com mineralizações totais compreendidas entre
171 e 1027 mg/L e claro predomínio da fácies bicarbonatada cálcica, ainda que surjam
pontualmente fácies distintas.
A informação disponibilizada pelo SNIRH sendo complementar da informação disponibilizada
no relatório “Sistemas Aquíferos de Portugal Continental” apresenta como vantagens, entre
outros:
-
Maior atualidade dos dados, compreendidos entre os anos 2000 e 2010;
Georreferenciação dos locais de amostragem, por vezes com características construtivas
das captações associadas.
1.2.2.3.
Trabalhos a desenvolver
Além da perspetiva generalista à escala regional do enquadramento hidrogeológico do sistema
aquífero onde se desenvolve o estudo, importa fazer a caracterização quantitativa e qualitativa
dos recursos hídricos subterrâneos nas Áreas de Intervenção Específica do PNSAC. No entanto
dada a especificidade do descritor hidrogeologia, houve a necessidade, numa primeira fase, de
se estabelecer um polígono que englobasse todas essas áreas, como se pode observar na
Figura 16. Deste modo o estudo hidrogeológico incidirá sobre uma área de aproximadamente
377 Km2 que abrange, sobretudo, o setor hidrogeológico correspondente ao Planalto de Sto.
António.
As unidades litoestratigráficas constituintes do Planalto de Sto. António e que foram
anteriormente apresentadas, têm interesse regional e local para abastecimento público e
particular. A informação sobre pontos de água que agora se apresenta relativamente à área de
estudo, é proveniente das seguintes entidades: Laboratório Nacional de Energia e Geologia,
Administração da Região Hidrográfica do Tejo, Instituto da Água e PDM de Porto de Mós
(Figura 16). Numa fase posterior, será incluída a informação que a ARH Centro e outros
organismos disponibilizem e que se entenda útil.
32
Figura 16- Pontos de água localizados na área de estudo do descritor hidrogeologia com vista à caracterização
hidrogeológica das AIEs do POPNSAC.
Para a caracterização dos recursos hídricos subterrâneos importará obter dados a respeito das
estruturas cársicas presentes na área de estudo que se revelem condicionadores dos processos
de infiltração e recarga de aquíferos. A circulação subterrânea será avaliada nos seus aspetos
quantitativos e qualitativos.
No que respeita à caracterização quantitativa (geometria e aspetos hidrodinâmicos), ela
deverá permitir, tanto quanto possível, a elaboração de um modelo conceptual do
funcionamento hidráulico consubstanciado nos seguintes pontos:
-
-
Validação e atualização do inventário dos pontos de água (furos, poços e nascentes) e sua
implantação em suporte cartográfico à escala do projeto;
Medições piezométricas e avaliação de tendências dos sentidos de fluxo subterrâneo;
Identificação de zonas de recarga e de descarga dos aquíferos identificados;
Avaliação de parâmetros hidráulicos (condutividade hidráulica, transmissividade e
produtividade);
Conceptualização genérica dos sistemas hídricos subterrâneos (aquíferos) presentes nas
áreas de intervenção específica (Pé Pedreira, Codaçal, Moleanos, Cabeça Veada e
Salgueiras);
Planeamento e realização dos ensaios de traçador que se considerem necessários para
esclarecer dúvidas relativas ao ponto anterior;
Elaboração de mapas de síntese da profundidade a que se situam os aquíferos
identificados e respetivos sentidos de fluxo;
33
-
Avaliação de possíveis interferências das atividades inerentes à indústria extrativa na
produtividade de captações;
A caracterização qualitativa (aspetos hidroquímicos) contemplará:
-
-
-
A determinação de parâmetros físico-químicos in situ (pH, condutividade elétrica e sólidos
dissolvidos totais) em pontos de água, nomeadamente nos suscetíveis de serem afetados
pela indústria extrativa;
A amostragem de águas para análises físico-químicas laboratoriais que incluam a
determinação da composição iónica maioritária, assim como de parâmetros adequados à
identificação da contaminação que se considere poder existir (metais pesados,
hidrocarbonetos, etc.) associados à atividade industrial em questão;
Elaboração de mapas de qualidade da água.
Com base nos dados a obter e seu cruzamento com os respeitantes aos aspetos
geomorfológicos e geológicos particulares, pretende-se determinar a vulnerabilidade da água
subterrânea nas AIEs, e a sua representação gráfica por intermédio de Mapas de
Vulnerabilidade.
1.2.3.
RECURSOS PATRIMONIAIS
A singularidade do património natural e da paisagem do MCE resultam da conjugação das suas
características calcárias com a sua sobrelevação e posição geográfica na Bacia Lusitaniana.
Neste Maciço encontram-se séries sedimentares completas de vários períodos do Jurássico e
acidentes tectónicos que testemunham não só as fases distensivas da abertura da Bacia
Lusitaniana, às quais se associam variações verticais e laterais de fácies, intrusões magmáticas
e deslocamento de blocos, mas também fenómenos de diapirismo e, ainda, os regimes
compressivos que originaram dobras e importantes falhas de desligamento e cavalgamentos.
Esses regimes compressivos, associados à orogenia alpina, foram responsáveis pelo
levantamento tectónico que deu origem ao relevo que constitui o Maciço Calcário
Estremenho.
Graças às excelentes condições de exposição originadas pela sobrelevação e ausência de
cobertura vegetal densa, esta por ausência de escorrência superficial, toda essa diversidade de
fenómenos geológicos está exibida em numerosos locais de fácil acessibilidade que merecem
ser alvo de valorização como património geológico.
De entre os testemunhos de elevado valor científico destacam-se os cortes geológicos
transcritos nas Notícias Explicativas das Cartas Geológicas que abrangem a região do MCE, em
que é ímpar a exposição de sequências litoestratigráficas representativas da evolução dos
ambientes deposicionais. No que respeita aos acidentes tectónicos realçam-se algumas
34
escarpas de falha imponentes que, ao mesmo tempo, constituem património paisagístico
característico do MCE, como é o caso da Falha de Vale da Canada e da Falha de Alvados (Figura
17-A). Alguns desses acidentes mostram espelhos de falha muito bem conservados, com
inegável valor científico e didático, como é o caso do espelho da Falha de Rio Maior - Porto de
Mós, em Alcobertas (Figura 17-B).
Figura 17- Acidentes tectónicos no MCE. A- Vista da escarpa da Falha de Vale da Canada e encosta da Falha de
Alvados em segundo plano; B- Vista parcial do espelho da Falha de Rio Maior - Porto de Mós em Alcobertas.
Muitos dos locais privilegiados para observações de índole geológica correspondem a frentes
de exploração em pedreiras que atualmente se encontram em atividade. Contudo, após o seu
encerramento, certamente algumas merecerão ser preservadas, pois constituem excelentes
locais para o estudo da fenomenologia sedimentológica carbonatada e sua divulgação
científica.
Figura 18- Pegadas de dinossáurios em Vale de Meios. A- Vista parcial da laje com os icnofósseis; B- Exemplar de
uma das pegadas.
Em termos de património paleontológico o MCE apresenta um dos mais importantes e
emblemáticos trilhos de pegadas de dinossáurios a nível internacional - o Monumento Natural
das Pegadas de Dinossáurios da Pedreira do Galinha. Este monumento foi criado pelo Decreto
Regulamentar nº 12 de 22 de outubro de 1996, o qual assegura a proteção da jazida fóssil.
Contudo, em diversos outros locais tem sido referenciada a existência de outros exemplares
de trilhos ou pegadas isoladas. De entre eles destaca-se o de Vale de Meios, em Alcanede, cujo
valor patrimonial é, asseguradamente, semelhante ao da Pedreira do Galinha.
35
Tanto o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Pedreira do Galinha, como a laje
das pedreiras de calçada onde se encontram as pegadas de Vale de Meios (Figura 18) foram
alvo, recentemente, de uma candidatura a Património Mundial da Humanidade em parceria
com outras jazidas portuguesas e espanholas, intitulada IDPI – Icnitos de Dinossáurios da
Península Ibérica.
Ainda no respeitante ao património paleontológico muitas outras ocorrências estão
reconhecidas, salientando-se, pelo seu elevado estado de conservação, os diversos exemplares
de equinodermes existentes numa jazida do Bajociano de Chão das Pias, de que são exemplo
os representados nas fotografias da Figura 19.
Figura 19- Exemplares de equinodermes do Bajociano em jazida de Chão das Pias.
Santos, 2007, afirma o MCE como a região cársica mais importante de Portugal. As
propriedades dos calcários, nomeadamente a sua solubilidade e permeabilidade, dão origem a
um escoamento superficial das águas quase inexistente, sendo aquela função assegurada por
um extenso e complexo sistema subterrâneo de drenagem do qual resulta um património
espeleológico único. Para além dos inúmeros algares e grutas, dispersos por todo o maciço,
merecem destaque as grutas de Santo António, de Mira d'Aire, da Moeda, de Alvados e do
Algar do Pena (Figura 20-A).
O património resultante do modelado cársico não é apenas o subterrâneo. O MCE é
caracterizado por extensos campos de lapiás, grandes áreas com dolinas e outras depressões
mais complexas, como é o caso do Polje de Minde. Constituem património geomorfológico
com interesse científico e didático, mas também são património paisagístico, destacando-se,
neste caso, o Anfiteatro da Fórnea (Figura 20-C), as lagoas do Arrimal e os vales suspensos do
flanco ocidental da Serra dos Candeeiros (Figura 20-B).
36
A par do património espeleológico encontra-se o que se pode considerar como património
hidrogeológico, já que a génese das estruturas cársicas está intimamente associada à
circulação de águas. Numerosas são as estruturas hidrogeológicas do MCE que merecem ser
valorizadas. Exemplos destas são as nascentes dos Olhos de Água do Alviela e as do Almonda.
À Gruta da Nascente do Rio Almonda está também associado importantíssimo património
arqueológico, razão pela qual se encontra classificada como Imóvel de Interesse Público pelo
Decreto Lei nº 45/93 de 30 de novembro.
Figura 20- Património geomorfológico e paisagístico no MCE. A- Estalactites na gruta Algar do Pena; B- Vales
suspensos na Serra dos Candeeiros; C- Vista geral da Fórnea; D- Depressão da Mendiga, vista de Sul para Norte, a
partir do bordo do Planalto de Sto. António.
Embora mal conhecido, mas com fortes potencialidades de valorização, há também a
considerar o património geomineiro decorrente das explorações subterrâneas de carvões do
Jurássico Superior. Essas explorações integravam o Couto Mineiro do Lena e tiveram o seu
desenvolvimento na primeira metade do século XX. Ocorreram, sobretudo, nas regiões de
Valverde, Serro Ventoso e Batalha (Figura 21-A). Ainda no âmbito desta tipologia de
património, podem-se considerar as inúmeras frentes de exploração de calcários ornamentais.
Como já mencionado, constituem locais priveligiados para a observação de aspetos
relacionados com a sedimentação em ambiente de plataforma carbonatada. Contudo, para
além de testemunharem os aspetos culturais relativos à utilização da pedra, testemunham,
ainda, o evoluir dos métodos utilizados para a sua extração. As fotografias da Figura 21-B, C e
D são exemplo paradigmático desta situação. Representam antiga exploração no flanco
ocidental da Serra dos Candeeiros, em que a metodologia utilizada era essencialmente
artesanal, com base em escopro e martelo, idêntica à praticada nas explorações romanas
identificadas na jazida de mármores do Alentejo.
37
A este respeito importa também salientar que estão por determinar com clareza os locais
exatos de onde foram extraídas as rochas que serviram à construção de alguns dos
monumentos emblemáticos de Portugal, como é o caso do Mosteiro da Batalha e do Mosteiro
de Alcobaça. Tal conhecimento seria profícuo, não só do ponto de vista do histórico, mas
também no que concerne à obtenção de material para restauro desses monumentos.
Figura 21- Exemplos de património geomineiro. A- Galeria associada a exploração de carvão (localidade Bezerra); BAntiga pedreira na Serra dos Candeeiros com método de desmonte artesanal; C e D- Aspetos representativos do
método de desmonte.
1.2.3.1.
Trabalhos a desenvolver
Em primeiro lugar importa referir a necessidade de constituir uma base de dados relativa à
inventariação do património natural na área do PNSAC, tendo como base a listagem anexa ao
POPNSAC. Esta base de dados constituirá o ponto de partida para os objetivos pretendidos de
inventariação, caracterização e definição de estratégias de valorização desse património em
toda a área do PNSAC.
Como fonte de informação inicial será também utilizada a disponível no Sistema de Informação
do Património Natural, que constitui um repositório de referência da Informação Nacional
38
sobre o Património Natural, da autoria do ICNB – Instituto de Conservação da Natureza. Nesta
fase de recolha da informação existente far-se-á também uso da disponibilizada nos trabalhos
de Azerêdo & Crispim, 2000 e de Coelho, 2003.
As fontes de informação mencionadas carecem de uma visão global de todo o património já
identificado nesta área e, para além disso, na base da sua elaboração, não se tiveram em conta
metodologias de seleção e caracterização uniformes e aceites pela comunidade científica. A
informação disponível apresenta-se, portanto, dispersa e incompleta. Por esse motivo,
pretende-se que a inventariação e caracterização a realizar seja passível de validação, pelo que
serão adotados critérios científicos para a sua execução. Nesse sentido, existem alguns
trabalhos publicados que, eventualmente, poderão constituir referência sobre estratégias de
conservação, avaliação, divulgação e ordenamento de património geológico, nomeadamente
os de Brilha, 2005; Pereira, 2006; Fonseca, 2009; Rocha, 2010.
Uma segunda fase de trabalhos compreenderá reconhecimentos de campo para validar e
completar os dados já existentes, recorrendo-se, para o efeito, a Fichas de Caracterização de
Sítio, onde constarão, entre outros dados:
-
Caracterização do sítio em termos geográficos e geológicos s.s.;
Avaliação em termos de interesse;
Vulnerabilidade/fatores de ameaça, necessidades de proteção;
Potencialidades de uso
Os resultados serão integrados em ambiente SIG e terão como base uma Carta Geológica
Temática da Área do PNSAC, a elaborar para o efeito.
39
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